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O Assédio Moral Organizacional

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O Assédio MoralOrganizacional

Adriane Reis de AraujoProcuradora Regional do Trabalho em Brasília. Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Doutoranda em Direito da Universidad Complutense de

Madrid. Coordenadora de Ensino da Escola Superior do Ministério Público da União pelo Ministério Público do Trabalho. Gerente Nacional do Projeto de Combate ao

Assédio Moral pelo Ministério Público do Trabalho: “Assédio é Imoral”

O Assédio MoralOrganizacional

EDITORA LTDA. © Todos os direitos reservados

Rua Jaguaribe, 571 CEP 01224-001 São Paulo, SP — Brasil Fone (11) 2167-1101 www.ltr.com.br

Produção Gráfica e Editoração Eletrônica: Estúdio DDR Comunicação Ltda. Projeto de Capa: Fabio Giglio Impressão: Prol Gráfica e Editora Janeiro, 2012

Versão impressa - LTr 4451.7 - ISBN 978-85-361-1977-9

Versão digital - LTr 7295.0 - ISBN 978-85-361-2060-7

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Araujo, Adriane Reis de

O assédio moral organizacional / Adriane Reis de Araujo. –

São Paulo : LTr, 2012.

Bibliografia.

1. Ambiente de trabalho 2. Assédio moral 3. Direito do trabalho - Brasil 4. Direitos fundamentais individuais na empresa 5. Panóptico 6. Poder diretivo do empregador 7. Relações de trabalho I. Título.

11-08575 CDU-34:331.101.37

Índices para catálogo sistemático:

1. Assédio moral organizacional : Direito do trabalho 34:331.101.37

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Sumário

PREFÁCIO ................................................................................................................. 7

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9

CAPÍTULO I – O CONTROLE NA EMPRESA ............................................................. 19

1. O panóptico e o poder ..................................................................................... 19

2. O poder.......................................................................................................... 23

2.1 A sobreposição de modelos de exercício de poder do século XVIII .............. 24

2.2. O estabelecimento disciplinar ................................................................... 26

2.2.1. O olhar hierárquico ..................................................................... 28

2.2.2. Sanção normalizadora ................................................................. 29

2.2.3. O exame .................................................................................... 31

2.3. A sociedade de controle .......................................................................... 31

3. Os modelos de gestão empresarial ................................................................... 33

4. Os discursos empresariais da guerra e do mercado ........................................... 48

5. A organização produtiva no Brasil ..................................................................... 51

CAPÍTULO II – O ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL ........................................... 56

1. Identificação do problema ................................................................................ 56

1.1. Revisão das pesquisas ............................................................................ 57

1.2. Critérios para identificação do assédio moral organizacional ........................ 60

1.2.1. Critério biológico ......................................................................... 60

1.2.2. Critério temporal ......................................................................... 61

1.2.3. Critério material .......................................................................... 63

1.2.4. Critério teleológico ...................................................................... 67

1.2.5. Critério subjetivo ......................................................................... 71

6

2. Conceito de assédio moral organizacional .......................................................... 76

3. Discriminação e assédio sexual ........................................................................ 86

3.1. Discriminação ......................................................................................... 86

3.2. Assédio sexual ........................................................................................ 88

4. Consequências do assédio moral organizacional ................................................ 89

CAPÍTULO III – O PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR E OS RISCOS PARA O TRABALHADOR ....................................................................... 94

1. O Direito do Trabalho, o contrato de trabalho e o poder diretivo: uma história complexa ....................................................................................................94

1.1. A tensão inerente ao contrato de trabalho vista sob o paradigma do Estado Liberal ....................................................................................................101

1.2. A tensão inerente ao contrato de trabalho vista sob o paradigma do Estado de Bem-Estar Social ...............................................................108

1.3. A tensão inerente ao contrato de trabalho vista sob o paradigma do Estado Democrático de Direito ............................................................................114

2. Assédio moral e os limites do poder diretivo do empregador ............................. 122

2.1. Princípio da integridade ......................................................................... 134

2.2. O assédio moral no Direito do Trabalho brasileiro: regulamentação legal, resistência e coerção ........................................................................141

CONCLUSÃO ........................................................................................................ 153

BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................... 157

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PREFÁCIO

Esta obra pretende romper com alguns mitos que cercam o assédio moral no trabalho; mitos esses que contribuem para manter a invisibilidade de certas práticas abusivas na gestão da mão de obra, apontar a subjetividade das pessoas envolvidas como a raiz da causa do problema e a criar mecanismos ineficientes de solução do conflito. O primeiro mito atingido é a crença de que o assédio moral tem um perfil preferencial de vítima ou de agressor. O segundo mito trata da necessidade de adoecimento da vítima para configuração do ato ilícito. O terceiro mito questionado diz respeito ao desconhecimento da direção das empresas quanto a essa prática abusiva dentro de suas dependências. E assim segue o trabalho, derrubando, qual sequência de dominós, várias das crenças que orbitam em torno do assunto até chegar à figura que o intitula: o Assédio Moral Organizacional.

Por assédio moral organizacional se compreende o conjunto de condutas abusivas, de qualquer natureza, exercido de forma sistemática durante certo tempo, em decorrência de uma relação de trabalho, e que resulte no vexame, humilhação ou constrangimento de uma ou mais vítimas com a finalidade de se obter o engajamento subjetivo de todo o grupo às políticas e metas da administração, por meio da ofensa a seus direitos fundamentais, podendo resultar em danos morais, físicos e/ou psíquicos. Ou seja, da análise de certas práticas empresariais se chega à conclusão de que o assédio não é apenas conhecido da direção da empresa, ele é estimulado e valorizado como prática de administração de mão de obra. Fica então a pergunta no ar: Por quê? Como se pode pensar que uma empresa propositalmente utiliza a humilhação e a ofensa para gerir a subjetividade de seu grupo de trabalhadores?

Essa conclusão abre o campo para inúmeros questionamentos e críticas às crenças disseminadas pela doutrina até então construída em torno do assunto, a qual se baseia em estudos pioneiros da psiquiatria e psicologia. A crítica que aqui se faz em momento algum desmerece os trabalhos originários, pois foram essenciais para retirar da obscuridade as humilhações sutis e frequentes a que estão submetidos os trabalhadores em todo mundo desde larga data. Contudo, tendo em vista o Direito, e em especial o Direito do Trabalho, por suas técnicas e instrumentos, ter a possibilidade de oferecer uma resposta coletiva ao problema, não há razão para passar ao largo de um tratamento mais abrangente. Ao contrário, acredito que qualquer solução definitiva para o problema somente será alcançada quando atacada a lógica fomentadora desse sofrimento. Em consequência, mesmo na composição dos conflitos individuais, o jurista deve ter em mira a fonte do problema, uma vez que só assim poderá compreender onde deve buscar os elementos da prova do assédio moral, bem como o alcance do dano individual sob sua análise.

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O texto em suas mãos é a reprodução da dissertação de mestrado defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Professor Paulo Sergio João, em maio de 2006. Sem dúvida, muito se avançou desde então. O número de projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional aumentou em 50%.(1) Já vigora norma(2) que condiciona a concessão ou renovação de quaisquer empréstimos ou financiamentos pelo BNDES à ausência de condenação dos dirigentes de empresas da iniciativa privada por assédio moral entre outras práticas ilícitas graves, como assédio sexual, racismo, trabalho infantil, trabalho escravo ou crime contra o meio ambiente. Ademais, a jurisprudência trabalhista do C. TST já reconhece expressamente a utilização do assédio moral como um instrumento motivacional na empresa (RR 88440-91.2006.5.08.0008, julgado em 6.10.2010, 3a Turma, DEJT 15.10.2010, entre outros). De todo modo, este trabalho merece atenção porque apresenta o caminho trilhado desde o registro mais remoto dessa conduta na sociedade disciplinar, na análise de Michel Foucault, até as suas novas roupagens na sociedade de controle (Gilles Deleuze) dentro da empresa toyotista contemporânea, oferecendo as ferramentas necessárias ao aprofundamento da reflexão em torno do problema. O objetivo final de toda sorte é provocar uma discussão mais ampla para poder extrair respostas mais eficientes pelo Direito e outras áreas do conhecimento responsáveis pelo trato diário da questão.

Por fim, importa alertar que, como todo trabalho acadêmico, esta é uma obra a ser aprimorada, principalmente em vista da rápida aceitação do conceito do assédio moral organizacional dentro do espaço juslaboral e sindical (o que foi constatado em diversas palestras), motivo pelo qual desde logo se justifica (ainda que não seja uma desculpa) eventual incorreção ou superficialidade no trato de alguns conceitos.

Espero honestamente que este trabalho possa contribuir para reduzir consideravelmente o problema, criando dentro da empresa um espaço de cidadania ao trabalhador; para que ele, ao transpor os umbrais físicos ou virtuais da empresa, seja sempre respeitado em sua dignidade humana.

Agradeço a todos os professores e estudiosos do assunto com os quais tive o prazer de compartilhar espaços de debate, aos trabalhadores e empregadores por seus questionamentos, e, enfim, aos amigos e a todas as pessoas que incentivaram a publicação deste estudo. Todos, sem exceção, contribuíram para o amadurecimento desta obra.

Brasília, novembro de 2010.

Adriane Reis de Araujo

(1) Hoje são 9 projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional sobre essa matéria, com 3 emendas modificativas, 2 emendas substitutivas e 2 emendas supressivas. (PL 2369/2003; PL 4742/2001; PL 7146/2010; PL 2593/2003; PL 1060/2007; PL 4960/2001; PL 6625/2009; PL 4593/2009; e PL 5887/2001)(2) HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1992, p. 278. Como bem observa esse autor, podemos também encontrar ali o trabalho informal, a subcontratação da mão de obra e a invasão de pessoas das mais diversas origens (com predominância de traços asiáticos), ou seja, a invasão do Terceiro Mundo, e a mistura cultural expressa no “cidadês”, língua falada na cidade que mistura diversos idiomas: espanhol, alemão, japonês, inglês.

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INTRODUÇÃO

Muitos estudiosos reconhecem no assédio moral um problema estrutural da empresa contemporânea. Este trabalho, a fim de possibilitar uma resposta eficiente do Direito, toma a sério essa assertiva e pretende a identificação das circunstâncias em que a conduta abusiva se produz de forma coletiva com vistas a proporcionar certa utilidade para a organização produtiva. Dessa maneira, nada melhor do que a reflexão aprofundada do cotidiano por intermédio de uma alegoria: a obra cinematográfica (considerada um dos clássicos do cinema), dirigida por Ridley Scott e roteiro de Hampton Fancher, intitulada Blade Runner, o caçador de androides (1980).

O filme Blade Runner, baseado no livro Do androids dream of electric sheep? de Philip Dick, descreve a vida e o trabalho dos replicantes no Mundo Periférico e das pessoas da cidade de Los Angeles, no ano de 2019, de forma muito similar à situação do trabalhador assalariado no mundo tecnológico globalizado de hoje. O filme se inicia com a vista aérea da cidade de Los Angeles, cuja paisagem é dominada pelo edifício da Tyrell Corporation. Esta empresa, com expansão interplanetária, produz replicantes. Os replicantes são reproduções de seres humanos, mais fortes e ágeis, obtidos pela engenharia genética e dotados de capacidade intelectual no mínimo igual à dos engenheiros que os criaram (seus pais). Eles se distinguem dos seres humanos pela ausência de memória e de emoções e pelo período reduzido de vida: quatro anos. Os replicantes são utilizados como mão de obra escrava em trabalhos perigosos e na colonização de outros planetas. Com o desenrolar de suas atividades, observa-se neles a capacidade de desenvolverem emoções por meio de suas experiências de vida processadas por uma memória própria e recente. Agora eles querem melhores condições de vida e mais tempo...

Após a rebelião de um grupo de replicantes NEXUS 6, em uma colônia do Mundo Periférico, a lei estabelece a pena de morte para esses trabalhadores encontrados no planeta Terra. Seis unidades NEXUS 6 sequestram uma nave, chacinam a tripulação e passageiros e voltam à Terra em busca da reversão de sua programação genética. Esse grupo rebelde é caçado por Deckard, antigo membro do destacamento policial especial – Unidade Blade Runner. Um a um, eles são executados, ou melhor, conforme a terminologia empregada: “aposentados”. Ao final, restam apenas dois replicantes, Roy e Pris. Quando Roy, o líder, consegue forçar o seu acesso ao idealizador Tyrell, este lhe nega qualquer possibilidade de alteração da data de morte e diz que a brevidade de sua vida se compensa pela maior intensidade ao vivê-la (“Aproveite, uma chama que queima com dupla intensidade vive a metade do tempo”). Roy, num misto de raiva e resignação, o beija e a seguir esmaga sua cabeça e olhos.

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A fábula do Blade Runner reflete as relações socioeconômicas em formação na década de 1980, em que se destacam a globalização da economia, a redução do papel do Estado, a invasão de modelos orientais (toyotismo e métodos de qualidade total), precarização da mão de obra e a acumulação flexível, expressa na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados, produtos e padrões de consumo. David Harvey observa que os replicantes, no filme:

Foram projetados como a forma última de força de trabalho de curto prazo, de alta capacidade produtiva e grande flexibilidade (um exemplo perfeito de um trabalhador que possua todas as qualidades necessárias à adaptação a condições de acumulação flexível).(1)

Tal qual na obra mencionada, a empresa atual exige do trabalhador a dedicação integral, tanto no aspecto físico e intelectivo quanto emocional, para o desempenho de suas atividades. Na fábula, os replicantes de última geração, na tentativa de se evitar os riscos verificados na geração dos NEXUS 6, possuem uma memória implantada. As emoções são relevantes e devem ser moldadas segundo os interesses da empresa. De maneira geral, o trabalhador é valorizado pela organização não somente enquanto lhe é útil, produtivo, cordato e materialmente feliz, mas quando se sente parte fundamental da gestão empresarial, acreditando-se criativo e responsável pelo sucesso ou pelo fracasso do empreendimento como um todo. O ideal é que, na execução contínua de atividades, o trabalhador abandone suas expectativas individualistas passadas ou futuras, viva apenas o presente, assumindo os interesses da empresa como os seus próprios. Como o replicante, quando o trabalhador se insurge, discorda ou exige respeito a seus direitos individuais, deve ser eliminado (da organização). O método utilizado não é mais a violência física (embora ainda se encontrem vestígios dessa prática no trabalho escravo contemporâneo), mas sim táticas mais apuradas que visam a deixar o trabalhador marcado de forma indelével, mas sem vestígios. Lança-se mão da violência psicológica, a violência invisível: o assédio moral.

A questão do assédio moral no trabalho vem sendo amplamente debatida, com a proliferação de estudos, de soluções jurisprudenciais e de associações de defesa das vítimas, bem como propostas de lei para tratar da matéria em diversos pontos do globo, algumas já aprovadas. O interesse em torno do tema é enorme e permitiu que a obra da psiquiatra francesa Marie-France Hirigoyen se tornasse um best seller internacional, computando a venda de mais de 500.000 exemplares somente na França. No Congresso Nacional brasileiro, temos atualmente nada menos do que sete(2) projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados, dos quais um institui

(1) HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1992, p. 278. Como bem observa esse autor, podemos também encontrar ali o trabalho informal, a subcontratação da mão de obra e a invasão de pessoas das mais diversas origens (com predominância de traços asiáticos), ou seja a invasão do Terceiro Mundo, e a mistura cultural expressa no “cidadês”, língua falada na cidade que mistura diversos idiomas: espanhol, alemão, japonês, inglês.(2) Número de projetos apurados em 2.6.2005. São eles: PL 4591/2001 (arquivado), PL 2369/2003, PL 2593/2003, PL 5887/2001, PL 4326/2004, PL 4742/2001 e PL 4960/2001.

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o Dia Nacional de Luta contra o Assédio Moral(3), três criminalizam essa prática, dois regulam a questão para os trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho e para os servidores públicos federais.(4) Já foram promulgadas diversas normas estaduais e municipais(5) no âmbito do serviço público local, regulando a conduta dos servidores públicos e de terceiros.

O problema já é sentido há algumas décadas. Os estudos do assédio moral se iniciaram com os trabalhos do médico sueco Peter-Paul Heinemann, realizado na década de 60, sobre o comportamento hostil de um grupo de crianças em relação a outra isolada. Ele batizou esse comportamento de mobbing tomando como exemplo o comportamento hostil de alguns animais para expulsar eventual intruso de seu grupo. O termo mobbing vem do verbo inglês to mob, que significa maltratar, atacar, perseguir, sitiar. O substantivo mob significa multidão, turba. Quando utilizado com a inicial maiúscula (Mob), esse substantivo batiza a máfia.

Em 1976, Caroll Brodsky, psiquiatra americano, estudando acidentes de trabalho, estresse psicológico e esgotamento físico, intitulou sua obra com a imagem do trabalhador submetido a essas condições: “The harassed worker”, que pode ser traduzido com o trabalhador perseguido ou assediado. Para ele, o trabalhador assediado é vítima de ataques repetidos e voluntários de outra pessoa, cuja finalidade é atormentá-lo, miná-lo, provocá-lo.(6) Seu estudo, porém, tratou do problema de forma tangencial, pois o foco eram as condições estressantes de trabalho.(7)

Com a promulgação da lei sueca sobre as condições de trabalho e criação de um respectivo fundo nacional de investigação (1976), o psicólogo alemão Heinz Leymann centra sua atenção na conduta dos trabalhadores adultos no espaço empresarial. A partir de 1984, ele descreve condutas similares àquelas relatadas por Heinemann. Para ele, o mobbing(8) consiste em manobras hostis, frequentes e repetidas no local de trabalho, visando sistematicamente à mesma pessoa. A prática abusiva deve ser reiterada no mínimo a cada semana, pelo período mínimo de seis

(3) Projeto de lei da deputada Maninha do PT/DF – n. 4326/2004. O dia selecionado é 2 de maio. Esse projeto foi arquivado 31.1.2007. O projeto de lei que pretende criar na mesma data o Dia Nacional de Luta contra o Assédio Moral é o PL 7146/2010.(4) O Ministério do Planejamento regulamentou a questão para os servidores federais, no capítulo IV da Norma Regulamentadora da Seguridade Social do Servidor.(5) Entre os primeiros municípios que já regulamentaram a matéria pode-se indicar: São Paulo (Lei n. 13.288/2002), Americana (Lei n. 3.671/2002), Campinas (Lei n. 11.409/2002), Cascavel (Lei n. 3.243/2001), Guarulhos (Lei n. 358/02), Iracemápolis (Lei n. 1.163/2000), Jaboticabal (Lei n. 2.982/2001), Natal (Lei n. 189/02), Porto Alegre, São Gabriel do Oeste (Lei n. 511/2003), Sidrolândia (Lei Municipal n. 1.078/2001). O Rio de Janeiro foi o primeiro Estado a legislar sobre o tema (Lei Estadual n. 3.921/03).(6) HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p. 81.(7) LEYMANN, Heinz. Research and the term mobbing. Disponível em: <http://www.leymann.se/English/11120E.HTM> Acesso em: 12.07.2005.(8) Segundo Marie-France Hirigoyen, a legislação sueca define mobbing como “ações repetidas e repreensíveis ou claramente negativas, dirigidas contra empregados de uma maneira ofensiva, e que podem conduzir a seu isolamento do grupo no local de trabalho (HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p. 78).

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meses e é fruto de um conflito degenerado. O mobbing configura uma grave forma de estresse psicossocial que resulta em danos psicossomáticos e psicológicos. Leymann propositadamente deixa de utilizar a terminologia dos países de língua inglesa (bullying), pois para ele esse termo remeteria a situações de violência física.(9) O trabalho desse estudioso focaliza a zona limítrofe em que o estresse causa enfermidades psicossomáticas ou psicológicas. Em 1990, ele calcula que 3,5% dos assalariados suecos foram vítimas de assédio moral e estima em 15% o percentual dos suicídios derivados dessa violência.

A denominação “assédio moral” foi utilizada em 1998 por Marie-France Hirigoyen, a qual propôs a seguinte definição:

[...] o assédio moral no trabalho é definido como qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.(10)

Marie-France é psiquiatra, psicanalista e psicoterapeuta de família. Formada em vitimologia, ela apresenta o debate dessa situação agora reconhecida como algo recorrente no mundo do trabalho sob a ótica da vítima e de seu sofrimento. Descreve o perfil do agressor e da vítima, sem descuidar, contudo, das características empresariais facilitadoras do assédio moral. Ela sugere formas de prevenção e solução do conflito partindo desse enfoque individual.

Em 29 de junho de 2000, a Comissão Nacional Consultora dos Direitos do Homem, com base em trabalhos realizados dentro do Ministério de Emprego e Solidariedade francês, distingue três formas de assédio moral no trabalho: a) assédio institucional, que faz parte de uma estratégia de gestão de pessoal; b) assédio pro-fissional, apresentado contra um ou mais trabalhadores determinados e destinado a refutar os procedimentos legais de afastamento; e c) assédio individual, praticado com a finalidade gratuita de destruição do outro e de valorização do poder do agressor, seguindo a classificação de Marie-France Hirigoyen como assédio perverso.(11)

A comissão mencionada reconhece ao menos duas espécies de assédio moral voltado a uma coletividade, ainda que os atos abusivos se dirijam tão somente a um trabalhador. Entretanto, conforme Michel Debout, inúmeros observadores declaram

(9) “I deliberately did not choose the English term ‘bullying’, used by English and Australian researchers (in the USA, the term ‘mobbing’ is also used), as very much of this disastrous communication certainly does not have the characteristics of ‘bullying’, but quite often is carried out in a very sensitive manner, still having highly stigmatizing effects. The connotation of bullying is physical aggression and threat. In fact, bullying at school is strongly characterized by such physically aggressive acts. In contrast, physical violence is very seldom found in mobbing behavior at work.” Disponível em: <http://www.leymann.se/English/11120E.HTM> Acesso em: 12.7.2005. As citações em língua estrangeira, em notas de rodapé, serão mantidas na língua original, sem tradução.(10) HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p. 17. A redação indicada foi proposta pela autora perante os grupos de trabalhos no poder legislativo francês em 2002. O primeiro conceito não incluía a necessidade de repetição e sistematização da conduta abusiva.(11) DEBOUT, Michel. Le harcèlement moral au travail. Paris: Conseil économique et social, 2001, p. 21.

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a sua dificuldade na identificação dessas figuras em face de seu caráter insidioso e da ausência de clareza da integração do assédio moral às estratégias de gestão de pessoal.(12)

Na realidade, o assédio moral, mobbing e bullying refletem, grosso modo, a mesma situação. O mobbing pode ser considerado mais abrangente porque admite o problema também de forma singularizada, como um conflito restrito a duas pessoas.(13) Entretanto, os casos individualizados são raros, contando em geral com a participação de diversos níveis hierárquicos da empresa: o assédio do supervisor é seguido da adesão, pelo menos tácita, dos demais subordinados, e o assédio oriundo de colegas ou subordinados, se não reprimido a tempo, conta no mínimo com a complacência da administração da empresa. Para Marie-France Hirigoyen, bullying(14) é mais amplo que mobbing, pois abrange desde chacotas e isolamento até agressões físicas e condutas sexuais.(15) Heinz Leymann os distingue também em relação ao público e local em que se praticam os atos abusivos: se envolvem crianças e adolescentes no ambiente escolar, trata-se de bullying, se envolvem adultos no local de trabalho, é mobbing.(16) Todas as denominações acima admitem a possibilidade de violência física leve.

Este estudo empregará preferencialmente a terminologia “assédio moral” para discorrer sobre o problema. No entanto, as demais nomenclaturas poderão ser empregadas como sinônimas ou pontualmente quando sejam da preferência do autor estudado.

Os estudos já desenvolvidos são extremamente importantes e desvendam os efeitos perversos para a vítima de uma situação corriqueira até então descuidada pelo direito. A ausência da violência física por si só não é suficiente para assegurar uma relação jurídica idônea. A violência psicológica mostrou-se tão ou mais nefasta do que a primeira, com reflexos nas relações trabalhistas e previdenciárias. No ano de 2002, a Universidade de Brasília constatou que 48,8% dos trabalhadores afastados por mais de 15 dias do trabalho sofriam alguma forma de transtorno mental, em geral,

(12) Ibidem, p. 22.(13) Noa Davenport distingue mobbing de bullying porque este último “denotes the one-person acts and not what is more often than not a group behavior, particularly when management becomes involved.” (DAVENPORT, Noa. Emotional abuse in the workplace: a silent epidemic? Disponível em: <http://mobbing-usa.com/resources4.html> Acesso em: 21.7.2005.(14) [...] bullying is defined as a subset of aggressive behaviors involving three criteria: it is intentional harm-doing, involves a imbalance of power between the victim and the bully, and is carried out repeatedly and over time. Three main types are defined: direct physical bullying, verbal bullying, and indirect bullying. QUINE, Lyn. Workplace bullying, psychological distress, and job satisfaction in Junior Doctors. Disponível em: <http://journals.cambridge.org/bin/bladerunner?30REQEVENT=&REQAUTH=0&500001REQSUB=&REQSTR1=S0963180103121111> Acesso em: 6.3.2005. P. 91.(15) HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p. 80.(16) “I suggest keeping the word bullying for activities between children and teenagers at school and reserving the word mobbing for adult behavior at workplaces.” LEYMANN, Heinz. Psychological terrorization – the problem of terminology. Disponível em: <http://www.leymann.se/English/11120E.HTM> Acesso em: 12.7.2005.

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de depressão.(17) Em casos extremos, verifica-se a indução da vítima ao suicídio ou então a sua “morte psicológica” (quando a pessoa fisicamente sadia se mostra inapta ao trabalho e ao convívio social).

Contudo, a nosso ver, o tratamento exclusivamente individual da questão pode conduzir à opacidade de aspectos relevantes do problema, como a possibilidade de sua instrumentalização (e não apenas facilitação) enquanto uma forma de gestão abusiva no quadro da complexidade de que atualmente se revestem as relações de trabalho. As questões psicológicas, sem dúvida importantes, são isoladas e reforçadas no próprio discurso dos diversos interlocutores, propiciando a restrição do problema ao seu aspecto individual. Como observa Denis Boissard:

A noção está fortemente impregnada de uma concepção psicológica das relações de trabalho, a qual rompe com os modos de pensamento tradicional do sindicalismo. Os promotores dessa abordagem falam de “sofrimento” e de “estresse”, onde habitualmente era denunciada a “exploração” ou “os ritmos infernais”.(18)

Deixando de lado a noção individualizante do problema, que já vem sendo amplamente estudada pela literatura especializada(19), este trabalho focaliza uma dimensão da questão reconhecida como relevante pela doutrina e, no entanto, pouco ou nada trabalhada até então: o seu viés coletivo. Trata do assédio moral como algo, no mais das vezes, vinculado a um determinado desenvolvimento dos modelos de gestão empresarial que, em seu estágio mais sofisticado, busca controlar e empregar em favor de uma gestão eficiente o envolvimento emocional dos empregados com o sucesso da atividade empresarial, compartilhando responsabilidades, passando a denominá-los “colaboradores”. Somente em tal cenário se torna plausível uma gestão abusiva destinada a afetar, a intimidar, todos os empregados de forma difusa e a alguns determinados de modo expresso e direto, viabilizando a redução de custos e o incremento da produção mediante a exposição de toda a coletividade de empregados à situação de risco, com o efetivo desrespeito dos direitos básicos de alguns.

(17) Disponível em: <http://www.unb.br/acs/bcopauta/saude5.htm> Acesso em: 6.12.2005.(18) As citações em língua estrangeira serão traduzidas para o português, com o fito de permitir melhor fluência do texto. A responsabilidade pela tradução é inteiramente da autora. Os textos originais serão transcritos nas notas de rodapé com a indicação bibliográfica correspondente. La notion est fortment impregnée d’une conception psychologisante de rapportes de travail, laquelle rompt avec les schémas de pensée traditionnels du syndicalisme. Les promoteurs de cette approche du travail parlent de “souffrance” et de “stress”, là où étaient habituellement dénoncées “l’exploitation” ou “les cadences infernales”. BOISSARD, Denis. La médiatisation des conflits du travail. De Danone... au harcèlement moral. In: Droit Social, n. 6, juin/2003, p. 620, tradução livre.(19) Para melhor aprofundamento do assédio moral individual, ver ASSE, Vilja Marques. Um fenômeno chamado psicoterrorismo. In: Revista LTr: Legislação do Trabalho, v. 68, n. 7, jul. 2004; COUTINHO, Maria Luiza Pinheiro. Assédio moral no trabalho. In: Justiça do Trabalho, v. 21, n. 248, p. 71-76, ago. 2004; FERREIRA, Hádassa Dolores Bonilha. Assédio moral nas relações de trabalho. Campinas: Russell, 2004; GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2005; HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa do cotidiano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002; MAZEAUD, Antoine. Harcèlement entre salariés: apport de la loi de modernisation. In: Droit Social, n. 3, mars 2002, p. 321-324; MENEZES, Cláudio Armando Couce de. Assédio moral e seus efeitos jurídicos. In: Jornal Trabalhista Consulex, v. 21, n. 1000, jan./2004; SCHMIDT, Martha Halfeld Furtado de Mendonça. Assédio moral no direito do trabalho. In: Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 9a Região, v. 27, n. 47, jan./jun. 2002.

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Este estudo tem por escopo, portanto, destacar o papel que a gestão empresarial hoje pode assumir como motor do assédio moral, bem como a sua utilização como instrumento do exercício de poder dentro da empresa. Para tanto, será aprofundado o estudo do assédio moral organizacional. O termo escolhido, assédio moral organizacional, tem a vantagem de refletir na própria denominação a fonte do assédio moral em apreço. A sua figura abrange os assédios institucional e profissional já citados, não se confundindo especificamente com nenhuma delas.

No intuito de melhor visualizar o cenário em que se situa o problema, no primeiro capítulo se lançará mão do auxílio da história, sociologia e da administração para a compreensão mais ampla das transformações ocorridas nas relações de poder e nos instrumentos de controle social da empresa. Dessa maneira, procurar-se-á evitar o autismo do trabalho científico, denunciado por Alain Supiot, sem descuidar do destaque jurídico da questão, pois, como ele diz:

Quantas coisas sabemos sobre essas mutações, especialmente sobre seus aspectos históricos, econômicos, filosóficos e sociológicos! No entanto, essa soma de conhecimento não servirá ao final das contas para nada se não consegue em um momento ou outro guiar a evolução do regime jurídico atribuído ao trabalho no mundo. Daí a utilidade do diálogo entre juristas e especialistas das ciências sociais, ainda que, claro esse diálogo só possa desempenhar um papel modesto nas mudanças históricas regidas fundamentalmente por relações de força. O alvorecer a que estamos assistindo de um novo mundo do trabalho não é um parto sem dor, mas será tanto mais penoso na medida em que não lhe dote do instrumental necessário para marcar seu rumo.(20)

Bernardo Sorj(21) também enfatiza os benefícios do trabalho interdisciplinar, o qual reúne as reflexões de cada disciplina envolvida sob a sua dimensão específica da matéria em apreço, o que resulta em um trabalho singular, atentando-se ao risco que se corre nessa espécie de trabalho se for desconsiderada a linguagem específica a cada disciplina envolvida, o que poderia resultar em uma espécie de bricolagem.

Este estudo enfrenta o desafio, com consciência das dificuldades e riscos inerentes, no intuito de proporcionar a visualização e a análise mais completa do problema do assédio moral desenvolvido de forma coletiva nas relações de

(20) “!Cuántas cosas sabemos sobre esas mutaciones, especialmente acerca de sus aspectos históricos, económicos, filosóficos y sociológicos! Sin embargo, esa suma de conocimientos no servirá a fin de cuentas para nada si no consigue en un momento u outro guiar la evolución del régimen jurídico atribuido al trabajo en el mundo. De ahí la utilidade del diálogo entre juristas y especialistas de las ciencias sociales, aunque, claro está, esse diálogo sólo puede desempeñar un papel modesto en los cambios históricos regidos fundamentalmente por relaciones de fuerza. El alumbramiento a que estamos asistiendo de un nuevo mundo del trabajo no es un parto sin dolor, pero será tanto más penoso en la medida en que no se le dote del instrumental intelectual necesario para marcar su rumbo.” SUPIOT, Alain. Introducción a las reflexiones sobre el trabajo. In: Revista Internacional del Trabajo, v. 115, n. 6, 1996, p. 660, tradução nossa.(21) SORJ, Bernardo. A democracia inesperada: cidadania, direitos humanos e desigualdade social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004, p. 116-177.

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trabalho, pois do contrário muitos aspectos da questão passariam desapercebidos. No primeiro capítulo, serão descritos, sem qualquer pretensão de exaustão, o panoptismo de Jeremy Bentham, a sociedade disciplinar e seus instrumentos de poder, com base na análise desenvolvida por Michel Foucault, e a denominada sociedade de controle de Gilles Deleuze, cujas características não se apresentam de forma separada, mas sim de forma sobreposta. Em seguida, serão estudados os modelos de gestão de pessoal contemporâneos expressos no taylorismo, fordismo e toyotismo (controle de qualidade total). O objetivo é explicitar os instrumentos e a forma de manifestação do poder – disciplinar, na fábrica e de controle na empresa contemporânea – e a manipulação da subjetividade do trabalhador como último recurso tecnológico do capitalismo.

No segundo capítulo, será esmiuçada a literatura produzida sobre assédio moral, revisando-se os dados estatísticos e critérios para a caracterização dessa violência, para que se possa encontrar um conceito mais adequado ao assédio moral organizacional, com o auxílio de casos descritos na jurisprudência e na mídia nacional e internacional. Nessa ocasião, serão entabuladas as diferenças e semelhanças entre o assédio moral, a discriminação e o assédio sexual, bem como serão descritas as consequências do assédio moral organizacional para a vítima, a empresa e a sociedade em geral.

O terceiro capítulo concentra-se na tensão entre a liberdade e igualdade das partes signatárias de um contrato de trabalho e sua desigualdade material, explicitando-se o gozo das liberdades públicas individuais dentro da empresa sob o pano de fundo dos paradigmas jurídicos do Estado Moderno. Estabelecidos esses parâmetros, serão explicitados os limites do poder diretivo no ordenamento brasileiro, levando-se em conta o abuso de direito do empregador. A análise da teoria do abuso de direito seguirá a aplicação do princípio da integridade de Ronald Dworkin. Por fim, serão analisados criticamente os meios de prevenção e repressão ao assédio moral apresentados pela literatura e pelo direito do trabalho brasileiro para o combate a essa figura.

Esta obra é fruto da angústia decorrente da necessidade de enfrentamento concreto de um número crescente de práticas abusivas que têm exposto trabalhadores a situações incrivelmente vexatórias, de forma coletiva e difusa, mesmo quando individualizadas, de sorte a requerer uma reflexão mais detida sobre os riscos específicos a que hoje se encontram sujeitos os que dependem do trabalho para a sua sobrevivência. À atuação como membro do Ministério Público do Trabalho, devo as questões que nortearam a sua elaboração, tais como: “a) Quais são as características do assédio moral organizacional?”; “b) É necessária a comprovação de enfermidade psicossomática ou psicológica pelas vítimas do assédio moral?”; “c) É necessária a comprovação de dolo ou culpa do agressor?”; “d) O assédio moral se confunde com a discriminação?”; “e) É possível se pensar em assédio moral organizacional horizontal e ascendente?”; “f) Quais os limites do

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poder diretivo do empregador?”; e “g) Como se configura o abuso de direito na relação entre empregado e empregador?”.

Este trabalho tem a pretensão de responder a esses questionamentos, ainda que não seja de forma exaustiva, reconhecendo a complexidade do problema e a dinâmica das relações de trabalho, o que pode resultar na negligência não intencional de aspectos igualmente relevantes. Contudo, ele se propõe ao enfrentamento de questões espinhosas para, na medida do possível, apresentar a melhor resposta para a solução dos problemas concretos que se apresentam no cotidiano.

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CAPÍTULO I – O CONTROLE NA EMPRESA

“Os homens, individual e colectivamente, são,antes de tudo, determinados pelas suas heranças

e pelas atitudes que adoptam para com essas heranças.”(Jacques Le Goff)(1)

1. O panóptico e o poder

Em 1786, Jeremy Bentham sonha um modelo de estabelecimento para a reforma de indivíduos, por meio da educação e da disciplina, a ser apresentado como substituto ao sistema penitenciário inglês, cujas péssimas condições foram denunciadas por John Howard, no livro The state of prisons in England and Wales, with preliminary observations and an account of some foreign prisons and hospitals.(2) John Howard descreve os cárceres e hospícios ingleses da época, apontando a sua superpopulação, sujeira, má ventilação e péssimo estado sanitário. Ele denuncia existência da “febre dos cárceres”, uma variedade mortal de tifo, e a insegurança vigente, com frequentes fugas de presos. Além do mais, destaca a prisão como um local de privilégios e extorsões que resultam na corrupção do caráter do apenado. Como alternativa, o governo inglês resgata o antigo procedimento de deportação dos condenados para as colônias, que, após a independência americana, agora estava direcionado para Austrália.(3)

Contra os partidários da deportação, Bentham opta resolutamente pelo encerramento; contra os apóstolos do confinamento solitário, escolhe as vantagens do trabalho em comum; e, acima de tudo, põe sua confiança na força de um controle em todos os instantes, controle do corpo que se insinua nos movimentos de uma psicologia que não tem como escapar à influência de um ambiente completamente condicionado.(4)

A ideia do panóptico surge em visita a seu irmão Samuel na cidade de Cretcheff, na Rússia meridional. Samuel era então encarregado da direção de

(1) LE GOFF, Jacques. Para um novo conceito de Idade Média: tempo, trabalho e cultura no ocidente. Lisboa: Editorial Estampa, 1993, p. 103.(2) Para melhor aprofundamento do tema, ver PERROT, Michelle. O inspetor Bentham. In: O Panóptico. SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Belo Horizonte: Autêntica, 2000.(3) Em 1786, uma ordem do Conselho decide o envio de navios à Austrália. Em 1787, onze navios com 575 homens, 192 mulheres e 18 crianças são enviados para Botany Bay (PERROT, Michelle. O inspetor Bentham. In: O Panóptico. SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Belo Horizonte: Autêntica, 2000, p. 119).(4) PERROT, Michelle. O inspetor Bentham. In: O Panóptico. SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Belo Horizonte: Autêntica, 2000, p. 136.

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uma instalação fabril, situada em Zadobras, que Potemkine estimava transformar em modelo e ponto de partida para a industrialização russa. Diante da acirrada insubordinação dos trabalhadores, contida muitas vezes somente após a intervenção das tropas governamentais, Samuel idealiza uma unidade industrial, tomando por base a arquitetura da Escola Militar de Paris de 1751(5), em que prevalece o isolamento e a constante observação dos internos.(6) O esboço de Samuel inspira Bentham à criação de um modelo de estabelecimento que, com economia e simplicidade, propiciaria a constante vigilância sobre certo número de indivíduos. Seus princípios são a inspeção central, a vigilância generalizada e uma rigorosa disposição do espaço.

O modelo de Bentham é batizado de Panóptico. Trata-se de um edifício circular, composto por uma torre central com celas individuais ao seu redor, dispostas na forma de anel. A torre central possui grandes janelas voltadas para o interior do anel. Na construção periférica, cada cela ocupa toda a largura do anel e possui duas janelas: uma voltada para o interior e outra para o exterior, de modo que a luz a atravesse em toda extensão, propiciando a visibilidade de seu interior pelo efeito da contraluz. No interior da torre é colocado um vigia e no interior de cada cela o indivíduo ou pequeno grupo de indivíduos a ser vigiado, que poderão ser loucos, alunos, trabalhadores ou prisioneiros. Na torre há persianas e divisórias perpendiculares de maneira a obstar a observação dos movimentos do vigia pelos ocupantes das celas. Mesmo as portas são dispensadas para evitar o controle por intermédio do som ou da luz, sem qualquer prejuízo da visibilidade dos indivíduos submetidos ao controle. A torre é isolada por um fosso. Para comunicação, utiliza-se um mecanismo individualizado, composto por tubos de aço, entre o vigia e cada cela. Como alerta Michel Foucault: “inverte-se o princípio da masmorra; a luz e o olhar de um vigia captam melhor que o escuro que, no fundo, protegia.”(7) “A visibilidade [então] é uma armadilha”(8). E não são apenas os indivíduos submetidos ao sistema disciplinar a serem vigiados, os auxiliares do vigia igualmente são observados da torre. Não se pode confiar em ninguém! O princípio reitor é de desconfiança de tudo e de todos.

Bentham pensava na utilidade da pena – a eliminação dos crimes – e em seu custo para o Estado. Contrabalançando os dois termos, ele defendia a diminuição do gasto e o aumento da vantagem obtida: a pena econômica. A diminuição do gasto é atingida pelo próprio mecanismo proposto para punição: o olhar; o aumento da vantagem, por meio do trabalho do indivíduo vigiado. É essencial nesse organismo o trabalho a ser executado pelo encarcerado. O trabalho tem não apenas uma função produtiva, como também corretiva e simbólica: “disciplinar pelo trabalho e

(5) FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 10. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979, p. 210.(6) Nessa unidade educacional, os dormitórios dos alunos eram compostos por celas envidraçadas que permitiam a sua visibilidade durante a noite, sem que houvesse qualquer contato tanto com os outros alunos quanto com os empregados.(7) FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 10. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979, p. 210.(8) FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 29. ed. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 166.

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para o trabalho, pela produção e para a produção: tal é o discurso obsessivo de Bentham ...”(9). Em vista disso, ele discorda de todo ataque ao corpo, como a pena de morte e mutilações irreversíveis.(10)

Há a graduação das penalidades, bem como o estabelecimento de marcas nos corpos dos condenados de acordo com o crime praticado. Antes de mais nada, para ele, a punição é uma “arte da encenação, feita para suscitar o temor, procedimento essencial de governo, e para, com isso, dissuadir”.(11) Em consequência, a prisão deve estar em um local central e visível a todos na cidade. As paredes de seu edifício devem conter desenhos aterrorizantes.(12)

Bentham acreditava em seu modelo como uma máquina revolucionária. Ele “pensou e disse que seu sistema ótico era a grande inovação que permitia exercer bem e facilmente o poder”.(13) Sua meta de vida durante 20 anos foi exercer a função de vigia sobre mil condenados, na Inglaterra, e para isso gastou toda a sua fortuna. Ao final, ele foi retirado da discussão do sistema penitenciário inglês, que preferiu o modelo da Pensilvânia. Em troca, o governo pagou-lhe a quantia de 23.000 libras, como indenização correspondente ao terreno por ele adquirido para seu projeto.

Jeremy Bentham morreu sem ver a concretização de seus sonhos, pois os edifícios panópticos mais puros somente foram concretizados no final do século XIX e início do século XX. A França, país com governo revolucionário de defesa da igualdade, liberdade e fraternidade de todos os indivíduos e que já lhe havia outorgado o título de Cidadão Francês, é o primeiro local a implementá-lo de forma explícita.(14)

(9) PERROT, Michelle. O inspetor Bentham. In: O Panóptico. SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Belo Horizonte: Autêntica, 2000, p. 142.(10) Entretanto, admite a tortura para certos casos e de forma dosada.(11) PERROT, Michelle. O inspetor Bentham. In: O Panóptico. SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Belo Horizonte: Autêntica, 2000, p. 120.(12) “Os edifícios adaptados a esse uso devem ter um caráter particular, que dê, desde o início, a ideia de enclausuramento, de coação, eliminando qualquer esperança de fuga e como que dizendo: ‘Eis aqui a morada do crime’. O cárcere perpétuo deverá ser pintado de negro. ‘Serão acrescentados diversos emblemas do crime. Um tigre, uma serpente, uma fuinha, representando os instintos malignos, constituiriam, certamente, uma decoração conveniente ... No interior, dois esqueletos, suspensos em ambos os lados de uma porta de ferro, causariam uma grande impressão, fazendo acreditar que essa é a terrível morada da morte’ (BENTHAM. Théorie des peines ..., t. I, p. 148)”. PERROT, Michelle. O inspetor Bentham. In: O Panóptico. SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Belo Horizonte: Autêntica, 2000, p. 122.(13) FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 10. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979, p. 211.(14) PERROT, Michelle. O inspetor Bentham. In: O Panóptico. SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Belo Horizonte: Autêntica, 2000, p. 135.No Brasil, inicia-se o debate do sistema carcerário logo após a abdicação de D. Pedro I. Planeja-se a construção de uma Casa de Correção, seguindo o modelo de Bentham. Cria-se uma comissão encarregada de apresentar um plano de casa de correção e trabalho, em 1831, cuja organização foi incumbida à Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional. A construção dessa prisão somente termina em 1850. Seu modelo se estende por todas as províncias do Império, ainda que subsista o modelo de escravidão, castigos físicos e locais sem oficinas de trabalho (MOTTA, Manoel Barros da. Apresentação. In: FOUCAULT, Michel. Estratégia, poder-saber. MOTTA, Manoel Barros da (org.). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. XXXI/XXXIII).

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Bentham sugere a utilização de seu modelo para a vigilância da mão de obra “livre”, ou seja, aquela composta por pessoas marginalizadas, que não estavam situadas quer no sistema de servidão, quer no sistema corporativo, mas que se encontravam vinculadas a uma localidade. Essas pessoas eram forçadas a prestar trabalhos para a comunidade em “oficinas de caridade”(15), sob pena de serem condenadas por vadiagem e serem obrigadas a prestar serviços forçados em piores condições nos “depósitos de mendicância”(16). O modelo do Panóptico é revolucionário na medida em que dispensa a coerção física frequentemente utilizada no tratamento desses trabalhadores.(17)

Michel Foucault resgata o panoptismo no trabalho sobre as sociedades disciplinares, analisado na sequência, e o revela como molde para a composição e exercício do poder na fábrica desde o início da revolução industrial. Embora o panoptismo peque pela ingenuidade em acreditar na força da vigilância como suficiente para a coerção psicológica e indução à prática do bem pelas pessoas, ele é extremamente revolucionário ao reconhecê-la como um dos instrumentos de poder. “A fórmula abstrata do Panoptismo não é mais, então, ‘ver sem ser visto’, mas impor uma conduta qualquer a uma multiplicidade humana qualquer”(18) pela simples possibilidade de ser visto. Nesse contexto, a simples imagem da torre central já serve como instrumento de poder, pois, como Bentham reconhece, não importa quem esteja no lugar do vigilante (e nem mesmo se o vigilante está ali!). Essa imagem cumpre a mesma função das câmeras, instaladas em pontos estratégicos da empresa, as quais, ainda que desligadas ou não monitoradas (até porque quem tem tempo para ver tantas imagens?), servem, segundo as empresas, para prevenir furtos e vigiar o comportamento dos subordinados.

A apresentação do Panóptico, destacada no início deste capítulo sobre o controle na empresa, tem o condão de chamar a atenção para a necessidade de se estudar o passado como forma de compreensão do presente e modulação do futuro. Como nos ensina Anthony Giddens:

Devemos ser cuidadosos com o modo de entender a historicidade. Ela pode ser definida como o uso do passado para ajudar a moldar o presente, mas não depende de um respeito pelo passado. Pelo contrário, historicidade

(15) “A oficina de caridade, como certas oportunidades de trabalho preparadas no âmbito local pelas poor laws inglesas, visa a um espectro mais amplo de indigentes excluídos do emprego e mesmo, em princípio, ao conjunto daqueles que não teriam podido encontrar um trabalho por seus próprios meios. Oportunidades de trabalho seriam, então, em princípio, oferecidas pelo poder público.” Como as oportunidades eram insuficientes, nesses trabalhos, os preços eram reduzidos e somente eram admitidos os mais necessitados. (CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 185).(16) “A obrigação aqui se torna pura repressão, e a referência que se manteve ao trabalho para produzir é um álibi ruim, como na workhouse inglesa, para práticas punitivas como mera intimidação” (CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 185).(17) Como exemplo, tem-se o relato de Max Weber de que “no século XVIII, trabalhadores eram acorrentados por coleiras de ferro nas minas de Newcastle”. WEBER, Max. Historique economique, apud CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 207.(18) DELEUZE, Gilles. Foucault 1. ed. 5a reimpressão. São Paulo: Brasiliense, 2005, p. 43, grifo no original.

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significa o conhecimento sobre o passado como um meio de romper com ele – ou, ao menos, manter apenas o que pode ser justificado de uma maneira proba. A historicidade, na verdade, nos orienta primeiramente para o futuro. O futuro é visto como essencialmente aberto, embora como contrafatualmente condicional sobre linhas de ação assumidas com possibilidades futuras em mente.(19)

O distanciamento, obtido com o estudo de formas de controle antigas, permite a análise crítica do presente e condiciona a aceitação de determinado comportamento ao seu ajuste aos princípios de nossa sociedade.

No estudo em apreço, ver-se-á como a racionalidade do Panóptico se projetou na sociedade moderna e principalmente nos modelos de gestão empresarial a partir do século XIX. Seguindo a trilha dos acontecimentos, com a atualização dos modelos de controle social, passa-se então à análise das relações de poder desenvolvidas por Michel Foucault em relação à sociedade disciplinar e por Gilles Deleuze no que se refere à sociedade de controle, cujo trabalho é essencial para a visibilidade das possibilidades do assédio moral coletivo na empresa.

2. O poder

Michel Foucault dedicou a sua vida ao estudo das relações de poder em nossa sociedade, articulando-o às, por ele denominadas, experiências fundamentais: como a loucura, a prisão, a sexualidade. Para ele, o poder constitui um componente necessário de toda ordem social. “É verdade, parece-me, que o poder ‘já está sempre ali’; que nunca estamos ‘fora’, que não há ‘margens’ para a cambalhota daqueles que estão em ruptura.”(20) Trata-se de uma ação relacional, da situação em que a ação de um indivíduo afeta as ações de outro. Ele se expressa e se exerce em rede, sem estar centralizado em um titular determinado.“O poder não é nem uma estrutura, não é uma potência de que alguns seriam dotados: é o nome dado a uma situação estratégica complexa numa sociedade determinada.”(21) Para conhecer o poder, deve-se perguntar o que ocorre quando se exerce o poder? Para que serve? E não, quem o possui ou o que ele é?

Foucault preocupa-se com a inter-relação entre poder/saber, poder/verdade.

Produz-se verdade. Essas produções de verdades não podem ser dissociadas do poder e dos mecanismos de poder, ao mesmo tempo porque esses mecanismos de poder tornam possíveis, induzem essas

(19) GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. 2a reimpressão. São Paulo: Editora Unesp, 1991, p. 56.(20) FOUCAULT, Michel. Estratégia, poder-saber. MOTTA, Manoel Barros da (org.). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 248.(21) FOUCAULT, Michel, apud MOTTA, Manoel Barros da. Apresentação. In: Estratégia, poder-saber. MOTTA, Manoel Barros da (org.). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. XII.

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produções de verdades, e porque essas produções de verdade têm, elas próprias, efeitos de poder que nos unem, nos atam.(22)

Essa força não se expressa apenas pela repressão; há também forças construtivas de ação.

O que faz com que o poder se firme, que seja aceito, é simplesmente que não age apenas como uma força que diz não, mas também que de fato a atravessa e produz coisas, induz prazer, forma saber, produz discursos; é preciso considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social mais do que uma instância negativa com função repressora.(23)

O exercício do poder pressupõe a liberdade das pessoas envolvidas, sejam sujeitos individuais ou coletivos. Sendo uma relação de força, ele traz em si o enfren-tamento e a resistência. Sempre haverá a possibilidade de reversibilidade da situação. Esta a razão pela qual o poder tenta se “manter com tanto mais força, tanto mais astúcia quanto maior for a resistência”.(24) Se a liberdade entre as partes envolvidas for assimétrica, a liberdade fica limitada, formando-se uma relação de dominação.

Entretanto, como destaca Michel Foucault, “o poder não é onipotente, onisciente, ao contrário!” [...] ele “sempre foi impotente”(25), o que justifica o desenvolvimento de tantas formas de inquirição, modelos de saber, sistemas de controle e vigilância. O exercício do poder vem-se aprimorando pela inserção de diversos instrumentos, utilizados concomitantemente, e pela conjugação de diversos modelos, pensados para situações diferentes e até contraditórias, sobre uma mesma realidade, os quais se perpetuam e encontram espaço na empresa contemporânea. A tecnologia do Panóptico então é associada a outros mecanismos de controle para seu melhor êxito. No trabalho sobre a sociedade disciplinar, Foucault explicita e observa outros modelos e mecanismos de poder vigente nas relações humanas do século XVIII, a cuja análise se passará a seguir.

2.1. A sobreposição de modelos de exercício de poder do século XVIII

A sucessão de um modelo social por outro não resulta necessariamente no abandono das antigas fórmulas de exercício de poder, mas a sua adaptação e incorporação de maneira a incrementar ainda mais a sua eficácia conforme a

(22) FOUCAULT, Michel. Estratégia, poder-saber. MOTTA, Manoel Barros da (org.). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 229.(23) Lo que hace que el poder agarre, que se le acepte, es simplemente que no pesa solamente como una fuerza que dice no, sino que de hecho la atraviesa, produce cosas, induce placer, forma saber, produce discursos; es preciso considerarlo como una red productiva que atraviesa todo el cuerpo social, más que como una instancia negativa que tiene función reprimir. (FOUCAULT, Michel, apud HERRAN, Eric. El poder de Foucault: una miniatura, p. 240, tradução livre. Disponível em: <http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/doxa/12471733212570739987891/isonomia10/isonomia10_14.pdf> Acesso em: 7.3.2005. Tradução nossa.)(24) FOUCAULT, Michel. Estratégia, poder-saber. MOTTA, Manoel Barros da (org.). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 232.(25) FOUCAULT, Michel. Estratégia, poder-saber. MOTTA, Manoel Barros da (org.). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 274.