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SONEGAÇÃO FISCAL (ART. 3º DA LEI 8.137/90) Elaborado em 29/07/2014 Márcio André Lopes Cavalcante Obs: essa é uma primeira edição do material. Por maior que tenha sido o esforço e cuidado, é possível que haja alguns pequenos equívocos que serão corrigidos. Caso seja algo importante, você será avisado no site. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA Normalmente, imagina-se que os crimes contra a ordem tributária são apenas aqueles previstos nos arts. 1º e 3º da Lei n. 8.137/90. Trata-se de um engano. Além desse diploma, existem também crimes tributários tipificados no Código Penal. Vejamos os crimes tributários existentes atualmente: Na Lei n. 8.137/90: Sonegação fiscal (art. 1º); Crimes da mesma natureza de sonegação fiscal (art. 2º); Crimes funcionais tributários (art. 3º). No Código Penal: Descaminho (art. 334); Sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A); Apropriação indébita previdenciária (art. 168-A); Excesso de exação (art. 316, § 1º); Facilitação de contrabando ou descaminho (art. 318); Falsificação de papeis públicos (art. 293, I e V). LEI 8.137/90 A Lei n. 8.137/90, em seus arts. 1º e 3º, define crimes contra a ordem tributária. Os arts. 1º e 2º da Lei trazem os crimes praticados por particulares contra a ordem tributária. O art. 3º, por sua vez, prevê crimes funcionais contra a ordem tributária, exigindo que sejam praticados por funcionários públicos e em razão da função. Vamos aproveitar este julgado para fazer um estudo sobre o art. 1º. ART. 1º O art. 1º da Lei n. 8.137/90 prevê cinco delitos, um em cada inciso. CAPÍTULO I Dos Crimes Contra a Ordem Tributária Seção I Dos crimes praticados por particulares

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SONEGAÇÃO FISCAL

(ART. 3º DA LEI 8.137/90) Elaborado em 29/07/2014

Márcio André Lopes Cavalcante Obs: essa é uma primeira edição do material. Por maior que tenha sido o esforço e cuidado, é possível que haja alguns pequenos equívocos que serão corrigidos. Caso seja algo importante, você será avisado no site.

CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA Normalmente, imagina-se que os crimes contra a ordem tributária são apenas aqueles previstos nos arts.

1º e 3º da Lei n. 8.137/90. Trata-se de um engano. Além desse diploma, existem também crimes tributários tipificados no Código Penal. Vejamos os crimes tributários existentes atualmente:

Na Lei n. 8.137/90:

Sonegação fiscal (art. 1º);

Crimes da mesma natureza de sonegação fiscal (art. 2º);

Crimes funcionais tributários (art. 3º). No Código Penal:

Descaminho (art. 334);

Sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A);

Apropriação indébita previdenciária (art. 168-A);

Excesso de exação (art. 316, § 1º);

Facilitação de contrabando ou descaminho (art. 318);

Falsificação de papeis públicos (art. 293, I e V). LEI 8.137/90

A Lei n. 8.137/90, em seus arts. 1º e 3º, define crimes contra a ordem tributária. Os arts. 1º e 2º da Lei trazem os crimes praticados por particulares contra a ordem tributária. O art. 3º, por sua vez, prevê crimes funcionais contra a ordem tributária, exigindo que sejam praticados por funcionários públicos e em razão da função. Vamos aproveitar este julgado para fazer um estudo sobre o art. 1º. ART. 1º

O art. 1º da Lei n. 8.137/90 prevê cinco delitos, um em cada inciso. CAPÍTULO I Dos Crimes Contra a Ordem Tributária Seção I Dos crimes praticados por particulares

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Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

Estrutura do art. 1º:

O art. 1º da Lei n. 8.137/90 traz a seguinte estrutura: no caput, ele prevê que é crime suprimir ou reduzir tributo. Já nos seus cinco incisos são previstas as condutas por meio das quais o agente suprime ou reduz o tributo. Assim, para ser crime, o indivíduo deverá praticar uma das condutas dos incisos e por meio delas suprimido ou reduzido o tributo que era devido. Bem jurídico: O bem jurídico protegido é o interesse do Estado na arrecadação dos tributos (ordem tributária). Sujeito ativo: Trata-se de crime comum, ou seja, pode ser praticado por qualquer pessoa. O autor não precisa ser o contribuinte ou responsável Na maioria das vezes o autor do crime é o contribuinte ou o responsável pelo tributo. No entanto, é possível que outras pessoas também pratiquem o delito. Ex: o contador da pessoa jurídica pode ser o autor do delito mesmo não sendo o sujeito passivo do tributo. Pessoa jurídica não pode ser sujeito ativo Algumas vezes o delito é praticado por meio da pessoa jurídica. Ocorre que a CF/88 não autoriza a responsabilidade penal da pessoa jurídica por crimes tributários (isso é possível no caso de crimes ambientais). Logo, nessa hipótese, quem responderá penalmente é o administrador e outras pessoas físicas que tenham tomados as decisões. Teoria do domínio do fato Nos crimes tributários é muito comum a invocação da teoria do domínio do fato. Isso porque na maioria dos casos quem pratica a conduta de suprimir ou reduzir tributo é o empregado, gerente ou contador da pessoa jurídica. No entanto, a orientação para que fosse feito dessa forma partiu de um sócio-administrador da empresa. Pela teoria tradicional, o autor é aquela pessoa que pratica o verbo nuclear do tipo. Logo, o empregado, gerente ou contador seriam os autores do delito. A teoria do domínio do fato, criada na Alemanha em 1939 por Hans Welzel, teve a finalidade de ampliar o conceito de autor. Por força dessa teoria, pode também ser considerado autor aquele que, mesmo não realizando o núcleo do tipo, domina finalisticamente todo o seu desenrolar. Welzel dizia que autor é o “senhor do fato”. Dessa forma, pela teoria do domínio do fato o autor seria o sócio-administrador que decidiu e determinou que fossem praticados os atos necessários à supressão ou redução do tributo. Deve haver prova de alguma conduta do agente O simples fato de o acusado ser sócio e administrador da empresa constante da denúncia não pode levar a crer, necessariamente, que ele tivesse participação nos fatos delituosos, a ponto de se ter dispensado ao menos uma sinalização de sua conduta, ainda que breve, sob pena de restar configurada a repudiada responsabilidade criminal objetiva. STJ. 6ª Turma. HC 224.728/PE, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 10/06/2014. Sujeito passivo: o Estado (mais especificamente a pessoa jurídica de direito público que tinha o direito de arrecadar aquele determinado tributo que foi sonegado).

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Em que consiste o crime: - O crime ocorre quando a pessoa não paga nada (suprime) ou paga menos do que deveria (reduz) - o valor do tributo (imposto, taxa, empréstimos compulsórias, contribuição de melhoria ou

contribuições sociais) - ou o do acessório; - mediante uma das condutas fraudulentas previstas nos incisos. Tipo objetivo (verbos do tipo): O crime pune a conduta de suprimir ou reduzir o tributo devido. Suprimir: não pagar nada do valor que deveria. Reduzir: pagar menos que era devido. Consumação:

Art. 1º, incisos I a IV: crimes materiais.

Art. 1º, inciso V: crime formal. Tentativa: É possível, apesar de ser de difícil ocorrência na prática. Existe, no entanto, uma peculiaridade interessante. Caso o agente tente suprimir ou reduzir tributo mediante conduta fraudulenta, mas não consiga por circunstâncias alheias à sua vontade, ele irá responder

pelo crime do art. 2º, I, da Lei n. 8.137/90 (e não pelo art. 1º da Lei n. 8.137/90 c/c o art. 14, II, do CP). O art. 2º, I é a forma tentada do art. 1º. Em vez de se valer do art. 14 do CP para fazer a adequação típica da tentativa, utiliza-se o inciso I do art. 2º. Crime material e lançamento definitivo:

Como visto, os crimes dos incisos I a IV do art. 1º da Lei n. 8.137/90 são materiais. Assim, para que se configurem é indispensável a constituição definitiva do crédito tributário, nos termos da SV 24-STF:

Súmula vinculante 24-STF: Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.

A SV 24-STF não se aplica (não se exige constituição definitiva) para os seguintes delitos:

Art. 1º, inciso V.

Art. 2º, em todos os seus incisos. Impossibilidade de medidas cautelares penais antes da constituição definitiva Antes da constituição definitiva do crédito tributário não existe crime de sonegação. Logo, não é lícito que a autoridade policial inicie investigação para apurar esse fato e não é possível que o juiz decrete medidas cautelares penais (exs: quebra de sigilo, busca e apreensão etc.). Nesse sentido:

(...) Não existindo o lançamento definitivo do crédito tributário, revela-se ilegal a concessão de medida de busca e apreensão e de quebra de sigilo fiscal, em procedimento investigatório, visando apurar os crimes em apreço. (...) Ordem concedida de ofício, para reconhecer a ilicitude da prova obtida mediante a aludida cautelar, bem como determinar a devolução dos objetos apreendidos na empresa e na residência do ora paciente e levantar a quebra do sigilo bancário, que restou igualmente deferido. (STJ. 5ª Turma. HC 211.393/RS, julgado em 13/08/2013).

Ajuizamento da ação penal antes da constituição definitiva Imagine que, mesmo após a edição da SV 24-STF, o Ministério Público tenha oferecido denúncia contra o réu pelo art. 1º, I sem que tivesse havido constituição definitiva do crédito tributário. O juiz recebeu a

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denúncia. O réu impetrou habeas corpus invocando o enunciado. Antes que fosse julgado o HC, houve lançamento definitivo. O que deverá acontecer nesse caso? A superveniente constituição definitiva convalida o vício inicial? NÃO. A constituição do crédito tributário após o recebimento da denúncia não tem o condão de convalidar a ação penal que foi iniciada em descompasso com as normas jurídicas vigentes e com a SV24 do STF. Desde o nascedouro, essa ação penal é nula porque referente a atos desprovidos de tipicidade (STJ. 5ª Turma. HC 238.417/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 11/03/2014). Trata-se de vício processual que não é passível de convalidação (STF. 1ª Turma. HC 97854, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 11/03/2014). O MP poderá, no entanto, oferecer nova denúncia após a constituição definitiva. Se essa denúncia tivesse sido proposta antes da SV 24-STF, então, nesse caso, a solução poderia diferente e a superveniência da constituição definitiva do crédito tributário poderia convalidar a ação proposta sem esse pressuposto. Isso porque antes da súmula havia muita polêmica sobre a matéria, sendo razoável, em nome da segurança jurídica, convalidar esses atos. Existe um precedente o STJ nesse sentido:

(...) antes da edição da Súmula Vinculante n. 24-STF, devem prevalecer, não somente por imperativo legal, mas também em atendimento ao Sobreprincípio da Segurança Jurídica - aqui abarcadas a reserva legal, a taxatividade e a anterioridade da lei penal -, as decisões proferidas pelas instâncias ordinárias, cuja certeza do direito, erigida dos fatos praticados em data que dista, e muito, da publicação do enunciado - e, como visto, do primeiro precedente acerca da questão -, estava longe de considerar o lançamento definitivo do crédito tributário, seja como condição de procedibilidade da ação penal, seja como elemento normativo do tipo do inciso I do art. 1º da Lei n. 8.137/91, nos termos do HC n. 81.611/DF (precedentes do STJ e desta Corte) (STJ. 6ª Turma. REsp 1211481/SP, Rel. p/ Acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, julgado em 15/10/2013).

Termo inicial da prescrição penal Como antes da constituição definitiva do crédito tributário ainda não existe crime, somente com o lançamento definitivo é que se inicia a contagem do prazo de prescrição. Assim, para o STJ a fluência do prazo prescricional dos crimes contra a ordem tributária, previstos no art. 1º, incisos I a IV, da Lei n. 8.137/90, nos termos da jurisprudência desta Corte, tem início somente após a constituição do crédito tributário, o que se dá com o encerramento do procedimento administrativo-fiscal e o lançamento definitivo (STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1217773/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 20/05/2014). No caso do inciso V, por se tratar de crime formal, não se exige a constituição definitiva do crédito tributário para início da prescrição. Crime tributário, ausência de constituição definitiva e extradição Imagine a seguinte situação hipotética: Wagner, cidadão alemão, mora no Brasil e está respondendo a uma ação penal na Alemanha por sonegação fiscal, razão pela qual a República alemã pediu a sua extradição ao governo brasileiro. A defesa de Wagner alegou que ele não poderia ser extraditado, considerando que o débito tributário ainda estava sendo discutido nos órgãos administrativos alemães. Desse modo, a defesa argumentou que a ação penal na Alemanha foi proposta sem que houvesse constituição definitiva do crédito tributário. Logo, o STF não poderia extraditá-lo, considerando que, pela falta de constituição definitiva, essa conduta não seria crime no Brasil. O STF não concordou com a tese. Para a Corte, a conduta praticada pelo réu na Alemanha, qual seja, a sonegação de impostos (art. 370 do Código Penal alemão) também é crime no Brasil, encontrando

perfeita correspondência no tipo penal previsto no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90. Para que haja a extradição não se exige que a Alemanha comprove a constituição definitiva do crédito tributário. O que se exige, para o reconhecimento do pedido, é que o fato seja típico em ambos os países, não sendo necessário que o Estado requerente siga as mesmas regras fazendárias existentes no Brasil.

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STF. 2ª Turma. Ext 1222/República Federal da Alemanha, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 20/8/2013 (Info 716). Pendência de processo em que se discute compensação A pendência de procedimento administrativo em que se discuta eventual direito de compensação de débitos tributários com eventuais créditos perante o Fisco não tem o condão, por si só, de suspender o curso da ação penal, eis que devidamente constituído o crédito tributário sobre o qual recai a persecução penal (STJ. 5ª Turma. REsp 1293633/DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 25/03/2014). Prescrição do crédito tributário e sua influência no processo penal Se após a constituição definitiva do crédito tributário, houve a prescrição do direito de a Fazenda Pública executar esse crédito, isso significa que o réu terá que ser absolvido no processo penal pelo crime tributário? NÃO. Trata-se de tema polêmico, mas existem precedentes do STJ decidindo que não. Confira:

(...) As instâncias administrativo-tributária, cível e penal são independentes, o que reflete no reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal. Desse modo, a extinção do crédito tributário pela prescrição não implica, necessariamente, a extinção da punibilidade do agente. (...) STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 202.617/DF, julgado em 11/04/2013.

Tipo subjetivo: exige-se o dolo. Nenhum dos incisos pode ser punido a título de culpa. Para que se configure a sonegação fiscal, NÃO se exige nenhum elemento subjetivo especial (“dolo específico”). Basta o “dolo genérico” (STJ. 6ª Turma. AgRg no Ag 1157263/PR, julgado em 08/04/2014). Erro na interpretação da legislação tributária: Se ficar provado que o agente suprimiu ou reduziu tributo por conta de um erro na interpretação da legislação tributária, mesmo assim haverá crime? NÃO. Não há crime se ficar cabalmente provado que a supressão ou redução no recolhimento do tributo decorreu de erro na interpretação da lei tributária. Por que não haverá crime? 1ª corrente: verifica-se, no caso, erro de tipo uma vez que o agente não sabe que está suprimindo ou que aquele tributo é devido. É a posição de Baltazar (ob. cit., p. 843). 2ª corrente: trata-se de erro de proibição (TRF4 AC 20010401029987-0). Dificuldades financeiras: É comum haver a alegação de que o agente deixou de pagar os tributos em razão de dificuldades financeiras da empresa. Tal circunstância possui relevância penal e poderá servir para excluir o crime? NÃO. Essa tese tem sido rechaçada pela jurisprudência. Isso porque no art. 1º exige-se a fraude. Assim, não se justifica que a pessoa, mesmo diante de dificuldades financeiras, utilize-se de fraude para tentar burlar o Fisco. Deve-se lembrar que o simples fato de deixar de pagar os tributos não é crime. O delito exige além da inadimplência, a fraude. Relembrando: As dificuldades financeiras podem excluir o crime?

Apropriação indébita previdenciária (art. 168-A do CP): SIM.

Sonegação fiscal (art. 1º da Lei n. 8.137/90): NÃO. Princípio da insignificância: O princípio da insignificância pode ser aplicado no caso de crimes tributários?

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SIM. É plenamente possível que incida o princípio da insignificância tanto nos crimes contra a ordem

tributária previstos na Lei n. 8.137/90 como também no caso do descaminho (art. 334 do CP). Existe algum limite máximo de valor para que possa ser aplicado o princípio da insignificância nos crimes tributários? SIM. A jurisprudência criou a tese de que nos crimes tributários, para decidir se incide ou não o princípio da insignificância, será necessário analisar, no caso concreto, o valor dos tributos que deixaram de ser pagos. E qual é, então, o valor máximo considerado insignificante no caso de crimes tributários? Tradicionalmente, esse valor era de 10 mil reais. Assim, se o montante do tributo que deixou de ser pago era igual ou inferior a 10 mil reais, não havia crime tributário, aplicando-se o princípio da insignificância. Qual era o parâmetro para se chegar a esse valor?

Esse valor foi fixado pela jurisprudência tendo como base o art. 20 da Lei n. 10.522/2002, que determina o arquivamento das execuções fiscais cujo valor consolidado for igual ou inferior a R$ 10.000,00. Em outros termos, a Lei determina que, até o valor de 10 mil reais, os débitos inscritos como Dívida Ativa da União não serão executados. Segundo a jurisprudência, não há sentido lógico permitir que alguém seja processado criminalmente pela falta de recolhimento de um tributo que nem sequer será cobrado no âmbito administrativo-tributário. Nesse caso, o direito penal deixaria de ser a ultima ratio. Esse valor de 10 mil reais permanece ainda hoje? Aqui reside a polêmica. Recentemente, foi publicada a Portaria MF nº 75, de 29/03/2012, na qual o Ministro da Fazenda determinou, em seu art. 1º, inciso II, “o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).”

Desse modo, o Poder Executivo “atualizou” o valor previsto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002 e passou a dizer que não mais deveriam ser executadas as dívidas de até 20 mil reais. Em outras palavras, a Portaria MF 75/2012 “aumentou” o valor considerado insignificante para fins de execução fiscal. Agora, abaixo de 20 mil reais, não interessa à Fazenda Nacional executar (antes esse valor era 10 mil reais). Diante desse aumento produzido pela Portaria, começou a ser defendida a tese de que o novo parâmetro para análise da insignificância penal nos crimes tributários passou de 10 mil reais (de acordo com o art. 20

da Lei n. 10.522/2002) para 20 mil reais (com base na Portaria MF 75). A jurisprudência acolheu essa tese?

STJ: NÃO STF: SIM

O STJ tem decidido que o valor de 20 mil reais,

estabelecido pela Portaria MF n. 75/12 como limite mínimo para a execução de débitos contra a União, NÃO pode ser considerado para efeitos penais (não deve ser utilizado como novo patamar de insignificância). São apontados dois argumentos principais: i) a opção da autoridade fazendária sobre o que deve ou não ser objeto de execução fiscal não pode ter a força de subordinar o exercício da jurisdição penal;

Para o STF, o fato de a Portaria 75/2012 do Ministério da Fazenda ter aumentado o patamar de 10 mil reais para 20 mil reais produz efeitos penais. Logo, o novo valor máximo para fins de aplicação do princípio da insignificância nos crimes tributários passou a ser de 20 mil reais. Precedente: STF. 1ª Turma. HC 120617, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 04/02/2014. Vale ressaltar que o limite imposto por essa

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ii) não é possível majorar o parâmetro previsto no

art. 20 da Lei n. 10.522/2002 por meio de uma portaria do Ministro da Fazenda. A portaria emanada do Poder Executivo não possui força normativa passível de revogar ou modificar lei em sentido estrito. Em suma, para o STJ, o valor máximo para aplicação do princípio da insignificância no caso de crimes contra a ordem tributária (incluindo o descaminho) continua sendo de 10 mil reais. Precedentes: AgRg no AREsp 331.852/PR, j. em 11/02/2014. AgRg no AREsp 303.906/RS, j. em 06/02/2014.

portaria pode ser aplicado de forma retroativa para fatos anteriores à sua edição considerando que se trata de norma mais benéfica (STF. 2ª Turma. HC 122213, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, julgado em 27/05/2014).

Em suma, qual é o valor máximo considerado insignificante no caso de crimes tributários?

Para o STJ: 10 mil reais (art. 20 da Lei n. 10.522/2002).

Para o STF: 20 mil reais (art. 1º, II, da Portaria MF n. 75/2012). Esse valor não inclui juros e multa O valor a ser considerado para fins de aplicação do princípio da insignificância é aquele fixado no momento da consumação do crime, vale dizer, da constituição definitiva do crédito tributário, e não aquele posteriormente alcançado com a inclusão de juros e multa por ocasião da inscrição desse crédito na dívida ativa (STJ. 6ª Turma. REsp 1306425/RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 10/06/2014). Esse valor é considerado insignificante tanto no caso de crimes envolvendo tributos federais, como também estaduais e municipais? NÃO. Esse parâmetro vale, a princípio, apenas para os crimes que se relacionam a tributos federais,

considerando que é baseado no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, que trata dos tributos federais. Assim, esse é o valor que a União considera insignificante. Para fins de crimes de sonegação fiscal que envolvam tributos estaduais ou municipais, deve ser analisado se há lei estadual ou municipal dispensando a execução fiscal no caso de tributos abaixo de determinado valor. Esse será o parâmetro para a insignificância (STJ. 6ª Turma. HC 165003/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 20/03/2014). Tipo misto alternativo: Se a pessoa, no mesmo contexto fático, praticar condutas descritas em mais de um inciso do art. 1º, responderá por mais de um crime? Ex: o agente prestou declarações falsas à Receita Federal (inciso I) e, além disso, relacionado com o mesmo fato, inseriu elementos inexatos no seu livro fiscal (inciso II). Ele responderá por dois crimes? NÃO. Se o agente, no mesmo contexto fático, praticar as condutas descritas em mais de um inciso do art.

1º, responderá por crime único. Isso porque o art. 1º da Lei n. 8.137/90 é um tipo misto alternativo (tipo penal de conduta múltipla ou variada ou crime plurinuclear). Vale ressaltar, no entanto, que se o agente praticou várias condutas do art. 1º, o juiz poderá considerar essa circunstância como desfavorável na 1ª fase da dosimetria da pena. Vamos relembrar essa classificação:

Tipo simples: ocorre quando o legislador descreve apenas um verbo para tipificar a conduta. Ex: art. 121 (matar alguém).

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Tipo misto: é aquele no qual o legislador descreve dois ou mais verbos, ou seja, mais de uma forma de se realizar o fato delituoso. Ex: art. 34 da Lei de Drogas (o agente pratica o crime se fabricar, adquirir, utilizar etc).

O tipo misto pode ser alternativo ou cumulativo.

Tipo misto alternativo: o legislador descreveu duas ou mais condutas (verbos). Se o sujeito praticar mais de um verbo, no mesmo contexto fático e contra o mesmo objeto material, responderá por um único crime, não havendo concurso de crimes nesse caso. Ex: João adquire, na boca-de-fumo, uma máquina para fazer drogas, transporta-a para sua casa e lá a utiliza. Responderá uma única vez pelo art. 34 e não por três crimes em concurso.

Tipo misto cumulativo: o legislador descreveu duas ou mais condutas (verbos). Se o sujeito incorrer em mais de um verbo, irá responder por tantos crimes quantos forem os núcleos praticados. Ex: art. 242 do CP.

Mais de um tributo sonegado: Se o agente, com uma conduta, sonegou dois tributos diferentes, praticou dois crimes? NÃO. Trata-se de crime único. A conduta consistente em praticar qualquer uma ou todas as modalidades descritas nos incisos I a V do art. 1 da Lei nº 8.137/90 (crime misto alternativo) conduz à consumação de crime de sonegação fiscal quando houver supressão ou redução de tributo, pouco importando se atingidos um ou mais impostos ou contribuições sociais. Não há concurso formal, mas crime único, na hipótese em que o contribuinte, numa única conduta, declara Imposto de Renda de Pessoa Jurídica com a inserção de dados falsos, ainda que tal conduta tenha obstado o lançamento de mais de um tributo ou contribuição. STJ. 6ª Turma. REsp 1294687/PE, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 15/10/2013. Crime continuado: O crime continuado ocorre quando o agente: - por meio de duas ou mais condutas - pratica dois ou mais crimes da mesma espécie - e, analisando as condições de tempo, local, modo de execução e outras, - pode-se constatar que os demais crimes devem ser entendidos como mera continuação do primeiro. É possível crime continuado no caso de sonegação fiscal (art. 1º)? SIM. Ex: determinada empresa, mensalmente, tem que recolher o tributo. Todos os meses ela omite valores de seu faturamento a fim de pagar menos tributos. A cada mês ela comete um novo crime, mas pode-se verificar que os demais são continuação do primeiro. Logo, é possível reconhecer a continuidade delitiva. Conexão de tempo (conexão temporal) Para que se configura o crime continuado é necessário que não se tenha passado um longo período de tempo entre um crime e outro. A isso chamamos de conexão temporal entre os delitos. Para os crimes patrimoniais, a jurisprudência afirma que entre o primeiro e o último delito não pode ter se passado mais que 30 dias. Se houve período superior a 30 dias, não se aplica mais o crime continuado, havendo, neste caso, concurso material. No caso de crimes contra a ordem tributária, a jurisprudência admite que esse prazo seja maior. Isso porque, em geral, os tributos são pagos, em geral, em uma periodicidade mínima de 30 dias entre um recolhimento e outro. Logo, se fossemos limitar a continuidade em um mês, isso faria com que, na prática, fosse impossível reconhecer o crime continuado na sonegação fiscal.

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Falsidade utilizada para praticar os crimes do art. 1º Mais abaixo você verificará que os incisos I a IV do art. 1º preveem que o agente pratica a sonegação fiscal prestando declarações falsas, falsificando documentos ou usando documentos falsos. Diante disso, surge a seguinte questão jurídica: o agente responderá somente pela sonegação fiscal ou também será ser punido, em concurso de crimes, pela falsidade? Em regra, somente pela sonegação. Se a falsidade é o meio necessário para a consumação do crime de sonegação fiscal, fica por este absorvida. Aplica-se, no caso, o princípio da consunção. Esse é o entendimento no caso de IRPF: Ex: João, ao fazer sua declaração de imposto de renda, declarou que teve 2 mil reais de despesas com tratamento psicológico, fazendo a dedução desse valor do quanto teria que pagar de imposto. Isso se chama “dedução de despesas para a redução da base de cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Física”. A Receita Federal instaurou um procedimento administrativo (ação fiscal) para apurar se realmente essas deduções ocorreram, tendo João sido convocado a comparecer ao órgão, levando o comprovante das despesas feitas com o tratamento. Ocorre que João não tinha realmente feito esse tratamento e só declarou isso para reduzir o valor que tinha que pagar de tributo. João, a fim de garantir a concretização do delito, foi até a Receita Federal levando comprovantes falsificados de pagamentos supostamente feitos a psicólogo. A falsidade foi, contudo, percebida. João não responderá por uso de documento falso (art. 304 c/c art. 299 do CP). O STJ entende que a apresentação de recibo ideologicamente falso quando o contribuinte é chamado a comprovar as declarações prestadas tem a finalidade única e exclusiva de justificar as despesas declaradas e, assim, eximir ou reduzir o pagamento do tributo. Se o agente não apresentasse documento que justificasse a despesa anteriormente declarada estaria frustrada a redução ou supressão do tributo. Desse modo, fica evidente que o falso foi o crime-meio pelo qual o agente buscou alcançar a finalidade de sonegar o imposto. Deve ser aplicado, portanto, no caso, o princípio da consunção, sendo o falso absorvido pelo intento de suprimir ou diminuir tributo. O STJ possui entendimento sumulado no sentido de que se o falso é crime-meio e se este falso não pode mais ser usado para nenhum outro fim (esgotando-se a sua potencialidade lesiva), deve ser absorvido pelo crime-fim. Veja: Súmula 17-STJ: Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido. STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1411730/MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 18/03/2014. Esse entendimento não se aplica no caso de IRPJ Atenção. Ao contrário do IRPF, no caso de sonegação fiscal envolvendo IRPJ, o STJ tem normalmente refutado o princípio da consunção e aplicado o concurso de crimes, especialmente porque nesses casos a falsidade é mais complexa e envolve uma série de atos, diferentemente do caso do IRPF:

(...) 2. É inviável aplicar o princípio da consunção diante da autonomia de condutas, não se podendo considerar o crime de falsidade ideológica, em tese praticado pelo acusados, como crime meio do delito de sonegação fiscal. 3. Os Recorrentes e outros réus suprimiram e reduziram imposto de renda de pessoa jurídica, fraudando a fiscalização tributária mediante simulação de operações comerciais envolvendo pessoa jurídica fictícia, para quem era transferida toda a carga tributária, imunizando o real patrimônio dos verdadeiros sócios. (...) (RHC 25.978/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 27/03/2012)

1. É inviável o reconhecimento da aplicação do princípio da consunção, diante da autonomia de condutas, não se podendo considerar o crime de falsidade ideológica, em tese praticado pelo ora Paciente, como crime meio do delito de sonegação fiscal. 2. Na hipótese, o Paciente juntamente com outros acusados suprimiram e reduziram imposto de renda de pessoa jurídica e contribuições sociais, fraudando a fiscalização tributária mediante simulação de operações

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comerciais envolvendo pessoa jurídica, para quem era transferida toda a carga tributária, imunizando o real patrimônio dos verdadeiros sócios. (...) (RHC 24636/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 21/02/2011)

Alguns tipos penais específicos parecidos com a sonegação fiscal: Deve-se tomar cuidado com algumas condutas assemelhadas com sonegação fiscal, mas que são punidas por outros tipos penais mais específicos: Falsificação de selo ou sinal público (art. 293, I e V, do CP)

Art. 293. Falsificar, fabricando-os ou alterando-os: I – selo destinado a controle tributário, papel selado ou qualquer papel de emissão legal destinado à arrecadação de tributo; (...) V – talão, recibo, guia, alvará ou qualquer outro documento relativo a arrecadação de rendas públicas ou a depósito ou caução por que o poder público seja responsável; Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.

Situação mais comum: falsificação do selo de controle do IPI utilizados em cigarros e bebidas destiladas. Descaminho (art. 334 do CP)

Art. 334. Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

Ocorre nos casos envolvendo impostos aduaneiros (imposto de importação, de exportação e imposto sobre produtos industrializados). Lei de incentivo à cultura

A Lei n. 8.313/91, como forma de incentivar as atividades culturais, prevê que os contribuintes poderão deduzir do imposto de renda as quantias despendidas em forma de doações ou patrocínios para projetos aprovados pelo Ministério da Cultura (art. 18, § 1º). Caso o agente obtenha redução do imposto de renda utilizando-se fraudulentamente dos benefícios dessa

Lei irá responder, não pelos crimes do art. 1º da Lei n. 8.137/90, mas sim por um tipo penal específico

trazido pelo art. 40 da Lei n. 8.313/91, cuja pena é de 2 a 6 meses (!) e multa de 20% do valor do projeto. Competência A competência para julgamento desse delito, em regra, será determinada pela natureza do tributo sonegado:

Se o tributo for federal, a competência para julgar o crime será da Justiça Federal.

Se o tributo for estadual ou municipal, a competência será da Justiça Estadual. Se houver crimes envolvendo tributos federais e estaduais ou municipais, deve-se analisar se eles são conexos. Se forem conexos, a competência para apurar todas as infrações será da Justiça Federal, conforme enuncia a Súmula 122 do STJ. Se os delitos não forem conexos, serão julgados separadamente, na Justiça Federal e na Justiça Estadual. Ação penal: pública incondicionada (art. 15 e Súmula 609 do STF).

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Questões finais interessantes: Elisão e evasão fiscal:

Elisão fiscal: são atos lícitos praticados pelo contribuinte, antes da ocorrência do fato gerador, com o objetivo de se organizar melhor a fim de evitar a realização de certas operações que fazem com que se pague mais tributos desnecessariamente. É chamado de “economia do imposto” ou “planejamento tributário”. Ex: alguns profissionais autônomos (médicos, psicólogos etc.) decidem constituir uma pessoa jurídica para presar seus serviços. Com isso, a carga tributária que eles pagarão será menor do que incidiria caso atuassem sozinhos e tivessem que emitir RPA, que é o recibo do profissional autônomo.

Evasão fiscal: são atos ilícitos praticados pelo contribuinte, após da ocorrência do fato gerador, com o objetivo de burlar o Fisco mediante fraude e não pagar o tributo devido. É sinônimo de sonegação fiscal. Dica para memorizar: eLisão = ato Lícito / eVasão = ato Viciado

O delito de sonegação fiscal é inconstitucional por representar a criminalização da dívida? NÃO. Isso porque não há criminalização da dívida. Na sonegação fiscal não se pune a pessoa pelo simples fato de ela estar devendo o tributo. O agente é punido pelo fato de ele estar inadimplente e ter se utilizado de algum tipo de fraude para evitar o pagamento. Exige-se inadimplemento + fraude. Veja como Baltazar explica o tema: “(...) é importante deixar claro que a conduta de deixar de pagar tributo, por si só, não constitui crime. Assim, se o contribuinte declara todos os fatos geradores à repartição fazendária, de acordo com a periodicidade exigida em lei, cumpre todas as obrigações tributárias acessórias e tem escrita contábil regular, mas não paga o tributo, não há crime algum, mas mero inadimplemento (...). O crime contra a ordem tributária, com exceção da apropriação indébita (...), pressupõe, além do inadimplemento, alguma forma de fraude, que poderá estar consubstanciada na omissão de alguma declaração, na falsificação material ou ideológica de documentos, no uso de documentos material ou ideologicamente falsos, na simulação etc. (...) Eis aí a distinção entre inadimplência e sonegação: a fraude. Não procede, portanto, argumento de que a incriminação da sonegação fiscal recai sobre o mero inadimplemento, configurando incriminação por dívida.” (BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crimes Federais. 9ª ed, São Paulo: Saraiva, 2014, p. 818). INCISO I

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

Em que consiste o delito: - O agente deixa de fornecer uma informação que deveria fazer; - ou presta declaração errada - às autoridades responsáveis pela arrecadação tributária - e por conta disso ele acaba deixando de pagar o tributo - ou pagando um valor menor do que seria o devido. Ex1: um médico recebe os honorários de um paciente e deixa de informar esse rendimento em sua declaração anual de imposto de renda. Ex2: um cirurgião recebe 20 mil reais de honorários de um paciente, mas informa à Receita Federal que recebeu apenas 10 mil reais.

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Ex3: João, ao fazer sua declaração de imposto de renda, declarou que teve 2 mil reais de despesas com tratamento psicológico, fazendo a dedução desse valor do quanto teria que pagar de imposto. Isso se chama “dedução de despesas para a redução da base de cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Física”. A Receita Federal instaurou um procedimento administrativo (ação fiscal) para apurar se realmente essas deduções ocorreram, tendo João sido convocado a comparecer ao órgão, levando o comprovante das despesas feitas com o tratamento. Ocorre que João não tinha realmente feito esse tratamento e só declarou isso para reduzir o valor que tinha que pagar de tributo. O agente que faz declaração falsa sobre a existência de despesas com tratamento de saúde/psicológica, com o fim de reduzir o imposto de renda

pode responder pelo delito previsto no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90. Tipo subjetivo: O tipo penal descrito no art. 1.º, inciso I, da Lei n.º 8.137/90, prescinde de dolo específico, sendo suficiente, para sua caracterização, a presença do dolo genérico, consistente na omissão voluntária do recolhimento, no prazo legal, do valor devido aos cofres públicos (STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1283767/SC, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 25/03/2014).

Art. 42 da Lei n. 9.430/96 e princípio da presunção de inocência

A Lei n. 9.430/96 trata sobre procedimentos de fiscalização tributária realizados pela Receita Federal. Em alguns dispositivos, a Lei define omissão de receita, ou seja, situações em que a fiscalização considera que o contribuinte não declarou corretamente as receitas ou rendimentos obtidos. Veja o que diz o art. 42:

Art. 42. Caracterizam-se também omissão de receita ou de rendimento os valores creditados em conta de depósito ou de investimento mantida junto a instituição financeira, em relação aos quais o titular, pessoa física ou jurídica, regularmente intimado, não comprove, mediante documentação hábil e idônea, a origem dos recursos utilizados nessas operações.

Em outras palavras, se é depositada uma determinada quantia na conta bancária do indivíduo e este não consegue provar a origem desses recursos, a Receita Federal irá presumir que são rendimentos e, consequentemente, irá lavrar auto de infração e cobrar o valor do imposto de renda sobre tais quantias. Se o contribuinte não se defender administrativamente ou se a sua defesa não for acatada, haverá a constituição definitiva desse crédito tributário. A partir daí, a RFB comunica o fato ao MPF que, então, irá formular denúncia (ação penal) contra o

contribuinte alegando que ele praticou o delito do art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90. A jurisprudência entende que, se for verificada uma incompatibilidade entre os rendimentos informados na declaração de ajuste anual e os valores movimentados no ano-calendário, haverá uma presunção de que o contribuinte omitiu informação sobre receitas auferidas com o fim de suprimir ou reduzir o imposto de

renda, o que caracteriza a prática do crime previsto no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90. Feitos esses esclarecimentos, imagine a seguinte situação concreta: João declarou, para fins do imposto de renda de 2010, que teve renda anual tributável de 60 mil reais. Ocorre que a Receita Federal constatou que, ao longo de 2010, passaram cerca de 500 mil reais pelas suas contas bancárias. Diante disso, a RFB iniciou um processo administrativo fiscal e intimou o contribuinte para declinar a origem dos valores creditados em sua conta corrente. João não justificou a origem da quantia. Houve constituição definitiva do crédito tributário, o MPF ajuizou ação penal e João foi condenado pelo

crime do art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90. Em seu recurso, João alegou que essa condenação violou o princípio constitucional da presunção de inocência uma vez que o MPF não provou que ele sonegou rendimentos. O Parquet provou apenas que

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houve essa movimentação em suas contas, mas não que tais quantias sejam rendimentos. Logo, ele não poderia ser condenado. Essa tese de defesa é acolhida pelos Tribunais? NÃO. NÃO ofende o princípio constitucional da presunção de inocência a exigência de comprovação da

origem de valores estabelecida no art. 42 da Lei n. 9.430/96. Para o STF, o contribuinte, ao não comprovar a origem dos recursos depositados em sua conta bancária, cria, contra si, uma presunção relativa de que houve omissão de rendimentos, ensejando a condenação criminal. Não há ofensa ao princípio da presunção de inocência porque se trata de um procedimento legalmente estabelecido e disciplinado, sendo certo que ao contribuinte é garantido o contraditório e a ampla defesa. STF. 2ª Turma. HC 121125/PR, Rel. Min. Gilmar Mendes, 10/6/2014 (Info 750). Esse é também o entendimento do STJ sobre o tema:

(...) A jurisprudência deste Tribunal Superior é firme no sentido de que a incompatibilidade entre os rendimentos informados na declaração de ajuste anual e os valores efetivamente movimentados no ano-calendário caracterizam a presunção relativa de omissão de receita. (STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1217773/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 20/05/2014).

Vale ressaltar que essa presunção é relativa. O contribuinte pode fazer prova em sentido contrário, ou seja, pode comprovar que aquelas quantias movimentadas em sua conta não foram rendimentos, mas sim valores que passaram por sua conta por outras razões. INCISO II

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

Em que consiste o crime: Ocorre quando o agente frauda a fiscalização tributária, o que pode ocorrer de duas formas: a) Inserindo elementos inexatos em documento ou livro fiscal; b) Omitindo operação em documento ou livro fiscal. Qual é a diferença entre os incisos I e II?

Inciso I: o agente omite ou presta informação falsa em declaração entregue à autoridade fazendária;

Inciso II: o agente omite ou presta informação falsa em livros ou documentos fiscais que são mantidos em poder da empresa.

Documento ou livro exigido pela lei fiscal: A lei exige que o empresário mantenha certos documentos ou livros com informações que são de interesse do Fisco. É o caso, por exemplo, do livro contendo o registro da entrada e saída de mercadorias. Exemplo: ocorre quando o agente mantém o chamado “caixa dois”, ou seja, quando ele frauda seus livros fiscais, omitindo ou falseando as informações ali contidas a fim de manter uma contabilidade paralela, onde as entradas e saídas com números reais ficam registradas em outros locais.

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INCISO III

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

Em que consiste o crime: O agente falsifica ou altera nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda e outros documentos a fim de conseguir suprimir ou reduzir o tributo devido. Exemplo: o vendedor combina com o comprador de registrar a operação em valor menor do que ocorreu com o objetivo de fazer com que ele pague menos imposto sobre a operação. A isso, chama-se na linguagem comercial de “meia nota”. INCISO IV

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

Em que consiste o crime: O agente produz, repassa ou utiliza documento que ele sabe (ou que deveria saber) que não é verdadeiro e com isso ele suprime ou reduz tributo. É parecido com o inciso III, mas aqui o documento está em sentido mais amplo, de forma que, não se enquadrando nos incisos anteriores, poderá incidir neste. INCISO V

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

Em que consiste o crime: O crime pode ocorrer mediante três condutas: a) O agente se nega a fornecer nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou

prestação de serviço. Ex: o comprador pede a nota fiscal e o vendedor se recusa a fornecê-la. b) O agente deixar de fornecer nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou

prestação de serviço, efetivamente realizada. c) O agente fornece a nota fiscal ou documento equivalente em desacordo com a legislação. Não se aplica a SV 24-STF Chamo atenção novamente para o fato de que, para configurar o crime, NÃO será necessário aguardar a constituição definitiva do crédito tributário. O inciso V do art. 1º NÃO está abrangido pela SV 24-STF.

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PENA

Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

PARÁGRAO ÚNICO

Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.

Em que consiste o crime: Ocorre quando a autoridade fazendária, no exercício da fiscalização tributária, dá uma ordem à pessoa exigindo alguma providência e esta se recusa a cumpri-la. Esse parágrafo único é como se fosse um crime de desobediência específico para ordens da autoridade fazendária no exercício da fiscalização. Tipo autônomo ou vinculado ao caput? Baltazar e grande parte da doutrina defendem que o parágrafo único é um tipo autônomo em relação aos delitos previstos nos incisos do art. 1º. Assim, para que se configure, não se exige que o agente tenha a intenção de reduzir ou suprimir tributos. Basta que a pessoa desatenda a exigência imposta pela autoridade no prazo legal. Ocorre que a 6ª Turma do STJ recentemente decidiu em sentido contrário, ou seja, sustentado que também no parágrafo único exige-se a supressão ou redução do tributo:

(...) Partindo da premissa de que o parágrafo único deve ser interpretado de acordo com o caput do artigo e, ainda, que a figura típica nele delineada faz remissão direta ao crime previsto no inciso V, trancada a ação penal em relação a este delito, não se pode admitir a permanência da condenação somente pela conduta prevista no parágrafo único do art. 1º da Lei n. 8.137/90. (...) STJ. 6ª Turma. HC 246.548/SC, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 27/08/2013.

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) (PGE/BA 2014 CESPE) Suponha que um contribuinte, de forma consciente e voluntária, tenha deixado

de realizar determinada obrigação acessória, o que lhe tenha possibilitado a supressão de tributo sem

que o fisco tomasse conhecimento da prática ilícita. Segundo a Lei n. 8.137/1990, para que os ilícitos tributários sejam puníveis na esfera penal, exige-se a comprovação de dolo ou culpa do agente. ( )

2) (PGE/BA 2014 CESPE) Suponha que um contribuinte, de forma consciente e voluntária, tenha deixado de realizar determinada obrigação acessória, o que lhe tenha possibilitado a supressão de tributo sem que o fisco tomasse conhecimento da prática ilícita. Por ter praticado elisão fiscal, que constitui ilícito administrativo-tributário, o referido contribuinte só poderá ser punido na esfera administrativa. ( )

3) (PGE/BA 2014 CESPE) Suponha que um contribuinte, de forma consciente e voluntária, tenha deixado de realizar determinada obrigação acessória, o que lhe tenha possibilitado a supressão de tributo sem que o fisco tomasse conhecimento da prática ilícita. O contribuinte praticou ilícito, estando, portanto, sujeito à punição pelos ilícitos administrativo e penal praticados. ( )

4) (Promotor AC 2014 CESPE) Um empresário deixou de emitir nota fiscal ao consumidor e de registrar nos livros fiscais obrigatórios, com o auxílio do contador, que tinha consciência das condutas do contribuinte, as informações referentes às vendas realizadas durante doze meses, o que resultou na supressão do tributo de ICMS devido aos cofres públicos. Nessa situação hipotética,

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A) o empresário e o contador deverão ser considerados pelo fisco responsáveis tributários, e não contribuintes. B) para a caracterização da conduta como crime contra a ordem tributária, é necessária a inscrição do empresário em dívida ativa. C) o contador não poderá ser responsabilizado na esfera penal, pois não atuou diretamente na infração. D) o contador deverá ser considerado pelo fisco responsável tributário pela infração fiscal praticada. E) o empresário e o contador praticaram crime contra a ordem tributária.

5) (Juiz CE 2012 CESPE) Em regra, é dispensável o exaurimento do processo administrativo-fiscal para a caracterização do crime contra a ordem tributária. ( )

6) (Juiz CE 2012 CESPE) Sendo crime formal, a sonegação fiscal independe da constituição definitiva do crédito tributário para se consumar. ( )

7) (Promotor MG 2013 MP/MG) Segundo orientação do Supremo Tribunal Federal, não se tipifica crime material contra a ordem tributária antes do lançamento definitivo do tributo, a supressão ou redução deste, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas, EXCETO: A) Negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa à venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação. B) Fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal. C) Falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável. D) Elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato.

8) (PGE/BA 2014 CESPE) Aquele que utilizar laudo médico falso para, sob a alegação de possuir doença de natureza grave, furtar-se ao pagamento de tributo, deverá ser condenado apenas pela prática do delito de sonegação fiscal se a falsidade ideológica for cometida com o exclusivo objetivo de fraudar o fisco, em virtude da aplicação do princípio da subsidiariedade. ( )

9) (Promotor MS 2013 MP/MS) É pública, condicionada à representação, a ação penal por crime de

sonegação fiscal. ( )

10) Não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência a exigência feita pela Receita Federal de que o contribuinte comprove a origem dos valores movimentados em sua conta bancária. O contribuinte que não comprovar a origem dos recursos cria, contra si, uma presunção relativa de que houve omissão de rendimentos, podendo ensejar persecução criminal. ( )

Gabarito

1. E 2. E 3. C 4. E 5. E 6. E 7. Letra A 8. E 9. E 10. C

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA BALTAZAR JR., José Paulo. Crimes Federais. São Paulo: Saraiva, 2014. Márcio André Lopes Cavalcante Professor