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 UNIVERSIDADE PAULISTA - UNIP INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS CURSO DE DIREITO PAULO SÉRGIO PIFFER ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO  Araraquara, Março de 2014.

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Assédio moral no ambiente de trabalho

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  • UNIVERSIDADE PAULISTA - UNIP

    INSTITUTO DE CINCIAS JURDICAS

    CURSO DE DIREITO

    PAULO SRGIO PIFFER

    ASSDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO

    Araraquara, Maro de 2014.

  • PAULO SRGIO PIFFER

    ASSDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO

    Monografia apresentada ao Instituto de

    Cincias Jurdicas da Universidade Paulista,

    campus de Araraquara, como requisito

    parcial obteno do ttulo de Bacharel em

    Cincias Jurdicas.

    Orientador: Prof. Dr. Ricardo Nogueira

    Monazzi

    Araraquara, Maro de 2014.

  • PAULO SRGIO PIFFER

    ASSDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO

    Monografia apresentada no Instituto de Cincias Jurdicas da Universidade Paulista, campus de Araraquara, e aprovada, nesta data, pela comisso julgadora:

    Orientador: Prof. Dr. Ricardo Nogueira Monazzi

    ______________________________________

    Professor (a):

    1 membro:

    ___________________________________

    Professor (a):

    2 membro:

    ___________________________________

    Data da Apresentao: ____\____\______.

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo a Deus, por ter me dado pacincia para enfrentar os obstculos,

    discernimento para enxergar o correto e, sobretudo, fora e coragem para chegar ao

    final desta intensa jornada.

  • Dedico o presente trabalho a minha amada esposa,

    Lrida Alcione, por sua companhia e por ser muito importante

    em minha vida.

  • RESUMO

    No presente trabalho de concluso de curso, visamos analisar o tema correlato ao

    assdio moral no ambiente de trabalho. Atravs do mtodo bibliogrfico, procurou-se

    demonstrar que o assdio moral um fenmeno to antigo quanto s relaes de

    trabalho, posto que, durante muito tempo, assim como no havia qualquer proteo

    sade fsica do trabalhador, tambm no existia uma proteo sua sade

    psquica, haja vista que o obreiro, muitas vezes, deixa de ser visto como sujeito da

    relao de emprego, para ser visto, por seu empregador ou superior hierrquico,

    como um mero objeto. O estudo do presente tema se faz relevante, pois,

    atualmente, inexiste no ordenamento jurdico nacional qualquer lei infraconstitucional

    que discipline o tema, ficando a cargo do operador do direito fazer uso dos mtodos

    disponveis em hermenutica jurdica para decidir cada caso posto sua anlise. De

    fato, a prtica reiterada de assdio moral capaz de ocasionar graves danos

    sade fsica e psquica do obreiro e, por isso mesmo, faz-se necessrio uma

    reparao civil, na forma de indenizao, esta indenizao pauta-se, precisamente,

    na preservao da dignidade da pessoa humana e visa recompensar o trabalhador

    ferido moralmente, de forma monetria, alm de funcionar como uma espcie de

    punio ao empregador para que o mesmo coba a prtica de assdio moral no

    ambiente de trabalho.

    Palavras-chave: Assdio moral; reparao civil; indenizao; dignidade da pessoa

    humana.

  • SUMRIO

    INTRODUO 01

    1 FUNDAMENTOS DO DIREITO DO TRABALHO 04

    1.1 Conceito de Direito do Trabalho e fundamento de sua existncia 04

    1.2 Evoluo do trabalho e do Direito do Trabalho 05

    1.2.1 Sentido etimolgico de trabalho 06

    1.2.2 Evoluo do Direito do Trabalho no cenrio nacional 07

    1.2.2.1 O Direito do Trabalho nas Constituies brasileiras 08

    1.2.2.2 A Consolidao das Leis do Trabalho 11

    1.3 Natureza jurdica do Direito do Trabalho 12

    1.4 Fontes do Direito do Trabalho 12

    1.5 Princpios 13

    1.5.1 Princpios Gerais 14

    1.5.1.1 Princpio da dignidade da pessoa humana 16

    1.5.1.2 Princpio da razoabilidade 16

    1.5.1.3 Princpio da boa-f 16

    1.5.2 Princpios de Direito do Trabalho 17

    1.5.2.1 Princpio da proteo 17

    1.5.2.2 O princpio da irrenunciabilidade de direitos 18

    1.5.2.3 Princpio da continuidade das relaes de emprego 18

    1.5.2.4 Princpio da primazia da realidade 19

    1.5.2.5 Princpio da inalterabilidade contratual 19

    1.5.2.6 Princpio da intangibilidade salarial 19

    1.6 Contrato individual de trabalho 20

    1.6.1 Sujeitos do contrato de trabalho 22

    1.6.1.1 Empregado 22

    1.6.1.2 Empregador 22

    2 ASSDIO MORAL 24

    2.1 Origem 24

    2.2 Conceito 25

    2.3 Natureza jurdica 26

    2.4 Caractersticas 27

    2.4.1 Condutas que podem caracterizar assdio moral 29

    2.5 Espcies de assdio moral 30

  • 2.5.1 Assdio moral vertical ou descendente (assimtrico) 30

    2.5.2 Assdio moral horizontal 31

    2.5.3 Assdio moral misto 31

    2.5.4 Assdio moral ascendente 32

    2.6 Sujeitos do assdio moral 32

    2.7 Assdio moral versus assdio sexual 33

    2.8 A invaso de privacidade no trabalho 34

    2.9 As consequncias do assdio moral no trabalho 35

    3 ASSDIO MORAL NO CENRIO MUNDIAL 36

    3.1 A Organizao Internacional do Trabalho OIT 36

    3.2 Legislao no Direito Comparado 38

    3.3 Tutela jurdica no cenrio nacional 40

    3.3.1 Projetos de lei 43

    3.3.2 Leis regionais e municipais 46

    3.4 A viso jurisprudencial 47

    4 A RESPONSABILIDADE CIVIL E O QUANTUM INDENIZATRIO 54

    4.1 Responsabilidade civil pela prtica de assdio moral 54

    4.2 As reparaes devidas e o quantum indenizatrio 57

    4.2.1 Entendimento jurisprudencial 58

    4.3 O combate ao assdio moral 61

    CONSIDERAES FINAIS 62

    Bibliografia 65

  • LISTA DE ABREVIAES

    BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social

    CID Cdigo Internacional de Doenas

    CLT Consolidao das Leis do Trabalho

    FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Servio

    INSS Instituto Nacional do Seguro Social

    MTE Ministrio do Trabalho e Emprego

    OIT Organizao Internacional do Trabalho

    OMS Organizao Mundial da Sade

    TRT Tribunal Regional do Trabalho

    TST Tribunal Superior do Trabalho

  • 1

    INTRODUO

    Desde os tempos mais remotos da histria da humanidade, possvel se

    encontrar evidncias das relaes de trabalho. Essas evidncias histricas deixam

    claro que o homem organizou-se em sociedades e delimitou os papis que cada um

    dos integrantes desta sociedade iria exercer.

    A primeira relao de trabalho, talvez, tenha surgido atravs da escravido

    em que o senhor do escravo era dono da fora de trabalho de seu servo, sendo o

    mesmo obrigado a sucumbir aos desgnios de seu senhor, podendo ser punido

    quando se negava a empreender labor.

    O regime escravagista foi implantado em diversos pases, dentre eles, o

    Brasil. Durante este regime, no existia uma ordem jurdica que regrasse os direitos

    trabalhistas e, os obreiros sequer eram considerados sujeitos de direitos, mas sim

    coisa, objeto, apenas um instrumento de trabalho, no podendo pleitear qualquer

    direito perante o seu patro.

    O aumento populacional e a crescente complexidade das relaes humanas,

    acabou por derrubar o regime escravagista. Em um primeiro momento, surgiu o

    regime feudal, o qual, em verdade, era uma variante do regime escravagista, pois,

    os servos no detinham terras e, tampouco, eram homens livres.

    A crise no regime feudal acabou por expulsar os camponeses dos campos, os

    quais passaram a migrar para as cidades. Surgiu, assim, o comrcio e, com ele, o

    fortalecimento das indstrias.

    A migrao da populao dos campos para a cidade era cada vez mais

    intensa, aumentando-se mais e mais o contingente de pessoas que trabalhavam nas

    indstrias, sejam homens, mulheres e crianas.

    Ocorre que, na nsia de aumentarem cada vez mais os seus lucros, os

    industririos exigiam cada vez mais esforo de seus trabalhadores, pagando-lhes o

    mnimo e exigindo que os mesmos cumprissem jornadas dirias inumanas.

    Este cenrio facilitou com que eclodisse a chamada Revoluo Industrial,

    sendo esta o grande marco histrico nas relaes trabalhistas, podendo se verificar

    com a mesma o surgimento de uma fora coletiva de trabalho, os quais,

    posteriormente, vieram a se transformar em sindicatos.

  • 2

    De fato, o que se extrai deste cenrio catico da histria das relaes de

    trabalho que, o fenmeno da violncia moral, aqui tratada como assdio moral no

    ambiente de trabalho, sempre existiu, desde os primrdios e est intrinsecamente

    ligado s relaes trabalhistas.

    Veja-se que, durante o regime escravagista o trabalhador era tratado como

    um mero instrumento de trabalho, no sendo um sujeito possuidor de direitos, era

    frequentemente acossado por seu senhor atravs de castigos fsicos e psicolgicos,

    a prpria escravido pode ser considerada como um castigo psicolgico.

    O regime feudal, conforme visto, no passava de uma variante do regime

    escravagista, pois, embora os camponeses no fossem propriedades do senhor

    feudal, no possuam direitos.

    Posteriormente, com o fortalecimento das indstrias, os trabalhadores que

    migraram do campo, vendo nas indstrias a soluo de sua pobreza, acabaram por

    ser explorados ao extremo, submetidos a condies de trabalho desumanas,

    pagamento miservel e jornada estafante.

    Assim, conclumos que o fenmeno do assdio moral no ambiente de trabalho

    , deveras, muito antigo, estando intrinsecamente ligado a prpria historia das

    relaes de trabalho. Ocorre que, nos ltimos anos, temos assistido a um grande

    contingente de trabalhadores que procuram a Justia Laboral requerendo, dos

    aplicadores do Direito, que solucionem lides que envolvem o cometimento, por parte

    do empregador ou de seus prepostos, do chamado assdio moral.

    O assdio moral, por bvio, se trata da prtica reiterada de perseguio

    insistente (constante) a um empregado ou um grupo deles, com vistas humilhao,

    constrangimento e isolamento do grupo, prtica esta que provoca danos sade

    fsica e psicolgica do trabalhador, ferindo sua dignidade; geralmente o objetivo do

    assdio moral minar a resistncia do empregado, levando o mesmo a desligar-se

    do grupo, pedindo demisso.

    A prtica reiterada de ofensas deste gnero ao trabalhador acaba por ferir a

    sua personalidade, a sua dignidade enquanto ser humano, bem como, a sua

    integridade psquica, podendo, at mesmo, gerar consequncias fsicas

    desastrosas.

    Ocorre que, at o presente momento, no foi editada lei infraconstitucional em

    nosso ordenamento jurdico que discipline o assunto.

  • 3

    Entretanto, a Constituio Federal de 1988 estabeleceu como fundamentos

    da Repblica a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da

    livre iniciativa, especificamente em seu artigo 1, incisos III e IV; e, a Magna Carta

    ainda estabelece em seu artigo 5, XXXV, que a lei no excluir da apreciao do

    Poder Judicirio leso ou ameaa a direito. Exatamente por isso e, ante a ausncia

    de lei especfica que discipline o assunto, cada vez que surge, perante a justia, um

    problema desta natureza a ser resolvido, os aplicadores do direito so obrigados a

    valer-se de institutos de hermenutica jurdica, com o fito de suprir esta lacuna legal

    to gritante.

    No pode o legislativo, o judicirio e nem a sociedade silenciar ante o

    crescimento de condutas perversas nas relaes de trabalho, que reduzem o obreiro

    a um simples objeto, retirando-lhe a condio de ser humano em prol do ganho

    desenfreado de lucros.

    No presente trabalho de concluso de curso, trataremos do tema correlato ao

    assdio moral no ambiente de trabalho. O estudo sobre o tema no apenas se

    mostra relevante como, tambm, necessrio, a fim de que, conhecendo-o melhor,

    possa se encontrar solues eficientes para o seu combate, com o intuito de que o

    ambiente de trabalho seja um ambiente sadio.

    Para uma melhor compreenso do tema aqui exposto, em um primeiro

    momento, trataremos de temas gerais inerentes ao Direito do Trabalho, ou seja,

    seus fundamentos, evoluo, fontes, conceitos, princpios; legislao ptria, direitos

    e deveres de empregadores e empregados; posteriormente, trataremos do cerne do

    presente trabalho, ou seja, o assdio moral, apontando seus principais contornos no

    cenrio nacional e mundial; feito isto, passaremos a tratar da responsabilidade civil

    em decorrncia do assdio moral, bem como, do quantum indenizatrio; por fim,

    apresentaremos concluso, onde apontaremos eventuais medidas preventivas

    contra o assdio moral no ambiente de trabalho, quais as medidas que podem ser

    adotadas pelo empregado, pelas empresas e, pelo prprio Estado, com o intuito de

    que os efeitos do assdio moral sejam reduzidos.

    O mtodo a ser utilizado ser o dedutivo, a partir da abordagem

    fenomenolgico-hermenutico, que consiste em ensaio terico, razo pela qual ser

    feita com base em levantamento e anlise de bibliografia pertinente ao tema, alm

    do exame da jurisprudncia concernente ao tema.

  • 4

    1 FUNDAMENTOS DO DIREITO DO TRABALHO

    Conforme dito anteriormente, no presente trabalho trataremos do fenmeno

    do assdio moral no ambiente de trabalho, entretanto, antes de abordarmos o

    referido tema de forma mais aprofundada, discorreremos sobre questes gerais

    inerentes ao Direito do Trabalho, as quais se mostram de grande relevncia para

    uma melhor compreenso da temtica exposta.

    No presente tpico, trataremos dos fundamentos do Direito do Trabalho, tais

    como, evoluo, legislao, conceitos, fontes, princpios aplicveis, sujeitos da

    relao de trabalho etc..

    1.1 Conceito de Direito do Trabalho e fundamento de sua existncia

    Antes de entrarmos em questes mais especficas relacionadas ao presente

    trabalho, primeiramente, preciso se ter em mente o conceito de Direito do

    Trabalho.

    Sabemos que o Direito do Trabalho um ramo da cincia jurdica,

    responsvel por estudar as relaes jurdicas entre trabalhadores e os tomadores de

    seus servios, mais conhecidos como empregados e empregadores,

    respectivamente.

    O ramo do Direito do Trabalho nasceu, especificamente, para tutelar aquelas

    relaes jurdicas de que o Direito Civil no foi capaz de tutelar. De fato, durante

    muito tempo s relaes de trabalho passavam pelo crivo do Direito Civil, entretanto,

    este ramo do direito no conseguia suprir as desigualdades econmico-sociais

    existentes entre os sujeitos da relao de trabalho.

    O empregado, por sua prpria natureza, hipossuficiente, isso equivale dizer

    que ele depende, de alguma forma, de seu empregador, estando subordinado s

    suas ordens e, por este motivo, por ser a parte mais fraca desta relao, no pode

    negociar livremente sua fora de trabalho sem correr o risco, por exemplo, de perder

    o seu emprego.

  • 5

    Neste ponto, podemos mencionar a lio de Mauricio Godinho Delgado que

    assim conceitua o Direito do Trabalho:

    O Direito do Trabalho ramo jurdico especializado, que regula certo tipo de relao laborativa na sociedade contempornea. Seu estudo deve iniciar-se pela apresentao de suas caractersticas essenciais, permitindo ao analista uma imediata visualizao de seus contornos prprios mais destacados.

    1

    Desta forma, o Direito do Trabalho, no contexto histrico e em decorrncia da

    Revoluo Industrial, nasceu com a finalidade de reduzir essas desigualdades

    existentes nas relaes de trabalho, por meio da interveno estatal.

    Disto se extrai que a principal qualidade do Direito do Trabalho proteger ao

    trabalhador, sendo a referida proteo um dos princpios que norteiam s relaes

    de trabalho, conforme se ver em momento oportuno.

    1.2 Evoluo do trabalho e do Direito do Trabalho

    Historicamente, o trabalho era encarado como uma penalidade, um castigo

    fsico, aplicado aos escravos. Estes no eram sujeitos de direito, mas sim objetos de

    produo.

    Pouco a pouco, a mudana cultural social levou com que o trabalho deixasse

    de ser uma atividade exercida exclusivamente por escravos e passasse a se

    incorporar s atividades do homem mediano.

    Em 1789 eclodiu a chamada Revoluo Francesa, sendo sedimentado em

    sociedade o lema de Igualdade, Liberdade e Fraternidade e, o trabalho consagrou-

    se, de uma vez por todas, como uma atividade livremente prestada.

    Mas, foi s em meados do sculo XIX que o Direito do Trabalhou passou a

    ser delineado. A crescente insatisfao dos operrios com as condies de trabalho

    a que eram submetidos, levou a que os mesmos organizassem os primeiros

    movimentos operrios, onde reivindicavam melhoria nas condies de trabalho,

    1 DELGADO, Maurcio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6 e.d. So Paulo: LTR, 2007.

  • 6

    limitao da jornada, proteo ao trabalho da mulher e da criana, dentre outras

    reivindicaes. Esses movimentos operrios foram marcados pela Revoluo

    Industrial, marco histrico para os direitos laborais.

    A presso exercida pelos movimentos operrios, somada aos movimentos

    internacionais em prol dos Direitos Humanos e atuao da Igreja, fez com que o

    Estado acabasse por intervir nas relaes contratuais privadas, com o fito de

    proteger a parte mais fraca da relao de emprego, ou seja, o trabalhador.

    Este movimento normativo-regulador das relaes de trabalho se consolidou

    na primeira metade do sculo XX, coincidindo com o reconhecimento dos Direitos

    Humanos de segunda dimenso, ou Direitos Sociais, bem como, com chamado

    welfare state ou Estado de Bem-Estar Social.

    Na dcada de 1970, entretanto, o welfare state passou a enfrentar uma crise,

    pois, o crescente desenvolvimento tecnolgico acabou por eclodir a globalizao. A

    globalizao, sem dvida, facilitou a migrao de polos tecnolgicos para pases

    mais pobres, objetivando um barateamento na mo de obra e nos custos de

    produo e, consequentemente, uma maior flexibilizao das relaes de trabalho,

    bem como, uma desregulamentao.

    O Brasil, no entanto, seguiu na contramo da tendncia mundial e, em 1988

    promulgou a Constituio Federal vigente at os dias de hoje, em que foi

    consagrada a proteo aos direitos mnimos dos trabalhadores, orientados pelo

    princpio e fundamento da Repblica da dignidade da pessoa humana.

    Por sua prpria natureza, o Direito do Trabalho se sobrelevou como um ramo

    autnomo da cincia jurdica, podendo ser dividido em Direito do Trabalho Individual

    e Direito do Trabalho Coletivo. Na primeira espcie, so tratadas as relaes entre

    empregado e empregador; na segunda espcie so tratadas as relaes de um

    determinado grupo, classe ou categoria, assim abstratamente considerada,

    geralmente, representadas por sindicatos.

    Quanto ao Direito do Trabalho Coletivo, cabe observar que parte da doutrina

    entende que este no um ramo autnomo.

    1.2.1 Sentido etimolgico de trabalho

    Etimologicamente, o sentido da palavra trabalho bastante controverso. Na

    doutrina, alguns autores entendem que a palavra trabalho deriva do latim tripalium,

  • 7

    ou seja, um cavalete de trs paus que era utilizado para domar cavalos no momento

    de lhes colocar as ferraduras.

    A expresso trabalho tambm j foi concebida como um castigo, uma pena,

    traduzida pelo esforo, o cansao fsico, tanto que, durante muito tempo, o trabalho

    era visto como coisa de escravos, os quais pagavam pelo seu sustento com a sua

    fora de trabalho.

    Este sentido de trabalho como castigo, atravessou toda a Idade Mdia e,

    apenas no sculo XV que se comeou a ter o sentido genrico que hoje lhe

    atribudo, deixando de ser considerado como uma forma de castigo para fazer parte

    da vida do homem, integrando o homem sociedade, formando sua personalidade e

    traduzindo suas manifestaes, formando um todo coeso.

    Este novo sentido decorreu, tambm, da especializao das atividades

    humanas, imposta, em parte, pela evoluo cultural da humanidade.

    1.2.2 Evoluo do Direito do Trabalho no cenrio nacional

    Em mbito nacional, desde o descobrimento do Brasil, no ano de 1500, at a

    abolio da escravatura em 1888, o regime de trabalho adotado era, basicamente, o

    da escravido, no qual ndios e negros eram tratados como propriedades, no

    possuindo qualquer direito.

    Assim, aps abolida a escravatura, abriu-se uma brecha para que as

    primeiras discusses sobre os direitos dos trabalhadores e as formas de soluo de

    conflitos entre patres e empregados surgissem.

    De fato, o fim da explorao da mo de obra gratuita e a inevitvel

    contratao de trabalhadores assalariados, impulsionou o surgimento de debates no

    cenrio ptrio que j estavam em pauta h muitos anos no continente europeu o

    qual, nesta poca, colhia as consequncias da Revoluo Industrial.

    Na Europa, assistia-se ao surgimento das greves, pois, naquele continente, a

    mecanizao dos meios de produo estava acelerando-se cada vez mais e,

    cresciam nas cidades os nmeros de trabalhadores desempregados, os quais eram

    substitudos pelas mquinas. As fbricas, por sua vez, funcionavam em condies

    precrias e submetiam os trabalhadores ao confinamento em ambientes com

    pssimas condies de salubridade e iluminao, alm disso, pagava aos mesmos

    salrios miserveis e explorava, desmedidamente, o trabalho de mulheres e de

  • 8

    crianas, submetendo-os a jornadas de trabalho de at 18 (dezoito) horas dirias e

    pagando-lhes a metade do que pagavam aos homens.

    Os empregados destas fbricas formaram os chamados trade unions, que

    funcionavam como uma espcie de sindicatos, fortalecendo os movimentos

    grevistas.

    Estas manifestaes dos operrios europeus, por fim, acabaram por inspirar

    os trabalhadores brasileiros a reivindicar os seus direitos. Entretanto, as primeiras

    normas a proteger direitos trabalhistas apenas surgiram em nosso cenrio no ano de

    1891, quando o Decreto n. 1.313 regulamentou o trabalho dos menores de idade.

    Em 1903 foi promulgada a lei de sindicalizao rural e, em 1907 a lei que

    regulou a sindicalizao de todas as profisses nasceu.

    Em 1917, Mauricio de Lacerda tentou, pela primeira vez, formar um Cdigo do

    Trabalho, mas sua tentativa fracassou. No ano seguinte, o Departamento Nacional

    do Trabalho fez a mesma tentativa, mas tambm foi falha.

    Em 1923 no mbito do Ministrio da Agricultura, Indstria e Comrcio, surgiu

    o Conselho Nacional do Trabalho.

    Mas, foi apenas depois da Revoluo de 1930 e do golpe de Estado, que

    culminou com a subida ao poder de Getlio Vargas, que a Justia do Trabalho e a

    proteo dos direitos dos trabalhadores despontou. E, em 26 de novembro de 1930,

    atravs do Decreto n. 19.433, criou-se o Ministrio do Trabalho.

    O governo de Vargas ainda foi responsvel por instituir as Comisses Mistas

    de Conciliao para solver os conflitos coletivos e as Juntas de Conciliao Prvia

    de Julgamento para solver os conflitos individuais.

    1.2.2.1 O Direito do Trabalho nas Constituies brasileiras

    A primeira Constituio do Brasil, chamada Constituio do Imprio, datada

    de 1824, limitava-se a assegurar a liberdade de trabalho e a estabelecer, em seu

    artigo 179, a liberdade de qualquer gnero de trabalho, desde que o mesmo no

    afrontasse os costumes pblicos, a segurana e a sade dos cidados, abolindo,

    ainda, as corporaes de ofcio.

    A constituio de 1891, por sua vez, garantiu o exerccio de qualquer

    profisso moral, intelectual ou industrial.

  • 9

    Em 1930, o Brasil foi abalado por uma revoluo que culminou com o Golpe

    de Estado, sendo que Getlio Vargas, naquela oportunidade, assumiu a chefia do

    Governo Provisrio. Ocorre que, o referido movimento foi base para a chamada

    questo social e, em 1934 nasceu uma nova Constituio, onde as questes sociais

    ganharam grande relevncia.

    A Constituio Federal de 1934 foi o passo decisivo para a criao da Justia

    do Trabalho no Brasil, a qual passou a aplicar a chamada Consolidao das Leis do

    Trabalho, a qual, embora tenha nascido com a constituinte de 1934, apenas foi

    regulamentada no ano de 1940, conforme se ver oportunamente.

    Alm disso, a Constituio de 1934 incluiu a Justia do Trabalho no captulo

    que trata Da ordem econmica e social, atribuindo a mesma a funo de solver os

    conflitos entre empregados e empregadores. Inicialmente, a Justia do Trabalho

    estava atrelada ao Poder Executivo, mas, posteriormente, foi transferida para a

    esfera de competncia do Poder Judicirio.

    Inegavelmente, a Magna Carta de 1934 trouxe muitos avanos para os

    trabalhadores, foi a responsvel por instituir o salrio mnimo, a jornada de trabalho

    de oito horas dirias, o repouso semanal, o direito s frias remuneradas

    anualmente e, a indenizao por dispensas arbitrrias, reconheceu, ainda, a

    autonomia dos sindicatos e associaes.

    Em 1937, j sob a gide do chamado Estado Novo, foi outorgada uma nova

    Constituio, onde os direitos trabalhistas foram ampliados, estabelecendo-se

    grande interveno Estatal nas relaes de trabalho, haja vista ser o trabalho um

    dever social.

    Em 1946, a Assembleia Constituinte convocada aps a derrubada do governo

    Vargas, acrescentou uma srie de direitos antes ignorados legislao, dentre eles,

    destacam-se o direito de greve, repouso semanal remunerado aos domingos e

    feriados, alm de extenso do direito indenizao por antiguidade e a

    estabilidade do trabalhador rural. Tambm integrou o seguro contra acidentes de

    trabalho ao regime da previdncia social.

    Em 1964 ocorreu mais um golpe em nosso pas, o chamado Golpe Militar,

    instaurando no mbito nacional a Ditadura Militar. E, em 1967 foi outorgada nova

    Constituio Federal. A Constituio de 1967 aplicou a legislao trabalhistas aos

    empregados temporrios; valorizou o trabalho como condio da dignidade da

  • 10

    pessoa humana; proibiu a greve de servidores pblicos em atividades essenciais ao

    Estado; e, assegurou o direito de participao nos lucros das empresas.

    Referido diploma constitucional tambm estabeleceu uma idade mnima para

    o trabalho, como sendo a de 12 anos, proibindo aos menores o trabalho noturno.

    Incluiu em seu texto o direito ao seguro desemprego, muito embora o instituto

    apenas tenha sido criado em 1986; e, estabeleceu a aposentadoria para a mulher

    aps 30 anos de trabalho, com direito salrio integral; prevendo, ainda, a criao

    do Fundo de Garantia por Tempo de Servio FGTS.

    Entretanto, foi apenas em 1988, com a promulgao da atual Constituio

    Federal vigente que o trabalho humano foi valorizado plenamente, tambm neste

    diploma, a dignidade da pessoa humana passou a ser um dos fundamentos da

    Repblica e da ordem econmica, assim como os valores sociais do trabalho e da

    livre iniciativa, que tambm foram alados ao status de fundamento da Repblica.

    Podemos sintetizar que, os valores sociais do trabalho funcionam como

    pilares, assegurando a todos uma existncia digna e, a valorizao do trabalho

    humano confere aos trabalhadores um tratamento peculiar, em que, mesmo

    situando-se em uma sociedade capitalista, possa se deferir ao trabalhador uma

    proteo no meramente caridosa, mas tambm, politicamente racional2.

    Dentre os maiores avanos introduzidos no ordenamento pela Carta de 1988,

    esto a proteo contra a despedida arbitrria ou sem justa causa; piso salarial

    proporcional extenso e complexidade do trabalho exercido; licena gestacional,

    sem prejuzo do emprego e do salrio, com durao de 120 dias; licena

    paternidade; irredutibilidade salarial e a limitao da jornada de trabalho para 8

    horas dirias e 44 horas semanais; proibindo, ainda, a discriminao quanto a

    salrio e critrios de admisso do trabalhador deficiente.

    Em suma, a Magna Carta de 1988 realizou um feito indito, assegurando aos

    brasileiros direitos sociais e essenciais ao exerccio de sua cidadania e, a palavra

    trabalho passou a ganhar uma nova roupagem social, pois atrelou-se ao conceito de

    dignidade da pessoa humana.

    2

    GRAU, Eros Robert. A ordem econmica na Constituio de 1988: Interpretao e crtica. 8 Ed.,

    So Paulo: Malheiros, 2003, p. 178.

  • 11

    1.2.2.2 A Consolidao das Leis do Trabalho

    Em 1 de Maio de 1941, durante o chamado Estado Novo, o ento presidente

    Getlio Vargas, assinou a criao da Justia do Trabalho em um grande evento

    realizado no Club de Regatas Vasco da Gama.

    Posteriormente, em janeiro de 1942, Getlio Vargas e o seu ministro do

    trabalho, Alexandre Marcondes Filho, manifestaram a inteno de criar uma

    consolidao das leis do trabalho. convidou-se, ento, para fazer parte desta

    elaborao os juristas Jos de Segadas Viana, Oscar Saraiva, Lus Augusto Rego

    Monteiro, Dorval Lacerda Marcondes e Arnaldo Lopes Sssekind.

    Como fontes materiais da Consolidao das Leis do Trabalho, foram

    utilizadas as concluses do 1 Congresso Brasileiro de Direito Social, realizado em

    maio de 1941 em So Paulo; as convenes internacionais do trabalho; e, a

    Encclica Rerum Novarum (se traduz como Das coisas novas), documento do

    pontfice Leo XIII, datado de 15 de Maio de 1891 que, nada mais era, do que uma

    carta aberta a todos os bispos sobre as condies das classes trabalhadoras.

    Alm dessas fontes, tambm foram importantes os pareceres dos consultores

    jurdicos Oliveira Viana e Oscar Saraiva, aprovados pelo ento ministro do trabalho.

    A CLT ainda foi fortemente influenciada pela Carta Del Lavoro, do governo de

    Benito Mussolini, na Itlia.

    J em novembro de 1942, apresentaram, ento, o anteprojeto da CLT, o qual

    foi publicado no Dirio Oficial a fim de receber sugestes e, posteriormente, aps

    estudar o projeto, Getlio Vargas o remeteu aos seus coautores para examinar as

    sugestes e redigir o projeto final.

    O projeto resultou na criao do Decreto-Lei n. 5.452 de 1 de Maio de 1943,

    o qual foi assinado por Getlio Vargas em uma grande festa realizada no Clube de

    Regatas Vasco da Gama, realizada para comemorar o feito.

    A Consolidao das Leis do Trabalho foi responsvel por unificar toda a

    legislao trabalhistas at ento existente no Brasil, representando um grande

    marco na histria dos direitos trabalhistas brasileiros, pois inseriu, de forma

    definitiva, estes direitos na legislao ptria. O objetivo central da CLT , justamente,

    regulamentar as relaes individuais e coletivas do trabalho que esto em seu texto

    previstas e, resta claro que surgiu como uma necessidade constitucional aps a

    criao da Justia do Trabalho.

  • 12

    1.3 Natureza jurdica do Direito do Trabalho

    Acerca da natureza jurdica do Direito Trabalho, no existe uma posio

    pacfica na doutrina, sobrelevando-se quatro teorias diversas que visam estabelecer

    a natureza jurdica deste ramo do Direito, so elas a Teoria do Direito Pblico; a

    Teoria do Direito Social; a Teoria do Direito Privado e a Teoria do Direito Misto.

    Consoante Teoria do Direito Pblico, a livre manifestao de vontade das

    partes seria substituda pela vontade do Estado, o qual pode intervir nas relaes

    entre empregado e empregador atravs de suas leis, que so imperativas e

    irrenunciveis.

    Na Teoria do Direito Social, o interesse da coletividade prevaleceria sobre o

    interesse individual e, por este motivo, o ordenamento jurdico inerente ao Direito do

    Trabalho tem a finalidade de proteger aquele que socialmente mais vulnervel, ou

    seja, o trabalhador, fazendo com que, assim, o interesse social seja resguardado.

    Para a Teoria do Direito Privado, o cerne do Direito do Trabalho se

    encontraria no Direito Civil e, embora existam normas cogentes sobre a matria, a

    sua natureza privada no poderia ser afastada, posto que as partes contratantes

    seriam livres pactuar as clusulas contratuais.

    A ltima teoria leciona que o Direito do Trabalho possui natureza mista, sendo

    um complexo de normas pblicas e privadas.

    A grande maioria dos doutrinadores entende, no entanto, que o Direito do

    Trabalho se trata de um ramo da cincia jurdica de natureza privada. Para fins

    didticos, nos filiamos a esta teoria.

    1.4 Fontes do Direito do Trabalho

    Por fonte de direito, entendemos a origem do direito e das normas que o

    regem. As fontes podem ser divididas em materiais, ou seja, aquelas ligadas ao

    contedo, ao fato social que d origem ao direito positivo; e, formais que, por sua

    vez, so as ligadas forma jurdica utilizada como regulamentao do fato social.

  • 13

    As fontes formais podem ser divididas em autnomas e heternomas.

    Autnomas so aquelas que derivam dos prprios destinatrios da norma, como, por

    exemplo, as convenes coletivas de trabalho e os usos e costumes; heternomas

    so aquelas que surgem a partir da atuao de uma terceira figura, normalmente, o

    Estado, sem a participao direta dos destinatrios da norma jurdica, so elas as

    leis, os decretos, as portarias, as instrues normativas e demais atos do Poder

    Executivo; os tratados e convenes internacionais; as sentenas normativas;

    laudos arbitrais; e jurisprudncia.

    Ainda pode-se mencionar que, o artigo 8, da CLT, leciona que o Direito

    Comum ser fonte subsidiria do Direito do Trabalho, naquilo que no for

    incompatvel com os princpios fundamentais inerentes ao ramo juslaboral.

    Certo que, entre as fontes normativas existe uma hierarquia que deve ser

    respeitada. No topo dessa hierarquia piramidal, encontra-se a Constituio Federal,

    seguida das Emendas Constitucionais, Leis Complementares, Leis Ordinrias, Leis

    Delegadas, Medidas Provisrias, Decretos e, por fim, os atos normativos.

    Entretanto, o Direito do Trabalho estabeleceu um critrio hierrquico prprio,

    haja vista a especialidade deste ramo do direito. No h que se falar em hierarquia

    de diplomas normativos, mas sim em hierarquia de normas jurdicas, sejam elas

    heternomas ou autnomas; e, preciso, sempre, ter-se em vista o princpio da

    proteo ao trabalhador, o qual orienta todo o Direito do Trabalho. Portanto, a

    pirmide hierrquica no Direito do Trabalho ser construda de forma varivel,

    ocupando o seu vrtice sempre a norma que mais se aproximar do maior objetivo do

    Direito do Trabalho, ou seja, o equilbrio das relaes sociais.

    Isso equivale dizer que, sempre preponderar a norma que mais for benfica

    ao trabalhador, no sendo o vrtice da pirmide, necessariamente, a Constituio

    Federal.

    1.5 Princpios

    O artigo 8, da CLT elenca os princpios como fontes integrativas do direito e,

    por isso, consequentemente, seriam fontes materiais de direito.

  • 14

    No entanto, os princpios so mais do que fontes integradoras do direito, eles

    se inserem na dialtica que dinamiza o direito na histria, exercendo uma funo

    diretiva no direito, este o posicionamento de Amauri Mascaro Nascimento:

    Principal a funo dos princpios na aplicao do direito na medida em que servem de base para o juiz sentenciar. No h dvida, contudo, que so, para o operador do direito, uma tcnica de integrao do direito. Porm, so mais do que isso. Inserem-se na dialtica que dinamiza o direito na histria. As alteraes do sistema legal, quando assumem uma dimenso relevante, devem atuar como base fundamental que se reflita sobre o raciocnio dogmtico. Devem ser pensados tambm em funo da nova realidade legislativa que se pe diante do doutrinador, soluo que nos parece, na perspectiva do direito positivo, coerente, a menos que se admita um abismo entre o sistema legal e o sistema dogmtico. Sob essa perspectiva, e ao contrrio da posio da nossa lei (CLT, art. 8o) que os reduz a uma tcnica para suprir lacunas, os princpios devem assumir uma funo diretiva do sistema

    3.

    Podemos concluir que os princpios tm vrias funes, sendo elas:

    informadora, normativa e interpretativa. A funo informadora atua como inspirao

    ao legislador e de fundamento para as normas jurdicas. A funo normativa se trata

    de uma funo supletiva, ou seja, quando os princpios so utilizados para suprir

    as lacunas no ordenamento jurdico, como por exemplo, no caso do presente

    trabalho, em que o assdio moral no vem previsto em nenhuma norma

    infraconstitucional, sendo que, os julgados que versam a respeito de tal matria, se

    orientam atravs de princpios. Por fim, a funo interpretativa atua como um critrio

    orientador aos interpretes e aplicadores do direito.

    A CLT expressa quando, em seu artigo 8, leciona que, na ausncia de lei

    especfica ou de clusulas contratuais expressas, o interprete do direito poder

    valer-se dos princpios de Direito do Trabalho para solucionar o caso concreto.

    No presente tpico, para melhor tratar dos princpios que regem as relaes

    de trabalho, iremos dividi-los em princpios gerais e princpios de direito do trabalho,

    os quais sero tratados em tpicos prprios.

    1.5.1 Princpios Gerais

    Alguns princpios so comuns ao Direito como um todo. Tais princpios, em

    doutrina, so chamados de princpios gerais de direito. Por exemplo, preciso

    3NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: histria e teoria geral do direito do

    trabalho: relaes individuais e coletivas de trabalho / Amauri Mascaro Nascimento. 26 Ed. So Paulo: Saraiva, 2011. p. 453

  • 15

    sempre se respeitar a dignidade da pessoa humana, proibir o abuso de direito e o

    locupletamento ilcito, dentre outros.

    Os princpios gerais de direito so divididos por Miguel Reale em princpios

    omnivalentes (vlidos para todas as formas de saber); princpios plurivalentes

    (aplicveis a diversos campos de conhecimento); e, princpios monovalentes (valem

    somente no mbito de uma determinada cincia). Segundo o autor, os princpios

    gerais so enunciaes normativas de valor genrico, que condicionam e orientam a

    compreenso do ordenamento jurdico, facilitando a integrao de normas, ou

    mesmo, a elaborao de novas normas. Servem de base do ordenamento jurdico

    ptrio, pois, informam o nosso sistema, independentemente de estarem ou no

    positivados em norma legal4.

    Luiz Regis Prado assevera em sua obra que os princpios gerais de direito

    no so normas jurdicas stricto sensu e no integram o repertrio do ordenamento

    jurdico, mas tomam parte em sua estrutura, isto , na relao entre as normas de

    um sistema, conferindo-lhes coeso5.

    Para Trcio Sampaio Ferraz Junior, os princpios gerais de direito, mesmo

    podendo ser aplicados diretamente, no podem ser considerados como normas,

    para o autor, a forma indefinida dos princpios gerais compem a estrutura do

    sistema, no o seu repertrio. Desta forma, seriam regras de coeso que

    constituem s relaes entre as normas como um todo e, dada a sua regra

    estrutural, serviria para garantir a imperatividade de todo o repertrio normativo6.

    Por fim, citamos o entendimento de Norberto Bobbio, segundo o qual os

    princpios gerais de direito so, de fato, normas fundamentais ou generalssimas do

    sistema7.

    De fato, no existe uma uniformizao na doutrina acerca do conceito dos

    princpios gerais, entretanto, para fins didticos, filiamo-nos a corrente que afirma

    que os princpios gerais de direito so normas.

    4 REALE, Miguel. Lies Preliminares de Direito. 27 ed. So Paulo: Saraiva.

    5 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, Volume I Parte Geral, arts. 1 a 120, 6 ed.,

    rev., atual. e ampliada, So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 188. 6 FERRAZ JR., Trcio Sampaio. Introduo ao estudo do direito Tcnica, Deciso, Dominao, So

    Paulo: Editora Atlas, 1988, p. 223. 7 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurdico, Traduo: Maria Celeste Cordeiro Leite dos

    Santos. 10 ed., Braslia: Editora UnB, 1997, p. 158.

  • 16

    Em mbito de Direito do Trabalho, os princpios gerais de direito de maior

    relevncia so o princpio da dignidade da pessoa humana, o princpio da boa-f e o

    princpio da razoabilidade, os quais sero estudados a seguir.

    1.5.1.1 Princpio da dignidade da pessoa humana

    A Constituio Federal de 1988 elevou a dignidade da pessoa humana

    condio de fundamento da Repblica em seu artigo 1, inciso III.

    Em mbito juslaboral, a dignidade da pessoa humana de suma

    importncia, pois, conforme visto em linhas anteriores, as relaes de trabalho ao

    longo da historia foram pautadas por muita desigualdade e, por muito tempo, o

    trabalhador foi enxergado como objeto e no como sujeito de direitos.

    Desta forma, a dignidade da pessoa humana, enquanto um princpio geral

    de direito e fundamento da Repblica, em mbito trabalhista, serve para impor

    limites ao poder diretivo do empregador, seja vedando-lhe a despedida arbitrria, a

    alterao unilateral do contrato de trabalho ou, ainda, vedando a discriminao do

    obreiro em razo de raa, sexo, cor, origem etc..

    1.5.1.2 Princpio da razoabilidade

    Segundo o princpio da razoabilidade, o homem deve pautar as suas aes

    de acordo com a razo, agindo tal qual agiria qualquer homem mdio ou comum.

    Em mbito trabalhista, este princpio se mostra relevante, pois, em casos de uma

    despedida, por exemplo, caber ao empregador comprovar a justa causa ou no,

    pois presume-se que o homem mediano no daria azo a sua demisso. Nesta

    mesma toada, deve o empregador fazer prova de que o empregado prestou servios

    embriagado, por exemplo, afinal, o homem mediano no compareceria nessas

    condies em seu local de trabalho.

    A regra da razoabilidade um princpio geral de direito, pois no se aplica

    apenas interpretao das normas de Direito do Trabalho, podendo ser aplicada

    generalidade dos casos que envolvem a conduta humana.

    1.5.1.3 Princpio da boa-f

  • 17

    O princpio da boa-f tem sua origem no Direito Contratual e, aplicvel em

    qualquer contrato que seja, independentemente de sua espcie. Desta forma,

    aplicvel, tambm, aos contratos de trabalho. Consoante este princpio, o

    empregado deve cumprir com as obrigaes por ele assumidas, desempenhando

    suas funes com zelo e abstendo-se de praticar atos ilegais. O empregador, por

    sua vez, tambm deve cumprir com o quanto fora contratado, dando quitao s

    suas obrigaes e respeitando a dignidade da pessoa humana do trabalhador.

    Nasce disto a chama lealdade recproca.

    1.5.2 Princpios de Direito do Trabalho

    So princpios orientadores do Direito do Trabalho o princpio da proteo, o

    princpio da irrenunciabilidade de direitos, o princpio da continuidade das relaes

    de emprego, o princpio da primazia da realidade, o princpio da inalterabilidade

    contratual e o princpio da intangibilidade salarial.

    Dito isso, discorreremos, brevemente, sobre cada um deles.

    1.5.2.1 Princpio da proteo

    O princpio da proteo consiste em conferir parte mais fraca da relao de

    trabalho, o empregado, uma maior proteo, capaz de garantir os direitos mnimos

    constantes da legislao vigente.

    Atravs deste princpio, cabe ao Estado estabelecer normas imperativas de

    observncia obrigatria nos contratos de trabalho, impedindo a explorao

    desmedida do capital sobre o trabalho humano, dando aos trabalhadores melhores

    condies de vida e assegurando-lhes o seu bem-estar.

    O princpio da proteo se subdivide em trs, sendo eles: o princpio do in

    dubio pro operario, o princpio da aplicao da norma mais benfica e o princpio da

    condio mais benfica.

    De acordo com o princpio do in dubio pro operario o intrprete, ao analisar

    um preceito que disponha sobre norma trabalhista, havendo duas ou mais

    interpretaes possveis, deve ser adotada aquela que for mais favorvel ao

    trabalhador.

  • 18

    O princpio da aplicao da norma mais favorvel, por sua vez, estabelece

    que, independentemente da hierarquia existente entre diplomas, havendo duas

    normas que disciplinem o mesmo assunto, deve prevalecer aquela que mais for

    benfica ao trabalhador. Este princpio revelado, de forma irrefutvel, no artigo 620

    da CLT, quando estabelece que, quando as condies estabelecidas em Conveno

    forem mais favorveis, devero prevalecer sobre aquelas dispostas em Acordo.

    Por fim, de acordo com o princpio da condio mais benfica temos que, as

    condies mais vantajosas estipuladas no contrato de trabalho ou do regulamento

    da empresa prevalecero independentemente de edio de normas supervenientes

    dispondo sobre a mesma matria e, sobrevindo a criao de uma nova regra,

    apenas produzir efeitos para os novos contratos de trabalho a serem firmados.

    A este respeito, citamos entendimento sumulado do TST:

    Smula 511-TST. I - As clusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, s atingiro os trabalhadores admitidos aps a revogao ou alterao do regulamento; II - Havendo a coexistncia de dois regulamentos da empresa, a opo do empregado por um deles tem efeito jurdico de renncia as regras do sistema do outro. Smula 288-TST. A complementao dos proventos de aposentadoria regida pelas normas em vigor na data de admisso do empregado, observando-se as alteraes posteriores desde que mais favorveis ao beneficirio do direito.

    1.5.2.2 O princpio da irrenunciabilidade de direitos

    Tambm chamado de princpio da indisponibilidade de direitos ou princpio

    da inderrogabilidade, vem previsto no artigo 9, da CLT, onde o legislador fez

    constar que sero nulos, de pleno direito, os atos praticados com o objetivo de

    desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicao dos preceitos contidos na Consolidao

    das Leis do Trabalho.

    Por este princpio, os direitos dos trabalhadores so irrenunciveis,

    indisponveis e inderrogveis, desta forma, protege-se o empregado contra a coao

    exercida pelo empregador, o qual pode induzir o empregado a dispor, contra a sua

    vontade, de seus direitos trabalhistas.

    1.5.2.3 Princpio da continuidade das relaes de emprego

  • 19

    Em regra, os contratos de trabalho so firmados por tempo indeterminado,

    passando o trabalhador a integrar a estrutura da empresa de uma forma permanente

    e, apenas por exceo, admite-se o contrato de trabalho por tempo determinado ou

    a termo certo.

    Por este motivo, a Constituio Federal previu que, em casos de demisso,

    o empregado ter direito a receber Fundo de Garantia por Tempo de Servio

    FGTS, bem como, o Aviso Prvio em casos de dispensa injusta.

    1.5.2.4 Princpio da primazia da realidade

    Segundo o princpio da primazia da realidade, a verdade real dever

    prevalecer sobre a formal, aplicado para impedir que o empregador adote

    procedimentos fraudatrios tendentes a mascarar o vnculo de emprego existente

    ou, ainda, para conferir ao trabalhador menos direitos do que o efetivamente devido.

    1.5.2.5 Princpio da inalterabilidade contratual

    O princpio da inalterabilidade contratual lesiva tem origem no Direito Civil no

    chamado instituto da pacta sunt servanda, segundo a qual os contratos devem ser

    cumpridos. A CLT apenas admite a alterao de clusulas e condies contratuais

    em caso de concordncia mtua e, desde que desta alterao, no resultem

    prejuzos ao obreiro, do contrrio, a clusula ser considerada nula.

    permitido ao empregador que faa pequenas variaes no contrato de

    trabalho, essas variaes fazem parte do jus variandi e decorrem do poder diretivo

    do empregador, mas, essas variaes no podem prejudicar o obreiro.

    1.5.2.6 Princpio da intangibilidade salarial

    O salrio do obreiro possui carter alimentar, isso equivale dizer que, visa a

    suprir s necessidades do trabalhador e de sua famlia. Por este motivo, o salrio do

    obreiro deve ser protegido em face de condutas abusivas do empregador que visem

    reter, atrasar ou sonegar o salrio ou, ainda, efetuar descontos indevidos. Como

    exemplo, citamos os artigos 459, 462, 463, 464 e 465, todos da CLT.

  • 20

    O salrio do obreiro tambm protegido contras os seus credores, sendo

    impenhorvel por fora do artigo 649, IV, do CPC. E, tambm, protegido contra os

    credores do empregador, haja vista que o artigo 449, caput, da CLT, determina a

    manuteno dos direitos oriundos da existncia do contrato de trabalho em casos de

    falncia ou dissoluo da sociedade empresarial e, inobstante, a Lei n.

    11.101/2005, em seu artigo 83, privilegiou os crditos trabalhistas no importe de at

    150 salrios mnimos em casos de falncia.

    Deriva do princpio da intangibilidade salarial o princpio da irredutibilidade

    salarial, consagrado no artigo 7, inciso VI, da Constituio Federal de 1988, o qual

    impe a impossibilidade de se reduzir o salrio do obreiro, salvo nos casos de

    acordo ou conveno coletiva que reduzam, temporariamente, os salrios em casos

    de crise no mercado econmico, privilegiando, assim, a continuidade das relaes

    de emprego.

    1.6 Contrato individual de trabalho

    Segundo o artigo 442 da CLT, contrato individual de trabalho o acordo,

    tcito ou expresso, correspondente relao de emprego.

    Neste ponto, cabe fazermos uma breve diferenciao entre relao de

    trabalho e relao de emprego, pois, as relaes de trabalho e de emprego diferem

    entre si em funo da legislao aplicvel s mesmas e, consequentemente, em

    funo da inteno do legislador ao tutelar o trabalho.

    Na lio de Maurcio Delgado Godinho, podemos distinguir relao de

    emprego e relao de trabalho da seguinte forma:

    A primeira expresso tem carter genrico: refere-se a todas as relaes jurdicas caracterizadas por terem sua prestao essencial centrada em uma obrigao de fazer consubstanciada em labor humano. Refere-se, pois, a toda modalidade de contratao de trabalho humano modernamente admissvel. A expresso relao de trabalho englobaria, desse modo, a relao de emprego, a relao de trabalho autnomo, a relao de trabalho eventual, de trabalho avulso e outras modalidades de pactuao de prestao de labor (como trabalho de estgio, etc.). Traduz, portanto, o gnero a que se acomodam todas as formas de pactuao de prestao de trabalho existentes no mundo jurdico atual. [...] A relao de emprego, do ponto de vista tcnico-jurdico, apenas uma das modalidades especificas de relao de trabalho juridicamente configuradas.

  • 21

    Corresponde a um tipo legal prprio e especfico, inconfundvel com as demais modalidades de relao de trabalho ora vigorantes.

    8

    Estabelecidas as diferenas entre relao de trabalho e relao de emprego,

    podemos terminar de analisar o ponto concernente aos contratos individuais de

    trabalho.

    Conforme dito anteriormente, a CLT conceituou contrato individual de

    trabalho em seu artigo 442 e, cuidou o legislador de observar, ainda, as formas

    pelas quais o contrato de trabalho pode ser pactuado, ou seja, expressamente ou de

    forma tcita.

    Nos contratos individuais de trabalho, uma pessoa fsica, denominada

    empregado, compromete-se, mediante pagamento de uma contraprestao salarial,

    a prestar trabalho, de forma no eventual e subordinado, em proveito de outra

    pessoa, seja ela fsica ou jurdica, denominada empregador.

    O objeto do contrato de trabalho constituir uma obrigao e uma

    contraprestao. Para o empregado, nasce a obrigao de fazer e de prestar o

    trabalho e, para o empregador, em contrapartida, nasce o dever da contraprestao,

    consubstanciada no pagamento de salrio.

    No que tange natureza jurdica dos contratos de trabalho, destacam-se

    trs teorias que pretendem deslind-la.

    A primeira delas a chamada Teoria Acontratualista a qual nega a

    manifestao de vontade do empregado e, por este motivo, no vigorou.

    A segunda delas a Teoria Institucionalista, a qual considera a

    manifestao de vontades, mas no lhe d muita importncia. Para esta corrente,

    existe uma situao externa que obriga o empregado a trabalhar para o empregador,

    sendo que a prpria sociedade cobraria a atividade produtiva do empregado e do

    empregador. Os defensores desta corrente afirmam que o artigo 492, da CLT, que

    estabeleceu a estabilidade decenal, deixaria clara a influncia externa sobre a

    vontade das partes. Esta teoria tambm no foi aceita, pois ignora a liberdade

    contratual.

    Por fim, temos a Teoria Neocontratualista, a qual a que prevalece. Para

    esta teoria, o contrato de trabalho possui natureza jurdica contratual, de Direito

    8 DELGADO, Maurcio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6 e.d. So Paulo: LTR, 2007.

  • 22

    Privado e, o Estado apenas intervm para regular e normatizar as condies

    bsicas, garantindo os direitos mnimos dos trabalhadores.

    Muitas, ainda, so as espcies de contrato de trabalho, entretanto, por no

    ser este tema relevante para o presente trabalho, deixaremos de abord-las,

    1.6.1 Sujeitos do contrato de trabalho

    So sujeitos do contrato de trabalho o empregado e o empregador. No

    presente tpico, analisaremos cada um deles.

    1.6.1.1 Empregado

    O conceito de empregado vem estabelecido no artigo 3, da CLT, quando o

    mesmo estabelece que empregado toda pessoa fsica que prestar servios de

    natureza no eventual a empregador, sob a dependncia deste e mediante salrio.

    Deste conceito legal, extramos quatro elementos caracterizadores do

    contrato de trabalho, ou seja, o trabalho prestado por uma pessoa fsica, de forma

    no eventual, sob a dependncia de um empregador, cujo obreiro receba uma

    contraprestao em forma de salrio.

    Ainda existem outros dois requisitos, dispostos no artigo 2, da CLT, sendo

    estes a pessoalidade, ou seja, o servio deve ser prestado pessoalmente pelo

    empregado e, a alteridade, cujos riscos da atividade econmica devem ser

    suportados pelo empregador.

    1.6.1.2 Empregador

    O artigo 2 da CLT dispe que considera-se empregador a empresa,

    individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econmica, admite,

    assalaria e dirige a prestao pessoal de servios.

    Ainda, no mesmo dispositivo, em seu 1, estabelece-se que, se equiparam

    ao empregador, para os efeitos exclusivos da relao de emprego, os profissionais

    liberais, as instituies de beneficncia, as associaes recreativas ou outras

    instituies sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.

  • 23

    Podemos sintetizar que, o empregador a pessoa fsica ou jurdica que,

    assumindo os riscos da atividade econmica, admite, assalaria e dirige a prestao

    pessoal de servios.

    Superadas as questes introdutrias, necessrias ao deslinde do presente

    trabalho, passaremos a tratar das questes centrais do mesmo.

  • 24

    2 ASSDIO MORAL

    O tema objeto do presente trabalho bastante vasto, polmico,

    interdisciplinar e, destitudo de lei especfica em nosso ordenamento.

    Para a realizao do presente estudo, valemo-nos da pesquisa doutrinria e

    jurisprudencial, alm disso, analisamos a posio do direito aliengena em relao

    ao presente tema e os projetos de lei nacional que visam regulamentar o assunto.

    Tambm foi realizada pesquisa em excertos de psicologia que tratam da matria,

    haja vista tratar-se de um assunto bastante visado por esse ramo das cincias.

    Sua relevncia se mostra, pois, o assdio moral est presente nos mais

    diversos setores de atividade e, no ltimo decnio, ganhou ainda mais destaque

    dado a frequncia com que vem ocorrendo, estimando-se que ao menos 42% dos

    trabalhadores so vtimas de assdio moral nas empresas.

    Nas linhas que seguem, trataremos da origem do assdio moral; seu conceito

    e natureza jurdica; suas espcies; caractersticas e seus sujeitos; ainda faremos um

    breve apontamento sobre as diferenas entre o assdio moral e outra figura

    bastante frequente no cenrio juslaboral, denominada assdio sexual.

    2.1 Origem

    Muito embora o assdio moral seja um fenmeno bastante antigo,

    juridicamente falando, bastante recente, pois passou a ser analisado pelo campo

    do direito apenas na dcada de 1980.

    A sua origem remonta a estudos realizados pelos mais variados ramos das

    cincias, seja a etologia, a psiquiatria e a psicologia. O marco relevante dos estudos

    acerca do tema foram os estudos realizados pelo psiquiatra alemo Heinz Leymann

    na dcada de 1980, quando descreveu e analisou os mais variados comportamentos

    hostis que se desenvolviam dentro das organizaes e, particularmente, nas

    relaes de trabalho.

    Para o estudioso e investigador da psicologia do trabalho, o assdio moral

    poderia ser definido como uma interao social, atravs da qual um indivduo

  • 25

    (raramente mais do que um) atacado por um ou mais (raramente mais de quatro)

    indivduos de forma diria e continuada durante meses, levando a pessoa assediada

    a sentir-se numa posio completamente desprotegida e correndo um elevado risco

    de excluso9.

    O trabalho do referido estudioso se mostra de tamanha relevncia para o

    estudo do tema, pois, hoje em dia, as caractersticas utilizadas para a configurao

    ou no do assdio moral, derivam de seus estudos.

    Leymann sintetizou mais de quarenta e cinco comportamentos que poderiam

    caracterizar o assdio moral e, ainda afirmou que esses comportamentos devem ser

    sistemticos, ou seja, devem ocorrer, pelo menos, uma vez por semana, tendo uma

    durao razovel, prolongando-se, pelo menos, por seis meses.

    Desta forma, a guisa de concluso, podemos dizer que, o fenmeno do

    assdio moral sempre existiu em sociedade, sendo, deveras, to antigo quanto s

    relaes de trabalho, mas a sua figura jurdica tal qual a conhecemos, comeou a

    ser delineada na dcada de 1980, nascendo atravs de estudos de etologia,

    psiquiatria e psicologia, sendo o trabalho do psiquiatra e estudioso Heinz Leymann o

    de maior relevncia para a compreenso do assunto.

    2.2 Conceito

    A vitimloga francesa Marie-France Hirigoyen conceitua o assdio moral pode

    como toda e qualquer conduta abusiva, manifestada atravs de gestos, palavras,

    comportamentos ou atitudes, praticados de forma reiterada e sistematizada que

    atentem contra a dignidade ou integridade psquica ou fsica de uma pessoa,

    colocando em perigo o seu emprego ou degradando o ambiente de trabalho10.

    A jurista e advogada brasileira, Sonia A. C. Mascaro Nascimento, entende

    que o assdio moral se caracteriza por ser uma conduta abusiva, de natureza

    psicolgica, que atenta contra a dignidade psquica de forma repetitiva e prolongada, 9 LEYMANN, Heinz (2000a), Mobbing. Pgina consultada em 28 de Fevereiro de 2014, disponvel

    em http://www.leymann.se/English/12100E.HTM. 10

    HIRIGOYEN, Marie-France. A violncia perversa do cotidiano. Trad. Maria Helen Huhner. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.

  • 26

    e que expe o trabalhador a situaes humilhantes e constrangedoras, capazes de

    causar ofensa personalidade, dignidade ou integridade psquica, e que tenha

    por efeito excluir a posio do empregado no emprego ou deteriorar o ambiente de

    trabalho, durante a jornada de trabalho e no exerccio de suas funes11.

    Entretanto, existe na doutrina certa dificuldade para verificar as condutas

    caracterizadoras do assdio moral e, por este motivo, sempre haver um grau de

    subjetividade no julgamento do que considerado como uma conduta abusiva ou

    no.

    De uma forma geral, podemos dizer que so elementos caracterizadores do

    assdio moral a abusividade de conduta intencional; repetio e prolongamento; e, o

    ataque dignidade do trabalhador; tais elementos sero abordados em momento

    oportuno.

    2.3 Natureza jurdica

    Conforme pode se extrair das linhas anteriores, a teoria do assdio moral

    assenta-se no princpio da dignidade da pessoa humana, o qual, no Brasil, alm de

    princpio , tambm, um fundamento da Repblica, consoante artigo 1, inciso III, da

    Constituio Federal de 1988.

    Alm disso, tambm estaria abarcado pelo direito sade mental, abrangido

    pelo direito de sade previsto no artigo 6 da Magna Carta e, tambm, pelo direito

    honra, previsto no artigo 5, inciso X, do diploma constitucional.

    A prtica do assdio moral viola os direitos humanos da vtima e, a violao

    destes direitos, causa danos de ordem moral na vtima o que, consequentemente,

    nos levar ao campo da responsabilizao civil resultante do assdio moral.

    Assim, embora situado no campo do trabalho, o assdio moral um ilcito

    civil, o qual gera a reparao de um dano de natureza extrapatrimonial, desde que

    identificada a responsabilidade do empregador.

    O dano moral gerado pela prtica de assdio moral imaterial e, a

    indenizao estabelecida , na verdade, uma reparao pecuniria com vistas a

    11

    NASCIMENTO, Sonia A. C. Mascaro. Assdio moral no ambiente de trabalho. resvita LTr, So Paulo, v. 68, n. 08, p. 922-930, agosto de 2004.

  • 27

    atenuar o sofrimento impingido ao empregado; o assdio moral ainda pode ser

    capaz de ferir os direitos da personalidade do obreiro, tais como, a dignidade da

    pessoa humana, sua honra, intimidade, vida privada, imagem, sade e, tambm, sua

    integridade fsica e moral.

    Em um segundo plano, a reparao pecuniria serve de desestmulo da

    prtica de condutas lesivas ao empregado, assim, o pagamento de indenizao por

    assdio moral, tem natureza jurdica de sano pela prtica de um ato ilcito.

    Portanto, o que gera a indenizao por assdio moral a prtica de um ato

    ilcito que provocou um dano de ordem moral o qual, muitas vezes, pode vir

    acompanhado de um dano de ordem material como, por exemplo, quando o

    empregado coagido a pedir demisso de suas funes, abrindo mo dos direitos

    que tinha.

    Desta forma, quando o dano moral vem acompanhado de um dano material,

    concomitantemente, a vtima ter direito a receber duas indenizaes diversas. O

    tema relativo indenizao por dano moral oriundo da prtica de assdio ser

    tratado em tpico prprio.

    2.4 Caractersticas

    O assdio moral uma violncia pessoal; psicolgica e moral; multilateral

    (podendo ser horizontal, vertical, descendente ou ascendente); podendo ser sentida

    individualmente ou coletivamente; tendo carter interdisciplinar, pois, envolve as

    reas da psicologia, medicina do trabalho, administrao e outras afins.

    Se configura, basicamente, pela insistncia impertinente, com propostas,

    perguntas ou pretenses indevidas, resultando de um conjunto de atos que podem

    no ser percebidos pela vtima, em um primeiro momento, como intencionais ou

    importantes, mas, a sequncia dos mesmos acabam por expor o obreiro a situaes

    incmodas, humilhantes e constrangedoras.

    A ocorrncia do assdio moral pode ser identificada atravs de

    comportamentos omissivos ou comissivos, que acabem por constranger ou

    desestabilizar uma determinada pessoa, afetando a sua autoestima e a sua sade

    psicolgica, causando-lhe estresse dentre outras enfermidades.

  • 28

    So muitos os comportamentos que podem ser praticados pelo ofensor com

    inteno de prejudicar a vtima, passando desde a indiferena em relao vtima a

    atitudes de desprezo, silncio, rigor excessivo, exigncia de tarefas desnecessrias

    ou humilhantes, tratamento desrespeitoso ou humilhante, constrangimento,

    ameaas, desestmulo, isolamento etc..; sempre com o fim de levar vtima a isolar-

    se ou extino do contrato de trabalho por iniciativa do empregado.

    Desta forma, o assdio moral se caracteriza pela inteno de prejudicar a

    dignidade do trabalhador, praticada de forma repetitiva. Neste sentido, citamos o

    entendimento de Hdassa Ferreira:

    Em sntese, o assdio moral envolve a evidncia de intenes por parte do agressor. Apesar de tormentosa a demonstrao de intenes, possvel pressup-las mediante a constatao de dois elementos: a repetio e o prolongamento no tempo das condutas abusivas

    12.

    Maria Aparecida Alkimin sintetiza, de forma bastante sucinta, os elementos

    caracterizadores do assdio moral:

    a) Sujeitos: sujeito ativo (assediador) empregador ou qualquer superior hierrquico; colega de servio ou subordinado em relao ao superior hierrquico; sujeito passivo (vtima/assediado) empregado ou superior hierrquico no caso de assdio praticado por subordinado; b) Conduta comportamentos a atos atentatrios aos direitos da personalidade; c) Reiterao e sistematizao; d) Conscincia do agente

    13.

    Portanto, podemos afirmar que, o que caracteriza o assdio moral a

    repetio das condutas ofensivas as quais, tomadas separadamente, podem parecer

    inofensivas, mas, a sua repetio e sistematizao acabam por causar, ao obreiro

    vitimado, danos morais de grande monta.

    Outro ponto que chama bastante ateno que, o fenmeno do assdio

    moral no ocorre apenas entre chefes e subordinados, mas pode ocorrer de

    subordinados para chefes e entre colegas de trabalho, com vrios objetivos, entre

    eles, o de forar a demisso, a aposentadoria precoce, uma licena para tratamento

    de sade, uma remoo ou uma transferncia indesejada.

    2.4.1 Condutas que podem caracterizar assdio moral

    12

    FERREIRA, Hdassa Dolores Bonilha. Assedio moral nas relaes de trabalho. 2 ed. Campinas: Russel Editores, 2010. p.49. 13

    ALKIMIN, Maria Aparecida. Assdio moral na relao de trabalho. 2 Ed. (ano 2009), 2 reimpresso. Curitiba: Juru, 2010. p.43

  • 29

    A comprovao da ocorrncia do assdio moral bastante complicada, pois,

    na maioria das vezes, o assdio moral ocorre de forma velada, dissimulada, com

    condutas empreendidas com o objetivo de minar a autoestima da vtima,

    desestabilizando-a.

    Muitas vezes, a prtica do assdio moral pode vir disfarada em uma forma

    de brincadeira sobre o jeito de ser da vtima, suas caractersticas pessoais ou

    familiares, ou ainda, atravs de insinuaes, humilhaes e discriminaes, cuja

    sutileza acaba por tornar impossvel a defesa da vtima.

    Na medida em que o assdio se intensifica, a vtima pode se isolar,

    desenvolver patologias de ordem psicolgica, como depresso e sndrome do

    pnico.

    Abaixo, listaremos algumas das situaes/aes caracterizadoras do assdio

    moral:

    Dar instrues confusas e imprecisas;

    Bloquear o andamento do trabalho alheio;

    Atribuir erros imaginrios;

    Ignorar a presena de funcionrio na frente de outros;

    Pedir trabalhos urgentes sem necessidade;

    Pedir a execuo de tarefas sem interesse;

    Fazer crticas em pblico;

    Sobrecarregar o funcionrio de trabalho;

    No cumpriment-lo e no lhe dirigir a palavra;

    Impor horrios injustificados;

    Fazer circular boatos maldosos e calnias sobre a pessoa;

    Forar a demisso;

    Insinuar que o funcionrio tem problemas mentais ou familiares;

    Transferi-lo do setor, para isol-lo;

    No lhe atribuir tarefas;

    Retirar seus instrumentos de trabalho (telefone, fax, computador,

    mesa);

    Agredir preferencialmente quando est a ss com o assediado;

    Proibir os colegas de falar e almoar com a pessoa.

  • 30

    Fora essas condutas, existem outras formas de presso exercida sobre o

    obreiro, que podem caracterizar o assdio moral, dentre elas, citamos o controle

    sobre as idas aos banheiros; constante vigilncia sobre o cumprimento de tarefas;

    desvalorizao das atividades empreendidas pelo empregado; exigncia do

    cumprimento de funes superiores aos conhecimentos do empregado ou muito

    abaixo de suas capacidades, considerados degradantes; induo da vtima a

    desacreditar de suas prprias capacidades; supresso de documentos ou

    informaes importantes para as realizaes do trabalho; etc..

    Todas estas condutas podem caracterizar o assdio moral e so capazes de

    gerar o dever de indenizar em virtude de danos morais.

    2.5 Espcies de assdio moral

    O assdio moral dividido em quatro espcies: assdio moral vertical ou

    descendente (assimtrico); assdio moral horizontal; assdio moral misto; e, assdio

    moral ascendente. No presente tpico, trataremos de cada uma delas.

    2.5.1 Assdio moral vertical ou descendente (assimtrico)

    O assdio vertical descendente ou assimtrico aquele que vem da

    hierarquia, ou seja, um superior hierrquico assedia um seu subordinado, com a

    finalidade de levar a vtima a pedir demisso, o que causaria a perda, por parte do

    trabalhador, de vrios direitos constitucionalmente garantidos (multa de 40% sobre

    FGTS, aviso prvio, seguro desemprego etc.), alm de dificultar a propositura de

    demandas judiciais e, ainda, h empresas que aprovam e incentivam o assdio

    moral como meio de administrar seus empregados, uma espcie de tratamento com

    rigor excessivo, visando a presso dos trabalhadores para que produzam sempre

    mais.

    Esta espcie de assdio emana da figura do empregador ou de um superior

    hierrquico (diretor, gerente, assessor, chefe, supervisor etc.) que receba delegao

    do poder diretivo da empresa.

  • 31

    Nestes casos, o empregado pode invocar, em juzo, a resciso indireta do

    contrato de trabalho, podendo invocar, a seu favor, quase todas as alneas do artigo

    483 da CLT, incluindo o fundamento de tratamento com rigor excessivo pelo

    empregador ou superiores hierrquico.

    2.5.2 Assdio moral horizontal

    O assdio moral horizontal um fenmeno que surge como uma combinao

    de hostilidades dos colegas de trabalho de mesmo nvel hierrquico e a omisso dos

    superiores hierrquicos em coibir esta prtica.

    Esta espcie de assdio moral tambm pode ocorrer como uma

    consequncia do assedio descendente, pois alguns funcionrios acabam por refletir

    o comportamento dos superiores, passando a hostilizar, tambm, a vtima.

    Tambm bastante frequente o assdio moral horizontal entre empregados

    que disputam promoes ou cargos de maior importncia.

    O colega de trabalho assediador o autor material do assdio moral e,

    responder por perda e danos em decorrncia de sua conduta ilcita, alm de

    incorrer na penalidade de demisso por justo motivo, consoante o que estabelece o

    artigo 482, alneas b e j da CLT. Entretanto, a demisso do assediador no exime

    o empregador de responder pelas perdas e danos, ainda que no tenha cincia do

    ocorrido, pois, a legislao ptria adotou a teoria responsabilidade civil objetiva do

    empregador, segundo a qual ele responde, independentemente de culpa, pelo ato

    ilcito causador de dano praticado por seus prepostos.

    2.5.3 Assdio moral misto

    Esta espcie de assdio moral apontada pela doutrina como uma das mais

    destrutivas, pois instala-se quando a vtima j se mostra fragilizada pelo assdio

    moral vertical e, esperando obter apoio de seus pares, acaba sendo acossado pelos

    mesmos. Aqui, a vtima passa a ser rejeitada por todo o grupo, ocorrendo uma

    juno do assdio moral vertical e o assdio moral horizontal, exige, portanto, a

    presena de trs sujeitos, ou seja, a vtima, o assediador vertical e o assediador

    horizontal.

  • 32

    Cabe ao empregador coibir este tipo de agresso, verificando a identidade do

    agressor e, pelo poder diretivo, impor penalidades para aquele que praticou o

    assdio moral.

    Tambm aqui, o empregador responde de forma objetiva, pouco importando a

    existncia, ou no, de culpa pelo fato.

    2.5.4 Assdio moral ascendente

    Nesta espcie de assdio, ocorre o inverso do que ocorre no assdio

    assimtrico, ou seja, o superior hierrquico assediado por um ou mais

    subordinados, seja atravs de falsas acusaes de assdio sexual, por exemplo,

    seja atravs de boicotes etc..

    2.6 Sujeitos do assdio moral

    So sujeitos do assdio moral aqueles que agridem e a vtima, sendo que,

    tanto o empregador, os detentores de cargos de direo e os subordinados, podem

    ocupar o lugar do agressor ou da vtima.

    certo que, na maioria das vezes, o agressor o empregador, mas tambm

    pode advir do comando hierrquico (vertical), partindo de colegas de trabalho que

    ocupam os mesmos status dentro da empresa, facilitada pela omisso do

    empregador ou superiores hierrquicos diante das agresses perpetradas contra

    uma determinada vtima.

    Disto se extrai que, so sujeitos do assdio moral:

    O agressor na pessoa do empregador: conforme dispe a lei, o empregado

    est subordinado a seu empregador, entretanto, isto no quer dizer que

    lhe retirado a condio de ser humano e o devido respeito. Quando o

    empregador passa a ser o agressor, temos que, o mesmo passa a usar de

    seu poder diretivo para valer-se de manobras medocres, cruis e, muitas

    vezes, silenciosas, fazendo com que a vtima sinta-se incapaz;

    O agressor na pessoa do colega de trabalho: geralmente, este agressor se

    encontra no mesmo nvel hierrquico que a sua vtima, entretanto, o

  • 33

    mesmo passa a tornar o ambiente de trabalho degradante para aquele que

    ofendido. Este agressor pode ser motivado tanto por uma rivalidade

    pessoal, uma competio profissional ou por diferenas ideolgicas,

    acabando por gerar para a vtima uma insatisfao generalizada que

    afetar a qualidade de seus servios;

    A vtima do assdio moral no empregado: aquele obreiro que sofre as

    continuadas agresses, tendo a sua dignidade enquanto pessoa humana,

    comprometida, acaba por perder a satisfao pelo trabalho, tem a sua

    produtividade quedada, alm de sofrer danos sua sade mental e, em

    algumas vezes, fsica, gerando afastamento de suas funes ou, at

    mesmo, incapacidade para desempenhar suas funes;

    A vtima do assdio moral no empregador/superior hierrquico: embora

    seja mais raro, nada impede que o empregador ou superior hierrquico

    seja assediado moralmente por um empregado ou grupo de empregados,

    conforme visto nas linhas anteriores.

    Estudos apontam que as pessoas mais vitimadas de assdio moral horizontal,

    so aquelas consideradas mais produtivas e perfeccionistas, ou seja, aqueles que

    tm um perfil apropriado para as exigncias da empresa ou, ainda, aqueles que so

    elogiados com frequncia pelos superiores hierrquicos, considerados capacitados

    para assumir cargos de confiana, por exemplo.

    2.7 Assdio moral versus assdio sexual

    O assdio moral e o assdio sexual so figuras que no se confundem.

    Embora ambas ocorram no ambiente de trabalho, no assdio sexual, a violncia tem

    direo vertical e sentido descendente, portanto, ocorre em uma relao de sujeio

    hierrquica, onde o superior hierrquico vale-se de sua posio para obter favores

    sexuais da vtima.

    O assdio sexual de mais fcil percepo e mais fcil de ser combatido que

    o assdio moral. A figura do assdio moral, por sua vez, j foi tipificado em lei,

    atravs da Lei 10.224/2001 que acresceu o artigo 216-A ao Cdigo Penal Brasileiro,

    o qual prev que o agente que, valendo-se de sua condio hierrquica ou

  • 34

    ascendncia inerentes ao exerccio de emprego, cargo ou funo, constranger

    algum, com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, estar sujeito

    pena de deteno de 1 (um) a 2 (dois) anos.

    Portanto, embora ambas as figuras estejam situadas no campo das relaes

    de trabalho e, embora ambas sejam graves, gerando s suas vtimas consequncias

    nefastas, no se confundem, pois, ao passo em que o assdio moral tem por

    objetivo humilhar a vtima, podendo ser praticado tanto verticalmente, quando

    horizontalmente, no assdio sexual o agressor tem por objetivo obter vantagem ou

    favores sexuais, e a figura do assediador ter, sempre, de ser um superior

    hierrquico.

    2.8 A invaso de privacidade no trabalho

    Uma das consequncias da vida moderna no ambiente de trabalho, foi a

    grande aderncia, por parte de empresas, de instalaes de cmeras. A instalao

    de cmeras, a revista a funcionrios e o controle do uso da internet, fazem parte do

    poder diretivo do empregador, entretanto, em algumas situaes, o empregador

    pode exceder as formas de controle e expor o funcionrio a situaes

    constrangedoras ou humilhantes o que, consequentemente, gera o dever de

    indenizar.

    O controle excessivo por parte do empregador, muitas vezes, acaba por

    caracterizar uma forma de assdio moral, fazendo com que o empregado se sinta

    constrangido todo o tempo em que permanece trabalhando.

    A lei no conceitua o que intimidade e, tampouco, onde comea e termina o

    poder diretivo do empregador. Tais fatos deixam brecha para que o aplicador do

    direito, ao julgar casos concretos, lance mo de entendimentos subjetivos, mas,

    exemplificando, podemos mencionar que o Tribunal Regional do Trabalho do Estado

    de So Paulo j considerou que email correspondncia pessoal e, ainda que o

    objetivo da empresa seja o de fiscalizar os servios, no poderia violar a intimidade

    do empregado.

  • 35

    O Tribunal Superior do Trabalho, no entanto, entendeu que, em se tratando

    de email corporativo, pois o mesmo se trataria de uma ferramenta de trabalho

    proporcionada pelo empregado para a consecuo do servio.

    Em contrapartida, cabe ao empregado zelar por sua prpria imagem,

    compreendendo que emails particulares devem ser lidos e comentados fora do

    ambiente de trabalho, vez que os meios disponibilizados pelo empregador no so

    para uso pessoal, mas sim para a consecuo do trabalho.

    2.9 As consequncias do assdio moral no trabalho

    Conforme vimos anteriormente, o assdio moral caracteriza-se por uma

    conduta abusiva, seja do empregador que utiliza de sua posio hierrquica para

    impingir aos seus subalternos um tratamento degradante, seja pelos prprios

    colegas de trabalho que, motivados por ideologias pessoais ou competitividade,

    insultam uns aos outros, dentre outras ofensas.

    Essas prticas abusivas, na sociedade de hoje, so aceitas e at mesmo

    incentivadas como parte de uma cultura de competitividade dentro das organizaes

    ou empresas, isso porque, as empresas parecem se esquecer que este tipo de

    comportamento gera responsabilidades civis, criminais e trabalhistas, vindo a

    culminar com um processo judicial.

    O terrorismo psicolgico pode gerar doenas psicolgicas dentre as quais se

    destacam a sndrome do pnico, a depresso e o estresse o que, muitas vezes,

    pode levar ao suicdio.

    de extrema necessidade que as empresas se conscientizem destas trgicas

    consequncias e estabeleam campanhas de conscientizao e de combate ao

    assdio moral em suas dependncias, alm de aconselhar as medidas judiciais

    cabveis e o tratamento psicolgico para a superao de traumas ocasionados.

  • 36

    3 ASSDIO MORAL NO CENRIO MUNDIAL

    No tpico precedente, tratamos das questes gerais relacionadas figura do

    assdio moral, tais como, origem, conceito, natureza jurdica, caractersticas,

    espcies, sujeitos e diferenciao do assdio sexual.

    No presente tpico, passaremos a tratar do assdio moral em mbito jurdico,

    trataremos do posicionamento da OIT em relao ao assdio moral, apontaremos o

    tratamento do instituto no direito aliengena, bem como, os projetos de lei nacional e

    das leis regionais e municipais que disciplinam o assunto.

    3.1 A Organizao Internacional do Trabalho OIT

    Em um primeiro momento, cumpre observar que a Conveno 155, de 1981,

    elaborada pela Organizao Internacional do Trabalho OIT acerca da segurana e

    sade dos trabalhadores no meio ambiente de trabalho foi ratificada pelo Congresso

    Nacional no ano de 1992 e promulgada atravs do Decreto n. 1.254/1994; a referida

    conveno dispe em seu artigo 3, que o termo sade, com relao ao trabalho,

    abrange no s a ausncia de afeces ou de doenas, mas tambm os elementos

    fsicos e mentais que afetam a sade e esto diretamente relacionados com a

    segurana e a higiene no trabalho.

    Alm disso, a OIT defende o direito dos trabalhadores a um trabalho decente,

    conceituando o chamado trabalho decente como um trabalho produtivo e

    adequadamente remunerado, exercido em condies de liberdade, equidade e

    segurana, sem quaisquer formas de discriminao, e capaz de garantir uma vida

    digna a todas as pessoas que vivem de seu trabalho.

    Assim, ao priorizar o trabalho decente, a OIT rechaa o assdio moral, seja

    ele coletivo ou individual, haja vista que esta prtica espria capaz de ensejar ao

    trabalhador danos em sua integridade psquica e, em muitos casos, fsica tambm,

    alm de afrontar seus direitos fundamentais mais bsicos.

    Inobstante, em estudos da Organizao Mundial de Sade OMS apontou-se

    que o nmero de doenas psicolgicas relacionadas ao trabalho cresce cada dia

  • 37

    mais e, que esta ser uma das principais caractersticas do prximo sculo. Estima-

    se que milhares de trabalhadores sero afastados de suas funes em virtude de

    doenas provocadas pelo estresse no ambiente de trabalho e da chamada Sndrome

    do Burnout.

    A Sndrome do Burnout se trata de um distrbio psquico, descrito em 1974

    pelo mdico americano Freudenberger como um esgotamento profissional, tendo

    sido registrada no Grupo V da CID-10 (Classificao Internacional de Doenas e

    Problemas Relacionados Sade).

    Tentando coibir a prtica de assdio moral, em 27 de novembro de 2000, a

    Unio Europeia elaborou a Diretiva 2000/78/CE, onde estabeleceu um quadro geral

    de igualdade de tratamento no emprego e nas atividades profissionais, a proposta

    da referida diretiva visa combater a discriminao direta, ou seja, a diferenciao no

    tratamento baseada em especificidades particulares, bem como, a discriminao

    indireta, composta por disposies, critrios ou prticas aparentemente neutras, mas

    suscetveis de produzir danos imateriais em determinada pessoa ou grupo de

    pessoas, alm de funcionar como estimulante para a discriminao.

    A Diretiva 2000/78/CE ainda estabelece que atitudes persecutrias, geradoras

    de um ambiente de trabalho hostil, so consideradas discriminao, caracterizando

    uma espcie de assdio moral coletivo o que vedado pelo ordenamento jurdico da

    Unio Europeia.

    Alm disso, em 28 de maro de 2002 o Parlamento Europeu fez publicar a

    Resoluo A5-0283/2001 acerca do assdio moral 2001/2339 (INI), a qual adverte

    sobre as consequncias nefastas do assdio moral na sade fsica e psquica de

    suas vtimas.

    V-se, portanto, que ao passo em que a OMS atenta para o crescente

    nmero de doenas psicolgicas relacionadas ao trabalho, a OIT e a Unio Europeia

    j vm tomando providncias com o intuito de coibir a prtica do assdio moral, isso

    porque vivemos em plena era da valorizao dos direitos humanos e, nada mais

    justo que um fenmeno que atenta contra os mais comezinhos direitos

    fundamentais, seja coibido.

  • 38

    3.2 Legislao no Direito Comparado

    Conforme citado em tpico anterior, o Parlamento da Unio Europeia adotou

    a Resoluo A5-0283/2001, a qual previne acerca das consequncias nefastas da

    prtica do assdio moral, alm disso, a referida resoluo insta os Estados membros

    a prestarem ateno prtica de assdio moral no ambiente de trabalho e a

    consider-la nas respectivas legislaes nacionais, pois, na poca em que foi

    editada a referida resoluo, apurou-se que 8% dos trabalhadores da Unio

    Europeia afirmavam terem sido vtimas de assdio moral no local de trabalho no ano

    anterior sua formulao.

    O item 10 da referida Resoluo dispe que:

    10. Pede aos Estados membros que, com vistas a lutar contra o assdio moral e assdio sexual no lugar de trabalho, revisem a legislao existente e a complementem, assim como examinem a definio de assdio moral e elaborem uma definio uniforme.

    Na Espanha, na Itlia e na Alemanha, entretanto, ainda no foi formulada

    legislao especfica acerca do assdio moral laboral e, nesses pases a

    jurisprudncia quem vem dando respostas s questes levadas a juzo.

    Contudo, na Frana foi editada a Lei de Modernizao Social em 17 de

    janeiro de 2002, a qual foi alterada por lei datada de 3 de janeiro de 2002. A Lei de

    Modernizao Social disciplina o assdio moral individual e coletivo, tipificando a sua

    prtica como crime contido no artigo 122-49 do Cdigo Penal daquele pas, estando

    o agente sujeito s penas de priso e multa.

    Na Sucia, em 1993, foi publicada a Lei Bsica de Prevenes de Riscos que

    contm normas especiais de preveno ao assdio moral.

    Na Gr-Bretanha foi editado Ato em 1997 o qual disciplina a conduta do

    assediador e prev a pena de priso de at seis meses e multa.

    Na Amrica do Sul, a Argentina se destaca, no por ter uma lei federal que

    discipline o assunto, mas por ter uma lei provincial, a Ley 13.168 de la Provincia de

    Buenos Aires, aprovada em fevereiro de 2004. A lei provincial de Buenos Aires visa

    disciplinar a ocorrncia da violncia laboral, praticada por funcionrios ou

    empregados da provncia de Buenos Aires exercida uns sobre os outros.

  • 39

    O artigo 5 da Ley 13.168 cuidou, ainda, de prever aes que caracterizam os

    maus tratos psquicos, elencando em 11 alneas os comportamentos associados ao

    assdio moral, veja-se:

    Articulo 5: Se define com carcter enunciativo como maltrato psquico y social a ls seguientes acciones: a. Obligar a ejecutar tareas denigrantes para la dignidad humana. b. Asignar misiones innecesarias o sin sentido com la intencin de humilhar. c. Juzgar de manera ofensiva su desempeo em la organizacin. d. Camibiarlo de oficina, lugar habitual de trabajo com nimo de separalo de sus compa