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Súmula 523-STJ – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Súmula 523-STJ Márcio André Lopes Cavalcante DIREITO TRIBUTÁRIO REPETIÇÃO DE INDÉBITO Taxa de juros de mora aplicável na devolução de tributo estadual pago indevidamente Súmula 523-STJ: A taxa de juros de mora incidente na repetição de indébito de tributos estaduais deve corresponder à utilizada para cobrança do tributo pago em atraso, sendo legítima a incidência da taxa Selic, em ambas as hipóteses, quando prevista na legislação local, vedada sua cumulação com quaisquer outros índices. STJ. 1ª Seção. Aprovada em 22/04/2015. Repetição de indébito Ação de repetição de indébito (ou ação de restituição de indébito) é a ação na qual o requerente pleiteia a devolução de determinada quantia que pagou indevidamente. A ação de repetição de indébito, ao contrário do que muitos pensam, não é restrita ao direito tributário. Assim, por exemplo, se um consumidor é cobrado pelo fornecedor e paga um valor que não era devido, poderá ingressar com ação de repetição de indébito para pleitear valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável (art. 42, parágrafo único do CDC). No âmbito tributário, o contribuinte que pagar tributo indevido (exs: pagou duas vezes, pagou imposto que era inconstitucional, houve erro na alíquota etc.) terá direito à repetição de indébito, ou seja, poderá ajuizar ação cobrando a devolução daquilo que foi pago. As hipóteses em que o contribuinte terá direito à repetição de indébito, no âmbito tributário, estão previstas no art. 165 do CTN: Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos: I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido; II - erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento; III - reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória. O mencionado art. 165 afirma que o sujeito passivo tem direito à restituição, independentemente de prévio protesto (isto é, mesmo que na hora de pagar não tenha “reclamado” do tributo indevido ou tenha feito qualquer ressalva; não interessa o estado de espírito do sujeito passivo no momento do pagamento, ou seja, se sabia ou não que o pagamento era indevido). Pagou indevidamente, tem direito de receber de volta a fim de evitar o enriquecimento sem causa da outra parte (no caso, o Fisco). O valor que será devolvido ao sujeito passivo deverá ser acrescido de juros moratórios e correção monetária? SIM. Na repetição de indébito, o contribuinte deverá receber de volta o valor principal que foi pago, acrescido de juros moratórios e correção monetária pelo tempo que ficou sem o dinheiro. Não são devidos juros remuneratórios.

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Page 1: Súmula 523-STJ · Ação de repetição de indébito (ou ação de restituição de indébito) é a ação na qual o requerente pleiteia a devolução de determinada quantia que

Súmula 523-STJ – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Súmula 523-STJ Márcio André Lopes Cavalcante

DIREITO TRIBUTÁRIO

REPETIÇÃO DE INDÉBITO Taxa de juros de mora aplicável na devolução de tributo estadual pago indevidamente

Súmula 523-STJ: A taxa de juros de mora incidente na repetição de indébito de tributos estaduais deve corresponder à utilizada para cobrança do tributo pago em atraso, sendo legítima a incidência da taxa Selic, em ambas as hipóteses, quando prevista na legislação local, vedada sua cumulação com quaisquer outros índices.

STJ. 1ª Seção. Aprovada em 22/04/2015.

Repetição de indébito Ação de repetição de indébito (ou ação de restituição de indébito) é a ação na qual o requerente pleiteia a devolução de determinada quantia que pagou indevidamente. A ação de repetição de indébito, ao contrário do que muitos pensam, não é restrita ao direito tributário. Assim, por exemplo, se um consumidor é cobrado pelo fornecedor e paga um valor que não era devido, poderá ingressar com ação de repetição de indébito para pleitear valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável (art. 42, parágrafo único do CDC). No âmbito tributário, o contribuinte que pagar tributo indevido (exs: pagou duas vezes, pagou imposto que era inconstitucional, houve erro na alíquota etc.) terá direito à repetição de indébito, ou seja, poderá ajuizar ação cobrando a devolução daquilo que foi pago. As hipóteses em que o contribuinte terá direito à repetição de indébito, no âmbito tributário, estão previstas no art. 165 do CTN:

Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos: I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido; II - erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento; III - reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.

O mencionado art. 165 afirma que o sujeito passivo tem direito à restituição, independentemente de prévio protesto (isto é, mesmo que na hora de pagar não tenha “reclamado” do tributo indevido ou tenha feito qualquer ressalva; não interessa o estado de espírito do sujeito passivo no momento do pagamento, ou seja, se sabia ou não que o pagamento era indevido). Pagou indevidamente, tem direito de receber de volta a fim de evitar o enriquecimento sem causa da outra parte (no caso, o Fisco). O valor que será devolvido ao sujeito passivo deverá ser acrescido de juros moratórios e correção monetária? SIM. Na repetição de indébito, o contribuinte deverá receber de volta o valor principal que foi pago, acrescido de juros moratórios e correção monetária pelo tempo que ficou sem o dinheiro. Não são devidos juros remuneratórios.

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A correção monetária é contada desde a data em que o contribuinte pagou o tributo indevido? SIM. A correção monetária incide desde o dia em que houve o pagamento indevido:

Súmula 162-STJ: Na repetição de indébito tributário, a correção monetária incide a partir do pagamento indevido.

Os juros moratórios seguem o mesmo raciocínio? Eles também serão contados desde a data em que o contribuinte pagou o tributo indevido? NÃO. Aqui a regra é diferente. De forma prejudicial ao contribuinte, o CTN previu que os juros serão devidos não do dia em que houve o pagamento, mas sim a partir da data em que houve o trânsito em julgado da decisão que determinou a devolução. Veja:

Art. 167. (...) Parágrafo único. A restituição vence juros não capitalizáveis, a partir do trânsito em julgado da decisão definitiva que a determinar.

Desse modo, imagine que o contribuinte pagou, em 02/02/2012, R$ 100 mil de ICMS indevidamente. Posteriormente, ele ajuizou ação de repetição de indébito e foi prolatada sentença determinando a devolução da quantia. Essa sentença transitou em julgado em 04/04/2014. A Fazenda Pública só pagou o valor em 06/06/2016. O contribuinte terá direito de receber os R$ 100 mil mais os juros moratórios que serão contados a partir de 04/04/2014 (data do trânsito em julgado).

Apesar de esse dispositivo ser classificado como injusto pela doutrina, existe até mesmo um enunciado do STJ que reforça sua conclusão:

Súmula 188-STJ: Os juros moratórios, na repetição do indébito tributário, são devidos a partir do transito em julgado da sentença.

Vou abrir um parêntese para fazer uma observação aprofundada (se achar que irá se confundir, não leia): Entendo que as informações acima são suficientes para fins de concurso e penso que basta que você as guarde para as principais provas. No entanto, por desencargo de consciência, preciso fazer um esclarecimento sobre determinado ponto mais profundo da matéria. Vimos acima que, depois do trânsito em julgado da sentença que determinou a restituição começa a correr os juros moratórios (em nosso exemplo: 04/04/2014). Isso é o que está na súmula 188 do STJ. No entanto, o § 5º do art. 100 da CF/88 afirma que se a dívida deva ser paga pelo Poder Público por meio de precatório e se este precatório foi apresentado até o dia 01/07 ele deverá ser quitado até o dia 31/12 do ano seguinte. Ex: se o precatório foi apresentado e entrou na fila no dia 20/04/2014, ele deverá ser pago pelo Poder Público até o dia 31/12/2015 (último dia do ano seguinte). Veja o § 5º do art. 100 da CF/88:

§ 5º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.

Ocorre que, entre o dia 01/07 de um ano até o dia 31/12 do ano seguinte (em nosso exemplo: de 01/07/2014 até 31/12/2015), não haverá incidência de juros moratórios porque o STF entende que esse foi o prazo normal que a CF/88 deu para o Poder Público pagar seus precatórios, não havendo razão para que a Fazenda Pública tenha que pagar juros referentes a esse interregno. Esse entendimento está previsto em uma súmula vinculante do STF:

SV 17-STF: Durante o período previsto no parágrafo 1º (obs: atual § 5º) do artigo 100 da Constituição, não incidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos.

Logo, voltando ao nosso exemplo: - Pagamento indevido: 02/02/2012. - Sentença transitada em julgado: 04/04/2014.

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- Início dos juros moratórios: 04/04/2014 (Súmula 188 STJ). - Dia em que o precatório foi apresentado para pagamento: 20/04/2014. - Suspensão dos juros moratórios: 01/07/2014 (SV 17-STF). - Prazo máximo para a Fazenda Pública pagar: 31/12/2015 (§ 5º do art. 100 da CF/88). - Se a Fazenda não pagar até o prazo máximo (31/12/2015): voltam a correr os juros moratórios.

O entendimento acima exposto é explicado, de forma melhor e mais detalhada por ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário esquematizado. São Paulo: Método, 2015, cuja obra sempre se recomenda. Fechando o parêntese e recapitulando:

Se o sujeito passivo pagou indevidamente o tributo, ele terá direito de receber de volta o que pagou por meio de repetição de indébito.

O contribuinte, além de receber de volta o que pagou, também terá direito aos juros moratórios e correção monetária.

A correção monetária será contada desde a data do pagamento (Súmula 162 do STJ).

Os juros moratórios serão contados desde a data do trânsito em julgado (Súmula 188 do STJ). Surge agora outra pergunta: qual é a taxa de juros de mora que deverá ser aplicada na repetição de indébito? Nas repetições de indébito a taxa de juros a ser aplicada em favor do sujeito passivo é a mesma que a lei prevê que o Fisco poderá cobrar do contribuinte em caso tributo atrasado. Ex: no âmbito federal, se o contribuinte deixar de recolher o tributo no dia do vencimento, ele terá que pagá-lo com juros de mora. A lei determina que a taxa de juros é a SELIC. Isso significa que, se o sujeito passivo pagar determinado tributo federal e, posteriormente, constatar-se que era indevido, ele terá direito à repetição de indébito, recebendo de volta o valor que pagou mais juros de mora. A taxa de juros dessa restituição também será a SELIC. Trata-se de aplicação do princípio da isonomia: ora, se é exigido do contribuinte que pague os juros com o índice SELIC, quando ele for receber, também deverá ser assegurado a ele o mesmo tratamento (receber com SELIC). Fundamento legal da SELIC no âmbito federal

O fundamento legal para a aplicação da taxa SELIC na cobrança de tributos federais é a Lei n. 9.065/95.

A utilização da SELIC em caso de restituição de tributos (repetição de indébito) foi determinada pela Lei n. 9.250/95. Em caso de repetição de indébito de tributos ESTADUAIS, aplica-se também a SELIC? Depende. O legislador estadual tem liberdade para prever o índice de juros em caso de atraso no pagamento dos tributos estaduais. Ex: o legislador pode dizer que é 1% ao mês (e não a SELIC). Quanto às repetições de indébito de tributos estaduais, vale o mesmo entendimento exposto na pergunta anterior: a taxa de juros a ser aplicada em favor do sujeito passivo será a mesma que a lei estadual prevê que o Fisco estadual poderá cobrar do contribuinte em caso tributo atrasado. Em outras palavras, a taxa de juros de mora incidente na repetição de indébito de tributos estaduais deve corresponder à utilizada para cobrança do tributo pago em atraso. Logo, se a lei estadual prevê que na cobrança do tributo em atraso incidirá a taxa de juros de 1% ao mês, a taxa de juros na repetição de indébito será também de 1% ao mês. A lei estadual poderá fixar a SELIC como taxa de juros? SIM. Será possível que incida a SELIC tanto para a cobrança do tributo em atraso como também no caso da ação de repetição de indébito. Para isso, no entanto, é necessário que a lei estadual (legislação local) preveja. Ex: no Estado de São Paulo, o art. 1º da Lei Estadual 10.175/98 prevê a aplicação da taxa SELIC sobre impostos estaduais pagos com atraso, o que impõe a adoção da mesma taxa na repetição do indébito.

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Por que a súmula diz que a SELIC não pode ser cumulada com quaisquer outros índices? Porque a SELIC é um tipo de índice de juros moratórios que já abrange juros e correção monetária. Como assim? No cálculo da SELIC (em sua “fórmula matemática”), além de um percentual a título de juros moratórios, já é embutida a taxa de inflação estimada para o período (correção monetária). Em outras palavras, a SELIC é uma espécie de índice que engloba juros e correção monetária. Logo, se o credor exigir a SELIC e mais a correção monetária, ele estará cobrando duas vezes a correção monetária, o que configura bis in idem. Por isso, o STJ afirma que, se a lei estadual prevê a aplicação da SELIC, é proibida a sua cobrança cumulada com quaisquer outros índices, seja de atualização monetária (correção monetária), seja de juros. Basta a SELIC. Leia agora novamente o enunciado do STJ para ver se ficou mais claro: Súmula 523-STJ: - A taxa de juros de mora incidente na repetição de indébito de tributos estaduais deve corresponder à

utilizada para cobrança do tributo pago em atraso (princípio da isonomia), - sendo legítima a incidência da taxa Selic (a SELIC pode ser utilizada também em tributos estaduais), - em ambas as hipóteses (tanto para cobrança de tributos em atraso como para repetição de indébito), - quando prevista na legislação local (a SELIC para ser aplicada no âmbito estadual precisa estar prevista

na lei estadual), - vedada sua cumulação com quaisquer outros índices (a SELIC não pode ser exigida junto com outro

índice de correção).