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Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 780.401 - DF (2005/0146869-2) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : COMPANHIA IMOBILIÁRIA DE BRASÍLIA TERRACAP ADVOGADO : MIGUEL ROBERTO MOREIRA DA SILVA E OUTRO(S) RECORRIDO : INÊS EMÍLIA SOUSA DE ALMEIDA ADVOGADO : SÉRGIO DA COSTA MOREIRA - DEFENSOR PÚBLICO E OUTRO RECORRIDO : EDSON XAVIER DOS SANTOS ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS EMENTA Processo civil. Ação possessória, entre dois particulares, disputando área pública. Oposição apresentada pela Terracap. Extinção do processo, na origem, com fundamento na inadmissibilidade de se pleitear proteção fundamentada no domínio, durante o trâmite de ação possessória. Art. 923 do CPC. Necessidade de reforma. Recurso provido. - A jurisprudência do STJ pacificou-se no sentido de considerar públicos os bens pertencentes à Terracap. - Ao ingressar com oposição, a Terracap apenas demonstra seu domínio sobre a área para comprovar a natureza pública dos bens. A discussão fundamentada no domínio é meramente incidental. A pretensão manifestada no processo tem, como fundamento, a posse da Empresa Pública sobre a área. - A posse, pelo Estado, sobre bens públicos, notadamente quando se trata de bens dominicais, dá-se independentemente da demonstração do poder de fato sobre a coisa. Interpretação contrária seria incompatível com a necessidade de conferir proteção possessória à ampla parcela do território nacional de que é titular o Poder Público. - Se a posse, pelo Poder Público, decorre de sua titularidade sobre os bens, a oposição manifestada pela Terracap no processo não tem, como fundamento, seu domínio sobre a área pública, mas a posse dele decorrente, de modo que é incabível opor, à espécie, o óbice do art. 923 do CPC. Recurso especial conhecido e provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina e Paulo Furtado votaram com a Sra. Ministra Documento: 910114 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 21/09/2009 Página 1 de 12

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Posse pelo ente público

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Page 1: STJ, Resp 780401 - Posse Pelo Ente Público

Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 780.401 - DF (2005/0146869-2)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHIRECORRENTE : COMPANHIA IMOBILIÁRIA DE BRASÍLIA TERRACAP ADVOGADO : MIGUEL ROBERTO MOREIRA DA SILVA E OUTRO(S)RECORRIDO : INÊS EMÍLIA SOUSA DE ALMEIDA ADVOGADO : SÉRGIO DA COSTA MOREIRA - DEFENSOR PÚBLICO E

OUTRORECORRIDO : EDSON XAVIER DOS SANTOS ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

EMENTA

Processo civil. Ação possessória, entre dois particulares, disputando área pública. Oposição apresentada pela Terracap. Extinção do processo, na origem, com fundamento na inadmissibilidade de se pleitear proteção fundamentada no domínio, durante o trâmite de ação possessória. Art. 923 do CPC. Necessidade de reforma. Recurso provido.- A jurisprudência do STJ pacificou-se no sentido de considerar públicos os bens pertencentes à Terracap.- Ao ingressar com oposição, a Terracap apenas demonstra seu domínio sobre a área para comprovar a natureza pública dos bens. A discussão fundamentada no domínio é meramente incidental. A pretensão manifestada no processo tem, como fundamento, a posse da Empresa Pública sobre a área.- A posse, pelo Estado, sobre bens públicos, notadamente quando se trata de bens dominicais, dá-se independentemente da demonstração do poder de fato sobre a coisa. Interpretação contrária seria incompatível com a necessidade de conferir proteção possessória à ampla parcela do território nacional de que é titular o Poder Público.- Se a posse, pelo Poder Público, decorre de sua titularidade sobre os bens, a oposição manifestada pela Terracap no processo não tem, como fundamento, seu domínio sobre a área pública, mas a posse dele decorrente, de modo que é incabível opor, à espécie, o óbice do art. 923 do CPC.Recurso especial conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina e Paulo Furtado votaram com a Sra. Ministra

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Relatora. Brasília (DF), 03 de setembro de 2009(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora

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RECURSO ESPECIAL Nº 780.401 - DF (2005/0146869-2)

RECORRENTE : COMPANHIA IMOBILIÁRIA DE BRASÍLIA TERRACAP ADVOGADO : MIGUEL ROBERTO MOREIRA DA SILVA E OUTRO(S)RECORRIDO : INÊS EMÍLIA SOUSA DE ALMEIDA ADVOGADO : SÉRGIO DA COSTA MOREIRA - DEFENSOR PÚBLICO E

OUTRORECORRIDO : EDSON XAVIER DOS SANTOS ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Trata-se de recurso especial interposto por COMPANHIA IMOBILIÁRIA

DE BRASÍLIA TERRACAP, com fundamento na alínea "a" do permissivo

constitucional, para impugnar acórdão exarado pelo TJ/DF.

Ação: de oposição, ajuizada pela ora recorrente, visando a pleitear para si

os direitos postulados em ação possessória na qual INÊS EMILIA SOUSA DE

ALMEIDA pleiteia de EDSON XAVIER DOS SANTOS o cumprimento de contrato de

cessão de direitos sobre "430m2 (quatrocentos e trinta metros quadrados) na Chácara de

nº 21 da QRO A, Candangolândia/DF, em 19 de outubro de 1999".

Na ação de oposição, a ora recorrente afirma que o imóvel litigioso,

indicado na Planta nº 152, do Projeto SICAD, localiza-se em TERRAS

DESAPROPRIADAS, no imóvel BANANAL, desmembrado do Município de Planaltina -

GO, e incorporado ao território do Distrito Federal" . Assim, a ação possessória estaria a

discutir terras públicas de propriedade da Opoente.

Sentença: julgou improcedente a oposição. Como fundamento, aduz que "o

opoente sustenta deter posse com base na propriedade e que, por outro lado, as partes

que figuram na ação possessória clamam pela posse apenas com base na própria posse,

ou seja, na situação fática de ocupação do bem" . Assim, para o juízo de primeiro grau,

"não cabe a defesa da posse com base na propriedade na lide em que se apenas discute

posse, pela simples razão de que o opoente reclama, na verdade, o domínio, e não a

posse invocada por terceiros."

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O juízo de primeiro grau, porém, ressaltou que "nada obsta, contudo, que

mesmo sendo eventualmente reconhecida a posse em favor de um ou de outro, o

proprietário do bem reivindique a coisa por ação petitória. E, com efeito, não se trata de

mero poder que assite ao proprietário, mas, na realidade, um dever de reaver a coisa,

mormente quando versa sobre imóvel público que poderá ser regularmente ocupado por

terceiros para dar destinação diversa daquela que assim procedem as leis

administrativas" .

Recurso de Apelação: interposto pela TERRACAP. Nele, alegou que "os

apelados/opostos são nada mais nada menos que possuidores de má fé. São meros

detentores do imóvel público objeto do litígio" . Com isso, em seu entender, seria

imperioso que "o Judiciário, face ao caráter fungível destas ações, tivesse isto sim

deferido a REINTEGRAÇÃO DE POSSE à Apelante/Opoente, eis que a posse deve

sempre ser julgada a favor de quem detém o DOMÍNIO, no caso a TERRACAP" .

Acórdão: O TJ/DF houve por bem negar provimento ao recurso, nos

termos da seguinte ementa:

"DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE ENTRE PARTICULARES - OPOSIÇÃO DA TERRACAP - PRETENSÃO FUNDADA NO DOMÍNIO - IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - SENTENÇA MANTIDA.

1) Tratando-se de ação de reintegração de posse onde particulares não discutem o domínio do bem, incabível a oposição da Terracap, fundada na propriedade do imóvel. 2) É juridicamente impossível o pedido de posse formulado pelo opoente com base em seu domínio, se a lide principal tem caráter meramente possessório. 3) Precedentes jurisprudenciais. 4) Sentença mantida por seus próprios fundamentos."

Embargos de declaração: opostos pela ora recorrente, foram rejeitados

pelo Tribunal a quo.

Recurso especial: interposto pela Terracap, com fundamento nas alíneas 'a'

e 'c' do permissivo constitucional. Alega-se violação dos arts. 920 a 931 do CPC, bem

como aos arts. 1.196, 1.208 e 1.210, §2º, todos do CC/02. Também é argüída divergência

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jurisprudencial.

É o relatório.

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RECURSO ESPECIAL Nº 780.401 - DF (2005/0146869-2) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHIRECORRENTE : COMPANHIA IMOBILIÁRIA DE BRASÍLIA TERRACAP ADVOGADO : MIGUEL ROBERTO MOREIRA DA SILVA E OUTRO(S)RECORRIDO : INÊS EMÍLIA SOUSA DE ALMEIDA ADVOGADO : SÉRGIO DA COSTA MOREIRA - DEFENSOR PÚBLICO E

OUTRORECORRIDO : EDSON XAVIER DOS SANTOS ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

I - Prequestionamento:

Nenhum dos dispositivos do CC/02 (Lei nº 10.406/2002) poderá ser

invocado para a regulação da matéria posta à apreciação neste recurso especial. A

oposição ora discutida foi proposta em 8 de maio de 2000, antes da entrada em vigor do

novo código. A matéria, portanto, regula-se pelas disposições do CC/16.

O fato de haver, no voto proferido pelo Des. Revisor, a menção expressa ao

art. 1.210, §2º do CC/02, não modifica esta conclusão. O acórdão se equivocou ao

invocar o novo Código para a regulação desta lide e tal circunstância deveria ter sido

ressaltada pelo recorrente em sede de embargos de declaração. Não se ressaltou essa

circunstância e, ainda que ela tivesse sido suscitada, o presente recurso especial não

veicula o pedido de anulação do acórdão recorrido por violação do art. 535 do CPC. A

matéria, portanto, não poderá ser conhecida nesta sede.

E nem se argumente que as disposições do CC/02 apenas reproduzem o que

já estava regulado pelo Código anterior. Primeiro, porque o recorrente não afirma isso

nas razões do recurso especial (salvo, de maneira superficial e indireta, a fls. 209/STJ).

Segundo, porque de qualquer modo seria imprescindível que a norma que efetivamente

regula a relação jurídica tivesse sido objeto de análise pelo acórdão recorrido, e de pedido

neste recurso especial. É importante que se lembre que os recursos dirigidos aos tribunais

superiores, por sua excepcionalidade, demandam técnica apurada em sua elaboração. A

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afirmação de violação tem de ser precisa, clara, objetiva e direta.

No que diz respeito aos arts. 920 e seguintes do CPC, observa-se que, deles,

apenas o art. 923 está prequestionado, de maneira expressa, pelo aresto impugnado. E, de

todo modo, é essa a norma que deu base ao acórdão recorrido. A sua violação, portanto,

poderá ser apreciada.

II - Violação ao art. 923 do CPC

II.1) O precedente do STJ e a necessidade de discussão da matéria

Dispõe o art. 923 do CPC que, “na pendência do processo possessório, é

defeso, assim ao autor como ao réu, intentar a ação de reconhecimento do domínio."

Essa norma estabelece limite à Oposição da exceção de domínio nas ações

em que se discute exclusivamente a posse. Vale dizer: se a proteção jurídica pleiteada

pelo autor na inicial é unicamente aquela conferida à posse, e se tal pleito é feito

mediante o procedimento específico para tanto previsto pelo Código de Processo Civil, a

discussão do processo deve se limitar esse aspecto da controvérsia, sendo

desaconselhável que ela seja estendida mediante a inclusão de argumentos relativos à

propriedade da área. A posse, hoje é cediço, encontra proteção autônoma em relação ao

domínio. Os requisitos para sua proteção são diferentes dos requisitos para a defesa da

propriedade, assim como o são a forma pela qual, do ponto de vista processual, cada uma

dessas proteções legais é pleiteada.

Na hipótese dos autos, o recorrente não é nem autor, nem réu na ação

possessória em curso. Tal ação foi proposta por INÊS EMÍLIA SOUZA DE ALMEIDA

em face de EDSON XAVIER DOS SANTOS, com fundamento em contrato de cessão

de direitos firmado entre ambos. A Terracap, ora recorrente, é terceira em relação àquele

processo. Ela participou dele apenas porque ingressou, como terceiro, com a ação de

oposição regulada pelos arts. 56 e seguintes do CPC, excluindo tanto o direito do autor

como do réu, de modo a obter para si o bem objeto do litígio. Resta saber, portanto, se a

regra do art. 923 do CPC impediria o conhecimento dessa Oposição.

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Há um precedente desta Terceira Turma que tratou de ação de todo similar

à presente. Trata-se do REsp nº 493927/DF (Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ

de 18/12/2006. Eis a ementa do julgado:

"PROCESSO CIVIL - INTERVENÇÃO DE TERCEIROS - OPOSIÇÃO.

Mesmo que se trate de bem público, ação possessória não admite oposição luvada em propriedade imóvel."

Da mesma forma que no processo ora em julgamento, a Oposição julgada

nesse precedente também foi apresentada pela Terracap. Nele, a Terceira Turma afastou

o cabimento da medida sob o argumento de que a oposição “deve ser atinente apenas à

posse controvertida entre os opostos” , sendo inadmissível autorizar discussão quanto à

propriedade, no juízo possessório.

Participei do referido julgamento, acompanhando o voto exarado pelo i.

Min. Relator. Contudo, entendo que a matéria mereça nova discussão, por dois motivos.

Em primeiro lugar, porque hoje se pacificou o entendimento do STJ acerca da natureza

pública , e não privada , dos bens titularizados pela Terracap (EREsp nº 695928/DF, Corte

Especial, Rel. Min. José Delgado, DJ 18.12.2006), o que traz alguns questionamentos

importantes não abordados no precedente, conforme se verá abaixo. Em segundo lugar,

porque no TJ/DF (de onde provém todos os processos que envolvem a posse ou a

propriedade de imóveis pela Terracap), o entendimento sobre a questão ainda é

controvertido.

II.2) A controvérsia no âmbito do TJ/DF e a posse sobre bens públicos

No TJ/DF, há precedentes que não admitem discutir a posse da Terracap

mediante ação de oposição (APC. 20010111215520/DF, Rel. Des. Maria de Fátima

Rafael de Aguiar Ramos, 1ª Turma, DJU de 8/6/2009; APC 20040110062679/DF, Rel.

Des. Dácio Vieira, 5ª Turma, DJU de 26/6/2008; APC 20030110196025/DF, Rel. Des.

Haydevalda Sampaio, 5ª Turma, DJU de 23/4/2008, entre outros); e há precedentes que

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admitem tal Oposição (APC 20050110767563/DF, 4ª Turma, Rel. Des. Hector Valverde

Santana, DJU de 15/4/2009; APC 20050110798840/DF, Rel. Des. Luciano Vasconcellos,

1ª Turma, DJU de 16/6/2008 e EIC/APC 20010110245045/DF, Rel. Des. Vera Andrighi,

1ª Câmara Cível, DJU de 28/8/2007, entre outros).

Os principais argumentos que sustentam os precedentes no sentido do

cabimento da Oposição, são os de que: (i) não existe posse sobre terras públicas sem que

haja autorização ou permissão do Poder Público; (ii) é desnecessário o exercício do poder

de fato sobre a coisa, para que se reconheça a posse do bem, pelo Poder Público; (iii) a

utilização de bens públicos por particulares não caracteriza posse, mas mera ocupação

tolerada pelo Poder Público; (iv) todos os argumentos relativos ao domínio da área

prestam-se apenas para demonstrar que se trata de bem público, de modo a gerar as

conseqüências descritas acima; entre outros argumentos, de menor envergadura.

Esses argumentos não foram levados em consideração no julgamento do

referido REsp 493.927/DF. Seu enfrentamento, contudo, é fundamental.

A jurisprudência do STJ tem se posicionado no sentido de não admitir o

exercício, por particular, de posse não autorizada sobre bens públicos, em ações de que

seja parte um ente público . Nesse sentido há inúmeros precedentes, dos quais se pinçam

os seguintes: REsp nº 146.367/DF, 4ª Turma, Relator o Ministro Barros Monteiro, DJ de

14/3/05; AgRg no Ag 648.180/DF, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª Turma,

DJ de 14/05/2007; REsp 863.939/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, DJe

24/11/2008; REsp 699.374/DF, Rel. in. Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª Turma, DJ

18/06/2007; e REsp 489.732/DF, Rel. Min. Barros Monteiro, 4ª Turma, DJ 13/06/2005.

Em ações na qual contendem apenas dois particulares, sem participação

do poder público , a matéria não tem sido tratada por esta Corte. Trata-se de tema

complexo, que não é objeto deste processo e que demanda sua discussão em precedente

específico que trate da matéria.

A existência ou inexistência da possibilidade de dois particulares

disputarem, entre si, a posse de bem público por meio de interditos possessórios, não

assume relevância para este processo. Aqui, a partir do ingresso da Terracap, a posse dos

particulares sobre a área pública passou a ser disputada em face da titular dos bens Documento: 910114 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 21/09/2009 Página 9 de 12

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públicos. Portanto, a causa converge para os inúmeros precedentes supracitados, que

abordam a posse de bem público contra a administração.

Neste ponto, vale observar que, na verdade, a Oposição da Terracap não se

funda no domínio da área pública. O domínio, como bem observado em diversos

precedentes exarados pelo TJ/DF sobre a matéria, é arguído tão somente para demonstrar

a natureza pública dos bens e sua titularidade, pela Terracap. Mas o direito dessa

empresa pública tem, como fundamento, a sua posse sobre a área, e a inexistência de

melhor posse por parte dos particulares que a ocuparam de maneira irregular. O domínio,

portanto, é alegado apenas incidentalmente, e como meio de demonstração da posse.

Quando se trata de bens públicos, não se pode exigir do Poder Público que

demonstre a o poder físico sobre o imóvel, para que se caracterize a posse sobre o bem.

Esse procedimento é incompatível com a amplitude das terras públicas, notadamente

quando se refere a bens de uso comum e dominicais. A posse do Estado sobre seus bens

deve ser considerada permanente, independendo de atos materiais de ocupação, sob pena

de tornar inviável, sempre, conferir aos bens do Estado a proteção possessória que,

paralelamente a medidas administrativas, é-lhe facultada pelo art. 20 do DL 9.760/46.

Disso decorre que a ocupação do bens públicos por particulares não

implica, tão somente, um ato contrário à propriedade do Estado, mas um verdadeiro ato

de esbulho à posse da Administração sobre esses bens. A intervenção de terceiro na

modalidade de Oposição em julgamento, portanto, não tem como fundamento o domínio,

este alegado incidentalmente, mas a posse do Estado sobre a área, sendo incabível

afastá-la com fundamento na regra do art. 923 do CPC. Não há, aqui, uma ação petitória

opondo-se a uma pretensão possessória. Há o conflito entre posses, e a necessidade de

decidi-lo tomando-se como parâmetro a posse mais antiga.

Ao aplicar a vedação contida no art. 923 do CPC, portanto, em hipótese não

regulada por essa norma, o TJ/DF acabou por violá-la.

Forte em tais razões, conheço do presente recurso especial e lhe dou

provimento para o fim de reformar o acórdão recorrido e, admitindo a oposição

apresentada pela Terracap, determinar ao juízo de Primeiro Grau que a julgue, Documento: 910114 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 21/09/2009 Página 1 0 de 12

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conjuntamente com a causa principal ou na forma do art. 60 do CPC, caso o processo

principal já tenha sido julgado.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOTERCEIRA TURMA

Número Registro: 2005/0146869-2 REsp 780401 / DF

Números Origem: 1334106 19990110230614 20000110334106

PAUTA: 03/09/2009 JULGADO: 03/09/2009

RelatoraExma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro SIDNEI BENETI

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. MAURÍCIO DE PAULA CARDOSO

SecretáriaBela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : COMPANHIA IMOBILIÁRIA DE BRASÍLIA TERRACAPADVOGADO : MIGUEL ROBERTO MOREIRA DA SILVA E OUTRO(S)RECORRIDO : INÊS EMÍLIA SOUSA DE ALMEIDAADVOGADO : SÉRGIO DA COSTA MOREIRA - DEFENSOR PÚBLICO E OUTRORECORRIDO : EDSON XAVIER DOS SANTOSADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS) e Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ/BA) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília, 03 de setembro de 2009

MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHASecretária

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