talidomida na gravidez

14
99 Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(1):99-112, jan-mar, 1999 ARTIGO ARTICLE Talidomida no Brasil: vigilância com responsabilidade compartilhada? Thalidomide in Brazil: monitoring with shared responsibility? 1 Núcleo de Assistência Farmacêutica, Escola Nacional de Saúde Pública. Rua Leopoldo Bulhões 1480/617, Rio de Janeiro, RJ 21041-210, Brasil. 2 Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan). Rua do Matoso 6, grupo 205, Rio de Janeiro, RJ 20270-130, Brasil. Maria Auxiliadora Oliveira 1 Jorge Antônio Zepeda Bermudez 1 Arthur Custódio Moreira de Souza 2 Abstract This paper discusses issues related to the regulation and rational use of thalidomide in Brazil, by means of a historical approach comprising three different stages. The first part is a historical review of the controversial drug since it was first synthesized, then marketed and sub- sequently banned during the 1950s and 60s, until the present, when an apparently irreversible process of rehabilitating the drug is under way. Brazilian experience with the use of thalidomide is described, emphasizing legal, political, and institutional work led by two social movements, the Brazilian Association of People with Thalidomide Syndrome (ABPST) and the Movement for Reintegration of People with Hansen’s Disease (Morhan). The article describes the results and analyzes an active search of new cases in what is a second generation of thalidomide syndrome in Brazil. Finally, based on clinical and scientific evidence of thalidomide’s therapeutic efficacy, the growth of social movements struggling both for and against authorization of the drug, and a restrictive regulation proposed by the Ministry of Health, the article discusses the implementa- tion of policies for the regulation and rational use of thalidomide in Brazil. Key words Thalidomide; Drug Regulation; Drug Legislation Resumo Este trabalho analisa questões relacionadas ao processo de regulação e uso racional da talidomida no Brasil, mediante abordagem histórica, que percorre três momentos distintos. O primeiro segmento é composto por um rastreamento dos caminhos percorridos por esse polêmi- co medicamento, desde a fase inicial de sua síntese, mercadização e banimento, ocorridos na dé- cada de 50 e início dos anos 60, até os dias atuais, quando se encontra em curso um processo, aparentemente irreversível, de reabilitação da droga. Em seguida, relata-se a experiência brasi- leira com o uso da talidomida, enfatizando o trabalho desenvolvido pela ABPST e pelo Morhan nos campos jurídico, político e institucional. São apresentados e analisados os resultados de uma pesquisa de busca ativa dos casos, que compõem a chamada segunda geração dos portado- res da síndrome da talidomida no Brasil. Finalizando, à luz das evidências clínicas e científicas da eficácia terapêutica da talidomida,do crescimento de movimentos sociais a favor e contra a liberação do uso da mesma e da proposta de regulamentação restritiva do Ministério da Saúde, discutem-se aspectos relacionados à implementação da política de regulação e uso racional da talidomida no Brasil. Palavras-chave Talidomida; Regulação de Medicamentos; Legislação de Medicamentos

Upload: giselle-mendes

Post on 24-Oct-2015

65 views

Category:

Documents


3 download

TRANSCRIPT

Page 1: Talidomida Na Gravidez

99

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(1):99-112, jan-mar, 1999

ARTIGO ARTICLE

Talidomida no Brasil: vigilância comresponsabilidade compartilhada?

Thalidomide in Brazil: monitoring with shared responsibility?

1 Núcleo de AssistênciaFarmacêutica, EscolaNacional de Saúde Pública.Rua Leopoldo Bulhões1480/617, Rio de Janeiro, RJ21041-210, Brasil.2 Movimento de Reintegraçãodas Pessoas Atingidas pelaHanseníase (Morhan).Rua do Matoso 6, grupo 205,Rio de Janeiro, RJ 20270-130, Brasil.

Maria Auxiliadora Oliveira 1

Jorge Antônio Zepeda Bermudez 1

Arthur Custódio Moreira de Souza 2

Abstract This paper discusses issues related to the regulation and rational use of thalidomidein Brazil, by means of a historical approach comprising three different stages. The first part is ahistorical review of the controversial drug since it was first synthesized, then marketed and sub-sequently banned during the 1950s and 60s, until the present, when an apparently irreversibleprocess of rehabilitating the drug is under way. Brazilian experience with the use of thalidomideis described, emphasizing legal, political, and institutional work led by two social movements,the Brazilian Association of People with Thalidomide Syndrome (ABPST) and the Movement forReintegration of People with Hansen’s Disease (Morhan). The article describes the results andanalyzes an active search of new cases in what is a second generation of thalidomide syndromein Brazil. Finally, based on clinical and scientific evidence of thalidomide’s therapeutic efficacy,the growth of social movements struggling both for and against authorization of the drug, and arestrictive regulation proposed by the Ministry of Health, the article discusses the implementa-tion of policies for the regulation and rational use of thalidomide in Brazil.Key words Thalidomide; Drug Regulation; Drug Legislation

Resumo Este trabalho analisa questões relacionadas ao processo de regulação e uso racional datalidomida no Brasil, mediante abordagem histórica, que percorre três momentos distintos. Oprimeiro segmento é composto por um rastreamento dos caminhos percorridos por esse polêmi-co medicamento, desde a fase inicial de sua síntese, mercadização e banimento, ocorridos na dé-cada de 50 e início dos anos 60, até os dias atuais, quando se encontra em curso um processo,aparentemente irreversível, de reabilitação da droga. Em seguida, relata-se a experiência brasi-leira com o uso da talidomida, enfatizando o trabalho desenvolvido pela ABPST e pelo Morhannos campos jurídico, político e institucional. São apresentados e analisados os resultados deuma pesquisa de busca ativa dos casos, que compõem a chamada segunda geração dos portado-res da síndrome da talidomida no Brasil. Finalizando, à luz das evidências clínicas e científicasda eficácia terapêutica da talidomida, do crescimento de movimentos sociais a favor e contra aliberação do uso da mesma e da proposta de regulamentação restritiva do Ministério da Saúde,discutem-se aspectos relacionados à implementação da política de regulação e uso racional datalidomida no Brasil.Palavras-chave Talidomida; Regulação de Medicamentos; Legislação de Medicamentos

Page 2: Talidomida Na Gravidez

OLIVEIRA, M. A.; BERMUDEZ, J. A. Z. & SOUZA, A. C. M.100

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(1):99-112, jan-mar, 1999

Introdução

Em setembro de 1997, foi anunciado na im-prensa internacional (McLean, 1997; Rutter,1997) que a agência regulatória norte-america-na Food and Drug Administration (FDA) plane-java aprovar a reintrodução da talidomida nomercado americano. De acordo com as pala-vras de Harry Schwartz, jornalista do The NewYork Times: “This was as astonishing as wouldhave been the reinstatement, after the Americanrevolution by President George Washington, ofthe traitor and British spy, Benedict Arnold, toall his former military rank, honours and privi-leges” (Schwartz, 1997:30).

Tamanha perplexidade se justifica porquehá quarenta anos aconteceu uma das mais ter-ríveis tragédias da história da farmacoterapia:o desastre da talidomida. Entre 1958 e 1962, foiobservado, principalmente na Alemanha e In-glaterra, o nascimento de milhares de criançasque apresentavam graves deformidades congê-nitas, caracterizadas pelo encurtamento dosossos longos dos membros superiores e/ou in-feriores, com ausência total ou parcial dasmãos, pés e/ou dos dedos. Em cerca de 25% doscasos, verificava-se o acometimento simultâ-neo e assimétrico dos quatro membros, confor-mando um quadro que se convencionou deno-minar de focomelia. Lenz, um médico alemãoque vinha acompanhando uma série de casosda nova síndrome, estabeleceu, pela primeiravez, a correlação entre o consumo da talido-mida por gestantes e o aparecimento das mal-formações congênitas (Mellin & Katzenstein,1962b).

Diante das fortes evidências clínico-epi-demiológicas e da ampla cobertura dada aocaso pela imprensa, o laboratório farmacêuticoChemie Grunenthal, proprietário da patente datalidomida, determinou a retirada do medica-mento do mercado alemão. Foi assim que omundo tomou ciência de que uma substânciacomercializada como “completamente inócua...segura... surpreendentemente segura... atóxica etotalmente inofensiva” (Braithwaite, 1984) foi aresponsável pelo nascimento de cerca de 10 a15 mil crianças malformadas, então conheci-das como ‘os bebês da talidomida’.

Embora tenham acontecido outras tragé-dias induzidas pelo uso de medicamentos an-tes e depois dessa, nenhuma delas atingiu tan-tas vidas nem teve tamanho impacto sobre osorganismos reguladores (D’Arcy & Griffin, 1994;Abraham, 1995; Mokhiber, 1995a). Adicional-mente, este episódio é considerado como umdos mais importantes condicionantes do in-teresse atual da farmacologia, enfatizando os

conceitos de eficácia, relação benefício-risco ebenefício-custo (Capellà & Laporte, 1989).

Por que ressuscitar um medicamento bani-do de quase todo o mundo há quatro décadas?Qual é a experiência de países como o Brasil,onde a droga foi reabilitada há mais tempo?Que mecanismos de controle e vigilância pre-cisam ser elaborados e acionados para garantirque um novo desastre não volte a ocorrer? Qualé o papel das instituições oficiais do setor saú-de e da sociedade civil organizada nesse pro-cesso? Este trabalho se propõe a discutir essasquestões, através de uma análise histórica, quepercorre três momentos distintos. O primeirosegmento é composto por um rastreamentodos caminhos percorridos por esse polêmicomedicamento, desde a fase inicial de sua sínte-se, mercadização e banimento, ocorridos nadécada de 50 e início dos anos 60, até os diasatuais, quando se encontra em curso um pro-cesso, aparentemente irreversível, de reabilita-ção da droga.

Em seguida, relata-se a experiência brasi-leira com o uso da talidomida enfatizando otrabalho desenvolvido pela Associação Brasi-leira dos Portadores da Síndrome da Talidomi-da (ABPST) e pelo Movimento pela Reintegra-ção das Pessoas Atingidas pela Hanseníase(Morhan) nos campos jurídico, político e insti-tucional. São apresentados e analisados os re-sultados de uma pesquisa de busca ativa doscasos que compõem a chamada segunda gera-ção dos portadores da síndrome da talidomidano Brasil.

Finalizando, à luz das evidências clínicas ecientíficas da eficácia terapêutica da talidomi-da, do crescimento de movimentos sociais a fa-vor e contra a liberação do uso da mesma e daregulamentação proposta pelo Ministério daSaúde (Portaria 160/97), são abordados aspec-tos relacionados com a política de regulação euso racional da talidomida no Brasil.

Talidomida: da síntese ao banimentomundial

1) Droga maravilhosa e mercadização sem limites

Embora sintetizada pela primeira vez em 1953nos laboratórios da Ciba, apenas no ano se-guinte a empresa alemã Chemie Grunenthalsintetizou a substância tendo como objetivoinicial a sua utilização como anti-histamínico.Estudos realizados em animais falharam emconfirmar esse efeito, mas demonstraram aspropriedades sedativas e hipnóticas da subs-

Page 3: Talidomida Na Gravidez

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(1):99-112, jan-mar, 1999

tância. Assim, o principal efeito demonstradonos estudos realizados pela Grunenthal foi acapacidade da talidomida de provocar um so-no profundo e duradouro sem provocar efeitosindesejáveis no dia seguinte (Stirling et al.,1997).

Outra importante característica detectadanaquela época foi a alegada baixa toxicidade. Adespeito de seu potencial hipnótico ser seme-lhante ao dos barbitúricos, a intoxicação agudapela talidomida era considerada um eventoquase impossível. Os experimentos realizadosem ratos, cobaias e coelhos não mostraram ta-xas de letalidade significativas, mesmo utilizan-do altas doses (Mellin & Katzenstein, 1962a).

Generalizando para humanos os resultadosobtidos em animais de laboratório, a Grunen-thal lançou o medicamento no mercado emoutubro de 1957. Indicado inicialmente comosedativo e anunciado pela empresa como “in-teiramente atóxico”, era consumido sem pres-crição médica. O Contergan®, primeira marcalançada no mercado, transformou-se rapida-mente em um dos medicamentos líderes devendas na Alemanha.

Tendo como alvo a população em geral, jáque o produto era de venda livre, mas sem sedescuidar da categoria médica, a Grunenthalpromoveu uma ampla campanha publicitáriacom o slogan “completamente inócuo, comple-tamente seguro”, com anúncios programadospara cinqüenta publicações médicas de pri-meira linha, além de duzentas mil cartas paramédicos do mundo inteiro e cinqüenta mil far-macêuticos. Assim, como relata Mokhiber, “atalidomida tinha saído do ovo e no fim do pri-meiro ano as vendas já haviam atingido noven-ta mil unidades por mês” (Mokhiber, 1995a:371).

Segundo Lenz (1988), no período pré-mar-keting, compreendido entre 1954 e 1957, inú-meros ensaios clínicos foram realizados com oobjetivo de avaliar a eficácia da droga para umaampla diversidade de situações, como distonianeurovegetativa, tuberculose, influenza, co-queluche, hipertensão, arteriosclerose, hiperti-reoidismo, afecções gástricas de origem nervo-sa e problemas hepáticos. A empresa dissemi-nava a idéia de que se tratava de uma drogamultipotente e livre de efeitos colaterais.

Em agosto de 1956, a Grunenthal mandouimprimir e distribuir um folheto promocionaldiscriminando uma série de indicações tera-pêuticas da talidomida, como: irritabilidade,baixa concentração, estado de pânico, ejacula-ção precoce, tensão pré-menstrual, medo deser examinado, desordens funcionais do estô-mago e vesícula biliar, doenças infecciosas fe-

TALIDOMIDA NO BRASIL 101

bris, depressão leve, ansiedade, hipertireoidis-mo e tuberculose. Indicado também como an-tiemético, na Alemanha chegou a ser descritocomo o melhor medicamento para ser admi-nistrado a gestantes e lactantes (D’Arcy & Grif-fin, 1994).

Associações medicamentosas com outroscompostos também foram comercializadas pe-la Grunenthal. Esses produtos eram indicadospara resfriados, tosse, cefaléias e asma. Umadas apresentações farmacêuticas sob forma delíquido era usualmente utilizada em hospitaisalemães para sedar crianças durante exame ele-troencefalográfico (Stirling et al., 1997).

O aumento colossal das vendas teve enor-me impacto no balanço financeiro da empre-sa, de tal sorte que, em 1960, no auge do pro-cesso de expansão do mercado, apenas na Ale-manha foram vendidas aproximadamente 14toneladas do produto por ano (Zwingenberger& Wnendt, 1996). Em nível mundial, cerca devinte países foram licenciados para produzire/ou distribuir a talidomida. Nessa ocasião, 14empresas eram responsáveis pela produção domedicamento sob 17 diferentes nomes de mar-ca (Mellin & Katzenstein, 1962a; Stirling et al.,1997). Assim, a comercialização da talidomidarapidamente se difundiu por todos os conti-nentes, incluindo 11 países europeus, sete afri-canos, 17 asiáticos e 11 nas Américas do Nortee do Sul (Mokhiber, 1995a).

Paralelamente ao crescimento das vendas,começaram a surgir os primeiros relatos médi-cos sobre reações adversas, incluindo consti-pação intestinal, tonteiras, sensação de ressa-ca, perda de memória e polineurites, entre ou-tras. Por seu lado, a Grunenthal minimizava es-ses relatos, atribuindo-os ao uso de altas dosese por tempo prolongado (Mokhiber, 1995a).

2) Expandindo fronteiras

Na Grã-Bretanha, o medicamento começou aser vendido em abril de 1958, através da Distil-lers Biochemicals Ltd. (DBCL), considerada agigante empresa de bebidas alcoólicas. Essaempresa viu a talidomida como uma droga ma-ravilhosa, que poderia transformar-se numaalternativa para o uísque: “se as pessoas iam en-golir pílulas em lugar de Johnny Walker, a DBCLqueria garantir sua participação nesse merca-do”. Uma ampla campanha publicitária foi im-plementada, ressaltando os efeitos benéficosda talidomida, que poderia substituir os barbi-túricos, incriminados de provocar um crescen-te número de mortes por intoxicação, com avantagem de ser considerada “absolutamentesegura e atóxica” (Mokhiber, 1995a:373).

Page 4: Talidomida Na Gravidez

OLIVEIRA, M. A.; BERMUDEZ, J. A. Z. & SOUZA, A. C. M.102

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(1):99-112, jan-mar, 1999

Embora fosse praxe da indústria farmacêu-tica realizar testes para descobrir efeitos cola-terais, a DBCL iniciou a comercialização doDistival®, nome de marca dado à talidomida naGrã-Bretanha, sem nenhum suporte técnicoalém de um relatório de uma página fornecidopela Grunenthal (Mokhiber, 1995a).

Preocupada com os lucros, essa empresa ig-norou os relatos médicos sobre possíveis efei-tos colaterais relacionados ao uso prolongadodo produto, dentre os quais ressalta-se a neu-rite periférica (Mellin & Katzenstein, 1962a).Dois meses antes do início da comercializaçãodo medicamento na Inglaterra, foram publica-dos no British Medical Journal os resultadosdas pesquisas realizadas pela DCBL. De acordocom James Murdoch, um dos pesquisadoresenvolvidos nos testes, “seria injustificável usara droga por longos períodos como sedativo outerapia hipnótica, dependendo de resultados deestudos mais detalhados sobre seus efeitos delongo prazo num número maior de pacientes”(Mokhiber, 1995a:372).

Ignorando essas recomendações, o depar-tamento de vendas promoveu ampla campa-nha publicitária enfatizando a segurança doDistival®, de tal forma que um dos anúncios vei-culados pela televisão apresentava uma crian-ça pequena tentando alcançar um vidro do re-médio em uma prateleira com medicamentos(Stirling et al., 1997).

Como era esperado, o resultado foi espeta-cular. Em 1961, a DCBL já tinha atingido o pata-mar de 64 milhões de pílulas de talidomida ven-didas. Empenhada em ampliar mais ainda seumercado, nesse mesmo ano enviou folheto aosmédicos afirmando que: “O Distival® pode seradministrado com segurança para gestantes emães no processo de aleitamento materno semquaisquer efeitos adversos tanto para as mãescomo para os bebês...” (Mokhiber, 1995a:374).

3) Talidomida: droga maldita

A partir de 1959, inicialmente na Alemanha,começaram os relatos médicos sobre o aumen-to da incidência de nascimentos de criançascom um tipo peculiar de malformação congê-nita, caracterizada pelo desenvolvimento de-feituoso dos ossos longos dos braços e pernas ecujas mãos e pés variavam entre o normal e orudimentar. A essa síndrome foi dado o nomede focomelia, pela semelhança daquelas crian-ças com a forma externa das focas (Mellin &Katzenstein, 1962b; D’Arcy & Griffin, 1994; Stir-ling et al., 1997)

Em setembro de 1961, Wiedemann (Mellin& Katzenstein, 1962b) chamou a atenção para

o aumento da incidência de malformações hi-poplásticas ou aplásticas das extremidades,tendo levantado a hipótese de associação des-ses eventos com o uso de algum novo medica-mento. Naquela ocasião, vivia-se a famosa erade ouro da indústria farmacêutica, que coloca-va anualmente no mercado uma enorme quan-tidade e variedade de novos produtos (Bermu-dez, 1995).

Entretanto, foi em novembro de 1961, du-rante o North Rhein-Westphalia Pediatric Mee-ting em Dusseldorf, Alemanha, que Lenz, apósa apresentação de 34 casos de recém-natos comgraves deformidades das extremidades, em pes-quisa realizada por Pfeiffer & Kosenow, levan-tou publicamente a possibilidade de as ano-malias congênitas relatadas terem sido provo-cadas pelo consumo de talidomida durante agestação (Mellin & Katzenstein, 1962b).

Essa hipótese foi reforçada por McBride(1961), estabelecendo a correlação entre o usoda talidomida em gestantes e o desenvolvimen-to das referidas anormalidades congênitas. Es-se pesquisador observou que 20% das gestan-tes por ele acompanhadas e que fizeram uso doDistival® como antiemético durante a gravi-dez, geraram crianças com múltiplas e gravesanormalidades, enquanto a incidência geral deanormalidades congênitas observadas ante-riormente em seu país era de cerca de 1,5%.

A essa altura, a tragédia do nascimento demilhares de crianças com graves deformidadesjá havia ocorrido em todo o mundo, com umaespecial concentração na Alemanha Ocidentale na Inglaterra.

Embora a focomelia seja a malformaçãocongênita mais difundida como associada aouso da talidomida, Mellin & Katzenstein (1962b)descreveram outras anomalias comprometen-do diversos sistemas e órgãos. Como conse-qüência, a talidomida foi retirada do mercadopela Chemie Grunenthal em novembro de 1961,pela DBCL em dezembro de 1961, e pela Wil-liam S. Merrel Company em março de 1962.

Nos Estados Unidos, onde a talidomida nãochegou a ser licenciada em razão de exigênciassobre segurança impostas por uma funcionáriada agência regulatória americana, o Food andDrug Administration (FDA) saiu desse episódiofortalecido, passando a assumir a coordenaçãode todas as atividades relativas à política de re-gulação de medicamentos naquele país, a par-tir da emenda Kefauver-Harris de outubro de1962 (Kelsey, 1988). Estudos de eficácia de no-vos e antigos medicamentos foram regulamen-tados por essa agência, passando a ser exigidospara o registro de fármacos. Adicionalmente,ao FDA foi conferida autonomia para cassar li-

Page 5: Talidomida Na Gravidez

TALIDOMIDA NO BRASIL 103

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(1):99-112, jan-mar, 1999

cenças dadas a medicamentos cuja segurançae eficácia viessem a ser contestadas, passandoa ser exigido o cumprimento de um longo e ri-goroso processo de comprovação da segurançae eficácia de cada substância candidata a me-dicamento (Kelsey, 1988; Abraham, 1995).

Vale ressaltar que, naquela ocasião, aindanão estava devidamente esclarecida a correla-ção entre o consumo dessa substância e os de-feitos congênitos citados. Além disso, mesmoos efeitos colaterais já reconhecidos, como apolineurite, eram minimizados ou até omitidospela empresa alemã (Kelsey, 1988). Os casos deanomalias congênitas registrados nos EstadosUnidos causados pelo uso da talidomida ocor-reram em conseqüência de ensaios clínico-te-rapêuticos realizados por cerca de 1.200 médi-cos, que receberam o medicamento diretamen-te da empresa, utilizando-o como antieméticoem suas pacientes gestantes. Não havia, naque-la época, nenhum tipo de controle governamen-tal sobre a realização de testes clínicos com me-dicamentos em território americano (Kelsey,1988).

A talidomida começou a ser comercializadano Brasil em março de 1958, tendo sido relata-dos os primeiros casos de malformações a par-tir de 1960. Apesar de ter sido retirada do mer-cado na Alemanha e Inglaterra no final de 1961,por total falta de informação quanto aos efeitosadversos já comprovados, o medicamento con-tinuou sendo vendido em nosso país como umadroga “isenta de efeitos colaterais”, pelo menosaté junho de 1962 (Lenz, 1988). Nesse período(1958-1962), a talidomida foi comercializadaem território nacional por diversos laboratóriosfarmacêuticos, sob diversos nomes de marca.

No período compreendido entre 1962 e1965, a talidomida foi banida de quase todo omundo. De acordo com informações obtidasjunto à Associação Brasileira dos Portadores daSíndrome da Talidomida (ABPST), esse medi-camento só foi de fato retirado do mercado bra-sileiro em 1965, ou seja, com pelo menos qua-tro anos de atraso. O número de vítimas ditasde primeira geração é estimado em cerca detrezentos. Segundo Lenz (1988), os casos queocorreram no período compreendido entreagosto de 1962 e 1965 devem ser consideradoscomo casos evitáveis da síndrome.

A retirada da droga não encerrou a questão,pois existiam milhares de crianças vítimas datalidomida, cujas vidas seriam marcadas porsérias dificuldades e cujos familiares decidiramse organizar para exigir algum tipo de indeni-zação das empresas produtoras. Esse movimen-to acabou se disseminando nas várias regiõesdo mundo.

A hanseníase e a talidomida reabilitada

Quis o acaso que a droga encontrasse novoscaminhos que permitissem sua reabilitação,ainda que parcial. Isto ocorreu a partir de 1965,quando um dermatologista israelense prescre-veu o medicamento a um paciente que apre-sentava hiperatividade psíquica associada aum quadro de grave reação hansênica do tipoII (eritema nodoso ou ENL) (Sheskin, 1965a).No dia seguinte, pôde constatar uma melhoraacentuada e rápida do quadro geral do pacien-te com regressão importante das lesões cutâ-neas. Este fato foi posteriormente comprovadopor diversos estudos realizados, incluindo umensaio clínico, multicêntrico e duplo-cego coor-denado pela Organização Mundial da Saúde(OMS) (Sheskin, 1965b; Iyer et al., 1971; Shes-kin & Sagher, 1975; WHO, 1988; Sampaio et al.,1993; Lockwood, 1996). O tratamento dos ca-sos graves de reação hansênica tipo II (ENL),cuja resposta aos esquemas terapêuticos tradi-cionais seja insatisfatória, pode ser considera-da como a primeira indicação precisa para ouso da talidomida.

Embora fosse conhecida desde o início dadécada de 60 a capacidade dessa substância deprolongar a vida de transplantes homólogos emanimais de laboratório (Hellman et al., 1965), aatividade antiinflamatória e imunomodulado-ra da talidomida foi efetivamente enfatizada apartir de 1965. Diversas linhas de pesquisa vêmsendo realizadas com o objetivo de esclareceros vários mecanismos envolvidos na interaçãodessa substância com as diferentes linhagensde células do sistema imunológico, retículo-endotelial e nervoso (Faure et al., 1980; Sam-paio et al., 1991; Sampaio et al., 1993; Zwingen-berger & Wnendt, 1996; Tseng et al., 1996; Cal-derón et al., 1997).

Uma das mais importantes descobertas nes-se sentido foi a demonstração da capacidadeda talidomida de inibir a produção do fator denecrose tumoral, o TNF-α (Sampaio et al., 1991;Sampaio et al., 1993). Essa inibição parece serseletiva, ocorrendo em virtude do aumento dadegradação do ácido ribonucléico mensageirodo TNF-α sem afetar outras atividades imuno-moduladoras (Moreira et al., 1993). Esta citoci-na tem papel importante nos processos infla-matórios e imunológicos de algumas condi-ções mórbidas graves, como a caquexia, artri-te reumatóide, lúpus eritematoso, doença deCrohn e doença do enxerto-contra-hospedeiro(Calderón et al., 1997).

Outra questão mais recente é a sua capaci-dade de atuação como agente inibidor da repli-cação do vírus HIV-1. Um estudo realizado

Page 6: Talidomida Na Gravidez

OLIVEIRA, M. A.; BERMUDEZ, J. A. Z. & SOUZA, A. C. M.104

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(1):99-112, jan-mar, 1999

com monócitos infectados por este vírus, co-lhidos do sangue periférico de 17 pacientescom a Síndrome da Imunodeficiência Adquiri-da (Aids), demonstrou que a talidomida supri-miu in vitro a ativação de HIV-1 latente naque-las células em 16 dos 17 pacientes com Aids(Makonkawkeyoon et al., 1993). Outro estudomais recente (Moreira et al., 1997) também de-monstrou a capacidade de inibição in vitro dareplicação do HIV-1 em macrófagos humanostratados com talidomida ou análogos.

Esses conhecimentos, associados aos resul-tados promissores obtidos na experimentaçãoclínica da talidomida em algumas enfermida-des graves, como a doença do enxerto-contra-hospedeiro, o lúpus eritematoso discóide e al-gumas afecções associadas à Aids, vêm que-brando resistências à reabilitação desse medi-camento.

Muitas questões ainda se encontram semresposta no campo dos mecanismos de ação datalidomida. Os estudos sobre as suas proprie-dades imunofarmacológicas são promissores,mas ainda se encontram em fase de desenvol-vimento (Calderón et al., 1997). Zwingenberger& Wnendt (1996:202), após extensa revisão daliteratura científica sobre esse assunto, con-cluem dizendo: “no single mechanism has beenidentified yet which accounts for the clinical ac-tivity of thalidomide”.

Quanto às indicações clínicas, em que pesea polêmica envolvendo os riscos do uso da tali-domida, já existe algum consenso na literaturainternacional em torno do tratamento de deter-minadas situações, como: reação hansênica dotipo II (ENL), prurigo nodular, prurigo actínico,doença enxerto-contra-hospedeiro (GVHD),lúpus eritematoso discóide, aftose recidivante,lesões mucosas da síndrome de Behcet, úlceraidiopática da Aids (origem não infecciosa) esíndrome de caquexia associada à Aids (Vogel-sang et al., 1992; Proença, 1995; Reyes-Terán etal., 1996; Tseng et al., 1996; Calderón et al.,1997).

Entretanto, vale ressaltar que, em razão dosefeitos adversos conhecidos, particularmente ateratogenicidade e a neurotoxicidade, aindaexiste muita controvérsia em torno do uso des-se medicamento. Nesse sentido, seu uso clíni-co deve ser criteriosamente avaliado e cuida-dosamente ponderado no que tange à relaçãorisco-benefício, principalmente em casos depacientes que apresentem neuropatia prévia eem mulheres em idade fértil (Crawford, 1994;Lockwood, 1996).

Brasil: comercialização da talidomida, a luta judicial e o surgimento de umasegunda geração de portadores da síndrome da talidomida

Conforme discutido anteriormente, a talidomi-da continuou sendo utilizada no Brasil mesmoapós seu banimento em nível mundial. Segun-do relato da ABPST: “na prática, a droga nãodeixou de ser consumida indiscriminadamente,em função da desinformação, descontrole nadistribuição, omissão governamental, autome-dicação e poder econômico dos laboratórios.Com a sua utilização, surge a denominada se-gunda geração de vítimas da talidomida”(ABPST, 1997). Convencionou-se denominarde segunda geração de vítimas todos os casosque ocorreram após 1965, ocasião em que essemedicamento, apesar de banido no mundo eretirado do mercado brasileiro, começou a serutilizado exclusivamente para o tratamento dahanseníase.

Em que pese a grande repercussão mundialdo caso das crianças da talidomida, somenteem 1973, e em atenção a uma solicitação deRalph Nader, líder norte-americano de defesado consumidor, iniciou-se no Brasil um inqué-rito oficial para avaliar o número de vítimas douso indiscriminado da droga.

Em 1976 deu-se início a uma ação judicialcontra os laboratórios e o governo brasileiro(União) exigindo a responsabilização dos mes-mos pela tragédia brasileira. A ação se arrastoupor muitos anos, sendo um dos principais pro-blemas a extrema dificuldade de se comprovar,passados tantos anos, a relação causal, nessecaso, uso da talidomida durante a gravidez(Maximino & Scavasin, 1997).

Após intensa campanha que envolveu mo-bilização da mídia, o governo brasileiro assu-miu sua responsabilidade, sancionando a Lei7.070, de dezembro de 1982, que concede pen-são vitalícia, variando de um a quatro saláriosmínimos, dependendo do grau de dependên-cia resultante da deformidade física.

Com a inflação dos anos 80, os valores daspensões foram rapidamente corroídos chegan-do aos níveis irrisórios de US$ 7,00 mensais.Em 1986, mais uma vez foi necessária a mobili-zação, que culminou com a criação, em 1992,da ABPST, inicialmente com o objetivo de lutarpela revisão dos valores das pensões e pelo di-reito ao tratamento cirúrgico, ortopédico e rea-bilitação. Esta se caracteriza, portanto, como asegunda entidade que se constituiu em virtu-de da luta pelos direitos das pessoas portado-ras de malformações atribuídas à talidomida(Maximino & Scavasin, 1997).

Page 7: Talidomida Na Gravidez

TALIDOMIDA NO BRASIL 105

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(1):99-112, jan-mar, 1999

Os frutos dessa mobilização começaram aser colhidos a partir de 20 de julho de 1993,quando foi sancionada a Lei 8.685, que dispõesobre o reajustamento de pensão especial aosdeficientes físicos e portadores da síndrome datalidomida, instituída pela Lei 7.070 de 21/12/80. Determina essa lei que o valor da pensãonão poderá ser inferior a um salário mínimo,vinculando os reajustes aos mesmos índicesutilizados pelo Instituto Nacional de Previdên-cia Social (INPS). Garante também prioridadeno fornecimento de aparelhos de prótese, órte-se e demais instrumentos de auxílio, bem co-mo nas intervenções cirúrgicas e na assistênciamédica fornecidas pelo Ministério da Saúde,através do Sistema Único de Saúde.

Paralelamente a esse processo de mobiliza-ção pela garantia e ampliação dos direitos so-ciais dos portadores da síndrome da talidomi-da, o Movimento pela Reintegração das Pes-soas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) e aABPST vinham sendo notificados sobre o sur-gimento de uma segunda geração de casos.

Morhan e ABPST: busca ativa dos casosda segunda geração

Em 1988, o Jornal do Morhan relatou a desco-berta de um portador da síndrome da talido-mida, que tinha nascido no interior de São Pau-lo. Em 1992, com base nessa denúncia e coma iniciativa de uma rede de televisão inglesa(Yorkshire Television) e do Morhan, foi possí-vel, num curto período de dois meses de pes-quisa, identificar 21 casos envolvendo pessoasnascidas após 1965.

Em junho de 1993, a imprensa nacional einternacional divulgou resultados dessa pri-meira etapa da investigação, causando impac-to e despertando o interesse, tanto das autori-dades do Ministério da Saúde, quanto de enti-dades privadas e até estrangeiras em financiarum projeto de investigação, que possibilitassea identificação de um maior contingente de ca-sos em todo o território nacional. Assim, Mo-rhan e ABPST se uniram e partiram para umabusca ativa de novos casos da síndrome da ta-lidomida.

Fez-se um apelo para que todos os núcleosdo Morhan investigassem o aparecimento decrianças nascidas após 1965, que possuíssemdeficiências físicas compatíveis com a síndro-me da talidomida e história de utilização domedicamento. Num primeiro momento, deze-nas de portadores de deficiências físicas seapresentaram. Após triagem inicial, foram se-lecionados 61 casos que apresentavam defor-

midades e história clínica compatíveis com asíndrome em questão. A confirmação foi efe-tuada por meio de uma investigação, que in-cluiu visitas domiciliares, consulta a laudosmédicos e aos registros dos prontuários dasunidades onde ocorreram os tratamentos. Al-guns casos foram descobertos pela imprensa eoutros, por notificação de profissionais de saú-de. Informações também foram obtidas me-diante consulta aos arquivos da ABPST e doInstituto Nacional de Seguridade Social (INSS).

1) Características gerais dos casos investigados

Na análise dos dados referentes aos 61 casos dasegunda geração de portadores da síndrome datalidomida, pôde-se constatar que não houvediferença na distribuição dos mesmos quantoao sexo.

Em relação à distribuição geográfica, houveum maior percentual de detecção de casos nosestados da região Sudeste, onde foram identifi-cados 35 casos, correspondendo a 57,4% do to-tal confirmado. Apenas no Estado do Rio de Ja-neiro, foram relatados 13 casos (Tabela 1). Po-demos atribuir este resultado a uma melhor es-truturação dos núcleos do Mohran-RJ e do sis-tema oficial de notificação de doenças, alémdas facilidades de transporte e comunicação.

A distribuição dos casos segundo ano denascimento mostrou um aumento constante e

Tabela 1

Distribuição dos casos de portadores da síndrome

da talidomida segundo origem, por unidade

federada. Brasil, 1994.

Unidade Federada Freqüência

Amazonas 1

Pará 2

Maranhão 2

Ceará 1

Pernambuco 2

Bahia 3

Minas Gerais 6

Rio de Janeiro 13

São Paulo 9

Paraná 4

Santa Catarina 1

Rio Grande do Sul 2

Mato Grosso do Sul 1

Sem informação 14

Total 61

Page 8: Talidomida Na Gravidez

OLIVEIRA, M. A.; BERMUDEZ, J. A. Z. & SOUZA, A. C. M.106

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(1):99-112, jan-mar, 1999

significativo do número de casos a cada perío-do de cinco anos até 1984, com declínio poste-rior. Dentre os 61 casos identificados, 19 nas-ceram no período compreendido entre 1980-1984, correspondendo a 31,1% do total de ca-sos detectados (Tabela 2).

2) Como e por que foi indicada a talidomida?

Em uma amostra não aleatória de 44 domicí-lios, foram realizadas entrevistas aplicando-seum questionário semi-estruturado, denomina-do Ficha de Cadastro de Crianças Vítimas deTalidomida, o qual é composto de três partes.

Na primeira, foram coletados dados geraisreferentes à identificação do indivíduo, do ti-po: nome, data de nascimento, endereço, filia-ção, número de irmãos, renda familiar per ca-pita, nome e endereço completo da pessoa en-trevistada; foram levantados também dadossobre integração desses indivíduos à socieda-de, como atividades de estudo e trabalho, pro-fissão e se recebem a pensão determinada pelaLei 7.070.

Na segunda parte do questionário – motivode ter tomado a talidomida –, foram investiga-das as características do uso e da prescrição domedicamento: se houve prescrição médica e,nesse caso, se foi dada orientação quanto aosefeitos teratogênicos; se foi um caso de auto-medicação para hanseníase ou para outra doen-ça; se na ocasião da prescrição e do uso a mu-lher estava grávida.

A terceira parte do questionário foi voltadapara uma descrição das deficiências apresen-tadas e das necessidades de cada um dos casosno que se refere a intervenções médicas, próte-ses, adaptações e até apoio financeiro.

A sistematização e análise dos dados dessas44 entrevistas permitiu uma avaliação da racio-

nalidade e qualidade da prescrição e das con-dições de uso do medicamento pelas mães dascrianças afetadas pela síndrome. Dentre os mo-tivos alegados para o uso da talidomida, a rea-ção hansênica ocupou o primeiro lugar, comum percentual de 72,7%. Os 27,3% restantesutilizaram o medicamento sem prescrição mé-dica e por outros motivos não especificados.

Quando observamos os dados referentes àscaracterísticas da prescrição (Tabela 3), a situa-ção é preocupante, pois, embora na maioriados casos o medicamento tenha sido prescritopor médico (68,1%), o percentual de autome-dicação de 31,8% foi alto, principalmente seconsiderarmos a gravidade dos efeitos adver-sos da talidomida, assim como as dificuldadesno acesso da população a esse medicamento,distribuído exclusivamente na rede pública deserviços de saúde. Dentre aqueles que não eramportadores de hanseníase, o acesso ao medica-mento se deu por o mesmo estar sendo utiliza-do por parentes ou pessoas próximas.

Outra questão alarmante foi a constataçãoda falta de orientação das pacientes, ou me-lhor, das mulheres em idade fértil, quanto aoefeito teratogênico da talidomida. Quatro des-sas 44 mulheres entrevistadas estavam grávi-das no momento da prescrição!

No que se refere aos tipos de malformaçõesapresentadas, houve um maior percentual dedeformidade nos membros superiores (56,8%),seguido de focomelia, que foi descrita em 34,1%dos casos (Tabela 4). Esses resultados são se-melhantes aos dos relatos sobre prevalência demalformações causadas pela talidomida feitosna década de 60 (Mellin & Katzenstein, 1962a,1962b; Lenz, 1988).

Brasil: anos 90 e a pactuação de medidas restritivas

Uma das conseqüências da divulgação dos re-sultados dessa pesquisa no Brasil, foi a proibi-ção da prescrição da talidomida para mulheresem idade fértil, em todo o território nacional,que se deu por intermédio da Portaria 63 da Se-cretaria de Vigilância Sanitária do Ministérioda Saúde, publicada no Diário Oficial da Uniãoem 06 de julho de 1994.

Esta proibição atendia à reivindicação dasentidades representativas dos portadores dasíndrome da talidomida, que proclamam ummaior rigor na vigilância da produção, comer-cialização, prescrição, dispensação e uso do re-ferido medicamento (Scavasin & Maximino,1997). Por outro lado, enquanto medida de ca-ráter restritivo, gerou profunda insatisfação em

Tabela 2

Distribuição dos casos da segunda geração de portadores de síndrome

da talidomida segundo período de nascimento. Brasil, 1994.

Ano de nascimento Freqüência Percentual

65-69 3 4,9

70-74 5 13,1

75-79 12 19,7

80-84 19 31,1

85-89 14 23,0

90-94 8 13,1

Total 61 100,0

Page 9: Talidomida Na Gravidez

TALIDOMIDA NO BRASIL 107

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(1):99-112, jan-mar, 1999

alguns grupos sociais, dentre eles os médicos,que se sentiram tolhidos na sua liberdade deprescrever o medicamento para seus pacien-tes, e as mulheres acometidas por doenças gra-ves, que se viram discriminadas no seu direitode acesso à talidomida.

Cabe ressaltar que entidades feministas ma-nifestaram publicamente suas críticas à medi-da, considerada discriminatória de gênero. Hárelato de medidas judiciais originadas por pa-cientes do sexo feminino, que obtiveram limi-nares autorizando o direito ao uso da talidomi-da, por se tratar de medicamento com indica-ção médica considerada pertinente.

Este conflito de interesses criou um am-biente propício para o desenvolvimento de umprocesso que podemos denominar de renego-ciação ou pactuação das medidas existentessobre o manejo da droga, englobando todo ociclo que vai da produção ao uso. Neste contex-to, o Ministério da Saúde propôs a constituiçãode dois grupos de trabalho para revisar e atua-lizar a norma técnica que regulamentava o usoda talidomida no Brasil.

Foi dessa forma que, no período compreen-dido entre os últimos meses de 1996 e o pri-meiro trimestre de 1997, foi estabelecido umconsenso sobre os diversos aspectos relaciona-dos com o uso da talidomida. Ao se colocaremas diferentes especialidades médicas em gru-pos de trabalho, os programas que potencial-mente utilizariam o produto, em especial os decontrole de hanseniase e Aids, junto com enti-dades da sociedade civil organizada, houve aoportunidade de se debater a necessidade deprosseguir com medidas de caráter restritivo,ao mesmo tempo abrindo a possibilidade depoder ser utilizada a talidomida naqueles ca-sos em que houvesse indicação clínica precisa,esgotados outros meios terapêuticos e com-prometendo o prescritor com uma série deações complementares objetivando impossibi-litar seu uso em gestantes.

O resultado desse processo gerou a Portaria160/97 da Secretaria de Vigilância Sanitária,publicada no Diário Oficial da União de 28 deabril de 1997, que limita a produção de talido-mida no Brasil aos laboratórios oficiais de pro-dução, podendo o setor privado ser autorizadopelo Ministério da Saúde em caso necessário eem caráter de complementaridade. Ao mesmotempo, sua comercialização foi proibida e suadistribuição manteve-se restrita aos serviçospúblicos de referência naqueles programas im-plementados pelas três esferas que compõemo Sistema Único de Saúde.

Foi mantida a proibição para uso em mu-lheres em idade fértil, assim compreendido da

menarca à menopausa. Casos excepcionais deindicação da talidomida, esgotados outros re-cursos terapêuticos e dentro das condições clí-nicas aprovadas, devem ser encaminhados demaneira excepcional, com justificativa funda-mentada e com a segurança de utilização demedidas contraceptivas, para tratamento emunidades de referência previamente cadastra-das pelas secretarias estaduais ou municipaisde saúde.

Finalmente, a Portaria mencionada limitaas indicações da talidomida às seguintes con-dições clínicas, no âmbito de programas ofi-ciais:

a) hanseníase (reação hansênica tipo erite-ma nodoso ou tipo II);

b) DST/Aids (úlceras aftosas idiopáticasnos pacientes portadores de HIV/Aids);

Tabela 3

Distribuição dos casos da segunda geração de portadores da síndrome

da talidomida de acordo com as características da prescrição da droga. Brasil, 1994.

Freqüência Percentual

Prescrição médica com orientação* 2 4,5

Prescrição médica sem orientação 28 63,6

Subtotal ** 30 68,1

Automedicação p/ hanseníase 2 4,5

Automedicação s/ hanseníase 12 27,3

Subtotal 14 31,8

Total 44 100,0

* Orientação com relação ao efeito teratogênico.** Este grupo inclui quatro pacientes que apresentaram reação hansênica e que se encontravam grávidas no momento da prescrição.

Tabela 4

Distribuição dos casos identificados da segunda geração de portadores da síndrome

da talidomida segundo tipo de deficiência. Brasil, 1994.

Tipo de deficiência Freqüência Percentual

Extremidades dos membros superiores 25 56,8

Focomelia 15 34,1

Extremidades do membros inferiores 2 4,5

Atrofia total das pernas 2 4,5

Redução da audição – –

Redução visual ou cegueira – –

Órgãos internos – –

Outros – –

Total de entrevistados 44 100,0

Page 10: Talidomida Na Gravidez

OLIVEIRA, M. A.; BERMUDEZ, J. A. Z. & SOUZA, A. C. M.108

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(1):99-112, jan-mar, 1999

c) doenças crônico-degenerativas (lúpuseritematoso, doença enxerto-versus-hospe-deiro).

Considerações finais

O processo de reabilitação iniciado em 1965 seconsolida nos anos 90, incorporando um fortealiado: o movimento dos ativistas da Aids (PWA,1995; Project Inform, 1996a, 1996b, 1997; Ca-dernos pela VIDDA, 1997). Nos últimos dezanos, em decorrência dos avanços no conheci-mento científico sobre a ação da talidomidacomo agente modulador da resposta imune,bem como de sua capacidade de inibir a res-posta inflamatória e a replicação do vírus HIV-1, novas indicações clínicas foram sendo incor-poradas, além das situações que a literaturamédica já havia consagrado. É inegável que atalidomida representou importante avanço te-rapêutico para os casos de portadores de HIV/-Aids com aftose recidivante ou síndrome de ca-quexia, assim como, para a doença do enxerto-contra-hospedeiro. Esta última acomete pes-soas que se submeteram a transplantes de me-dula e costuma evoluir de forma extremamen-te grave.

Calderon et al. (1997) levantam uma sériede considerações em relação ao uso da talido-mida na Aids. Em relação aos benefícios, essesautores ressaltam a capacidade que a talidomi-da tem de:• inibir a replicação do HIV-1 e, conseqüen-temente, baixar a carga viral; • diminuir, sem suprimir, a produção do fa-tor de necrose tumoral (TNF-α), cuja elevação,normal em pacientes HIV/Aids, vem sendocorrelacionada tanto com o desenvolvimentodas síndromes de caquexia e de choque sépti-co, quanto com a ativação dos processos de re-plicação e propagação do HIV-1, assim comocom a progressão acelerada da Aids em pacien-tes co-infectados com HIV-1 e tuberculose;• estimular a produção in vivo da citoquinaIFN-γ em pacientes portadores de HIV/Aids,que parece estar relacionada à diminuição dareplicação do HIV in vitro;

Como fatores limitantes do uso, além dosefeitos adversos já conhecidos, a neuropatia ea teratogenia, esses autores acrescentam aquestão da maior prevalência de reações de hi-persensibilidade à talidomida que vem sendorelatada nesses pacientes.

Assim, chegamos a meados dos anos 90com o cenário caracterizado, do ponto de vistacientífico, por um crescente volume de resulta-dos promissores de pesquisas clínicas e labo-

ratoriais publicadas nos periódicos científicose na imprensa leiga, principalmente aqueles re-sultados relacionados aos benefícios do uso datalidomida em pacientes portadores de HIV/Aids, associado a denúncias de venda não au-torizada, incluindo contrabando, manipulaçãoem farmácias, possibilidade de compra do me-dicamento via internet (PWA, 1995), atravésdos conhecidos buyers clubs americanos (Rut-ter, 1997). Estes últimos se constituíram e sefortaleceram como um movimento de desobe-diência civil, cujo objetivo é disponibilizar clan-destinamente medicamentos proibidos nos Es-tados Unidos (Epstein, 1995).

Desta forma, nos dias atuais, a questão quese coloca não é mais se a talidomida tem indi-cação terapêutica nesta ou naquela situação,se deve ou não estar acessível para uso em mu-lheres, mas sim o que pode ser feito para asse-gurar que a talidomida seja usada com racio-nalidade e segurança.

Nessa perspectiva, vale ressaltar a respon-sabilidade indelegável do Estado como guar-dião dos interesses dos cidadãos, intervindopor intermédio dos mecanismos de regulaçãofortemente baseados em evidências tecno-científicas e com o objetivo de garantir a quali-dade, segurança e eficácia dos produtos consu-midos pela população. O primeiro passo nessadireção já foi dado com o processo de revisãodas normas da Secretaria de Vigilância Sanitá-ria e com a edição da Portaria 1 60/97.

Uma medida viável e de extrema importân-cia para a promoção do uso racional desse me-dicamento em nosso país seria a implantaçãode um sistema nacional de farmacovigilânciada talidomida (Biriell & Olsson, 1989). Consi-derando que esse medicamento é de distribui-ção exclusiva na rede pública de serviços desaúde, o referido sistema poderia ser implan-tando como um dos componentes dos progra-mas de hanseníase e de DST/Aids, a exemplodo trabalho realizado por Brasil et al. (1996).

Cabe ressaltar a importância do sistema na-cional de vigilância de nascimentos vivos, prin-cipalmente no seu componente de monitora-mento de malformações congênitas. Castilla etal. (1996) detectaram 11 casos de malforma-ções congênitas compatíveis com o uso da tali-domida, ocorridas em crianças brasileiras noperíodo de 1971 e 1995, por meio de um siste-ma de monitoramento de defeitos congênitosimplantado em maternidades de dez países daAmérica do Sul.

Os profissionais de saúde constituem umgrupo da mais alta relevância para o processode implementação de uma política de uso ra-cional da talidomida. Os dados relativos às mal-

Page 11: Talidomida Na Gravidez

TALIDOMIDA NO BRASIL 109

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(1):99-112, jan-mar, 1999

formações congênitas atribuídas à talidomidae sua segunda geração de casos são alarman-tes, na medida em que evidenciam a falta deinformação adequada e a irresponsabilidadegerada pela automedicação. É de estarrecerque, no umbral do Terceiro Milênio, ainda te-nhamos a utilização de talidomida em mulhe-res que se encontravam gestantes no momentoda indicação e que não receberam nenhumaorientação no momento da prescrição ou dadispensação.

Nos Estados Unidos, onde a droga foi recen-temente aprovada para o uso em hanseníase eonde existem programas de acesso expandido,além de ensaios clínicos em andamento, reco-menda-se a adoção de práticas contraceptivasrestritivas para todas as pessoas que usam a ta-lidomida (FDA, 1997a). As mulheres são orien-tadas para usar pelo menos dois métodos, umhormonal e um de barreira, enquanto aos ho-mens, que mantenham relacionamentos se-xuais com potencial reprodutivo, é recomen-dado o uso de camisinha (WHO, 1996; FDA,1997b; Project Inform, 1997).

Nesse sentido, a promoção do uso racionalda talidomida no Brasil implica obrigatoria-mente o desenvolvimento de um programa deeducação continuada para médicos e farma-cêuticos, abordando questões ligadas às boaspráticas da prescrição e da dispensação (WHO,1997).

Concordamos com Lenz (1988) em quequalquer prescrição de medicamento deve sersempre considerada como um experimento. Is-to é particularmente adequado quando fala-mos da talidomida, pois os conhecimentos dosmecanismos de ação responsáveis por sua efi-cácia terapêutica e efeitos adversos ainda nãoestão suficientemente esclarecidos (Calderonet al. 1997). Por isso, achamos pertinente que,no momento da prescrição, seja assinado umdocumento nos moldes do consentimento li-vre e esclarecido, conforme regulamentado pe-la resolução 196/96 da Comissão Nacional deÉtica em Pesquisa.

As entidades representativas dos grupos so-ciais envolvidos nas diversas etapas do ciclo deprodução e consumo da talidomida têm umpapel essencial na garantia da qualidade dasinformações, assim como no compromisso éti-co de defesa dos interesses da população (Fun-towicz & Ravetz, 1993; Brown, 1995; Epstein,1995, 1996). Atuando em diferentes fóruns ofi-ciais de decisão, desenvolvendo trabalhos co-munitários de conscientização pela informa-ção (empowerment) ou na pesquisa de campo,como foi o caso da busca ativa de casos da se-gunda geração de portadores da síndrome da

talidomida, movimentos sociais como a ABPSTe o Morhan contribuem efetivamente para osprocessos de elaboração, implantação e vigi-lância das políticas de saúde em nosso país.

Dentre os aspectos relevantes para a im-plantação de políticas de regulação e uso ra-cional de medicamentos no Brasil, estão os in-teresses econômicos da indústria farmacêuti-ca. Nesse sentido é importante estar atentopara o que Abraham (1995) denomina de viés,determinado pela defesa dos interesses dasempresas sobre as evidências científicas e osinteresses da população. A primeira parte des-se trabalho fornece elementos importantes pa-ra uma reflexão sobre os métodos usados poressas corporações para atingir suas metas co-merciais.

Mokhiber (1995b) chama a atenção para as-pectos relacionados à concepção e percepçãosocial dos crimes empresariais, dentre os quaissitua o desastre da talidomida. Nesse sentido, éimportante que sejam criados mecanismos ju-rídicos que possibilitem a responsabilizaçãodas empresas produtoras e comercializadorasde medicamentos, principalmente em paísesem desenvolvimento como o Brasil. De acordocom Maximino & Scavasin (1997:205), duranteo processo judicial impetrado pelas famílias de250 adolescentes portadores da síndrome datalidomida contra laboratórios produtores noBrasil, estes “se esquivavam de sua culpa ale-gando que tinham autorização governamentalpara a fabricação,” ou que “sempre existiramdeficientes, a ciência, para acertar, também co-mete erros”, enfim, uma argumentação que vi-sava diminuir sua responsabilidade diante doocorrido. Após cerca de dez anos de tramita-ção, o caso se encerrou da seguinte maneira: astrês empresas juntas pagaram como indeniza-ção uma quantia em dinheiro, que foi rateadapor 121 pessoas, de maneira que o maior valorindividual recebido foi o equivalente a dois mildólares, e apenas para aqueles que demonstra-ram ter deficiência em grau máximo e depen-dência total.

Esses valores são irrisórios quando compa-rados aos 31 milhões de dólares que, em 1967,a Chemie Grunenthal concordou em pagar àscrianças afetadas pela talidomida na Alema-nha. Na Inglaterra, em 1973, a Distillers foi for-çada judicialmente a contribuir com dois mi-lhões de dólares por ano, durante dez anos, pa-ra um fundo encarregado de cuidar das 430crianças sobreviventes (Mokhiber, 1995a). Poresse motivo, Maximino & Scavasin (1997:205)afirmam que “no Brasil, alguns crimes são com-pensadores, pois os valores obtidos com as ven-das do produto pagaram as modestas indeniza-

Page 12: Talidomida Na Gravidez

OLIVEIRA, M. A.; BERMUDEZ, J. A. Z. & SOUZA, A. C. M.110

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(1):99-112, jan-mar, 1999

Referências

ABPST (Associação Brasileira dos Portadores da Sín-drome da Talidomida), 1997. A Associação Bra-sileira dos Portadores da Síndrome da Talidomi-da, 10 de dezembro <http://members.tripod.com/~abpstalidomida/>

ABRAHAM, J., 1995. Partial progress? The develop-ment or American and British drug regulation. In:Science, Politics, and the Pharmaceutical Industry( J. Abraham, ed.), pp. 36-87, New York: St. Mar-tin’s Press.

BERMUDEZ, J. A., 1995. Indústria Farmacêutica, Es-tado e Sociedade. São Paulo: Hucitec/Sobravime.

BIRIELL, C. & OLSSON, S., 1989. O programa de far-macovigilância da OMS. In: Epidemiologia doMedicamento – Princípios Gerais (D. Laporte, G.Tognoni & S. Rozenfeld, org.), pp. 153-176, SãoPaulo: Editora Hucitec-Abrasco.

BRAITHWAITE, J., 1984. Corporate Crime in Pharma-ceutical Industry. London: Routledge & KeganPaul.

BRASIL, M. T. L. R. F.; OPROMOLLA, D. V. A.; MARZLI-AK, M. L. C. & NOGUEIRA, W., 1996. Results of asurveillance system for adverse effects in lep-rosy’s WHO/MDT. International Journal of Lep-rosy, 64:97-104.

Agradecimentos

Os autores agradecem aos pesquisadores ElizabethMoreira Santos e Carlos Machado de Freitas a leiturae as sugestões apresentadas a este artigo.

Trabalho parcialmente financiado com recursosdo Programa de Apoio à Pesquisa Estratégica em Saú-de (Papes 2/Fiocruz).

ções estipuladas e ainda geraram um lucro fan-tástico”.

Funtovitcz & Ravetz (1993) propõem ummodelo de estratégia para resolução de pro-blemas complexos, que em nossa opinião seaplica à questão da definição e implantação deuma política de regulação e uso racional da ta-lidomida. Esses autores denominam de pro-blemas pós-normais aqueles nos quais tantoas incertezas epistemológicas e éticas dos sis-temas, quanto o que se coloca em jogo no pro-cesso de tomada de decisão, são consideradosde alto nível. Nessas situações, são ineficazesos modelos que se apóiam exclusivamente emdados objetivos e quantitativos, típicos daciência de laboratório. Ao contrário, os acor-dos públicos e a participação que deriva essen-cialmente de compromissos valorativos são

decisivos para avaliação dos riscos, bem comopara a definição e implementação de políti-cas. Nesse modelo, por exemplo, são envolvi-dos como participantes essenciais não apenasos técnicos do sistema oficial de regulação econtrole, cientistas e médicos, mas também oslegítimos representantes dos potenciais usuá-rios da talidomida (comunidades de pares am-pliadas) e dos beneficiários econômicos, nocaso os laboratórios produtores. Pode-se dizerque foi adotada uma abordagem democráticadeste tipo no processo de elaboração da por-taria 160/97. Entretanto, o desafio maior seráimplantar a regulamentação restritiva, expres-sa nessa portaria, com um sistema de vigilân-cia e responsabilidades compartilhadas comos diversos atores sociais envolvidos nesseprocesso.

Page 13: Talidomida Na Gravidez

TALIDOMIDA NO BRASIL 111

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(1):99-112, jan-mar, 1999

BROWN, P., 1995. Popular epidemiology, toxic wasteand social movements. In: Medicine, Health andRisk: Sociological Approaches ( J. Gabe, ed.), pp.90-112, Oxford: Blackwell Publishers Ltd.

CADERNOS PELA VIDDA, 1997. Talidomida: droga“maldita” é liberada para Aids. Cadernos pelaVIDDA, 23:7.

CASTILLA, E. E.; ASHTON-PROLLA, P.; BARREDA-MEJIA, E.; BRUNONI, D.; CAVALCANTI, D. P.;CORREA-NETO, J.; DELGADILHO, J. L.; DUTRA,M. G.; FELIX, T.; GIRALDO, A.; JUAREZ, N.; LO-PEZ-CAMELO, J. S.; NAZER, J.; ORIOLI, I. M.; PAZ,J. E.; PESSOTO, M. A.; PINA-NETO, J. M.; QUA-DRELLI, R.; RITTLER, M.; RUEDA, S.; SALTOS, M.;SANCHEZ, O. & SCHÜLER, L., 1996. Talidomide,a current teratogen in South America. Teratology,54:273-277.

CALDERON, P.; ANZILOTTI, M. & PHELPS, R., 1997.Thalidomide in dermatology. New indications foran old drug. International Journal of Dermatol-ogy, 36:881-887.

CAPPELLÀ, D. & LAPORTE, J. R., 1989. Métodos em-pregados em estudos de utilização de medica-mentos. In: Epidemiologia do Medicamento:Princípios Gerais ( J. R. Laporte, G. Tognoni & S.Rozenfeld, org.), pp. 95-138, São Paulo/Rio deJaneiro: Hucitec/Abrasco.

CRAWFORD, C. L., 1994. Use of thalidomide in lep-rosy. Adverse Drug Reactions Toxicology Review,13:177-192.

D’ARCY, P. F. & GRIFFIN, J. P., 1994. Thalidomide re-visited. Adverse Drug Reaction Toxicology, 13:65-76.

EPSTEIN, S., 1995. The construction of lay expertise:Aids activism and the forging of credibility in thereform of clinical trials. Science Technology & Hu-man Values, 20:408-437.

EPSTEIN, S., 1996. Impure Science – Aids, Activismand the Politics of Knowledge. California/London:University of California Press Ltd.

FAURE, M.; THIVOLET, J.; GAUCHERAND, M., 1980.Inhibition of PMN leucocytes chemotaxis by thal-idomide. Archives of Dermatology Research,269:275-280.

FDA (Food and Drug Administration), 1997a. FDA Is-sues Approbable Letter to Celgene for Thalido-mide. FDA Talk Paper, 15 september <http://www.fda.gov/...>file:///a/talfda1.html

FDA (Food and Drug Administration), 1997b. Thal-idomide Important Patient Information, 9 decem-ber <http://www.fda.gov/cder/news/thalid-mide.html>

FUNTOWICZ, S. O. & RAVETZ, J. R., 1993. Riego glo-bal, incertidumbre e ignorância. In: Epistemolo-gia Politica – Ciencia com la Gente (S. O. Funtow-icz & J. R. Ravetz, eds.), pp. 11-42, Buenos Aires:Centro Editor de América Latina.

HELLMAN, K.; DUKE, D. I. & TUCKER, D. F., 1965.Prolongation of skin homograft survival by thal-idomide. British Medical Journal, 2:687-689.

IYER, C. G. S.; LANGUILLON, J.; RAMANUJAM, K.;TARABINI-CASTELLANI, G.; TERENCIO DE LASAGUAS, J.; BECHESLLI, L. M.; UEMURA, K.; MAR-TINEZ DOMINGUES, V. & SUNDARESAN, T.,1971. WHO-coordinated short-term double-blindtrial with thalidomide in the treatment of acute

lepra reactions in male lepromatous patients.Bulletin of the World Health Organization, 45:719-732.

KELSEY, F. O., 1988. Thalidomide update: regulatoryaspects. Teratology, 38:221-226.

LENZ, W., 1988. A short history of thalidomide embri-opathy. Teratology, 38:203-215.

LOCKWOOD, D. M. J., 1996. The management of Ery-thema Nodosum Leprosum: current and futureoptions. Leprosy Review, 67:253-259.

MAKONKAWKEYOON, S.; LIMSON-PROBRE, R. N.;MOREIRA AL SCHAUF, V. & KAPLAN, G., 1993.Thalidomide inhibits replication of human im-munodefidiency virus type 1. Procedures of Na-tional Academy of Science, 90:5.974-5.978.

MAXIMINO, C. M. & SCAVASIN, F. A., 1997. Trinta ecinco anos de luta. In: Direitos da Pessoa Portado-ra de Deficiência (G. J. P. de Figueiredo, org.), pp.203-211, São Paulo: Ed. Max Limonad.

McBRIDE, W. G., 1961. Thalidomide and congenitalabnormalities. Lancet, 2:1.358.

McLEAN, B., 1997. O regresso de um remédio maldi-to: talidomida, segunda parte. Jornal do Brasil,Rio de Janeiro, 30 de setembro, Caderno EspecialFortune Americas, p. 4.

MELLIN, G. W. & KATZENSTEIN, M., 1962a. The sagaor thalidomide: neuropathy to embriopathy, withcase reports of congenital anomalies. New Eng-land Journal of Medicine, 6:1.184-1.192.

MELLIN, G. W. & KATZENSTEIN, M., 1962b. The sagaor thalidomide (concluded): neuropathy to em-briopathy, with case reports of congenital anom-alies. New England Journal of Medicine, 6:1.238-1.243.

MOKHIBER, R., 1995a. Talidomida. In: Crimes Corpo-rativos: O Poder das Grandes Empresas e o Abusoda Confiança Pública (R. Mokhiber, org.), pp.369-376, São Paulo: Ed. Página Aberta.

MOKHIBER, R., 1995b. Crime e violência empresari-al. In: Crimes Corporativos: O Poder das GrandesEmpresas e o Abuso da Confiança Pública (R.Mokhiber, org.), pp. 11-69, São Paulo: Ed. PáginaAberta.

MOREIRA, A. L.; SAMPAIO, E. P.; ZMUIDZINAS, A.;FRINDT, P.; SMITH, K. A. & KAPLAN G., 1993.Thalidomide exerts its inhibitory action on tumornecrosis factor alpha by enhancing mRNA degra-dation. Journal of Experimental Medicine, 177:1.675-1.680.

MOREIRA, A. L.; CORRAL, L. G.; YE, W.; JOHNSON, B.;STIRLING, D.; GEORGE, W. M.; FEEDMAN, V. H.& KAPLAN, G., 1997. Thalidomide and thalido-mide analogs reduce HIV Type 1 replication inhuman macrophages in vitro. Aids Research andHuman Retroviruses, 10:857-863.

PROENÇA, N., 1995. Emprego de talidomida em der-matologia. Anais Brasileiros de Dermatologia, 70:61-67.

PROJECT INFORM, 1996a. Thalidomide Fact SheetPacket, 10 october <http://www.projinf.org/fs/thalido.html>

PROJECT INFORM, 1996b. Thalidomide Addenda, 16july <http://www.projinf.org/addenda/thalido-mide.html>

PROJECT INFORM, 1997. Thalidomide Quick Sheet,10 october <http://www.projinf.org/cgi-bin/

Page 14: Talidomida Na Gravidez

OLIVEIRA, M. A.; BERMUDEZ, J. A. Z. & SOUZA, A. C. M.112

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(1):99-112, jan-mar, 1999

print_hit_....pl/qs/thalidomide.html/thalido-mide#first_hit>

PWA (People with Aids) Health Group, 1995. TakingThalidomide for HIV-Related Oral Ulcers andWeight Loss. A Guidebook for People with Aids, 22july <http://www.aidsnyc.org/pwahg/info/thal.html#work>

REYES-TERAN, G.; SIERRA-MADERO, J. G.; MAR-TINEZ DEL CERRO,V.; ARROYO-FIGUEROA, H.;PASQUETTI, A.; CALVA, J. J. & RUIZ-PALACIOS,G., 1996. Effects of thalidomide on HIV-associat-ed wasting syndrome: a randomized, double-blind, placebo-controlled clinical trial. Aids, 10:151-157.

RUTTER, T., 1997. Thalidomide ban to be lift in theUS. British Medical Journal, 315:697-702.

SAMPAIO, E. P.; SARNO, E. N.; GALILLY, R., COHN, Z.A. & KAPLAN, G., 1991. Thalidomide selectivelyinhibits tumor necrosis factor alpha productionby stimulated human monocytes. Journal of Ex-perimental Medicine, 173:699-703.

SAMPAIO, E. P.; KAPLAN, G.; MIRANDA, A.; NERY, J.A. C.; MIGUEL, C. P.; VIANA, S. M. & SARNO, E.,1993. The influence of thalidomide on clinicaland immunologic manifestation of Erythema No-dosum Leprosum. Journal of Infectious Diseases,168:408-414.

SCHWARTZ, H., 1997. Cost vs benefit in the rebirth ofthalidomide – the Schwartz view. Scrip Magazine,november:30-31.

SHESKIN, J., 1965a. Thalidomide in lepra reactions.Clinical Pharmacology Therapy, 6:303-306.

SHESKIN, J., 1965b. Further observations with thalido-mide in lepra reactions. Leprosy Review, 36:183-185.

SHESKIN, J. & SAGHER, F., 1975. World survey on theuse of thalidomide in leprosy reaction. MedicalCutaneo Ibero Latin America, 3:81-83.

STIRLING, D.; SHERMAN, M. & STRAUSS, S., 1997.Thalidomide a surprising recovery. Journal ofAmerican Pharmaceutical Association, NS37:307-313.

TSENG, S.; PAK, G.; WASHENIK, K.; POMERANZ, M.K. & SHUPACK, J. L., 1996. Rediscovering thalido-mide: a review of its mechanism of action, sideeffects and potencial uses. Journal of the Ameri-can Academy of Dermatology, 35:969-979.

VOGELSANG, G. B.; FARMER, E. R.; HESS, A. D.; AL-TAMONTE, V.; BESCHORNER, W. E.; JABS, D. A.;CORIO, R. L.; LEVIN, L. S.; COLVEIN, O. M.;WINGARD, J. R. & SANTOS, G. W., 1992. Thalido-mide for treatment of chronic graft-versus-hostdisease. New England Journal of Medicine, 326:1.055-1.058.

WHO (World Health Organization), 1988. ExpertCommittee on Leprosy. Sixth Report of WHO Ex-pert Committee, WHO Technical Report Series768. Geneve: WHO.

WHO (World Health Organization), 1996. Thalido-mide – Use in Aids in the United States of America.WHO Pharmaceuticals Newsletter 8. Geneve:WHO.

WHO (World Health Organization), 1997. Public-Pri-vate Roles in the Pharmaceutical Sector – Implica-tions for Equitable Access and Racional Drug Use.Health Economics and Drugs DAP Series 5. Gen-eve: WHO.

ZWINGENBERGER, K. & WNENDT, S., 1996. Im-munomodulation by thalidomide: systematic re-view of the literature and unpublished observa-tions. Journal of Inflamation, 46:177-211.