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NATAN BATISTA Resumo e Questões 6º Semestre Direito Processual Penal

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NATAN BATISTA

Resumo e Questões 6º Semestre

Direito Processual

Penal

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Sumário:

Capítulo 1 – Das Ações Penais Página 1

1. Introdução Página 1

1.1. Da Titularidade da Justiça Página 1

1.2. Previsão Legal Página 1

1.3. Conceito Página 2

1.4. Características da Ação Pena Página 2

1.4.1. Caráter Público Página 2

1.4.2. Direito Subjetivo Página 3

1.4.3. Direito Autônomo Página 3

1.4.4. Direito Abstrato Página 3

1.4.5. Instrumentalidade Página 3

2. Das Espécies de Ação Pena Página 3

2.1. Introdução Página 3

2.2. Da Proposta da Ação Página 3

2.3. Da Lide Penal Página 4

2.4. Da Organização da Ação Penal Página 4

2.5. Ação Penal Pública Página 4

2.5.1. Ação Penal Pública Incondicionada Página 4

2.5.2. Ação Penal Pública Condicionada Página 5

2.5.2.1. Ação Penal Pública Condicionada à Representação do Ofendido

Página 5

2.5.2.2. Ação Penal Pública Condicionada à Requisição do Ministro da Justiça

Página 5

2.6. Ação Penal Privada Página 6

2.6.1. Ação Penal Privada Subsidiária Página 6

2.6.2. Ação Penal Privada Personalíssima Página 7

2.6.3. Ação Penal Exclusiva, Propriamente Dita ou Principal Página 7

2.7. Ação Penal Popular Página 7

2.8. Ação Penal e Crime Complexo Página 8

3. Princípio das Ações Penais Página 8

3.1. Conceito Página 8

3.2. Princípios Gerais da Ação Penal Página 8

3.2.1. Princípio do Devido Processo Legal Página 8

3.2.2. Princípio do Contraditório Página 9

3.2.3. Princípio da Ampla Defesa Página 9

3.2.4. Princípio da Presunção de Inocência Página 9

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3.2.5. Princípio da favor rei ou in dubio pro reo Página 10

3.2.6. Princípio da Iniciativa da Parte ou ne procedat iudex ex officio

Página 10

3.2.7. Princípio da Oficiosidade ou do Impulso Oficial Página 10

3.2.8. Princípio da Vedação da Prova Ilícita Página 11

3.2.9. Princípio do Juiz Natural e Imparcial Página 12

3.2.10. Princípio do Promotor Natural Página 12

3.2.11. Princípio da Intranscendência Página 13

3.2.12. Princípio do ne bis in idem ou double jeopardy Página 13

3.3. Princípio da Ação Penal Pública Página 13

3.3.1. Princípio da Obrigatoriedade ou Legalidade Página 13

3.3.2. Princípio da Indisponibilidade da Ação Penal ou da Indesistibilidade

Página 15

3.3.3. Princípio da Oficiosidade Página 15

3.3.4. Princípio da Divisibilidade da Ação Penal Pública Página 15

3.4. Princípios da Ação Penal Privada Página 16

3.4.1. Princípio da Oportunidade ou Conveniência Página 16

3.4.2. Princípio da Disponibilidade da Ação Página 16

3.4.3. Princípio da Indivisibilidade da Ação Penal Privada Página 16

3.5. Esquematizado Página 17

4. Condições da Ação e Recebimento da Denúncia/ Queixa

Página 18

4.1. Da Ação Página 18

4.2. Processo Página 17

4.3. Procedimento Página 18

4.4. Pressupostos processuais ou condições de procedibilidade da ação

Página 18

4.4.1. Pressupostos processuais gerais Página 18

4.4.1.1. Legitimidade de parte Página 19

4.4.1.2. Possibilidade jurídica do pedido Página 19

4.4.1.3. Interesse de agir Página 20

4.4.1.4. Justa causa Página 21

4.4.2. Pressupostos processuais específicos Página 21

4.5. Requisitos da denúncia/queixa Página 22

4.5.1. Exposição do fato criminoso Página 22

4.5.2. Classificação do crime Página 22

4.5.3. Qualificação do acusado ou esclarecimento pelos quais se possa identificá-lo

Página 22

4.5.4. Pedido de condenação Página 23

4.5.5. Identificação do sujeito passivo Página 23

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4.5.6. Assinatura Página 23

4.6. Do indeferimento da denúncia/queixa e do recurso Página 23

4.7. Denúncia/queixa alternativa Página 23

4.8. Denúncia/queixa genérica Página 23

4.9. Retificação da denúncia/queixa Página 24

4.10. Aditamento da denúncia/queixa Página 24

4.11. Recebimento da denúncia/queixa Página 24

5. Da Ação Penal Pública Página 24

5.1. Ação Penal Pública Incondicionada Página 24

5.1.1. Revisando o recebimento do inquérito policial Página 25

5.1.2. Prazo para o oferecimento Página 26

5.2. Ação Penal Pública Condicionada Página 26

5.2.1. Ação Penal Pública Condicionada à Representação do Ofendido

Página 26

5.2.1.1. Principais tipos penais Página 26

5.2.1.2. Titularidade da representação Página 26

5.2.1.3. Prazo para representação Página 27

5.2.1.4. Morte do ofendido Página 27

5.2.1.5. Duas vítimas, uma representação Página 28

5.2.1.6. Forma Página 28

5.2.1.7. Retratação do ofendido Página 29

5.2.1.8. Lei Maria da Penha e ação penal pública incondicionada

Página 29

5.2.1.9. Renúncia à representação Página 30

5.2.2. Ação Penal Pública Condicionada à Requisição do Ministro da Justiça

Página 31

5.2.2.1. Prazo Página 31

5.2.2.2. Forma Página 31

5.2.2.3. Retratação Página 31

6. Da Ação Penal Privada Página 32

6.1. Introdução, titularidade e morte do ofendido Página 32

6.2. Prazo Página 32

6.3. Crimes processados mediante ação penal privada Página 33

6.4. Espécies de ação penal privada Página 33

6.5. Atuação do Ministério Público na ação penal privada Página 33

6.6. Funcionário público e crime contra a honra no exercício de suas funções

Página 34

6.7. Ofendido abre mão do direito de queixa Página 34

6.7.1. Decadência Página 34

6.7.2. Perempção Página 35

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6.7.3. Renúncia Página 36

6.7.3.1. Introdução Página 36

6.7.3.2. Titularidade Página 37

6.7.3.3. Forma Página 37

6.7.4. Perdão do ofendido Página 38

6.7.4.1. Introdução Página 38

6.7.4.2. Forma Página 38

6.7.5. Renúncia ≠ Perdão Página 39

7. Ação Civil ex delito Página 39

7.1. Conceito Página 39

7.2. Titulares Página 40

7.2.1. Titularidade ativa Página 40

7.2.2. Titularidade passiva Página 41

7.3. Sistemas de reparação Página 41

7.4. Pontos de interação Página 42

7.4.1. Efeitos da sentença penal condenatória no âmbito cível

Página 42

7.4.2. Efeitos da sentença penal absolutória no âmbito cível Página 44

7.5. Perdão judicial Página 47

Capítulo 2 – Da Competência Página 48

1. Introdução e Conceitos Página 48

2. Princípios da Jurisdição Página 49

2.1. Princípio do juiz natural Página 49

2.2. Princípio da investidura Página 49

2.3. Princípio da indeclinabilidade ou non liquet Página 49

2.4. Princípio da indelegabilidade Página 50

2.5. Princípio da inevitabilidade ou irrecusabilidade Página 50

2.6. Princípio da improrrogabilidade Página 50

2.7. Princípio da inércia ou iniciativa das partes Página 50

2.8. Princípio da unidade Página 51

3. Espécies de Competência Página 51

3.1. Competência material Página 51

3.2. Competência absoluta e relativa Página 52

3.3. Critérios adotados pelo Código de Processo Penal Página 52

3.4. Competência pelo lugar da infração Página 53

3.4.1. Introdução Página 53

3.4.2. Regra Página 54

3.4.2.1. Crimes consumados Página 55

3.4.2.2. Crimes tentados Página 55

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3.4.3. Outras disposições descritas no art. 70 Página 55

3.4.3.1. Execução no Brasil e resultado no estrangeiro Página 55

3.4.3.2. Crime pratico no exterior Página 56

3.4.3.2.1. Crime praticado em território estrangeiro Página 56

3.4.3.2.2. Crime praticado em embarcações ou aeronaves nacionais

Página 56

3.4.3.3. Crime praticado em local certo cuja jurisdição é incerta

Página 57

3.4.3.4. Crime praticado em lugar incerto (divisa de comarcas)

Página 57

3.4.4. Situações específicas Página 57

3.4.4.1. Crime de estelionato por emissão de cheque sem fundo

Página 57

3.4.4.2. Crime de estelionato cometido mediante falsificação de cheque

Página 58

3.4.4.3. Crime de estelionato via saque em conta bancária, mediante uso de senha ou cartão magnético (clonagem)

Página 58

3.4.4.4. Crime de falso testemunho prestado em carta precatória

Página 58

3.4.4.5. Crimes qualificados pelo resultado Página 58

3.4.4.6. Crime de homicídio doloso Página 59

3.4.4.7. Crime de extorsão mediante sequestro Página 59

3.4.4.8. Crime de contrabando e descaminho Página 59

3.4.4.9. Crime de furto qualificado pela fraude eletrônica na internet

Página 60

3.4.4.10. Juizado especial criminal (JECrim) Página 60

3.4.4.11. Crimes falimentares Página 61

3.4.5. Competência pelo domicílio/residência do réu Página 61

3.4.6. Escolha do foro competente Página 61

3.5. Competência em razão da matéria Página 62

3.5.1. Introdução Página 62

3.5.2. Justiça Eleitoral Página 63

3.5.2.1. Introdução Página 63

3.5.2.2. Crimes eleitorais Página 63

3.5.2.3. Conexão entre crimes Página 64

3.5.2.3.1. Conexão com crimes dolosos contra a vida Página 64

3.5.2.3.2. Conexão com crimes de competência da Justiça Estadual

Página 64

3.5.2.3.3. Conexão com crimes de competência da Justiça Militar ou Federal

Página 64

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3.5.3. Justiça Militar Página 65

3.5.3.1. Introdução Página 65

3.5.3.2. Crimes militares Página 65

3.5.3.3. Justiça Militar da União e Justiça Militar Estadual Página 67

3.5.3.3.1. Competência Página 67

3.5.3.3.2. Estrutura e composição Página 68

3.5.3.3.3. Outras disposições sobre competência Página 69

3.5.3.3.3.1. Crimes praticados por militares que não sejam da competência da Justiça Militar

Página 69

3.5.3.3.3.2. Crimes dolosos contra a vida praticados por militares

Página 69

3.5.3.3.3.3. Conexão e continência Página 70

3.5.4. Justiça Federal Página 70

3.5.4.1. Introdução Página 70

3.5.4.2. Composição e estrutura Página 70

3.5.4.3. Competência Página 73

3.5.4.3.1. Art. 109, IV, CF Página 74

3.5.4.3.1.1. Crime político Página 74

3.5.4.3.1.2. Crimes de terrorismo Página 74

3.5.4.3.1.3. Crimes cometidos em detrimento de bens, serviços ou interesses da União

Página 75

3.5.4.3.2. Art. 109, V, CF Página 79

3.5.4.3.3. Art. 109, VI, CF Página 80

3.5.4.3.3.1. Crimes contra a organização do trabalho Página 80

3.5.4.3.3.2. Crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira

Página 81

3.5.4.3.4. Art. 109, IX, CF Página 81

3.5.4.3.5. Art. 109, X, CF Página 82

3.5.4.3.6. Art. 109, XI, C Página 83

3.5.4.3.7. Incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal

Página 83

3.5.5. Justiça Estadual Página 84

3.5.6. Quadro comparativo Página 84

3.6. Competência em razão da função Página 84

3.6.1. Introdução Página 84

3.6.2. Foro por prerrogativa de função Página 84

3.6.3. Rito Página 85

3.6.4. Legislação Página 85

3.6.5. Tabela sinóptica Página 86

3.6.6. Julgamento do parlamentar e do momento do crime Página 89

3.6.7. Ação Penal nº 937/STF e seus reflexos Página 91

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3.6.7.1. Súmula nº 704/STF e art. 78, III, CPP – crimes conexos praticados por pessoas que têm prerrogativa de função

Página 93

3.6.7.2. Investigação e indiciamento Página 94

3.6.7.3. Denúncia Página 95

3.6.7.4. Competência do Tribunal Pátina 96

3.6.7.5. Tribunal do Júri Página 96

3.6.7.6. Indivíduos sem prerrogativa de foro Página 96

3.6.7.7. Crime cometido anteriormente à posse Página 96

3.6.7.8. Crime cometido durante o exercício da função Página 97

3.6.7.9. Crime cometido durante o mandato e cessação posterior

Página 97

3.6.7.10. Crime após a cessação do mandato Página 99

3.6.7.11. Ato de improbidade Página 100

3.6.7.12. Julgamento em única instância pelo STF Página 101

3.6.7.13. Exceção da verdade nos crimes contra a honra Página 101

4. Critérios de Prevenção e Distribuição Página 102

5. Critérios de Conexão e Continência Página 103

5.1. Introdução e conceitos Página 103

5.2. Legislação Página 103

5.3. Conexão, continência e crime único Página 104

5.4. Espécies de conexão Página 104

5.4.1. Conexão intersubjetiva Página 104

5.4.1.1. Conexão intersubjetiva por simultaneidade ou ocasional

Página 104

5.4.1.2. Conexão intersubjetiva por concurso Página 105

5.4.1.3. Conexão intersubjetiva por reciprocidade Página 105

5.4.2. Conexão objetiva Página 105

5.4.2.1. Conexão objetiva teleológica Página 105

5.4.2.2. Conexão objetiva consequencial Página 105

5.4.3. Conexão probatória ou instrumental Página 106

5.5. Espécies de continência Página 106

5.5.1. Continência por cumulação subjetiva Página 107

5.5.2. Continência por cumulação objetiva Página 107

5.6. Efeitos da conexão e continência Página 107

6. Prevalência do Foro, Separação de Processos e Desclassificação

Página 108

6.1. Questões de prevalência de foro Página 108

6.1.1. Concurso de jurisdições de instâncias diversas Página 109

6.1.2. Concurso entre jurisdição comum e especial Página 109

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6.1.3. Concurso entre jurisdição comum federal e estadual Página 110

6.1.4. Concurso entre tribunal do júri e jurisdição comum Página 110

6.1.5. Crime de homicídio doloso conexo a crime eleitoral Página 110

6.1.6. Concurso de jurisdição da mesma categoria Página 110

6.1.7. Conexão entre jurisdição comum e os JECRIMs Página 111

6.2. Separação de processos Página 112

6.2.1. Separação obrigatória de processos Página 112

6.2.2. Separação facultativa de processos Página 114

6.3. Desclassificação e competência Página 115

6.4. Questões específicas sobre competência Página 115

6.4.1. Um só crime Página 115

6.4.2. Conexão e continência Página 116

6.4.3. Execução penal Página 117

6.4.4. Tribunal penal internacional Página 117

6.4.5. Crime de latrocínio Página 118

6.4.6. Colegiado de juízes de primeiro grau Página 118

7. Exceção Página 119

7.1. Introdução e conceitos Página 119

7.2. Exceção de impedimento e suspeição Página 121

7.3. Exceção de incompetência Página 123

7.4. Conflito de jurisdição ou competência Página 124

7.5. Conflito de atribuições do Ministério Público Página 125

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1

Capítulo 1 – Das Ações Penais

1. Introdução 1.1. Da Titularidade da Justiça

Como bem se sabe, não cabe aos indivíduos, por si sós, a execução da Justiça. É

nesse ponto, inclusive, que se encontra tipificado em nosso Código Penal o crime de

exercício arbitrário das próprias razões (CP: art. 345), cujo teor nos apresenta que

“Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo

quando a lei o permite”, é passível de punição.

Interessante notar, contudo, a existência de exceções, quais sejam, as situações

em que a lei permite que o indivíduo, enquanto lesado, busque, sozinho, a execução

da Justiça. Tais casos também estão dispostos no nosso Ordenamento Jurídico,

caracterizando-se pelos elementos que seguem: (1) legítima defesa – “Entende-se em

legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta

agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem (CP: art. 25); (2) estado de

necessidade – “Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para

salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo

evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável

exigir-se” (CP: art. 24); (3) acordos encontrados nas Leis nos 9.099/95 e 12.850/13.

Perguntemo-nos, então: se não cabe aos indivíduos a busca direta pelos seus

direitos, quem é o titular do direito de punir? Por óbvio, cabe ao Estado o monopólio

da distribuição da Justiça e o direito de punir, em regra.

Nesse ponto, convém que relembremos o conceito de jurisdição, foco da

aplicação da titularidade da Justiça, sendo: poder-dever do Estado em aplicar a lei ao

caso concreto, solucionando a lide. Aqui, cabe ao Estado, enquanto preservador da paz

social, punir aqueles que cometeram infrações penais, com o objetivo de, em tese,

reeducá-los e reintroduzi-los na sociedade.

Concluindo, portanto, afirma Edilson Mougenot que “aquele que promover a

acusação, para obter guarida à sua pretensão punitiva, será obrigado a provocar a

manifestação do órgão encarregado do exercício da jurisdição (em regra, o Poder

Judiciário).”

1.2. Previsão Legal

A ação penal apresenta diversas disposições legais. Por esse motivo, convém

que as separemos para o melhor entendimento.

Em sede constitucional, a ação penal é mencionada nos seguintes dispositivos:

CF: art. 5º, XXXV: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão

ou ameaça a direito.

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2

CF: art. 5º, LIX: será admitida ação privada nos crimes da ação pública, se

esta não for intentada no prazo legal.

O primeiro inciso acima descrito, nos dá a definição do Princípio da

Inafastabilidade da Jurisdição. Segundo tal princípio, todas as ameaças ou efetivas

lesões aos direitos ou à integridade física dos indivíduos deverão passar pelo crivo do

Estado. Quanto ao Direito Penal, o instrumento segundo o qual a pretensão é

apresentada ao Estado-Juiz é justamente a ação penal.

O segundo dispositivo demonstrado, porém, dispõe sobre uma das espécies de

ação penal posteriormente estudada e aprofundada por nós.

No âmbito legal, convém citarmos as disposições que se encontram no Código

Penal (arts. 100 a 106) e no Código de Processo Penal (arts. 24 a 62).

Interessante destacar, ainda, a crítica tecida pela doutrina quanto à

similaridade e consequente desnecessidade da existência de disposição acerca da ação

penal em ambos os documentos jurídicos. Há, inclusive, dispositivos extremamente

semelhantes em ambos os Códigos. À título de exemplo, vide: CP: arts. 24 e 30 e CPP:

art. 100. Em decorrência disto, não se aplicará às ações penais o disposto no art. 2º do

Código de Processo Penal, o qual dispõe que “A lei processual penal aplicar-se-á desde

logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior”, visto

a natureza híbrida de tal elemento. Aqui, aplicar-se-á o disposto no art. 5, XL, da

Constituição Federal, segundo o qual “A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar

o réu”.

1.3. Conceito

Antes de partirmos para o estudo aprofundado deste instituto do Direito

Processual Penal, convém que o conceituemos. Segundo Guilherme de Souza Nucci,

ação penal “é o direito do Estado-acusação ou do ofendido de ingressar em juízo

solicitando a prestação jurisdicional, representada pela aplicação das normas de

direito penal ao caso concreto”. Resumidamente, é o direito do Estado ou do ofendido,

a depender da natureza da ação, em solicitar a prestação jurisdicional, diante de uma

infração penal.

1.4. Características da Ação Penal

São cinco as principais características da ação penal, quais sejam: (1) caráter

público; (2) direito subjetivo; (3) direito autônomo; (4) direito abstrato; e (5)

instrumentalidade.

1.4.1. Caráter Público

A ação penal, ainda que de natureza privada, como veremos adiante, sempre

será exercida contra o Estado, visto que tem como objetivo, como dito anteriormente,

acionar a jurisdição do mesmo e satisfazer a pretensão de elevada relevância social

apresentada por quem a tenha requerido.

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1.4.2. Direito Subjetivo

Diante do injusto dano, é direito daquele que o sofreu e dever do Ministério

Público acionar a tutela do Poder Judiciário para a satisfação da prestação em questão.

E, como sabemos, é dever do Estado retribuir-lhe. Segundo Mougenot, “Ainda que seja

para denegar sumariamente o pedido, o ajuizamento da ação, penal ou civil, implica a

criação de um dever para o Estado de emitir uma decisão.”

1.4.3. Direito Autônomo

A existência da ação penal não é prejudicada pelo direito material pelo qual

pretende-se a provocação do Estado. Existe, portanto, por si só. Autonomamente.

1.4.4. Direito Abstrato

O direito de se propor a ação independe da existência da violação do direito

material, ou seja, não é necessário que haja, de fato, o dano para que se venha a

provocar o Poder Judiciário. Portanto, independentemente do resultado da pretensão,

seja ela procedente ou não, não há o que se falar em impedimento ao direito de ação.

1.4.5. Instrumentalidade

Por fim, tem-se a ação penal por instrumental, pois tem como objetivo servir

de meio para que seja solucionada a violação sofrida pelo direito material. Em outras

palavras, está instrumentalmente conexo a um fato concreto.

2. Das Espécies de Ação Penal 2.1. Introdução

São duas as espécies de ação penal, basicamente, quais sejam: (1) ação penal

pública e (2) ação penal privada.

Segundo disposição do art. 129, I, da Constituição Federal, é função

institucional do Ministério Público “promover, privativamente, a ação penal pública, na

forma da lei.” Por outro lado, conforme descreve o artigo 30 do Código de Processo

Penal, “ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo caberá intentar a

ação privada.”

Perguntemo-nos: qual é o motivo para tal divisão de espécies?

O legislador, a partir de tal separação, buscou proteger a intimidade da pessoa

ofendida diante de determinados crimes. Nesses casos, segundo disposição legal,

caberá a ação penal privada, salvo quando o interesse público for superior ao interesse

do ofendido.

2.2. Da Proposta da Ação

As espécies acima destacas possuem diferentes modos de apresentação. Diante

de ação penal pública é necessário que se manifeste o titular do direito de ação

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através de denúncia. Por outro lado, diante de ação penal privada, convém que o

titular da ação aja por meio de queixa.

2.3. Da Lide Penal

Entende-se por lide penal a pretensão à correta aplicação da lei penal, isto é, a

lide caracteriza-se pela pretensão punitiva do Estado, ou seja, apresenta natureza

jurídica condenatória. Tal pretensão é proposta através da ação penal.

2.4. Organograma da Ação Penal

2.5. Ação Penal Pública

Em sede de resumo, ação penal pública é a provocação feita ao Poder Judiciário

pelo próprio, através do Ministério Público. Tal meio será utilizado diante dos crimes

cujo interesse social prevalece em relação ao interesse privado. É a regra, sendo

proposta através de denúncia. Nesse sentido é a redação do art. 10 do Código Penal:

“A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do

ofendido.”

Já mencionando as suas espécies, é o teor do art. 24 do Código de Processo

Penal: “Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério

Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou

de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.”

Segundo tal artigo, podemos identificar duas espécies de ação penal pública,

quais sejam: (1) incondicionada; (2) condicionada.

2.5.1. Ação Penal Pública Incondicionada

Trata-se da regra geral do Ordenamento Jurídico Brasileiro, constando nos tipos

penais que não apresentam qualquer especificação quanto a proposta da ação penal.

“No silêncio da lei, a ação penal pública será incondicionada.”

Neste caso, não há qualquer necessidade de manifestação de terceiro,

bastando que a proposta seja feita pelo Ministério Público.

Ação Penal

Ação Penal Pública

Incondicionada

Condicionada

Representação

Requisição

Ação Penal Privada

Exclusiva

Personalíssima

Subsidiária

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Além desse critério, é a disposição do art. 24, §2º, do Código de Processo Penal:

“Seja qual for o crime, quando praticado em detrimento do patrimônio ou interesse da

União, Estado e Município, a ação penal será pública.”

2.5.2. Ação Penal Pública Condicionada

Entende-se por ação penal pública condicionada a ação cuja propositura

somente poderá ocorrer diante da manifestação de terceiro, sem a qual o Ministério

Público não poderá apresentá-la.

Assim serão classificadas as ações penais quando a lei dispor expressamente ser

necessário a representação do ofendido ou mediante requisição do Ministro da Justiça.

Tais elementos representam as duas subespécies nela constante, quais sejam:

(1) condicionada à representação do ofendido e (2) condicionada à requisição do

Ministro da Justiça.

2.5.2.1. Ação Penal Pública Condicionada à Representação do Ofendido

Entende-se por representação do ofendido a mera manifestação positiva do

mesmo acerca da propositura da ação penal por parte do Ministério Público.

Quanto ao direito de representação dispõe o art. 39, caput, do Código de

Processo Penal, cujo teor é: “O direito de representação poderá ser exercido,

pessoalmente ou por procurador com poderes especiais, mediante declaração, escrita

ou oral, feita ao juiz, ao órgão do Ministério Público, ou à autoridade policial.”

À título de exemplo, condiciona o parágrafo único do art. 147 do Código Penal

(crime de ameaça): “Somente se procede mediante representação”.

Aqui convém mencionarmos a Súmula nº 714 do Supremo Tribunal Federal,

sendo o seu conteúdo: “É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e

do ministério público, condicionada à representação do ofendido, para ação penal por

crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções.”

Nesse caso, portanto, cabe ao servidor público, quando do sofrimento de crime contra

a honra, propor, ele mesmo, queixa-crime (ação penal privada) ou, mediante

representação, permitir que a ação seja proposta pelo Ministério Público (ação penal

pública).

Por fim, convém mencionar que, segundo consta do art. 25 do Código de

Processo Penal, “A representação será irretratável, depois de oferecida a denúncia.”

2.5.2.2. Ação Penal Pública Condicionada à Requisição do Ministro da Justiça

Neste caso, requisição tem como sinônimo a autorização. Aqui, somente se

procederá ao inquérito policial diante da manifestação positiva de vontade do Ministro

da Justiça.

Em regra, proceder-se-á a ação penal mediante requisição do Ministro da

Justiça diante de crimes de cunho eminentemente político, segundo Edilson

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Mougenot. À título de exemplo, podemos citar o art. 141, I, do Código Penal: “As

penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é

cometido: I – contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo

estrangeiro.”

2.6. Da Ação Penal Privada

Recapitulando, a ação penal privada é a provocação ao judiciário feita pelo

próprio ofendido, ou seja, é a pessoa contra quem supostamente foi cometida a

infração penal que ingressa com a ação penal. Tal ingresso será feito através da

queixa. Nesse sentido é a disposição do art. 30 do Código de Processo Penal, cujo teor

nos diz que “Ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo caberá

intentar a ação privada.”

São três as ações penais privadas, conforme demonstra o organograma acima

disposto. Quais sejam: (1) subsidiária; (2) personalíssima; (3) exclusiva.

2.6.1. Ação Penal Privada Subsidiária

Segundo o art. 29 do Código de Processo Penal: “Será admitida ação privada

nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao

Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir

em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a

todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte

principal.”1

Portanto, ação penal privada subsidiária da pública é a provocação feita ao

judiciário pelo ofendido (através da queixa), vez que o Ministério Público, diante de

crime de ação penal pública, não a fez em tempo hábil. Segundo Edilson Mougenot, “A

existência da ação penal privada subsidiária da pública constitui garantia constitucional

do ofendido contra possível desídia ou arbitrariedade do Estado.”

Trata-se de cláusula pétrea. Nesse sentido é o art. 5º, LIX, da Constituição

Federal: “Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for

intentada no prazo legal.”

O Ministério Público terá cinco (se o indiciado estiver preso) ou quinze dias (se

o indiciado estiver solto) para ingressar com a denúncia. Não o fazendo, abre-se prazo

de seis meses para que o ofendido o faça. Tal omissão é caracterizada de forma tripla,

vez que é necessário que o Ministério Público se mantenha inerte, de forma a não

requerer o arquivamento, não ajuizar a ação e não determinar a realização de novas

diligências.

Convém destacar, contudo, ser possível que o Ministério Público retome a

titularidade da ação penal, vez que não recai sobre tal elemento a decadência,

perempção, renúncia ou perdão do ofendido, como veremos (vide tópicos 6.7.3 e

1 Art. 100, §3º, do Código Penal. A ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação pública, se o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal.

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6.7.4, infra). Contudo, somente poderá retomar a titularidade e ingressar com a ação,

caso o fato não tenha prescrito.

Diante do ajuizamento por parte do ofendido, atuará o Ministério Público como

custos legis, sendo possível que retome a titularidade diante de queixa que não atenda

aos requisitos legais, bem como adite a queixa, sem que retome a titularidade, diante

de pequenas falhas. Nesse caso, é possível que recorra, requeira provas e, diante da

negligência da parte, retome a titularidade.2

2.6.2. Ação Penal Privada Personalíssima

Tal ação penal privada assim se apresenta, pois somente é possível que a

pessoa do ofendido ingresse com a ação. Não há o que se falar, portanto, na

transmissão do direito quando da morte do ofendido. Trata-se, portanto, de exceção à

regra do art. 31 do Código de Processo Penal, de que: “No caso de morte do ofendido

ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou

prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.”

Atualmente só há um tipo penal que lhe apresenta como forma de provocação

ao judiciário, qual seja, o disposto no art. 236, parágrafo único, do Código Penal, sendo

o seu teor: “A ação penal depende de queixa do contraente enganado e não pode ser

intentada senão depois de transitar em julgado a sentença que, por motivo de erro ou

impedimento, anule o casamento.”

2.6.3. Ação Penal Exclusiva, Propriamente Dita ou Principal

Trata-se do modelo comum de ação penal privada, nela podendo ingressar o

próprio ofendido ou quem o represente legalmente. Tal ação penal ocorrerá diante da

disposição legal no sentido de se provocar o Poder Judiciário através da queixa.

Diferencia-se da anteriormente narrada, vez que quando da morte do autor é

possível que haja sucessão da titularidade ao cônjuge, ascendente, descendente ou

irmão (vide tópico 5.2.1.4, infra).

2.7. Ação Penal Popular

Aqui cabe a seguinte pergunta: é possível que qualquer indivíduo ingresse com

ação penal quando do cometimento de infração penal?

A resposta a tal pergunta apresenta divergência.

Segundo posicionamento de Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães

Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes, é possível sim que qualquer do povo possa

entrar com ação penal contra o autor da infração penal. Citam como exemplos o

impeachment e o habeas corpus.

2 Art. 29 do Código de Processo Penal. Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação com parte principal.

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Entende-se, porém, que tais ação aqui apresentadas como exemplo são ações

constitucionais, não se tratando, portanto, de ações penais.

Por outro lado, segundo Guilherme de Souza Nucci, Rogério Lauria Tucci e

Vicente Greco Filho, não é possível que qualquer pessoa venha a ingressar com a ação

penal. Este posicionamento prevalece dentre os doutrinadores.

2.8. Ação Penal e Crime Complexo

Crime complexo é o crime formado pela junção de outros dois crimes. À título

de exemplo, podemos citar a extorsão mediante sequestro (art. 159 do Código Penal),

formado pela extorsão + sequestro.

Quanto a estes crimes, observa-se o disposto no art. 101 do Código Penal:

“Quando a lei considera como elemento ou circunstâncias do tipo legal fatos que, por

si mesmos, constituem crimes, cabe ação pública em relação àquele, desde que, em

relação a qualquer destes, se deva proceder por iniciativa do Ministério Público.”

Tal redação, porém, é errônea, visto que, como já explicado anteriormente, a

ação penal pública identifica-se pela omissão do dispositivo normativo, não sendo

necessário, portanto, que este especifique a utilização de tal ação.

3. Princípios das Ações Penais 3.1. Conceito

Segundo Guilherme Nucci, princípio “É um postulado que se irradia por todo o

sistema de normas, fornecendo um padrão de interpretação, integração,

conhecimento e aplicação do direito positivo, estabelecendo uma meta maior a

seguir.”

3.2. Princípios Gerais da Ação Penal

São os princípios: (1) princípio do devido processo legal; (2) princípio do

contraditório; (3) princípio da ampla defesa; (4) princípio da presunção de inocência;

(5) princípio do favor rei ou in dubio pro reo; (6) princípio da iniciativa da parte; (7)

princípio da oficiosidade ou do impulso oficial; (8) princípio da vedação da prova

ilícita; (9) princípio do juiz natural e imparcial; (10) princípio do promotor natural;

(11) princípio da intranscendência; (12) princípio do ne bis in idem ou double

jeopardy.

3.2.1. Princípio do Devido Processo Legal

Segundo disposição do art. 5º, LIV, da Constituição Federal: “ninguém será

privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”

Tem como objetivo principal fazer com que todos acusados por determinado

crime passem pelo mesmo rito processual legalmente previsto, sendo-lhes dada a

sentença mais justa o possível.

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Tal princípio é conhecido como guarda-chuva, vez que engloba vários outros

que serão posteriormente estudados, como o princípio do contraditório, princípio da

ampla defesa, princípio da vedação de prova ilícita, princípio da duração razoável do

processo, princípio do juiz natural e imparcial etc.

3.2.2. Princípio do Contraditório

É o teor do art. 5º, LV, da Constituição Federal: “aos litigantes, em processo

judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e

ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”

Dá às partes o direito de apresentar manifestação contrária diante de qualquer

ato pela parte contrária praticado. Tem como objetivo, portanto, estabelecer equilíbrio

durante o processo penal.

3.2.3. Princípio da Ampla Defesa

Disposto no mesmo inciso acima transcrito, tem como objetivo garantir que às

partes seja permitido o uso de todos os meios de prova em direito admitidas, ou seja,

as partes poderão se utilizar de qualquer meio de prova, desde que lícitos.

3.2.4. Princípio da Presunção de Inocência

Afirma o art. 5º, LVII, da Constituição Federal: “ninguém será considerado

culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.”

Aduz que somente se considerará culpado aquele que assim for considerado

por sentença penal transitada em julgado. Trata-se, nesse caso, da razão inversamente

proporcional entre a força do Princípio da Presunção de Inocência e da culpabilidade

do agente.

Convém informar, porém, que tal princípio já sofreu inúmeras alterações de

entendimento no que pese ao momento em que o indivíduo será preso para o devido

cumprimento de pena. Nesse sentido é a tabela feito por Pedro Lenza:

PRECEDENTES3 DATA DO JULGAMENTO

PLACAR É CABÍVEL A EXECUÇÃO

PROVISÓRIA DE ACÓRDÃO PENAL CONDENATÓRIO

AINDA QUE SUJEITO A REsp E

RE?

HC 68.726 – leading case

28.06.1991 8x0 SIM

HC 84.078 – viragem

jurisprudencial

05.02.2009 7X4 NÃO

3 No dia 13/04/2019 o STF vai reanalisar este princípio.

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HC 126.292 17.02.2016 7x44 SIM

ADCs 43 e 44 – medida cautelar

05.10.2016 6x55 SIM

ARE 964.246 10.11.2016 6x4 SIM

HC 152.752 05.04.2018 6x56 SIM

3.2.5. Princípio da favor rei ou in dubio pro reo

Tal princípio está disposto no art. 386, II, do Código de Processo Penal, sendo o

seu teor: “O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que

reconheça: [...] II – não haver prova da existência do fato.”

Este princípio tem como objetivo, portanto, fixar a ideia de que, quando da

sentença, havendo dúvida acerca da materialidade delitiva e dos indícios de autoria,

deverá ser tomada a decisão que beneficiar o réu.

3.2.6. Princípio da Iniciativa da Parte ou ne procedat iudex ex officio

Tal brocardo tem como significado: “não procederá o juiz de ofício”. Segundo o

Dicionário Jurídico Acquaviva, o “brocardo recomenda ao juiz não proceder por

iniciativa própria, mas apenas a requerimento da parte. É o chamado princípio da

demanda ou da ação, nos termos do qual a jurisdição deve ser provocada.”

Portanto, simplificadamente, tal princípio tem por condão afirmar que deverão

as partes provocar o judiciário para que, então, seja submetido o caso à jurisdição, não

devendo o Poder Judiciário, de ofício, movimentar-se.

Por esse motivo, não fora recepcionado o art. 26 do Código de Processo Penal,

cujo texto apresenta: “A ação penal, nas contravenções, será iniciada com o auto de

prisão em flagrante ou por meio de portaria expedida pela autoridade judiciário ou

policial.”

3.2.7. Princípio da Oficiosidade ou do Impulso Oficial

Continuando o raciocínio do princípio anteriormente destacado, uma vez

provocado pelas partes, deverá o Poder Judiciário movimentar a máquina pública,

exercendo sua jurisdição sobre a ação em questão, levando-a até o final do processo,

momento em que se proferirá a sentença.

4 A favor da execução da pena: Carmén Lúcia, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Teori Zavascki (relator) e Dias Toffoli. Contra a execução da pena: Celso de Mello, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber. 5 A favor da execução da pena: Cármen Lúcia, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Teori Zavascki. Contra a execução da pena: Celso de Mello, Marco Aurélio Mello (relator), Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Dias Toffoli. 6 A favor da execução da pena: Edson Fachin, Alexandre de Moraes (substitui Teoria Zavascki), Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia. Contra a execução da pena: Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello.

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3.2.8. Princípio da Vedação da Prova Ilícita

Afirma o art. 5º, LVI, da Constituição Federal: “São inadmissíveis, no processo,

as provas obtidas por meios ilícitos.”

Prova ilícita é a prova obtida por meio de violação de norma constitucional ou

legal, ou seja, obtidas por meio de violação de direito material. Havendo esta espécie

de prova no processo, como afirma o Código de Processo Penal, é necessário que

sejam desentranhadas do processo, desconsiderando-as o juiz na sentença:

Art. 157 do Código de Processo Penal. São inadmissíveis, devendo

ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as

obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.

§1º. São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo

quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou

quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das

primeiras.

§2º. Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo

os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução

criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.

§3º. Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada

inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultando às partes

acompanhar o incidente.

§4º. (VETADO)

No que se referem os §§ 1º e 2º, convém citarmos a Teoria do the fruits of the

poisoness tree (Teoria das frutas da árvore envenenada). Neste caso, a obtenção da

prova em si não é considerada ilícita, mas, sim, a origem da coleta destas provas,

como, por exemplo, a busca a apreensão mediante mandado ilegal.

Nesta situação, a origem ilícita da produção da prova atinge a prova em si,

tornando-a igualmente ilícita.

Convém citarmos as teorias produzidas pela jurisprudência no que diz respeito

à utilização destas provas. São as teorias:

1) Legítima defesa pro reo/Legítima defesa de direitos fundamentais:

Afirma José Olindo Gil Barbosa em artigo intitulado As provas ilícitas no

processo brasileiro7:

“A prova que venha a ser obtida por meios ilícitos, em matéria penal,

quando favorável ao acusado, ou seja, pro reo, vem, sistematicamente,

sendo acolhida com calmaria não apenas junto aos doutrinadores como

também à jurisprudência, em obediência ao direito de defesa e ao princípio

do favor rei. Como se vê, essa posição suaviza, indubitavelmente, o

rigorismo da não aceitação incondicional das provas ilícitas. Nessas

7 Disponível em: <www.sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/AS%20PROVAS%20IL%CDCITAS.pdf>

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hipóteses o sujeito encontrar-se-ia em circunstância de verdadeiro estado

de necessidade, que é uma das causas, como sabemos, de exclusão da

antijuridicidade, vendo-se compelido ao uso de prova ilícita em defesa da

sua liberdade.”

2) Teoria da única prova:

Essa teoria afirma que, não havendo mais meios para que se prove fato

revelado por prova ilícita, sendo este fato que exclui a culpabilidade do réu, poder-se-á

utilizar tal prova, ainda que ilícita.

Por fim, citemos uma crítica que o Ministério Público faz em relação à

incidência do Princípio da Nulidade quando da apresentação das provas ilícitas:

Ajustes nas nulidades penais

Esta medida propõe uma série de alterações no capítulo do Código

de Processo Penal que trata de nulidades, com o objetivo de que a anulação

e a exclusão de prova somente ocorram quando houver uma efetiva e real

violação de direitos do réu. Busca-se evitar que o princípio da nulidade seja

utilizado pela defesa para retardar ou comprometer o andamento do

processo.

3.2.9. Princípio do Juiz Natural e Imparcial

Segundo disposição dos incisos XXXVII e LIII do art. 5º da Constituição Federal:

“não haverá juízo ou tribunal de exceção” e “ninguém será processado nem

sentenciado senão pela autoridade competente.”

No mesmo sentido é o art. 8º do Pacto de São José da Costa Rica: “1. Toda

pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo

razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido

anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela,

ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou

de qualquer outra natureza.”

Portanto, é direito de todo e qualquer indivíduo ser julgado por um juízo

imparcial, vedada a criação de Tribunal de Exceção, bem como deverá o juiz ser

devidamente empossado e competente para tanto.

3.2.10. Princípio do Promotor Natural

É baseado no art. 5º, LIII, da Constituição Federal (acima transcrito), tendo

como fundamento o direito de qualquer indivíduo em ser acusado por órgão imparcial

designado por lei, qual seja, o Ministério Público, através da Promotoria/Procuradoria.

Diz-se imparcial o promotor que se utiliza da própria função conforme as regras

preestabelecidas, não a utilizando como meio de coação para com as partes.

Igualmente ao princípio anterior, não é possível que seja designado promotor

específico (de exceção) para determinado caso.

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3.2.11. Princípio da Intranscendência

Os efeitos da pena não transcenderão a pessoa do condenado, somente sobre

ele recaindo. Portanto, não há o que se falar em transmissão dos efeitos da sentença

para os herdeiros, cônjuges ou parentes do condenado.

3.2.12. Princípio do ne bis in idem ou double jeopardy

Bis in idem tem como tradução “duas vezes pela mesma razão”. Nesse sentido,

não é possível que determinado indivíduo seja processado duas vezes pela mesma

imputação.

Nesse sentido é o art. 8º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos

(Decreto nº 678/92): “4. O acusado absolvido por sentença passada em julgado não

poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos.”

3.3. Princípios da Ação Penal Pública

São os princípios: (1) princípio da obrigatoriedade ou legalidade; (2) princípio

da indisponibilidade da ação penal ou da indesistibilidade; (3) princípio da

oficialidade; (4) princípio da divisibilidade da ação penal pública.

3.3.1. Princípio da Obrigatoriedade ou Legalidade

Segundo disposição do art. 24 do Código de Processo Penal: “Nos crimes de

ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá,

quando a lei o exigir, da requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do

ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.”

De acordo com este princípio, diante de elementos gerem suficientes indícios

de autoria e materialidade delitiva deverá o Ministério Público ingressar com a ação

penal.

Conforme afirma Edilson Mougenot, “tem-se entendido que, para o início da

ação penal pública, basta que a presença de indícios suficientes de autoria e prova da

materialidade delitiva. Portanto, o Ministério Público não deverá sequer adentrar o

mérito da existência de causas excludentes de ilicitude ou de culpabilidade.”

Contudo, convém informarmos que tal princípio não é absoluto, encontrando

mitigação nos seguintes elementos:

a) Lei 9.099/95:

A exceção ao Princípio da Obrigatoriedade ou Legalidade é o instituto da

transação penal.

A transação penal tem como objetivo “evitar que contra um suposto autor de

fato delituoso seja instaurada uma ação penal. Desse modo, antes de oferecida uma

queixa-crime (pelo particular) ou denúncia (pelo Ministério Público), é garantido ao

suposto infrator oportunidade de lhe ser aplicada de imediato pena não privativa de

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liberdade (art. 72 e 76, Lei n. 9.099/958), o que lhe livra de responder a uma ação

penal e, sem admitir culpa, cumpre penas alternativas, tais como prestação de serviços

à comunidade, pagamento de determinado valor para instituição de caridade, entre

outras.”9

b) Lei 7.347/85:

Nesse caso, excetua-se o TAC – Termo de Ajustamento de Conduta diante de

crimes ambientais.

Conforme designação do art. 5º, §6º, desta Lei: “Os órgãos públicos legitimados

poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às

exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo

extrajudicial.”

c) Parcelamento de dívida tributária:

É a redação do art. 151 do Código Tributário Nacional: “Suspendem a

exigibilidade do crédito tributário: VI – o parcelamento.”

Sobre o parcelamento é o art. 155-A do mesmo diploma legal, o qual estipula:

“O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecida em lei específica.”

d) Acordo de leniência:

Tratam-se de acordos feitos entre o Poder Judiciário ou Administração Pública e

as pessoas jurídicas que tenham contra si investigação criminal da categoria

econômica.

Tais acordos têm como objetivo restituir ou reparar os prejuízos causados pelos

atos ilícitos, dando às pessoas jurídicas benefícios tanto na esfera penal como

administrativa.

e) Colaboração premiada:

É o teor do art. 4º da Lei 12.850/13: “O juiz poderá, a requerimento das partes,

conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de

liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado

efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que

dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados: I – a identificação

dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por

8 Art. 72 da Lei dos Juizados Especiais. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade. [...] Art. 76, caput, da Lei dos Juizados Especiais. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta. 9 Texto disponível em: <https://luizantoniofp.jusbrasil.com.br/artigos/148612891/o-que-e-transacao-penal>

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eles praticadas; II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da

organização criminosa; III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades

da organização criminosa; IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do

proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; V - a localização

de eventual vítima com a sua integridade física preservada.”

3.3.2. Princípio da Indisponibilidade da Ação Penal ou da Indesistibilidade

Tal princípio é previsto no art. 42 do Código de Processo Penal: “O Ministério

Público não poderá desistir da ação penal.”

Quando proposta a ação, o Ministério Público não age por si próprio, mas

representando o Estado. Nesse sentido, quando do ajuizamento da ação penal, não há

o que se falar em desistência.

Igualmente ao princípio anteriormente estudado, há uma exceção, qual seja:

“Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano,

abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer denúncia, poderá

propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não

esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os

demais requisitos que autorizam a suspensão condicional da pena.” (art. 89, caput, da

Lei dos Juizados Especiais)

3.3.3. Princípio da Oficialidade

Como bem sabemos, somente o Ministério Público poderá ingressar com a

ação penal pública, sendo o órgão representante do Estado nesse sentido, segundo

disposição legal, qual seja: “São funções institucionais do Ministério Público: I –

promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei.” (Art. 129, I, da

Constituição Federal)

3.3.4. Princípio da Divisibilidade da Ação Penal Pública

Conforme dispõe o art. 48 do Código de Processo Penal, “A queixa contra

qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos, e o Ministério Público

velará pela sua indivisibilidade.”

Apesar do teor do artigo acima referido, em tese o Ministério Público poderá

deixar de ingressar com ação penal em relação a algum coautor do crime.

Por conta deste artigo do Código de Processo Penal, há divergência doutrinária.

Segundo Tourinho Filho, por exemplo, não há o que se falar em divisibilidade, mas em

indivisibilidade da ação penal em decorrência do Princípio da Obrigatoriedade

(anteriormente estudado). Por outro lado, segundo a maioria da doutrina, é possível

sim que a ação penal seja dividida.

Segundo jurisprudência do STJ, porém, “o fato de o Ministério Público deixar de

oferecer denúncia contra quem não reconheceu a existência de indícios de autoria na

prática do delito não ofende o princípio da indivisibilidade da ação penal, pois o

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princípio do art. 48 do Código de Processo Penal não compreende a ação penal pública

que, não obstante, é inderrogável.”

3.4. Princípios da Ação Penal Privada

São os princípios: (1) princípio da oportunidade ou conveniência; (2) princípio

da disponibilidade da ação; (3) princípio da indivisibilidade da ação penal privada.

3.4.1. Princípio da Oportunidade ou Conveniência

É o exato oposto do Princípio da Obrigatoriedade da Ação Penal Pública, visto

que a Ação Penal Privada somente será ajuizada em momento oportuno, qual seja, (1)

quando a lei assim exigir ou (2) quando não se ingressar com a ação penal pública em

tempo hábil.

Além disso, quando cabível a ação penal privada, caberá ao ofendido ou seus

representantes entenderem conveniente tal ingresso, não sendo obrigatório que o

façam.

Segundo Mougenot, “Somente iniciará o processo, ajuizando a ação penal, se

assim o desejar, ou seja, se julgar que o ajuizamento da ação é conveniente para si.

Caso contrário, poderá evitar o strepitus iudicii, se julgá-lo inoportuno, deixando

impune a conduta criminosa.”

3.4.2. Princípio da Disponibilidade da Ação

Novamente em contraposição ao Princípio da Obrigatoriedade, diante do

ajuizamento da ação penal privada, poderá o ofendido deixar de exercer o direito de

ação, deixando que o direito decaia; poderá renunciar ao direito de ação; poderá

abandonar a ação, ainda que proposta; poderá, inclusive, perdoar o ofensor, se diante

de ação penal privada personalíssima.

3.4.3. Princípio da Indivisibilidade da Ação Penal Privada

É disposto pelo art. 48 do Código de Processo Penal: “A queixa contra qualquer

dos autores do crime obrigará ao processo de todos, e o Ministério Público velará pela

sua indivisibilidade.”

Diferentemente da Ação Penal Pública, não poderá o ofendido deixar de ajuizar

a ação contra um ou alguns dos ofensores, devendo fazê-la contra todos eles.

Portanto, ainda que tenha a faculdade de ajuizar ou não a ação, decidindo pelo

ajuizamento deverá fazê-lo contra todos aqueles que tenha agido em seu desfavor.

Em consequência disso, afirma o art. 49 do Código de Processo Penal: “A

renúncia ao exercício do direito de queixa, em relação a um dos autores do crime, a

todos se estenderá.”

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3.5. Esquematizando

É, portanto, a divisão:

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4. Condições da Ação e Recebimento da

Denúncia/Queixa

4.1. Da Ação

Segundo o Dicionário Jurídico Acquaviva, trata-se da “invocação formal de uma

pretensão, objetivamente tutelada pela lei, perante o Poder Judiciário.” Em outras

palavras, dá-se pelo direito constitucional de ingressar em juízo.

4.2. Processo

Conforme palavras do mesmo Dicionário, é “a forma pela qual se faz atuar a lei

na solução dos conflitos ou na declaração dos direitos [...]. O processo é o instrumento

da jurisdição. É o conjunto ordenado de atos processuais que visam à restauração da

paz em cada caso concreto.” Trata-se, portanto, da sucessão ordenada de atos

segundo os quais se exerce a jurisdição, dirigindo-se à sentença. Em outras palavras,

dá-se pelo instrumento da jurisdição.

4.3. Procedimento

Caracteriza-se pela forma e ritmo pelos quais se desenvolve o processo,

constituindo-se no conjunto de atos que realizam a finalidade do processo

propriamente dito. Simplificadamente.

4.4. Pressupostos processuais ou condição de procedibilidade da ação

É formado pelos requisitos necessários para que a relação processual exista e

seja válida.

Diante da não observância de tais elementos, há a extinção da ação sem a

resolução do mérito, ou seja, para que se analise o mérito, é necessário que os

pressupostos processuais estejam presentes.

Convém, portanto, que especifiquemos quais são. Nesse sentido é a redação do

art. 395 do Código de Processo Penal: “A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I –

for manifestamente inepta; II – faltar pressuposto processual ou condição para o

exercício da ação penal; III – faltar justa causa para o exercício da ação penal.”

Diante de tal disposição, dividamos os pressupostos processuais nas seguintes

categorias: (1) pressupostos processuais gerais e (2) pressupostos processuais

específicos.

Analisemos:

4.4.1. Pressupostos processuais gerais

São três os pressupostos processuais gerais, quais sejam: (1) legitimidade de

parte; (2) possibilidade jurídica do pedido; (3) interesse de agir.

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4.4.1.1. Legitimidade de parte

Este pressuposto é dividido em dois outros elementos, quais sejam: (1)

legitimidade ativa e (2) legitimidade passiva.

Entende-se por legitimidade ativa a possibilidade de ingressar com a ação, ou

seja, trata-se da competência que garante ao ente o direito de ajuizar ação penal.

Tratando-se se ação penal pública, possui legitimidade ativa o Ministério Público. Por

outro lado, quando da ação penal privada, ostenta legitimidade ativa o ofendido ou

seu representante legal.

De antemão, dá-se por legitimidade passiva o elemento presente sobre quem

a ação penal poderá recair. Diante de tal conceito, entende-se por legítimo

passivamente qualquer indivíduo, desde que maior de 18 anos. Lembremos, não há o

que se falar em legitimidade passiva de menor de 18 anos, visto que, nesse caso, há o

cometimento de ato infracional. Nesse sentido é o teor do art. 228 da Constituição

Federal: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às

normas da legislação especial” (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Convém que façamos uma pergunta: é possível que pessoa jurídica seja ré? Sim.

Conforme dito da Constituição Federal, é possível que pessoa jurídica seja ré em

procedimento criminal ambiental. Nesse sentido é o art. 225, §3º, da Carta Magna: “As

condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores,

pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da

obrigação de reparar os danos causados.”

Contudo, há divergência quanto a esse entendimento. Parte da doutrina

defende que as pessoas jurídicas não apresentam subjetividade, isto é, são incapazes

de agir com dolo ou culpa. Além disso, não há o que se falar em condenação de

pessoas jurídicas ao cumprimento de pena privativa de liberdade ou restritiva de

direitos. Por esse motivo, afirmam não ser possível que pessoa jurídica venha a figurar

como ré.

4.4.1.2. Possibilidade jurídica do pedido

Segundo a teoria trifásica do tipo penal, somente caberá ação penal diante de

fato típico, jurídico e culpável. Portanto, não há o que se falar de ajuizamento de ação

penal diante de ação atípica, não prevista em dispositivo legal e para a qual não é

possível que se atribua culpa de determinado indivíduo.

Ainda diante de fato típico, jurídico e culpável, há discussão acerca da aplicação

do Princípio da Bagatela ou Insignificância. A maioria da doutrina entende que em

determinados fatos, ainda que condizentes com os três elementos acima expostos,

não serão puníveis. Trata-se, por exemplo, dos crimes de pequena monta e relevância,

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como o furto famélico, sonegação fiscal inferior a R$ 20.000 ou descaminho que não

ultrapasse R$ 20.00010.

Por fim, convém mencionar que a existência de pendência de procedimento

administrativo não impede, em regra, o ajuizamento de ação penal.

Excepcionalmente, porém, a impedirá. É o caso da existência de crime tributário, como

a sonegação fiscal. Nesse caso, não é possível que se ajuíze ação penal durante a

pendência de procedimento administrativo, sendo necessário o seu encerramento

para que se inicie o procedimento penal. Contudo, é importante mencionar que a

maioria da doutrina defende haver a suspensão do prazo prescricional nesses casos.

Nesse sentido, por exemplo, é a redação da Súmula Vinculante nº 24: “Não se

tipifica crime contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, Lei 8.137/90, antes do

lançamento definitivo do tributo.”

Outros exemplos são os tipos dispostos nos arts. 168-A (apropriação indébita

previdenciária) e 337-A (sonegação de contribuição previdenciária) do Código Penal.

4.4.1.3. Interesse de agir

Tal elemento é formado pelo trinômio necessidade-adequação-utilidade.

Necessidade, pois é imprescindível que a provocação ao Poder Judiciário seja a

única e última forma pela qual se resolverá a pretensão.

Adequação, visto que é necessário que o meio segundo qual se ingresse com a

ação seja o mais congruente.

Utilidade, uma vez que a proposição deve ser útil, não sendo acompanhada por

vício que possa encerrar a pretensão da ação. Ex.: prescrição iminente.

Concluindo, é cabível que apresentemos a figura da prescrição retroativa ou

virtual. Segundo Edilson Mougenot, “tal espécie seria baseada na declaração de

extinção da punibilidade por antecipação, através de uma provável pena em

perspectiva, morosidade processual e falta de interesse de agir.” Em outras palavras,

trata-se da análise da utilidade da ação através da provável pena a qual seria

condenado o agente. Nesse caso, diante de uma possível prescrição, entender-se-á a

ação como sendo inútil, isto é, não havendo interesse de agir.

Segundo a maioria da doutrina, tal prática seria permitida. Contudo, é o

entendimento do Superior Tribunal de Justiça através da Súmula nº 438: “É

inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com

fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do

processo penal.”

10 Art. 334, caput, do Código Penal. Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria. Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

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4.4.1.4. Justa causa

Ainda que não presente no rol comumente utilizado, cabe a nós informar que

parte da doutrina entende existir um quarto pressuposto processual: a justa causa.

Segundo tal corrente, tal elemento comportaria, ao mesmo tempo, todos os

elementos anteriormente destacados. Este entendimento é fundado, principalmente,

através da disposição dos arts. 647 e 648, I, do Código de Processo Penal, segundo os

quais: “Art. 647. Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na

iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos

casos de punição disciplinar. Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal: I – quando não

houver justa causa.”

Tratar-se-ia, portanto, da junção do interesse de agir e da legitimidade passiva.

4.4.2. Pressupostos processuais específicos

São quatro os pressupostos processuais específicos: (1) representação do

ofendido (somente diante de ação penal pública condicionada); (2) requisição do

Ministro da Justiça (somente diante de ação penal pública condicionada); (3) provas

novas; (4) autorização da Câmara dos Deputados para instauração de processo de

impeachment.

Quanto às provas novas, convém tecermos alguns comentários. Quando do

arquivamento da ação, é possível que se requeira o seu desarquivamento diante da

apresentação de provas novas que identifiquem materialidade delitiva e indícios de

autoria. Nesse sentido é o art. 18 do Código de Processo Penal: “Depois de ordenado o

arquivamento do inquérito policial pela autoridade judiciária, por falta de base para a

denúncia, a autoridade poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver

notícia.”

No mesmo contexto é a Súmula nº 524 do Supremo Tribunal Federal:

“Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de

justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas.”

Quanto à autorização da Câmara dos Deputados para instauração de processo

de impeachment, dispõe o art. 86, caput, primeira parte, da Constituição Federal:

“Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos

Deputados, será ele submetido perante o Supremo Tribunal Federal...” No mesmo

sentido é o art. 51, I, da Carta Magna: “Compete privativamente à Câmara dos

Deputados: I – autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo

contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado.”

Contudo, convém esclarecer que o processo de impeachment não caracteriza

ação penal, mas procedimento administrativo.

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4.5. Requisitos da denúncia/queixa

É a disposição do art. 41 do Código de Processo Penal: “A denúncia ou queixa

conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação

do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do

crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.”

São, portanto, os elementos constantes da denúncia/queixa: (1) exposição do

fato criminoso; (2) classificação do crime; (3) qualificação do acusado ou

esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo; (4) pedido de condenação; (5)

identificação do órgão do Ministério Público; (6) assinatura.

4.5.1. Exposição do fato criminoso

É necessário que a denúncia/queixa narre as circunstâncias que caracterizam o

fato típico, lícito e culpável, bem como suas agravantes, causas de aumento de pena

etc. Diante disso, o acusado se defenderá do fato criminoso a ele imputado, não da

classificação do crime constante na denúncia/queixa.

Por esse motivo, trata-se do elemento mais importante da peça, pois se

caracteriza pela transcrição dos fatos pelos quais o juiz analisará o caso. Segundo

Mougenot, tal elemento constitui a causa de pedir da denúncia/queixa.

4.5.2. Classificação do crime

Baseado nos fatos narrados, convém que o legitimado para ajuizar a ação

indique o crime pelo qual acusa o sujeito ativo. É importante frisar que o juiz não ficará

vinculado à classificação do crime apresentada pelas partes, mas à exposição do fato

criminoso.

Nesse sentido é o art. 383, caput, do Código de Processo Penal: “O juiz, sem

modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe

definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais

grave.”

4.5.3. Qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa

identificá-lo

Aqui, aplicar-se-á, por analogia, o disposto no art. 319, II, do Código de

Processo Civil, segundo o qual: “A petição indicará: [...] II – os nomes, os prenomes, o

estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no

Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço

eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu.”

Contudo, diferentemente do disposto no âmbito civil, é possível que a parte

autora inclua na descrição do acusado determinações físicas que possam facilitar a sua

identificação (ex.: altura, tatuagens, cor da pele, cabelo, trejeitos etc).

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4.5.4. Pedido de condenação

É imprescindível que o pedido de condenação seja expresso.

4.5.5. Identificação do sujeito passivo

Diante do ajuizamento da ação penal, convém que se identifique o sujeito

ativo, seja ele o Ministério Público ou o querelante.

4.5.6. Assinatura

Por fim, é necessário que haja a assinatura daquele que propôs a ação. A sua

não observância não enseja a extinção da denúncia/queixa, tratando-se de vício

sanável.

4.6. Do indeferimento da denúncia/queixa e do recurso

Como vimos anteriormente, são três os elementos que ensejam o

indeferimento da denúncia/queixa, quais sejam: (1) inépcia; (2) falta de pressuposto

processual; (3) falta de justa causa (há autores que entendem ser este terceiro

elemento atrelado ao segundo).

Pergunta-se: do indeferimento da denúncia/queixa caberá recurso? Sim. Diante

do indeferimento da denúncia/queixa é possível que se ingresse com recurso em

sentido estrito.

Nesse sentido é a disposição do art. 581 do Código de Processo Penal: “Caberá

recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença: I – que não receber a

denúncia ou a queixa.” Diante de infrações penais de menor potencial ofensivo,

observar-se-á o disposto no art. 82 da Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95): “Da

decisão de rejeição da denúncia ou queixa e da sentença caberá apelação, que poderá

ser julgada por turma composta de três Juízes em exercício no primeiro grau de

jurisdição, reunidos na sede do Juizado.”

4.7. Denúncia/queixa alternativa

Entende-se por denúncia/queixa alternativa aquela cuja imputação não é única,

mas plúrima, ou seja, há dubiedade quanto à imputação sobre a qual se acusa o

agente. Em outras palavras, trata-se da denúncia/queixa em que se imputa ao agente

mais de um tipo penal.

Tal espécie de denúncia/queixa não é permitida, visto prejudicar a defesa do

réu. Segundo Mougenot, “essa medida [...] atinge diametralmente o princípio da

ampla defesa, obrigando o acusado a apresentar argumentos defensivos em vários

sentidos, sem saber, no entanto, efetivamente contra qual conduta será ele

perseguido penalmente.”

4.8. Denúncia/queixa genérica

Diante de pluralidade de acusados, é necessário que o Ministério Público ou o

ofendido, quando da denúncia/queixa, indiquem, com precisão, os fatos imputados a

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cada um dos acusados, narrando especificamente as ações de cada um deles, sob pena

de rejeição do pedido, bem como aditamento da petição inicial.

4.9. Retificação da denúncia/queixa

Pergunta-se: diante da inépcia da petição inicial, poderá o juiz, de ofício,

mandar que o acusador a retifique ou somente poderá extingui-la?

Há divergência doutrinária. Enquanto uma posição entende ser possível que,

diante de meras falhas, haja a retificação da denúncia/queixa de ofício por parte do

juiz, outra corrente entende ser impossível, somente cabendo ao juiz extingui-la.

4.10. Aditamento da denúncia/queixa

Segundo disposição do art. 45 do Código de Processo Penal: “A queixa, ainda

quando a ação penal for privativa do ofendido, poderá ser aditada pelo Ministério

Público, a quem caberá intervir em todos os termos subsequentes do processo.”

Na mesma senda é o art. 384 desse diploma legal: “Encerrada a instrução

probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em consequência de

prova existente nos autos de elementos ou circunstância da infração penal não contida

na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5

(cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação

pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente.”

Portanto, o aditamento/adição de informações à denúncia/queixa é sim

possível, somente podendo ocorrer diante de fato novo, desconhecido quando do

ajuizamento da ação.

Contudo, convém esclarecer que, segundo o Princípio da Indivisibilidade, não é

possível que haja a adição de novos indivíduos no polo passivo da ação.

4.11. Recebimento da denúncia/queixa

Atendidos os requisitos formais e pressupostos processuais, há o recebimento

da ação penal. Tal fato marca o início efetivo da ação penal e a consequente

interrupção do prazo prescricional. Nesse sentido é o art. 117, I, do Código Penal: “O

curso da prescrição interrompe-se: I – pelo recebimento da denúncia ou da queixa.”

5. Da Ação Penal Pública 5.1. Ação Penal Pública Incondicionada

Como já visto anteriormente, a ação penal pública incondicionada configura a

regra do ordenamento, estando presente sempre que não há disposição que exija a

denúncia por meio diverso. Logo, não havendo qualquer disposição diante do tipo,

estaremos diante do ajuizamento por ação penal pública incondicionada.

Nesse sentido é o teor do art. 100, caput, do Código Penal: “A ação penal é

pública, salvo quando a lei expressamente declara privativa do ofendido.”

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Continuando, dispõe o §1º: “A ação pública é promovida pelo Ministério

Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de

requisição do Ministro da Justiça.”

Tratando-se de ação penal pública incondicionada, porém, não há o que se falar

em representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça, devendo o

Ministério Público fazê-la de ofício.

Tal função é definida pela Constituição Federal, conforme adita o art. 129, I:

“São funções institucionais do Ministério Público: I – promover, privativamente, a ação

penal pública, na forma da lei.”

5.1.1. Revisando o recebimento do inquérito policial

Revisemos quais são as manifestações do Ministério Público diante do

recebimento do inquérito policial.

Logo que o recebe poderá agir de duas formas: (1) requererá novas diligências,

especificando sua imprescindibilidade para o oferecimento da denúncia11 ou (2)

pedirá o arquivamento do inquérito policial.

Diante do pedido de arquivamento, é possível que o juiz: (1) concorde com o

Ministério Público, ordenando o efetivo arquivamento12, ou (2) discorde do Ministério

Público. Nesse caso, deverá remeter os autos ao Procurador Geral de Justiça, se diante

da esfera estadual, ou à Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público

Federal13, se diante da esfera federal. Aqui, cabe ao Chefe do Ministério Público

(Procurador): (1) insistir no arquivamento, situação na qual o juiz somente poderá

arquivá-lo efetivamente, (2) recomendar a denúncia, designando outro órgão do

Ministério Público para que o faça – diante de tal situação, não é possível que esse

novo órgão recuse ingressar com a denúncia, sendo dever fazê-lo – ou (3) oferecer a

denúncia ele mesmo14.

11 Art. 13 do Código de Processo Penal. Incumbirá ainda à autoridade policial: [...] II – realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público. Art. 16 do Código de Processo Penal. O Ministério Público não poderá requerer a devolução do inquérito policial, senão para novas diligências, imprescindível ao oferecimento da denúncia. 12 Art. 18 do Código de Processo Penal. Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia. 13 Art. 62 da Lei Complementar nº 25. Compete às Câmaras de Coordenação e Revisão: [...] IV – manifestar-se sobre o arquivamento de inquérito policial, inquérito parlamentar ou peças de informação, exceto nos casos de competência originária do Procurador-Geral. 14 Art. 28 do Código de Processo Penal. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.

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5.1.2. Prazo para o oferecimento

Diante do recebimento do inquérito policial, deverá o Ministério Público

oferecer a denúncia em até cinco dias, se o acusado estiver preso, ou em quinze dias,

se o acusado estiver solto.

Estando preso e não havendo o efetivo oferecimento da denúncia no prazo

destacado, haverá o relaxamento da prisão em decorrência do Princípio da

Proporcionalidade, livrando-se solto o investigado.

Com o não oferecimento da denúncia por parte do Ministério Público e não

havendo o estabelecimento de novas diligências, abre-se a possibilidade para que o

ofendido ingresse com a queixa, mediante ação penal privada subsidiária da pública.

5.2. Ação Penal Pública Condicionada

Conforme dispõe o art. 100, §1º, do Código Penal, anteriormente referido: “A

ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige,

de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça.”

De acordo com tal artigo, chegamos à conclusão de que somente ocorrerá a

ação penal pública condicionada se a lei expressamente a exigir.

São duas as espécies de ação penal pública condicionada, quais sejam: (1) ação

penal pública condicionada à representação do ofendido e (2) ação penal pública

condicionada à requisição do Ministro da Justiça.

5.2.1. Ação Penal Pública Condicionada à Representação do Ofendido

Nesse caso, o Ministério Público somente poderá ingressar com a denúncia se o

próprio ofendido ou seu representante legal assim o permitir. Cabe informar, contudo,

que tal representação não vincula o Ministério Público ao ajuizamento da ação penal

(ou instauração do inquérito policial), somente a fazendo se assim achar cabível.

5.2.1.1. Principais tipos penais

São dois os principais tipos penais que serão processados por meio da ação

pública condicionada à representação do ofendido, quais sejam: (1) lesão corporal de

natureza leve e culposa e (2) grave ameaça.

5.2.1.2. Titularidade da representação

Pergunta-se: quem poderá oferecer representação ao Ministério Público?

São duas as opções: (1) se o ofendido for menor, deverão oferecer a

representação seus representantes legais; (2) se o ofendido for maior, deverá ele

mesmo oferecê-la.

Contudo é a disposição do art. 34 do Código de Processo Penal: “Se o ofendido

for menor de 21 e maior de 18 anos, o direito de queixa poderá ser exercido por ele ou

por seu representante legal.” Tal disposição se dá em decorrência do Código Civil

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vigente quando da criação do Código de Processo Penal. Nessa época, vigorava o

Código Civil de 1916, segundo o qual a maioria civil somente era atingida ao completar

21 anos.

No mesmo sentido é o enunciado da Súmula nº 594 do Supremo Tribunal

Federal, segundo o qual: “Os direitos de queixa e de representação podem ser

exercidos, independentemente, pelo ofendido ou por seu representante legal.”

Com o advento do Código Civil de 2002 e a redução da maioridade civil para os

18 anos, pergunta-se? Esse dispositivo foi revogado tacitamente por tal Código?

Segundo a maioria da doutrina sim, houve a revogação tácita deste dispositivo.

5.2.1.3. Prazo para representação

Conforme informa o caput do art. 38 do Código de Processo Penal: “Salvo

disposição em contrário, o ofendido, ou seu representante legal, decairá no direito de

queixa ou de representação, se não o exercer dentro do prazo de seis meses, contado

do dia em que vier a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do art. 29, do dia em

que se esgotar o prazo para o oferecimento da denúncia.”

Portanto, o prazo para a representação é de seis meses, contados da data em

que o ofendido ou o representante legal tiverem conhecimento acerca do autor do

crime15.

Pergunta-se: caso os representantes do ofendido não ofereçam representação,

é possível que o ofendido o faça quando completar 18 anos?

Depende. Diante da ciência da autoria do crime por parte dos representantes,

não há o que se falar em renovação do prazo quando o ofendido completar 18 anos.

Nesse caso, esgotado o prazo decairá o direito. Por outro lado, se o ofendido

completar 18 anos durante o transcurso do prazo, poderá oferecer a representação

durante o período restante. Por exemplo, completando 18 anos tendo corrido cinco

meses desde o conhecimento da autoria, ainda poderá representar ao Ministério

Público em um mês.

Não havendo ciência dos representantes, o prazo começará a correr da data em

que o ofendido completar 18 anos, desde que saiba da autoria do crime. Diante do não

conhecimento da autoria do crime, ainda que tenha completado 18 anos a vítima, não

há o que se falar em início da contagem do prazo, visto que o mesmo somente ocorre

quando do conhecimento da autoria do crime.

5.2.1.4. Morte do ofendido

Afirma o §1º do art. 24 do Código de Processo Penal: “No caso de morte do

ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de representação

passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.”

15 Art. 10 do Código Penal. O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Contam-se os dias, os meses e os anos pelo calendário comum.

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Há divergência doutrinária quanto à ordem e relevância do posicionamento

destes indivíduos.

Segundo parte da doutrina, o direito de representação será exercido na ordem

em que a lei os dispõem, somente alcançando os indivíduos subsequentes diante da

impossibilidade opinativa dos primeiros, ou seja, a opinião é subsidiária. Nesse caso,

diante da não representação do cônjuge não é possível que os ascendentes,

descendentes ou irmãos o façam.

Segundo outra posição, não há qualquer juízo de ordem entre tais indivíduos,

bastando que um deles aceite representar para que o Ministério Público ofereça a

denúncia.

5.2.1.5. Duas vítimas, uma representação

Havendo duas vítimas, mas somente havendo a representação de uma delas,

caberá ao Ministério Público oferecer a denúncia somente em relação àquela que o

permitiu, não havendo o que se falar em oferecimento da mesma sem que a vítima

tenha autorizado.

Da mesma forma, somente poderão ser notificados os fatos relacionados à

vítima representada, não incorporando a tais elementos juízos pertencentes à vítima

não representada.

5.2.1.6. Forma

Conforme dispõe o art. 39 do Código de Processo Penal:

Art. 39 do Código de Processo Penal. O direito de representação

poderá ser exercido, pessoalmente ou por procurador com poderes

especiais, mediante declaração, escrita ou oral, feita ao juiz, ao órgão do

Ministério Público, ou à autoridade policial.

§1º. A apresentação feita oralmente ou por escrito, sem assinatura

devidamente autenticada do ofendido, de seu representante legal ou

procurador, será reduzida a termo, perante o juiz ou autoridade policial,

presente o órgão do Ministério Público, quando a este houver sido dirigida.

§2º. A representação conterá todas as informações que possam

servir à apuração do fato e da autoria.

§3º. Oferecida ou reduzida a termo a representação, a autoridade

policial procederá a inquérito, ou, não sendo competente, remetê-lo-á à

autoridade que o for.

§4º. A representação, quando feita ao juiz ou perante este reduzida a

termo, será remetida à autoridade policial para que esta proceda a

inquérito.

§5º. O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a

representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a

ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de quinze dias.

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Resumindo, o direito de representação será exercido (1) pessoalmente ou (2)

por meio de procurador com poderes especiais. Além disso, poderá ser feita (1)

escrita ou (2) oralmente, destinando-se ao (1) juiz, (2) autoridade policial ou (3)

membro do Ministério Público.

Por fim, na representação deverão constar todas as informações que possam

servir para apuração do fato e da autoria.

5.2.1.7. Retratação do ofendido

Primeiramente, convém que esclareçamos qual o conceito de retratação. De

modo simples, retratação refere-se ao desdizer-se, isto é, retirar aquilo que fora dito.

Nesse sentido, entende-se por retratação o ato praticado pelo querelante no qual

retira a sua representação, não mais concordando com o ajuizamento da ação penal

por parte do Ministério Público.

Segundo disposição do art. 25 do Código de Processo Penal: “A representação

será irretratável, depois de oferecida a denúncia.” No mesmo sentido é o art. 102 do

Código Penal.

Analisando a contrario sensu, tem-se que a representação será retratável, antes

de oferecida a denúncia.

Pergunta-se: é possível a retratação da retração? Ou seja, uma vez ocorrida a

retratação, retirando-se a representação, é possível que o ofendido volte a oferecê-la?

Segundo a maioria da doutrina, é possível, bastando que o faça anteriormente

ao oferecimento da denúncia, desde que não tenha ocorrido a decadência do direito.

Há, contudo, uma parte da doutrina que entende o contrário (Tourinho Filho). De

acordo com esse entendimento, não seria possível a retratação da retratação.

5.2.1.8. Lei Maria da Penha e ação penal pública incondicionada

Primeiramente, convém relembrarmos que, em regra, o crime de lesão

corporal na modalidade leve ou culposa somente será processado mediante

representação do ofendido.

Nesse sentido é o art. 88 da Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95): “Além das

hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a

ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas.”

Contudo, afirma o art. 41 da Lei Maria da Pena (Lei 11.340/06): “Aos crimes

praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da

pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.”

Portanto, diante dos crimes de lesão corporal praticados no âmbito familiar ou

doméstico, ainda que de natureza leve ou culposa, proceder-se-ão mediante ação

penal pública incondicionada.

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No mesmo teor é o acórdão do STF na ADI nº 4.42416:

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do

Supremo Tribunal Federal em julgar procedente a ação direta para, dando

interpretação conforme aos artigos 12, inciso I, e 16, ambos da Lei nº

11.340/2006, assentar a natureza incondicionada da ação penal em caso de

crime de lesão corporal, pouco importando a extensão desta, praticado

contra mulher no ambiente doméstico, nos termos do voto do relator e por

maioria, em sessão presidida pelo Ministro Cezar Peluso, na conformidade

da ata do julgamento e das respectivas notas taquigráficas.

5.2.1.9. Renúncia à representação

Em regra, o instituto da renúncia refere-se à desistência quando da

apresentação da queixa, em se tratando de crimes que se processam por meio de ação

penal privada. Seguindo a regra, não é possível que haja a renúncia à representação

diante dos crimes de ação penal pública condicionada à representação do ofendido.

Contudo, há duas exceções no ordenamento jurídico.

A primeira delas está disposta no art. 74, parágrafo único, da Lei 9.099/95, cujo

teor é: “Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública

condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de

queixa ou representação.”

Cumpre mencionar, porém, que tal disposição somente será aplicada nos

crimes submetidos ao rito estabelecido nessa lei.

Lembrando, conforme já dito no tópico anterior, não se aplicarão as

disposições da Lei dos Juizados Especiais diante da Lei Maria da Penha.

A segunda das exceções está disposta na lei acima mencionada (Lei Maria da

Penha). Nesse sentido é a disposição do art. 16: “Nas ações penais públicas

condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a

renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com

tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.”

Convém destacar, contudo, que essa disposição somente se aplicará diante do

crime de ameaça, disposto no art. 147 do Código Penal17.

Por fim, em ambos os casos, há a extinção da punibilidade, utilizando

analogicamente o aduzido no art. 107, V, do Código Penal:

Art. 107 do Código Penal. Extingue-se a punibilidade:

[...]

16 Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=6393143> 17 Art. 147 do Código Penal. Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa. Parágrafo único. Somente se procede mediante representação.

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V – pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos

crimes de ação privada.

5.2.2. Ação Penal Pública Condicionada à Requisição do Ministro da Justiça

De proêmio, cumpre dizer que apesar da nomenclatura diferente a requisição

possui a mesma natureza da representação anteriormente estudada. Trata-se,

portanto, da autorização dada pelo Ministro da Justiça diante de crimes contra a honra

do Presidente da República ou de Chefe de Estado estrangeiro.

Nesse sentido é a disposição do art. 145, parágrafo único, primeira parte, do

Código Penal: “Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso do

inciso I do caput do art. 141 deste Código18...”

Tanto é idêntico à representação que, da mesma forma, não vincula o

Ministério Público, somente ajuizando este a ação penal diante da existência de

materialidade delitiva e indícios de autoria.

5.2.2.1. Prazo

Uma vez que se trata de crime contra o Presidente da República ou contra

chefe de estado estrangeiro, não está sujeito à decadência. Poderá, portanto, ser

oferecida a qualquer tempo.

Convém destacar, contudo, que, por óbvio, não é possível o oferecimento

diante da extinção da punibilidade devido à prescrição.

5.2.2.2. Forma

Segundo Edilson Mougenot, “A requisição, como a representação, não exige

forma especial. Deve, entretanto, conter, quando possível, informações acerca do fato

e sua autoria.”

5.2.2.3. Retratação

Não há posicionamento pacífico na doutrina. Enquanto parte defende a

possibilidade de retratação, aplicando-se, por analogia, os dispositivos referentes à

retratação quando da representação (vide tópico 5.2.1.7), outra parte afirma não ser

possível que haja a retratação, por, segundo Mougenot, “inexistir expressa disposição

legal acerca da possibilidade de retratação da requisição, não havendo, no caso,

possibilidade de analogia com os dispositivos legais referentes à representação em

face da diferença essencial entre esta e a requisição, ato político de autoridade do

Estado que é o Ministro da Justiça.”

18 Art. 141, caput, do Código Penal. As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido: I – contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro.

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6. Da Ação Penal Privada 6.1. Introdução, titularidade e morte do ofendido

Segundo disposições anteriores, em regra, a ação penal será ajuizada pelo

Ministério Público, detentor da titularidade segundo disposição do art. 129, I, da

Constituição Federal. Contudo, segundo Mougenot, “a própria lei reserva o exercício

da ação penal a um particular. São aqueles casos em que, por determinação legal, a

ação penal será de iniciativa privada (ou, abreviadamente, os casos de ação penal

privada). O autor será chamado de querelante e o réu, de querelado.”

Portanto, ação penal privada é aquela cuja provocação se dá por meio de

queixa intentada pelo próprio ofendido ou seu representante, desde que com poderes

especiais para tanto19 (jus accusationis). Não obstante, não há o que se falar em

transferência do direito de punir, vez que tal elemento permanece sendo de direito do

Estado (jus puniendi).

Nesse sentido é a disposição do art. 30 do Código de Processo Penal c/c art.

100, §2º, do Código Penal: “Ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-

lo caberá intentar a ação privada.”

Em sendo pobre o ofendido, ser-lhe-á assegurada a justiça gratuita20,

observando-se o disposto no art. 32, caput, do Código de Processo Penal: “Nos crimes

de ação privada, o juiz, a requerimento da parte que comprovar a sua pobreza,

nomeará advogado para promover a ação penal.”

De acordo com a disposição do art. 31, “No caso de morte do ofendido ou

quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou

prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.”

Quanto à discussão que paira sobre a sucessão da titularidade post mortem,

vide tópico 5.2.1.4, supra.

6.2. Prazo

O prazo para o oferecimento da queixa é de seis meses a contar da data em

que o ofendido (ou o representante, quando da incapacidade do ofendido) descobrir

acerca da autoria do crime.

Aqui, aplicar-se-á o mesmo entendimento já estabelecido no tópico 5.2.1.3,

supra.

19 Art. 44 do Código de Processo Penal. A queixa poderá ser dada por procurador com poderes especiais, devendo constar do instrumento do mandato o nome do querelante e a menção do fato criminoso, salvo quando tais esclarecimentos dependerem de diligências que devem ser previamente requeridas no juízo criminal. 20 Art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal. O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.

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6.3. Crimes processados mediante ação penal privada

Elencaremos os crimes cujo processamento se dá mediante ação penal de

iniciativa privada:

1) Crimes contra a honra (art. 145, caput, do Código Penal);

2) Esbulho de propriedade particular (art. 161, §3º, do Código Penal);

3) Dano (arts. 163, parágrafo único, IV, e 164 do Código Penal);

4) Fraude à execução (art. 179 do Código Penal);

5) Violação a direito autoral (art. 184 do Código Penal);

6) Justiça pelas próprias mãos, sem violência (art. 345, parágrafo único, do

Código Penal);

7) Induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento (art. 236 do Código

Penal);

8) Crimes contra a propriedade industrial (art. 199 da Lei nº 9.279/96).

6.4. Espécies de ação penal privada

Como já visto, são três as espécies de ação penal privada (vide tópico 2.6):

a) Ação penal privada subsidiária da pública (tópico 2.6.1, supra);

b) Ação penal privada personalíssima (tópico 2.6.2, supra);

c) Ação penal privada exclusiva, propriamente dita ou principal (tópico 2.6.3,

supra).

Convém fazermos uma breve diferenciação entre a segunda e terceira espécies

de ação penal privada.

Na segunda (ação penal privada personalíssima), somente o autor é titular para

ingressar com a queixa, não havendo o que se falar em transmissão do direito quando

da sua morte. Nesse caso, há a extinção da ação.

Na terceira (ação penal privada exclusiva), não obstante, ainda que seja titular

do direito de queixa o ofendido, é possível que, posteriormente à sua morte, o direito

seja transmitido ao cônjuge, ascendente, descendente e/ou irmão (vide tópico 5.2.1.4,

supra).

6.5. Atuação do Ministério Público na ação penal privada

Primeiramente, convém esclarecer que o Ministério Público somente atuará

diante de ação penal privada personalíssima e exclusiva, visto que na subsidiária da

pública perdeu a titularidade em decorrência do não ajuizamento da denúncia no

prazo legal.

Nos casos em que é cabível, caberá ao Ministério Público a função de custos

legis, isto é, deverá, segundo disposição do art. 257, II, do Código de Processo Penal,

“fiscalizar a execução da lei.”

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Além disso, conforme adita o art. 45 do mesmo diploma legal, poderá o

Ministério Público aditar a ação penal, corrigindo imperfeições formais no texto. Nesse

caso, “caberá intervir em todos os termos subsequentes do processo.”

6.6. Funcionário público e crime contra a honra no exercício de suas

funções

Como já dito no tópico 2.5.2.1, quando da explicação da Súmula nº 714 do

Supremo Tribunal Federal: “É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante

queixa, e do ministério público, condicionada à representação do ofendido, para ação

penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas

funções.”

Aqui, portanto, facultar-se-á ao servidor público atingido em sua honra

enquanto no exercício de suas funções intentar mediante queixa (ação penal privada)

ou permitir que o Ministério Público o faça, oferecendo-lhe representação (ação penal

pública).

6.7. Ofendido abre mão do direito de queixa

Pergunta-se: é possível que o ofendido abra mão do direito de queixa? São

quatro os elementos que possibilitam tal ação, quais sejam: (1) decadência; (2)

perempção; (3) renúncia ou (4) perdão.

Diante de qualquer um deles, excluída estará a punibilidade, conforme aduz o

art. 107, IV, do Código Penal: “Extingue-se a punibilidade: [...] IV – pela prescrição,

decadência ou perempção.”

Analisemos cada elemento:

6.7.1. Decadência

Segundo conceito do Dicionário Jurídico Acquaviva:

Do latin cadens, de cadere (cair, decair, perecer, cessar). Da mesma

origem, e com o mesmo significado, caducidade, de caduco, que decai, que

perece com o tempo.

A decadência, também chamada caducidade, vem a ser a perda do

próprio direito material em razão do decurso do tempo. A decadência

importa o desaparecimento, a extinção de um direito pelo fato de seu titular

não exercê-lo durante um prazo estipulado na lei. Perdido o prazo, perdido

estará o direito.

Diante da ação penal privada, a decadência ocorrerá ante o transcurso do prazo

de seis meses sem que seja oferecida a queixa. Ocorrerá anteriormente ao início da

ação penal, comunicando-se a todos os autores do crime, ainda que desconhecidos

pela vítima.

Nesse sentido é o art. 103 do Código Penal c/c art. 38 do Código de Processo

Penal: “Salvo disposição em contrário, o ofendido, ou seu representante legal, decairá

no direito de queixa ou de representação, se não o exercer dentro do prazo de seis

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meses, contado do dia em que vier a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do

art. 2921, do dia em que se esgotar o prazo para o oferecimento da denúncia.”

6.7.2. Perempção

Conforme conceitua o Dicionário Jurídico Acquaviva:

Do latim peremptione, destruição, extinção.

Extinção do direito de praticar um ato processual pela perda de um

prazo definido e definitivo. Instituto eminentemente processual, distingue-

se, portanto, da prescrição e com a decadência não se confunde, porque se

esta se refere à extinção do próprio direito material, a perempção sobrevém

com a perda do direito ao exercício de um ato processual, sem que o

processo se extinga. [...] No Direito Criminal, a perempção caracteriza a

inércia do querelante após deflagrada a ação, não se confundindo, portanto,

com a decadência.

Diante de ação penal privada, dar-se-á quando for exclusiva ou

personalíssima22. Além disso, ocorrerá posteriormente à propositura da ação,

comunicando-se a todos os autores do crime, ainda que desconhecidos pela vítima.

Para tanto, observar-se-á ao disposto no art. 60 do Código de Processo Penal,

segundo o qual:

“Nos casos em que somente se procede mediante queixa, considerar-se-á

perempta a ação penal:”

I. Quando, iniciada esta, o querelante deixar de promover o andamento do

processo durante 30 dias seguidos:

Segundo Edilson Mougenot: “Não promovendo ele [o ofendido] a

movimentação do processo, há que se determinar sua extinção. Importa ressaltar que

o prazo exibido é de 30 dias consecutivos, não autorizando a lei a soma de períodos

descontínuos em que o processo eventualmente tenha permanecido sobrestado.”

II. Quando, falecendo o querelante, ou sobrevindo sua incapacidade, não

comparecer em juízo, para prosseguir no processo, dentro do prazo de 60 (sessenta)

dias, qualquer das pessoas a quem couber fazê-lo, ressalvado o disposto no art. 3623:

Somente caberá diante de ação penal privada exclusiva.

III. Quando o querelante deixar de comparecer, sem motivo justificado, a

qualquer ato do processo a que deva estar presente, ou deixar de formular o pedido

de condenação nas alegações finais:

21 Ação penal privada subsidiária da pública. 22 Diante da ação penal privada subsidiária da pública, havendo perempção a titularidade retornará ao Ministério Público. 23 Art. 36 do Código de Processo Penal. Se comparecer mais de uma pessoa com direito de queixa, terá preferência o cônjuge, e, em seguida, o parente mais próximo na ordem de enumeração constante do art. 31, podendo, entretanto, qualquer delas prosseguir na ação, caso o querelante desista da instância ou a abandone.

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Convém fazermos uma pergunta acerca primeira parte do inciso acima

destacado: haverá perempção diante do não comparecimento em audiência de

conciliação?24 Existe divergência doutrinária.

Parte da doutrina entende que não se trata de ato processual, visto ainda não

ter ocorrido o início da ação penal. Nesse caso, não haveria o que se falar em

perempção.

Outra parte, porém, entende se tratar de ato processual, o que configuraria

perempção.

IV. Quando, sendo o querelante pessoa jurídica, extinguir-se sem deixar

sucessor:

Parte da doutrina entende que a extinção da pessoa jurídica querelante não

enseja a perempção da ação se esta for incorporada por outra empresa, a quem será

transferida a titularidade da ação penal.

Por fim, convém informar que a perempção extingue o processo, não havendo

qualquer possibilidade de novo oferecimento de queixa ou denúncia, diferentemente

do que dispõe o Código de Processo Civil25.

6.7.3. Renúncia

6.7.3.1. Introdução

Como já vimos anteriormente, a renúncia configura a desistência permanente

do oferecimento da queixa por parte do ofendido anteriormente ao ajuizamento da

ação penal, fato este que extingue a punibilidade26. Tal elemento somente é possível

devido ao Princípio da Conveniência ou Oportunidade, segundo o qual o ofendido

poderá intentar ação penal se assim entender conveniente. Caso contrário, é possível

que deixe de fazê-lo ou renuncie ao direito anteriormente ao oferecimento da queixa.

Trata-se de ação unilateral do ofendido. Segundo o Código Penal, “O direito de

queixa não pode ser exercido quando renunciado expressa ou tacitamente (art. 104).”

Por conta disso, não depende da anuência do ofensor para tanto. Da mesma forma,

oferecida a renúncia contra um dos ofensores, havendo mais de um, estender-se-á a

renúncia aos demais, de acordo com o Princípio da Indivisibilidade da Ação Penal

Privada. 27

24 Art. 520 do Código de Processo Penal. Antes de receber a queixa, o juiz oferecerá às partes oportunidade para se reconciliarem, fazendo-as comparecer em juízo e ouvindo-as, separadamente, sem a presença dos seus advogados, não se lavrando termo. 25 Art. 486, §3º, do Código de Processo Civil. Se o autor der causa, por 3 (três) vezes, a sentença fundada em abandono da causa, não poderá propor nova ação contra o réu com o mesmo objeto, ficando-lhe ressalvada, entretanto, a possibilidade de alegar em defesa o seu direito. 26 Art. 107 do Código Penal. Extingue-se a punibilidade: [...] V – pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada. 27 Art. 49 do Código de Processo Penal. A renúncia ao exercício do direito de queixa, em relação a um dos autores do crime, a todos se estenderá.”

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Convém destacar, ainda, que, tratando-se de ato unilateral, havendo mais de

uma vítima, a renúncia de uma delas não enseja a renúncia das demais, não

prejudicando, portanto, o direito de ação das outras vítimas. Aqui, aplica-se de forma

analógica o disposto no art. 106, II, CP, segundo o qual: “O perdão, no processo ou fora

dele, expresso ou tácito: [...] II – se concedido por um dos ofendidos, não prejudica o

direito dos outros.”

Importante mencionar que não será cabível a renúncia diante de ação penal

privada subsidiária da pública. Lembremos, a renúncia, em sua essência, tem como

objetivo cessar o ajuizamento da ação, demonstrando a vítima não ter mais interesse

no prosseguimento da apreciação do crime. Na ação penal privada subsidiária da

pública, ainda que haja o esgotamento do prazo para que o Ministério Público ofereça

a queixa, diante da indisponibilidade da vítima quanto à movimentação da ação,

retornar-se-á a titularidade ao Parquet, segundo o qual a ação crimine será conduzida.

Por esse motivo a renúncia é indevida nesse caso.

6.7.3.2. Titularidade

A titularidade da renúncia coincide com a titularidade para o exercício do

direito de queixa. Portanto, tem-se por titular da renúncia o próprio ofendido ou seus

representantes legais.

Por conta disso, entende-se revogado tacitamente o disposto no parágrafo

único do art. 50 do CPP, segundo o qual: “A renúncia do representante legal do menor

que houver completado 18 (dezoito) anos não privará este do direito de queixa, nem a

renúncia do último excluirá o direito do primeiro.” O entendimento é no sentido da

revogação tácita em decorrência da disposição do novo Código Civil no sentido de

igualar as maioridades civil e penal.

6.7.3.3. Forma

A renúncia poderá ser escrita ou tácita.

Se escrita, seguir-se-á o disposto no art. 50, caput, do CPP, segundo o qual:

Art. 50, caput, do Código de Processo Penal. A renúncia expressa

constará de declaração assinada pelo ofendido, por seu representante legal

ou procurador com poderes especiais.

Em sendo tácita, observar-se-á o disposto no art. 104, parágrafo único, do

Código Pena:

Art. 104, parágrafo único, do Código Penal. Importa renúncia tácita

ao direito de queixa a prática de ato incompatível com a vontade de exercê-

lo; não a implica, todavia, o fato de receber o ofendido a indenização do

dano causado pelo crime.

Importante frisar, contudo, a incompatibilidade entre o artigo acima transcrito

e o disposto no art. 74, parágrafo único, da Lei 9.099/95, segundo o qual: “Tratando-se

de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à

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representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou de

representação.”

Tal disposição dá a entender que nas causas cujo valor exceda 40 salários

mínimos, a realização de acordo não enseja a renúncia do direito de ação; enquanto

nas causas cujo valor não exceda 40 salários mínimo (crimes de menor potencial

ofensivo) a realização de acordo enseja, automaticamente, a renúncia do direito de

agir.

Há doutrinadores que aceitam tal disposição, entendendo que, de fato, os

crimes de menor potencial ofensivo não aceitam a realização de acordo homologado

pelo juiz, sob pena de ensejarem a renúncia ao direito de ação; enquanto os crimes

mais graves toleram a homologação de acordos. Contudo, outra parte da doutrina

entende haver violação do Princípio da ultima ratio. Explicam que o acordo feito em

âmbito diverso do penal dá a entender ter sido a lide resolvida anteriormente à

necessidade de provocação do meio penal. Nesse caso, em ambos os casos haveria a

renúncia tácita do direito de agir.

6.7.4. Perdão do ofendido

6.7.4.1. Introdução

Diferentemente da renúncia, o perdão do ofendido é a desistência da vítima

ocorrida posteriormente ao ajuizamento da ação, uma vez que não tenha ocorrido o

trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Nesse sentido é o art. 106, §2º,

do Código Penal: “Não é admissível o perdão depois que passa em julgado a sentença

condenatória.”

Aqui, não se trata de ato unilateral, sendo necessário que o ofensor anua com o

perdão. Trata-se, portanto, de ato bilateral. Uma vez aceito pelo ofensor, há a extinção

da punibilidade.

Apesar de o perdão oferecido a um dos ofensores se estender aos demais, tal

fato somente ocorrerá em relação àqueles que o aceitarem, diferentemente do que

ocorre na renúncia. Nesse sentido é o art. 51 do CPP: “O perdão concedido a um dos

querelados aproveitará a todos, sem que produza, todavia, efeito em relação ao que o

recusar.” 28

Tal disposição nos dá a entender, ainda, que o silêncio do querelante enseja a

aceitação tácita do perdão judicial.

Por outro lado, da mesma forma que ocorre diante de renúncia, o perdão

oferecido por uma das vítimas não ensejará o perdão das demais (art. 106, II, CP).

6.7.4.2. Forma

Igualmente à renúncia, o perdão poderá ser expresso ou tácito.

28 Art. 106 do Código Penal. O perdão, no processo ou fora dele, expresso ou tácito: I – se concedido a qualquer dos querelados, a todos aproveita; [...] III – se o querelado o recusa, não produz efeito.

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Se expresso, importará observar o disposto no art. 58 do CPP: “Concedido o

perdão, mediante declaração expressa nos autos, o querelado será intimado a dizer,

dentro de três dias, se o aceita, devendo, ao mesmo tempo, ser cientificado de que o

seu silêncio importará aceitação.”

Quando expresso, poderá ser feito pessoalmente pelo ofendido ou por meio de

procurador com poderes especiais para tanto (art. 55, CPP).

Do contrário, sendo tácito, seguir-se-á o disposto no art. 57 do CPP: “A

renúncia tácita e o perdão tácito admitirão todos os meios de prova.”

Além disso, importante o que prevê o art. 106, §1º, do CP: “Perdão tácito é o

que resulta da prática de ato incompatível com a vontade de prosseguir na ação.”

Além das disposições acima destacadas, o perdão poderá ocorrer de forma

processual ou extraprocessual.

Quando processual, o réu terá três dias, como dito anteriormente, para se

manifestar acerca do perdão. Caso não o faça, presumir-se-á a aceitação.

Se extraprocessual, é necessário que a aceitação do perdão conste em

declaração assinada pelo querelado, por seu representante legal ou procurador com

poderes especiais, segundo disposição do art. 59, CPP.

6.7.5. Renúncia ≠ Perdão

Segue a tabela:

RENÚNCIA PERDÃO

Momento Ocorrerá anteriormente ao ajuizamento da ação

Ocorrerá posteriormente ao ajuizamento da ação

Princípio norteador Princípio da Facultatividade ou

Oportunidade

Princípio da Disponibilidade

Natureza do ato Unilateral Bilateral

Efeitos quanto aos ofensores

A renúncia em relação a um atinge todos

O perdão concedido a um atinge todos, mas

somente gerará efeitos sobre aqueles que o

aceitarem

7. Ação Civil ex delito 7.1. Conceito

É comum que visualizemos um determinado ato de forma isolada quanto aos

âmbitos civil e penal, ou seja, observamos as consequências de um ato apurando,

separadamente, o reflexo penal ou o reflexo civil. Contudo, é possível que um mesmo

ato reflita, simultaneamente, em ambos os segmentos do Direito, ensejando um crime

e o dever de reparação civil.

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Surge a pergunta: diante de ato que atinja ambos os âmbitos, como proceder a

ação penal? Nesse caso, oferecer-se-á a denominada ação civil ex delito.

Nesse sentido, entende-se por ação civil ex delito a ação proposta pelo

ofendido, seu representante legal ou herdeiros, no âmbito cível, com o objetivo de ter

o dano patrimonial ou moral consequentes ao ato ilícito reparados.

7.2. Titulares

7.2.1. Titularidade ativa

Como dito anteriormente, é possível que a ação civil ex delito seja proposta

pelo próprio ofendido, seu representante legal ou herdeiros.

Contudo, convém citarmos um ponto. É a redação do art. 68 do Código de

Processo Penal: “Quando o titular do direito à reparação do dano for pobre (art. 32, §§

1º e 2º), a execução da sentença condenatória (art. 63) ou a ação cível (art. 64) será

promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público.”

Diante disso, pergunta-se: será o Ministério Público titular para propor ação

civil ex delito? Tal artigo foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988?

Vejamos.

Esse assunto foi objeto do RE 147.776/SP no Supremo Tribunal Federal,

sustentando a Corte pela recepção do artigo e consequente competência

extraordinária do Ministério Público para tal incumbência, uma vez que a Defensoria

Pública, órgão destinado à assistência judiciária, não apresente meios para tanto.

Portanto, além do ofendido, seus representantes e herdeiros, sendo

hipossuficiente o ofendido, é possível que o Ministério Público, a partir de sua

anuência, proponha ação cível ex delito em nome daquele.

É a ementa deste Recurso Extraordinário:

Ministério Público: legitimação para promoção, no juízo cível, do

ressarcimento do dano resultante de crime, pobre o titular do direito à

reparação: C. Pr. Pen., art. 68, ainda constitucional (cf. RE 135328):

processo de inconstitucionalização das leis.

1. A alterativa radical da jurisdição constitucional ortodoxa entre a

constitucionalidade plena e a declaração de inconstitucionalidade ou

revogação por inconstitucionalidade da lei com fulminante eficácia ex tunc

faz abstração da evidência de que a implementação de uma nova ordem

constitucional não é um fato instantâneo, mas um processo, no qual a

possibilidade de realização da norma da Constituição – ainda quando

teoricamente não se cuide de preceito de eficácia limitada – subordina-se

muitas vezes a alterações da realidade fáctica que a viabilizem.

2. No contexto da Constituição de 1988, a atribuição anteriormente

dada ao Ministério Público pelo art. 68 C. Pr. Penal – constituindo

modalidade de assistência judiciária – deve reputar-se transferida para a

Defensoria Pública: essa, porém, para esse fim, só se pode considerar

existente, onde e quando organizada, de direito e de fato, nos moldes do

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art. 134 da própria Constituição e da lei complementar por ela ordenada:

até que – na União ou em dada Estado considerado –, se implemente essa

condição de viabilização da cogitada transferência constitucional de

atribuições, o art. 68 C. Pr. Pen. será considerado ainda vigente: é o caso do

Estado de São Paulo, como decidiu o plenário no RE 135328.

7.2.2. Titularidade passiva

Segundo disposição do art. 64, caput, do Código de Processo Penal: “Sem

prejuízo do disposto no artigo anterior, a ação para ressarcimento do dano poderá ser

proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se for o caso, contra o responsável

civil.”

Portanto, a ação civil ex delito será intentada contra o ofensor, ou seja, aquele

que cometera o crime, ou contra o causador do dano que enseja a reparação civil.

7.3. Sistemas de reparação

Por óbvio, como já explicamos, a condenação penal e a condenada civil (à

reparação de danos) ensejarão a proposição de ações diversas, uma em cada âmbito.

Contudo, existem outros sistemas de reparação. Vejamos:

a) Sistema da livre escolha:

Nesse sistema, o ofendido tem o direito de escolher se o fato será discutido

conjuntamente em uma única pretensão, ocasião em que se decidirá tanto acerca do

crime (punição) como em relação à indenização (reparação), ou se o fará em duas,

uma em cada âmbito.

b) Sistema da confusão:

Sistema em que a pretensão punitiva e a pretensão reparatória serão

discutidas, necessariamente, em uma única ação.

c) Sistema da solidariedade:

Trata-se do sistema que se ajuíza duas ações, contudo há a apreciação em um

único juízo, ou seja, as duas ações são discutidas em um único processo do qual

insurgirá sentença única.

d) Sistema da reparação ou da independência:

É o sistema já explicado por nós e adotado pelo Ordenamento Jurídico

brasileiro, no qual são ajuizadas duas ações autônomas, sendo aquela que pretende a

punição do agente no âmbito penal, enquanto a que pretende a reparação do dano no

âmbito cível.

Cabe informar, porém, que tal modelo é adotado de forma mitigada, visto a

existência de pontos de interação entre as decisões proferidas por um ou outro juízo.

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7.4. Pontos de interação

7.4.1. Efeitos da sentença penal condenatória no âmbito cível

Nessa ocasião, a sentença penal condenatória transitada em julgado possuirá

status de título executivo judicial29.

Segundo afirma o art. 91, I, do Código Penal: “São efeitos da condenação: I –

tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime.”

Seguindo o raciocínio, é a disposição do art. 63 do Código de Processo Penal:

“Transitada em julgado a sentença condenatória poderão promover-lhe a execução, no

juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou

seus herdeiros. Parágrafo único. Transitada em julgado a sentença condenatória, a

execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso iv do caput do

art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para apuração do dano efetivamente

sofrido.”

Conforme dita o referido inciso: “O juiz, ao proferir sentença condenatória: [...]

IV – fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração,

considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.”

Trata-se da nítida interação do âmbito penal no cível, vez que, apesar de serem

duas ações distintas, a sentença de uma gera efeitos na outra.

Importe ressaltar que a maioria da doutrina entende ser esse o caminho mais

saudável a se fazer, qual seja, ingressar primeiramente no âmbito penal, somente

vindo a ajuizar ação civil posteriormente à sentença condenatória ou absolutória.

Ora, como bem sabemos, o processo de julgamento penal engloba

procedimento cuja apuração de fatos é extremamente mais aprofundada e precisa do

que aquela utilizada em procedimentos civis. Isso ocorre em virtude da existência do

Princípio do in dubio pro reo, segundo o qual a não exatidão/precisão dos fatos que

levariam à condenação a impedem, devendo o magistrado sentenciar pela absolvição

do réu.

Por esse motivo, tem-se que os fatos tidos como verdadeiros em âmbito penal

serão sumariamente assim recepcionados diante do juízo cível. O que não ocorrerá,

por exemplo, se feito o caminho inverso.

Assim também estabelece o Ordenamento Jurídico quando, conforme

disposição do artigo 200 do Código Civil, interrompe o prazo prescricional no âmbito

cível quando o fato em questão seja apurado diante de juízo penal.

Por fim, é possível que esses efeitos sejam proferidos em segunda instância,

quando da apreciação do fato pelo Tribunal. Nesse sentido é a disposição do art. 630

do Código de Processo Penal:

29 Art. 515 do Código de Processo Civil. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título: [...] VI – a sentença penal condenatória transitada em julgado.

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Art. 630 do Código de Processo Penal. O tribunal, se o interessado o

requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos

prejuízos sofridos.

§1º. Por essa indenização, que será liquidada no juízo cível,

responderá a União, se a condenação tiver sido proferida pela justiça do

Distrito Federal ou de Território, ou o Estado, se o tiver sido pela respectiva

justiça.

§2º. A indenização não será devida:

a) se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta

imputável ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova

em seu poder;

b) se a acusação houver sido meramente privada.

Nada impede, porém, que o ofendido, não querendo esperar até o final do

procedimento penal, ingresse com ação de reparação de danos no âmbito cível. Tal

situação é descrita pelo art. 64 do Código de Processo Penal: “Sem prejuízo do

disposto no artigo anterior, a ação para ressarcimento do dano poderá ser proposta no

juízo cível, contra o autor do crime e, se for o caso, contra o responsável civil.

Parágrafo único. Intentada a ação penal, o juiz da ação civil poderá suspender o curso

desta, até o julgamento definitivo daquela.”

Ainda assim, uma vez que o juízo cível tenha conhecimento da existência da

ação penal referente ao mesmo ato, poderá suspender o procedimento cível em até

um ano, segundo a maioria da doutrina. Isso se dá com o intuito de não haver

proferimento de sentenças contraditórias. É a disposição do art. 313, V, do Código de

Processo Civil:

Art. 313 do Código de Processo Civil. Suspende-se o processo:

[...]

V – quando a sentença de mérito:

a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de

existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto

principal de outro processo pendente;

b) tiver de ser proferida somente após a verificação de determinado

fato ou a produção de certa prova, requisitada a outro juízo.

Resumindo o raciocínio acima descrito, serão dois os efeitos imediatos da

sentença penal no âmbito cível, quais sejam:

1) O autor do crime é obrigado a indenizar o dano causado pelo crime:

Aqui, importante mencionar Mougenot, segundo o qual: “Há de ter certa

cautela, entretanto, ao interpretar a disposição genérica da lei processual penal [art.

63, CPP]. Isso porque nem sempre a prática de conduta criminosa ensejará direito de

indenização a algum particular, seja pela circunstância de que o ilícito penal pode não

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constituir ilícito civil, seja porque a prática do crime não tenha atingido negativamente

o patrimônio jurídico de ninguém.”

2) A condenação penal transitada em julgado configura título executivo judicial:

Novamente, seguindo o raciocínio acima exposto, não haverá que se falar em

conversão da sentença penal condenatória transitada em julgado em título executivo

judicial cível quando o fato criminoso não resultar em dano ao patrimônio ou ao moral

do ofendido.

7.4.2. Efeitos da sentença penal absolutória no âmbito cível

Diante de sentença penal absolutória, é necessário que observemos o motivo

da absolvição.

Uma vez que a absolvição decorra da inexistência do fato30, da não

concorrência do réu para a infração penal31 ou da existência de qualquer das

excludentes de ilicitude32, far-se-á coisa julgada no âmbito cível, não havendo o que se

falar em possibilidade de ajuizamento de ação de reparação de danos.

Quando ao primeiro elemento, convém destacarmos o disposto no art. 66 do

Código de Processo Penal: “Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a

ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a

inexistência material do fato.”

Contudo, há situações excepcionais em que a absolvição do réu não ensejará

tornar-se coisa julgada a pretensão reparatória no âmbito cível. São os casos:

1) Estado de necessidade agressivo:

Ocorre quando o agente, apesar de agir sob a guarda do estado de necessidade

(prática de fato para se salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem

podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas

circunstâncias, não era razoável exigir-se), fá-lo de modo a atingir bens de terceiros

inocentes.

Nesse caso, tem-se por inocente o terceiro que não gerou a situação de perigo.

Aqui, ainda que acobertado pela excludente de ilicitude, deverá aquele que

agiu para se salvar de perigo atual reparar o dano que causou na esfera cível. Por esse

motivo, não há o que se falar em impossibilidade de ajuizamento de ação de reparação

de danos na esfera cível.

30 Art. 386 do Código de Processo Penal. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: I – estar provada a inexistência do fato. 31 [...] IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal. 32 [...] VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e §1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre a existência. Art. 65 do Código de Processo Penal. Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

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2) Legítima defesa putativa:

Primeiramente, entende-se estar em legítima defesa aquele que, usando

moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a

direito seu ou de outrem.

Por legítima defesa putativa, por outro lado, entende-se aquele que, apesar de

não se encontrar em perigo, acredita que assim esteja em decorrência da existência de

elementos suficientes para que assim creia estar, agindo e, por conta disso, atingindo a

terceiros ou seus bens.

O exemplo clássico é o seguinte, já exposto por nós nos resumos de Introdução

ao Estudo do Direito e Filosofia Geral e Filosofia do Direito:

Imaginemos que um militar anuncia a abordagem a um cidadão,

pedindo que o mesmo levante as mãos. Ao invés de fazer este movimento, o

indivíduo coloca uma das mãos dentro do casaco que traja. Nesta situação o

militar dispara. Esta ação foi lícita e proporcional? Como instituto do Direito,

tendo a possibilidade de o indivíduo pôr em perigo a vida do militar, sua

ação foi lícita e protegida pela legítima defesa. Caso o indivíduo, pondo a

mão no casaco, sacasse uma arma, teria o agente agido mediante a legítima

defesa em sua essência. Analisemos o seguinte: ao invés de uma arma,

como o esperado, o indivíduo tira de seu bolso uma Bíblia, porém antes que

esta fosse perceptível, o disparo é feito. Neste caso, ainda que não

comprovado o perigo, a ação do militar continua sendo lícita, porém desta

vez protegida pela chamada legítima defesa putativa, ou seja, ainda que a

Bíblia não colocasse a vida do militar em perigo, o não cumprimento da

ordem e o colocar das mãos no bolso por parte do indivíduo, fariam com

que o militar esperasse uma conduta periculosa, legitimando a sua ação, em

outras palavras, o esperar de uma conduta perigosa, mesmo não havendo a

certeza de tal ato, legitima a ação do militar, tendo agido este segundo o

Estrito Cumprimento do Dever Legal, previsto no Código Penal Brasileiro.

3) Aberratio ictus/aberratio criminis/erro quanto à pessoa:

Tem-se por erro quanto à pessoa a execução que atinge pessoa diversa da

desejada. Ocorre, por exemplo, quando João, querendo atingir Pedro, atinge, por

equívoco, Mário.

Nesse caso, ainda a pessoa desejada não tenha sido atingida, não ensejando,

portanto, o direito ao ressarcimento civil, aquele que foi atingido, mesmo sendo

terceiro inocente, poderá ajuizar ação de reparação de danos contra o ofensor.

Interessante mencionar que assim o será ainda que o ofensor tenha sido

absolvido no âmbito penal.

● ● ● ●

Por fim, convém destacarmos ocasiões que ainda que constantes não

acarretam na perda do direito de ter o prejuízo reparado, são elas:

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1) Sentença absolutória por insuficiência de provas:

É um raciocínio lógico que parte do já transcrito art. 66 do Código de Processo

Penal, segundo o qual somente ocorrerá a impossibilidade do ajuizamento de ação de

reparação de danos, uma vez que a sentença absolutória reconheça a inexistência do

fato.

Não se tratando de tal ocasião, não há o que se falar em impossibilidade.

Assim o é, pois, como já dito anteriormente, o Direito Penal é regido pelo

Princípio do in dubio pro reo, segundo o qual a configuração de provas deve ser

extremamente rígida, somente se condenando o réu diante da absoluta certeza da

autoria do fato e da materialidade delitiva. Diante de qualquer dúvida quando da

sentença, deverá o magistrado optar pela absolvição.

No âmbito civil, por outro lado, o mínimo indício de ação que corrobora para o

resultado dano já é suficiente para responsabilizar o agente, fato pelo qual a

absolvição por insuficiência de provas não impede o ajuizamento de ação de reparação

de danos, sendo totalmente plausível e não conflituosa tal situação.

Nesse sentido é a disposição do art. 935 do Código Civil, segundo o qual:

Art. 935 do Código Civil. A responsabilidade civil é independente da

criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou

sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas

no juízo criminal.

2) Despacho que determina o arquivamento do inquérito:

É o conteúdo do art. 67, I, do Código de Processo Penal:

Art. 67 do Código de Processo Penal. Não impedirão igualmente a

propositura da ação civil:

I – o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de

informação.

Segundo Edilson Mougenot: “Aquele que se sentir lesado civilmente não pode

ficar à mercê das diligências produzidas pela autoridade policial ou por quem quer que

tenha conduzido as investigações no âmbito criminal. Desejando, poderá propor a

ação civil, cujas provas poderão até mesmo embasar futuramente o prosseguimento

das investigações criminais, conforme o caso.”

3) Decisão que julgar extinta a punibilidade do agente:

Continuando o art. 67, acima mencionado, é a disposição do inc. II:

II – a decisão que julgar extinta a punibilidade.

Trata-se da decisão que não julga o mérito, somente extinguindo o feito diante

de, por exemplo, prescrição, anistia, graça ou indulto. Nesse caso, nada impede que os

fatos sejam apresentados ao juízo cível para a análise da possibilidade de reparação de

danos.

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4) Sentença que determina o fato como sendo atípico:

Finalizando o art. 67, é a disposição do inc. III:

III – a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não

constitui crime.

Seguindo o raciocínio já criado e exposto anteriormente, são autônomos os

âmbitos civil e penal. Por esse modo, a inexistência de crime não acarreta na

automática inexistência do dever de reparação de danos.

7.5. Perdão judicial

Afirma o art. 107, IX, do Código Penal:

Art. 107 do Código Penal. Extingue-se a punibilidade:

[...]

IX – pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.

Tem por perdão judicial a causa extintiva da punibilidade concedida pelo

magistrado ao ofensor, uma vez que de sua ação resulte dano a si próprio, de tal modo

que esse dano já seja considerado sanção suficiente, tornando a punição estatal

desnecessária.

No que se refere à possibilidade ou não do ajuizamento da ação civil de

reparação de danos, há divergência doutrinária.

Parte da doutrina entende que tal instituto se caracteriza pelo caráter

absolutório ou declaratório da extinção da punibilidade. Para tal corrente não é cabível

a reparação de danos.

Juntamente com essa posição está a Súmula nº 18 do Superior Tribunal de

Justiça, segundo a qual: “A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da

extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório.”

Ainda assim, há um outro posicionamento doutrinário no sentido de considerar

o perdão judicial como sendo condenatório. Assim dizem, pois, segundo eles, somente

é possível perdoar aquele que é culpado. Nesse sentido, seria necessário algum tipo de

condenação. Segundo tal posicionamento, sendo sentença condenatória, configuraria

título executivo judicial, ensejando a existência do direito de reparação dos danos

causados.

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Capítulo 2 – Da Competência

1. Introdução e Conceitos

Competência é espécie da qual é gênero a jurisdição. Por esse motivo, convém

que analisemos primeira essa e posteriormente aquela.

Como já vimos anteriormente (vide tópico 1.1 do Capítulo 1 desse resumo), a

jurisdição compreende o poder-dever do Estado em aplicar o direito ao caso concreto

de modo a resolver a lide. Em se tratando do âmbito penal, já vimos que é titular da

jurisdição o Estado, devendo exercer o papel de pacificador social, punindo aqueles

que transgredirem ao tolerável ético, incidindo no disposto em nosso Diploma Penal.

Resumidamente, a jurisdição é o poder do Estado em aplicar a lei às

transgressões penais, punindo seus agentes (sujeitos ativos), ou seja, trata-se do poder

de julgar.

Explicada a jurisdição, passemos para a competência.

Introduz Tércio Sampaio Ferraz Jr:

Em princípio, quando a dogmática quer referir-se ao poder jurídico

conferido a pessoas físicas e jurídicas privadas, ela fala em capacidade de

ação. Quando se refere às pessoas jurídicas públicas, fala em competência.

Posta dessa maneira, a distinção é confusa. Afinal, se o diretor presidente de

uma sociedade anônima (uma pessoa jurídica privada) assina um

documento para o que não estava autorizado pela assembleia geral, diz-se

que agiu fora do âmbito de sua competência.

Na verdade, a expressão competência tem a ver com o sistema de

papeis isolados e integrados na chamada pessoa jurídica. Competência é o

poder jurídico atribuído pelo estatuto da pessoa jurídica (pública ou

privada) a seus órgãos. É, pois, um conceito típico das organizações

burocráticas.

De forma simplificada e focada no âmbito público – meio no qual se inserem os

órgãos do Poder Judiciário –, entende-se por competência, segundo dizeres de Luiz

Dellore, a “parcela, pedaço, parte ou medida da jurisdição. Todo juiz tem uma

jurisdição, mas nem todo juiz tem jurisdição para decidir todas as causas – ou seja,

cada juiz tem uma parcela de jurisdição (que é, exatamente, a competência).”

Portanto, é possível que definamos a competência como sendo o alcance da

jurisdição de cada órgão do Poder Judiciário. É o limite segundo o qual o juiz poderá

atuar e exercer a sua jurisdição.

Exemplifiquemos: imaginemos dois magistrados de mesma instância, um

empossado pelo Estado de São Paulo e outro pelo Estado do Rio de Janeiro.

Estabeleçamos uma relação entre os dois: ambos são igualmente capacitados para

julgar as causas atinentes a essa instância.

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Pergunta-se: é possível que um deles venha a julgar causas atribuídas ao outro?

Não! Ainda que igualmente capacitados, não é possível que o magistrado do Estado do

Rio de Janeiro interfira nas ações referentes ao Estado de São Paulo, bem como não

poderá o magistrado do Estado de São Paulo interferir nas causas atinentes ao

magistrado do Rio.

2. Princípios da Jurisdição

São os princípios: (1) Princípio do Juiz Natural; (2) Princípio da Investidura; (3)

Princípio da Indeclinabilidade (non liquet); (4) Princípio da Indelegabilidade; (5)

Princípio da Inevitabilidade ou Irrecusabilidade; (6) Princípio da Improrrogabilidade;

(7) Princípio da Inércia ou da Iniciativa das Partes; (8) Princípio da Unidade.

2.1. Princípio do juiz natural

Como tal princípio já fora explicado anteriormente, transcreveremos o teor da

dissertação constante do tópico 3.2.9 do Capítulo anterior:

Segundo disposição dos incisos XXXVII e LIII do art. 5º da Constituição Federal:

“não haverá juízo ou tribunal de exceção” e “ninguém será processado nem

sentenciado senão pela autoridade competente.”

No mesmo sentido é o art. 8º do Pacto de São José da Costa Rica: “1. Toda

pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo

razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido

anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela,

ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou

de qualquer outra natureza.”

Portanto, é direito de todo e qualquer indivíduo ser julgado por um juízo

imparcial, vedada a criação de Tribunal de Exceção, bem como deverá o juiz ser

devidamente empossado e competente para tanto.

2.2. Princípio da investidura

Seguindo o raciocínio exposto perante o princípio anteriormente estudado,

entende-se que a jurisdição somente pode ser exercida por magistrados assim

intitulados posteriormente à aprovação em concurso público inerente, devidamente

nomeado e consequentemente empossado.

2.3. Princípio da indeclinabilidade ou non liquet

Tal princípio está diretamente ligado ao disposto no art. 5º, XXXV, da

Constituição Federal, referente ao Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição. É a

disposição:

Art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. A lei não excluirá da

apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

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Entendamos a origem da expressão non liquet (“não clareza”). Deriva do

seguinte trecho, disposto na obra Noctes Atticar do jurista romano Aulo Gélio: iuravi

mihi non liquere, atque ita iudicatu illo solutus sum, tendo por significado que os juízes

romanos, diante da não clareza da causa apresentada ao julgamento, poderiam se

desobrigar da apreciação.

Tal princípio, no entanto, tem como objetivo justamente o contrário,

estabelecendo que é dever dos juízes a apreciação de todas as causas a que tiveram

contato, sendo vedado, portanto, a recusa.

2.4. Princípio da indelegabilidade

O princípio em comento muito se identifica com o exemplo que demos quando

da introdução deste tópico, pois determina que não é possível que a jurisdição de um

juiz seja delegada a outro.

Esse pensamento foi por mim esclarecido quando do exemplo em que

estabelecemos ser impossível que um magistrado do Rio de Janeiro venha a apreciar a

causa de um magistrado do Estado de São Paulo.

Assim se estabelece em respeito ao já explicado Princípio do Juiz Natural.

2.5. Princípio da inevitabilidade ou irrecusabilidade

Diferentemente dos princípios anteriormente estabelecidos, esse tem uma

peculiaridade, vez que se destina às partes, e não ao juiz em si.

Designa que não é possível que as partes, identificada a competência e

distribuído o processo, recusem que a apreciação do mesmo seja feita por

determinado juiz.

Este princípio, no entanto, não é absoluto, vez que encontra exceção diante dos

casos de suspeição, impedimento ou incompetência.

2.6. Princípio da improrrogabilidade

Novamente, este princípio muito se assemelha ao exemplo dado por mim

quando da introdução deste tópico, bem como relembrado acima.

Por esse motivo, convém que diferenciemos tais princípios. No já explicado

Princípio da Indelegabilidade, veda-se que a causa ainda não apreciada pelo juízo

competente seja delegada a outro juízo.

Neste, porém, uma vez que a apreciação já teve início, não é possível que outro

juízo intervenha na ação, salvo diante das ocasiões previstas em lei, como diante de

carta precatória, por exemplo.

2.7. Princípio da inércia ou iniciativa das partes

A explicação deste princípio já ocorreu anteriormente, mais precisamente no

tópico 3.2.6 do Capítulo anterior. Por esse motivo, transcreverei o que já foi dito.

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Tal brocardo [ne procedat iudex ex officio] tem como significado: “não

procederá o juiz de ofício”. Segundo o Dicionário Jurídico Acquaviva, o “brocardo

recomenda ao juiz não proceder por iniciativa própria, mas apenas a requerimento da

parte. É o chamado princípio da demanda ou da ação, nos termos do qual a jurisdição

deve ser provocada.”

Portanto, simplificadamente, tal princípio tem por condão afirmar que deverão

as partes provocar o judiciário para que, então, seja submetido o caso à jurisdição, não

devendo o Poder Judiciário, de ofício, movimentar-se.

Por esse motivo, não fora recepcionado o art. 26 do Código de Processo Penal,

cujo texto apresenta: “A ação penal, nas contravenções, será iniciada com o auto de

prisão em flagrante ou por meio de portaria expedida pela autoridade judiciário ou

policial.”

2.8. Princípio da unidade

Bem como a separação do Direito em áreas, como o Direito Penal, Direito Civil,

Direito Empresarial, Direito Econômico etc., a divisão da jurisdição é mera ficção, uma

vez que apresenta por titular o Estado, que o exerce por meio do Poder Judiciário,

atuando em todo o território nacional. Ocorre que para fins de organização e eficiência

na prestação dos serviços jurisdicionais o mesmo é segmentado em áreas de

competência de cada juízo.

3. Espécies de Competência

Para que adentremos na análise da competência correta diante dos casos

concretos, convém que identifiquemos as espécies que a formam.

Contudo, importante estabelecermos que a competência é dividida segundo

vários critérios, como veremos a seguir:

3.1. Competência material:

São três as divisões neste ponto, quais sejam: (1) ratione materiae, (2) ratione

funcionae e (3) ratione loci.

Vejamos.

a) Ratione materiae – competência em razão da matéria:

Trata-se da fixação da competência a partir da natureza da infração, ou seja, do

direito material ao qual atinge a conduta delituosa.

Segundo Mougenot: “Especificamente no que diz respeito ao direito processual

penal, a competência pode, também, ser determinada por certas características

relativas ao direito material incidente sobre os fatos apreciados. Fala-se, assim, na

determinação de competência em razão da natureza da infração.”

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b) Ratione funcionae/personae – competência em razão da função/pessoa:

Nessa ocasião, leva-se em consideração a qualidade das pessoas envolvidas no

litígio. Em se tratando de determinadas pessoas, em decorrência de suas funções ou a

ocupação de cargos específicos, por exemplo, entende-se ser a competência de

determinado tribunal.

É o critério utilizado no instituto já conhecido por nós, qual seja, a prerrogativa

de função, que com o objetivo de manter contínua a atividade exercida por aqueles

que a possui, determina tratamento diferenciado no que tange aos tribunais

competentes para julgá-los.

c) Ratione loci – competência em razão do local:

É um reflexo do já mencionado Princípio da unidade (página anterior), segundo

o qual a jurisdição é uma, sendo segmentada em competências com o único objetivo

de organizar e tornar efetiva a tutela estatal.

Nesse caso, ainda em razão da organização e efetivação da tutela estatal,

entende-se que será competente para julgar determinada conduta o foro do local em

que essa ocorreu ou que, no mínimo, mantenha relação com o fato.

3.2. Competência absoluta e relativa

Diz-se competência absoluta aquela que não admite prorrogação, isto é,

entende-se por competente tribunal específico, não existindo nenhum outro tribunal

capaz de julgar a causa em seu lugar.

Por outro lado, tem-se por competência relativa aquela que admite

prorrogação, ou seja, apresenta-se diante de causas cuja competência é demonstrada

por mais de um juízo. Nesse caso, para que haja a prorrogação, isto é, para que os

autos sejam remetidos para o juízo absolutamente competente, cabe às partes se

manifestarem nesse sentido. Não havendo qualquer manifestação, preclui o direito,

convertendo-se o juízo relativamente competente em absolutamente competente.

Nesse sentido é o comentário de Mougenot:

Os atos decisórios praticados por juízo absolutamente incompetente

serão nulos, enquanto a não arguição da incompetência no caso em que

seja ela relativa não redundará vício processual, diante da ocorrência da

prorrogação (o juízo originalmente incompetente se torna competente,

prorrogando sua competência sobre o caso concreto).

Por fim, convém mencionar que tais elementos incidirão em decorrência da

competência material adotada no caso. Em se adotando os critérios materiae e

funcionae/personae, estaremos diante da competência absoluta. Entretanto, diante da

adoção da ratione loci, observar-se-á os elementos referentes à competência relativa.

3.3. Critérios adotados pelo Código de Processo Penal

É a disposição do art. 69 do Código de Processo Penal:

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Art. 69 do Código de Processo Penal. Determinará a competência

jurisdicional:

I – o lugar da infração;

II – o domicílio ou residência do réu;

III – a natureza da infração;

IV – a distribuição;

V – a conexão ou continência;

VI – a prevenção;

VII – a prerrogativa de função.

Nota-se uma predisposição do Código em estabelecer como critério base para a

fixação do foro competente para apreciar o fato o lugar da infração, adotando,

portanto, a ratione loci.

Isso fica evidente quando analisamos os incs. I, II, IV, V e VI, os quais designam

como foro competente aqueles em que ocorreu o fato criminoso ou que tenham

alguma ligação com o fato.

Não incidindo tais elementos, observar-se-á o disposto nos incs. III e VII,

referente as duas demais espécies de competência material, quais sejam, ratione

materiae (competência em razão da natureza do crime/matéria) e ratione

funcionae/personae (competência em razão da função/pessoa).

3.4. Competência pelo lugar da infração

3.4.1. Introdução

Antes de iniciarmos o estudo específico de cada inciso acima descrito, convém

que elenquemos e expliquemos cada uma das teorias existentes quanto à designação

do foro competente em decorrência do lugar da infração.

São as teorias:

a) Teoria do resultado:

Segundo tal teoria, é local da infração aquela que o delito alcança a sua

consumação, isto é, não considera o local da ação, mas o local em que esta alcança o

seu resultado. É a teoria adotada pelo Código de Processo Penal, haja visto o disposto

no art. 70 (abaixo descrito).

b) Teoria da ubiquidade ou mista:

Entende-se por local da infração tanto onde se executa a ação, como o local em

que esta alcança o seu resultado.

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c) Teoria da ação:

Por fim, entende-se por teoria da ação aquele que considera como sendo o

local da infração o foro em que se deu a ação, não se levando em consideração a

consumação do crime.

● ● ● ●

Conforme afirma Mougenot:

A opção do legislador, ao eleger como foro competente o local da

consumação do delito, é calcada em dois motivos. O primeiro leva em conta

razões de política criminal: para que a repressão penal atinja sua finalidade

exemplificativa, é mais adequado que o julgamento da causa ocorra no lugar

em que houve a violação da norma, em que, via de regra, o delito causa

maior repercussão social. É a melhor forma de o Estado demonstrar à

população local a prevalência da ordem jurídica vigente. O segundo motivo

é de ordem instrumental, pois o lugar da infração é onde mais

provavelmente se encontrarão os vestígios e provas do crime.

Dando sequência ao artigo anteriormente citado, analisaremos o art. 70 do

Código de Processo Penal.

Para tanto, contudo, convém que o dividamos em algumas partes.

3.4.2. Regra

A regra para a designação de tal critério de estabelecimento de competência

está descrito no caput do artigo 70 do Código de Processo Penal, segundo o qual:

Art. 70 do Código de Processo Penal. A competência será, de regra,

determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de

tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.

Antes de continuarmos, convém fazermos uma observação: o artigo acima

referido apresenta conflito em relação ao disposto no art. 6º do Código Penal? É a

disposição do art. 6º do Código Penal: “Considera-se praticado o crime no lugar em

que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou

deveria produzir-se o resultado.”

Nota-se que o acima exposto condiz com o que dissemos quando da explicação

da teoria da ubiquidade. Será que o Código Penal adota uma teoria, enquanto o

Código de Processo Penal adota outra? Não. Ocorre que a disposição do art. 6º do

Código Penal diz respeito aos crimes praticados por brasileiros fora do território

nacional, adotando-se a teoria da ubiquidade; o Código de Processo Penal, por outro

lado, disciplina a regra geral, sendo os crimes praticados em território brasileiro, onde

se adota a teoria do resultado.

Dividamos o caput do art. 70 em duas partes.

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3.4.2.1. Crimes consumados

Segundo designação do art. 70 do CPP, será competente, nesse caso, o foro do

local em que se consumou o crime.

Convém fazermos um comentário específico acerca dos (1) crimes de mera

conduta, (2) crimes formais e (3) crimes materiais, uma vez que a sua consumação

ocorre em momentos diversos.

Em se tratando de crimes de mera conduta, isto é, crimes cuja conduta do

agente, por si só, configura crime, não havendo resultado posterior, a consumação se

dará no momento em que se executar a conduta determinada.

Diante de crime formal, ou seja, diante de crimes cuja ação basta para a

configuração do crime, sendo o resultado mero exaurimento do ato, considera-se

consumado diante da ação, não sendo necessário a ocorrência do resultado

naturalístico.

Por fim, em se tratando de crimes materiais, isto é, crimes cuja consumação

somente ocorrerá diante do resultado naturalístico, ou seja, a conduta do agente, por

si só, não configura crime, sendo necessário que o resultado naturalístico ocorra. É

nesse ponto que o crime estará consumado.

3.4.2.2. Crimes tentados

Ainda de acordo com o artigo acima transcrito, em se tratando de tentativa,

competente é o foro onde ocorreu o último ato de execução.

3.4.3. Outras disposições descritas no art. 70

É o conteúdo dos demais dispositivos do artigo aqui estudado:

§1º. Se, iniciada a execução no Território Nacional, a infração se

consumar fora dele, a competência será determinada pelo lugar em que

tiver sido praticado, no Brasil, o último ato de execução.

§2º. Quando o último ato de execução for praticado fora do

Território Nacional, será competente o juiz do lugar em que o crime, embora

parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu resultado.

§3º. Quando incerto o limite territorial entre duas ou mais

jurisdições, ou quando incerta a jurisdição por ter sido a infração

consumada ou tentada nas dividas de duas ou mais jurisdições, a

competência firmar-se-á pela prevenção.

3.4.3.1. Execução no Brasil e resultado no estrangeiro

Tratam-se dos crimes que se iniciaram no Brasil, ou seja, tiveram os atos

executórios praticados no Brasil, somente vindo a se consumarem em território

estrangeiro. Nesse caso, será competente o foro do local em que se deu o último ato

executório

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3.4.3.2. Crime praticado no exterior

3.4.3.2.1. Crime praticado em território estrangeiro

Se o crime for praticado por brasileiro em território estrangeiro, será

competente o foro da capital do último local em que o agente residiu ou, se nunca

morou no Brasil, na capital federal.

É a disposição do art. 7º, II, b, do Código Penal e do art. 88 do Código de

Processo Penal:

Art. 7º do Código Penal. Ficam sujeitos à lei brasileira, embora

cometidos no estrangeiro:

[...]

II – os crimes:

[...]

b) praticados por brasileiro.

● ● ● ●

Art. 88 do Código de Processo Penal. No processo por crimes

praticados fora do território brasileiro, será competente o juízo da Capital

do Estado onde houver por último residido o acusado. Se este nunca tiver

residido no Brasil, será competente o juízo da Capital da República.

3.4.3.2.2. Crime praticado em embarcações ou aeronaves nacionais

É a disposição dos arts. 89 e 90 do Código de Processo Penal e 108, IX, da

Constituição Federal:

Art. 89 do Código de Processo Penal. Os crimes cometidos em

qualquer embarcação nas águas territoriais da República, ou nos rios e lagos

fronteiriços, bem como a bordo de embarcações nacionais, em alto-mar,

serão processados e julgados pela justiça do primeiro porto brasileiro em

que tocar a embarcação, após o crime, ou, quando se afastar do País, pela

do último em que houver tocado.

Art. 90 do Código de Processo Penal. Os crimes praticados a bordo

da aeronave nacional, dentro do espaço aéreo correspondente ao território

brasileiro, ou ao alto-mar, ou a bordo de aeronave estrangeira, dentro do

espaço aéreo correspondente ao território nacional, serão processados e

julgados pela justiça da comarca em cujo território se verificar o pouso após

o crime, ou pela da comarca de onde houver partido a aeronave.

● ● ● ●

Art. 108 da Constituição Federal. Compete aos Tribunais Regionais

Federais:

[...]

IX – os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada

a competência da Justiça Militar.

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Resumindo, os crimes cometidos em embarcações nacionais, onde quer que

estejam, ou em território brasileiro, em embarcações, serão julgados pelo foro do local

do primeiro porto em que atracarem após o crime ou, se afastando do Brasil, do

último em que estiveram atracados.

Tratando-se de aeronaves, os crimes cometidos em aeronaves brasileiras ou

em aeronaves estrangeiras, desde que o crime tenha sido cometido em território

brasileiro, ainda que em alto mar, serão julgadas pelo foro do local de onde primeiro

pousar ou, não sendo este território brasileiro, do foro do local de onde partiu.

3.4.3.3. Crime praticado em local certo cuja jurisdição é incerta

Aqui, sabe-se exatamente onde houve o cometimento do crime, o que não se

sabe é a qual jurisdição aquele território pertence.

Nessa situação, serão competentes todos os foros a cuja jurisdição suspeitam

abranger tal localidade. Tornar-se-á competente, de fato, o juízo que se tornar

prevento, ou seja, julgará a causa o juízo que primeiro tiver conhecimento do fato,

proferindo despacho nos autos.

3.4.3.4. Crime praticado em lugar incerto (divisa de comarcas)

Nesse caso, não se sabe o local exato da ocorrência do crime, haja vista ter sido

praticado na divisa entre duas ou mais cidades.

Diante de tal situação, será competente qualquer uma delas, julgando o caso

aquele que primeiro se tornar prevento, isto é, será competente o juízo que primeiro

tiver conhecimento da causa, proferindo despacho nos autos.

3.4.4. Situações específicas

3.4.4.1. Crime de estelionato por emissão de cheque sem fundo

É a disposição do art. 171, §2º, VI do Código Penal:

Art. 171 do Código Penal. Obter, para si ou para outrem, vantagem

ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro,

mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.

Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réus

a dez contos de réis.

[...]

§2º. Nas mesmas penas incorre quem:

[...]

VI – emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do

sacado, ou lhe frustra o pagamento.

Pergunta-se: onde será o foro competente? Para tanto, importante verificarmos

o disposto nas Súmulas nos 244 do STJ e 521 do STF, segundo as quais,

respectivamente: “Compete ao foro do local da recusa processar e julgar o crime de

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estelionato mediante cheque sem provisão de fundos” e “O foro competente para o

processo e julgamento dos crimes de estelionato, sob a modalidade da emissão dolosa

de cheque sem provisão de fundos, é o do local onde se deu a recusa do pagamento

pelo sacado.”

3.4.4.2. Crime de estelionato cometido mediante falsificação de cheque

Trata-se do crime elencado no caput do art. 171 do Código Penal, segundo o

qual:

Art. 171, caput, do Código Penal. Obter, para si ou para outrem,

vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em

erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.

Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réus

a dez contos de réis.

Nesse caso, é a disposição da Súmula nº 48 do STJ: “Compete ao Juízo do local

da obtenção da vantagem ilícita processar e julgar crime de estelionato cometido

mediante falsificação de cheque.”

Portanto, será competente o foro do local em que o cheque foi passado,

configurando local onde houve a obtenção da vantagem ilícita.

3.4.4.3. Crime de estelionato via saque em conta bancária, mediante uso de

senha ou cartão magnético (clonagem)

Nessa situação, competente será o foro do local em que se der o saque.

3.4.4.4. Crime de falso testemunho prestado em carta precatória

O falso testemunho está disposto no art. 342 do Código Penal, segundo o qual:

Art. 342, caput, do Código Penal. Fazer afirmação falsa, ou negar ou

calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete

em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo

arbitral:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Contudo, o crime aqui tem uma especificidade, é praticado quando prestado

por meio de carta precatória ou ainda quando prestado por meio de videoconferência.

Aí é a dúvida do foro. Será aquele em que houve o depoimento de fato ou será o foro

para o qual o depoimento foi prestado?

Nesse caso, será competente o foro em que o depoimento é, de fato, prestado.

3.4.4.5. Crimes qualificados pelo resultado

São os denominados crimes preterdolosos ou preterintencionais. Revisemos:

dá-se pelos crimes em que o agente executa a ação de forma dolosa, porém não tem a

intenção de que de tal ação resulte qualquer dano à vítima ou, da mesma forma,

espera que o dano causado seja menor do que o de fato causado.

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São caracterizados, portanto, pelo dolo no antecedente e culpa no consequente.

Nesse caso, será competente o juízo do local em que o resultado ocorreu. Ex.:

diante de crime de aborto, havendo complicações que causem a morte da mulher,

competente será o foro do local em que o resultado morte ocorreu.

3.4.4.6. Crime de homicídio doloso

Segundo estipulação do art. 121, caput, do Código Penal:

Art. 121, caput, do Código Penal. Matar alguém:

Pena – reclusão, de seis a vinte anos.

Aqui há uma exceção. Como vimos anteriormente, o Código de Processo Penal

adota a teoria do resultado como critério para a adoção do foro competente para o

julgamento do fato. Nesse caso, porém, adotar-se-á a teoria da ação, ou seja, será

competente o foro do local em que se realizaram os atos executórios, ainda que o

resultado morte tenha ocorrido em local diverso.

Tal entendimento é fixado, segundo a doutrina, pois se privilegia, nesse caso, a

instrução criminal, fazendo com que, diante do júri, participem cidadãos da parcela da

sociedade que sofreu o dano.

3.4.4.7. Crime de extorsão mediante sequestro

Afirma o art. 159, caput, do Código Penal:

Art. 159, caput, do Código Penal. Sequestrar pessoa com o fim de

obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço

do resgate:

Pena – reclusão, de oito a quinze anos.

Trata-se de crime permanente, cuja consumação se prolonga no tempo, isto é,

a cada momento em que permanece o sequestro o crime está sendo consumado.

Por esse motivo, considera-se competente o foro de qualquer das cidades em

que a vítima ficou em cativeiro. Nesse caso, será competente, de fato, o juízo

prevento, ou seja, aquele que primeiro tiver conhecimento da causa, realizando

despacho nos autos.

3.4.4.8. Crime de contrabando e descaminho

É a disposição dos arts. 334 e 334-A do Código Penal:

Descaminho

Art. 334, caput, do Código Penal. Iludir, no todo ou em parte, o

pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo

consumo de mercadoria:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

[...]

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Contrabando

Art. 334-A, caput, do Código Penal. Importar ou exportar mercadoria

proibida:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

Conforme estipula a Súmula nº 151 do STJ: “A competência para o processo e

julgamento por crime de contrabando ou descaminho define-se pela prevenção do

Juízo Federal do lugar da apreensão dos bens.”

3.4.4.9. Crime de furto qualificado pela fraude eletrônica na internet

É a disposição do art. 155, §4º, II, do Código Penal:

Art. 155, §4º, do Código Penal. A pena é de reclusão de dois a oito

anos, e multa, se o crime é cometido:

[...]

II – com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou

destreza.

Aqui, a consumação se dará no local onde se localiza a agência do correntista,

diferentemente do estelionato via saque em conta bancária, mediante uso de senha

ou cartão magnético (clonagem), pois a inversão da posse ocorrerá no momento em

que o bem deixa de estar na esfera de disponibilidade da vítima.

Portanto, será competente o foro do local onde se localizar a agência do

correntista.

3.4.4.10. Juizado especial criminal (JECrim)

Segundo estipulação do art. 63 da Lei nº 9.099/95: “A competência do Juizado

será determinada pelo lugar em que foi praticada a infração penal.”

Diante de tal disposição, pergunta-se: os crimes que se enquadram no Juizado

Especial Criminal terão seus foros definidos a partir da teoria da ação? De acordo com

a redação do artigo acima destacado, dá a entender que os crimes enquadrados em tal

lei têm por critério de escolha do foro a teoria da ação, isto é, é competente o foro do

local em que se realizaram os atos executórios, não se levando em consideração o

resultado do crime.

Contudo, a maioria da doutrina não entende dessa forma. Entende, entretanto,

tratar-se da teoria da ubiquidade ou teoria mista, levando-se em consideração tanto a

teoria da ação, como a teoria do resultado. Essa corrente entende ser correto aplicar a

esse caso o disposto no art. 6º do Código penal, já transcrito por nós (vide tópico 3.4.2,

supra).

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3.4.4.11. Crimes falimentares

Dispõe o art. 183 da Lei nº 11.101/05:

Art. 183 da Lei nº 11.101/05. Compete ao juiz criminal da jurisdição

onde tenha sido decretada a falência, concedida a recuperação judicial ou

homologado o plano de recuperação extrajudicial, conhecer da ação penal

pelos crimes previstos nesta Lei.

Logo, será competente o juízo do foro em que se decretar a falência,

recuperação judicial ou seja homologado o plano de recuperação extrajudicial.

3.4.5. Competência pelo domicílio/residência do réu

Como vimos anteriormente, é possível que o foro do local do crime seja incerto

ou de difícil fixação. Há casos, ainda, cuja fixação do foro em relação ao local do

cometimento do crime seja impossível. Nessa situação, a competência será

determinada pelo local do domicílio ou residência do réu.

É possível a constatação, portanto, de que se trata de critério de fixação

subsidiário, somente sendo utilizado diante da impossibilidade de determinação do

foro do local do crime, ou seja, quando não se sabe onde o crime foi cometido.

Por conta desses elementos se diferencia do disposto no art. 70, §3º, tendo em

vista que nesse o crime é cometido no limite entre duas comarcas, sendo ambas

competentes para julgar o fato. No caso aqui estudado, porém, não se sabe onde o

crime fora praticado, ocasião na qual é definido como foro competente o do domicílio

ou residência do réu.

É a disposição do art. 72 do Código de Processo Penal:

Art. 72 do Código de Processo Penal. Não sendo conhecido o lugar

da infração, a competência regular-se-á pelo domicílio ou residência do réu.

§1º. Se o réu tiver mais de uma residência, a competência firmar-se-á

pela prevenção.

§2º. Se o réu não tiver residência certa ou for ignorado o seu

paradeiro, será competente o juiz que primeiro tomar conhecimento do

fato.

Segundo disposição dos parágrafos, havendo mais de uma residência, será

competente o foro que primeiro interagir com a causa, proferindo despacho, ou seja,

será competente definitivamente o juízo prevento.

Por outro lado, uma vez que o réu não tenha residência fixa ou esteja ausente,

será competente o juízo que primeiro tiver conhecimento do fato, ou seja, o juízo

prevento.

3.4.6. Escolha do foro competente

Por fim, é a disposição do art. 73 do CPP:

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Art. 73 do Código de Processo Penal. Nos casos de exclusiva ação

privada, o querelante poderá preferir o foro de domicílio ou da residência

do réu, ainda quando conhecido o lugar da infração.

Diante de crimes que se executem por meio de ação penal privada, poderá o

sujeito passivo da ação delituosa escolher o foro competente, seja onde o crime se

consumou, seja no foro do domicílio ou residência do réu, tendo em vista que ele

mesmo fará o oferecimento da queixa.

3.5. Competência em razão da matéria

3.5.1. Introdução

Diferentemente do primeiro critério adotado, qual seja, o do local do crime, a

competência designada em função da matéria é estabelecida em decorrência do teor

do crime, ou seja, da identificação do objeto material sobre o qual a conduta recai. Por

isso a denominação competência em razão da matéria.

Portanto, a depender do elemento atingido pelo crime, será definido como

competente uma das Justiças, quais sejam: (1) Justiça Eleitoral; (2) Justiça Militar; (3)

Justiça Federal ou (4) Justiça Estadual.

Mougenot explica: “A Constituição Federal, ao distribuir competências entre as

“justiças”, o faz primordialmente sob o aspecto da natureza das causas das quais

poderá cada um conhecer. O critério, portanto, diz respeito à natureza da relação

jurídica material que constitui o fato que se apresenta à apreciação do Poder Judiciário

(competência ratione materiae).

Alguns podem se perguntar: e a Justiça do Trabalho? Junto a tal pergunta,

convém que transcrevamos o disposto no art. 114, IV, da Constituição Federal:

Art. 114 da Constituição Federal. Compete à Justiça do Trabalho

processar e julgar:

[...]

IV – os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data,

quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição.

Não há competência para o julgamento de crimes nos quais cabem tais

recursos? Não! Segundo entendimento do STF (ADI-MC nº 3.684/DF), a redação do

artigo acima referido não deu à Justiça do Trabalho competência para julgamento de

crimes.

Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu

liminar, ontem, 1º de fevereiro (2007), requerida em ação direta de

inconstitucionalidade (ADI 3684), proposta pelo procurador-geral da

República, Antonio Fernando Souza. A ADI questiona os incisos I, IV e IX do

artigo 114 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda

Constitucional nº 45/2002 (Reforma do Judiciário), por violação ao artigo 60,

parágrafos 2º e 4º, inciso IV, e artigo 5º, caput e inciso LIII, também da

Constituição.

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O procurador-geral da República alega ofensa ao processo legislativo.

Na aprovação da EC 45/2002, o texto aprovado na Câmara dos Deputados

foi alterado pelo Senado e não voltou à primeira casa para nova deliberação,

como prevê o processo legislativo. O texto aprovado possibilitou a

interpretação de que a Justiça do Trabalho pode julgar ações penais.

Por isso, Antonio Fernando pede, na ADI, a suspensão da eficácia do

inciso I do artigo 114 ou que seja dada interpretação conforme a

Constituição, bem como o afastamento de qualquer entendimento que

reconheça a competência penal da Justiça do Trabalho e a interpretação

conforme o texto dos incisos IV e IX do artigo 114.

Juiz natural - O ministro Cezar Peluso, em seu voto, disse que o inciso

IV do artigo 114 determina a competência da Justiça do Trabalho para julgar

habeas corpus, habeas data e mandados de segurança, quando o ato

questionado envolver matéria sujeita a sua jurisdição. E que o pedido de

habeas pode ser dado em outras ações que não as penais.

Para ele, a competência da Justiça do Trabalho para o processamento

e julgamento das ações oriundas da relação trabalhista se restringe apenas

às ações destituídas de natureza penal. Qualquer outro entendimento, diz

Peluso, violaria frontalmente o princípio do juiz natural, pois a Constituição

diz que cabe à Justiça comum (estadual ou federal), julgar e processar

matéria criminal33.

3.5.2. Justiça Eleitoral

3.5.2.1. Introdução

A Justiça Eleitoral, como sabemos, será competente para o julgamento dos

crimes cuja matéria seja eleitoral, por óbvio.

A pergunta que se faz é: o que são e onde estão fixados os crimes eleitorais?

3.5.2.2. Crimes eleitorais

Entendem-se por crimes eleitorais aqueles previstos no Código Eleitoral (Lei nº

4.737/65) e demais legislações que assim definirem seus crimes.

Diante do Código Eleitoral os crimes estão dispostos nos arts. 289 a 354-A.

Segundo disposição do art. 35, II, deste Código:

Art. 35 do Código Eleitoral. Compete aos juízes:

[...]

II – processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem

conexos, ressalvada a competência originária do Tribunal Superior e dos

Tribunais Regionais.

33 Texto disponível em: http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/adi-3684-liminar-do-stf-diz-que-justica-do-trabalho-nao-pode-julgar-acoes-penais

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3.5.2.3. Conexão entre crimes

Contudo, convém fazermos uma ressalva, ainda que seja de competência da

Justiça Eleitoral o julgamento de crimes eleitorais e conexos a estes, é importante

esclarecermos que a motivação política não é suficiente para a configuração destes

tipos penais.

3.5.2.3.1. Conexão com crimes dolosos contra a vida

Diante de conexão entre crimes eleitorais e crimes dolosos contra a vida há

divergência doutrinária. Parte da doutrina entende que nesses casos há exceção à

competência do Tribunal do Júri, devendo a Justiça Eleitoral julgar o fato. Contudo,

outra parte entende que não há o que se falar em exceção à competência do Tribunal

do Júri, haja vista o disposto no art. 5º, XXXVIII, d, da Constituição Federal, segundo o

qual: “É reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei,

assegurados: [...] d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a

vida.”

3.5.2.3.2. Conexão com crimes de competência da Justiça Estadual

Quando da conexão de crimes de competência da Justiça Eleitoral e Justiça

Estadual analisar-se-á o disposto nos arts. 78, IV, do Código de Processo Penal e 25, II,

do Código Eleitoral, segundo os quais:

Art. 78 do Código de Processo Penal. Na determinação da

competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes

regras:

[...]

IV – no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá

esta.

● ● ● ●

Art. 35 do Código Eleitoral. Compete aos juízes:

[...]

II – processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe foram

conexos, ressalvada a competência originária do Tribunal Superior e dos

Tribunais Regionais.

Portanto, vê-se que diante da conexão entre a competência da Justiça Especial,

no caso a Eleitoral, e a Justiça Comum (Estadual ou Federal), prevalecerá a

competência da Justiça Especial. Logo, diante da conexão será competente a Justiça

Eleitoral, nesse caso.

3.5.2.3.3. Conexão com crimes de competência da Justiça Militar ou Federal

Diferentemente dos casos anteriormente propostos, trata-se de conexão entre

crimes cuja competência é dividida entre as Justiças Especiais. Diante de tal situação,

cada elemento será julgado por sua respectiva Justiça competente, de acordo com o

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fixado na Constituição Federal. Ou seja, a Justiça Eleitoral somente será competente

em relação àquilo que elenca o Código Eleitoral e demais legislações que assim

determinem seus crimes.

3.5.3. Justiça Militar

3.5.3.1. Introdução

Da mesma forma que a Justiça Eleitoral, serão considerados de competência da

Justiça Militar os crimes assim determinados e definidos em lei.

3.5.3.2. Crimes militares

Por esse motivo, entendem-se como crimes militares aqueles elencados no

Código Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.001/69), especificamente em relação aos arts.

136 a 408.

Ainda assim, define o art. 9º do Código Penal Militar quanto aos crimes em

tempo de paz:

Art. 9º do Código Penal Militar. Consideram-se crimes militares, em

tempo de paz:

I – os crimes de que trata êste Código, quando definidos de modo

diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o

agente, salvo disposição especial;

II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação

penal, quando praticados:

a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra

militar na mesma situação ou assemelhado;

b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar

sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou

assemelhado, ou civil;

c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em

comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar

sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou

civil;

d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra

militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o

patrimônio sob administração militar, ou a ordem administrativa militar;

f) revogada.

III – os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por

civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os

compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:

a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a

ordem administrativa militar;

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b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação

de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou

da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;

c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão,

vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento

ou manobras;

d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra

militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviços de

vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou

judiciária, quando legalmente requisitado para aquêle fim, ou em

obediência a determinação legal superior.

Diante de tais disposições, conveniente que estabeleçamos quem é o militar.

Militar é aquele que incorpora as Forças Armadas. Conforme estabelece o Estatuto dos

Militares (Lei nº 6.880/80) em seu art. 2º: “As Forças Armadas, essenciais à execução

da política de segurança nacional, são constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela

Aeronáutica, e destinam-se a defender a Pátria e a garantir os poderes constituídos, a

lei e a ordem. São instituições nacionais, permanentes e regulares, organizadas com

base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da

República e dentro dos limites da lei.” Além disso, também são considerados militares

os indivíduos incorporados na Polícia Federal Militar, Polícia Rodoviária Militar ou

Bombeiros.

● ● ● ●

Os crimes militares se dividem em duas categorias, quais sejam: (1) crimes

militares próprios e (2) crimes militares impróprios.

Entendem-se por crimes militares próprios aqueles dispostos na Lei Penal

Militar, não havendo qualquer semelhante ou equiparado na Lei Penal Comum.

Segundo Mougenot, “alguns autores preferem definir tais crimes como aqueles que só

podem ser praticados por militares, por constituírem violações a deveres próprias da

sua função (exemplos: motim, dormir em serviço etc).”

Por outro lado, crimes militares impróprios são aqueles previstos na Legislação

Penal Comum, contudo praticados por militares. Ex.: roubo, furto etc. Nesse caso, para

que sejam julgados pela Justiça Militar, é necessário que o militar esteja no exercício

de sua função, respeitando o disposto no art. 9º, II, a a e, do Código Penal Militar,

acima elencado.

● ● ● ●

Para que exista crime militar, portanto, são três os requisitos que deverão ser

respeitados, quais sejam: (1) praticado por militar ativo, (2) no exercício de suas

atribuições/funções e (3) havendo disposição legal condizente com a sua ação em

legislação especial, qual seja, o Código Penal Militar.

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3.5.3.3. Justiça Militar da União e Justiça Militar Estadual

3.5.3.3.1. Competência

Segundo disposição da Constituição Federal, são duas as divisões da Justiça

Militar, quais sejam: (1) Justiça Militar da União e (2) Justiça Militar Estadual.

Em que pese ambos julgarem crimes militares (art. 124, caput, da Constituição

Federal34), a Justiça Militar da União, especificamente, julga qualquer crime praticado

por civil ou militar que tenha por objetivo atingir bem jurídico tutelado pelas Forças

Armadas (âmbito federal), constantes no art. 9º, III, a, do Código Penal Militar – acima

transcrito. A Justiça Militar Estadual, por outro lado, não julgará crimes militares

praticados por civis, contudo tem a competência para o julgamento de ações judiciais

contra atos disciplinares militares, ou seja, é competente para julgar e aplicar sanções

administrativas previstas no Regulamento Disciplinar ou no Código de Ética e Disciplina

Militar. Nesse sentido é o art. 125, §§ 4º e 5º, da Constituição Federal:

Art. 125 da Constituição Federal. Os Estados organizarão sua Justiça,

observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.

[...]

§4º. Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares

dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra

atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a

vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do

posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.

§5º. Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar,

singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais

contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a

presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares.

Em decorrência disso, tratando-se de crimes praticados por civis contra bens

tutelados pelas instituições militares estaduais, é competente a Justiça Estadual

Comum, com base no disposto no §4º do artigo acima transcrito e na Súmula nº 53 do

Superior Tribunal de Justiça:

Súmula nº 53 do Superior Tribunal de Justiça. Compete à Justiça

Comum Estadual processar e julgar civil acusado de praticar crime contra

instituições militares estaduais.

Portanto, é a relação de competência da Justiça Militar da União e da Justiça

Militar Estadual:

1) Justiça Militar da União:

a. Crimes militares federais;

b. Crimes praticados por civis contra os bens tutelados pelas Forças

Armadas.

2) Justiça Militar Estadual:

34 Art. 124, caput, da Constituição Federal. À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei.

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a. Crimes militares estaduais;

b. Ações judiciais contra atos disciplinares militares.

3.5.3.3.2. Estrutura e composição

A Justiça Militar tem sua estrutura regulada pela Lei nº 8.457/92.

Tratando-se da Justiça Militar Federal, é a estrutura e composição:

Primeiro grau – possui 12 circunscrições judiciárias, nas quais existem os

conselhos de justiça, compostos por três ou quatro juízes oficiais militares e um juiz de

direito (Juiz-Auditor). Tais conselhos poderão ser permanentes (não oficiais) ou

especiais (oficiais).

Grau de recurso (segundo grau) – os recursos na Justiça Militar são interpostos

no Superior Tribunal Militar, do qual cabe recurso ao Supremo Tribunal Federal. O STM

é composto por 15 membros nomeados pelo Presidente da República, sendo:

1) Três Oficiais-Generais da Marinha;

2) Quatro Oficiais-Generais do Exército;

3) Três Oficiais-Generais da Aeronáutica; e

4) Cinco civis, escolhendo-se dentre:

a. Três advogados de notório saber jurídico e conduta ilibada, com mais de

dez anos de atividade profissional;

b. Dois civis por escolha paritária, dentre juízes auditores e membros do

Ministério Público Militar.

Por outro lado, tratando-se da Justiça Militar Estadual, analisar-se-á o §3º do

art. 125 da Constituição Federal, segundo o qual

Art. 125, §3º, da Constituição Federal. A lei estadual poderá criar,

mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual,

constituída, em primeiro grau, pelos juízes de direito e pelos Conselhos de

Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal

de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo militar seja superior a vinte

mil integrantes.

Por esse motivo, a composição estadual da Justiça Militar deverá observar,

além do disposto na Constituição Federal, o estabelecido nas Constituições Estaduais.

É a estrutura e composição da Justiça Militar Estadual:

Primeiro grau – formado pelas Auditorias Militares, compostas por juízes de

direito, conforme especifica o parágrafo acima transcrito, e os Conselhos de Justiça,

compostos por um juiz de direito e quatro juízes militares.

Segundo grau – formado pelos Tribunais de Justiça ou Tribunais de Justiça

Militares nos Estados em que o efetivo militar (contingente) seja superior a vinte mil

integrantes.

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Grau de recurso – interessante notar que os recursos da Justiça Militar Estadual

não serão recepcionados pelo Superior Tribunal Militar, mas farão o mesmo caminho

da Justiça Comum, qual seja, grau de recurso ao Superior Tribunal de Justiça e,

posteriormente, ao Supremo Tribunal Federal.

É a tabela da Justiça Militar:

Justiça Militar Federal Justiça Militar Estadual

Competência Julga crimes militares, ainda que praticados por

civil contra bens tutelados pelas Forças Armadas

Julga crimes militares e atos disciplinares militares

Órgãos Forças Armadas: Marinha, Aeronáutica e Exército

Polícia Militar, Policia Militar Estadual e Corpo de

Bombeiros

Julgamento de civil Sim Não

Grau de recurso Superior Tribunal Militar Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal

Federal

3.5.3.3.3. Outras disposições sobre competência

3.5.3.3.3.1. Crimes praticados por militares que não sejam da competência da

Justiça Militar

Como dito quando da introdução do estudo desta Justiça Especializada, foi dito

que somente serão julgados e processados pela Justiça Militar os crimes praticados

pelos militares enquanto no exercício de suas funções, vez que sejam ativos. Tratando-

se, portanto, de militares inativos ou que não estejam no exercício de suas funções, a

competência será da Justiça Comum ou da Justiça Especializada de cujo crime seja a

matéria por ela julgada.

Por fim, convém fazermos um comentário. Há crimes cuja competência do

julgamento é destinada exclusivamente a outras Justiças. Nesses casos, não há o que

se falar em competência da Justiça Militar. Ex.: crime de abuso de autoridade contra

civil, prevista pela Lei nº 4.898/65, não está previsto no Código Penal Militar. Por esse

motivo, não será da competência da Justiça Militar. Segundo a Súmula nº 172 do

Superior Tribunal de Justiça, inclusive: “Compete a justiça comum processar e julgar

militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço.”

3.5.3.3.3.2. Crimes dolosos contra a vida praticados por militares

Os crimes dolosos contra a vida praticados por militares estaduais contra civis

serão processados pela Justiça Comum. Por outro lado, os crimes dolosos contra a vida

praticados por militares das Forças Armadas serão julgados e processados pela Justiça

Militar da União, de acordo com o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 9º do Código Penal

Militar:

Art. 9º, §1º, do Código Penal Militar. Os crimes de que trata este

artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civil,

serão da competência do Tribunal do Júri.

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§2º. Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida

e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da

competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto:

I – do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo

Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa;

II – de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de

missão militar, mesmo que não beligerante; ou

III – de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia

da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade

com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes

diplomas legais:

a) Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986 – Código Brasileiro de

Aeronáutica;

b) Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999;

c) Decreto-Lei nº 1.002, de 12 de outubro, de 1969 – Código de

Processo Penal Militar;

d) Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 – Código Eleitoral.

Por fim, em se tratando de crimes dolosos praticados por militares contra

militares, a competência será da Justiça Militar, estadual ou federal.

3.5.3.3.3.3. Conexão e continência

Conforme estabelece a Súmula nº 90 do Superior Tribunal de Justiça: “Compete

à Justiça Estadual Militar processar a julgar o policial militar pela prática de crime

militar, e à Comum pela prática do crime comum simultâneo àquele.”

No mesmo sentido é o art. 79, I, do Código de Processo Penal, segundo o qual:

“A conexão e a continência importarão unidade do processo e julgamento, salvo: I – no

concurso entre a jurisdição comum e a militar...”.

3.5.4. Justiça Federal

3.5.4.1. Introdução

Diferentemente das duas outras Justiças por nós estudadas, a Justiça Federal

não se denomina como sendo uma Justiça Especializada, mas Comum, juntamente

com a Justiça Estadual.

3.5.4.2. Composição e estrutura

A estrutura da Justiça Federal é um tanto quanto confusa. Apesar de a Justiça

Federal ser dividida em cinco regiões até hoje, aprovou-se em 2013 a Emenda à

Constituição nº 73, adicionando ao art. 27 do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias o §11, segundo o qual:

Art. 27, §11, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

São criados, ainda, os seguintes Tribunais Regionais Federais: o da 6ª Região,

com sede em Curitiba, Estado do Paraná, e jurisdição nos Estados do Paraná,

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Santa Catarina e Mato Grosso do Sul; o da 7ª Região, com sede em Belo

Horizonte, Estado de Minas Gerais, e jurisdição no Estado de Minas Gerais; o

da 8ª Região, com sede em Salvador, Estado da Bahia, e jurisdição nos

Estados da Bahia e Sergipe; e o da 9ª Região, com sede em Manaus, Estado

do Amazonas, e jurisdição nos Estados do Amazonas, Acre, Rondônia e

Roraima.

Ainda que aprovada tal Emenda, não tem efetividade, haja vista ter o Supremo

Tribunal Federal, a partir da ADI 5.017, concedido liminar no sentido de impedir a

aplicação da Súmula em questão. Apesar disso, até hoje não houve novo

posicionamento do Supremo Tribunal Federal em relação ao caso.

Portanto, segue a atual divisão da Justiça Federal, bem como aquela proposta e

aprovada pela Emenda Constitucional nº 73:

Hoje, portanto, é a divisão:

REGIÃO SEDE JURISDIÇÃO

1ª Região Brasília – Distrito Federal Acre Amazonas Roraima

Rondônia Pará

Amapá Mato Grosso

Tocantins Maranhão

Piauí Bahia

Minas Gerais Goiás

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Distrito Federal

2ª Região Rio de Janeiro – Rio de Janeiro

Rio de Janeiro Espírito Santo

3ª Região São Paulo – São Paulo São Paulo Mato Grosso do Sul

4ª Região Porto Alegre – Rio Grande do Sul

Rio Grande do Sul Paraná

Santa Catarina

5ª Região Recife – Pernambuco Pernambuco Rio Grande do Norte

Ceará Paraíba Alagoas

● ● ● ●

Além da divisão em regiões, a Justiça Federal se divide em instâncias, como as

demais Justiças, sendo:

1ª Instância – composta pelos Juízes Federais. Aqui também se encaixam os

Juizados Especiais Federais, responsáveis por processar e julgar os feitos de

competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo.

2ª Instância – composta pelos Tribunais Regionais Federais (TRFs).

3ª Instância (instância recursal) – Superior Tribunal de Justiça (STJ).

4ª instância (instância recursal) – Supremo Tribunal Federal (STF).

● ● ● ●

Antes de adentrarmos a competência da Justiça Federal, convém fazermos um

comentário acerca da investigação dos crimes processados por esta Justiça,

especificamente quanto a ação da Polícia Federal.

Apesar da ligação entre tais instituições, nem todos os crimes investigados pela

Polícia Federal serão de competência da Justiça Federal, tendo em vista que não há

qualquer impedimento quanto à investigação de crimes de competência da Justiça

Estadual por parte da Polícia Federal.

De maneira geral, por óbvio, os atos da Polícia Federal estão diretamente

ligados à Justiça Federal. Contudo, isso não é regra, haja vista que não existe jurisdição

quando se fala em delegados.

É a disposição do art. 144, §1º, da Constituição Federal:

Art. 144, §1º, da Constituição Federal. A polícia federal, instituída

por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e

estruturado em carreira, destina-se a:

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I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em

detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades

autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática

tenha repercussão interestadual e exija repressão uniforme, segundo se

dispuser em lei;

II – prevenir e reprimir o tráfico de entorpecentes e drogas afins, o

contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros

órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;

III – exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de

fronteiras;

IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da

União.

3.5.4.3. Competência

A competência criminal da Justiça Federal está disposta no art. 109 da

Constituição Federal, especificamente no que diz respeito os incs. IV a VI, IX a XI.

É o texto:

Art. 109 da Constituição Federal. Aos juízes federais compete

processar e julgar:

[...]

IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em

detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades

autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a

competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;

V – os crimes previstos em tratado ou convenção internacional,

quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter

ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;

V-A – as causas relativas a direitos humanos a que se refere o §5º

deste artigo;

VI – os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos

determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-

financeira;

[...]

IX – os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada

a competência da Justiça Militar;

X – os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a

execução de carta rogatória, após o “exequatur”, e de sentença estrangeira,

após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a

respectiva opção, e à naturalização;

XI – a disputa sobre direitos indígenas.

[...]

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§5º. Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o

Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o

cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de

direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o

Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo,

incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.

3.5.4.3.1. Art. 109, IV, CF

Como esboçado anteriormente, compete à Justiça Federal processar e julgar os

crimes políticos e infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou

interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas.

Vamos por partes.

3.5.4.3.1.1. Crime político

Entende-se por crime político aquele previsto na Lei de Segurança Nacional (Lei

nº 7.170/83), segundo a qual:

Art. 1º da Lei de Segurança Nacional. Esta Lei prevê os crimes que

lesam ou expõem a perigo de lesão:

I – a integridade territorial e a soberania nacional;

II – o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado

de Direito;

III – a pessoa dos Chefes dos Poderes da União.

Para tanto, contudo, é necessário que a ação tenha motivação política,

lesionando, de fato ou potencialmente, bens jurídicos tutelados por esta Lei.

3.5.4.3.1.2. Crimes de terrorismo

Apesar de não constar no rol do art. 109 da Constituição Federal, é a disposição

do art. 11 da Lei 13.260/2016:

Art. 11 da Lei 13.260/2016. Para todos os efeitos legais, considera-se

que os crimes previstos nesta Lei são praticados contra o interesse da União,

cabendo à Polícia Federal a investigação criminal, em sede de inquérito

policial, e à Justiça Federal o seu processamento e julgamento, nos termos

do inciso IV do artigo 109 da Constituição Federal.

Entende-se por crime de terrorismo a prática, por um ou mais indivíduos e por

motivos de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, que

tem por finalidade provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa,

patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública (art. 2º da Lei acima transcrita).

Por fim, é importante ressalvarmos a inversão de interpretação proposta pela

Lei em comento. Como sabemos, cabe às normas infraconstitucionais se submeterem

aos preceitos constitucionais. Nota-se, nesse caso, a disposição de uma legislação

infraconstitucional que determina a interpretação e adição de um elemento ao texto

constitucional.

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Segundo Mougenot, tal disposição demonstra uma “presunção legal absoluta

de ofensa a interesse da União”, justificando a sua redação.

3.5.4.3.1.3. Crimes cometidos em detrimento de bens, serviços ou interesses

da União

Primeiramente, convém que conceituemos cada elemento:

a) Bens da União:

Os bens da União estão dispostos no art. 20 da Constituição Federal:

Art. 20 da Constituição Federal. São bens da União:

I – os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser

atribuídos;

II – as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das

fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à

preservação ambiental, definidas em lei;

III – os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu

domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros

países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem

como os terrenos marginais e as praias fluviais;

IV – as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros

países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas,

destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas

afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no

art. 26, II;

V – os recursos naturais da plataforma continental e da zona

econômica exclusiva;

VI – o mar territorial;

VII – os terrenos de marinha e seus acrescidos;

VIII – os potenciais de energia hidráulica;

IX – os recursos minerais, inclusive os do subsolo;

X – as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e

pré-históricos;

XI – as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.

b) Serviços da União:

Entende-se por serviços da União todos aqueles prestados pelo Governo

Federal ou seus entes Federados, como as autarquias e empresas públicas, conforme

estabelece o art. 109, acima descrito.

c) Interesses da União:

Tem-se por interesse da União os elementos particular, específica e

diretamente ligados a ela. Caso o elemento em questão seja de interesse indireto da

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União, a competência será da Justiça Estadual, e não da Federal. São exemplos de

interesse da União os elementos elencados no art. 21 da Constituição Federal.35

35 Art. 21 da Constituição Federal. Compete à União: I – manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais; II – declarar a guerra e celebrar a paz; III – assegurar a defesa nacional; IV – permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente; V – decretar o estado de sítio, o estado de defesa e a intervenção federal; VI – autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico; VII – emitir moeda; VIII – administrar as reservas cambiais do País e fiscalizar as operações de natureza financeira, especialmente as de crédito, câmbio e capitalização, bem como as de seguros e de previdência privada; IX – elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; X – manter o serviço postal e o correio aéreo nacional; XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão; a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens; b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária; d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território; e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; f) os portos marítimos, fluviais e lacustres; XIII – organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios e a Defensoria Pública dos Territórios; XIV – organizar e manter a polícia civil, a política militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio; XV – organizar e manter os serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia de âmbito nacional; XVI – exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão; XVII – conceder anistia; XVIII – planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações; XIX – instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso; XX – instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos; XXI – estabelecer princípios e diretrizes para o sistema nacional de viação; XXII – explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições: a) toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional; b) sob regime de permissão, são autorizadas a comercialização e a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais; c) sob regime de permissão, são autorizadas a produção, comercialização e utilização de radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas; d) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa.

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Para a configuração de tais crimes, frisemos, é necessário a efetiva lesão aos

bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas36 e empresas

públicas37.

● ● ● ●

Antes de prosseguirmos, convém que comentemos acerca de alguns casos

especiais, são eles:

a) Contravenções penais: nesse caso, será competente para julgar a Justiça

Estadual. Nesse sentido é a Súmula nº 38 do Superior Tribunal de Justiça:

Súmula nº 38 do Superior Tribunal de Justiça. Compete à Justiça

Estadual Comum, na vigência da Constituição de 1988, o processo por

contravenção penal, ainda que praticada em detrimento de bens, serviços

ou interesse da União ou de suas entidades.

b) Competência das Justiças Especiais: serão competentes as respectivas Justiças,

quais sejam, Justiça Eleitoral e Justiça Militar;

c) Crimes contra as sociedades de economia mista: nesse sentido é a Súmula nº

42 do Superior Tribunal de Justiça e a Súmula nº 556 do Supremo Tribunal Federal:

Súmula nº 42 do Superior Tribunal de Justiça. Compete à Justiça

Comum Estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte

sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento.

● ● ● ●

Súmula nº 556 do Supremo Tribunal Federal. É competente a Justiça

Comum para julgar as causas em que é parte sociedade de economia mista.

d) Crimes contra a Justiça Federal, Justiça do Trabalho ou Justiça Eleitoral: nesse

caso, configurado estará um crime contra serviços jurisdicional da União, incidindo,

portanto, no art. 109, IV, da Constituição Federal, sendo competente para o seu

julgamento a Justiça Federal.

É necessário, inclusive, que nos atentemos ao disposto na Súmula nº 165 do

Superior Tribunal de Justiça:

XXIV – organizar, manter e executar a inspeção do trabalho; XXV – estabelecer as áreas e as condições para o exercício da atividade de garimpagem, em forma associativa. 36 São exemplos de entidades autárquicas: INSS – Instituto Nacional do Seguro Social; BACEN – Banco Central; INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária; DNIT – Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes; IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. 37 São exemplos de empresas públicas: BNDES – Banco Nacional do Desenvolvimento; CEF – Caixa Econômica Federal; Correios.

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Súmula nº 165 do Superior Tribunal de Justiça. Compete à Justiça

Federal processar e julgar crime de falso testemunho cometido no processo

trabalhista.

Segundo Edilson Mougenot, “o entendimento se justifica, uma vez que a Justiça

do Trabalho é organizada em âmbito federal, constituindo o falso testemunho em

processo trabalhista afronta aos interesses da União.”

e) Crimes praticados contra e por funcionários públicos federais, em razão do

exercício de suas funções: é a disposição da Súmula nº 147 do Superior Tribunal de

Justiça:

Súmula nº 147 do Superior Tribunal de Justiça. Compete à Justiça

Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público

federal, quando relacionados com o exercício da função.”

Da mesma forma ocorrerá quando o funcionário público federal for o sujeito

ativo da ação (arts. 312 a 327 do Código Penal). O raciocínio aplicado aqui é o mesmo

anteriormente explicado, tendo em vista se tratar de serviço prestado pela União.

f) Tribunal do júri: é possível que haja Tribunal do Júri em âmbito federal,

contanto que se encaixe nos elementos dispostos no art. 109 da Constituição Federal.

Segundo Edilson Mougenot, é o que ocorrerá, por exemplo, diante de crime

contra a vida praticado por funcionário público federal, em razão do exercício das suas

funções.

g) Desvio de verba pública praticado por prefeito: é a redação das Súmulas nos

208 e 209 do Superior Tribunal de Justiça:

Súmula nº 208 do Superior Tribunal de Justiça. Compete à Justiça

Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a

prestação de contas perante órgão federal.

Súmula nº 209 do Superior Tribunal de Justiça. Compete à Justiça

Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e

incorporada ao patrimônio municipal.

É visível, portanto, que a competência da Justiça Federal, nesse caso,

dependerá da entidade da qual a verba é desviada. Tratando-se de órgão da União,

será competente a Justiça Federal. Caso contrário, será competente a Justiça Estadual.

h) Crimes ambientais: somente serão de competência da Justiça Federal, uma vez

que tenham por objeto jurídico os bens da União, fixados no art. 20 da Constituição

Federal – acima transcrito. Ex.: extração ilegal de recursos minerais; pesca ilegal de

camarão, no mar territorial; destruição ou danificação de floresta de preservação

permanente, cometido no interior de unidade de conservação da União; Crime de

pesca proibida praticado em rio interestadual; manutenção em cativeiro de espécies

em extinção etc;

i) Crime de moeda falsa: previsto no art. 298 do Código Penal e, como visto

anteriormente, caracterizando uma das competências da União, o crime de moeda

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falsa somente será da competência da Justiça Federal, uma vez que se tratar de

imitação fiel à realidade. Portanto, diante da imitação grosseira competente será a

Justiça Estadual.

Nesse sentido é a Súmula nº 73 do Superior Tribunal de Justiça:

Súmula nº 73 do Superior Tribunal de Justiça. A utilização de papel

moeda grosseiramente falsificado configura, em tese, o crime de

estelionato, da competência da Justiça Estadual.

j) Crime de estelionato: como diz a Súmula acima transcrita, em regra, os crimes

de estelionato serão de competência da Justiça Estadual. Contudo, tratando-se de

ação contra a União competente será a Justiça Federal. Ex.: receber, indevidamente,

seguro-desemprego, bolsa-família, benefício previdenciário etc – lembrando, é

necessário o efetivo dano à União38.

k) Crime de sonegação fiscal de tributos federais, apropriação indébita

previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária: tendo em vista a lesão

efetiva à União, serão de competência da Justiça Federal.

3.5.4.3.2. Art. 109, V, CF

Relembrando, é a disposição da Constituição Federal:

Art. 109 da Constituição Federal. Aos juízes federais compete

processar e julgar:

[...]

V – os crimes previstos em tratado ou convenção internacional,

quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter

ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente.

Portanto, também será da competência da Justiça Federal os crimes previstos

em tratado ou convenção internacional, uma vez que a sua execução tenha sido

iniciada no Brasil e consumada no estrangeiro ou vice-versa.

Convém que demos alguns exemplos de crimes que se encaixam nesse inciso.

Contudo, é necessário que, antes, esclareçamos que em alguns deles é necessário,

para a competência da Justiça Federal, que exista o indício de internacionalidade,

enquanto que em outros exemplos tal elemento não se faz necessário, sendo, sempre,

da competência da Justiça Federal:

a) É necessário o indício de internacionalidade:

i. Tráfico internacional de entorpecentes39: arts. 33 a 37 e 70 da Lei nº

11.343/06;

38 Súmula nº 107 do Superior Tribunal de Justiça. Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime de estelionato praticado mediante falsificação das guias de recolhimento das contribuições previdenciárias, quando não ocorre lesão à autarquia federal. 39 Súmula nº 522 do Superior Tribunal de Justiça. Salvo ocorrência de tráfico para o exterior, quando então a competência será da Justiça Federal, compete à Justiça dos Estados o processo e julgamento dos crimes relativos a entorpecentes.

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ii. Tráfico internacional de armas de fogo: art. 18 da Lei nº 10.826/03;

iii. Tráfico internacional de pessoas para fim de exploração sexual: art.

231 do Código Penal;

iv. Transferência ilegal de criança ou adolescente para o exterior: art. 239

do Estatuto da Criança e do Adolescente;

v. Pornografia infantil e pedofilia por meio de internet: art. 241 do

Estatuto da Criança e do Adolescente;

b) Não é necessário o indício de internacionalidade:

i. Descaminho: art. 334 do Código Penal;

ii. Contrabando: art. 334-A do Código Penal;

iii. Importação de produto para fins terapêuticos ou medicinais

falsificado, corrompido, adulterado ou alterado ou sem registro na

ANVISA: art. 273, §1º, do Código Penal.

3.5.4.3.3. Art. 109, VI, CF

É a redação desse inciso:

Art. 109 da Constituição Federal. Aos juízes federais compete

processar e julgar:

[...]

VI – os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos

determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-

financeira;

Portanto, será competente a Justiça Federal nos crimes contra a organização do

trabalho ou contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira. Contudo,

importante esclarecermos que em relação ao primeiro (contra a organização do

trabalho) somente serão da competência da Justiça Federal, uma vez que atinjam o

âmbito coletivo. Tratando-se de crime que atinge o sujeito passivo individualmente

serão de competência da Justiça Estadual.

Por outro lado, em se tratando de crimes contra o sistema financeiro e a ordem

econômico-financeira, somente serão de competência da Justiça Federal, uma vez que

coloquem em risco a higidez do sistema financeiro nacional.

3.5.4.3.3.1. Crimes contra a organização do trabalho

Podemos citar como exemplo da exceção a falsa anotação em um ou poucas

carteiras de trabalho. Segundo disposição da Súmula nº 62 do Superior Tribunal de

Justiça: “Compete à Justiça Estadual processar e julgar o crime de falsa anotação na

Carteira de Trabalho e Previdência Social, atribuído à empresa privada.”

Contudo, convém informarmos que há casos em que ainda que a ação

criminosa seja individualizada será competente a Justiça Federal. Ex.: crime de

redução à condição análoga à de escravo. Isso se justifica, tendo em vista que a ação,

ainda que direcionada, atinge a organização do trabalho como um todo.

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Assim se entende em decorrência do acórdão proferido no RE nº 398.041-6/PA,

sendo a ementa:

EMENTA: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 149 DO

CÓDIGO PENAL. REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO.

TRABALHO ESCRAVO. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. DIREITOS

FUNDAMENTAIS. CRIME CONTRA A COLETIVIDADE DOS TRABALHADORES.

ART. 109, VI DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO.

A Constituição de 1988 traz um robusto conjunto normativo que visa

à proteção e efetivação dos direitos fundamentais do ser humano.

A existência de trabalhadores a laborar sob escolta, alguns

acorrentados, em situação de total violação da liberdade e da

autodeterminação de cada um, configura crime contra a organização do

trabalho.

Quaisquer condutas que possam ser tidas como violadoras não

somente do sistema de órgãos e instituições com atribuições para proteger

os direitos e deveres dos trabalhadores, mas também dos próprios

trabalhadores, atingindo-os em esferas que lhes são mais caras, em que a

Constituição lhes confere proteção máxima, são enquadráveis na categoria

dos crimes contra a organização do trabalho, se praticadas no contexto das

relações de trabalho.

Nesses casos, a prática do crime prevista no art. 149 do Código Penal

(Redução à condição análoga a de escravo) se caracteriza como crime contra

a organização do trabalho, de modo a atrair a competência da Justiça

federal (art. 109, VI da Constituição) para processá-los e julgá-lo.

Recurso extraordinário conhecido e provido.

3.5.4.3.3.2. Crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômico-

financeira

São os denominados crimes de colarinho branco, os quais serão julgados por

varas especializadas em crimes contra o Sistema Financeiro Nacional:

a) Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional: Lei nº 7.492/86;

b) Crimes de sonegação fiscal de tributo federal: Lei nº 8.137/90;

c) Crime de lavagem de dinheiro: Lei nº 9.613/98.

3.5.4.3.4. Art. 109, IX, CF

É a redação:

Art. 109 da Constituição Federal. Aos juízes federais compete

processar e julgar:

[...]

IX – os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada

a competência da Justiça Militar.

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Portanto, serão de competência da Justiça Federal os crimes cometidos a bordo

de navios ou aeronaves, salvo quando competente a Justiça Militar (vide tópico

3.5.3.3.1).

Para tanto, convém que elenquemos o disposto nos arts. 89 e 90 do Código de

Processo Penal:

Art. 89 do Código de Processo Penal. Os crimes cometidos em

qualquer embarcação nas águas territoriais da República, ou nos rios e lagos

fronteiriços, bem como a bordo de embarcações nacionais, em alto-mar,

serão processados e julgados pela justiça do primeiro porto brasileiro em

que tocar a embarcação, após o crime, ou, quando se afastar do País, pela

do último em que houver tocado.

Art. 90 do Código de Processo Penal. Os crimes praticados a bordo

de aeronave nacional, dentro do espaço aéreo correspondente ao território

brasileiro, ou ao alto-mar, ou a bordo de aeronave estrangeira, dentro do

espaço aéreo correspondente ao território nacional, serão processados e

julgados pela justiça da comarca em cujo território se verifica o pouso após

o crime, ou pela da comarca de onde houver partido a aeronave.

Nota-se que as disposições acima transcritas somente citam, além das

aeronaves, embarcações de grande porte, destacando-se os navios, ou seja, não cita as

embarcações de pequeno porte. Nesse sentido, entende-se que os crimes praticados

em pequenas embarcações, como lanchas ou botes, competente será a Justiça

Estadual.

Da mesma forma, imprescindível que sejam embarcações ou aeronaves

nacionais em deslocamento internacional ou potencial deslocamento. Estando

atracado em porto ou aeroporto ou não havendo iminência de qualquer

deslocamento, competente será a Justiça Estadual.

Por fim, é necessário que não sejam embarcações ou aeronaves militares,

ocasião na qual será competente a Justiça Militar.

3.5.4.3.5. Art. 109, X, CF

Dispõe o inciso:

Art. 109 da Constituição Federal. Aos juízes federais compete

processar e julgar:

[...]

X – os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a

execução de carta rogatória, após o “exequatur”, e de sentença estrangeira,

após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a

respectiva opção, e à naturalização.

Será de competência da Justiça Federal os crimes de ingresso ou permanência

irregular de estrangeiro em território nacional, uma vez que são crimes que atentam

contra a administração da justiça. Trata-se dos crimes dispostos nos arts. 232-A e 339

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do Código Penal, referentes, respectivamente, à “Promoção de migração ilegal” e

“Reingresso de estrangeiro expulso”.

3.5.4.3.6. Art. 109, XI, CF

É a disposição:

Art. 109 da Constituição Federal. Aos juízes federais compete

processar e julgar:

[...]

XI – a disputa sobre direitos indígenas.

Por fim, é competente a Justiça Federal quanto aos crimes referentes à disputa

sobre direitos indígenas. Para tanto, contudo, é necessário que seja quanto aos

direitos, não sendo competente em relação aos crimes em que os indígenas figurem

como autor ou réu.

Nesse sentido é a Súmula nº 140 do Superior Tribunal de Justiça:

Súmula nº 140 do Superior Tribunal de Justiça. Compete à Justiça

Estadual processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou

vítima.

Tais crimes se dão em decorrência do art. 231 da Constituição Federal, segundo

o qual: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, língua, crenças

e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam,

competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”

3.5.4.3.7. Incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal

Trata-se do disposto no art. 109, V-A, da Constituição Federal, segundo o qual:

Art. 109 da Constituição Federal. Aos juízes federais compete

processar e julgar:

[...]

V-A – as causas relativas a direitos humanos a que se refere o §5º

deste artigo;

[...]

§5º. Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o

Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o

cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de

direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o

Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo,

incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.

Portanto, é possível que, para assegurar o cumprimento de obrigações

decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja

parte, o Procurador-Geral da República provoque o Superior Tribunal de Justiça para

deslocar a competência para a Justiça Federal.

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Segundo o próprio Tribunal, são os requisitos para a ocorrência do

deslocamento:

a) Grave violação de direitos humanos;

b) Risco de responsabilização internacional decorrente do descumprimento de

obrigações jurídicas assumidas em tratados internacionais;

c) Incapacidade das instâncias e autoridades locais em oferecer respostas

efetivas.

3.5.5. Justiça Estadual

A competência da Justiça Estadual é subsidiária em relação a todas as demais,

somente ocorrência diante da não competência das Justiças Eleitoral, Militar e Federal.

3.5.6. Quadro comparativo

JUSTIÇA COMPETÊNCIA

Justiça Eleitoral Crimes eleitorais – previstos no Código Eleitoral (arts. 289 a 354-A) e demais legislações que assim definirem seus

crimes

Justiça Militar Crimes militares – previstos no Código Penal Militar (arts. 9º e 136 a 408)

Justiça Federal Crimes elencados no art. 109 da Constituição Federal e disposições

jurisprudenciais

Justiça Estadual Será competente se não competentes as demais justiças

3.6. Competência em razão da função

3.6.1. Introdução

Sendo o último critério segundo o qual se fixará o foro competente para julgar

a ação penal, passaremos a falar, agora, acerca da competência em razão da função.

Conforme explica Mougenot: “De acordo com uma qualidade (característica

circunstancial) das pessoas envolvidas no litígio, a competência pode ser de um ou

outro órgão jurisdicional.”

Nesse tópico, analisaremos a competência diante do denominado foro de

prerrogativa de função, o qual estabelece que alguns indivíduos têm direito de serem

julgados por determinado juízo, a depender da natureza da infração.

3.6.2. Foro por prerrogativa de função

Para que comecemos o estudo acerca de tal competência, é necessário que,

antes, conceituemos o foro por prerrogativa de função.

Trata-se, como dissemos, de benefício atinente a determinados cargos, o qual

fornece ao seu ocupante o direito de ter os crimes por ele cometidos processados e

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julgados por Corte específica, e não por órgãos comuns do Poder Judiciário (primeira

instância).

Sendo inerente ao cargo, portanto, não tem como função proteger a pessoa do

beneficiado, mas as funções que ele ocupa, sendo possível, com o deslocamento da

competência para julgá-lo, a continuidade das atividades exercidas por ele enquanto

no cargo que ocupa.

3.6.3. Rito

Conforme dissemos anteriormente, o foro de prerrogativa de função dá a

alguns indivíduos uma proteção especial, sendo-lhes de direito o processamento e

julgamento de determinados crimes que venham a cometer perante tribunais

específicos.

Há indivíduos, como veremos, cujo foro lhes dá o direito de serem julgados

pelos Tribunais de Justiça, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.

Quanto às duas últimas Cortes, o rito segundo o qual se processarão os crimes

está determinado do art. 1º ao 12 da Lei nº 8.038/90.

3.6.4. Legislação

A existência da prerrogativa de foro depende da fixação na Constituição

Federal, referente aos representantes do Poderes em âmbito Federal, e, conforme o

Princípio da Simetria, nas Constituições Estaduais, referente aos representantes dos

Poderes em âmbito estadual e municipal.

Além disso, é a disposição dos arts. 84 a 87 do Código de Processo Penal:

Art. 84 do Código de Processo Penal. A competência pela

prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal

de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos

Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam

responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade.

§1º. (Vide ADIN nº 2797)

§2º. (Vide ADIN nº 2797)

Art. 85 do Código de Processo Penal. Nos processos por crime contra

a honra, em que forem querelantes as pessoas que a Constituição sujeita à

jurisdição do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Apelação, àquele

ou a estes caberá o julgamento, quando oposta e admitida a exceção da

verdade.

Art. 86 do Código de Processo Penal. Ao Supremo Tribunal Federal

competirá, privativamente, processar e julgar:

I – os seus ministros, nos crimes comuns;

II – os ministros de Estado, salvo nos crimes conexos com os do

Presidente da República;

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III – o procurador-geral da República, os desembargadores dos

Tribunais de Apelação, os ministros do Tribunal de Contas e os

embaixadores e ministros diplomáticos, nos crimes comuns e de

responsabilidade.

Art. 87 do Código de Processo Penal. Competirá, originariamente,

aos Tribunais de Apelação o julgamento dos governadores ou interventores

nos Estados ou Territórios, e prefeito do Distrito Federal, seus respectivos

secretários e chefes de Polícia, juízes de instância inferior e órgãos do

Ministério Público.

3.6.5. Tabela sinóptica

Antes de adentrarmos os pontos principais da competência fixada em

decorrência do foro por prerrogativa da função, incluamos a tabela feita por Renato

Brasileiro de Lima, referente aos órgãos competentes para julgar os crimes cometidos

pelos beneficiados:

FUNÇÃO ESPÉCIE DE INFRAÇÃO ÓRGÃO JURISDICIONAL

COMPETENTE

Presidente da República Crime comum STF40

Crime de responsabilidade Senado Federal41

Vice-Presidente Crime comum STF

Crime de responsabilidade Senado Federal

Deputados Federais e Senadores

Crime comum STF

Crime de responsabilidade Casa correspondente42

Ministros do STF Crime comum STF

Crime de responsabilidade Senado Federal43

40 Art. 102 da Constituição Federal. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originariamente: [...] b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República. 41 Art. 52 da Constituição Federal. Compete privativamente ao Senado Federal: I – processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles; 42 Art. 55 da Constituição Federal. Perderá o mandato o Deputado ou Senador: I – que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior; II – cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar; [...] VI – que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado. [...] §2º. Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa. 43 Art. 52 da Constituição Federal. Compete privativamente ao Senado Federal: [...] II – processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade.

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Procurador-Geral da República

Crime comum STF

Crime de responsabilidade Senado Federal

Membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público

Crime comum Depende do cargo de origem

Crime de responsabilidade Senado Federal

Ministros de Estado e Comandantes da Marina, do Exército e da Aeronáutica

Crime comum STF44

Crime de responsabilidade STF

Crime de responsabilidade conexo com o Presidente da República

Senado Federal

Advogado-Geral da União Crime comum STF

Crime de responsabilidade Senado Federal

Membros dos Tribunais Superiores, do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente

Crime comum/crime de responsabilidade

STF

Governador de Estado Crime comum STJ45

Crime de responsabilidade Tribunal Especial46

44 Art. 102 da Constituição Federal. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originariamente: [...] c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente. 45 Art. 105 da Constituição Federal. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I – processar e julgar, originariamente: a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais. 46 Art. 78 da Lei nº 1.079/50 (Lei do Impeachment). O Governador será julgado nos crimes de responsabilidade, pela forma que determinar a Constituição do Estado e não poderá ser condenado, senão à perda do cargo, com inabilitação até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, sem prejuízo da ação da justiça comum. §1º. Quando o tribunal de julgamento for de jurisdição mista, serão iguais, pelo número, os representantes dos órgãos que o integrarem, excluído o Presidente, que será o Presidente do Tribunal de Justiça. §2º. Em qualquer hipótese, só poderá ser decretada a condenação pelo voto de dois terços dos membros de que se compuser o tribunal de julgamento. §3º. Nos Estados, onde as Constituições não determinarem o processo nos crimes de responsabilidade dos Governadores, aplicar-se-á o disposto nesta lei, devendo, porém, o julgamento ser proferido por um tribunal composto de cinco membros do Legislativo e de cinco desembargadores, sob a presidência do Presidente do Tribunal de Justiça local, que terá direito de voto no caso de empate. A escolha desse

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Vice-Governador de Estado

Crime comum STJ

Crime de responsabilidade Tribunal especial

Desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do DF

Crime comum/Crime de responsabilidade

STJ

Desembargadores Federais (membros dos TRFs), membros do Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho

Crime comum/Crime de responsabilidade

STJ

Membros dos Tribunais de Contas dos Estados, do Distrito Federal e dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios

Crime comum/Crime de responsabilidade

STJ

Membros do Ministério Público da União que oficiam perante tribunais

Crime comum/Crime de responsabilidade

STJ

Deputados estaduais

Crime comum Depende da Constituição Estadual – em regra, Tribunal de Justiça

Crime de responsabilidade Assembleia Legislativa do Estado

Crime federal Tribunal Regional Federal

Crime eleitoral Tribunal Regional Eleitoral

Juízes Federais, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho

Crime comum/Crime de responsabilidade

TRF47

Crime eleitoral TRE

Membros do Ministério Público da União que atuam em 1ª instância

Crime comum/Crime de responsabilidade

TRF

Crime eleitoral TRE

Tribunal será feita - a dos membros do legislativo, mediante eleição pela Assembleia: a dos desembargadores, mediante sorteio. §4º. Esses atos deverão ser executados dentro em cinco dias contados da data em que a Assembleia enviar ao Presidente do Tribunal de Justiça os autos do processo, depois de decretada a procedência da acusação. 47 Art. 108 da Constituição Federal. Compete aos Tribunais Regionais Federais: I – processar e julgar, originariamente: a) os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.

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Juízes Estaduais e do Distrito Federal, inclusive juízes de Direito do Juízo Militar e membros dos Tribunais de Justiça Militar

Crime comum/Crime de responsabilidade

TJ48

Crime eleitoral TRE

Procurador-Geral de Justiça

Crime comum TJ

Crime de responsabilidade Poder Legislativo Estadual ou Distrital49

Crime de responsabilidade conexo com Governador de Estado

Tribunal Especial

Crime eleitoral TRE

Membros do Ministério Público Estadual – Promotores e Procuradores de Justiça

Crime comum/Crime de responsabilidade

TJ

Crime eleitoral TRE

Prefeitos

Crime comum TJ50

Crime de responsabilidade Câmara de Vereadores51

Crime federal TRF

Crime eleitoral TRE

3.6.6. Julgamento de parlamentar e do momento do crime

De início, convém que façamos comentários acerca do julgamento de

parlamentar em decorrência do foro por prerrogativa de função.

Tal elemento sofreu mudanças em decorrência da Emenda à Constituição nº

35/2001, responsável por alterar o texto dos §§1º e 3º do art. 53 da Constituição.

Note as alterações:

Anteriormente à emenda:

Art. 53 da Constituição Federal. [...]

48 Art. 96 da Constituição Federal. Compete privativamente: [...] III – aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral. 49 Art. 128, §4º, da Constituição Federal. Aplica-se ao Ministério Público, no que couber, o disposto no art. 93. 50 Art. 29 da Constituição Federal. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos: [...] X – julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça. 51 Art. 31, caput, da Constituição Federal. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.

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§1º. Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso

Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável,

nem processados criminalmente, sem prévia licença de sua Casa.

§2º. O indeferimento do pedido de licença ou a ausência de

deliberação suspende a prescrição enquanto durar o mandato.

§3º. No caso de flagrante de crime inafiançável, os autos serão

remetidos, dentro de vinte e quatro horas, à Casa respectiva, para que, pelo

voto secreto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão e autorize,

ou não, a formação de culpa.

Posteriormente à emenda:

Art. 53 da Constituição Federal. [...]

§1º. Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma,

serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.

§2º. Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso

Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável.

Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa

respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a

prisão.

§3º. Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime

ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa

respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo

voto da maioria de seus membros, até a decisão final, sustar o andamento

da ação.

Há alguns pontos a se observar. Anteriormente à alteração feita pela Emenda

em questão, a Constituição declarava que para o processamento de qualquer

parlamentar era necessário que, antes, houvesse a prévia licença da Casa, sem a qual

não era possível o prosseguimento da ação. De acordo com a nova redação, contudo,

não mais é necessário a anuência da Casa para o início do processamento. Não

obstante, mister que os autos sejam remetidos à Casa, podendo esta, pelo voto

positivo da maioria absoluta, sustar a ação até a decisão final. No mesmo sentido,

afirma que em que pese a possibilidade da prisão, a mesma somente permanecerá

diante do voto da maioria da Casa nesse sentido. Da mesma forma, votando a Casa

pela não continuidade da prisão, não haverá a sua continuação.

Outro ponto importante a se notar é o fato de a redação anterior não

especificar o foro competente para o julgamento do parlamentar. A nova redação, pro

outro lado, é clara ao dizer que Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma,

serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.

● ● ● ●

Interessante notar que ambas as redações limitam tais benefícios ao momento

posterior à diplomação, estendendo-se a prerrogativa até o término do mandato.

Nesse sentido, como veremos a seguir (vide tópicos 3.6.7.7 a 3.6.7.10, infra), o

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momento da infração e a sua natureza são de suma importância para a fixação do foro

competente para julgá-lo.

3.6.7. Ação Penal nº 937/STF e seus reflexos

Em que pese o atual texto Constitucional, algumas dúvidas surgiram em relação

ao foro por prerrogativa de função, como o alcance de tal benefício, além da

possibilidade de deslocamento de competência diante de possível perda/renúncia ao

mandato.

Vejamos a ementa da referida Ação:

Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. QUESTÃO

DE ORDEM EM AÇÃO PENAL. LIMITAÇÃO DO FORO POR PRERROGATIVA DE

FUNÇÃO AOS CRIMES PRATICADOS NO CARGO E EM RAZÃO DELE.

ESTABELECIMENTO DE MARCO TEMPOAL DE FIXAÇÃO DE COMPETÊNCIA.

I. Quanto ao sentido e alcance do foro por prerrogativa

1. O foro por prerrogativa de função, ou foro privilegiado, na

interpretação até aqui adotada pelo Supremo Tribunal Federal, alcança

todos os crimes de que são acusados os agentes públicos previstos no art.

102, I, b e c da Constituição, inclusive os praticados antes da investidura no

cargo e os que não guardam qualquer relação com o seu exercício.

2. Impõe-se, todavia, a alteração desta linha de entendimento, para

restringir o foro privilegiado aos crimes praticados no cargo e em razão do

cargo. É que a prática atual não realiza adequadamente princípios

constitucionais estruturantes, como igualdade e república, por impedir, em

grande número de casos, a responsabilização de agentes públicos por

crimes de naturezas diversas. Além disso, a falta de efetividade mínima do

sistema penal, nesses casos, frustra valores constitucionais importantes,

como a probidade e a moralidade administrativa.

3. Para assegurar que a prerrogativa de foro sirva ao seu papel

constitucional de garantir o livre exercício das funções – e não ao fim

ilegítimo de assegurar impunidade – é indispensável que haja relação de

causalidade entre o crime imputado e o exercício do cargo. A experiência e

as estatísticas revelam a manifesta disfuncionalidade do sistema, causando

indignação à sociedade e trazendo desprestígio para o Supremo.

4. A orientação aqui preconizada encontra-se em harmonia com

diversos precedentes do STF. De fato, o Tribunal adotou idêntica lógica ao

condicionar a imunidade parlamentar material – i.e., a que os protege por

suas opiniões, palavras e votos – à exigência de que a manifestação tivesse

relação com o exercício do mandato. Ademais, em inúmeros casos, o STF

realizou interpretação restritiva de suas competências constitucionais, para

adequá-las às suas finalidades. Precedentes.

II. Quanto ao momento da fixação definitiva da competência do STF

5. A partir do final da instrução processual, com a publicação do

despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a

competência para processar e julgar ações penais – do STF ou de qualquer

outro órgão – não será mais afetada em razão de o agente público vir a

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ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o

motivo. A jurisprudência desta Corte admite a possibilidade de prorrogação

de competências constitucionais quando necessária para preservar a

efetividade e a racionalidade da prestação jurisdicional. Precedentes.

III. Conclusão

6. Resolução da questão da ordem com a fixação das seguintes

teses: (i) O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes

cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções

desempenhadas; e (ii) Após o final da instrução processual, com a publicação

do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a

competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em

razão de o agente público vir a ocupar cargo ou deixar o cargo que ocupava,

qualquer que seja o motivo”.

7. Aplicação da nova linha interpretativa aos processos em curso.

Ressalvada de todos os atos praticados e decisões proferidas pelo STF e

demais juízos com base na jurisprudência anterior.

8. Com resultado, determinação de baixa da ação penal ao Juízo da

256ª Zona Eleitoral do Rio de Janeiro, em razão de o réu ter renunciado ao

cargo de Deputado Federal e tendo em vista que a instrução processual já

havia sido finalizada perante a 1ª instância.

Comentemos, portanto, acerca de cada ponto:

Alcance do benefício. A Ação Penal nº 937 alterou o entendimento que o STF

vinha aplicando, estabelecendo que o foro por prerrogativa de função somente

abrangeria os crimes relacionados ao exercício da função, cometidos, logo, durante o

mandato. Nesse sentido, é categórico quando diz: “Para assegurar que a prerrogativa

de foro sirva ao seu papel constitucional de garantir o livre exercício das funções – e

não ao fim ilegítimo de assegurar impunidade – é indispensável que haja relação de

causalidade entre o crime imputado e o exercício do cargo.”

Logo, os crimes praticados fora do exercício do cargo ou em período cujo

mandato não vige terão o foro competente fixado segundo critérios comuns.

Alteração/renúncia quanto ao cargo. Fixou a Ação Penal acima destacada que

o fim da instrução processual (marcada pelo despacho que intima as partes para

apresentarem alegações finais) delimita o momento em que é possível o deslocamento

da competência da ação. Posteriormente a tal fato, há a prorrogação da competência

do Supremo Tribunal Federal.

Por fim, importante mencionar um segundo entendimento fixado acerca desse

ponto na Ação Penal nº 470/STF. Nessa ocasião, o acórdão foi no sentido de que a

renúncia do parlamentar com o intuito de retardar a sentença, aditando o processo,

configura fraude. Aqui, aplica-se o Princípio da perpetuatio jurisdictionis,

permanecendo a competência do Tribunal em questão.

● ● ● ●

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Pois bem, diante de tais entendimentos, surge uma pergunta: tendo em vista

que o texto Constitucional não previa tais elementos, o fato de o Supremo Tribunal

Federal assim estabelecer não configura ativismo judicial?

Mais uma pergunta surge: tendo em vista que a apreciação se deu em relação

ao art. 53, §1º, da Constituição, dispositivo referente aos parlamentares federais, a

alteração em seu entendimento se estende às demais autoridades com foro por

prerrogativa de função?

Deu pra notar que essa Ação Penal, em que pese ter fixado entendimento

aplicado atualmente, deixou algumas dúvidas estabelecidas. Por isso, convém que

analisemos alguns casos afetados pelas conclusões a que chegamos com o acórdão

proferido.

3.6.7.1. Súmula nº 704/STF e art. 78, III, CPP – crimes conexos praticados por

pessoas que têm prerrogativa de função

Primeiramente, é o teor de tais dispositivos:

Súmula nº 704 do Supremo Tribunal Federal. Não viola as garantias

do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por

continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de

função de um dos denunciados.

Art. 78 do Código de Processo Penal. Na determinação da

competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes

regras:

[...]

III – no concurso de jurisdições de diversas categorias, predominará a

de maior graduação.

Tais disposições afirmam que em infrações conexas ou continentes se fixará

como competente o Tribunal de maior graduação. Por exemplo, uma vez que

determinado indivíduo cometa um crime em conjunto com alguém que tenha foro por

prerrogativa de função, ambos deverão ser julgados no mesmo Tribunal, de maior

graduação, qual seja, aquele definido como competente em decorrência da

prerrogativa.

Diante de tais dispositivos surgiu um problema, tendo em vista que os Tribunais

competentes para julgar indivíduo que possui foro por prerrogativa de função

passaram a ser competentes para julgar uma infinidade de indivíduos que não

possuem tal benefício, porém devido à continência ou conexão de seus crimes em

relação aos beneficiados passaram a ter esse direito.

O problema é que dessa forma o foro por prerrogativa de função passou a não

mais executar o seu objetivo, qual seja, garantir o exercício das funções atreladas ao

cargo público, haja vista a especificidade e complexidade dos processos em

decorrência do exorbitante número de réus.

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Diante de tal problema, o Supremo Tribunal Federal passou a aplicar, em alguns

casos, o disposto no art. 81 do Código de Processo Penal, segundo o qual:

Art. 81 do Código de Processo Penal. Verificada a reunião dos

processos por conexão ou continência, ainda que no processo da sua

competência própria venha o juiz ou tribunal a proferir sentença absolutória

ou que desclassifique a infração para outra que não se inclua na sua

competência, continuará competente em relação aos demais processos.

Parágrafo único. Reconhecida inicialmente ao júri a competência por

conexão ou continência, o juiz, se vier a desclassificar a infração ou

impronunciar ou absolver o acusado, de maneira que exclua a competência

do júri, remeterá o processo ao juízo competente.

Ou seja, o STF começou a desmembrar os processos, mantendo-se competente

para o julgamento daqueles que possuem o foro por prerrogativa de função e

remetendo os autos dos demais indivíduos aos juízos “competentes”. Ocorre que tal

artifício somente é usado em processos com muitos réus, ocasião em que se ignora,

portanto, a aplicação da Súmula.

Vê o problema? Em alguns casos o STF se utiliza da Súmula, porém em outros a

ignora, executando o desmembramento da ação. Tal atitude gera, incontestavelmente,

insegurança jurídica.

3.6.7.2. Investigação e indiciamento

Estabeleceu o Inquérito nº 2.411/STF:

QUESTÃO DE ORDEM

1. Trata-se de questão de ordem suscitada pela defesa de Senador da

República, em sede de inquérito originário promovido pelo Ministério

Público Federal (MPF), para que o Plenário do Supremo Tribunal Federal

(STF) defina a legitimidade, ou não, da instauração do inquérito e do

indiciamento realizado diretamente pela Polícia Federal (PF).

2. Apuração do envolvimento do parlamentar quanto à ocorrência

das supostas práticas delituosas sob investigação na denominada “Operação

Sanguessuga”.

3. Antes da intimação para prestar depoimento sobre os fatos objeto

deste inquérito, o Senador foi previamente indiciado por ato da autoridade

policial encarregada do cumprimento da diligência.

4. Considerações doutrinárias e jurisprudenciais acerca do tema da

instauração de inquéritos em geral e dos inquéritos originários de

competência do STF: i) a jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que,

nos inquéritos policiais em geral, não cabe a juiz ou a Tribunal investigar, de

ofício, o titular de prerrogativa de foro; ii) qualquer pessoa que, na condição

exclusiva de cidadão, apresente “noticia criminis”, diretamente a este

Tribunal é parte manifestamente ilegítima para a formulação de pedido de

recebimento de denúncia para a apuração de crimes de ação penal pública

incondicionada. Precedentes: INQ no 149/DF, Rel. Min. Rafael Mayer, Pleno,

DJ 27.10.1983; AgR 1.793/DF" > INQ no 1.793/DF, Rel. Min. Ellen Gracie,

Pleno, maioria, DJ 14.6.2002; ED 1.104/DF > PET - AgR (AgR) - ED no

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1.104/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, Pleno, DJ 23.5.2003; PET no 1.954/DF,

Rel. Min. Maurício Corrêa, Pleno, maioria, DJ 1º.8.2003; PET (AgR) no

2.805/DF, Rel. Min. Nelson Jobim, Pleno, maioria, DJ 27.2.2004; PET no

3.248/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, decisão monocrática, DJ 23.11.2004; INQ

no 2.285/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática, DJ 13.3.2006 e

PET (AgR) no 2.998/MG, 2ª Turma, unânime, DJ 6.11.2006; iii) diferenças

entre a regra geral, o inquérito policial disciplinado no Código de Processo

Penal e o inquérito originário de competência do STF regido pelo art. 102, I,

b, da CF e pelo RI/STF. A prerrogativa de foro é uma garantia voltada não

exatamente para os interesses dos titulares de cargos relevantes, mas,

sobretudo, para a própria regularidade das instituições. Se a Constituição

estabelece que os agentes políticos respondem, por crime, comum, perante

o STF (CF, art. 102, I, b), não há razão constitucional plausível para que as

atividades diretamente relacionadas à supervisão judicial (abertura de

procedimento investigatório) sejam retiradas do controle judicial do STF. A

iniciativa do procedimento investigatório deve ser confiada ao MPF

contando com a supervisão do Ministro-Relator do STF.

5. A Polícia Federal não está autorizada a abrir de ofício inquérito

policial para apurar a conduta de parlamentares federais ou do próprio

Presidente da República (no caso do STF). No exercício de competência

penal originária do STF (CF, art. 102, I, b c/c Lei nº 8.038/1990, art. 2º e

RI/STF, arts. 230 a 234), a atividade de supervisão judicial deve ser

constitucionalmente desempenhada durante toda a tramitação das

investigações desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o

eventual oferecimento, ou não, de denúncia pelo dominus litis.

6. Questão de ordem resolvida no sentido de anular o ato formal de

indiciamento promovido pela autoridade policial em face do parlamento

investigado.

Como visto, portanto, entendeu-se que a investigação e indiciamento de

indivíduo beneficiado por foro por prerrogativa de função não poderá ser executada

de ofício pela autoridade policial, mas realizada com a supervisão do Ministro-Relator.

Surge uma pergunta: e em relação aos crimes não ligados ao exercício do

cargo? Nesse caso, não é necessário supervisão do Ministro-Relator, situação em que a

autoridade policial poderá realizar a investigação e indiciamento de ofício.

3.6.7.3. Denúncia

Seguindo a mesma linha de raciocínio do impacto anteriormente explicado,

pergunta-se: tendo em vista que o foro por prerrogativa de função torna competente

Tribunal de alçadas maiores (TJ, Tribunais Superiores e Supremo Tribunal Federal),

quem é competente para entrar com a denúncia?

Nesse caso, observar-se-á a instância determinada pela prerrogativa, devendo

oferecer a denúncia o órgão competente do Ministério Público que atue nesta. Por

exemplo, diante de denúncia contra Deputado Federal, tal tarefa será designada ao

Procurador-Geral da República.

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3.6.7.4. Competência do Tribunal

Como dito anteriormente, o foro por prerrogativa de função é benefício dado

em função do cargo que determinado indivíduo exerce, tendo por objetivo proteger o

exercício de suas funções, dando-lhe o direito de ser julgado por Tribunal específico.

Nesse sentido, ainda que cometa o crime em Estado diverso do qual é

representante, será julgado pelo Tribunal competente e fixado pelo foro. Por exemplo,

o deputado estadual pelo Estado de São Paulo, ainda que cometa crime relacionado ao

cargo no Rio de Janeiro, deverá ser julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São

Paulo.

3.6.7.5. Tribunal do júri

Aqui, importante que elenquemos dois dispositivos, quais sejam:

Súmula nº 721 do Supremo Tribunal Federal e Súmula Vinculante nº

45. A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro

por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela constituição

estadual.

Impõe esclarecer que apesar da alteração de entendimento por parte do

Supremo Tribunal Federal, tais Súmulas, de igual teor, não sofreram alteração pela

Ação Penal nº 937, nem deixaram de ser aplicadas, tendo em vista que o seu texto

prevalece.

Portanto, é o entendimento: competência fixada por foro por prerrogativa de

função estabelecido na Constituição Federal prevalece sobre a competência do

Tribunal do Júri. Contudo, a competência do Tribunal do Júri prevalece sobre a

competência estabelece por foro por prerrogativa de função estabelecido em

Constituição Estadual, em decorrência do Princípio da Simetria.

Para tanto, por óbvio, o crime em questão deve ter por objeto jurídico a vida do

sujeito passivo, bem como deve ser executado em razão das funções exercidas no

cargo em que ocupa.

3.6.7.6. Indivíduos sem prerrogativa de foro

Por óbvio, aquele que não possui prerrogativa de foro prevista na Constituição

Federal ou em Constituição Estadual não será julgado, originariamente, por Tribunal,

devendo o processo ser distribuído à Justiça Comum de primeira instância.

3.6.7.7. Crime cometido anteriormente à posse

Iniciamos, aqui, os quatro tópicos mais importantes afetados pela Ação Penal

nº 937. Por isso, atenção!

Como eu disse anteriormente, o momento do crime é se suma importância

para a fixação da competência por foro por prerrogativa de função. Tanto o é que a

Constituição estabelece que o benefício em questão se inicia posteriormente à

diplomação do parlamentar (estendendo-se tal entendimento aos demais abrangidos

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pela prerrogativa), sendo, portanto, benefício inerente ao cargo, e cessa com o

término do mandato.

Além disso, deve estar intrinsecamente ligado a crimes praticados em razão das

funções que ocupa. Portanto, não há o que se falar em proteção do benefício aos

crimes não ligados ao cargo, tendo em vista que tem por objetivo garantir a execução

plena da função.

Logo, ainda que a pessoa venha a assumir cargo que possui tal prerrogativa,

tendo o crime sido praticado anteriormente à diplomação, não há o que se falar em

aplicação do benefício.

3.6.7.8. Crime cometido durante o exercício da função

Aqui cabe um pouco mais de atenção. Como dito, o benefício vige

posteriormente à diplomação e cessa com o término ou perda do mandato. Estamos

falando, aqui, dos crimes praticados nesse interregno.

O raciocínio que se mostra de imediato é de que: todos os crimes praticados

nesse período são abrangidos pelo benefício. CUIDADO! Não é esse o entendimento

aplicado. A incidência do foro por prerrogativa de função em crimes praticados

durante o mandato dependerá da natureza do delito.

Uma vez que o crime esteja ligado, de fato, ao exercício das funções do cargo

que ocupa, haverá a incidência do benefício. Contudo, tratando-se de crime comum

que não se liga ao cargo, não há o que se falar em prerrogativa de foro, devendo o

indivíduo ser processado e julgado pela Justiça Comum, em primeira instância.

3.6.7.9. Crime cometido durante o mandato e cessação posterior

Apenas relembrando raciocínio já fixado por nós anteriormente (vide tópico

3.6.7, supra), convém citarmos o segundo entendimento estabelecido pela Ação Penal

nº 937, referente à renúncia do cargo.

Uma vez processado o beneficiado, é possível que a renúncia ou perda do cargo

que ocorra até o fim da instrução criminal enseje a remessa dos autos ao juízo

competente, tendo em vista a cessação do foro por prerrogativa de função. Nesse

caso, portanto, ainda que o inquérito policial ou processo estejam em andamento, a

renuncia ou perda do cargo refletirão na remessa dos autos a outro juízo,

normalmente o juízo de primeira instância.

Fazendo o raciocínio inverso, posteriormente ao fim da instrução, isto é, após o

proferimento de despacho que intima as partes a protocolarem as alegações finais, há

a prorrogação da competência do Tribunal em questão, não havendo o que se falar em

remessa dos autos a outro juízo.

Por fim, importante relembrar que a renúncia que tem por objetivo retardar o

proferimento de sentença, denominada fuga de foro, não enseja a remessa dos autos

a outro juízo, permanecendo competente, nesse caso, o Tribunal em questão.

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● ● ● ●

O entendimento acima demonstrado é fruto de uma construção histórica do

Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional. Vejamos:

Primeiramente, vigia a Súmula nº 394 do Supremo Tribunal Federal, cujo texto

dispunha:

Súmula nº 394 do Supremo Tribunal Federal. Cometido o crime

durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por

prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam

iniciados após a cessação daquele exercício.

Tal súmula refletia a denominada regra da contemporaneidade, isto é, afirmava

que em que pese ter ocorrido a cessação do exercício da função, deveria o indivíduo

ser julgado de acordo com a competência fixada pela prerrogativa inerente ao cargo

em que ocupava no momento do delito.

Essa súmula, no entanto, foi cancelada pela mesma Corte, aplicando-se a regra

da atualidade. Nesse sentido é o informativo nº 159 de agosto de 1999:

Súmula 394: Cancelamento

Concluindo o julgamento de questão de ordem na qual se discute o

cancelamento ou a revisão da Súmula 394 do STF (“Cometido o crime

durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por

prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam

iniciados após a cessação daquele exercício”) (v. Informativos 149 e 69). O

Tribunal, por unanimidade, cancelou a Súmula 394 por entender que o art.

102, I, b, da CF – que estabelece a competência do STF para processar e

julgar originariamente, nas infrações penais comuns, o Presidente da

República, o Vice-Presidente – não alcança aquelas pessoas que não mais

exercem mandato ou cargo. Após, o Tribunal, por maioria, rejeitou a

proposta do Min. Sepúlveda Pertence para a edição de nova súmula a dizer

que “cometido o crime no exercício do cargo ou a pretexto de exercê-lo,

prevalece a competência por prerrogativa de função, ainda que o inquérito

ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício

funcional”. Vencidos, nesse ponto, os Ministros Nelson Jobim, Ilmar Galvão

e Néri da Silveira, que o acompanhavam para acolher a proposta de edição

de nova simula. Em seguida, o Tribunal, por unanimidade, decidiu que

continuam válidos todos os atos praticados e decisões proferidas com base

na Súmula 394 do STF, é dizer, a decisão tem efeito ex nunc. Em

consequência, o Tribunal resolveu a questão de ordem dando pela

incompetência originária do STF e determinou a remessa dos autos à justiça

de 1º grau competente.

Posteriormente ao cancelamento de tal súmula e aplicação da regra da

atualidade, o Congresso Nacional editou a Lei nº 10.628/02, pela qual se alterou o

texto dos §§1º e 2º do art. 84, restabelecendo-se a regra da contemporaneidade. Era a

alteração:

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Art. 1º da Lei 10.628/02. O art. 84 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de

outubro de 1941 – Código de Processo Penal, passa a vigorar com a seguinte

redação:

“Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo

Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais

Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito

Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles

por crimes comuns e de responsabilidade.

§1º. A competência especial por prerrogativa de função, relativa a

atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a

ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função

pública.

§2º. A ação de improbidade, de que trata a Lei nº 8.429, de 2 de

junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para

processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na

hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função

pública, observado o disposto no §1º.”

Contudo, a redação dos §§ 1º e 2º foi julgada inconstitucional pelo Supremo

Tribunal Federal diante das ADINs nº 2.979-2 e 2.860.

Hoje, portanto, aplica-se a regra da atualidade, segundo a qual em que pese o

delito ser cometido durante a vigência do mandato, cessando-se o mesmo, passa a ser

competente a justiça comum, mediante especificação do foro em primeira instância.

3.6.7.10. Crime após a cessação do mandato

Recapitulando, o foro por prerrogativa de função é benefício inerente ao cargo,

dando àquele que o ocupa o direito de ser julgado por Tribunal específico, tendo por

objetivo a manutenção do regular exercício de suas funções.

A Constituição Federal é clara quando diz que tal benefício se inicia com a

diplomação do parlamentar – estendendo-se tal entendimento aos demais

beneficiados pela prerrogativa –, cessando com o término/perda/renúncia do

mandato.

Logo, uma vez que o crime em questão venha a ocorrer posteriormente à

cessação das atividades no cargo que exercia, não há o que se falar em incidência da

prerrogativa, ocasião na qual a ação deverá ser processada e julgada perante Tribunal

de primeira instância.

Nesse sentido, é a disposição da Súmula nº 451 do Supremo Tribunal Federal:

Súmula nº 451 do Supremo Tribunal Federal. A competência

especial por prerrogativa de função não se estende ao crime cometido após

a cessação definitiva do exercício funcional.

● ● ● ●

Finalizado esses elementos (tópicos 3.6.7.7 a 3.6.7.10), convém que façamos

uma tabela:

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ANTES DO MANDATO

DURANTE O MANDATO

APÓS O MANDATO

Critério de fixação de competência em crimes comuns

Ratione materiae (competência em

razão da matéria) e ratione loci

(competência em razão do local do

crime)

Ratione materiae (competência em

razão da matéria) e ratione loci

(competência em razão do local do

crime)

Ratione materiae (competência em

razão da matéria) e ratione loci

(competência em razão do local do

crime)

Critério de fixação de competência em crimes relacionados ao cargo

Não há crime ligado ao cargo

anteriormente à posse

Competência fixada em razão do foro

por prerrogativa de função, salvo

diante de cessação do mandato

anteriormente ao fim da instrução

criminal

Não há crime ligado ao cargo

posteriormente à cessação do

mandato

3.6.7.11. Ato de improbidade

Relembrando, as ADINs nº 2.979-2 e 2.860 julgaram inconstitucional a

alteração do §2ª do art. 84 do Código de Processo Penal feita pela Lei nº 10.628/02

(vide tópico 3.6.7.9). Tal disposição afirmava: “A ação de improbidade, de que trata a

Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para

processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de

prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no

§1º.”

Hoje, o entendimento é no sentido de que ato de improbidade, por não se

tratar de crime, não é abrangido pelo foro por prerrogativa de função.

Contudo, importante ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, a partir da

Questão de Ordem em Petição 3.211-0/DF, entendeu ser competente para julgar seus

Ministros diante de suposto ato de improbidade cometido por qualquer um deles. É a

ementa:

EMENTA

Questão de ordem. Ação civil pública. Ato de improbidade

administrativa. Ministro do Supremo Tribunal Federal. Impossibilidade.

Competência da Corte para processar e julgar seus membros apenas nas

infrações penais comuns.

1. Compete ao Supremo Tribunal Federal julgar ação de improbidade

contra seus membros.

2. Arquivamento da ação quanto ao Ministro da Suprema Corte e

remessa dos autos aos Juízo de 1º grau de jurisdição no tocante aos demais.

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3.6.7.12. Julgamento em única instância pelo STF

A fixação da competência do foro por prerrogativa de função apresenta um

problema. Em que pese o direito de alguns indivíduos em serem julgados e

processados, originariamente, pelo Supremo Tribunal Federal, há posicionamento no

sentido de julgar tal fixação ocasionadora de desrespeito ao duplo grau de jurisdição,

tendo em vista que não há participação qualquer de outros Tribunais, somente do

Supremo Tribunal Federal.

Surge, portanto, um embate entre o texto Constitucional e o Pacto de São José

da Costa Rica.

Nesse diploma internacional, prevê o art. 8º, 2, h:

Art. 8º do Pacto de São José da Costa Rica. Garantias judiciais:

[...]

2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma

sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante

o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes

garantias mínimas:

[...]

h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior.

Por outro lado, os que defendem não haver prejuízo ao duplo grau de jurisdição

afirmam que cabem embargos de divergência diante do acórdão proferido pelo

Supremo Tribunal Federal, o que caracteriza nova apreciação, não havendo o que se

falar em supressão ao duplo grau de jurisdição.

3.6.7.13. Exceção da verdade nos crimes contra a honra

Em regra, os crimes contra a honra, especificamente os crimes de calúnia e

difamação, serão processados e julgados perante a Justiça Comum. Contudo,

posteriormente ao entendimento fixado pela Ação Penal nº 937, a exceção de verdade

em crimes contra a honra de funcionários públicos relativos ao exercício de suas

funções será julgada e processada pelo Tribunal competente, fixado mediante a

prerrogativa da função.

Nesse sentido, é a disposição dos arts. 138, §3º, e 139, parágrafo único do

Código Penal:

Art. 138, §3º, do Código Penal. Admite-se a prova da verdade, salvo:

I – se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o

ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível;

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II – se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I do

art. 14152;

III – se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi

absolvido por sentença irrecorrível.

[...]

Art. 139, parágrafo único, do Código Penal. A exceção da verdade

somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa

ao exercício de suas funções.

Por fim, por óbvio, não há o que se falar em competência do Tribunal fixado

pela prerrogativa de função, ainda que o crime seja cometido contra funcionário

público, uma vez que o delito em questão não esteja ligado ao exercício do cargo.

4. Critérios de Prevenção e Distribuição

Tais critérios somente serão analisados, uma vez que os três principais,

explicados anteriormente (ratione materiae, ratione loci e ratione funcionae), já

tenham sido aplicados, havendo, ainda assim, uma pluralidade de juízos competentes

para o julgamento da causa. Portanto, ocorrerá quando a competência em razão da

matéria indicarem mais de um juízo da mesma comarca.

Nesse sentido é o art. 83 do Código de Processo Penal:

Art. 83 do Código de Processo Penal. Verificar-se-á a competência

por prevenção toda vez que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente

competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos

outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa,

ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa (arts. 70, §3º,

71, 72, §2º, e 78, II, c).

A partir daqui, convém que conceituemos cada um dos elementos:

Prevenção – conforme estabelece o Dicionário Jurídico Acquaviva, é o “critério

de determinação da competência pelo qual verifica-se esta sempre que, concorrendo

dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles se

antecipe aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa,

ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou queixa. O Juízo se diz, então,

prevento.”

Distribuição – de acordo com o mesmo Dicionário: “Nas comarcas dotadas de

mais de uma vara judicial, é o modo formal de repartir as ações judiciais entre as varas

judicias ou turmas dos tribunais, mediante sorteio e alternatividade. Evidentemente,

se dá em comarcas onde haja mais de um juiz; havendo um apenas, não há o que falar

em distribuição, mas em registro dos autos.” Importante dizer que a distribuição

somente ocorrerá caso não tenha ocorrido a prevenção.

52 Art. 141 do Código Penal. As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido: I – contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro.

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5. Critérios de Conexão e Continência 5.1. Introdução e conceitos

Primeiramente, convém esclarecermos que os critérios de conexão e

continência não se confundem com os critérios de prevenção e distribuição. Enquanto

naqueles há uma pluralidade de juízos competentes para julgar um único ato, neste há

vários crimes, sendo os critérios de conexão e continência responsáveis por indicar um

único juízo competente para o julgamento de todos os crimes.

Vamos ao conceito:

Conexão – segundo conceitua o Dicionário Jurídico Acquaviva, “Conexão é a

dependência que os fatos guardam entre si. Ocorre a conexão de crimes quando duas

ou mais infrações estiverem entrelaçadas por um vínculo, um nexo, um liame que

aconselha a junção dos processos, propiciando, assim, ao julgador perfeita visão do

quadro probatório (TOURINHO FILHO, Fernando. Processo Penal. Bauru: Jalovi, 1979. v.

II, p. 165).”

Continência – segundo o mesmo Dicionário: “Dá-se a continência entre duas ou

mais ações sempre que há identidade quanto as partes e à causa de pedir, mas o

objeto de uma, por ser mais amplo, abrange o das outras.”

5.2. Legislação

Conexão – conforme estabelece o art. 76 do Código de Processo Penal:

Art. 76 do Código de Processo Penal. A competência será

determinada pela conexão:

I – se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas,

ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em

concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas

contra as outras;

II – se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar

ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em

relação a qualquer delas;

III – quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas

circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.

Continência – dita o art. 77 do Código de Processo Penal:

Art. 77 do Código de Processo Penal. A competência será

determinada pela continência quando:

I – duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração;

II – no caso de infração cometida nas condições previstas nos arts.

51, §1º, 53, segunda parte, e 54 do Código Penal53.

53 Tendo em vista a alteração provocada na parte geral do Código Penal pela Lei nº 7.209/84, diz respeito aos seguintes artigos:

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5.3. Conexão, continência e crime único

CONEXÃO CONTINÊNCIA CRIME ÚNICO54

Ocorre quando várias condutas são responsáveis

pelo cometimento de vários crimes distintos

Ocorre quando uma única conduta é responsável pelo cometimento de

vários crimes

Ocorre quando várias condutas são responsáveis pelo cometimento de um

único crime

5.4. Espécies de conexão

São três as espécies de conexão, quais sejam: (1) conexão intersubjetiva; (2)

conexão objetiva; e (3) conexão probatória ou instrumental.

5.4.1. Conexão intersubjetiva

Está prevista no art. 76, I, do Código de Processo Penal, segundo o qual:

Art. 76 do Código de Processo Penal. A competência será

determinada pela conexão:

I – se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas,

ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em

concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas

contra as outras.

De forma geral, entende-se por conexão intersubjetiva quando dois ou mais

agentes participam do cometimento de vários delitos interligados/conexos.

A partir da leitura do inciso, é possível que dividamos essa espécie em outras

três subespécies, quais sejam: (1) conexão intersubjetiva por simultaneidade; (2)

conexão intersubjetiva por concurso; e (3) conexão intersubjetiva por reciprocidade.

5.4.1.1. Conexão intersubjetiva por simultaneidade ou ocasional

Nesse caso, ocorrerá a conexão, tendo em vista a simultaneidade com a qual os

crimes são cometidos, ainda que não haja prévio ajuste entre os agentes. É o que

Art. 70 do Código Penal. Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até a metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior. Parágrafo único. Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 deste Código. [...] Art. 73 do Código Penal. Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no §3º do art. 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código. Art. 74 do Código Penal. Fora dos casos do artigo anterior, quando, por acidente ou erro na execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde por culpa, se o fato é previsto como crime culposo; se ocorre também o resultado pretendido, aplica-se a regra do art. 70 deste Código. 54 Art. 71 do Código de Processo Penal. Tratando-se de infração continuada ou permanente, praticada em território de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção.

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ocorre, por exemplo, quando um caminhão que carrega sacas de açúcar tomba em

uma rodovia, gerando vários furtos praticados por vários indivíduos.

5.4.1.2. Conexão intersubjetiva por concurso

Aqui, diferentemente da subespécie acima explicada, há a conexão em razão do

ajuste prévio estabelecido entre as partes, ainda que os crimes não sejam cometidos

ao mesmo tempo e no mesmo local. São exemplos dessa subespécie de conexão os

crimes de associação criminosa, organização criminosa etc.

Importante frisar que para a configuração dessa conexão, é imprescindível que

o ajuste prévio seja devidamente comprovado.

5.4.1.3. Conexão intersubjetiva por reciprocidade

Trata-se da conexão intersubjetiva mais específica, tendo em vista que não se

relaciona à ocorrência ou não de ajuste prévio entre as partes. Nesse caso, ocorrerá

quando duas ou mais ações, realizadas por duas ou mais pessoas, sejam intentadas

uma contra a outra. É o que acontece diante da lesão corporal recíproca.

5.4.2. Conexão objetiva

Está disposta no art. 76, II, do Código de Processo Penal:

Art. 76 do Código de Processo Penal. A competência será

determinada pela conexão:

[...]

II – se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar

ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em

relação a qualquer delas.

Nesse caso, o vínculo entre as ações se encontra no fato de que a motivação de

uma delas está na outra.

Da mesma forma, há subespécies, sendo elas: (1) conexão objetiva teleológica e

(2) conexão objetiva consequencial.

5.4.2.1. Conexão objetiva teleológica

Entende-se por conexas, nessa situação, as ações, uma vez que uma delas vise

assegurar a execução da outra. Podemos citar como exemplo o indivíduo que mata o

segurança para sequestrar quem ele protegia.

5.4.2.2. Conexão objetiva consequencial

Por outro lado, também serão conexas as ações, uma vez que uma delas vise

ocultar, tornar impune ou auferir vantagem à outra ação. É exemplo o crime de

ocultação de cadáver ou o assassinato de testemunha de crime anterior.

Segundo Edilson Mougenot: “A conexão, nesse caso, tem por finalidade obter a

prova da existência da agravante prevista no art. 61, II, b, do Código Penal e da

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circunstância qualificadora do crime de homicídio prevista no art. 121, §2º, V, do

Código Penal55.

5.4.3. Conexão probatória ou instrumental

Está prevista no art. 76, III, do Código de Processo Penal:

Art. 76 do Código de Processo Penal. A competência será

determinada pela conexão:

[...]

III – quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas

circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.

Ocorrerá quando a prova de uma das ações ou qualquer de seus elementos

influírem na prova da outra ação. É o que ocorre, por exemplo, diante dos crimes de

receptação, tendo em vista que serão conexos em relação aos furtos ou roubos dos

quais foi fruto o objeto em questão.

5.5. Espécies de continência

São duas as espécies de continência, quais sejam: (1) continência por

cumulação subjetiva e (2) continência por cumulação objetiva.

55 Art. 61 do Código Penal. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: [...] II – ter o agente cometido o crime: a) por motivo fútil ou torpe; b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime; c) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido; d) com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum; e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge; f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica; g) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão; h) contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida; i) quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade; j) em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido; l) em estado de embriaguez preordenada. [...] Art. 121, §2º, do Código Penal. Se o homicídio é cometido: I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II – por motivo fútil; III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime: Pena – reclusão, de doze a trinta anos.

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5.5.1. Continência por cumulação subjetiva

Está previsto no art. 77, I, do Código de Processo Penal:

Art. 77 do Código de Processo Penal. A competência será

determinada pela continência quando:

I – duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração.

Trata-se da configuração do denominado concurso de agentes, especificado no

Código Penal diante dos artigos 29 a 3156.

5.5.2. Continência por cumulação objetiva

É a disposição do art. 77, II, do Código de Processo Penal:

Art. 77 do Código de Processo Penal. A competência será

determinada pela continência quando:

[...]

II – no caso de infração cometida nas condições previstas nos arts.

51, §1º, 53, segunda parte, e 54 do Código Penal57.

Ocorrerá, portanto, diante do concurso formal (art. 70 do Código Penal),

aberratio ictus ou erro na execução, quando o agente, além de atingir a pessoa

pretendida, atinge terceiro (art. 73, segunda parte, do Código Penal), ou diante de

aberratio delicti, uma vez que a conduta, além de atingir o resultado esperado, atinge

resultado diverso (art. 74, segunda parte, do Código Penal).

5.6. Efeitos da conexão e continência

São dois os efeitos da conexão e continência, quais sejam:

56 Art. 29 do Código Penal. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade. §1º. Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. §2º. Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave. Art. 30 do Código Penal. Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. Art. 31 do Código Penal. O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado. 57 Art. 51 do Código Penal. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição. §1º. (Revogado) §2º. (Revogado) [...] Art. 53 do Código Penal. As penas restritivas de liberdade têm seus limites estabelecidos na sanção correspondente a cada tipo legal de crime. Art. 54 do Código Penal. As penas restritivas de direito são aplicáveis, independentemente de cominação na parte especial, em substituição à pena privativa de liberdade, fixada em quantidade inferior a 1 (um) ano, ou nos crimes culposos.

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108

Processo e julgamento único. Portanto, diante de crimes conexos ou

continentes, ocorrerá o processamento e julgamento em um único Juízo, salvo diante

de concurso entre justiças conflitantes ou quando for aplicado o desmembramento do

processo em vários outros.

As exceções estão previstas nos arts. 79 e 80 do Código de Processo Penal:

Art. 79 do Código de Processo Penal. A conexão e a continência

importarão unidade de processo e julgamento, salvo:

I – no concurso entre a jurisdição comum e a militar;

II – no concurso entre a jurisdição comum e a do juízo de menores.

§1º. Cessará, em qualquer caso, a unidade do processo, se, em

relação a algum co-réu, sobrevier o caso previsto no art. 152.

§2º. A unidade do processo não importará a do julgamento, se

houver co-réu foragido que não possa ser julgado à revelia, ou ocorrer a

hipótese do art. 461.

Art. 80 do Código de Processo Penal. Será facultativa a separação

dos processos quando as infrações tiverem sido praticadas em

circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo

número de acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por

outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente a separação.

Força atrativa. Se os processos já tiverem sido iniciados, é necessário que haja

a sua junção, salvo se em algum deles já tiver ocorrido proferimento de sentença

transitada em julgado.

É a disposição do art. 82 do Código de Processo Penal e da Súmula nº 235 do

Superior Tribunal de Justiça:

Art. 82 do Código de Processo Penal. Se, não obstante a conexão ou

continência, foram instaurados processos diferentes, a autoridade de

jurisdição prevalente deverá avocar os processos que ocorram perante os

outros juízes, salvo se já estiverem com sentença definitiva. Neste caso, a

unidade dos processos só se dará, ulteriormente, para o efeito de soma ou

de unificação das penas.

Súmula nº 235 do Superior Tribunal de Justiça. A conexão não

determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado.

6. Prevalência de Foro, Separação de Processos e

Desclassificação 6.1. Questões de prevalência de foro

Esclareçamos a prevalência de determinadas jurisdições diante da existência de

concurso em relação a algumas delas. Vejamos:

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6.1.1. Concurso de jurisdições de instâncias diversas

Diante de concurso entre instâncias diversas, prevalecerá aquela de maior

graduação. Tal situação já foi por nós explicada no tópico 3.6.7.1, quando da conexão

entre crimes cometidos por indivíduos beneficiários pelo foro por prerrogativa de

função e indivíduos que não possuam tal benefício.

Nessa situação, o foro competente para julgar o indivíduo beneficiado, em

regra, deverá julgar todos aqueles conexos a ele. Contudo, como já vimos, isso

somente ocorre diante de processos com um número reduzido de réus, ocasião em

que se observa o disposto na Súmula nº 704 do STF e no art. 78, III, do Código de

Processo Penal:

Súmula nº 704 do Supremo Tribunal Federal. Não viola as garantias

do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por

continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de

função de um dos denunciados.

Art. 78 do Código de Processo Penal. Na determinação da

competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes

regras:

[...]

III – no concurso de jurisdições de diversas categorias, predominará a

de maior graduação.

Por outro lado, diante de processos com muitos réus, o Supremo Tribunal

Federal tem utilizado o instituto do desmembramento, disposto no art. 81 do mesmo

Código:

Art. 81 do Código de Processo Penal. Verificada a reunião dos

processos por conexão ou continência, ainda que no processo da sua

competência própria venha o juiz ou tribunal a proferir sentença absolutória

ou que desclassifique a infração para outra que não se inclua na sua

competência, continuará competente em relação aos demais processos.

Parágrafo único. Reconhecida inicialmente ao júri a competência por

conexão ou continência, o juiz, se vier a desclassificar a infração ou

impronunciar ou absolver o acusado, de maneira que exclua a competência

do júri, remeterá o processo ao juízo competente.

6.1.2. Concurso entre jurisdição comum e especial

Em que pese a Justiça Especial Penal ser formada pela Justiça Militar e Justiça

Eleitoral, somente é possível o concurso entre as Justiças Comuns e a Justiça Eleitoral,

tendo em vista o disposto no art. 79, I, do Código de Processo Penal:

Art. 79 do Código de Processo Penal. A conexão e a continência

importarão unidade de processo e julgamento, salvo:

I – no concurso entre a jurisdição comum e a militar.

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Nesse caso, não há prevalência de qualquer das Justiças (comum ou militar),

pois cada uma será competente para julgar os elementos englobados em sua

jurisdição.

Por outro lado, é sim possível o concurso entre a Justiça Comum e a Justiça

Eleitoral, ocasião em que prevalecerá a competência da segunda.

6.1.3. Concurso entre jurisdição comum federal e estadual

Aqui, não há qualquer discussão, haja vista a existência da Súmula nº 122 do

STJ, segundo a qual:

Súmula nº 122 do Superior Tribunal de Justiça. Compete a Justiça

Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de

competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, “a”,

do Código de Processo Penal58.

Portanto, havendo concurso entre as jurisdições federal e estadual, prevalecerá

a federal.

6.1.4. Concurso entre tribunal do júri e jurisdição comum

Havendo concurso entre o Tribunal do Júri e as Justiças Federal ou Estadual,

isto é, havendo conexão entre um determinado crime e outro que atenta contra a vida

de outrem, prevalecerá a competência do Tribunal do Júri, ainda que o crime de

competência da Justiça Comum seja mais grave.

6.1.5. Crime de homicídio doloso conexo a crime eleitoral

Aqui há divergência. Diante da conexão ou continência entre crimes de

homicídio doloso (crime contra a vida) e crime eleitoral, não haverá prevalecimento,

segundo a maioria da doutrina, devendo cada Tribunal julgar os elementos pelos quais

é competente.

Contudo, importante ressaltar que a minoria entende que, nesse caso, a

competência será da Justiça Eleitoral.

6.1.6. Concurso de jurisdição da mesma categoria

Nesse caso, observar-se-á o disposto no art. 78, II, do Código de Processo Penal,

segundo o qual:

Art. 78 do Código de Processo Penal. Na determinação entre a

competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes

regras:

[...]

58 Art. 78 do Código de Processo Penal. Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras: [...] II – no concurso de jurisdições da mesma categoria: a) preponderará a do lugar da infração, à qual for cominada a pena mais grave.

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II – no concurso de jurisdições da mesma categoria:

a) preponderará a do lugar da infração, à qual for cominada a pena

mais grave;

b) prevalecerá a do lugar em que houver ocorrido o maior número de

infrações, se as respectivas penas forem de igual gravidade;

c) firmar-se-á a competência pela prevenção, nos outros casos.

Portanto, a fixação da competência seguirá os três elementos que seguem:

a) Prevalece o foro do local onde ocorreu o crime de pena mais grave;

b) Prevalece o foro do local em que ocorreu o maior número de infrações, se as

penas forem iguais;

c) Prevalece o foro prevento, se os crimes forem de penas idênticas e em igual

número.

Quando ao primeiro item, importante relembrar que não será aplicado diante

do concurso entre as Justiças Federal e Estadual, ocasião em que prevalecerá a

competência da Justiça Federal.

6.1.7. Conexão entre jurisdição comum e os JECRIMs

Aqui, há divergência. Diante do concurso entre a competência da Justiça

Comum e do Juizado Especial Criminal, são duas as posições:

a) Prevalece a Jurisdição da Justiça Comum:

Tal posicionamento tem por base o artigo abaixo elencado:

Art. 60, parágrafo único, da Lei dos Juizados Especiais. Na reunião

de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da

aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos

da transação penal e da composição dos danos civis.

b) Haverá a cisão dos processos, devendo cada Justiça processar e julgar a parte

a qual é competente:

Tal posição entende ser inconstitucional o disposto no parágrafo único do art.

60 da Lei dos Juizados Especiais, afirmando dever ser aplicado o que fixa o art. 98, I, da

Constituição Federal:

Art. 98 do Constituição Federal. A União, no Distrito Federal e nos

Territórios, e os Estados criarão:

I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e

leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas

cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial

ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas

hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por

turmas de juízes de primeiro grau.

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6.2. Separação de processos

Como vimos anteriormente, há situações que não admitem a conexão e

continência de processos, ocorrendo a separação dos mesmos, ocasião em que cada

Justiça deverá processar e julgar os elementos aos quais é competente.

Passaremos a analisar, portanto, os casos em que tal separação deverá ou

poderá ocorrer.

6.2.1. Separação obrigatória de processos

São as ocasiões em que a separação de processos é obrigatória:

a) Concurso entre jurisdição comum e Justiça Militar:

Art. 79 do Código de Processo Penal. A conexão e a continência

importarão unidade de processo e julgamento, salvo:

I – no concurso entre a jurisdição comum e a militar.

Conforme vimos anteriormente, havendo concurso entre crimes cuja

competência é, simultaneamente, da Justiça Comum e da Justiça Especial, somente é

possível a prevalência de competência diante do concurso com a Justiça Eleitoral,

tendo em vista que o Código é claro quando estabelece não ser possível a união de

processos em que há concurso entre Justiça Comum e Justiça Militar.

b) Concurso entre jurisdição comum e juízo de menores

Seguindo o anteriormente exposto, é a disposição do art. 79, II, do Código de

Processo Penal:

Art. 79 do Código de Processo Penal. A conexão e a continência

importarão unidade de processo e julgamento, salvo:

[...]

II – no concurso entre a jurisdição comum e a do juízo de menores.

Conforme explica Edilson Mougenot: “Os menores de 18 anos são penalmente

inimputáveis59 [...]. A Justiça Comum será absolutamente incompetente para o

julgamento dos atos infracionais por eles praticados, motivo pelo qual será impossível

a reunião dos processos. A situação dos menores infratores fica sujeita às normas da

legislação especial, conforme dispõe, também, o art. 104 da Lei n. 8.069/90 (Estatuto

da Criança e do Adolescente60).”

59 Art. 228 da Constituição Federal. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. Art. 27 do Código Penal. Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. 60 Art. 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei. Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato.

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c) Doença mental superveniente à prática delituosa:

Dispõe o art. 79, §1º, do Código de Processo Penal:

Art. 79, §1º, do Código de Processo Penal. Cessará, em qualquer

caso, a unidade do processo, se, em relação a algum co-réu, sobrevier o caso

previsto no art. 152.

[...]

Art. 152 do Código de Processo Penal. Se verificar que a doença

mental sobreveio à infração o processo continuará suspenso até que o

acusado se restabeleça, observado o §2º do art. 14961.

§1º. O juiz poderá, nesse caso, ordenar a internação do acusado em

manicômio judiciário ou em outro estabelecimento adequado.

§2º. O processo retomará o seu curso, desde que se restabeleça o

acusado, ficando-lhe assegurada a faculdade de reinquirir as testemunhas

que houverem prestado depoimento sem a sua presença.

Portanto, uma vez que haja conexão entre crimes cometidos por dois ou mais

indivíduos e um deles for acometido por doença mental superveniente ao fato

criminoso, o processo em relação a esse deverá ser cessado, continuando-se o

processamento e julgamento em relação aos outros autores.

Quanto ao indivíduo acometido por doença mental, o processo ficará suspenso

até que se restabeleça em suas faculdades mentais, sendo possível que o juiz lhe

nomeie curador especial e o interne em manicômio judicial.

Retornando o curso de seu processo, é-lhe de direito reinquirir as testemunhas

que tiverem deposto no processo dos demais autores.

d) Citação por edital de um dos corréus, seguida de seu não comparecimento e

não constituição de defensor:

É a disposição do art. 366 do Código de Processo Penal:

Art. 366 do Código de Processo Penal. Se o acusado, citado por

edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o

processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a

produção antecipada de provas consideradas urgentes e, se for o caso,

decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 31262.

§1º. (Revogado)

§2º. (Revogado)

61 Art. 149, §2º, do Código de Processo Penal. O juiz nomeará curador ao acusado, quando determinar o exame, ficando suspenso o processo, se já iniciada a ação penal, salvo quanto às diligências que possam ser prejudicadas pelo adiamento. 62 Art. 312 do Código de Processo Penal. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, §4º).

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Nesse caso, havendo mais de um réu no processo, o mesmo será suspenso em

relação ao que for citado por edital e não constituir advogado no prazo legal. Na

mesma ocasião, suspender-se-á o prazo prescricional até que seja encontrado o réu

em questão.

e) Suspensão condicional do processo em relação a um dos réus:

Dispõe a Lei dos Juizados Especiais:

Art. 89, caput, da Lei dos Juizados Especiais. Nos crimes em que a

pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não

por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a

suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não

esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime,

presentes os demais requisitos que autorizam a suspensão condicional da

pena (art. 77 do Código Penal).

Trata-se da concessão do benefício denominado sursis a um dos autores do

crime. Nesse caso, o processo ficará suspenso enquanto estiver no denominado

período de prova, que poderá se estender de dois a quatro anos. Ao final do processo

de prova sem que tenha ocorrido deslizes em relação às exigências estabelecidas pelo

juiz, é decretada a extinção da punibilidade.

Em relação aos autores não beneficiados pelo instituto da Suspensão

Condicional da Pena, contudo, haverá o prosseguimento do processo.

6.2.2. Separação facultativa de processos

São os casos em que a separação dos processos é facultativa:

a) Quando as infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou

de lugar diferentes:

Nesse caso, a separação é facultativa, tendo em vista que não incidem sobre as

espécies de conexão e continência que estudamos anteriormente. Por exemplo, não

há o que se falar em ocorrência de conexão intersubjetiva, tendo em vista que para

tanto é necessário que os fatos tenham ocorrido no mesmo local e no mesmo tempo.

b) Em razão do número excessivo de réus:

É a aplicação do já explicado instituto do desmembramento, previsto no art. 81

do Código de Processo Penal:

Art. 81 do Código de Processo Penal. Verificada a reunião dos

processos por conexão ou continência, ainda que no processo da sua

competência própria venha o juiz ou tribunal a proferir sentença absolutória

ou que desclassifique a infração para outra que não se inclua na sua

competência, continuará competente em relação aos demais processos.

Parágrafo único. Reconhecida inicialmente ao júri a competência por

conexão ou continência, o juiz, se vier a desclassificar a infração ou

impronunciar ou absolver o acusado, de maneira que exclua a competência

do júri, remeterá o processo ao juízo competente.

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c) Para não prolongar a prisão provisória de qualquer dos réus:

Tendo em vista que a prisão provisória tem por objetivo garantir a ordem

pública, a ordem econômica ou assegurar a aplicação da lei penal, quando houver

materialidade delitiva e indícios de autoria. Contudo, tal prisão não apresenta natureza

executório, devendo perdurar por tempo razoável.

Nesse sentido, uma vez que o andamento do processo esteja devagar em

decorrência de determinado suposto autor, é possível que as ações sejam separadas,

evitando-se o prolongamento da prisão provisória daquele que se encontra em tal

situação.

d) Por qualquer outro motivo relevante:

Nesse sentido, há a adoção do art. 3º do Código de Processo Penal:

Art. 3º do Código de Processo Penal. A lei processual penal admitirá

interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos

princípios gerais de direito.

6.3. Desclassificação e competência

Primeiramente, convém que conceituemos a desclassificação. Trata-se de

mudança que ocorre em relação ao fato criminoso, atingindo a competência, ocasião

na qual será possível ou não a alteração quanto ao juízo.

As consequências da desclassificação dependerão do crime no qual incidem os

reflexos.

Um crime. Caso a desclassificação incida em crime único que está sendo

apurado por determinado juízo, deverá este remeter os autos do processo ao juízo

competente. É o que afirma o art. 74, §2º, do Código de Processo Penal:

Art. 74, §2º, do Código de Processo Penal. Se, iniciado o processo

perante um juiz, houver desclassificação para infração da competência de

outro, a este será remetido o processo, salvo se mais graduada for a

jurisdição do primeiro, que, em tal caso, terá sua competência prorrogada.

Conexão ou continência. Diante da conexão ou continência, como já vimos,

vigora o Princípio da perpetuatio jurisdictionis, isto é, o juízo em questão, não

reclamada a competência relativa até o final da fase instrutória, prorroga-se, tornando

competente para o julgamento da causa.

Nesse caso, entretanto, é possível que se aplique o instituto do

desmembramento (art. 81 do Código de Processo Penal), uma vez que haja

pluralidade, observando-se o Princípio da Celeridade Processual.

6.4. Questões específicas sobre competência

6.4.1. Um só crime

Aqui, dois comentários merecem ser feitos, ambos em relação ao Tribunal do

Júri.

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Uma vez que a desclassificação do delito em apuração seja feita diante do juiz

da pronúncia, os autos deverão ser remetidos ao juiz singular, devendo este observar o

direito das partes em ter reaberto o prazo para se defender e indicar testemunhas.

Por outro lado, caso a desclassificação se dê perante o próprio Tribunal, não há

o que se falar em remessa dos autos ao juízo singular, devendo, nesse caso, ser a

sentença proferida pelo próprio presidente (juiz) do Tribunal

Nesse sentido é a disposição do Código de Processo Penal:

Art. 74, §3º, do Código de Processo Penal. Se o juiz da pronúncia

desclassificar a infração para outra atribuída à competência de juiz singular,

observar-se-á o disposto no art. 410; mas, se a desclassificação for feita pelo

próprio Tribunal do Júri, a seu presidente caberá proferir a sentença.

[...]

Art. 410 do Código de Processo Penal. O juiz determinará a

inquirição das testemunhas e a realização das diligências requeridas pelas

partes, no prazo máximo de 10 (dez) dias.

[...]

Art. 419 do Código de Processo Penal. Quando o juiz se convencer,

em discordância com a acusação, da existência de crime diverso dos

referidos no §1º do art. 74 deste Código e não for competente para o

julgamento, remeterá os autos ao juiz que o seja.

Parágrafo único. Remetidos os autos do processo a outro juiz, à

disposição deste ficará o acusado preso.

[...]

Art. 492, §1º, do Código de Processo Penal. Se houver

desclassificação da infração para outra, de competência do juiz singular, ao

presidente do Tribunal do Júri caberá proferir sentença em seguida,

aplicando-se, quando o delito resultante da nova tipificação for considerado

pela lei como infração penal de menor potencial ofensivo, o disposto nos

arts. 69 e seguintes da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Art. 492, §2º, do Código de Processo Penal. Em caso de

desclassificação, o crime conexo que não seja doloso contra a vida será

julgado pelo juiz presidente do Tribunal do Júri, aplicando-se, no que

couber, o disposto no §1º deste artigo.

6.4.2. Conexão e continência

Diante da mesma situação, contudo se tratando de crime conexo ou

continente, serão as hipóteses:

Havendo a desclassificação do crime doloso contra a vida perante a fase de

pronúncia do Tribunal do Júri, ambos os crimes conexos deverão ser remetidos ao

juízo singular.

Contudo, sendo a desclassificação aplicada perante o próprio Tribunal,

novamente, deverá o presidente (juiz) do mesmo proferir sentença.

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Por fim, havendo absolvição do acusado em relação ao crime doloso contra a

vida, perante o Plenário do Tribunal do Júri, é possível que este, posteriormente à

apreciação do primeiro, venha a julgar o crime comum conexo ao doloso contra a vida.

6.4.3. Execução penal

É a disposição da Súmula nº 192 do Superior Tribunal de Justiça:

Súmula nº 192 do Superior Tribunal de Justiça. Compete ao Juízo das

Execuções Penais do Estado a execução das penas impostas a sentenciados

pela Justiça Federal, Militar ou Eleitoral, quando recolhidos a

estabelecimentos sujeitos a Administração Estadual.

Tal situação ficará mais clara com um exemplo. Imaginemos que um indivíduo

seja processado e julgado perante a Justiça Federal, sendo sentenciado para o

cumprimento de pena em uma penitenciária de âmbito estadual. Ainda que seu

processo tenha tramitado perante a Justiça Federal, a execução de sua pena será

incumbência da Justiça Estadual, tendo em vista o caráter do estabelecimento no qual

cumpre a pena.

6.4.4. Tribunal penal internacional

O Tribunal Penal Internacional é uma corte internacional que tem como

pretensão o julgamento de casos em que não se observou os Direitos Humanos,

havendo, logo, violação desses direitos.

Contudo, importante ressaltar que tal Tribunal somente será acionado de

forma subsidiária (competência material subsidiária), isto é, somente quando forem

esgotadas as instâncias previstas no Ordenamento Jurídico brasileiro, não sendo

suficientes para a pacificação da lide.

Nesse sentido, é o Decreto 4.388/2002 (Estatuto de Roma) e a Constituição

Federal, através do §4º do art. 5º:

Capítulo II

Competência, Admissibilidade e Direito Aplicável

Artigo 5º

Crimes da Competência do Tribunal

1. A competência do Tribunal restringir-se-á aos crimes mais graves,

que afetam a comunidade internacional em seu conjunto. Nos termos do

presente Estatuto, o Tribunal terá competência para julgar os seguintes

crimes:

a) O crime de genocídio;

b) Crimes contra a humanidade;

c) Crimes de guerra;

d) O crime de agressão.

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2. O Tribunal poderá exercer a sua competência em relação ao crime

de agressão desde que, nos termos dos artigos 121 e 123, seja aprovada

uma disposição em que se defina o crime e se enunciem as condições em

que o Tribunal terá competência relativamente a este crime. Tal disposição

deve ser compatível com as disposições pertinentes da Carta das Nações

Unidas.

Art. 5º, §4º, da Constituição Federal. O Brasil se submete à jurisdição

de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão.

6.4.5. Crime de latrocínio

É a disposição da Súmula nº 603 do Supremo Tribunal Federal:

Súmula nº 603 do Supremo Tribunal Federal. A competência para o

processo e julgamento de latrocínio é do juiz singular e não do tribunal do

júri.

É comum que as pessoas confundam ser o crime de latrocínio um crime contra

a vida. Contudo, não o é, tendo em vista que a morte se apresenta como uma

consequência do roubo praticado, e não vice-versa.

6.4.6. Colegiado de juízes de primeiro grau

Diante de crimes de organização criminosa, visando manter a segurança dos

juízes, criou-se o instituto do Colegiado de Juízes de Primeiro Grau. Aqui, havendo

crime de organização criminosa, poderá o juiz competente acionar o órgão de

correição, demonstrando os motivos pelo qual deverá ser instaurado o Colegiado.

Aprovado, são escolhidos outros dois juízes junto àquele competente para

julgar o crime. Dessa forma, diz-se proteger os juízes pela incerteza acerca de quem,

de fato, julga o delito.

Porém, convenhamos que tal instituto não os protege, de fato. Pelo contrário,

põe em risco outros dois juízes.

É a disposição dos §§ 1º a 7º do art. 1º da Lei 12.694/2012:

Art. 1º da Lei 12.694/2012. [...]

§1º. O juiz poderá instaurar o colegiado, indicando os motivos e as

circunstâncias que acarretam risco à sua integridade física em decisão

fundamentada, da qual será dado conhecimento ao órgão correicional.

§2º. O colegiado será formado pelo juiz do processo e por 2 (dois)

outros juízes escolhidos por sorteio eletrônico dentre aqueles de

competência criminal em exercício no primeiro grau de jurisdição.

§3º. A competência do colegiado limita-se ao ato para o qual foi

convocado.

§4º. As reuniões poderão ser sigilosas sempre que houver risco de

que a publicidade resulte em prejuízo à eficácia da decisão judicial.

§5º. A reunião do colegiado composto por juízes domiciliados em

cidades diversas poderá ser feita pela via eletrônica.

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§6º. As decisões do colegiado, devidamente fundamentadas e

firmadas, sem exceção, por todos os seus integrantes, serão publicadas sem

qualquer referência a voto divergente de qualquer membro.

§7º. Os tribunais, no âmbito de suas competências, expedirão

normas regulamentando a composição do colegiado e os procedimentos a

serem adotados para o seu funcionamento.

7. Exceção 7.1. Introdução e conceitos

Primeiramente, convém identificar de que se trata o instituto da exceção.

Conforme conceitua o Dicionário Jurídico Acquaviva, trata-se de “espécie de defesa

indireta, peculiar ao autor ou ao réu, que, não se referindo ao mérito da causa, tem

por finalidade neutralizar-lhes os efeitos.”

Conforme estabelece José Frederico Marques, “é o procedimento incidental

para o processo e julgamento da arguição de incompetência relativa, da suspeição, ou

do impedimento do juiz.”

A exceção, portanto, trata-se de arguição preliminar, podendo possuir natureza

peremptória, ensejando, se acolhida, a extinção do processo sem a resolução do

mérito, tendo em vista o caráter irreparável do vício em questão, ou dilatória, ocasião

em que somente há o sobrestamento da ação, uma vez que o vício que o caracteriza se

mostra sanável.

Importante destacarmos que o próprio Código de Processo Penal nos apresenta

quais são as exceções. Nesse sentido, estabelece o art. 95:

Art. 95 do Código de Processo Penal. Poderão ser opostas as

exceções de:

I – suspeição;

II – incompetência de juízo;

III – litispendência;

IV – ilegitimidade de parte;

V – coisa julgada.

No estudo aqui desenvolvido focaremos em três delas, quais sejam: (1)

impedimento, (2) suspeição e (3) incompetência.

Pois bem, elenquemos a conceituação de cada um desses elementos:

Impedimento – infringência grave, referente à impossibilidade de o juiz apreciar

determinada ação, causando a nulidade absoluta do processo (iure et de iure) em

decorrência da não observância do Princípio da Imparcialidade. Devido à nulidade, não

há preclusão, podendo as partes reclamá-la a qualquer momento ou grau de

jurisdição, bem como deverá ser feita de ofício pelo juiz.

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Segundo o Código, são as hipóteses de impedimento:

Art. 252 do Código de Processo Penal. O juiz não poderá exercer

jurisdição no processo em que:

I – tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim,

em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou

advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da

justiça ou perito;

II – ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou

servido como testemunha;

III – tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se,

de fato ou de direito, sobre a questão;

IV – ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em

linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou

diretamente interessado no feito.

Suspeição – infringência menos grave, referente à existência de elementos que

ensejam a imparcialidade do juiz, lesionando o Princípio da Imparcialidade.

Diferentemente do impedimento, diante da suspeição há preclusão, uma vez que sua

alegação deverá ser feita em momento oportuno pelas partes. Uma vez transcorrido o

prazo para tanto, há a prorrogação da competência do juízo.

São as hipóteses de suspeição:

Art. 254 do Código de Processo Penal. O juiz dar-se-á por suspeito, e,

se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes:

I – se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles;

II – se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver

respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja

controvérsia;

III – se ele, seu cônjuge, ou parente, consanguíneo, ou afim. Até o

terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que

tenha de ser julgado por qualquer das partes;

IV – se tiver aconselhado qualquer das partes;

V – se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das

partes;

VI – se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada

no processo.

Mister informarmos que a suspeição e o impedimento são as primeiras

preliminares analisadas, tendo em vista a análise que se faz sobre a parcialidade ou

não do magistrado. Nesse sentido, estabelece o art. 96 do Código de Processo Penal

que: “A arguição de suspeição precederá a qualquer outra, salvo quando fundada em

motivo superveniente.”

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Incompetência – “situação processual do magistrado ou tribunal proibido

legalmente de atuar em determinados processos. No caso, falta ao juiz ou tribunal

capacidade objetiva específica para julgar. A incompetência pode ser funcional,

quando referente à natureza do cargo ocupado do magistrado; subjetiva, quando

pertinente às partes envolvidas na causa; objetiva, quando concernente à natureza do

pleito ou ao valor atribuído a este, e territorial, se relativa à área física que atua o

julgador” (Dicionário Jurídico Acquaviva).

7.2. Exceção de impedimento e suspeição

Importante tecermos alguns comentários acerca da exceção de impedimento e

suspeição.

Diferenças. Como ficou notável diante da conceituação de cada um deles, o

impedimento se mostra mais grave que a suspeição, haja vista, inclusive, causar a

nulidade do processo, podendo ser arguido em qualquer tempo ou grau de jurisdição,

não incidindo sobre ele, logo, a preclusão. Por outro lado, a suspeição, se não arguida

no prazo determinado (diante da primeira manifestação das partes no processo), gera

a prorrogação do juízo, tornando-o competente.

Impedimento ou suspeição causados pelas partes. Conforme estabelece o art.

256 do Código de Processo Penal:

Art. 256 do Código de Processo Penal. A suspeição não poderá ser

declarada nem reconhecida, quando a parte injuriar o juiz ou de propósito

der motivo para criá-la.

Ou seja, não há o que se falar em reconhecimento de impedimento ou

suspeição do juiz, uma vez que tal situação seja forçada por uma das partes. Podemos

citar como exemplo a parte que injuria o juiz tentando criar uma inimizade ou a

presenteia com o intuito de indicar a imparcialidade do mesmo.

Declaração do impedimento ou suspeição. Ambas as exceções podem ser

pronunciadas, de ofício, pelo juiz. Contudo, cabe notarmos que diante da pronúncia de

tais elementos, não há o que se falar em recurso, ou seja, não poderá o juiz “voltar

atrás”. Nesse sentido é a disposição do Código de Processo Penal:

Art. 97 do Código de Processo Penal. O juiz que espontaneamente

afirmar suspeição deverá fazê-lo por escrito, declarando o motivo legal, e

remeterá imediatamente o processo ao seu substituto, intimadas as partes.

[...]

Art. 112 do Código de Processo Penal. O juiz, o órgão do Ministério

Público, os serventuários ou funcionários de justiça e os peritos ou

intérpretes abster-se-ão de servir no processo, quando houver

incompatibilidade ou impedimento legal, que declararão nos autos. Se não

se der a abstenção, a incompatibilidade ou impedimento poderá ser arguido

pelas partes, seguindo-se o processo estabelecido para a exceção de

suspeição.

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Não sendo declarado pelo juiz, como visto, poderá qualquer das partes, por

meio de petição juntada nos autos, alegá-lo em prazo determinado, tratando-se de

suspeição, ou a qualquer tempo ou grau de jurisdição, em se tratando de

impedimento.

Nesse caso, a acusação de impedimento ou suspeição será apreciada pelo juiz.

Aceitando-a, os autos serão remetidos a juízo competente. Do contrário, ou seja, não

aceitando tais alegações, deverá o Tribunal de Justiça analisar a exceção. É o disposto

no art. 100:

Art. 100 do Código de Processo Penal. Não aceitando a suspeição, o

juiz mandará autuar em apartado a petição, dará sua resposta dentro em

três dias, podendo instruí-la e oferecer testemunhas, e, em seguida,

determinará sejam os autos da exceção remetidos, dentro em 24 (vinte e

quatro) horas, ao juiz ou tribunal a quem competir o julgamento.

§1º. Reconhecida, preliminarmente, a relevância da arguição, o juiz

ou tribunal, com citação das partes, marcará dia e hora para a inquirição das

testemunhas, seguindo-se o julgamento, independentemente de mais

alegações.

§2º. Se a suspeição for de manifesta improcedência, o juiz ou relator

a rejeitará liminarmente.

Exceção oferecida contra membro do Ministério Público. As ocasiões em que o

Ministério Público não poderá atuar no processo estão elencadas no art. 258 do

Código de Processo Penal, segundo o qual:

Art. 258 do Código de Processo Penal. Os órgãos do Ministério

Público não funcionarão nos processo em que o juiz ou qualquer das partes

for seu cônjuge, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou

colateral, até o terceiro grau, inclusive, e a eles se estendem, no que lhes for

aplicável, as prescrições relativas à suspeição e aos impedimentos dos

juízes.

Nesse caso, conforme estabelece o art. 104 do mesmo Código, deverá o juiz

ouvi-lo, dando-lhe a oportunidade de produzir provas em contrário.

Havendo a aceitação da arguição, deverá ser nomeado outro membro para

representar o Ministério Público.

Por fim, convém transcrevermos o teor da Súmula nº 234 do Superior Tribunal

de Justiça:

Súmula nº 234 do Superior Tribunal de Justiça. A participação de

membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o

seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia.

Exceção oferecida contra delegado. Há uma peculiaridade diante da suspeição

ou impedimento de delegado: não é possível que as partes assim o declare, somente

podendo tal pronúncia partir do próprio delegado. É o que dispõe o art. 107 do Código:

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Art. 107 do Código de Processo Penal. Não se poderá opor suspeição

às autoridades policiais nos atos do inquérito, mas deverão eles declarar-se

suspeitas, quando ocorrer motivo legal.

Tal entendimento se dá, segundo explicação da doutrina, tendo em vista que a

exceção de impedimento e suspeição somente recai sobre as partes do processo, quais

seja, autor, réu e juiz, não atingindo, portanto, os delegados.

Exceção oferecida contra perito, intérprete e serventuário da justiça. Se

arguida, deverá o juiz da ação analisá-la:

Art. 105 do Código de Processo Penal. As partes poderão também

arguir de suspeitos os peritos, os intérpretes e os serventuários ou

funcionários de justiça, decidindo o juiz de plano e sem recurso, à vista da

matéria alegada e prova imediata.

Exceção oferecida contra jurados. Por fim, dispõe o art. 106:

Art. 106 do Código de Processo Penal. A suspeição dos jurados

deverá ser arguida oralmente, decidindo de plano do presidente do Tribunal

do Júri, que a rejeitará se, negada pelo acusado, não for imediatamente

comprovada, o que tudo constará da ata.

7.3. Exceção de incompetência

Como dito quando da introdução desse tópico, trata-se da falta de capacidade

do magistrado em apreciar o caso, seja por elemento funcional, objetivo, subjetivo ou

territorial. Refere-se, portanto, a um não atendimento aos elementos jurisdicionais

necessários para o julgamento da causa em questão, ou seja, vê-se uma não

observância aos critérios de fixação de competência, elencados nos arts. 69 a 91 do

Código de Processo Penal (vide tópico 3. Espécies de Competência, supra).

Os critérios que devem ser observados estão dispostos nos arts. 108 e 109 do

Código, sendo:

Art. 108 do Código de Processo Penal. A exceção de incompetência

do juízo poderá ser oposta, verbalmente ou por escrito, no prazo de defesa.

§1º. Se, ouvido o Ministério Público, for aceita e declinatória, o feito

será remetido ao juízo competente, onde, ratificados os atos anteriores, o

processo prosseguirá.

§2º. Recusada a incompetência, o juiz continuará no feito, fazendo

tomar por termo a declinatória, se formulada verbalmente.

Art. 109 do Código de Processo Penal. Se em qualquer fase do

processo o juiz reconhecer motivo que o torne incompetente, declará-lo-la

nos autos, haja ou não alegação da parte, prosseguindo-se na forma do

artigo anterior.

Aqui, aplica-se o mesmo raciocínio do impedimento ou suspeição quanto à

arguição de exceção de incompetência.

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Tratando-se de incompetência absoluta, poderá ser alegado em qualquer

tempo ou grau de jurisdição, tendo em vista não recair sobre o direito a preclusão.

Nesse caso, inclusive, poderá o juiz fazê-lo, de ofício, a qualquer tempo, sem que tenha

ocorrido qualquer manifestação das partes.

Por outro lado, em se tratando de incompetência relativa (relativa ao território

ou ao fato), não poderá o juiz reconhecê-la de ofício, devendo as partes argui-la

perante o prazo de defesa, sob pena da prorrogação da competência do juízo,

respeitando-se o Princípio da perpetuatio jurisdictionis.

7.4. Conflito de jurisdição ou competência

Entende-se por conflito de jurisdição ou competência quando houver mais de

um juízo competente (conflito positivo) ou incompetente (conflito negativo) para

julgar determinado fato ou quando surgir controvérsia sobre unidade de juízo, junção

ou separação de processos.

Nesse sentido é o art. 114 do Código de Processo Penal:

Art. 114 do Código de Processo Penal. Haverá conflito de jurisdição:

I – quando duas ou mais autoridades judiciárias se considerarem

competentes, ou incompetentes, para conhecer do mesmo fato criminoso;

II – quando entre elas surgir controvérsia sobre unidade de juízo,

junção ou separação de processos.

Nesse caso, é necessário que a parte interessada, o órgão do Ministério Público

ou qualquer dos juízes suscite a questão, enviando-a à apreciação do Tribunal, diante

de conflito de juízos da mesma Justiça, ou do Superior Tribunal de Justiça, quando se

tratar de conflito entre juízos de Justiças distintas.

Fixa o art. 115 do Código de Processo Penal:

Art. 155 do Código de Processo Penal. O conflito deverá ser

suscitado:

I – pela parte interessada;

II – pelos órgãos do Ministério Público junto a qualquer dos juízos em

dissídio;

III – por qualquer dos juízes ou tribunais em causa.

Tratando-se de conflito positivo, ou seja, diante de dois ou mais juízos

competentes, deverá o mesmo ser apreciado em apartado, suspendendo-se os autos

principais; por outro lado, em se tratando de conflito negativo, deverá ser suscitado

nos próprios autos do processo.

É a disposição do art. 116 do CPP:

Art. 116 do Código de Processo Penal. Os juízes e tribunais, sob a

forma de representação, e a parte interessada, sob a de requerimento,

darão parte escrita e circunstanciada do conflito, perante o tribunal

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competente, expondo os fundamentos e juntando os documentos

probatórios.

§1º. Quando negativo o conflito, os juízes e tribunais poderão

suscitá-lo nos próprios autos do processo.

§2º. Distribuído o feito, se o conflito for positivo, o relator poderá

determinar imediatamente que se suspenda o andamento do processo.

§3º. Expedida ou não a ordem de suspensão, o relator requisitará

informações às autoridades em conflito, remetendo-lhes cópia do

requerimento ou representação.

§4º. As informações serão prestadas no prazo marcado pelo relator.

§5º. Recebidas as informações, e depois de ouvido o procurador-

geral, o conflito será decidido na primeira sessão, salvo se a instrução do

feito depender de diligência.

§6º. Proferida a decisão, as cópias necessárias serão remetidas, para

a sua execução, às autoridades contra as quais tiver sido levantado o

conflito ou que o houverem suscitado.

7.5. Conflito de atribuições do Ministério Público

Por fim, entende-se por conflito de atribuições do Ministério Público a

divergência intrincada entre dois membros acerca da responsabilidade ativa para o

ajuizamento da ação penal (persecução penal).

Diante tal situação, será competente para apreciá-la:

Conflito entre MPs do mesmo Estado – Procurador-Geral de Justiça.

Conflito entre MPFs – Câmara de Coordenação e Revisão do MPF.

Conflito entre MPUs – Procurador-Geral da República.

Conflito entre MP Federal e MP Estadual – STF, tendo em vista se tratar de

conflito entre Estados e União.

Quanto à última ocasião, estabelece a Constituição Federal:

Art. 102 da Constituição Federal. Compete ao Supremo Tribunal

Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I – processar e julgar, originariamente:

[...]

f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o

Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da

administração indireta.