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1 Murad Abu Murad SUFOCO DE UM ITEANO PROÁLCOOL UMA HISTÓRIA QUE NÃO FOI CONTADA Murad Abu Murad (T55) São Paulo 2016

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Murad Abu Murad

SUFOCO DE UM ITEANO

PROÁLCOOL – UMA HISTÓRIA QUE

NÃO FOI CONTADA

Murad Abu Murad (T55)

São Paulo

2016

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SUMÁRIO

Apresentação ............................................................................................... 3

Mensagem aos Futuros Engenheiros do ITA .............................................. 4

Nota ............................................................................................................. 5

Introdução ................................................................................................... 6

História ....................................................................................................... 9

Cópia do Relatório de Visita ao Professor STUMPF ................................ 12

Preocupação (com o PROÁLCOOL) ........................................................ 14

Reportagem da Revista “AUTO ESPORTE” ............................................ 17

Resumo de algumas considerações de Jackie Stewart .............................. 22

Treinamento de Motoristas ........................................................................ 24

Fotos Históricas ......................................................................................... 25

Lançamento dos primeiros veículos movidos a ÁLCOOL ....................... 32

“MOVIDO A ÁLCOOL” .......................................................................... 34

Participação da Indústria Automobilística ................................................ 35

Interferência de Terceiros ......................................................................... 36

A) Constrangimento .................................................................................. 36

B) Despreparo ........................................................................................... 39

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Apresentação

O texto ora apresentado foi redigido em linguagem simples, para que

qualquer pessoa possa entender. Não foi considerada a parte técnica da

transformação do motor a gasolina para o motor a álcool. É mais uma

descrição dos problemas surgidos e que tiveram que ser sanados.

Como será mostrado, o veículo saía do “estaleiro” geralmente com

vários defeitos, não eram confiáveis.

É admirável a perseverança com que todos os envolvidos

trabalhavam, pois o PROÁLCOOL não poderia ser desprestigiado.

O trabalho é considerado um DOCUMENTO HISTÓRICO,

apresentado pela primeira vez ao público, após 40 anos do PROÁLCOOL.

Chama a atenção a preocupação em solucionar os problemas e em

diminuir o consumo de combustível derivado de petróleo, visando a uma

frota de mais de 2.000 veículos.

Boa leitura!

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Mensagem aos futuros Engenheiros do ITA

Todo desafio enfrentado deve servir de lição aos engenheiros

formados no ITA, especialmente os mais jovens.

Como disse Ozires Silva (T62), “que sirva de exemplo essa

apresentação aos alunos, como experiências de sucesso na vida profissional

de colegas de várias gerações formados na escola”.

O ITEANO deve ser sempre um indivíduo insistente e perseverante.

Nunca desmoronar! “Quem persevera em seus propósitos, acaba

vencendo”.

Aqui vai um apanhado que mostra o que foi jogado em cima de um

iteano. Todo sofrimento foi vencido pela insistência do aprendizado no

ITA!

Grande escola que é o ITA, que nos mostrou a ética e a sabedoria,

graças aos grandes professores que tivemos.

O conhecimento adquirido no ITA foi fundamental!

Nós saímos engenheiros do ITA e caminhamos por várias áreas

diferentes, mas a nossa formação permitiu o bom senso em solucionar os

problemas dessas áreas.

Como ainda disse Ozires: “A ideia é aproximar a escola do mercado,

mostrando o caminho trilhado pelos engenheiros formados pelo ITA de

diversas gerações, que se destacaram em suas áreas de atuação”.

Acredito que com a história que será contada, estarei contribuindo

com os novos engenheiros.

Nunca desanimar. Sempre insistir na solução do problema. Seja

persistente.

Lembre-se: “Sem espírito de luta, ninguém triunfa”.

MURAD ABU MURAD (T55)

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NOTA

Esclarecimento para os que não sabem o que é o PROÁLCOOL (como

já constatado)

PROÁLCOOL – Designado como PROGRAMA NACIONAL DO

ÁLCOOL, criado em 14/11/1975.

Propósito – Estimular a produção de álcool de origem da cana-de-açúcar e

de outros produtos.

Intenção – Usar o álcool (etanol) como combustível em motores de frotas

de veículos de modo a diminuir o consumo de derivados do petróleo. Tais

custos estavam sufocando a economia do Brasil, devido à saída de

petrodólares. Era necessário encontrar uma saída que fosse viável

economicamente. Basta observar a curva ascendente do custo do barril de

petróleo na época, durante a crise do petróleo. O barril que custava em

torno de US$ 1, passou a US$ 2 e, logo, para mais de US$ 11. E assim por

diante, chegando a ultrapassar US$ 100/barril. Portanto, era necessário

buscar uma solução urgente.

Assim surgiu o PROÁLCOOL. As demais informações e a história serão

contadas adiante, neste trabalho.

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1. INTRODUÇÃO

Muita coisa acontece, mesmo contra a nossa vontade. Surge uma

situação que se torna um desafio, e ficamos totalmente envolvidos no

problema, sendo difícil de recuar. De modo que somos obrigados a abraçar

o problema com o maior interesse. Não há condição de fuga, é preciso

enfrentar o desafio!

Aqui será contada uma história que até o momento não se tornou

pública. A história do PROÁLCOOL estaria incompleta sem esta narração.

O que seria do PROÁLCOOL sem a coleta de dados sobre o

funcionamento dos veículos movidos a ETANOL?

Houve muitas reuniões, discussões sobre o assunto, especialmente

nas áreas governamentais, tais como: política energética, viabilidade

econômica, relação de custos do álcool e da gasolina, produção de álcool,

parecer dos usineiros, entrevista com o professor URBANO ERNESTO

STUMPF sobre a viabilidade técnica dos motores movidos a ETANOL

etc.

Mas, isso resolvido, será que tínhamos condições de lançar os

primeiros veículos movidos a ETANOL?

Era a teoria contra a prática.

De que adiantariam as citações ditas acima, correndo tudo às mil

maravilhas, mas com muito sacrifício, se o veículo apresentasse um

número infindável de problemas funcionais?

Tudo isso de nada adiantaria se não houvesse um entrosamento entre

o pessoal técnico da DIVISÃO DE TRANSPORTES DA TELESP e do

CTA (CENTRO TÉCNICO AEROESPACIAL) sobre o comportamento

dos veículos, durante sua operação, atendendo aos serviços a serem

executados pela TELESP.

Os problemas que iam surgindo no funcionamento dos veículos

tinham que ser sanados e, sem divulgação. Esses defeitos eram corrigidos

sigilosamente. O público não podia tomar conhecimento dos mesmos, para

não desacreditar o PROÁLCOOL.

Os tópicos citados aqui são reais, sem nenhuma pretensão. Os relatos

são apenas esclarecimentos de dados, necessários para completar uma

história, ainda não revelada.

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Tenho me mantido reservado por mais de 40 anos sobre o assunto.

Esta história vem completar tudo o que já foi publicado sobre o veículo

movido a álcool.

Acredito ser, esta, a última etapa da história do PROÁLCOOL. Ela

cerca todo o circuito esclarecedor da história.

Resisti bastante a divulgar os cuidados que tínhamos na preservação

do PROÁLCOOL.

Afinal, o momento chegou, de mostrar como aconteceram as coisas

referentes ao PROÁLCOOL.

Nesse momento, acabo de me render!

Mas, história é história. Convenceram-me de que é importante que as

ocorrências de cada capítulo sejam divulgadas. É necessário que outros

tomem conhecimento da verdadeira ocorrência. Caso contrário, a história

ficaria incompleta.

Aliás, antes de tudo, é bom lembrar que o verdadeiro idealizador e

pai do motor a álcool foi o saudoso professor URBANO ERNESTO

STUMPF, justiça seja feita!

O desenvolvimento do motor a álcool não foi um mar de rosas e,

mesmo a aplicação do ETANOL em veículos, não foi fácil a eliminação

dos muitos problemas que surgiram durante a operação dos mesmos. Aliás,

problemas homéricos, técnicos, funcionais e pessoais, que se não

resolvidos, iriam desprestigiar o PROÁLCOOL, tais como: corrosão do

tanque de combustível, partida a frio, tempo de demora a aquecer o motor,

carburação etc.

Não se podia afirmar que já tínhamos um veículo movido a álcool,

que pudesse ser dirigido como um carro movido a gasolina.

Os problemas técnicos eram muitos, mas o entusiasmo da equipe

técnica era maior!

Os veículos transformados de gasolina para álcool, e que tinham que

desempenhar o trabalho do dia-a-dia, não deveriam parar, como foi dito

anteriormente. Como consequência, iriam faltar veículos na frota para o

serviço de instalação e manutenção de telefones.

Mas tais veículos não eram confiáveis.

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O relato mostra que a retaguarda técnica da DIVISÃO DE

TRANSPORTES DA TELESP enfrentou algumas situações difíceis.

O sofrimento e as preocupações em cada problema surgido, a

responsabilidade para que o PROÁLCOOL não desmoronasse como efeito

dominó, onde cada pedrinha do jogo era um problema a ser desenvolvido.

Se os veículos fossem utilizados em serviço e, da mesma maneira

como saíam do “estaleiro” de transformação dos mesmos de gasolina para

álcool, e colocados a executar os serviços que eram destinados a eles, hoje

não teríamos mais o PROÁLCOOL! Aliás, estou exagerando um pouco. É

claro que teríamos um PROÁLCOOL, com atraso e desprestigiado!

Portanto, a ação dos técnicos, tanto da DIVISÃO DE

TRANSPORTES DA TELESP, como dos técnicos do CTA, pelo esforço

dado, é que se conseguiu o lançamento dos primeiros 25 (vinte e cinco)

veículos movidos a álcool.

Será comentado a seguir, cada item ocorrido, porém desconhecido da

maioria.

Na verdade, os veículos colocados em circulação com motor a

álcool, tinham que satisfazer duas condições:

Veículo em teste

Veículo destinado a desempenhar o serviço da DIRETORIA

DE OPERAÇÃO DA TELESP

A paralisação desses veículos significava uma ausência dos mesmos

no serviço da Rede Telefônica. Além do mais, existia uma preocupação do

PROÁLCOOL.

A condição do veículo em teste obrigava enviar os resultados do

comportamento dos mesmos ao CTA.

Eram realizadas reuniões constantemente para discutir como

solucionar os problemas que o veículo apresentava.

Muito se escreveu sobre o PROÁLCOOL, histórias e mais histórias,

sobre dados estatísticos, política energética, e como foi dado o início para a

formação do PROÁLCOOL.

É claro que tudo isso é muito importante, mas nada sobre os

problemas técnicos que surgiam e que poderiam ser danosos para o

PROÁLCOOL. Sem esses dados, praticamente, o veículo não conseguia

rodar.

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O que será mostrado aqui irá completar a história do PROÁLCOOL.

Os técnicos de manutenção eram responsáveis pelo desempenho real

dos veículos, de modo a se atingir uma situação bastante confiável e não

destrutível do PROÁLCOOL.

Quero salientar, novamente, que tudo o que é mencionado aqui é

uma ocorrência real e verdadeira. Nomes e datas registrados atestam e

registram a precisão histórica.

2. HISTÓRIA

Passados mais de 40 (quarenta) anos eu me rendo, como disse

anteriormente. Vou contar um pouco dessa história, da qual sou um dos

personagens, por circunstâncias adversas à minha vontade, mas por eu ser o

gerente da Divisão de Transportes, cabendo-me tomar as decisões.

Ela é dividida em 3 (três) etapas:

1) ESTUDO TÉCNICO – cabendo ao CTA, sob a orientação do professor

STUMPF.

2) TRANSFORMAÇÃO FÍSICA DO MOTOR – de gasolina para álcool –

pela RETÍFICA MOTORIT.

3) FORNECIMENTO DOS VEÍCULOS – a serem transformados e análise

do comportamento dos mesmos pela TELESP.

Ela começa no ano de 1976.

Na época, a frota da TELESP era de aproximadamente 2.000

veículos, sendo mesmo a Divisão de Transportes responsável pelo

transporte e manutenção dos mesmos.

Tínhamos como um dos objetivos diminuir o Consumo Específico de

Combustível de cada veículo, isto é, km/litro, com uma meta pré-

estabelecida para cada grupo de veículos do mesmo tipo.

É de se imaginar que era uma tarefa bastante difícil, pois com mais

de 2.000 motoristas, era praticamente impossível. Mesmo administrando

treinamento aos mesmos, muitas vezes não se conseguia atingir a meta

estabelecida sobre o consumo de gasolina.

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Certo dia do ano de 1976, foi publicada nos jornais a aventura da

“CARAVANA DA INTEGRAÇÃO NACIONAL” com veículos

movidos a álcool hidratado, pelo interior do Brasil, percorrendo um circuito

de 8.500 km.

Achei que essa seria a solução para a economia de combustível

derivado do petróleo.

Não tive dúvidas. Parti de São Paulo rumo a São José dos Campos.

Fui procurar o professor Urbano Ernesto STUMPF que, aliás, havia sido

meu professor.

Ao chegar ao CTA, dirigi-me à recepção do Laboratório de

MOTORES. Fui recebido por um oficial militar, que perguntou:

- “O senhor marcou audiência com o professor?”

Eu disse que não. Ele respondeu:

- “O senhor não poderá ser recebido por ele sem marcar uma

audiência.”

Eu retruquei:

- “Mas eu fui aluno dele no ITA!”

Ele respondeu:

- “Não podemos abrir exceções!”

Eu insisti:

- “Mas eu vim de São Paulo e não posso ser atendido?”

Ele respondeu:

- “É normal.”

Pensei com meus botões: Eu fui aluno do ITA, eu já o conhecia.

Mesmo assim, o oficial não permitiu que eu fosse atendido. Pensei que

tinha que arrumar uma maneira de falar com o professor. Joguei a última

cartada:

- “Pelo menos diga ao professor que um ex-aluno dele está aqui fora

e que deseja falar-lhe”.

- “Tudo bem, eu vou transmitir o recado”, disse o oficial.

Em seguida, vem o professor STUMPF com os braços erguidos,

falando alto e me abraçando:

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- “Oh, Murad, é você?”

Relatei qual era a minha intenção. Começamos a conversar sobre o

carro a álcool. Mostrou-me o laboratório onde os testes eram realizados.

Fomos almoçar juntos. No final da tarde, na hora de ir embora, ele disse:

- “Murad, providencie a cota de álcool para ser usada nos veículos e

o resto, quanto à parte técnica, deixe por nossa conta.”

Mais tarde, disseram-me que o professor STUMPF era guardado a

sete chaves para ser protegido do perigo de ser sequestrado (não sei se é

verdade).

Foi muito difícil obter a cota de álcool, pois os entendimentos eram

com a PETROBRAS e o IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool). A

burocracia era grande, mas acabamos conseguindo.

Logo em seguida, foi instalado o 1º posto de combustível (ETANOL)

pela TELESP, na Rua França Pinto, 616 – Vila Mariana – São Paulo – SP.

No dia seguinte, após a reunião com o professor STUMPF, enviei

um relatório para o meu superior hierárquico na TELESP, relatando tudo

sobre a visita. Fomos aconselhados, pelo professor, a entrar no programa

do PROÁLCOOL.

No relato da visita, eu afirmava que o programa era

IRREVERSÍVEL. Além do mais, a TELESP, sendo um órgão do governo,

ficaria com uma imagem boa e patriótica, se déssemos apoio ao programa.

A proposta foi aceita pela Diretoria da TELESP.

Conseguirmos transformar os primeiros 25 (vinte e cinco) veículos

Sedam VW-1300 (FUSCA) de gasolina para álcool, com a ajuda dos

técnicos do CTA – Eng. Clovis Michelan, Eng. Ronaldo Magalhães e

outros pertencentes à equipe do professor STUMPF, além da MOTORIT,

que realizou a transformação física dos motores.

Veja a seguir a cópia do relatório sobre a visita ao professor

STUMPF no ITA.

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CÓPIA

3. RELATÓRIO Nº OPT-1271/76

DATA: 23/10/76

ASSUNTO: VISITA AO PROFESSOR URBANO ERNESTO

STUMPF – CTA

DE: M. A. MURAD

PARA: OLAVO LAURO GRONAU

No dia 21/10/1976, foi realizada uma visita ao DEPARTAMENTO

DE MOTORES DO INSTITUTO DE PESQUISAS E

DESENVOLVIMENTO DO CENTRO TÉCNICO AEROESPACIAL

(CTA), órgão pertencente ao MINISTÉRIO DA AERONÁUTICA, em

SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. O contato foi feito com o professor

Engenheiro URBANO ERNESTO STUMPF, autor e responsável pela

pesquisa e desenvolvimento da aplicação do álcool em motores com as

devidas transformações do mesmo de gasolina para álcool, assim como o

desenvolvimento de um projeto de um novo motor puramente brasileiro

para utilização de álcool e os funcionários Eng. Murad Abu Murad e o

ECON. Humberto Bottcher.

O trabalho que está sendo desenvolvido pelo professor STUMPF é a

pedido do Ministério da Indústria e Comércio (MIC), para utilização do

álcool hidratado 95°GL, isto é, 5% (cinco por cento) de água em volume.

Visitamos todo o Laboratório, vimos vários dinamômetros sendo

utilizados nas medições de motores com álcool, inclusive um com

computador que estava testando o motor do CORCEL da FORD, com

álcool.

Foi esclarecido pelo professor que pode ser utilizado o álcool em

lugar da gasolina sem nenhuma modificação do motor, porém o rendimento

do mesmo torna-se baixo e o consumo se eleva, o que vem trazer prejuízos

ao país. O álcool é um produto tão importante quanto o petróleo, e não há

razão nenhuma de desperdício e desgaste do motor, além do mais, não

existe a quantidade suficiente.

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A pesquisa consiste em certas modificações no motor, que é simples,

porém requer uma orientação dos técnicos do CTA. Essas modificações já

foram feitas em motores de vários veículos. Para a frota da TELESP, o

veículo que tem o motor transformado é o VW 1300, já testado com bons

resultados, pelo CTA.

Para este tipo de veículo, o professor STUMPF se prontificou a fazer

a transformação em nossos veículos. Porém, para o Furgão VW que utiliza

o motor 1500 (para os novos: 1600) ainda não foi feito o estudo, mas a

TELESP pode encomendar uma pesquisa para este motor, o que levaria

aproximadamente 4 (quatro) meses de estudo com um custo estimado (a

grosso moo) em torno de CR$ 200.000,00 (duzentos mil cruzeiros). Neste

custo, entra a mão-de-obra, combustível, horas do dinamômetro, horas de

computador etc.

Fazendo uma comparação entre os dois veículos, como início, é

aconselhável a aplicação do álcool no SEDAN 1300 VW, aí o custo é bem

menor, será simplesmente das peças a serem modificadas (partida,

carburador, coletor etc.) e a TELESP possui uma quantidade suficiente

desses veículos para entrar em funcionamento com o motor a álcool.

Fomos informados que o CTA em conjunto com o MIC procurará

estabelecer um critério inicial de transformação de motores com frotas de

TAXI, frotistas, polícia etc.

O professor, após troca de idéias, acha que a TELESP como órgão do

governo, pelo tamanho da frota e pela oficina de manutenção que possui,

não terá problema nenhum para que seja aprovada a transformação. Ela

pode ser um pólo reprodutor para as demais empresas do grupo

TELEBRAS, cooperando com o governo.

Queira ou não, os estudos estão bem avançados, parece ser

irreversível! É o momento preciso de atacarmos o problema, entrando no

sistema.

São palavras finais do professor STUMPF:

- “Obtenha o álcool e o resto nós resolvemos para vocês. Damos toda

cobertura”.

O álcool deve ser conseguido no IAA (Instituto do Açúcar e Álcool).

Qual a quantidade?

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A DIVISÃO DE TRANSPORTES, após cálculos, apresentou o

seguinte parecer:

1 – Fazer a transformação progressiva em:

a) 10 veículos

b) 50 veículos

c) 100 veículos

2 – Aplicar a transformação inicialmente na Capital (SP)

3 – Entrar me contato com o IAA (INSTITUTO DO AÇÚCAR E

ÁLCOOL) para se conseguir uma cota de álcool, a saber:

a) 1ª FASE: a) 2.000 litros

b) 10.000 litros

c) 20.000 litros

b) 2ª FASE: Cota para abastecer o resto da frota SEDAN VW .

Atenciosamente

MURAD ABU MURAD

4. PREOCUPAÇÃO (COM O PROÁLCOOL)

A equipe técnica, responsável pela manutenção dos veículos, vivia

em sobressaltos.

A preocupação era grande porque, de que adiantaria resolver todos

os problemas políticos, econômicos etc., se o veículo não fosse capaz de

deslanchar?

Para o público, tudo estava às mil maravilhas. Aliás, não só para o

público, mas também para os burocratas. Afinal, para esses, o uso do

veículo a álcool já estava resolvido.

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Essa era a impressão enganosa aos olhos dos não técnicos. Para eles,

bastava colocar o álcool no tanque e pronto!

Era preciso manter viva a “chama” de que o veículo estava bem (mas

sabíamos que não era nada disso). Por quê? Simplesmente para preservar o

PROÁLCOOL! Vejam só a preocupação e os cuidados que tínhamos que

tomar.

É citado aqui o seguinte exemplo real, de atitudes que tivemos que

tomar para manter o programa respeitado.

Antes de serem lançados oficialmente os veículos movidos a álcool,

a revista “AUTO ESPORTE” telefonou-me solicitando que o campeão

mundial de FÓRMULA 1 JACKIE STEWART dirigisse um dos carros

da frota da TELESP. Eu neguei essa autorização, pois bastava uma

declaração sobre o mau desempenho do veículo e o PROÁLCOOL

desmoronaria.

Geralmente, eu ficava trabalhando até às 19h30, mas nesse dia fui

embora às 17h, no horário do final do expediente. Dessa escapei! Assim

pensei. Porém, às 22h30, um coronel assessor da presidência da TELESP

ligou para a minha casa dizendo que a presidência da TELESP havia

solicitado que eu fosse até o Hilton Hotel encontrar o JACKIE

STEWART e desse uma volta pela cidade com um veículo movido a

álcool. Eu contestei:

- “Vocês estão loucos! Vocês sabem que o PROÁLCOOL pode ir

por água abaixo só com uma declaração negativa do Jackie Stewart sobre o

desempenho do veículo?”

O coronel retrucou:

- “Mas é ordem do presidente. Ou você atende, ou já sabe o que pode

acontecer com você.”

Não tive alternativa. Tive que atender! Ele estava me colocando

entre a cruz e a espada.

No dia seguinte, cheguei ao escritório às 7h e pedi ao chefe da

oficina para separar AQUELE CARRO que sabíamos ser o melhor de

todos. Deixei um recado ao meu assistente engenheiro Alberto Patrício

Bolota para se encontrar comigo em frente ao Hilton.

Saindo da Barra Funda, fui ao encontro marcado dirigindo um VW

1300 Sedan (Fusca). Notei que o carro não deslanchava!

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Fiquei muito preocupado! Já estava sobre o Minhocão (Elevado

Costa e Silva) quando o veículo começou a melhorar seu desempenho.

Motivo: o encarregado da oficina não tinha esquentado o motor. Era

esse um dos grandes problemas do carro movido a álcool.

Ao me encontrar com o engenheiro no local marcado, pedi a ele que

deixasse o motor ligado até eu sair do hotel com o JACKIE STEWART.

Nesse momento, ele deveria desligar o motor. Dito e feito!

Entramos no veículo, o campeão deu partida e o motor, já bem

quente, respondeu rapidamente. Ele teve uma ótima impressão do veículo

(e nós também!), exclamando, com aquele sotaque estrangeiro: “OH,

BOM, MUITO BOM!” Eu pensei com meus botões: Enganamos esse

cara! Pois de bom, o veículo não tinha nada. Saímos dando voltas pela

cidade de São Paulo. A sorte foi que ele gostou e elogiou o carro a álcool.

QUE ALÍVIO! QUE SOFRIMENTO!

Muita coisa estava em jogo. Um pequeno deslize e tudo iria por água

abaixo!

E assim fomos colecionando SUSTOS e mais SUSTOS, pois a

responsabilidade de não desacreditar o PROÁLCOOL era muito grande. O

programa não podia falhar.

Como é difícil driblar o erro dos outros, devido às atitudes

impensadas!

ANEXO: Algumas fotos são aqui apresentadas, mostrando a presença de

JACKIE STEWART e parecer dele sobre o carro a álcool. Por sorte, ele

afirmou como sendo o veículo uma ótima solução, de modo a se poder

isolar do combustível derivado do petróleo. REPITO: Por sorte, foi

favorável o parecer dele!

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REPORTAGEM DA REVISTA “AUTO ESPORTE” SOBRE

O CARRO A ÁLCOOL

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RESUMO DE ALGUMAS CONSIDERAÇÕES DEVIDAS A

JACKIE STEWART E REVISTA AUTO ESPORTE SOBRE

O CARRO A ÁLCOOL

1) “JACKIE STEWART e a revista AUTO ESPORTE testam e aprovam

Fusca a álcool”

2) “AUTO ESPORTE é o primeiro órgão de comunicação no Brasil a andar

no primeiro automóvel movido a álcool, um VW 1300 da frota da

TELESP”.

3) “STEWART considerou muito válido o esforço do Brasil para

desenvolver uma tecnologia de substituição dos combustíveis derivados do

petróleo”.

4)“Numa manhã tipicamente paulistana de trânsito congestionado, a

reportagem de AUTO ESPORTE e o Eng. MURAD, chefe da Divisão de

Transportes da TELESP, foram ao encontro de JACKIE STEWART no

Hotel Hilton”.

5) Quando JACKIE STEWART entrou no veículo, perguntou: “Quanto o

veículo gasta de combustível na cidade?”

AUTO ESPORTE responde: “A resposta fica por conta do Eng. MURAD”,

o qual esclarece: “Em média os carros a álcool têm consumido de 7 a 8

km/litro de álcool na cidade, o que corresponde a 10% (dez por cento) a

mais do que o consumo normal da gasolina. Mas, por outro lado, existe

uma compensação do preço do álcool ser menor em relação ao preço da

gasolina”.

6) “STEWART tentou ligar o carro novamente e, com o motor quente, o

motor pegou fácil”.

Para vencer a dificuldade de partida, o Eng. MURAD explicou que um

dispositivo foi acoplado ao cabo do afogador, para permitir a injeção de

uma pequena quantidade de gasolina no motor, para ajudar na partida,

quando frio. É mais ou menos como um carro de corrida, disse STEWART.

7) OPINIÃO DE JACKIE STEWART:

Empolgado pela performance do carro e pela conscientização brasileira

com relação aos problemas energéticos, STEWART demonstrou admiração

pelo que havia sentido e ouvido. Disse ele:

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“Acho que qualquer recurso deve ser aplicado na procura de uma

alternativa para o petróleo como combustível. A partir do momento em que

órgãos públicos adotem medidas como esta, só pode haver uma influência

positiva junto ao motorista comum” (é o motorista que usa o seu próprio

veículo para se deslocar).

8) “Esta é a primeira vez que dirijo um carro a álcool na rua, isto é, que não

é em pista de corrida”. Estou demais impressionado!”

“O carro tem um desempenho idêntico ao que obteria com um carro a

gasolina. Em questão de segurança, o carro a álcool é melhor. O álcool é

muito menos volátil do que a gasolina”.

9) Ainda, STEWART pergunta: “E a durabilidade do motor é boa?”

Novamente, a resposta ficou por conta do Eng. MURAD, que afirmou

sobre as experiências do CTA: “A durabilidade tem se mostrado no mínimo

igual aos motores movidos a gasolina”.

10) STEWART voltou a falar: “Que eu saiba, parece que o Brasil é o

primeiro país a aplicar, a curto prazo, o álcool combustível nos veículos”.

Disse ainda: “Sobre a dirigibilidade do carro, estou, realmente, muito

impressionado. O carro é bom e mostrou-se tecnicamente muito eficiente.

O motor é mais potente com o álcool, além disso, o álcool é bem menos

poluente que a gasolina”.

11) Afirmou ainda: “Acho que a indústria automobilística brasileira poderia

desenvolver projetos de carro a álcool para comprador normal, assim como

se faz com o Diesel”.

12) STEWART considerou muito válido o esforço do Brasil para

desenvolver uma tecnologia de substituição dos combustíveis derivados do

petróleo.

13) No teste realizado, o “FUSCA a álcool mostrou mais elasticidade e não

houve nenhuma dificuldade para conseguir partida a frio do motor”, disse

STEWART.

14) No final, ficou a certeza de que o álcool combustível é uma opção

válida e que pode ser facilmente aplicada em larga escala. E ficou,

principalmente, a certeza da admiração e do sucesso obtido pelo carro a

álcool em um homem que dedicou a maior parte de sua vida aos motores e

à técnica de utilizá-los.

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5. TREINAMENTO DE MOTORISTAS

O treinamento de motoristas não era simplesmente ensiná-los a

dirigir o veículo movido a álcool e sim, principalmente, o comportamento

deles com relação ao público.

Perguntas surgiam e era necessário dar respostas plausíveis. É claro

que não há diferença nenhuma em dirigir um carro a álcool ou a gasolina.

Mas, pensando no sucesso do PROÁLCOOL, era preciso tomar

muito cuidado, era necessário fazer uma ‘lavagem cerebral’ (no bom

sentido).

Durante o treinamento, nós (Clovis Michelan e eu) tocávamos no

orgulho deles, dizendo:

- “Vocês são os primeiros motoristas do mundo a dirigir um veículo

movido a álcool. Vocês vão poder contar aos seus filhos e netos com muito

orgulho essa proeza”.

E assim por diante. Durante o treinamento, orientávamos para que,

ao serem abordados na rua com perguntas sobre o comportamento, a

performance do carro a álcool, deveriam responder com orgulho e firmeza:

- “O motor é mais potente, o combustível é mais barato e, além do

mais, é um combustível nacional e menos poluente.”

Não podíamos descuidar em nenhum instante. Tínhamos que ficar

alertas para evitar qualquer sinal negativo sobre o PROÁLCOOL.

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FOTOS HISTÓRICAS

Foto 1: 1ª palestra de Treinamento de Motoristas. Em pé: Murad Abu

Murad (Telesp); sentado: Clóvis Michelan (CTA) (1/6/77)

Foto 2: Palestra de Treinamento de Motoristas. Em pé: Murad Abu Murad

(Telesp); sentado: Clóvis Michelan (CTA) (1/6/77)

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Foto 3: Palestra de Treinamento de Motoristas. Sentado: Murad Abu

Murad (Telesp); em pé: Clóvis Michelan (CTA) (1/6/77)

Foto 4: Palestra de Treinamento de Motoristas. Clóvis Michelan (CTA)

(1/6/77)

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Foto 5: Classe de motoristas em treinamento

Foto 6: Classe de motoristas em treinamento. Clóvis Michelan (CTA)

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Foto 7: Classe de motoristas em treinamento. Clóvis Michelan (CTA)

Foto 8: 1ª TRU (Taxa Rodoviária Única) nº 166171104 do 1º veículo

movido a etanol – SEDAN VW 1300 – Código Telesp 7-437

Placa JQ 7163. Mostrada por Murad Abu Murad (direita) e

Alberto M. Bolota Patricio (esquerda) (27/5/77)

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Foto 9: 1º veículo movido a etanol – SEDAN 1300 VW.

Código Telesp 7-437 – Placa JQ 7163 dirigido por Murad Abu Murad

Foto 10: Colocação do 1º motor transformado de gasolina para etanol no

veículo SEDAN VW 1300 – Código Telesp 7-437 – Placa JQ 7163 na

oficina de manutenção da Divisão de Transporte da Telesp na Avenida dos

Emissários, 206 – São Paulo (Bairro Barra Funda) em 27/5/77, com a

presença do Sr. Dennis, da Retífica Motorit, Alberto M. Bolota Patricio

(Telesp) e Murad Abu Murad (Telesp)

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Foto 11: Grupo de trabalho para a montagem do 1º motor transformado de

gasolina para etanol no 1º veículo a ser movido a etanol, na oficina de

manutenção, constituído de representantes da Telesp, CTA e Motorit

(27/5/77)

Foto 12: Bilhete de Seguro Obrigatório nº 37541 do 1º veículo movido a

etanol, SEDAN VW 1300 – Placa JQ 7163 e Código Telesp nº 7-437

(28/3/77)

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Foto 13: Certificado de Propriedade do 1º veículo movido a álcool.

Certificado nº 1426033 – SEDAN VW 1300 Placa JQ 7163 – Código

Telesp 7-437 (4/4/77)

Foto 14: 1ª TRU (Taxa Rodoviária Única) nº 166171104 do 1º veículo

movido a álcool (19/5/77)

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Foto 15: 1º Posto de Abastecimento de combustível (etanol); inauguração

na Rua França Pinto, 616 – Vila Mariana – São Paulo - SP

6. LANÇAMENTO DOS PRIMEIROS VEÍCULOS

MOVIDOS A ÁLCOOL

Sempre é interessante e festivo o lançamento de um produto qualquer

no mercado.

Não fugiu da regra o lançamento desses veículos movidos a álcool.

Foi muito interessante, mas preocupante.

No dia 02/08/1977, foram lançados oficialmente os 25 primeiros

veículos movidos a álcool em frente à sede da TELESP, na Rua Martiniano

de Carvalho.

Uma coisa eu aprendi (para não dar vexame), quando fui buscar o

JACKIE STEWART no Hotel Hilton – deixar o motor do veículo movido a

álcool aquecido. Dessa forma, solicitei aos motoristas que colocassem os

veículos perpendicularmente ao meio fio da calçada com o motor ligado,

para não termos surpresas desagradáveis com o motor frio (apanhando se

aprende!).

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O motor a álcool era muito demorado para aquecer em relação ao

motor a gasolina.

Os motoristas aceleravam bastante, parecia que estavam em

Interlagos e, com isso, iam despertando a atenção da multidão que se

aglomerava curiosa em frente à TELESP.

Estavam presentes três ministros: TELEBRAS, MIC (Ministério da

Indústria e Comércio) e Aeronáutica. Começaram os discursos, os veículos

silenciaram.

Terminada a festa de lançamento, um indivíduo, orgulhosamente,

sem maldade, anuncia no microfone:

- “Agora, a frota dos veículos a álcool vai desfilar pela cidade!”

Isso não fazia parte do programa. Meu coração foi parar na boca. Eu

tinha pressa em recolher os veículos. Comecei a ficar preocupado. Pensei:

- “E se um desses veículos apresentasse algum problema e precisasse

ser guinchado?”

A imprensa, tanto escrita quanto televisionada estava presente. Seria

um prato cheio para os repórteres. Mais uma vez, surgia a ameaça ao

PROÁLCOOL. Era um sufoco, que dor de cabeça, eu suava frio! Os

motores a álcool funcionavam mal. Não eram confiáveis.

Só mesmo quem tratava diretamente com o veículo, o pessoal da

manutenção, é que sabia das dificuldades. Os outros achavam que o

problema já estava resolvido.

Para eles, o carro a álcool já era realidade. Tudo era muito bonito. O

Brasil podia se considerar livre de importação de petróleo. Seria

autossuficiente em combustível com a introdução do ETANOL.

Só sobravam “pepinos” para os técnicos resolverem, ajustarem etc.

Mas os técnicos conheciam bem os problemas que eram apresentados.

Prevíamos que algum problema poderia acontecer durante o desfile.

Introduzi um veículo a gasolina com mecânico e ferramentas, caso fosse

necessário um socorro imediato.

Funcionou! Foi uma artimanha para salvar o PROÁLCOOL

(malandragem). Mas o que fazer diante da situação apresentada?

Mais uma vez, o PROÁLCOOL nos deu um “banho”. Alguém tem

conhecimento desses detalhes? Nunca foi escrito nada sobre essas

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peripécias. Dava-se a impressão de que tudo ia muito bem. Tudo pelo

PROÁLCOOL.

Assim o PROÁLCOOL ia sobrevivendo, era salvo mais uma vez.

Alguém tinha que se preocupar com ele, caso contrário, tudo o que

havia sido dito, escrito, discutido não teria nenhum sentido.

Enquanto as autoridades presentes festejavam, levantando o copo de

uísque, brindando o evento, eu recebia os veículos brindados com o

ETANOL.

Caso algum veículo enguiçasse, que vexame, que sufoco!

Esse foi o marco zero, registrando a TELESP como a primeira

empresa a utilizar veículos movidos a álcool.

Após esse evento, outras empresas governamentais entraram n

programa.

7. “MOVIDO A ÁLCOOL”

Era importante identificar os veículos movidos a álcool que rodavam

pelas ruas de São Paulo. Além do mais, era necessário fazer uma

divulgação perante o público. Podemos dizer que era um verdadeiro

marketing para a TELESP e uma grande divulgação pelo Brasil todo,

mostrando a utilização de um combustível inteiramente nacional.

O entusiasmo sobre os veículos movidos a álcool era grande, indo

desde a diretoria até os mecânicos.

Alguma coisa devia ser escrita nas portas do veículo. Várias

sugestões foram apresentadas, inclusive uma da diretoria: “Combustível

verde, puramente nacional, renovável, de baixa poluição, objetivando a

redenção econômica do Brasil...”

Parecia mais a carta de Pero Vaz de Caminha.

Mas, no caso de uma colisão, quem iria consertar o veículo? Claro, a

oficina de manutenção!

Ou seja, escrever tudo isso na porta do veículo não era brincadeira.

Convoquei meu assistente, o engenheiro Alberto Patrício Bolota, para vir

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até a minha sala. Sentamos os dois ao redor da mesa e começamos a pensar

no que escrever.

Após muitas tentativas, chegamos à seguinte frase:

“MOTOR MOVIDO A ÁLCOOL”.

Pensando melhor, resumimos para:

“MOVIDO A ÁLCOOL”.

Foi a frase mais curta que conseguimos idealizar. Muito mais prática

para a manutenção e fácil na identificação do tipo de motor, especialmente

nas ruas.

8. PARTICIPAÇÃO DA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA

Não vamos elogiar ou criticar ninguém. Não é essa a nossa intenção.

Apenas relatamos o ocorrido.

Esse é um item que já foi comentado por várias autoridades em

artigos, livros etc.

Inicialmente, antes de entrar em contato com o professor STUMPF,

fui à fábrica da VW para discutir sobre a possibilidade de fornecer veículos

movidos a álcool hidratado (ETANOL).

A maior parte da frota de veículos da TELESP era VW. Pensei, nada

melhor consultá-los, antes de qualquer iniciativa. Passei o dia inteiro

conversando com os técnicos, dando sugestões. Não foi possível!

Informaram-me que no momento não estavam em condições de fornecer

veículos VW movidos a ETANOL. Disseram-me ainda que levaria

aproximadamente quatro a cinco anos para se produzir esse tipo de motor.

Pareciam não se interessar pelo projeto. Não consegui convencê-los.

Percebi que não estavam entusiasmados.

Não tive dúvidas. Foi a partir daí que decidi conversar com o

professor STUMPF, conforme já relatado.

Após seis meses, estávamos com os primeiros 25 veículos movidos a

álcool lançados na frota.

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Houve grande resistência das indústrias automobilísticas em aderir

ao programa do álcool. Só mais tarde é que resolveram que tinham que

entrar no sistema.

A FIAT deu o início, lançando os primeiros veículos movidos a

álcool em sua linha de montagem, saindo na frente das demais montadoras.

Como se vê, a impressão que eu tinha é que as montadoras

procuravam dificultar o avanço dessa nova tecnologia.

9. INTERFERÊNCIA DE TERCEIROS

A) CONSTRANGIMENTO

Nós tínhamos mais sofrimentos e sustos do que alegria. A todo o

instante tínhamos novidades desastrosas sobre o comportamento do carro a

álcool.

Após o lançamento dos primeiros 25 veículos movidos a álcool

hidratado, outras empresas, especialmente estatais, se dirigiam à TELESP

procurando outras informações sobre a transformação do motor.

Uns pediam informações, outros solicitavam que fizéssemos uma

palestra sobre o assunto em suas empresas. Houve, inclusive, um episódio

que acabou causando certo constrangimento. Um dos diretores da

SUDENE, sediada no Recife, telefonou-me solicitando que se realizasse

uma palestra. Eu respondi que não poderia ir sem uma autorização superior.

Pedi que entrasse em contato com a presidência da TELESP.

O solicitante era um coronel. Ele pediu que fosse eu o designado

para dar a palestra na SUDENE. Insistiu:

- “Eu quero que seja o engenheiro Murad a dar a palestra, pois

estamos muito interessados no assunto. Além do mais, ele é um técnico.”

Com muito custo, foi aprovada a minha ida a Recife, porém, um

assessor da presidência foi designado para me acompanhar. Mais tarde,

esse assessor me diria:

- “Eu não sei por que estou indo para Recife, eu não entendo nada de

álcool.”

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Para essa palestra eu convidei um engenheiro do CTA, que entendia

bastante do assunto. Era mais um técnico para trocarmos ideia. Era o

engenheiro Clovis Michelan, que fazia parte da equipe do professor

STUMPF.

Tudo bem, partimos para Recife. Ao chegarmos ao aeroporto, já era

noite. A SUDENE havia ficado de enviar um veículo para nos levar para o

hotel.

Nada de chegar o veículo para nos pegar.

Nesse momento, tinha outro carro da SUDENE com motorista (não

era o nosso) aguardando outra pessoa. Ele se prontificou a nos levar para o

hotel onde a SUDENE alojava seus convidados.

Não estávamos entendendo nada. Foi tudo desencontrado.

No dia seguinte, um funcionário da SUDENE nos procurou em tudo

quanto era hotel, até nos localizar.

De manhã, eu vejo debaixo da porta do quarto um bilhete

informando que alguém estaria no saguão do hotel. Essa pessoa da

SUDENE estava tentando entender o ocorrido e o desencontro.

Nós não sabíamos de nada! Também não entendíamos nada do que

estava se passando.

Esse indivíduo nos levou até a sede da SUDENE. Fomos recebidos

por um coronel (não me lembro seu nome), que nos perguntou:

- “O que é que houve? Minha secretária recebeu um telefonema de

um coronel assessor da presidência da TELESP, informando que o Sr.

Murad não viria mais para o Recife, por precisarem dele na TELESP.”

A ligação havia sido feita mais ou menos às 17h. Interessante, pois

nesse horário já estávamos sobrevoando Vitória, Espírito Santo.

O coronel da SUDENE ficou furioso com o ocorrido, esbravejava,

queria saber quem era esse coronel da TELESP. O assessor da presidência

que tentou cancelar a palestra não sabia que já tínhamos partido rumo a

Recife.

Foi um fora muito grande atribuído ao coronel.

Para aumentar mais o nosso susto, o avião, ao fazer escala no Rio de

Janeiro, fez um péssimo pouso. Caíram as máscaras de oxigênio e as malas,

houve gritaria. Um grande susto!

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Estou citando esse exemplo apenas para mostrar que existe sempre

alguém remando contra a maré, o que é prejudicial ao andamento dos

trabalhos. Isto é, existe uma grande ciumeira de muitas pessoas que fazem

de tudo para se destacar, mesmo sem entender do “riscado”.

O importante é que conseguimos fazer a palestra e orientar o pessoal

técnico da SUDENE.

B) DESPREPARO

Muitas pessoas, pelo entusiasmo, procuravam dar ideias

“fantásticas”, mas eram impraticáveis.

Em uma reunião em Brasília, foi proposto formar frotas de veículos

movidos a álcool.

Um participante sugeriu a aplicação do álcool em frotas de táxi, pois

teríamos muitas frotas pelo Brasil. Seria uma beleza. Ai, meu Deus! O

único a não concordar com a ideia fui eu.

ESCLARECENDO: Muitos taxistas dependiam do faturamento

diário. Eles precisavam manter a saúde e a alimentação da família. Seria

uma solução catastrófica! Os motoristas de táxi iriam fazer uma

propaganda negativa, devido às constantes paralisações de seus veículos,

que eram o seu ganha-pão.

O fato de ter frotas grandes não era a solução do problema. Era uma

ilusão. A frota de táxis era grande, mas a quantidade de motoristas também

era grande. Cada veículo com um motorista. Assim, milhares de motoristas

estariam reclamando da performance dos veículos a álcool. Aí, então,

estaríamos desprestigiando o PROÁLCOOL.

Os veículos a álcool ainda não eram confiáveis. Muitos problemas

ainda tinham que ser resolvidos, principalmente o carburador.

O pessoal responsável pela qualidade do motor, isto é, o pessoal da

manutenção, sofria muito com isso.

Esses veículos não eram só veículos de teste. Eram veículos de

trabalho. Quem iria aguentar a reclamação desses motoristas?

Estariam contestando: “O veículo não puxa. O veículo me deixou na

mão na rua.”

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Assim seriam as reclamações. Não era hora de convidar frotas

particulares para participarem do projeto.

Foi sugerido o convite de frotas de empresas governamentais. Essas

não iriam desmerecer o PROÁLCOOL.

Aliás, aproveitando a oportunidade, quero citar uma curiosidade do

público:

Muitos perguntavam se os motoristas não bebiam o álcool contido no

carro, tornando-se perigosos na direção do veículo, a exemplo de muitas

faxineiras residenciais que bebiam escondido o uísque do patrão.

A resposta era:

Em jejum era perigoso, sim, mas ao iniciar o trabalho com o veículo,

era fornecido ao motorista um kit contendo: um copo, uma porção de

açúcar, um limão e um saquinho de amendoim torrado.

O resultado era só gargalhada, com a brincadeira. Para completar,

pode-se afirmar que os técnicos responsáveis em melhorar a performance

do veículo movido a álcool viviam sobressaltados e preocupados. Eram

todos persistentes, incluindo os mecânicos, em melhorar a qualidade do

motor.

Bastava entrar um veículo movido a álcool na oficina de manutenção

para os responsáveis saírem correndo para verificar o que teria acontecido.

Muitas vezes o susto era simplesmente enganoso.

Entravam na oficina só para abastecer. Não era nenhum problema

mecânico. Ah, que alívio!!

Como já disse anteriormente, nós estávamos colecionando sustos e

mais sustos.

Era assim que o PROÁLCOOL conseguia sobreviver, com o

sacrifício e o orgulho de muitos.

Quero novamente salientar que o relato descrito aqui é simplesmente

um registro fiel do ocorrido há mais de 40 (quarenta) anos.

Assim como as fotos, que são uma comprovação da história do

PROÁLCOOL, a qual nunca foi relatada. É um documento histórico que

mostra como o PROÁLCOOL foi salvo!

MURAD ABU MURAD

[email protected]