super - os deuses que se alimentavam de carne humana

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Julho/2010 PRÉ-COLOMBIANOS Os deuses que se alimentavam de carne humana As culturas da Mesoamérica, uma região que se estende do México até Belize, Guatemala e Honduras, criaram uma rica mitologia. Zapotecas, toltecas, maias, mexicas e astecas tinham em comum a necessidade de atender a um sangrento desejo para pacificar seus deuses: os sacrifícios humanos. Para tais culturas, o sangue era o melhor alimento para as divindades. Quem pagava a conta eram os prisioneiros de guerra. por Texto Eduardo Szklarz

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Matéria da Super sobre os deuses que exigiam sacrifício humano na antiguidade.

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  • Julho/2010 PR-COLOMBIANOS

    Os deuses que se alimentavam de carne humanaAs culturas da Mesoamrica, uma regio que se estende do Mxico at Belize, Guatemala e Honduras, criaram uma rica mitologia. Zapotecas, toltecas, maias, mexicas e astecas tinham em comum a necessidade de atender a um sangrento desejo para pacificar seus deuses: os sacrifcios humanos. Para tais culturas, o sangue era o melhor alimento para as divindades. Quem pagava a conta eram os prisioneiros de guerra.

    por Texto Eduardo Szklarz

  • O Popol Vuh, o livro que conta a origem do homem na Amrica Central escapou da sanha dos jesutas espanhis para chegar aos nossos dias. Depois da conquista do Mxico, os religiosos tentaram levar o cristianismo a um povo que j tinha seus prprios deuses. A poltica, ento, foi destruir tudo o que lembrasse as velhas prticas. Um exemplo fsico: a catedral da Cidade do Mxico foi erguida em cima de um antigo e importantssimo templo asteca. E usou as pedras do antigo templo.

    Todos as narrativas e imagens foram destrudas. Mas o Popol Vuh escapou e a chave para compreender o panteo americano. Obra do povo maia, uma compilao de seus mitos e cobre vrios sculos de histria. "Subjacente s diversas naes, lnguas e estilos artsticos da regio, existe uma surpreendente unidade cultural e religiosa", registra Nicholas Saunders, no livro World Mythology ("Mitologia do Mundo").

    Os gmeos

    A mitologia maia tem uma rvore do mundo que no fica devendo para sua congnere de Avatar. Ela o

  • smbolo da concepo do Universo. As suas razes esto fincadas na Xibalba, o Submundo. Seus galhos mais altos so os parasos. Os deuses tinham dois filhos gmeos, Hun e Vucub Hunahpu. Eles gastavam a maior parte do tempo brincando e jogando bola, mas eram to barulhentos que incomodaram os donos da Xibalba, que enviaram mensageiros desafiando a dupla para uma partida.

    claro que quem fez as regras do jogo foi o pessoal do Submundo. Primeiro mandaram os gmeos sentar num banco, mas o assento era to quente que eles pularam dali rapidinho. Depois, os mandaram para uma regio de Xibalba chamada Casa da Noite. Eles s tinham dois charutos e uma tocha para iluminar o lugar. Na manh seguinte, os chefes pediram a tocha e o tabaco de volta. A tocha tinha se apagado e os charutos, bem, os charutos foram fumados. Furiosos, sentenciaram Hun e Vucub morte. Eles foram trucidados num salo de jogo de bola. Hun Hunahpu foi devidamente fatiado e exibido numa rvore. Nasceram ali 3 frutos, as primeiras cabaas de que se tem notcia. Uma moa chamada Xquic, que vivia na Xibalba, foi dar uma espiada na rvore. Quando tentou colher um fruto, o fino Hun Hunahpu deu-lhe uma cusparada e a engravidou. Seu pai, furioso, a sentenciou morte tambm. Mas ela escapou do castigo e foi viver com a

  • sogra. E ali nasceram mais dois gmeos, Hunahpu e Xbalanque (calma, voc no est lendo Cem Anos de Solido, de Gabriel Garca Mrquez).

    Os gmeos (parte 2)

    A figura mitolgica de irmos gmeos com poderes mgicos comum em muitas culturas. Para os maias, os ingnuos e corajosos Hunahpu e Xbalanque, os Heris Gmeos, arrumaram o terreno para a chegada dos homens. Outra vez, a luta era contra os Senhores do Submundo, a temvel Xibalba. Eles foram obrigados a passar cada noite em um lugar diferente, cheios de perigo, numa aventura mortal, e enfrentaram a Casa da Noite, a das Lminas, do Jaguar, do Fogo, do Frio e, finalmente, a dos Morcegos. A cada manh, uma partida de bola ritual contra os donos do pedao.

    Na Casa da Noite, eles se lembraram do destino do pai e do tio, que fumaram o tabaco e se deram mal: usaram pirilampos para iluminar o cenrio e se esconderam dentro de cachimbos. Mas, na ltima noite, Hunahpu botou a cabea para fora do enconderijo e foi degolado por um morcego. Xbalanque no se apertou. Esculpiu outra cabea para o irmo e seguiram juntos para o jogo contra as criaturas da Xibalba. E foi um partidao. Os Heris Gmeos usaram a cabea de Hunahpu como bola

  • no comeo. Depois, Xbalanque jogou a cabea longe. Um coelho a trouxe de volta e ele a colou em cima do pescoo do mano. O jogo seguiu com uma bola de verdade. Os gmeos ganharam.

    Claro, os poderosos do Submundo ficaram furiosos com o truque. E a vingana foi uma aula de sutileza: cozinharam os irmos, enterraram seus ossos e jogaram o que sobrou num rio. Mas no que 6 dias depois os gmeos apareceram no pedao de novo? E se gabando de terem descoberto a frmula para voltar do mundo dos mortos. Os donos de Xibalba, claro, duvidaram dos espertalhes. Xbalanque no se fez de rogado. Arrancou o corao do irmo na hora e o mandou levantar. At o povo de Xibalba ficou admirado. E pediu que o gmeo fizesse a mesma coisa com ele. O pedido foi atendido imediatamente. Os irmos cortaram a cabea de todos, mas no os trouxeram de volta vida. Quando voltaram para a Terra, foram transformados no Sol e na Lua. Agora, sim, o homem poderia ser inventado num cenrio mais tranquilo.

    A criao do homem

    Os deuses americanos j existiam. Mas de que adianta ser uma divindade se no existe ningum para acreditar

  • em seus poderes? Com essa ideia na cabea, dois deuses maias, de acordo com o Popol Vuh, resolveram criar a humanidade. Gucumatz era o deus do mar e conversou com seu parceiro Huracn, o dono do cu. A primeira tentativa foi um fiasco. Eles no conseguiam nem falar o nome dos deuses (ok, as palavras do vocabulrio da Amrica Central daqueles tempos so difceis de pronunciar at hoje). S grunhiam. Ento foram transformados nos primeiros animais sobre a Terra.

    A segunda tentativa usou argila. Parecia um pouco melhor, o nico problema era que os homens se dissolviam na gua, alm de serem meio tortos e claudicantes. Os deuses ficaram bem frustrados. Foram procurar ajuda com Xpiyacoc e Xmucane, bons espritos que eram ainda mais velhos do que eles. A sugesto: faam os homens de madeira e as mulheres de junco. Eles tinham um tremendo defeito: no honravam seus deuses. A soluo foi a mais manjada de todas: infeliz com os homens? s mandar uma inundao e acabar com a raa. E assim foi feito.

    Mas Huracn perseverou. Amassou milho branco e amarelo at formar uma pasta. Com ela, criou os primeiros 4 homens, mas percebeu que eles eram inteligentes demais. Ento soprou uma neblina em seus olhos para que s enxergassem de perto e nunca

  • tentassem virar deuses. Quando acordaram, deram de cara com 4 mulheres, que se tornaram suas esposas. Desses casais descenderam os povos da Amrica Central. Mas tinha um problema. Eles no sabiam fazer fogo, e foram pedir que os deuses lhes ensinassem o segredo. Eles toparam, mas com uma condio: em retribuio, queriam receber sacrifcios de seres humanos.

    Civilizao

    Se os deuses recebiam coraes arrancados do peito, em troca ofereceram para as culturas da Amrica Central civilizaes avanadas que se sucederam na regio at serem destrudas pelos conquistadores espanhis no que o mdico e antroplogo Jared Diamond chamou de "armas, germes e ao". O calendrio maia tinha 365 dias, divididos em ciclos de 20 dias e foi criado no sculo 6. Eram capazes de prever eclipses e serviam para marcar dias festivos. E, claro, eram fonte de poder.

    As pirmides tambm so uma marca em comum. Nesses grandes edifcios religiosos era onde costumavam ocorrer os sacrifcios humanos. A agricultura do tabaco, do milho e do cacau tambm foi

  • presente divino.

    Uma das lendas a respeito da engenhosidade dos astecas sobre a fundao de sua capital. No sculo 12, quem reinava na regio eram os toltecas. Quando a civilizao entrou em colapso, os ancestrais dos astecas rumaram para o sul em busca de um novo lugar para viver. Desorientados, receberam a ajuda de Huitzilopochtli, o deus do Sol e da guerra, que acabara de vencer uma batalha contra sua irm Lua e seus outros 400 irmos (as estrelas) que queriam matar sua me.

    A jornada durou 200 anos. Quando eles pensavam que jamais encontrariam um lugar para viver, deram de cara com uma ilha pantanosa no meio do lago Texcoco. Era um lugarzinho bem ruim. Mas eles viram uma guia em cima de um cacto comendo umas frutas vermelhas. A guia representava o prprio deus do Sol. A fruta vermelha, o corao. Huitzilopochtli avisou para sua turma: aqui que ser construda sua cidade. "Mexica ser aqui", disse o deus. E foi l que ergueram Tenochtitlan, "o lugar do fruto do cacto".

    Era um belo desafio. Construir uma cidade no meio de um lago. Pois foi o que eles fizeram. Imagine Veneza. A cidade asteca era cortada por canais, que serviam de vias de trfego para os moradores. Caladas e pontes ajudavam os pedestres a chegar aos templos e aos

  • mercados. Caminhos suspensos levavam a plantaes na periferia. Quando os espanhis liderados por Hernn Corts chegaram ali, em 1519, Tenochtitlan era uma das maiores, se no a maior, cidade do mundo, com pelo menos 250 mil habitantes. Foi uma surpresa para os visitantes.

    Povos dos Andes

    A Amrica do Sul conviveu com grandes civilizaes nos ltimos 3 milnios. A maior parte delas escolheu o territrio mais inspito para florescer: a cordilheira dos Andes, na regio onde hoje ficam o Peru, o Chile, a Bolvia e o Equador. A primeira cultura a habitar a regio, segundo os arquelogos, foi a chavin, 850 anos antes de Cristo. Novos povos e seus imprios foram se sucedendo na mesma regio at chegar ao esplendor dos incas, o reino dominante quando da descoberta da costa sul-americana do Pacfico pelos espanhis. Os povos andinos desenvolveram colossos arquitetnicos, eram grandes escultores e joalheiros, faziam roupas sofisticadas e abriam estradas, mas no conseguiram criar uma escrita, o que prejudica a avaliao de seus mitos. Restaram aos especialistas analisar as imagens impressas em folhas de ouro e prata. Quer dizer, as imagens que sobraram, pois os conquistadores europeus

  • trataram de derreter tudo o que puderam.

    Os incas surgiram como imprio em 1230, na regio de Tiahuanaco, na atual Bolvia. Seus lderes julgavam-se descendentes de Inti, o deus Sol. Outra verso do mito de origem localiza os primeiros incas em Cuzco, no Peru. Ali, surgiram das cavernas 3 irmos e 3 irms, que ensinaram aos reis como deveriam vestir roupas de ouro, casar com as irms e erguer templos nas montanhas mais altas da cordilheira. O chefo era Manco Capac, casado com a irm Mama Ocllo. Foram eles que deram incio dinastia dos incas.

    Inti era o principal deus, mas no panteo inca havia espao para Viracocha, o deus que deu origem a tudo, a deusa da fertilidade Ilyapa e a deusa da Lua Mama Kylia. A lenda que mais fascinava os espanhis, no entanto, era a de El Dorado ("o homem de ouro"). Era uma tradio: os novos reis incas eram cobertos de p de ouro e levados ao centro de um lago, onde faziam oferendas aos deuses jogando mais ouro na gua. No imaginrio dos europeus, o homem de ouro deu lugar rapidamente a toda uma cidade dourada, que jamais foi encontrada.

    Lgrimas do deus

  • O deus que criou os homens foi Com Tiki Viracocha. Ele emergiu das guas do lago Titicaca e criou uma raa de gigantes. Como acontece na maioria dos mitos de origem, ele no ficou feliz com a inveno e mandou uma inundao para, literalmente, acabar com a tal raa. Depois, usou alguns seixos do lago para criar a humanidade. No lugar de um s povo, fez vrios. Cada um falava uma lngua, tinha seus prprios costumes e comidas. Viracocha os espalhou pelo mundo. Uma variao da lenda de Viracocha diz que ele, depois de criar os incas, resolveu dar uma olhada na inveno. Se fantasiou de mendigo e ficou em meio ao povo, ensinando a melhor maneira de viver e fazendo alguns milagres. Mas muita gente no dava bola para o deus e assim ele voltou para sua casa nas estrelas cheio de lgrimas nos olhos. E afirmou que um dia suas lgrimas causariam uma nova inundao, tal qual a que matara os gigantes, para destruir toda a humanidade.

    Entre os deuses prediletos dos incas esto Mama Cocha (a deusa do mar) e Paca Mama (a Me Terra). Paca era casada com Inti, o deus Sol, e costumava ser representada nua, por vezes com um beb na barriga. Em outra lenda, mais atual, Paca Mama se casa com Pachacamac, o deus do fogo e do raio. Juntos eles criaram as estrelas, o Sol, a Lua e o mundo. A conexo entre os deuses e os mortais era feita pelo simptico

  • deus Chuichu, o arco-ris, representado por um drago de duas cabeas. Ele era uma espcie de mensageiro entre o cu e a terra.

    Quetzalcoatl e Tezcatlipoca viviam em guerra. Mas Tezcatlipoca, o deus da escurido e da bruxaria, levou a melhor: embriagou o rival e lhe mostrou seu reflexo malvado num espelho fumegante. Quetzalcoatl, o protetor da humanidade, convencido de que era sua prpria imagem refletida, considerou-se um ser desprezvel e libidinoso. De to envergonhado, foi embora pra bem longe. Algumas fontes dizem que ele acendeu uma fogueira e entrou nas chamas. Ou que subiu ao cu como um pssaro quetzal - da o nome Quetzalcoatl ("pssaro- serpente"). Os astecas sempre aguardavam a sua volta.

    SACRIFCIOS HUMANOS

    Os sacrifcios humanos esto presentes em todas as culturas pr-colombianas da Amrica Central. Os astecas e todas as culturas que os precederam acreditavam que as divindades precisavam de sangue para se alimentar ou para compensar os deuses, que tinham usado o prprio sangue para criar os humanos. E haja sangue. O Templo Maior, dedicado ao deus Sol e hoje encravado no corao da Cidade do Mxico, no

  • Zcalo, a praa que abriga o palcio do governo e a catedral catlica, serviu 60 mil coraes humanos na festa de inaugurao. A tcnica consistia em furar o peito da vtima com uma faca de obsidiana. O corao era ento arrancado, oferecido ao deus de planto e queimado num vaso. O corpo rolava escada abaixo da pirmide ritual. Os guerreiros inimigos que morriam no altar de sacrifcio tinham um consolo: os astecas achavam que, depois eles viviam para sempre, na forma de beija-flores.

    HURACNO deus do cu e o deus do mar, Gucumatz, resolveram criar os homens. Tentaram com argila e madeira at acertarem a mo com o milho. S que eles eram inteligentes e Huracn soprou uma nvoa em seus olhos para que no tentassem virar deuses.C

    ATEQUILDeus inca do raio e do trovo, tem mais a ver com fertilidade do que com o clima. Era responsvel pelo nascimento dos gmeos. Podia se introduzir numa mulher quando ela fazia amor com o marido e gerar dois embries.

    IXTABDeusa maia do suicdio, costumava ser representada

  • com um anel preto sobre a bochecha, smbolo da decomposio. Seus seguidores acreditavam que o suicdio era uma forma honrada de morrer. Quem escolhia esse caminho subia ao Paraso.

    VIRACOCHAO deus inca Viracocha surgiu das guas do lago Titicaca para criar uma raa de gigantes. Mas a tentativa fracassou. Depois, usou seixos para criar a humanidade. Resolveu dar uma espiada na criao e no gostou do que viu. Por isso, chora at hoje.