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SOCIETAS IN MOMENTUM BREVIS
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Direito Comercial II | António Menezes Cordeiro 2015/2016
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Secção I – A doutrina das pessoas coletivas
§1.º - A personalidade coletiva
As doutrinas clássicas: o desenvolvimento geral da autonomia da personalidade
coletiva constituiu um dos fatores de sedimentação das sociedades. O pensamento jurídico
atual, no tocante à personalidade coletiva, deve-se a Savigny. Além disso, tem-lhe sido
imputada a teoria da ficção: a primeira das doutrinas clássicas sobre o tema. A personalidade
coletiva incluiu-se entre os institutos privados definitivamente marcados por Savigny. Dela,
Savigny deixou-nos uma ideia geral, uma construção técnica, uma explicação teórica e uma
cobertura ideológica.
1. Savigny: em termos gerais, pessoa é todo o sujeito de relações jurídicas que,
tecnicamente, não corresponda a uma pessoa natural, mas que seja tratado como
pessoa, através de uma ficção teórica: situação que se justifica para permitir
determinado escopo humano. O pensamento de Savigny passou a constituir ponto
de partida obrigatório para os diversos estudos sobre a dogmática da personalidade
coletiva, até aos nossos dias. Essa leitura de Savigny foi posta em causa por Flume.
2. Flume: segundo este autor, Savigny conhecia bem a existência de um substrato real,
subjacente às pessoas coletivas. A referência a uma ficção, em sentido próprio, teria
resultado de um mal-entendido na leitura de Savigny; haveria, na verdade, apenas,
uma transposição. Savigny parece indicar que, na verdade, quando ele falava em
ficção, não lhe dá o sentido de fingimento, que o termo adquiriria na literatura
posterior. Nesse sentido, Flume tem razão: a verdadeira teoria da ficção surgiria mais
tarde, podendo ainda acrescentar-se que, além disso, ela tem raízes bem anteriores a
Savigny. Não pode, contudo, ignorar-se que o qualificativo ficção tinha um imediato
alcance dogmático. Ao efetuá-lo, Savigny não pretendia lucubrar sobre teorias mas,
pelo contrário, apontar um regime.
Ora há dois pontos do regime das pessoas coletivas que – mau grado o silêncio da doutrina
– derivam da natureza essencialmente ficciosa do fenómeno da responsabilidade coletiva: a
impossibilidade de aplicação analógica das normas ficciosas e a irresponsabilidade, penal e
civil aquiliana, das próprias pessoas coletivas. A recondução da personalidade coletiva à mera
categoria de ficção punha em jogo a sua própria subsistência. A questão tinha de ser
formalizada, com frontalidade: em que medida não seria a personalidade coletiva mais do
que um expediente técnico, para prosseguir determinados objetivos?
1. Jhering responde afirmativamente a essa questão. E fá-lo com argumentos
ponderosos. Desde logo, coloca o tema da personalidade depois do do direito
subjetivo que, sabidamente, define como o interesse juridicamente protegido. O
primeiro elemento do direito subjetivo seria o interesse. Como segundo elemento
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surge a proteção, máxime pela ação judicial, e que corresponde a um critério de
Direito Privado. Na sociedade ocorrem certos interesses, indeterminados ou gerais,
cuja defesa exige uma particular colocação de modo a poderem comportar a ação
judicial. Aí acodem as pessoas coletivas: são modos de posicionar os referidos
interesses indeterminados ou gerais, como forma de os tornar operacionais, perante
a ação judicial. Mas os interesses são-no, sempre, dos homens; por isso, Jhering passa
a descobrir quem se abriga por detrás das diversas pessoas coletivas: nessas condições
estariam os verdadeiros titulares dos seus direitos. Esta evolução tinha um termo
lógico. Se as pessoas coletivas – e, daí, as pessoas em geral – mais não eram do que
um expediente técnico para assegurar a tutela jurídica de certos escopos, então elas
podiam ser dispensadas. As realidades deveriam ser chamadas pelos seus nomes: os
escopos com determinada afetação.
O vazio deixado pela tecnicização da personalidade coletiva levou a doutrina do século XIX
a, vivamente, procurar um conteúdo para preencher essa noção. A reação mais característica
e cabal ao ficcionismo técnico viria de Von Gierke e da sua conceção, que ficaria conhecida
como teoria orgânica ou do realismo orgânico e que daria azo, mais tarde, a uma generalizada
busca de substratos, para a pessoa coletiva.
1. Von Gierke desenvolve a sua construção sobre a personalidade coletiva na base de
uma crítica À denominada teoria da ficção. Von Gierke é levado a concluir pela
efetiva existência, na sociedade, de entidades coletivas que não se podem reduzir à
soma dos indivíduos que as componham. A realidade social não permitiria, portanto,
concluir pela existência, apenas, de pessoas singulares: junto a estas operariam as
pessoas coletivas. Resultaria, daí, que:
«A pessoa coletiva é uma pessoa efetiva e plena, semelhante à pessoa singular; porém,
ao contrário desta, é uma pessoa composta».
A construção de Von Gierke tem sido criticada pelo insólito que implica a referência a órgãos,
especificamente cabeça e membros, nas pessoas coletivas. A crítica não é justa: Von Gierke
explica que, por um lado, também a pessoa singular só age através dos seus órgãos; por outro,
tais referências são meramente ilustrativas. A orientação orgânica de Von Gierke tem o
mérito de recordar que a personalidade coletiva corresponde a uma realidade histórica e
sociológica, que ultrapassa o arbítrio do Direito. Este pode não reconhecer todos os
organismos que o mereceriam, como Von Gierke não deixa de notar. Mas quando isso ocorra,
o legislador esquece a realidade, atentando contra a ideia de Direito. Por outro lado, atribuir
personalidade a algo que não corresponda a qualquer substrato, estará, por certo, próximo
da ficção. Otto Von Gierke ficará como o cientista do Direito que mais profundamente
estudou a personalidade coletiva. Embora a linguagem metafórica de Von Gierke tenha sido
desamparada, a ideia básica por ele defendida permaneceria em largos setores da doutrina.
Tal ideia traduz-se na asserção de que, na personalidade coletiva, não há uma pura criação
jurídica ou um simples expediente normativo: o Direito limitar-se-ia a reconhecer algo de
preexistente, ou seja, um determinado substrato, cuja natureza, depois, se poderia discutir. O
organicismo de Vom Gierke veio ceder o lugar a substratos mais subtis. Assim, é possível
apontar três tradições que procuram o substrato das pessoas coletivas, respetivamente, em
acervo de bens, em manifestações institucionalizadas da vontade ou em organizações não
específicas.
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1. Brinz: o acervo de bens ou património de afetação remontando a este autor e, mais
longe, a uma das leituras de Jhering.
2. Windscheid, ainda mantêm alguns aspetos: admitem-se os próprios patrimónios
como sujeitos de direitos.
3. Schwarz, por fim, reconstitui a unidade das pessoas, asseverando que, em todos os
casos, a personalidade resulta do escopo dos patrimónios afetos, numa posição que
aflora igualmente em Rhode.
Todas essas orientações, cada vez de leitura mais complexa e subtil, defrontavam-se com
uma dificuldade de raiz: a multiplicação das pessoas coletivas permitia, em contínuo,
apresentar casos nos quais faltava, ora o património, ora a vontade, ora a organização.
Noutros termos: não há um património, ora a vontade, ora a organização. Noutros termos:
não há um substrato que possa, com razoabilidade, amparar todas as todas as pessoas
coletivas que a prática jurídica permite documentar.
Realismo jurídico e tendências recentes: os esforços acima notados no sentido de,
para as pessoas coletivas, encontrar um substrato foram, claramente, esmorecendo. A
variedade de situações a que o Direito vinha reconhecendo a personalidade coletiva
inviabilizava qualquer hipótese razoável de construir substratos unitários ou sequer,
classificáveis. Os juristas vieram a refugiar-se em construções cada vez mais teóricas ou
técnico-jurídicas. A teoria da ficção, reportada sem grande critério a Savigny, era recusada
perante a presença efetiva de pessoas coletivas. Porém, também o organicismo e os diversos
substratos eram desamparados, dada a presença irrefutável dos mais diversos tipos de
pessoas coletivas. A pessoa coletiva veio, então, a ser definida com recurso a pura
terminologia jurídica e por à pessoa singular. Em contrapartida à teoria da ficção, esta
orientação é dita realismo; e por contraposição aos diversos substratos, ela considera-se
jurídica. O realismo jurídico remonta aos aspetos técnicos da noção de Savigny. Tais aspetos
foram sobrevalorizados por algum pandectística tardia, ao ponto de se tornarem nos únicos
fatores a ter em conta, na definição.
1. Em Windscheid e de Enneccerus, nota-se uma referência muito tímida a substratos;
o essencial das respetivas noções é técnico-jurídico. A partir daqui, autores das mais
diversas formações vêm apresentar noções que pretendem combater o ficcionismo
com recurso a categorias jurídicas.
2. Para Binder, «ser sujeito de direito é estar numa relação, dada pela Ordem Jurídica,
e que nós chamamos direito subjetivo».
O realismo jurídico tem sido doutrina oficial em França, em Itália e em Portugal. O realismo
jurídico teve, por fim, um influxo muito marcado em Portugal, ao ponto de poder considerar-
se, também aí, como uma verdadeira doutrina oficial. Logo no início, essa orientação,
1. José Tavares e Cunha Gonçalves, partia de uma série de classificações de doutrinas
– nem sempre muito ajustadas ao verdadeiro pensamento dos autores classificados –
rebatendo os diversos termos. No fim, a pessoa coletiva, mais ou menos amparada
em referências político-filosóficas, era defendida como uma realidade jurídica ou
técnica.
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2. Manuel de Andrade, aliás com uma referência a Ferrara, apresenta a pessoa coletiva
como um produto da ordem jurídica ou uma realidade do mundo jurídico, na qual o
essencial é o elemento jurídico.
3. Mota Pinto: neste autor reaparece a fórmula de Andrade em que, simplesmente, dá-
se uma caminhada no sentido da sua formalização, em termos que, a ter havido
evolução, poderiam ter levado a opções de tipo analítico ou normativista, mais
modernas.
4. José Dias Marques, que perto esteve dessa evolução, após percorrer as tradicionais
classificações das doutrinas, acaba por fixar-se numa orientação jurídica e realista,
definido a pessoa como mera suscetibilidade de direitos e obrigações.
5. Paulo Cunha e Castro Mendes ficaram mais próximos de um realismo jurídico
tradicional, à semelhança de diversa doutrina que os antecedeu e que lhes sucedeu.
6. Coutinho de Abreu, apenas neste autor e de modo muito sintético se tentaria
superar o realismo mais tradicional.
Cumpre apreciar. O realismo jurídico é uma formula vazia: ela só significa algo pelo que cala:
a inviabilidade das construções que a antecederam. Na verdade, a personalidade coletiva é,
seguramente, personalidade jurídica e, daí, uma realidade jurídica. Mas com semelhante
tautológica, pouco teremos avançado, no sentido de determinar a sua natureza. Wieacker
procura apresentar toda esta situação sob cores mais amenas: as diversas teorias não seriam
concorrentes, mas complementares. Contudo, isso não parece possível: de um modo geral,
as diversas teorias apresentam-se globais. Chegamos a este ponto, restaria concluir pelo
esvaziamento do conteúdo da pessoa coletiva: esta assumiria, hoje, um puro conteúdo
técnico-jurídico, não tendo qualquer significado discutir teorias. O panorama atual relativo à
determinação da natureza da personalidade coletiva mantém-se pouco animador. Em termos
quantitativos, ele mantém-se dominado pelas orientações realistas, tecnicistas, pragmáticas
ou agnósticas. No entanto, alguns autores, conservando acesa a chama da Ciência do Direito,
têm procurado ir mais longe, aprofundando o problema.
7. Menezes Cordeiro: afigura-se útil aproveitar algumas conclusões propiciadas pela
ponderação das inúmeras teorias, historicamente surgidas, para explicar a essência da
personalidade jurídica. Temos por assente que, pelo menos no campo da
personalidade coletiva, o tempo das descobertas intuitivas geniais acabou com
Savigny. A pessoa do Direito deve surgir como uma realidade independente; ela deve
dar azo a conceitos dogmaticamente operacionais; ela pode aproveitar as diversas
teorias historicamente ocorridas. Há que entroncar, aqui, um dos mais estimulantes
filões da atualidade e que tem sido dedignado corrente analítica ou corrente
normativa, sem com isso, se pretender uma unificação desses termos. Quando, em
Direito, se fala na personalidade coletiva, pretende-se, quando não se teorize,
exprimir um regime jurídico-positivo. A pessoa coletiva é, antes do mais, um
determinado regime, a aplicar aos seres humanos implicados. Estes podem ser
destinatários diretos de normas; mas podem-no ser, também, indiretamente, assim
como podem receber normas transformadas pela presença de novas normas,
agrupadas em torno da ideia de pessoa coletiva. No caso de uma pessoa de tipo
corporacional, os direitos da corporação são direitos dos seus membros.
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Simplesmente, trata-se de direitos que eles detêm de modo diferente do dos seus
direitos individuais. Referir, em Direito, uma pessoa é considerar a presença de uma
entidade destinatária de normas jurídicas e portanto: capaz de ser titular de direitos
subjetivos ou de se encontrar adstrita a obrigações. A afirmação da personalidade
será, pois, a consideração de que o ente visado pode autodeterminar-se, no espaço
de legitimidade de que o ente visado pode autodeterminar-se, no espaço de
legitimidade conferido pelos direitos de que seja titular, e deve agir, no campo das
suas adstrições. O modo por que vão ser exercidos os direitos e cumpridas as
obrigações já não é esclarecido pela afirmação sumária da personalidade: isso
dependerá de múltiplas outras normas jurídicas, cuja aplicabilidade, no entanto,
postula a personalidade e deriva dela. Qualquer norma de conduta – permissiva ou
de imposição – será sempre, em última análise, acetada por seres humanos
conscientes, o que é dizer, por pessoas singulares capazes. Qualquer fruição de bens
será, também, sempre sentida, em última instância, por pessoas singulares e isso não
obstante, muitas vezes (quase sempre?) a verdadeira fruição exigir um compartilhar
de vantagens. Por razões históricas, culturais, económicas, práticas, linguísticas ou
casuais, as normas assumem, com frequência, fórmulas indiretas para atingir os seus
destinatários. Em Direito, pessoa é, pois, sempre, um centro de imputação de normas
jurídicas, isto é: um polo de direitos subjetivos, que lhe cabem e de obrigações, que
lhe competem. A pessoa é singular, quando esse centro corresponda a um ser
humano; é coletiva – na terminologia portuguesa – em todos os outros casos. Na
hipótese da pessoa coletiva, já se sabe que entrarão, depois, novas normas em ação
de modo a concretizar a imputação final dos direitos e dos deveres. Digamos que
tudo se passa, então, em modo coletivo: as regras, de resto infletidas pela referência
a uma pessoa, ainda que coletiva, vão seguir canais múltiplos e específicos, até
atingirem o ser pensante, necessariamente humano, que as irá executar ou violar. O
Direito poderia ter encontrado qualquer outra expressão para designar os centros
coletivos de imputação de normas jurídicas, que não a de pessoa. Não o fez. Numa
receção cultural, cujo mérito remonta a Savigny e seus antecessores, aos
jusracionalistas e, mais longe, aos canonistas, procedeu-se à transposição da própria
figuração humana: pessoa. Houve transposição: é bom lembrá-lo e, aqui, o retorno a
Savigny surge inevitável e é saudável. Mas transposição, quanto possível, efetiva.
Tanto basta – e seria possível mais? – para que a referência a uma pessoa coletiva,
para além da imediata eficácia técnica, no plano da aplicação de normas jurídicas,
envolva representações ético-normativas, determinantes na aplicação de normas e
princípios. A focagem deste ponto – essencial, na nossa construção e isso com
múltiplas consequências dogmáticas e regulativas – é mais do que sobeja para
substancializar a personalidade coletiva.
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§2.º - A ordenação das pessoas coletivas
Associações, fundações e sociedades: no Direito comum, a trilogia clássica de
pessoas coletivas é constituída pelas associações, pelas fundações e pelas sociedades civis –
artigos 166.º e seguintes, 185.º e seguintes e 980.º e seguintes, todos CC. Deve esclarecer-se
que não se trata de qualquer classificação: antes e tão-só de um alinhamento de tipos. As
associações e as fundações ainda poderiam ser tomadas como uma classificação básica de
pessoas coletivas, atinente à sua estrutura ou ao seu substrato. As sociedades obedecem já a
um critério diverso – a apregoada natureza lucrativa – mas, sobretudo, a uma tradição muito
distinta e mais antiga: a societas. As associações dão corpo a uma manifestação básica do
princípio da liberdade de associação. As fundações têm o sentido de entregas em vida ou de
deixas por morte do interessado. Elas equivalem a uma reconstrução liberal das antigas deixas
pias, a conventos ou a congregações religiosas. Finalmente, as sociedades correspondem ao
produto da celebração de contratos de sociedades, podendo apresentar formas muito
multifacetadas. A matéria das pessoas coletivas não obteve uma regulação sistemática unitária,
no Código Civil. O relegar das sociedades para o capítulo dos contratos em especial – artigos
980.º CC – é sintomático. De resto, essa situação é comum aos códigos civis dotados de parte
geral – como sucede com o GBG alemão – mas com a agravante de, no Direito Civil
Português, as sociedades civis puras poderem ter personalidade jurídica. A situação mais
marcada fica com o facto de as sociedades comerciais terem assento em diploma próprio. O
Código das Sociedades Comerciais prevê os seguintes tipos de sociedades:
Sociedade em nome coletivo: o sócio responde individualmente pela sua entrada
e, ainda, pelas obrigações sociais subsidiariamente em relação à sociedade e
solidariamente com os outros sócios (artigo 175.º, n.º1 CSC); a sua firma, quando
não individualize todos os sócios, deve conter, pelo menos, o nome ou firma de um
deles, com o aditamento, abreviado ou por extenso, «e Companhia» ou qualquer um
que indique a existência de outros sócios (artigo 177.º, n.º1 CSC);
Sociedade por quotas: o capital está dividido em quotas e os sócios são
solidariamente responsáveis por todas as entradas convencionadas no contrato
(artigo 197.º, n.º1 CSC); a forma poderá ter uma composição variada mas, em
qualquer caso, concluirá pela palavra «limitada» ou pela abreviatura «Lda.» (artigo 200.º,
n.º1 CSC);
Sociedade anónima: o capital é dividido em ações e cada sócio limita a sua
responsabilidade ao valor das ações que subscreveu (artigo 271.º CSC); a firma, de
composição variada, concluirá com a expressão «sociedade anónima» ou pela sigla
«S.A.» (artigo 275.º, n.º1 CSC);
Sociedade em comandita: tem dois tipos de sócios:
o Os sócios comanditários: que respondem apenas pela sua entrada, e
o Os sócios comanditados: que respondem nos mesmos termos pela sua entrada
dos sócios em nome coletivo;
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Na comandita simples não há representação do capital por ações; na comandita por
ações, só as participações dos sócios comanditários são representadas por ações
(artigo 465.º CSC).
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Secção II – As sociedades como organização
§3.º - A personalidade jurídica das sociedades
O problema nas sociedades civis puras; a discussão: o Código Civil não atribui,
com clareza, personalidade coletiva às sociedades civis que regula. Mas também não a nega.
O autor do anteprojeto – o Professor Ferrer Correia – teve a seguinte ideia:
«Foi de caso pensado que não propusemos a inserção no Projeto de qualquer norma consagrando
ou repudiando, neste capítulo das sociedades civis, o conceito de personalidade coletiva. (...) esse
é um problema de dogmática, com que o legislador não tem de se preocupar».
Temos, ainda, duas precisões. Em primeiro lugar, não é uma mera questão de conceito: antes
de construção dogmática, envolvendo consequências de entendimento e de regime.
Seguidamente: estamos perante um tema português clássico, discutido há mais de um século
e não de uma temática importada. Num momento em que a defesa do Direito Português
deve constituir prioridade absoluta, não podemos deixar cair no esquecimento as nossas
questões mais debatidas e, ainda, por resolver. Na origem da discussão ora em estudo, surge-
nos
1. Dias Ferreira que, anotando a sociedade civil no Código de Seabra, a considera
como:
«pessoa jurídica com direitos e obrigações, não só entre os seus membros, mas em relação
a terceiros».
2. Guilherme Moreira vem tomar posição diversa. Para ele, a personalidade só surgiria
quando se verificasse uma total independência patrimonial em relação aos sócios ou
associados. Isso leva-o a considerar as sociedades anónimas como pessoas coletivas;
já as sociedades em nome coletivo não o seriam, outro tanto sucedendo com as
sociedades civis puras.
3. José Tavares, vem tomar posição oposta: as sociedades civis puras teriam uma
verdadeira personalidade jurídica. De facto, diversos preceitos do Código de Seabra
reconheciam, na sociedade civil, uma entidade juridicamente diferenciada dos seus
sócios.
4. Cunha Gonçalves vem negar a personalidade coletiva das sociedades puras. Invoca
argumentos de tradição e explica que a sociedade é de tomar como sentido de os
diversos sócios.
Após a publicação do Código Civil 1966, o problema manteve-se: o legislador entendeu,
como vimos – pensamos que bem – não resolver expressamente o problema, remetendo-o
para a doutrina. A doutrina dividiu-se.
Contra a personalidade coletiva das sociedades civis puras manifestaram-se
Ferrer Correia, Pires de Lima e Antunes Varela, Mota Pinto e Isabel
Magalhães Collaço.
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A favor, com algumas reservas, depunha Paulo Cunha; também com reservas, ele é
propugnada por Marcello Caetano, Castro Mendes, Carvalho Fernandes e
Pedro Pais de Vasconcelos.
5. Menezes Cordeiro: quando a lei, de modo expresso e eficaz, reconheça
personalidade coletiva a uma entidade está, por essa via, a determinar a aplicação de
certas normas: de outro modo, a qualificação pessoa coletiva ficaria no vazio. A
personalização de um ente artificial cria uma entidade oponível erga omnes, com
direitos – incluindo de personalidade! – próprios, uma esfera específica e todas as
prerrogativas que acompanham as pessoas, em Direito. Compreende-se, por isso,
que as pessoas coletivas devam adotar figurinos normalizados, sujeitando-o, ainda, a
uma certa publicidade. De outro modo, não seria curial opor tais pessoas coletivas a
terceiros: estes não podem ser confrontados com a necessidade de respeitar situações
que não conheciam nem podiam conhecer. Mas a lei pode não ser expressa: antes se
limitando a prever um regime que, por razões de harmonia sistemática, obrigue o
intérprete-aplicador a formular o juízo ético-valorativo da personalização. No fundo,
é sempre de um regime adequado que se trata. A análise do articulado legal vigente
mostra, com relevo para o problema, preceitos que:
Referem diretamente direitos e deveres como sendo da sociedade;
Pressupõem direitos e deveres da sociedade;
Mencionam diretamente atos ou atuações da própria sociedade;
Admitem consequências para a sociedade;
Referem fins da sociedade;
Admitem a responsabilidade patrimonial da sociedade.
Parece claro que o Código Civil se exprime, neste complexo, em modo coletivo. Será
quimérico tentar convolar todas as regras em que se refere a sociedade para regras
reportadas aos sócios: é toda uma subsequente questão de regime, comum às diversas
pessoas coletivas, saber como tais regras chegam, depois, aos destinatários últimos
que as devam cumprir. O FNPC abrange informação relativa às sociedades civis
(artigo 4.º, n.º1, alínea a) RNPC). O seu artigo 42.º dispõe expressamente sobre as
denominações das sociedades civis sob forma comercial. Não fica, todavia, clara a
obrigação de inscrição no RNPC: o artigo 6.º do correspondente diploma refere
pessoas coletivas, não sendo seguro que as sociedades civis puras fiquem abrangidas.
Contudo, o artigo 10.º, n.º1 RNPC sujeita a inscrição no FNPC factos relativos às
entidades referidas no artigo 4.º, n.º1, alínea d) RNPC. Quer isto dizer que as
sociedades civis puras devem ser inscritas no RNPC. Esta obrigação envolve a de
adotar uma denominação; ela torna-se efetiva, nos termos do artigo 54.º, n.º2, quando
a sua constituição de concretize por escritura pública: parece que este preceito terá
de se aplicar à própria constituição das sociedades civis puras, independentemente
de serem, a priori, pessoas coletivas. A sociedade civil pura, constituída por escritura
pública ou equivalentes, dotada de denominação, devidamente inscrita no RNPC,
dado o âmbito dos artigo s980.º e seguintes CC, é uma pessoa coletiva em tudo
semelhante às demais sociedades. Mostram-se assegurados os diversos interesses e
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valores subsequentes. De acordo com a metodologia de Paulo Cunha podemos,
então – e só então! – recorrer ao artigo 157.º CC Verifica-se a analogia que permite
a aplicação dos artigos 158.º, n.º1 e 167.º CC: as sociedades civis puras, desde que
constituídas por escritura pública ou por outro meio legalmente admitido e com as
especificações prescritas, nos seus estatutos, são pessoas coletivas plenas. Quanto às
restantes, todas as graduações são permitidas.
A personalidade coletiva das sociedades comerciais: perante o artigo 5.º, a
personalidade coletiva das sociedades comerciais parece não oferecer dúvidas.
1. A generalidade da Doutrina, ao abrigo do artigo 108.º CCom, entendia que, por
via deste preceito, todas as sociedades comerciais eram dotadas de personalidade
jurídica.
2. Guilherme Moreira: depunha contra. Segundo este, a referência a «para com terceiros»
ela limitativa, traduzindo apenas a autonomia patrimonial. Noutros preceitos
transcritos haveria pois que procurar a personalidade coletiva, sendo certo que
Guilherme Moreira acaba por nega-la às sociedades em nome coletivo.
Paralelamente, no Direito Civil, o problema parece ter menor importância. Porque, em
termos de politica legislativa, a personalização tinha um triplo aspeto:
Impedir os credores individuais do sócio de responsabilizar a sua quota nos bens
sociais, prejudicando a sociedade;
Impedir o sócio de transferir essa mesma quota de bens para terceiros;
Assegurar aos credores da sociedade uma preferência sobre os bens sociais, no
confronto com os credores individuais dos sócios.
Daqui resulta que a sociedade comercial deixou de ser um conjunto de relações obrigacionais
entre sócios: antes se tornou num novo sujeito de direitos. A orientação do Código de
Comércio foi considerada excessiva, à luz do Código Civil de 1942. E assim a doutrina atual
distingue entre autonomia patrimonial e personalidade jurídica: na primeira, a lei opera no
âmbito objetivo da sociedade; na segunda, fá-lo, também, no âmbito subjetivo. Apenas as
sociedades de capitais (as anónimas e as de responsabilidade limitada ou por quotas) teriam
personalidade; as de pessoas (as simples e as em nome coletivo) não a teriam. A doutrina
mais recente admite, todavia, uma reponderação; esta sociedades aproximam-se das
sociedades de capitais, pelos sucessivos poderes que lhe vêm sendo reconhecidos, assumindo
uma personalidade rudimentar. Como balanço, podemos assinalar que o Direito Comercial
português, na sequência das transferências culturais apontadas e mercê das críticas
generalizadas dirigidas a Guilherme Moreira, acabou por assentar na solução mais
generosamente radical, quanto à atribuição da personalidade coletiva Às sociedades
comerciais: a todas.
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§4.º - A capacidade de gozo das sociedades
O princípio da especialidade; evolução: as pessoas têm capacidade jurídica: será a
concreta medida de direitos e obrigações de que sejam suscetíveis. No que toca às pessoas
singulares, essa capacidade (ou capacidade de gozo) é plena: elas podem ser titulares da
generalidade dos direitos admitidos pelo ordenamento e podem ficar adstritas à generalidade
dos deveres que a ordem em causa conheça. Já quanto a pessoas coletivas, uma orientação
com certa tradição, entre nós, pretende que a sua capacidade seria limitada pelo princípio da
especialidade: ela (apenas) abrangeria os direitos e obrigações necessários ou convenientes à
prossecução dos seus fins, segundo a fórmula do artigo 6.º, n.º1 CSC, retomada do artigo
160.º CC. A ideia do princípio da especialidade teve uma dupla origem: a doutrina ultra vires
anglo-saxónica e as restrições continentais aos bens de mão morta. Recolhendo e
reformulando todas estas construções, Guilherme Moreira procede a uma interessante
aproximação:
Por um lado, a ideia, ligada à doutrina ultra vires, de que operando o reconhecimento
com vista aos interesses legítimos do seu instituto, a capacidade concedida não
poderia ir mais além;
Por outro, as restrições postas à aquisição de bens, por parte das pessoas moraes.
Trata-se de considerações retomadas por Manuel de Andrade, que aproxima o princípio da
especialidade e a doutrina ultra vires, de modo explícito. Outros autores deram o referido
princípio como adquirido.
A sua superação: o princípio da especialidade perdeu os dois pilares histórico-
dogmáticos em que assentava. Não há, por esta via, nenhum limite estrutural: nas margens
legais, podem os interessados eleger os fins que entenderem, os quais podem ser
prosseguidos por todos os meios lícitos. Introduzir, aqui, uma doutrina ultra vires vai só
embaraçar o comércio jurídico, prejudicando as relações com terceiros. Quanto ao problema
da mão-morta e das desamortizações ele é histórico. De todo o modo, quando se pretenda
evitar a concentração de imoveis em certas esferas jurídicas, leis especiais prescrevem-no. O
anteprojeto de Ferrer Correia recolheu esta solução. Preconizava, quanto à capacidade das
pessoas coletivas, o seguinte preceito:
«Salvas as exceções determinadas na lei, a capacidade das pessoas coletivas estende-se a todos
os direitos e obrigações que, segundo a natureza das coisa ou a índole da sua disciplina legal,
não forem inseparáveis da personalidade singular».
Era o preceito correto, infelizmente. Infelizmente, ele veio a ser afastado nas revisões
ministeriais. A doutrina subsequente a 1966, confrontada com uma consagração legal tardia
do princípio da especialidade, no artigo 160.º, n.º1 CC, tentou minorar o seu alcance. O
próprio Antunes Varela, responsável pelas revisões ministeriais, explica que esse artigo 160.º,
n.º1 CC, facultando os direitos e deveres convenientes à prossecução dos fins da pessoa
coletiva, atenuou largamente o rigor da especialidade.Uma tentativa de salvaguardar o
princípio poderia provir de uma compartimentação do seu conteúdo: não estaria em causa o
fim de uma concreta pessoa coletiva, mas antes o de uma completa categoria de pessoas ou
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de atos. Dir-se-ia, assim, que certa categoria de pessoas coletivas não se poderia dedicar a
certas categorias de atos. Mas não: por verosímeis que pareçam os exemplos que se
encontrem, poderia sempre suceder que, em concreto, um ato estranho se mostrasse
justificado. Apenas na base de leis específicas se torna possível limitar a capacidade das
pessoas coletivas. O princípio da especialidade, como elemento limitador da capacidade
jurídica das pessoas coletivas, tende, assim, a ser abandonado. Citamos José Tavares:
«Desde que a lei reconhece a existência de uma personalidade jurídica, esta tem, em princípio
geral, a capacidade de uma pessoa física, excetuando apenas os direitos que, por sua natureza
ou pelo seu fundamento, lhe não podem realmente pertencer, como são os direitos relativos ao
estado civil das pessoas físicas e os de sucessão ab intestatio, e aqueles que a lei lhes recusa
expressamente, ou indiretamente, determinando taxativamente a área da sua capacidade
jurídica».
O Professor Ferrer Correia, grande comercialista, tentou, há mais de meio século e como
vimos, que o princípio da especialidade não fosse incluído no Código Civil. Foi, pois, num
puro refluxo concetualista, que nenhum estudo de campo soube amparar, que o Código das
Sociedades Comerciais, no seu artigo 6.º, n.º1, o veio como que ressuscitar. Também a
jurisprudência tem vindo a subalternizar o princípio da especialidade: a capacidade das
pessoas coletivas obedeceria a um regime de ilimitação.
O problema dos atos gratuitos e das garantias: o grande campo de eleição para
as restrições à capacidade de gozo dos entes coletivos é o dos atos gratuitos, que poderiam
ser contrários aos fins da pessoa coletiva, particularmente se ela fosse uma sociedade. A
doutrina tende a abandonar tais construções. Desde logo, ficam de fora os donativos
conformes com os usos sociais: nem são havidos como doações (artigo 940.º, n.º2 CC). O
artigo 6.º, n.º2 CSC também considera não serem contrárias ao fim da sociedade «as
liberalidades que possam ser consideradas usuais, segundo as circunstâncias da época e as condições da própria
sociedade». Vamos porém mais longe: e a doação verdadeira e pura ficará fora da capacidade
de uma sociedade? A prática de doações ou atuações non profit é, hoje, uma indústria, por
parte de instituições lucrativas e muito bem geridas. O próprio legislador consagra um
Estatuto de Mecenato, como modo de atrair certas doações. Nenhuma razão se visualiza
para considerar as doações fora da capacidade de qualquer pessoa coletiva, mesmo tratando-
se de uma sociedade. Em casos concretos, determinadas doações poderão ser inválidas: mas
por força de regras específicas, que as proíbam. Resta concluir: o denominado princípio da
especialidade não restringe, hoje, a capacidade das pessoas coletivas: tal como emerge do
artigo 160.º, n.º1 CC, ele diz-nos, no fundo, que todos os direitos e obrigações são, salvo
exceções abaixo referidas, acessíveis às pessoas coletivas. Subproblema muito relevante é o
da prestação de garantias a terceiros. Tal prestação poderia surgir como um favor e, portanto,
como um ato gratuito, que iria depauperar o património do garante, à custa dos sócios e dos
credores. Mas pode ser uma atividade lucrativa: pense-se nos bancos, que prestam garantias
a troco de comissões. O artigo 6.º, n.º3 CSC dispõe sobre as garantias. Fê-lo, porém, usando
uma linguagem desnecessariamente qualitativa: «considera-se contrária ao fim da sociedade a
prestação de garantias…». Mas justamente: a parte puramente qualitativa não vincula o
intérprete-aplicador. De acordo com as regras de interpretação, o artigo 6.º, n.º3 CSC proibiu,
pura e simplesmente, as sociedades de prestar garantias, salvo nas condições que ela própria
prevê. São elas:
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Justificado interesse próprio da sociedade garante;
Sociedade em relação de domínio ou de grupo.
Estas exceções são de tal ordem que acabam por consumir a regra. O justificado interesse
próprio é definido pela própria sociedade, através dos seus órgãos: estamos no Direito
Privado. A jurisprudência alarga, mesmo, a ideia de interesse, explicando que ele pode ser
indireto. Resta concluir que a proibição do artigo 6.º, n.º3 CSC acaba por funcionar apenas,
perante situações escandalosas e, ainda aí, havendo má fé dos terceiros beneficiários. A
responsabilização dos administradores terá de servir de contrapeso. As pessoas coletivas
tendem para a neutralidade. O que se exige, como contrapartida, é a transparência dos seus
atos, com contas devidamente auditadas e publicitadas. A partir dai, o controlo é feito pelo
mercado: automática e implacavelmente.
As limitações específicas: naturais, legais e estatutárias: como vimos, o
chamado princípio da especialidade não tem, hoje, alcance dogmático. Não se infira, contudo
e daí, que a capacidade de gozo das pessoas coletivas seja idêntica à das singulares. Ela pode
sofrer diversas limitações. Vamos distinguir:
Limitações ditadas pela natureza das coisas;
Limitações legais;
Limitações estatutárias;
Limitações deliberativas.
Esta destrinça é importante, uma vez que os regimes derivados da inobservância dos diversos
pontos não são coincidentes. Segundo o final do artigo 6.º, n.º1 CSC, excetuam-se ao âmbito
da capacidade de gozo das pessoas coletivas os direitos e obrigações inseparáveis da
personalidade singular. Trata-se, fundamentalmente:
De situações jurídicas familiares ou sucessórias que, pela sua natureza, visam apenas
pessoas singulares;
De situações de personalidade, também centradas nas pessoas singulares;
De situações patrimoniais, mas que pressupõem a intervenção de uma pessoa
singular;
Diversas situações de Direito Público, também destinadas a contemplar pessoas
singulares.
Quando se trate de transpor para modo coletivo uma determinada norma, cabe verificar, pela
interpretação, se esta, pela sua própria natureza, não opera, apenas, em modo singular,
contemplando direta e necessariamente pessoas singulares. A violação de limitações impostas
pela natureza das coisas implica a nulidade do negócio, por impossibilidade legal (artigo 280.º,
n.º1 CC), atingindo as inerentes deliberações sociais por via do artigo 56.º, n.º1, alínea c) CSC.
As limitações legais á capacidade de gozo das pessoas coletivas, referidas no artigo 6.º, n.º1,
in medio CSC, têm uma natureza profundamente diferente da das impostas pela natureza das
coisas. A referência, feita no artigo 6.º, n.º1, a «direitos e obrigações vedados por lei» é, tal
como o princípio da especialidade, herdeira das antigas leis de desamortização, que visavam
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prevenir a acumulação de bens de mão-morta: mas herdeira tardia. Se bem atentarmos, não
há aqui um verdadeiro problema de (in)capacidade: há, sim, uma proibição legal. Pode
acontecer que a prática de determinado negócio se inscreva, perfeitamente, nas finalidades
coerentes de certa pessoa coletiva (ou de certa categoria de pessoas coletivas) mas que, não
obstante, o legislador proíba a sua celebração. Pode ainda suceder que o legislador proíba um
ato e, depois, o venha, sucessivamente, a permitir e a proibir de novo: não corresponderia a
uma Ciência do Direito harmónica e estável considerar que a capacidade de gozo de certa
sociedade se modificou, sucessivamente, ao abrigo de alterações legislativas… A
inobservância das limitações legais à possibilidade de prática pelas pessoas coletivas de certos
atos, conduz, em princípio, à nulidade do ato por violação de lei expressa (artigo 294.º CSC)
ou por ilicitude (artigo 280.º, n.º1 CSC): não por incapacidade. Como terceira categoria de
limitações específicas à atuação de sociedades temos as estatutárias. Os estatutos podem
limitar, pela positiva, a atuação da sociedade a que respeitem, restringindo-a à prática de
certos atos ou, pela negativa, vedar-lhe a prática de determinados atos. As competentes
disposições estatutárias limitam a capacidade de gozo da pessoa coletiva? À partida:
seguramente não. Apenas alei, seja pela técnica positiva das pessoas rudimentares, seja pela
negativa das proibições específicas, pode reduzir o campo de ação das sociedades ou das
pessoas coletivas em geral. As limitações estatutárias são, assim, meras regras de conduta
internas. Elas adstringem os órgão das pessoa coletiva a não praticar os atos vedados sem,
contudo, limitarem a capacidade das sociedades. É, de resto, essa a solução do artigo 6.º, n.º2
CSC, cuja generalização Às diversas pessoas coletivas não nos parece suscitar quaisquer
dúvidas ou dificuldades. A violação a esses limites estatutários poderia conduzir à invalidade
das inerentes deliberações sociais, em termos a ponderar caso a caso. O mesmo regime deve
ser aplicado às limitações deliberativas, isto é: às limitações que deliberações internas da
própria pessoa coletiva ponham à prática, por ela, de certos atos. O desrespeito por tais
deliberações responsabiliza o seu autor: a capacidade da pessoa coletiva mantém-se, porém,
intacta.
§5.º - A capacidade de exercício e a responsabilidade das
sociedades
A capacidade de exercício: mantendo um paralelo dogmático com as pessoas
singulares, pergunta-se qual possa ser a capacidade de exercício das sociedades. Recordamos
que, no tocante às pessoas singulares, a capacidade de exercício dá-nos a medida dos direitos
e das obrigações que elas possam exercer pessoal e livremente. A regra é a da plena
capacidade de exercício: quem tiver direitos, deve poder exercê-los, por definição, pessoal e
livremente. As únicas exceções derivam da natureza das coisas: têm a ver com a situação dos
menores, dos interditos e dos inabilitados. Para estes o Direito prevê esquemas de
suprimento: poder paternal, tutela e curatela. Numa visão muito elementar e empírica, as
pessoas coletivas seriam assimiladas a menores: incapazes, pela natureza, de praticar pessoal
e livremente os diversos atos, elas teriam de ser representadas. Não é assim. A categoria da
capacidade de exercício só é aplicável às pessoas singulares. As pessoas coletivas – e, com
elas, as sociedades – são tão-só capazes, nos termos que acima deixámos expressos, e com
os limites legais.
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Os representantes das sociedades: as sociedades comerciais são representadas pelos
administradores respetivos. Trata-se de uma regra constante do artigo 996.º, n.º1 CC e dos
artigos 192.º, n.º1, 252.º, n.º1 e 405.º, n.º2 CSC. Tratar-se-á de verdadeira representação? A
resposta é claramente negativa: estamos perante uma representação orgânica, que só um
plano muito imediato e empírico tem a ver com a representação legal (a que permite suprir
incapacidades dos menores e dos interditos). Para tanto, ela disporá de meios: os seus órgãos.
Os titulares dos órgãos agem: o que façam, ope legis, é imputado à pessoa coletiva. É a
representação orgânica. A representação orgânica não é representação em sentido próprio.
Segundo Savigny, as pessoas coletivas teriam capacidade de gozo: mas não de exercício. Este
pressuporia uma essência pensante e volitiva, apenas concebível na pessoa singular. O
problema teria de ser resolvido de modo semelhante ao dos menores e dos inimputáveis,
requerendo representantes. É a teoria da representação. Contrapõe-se-lhe a teoria orgânica,
que remonta a Otto Von Gierke. Segundo este autor, a pessoa coletiva equivale a um
organismo, totalmente capaz através de órgãos próprios. Estes poderiam, evidentemente,
designar representantes, tal como qualquer pessoa singular o poderá fazer. A teoria orgânica
veio a prevalecer: mercê da própria lógica da personificação, a vontade das pessoas coletivas
é expressa, diretamente, pelos órgãos próprios. As maiores consequências da teoria orgânica
refletir-se-iam, todavia, no problema da responsabilidade.
A tutela de terceiros: as regras referentes à orgânica das sociedades acabam por se
refletir nos poderes de representação dos seus administradores. Tai regras podem variar: em
função do tipo social, dos estatutos e do próprio Direito nacional em causa. Nessas
circunstâncias, o comércio internacional e a própria liberdade de estabelecimento podem ser
afetados. Perante uma sociedade nunca se saberia, precisamente, com que orgânica se lida e,
daí, qual a concreta extensão dos poderes dos administradores. Tudo visto, compreende-se
que logo a 1.ª Diretriz do Direito das Sociedades (Diretriz n.º 68/251, 9 março), tenha
disposto no sentido de garantir a posição de terceiros perante todas essas eventualidades.
Retemos as seguintes regras:
As eventuais irregularidades registadas na designação de representantes das
sociedades são inoponívei a terceiros, salvo se a sociedade provar que estes as
conheciam (artigo 8.º);
As sociedades vinculam-se perante terceiros pelos atos praticados pelos seus órgãos,
mesmo quando alheios ao objeto social, exceto se for excedido o que a lei atribuir ou
permitia atribuir a esses órgãos (artigo 9.º, n.1º).
As limitações estatutárias aos poderes dos órgãos, bem como as derivadas de
deliberações, são sempre inoponíveis a terceiros, mesmo quando publicadas (artigo
9.º, n.º2).
Estas regras constam do Direito português, embora em termos sistematicamente repartidos.
Desde logo, a designação dos administradores está sujeita a registo comercial (artigo 3.º, n.º1,
alínea m) CRC). Quando o competente registo seja declarado nulo, são protegidos entretanto
adquiridos por terceiro, a título oneroso e de boa fé (artigo 22.º, n.º 4 CRC): trata-se de uma
manifestação de publicidade positiva. Quanto à existência de limitações induzidas do fim, do
objeto ou dos estatutos, e que já ponderámos a propósito da capacidade propriamente dita
(ou de gozo) das sociedades, opera o artigo 6.º, n.º4 CSC: eles não limitam a capacidade da
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sociedade e, no que aqui releva: o âmbito da representação (orgânica) dos titulares dos seus
órgãos. Para se desencadearem os efeitos próprios da representação (orgânica), basta que o
administrador pratique um ato invocando essa sua qualidade e o estar a agir em nome
(contemplatio domini) e por conta da sociedade. Não se requer qualquer autorização, para que
surja a imputação dos atos à sociedade. Fica sempre ressalvada a hipótese de má fé do terceiro.
A má fé é, aqui, o conhecimento da falta de poderes orgânicos (de representação) ou a
violação de um dever elementar de indagação de tais deveres. Assim e em regra: as sociedades
obrigam-se com duas assinaturas. Surgindo apenas uma, fácil é verificar se, in casu, o pacto
estabeleceu um esquema de vinculação por, apenas, um dos administradores ou, até, se
estamos perante um administrador único. A falsa invocação da qualidade de administrador,
não havendo registo, não permite a imputação à sociedade. ´
A responsabilidade das pessoas coletivas: comecemos por fixar o quadro legal.
Segundo o artigo 165. CC:
«As pessoas coletivas respondem civilmente pelos atos ou omissões dos seus representantes,,
agentes ou mandatários nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos atos ou
omissões dos seus comissários».
O artigo 998.º, n.º1 CC, repete, à letra, esse preceito, aplicando-o às sociedades civis puras.
Já o artigo 6.º, n.º5 CSC, usa uma fórmula diferente:
«A sociedade responde civilmente pelos atos ou omissões de quem legalmente a represente, nos
termos em que os comitentes respondem pelos atos ou omissões dos comissários».
A responsabilidade do comitente consta do artigo 500.º CC, enquanto a do representante
deriva do artigo 800.º CC. Adiantamos que estas fórmulas e remissões não são satisfatórias.
Todavia, se forem bem interpretadas, poderemos colocar o Direito civil português dentro
dos atuais parâmetros da responsabilidade civil das pessoas coletivas. Numa fase inicial, as
pessoas coletivas eram consideradas insuscetíveis de incorrer em responsabilidade civil.
Mesmo ultrapassando a ideia de ficção e da não aplicabilidade analógica de normas e
realidades ficciosas, quedavam dificuldades de fundamentação: a responsabilidade, depois de
atormentada evolução, teria de se basear sempre na culpa; ora a pessoa coletiva não poderia
ter culpa. Além disso, foi levantando um segundo obstáculo: sendo a pessoa coletiva incapaz,
ela teria sempre de se fazer representar. E os poderes de representação não se alargariam a
atos ilícitos. O primeiro avanço consistiria em estabelecer a responsabilidade civil das pessoas
coletivas. Procedeu-se em duas fases:
A da responsabilidade contratual: fácil foi demonstrar que a pessoa coletiva não
podia cumprir as suas obrigações; seriam mesmo injusto ilibá-la, nesse ponto, de
responsabilidade, uma vez que isso iria provocar grave desigualdade nos meios
económico-sociais; e
A da responsabilidade delitual ou aquiliana: veio originar várias teorias, acabando
a doutrina por se fixar na do risco: o comitente, por beneficiar de condutas alheias,,
deveria, também, correr o risco de elas se revelarem danosas: responderia, pois,
objetivamente, isto é: mesmo sem culpa.
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A solução de responsabilizar as pessoas coletivas, em termos aquilianos, pelos atos dos seus
representantes e através do esquema da imputação ao comitente, não era satisfatória: nem
em termos jurídico-científicos, nem em termos práticos.
Passa-se, pois, a uma terceira fase: a pessoa coletiva responde diretamente pelos atos ilícitos
dos titulares dos seus órgãos, desde que tenham agido nessa qualidade. Em Portugal, a
responsabilização direta das pessoas coletivas, por atos dos seus órgãos, foi defendida por
Manuel de Andrade, em termos cuidadosos e convincentes. Um tanto na mesma linha Ferrer
correia, no seu anteprojeto distinguiu a responsabilidade da pessoa coletiva pelos ato e
omissões dos seus representantes estatutários, que era direta e resultante de atos e omissões
dos seus agentes e mandatários, que seguia os meandros da responsabilidade dos comitentes.
Infelizmente, esta contraposição perdeu-se nas revisões ministeriais. O artigo 165.º CC
uniformiza, sob a imputação ao comitente, os atos ou omissões dos representantes, agentes
ou mandatários. De, assim, azo às confusões subsequentes. Com uma agravante: contagiou
as próprias sociedades, como se alcança do artigo 998.º, n.º1 CC, e do artigo 6.º, n.º5 CSC.
Hoje, a possibilidade de submeter as sociedades ás diversas sanções está adquirida. Perante
o teor literal dos artigo 265.º e 998.º, n.º1 CC, reforçado, para mais, pelo artigo 6.º, n.º5 CSC,
que fala em «quem legalmente a represente», alguma doutrina tem sido levada a pensar que, para
efeitos de responsabilidade civil aquiliana, a pessoa coletiva é um comitente, sendo o titular
do seu órgão um comissário, de modo a aplicar o artigo 500.º CC. Há que procurar uma
solução alternativa: fácil, de resto, uma vez que beneficiamos da doutrina de Manuel de
Andrade e das de outros países, que se viram na situação de fazer evoluir o seu pensamento
na matéria. A pessoa coletiva é uma pessoa. Logo, ela pode integrar, de modo direto, «aquele
que, com dolo ou mera culpa», referido no artigo 483.º CC. A culpa – um juízo de censura!
– é-lhe diretamente aplicável: nada tem a ver, na conceção atual, com situações de índole
psicológica. O artigo 165.º CC não tema ver com a responsabilidade das pessoas coletivas
por atos dos seus órgãos: antes dos seus representantes (voluntários ou legais, porquanto nos
termos da lei), eventualmente constituídos para determinados efeitos, dos seus agentes e dos
seus mandatários. E aí já fará sentido para a imputação ao comitente. O Código Civil dá-nos,
ainda, um argumento sistemático, que depõe no mesmo sentido. O artigo 164.º, n.º1 fala em
obrigações e responsabilidade dos «titulares dos órgãos das pessoas coletivas»: expressão correta,
dentro do prisma da representação orgânica. Assim, quando no artigo 165.º refere os
representantes das pessoas coletivas, não pode querer dizer os mesmos «titulares dos órgãos»;
será uma realidade diferente e, designadamente: os representantes voluntários,
expressamente escolhidos para a concussão de um contrato ou para qualquer outro efeito.
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Conceção tradicional do Princípio da Especialidade
Artigos 160.º, n.º1 e 6.º, n.º1 CSC limitam a capacidade de gozo das pessoas coletivas pelo fim
violação Nulidade por incapacidade
Superação do Princípio da Especialidade
Por via pragmática
A referência ao fim seria lida como escopo lucrativo numa
tipologia do fim
Antunes Varela, Jorge Coutinho de Abreu e Osório de
Castro
violação Nulidade por incapacidade
Por via dogmática
Deslocação do núcleo
problemático
Formulação positiva do
princípio da especialidade Rejeição ou superação pura
Dá-se um desvio do fim;
trata-se de legitimidade; não
de capacidade.
Os artigos em questão apenas
definem positivamente a
capacidade dos entes coletivos
e vêm, comente, sofrer de
ilegitimidade na prática de
atos de desvio do fim
O princípio da especialidade
encontra-se ultrapassado, a
única limitação é a sua
natureza, distinta da pessoa
singular.
Oliveira Ascensão e Pedro
Pais de Vasconcelos
Pedro de Albuquerque
João Espírito Santo
Diogo Costa Gonçalves1
Menezes Cordeiro
Violação
Anulabilidade por ilegitimidade
Nulidade por violação de
normas injuntivas e abuso do
Direito (artigo 280.º CC)
1 Este autor, refere ser a única solução aproveitável a superação pura mas, por impossibilidade dogmática, refere a cedência à solução, no seu entendimento, unicamente aproveitável: a da superação pela formulação positiva do princípio.
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Assim, em termos práticos, temos de distinguir:
Atos Deliberações
Efetuados pelos representantes da sociedade (v.g. os elementos do órgão de administração)
Efetuadas pelos sócios (artigos 53.º e seguintes CSC – e 256.º e seguintes CSC para as Sociedades por Quotas e 373.º e seguintes CSC para as sociedades anónimas)
e sendo os objeto e a capacidade representados da seguinte forma
α O objeto da sociedade
β A capacidade da sociedade
χ O que se encontra fora da capacidade e do objeto
Assim, os problemas surgem-nos em duas formas e possibilidades:
Fora da capacidade
(χ)
Temos prática de
Atos Deliberações
A consequência é a nulidade: Menezes Cordeiro – artigo 180.º CC Restante doutrina – artigo 294.º CC.
A consequência também é a nulidade: Menezes Cordeiro – artigo 56.º, n.º1, alínea c) CSC; Restante doutrina – Artigo 56.º, n.º1, alínea d) CSC
Dentro da capacidade mas fora do
objeto
(β-α)
Temos prática de
Atos Deliberações
Artigo 6.º, n.º4 CSC – o ato é válido, já que o objeto não limita a capacidade. Mas é eficaz?
Sofrem anulabilidade (artigo 56.º, n.º1, alínea a), ex vi artigos 9.º, n.º1, alínea d) e 11.º CSC) e uma eventual responsabilidade nos termos do artigo 72.º CSC do administrador, com eventual despedimento por justa causa.
SQ artigo 260.º CSC
Sim, salvo terceiro de má fé
SA artigo 409.º CSC
Sim, salvo 3.º de má fé
SNC artigo 192.º CSC
Não, salvo confirmação unânime de
todos os sócios
α β
χ
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Ao que devemos considerar:
1. O objeto mediato: escopo lucrativo (artigo 980.º CC e 21.º., n.º1, alínea a) CSC): dar
lucro, concretizado pela cláusula do objeto social (este último, concretizado pelos
sócios que será particularmente especificado e concretizado pela administração.
2. O objeto imediato: o objeto social (artigo 11.º, n.º2 CSC e Contrato de Sociedade),
concretizando as atividades, ao abrigo do artigo 11.º, n.º3 CSC, por deliberação dos
sócios (que, numa sociedade por quotas, cabe aos gerentes – artigo 259.º CSC – e nas
anónimas à administração – artigo 405.º CSC)
Assim, quanto ao artigo 6.º, n.º3 CSC:
Há que determinar o fim da sociedade e o seu interesse:
o Porém, no artigo: Fim da sociedade = interesse.
o O artigo não faz qualquer sentido porque se redunda no mesmo conceito.
o Como tal, a prestação da garantia é conforme ao interesse da sociedade?
Se sim Se não
Pode ser prestada Não pode ser prestada
Mas, ora, o interesse da sociedade é:
Coutinho de Abreu: o desejo de todos os sócios;
Menezes Cordeiro: o definido pela sociedade através dos sócios.
Este interesse, pode ter-se em duas perspetivas:
Ideia tradicional (contratualista): o interesse da sociedade é o mesmo que o
interesse dos sócios.
o Mas não todos, porém: há que separar os interesses dos sócios como interesse
como sócios e não na globalidade das suas pessoas.
Ideia institucionalista: a sociedade, à medida que se vai desenvolvendo,
autonomiza a sua existência face aos seus criadores e sintetiza os interesses dos
sujeitos que com elas tratam (artigo 64.º CSC – sujeitos relevantes para a sociedade).
Assim, o interesse é limitado exogenamente (há uma heterolimitação do interesse).
Mas há ramos que limitam o Direito dos Consumidores e com a sociedade, etc. (os
seus fatores externos) que não o Direito das Sociedades Comerciais – que regula a
ordem interna as sociedades.
Temos como sujeitos relevantes
para a sustentabilidade da sociedade
os do artigo 64.º, n.º1, alínea b) CSC
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Donde, seguindo Menezes Cordeiro, o interesse definido pela sociedade através dos sócios
é um interesse em sentido subjetivo (relação de apetência entre o sujeito e o objeto que realiza
nas suas atividade). Ou seja, ele é feito numa sintetização, descendente, pela:
1. Lei;
2. Contrato de Sociedade;
3. Sócios;
4. Administração: só esta precisa e deixa antever o que é o interesse da sociedade.
Donde, a delimitação do interesse é feito através dos diversos órgãos da sociedade que
definirá o interesse para os sócios enquanto sócios: o interesse em sentido objetivo. Ou seja,
é o terceiro que define a apetência a satisfazer as necessidades do sujeito. Tal juízo tem de
ser feito sempre no momento em que se praticam os atos.
Mas como articular os artigos 6.º, n.º3, 64.º, n.º1 e 72.º, n.º1 CSC?
Quanto às relações de grupo e à prestação de garantias, a 2.ª parte do n.º3 do artigo 6.º CSC:
Grupos de sociedades
De iure (relações de grupo) De facto (relações de domínio) artigo 486.º CSC
Domínio total (artigos 488.º a
491.º CSC)
Titularidade de 100% do capital de uma sociedade
Influência dominante de uma sociedade sobre outra (índices de atribuição presentes no artigo 486.º, n.º2 CSC)
Contrato grupo paritário
(artigo 492.º CSC)
As sociedades voluntariamente se sujeitam a uma co-direção
Se a sociedade-mãe está em condições de, faticamente, sobre a contratação e destituição, remuneração da administração, da sociedade filha.
Contrato de subordinação
(artigos 493.º a 508.º CSC)
A sociedade-mãe comanda e a sociedade filha obedece (subordinação) mas a sociedade mãe responde pelas dívidas da sociedade filha (por remissão – artigos 503.º e 501.º CSC)
Fixa a bitola de
diligência
normativa
aplicáveis aos
casos
Se não forem feitos sob tal
juízo, aplicar-se-á o regime da
responsabilidade dos
administradores ou gerentes.
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Assim, quanto às garantias e doações:
Coutinho de Abreu – os atos gratuitos obstam ao fim lucrativo, a não ser que haveria algum
intuito lucrativo por trás
Menezes Cordeiro – os atos terão de ser aferidos em concreto, donde apenas a proibição
legal expressa pode obstar a praticar esses atos.
Quem deve provar o interesse próprio:
quem beneficia da garantia; ou,
o terceiro?
Menezes Cordeiro e Supremo Tribunal de Justiça – quem invoca a nulidade tem o ónus de
provar a falta de interesse próprio.
Coutinho de Abreu e Osório de Castro – quem quer manter a garantia tem de provar o
justificado interesse próprio.
Mas, quanto às garantias:
Pedro Albuquerque – qualquer sociedade pode prestar;
Osório de Castro – só as sociedades mãe para as filhas e nos grupos de direito (não dos de
facto).
Assim, a realidade, deve ser aferida da seguinte forma:
1. Na sociedade mãe (SM) para a sociedade filha (SF):
2. Na sociedade filha (SF) para a sociedade mãe (SM):
Ao prestar a
garantia, perde
capital nesse ato
- €
Dividirá os seus lucros, na
prossecução do seu fim a
que a garantia era necessária,
com esta
++€
Ao prestar a
garantia, perde
capital nesse ato
- €
Capital esse que não
recupera pois esta
não dividirá lucros
consigo.
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Secção III – As sociedades e as exigências dogmáticas
do sistema
Generalidades: as sociedades integram-se no sistema jurídico que as legitima e à luz do
qual se desenvolve a Ciência do Direito que, na prática, lhes irá dar existência social. Elas
deveriam inserir-se, por isso, dentro da harmonia global do sistema em causa. A assim não
ser, teremos distorções que põem em causa a adequação valorativa do conjunto e, no limite,
a própria positividade do Direito. Todavia, sabemos que as muitas regras que compõem o
Direito das Sociedades têm origens periféricas: histórica e culturalmente condicionadas.
Apesar da pressão que a Ciência do Direito sobre elas exerce, é de esperar insuficiências e
desalinhamentos capazes de se manifestarem in concreto. O próprio sistema oferece saídas.
Com efeito, através de diversos institutos, com relevo para o princípio geral da boa fé, o
sistema conserva um controlo sobre as soluções periféricas. Quando, mercê do Direito
estrito, estas se apresentem contrárias aos valores mais profundos do sistema, a Ciência do
Direito intervém, restabelecendo a harmonia. No Direito Civil, esse esforço é prosseguido,
em especial, com recurso ao abuso do direito. No Direito das Sociedades, surgem dois
institutos especialmente vocacionados para assegurar, na periferia, a primazia dos valores do
sistema. São eles:
O levantamento da personalidade coletiva;
O princípio da lealdade.
§6.º - O levantamento da personalidade das sociedades
A delimitação interna das sociedades terminologia e antecedentes: as exigências do
sistema jurídico impõem restrições ao funcionamento das sociedades. Comecemos por uma
delimitação interna. Mercê do sistema, as suas normas societárias perdem aplicação, em
certas circunstâncias, deixando aparecer a realidade subjacente. Estamos perante uma figura
que se impôs por várias ordens de fatores. Como vimos, os ordenamentos atuais
desinteressam-se pelos substratos das pessoas coletivas, particularmente das sociedades.
Estas dependem, na sua constituição e na sua sobrevivência, de requisitos puramente formais:
podem, pois, não apresentar qualquer significado social, económico ou humano. Mas o
Direito Positivo, sempre que encontre uma sociedade com ou sem substrato –, passa a
regular as situações a ela inerentes reportando-se-lhe como ente autónomo. Funciona, então,
em modo coletivo, atingindo as condutas singulares apenas através das regras complexas da
personalidade coletiva e do seu funcionamento interno. O poder de atuar através de
sociedades tem limites intrínsecos. Logo à partida, seria estranho que tal poder fosse
absoluto, permitindo contrariar os dados fundamentais do ordenamento. A doutrina que
sustenta, explica e aplica tais limites é a do levantamento da personalidade. Em 1955, um
professor alemão de nome Serick veio apresentar as possibilidades de levantamento por
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abuso de forma jurídica de uma pessoa coletiva: o juiz deve abstrair da estrita separação
entre os membros e a corporação, quando haja abuso da pessoa coletiva; há abuso quando,
com recurso à pessoa coletiva, se contorne uma lei, se violem deveres contratuais ou se
prejudiquem fraudulentamente terceiros. A sede jurídica residiria na boa fé, embora no fundo
se assistisse à violação da própria personalidade coletiva. Serick refere, ainda, diversas
possibilidades, como a ocorrência de comportamentos contraditórios. A pessoa coletiva não
deve igualmente ser usada para – ou abusada para – frustrar o escopo de uma norma ou de
um negócio; também os escopos de regras dirigidas a pessoas singulares devem prevalecer.
A receção em Portugal: em Portugal o instituto do levantamento da personalidade
coletiva foi acolhido por via doutrinária. Deve-se a Ferrer Correia. Este autor, estudando o
problema das sociedades unipessoais, que apela, para o efeito, à boa fé e ao abuso do direito.
Galvão Telles já havia proposto a utilização deste instituto, designando-o superação da
personalidade jurídica. Curiosamente – e num caso de refluxo da literatura brasileira sobre a
doutrina nacional – a doutrina do levantamento foi incrementada pela obra, de certo
excelente, de Lamartine Correia de Oliveira. Referida por Mota Pinto, ela foi especialmente
divulgada por Oliveira Ascensão, daí advindo o termo desconsideração.
Grupos de casos típicos: o levantamento da personalidade não deriva de meras
lucubrações teóricas. Trata-se de um instituto surgido a posteriori para sistematizar e explicar
diversas soluções concretas, estabelecidas para resolver problemas reais, postos pela
personalidade coletiva. Na sua origem, encontramos uma multiplicidade de casos concretos.
A doutrina que se tem preocupado com o levantamento procede a classificações. Existem
várias formas de agrupar os casos concretos em jogo, embora seja patente uma certa
estabilização.
A confusão de esferas jurídicas: verifica-se quando, por inobservância de certas
regras societárias ou, mesmo, por decorrências puramente objetivas, não fique clara,
na prática, a separação entre o património da sociedade e o do sócio ou sócios. Estes
casos reportam-se, sobretudo, às chamadas sociedades unipessoais. Como regra
mantém-se, contudo, a da separação: apenas fatores coadjuvantes poderão levar ao
levantamento;
A sub-capitalização: verifica-se uma subcapitalização relevante, para efeitos de
levantamento da personalidade, sempre que uma sociedade tenha sido constituída
com um capital insuficiente. A insuficiência é aferida em função do seu próprio
objeto ou da sua atuação surgindo, assim, como tecnicamente abusiva. Para efeitos
de levantamento, cumpre distinguir entre a subcapitalização
o Nominal: a sociedade considerada tem um capital formalmente insuficiente
para o objeto ou para os atos a que se destina. Todavia, ela pode acudir com
capitais alheios.
o Material: há uma efetiva insuficiência de fundos próprios.
Quando o prolema não seja resolvido com recurso a uma norma de Direito estrito,
pensamos que ainda há margem para manter a subcapitalização como um topo de
casos próprios do levantamento. Ela pode auxiliar no apuramento do escopo das
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normas em presença; designadamente: estaria em causa a possibilidade de se apontar
a função do capital social como uma regra de tutela dos credores;
O atentado a terceiros e o abuso da personalidade: O atentado a terceiros
verifica-se sempre que a personalidade coletiva seja usada, de modo ilícito ou abusivo,
para os prejudicar. Como resulta da própria fórmula encontrada, não basta uma
ocorrência de prejuízo, causada a terceiros através da pessoa coletiva: para haver
levantamento será antes necessário que se assista a uma utilização contrária a normas
ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios. Sub-hipótese particular é a do
recurso a testas-de-ferro. No fundo, o comportamento que suscita a penetração vai
caracterizar-se por atentar contra a confiança legítima (venire contra factum proprium,
supressio ou surrectio) ou por defrontar a regra da primazia da materialidade subjacente
(tu quoque ou exercício em desequilíbrio). É certo que todos os outros casos de
levantamento traduzem, em última instância, situações de abuso; neste, porém, há
uma relativa inorganicidade do grupo, que deixa, mais diretamente, a manifestação
de levantamento, perante a atuação inadmissível.
Cumpre ter novamente presente que uma ordenação de grupos de problemas não é, de modo
algum, uma classificação: há disfunções e áreas de sobreposição sem que, por isso, o esforço
perca a sua utilidade. O atentado à boa fé deve ser muito nítido, para justificar o levantamento:
a regra é, sempre , a da personalidade autónoma.
As teorias explicativas: apuradas as constelações de casos a propósito dos quais se tem
suscitado o problema do levantamento, cumpre analisar as diversas explicações para ele
apresentadas. Existem várias sistematizações possíveis, sendo de salientar a mais difundida:
a que distingue:
A teoria subjetiva: defendida pelo próprio Serick, a autonomia da pessoa coletiva
deveria ser afastada quando houvesse um abuso da sua forma jurídica, com vista a
fins não permitidos. Na determinação dos tais fins ou escopos não permitidos,
haveria que lidar com a situação objetiva e, ainda, com a intenção do próprio agente:
na fórmula de Serick, o levantamento exigiria um abuso consciente da pessoa coletiva,
não bastando, em princípio, a não obtenção do escopo objetivo de uma norma ou
de um negócio. Serick escreveu, em 1955, contra um dos dogmas mais
profundamente radicados na moderna dogmática civilística: o da absolutização da
personalidade coletiva. Nessas condições, compreende-se que viesse apresentar a sua
construção do modo mais cauteloso e convincente possível, acrescentando-lhe
pressupostos. E com êxito: será muito difícil negar o levantamento nos exemplos
radicais em que alguém, conscientemente e com abuso, venha manipular a
personalidade coletiva só para prejudicar outrem. A fase subjetiva surge, assim, como
um episódio natural, dentro da evolução geral da ideia de levantamento: jogam-se,
tão-só, os pressupostos da responsabilidade civil.
A teoria objetiva: rejeitando a teoria subjetiva, entende que a utilização puramente
objetiva de uma pessoa coletiva fora dos limites sistemáticos da sua função seria, só
por si, já abusiva. Além disso, a exigência do elemento subjetivo específico iria
provocar insondáveis dificuldades de prova. Deveremos ainda atentar na concreta
solução pretendida com o levantamento considerado. Se se tratar, simplesmente, de
fazer responder o património do sócio por dívidas da sociedade – e, portanto: de
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fazer cessar pontualmente o privilégio da responsabilidade limitada – não se requer
qualquer culpa subjetiva. Pelo contrário, visando-se responsabilidade civil por atos
ilícitos ou pelo incumprimento das obrigações, a culpa é requerida. Não se tratará,
todavia e nessa ocasião, do específico elemento subjetivo, próprio do levantamento:
antes dos comuns pressupostos da responsabilidade civil. As teorias objetivas
resultam, à partida, da rejeição de elementos subjetivos para fazer atuar o
levantamento. Trata-se de uma evolução bastante comum, no tocante a institutos
aparentados à boa fé e que visam, no fundo, permitir uma sindicância do sistema
sobre as diversas soluções jurídicas. Numa primeira fase, tudo é feito depender das
(más) intenções do agente. Conquistado o instituto, este é objetivado, passando a
depender da pura contrariedade ao ordenamento. Abandonada a intenção, o
levantamento exigiria a ponderação dos institutos em jogo. Quando, contra a
intencionalidade normativa, eles fossem afastados pela invocação da personalidade,
esta deveria ser levantada. As orientações objetivistas dizem-se, assim, também
institucionais, tendo obtido múltiplas adesões. Desde o momento em que tudo
dependa da articulação entre os institutos em jogo, o levantamento vai exigir a
cuidada interpretação das regras em presença. As suas diversas manifestações terão
de ser estudadas. Com as teorias objetivas, o levantamento deixa de constituir uma
pena para quem manipule o ordenamento e a personalidade coletiva. Todavia,
perante elas, o levantamento tende a perder autonomia, seja institucional, seja no
plano da sua justificação.
A teoria da aplicação das normas: apresentada por Müller-Freienfels, logo em
1957, o levantamento não traduziria, propriamente, um problema geral da
personalidade coletiva: tratar-se-ia, antes, de uma questão de aplicação das diversas
normas jurídicas. Quando, particularmente por via do seu escopo, elas tivessem uma
pretensão de aplicação absoluta ou visassem atingir a realidade subjacente à própria
pessoa coletiva, aplicar-se-iam. O detrimento das regras da personalidade seria uma
mera consequência daí decorrente. Noutros termos: haveria levantamento sempre
que, por exigência de uma norma concretamente prevalente, não tivesse aplicação
uma norma própria da personalidade coletiva. A teoria da aplicação das normas é,
em rigor, objetiva, tendo bastante êxito. Também ela segue um movimento habitual
nos institutos que nascem sob a égide da boa fé ou dos princípios gerais que remetem
para o sistema: numa primeira fase, eles bastam-se com essas remissões;
subsequentemente eles ganham em precisão dogmática, abandonando as áreas
indeterminadas donde proveem: tornam-se Direito estrito. Parece-nos paradigmática,
neste domínio, a orientação de Jürgen Schmidt: o levantamento teria de se acolher
ao escopo das normas em presença, por ser insuficiente o apelo à boa fé. Uma
menção especial às considerações de Günter Weick: como ponto de partida, há que
ponderar o escopo das normas em presença, mas a própria boa fé poderia intervir,
designadamente quando a invocação da personalidade coletiva implicasse um venire
contra factum proprium. A teoria da aplicação das normas não deve, porém, levar a
esquecer que a personalidade coletiva tem valores próprio, não sendo um mero jogo
de (outras) normas: visa limitar a responsabilidade, e funcionalizar patrimónios
autónomos.
Orientações negativistas: estas teorias negam, direta ou indiretamente, a autonomia
ao levantamento da personalidade, enquanto instituto. O levantamento lidaria com
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proposições vagas, conduzindo à insegurança. Assim, haveria antes que determinar
os deveres concretos que, em certos casos, incidam sobre os membros das pessoas
coletivas. No limite, apenas poderíamos responsabilizar os dirigentes ou
administradores das pessoas coletivas, por falta de diligência. Ao negativismo frontal
de Wilhelm, podemos acrescentar negativismos indiretos. É o que sucede com a
recondução do levantamento à fraude à lei, figura essa que, de resto, não tem
autonomia nem no Direito alemão, nem no português: ele diluir-se-ia no vetor mais
amplo a que se reconduz a fraude à lei sem apresentar autonomia dogmática.
Também o esquecimento do instituto ou a mera referência sem conteúdo dogmático
acaba por se traduzir numa forma de negativismo.
Menezes Cordeiro: o levantamento conquistou a sua posição na Ciência do Direito. Seja
qual for a explicação dogmática encontrada, não restam dúvidas sobre a sua capacidade em
facultar soluções mais adequadas para diversos problemas. Rejeitá-lo ou ignorá-lo ad nutum
apenas iria enfraquecer o moderno instrumento jurídico. O levantamento da personalidade
coletiva, seja pela sua origem jurisprudencial casuística, seja pela riqueza dos contributos
jurídico-científicos que encerra, surge, à primeira vista, com um conteúdo diversificado. Na
verdade, os desenvolvimentos anteriores permitem descobrir, no seu seio:
Situações de violação não-aparente de normas jurídicas: a pretexto da
personalidade coletiva, são descuradas normas de contabilidade, de separação de
patrimónios ou de clareza nas alienações;
Situações de violação de normas indeterminadas ou de princípios: as pessoas
que têm a seu cargo a administração de pessoas coletivas agem sem a diligência
legalmente requerida para tais funções;
Situações de violação de direitos alheios ou de normas destinadas a proteger
interesses alheios, sob invocação da existência de uma pessoa coletiva;
Situações de emulação nas quais, sem razões justificativas, alguém usa uma
pessoa coletiva para causar prejuízos a terceiros;
Situações de violação da confiança ou de atentado às valorações subjacentes,
através de pessoa coletiva;
Situações em que pessoas coletivas são usadas fora dos objetivos que levaram
as normas constituintes respetivas a estabelecê-las;
Situações em que jogos de pessoas coletivas são montados ou atuados para
além dos princípios básicos do sistema.
Perante a apontada diversidade, seria vão procurar uma noção explícita de levantamento ou
indagar, para ele, uma natureza unitária e autónoma. Tão-pouco adianta reportar o assunto à
fraude à lei: figura que, de resto e como referimos, não tem autonomia no Direito português.
A fraude à lei apenas permitiria referenciar, das situações elencadas, aquelas em que o agente
usasse a pessoa coletiva – forma lícita – para prosseguir efeitos proibidos. Teríamos, aí, uma
comum ilicitude, que deixaria de fora vários dos fenómenos acima referenciados. A (aparente)
falta de unidade interna tem levado alguns autores a perder o interesse pelo levantamento.
Esquece-se, com isso, a natureza sistemática da Ciência do Direito. Este é sistemático,
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também, a nível de exposição. Somos por isso levados a admitir institutos de enquadramento.
Trata-se de institutos que reúnem em função de pontos de vista ordenativos – porventura,
mesmo: periféricos – figuras que, de outro modo, ficariam dispersas. A junção assim
conseguida poderá, à partida, ter escasso conteúdo dogmático. No entanto, esse conteúdo
surge após a procurada ordenação. O espaço criado permite aprofundar o velho mote de
tratar o igual de modo igual e o diferente, de forma diferente, de acordo com a medida da
diferença. O levantamento é um instituto de enquadramento, de base aparentemente
geográfica, mas com todas as vantagens científicas e pedagógicas dele decorrentes.
Guardadas as devidas distâncias, outro tanto se passa com a própria boa fé. Reunindo
institutos de origens muito diversas – culpa in contrahendo, abuso do direito, alteração das
circunstâncias, complexidade intraobrigacional e interpretação do contrato – a boa fé
permitiu afeiçoá-los a todos, inserindo-os, de modo mais cabal, na complexidade do sistema.
Regressemos às experiências práticas de levantamento, jurisprudencial e doutrinariamente
documentadas. Mau grado a variedade de situações, é possível reconduzi-las a três grandes
grupos:
Situações de responsabilidade civil assentes em princípios gerais ou em normas de
proteção;
Situações de interpretação integrada e melhorada de normas jurídicas;
Situações de abuso do direito ou, se se preferir: de exercício inadmissível de posições
jurídicas.
No fundo, as teorias historicamente surgidas para explicar o levantamento estão todas
representadas: a teoria subjetiva de Serick cobre as hipóteses de responsabilidade civil; a
teoria do escopo das normas, de Müller-Freienfelds, tem a ver com a interpretação integrada
e melhorada de normas jurídicas; a teoria objetiva ou institucional visa o abuso do direito.
Resta concluir: as diversas teorias documentam facetas próprias do levantamento,
correspondendo a progressões da mesma ideia. Elas não se opõem: completam-se. Posto
isto, grupos inteiros de casos que lhe são reconduzidos poderiam ser recolocados noutros
institutos: na responsabilidade civil e nas diversas normas cuja interpretação melhorada
permite, in concreto, julgar que o legislador decidiu reportar-se diretamente a situações
subjacentes à pessoa coletiva considerada. Um último núcleo concentrar-se-ia, como rubrica
pequena e vagamente autónoma, no abuso do direito. Má solução: apesar da apontada
fragmentação dogmática, apenas a ideia global do levantamento permite: alcançar novas e
mais apuradas hipóteses de responsabilidade civil; obter perspetivas aprofundadas de
interpretação normativa; conquistar vias mais finas de concretização da boa fé. Ainda que
como (mero) instituto de enquadramento, o levantamento tem uma eficácia dogmática: a
natureza sistemática do pensamento jurídico a tanto conduz. No fundamental, o
levantamento traduz uma delimitação negativa da personalidade coletiva por exigência do
sistema ou, se se quiser: ele exprime situações nas quais, mercê de vetores sistemáticos
concretamente mais ponderosos, as normas que firmam a personalidade coletiva são
substituídas por outras normas. Em estudos anteriores, procurámos fazer uma distinção
entre
Levantamento amplo: abrangia todas as situações de levantamento,
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Levantamento estrito: reportar-se-ia apenas àquelas em que isso ocorra por exigência
da boa fé.
A distinção tem alguma utilidade, desde que não nos esqueçamos de que mesmo o
levantamento amplo tem eficácia dogmática, ajudando a localizar problemas e a apontar
soluções. No Direito português, as facilidades legislativas permitiriam mesmo prever, em lei
expressa, problemas típicos do levantamento: é o que sucede com a responsabilidade do
sócio único, hoje vertida no artigo 84.º CSC. Outros casos poderiam seguir destino
equivalente sem, todavia, esgotarem o filão: a própria evolução das sociedades e da economia
acaba por gerar novos problemas, exigindo novas soluções de levantamento, a retirar da boa
fé e do sistema. Pense-se nas multinacionais que atuem, sem rosto, através de fachadas
societárias, para se esquivarem a responsabilidades ou ao risco próprio das atuações que
desenvolvam. A redução dogmática proposta confirma a noção de personalidade coletiva,
acima preconizada. Esta, sem prejuízo pela dimensão ético-normativa que necessariamente
a enforma, é um produto da ordem jurídica, estabelecido por esta, de acordo com os critérios,
que lhe são próprios. E porque assim é, o sistema conserva um controlo intrínseco, no mais
fundo plano ontológico, sobre a personalidade e os seus limites. Em suma: apenas uma
essência normativa da personalidade se compadece com limites internos. Fosse ela uma
realidade extrínseca e todos os limites seriam, também, exteriores. Pela mesma via,
confirmamos e recuperamos um dos dados da moderna teoria da personalidade coletiva: a
da sua relativização. Ela não integrará um dado absoluto, antes se inserindo no sistema e nos
seus valores.
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Assim, quanto à aplicação da desconsideração da personalidade coletiva:
O Direito sempre que encontra uma sociedade, regula-o como ente autónomo dos seus
sócios, ou seja, como consequência da personificação, a sociedade tem direitos e deveres
próprios repercutíveis nos sócios, aos quais não vão ser imputados direitos ou deveres que a
esta se vinculam, não se confundindo com os dos seus sócios.
Porém, o mesmo Direito, reconhece que tal imputação e autonomização traz riscos ao se
poder atuar através de uma pessoa coletiva. Como tal, têm de haver limites: a desconsideração
da personalidade coletiva, como instituto, fá-lo: associando-o ao abuso do Direito e à Boa fé,
pelas mãos da doutrina).
Ou seja, há um juízo de censurabilidade feito pelo ordenamento (já que se trata de um
instituto de enquadramento) por se estar a utilizar o instituto das sociedades comerciais para
fins próprios de outros que não os da sociedade em si. A limitação, através da
desconsideração da personalidade coletiva, pode ser vista como positivada em vários
preceitos, sendo um deles – presente no Código das Sociedades Comerciais – o artigo 84.º,
n.º1 CSC: temos, valorativamente, uma limitação à autonomia patrimonial, sempre que os
credores encontrem-se sem património para solver os seus créditos devido ao não respeito
da afetação dos bens da sociedade ao seu próprio fim.
Na aplicação desta desconsideração (considerada casuisticamente, como vimos) existem 4
formas (segundo Menezes Cordeiro) de agrupar os casos concretos:
1. Confusão de esferas: dá-se quando, por inobservância de regras societárias, não fica
claro o património do sócio e o património da sociedade. Pode dar-se, ainda, através
de:
a. Aquisição de ações próprias;
b. Sócio único (artigo 84.º CSC).
2. Subcapitalização: verifica-se verificando uma manifesta inadequação do capital à
prossecução do objeto da dita sociedade. Pode ser:
a. Nominal: quando a sociedade tem capital insuficiente mas pode socorrer-se
de fundos alheios;
b. Material: quando nem os fundos alheios nem os próprios são suficientes.
3. Atentado a terceiros: consubstanciando-se numa atuação contrária à lei e à prática
ética dos negócios, atentando contra terceiros. Requer:
a. Prejuízo;
b. Atuação contra terceiros, intencionada em lesa-los.
4. Abuso de personalidade: associado, basilarmente, ao abuso do Direito.
A Jurisprudência, mais recentemente, tem reconhecido o instituto:
Ac. RLx 29-Abr-2009
Ac. STJ 5-Fev-2009
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Segundo Ana Perestrelo, nos grupos de sociedades, face à relação de grupo, há uma exceção
(uma deviance) a este princípio, um desvio: donde, se a sociedade-filha não tem capacidade de
se autodeterminar, pois é a sociedade-mãe que a determina, a sociedade mãe é quem
responde pelas dívidas da sociedade-filha. Porém, nesses casos, havendo uma proximidade
valorativa, não é necessário que se invoque o instituto da desconsideração da personalidade
coletiva, sendo que este é a válvula de escape regulativa (aplicável na falta de qualquer outro
instituto – não se esqueça que este é um instituto de enquadramento, que reúne num instituto
o que de outras formas estariam dispersos, como a boa fé, o abuso de Direito, devido às
valorações sistemáticas).
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§7.º - O princípio da lealdade
Sentido geral e aspetos periféricos: diz-se haver lealdade na atuação de quem aja de
acordo com uma bitola correta e previsível. Perante uma pessoa leal, o interessado dispensa
a sua confiança. Daí resultam, desde logo, os seguintes vetores:
A preferência: perante uma multiplicidade de hipóteses, o interessado será levado a
acolher a situação encabeçada por quem se afigure leal;
A entrega: justamente mercê da confiança depositada, o beneficiário irá baixar as
suas defesas naturais; deixará de tomar precauções que, de outro modo, seriam
encaradas;
O investimento: além da entrega passiva, o beneficiário poderá ir mais longe:
confiando, à pessoa leal, os seus próprios valores, crente de que eles serão
devidamente tratados.
Podemos apresentar a lealdade como o contraponto da confiança. Ou, pelo menos: daquela
que seja originada por uma conduta humana. A relação de lealdade envolve uma relação de
confiança na qual, o pólo ativo – o que suscita a confiança – é, precisamente, o indivíduo
leal. Se procurarmos decompor os elementos em que assenta a lealdade, encontramos dois,
já aludidos:
A previsibilidade da conduta;
A sua correção.
A previsibilidade está na base da confiança. Justamente por interessado poder,
subjetivamente, prognosticar a atuação futura de uma outra pessoa, surge, da parte dele, a
convicção que permite a preferência, a entrega e o investimento. A pessoa imprevisível não
é leal. O elemento subjetivo da prognose deve, todavia, ser completado com um fator
objetivo: o da correção da conduta na qual se confia. A verdadeira lealdade envolve a
observância de bitolas corretas de atuação. No Direito privado, encontramos quatro áreas
preferenciais de aplicação da lealdade:
A lealdade como dever acessório: acompanha as diversas obrigações, adstringindo
as partes a, por ação, preservar os valores em jogo, facultando as efetivas vantagens
aguardadas pelo credor; trata-se de um vetor especialmente marcante nas obrigações
duradouras, tendo vindo a dar corpo a regras cada vez mais precisas; no Direito
português, os deveres de lealdade enquanto deveres acessórios das obrigações
apoiam-se no artigo 762.º, n.º2 CC; a natureza específica dos vínculos constitui um
especial apelo à boa fé;
A lealdade como especial conformação de prestações de serviços: variará, aí, na
razão direta da confiança requerida; temos, aqui, uma manifestação mais intensa dos
deveres acessórios, que modelam a própria prestação principal;
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A lealdade como dever próprio de uma obrigação sem dever principal de
prestar: lembremos as adstrições legais in contrahendo assenta, entre nós, na boa fé e
no artigo 227.º CC;
A lealdade como configuração das atuações requeridas a quem gira um
negócio alheio; aproxima-se, aqui, dos deveres do gestor ou do mandatário – artigo
465.º, alínea a), 1161.º e 1162.º CC; nesta vertente, a lealdade tem um conteúdo
fiduciário.
Os deveres de lealdade distinguem-se dos deveres de proteção e dos de informação: visam
condutas positivas e promovem diretamente o escopo almejado pelo credor. Pelo contrário:
a proteção procura uma tutela indireta desse escopo, enquanto a informação (por vezes
requerida pela lealdade!) requer um conteúdo informativo. Nesta ambiência devemos
entender a lealdade – melhor: as manifestações da lealdade – no Direito das sociedades.
A lealdade no Direito das sociedades: o contrato de sociedade mais habitual ocorre
intuito personae; as partes celebram-no na medida em que tenham uma especial confiança nas
qualidades da outra parte. No âmago da sociedade ocorrem as previstas interações com vista
a um fim comum. E nesse nível refere-se a lealdade, própria das relações duradouras, com
um papel multifacetado. Esta lealdade é própria das sociedades civis sob forma civil ou das
sociedades comerciais de base pessoal. Ela decresce na sociedade por quotas e, mais ainda,
nas sociedades anónimas. Ora estas últimas constituem, sabidamente, a grande matriz do
Direito das sociedades. As sociedades anónimas surgiram e desenvolveram-se num ambiente
pouco favorável à confiança interindividual. A própria designação anónima constitui um
início de explicação. As pessoas aderiam convictas de que todos os intervenientes,
pretendendo lucros, não deixariam de agir nesse sentido. Apenas um aprofundamento
subsequente, com diversos sortilégios humanos, permitiria detetar situações onde a velha
lealdade poderia prestar serviços dogmáticos: por exigência do sistema. No campo das
sociedades, a lealdade toma diversas configurações. Analiticamente, podemos distinguir:
A lealdade dos acionistas entre si: designadamente da maioria para com a minoria
mas, também, inversamente;
A lealdade dos acionistas para com a sociedade;
A lealdade dos administradores para com a sociedade;
A lealdade dos administradores para com os acionistas.
A reforma de 2006 do CSC, particularmente quanto ao seu artigo 64.ºCSC, permite ainda
apontar outras lealdades. A sua consistência dogmática é mais do que discutível, até porque
a banalização da lealdade lhe vai tirar substância.
A jurisprudência e o apoio da doutrina: as diversas codificações comerciais
passaram em branco o tema da lealdade no âmbito das sociedades. A referência específica a
uma lealdade no campo societário surgiu, muito lentamente, na jurisprudência alemã. Num
primeiro momento, a jurisprudência veio optar pela total não-vinculação dos sócios, fora do
que a própria lei ou os estatutos determinassem. Paralelamente, a literatura era omissa quando
a um dever de lealdade, no âmbito societário. Apenas Hachenburg veio afirmar, em 1907,
que também o exercício do voto se deveria subordinar à boa fé. Os casos indicados, na sua
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globalidade, originaram uma pressão de fundo para, perante problemas manifestamente
carecidos de saídas jurídicas justas, fazer apelo aos valores fundamentais do sistema A essa
luz, não admira a penetração da referência à boa fé. Todavia e no que toca à lealdade, surgia
um problema: na falta de qualquer consagração legal, ela ocorria como um instrumento
pouco manejável. Procurar sedimentar soluções novas em conceitos desconhecidos é passo
que não se espera, por parte dos cuidadosos tribunais superiores. O hábito de decidir praeter
legem e em consonância com o sistema tinha, agora, de ser alavancado com a doutrina, de
modo a alcançar uma fórmula nova e adequada: a da lealdade. E de facto, na altura, ocorreram
diversas intervenções doutrinárias que permitiriam esse salto qualitativo. Eis a evolução:
Em 1928, Pinner ainda considera que a introdução da boa fé no Direito das
sociedades anónimas seria fonte de incertezas;
Mas nesse mesmo ano, Hachenburg, na linha de posições anteriores, afirma que o
voto não pode contrariar a interpretação de boa fé do contrato;
Em 1929, Alfred Hueck, num estudo decisivo, sistematiza a jurisprudência do
Reichsgericht determinado três situações essenciais de contrariedade aos bons costumes,
por parte das deliberações:
o oposição ao objetivo em jogo;
o abuso da maioria; e
o uso da maioria simples, quando se exigiria a qualificada;
Em 1929, Degen sublinhou a possibilidade de se estabelecerem relações específicas
entre os sócios, seja de sociedades por quotas, seja de sociedades anónimas; quando
isso sucedesse, teríamos relações de lealdade fonte, designadamente, de deveres de
informar, cuja violação poderia conduzir a uma responsabilidade aquiliana;
Também em 1929, Netter, contraditando anteriores tendências doutrinárias,
manifesta-se no sentido de uma cláusula geral limitativa do direito de voto,
sublinhando a existência de um dever de lealdade a cargo do acionista;
Em 1930, Homburger retoma essa mesma posição;
em 1932, Hachenburg, sublinha a importância da boa fé no Direito das sociedades
anónimas;
em 1934, Ritter apela para o leal tratamento entre os acionistas;
Em 1935, Siebert aplaude a jurisprudência relativa à boa fé e à lealdade, nas
sociedades anónimas.
A situação jurídica podia ser considerada madura. Além disso, ela foi facilitada pelo
pensamento cominutário-pessoal, próprio do Direito do trabalho e que se procurou alargar
aos entes coletivos. Podemos antecipar que a lealdade representaria um ganho, permitindo
dogmatizar, nas relações específicas que se estabelecerem dentro do universo societário, as
exigências do sistema. Apenas décadas mais tarde seria possível o desenvolvimento jurídico-
científico suficiente para esse passo. Nesta fase, a defesa de uma ideia de lealdade pode, ainda,
ser aproximada das conceções que pretenderam arvorar a empresa a conceito nuclear do
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Direito comercial. Em especial, tem sido notada uma certa proximidade com a ideia da
empresa em si.
A evolução posterior a 1945: após 1945, assistiu-se a um claro abandonada doutrina
da lealdade, aplicada às sociedades comerciais. Uma certa contaminação com as
considerações comunitário-pessoais propugnadas pelo pensamento nacional-socialista, quer
para contrariar o liberalismo, quer o socialismo, a tanto conduziu. De resto essa mesma
contaminação provocou, em geral, um retrocesso na aplicação prática da empresa e, até, na
própria boa fé. Evidentemente: não há conceitos maus: mau poderá ser o uso que deles se
faça, sobretudo quando se perca a sindicância de uma Ciência do Direito coerente e dotada
de valores materiais. No campo jurisprudencial, o relatado estado de coisas levou a que
apenas cerca de trinta anos mais tarde, o Bundesgerichtshof retomasse as aplicações do seu
antecessor. Como veremos, neste período foi a doutrina que iniciou a retoma da lealdade,
De todo o modo, parece-nos importante antecipar esta jurisprudência: ela documenta a
efetiva formação periférica da lealdade. Esta vem a assentar numa plêiade de distintos
problemas que, em comum, têm a necessidade de uma intervenção, in casu, dos valores
básicos do sistema jurídico e, ainda, a presença de uma especial proximidade entre dois
sujeitos. Apesar da vaguidade (natural) da linguagem, não encontramos um dever genérico
de lealdade: antes situações relacionais concretas em que esta se manifesta. Temos e
conforme acima antecipámos:
Lealdade entre acionistas individualmente tomados;
Lealdade do gerente para com o sócio;
Lealdade da maioria para com a minoria;
Lealdade da minoria para com a sociedade.
Nenhum destes vetores pode ser generalizado, sob pena, seja de perder impacto, seja de
paralisar a vida da sociedade. Assinale-se ainda que a responsabilidade dos administradores
na base de deveres de lealdade veio a conhecer uma derivação própria autónoma, abaixo
referida. Na doutrina do pós-guerra relativa à lealdade no âmbito das sociedades comerciais,
no plano continental fundamentalmente alemão, podemos distinguir três grandes manchas:
A dos estudiosos que prosseguiram na linha adiantada no período imediatamente
anterior ao colapso do III Reich, em 1945;
A dos anotadores e críticos, relativamente aos grandes casos dos anos 70 e 80
retomadas nos anos 90;
A dos dogmáticos da reconstrução do conceito, nos anos 2000 e ainda em curso.
O período anterior a 1945 fechou (neste domínio!) com chave de ouro:
1. A habilitação de Fechner sobre as ligações fiduciárias dos acionistas: a lealdade
nasceria diretamente do povo, sendo, depois, tratada pela Moral, pela Filosofia e pelo
Direito. Na base, ela está enraizada na consciência de cada um, dirigindo-se ao outro.
A lealdade dá firmeza às relações jurídicas: sem ela, a vida em comunidade nem seria
possível. Tudo isto teria aplicação no Direito das sociedades anónimas.
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2. Na retoma, avulta o pequeno mas rico princípio de Alfred Hueck sobre a ideia de
lealdade no Direito privado moderno: vem apoiar a lealdade na Ética; todavia, ela
alcançaria um significado no Mundo do Direito. Trata-se, depois, de ordenar as ideias
de boa fé, de bons costumes e de dever de lealdade. E propõe a seguinte pirâmide:
o O conceito mais geral é o de bons costumes: banham em geral, todo o
ordenamento, dando azo a responsabilidade aquiliana, quando violados com
dolo;
o A boa fé já é mais exigente e específica: pressupõe uma série de requisitos,
para se manifestar;
o O dever de lealdade surge ainda mais pesado e estrito: tem a ver com
uma especial ligação entre as pessoas; assim sucederia no contrato de trabalho.
O próprio Alfred Hueck questiona a hipótese de deveres de lealdade entre acionistas:
faltariam, aí, as relações pessoais entre os sócios. Ao contrário, nas sociedades em
nome coletivo onde, de toda a forma, de imporia a lealdade ao contrato.
Dos trabalhos de Hueck ressalta um ponto: o da necessidade de precisão de conceitos. A
lealdade não pode ser usada como algo de informe, suscetível de transmitir uma ideia
aprazível, mas sem conteúdo dogmático claro. Como evolução da literatura tradicional
podemos apontar uma certa funcionalização da lealdade. Por certo que, à partida, ela se
destinará a proteger as pessoas. Mas em que sentido?
3. Wieldemann sublinha o papel da lealdade na tutela das minorias, pelas razões
particulares e gerais que se conhecem;
4. Immenga recorda, além do conflito minoria/maioria, a separação entre a
propriedade e o domínio, subjacente as grandes anónimas e ao reforço dos deveres
requeridos para as necessárias composições.
Outros autores seguiam nestas vias. Tudo isto se insere no movimento geral da socialização
do Direito privado: empenhado, de modo assumido, em, sem perturbar o livre jogo
económico, proteger os fracos. Um especial avanço na literatura da lealdade foi o promovido
pelas decisões exemplares dos anos 70, 80 e 90 do século XX. Devemos aliás antecipar que
essa literatura não seguiu, apenas, a pista dogmática dos deveres de lealdade, antes se
alargando a áreas conexas da responsabilidade, aos grupos de sociedades e, até, à doutrina do
levantamento da personalidade coletiva. Toda esta matéria aponta, no seu conjunto, para a
necessidade de depurar o tema da lealdade: ele vai sobrepor-se com regimes técnico-jurídicos
mais precisos que se ligam à competência da assembleia geral, à responsabilidade dentro dos
grupos de sociedades e ao próprio levantamento da personalidade. Ora quando isso aconteça,
o dever de lealdade, como figura mais geral e, nessa medida, residencial, deve ceder em face
das realidade dogmáticas mais estritas. Finalmente, uma referência aos dogmáticos que têm
procurado uma reconstrução do conceito. Vamos reter dois:
5. Wiedemann: aponta, quanto aos deveres de lealdade, as suas breves aparições no
BGB e no HGB, bem como a impossibilidade de, com referência a eles, operar
qualquer subsunção. Posto isto, distingue três áreas de aplicação: a lealdade dos
sócios, a dos órgãos e a da maioria.
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6. Wellenhofer-Klein: sublinha a concretização do §242 BGB (boa fé) que eles
representam. Assentam, em especial:
o Numa relação duradoura;
o Que postula uma organização;
o Determinada entre as partes específicas.
Encontramos, aqui, as sementes da evolução subsequente e do seu apoio dogmático: a
lealdade traduz, por tradição, o papel da boa fé (do sistema jurídico) no domínio societário.
Campos de aplicação: participações sociais, competência da assembleia
e deveres dos administradores: na evolução de que demos nota, ficou claro que os
deveres de lealdade conheciam campos distintos de aplicação. Parece razoável supor que tais
campos originaram, por seu turno, conteúdos específicos diversos. Distinguimos três:
A da lealdade exigível aos sócios, seja nas relações entre si, seja com referência à
própria sociedade;
A da lealdade da sociedade para com os sócios;
A da lealdade requerida aos próprios órgãos societários.
A lealdade exigível aos sócios inscreve-se no seu próprio status enquanto sócios. Tal status
exprime uma série de direitos e de deveres, ínsitos na ideia de participação social. Entre os
deveres em causa, incluem-se, precisamente, os da lealdade. Hoje, poderemos falar, neste
domínio, no exercício das posições sociais de acordo com a boa fé, seguindo-se as vias de
concretização deste instituto: tutela da confiança e primazia da materialidade subjacente.
Exemplos de deslealdade será o abuso no pedido de informações: contraria a materialidade
subjacente, isto é: os valores que levaram o legislador a conferir as inerentes pretensões.
Tudo isto pressupõe a construção da participação societária não como um direito subjetivo,
mas como uma posição variável (status) que envolve uma relação complexa, com deveres. A
lealdade da sociedade para com os sócios implica, tudo visto, um alargamento ex bona fide da
competência da assembleia geral e a adoção, nesta, de certas deliberações por maioria
qualificada. Também aqui as vias de concretização da boa fé são úteis. A matéria irradia,
ainda, para a área dos grupos de sociedades. Finalmente: a lealdade requerida aos próprios
órgãos societários tem a sua manifestação paradigmática nos deveres de lealdade dos
administradores (artigo 64.º, n.º1, alínea b) CSC). A base legal destas manifestações de
lealdade radicava, tradicionalmente, na boa fé. A sua especialização em grupos de casos cada
vez mais precisos leva a doutrina, muito simplesmente, a apelar para o Direito
consuetudinário. Como balanço, podemos, nestes últimos cem anos, apontar uma evolução:
oscilante, mas com um sentido geral claro. Num primeiro tempo, a lealdade relacionava
sócios entre si; depois, ocupou-se das relações maioria/minoria; finalmente, reportou-se aos
órgãos. As duas primeiras foram sendo absorvidas pela teoria das participações sociais e pela
doutrina da repartição de poderes intrassocietárias. Fica-nos, como especial área de reflexão,
a dos deveres dos órgãos e, em especial: dos administradores. Todas as três manifestações
de lealdade podem ser reconduzidas às exigências básicas do sistema. Através dela, os valores
fundamentais são assegurados nas diversas decisões concretas: donde a aproximação ao
principio geral da boa fé. Esta permite a dogmatização da ideia de sistema.
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Capítulo II – O Contrato de Sociedade
Secção I – Celebração, conteúdo e capital social
33.º - Celebração, forma e natureza
Celebração; contrato, pacto social e estatutos: o contrato de sociedade é um
contrato nominado e típico: além de dispor de nomen iuris, ele vem regulado na lei civil –
artigo 980.º CC – e na lei comercial – artigo 7.º e seguintes CSC. A natureza verdadeiramente
contratual deste ato presta-se a dúvidas e discussões: matéria a enfrentar a propósito da sua
natureza. Adiantamos apenas que o Direito português insiste, tradicionalmente, na natureza
contratual da figura e isso mesmo quando contemporize com a sociedade de origem não
contratual. Recorde-se a inserção das sociedades entre os contratos em especial: quer nos
códigos civis, quer nos comerciais. As dúvidas sobre a natureza contratual da sociedade
tiveram um reflexo curioso no artigo 7.º, n.º2 CSC: o de fixar o número mínimo de partes
num contrato de sociedade… em dois, ressalvando a exigência legal específica de um número
superior ou a permissão de sociedades constituídas por uma só pessoa. Nessa altura, o
negócio será unilateral. O contrato de sociedade é, ainda, um negócio jurídico. De acordo
com o sistema adotado, verifica-se que se trata de um ato marcado pela liberdade de
celebração e pela liberdade de estipulação: as partes podem não só optar por celebrar, ou não,
o contato de sociedade como, fazendo-o, têm a liberdade de nele apor as cláusulas que
entenderem. De entre os elementos que estão na disponibilidade conta-se a escolha do tipo
societário. Efetuando-a, incorrem nos limites injuntivos que o enformem. Uma parcela
apreciável das regras legais relativas a sociedades tem natureza meramente supletiva: pode
ser afastada por vontade das partes. A prática mostra, todavia, contratos bastante
circunspetos, pelos quais as partes se limitam a consignar os elementos voluntários
necessários – denominação ou firma, sócios, capital social, partes sociais, sede e tipo – e uma
ou outra cláusula que considerem mais relevante. Tudo o resto cai no regime legal. O
contrato de sociedade não é considerado um negócio corrente. Assim, a sua celebração é, em
regra, precedida de negociações efetivas – salvo, naturalmente, quando a sociedade tenha
natureza unilateral. Sucede, porém, que a sociedade encobre, por vezes, uma mera ordenação
de interesses familiares, tendo, como partes, os cônjuges e os filhos menores. Quando isso
ocorra não haverá, em regra, negociações, já que os interesses não são contrapostos: antes se
adotará um figurino. Põe-se o problema da sociedade formada por adesão a cláusulas
contratuais gerais. Quando isso sucede, não haveria dúvidas ou dificuldades em fazer intervir
a lei sobre cláusulas contratuais gerais. Este trato de sociedade foi pré-formulado, isto é:
apresentado à subscrição de outrem, sem hipótese de alteração. Com todas as reservas que
esse esquema suscita, as cláusulas abusivas seriam expurgadas. Entre nós, o próprio Estado,
ao abrigo do Decreto-Lei n.º 111/2005, 8 julho, apresenta modelos de estatutos de
sociedades, aos particulares interessados. Materialmente, trata-se de cláusulas contratuais
gerais. Um contrato de sociedade pode, ainda, ocorrer através de uma oferta ao público. A
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situação paradigmática é a da constituição de uma sociedade anónima com apelo à subscrição
pública e que vem regulada nos artigos 279.º a 283.º CSC e no artigo 168.º CVM. Prevê-se,
aí, todo um procedimento algo complexo, que irá desembocar numa assembleia constitutiva
(artigo 281.º CSC); apenas depois é formalizado o contrato de sociedade (artigo 283.º CSC).
Na sua configuração, o contrato de sociedade permite, muitas vezes, distinguir duas áreas: a
do contrato propriamente dito, na qual as partes se identificam, declinando elementos
comprovativos, estado civil, profissão e residência e manifestam a intenção de constituir uma
sociedade; e a do pacto social ou estatutos, nos quais as partes, normalmente em moldes
articulados, disciplinam a nova entidade. Quando se recorra a escritura pública, esta segunda
parte pode constar de documento anexo, dispensando-se a sua leitura. Tecnicamente, os
estatutos ou pacto social são parte integrante do contrato, embora possam apresentar
especialidades interpretativas, como a seu tempo sublinharemos. O Código das Sociedades
Comerciais fala, de modo predominante, em contrato de sociedade para designar os estatutos.
Trata-se de uma opção linguística destinada a melhor corporizar as opções contratualistas
dos seus autores.
As partes; cônjuges e menores: como referimos, a figura visualizada, em moldes
típicos, pelo legislador, foi a da sociedade instituída por contrato. Donde a referência, já
estranhada, do artigo 7.º, n.º2 CSC: tem de haver, pelo menos, duas partes. Quando as partes
estabeleçam, ab initio, uma posição ou participação social em regime de contitularidade, as
pessoas assim envolvidas valem apenas como uma única parte. Podem ser partes em
contratos de sociedade não apenas pessoas singulares mas, ainda, pessoas coletivas. É o que
resulta da lata capacidade de gozo que hoje é reconhecida às pessoas coletivas. O próprio
Estado pode ser parte em sociedades. Há mesmo sociedades que só podem exercer a sua
atividade através de outras sociedades cujas participações detenham: é o que sucede com as
sociedades gestoras de participações sociais (SGPS). Também as pessoas rudimentares
podem constituir sociedades, desde que estas, em função do objeto ou de outras
circunstâncias, se possam reconduzir à janela da personalidade que lhes seja reconhecida. O
problema da constituição de uma sociedade, particularmente comercial, entre cônjuges,
levantava clássicos problemas. Efetivamente, desde que os cônjuges constituíssem uma
sociedade para a qual contribuíssem com os seus bens, ficariam – ou poderiam ficar – em
causa, segundo o pensamento tradicional:
O regime de bens estipulado para o casamento: as regras próprias desse regime
seriam substituídas pelas do funcionamento da sociedade;
O então denominado poder marital: a cheia da família, assegurada pelo marido,
daria lugar aos esquemas de formação da vontade social, mais igualitários: logo
inadmissíveis;
O sistema de responsabilidade dos bens dos cônjuges ou do casal, pelas
dívidas de cada um deles ou de ambos: esse sistema seria, naturalmente,
substituído pelo regime do tipo social adotado.
Procurando resolver as dúvidas que se levantaram, o artigo 8.º, n.º1 CSC veio dispor:
«É permitida a constituição de sociedades entre cônjuges, bem como a participação destes em
sociedades, desde que só um deles assuma responsabilidade ilimitada».
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Este preceito vem revogar o artigo 1714.º, n.º2 e 3 CC, ainda que seja possível compatibilizá-
lo com o princípio da imutabilidade das convenções antenupciais. Uma tomada de posição
definitiva cabe ao Direito Civil (da família). Todavia, as justificações para a proibição histórica
de sociedades entre cônjuges não se quedam pelas proposições clássicas acima anunciadas,
todas rebatíveis. Valem, antes, criptojustificações: a necessidade de manter o status de
incapacidade da mulher casada; a ideia de que repugna mesclar o Direito Comercial e relações
entre cônjuges; e a evidência de que uma sociedade entre cônjuges poderia não ser uma
verdadeira sociedade mas, antes uma sociedade unipessoal. Tudo isto vem a regredir, quer
na frente civil, quer na comercial. Mas em compensação, a imutabilidade das convenções
antenupciais, até ser suprimida em futura reforma, é Direito vigente e deve ser respeitada.
Isto dito: a constituição de uma sociedade entre cônjuges pode (ou não ) atingir a
imutabilidade das convenções antenupciais. Assim, se ambos os cônjuges entrarem para uma
sociedade com todos os seus bens, presentes e futuros, poderemos estar perante um esquema
destinado a postergar os regimes da separação, ou da comunhão de adquiridos. Porém, se
subscreverem pequenas quotas ou umas quantas ações, o problema nem se põe. Haverá, por
isso, que compatibilizar o artigo 8.º CSC com o artigo 1714.º, n.º1 CC, verificando, contrato
a contrato, se a imutabilidade das convenções é respeitada. Para além disso, a constituição de
sociedades entre cônjuges, assumindo ambos responsabilidade ilimitada, é proibida, nos
termos do transcrito artigo 8.º CSC. É um resíduo histórico, tanto mais que, na prática
comercial e societária, qualquer operação bancária módica exige, como rotina, garantias dadas
por ambos os cônjuges. De todo o modo, a restrição do artigo 8.º CSC deve aplicar-se,
também, às sociedades civis puras: e não a proibição (considerada) absoluta do Código Civil,
na base de um princípio de diferenciação entre sociedades civis e comerciais que não tem,
hoje, já consistência. Mercê de um regime de bens, pode acontecer que uma participação
social seja comum a ambos os cônjuges. Nessa altura, por força do artigo 8.º, n.º2 CSC e nas
relações com a sociedade, será considerado sócio aquele que tenha celebrado o contrato de
sociedade ou, sendo a participação adquirida posteriormente, aquele por quem a participação
tenha vindo ao casal. O n.º3 do mesmo preceito ressalva a administração do cônjuge do sócio
que se encontrar impossibilitado e os direitos mortis causa. Os menores podem ser partes em
contratos de sociedade. E poderão fazê-lo pessoal e livremente sempre que a sociedade em
vista esteja ao seu alcance, perante o artigo 127.º CC. De facto, não é viável, a priori, excluir
do campo dos atos facultados pessoal e livremente ao menor, a celebração de uma sociedade.
Fora isso, os menores poderão celebrar contratos de sociedade, através dos pais, como
representantes legais. Será, todavia, necessária a autorização do tribunal para entrarem nas
sociedades em nome coletivo ou e comandita simples ou por ações: artigo 1889.º, n.º1, alínea
d) CC. O óbice reside, aí, nos riscos derivados da ilimitação da responsabilidade. Tratando-
se de menor sob tutela, a entrada em qualquer sociedade deve ser autorizada, visto o disposto
no artigo 1938.º, n.º1, alíneas a), b) e d) CC. Este regime é aplicável, com as necessárias
adaptações, ao interdito: artigos 139.º e 144.º CC. Quanto ao inabilitado, tudo depende da
competente sentença: artigo 153.º, n.º1 CC.
Forma: o contrato de sociedade comercial é um contrato formal – artigo 7.º, n.º1 CSC.
Requer forma escrita com reconhecimento presencial das assinaturas dos subscritores, salvo
se forma mais solene for exigida para a transmissão dos bens com que os sócios entram para
a sociedade. Acrescenta, ainda, a parte final do artigo 7.º,n.º1 CSC, «sem prejuízo de lei especial»:
um acrescento inútil, uma vez que qualquer preceito cede perante lei especial. Se
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percorrermos os contratos próprios das sociedades comerciais, deparamos com as exigências
de forma seguintes:
Acordos parassociais: o artigo 17.º CSC não contém qualquer exigência de forma; em
regra, são celebrados por escrito;
A aquisição de bens a acionistas por sociedades anónimas ou em comandita por ações
deve ser reduzida a escrito (artigo 29.º, n.º4 CSC);
A alteração do contrato de sociedade deve ser reduzida a escrito (artigo 85.º, n.º3
CSC); o aumento de capital e outras alterações (artigos 88.º e 93.º, n.º1, 274.º, 370.º,
n.º1 e 456.º, n.º5 CSC) devem, também, ser objeto de declaração escrita;
A fusão de sociedades segue a forma exigida para a transmissão dos bens das
sociedades incorporadas ou, no caso de constituição de nova sociedade (artigo 106.º
CSC) numa regra aplicável à cisão (artigo 120.º CSC);
A dissolução da sociedade não depende de forma especial, quando tenha sido
deliberada em assembleia geral (artigo 145.º, n.º1 CSC);
O contrato de subordinação exige forma escrita (artigo 498.º CSC).
No tocante aos diversos contratos de sociedade, não são retomados os requisitos de forma,
dado o alcance geral do artigo 7.º, n.º1 CSC; apenas são referidos aspetos atinentes ao
conteúdo dos contratos: artigos 176.º, 199.º, 272.º e 466.º CSC, relativos, respetivamente, a
sociedades em nome coletivo, por quotas, anónimas e em comandita. No domínio da
transmissão de partes sociais, a lei exige forma escrita:
Para a transferência das partes de um sócio de sociedade em nome coletivo (artigo
182.º, n.º2 CSC);
Para a transferência de quotas (artigo 228.º, n.º1 CSC).
A transformação de uma sociedade por quotas em sociedade unipessoal exige documento
particular quando, da sociedade, não façam parte bens cuja transmissão exija essa forma
solene (artigo 270.º-A, n.º3 CSC). Uma regra similar funciona para a constituição originária
de uma sociedade unipessoal: tem aplicação o artigo 7.º, n.º1 CSC. O contrato de suprimento
não está sujeito a qualquer forma, o mesmo sucedendo com outros negócios de adiantamento
de fundos pelo sócio à sociedade ou com convenções de diferimento de créditos de sócios
(artigo 243.º, n.º6 CSC). Tratando-se de negócio entre o sócio único e a sociedade unipessoal,
deve ser observada a forma escrita, quando outra não esteja prescrita para o negócio em jogo
(artigo 270.º-F, n.º2 CSC).
Natureza: de acordo com diversa doutrina, não seria seguro que o denominado contrato
de sociedade surja, efetivamente, como um contrato. No contrato de sociedade: as diversas
declarações de vontade são idênticas e confluentes. Além disso, nos contratos comuns, os
efeitos produzem-se, como é de esperar, nas esferas jurídicas dos intervenientes. De modo
diverso: no contrato de sociedade, surge uma nova e terceira entidade: a própria sociedade
constituída. E para completar: o atual Direito das sociedades, nos diversos países, admite a
constituição de sociedades por ato unilateral. Tudo isto obrigaria a uma evidência: o ato
constitutivo da sociedade teria uma natureza específica, não-contratual. Como contraprova:
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ao contrário do que sucederia em qualquer contrato comum, em que o número de partes é
decisivo e depende do figurino visualizado, na sociedade isso seria secundário: poderia,
mesmo, cair para a unidade, como ocorre nas sociedades unipessoais. A questão foi-se pondo
nos diversos países, em termos não totalmente coincidentes. Na Alemanha,
1. Otto Von Gierke, analisando o tema da sua constituição, conclui que tinham na
origem um ato constitutivo sócio-jurídico: se todos os negócios são declarações de vontade,
nem todas as declarações de vontade são negócios, com exemplo no ato constitutivo
de uma associação. Acrescentando,
«porém esta atuação constitutiva não é um contrato, mas antes um ato conjunto
unilateral que não tem paralelo no Direito individual».
Foi adotada, na época, por outros autores, sendo conhecida como teoria da norma.
2. Contrapôs-se, a esta orientação, Von Thur com a teoria do contrato: preconizava-se
uma ideia lata de contrato, como o simples encontro de vontades ou negócio
plurilateral: o que ocorreria na constituição das pessoas coletivas. A opção contratual
justifica-se, apenas, pela presença de mais uma pessoa e, portanto, pela necessidade
de encontrar, eventualmente por negociações, vontades coincidentes. Joga-se, porém,
um contrato específico: um contrato organizatório – também se diz ato organizatório.
Nas próprias associações tem-se vindo a defender a teoria do contrato, ainda que
modificada: constituída a associação e adquirida a personalidade, as declarações
fundir-se-iam na regulação comum, Por vezes, o contrato é, aí, posto em causa,
embora se admita nas sociedades. Com regras próprias de interpretação, o contrato
organizatório, quando admitido, distingue-se claramente dos contratos comuns. A
redução negocial e, mesmo, contratual, visa explicitar a liberdade que preside à
constituição de pessoas coletivas.
As divergências quanto à natureza do ato constitutivo de sociedades também ocorreram em
Portugal. Embora não indicando fontes doutrinárias,
1. Guilherme Moreira veio tecer as seguintes considerações:
«Nos contractos há sempre pessoas determinadas que por elles ficam adstrictas a certas
prestações e cujas vontades, manifestando-se em direcções oppostas, se encontram,
formando-se um vínculo jurídico em virtude desse acordo. Quando todas as vontades
se manifestam na mesma direção, não se formando um vinculo jurídico entre as pessoas
que manifestam essa vontade, não haverá contracto, porque essas pessoas não se
sujeitam, nas relações entre si, a uma obrigação; não haverá contracto sempre que,
dada uma declaração de vontade pela qual se constitua uma obrigação para com
qualquer pessoa, o direito desta não tenha a sua causa numa manifestação da sua
vontade que coopere junctamente com a declaração da vontade de quem sem constitue
nessa obrigação. Nestes casos haverá um negócio jurídico unilateral e não bilateral».
Guilherme Moreira dá depois, como exemplo, precisamente a constituição de uma
sociedade anónima.
2. Contra pronuncia-se José Tavares. o conceito moderno de contrato abrange o ato
coletivo, o Gesamtakt e a união ou Vereinbarung.
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3. Ferrer Correia, vem defender a natureza contratual da constituição de sociedades.
Explica, designadamente, que as declarações que integram o contrato de sociedade
não são meramente paralelas, tendentes à formação do novo ente, uma vez que
produz, também, relações entre as partes celebrantes.
4. Fernando Olavo acolhe e reforça esta ideia: aquando da celebração de um contrato
de sociedade, as partes podem ter interesses contrapostos: estaremos, perfeitamente
na figura do contrato. A partir daí, podemos considerar que o contratualismo ficou
definitivamente radicado nas duas grandes escolas jurídicas do País: Coimbra e
Lisboa.
5. Menezes Cordeiro: a atual tendência de trabalhar com um conceito amplo de
contrato, capaz de abranger todos os atos plurilaterais, tem levado à rejeição da
doutrina do ato conjunto de Von Gierke ou do negócio jurídico unilateral, de
Guilherme Moreira. A orientação em causa teve, de resto, o cuidado de afeiçoar a lei:
o Código das Sociedades Comerciais refere, de modo contínuo, contrato. Tal
orientação, convertida quase em doutrina oficial, não deve conduzir a uma perda de
capacidade analítica. Ponto assente: a natureza negocial da constituição de uma
sociedade. Este aspeto é importante porque, além de acentuar as liberdades de
celebração e de estipulação aqui presentes, traduz, ab initio, a colocação das sociedades
na área do Direito privado e da livre iniciativa económica e social. Para além disso,
porém, o contrato de sociedade tem especificidades: não é um contrato comum.
a. Desde logo, ele é dispensável. A sociedade pode constituir-se por ato
unilateral, no sentido clássico de ter um único declarante. É o que sucede nas
hoje pacíficas sociedades inicialmente unipessoais: artigos 270.º-A, n.º1 e
488.º, n.º1 CSC como exemplos. Além disso, pode resultar da dinâmica de
uma sociedade preexistente: o caso da cisão será um bom exemplo.
b. De seguida, o regime do contrato de sociedade não coincide com o dos
contratos comuns. A invalidade resultante de vício da vontade ou de usura,
por exemplo – e independentemente do registo – não é oponível erga omnes
mas, apenas, aos demais sócios (artigo 41.º, n.º2, 2.ª parte CSC). Outras
invalidades são sanáveis por (meras) deliberações maioritárias (artigos 42.º,
n.º2 e 43.º, n.º2 CSC: solução contratualmente inexplicável). À reflexão: a
presença de uma concreta vontade, na conclusão de um contrato de
sociedade, tem a virtualidade de fazer passar o seu autor a sócio; não a de
fazer surgir a própria sociedade em si. E quem adquira uma participação
social não se torna, propriamente, parte no primitivo contrato de sociedade.
c. Finalmente: um pacto social não regula, simplesmente, um delimitado círculo
de interesses entre as partes que o concluam; ele antes fixa – ou pode fixar –
um quadro normativo capaz de regular múltiplas situações subsequentes.
Poderíamos sucumbir à solução do negócio unilateral, de Guilherme Moreira.
Irrealismo: na sua configuração mais natural e típica, a sociedade traduz um encontro
de várias vontades que se põem de acordo para concretizar um projeto comum.
Trata-se, necessariamente, de um contrato. Sendo um contrato, nada impede que, aí,
se abra uma especial categoria para o acolher. Na sociedade não há prestações
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recíprocas: antes uma atuação conjunta ou confluente, com uma estruturação
normativa para futuras ações. A doutrina atual fala num contrato de colaboração ou
de organização. Podemos aceitar esses qualificativos.
Constituição por negócio não contratual: o Código das Sociedades Comerciais
prefigura o contrato como o esquema normal de constituição das sociedades, numa valoração
básica tomada pelo Código Civil. Ele próprio previa, contudo, outros modos de constituição
de sociedades. Assim:
A constituição por fusão, cisão ou transformação (artigos 7.º, n.º4 e 97.º e seguintes
CSC);
A constituição de sociedade anónima com apelo a subscrição pública (artigo 279.º e
seguintes CSC);
A constituição originária de sociedade unipessoal por quotas (artigo 270.º-A, n.º1
CSC);
A constituição originária de sociedades anónimas (artigo 488.º, n.º1 CSC).
No caso de fusão, cisão ou transformação há, de facto, uma constituição derivada uma vez
que a(s) nova(s) sociedade(s) resulta(m), de facto, de transformação da(s) anterior(es). O
motor da constituição é, aqui, desempenhado por uma ou mais deliberações sociais.
Esclareça-se que, na hipótese de fusão, não há propriamente um contrato entre as
administrações das sociedades preexistentes: estas limitam-se a executar o que fora
deliberado pelas assembleias gerais das sociedades envolvidas, não tendo liberdade de
celebração (nem de estipulação). Por isso, as regras que se aplicam à fusão são as previstas
para esse instituto e não as da contratação. Na hipótese de constituição de sociedade anónima
com apelo a subscrição pública, a constituição deriva de contrato celebrado por dois
promotores e pelos subscritores que entrem com bens diferentes do dinheiro (artigo 283.º,
n.º1 CSC) precedendo uma especial deliberação da assembleia constitutiva (artigo 281.º, n.º7,
alínea a) CSC). Não há, propriamente, um contrato. De todo o modo, quer neste caso, quer
no da constituição derivada, deparamos com atos marcados pela liberdade de celebração e
pela liberdade de estipulação. Tecnicamente, surgem negócios unilaterais, ainda que de
estrutura deliberativa. Temos, depois, os casos de constituição originaria de sociedades
unipessoais: seja por quotas (artigo 270.º-A, n.º1 CSC) seja anónimas (artigo 488.º, n.º1 CSC).
Em ambos os casos deparamos com claros negócios unilaterais.
Constituição por diploma legal e por decisão judicial: encontramos sociedades
constituídas por Decreto-Lei do Governo, a que podemos acrescentar as hipóteses de Lei da
Assembleia da República ou de diploma regional. Encontramos, ainda, a hipótese de
constituição de sociedades por decisão judicial. Ela pode ocorrer no domínio de planos de
insolvência, adotados nos termos dos artigos 209.º e seguintes CRIE, com homologação pelo
juiz. Às sociedades instituídas por diploma legal ou por decisão judicial passa a aplicar-se,
uma vez constituídas, o regime comum das sociedades. E, designadamente: poderão os seus
estatutos ser modificados por deliberação a tanto dirigida, da assembleia geral e que observe
os requisitos estabelecidos para esse tipo de ocorrência. No caso de diploma legal pode haver
restrições, designadamente quanto à live circulação das ações.
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34.º - O conteúdo
Elementos gerais: em rigor, o conteúdo de um contrato traduz a regulação jurídica por
ele introduzida, no âmbito delimitado pelas partes. Nas sociedades comerciais, a locução
abrange ainda elementos que, não sendo em si regulativos, se tornam essenciais para
depreender o regime fixado pelo contrato. O Código das Sociedades Comerciais fala, a tal
propósito, em elementos. Segundo o artigo 9.º:
«1. Do contrato de qualquer tipo de sociedade devem cotar:
«a) Os nomes ou firmas de todos os sócios fundadores e os outros dados de identificação destes;
«b) O tipo de sociedade;
«c) A firma da sociedade;
«d) O objeto da sociedade;
«e) A sede da sociedade;
«f) O capital social, salvo nas sociedades em nome coletivo em que todos os sócios contribuam
apenas com a sua indústria;
«g) A quota de capital e a natureza da entrada de cada sócio, bem como os pagamentos
efetuados por conta de cada quota;
«h) Consistindo a entrada em bens diferentes de dinheiro, a descrição destes e a especificação
dos respetivos valores;
«i) Quando o exercícioo anual for diferente do ano civil, a data do respetivo encerramento, a
qual deve coincidir com o último dia de um mês de calendário, sem prejuízo do previsto no
artigo 7.º do Código do Imposto sobreo Rendimento das Pessoas Coletivas».
Diversos preceitos complementam o conteúdo do contrato, a propósito dos vários tipos
sociais: artigos 176.º, quanto às sociedades em nome coletivo, 199.º, quanto às sociedades
por quotas, 272.º, quanto às sociedades anónimas e 446.º, quanto às sociedades em
comandita. O artigo 9.º contém elementos necessários: a sua eventual ausência conduziria à
invalidade do contrato, nos termos do artigo 42.º, n.º1 CSC, que especifica:
A falta do mínimo de dois sócios fundadores, salvo quando a lei permita a
constituição unipessoal;
A falta de menção da firma, da sede, do objeto ou do capital da sociedade, bem como
do valor da entrada de algum sócio ou de prestações por conta desta.
O artigo 42.º, n.º2 CSC distingue, destes vícios, os sanáveis por deliberação dos sócios,
tomada nos termos prescritos para a alteração do contrato: a falta de firma, de sede ou do
valor da entrada de algum sócio ou de prestação realizadas por conta desta. A contrario, a falta
do objeto ou do capital seriam insuscetíveis de sanação. Apesar do silêncio da lei, a não
indicação do tipo de sociedade, quando insuprível com recurso a elementos contratuais, deve
ser considerada, também, insanável: todo o processo de constituição teria de ser retomado
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desde o início. Os elementos em causa poderão constar implícita ou explicitamente do
contrato, nos termos gerais. Pensamos, todavia, que deverão surgir com suficiente clareza,
mesmo perante terceiros. A tal propósito, pergunta-se se não seria aplicável, ao contrato de
sociedade, o dispositivo do artigo 238.º CC, designadamente quando admite que, de negócios
formais, possa resultar um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto
do respetivo documento. A resposta é negativa: no contrato de sociedade, caímos
precisamente no final do artigo 238.º, n.º2 CSC: as razões determinantes da forma do negócio
opõem-se a essa validade.
A interpretação e a integração do contrato: o contrato de sociedade coloca
questões próprias e, de certo modo, autónomas, de interpretação. De facto e logo à partida
verifica-se que a sociedade não pode ser considerada como um contrato comum. Ele não é
eficaz inter partes ou apenas inter partes: originando, pelo registo, um ente coletivo
personalizado, ele vem produzir efeitos erga omnes. Designadamente:
Efeitos perante os novos sócios;
Efeitos perante terceiros estranhos;
Efeitos perante os credores da sociedade.
Se o contrato de sociedade fosse interpretado segundo as regras negociais comuns, poderia
haver que dar primazia à vontade real das partes, previstas no artigo 236.º, n.º2 CC, com a
daí resultante irrelevância da falsa demonstrativo. Mais: sendo formal, o contrato de sociedade
poderia, nas condições do artigo 238.º, n.º2 CC, dar lugar a um sentido sem o mínimo de
correspondência com o seu texto. E também a integração procuraria, segundo o artigo 239.º
CC, uma vontade hipotética de partes, que poderiam já nada ter a ver com a sociedade em
que se pusesse o problema. As tais regras comuns poderiam conduzir a que um terceiro,
tendo contactado com uma sociedade, deparasse, quanto aos estatutos, com um sentido de
todo inexcogitável. Este simples enunciado de problemas mostra logo que o contrato de
sociedade, porquanto incluindo os estatutos, não pode ser interpretado como um contrato
comum. O Código das Sociedades Comerciais utiliza uma linguagem contratual quase
absoluta. Todavia, no contexto do contrato de sociedade – que engloba, na linguagem geral
do Código, os estatutos, isso não é possível. As regras de interpretação negocial vertidas nos
artigos 236.º CC, pressupõem, fundamentalmente, um diálogo negocial a dois. Locuções
como declaratário real, comportamento do declarante, vontade real (artigo 236.º CC) e
vontade real das partes (artigo 238.º, n.º2 CC) compreendem-se num mundo bidimensional:
seriam impraticáveis em contratos plurilaterais, em que, provavelmente, cada declarante
pensou em algo diverso. Além disso, regras como a do equilíbrio das prestações (artigo 237.º
CC) têm a ver com contratos cumulativos. Logo à partida, todas estas regras surgem
impraticáveis em contratos de organização, como sucede com o de sociedade. A isso
acrescentam de a sociedade, ao criar um novo sujeito de direitos, ser de modo efetivo um
contrato oponível erga omnes. Ora o terceiro que contrate com a sociedade não pode ser
confrontado com sentidos que só a declarantes e declaratários digam respeito. O mesmo se
diga perante o facto de, particularmente nas sociedades de capitais, as participações sociais
poderem circular. Também o adquirente dessas posições não deve ser confrontado com
realidades que, de todo, se lhe não reportem. Tanto basta para que se possa proclamar: a
interpretação dos pactos sociais é fundamentalmente objetiva, devendo seguir o prescrito
para a interpretação da lei (artigo 9.º CC, com as inevitáveis adaptações). Também a
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integração deverá seguir o prescrito no artigo 10.º CC, em vez de apelar a uma vontade
hipotética das partes (quais?). Quando as partes preparam os estatutos de uma sociedade,
elas têm a perfeita consciência de escrever para o futuro e, não, uma para a outra. Mesmo o
modo impessoal por que tais estatutos são redigidos implica, na raiz, uma intenção legiferante.
Assim sucede nas próprias sociedades de pessoas e no que tange a todas as cláusulas inseridas
nos contratos. Mantemos, pois, a natureza objetiva, de tipo legal, das interpretação e
integração do contrato de sociedade: que não haja receio em assumir as especificidades
próprias do Direito das sociedades. Apenas cumpre fazer duas cedências aos princípios gerais
de interpretação e de integração, acima enunciados:
O da presença de claúsulas extrassocietárias: corresponde a um último reduto das
pretensas cláusulas meramente obrigacionais. Sustentamos que estas devem ter o
mesmo tratamento do das organizacionais. Todavia, pode suceder que, num contrato
de sociedade, haja sido inserida, ao abrigo da liberdade contratual (artigo 405.º, n.º1
CC), alguma cláusula que, com o contrato de sociedade nada tenha a ver. Nessa altura,
ela seguiria os cânones interpretativos negociais comuns.
O da proibição de venire contra factum proprium: deriva da boa fé. In concreto não pode
uma parte adotar uma atuação societária assente numa (pretensa) interpretação
subjetiva do pacto, convencer outrem da excelência da conduta e, depois, prevalecer-
se da interpretação objetiva. A proibição de comportamentos contraditórios obrigaria,
no limite, o responsável a indemnizar os danos assim causados. Uma orientação
paralela deverá, como vimos, prevalecer no tocante à integração de lacunas. O artigo
239.º CC, faz apelo à vontade hipotética das partes. Ora o contrato de sociedade,
uma vez instituído o novo ente coletivo, liberta-se dos seus celebrantes iniciais. Além
disso, é oponível a terceiros, os quais devem poder prever as linhas de integração de
lacunas. Jogam, em suma, todas as razões que, quanto à própria interpretação,
recomendam soluções de tipo objetivo.
Tanto basta para abandonar uma integração de tipo subjetivo. Perante a lacuna estatutária,
queda recorrer à lei das sociedades comerciais; na falta desta, caberá seguir as vias subsidiárias
do artigo 2.º CSC e, no limite, as regras do artigo 10.º CC.
A firma: o artigo 10.º CSC contém diversas regras relativas à firma das sociedades
comerciais. Trata-se de matéria que pertence ao Direito Comercial e que, aqui, apenas será
aludida. Quanto às denominações das sociedades civis puras, haverá que recorrer ao RNPC,
como vimos. A firma da sociedade pode ser constituída, consoante se alcança do artigo 10.º,
nº.2 e 3 CSC:
Por nomes ou firmas de algum ou alguns sócios (firmas pessoais ou subjetivas);
Por denominação particular, quando seja composta por designações materiais,
atinentes à atividade social (firmas materiais ou objetivas) ou por designações de
fantasia (firma de fantasia);
Por denominação particular e nome ou firma (ou nomes ou firmas), simultaneamente
(firmas mistas).
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Temos a seguinte diferenciação:
A firma pessoal deve ser completamente distinta das que já se acharem registadas;
A firma material, a de fantasia e a mista não podem ser idênticas à firma registada ou
por tal forma semelhante que possa induzir em erro; deve, ainda dar a conhecer
quanto possível o objeto da sociedade.
Parece haver uma graduação. De acordo com as regras gerais do Direito Comercial, a firma
obedece aos seguintes princípios:
Autonomia privada: a escolha da firma compete aos interessados, ainda que com os
limites do artigo 32.º, n.º4, alíneas a), b), c) e d) RNPC;
Obrigatoriedade e normalização: os comerciantes devem adotar certa firma a qual
deve ter expressão verbal, suscetível de comunicação oral e escrita, em carateres
latinos; além disso, quando tenha significado, deve ser expressa em língua portuguesa
correta;
Verdade e exclusividade: quando tenha significado, deve retratar a realidade a que se
reporte ou, pelo menos: não deve induzir em erro; além disso, dever ser própria do
ente a que se refira;
Estabilidade: a firma não muda com a alteração dos titulares do estabelecimento;
Novidade: a firma deve ser distinta de outras já registadas ou notoriamente
conhecidas.
Estes princípios, constantes dos artigos 32.º e seguintes RNPC devem aplicar-se às
sociedades comerciais, cumulativamente com as regras do artigo 10.º CSC. Com efeito, este
último diploma rege, em substância, a matéria das firmas das sociedades comerciais. Os
respetivos contratos de sociedade não podem, todavia, ser celebrados sem fazer referência à
emissão do certificado de admissibilidade da firma, através da indicação do respetivo número
e data de emissão (artigo 54.º, n.º1 RNPC). Tal certificado dependerá, naturalmente, da
verificação dos pressupostos do próprio RNPC. De todo o modo: embora os requisitos
derivados dos dois diplomas tenham formulações diversas, há, entre eles, uma área de
coincidência. Embora o Código não o diga, não oferece dúvidas o predomínio da autonomia
privada, no campo da firma das sociedades comerciais. Cabe às partes no contrato – ou ao
interveniente único, quando não haja contrato – escolher a firma. Essa autonomia privada é
limitada por lei, pela moral e pelos bons costumes: tal a formulação do artigo 10.º, n.º5, alínea
c) CSC, aquém da do artigo 32.º, n.º4, alíneas a), b), c) e d) RNPC. A obrigatoriedade e a
normalização estão, ainda, presentes: basta ver que o artigo 9.º, n.º1, alínea c) CSC, prevê a
firma como elemento necessário de qualquer contrato de sociedade; a normalização
decorrerá da natureza das coisas. O princípio da verdade vem largamente consignado no
artigo 10.º, n.º5, alínea a) CSC, que veda expressões que possam induzir em erro quanto à
caracterização jurídica da sociedade e no artigo 10.º, n.º5, alínea b) CSC, que proíbe as que
surgiram, de forma enganadora, uma capacidade técnica ou financeira ou um âmbito de
atuação manifestamente desproporcionados, relativamente aos meios disponíveis. O
princípio da exclusividade, com o da novidade, ressalta do artigo 10.º, nº2 e 3 CSC. O n.º4
do mesmo artigo não permite, porém, a apropriação de vocábulos de uso corrente e dos
topónimos, bem como de qualquer indicação de proveniência geográfica: todos esses
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elementos não são considerados de uso exclusivo. Por fim, o princípio da estabilidade vem
a ser assegurado por todos os esquemas que se reportam ao RNPC e, ainda, às cautelas postas,
por lei, na alteração dos estatutos. A firma deve exprimir o tipo de sociedade em causa.
Nas sociedades em nome coletivo, ela deve contar (artigo 177.º, n.º1 CSC):
Ou os nomes de todos os sócios;
Ou o nome de um deles, com o aditamento, abreviado ou por extenso, e Companhia
ou qualquer outro que indique a existência de outros sócios; p. ex.: e associados.
O papel da firma é tão importante que, se alguém que não for sócio, incluir o seu nome na
firma, ficará responsável pelas dívidas, nos termos do artigo 175.º: 177.º, n.º2, ambos CSC.
Como se vê, nas sociedades em nome coletivo, apenas se admitem firmas pessoais ou
subjetivas, o que vai ao encontro desse tipo social.
Nas sociedades por quotas, a firma deve ser formulada, com ou sem sigla:
Ou pelo nome ou firma de todos, algum ou alguns dos sócios;
Ou por uma denominação particular;
Ou por ambos.
concluindo, em qualquer dos casos, pela palavra Limitada ou pela abreviatura Lda. Admitem-
se, pois, firmas pessoais, firmas objetivas, firmas de fantasia ou firmas mistas. A propósito
das firmas das sociedades por quotas, o legislador reforça o princípio da verdade (artigo 200.º,
n.º1 e 2 CSC):
Na firma não podem ser incluídas ou mantidas expressões indicativas de um objeto
social que não esteja especificamente previsto na respetiva cláusula do contrato de
sociedade;
Alterando-se o objeto social e deixando-se de incluir a atividade especificada na firma,
a escritura de alteração não pode ser outorgada sem simultânea modificação da
mesma firma.
Em rigor e perante o artigo 10.º CSC a primeira exigência seria dispensável. A segunda tem
utilidade, uma vez que faz prevalecer o princípio da verdade sobre o da estabilidade. Porém,
a eficácia destes preceitos não é significativa. Nas sociedades por quotas unipessoais, a firma
deve ser formada pela expressão sociedade unipessoal ou pela palavra unipessoal antes da palavra
Limitada ou da abreviatura Lda (artigo 270.º-B CSC). Em tudo o mais terão aplicação das
regras atinentes às sociedades por quotas propriamente ditas (artigo 270.º-G CSC).
As regras relativas à firma das sociedades anónimas (artigo 275.º CSC) retranscrevem,
praticamente à letra, o disposto no artigo 200.º CSC para as sociedades por quotas. Apenas
com a diferença: em vez de Limitada ou Lda terá de surgir, agora, sociedade anónima ou S.A.
Perante o Direito em vigor, as sociedades anónimas poderão dispor de firmas pessoais, de
firmas materiais, de firmas de fantasia e de firmas mistas.
Quanto às sociedades em comandita, devem as respetivas firmas ser formadas, pelo menos,
pelo nome ou firma de um dos sócios comanditados, aditado pela expressão em Comandita ou
&Comandita ou – sendo uma comandita por ações –, em Comandita por Ações & Comandita por
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Ações (artigo 467.º, n.º1 CSC). O nome dos sócios comanditários não pode surgir na firma;
se isso suceder, esse sócio passa a ser responsável, perante terceiros e pelos negócios em que
figure a firma em causa, nos termos impostos aos sócios comanditados. O mesmo, de resto,
sucede a terceiros que facultem o seu nome para a firma (artigo 467.º, n.º2 a 5 CSC.
Objeto; a aquisição de participações: como vimos, o objeto da sociedade (ou
objeto mediato, para quem queira chamar objeto ao conteúdo) é constituído pelas atividades
a desenvolver pelo ente coletivo. O artigo 11.º CSC tem diversas regras a tanto respeitantes.
O objeto da sociedade deve constar de indicação corretamente redigida em língua portuguesa.
A contrario, poder-se-ia inferir daqui que os outros elementos do conteúdo do contrato de
sociedade não teriam de preencher esses requisitos. Não é assim. O contrato de sociedade
deve ser celebrado por escrito, com reconhecimento presencial das assinaturas – artigo 7.º,
n.º1 CSC. O reconhecimento não pode ser exarado num texto incompreensível: pressupõe-
se, naturalmente, que deve estar em português correto. De todo o modo, o artigo 11.º, n.º1
CSC só merece aplauso, mesmo quando dispensável. Como objeto devem ser indicadas as
atividades que os sócios se proponham para a sociedade (artigo 11.º n.º2 CSC). A lei permite
que o contrato indique uma série de atividades não efetivas; segundo o n.º3, compete depois
aos sócios, de entre as atividades elencadas no objeto social, escolher aquela ou aquelas que
a sociedade efetivamente exercerá, bem como deliberar sobre a suspensão ou a cessação de
uma atividade que venha sendo exercida (n.º3). A prática vai, assim, no sentido de alongar o
objeto da sociedade com toda uma série de hipóteses de atuação. Questão controversa era a
da aquisição, pela sociedade, de participações sociais noutras sociedades, a qual teria de ser
facultada pelo pacto social. O problema surgia particularmente cadente no tocante a
participações em sociedades de responsabilidade ilimitada; tais participações poderiam pôr
em causa o regime de responsabilidade próprio da sociedade participante. Resolvendo
dúvidas, o artigo 11.º, n.º4 a 6.º CSC, veio dispor:
A aquisição de participações em sociedades de responsabilidade limitada cujo objeto
seja igual àquele que a sociedade está exercendo – entenda-se: efetivamente – não
depende de autorização no contrato de sociedade nem de deliberação dos sócios,
salvo cláusula em contrário;
A aquisição de participações em sociedade de responsabilidade ilimitada pode ser
autorizada livre ou condicionalmente, pelo contrato social;
De igual modo, tal autorização pode reportar-se à aquisição de participações em
sociedades com objeto diferente do efetivamente exercido, em sociedades reguladas
por leis especiais e em agrupamentos complementares de empresas.
Finalmente, o artigo 11.º, n.º6 CSC permite que a gestão de uma carteira de títulos
pertencente à sociedade possa constituir o objeto dela. O objeto da sociedade tem, assim, a
ver primordialmente com o funcionamento da própria sociedade e com a responsabilidade
dos titulares dos seus órgãos.
A sede e as formas locais de representação: sede é um dos elementos essenciais
do contrato de sociedade (artigo 9.º, n.º1, alínea e) CSC). Segundo o artigo 12.º, n.º1 CSC, a
sede da sociedade deve ser estabelecida em local concretamente definido. Aliás, pelo artigo
10.º, n.º1, alínea b) RNPC, a sede ou domicílio e o endereço postal de pessoas coletivas estão
sujeitos a inscrição no FNPC. Tudo isto está interligado: por razões elementares de polícia,
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fiscais, comerciais e até pessoas, as sociedades devem ter um local preciso, onde possam ser
efetivamente contactadas. Na falta de indicação da sede, surgirá, no caso de sociedades por
quotas, anónimas, ou em comandita por ações registadas, a nulidade (artigo 42.º, n.º1, alínea
b) CSC), ainda que sanável (idem, n.º2); não se poderá, assim, recorrer diretamente ao artigo
159.º CC que permite, na falta de designação estatutária, recorrer ao lugar em que funcione
normalmente a administração principal. O artigo 12.º, n.º2 CSC permite que, salvo disposição
em contrário no contrato, a administração possa deslocar a sede dentro do território nacional.
A partir daí, a mudança de sede exige alteração dos estatutos. O n.º3 desse mesmo preceito
dispõe que a sede constitua o domicílio da sociedade, sem prejuízo de se estabelecer domicílio
especial para determinados negócios. O artigo 13.º, n.º1 CSC prevê formas locais de
representação.
O capital social: segundo o artigo 9.º, n.º1 CSC:
«Do contrato de qualquer tipo de sociedade devem constar:
(…)
«f) O capital social, salvo nas sociedades em nome coletivo em que todos os sócios contribuam
apenas com a sua indústria;».
O artigo 14.º dispõe:
«O montante do capital social deve ser sempre e apenas expresso em moeda com curso legal em
Portugal».
Este diploma visou diversas adaptações à introdução do euro, em substituição do escudo.
Verifica-se, pelo enunciado legal, que o capital social não é um elemento essencial do contrato
de sociedade, uma vez que não ocorre nas sociedades em nome coletivo, nas quais todos os
sócios apenas contribuam com a sua indústria. Também não há capital nas sociedades civis
sob forma civil (artigo 980.º CC). Tratar-se-á um elemento próprio, apenas, das restantes
sociedades. Em termos materiais, o capital de uma sociedade equivale ao conjunto das
entradas a que os diversos sócios se obrigaram ou irão obrigar. Podem antecipar algumas
distinções, neste domínio, sendo certo que as diversas categorias são dominadas pelas
sociedades anónimas. Assim:
O capital diz-se subscrito ou a subscrever, consoante as pessoas interessadas se
tenham, já, tenham vinculado ou não às inerentes entradas;
O capital considera-se realizado ou não realizado em função de terem sido ou não
concretizadas as entregas à sociedade dos valores que ele postule;
O capital é realizado em dinheiro ou em espécie consoante o tipo de entradas a que
dê azo.
Em termo contabilísticos, o capital exprime uma cifra ideal que representa as entradas
estatutárias, surgindo, como tal, nos diversos instrumentos de prestação de contas. Ele
poderá já nada mais ter a ver nem com o real património da sociedade em jogo, expresso
pela relação ativo/passivo, nem com o valor de mercado da mesma sociedade, dependente
da sua aptidão para os negócios e fixado segundo as regras da oferta e da procura. Nas
sociedades em nome coletivo, podem ocorrer sócios de indústria, isto é, sócios adstritos a
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prestações de facere, por oposição a obrigações de entrega, em dinheiro ou em bens. O valor
da contribuição em indústria não é computado no capital social (artigo 178.º, n.º1 CSC).
Resulta, daí, que nas sociedades em nome coletivo em que todos os sócios contribuam apenas
com indústria, não há indicação de capital social (artigo 9.º, n.º1, alínea f) CSC). De facto, a
ideia do capital social como expressão de bens penhoráveis prevalece. O capital social vem a
ser apresentado por fatores que traduzem os quinhões dos sócios. Temos partes do capital,
nas sociedades em nome coletivo (artigo 176.º, n.º1, alínea c) CSC), quotas, nas sociedades
por quotas (artigo 197.º, n.º1 CSC), e ações nas sociedades anónimas (artigo 271.º CSC).
Tudo isso deve ser expresso no pacto social, quantificando-se a parte relativa a cada sócio e
explicitando-se os pagamentos efetuados por cada um (artigo 9.º, n.º1, alínea g) CSC). Na
hipótese de entradas em espécie, cabe ao pacto social a descrição dos bens em causa e a
especificação dos valores respetivos (idem, alínea h)). As estipulações de entrada em espécie
que não satisfaçam as alíneas g) e h) do n.º1 são consideradas ineficazes, pelo artigo 9.º, n.º2
CSC. Devemos, ainda, contar com outras noções de capital. A doutrina distingue:
O capital contabilístico: cifra que consta do balanço, como passivo, correspondente
às entradas realizadas dos sócios; quando por realizar, surgem no ativo;
O capital estatutário ou nominal: valor inserido nos estatutos e que traduz, de modo
abstrato e formal, o conjunto das entradas dos sócios;
O capital real ou financeiro: expressão dos denominados capitais próprios ou valores
de que a sociedade disponha, como seus;
O capital económico: imagem da capacidade produtiva da sociedade, enquanto
empresa ou conjunto de empresas.
Podem ocorrer outras aceções. Assim, há que assentar na natureza polissémica do capital.
A duração: a sociedade dura por tempo indeterminado: tal solução supletiva que resulta
do artigo 15.º, n.º1 CSC. Às partes cabe, no pacto social, fixar uma duração determinada para
a sociedade, altura em que ela só pode ser aumentada por deliberação tomada antes de o
prazo ter terminado (artigo 15.º, n.º2 CSC). De outra forma, esse mesmo preceito manda
aplicar as regras referentes ao regresso à atividade, previstas no artigo 161.º CSC. A fixação
da duração de uma sociedade poderá, ainda, ser feita por remissão para termo certo – por
tantos anos ou até tal data – ou para um fator certus an incertus quando: até à conclusão da obre
ou até à morte de tal sócio. Estas considerações permitem também condicionar a duração da
sociedade – a não confundir com a sociedade condicional: durará até que ocorra determinado
facto incertus an incertus quando. As sociedades fazem surgir, entre os seus membros, relações
tendencialmente perpétuas. Salvo a hipótese – na prática bem pouco corrente – de os
próprios sócios fixarem, no pacto social, um prazo para a duração da sociedade, esta vai
subsistir indefinidamente, até que sobrevenha uma causa de extinçãoFixada uma duração
para certa sociedade, surge um elemento objetivo suscetível de concitar a confiança de
terceiros. A súbita alteração desse elemento pode suscitar danos, diretos ou indiretos. Donde
a preocupação legal de só permitir a alteração desse ponto antes de o prazo de duração em
causa ter sido alcançado.
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Vantagens, retribuições e indemnizações: artigo 16.º CSC acrescenta, ao rol de
elementos do contrato de sociedade, ainda um fator eventual: a indicação de vantagens,
indemnizações e retribuições. O elenco desse preceito é o seguinte:
Vantagens concedidas a sócios;
O montante global por esta devido a sócios ou a terceiros, a título de indemnização;
Idem, a título de retribuição de serviços prestados, excecionados os emolumentos e
as taxas de serviços oficiais e os honorários de profissionais em regime de atividade
liberal, tudo isso desde que em conexão com a constituição da sociedade.
A razão de ser de tal indicação resulta do artigo 16.º, n.º2 CSC: trata-se de conseguir que as
inerentes obrigações sejam oponíveis à própria sociedade. Na falta de indicação, elas apenas
serão oponíveis aos fundadores. Além disso, verifica-se que a sociedade só assume, de pleno
direito, os direitos e obrigações decorrentes dos negócios jurídicos referidos no artigo 16.º,
n.º1 CSC, com o registo definitivo do contrato (artigo 19.º, n.º1, alínea a) CSC).
Secção II – Sociedades em formação e sociedades
irregulares
35.º - O processo de formação de sociedades
Fases necessárias e negócios eventuais: qualquer contrato pode ser antecedido
por um processo de formação mais ou menos alongado ou pode, pelo contrário, ser de
celebração instantânea. No caso do contrato de sociedade, há sempre um prévio processo de
formação. Desde logo porque a lei prevê fases necessárias que, por definição, se sucedem no
tempo. De seguida: uma sociedade pressupõe diversos ajustes, desde a firma à duração,
passando pelo objeto, pelo capital social, pela escolha dos sócios e pela redação dos estatutos;
ora é impossível que tudo isso ocorra em termos imediatos. Finalmente: a demora na
obtenção do registo definitivo leva, por vezes, os sócios a iniciar, de imediato, uma atividade
produtiva, atividade essa que só posteriormente poderá ser imputada, em termos plenos e
absolutos, à própria sociedade. Em suma: no caso das sociedades, é de lidar co a hipótese de
situações prévias de duração alongada a que, genericamente, chamaremos sociedades em
formação. Por via dos dispositivos legais em vigor, particularmente dos artigos 7.º, n.º1, 5.º,
18.º e 167.º CSC, podemos dizer que, na formação de uma sociedade, intervêm sempre as
seguintes três fases: as fases necessárias:
Contrato escrito, com assinaturas presencialmente reconhecidas;
Registo;
Publicações obrigatórias.
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Na presença de um registo prévio, previsto no artigo 18.º, n.º1 CSC e, nos termos aí
prescritos, anterior ao contrato escrito, a sequência das fases necessárias será:
Registo prévio;
Contrato escrito;
Registo definitivo;
Publicações obrigatórias.
Na hipótese de registo prévio, parece claro que, antes de requerer a inscrição pública, as
partes terão de celebrar previamente (e pelo menos), um duplo acordo:
O relativo aos estatutos, uma vez que o requerimento de registo prévio deve ser
instituído com «um projeto completo do contrato de sociedade»;
O referente à própria decisão de requerer o registo prévio em causa.
Para além das fases necessárias enunciadas, poderão ocorrer determinados negócios
eventuais. Distinguimos, em termos não exaustivos:
Acordos de princípio;
Negócios instrumentais preparatórios;
Acordo de subscrição pública;
Acordo destinado a fazer funcionar a sociedade antes do registo definitivo.
Todos eles devem ser honrados, sob cominação de responsabilidade civil. Quando a
sociedade definitiva esteja suficientemente prefigurada e as partes se obriguem, mutuamente,
a celebrar o competente contrato, teremos uma promessa de sociedade. De acordo com o
Direito português, a promessa de sociedade está sujeita a simples forma escrita. Poderá haver
uma execução específica dessa promessa, nos termos do artigo 830.º CC.
1. Pinto Furtado responde pela negativa: a sociedade traduziria uma associação
voluntária, à qual ninguém poderia ser obrigado.
2. Menezes Cordeiro: mesmo na hipótese de execução específica, a associação não
deixaria de ser voluntária; só que a liberdade teria sido exercida previamente, no
momento da conclusão da promessa. A execução específica de uma promessa de
sociedade dependerá, assim:
o Da interpretação do próprio contrato-promessa, de modo a verificar se
as partes não terão recorrido à promessa precisamente para se reservarem um
direito de recesso ou de arrependimento
o Da natureza da sociedade prefigurada pelas partes: a execução específica
não será possível por a isso se opor a natureza da obrigação assumida nos
casos de sociedades de pessoas e, ainda, naqueles em que não haja livre
transmissibilidade das posições dos sócios ou possibilidade de exoneração
por iniciativa do próprio; nos outros casos, ela é um comum negócio
patrimonial: e nem dos mais graves.
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Na presença de um registo prévio, será possível, pela interpretação, detetar a presença de
uma promessa implícita, mormente quando todos os interessados subscrevam o projeto de
estatutos ou o requerimento de registo. Será, então, uma mera questão de interpretação.
Também as regras sobre a redução e a conversão dos negócios jurídicos são úteis. Para além
da promessa de sociedade, podem ainda surgir diversos negócios instrumentais preparatórios:
tudo isto, em conjunto com a própria promessa, preenche a categoria dos negócios de
vinculação, por oposição aos negócios de organização, que visam já pôr a funcionar a futura
sociedade. Eles devem ser cumpridos, sob pena de responsabilidade civil. Não há que recear
estas figuras: estamos perante negócios patrimoniais que devem ser honrados.Pode ainda
ocorrer um negócio preliminar específico, pressuposto pela lei: o acordo destinado à
subscrição pública. Com efeito, segundo o artigo 279.º CSC:
«1. A constituição de uma sociedade anónima com apelo a subscrição pública de ações deve ser
promovida por uma ou mais pessoas que assumem a responsabilidade estabelecida nesta lei».
Tratando-se de várias pessoas, pressupõe-se, entre elas, um contrato bastante, que defina o
papel e as obrigações de cada um dos intervenientes. Normalmente, o negócio aqui referido
envolverá também uma promessa de sociedade, uma vez que os promotores (artigo 279.º,
nº.3 CSC)
«devem elaborar o projeto completo de contrato de sociedade e requerer o seu registo provisório».
Por fim, as partes poderão concluir, explícita ou implicitamente, um convénio destinado a
fazer funcionar a sociedade, mesmo antes do registo.
A boa fé in contrahendo: em todo o processo conducente à definitiva constituição de
uma sociedade, as partes devem observar as regras da boa fé, previstas no artigo 227.º, n.º1
CC. A formação de uma sociedade implica – ou pode implicar – negociações demoradas.
Além disso, o processo formativo dá azo a uma atuação jurídica prolongada. Finalmente e
num aspeto da maior importância: a preparação de uma sociedade pode pôr em campo as
mais diversas atuações materiais preparatórias, possibilitando ainda a antecipação da própria
atividade societária. Durante todo esse caminho, as partes interessadas ficam nas mãos umas
das outras. A observância das regras da boa fé in contrahendo é primordial. Em princípio, a
culpa in contrahendo é negativamente recortada por quaisquer acordos preliminares que as
partes entendam concluir. Na área destes funcionam as regras próprias das obrigações
contratuais e, sendo esse o caso, as normas correspondentes aos incumprimentos porventura
ocorridos. Ela tornar-se-á, assim, de especial utilidade sempre que deparemos com situações
para as quais as partes nada hajam previsto. Saliente-se, ainda, que ninguém pode renunciar
previamente aos direitos que lhe possam advir de esquemas defeituosos de preparação de
sociedades: consequência direta de vários princípios e, designadamente, do artigo 809.º CC.
No domínio da preparação da sociedade poderão, ex bona fide, ocorrer diversos deveres
preliminares, com as seguintes linhas de concretização:
Deveres de segurança: ficam especialmente envolvidas as medidas necessárias para
que, na fase pré-contratual, não ocorram danos nas pessoas ou nos patrimónios dos
envolvidos; na preparação da sociedade podem ocorrer atividades materiais,
potencialmente perigosas; para além da tutela aquiliana, há que contar com os
deveres específicos pré-contratuais, que dispensam uma tutela mais efetiva, mercê da
presunção da culpa que envolvem;
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Deveres de lealdade: implicam diversas atuações com relevo para o dever de sigilo,
a proibição de prossegui, com efetividade, o caminho da formação de sociedade;
neste campo entrará a interrupção injustificada de negociações, quando se tenha dado
azo a uma convicção justificada de que haveria sociedade e quando, na preparação
desta, tenha havido despesas consideráveis e ou perda de negócios alternativos;
Deveres de informação: dependendo da sua natureza, a preparação de uma
sociedade pode exigir uma troca de informações de densidade variável, quer para
bem acertar os interesses dos intervenientes, quer para preparar o futuro ente coletivo;
tudo o que tiver interesse deve ser comunicado. Como contraponto: as informações
obtidas ficam cobertas pelo dever de sigilo ex bona fide, dever esse que será tanto mais
denso quanto mais reservadas forem as informações prestadas; particularmente: seria
grave que informações obtidas num processo de constituição de sociedade viessem
a ser usadas em prol da concorrência; poderia mesmo haver responsabilidade
criminal.
A culpa in contrahendo terá, então, um papel fundamental.
Situações pré-societárias; a tradição da sociedade irregular: como foi
referido, os sócios podem, antes de completado o processo de constituição de uma sociedade,
iniciar a atividade visada por esta. Estamos no âmbito do Direito privado, onde é permitido
tudo o que não for proibido. Todavia, nessa eventualidade, o Direito predispõe um regime
que, em diversos pontos, é menos favorável do que o aplicável às sociedades perfeitas. Usa-
se, por vezes, para nominar este fenómeno, a locução: situações pré-societárias ou pré-
sociedade, isto é, a realidade em funcionamento, antes de completada, pelo registo, a
constituição de uma sociedade. A pré-sociedade dispõe, no atual Código das Sociedades
Comerciais, de um circunstanciado e expresso regime legal (artigos 36.º a 41.º CSC). Com
isso, o Direito português torna-se bastante mais simples do que aqueles em que – como no
alemão – por falta de regras gerais se imponha todo um esforço de construção científica e de
desenvolvimento jurisprudencial. Todavia, podem surgir outras figuras, estranhas a um
normal processo de formação de sociedades e que também exigem a atenção do Direito. O
regime das sociedades irregulares molda-se, quanto possível, pelo das sociedades. A
qualificação deverá derivar desse ponto.
36.º - As sociedades irregulares por incompleitude
Ideia geral e modalidades: a comercialística portuguesa clássica trabalhava, com
virtuosismo, uma ideia de sociedade irregular. A ela era possível reconduzir figuras
diversificadas que, em comum, tinham o facto de traduzir uma situação societária não
totalmente conforme com a sociedade perfeita. A noção de sociedade irregular não tem, no
Direito vigente, consagração legal expressa. É certo que o Código das Sociedades Comerciais,
no artigo 172.º, menciona a hipótese de o contrato de sociedade não ter sido celebrado na
forma legal, permitindo o artigo 173.º, n.º1 CSC que o Ministério Público notifique:
«por oficio a sociedade ou os sócios para, em prazo razoável, regularizarem a situação».
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O n.º2 do mesmo preceito permite ainda que a situação das sociedades seja regularizada até
ao trânsito em julgado da sentença proferida na ação proposta pelo Ministério Público. Seria
vão procurar aqui um vício autónomo de a sociedade viciada poder funcionar noutros moldes
e, provavelmente, com outro fundamento. Também o artigo 174.º, n.º1, alínea e) CSC, a
propósito da contagem do prazo de cinco anos para a prescrição dos direitos da sociedade
contra os fundadores e a dos direitos deste contra aquela, manda que ela se faça desde:
«A prática do ato em relação aos atos praticados em nome de sociedade irregular por falta de
forma ou de registo».
Procede a mesma consideração. O contrato vitimado por falta de forma é nulo, sem prejuízo
de produzir efeitos como ato diverso, se a lei o permitir ou prescrever. A falta de registo
impede a personalização plena. A referência a sociedade irregular foi apenas uma fórmula
cómoda, usada pelo legislador, para transmitir essas duas realidades e determinar um regime
que, com elas, nada tem a ver: a contagem de um prazo de prescrição. Todavia, mau grado a
falta de precisa consagração legal, a doutrina e, sobretudo, a jurisprudência, continuam a usar
a expressão sociedade irregular para cobrir:
A sociedade organizada e posta a funcionar independentemente de as partes terem
formalizado qualquer contrato de sociedade;
A sociedade formalizada por escritura pública (exigida antes de 2006), mas ainda não
foi registada;
A sociedade já formalizada, mas cujo contrato seja inválido; será possível aqui
subdistinguir situações consoante haja, ou não, registo.
Tendo em conta os regimes aplicáveis, iremos reservar a expressão sociedade irregular para
os casos em que haja incompleitude do processo, seja por falta da própria escritura, seja por
ausência do registo. As invalidades colocam questões que podem, com felicidade, agrupar-se
em torno do epíteto invalidades da sociedade. Com efeito, as situações a reconduzir às
sociedades irregulares têm, em comum, duas importantes circunstâncias:
A não-conclusão do processo formativo, o qual pressupõe um acordoo solene e o
registo definitivo;
A efetiva presença de uma organização societária em funcionamento, com relações
atuantes: quer entre os sócios interessados, quer com terceiros;
Sociedade material e sociedade aparente: passando a analisar as diversas
sociedades irregulares, deparamos, desde logo, com o artigo 36.º CSC. Esse preceito abrange,
todavia, duas situações bastante distintas:
A do n.º1 onde se prevê uma mera situação de sociedade material, sem a cobertura
de qualquer acordo entre as participantes;
A do n.º2 que prefigura já um acordo tendente à constituição de uma sociedade
comercial mas sem que se tenha celebrado o contrato escrito.
A primeira situação parece surpreendente. Impõem-se algumas considerações preliminares.
As organizações e cooperação humanas não se esgotam em meros vínculos abstratos com a
marca valorativa do dever-ser. Elas antes dão – ou podem dar – azo a efetivas modificações
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materiais: atividades comuns, bens afetos, captação de recursos humanos e compromissos
com terceiros. Há, aqui, um fenómeno que faz lembrar a posse: afetação material de coisas
corpóreas, independentemente dos direitos que lhes possam respeitar.
A primeira categoria de sociedades irregulares que iremos abordar é a das sociedades
materiais: situações que, no campo da materialidade correspondam a contribuições de bens
ou serviços, feitas por duas ou mais pessoas, para o exercício em comum de certa atividade
económica, que transcenda a mera fruição, com o fim de repartição dos lucros daí resultantes.
E todavia falta, para tais situações, qualquer contrato ou outro título legitimador. Uma ideia
ampla de sociedade meramente material abrangeria todas as situações societárias a que
faltasse ou um contrato válido, ou o registo mas que, todavia, tivessem dado azo, no espaço
jurídico, a uma organização de tipo societário em efetivo funcionamento. Em rigor, na
presença de qualquer contrato (ainda que inválido), já não haveria uma situação puramente
material. Fica, pois, o sentido estrito, em que a sociedade material equivale à sociedade
aparente. A sociedade aparente caracteriza-se por não ter, na origem, qualquer contrato ou
acordo societário. Assistir-se-ia à presença de uma mera organização societária a qual, por
ser percetiva por terceiros, surgiria como uma aparência. Semelhante eventualidade é pouco
imaginável perante sociedades anónimas, de montagem complexa e difícil e com várias
instâncias de verificação. Também as sociedades por quotas, dotadas de certo tecnicismo,
dificilmente darão azo a situações meramente aparentes, despidas de qualquer título. O
Código das Sociedades Comerciais resolveu solucionar expressamente a problemática posta
pelas sociedades aparentes. Assim, segundo o artigo 36.º CSC:
«1. Se dois ou mais indivíduos quer pelo uso de uma firma comum quer por qualquer outro
meio, criarem a falsa aparência de que existe entre eles um contrato de sociedade, responderão
solidária e ilimitadamente pelas obrigações contraídas nesses termos por qualquer deles».
O n.º2 desse preceito dispõe, porém, que se for acordada a constituição de uma sociedade e
antes da celebração do contrato as partes iniciarem a competente atividade, tem aplicação o
regime das sociedades civis. O preceito não foi conseguido. É importante procede à sua
crítica não por um prisma de política legislativa, mas para tentar, pela interpretação, afeiçoar
o seu conteúdo às exigências do sistema. O legislador parece ter feito uma distinção radical:
Uma aparência total de sociedade, em que os responsáveis nem intenção têm de
celebrar um contrato;
Uma situação em que tal intenção já existiria.
Na primeira hipótese, haveria uma responsabilidade solidária (e, naturalmente, ilimitada)
entre os participantes; no segundo, aplicar-se-iam as regras das sociedades civis. Pelo prisma
dos terceiros, não se percebe esta diferenciação. Repare-se que num caso como no outro,
eles apenas estão convictos da existência da sociedade, sendo-lhes inacessível o facto de os
sócios terem ou não a intenção de celebrar, no futuro, um contrato que, então, faltava. Ora
o regime das sociedades civis é mais adequado e pode assegurar superiores níveis de tutela:
basta ver que, perante o regime da sociedade civil, os credores sociais têm uma situação de
privilégio, perante os bens da sociedade e em relação aos credores pessoais dos sócios (artigo
999.º CC). Além disso, está sempre assegurada a responsabilidade pessoal e solidária dos
sócios, pelas dívidas da sociedade (artigo 997.º, n.º1 CC) ainda que, é certo, com benefício
de excussão (idem, n.º2). Para quê diferenciar regimes em função de um acordo de celebração
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futura, de cuja existência ninguém pode ajuizar? A solução normal tenderá, assim, a ser a de
aplicação das regras das sociedades civis puras. Como vimos, a constituição destas sociedades
não depende de qualquer forma especial. Quando duas ou mais pessoas, pelo uso de uma
forma comum ou por qualquer outro meio criem a falsa aparência de uma sociedade
(comercial) há, pelo menos, um acordo, expresso ou tácito, no sentido de criar a aparência
em causa. Será já, em regra, uma sociedade civil. O campo de aplicação do artigo 36.º, n.º1
CSC reduz-se, acantonando-se na parte mais interessante: a da responsabilidade civil solidária,
pelos danos causados. Além disso, também não oferecerá dúvidas a necessidade de fazer
intervir outros elementos próprios da tutela da aparência – ou, por um prisma mais atual –
da confiança das pessoas que adiram. Assim:
A confiança deve ser objetivamente justificada;
Os confiantes a tutelar devem estar de boa fé, ou seja: devem desconhecer, sem culpa,
a natureza meramente aparente da sociedade.
O investimento da confiança e a imputação, da mesma, às pessoas que lhe estejam na origem
podem ser dispensados: existe uma previsão legal expressa de tutela. O artigo 36.º, n.º1 CSC
– tal como os restantes preceitos relacionados com as sociedades irregulares, exceto as que
o sejam em virtude de vício na formação do contrato – aplica-se às situações existentes antes
da entrada em vigor do Código das Sociedades Comerciais: artigo 534.ºCC. Ficam todavia
ressalvados os efeitos anteriormente produzidos.
A pré-sociedade antes do contrato: uma segunda hipótese de sociedade irregular
surge no artigo 36.º, n.º2 CSC. O seu estudo fica facilitado com a leitura do texto em causa:
«Se for acordada a constituição de uma sociedade comercial, mas, antes da celebração do contrato
de sociedade, os sócios iniciarem a sua atividade, são aplicáveis às relações estabelecidas entre
eles e com terceiros as disposições sobre as sociedades civis».
Cumpre começar por esclarecer que situações deste tipo podem ocorrer com alguma
frequência. A negociação de uma sociedade é obra da autonomia privada. Conseguindo um
acordo, inicia-se um processo burocrático que, até há pouco tempo, demorava meses. Ora
se tudo estiver pronto, no campo dos preparativos a efetuar no terreno, porque não começar
a trabalhar? Justamente: a lei permite esse início de atividade; mas sob o regime das
sociedades civis puras. Que tipo de acordo exige a primeira parte do artigo 36.º, n.º2 CSC?
Dados os valores em presença – a adequada proteção de terceiros e uma justa regulação entre
as partes - bastará um acordo muito simples e incipiente. Designadamente, a lei não exige
uma promessa de celebração do contrato de sociedade definitivo. Pergunta-se se esse acordo
não deveria, pelo menos, incluir os elementos requeridos pelo contrato civil de sociedade
que se irá aplicar. De facto, terá de haver um minimum de elementos, para se poder identificar
a própria situação. Mas isso implicará, simplesmente, a indicação das partes e a determinação
da atividade comum em causa. Quanto ao resto: resulta da lei. Em termos doutrinários, qual
o sentido da remissão final do artigo 36.º, n.º2 CSC para as disposições sobre sociedades
civis?
1. Pinto Furtado entende que este preceito configura o nele descrito como uma
invalidade de forma: posto o que operaria uma conversão ope legis de uma sociedade
comercial de facto em sociedade civil.
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2. Menezes Cordeiro: salvo o devido respeito, não é esse o teor da lei; tão-pouco nos
parece vantajoso proceder, doutrinariamente, às construções que permitiriam apoiar
tal asserção e isso admitindo que elas fossem possíveis. Assim e como vimos, as
regras sobre sociedades civis podem cobrir situações muito diversificadas: desde
atuações concertadas ocasionais até um verdadeiro e próprio organismo societário a
funcionar com pelouros e órgãos. Esta multifuncionalidade constitui o grande trunfo
das sociedades civis puras. Ao remeter para as regras das sociedades civis, não se
apela para todas: apenas, naturalmente, para aquelas que, em função das
circunstâncias, tenham aplicação e, ainda aí, com as necessárias adaptações. Há, pois,
uma aplicação de regras civis: não uma conversão de uma (inexistente) sociedade
comercial numa (porventura: impossível) sociedade civil.
Finalmente: a sociedade resultante da aplicação do final do artigo 36.º, n.º2 CSC é civil ou
comercial? Comercial não pode ser: o artigo 1.º, n.º2 CSC formaliza essa categoria, não se
encarando a mínima vantagem em inobservar as inerentes valorações, que são importantes.
Aliás, bem pode acontecer que se tenha acordado na constituição de uma sociedade
comercial e que se inicie, desde logo, uma atuação comum sem que se tenha, sequer e ainda,
optado por um concreto tipo de sociedade. Ergo, a haver elementos suficientes para se poder
falar em sociedade, ela será civil. Isso não impede, todavia, que a situação globalmente
considerada seja comercial, tal como comerciais serão os atos praticados pelos intervenientes,
em nome e por conta da sociedade. A nossa preocupação é, aqui, a de permitir a apreciação
de eventuais litígios, aqui ocorridos, pelos tribunais de comércio.
A pré-sociedade depois do contrato e antes do registo:
1. Relações internas: o Código das Sociedades Comerciais veio, depois, prever a pré-
sociedade subsequente ao contrato mas anterior ao registo. Repare-se: havendo
contrato, as relações entre os sócios, sejam pessoais, sejam patrimoniais, estão
precisadas. O único óbice resulta da falta de personalidade jurídica (plena) a qual, nos
termos do artigo 5.º CSC, apenas surge com o registo definitivo. A lei estabelece um
sistema para este tipo de pré-sociedade que assenta, fundamentalmente, em distinguir
relações entre sócios (artigo 37.º CSC) e relações com terceiros (artigos 38.º a 40.º
CSC). No tocante às relações entre os sócios são aplicáveis:
As regras previstas no próprio contrato e as legais (correspondentes, entenda-se,
ao respetivo tipo), com as adaptações necessárias e salvo as que pressupunham
o contrato definitivo registado (artigo 37.º, n.º1 CSC);
Em qualquer caso, a transmissão inter vivos de posições sociais e as modificações
do contrato social requerem, sempre, o consentimento unânime de todos (idem,
n.º2 ).
A lei parece clara. Uma vez que as partes celebraram um contrato, deverão cumpri-
lo, nas suas relações entre si. E como esse mesmo contrato pressupõe todo um
regime legal complementar (supletivo ou injuntivo), também ele é convocado.
Pergunta-se o porquê da ressalva da transmissão inter vivos, das posições sociais e da
modificação do contrato social: como vimos, o artigo 37.º, n.º2 CSC submete-as a
uma regra de unanimidade. De acordo com a lógica da lei, a personalidade (plena)
surge apenas com o registo. Até lá, haverá um mero contrato que, pelas regras gerais
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(artigo 406.º, n.º1 CC), só por mútuo consentimento pode ser modificado. Há valores
de fundo em jogo: as partes aceitaram ingressar numa sociedade com certos parceiros
e em face de determinado clausulado: um desejo a respeitar, mesmo que, a posteriori e
mercê das vicissitudes da própria sociedade, uma vez constituída, possa haver
modificações. Mas alem disso, também há razões societárias:
Os sócios podem ser responsáveis pelas dívidas contraídas antes do registo e de
acordo com esquemas que variam consoante a sociedade; admitir exonerações
ou alterações por maioria poderia prejudicar os credores (no primeiro caso) e os
próprios sócios minoritários (no segundo);
Tornar-se-ia muito difícil fixar o preciso momento da eficácia das exonerações
ou modificações; poderia, aliás, haver vários momentos a considerar, consoante
o momento em que os factos modificativos ou exonerativos chegassem ao
conhecimento dos interessados;
Finalmente: a medida serve como esquema compulsório destinado a efetivar a
realização do registo; recorde-se que um esquema paralelo opera perante o
registo predial: os prédios não inscritos em nome do alienante não podem ser
vendidos.
2. Relações externas: depois de regular as relações internas das pré-sociedades já
formalizadas, em escritura pública, mas ainda não registadas, o Código das
Sociedades Comerciais passa às relações externas ou relações com terceiros. Nesse
domínio, ele procede a um tratamento diferenciado, em consonância com o tipo de
sociedade que esteja em causa. Distingue:
o Sociedades em nome coletivo;
o Sociedades em comandita simples;
o Sociedades por quotas, anónimas e em comandita por ações.
3. Para efeitos da análise subsequente, podemos agrupar as duas primeiras numa rubrica
sobre sociedades de pessoas e, as três últimas, nutra sobre as sociedades de capitais.
a. Nas sociedades de pessoas: quanto às sociedades em nome coletivo:
pelos negócios realizados em seu nome, depois da escritura e antes do registo,
com o acordo expresso ou tácito dos diversos sócios – acordo esse que se
presume – respondem, solidária e ilimitadamente, todos eles (artigo 38.º, n.º1
CSC). Caso não tenham sido autorizados por todos os sócios, respondem
apenas aqueles que os tenham realizado ou autorizado (n.º2). O que entender
por responder? A resposta prende-se com o tema da capacidade das pré-
sociedades e com a assunção, pelas sociedades uma vez constituídas, das
posições daquelas. Adiantamos que responder é, aqui, usado no sentido de
alguém ser convocado em termos de responsabilidade patrimonial. Os
próprios negócios celebrados em nome das pré-sociedades visadas devem ser
cumpridos por estas – ou nem haveria negócios! E se o não forem, a pré-
sociedade incorre nas consequências do incumprimento. Havendo que passar
à fase da execução patrimonial: responderá a própria pré-sociedade, com os
bens que porventura já tenha (regime geral, que não tinha de ser repetido) e
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respondem os sócios que tenham celebrado ou autorizado os negócios em
causa: salvo ilisão: todos. A lei não refere o beneficium excussionis, nem mesmo
quando todos os sócios tenham autorizado a operação. Lacuna? Parece que
não. Uma vez que a própria lei, logo no preceito imediatamente anterior,
manda aplicar às sociedades que agirem sem contrato, o regime das
sociedades civis, não se compreenderá que, havendo contrato, as regras se
tornassem mais desfavoráveis para os sócios ou – pior! – menos societárias.
Vamos, pois, sustentar que a responsabilidade solidária e ilimitada referida no
artigo 38.º, n.º1 CSC, segue o regime do artigo 997.º, n.º1 e 2 CC incluindo,
designadamente, o benefício da prévia excussão do património social. A
optar-se pela lacuna: a solução seria a mesma, com apelo à analogia. As
cláusulas que limitem objetiva ou subjetivamente os poderes de
representação só são oponíveis aos terceiros que se prove conhecerem-nas,
aquando da celebração dos contratos respetivo (artigo 38.º, n.º3 CSC). Trata-
se da solução que corresponde às regras gerais. As relações, com terceiros,
das sociedades em comandita simples, cujos contratos tenham sido
regularmente outorgados mas que não se encontrem, ainda, registadas,
mereceram ao legislador um longo preceito: o artigo 39.º CSC. Diz, em
súmula:
Pelos negócios celebrados em nome da sociedade, com o acordo de
todos os sócios comanditados (o qual se presume), respondem todos
eles, pessoal e solidariamente (n.º2);
Nos mesmos termos responde o sócio comanditário que tenha
consentido no início da atividade social, salvo se provar que o credor
conhecia a sua qualidade (n.º2);
Se os negócios celebrados não tiverem sido autorizados por todos os
sócios comanditados (ilidindo-se, pois, a presunção), respondem
apenas os que realizarem ou aprovarem (n.º3);
As cláusulas que limitem objetiva ou subjetivamente os poderes de
representação só são oponíveis aos terceiros que se prove
conhecerem-nas, aquando da contratação.
No tocante ao sentido da responsabilidade aplicam-se, pelas razões apontadas,
as regras acima apuradas quanto às sociedades em nome coletivo.
b. Nas sociedades de capitais: as relações com terceiros, das sociedades por
quotas, anónimas ou em comandita por ações, já celebradas por escritura
mas ainda não registadas, obedecem à regra seguinte: pelos negócios
celebrados em seu nome respondem ilimitada e solidariamente todos os que
intervenham no negócio em representação da sociedade em causa, bem como
os sócios que o autorizem; os restantes sócios respondem apenas até às
importâncias das entradas a que se obrigaram, acrescidas das importâncias
que tenham recebido a título de lucros ou de distribuição de reservas (artigo
40.º, n.º1 CSC). A responsabilidade em causa já não opera se os negócios
forem expressamente condicionados ao registo da sociedade e à assunção por
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esta, dos respetivos efeitos (idem, n.º2). Pergunta-se, também aqui, se não seria
justo e sistematicamente adequado fazer intervir, em primeiro lugar, o fundo
comum da sociedade: o próprio artigo 36.º, n.º2 CSC a tanto conduziria. E
independentemente disso: não deveria a própria (pré-)sociedade responder
também pelas dívidas em seu nome contraídas? Uma sensibilidade jurídico-
científica responde positivamente a ambas as questões: afinal, seria esse o
regime das sociedades civis puras.Na verdade, o registo definitivo de uma
sociedade comercial não se limita a atribuir-lhe personalidade jurídica plena.
Tem ainda o efeito de provocar a assunção, pela sociedade, dos negócios
anteriores ao próprio registo, nos termos prescritos pelo artigo 19.º CSC2.
Tomado à letra, este preceito implicaria:
Que a própria pré-sociedade de capitais, já formalizada em contrato
mas ainda não registada, não ficasse obrigada pelos negócios
celebrados em seu nome, durante este período;
Que tais negócios apenas respeitassem a quem, no negócio, tivesse
agido em representação;
Que, com o registo, eles fossem assumidos pela sociedade.
Semelhante orientação poria em grave crise todo o papel das pré-sociedades,
além de representar uma disfuncionalidade pronunciada. Como poderia ter
um certo apoio numa primeira leitura da lei, cabe explicar como surge. O
artigo 40.º, n.º1 CSC – tal como os artigos 38.º, n.º1 e 39.º, n.º1 CSC –, na
parte em que refere a responsabilidade dos sócios, filia-se no §41 (1) do AktG
alemão que tinha o objetivo político assumido de impedir a atuação da
sociedade antes da atribuição, pelo Estado, da personalidade coletiva.
Quando transposto para as sociedades por quotas, foi entendido como
visando pressionar para a realização do registo. Todos estes fundamentos têm
vindo a ser rejeitados, pondo-se em crise qualquer justificação para o preceito.
Todavia, ele deve conservar-se, com elemento destinado a proteger o capital.
Trata-se, porém, de uma solução supletiva, que as partes podem afastar. A
responsabilidade aí prevista é meramente acessória e o responsabilizado pode
defender-se invocando as diversas exceções. A doutrina fica, assim, habilitada
a dizer que o preceito em análise tem escasso papel prático. Nos negócios
celebrados pelos seus representantes: os que agiram nessa representação e os
que autorizem tais negócios respondem (portanto: garantem, em termos de
responsabilidade patrimonial) por eles, solidária e ilimitadamente. O artigo
40.º, n.º1 CSC acrescenta ainda, no fim, que os restantes sócios respondem
até à importância das entradas a que se obrigaram, acrescidas das
importâncias que tenham recebido a título de lucros ou de distribuição de
reservas. A responsabilidade dos representantes e dos sócios que tenham
autorizado os negócios não isenta – como vimos suceder com as sociedades
de pessoas – o património social da responsabilidade principal. Além disso,
mercê do artigo 997.º, n.º1 e 2 CC, os representantes e sócios demandados
dispõem do beneficium excussionis. Resta acrescentar que tudo isto é supletivo:
2 Este preceito também se aplica às sociedades de pessoas.
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cessa se os negócios forem expressamente condicionados ao registo da
sociedade e à assunção por esta dos respetivos feitos (artigo 40.º, n.º2 CCS).
Pode-se, ainda admitir que seja pactuado o afastamento deste regime: se
necessário, sob invocação do artigo 602.º CC.
A capacidade: conhecido o regime legal das relações internas e externas das sociedades
irregulares, cabe responder à questão crucial, que tende a escapar aos roteiros comuns sobre
a matéria. Qual é a capacidade das sociedades irregulares?
Pode ser iniciada a atividade social antes do contrato, seguindo-se, então, o regime
próprio das sociedades civis (artigo 36.º, n.º2 CSC);
Podem ser realizados negócios por conta das sociedades em nome coletivo (artigo
38.º, n.º1 CSC); esta tem representantes (idem, n.º3); um esquema semelhante
funciona para as comanditas simples (artigo 39.º, n.º1 e 4 CSC).
Podem ser realizados negócios em nome das sociedades de capitais, agindo, certas
pessoas, em representação delas (artigo 40.º, n.º1 CSC);
Ainda essas mesmas sociedades, sempre antes do registo, podem distribuir lucros e
reservas (artigo 40.º, n.º1, in fine CSC).
Os preceitos referidos bastam para concluir que as sociedades, particularmente as pré-
sociedades, dispõem de uma capacidade geral similar à que compete às próprias sociedades
definitivas. O especial óbice reside na responsabilidade de quem pratique os inerentes atos,
em termos acima examinados. Essa capacidade ampla não causa qualquer surpresa: o mesmo
sucede com as sociedades civis puras, que não dependem de forma especial nem de registo
e com as próprias associações não personalizadas, previstas nos artigos 195.º e seguintes CC.
Esta capacidade de princípio não obsta a que, caso a caso, se verifique o exato alcance do ato
que lhe seja impugnado. Na concretização da sua capacidade, a sociedade irregular disfruta
da representação orgânica. Esta será levada a cabo por qualquer dos seus promotores, no
caso do artigo 36.º, n.º2 CSC (pré-sociedade anterior à escritura) ou pelos órgãos
competentes já previstos nos seus estatutos, nas hipóteses dos artigos 38.º a 40.º CSC (pré-
sociedades posteriores ao contrato mas anteriores ao registo). Apesar desta latitude dada pelo
Direito privado, deve ter-se presente que as pré-sociedades dão lugar a constrangimentos
fiscais e, porventura, bancários. Além disso, diversos negócios formais vão, na prática, estar-
lhes vedados, por razões de prática notarial. Recomenda-se, pois, como regra, a rápida
conclusão do processo.
A natureza:
1. Algumas doutrinas: com os elementos obtidos, resta fixar a natureza da sociedade
irregular. Adiantamos que os resultados obtidos são aplicáveis às sociedades que
apresentem vícios nos respetivos contratos, na medida em que tais vícios bloqueiam
a comum natureza societária. O Direito português vigente beneficia da juventude da
sua lei: pôde aproveitar uma série de elementos conquistados noutras latitudes. Ora
aí – particularmente na Alemanha – os exatos contornos da pré-sociedade e da
sociedade irregular (fehlerhafte e Gesellschaft) foram sendo desenvolvidos pela
jurisprudência, surgindo como uma manifestação de interpretação complementadora.
Não houve uma doutrina pré-definida mas, apenas, a necessidade de atalhar
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problemas concretos. Devemos ainda ter presente que toda esta matéria resulta,
também, da transposição dos artigos 7.º e 9.º da 1.ª Diretriz sobre sociedades
comerciais, de clara inspiração alemã. Podemos ordenar as diversas teorias
explicativas das sociedades irregulares em três grandes troncos:
a. A teoria da sociedade de facto: a sociedade poderia ter, na sua origem, não
apenas um contrato concluído entre as partes interessadas, mas, também, a
simples evidência dos seus surgimento e funcionamento, no campo dos
factos.
i. Von Gierke: afinal, o determinante na pessoa coletiva seria o próprio
facto da existência do seu organismo, mais do que qualquer
operatividade jurídico-formal.
ii. Günther Haupt: poderia verificar-se o surgimento de relações de
tipo contratual, mas sem que, na origem, houvesse qualquer contrato
ou qualquer contrato valido. Tais relações adviriam de meras
condutas materiais.
iii. Haupt: entre essas situações, insere a que implica a inclusão de uma
pessoa numa denominada relação comunitária, exemplificando com
a sociedade e o trabalho. Na sociedade de facto, marcada por assentar
num contrato nulo, haveria que manter, pela injustiça que adviria da
aplicação das regras da restituição do enriquecimento, alguns dos
efeitos próprios da sociedade. No seu seio será possível discernir
figuras muito distintas: a culpa in contrahendo, os comportamentos
concludentes, a eficácia legal de situações nulas e a tutela da aparência,
baseada na boa fé. Todas essas figuras convocariam regras próprias e
distintas, ficando incomodamente arrumadas, lado a lado.
Em suma: a teoria da sociedade de facto pouco ganharia em ser reconduzida
a um construção mais vasta de relações contratuais de facto, dada a total
heterogeneidade desta última. Isoladamente tomada, a sociedade de facto
deixa por explicar a sua positividade jurídica, não determinando quaisquer
regras. É evidente que, embora de facto, a sociedade aqui em jogo obedece a
regras. Aliás, pela natureza da situação, tais regras deverão mesmo ser mais
precisas do que as das sociedades comuns.
b. A teoria dos limites da nulidade: foi inicialmente apontada para explicar a
essência das sociedades em contratos inválidos. Seria fácil, depois, a sua
extrapolação para as pré-sociedades, apontando, como vícios, as falhas de
que ainda padeceriam, por não terem alcançado o estádio definitivo de
perfeição. No cerne, a teoria diz-nos o seguinte: pela natureza das coisas, as
regras que determinem a invalidade e uma sociedade não são radicais,
pretendendo afastar o ente visado, como se não existisse; pelo contrário: têm
alguns limites, através dos quais a sociedade irregular ainda pode exercer certa
atividade.
i. Wolfgang Siebert: defendeu que uma sociedade surgida com vício
era… uma sociedade com vício, a colocar num plano equivalente ao
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das sociedades sem ele. Acentuou-se, depois, que pelo menos nas
relações internas, estas sociedades implicavam uma combinação entre
a vontade das partes e as regras da nulidade.
Há que ter presente: toda esta matéria deriva de um intenso
acompanhamento jurisprudencial quer anterior, quer posterior à Guerra de
1939-1945. Ora os tribunais devem apoiar-se na lei: a presença de regras
específicas para a nulidade das sociedades resolveria, assim, o problema.
Outra perspetiva: a de aplicar, aos diversos tipos de situações, as regras
relativas à constituição ou à extinção das sociedades. Os limites às invalidades
societárias, bem como às suas incompleitudes, constituem uma base para
qualquer eficácia jurídica. Têm uma importância evidente para sistemas que,
como o português, disponham de um elevado nível regulativo. O facto de se
descobrirem regras explícitas que, à nulidade de sociedades, ainda atribuam
certas consequências não dispensa procurar o porquê de tais normas. Dá,
todavia, uma inquestionável base jurídico-positiva para qualquer solução
efetiva. É ainda seguro que o resultado passa por um desvio em relação às
regras de nulidade e aos seus efeitos. Pelo menos: um desvio aparente.
c. A teoria da organização: parte, em geral, de uma apregoada dupla natureza
do contrato de sociedade: uma relação interna, puramente obrigacional e uma
exterior, de tipo organizatório. Esta última tenderia a transcender a
obrigacional: representaria um centro de interesses próprios, dando azo a um
evidente elemento de confiança. O Direito não poderia deixar de o
reconhecer.
2. Menezes Cordeiro: a exposição, acima realizada, de diversas doutrinas surgidas para
explicar a natureza das sociedades irregulares é útil: permite esclarecer vários ângulos
da dogmática societária, aqui subjacente. Todavia, há que prevenir transposições
apressadas para o Direito português. Aí, além de dados legislativos próprios, deve-se
contar com uma tradição fortemente contratualista, exacerbada, aliás, pelo legislador
de 1986. A primeira e inevitável constatação é a de que o Código das Sociedades
Comerciais trata, com pormenor, das diversas hipóteses (artigos 36.º e seguintes CSC)
abrangendo:
a. A sociedade sem contrato,
b. A sociedade com contrato informal,
c. a sociedade com contrato mas sem registo,
d. A sociedade com contrato, com vício e sem registo; e
e. A sociedade com registo e com vício.
Ambos estes últimos aspetos ainda a examinar, mas que poderão ser úteis, para
efeitos de exposição. Tanto basta para que se não possa apelar para uma informe
doutrina de relações contratuais de facto ou sociedade de facto, a resolver por
analogia. Antes teremos soluções claramente baseadas na lei. Mas a lei fundamenta
todas as soluções legítimas. A sociedade irregular por incompleitude é, muito
claramente, uma sociedade assente na vontade das partes. Esta é, pela lei, aproveitada
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até aos limites do possível. A hipótese de acordo informal (artigo 36.º, n.º2 CSC) é
equiparada à sociedade civil, pressupondo-se, naturalmente: com o conteúdo que as
partes lhe tiverem dado. Havendo contrato o seu teor rege os direitos entre as partes
(artigo 37.º CSC). E mesmo quanto a relações externas: tudo funciona consoante o
figurino adotado pelas partes (artigos 38.º, 39.º e 40.º CSC). A falta do registo, na
prática, apenas vem impedir o privilégio da limitação da responsabilidade, tendo
significado efetivo no tocante às sociedades de capitais. A sociedade irregular por
incompleitude – portanto: a pré-sociedade – é uma pessoa coletiva erigida pela
vontade das partes e na base da sua autonomia privada. Poder-se-ia apelar à temática
das pessoas rudimentares. Seria útil no caso do artigo 36.º, n.º1 CSC: a sociedade
aparente funciona em modo coletivo apenas muito limitadamente. Já após o acordo
de constituição (artigo 36.º, n.º2 CSC) altura em que se remete para as sociedades
civis puras, poderá haver personalidade mais ampla: depende do nível de organização
alcançado. Realizado o contrato, as sociedades assumem, de facto, personalidade
coletiva. Se bem se atentar, as limitações que impendem sobre as sociedades não
registadas têm a ver com a responsabilidade dos sócios perante terceiros, que não é
limitada. Quanto ao resto: temos órgãos, temos representantes orgânicos e temos, de
facto, um centro autónomo de imputação de normas, com funções e interesses
próprios. Tudo isto aponta para uma única e inevitável conclusão: as sociedades
irregulares retiram a sua jurídica-positividade da vontade das partes. Nos diversos
casos surpreendemos acordos a tanto destinados, ainda que completados pela tutela
da aparência: esta, ligada à proteção da confiança, segue, ainda que por analogia, o
regime negocial. O passo seguinte: qual a figura derivada da vontade das partes? De
acordo com as categorias gerais, como são hoje entendidas, tal figura dá azo a um
contrato. Que contrato? Perante a noção geral do artigo 980.º CC, confirmada, aliás,
por quanto ela representa, tal contrato só poderá ser… um contrato de sociedade.
Resta concluir: as sociedades irregulares, que o sejam por incompleitude são, em todo
o caso, verdadeiras sociedades, assentes em equivalentes contratos de sociedade. Tais
contratos, por razões endógenas (falta de contrato formal) ou exógenas (falta de
registo) não equivalem aos modelos finais legalmente fixados. Não deixam de ser
contratos. De categoria inferior? Não propriamente: apenas diferente. As sociedades
irregulares são verdadeiras e próprias sociedades, ainda que diversas do figurino
elencado no artigo 1.º, n.º2 CSC. Há inúmeras graduações possíveis, o que não
admira, uma vez que escapam à tipicidade comercial. Quanto à natureza: contratual,
como sucede com a nossa matriz societária.
37.º - Sociedades irregulares por invalidade
A categoria; a 1.ª Diretriz das sociedades comerciais: como foi referido, o
universo das sociedades irregulares, tal como emergia do Código Veiga Beirão, era muito
envolvente: abrangia todas as sociedades que não se constituíssem «nos termos e segundo os
trâmites indicados neste Código». Porventura mais pela letra do que pelo espírito, o preceito veio
abarcar não apenas incompleitudes, faltas de registo ou disfunções perante o modelo legal
mas, também, situações de invalidade, na própria constituição da sociedade. De todo o modo,
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a aproximação correspondia a uma efetiva confluência de valorações: parece claro que, nas
diversas situações englobadas, ocorrem problemas de tutela dos sócios e dos terceiros, que
concitam soluções de calibre próximo. Esta capacidade aglutinante da velha figura das
sociedades irregulares foi reforçada, de forma muito curiosa, pela 1.ª Diretriz das sociedades
comerciais, que pretendeu coordenar as garantias que, para proteção dos interesses dos
sócios e de terceiros, são exigidas, nos Estados Membros, às sociedades. Essa Diretriz foi
substituída pela n.º 2009/101/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 setembro
1009, que procedeu à codificação das alterações entretanto introduzidas. A Diretriz
2009/101, abrange cinco capítulos. De acordo com o corpo do artigo 12.º desta Diretriz,
aqui em causa, os fundamentos da invalidade da sociedade são limitados:correspondem,
deste modo, a uma exigência comunitária, que já foi reconhecida pelo Tribunal de Justiça
Europeu. Trata-se de um elemento que deve ser tido em conta, em nome de uma
interpretação conforme com as diretrizes, quando estejam em causa normas de transposição.
Transcendendo as exigências comunitárias, o legislador consagrou uma regulação minuciosa
para esta matéria: os artigos 41.º a 52.º CSC. A lei poderia, claramente, ter sido mais
sistemática e simples. A mera leitura das epígrafes dos preceitos implicados mostra uma
ordenação caleidoscópica, difícil de reter e que não era exigida pela ordem da União. Na
sequência, iremos distinguir:
Princípios gerais;
Regras quanto a sociedades de pessoas;
Regras quanto a sociedades de capitais.
Em rigor, apenas quanto a estas últimas há elementos de exigência comunitária.
Os princípios gerais; o favor societatis: os princípios gerais relativos à ineficácia
dos negócios jurídicos são de elaboração civil. Devemos ainda ter presente que se trata de
matéria histórico-dogmática de certa complexidade, variável de País para País e, ainda, em
função de coordenadas históricas. Como pano de fundo, temos a seguinte regra: o negócio
jurídico que, por razões extrínsecas (impossibilidade, indeterminabilidade, ilicitude ou
contrariedade à lei ou aos bons costumes) ou intrínsecas (vício na formação ou na
exteriorização) não produza efeitos ou, pelo menos, todos os efeitos que, por lei, ele deveria
produzir, é ineficaz. Dentro da ineficácia, a categoria a reter é a da invalidade. Finalmente,
dentro da invalidade e quando a lei não disponha de outro modo, o vício concretizado é o
da nulidade. Todas estas regras são aplicáveis ao contrato de sociedade, antes de ter ocorrido
o registo. Segundo o artigo 41.º, nº.1, 1.ª parte CSC, enquanto o contrato não estiver registado,
«a invalidade do contrato ou de uma das declarações negociais rege-se pelas disposições aplicáveis em negócios
jurídicos nulos ou anuláveis». Apenas com duas especificidades:
As invalidades (nulidade declarada ou anulação pronunciada) envolvem a liquidação
da sociedade, em termos abaixo referidos (artigo 41.º, n.º1, 2.ª parte CSC);
A invalidade resultante de incapacidade é oponível, também, a terceiros (artigo 41.º,
n.º2 CSC).
No domínio das sociedades comerciais, operam regras diversas das comuns. A nulidade pura
e simples iria comprometer todos os atos já praticados pela sociedade em jogo,
desamparando os terceiros e pondo em risco a própria confiança que a comunidade deve
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dispensar ao fenómeno societário. Por isso, encontramos aqui todo um conjunto de regras
destinadas a minimizar, por vários ângulos, a invalidade das sociedades comerciais e as
consequências dessa invalidade, quando ela seja inevitável. É o favor societatis. O favor societatis
exprime-se, na lei portuguesa, em sete vetores:
Na limitação dos fundamentos da nulidade;
Na introdução de prazos para a invocação dessa nulidade;
Na presença de esquemas destinados a sanar as invalidades;
Na delimitação da legitimidade para invocar a nulidade;
Na limitação dos efeitos da anulabilidade, perante as partes;
Numa certa inoponibilidade das invalidades a terceiros;
Na presença de um regime especial, no tocante à execução das consequências da
nulidade.
A sociedade tem uma especial consistência jurídico-social. As razões da sua nulidade são
limitadas, como vimos, pelo artigo 11.º da Diretriz, a qual foi transposta pelo artigo 42.º, n.º1
CSC. Elas são, ainda, taxativas: «o contrato só pode ser», diz o preceito em jogo. Daí resulta uma
regra geral da redução das invalidades, que nos diz o seguinte: a invalidade de algumas
cláusulas societárias não conduz à invalidade de todo o contrato; isso só sucederá se a
invalidade em causa recair sobre alguma cláusula crucial: as elencadas nos artigo s 11.º
Diretriz e 42.º CSC, salvo a exigência de registo, feita por este e ausente do primeiro. As
nulidades em jogo são, sempre, nulidades totais do contrato de sociedade, só possíveis nas
descritas situações. Em princípio, a nulidade pode ser invocada a todo o tempo, e por
qualquer interessado. Mas perante o contrato de sociedade, já não é assim:
Desde logo, antes de intentar a ação, há que interpelar a sociedade para sanar o vício,
quando este seja sanável; só 90 dias após a interpelação se pode interpor a ação.
Opera, assim, como um ónus.;
A ação deve ser intentada no prazo de três anos a contar do registo, salvo tratando-
se do Ministério Público (artigo 44.º, n.º2 e 2 CSC); quer isso dizer que, passado esse
prazo, o direito a propor caduca;
Ela pode ser iniciada por qualquer membro da administração, do conselho fiscal ou
do conselho geral e de supervisão da sociedade ou por qualquer terceiro «que tenha
um interesse relevante e sério na procedência da ação».
Mas há, ainda, verdadeiros deveres legais de informar, segundo o artigo 44.º, n.º3 CSC. Os
membros da administração devem comunicar, no mais breve prazo, aos sócios de
responsabilidade ilimitada e aos sócios de sociedades por quotas, a proposição da ação de
declaração de nulidade. Entenda-se, para que o preceito seja útil: independentemente de
quem tenha proposto a ação. Tratando-se de sociedades anónimas, a comunicação deve ser
feita ao conselho fiscal ou ao conselho geral e de vigilância (ou à comissão de auditoria),
consoante o tipo de sociedade anónima em causa (artigo 44.º, n.º3, in fine CSC). Este dever
visa facultar o conhecimento da ação dentro da sociedade, permitindo, aos interessados,
tomar as medidas que entenderem e, no limite: iniciar o processo de sanação do vício. A sua
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omissão presume-se culposa (artigo 799.º, n.º1 CC) e obriga o prevaricador a indemnizar o
lesado por todos os danos causados. Dado o teor do artigo 44.º CSC, ele aplica-se ,
claramente, a todos os tipos de sociedades comerciais. A anulabilidade tem, como se sabe e
nos termos do artigo 287.º, n.º1 CC, requisitos especiais de funcionamento. Na prática, ela
equivale a uma impugnabilidade: coloca nas mãos do interessado um direito potestativo
temporário de provocar o colapso do negócio. Todavia, sempre segundo o Direito comum,
uma vez atuada, ela tem efeitos similares aos da declaração de nulidade. Aqui intervém o favor
societatis:
Nas sociedades de capitais, certos fundamentos de anulabilidade operam (apenas)
como justas causas de exoneração dos sócios atingidos; quanto à incapacidade: ela
gera uma anulabilidade limitada ao incapaz (artigo 45.º, n.º1 e 2 CSC);
Nas sociedades de pessoas, a invalidade por determinados fundamentos provoca
anulabilidade apenas perante o atingido, salvo na impossibilidade de redução prevista
no artigo 292.º CC (artigo 46.º CSC);
Em qualquer dos casos, o sócio que obtenha a anulação do contrato, nos termos do
artigo 45.º, n.º2 ou 46.º CSC, tem o direito de rever o que prestou e não pode ser
obrigado a completar a sua entrada mas, «se a anulação se fundar em vício da vontade ou
usura, não ficará liberto, em face de terceiros, da responsabilidade que por lei lhe competir quanto às
obrigações da sociedade anteriores ao registo da ação ou da sentença» (artigo 47.º CSC); o
disposto nos artigos 45.º a 47.º CSC vale, com as adaptações necessárias, se o «sócio
incapaz ou aquele cujo consentimento foi viciado» ingressar posteriormente na sociedade» (artigo
48.º CSC);
A anulabilidade pode ver o seu prazo encurtado, através do dispositivo no artigo 49.º
CSC: qualquer interessado pode notificar o impugnante para que anule ou confirme
o negócio; perante a notificação, tem o notificado 180 dias para intentar a ação, sob
pena de o vício se considerar sanado;
Quanto aos efeitos: eles podem ser substituídos pela homologação judicial de
medidas, requeridas pela sociedade ou por um dos sócios, e que se mostrem
adequadas, para satisfazer o interesse do autor, «em ordem a evitar a consequência jurídica
a que a ação se destine» (artigo 50.º, n.º1 CSC).
Os efeitos da invalidade: uma manifestação importante do favor societatis é a das
consequências da invalidade, nos termos do artigo 52.º CSC. Em princípio, a invalidade tem
os efeitos radicais do artigo 289.º CC, efeitos esses que, doutrinariamente, têm sido
amortecidos, em obrigações duradouras. No caso das sociedades comerciais, as
consequências da declaração de nulidade ou da anulação do respetivo contrato foram objeto
de específico regime legal. Desde logo, segundo o artigo 52.º, n.º1 CSC, a invalidação do
contrato de sociedade determina:
«(…) a entrada da sociedade em liquidação, nos termos do artigo 165.º, devendo esse efeito ser
mencionado na sentença».
Recordamos que a liquidação, regulada nos artigos 146.º e seguintes CSC, é o conjunto de
operações que, dissolvida uma sociedade, permitem o pagamento dos credores sociais e a
repartição do remanescente pelos sócios, nos termos acordados ou legais. Pois bem: a
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invalidação, acompanham as comuns declarações de nulidade ou anulação. O simples facto
de poder haver relações com terceiros, traduzidas na existência de credores sociais ou de
devedores à sociedade e a possibilidade de se desenvolverem, ainda, negócios pendentes,
obriga a uma série de operações ditas de liquidação. Há um claro paralelo com a dissolução,
o que justifica a remissão legal. A liquidação por nulidade ou anulação da sociedade tem,
todavia, especificidades em relação à liquidação comum. Donde o teor do artigo 165.º CSC,
cujo n.º1 manda seguir o regime legal, com as particularidades seguintes:
i. Devem ser nomeados liquidatários, exceto se a sociedade não tiver iniciado a sua
atividade;
ii. O prazo de liquidação extrajudicial é de dois anos, a contar da declaração de
nulidade ou anulação de contrato e só pode ser prorrogado pelo tribunal;
iii. As deliberações dos sócios são tomadas pela forma prescrita para as sociedades
em nome coletivo;
iv. A partilha será feita de acordo com as regras estipuladas no contrato, salvo se
tais regras forem, em si mesmas, inválidas;
v. Só haverá lugar a registo de qualquer ato se estiver registada a constituição da
sociedade.
Além disso, qualquer sócio, credor da sociedade ou credor de sócio de responsabilidade
ilimitada, pode requerer a liquidação judicial, antes de ter sido iniciada a liquidação pelos
sócios, ou a continuação judicial da liquidação iniciada, se esta não tiver terminado no prazo
legal. Toda esta matéria deve ser confrontada com o regime geral da liquidação das
sociedades. Assinale-se que a exigência de liquidação da sociedade invalidada, além de se
impor pela própria natureza das coisas, deriva da 1.ª Diretriz sobre sociedades comerciais,
mais precisamente do seu artigo 13.º, n.º2, na sua versão de 2009. Deve, pois, proceder-se a
uma interpretação que, em concreto, dê corpo à intenção legislativa subjacente ao nosso
artigo 52.º CSC. A exigência de liquidação apresenta-se, aqui, como uma norma de tipo
processual formal, com custos. Tais custos constituem risco dos sócios que hajam decidido
subscrever a sociedade viciada, tenham ou não culpa na ocorrência. A redução teleológica do
artigo 52.º, n.º1 CSC não parece possível:
Não pode haver dispensa de liquidação nem formação do respetivo processo à
margem da lei, mesmo nos casos em que o património da sociedade não tenha
passivo e em que o ativo seja comporto por dinheiro ou bens suscetíveis de imediata
partilha entre os ex-sócios;
Perante a invalidade do contrato de sociedade por vício de forma, ocorrida antes do
registo definitivo, não pode ser restituído, aos sócios, o valor das prestações que
fizeram a título de entrada, com base no artigo 289.º CC; esses sócios têm,
unicamente, o direito de verem partilhado o ativo resultante da liquidação.
O legislador sentiu, depois, a necessidade de se ocupar dos negócios concluídos
anteriormente em nome da sociedade. A regra básica é a de que esses negócios não são
afetados, na sua eficácia, pela declaração de nulidade ou anulação do contrato social (artigo
52.º, n.º1 CSC). Trata-se de uma transposição rigorosa do artigo 13.º, n.º1 da 1.ª Diretriz na
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sua versão de 2009. Há que interpretá-lo de modo estrito, permitindo a introdução de duas
delimitações:
É necessário que o próprio negócio anteriormente concluído com a sociedade não
incorra em nenhum fundamento de invalidade;
Exigindo-se, ainda, que o terceiro protegido esteja de boa fé, no sentido geral:
desconhecer, sem culpa, o vício que afeta a sociedade.
Este entendimento pode ser perturbado pelo artigo 52.º, n.º3 CSC, cujo teor cumpre ter bem
presente:
«No entanto, se a nulidade proceder de simulação, de ilicitude do objeto ou de violação de ordem
pública ou ofensiva dos bons costumes, o disposto no número anterior só aproveita a terceiros de
boa fé».
A contrario, pareceria que, provindo a nulidade de quaisquer outros vícios, a tutela referida
no artigo 52.º, n.º2 CSC aproveitaria mesmo a terceiros de má fé. Quanto à lógica da tutela
de terceiros, explica o artigo 52.º, n.º4 CSC: a invalidade não exonera os sócios da realização
das suas entradas nem da responsabilidade pessoal e solidária que, por lei e perante terceiros,
eventualmente lhes incumba: um aspeto a delucidar na liquidação, cabendo aos liquidatários
cobrar, aos sócios remissivos, as importâncias em falta. Naturalmente: cessará a
responsabilidade quando se esteja perante um sócio cuja incapacidade tenha sido causa de
anulação do contrato ou quando ela venha a ser oposta, por via de exceção, às sociedades,
aos outros sócios ou a terceiros (artigo 52.º, n.º5 CSC). No seu conjunto, estas especificidades
de regime atinentes às invalidades do contrato de sociedade habilitam-nos a concluir: trata-
se, por um prisma de Teoria Geral do Direito, de invalidades específicas, de tipo misto.
Impõe-se uma indagação caso a caso e perante os preceitos gerais e específicos. A sociedade
atingida não desaparece: no limite, sujeitar-se-á (apenas) à liquidação. Merece, assim, a
designação tradicional: sociedade irregular.
Especificidades das sociedades pessoas: quanto às sociedades de pessoas –
fundamentalmente: sociedades em nome coletivo e em comandita simples – a primeira
observação é clara: elas caem fora da 1.ª Diretriz sobre Sociedades Comerciais. Segundo o
artigo 1.º da Diretriz em causa, ela apenas se dirige a sociedades anónimas, a sociedades em
comandita por ações e a sociedades por quotas, isto é: às geralmente chamadas de sociedades
de capitais. Compreende-se, assim, por que razão as sociedades de pessoas estão um tanto
mais próximas do regime geral. Desde logo, o artigo 43.º, n.º1 CSC enuncia:
«Nas sociedades em nome coletivo e em comandita simples, são fundamentos de invalidade do
contrato, além dos vícios do título constitutivo, as causas gerais de invalidade dos negócios
jurídicos segundo a lei civil».
Os vícios do título constitutivo correspondem aos fundamentos de invalidade admitidos na
1.ª Diretriz, para atingir as sociedades de capitais e que o artigo 42.º, n.º1 CSC verteu para a
ordem interna: artigo 43.º, n.º2 CSC, que acrescenta ainda a falta de menção do nome ou
firma de algum dos sócios de responsabilidade ilimitada. Tudo isto seria alcançável através
dos princípios gerais. Todavia, o disposto no preceito em estudo tem a virtualidade de
facilitar a tarefa do intérprete-aplicador. Os vícios que atinjam o título constitutivo – e que a
lei ilustra referindo a falta ou nulidade da indicação da firma, da sede, do objeto e do capital
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social da sociedade, bem como do valor da entrada de algum sócio e das prestações realizadas
por conta desta – podem ser sanáveis por deliberações dos sócios, tomadas nos termos
estabelecidos para as deliberações sobre alteração do contrato – artigo 43.º, n.º3 CSC. De
facto: são alterações do contrato. Quanto à segunda categoria dos vícios – isto é, segundo o
artigo 43.º, n.º1 CSC –, o Código isola, expressamente, o que considera vícios da vontade e
incapacidade, enumerando – artigo 46.º CSC: o erro, o dolo, a coação, a usura e a
incapacidade. Para o seguinte:
A invalidade daí resultante só opera em relação ao contraente que sofra o erro ou a
usura ou que seja incapaz (1.ª parte);
Podendo, todavia, o negócio ser anulado no seu todo («quanto a todos os sócios») se,
perante o artigo 292.º CC, não for possível a sua redução às participações dos outros.
Impõem-se dois reparos. Em primeiro lugar, o regime do artigo 46.º CSC acaba por ser o da
redução, previsto no artigo 292.º CC, conquanto que expresso em termos invertidos. Repare-
se: a invalidade de uma das declarações envolve a de todo o negócio, salvo a redução; esta
consiste, aqui, na eliminação de um dos sócios, possível desde que não se mostre que a
sociedade não seria concluída sem ele. Em segundo: quid iuris quanto aos vícios gerais não
referidos no artigo 46.º CSC? O problema poderia descambar num clássico confronto entre
o argumento a contrario e a analogia. Mas neste âmbito, nem sequer: uma vez que a
especificidade do artigo 46.º CSC se espraia, afinal, no regime comum, bastará fazer a pelo a
este. Nas sociedades de pessoas, os diversos vícios que possam atingir o contrato constitutivo
respetivo dão azo às competentes invalidades; porém, quando toquem, apenas, num dos
sócios (ou mais), os contratos atingidos são recuperáveis pela redução, quando possível
(artigo 292.º CC). Pela mesma ordem de ideias, poderemos recuperar sociedades
dissimuladas (artigo 241.º CC) e construir sociedades por conversão (artigo 293.º CC). O
apelo ao Direito comum a tanto conduz, sendo que os princípios gerais, acima estudados e
aqui aplicáveis, asseguram as dimensões societárias em jogo.
Especificidades das sociedades de capitais: no tocante às sociedades por quotas,
anónimas ou em comandita por ações, operado o registo definitivo, apenas se admite a
declaração de nulidade do correspondente contrato, por algum dos fundamentos referidos
no artigo 42.º, n.º1 CSC. Por maioria de razão e, ainda, por força de uma interpretação
conforme com a Diretriz, tais sociedades não podem ser anuladas sob nenhum fundamento.
Tão-pouco pode ser suscitada a hipótese de inexistências, que não são admitidas, como vício
autónomo, pelo Direito civil português. A sequência do artigo 42.º, n.º1 CSC é taxativa. Deve
notar-se que a Diretriz transposta não exige o registo da sociedade. Temos, pois, de entender,
pela lógica do Direito português e, também, para evitar a violação, pelo nosso Estado, da
Diretriz em causa, que antes do registo, não há sociedade, para efeitos da proteção ora em
jogo. Mas isso suscita outras dificuldades. Os vícios alinhados apresentam um surrealismo
vincado. Não se vê como se consiga registar uma sociedade… cujo contrato não tenha sido
reduzido a escrito, com as assinaturas presencialmente reconhecidas. E quando isso sucede,
o registo em causa seria ilícito, nulo, podendo ser impugnado, o que não é vedado por
nenhuma lei, interna ou comunitária. Deixaria, então, de haver registo, seguindo-se o regime
do artigo 41.º CSC … O vício de forma só faz sentido quando não se requeira o registo ou
quando o problema se discuta antes de o mesmo ter sido efetivado. Os demais vícios também
são de verificação bem improvável: não vemos como reconhecer assinaturas com tão
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patentes insuficiências. A natureza óbvia da 1.ª Diretriz tem a ver com a data: 1968. Nessa
altura, a legislação comunitária dava pequenos passos. De todo o modo, ao proteger o
contrato apenas após o registo, o Código das Sociedades Comerciais está a transpor
deficientemente a 1.ª Diretriz. No plano interno, nada a fazer. Os prejudicados poderão, de
todo o modo, responsabilizar o Estado português por essa falha. O artigo 42.º, n.º2 CSC
considera sanáveis «por deliberação dos sócios, tomada nos termos estabelecidos para as deliberações sobre
alteração do contrato», alguns dos vícios elencados como relevantes: a falta ou nulidade da firma
e de sede da sociedade, bem como do valor da entrada de algum sócio e das prestações
realizadas por conta desta. Quanto a estas prestações: não têm de constar do ato constitutivo
e, em regra, nem constarão. O artigo 45.º, n.º1 CSC elenca determinados vícios da vontade
– o erro, o dolo, a coação e a usura – a que acrescenta a incapacidade. Pois bem: tais
eventualidades, não podem determinar a anulabilidade de sociedades de capitais
(registadas…), visto o artigo 42.º, n.º1 CSC; constituiriam, todavia, justa causa de exoneração
do sócio atingido, desde que se verifiquem as circunstâncias de anulabilidade. Tratando-se
de incapacidade, teremos uma anulabilidade relativa apenas ao incapaz (artigo 45.º, n.º2 CSC).
Tal como fizemos perante o preceito paralelo (artigo 46.º CSC) relativo às sociedades de
pessoas, também aqui cabem dois reparos:
O regime limitador das consequências da anulabilidade abre na regra geral da redução
dos contratos societários com invalidades;
Ficam sem referência legal os outros vícios: simulação parcial, simulação relativa, falta
de consciência da declaração, coação física e incapacidade acidental; desta feita
compete, caso a caso, verificar se tais vícios podem, por analogia, constituir justa
causa de exoneração.
Apenas o excesso de construtivismo legal levou a tais complicações: perfeitamente
dispensáveis.
Secção III – O registo e as publicações
38.º - O registo comercial
Aspetos gerais do registo comercial: o registo comercial equivale a um conjunto
concatenado de normas e de princípios que regulam um sistema de publicidade racionalizado
e organizado pelo Estado, relativo a atos comerciais. Além disso, registo comercial designa
o setor da Ciência do Direito que estuda, que ensina e que aplica essas normas e princípios.
Por seu turno, a publicidade relativa a atos comerciais pretende dá-los a conhecer ao público
interessado. Repare-se que o acesso a atos comerciais permite conhecer as situações que deles
decorram. O relevo da publicidade dos atos comerciais leva o Direito a tornar obrigatório o
seu registo, em diversas circunstâncias. A efetivação do registo obedece a regras: não podem
ser efetuadas inscrições sem um prévio controlo do que se registe, entre outros aspetos. E
uma vez efetivado, o registo produz efeitos. A sujeição ao registo comercial é um dado a
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incluir no estatuto jurídico do comerciante: a esse propósito deve ser considerado. Apenas
serão relevados alguns aspetos atinentes ao Direito das Sociedades.
A reforma de 2006: o Direito português das sociedades apresentava, nos princípios do
século, uma feição pesada: pejado de formalidades demoradas, com múltiplas instâncias de
controlo em sobreposição, ele representava um colete de forças para o desenvolvimento
empresarial. A partir de 2005 – com alguns antecedentes – o legislador empenhou-se em
simplificar o sistema. Ponto alto das reformas foi o Decreto-Lei n.º 76.º-A/2006, 29 março.
Esse diploma teve, porém, uma ação profunda no Código do Registo Comercial, muito
alterado, ao ponto de ter sido republicado como Anexo II. As alterações cisaram,
fundamentalmente, as sociedades. A sistemática inicial do Código foi mantida. Apesar de se
verificar uma alteração profunda em orientações básicas do diploma – radical mesmo, quanto
às sociedades por quotas! – não houve o ensejo de elaborar um novo diploma. Devem ainda
ter-se presentes dois condicionalismos que possibilitam uma reforma ambiciosa:
A disponibilidade de meios informáticos, os quais podem facilitar radicalmente todas
as tarefas de coordenação, pesquisa e disponibilidade da informação registal;
A dimensão do País, que permite centralizar toda esta matéria, em vez de a manter
dispersa por várias circunscrições.
O processo do registo: o processo de registo, no formato resultante da reforma de 2006,
segue, em síntese, o seguinte caminho:
O pedido do registo é formulado verbalmente, quando efetuado em pessoa por quem
tenha legitimidade para o efeito (artigo 4.º, n.º1 Regulamento do Registo Comercial3);
Nos restantes casos, é feito por escrito, em modelo adequado (artigo 4.º, n.º2 do
RRCom).
Por seu turno, nas conservatórias existem (artigo 1.º, n.º1 RRCom):
Um diário em suporte informático;
Fichas de registo com o mesmo tipo de suporte;
Pastas de arquivo.
Os registos por transcrição seguem a metodologia regulada nos artigos 8.º, a 13.º RRCom.
Assim:
O extrato de matrícula deve conter o número, que corresponde ao NIC, a natureza
da entidade, o nome ou a firma do comerciante individual ou a firma ou denominação
da pessoa coletiva (artigo 8.º RRCom);
O extrato das transcrições compreende certas menções gerais (artigo 9.º RRCom) e,
eventualmente, especiais (artigo 10.º RRCom);
Os averbamentos são explicitados (artigo 11.º RRCom).
Quanto aos registos por depósito, há a salientar:
3 Portaria n.º 657-A/2006, 28 junho.
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Menções gerais: data, facto, nome ou denominação (melhor seria firma) (artigo 14.º
RRCom);
Menções especiais elencadas na lei (artigo 15.º RRCom).
Finalmente, o artigo 16.º RRC determina que as notificações sejam efetuadas por carta
registada.
A impugnação de decisões: da decisão de recusa da prática do ato de registo cabe
(artigo 101.º, n.º1 CRCom):
Recurso hierárquico para o diretor geral dos Registos e do Notariado;
Impugnação judicial.
Impugnada a decisão, o conservador profere, em 10 dias,, despacho a sustentar ou a reparar
a decisão (artigo 101.º-B, n.º1 CRCom). Sendo sustentada, o Presidente do Instituto dos
Registos e do Notariado, I.P, decide em 90 dias (artigo 102.º, n.º1 CRCom), podendo ser
ouvido o Conselho Técnico. Sendo o recurso hierárquico considerado improcedente, pode
ainda o interessado impugnar judicialmente a decisão (artigo 104.º, n.º1 CRCom): tem 20
dias (artigo 104.º, n.º2 CRCom). Da sentença cabe recurso, com efeito suspensivo, recurso
esse que pode ser interposto pelo autor, pelo réu, pelo Presidente do Instituto dos Registos
e do Notariado, I.O. e pelo Ministério Público (artigo 106.º, n.º1 CRCom). Do acórdão da
Relação não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, salvo quando seja sempre
admissível (artigo 106.º, n.º4 CRCom).
39.º - O registo comercial e as sociedades
Os princípios: o registo comercial está especialmente vocacionado para as sociedades. De
todo o modo, ele obedece a princípios gerais, que cumpre recordar. São eles:
O princípio da instância;
O princípio da obrigatoriedade;
O princípio da competência (só até 2007);
O princípio da legalidade;
O princípio do trato sucessivo (só até 2007).
Todos eles comportam desvios e exceções. Aqui damos, tão só, uma síntese. Os diversos
princípios enunciam-se nas proposições que seguem:
Princípio da instância: o registo comercial efetua-se a pedido dos interessados; apenas
haverá registos oficiosos nos casos previstos na lei (artigo 28.º CRCom);
Princípio da obrigatoriedade:
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o Direta: a inscrição de certos factos, referidos no artigo 15.º, n.º1 CRCom é
imperativa, sob pena de coimas;
o Indireta: os diversos factos sujeitos a registo só produzem efeitos, perante
terceiros, depois da inscrição (artigo 14.º, n.º1 CRCom) ou da publicação
(artigo 14.º, n.º2 CRCom);
Princípio da legalidade: segundo o artigo 41.º CRCom:
«A viabilidade do pedido do registo a efetuar por transcrição deve ser apreciada em
face das disposições legais aplicáveis, dos documentos apresentados e dos registos
anteriores, verificando especialmente a legitimidade dos interessados, a regularidade
formal dos títulos e a validade dos atos neles contidos».
Contraponto deste princípio é a recusa do registo, a qual deve operar nos casos
seriados no artigo 48.º, n.º1 CRCom.
Os efeitos do registo: o registo comercial assenta na atividade de um serviço público
expressamente destinado a publicitar, junto do público interessado, a ocorrência de atos
comerciais. Publicitados tais atos, todos sabem, de antemão, que deles decorrerão situações
jurídicas inevitáveis. Trata-se de um produto especialmente credível: há fé pública. Além
disso, o registo é – ou tende a ser – obrigatório: nem sequer queda, em particular, um juízo
de idoneidade ou de conveniência. Em suma: tudo isto explica que o registo comercial não
se fique por uma mera eficácia informativa. Ele antes assume consequências concretas, a
nível processual e a nível substantivo. O primeiro efeito é o presuntivo. Segundo o artigo
11.º CRCom:
«O registo por transcrição definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos
precisos termos em que é definida».
O segundo é o da prevalência do registo mais antigo: havendo, com referência às mesmas
quotas ou partes sociais, inscrições ou pedidos incompatíveis de inscrições, prevalece o
primeiro inscrito, nos termos do artigo 12.º CRCom. Como se vê, trata-se de um efeito que
releva, apenas, para as sociedades comerciais. O efeito constitutivo diz-nos, em síntese, o
seguinte: contrariando o vetor da imediata produção de efeitos por contrato (artigo 406.º,
n.º1 CC) as leis impõem, por vezes, a ocorrência de um registo, para que determinados atos
produzam todos os efeitos que se destinam a produzir. Tal ocorreria, designadamente, no
tocante às sociedades comerciais, em termos que, adiante, melhor examinaremos. Desde já
adiantamos, todavia, que não se trata de um verdadeiro efeito constitutivo mas,, antes, de um
fator condicionante de eficácia plena. Finalmente, temos um efeito indutor de eficácia, que
se manifesta em duas proposições:
A publicidade negativa: o ato sujeito a registo e não registado não produz os seus
efeitos ou todos os seus efeitos;
A publicidade positiva: o ato indevida ou incorretamente registado pode produzir
efeitos, tal como emerja da aparência registal.
Tudo isto invoca uma série de construções de alguma complexidade e que pertencem ao
Direito Comercial. O Direito das sociedades comerciais pressupõem-nas. Nalguns casos:
afeiçoa-as.
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Atos societários sujeitos a registo: à partida, o registo teria um efeito constitutivo
primordial, no seio do Direito das sociedades: segundo o artigo 5.º CSC:
«As sociedades gozam e personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do registo
definitivo do contrato pelo qual se constituem, sem prejuízo do disposto quanto à constituição
das sociedades por fusão, cisão ou transformação de outras».
Tal preceito deixa de fora todas as constituições que não operem por contrato e que, de todo
o modo, não poderão deixar de ser registadas. Além disso e como vimos, a pré-sociedade já
é uma sociedade, mau grado a falta do registo. Somos, assim, obrigados a rever a ideia de um
registo a priori constitutivo, no domínio das sociedades4. Toda a matéria tem de ser estudada
e reconstruída. Segundo o Código de Registo Comercial, estão sujeitos a registo, logo pelo
artigo 3.º CRCom, vinte e um grupos de atos relativos a sociedades comerciais e civis sob
forma comercial, que poderemos ordenar da forma seguinte:
O contrato de sociedade e, em geral, as suas modificações;
As transformação, cisão, fusão, dissolução e liquidação das sociedades;
As transmissões de partes sociais ou de quotas e as operações a elas relativas;
A deliberação de amortização, conversão ou remissão de ações e a emissão de
obrigações;
A designação e a cessação de funções dos administradores, dos fiscalizadores e do
secretário, salvo determinadas exceções;
Determinadas relações de grupo entre sociedades;
A prestação de contas.
Deve assinalar-se que estão sujeitos a registo comercial a generalidade dos atos relevantes e
relativos a cooperativas (artigo 4.º CRCom), a empresas públicas (artigo 5.º CRCom), a
agrupamentos complementares de empresas (artigo 6.º CRCom), a agrupamentos europeus
de interesse económico (artigo 7.º CRCom) e a estabelecimentos individuais de
responsabilidade limitada (artigo 8.º CRCom). Estão ainda sujeitas a registo as ações que
tenham como fim, principal ou acessório, declarar, fazer conhecer, constituir, modificar ou
extinguir qualquer dos direitos referidos nos artigos 3.º a 8.º CRCom (artigo 9.º, alínea b)
CRCom) e, ainda (artigo 9.º CRCom):
As ações de declaração de nulidade ou de anulação dos contratos de sociedade (alínea
c));
As ações de declaração de nulidade ou anulação de deliberações sociais, bem como
dos procedimentos cautelares de suspensão destas (alínea e));
As decisões finais obtidas nesses processos (alínea h));
Diversas ações do domínio da insolvência (alíneas i) a n)).
Acrescenta o artigo 10.º CRCom, entre outros sujeitos a registo:
4 Consultem o Código Anotado.
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A criação, a alteração e o encerramento de representações permanentes de sociedades
ou entidades equivalentes (alínea c));
A prestação de contas de sociedades com sede no estrangeiro e representação
permanente em Portugal (alínea d)).
Deve frisar-se que todo este esquema é reforçado pelo artigo 15.º, n.º1 CRCom: este preceito
considera obrigatório o registo da generalidade dos atos societários a ele sujeitos. Além disso,
o n.º5 desse mesmo artigo determina:
«As ações de declaração de nulidade ou de anulação dos contratos de sociedade (…) bem como
de deliberações sociais, não terão seguimento após os articulados enquanto não for feita a prova
de ter sido pedido o seu registo; nos procedimentos cautelares de suspensão de deliberações sociais,
a decisão não será proferida enquanto aquela prova não for feita».
Trata-se de um preceito com grande relevo prático. Quanto ao Código das Sociedades
Comerciais, cumpre relevar:
Artigo 5.º CSC: as sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como tais a
partir da data de registo definitivo do contrato;
Artigo 112.º CSC: os efeitos da fusão dão-se com a sua inscrição no registo comercial;
Artigo 120.º CSC: idem, quanto à cisão;
Artigo 160.º, n.º2 CSC: idem, quanto à extinção.
Não conseguimos, todavia, montar um sistema coerente de registo, para mais constitutivo:
desde logo porque os atos acima mencionados acabam por produzir diversos (e importantes)
efeitos, mesmo antes do registo, com especial relevo para o contrato de sociedade; de seguida,
porque atos manifestamente equivalentes aos transcritos – como a modificação ou a
transformação das sociedades – não dependem, formalmente, do registo (artigo 88.º a 140.º-
A, n.º1 CSC).
O efeito condicionante de eficácia plena: não se torna difícil imputar às diversas
inscrições de atos societários uma eficácia constitutiva e isso mesmo quando,
vocabularmente, a lei aponte – ou pareça apontar – para essa dimensão. Assim:
Quanto ao registo do contrato de sociedade (artigo 5.º CSC): o contrato, uma vez
celebrado, produz a generalidade dos seus efeitos, seja inter partes, seja perante
terceiros: artigos 37.º, 38.º, 39.º e 40.º CSC; no fundo, a grande consequência da falta
do registo tem a ver com a não limitação da responsabilidade dos sócios;
Quanto ao registo da fusão (artigo 112.º CSC): a extinção das sociedades
incorporadas na data do registo, pela evidente necessidade de fixar uma fronteira a
quo e ad quem; todavia, antes do registo, temos toda uma série de efeitos, que se
desencadeiam com a elaboração do projeto de fusão (artigo 98.º CSC) e eu se
desenvolvem numa série de procedimentos subsequentes (artigo 99.º e seguintes
CSC); tudo isto é aplicável à cisão (artigo 120.º CSC);
Também o registo da extinção (artigo 160.º, n.º2 CSC) visa fixar uma data segura
para a ocorrência ou para o seu encerramento, o processo a ela conducente.
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Devemos ter presente, em todo o estudo do Direito das Sociedades, que estamos no coração
do Direito privado. Não é possível estabelecer vetores que contraditem o sentir geral do
ordenamento. O caso do registo das sociedades é, disso, um bom exemplo de escola. Vamos
admitir que, por influência doutrinária alemã (constituição) ou germano-comunitária (fusão
e cisão), o legislador tenha pontualmente pensado em fixar um registo constitutivo.
Contraria-se o princípio basilar da eficácia imediata dos contratos, no próprio domínio real
(artigo 408.º, n.º1 CC). Resultado: escapariam à lógica constitutiva toda a área das pré-
soceidades (que são, como vimos, elas próprias, sociedades) e outras importantes vicissitudes,
não dependentes do registo:
A alteração do contrato, com exemplo no artigo 88.º CSC;
A transformação da sociedade, como se infere do artigo 140.º-A CSC.
O grande papel substantivo do registo comercial deriva do competente Código e cifra-se no
efeito indutor da eficácia: seja não reconhecendo todos os efeitos a atos sujeitos a registo e
não registados (inoponibilidade a terceiros de boa fé), seja atribuindo efeitos a atos não
efetivos, mas indevidamente registados (inoponibilidade da nulidade do registo a terceiros de
boa fé). No caso de registos constitutivos previstos no Código das Sociedades Comerciais, a
conclusão impõe-se: não são verdadeiras hipóteses de registo constitutivo. Caso a caso será
necessário verificar quais os efeitos a eles associados. Como fundo genérico, podemos
adiantar que os atos sujeitos a esse registo produzem efeitos antes e independentemente dele.
Mas não todos os efeitos que, segundo o Direito vigente e a natureza das coisas, eles deveriam
produzir. O registo surge, assim, como uma condicionante da sua eficácia plena, ligando-se,
enquanto especificidade, ao efeito indutor de eficácia que resulta da publicidade registas:
negativa e positiva. Este efeito condicionante de eficácia plena tem, todavia, uma
particularidade que justifica a sua manutenção como efeito autónomo. Ao contrário do que
sucede com a comum publicidade indutora de eficácia, não temos, aqui, uma mera
inoponibilidade a terceiros de boa fé; antes ocorrem diversos efeitos especificamente
contemplados pelas normas em presença e que devem ser apurados caso a caso. A
possibilidade de fazer, nessa base, uma teorização do fenómeno dependerá dos regimes
aplicáveis.
40.º - O registo definitivo do contrato de sociedade
O regime tradicional e a preparação do Código das Sociedades
Comerciais: o Código Veiga Beirão estabelecia que as sociedades comerciais
representavam, para com terceiros, uma individualidade jurídica diferente da dos associados.
Neste preceito, a generalidade da doutrina da época via a atribuição, às sociedades comerciais,
da personalidade coletiva. E as sociedades dependiam, simplesmente, de ter sido celebrado
o competente contrato, na forma da lei. A simples escritura seria, assim, atributiva da
personalidade. É certo que a previsão das sociedades irregulares era suficientemente ampla
para poder vitimar as sociedades que não tiverem sido matriculadas e registadas. De todo o
modo, não havia qualquer base legal para sustentar que, antes do registo, faltava a
personalidade, a qual seria expressamente adquirida através deste. Na preparação do hoje
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Código das Sociedades Comerciais, o tema foi ponderado. A solução consistente em fazer
depender a personalização da sociedade do registo definitivo foi propugnada por Ferrer
Correia e António Caeiro. Teria, no entendimento destes autores, duas vantagens:
Permitiria a terceiros o conhecimento fácil e seguro do momento em que nasce a
pessoa coletiva;
Facultaria o funcionamento de um processo prévio de controlo da sociedade.
A eficácia do registo: o artigo 5.º CSC associa-lhe a personalidade jurídica e a existência
como sociedades. Este preceito perde importância, uma vez que a sociedade devidamente
constituída por contrato assinado e ainda não registada opera como um centro próprio de
imputação de regras, dispondo de capacidade jurídica. Com o registo surgirá uma entidade
diferente? Como vimos, o tema foi debatido na Alemanha, acabando por prevalecer a teoria
da identidade. Também entre nós assim deverá ser e por maioria de razão, dado o manancial
disponível de regras quanto às pré-sociedades. Um problema poderá advir do artigo 19.º CSC:
segundo o seu n.º1, com o registo definitivo do contrato, a sociedade assume de pleno direito:
a) Os direitos e obrigações decorrentes dos negócios jurídicos referidos no artigo 16.º,
n.º1 CSC;
b) Os direitos e obrigações resultantes da exploração normal de um estabelecimento
que constitua objeto de uma entrada em espécie ou que tenha sido adquirido por
conta da sociedade, no cumprimento de estipulação do contrato social;
c) Os direitos e obrigações emergentes de negócios jurídicos concluídos antes do ato de
constituição que neste sejam especificados e expressamente ratificados;
d) Os direitos e obrigações decorrentes de negócios jurídicos celebrados pelos gerentes
ou administradores ao abrigo de autorização dada por todos os sócios no ato de
constituição.
A assunção prevista destes negócios é retroativa e liberatória em relação às pessoas
responsáveis, segundo o artigo 40.º CSC (artigo 19.º, n.º3 CSC). Já no tocante a direitos e
obrigações decorrentes de outros negócios celebrados, antes do registo, em nome da
sociedade, a sua assunção depende de decisão da administração, a comunicar à contraparte
nos 90 dias subsequentes ao registo (artigo 19.º, n.º2 CSC). Exigir-se-á . naturalmente e nos
termos gerais – o acordo, prévio ou subsequente da contraparte. O artigo 19.º, n.º4 CSC
contém uma delimitação negativa: a sociedade não pode assumir obrigações derivadas de
negócios jurídicos não mencionados no contrato social que versem sobre vantagens especiais,
despesas de constituição, entradas em espécie ou aquisições de bens. Quanto a despesas de
constituição, a reserva legal é incompreensível: a sociedade bem poderá não as querer (ou
poder) assumir; ela sempre seria condenada a arcar com elas, o mais não fosse por via do
enriquecimento sem causa: impõe-se a redução teleológica. No tocante às outras: trata-se de
regras materialmente estatutárias, que não podem valer fora da adequada formulação dos
estatutos ou, no limite: da sua revisão. O registo definitivo permite ainda a montagem eficaz
dos sistemas de responsabilidade limitada, facultando, em geral, os esquemas de imputação
próprios de cada um dos tipos societários. Trata-se de vetores que podem retirar, sem
dificuldade, dos artigos 38.º, 39.º e 40.º CSC.
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A natureza do registo: o regime apurado permite clarificar a eficácia do registo do
contrato de sociedade – ou, mais latamente, do facto constitutivo:
Fixa uma data clara da qual a sociedade considerada produz a plenitude dos seus
efeitos;
Determina a assunção liberatória, pela sociedade, de determinados negócios que
haviam ficado sujeitos à conditio iuris da sua formação;
Faculta a assunção liberatória, pela sociedade, de certos negócios, mediante
deliberação da administração;
Implica a definitiva aplicabilidade das regras próprias do tipo societário implicado,
designadamente das que asseguram a imputabilidade, exclusiva ou preferencial, de
factos e de efeitos à sociedade e dos esquemas próprios da limitação da
responsabilidade dos sócios.
Também não oferecerá dúvidas o facto de tal registo implicar o cumprimento da obrigação
legal de o requerer (artigo 15.º, n.º1 CRCom). Além disso, ele permitirá uma oponibilidade
da sociedade a terceiros (mesmo de boa fé) – artigo 14.º, n.º1 CRCom, doutrinariamente
complementado. No tocante a relações internas, há que aplicar os artigos 36.º e seguintes
CSC como predispõe o artigo 13.º, n.º2 CRCom. As conclusões quanto à natureza do registo
têm, agora, o campo aberto. Assim:
O registo não é constitutivo da personalidade coletiva nem, muito menos, da
sociedade: esta já existia anteriormente; a eficácia é, neste ponto, declarativa;
O registo condiciona a adoção de determinados negócios, pela sociedade;
O registo faculta a plena eficácia das normas próprias doo tipo societário considerado.
Trata-se de um regime condicionante da eficácia plena. O próprio efeito assuntivo de
determinadas posições jurídicas lhe pode ser reconduzido. O preâmbulo do Decreto-Lei n.º
262/86, 2 setembro, que aprovou o Código das Sociedades Comerciais, sucumbiu à tentação
doutrinária; segundo o seu n.º7: «Para a aquisição da personalidade jurídica das sociedades passa a ser
decisivo o registo comercial». Trata-se do pensamento de Raúl Ventura, fortemente
impressionado pelo facto de o artigo 6.º CSC se inspirar diretamente no AktG alemão. Esta
linha não tem hoje o apoio da própria doutrina alemã, mau grado dados gerais bem mais
favoráveis do que os nossos; bastará recordar a vitória da Identitätstheorie entre a pré-sociedade
e a sociedade propriamente dita: é evidente, perante ela, que o efeito constitutivo do registo
da segunda terá de ser limitado.
41.º - Publicações e outras formalidades
Publicações obrigatórias: no tocante a sociedades comerciais e à generalidade dos atos
que se lhe reportem, a lei não se contenta com a publicidade emergente do registo comercial.
Prevê, ainda, publicações obrigatórias, a efetuar em sítio da internet de acesso público (artigo
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167.º, n.º1 CSC). Tais publicações vêm reportadas, por remissão, no artigo 70.º, n.º1 CRCom,
acabando por abranger a generalidade das situações relativas a sociedades de capitais. A
publicação é oficiosa: segundo o artigo 71.º, n.º1 CRCom, deve o conservador promover as
publicações imediatamente e a expensas do interessado. As modalidades de publicações e o
seu teor resultam do artigo 72.º CRCom. A matéria vem retomada no Código das Sociedades
Comerciais que lhe consagrou todo um Capítulo de Parte Geral: o XIV, precisamente
intitulado publicidade dos atos sociais. Aí, o artigo 166.º CSC anuncia o princípio geral, enquanto
o artigo 167.º CSC se reporta a publicações obrigatórias, retomando o Código do Registo
Comercial. Verifica-se que as publicações assumem um papel autónomo. Segundo o artigo
168.º, n.º2 CSC:
«A sociedade não pode opor a terceiros atos cuja publicação seja obrigatória sem que este seja
efetuada, salvo se a sociedade provar que o ato está registado e que o terceiro tem conhecimento
dele».
O artigo 14.º, n.º2 CRCom, depõe na mesma direção. Por seu turno, o artigo 168.º, n.º3 CSC
vai mais longe:
«Relativamente a operações efetuadas antes de terem decorrido dezasseis dias sobre a publicação,
os atos são oponíveis pela sociedade a terceiros que provem ter estado, durante esse período,
impossibilitados de tomar conhecimento da publicação».
Estes preceitos devem ser habilmente interpretados, de modo a cederem perante a lei. As
regras apontadas podem ser facilitadas através da notificação direta dos atos, feita pela
sociedade aos terceiros potencialmente interessados ou perante os quais tenha interesse em
fazer valer os atos sujeitos a registo. Nessa altura, os terceiros notificados não poderão
invocar a falta de publicações (artigo 168.º, n.º2 CSC) e, a fortiori, o não terem podido tomar
conhecimento (artigo 168.º, n.º3 CSC). A própria falta do registo poderá ser suprida, desde
que, pela notificação fique provado o conhecimento do terceiro e, daí, a sua má fé. Basta,
para tanto, uma interpretação conjunta e capaz dos artigos 14.º, n.º1 e 22.º, n.º4 CRCom.
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Quanto ao contrato de sociedade e sua constituição: o processo poderá ser representado
temporalmente da seguinte forma:
3 fases:
1. Momento da criação do contrato de sociedade: os sócios dizem de que
maneira (os estatutos) irá a sociedade ser constituída concomitante com a
aquisição do certificado de admissão de firma;
2. O registo do contrato;
3. As publicações obrigatórias (artigo 167.º CSC).
Acordo dirigido à constituição da sociedade – artigo 405.º CC
Certificado de admissibilidade de firma (no RNPC) – artigo 36.º, n.º2 CSC
A sociedade está constituída e segue como clara pessoa autónoma – artigo 5.º CSC
Devendo realizar publicações obrigatórias – artigo 167.º CSC
Registo do contrato de
sociedade
(15 dias)
artigos 7.º CSC
e 3.º, n.º1, alínea a)
CRCom
Como
escritura pública
o contrato é um
documento particular,
com a formalidade do
reconhecimento particular das
assinaturas: identificação das partes e do
que estas proferiram e concordaram.
Com o cumprimento destas formalidades, o Código
atribui a consequência da personificação da sociedade:
mas a Personalidade Jurídica (conceito qualitativa) não é o que se
encontra no artigo 5.º CSC, donde se trabalha, antes – sim –, com a
capacidade
β
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Artigo 7.º CSC: O contrato de sociedade tem as duas liberdades já estudadas: de celebração
e de estipulação. (tendo como limite o princípio da tipicidade – respeitando um dos 4 tipos
previstos na lei).
No contrato, o número de partes deve sempre ser 2 à exceção dos artigos 260.º-F CSC e
seguintes e nas sociedades anónimas, cujo limite mínimo é d e5 acionistas.
Uma sociedade pode também deter outra (artigo 11.º, n.º4 e 5 CSC). mas cria-nos dois
problemas práticos:
os cônjuges podem constituir uma sociedade comercial? (artigo 1714.º CC e 8.º CSC)
o Se for de responsabilidade limitada, podem ambos entrar;
o Se for de responsabilidade ilimitada, apenas um deles como tal poderá entrar
na sociedade.
quanto ao 1714.º, n.º2 e 3 CSC compatibilizado com o artigo 8.º CSC
o Com a entrada em vigor do CSC, este artigo 8.º CSC vem revogar esses
números do artigo em questão
Um menor/incapaz/interdito pode ser parte num contrato de sociedade?
o artigo 1889.º, n.º1, alínea d) CC: podem, desde que representados pelos
representantes legais. (MC: esta incapacidade dos menores,... é aparente pois
pode sempre ser suprida).
Ainda quanto a este artigo 7.º CSC, é suficiente um contrato reduzido a escrito com o
reconhecimento presencial das assinaturas. Só a partir daqui é a sociedade um sujeito de
Direito. Mas esta forma não chega se existir um bem pelo que os sócios entram para a
sociedade que requeira, para a sua transmissão, forma mais solene (Devendo-se, aí, respeitar
essa forma).
No artigo 9.º CSC estão os elementos obrigatórios do contrato, constatáveis com grande
clareza.
Firma: nome da sociedade (artigo 10.º CSC e 200º. e 275.º CSC).
Objeto: artigo 11.º CSC – não limita a capacidade:
Capital social – artigo 14.º CSC.
o Capital social subscrito: valor com que o sócio se obriga como entrada
o Capital social realizado: valor que o sócio cumpre da entrada, do valor
subscrito.
Duração da sociedade: regra geral é por tempo indeterminado (artigo 15.º CSC).
Mas também pode ser por tempo indeterminado.
Mas, temos uma exceção à tramitação normal do registo de sociedades – Mecanismo da
empresa na hora. Decreto-Lei n.º111/2005. Concede a possibilidade de uma empresa ou
sociedade comercial se fazer valer por um regime especial face ao seu registo, que é mais
célere: 24horas. Só se aplica a sociedades por quotas e anónimas e em relação a uma bolsa
de firmas.
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Quanto a problemas na constituição da sociedade:
Sociedades irregulares por incompletude – relações anteriores à celebração do
contrato de sociedade, em que só temos uma sociedade aparente. Artigo 36º CSC.
Pode não existir por parte dos sócios interesse em constituir efetivamente a sociedade
(relevante em termos de responderem ou não).
Sociedades irregulares por incompletude – pré sociedade (já houve celebração
do contrato mas ainda não foi registado); artigo 7.º CSC. Aqui, convém distinguir
relações internas e relações externas. As primeiras estão representadas no artigo 37º
e as segundas (perante terceiros), exigem a distinção do tipo de sociedade em causa.
Artigos 38.º a 40.º CSC (remissão para o 10.º, n.º9 CSC).
Sociedades irregulares por invalidade – antes do registo: Artigo 41.º CSC, temos
de ir para as regras gerais de invalidade dos negócios jurídicos, patentes no CC,
artigos 285.º e seguintes CSC e não o artigo 289.º CSC.
Sociedades irregulares por invalidade – depois do registo: artigo 42.º, n.º1 CSC,
que é taxativo. É nulo o contrato de sociedade, mesmo depois do registo, quando
previstos um dos factos enumerados neste mesmo artigo. Contudo, algumas são
sanáveis (favor societatis): 42.º, n.º2 CSC. Só estas (taxativamente previstas) é que
podem ser sanáveis, as restantes são insuscetíveis de sanação. Passa-se, em seguida,
para o artigo 44º. Se a ação de nulidade for procedente, passamos para o artigo 52º
(referente à liquidação), onde seguiremos depois para o 165º CSC. Ou seja, se a ação
de nulidade for procedente, a sociedade entra em liquidação.
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Teremos, assim, que distinguir:
Sociedade aparente
artigo 36.º, n.º1 CSC
Pré-sociedade
artigo 36.º, n.º2 CSC
Não havendo acordo Havendo acordo
Respondem os sócios solidariamente
1.º responde a sociedade (α)
2.º respondem os sócios solidariamente
(β)
(artigos 997.º, n.º1 e 999.º CC)
Os bens ainda se encontram na esfera
jurídica dos sócios Já existia afetação patrimonial à sociedade
sócios
credores
O artigo 999.º CC isola o património
social para que esse património responda
por si e o proteja dos credores dos sócios
(autonomia patrimonial não plena)
sócios
credores
A prova do artigo 32.º, n.º2 CSC é
praticamente impossível.
O escopo da norma é proteger terceiros que
se encontram perante uma prova diabólica
e, como tal, há que adaptar o ónus da prova.
β
α
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Capítulo III – A Situação Jurídica dos Sócios5
Secção I – Conteúdo geral
43.º - A qualidade de sócio como um estado
Aspetos gerais; titularidade e participação: o Direito – todo o Direito – existe
apenas para o ser humano e em função dele. Nestes termos, compreende-se que o primeiro
objetivo de uma sociedade seja o de servir os interesses das pessoas que, nela, se tenham
organizado ou que a ela tenham aderido, o que é dizer: os interesses dos diversos sócios. Para
além disso, as sociedades podem exprimir a ordenação jurídica de empresas: circunstância
que pode levar o Estado a intervir, protegendo, orientando ou dificultando a vida do ente
coletivo em jogo. As sociedades são pessoas coletivas o que e dizer: traduzem um modo
coletivo e ordenação da comunidade. Nelas, o Direito abdica de dirigir diretamente os seus
comandos a seres humanos. Antes opta por imputar deveres e direitos a organizações
humanas de tal modo que, através da interação de numerosas outras normas que dão corpo
às pessoas coletivas, se venham a consubstanciar, na comunidade, as valorações pretendidas
pelo ordenamento. À partida, os sócios corresponderiam às pessoas que celebram o contrato
de sociedade, dando lugar à organização dele derivada e ingressando, nela, com a posição
que tenha sido acordada. A lógica das organizações privadas leva, todavia, a que estas se
soltem, na sua vida e nas suas vicissitudes, das amarras contratuais que lhes deram origem.
Assim, a qualidade de sócio passa a ser expressa pela titularidade de inerente posição. Essa
titularidade pode ser original – quando o próprio sócio considerado tenha participado na
celebração do contrato constitutivo – ou pode ser adquirida: na hipótese de o interessado ter
vindo, por alguma das vias em Direito conhecidas, a subingressar na posição considerada.
Ainda como vicissitude: podem ocorrer modificações ou transformações no ente coletivo
considerado, de tal modo que a situação do sócio já não corresponde à inicial. Estas
considerações documentam e explicam a evolução progressiva da situação dos sócios, no
sentido da abstração. Primeiro: uma qualidade assumida; depois: a titularidade de uma
posição; por fim: a própria posição ou participação social. Conforme o tipo de sociedade
considerado, assim nos situaríamos dentro da escala indicada: nas sociedades de pessoas
teríamos a qualidade de sócios; nas mistas, a titularidade de uma posição; nas de capitais, a
própria posição, independentemente do seu titular. Quando se pretenda constituir uma parte
geral, todo este filme deve estar presente. Pergunta-se pelo interesse prático de semelhante
construção. Afinal, não se poderia contrapor que o regime relativo às posições dos sócios
varia de tipo, de tal modo que apenas na parte especial da disciplina Direito da sociedades
ele poderia ser levado a cabo? Nalguns domínios, assim é: não vale a pena, perante o atual
estado dos nossos conhecimentos e dada a realidade jurídico-positiva portuguesa, elaborar,
5 Cordeiro, António Menezes; Direito das Sociedades, Parte Geral, Volume I; Almedina editores; 3.ª edição; Coimbra, Maio 2011.
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num esforço de grande abstração, toda uma teoria geral das posições societárias: ela teria de
ser decomposta e reformulada, na passagem para os tipos singulares. Noutros, porém, o
esforço justifica-se: não só o próprio Código das Sociedades Comerciais contém uma parte
geral, que cumpre conhecer, como, também, se afigura útil generalização. Permite melhor
conhecer e, depois, densificar as regras próprias de cada tipo societário.
Enumeração legal de direitos e deveres: no Código das Sociedades Comerciais, a
matéria relativa aos direitos e deveres dos sócios, conquanto fundamental não foi
sistematizada. Com efeito, encontramos, na parte geral:
No Capítulo III, o artigo 9.º, n.º1, alínea f), que refere o capital social e a alínea g)
que menciona a quota de capital e a natureza da entrada de cada sócio, bem como os
pagamentos efetuados por conta de cada quota;
Nos mesmos Capítulo e secção, o artigo 16.º, relativo a vantagens, indemnizações e
retribuições, quando concedidos a sócios em conexão com a constituição da
sociedade;
Idem, o artigo 17.º, dirigido aos acordos parassociais, fontes de diversos direitos.
De seguida, ainda no capítulo III, encontramos uma secção II precisamente epigrafada
obrigações e direitos dos sócios em geral. Contém, numa primeira subsecção sobre
obrigações e direitos dos sócios em geral:
Artigo 20.º: enumera a obrigação de entrada e o dever de quinhoar nas perdas;
Artigo 21.º: enumera o de quinhoar nos lucros, o de participar nas deliberações
sociais, o de obter informações e o de ser designado para os órgãos sociais;
Artigo 22.º: desenvolve esses aspetos, proíbe os pactos leoninos e a remissão para
critério de terceiros;
Artigo 23.º: refere a matéria epigrafada, formulando regras;
Artigo 24.º: fixa normas sobre o assunto: umas gerais e outras relativas a certos tipos
sociais.
Seguem-se duas subsecções : uma (a II) relativa a obrigações de entrada (artigo 25.º a 30.º) e
outra (a III) referente à conservação do capital (artigos 31.º a 35.º). Finalmente, temos um
Capítulo IV sobre deliberações dos sócios (artigos 53.º a 63.º). O simples enunciado do
alinhamento legal relativo às posições dos sócios constitui crítica conclusiva ao trabalho de
1986: numa codificação moderna, podia-se e devia-se ter assumido um mínimo de
composição sistemática. Além dos saltos e da heterogeneidade do articulado, há patentes
omissões de deveres que, depois, são pura e simplesmente repetidos a propósito de todos os
tipos societários. A enumeração legal terá de ser complementada, por via doutrinária.
Fontes; a lógica da apropriação privada: as posições jurídicas dos sócios assumem
uma configuração nuclear, presente nas diversas posições societárias. Além disso, elas podem
conter elementos periféricos, de presença mais ou menos constante. Por fim, são
compagináveis fatores eventuais, ocasionalmente presentes. Perante esta diversidade, cumpre
perguntar pelas fontes, isto é: pelos factos suscetíveis de influenciar a concreta composição
dos direitos dos sócios. De imediato, ocorrem os múltiplos fatores suscetíveis de interferir
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no regime das sociedades, com relevo para o sistema de fontes. Tal sistema não dispõe,
todavia e neste domínio, da latitude que lhe é conferida nas áreas puramente regulativas. As
posições jurídicas dos sócios incorporam direitos e deveres de pessoas. Trata-se – ainda que
não exclusivamente – de direitos patrimoniais privados. Tais direitos, uma vez constituídos,
não podem ser arbitrariamente suprimidos: nem mesmo por lei, sob pena de violação do
artigo 62.º, n.º1 CRP (propriedade privada). No sistema das fontes reportado às posições dos
sócios, temos de fazer intervir as valorações próprias da apropriação privada e dos direitos
das pessoas. Resulta, daqui, uma especial tensão, uma vez que os preceitos estatutários,
formalmente contratuais, podem ser suprimidos ou delimitados por deliberações maioritárias.
Proibir essa possibilidade rigidifica o ser coletivo. Admiti-la pode frustrar expectativas e, no
limite, prejudicar os investimentos e as associações de esforços: prevenindo a hipótese de vir
a ser despojado dos seus bens e direitos, o interessado pode abdicar de sociedades, preferindo
movimentar-se a solo. A solução de equilíbrio reside no regime das chamados direitos
especiais.
Os direitos especiais: a matéria dos direitos especiais consta do artigo 24.º CSC. Infere-
se desse preceito que os direitos especiais são direitos de qualquer sócio, inseridos no
contrato de sociedade e que – salvo disposição legal ou estipulação contratual expressa em
contrário – não podem ser suprimidos ou coartados sem o consentimento do respetivo titular
(n.º1 e 5). Os direitos especiais têm merecido, na nossa literatura comercial, uma atenção
bastante vincada. Tal deve-se à capacidade que esses direitos têm no domínio da
pessoalização dos estatutos e dos tipos societários presentes, afeiçoando-os, de modo
tendencialmente perpétuo, à vontade dos seus titulares. Podemos até adiantar que a
possibilidade de consignar direitos especiais surge como um dos fatores mais delimitativos
da regra da tipicidade. O Código das Sociedades Comercias refere, no citado artigo 24.º, a
categoria dos direitos especiais dos sócios em termos gerais. Não concretiza que precisos
tipos de direitos poderiam estar em causa. Com base na jurisprudência portuguesa, podemos
apontar os seguintes exemplos:
O direito de vincular uma sociedade por quotas, em juízo ou fora dele, apenas com
a assinatura do beneficiário;
O direito de exercer atividade concorrente com a da sociedade;
O direito de dividir ou de alienar a sua quota sem as autorizações exigidas aos demais;
O direito de alienar quotas sem possibilidade de exercício da preferência pelos demais;
O direito à gerência, altura em que a destituição só poderia operar com base em justa
causa e por via judicial.
Outras hipóteses poderiam consistir em direitos de veto, em todos ou alguns assuntos ou o
direito de perceber quinhões mais favoráveis de lucros. Os direitos especiais são intuitu
personae: estabelecidos em função de um concreto titular, eles não são transmissíveis a
terceiros, em conjunto com a respetiva quota. Não vemos, porém, razão para que uma
cláusula expressa não possa facultar essa possibilidade: artigo 24.º, n.º3 CSC. Quando os
estatutos atribuam certa posição a uma pessoa, será questão de interpretação o saber se se
trata de um verdadeiro direito especial, sujeito ao regime do artigo 24.º CSC ou se antes se
verifica uma mera designação em pacto social. Na verdade, não basta a atribuição de um
direito: é necessário uma atribuição especial. Recomenda-se, pois, que sendo esse o caso, se
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diga expressamente que o direito é especial ou – melhor – que o mesmo só pode ser
suprimido com o consentimento do seu titular. O artigo 24.º, n.º2, 3 e 4 CSC fixa, depois,
regras para as sociedades em nome coletivo, por quotas e anónimas. Nos termos seguintes:
Sociedades em nome coletivo: os direitos especiais são intransmissíveis, salvo
cláusula em contrário;
Sociedades por quotas: os direitos especiais patrimoniais são transmissíveis e
intransmissíveis os restantes, salvo cláusula em contrário;
Sociedades anónimas: os direitos especiais são atribuídos a categorias de ações,
transmitindo-se com estas.
Aflora a natureza essencialmente transmissível das ações. Na mesma lógica, o artigo 24.º,
n.º6 CSC, reportando-se ao consentimento a dar pelo próprio, para a supressão ou a limitação
dos seus direitos especiais, estabelece que, nas sociedades anónimas, ele seja dado por
deliberação tomada em assembleia especial dos acionistas titulares de ações da respetiva
categoria. Finalmente, já se discutiu, entre nós, se os direitos especiais podem assistir a todos
os sócios – com exceção das sociedades anónimas onde, por imposição legal, há que lidar
com categorias de ações. O problema põe-se (pensamos) mercê de um condicionalismo
linguístico: o de se ligar especial ao sócio, inferindo, daí, que a especialidade se perde se todos
os sócios detiverem igual prerrogativa. Mas não: os direitos especiais são-no não por
pertencerem apenas a alguém, mas por pressuporem, em si, um regime especial, isto é:
diferente do comum. Ora, assim sendo, não há problemas em que todos os sócios sejam
titulares de direitos de que só possam ser despojados com o seu próprio assentimento e
seguindo-se os outros traços do regime legal. A jurisprudência vai nessa linha: bem. Estamos
no Direito privado: tudo o que perita alijar interpretações deprimidas, que restrinjam, sem
fundamento sério, a liberdade das partes, deve ser acolhido e incentivado.
O recurso à técnica do estado: o excurso anterior logo permite concluir que a posição
jurídica do sócio é complexa. Ela contém, desde logo, direitos e deveres. A enumeração legal,
que peca certamente por defeito, mostra aspetos patrimoniais – o dever de entrada e o de
quinhoar nas perdas e o direito aos lucros – e aspetos participativos vários. Temos, ainda, o
já examinado caso dos direitos especiais, enquistados em detrimento da própria regulação
societária típica. Todos estes aspetos podem ser indefinidamente enriquecidos com recurso
aos regimes próprios dos vários tipos societários, a considerar na parte especial. Devemos,
ainda, atentar num fenómeno flagrante: os diversos direitos dos sócios são suscetíveis de se
concretizar – ou não – consoante os eventos subsequentes que rodeiem a vida da sociedade.
Por exemplo: o direito a lucros depende de haver, efetivamente, lucros e de se ter optado
pela sua distribuição; o dever de informar pressupõe que haja algum elemento com interesse
e assim por diante. No essencial, o sócio tem o dever de entrada inicial e, depois, o direito
de sócio. Tudo o resto é mero potencial, dependendo de fatores de natureza variada.
Podemos entroncar aqui uma referência à natureza jurídica da participação social.
Tradicionalmente, ela era referida como uma relação duradoura, de participação, entre a
corporação e o seu membro. O fenómeno da sua transmissibilidade e da complexidade do
seu conteúdo levou a doutrina atenta a falar na qualidade de um sujeito de tipo elástico. Esta
ideia teve se, por razões práticas, confluir com a conceção anterior da participação como
direito subjetivo, mais particularmente: como um direito diverso, para efeitos do §823 BGB,
de modo a permitir uma tutela aquiliana. O Direito português dispensa, porém, tais
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qualificações, para poder dispensar uma tutela lata. Além disso, não vemos como verificar a
participação em torno de uma ideia de direito subjetivo quando, à partida, se reconhece que
ela envolve diversos deveres. Quedamo-nos, por isso, pela ideia de estado, propugnada no
texto. No mesmo sentido veio depor Pedro Pais de Vasconcelos, bem como Costa
Gonçalves. Podemos usar, com vantagem, a técnica do estado, elaborada no antigo Dieito
Civil para exprimir, em termos sintéticos, as muitas variáveis capazes de interferir nas
posições dos sócios. Recordamos que o estado das pessoas pode ser entendido numa de três
aceções:
O estado-qualidade, correspondente a uma determinada posição da pessoa;
O estado como complexo de situações jurídicas correspondentes a essa qualidade ou
por ela potenciadas ou condicionadas;
O estado enquanto complexo de normas jurídicas reguladoras dessa massa de
situações.
As referidas aceções estão interligadas. Parte-se do estado-qualidade, decorrendo, dele, as
outras duas aceções. Pois bem: ao admitir o estado de sócio, podemos exprimir, de modo
sintético, todo um mutável mas consistente conjunto de posições jurídicas que, por lei, pelo
contrato de sociedade, por outros acordos (designadamente: os parassociais) e por
deliberações societárias lhe possam advir.
44.º - Classificações dos direitos e dos deveres dos sócios
Direitos abstratos e direitos concretos: o conteúdo complexo do estado de sócio
pode ser parcialmente clarificado com recurso a algumas classificações relativas aos
elementos que compõem o seu conteúdo. Os critérios são diversos, sendo possível avançar,
apenas, em base exemplificativa. De acordo com um critério de concretização ou de
consubstanciação, contrapomos os direitos abstratos aos direitos concretos. O direito
abstrato é uma posição favorável, protegida pelo Direito e que, verificando-se determinadas
ocorrências, permitirá ao sócio ver surgir um direito concreto correspondente. O direito
concreto, por seu turno, será o produto da concretização de uma prévia posição favorável,
que assistia ao sócio. Como exemplo: o direito aos lucros, referido no artigo 21.º, n.º1, alínea
a) CSC é um direito abstrato: permitirá ao sócio, após todo um percurso, encabeçar uma
pretensão efetiva a um concreto lucro que, porventura, lhe caiba. Esta contraposição é
importante para o entendimento de muitas das disposições legais que se reportam a direitos
dos sócios e, ainda, ao próprio discurso jurídico societário que, em permanência, trabalha
com estas categorias. Fica, porém, uma questão de fundo: o direito abstrato será um
verdadeiro direito subjetivo? À primeira vista, a resposta deveria ser negativa: o direito
subjetivo pressupõe sempre um bem concreto: será uma permissão normativa específica de
aproveitamento de um bem. A permissão de que falamos não resulta, todavia, de meras
fórmulas deônticas. É fundamental ter presente que o direito subjetivo corresponde a uma
categoria compreensiva e não a uma forma analítica. Os diversos direitos subjetivos surgem-
nos com uma configuração que nos é dada pela evolução histórico-dogmática e pelos
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condicionamentos linguísticos. Por isso, pode suceder que um direito subjetivo, quando
ponderado lógica e racionalmente, venha a apresentar, no seu interior, subdireitos, faculdades,
poderes, expectativas e outras realidades ativas e, ainda, obrigações, encargos e deveres
diversos. Não deixará de corresponder à definição proposta, com a dimensão existencial
própria das realidades humanas. Apontada a dificuldade e as coordenadas reitoras, vamos
ver. O direito abstrato surge como uma expectativa, em relação a um bem final futuro:
pressupõe um processo no termo do qual esse bem poderá surgir. Trata-se de uma
expectativa juridicamente tutelada: diversos procedimentos instrumentais estão previstos e
devem ser respeitados, sob cominações jurídicas. Além disso, o direito abstrato pressupõe
ou implica determinados direitos instrumentais, também suscetíveis de efetivação.
Consideraremos, assim, os direitos abstratos dos sócios como verdadeiros direitos. Dentro
da tradição ocidental, eles permitem exprimir uma posição favorável do sujeito, tutelada pelo
Direito, de exercício permitido e reportada a vantagens suscetíveis de expressão linguística
unitária. A sua especialidade reside em traduzirem conteúdos complexos, que englobam um
conjunto de expectativas jurídicas e, ainda, uma série de fatores instrumentais, que podem
incluir outros direitos, certas faculdades e alguns poderes. Além disso, os direitos abstratos
inscrevem-se no estado de sócio. Têm, assim e necessariamente, associadas as mais diversas
figuras, incluindo algumas de natureza passiva: obrigações e deveres. Trata-se, por fim, de
um instrumento especialmente elaborado pela dogmática da sociedade.
Direitos patrimoniais, participativos e pessoais: numa abordagem mais
parofundada ao conteúdo do estado de sócio, vamos privilegiar, sempre de acordo com a
tradição ocidental, o prima dos direitos; muitas vezes é possível, por simetria, extrair, deles,
os deveres. Os direitos dos sócios podem ser objeto das mais diversas classificações.
Pensamos que sobreleva a que atende à natureza imediata do bem jurídico tutelado.
Distinguimos:
Valores patrimoniais;
Valores que se prendam com o funcionamento da sociedade;
Valores pessoais do sócio.
Os valores patrimoniais dão corpo aos correspondentes direitos. Na base encontramos o
direito aos lucros ou a quinhoar nos lucros (artigo 21.º, n.º1, alínea a) CSC). Todavia, esse
direito pode implicar outros direitos instrumentais; além disso, uma visão panorâmica do
Direito das Sociedades permite encontrar outras posições ativas de tipo patrimonial. Assim:
Os diversos direitos especiais de conteúdo patrimonial (artigo 24.º, n.º1 CSC);
O direito à contrapartida pela aquisição de bens a acionistas (artigo 29.º, n.º1 CSC);
Os direitos relativos à conservação do capital (artigos 31.º a 35.º CSC);
O direito individual de indemnização contra os administradores ou ação ut singuli
(artigo 77.º, n.º1 1.ª parte CSC);
O direito de grupo (5%) de indemnização contra os administradores ou ação social
de grupo (artigo 37.º, n.º2, 2.ª parte CSC);
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O direito de receber de volta o valor que lhe caiba, na hipótese de redução do capital
da sociedade para libertação de excesso do mesmo (artigos 94.º, n.º1 e 95.º, n.º4 alínea
d), implicitamente CSC);
O direito de exigir que a sociedade adquira ou faça adquirir a sua comparticipação,
quando haja fusão de que discorde (artigo 105.º, n.º1 CSC);
O direito de encabeçar as posições sociais da sociedade resultante da fusão de
anteriores (artigo 112.º, alínea b), CSC, numa regra aplicável, com as necessárias
adaptações, à cisão) – artigo 120.º CSC;
O direito de receber o valor a sua participação na hipótese de transformação de que
discorde (artigo 137.º, n.º1 CSC);
O direito de proceder à partilha imediata dos haveres sociais, quando haja dissolução
de sociedade sem passivo (artigo 147.º, n.º1 CSC);
O direito de ser inteirado em dinheiro na hipótese de transmissão global do
património da sociedade dissolvida (artigo 148.º, n.º1 CSC);
O direito de participar na partilha do ativo restante, na hipótese de liquidação da
sociedade (artigo 156.º, n.º1 CSC) e, sendo esse o caso, de participar em partilha
adicional (artigo 164.º, n.º1 CSC).
Além disso, o sócio tem o direito de dispor da sua participação social, nos teros
correspondentes ao tipo societário considerado. Diversas outras posições patrimoniais
podem, ainda, ser contempladas, consoante a sociedade em causa. Os direitos participativos
têm a ver com a possibilidade, reconhecida aos sócios, de ingressar no modo coletivo de
gestão dos interesses, inserindo-se na organização social e atuando nos esquemas de
cooperação por ela previstos. OS direitos participativos são importantes: eles correspondem
a concretizações dos direitos ao trabalho e à livre iniciativa, constitucionalmente garantidos,
tendo, subjacente, a dignidade humana. Os direitos participativos podem ser repartidos, de
acordo, aliás, com as alíneas b(, c) e d) do artigo 21.º, n.º1 CSC, em:
Direito a participar nas deliberações dos sócios;
Direito a obter informações sobre a vida da sociedade;
Direito a ser designado para os órgãos de administração e de fiscalização;
Todos estes direitos têm, depois, múltiplas facetas de concretização. Os direitos patrimoniais
e os participativos dos sócios não esgotam o teor do estado se sócio. Os sócios encontram-
se, ainda, imersos numa teia de direitos e de deveres mútuos. Além disso, surgem tutelas
indiretas e diversas outras posições ativas. Sem preocupação de exaustão, vamos referir:
Os direitos parassociais;
O direito à lealdade;
O direito ao respeito do estado de sócio
Os direitos parassociais são aqueles que advenham nos termos do artigo 17.º CSC. Trata-se
de posições obtidas por força dos acordos em causa, mas apenas devido à qualidade de sócio
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e no âmbito do status deste. O direito à lealdade tem a ver com as relações dos sócios entre
si e destes para com a sociedade. A proibição de concorrência equivale a uma concretização
desse vetor; há, todavia, outras, num campo de útil aplicação da boa fé objetiva. Como vimos,
o limite do horizonte é constituído pelo sistema e pelos seus valores fundamentais.
Finalmente, o estado de sócio é um qualidade pessoal do sujeito, que deve ser respeitada.
Impedir um sócio de falar numa assembleia geral poderá representar uma violação dos seus
direitos participativos. Mas é, ainda – sobretudo! – um atentado à sua integridade moral.
Temos aqui um nível relevante no direito das modernas sociedade, que não pode ser
esquecido.
Deveres; situações absolutas: os sócios incorrem em situações passivas. À partida,
elas serão apenas duas:
A obrigação de entrada;
A sujeição às perdas.
Estas situações são genericamente referidas no artigo 20.º CSC. A obrigação de entrada vem
desenvolvida nos artigos 25.º e seguintes CSC, implicando diversas modalidades e fórmulas
de concretização. A sujeição às perdas tem o duplo alcance:
De representar a frustração de contrapartidas esperadas pelas entradas;
De traduzir o funcionamento das regras de responsabilidade dos sócios.
Esta última sujeição concretiza-se, de modo diverso, consoante o tipo societário em causa:
temos a responsabilidade ilimitada, solidária e subsidiária nas sociedades em nome coletivo
(artigo 175.º, n.º1 CSC) a responsabilidade limitada aos valores as entradas, solidária e
subsidiária, nas sociedades por quotas (artigo 192.º, n.º1 CSC) e a responsabilidade apenas
pelas entradas próprias, nas sociedades anónimas (artigo 271.º CSC). Aparecem, ainda,
variações, no caso das comanditas. Em certos tipos societários, o contrato de sociedade pode
impor aos sócios – ou a algum deles – a obrigação de efetuar prestações, além das entradas
(artigos 209.º e 287.º CSC). Necessário é, então, que o contrato fixe os elementos essenciais
da obrigação e especifique se as prestações devem ser efetuadas onerosa ou gratuitamente.
Trata-se de prestações acessórias. Distinta é a figura das prestações suplementares (artigo
210.º CSC). Estas devem ser permitidas pelo contrato de sociedade, dependendo, depois, de
deliberação dos sócios (n.º1). Têm sempre dinheiro por objeto (n.º2) devendo ver as suas
coordenadas definidas no contrato. O desenvolvimento do regime das sociedades
documenta, ainda, o aparecimento de outras adstrições, designadamente como contrapartida
dos diversos direitos. Assim, no tocante à participação nas deliberações dos sócios: se todos
têm o direito de participar, cada um tem o dever de possibilitar essa participação. O moderno
Direito das sociedades transcende o limiar bidimensional dos exclusivos relacionamentos
sócios/sociedade: há, ainda, ligações diretas entre os próprios sócios. Patentes no caso dos
acordos parassociais, tais legações ocorrem, ainda, instrumentalmente, em vários planos.
Além disso, cumpre recordar os deveres de lealdade, que a todos unem. A consideração de
diversos deveres sociais permite chama a atenção para a proliferação, no seio do estado de
sócio, de múltiplas situações absolutas, isto é: e situações que não se inserem em relações
jurídicas. Desde logo, ocorrem deveres genéricos – de respeito, por exemplo – que não têm,
como contrapeso, diretos direitos subjetivos. Depois deparamos com posições potestativas,
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encargos, ónus e, até, direitos absolutos. Em suma: toda a Ciência do Direito é chamada a
intervir, no domínio das sociedades comerciais e do estado de sócio.
45.º - O status de sócio como situação duradoura
Generalidades; evolução geral da dogmática das relações duradouras: a
situação jurídica do sócio implica o recurso alargado aos diversos instrumentos da moderna
dogmática privada. Torna-se problemático reconduzi-la a algum ou alguns dos instrumentos
disponíveis, tal a sua complexidade e variabilidade internas. No entanto, há um instituto que
se afigura particularmente útil e que não tem sido inserido nos roteiros clássicos do nosso
Direito privado: o das situações duradouras ou relações duradouras. Vamos, assim, recordar
os traços essenciais da dogmática das relações duradouras. Na verdade, o estado de sócio,
além de complexo, prolonga-se no tempo e implica obrigações duradouras. A distinção das
obrigações em instantâneas e duradouras remonta a Savigny. Este clássico põe em destaque
o facto de, nas primeiras, o cumprimento se efetivar num lapso juridicamente irrelevante;
pelo contrário, nas segundas, o cumprimento prolongar-se-ia no tempo, correspondendo à
sua natureza. Todavia, seria necessário aguardar pelos princípios do século XX para ver a
doutrina ocupar-se das obrigações duradouras, aprofundando-as. O mérito recaiu sobre Otto
von Gierke, em estudo publicado em 1914. Este autor chama a atenção para o seguinte
fenómeno:
Nas obrigações instantâneas, o cumprimento surge como causa de extinção;
Nas duradouras, o cumprimento processa-se em termos constantes, não as
extinguindo.
As obrigações duradouras implicariam, designadamente, abstenções; mas poderiam redundar,
também, em prestações positivas. Um dos aspetos significativos das regras próprias das
obrigações duradouras estaria nas formas da sua cessação. Von Gierke distingue:
A determinação inicial da sua duração, seja pela aposição de um termo certo, seja
pela de um termo incerto;
A indeterminação inicial, podendo, então, sobrevir a denúncia, prevista na ei ou no
contrato; a denúncia poderia operar com um prazo (pré-aviso) ou ser de efeitos
imediatos;
A impossibilidade superveniente.
As ideias de von Gierke foram retomadas pelo austríaco Gschnitzer, que estudou,
precisamente, a denúncia. Explicações importantes advieram de Beitzke, segundo o qual o
mero decurso do tempo não equivale ao cumprimento. Outros aspetos atinentes às relações
duradouras foram aprofundadas por Wiese. Este autor sublinha também as relações
duradouras são sensíveis ao cumprimento. Nelas, todavia, a exceção da prestação prolonga-
se no tempo, o qual constitui um estádio inerente a cada uma. Posteriormente, a dogmática
das obrigações duradouras desenvolveu-se, sendo de sublinhar o escrito maciço de Oetker e
os desenvolvimentos de Kramer e de Otto. O tema passou a constar das obras gerais, ainda
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que com poucas explicitações quanto ao seu regime. Esta última circunstância explica-se pela
existência de muitas regras imperativas, dirigidas a situações particulares, com relevo para os
contratos de trabalho e de arrendamento. Uma teoria geral das obrigações duradouras seria
elaborada, sempre, à custa de uma grande generalidade.
Denúncia, longa duração e perpetuidade: as obrigações duradouras são, ainda,
sensíveis à denúncia. Uma vez que elas não se extinguem pelo cumprimento, há que prever
outra forma de extinção, diversa da resolução (unilateral, justificada e retroativa), e da
revogação (que exige mútuo acordo). E aqui ocorre a figura da denúncia. A denuncia estará,
em princípio, prevista por lei ou pelo próprio contrato. O Direito preocupa-se com a matéria
no âmbito de situações em que, de modo tipificado, procede à tutela da parte fraca: assim
sucede no Direito do Trabalho e no Direito do arrendamento. Põe-se o problema de saber
o que sucede perante obrigações duradouras de duração indeterminada, quando as partes
nada tenham dito sobre a denúncia e quando elas não possam ser reconduzidas a nenhum
tipo contratual que preveja essa figura. Ocorre, por vezes, a afirmação de que não poderia
haver obrigações perpétuas, por contrariar vetores indisponíveis do ordenamento (ordem
pública). A afirmação remonta ao Código Civil Francês, de 1804, que a propósito da locação
de domésticos e de operários – grosso modo, o contrato de trabalho – dispõe, no seu artigo 1780:
«Só se pode adstringir os seus serviços por duração limitada ou para um empreendimento
determinado».
Com isso pretendia-se prevenir o regresso a situações de servidão, abolidas pela Revolução
Francesa. Mas paradoxalmente, foi precisamente no setor do trabalho que a evolução
posterior acabaria por (re)introduzir situações tendencialmente perpétuas, com clara
ilustração no Direito português atual. A proibição de relações perpétuas – que justificaria
sempre a denúncia – surge apoiada na regra constitucional da liberdade de atuação.
Naturalmente, isso possibilitaria a livre denunciabilidade de relações duradouras de duração
indeterminada, o que poderia atentar contra legítimas expectativas de continuação e de
estabilidade e contra a regra do respeito pelos contratos. A solução teria de ser
compatibilizada à luz da boa fé, numa ponderação a realizar em concreto. O problema da
excessiva restrição à liberdade individual, por força da existência de relações duradouras
indeterminadas, põe-se a propósito da prestação de serviço: daí a proibição napoleónica. Fora
dessas situações e para mais num Direito que, como o português, perpetua, na prática,
situações como os contratos de trabalho e de arrendamento, a afirmação da não-perpetuidade,
embora soe bem, terá de ser verificada e comprovada. De resto, o artigo 18.º, alínea j) da Lei
sobre Cláusulas Contratuais Gerais veio proibir obrigações perpétuas, quando derivadas de
cláusulas contratuais gerais; a contrario, elas pareceriam possíveis quando tivessem outra
origem. O problema tem conhecido uma abordagem diversa, graças à doutrina dos contratos
de longa duração (long term contracts), de origem anglo-saxónica. As partes podem, ao abrigo
da sua autonomia privada, concluir contratos que durem ilimitadamente: basta que prevejam
uma associação de interesses que tenha essa aspiração. Nessa eventualidade, o facto de elas
não terem previsto uma cláusula de denúncia, ainda que com um pré-aviso alongado, poderia
significar:
Ou que houve erro ou esquecimento, seguindo-se o seu regime próprio;
Ou que há lacuna contratual, a integrar pela interpretação complementadora; ainda
aqui, poderão estabelecer-se cláusulas de renegociação.
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Não se vão verificando nenhuma dessas hipóteses – ou, a fortiori, quando as partes excluam
expressamente a denúncia ou equivalente – quedará o recurso à alteração das circunstâncias.
Fecha-se o círculo: no limite, a existência de relações perpétuas poderá, in concreto, defrontar
os valores fundamentais do ordenamento, veiculados pela ideia de boa fé. O Direito
português, justamente através do instituto da alteração das circunstâncias, tem meios para
intervir.
Construção geral e aplicação: as obrigações duradouras têm sido abordadas na
doutrina portuguesa, constatando de breves referências de todos os obrigacionistas. Vamos
tentar a sua construção geral. À partida, a obrigação duradoura não se caracteriza pela
multiplicidade de atos de cumprimento: qualquer obrigação instantânea, designadamente se
tiver um conteúdo complexo, pode implicar cumprimentos que se analisem em múltiplos
atos. Por isso, Pessoa Jorge propõe que, em vez de se atender ao número de atos realizados,
se dê prevalência ao momento (ou momentos) em que é realizado o interesse de credor. Pela
nossa parte, adotamos essa ideia básica, embora convolando-a para a concretização do
cumprimento. Nas obrigações duradouras – ao contrário das instantâneas – o cumprimento
vai-se realizando num lapso de tempo alongado, em termos de relevância jurídica: uma ideia
já presente, de resto, em Savigny. Na obrigação duradoura, anda podemos encontrar duas
situações:
Ou a prestação permanente é contínua, exigindo uma atividade sem interrupção,
quotidie et singulis momentis;
Ou essa prestação é sucessiva, quando implique condutas distintas, em momentos
diversos.
Encontramos prestações contínuas sobretudo nas abstenções; mas elas ocorrem, também,
em obrigações positivas, com exemplo nas do depositário. As obrigações duradouras
apresenta, algumas regras ditadas pela natureza das coisas. Desde logo, elas não se extinguem
por nenhum ato singular de cumprimento. Tão-pouco elas podem dar lugar à repetição, na
hipótese de ser anulado ou declarado nulo o contrato em que assentem: ou se restitui o valor
(artigo 289.º, n.º1 CC) ou não há quaisquer restituições, como sucede na hipótese de
invalidade do contrato de trabalho. A aplicação da dogmática geral das relações duradouras
no Direito das Sociedades dependerá da consideração do concreto problema em jogo e da
sua ordenação perante o tipo societário onde ocorra. As regras próprias das sociedades foram
surgindo sem qualquer preocupação generalizadora. Todavia, a tendência natural que o
sistema revela para o equilíbrio requer uma certa harmonização de soluções. O intérprete-
aplicador é-lhe sensível. Neste plano, a dogmática das relações duradouras tem o seu papel.
E o próprio legislador a terá em conta, nas suas soluções. A reconstrução das obrigações
societárias à luz de uma dogmática das relações duradouras está, ainda, por elaborar:
interessante desafio para o atual Direito das sociedades.
Secção II – Entradas, lucros e perdas e defesa do
capital
46.º - A obrigação de entrada
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Categoria básica; a 2.ª Diretriz: a obrigação de entrada corresponde a um dever
essencial dos sócios. Sem ela, a sociedade não terá meios para poder desempenhar a sua
atividade; paralelamente, os sócios não terão título de legitimidade para recolher lucros e para
pretender intervir na vida da sociedade. A entrada pode consistir em diversas realidades
patrimoniais ou, pelo menos, com alcance patrimonial. Assim, encontramos:
Entradas em dinheiro;
Entradas em espécie;
Entradas em indústria.
O tipo de entrada é definido no contrato de sociedade, nos termos do artigo 9.º, alíneas g) e
h) CSC: quer quantitativa quer qualitativamente. A entrada tem, ainda, uma dupla
apresentação, traduzida em indicações de valor. Cumpre distinguir:
O valor nominal: é o valor da participação social a que ela corresponda: pode ser
uma parte social, uma quota ou uma ação, consoante esteja em causa uma sociedade
em nome coletivo, por quotas ou anónima. O artigo 25.º, n.º1 CSC apenas estabelece
que o valor nominal da participação não pode exceder o valor da entrada. Entenda-
se: o valor real.
O valor real: é o valor correspondente à cifra, em dinheiro, em que ela se traduza,
quando pecuniária ou ao valor dos bens que implique, quando em espécie.
Como já foi adiantado, a entrada em dinheiro corresponde à assunção de uma obrigação
pecuniária. A entrada em espécie equivale a entregas «de bens diferentes de dinheiro», nas palavras
do artigo 28.º, n.º1 CSC. A lei não põe restrições, exigindo, designadamente, que se trate de
bens materiais ou de bens facilmente realizáveis. Apenas se infere do artigo 20.º, alínea a)
CSC, que tais bens devem ser suscetíveis de penhora. Quanto às entradas em indústria: trata-
se de serviços humanos não subordinados; de outro modo, teríamos trabalho, em sentido
estrito e técnico, sujeito a diversa disciplina jurídica. A obrigação de entrada é, à partida, uma
obrigação comum em que, como devedor, surge o sócio e, como credor, a própria sociedade.
Essa obrigação pode ser cumprida de imediato ou diferidamente, consoante o tipo de
sociedade em jogo. Por isso, o artigo 9.º, n.º1, alínea g) CSC, distingue quota de capital,
natureza da entrada e pagamento efetuado por conta de cada quota. Fixadas as categorias
básicas, cumpre chamar a atenção para o facto de alguns dos aspetos atinentes ao capital – e,
daí, as entradas – estarem, no tocante às sociedades anónimas, predispostos (em parte) pela
2.ª Diretriz das sociedades comerciais, isto é: a Diretriz n.º 77/91/CEE, de 13 dezembro
1976. Esta Diretriz tem a ver com sociedades anónimas.
Regime geral das entradas: a obrigação de entrada obedece, em geral, às regras civis.
Tem especificidades e complementações societárias, para as quais chamamos a atenção.
Quanto ao seu montante, as entradas não podem ter um valor inferior ao da participação
nominal (parte, quota ou ações) atribuída ao sócio. Poderá, eventualmente, ser superior: diz-
se, então, acima do par. Teremos, nessa eventualidade, um prémio de subscrição ou de
emissão, também dito ágio, que passará a integrar as reservas. A emissão acima do par (em
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regra: nas sociedades anónimas) justifica-se por três ordens de razões as quais, de resto,
operam muitas vezes em conjunto:
A simples ideia de constituir certa sociedade e a congregação de esforços nesse
sentido vale dinheiro e acrescenta uma mais-valia às participações dos sócios é lógico
que a paguem, surgindo o prémio;
Independentemente dessa mais-valia, pode a sociedade gerar expectativas de negócio
que conduzam a uma sobrevalorização de mercado: justifica-se o prémio;
A sociedade, particularmente quando em funcionamento, pode representar um valor
real que ultrapasse o valor nominal do capital; havendo emissão de novas ações, isso
deve ser tido em conta, sob pena de se depauperarem os sócios antigos – e a própria
sociedade – e de se enriquecerem os novos.
Quanto ao momento do cumprimento da obrigação de entrada: ela deve ser realizada no
momento da outorga da escritura, salvo quando o contrato preveja o diferimento das
entradas em dinheiro e a lei o permita, o que sucede:
Nas sociedades por quotas até metade das entradas em dinheiro, mas o quantitativo
global dos pagamentos feitos por conta delas, juntamente com a soma dos valores
nominais das quotas correspondentes às entradas em espécie, deve perfazer o capital
mínimo fixado na lei (artigo 202.º, n.º2 CSC) o qual é, hoje, de 5000 euros (artigo
201.º CSC);
Nas sociedades anónimas pode ser diferida a realização de 70% do valor nominal das
ações, mas não o pagamento do prémio de emissão, quando previsto (artigo 277.º,
n.º2 CSC).
Para as entradas em espécie, não há diferimentos, assim como os não haverá para as
sociedades em nome coletivo. Quanto à forma do cumprimento das obrigações de entrada
em dinheiro; a lei apenas a regula quanto às sociedades por quotas (artigo 202.º, n.º3 CSC) e
às sociedades anónimas (artigo 277.º, n.º3 CSC): a soma das entradas em dinheiro já
realizadas deve ser depositada em instituição de crédito, antes de celebrado o contrato, numa
conta aberta em nome da futura sociedade, devendo ser exibido ao notário o comprovativo
de tal depósito por ocasião da escritura. Quanto às garantias da obrigação de entrada, cumpre
salientar as seguintes precauções, que se alcançam do artigo 27.º CSC:
São nulos os atos da administração e as deliberações dos sócios que liberem total ou
parcialmente os sócios da obrigação de efetuar entradas estipuladas, salvo redução
do capital (n.º1);
A dação em cumpriemtno exige deliberação como alteração do contrato, seguindo-
se o preceituado quanto a entradas em espécie (n.º2);
Podem ser estabelecidas, no contrato, penalidades para a falta de cumprimento da
obrigação de entrada (n.º3); podem ocorrer hipóteses de pagamento de juros ou de
cláusulas penais;;
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Os lucros correspondentes a entradas em mora não podem ser pagos, mas podem
ser compensados com elas (n.º4); fora isso, a obrigação de entrada não pode
extinguir-se por compensação (n.º5);
A falta de uma prestação de entrada «importa o vencimento de todas as demais
prestações em dívida pelo mesmo sócio, ainda que respeitem a outras partes, quotas
ou ações» (n.º6); trata-se de uma versão reforçada (porquanto extensiva a outras
partes, quotas ou ações) da perda do benefício do prazo, prescrita no artigo 781.º CC.
Entradas em espécie: as entradas podem ser em espécie, isto é: traduzir na transferência
para a sociedade de direitos patrimoniais, suscetíveis de penhora e que não se traduzam em
dinheiro. Falamos em direitos: pode estar em causa qualquer situação diferente do direito de
propriedade: por exemplo, o direito ao uso e fruição, direitos sobre bens imateriais, tais como
patentes ou técnicas de saber-fazer (know-how). O artigo 28.º, n.º1 CSC refere «bens diferentes
de dinheiro». Trata-se de uma fórmula excessivamente empírica para exprimir a ideia dos
referidos direitos patrimoniais. O dinheiro é de fácil avaliação: basta ver o montante, em
função do princípio do nominalismo. Já a espécie pode ter valores subjetivos. Repare-se que
não basta, aqui, revelar o valor que, por acordo, os sócios lhe queiram atribuir: a sociedade
tem um património objetivo, que interessa à comunidade e, em especial, aos credores. Por
isso, o Direito preocupasse com o conhecimento do valor exato dos bens, procurando que
seja devidamente determinado. O artigo 28.º CSC prevê, com pormenor, a preparação de um
relatório elaborado por um revisor oficial de contas (ROC), devidamente distanciado e que
avalie, objetivamente, os bens, explicando os critérios usados e declarando formalmente se o
valor deles atinge o valor nominal indicado pelos sócios (n.º3, alínea d)). Ao relatório em
causa deve ser dada especial publicidade (artigo 28.º, n.º5 e 6 CSC). Recordamos que o grande
objetivo do trabalho exigido ao ROC é a defesa de terceiros: os credores da sociedade, os
futuros adquirentes de posições sociais e o público em geral. Por isso, os próprios sócios
estão, aqui, perante regras imperativas. Nem por comum acordo podem ser postergadas.
Direitos dos credores: a efetivação das entradas interessa à sociedade: ela carece de
meios materiais para poder levar a cabo s fins a que se destina. Mas interessa, ainda, aos
credores da sociedade, uma vez que releva para a cobertura patrimonial dos seus direitos. O
artigo 30.º, n.º1 CSC veio, assim, referenciar dois direitos dos mesmos credores:
O exercer os direitos da sociedade relativos às entradas não realizadas, a partir do
momento em que se tornem exigíveis (alínea a));
O de promover judicialmente essas entradas, mesmo antes de se tornarem exigíveis,
desde que isso seja necessário para a conservação ou a satisfação dos seus direitos.
Trata-se, no fundo, de uma concretização da ação sub-rogatória, prevista no artigo 606.º CC.
O artigo 30.º, n.º2 CSC prevê que a sociedade possa obstar (ilidir?) ao pedido desses credores,
«satisfazendo os seus créditos com juros de mora, quando vencidos, ou mediante o desconto correspondente à
antecipação, quando por vencer, e com as despesas acrescidas». Preceito em rigor dispensável, já que o
pagamento pode ser feito por terceiro (artigo 767.º, n.º1 CC) e antecipado pelo devedor
(artigo 779.º CC). De todo o modo, facilita a referência ao desconto e às despesas.
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47.º - A participação nos lucros e nas perdas; pactos leoninos
Princípio geral: a sociedade inscreve-se entre os institutos de cariz patrimonial,
inventados pelos homines sapientes. Ela visa o lucro económico, repartindo-o pelos associados.
A noção geral do artigo 980.º CC é muito clara: «a fim de repartirem os lucros resultantes dessa
atividade». Por seu turno, o artigo 21.º n.º1, alínea a) CSC, inscreve, à cabeça dos direitos dos
sócios, o de «quinhoar nos lucros». Preceitos das partes especiais impõem, à sociedade, a
distribuição de: pelo menos, uma parcela dos seus lucros pelo sócios, com determinadas
exceções: artigos 217.º e 294.º CSC, quanto a sociedades por quotas e anónimas,
respetivamente. Para além destes aspetos jurídicos, é evidente que a perspetiva do lucro
anima todas as iniciativas societárias e dá corpo a um mercado mobiliário. É um traço da
nossa atual cultura, porventura absolutizado em demasia, mas que não se vê como combater.
Cabe ao Direito, pelo menos, regular o fenómeno, disciplinando excessos. Contrapartida do
lucro é o risco. Muitas vezes, os empreendimentos mais lucrativos são, precisamente, os mais
arriscados. Independentemente disso: por muito bem pensados e executados que sejam os
negócios, a hipótese das grandes perdas nunca pode ser descartada. Também aqui o Direito
é chamado a intervir, particularmente nos casos em que, mercê da presença de uma sociedade,
as perdas tenham de ser repartidas. A regra básica resulta dos dois primeiros números do
artigo 22.º CSC. Infere-se, do preceito, a existência de uma regra supletiva, que indexa o
quinhão de lucros/prejuízos à proporção nominal das prestações respetivas. Para além disso,
cabe à autonomia privada estabelecer outras eventuais repartições. A propósito de cada tipo
societário podem surgir outras regras imperativas ou permissivas que facultem formas
privilegiadas de comunhão nos lucros ou que limitem perdas. Em sede geral, há que contar
com a proibição dos pactos leoninos, que referimos de seguida.
A proibição histórica dos pactos leoninos: segundo o artigo 22.º, n.º3 CSC:
«É nula a cláusula que exclui um sócio da comunhão nos lucros ou que o isente de participar
nas perdas da sociedade, salvo o disposto quanto a sócios de indústria».
Formalmente, é pena que o legislador tenha degradado este princípio para o n.º3 de um
ignoto preceito. Melhor, sob a epígrafe clássica pacto leonino, dispõe o artigo 994.º CC:
«É nula a cláusula que exclui um sócio da comunhão nos lucros ou que o isenta de participar
nas perdas da sociedade».
Esta proibição corresponde a preocupações materiais profundas do Direito do Ocidente,
que cumpre conhecer. Na origem do instituto temos um trecho de Ulpiano que diz, em
vernáculo:
«Aristo refere que Cassius deu um parecer segundo o qual uma sociedade não poderia ser
combinada de modo a que um receberia todo o lucro e o outro suportaria o prejuízo; uma tal
sociedade é chamada, habitualmente, sociedade leonina (societas leonina). Nós concordamos que
uma tal sociedade é nula, pois um recebe o lucro e o outro nenhum lucro, mas antes o dano: tal
tipo de sociedade é iniquíssimo, pela qual só se expecta dano e não também lucro».
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No Direito Romano, as sociedades leoninas eram, assim, proibidas: seriam contrárias à
natureza das sociedade. A parte do leão e a societas leonina advêm da velha fábula de Esopo,
depois remodelada ao longo da História. Na versão original da Esopo, toava assim:
«Um leão, um burro e uma raposa, feito um pacto entre eles, andaram à caça e depois de terem
capturado uma quantidade abundante de peças, o leão encarregou o burro de as dividir. O
burro repartiu-as em três partes iguais e ofereceu aos companheiros o direito de escolher. Mas o
leão, enfurecido com aquela repartição, rangendo os dentes perante a divisão, devorou-o e impôs
a raposa repartir a presa. A raposa, pelo contrário, reuniu as três partes numa só e entregou
tudo ao leão nada deixa de lado para si. O leão, então, perguntou: “Quem te ensinou a fazer
as divisões?” E prontamente a raposa: “Ensinou-me a experiência do burro!”».
A Fábula mostra que o perigo dos outros torna as pessoas mais cautelosas. Com os
antecedentes apontados, a proibição de sociedades leoninas foi-se mantendo ao longo da
História, sendo acolhida nas codificações. Segundo a versão original do Código Napoleão
(artigo 1855.º):
«A convenção que viesse dar a um dos associados a totalidade dos benefícios é nula.
«O mesmo sucede com a convenção que liberasse de qualquer contribuição para as perdas, as
quantias ou os efeitos entregues para o fundo comum da sociedade por um ou mais associados».
A partir daqui, a proibição foi sendo adotada pelos diversos códigos continentais latinos,
sendo de referir o Código italiano de 1865 e o artigo 1242.º do nosso Código de Seabra. Em
compensação, ela não foi acolhida nem no BGB alemão, nem, plenamente, no artigo 533.º
do Código das obrigações suíço. No âmbito do Código italiano de 1865, discutiu-se o
fundamento da proibição e, particularmente, a questão de saber se a proibição da exclusão
das perdas e da exclusão do lucros obedecem ao mesmo princípio e isso com consequências
práticas. Já foi defendido que não podia haver exclusão dos lucros porque, nessa altura, o
contrato já não seria de sociedade; pelo contrário, a não-exclusão das perdas impunha-se para
evitar um negócio usurário. Teríamos, então, regimes diferenciados, com a possibilidade de,
no primeiro caso, recuperar o contrato, ainda que com diferente tipo. Importa ainda referir
que a solução do Código Civil italiano de 1942: influenciou – como em geral, no tocante à
sociedade – o legislador de 1966. A nulidade dos pactos leoninos é elegantemente fixada no
seu artigo 2265.º. Todavia, com recurso à figura da nulidade parcial (artigo 2265.º). Todavia,
com recurso à figura da nulidade parcial (artigo 1419.º), equivalente à nossa redução dos
negócios inválidos (artigo 292.º CC), a doutrina válida as sociedades atingidas expurgando-
as, apenas, das cláusulas leoninas. A proibição emancipou-se do antigo bloqueio dos juros.
No entanto, mantêm os autores italianos que a razão da nulidade está no «contraste do pacto com
a essência sociedade»: não se pode ser sócio sem se participar dos resultados da atividade social;
tão-pouco poderia um sócio excluído de participar nos ganhos correr o risco de perder as
entradas, sem uma correspondente utilidade. Temos as maiores dúvidas quanto a explicações
deste tipo, como adiante melhor veremos, perante o Direito português. Em compensação,
afigura-se de reter a ideia de que a proibição dos pactos leoninos é material. Mesmo quando
as partes a dissimulem ou contornem, a sua detenção, pela interpretação, conduz à proibição
legal. Como apontamento interessante, retemos ainda que o atual Direito francês, mantendo
o princípio, admite, através da jurisprudência, uma certa flexibilização, designadamente nos
caso de cessão de ações com dilação temporal, em que o cedente já não suportaria perdas.
No fundo, estamos perante situações requeridas pelo mercado acionista.
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O Direito português: a tradição românica da proibição dos pactos leoninos surgia no
artigo 1242.º do Código de Seabra, ainda que em termos reputados deficientes. Assim,
segundo esse preceito:
«Será nulla a sociedade, na qual se estipular, que todos os proveitos pertençam a algum, ou
alguns dos sócios, e todas as perdas a outro, ou outros d’elles».
O preceito era violento, uma vez que invalida toda a sociedade. Com efeito, pareceria
preferível:
Invalidar não a sociedade in totum, apenas, o pacto leonino, assuma ele a feição de
(mera) cláusula ou de pacto autónomo;
Vedar todas as hipóteses de exclusão das perdas ou de exclusividade nos lucros – a
parte do leão – independentemente de haver reciprocidade ou concomitância.
Na base destes elementos, o Código Civil de 1966 procedeu a uma proibição mais
aperfeiçoada: no seu artigo 994.º CC, já acima transcrito, escolher uma fórmula muito
semelhante à italiana. A regra foi retomada, como vimos, no artigo 22.º, n.º3 CSC. Torna-se
inevitável perguntar pela justificação da norma; dela dependerá a sua interpretação. Mantém-
se a tendência, nalguma doutrina, de aproximar a proibição do pacto leonino da própria
natureza da sociedade: sem uma participação nos lucros, não haveria sociedade, visto o artigo
980.º CC. Tudo bem: só que, nessa altura, o contrato leonino poderia subsistir como qualquer
outro contrato de não-sociedade, não se percebendo o porquê da proibição. Quanto às
perdas: a explicação para tais doutrinadores, já teria de ser outra: não faz parte do objetivo
do qualquer sociedade comungar --- em prejuízos. Pires de Lima e Antunes Varela apelam,
então, a razões justificativas «de ordem moral e social, e não de ordem jurídica». Solução
incompreensível, no próprio plano ético-social: não poderá um pai fazer uma sociedade com
os filhos menores, comprometendo-se a arcar com os prejuízos, se os houver … e isso em
nome da moral?! Além disso, não pode a Ciência do Direito demitir-se de explicar
juridicamente as suas soluções. A razão da invalidade dos pactos leoninos, assente em sólida
tradição histórica, deve ser procurada noutras latitudes. Antes de o fazer importa, porém,
reafirmar a unidade do instituto: ele não deve ser esquartejado e, por um lado, não—
participação nos lucros e, por outro, não-participação nas perdas: trata-se de proposições que
obedecem, nitidamente, às mesmas valorações. Isto dito: o sócio que abdique de lucros vai
sujeitar-se a eventuais prejuízos; o que aceite todos os prejuízos vai submeter-se,
eventualmente aos que ocorram. Em qualquer dos casos, ele está a dispor, para o futuro, das
vantagens que poderia obter e está a conceder, também para o futuro, vantagens aos outros
sócios. Os Direitos do Sul, atentas as características psicológicas dos seus patrícios, sabem
que há uma permanente tentação de se dar o que (ainda) não se tem e o de assumir, para um
futuro indeterminado, obrigações sem critério. E por isso, toma medidas coerentes:
É nula a renúncia antecipada aos direitos: artigo 809.º CC;
A cláusula penal pode ser equitativamente reduzida pelo tribunal: artigo 812.º, n.º1
CC;
A remissão é contratual: artigo 863.º, n.º1 CC;
A doação não pode abranger bens futuros: artigo 942.º, n.º1 CC;
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A doação de móveis deve ser feita com imediata tradição da coisa ou por escrito:
artigo 947.º, n.º2 CC.
É nesta linha que se deve inscrever a proibição dos pactos leoninos: envolvem um misto de
renúncia antecipada aos direitos e de doação do que (ainda) não se tem. Se alguém quiser dar
lucros ou arcar com prejuízos, tudo bem: fá-lo-á, porém, na altura concreta em que ocorram
e com eficácia limitada aos valores efetivos então em jogo. Obrigar-se, para todo o tempo, a
fazê-lo poderá ir ao encontro dos frígidos valores do Norte; não ao do calor do Sul. A
nulidade dos pactos leoninos não suscita, assim, dúvidas. Esclarecido este ponto, cabe
verificar o âmbito da proibição. É evidente que as partes, perante uma tentação leonina, não
irão exarar, expressis verbis, uma cláusula com o inerente teor. Tal cláusula ou é dissimulada
em diversas outras, ou consta de um extra, normalmente sob a forma de um acordo
parassocial. A valoração é, porém, material: atingirá todos os dispositivos que, seja qual for a
sua localização ou a sua configuração, conduzam à prévia e indeterminada disposição de
lucros ou à também prévia e indeterminada assunção de prejuízos. Verificada a nulidade do
pacto – ou a cláusula – leonina, a doutrina tem reclamado, sob inspiração italiana, a aplicação
– ou a aplicabilidade – do instituto da redução: a sociedade vigoraria sem a parte viciada,
salvo se se demonstrasse que, na sua falta,, as partes não teriam contratado (artigo 292.º CC).
Não é tão simples. Uma sociedade leonina não é uma sociedade comum com uma cláusula
leonina: surge, antes, como um negócio uno e distorcido em toda a sua conceção. A redução
não o pode salvar: apenas a conversão lhe valeria, desde que verificados os requisitos do
artigo 293.º CC: teremos de atender ao fim das partes e à sua vontade hipotética, com uma
diferente distribuição do ónus da prova.
48.º - Constituição financeira e defesa do capital
Constituição financeira; capitais próprios: o funcionamento de uma sociedade
comercial, num fenómeno particularmente visível nas sociedades anónimas, é suportado por
fluxos monetários. Aplicam-se-lhes regras especializadas a cujo conjunto a moderna
comercialística chama a constituição financeira das sociedades. Nesse domínio, é habitual a
distinção entre:
Capitais próprios;
Capitais alheios.
Os capitais próprios, com exemplo nas sociedades anónimas, abrangem, designadamente:
O capital social, correspondente à soma do valor nominal das ações subscritas ou de
um valor fixo, se estiverem em causa ações sem valor nominal, após a reforma
introduzida pelo Decreto-Lei n.º 49/2010, 19 maio;
As reservas de ágio ou de prémio de emissão, correspondentes à soma do sobrevalor
por que, com referência ao valor nominal, as ações tenham sido colocadas;
O montante de outras prestações feitas pelos acionistas;
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As reservas livres, constituídas por lucros não distribuídos e para elas encaminhados;
A reserva legal, imposta por lei;
Outras reservas.
Dizem-se capitais alheios, inter alia:
Obrigações;
Opções, covertible bonds;
Títulos de participação nos lucros e outros empréstimos.
No tocante aos capitais próprios, há que lidar com as regras gerais derivadas da escrituração
mercantil e da prestação de contas e, ainda, com regras especialmente prescritas para este
aspeto da vida societária. O Direito toma diversas medidas destinadas a proteger o capital
social. Elas visam a defesa dos terceiros, particularmente quando credores e, ainda, a tutela
das próprias sociedades, dos sócios do comércio em geral. Bastante relevantes são as regras
atinentes à temática das reservas. Como ponto de partida, devemos ter bem presente que as
sociedades comerciais operam dentro do Direito privado. Nessas condições, tem plena
aplicação o aforismo de que é permitido quanto não for proibido por lei. Todavia, estamos
num campo em que se jogam posições que as leis modernas vêm, por vezes, acautelar. Assim:
O interesse dos sócios minoritário;
Os direitos de terceiros credores da sociedade;
O valor social representado pela própria sociedade.
As leis de proteção, para além dos aspetos procedimentais de contabilidade e de prestação
de contas, regulam a hipótese de distribuição de lucros ao sócios. Tal distribuição pode afetar
duplamente as reservas: ora impedindo a sua formação, ora implicando o seu
desaparecimento. Em toda a problemática subsequente, devemos ter presente a natureza
essencialmente lucrativa do giro comercial. As empresas, em especial quando assumam a
forma de sociedades comerciais, visam produzir e captar lucros. Só assim elas poderão
congregar os capitais necessários para a subsequente criação de riqueza. Há, pois, que
encontrar uma bissetriz justa e adequada entre a tutela dos valores em jogo, que exige certas
regras atinentes aos capitais próprios e à proteção do lucro, condição sine qua non de
funcionamento do sistema.
A distribuição de bens ao sócios: consequência direta da personalização das
sociedades é a separação patrimonial: os bens da sociedade não se confundem com os dos
sócios. Mau grado essa lógica, os sócios têm, no seu conjunto, o controlo da sociedade.
Poderão entender, dentro da sua autonomia privada, que a sociedade não necessita de
determinados bens ou que, de todo o modo, eles melhor ficariam nas mão dos diversos
sócios. Não poderão deliberar uma distribuição, mais ou menos importante, de bens aos
sócios? A resposta à luz do Direito privado, seria tendencialmente positiva. Todavia, dois
óbices podem ser invocados:
O interesse dos credores da sociedade;
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A própria confiança do público na estabilidade dos entes coletivos.
Como se compreenderá, particularmente nas sociedades de capitais, cuja responsabilidade é
limitada, não é indiferente, aos credores, a consistência do património da sociedade e os bens
que, no mesmo, se encontrem. O Direito procurará acautelar esta vertente. Além disso, deve
haver, na comunidade, uma confiança generalizada na estabilidade dos entes coletivos. Não
se compreenderia que os bens circulassem, sem mais, entre a sociedade e os sócios. Mesmo
quando nada obste a tal circulação, compreende-se que se fixem formalidades e instâncias de
controlo que dignifiquem as sociedades e a todos tranquilizem. O artigo 32.º, n.º1 CSC
contém uma norma básica para a tutela dos credores, que clara fica com a sua transcrição:
«Sem prejuízo do preceituado quanto à redução do capital social, não podem ser distribuídos
aos sócios bens da sociedade quando o capital próprio desta, incluindo o resultado líquido do
exercício, tal como resulta das contas elaboradas e aprovadas nos termos legais, for inferior À
soma do capital e das reservas que a lei ou o contrato não permitem distribuir aos sócios ou se
tornasse inferior a esta soma em consequência da distribuição».
O n.º2 desse preceito visou uma adaptação às atuais regras contabilísticas. No fundo, esta
norma pretende que apenas possam ser distribuídos aos sócios, valores que, tecnicamente,
se devam considerar lucros. Em princípio, no que a situação líquida ultrapasse o capital e as
reservas não distribuíveis, há lucro. Como as dívidas são encontradas na situação líquida, a
posição dos credores fica assegurada. Na hipótese de o próprio capital ser considerado
excessivo: queda a solução de redução do capital: equivale a uma modificação do contrato
(artigo 85.º e seguintes CSC) com regras próprias (artigos 94.º e seguintes CSC). A coerência
do sistema é, depois, assegurada por um conveniente processo de distribuição de bens.
Consta ele do artigo 31.º CSC, traduzindo-se, essencialmente no seguinte:
A distribuição de bens (salvo a hipótese de distribuição antecipada de lucros e outros
casos previstos na lei) depende de deliberação dos sócios (n.º1);
Mesmo quando tomada, tal deliberação não deve ser executada pelos administradores
quando tenham fundadas razões para crer: que alterações ocorridas no património
social tornariam a distribuição ilícita perante o artigo 32.º CSC, que, de todo o modo,
violem os artigos 32.º e 33.º CSC ou que assentou em contas inadequadas (n.º2);
quando optem pela não execução, os administradores devem requerer inquérito
judicial;
A distribuição também não terá lugar após a citação da sociedade «para a ação de
invalidade de deliberação de aprovação do balanço ou de distribuição de reservas ou lucros de
exercício» (n.º4) sendo os autores de tal ação responsáveis, solidariamente, pelos
prejuízos que causem aos outros sócios, quando litiguem temerariamente ou de má
fé (n.º5).
Os bens indevidamente recebidos pelos sócios devem ser restituídos à sociedade: tal o
sentido geral do artigo 34.º CSC. Todavia, fica protegida a posição dos sócios de boa fé
(artigo 34.º, n.º1 CSC) sendo o todo aplicável aos transmissários dos direitos dos sócios (n.º2).
Os credores podem propor ação para restituição, à sociedade, das importâncias em causa,
tendo ainda ação contra os administradores (artigo 34.º n.º3 CSC). O n.º4 regula o ónus da
prova, enquanto o n.º5 alarga o dispositivo da restituição a «qualquer facto que faça beneficiar o
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património das referidas pessoas dos valores indevidamente atribuídos». Temos, aqui, manifestações do
instituto da repetição do indevido (artigos 476.º CC).
Lucros e reservas não distribuíveis: a tutela do capital social encontra, no nosso
Código das Sociedades Comerciais, um tratamento em duas partes:
Na da parte geral, isto é, em sede de regras aplicáveis a todas as sociedades;
Na da parte especial, relativa às sociedades anónimas, constando de normas que são
também mandadas aplicar às sociedades por quotas.
Todas estas regras devem ser interpretadas e aplicadas em conjunto. O artigo 33.º CSC,
epigrafada lucros e reservas não distribuíveis e inserido na parte geral, dispõe, no seu n.º1 a
proibição de distribuição de lucros do exercício que se mostrem necessários para cobrir
prejuízos transitados ou para formar ou reconstituir reservas obrigatórias, por lei ou pelos
estatutos. O preceito parece claro. A lei não define lucros de exercício, sendo de presumir
que recorre ao sentido comum dessa expressão. Por outro lado, a proibição reporta-se a
«lucros necessários para cobrir prejuízos transitados ou para formar ou reconstituir reservas» a contrario,
cabe distribuição de lucros quando os prejuízos transitados possam, legalmente, ser cobertos
de outra forma. O exemplo de escola será o de a sociedade ter constituído uma reserva
facultativa destinada, precisamente, a enfrentar determinados prejuízos previsíveis:
ocorrendo estes, a sua cobertura está assegurada; os lucros podem ser distribuídos, nos
termos legais. A solução apontada aflora no artigo 33.º n.º2 CSC. Veda-se, aí, a distribuição
de lucros doo exercício, enquanto as despesas de constituição, de investigação e de
desenvolvimento não estiverem completamente amortizadas. Solução lógica: trata-se de
despesas de lançamento de sociedade; se ainda não estiverem cobertas, não há, em bom rigor,
lucros a referenciar. Todavia, a proibição cessa se o montante das reservas livres e dos
resultados transitados for, pelo menos, igual ao dessas despesas não amortizadas. O legislador
pretende, de facto, que certas despesas não sejam deixadas a descoberto, a pretexto de
distribuição de lucros. A proibição já não faz sentido, quando existam esquemas reais e
efetivos que assegurem a pretendida cobertura. O Direito das sociedades comerciais deve
traduzir o império da verdade económica e funcional: não uma área de formalismo. O artigo
33.º, n.º3 CSC proíbe a distribuição das chamadas reservas ocultas. Duas razões depõem
nesse sentido:
Sendo ocultas, as reservas escapam ao conhecimento e ao controlo dos sócios e de
credores; a sua distribuição surgiria como uma pura disposição do património social;
Não constando da contabilidade, as reservas ocultas põem em crise a verdade do
balanço e da prestação de contas, mais se agravando essa situação com a sua
distribuição.
Este preceito tem, ainda, um papel importante: a contrario, diz-nos que podem ser distribuídas
as reservas cuja existência e cujo montante figurem, expressamente, no balanço. E, a fortiori,
elas poderão ser usadas para, por exemplo, cobrir prejuízos transitados. Finalmente, o artigo
33.º, n.º4 CSC traduz um afloramento do princípio da verdade e da transparência: havendo
distribuição de reservas, seja em que termos for, a deliberação deve mencioná-lo, de modo
expresso. Como vimos, o artigo 33.º, n.º1 CSC referia a hipótese de haver reservas impostas
por lei. Encontramos agora, no artigo 295.º CSC, a imposição de tal reserva: a reserva legal.
O n.º1 desse artigo dispõe:
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«Uma percentagem não inferior à vigésima parte dos lucros da sociedade é destinada à
constituição da reserva legal e, sendo caso disso, à sua reintegração, até que aquela represente a
quinta parte do capital social. No contrato de sociedade podem fixar-se percentagens e montante
mínimo mais elevados para a reserva legal».
O regime da reserva legal é, depois, complementado pelo artigo 296.º CSC. Quadro do
regime da reserva legal é claro e preciso:
Advém de, pelo menos, 1/20 dos lucros anuais;
Até atingir 1/5 do capital social;
E só podendo ser usada para os fins do artigo 296.º CSC.
As cifras podem ser majoradas pelo pacto social: não diminuídas. O artigo 295.º CSC dispõe,
de seguida:
«Ficam sujeitas ao regime da reserva legal as reservas constituídas pelos seguintes valores:
«a) Ágios obtidos na emissão de ações ou obrigações convertíveis em ações, em troca destas por
ações e em entradas em espécie;
«b) Saldos positivos de reavaliações monetárias que forem consentidas por lei, na medida em
que não forem necessários para cobrir prejuízos já acusados no balanço;
«c) Importâncias correspondentes a bens obtidos a título gratuito, quando não lhes tenha sido
imposto destino diferente, bem como acessões e prémios que venham a ser atribuídos a título
pertencentes à sociedade».
O n.º3 explica, com diversos pontos, em que consistem os ágios referidos na alínea a):
englobam, designadamente, o chamado prémio de emissão das ações. Pergunta-se: as
reservas em causa ficam sujeitas a todo o regime legal ou apenas a parte dele? Com a seguinte
consequência prática:
Se for a todo o regime legal, as reservas facultativas elencadas no artigo 295.º, n.º2
CSC só ficariam congeladas até à ocorrência de 1/5 do capital social;
Se for parte do regime – e sendo a parte o artigo 296.º CSC –, ficariam congeladas
sem limite de montante.
Questão nem deveria pôr-se: se a lei remete para o regime legal, é obviamente todo.
Fazer amputações apenas poderá conduzir a distorções em absoluto inimputáveis a
qualquer legislador razoável, como adiante melhor se verá.
A manutenção das reservas legais: o artigo 295.º, n.º2 CSC, quando sujeita ao regime
da reserva legal determinadas reservas livres, designadamente as constituídas pelos prémios
de emissão de ações, fá-lo apenas nos limites de 1/5 do capital social e isso se essa parcela
não estiver já coberta pela reserva legal e na medida em que isso (não) suceda. E assim sucede
por várias razões, todas elas confluentes e que passamos a referenciar. Em primeiro lugar,
temos um claro elemento gramatical. O artigo 295.º, n.º2 CSC sujeita determinadas reservas
livres «ao regime da reserva legal». O artigo 295.º, n.º1 CSC indica os primeiros e mais impressivos
traços do regime da reserva legal: o modo de constituição e o montante. E é nessa sequência
que o n.º2 explicita: ficam sujeitas ao regime da reserva legal. Esse aspeto quantitativo do
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regime estava direta e necessariamente em causa, parecendo, impensável vir escamoteá-lo,
apelando apenas a aspetos mais distantes. Em terceiro lugar, um elemento sistemático. Todo
o sistema do Código aponta para um regime de mínimos, os quais são ultrapassados por
expressa disposição estatutária. Alcançados esses mínimos, a própria reserva legal
excedentária fica disponível. Não se compreende como , de modo enviesado, o legislador iria
ampliar a latere, sem limite e à custa da liberdade empresarial, as verbas congeladas. Neste
ponto, a globalidade do sistema, com apoio na autonomia privada e no espaço de liberdade
que necessariamente aflora nas sociedades comerciais, sempre exigiria a solução que
propugnamos. A hipótese inversa, por contrariedade ao sistema e a valores fundamentais,
suscitaria, inclusive, problemas de (in) constitucionalidade, a prevenir pela interpretação.
49.º - A perda de metade do capital social
Generalidades; as redações do artigo 35. CSC: o artigo 35.º CSC dispõe sobre a
eventualidade da perda de metade do capital social das sociedades comerciais. Trata-se de
um preceito muito atormentado, que obteve estudos nossos, de Paulo Olavo Cinha, de Paulo
de Tarso Rodrigues e de Alexandre Mota Pinto, entre outros. O Decreto-Lei n.º 184/87, 21
abril, introduziu no Código, um novo título VII, referente a disposições gerais e de mera
ordenação social. Contem-se, aí, o artigo 523.º, com o teor seguinte:
«O gerente, administrador ou diretor de sociedade que, verificando pelas contas de exercício estar
perdida metade do capital, não der cumprimento ao disposto no artigo 35.º, n.º1 e 2, deste Código será
punido com prisão até três meses e multa até 90 dias».
O Decreto-Lei n.º 237/2001, 30 agosto, veio atingir diversos preceitos do Código, de modo
a reduzir as exigências de escritura pública. Nesse contexto – ou antes: fora dele – dispôs, no
artigo 4.º:
«O artigo 34.º do Código das Sociedades Comerciais entra em vigor na data da entrada em
vigor do presente diploma».
NA base da vacatio comum, o artigo 35.º terá entrado em vigor no dia 5 agosto 2001: no
Continente. Por pouco tempo. O Decreto-Lei n.º 162/2001, 11 julho, modificou os artigos
35.º e 141.º CSC. Até que o Decreto-Lei n.º 19/2005, 18 janeiro, lhe veio dar um novo rosto;
este Decreto-Lei alterou, ainda, os artigos 141.º e 171.º CSC determinando o seu artigo 2.º
uma aplicação retroativa: produz efeitos desde 31 dezembro de 2004. Por fim, o Decreto-
Lei n.º 76-A/2006, 29 março, veio introduzir mais uma pequena modificação. Retirou, do
n.º1, a referência «ou diretores», de modo a adequar o preceito aos novos figurinos das
sociedades anónimas.
Aspetos críticos: a 2.ª Diretriz de Direito as sociedades aplica-se, apenas, a sociedades
anónimas aplica-se, a sociedades anónimas. Ora o artigo 35.º CSC visa todas as sociedade,
incluindo a mais modesta empresa familiar. Além disso, o artigo 35.º CSC, logo na versão
original, supera, em muito, as exigências comunitárias. Este pecado original foi purgado com
uma suspensão de 15 anos. E então, ex abrupto:
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A reforma de 2001 vem pô-lo em vigor;
A reforma de 2002 vem agravá-lo, adiando porém a sua aplicação para 2005;
A reforma de 2005 intenta resolver o problema: veremos em que termos.
A aparente falta de elementos que alicercem as reformas legislativas obriga a um maior
cuidado na interpretação e na aplicação dos dispositivos em jogo. Em especial, há que
proceder às competentes integrações sistemáticas, o que obriga a conhecer elementos
históricos, comparatísticos e europeus.
O Código Comercial: a presença, no Direito português, de dispositivos destinados a
enfrentar as perdas societárias não é novidade de inspiração comunitária. De facto, o artigo
120.º CCom 1880, relativo aos casos de dissolução das sociedades anónimas, continha um
§4.º, com o seguinte teor:
«Os credores duma sociedade anonyma podem requerer a sua dissolução, provando que,
posteriormente a época dos seus contratos, metade do capital social está perdido; mas a sociedade
oppôr-se á dissolução, sempre que dê as necessárias garantias de pagamento aos seus credores».
O transcrito preceito vigorou durante 98 anos. Foi comentado e anotado por gerações de
grandes juristas. Não deu azo a dúvidas, nem a sobressaltos. O legislador de 1888 estava
essencialmente preocupado com os credores: a ideia patente no preâmbulo de 2002! De facto,
Veiga Beirão não veio obrigar a especiais esclarecimentos aos sócios (não bastarão as regras
sobre as contas?) nem se preocupou com os devedores dos administradores (não são eles
dedutíveis?). Bastaria dar, aos credores, poderes eficazes, até ao limite requerido pela garantia
dos seus créditos. A partir daí, manda o mercado. E, obviamente, estamos perante uma típica
questão de sociedades anónimas.
A segunda Diretriz: de seguida, cumpre referir a 2.ª Diretriz do Conselho, de 13
dezembro 1976, tendente a coordenar as garantias que, para proteção dos sócios e de
terceiros, são exigidas nos Estados-Membros às sociedades no que respeita à constituição da
sociedade anónima, bem como à conservação e às modificações do seu capital social. Dessa
Diretriz interessa reter o seu artigo 17.º: de acordo com o referido preâmbulo do Decreto-
Lei n.º 262/86, esse artigo está na base do artigo 35.º CSC, aqui em estudo. Diz o artigo 17.º,
da 2.ª Diretriz em causa:
«1. No caso de perda grave do capital subscrito, deve ser convocada uma assembleia geral no
prazo fixado pelas legislações dos Estados-Membros, para examinar se a sociedade deve ser
dissolvida ou se deve ser adotada qualquer outra medida.
«2. Para os efeitos previstos no n.º1, a legislação de um Estado-membro não se pode fixar em
mais de metade do capital subscrito o montante da perda considerada grave».
Como se vê, o artigo 17.º da 2.ª Diretriz é bastante flexível, aproximando-se do esquema
alemão. Deixa grande margem ao legisladores nacionais. A grande obrigação surgida do facto
das perdas consideradas é, no fundo, a de prevenir os sócios, no local de eleição para tal
efeito: a assembleia geral.
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A previsão vigente: regressando ao Direito Português, recordemos a redação em vigor
do artigo 35.º, n.º1 CSC:
«Resultando todas contas de exercício ou das contas intercalares, tal como elaboradas pelo órgão
de administração, que metade do capital social se encontra perdido, ou havendo em qualquer
momento fundadas razões para admitir que essa perda se verifica».
Contas de exercício são as previstas no artigo 65.º, n.º1 CSC, com referência a cada exercício
anual. As contas intercalares situam-se entre as contas de exercício, podendo ser requeridas
por lei especial ou pelos estatutos ou, ainda, derivar de mera prática interna. O artigo 35.º,
n.º1 CSC prevê ainda a hipótese de fundadas razões levarem a admitir as tais perdas graves.
Não há, aqui, diversamente do que sucede no AktG alemão, um dever de indagar a existência
de tais perdas. As fundadas razões serão, assim, aquelas que se imponham ao gestor normal,
colocado na posição do gestor real. Para serem fundadas elas deverão, de todo o modo,
arrancar de umas quaisquer contas anteriores. Tudo isto traduz um alargamento em relação
à redação anterior que apenas apresentava, como referencial, as contas de exercício. Seja
como for, o artigo 35.º, n.º2 CSC, inspirando-se, desta feita, no modelo italiano, veio
esclarecer:
«Considera-se estar perdida metade do capital social quando o capital próprio da sociedade
for igual ou inferior a metade do capital social».
Abandonou-se a referência, feita na reforma de 2002, ao capital próprio constante do balanço
de exercício, uma vez que a existência das perdas pode, agora, ser apurada na base dos
balanços intercalares ou das fundadas razões. Os capitais próprios abrangem, além do capital
social, as reservas de ágio, as prestações dos acionistas, a reserva legal, as reservas livres e
outras rubricas. Na lógica da lei, haverá que lhe subtrair o passivo. Todavia, não é pacífico,
entre os peritos, o exato alcance desse capital e, designadamente, se abrange expectativas de
negócio e reavaliações. Em situações de fronteira e no silêncio do legislador, tudo dependerá
das técnicas contabilísticas utilizadas.
As consequências: verificadas as tais perdas graves (artigo 35.º, n.º1, 2.ª parte CSC):
«devem os gerentes convocar de imediato a assembleia geral ou os administradores requerer
prontamente a convocação da mesma, a fim de nela se informar os sócios da situação e de estes
tomarem as medidas julgadas convenientes».
Desde logo merece reparo a pesada redação de todo este preceito. Haveria outras formas de
exprimir o pretendido sem, num único período, incluir uma dezena de predicados. Não
caberia, aliás, a este normativo especificar o modo de convocar a assembleia geral, figura que,
de resto, só é referida, no Código, a propósito de sociedades anónimas. Além do dever de
convocação, a lei determina a ordem do dia mínima, ainda que usando uma linguagem menos
curial (artigo 35.º, n.º3 CSC). A dissolução por deliberação dos sócios opera nos termos do
artigo 141.º, n.º1, alínea b) CSC. A redução do capital social deve observar os artigos 94.º e
seguintes CSC. Tratando-se, como se trata, de cobrir perdas, ficaria dispensada a autorização
judicial (artigo 95.º, n.º3 CSC) suprimida, de todo o modo, após a reforma de 2007. A ressalva
final do capital mínimo (artigo 96.º CSC) sempre teria aplicação, sendo dispensável o final da
alínea b). Quanto à realização de entradas: a competente deliberação especificará que tipo de
prestações estarão em jogo e qual o ritmo da sua realização, dentro dos fins da lei. Os três
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pontos elencados são, apenas, pontos para deliberação dos sócios. Nenhum deles tem de ser
aprovado. Desaparece a dissolução automática, tendo, consequentemente, sido suprimida a
alínea f) do artigo 141.º, n.º1 CSC. O legislador considerou que, não havendo redução do
capital, bastaria reportar a situação das perdas graves. Donde a adenda feita ao artigo 171.º,
n.º2 CSC, de modo a obrigar, nos atos externos, a publicitar:
«o montante do capital próprio segundo o último balanço aprovado, sempre que este for igual
ou inferior a metade do capital social».
Pode não haver nenhum balanço aprovado relativo a esse tema, sendo, todavia sabido, com
fundadas razões, que se verificaram as perdas graves aqui relevantes. Além disso, não
vislumbramos qualquer exequibilidade para tal preceito. Quid iuris se os administradores não
executarem o artigo 35.º CSC? Já vimos que desapareceu a dissolução automática. E também
desapareceu o dever de propor: tudo se queda, agora, por um dever de convocar ou de fazer
convocar a assembleia geral, com uma certa ordem do dia. Paralelamente, o legislador não
tocou no artigo 523.º CSC. Perante a vigente textura do artigo 35.º CSC, esse preceito perdeu
sentido útil. Resta concluir que o atual artigo 35.º CSC pode operar como fonte de deveres
legais, para efeitos de responsabilidade civil dos administradores para com a sociedade (artigo
72.º, n.º1 CSC na parte em que refere omissões) e para com os credores sociais (artigo 78.º,
n.º1 CSC). Perante a fórmula restritiva do artigo 79.º, n.º1 CSC, ao restringir-se aos danos
diretos, queda, como via de responsabilidade perante sócios e terceiros, o apelo às normas
de proteção (artigo 483.º, n.º1, 2.ª parte CC). As hipóteses de atuação de tais remédios são
académicas.
Secção III – A comparticipação na vida societária
Subsecção I – Os acordos parassociais
50.º - Os acordos parassociais: categorias, Direito comparado
Categorias básicas: como foi referido, a comparticipação dos sócios na vida societária
constitui um dos aspetos básicos do estado em que se inserem. Aí se concretiza o seu direito
ao trabalho e ao seu direito à iniciativa privada: pessoal e económica. Um moderno Direito
das sociedades deve dar a maior atenção a este aspeto, de resto, se entrecruzam direitos
fundamentais. O Direito português contém importantes elementos para a elaboração da
inerente categoria. A comparticipação dos sócios na vida societária obedece, antes de mais,
à autonomia privada e à sua livre iniciativa. Esta processa-se, contudo, no quadro da lei, dos
estatutos da sociedade e, ainda, de determinados acordos celebrados pelos sócios: são os
chamados acordos parassociais. Os acordos parassociais são convénios celebrados por sócios
de uma sociedade, nessa qualidade; visam, além disso, regular relações societárias.
Distinguem-se, em abstrato, do próprio pacto social, uma vez que apenas respeitam aos
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sócios que os celebrem, sem interferir no ente coletivo. E distinguem-se igualmente de
quaisquer outros acordos que os sócios possam celebrar entre si por, no seu objeto,
respeitarem a verdadeiras relações societárias. Compreende-se a delicadeza da figura; através
de acordos parassociais, os sócios podem defraudar todas as regras societárias e, ainda, os
próprios estatutos. Por isso, os diversos ordenamentos têm tecido, em torno dos acordos
parassociais, múltiplos esquemas restritivos. Os acordos parassociais podem respeitar ao
exercício do direito de voto: seja no tocante a aspetos pontuais, seja no que respeita à
estratégia geral da sociedade, no âmbito da política do pessoal ou da própria empresa. Por
vezes, implicam verdadeiras deliberações prévias. Podem ainda regular o regime das
participações sociais, fixando preferências ou variados processos de alienação. Neles os
sócios podem obrigar-se a subscrever aumentos futuros de capital ou a constituir novas
sociedades complementares. Em suma: há todo um universo subjacente, que adiante
documentaremos. O tema tem grande acuidade prática e apresenta completa dignidade
científica.
Nota comparatística: normalmente, apontam-se os países anglo-saxónicos, no século
XIX, como tendo dado azo aos primeiros acordos parassociais. Esta facilidade não radica
propriamente num exacerbar do princípio da liberdade contratual: antes joga a conceção
puramente patrimonial que o Common Law tem do direito de voto (right of property). Nas
palavras atribuídas ao juiz Jesser, no século XIX, «a shareholder’s vote is a right of property which he
may use as he pleases». E, naturalmente: dá corpo a uma forte capacidade de iniciativa individual,
com o respeito pelos compromissos assumidos nesse plano. Apenas em situações-limite,
perante fraudes desenvolvidas contra acionistas minoritários, se prevê uma intervenção do
ordenamento. No tocante à experiência norte-americana, cumpre salientar que ela é, neste
particular ponto, próxima da inglesa. Ficam ressalvadas normas injuntivas, nomeadamente
as que imponham ofertas públicas de aquisição. A experiência francesa teve, no seu início e
no tocante a convenções de voto, pedra angular dos acordos parassociais, um certo
desenvolvimento. As convenções de voto foram-se implantando, na prática, mau grado a
falta de bases legais. Pouco publicitadas, elas só vinham à luz em caso de conflito grave entre
acionistas. Nessa altura, tornava-se decisivo apurar qual a sua finalidade: a jurisprudência
admitia convenções de manifesto interesse social, invalidando as puramente egoístas.
Simplesmente, enquanto na Alemanha, as exigências da concentração e da racionalização,
operando em nome do interesse social, levaram à definitiva consagração dos acordos
parassociais, em França eles ter-se-ão prestado a jogos menos claros entre acionistas. Assim,
um Decreto-Lei de 1937 veio proibir as convenções de voto. Considerado excessivo, este
preceito obrigou a cuidadas tarefas de interpretação e de aplicação judiciais. Embora em
termos restritivos, certas convenções foram sendo toleradas. A lei das sociedades comerciais
de 1966, um tanto surpreendentemente, não se pronunciou sobre o tema. Apenas no seu
artigo 440.º, n.º3, surge um preceito penal punindo com multa e prisão a pessoa que aceite
vantagens para votar ou não votar em certo sentido, tal como aquela que as conceda, com
esses mesmos objetivos. A compra de votos está, pois, vedada. A evolução manteve-se, pois,
jurisprudencial. Assim:
São válidas as convenções nos grupos de sociedades, quando mais não façam do que
lhes dar corpo e joguem no interesse social;
São nulas as convenções pelas quais o acionista se obrigue antecipadamente a votar
neste ou naquele sentido.
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De todo o modo, o Direito francês é considerado pouco remissivo em relação às convenções
de voto. Subjaz, ainda, uma conceção de voto. Subjaz, ainda, uma conceção do voto como
direito funcional, que não poderia ser exercido fora do seu quadro próprio. Documentando
a riqueza dos Direitos do Velho Continente, a experiência francesa contrapõe-se, assim,
claramente à inglesa e, como veremos, à alemã. Dentro dos Direitos continentais, a
experiência alemã é frequentemente considerada como a mais favorável aos acordos
parassociais. Contrapor-se-ia até, globalmente e nessa base, aos Direitos latinos, mais
inclinados para a proibição. Todavia, no princípio do século XX, surgiu uma orientação
contrária à admissibilidade de acordos parassociais. Mais tarde, como veremos, a
jurisprudência inverteu a sua posição. Não obstante, mantiveram-se sempre vozes contrárias
à admissibilidade de pactos parassociais. As necessidades de organização económica e uma
conceção mais marcadamente empresarial das sociedades comerciais, particularmente das
anónimas, levou a jurisprudência a admitir a validade e a eficácia de acordos parassociais.
Nesta sequência, surgiu um movimento generalizado: no sentido da admissibilidade lata das
convenções de voto. Podemos confrontar, em especial, Fischer, Tank, Reuter, Konzen,
Luter/Grunewald e Martens, cabendo mencionar, a título de tratadistas recentes, Karsten
Schmidt, Christine Windbichler, Kübler/Assmann e Raiser/Veil. Também nas sociedades
por quotas tais convenções são possíveis. Acolhidas – salvo determinadas limitações de que
abaixo daremos conta – as convenções de voto, a Ciência Jurídica alemã tiraria diversas e
importantes conclusões, quanto ao seu regime. Assim, as convenções de voto foram
consideradas suscetíveis de execução específica, quando inobservadas; por exemplo: Peters,
Erman e Loewenheim, ainda na fase de afirmação. A jurisprudência admitiu esta orientação.
Uma opção que, embora dominante, não é unânime. A latitude com que, no Direito alemão,
são admitidos os acordos parassociais corresponde à lógica empresarial tradicionalmente
imprimida à gestão das sociedades. Consegue-se, designadamente e por meio de tais acordos,
uma administração estável, mau grado a dispersão do capital. É ainda importante sublinhar
que, na prática, o direito de voto vem a ser exercido pelos bancos onde se encontram
depositadas as ações. As convenções de voto servem estratégias coerentes de gestão e não
arranjos de momento. Devem ser interpretadas de modo integrado, procedendo-se à
ordenação da jurisprudência em constelações de casos. De todo o modo, o Direito Alemão
veio apontar determinadas restrições, seja por via específica, seja, genericamente, através da
interação de grandes princípios. A primeira proibição específica surge na lei sobre sociedades
anónimas de 1964 (AktG), a propósito dos preceitos penais e contraordenacionais; sanciona
o uso do voto contra a concessão de determinadas vantagens ou seja e em termos sintéticos:
a compra do voto. Os inerentes contratos serão, naturalmente, nulos. A doutrina discute,
depois, sobre a razão de ser desta restrição. No fundamental, o exercício do direito de voto
contra vantagens iria implicar o total desvirtuamento do ente coletivo, abrindo as portas a
um controlo dissociado da titularidade do capital. E como, além disso, as vantagens iriam,
em última análise, ser conferidas à custa da sociedade, teríamos aqui uma grave fonte de
prejuízos para os outros sócios e para os credores sociais. Uma segunda proibição específica
emerge do §136(2) AktG: é nulo o contrato pelo qual o acionista se obrigue a votar de acordo
com instruções da sociedade, da direção, do conselho de vigilância ou de uma empresa
subordinada. Para além das limitações específicas, têm vindo a surgir delimitações genéricas.
Uma convenção de voto pode pôr em cheque os sócios que nela não participem. Estes,
pensando subordinar-se aos estatutos da sociedade, acabam, afinal, por depender de acordos
a que foram estranhos e que nem têm de conhecer. Em suma: as convenções de voto não
podem atentar contra os deveres de lealdade existentes entre acionistas. Trata-se de uma
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construção classicamente assente na boa fé. No fundo, cabe proclamar não se possível,
através de acordos parassociais, conseguir o que não se poderia licitamente obter pelo simples
exercício do direito de voto. Os deveres de lealdade adstringem, particularmente, os grandes
acionistas, visando a tutela dos pequenos. Eles ficam ainda em causa quando os acordos
parassociais confiram posições vantajosas a terceiros, alheios à sociedade. O Direito italiano
posterior à codificação tinha contactos estreitos com o francês. Assim, tanto a doutrina como
a jurisprudência negavam a validade de convenções de voto. Aquando da feitura do Código
Civil de 1942, o tema foi ponderado. O legislador optou por não se pronunciar: não proibiu
– apesar da tradição existente – os acordos parassociais, antes os deixando à jurisprudência.
Subsequentemente, na base da doutrina – a que não será estranho o contributo alemão – os
acordos vieram a ser admitidos, particularmente na jurisprudência. Quanto aos primeiros, o
pacto parassocial não os comportaria: ele seria irrelevante, no tocante às suas relações com a
sociedade, não permitindo, designadamente, a impugnação das deliberações sociais tomadas
em sua violação. Por essa mesma ordem de razões, não é pensável a execução específica de
um acordo parassocial. Já nas relações puramente internas, os acordos parassociais poderiam
ser admitidos. A doutrina atual distingue múltiplas possibilidades, enquanto as leis mais
recentes vêm reconhecendo o papel da figura. Foi pioneiro, nesse sentido, o texto único da
intermediação financeira, numa evolução rematada pela reforma das sociedades de 2003,
introduzida no Código Civil. Muito significativa, nesta caminhada do Direito italiano, quer
pela evolução em si, quer por tocar num ponto sensível do moderno Direito das sociedades,
foi a alteração do Código Civil levada a cabo pela reforma societária de 2003. Foi, então,
introduzida no Código uma nova secção intitulada dos pactos parassociais, com dois artigos:
constituem a primeira referência feita, na lei fundamental, à figura que ora nos ocupa. Tem
essa nova secção dois artigos que cumpre divulgar. Uma noção geral consta do artigo 2341.º
bis - pactos parassocias:
«Os pactos, estipulados por qualquer forma, com o fim de estabilizar a titularidade ou o
governo das sociedades, que:
«a) Tenham por objeto o exercício do direito de voto nas sociedades por ações ou nas
sociedades que as controlem;
«b) Ponham limites à transferência de ações respetivas ou de participações na sociedade
que as controlem;
«c) Tenham por objeto ou como efeito o exercício também conjunto de uma influência
dominante sobre tais sociedade.
«não podem ter uma duração superior a cinco anos e entendem-se estipulações por essa duração
ainda que as partes lhes tenham previsto uma duração superior; os pactos são renováveis quando
caduquem.
«Quando o pacto não preveja um limite de duração, qualquer das partes tem o direito de
rescisão com um pré-aviso de seis meses.
«As disposições deste artigo não se aplicam aos pactos instrumentais e aos acordos de
colaboração na produção ou na troca de bens ou serviços e relativos a sociedades inteiramente
possuídas pelos participantes no acordo».
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Trata-se de uma inovação importante, de 2003, devidamente saudada pela doutrina. De
seguida, foi introduzido no Código Civil um segundo preceito – o artigo 2341.º ter – também
importante. Dispôs, sob a epígrafe publicidade dos pactos parassociais:
«Nas sociedades que recorram ao mercado de capitais de risco, os pactos parassociais devem
ser comunicados à sociedade e declarados no início de cada assembleia. A declaração deve ser
transcrita na ata e esta deve ser depositada na conservatória do registo das empresas.
«No caso da falta de declaração prevista no parágrafo anterior, os possuidores das ações a
que se refira o pacto parassocial não podem exercitar o direito de voto e as deliberações adotadas
com o seu voto determinante são impugnáveis nos termos do artigo 2377».
Este novo preceito visou prosseguir a transparência no governo das sociedades, impondo
publicidade. Esclareça-se que as sociedades que recorram ao capital de risco são, segundo o
artigo 2325.º bis, as sociedades emitentes de ações cotadas em mercados regulamentados ou
dispersas pelo público em medida revelante. Estamos, assim, perante uma norma mobiliária,
de que se espera um novo fluxo, no aprofundamento do tema.
51.º - Os acordos parassociais no Direito português
A experiência anterior ao Código das Sociedades Comerciais: a expressão
acordo parassocial terá sido introduzida, entre nós, por Fernando Galvão Teles, retomando
Oppo, em 1951. Pouco tempo depois, discutiu-se o problema da validade dos contratos
parassociais a propósito da Sociedade Industrial de Imprensa, SARL: o acórdão da Relação
de Lisboa de 18 maio 1955 pronunciou-se pela sua invalidade. Nesse caso, houve diversos
pareceres. Pronunciam-se pela invalidade Barbosa de Magalhães, Cavaleiro de Ferreira e
Fernando Olavo, enquanto Manuel de Andrade e Ferrer Correia tomaram posição inversa.
A jurisprudência manteve-se desfavorável aos acordos parassociais. A falta de apoio legal e a
orientação doutrinária dominante explicam esta opção negativista. A ela não terá sido
estranha a influência, então marcante, da literatura jurídica francesa. Entretanto, alguma
doutrina ia assumindo uma posição mais permissiva. Com antecedentes em Manuel de
Andrade e Ferrer Correia, Vaz Serra, Mário Raposo, Amândio de Azevedo e Pinto Furtado
vieram a adotar orientações favoráveis aos acordos parassociais. Importante foi, ainda, a
opção de Vasco Lobo Xavier, em benefício dos pactos.
O Direito vigente; apreciação crítica: o Código das Sociedades Comerciais, de 1986,
veio admitir genericamente os acordos parassociais. Fê-lo nos seguintes termos (artigo 17.º
CSC):
«1 – Os acordos parassociais celebrados entre todos ou entre alguns sócios pelos quais estes,
nessa qualidade, se obriguem a uma conduta não proibida por lei tem efeitos entre os
intervenientes, mas com base neles não podem ser impugnados atos da sociedade ou dos sócios
para com a sociedade.
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«2 – Os acordos referidos no número anterior podem respeitar ao exercício do direito de voto,
mas não à conduta de intervenientes ou de outras pessoas no exercício de funções de
administração ou de fiscalização.
«3 – São nulos os acordos pelos quais um sócio se obrigue a votar:
«a) Seguindo sempre as instruções da sociedade ou de um dos seus órgãos;
«b) Aprovando sempre as propostas feitas por estes;
«c) Exercendo o direito de voto ou abstendo-se de o exercer em contrapartida de
vantagens especiais».
Este preceito foi inspirado no AktG alemão e na Proposta de Quinta Diretriz6. O n.º3 é,
mesmo, uma tradução literal do seu artigo 35.º da aludida proposta, na versão de 19837. O
artigo 17.º CSC admite os acordos parassociais. Com isso, altera a orientação antes prevalente
de os considerar excluídos, por falta de base legal. Todavia - e desviando-se, neste ponto, do
Direito alemão – o n.º1 desse preceito apenas lhes confere uma eficácia obrigacional:
produzem efeitos entre os sócios intervenientes e, na sua base, não podem ser impugnados
atos da sociedade ou de sócios para com a sociedade. Retiramos ainda daqui que não é
possível – contra o que vimos ocorrer no Direito alemão – a execução específica de acordos
parassociais. Repare-se: o voto tem efeitos societários: não meramente obrigacionais. Admitir
uma ação de cumprimento (que teria aqui, de ser uma execução específica, já que o voto é
uma declaração de vontade que, não sendo emitida pelo próprio, teria de o ser pelo tribunal)
seria conferir, ao acordo parassocial, uma eficácia supra partes. O Direito alemão admite-o; o
Direito português não. Em geral, o legislador do artigo 17.º CSC não foi feliz. A sanha
tradutora e a subserviência perante textos comunitários têm impedido a gestação de um
pensamento jurídico nacional: a realidade sócio-económica não será idêntica à de Além-Reno.
O Direito comparado mostra que, na Alemanha, os acordos parassociais são úteis: permitem
dar coerência ao funcionamento das sociedades, num País onde se assiste a uma pulverização
do capital social. Já nos países latinos, os acordos parassociais traduzem, muitas vezes,
esquemas de controlo do poder ou de take over, à margem dos minoritários. As leis latinas
têm sido prudentes quanto à sua admissibilidade. O súbito entusiasmo pró-acordos
parassociais poderá ser menos adequado. Assim, ele foi compensado pela relativização dos
acordos. Eles são admitidos, mas com uma eficácia contida inter partes. O funcionamento da
sociedade não pode ser diretamente perturbado. Além disso, o acordo parassocial não
comporta execução específica: a isso se opõe a natureza das obrigações assumidas. Querendo
6 A matéria dos acordos parassociais mereceu a atenção da Proposta de 5.ª Diretriz, relativa a sociedades comerciais, de 19 agosto 1983, ligeiramente modificada em 1989. Segundo o artigo 35.º da Proposta, última versão:
«São nulas as convenções pelas quais um acionista se compromete: «a) A votar segundo instruções da sociedade ou do seu órgão de administração, de direção ou de fiscalização; «b) A votar aprovando sempre as propostas feitas por estes; «c) Ou, em contrapartida de vantagens especiais, a exercer o direito de voto num determinado sentido ou, pelo contrário, a abster-se».
O artigo transcrito reflete a influência alemã. 7 Mau grado a existência de regras duvidosas nesta Proposta, em especial a primeira – facilmente criticável: afinal, bastaria que as instruções fossem dadas por um terceiro, para se contornar a proibição –, e o facto de a Proposta da 5.ª Diretriz não estar perto da aprovação, o legislador português, adotou-a, praticamente ad nutum, neste artigo 17.º CSC. Trata-se de um insólito referido, como curiosidade, em autores estrangeiros (v. Pier Giusto Jaeger).
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conferir uma eficácia absoluta aos acordos parassociais, as partes têm, todavia, um caminho
em aberto: o de estabelecer pesadas cláusulas penais. Cabe agora aos tribunais, através do
exercício prudente e criterioso da faculdade de redução, equitativa (artigo 812.º CC),
moralizar esse procedimento, lícito à partida. No tocante às sociedades abertas, o CVM
inseriu uma norma da maior importância. O seu artigo 19.º, n.º1 CVM determinou que os
acordos parassociais que visem adquirir, manter ou reforçar uma participação qualificada em
sociedade aberta ou assegurar ou frustrar o êxito de oferta pública de aquisição devem ser
comunicados à CMVM por qualquer dos contraentes no prazo de três dias após a sua
celebração. A CMVM poderá determinar a publicação total ou parcial do acordo (n.º2). Por
fim, o n.º5 considera anuláveis as deliberações sociais tomadas na base de acordos não
comunicados ou não publicados, salvo se os votos em causa não tiverem sido determinantes.
Modalidades; os sindicatos de voto; garantias: os acordos parassociais podem
ter objetos diversificados: as classificações abundam, nas obras da especialidade. A principal
classificação distingue:
Acordos relativos ao regime das participações sociais: podem regular os mais diversos aspetos
relativos a elas – e, em especial, às ações. Particularmente em causa estará o regime
da sua transmissão, sendo de relevar:
o Proibições de alienação: absolutas, temporárias ou fora de um determinado
círculo de pessoas – normalmente, as que hajam subscrito o acordo;
o Direitos de preferência mútuos, com regulações mais ou menos explícitas,
sobre o seu exercício;
o Direitos de opção, na compra ou venda das participações sociais;
o Obrigações de subscrição de determinados aumentos de capital;
o Obrigações instrumentais, quanto ao manuseio de ações ou dos títulos que
as representem.
Por vezes, designadamente quanto a preferências, as partes atribuem eficácia real ao
negócio. Será um ponto a referir caso a caso, perante o regime das quotas e das ações;
Acordos relativos ao exercício do direito de voto: dos mais variados teores, podem implicar
três grandes tipos:
o As partes predeterminam, no próprio acordo, o sentido do voto, em termos
concretos: na reunião A, votar-se-á a proposta B;
o As partes obrigam-se a uma concertação futura, relativa a determinado tipo
de assuntos; fica entendido que eles não serão aprovados se, ambas (ou todas)
não estiverem de acordo; é a concertação por unanimidade;
o As partes obrigam-se a reunir em separado, antes de qualquer assembleia
geral, de modo a concertar o voto; aí, poderá prevalecer a opinião da maioria,
ficando a minoria obrigada a votar com ela;
Acordos relativos à organização da sociedade: implicam um misto de regime das
participações e de sindicato de voto. Temos, também aqui, as mais diversas hipóteses,
acordadas na prática:
o As partes adotam um plano para a empresa e comprometem-se a pô-lo em prática;
ficam implicadas votações concertadas em assembleia geral, indicações ou
eleições de administradores de confiança e, até, influências extrassocietárias;
o As partes repartem os órgãos societários; posto isto, votam todas, de modo
concertado;
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o As partes obrigam-se a investir, aumentando – obrigando-se a votar nesse
sentido – o capital e subscrevendo-o;
o As partes obrigam-se a enfrentar um concorrente: não lhe alienando ações,
isolando-o na assembleia (ou no conselho de administração, quando lá
chegue, por via do artigo 392.º CSC) ou acompanhando os seus movimentos
(entenda-se: dentro da sociedade e no que seja oficial e público);
o As partes obrigam-se a prever certas auditorias internas ou externas, votando
nesse sentido.
Modalidade de acordo parassocial é, ainda, a dos acordos omnilaterais. Trata-se de acordos
subscritos por todos os sócios e que assumiriam um especial relevo quando incompatíveis
com os estatutos. Nessa eventualidade, que não poderia atingir os interesses de terceiros,
haveria como que uma desconsideração (levantamento) da personalidade, para efeitos
internos. Noutros planos, têm sido considerados acordos de Joint-venture, convenções de
pool, designadamente familiares, acordos de voto isolados, convenções de tutela, de
consórcio e de colaboração e acordos de investimento, que podem abranger todos ou alguns
sócios. A tendência é para alargar o leque, impondo, todavia, publicidade. Acontece, muitas
vezes, que as partes preveem a obrigação de confidencialidade: não dão a conhecer a
existência do acordo. O artigo 19.º CVM obriga, como vimos, à comunicação e à publicação
dos pactos relativos às sociedades abertas. Mas não de todos: apenas os que visem adquirir,
manter ou reforçar uma participação qualificada em sociedade aberta ou assegura o frustrar
o êxito da OPA; torna-se, assim, operação de engenharia jurídica ladear esses âmbitos. Além
disso, fica o campo das sociedades não abertas, para o proliferar de pactos secretos: só se
tornam, em regra, públicos, quando se discuta a sua violação. Não vemos inconveniente em
que haja confidencialidade nos negócios, dentro dos limites da lei. Estes devem ser
ressalvados em qualquer contrato. A violação da confidencialidade obriga a indemnizar, salvo
o que abaixo se dirá sobre as garantias. Os acordos parassociais são, por vezes, dotados de
garantias poderosas. Temos, como exemplos:
O depósito das ações em contas de garantia – escrow accounts;
Cláusulas de rescisão, com ou sem pré-aviso;
Cláusulas penais.
Também é frequente a inserção de convenções de arbitragem: pretende-se uma justiça rápida
e eficaz: é evidente que um processo de anos para discutir um acordo parassocial nada tema
ver com a realidade das sociedades e da vida económica. Todavia, a arbitragem atravessa,
em Portugal, uma crise inacreditável. Generalizou-se, entre alguns juristas, a ideia de que a
arbitragem só vale se ganharem. Perdendo – mesmo que sem direito a recurso – tudo vale:
ações de nulidade do acórdão arbitral, ainda que sem fundamento, recursos não previstos na
lei e puro e simples inacatamento do decidido. Direito e Ética profissional terão de se ligar,
para pôr cobro a este insólito lastimável. Ou, noutros termos: a arbitragem é uma instância
para cavalheiros.
A exclusão da administração e da fiscalização: o artigo 17.º CSC, para além de
admitir os acordos parassociais, impondo a sua relatividade, contém determinadas restrições.
Assim, o seu n.º2 é lapidar dizendo que os acordos parassociais não podem respeitar à
conduta de intervenientes ou de outras pessoas no exercício de funções de administração ou
de fiscalização. A administração e a fiscalização ficam fora do universo aberto aos acordos
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parassociais. Quando muito, poderíamos admitir que o acordo visasse aspetos que, sendo da
competência da assembleia geral, pudessem refletir-se na administração e fiscalização: e
poucos serão, no caso das sociedades anónimas, visto o artigo 373.º, n.º3 CSC. A razão
dogmática do artigo 17.º, n.º2 CSC parece clara. As sociedades comerciais submetem-se a
um princípio de tipicidade (artigo 1.º, n.º3 CSC). As sociedades regem-se pelo pacto social
(artigo 9.º CSC) sujeito a reconhecimento das assinaturas das partes (artigo 7.º, n.º1 CSC) e
adquirem personalidade pelo seu registo (artigo 5.º CSC). Assim ficam acautelados os
interesses dos sócios, de terceiros e de toda a comunidade. As alterações ao pacto dos sócios,
de terceiros e de toda a comunidade. As alterações ao pacto passam, novamente, pelo crivo
da escritura e do registo, com diversas instâncias de fiscalização. Admitir acordos parassociais
com incidência na administração e na fiscalização equivaleria a permitir, a latere, uma
organização diferente da do pacto social. A tipicidade societária perderia sentido, uma vez
que a verdadeira orgânica seria parassocial. Além disso, seriam iludidos todos os preceitos
relativos ao pacto social e às suas alterações: escritura, registo e diversas fiscalizações. O
Direito é um todo coerente. A limitação do artigo 17.º, n.º2 CSC faz sentido. Todavia, ela
pode ser facilmente contornável e vai ao arrepio do Direito comparado. Não podemos
penalizar as já depauperadas empresas portuguesas, perante as concorrentes estrangeiras.
Preconizamos, assim, uma interpretação cuidada e restritiva, caso a caso. Neste ponto como
noutros, é importante que o legislador nacional, antes de intervir nas sociedades, se
documente no terreno e nos Direitos concorrentes. Ele deverá ainda, a uma Justiça conceitual,
somar preocupações de progresso económico e social.
Outras restrições: o artigo 17.º, n.º3 CSC, retomando o artigo 35.º da Proposta de Quinta
Diretriz e o §136.º (2) AktG alemão, veio, nas suas alíneas a) e b), proibir os acordos segundo
os quais o sócio deveria votar seguindo sempre as instruções dos órgãos sociais ou aprovando
sempre as propostas por eles feitas. No fundo, os sócios delegariam os seus votos,
materialmente, nos órgãos sociais, os quais tomariam as decisões substantivas. Várias razões
foram decantadas, no Direito alemão, para justificar esta proibição. A delegação do sentido
do voto nos órgãos sociais equivale à dissociação entre o capital e o risco: tudo se passaria
como se a sociedade, à margem do permitido, detivesse ações próprias. Mais importante nos
parece o facto de, por esta via, se contornar, novamente, o princípio da tipicidade societária:
o acordo parassocial iria estabelecer uma orgânica paralela, à margem da oficial. A evolução
das sociedades anónimas mostra que o sistema de reconhecimento automático teve como
contrapeso a divisão dos poderes dentro da sociedade e o estabelecimento de instâncias de
fiscalização. Tudo isto de perde quando o sentido do voto passe a ser dimanado pela
sociedade ou pelos seus órgãos. A proibição dos acordos de delegação é importante e
corresponde a dados estruturantes do sistema. Apenas teremos de interpretar restritivamente
as locuções sempre (alíneas a) e b) do n.º3 do artigo 17.º CSC) sob pena de tirar qualquer
alcance prático aos preceitos. O artigo 17.º, n.º3, alínea c) CSC proíbe os acordos pelos quais
alguém se comprometa a votar (ou a não votar) em certo sentido, mediante vantagens
especiais. Trata-se da proibição da chamada compra de votos, exarada nos Direitos francês
e alemão. O preceito justifica-se pela necessidade de fazer corresponder o risco à detenção
do capital. De outro modo, a autocontenção subjacente às sociedades modernas perder-se-
ia. Além disso, estaria aberta a porta aos mais graves atentados ao interesse social, isto é, ao
interesse comum dos sócios, garantia do interesse geral. A doutrina explica que estão em
causa quaisquer vantagens especiais, desde que operem como conexão, direta ou indireta, do
voto. Elas nem teriam de apresentar natureza patrimonial. Também é seguro que a vantagem
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pode resultar de um acordo mais vasto. Trata-se, agora, de interpretar o acordo parassocial,
no seu conjunto, de modo a , dele, retirar a eventual concessão de vantagens, a troco do voto.
Os acordos parassociais na prática societária portuguesa: os acordos
parassociais têm uma grande importância prática, particularmente a nível de grandes
empresas. Assumem várias funções, embora com especificidades nacionais. Vamos apontar
três motivos, os quais jogam, muitas vezes, em conjunto:
As reprivatizações: dirigem-se, em geral, ou a pequenos investidores praticamente
interessados apenas em mais valias esperadas ou a grupos descapitalizados de
potenciais gestores. Essa descapitalização teve a ver com as crises sucessivas dos anos
70 e 80 e com as nacionalizações de 1975, pouco ou nada indemnizadas. Além disso,
por razões quiçá ideológicas, as reprivatizações – ou algumas delas – previam uma
dispersão do capital, procurando manter o poder empresarial em gestores afetos ao
Estado ou a máquinas partidárias. O remédio possível para tudo isto residia no
agrupamento parassocial dos interessados, como modo de contrabalançar a dispersão
nominal do capital. Os pactos ficariam, naturalmente, no limite da legalidade;
A fraqueza económico-financeira de muitos participantes: decorre do que foi dito e, ainda, da
debilidade do mercado mobiliário: torna-se difícil captar para a bolsa as pequenas
poupanças, numa dificuldade que a burocracia reinante se encarregou de agravar.
Também aqui a associação dos interessados pode ser compensadora;
A recomposição mobiliária: pode requerer novas aquisições, permutas e alienações
programadas: os acordos parassociais dão corpo a tudo isso.
Na prática das empresas surgem, muitas vezes, acordos parassociais à margem do estrito
esquema do artigo 17.º CSC. Os desvios mais comuns são os seguintes:
Acordos parassociais que incluem cláusulas que nada têm a ver com a sociedade em
jogo;
Acordos parassociais em que intervêm não sócios, normalmente para adquirirem
opções de compra ou para as mais variadas combinações relacionadas com a
sociedade em jogo;
Acordos parassociais subscritos, também, pela própria sociedade cujos sócios se
concertam.
Deve ficar bem claro que estamos no Direito Privado. A liberdade contratual prevista no
artigo 405.º CC tem, aqui, direta aplicação. Nada impede as partes de celebrar contratos
mistos, que incluam elementos parassociais e, ainda, outros elementos típicos de outros
contratos, em como elementos totalmente originais. Os acordos parassociais atípicos não
podem, de modo algum, ser invalidades. Há, tão-só, que interpretá-los, reconstituindo a
vontade relevante das partes. Apenas quando se mostrem violadas normas imperativas, se
poderá questionar a sua validade. Os acordos parassociais estão pouco representados nas
decisões dos nossos tribunais. De facto o essencial da litigiosidade parassocial tem sido
submetida a instâncias arbitrais. E a esse nível as partes evitam, muitas vezes, qualquer
publicidade.
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Subsecção II – O direito à informação
52.º - Dogmática geral do direito à informação
A informação em Direito: o artigo 21.º, n.º1, alínea c) CSC, inclui, entre os direitos dos
sócios, o de obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato. O
termo lei refere-se, na realidade, ao Direito e à sua Ciência. Temos, pois, todo um vasto
campo, encoberto sob o direito à informação. À partida, devemos ter presente que o Direito
das sociedades é um Direito relativo a bens imateriais. Poderemos conceber sociedades muito
simples, em que os diversos sócios acompanhem, no momento, o desenrolar das atuações
societárias, atuações essas que , para mais, se reduziriam a operações de tipo material sobre
coisas corpóreas. Em regra, porém, isso não ocorre. O sócio, mesmo interessado, não pode
(nem deve: seria um embaraço) acompanhar, ponto por ponto, o que faz a sua sociedade.
Além disso, esta envolve-se numa teia de obrigações e de direitos, para com terceiros, que
não são percetíveis pelos sentidos. E tão-pouco são tangíveis as variadíssimas situações que
possam envolver o próprio sócio e que relevem para a sociedade. O Direito das sociedades
só funciona através de intrincada e permanente rede de informações, trocadas com a maior
naturalidade entre todos os intervenientes. De resto, isso sucede em boa parte das situações
jurídicas, assentes em vínculos imateriais. O Direito das sociedades fica incluído nesse
universo, assumindo as informações diversos papeis. A omnipresença das informações tem
levado o Direito a descurar a sua análise. Trata-se de algo pressuposto e que todos conhecem,
independentemente de quaisquer considerações dogmáticas. Todavia: a presença de
específicos esquemas destinados a proporcionar informações societárias e, ainda, o facto de
a informação – como todo o direito – não poder ser absoluta, leva o Direito das sociedades
a providenciar esquemas explícitos, no Direito privado. Os quadros subsequentes não são,
de resto, específicos para o Direito das sociedades embora, aí, tenham uma especial razão de
ser. A dogmática da informação é preenchida, fundamentalmente, com uma ponderação de
diversas classificações de deveres: dão uma ideia imediata sobre vários parâmetros do seu
regime. Retemos, designadamente, distinções com base nos seguintes critérios:
1. A base jurídico-positiva: Quanto à base jurídico-positiva, os deveres de informação
podem resultar:
De regras estritas indeterminadas: ocorrem institutos carecidos de
concretização: por exemplo, o dever de informar pré-contratual, assente na boa
fé (artigo 227.º, n.º1 CC) ou o dever de informar na pendência do contrato,
derivado da mesma bona fides (artigo 762.º, n.º2 CC);
De regras estritas: temos prescrições de informação que definem deveres à parte
(mais) densos. Na hipótese das regras estritas, logo se impõe uma subdistinção:
o Regras estritas comuns: cobrem uma generalidade indeterminada de situações
hipotéticas: tal obrigação predisposta nos artigos 573.º e seguintes CC.
o Regras estritas especiais: impõem-se mercê de normas jurídicas destinadas a
contemplar situações regulativas próprias de setores delimitadores. Assim
sucede com o artigo 75.º, n.º1 RGIC, para o setor bancário e com o citado
artigo 21.º, n.º1, alínea c) CSC, para as sociedades comerciais, ou o artigo
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417.º CPC, para o domínio processual. O regime geral dos artigos 573.º e
seguintes CC, é importante: ele terá aplicação, em todas as situações
relevantes, em termos de informação, sempre que lei especial não imponha
regime diverso. Trata-se de um regime simples e evidente:
Alguém tem de ter uma dúvida fundada quanto à existência ou ao
conteúdo de um direito – o direito de base – estando outrem em
condições de prestar informações necessárias.
Podendo o direito efetivar-se por via judicial, se não for
espontaneamente acatado;
2. A fonte: será, aqui, o facto jurídico que dê azo ao dever de informação. Na origem
encontramos, inevitavelmente: um direito duvidoso, quanto à existência ou ao teor e
alguém em posição de esclarecer. Quem saiba tudo não carece de informação, assim
como quem não saiba, não pode informar. Tempos, porém, uma contraposição
interessante:
O facto específico: corresponderá a uma precisa eventualidade que gere o dever
de informar: por exemplo, a ocorrência de negociações pré-contratuais ou o
evento de feição incerta que acione certas regras;
O status: é uma qualidade geral do sujeito que o habilita a colher informações.
Neste caso, o beneficiário poderá ficar isento de provar os concretos elementos
que fundariam o direito à informação: é o que sucede com o sócio.
3. O conteúdo: o dever de informação poderá assumir as mais variadas feições: tudo
depende do teor da comunicação a veicular. De todo o modo, são possíveis ordenações
e, designadamente, as que distingam:
Deveres de informação substanciais: o obrigado está adstrito a veicular a
verdade que conheça, descrevendo-a de modo compreensível e explícito. Assim,
na boa fé in contrahendo, o visado deverá descrever correta e cabalmente a situação
que conheça;
Deveres de informação formais: compete ao obrigado tão-só transmitir
elementos prefixados ou, se se quiser, informação codificada. Na informação aos
sócios, poderá (por hipótese) haver apenas que lhes entregar as contas: já não cabe
ao informador (para o caso: a própria sociedade) dar lições de contabilidade;
Podemos estabelecer uma tendencial relação inversa entre a substancialidade de uma
informação e a sua precisão inicial: quanto mais precisa for a comunicação, mais
formal é o seu cumprimento;
4. A determinação: cumpre contrapor:
A autodeterminação: cabe ao próprio obrigado, à medida que a situação progrida,
fixando os termos a informar e a matéria a que eles respeitem; no limite, só ele
estará em condições de poder precisar o universo sobre que deverá recair a
informação; à
Heterodeterminação: compete ao interessado definir a matéria sobre que deseja
ser informado. Assim: as informações a favorecer pelos administradores das
sociedades anónimas, aos sócios e em assembleia geral (artigo 290.º, n.º1 CSC);
5. A inserção sistemática: a informação pode tomar corpo:
Em prestações principais: perante um vínculo destinado a informar, seja ele
contratual ou legal, a informação integra a prestação principal. Por exemplo: o
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contrato destinado, precisamente, a informar ou o dever legal de informar previsto
no artigo 573.º CC;
Em prestações secundárias: em situações mais amplas que integrem,
estruturalmente, informações, estas preenchem o conteúdo de prestações
secundárias: o contrato de engenharia financeira ou o status de sócio, como
exemplos contratual e legal, respetivamente;
Em deveres acessórios: que podem acompanhar quaisquer vinculações, legais
ou contratuais, ex bona fide. A materialidade do ordenamento exigirá informações.
Esta classificação articula-se, ainda, com a contraposição dos deveres de informar
contratuais e legais.
Ocorrem, ainda, classificações específicas do Direito das sociedades: encontrá-las-emos a tal
propósito.
Aspetos evolutivos e configuração nas leis sobre sociedades; ordenação:
O dever de informar e a dogmática geral da informação parecem ter um teor de apreensão
fácil. Todavia, correspondem a um exercício muito forte de abstração, apenas possível
perante um desenvolvimento acentuado da Ciência do Direito. Tradicionalmente: o Direito
não se reportava diretamente a deveres de informar mas, apenas, a atuações materiais donde
a informação poderia fluir. Atendemos, por exemplo, em diversos preceitos, hoje revogados
do Código Veiga Beira: artigos 118.º, 155.º e 189.º. Os referidos artigos eram examinados
sem conexão com um dever geral de informação; essa sua integração operaria apenas perante
os quadros do Código das Sociedades Comerciais. No Direito das sociedades comerciais, o
direito dos sócios à informação desenvolveu-se, em especial, do domínio das sociedades
anónimas. Por um lado, é o setor societário mais evoluído e que serviu, de resto, como grande
matriz para todo o ramo jurídico-científico que ora nos ocupa. Por outro, é precisamente nas
sociedades anónimas que a distanciação entre o sócio e a sociedade e que a própria
imaterialidade das situações mais requer, em termos informativos. De todo o modo, não
oferece dúvidas o facto de o dever de informar se impor nos diversos tipos sociais. Trata-se,
além disso, de um fenómeno conhecido noutras áreas jurídicas; a sua dogmatização constituía,
seguramente, um fator de progresso e de aperfeiçoamento. O seu estudo mantém-se, porém,
algo disperso. O Direito à informação encontra-se disperso por várias fontes legais. Assim e
sem preocupação de exaustividade, cumpre referir:
Artigo 998.º, n.º1 CC: os sócios têm, injuntivamente, o direito de obter dos
administradores as informações de que necessitem sobre os negócios das sociedades,
de consultar os documentos a eles pertinentes e de exigir a prestação de contas;
Artigo 21.º, n.º1, alínea a) CSC: direito (geral) de obter informações sobre a vida da
sociedade;
Artigos 35.º, n.º1, 65.º e 66.º CSC: dever de relatar a gestão, com determinados
elementos;
Artigos 91.º, n.º2, 94.º, 98.º a 101.º, 119.º, 120.º e 132.º CSC: deveres de informação
relacionados com alterações do capital, fusões e cisões e transformações de
sociedades;
Artigos 146.º, n.º2, 152.º, n.º1, 155.º e 157.º CSC: deveres de informação cometidos,
direta ou indiretamente, aos liquidatários;
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Artigos 181.º, 214.º a 216.º e 288.º a 293.º CSC: direito à informação nas sociedades
em nome coletivo, por quotas e anónimas, respetivamente.
Há, ainda, que lidar com regras específicas referentes à gestão e à fiscalização de diversos
tipos sociais. Estas normas surgem algo tópicas: muito ligadas aos problemas que as vieram
a ocasionar. Podemos proceder à sua ordenação em função de vários critérios e nos termos
que seguem. A informação pode ser:
Ordinária: quando tenha a ver com a gestão comum da sociedade e com os negócios
que não caiam sob específicas previsões de informar;
Extraordinária: sempre que se reporte a hipóteses específicas: reduções ou
aumentos de capital, fusões, cisões ou transformações de sociedades: todas essas
eventualidades obrigam a específicas informações.
Com base no ensejo, relativamente à tomada de decisões, podemos distinguir:
A informação permanente: prestada a todo o momento, a pedido do sócio, ela
prevalece nas sociedades de pessoas;
A informação prévia: ocorre antes de cada assembleia geral, como prelúdio para uma
deliberação esclarecida; prevalece nas sociedades de capitais;
A informação em assembleia: efetivada em plena assembleia, como modo de instruir
o debate; normalmente têm-se em vista as sociedades anónimas; todavia, também se
aplica às sociedades por quotas.
Estes tipos de informação tomam corpo, quanto às sociedades anónimas, nos artigos 288.º,
289.º e 290.º, respetivamente.
Tipos de informação consoante o acesso; a informação pública: nem
sempre os assuntos relativos às sociedades podem, ad nutum, ser dados a conhecer a todos os
sócios. Basta ver que a sociedade poderá ser detentora de segredos vitais: científicos,
tecnológicos, estratégicos, comerciais ou pessoais, como exemplos. Por outro lado, a
qualidade de sócio pode ser totalmente circunstancial ou passageira: bastará adquirir em bolsa,
uma ação. Por isso, o Direito dos diversos países, com recurso a vários esquemas técnico-
legislativos, procura fixar círculos ou âmbitos de acessibilidade de informações societárias,
consoante as pessoas que a elas tenham acesso. A matéria tende a ser desenvolvida com base
nas sociedades anónimas: aquelas que, pela sua natureza e pelo relevo que assumem, mais
informações poderão ter para dar. Caso a caso haverá, depois, que ponderar a sua
aplicabilidade aos outros tipos societários e às próprias associações. A benefício de inventário,
vamos adiantar a existência de quatro círculos de matéria informativa societária, ordenados
em função do acesso que a eles se tenha:
Informação pública: é disponibilizada a todos os interessados, sócios ou não sócios.
Ela resulta do registo comercial e das publicações obrigatórias, nos termos acima
apontados. Ela poderá ainda ser disponibilizada ao balcão de sociedades que tenham
estabelecimentos abertos ao público e nos quais se transacionem valores que tenham
a ver com a própria sociedade, ou produtos para os quais certas características da
sociedade possam ter relevo. Por exemplo: saber se determinada agência de viagens
é uma sucursal de uma multinacional da especialidade.
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Informação reservada: é a que assiste aos sócios, devendo ser colhida nos termos
da lei e do contrato, nas palavras do artigo 21.º, n.º1, alínea c) CSC. Tendencialmente,
ela deveria assistir a todos os sócios: porém, a extrema dispersão do capital de certas
sociedades anónimas, que poderia colocar algumas dezenas de milhares de pessoas
em condições de pedir informações, com grandes custos para a própria sociedade,
levou a limitar, nas anónimas, alguma informação reservada, aos detentores de 1%
do capital social – artigo 288.º, n.º1 CSC.
Informação qualificada: assiste apenas a sócios que detenham posições mais
consideráveis no capital da sociedade: participações ditas qualificadas. É o que sucede
com as sociedades anónimas, onde, para aceder a certos elementos, se requerem 10%
do capital social agrupado (artigo 291.º CSC) ou com as sociedades por quotas, onde,
em princípio, todas as participações são consideradas, para este efeito, qualificadas
(artigo 214.º CSC). A informação qualificada mergulha mas funda na vida da
sociedade.
Informação secreta: pura e simplesmente, não pode ser disponibilizada aos sócios.
Trata-se, fundamentalmente, de informação sujeita a sigilo profissional ou de
informação que, a ser divulgada, poderia prejudicar os sócios ou a própria sociedade.
A informação corrente; limites: tradicionalmente, a informação societária tinha a ver
com o acesso às contas e à escrituração da sociedade. Nessa linha depunham os revogados
artigos 118.º e 119.º Código Veiga Beirão. Hoje, o artigo 21.º, n.º1, alínea c) CSC, limita-se a
referir informações sobre a vida da sociedade: parece estarmos, com clareza, perante um
âmbito mais vasto do que previsto em 1888. Mas o que se ganhou em amplidão perdeu-se
em clareza: o que entender por vida da sociedade, tomada em sentido lato, pode ligar-se à
vida particular dos administradores e, ate, dos quadros e demais colaboradores: tudo isso é
suscetível de interferir nos negócios sociais. O artigo 288.º CSC, relativo ao direito mínimo
à informação, no âmbito das sociedades anónimas, indica, no seu n.º1, o seguinte objeto da
informação, acessível aos acionistas que tenham, pelo menos, ações representativas de 1%
do capital social8:
a) Os relatórios de gestão e os documentos de prestação de contas previstos na lei,
relativos aos três últimos exercícios, incluindo os pareceres do conselho fiscal ou do
conselho geral, bem como os relatórios do revisor oficial de contas sujeitas a
publicidade, nos termos da lei;
b) As convocatórias, as atas e as listas de presença das reuniões das assembleias gerais e
especiais de acionistas e das assembleias gerais de obrigacionistas realizadas nos
últimos três anos;
c) Os montantes globais das remunerações pagas, relativamente a cada um dos últimos
três anos, aos membros do órgão de administração e do órgão de fiscalização;
8 Trata-se de uma restrição introduzida pelo Decreto-Lei n.º280/87, 8 julho. Segundo o n.º3 do preâmbulo deste diploma:
«Este o caso da amplitude do direito à informação, no tocante às sociedades anónimas. Sendo hoje um elemento fundamental da atividade societária, logo genericamente reconhecido na alínea c) do n.º1 do artigo 21.º, não deve ser entorpecido por limitações que lhe retirem a sua operância, em termos de razoabilidade. Mas, ao invés, não poderá ser convocado para uma dificilmente controlável devassa à vida interna da sociedade, para a qual, numa perspetiva prudencial, os sócios poderão lançar mão de outros meios».
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d) Os montantes globais das quantias pagas, relativamente a cada um dos últimos três
anos, aos dez ou aos cinco empregados da sociedade que recebam as remunerações
mais elevadas, consoante os efetivos de pessoal excedam ou não o número de 200;
e) O livro de registo de ações.
O artigo 289.º CSC, quanto a informações preparatórias da assembleia geral, vem acrescentar
como objeto da informação, durante os 15 dias anteriores à data da assembleia geral:
a) Os nomes completos dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização,
bem como da mesa da assembleia geral;
b) A indicação de outras sociedades em que os membros dos órgãos sociais exerçam
cargos sociais, com exceção das sociedades de profissionais;
c) AS propostas de deliberação a apresentar à assembleia geral pelo órgão de
administração, bem como os relatórios ou justificação que as devem acompanhar;
d) Quando estiver incluída na ordem do dia a eleição de membros de órgãos sociais, os
nomes das pessoas a propor para o órgão de administração, as suas qualificações
profissionais, a indicação das atividades profissionais exercidas nos últimos cinco
anos, designadamente no que respeita a funções exercidas noutras empresas ou na
própria sociedade e do número de ações da sociedade de que são titulares;
e) Quando se tratar da assembleia geral anual o relatório de gestão, as contas do
exercício e demais documentos de prestação de contas, incluindo a certificação legal
das contas e o parecer do conselho fiscal, ou o relatório anual do conselho geral,
conforme o caso.
O n.º2 acrescenta ainda, ao rol de elementos a disponibilizar aos acionistas, na sede da
sociedade, os requerimentos de inclusão de assunto na ordem do dia. Finalmente, o artigo
290.ºl CSC permite (n.º1) que o acionista requeira, em assembleia geral, que lhe sejam
prestadas informações verdadeiras, completas e elucidativas, que lhe facultem formar uma
opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberações. De outro modo, a
deliberação poderá ser anulável (n.º3). A grande questão que se põe é a de saber se a
enumeração legal de elementos, aqui exemplificada com as sociedades anónimas, sobre que
deva recair a informação, é taxativa ou se, a eles, há que acrescentar todos os outros
suscetíveis de integrar a vida da sociedade. Tratar-se de uma dúvida com tradições na nossa
comercialística. Perante o revogado artigo 189.º Código Veiga Beirão, perguntava-se se todos
os elementos da escrituração da sociedade deviam ser patentes se todos os elementos da
escrituração da sociedade deviam ser patentes aos acionistas ou se apenas alguns, indicados
para o efeito; Cunha Gonçalves optava pela primeira solução e Fernando Olavo pela segunda.
E a segunda viria a ter o apoio da jurisprudência e, aparentemente, do Código vigente e da
doutrina sobre ele formada. Os elementos indicados pela lei como objeto de informação são
taxativos. A informação intercalar (direito mínimo à informação, do artigo 288.º CSC) e a
preparatória da assembleia geral (artigo 289.º CSC), correspondem a comunicações
formalizadas. Trata-se de levar ao conhecimento dos sócios os precisos elementos elencados
na lei, sem necessidade de maiores explicações. Já as informações a prestar em assembleia
geral assumem uma dimensão substantiva informações verdadeiras, completas e elucidativas
que lhe permitam formar opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberação
(artigo 290.º, n.º1 CSC). Aqui, é inevitável apor limites: quatro:
A informação pedida não se enquadra na previsão do artigo 290.º, n.º1 CSC;
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A informação pedida é consumida pelo previsto no artigo 289.º CSC ou por
informações públicas;
A informação pedida é suscetível de ocasionar grave prejuízo à sociedade ou a outra
sociedade com ela coligada (artigo 290.º, n.º2, in medio CSC);
A informação pedida envolve segredo imposto por lei (artigo 290.º, n.º2, in fine CSC).
O artigo 290.º, n.º1 CSC é lato. Mas não abrange tudo: apenas matéria pertinente com o que
se delibere. Não faz sentido admitir alguém a deliberar sem lhe facultar os elementos
necessários para uma opção consciente: mas em termos de razoabilidade. Tudo o que
ultrapasse esse nexo de razoabilidade, já não tem de ser atendido. A informação a prestar
tem a ver com factos: não com a teoria da gestão de empresas. Quanto à consunção de
previsões de informação: se esta for disponibilizada ao público ou nos termos dos artigos
288.º e 289.º CSC, não há que repeti-la em assembleia geral. O acionista interessado terá de
fazer os seus trabalhos de casa: os administradores não são consultores nem docentes de
gestão. Finalmente, temos das previsões de informação inacessível: não pode ser prestada,
seja por prejudicar a sociedade, seja por violar a lei.
A informação qualificada e a informação secreta; balanço geral: a
informação qualificada, de acordo com o esquema proposto, é a dispensável, apenas, a sócios
que detenham uma participação significativa no capital social. Tais as hipóteses previstas no
artigo 214.º, n.º1 CSC, para os quotistas, em geral e no artigo 291.º CSC, para os acionistas.
No primeiro caso não há limites – a não ser os que advenham do próprio contrato ou, assim
o pensamos, de aplicação analógica dos artigos 290.º, n.º2 e 291.º, n.º4 CSC. No segundo,
exige-se uma participação de 10% do capital social; acionistas que não atinjam essa cifra
poderão agrupar-se, para o efeito. A informação qualificada recai sobre a gestão da sociedade
(artigo 214.º, n.º1 CSC) ou sobre assuntos sociais (artigo 291.º, n.º1 CSC); o artigo 21.º, n.º1,
alínea c) CSC, fara na vida da sociedade. Apesar da amplidão do dispositivo, sempre há
alguma delimitação pela positiva: não se jogam elementos estranhos à sociedade, numa
apreciação que compete aos administradores. Existe, noutras experiências próximas da nossa,
uma larga casuística, sobre os elementos a prestar. Uma apreciação deve ser feita em concreto.
A lei dá um direito reforçado de informação quando estejam em causa elementos capazes de
responsabilizar os administradores (artigo 214.º, n.º2, in medio CSC). Mesmo então, há que
ressalvar dois casos:
O de, pelo conteúdo do pedido ou por outras circunstâncias, ser patente não ser esse
o fim pelo pedido de informação;
O de se tratar de informação secreta.
O artigo 291.º, n.º4 CSC parece fazer ceder a informação secreta perante a invocação de se
tratar de efetivar a responsabilidade dos administradores ou de outros titulares de órgãos.
Tem de ser interpretado restritivamente. O segredo profissional não pode ceder a não ser
em casos previstos na lei e com intervenção do juiz: pense-se no segredo bancário ou no dos
seguros. Além disso, temos de lidar com a intimidade da vida privada, que pode estar
envolvida e que deve ser respeitada. Por outro lado, o valor responsabilizado dos
administradores deve ser ponderado quando conflitue com o prejuízo da sociedade ou dos
sócios. Finalmente, temos a informação secreta. Fica logo abrangida a informação coberta
pelo segredo profissional (Artigo 291.º, n.º4, alínea c) CSC). Além disso, está em causa:
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Informação a usar fora dos fins da sociedade ou (apenas) para prejudicar, seja a
própria sociedade, seja algum acionista (artigo 291.º, n.º4, alínea a) CSC);
Informação que, de todo o modo, possa prejudicar relevantemente a sociedade ou
algum acionista (artigo 291.º, n.º4, alínea b) CSC).
Como balanço geral de toda esta matéria e tendo em conta a concreta experiência das
empresas portuguesas, cumpre sublinhar o que segue. A assembleia geral só pode deliberar
sobre matérias de gestão da sociedade a pedido do órgão de administração (Artigo 373.º, n.º3
CSC). Quer isto dizer que ele opera mais como um fórum de discussão e de descompressão
do que como um lugar onde se joguem verdadeiras opções societárias: nas sociedades
anónimas e nas sociedades por quotas que, delas, se aproximem. A informação altamente
especializada não tem, em regra, aí, qualquer interesse. Quanto às informações qualificadas:
a realidade do nosso País mostra que são, aí, frequentes os conflitos de interesses. Os 10%
de acionistas que pretendem aceder aos assuntos da sociedade são, muitas vezes, elementos
de grupos concorrentes, que obtiveram na bolsa ou em processos de reprivatização, as
participações que invocam. Nessas condições, pensamos que a informação pode ser negada,
ao abrigo da cláusula do maior perigo. A lei deve ser fonte de justiça: não de gratuita
litigiosidade entre os operadores privados.
53.º - O regime do direito à informação
As regras aplicáveis: o regime da informação resulta dos diversos parâmetros acima
desenvolvidos. Cabe, agora, proceder à sua sistematização. Questão prévia, útil em todo o
processo subsequente, é a de determinar o escopo ou finalidade do direito à informação dos
sócios. Esse escopo articula-se com as duas grandes dimensões das sociedades: a da
colaboração e a da organização. Quanto à colaboração: os sócios só poderão produzir
trabalho útil, em prol da sociedade e no seu âmbito, se tiverem conhecimento do que se lhes
exige e do que é útil. A informação surge como condição prévia necessária de qualquer
colaboração. Trata-se de um aspeto que predomina nas sociedades de pessoas. Nas
sociedades de capitais, poder-se-ia considerar que a informação aos sócios seria dispensável.
Feita a aportação de capital, caberia aos sócios entregar a gestão a especialistas, abstendo-se
de os incomodar com perguntas. Todavia, a dimensão organizatória justifica ainda, e por
várias vias, a informação aos sócios. Esta opera:
Como pressuposto do voto em assembleia geral;
Como meio de legitimação dos investimentos e do mercado;
Como forma de fiscalização da administração;
Como tutela de minorias.
Admitindo o direito de voto em assembleia geral, há que providenciar para um conteúdo
efetivo. Não faz sentido votar sem saber o que se faz: atribuído o voto, há que disponibilizar
toda a informação necessária, útil e legitimadora para o seu exercício. Uma boa informação
levará os sócios a investir com segurança: quer inicialmente, quer em futuros aumentos de
capital. Além disso, permite-lhes avaliar corretamente as suas participações, base de
subsequentes decisões de venda adequadas ou de (novas) aquisições. Todo o mercado
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depende disso. A fiscalização da administração exige informações capazes. Este aspeto é
importante, uma vez que o moderno Direito das sociedades abandona, aos particulares, o
acompanhamento e a fiscalização dos respetivos organismos. Finalmente: a tutela das
minorias exige o conhecimento da vida das sociedades. Trata-se de uma dimensão importante,
para manter a atratividade das sociedades. O mercado também depende disso. Em suma:
essência colaborativa, nas sociedades de pessoas e defesa do mercado, nas de capitais: as duas
dimensões que apontam para a informação. Os sujeitos da obrigação de informar são,
respetivamente, os sócios e a própria sociedade. Para o efeito, o sócio pode-se fazer
representar, nos termos gerais: não há, aqui, qualquer direito pessoalíssimo, que apenas em
pessoa se possa exercer. Os estatutos não podem limitar a representação em assembleia geral,
segundo a atual redação do artigo 280.º CSC: isso vale, ipso iure, para o exercício do direito à
informação em assembleia. Fora isso, há que aplicar as regras gerais, extensivas, naturalmente,
ao exercício do direito à informação, nas sociedades por quotas (artigo 214.º CSC). Além dos
sócios, o artigo 293.º CSC atribui também o direito à informação ao representante comum
dos obrigacionistas, ao usufrutuário e ao credor pignoratício quando, por lei ou convenção,
lhes caiba exercer o direito de voto. Esta regra é extensiva, por analogia e com as competentes
adaptações, aos outros tipos societários. Além disso, haverá sempre um direito à informação,
por parte de quaisquer interessados, nos termos do artigo 573.º CC. Como sujeito passivo,
temos a sociedade, representada pelos administradores. Quando a informação disponível
esteja na posse de algum trabalhador ou de terceiros vinculados à sociedade, cabe à hierarquia
– à administração – acionar os mecanismos competentes para conseguir os elementos
pretendidos. O pedido de informação pode ser oral ou escrito: não depende de forma
especial, salvo quando a lei diga o contrário. De todo o modo, o sócio tem o ónus de se
identificar como tal e de explicitar o que pretenda. Não são operacionais pedidos confusos
ou indeterminados. Objeto da obrigação é a informação em jogo: autodeterminada ou
heterodeterminada, substancial ou formal, aberta ou reservada, conforme as circunstâncias.
A obrigação pode ser cumprida oralmente; por escrito quando a lei o preveja e como tal seja
pedida (artigo 14.º, n.º1, in fine CSC). A regra básica é, sempre, a da não sujeição das
declarações a qualquer forma solene, salvo quando a lei o determine (artigo 219.º CC).
Admitimos que os estatutos possam impor outras formas mais solenes – designadamente: a
escrita – para a prestação de certas informações. O direito à informação é, em princípio,
irrenunciável e inderrogável. Não pode haver renúncias prévias ao seu exercício, visto o
disposto no artigo 809.º CC, aqui aplicável. Possível é, sim, o seu não exercício in concreto
e, dentro dos limites dos bons costumes e ordem pública, a assunção, subsequente, do dever
de não o exercer. Também não pode haver derrogações: quer pelos estatutos, quer por
deliberação social. O artigo 214.º, n.º2 CSC admite que o pacto social regularmente o direito
à informação, desde que não ponha em causa o seu exercício efetivo ou o seu âmbito9. O
direito a informação não se constitui quando impossível; cessa, ainda, por impossibilidade
superveniente e, em especial, pela perda da informação solicitada. Pode, ainda,, ser
concretamente inexigível: pense-se em pedidos maciços de informação em plena assembleia,
com catálogos ou listas intermináveis. Ele extingue-se, nos termos gerais, pelo cumprimento
e por renúncia. Também podemos configurar a sua cessação pela publicitação geral do
elemento solicitado.
9 O artigo 214.º, n.º2, 2.ª parte CSC, ressalva ainda, com Ênfase, a hipótese de o direito à informação em três situações: hipotética responsabilidade do seu autor, exatidão dos documentos de prestação de contas e habilitação para o exercício do voto.
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Natureza e abuso: o direito à informação é uma posição pessoal que integra o status de
sócio. Podemos distinguir o direito abstrato à informação ou a pedir informações e o direito
concreto, potestativamente constituído, perante situações que possibilitem a sua efetivação.
Trata-se, de todo o modo, de uma posição ativa de cariz potestativo, que se vai adaptando
aos diversos tipos societários: pode, designadamente, ser de exercício individual ou coletivo.
Apesar da apregoada natureza pessoal, o direito à informação insere-se na realidade
patrimonial das participações societárias: já lhe tem sido dispensada a tutela específica da
propriedade privada, constitucionalmente garantida. Além dos casos acima apontados em
que o exercício do direito à informação é legalmente vedado, podemos genericamente
apontar a possibilidade de o bloquear por abuso ou por violação da lealdade. No fundamental
e perante o Direito português, estarão em causa as seguintes sub-hipóteses:
Venire contra factum proprium: ocorre quando o sócio tenha, com credibilidade,
inculcado na sociedade a convicção de que não iria exercer o seu direito e, depois, o
exerça, provocando danos.
Tu quoque: configura-se quando a informação decorra de um ilícito perpetrado pelo
sócio interessado o qual, assim, nada mais faria do que aproveitar o malefício próprio.
Desequilíbrio no exercício: temos desequilíbrio: o sócio, para uma vantagem mínima,
pede elementos que irão provocar um esforço máximo à sociedade.
Ocorre aqui perguntar se o direito à informação é meramente instrumental ou puramente
funcional. A eventual opção por este último termo indigitaria nova hipótese de abuso: a de
um pedido de informação fora do escopo legítimo. Mas não: o Direito português configura
a informação como um elemento a se: autónomo de quaisquer concretas finalidades. Estas
só relevam pela negativa, quando se pretenda usar a informação para fins estranhos à
sociedade ou para prejudicar terceiros. E assim substancializamos a informação. Parte
integrante do status de sócio, ela dá corpo à propriedade privada, à livre iniciativa económica
e à própria liberdade de associação. Vale por si. Não é instrumental. Finalmente, uma
referência ao abuso da própria informação, quando reservada ou privilegiada, também
conhecida por insider trading. Desta feita, trata-se de usar informação que se tenha obtido a
nível interno e que não seja conhecida pelas outras pessoas, para conseguir vantagens
extraordinárias e, designadamente: vendendo caro o que se saiba vai descer ou comprando
barato o que se conheça ir subir. Hoje, tal prática é incriminada pelo artigo 378.º CVM.
Garantia: o direito à informação é rodeado de diversas garantias. Desde logo, temos
sanções penais: o artigo 518.º CSC sanciona a recusa ilícita de informações, enquanto o artigo
519.º CSC penaliza o autor de informações falsas. De seguida, temos a anulabilidade das
deliberações sociais, causada pela recusa injustificada de informações (artigos 58.º, n.º1, alínea
c) e 290.º, n.º2 CSC). Também se nos afigura aplicável o esquema geral do incumprimento
das obrigações, com as indemnizações conexas: danos patrimoniais e não patrimoniais. No
tocante a este último aspeto, cabe explicar: embora o direito à informação se inscreva num
status essencialmente patrimonial, ele envolve uma dimensão pessoal. O sócio a quem, para
mais em público, seja recusada informação pertinente vê atingida a sua honra e o seu direito
de participar, ativamente, em iniciativas que lhe competem. Este aspeto deve ser
contemplado, até porque, muitas vezes, não se documentarão danos patrimoniais. O papel
retributivo e de preservação, geral e especial, da responsabilidade surgirá, então, com clareza.
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Certas informações dispõem de garantias específicas. A não apresentação do relatório de
gestão, das contas de exercício e dos demais documentos de contas dá azo ao inquérito
previsto no artigo 67.º, n.º1 CSC. O juiz, ouvidos os administradores, poderá então adotar
uma das medidas previstas no n.º2 desse preceito. Este inquérito não se confunde com o
inquérito judicial previsto nos artigos 216.º e 292.º CSC e regulado nos artigos 1048.º do
Código de Processo Civil. O inquérito judicial surge como um procedimento complicado e
pesado, a usar, somente quando necessário. Ele apenas deve ser pedido (artigos 216.º e 292.º,
n.º1 CSC) quando tenha sido recusada informação solicitada ao abrigo dos artigos 214.º,
288.º e 291.º CSC ou prestada informação presumivelmente falsa, incompleta ou não
elucidativa. Com oscilações, a jurisprudência admite que ele seja usado pelos próprios
administradores (gerentes). É essa a opção mais adequada. Feito o pedido, o juiz tem um lato
poder, no tocante à concretização das medidas a aplicar. Fundamentalmente, ele pode
determinar que seja prestada a informação em falta ou fixar prazo para a apresentação das
contas (artigo 1049.º CPC). Pode optar pelo inquérito à sociedade, fixando os pontos que a
diligência deve abranger e nomeando perito ou peritos para a investigação (artigo 1049.º, n.º2
CPC). O investigador poderá praticar os atos elencados no artigo 1049.º, n.º3 CPC, ou outros
que lhe sejam especificamente cometidos pelo juiz. São possíveis medidas cautelares (artigo
1050.º CPC). Finalmente, o artigo 292.º, n,º2 CSC prevê medidas draconianas:
a) A destituição das pessoas cuja responsabilidade por atos praticados no exercício de
cargos sociais tenha sido apurada;
b) A nomeação de um administrador ou diretor;
c) A dissolução da sociedade, se forem apurados factos que constituam causa de
dissolução, nos termos da lei ou do contrato, e ela tenha sido requerida.
O artigo 292.º, n.º6 CSC chega a admitir que o inquérito seja requerido sem precedência do
pedido de informações à sociedade se as circunstâncias do caso fizerem presumir que a
informação não será prestada ao acionista, nos termos da lei. O inquérito judicial é,
efetivamente, um esquema destinado a enfrentar problemas bem mais graves do que a não
prestação de informação ou a informação inexata. Justifica-se, por exemplo, quando a falta
de informação derive da falta de contas. O pedido de inquérito judicial já tem servido, entre
nós, para incomodar grandes sociedades ou para dar armas a minorias de bloqueio ou a
representantes de empresas concorrentes, que hajam logrado 10% das ações da sociedade
visada. O País real reclamaria menos garantias e uma melhor responsabilização dos
envolvidos.
As informações profissionalizadas; a responsabilização: na atualidade e no
que respeita às anónimas cotadas, a informação relevante é disponibilizada por grandes
agências ou consultores de âmbito internacional. A propósito de cada assembleia geral, elas
chegam a preconizar, ponto por ponto, o sentido de voto recomendado e o porquê. No que
respeita às sociedades portuguesas, e apesar de essas entidades disporem, em regra, de pessoal
habilitado nos Direitos e nas realidades de cada País, a informação assim disponibilizada é,
por vezes, insuficiente: quiçá, mesmo, confrangedora. De resto, as recomendações de
compra ou de venda, relativamente aos diversos valores mobiliários e as notações de risco
dispensadas a títulos de dívida primam pela irracionalidade. E todavia, elas contribuem, em
larga medida, para conformar o mercado. Do nosso ponto de vista, não é aceitável que o
Direito não possa intervir, nesta situação. Os profissionais de informações societárias,
quando atuem com dolo ou negligência, são responsabilizáveis, nos termos gerais. Os
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tribunais portugueses podem, por diversas vias, dispor de competência internacional para se
ocuparem do problema. E qualquer condenação aqui obtida é executável, na generalidade
dos países estrangeiros. Os agentes nacionais (e apropria República Portuguesa!) parecem ter
receio de agir: porventura por temerem novas desacreditações. Não pode ser: desde sempre
o Direito existe para defender quer a Justiça, quer os mais fracos.
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Capítulo X – Deliberações Sociais: Evolução
e Regime10
54.º - Noções básicas e evolução
Coordenadas dogmáticas: a deliberação é uma proposição imputada à decisão de um
conjunto de pessoas singulares ou seres humanos. Colocada nestes termos, a deliberação
assenta em pressupostos de legitimidade e assume, ela própria, uma dimensão legitimadora.
Perante a Ciência do Direito, a deliberação é, simplesmente, a decisão de um órgão coletivo,
sobre uma proposta. Para efeitos de deliberação, cada participante nesse órgão tem um (ou
mais) votos. O voto será, tecnicamente, a recusa ou a aceitação de uma proposta de
deliberação. A própria deliberação surge assimilada a uma manifestação de vontade coletiva.
Há que estar prevenido quanto a metadiscursos. A vontade é, em si, um fenómeno
psicológico puramente humano e individual. Uma coletividade não tem vontade: apenas
esquemas que permitam imputar-lhe uma proposição a qual, na origem, deverá ter vontades
humanas. A transposição dessas vontades para a pretensa vontade coletiva é sempre obra de
esquemas abstratos e, para o caso, de normas jurídicas: estas transpõem decisões humanas
para o modo coletivo. Podemos pois afirmar que, embora correspondendo a esquemas de
natureza psicológica e sociológica – e, portanto: naturais – a deliberação social acaba por ser
uma criação jurídico-cultural destinada a atribuir, a um grupo, uma determinada decisão.
Evolução geral: o facto de, na deliberação, se articularem várias vontades humanas obriga,
como se viu, a toda uma construção dogmática. Esta não surgiu de um momento para o
outro, antes tendo requerido uma evolução complexa. Num primeiro momento, a
deliberação surge como um dado empírico, de tipo psicológico: várias pessoas, juntas,
manifestam uma vontade unânime ou predominante num certo sentido; tal sentido é
imputado ao ente coletivo, como se de uma pessoa se tratasse. Von Gierke, com as suas
construções orgânicas, apresentou a deliberação como um ato conjunto (Gesamtakt), que
absorveria as singulares manifestações de vontade que o precedessem; esse ato seria
imputado ao ente coletivo. A necessidade de dar (algum) tratamento individualizado a tais
manifestações singulares de vontade levou alguma doutrina a ver, nas deliberações, um
convénio multilateral (Vereinbarung), que confluiria na decisão final. A doutrina privatista
recuperou a dogmática das deliberações, logo no início do século XX. Esta poderia ser
explicada com recurso à técnica do negócio jurídico: teríamos, então, negócios deliberativos,
isto é: negócios de um tipo específico mas, ainda, negócios O negócio deliberativo
caracteriza-se por postular diversas declarações confluentes; não havendo coincidência, ele
poderia formar-se por maioria, sendo oponível aos dissonantes. Surgiria, em suma, uma
vontade de conteúdo unitário e vinculativo. Esta posição vem dominando a civilística mais
recente, com exemplos em Flume e Larenz. Foi recebida em Portugal por Manuel de
Andrade. Embora mantendo uma linguagem mais empírica, a construção do ato deliberativo
10 Cordeiro, António Menezes; Direito das Sociedades, Parte Geral, Volume I; Almedina editores; 3.ª edição; Coimbra, Maio 2011.
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com recurso à metodologia negocial também se impôs, com alguma discussão, no Direito
das sociedades comerciais. Na base teremos uma formação unitária assente em várias
vontades individuais e à qual se poderão tendencialmente aplicar as regras dos negócios
jurídicos. Pelo menos: quanto possível. Também entre nós esta orientação veio a radicar-se.
Pinto Furtado mantém, todavia, que a deliberação integra, antes, um ato negocial: não um
negócio, uma vez que, como ato de vontade que efetivamente seria, ela não corresponderia
a uma autorregulamentação de interesses. Também Coutinho de Abreu sustenta que, por
vezes, as deliberações não tem substância jurídica não sendo, nessa eventualidade, negócios
jurídicos. Tem razão: a verdadeira deliberação recai sobre matéria jurídica, com efeitos de
Direito. Já a deliberação consultiva pode surgir como um verdadeiro negócio deliberativo.
Não compete recomeçar, aqui, uma discussão alongada sobre o conceito de negócio jurídico.
É evidente que a adoção, quanto a este, de leituras mais envolvidas (tipo autorregulamentação
de interesses) irá, depois, infletir as opções quanto à deliberação. De acordo com
experimentada tradição, manteremos o negócio jurídico como facto jurídico marcado pela
liberdade de celebração e pela liberdade de estipulação. O negócio jurídico, em si, não é uma
manifestação de vontade: não se confunda negócio com declaração. Antes surgirá como a
consequência de uma ou mais declarações de vontade11. Perante esta metodologia, não há
dúvidas de que a deliberação é um verdadeiro e próprio negócio jurídico: um facto
relevante para o Direito e marcado pela dupla liberdade: de celebração e de
estipulação. A deliberação não se identifica com as declarações de vontade que lhe subjazam
e não é, ela própria, uma declaração de vontade, singular, coletiva, concertada ou outra. A
sua inclusão no universo dos negócios tem, todavia, uma especial relevância teórica e prática,
uma vez que implica a aplicação de um regime. Todo o ramo das imputações às sociedades
segue, por esta via, os caminhos do Direito privado. No âmbito dos negócios, a deliberação
ocupa um lugar próprio, com um regime específico. Será um negócio deliberativo ou, muito
simplesmente… uma deliberação.
O desenvolvimento da experiência portuguesa: a matéria das deliberações
sociais veio a merecer a atenção do Direito, mercê de situações negativas e, designadamente,
da sua invalidade. Assimilada a uma comum manifestação de vontade, só que imputável a
uma pessoa coletiva, a deliberação mostrou requerer normas e específicas na eventualidade
da sua desconformidade com o Direito. Paradigmático, o artigo 146.º CCom, dispunha:
«Todo o sócio ou acionista, que tiver protestado em reunião ou assembleia geral de sócios contra
qualquer deliberação nela tomada em oposição às disposições expressas da lei ou contrato social,
pode, no prazo de vinte dias, levar o seu protesto com as provas que tiver ao tribunal de comércio
respetivo, e pedir que se julgue nula a deliberação, ouvida a sociedade».
O artigo 46.º LSQ continha um preceito semelhante, embora com o prazo de cinco dias.
Ainda no âmbito do Código Comercial, o artigo 181.º referia a convocação da assembleia
geral e considerava, no seu §único:
«(…) nula toda a deliberação tomada sobre objeto estranho àquele para que a assembleia geral
houvesse sido convocada, salvo tendo sido comunicada aos acionistas não presentes pela forma
de convocação, e não houver dentro do prazo de trinta dias».
11 Bartholomeyczik explica-se nestes termos:
«A deliberação não corresponde a uma declaração de vontade mas antes à formação da vontade dos particulares».
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Por seu turno, o artigo 186.º, do mesmo Código, previa:
«Todo o acionista tem direito de protestar contra as deliberações tomadas em oposição às
disposições expressas na lei e nos estatutos, e poderá requerer ao respetivo juiz presidente do
tribunal de comércio a suspensão da execução de tais deliberações, com prévia notificação dos
diretores».
A LSQ, de 11 abril 1901, continha um capítulo IV intitulado das deliberações sociais, o qual se
ocupava, no essencial, da convocação e do funcionamento da assembleia geral, prevendo
determinadas sanções. O seu artigo 36.º, §§2.º e 3.º admitia que certas deliberações, em vez
de se formarem em assembleia, pudessem resultar de escrito que todos os sócios
subscrevessem. Esta figura foi, como vimos, generalizada pelo artigo 54.º, n.º1 CSC, como
deliberação unânime por escrito. O Direito das sociedades português orientava-se assim, neste
tema, em moldes pragmáticos. As investigações realizadas, com relevo para de Vasco Lobo
Xavier, ocorreram já na ponta final da vigência do Código Comercial e enfocaram,
fundamentalmente, a invalidade das deliberações. Aquando da preparação do Código das
Sociedades Comercias, a matéria conheceu um lato desenvolvimento. Temos, em primeiro
lugar, o contributo de Vaz Serra; este Autor ocupou-se do tema de modo fragmentário,
referindo os casos de supressão de direitos especiais e do abuso do direito. O Anteprojeto
de lei sobre sociedades por quotas de responsabilidade limitada, de Coimbra, dedicou ao
tema um espaço mais considerável: artigos 100.º a 118.º No Projeto, a matéria foi condensada,
surgindo com a configuração atual. Na base de uma forte componente doutrinária, o Código
das Sociedades Comerciais veio prever um capítulo geral – o IV – sobre o que chama
deliberações dos sócios. Trata-se de um conjunto de onze artigos – 53.º a 63.º CSC –, por
vezes bastante densos, onde se ocupa:
De deliberações sociais e de alguns dos seus aspetos (artigo 53.º a 55.º CSC);
Da invalidade das deliberações (artigos 56.º a 59.º CSC);
De aspetos processuais ligados a essa invalidade e das suas consequências (artigos
60.º a 62.º CSC);
Das atas (artigo 63.º CSC).
A matéria acaba pro assumir alguma complexidade, sendo de estranhar que se evite falar em
assembleias gerais. Além dos preceitos gerais descritos, temos ainda regras específicas para
as deliberações no âmbito das sociedades em nome coletivo (artigos 189.º a 193.º CSC), das
sociedades por quotas (artigo s246.º a 251.º CSC), das sociedades anónimas (artigos 373.º a
389.º CSC) e das sociedades em comandita (artigo 472.º CSC), retomando, muitas vezes,
fórmulas gerais. O Código da Sociedades deveria ser uma lei simples, diretamente dirigida
para a prática e para operadores sem formação jurídica. Um ponto a reter, em futuras
reformas.
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55.º - Regime geral
Tipos de deliberações: primazia da deliberação em assembleia geral: comecemos por recordar uma referência terminológica: o Código refere deliberações dos
sócios, evitando deliberações sociais, da sociedade, da assembleia ou de quaisquer outros
órgãos. Oficialmente: porque os sócios podem deliberar não só em assembleia mas também,
noutros casos, diretamente, sem reunião 12 . De facto, os sócios emitem declarações de
vontade; maxime: votam. A deliberação é do órgão a que pertençam, sendo imputável à
sociedade. As expressões deliberação da assembleia e deliberação social – esta última,
tradicional e usada pelo saudoso Professor Lobo Xavier – são corretas: mais corretas. A
deliberação não deixa de ser social pelo facto de os sócios votarem sem se reunirem em
assembleia; já a referência a deliberações dos sócios, nessas circunstâncias, não parece correta.
No fundo, ela deriva de um posicionamento radicalmente individualista e contratual, no
campo societário. Isso equivale, aqui, a negar todo um importante antecedente, institucional
e publicista, no campo das sociedades. O artigo 53.º, n.º1 CSC parece impor uma regra de
tipicidade, no tocante às formas de deliberações dos sócios: só podem ser tomadas por algum
dos modos admitidos por lei para cada tipo de sociedade. Na verdade, a lei pretende dizer
que os órgãos sociais estão sujeitos ao princípio da tipicidade: os sócios não podem, pois,
deliberar fora dos figurinos orgânicos previstos para cada uma delas. No tocante à forma –
no sentido técnico que o termo assume no Direito privado – mantém-se uma regra de
liberdade: os sócios poderão deliberar, conforme o ajustado, por escrito, de braço levantado,
com tarjetas ou palmatórias, por levantados e sentados, etc.. Quando muito, admitimos que
os estatutos fixem regras, nesse domínio. Não o fazendo, a forma da deliberação será fixada
por deliberação dos sócios ou por decisão do presidente da mesa da assembleia (artigo 348.º,
n.º8 CSC). Feita esta correção terminológica, torna-se fácil entender o artigo 53.º, n.º2 CSC:
as disposições legais ou estatutárias relativas a deliberações de assembleia geral aplicam-se
aos correspondentes órgãos dos diversos tipos, salvo solução (interpretativa) diversa. A
deliberação social implica uma coordenação entre as distintas pessoas que nela possam
participar. Haverá, assim, sempre um procedimento prévio a seguir: mais ou menos
complicado, mas necessário. O Código, mau grado o desenvolvimento dado à matéria,
acabou por não tratar sistematicamente este aspeto. Resulta do artigo 54.º, n.º1 CSC a
possibilidade de dois grandes tipos de procedimento, para efeitos de deliberação social:
A deliberação em assembleia;
A deliberação por escrito.
Como temos vindo a referir, o grande modelo que presidiu à evolução histórica e à
dogmatização das deliberações sociais é a deliberação em assembleia. As outras modalidades
são, dela, meros sucedâneos. E é a deliberações em assembleia que a própria lei dedica o
melhor do seu esforço. E quanto a assembleias, a matiz é, naturalmente, a das sociedades
anónimas.
12 O Projeto, aproveitando ensinamentos do Direito público, fazia uma distinção entre deliberações e resoluções; estas últimas coadunar-se-iam com decisões tomadas pela administração e pelo conselho fiscal e que não seria diretamente impugnáveis. A referência a resoluções foi abandonada, por sugestão de Brito Correia. Tudo é apelidado deliberações, assim surgindo dúvidas de interpretação.
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O processo deliberativo: a deliberação exige uma coordenação entre diversas pessoas.
Podemos falar num processo deliberativo: um conjunto de atos concatenados para a
obtenção de um fim: a própria deliberação. A matéria, versada a propósito das sociedades
anónimas, pode explicitar-se nos pontos seguintes:
Uma convocatória cabal;
Uma reunião da assembleia, com presidência secretariado, verificação de presenças e
ata;
Uma ou mais propostas;
Um debate;
Uma votação, com escrutínio e proclamação do resultado;
A elaboração da ata.
A convocação cabal dependerá das circunstâncias, do órgão e do tipo de sociedade em causa.
Ela deverá ser dirigida a todas as pessoas que tenham o direito de participar na assembleia,
indicando o local, a hora e a ordem de trabalhos. Deverá, ainda, ser assinada pela pessoa com
competência para a convocação. Nalguns casos, a convocatória deve ser publicada (artigo
377.º, n.º2 CSC), podendo bastar-se com esse tipo de comunicação: pense-se nas sociedades
com milhares de sócios (idem, n.º3). Isto posto, terá de decorrer uma reunião, em termos
ordeiros: mesa (presidência e secretariado), verificação das presenças (pode, eventualmente,
haver representações) e realização de ata: fundamental para provar qualquer deliberação em
assembleia (artigo 63.º, n.º1, 1.ª parte CSC). Na reunião em causa terão de surgir propostas,
as quais cairão na matéria da ordem do dia: apenas sobre propostas se poderá formar a
aquiescência ou a rejeição dos sócios. Havendo propostas, é normal abrir-se um debate. Aliás,
é esse o momento por vezes indicado para pedidos de informação (artigo 290.º CSC).
Todavia, o debate poderá ser dispensado. Seguir-se-á, depois, a votação: normalmente, por
maioria do capital, representado. Poder-se-á, porém, exigir alguma maioria qualificada ou,
até, a unanimidade. A deliberação corresponderá à proposta aprovada. A aprovação com
modificações é, na realidade, a aprovação de uma proposta modificada em relação a uma
outra, inicialmente apresentada Feita a votação, haverá que contar os votos, com as
necessárias ponderações: o voto é real: não pessoal; depende do capital detido ou
representado por cada votante13. Finalmente: o resultado é proclamado, constando da ata
(artigo 63.º, n.º1, 1.ª parte CSC).
Deliberação por escrito e assembleias universais: a deliberação pode ser tomada
por escrito, independentemente da reunião dos sócios em assembleia. O artigo 54.º, n.º1 CSC
admite este tipo de procedimento, desde que haja uma aprovação por unanimidade. Tudo
isto deve ser interpretado em termos atualistas. Admitimos que os estatutos possam prever
uma reunião por teleconferência: telefónica, por vídeo ou pela Internet. Tratar-se-á, então,
de uma verdadeira assembleia: não há, entre as diversas manifestações de vontade, um lapso
de tempo juridicamente relevante. Fala-se, como vimos, em assembleias virtuais. A
deliberação por escrito corresponde a algo diverso: os sócios prescindem da troca de opiniões
e de argumentos e da obtenção de novas informações. Vão emitindo as vontades respetivas
13 Exceto, supletivamente, nas sociedades em nome coletivo: artigo 190.º, n.º1 CSC.
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em separado e podendo ocorrer lapsos de tempo relevantes entre eles. A referência a escrito
pode ser alargada: vontade depositada em gravação, vídeo ou áudio, vontade por núncio ou
vontade teletransmitida, mas sem reunião. A especialidade reside na exigência de
unanimidade. Eis a justificação: ninguém pode ser despojado do direito de argumentar e de
colocar questões aos proponentes e à administração. Logo, todos terão de prescindir,
livremente, dos inerentes direitos. No entanto, parece possível que, por unanimidade, se
delibere adotar o voto por escrito. Dado esse passo, os votos podem não ser unânimes:
prevalece, então, a maioria14. O legislador de 1986 adotou uma metodologia radicalmente
contratual. Todavia, sucumbiu à tentação regulamentadora jurídico-publicistica. Dentro de
limites, convém ter presente que estamos em Direito privado e que os sócios detêm posições
disponíveis. Surge, ainda, a modalidade das assembleias universais: trata-se de assembleias
gerais que reúnam (artigo 54.º, n.º1 CSC):
«(…) sem observância de formalidades prévias, desde que todos estejam presentes e todos
manifestem a vontade de que a assembleia se constitua e delibere sobre determinado assunto».
A assembleia universal dispensa o esquema das convocatórias. Ela é operacional em
sociedades com um pequeno número de sócios, marcada pela confiança mútua. Logicamente:
a assembleia universal não tem ordem do dia: só pode deliberar (ainda que por maioria) sobre
assuntos que todos os sócios tenham concordado pôr à apreciação do coletivo societário.
Depois de montada e em funcionamento, com o acordo de todos os sócios quanto à ordem
do dia, ela pode funcionar por simples maioria, nos termos gerais.
56.º - A ata
Noção e conteúdo mínimo: no processo tendente à tomada de deliberações, um papel
essencial é assumido ela ata. No tocante às sociedades anónimas, para além dos preceitos
gerais abaixo examinados, cumpre reter o artigo 338.º. Pois bem: diz-se, em geral, ata o
documento de onde conste o relato, mais ou menos pormenorizado, do decurso de uma
reunião. Tratando-se de deliberações dos sócios, a ata reportar-se-á à assembleia. O artigo
63.º, n.º2 regula o conteúdo mínimo da ata:
a) A identificação da sociedade, o lugar, o dia e a hora da reunião;
b) O nome do presidente e, se os houver, dos secretários;
c) Os nomes dos sócios presentes ou representados e o valor nominal das partes sociais,
quotas ou ações de cada um, salvo nos casos em que a lei mande organizar lista de
presenças, que deve ser anexada à ata;
d) A ordem do dia constante da conservatória, salvo quando esta seja anexada à ata;
e) A ordem do dia constante da convocatória, salvo quando este seja anexada à ata;
14 Não se confunda esta situação com o voto escrito previsto no artigo 247.º, n.º1 CSC, para as sociedades por quotas: aí, a iniciativa é da gerência e não se exige qualquer unanimidade.
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f) Referência aos documentos e relatórios submetidos à assembleia;
g) O teor das deliberações tomadas;
h) Os resultados das votações;
i) O sentido das declarações dos sócios, se estes o requererem.
Com alguma frequência, as atas vão mais longe: referem as intervenções dos diversos sócios
fazendo, delas, uma súmula. Também ocorre, particularmente em situações litigiosas e pré-
litigiosas, que as atas passem a transcrever as intervenções15. Em rigor, não é essa a sua função.
A ata é um documento escrito. É o que se infere dos próprios requisitos acima transcritos,
da exigência de assinaturas (artigo 63.º, n.º3 CSC) e de deverem ser lavradas no respetivo
livro ou em folhas soltas… A mera gravação, ótica, sonora ou vídeo da reunião não vale
como ata16. As atas devem ser lavradas no respetivo livro ou em folhas soltas (artigo 63.º,
n.º4, 1.ª parte CSC). A primeira hipótese é mais manuseável e dá garantias de não serem
tiradas ou aditadas folhas; pressupõe, todavia, atas manuscritas, de elaboração e leitura lentas.
A hipótese das folhas soltas datilografadas pode ser completada com uma numeração seriada
de todas as páginas, as quais, serão, depois, encadernadas (artigo 63.º, n.º5 e 6 CSC). Aí se
conterão as deliberações; quando estas constem de escritura pública ou de instrumento fora
de notas, devem os administradores inscrever no livro a sua existência (artigo 63.º, n.º4, 2.ª
parte CSC). Deve ser lavrada uma ata por reunião (artigo 388.º, n.º1 CSC). A ata deve ser
assinada por todos os sócios que tomaram parte na assembleia (artigo 63.º, n.º3, 1.ª parte
CSC). No caso das sociedades anónimas, onde isso não seria praticável, a ata é assinada pelo
presidente da mesa e pelo secretário (artigo 388.º, n.º2 CSC). Aos prevaricadores cabe, com
pena, multa até 120 dias (artigo 521.º CSC). Quando algum sócio, podendo assinar, o não
faça, deve a sociedade notifica-lo judicialmente para que, em prazo não inferior a oito dias,
assine: quando mantenha a negativa, a ata terá o valor probatório comum17, desde que esteja
assinada pela maioria dos sócios que tomaram parte na assembleia, sem prejuízo do direito
dos que a não assinaram de invocarem, em juízo, a sua falsidade (artigo 63.º, n.º3 CSC). Note-
se que, pelo atual artigo 63.º, n.º8 CSC, nenhum sócio tem o dever de assinar atos que não
estejam consignados no respetivo livro ou nas folhas soltas, devidamente numeradas e
rubricadas: tudo isto está escrito em termos caleidoscópicos: teria sido possível dizer o
mesmo, com menos palavras e mais clareza. A exigência da notificação judicial18 tem sido
criticada pela sua inutilidade: não bastaria esperar pelos oito dias, para verificar se o sócio
faltoso assina ou não? Tal como está redigido o preceito, assim será. Por cautela, os
administradores serão levados a proceder à tal notificação judicial: nada garante que não se
deparem, depois, com um Tribunal dominado por uma filosofia legalista (Pinto Furtado) que
desconsidere atas não assinadas por todos os presentes, quando não se mostrem feitas as
notificações aos faltosos. De facto, o legislador ficou a meio. Lógico seria que a notificação
judicial fosse acompanhada de um prazo cominatório: ou assina ou impugna, em certo prazo,
15 Pode-se, então, com o conhecimento e o acordo de todos, proceder à gravação da reunião, transcrevendo, a partir daí, o teor das intervenções. Na falta de consentimento prévio dos interessados, poderemos estar perante uma violação do direito à imagem ou do direito à palavra. 16 Dentro da orientação geral de que a forma escrita tem um especial simbolismo para as pessoas, alcançando, assim, uma dimensão mais profunda do que a facultada por meios mais cabais e fidedignos de reprodução dos factos. 17 A lei refere o valor probatório do artigo 63.º, n.º1 CSC: aparentemente pleno. Veremos, todavia, que esse alcance deve ser matizado pela interpretação. 18 Trata-se da notificação judicial avulsa, prevista e regulada no artigo 256.º CPC.
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posto o que, não o fazendo, a ata produzirá prova contra o próprio faltoso. Não vemos é
como completar, pela doutrina, o que o legislador não escreveu. Já nos parece,
doutrinariamente, dispensável a notificação. Mas não aconselharíamos os administradores a
omiti-la.
Forma solene e aprovação: as atas podem ser lavradas por notário; mais precisamente,
através de instrumento avulso. Assim sucederá, segundo o artigo 63.º, n.º6 CSC:
Quando a lei o determine;
Quando, no início da reunião, a assembleia assim o delibere;
Quando, em escrito dirigido à administração e entregue na sede social com cinco dias
úteis de antecedência, algum sócio o requeira, suportando, então, as despesas
notariais.
Permitindo a lei escolher a forma notarial da ata, a escolha cabe a quem presidir à reunião:
motu proprio ou a requerimento de alguns sócios; pode ainda a assembleia deliberar nesse
sentido (artigo 63.º, n.º6 CSC). A lei portuguesa vigente não prescreve, quanto sabemos,
nenhum caso de obrigatoriedade de atas lavradas pelo notário. Limita-se a prever essa
eventualidade, com a consequência, quando ocorresse, de aligeirar a forma de atos ulteriores.
Nos artigos 446.º-A a 446.º-F, temos, ainda, outro tipo de atas: as lavradas pelo secretário da
sociedade – artigo 446.º-B, alínea b) CSC. Trata-se de uma figura que deve ser designada
pelas sociedades anónimas cotadas em bolsa de valores – artigo 446.º-A, n.º1 CSC – ou, na
linguagem pós 2006, admitidas à negociação em mercado regulamentado. Muitas vezes procede-se,
na sessão seguinte à da reunião que lhe deu azo, à aprovação da ata. O artigo 388.º, n.º3 CSC,
a propósito das sociedades anónimas, fixa uma norma que nos parece generalizável: a
assembleia pode determinar que a ata seja submetida à sua aprovação, antes de assinada. Qual
o sentido da aprovação? Não se trata de uma declaração social de vontade: essa teve lugar
aquando da própria deliberação em si. Antes será uma constatação ou um controlo de
fidelidade do texto da ata.
Função: por estranho que possa parecer, a função – e a própria natureza – da ata não estão
claras, no nosso Direito. A razão da obscuridade – cujos termos abaixo serão indicados –
reside na utilização de múltiplos elementos estrangeiros, sem se ter escolhido um modelo
claro. No domínio do Código Veiga Beirão, tínhamos o artigo 183.º, relativo ao
funcionamento da assembleia geral, segundo o §6.º:
«As atas das diferentes sessões serão assinadas pelo presidente e secretários e lavradas no registo
respetivo».
Este preceito era aproximado do artigo 37.º do mesmo Código, que, no tocante à escrituração
comercial, obrigava à existência de livros de atas das sociedades onde, além dos diversos
elementos, deveriam ser lançadas:
«(…) as deliberações tomadas e tudo o mais que possa servir para fazer conhecer e fundamentar
estas (…)».
A jurisprudência nacional começou por tomar esta exigência como um requisito formal: a
deliberação não lançada em ata seria nula; a ata – ou o lançamento em ata – teria o sentido
de uma formalidade ad substantiam. Este ponto não estava em definitivo resolvido, quando se
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levantou o tema da força probatória da ata. Aí, a propósito de certas opções feitas em
assembleias de sociedades por quotas, veio doutrinar-se que a ata faria prova plena do que,
nela, se exarasse. Quanto à ata como forma: a base legal era escassa. O artigo 37.º CSC não
depunha nesse sentido: a ata apenas visaria a reconstrução histórica do deliberado. Quanto à
força probatória: ela era plena no caso da ata lavrada por notário, o que ocorria nas sociedades
por quotas, por influência alemã. Perante as indefinições doutrinárias e legais, deu-se atenção
aos Direitos estrangeiros. Aí, frente a frente, dos sistemas:
O sistema alemão, segundo o qual todas as deliberações da assembleia geral devem
ser notarialmente tituladas; se assim não for, há nulidade;
O sistema latino, presente no artigo 2375.º do Código Italiano, que apenas exige atas
(verbale) assinada pelo presidente e pelo secretário; nas assembleias extraordinárias,
surge a ata notarial; pois bem: pelo menos no primeiro caso, a falta da ata não
invalidaria a deliberação, que poderia ser provada por qualquer outra forma.
No âmbito da preparação do Código, Vaz Serra propôs a solução alemã da nulidade por
inobservância da formalização prescrita para a ata. Esta, no meio de uma multiplicidade de
fontes inspiradoras, acabaria por enformar, ainda que de modo algo indireto, no artigo 63.º,
n.º1 CSC:
«As deliberações dos sócios só podem ser provadas pelas atas das assembleias ou, quando sejam
admitidas deliberações por escrito, pelos documentos donde elas constem».
A ata tem, pois, uma função problemática forte: e um meio exclusivo de prova. O artigo 63.º,
n.º1 CSC retoma, efetivamente e em termos práticos, a jurisprudência tradicional, que
retirava eficácia às deliberações não reduzidas a atas.
A natureza: antes de recordar os precisos contornos do regime da ata, dos quais dependerá
a determinação da sua natureza, cumpre recordar os fins e os valores que lhe estão
subjacentes. Numa assembleia de sócios podem participar muitas pessoas. Por vezes haverá
diversas opiniões, opiniões essas que poderão – ou não – implicar votos diferentes. Com
frequência, pessoas votam uma mesma proposta dando-lhe alcances diferentes. Por isso,
torna-se difícil, perguntando às pessoas, mesmo partindo do princípio de que são todas
honestas e apenas dizem a verdade, descobrir, afinal, o que se passou numa assembleia.
Passado algum tempo, as dificuldades aumentam: a memória humana é falaciosa e só retém
– mesmo de boa fé – ou o que impressiona, ou o que convém. Tudo isto leva a que, no
interesse dos participantes, se deva fixar em documento oficial o que se discutiu e, sobretudo,
o que se decidiu. A partir daí, só vale o que constar do documento em causa. Pensemos,
agora, nos terceiros. Estes podem ter um interesse legítimo em conhecer o que foi deliberado.
Aí, só um sistema da ta ajuda. E a ata em questão terá de ter uma especial estabilidade: quando
não, o terceiro poderia ser surpreendido, em momento subsequente, por alterações, quiçá
menos unânimes, introduzidas pelos sócios, em nome de uma verdade histórica que não é,
necessariamente, a verdade jurídica. Estas considerações são suficientes para afastar escolhas
de tipo mais solto, segundo as quais a ata seria um mero documento particular, a apreciar
livremente pelo juiz (Pinto Furtado). Não deve ser assim. Por certo que o juiz pode ser
convencido, por qualquer meio ponderoso, de que a ata é falsa. Mas para tanto, haverá razões
sérias e, sobretudo: tem de apurar-se, afinal, o que se passou na assembleia questionada. Na
dúvida, a ata prevalece. E não havendo, de todo, ata? Nessa altura, a deliberação está
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incompleta. Embora a fase da manifestação da vontade social se baste com a votação e o seu
apuramento, ela tem de ser formalizada e exteriorizada. Dondo o papel da ata. A lei admite
atas sem os requisitos legais e, designadamente, as atas constantes de documentos
particulares avulsos (artigo 63.º, n.º7 CSC). Estas atas, mesmo quando assinadas por todos
os sócios que participaram na assembleia, constituem (mero) princípio de prova. Concluímos,
pois:
Que a ata visa completar a deliberação;
Que se trata de uma formalidade (não forma!) ad probationem: condiciona a prova da
deliberação;
Que, na sua falta, a deliberação não é eficaz;
Que pode ser afastada por falsidade sem que, para o efeito, o Direito limite os meios
de prova.
A ata é, assim, uma formalidade destinada a completar o processo deliberativo. Faltando
requisitos legais, há que recorrer à lei, para verificar o seu valor. Em certos casos, a lei
dispensa a ata, pelo menos para determinados fins. Segundo o artigo 59.º, n.º4 CSC, a
proposição da ação de anulação não depende de apresentação da respetiva ata; mas se o sócio
invocar impossibilidade de a obter, o juiz mandará as pessoas que, nos termos da lei, a devam
assinar, para a apresentarem no tribunal, em prazo a fixar até 60 dias: a instância suspende-
se até essa apresentação. Como se vê, o legislador pretendeu não bloquear a ação de anulação
por falta de ata; todavia, esta mantém o seu poder probatório especial, uma vez que o
processo aguarda. E se não houver ata ou, de todo, ela não for exibida? Ai, o juiz deverá
concluir que não houve deliberação, decretando-o. Na falta de deliberação, não pode haver
anulação. Este preceito é aplicável à ação de nulidade: não se percebe porque não foi, antes,
colocado no artigo 60.º CSC. Em discutível técnica, o legislador aproveitou para, a propósito
da ação de anulação, fixar ou recordar certos aspetos atinentes à ata: artigo 59.º, n.º5 e 6 CSC.
Assim:
Para apresentação da ação em juízo, bastará que ela seja assinada por todos os sócios
votantes no sentido que fez vencimento (artigo 63.º, n.º3 CSC);
Tendo o voto sido secreto, considera-se que não votaram no sentido que fez
vencimento apenas aqueles sócios que, na própria assembleia, ou perante notário,
nos cinco dias seguintes à assembleia tenham feito consignar que votaram contra a
deliberação tomada.
Esta regra é aplicável noutras situações. Finalmente: a deliberação constante de ata goza de
proteção; declarada nula ou anulada a competente deliberação, não pode a sentença
prejudicar os direitos adquiridos de boa fé por terceiros, com fundamento em atos praticados
em execução da deliberação (artigo 62.º, n.º2 CSC). A ata registada goza ainda da proteção
conferida pelo registo comercial: positiva e negativa.
Secção II – Invalidades e ineficácia
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57.º - Dogmática e evolução gerais da invalidade e da
ineficácia
Conspecto básico: o tema da invalidade das deliberações sociais foi aprofundado na
Ciência Jurídica portuguesa, pelos estudos do saudoso Professor Vasco da Gama Lobo
Xavier. Vamos recordar o essencial. A invalidade das deliberações sociais é, ainda, um tema
de ineficácia de atos jurídicos. Com raízes esparsas no Direito romano, ela seria sistematizada
pela pandectística, com relevo para Savigny a quem se devem muitos dos quadros hoje
familiares a todos os juristas. Assim, depois de uma evolução marcada pelas ideias da
simplificação – os múltiplos vícios existentes foram sendo reduzidos, até ficarem apenas dois
ou três – e da substancialização – os vícios de teor processual foram reconduzidos ao Direito
subsidiário – chegou-se a um quadro em que a manifestação mais clara de ineficácia é a
invalidade. Esta abrange duas modalidades: uma, mais grave, dita nulidade absoluta ou,
simplesmente, nulidade e outra, mais leve, dita nulidade relativa ou, simplesmente,
anulabilidade ou impugnabilidade. Na atualidade, o tema em análise vive dominado pela
contraposição da nulidade à anulabilidade. Em termos de regime, há conhecidas diferenças
entre as duas figuras: a nulidade pode ser arguida a todo o tempo e por qualquer interessado
e pode ser declarada ex officio pelo tribunal, enquanto a anulabilidade só pode ser invocada
pela pessoa em cujo interesse seja estabelecida e isso dentro de um ano contado da cessação
do vício. Dogmaticamente, deve considerar-se que, enquanto a nulidade implica um não-
reconhecimento, pelo Direito, do ato viciado, o qual escapa à autonomia privada, a
anulabilidade traduz a presença, em determinada esfera jurídica, do poder de impugnar um
negócio. Não se pode afirmar, à partida, quando haja nulidade ou quando haja anulabilidade.
As doutrinas antigas descobriram a primeira na presença de normas de interesse público e a
segunda prante regras de interesse privado. Mas há aqui, tão-só, uma indicação tendencial
para o legislador que poderá, depois, seguir outras opções. Assim, hoje e por razões que se
prendem com a natureza histórico-cultural do Direito privado, vícios aparentemente leves
originam a nulidade enquanto outros mais pesados dão lugar, apenas, à anulabilidade; ou
vícios paralelos dão lugar à nulidade e à anulabilidade, consoante a formulação. Cumpre, pois,
caso a caso, ponderar as normas do jogo, com vista a descobrir a sanção que recaia sobre os
atos que as contradigam. Em termos de orientação tendencial, pode-se considerar que, no
Direito Civil, tendo em conta a amplidão do artigo 280.º CC, a regra é a da nulidade. Esta
prevalecerá sempre que a lei não indique um regime diverso.
A evolução geral: a introdução de uma doutrina da invalidade no domínio das
deliberações sociais foi complexa e demorada. Os Códigos Comerciais da primeira geração
nada diziam sobre o assunto. A novela alemã de 1884 introduziu uma referência breve à
impugnabilidade das deliberações das assembleias gerais das sociedades anónimas que
infringissem a lei ou o pacto social. Um esquema semelhante seria adotado pelo Código do
Comércio italiano, de 1882. Apenas o AktG alemão, de 1937 e o Código Civil italiano de
1942, assumiriam um sistema mais completo e coerente de invalidades das deliberações
sociais. Entre nós, a matéria começou por ser muito escassamente tratada no Código
Comercial e na Lei de 11 abril 1901, sobre as sociedades por quotas. O artigo 146.º CCom,
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hoje revogado, previa apenas a declaração de nulidade das deliberações contrárias à lei ou
aos estatutos, numa orientação retomada pelo artigo 46.º e seu §1.º da LSQ. Tal declaração
judicial ocorreria desde que algum sócio a viesse requerer judicialmente nos vinte dias
posteriores à sua tomada. De facto, seria uma anulabilidade: apenas o interessado a poderia
invocar e em certo prazo. Esta orientação, conquanto que arcaica, deixava já patentes as
valorações fundamentais do ordenamento. Qualquer situação de dúvida sobre a validade e a
eficácia de deliberações sociais deveria ser rapidamente solucionada, sob pena de bloquear
todo o esquema do modo coletivo de funcionamento do Direito. Devemos ainda ter presente
que a anulação de uma deliberação social põe em crise as deliberações conexas e os atos
jurídicos dela dependentes. A incerteza que tudo isso faz pairar nos horizontes societários é
grande. O Direito procura atalhar. Por isso, as primeiras leis apenas referem a anulabilidade
das deliberações impondo, além disso, prazos mais reduzidos para a sua invocação. Passado
algum tempo, a situação consolidar-se-ia, sem incertezas. Mau grado estas valorações e o seu
patente ajuste, a doutrina e a jurisprudência do âmbito do Código Veiga Beirão foram
confrontadas com vícios tão graves que a simples e tradicional anulabilidade não poderia
satisfazer. Haveria que fazer apelo à nulidade. Tudo isto explica ainda o interesse que, desde
cedo, houve em aproximar as deliberações sociais dos negócios jurídicos. Toda a doutrina da
ineficácia, desenvolvida a propósito destes, poderia, com as convenientes cautelas, ser
aproveitada. Na preparação do Código das Sociedades Comerciais, a matéria foi pesada. A
tarefa foi facilitada pelo desenvolvimento que o tema adquiriu noutras doutrinas, com relevo
para a alemã. Manteve-se, como ainda melhor será visto, o princípio do predomínio da
anulabilidade e não o da nulidade, como sucede no Direito Civil.
Quadro das ineficácias: antes de passar a uma análise dos competentes preceitos do
Código das Sociedades Comerciais, parece útil estabelecer um quadro geral das ineficácias
(lato sensu) suscetível de afetar as deliberações sociais. O vício de uma deliberação pode
resultar:
De vícios formais;
De vícios substanciais.
No primeiro caso, verifica-se que a deliberação, em si, é possível: todavia, não foi respeitado
o processo previsto para a sua emissão. Assim sucederá quando a assembleia geral não tenha
sido convocada – artigo 56.º, n.º1, alínea a)19 CSC ou quando se tenha recorrido ao voto
escrito sem que todos os sócios tenham sido convidados a emitir o seu voto – artigo 56.º,
n.º1, alínea b) CSC. No segundo, o procedimento prescrito foi seguido, mas a própria
deliberação defronta a lei ou os estatutos. Quanto às consequências jurídicas do vício,
podemos distinguir:
Deliberações aparentes;
Deliberações nulas;
Deliberações anuláveis;
Deliberações ineficazes ou stricto sensu.
19 Ou tenha sido deficientemente convocada, num ponto essencial.
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As deliberações aparentes, no Direito português, serão aquelas que sejam levadas ao registo
comercial e na base das quais certos terceiros tenham adquirido direitos, de boa fé. Mesmo
quando não correspondam a qualquer materialidade, elas produzirão os seus efeitos, de
acordo com as regras do registo. As deliberações ineficazes em sentido estrito não produzem
efeitos até certa eventualidade: é o que sucede no artigo 55.º CSC, a propósito das
deliberações que exijam o consentimento de determinado sócio. Veremos, de seguida, a
arrumação obtida no Código das Sociedades Comerciais, arrumação essa que, para facilidade
de estudo, adotaremos na exposição subsequente.
O sistema do Código: o Código das Sociedades Comerciais, na sequência dos
elementos doutrinários e comparatísticos que o antecederam, procurou dar um tratamento
moderno à matéria das ineficácias das deliberações sociais. Dedicou-lhe os seus artigos 55.º
a 62.º CSC: trata-se de preceitos que têm a maior relevância prática. Chamaremos a atenção
para os aspetos mais relevantes. O artigo 55.º CSC começa por fixa uma hipótese de ineficácia:
a de deliberação tomada sobre assunto para a qual a lei exija o consentimento de determinado
sócio, enquanto este não o deu. O artigo 56.º CSC reporta-se às deliberações nulas, enquanto
o artigo 57.º CSC obriga o órgão de fiscalização a, nessa eventualidade, tomar certas
providências. Seguem-se o artigo 58.º CSC, sobre situações anuláveis e o artigo 59.º CSC,
quanto à ação de anulação. Finalmente, os artigos 60.º e 61.º CSC apresentam disposições
comuns às ações de nulidade e de anulação enquanto o artigo 62.º CSC contém outras regras,
próprias, desta feita, apenas da nulidade (n.º1) e da anulabilidade (n.º2). O artigo 63.º CSC,
já estudado, reporta-se a atas: não tem a ver com a invalidade das deliberações sociais.
Dogmaticamente, a matéria apresentava-se madura. Poderia ter sido melhor sistematizada,
de acordo com as tradições dos códigos: primeiro os princípios; depois os casos; então o
regime; por fim, o processo. De todo o modo, podemos considerar esta área como um ganho
substancial, de 1986.
As deliberações ineficazes: as deliberações (em sentido estrito) são aquelas que, por
razões extrínsecas, não produzam efeitos ou, pelo menos, todos os efeitos que se destinariam
a comportar. O Código das Sociedades Comerciais só se lhe refere, de forma expressa, no
artigo 55.º CSC:
«Salvo disposição em contrário, as deliberações tomadas sobre assunto para o qual a lei exija
o consentimento de determinado sócio são ineficazes para todos enquanto o interessado não der
o seu acordo, expressa ou tacitamente».
A hipótese de a lei exigir, para uma deliberação, o consentimento de determinado sócio
recorda logo os direitos especiais dos sócios, previstos no artigo 24.º CSC (a hipótese inversa:
portanto, a de se criar um direito especial dos sócios ou de algum ou alguns deles, sem ser
por unanimidade, já conduziria a anulabilidade da deliberação). Será essa a única hipótese de
concretização do preceito? De facto, o legislador não fez uma remissão direta para o artigo
24.º CSC, antes usando uma fórmula capaz de dar cobertura a outras previsões legais.
Quando ocorram, o artigo 55.º CSC terá aplicação. A solução da lei levanta dúvidas. Poder-
se-ia entender, perante as regras gerais, que quando fosse atingido um direito especial de um
sócio:
Estaria em causa uma nulidade, por via do artigo 56.º, n.º1, alínea c) CSC;
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Estaria em jogo, além da ineficácia, uma anulabilidade, dado o artigo 58.º, n.º1, alínea
a) CSC.
No silêncio da lei, assim seria. O artigo 55.º CSC tem, todavia, o efeito de retirar as situações
nele previstas do regime comum, sujeitando-as à ineficácia. A solução do artigo 55.º CSC
tem, na origem, uma tradição nacional, tendente a atenuar as consequências de certas
invalidades. Nessa linha, podemos inscrever a já referida tendência de completar o quadro
legal, introduzindo a mera ineficácia. A previsão do artigo 55.º CSC visa, unicamente, as
deliberações tomadas sobre assunto para o qual a lei exija o consentimento de determinado
sócio. Não permite, todavia, inferir que exista ineficácia (stricto sensu) apenas nesse caso. As
regras gerais facultam, efetivamente, encontrar outras situações de ineficácia, já referida, de
deliberações (ainda) não reduzidas a ata: serão válidas mas ineficazes, até que isso opere. O
mesmo se poderá dizer das deliberações sujeitas a registo comercial, enquanto não se
mostrarem inscritas: desta feita, a ineficácia não é total; mas existe. Recorde-se que a
ineficácia teve um sentido remanescente. Além do traço de raiz – ou seja: com uma não
produção plena de efeitos por razões extrínsecas – a ineficácia surge como um conceito-
quadro residual. As hipóteses que se acolham serão distintas umas das outras, devendo ser
estudadas isoladamente.
Secção III – Nulidade
58.º - A nulidade por vícios de procedimento
Generalidades; procedimento e substância: as duas grandes categorias de vícios
das deliberações, à semelhança do que sucede com os negócios jurídicos, são constituídas
pela nulidade e pela anulabilidade. A primeira existe, sendo declarada pelo tribunal, a pedido
de qualquer interessado. A segunda traduz um direito potestativo na esfera de determinados
interessados: é atuada pelo tribunal, quando devidamente instalado. Recordamos que, no
domínio das sociedades, a regra é a anulabilidade. Esta cabe sempre que a lei não determine
a nulidade, tal como se infere do artigo 58.º, n.º1, alínea a) CSC. Podemos considerar que,
no campo em estudo, só ocorrem nulidades nos casos previstos na lei. Os casos de nulidade
são taxativos. Todavia, eles abrangem situações de grande amplitude, de tal modo que não
parece viável trabalhar, aqui, com uma verdadeira tipicidade taxativa. O artigo 56.º CSC fixa,
nas suas quatro alíneas, diversas hipóteses de deliberações que considera nulas. A sua leitura,
logo permite distinguir:
Vícios de processo ou de procedimento: alíneas a) e b);
Vícios de conteúdo ou de substância: alíneas c) e d).
No primeiro grupo incluem-se deliberações surgidas no termo de processos em que não
foram observadas formalidades essenciais. A alínea a) explicita a assembleia geral não
convocada, salvo se tiverem estado presentes ou representados todos os sócios e a alínea b)
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o equivalente vício, na hipótese de voto escrito. Poder-se-ia perguntar: e a situação de não
ter sido convocado determinado sócio, mas sendo seguro e confirmado que a sua presença
não alteraria o sentido da deliberação? Mesmo então, esta é nula: trata-se da necessidade de
respeitar um ritual legitimador, sem o qual todo o edifício societário ficaria descaracterizado.
O artigo 56.º, n.º2 CSC manda aplicar o mesmo regime à assembleia em cuja base estejam
determinados vícios da convocatória.
Vícios de procedimento: os vícios de procedimento eram já sancionados pela
jurisprudência anterior ao Código das Sociedades Comerciais. As orientações então
assumidas mantêm-se, podendo considerar-se que existe uma certa tendência no sentido de
diminuir relativamente o papel das questões formais, a favor das matérias. Verifica-se, depois,
que a convocatória deve ser suficientemente explícita. Na linha de jurisprudência antiga, não
se admitem fórmulas genéricas, proposições enigmáticas ou referências enganosas.Tudo
deve ser feito em moldes tais que o sócio comum, recebida a convocatória possa, com a
diligência habitual, entender, efetivamente, o que irá ser tratado na assembleia.
Consequências: a grande diferença entre os vícios de procedimento e os vícios de
substância reside na natureza sanável dos primeiros. A sanação opera quando os sócios
ausentes e não representados ou não participantes na deliberação escrita deem, por escrito,
o seu assentimento à deliberação – artigo 56.º, n.º3 CSC. Já quando se verifique um ício de
substância, a sanação não é possível; haverá que repetir a deliberação, sem o vício de
conteúdo que a aflija. Em rigor, estaremos já perante uma invalidade mista. Além disso, a
deliberação com vício de procedimento é renovável por outra deliberação à qual, ressalvando
os direitos de terceiro, se pode atribuir eficácia retroativa (artigo 62.º, n.º1 CSC). A contrario,
essa atribuição não é possível perante vícios e conteúdo. O facto de os vícios de
procedimento previstos no artigo 56.º, n.º1, alínea a) e b) CSC, poderem ser sanados, por via
o referido artigo 56.º, n.º3 CSC, conduz ao seguinte: não se trata, em rigor, de verdadeiras
nulidades ou nulidades puras. De todo o modo, a figura adere largamente ao tipo nulidade
pelo que, como tal, deve ser considerada: ainda que com um regime especial.
59.º - A nulidade por vício de substância
Não sujeição, por natureza, a deliberação dos sócios: o artigo 56.º, n.º1, alíneas
c) e d) CSC, determina a nulidade por vícios de conteúdo ou substância. Mais precisamente,
prevê:
Deliberações cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberações dos
sócios (alínea c));
Deliberações cujo conteúdo, diretamente ou por atos de outros órgãos que determine
ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam
ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios (alínea d)).
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Que deliberações poderão ter um conteúdo que não esteja, por natureza, sujeito a
deliberações dos sócios? Este preceito levanta dúvidas sérias de interpretação. Frente a frente,
duas orientações:
A da incompetência;
A da impossibilidade.
Pela teoria da incompetência – de resto: tradicional – a alínea c) do artigo 56.º, n.º1 CSC
invalidaria os atos estranhos à competência da assembleia geral e, ainda, atos que
interferissem com terceiros. Tal opção de Lobo Xavier, de Carneiro da Frada, de Brito
Correia, de Carlos Olavo, de Raúl Ventura e de Pedro Maia. Contra, manifesta-se (e bem)
Pinto Furtado: a mera inobservância de regras, internas de competência não poderia ser tão
grave que justifique a nulidade; além disso, quando prejudicados terceiros ou quando
atingidas regras legais de competência, cair-se-ia seja na ineficácia, seja na alínea d). Posto
isto, este Autor apresenta a sua própria teoria: a de impossibilidade física. O artigo 56.º, n.º1,
alínea c) CSC, consideraria nulas as deliberações fisicamente impossíveis; as legalmente
impossíveis caberiam na alínea d), do mesmo preceito. Chamar-lhe-emos a teoria da
impossibilidade. O pensamento de Pinto Furtado via reconstruir, no quadro das nulidades
das deliberações, o artigo 280.º CC. Fica a pergunta: se o legislador de 1986 pretendeu
respeitar o de 1966, para quê recorrer a enigmas e, designadamente: porquê abandonar
conceitos consagrados, para se lançar na completa aventura de definir novas fórmulas para
as nulidades mais profundas? Não há resposta. A fórmula da alínea c) terá sido retirada do
§241/3 AktG alemão, que considera nulas as deliberações que não sejam compagináveis com
a essência da sociedade anónima. Todavia, perante tal preceito, a doutrina afiança que se trata
de uma norma residual destinada a acolher situações nas quais a deliberação não possa
subsistir, mas que não se deixem reconduzir a outros fundamentos de nulidade. Não parece,
pois, haver grande hipótese de aclaração, por via da origem do preceito. De todo o modo,
mandam as boas regras que se parta da presunção de acerto da lei e que se procure uma
solução harmónica para tudo isto. A ideia de Pinto Furtado é sedutor: explicaria o porquê da
severa nulidade e daria um alcance plausível à referência natureza. Mas tem óbices, embora
menores do que os da teoria da competência. São eles:
Cinde as impossibilidades física e legal: ambas se integram, de facto, numa área
unitária redutível à conformação legal;
Causa embaraços, perante a figura da impossibilidade superveniente: uma deliberação
hoje válida pode ser amanhã nula e revalidar-se a seguir? Inversamente: a deliberação
nula pode validar-se se uma ocorrência impensável a viabilizar?
Rema contra a atual corrente jurídico-civil: a possibilidade deixou de ser requisito de
validade da obrigação, na reforma do BGB alemão de 2002 e isso por razões
operacionais para o Direito português; será uma questão de tempo: a impossibilidade
deixará o rol das fontes da nulidade do negócio.
Mas sobre tudo isto paira uma objeção mais societária: uma deliberação cujo conteúdo não
esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios não pode ser, simplesmente, uma
deliberação de conteúdo fisicamente impossível: isso (pela perspetiva ainda corrente) atingiria
todo e qualquer ato e não, somente, as deliberações. A natureza não implica, aqui,a ordem
natural das coisas ou cairíamos na teoria da impossibilidade. Também não equivale a ordens
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extrajurídicas, ou estaríamos perante os bons costumes. A natureza reporta-se à índole do
conteúdo questionado e não à bitola da admissibilidade. Feita esta precisão, pergunta-se: o
que é que, sendo lícito e possível – quando não, funciona a alínea d) –, não pode, todavia e
pela (sua) natureza, surgir como conteúdo de uma deliberação social? De momento, só
vemos uma resposta: o que, pelo seu teor, não caiba na capacidade da pessoa coletiva
considerada. Os próprios negócios celebrados fora da capacidade natural ou legal da
sociedade serão nulos, por impossibilidade legal ou por ilicitude. As deliberações que lhes
estejam na origem são-no, igualmente, por via do artigo 56.º, n.º1, alínea c) CSC. Resta
acrescentar que a importância deste vício é escassa, tal como escasso é, hoje, o papel da
(in)capacidade das sociedades.
Contrariedade aos bons costumes: uma segunda previsão de vícios de substância
consta da 1.ª parte do artigo 56.º, n.º1, alínea d) CSC. São nulas as deliberações,
«Cujo conteúdo, diretamente ou por atos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo
dos bons costumes».
De novo o legislador de 1986 entendeu retomar algumas categorias civis, alterando a
linguagem e abrindo problemas sem qualquer ganho. Na interpretação do preceito transcrito
impõe-se alguma disciplina mental e científica. Em especial: parece-nos francamente
deslocado pretender, a propósito do artigo 56.º, n.º1, alínea d), 1.ª parte CSC, descobrir ou
reescrever o verdadeiro conceito de bons costumes. Por certo que qualquer jurista tem tanto
direito quanto o dos seus pares de opinar e de escrever sobre o tema. Fazê-lo, num caso
destes, sem percorrer todo o calvário do Direito Romano, das receções, dos contributos
racionalista e pandectístico, do Direito comparado e do Direito alemão, fonte dos atuais bons
costumes, é ligeireza que apenas perturbará a jurisprudência. Em nome da disciplina acima
reclamada, propomos que na pesquisa dos bons costumes do artigo 56.º, n.º1, alínea d), 1.ª
parte CSC, se reconheçam e se adotem, a título de evidências cartesianas, os seguintes
postulados:
O Código das Sociedades Comerciais utiliza a noção comum de bons costumes, tal
como resulta do Código Civil;
Essa noção não se confunde com a de ordem pública; tão-pouco absorve esta última;
Não é lícito recorrer ao Direito estrangeiro sem fazer Direito comparado, isto é: sem
verificar, perante as coordenadas científicas da ordem dadora e da ordem recetora,
se a transposição é possível.
A referência aos bons costumes surge de modo inesperado no Código das Sociedades
Comerciais. Estando no Código Civil e aplicando-se a todos os atos jurídicos – artigos 280.º,
n.º2 e 295.º CC – ela atingiria, seguramente, as deliberações sociais. E de facto, a noção não
constava do Projeto de Código. Foi introduzida à última hora por reverência para com o
chamado projeto de Coimbra relativo as sociedades por quotas: tanto quanto se sabe, sem
que nenhum dos Autores desse projeto tenha defendido tal introdução: pelo contrário. Por
seu turno, tem-se considerado que o projeto de Coimbra teria bebido inspiração no §241/4
AktG, segundo o qual:
«Uma deliberação da assembleia geral, além dos casos (…) só é nula quando:
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(…)
«4. Atente, pelo seu conteúdo, contra os bons costumes».
A doutrina alemã viu, aqui, uma orientação no sentido de restringir as consequências do
§138.º I BGB: a nulidade só ocorreria quando, pelo conteúdo da deliberação, surgisse o
atentado aos bons costumes. Se apenas a causa, o escopo ou as consequências da deliberação
fossem contrários aos bons costumes, haveria mera anulabilidade: mais uma manifestação da
necessidade de atenuar, a propósito das sociedades, as consequências das invalidades. Resta
acrescentar que os Autores alemães acolhem, a propósito do AktG, a noção de bons
costumes que vem do Código Civil. Quanto aos próprios bons costumes: eles abrangem
regras de conduta familiar e sexual e, ainda, códigos deontológicos próprios de certos setores.
O Direito Português ao contrário do alemão! – distingue os bons costumes da ordem pública:
razão definitiva por que não faz sentido insistir na inclusão de uma série de princípios
injuntivos gerais, no seio dos bons costumes. A violação desses princípios (a reconduzir à
ordem pública) deverá confrontar-se na 2.ª parte do artigo 56.º, n.º1, alínea d) CSC. Além
disso, cumpre considerar superada a confusão entre bons costumes (noção técnico-jurídica
há muito conquistada) e moral social. Sem precisão de conceitos, não há progresso jurídico-
científico. Incorre na previsão da nulidade por atentado aos bons costumes, qualquer
deliberação social que:
Assuma um conteúdo sexual ou venha bulir com relações reservadas ao Direito da
Família;
Atente contra deontologias profissionais;
A jurisprudência portuguesa, mau grado a confusão de conceitos que advém da doutrina,
tem vindo, mesmo sem o assumir, a detetar uma deontologia comercial que deve presidir às
deliberações sociais, sob pena de nulidade. Assim:
É ofensiva dos bons costumes a deliberação de distribuir lucros por dois fundos e
uma conta nova, prosseguindo há vinte e cinco anos com uma prática de não
distribuir lucros aos sócios (STJ, 7 janeiro 1993);
Idem quanto à deliberação unânime de vender a uma irmã de um sócio o único imóvel
da sociedade por um preço muito inferior ao valor real (RPt 13 abril 1999);
Idem quanto à deliberação de vender por 210 000 c., o estabelecimento e sede da
sociedade, quando o sócio minoritário presente ofereceu 518 000c., equivalentes ao
valor real (STJ 3 fevereiro 2000);
Idem quanto à deliberação de trespassar um estabelecimento e vender terrenos por
menos de metade do seu valor real: «não realiza o fim social, choca o senso comum
de justiça e briga pois com a consciência social, mesmo quando considerada apenas
no âmbito mais restrito da ética dos negócios» (STJ 15 dezembro 2005).
Essa deontologia impõe-se quando estejam em jogo violações grosseiras, em termos de a
determinar in concreto. Assinale-se que a indeterminação daqui resultante não é grave. Mostra
a experiência que, na prática, os juristas põem-se facilmente de acordo quanto aquilo que se
coloque fora de ética dos negócios: e isso quando seja difícil encontrar formulações
explicativas.
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Conteúdo contrário a preceitos inderrogáveis:a 2.ª parte do artigo 56.º, n.º1,
alínea d) CSC prevê um terceiro vício de substância indutor de nulidade das deliberações.
Assim, são nulas as deliberações cujo conteúdo, direta ou indiretamente:
«(…) seja ofensivo (…) de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por
vontade unânime dos sócios».
Este preceito visa as deliberações contrárias a normas legais, imperativas. A sua redação
presta-se a críticas, pela confusa fórmula que veio adotar. O preceito adveio do já referido
Projeto de Coimbra, sendo aí justificado por parecer ser este o critério de mais fácil e segura
aplicação prática. Só assim seria se, em cada caso, a lei anunciasse que dispositivos não podem
ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios. Ora a lei não o faz: em nenhum
caso, ao que sabemos. Queda à doutrina apurar critérios. O preceito que possa ser afastado
por deliberações dos sócios é meramente supletivo. Em casos especiais exigir-se-á a
unanimidade: não deixará de haver supletividade. Por isso, a deliberação que não respeite a
regra da unanimidade não é nula: apenas anulável. Nesta base, pouco se avançou. O que está
simplesmente em causa é a determinação da natureza imperativa da norma afastada pela
deliberação social. Como proceder? Não parece que o tema seja fundamentalmente diferente
da determinação equivalente a fazer no Direito das Obrigações. Como pano de fundo,
deveremos ter presente que o Direito das Sociedades é Direito Privado. Nessa medida, ele é
tendencialmente supletivo: visa ocupar-se das matérias que os interessados não quiseram
regular diferentemente. Infere-se daqui que, quando outra coisa se não conclua, não há
nulidade por atentado à lei, quando esta não seja imperativa. A natureza imperativa de um
dispositivo pode impor-se:
Explicitamente: o próprio preceito dirá salvo cláusula em contrário (supletivo) ou mau
grado cláusula em contrário (injuntivo), ou expressões equivalentes;
Implicitamente: o preceito é mudo, devendo ser delucidado com recurso a regras
exógenas.
Grosso modo, podemos dizer que uma regra societária é imperativa:
Quando integre a ordem pública;
Quando concretize princípios injuntivos;
Quando institua ou defenda posições de terceiros.
A ordem pública é composta por vetores constituintes do sistema considerado e, como tais,
inderrogáveis. Além da ordem pública geral estará aqui em jogo a ordem pública societária,
que integra, entre outros, os elementos necessários do contrato e os factos integrativos dos
tipos de sociedades. Os princípios injuntivos desenvolvem-se em normas elas próprias
injuntivas. Podem ser princípios civis: por exemplos, os artigos 72.º e seguintes, por darem
corpo à regra geral do artigo 809.º CC; outro tanto com o artigo 14.º, perante o artigo 300.º,
todos CC. E pode, naturalmente, ser princípios societários: o voto não é disponível nas
sociedades em nome coletivo (artigo 190.º, n.º1 CSC), em aplicação do princípio do artigo
21.º, n.º1, alínea b) CSC. As posições de terceiros não podem, por fim, ser atingidas por
deliberações sociais. No limite, tal decorreria dos artigos 13.º, n.º1 e 62.º, n.º1 CRP. A
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jurisprudência confirma as asserções acima produzidas, ainda que recorrendo, em certos
casos, a outras terminologias.
A contrariedade indireta: o artigo 56.º, n.º1, alínea d) CSC, prevê ainda, quer em
relação ao atentado aos bons costumes, quer perante a violação de norma injuntiva, a
hipótese de tal suceder em termos indiretos. Usa a perífrase de a prevaricação ocorrer «por
atos de outros órgãos que determine ou permita». Em bom rigor, porém, a deliberação que determine
ou que permita que outro órgão atente contra os bons costumes ou viole normas injuntivas
é diretamente nula, nos mesmos e precisos termos em que o seria a congénere mais frontal.
Aliás: a deliberação, salvo quando potestativa, não passa de uma abstração exarada em ata:
os seus eventuais malefícios manifestar-se-ão, mais tarde, a propósito da execução. Tem
interesse atentar no artigo 58.º, n.º2 CSC: contém, fora do contexto, uma importante regra
sobre nulidades. Pode acontecer que um contrato de sociedade reproduza – particularmente
nos estatutos – regras legais injuntivas. Quando isso suceda, considera-se que, havendo
violação, tais regras são diretamente violadas e não (apenas), as contratuais.. Com a
consequência de se aplicar a nulidade e não, como decorreria do final do artigo 58.º, n.º1,
alínea a) CSC, a mera anulabilidade.
Consequências: a nulidade de uma deliberação pode ser invocada a todo o tempo e por
qualquer interessado: é o que extraímos da regra geral do artigo 286.º C, em termos
confirmados pelo artigo 59.º, n.º1 e 2 CSC, a contrario. Como se vê, ela faz pairar grave
incerteza sobre a sociedade, o que explica as restrições legais e o facto de, por defeito,
prevalecer a anulabilidade (artigo 58.º, n.º1, alínea a) CSC). Perante deliberações nulas, o
artigo 57.º CSC faculta a iniciativa do órgão de fiscalização. Em síntese:
O órgão de fiscalização deve dar a conhecer aos sócios, em assembleia geral, a
nulidade de qualquer deliberação, para eles a renovarem, sendo possível, ou para
promoverem a declaração judicial respetiva (n.º1);
Se eles não a renovarem ou se a sociedade não for citada para a ação de nulidade no
prazo de dois meses, deve o órgão de fiscalização promover sem demora a declaração
judicial de nulidade em causa (n.º2);
O órgão de fiscalização deve então propor ao tribunal a nomeação de um sócio para
representar a sociedade (n.º3);
Nas sociedades sem órgãos de fiscalização, cabe o poder referido a qualquer gerente
(n.º4).
Repare-se que é do interesse da própria sociedade e dos seus sócios o não deixar pendentes
situações de nulidade que poderão, depois e em qualquer altura, ser invocadas, com danos
para todos.
Secção IV – A anulabilidade
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60.º - A anulabilidade por violação de lei (não geradora de
nulidade)
Generalidades; o vício de forma: o artigo 58.º, n.º1, alínea a) CSC, como tem sido
ficado de modo repetido, a cláusula geral da invalidade das deliberações sociais: havendo
violação da lei – quando não caiba nulidade – as deliberações em falta são anuláveis. Trata-
se de uma regra que, através do Projeto de Coimbra sobre sociedades por quotas, nos adveio
do AktG alemão. A germanização do nosso Código das Sociedades Comerciais pelo menos
na forma, é muito intensa. Mas como veremos, no plano da interpretação e da concretização
das normas em jogo, chega-se a soluções verdadeiramente nacionais, distintas das fontes
inspiradoras de origem. O artigo 58.º, n.º1, alínea a) CSC move-se entre dois valores,
aparentemente contraditórios: a necessidade de segurança jurídica, que leva a restringir
quanto possível a invalidade das deliberações sociais e a justiça, que permite aos sócios
vítimas de ilegalidades perpetuadas pela assembleia geral fazer valer as suas posições. A
primeira fonte de anulabilidade deriva da violação da lei. A sobreposição com a nulidade é
resolvida através da consunção por esta: quando ocorra, prevalece a nulidade. Qual a bitola?
Tratando-se de vícios de forma ou de omissão de formalidades, haverá que seguir o artigo
56.º, n.º1 CSC: as hipóteses neste inseridas geram nulidade; todas as outras, mera
anulabilidade. Mesmo então impõe-se o raciocínio substancial de Karsten Schmidt, apoiado
na jurisprudência e que corresponde a uma regra geral do processo: só haverá anulabilidade
quando a falha verificada possa influenciar o sentido da deliberação. Nalguns casos, tal
sucederá fatalmente: assim a hipótese de se impedir a participação de um sócio minoritário
na assembleia; temos de admitir que, mau grado a irrelevância dos seus votos, a sua presença
na assembleia, através de questões e de intervenções persuasivas, seria de molde a fazer
bascular a maioria. Evidentemente: exige um cripto-juízo de ilegitimidade, que tem também
o seu peso. Segundo a jurisprudência exemplificativa, encontramos os seguintes caos de
vícios de forma capazes de induzir anulabilidade:
Convocação sem a antecedência é fonte de anulabilidade;
A violação de normas imperativas de (mero) procedimento, por oposição ao
conteúdo, gera simples anulabilidade: tal o caso do aumento de capital votado sem
atingir a maioria de ¾ dos votos correspondentes ao capital social;
A convocação da assembleia por aviso postal, quando era exigível a publicação do
competente aviso no Diário da República, conduz a anulabilidade por ser vício
meramente formal;
A falta, na convocatória, de referência à destituição do gerente, a qual ocorreu de
modo não unânime, conduz à anulabilidade.
Estas decisões ilustram, da melhor forma, a ideia do favor societatis.
Vício de substância: como vimos, a nulidade das deliberações sociais ocorre sempre
que elas defrontem normas jurídicas injuntivas. Logicamente: haverá anulabilidade quando
as normas atingidas sejam dispositivas ou supletivas. Temos de nos entender quanto à
supletividade: significa ela que a norma pode ser afastada pelo contrato de sociedade; não
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por mera deliberação dos sócios, como expressamente resulta do artigo 9.º, n.º3 CSC. Bem
se compreende tal orientação. Ao contratar, as partes assentaram na aplicabilidade dos
estatutos e, ainda, no de um conjunto de regras que, podendo afastar, elas mantiveram. Não
devem ser surpreendidas com deliberações maioritárias que equivalham à alteração do jogo
inicialmente fixado. A contraprova reside no próprio artigo 56.º, n.º1, alínea d), 2.ª parte CSC:
quando a norma possa ser afastada pela unanimidade dos sócios, há supletividade; a
correspondente deliberação será impugnável; não nula. Veremos aliás que, por esta via, se
torna possível alterar estatutos, fora do formalismo a tanto dirigido. A referência a lei deve
ser entendida em termos amplos: violação do Direito. Fica incluída a norma legal expressa,
o princípio, o conceito indeterminado e o Direito consuetudinário. Entre os princípios
societários cuja violação pode gerar anulabilidade temos, quando eficazes, o do igual
tratamento e o da lealdade. Entre nós, eles operam como manifestação de boa fé e, em certos
casos, do exercício inadmissível de posições jurídicas, dito abuso do direito nos Países do sul.
Quer isso dizer que o abuso do direito, quando não seja consumido pelo artigo 58.º, n.º1,
alínea b) CSC, pode ser sancionado através da alínea a) do mesmo preceito. A matéria das
deliberações sociais integra-se no sistema. Não se lhe podem negar os valores básicos, através
de jogos de normas advindos, para mais, das áleas que rodearam o Código das Sociedades,
de 1986. As exigências da segurança são satisfeitas através da mera anulabilidade e do regime
restritivo que lhe dá corpo. Os exemplos judiciais de anulabilidade, por violação do conteúdo
não-imperativo dos preceitos, é impressivo.
Violação dos estatutos; a modificação informal unânime: o artigo 58.º, n.º1,
alínea a), in fine CSC, seguindo o modelo alemão, prevê a anulabilidade pela violação do
contrato de sociedade; em regra: dos estatutos. Quando a violação seja decidida por
unanimidade, e nenhum dos sócios a poderá impugnar, devendo-se então entender que o
órgão de fiscalização também não o pode fazer. Salvo a inoponibilidade eventualmente
consubstanciada perante terceiros, deverá então entender-se que os estatutos foram
modificados, de modo informal, pela unanimidade dos sócios. Só assim não será quando se
defronte uma norma imperativa, altura em que se seguirá a nulidade ex artigo 56.º, n.º1, alínea
d), 2.ª parte CSC. A justificação para a invalidade é clara: tendo-se os sócios vinculado a
determinado pacto, não podem desviar-se dele a não ser nos termos previstos nele próprio
ou na lei. Salvo unanimidade, a deliberação está em falta. Todavia, não há, pela lógica
societária, razões para a nulidade, uma vez que não se jogam regras injuntivas. As violações
insignificantes não são causa de anulabilidade: de minimis non curat praetor. E não são causas de
anulabilidade simples violações de acordos parassociais: a sua eficácia é meramente
obrigacional. Ainda no tocante à violação de estatutos, a jurisprudência dá-nos exemplos
essencialmente de natureza formal.
61.º - A anulabilidade por votos abusivos
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Conspecto e evolução: prosseguindo no estudo das deliberações anuláveis,
encontramos o dispositivo do artigo 58.º, n.º1, alínea b) CSC. Segundo esse preceito, são
anuláveis as deliberações que:
«Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através
do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo
da sociedade ou de outros sócios ou, simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos
que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos».
Trata-se de uma formulação (desnecessariamente) complexa, vertida da lei alemã e que exige
uma cuidada interpretação. No Direito anterior ao Código das Sociedades Comerciais, as
deliberações sociais podiam ser invalidadas por abuso do direito. Tal o entendimento da
jurisprudência e da doutrina, tendo havido, já nessa altura, uma pré-receção de elementos
germânicos. A evolução foi lenta. Como decisão pioneira, aponta-se o acórdão da RCb 28
maio 1930, que sancionou o facto de se ter excluído um sócio por não realização da quota,
contra o que resultava do pacto social. Esta primeira orientação teve, depois, um influxo
doutrinário, tecido em torno do problema da amortização de quotas. Esta, a não ser feita
pelo valor real, geraria injustiça grave. Nesse sentido, cumpre recordar estudos importantes
de Galvão Telles e de Manuel de Andrade, que teriam influência posterior. A referência
limitativa a um abuso especificamente societário foi introduzida na jurisprudência, ainda
antes da reforma de 1986, através de escritos do Professor Ferrer Correia. A importância do
fator universitário na transposição de elementos jurídico-científicos, com reflexos diretos na
prática, é decisiva.
A interpretação da lei: feito o posicionamento histórico, cumpre interpretar o instituto
do artigo 58.º, n.º1, alínea b) CSC, a que chamaremos anulabilidade por votos abusivos.
Podemos decompor o preceito nos seguintes elementos:
O propósito de um dos sócios;
De conseguir através do exercício do direito de voto;
Vantagens especiais para si ou para terceiros;
Em prejuízo da sociedade ou de outos sócios.
Estes dois últimos elementos podem ser substituídos por uma única proposição:
O propósito de, simplesmente, prejudicar a sociedade ou (os) outros sócios.
Surgindo um pressuposto negativo:
A menos que se prove que as deliberações seriam tomadas mesmo sem os votos
abusivos.
Historicamente, este preceito foi adotado para cobrir as hipóteses de invalidade engendradas
por elementos exteriores à própria deliberação. De todo o modo, exigia-se uma adequação
objetiva; tal adequação está presente no artigo 58.º, n.º1, alínea b) CSC, embora com menos
clareza do que no texto dador. Tomando o preceito tal como está, ele atinge as deliberações
que tenham, subjacentes, denominados votos abusivos os quais, objetiva e subjetivamente:
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Acarretem vantagens especiais para o próprio, em detrimento da sociedade ou de
terceiros; ou
Tenham natureza emulativa, visando prejudicar a sociedade ou outros sócios.
Vantagens especiais opõe-se a gerais; traduz, assim, as vantagens que assistam
particularmente a um sócio ou a terceiros, e não a todos os sócios ou a uma grande
generalidade de terceiros. Nos termos gerais, a intenção terá de se inferir da conduta exterior
do sócio, ou o instituto ficará inviabilizado. Ato emulativo, na tradição romana, é o que vise
provocar danos gratuitos a outrem. Como alinhar este instituto perante o abuso do direito?
Logo à partida, devemos prevenir contra a presença, no Direito das sociedades comerciais,
com noções arcaicas de abuso do direito. O abuso do direito ou exercício inadmissível de
posições jurídicas equivale, simplesmente, a um exercício contrário à boa fé. A boa fé exprime,
em cada situação, a valores fundamentais do ordenamento. Para tanto, usam-se princípios
mediantes, com relevo para a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente.
Finalmente: tudo isto se caracteriza em grupos de casos típicos perfeitamente conhecidos e
experimentados pela doutrina e pela jurisprudência: inalegabilidades formais, venire contra
factum proprium, suppressio, surrectio, tu quoque e exercício em desequilíbrio. Qualquer autor pode
pretender mudar esta terminologia. Não vemos, nisso, nenhuma vantagem: ela está
sedimentada em milhares de escritos especializados e de decisões judiciais, particularmente
na Alemanha e em Portugal. Fazê-lo, ad nutum, seria ligeireza de quem se julgue habilitado a
opinar sem ler o que critica e sem aceder à lei e à jurisprudência. Isto dito: os votos abusivos,
na vertente vantagens especiais, traduzem uma atuação fora da permissão jurídica em jogo.
Não se trata de abuso do direito mas, simplesmente, de falta de direito. Uma melhor
interpretação dos atos em jogo permitirá determinar se o efeito pretendido está ou não
coberto pela norma legitimadora. Os votos emulativos já serão abusivos: na versão
desequilíbrio no exercício. Uma interpretação rigorosa do artigo 58.º, n.º1, alínea b) CSC
permitiria, assim, concluir que, salvo o aditamento emulativo, não está em causa um
verdadeiro abuso do direito; apenas a necessidade de recordar que certos votos não podem
prosseguir finalidades extra societárias. Poderá haver verdadeiras deliberações abusivas, por
contrariedade à boa fé; elas cairão, todavia, no artigo 58.º, n.º1, alínea a) CSC. Como já foi
referido: é essa a solução que nos vem da própria Alemanha.
A prática jurisprudencial: a prática portuguesa tem seguido outros rumos. Os votos
abusivos foram adotados, como categoria, antes da introdução, pelo Código das Sociedades
de 1986, da prossecução inadmissível de vantagens especiais. Nessa altura, a aproximação ao
abuso do direito visou torna-las mais verosímeis. Agora: ela corre o risco de ser redutora. Já
se defendeu, entre nós, que o abuso, nas deliberações sociais é, apenas, o do artigo 58.º, n.º1,
alínea b) CSC: com isso, o artigo 335.º CC, não teria aplicação. Não pode ser. O sistema
jurídico tem uma harmonia interna que lhe vem dos romanos, que foi aperfeiçoada pelas
codificações e que ocupa toda a Ciência do Direito dos nossos dias. Se não for assim: não há
Ciência e o próprio princípio da igualdade entra em crise. A exigência de respeito pelo
essencial do sistema, em cada caso, recorda que as normas não se aplicam isoladas: todo o
Direito é, sempre, aplicável em conjunto. Por certo que há zonas mais insensíveis ao abuso,
em nome da segurança. Mas a boa fé tem instrumentos de sobra para introduzir essas
particularidades nos seus modelos de decisão: problemas como o das inalegabillidades
formais estão reduzidos, em termos dogmáticos, há quase um século. Em caso algum o artigo
58.º, n.º1, alínea b) CSC, poderia afastar a aplicabilidade do artigo 334.º CC, na parte em que
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refere a boa fé. Caminho inverso seria o de alargar o artigo 58.º, n.1º, alínea b) CSC, de modo
a abarcar, no campo das deliberações sociais, todo o abuso do direito. Não vemos vantagens.
Além disso, vai contra a história e a letra do preceito. Mas sempre seria via preferível à de
pretender excluir o abuso, do campo deliberativo. Tudo visto: propomos a aplicação do
artigo 58.º, n.º1, alínea b) CSC, às situações nele previstas; além disso, as deliberações que
incorram, nos termos gerais, em abuso do direito, serão anuláveis, por via da alínea a) do
mesmo preceito. Um apanhado de jurisprudência mostra que o instituto dos votos abusivos
tem sido utilizado dentro dos quadros do artigo 58.º,n.º1, alínea b) CSC. De resto: na linha
do que já sucedia antes, mesmo, da aprovação do Código de 1986. Há uma paulatina
colonização dos votos abusivos pelo abuso do direito. Além disso, surge a referência a um
interesse da sociedade, como forma de auxiliar na ponderação dos valores em presença:
método típico do abuso do direito, na vertente do exercício em (des)equilíbrio. Também nos
parece claro que o elemento subjetivo tem vindo a, discretamente, passar ao segundo plano.
Os votos abusivos não provocam, apenas, a anulabilidade das deliberações que propiciem.
Eles obrigam, ainda, a indemnizar a sociedade a e os outros sócios, pelos prejuízos que
causem. O artigo 58.º, n.º3 CSC prescreve, nessa altura, a solidariedade entre os votantes em
abuso.
A anulabilidade: o artigo 58.º, n.º1, alínea c) CSC, considera anuláveis as deliberações
que não tenham sido precedidas do fornecimento, ao sócio, de elementos mínimos de
informação. O artigo 58.º, n.º4 CSC procurando prevenir dúvidas, explicita os elementos
mínimos de informação. São eles:
As menções do artigo 377.º, n.º8 CSC; este preceito tem a ver com o aviso
convocatório de assembleias em sociedades anónimas, sendo aplicável às sociedades
por quotas, nos termos do artigo 248.º, n.º1 CSC;
A colocação de documentos para exame dos sócios no local e durante o tempo
prescritos pela lei ou pelo contrato.
Em rigor, a violação das regras sobre informação prévia tem a ver com a inobservância das
normas de processo, caindo no artigo 58.º, n.º1, alínea a) CSC. Como tal é, de resto,
considerada na doutrina alemã. Tem interesse verificar o modo porque a falta ilícita de
informação vem sendo manuseada na jurisprudência, no tocante à invalidação, por
anulabilidade, das deliberações. Incluímos, neste elenco, situações de inobservância do
direito à informação que não se enquadrem, precisamente, no artigo 58.º, n.º1, alínea c) e
58.º, n.º4 CSC. Em rigor, elas cairiam na alínea a) do n.º1 desse preceito. Todavia, parece
razoável proceder a uma unificação sistemática da matéria. A própria jurisprudência enceta
passos, nesse sentido.
62.º - A ação de anulação
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Generalidades; a legitimidade: tendo fixado, em termo substantivos, as
circunstâncias suscetíveis de conduzir à invalidade das deliberações sociais, o Código das
Sociedades veio regular alguns aspetos da ação de anulação: artigo 59.º CSC. A legitimidade
para a ação de anulação é conferida (artigo 59.º, n.º1 CSC):
Ao órgão de fiscalização;
A qualquer sócio que não tenha votado no sentido do vencimento nem,
posteriormente, tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente.
A intervenção do órgão de fiscalização em questões de mera anulabilidade obrigaria a
repensar dogmaticamente este instituto: já não se trataria da concessão, ao sócio, de um
direito potestativo de impugnar a deliberação, mas antes de algo mais profundo. O preceito
deve ser entendido em termos restritivos: se todos os sócios aprovarem uma deliberação
anulável ou se o sócio prejudicado vier confirmá-la, como explicar uma impugnação deduzida
pelo órgão de fiscalização? A atuação do órgão de fiscalização, que não estava prevista no
projeto de Coimbra, só se admite, mesmo perante a (deficiente) lei em vigor quando a
deliberação não tenha sido integralmente adotada ou confirmada. Para além disso: há erro
legislativo. Dogmaticamente, a anulabilidade fica na disponibilidade dos sócios, não se
entendendo a concessão, aos fiscalizadores, de poderes funcionais nesse domínio. A
intervenção de qualquer sócio, desde que não tenha votado no sentido que fez vencimento
nem posteriormente, tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente, surge de modo
a prevenir o venire contra factum proprium. O artigo 59.º, n.º6 CSC ocupa-se, a tal propósito, do
voto secreto. Sendo esse o caso, considera-se que não votaram no sentido que fez
vencimento apenas aqueles sócios que, na própria assembleia ou perante notário, nos cinco
dias seguintes à assembleia, tenham feito consignar que votaram contra a deliberação tomada.
Quer isso dizer que, havendo voto secreto, a deliberação tornar-se-á inimpugnável, se não
tiver sido, por algum sócio, seguido o apontado procedimento.
O prazo: o prazo para intentar a ação de anulação é de 30 dias contados (artigo 59.º, n.º2
CSC):
Da data em que foi encerrada a assembleia geral;
Do 3.º dia subsequente à data do envio da ata da deliberação por voto escrito;
Da data em que o sócio tenha tido conhecimento da deliberação, se esta incidir sobre
assunto que não constava da convocatória.
A assembleia geral pode sofrer interrupções, desdobrando-se em várias sessões. Durando a
interrupção mai de quinze dias, permite o artigo 59.º, n.º3 CSC que a ação de anulação de
deliberação anterior à interrupção seja proposta nos 30 dias seguintes àquele em que ela tinha
sido tomada. Trata-se, porém, de uma possibilidade que fica na mão do interessado. Este
pode escolher deixar seguir a assembleia até ao fim, antes de intentar a ação: poderá, assim,
colher novo elementos e fundamentar, com mais eficácia, a sua pretensão. Na contagem dos
prazos, á que ter o maior cuidado, evitando proposituras de última hora. Eis algumas
precisões jurisprudenciais:
O prazo de trinta dias tem natureza substantiva, aplicando-se-lhe, segundo o artigo
298.º, n.º2 CC, o regime da caducidade (RPt 10 dezembro 1992);
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Havendo irregularidades na convocatória, por aplicação analógica do artigo 59.º, n.º2,
alínea c) CSC, o prazo conta-se a partir do momento em que o sócio teve
conhecimento da deliberação (STJ 18 novembro 1997);
A prova de já ter decorrido o prazo dos 3 dias incumbe à sociedade ré (RCb 29
setembro 1998);
O direito de pedir a suspensão da deliberação não se confunde com o de pedir a sua
anulação: as caducidades respetivas são diferentes (STJ 23 abril 2002).
Consequência importante da natureza do prazo de 30 dias é o facto de ele só ser impedido
pela prática tempestiva do ato em jogo, isto é: pela interposição da ação de anulação. Assim,
a simples interposição de um procedimento cautelar de suspensão de deliberação social não
impede o decurso de prazo do artigo 59.º, n.º2 CSC (STJ 11 março 1999). E se tal decurso
se consumar, o próprio procedimento cautelar irá naufragar por inutilidade superveniente da
lide. Em princípio, o processo serve o Direito substantivo, dando-lhe meios de legitimação
e de efetivação. Devemos todavia ter presente que, muitas vezes, os modernos sistemas
jurídicos vê, moldados os seus institutos através de sucessivas camadas regulativas, algumas
das quais de natureza processual. Tudo conflui na decisão final. Não é demasiado enfatizar
o prazo de 30 dias e os valores substantivos que serve: pretende-se, quanto antes, pôr cobro
à pendência de dúvidas, no tocante às deliberações societárias. Justamente por isso se
procedeu ao alargamento da figura da anulabilidade.
Secção V – Disposições comuns à nulidade e à
anulabilidade
63.º - Direito à ação e legitimidade
Generalidades; legitimidade: o artigo 60.º CSC contém regras epigrafadas disposições
comuns às ações de nulidade e de anulação. Em rigor, também o artigo 61.º CSC mereceria o mesmo
epíteto, enquanto o artigo 62.º CSC tem também regras comuns a essas duas invalidades.
Donde a verificação desses preceitos na presente rubrica. Recorde-se que este tipo de ações
decorre perante os tribunais de comércio: artigos 89.º, n.º1, alínea d) da Lei n.º 3/99, 13
janeiro20 . O artigo 60.º, n.º1 CSC determina que tanto a ação de nulidade como a de
anulabilidade sejam propostas contra a sociedade. Trata-se de um preceito que decorre do
artigo 117.º do Projeto de Coimbra, sedimentando a prática anterior. Quer isso dizer que
qualquer sociedade corre o risco, só por o ser, de ser demandada em ações relativas às
deliberações tomadas pelos seus sócios. Pergunta-se se as ações de ineficácia ou de
inexistência de deliberações sociais também são intentadas contra a sociedade. A resposta é
positiva, por interpretação extensiva ou por aplicação analógica do preceito em causa, mas
20 VER ATUAL PRECEITO DA LOSJ
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isso – naturalmente – na medida em que faça sentido admitir tais ações. A ineficácia paralisa
a deliberação: não tem de ser declarada. Se houver interesse em fazê-lo, a ação será
meramente declarativa. Quanto à inexistência: não deve ser considerada um vício autónomo.
Assim, perante a ausência de certa deliberação, só faria sentido uma ação de simples
apreciação negativa. Fatalmente: contra a própria sociedade. Em qualquer os casos
impugnam-se deliberações e não (simples) votações. O voto, só por si, não representa uma
posição da sociedade. Além disso, não tem relevância (societária) quando desinserido da
deliberação que origine. O vício do voto comunica-se à deliberação, quando se enquadre nas
previsões de nulidade ou de anulabilidade. A prova de resistência consiste em verificar se
determinado voto tem relevância para a deliberação concreta. Não a tendo, tornam-se
indiferentes, para o tema em estudo, quaisquer vícios que o possam afetar.
Apensação e iniciativa do órgão fiscalizador: pode acontecer que, perante uma
deliberação social, especialmente controversa, surjam diversas ações de invalidade. Por
razões de racionalização processual óbvias e visando prevenir soluções judiciais díspares, o
artigo 60.º, n.º2 CSC determina a sua apensação. As ações podem ser propostas pelo órgão
de fiscalização ou, na sua falta, por qualquer gerente (artigo 57.º, n.º2 CSC). Explicam os
tribunais que neste âmbito, o conselho fiscal tem personalidade judiciária para intentar ações:
não para pedir a confirmação da sua validade. Tais ações podem dar lugar a encargos. Tais
encargos são suportados pela sociedade, mesmo que as ações sejam julgadas improcedentes
(artigo 60.º, n.º3 CSC). Por aplicação dos princípios gerais, assim não deverá ser quando haja
condenação por litigância de má fé ou quando se verifique abuso do direito de ação.
Ações abusivas: as ações de anulação ou de declaração de nulidade de uma deliberação
social podem ser abusivas. Assim sucederá, nos termos gerais quando, por defrontar a
confiança ou a materialidade subjacente, elas se apresentem contrárias à boa fé. A
jurisprudência em sancionado ocorrências desse tipo. Esta dimensão é importante. As
sociedades tornam-se facilmente vítimas de raiders que impugnam, sem fundamento, as mais
diversas deliberações sociais. Além das situações de abuso, podemos ainda computar as
hipóteses de condenação do seu autor como litigante de má fé e de ele incorrer em
responsabilidade civil por culpa in petendo. Ambas as eventualidades devem ser reconduzidas
aos princípios gerais que norteiam esses institutos.
64.º - Eficácia do caso julgado
Generalidades; eficácia interna: o artigo 61.º CSC fixa a eficácia do caso julgado que
se forme em ação de declaração de nulidade ou de anulação de deliberação social. O n.º1
reporta-se à eficácia interna; o n.º2, à externa. Antes de examinar ambos os aspetos, cumpre
ponderar a natureza da jurisdição aqui em jogo. Pergunta-se se o juiz tem jurisdição de mérito
ou apenas, de legalidade: no primeiro caso, ele apreciaria a oportunidade e a valia de
determinada deliberação; no segundo, estarão em jogo, apenas, juízos de legalidade. À partida,
a jurisdição será, aqui, de mera legalidade. Desde logo porque o juiz apenas pode invalidar
deliberações; não as pode substituir por outras, mais oportunas. De seguida porque não lhe
são pedidos juízos técnicos, no plano da gestão: apenas uma verificação de conformidade
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com as regras aplicáveis. Todavia, o juiz poderá ter de concretizar conceitos indeterminados.
Assim sucederá em três eventualidades exemplificativas:
Na de a própria ação de invalidação ser abusiva;
Na de se jogar a violação da boa fé;
Na de estarem em causa votos abusivos.
Nesses planos, a deliberação que traduza uma saída impossível ou, pelo contrário, um erro
grosseiro, não poderá deixar de ser alvo da sindicância material do juiz. Em suma: temos um
contencioso de legalidade, mas no qual o mérito pode fazer a sua aparição. Passemos À
eficácia interna do caso julgado. Segundo o artigo 61.º, n.º1 CSC:
«A sentença que declarar nula ou anular uma deliberação é eficaz contra e a favor de todos os
sócios e órgãos da sociedade, mesmo que não tenham sido parte ou não tenham intervindo na
ação».
O preceito é claro. Duas delimitações: o caso julgado assim formado não opera quando a
causa de invalidação seja diversa; todavia, isso funciona para causas de pedir diferentes e não
para fundamentações distintas, uma vez que estas não são cobertas pelo caso julgado.
A eficácia externa: as sociedades constituem pessoas coletivas autónomas. Opõem-se,
só por si, erga omnes. As suas deliberações – e as ações que se lhe reportem – tendem, também,
a contundir com terceiros. Donde a necessidade de, aos casos julgados que se formem nesse
âmbito, atribuir eficácia perante terceiros ou eficácia externa. Segundo o n.º2 do mesmo
preceito:
«A deliberação de nulidade ou a anulação não prejudica os direitos adquiridos de boa fé por
terceiros, com fundamento em atos praticados em execução da deliberação; o conhecimento da
nulidade ou da anulabilidade exclui a boa fé».
O preceito visa tutelar a confiança de terceiros. As ações de declaração de nulidade ou de
anulação de deliberações sociais estão sujeitas a registo comercial (artigo 9.º, alínea e) CRCom:
um elemento importante para o seu conhecimento). De todo o modo, compreende-se ser
inexigível, a qualquer particular que contrate com uma sociedade, o ir indagar, junto do
registo comercial, se não estará alguma ação de invalidação de uma deliberação em cujo
prolongamento surja o negócio que lhe interesse. O registo da ação não impede, pois, a boa
fé de terceiros. Pergunta-se se a boa fé aqui referida é psicológica ou ética. No primeiro caso,
aproveita a mera ignorância; no segundo, apenas a ignorância desculpável, isto é: a ignorância
que não derive da inobservância de deveres de cuidado aplicável in casu. Por força de vetores
gerais do ordenamento, aqui presentes, a boa fé terá de o ser na sua dimensão ética. De todo
o modo, não há, em princípio e no que tanja a terceiros estranhos, quaisquer especiais deveres
de indagação.
65.º - A renovação de deliberações
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Generalidades; a deliberação nula: o Direito das sociedades revela uma acentuada
preocupação com as perturbações que a pendência de ações de invalidade de deliberações
sempre representa para os entes coletivos. A essa luz, compreende-se o papel proeminente
dado à anulabilidade e o estabelecimento de um prazo curto para a sua propositura: 30 dias.
Todavia: uma vez intentada, a ação de invalidação poderá pender durante anos, com tudo o
que isso representa de incerteza e de publicidade negativa para a sociedade e os seus sócios.
O problema tem uma saída através da renovação da deliberação inválida, renovação essa que
poderá operar ad cautelam: afirmada a presença de certo vício e independentemente de se
aceitar tal asserção, poder-se-ia retomar a deliberação sem o ponto questionado. O interesse
prático da figura é, assim, muito grande, o que é atestado por numerosa jurisprudência
ilustrativa. No domínio do Direito anterior ao Código das Sociedades Comerciais de 1986,
era duvidosa a possibilidade de renovação das deliberações inválidas. O artigo 62.º CSC
pretendeu resolver esse problema, num sentido afirmativo. A primeira previsão do artigo
62.º CSC é a de uma deliberação nula por força do artigo 56.º, n.º1, alínea a) ou b) CSC, isto
é: inquinada por vício de procedimento (grave). Compreende-se que possa ser tomada uma
segunda deliberação com o mesmo conteúdo, mas que corrija o óbice antes verificado. A
essa deliberação pode a assembleia atribuir eficácia retroativa, ressalvados os direitos de
terceiros. Fica claro, logo aqui, que não se trata de uma convalidação ou de uma sanação da
primeira deliberação: antes ocorre uma segunda e própria deliberação, que visa produzir os
mesmos efeitos jurídicos da anterior, mas agora sem a pendência da invalidação. A contrario
sensu, não é possível renovar deliberações nulas por força do artigo 56.º, n.º1, alíneas c) e d):
desta feita, o vício é substantivo; nova deliberação, para ser válida, teria forçosamente de ser
diferente da anterior.
A deliberação anulável: no artigo 60.º, n.º2 o Código prevê:
«A anulabilidade cessa quando os sócios renovem a deliberação anulável mediante outra
deliberação, desde que esta não enforme do vício da precedente».
Desta feita, não se distinguem vícios formais e vícios substantivos. No entanto, há uma lógica
subjacente irrecusável: uma verdadeira renovação postula que a segunda deliberação tenha
um conteúdo idêntico ao da primeira, sob pena de lidarmos com algo de distinto, que se
suceda no tempo. Ora um conteúdo idêntico e sem vícios só será compaginável com
problemas de ordem formal. Todavia, a indistinção da lei pode ser proveitosa: pode haver
vícios substanciais que, em nova deliberação, não mais possam ser invocados; basta, para
tanto, a aprovação unânime dos sócios. Também aqui se pode atribuir eficácia retroativa,
como se extrai da 2.ª parte do artigo 62.º, n.º2 CSC. Essa 2.ª parte permite ao sócio, que nisso
tenha um interesse atendível, obter a anulação da primeira deliberação, relativamente ao
período anterior ao da deliberação renovatória. A retroatividade já não será aplicável quando
estejam em causa institutos de Direito Civil, como, por exemplo, uma assembleia de
condóminos. O artigo 62.º, n.º3 CSC permite que a sociedade, ré numa ação de impugnação,
requeira ao tribunal um prazo para renovar a deliberação. O prazo a requerer deve ser
razoável. Todavia, o tribunal só o concederá quando a deliberação em jogo for renovável.
Encontramos, aqui, um novo elemento de favor societatis.
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Capítulo V – A administração das
sociedades21
Secção I – Aspetos gerais
69.º - Papel: gestão e representação
A administração como cerne do Direito das Sociedades: as sociedades
correspondem a um modo coletivo de funcionamento do Direito. Tanto quanto sabemos,
apenas a pessoa singular pode acatar normas jurídicas, sentindo a inerente necessidade moral
de cumprir as obrigações e desfrutando da liberdade psicológica inerente às permissões. Os
progressos da Ciência do Direito e a multiplicação exponencial das normas em presença
levaram às construções complexas que subjazem à personalidade coletiva. Como foi
explicado, a personalidade coletiva traduz, antes de mais, a aplicabilidade de um regime.
Dirigir uma regra a uma pessoa coletiva implica depois, através desta, o acionamento de
muitas outras regras que irão, mais ou menos mediatamente, desembocar em incumbências
que recaem sobre pessoas singulares. No centro de toda esta problemática, encontramos a
administração. Em termos societários, a administração traduz:
O conjunto das pessoas que têm a seu cargo a função de administrar uma sociedade;
em certos casos, poderá tratar-se de uma pessoa singular única;
O ato ou o efeito de administrar essa mesma sociedade.
Na primeira aceção, temos a administração a subjetivam no segundo, a objetiva. Em termos
subjetivos, pode-se usar a expressão consagrada administrador. Esta cobre as figuras dos
gerentes, dos administradores stricto sensu e dos administradores executivos, em função do
concreto tipo societário em jogo. Pois bem: o que façam ou deixem de fazer as sociedades,
nas mais diversas circunstâncias, lícita ou ilicitamente, é obra dos administradores. O papel
da administração das sociedades assume uma dimensão considerável: por certo que a mais
importante de quantas são legitimadas pelo Direito das sociedades e das ais significativas das
reconhecidas pelos diversos ramos jurídicos. O atual discurso jurídico processa-se,
necessariamente, num nível de grande abstração. Mas há que apor limites a tal processamento,
em nome das realidades da vida e da própria estrutura prática do Direito. Assim, as regras
destinadas às sociedades são, no fundo, comandos dirigidos às administrações. Ora, as
sociedades sustentam e controlam a vida social e económica de Estados industriais e pós-
industriais. Todo o tecido das organizações humanas está modelado pelas sociedades, num
fenómeno que ficou sem alternativa à vista, depois da queda do muro de Berlim e do
21 Cordeiro, António Menezes; Direito das Sociedades, Parte Geral, Volume I; Almedina editores; 3.ª edição; Coimbra, Maio 2011.
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desmoronar do chamado segundo Muro. Tudo isto é conhecido e está descrito, embora se
mantenha longe dos textos jurídico-comerciais. A administração das sociedades constitui o
cerne do Direito das sociedades: ponto em torno do qual tudo orbita e destino final de todas
as construções e institutos. Todavia, a matéria está pouco estudada. Surge, mesmo, algo
secundarizada na lei. Este estado de coisas tende a mudar, perante o influxo representado
pela responsabilidade dos administradores e dada a exigência crescente de desempenho,
implicada pelo universo, algo ambíguo, da corporate governance. Uma exposição geral de Direito
das sociedades não pode ficar indiferente a este poderoso movimento dos nossos dias.
O problema dos interesses: questão importante e suscetível de infletir os raciocínios
subsequentes é a de saber se o administrador está ao serviço dos sócios ou da sociedade ou,
se se quiser: que interesses serve ou deve servir. Por isso – e antecipando a análise dos textos
legais aplicáveis que iremos efetuar mais adiante – vamos abordar, de imediato, o tema.
Deixaremos de parte as hipóteses de, formalmente, o administrador estar ao seu próprio
serviço ou ao de terceiros. É evidente que o está, ou pode estar; todavia, quando tais atuações
conflituem com normas destinadas à defesa da sociedade ou dos sócios, estas prevalecem.
Esta discussão entronca, com facilidade, numa outra: a de saber se há interesses próprios da
sociedade e se tais interesses são distintos dos dos sócios. Primeiro temos de saber do que
falamos. Não há nenhuma definição constitucional ou meramente legal de interesse. Quem
utilize esse termo e o defenda como operacional tem, como elementar manifestação de
seriedade intelectual e científica, o ónus de o explicar. Pela nossa parte, embora não o usemos,
vamos tentar clarificar o tema.
Em sentido subjetivo: o interesse traduz uma relação de apetência entre o sujeito
considerado e as realidades ou os seus desejos;
Em sentido objetivo: o interesse traduz a relação entre o sujeito com necessidades
e os bens aptos a satisfazê-las.
Parece evidente que esses conceitos são diferentes. Para um jogador compulsivo, o interesse
(subjetivo) será o de encontrar um casino onde passar a noite; em termos objetivos, o seu
interesse seria ir para casa descansar, com vista ao trabalho do dia seguinte. Eis o problema:
se releva o interesse subjetivo, caberá ao próprio interessado defini-lo; o Direito apenas fixará
limites às atuações resultantes das opções que ele faça. Se predominar o interesse objetivo,
terá de haver alguém exterior que o defina. Tal definição não poderá ser arbitrária – ou saímos
do Direito. Quer isso dizer que a explicitação do interesse objetivo deverá ser feita por
normas de conduta, dirigidas ao sujeito. No exemplo do jogador: é proibida a permanência
de jogadores compulsivos nos casinos, depois da meia noite. Temos de nos recordar que o
interesse não foi descoberta recente, assim como recentes não são as considerações que,
dando-lhe todo um papel, não o aceitam como categoria dogmática. Com raízes em Jhering,
o interesse foi aprofundado por Heck, para superar os meros jogos de conceitos praticados
pela metodologia anterior. Mas Heck usou-os, ainda e sobretudo, para combater a Filosofia
do Direito, enquanto fonte de menções extrapositivas na decisão jurídica. Perante isso, e à
pergunta: quem define os interesses?, Heck só poderia responder: ou o próprio, se estivermos
em área de permissão ou o Direito, se assim não suceder. A partir daqui, os interesses
heckianos facultam uma interpretação melhorada de algumas fontes, obrigando a, para além
dos conceitos, indagar a teleologia das normas e as valorações subjacentes. Agora o interesse,
só por si e sem regras que o definam e mandem prosseguir, não é bitola de coisa nenhuma.
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Antes surge como arrimo linguístico nada inovador e, sobretudo: juridicamente
inoperacional. Algumas leis, incluindo o Código Civil, utilizam o termo interesse. Aí, teremos
de lhe atribuir um sentido útil. Por exclusão, não está em causa o interesse subjetivo: este
pode ser qualquer um, conforme as pessoas, pelo que não tem operacionalidade dogmática.
Queda uma saída objetiva, sendo de eleger uma fórmula que possa ser usada pelo Direito.
Acolhemos a noção desenvolvida por Paulo Mota Pinto: uma realidade protegida por normas
jurídicas as quais, quando violadas, dão azo a um dano. Quando a Lei refira interesses, remete o
intérprete-aplicador para realidades juridicamente relevantes e que tenham a tutela jurídica.
Mais precisamente, ela visualiza: ou o conteúdo de um direito subjetivo ou a área acautelada
por normas de proteção. Por esta via (e revendo, um tanto, posições anteriores) , consegue-
se aproveitar a remissão legal para interesses. Voltamos a apelar à doutrina que se ocupa
destas matérias: não é possível opinar sem explicar o que se entende por interesse e sem
reconstruir o percurso de toda esta matéria. E o problema não pode ser resolvido com um
apelo vocabular à funcionalização das regras dirigidas aos administradores. É óbvio que tal
funcionalização existe, uma vez que os administradores agem em defesa de bens alheios; mas
dizer que eles servem interesses não esclarece sobre qual a função em jogo.
Ao serviço: dos sócios, da sociedade ou de terceiros? O administrador serve a
sociedade ou os sócios? Se regressarmos à técnica anterior, perguntaríamos se o
administrador serve os interesses da sociedade ou os dos sócios. Admitamos que sejam os
da sociedade:
Em sentido subjetivo: esses interesses terão de ser selecionados dentro dos órgãos
sociais, o que acabará por descambar na decisão dos sócios;
Em sentido objetivo: tais interesses seriam escalonados pelo tribunal, de acordo
com regras jurídicas; tais regras teriam de ser claras, estritas e constitucionais, já que
elas viriam cercear a livre iniciativa dos sócios.
Admitindo agora que o administrador sirva os interesses dos sócios: em sentido subjetivo, a
sua definição caber-lhes-ia; em sentido objetivo, surgem as tais regras injuntivas que se
fundirão com as que definam o interesse objetivo da própria sociedade. Confirma-se, assim,
o círculo: no que a lei permita, cabe aos sócios definir os interesses da sociedade e os seus
próprios; fora disso, funcionará o Direito objetivo. O problema resolve-se com a noção
jurídica de interesse: o administrador deve respeitar as posições protegidas pelo Direito
(interesses); quer dos sócios, quer das sociedades. Mas devemos ser mais ambiciosos. De
facto a referência aos interesses da sociedade encobre uma outra questão e da maior
importância: deve o administrador atender, em cada momento, às indicações dos sócios ou,
pelo contrário, caber-lhe-á decidir com vista ao médio e ao longo prazo, de tal modo que o
interesse objetivo da sociedade e dos sócios, definido na base do lucro, do crescimento ou
do êxito empresariais, prevaleça sobre quaisquer outras bitolas? A lei dá grande margem aos
administradores, particularmente no campo das sociedades anónimas: veja-se o artigo 373.º,
n.º3 CSC, que veda à assembleia geral a interferência na gestão da sociedade, salvo se por
iniciativa dos próprios administradores. Tal margem destina-se, justamente, a permitir, aos
administradores, pensarem no tal médio e no longo prazo. Isto dito, recoloca-se o tema:
médio e longo prazo tendo em vista as vantagens sociais ou as dos sócios? A sociedade é
sempre um regime jurídico. Ela não sofre nem ri: apenas o ser humano o pode fazer. Separar
a sociedade dos sócios é má escolha: despersonaliza um instituto que uma longa experiência
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mostrou melhor estar no Direito privado. O administrador servirá, pois, os sócios. Mas não
enquanto pessoas singulares: antes enquanto partes que puseram a gestão dos seus valores
num modo coletivo de tutela e de proteção. Nesse modo coletivo interferem normas que
recordarão, entre outros aspetos:
Que a boa saúde das sociedades é vantajosa para o mercado;
Que há setores sensíveis onde regras técnicas e prudenciais devem ser seguidas; banca
e seguros;
Que as sociedades a que se acolhem empresas dão emprego e criam riqueza para o
País.
Tudo isto tem de ser acatado. Poderemos exprimi-lo dizendo que os administradores servem
a sociedade, na qual os sócios têm um papel importante, mas não exclusivo. E as vantagens
dos sócios são prosseguidas em modo coletivo, o que é dizer: de acordo com as regras
societárias aplicáveis. A nova redação do artigo 64.º, n.º1, alínea b) CSC, abaixo examinada,
que determina atender aos interesses da sociedade, dos sócios, dos trabalhadores, dos clientes
e dos credores, manda, no fundo, respeitar as regras que tutelam as inerentes posições. Nem
de outro modo poderia ser, pois os conflitos de interesses entre essas entidades são tais que
nenhum administrador poderia decidir fosse o que fosse.
O poder de gestão: em termos jurídicos, os administradores têm dois poderes, de
conteúdo muito vasto:
O poder de gerir ou de administrar;
O poder de representar.
Apesar da natureza básica desta matéria, o Código não a considerou na sua parte geral.
Recorrendo aos diversos tipos societários, encontramos:
Nas sociedades em nome coletivo: a administração e a representação da sociedade
competem aos gerentes (artigo 192.º, n.º1 CSC);
Nas sociedades por quotas: a sociedade é administrada e representada por um ou
mais gerentes (artigo 252.º, n.º1 CSC);
Nas sociedades anónimas de tipo latino: compete ao conselho de administração
gerir as atividades da sociedade e o conselho de administração tem exclusivos e
plenos poderes de representação da sociedade (artigo 405.º, n.º1 e 2 CSC);
Nas sociedades anónimas de tipo germânico: compete ao conselho de
administração executivo gerir as atividades da sociedade e o conselho de
administração executivo tem plenos poderes de representação da sociedade perante
terceiros (artigo 431.º, n.º1 e 2 CSC);
Nas sociedades em comandita: haverá que aplicar as regras das sociedades em
nome coletivo (artigo 474.º CSC) ou anónimas (artigo 478.º CSC) conforme se trata
de comandita simples ou de comandita por ações.
O Código das Sociedades Comerciais não dá uma noção explícita de administração das
sociedades. Nas sociedades em nome coletivo, diz-se que a competência dos gerentes, tanto
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para administrar como para representar a sociedade, deve ser sempre exercida dentro dos
limites do objeto social (artigo 192.º, n.º2 CSC); nas sociedades por quotas, manda o artigo
259.º CSC: os gerentes devem praticar os atos que forem necessários ou convenientes para a
realização do objeto social, com respeito pelas deliberações dos sócios; a propósito das
sociedades anónimas, já se anotou a fórmula ampla do artigo 405.º, n.º1 CSC, que fala em
gerir as atividades da sociedade o artigo 406.º CSC enumera os poderes de gestão: compete
ao conselho de administração deliberar sobre qualquer assunto de administração da
sociedade, nomeadamente; seguem-se 13 pontos, que vão desde a escolha do presidente até
qualquer outro assunto sobre o qual algum administrador requeira deliberação do conselho.
A enumeração é, assumidamente, exemplificativa, de tal modo que o próprio Código das
Sociedades Comerciais acrescenta, em preceitos dispersos, outros pontos; como exemplo:
compete ao conselho de administração, em certos casos, deliberar a emissão de obrigações
(artigo 350.º, n.º1 CSC). Cumpre recorrer ao Direito comum. A expressão administração
aparece-nos dezenas de vezes, no Código Civil. Tem, aí, diversas aceções. Pois bem: dessas
diversas aceções, para além de flutuações de linguagem que escaparam às revisões do Código
Civil, resultam linhas reitoras. A administração reporta-se a patrimónios, a bens ou a coisas,
de modo a traduzir, em termos compreensivos, um conjunto de atuações insuscetíveis de
enumeração em concreto ou, sequer, de definição: tudo depende, em cada caso, da realidade
de cuja administração se trate. Por vezes, a lei introduz limitações nas concretas entre atos
de administração e de disposição. Trata-se, porém, de uma contraposição relativa: caso a caso
haverá que determinar o preciso âmbito da administração e da disposição. A ideia básica é a
indeterminação dos poderes ou potencialidades de atuação, a incluir na administração. Esta
apenas pode ser determinada: pela negativa, retirando-lhe faculdades, como sejam a
disposição ou a administração extraordinária; pelo objeto, de acordo com a realidade a que
respeite e pela finalidade. As sociedades comerciais têm personalidade (artigo 5.º CSC) e
capacidade jurídica: esta compreende os direitos e as obrigações necessárias ou convenientes
à prossecução do seu fim (artigo 6.º, n.º1, 1.ª parte CSC). A administração de uma sociedade
vem definir-se, perante esta realidade, com recurso a duas coordenadas: uma positiva e
material e outra negativa e formal. Diremos que a administração abrange o conjunto de
atuações materiais e jurídicas imputáveis a uma sociedade que não estejam, por lei, reservadas
a outros órgãos. A competência genérica e residual para agir, reservadas a outros órgãos. A
competência genérica e residual para agir, pela sociedade, cabe à administração: é o que se
infere dos artigos 259.º e 405.º, n.º1 CSC. A prática jurídica e societária tem reservado a ideia
de administração para a atuação dos próprios administradores. Mas ela poderia ser alargada
a outras pessoas a quem sejam confiadas funções de administração (artigo 80.º CSC). Resta
acrescentar que, também na prática, surgem, como sinónimas, as locuções administração,
gerência e gestão. Tecnicamente, a administração é um direito potestativo: traduz a permissão
normativa que os administradores têm de decidir e de agir, em termos materiais e jurídicos,
no âmbito dos direitos e dos deveres da sociedade. Embora se trate de um direito – os
administradores são autónomos, ou teriam de ir procurar a administração noutra instância –
é um direito funcional ou fiduciário: os administradores devem observar regras e agir na base
da lealdade: pontos importantes.
O poder de representação: ao lado do poder de administrar, o administrador tem,
como segundo pilar da sua posição, o de representar a sociedade. A representação é
uniformemente atribuída aos gerentes (artigos 192.º, n.º1 e 252.º, n.º1 CSC) ao conselho de
administração (artigo 405.º, n.º2 CSC) e ao conselho de administração executivo (artigo
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431.º,n.º2 CSC). Trata-se do vínculo jurídico, de base legal, que permite imputar à pessoa
coletiva os atos dos seus órgãos e, para o caso: à sociedade, a atuação dos administradores.
À partida, o âmbito dos poderes de representação estaria delimitado pelo da própria
administração. A tutela da confiança levou o legislador português a estabelecer um esquema
inverso: quando, no uso formal de poderes de representação, o administrador ultrapasse o
que lhe caberia, a imputação funciona: artigo 6.º, n.º4 CSC «não limitam a capacidade da
sociedade…». Conectada com a imputação de atos provenientes do vínculo de representação,
surge a imputação, ao ente coletivo, de factos ilícitos. A lei (artigo 6.º, n.º5 CSC) não fala,
aqui, em representação, apenas remetendo para o regime da comissão. Como sabemos, a
representação aqui figurada não equivale à representação em sentido técnico. Antes se trata
de um modo cómodo sugestivo de exprimir os nexos de organicidade que imputam, ao ser
coletivo, a atuação dos titulares dos seus órgãos. Por isso, quando a lei fale em representantes
da sociedade, teremos de ver, pela interpretação, se estamos perante representantes
voluntários, constituídos nos termos dos artigos 262.º CC, para a prática de certos atos22 ou
se, pelo contrário, estão em causa os verdadeiros e próprios administradores. Os efeitos de
uma ou de outra dessas duas possibilidades são distintos. Em termos técnicos, também a
representação dos administradores se apresenta como um direito potestativo. Ela envolve a
permissão de, agindo em nome e por conta da sociedade, produzir efeitos jurídicos que se
projetam imediata e automaticamente na esfera desta. A representação orgânica tem,
subjacente, a administração e os condimentos que a norteiam. Trata-se de duas facetas de
uma mesma realidade, que cumpre cindir, para efeitos de análise.
Secção II – Os deveres fundamentais dos
administradores
70.º - O artigo 64.º CSC
Redação atual: os administradores dispõem dos poderes básicos de gestão e de
representação. Tais poderes não devem ser exercidos arbitrariamente. O Direito não pode,
todavia, descer a cada situação, de modo a, aí, explicitar a forma do exercício. Prevê
determinadas obrigações concretas, em pontos delicados e predeterminados e elabora
grandes diretrizes, de construção difícil, mas inevitável. No centro do problema surge-nos o
artigo 64.º CSC, precisamente epigrafado deveres fundamentais. A propósito desse preceito, da
sua evolução, da sua crítica e daquilo que ele representa, podemos expor a matéria dos
deveres fundamentais dos administradores. O artigo 64.º, n.º1 CSC, na versão da reforma de
2006, vem dispor:
«1. Os gerentes ou administradores da sociedade devem observar:
22 Segundo a boa doutrina, é isso o que se passa no artigo 6.º, n.º5 CSC.
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«a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento
da atividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência
de um gestor criterioso e ordenado; e
«b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo
dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade
da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores».
A uma primeira leitura: temos um preceito pesado, que condensa, em duas alíneas, uma série
complexa de mensagens normativas. O artigo 64.º, n,º1 CSC, na sua redação de 2006, teve
um advento publicitado. Aquando da apresentação do anteprojeto, a CMVM explicou a sua
importância e revelou estar em causa, quanto aos titulares dos órgãos de administração:
«uma cuidadosa densificação dos deveres que devem ser acautelados no seu exercício profissional»
e
«parece ser igualmente pacífico que a lei deve recordar um núcleo mínimo dos deveres dos
administradores e dos titulares dos órgãos de fiscalização, não só para fornecer modelos de
decisão claros mas também para permitir a efetivação aplicativa de precisões normativas
decorrent3es do incumprimento dos deveres societários».
E compulsada a reforma, verifica-se que todo o conjunto das enunciadas medidas relativas
ao governo das sociedades – que chega a dar o nome o projeto – acaba, afinal, por desaguar
no artigo 64.º, n.º1 CSC, acima transcrito. Este preceito, mesmo quando aquém da
desmesurada importância que lhe deu o legislador histórico, tem um relevo inegável, que
justifica alguma atenção.
As redações anteriores: o artigo 64.º CSC tem uma história movimentada: diz muito
sobre várias experiências europeias e sobre os mores legislativos nacionais. Vamos recordá-la.
Na origem temos o artigo 17.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 49.381, 15 novembro 1969. Este
preceito, visando introduzir um capítulo sobre a responsabilidade dos administradores, veio
dispor:
«Os administradores da sociedade são obrigados a empregar a diligência de um gestor criterioso
e ordenado».
Trata-se de uma regra inspirada por Raúl Ventura. Esse mesmo preceito foi basicamente
acolhido no artigo 64.º CSC, versão original. Com um acrescento: a sua redação surge
completada, ficando com a seguinte composição, agora sob a epígrafe dever de diligência:
«Os gerentes, administradores ou diretores de uma sociedade devem atuar com a diligência de
um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios
e dos trabalhadores».
Desta feita, o aditivo no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e
dos trabalhadores adveio, por indicação de Brito Correia, da proposta da 5.ª Diretriz das
sociedades comerciais, a qual, de resto, nunca foi adotada, no plano europeu. No projeto da
que seria a reforma de 2006, da CMVM, posto a discussão pública, o preceito surgia
desdobrado em dois números: o n.º1 relativo aos administradores, e o n.º2 quanto à
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fiscalização. Releva, aqui, apenas o primeiro, assim redigido, agora sob a epígrafe dever de
diligência e de lealdade:
«1. Os gerentes ou administradores da sociedade devem atuar com a diligência de um gestor
criterioso e ordenado e com lealdade, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos
sócios e dos trabalhadores».
Por inspiração da CMVM, foi acrescentado com lealdade. Palavras simples, mas com inúmeras
implicações jurídico-científicas, como veremos. Estávamos na tradição alemã, ainda que com
elementos heterogéneos. Finalmente, o artigo 64.º, n.º1 CSC, versão definitiva proveniente
da reforma e acima transcrito, desta feita epigrafado deveres fundamentais, veio:
Articular, em alíneas separadas, os deveres de cuidado e de lealdade;
Explicitar o conteúdo dos deveres de cuidado e rematar com a diligência de um
gestor criterioso e ordenado;
Desenvolver o teor dos deveres de lealdade, aí inserindo, entre os elementos a
atender, a referência a diversos interesses.
Os deveres de cuidado são de origem anglo-saxónica. As concretizações de tais deveres, bem
como os desenvolvimentos levados a cabo a propósito da lealdade, corresponderiam a ideias
da CMVM, tanto quanto veio a público. Mais precisamente: às ideias destinadas a dar forma
ao denominado governo das sociedades ou corporate governance, de cepa norte-americana.
Também a contraposição entre deveres de cuidado e deveres de lealdade (Estados Unidos)
ou fiduciários (Inglaterra) é típica dos manuais de Direito das sociedades de além-Atlântico
ou de além-Mancha. Ao já colorido Direito português soma-se, assim, uma massa de língua
inglesa. Cabe ao intérprete estudar o assunto, naturalmente: problemático.
As componentes jurídico-científicas: o artigo 64.º, n.º1 CSC não corresponde a
quaisquer desenvolvimentos nacionais: nem doutrinais, nem jurisprudenciais. Grosso modo,
ele traduz uma série de aportações retiradas de fontes exteriores, desinseridas dos sistemas
que as originariam. Parece-nos claro que, tal como se apresentam e a serem juridicamente
operacionais, essas aportações irão encontrar um novo equilíbrio e um sentido conjunto e
coerente. Pelo menos: será papel dos juristas nacionais trabalhar com esse objetivo. O
primeiro passo para a reconstrução do artigo 64.º, n.º1 CSC terá de consistir no levantamento
das parcelas que o compõem e no seu estudo, à luz dos sistemas dadores. Iremos, assim,
considerar sucessivamente:
A diligência de um gestor criterioso;
Os interesses da sociedade, dos sócios e dos trabalhadores;
Os deveres de lealdade;
Os deveres de cuidado;
O governo das sociedades.
Veremos, na base dos elementos obtidos, até onde se poderá ir na composição de um
preceito harmónico e funcional. Acrescentamos, ainda, um ponto metodológico insofismável:
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estamos numa área muito densa, com estreitas conexões civis, e nas quais não é de esperar
descobertas, capazes de dispensar todo um estudo histórico e dogmático.
71.º - A diligência de um gestor criterioso
A origem da bitola de diligência: a denominada bitola de diligência de gestor
criterioso remonta ao AktG alemão de 1937. Mais precisamente, ao seu §84 que,
introduzindo à responsabilidade dos membros da direção das sociedades anónimas, dispunha,
no seu n.º1:
«Os membros da direção devem aplicar, na sua condução da sociedade, o cuidado de um gestor
ordenado e consciencioso. Devem manter sigilo sobre os dados confidenciais».
A doutrina explicava que uma responsabilização dos administradores independente de culpa
levaria a resultados injustos. A regra legal conduziria, deste modo, à culpa e à sua necessidade.
Esclarecemos, no plano terminológico, que cuidado (Sorgfalt) sempre foi vertido, em
português, por diligência; nada tem a ver com o novo cuidado (care), anglo-saxónico e com a
tradição distinta, a ele ligada. Na passagem para o AktG de 1965, a primeira parte do preceito
manteve-se íntegra: há uma regra não escrita que manda preservar as normas deste tipo. A
doutrina foi aprofundado o sentido da bitola do dever de diligência explicando que, sendo
objetiva, ela se afirmaria pelo tipo, pelo âmbito e pela dimensão da sociedade. Tal bitola seria
mais exigente do que a relativa ao comum comerciante, uma vez que se gerem bens alheios.
Este aspeto é importante. De outro modo, bastaria apelar ao bonus pater famílias. Na atualidade,
a bitola de diligência do gestor ordenado e consciencioso mantém-se firme, no seu papel na
responsabilidade civil. Fundamentalmente em causa está a compatibililzação entre a
discricionariedade empresarial e as restrições impostas, quer pelo ordenamento, quer pelas
realidades da sociedade. A doutrina explica que, pelo seu teor, o §93/I AktG reporta uma
bitola de culpa, correspondendo ao §276.º BGB e o §347 HGB. Todavia, o preceito é levado
a uma dupla função, assumindo ainda o papel de uma previsão geral de responsabilidade (de
ilicitude).
O business judgement rule: interessa fazer aqui uma referência ao business judgement
rule, introduzindo no §93/I, 2 AKtG, pelo UMAG de 22 setembro 2005. Esse diploma,
depois da consagração da bitola de diligência, que se mantém, veio acrescentar:
«Não há um violação de dever quando o membro da direção, na base de informação adequada,
devesse razoavelmente aceitar que, aquando da decisão empresarial, agia em prol da sociedade».
Trata-se de uma regra de origem norte-americana23. Resumindo: na base de um enérgico
sistema de responsabilidade civil, responsabilidade dos administradores era transferida para
as seguradoras; estas negociavam com os queixosos; todavia, o incremento das
indemnizações levou as seguradoras a retraírem-se, excluindo numerosas hipóteses de
responsabilidade. O sistema reagiu: através do business judgement rule, os administradores não
23 Em inglês do Reino Unido, escreve-se judgement; no dos Estados Unidos judgment; por isso surge ora uma ora outra das duas grafias, consoante a origem ou a fonte inspiradora dos diversos autores.
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seriam demandáveis quando mostrassem que agiram, com os elementos disponíveis, dentro
das margens que lhes competiriam, em termos de negócios. Apesar da inspiração norte-
americana, a sua transposição para a Alemanha obedeceu a necessidades efetivas. Na verdade,
no caso alemão, observava-se que as situações de responsabilização dos administradores,
designadamente nas décadas do pós-guerra, eram relativamente escassas: o §93 chegou a ser
comparado a um tigre de papel. A partir de 1998, mercê das alterações introduzidas no §147,
as situações de responsabilidade multiplicaram-se, sendo absorvidas pelos seguros D&O. Os
lobbies dos seguros movimentaram-se, assim sendo introduzido, na lei alemã, o business
judgement rule. E isso sucedeu com uma oportunidade reforçada, uma vez que o UMAG
2005,atingindo o §148, foi facilitar, de novo, a responsabilidade da direção. Com a seguinte
consequência prática: nos casos de negligência, a responsabilidade é excluída quando se
mostre que o administrador agiu dentro da razoabilidade dos negócios. Digamos que se lhe
reconhece, para além da esfera representada pelo cuidado do gestor ordenado e
consciencioso, mais um campo de ação onde podem ocorrer atuações inovatórias. Trata-se
de uma saída já antecipada pela jurisprudência nos casos ARAG e Siemens/Nold. Criada
para as sociedades anónimas, a regra tem vindo a ser aplicada, por analogia, também às
sociedades por quotas. No campo dos quadros jurídicos anglo-saxónicos, o business judgement
rule opera como uma causa de isenção de responsabilidade, não cabendo discutir se enquanto
causa de justificação de ilicitude ou causa de excusa (tal discussão, como é sabido, pressupõe
a contraposição entre a culpa e a ilicitude, desconhecida no Direito anglo-saxónico). Feita a
transposição para os Direitos continentais, há que reconduzi-lo aos quadros competentes. A
mera leitura do §93(1), 2, mostra que estamos perante uma específica exclusão da ilicitude:
não de culpa. E num efeito de retorno: mais claro fica que a diligência equivale a uma bitola
de conduta, fonte de ilicitude quando violada. Adiantemos, por fim, que o business judgement
rule também foi transposto para o nosso Direito: artigo 72.º, n.º2 CSC. É estranho: não
logramos, no Direito português, nenhum surto de responsabilização dos administradores que
pudesse justificar tal cautela. Trata-se de um ponto a considerar em sede própria.
A transposição para o Direito português: a diligência do gestor criterioso foi, como
vimos, transposta para o Direito português pelo artigo 17.º Decreto-Lei n.º 49.381, 15
novembro 1969. A análise dos seus vastos trabalhos preparatórios bem como das
subsequentes explicações dadas pelos ilustres autores do anteprojeto, permite algumas
conclusões interessantes:
O legislador material conhecia bem os diversos sistemas europeus, tendo optado pela
fórmula do AktG alemão: tecnicamente mais apurada e consonante com a tradição
nacional;
Além disso, apercebeu-se do dilema culpa/ilicitude, tendo acabado por aproximar a
diligência de uma norma de conduta e, portanto: de fonte de ilicitude, quando violada,
sujeita a subsequente e eventual juízo de culpa.
Cifra-se, logo aí, uma linha coerente, interrompida, segundo parece, em 2006. Torna-se
evidente que a mera transposição de 1969 nunca poderia assegurar a deslocação, para o nosso
Direito, de todos os desenvolvimentos alemães do que acima demos conta. De resto: muitos
deles são subsequentes a essa data. Registamos, todavia, que o preceito manteve a lógica da
origem, surgindo como uma regra de responsabilidade civil dos administradores. Mas a partir
daí, como classifica-la? Regra de conduta ou bitola de culpa? A resposta é complexa e exige
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uma prévia ponderação metodológica, que reduziremos ao mínimo. Perante a realidade
jurídica nacional e considerando as comuns e elementares aspirações de coerência jurídico-
científica, não vemos qualquer utilidade em duplicar (ou multiplicar) os sistemas de
responsabilidade civil. Isto dito: em sentido normativo, a diligência equivale ao grau de
esforço exigível para determinar e executar a conduta que integra o cumprimento de um
dever. Trata-se de uma regra de conduta, ou melhor: de parte de uma regra de conduta, que
deve ser determinada independentemente de qualquer responsabilidade e, logo: de culpa. A
violação do dever de diligência dá azo a responsabilidade e, logo: de culpa. A violação do
dever de diligência dá azo a ilicitude: não a mera medida de culpa. Aliás: a falta de diligência
pode ser dolosa e não meramente negligente. É certo que o §93/I AktG alemão começou
por ser assimilado a uma medida de culpa (de negligência), mercê da sua ordenação
sistemática pelos §§ 276 BGB e 347 HGB, mais tarde, evoluiu para uma regra de conduta,
em termos hoje pacíficos. Não vemos, porém, para quê manter tais complicações, aquando
da transposição para o Direito português que, aliás, dispõe de quadros mais flexíveis e
avançados do que o alemão, no campo da responsabilidade civil. A bitola de diligência é, nos
termos gerais, uma regra de conduta. Mas incompleta: apenas em conjunto com outras
normas, ela poderá ter um conteúdo útil e preciso. Com efeito, ninguém atua diligentemente,
tout court: há que saber de que conduta se trata para, então, fixar o grau de esforço exigido na
atuação em jogo.
O Código das Sociedades Comerciais em 1986 e em 2006: a orientação acima
apontada – a do dever de diligência como quantum de esforço normativamente exigível, aos
administradores, no cumprimento dos seus deveres – mais fortalecida fica quando se passa
ao artigo 64.º CSC, na sua versão original. Esse preceito, perante a arrumação das matérias
adotada pelo Código, ficou geograficamente desligado da responsabilidade dos
administradores, passando a integrar um capítulo próprio sobre a administração. Ora,
perante a natureza científica assumida pelo Código, não seria crucial ver, em sítio tão
desgarrado, uma referência a uma bitola de culpa, sem qualquer menção às condutas de onde
ela emergia. Tínhamos, pois:
Uma bitola de esforço;
Reportada a um modelo objetivo e abstrato: o gestor criterioso e ordenado.
Tudo isso foi sendo concretizado pela jurisprudência, em função dos diversos deveres a
executar. A referência aos interesses (da sociedade, dos sócios e dos trabalhadores) já surge
como um corpo estranho. Todavia, poderíamos absorve-la encontrando aí pontos auxiliares
para a concretização de deveres incompletos de conduta e, portanto: carecidos de
preenchimento com certas bitolas de esforço que, agora, apareciam direcionadas. Em 2006,
tudo isso oscila. A diligência parece deixar de ser uma bitola geral de determinação do esforço
requerido aos administradores para a execução dos seus deveres, ameaçando limitar-se a algo
de bastante diverso, como a seu tempo veremos. Deveria ter havido a preocupação de
ponderar, dogmaticamente, o que é a diligência, no Direito português. Um diploma como o
Código das Sociedades Comerciais não pode, ad nutum, ignorar a lógica intrínseca do
ordenamento a que pertence. De todo o modo: qualquer tentativa de recuperação da
diligência obriga a ponderar o preceito no seu conjunto.
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72.º - A atuação no interesse da sociedade
A origem da referência aos interesses: no projeto do Código das Sociedades
Comerciais, publicado em 1983, o artigo 64.º surgia com uma redação muito semelhante à
do artigo 17.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 49.381, 25 novembro 1969. Dizia-se, aí, no artigo 92.º,
que encimava um preceito sobre a responsabilidade dos administradores:
«Os gerentes, administradores ou diretores duma sociedade devem atuar com a diligência de um
gestor criterioso e ordenado».
Todavia, na fase final da revisão do projeto, sem qualquer indicação justificativa, o preceito
fi retirado da responsabilidade civil, sendo feito o acrescento:
«(…) no interesse da sociedade, tendo em contra os interesses dos acionistas e dos trabalhadores».
Sabe-se hoje que se tratou de uma iniciativa de Luís Brito Correia, a quem o então Ministro
da Justiça terá pedido uma última revisão do Código. Donde provém tal ideia e qual o seu
sentido? O próprio Brito Correia veio dizer-se que se inspirara no §76 AktG alemão de 1965.
Este preceito nada tem a ver com o tema. Mais tarde, o mesmo autor surge a reportar, antes,
o §70 AktG de 1937. Embora vagamente relacionado, esse preceito também não pode ter
sido a fonte do acrescento. Tal fonte – como também refere Brito Correia – adveio, sim, do
projeto modificado de 5.ª Diretriz do Direito das sociedades. Mais precisamente: do seu
artigo 10.º, alínea a) e n.º2, que dispõe:
«Todos os membros dos órgãos de direção e de vigilância exercem as suas funções no interesse
da sociedade, tendo em conta os interesses dos acionistas e dos trabalhadores. Eles devem
observar a necessária discrição no que respeita às informações de natureza confidencial de que
disponham, sobre a sociedade. Eles ficam adstritos a essa obrigação, mesmo após a cessação
das suas funções».
Foi usada a primeira parte do preceito. Qual o seu sentido e quais os seus objetivos? Cumpre
fazer um breve excurso pela história da malograda 5.ª Diretriz.
A transposição para o Código, em 1986: o inopinado acolhimento do texto do artigo 10.º,
alínea a), n.º2, 1.ª parte, da proposta de 5.ª Diretriz, no CSC, versão original, coloca problemas
curiosos. Não há, no nosso País, qualquer cogestão. Logo, a norma perde o sentido que tivera
na Proposta de 5.ª Diretriz. Ficam-nos o seu teor e a sua inserção sistemática. Como avançar?
Como acima foi visto, o termo interesse é ambíguo, não sendo dogmatizável. Quando muito,
podemos adotar uma noção objetiva e normativa, segundo a qual o interesse representa a
porção de realidade protegida e que, quando violada, dá lugar um dano. Mas com isso perde-
se um pouco do alcance normativo do preceito. O papel útil da referência a interesses da
sociedade cifra-se, como vimos, em determinar que os administradores, ao agir no âmbito
das suas funções, o façam em prol dos sócios: mas em modo coletivo. Não se trata, pois, de
propugnar vantagens caso a caso mas, antes, numa panorâmica possibilitada pelo
conhecimento do cenário global, de defender, societariamente, as saídas mais promissoras.
Resta ainda emprestar um sentido útil aos interesses dos trabalhadores, aparentemente
colocados no mesmo plano dos sócios. Tal colocação só faria sentido em cenários de
cogestão, aqui inexistentes. Podemos, todavia, aproveitar a regra: na concretização do esforço
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exigível – portanto: da diligência – haverá que ter em conta as dimensões sociais da sociedade.
Temos um campo que poderia ser aproveitado por uma jurisprudência empenhada, numa
ligação às regras laborais. Ou seja: o universo dos administradores deveria atender, para além
da dimensão societária pura, também ao Direito do trabalho.
O sentido, em 2006; crítica: a interpretação acima indicada era uma tentativa frutuosa
de dar saída útil ao desgarrado troço retirado da naufragada proposta de 5.ª Diretriz. E no
pós-reforma de 2006? A atual alínea b) do artigo 64.º, n.º1 CSC, aparentemente imaginada
ex novo pelo legislador de 2006, não parece corresponder a conexões coerentes, perante
qualquer Direito societários. Antecipemos alguns pontos. O legislador começou por
subordinar o tema aos deveres de lealdade. Ora tais deveres são puros, devendo ter o
ordenamento como horizonte. Exigir lealdade no interesse da sociedade e, ainda, atentando
aos interesses (a longo prazo) dos sócios e, ponderando os de outros sujeitos, entre os quais
os trabalhadores, os clientes e os credores, é permitir deslealdades sucessivas. Quem é leal a
todos, particularmente havendo sujeitos em conflito, acaba desleal perante toda gente. Uma
técnica legislativa elementar ensina que não se devem construir normas com um aditamento
ilimitado de novos termos, sob pena de se lhes esvaziar os conteúdos. Prosseguindo:
mantém-se uma referência aos interesses da sociedade. Ora estes, segundo a doutrina
portuguesa largamente dominante, já haviam sido reconduzidos os interesses dos sócios.
Estranhamos o pouco (ou nenhum) relevo dado pelo legislador à doutrina da sua própria
Terra. Acresce, in casu, que os interesses da sociedade (dos sócios!) surgem ainda
complementados:
Atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios;
Ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da
sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores.
Mesmo formalmente, a sucessão de gerúndios devia ter sido evitada. Interesses de longo
prazo dos sócios? E quanto aos interesses de médio e de curto prazo? Seria absurdo, a
contrario, defender a irrelevância destes. Fica-nos a ideia de que tais interesses mais imediatos
(ou menos longínquos) surgem como interesses da sociedade, na linha tradicional já
sedimentada: das poucas que se conseguiram a abrigo do velho artigo 64.º CSC. Quanto à
referência aos interesses de longo prazo: será uma chamada para aquilo a que consideramos
o modo coletivo de defesa dos sócios e que implica, naturalmente, que não se sacrifique a
sociedade – por hipótese – a uma apetência imediata de lucros. No tocante aos outros sujeitos
relevantes para a sustentabilidade da sociedade – fórmula que, por mais própria de um texto
de gestão, deveria ter sido evitada: estão em causa os stakeholders, exemplificados com
trabalhadores, clientes e credores. Um sentido útil? Os administradores devem observar as
regras atinentes à globalidade do ordenamento. Tudo isto deve ser autonomizado, uma vez
que nada tem a ver com a lealdade. Quando muito, com a diligência. Mas o legislador inverteu
tudo, confundindo noções. Quanto aos stakeholders: uma noção sem tradições entre nós e que,
deste modo, não terá sido introduzida da melhor maneira.
73.º - Os deveres de lealdade
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Origem e evolução: como vimos, a lealdade exprime, no Direito das sociedades, o
conjunto das exigências valorativas básicas do sistema, em cada situação concreta. Trata-se
de um ponto que se concretiza perante a sociedade e perante os sócios. Compete agora
verificar o seu papel em face dos administradores. A situação jurídica dos administradores
foi, inicialmente, enquadrada por referência à figura do mandato. No exercício dos seus
poderes de administração, o administrador (ou o membro da direção, no sistema dualista
alemão) está ligado por vínculos específicos à sociedade. Tais vínculos implicam deveres
acessórios, entre os quais, por mera lógica obrigacional, podemos inserir a boa fé. Todavia e
como repetidamente sucede com a lealdade, não foi numa derivação simples que surgiram
os deveres dos administradores: estes antes se impuseram no terreno, para enquadrar
problemas concretos. Num primeiro momento, a jurisprudência veio explicitar os deveres
dos administradores com recurso aos do mandatário, a complementar pela boa fé. Mais tarde,
sublinhou-se o facto de, na administração, estarmos em face d gestão de bens alheios: fonte
de deveres específicos. Estes primeiros passos são importantes e devem-nos fazer reter o
óbvio. A relação de administração é, antes de mais, uma prestação de serviço, pautada pelas
regras gerais do Direito das obrigações. Nestas vamos sempre encontrar o essencial dos
regimes aplicáveis, bem como uma porta aberta para enquadrar os problemas novos que
possam surgir. Isto dito: é natural que a especificidade das situações dite o aparecimento de
grandes linhas de problemas que irão encontrar, no Direito das sociedades, soluções
particularmente adaptadas aos valores em jogo. A evolução subsequente foi pautada pelas
seguintes linhas:
Determinação de atuações vedadas, com base em cláusulas gerais;
(Re)sistematização de atuações vedadas por lei, agora ordenadas em função do vetor
lealdade;
Procura de atuações impostas ou condutas requeridas, desta feita, pela positiva.
A aproximação à lealdade foi progressiva. Tomando como exemplo a proibição de receber
corretagens por conta de negócios celebrados em representação da sociedade:
Primeiro, ela foi apoiada na cláusula dos bons costumes;
Mais tarde, ela derivou da lealdade;
Por fim, ela é apontada como óbvia: apenas sistematicamente se apela à lealdade; nas
obras anglo-saxónicas, a lealdade ocorre sem mais, como um elemento no seio da
codificação dos deveres dos diretores.
Segue-se a análise das concretizações dos deveres de lealdade dos administradores.
Atuações vedadas: a jurisprudência e a literatura permitem apontar diversas situações
em que, por referência à lealdade, surgem atuações proibidas aos administradores. Incluem-
se, aqui, proibições legais que, por razões sistemáticas e valorativas, fazem naturalmente parte
desta constelação problemática. As duas proibições mais óbvias, muitas vezes sancionadas,
de modo expresso, pelas leis são:
A proibição de concorrência;
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A proibição de divulgar segredos societários.
Para além disso, vamos encontrar:
A proibição (ou severa restrição) de aceitar crédito da própria sociedade;
A proibição e aproveitamento das oportunidades de negócio (corporate opportunities ou
Geschäftschancen): esta parte da proibição de concorrência vai mais longe; o
aproveitamento não pode considerar-se legitimado com a mera autorização para a
concorrência; trata-se de matéria conhecida pela jurisprudência e ponderada à luz do
Direito comparado;
A proibição de tomar decisões ou de colaborar nelas, quando se verifiquem situações
de conflito de interesses;
A proibição ou a forte restrição no tocante a negócios a celebrar com a própria
sociedade;
A proibição de discriminação de acionistas, mantendo-se, pela positiva, um dever de
neutralidade;
A proibição de empatar OPAs consideradas hostis (a menos, evidentemente, que tais
OPAs, sendo nocivas para a sociedade – para os sócios em modo coletivo –,
obriguem, por outras vias, a agir);
O dever de informar os negócios que faça com títulos da sociedade.
De um modo geral, podemos dizer que estas proibições encontram uma base jurídico-
positivas, seja nas regras correspondentes disponíveis nos diversos diplomas, seja no
princípio geral da boa fé. O seu recorte é simples: o administrador encabeça um vínculo
material, que deve respeitar. As exigências do sistema visam o aproveitamento desse vínculo
com fins alheios às situações consideradas. Designadamente: os fins pessoais do
administrador ficarão sempre aquém dos da sociedade.
Condutas devidas; delimitação da diligência e do cuidado: prosseguindo,
pergunta-se se o dever de lealdade não imporá, aos administradores, a observância, pela
positiva, de deveres de conduta. Estes podem ser inferidos, por meras operações lógicas, do
catálogo de proibições acima mencionado. Teríamos os deveres de não aceitar crédito, de
não-apropriação das corporate opportunities, de não agir em conflito de interesses, de não
contratar com a própria sociedade, de respeitar a igualdade entre os acionistas e de deixar
jogar a concorrência, perante OPAs hostis. Todavia: em nenhum destes casos teremos uma
bússola que diga, pela positiva, como agir. Apenas são apostas margens, na conduta dos
administradores. Na origem, a lealdade ganha conteúdo positivo mercê da própria
aproximação ao sistema e à boa fé, na vertente (segundo a nossa terminologia) da primazia
da materialidade subjacente. O dever de lealdade implica a prossecução efetiva de um escopo:
não meras atuações formais. A doutrina e a jurisprudência têm, com alguma timidez, feito
precisões úteis. Assim, o administrador deve consagrar, à sua função, as energias necessárias,
abstendo-se de aceitar cargos laterais que esgotem as suas forças. Deve, ainda, trabalhar
colegialmente com os outros administradores. Prosseguindo, constata-se que, na atuação dos
administradores, está em causa uma gestão de bens alheios. Tal gestão pressupõe uma
especifica lealdade, à qual podemos conferir uma natureza fiduciária: todos os poderes que
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lhes sejam concedidos devem ser exercidos não no seu próprio interesse, mas por conta da
sociedade. Eles são dobrados pelo vínculo de confiança que dá corpo à lealdade. Mais longe
do que isso: teremos de remeter para as regras do governo das sociedades, no que tenha de
prescritivo. De todo o modo, cumpre manter a matéria semanticamente clara. Assim, o dever
de lealdade, mesmo nesta concretização positiva, não se confunde:
Com o dever de diligência: este traduz a medida de esforço exigível aos
administradores, no cumprimento dos deveres que lhes incumbam;
Com o dever de cuidado: este implica concretizações do dever geral de respeito, de
modo a evitar situações de responsabilidade aquiliana; normalmente fala-se em
deveres de prevenção do perigo.
Atenção: o legislador português, na reforma do CSC, de 2006, alterou o artigo 64.º em termos
que quebram a terminologia consagrada. Para além das necessidades reconstruções a que esse
estado de coisas obriga, podemos assentar: a lealdade pressupõe a manutenção e a defesa da
confiança; o exercício dos poderes de administração e de representação é fiduciário, uma vez
que assenta em bens alheios; e finalmente: na atuação leal, há que ter em conta os valores
fundamentais do sistema.
A transposição para o Direito Português: feito este excurso, regressemos ao artigo
64.º CSC. A transposição dos deveres de lealdade pra o CSC foi feita pelo Decreto-Lei n.º
76-A/2006, 29 março. Recordamos os precisos termos em que isso ocorreu:
«1. Os gerentes ou administradores da sociedade devem observar:
(…)
«b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos
sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da
sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores».
Já acima criticámos esta aproximação entre a lealdade e os numerosos interesses depois
articulados: tomados à letra, eles retiram qualquer sentido útil ao preceito. Por via doutrinária,
poderemos fazer decorrer, dos deveres de lealdade aí prescritos, as concretizações há muito
conhecidas: o dever de neutralidade; o dever de moderação na recolha de vantagens
remuneratórias; a lisura perante OPAs; a não atuação em conflitos de interesses; a proibição
de concorrência; a não apropriação das oportunidades de negócio da sociedade. A sua base:
a exigência do sistema (boa fé), perante o facto de estarmos em face de uma gestão de bens
alheios. Um ponto é evidente: a lealdade é-o para com a sociedade: não para acionistas ou
para stakeholders. Quanto a estes, talvez pudesse valer o dever de cuidado. O legislador,
todavia, inverteu os termos do problema.
74.º - Os deveres de cuidado
A origem: os deveres de cuidado fizeram a sua aparição no Direito português das
sociedades à última hora, através da reforma de 2006. Efetivamente, eles não constavam do
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anteprojeto posto à discussão pública. E no competente texto, a CMVM chegou mesmo a
adiantar:
«Merece, neste contexto, proceder a uma explicitação dos deveres de lealdade dos
administradores, dado que o regime nacional apenas refere, em termos gerais, a subordinação a
critérios de diligência (artigo 64.º CSC). Com efeito, os deveres de diligência (duties of care) –
que se reportam, genericamente, ao desenvolvimento de um esforço adequado (designadamente
informativo) e a uma correção técnica da atuação dos administradores, segundo critérios de
racionalidade económica – devem ser complementados pela explícita alusão aos deveres de
lealdade dos administradores».
Portante, se bem se entende: aquando dos preparatórios da reforma, julgava-se bastante a
referência a deveres de lealdade, além do já existente critério de diligência. Todavia, o peculiar
estilo de, entre parêntesis, ir escrevendo em inglês o que vai dizendo em vernáculo, leva a
pensar que, já então, a CMVM tinha em vista não propriamente a diligência, mas antes os
duties of care ou deveres de cuidado. Uma melhor meditação explicará a atual alínea a) do artigo
64.º, n.º1 CSC, com a sua referência aos deveres de cuidado. No Direito inglês, o dever de
cuidado opera no domínio da responsabilidade civil por negligência: ninguém incorre, aí, em
condenação se não ficar estabelecido que violou tal dever. Todavia, o dever de cuidado
assume, depois, diversas especializações. No tocante aos administradores, o dever de cuidado
inglês apresentasse como uma medida de diligência requerida para o exercício regular das
suas funções. Contudo, é no Direito norte-americano que ele dá azo a maiores
desenvolvimentos. O dever de cuidado, também próprio da responsabilidade por negligência,
abrange:
A desatenção: é responsável o administrador que não siga os negócios da sociedade,
desacompanhando-a;
A condenação perante o business judgment rule: este estabelece um estalão de
grave negligência.
O porquê de uma regra de cuidado especial para os administradores leva a uma clássica
discussão. Efetivamente, o cuidado que lhes é exigido fica aquém do requerido aos cidadãos
comuns. Entre os argumentos referidos surge a necessidade de não suprimir o risco do
negócio, base de qualquer progresso. Em suma: sob a especial técnica anglo-saxónica – que
não separa a ilicitude da culpa – o dever de cuidado exprime as regras de conduta e a carga
de não censura necessárias no exercício das funções de administração, para que ele não
incorra em responsabilidade negligente. Para além dos caso judiciais concretos em que ele se
exprima, não encontramos fórmulas precisas para o dever de cuidado, no Direito das
sociedades.
A transposição para a lei portuguesa: a exigência da especial categoria anglo-
saxónica dos deveres de cuidado era há muito conhecida no Continente europeu, tendo
originado interessantes estudos de Direito Comparado. Mais recentemente, ela aparece
contraposta aos deveres de lealdade, em termos que também ocuparam os comparatistas.
Torna-se evidente que não é de todo possível transpor a técnica anglo-saxónica de decisão
para um Direito continental. Uma mera tradução de locuções não potencia, pois, qualquer
transposição. O legislador de 2006, o referir os deveres de cuidado, especificou:
A disponibilidade;
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A competência técnica;
O conhecimento da atividade da sociedade.
Realmente, alguns destes elementos surgem nas exposições britânicas, a propósito dos
deveres de cuidado. Trata-se, nos termos apontados, de deveres que acompanham a atuação
doo administrador, prevenindo situações de negligência. Apresentam um grau de abstração
muito elevado, a concretizar nos meandros do case law: estranha ao nosso Direito. Não parece
fácil a ligação feita entre os deveres de cuidado, típicos do negligence law e a bitola do gestor
criterioso e ordenado, constante do final do artigo 64.º, n.º1, alínea a) CSC. Aparentemente,
esses dois elementos dizem o mesmo: um em linguagem anglo-saxónica e outro em termos
continentais. Também não se entende porque inserir, no artigo 64.º CSC, um claro elemento
de responsabilidade civil: seria lógico colocar tal norma – a ser necessária! – no artigo 72.º
CSC. Aliás: no n.º2 deste último surge-nos, agora, o business judgment rule. Finalmente: a bitola
da diligência, que antes acompanhava todos os deveres dos administradores, parece agora
confinada aos deveres de cuidado: não é brilhante. Como saída interpretativa: teremos de
esquecer as origens bizarras do artigo 64.º, n.º1, alínea a) CSC, úteis apenas para fins expositivos, de clarificação e de crítica ao procedimento legislativo. Essa alínea deverá ser
interpretada no seu conjunto, exprimindo a boa velha (e sempre útil) bitola de diligência,
acompanhada por algumas precisões.
75.º - Os deveres gerais dos administradores
Os elementos disponíveis: cumpre agora empreender a reconstrução do artigo 64.º
CSC. Devemos atuar à luz do Direito Português, ao qual ele pertence, e de acordo com os
cânones da interpretação, que mandam atender à lei, mesmo quando obscura (artigo 8.º, n.º1
CC). Aliás, o legislador goza de presunções de acerto e de adequação (artigo 9.º, n.º3 CC), às
quais nos submetemos. Além disso, relevam os elementos históricos e comparatísticos, bem
como a realidade dos nossos tempos: todos os dias vão surgindo, nos tribunais da Europa e
dos Estados Unidos, novas facetas relativas aos deveres dos administradore3s e à
responsabilidade emergente da sua violação. Em sede de síntese, diremos que o artigo 64.º,
n.º1 CSC, tal como saiu da pena do legislador de 2006, é uma justaposição de massas jurídicas
de origens e tempos diversos. Assim, temos:
Uma massa portuguesa tradicional: a diligência do gestor criterioso e ordenado;
Uma massa alemã: os deveres de lealdade;
Uma massa europeia: o interesse da sociedade e a referência aos interesses dos sócios
e dos trabalhadores;
Uma massa anglo-saxónica: a contraposição cuidado/lealdade; os deveres de cuidado
com algumas especificações e a referência aos stakeholders.
A epígrafe do artigo 64.º CSC é enigmática: os deveres fundamentais dos administradores
prendem-se com os de gestão e de representação; não com as subtilezas desse preceito.
Todavia, tentaremos emprestar-lhe um sentido útil.
Normas de conduta:
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1. Deveres de cuidado: o primeiro ponto a esclarecer será o seguinte: o artigo 64.º,
n.º1 CSC compreende regras de responsabilidade civil ou normas de conduta?
Diretamente, pretende reger a atuação dos administradores ou fixar consequências
no caso de violação de (outras) normas? Esquecendo o negligence law, estamos perante
normas de conduta. Sistematicamente, o artigo 64.º CSC está desligado dos preceitos
relativas à responsabilidade dos administradores. A própria epígrafe, conquanto que
exagerada, aponta, também, no mesmo sentido. Finalmente: tal como estão
articulados, os deveres de cuidado – melhor seria: de procedimento – e de lealdade
são mesmo normas de conduta. Quando violadas, teremos de fazer apelo a outras
regras – culpa, ilicitude, dano e causalidade, entre outras – para determinar uma
eventual responsabilidade civil. Esclarecido esse ponto, passemos aos deveres de
cuidado. Tais deveres parecem reportar à disponibilidade, à competência técnica e ao
conhecimento da sociedade. Na realidade, estes três elementos constituem outros
tantos deveres, que explicitam, em moldes não taxativos, o teor do tal cuidado. Se
procurarmos generalizar, encontramos o conteúdo positivo da gestão. Ou seja: os
administradores devem gerir com cuidado, o que implica, designadamente, a
disponibilidade, a competência e o conhecimento. Trata-se de matéria a clarificar
caso a caso. Donde a referência: adequados às suas funções. A partir daqui, jogaram
os códigos de governo das sociedades.
2. Deveres de lealdade e interesses a atender: seguem-se os deveres de lealdade.
Abreviando, podemos considerar que se trata de deveres fiduciários, que recordam
estar em causa a gestão de bens alheios. Os administradores são leais na medida em
que honrarem a confiança neles depositada. Ficam envolvidas as clássicas proibições
já examinadas: de concorrência, de aproveitamento dos negócios, de utilização de
informações, de parcialidade e outros. Ainda a mesma lealdade exige condutas
materialmente conformes com o pretendido: não meras conformações formais. A
lealdade que se impõe é-o, naturalmente: à sociedade o que é dizer, aos sócios, mas
em modo coletivo. As referências aos interesses de longo prazo dos sócios e aos dos
stakeholders – especialmente, trabalhadores, clientes e credores – só podem ser
tomadas como uma necessidade de observar as competentes regras. Para além delas,
os administradores estão ao serviço da sociedade: ou a pretendida competitividade
das sociedades portuguesas será uma miragem. Quanto aos sócios e aos interesses a
curto, a médio e a longo prazo: teremos de fazer apelo às regras (diversificadas) do
governo das sociedades, para dispor de um quadro inteligível e, eventualmente; de
critério de decisão. O artigo 64.º, n.º1, alínea b) CSC, embora rico, nunca poderia
resolver tal nó górdio. A referência legal vale, pois, como uma prevenção e como um
ovo apelo aos códigos de corporate governance.
A bitola de diligência: a bitola de diligência, apesar de desgraduada para o final do artigo
64.º, n.º1, alínea a) CSC, conserva todo o seu relevo. Desde logo, em termos literais: nesse
âmbito – portanto: o âmbito em que os administradores devem empregar a diligência de um
gestor criterioso e ordenado – reporta-se às suas funções: não apenas aos deveres de cuidado.
Obviamente: o administrador deve ser diligente na execução de todos os seus deveres e não,
apenas, nos de cuidado. A diligência, enquanto medida objetiva e normativa do esforço
exigível, mantém-se, tudo visto, como uma regra de conduta incompleta: mas regra que dobra
todas as outras, de modo a permitir apurar a efetiva atuação exigida aos administradores.
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Secção III – O governo das sociedades24
76.º - Corporate governance: origem e desenvolvimento
Aceções: à letra, corporate governance traduzir-se-ia por governo societário. Em português do
Brasil, usa-se o termo governança corporativa. Os puristas franceses recorrem a government
d’enterprise ou government des sociétés, explicando tratar-se de corporate governance. Esta última
expressão, no anglo-americano de origem, é utilizada, sem problemas, pelos comercialistas
alemães. Corporate governance não tem um equivalente claro, no Direito português das
sociedades. Ficamo-nos, por isso, pela locução governo das sociedades, habitualmente usada.
Todavia, em linguagem técnica, admitamos que se recorra ao inglês corporate governance. O
governo das sociedades corresponde a um conceito anglo-americano. Postula quadros
jurídicos e conceituais diferentes dos continentais: razão pela qual não há total equivalência,
perante estes últimos. A sua utilização deve ser acompanhada pelas necessárias explicações,
sob pena de promover confusões conceituais. Feitas estas precisões, verifica-se que corporate
governance pode abranger duas diferentes realidades:
A organização da sociedade: a corporate governance reportar-se-ia ao que chamamos
a administração e a fiscalização da sociedade. Ela abrangeria:
o A orgânica societária, suscetível de integrar diversos modelos; no caso das
sociedades anónimas, teríamos, à escolha (artigo 278.º, n.º1 CSC): o modelo
monista latino, com administração e conselho fiscal, o modelo monista
anglo-saxónica, com administração compreendendo uma comissão de
auditoria e o revisor oficial de contas e o modelo dualista ou germânico, com
conselho de administração executivo, conselho geral e de supervisão e revisor
oficial de contas;
o A ordenação interna do conselho de administração;
o A articulação com a assembleia geral;
o O modo de designação e de substituição dos administradores.
As regras aplicáveis ao funcionamento da sociedade: a corporate governance abarca:
o Os direitos e os deveres dos administradores;
o As regras de gestão e de representação;
o As regras de fiscalização;
o Os deveres atinentes às relações públicas.
A primeira – e, porventura, fundamental – subtileza do governo das sociedades reside na não
separação entre essas duas vertentes. Os estudiosos norte-americanos dão-nos noções em
que ambos os aspetos estão miscenizados: não logram referir uma orgânica sem, de mistura,
falarem das funções e das regras envolvidas, tudo isso entremeado por considerações de
ordem política algo naïf. Podemos reter algumas definições ilustrativas. Assim, o governo das
sociedades seria:
24 Cordeiro, António Menezes; Direito das Sociedades, Parte Geral, Volume I; Almedina editores; 3.ª edição; Coimbra, Maio 2011.
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O sistema pela qual as sociedades são administradas e controladas (Relatório Cadbury,
1992);
As estruturas, o processo, as culturas e os sistemas que deem azo à organização e ao
funcionamento com sucesso (Keasy e Wright, 1993);
O processo de supervisão e de controlo destinado a assegurar que a administração
da sociedade age de acordo com os interesses dos acionistas (Parkinson, 1994);
A soma das atividades que afeiçoam a regulação interna do negócio em consonância
com as obrigações derivadas da legislação, da propriedade e do controlo (Cannon,
1994).
A técnica subjacente não é precisa, pelos cânones continentais: falha na formulação de
conceitos e na dimensão analítica. Todavia, ela permitirá entender melhor a realidade.
Origem e evolução: a corporate governance tem origem norte americana. Ela remonta a
1932, altura em que Berle e Means expuseram o tema da separação, nas grandes empresas,
entre a propriedade (Formal) e o controlo. Como assegurar que os gestores, que detêm o
controlo, agem no interesse dos proprietários? Seria o problema da representação (agency
problems): haveria que prever um jogo de incentivos e de monitorização para assegurar esse
desiderato. Grosso modo, o sistema era atribuído pelo mercado: a empresa mal gerida via
criar as suas cotações, acabando por ser vítima de um takeover. Os novos titulares do capital
poderiam optar entre desmantelar a empresa ou proceder a reajustamentos na sua gestão. A
partir dos anos 90 do século XX, a política económica e a prevenção vieram ocupar o lugar
dos takeovers. Estes assumiam custos sociais elevados e instilaram uma insegurança junto dos
investidores. Devemos ainda ter presente que, nos Estados Unidos, as empresas financiam-
se junto do mercado de capitais e não na banca. Torna-se importante, por isso, uma difusão
de informações aprazíveis e uma imagem de segurança na gestão das empresas. A corporate
governance, agora com um sentido funcional e normativo mais vincado, ganha um uso e uma
intensidade sem precedentes. Novos métodos de análise permitiram estabelecer o papel de
um governo societário forte sobre os resultados da sociedade. Este foi incrementado. Mas
teve um subproduto infeliz: uma sucessão de escândalos, com relevo para os casos
mediáticos da Enron, da WorldCom e da Global Crossing. Antes da crise de 2007-2012, sete das
doze maiores falências da História norte-americana haviam ocorrido em 2002. A
monitorização dos administradores ganhou uma dimensão acrescida. O governo das
sociedades tinha de assumir um papel mais moralizador e fiscalizador. Surgiram publicadas
leis, com relevo para o norte-americano Sarbanes-Owley Act (2002). Foram estabelecidas
incompatibilidades, garantias de independência, práticas moralizadas e incrementos de
responsabilidade. A matéria tem conhecido um crescimento exponencial.
77.º - Corporate governance em Portugal
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As vias de penetração: o governo das sociedades tem penetrado, na realidade do Direito
português das sociedades, por seis vias:
Através de práticos do Direito, com especial capacidade na área das relações
internacionais: foi pioneiro, em especial contacto com a realidade dos outros países,
particularmente anglo-saxónicos, eles tiveram acesso imediato às novas orientações
vindas de além-Atlântico e de além-Mancha. Por vezes, tiveram a possibilidade de
transmitir conhecimentos assim adquiridos, publicando-o;
Mercê dos estudiosos que exercem funções no âmbito da CMVM: têm uma
apetência de princípio pelos temas do governo das sociedades. Cabe-lhes, em especial,
preparar os regulamentos e as recomendações que irão enquadrar o mercado
mobiliário. A sua sensibilidade À doutrina de língua inglesa reforçou a natural ligação
com os mercados mundiais, em breve trecho, dominados pela linguagem e pelos
princípios de gestão norte-americanos. A CMVM é responsável por diversos
regulamentos relativos ao Governo das Sociedades Cotadas: o último, neste
momento, é o n.º1/2010, 7 janeiro.;
Por via dos especialistas em técnicas de gestão, hoje: de governo das
sociedades: num plano próximo ao anterior, podemos colocar estes especialistas,
muitas vezes de formação anglo-saxónica. Organizados no ICPG – Instituto
Português de Corporate Governance, eles são responsáveis pela penetração do
pensamento subjacente nas grandes empresas nacionais. Deve-se-lhes, em especial,
a publicação do livro branco sobre corporate governance em Portugal (2006). A partir de
2009, o IPCG pôs em circulação um anteprojeto de Código de Bom Governo das
Sociedades, relativamente ao qual há elementos datados do início de 2011;
Pela pressão do Direito Europeu: temos, desde logo presente a já referida
Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu: Modernizar o
Direito das sociedades e reforçar o governo das sociedades na União Europeia –
Uma estratégia para o futuro. Retemos o troço seguinte:
«A UE deve definir uma abordagem própria em matéria de governo das sociedades,
adaptada às suas tradições culturais e empresariais. Com efeito, trata-se de uma
oportunidade no sentido de a União reforçar a sua influência à escala mundial através
de regras de governo das sociedades sólidas e sensatas. O governo das sociedades
constitui efetivamente uma área em que as normas têm vindo cada vez mais a ser
estabelecidas a nível internacional, conforme evidenciando pela recente evolução
registada nos Estados Unidos. A lei Sarbanes-Oxley, adotada em 20 julho 2002,
após uma série de escândalos, representou uma resposta rápida neste contexto.
Infelizmente, suscitou uma série de problemas, devido aos seus efeitos extraterritoriais
a nível das empresas e dos revisores oficiais de contas na Europa, tendo a Comissão
empreendido um intenso diálogo com as autoridades norte-americanos (nomeadamente
a Securities and Exchange Commission) no domínio da regulamentação com vista a
negociar soluções aceitáveis. Em muitas áreas, a EU partilha objetivos e princípios
gerais idênticos aos enunciados na lei Sarbanes-Oxley e, nalguns casos, vigora já uma
regulamentação sólida e equivalente na EU. Nalgumas outras áreas, contudo, são
necessárias novas iniciativas. Assegurar o direito de serem reconhecidas como regras
menos equivalentes a outras regras nacionais e internacionais constitui, só por si, um
objetivo legítimo e profícuo».
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Fica, naturalmente, a grande questão: as várias medidas preconizadas, no tocante à
fiscalização, à responsabilidade dos administradores, aos figurinos de organização e
à evolução e à evolução do próprio Direito das sociedades não estariam ao alcance
da linguagem continental clássica? A resposta seria, tecnicamente, positiva. Todavia,
o influxo anglo-saxónico foi um motor poderoso nesse domínio. A linguagem
adotada é, ainda, a da corporate governance: ora a moderna Ciência do Direito assenta no
relevo substantivo da linguagem. Não podemos ainda falar numa legislação direta
europeia sobre governo das sociedades. Mas a pressão existe e é efetiva.
Pelo ensino universitário: o ensino universitário debate-se com a estreiteza dos
planos de estudos, agravada pela desastrosa reforma dita de Bolonha (Mariano Gago),
responsável pela quebra de nível das licenciaturas. O âmbito letivo do Direito
comercial tem dificuldades em acolher mais esta província. Não obstante, são feitas,
há anos, referências básicas em obras gerais surgindo, mais recentemente, planos de
estudos relativos a disciplinas especializadas de processo das sociedades, nos cursos
de mestrado. Pelas características do nosso País: a matéria não terá de ser
aprofundada a esse nível;
Mediante reformas legislativas: vamos ver!
A projeção na reforma de 2006: na preparação da reforma levada a cabo, no Código
das Sociedades Comerciais a 29 de março de 2006, houve uma efetiva projeção de certos
vetores da denominada corporate governance. De acordo com o estudo preparatório elaborado
pela CMVM, a reformulação global e coerente do regime das sociedades anónimas em
Portugal implica os objetivos seguintes:
a. Promover a competitividade das empresas portuguesas, permitindo o seu
alinhamento com modelos organizativos avançados;
b. Ampliação da autonomia societária, designadamente através da abertura do leque de
opções quanto a soluções de governação;
c. Eliminar distorções injustificadas entre modelos de governação;
d. Aproveitar os textos comunitários em relevo direto sobre a questão dos modelos de
governação e direção de sociedades anónimas;
e. Atender às especificidades das pequenas sociedades anónimas;
f. Aproveitar as novas tecnologias da sociedade da informação em benefício do
funcionamento dos órgãos sociais dos mecanismos de comunicação entre os sócios
e as sociedades.
Há algum desenvolvimento vocabular. Todavia, a reforma aprovada deu corpo, em especial,
aos pontos b. e f.. Quanto a modelos: houve um reforço efetivo da fiscalização, com
múltiplos reflexos na prestação de contas. No tocante à administração, como temos referido,
de modo a justapor-lhe categorias anglo-saxónicas de deveres:
Alterou-se o artigo 64.º CSC, de modo a justapor-lhe categorias anglo-saxónicas de
deveres;
Introduziu-se o business judgment rule.
Trata-se de aspetos que irão sendo clarificados, nos próximos anos.
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Balanço e perspetivas: a projeção da corporate governance, quanto ideologia, tem sido
intensa, nas grandes empresas. Para além da introdução de uma terminologia anglo-saxónica,
procede-se a reformulações nos esquemas de retribuição dos administradores, de arrumação
dos conselhos de administração e – com menor efetividade – na reorganização das
fiscalizações. O setor bancário parece ser dos mais sensíveis. Além disso, a matéria comunica-
se, rapidamente, ao setor público. No plano legislativo, o governo das sociedades serviu,
essencialmente, como força impulsionadora da reforma de 2006, junto do legislador. A
configuração concreta da reforma não dependeu dos novos princípios: estava ao alcance da
técnica continental. Estamos ainda longe de qualquer concretização jurisprudencial. Nesse
domínio, impor-se-á toda uma divulgação jurídico-científica da matéria, junto dos agentes
jurídicos: consultores, advogados e administradores. Estamos no Direito Privado: os
tribunais só decidem quando devidamente solicitados pelas partes. O especial fascínio do
governo das sociedades advém da integração de regras jurídicas, princípios de gestão e
normas éticas. A corporate governance não é definível em termos jurídicos: abrange um conjunto
de máximas válidas para uma gestão de empresas responsável e criadora de riqueza a longo
prazo, para um controlo de empresas e para a transparência. Podemos dizer que ficam
abrangidas:
Verdadeiras regras jurídicas societárias, como sucede com o artigo 64.º CSC e outros
preceitos relativos a prestação de contas;
Regras jurídicas de ordem civil e deveres acessórios, também de base jurídica;
Princípios e normas de gestão, de tipo económico e para as quais, eventualmente,
poderão remeter normas jurídicas;
Postulados morais e de bom senso, sempre suscetíveis de interferir na concretização
de conceitos indeterminados.
A grande vantagem do governo das sociedades é a sua natureza não legalista. Lidamos com
regras flexíveis, de densidade variável, adaptáveis a situações aprofundamento distintas e que
não vemos como inserir num Código das Sociedades Comerciais. De resto: não temos
conhecimento de, em qualquer País, se ter seguido tal via. Não obstante, o governo das
sociedades é um tema do nosso tempo. Fortemente impressivo, pela nota norte-americana
de modernidade que comporta, o governo das sociedades não podia deixar de ser arvorado,
pelo legislador, em bandeira de reforma. O seu papel acabou, todavia, por ser modesto:
quedou-se pela reforma do artigo 64.º CSC, com todos os óbices e desafios que temos vindo
a assinalar. Fora do estrito campo legal, o tema do governo das sociedades tem um papel
acrescido. A CMVM produz regulamentos e recomendações de nível elevado e que têm
como bússola importantes princípios de governo das sociedades. Além disso, ela tem uma
atuação informal junto das grandes empresas, que permite pôr no terreno vetores
importantes na área da boa gestão, da transparência e da informação ao mercado. O tema é
retomado por estudiosos e especialistas, junto das referidas grandes empresas. Em suma:
filtra uma cultura de modernidade, importante na Aldeia Global. O desafio que enfrentamos
é outro: velar par que o acolhimento dos princípios do governo das sociedades não provoque
um abaixamento técnico-jurídico, nem se traduza por mais uma desmesurada fonte de
complexidade societária.
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Secção IV – A situação jurídica dos administradores
78.º - Os administradores no Direito comparado
Generalidades: a situação jurídica dos administradores é uma peça-chave no Direito das
sociedades anónimas. O regime aplicável nem sempre surge explícito: torna-se, por isso,
necessário recorrer à construção científica e à lógica do sistema. Finalmente: o conhecimento
dos diversos meandros permitiria fixar a natureza da posição dos administradores. Tudo isto
constitui, no presente momento, um problema complexo, que está por resolver. Na origem
dogmática do problema, podemos apontar o seguinte: o Direito das sociedades comerciais,
particularmente perante as opções dos autores do CSC, que lograram consagração em
diversos troços da lei, é, estruturalmente, de tipo contratual. Todavia, quando se intenta uma
metodologia contratual à situação dos administradores, surgem dificuldades. O
administrador não é, no Direito português, provido por contrato, enquanto se multiplicam
situações nas quais a própria vontade da sociedade é dispensável. O Direito português torna-
se, ainda, um tanto caleidoscópico, pelas sucessivas influências que tem sofrido, de outros
ordenamentos. Tais influências, que remontam ao século XVIII e à Lei da Boa Razão,
intensificaram-se aquando da elaboração do Código de 1986 e, mais recentemente, no âmbito
da reforma de 2006.
As orientações contratuais: o Code de Commerce francês de 1807 dispunha, no seu artigo
31.º, reportando-se às sociedades:
«Elas são admitidas por mandatários temporários, destituíveis associados ou não associados,
assalariados ou gratuitos».
Subjacente à situação jurídica dos administradores estaria uma ideia de mandatou ou, mais
concretamente: um contrato de mandato. Esta conceção fez história passou às Leis
Prussianas de 1838, sobre Caminhos de Ferro e de 1843, sobre sociedades anónimas; além
disso, vamos encontra-las nos Códigos de Comércio de Itália, de 1867 e 1882, ambos com
larga influência, designadamente entre nós. O recurso ao mandato tem origens históricas.
Podemos esquematiza-las em dois pontos:
Os inconvenientes do publicismo das grandes companhias coloniais;
As vantagens técnico-jurídicas do mandato.
No período moderno, as grandes companhias coloniais recebiam, da lei, poderes exorbitantes,
de tipo público. Além disso, elas eram geridas por uma lógica de Estado, de acordo com
diretrizes provenientes do Conselho do Rei ou de notáveis. Esta situação redundou, por
vezes, num protelamento dos direitos dos acionistas. Contra ela veio, a História, a reagir. A
vaga individualista subsequente à Revolução Francesa foi pouco propícia às companhias
coloniais. A figura das sociedades anónimas teve, ainda, uma imagem degradada, por via de
diversos escândalos financeiros. Em suma: todo este conjunto de fatores levou a que, na
codificação francesa de 1807 e, depois, nas codificações que se lhe seguiram, fossem
efetuadas opções claras pelas soluções jurídico-privadas. Também as exigências de
Direito Comercial II | António Menezes Cordeiro 2015/2016
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201
construção conduziram ao reforço das opções privadas. Com efeito, a doutrina da
personalidade coletiva, na passagem do século XVIII para o século XIX, estava ainda muito
incipiente. A figura do administrador, com os seus poderes de gerir bens alheios e de vincular
a própria sociedade era um verdadeiro enigma. A figura mais disponível e mais próxima seria
justamente a do mandato: o mandatário geria bens alheios e, de acordo com as explicações
da época, tinha poderes de representação. O apelo ao mandato permitia concretizar duas
ordens de objetivos: políticos e técnico-jurídicos. Em termos políticos, os administradores
eram colocados ao serviço dos sócios, sem veleidades de intervenção de poderes políticos.
No plano técnico-jurídico, ficava enquadrada a problemática da gestão de bens alheios bem
como a da representação. Apesar das suas ingenuidades, o apelo ao mandato manteve a sua
influência, até hoje.
Críticas; o contrato de administração: a aplicação da ideia de mandato à situação
jurídica dos administradores veio a ser objeto de duas grandes tradições críticas:
A crítica interna, de origem alemã: tem a ver com a dissociação entre o mandato
e a representação. Na linha dos estudos pioneiros de Jhering e de Laband, sabemos
hoje que o mandato implica uma simples prestação contratual de serviços, de
natureza jurídica, enquanto a representação, proveniente de um ato unilateral – a
procuração – traduz o direito potestativo de uma pessoa praticar atos jurídicos que
se repercutam imediata e automaticamente, na esfera de outra. Pode o mandato não
envolver representação e pode haver representação sem mandato. Acrescente-se,
ainda, que a separação entre mandato e representação é, entre nós, um dado
adquirido. Pois bem: uma vez adquirido que o mandato não envolve,
necessariamente, a representação e que esta pode existir sem mandato, fica por
explicar, com recurso a esta via, a realidade da administração social. Ao lado do
mandato, haveria, no mínimo, que descobrir uma qualquer outra fonte para os
incontornáveis poderes de representação assumidos pelos administradores. Perfilam-
se, já, no horizonte e por esta ordem de ideias, as construções analíticas. Resta
acrescentar que o Código Civil de 1966 acolheu, em termos indubitáveis, a
dissociação entre o mandato e a representação (artigos 1178.º e seguintes e 1180.º e
seguintes CC). As conceções tradicionais que reduzem a situação jurídica de
administração ao mandato teriam, aqui, um obstáculo muito sério.
A crítica externa, de base italiana: (crítica, essa, à conceção do mandato) radica na
existência, a cargo do administrador de sociedades, de deveres retirados da lei e que
não se conectam com um mandato comum. Tais deveres têm vindo a ampliar-se, ao
longo do tempo, consistindo hoje no essencial da sua posição jurídica. No fundo,
joga uma questão de realismo. A evolução sócio-económica acarretou uma
regulamentação jurídica sempre mais complexa. Feixes de deveres específicos de base
legal dirigiam-se, diretamente, aos administradores, num cenário que o circunspeto
mandato não podia, de todo em todo, absorver.
Ambas são pertinentes e funcionais, no Direito português. Como construir a situação jurídica
da administração, depois de perdido o referencial do mandato? A situação jurídica dos
administradores de sociedades privadas será, com probabilidade, uma situação jurídica
privada. Por isso, parece razoável admitir que, na sua base, esteja um contrato: a sociedade
pretende uma determinada pessoa em funções de administração e essa pessoa dá o seu
assentimento. O contrato subjacente poderia não ser, propriamente, um mandato. Não seria
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de excluir, contudo, algo de próximo. Decisiva, no sentido da manutenção da ideia contratual,
foi a vigorosa reconstrução de Minervi. Segundo este autor, a estrutura da relação de
administração seria contratual: ela surgiria depois de a designação do interessado, feita pela
assembleia geral, lhe ser comunicada e de ele a aceitar, expressa ou tacitamente. Tratar-se-ia
de uma relação de trabalho em sentido amplo já que haveria uma prestação de serviço por
conta de outrem em termos não autónomos; por fim, dados os múltiplos elementos
específicos disponíveis, seria possível avançar individualizando um contrato típico de
administração. A hipótese é retomada por outros autores que sublinham a ideia de contrato
de trabalho amplo, que opinam por um tipo contratual autónomo ou, finalmente, que
pesquisam diversas relações, entre o administrador e a sociedade – trabalho, agência e
mandato profissional – em situação de união. Principiando pelo aspeto mais simples, pode
desde já antecipar-se que, se a situação jurídica de administração tiver uma base contratual,
haverá que procurar um contrato de administração ou qualquer outra figura contratual sui
generis: é manifesto que ela não se coaduna, precisamente, com nenhuma outra figura
preexistente. A aproximação ao contrato de trabalho teria o aliciante de corresponder à
profissionalização dos administradores, num fenómeno universal e que terá, por certo,
consequências. Mas levanta problemas de regime de enorme complexidade, que não são
minimamente ponderados pelos autores que propugnam semelhante aproximação. O aspeto
mais complicado – e verdadeiramente decisivo – é o da determinação concreta, na relação
de administração, de uma estrutura contratual, em sentido próprio. Em abstrato, parece
inteiramente possível e até razoável, que se possa fazer tal opção. Escolhido um
administrador, a sociedade abriria negociações com o eleito; obtido um acordo sobre todas
as cláusulas suscitadas pelas partes, incluindo os benefícios sociais, fechar-se-ia um contrato
de administração, que a doutrina iria posicionar algures, dentro das situações de prestação de
serviço. O Direito privado, porém, não é lógico. Melhor: a sua lógica assenta em fatores
estruturalmente culturais, dados por atormentada evolução histórica e marcados por
transposições conceituais muito variadas. A natureza contratual da relação de administração
não pode, assim, ser afirmada ou defendia em abstrato. Joga-se, antes de mais, um problema
de Direito positivo e de regime: há que verificar se o procedimento, relativo à colocação de
administradores, comporta uma redução contratual.
As orientações unilaterais: as teorias unilaterais contrapõem-se globalmente às
contratuais. Na sua promoção, jogaram fatores de ordem diversa que, por comodidade de
exposição, podem ser ordenados em técnicos e em significativo-ideológicos. Os fatores
técnicos prendem-se com a estrutura da designação dos administradores e com a via pela
qual eles entram em funções: não haveria, aí, qualquer, contrato. Os fatores significativo-
ideológicos têm a ver com conceções institucionalistas e publicistas, que ditariam um modus
faciendi não contratual. Aprofundemos os fatores técnicos. Os administradores são
designados por deliberação dos sócios. A deliberação é, na sequência de Von Thur,
autonomizada como uma especial categoria de atos jurídicos, genericamente contraposta a
atos não deliberativos. Ela própria depende de um processo, no qual surge uma proposta,
sujeita a votos; o voto exprime uma recusa ou a aceitação da proposta. Os participantes, na
assembleia deliberativa, funcionariam como representantes do ente coletivo, a quem a
deliberação vai ser imputada. Contrapondo-se aos atos jurídicos não deliberativos, verifica-
se que a deliberação se distingue, por três particularidades:
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1. Comporta várias declarações de vontade idênticas, por oposição a confluentes: os
participantes na deliberação de escolha do administrador, p. ex., dirão “quero
determinada pessoa como administrador” e não, por hipótese, um deles, “quero
mandatar” e outro “quero ser mandatado”;
2. As declarações de vontade não se dirigem a outrem, reciprocamente, mas sim à
agremiação;
3. A deliberação pode vincular quem, com ela, não tenha concordado.
Esta matéria, embora pouco estudada e raramente tida em conta pela comercialística, assume
importância. Ela impôs-se a autores de diferente formação e por prismas diversificados, não
tendo, por exemplo, escapado a Paulo Cunha. Desde o momento em que a escolha de um
administrador assente numa deliberação, a situação já não pode ser considerada contratual.
Impõem-no razões técnicas muito sérias: ao ato deliberativo, salvo fortes cautelas, não
podem ser aplicadas as regras do negócio jurídico e, muito menos, as do contrato: basta ver
que ela pode vincular quem, com ela, não concorde e que o regime da invalidade e da
ineficácia é próprio. Além disso, a deliberação não é negociável com o exterior: ela é
encontrada no seio do órgão deliberativo e fica perfeito, logo nesse nível. As construções
institucionalistas filiam-se, de um modo geral, no realismo de Von Gierke. A pessoa coletiva
tem uma existência própria, diferente do somatório dos seus membros, enquanto os seus
órgãos traduzem algo que lhes é próprio. A concreta designação da pessoa ou pessoas que
irão preencher esses órgãos é um ato interno, de natureza corporacional ou institucional.
Faltar-lhe-ia, pela própria natureza, a dimensão mínima da alteridade contratual. Esta
orientação foi reforçada pelas correntes institucionalistas que, detetando no ente coletivo
uma vida própria, diferente da dos seus membros, nela inserem a designação dos
administradores. A contraprova residiria na natureza não-contratual da posição dos
administradores, inacessível à autonomia das partes. As versões institucionais aparecem
bastante representadas, na doutrina francesa. Berdah parte para a crítica à conceção do
mandato de uma consideração simples: tem de haver sempre um (ou mais) administrador;
portanto, não se joga um mandato, por definição voluntário, mas antes um órgão, com
funções. Logo se vê que esta consideração atinge, em geral, as diversas leituras contratuais.
Aquele autor constata ainda que o poder de representação dos dirigentes societários
ultrapassa o dos mandatários e recorda que apenas a teoria orgânica explica a
responsabilidade delitual das pessoas morais; por fim, o mandato poderia ter uma cláusula
que prevenisse a sua revogação ad nutum – o que não sucede com a situação dos
administradores – tendo os seus poderes origem institucional. Ainda que com diversas
restrições, é indubitável que, perante a prática francesa, a posição dos administradores das
sociedades surge numa ambiência não contratual. Pelo contrário: domina um estilo
estatutário que invoca, na verdade, conceções de tipo institucional. As construções
publicistas aparecem em Itália, ainda que nem sempre sejam assumidas com clareza. Na sua
base, uma raiz dupla: por um lado a constatação, feita já no início do século XX, de que os
administradores se encontram também investidos em deveres de ordem e interesse públicos;
por outro, a aproximação realizada entre a estrutura interna dos entes privados e a dos entes
públicos. As teorias unilaterais têm sido desconsideradas, em virtude do preconceito
contratualista românico e lliberal: as situações jurídicas privadas devem assentar no livro
consentimento dos visados: têm, por isso e em princípio, natureza contratual. Essa ideia está
em regressão. Por um lado, multiplicam-se as hipóteses de negócios jurídicos unilaterais; por
outro, põe-se em crise a ideia da tipicidade estrita dos negócios unilaterais. Além disso, haverá
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ainda um aspeto mais importante: o da influência direta, no jusprivatismo, da Ciência Jurídica
administrativa. O Direito Administrativo atual conhece uma colocação de pessoas, ao serviço
da Administração, através de contrato pessoal. Mas admite, também, a tradicional nomeação
unilateral25, sujeita, naturalmente, a aceitação26. Trata-se de quadros técnicos-jurídicos que
podem – se o Direito positivo estiver conforme –, ser transposto para o Direito privado.
As construções analíticas: Bestellung e Anstellung: a situação jurídica dos
administradores é ainda explicada por construções a que chamaremos analíticas. No essencial,
essas construções descobrem, na génese da posição jurídica aqui em jogo, um ato duplo: por
um lado, a nomeação, pela sociedade, da pessoa eleita para administradora – a Bestellung
(nomeação ou designado); por outro, a celebração, com essa pessoa, de um contrato de
emprego – Anstellung (colocação). Esta orientação deriva de uma análise mais aprofundada
da posição jurídica do administração. A contraposição entre a nomeação e a colocação iria
obedecer a uma ordem de considerações jurídico-cientificas, paralelas às que levaram a
distinguir o mandato da procuração. Além disso, ela permite a salvaguarda das pretensões
derivadas dos contratos celebrados, sem prejudicar a livre destituição dos administradores.
A contraposição entre Bestellung e Anstellung foi mantida em aprofundada na jurisprudência
do RG e, depois, na do BGH. Ressalvou-se a ideia de que os administradores podiam ser
exonerados, sem pré-aviso. Mas para a cessação do Anstellungsvertrag, já seriam de observar
os requisitos da resolução deste. Havia que determinar a sua natureza. Em BGH 11 julho
1953, a propósito de um administrador que teve de abandonar Berlim, durante a Guerra,
ficando impossibilitado de cumprir as suas obrigações e que só em 1947 lá conseguiu voltar,
vem dizer-se:
«Segundo a opinião dominante, o Anstellungsvertrag, relativo a órgãos de pessoas coletivas,
insere-se no contrato de prestação de serviço autónomo (…). Depõe, nesse sentido, em especial,
a inexistência de um poder de direção, da pessoa coletiva sobre o administrador. A
administração pertence, antes, aos órgãos onde se forma a vontade da sociedade»27.
O §626 BGB dispõe sobre a necessidade de um fundamento importante para a resolução do
contrato de prestação de serviço. A jurisprudência passou, pois, a debater em que
circunstancialismo poderia surgir o fundamento importante que justificasse a cessação do
Anstellungsvertrag. Finalmente, a contraposição entre a Bestellung e a Anstellung, correntemente
aplicada pela jurisprudência, foi reconhecida pelos diversos diplomas que, na Alemanha, têm
vindo a regular as sociedades comerciais. Para o bom entendimento do alcance da construção
analítica alemã, assente na contraposição entre a Bestellung e a Anstellung, é necessário
reforçar a ideia de que ela não é, primacialmente, uma construção teorética. Trata-se, antes,
de uma verdadeira dogmática, ditada pela jurisprudência e pelas necessidades práticas e
precisada pela doutrina. Ela implica instituições societárias, aptas a suportar o seu
25 A denominada relação jurídica de emprego na Administração Pública é, hoje, regulada pelo Decreto-Lei n.º 427/89, 7 dezembro, alterado, por último, pelo Decreto-Lei n.º 175/95, 21 julho. Retenha-se a noção de nomeação, inserida no artigo 4.º, n.º1, daquele diploma:
«A nomeação é um ato unilateral da Administração pelo qual se preenche um lugar do quadro e se visa assegurar, de modo profissionalizado, o exercício de funções próprias de serviço público que revistam caráter de permanência».
26 Artigo 9.º, n.º1 Decreto-Lei n.º 427/89: «A aceitação é o ato pessoal pelo qual o nomeado declara aceitar a nomeação».
27 O administrador não foi, pois, considerado trabalhador, o que logo afasta a aplicação dos esquemas de proteção, próprios do Direito do trabalho. Não obstante, seria possível assegurar-lhe determinada tutela, através do princípio da boa fé.
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funcionamento. Além disso, ela requer uma linguagem conceitual apurada e permite, depois,
a localização e o aprofundamento de diversos problemas. Quanto às instituições societárias,
é necessário ter em boa conta a configuração interna das sociedades anónimas alemãs. Os
membros da direção são designados pelo conselho de vigilância; o contrato de emprego é
acordado entre o elemento da direção em causa e o conselho de vigilância; o contrato de
emprego é acordado entre o elemento da direção em causa e o conselho de vigilância
podendo, depois, este delegar no seu presidente os poderes especiais necessários para a sua
celebração. No caso das sociedades por quotas, há que distinguir: quando não tenham
conselho de vigilância, a competência para a designação defere-se aos sócios, nos termos
gerais, outro tanto sucedendo com o acordar do contrato de emprego; quanto tenham tal
conselho, á que subdistinguir: o conselho pode, pelos estatutos, ter ou não competência para
designar a gerência; na primeira hipótese, o conselho de vigilância toma as competentes
deliberações à imagem do que sucede com as sociedades anónimas; na segunda, a
competência recai nos sócios. Esta situação, assim descrita no tocante às sociedades por
quotas é, no fundo, o resultado da evolução protagonizada nas anónimas: a não haver
conselho de vigilância, não seria facilmente imaginável negociação do Anstellungsvertrag,
através da assembleia geral. Trata-se de um ponto não esquecer, quando se intente transpor
o esquema analítico alemão para as sociedades anónimas de tipo latino: sem conselho de
vigilância ou conselho geral. A linguagem conceitual apurada parta da precisa qualificação
das duas figuras. A Bestellung é um ato deliberativo e, nesse sentido, unilateralmente, embora
com um destinatário. Ela pode ser revogada a todo o tempo, nos termos legais. A Anstellung
pressupõe um contrato com certas cláusulas. Quando outra coisa não se disponha, ela pode
ser objeto de denúncia ordinária – ou seria de duração perpétua – e de denúncia
extraordinária – melhor: resolução – perante um motivo justificado. Dos diversos problemas
que esta técnica analítica permite estudar com apuro cumpre salientar, em primeira linha, a
assimilação da Anstallung a um contrato de trabalho. A jurisprudência e a doutrina têm
respondido pela negativa: não há que aplicar aos titulares dos órgãos sociais o regime da
tutela laboral; além disso, eles estão, em termos sócio-culturais, mais próximos dos
empregadores do que dos trabalhadores. Também se verifica que, de facto, os titulares dos
órgãos de direção não surgem numa posição de subordinação jurídica, em sentido técnico:
ninguém lhes dá instruções sobre o modo de concretizar em sentido técnico: ninguém lhes
dá instruções sobre o modo de concretizar os serviços que devam prestar – ou ter-se-ia de ir
procurar, alhures, a direção. Não obstante, a evolução laboral tem permitido, nalguns casos,
fazer transposição de normas do Direito do trabalho, para os titulares dos órgãos sociais. O
Direito do trabalho não mais tem sido entendido como um Direito de exceção. É,
simplesmente, um Direito especial. Logo, torna-se possível, caso a caso e quando a analogia
das situações o permita, transpor normas laborais para outros setores, entre os quais o aqui
em causa. Trata-se de um ponto importante que, abaixo, será aprofundado.
Valores laborais: a natureza da situação jurídica da administração constitui uma questão
clássica, ainda por resolver. Não a devemos enjeitar. É certo que a natureza de uma situação
jurídica não pode – superado o concetualismo – assumir-se como reitora de soluções: por
isso, ela não pode preceder a determinação do regime. Contudo, a fixação da natureza
constitui um banco de ensaio para a coerência do regime, permitindo detetar lacunas e
incongruências. Além disso, ela traduz um momento imprescindível na compreensão e na
construção do sistema. Como ponto prévio encontramos o da pesquisa, na relação de
administração, de elementos jurídico laborais. A doutrina começou por negar, nos
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ordenamentos continentais dadores do nosso, a natureza laboral da situação dos
administradores. Nos finais do século XX, porém, a problemática subjacente reacendeu-se.
Martin Diller, numa monografia maciça e exemplar (1994) veio, globalmente, opinar pela
laboralização das relações orgânicas intrassocietárias; de resto, essa monografia teve,
subjacente, o excelente estudo histórico de Hromadka (1979), sobre o tema. No século XIX,
os administradores ou, mais latamente, os representantes permanentes das pessoas coletivas
eram considerados empregados das sociedades respetivas com funções dirigentes, à
semelhança de outros quadros superores. Era um evidência. Dois fatores jogavam nesse
sentido: por um lado, o contrato de trabalho não estava tipificado de modo que, de acordo
com o sentir comum, ele poderia abranger todas as situações nas quais, com independência
ou sem ela, uma pessoa ficasse obrigada a trabalhar; por outro, faltava ainda, ao contrato de
trabalho, um regime de tutela de natureza impositiva que, anos depois, viria a conferir um
sobressalto especial às qualificações laborais. A distanciação dos administradores, perante o
laboralismo nascente, ocorreu no primeiro pós-guerra; ela derivou, aliás, de uma
problemática geral, exterior à empresa. Na verdade, a institucionlizaçõ definitiva dos
sindicatos e a prática da negocial laboral, com a subsequente celebração de convenções
coletivas, muitas vezes antecedias de greves, criaram um ambiente político-social que, de
modo sistemático, colocava os administradores do lado dos empregadores e frente aos
trabalhadores. Muitas vezes, aliás, o administradores eram mesmo identificados com o
patronato, a quem davam um rosto: o deles. A lógica do confronto de classes, muito viva
no princípio do século XX, teve, assim, como efeito, o retirar os administradores do universo
imediatista dos trabalhadores. Mas como não eram – ou não eram necessariamente –
detentores do capital, eles ficaram em terra de ninguém, numa indefinição que se estendeu à
realidade jurídica. A jurisprudência teve, sobre o tema, uma evolução menos linear do que
muitas vezes hoje se julga. De um modo geral e simplificado, podemos considerar que as
instâncias civis e comerciais negavam a natureza laboral da situação jurídica de administração;
pelo contrário, a instância jurídico-laboral era mais favorável, àquela natureza. Em termos
práticos, a relação existente entre as administradores e as sociedades respetivas reger-se-ia
pelas regras comuns relativas ao contrato de prestação de serviço, contidas no BGB e não
pelas normas especificamente laborais. Paralelamente, o jurisprudência laboral parecia
assumir uma posição diversa ou, pelo menos e como acentua Diller, uma orientação menos
formal, do que a do BGH. Tal orientação do Reichsarbeitsgericht, depois mantida pelo
Bundesarbeitsgericht. Por seu turno, a doutrina também oscilou. Obras jurídico-laborais antigas
faziam uma aproximação fácil entre a posição dos administradores e a do pessoal trabalhador
dirigente. Mais tarde, a doutrina laboral inclinar-se-ia para a orientação do BGH,
propendendo para a natureza não laboral da relação de administração. A questão não estava,
porém – como nunca esteve – encerrada. Ainda nos anos sessenta do século XX, Trinkhaus
pediu, de modo direto, a revisão da posição dominante relativa à natureza não-laboral da
posição dos administradores. Com diversas variantes, posições próximas em Miller, em
Becker, em Grunsky e em Henssler: este último, paradigmaticamente, vem afirmar que se
verificam, na relação de administração, pressupostos próprios da relação de trabalho
bastantes, pelo menos, par aa aplicação analógica de certas regras; assim e embora considere
a questão ainda em aberto, há tendências claras favoráveis às orientações laborais. A doutrina
laboral dos nossos dias trata o tema com alguma cautela: reafirma as especificidades da
relação de administração, reconhecendo embora a situação particular, de tipo sujeição, a que
dá azo; finalmente, admite uma aplicação, a ponderar em cada caso, de normativos laborais.
Essa orientação poderia, ainda, ser subtilmente complementada com a societarização das
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relações de trabalho clássicas. Em suma: parece caminhar-se para um agnosticismo de cautela
que, se denota humildade científica, dificulta, contudo, o conhecimento. Partindo – como se
impõe – das soluções, parece evidente que a doutrina e a jurisprudência dos diversos
ordenamentos – francês, alemão e italiano – se inclinam para a necessidade de proteção social
dos administradores, proteção essa que, historicamente, é prosseguida pelo Direito do
Trabalho. Fazendo um levantamento de decisões observamos que permitem fixar dois
parâmetros: a situação jurídica de administração não pode provocar um abaixamento no tipo
de proteção que o administrador, anteriormente, detivesse e os diversos passos protetores
são dados sem uma referência direta, a regras do trabalho. Se o primeiro ponto parece
evidente, o segundo merece um suplemento de indagação. Em termos quantitativos, a
discussão em torno da laboralidade d administração tem vindo a centrar-se nos gerentes das
sociedades por quotas. Ora estas, no início, foram concebidas como sociedades de capitais –
portanto: como pequenas empresas anónimas – aptas, em teoria, a suportar administradores
profissionalizados e, como tal, assalariáveis. Evoluíra, porém, para sociedades de pessoas em
moldes que – até por razões de ordem económica –, já não se compadecem com tutelas
laborais alargadas. Paradoxalmente, porém, seria em sociedades deste tipo que ainda se
poderia intentar descobrir uma subordinação, em sentido jurídico-laboral, pelo menos
sempre que o administrador – o gerente – não seja, ele próprio, sócio. Já nas sociedades
anónimas, a problemática inverte-se: o administrador tenderá a ser contratado como um
empregado dirigente, especialmente habilitado, mas ligado apenas por uma relação de serviço
remunerada; porém, já não há paradoxalmente quem lhe dê instruções. Tais instruções,
consideradas possíveis nas sociedades de tipo germânico, através do conselho de vigilância
ou conselho geral, seriam impensáveis, nas sociedades anónimas de tipo latino. A própria lei
exclui, aliás, a gestão corrente, do âmbito da competência da assembleia geral.
Dogmaticamente, a situação jurídica laboral autonomiza-se, no seio da prestação ode serviço,
por postular a denominada subordinação jurídica do trabalhador. Tal subordinação daria
corpo ao dever de obediência e à sujeição ao poder disciplinar. O dever de obediência traduz
a heterodeterminação do serviço laboral: caso a caso o sujeito laboral – o trabalhador –
deveria conformar a sua atuação, às instruções do empregador ou do seu representante. O
Direito do trabalho, por razões históricas, visa dispensar uma especial tutela aos
trabalhadores. Tal tutela impôs-se, mercê da subordinação económica que os atinge,
subordinação essa que, a não ser corrigida, ditaria uma desigualdade de raiz, doente de
injustiças individuais e de grave perturbação social. Designadamente nas áreas
industrializadas, boa parte do motor do Direito do trabalho tem sido assegurado pelos níveis
coletivos da conflitualidade laboral, com relevo para a greve. Porém, por evidentes razões de
definição e de delimitação, o Direito não atendeu à subordinação económica, para definir o
trabalhador e, dai, os seus direitos: atendeu à subordinação jurídica. Donde o drama: visando
um valor material – a tutela dos economicamente subordinados a outrem – o Direito do
trabalho guia-se pelo critério formal da subordinação jurídica. É certo que esta, na tipicidade
social das situações reguladas pelo Direito, tenderá a coincidir com a subordinação
económica. Mas nem sempre: há situações claras de subordinação económica e da mais
gritante que, por não envolverem serviços heterodeterminados, não são protegidas; e há
situações formalmente laborais, em que a segurança económica do protegido é tranquila.
Ocorre, por tudo isto, a figura clássica da situação semelhante à do trabalhador, caracterizada
pela mera subordinaçõ económica e à qual, em certos casos, teriam aplicação algumas regras
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laborais. A administração de sociedades seria uma hipótese a incluir neste domínio28. Mas
apenas em teoria: a problemática da administração foi desenvolvida, em ambiência própria,
por comercialistas, de tal mo d que, culturalmente pertence ao Direito comercial. A
qualificação jurídica não deve abdicar dos resultados a que conduza. No Direito português e
mercê de diversas confluências históricas, cristalizadas na Constituição da República
Portuguesa de 1976, chegou—se um tipo de tutela jurídico-laboral que, tendencialmente,
visa tornar perpétuas as situações jurídicas de trabalho, bem como as categorias profissionais
que elas tenham configurado. Trata-se da denominada proibição de despedimentos sem justa
causa que, por via de estritas interpretações constitucionais, só dificilmente tem sido
flexibilizada por legisladores dos diversos quadrantes. É hoje reconhecido que a rígida tutela
existente comporta o efeito perverso de precarizar as situações dos recém chegados ao
mercado de trabalho contribuindo ainda para a pesada taxa de desemprego: torna-se
impensável perpetuar as situações jurídicas de administração das sociedades. Nas anónimas
como nas restantes sociedades, é da sua essência a renovabilidade dos mandatos, com a
inerente hipótese de não recondução. Perpetuar situações de administração equivaleria a
paralisar as empresas. Pior: obrigaria a pesquisar formas práticas de dissolver todo o ente
coletivo, com as sequelas sócio-económicas respetivas que se adivinham para, in extremo,
remover uma administração indesejada. Em suma: por evidentes inadequação e
incompatibilidade valorativa não é viável, no Direito positivo português vigente, laboralizar
a situação jurídica dos administradores. A tutela requerida passará assim por dois planos
simples: o do não retrocesso social do trabalhador, designado administrador e o da
densificação, dentro do razoável, da justa causa exigida para a destituição, na pendência do
mandato, dos administradores designados. Trata-se de uma via a aprofundar, dentro do
respeito pela vontade das partes, sempre que esta tenha sido formalizada, o que, de todo o
modo e no Direito societário português, só por exceção ocorre. Um desenvolvimento
recente, neste domínio, advém da eventual aplicação, aos administradores, das regras
específicas sobre a não discriminação, aprontadas no domínio laboral. Não vemos como
impor restrições à livre designação dos administradores. Em compensação, não é possível
admitir destituições puramente discriminatórias quando ocorressem, faltaria, seguramente,
justa causa.
79.º - Os administradores no Direito português
Refutação do contratualismo puro: a doutrina portuguesa tem procurado, de um
modo geral, reconduzir a situação jurídica de administração a um contrato: o contrato de
administração ou outro similar. Na origem Ferrer Correia opta por uma solução de tipo
germânico, assente no ato de nomeação unilateral, e num contrato de emprego, concluído
entre o administrador e a sociedade. Raúl Ventura, por último, propende para a natureza
unitária da situação, rematando, em termos lapidares:
28 A doutrina jurídico-laboral não procede, em regra, a esta inclusão: entende que a administração compreende, hoje, um regime especial próprio, claro e bem definido, no Direito comercial – o que, de resto, não é exato.
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«Havendo um só ato, criador de uma só relação, a sua natureza contratual é evidente, pois não
se concebe outra forma, em Direito privado, de as duas vontades se combinarem para
produzirem a relação».
Brito Correia, assentando no que apresenta como natureza contratual da eleição e de
aceitação, inclina-se para a contratualidade da relação de administração: haveria, a tal
propósito, um contrato de administração. Ilídio Rodrigues inclina-se também para um
contrato de administração o qual, em certos casos de subordinação, poderia ter natureza
laboral. Nestas condições, a própria jurisprudência fala em contrato sui generis, assente
pretensamente contratuais eleição e aceitação. Esta orientação deve ser revista: ela não tem,
por si, nem a colocação histórica do instituto, nem a atual Ciência do Direito nem, sobretudo,
o Direito positivo aplicável. Bastará aliás um argumento retirado deste último nível: o Direito
vigente mostra que a situação jurídica de administração pode ter alguma das seguintes fontes:
A imanência à qualidade de sócio;
Designação inter partes no contrato de sociedade;
Designação a favor de terceiro, nesse mesmo contrato;
Designação pelos sócios ou por minorias especiais;
Eleição pelo conselho geral e de supervisão;
Designação pelo Estado;
Substituição automática;
Cooptação;
Designação pelo conselho fiscal ou designação judicial.
Apenas na hipótese de designação pelo conselho geral e de supervisão se poderia configurar
um contrato: em todos os outros casos, o único contrato que nos surge é o da sociedade o
qual, aliás, nem visa, de modo específico, designar administradores. Procurar reconduzir a
contratos os modos de designação dos administradores de sociedades, acima alinhados,
releva de uma alquimia puramente irreal. Não é pensável que, no Direito privado moderno,
falte instrumentação dogmática, ao ponto de obrigar a tão distorcivas ficções. A própria
conjunção eleição-aceitação, tendo embora natureza voluntaria, não é contratual. Pela mais
simples e definitiva das razões: não se lhe aplica o regime dos contratos mas, antes, um
conjunto preciso de regras de natureza deliberativa e societária29. A situação jurídica de
administração não pode ser definida com recurso à via da sua constituição. Ela encontra-se
num grupo de situações jurídicas, enformadas por uma multiplicidade de factos constitutivos.
E designadamente: ela pode ser contratual ou não contratual sem por isso, perder a sua
unidade. Caberia, ainda, explorar a seguinte via: mau grado a diversidade genética, a
administração poderia ter uma forma particularmente impressiva de constituição; essa forma
impregnaria o instituto de tal modo que as restantes vias mais não fossem do que meras
alternativas ou sucedâneos. O Direito português vigente, contudo, aponta a eleição – tomada
como deliberação unilateral – como a via mais típica de constituição da situação de
administração, dobrada aliás pela unilateralidade de diversos outros elementos constitutivos
do seu conteúdo, com relevo para a remuneração. Fica de pé o recurso dogmático aos
quadros do Direito público comum: não do contrato. A natureza da situação jurídica da
administração há-de ser fixada pelo seu conteúdo e não pela forma da sua constituição. Na
29 Ainda um exemplo: Raúl Ventura procede a uma sábia exposição que documenta o modo não contratual, de funcionamento da dinâmica dos administradores.
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jurisprudência mais recente, a natureza da situação jurídica da administração tem sido
diferentemente considerada. Assim, ora se afirma que ela é contratual, ora se sublinha que,
operando a sua constituição por via do artigo 391.º, n.º1 CSC, não pode haver um contrato
de administração. Em boa verdade, as qualificações em causa não interferem nas decisões
tomadas.
A administração como estado: prossigamos na determinação da natureza da
administração, no Direito português. Em moldes sistemáticos, a situação jurídica de
administração inclui-se no Direito privado: pertence ao Direito das sociedades, ele próprio
privado especial, globalmente marcado pela igualdade e pela liberdade, dentro dos
parâmetros cientíco-culturais do substrato românico. Podemos ainda adiantar que se trata de
uma situação privada patrimonial: o Direito compadece-se com a sua colocação no mercado,
a troco de dinheiro. A situação jurídica de administração é complexa e compreensiva: ela
abrange um conjunto indiferenciado, muito rico, de direitos e de deveres. Estruturalmente,
a situação jurídica de administração não pode deixar de ser qualificada como absoluta, no
sentido previso de não implicar uma relação jurídica. De facto, o administrador tem, no
essencial, os poderes de representar e de gerir que são, tecnicamente, posições potestativas e
como tal absolutas: não corporizam binómios de direitos-deveres. O núcleo absoluto da
situação jurídica em causa é, contudo, completado por múltiplas relações: o administrador
tem direitos e deveres, legais, estatutários, convencionais ou deliberados, que dão corpo à
sua situação. Chegados a este ponto, resta considerar a situação jurídica de administração
como uma realidade autónoma, de cariz societário, com factos constitutivos múltiplos,
privada, patrimonial, complexa, compreensiva e nuclearmente absoluta. O seu conteúdo
deriva da lei, dos estatutos e de deliberações sociais, podendo, ainda, ser conformado por
contrato ou por decisões judiciais. Tanto basta para adotar a designação aqui utilizada:
situação jurídica de administração ou, simplesmente, administração. Essa situação, quando
se verifique, seja por que via for, coloca logo o administrador numa teia de direitos simples,
de direitos funcionais e de deveres. Diversas fontes a tanto levam. Trata-se de um status ou
estado: qualidade ou prerrogativa que implica e condiciona a atribuição de uma massa prévia
de elementos juridicamente relevantes, incluindo deveres, direitos funcionais e obrigações.
Cabe ao Direito aplicável explicitar o conteúdo desse estado.
Os direitos dos administradores; a remuneração; a moderação: a posição
jurídica do administrador é tratada, nas fontes, em termos absolutos. Assim, ela não se explica,
de modo direto, com recurso a elencos de direitos e de deveres. Não obstante, é possível
apontar algumas realidades dessa natureza, como forma de melhor explicar o tema. A
administração de sociedades comerciais tem vindo a ser profissionalizada. Trata-se de um
fenómeno há muito adquirido nas sociedades anónimas, paradigma de modelo societário. O
primeiro direito do administrador será o direito à retribuição. Nos restantes tipos societários,
o papel de administrador, ainda que de modo não tão claro, mantém-se estritamente
patrimonial. A retribuição faz parte do seu conteúdo natural. O Código das Sociedades
Comerciais pesume remunerada a gerência das sociedades em nome coletivo: o montante da
remuneração é ficado por deliberação dos sócios (artigo 192.º, n.º5 CSC). As sociedades por
quotas merecem, nesse domónio, uma regulamentação mais complexa: artigo 255.º CSC.
Quanto às sociedades anónimas, vigora o artigo 399.º CSC. Um preceito similar (artigo 429.º
CSC) dispõe sobre a remuneração dos administradores executivos: esta é fixada pelo
conselho geral e de supervisão ou, no caso de assim estar previsto no contrato de sociedade,
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pela assembleia geral ou por uma comissão por esta nomeada. A remuneração dos
administradores, designadamente no caso das sociedades anónimas, apresenta uma estrutura
ainda mais complexa. Por razões de ordem social e fiscal, elas têm vindo a assumir
composições parcial e crescentemente não-monetárias. Acresce que, por vezes, o
desempenho de funções de administração numa sociedade implica o desempenho de funções
semelhantes, em empresas participadas, desempenho esse que é remunerado. O exercício das
funções de administração pode ainda facultar diversas regalias sociais. Para além das regras
gerais de segurança social, os administradores podem desfrutar de esquemas específicos,
previstos nos estatutos da sociedade ou em regulamentos a ele anexos (vide o artigo 402.º
CSC, a propósito das sociedades anónimas; pensamos, porém, que este dispositivo pode ser
estendido a outros tipos societários). A prática exemplifica esquemas de reforma, de
subsídios de doença e de invalidez, seguros profissionais, esquemas de apoio na aquisição de
habitação e outros. Pois bem: todas as vantagens patrimoniais dispensadas aos administrador
nessa qualidade têm natureza retributiva. São, assim de ter em conta, para a precisa definição
dos seus direitos e jogam para o cálculo de hipotéticas indemnizações, que os devam ter em
causa. Resta acrescentar que a política de remuneração dos administradores integra um
capítulo dedicado da corporate governance. Cada vez mais ela dá azo a disciplinas especializadas,
que requererem um estudo autónomo e alargado de conhecimentos comparatísticos. Ao
longo dos loucos anos 90 do século passado, as remunerações dos administradores das
grandes sociedades norte-americanas atingiam, por vezes, cifras muito elevadas: da ordem
das dezenas de milhões de dólares por ano. Essa tendência alargou-se à Europa, conquanto
que num nível bastante mais modesto. O fenómeno tem três ordens de explicações:
As regras do mercado: num ambiente muito competitivo, um bom administrador
pode fazer ganhar quantias elevadas aos acionistas; estes disputam os melhores
administradores que veem, assim, subir os seus proventos;
A imagem da empresa: num Mundo em que a promoção se joga a todos os níveis, há
ganhos de imagem quando a sociedade possa exibir um elevado standing, o qual
inclui gestores e quadros bem pagos;
A influência dos próprios administradores: estes, uma vez instalados, mantêm boas
relações com os principais acionistas e com os círculos especializados que fixam o
montante das remunerações dos administradores; pela ordem das coisas, isso traduz-
se numa pressão para o incremento.
Com o despoletar da crise de 2007/2012, essas explicações atingiram dimensões perversas.
Desde logo, verificou-se que o incremento das remunerações dos administradores podia
resultar da sua associação aos resultados da empresa. Designadamente: a remuneração
compreenderia uma parcela variável, correspondente a certa percentagem dos lucros. Assim
sendo, poderia o administrador ser levado:
1. Ou a assumir um tipo de gestão muito lucrativo, no imediato, mas depauperador a
prazo, de modo a recolher elevadas remunerações;
2. Ou a protagonizar, com o auxílio de fiscalizadores e auditores, uma contabilidade
maquilhada, com vista à faturação de lucros fictícios e, daí, de elevados prémios.
A crise de 2007/2012 teve algumas raízes no modo brusco de gerir certas empresas, com
vista ao lucro imediato. Os administradores foram acusados, ainda que, na grande maioria
dos caos, nada se demonstrasse. Mais grave foi o facto de, mercê da forma de calcular
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prémios e remunerações, reportado ao ano anterior àquele em que fossem pagos, certas
empresas falidas, com milhares ou dezenas de milhares de despedimentos, pagarem
remunerações muito elevadas aos administradores que, formalmente, a tal conduziram. E
maior foi o escândalo, nos Estados Unidos, onde algumas dessas empresas foram salvas, in
extremis, pelo Estado e com o dinheiro dos contribuintes. A fúria coletiva virou-se contra os
administradores: contra todos, mesmo aqueles que não estavam implicados na crise e que
nem tinham remunerações verdadeiramente deslocadas. O voyeurismo e o sensacionalismo da
comunicação social ampliaram o fenómeno, junto da opinião pública. Os Estados reagiram,
procurando limitar as remunerações dos administradores: seja diretamente, seja através de
impostos ad hoc. Nos Estados Unidos, surgiram leis que limitavam as remunerações nos
casos em que as empresas e jogo tivessem recebido fundos públicos. A Comissão Europeia,
em recomendação de 30 abril 2009, adotou diversas proposições que tinham em vista a
adequação e moderação retributivas. Particularmente visada foi a comissão de remunerações,
que deveria ter uma composição adequada. Na Alemanha, foi adotada a Lei para a moderação
da retribuição da direção que, através de alterações no AktG, procurou tornar mais razoáveis
os esquemas de cálculo a aplicar. O seu alargamento é preconizado, ponderando-se as
consequências. A Lei n.º 28/2009, 19 junho, que visava rever o regime sancionatório no setor
financeiro em matéria criminal e contra-ordenacional, veio adotar duas normas algo pesadas
nos seus artigos 2.º e 3. O despacho do Ministério das Finanças n.º 5696-A/2010, 25 março,
veio dispor nos seguintes termos:
«1 – A título excecional, e nos termos legalmente previstos, seja adotada por todo o setor
empresarial do Estado uma política assente na contenção acrescida de custos no que toca à
remuneração dos membros dos respetivos órgãos de administração, designadamente não havendo
lugar, nos anos de 2010 e 2011, à atribuição de qualquer componente variável da remuneração;
«2 – O disposto no número anterior é aplicável a todo o setor empresarial do Estado,
incluindo empresas públicas, entidades públicas empresariais e entidades participadas».
Tomado à letra, este despacho iria atingir sociedades nos quais o Estado tinha participações
minoritárias, diretas ou indiretas (casos exemplares da PT, Galp e EDP) e que estavam
sujeitas a puros regimes de Direito comercial. As assembleias gerais recusaram
(legitimamente) a sua aplicação. Noutro plano a CMVM, no Código de Governo das
Sociedades da CMVM de 2010 (recomendações), preconizou que as sociedades cotadas
divulgassem individualmente as recomendações dos administradores. Vai um tanto na linha
da Lei n.º 28/2009. A novidade reside no seguinte: o artigo 288.º, n.º1, alínea c) deste Código,
apenas obriga a divulgar os montantes globais pagos em cada ano, aos membros dos órgãos
sociais: não os montantes individuais. De facto, em certos casos, o montante individual pode
estar associado a índices de produtividade setorial que não convenha tornar públicos, por
razões de negócio. Obviamente: os montantes exatos são sempre conhecidos pela
Administração fiscal. A divulgação individual permite comparações dentro da empresa e
conduz ao nivelamento e, portanto: ao fim da recompensa pelo mérito. Esta matéria exige
cuidado e ponderação. Do lado dos administradores, há que ter o sentido das proporções e
das conveniências: havendo crise, com despedimentos, com reduções de salários e com
desempregados, mal fica, em termos éticos, a demonstração agressiva de riqueza, por parte
de alguns. Do lado dos comentadores e da comunicação social: há que pôr cobro ao
sensacionalismo fácil de exibir cifras fora do contexto. Uma chamada de atenção deve ser
feita: a continuar o ambiente de calúnia persecutória e de delação em curso, nenhum técnico
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habilitado quererá assumir funções de responsabilidade: na política como na gestão de alto
nível. As consequências são fáceis de antever. Finalmente, o Direito vigente tem, há muito,
instrumentos para lidar com situações de excesso. Para além da cláusula geral do abuso do
direito, recordamos o artigo 255.º, n.º2 CSC, que permite a redução da remuneração dos
sócios gerentes, pelo tribunal, a requerimento de qualquer sócio, em processo de inquérito
judicial, quando forem gravemente desproporcionadas quer ao trabalho prestado, quer à
situação da sociedade. Esta regra pode ser aplicada a outros tipos de sociedades por analogia.
Os deveres dos administradores; quadro geral: os deveres dos administradores
prestam-se a longas enumerações. Vamos, aqui, proceder apenas a algumas classificações. De
acordo com a fonte, os deveres dos administradores podem ser legais, estatutários,
contratuais ou deliberativos, conforme provenham diretamente de preceitos legais, do pacto
social, de contrato ou de deliberação dos sócios ou do próprio conselho de administração.
As normas em causa podem originar deveres fiscais, de segurança social, laborais, cambiários,
societários. Muito importante é a contraposição entre deveres genéricos e deveres específicos:
os primeiros resultam da mera existência de direitos alheios ou de normas de proteção,
enquanto os segundos têm a ver com obrigações legais, estatutárias ou convencionais.
Perante situações relativas, os deveres dos administradores podem equacionar-se em deveres
para com a sociedade, para com os credores desta, para com os sócios ou para com terceiros.
Tomados n sua configuração, os deveres poderão ser diretamente de conduta ou redundar
em meros deveres de diligência. De resto, a complexidade da situação permite aplicar as
diversas classificações de obrigações: há deveres solidários, deveres de meios e de resultado
e obrigações de facere, de dare e de pati. Em obediência aos conceitos usados para os explicitar,
os deveres dos administradores podem ser determinados ou indeterminados. Estes últimos,
que carecem em cada caso de atravessar um competente processo de concretização,
abrangem, em particular, deveres de cuidado, de lealdade e de informação. Fica em aberto o
saber se é possível imputar, aos administradores, a generalidade dos deveres que assistam às
sociedades e, ainda, toda uma série de deveres orgânicos, instrumentais e funcionais.
80.º - A constituição e o termo da situação de administrador
A constituição: o Código das Sociedades Comerciais omitiu o tratamento geral da
constituição da situação da administração das sociedades. Somos, assim, obrigados a procurar
regras nas partes dedicadas aos diversos tipos societários. Essas regras correspondem, no
essencial, a um regime comum.
No domínio das sociedades em nome coletivo, o artigo 119.º estabelece, nos seus
três primeiros números:
o Não havendo estipulação em contrário e salvo o disposto no n.º3, são
gerentes todos os sócios, quer tenham constituído a sociedade, quer tenham
adquirido essa qualidade posteriormente;
o Por deliberação unânime dos sócios podem ser designadas gerentes pessoas
estranhas à sociedade;
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o Uma pessoa coletiva sócio não pode ser gerente, mas, salvo proibição
contratual, pode nomear uma pessoa singular pra, em nome próprio, exercer
esse cargo.
Nas sociedades em nome coletivo, a posição de gerente é uma decorrência da de
sócio: estamos próximos da solução vigente, para as sociedades civis puras, nos
termos do artigo 985.º, n.º1 CC. O facto constitutivo essencial e, supletivamente,
predominante é o contrato de sociedade: a lei não prevê um contrato de gerência
autónomo. Quando a gerência recaia sobre um não-sócio, o facto constitutivo é a
própria deliberação dos sócios. Finalmente, prefigura-se, ainda, uma terceira situação:
a da eficácia conjunta do pacto social e de deliberação de entidade terceira, na
hipótese da pessoa coletiva sócia.
Passando à composição da gerência, nas sociedades por quotas, encontramos o
dispositivo do artigo 252.º CSC, assim concebido:
«1. A sociedade é administrada e representada por um ou mais gerentes que podem
ser escolhidos de entre estranhos à sociedade e devem ser pessoas singulares com
capacidade jurídica plena.
«2. Os gerentes são designados no contrato de sociedade ou eleitos posteriormente por
deliberação dos sócios, se não estiver prevista no contrato outra forma de designação.
«3. A gerência atribuída no contrato a todos os sócios não se entende conferida aos
que só posteriormente adquiriram esta qualidade.
«4. A gerência não é transmissível por ato entre vivos ou por morte, nem isolada, nem
conjuntamente com a quota».
Aparentemente, verifica-se um distanciamento em relação à imanência da
administração aos sócios. Os gerentes são designados no pato ou escolhidos,
posteriormente, por deliberação dos sócios, podendo ser estranhos. A gerência é
sempre personalizada – veja-se o n.º3 – não sendo transmissível por morte – n.º4. A
emancipação do modelo civil não é total: faltando definitivamente os gerentes, todos
os sócios assumem, por força da lei, os poderes de gerência, até à designação de
novos gerentes – artigo 253.º, n.º1 CSC. O artigo 253.º, n.º1 CSC admite, finalmente,
a nomeação judicial quando decorram 30 dias sobre a falta de um gerente, não
nominalmente designado, cuja intervenção seja, pelo contrato, necessária para a
representação da sociedade.
No tocante às sociedades anónimas, o Código prevê um esquema complexo de
designação dos administradores. Estes podem (artigo 391.º, n.º1 CSC) ser designados
no contrato de sociedade ou eleitos pela assembleia,, referindo ainda (n.º5) a
necessidade de aceitação, expressa ou tácita. O contrato de sociedade pode prever
administradores eleitos, por certas minorias (artigo 392.º, n.º1 CSC), havendo ainda
e eventualmente, que contar com administradores por parte do Estado (n.º11). Nas
hipóteses de substituição prevista no artigo 393.º CSC, pode haver, após a chamada
de suplentes, quando os haja, designações por cooptação ou, na falta desta, por
deliberação do conselho fiscal ou do conselho de auditoria (artigo 393.º, n.º1, alíneas
b) e c) CSC). O artigo 394.º CSC prevê a nomeação judicial, quando decorram
determinados períodos de tempo, sem que tenha sido possível eleger o conselho de
administração. O Código admite, ainda, sociedades anónimas de modelo germânico:
com conselho geral e de supervisão e com conselho de administração executivo.
Segundo o artigo 425.º CSC, os administradores são designados ou no contrato de
sociedade ou pelo conselho geral e de supervisão ou, ainda, pela assembleia geral, se
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os estatutos assim o determinarem (n.º1) podendo não ser acionistas (n.º6). O
conselho geral e de supervisão providencia quanto à sua substituição (n.º4) podendo
(artigo 426.º CSC) haver nomeação judicial, por aplicação, com as necessárias
adaptações, das regras atinentes às sociedades de estrutura latina. Um tanto contra a
corrente do Código, o artigo 430.º, n.º3 CSC, n sua redação inicial, a propósito da
destituição sem justa causa do diretor, refere o contrato com ele celebrado.
Queda uma referência breve às sociedades em comandita: aí, salvo se o contrato
de sociedade permitir a atribuição da gerência aos sócios comanditários, só os
comanditados podem ser gerentes (artigo 470.º, n.º1 CSC). Posto o que têm aplicação:
nas sociedades em comandita simples, o dispositivo relativo às sociedades em nome
coletivo (artigo 474.º CSC) e nas comanditas por ações, as regras previstas para as
sociedades anónimas (artigo 478.º CSC). Finalmente, cumpre aludir a situações
especiais, como as que envolvem a nomeação de administradores, por parte do
Estado. Tais administradores, que ocupam, por lei, a precisa posição orgânica e
estatutária dos seus pares, designados pelos estatutos ou eleitos em assembleia geral,
como que completam uma rica panóplia de factos constitutivos da situação de
administração.
O termo: a situação jurídica de administração não é, por natureza, perpétua. A vicissitude
da sua cessação esta sempre no horizonte. Diversas formas de cessação das situações jurídicas
têm, aqui, aplicação e, designadamente: a caducidade, a revogação, a resolução e a denúncia.
Todas estas figuras sofrem, na sua aplicação aos administradores, diversos processos de
adaptação. A caducidade sobrevém por morte, interdição, incapacitação, inabilitação ou
reforma do administrador. Quanto à inabilitação, é de relevar a situação correspondete, por
exemplo, à cassação da carteira ou à não autorização de entidade competente para o
desempenho do lugar. Também há caducidade quando expire o prazo por que foi feita a
designação – no caso das sociedades anónimas, releva o prazo máximo de quatro anos, fixado
no artigo 391.º, n.º3 CSC – prazo esse acrescido do lapso necessário, para que haja nova
designação (artigo 391.º, n.º4 CSC: noutros termos, a caducidade opera aqui, apenas, quando
haja nova designação, mas não antes de decorrido o período dos quatro anos. Se este não for
respeitado, temos, já a destituição). Outra hipótese de caducidade é a extinção da sociedade;
a passagem do administrador a liquidatário (artigo 151.º, n.º1 CSC), puramente supletiva,
representa, já, uma posição qualitativamente diversa. Também podemos falar em caducidade,
na hipótese de extinção do órgão ou do lugar, aqui, a materialidade da situação subjacente
poderá requerer a aplicação do regime da destituição. A revogação, em rigor, corresponderia
à cessação da situação jurídica de administração, por acordo das partes. Porém, um
verdadeiro acordo exigiria aqui que a constituição da situação fosse contratual, o que é tudo
menos seguro, à luz do Direito português. Fica-nos a revogação unilateral, por decisão de
entidade competente para a designação, numa posição duvidosa por, de toda a designação
criar direitos. A resolução, sempre unilateral, exige fundamento e previsão legal. As
exigências próprias do Direito societário levarama que, neste ponto, revogação e resolução
tenham sido fundidas numa figura própria e autónoma: a destituição dos administradores.
Trata-se de um ponto em que o CSC, na sua versão inicial, incorreu em múltiplas flutuações,
que têm vindo a ser limadas, pela doutrina e pela jurisprudência. A reforma de 2006
introduziu, aqui, alguma clarificação. A situação dispersiva aconselha uma prévia recolha, a
nível de fontes:
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Nas sociedades em nome coletivo (artigo 191.º, n.º4 a 7 CSC) releva as seguintes
possibilidades:
o O sócio foi designado por cláusula especial do contrato de sociedade: só pode
ser destituído da gerência em ação intentada pela sociedade ou por outro
sócio, contra ele e contra a sociedade, com fundamento em justa causa (artigo
191.º, n.º4 CSC);
o O sócio é gerente por inerência à qualidade de sócio ou foi designado gerente
por deliberação dos sócios: só pode ser destituído da gerência por deliberação
dos sócios e com fundamento em justa causa, salvo se o contrato de
sociedade dispuser diferentemente (artigo 191.º, n.º5 CSC);
o O gerente não é sócio: pode ser destituído por deliberação dos sócios,
independentemente de justa causa (artigo 191.º, n.º6 CSC);
o A sociedade tem apenas dois sócios: a destituição de qualquer deles da
gerência, com fundamento sem justa causa, só pode ser decidida pelo tribunal,
em ação intentada pelo outro contra a sociedade.
Nas sociedades por quotas, o sistema de destituição tem a configuração
subsequente (artigo 257.º CSC):
o Em princípio, os sócios podem deliberar, a todo o tempo, a destituição dos
gerentes (artigo 257.º, n.º1 CSC); o contrato de sociedade pode exigir, para o
efeito, maioria qualificada, ou exigir outros requisitos; porém, se a destituição
se fundar em justa causa, pode ser sempre deliberada por maioria simples
(n.º2);
o Quando uma cláusula do contrato atribua a um sócio um direito especial à
gerência, requer-se o consentimento deste; podem, porém, os sócios
deliberar que a sociedade requeira a suspensão e destituição judicial do
gerente por justa causa (n.º3);
o Existindo justa causa, qualquer sócio pode requerer a suspensão e a
destituição do gerente, em ação intentada contra a sociedade (n.º4);
o A sociedade tem apenas dois sócios: a destituição da gerência, com
fundamento em justa causa, só pode ser decidida pelo Tribunal, em ação
intentada pelo outro.
Nas sociedades anónimas, deparamo-nos com o esquema seguinte:
o De tipo latino (artigo 403.º CSC):
A assembleia geral pode deliberar, a todo o momento, a destituição
de qualquer membro do conselho de administração (artigo 403.º, n.º1
CSC);
O administrador foi eleito de acordo com as regras especiais do artigo
392.º CSC: a deliberação sem justa causa não procede se contra ela
tiverem votado acionistas que representem pelo menos 20% do
capital social (artigo 403.º, n.º2);
Enquanto não for convocada a assembleia geral para deliberar sobre
o assunto: um ou mais acionistas titulares de ações correspondentes,
pelo menos, a 10% do capital social podem requerer a destituição
judicial de um administrador, com fundamento em justa causa (artigo
403.º, n.º3 CSC);
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O administrador é nomeado pelo Estado ou entidade equiparada: a
assembleia geral apenas pode, na apreciação anual da sociedade,
manifestar a sua desconfiança, em deliberação que deve ser
transmitida ao ministro competente (artigo 403.º, n.º4 CSC);
Constituem designadamente justa causa de destituição a violação
grave dos deveres do administrador e a sua inaptidão para o exercício
normal das suas funções (artigo 404.º, n.º4 CSC);
Se a destituição não se fundar em justa causa, cabe indemnização
(404.º, n.º5 CSC).
o De tipo germânico (artigo 430.º CSC):
Os administradores podem ser destituídos, a todo o tempo, pelo
conselho geral e de supervisão ou pela assembleia geral, consoante o
órgão competente para a eleição (artigo 430.º, n.º1 CSC);
Aplicando-se, quanto à noção de justa causa e quanto às
consequência da sua inexistência o disposto para as sociedades de
tipo latino.
Como se vê, abundam as soluções desencontradas e incompletas. Alem disso, verificam-se
flutuações de linguagem às quais parece difícil emprestar alcance hermenêutico mas que, na
prática, podem implicar dúvidas. Trata-se de um ponto em que o Código das Sociedades
Comerciais foi particularmente pouco conseguido.
A livre destituibilidade e a exigência de justa causa: o princípio da livre
destituibilidade dos administradores é tradicional: provinha do Direito francês e tinha
expressa consagração, no revogado artigo 172.º CCom. A doutrina da época entendia que
esta norma era imperativa. Com o seguinte efeito prático: ela não podia ser afastada pelos
estatutos das diversas sociedades. O Código Comercial não efetuava distinções dentro da
ideia da destituição dos administradores, por decisão da assembleia. A doutrina, fortemente
influenciada pelo que se observava noutros ordenamentos jurídicos, designadamente no
italiano, já havia proposta a distinção basilar entre destituição com justa causa e sem justa
causa. E a principal eficácia da distinção assentaria no problema da indemnização: quando
houvesse justa causa, a destituição não daria lugar a qualquer indemnização. A noção de justa
causa não era, contudo, pacífica. Frente a frente duas orientações:
Uma noção mais civilística, segundo a qual a justa causa seria qualquer motivo
justificado, a apreciar livremente pelo Tribunal;
Uma noção mais laboral, que via, na justa causa, um comportamento culposo desde
que, pela sua gravidade e consequências, torne praticamente impossível a sua
manutenção em funções.
O CSC conserva o princípio da destituibilidade livre dos administradores. A justa causa
apenas serve para decidir se a destituição opera ou não com indemnização. Isto assente,
verifica-se que a lei dá duas definições próximas de justa causa de destituição. A propósito
da sociedade por quotas, esta é definida (artigo 257.º, n.º6 CSC) nestes termos:
«Constituem justa causa de destituição, designadamente, a violação grave dos deveres do gerente
e a sua incapacidade para o exercício normal das respetivas funções».
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No tocante às sociedades anónimas (artigo 403.º, n.º4 e 430.º, n.º2 CSC) aparece uma noção
semelhante, mas em que incapacidade é substituída por ineptidão. Temos, ainda, certos
exemplos concretos de justa causa: o do artigo 254.º, n.º5 CSC, que considera justa causa de
destituição do gerente a violação da proibição da concorrência e o do artigo 447.º, n.º8 CSC,
que afirma como tal a falta culposa de cumprimento do disposto n o n.º1 e 2 deste artigo,
relativos à publicidade de participações dos membros de órgãos de administração e
fiscalização. Pois bem: perante estas fórmulas, não restam dúvidas de que a justa causa
implica a violação grave – com dolo ou negligência grosseira – dos deveres do administrador.
A incapacidade para o exercício normal não é incapacitação: esta conduz à caducidade; trata-
se, antes, da incompetência profissional grave, a qual implica, sempre, um nível normativo,
e, daí: a violação, necessariamente grave, dos deveres de estudo e de atualização exigíveis. A
noção mais laboral – portanto mais restritiva – que tem, na lei, uma base suscetível de
alargamento, merece ser acolhida. Aliás, ela foi desenvolvida por Raúl Ventura, a propósito
dos gerentes das sociedades por quotas; a argumentação em causa pode, porém, ser
transposta para os administradores das sociedades anónimas. Além do exposto, há boas
razões de fundo para dispensa, aos administradores das sociedades, uma certa proteção
semelhante À que a lei concede aos trabalhadores subordinados. Não pode ter a mesma
intensidade, sob pena de subverter a própria lógica intrínseca do Direito societário; mas
sempre será alguma: a total desproteção dos administradores iria repercutir-se no seu
profissionalismo, com danos para a própria sociedade. É sintomático, aliás, que a experiência
alemã tenha sido a primeira a trilhar essa via. A jurisprudência portuguesa surge
maioritariamente, sensível a este ponto, sobretudo, no início, a nível do Supremo. Pode-se ir
mais fundo. A qualificação de uma deliberação como tendo justa causa comporta, sobretudo,
virtualidade de dispensar a indemnização e outros institutos de proteção aos administradores:
a liberdade da própria sociedade não está em jogo, uma vez que a destituição é sempre
possível, com ou sem justa causa. Por isso, a justa causa assume um perfil totalmente
imputável ao administrador; se não houver culpa e ilicitude por parte deste, ela não se justifica.
Particularmente em jogo, está o problema da mudança de orientação da sociedade. Tal
mudança de orientação é sempre possível, sobretudo quando se venha a formar uma nova
maioria de sócios. Poderá, então, haver que dispensar os administradores. Mas o risco é da
sociedade: se os administradores estiverem ainda dentro do mandato para que foram
designados, eles têm direito a diversas compensações: não há justa causa. Tem interesse
consignar algumas proposições judiciais relativas à destituição dos administradores e à justa
causa que, porventura, se verifique. Assim, temos:
Constitui justa causa de destituição, nomeadamente, a violação grave dos deveres de
gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respetivas funções;
Justa causa de destituição do gerente é a violação grave do seu dever e a sua
incapacidade para o exercício normal das funções; trata-se de um conceito
indeterminado, mas que consiste no facto ou situação na qual, segundo a boa fé, não
seja exigível à sociedade a continuação da relação contratual;
A justa causa de destituição consubstancia uma quebra de confiança, por razões
justificadas, entre a sociedade e o gerente;
O facto de o gerente de certa sociedade ser sócio de outra congénere, onde não
exerce qualquer atividade, não é motivo justificado para a sua destituição de gerente;
Os gerentes que, por sistema, cumpram tardiamente (3 ou 2 anos depois) o seu dever
de relatar a gestão e de apresentar as contas da mesma, não atuam segundo os
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critérios de um gestor ordenado e criterioso, havendo por isso justa causa para a sua
destituição;
O gerente de uma sociedade por quotas deve respeitar deveres de diligência e de
vigilância, segundo um padrão objetivo; para integrar a justa causa de destituição,
relevam ações e omissões; in casu, deixar caducar alvarás de construção civil, anular
contratos de seguros de trabalhadores e passar faturas falsas;
Destituição com justa causa será aquela que tenha por fundamento a verificação de
um motivo grave, de tal modo que não seja exigível, à sociedade, manter a relação de
administração;
Justa causa pressupõe uma conduta culposa que torne impossível ou inexigível a
subsistência da relação funcional;
Justa causa provém da verificação de um comportamento culposo do administrador
que, pela sua gravidade e consequências, torne inexigível, à sociedade, manter a
relação de indemnização;
A justa causa pressupõe uma atuação censurável;
Há justa causa perante a impossibilidade de continuar a relação de confiança.
Em termos processuais, os factos relativos à existência de justa causa devem ser invocados e
provados pela sociedade que dela se queira prevalecer. É uma decorrência das regras gerais
sobre o ónus da prova. Os fundamentos da destituição devem constar da competente ata;
único meio de prova quanto ao deliberado.
A indemnização: cabe aprofundar um pouco o tema do direito à indemnização
eventualmente envolvida pela cessação do mandato dos administradores: numa dogmática
responsiva, ele dar-nos-á um auxiliar de entendimento da justa causa e da própria destituição.
Na vigência do Código Comercial, o direito dos administradores destituídos, antes do termo
do mandato, a receber uma indemnização da sociedade, veio a ser reconhecido, na doutrina
e na jurisprudência. Para tanto, aduzia-se o seguinte argumento: o artigo 172.º CCom, a
propósito dos diretores das sociedades comerciais, falava em revogabilidade do mandato.
Por seu turno, o artigo 245.º CCom dispunha que:
«A revogação e a renúncia do mandato, não justificadas, dão causa, na falta de pena
convencional, à indemnização de perdas e danos».
Assim, embora se soubesse que o mandato dos administradores não era o mandato comercial
dos artigos 231.º e seguintes CCom, fazia-se a transposição da regra. A jurisprudência veio,
contudo, colocar a questão na dependência da natureza jurídica do vínculo que une os
administradores à sociedade. Essa natureza dá lugar a uma série de dúvidas e dificuldades,
acima aludidas. A jurisprudência começa por fazer a seguinte derivação:
Se a posição dos administradores assentasse num vínculo unilateral, a sua destituição
não daria lugar a qualquer indemnização;
Se, pelo contrário, ela fosse contratual, impor-se-ia a analogia com o mandato e, daí,
a indemnização, no caso de destituição sem justa causa.
Pode, pois, dizer-se que a predominância jurisprudencial ia no sentido de haver direito a
indemnização; toda a doutrina alinha, aliás, nesse sentido. Para além da quantificação das
diversas orientações é importante a ponderação das bases em que assenta. Na verdade, não
é correto fazer derivar o direito a uma indemnização da natureza do vinculo de administração.
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Para além da manifesta inversão que consiste em retirar um regime de uma qualificação –
que deveria ser subsequente – fácil é constatar que, quando aquele vínculo fosse unilateral,
nem por isso deixaria de existir tal direito. Com efeito, o ato unilateral deve ser respeitado
pelo próprio; nada impede, perante a moderna Ciência do Direito, que ele dê lugar a direitos,
na esfera de terceiros, direitos esses que, sendo violados, abram as portas ao ressarcimento.
O exemplo utilizado, no domínio das sociedades comerciais, tem sido o direito aos
dividendos: eles são arbitrados, pela assembleia geral, num ato claramente unilateral; no
entanto, posteriormente, a assembleia já não pode deliberar não os distribuir: seria uma pura
decisão de não cumprimento de uma obrigação. Quando destituídos, antes do termo e sem
justa causa, os administradores das sociedades anónimas têm, pois, direito a uma
indemnização, seja qual for a natureza do vínculo que os una à sociedade. O CSC, na sua
versão inicial, não tratou, expressamente, do direito à indemnização que têm os
administradores das sociedades anónimas, destituídos sem justa causa antes do termo do seu
mandato. Não obstante, não oferecia dúvidas, mesmo perante o silêncio então reinante, que
a solução, já antes alcançada, também no silêncio da lei se mantinha. Para tanto, referíamos
dois argumentos de Direito positivo e um argumento de ordem geral. Direito positivo:
No (então) silêncio do CSC, havia que recorrer às sociedades civis, nos termos do
artigo 2.º CSC: ora o artigo 987.º, n.º1 CC, remete os direitos dos administradores
das sociedades civis para as normas do mandato; e o mandato conferido, também no
interesse do mandatário ou de terceiro, não pode ser revogado sem justa causa (artigo
1170.º, n.º2 CC) sob pena de indemnização (artigo 1172.º CC);
O próprio CSC contemplava o direito à indemnização, no caso de destituição de
gerentes sem justa causa (artigo 257.º, n.º6 CSC) e dos então diretores de sociedades
anónimas, no regime de conselho geral, também sem justa causa (artigo 420.º, n.º3
CSC).
O argumento de ordem geral assentava na presença de direitos na esfera dos administradores
que não podiam, sem mais, ser destruídos. Como foi referido, impunha-se aqui uma certa
analogia com a situação de trabalho, sendo de dispensar um mínimo de proteção no próprio
interesse das sociedades: de outro modo, os profissionais competentes nunca seriam
administradores; apenas os aventureiros correriam tal risco. Após a reforma de 2006, as
duvidas foram claramente resolvidas no bom sentido: também nas sociedades anónimas, a
destituição sem justa causa dos administradores obriga a indemnizar. Problema gravoso é o
da pretensa limitação apriorística do montante das indemnizações. O artigo 257.º, n.º7 CSC,
a propósito da indemnização devida ao gerente destituído sem justa causa, acrescenta:
«(…)entendendo-se, porém, que ele não se manteria no cargo ainda por mais de quatro anos
ou do tempo que faltar para perfazer o prazo por que fora designado».
Havia, aqui, uma sugestão de que esse lapso de tempo condicionava a indemnização. Indo
ainda mais longe, o artigo 403.º, n.º5 CSC, na redação resultante da reforma de 2006,
pretende limitar, ad nutum, a indemnização. Diz:
«(…) sem que a indemnização possa exceder o montante das remunerações que
presumivelmente receberia até ao final do período para que foi eleito».
Este preceito envolve um grave erro de Direito e surge claramente inconstitucional. Perante
a responsabilidade por atos ilícitos, todos os danos devem ser ressarcidos. De outro modo,
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estarmos a admitir o desrespeito pela propriedade privada, perante danos patrimoniais e a
desconsideração pela dignidade da pessoa, perante danos morais. O preceito de 2006 é
contrário ao sistema e à Constituição. A limitação às indemnizações só é possível perante
situações de responsabilidade objetiva. Ora o legislador, particularmente em 2006, parece
partir do princípio que a destituição é sempre lícita… envolvendo responsabilidade objetiva
(sem culpa), faltando justa causa. Não é assim. A destituição sem justa causa é mesmo ilícita:
o combinado é para cumprir. O facto de não haver reintegrações não limitada – antes pelo
contrario! – a indemnização. Para além da inconstitucionalidade e do erro dogmático, a
solução apontada em 2006 incorre noutro óbice: vai dar corpo ao miserabilismo das nossas
indemnizações. Também por isso, deve ser contradita em nome do sistema. Os limites
aparentemente resultantes do artigos 257.º, n.º7 CSC e 403.º, n.º5 CSC caem em terreno fértil.
A jurisprudência é muito parca em indemnizações, enquanto a figura dos administradores é,
hoje, malquista. Muitas das decisões restritivas têm a ver com particularidades dos casos
concretos que resolveram. Retemos os seguintes aspetos:
A indenização traduz os lucros cessantes os quais, na falta de outros elementos,
correspondem ao que o administrador deixou de ganhar;
Não chega dizer que perdeu remunerações: o gerente destituído deve provar os danos;
À indemnização haveria que descontar o que o destituído foi ganhar alhures (aliunde
perceptum): uma orientação que, sendo um apelo à preguiça, não podemos subscrever;
O montante previsto no artigo 403.º, n.º5 CSC é o máximo: uma tese que reputamos
inconstitucional.
Desenha-se, no entanto, uma linha que merece total apoio: a que admite, ainda, o cômputo
dos danos morais, que podem ser gravíssimos.
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Capítulo VI – A responsabilidade dos
Administradores30
82.º - A responsabilidade dos administradores na experiência
portuguesa
Antecedentes e evolução: a responsabilidade dos administradores foi estudada, em
Portugal, na década de sessenta do século XX. E foi-o com intuitos legislativos: visava-se
preparar uma reforma geral da fiscalização das sociedades anónimas, que contivesse regras
sobre o tema. A fiscalização das sociedades anónimas foi aprovada pelo Decreto-Lei n.º
49.381, 15 novembro 1969, sem preocupações de unidade. A matéria aqui em causa, que
transitaria para o CSC e foi objeto de especiais preparatórios, é a do Capítulo II. A sua
transposição, pura e simples, para o Código não conduziu a grandes diferenças de linguagem,
em relação ao restante tecido do diploma: no fundo, no projeto do que seria o Decreto-Lei
n.º 49.381, como no CSC, superintendeu Raúl Ventura. O Direito português anterior a 1969
era pobre, no tocante à responsabilidade dos administradores. A lei cingia a matéria a dois
simples artigos: o artigo 165.º e o 173.º CSC, ambos do Código Comercial Veiga Beirão,
relativos, respetivamente, à responsabilidade dos fundadores e à dos diretores das sociedades
anónimas, alargados às sociedades por quotas pelo artigo 31.º da Lei 11 abril 1901. Mas pior
do que a escassez de fontes: não havia, nem uma elaboração científica sobre o tema, nem
qualquer jurisprudência significativa. Decidido a reformar a matéria, quedou, ao legislador, a
via do recurso a experiências estrangeiras. Intervêm, aqui, os preparatórios: assinados por
Raúl Ventura e Brito Correia, eles procuraram fazer a súmula dos Direitos francês, alemão e
italiano, no domínio da responsabilidade dos administradores. A tarefa não era fácil: também
nessas experiências falecia um regime claro e uniforme, obrigando a uma longe recolha de
textos e de autores. Nestas condições, sucedeu o inevitável: foram compiladas as diversas
soluções relativas à responsabilidade dos administradores e escolheram-se ou as formalmente
melhores ou as que representavam um maior avanço. Em 1969, Portugal foi, pois, dotado
de uma lei que consagrava as mais elaboradas regras sobre a responsabilidade dos
administradores. Contudo, nos dezassete anos de vigência dessa lei, apenas se conhece uma
única decisão publicada que, a nível do Supremo, a tenha aplicado (STJ 19 novembro 1987):
o tema não chegou, pois, a ser plenamente recebido, na cultura jurídica nacional.
O Código das Sociedades Comerciais; conspecto geral: o CSC compreende,
no seu Título I – Parte Geral –, um Capítulo VII, intitulado responsabilidade civil pela
constituição, administração e fiscalização da sociedade. Esse capítulo abrange catorze artigos
– 71.º a 84.º CSC –, alguns de considerável densidade, dedicados precisamente ao problema
em estudo. Dos preceitos aí presentes, logo se verifica que os artigos 80.º a 84.º CSC não
dizem respeito à responsabilidade dos administradores, gerentes ou diretores e que os artigos
30 Cordeiro, António Menezes; Direito das Sociedades, Parte Geral, Volume I; Almedina editores; 3.ª edição; Coimbra, Maio 2011.
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83.º e 84.º CSC nem sequer têm a ver com o instituto da responsabilidade civil. Os artigos
80.º, 81.º e 82.º CSC prendem-se, como se viu, com a responsabilidade de outras pessoas
com funções de administração, de membros dos órgãos pessoas com funções de
administração, de membros dos órgãos de fiscalização e dos revisores oficiais de contas,
respetivamente. Os artigos 83.º e 84.º CSC, por seu turno, contêm regras não de
responsabilidade civil, mas de responsabilidade patrimonial: verificadas as condições
legalmente previstas, os bens dos implicados respondem, independentemente de qualquer
atuação. Aflora, aqui, um instituto – o da responsabilidade patrimonial – cuja ligações com a
responsabilidade civil são, antes de mais, linguísticas. A sua inserção sistemática não tem
justificação científica. O Capítulo VII, da Parte Geral, apresenta uma lógica interna. Ele
principia pela responsabilidade quanto à constituição (artigo 71.º CSC) e passa, depois, à dos
membros da administração, portanto já no período de funcionamento normal da sociedade
(artigo 72.º CSC). De seguida, fixa alguns aspetos dos termos dessa responsabilidade:
solidariedade (artigo 73.º CSC) e cláusulas nulas (artigo 74.º CSC). Versados esses aspetos
substantivos, o Código veio precisar diversos pontos processuais: a ação social e os
representantes especiais (artigos 75.º e 76.º CSC) e a ação social dita, por vezes, entre nós, ut
singuli (artigo 77.º CSC). Temos, aqui, situações de responsabilidade obrigacional, uma vez
que estão em causa violações de deveres (específicos) contratuais ou legais. Seguem-se
situações de responsabilidade aquiliana: a responsabilidade perante os credores sociais (artigo
78.º CSC) e perante os sócios e terceiros (artigo 79.º CSC). Os restantes preceitos desse
Capítulo ocupam-se de questões já exteriores à temática versada. A uma primeira leitura, os
preceitos envolvidos são complexos: vão bulir com uma problemática comercialística
tipicamente societária e ainda, sobretudo, com questões profundas de responsabilidade civil.
Torna-se flagrante que vários desses preceitos são herdeiros de evoluções doutrinárias e
jurisprudênciais sofridas, processadas em França, na Alemanha e em Itália e transpostas, pelo
legislador, para o espaço português. Tem ainda interesse notar que a sistematização interna,
aqui patenteada, obedece a uma preocupação funcional e não científica. De facto, o Capítulo
VII em causa, compreende três tipos de normas:
Preceitos que correspondem a manifestações comuns de responsabilidade civil;
Preceitos que exprimem deveres a cargo de gerentes ou administradores, de
sociedades e, ainda, dos fundadores;
Preceitos que implicam soluções mais complexas e, propriamente, societárias.
Correspondem a manifestações comuns de responsabilidade civil, os artigos 72.º, n.º1, 73.º
e 74.º, n.º1 CSC (obrigacional) e os artigo 78.º, n.º1 e 79.º CSC (aquiliana). A estes preceitos
podem, ainda, somar-se os artigos 80.º,, 81.º e 82.º CSC, os quais, contudo, já não dizem
respeito a administradores ou gerentes. Noutros termos: na ausência dos referidos artigos,
chegar-se-ia a idênticas saídas, através do regime geral das obrigações, desde que devidamente
concretizado. No artigo 72.º, n.º1 CSC o regime resultaria logo dos artigos 798.º e 799.º, n.º1
CC. No artigo 73.º, n.º1 CSC, a responsabilidade dos diversos administradores ou similares
é solidária; solidariedade que já resultaria do artigo 497.º,n.º1 CC, enquanto a medida do
regresso do artigo 73.º, n.º1 CSC transcreve, quase à letra, o artigo 497.º, n.º2 CC. O artigo
74.º, n.º1 CSC prescreve a nulidade de cláusulas de isenção ou de limitação de
responsabilidade: é o regime geral do artigo 809.º CC. No artigo 78.º, n.º1 CSC tratamos de
regras gerais de responsabilidade civil, presentes no artigo 483.º, n.º1, in fine CC: é a chamada
responsabilidade pela violação de normas de proteção. Por fim, manda o artigo 79.º, n.º1
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CSC o mesmo que o regime geral: derivado do artigo 483.º, n.º1 CC, embora com um
novidade: parece limitar-se aos danos diretos. Os preceitos em causa não são inúteis; tão-
pouco se apresentam interpretativamente neutros, até porque são acompanhados por
diversas adaptações à realidade em jogo. Na sua falta, porém, não haveria, nem solução
diferente, nem lacuna.
Responsabilidade por declarações prestadas com vista à constituição da
sociedade: os deveres dos fundadores, administradores, gerentes ou diretores de
sociedades comerciais, surgem, designadamente, no artigo 71.º CSC. Este ponto carece de
alguma precisão complementar. Os diversos preceitos do Capítulo VII, aqui em análise,
pressupõem normas de conduta que, sendo violadas em determinadas circunstâncias,
conduzam à responsabilidade. Mas essas normas ficam subentendidas; fala-se, tão-só e em
geral, de deveres legais ou contratuais (artigos 72.º, n.º1 e 78.º, n.º1 CSC). Justamente o artigo
71.º CSC, a pretexto de cominar responsabilidade civil, comporta uma norma de conduta
diretamente dirigida aos seus destinatários. Segundo o artigo 71.º, n.º1 CSC contém, na
realidade, uma norma que obriga os visados a prestar as referidas declarações, com exatidão
e sem deficiência. Na ausência dessa norma, haveria que encontrar uma saída delitual, seja
com base no artigo 483.º, n.º1 CC, de difícil manuseio para a tradição germânica, seja
recorrendo ao artigo 485.º, n.º2 CC e, mesmo então, havendo que buscar, alhures, um dever,
legal ou negocial, de dar as indicações; de outro modo, o dever de indemnizar teria de ser
fundado no artigo 485.º, n.º1 CC, a contrario, mas ainda nessa altura, na presença de dolo.
Tudo isto ponderado: a presença do preceito em estudo simplifica a matéria e modifica-a, de
facto, em substância. O referido dever legal de exatidão e compleitude dá azo a uma
obrigação legal específica; a sua violação envolve uma linear responsabilidade obrigacional,
com presunção de culpa, contra o prevaricador (artigos 798.º e 799.º, n.º1 CC. Outra norma
de conduta resulta do n.º2 do mesmo artigo 71.º CSC. Na realidade, este preceito pretendia
excluir, de responsabilidade, os agentes de boa fé, na sua aceção subjetiva e ética,
tecnicamente correta: ignorar sem culpa. Mas fazendo-o, ele acaba por comportar uma
diretriz de relevo: ele impõe, a todos os fundadores, gerentes ou administradores, o dever –
leia-se: legal e específico – de se inteirarem do andamento e do teor das indicações e
declarações prestadas. De outra forma, já haverá culpa na ignorância. O n.º3 do artigo 71.º
CSC comina, também, uma obrigação legal específica, a cargo dos fundadores, de não causar
danos, com as operações nele descritas. Aparece, depois, uma discutível exclusão da
responsabilidade («contanto que tenham procedido com dolo ou culpa grave») nos casos de negligência
simples. Há, aqui, uma manifesta influência germânica, que contraria a tradição civil de
equiparar as diversas formas de negligência e que, de lege ferenda, e dados os valores aqui em
presença, não parece justificada. A interpretação deste passo terá, pois, de ser tão restritiva
quanto possível. Finalmente, o artigo 16.º, n.º2 CSC ressalva ainda a responsabilidade dos
fundadores na hipótese de não fazerem exarar no contrato de sociedade as vantagens
concedidas aos sócios em conexão com a constituição, bem como o montante global por ela
devida a sócios ou a terceiros. Nessa eventualidade, tais direitos e acordos são ineficazes para
com a sociedade, mas isso sem prejuízo dos eventuais direitos contra os fundadores. Esses
eventuais direitos têm precisamente a ver com indemnizações.
Outras hipóteses; feição geral do sistema de responsabilidade: aparecem-
nos, de seguida, preceitos que vão bulir com institutos societários mais complexos. Tal
sucede com os artigos 72.º, n.º3, 4, 5 e 6, 74.º, n.º2 e 3, 75.º, 76.º e 77.º CSC, aos quais se
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poderiam, ainda, juntar os artigos 83.º e 84.º CSC, relativos, embora, a questões, já diversas
da responsabilidade dos administradores. Pense-se, a esse propósito, nas regras a observar
pelo administrador que não queira solidariza-se com os seus colegas, numa deliberação que
considere ilegal (artigo 72.º, n.º3 e 4 CSC), ou no papel exoneratório que pode assumir uma
deliberação dos sócios, ainda que anulável (idem, n.º4). O artigo 72.º, n.º6 CSC dispõe que o
parecer favorável ou o consentimento do órgão de fiscalização não exoneram de
responsabilidade os membros da administração; pelo contrário: fazendo-o, os titulares
daquele órgão entram, também, em responsabilidade, salvo o que parece ser a relevância
negativa da causa virtual, prevista no artigo 81.º, n.º2, in fine CSC. O artigo 74.º, n.º2 CSC
regula os termos em que os sócios podem renunciar à indemnização ou transigir sobre ela,
enquanto o n.º3 explicita a eficácia exoneratória da aprovação, pela assembleia geral, das
contas ou da gestão dos gerentes. Os artigos 75.º 76.º e 77.º CSC tratam da ação social, dos
representantes especiais e de ação social ut singuli imprópria. No seu conjunto, o Capítulo
VII, do Título I, CSC, aponta para a primazia dos quadros do Direito comum. No fundo,
trata-se de retomar o sistema geral da responsabilidade tal como resulta do CC, sublinhando
os seus contornos perante a realidade das sociedades comerciais. As especialidades surgem a
nível processual, o que é dizer: no modo de efetivação das diversas ações envolvidas. No que
respeita à responsabilidade em si, o CSC assenta em pressupostos civis. No fundo, os
administradores são responsáveis quando, com dolo ou negligência, violem os deveres que
lhes incumbia respeitar e, com isso, provoquem danos. A grande questão que se põe será,
pois, a de determinar que especiais deveres incumbem aos administradores e em que medida
vão eles interferir, depois, na concretização dos quadros comuns em jogo. Mas com a ressalva
do plácido artigo 71.º CSC, esses deveres implicam já uma enumeração que transcende o
Capítulo VII, Título I CSC: implica o estudo dos diversos tipos de sociedades.
83.º - A responsabilidade para com a sociedade
Responsabilidade obrigacional: como foi referido, o artigo 72.º, n.º1 CSC contém
uma previsão geral de responsabilidade obrigacional para com a sociedade: os
administradores respondem, para com esta, pelos danos que lhe causem com preterição dos
deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa. Trata-se de uma
simples concretização, porventura desnecessária, dos artigos 798.º e 799.º CC. Com efeito:
Estão em causa danos ilícitos;
Provocados pela inobservância de deveres específicos;
Com presunção de culpa.
Entre os deveres específicos suscetíveis de, quando violados, causarem responsabilidade dos
administradores para com a sociedade temos:
Violação de cláusulas contratuais ou de deliberações sociais que fixem à sociedade
determinado objeto ou que proíbam a prática de certos atos (artigo 6.º, n.º4 CSC);
Execução de deliberações relativas à distribuição de bens aos sócios, quando tais
deliberações sejam ilícitas ou enformem de vícios (artigo 31.º, n.º2 CSC);
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Não convocação ou não requerimento da assembleia geral, quando se esteja perante
a perda de metade do capital social (artigo 35.º, n.º1 CSC);
Incumprimento do dever de relatar a gestão e de apresentar contas (artigo 65.º, n.º1
CSC) ou de proceder ao competentes depósitos (artigo 70.º CSC);
Inobservância do dever de declarar por escrito que, havendo aumento de capital, não
têm conhecimento de ter havido, entre o dia do balanço que servir de base à
competente deliberação e o dia da deliberação em si, um diminuição patrimonial que
obste ao aumento (artigo 93.º, n.º1 CSC) ou, a fortiori: efetivação de uma declaração
falsa.
Muitos outros deveres podem ser retirados de diversos institutos societários e, ainda, de
numerosas leis avulsas. A violação dos apontados deveres específicos envolve uma
denominada presunção de culpa. No plano obrigacional, isso significa que a ilicitude e a culpa
do inadimplemente são, em conjunto e globalmente, imputadas ao agente faltoso. Caberá a
este ilidir a presunção: seja demonstrando uma causa de justificação, seja provando um
fundamento de desculpabilidade. Mantemos a nossa construção: a responsabilidade
obrigacional portuguesa situa-se na evolução o regime francês da responsabilidade, de tal
modo que culpa, equivale à faute, acarreta um misto de culpa e de ilicitude; pelo contrário, a
responsabilidade aquiliana deriva do sistema alemão: culpa e ilicitude são conceitos distintos
e contrapostos. Em termos exegéticos, a culpa do artigo 799.º, n.º1 CC não equivale à do
artigo 483.º, n.º1 CC: a primeira abrange também a ilicitude, aproximando-se da faute; a
segunda limita-se à censura do Direito, equivalendo à Schuld. De todo o modo e no que toca
à responsabilidade dos administradores: qualquer outra visão da responsabilidade civil
portuguesa conduziria a resultados similares aos acima apontados. Pergunta-se qual a medida
da culpa ou, se se quiser: qual a quantidade de esforço exigível, aos administradores, no
cumprimento dos seus deveres. No Direito Civil, apela-se à bitola do bonus pater famílias; no
Direito das sociedades, como vimos, vai-se mais longe: isso fazendo uma interprertação
depuradoura do artigo 64.º, n.º1, alínea a) CSC. Em bom rigor, estes facos não têm a ver
(apenas) com a culpa: antes com a própria conduta em si. A explicação é fácil, do nosso
ponto de vista: estamos perante uma responsabilidade obrigacional em que culpa e ilicitude
surgem incindíveis. A bitola de diligência reporta-se ao conjunto. Fica-nos, de seguida, o
nexo de causalidade. Perante responsabilidade obrigacional, cabe verificar qual era o bem
representado pela prestação incumprida. Tal vem traduz o quantum do dano, eventualmente
acrescido de danos colaterais ou de lucros cessantes. No domínio das sociedades pode haver
danos em bola de neve. A delimitação pressuposta pelo nexo causal assente na clara
determinação do bem jurídico tutelado pela norma que se mostrou violada. Apenas os danos
provocados nesse bem são, em princípio, indemnizáveis.
O problema da atuação informada, isenta e racional: a aparente perturbação
no quadro da responsabilidade resultou da introdução, pela reforma de 2006, no artigo 72.º,
n.º2 CSC, do business jugdement rule. Pela sua inserção, parece-nos claro que tal regra tem a ver
com a responsabilidade obrigacional prevista no n.º1. Recordemos o seu enquadramento e
teor. O artigo 72.º, n.º1 CSC fica ou recorda o princípio geral da responsabilidade
obrigacional dos administradores:
«(…) respondem para com a sociedade pelos danos a esta causados por atos ou omissões
praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam
sem culpa».
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Logo de seguida, o n.º2 acrescenta:
«A responsabilidade é excluída se alguma das pessoas referidas no número anterior provar que
atuou em termos informados, livre de qualquer interesse pessoal e segundo critérios de
racionalidade empresarial».
Já vimos que isto corresponde, fora de qualquer oportunidade jurídico-científica séria, à
introdução do business judgement rule. Fica a questão: esse preceito, uma vez introduzido no
Direito português, que sentido vem ganhar? Vamos imaginar que o legislador de 2006 tenha
resistido à tentação de introduzir mais esse sortilégio, no nosso martirizado Direito das
sociedades. E vamos imaginar ainda que, num caso concreto, um administrador que tivesse
causado danos à sociedade, por preterir os seus deveres legais ou contratuais provava, em
juízo:
Que tinha atuado em termos informados, isto é: com pleno conhecimento das
realidades (técnicas e jurídicas em jogo);
Que o fizeram sem qualquer interesse pessoal, isto é: de modo isento e desinteressado;
E que agira seguindo critérios de racionalidade empresarial.
Haveria responsabilidade? A resposta seria negativa. Ao produzir tal prova, o administrador
estaria a ilidir a presunção de culpa (ou, porventura, a ilidir a presunção de culpa/ilicitude,
precisamente atacando o nível valorativo que essa dupla envolve). Nas circunstâncias
apontadas, a conduta do administrador tornar-se-ia desculpável. Repare-se que estão em
causa apenas deveres para com a sociedade, sendo de acentuar a observância dos critérios de
racionalidade empresarial, a que teremos oportunidade de regressar. Os grandes dados da
responsabilidade civil não estão na disponibilidade do legislador: mesmo quando,
iluminadamente, mexa nos institutos mais delicados do Direito das sociedades. Ao introduzir
o business judgement rule no Direito português, no preceito relativo à responsabilidade
obrigacional dos administradores para com a sociedade, o legislador está a cortar as amarras
com outras experiências, mesmo quando dadoras. Assim:
No Direito americano, o business judgement31 rule veio delimitar os deveres genéricos
do administrador e, em especial, o dever de cuidado;
No Direito alemão, essa mesma regra veio restringir deveres legais específicos bem
delimitados – os introduzidos pela Lei da Transparência.
Compreende-se assim que, no caso americano, o rule delimite a culpa/ilicitude, no conjunto:
o Common Law não faz a destrinça. E no Direito alemão, temos uma delimitação das próprias
regras de conduta, pelo que fica afastada a ilicitude. Mas no Direito português, o caso é
diverso. O business judgmente rule constitui uma específica via de exclusão de culpa. Ilustres
autores como Pedro Pais de Vasconcelos e Coutinho de Abreu vieram sustentar que o rule
implicaria uma exclusão de ilicitude, porque, quando aplicável, traduziria o respeito, por parte
dos administradores, dos deveres prescritos no artigo 64.º CSC. Tecnicamente, isso quereria
dizer que, perante um conflito de deveres proporcionados pelo artigo 64.º CSC e deveres
com qualquer outra origem, os primeiro prevaleceriam. De facto, é sabido que os
31 O autor quebra a promessa terminológica feita na nota de rodapé n.º 2563 (p. 857) de distinguir as grafias inglesas e americanas aquando do seu tratamento. Humildemente a, aqui, corrigimos mantendo a sistemática pretendida pela sumidade doutrinária e académica a que tanto tecemos louvor e agradecimentos (graças já a
academia as concedeu, e bem, pensamos!). (大象城堡).
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administradores incorrem facilmente em conflitos de deveres, o que obriga a uma cuidada
ponderação entre eles para se ver, em concreto, qual prevalece. Mas – é regra que não vemos
como afastar – o dever específico prevalece sobre o genérico32. Admitir, em geral, que o
administrador, posicionado dentro do artigo 64.º CSC, ficasse isento de cumprir quaisquer
outros deveres para com a sociedade (pois só assim se poderá afastar um juízo de ilicitude) é
passo que não podemos acompanhar. A grande dificuldade denotada por estes (e outros)
autores em cindir a ilicitude da culpa advém ainda do seguinte: na responsabilidade
obrigacional, essas duas realidades interpenetram-se. Há, pois, que distinguir na base do
ângulo de abordagem. De facto e pelo nosso entendimento da responsabilidade obrigacional,
o business judgment rule funcionaria, entre nós, como exclusão de faute, isto é, de culpa/ilicitude.
Seria absolutamente contrário a dados básicos do sistema admitir que, ratione societatis, o
administrdor pudesse ficar isento dos seus deveres legais ou estatutários. É certo que o
business judgemente rule só opera nas relações com a sociedade: ela nunca poderia isentar o
administrador dos seus deveres para com o fisco, os trabalhadores ou a segurança social.
Além disso, o rule exige critérios de racionalidade empresarial. Ora tais critérios englobam
sempre as vantagens de bem cumprir a lei: os ganhos que se obtenham à margem desta jogam,
a prazo, contra a sociedade, sendo alheios a uma boa gestão. O rule requer, ainda, uma
compatibilização com o princípio da colegiabilidade e com eventuais conflitos de interesses
que se reportem a, apenas, algum ou alguns administradores. Mas mesmo com estas
delimitações: os deveres legais e estatutários, porventura subsequentes à Lei de 2006, não se
podem, de modo algum, considerar revogados pelo novo artigo 72.º, n.º2 CSC ou, sequer:
de incumprimento genericamente justificado. Apenas no caso concreto o apelo ao business
judgement rule permitirá isentar o administrador do juízo de censura que, sobre ele, iria incidir.
Há exclusão de culpa/ilicitude ou, para quem insista na contraposição, em sede contratual:
de culpa.
Responsabilidade aquiliana: a lei não refere, de modo expresso, a hipótese de uma
responsabilidade aquiliana dos administradores para com a própria sociedade. Apenas o faz
relativamente aos credores sociais, aos sócios e a terceiros (artigo 78.º, n.º1 e 79.º CSC).
Todavia, essa responsabilidade é possível, nos termos gerais. Assim sucederá, desde logo,
nos caso em que o administrador atinja direitos absolutos da sociedade – reais ou de
personalidade, como exemplo – independentemente de deveres específicos que lhe
incumbam; responde, nos termos do artigo 483.º, n.º1 CC. Seguindo as regras gerais, a
responsabilidade aquiliana por violação de direitos subjetivos da sociedade deverá efetivar-
se através de outros administradores que representem a sociedade. Não estão em causa
situações jurídicas especificamente societárias, pelo que não faz sentido vir discutir o assunto
em assembleia geral. De seguida, devemos contar com normas de proteção. Particularmente
nos artigos 509.º e seguintes CSC, surgem diversas disposições penais que visam os
administradores. Essas disposições penais dobram, por vezes, as obrigações específicas que
incumbem aos próprios administradores. Noutros caso, elas surgem isoladas, visando
proteger simplesmente os interesses da sociedade ou de terceiros. A violação de tais normas
obriga a indemnizar: em termos aquilianos e por via do artigo 483.º, n.º1, 2.ª parte CC. Temos,
como exemplos:
A falta de cobrança de entradas de capital (artigo 509.º CSC);
32 Autores como Ana Perestrelo de Oliveira aceitam a presença de uma exclusão de ilicitude, mas por referência aos próprios elementos contidos no artigo 72.º, n.º2 CSC.
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Aquisição ilícita de quotas ou ações (artigo 510.º CSC);
Amortização de quota não liberada (artigo 511.º CSC);
Amortização ilícita de quota dada em penhor ou objeto de usufruto (artigo 512.º
CSC).
Recusa ilícita de informações (artigo 518.º CSC) ou informações falsas (artigo 519.º
CSC);
Violação ilícita das medidas a empreender perante a perda de metade do capital social
(artigo 523.º CSC);
Irregularidades na emissão de títulos (artigo 525.º CSC).
Em todos estes casos, não podemos falar em obrigações específicas no sentido civil do termo.
A sua violação não envolve presunção de culpa: nem isso seria pensável, no campo penal. A
censura em que incorra o agente deve ser especificamente alegada e demonstrada, por quem
queira uma sua responsabilização. Em compensação, tais normas de proteção asseguram uma
tutela aquiliana em caso de mera negligência (artigo 483.º, n.º1 CC). A específica exigência
do dolo só vale para as sanções penais (artigo 527.º, n.º1 CSC).
Violação de deveres de cuidado; os deveres incompletos: temos, depois, a área
melindrosa do que poderemos chamar os deveres incompletos: fundamentalmente, os que
se inscrevem no artigo 64.º CSC. Recordamos que, desse preceito, emergem os deveres de
cuidado, os quais englobam:
Deveres de disponibilidade;
Deveres de competência técnica;
Deveres de conhecimento da atividade da sociedade.
Todos esses deveres devem ser calibrados de acordo com as suas funções, operando, sobre
o conjunto, a bitola de esforço dada pela diligência do bom pai de família. Trata-se, agora, de
encaixar uma dogmatização coerente, perante o Direito positivo português. Os deveres
jurídicos impõem condutas. Mas para tanto devem tais deveres comportar um conteúdo
comunicativo útil. De outro modo, o destinatário nem se aperceberá do que, dele, se pretende.
Faz todo o sentido dizer que os administradores devem revelar disponibilidade, competência
técnica e conhecimento da atividade da sociedade. Mas daí nenhum operador vai retirar
condutas concretas, em termos de dever ser. Quedam dois caminhos possíveis:
Ou imaginar que os elencados deveres, genericamente ditos de cuidado, sofrem um
processo de autoconcretização;
Ou entender que esses deveres só se concretizam em conjugação com outras normas.
Imaginar um dever de cuidado como uma cláusula geral de conduta, a concretizar perante
cada problema, equivale a uma inglória duplicação. Para tanto, temos já as cláusulas civis –
da boa fé e dos bons costumes; além disso, dispomos ainda da cláusula de lealdade (artigo
64.º, n.º1, alínea b) CSC), especificamente societária e à qual teremos a oportunidade de
regressar. Temos por mais útil o tratamento dos deveres de cuidado como normas parcelares
ou incompletas. Com este sentido:
Exige-se, em primeiro lugar, uma norma de conduta de onde emerja um qualquer
dever, a cargo dos administradores;
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Apurado esse dever, a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da
sociedade serão úteis para o complementar e precisar.
Ninguém pode ser responsabilizado por, em abstrato, não ter disponibilidade. Mas poderá
sê-lo se, perante determinado desempenho, se verificar que o administrador não organizou
a sua vida, de modo a poder honrá-lo. Os deveres de cuidado, com a trilogia constante da lei
e, ainda, como outros termos que se logre construir, operam como deveres incompletos. Só
por si não são violáveis, em termo sde respobsabilidade civil. Em conjunto com outras
normas, a violação torna-se possível, seguindo-se um regime operacional.
Violação de deveres de lealdade: uma área delicada é a da eventual existência de
responsabilidade, para com a sociedade, perante a violação de deveres genéricos
concretizados. A lógica da responsabilidade civil é simples:
Quando sejam violadas obrigações específicas, a situação é grave: o agente incorre
numa presunção de culpa/ilicitude;
Tratando-se de deveres genéricos (respeito por direitos absolutos) ou de normas de
proteção, a situação não é tão gravosa, estando em causa a liberdade do agente: este
já não incorre em presunção de culpa.
Põe-se a hipótese de uma terceira via: a da violação de deveres genéricos concretizados, de
tal modo que não chegue a operar tal presunção de culpa/ilicitude. O tem atem uma certa
voga entre nós, mercê do acolhimento de elementos alemães anteriores à reforma do BGB,
de 2001/2002. Qual o papel dessa teoria para o delucidar do artigo 64.º CSC? Os
desenvolvimentos mais recentes, na área do Direito das obrigações, apontam para a hipótese
de vínculos obrigacionais sem deveres de prestação principais. Tais vínculos explicariam
situações de culpa in contrahendo, de deveres de atuação perante a nulidade ou a anulação de
contratos, de culpa post pactum finitum e outras. A sua consagração no BGB arrasta esta matéria,
em definitivo, para a responsabilidade obrigacional. Ora tal solução é preferível, entre nós,
uma vez que reforça a responsabilidade civil: área em que os tribunais são demasiado parcos.
A ideia das obrigações sem dever de prestar principal pode ser útil para enquadrar, em termos
de responsabilidade civil, parte do galáctico artigo 64.º CSC, tal como emergiu da reforma de
2006. Já vimos que, dele, resultam determinados deveres de cuidados os quais, em dogmática
lusitana, serão reduzidos a normas incompletas de conduta. E quanto aos deveres de lealdade?
Como vimos, os deveres de lealdade devem, pela dogmática continental que opera na nossa
Terra, ser reconduzidos a concretizações societárias do princípio da boa fé e das suas
exigências. Tais concretizações determinam que, em cada caso, sejam respeitados os valores
fundamentais da ordem jurídica, designadamente nas vertentes da tutela da confiança e da
primazia da materialidade subjacente. Na concretização desses valores fundamentais,
relevamos a enumeração do artigo 64.º, n.º1, alínea b) CSC, a que não pode deixar de se
emprestar um qualquer sentido útil. Manda atender (e/ou ponderar) aos:
Interesses de longo prazo dos sócios;
Interesses dos outos sujeitos relevantes: trabalhadores, clientes e credores.
Ou seja, perante esse preceito (e, de resto: independentemente dele, pelos princípios gerias),
os administradores devem respeitar as situações de confiança legítima e a materialidade
subjacente que ocorram nas exemplificadas dimensões. A prática documenta linhas de
concretização, como os deveres de não concorrência, de não aproveitamento das
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oportunidades de negócio surgidas para a sociedade e outras. Em termos de responsabilidade
civil, estes deveres de lealdade merecem reflexão. Eles operam como concretizações de uma
obrigação ainda despida do dever de prestar principal. À partida, ninguém lhes poderá
conhecer o conteúdo: nem mesmo o próprio visado. Não se torna, por isso, viável falar numa
prévia obligatio iuris, à qual o administrador esteja ligado. No decurso da vida societária, podem
ocorrer vicissitudes que coloquem, de súbito, os mais imponderáveis deveres. Consoante as
eventualidades, assim o dever (geral) de lealdade daria azo:
A deveres acessórios de segurança, de tutela da confiança ou de informação;
A verdadeiras prestações principais de facere ou de non facere.
Na concretização da lealdade, há que usar, sem limitações, toda a instrumentação
disponibilizada pelo moderno Direito das obrigações.
Ações sociais: a efetivação da responsabilidade dos administradores perante a sociedade
consegue-se através das denominadas ações sociais: um tema clássico. O CSC, fruto de
múltiplas influências cruzadas, desenvolver o tema: talvez em excesso, uma vez que a
proficiência dos preceitos acaba por restringir a responsabilidade que era suposto acautelar.
A matéria das ações consta dos artigo 75.º, 76.º e 77.º CSC. Com a seguinte lógica:
Artigo 75.º CSC: ocupa-se da ação social ut universi, isto é, da ação intentada pela
própria sociedade contra os administradores;
Artigo 76.º CSC: prevê que, na hipótese de tal ação, possa haver representantes
especiais da sociedade, escolhidos por sócios;
Artigo 77.º CSC: admite a ação social de grupo, também dita ação social ut singuli
imprópria.
A ação social ut singuli é, em rigor, a ação movida por um único sócio, apenas por ter a
qualidade de sócio e na qual ele faz valer um direito da sociedade. O Direito português,
admite a ação de grupo, isto é, a ação movida por sócios que detenham uma certa
percentagem do capital social. Evidentemente: o sócio que, isolado, detenha essa
percentagem do capital, poderá intentar a ação de grupo (leia-se: de grupo de ações), não por
ser sócio, mas por reunir a tal fração de capital. A nossa literatura chama, por vezes, ação ut
singuli à ação de grupo. Tudo bem, desde que se explique o uso impróprio da expressão. A
ação social ut universi depende de uma deliberação da assembleia gera,, tomada por maioria
simples (artigo 75.º, n.º1, 1.ª parte CSC). Tal deliberação pode provir de prévio agendamento
ou, independentemente dele, em qualquer reunião que aprecie as contas de exercício (artigo
75.º, n.º2, 1.ª parte CSC). Nessa deliberação e nos termos gerais, não podem votar as pessoas
cuja responsabilidade esteja em causa (artigo 75.º, n.º3 CSC). A ação deve ser proposta no
prazo de seis meses a contar da deliberação da assembleia (artigo 75.º, n.º1, 2.ª parte CSC) e,
enquanto estiver pendente, não podem os administradores voltar a ser designados (artigo
75.º, n.º2, in fine CSC). A ação social ut universis é intentada pelos representantes da sociedade.
Estes, de acordo com as regras comuns, são designados pela administração a qual incluirá as
pessoas que pretenda responsabilizar. Perante o melindre, que pode traduzir conflitos de
interesses, a lei prevê:
Que os próprios sócios (leia-se: a sua maioria) possam designar representantes
especiais (artigo 75.º, n.º1, parte final CSC);
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Que o tribunal, a requerimento de sócios que detenham, pelo menos, 5% do capital
social, nomeie pessoa ou pessoas diferentes das que habitualmente representem a
sociedade quando os sócios (a maioria) não os tenham designado ou sempre que se
justifique a sua substituição (artigo 76.º, n.º1 CSC).
Tais representantes podem pedir, da sociedade e no mesmo processo, o reembolso de
despesas e uma remuneração, fixada pelo tribunal (artigo 76.º, n.º2 CSC). Todavia, caso a
sociedade decaia totalmente na ação, cabe à minoria que haja requerido a nomeação de
representantes especiais reembolsar a sociedade das custas e outras despesas. A exigência de
uma prévia deliberação da assembleia, para intentar ações ut universi e o esquema dos
representantes implica que seja possível organizar, no quadro da mesma, uma cooperação
concertada e isso à margem da administração. É difícil. Por isso, há que limitar a ação social
a assuntos estritamente societários. Quanto aos outros: a própria administração deve agir,
em representação da sociedade. A lei visa simplificar o sistema, permitindo ações sociais de
grupo ou ut singuli impróprias (artigo 77.º CSC). Assim:
Sócios que detenham 5% do capital social ou 2% quando de trate de ações cotadas,
podem intentar a ação social (artigo 73.º, n.º1 CSC);
Podem, para o efeito, encarregar algum ou alguns dos sócios de os representar, para
o efeito (artigo 77.º, n.º2 CSC);
A ação prossegue mesmo que algum ou alguns dos sócios, na pendência dela, percam
essa sua qualidade (artigo 77.º, n.º3 CSC);
A sociedade é chamada à causa, pelos seus representantes (artigo 77.º, n.º4 CSC);
O réu pode pedir decisão prévia, quando os interessados visados não correspondam
aos defendidos por lei ou requerer que o autor preste caução (artigo 77.º, n.5º CSC).
A ação social ut singuli (própria ou imprópria) não se confunde com a ação singular, em que
o sócio faz valer direitos seus (prevista no artigo 79.º CSC) e não interesses sociais. A ação
ut singuli faz sentido quando a própria sociedade, através da assembleia geral, não intente a
ação ut universi. Tem, nesta medida, natureza subsidiária. Apenas caberá ressalvar a hipótese
de se tratar de ações com diversos conteúdos ou causas de pedir, cabendo ao juiz arbitrar
ações concorrentes, designadamente da decisão prévia referida no artigo 77.º, n.º5 CSC.
84.º - A responsabilidade para com os credores, os sócios e
os terceiros; síntese
A responsabilidade para com os credores: como vimos, a lei contempla uma
expressa previsão de responsabilidade para com os credores sociais nos termos do artigo 78.º
CSC. Trata-se de uma previsão aquiliana, que retoma o final do artigo 483.º, n.º1 CC. Com
efeito, está em causa a violação culposa (com dolo ou mera culpa) de normas de proteção. O
preceito só se entende à luz da lógica do Direito das sociedades. Na verdade, qualquer
inobservância culposa de normas de proteção conduz à responsabilidade aquiliana: desde que
haja danos. E os danos para os credores não emergem, apenas, de uma eventual insuficiência
patrimonial: poderíamos, ainda, computar delongas, incómodos, maiores despesas, danos à
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imagem e, em geral, danos morais. Tudo isso é, porém, imputado à própria sociedade, mercê
do nexo de organicidade. É à sociedade – e não aos administradores – que cumpre
indemnizar. O problema de uma direta responsabilidade dos administradores só surge
quando a culposa inobservância das normas de proteção provoque uma insuficiência
patrimonial. Estamos fora de obrigações específicas, razão pela qual lidamos com uma
responsabilidade aquiliana, ainda que assente em normas de proteção. Dada a natureza dessas
normas – a tutela dos próprio credores – compreende-se o alcance do artigo 78.º, n.º3 CSC:
útil mas dispensável. Segundo esse preceito, o dever de indemnizar os credores, a cargo dos
administradores, não é excluído por quaisquer situações da sociedade: renúncia, transação ou
qualquer deliberação justificativa. Obviamente: estão em causa posições de terceiros (os
credores), que não estão na disponibilidade da própria sociedade. Aos credores é ainda
reconhecida a possibilidade de agir em sub-rogação. Segundo o artigo 78.º, n.º2 CSC:
«Sempre que a sociedade ou os sócios o não façam, os credores sociais podem exercer, nos
termos dos artigos 606.º a 609.º CC, o direito a indemnização de que a sociedade seja
titular».
Trata-se de novo lembrete inútil: recorda regras que sempre teriam aplicação, por via da
responsabilidade civil. Além disso, a hipótese de responsabilidade que comporta remonta ao
artigo 72.º, n.º1 CSC: não ao artigo 78.º, n.º1 CSC. O artigo 78.º, n.º5 CSC faz uma série de
remissões para vários preceitos. Mais precisamente:
Para o artigo 72.º, n.º2 CSC: business judgement rule;
Para o artigo 72.º, n.º3 CSC: não responsabilidade dos administradores que não
tenham participado nas deliberações em jogo ou que a elas se tenham oposto;
Para o artigo 72.º, n.º4 CSC: responsabilidade dos administradores que, podendo,
não se tenham oposto;
Para o artigo 72.º, n.º5 CSC: a responsabilidade para com a sociedade não tem lugar
quando a ação ou omissão do administrador assente em deliberação social, ainda que
anulável: este preceito contraria, aqui, o artigo 78.º, n.º3 CSC, a menos que se restrinja
a sua aplicação à hipótese do artigo 78.º, n.º2 CSC;
Para o artigo 72.º, n.º6 CSC: a responsabilidade não cessa por haver consentimento
ou parece favorável do órgão de fiscalização;
Para o artigo 73.º CSC: solidariedade dos administradores responsáveis;
Para o artigo 74.º CSC: nulidade das cláusulas de limitação ou de exclusão de
responsabilidade.
Perante este quadro, a remissão para o artigo 72.º, n.º2 CSC só pode advir de lapso. Com
efeito, não se entende – dado o Direito positivo português e tendo em conta o competente
sistema – como pode o business judgement rule alijar a responsabilidade dos administradores
para com os credores por violação culposa de normas destinadas a proteger esses mesmos
credores. Repare-se que as próprias cláusulas de exclusão são nulas (artigo 74.º, n.º1, ex vi
artigo 78.º, n.º5 CSC), assim como insuficiente é qualquer deliberação justificativa ou
exoneratória (artigo 78.º, n.º3 CSC). Admitir que o administrador possa, ilícita e
culposamente, prejudicar os credores, violando normas de proteção, por agir livre, informada
e empresarialmente, seria a mais completa selva. O business judgement rule, com todos os óbices
de que demos conta, só é imaginável em relações administrador/sociedade: nunca fora desse
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círculo. Perfilar-se-ia, de resto, uma inconstitucionalidade: por violação da propriedade
privada (artigo 62.º, n.º1 CRP) e da própria igualdade (artigo 13.º, n.º1 CRP).
Responsabilidade para com os sócios e terceiros: a responsabilidade dos
administradores para com os sócios e terceiros é remetida, como foi vista, para o regime geral
da responsabilidade aquiliana. Dispõe o artigo 79.º, n.º1 CSC:
«Os gerentes ou administradores respondem também, nos termos gerais, para com os
sócios e terceiros pelos danos que diretamente lhes causarem no exercício das suas
funções».
À primeira vista, temos uma responsabilidade por violação de direitos absolutos ou por
inobservância de normas de proteção, nos termos do artigo 483.º, n.º1 CC. Todavia, tal
responsabilidade sofre uma especial delimitação: apenas cobre os danos diretamente
causados. Pode acontecer e aos mais diversos títulos, que administradores, no exercício das
suas funções, causem danos a sócios e a terceiros. Estes terceiros englobam, designadamente:
o Estado, os trabalhadores, os fornecedores e stakeholders em geral e os próprios credores,
agora por outra via. Quando isso suceda: a sociedade é a responsável, mercê dos nexos de
imputação orgânica. O administrador, enquanto tal, não é incomodado. Num desvio à lógica
da personalidade coletiva, a Lei admite porém que os administradores sejam demandados
quanto a danos que causem diretamente. Como entender esse advérbio? A responsabilidade
é direta quando os danos resultem do facto ilícito, sem nenhuma intervenção de quaisquer
outros eventos. Em termos valorativos, isso redundará:
Ou em práticas dolosas dirigidas à consecução do prejuízo verificado;
Ou em práticas negligentes grosseiras, cujo resultado seja, inelutavelmente, a
verificação do dano em causa.
Nestas condições, compreende-se que seja difícil a verificação da hipótese prevista no artigo
79.º, n.º1 CSC. Logicamente: pois a assim não ser, de pouco valeria a própria ideia de
personalidade coletiva. Digamos que existe aqui uma hipótese de levantamento da
personalidade: ex lege. Também neste domínio, o artigo 79.º, n.º2 CSC procede a uma teia de
remissões semelhantes às acima examinadas quanto ao artigo 78.º, n.º5 CSC: remete para os
artigos 72.º, n.º2 e 6, 73.º e 64.º, n.º1 CSC. Valem as considerações então feitas, com especial
tónica no lapso que representa, também aqui, o apelo ao business judgement rule. Não se entende
como uma realidade interna, exclusiva da sociedade, possa permitir, aos administradores, vir
causar danos aos sócios ou a terceiros.
Breve síntese: o Direito positivo português vigente, designadamente através do CSC de
1986, terá sido dos que mais longe levaram a evolução assim apontada. Desde logo, nos seus
artigos 72.º e seguintes, ele sistematizou, em moldes gerais, a responsabilidade dos
administradores; ora, ainda hoje, num País como a Alemanha, essa matéria continua dispersa
por vários diplomas. E de seguida, aproveitando o essencial das experiências francesa, italiana
e alemã, o legislador português reuniu, no mesmo ordenamento, o essencial das defesas
previstas em cada um deles. Chegou-se, assim, a um esquema muito completo, fruto de toda
uma evolução europeia. Na base, pode considerar-se que os administradores são
responsáveis, para com a sociedade, por violações de deveres específicos, contratuais ou
legais (artigo 72.º, n.º1 CSC): um clara hipótese de responsabilidade obrigacional. Os
competentes deveres são suscetíveis das mais diversas qualificações. Assim:
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Os deveres contratuais podem derivar dos estatutos societários, de pactos
parassociais ou de outros contratos especificamente celebrados com os
administradores em causa; categoria complexa seria ainda a dos deveres laterais
derivados da celebração de contratos entre a sociedade e terceiros;
Os deveres legais têm a ver com os preceitos gerais inseridos no artigo 64.º CSC,
depois completado por diversas normas, ou como os múltiplos deveres específicos
dispersos pelos mais variados diplomas.
O artigo 64.º CSC, de origem complexa, carece de adequado e complexo processo de
concretização, a operar caso a caso. Temos, depois, hipóteses de responsabilidade aquiliana
perante os credores (artigo 78.º, n,º1 CSC) e os sócios e terceiros (artigo 79.º, n.º1 CSC); aí,
sob um pano de fundo de regras gerais, há especificidades de relevo, que sublinhámos e que
devem ser sempre tidas em conta. A responsabilidade dos administradores é, essencialmente,
uma imputação por incumprimentos ou por atos ilícitos culposos. De outra forma, aliás, os
administradores seriam responsabilizados pelo risco, o que não se coaduna com o sistema
geral da responsabilidade civil portuguesa. A lei estabelece um princípio de colegialidade no
conselho de administração. Resulta daí uma regra de solidariedade entre os administradores
(artigo 73.º CSC): todos respondem pelos danos, salvo os que votarem vencidos e fizerem
lavrar o competente voto, nos termos do artigo 72.º, n.º2 CSC. Esta regra, que é importante,
não deve ser absolutizada: a responsabilidade baseada na culpa é sempre uma
responsabilidade individualizada. O ato puramente individual, que nada tenha a ver com o
conselho de administração, só responsabiliza quem o pratique. Alem disso, os
administradores poderão sempre ilidir a presunção de culpa, provando que, embora não se
tenham oposto às decisões danosas, agiram, em concreto, com a diligência e o cuidado
exigíveis, o que poderá não ter sucedido com outros. O CSC, remando um pouco contra o
que parecia ser uma sistematização coerente da matéria, veio a inserir um único e extenso
artigo sobre a prescrição da responsabilidade: o artigo 174.º CSC. Aí, no fundamental, é
visada a responsabilidade dos administradores. Procurando, para além dos textos legais,
surpreender a verdade do funcionamento do sistema, cumpre ainda acrescentar o seguinte.
As sociedades, particularmente as anónimas, que funcionam como matriz de todo este
desenvolvimento, têm um porte económico que supera largamente qualquer património
singular. Havendo erros ou falhar de gestão, os danos causados poderão ser muito superiores
a qualquer hipótese de ressarcimento, pelos administradores responsabilizáveis. Além disso,
as ações judiciais são morosas. Por muito cuidado que se assuma, elas têm sempre um epílogo
incerto. Uma ação intentada contra os administradores é dispendiosa. Por norma, será pouco
remuneratória a apresenta-se arriscada. Em regra, tal ação irá implicar má publicidade para a
empresa envolvida. Aspetos menos felizes da sua gestão serão postos a nu, afugentando
investidores mobiliários e dificultando o crédito. Por tudo isto, o fiel sancionatório desloca-
se da responsabilidade civil para a destituição dos administradores. A sociedade descontente
com os seus administradores destitui-os, e designa outros. Só por exceção lhe convirá reabrir
o assunto, gastando tempo e dinheiro com ações judiciais. A tudo isto acresce, em Portugal,
o complicado sistema jurídico em vigor. Apesar desta perda de importância relativa, a
responsabilidade dos administradores mantém-se como um instituto dogmaticamente rico e
potencialmente operacional. Finalmente, pergunta-se se o dispositivo do artigo 64.º CSC
também pode ser usado no tocante à responsabilidade dos administradores perante terceiros:
sócios, credores e estranhos. Respondemos pela negativa. De facto, o administrador
relaciona-se com a sociedade. Mesmo quando, para aquilatar os deveres em jogo, haja que
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ponderar os interesses dos sócios e dos stakeholders, o sujeito ativo da relação é a sociedade.
Fora dela, teremos os clássicos remédios aquilianos. De outro modo, não haverá nenhuma
dogmática consistente.
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Capítulo VIII – A Prestação de Contas
92.º - O processo de prestação de contas
Generalidades: as sociedades traduzem meios de cooperação e de organização humanos,
funcionando em modo coletivo. Exigem-se regras que cometam a alguém a prestação de
contas e o relato da gestão, a ela associados. O CSC dedica à matéria o Capítulo VI do Título
I. Nos seus preceitos, são de aplicação tendencialmente geral, isto é, funcionam perante os
diversos tipos de sociedades comerciais. Além deles, encontramos no Código: artigos 420.º,
447.º, 448.º e 508.º-A a 508.ºF CSC. Há, ainda, que lidar com os diversos diplomas, relativos
a contas e à contabilidade, com relevo para o SNS. O Capítulo V, aqui em causa, tem alguma
lógica interna:
Ele principia pelo dever de apresentar contas, fixando alguns dos seus parâmetros
(artigos 65.º, 65.º-A, 66.º e 66.º-A CSC);
Prossegue com aspetos patológicos: não apresentação de contas ou não deliberação
sobre elas (artigo 67.º CSC), recusa de aprovação de contas (artigo 68.º CSC) e regime
de invalidade das respetivas deliberações (artigo 69.ºCSC);
Conclui com a publicidade das contas (artigo 70.º e 70.º-A CSC).
A matéria deve ser seguida sempre em conjunto com as regras próprias de cada tipo
societário e à luz das normas contabilísticas aplicáveis.
O dever de relatar a gestão e de apresentar contas: as contas surgem em
execução de um dever cometido à administração. Na verdade, são os administradores as
entidades melhor colocadas para dominar, a nível de decisão como do conhecimento, os
diversos parâmetros de que elas dependem. Nessa linha, o artigo 65.º, n.º1 CSC determina
duas obrigações fundamentais, relativamente aos membros da administração:
De elaborar as contas;
A de as submeter aos órgãos competentes da sociedade.
Em ambos os casos trata-se de obrigações de facere, na forma de especiais prestações
específicas de serviço. A estrutura da obrigação de submeter aos órgãos competentes a
aprovação das contas mostra que estamos perante a contraface do direito à informação, que
assiste aos diversos sócios. A prestação de contas em sentido amplo abrange diversos
elementos. O próprio artigo 65.º, n.º1 CSC enumera:
O relatório e gestão: é um documento que exara os parâmetros a que tenha
obedecido o funcionamento da sociedade, as dificuldades encontradas, a estratégia
seguida e o sentido dos resultados. Pode ser muito sucinto ou grandes análises de
conjuntura e de evolução do setor. O artigo 66.º CSC desenvolve o conteúdo do
relatório de gestão, desdobrando os seus diversos aspetos, em termos não muito
ordenados. Destacamos, quanto ao seu conteúdo o n.º5 do artigo 66.º CSC. Esta
seriação só faz sentido para grandes anónimas. A sua inclusão na Parte Geral do
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Código implica, todavia, uma aplicação a todas as sociedades comerciais. Em
compensação, faltam alguns elementos exigíveis para certos tipos de sociedades e que
encontraremos nos locais próprios.
As contas de exercício: devem ser exaradas em diversos documentos. Hoje, no
Direito interno, dispõe o Decreto-Lei n.º 158/2009, 13 julho, o qual, no tocante às
entidades sujeitas ao SNS, fixa as seguintes demonstrações financeiras (artigo 11.º,
n.º1):
i. Balanço;
ii. Demonstração dos resultados por naturezas;
iii. Demonstração das alterações no capital próprio;
iv. Demonstração dos fluxos de caixa pelo método direto;
v. Anexo.
Adicionalmente pode ser apresentada uma demonstração dos resultados por funções
(artigo 11.º, n.º3 CSC). Deve ainda ter-se em conta o artigo 12.º, quanto ao inventário.
O CSC ando bem ao não enumerar o teor das contas de exercício e os demais
documentos de prestação de contas. A matéria é instável, melhor ficando em leis
especiais. O artigo 66.º-A CSC veio exigir a junção de mais um elemento às contas:
o anexo. A introdução do artigo 66.º-A CSC correspondeu à preocupação de verter
no CSC a decorrência do SNC. Este, no seu artigo 11.º, n.º1 inseriu o anexo como
um dos elementos das demonstrações financeiras. O SNC refere o anexo como a
divulgação das bases de preparação e políticas contabilísticas adotadas e divulgações
exigidas pelas Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro (NCRF). O artigo 66.º-
A, n.º1 CSC veio alargar este papel do anexo. Passa, agora, a incluir também:
a. Informação sobre a natureza e o objetivo comercial das operações não
incluídas no balanço e o respetivo impacte financeiro, na medida do
necessário para avaliar a situação da sociedade;
b. Informação sobre os honorários faturados a ROCs, a SROCs e a outros
títulos.
A autonomização solene destes elementos pode contundir com segredos legítimos
da empresa: deve ceder perante regras ou princípios concretamente mais ponderosos.
O artigo 66.º-A CSC corresponde à inclusão no CSC, de regras contabilísticas,
desinseridas do local próprio.
Os demais documentos de prestação de contas, previstos na lei.
As regras legais relativas ao relatório de gestão e às regras de prestação de contas são
imperativas (artigo 65.º, n.º2 CSC): os estatutos sociais podem ampliá-las, mas não derrogá-
las. A lei exige ainda que o relatório e as contas do exercício sejam assinadas por todos os
membros da administração; a recusa de assinatura deve ser justificada no documento a que
respeita e explicada perante o órgão competente para a aprovação ainda que o interessado já
tenha cessado as suas funções (artigo 65.º, n.º3 CSC). O tema das assinaturas é retomado
pelo artigo 65.º, n.º4 CSC: o relatório e as contas são elaborados e assinados pelos
administradores devem prestar todas as informações que, para o efeito, lhes forem solicitadas.
Estas regras são importantes, mas não devem ser formalizadas. Pode suceder (a prática
permite ilustrá-lo) que, no momento da assinatura, algum administrador, que esteja
totalmente de acordo, não possa assinar: por razões de saúde ou, até funcionais, por estar no
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estrangeiro ao serviço da sociedade. Para quê levantar todo um problema, que pode ser
penalizador nas sociedades cotadas? Bastará que alguém assume a rogo, assumindo a
responsabilidade ou, mais simplesmente, que se use uma assinatura digital.
A apresentação de contas e a sua falta: o artigo 65.º, n.º5 CSC fixa dois distintos
prazos para a apresentação do relatório de gestão, das contas e de exercício e demais
documentos de prestação de contas ao órgão competente e para a apreciação, por este. Assim:
Três meses a contar da data de cada exercício anual, nos casos comuns;
Cinco meses a contar da mesma data, quando se trate de sociedades que devam
apresentar contas consolidadas ou que apliquem o método de equivalência
patrimonial.
A data concreta da apresentação de contas depende do termo do exercício social. Em
princípio, tal exercício corresponde ao ano civil. Por isso, a generalidade das sociedades faz
aprovar as suas contas no mês de março de cada ano ou, havendo consolidação de contas ou
equivalência patrimonial, no mês de maio. O artigo 9.º, n.º1, alínea i) SNC permite, todavia,
que o exercício anual seja diferente do civil, desde que a data do encerramento coincida com
o último mês do calendário e com ressalva do artigo 7.º CIRC. Intervém, nessa eventualidade,
o artigo 65.º-A CSC: o primeiro exercício das tais sociedades não pode ser inferior a 6 nem
superior a 18 meses, sempre sem prejuízo do artigo 7.º CIRC. Relativamente ao relatório de
gestão, às contas de exercício e aos demais documentos de prestação de contas, podem
ocorrer três distintos incidentes:
Podem não ser apresentados;
Podem sê-lo, mas sem obter a aprovação do órgão competente;
Podem ser rejeitados por esse mesmo órgão.
Na primeira hipótese, a Lei dá ainda dois meses de tolerância. De facto, o artigo 67.º, n.º1
CSC, na falta de apresentação de contas, permite que qualquer sócio requeira ao tribunal que
se proceda a inquérito: mas apenas quando a apresentação não ocorra nos dois meses
seguintes ao termo dos prazos fixados no artigo 65.º, n.º5 CSC. O inquérito às contas segue
a tramitação do artigo 65.º, n.2º CSC: não se trata do inquérito judicial previsto no artigo
292.º CSC, para as sociedades anónimas e desenvolvido no CC, perante a recusa de
informações e com consequências possíveis muito gravosas. Ele tem o seguinte
desenvolvimento:
É dirigido contra a sociedade;
Qualquer sócio pode fazê-lo, desacompanhado dos restantes e independentemente
do capital detido; o próprio sócio-gerente impedido de tomar posse do cargo pode
usar esse meio;
O requerente tem o ónus de invocar e de provar os seus pressupostos;
O juiz ouve os administradores;
Considerando procedentes as razões por estes invocadas, fixa um prazo adequado
para a apresentação das contas em falta;
Quando não as considere procedentes, nomeia um administrador para, no prazo
fixado, elaborar as contas em falta e submete-las ao órgão competente: pode, para o
efeito, convocar a assembleia geral (artigo 67.º, n.º2 CSC);
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Caso o órgão competente não aprove as contas, pode o administrador nomeado nos
autos de inquérito, submeter a divergência ao juiz, para decisão (artigo 67.º, n.º3 CSC).
O inquérito às contas, seguindo a tramitação do artigo 67.º, n.º2 e 3 CSC é, perante o CSC,
a única forma de reagir à não apresentação das mesmas. Ele não pode ser usado perante a
não aprovação das contas pelo órgão competente. Nessa eventualidade, terá aplicação o
artigo 68.º CSC. Tão pouco é possível recorrer à ação de prestação de contas, prevista no
CPC.
Falta de aprovação e recusa de aprovação: pode haver apresentação de contas e,
todavia, estas não serem aprovadas (ou rejeitadas), sem culpa dos administradores (artigo
67.º, n.º4 CSC). Sem culpa quererá, aqui, dizer que não houve inobservância de deveres a seu
cargo ou que, tendo-a havido, eles hajam logrado ilidir a presunção de culpa derivada do
artigo 799.º CC. Designadamente, verifica-se que os administradores:
Elaboraram as contas;
Apresentaram-nas ao órgão de fiscalização, quando seja o caso;
Convocaram ou pediram a convocação do órgão competente para a sua aprovação
(a assembleia geral);
Divulgaram as contas, nos termos previstos na lei e nos estatutos;
Compareceram na assembleia e prestaram, aí, os esclarecimentos que lhes cabia.
Não obstante, ou a assembleia não reuniu por razões a ela alheias ou, tendo reunido, não
deliberou. Em tal eventualidade, decorrido o prazo do artigo 67.º, n.º1 CSC (isto é: o prazo-
limite para a apreciação das contas, acrescido de dois meses de tolerância), pode qualquer
dos administradores ou algum dos sócios requerer, ao tribunal, a convocação da assembleia
geral, para o efeito de apreciar as contas, aprovando-as ou rejeitando-as (artigo 67.º, n.º4
CSC). Quando rejeite, haverá que aplicar, por analogia, o artigo 68.º CSC. Pode acontecer
que a assembleia judicialmente convocada para o efeito não as aprove nem as rejeite. Nessa
altura, qualquer interessado pode requerer ao juiz a nomeação de um ROC independente. O
mesmo juiz, em face do relatório do ROC, do que conste dos autos e das demais diligências
que ordene, aprovará ou rejeitará as contas (artigo 67.º, n.º5 CSC). A última hipótese é a de,
tendo as contas ido à assembleia, esta as rejeitar (artigo 68.º CSC). Nessa altura, essa mesma
assembleia deve deliberar motivadamente:
Que se proceda à elaboração total de novas contas;
Ou que se efetue a reforma, em pontos concretos, das contas apresentadas.
Se não adotar nenhuma destas posturas, segue-se o artigo 67.º, n.º4 e 5 CSC, convocação
judicial, nomeação de ROC e aprovação ou rejeição judicial. Quando a assembleia mande
elaborar novas contas ou reformar as apresentadas, podem os administradores, nos oito dias
seguintes à data da deliberação, requerer inquérito judicial: a menos que a reforma deliberada
implique juízos para os quais a lei não imponha critérios (artigo 68.º, n.º2 CSC). Desta feita,
o inquérito em causa será o do CPC. Parece claro que a Lei toma uma opção de favor contabilis:
entende ser do interesse social a presença de contas aprovadas, ainda que em detrimento da
sua qualidade.
Regime especial de invalidade das deliberações: o artigo 69.º CSC prevê um
regime especial de invalidade das deliberações sociais que aprovem as contas, com violação
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dos preceitos legais relativos à elaboração do relatório de gestão, das contas de exercício e
dos demais documentos de prestação de contas. No essencial, o regime especial daí resultante
tem as particularidades seguintes:
A violação de regras de elaboração de contas, necessariamente perpetrada pelos
administradores, contamina as deliberações sociais que as aprovem;
Tais deliberações deveriam ser nulas, nos termos da segunda parte do artigo 56.º, n.º1,
alínea d) CSC, todavia, apenas é cominada a anulabilidade.
De novo a favor contabilis: a Lei pretende que haja contas, aprovadas e estabilizadas. Admitir
a nulidade equivaleria a prolongar um processo que se pretende célere: toda a atividade
subsequente da sociedade implica contas aprovadas. O artigo 69.º, n.º2 CSC considera
igualmente anuláveis as contas irregulares em si mesmas: a expressão que Ana Maria
Rodrigues aproxima da ideia de contas não apropriadas, na linguagem contabilística, por não
serem adequadas ou eficientes. Mesmo então opera o favor contabilis: nos caso de pouca
gravidade, o juiz decreta a anulação se as contas não forem reformadas, no prazo que fixar
(artigo 69.º, n.º2, 2.ª parte CSC). O favor cessa nos casos do artigo 69.º, n.º3 CSC. Há nulidade
quando se assista à violação de preceitos legais relativos à constituição, ao reforço ou à
utilização de reserva legal ou de preceitos que visem, exclusiva ou principalmente, a proteção
dos credores ou do interesse público. Todas as normas de prestação de contas visam o
interesse público. O preceito deve ser interpretado em termos restritos, sob pena de inutilizar
o n.º1 do artigo 69.º CSC. Pergunta-se qual o regime aplicável quando o vício consista na
falta de certificação legal as contas ou do parecer do órgão de fiscalização, quando legalmente
previstos. Prever a nulidade por se tratar de elementos de interesse público parece-nos
excessivo: a falta pode ser formal ou menos relevante, sempre que, de facto, as contas estejam
bem elaboradas. O regime adequado será, por analogia, o do artigo 69.º, n.º2 CSC:
anulabilidade, com possibilidade de o juiz fixar um prazo razoável para que se mostrem
aditados os elementos em falta.
Publicidade: o artigo 70.º CSC prevê que a informação respeitante às contas do exercício
e aos demais elementos de prestação de contas, devidamente aprovadas, seja sujeita a registo
comercial (n.º1; artigo 42.º, n.º1 CRCom). O artigo 70.º, n.º2 CSC prevê, a disponibilização,
via Internet, quando aí tenham sítio, dos diversos elementos relativos à prestação de contas.
Trata-se, efetivamente, da via mais indicada. O artigo 70.º-A CSC regula a publicidade
relativo às contas das sociedades em nome coletivo e das comanditas simples.
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VOLUME
II
Das Sociedades
Comerciais em Especial
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Parte I – Sociedades em nome coletivo
Capítulo I – Tipo geral e evolução das sociedades em
nome coletivo
11.º - Tipo geral, natureza e função
As sociedades em nome coletivo no Código: as sociedades em nome coletivo são
objeto do Título II do Código das Sociedades Comerciais: o primeiro depois da denominada
parte geral. Elas ocupam 23 artigos – artigos 175.º a 196.º CSC – ordenados por quatro títulos.
A leitura do respetivo articulado, por confronto com a parte geral, permite identificar três
áreas de regulação. Temos, com efeito:
Preceitos específicos das sociedades em nome coletivo, com exemplos nos artigos
175.º, n.º1 e 177.º CSC, referentes às suas características e à firma;
Preceitos de ordem geral, ora repetidos, ora retomados com eventuais adaptações
linguísticas: assim sucede, entre outros, com o artigo 176.º CSC, que reproduz o que
já adviria do artigo 9.º CSC, ambos sobre o conteúdo do contrato de sociedade;
Preceitos de ordem geral, mas que o Título I do Código não consagrou: veja-se, nesse
sentido, o artigo 192.º CSC, relativo à competência dos gerentes.
Registe-se que a extensão regulativa dispensada pelo Código das Sociedades Comerciais às
sociedades em nome coletivo fica muito aquém das da sociedade por quotas e da sociedade
anónima. Será de esperar uma grande aderência à parte geral do Código.
Responsabilidade por dívidas; insuficiência: o legislador de 1986 optou por
caracterizar a sociedade em nome coletivo através do regime da responsabilidade pelas suas
dívidas. Segundo o artigo 175.º, n.º1 CSC e nessas sociedades, o sócio responde:
Individualmente pela sua entrada;
Subsidiariamente, pelas obrigações sociais;
E isso solidariamente com os demais sócios.
De facto, os sócios respondem, sempre, pela sua entrada: trata-se da regra presente nos
artigos 20.º, alínea a) e 27.º CSC e retomada nos artigos 197.º, n.º1 CSC, quanto a sociedades
por quotas e artigo 271.º CSC, quanto às anónimas. Mas a responsabilidade pelas obrigações
sociais, mesmo subsidiária, não surge nem nas sociedades por quotas, nem nas anónimas:
ambas são sociedades de responsabilidade limitada, ao contrário do que ocorre nas
sociedades em nome coletivo. Quanto à solidariedade: ela está presente, de facto, nas
sociedades por quotas, mas apenas no tocante à obrigação de entrada. O regime da
responsabilidade das sociedades em nome coletivo aproxima-se, assim, do das sociedades
civis puras. Nestas, o artigo 997.º, n.º1 CC, estabelece uma regra de responsabilidade pessoal
dos sócios pelas dívidas sociais, responsabilidade essa que opera solidariamente entre todos
eles. Como, porém, o sócio demandado para pagamento dos débitos da sociedade pode exigir
a prévia excussão do património social (artigo 997.º, n.º2 CC), queda concluir que também
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aqui há subsidiariedade económica. Em termos jurídicos, porém, ocorrem diferenças: nas
sociedades civis puras, é possível demandar o sócio; este, se quiser, invocará o beneficium
excussionis. No Direito italiano, perante um texto muito semelhante ao do novo artigo 175.º,
n.º1 CSC, alguma doutrina sublinha a insuficiência do elemento responsabilidade dos sócios para
definir a sociedade em nome coletivo. Explicaram Ferrara e Corsi que essa fórmula, para
além de não permitir uma distinção perante as sociedades simples – i.e.: civis puras – apenas
nos dá uma consequência do concreto tipo em jogo, numa observação retida por outros
estudiosos. A presença de uma sociedade em nome coletivo adviria, assim, de três fatores:
Da presença dos elementos constitutivos da própria noção de sociedade (artigo 980.º
CC);
Da natureza comercial da atividade desenvolvida;
Da ausência de uma vontade das partes tendente a reconduzir a figura a qualquer outro
tipo de sociedade.
Todavia, também por aqui não avançamos. Os elementos gerais da sociedade encontram-se
nos diversos tipos, não permitindo abrir distinções. A natureza comercial da atividade vai
demasiado longe: pode haver sociedades civis sob a forma de sociedade em nome coletivo
(artigo 1.º, n.º4 CSC). Quanto à não-recondução do ente em causa a qualquer outro tipo
societário: ela deixa em aberto as hipóteses de sociedades civis puras, de sociedades
irregulares e de associações não personalizadas. A objeção lógica de que o regime de
responsabilidade por dividas pressupõe a prévia determinação da natureza da sociedade
parece inultrapassável. Mas também os critérios materiais alternativos se mostram
insuficientes. Na verdade, as sociedades em nome coletivo – como as restantes
demonstrações de personalidade coletiva – apenas tendencialmente visam dar corpo a
valorações substanciais específicas. No plano prático do Direito, elas obedecem, antes de
mais, a critérios objetivos e formais.
A firma; outros elementos: a sociedade em nome coletivo tem, necessariamente, uma
firma (artigo 9.º, n.º1, alínea c) CSC). A firma consta do contrato, a celebrar por escrito com
assinaturas presencialmente reconhecidas ou por escritura pública (artigo 7.º, n.º1 CSC). O
reconhecimento ou a escritura, por seu turno, não poderão ter lugar sem, neles, se dar conta
do certificado de admissibilidade da firma (artigo 54.º, n.º1 RNPC). O contrato de sociedade
está sujeito a registo comercial (artigo 3.º, alínea a) CRCom) registo esse que é exigido para
a plena constituição do novo ente coletivo (artigo 5.º CSC). Em suma: por diversas e
confluentes razões, não é compaginável a existência de uma sociedade comercial não dotada
de uma competente firma. Essa firma passará por três distintas autoridades públicas, todas
com poderes de fiscalização e sujeitas ao princípio da legalidade: o RNPC, o notário e o
conservador do registo comercial. As sociedades em nome coletivo têm uma firma
característica. Segundo o artigo 177.º CSC, ela deve:
Ou individualizar todos os sócios, subentendendo-se que através dos nomes respetivos,
completos ou abreviados;
Ou conter, pelo menos, o nome ou firma de um deles com o aditamento, abreviado
ou por extenso, «e Companhia» ou qualquer outro que indique a presença de mais sócios.
Pela negativa, a firma das sociedades em nome coletivo é claramente identificável pela
ausência de qualquer partícula que indique a limitação da responsabilidade. As sociedades em
nome coletivo dispõem – ou podem dispor – de outros elementos específicos: impossíveis,
juridicamente, de encontrar nos restantes tipos societários. Assim sucede com o sócio de
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indústria. Nos termos do artigo 20.º, alínea a) CSC, todo o sócio é obrigado a entrar para a
sociedade com bens suscetíveis de penhora ou, nos tipos de sociedade em que tal seja
permitido, com indústria. Justamente: os sócios de indústria só são permitidos nas sociedades
em nome coletivo (artigo 178.º CSC) e, ainda e quanto aos sócios comanditados, nas
sociedades em comandita (artigo 468.º CSC a contrario). Quer isto dizer: na presença de um
sócio de indústria e na falta de comandita, estaremos com segurança perante uma sociedade
em nome coletivo. Já a mera ausência desse elemento nada permitirá concluir. As sociedades
em nome coletivo são, basicamente, sociedades comerciais, facilmente reconhecíveis pela sua
firma. Na hipótese – académica – de nos enfrentarmos com uma sociedade cuja firma não
esteja clara ou não seja conhecida, poderemos recorrer a aspetos subsequentes, próprios do
seu regime: a responsabilidade ilimitada dos sócios pelas dívidas sociais, a presença de um
sócio de indústria ou, ainda, algum dos outros aspetos específicos.
Natureza e função: perante o Direito português, as sociedades em nome coletivo são
verdadeiras sociedades comerciais, dotadas de personalidade jurídica, nos termos do artigo
5.º CSC. Trata-se, porém, de sociedades muito simples. Na pureza dos princípios e das
tradições, a sociedade em nome coletivo daria corpo a uma organização imediata de
comerciantes para, em conjunto, exercerem uma prática comercial. A atuação comum giraria,
unificada, em torno de um nome: tendencialmente, o da família. Falar-se, igualmente, num
comerciante com os seus ajudantes. Ainda, na mesma logica, surgiria a responsabilidade
ilimitada e solidária dos sócios. A sociedade em nome coletivo corresponderia, deste modo,
a uma cobertura jurídica adequada para pequenas empresas de tipo familiar, exprimindo a
forma básica do exercício, em conjunto, do comércio. Particularmente importantes, no
século XIX, elas permitiram emprestar, às sociedades em geral, uma caução de seriedade,
mercê, justamente, da responsabilidade ilimitada e solidária dos seus sócios. Tiveram, deste
modo, uma importância decisiva na viragem do mundo comercial para as sociedades e, mais
genericamente, para os operadores coletivos. A função inicial das sociedades em nome
coletivo veio a perder-se. Nesse sentido, jogaram duas ordens de motivos:
Os operadores viraram-se, por várias razões, para as sociedades de responsabilidade
limitada, particularmente para as sociedades por quotas;
As leis – principalmente a nossa – vieram a contagiar os regimes das sociedades em
nome coletivo com elementos próprios das sociedades de capitais, tornando
desnecessariamente complexo o seu manuseio.
Ainda em sede de introdução, as sociedades em nome coletivo apresentam-se bastante
próximas das sociedades civis sob forma civil. Aliás, para além de remissões diretas do
Código das Sociedades Comerciais para o Código Civil, encontraremos múltiplos aspetos
regulativos que foram influenciados por este. Todas elas são sociedades de pessoas. Entre
nós, na falta de remissões expressas, as sociedades em nome coletivo mantêm uma feição
comercial própria. Apenas pelo crivo do artigo 2.º CSC se pode chegar ao Código Civil.
Capítulo II – O contrato de sociedade em nome
coletivo
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14.º - Celebração e conteúdo
As partes: a celebração do contrato em nome coletivo pode, grosso modo, ser remetida
para o regime geral da celebração dos contratos comerciais de sociedade. Anotemos algumas
especificidades. O contrato pode ser concluído por quaisquer pessoas dotadas de capacidade
de exercício. Todavia, está difundida a ideia de que a sociedade em nome coletivo, pela
ilimitação da responsabilidade que envolve, seria perigosa. Resquício dessa ideia é o
dispositivo do artigo 8.º, n.º1 CSC. Com tal fórmula impede-se a formação de uma sociedade
familiar em nome coletivo: precisamente a hipótese em que ela teria mais interesse. Tudo isto
corresponde a resquícios históricos ligados à discriminação da mulher casada e ao
abaixamento social do exercício do comércio: pontos a rever e a corrigir, em definitivo. Ainda
na mesma linha perigosidade das sociedades em nome coletivo, não podem os menores,
representados pelos pais, entrar numa sociedade em nome coletivo ou em comandita simples
ou por ações, sem autorização do tribunal (artigo 1889.º, n.º1, alínea d) CC). Compreende-
se a preocupação, útil nos casos em que o menor rico fosse introduzido, como sócio, numa
sociedade em nome coletivo, para lhe dar mais crédito ou, no limite, para lhe suportar as
dívidas. Lembremos, todavia, que o grande interesse das sociedades em nome coletivo era
de ordem familiar: desaparecerá se implicar um acréscimo de burocracia, de perda de tempo
e de desperdício de dinheiro. Sempre sob o signo do risco empresarial representado pela
responsabilidade ilimitada, o artigo 11.º, n.º5 CSC veio proteger as próprias sociedades
comerciais de, como sócias, ingressarem em sociedades em nome coletivo. Normalmente, os
estatutos societários conferem esta possibilidade muito raramente exercida. Todos estes
preceitos diversos deveriam ter sido devidamente codificados, na sede própria: o Código das
Sociedades Comerciais. Às sociedades em nome coletivo não se aplicam as possibilidades,
existentes para as sociedades por quotas (artigo 270.º-A e 270.º-G CSC) e para as sociedades
anónimas (artigo 488.º, n.º1 CSC), de constituição puramente unilateral. São, pois, exigidas
pelo menos duas partes (artigo 7.º, n.º2 CSC): descontando as sociedades em comandita, pela
natureza das coisas, as sociedades em nome coletivo acabam, assim, por ser as únicas que
sofrem o processo rígido da não unipessoalidade.
A forma e registo: o contrato de sociedade em nome coletivo está sujeito a forma escrita,
devendo as assinaturas dos seus subscritores ser reconhecidas presencialmente, salvo se
forma mais solene for exigida para a transmissão dos bens com que os sócios entrem para a
sociedade (artigo 7.º, n.º1 CSC) e a registo (artigo 5.º CSC, bem como o artigo 3.º, alínea a)
CRCom). A inobservância de forma pode ser minorada pelo regime especial das sociedades
irregulares, a que abaixo se fará referência. Mantemos a tónica geral de crítica ao sistema
vigente: as sociedades em nome coletivo deveriam constituir um esquema societário
aligeirado, de funcionamento instantâneo, para servir o pequeno comércio altamente
personalizado: uma situação parcialmente resolvida pela reforma de 2006. Paradoxo: o
Decreto-Lei n.º111/2005, 8 julho, procurando reagir às queixas contínuas do esmagamento
burocrático das empresas, veio criar:
«…a empresa na hora, através de um regime especial de constituição imediata de sociedades».
Esse regime só se aplica, porém, a sociedades por quotas e a sociedades anónimas (artigo 1.º
CSC). Ficam de fora as sociedades em nome coletivo: aquelas que mais facilidades exigiriam.
A razão de ser desta exclusão tem a ver com o problema da firma. A empresa na hora exige
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que os interessados escolham uma firma de fantasia previamente criada e reservada a favor
do Estado (artigo 3.º, alínea a) CSC). Ora, tais firmas não são possíveis em relação a
sociedades em nome coletivo.
O conteúdo: o conteúdo do contrato de sociedade vem, em geral, previsto no artigo 9.º,
n.º1 CSC. Tratando-se de sociedades em nome coletivo, há que lidar com o artigo 176.º CSC:
«1. No contrato de sociedade em nome coletivo devem especialmente figurar:
«a) A espécie e a caracterização da entrada de cada sócio, em indústria ou bens, assim como
o valor atribuído aos bens;
«b) O valor atribuído à indústria com que os sócios contribuam, para o efeito de repartição
de lucros e perdas;
«c)A parte de capital correspondente à entrada com bens de cada sócio».
O legislador nacional é particularmente prolixo, nestes domínios. O contrato de sociedade
deveria, simplesmente, conter os elementos voluntários essenciais: tudo o resto advém da lei.
Perante o Direito nacional, nota-se de imediato que as alíneas a) – espécie e a caracterização
da entrada de cada sócio – e a c) – pare do capital correspondente à entrada com bens de
cada sócio – são inúteis: elas logo resultariam das alíneas g) e h) do artigo 9.º CSC. Salva-se
o artigo 176.º, alínea b) CSC, relativo ao sócio de indústria, que melhor teria ficado no artigo
178.º CSC. Trata-se de matéria – aí sim – específica e à qual não deixaremos de dar a devida
atenção. Perante o Direito português, não subsiste qualquer dúvida de que a constituição de
uma sociedade em nome coletivo é puramente formal: pode, no momento da sua formação,
não corresponder a qualquer empreendimento real.
A firma: a firma das sociedades em nome coletivo apresenta uma especial configuração: é
o elemento formalmente caracterizador deste tipo societário. Segundo o artigo 177.º, n.º1
CSC:
«A firma da sociedade em nome coletivo deve, quando não individualizar todos os sócios, conter,
pelo menos, o nome ou firma de um deles, com o aditamento, abreviado ou por extenso, “e
Companhia” ou qualquer outro que indique a existência de outros sócios».
Como vimos, este preceito remonta à tradição de Ferreira Borges: a sociedade com firma –
ou com nome – contrapõe-se às sociedades sem firma ou anónimas. E a firma seria,
necessariamente, o nome dos sócios ou, pelo menos, o de um deles, com a indicação “&
Companhia”. Os interessados devem obter, num momento prévio, um certificado de
admissibilidade da firma, junto do RNPC e isso apesar de apenas estarem em causa os seus
próprios nomes. Ainda à luz do RNPC, parece-nos que a locução “e Companhia”, mau grado
a flexibilidade do final do preceito, não pode ser substituída por “e associados”: ou estaremos
perante uma sociedade civil sob forma civil – artigo 42.º, n.º1 RNPC. Recordemos ainda que
sem o certificado de admissibilidade, não é possível a realização do reconhecimento presencia
ou da competente escritura – artigo 54.º, n.º1 RNPC – e, logo: a própria constituição da
sociedade.
Responsabilidade por aparência na firma: o artigo 177.º, n.º2 CSC consagra uma
regra tradicional, já presente no Código Veiga Beirão:
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«Se alguém que não for sócio da sociedade incluir o seu nome ou firma na firma social, ficará
sujeito à responsabilidade imposta aos sócios no artigo 175.º».
O preceito responsabiliza – ainda que objetivamente – a pessoa que, por si e como
consequência e ação sua, tenha incluído, não sendo sócia, o seu nome na firma de uma
sociedade em nome coletivo. O dispositivo não se aplica se, abusivamente, alguém incluir o
nome de um terceiro, que de nada sabia, na firma de uma sociedade em nome coletivo.
Caberiam, então, os diversos remédios relativos à tutela do nome. Passando à previsão,
cumpre distinguir:
O terceiro logrou construir uma firma na qual o seu nome se incluiu;
O terceiro teve artes de, num ou mais atos praticados pela sociedade em nome coletivo,
fazer inserir o seu nome.
É à primeira hipótese que se aplica o transcrito artigo 177.º, n.º2 CSC: apenas nas condições
que ela retrata se poderá dizer que o seu nome está incluído na firma social. Trata-se de uma
hipótese que nos vem de Ferreira Borges e que, então, seria concebível. Hoje não o é.
Semelhante inclusão na firma teria de passar pelos crivos (apertado!!) do RNPC, do notário
ou da entidade responsável pelo reconhecimento presencial das assinaturas e do conservador
do registo comercial. Perante a realidade, o artigo 177.º, n.º2 CSC surge como uma relíquia
dos tempos em que ainda imperava o informalismo: a firma tinha, então, um papel quase
constitutivo. Na segunda hipótese – num ou mais atos da sociedade foi incluído o nome de
um terceiro, por iniciativa ou tolerância deste – já não podemos falar em verdadeira inclusão
na firma. Poderá, então, verificar-se uma sociedade aparente, a qual seguirá o regime do artigo
36.º, n.º1 CSC. O terceiro, ao criar a falsa aparência de uma sociedade que o inclua, vai
responder solidariamente pelas dívidas do ente aparente. Diferenças em relação à primeira
hipótese: a responsabilidade é direta e não, apenas, subsidiária. Aquando da inserção, n
Código, do dispositivo sobre sociedades em nome coletivo não se atentou nem na evolução
dos tempos, nem no dispositivo da parte geral.
15.º - Sociedades em nome coletivo irregulares
Aspetos gerais e modalidades: na tradição portuguesa, lamentavelmente abandonada
pelo Código das Sociedades Comerciais, mas que podemos manter viva, com vantagens e
por via doutrinária, a sociedade irregular é aquela que, por incompletude no seu processo
formativo ou por vício intrínseco no seu contrato, não produza todos os efeitos que, por lei
e pela natureza, ela deveria produzir. Mais precisamente, ficam abrangidas:
As sociedades postas a funcionar independentemente de as partes envolvidas terem
formalizado um contrato de sociedade;
As sociedades formalizadas por escritura pública mas não registadas;
As sociedades formalizadas, mas cujo contrato seja inválido;, ainda aqui, poderá faltar
ou não o registo.
O Código das Sociedades Comerciais veio regular esta matéria nos artigos 36.º a 52.º,
incluídos numa secção intitulada (aliás, erroneamente) Regime das sociedades antes do registo.
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Invalidade do Contrato. Grosso modo, o esquema previsto, sempre aplicável às sociedades em
nome coletivo, é o seguinte:
Há uma sociedade puramente aparente, sem haver qualquer contrato: todos os
intervenientes respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações (artigo 36.º, n.º1
CSC);
Há uma sociedade acordada, mas sem ainda haver contrato definitivo: às relações entre
os sócios e com terceiros aplica-se o regime das sociedades civis (artigo 36.º, n.º2 CSC).
Até aqui, o regime é geral para todas as sociedades. A partir do momento em que já haja
contrato, cabe aplicar as regras diferenciadas. Interessam-nos, de agora em diante, as soluções
especificamente dirigidas às sociedades em nome coletivo irregulares.
A sociedade em nome coletivo não registada: a sociedade em nome coletivo,
depois de concluído o contrato mas antes do registo, rege-se, no tocante às relações entre os
sócios, pelo contrato (artigo 37.º, n.º1 CSC). A solução é justa e adequada: tendo concluído
um contrato e iniciado, na sua base, uma atividade económica, nada mais há a fazer do que
honrar a palavra dada. Além disso, haverá que aplicar as regras correspondentes ao tipo
societário em causa. Quanto a sociedades em nome coletivo, aplicaremos às relações entre
os sócios, respetivamente:
As normas específicas imperativas;
As normas gerais imperativas;
As cláusulas contratuais;
As normas específicas supletivas;
As normas gerais supletivas.
Apenas deparamos com a particularidade do artigo 37.º, n.º2 CSC: a transmissão, por ato
entre vivos, das participações sociais e as modificações do contrato requererão unanimidade.
Trata-se, porém, de uma regra que, salvo o que abaixo se dirá, já resultava dos artigos 182.º,
n.º1 e 194.º, n.º1 e 2 CSC. No tocante a relações com terceiros, temos um preceito específico
para as sociedades em nome coletivo não registadas: o artigo 38.º CSC: Pelos negócios realizados em nome das sociedades, com o acordo expresso ou tácito
dos sócios – o qual se presume – respondem todos eles, solidária ou ilimitadamente;
Se os negócios não tiverem sido autorizados por todos, respondem pessoal e
solidariamente apenas os que os realizarem ou autorizarem (artigo 38.º, n.º2 CSC);
As cláusulas limitativas da responsabilidade não são oponíveis a terceiros, salvo se se
provar que estes as conheciam (artigo 38.º, n.º3 CSC).
O sócio demandado ao abrigo do artigo 38.º, n.º1 CSC pode, em defesa, invocar o beneficium
excussionis previsto no artigo 997.º, n.º2 CC? Isso permitir-lhe-ia só responder se os bens
afetos à sociedade (o seu património) fossem insuficientes. O teor literal da lei parece inculcar
a negativa. Mas o elemento sistemático da interpretação aponta para a saída inversa. Com
efeito:
Não havendo (sequer) escritura, aplica-se o regime das sociedades civis e, logo, o
beneficium em jogo (artigo 36.º, n.º2 CSC);
Depois da escritura, não se entende como (e para quê) um regime mais severo.
Não faz sentido causticar as já massacradas sociedades em nome coletivo com mais este
regime desfavorável: agora em relação às sociedades civis puras e às sociedades irregulares
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pela falha (magna) do contrato. O beneficium excussionis terá de manter-se, por aplicação do
artigo 997.º, n.º2 CC.
A sociedade em nome coletivo inválida: o artigo 43.º, n.º 1 CSC prevê que as
sociedades em nome coletivo possam ser inválidas por duas distintas ordens de razões,
depois de dotadas de regimes diferenciados:
Vícios no título constitutivo;
Causas gerais de invalidade dos negócios, segundo a lei civil.
São vícios do título constitutivo (artigo 43.º, n.º2 CSC que remete para o artigo 42.º, n.º1
CSC e acrescenta ainda alguns):
A falta de, pelo menos, dois sócios fundadores;
A falta de menção da firma, da sede, do objeto ou do capital da sociedade, bem como
do valor da entrada de algum sócio ou de prestações realizadas por conta deste;
Menção de um objeto ilícito ou contrário à ordem pública;
Falta de escritura pública;
Falta de nome ou firma de alguns dos sócios de responsabilidade ilimitada.
Quanto à falta de indicação do capital, entenda-se que ela releva apenas quando a sociedade
em nome coletivo o deva ter: isso não sucede, como vimos, quando ela só tenha sócios de
indústria (artigo 9.º, n.º1, alínea f) CSC). Também não é vício a hipótese da alínea d) do artigo
42.º, nº.1 CSC: não há, aqui, regras sobre a liberação do capital. A presença de invalidade por
vícios no título constitutivo tem a particularidade de ser sanável por deliberação dos sócios,
tomada nos termos estatutários previstos para a alteração do contrato: mas desde que o vício
resulte de falta ou nulidade da indicação da firma, da sede, do objeto e do capital da sociedade,
bem como do valor da entrada de algum sócio e das prestações realizadas por conta desta. A
ação de nulidade corre segundo o regime específico do artigo 44.º CSC. Tratando-se de
causas gerais de invalidade dos negócios, segundo a lei civil, lida-se com o artigo 46.º CSC.
Este específica, na epígrafe, vícios da vontade e incapacidade e, no seu corpo, o erro, o dolo,
a coação, a usura e a incapacidade. A essa lista haverá que acrescentar a falta de consciência
da declaração e, com as devidas adaptações, a simulação. Isto posto: o artigo 46.º CSC
determina a anulabilidade do contrato em relação ao incapaz ou à pessoa que tenha sofrido
o vício da vontade ou a recusa. Embora a lei não o diga, ficam em causa quer o erro na
declaração, quer o erro na formação da vontade. Pena foi que o projeto final do Código não
tivesse sido revisto, também, por um civilista. Todavia, sempre segundo o n.º4 do artigo 46.º
CSC em causa, o negócio poderá ser anulado quanto a todos os sócios, se não for possível,
nos termos do artigo 292.º CC, a sua redução às participações dos outros (artigo 46.º, in fine
CSC). O processamento e as consequências da anulação – apresentadas como já afirmamos
noutra obra, em termos caleidoscópicos pelo legislador de 1986 –, obedecem a regras gerais
para os diversos tipos societários.
16.º - O capital, as entradas e os sócios de indústria
O capital: o artigo 9.º, n.º1, alínea f) CSC determina que do contrato de sociedade deva
constar o capital social,
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«salvo nas sociedades em nome coletivo, em que todos os sócios contribuam com a sua indústria».
O capital da sociedade equivale ao conjunto das entradas dos vários sócios, realizadas ou por
realizar. Essa noção básica tem uma projeção contabilística: será a cifra ideal que representam
as entradas estatutárias, surgindo como tal, nos diversos instrumentos de prestação de contas.
Nada disso se confunde com o património real das sociedades. O capital surge como
elemento relevante justamente nas chamadas sociedades de capitais: sociedades por quotas e
sociedades anónimas. Nas sociedades de pessoas, o conceito apaga-se, de tal modo que:
Ele não ocorre nas sociedades civis sob forma civil, perante o silêncio do artigo 980.º
CC;
Ele não ocorre, necessariamente, nas sociedades em nome coletivo; faltará nas
sociedades que apenas agrupem sócios de indústria.
Poderíamos, assim, distinguir sociedades em nome coletivo com capital social e sem ele. Em
termos de política legislativa, teria sido possível dispensar as sociedades em nome coletivo
de qualquer capital social não faz, aí, grande sentido. Poderíamos fazer dele uma noção
abstrata englobando o conjunto dos valores das entradas, incluindo as entradas em indústria,
para efeitos de repartição de lucros e perdas (artigo 176.º, n.º1, alínea b) CSC): mas nessa
altura, todas as sociedades teriam capital social. A referência ao capital social das sociedades
em nome coletivo é brumosa e não tem expressão, já que não se lhes impõe qualquer capital
mínimo. Ele apenas conduz a que se apliquem, no seu âmbito, diversas e complexas leis de
tutela do capital, ao arrepio do que deveria ser uma verdadeira e própria sociedade de pessoas.
Nas sociedades por quotas, o capital mínimo é de 5000 euros, enquanto, nas anónimas, essa
cifra ascende a 50000 euros: artigos 201.º e 276.º, n.º2 CSC, respetivamente.
Entradas em dinheiro e em espécie: a obrigação de entrada é um traço específico e
característico das sociedades (artigo 20.º, alínea a) CSC). A natureza da entrada de cada sócio
deve constar do contrato social (artigo 9.º, n.º1, alínea g) CSC). A entrada consiste em
realidades patrimoniais ou com alcance patrimonial, numa conjunção especialmente
documentada nas sociedades em nome coletivo. Aí encontramos:
Entradas em dinheiro;
Entradas em espécie;
Entradas em indústria.
De acordo com a visão tradicional, a sociedade em nome coletivo caracterizar-se-ia por
postular a prossecução conjunta de um empreendimento comercial. As entradas teriam a ver
com o contributo para tal empreendimento, o qual poderia ser essencialmente variável.
Todavia, a codificação da matéria veio aproximar, em diversos pontos, as sociedades em
nome coletivo das sociedades de capitais. Entre eles está a matéria atinente às entradas – ou
a certas entradas. A entrada em dinheiro postula uma obrigação pecuniária do sócio. Nos
termos gerais do artigo 25.º, n.º1 CSC, o seu montante não pode ficar aquém do valor
nominal da entrada que ele venha a realizar: abaixo do par. O inverso seria possível: teríamos
um prémio de subscrição, que nada impede neste tipo de sociedade. A lei não regula nem o
momento do cumprimento da obrigação de entrada, nem a forma desse cumprimento:
apenas dispomos de regras para as sociedades por quotas e para as anónimas. Concluímos
pela aplicação:
Ou das regras que porventura o contrato insira;
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Ou das regras supletivas do Direito Civil: a todo o tempo pode o sócio apresentar-se
a realizar a entrada ou pode a sociedade exigir-lha, sob pena de mora.
Consequentemente, não há base para a aplicação do artigo 543.º CSC: este apenas funciona
perante as sociedades de capitais. Nas entradas em espécie lidamos com a transferência, para
a sociedade, de direitos patrimoniais suscetíveis de penhora e que não sejam dinheiro. O
Direito Comunitário preocupou-se muito com as entradas em espécie: ao passo que as
entradas em dinheiro são facilmente confrontáveis, através do seu valor nominal, as entradas
em espécie têm um valor objetivo discutível. Os particulares interessados podem ser levados
a empolá-lo, em detrimento dos credores. Da transposição do Direito Comunitário (2.ª
Diretriz de Direito das Sociedades) resulta o artigo 28.º CSC: preceito que, havendo entradas
em espécies, impõe a preparação de um relatório elaborado por um ROC, devidamente
distanciado da sociedade em jogo e que avalia, objetiva e explicadamente, os bens em jogo
(artigo 28.º, n.º3, alínea d) CSC). Ao relatório é dada, para a proteção de terceiros, uma
especial publicidade (artigo 28.º, n.º4 e 5 CSC). A 2.ª Diretriz dirige-se a sociedades anónimas.
O legislador nacional, fiel à sua militância pró-Bruxelas, transferiu essa matéria para a parte
geral do Código de modo a aplicar-se a todo o tipo de sociedades. Sem justificação: a vida
das sociedades portuguesas não pode ser sistematicamente mais difícil do que a das suas
concorrentes dos outros países europeus. Confrontado com a desnecessária (e dispendiosa)
complicação que o artigo 28.º CSC representa para as sociedades em nome coletivo, o artigo
179.º CSC veio dispor:
«A verificação das entradas em espécie, determinada no artigo 28.º, pode ser substituída por
expressa assunção pelos sócios, no contrato de sociedade, de responsabilidade solidária, mas não
subsidiária, pelo valor atribuído aos bens».
Algumas precisões:
Trata-se de uma responsabilidade para com a sociedade;
É solidária: esta pode efetiva-la junto de quem entender;
Não está ao acesso direto dos credores da sociedade: estes apenas poderão,
subsidiariamente, penhorar o correspondente crédito ou, verificando-se os
competentes pressupostos, lançar mão de uma ação sub-rogatória (artigo 606.º, n.º1
CC);
Funciona em alternativa ao artigo 28.º CSC, à opção dos sócios.
Os sócios de indústria: o sócio de indústria é aquele que entra para a sociedade com
serviços próprios: nem com dinheiro, nem com bens. Trata-se de uma concretização do
artigo 980.º CC, na parte em que refere serviços. A lei civil, de resto, nada mais dispõe sobre
o tema a não ser, no artigo 992.º CC, cujos números 2 e 3, respetivamente:
Isentam o sócio de indústria de responder, nas relações internas, pelas perdas sociais;
Regula a fixação do quinhão do sócio de indústria nos lucros, bem como o valor da
sua contribuição.
As contribuições em indústria estão vedadas nas sociedades por quotas (artigo 202.º, n.º1
CSC) e nas anónimas (artigo 277.º, n.º1 CSC). Trata-se, pois, de uma especial prerrogativa
das sociedades em nome coletivo (artigo 178.º CSC) e das em comandita, no tocante aos
sócios comanditados (artigo 468.º CSC, a contrario). A lei não especifica que indústria possa
integrar a contribuição para a sociedade em nome coletivo. Entendemos que será qualquer
serviço útil, de teor económico. A lei portuguesa confere, a este aspeto, uma dimensão
particularmente significativa, designadamente no artigo 178.º CSC. Já se tem pretendido
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excluir do universo das indústrias possíveis a assunção da gerência da sociedade: porque
todos os sócios são gerentes, nos termos do artigo 191.º, n.º1 CSC e salvo cláusula em
contrário: logo, todos eles o seriam de indústria. Mas não: tudo depende da livre vontade das
partes. Bem pode acontecer que uma pessoa, dotada de experiência, de bons conhecimentos
e de especial know how, represente uma tal mais-valia para a sociedade que os seus consócios
o aceitem como sócio de indústria sendo a sua entrada, justamente, o serviço de gerência.
Poderá mesmo ser um excelente negócio para todos: não vislumbramos porque iria o Direito
impedi-lo. A presença de sócios de indústria levanta algumas dificuldades práticas. Desde
logo: como computá-la para o capital social? Repare-se que, ab initio, a indústria nada vale: in
futurum, o seu contributo para a riqueza societária irá aumentando, à medida que se for
concretizando. Perante a dificuldade, o legislador adotou duas normas importantes:
Se todos os sócios o forem de indústria, não há capital social: artigo 9.º, alínea f) CSC;
Em qualquer caso, o valor da contribuição em indústria não é computado no capital
social (artigo 178.º, n.º1 CSC).
À partida, o sócio de indústria deveria ser responsável, tal como os outros ilimitadamente,
pelas dívidas da sociedade. Todavia, o artigo 22.º, n.º3 CSC, que proíbe os pactos leoninos,
exceciona:
«...salvo o disposto quanto a sócios de indústria».
Tentemos articular essa aparente particularidade com as específicas disposições relativas aos
sócios de indústria. Assim:
Os sócios de indústria não respondem, nas relações internas, pealas perdas sociais,
salvo cláusula em contrário do contrato de sociedade (artigo 178.º, n.º2 CSC,
semelhante ao artigo 992.º, n.º2 CC;
Quando, por haver tal cláusula, o façam e, desse modo, contribuam com capital (artigo
178.º, n.º3 CSC):
«ser-lhes-há comporta, por redução proporcional das outras partes sociais, uma parte de
capital social correspondente àquela contribuição».
A última e referida hipótese implica a alteração da sociedade: qualquer dos gerentes
pode outorgar na respetiva escritura (artigo 178.º, n.º4 CSC).
Mas, e nas relações externas? O sócio de indústria, na qualidade de membro de uma
sociedade em nome coletivo, responde perante os credores solidária e subsidiariamente, pelas
dívidas da sociedade (artigo 175.º, n.º1 CSC). Este aspeto não é, logicamente, afastado.
Quanto a perdas propriamente ditas: se não houver lucro, o sócio de indústria terá trabalhado
sem nada receber em causa. Sofre perdas (e graves!). Em suma: pela natureza das coisas, o
risco de perdas a que se sujeita o sócio de indústria é o de não ser pago.
Capítulo III – A situação jurídica dos sócios em nome
coletivo
17.º - A responsabilidade
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Responsabilidade pelas entradas: na sociedade em nome coletivo, cada sócio
responde individualmente pela sua entrada (artigo 175.º, n.º1, 1.ª parte CSC). Trata-se de um
preceito distinto do das sociedades por quotas, nas quais cada sócio é solidariamente
responsável por todas as entradas previstas no pacto social (artigo 197.º, n.º1 CSC) e do das
sociedades anónimas: aí, cada sócio responde apenas pelo valor das ações que haja subscrito.
Como se infere do próprio regime das entradas, a responsabilidade aqui em causa:
É individual: cada sócio só responde pela sua própria entrada;
É exercida pela própria sociedade: apenas em ação sub-rogatória poderia um
terceiro interessado agir neste domínio, desde que verificados os devidos pressupostos;
Efetiva-se de acordo com a natureza da entrada em causa.
Quanto à efetivação: cabe à sociedade interpelar o sócio remisso e proceder, sendo esse o
caso, à fixação de prazo admonitório, antes de se considerar incumprida, definitivamente, a
obrigação em causa (artigo 808.º CC). Mas, além disso, e nos termos gerais:
A entrada em dinheiro efetiva-se, sendo necessário, segundo as regras que regem as
obrigações pecuniárias; no limite, haverá que recorrer aos mecanismos coativos de
agressão e de execução patrimonial;
A entrada em espécie pode dar azo à reivindicação da coisa pela sociedade, verificados
os pressupostos do artigo 1311.º CC; de facto, a sociedade adquire a propriedade da
espécie por mero efeito do contrato (artigo 408.º, n.º1 CC); quanto, por razões de
redocumentação ou outras, não caiba a transferência imediata, será possível a execução
específica;
A entrada em indústria faculta, não sendo cumprida:
i. Ou a sua execução por terceiros, quando estejam em causa indústrias fungíveis;
tal execução é feita à custa do sócio faltoso (artigo 828.º CC);
ii. Ou a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias (artigo 829.º-A CC).
Responsabilidade pelas obrigações sociais: além de responder pelas entradas, o
sócio em nome coletivo responde ainda pelas obrigações sociais: subsidiariamente em relação
à sociedade e solidariamente com os outros sócios (artigo 175.º, 2.ª parte CSC. Trata-se,
como vimos, de um ponto chave deste tipo societário. Com o seguinte alcance:
A responsabilidade é subsidiária porque só opera perante a insuficiência do património
social;
A responsabilidade é solidária porque qualquer dos sócios pode ser demandado pela
totalidade do quantum em causa.
A natureza subsidiária da responsabilidade do sócio aqui em causa coloca, na esfera deste,
uma exceção em sentido técnico: a de invocar o beneficium excussionis, com isso detendo a
própria responsabilidade, até que se mostre excutido o património da sociedade. O benefício
da excussão, como qualquer posição ativa privada, deve ser exercido por iniciativa do seu
titular. A este propósito, importa ter presente o artigo 745.º, n.º1 CPC (de 2013, o mais atual),
precisamente epigrafado penhorabilidade subsidiária:
«Na execução movida contra devedor subsidiário, não podem penhorar-se os bens deste,
enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal, desde que o devedor
subsidiário fundadamente invoque o benefício da excussão, no prazo a que se refere o n.º1 do
artigo 728.º»
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O exercício, no prazo fixado, da exceção do benenficium excussionis constitui um encargo
técnico: destinado a prevenir que a situação se protele indefinidamente. A responsabilidade
subsidiária dos sócios pelas obrigações sociais é estabelecida a favor dos credores sociais: não
da própria sociedade. Não é possível, fora dos condicionalismos próprios da
responsabilidade subsidiária, imputar ao sócio prejuízos que a lei não lhe impute. Além disso,
uma execução contra o sócio sempre pressuporia que estes tivesse sido demandado na ação
donde proveio o título executivo.
A insolvência: tradicionalmente, a declaração de falência (hoje: insolvência) de uma
sociedade em nome coletivo envolvia a declaração de falência dos sócios, dada a sua
responsabilidade ilimitada. A inclusão, no universo da falência, dos sócios de
responsabilidade ilimitada, que surge noutros ordenamentos, para mais em termos
automáticos ou derivados, só pode ter, como explicação, a falta de personalidade jurídica das
sociedades em nome coletivo. Compreende-se que seja lógico nos atuais Direitos alemão e
italiano. Resulta incongruente no nosso Direito. Apresenta-se, entre nós, como uma relíquia
do valioso mas longínquo Código Ferreira Borges, no qual, tudo visto, a sociedade em nome
coletivo representava, por um conjunto de comerciantes, o exercício, em comum, da sua
atividade. No atual Código da Insolvência (2004), o sistema resulta menos claro. O artigo 6.º
introduz uma noção de responsáveis legais. Diz o seu n.º2:
«Para efeitos deste Código, são considerados responsáveis legais as pessoas que, nos termos da
lei, respondam pessoal e ilimitadamente pela generalidade das dívidas do insolvente, ainda que
a título subsidiário».
Todavia, o preceito relativo à petição inicial (artigo 23.º CIRE) omite a óbvia indicação de
quem, porventura, devesse ser julgado insolvente, em conjunto com o devedor principal.
Deduzimos que os responsáveis legais deverão ser objeto de distintos pedidos de insolvência,
caso em relação a eles se verifiquem os competentes pressupostos. O artigo 40.º, n.º1, alínea
e) e f) CIRE dão legitimidade, para oposição a embargos, aos responsáveis legais pelas dívidas
do insolvente e aos sócios, associados ou membros do devedor: os sócios em nome coletivo
têm, assim, um duplo título para intervir, independentemente de terem sido requeridos na
falência. Os devedores solidários e garantes (artigo 95.º, n.º1 CIRE) dão azo a diferentes
massas solventes, às quais o credor pode concorrer pela totalidade do seu crédito. As ações
contra os responsáveis legais pelas dívidas do insolvente ficam a cargo, na pendência do
processo de insolvência, exclusivamente, do administrador da insolvência (artigo 82.º, n.º2
CIRE). Temos elementos suficientes para apurar, na insolvência das sociedades em nome
coletivo, uma dogmática própria, dogmática essa que, inclusive, altera o esquema comum da
responsabilidade subsidiária que resulta das leis comerciais substantivas. Trata-se de matéria
que carece de estudo. Resta fazer votos para que haja um mínimo de estabilidade legislativa.
Objeto, início e termo: a situação da responsabilidade ilimitada é ponderosa. Cabe, por
isso, fixar com precisão o seu objeto, o seu início e o seu termo: fatores que o legislador
contempla de modo expresso. Quanto ao objeto da responsabilidade temos as obrigações
sociais (artigo 175.º, n.º1 CSC) ou as obrigações de sociedade (artigo 175.º, n.º2 CSC). Trata-
se de obrigações externas, isto é, de obrigações da sociedade para com terceiros. A fonte é
irrelevante: ficam abarcadas obrigações ex contractu, ex delicto e todas as restantes ensinadas
pela doutrina geral das obrigações. Também o conteúdo das obrigações em jogo não releva:
poderão se de dare, de facere ou de non facere. Seguindo uma ideia de Pinto Furtado, afigura-se-
nos que tem aqui aplicação o artigo 638.º, n.º2 CC, relativo à fiança: mesmo quando excutidos
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todos os bens da sociedade, é lícito ao sócio ilimitado recusar o pagamento, desde que prove
que o crédito não foi satisfeito por culpa do credor. Trata-se de uma exigência da boa fé, na
fórmula clássica do tu quoque. Seguindo a ordem legal, o sócio responde apenas pelas
obrigações da sociedade contraídas até à data em que dela saia. Vale, para situar
cronologicamente as obrigações em causa, a data da sua constituição: não a do vencimento
ou qualquer outra. Nos contratos de formação sucessiva, teremos de determinar o preciso
quantum vinculativo no momento em que a responsabilidade ilimitada do sócio deve ser
aferida. Assim, ele poderá, por hipótese, ser responsabilizado pelo incumprimento de uma
carta de intenção concluída quando era sócio, mas não pela do contrato-promessa
subsequentemente obtido. O artigo 175.º, n.º2, 2.ª parte CSC, determina a responsabilidade
do sócio pelas obrigações contraídas anteriormente à data do seu ingresso. Trata-se da
solução equivalente à do artigo 977.º, n.º4 CC. No seu anteprojeto, Fernando Olavo, embora
consciente destes fatores, propusera a solução inversa. Explicava, em troço também
transcrito por Raúl Ventura:
«Os credores anteriores à entrada ou posteriores à saída do sócio não podiam ter tido em vista
a garantia pessoal dele e correspondentemente não é justo que dela beneficiem. Por outro lado,
também não se justifica que o sócio responda por atos de que pode não ter sequer conhecimento
e que estavam em todo o caso fora do seu controle».
Raúl Ventura responde:
Quanto ao segundo aspeto: seria de elementar prudência que uma pessoa, antes de
ingressar numa sociedade de responsabilidade ilimitada se inteire das obrigações
existentes;
Quanto ao primeiro: assim é; todavia, o Código preferiu tutelar o crédito em geral e
evitar, aos credores, o terem de indagar a precisa data do ingresso dos sócios.
A solução de Fernando Olavo era, sem dúvida, a mais coerente e equilibrada… além de mais
justa. Haverá circunstâncias em que alguém ingressa numa sociedade sem que, por cauteloso
que seja, possa conhecer todos os débitos existentes. A solução pelo abuso do direito é
sempre espinhosa, quando o legislador de 1986 podia tudo ter resolvido.
Sub-rogação e regresso: o artigo 175.º, n.º3 CSC atribui, ao sócio que haja sido
chamado a responder por dívidas da sociedade em nome coletivo, um direito de regresso.
Cumpre reter os seus precisos termos:
«O sócio que, por força do disposto nos números anteriores, satisfizer obrigações da sociedade
tem direito de regresso contra os outros sócios, na medida em que o pagamento efetuado exceda
a importância que lhe caberia suportar segundo as regras aplicáveis à sua participação nas
perdas sociais».
O direito de regresso consta do artigo 524.º CC: ele traduz-se num direito novo,
particularmente dirigido à contra-efetivação da solidariedade. Os juros a que dê lugar, por
exemplo, serão os moratórios contados desde o pagamento que deu azo ao regresso. Quanto
à medida do regresso: ela recorta-se na participação que, a cada um, caiba no tocante à
repartição das perdas sociais. O n.º4 do artigo 175.º CSC manda aplicar o mesmo regime à
hipótese de um sócio ter satisfeito obrigações da sociedade, para evitar que, contra ela, fosse
movida execução. A lei pretendeu que não fosse penalizado o sócio que, em nome da boa
prossecução dos negócios ou por qualquer outra razão, não invocasse o beneficium excussionis.
Todavia, não podem ficar por aqui as consequências do pagamento, por um sócio, das
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dívidas da sociedade, tanto mais que, entre nós, estas têm personalidade jurídica. A primeira
consequência do pagamento, nestas circunstâncias, de uma dívida alheia é a sub-rogação:
artigo 592.º, n.º1 CSC. O sócio fica na precisa posição do credor, sendo-lhe transmitidas
todas as garantias e acessórios (artigo 582.º ex vi artigo 594.º CC). Aliás, também é essa (e não
a do regresso) a situação do fiador que cumpra a obrigação (artigo 644.º, n.º1 CC). Essa sub-
rogação – que por maioria de razão opera na hipótese do artigo 175.º, n.º4 CSC – permite
que tenha pago dívidas sociais duas vias de atuação ulterior:
Pode agir como novo credor da sociedade, por via da sub-rogação nos direitos do
primeiro credor;
Pode agir em regresso, diretamente contra os seus consócios.
Uma ponderação in concreto mostrará qual a via preferível. Em regra será, porém, a da sub-
rogação. De novo sublinhamos que o projeto de Código das Sociedades Comerciais deveria
ter sido revisto, também por civilistas.
18.º - A proibição de concorrência
Aspetos gerais: a proibição de concorrência tem lugar especial, particularmente nas
sociedades de pessoas. Ela surge:
No artigo 990.º CC, relativo aos sócios das sociedades civis puras;
No artigo 180.º CSC, quanto a sócios de sociedades em nome coletivo;
No artigo 254.º CSC, no que toca a gerentes de sociedades por quotas.
Pela natureza das coisas, pela sua extensão e pelo pormenor legislativo, podemos considerar
que a proibição paradigmática é precisamente a que surge no campo das sociedades em nome
coletivo. Em termos latos, há concorrência quando dois ou mais agentes económicos aspirem
a negociar num mesmo mercado, isto é, com um determinado universo de potenciais
interessados, de tal modo a opção por um dos agentes concorrentes implique uma não opção
pelos outros. A concorrência está na base das economias do mercado, sendo assegurada e
disciplinada por todo um complexo normativo com importantes projeções comunitárias: o
Direito da concorrência. A concorrência pode ser direta, quando os agentes pretendam
colocar no mercado produtos idênticos; ou pode ser indireta ou por sucedâneo quando os
produtos em jogo, não sendo idênticos, se possam, melhor ou pior, substituir uns aos outros.
No campo societário, não encontramos uma noção única da concorrência e do seu âmbito.
Assim:
O artigo 990.º CC fala, simplesmente, em «exercer uma atividade igual à da sociedade»;
O artigo 180.º, n.º3 CSC entende:
«como concorrente qualquer atividade abrangida no objeto da sociedade, embora de facto
não esteja a ser exercida por ela».
O artigo 254.º CSC contrapõe:
«como concorrente com a da sociedade qualquer atividade abrangida no objeto desta,
desde que esteja a ser exercida por ela ou o seu exercício tenha sido deliberado pelos
sócios».
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A lei é mais severa quanto às sociedades em nome coletivo: proíbe, aí e como se vê, a mera
concorrência potencial; nos dois outros casos, apenas a concorrência efetiva é sancionada.
Concorrência e lealdade: sentido e limites: a proibição, dirigida aos sócios em
nome coletivo, de concorrerem com a própria sociedade, é antiga. Ela vem sendo retirada
do dever de fidelidade ou do dever de lealdade, tendo base legal. Ela explica-se pela própria
natureza da sociedade em nome coletivo, tomada como uma estrita comunidade de trabalho
e de responsabilidade. Os sócios que a queiram constituir comprometem-se, uns perante os
outros, a colocar os seus esforços em prol do conjunto, mantendo-se mutuamente fieis a esse
escopo. Essa ideia não deve ser exacerbada: o sócio não pode, pura e simplesmente, abdicar
da sua capacidade produtiva autónoma. A proibição de concorrência surge como uma norma
destinada a prevenir colisões de interesses, independentemente de, in concreto, eles
ocorrerem efetivamente e isso com consequências ou sem elas. Estão especialmente em
causa:
O uso, pelo sócio concorrente, de informações privilegiadas, que lhe advenham da sua
presença no manejo societário (insider trading);
A diminuição das hipóteses de negócio da sociedade, desviadas para outros domínios.
Poderíamos ainda acrescentar a este rol a própria falta de dedicação à sociedade que o sócio
concorrente, disperso por outras paragens, acabaria por demonstrar perante os negócios
sociais. Na fixação do dever de não concorrência, há que lidar com os seus âmbitos subjetivo,
objetivo e cronológico. Em termos subjetivos, ela abrange todos os sócios em nome coletivo,
independentemente do facto de serem ou não gerentes. A proibição de concorrência abrange,
a fortiori, os gerentes que não sejam sócios, designados por via do artigo 191.º, n.º2 CSC. Fica
abarcada a pertença a outra sociedade de responsabilidade ilimitada. O exercício também
pode ser por conta própria ou alheia: ambos são proibidos (artigo 191.º, n.º1 CSC). O n.º4
desse preceito especifica ainda que, no exercício por conta própria, se inclui a participação
de, pelo menos, 10% do capital ou nos lucros de uma sociedade em que o sócio assuma
responsabilidade limitada. Objetivamente, a concorrência é vedada quando implique
qualquer atividade abrangida no objeto da sociedade, ainda que não esteja, no momento
considerado, a ser exercida (artigo 180.º, n.º3 CSC).Pode ainda suceder que a sociedade venha,
de facto, exercer uma atividade não compreendida no seu objeto social: opera, perante ela, a
proibição de concorrência? Raúl Ventura responde pela afirmativa: tendo o sócio consentido
uma atuação extra-estatutária, não lhe seria lícito, agora, prevalecer-se da omissão quanto ao
objeto da sociedade. Mas podemos distinguir:
Se o sócio já exercia a atividade questionada antes de a sociedade se abalançar a ela e
se não houve intenção de transferir, para o ente societário, tal atividade, não vemos
como proibir a concorrência;
Se o sócio apenas vem seguir o caminho da sociedade, encetando, ex novo, a atuação
concorrente, há ilicitude: mesmo que se trate de atuação de facto.
Para a definição da atividade em jogo não releva, apenas, a sua natureza: também há que lidar
com coordenadas geográficas. Se uma sociedade vende postais (apenas) em Lisboa, não
haverá concorrência vedada se o socio iniciar vendas no Porto. Em termos cronológicos, a
proibição de concorrência deveria subsistir enquanto a qualidade de sócio se mantiver.
Todavia, os deveres de boa fé (artigo 762.º, n.º2 CC) vão proibir:
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A concorrência na fase pré-societária, isto é: no momento em que se prepare a
sociedade, a qual já se poderá encontrar em funcionamento antes do registo e antes da
própria escritura;
A concorrência na fase pós-societária, ou seja: o sócio que já tenha abandonado a
sociedade pode ser portador de segredos e de oportunidades de negócio, angariadas
enquanto sócio e dos quais não pode tirar proveito, em detrimento da sociedade.
O consentimento: o artigo 180.º, n.º1 CSC, ao proibir a concorrência que ora nos ocupa,
logo ressalva «salvo expresso consentimento de todos os outros sócios». Compreende-se essa hipótese:
movimentamo-nos no plano patrimonial onde, em princípio, as diversas posições jurídicas
são disponíveis. Não se infira estarem em jogo interesses dos sócios e não da sociedade:
todos os interesses o são das pessoas singulares envolvidas, apenas sucedendo que alguns
deles operam em modo coletivo, de acordo com as regras da personalidade coletiva. É
manifestamente esse o caso, uma vez que o consentimento requerido o é a todos os outros
sócios. O consentimento pode resultar do próprio pacto social: a solução preferível uma vez
que, dessa forma, todos saberão com o que contar. Quid iuris, porém, quando a situação
advenha de iniciativa da sociedade? Isto é: a sociedade modifica o seu objeto e, com isso, vai
envolver uma atividade já desenvolvida por um sócio. Em princípio, tal alteração só é
possível com o consentimento de todos os sócios e, logo: do sócio visado (artigo 194.º, n.º1
CSC). Este terá de escolher: ou negoceia individualmente ou o faz em nome coletivo. Neste
último caso, é necessária a autorização, sob pena de incorrer (supervenientemente) em
concorrência ilícita. A lei fala em expresso consentimento. Não poderá ser tácito? A lei
equipara as declarações tácitas às expressas: elas resultam de factos que, com toda a
probabilidade as revelem, podendo ser formais. E o próprio legislador abre uma brecha na
estrita redação do artigo 181.º, n.º1 CSC, quando, no n.º5 desse mesmo preceito, dispõe:
«O consentimento presume-se no caso de o exercício da atividade ou a participação noutra
sociedade serem anteriores à entrada do sócio e todos os outros sócios terem conhecimento desses
factos».
Em compensação, não vemos margem para transpor, neste domínio, a presunção do artigo
254.º, n.º2 CSC. O consentimento subsequente não está sujeito a qualquer forma específica.
Ele pode provir de declarações individuais ou de uma manifestação conjunta da vontade de
todos, patente, por exemplo, numa votação realizada em reunião de sócios.
Concorrência ilícita: a concorrência ilícita envolve uma quebra grave da confiança que
deve reinar entre os sócios. Assim, o artigo 186.º, n.º1, alínea a) CSC, coloca-a à cabeça dos
casos nos quais a sociedade pode excluir um sócio: uma violação grave das suas obrigações
para com a sociedade. Esta sanção pode ser insuficiente: o sócio concorrente pode apoderar-
se de segredos comerciais, de carteiras de clientes e de negócios, lançando-se, por conta
própria e à custa da sociedade. As leis preveem, por isso, esquemas sancionatórios mais
complexo. Também no nosso artigo 180.º, n.º2 CSC prevê sanções alternativas, a aplicar ao
prevaricador:
Ou uma indemnização pelos danos causados à sociedade;
Ou a entrega, à sociedade, dos negócios concorrentes e dos inerentes proveitos, sejam
eles captados em nome do próprio sócio concorrente ou sejam-no em nome alheio.
Esta solução alternativa é fortemente insatisfatória, devendo ser corrigida pela interpretação.
Tomada à letra, parece que a sociedade teria de escolher: ou a indemnização ou o subingresso
nos negócios do sócio concorrente. Tratando-se de matéria em curso, dependente, para mais,
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de decisões judiciais, nenhuma sociedade pode prever, com clareza, qual a melhor solução.
O Direito das Sociedades não deve transformar-se num exercício aleatório de apostas.
Dizem-nos os princípios gerais que o devedor é responsável pelos danos que cause ao credor
(artigo 798.º CC), devendo a reparação ser integral (artigo 562.º CC). Tudo o que seja limitar
legal e artificialmente as indemnizações incorre em inconstitucionalidade, por violação da
propriedade privada (artigo 62.º, n.º1 CRP). A hipótese de subingresso é interessante: mas
deve ser sempre completada por uma indemnização, quando não se mostre suficiente para
cobrir todos os danos. A alternativa legal deve ser interpretada nestes termos:
Ou a sociedade opta, ab initio, por uma indemnização;
Ou escolhe o subingresso a completar, eventualmente, com a indemnização adequada.
O progresso do Direito Privado faz-se na busca da harmonia e da adequação de valores.
19.º - O direito à informação
Aspetos gerais: o direito à informação sobre os assuntos da sociedade constitui um dos
mais importantes elementos que integram o status de sócio. Em termos gerais, a informação
relevante pode ser mais ou menos acessível. Compreende-se que numa sociedade anónima
que possa reunir dezenas de milhares de sócios – incluindo concorrentes! – não seja pensável
facultar a todos e permanentemente, o acesso à documentação social. Nessa base, fomos
levados a distinguir círculos de informação, consoante as pessoas a que sejam acessíveis:
Informação pública;
Informação reservada;
Informação qualificada; e
Informação secreta.
Toda esta matéria foi desenvolvida a partir das sociedades anónimas, encontrando, no
Código, consagrações dispersas. Nas sociedades em nome coletivo, em que todos os sócios
são tendencialmente gerentes (artigo 191.º, n.º1 CSC) e por cujas dívidas eles respondem
solidariamente, o regime da informação deve ser mais aberto: acessível, em princípio, a todos
os sócios.
Os elementos do direito à informação: o direito dos sócios em nome coletivo à
informação societária resulta do artigo 181.º CSC. Este preceito compreende vários níveis de
regulação. Assim, iremos distinguir:
Como prestar informações; As informações devem ser verdadeiras, completas e
elucidativas (artigo 181.º, n.º1 CSC). Aparentemente, ficam abrangidas, nos termos
desse mesmo preceito:
i. Informações diretas, prestadas verbalmente;
ii. Informações escritas, se assim for solicitado;
iii. A consulta, na sede social, de escrituração, dos livros e dos documentos.
A lei não especifica como se processam as informações verbais e por escrito É evidente
que não podem ser prestadas em contínuo: o gerente solicitado não deve descurar as
suas funções, no manejo social. O dever geral de informar deve entender-se delimitado
pelas exigências da boa fé. Já quanto à consulta da escrituração, dos livros e dos
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documentos, temos norma: o artigo 181.º, n.º3 CSC determina que a mesma se faça
pessoalmente pelo sócio, que pode ser assistido por um Revisor Oficial de Contas ou
por outro perito; pode, ainda, tirar cópia, como se infere da remissão para o artigo
181.º, n.º3 CSC.
Qual o objeto das informações: quando a este, a lei distingue (artigo 181.º, n.º2 CSC):
i. Informações sobre atos já praticados;
ii. Informações sobre atos cuja prática seja esperada, quando sejam suscetíveis de
fazer incorrer o seu autor (a sociedade) em responsabilidade.
Nesta distinção está, aparentemente, em causa a possibilidade de obter elementos
sobre as intenções dos gestores. Já a determinação do que possa provocar
responsabilidade é mais complexo. Na dúvida, devem prevalecer critérios objetivos.
A inspeção dos bens sociais: prevista no artigo 181.º, n.º4 CSC deve ocorrer
pessoalmente, com a eventual participação de peritos. Tudo isto pode acionar despesas:
caberá ao sócio interessado suportá-las.
Pergunta-se se pode ser invocado o segredo, para não prestar informações. No tocante a
negócios da sociedade, a resposta é negativa: o sócio, até porque ilimitadamente responsável,
deve poder aceder a tudo. Admitimos, porém, que os gerentes, por via da sua atividade,
fiquem na posse de elementos confidenciais relativos a terceiras pessoas e que nada tenham
a ver com o giro comercial. Sobre tais elementos cabe segredo, nos termos gerais (trata-se,
designadamente, do direito à intimidade privada).
Abuso de informações: segundo o artigo 181.º, n.º5 CSC:
«O sócio que utilize as informações, obtidas de modo a prejudicar injustamente a sociedade ou
outros sócios é responsável, nos termos gerais, pelos prejuízos que lhes causar e fica sujeito a
exclusão».
Impõem-se previsões. A informação, só por si, é um dano para quem a deva prestar: envolve
um esforço, um dispêndio de tempo e, porventura: mesmo despesas diretas. Qualquer pedido
de informação vai, assim, prejudicar a sociedade e logo os sócios. Todavia, não é,
manifestamente, esse o aspeto aqui em jogo. A lei fala em utilizar a informação: visa-se a
situação na qual o sócio, em vez de guardar para si a informação obtida, vai:
Ou divulga-la a terceiros;
Ou encetar, na sua base, uma qualquer atuação.
Ambas essas atuações podem ser ilícitas. A ilicitude em causa pode advir:
Da violação de deveres contratuais expressamente assumidos: pensa-se na hipótese de
se ter acordado um regime de confidencialidade;
Da violação de deveres legais específicos, com relevo para a proibição de concorrência;
Da violação de um dever geral de lealdade: para com a sociedade ou para com os outro
sócios;
Da inobservância de direitos subjetivos absolutos, como o direito à intimidade da vida
privada.
A lei refere prejudicar injustamente. Leia-se ilicitamente, fórmula correta, no atual Direito Civil de
responsabilidade. Além da ilicitude, exige-se o prejuízo, isto é, o dano. Admitimos:
Danos emergentes;
Lucros cessantes;
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Danos morais.
Por tudo isso, o sócio prevaricador é responsável, nos termos gerais. O artigo 181.º, n.º5
CSC refere ainda a sujeição do sócio à exclusão. Pode, com efeito, tratar-se de uma violação
grave das suas obrigações para com a sociedade, nos termos do artigo 186.º, n.º1, alínea a)
CSC.
Sanções pena não-prestação de informações: segundo o artigo 181.º, n.º6 CSC:
«No caso de ao sócio ser recusado o exercício dos direitos atribuídos nos números anteriores,
pode requerer inquérito judicial nos termos previstos no artigo 450.º».
O português não é famoso. O artigo 450.º CSC prevê, efetivamente, um inquérito judicial,
«(…)em cujo processo será ordenada a destituição do infrator, se disso for caso» (n.º1). Além disso, haverá
que contar com a aplicação do artigo 518.º CSC: preceito que incrimina a recusa ilícita de
informações, bem como do artigo 519.º CSC, que se ocupa das informações falsas. Queda,
finalmente, o dever de indemnização por todos os danos que sejam provocados ao sócio
preterido, incluindo os morais.. Recusar um pedido legítimo de informações, para mais numa
ambiência de sociedade em nome coletivo é, antes de mais, uma grave desconsideração.
Capítulo IV – O Funcionamento das Sociedades em
Nome Coletivo
20.º - As deliberações dos sócios
Aspetos gerais; a assembleia geral: no tocante às deliberações dos sócios de
sociedades em nome coletivo, há que aplicar, em primeira linha, a Parte Geral do Código –
artigos 53.º a 63.º CSC. Apenas com uma prevenção: trata-se de matéria gizada em torno da
grande matriz das sociedades anónimas. Na passagem para as sociedades de pessoas, haverá
sempre que proceder às competentes adaptações. O Código de 1986 evitou referir a
assembleia geral. Por um lado, teve em conta o facto de poder haver deliberações por escrito
(artigo 54.º CSC) sem que, de assembleia geral, se possa falar. Por outro, preponderou, num
plano vocabular, a opção contratualista subjacente. Curiosamente, o artigo 189.º, n.º1 CSC
não teve dúvidas em, relativamente às sociedades em nome coletivo, referir a assembleia geral.
Funcionamento: o artigo 189.º, n.º1 CSC, relativo às deliberações dos sócios, começa
logo por definir o direito subsidiário. Assim:
«Às deliberações dos sócios e à convocação e funcionamento das assembleias gerais aplica-se o
disposto para as sociedades por quotas em tudo quanto a lei ou o contrato de sociedade não
dispuserem diferentemente».
Só que o artigo 248.º, n.º1 CSC, referente às assembleias gerais das sociedades por quotas
manda aplicar:
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«(…) o disposto sobre assembleias gerais das sociedades anónimas, em tudo o que não estiver
especificamente regulado para aquelas».
Temos, pois, um jogo complexo de remissões: muito discutível, de iure condendo. Prevalecem
as normas específicas sobre sociedades em nome coletivo. São elas:
As deliberações são tomadas por maioria simples, salvo disposição legal ou contratual
diversa (artigo 189.º, n.º2 CSC);
O sócio só pode ser representado pelo cônjuge, ascendente, descendente ou outro
sócio, bastando para o efeito uma carta dirigida à sociedade (artigo 189.º, n.º4 CSC);
As atas devem ser assinadas por todos os que participarem na assembleia (artigo 189.º,
n.º5 CSC);
A cada sócio pertence um voto, salvo se outro critério resultar do pacto social, sem
que o direito de voto possa ser suprimido (artigo 190.º, n.º1 CSC);
O sócio de indústria dispõe sempre, pelo menos, de votos em número igual ao menor
número de votos atribuídos a sócios de capital (artigo 190.º, n.º2 CSC).
De seguida, há que recorrer às seguintes normas próprias das sociedades por quotas:
Qualquer sócio pode requerer a convocação da assembleia geral, solicitando, ainda, a
inclusão de assuntos na ordem do dia (artigo 248.º, n.º2 CSC);
A assembleia geral é convocada por qualquer gerente, por carta registada expedida com
o mínimo de quinze dias, salvo outras regras legais ou contratuais (artigo 248.º, n.º3
CSC);
Ela é presidida pelo sócio que detenha a maior fração do capital ou, em igualdade, pelo
mais velho (artigo 248.º, n.º4 CSC);
O sócio não pode votar quando haja conflito de interesses (artigo 251.º, n.º1 CSC).
Das sociedades anónimas, recuperamos os pontos seguintes:
A convocatória deve mencionar o lugar, o dia e a hora da reunião (artigo 377.º, n.º5,
alínea b) CSC);
Bem como a ordem do dia (artigo 377.º, n.º5, alínea a) CSC);
Deve decorrer na sede da sociedade (artigo 377.º, n.º6 CSC).
Outras regras poderão ser aproveitadas.
Competência: o artigo 189.º, n.º3 CSC, inserido no seio das regras relativas ao
funcionamento da assembleia, compreende alguns dados sobre a sua competência. Assim,
ela abrange, necessariamente:
A apreciação do relatório de gestão e dos documentos de prestação de contas;
A aplicação dos resultados;
A propositura de ações da sociedade contra os sócios ou gerentes, bem como as suas
desistência e transação;
A nomeação de gerentes de comércio;
O consentimento para que algum sócio possa concorrer com a sociedade.
O artigo 191.º, n.º2 CSC permite acrescentar:
Por deliberação unânime: a designação de pessoas estranhas à sociedade como gerentes.
Além da competência enunciada, outros preceitos preveem novos campos para a deliberação
dos sócios, mas por unanimidade. Assim:
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A criação de partes sociais livres, para transmissão, no caso de extinção de parte social
(artigo 187.º, n.º2 CSC);
A designação, como gerentes, de pessoas estranhas à sociedade (artigo 191.º, n.º2 CSC);
A confirmação de atos praticados sem poderes (artigo 192.º, n.º3 CSC);
As alterações ao contrato ou as decisões de fusão, cisão, transformação e dissolução,
salvo se o contrato as autorizar por maioria, que não poderá ser inferior a três quartos
dos votos de todos os sócios (artigo 194.º, n.º1 CSC)
A admissão de novos sócios (artigo 194.º, n.º2 CSC).
E, por maioria de razão, temos ainda outro ponto:
A fixação da remuneração dos gerentes (artigo 192.º, n.º5 CSC).
O pacto social torna-se determinante para o exato levantamento da competência da
assembleia geral. Designadamente, ele deverá precisar se, à assembleia, são conferidos
poderes de gestão e qual o seu alcance. Resta acrescentar que a dificuldade – nesta como
noutras matérias – reside em localizar, no Código, os preceitos pertinentes. Tudo poderia ter
sido facilitado com uma parte geral melhor construída e com uma ordenação da matéria
dentro de cada tipo societário.
21.º - A administração
Aspetos gerais; a gerência: a administração – ou condução dos negócios – surge, hoje,
como o aspeto nuclear do Direito das Sociedades. Na verdade, a generalidade das normas
relativas a sociedades traduz-se, tudo visto, em regras de conduta dirigidas aos
administradores. Por seu turno, administrador em sentido amplo designa toda a pessoa a
quem caiba, sem delegações, o manejo da sociedade. Abrange:
Os gerentes das sociedades em nome coletivo, por quotas ou em comandita;
Os administradores stricto sensu das sociedades anónimas de estrutura monista;
Os administradores executivos das sociedades anónimas de estrutura dualista.
Nas sociedades em nome coletivo, lidamos com gerentes. E ao conjunto dos gerentes de
uma determinada sociedade chamaremos gerência: expressão que, de resto, exprime também
a atividade de administração (Geschäfsführung). A gerência abarca toda a atividade dirigida à
prossecução dos fins da sociedade. Pode abranger atos materiais e atuações jurídicas:
contactos, reuniões, correspondência, organização, publicidade e a realização dos diversos
negócios. Podemos mantê-la distinta da representação. Esta, porém, acaba associada
estreitamente à gestão, uma vez que assegura os poderes necessários para o funcionamento
da sociedade. A natureza da gestão – hic: da gerência – dá azo a uma discussão complexa.
Vale, aqui, a teoria geral sobre o status do administrador. Sublinhe-se que, segundo o artigo
192.º, n.º5 CSC, a gerência presume-se remunerada: pode, porém, ser excluída pelo contrato.
Não o sendo, o seu montante é fixado por deliberação dos sócios.
A composição da gerência: como regra de base, a gerência é composta por todos os
sócios: quer pelos iniciais, quer por aqueles que só posteriormente tenham adquirido essa
qualidade (artigo 191.º, n.º1 CSC). A gerência tende, assim, a coincidir com a assembleia geral,
o que permite falar num monopólio orgânico dos sócios. Trata-se de uma regra que equivale
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à do artigo 985.º, n.º1 CC e que constava já do Código Veiga Beirão. Podem verificar-se
desvios, em relação à regra de base. Assim:
O pacto social pode reservar a qualidade de gerente apenas para algum ou alguns dos
sócios (artigo 191.º, n.º1 CSC);
Podem, por deliberação unânime, ser designados gerentes pessoas estranhas à
sociedade (artigo 191.º, n.º2 CSC);
A pessoa coletiva sócia não pode ser gerente mas, salvo proibição contratual, pode
nomear uma pessoa singular para, em nome próprio, exercer esse cargo (artigo 191.º,
n.º3 CSC).
Numa certa aproximação às sociedades de capitais, surgem alguns sintomas da dissociação
entre a titularidade do capital e a gestão da sociedade.
A destituição dos gerentes: a destituição dos administradores, em geral, carece de uma
teoria geral. Efetivamente, o Código de 1986 não curou do seu tratamento na Parte Geral:
teria sido perfeitamente possível fazê-lo. No tocante à gerência das sociedades em nome
coletivo, o legislador foi, todavia, bastante generoso em normas. Cumpre distinguir diversas
situações. Assim:
A do sócio designado gerente por uma cláusula especial do contrato de
sociedade: só pode ser destituído em ação intentada pela sociedade ou por outro
sócio, contra ele e contra a sociedade, com fundamento em justa causa (artigo 191.º,
n.º4 CSC); estamos, efetivamente, perante um direito especial, que, em princípio, só
com o consentimento do próprio pode ser afastado (artigo 24.º, n.º5 CSC)M a lei
ressalva a hipótese de decisão judicial baseada em justa causa;
A do gerente que o seja pela sua qualidade de sócio ou que tenha sido
designado gerente por deliberação dos sócios: só pode ser, salvo cláusula em
contrário, destituído com justa causa (artigo 191.º, n.º5 CSC);
A dos gerentes não sócios que podem ser destituídos livremente (artigo 191.º,
n.º6 CSC);
A da sociedade que tenha apenas dois sócios: a destituição de qualquer deles da
gerência só é possível com fundamento em justa causa e através de ação judicial
intentada pelo outro contra a sociedade (artigo 191.º, n.º7 CSC).
A justa causa é, aqui, um motivo justificativo bastante: seja ele objetivo, seja ele subjetivo, no
sentido de exigir culpa do visado. Parece-nos a solução mais favorável à funcionalidade das
sociedades em nome coletivo. Terá de haver mecanismos que permitam, com os devidos
controlos e garantias, substituir os gerentes que não acompanhem as necessidades da
moderna gestão societária. Na hipótese dos gerentes estranhos à sociedade e, como tal,
livremente destituíveis, independentemente de justa causa (artigo 191.º, n.º7 CSC): deverá
entender-se que, mau grado essa possibilidade, o gerente designado para um certo período
de tempo não pode ser destituído ad nutum, antes do termo. Se o for, a destituição é eficaz: a
sociedade ficará, todavia, obrigada a indemnizar.
Funcionamento: o funcionamento da gerência nas sociedades em nome coletivo envolve
uma série de vetores de ordem geral. Iremos abordar os elementos específicos do tipo
societário ora em análise. A matéria é, à partida, deixada ao cuidado das partes (artigo 193.º,
n.º1 CSC). Isto posto, o Código prescreve a seguinte solução supletiva:
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Havendo mais de um gerente, todos têm poderes iguais e independentes para
administrar e representar a sociedade;
Mas qualquer deles pode opor-se aos atos que a outra pretenda realizar;
Cabendo então à maioria dos gerentes tomar uma decisão (artigo 193.º, n.º1 CSC).
Note-se que a oposição de um gerente a um ato de outro é ineficaz em relação a terceiros, a
não ser que estes tenham conhecimento dela (artigo 193.º, n.º2 CSC). Em termos
esquemáticos, podemos distinguir:
A administração conjunta: os diversos atos têm de ser levados a cabo por dois ou
mais administradores, em simultâneo.
A administração disjunta: cada um deles pode, sozinho, praticar atos inerentes à
gestão.
A administração colegial: funciona um conselho que agrupa os administradores
em cujo seio, por deliberação maioritária, se adotem os diversos atos de gestão.
Todos estes métodos têm vantagens e desvantagens: umas e outras dependem, de resto, do
tipo de sociedade e da espécie de ato que, concretamente, esteja em causa. O Direito
Português, em relação à gerência das sociedades em nome coletivo, estabelece um sistema
basicamente disjunto, com elementos de conjunção negativa e saída colegial. No fundo,
temos um sistema paralelo ao do artigo 985.º, n.º1 e 2 CC. Ou seja:
Havendo mais de um gerente, todos têm poderes iguais e independentes para
administrar e representar a sociedade (método disjuntivo);
Mas podendo qualquer outro opor-se aos atos que o primeiro queira realizar
(conjunção negativa);
Cabendo à maioria decidir sobre o mérito da oposição (método colegial).
Competência; a representação: segundo o artigo 192.º, n.º1 CSC, competem aos
gerentes a administração e a representação da sociedade. Vimos em que se traduz a
administração (a gestão); quanto à representação: trata-se da representação orgânica, própria
das pessoas coletivas e à qual só com muitas cautelas se pode aplicar o regime da
representação voluntária. O tema da representação foi regulado nos artigos 7.º e seguintes da
1.ª Diretriz das sociedades comerciais (n.º68/151/CEE, de 9 de março), tendo sido
transposto através do Código das Sociedades Comerciais. Em nome da tutela da confiança e
da segurança do tráfego jurídico foram introduzidas diversas delimitações à possibilidade de
desvincular as sociedades por excessos dos seus representantes. Simplesmente, o sistema
assim montado só se aplica às nossas sociedades por quotas e anónimas: não às sociedades
em nome coletivo. Compreende-se, por isso, que surjam afloramentos da Diretriz nos artigos
260.º, n.º1 e 409.º, n.º1 CSC. Mas não nas sociedades em nome coletivo: uma especial
homenagem à sua natureza simples e imediatista. A competência dos gerentes, quer para
administrar, quer para representar, deve ter como limites (artigo 192.º, n.º2 CSC):
O objeto social;
O pacto societário.
Quando sejam celebrados atos que ultrapassem esses limites, há falta de poderes: os atos em
causa podem ser impugnados pela sociedade. A impugnação já não será possível se os
negócios questionados tiverem sido conformados, expressa ou tacitamente, por deliberação
unânime dos sócios (artigo 192.º, n.º3 CSC). Pode acontecer que os negócios ultra vires não
tenham sido confirmados. Pois mesmo nessa eventualidade, eles não são impugnáveis pelos
terceiros neles intervenientes que tivessem tido conhecimento da infração cometida pelo
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gerente (artigo 192.º, n.º4 CSC). O conhecimento deve ser objeto de prova autónoma, uma
vez que não se presume com base nos registos ou na sua publicação (artigo 192.º, nº.4, in fine
CSC). Tais elementos são, contudo, fatores de prova, que o juiz poderá ter em conta. A
representação das sociedades em nome coletivo dá azo a um subsistema autónomo, cuja
dogmática merece aprofundamento.
Capítulo V – As vicissitudes das sociedades em nome
coletivo
22.º - As partes sociais
Aspetos gerais: os sócios detêm um acervo de direitos relativos às sociedades a que
pertençam. Além disso, são destinatários de feixes de obrigações: tudo isso integra o seu
status. O status de sócio advém da titularidade básica no acervo societário. Essa titularidade é
reportada ao capital, quando exista ou, na hipótese inversa, à própria sociedade como ente
ideal. A titularidade em causa assume diversas designações, em função do tipo de sociedade
que esteja em causa. Temos:
Quotas, nas sociedades civis puras (artigo 1021.º CC);
Partes, nas sociedades em nome coletivo (artigos 176.º, n.º1, alínea c), 182.º e 183.º
CSC, entre outros);
Quotas, nas sociedades por quotas (artigo 197.º, n.º1 CSC);
Ações, nas sociedades anónimas (artigo 271.º CSC).
A parte social – por vezes: parte do capital – tem várias funções:
Permite identificar a titularidade de determinada participação, numa sociedade em
nome coletivo;
Dá a medida da distinção dos lucros e perdas, bem como a da reparação final da
responsabilidade ilimitada que, sobre todos, incide.
Muitas das vicissitudes que podem atingir uma sociedade em nome coletivo têm a ver com
as partes sociais. Pela sua própria natureza, uma alteração no plano das partes induz uma
modificação na própria sociedade.
Transmissão entre vivos: as situações jurídicas patrimoniais são essencialmente
transmissíveis. Trata-se de uma prerrogativa que assume consagração constitucional; as
participações societárias, porquanto patrimoniais, deveriam comparticipar, também, dessa
transmissibilidade. Todavia, a posição social é, ainda, uma posição contratual. Essa qualidade,
ela abrange aspetos ativos e passivos. E estes últimos não são suscetíveis de livres
transmissões, uma vez que não é indiferente, para o credor, a concreta figura do devedor. A
cessão da posição contratual e a assunção de dívidas exigem, por isso e como é sabido, o
consentimento do cedido (artigo 424.º, n.º1 e 595.º, n.º1 CC). Finalmente, e como terceira
variável: mesmo as posições puramente ativas são, por vezes, contratadas tendo em conta as
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especiais qualidades do seu titular: dizem-se intuitu personae, ficando especialmente ligadas à
pessoa do credor. A sua livre transmissão não é, então, possível (artigo 577.º, n.º1, in fine CC).
Nas sociedades comerciais apura-se uma graduação. A livre transmissibilidade das posições
sociais varia na razão inversa da pessoalidade do tipo societário a que se reportem. Assim:
Na sociedade anónima: a transmissibilidade das ações é, em princípio, total (artigos
101.º e 102.º CVM);
Na sociedade por quotas: a transmissão de quotas exige o consentimento da
própria sociedade (artigo 228.º, n.º1 CSC);
Na sociedade em nome coletivo: na sociedade em nome coletivo, a transferência
de partes requer o consentimento de todos os outros sócios (artigo 182.º, n.º1 CSC);
Na sociedade civil pura: a cessão da quota de um sócio exige a concordância de
todos os outros (artigo 995.º, n.º1 CC).
Estas regras podem ser infletidas pelos pactos sociais: fica, todavia, exarada a sua estrutura
básica. Compreende-se, ainda, que tenha sido necessária toda uma evolução para facultar
modificações subjetivas nas sociedades, particularmente de pessoas. A transmissão de
participações sociais envolve, no plano económico, uma série de variáveis tendentes a
determinar o seu valor. O dispositivo referido, do artigo 182.º, n.º1 CSC explica-se,
precisamente, pela natureza pessoal das sociedades em nome coletivo e pela confiança intuitu
personae que se exige entre os seus associados: quer nas suas qualidades comerciais, quer na
sua honradez quer, finalmente, nas suas capacidades patrimoniais, uma vez que estamos
perante sociedades de responsabilidade ilimitada. Ele é acompanhado pelos Direitos dos
diversos países. Além disso, reflete-se em regras como a da não comunicabilidade da
qualidade de sócio ao seu cônjuge, mesmo sob o regime de comunhão geral de bens. A lei
não impõe qualquer forma para o consentimento. Este poderá ser efetivado individual ou
coletivamente: mas nunca (apenas) por maioria. Raúl Ventura considera a norma do artigo
182.º, n.º1 CSC como imperativa; o pacto social não poderia, por conseguinte, dispensar o
consentimento de todos os sócios, para efeitos de transmissão. Assim é. Dada a natureza
pessoal das posições envolvidas, não há renúncias antecipadas à apreciação que só in concreto
poderá ser efetivada em consciência. A exigência de consentimento de todos, para a
transmissão opera, pelas mesmas razões, perante a constituição de um usufruto sobre a parte
social. O artigo 182.º, n.º3 CSC fala em constituição de direitos reais de gozo, mas apenas
por força de expressão: não há direitos reais sobre partes sociais e, muito menos, de gozo:
elas não têm natureza material. O usufruto de direitos é (ele sim) reconhecido. Essa regra é
aplicável aos direitos reais de garantia – aqui: o penhor da parte, a tomar como penhor de
direito – segundo o final do citado preceito. A cessão não autorizada é, em si, válida, tanto
mais que a autorização pode vir a ser dada ulteriormente. Todavia, ela não produz efeitos
perante os sócios e a sociedade, antes da autorização. Finalmente, a transmissão da parte do
sócio, mau grado autorizada por todos os sócios, só se torna eficaz para com a sociedade
quando lhe seja comunicada por escrito ou por ela seja reconhecida (artigo 182.º, n.º4 CSC).
Compreende-se: a transmissão é subsequente à autorização, havendo que dotar a sociedade
de uma data certa, para efeitos contabilísticos e sociais.
Execução: a execução sobre a parte de um sócio em nome coletivo coloca problemas
delicados. Em princípio, uma participação societária representa um valor patrimonial. Nessa
qualidade, ela deve ser penhorável, respondendo pelas dívidas do seu titular (artigo 601.º CC).
No entanto, tratando-se de sociedades de pessoas, a posição considerada não é, apenas,
patrimonial. As leis procuram dosear os aspetos que, das quotas das sociedades civis puras
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(artigo 999.º CC) e das partes das sociedades em nome coletivo possam, de facto, ser
executadas (artigo 183.º CSC). A regra de base é a da impenhorabilidade da parte do sócio: a
execução apenas poderá recair sobre o direito aos lucros e a quota de liquidação (artigo 183.º,
n.º1 CSC). Isto posto: efetuada a penhora em causa, o credor, nos quinze dias seguintes à
notificação desse facto, pode requerer que a sociedade seja notificada para, em prazo razoável
não excedente a 180 dias, proceder à liquidação da parte (artigo 183.º, n.º2 CSC). Salvo
situações muito especiais, o prazo razoável tenderá a coincidir com os 180 dias, uma vez que
a liquidação da parte coloca, sempre, diversos problemas. A sociedade pode reagir por duas
vias:
Ou demonstrando que o sócio devedor possui outros bens suficientes para satisfazer
a dívida exequenda, altura em que a execução prosseguirá sobre eles (artigo 183.º,
nº.3 CSC);
Ou provando que a parte do sócio não pode ser liquidada, por a sociedade ficar com
uma situação líquida inferior ao capital social (artigo 183.º, n.º4 e 188.º, n.º1 CSC).
Nessa última eventualidade:
A execução prossegue sobre o direito aos lucros e à quota de liquidação;
Podendo o credor requerer que a sociedade seja dissolvida (artigo 183.º, n.º4 CSC)
nessa altura poderá realizar o direito à quota de liquidação.
Na venda ou adjudicação dos direitos aos lucros ou à quota de liquidação, os outros sócios
têm preferência. Havendo mais de um interessado, procede-se a rateio na proporção do valor
das respetivas partes sociais (artigo 183.º, n.º5 CSC). Assim se compatibiliza, até aos limites
do possível, a execução da parte social com a natureza pessoal das sociedades em nome
coletivo.
Falecimento de um sócio: o falecimento de um sócio em nome coletivo coloca
problemas delicados: paralelos aos que ocorrem, nessas mesmas circunstâncias, perante as
sociedades civis puras (artigo 1001.º CC). Efetivamente, a parte do falecido representa um
valor patrimonial que não pode deixar de reverter para os seus herdeiros. Mas ela representa,
ainda, uma realidade puramente pessoal, perdida, para sempre, com o desaparecimento do
sei titular. A lei procura compatibilizar esses dois aspetos: por vezes, contraditórios. Estamos
sob a primazia da autonomia privada. A solução ideal residirá, assim, em prever-se, no pacto
social, o modus operandi na hipótese de falecimento do sócio. Os interessados podem prever,
designadamente:
O termo da sociedade;
A passagem da parte social ao sucessor;
A sua supressão, com compensação aos sucessores, regulando-se, diretamente ou por
remissão, o procedimento que, então, deva ser seguido.
No silêncio das partes, há que apelar para o sistema legal. Este, numa evolução presente,
também, no Código Civil, dá conta de um relativo favor societatis, permitindo, em certas
condições, o funcionamento da sociedade. Ocorrendo um falecimento de sócio – e sempre
no silêncio do contrato – podem os sócios supérstites (artigo 184.º, n.º1 e 2 CSC):
Ou pagar aos sucessores do falecido o valor da parte que lhe pertencera;
Ou optar pela dissolução da sociedade, comunicando-o ao sucessor nos 90 dias
seguintes ao da data em que tomaram conhecimento do facto;
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Ou continuar a sociedade com o sucessor do falecido, desde que este concorde
expressamente: o que não pode ser afastado por cláusulas em contrário.
Sendo vários os sucessores da parte do falecido, podem eles livremente dividi-la entre si ou
encabeça-la nalguns deles (artigo 184.º, n.º3 CSC). Entenda-se: livremente entre si; no que
toca aos sócios supérstites, terá sempre de se verificar o seu assentimento. Ainda na hipótese
de continuação da sociedade com os sucessores do falecido: sendo algum deles incapaz,
podem os supérstites, nos 90 dias seguintes, deliberar a transformação da sociedade, de modo
que o incapaz se torne sócio de responsabilidade limitada (artigo 184.º, n.º4 CSC). Teremos,
no horizonte, uma comandita simples. Não o fazendo pode o representante do incapaz
requerer judicialmente a exoneração do seu representado ou, não sendo isso possível
legalmente, a dissolução da sociedade (artigo 184.º, nº6 CSC). Dissolvida a sociedade ou
devendo a parte do sócio falecido ser liquidada, extinguem-se, a partir da data da morte todos
os direitos e obrigações inerentes à parte social; a sucessão opera apenas no produto da
liquidação, reporta àquela data e calculado ex vi artigo 1021.º CC (artigo 184.º, n.º6 CSC).
Tudo isto é aplicável ao caso de a parte do sócio falecido compor a meação do seu cônjuge.
A eventualidade da morte de um sócio numa sociedade de pessoas, especialmente uma
sociedade em nome coletivo, constitui um ponto fraco deste tipo societário. Ele deve ser
ponderado, aquando da sua constituição.
Exoneração do sócio: uma sociedade pressupõe relações duradouras. Estas são
tendencialmente sensíveis à denúncia: quando não tenham uma duração predeterminada
permite-se a qualquer das partes envolvidas provocar, unilateralmente, a sua cessação.
Eventualmente: com um pré-aviso. Além disso, poderá pôr-se termo a relações duradouras
quando, para isso, haja justo motivo (justa causa): estaremos próximos da resolução. Esta
lógica aplica-se às sociedades de pessoas: fala-se, então, na exoneração do sócio (artigo 185.º
CSC). Como veremos a propósito das sociedades por quotas, há que alargar a base
justificativa para esta reflexão. De momento, ela é suficiente. O Código das Sociedades
Comerciais, na Parte Geral, algumas situações que traduzem motivos justificados (a
terminologia é nossa) de exoneração. Assim sucede nos artigos 3.º, n.º5, 137.º, n.º1 e 161.º,
n.º5 CSC, relativamente aos sócios que se oponham às correspondentes deliberações. Trata-
se de preceitos que aprofundaremos no campo das sociedades por quotas. Segundo o artigo
185.º CSC, o sócio pode exonerar-se da sociedade (n.º1):
Nos casos previstos na lei ou no contrato;
Não havendo termo de duração da sociedade, sendo este vitalício ou por um período
superior a 30 anos, ao fim de 10 anos;
Ocorrendo justa causa.
A exoneração torna-se efetiva no fim do ano social em que seja feita a comunicação respetiva
mas nunca antes de decorridos três meses sobre ela (artigo 185.º, n.º4 CSC). O sócio
exonerado tem direito ao valor da sua parte social (artigo 185.º, n.º5 CSC), com as
especificações aí feitas. A hipótese de exoneração por justa causa é a que levanta mais dúvidas.
O artigo 185.º, n.º2 CSC, a título exemplificativo, indica algumas concretizações de justa
causa. Esta verifica-se quando, contra o seu voto expresso:
«a) A sociedade não delibere destituir o gerente, ocorrendo justa causa de exclusão;
«b) A sociedade não delibere excluir um sócio, ocorrendo justa causa para tanto;
«c) o referido sócio for destituído da gerência da sociedade». SNC
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Este elenco permite fixar a justa causa para a exoneração do sócio em nome coletivo na
quebra geral da confiança, entre ele a sociedade ou entre ele e os outros sócios. Não se trata,
pois, de uma reação a factos ilícitos; requer-se, todavia, que a quebra da confiança seja
bastante grave. A invocação de justa causa deve ser feita nos 90 dias a contar daquele em que
o interessado tomou conhecimento dos competentes factos (artigo 185.º, n.º3 CSC).
Exclusão do sócio: a possibilidade de exclusão de sócios foi regulada, no Código Civil:
artigos 1003 a 1006.º CC. Visa-se, grosso modo, reagir a situações que tornem o sócio a
excluir inaproveitável, em termos de fins da sociedade. A exclusão é possível nos casos
previstos na lei e no contrato e, ainda (artigo 186.º CSC):
Quando lhe seja imputável uma violação grave das suas obrigações para com a
sociedade, designadamente a proibição de concorrência (alínea a), 1.ª parte);
Quando seja destituído da gerência com base em justa causa que consista em facto
culposo, suscetível de causa prejuízo à sociedade (alínea a), 2.ª parte);
Quando ocorra a sua interdição ou inabilitação (alínea b), 1.ª parte);
Quando seja declarada a sua insolvência (alínea b), 2.ª parte);
Quando, sendo sócio de indústria, se impossibilite de prestar à sociedade os serviços
a que ficou obrigado (alínea c)).
Trata-se de normas imperativas: não podem ser afastadas por vontade das partes. A lei regula
aspetos processuais. Assim:
A exclusão deve ser deliberada por três quartos dos votos dos restantes sócios, se o
contrato não exigir maioria mais elevada (artigo 186.º, n.º2, 1.ª parte CSC);
A deliberação deve ocorrer nos 90 dias seguintes àquele em que algum dos gerentes
(entenda-se: que não o próximo, caso o seja) tomou conhecimento do facto que
permite a exclusão (artigo 186.º, n.º2, 2.ª parte CSC);
Se a sociedade tiver apenas dois sócios, a exclusão só pode ser decretada pelo tribunal
(artigo 186.º, n.º3 CSC).
A exclusão do sócio não pode dar azo a um conflito. Assim, o sócio excluído tem direito ao
valor da sua parte social, calculado nos termos do artigo 105.º, n.º2 CSC, com referência ao
momento da deliberação de exclusão (artigo 186.º, n.º4 CSC). Não podendo, por força do
artigo 188.º CSC, ser a parte social liquidada, retoma o sócio o direito aos lucros e à quota de
liquidação, até lhe ser efetuado o devido pagamento (artigo 186.º, n.º5 CSC).
Extinção e liquidação de partes sociais: a extinção da parte social vem regulada
no artigo 187.º CSC. De facto, seja por falecimento do sócio (artigo 184.º CSC), seja pela sua
exoneração (artigo 185.º CSC), seja pela exclusão (artigo 185.º CSC), pode chegar-se a
situações nas quais a quota deve desaparecer. Dispõe o artigo 187.º CSC:
Ou há lugar à redução do capital social (artigo 187.º, n.º1, 1.ª parte CSC);
Ou o respetivo valor acresce ás restantes partes, nas proporções respetivas, devendo
ser alterado, em conformidade, o contrato de sociedade (artigo 187.º, n.º1, in fine, na
redação dada pelo Decreto-Lei n.º76-A/2006, 29 março);
Ou, por opção do pacto ou mediante decisão unânime: a criação de uma ou mais
partes sociais livres, no valor nominal igual à que foi extinta, para imediata
transmissão a sócios ou a terceiros (artigo 187.º, n.º2 CSC).
A liquidação da parte não é possível quando, tratando-se de sociedade não dissolvida, a sua
situação líquida se torne, por isso, inferior ao capital social (artigo 188.º, n.º1 CSC). Tal
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liquidação efetiva-se nos termos do artigo 1021.º CC. A parte é avaliada com referência ao
momento da ocorrência ou da eficácia do facto que originou a liquidação.
23.º - Alterações, dissolução e liquidação
Alteração no contrato: as sociedades em nome coletivo, como todas as outras podem,
uma vez constituídas, sofrer alterações. Estas implicam, em regra, modificações nos
respetivos contratos: firma pelo qual a lei aborda o tema, no artigo 194.º, n.º1 CSC. Esse
mesmo preceito especifica:
Alterações;
Fusão;
Cisão;
Transformação.
Todas essas eventualidades gozam de um regime geral: artigos 85.º a 96.º, 97.º a 117.º, 118.º
a 129.º e 130.º a 140.º CSC. Cumpre apenas recordar que, nesses preceitos, surgem alguns
especificamente dirigidos às sociedades em nome coletivo. Tal o caso do artigo 139.º, n.º1
CSC: a transformação de uma sociedade de responsabilidade ilimitada numa outra em que
esta seja limitada não afeta a responsabilidade pessoal e ilimitada dos sócios pelas dívidas
anteriormente contraídas. E, inversamente: numa transformação de uma sociedade de
responsabilidade limitada numa sociedade em nome coletivo, a responsabilidade pessoal e
ilimitada dos sócios não abrange as dívidas sociais anteriormente constituídas. Ainda como
regra específica, o artigo 194.º, n.º1 CSC determina que todas essas alterações são feitas por
unanimidade, a não ser que o contrato autorize a deliberação por maioria, que não pode ser
inferior a três quartos (3/4) dos votos de todos os sócios. Também só por unanimidade pode
ser deliberada a admissão de novos sócios (artigo 194.º, n.º2 CSC). Logicamente, tal admissão
envolve, ipso iure, a modificação do pacto social.
Dissolução e liquidação: a dissolução e liquidação surgem longa e
pormenorizadamente tratadas na Parte Geral: artigos 141.º a 145.º e 14.º a 165.º CSC,
respetivamente. São aplicáveis, quanto à dissolução, os dispositivos dos artigos 141.º e 142.º
CSC: Além disso, o artigo 195.º, n.º1 CSC, de acordo, aliás, com a regulamentação já
examinada, vem prever mais duas hipóteses de dissolução:
A requerimento do sucessor do sócio falecido, se a liquidação da parte social não
puder fazer-se por força do disposto no artigo 188.º, n.º1 (artigo 195.º, n.º1, alínea a)
CSC);
A requerimento, nas mesmas circunstâncias, do sócio que pretende exonerar-se com
base no artigo 185.º, n.º2, alíneas a) e b) CSC.
Temos, assim, algumas particularidades quanto às sociedades em nome coletivo. Quanto à
liquidação, segue-se o pormenorizado tratamento dos artigos 146.º e seguintes. Todavia, o
artigo 195.º, n.º2 CSC, com referência ao artigo 153.º, n.º3 CSC, que explicita dívidas dos
sócios que os liquidatários poderão exigir, vem acrescentar, além das dívidas das entradas, as
quantias necessárias para satisfação das dívidas sociais, em proporção da parte de cada um
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nas perdas; se, porém, algum sócios se encontrar insolvente, será a sua parte dividida pelos
demais, na mesma proporção.
Regresso à atividade: após a dissolução da sociedade e no decurso do processo de
liquidação, podem os sócios deliberar o termo desta e a retoma da atividade social. Trata-se
de uma hipótese prevista, em geral, no artigo 161.º CSC. Nas sociedades de responsabilidade
ilimitada, o regresso à atividade vai, de imediato, ampliar o universo das dívidas pelas quais
o sócio pode ser chamado a responder. Esta circunstância explica a especificidade do
regresso à atividade, quando estejam em causa sociedades em nome coletivo. Segundo o
artigo 196.º CSC, o credor do sócio de sociedade em nome coletivo em liquidação pode
opor-se ao regresso desta à atividade:
Desde que o faça nos trinta dias seguintes ao da publicação da respetiva deliberação;
Por notificação judicial avulsa requerida nesse prazo.
Recebida a notificação pode a sociedade, nos sessenta dias seguintes, excluir o sócio ou
deliberar a continuação da liquidação (artigo 196.º, n.º2 CSC). Se nada fizer, pode o credor
exigir judicialmente a liquidação da parte do seu devedor.
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Parte III – Sociedades por Quotas
Capítulo I – Tipo geral, origem e papel das sociedades
por quotas
24.º - Tipo geral
As sociedades por quotas no Código: o Código das Sociedades Comerciais
apresenta as sociedades por quotas no seu artigo 197.º, n.º1:
«Na sociedade por quotas o capital está dividido em quotas e os sócios são solidariamente
responsáveis por todas as entradas convencionadas no contrato social, conforme o disposto no
artigo 207.º».
Adiante veremos que esta primeira aproximação legal é insuficiente para definir o tipo
societário ora em estudo. Mas, aparentemente, estaremos:
Perante um tipo mais complexo;
Exigindo maior precisão de soluções;
E surgindo a uma certa distância do tipo básico das sociedades civis sob forma civil.
Verifica-se que o Código seguiu, grosso modo, a ordenação da Parte Geral, esforçando-se,
agora, por adaptar as suas soluções ao especial universo das sociedades por quotas. A
interpenetração destas com a Parte Geral é muito grande: de certo modo, mais do que a das
sociedades em nome coletivo, uma vez que a Parte Geral foi moldada sobre o regime das
sociedades de capitais.
A (mera) responsabilidade solidária pelas entradas: o tipo sociedades por quotas
parece distinguir-se, perante a apresentação do artigo 197.º, n.º1 CSC, pelo facto de existir,
entre os sócios, uma responsabilidade solidária pelas entradas. De facto e à partida, a entrada
corresponde a uma obrigação individual de cada sócio (artigo 20.º, alínea a) CSC) podendo
mesmo consistir numa prestação não fungível. Esta corresponsabilidade traduz, já, algo de
específico. A solidariedade pode ser convencionada: artigos 405.º, n.º1 e 712.º, n.º1 CC. Quer
isso dizer que em qualquer tipo societário as partes sempre poderiam, através de acordos
laterais, estabelecê-la, no tocante às entradas: nem por isso iriam transformar o ente em causa
numa sociedade por quotas. O artigo 197.º CSC vai mais longe. O seu n.º3 determina:
«Só o património social responde para com os credores pelas dívidas da sociedade, salvo o
disposto no artigo seguinte».
A responsabilidade solidária dos sócios pelas entradas torna-se, assim, supletivamente, na
única em que eles incorrem. Estamos perante uma responsabilidade dos sócios limitada às
entradas, o que nos habilita a falar, a propósito das sociedades por quotas, em sociedades de
responsabilidade limitada. De resto, é assim que elas são conhecidas nas línguas francesa,
SQ
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alemã, italiana e espanhola. A limitação da responsabilidade pode ser afastada através dos
acordos de responsabilização direta dos sócios para com os credores sociais, nos termos do
artigo 198.º CSC. De novo estamos perante uma característica insuficiente: teremos de, mais
longe, enquadrar o tipo. Tal como vimos suceder com as sociedades em nome coletivo,
haverá que recorrer ao elemento formal da firma. Esta, segundo o artigo 200.º CSC, pode ter
natureza pessoal, material ou de fantasia mas, em qualquer caso, concluirá pela palavra
limitada ou Lda. Não é pensável, com os graus de sindicância existentes (RNPC), que uma
sociedade possa formar-se com uma firma não indicada para o seu tipo. A partir daí, a firma
corresponderá a sociedades:
Cujas partes se denominem quotas, sendo subscritas pelos sócios num regime de
solidariedade na sua realização;
De responsabilidade limitada, uma vez que, supletivamente, os sócios não respondem
pelas obrigações sociais;
Com uma determinada configuração orgânica, distinta da das sociedades anónimas.
Natureza e função: as sociedades por quotas são, formalmente, sociedades comerciais:
logo, personalizadas (artigo 5.º CSC). E tal como sucede com as restantes sociedades:
também elas podem ser adotadas para dar corpo a sociedades civis (artigo 1.º, n.º4 CSC). Ao
contrário do que ocorre com as sociedades em nome coletivo, a personalidade coletiva das
sociedades por quotas não põe quaisquer dúvidas: nem na sua evolução, nem no Direito
comparado. As leis são expressas. Além disso, quando surgiram, já a doutrina da
personalidade coletiva estava estabilizada, oferecendo opções claras ao legislador. As
sociedades por quotas são multifacetadas: podem facultar as mais diversas funções, surgindo
como um instrumento para todos os fins. Tendencialmente, elas têm um número reduzido
de sócios: todos se conhecem, sendo frequente o estabelecimento de relações de confiança
entre eles. Funcionarão, nessa medida, como sociedades de pessoas. Os sócios podem, de
resto e para além das entradas, contribuir para a sociedade em termos personalizados
(vendedores, contabilistas e, em geral, prestadores de pequenos serviços). Mas a sociedade
por quotas pode funcionar como verdadeira sociedade de capitais: congregando fundos para
a prossecução de fins. A sua estrutura tem sido aproximada da das sociedades anónimas.
Encontramos sociedades por quotas familiares, profissionais e, propriamente, comerciais. O
tipo é suficientemente lato para abranger atuações non profit. Além disso, a sociedade por
quotas pode corresponder à mera atuação de uma pessoa: quando seja unipessoal. Podemos,
sem exagero, considerar que, mercê de vários fatores – incluindo alguns de natureza
psicológica –, as sociedades por quotas traduzem um tipo de organização capaz de
desenvolver qualquer espécie de atuação humana lícita.
26.º - O Código das Sociedades Comerciais
Apreciação geral: as sociedades por quotas deveriam constituir a fórmula de eleição para
as iniciativas patrimoniais que não estejam diretamente ligadas ao pequeno comércio
industrial. Praticamente, elas cobrem todo o tipo de atividades, podendo falar-se na sua
popularização. Em tais condições, haveria que dispensar-lhes um tratamento simples, claro
e flexível. O Direito português das sociedades por quotas, mercê dos fatores acima apontados,
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apresenta, porém, uma complexidade excessiva. Logo na preparação do competente
anteprojeto, assistiu-se a uma disputa de escolas, com sucessivos documentos de elaboração
distinta. Mantiveram-se, até tarde, indefinições políticas: quanto à opção por um Código das
Sociedades Comerciais ou por uma Lei de Sociedades por Quotas. Fica por explicar a
substituição da lei de 1901: afinal, na Alemanha, a Lei de 1892 conserva-se, até hoje, com
poucas alterações. Teria sido possível um Código mais simples, melhor arrumado e, no
tocante às sociedades por quotas, de maior acessibilidade. O tema põe mesmo em causa a
excelência de um Código das Sociedades Comerciais: as inevitáveis dúvidas que surgem na
articulação da Parte Geral com as partes especiais e as remissões e transposições entre os
diversos tipos societários fazem, da matéria, uma disciplina só acessível a juristas
especializados. Ora, as sociedades por quotas poderiam ser tratadas num Código sintético
mas preciso, dirigido a gestores e a pequenos e médios empresários. A inevitável
simplificação acabará por vir através de exigências comunitárias.
Capítulo II – O contrato de sociedades por quotas
27.º - Celebração e conteúdo
As partes; unipessoalidade e constituição não negocial: podem ser em
contrato da sociedade por quotas todas as pessoas: singulares ou coletivas. Dada a natureza
da responsabilidade limitada, desaparecem aqui as prevenções relativas às sociedades em
nome coletivo, desde que apresentam especificidades no tocante à participação dos cônjuges
(artigo 8.º, n.º1 CSC) ou à aquisição de posições em sociedades de responsabilidade ilimitada,
a autorizar pelo contrato (artigo 11.º, n.º1 CSC). A acessibilidade das sociedades por quotas
é uma das suas vantagens. A lei não fixa um número necessário de sócios. Deverá ser o
mínimo de dois (artigo 7.º, n.º2 CSC). A lei admite sociedades unipessoais por quotas, no
termo de uma evolução. Segundo o artigo 270.º-A CSC:
«1. A sociedade unipessoal por quotas é constituída por um sócio único, pessoa singular ou
coletiva, que é titular do capital social».
Todavia, a sociedade unipessoal por quotas corresponde a um tipo específico ou subtipo,
com regras próprias, incluindo uma firma onde figure, antes de Limitada ou Lda, a palavra
unipessoal (artigo 270.º-C CSC). Resta concluir que, a menos que se haja optado por uma
sociedade unipessoal, com firma e regras próprias, estatutos adotados e regras específicas, a
sociedade por quotas deve constituir-se com, pelo menos, dois sócios. E deverá mantê-los.
Quando reduzidas a um único, temos:
Ou se trata de pessoa coletiva pública ou entidade equiparada, altura em que a
situação pode manter-se (artigo 142.º, n.º1, alínea a) CSC);
Ou recompõe-se a pluralidade no prazo de um ano (idem);´
Ou é transformada em sociedade unipessoal por quotas, nos termos do artigo 270.º-
A, n.º3 CSC; SQ
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Ou é dissolvida administrativamente (artigo 142.º, n.º1, alínea a) CSC).
Mercê do antigo princípio da especialidade, o artigo 11.º, n.º5 CSC ainda consagra a regra
segundo a qual:
«O contrato pode ainda autorizar, livre ou condicionalmente, a aquisição pela sociedade (...) de
participações em sociedades com objeto do acima referido (...)».
Sendo que o objeto acima referido é o da própria sociedade potencial adquirente. Pareceria
resultar daqui uma limitação quanto à possibilidade de ser parte em sociedades por quotas: a
ser uma sociedade, ela teria de ter o mesmo objeto. Mas há dois mecanismos corretivos:
A capacidade da sociedade corresponde aos direitos e às obrigações necessários ou
convenientes à prossecução do seu fim (artigo 6.º, n.º1 CSC): ora como apenas os
sócios poem determinar o que é necessário ou conveniente, todas as situações são
compagináveis;
Na hipótese académica de se optar por uma aquisição que, de todo, nada pudesse ter
de útil, bastaria que ela tivesse operado por deliberação unânime dos sócios ou que
não sobreviesse qualquer oposição em 30 dias: ela consolidar-se-ia equivalendo, na
prática, a uma automática modificação dos estatutos.
Para além do já referido fenómeno da unipessoalidade, é ainda possível a constituição não-
contratual de sociedades por quotas:
Por diploma legal;
Por decisão judicial, quando a constituição de uma sociedade ocorra no âmbito de
um plano de insolvência;
Por decisão administrativa, quando o Estado opte pela constituição a solo, de uma
sociedade por quotas.
A lei portuguesa não põe limites ao número de sociedades por quotas de que se possa ser
sócio.
A forma e o registo: as sociedades por quotas seguem o regime geral da redução a escrito
com as assinaturas dos subscritores reconhecidas presencialmente, salvo se forma mais
solene for exigida, para a transmissão de bens com que os sócios entrem para a sociedade
(artigo 7.º, n.º1 CSC), a qual deve ser precedida pela obtenção do certificado de
admissibilidade da firma (artigo 54.º, n.º1 RNPC). Adquirem a personalidade plena pelo
registo (artigo 5.º CSC). Fácil no papel, este sistema era, na prática, o mais burocratizado da
Europa. Em Lisboa e no ano da graça de 2006, continuava a esperar-se meses por qualquer
registo comercial. A isso poderíamos acrescentar semanas pelo certificado de admissibilidade
de firma. Apenas a situação dos notários melhorara, devido à privatização: tudo depende,
agora, dos bons conhecimentos de cada um. Mantém-se, pois, uma grande expectativa em
torno da reforma de 2006, qua aboliu a necessidade de escritura pública. As enormes
delongas na constituição de sociedades, particularmente no tocante ao tipo popularizado das
sociedades por quotas, foram objeto de sucessivas representações aos Governos. Finalmente,
em 2005, houve novidade: veio facultar-se, em certos casos, a constituição de sociedades em
24 horas.
A constituição imediata (reforma de 2005): o Decreto-Lei n.º111/2005, 8 julho,
teve, em Diário da República, um sumário mediático: SQ
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«Cria a empresa na hora, através de um regime especial de constituição imediata de sociedades,
alterando o Código das Sociedades Comerciais, o Regime do Registo Nacional de Pessoas
Coletivas, o Código do Registo Comercial, (...)».
A aplicação do regime da constituição imediata de sociedades tem, como pressuposto, que
se eliminem todas as delongas relativas à admissibilidade da firma e às discussões com o
notário. Assim:
Quanto à firma: ou se opta por uma expressão de fantasia criada e reservada a favor
do Estado (artigo 3.º, alínea a), 1.ª parte do diploma) a escolher numa bolsa de firmas
reservadas a favor do Estado (artigo 15.º); ou se apresenta logo um certificado de
admissibilidade do RNPC (artigo 3.º, alínea a), 2.ª parte);
Quanto ao pacto: adota-se um modelo aprovado pelo Diretor-Geral dos Registos e
Notariado (artigo 3.º, alínea b)).
Quanto a aspetos processuais, observa-se o seguinte:
O processo de constituição imediata é da competência das conservatórias do registo
comercial, independentemente da sede da sociedade constituenda (artigo 4.º, n.º1); o
procedimento pode ser promovido, também, nos centros de formalidades de
empresas ou CFE (artigo 4.º, n.º2);
A tramitação deve iniciar-se e concluir-se no mesmo dia, em atendimento presencial
único (artigo 5.º);
Principia-se pela escolha da firma e do modelo do pacto ou ato constitutivo (artigo
6.º, n.º1), prosseguindo depois da verificação inicial da identidade, da capacidade e
dos poderes de representação dos interessados para o ato (artigo 6.º, n.º2);
Quanto a documentos, são exigidos:
i. Os comprovativos do depósito legal, capacidade e poderes de representação
(artigo 7.º, n.º1);
ii. A demonstração do depósito legal ou a declaração, sob a sua responsabilidade,
que será realizada no prazo de cinco dias úteis (artigo 7.º, n.º2);
iii. A entrega (facultativa) imediata da declaração de início de atividade para efeitos
fiscais (artigo 7.º, n.º3), sendo advertidos de que, quando a não façam, o
deverão fazer no serviço competente e no prazo legal (artigo 7.º, n.º4);
iv. Os serviços notificam ainda, por via eletrónica, a segurança social (artigo 7.º,
n.º5).
Feita a verificação inicial da identidade, da capacidade e dos poderes de representação dos
interessados, o serviço competente procede às diversas operações seriadas nas alíneas do
artigo 8.º, n.º1, a concluir com a emissão e entrega do cartão de identificação de pessoa
coletiva e com a comunicação, aos interessados, do número de identificação da segurança
social. Tudo isso se processa dentro do princípio da legalidade: o conservador deve recusar
a titulação, nos casos previstos no artigo 9.º e que se prendem com omissões, vícios ou
deficiências que prejudiquem o ato, seguindo-se o regime de impugnação dos artigos 98.º e
seguintes CRCom. São possíveis determinados aditamentos à firma selecionada (artigo 10.º).
O direito ao uso da firma caduca se o procedimento for interrompido por causa imputável
aos interessados (artigo 11.º). Concluído o procedimento, o serviço competente entrega de
imediato, aos representantes da sociedade e a título gratuito, uma certidão do pato ou ato
constitutivo e do registo deste último, bem como o recibo comprovativo dos encargos pagos
(artigo 12.º). E ainda o serviço competente procede, depois, e no prazo de 24 horas às
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diversas diligências subsequentes (artigo 13.º, n.º1): publicações legais, remessa para as
finanças da declaração de início de atividades, informações à Direção-Geral do Trabalho e à
Segurança social e outras. Num País visceralmente cético em relação a novidades que venham
do Estado, o esquema das empresas na hora obteve algumas críticas na comunicação social.
Verberou-se, em especial, a não intervenção de advogados e os riscos de afunilamento nos
locais onde o novo processo foi posto em vigor. Apenas há que desejar que o esquema
funcione, na prática. Em abstrato, ele é totalmente viável, graças à informática. Constitui um
excelente progresso que honra os seus autores. E poderá operar como um exemplo para
outros atos da vida privada, patrimonial e, até, pessoal.
A constituição on line (reforma de 2006): a modernização da constituição de
sociedades prosseguiu com o Decreto-Lei n.º125/2006, 29 junho: permitiu a criação de
sociedades pela Internet. Para o efeito, usa-se um sítio do Ministério da Justiça, mantido pela
Direção-Geral dos Registos e Notariado, com as diversas funções referidas no artigo 3.º, n.º1.
O regime de constituição on line não é aplicável a sociedades cujo capital seja realizado em
espécie, de tal modo que se exija forma mais solene do que a escrita; tão-pouco se aplica às
sociedades anónimas europeias (artigo 2.º). O pedido é formulado on line, envolvendo os
atos alinhados no artigo 6.º. Aí destacamos a opção por uma firma de fantasia precisamente
criada e reservada pelo Estado e a opção por um pacto-modelo ou por pacto enviado pelo
interessado. Os encargos são pagos por via eletrónica, havendo ainda que remeter os
elementos necessários. O pedido é apreciado pelo serviço competente (artigo 11.º): estando
tudo em ordem, ele procede à inscrição no RNPC e a todas as demais formalidades (artigo
12.º). Esta reforma só pode merecer apoio.
O conteúdo: o conteúdo do contrato de sociedade por quotas deve obdecer ao disposto
no artigo 9.º, n.º1 CSC: o preceito que rege, em geral, a matéria. E como as sociedades por
quotas se aproximam do modelo nuclear tido em conta pelo legislador, na Parte I,
compreende-se que pouco mais haja a acrescentar àquele preceito. Nessas condições, o artigo
199.º CSC limita-se a especificar como elementos a incluir no contrato:
O montante de cada quota de capital e identificação do respetivo titular;
O montante das entradas efetuadas por cada sócio no contrato e o montante das
diferidas.
Perante o artigo 199.º, alínea a) CSC, resultará sempre, do contrato de sociedade por quotas,
a identidade dos diversos sócios. Trata-se de um elemento que aproxima este tipo das
sociedades de pessoas: as sociedades anónimas limitam-se a especificar o número total das
ações. Para além dos elementos necessários, o contrato pode conter cláusulas eventuais,
algumas das quais típicas. Assim:
A obrigação de prestações acessórias (artigo 209.º, n.º1 CSC);
A permissão de prestações suplementares (artigo 210.º, n.º1 CSC), fixando as suas
coordenadas (artigo 210.º, n.º3 CSC);
A regulamentação do direito à informação (artigo 214.º, n.º2 CSC);
Regras quanto aos lucros (artigo 217.º, n.º1 CSC);
Regras quanto à transmissão por morte (artigo 225.º, n.º1 e 226.º, n.º1 CSC); Regras quanto à cessão de quotas (artigo 229.º CSC);
Permissão para amortização de quotas (artigo 232.º, n.º1 CSC);
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Os casos de exoneração (artigo 240.º, n.º1) e de exclusão do sócio (artigo 241.º, n.º1
CSC);
A competência da assembleia geral (artigo 296.º, n.º2 CSC);
A exclusão do voto escrito (artigo 247.º, n.º2 CSC);
A presidência da assembleia geral (artigo 248.º, n.º4 CSC);
A possibilidade de a cada cêntimo do valor nominal da quota competirem dois votos
(artigo 250.º, n.º1 CSC);
A designação dos gerentes (artigo 252.º, n.º2 CSC);
A permissão de concorrência, por parte dos gerentes (artigo 254.º, n.º1 CSC);
A natureza gratuita da gerência (artigo 255.º, n.º1 CSC) ou o facto de ela estar
indexada aos lucros (artigo 255.º, n.º3 CSC);
A exigência de maioria qualificada para a destituição dos gerentes (artigo 257.º, n.º2
CSC);
O direito especial à gerência (artigo 257.º, n.º3 CSC);
A competência da gerência (artigo 259.º CSC);
O funcionamento da gerência plural (artigo 261.º, n.º1 CSC);
A existência de um conselho fiscal (artigo 262.º, n.º1 CSC);
A exigência de uma maioria superior a ¾ para as alterações ao contrato (artigo 265.º,
n.º1 CSC).
Em todos estes casos há um regime supletivamente aplicável, na hipótese de nada se fizer no
contrato. O Código teria sido mais funcional se tivesse reunido, num preceito ordenado, esta
matéria. De todo o modo, cumpre reter que estamos no campo da autonomia privada. Cabe
às partes envolvidas definir, no que a lei não proiba, a ordenação dos seus interesses.
A firma: segundo o artigo 200.º CSC, a firma destas sociedades deve ser formada, com ou
sem sigla, pelo nome ou firma de todos, algum ou alguns dos sócios, ou por uma
denominação particular, ou pela reunião de ambos esses elementos, mas em qualquer caso
concluirá pela palavra “limitada” ou pela abreviatura Lda. Na constituição da firma, na sua
dogmática e nos meandros relativos à sua natureza, cabe observar as regras gerais. De todo
o modo, cumpre ter presente que a generalidade dos problemas que se põem a propósito da
firma têm, justamente, a ver com as sociedades por quotas.
28.º - Sociedades por quotas irregulares
Aspetos gerais; remissão: tal como vimos suceder com as sociedades em nome
coletivo, também nas sociedades por quotas pode haver situações de irregularidade por
incompletude ou por vício intrínseco. Têm aplicação as construções e as soluções gerais já
expendidas. Apenas cumpre chamar a atenção para as normas especialmente dirigidas a
sociedades por quotas – normas essas que, de resto, constam da Parte Geral
A sociedade não registada: a primeira especificidade ocorre na hipótese de uma
sociedade por quotas, já formalizada nos termos do artigo 7.º, n.º1 CSC, mas ainda não
registada, realizar algum negócio. Ou melhor, mantendo a ficção de que tais sociedades não
têm personalidade jurídica: de tal negócio ser praticado em seu nome. Nessa eventualidade,
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segundo o artigo 40.º, n.º1 CSC, na parte que agora releva, respondem ilimitada e
solidariamente todos os que no negócio agirem em representação dela, bem como os sócios
que tais negócios autorizarem. Digamos que, dada a falta do registo, a lei reage retirando o
privilégio da personalidade coletiva. Simplesmente, a responsabilidade dos representantes só
pode ser subsidiária:
Porque, de outro modo, a sua situação ficaria pior do que na sociedade por quotas
ainda não formalizada no contrato definitivo; nessa eventualidade, aplicar-se-ia o
regime das sociedades civis (artigo 36.º, n.º2 CSC), o qual prevê que os sócios
demandados por dívidas da sociedade possam requerer a prévia excussão do
património social;
Porque o resto do preceito, abaixo transcrito, visa precisamente assegurar um fundo
social comum: obviamente, para responder pelas dívidas.
Ainda segundo o artigo 40.º, n.º2, parte final CSC, na hipótese de negócios praticados em
nome de uma sociedade por quotas formalizada mas não registada, , os restantes sócios
respondem até às importâncias das entradas a que se obrigaram, acrescidas das importâncias
que tenham recebido a título de lucros ou da distribuição de reservas. Temos, aqui, uma regra
especialmente destinada a assegurar o património social responsável pelas dívidas.
A sociedade inválida: ocorrendo uma sociedade por quotas e uma vez efetuado o
registo definitivo, operam restrições quanto à invalidação. Trata-se de uma exigência do
Direito Europeu. Recordamos a lista dos vícios que permitem a invalidação (artigo 42.º, n.º1
CSC):
Falta do mínimo de dois sócios fundadores, salvo quando a lei permita a constituição
da sociedade por uma só pessoa;
Falta de menção da firma, da sede, do objeto ou do capital da sociedade, bem como
da entrada de algum sócio ou de prestações realizadas por conta desta;
Menção de um objeto ilícito ou contrário à ordem pública;
Falta de cumprimento dos preceitos legais que exigem a liberação mínima do capital
social;
Não ter sido reduzido a escritura pública o contrato de sociedade.
A ação de declaração de nulidade obedece ao artigo 44.º CSC, concebido sob o signo da
tutela do novo ente coletivo. O favor societatis explica que, segundo o artigo 42.º, n.º2 CSC,
sejam sanáveis os vícios que decorram da falta ou nulidade da firma e da sede, do valor da
entrada de algum sócio e das prestações realizadas por conta desta: por deliberação dos sócios,
tomada nos termos estabelecidos para as deliberações sobre alteração do contrato. Quanto a
vícios de vontade – o erro, o dolo, a coação e a usura: podem ser, nas sociedades por quotas,
invocados como justa causa de exoneração pelo sócio atingido ou prejudicado, desde que se
verifiquem as circunstâncias, incluindo as de tempo, que permitiriam a anulação, pelo Direito
Civil (artigo 45.º, n.º1 CSC). Essa justa causa vem somar-se ao elenco do artigo 240.º, n.º1
CSC. Havendo incapacidade: segundo o artigo 45.º, n.º2 CSC, o negócio jurídico é anulável
em relação ao incapaz. A 1.ª Diretriz das sociedades comerciais concede, a estas, uma
proteção perante as invalidades, independentemente do registo. O artigo 42.º CSC só se
aplica, porém, depois do registo definitivo. A sociedade por quotas invalidada fora do que
prevê o artigo 11.º da 1.ª Diretriz – e mercê do artigo 42.º, n.º1 CSC – por não se mostrar
registada, traduzirá uma violação concreta daquele diploma comunitário. Os prejudicados
pela ocorrência poderão demandar o Estado português pelos danos daí resultantes.
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29.º - O capital e as entradas
O capital: as sociedades por quotas têm, necessariamente, capital social: um ponto que
deriva da sua própria natureza e que surge positivado nos artigos 9.º, n.º1, alínea f), 199.º,
alínea a) e 201.º CSC. Não são admitidas contribuição de indústria (artigo 202.º, n.º1 CSC)
assim se fechando o círculo. O capital mínimo está fixado nos 5000€ (artigo 201.º CSC): esse
valor deve ser respeitado aquando da constituição: além disso, o capital não pode,
ulteriormente, descer abaixo desse montante. O Decreto-lei n.º253/2001, 30 agosto veio, no
seu artigo único, n.º1, determinar que as sociedades que não houvessem procedido ao
aumento de capital social até aos montantes mínimos previstos nos artigos 201.º e 277.º, n.º3
CSC devem ser dissolvidas a requerimento do Ministério Público, mediante participação do
conservador do registo comercial. O artigo único previa, porém, uma notificação prévia, a
efetuar pela conservatória do registo comercial, notificação essa a partir da qual se contariam
três meses: última oportunidade para a regularização do capital social, perante a lei nova.
As entradas; o diferimento: a obrigação de entrada (artigos 20.º, alínea a) e 25.º e
seguintes CSC) assume, nas sociedades por quotas, algumas particularidades. Como vimos,
na hipótese de se recorrer à constituição imediata prevista no Decreto-Lei n.º111/2005, 8
julho, apenas as entradas em dinheiro são possíveis. O legislador dispensou um especial
tratamento à possibilidade de diferimento das entradas. Apenas pode ser diferida a efetivação
das entradas em dinheiro desde que estas, no seu conjunto e somadas as eventuais entradas
em espécie – que não são diferíveis – perfaçam o capital mínimo fixado na lei. O artigo 202.º,
n.º3 a 5 CSC tem a redação que resultou, sucessivamente, de alterações legislativas e o regime
daí resultante é o seguinte:
A soma das entradas já realizadas deve ser depositada em instituição de crédito, numa
conta aberta em nome da futura sociedade, até ao momento da celebração do
contrato;
Os sócios devem declarar no ato constitutivo, sob sua responsabilidade, que
procederam a esse depósito;
Dessa conta só poderão ser feitos levantamentos:
i. Depois do registo definitivo;
ii. Depois de celebrado o contrato, caso os sócios autorizem os gerentes a efetuá-
los para fins determinados;
iii. Para liquidação por inexistência ou nulidade do contrato ou por falta de registo.
De iure condendo, não se justificam estes depósitos obrigatórios, hoje reduzidos a mero ritual.
Em 2001 veio permitir-se a substituição do comprovativo do depósito por uma declaração
dos sócios, sob sua responsabilidade, de que o depósito existe. Há como que um convite à
fraude, numa solução que ficou a meio caminho entre a saída ideal e a existente. De notar
que a inexistência do contrato (que não constava da redação inicial do Código) não tem
projeção na Parte Geral. Será um vício específico das sociedades por quotas? Não cremos
que a inexistência deva ser admitida como um vício autónomo. A sua transposição para as
sociedades anónimas iria contraditar o artigo 11.º, n.º2 da 1.ª Diretriz sobre Direito das
sociedades. Quanto a sociedades por quotas: embora não haja, nesse domínio, Direito
comunitário aplicável, sempre assistiríamos a grave disfunção. Sublinhe-se ainda que, no
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tocante a sociedades irregulares, o vasto regime legislado nada diz quanto a pretensas
inexistências. Há que – também por isso – reconduzi-las à nulidade. A possibilidade de
diferimento das entradas e o montante abrangido devem constar do próprio contrato de
sociedade (artigo 199.º, alínea b) CSC). Compreende-se: trata-se de um ponto sensível,
relevante para terceiros e em relação ao qual operam as razões justificativas da exigência de
forma para o próprio contrato de sociedade. Quando as partes optem pelo diferimento, para
além da já vista regra de que só podem estar em causa entradas em dinheiro e até metade
(artigo 202.º, n.º1 CSC), há que observar o seguinte (artigo 203.º, n.º1 e 2 CSC):
O diferimento operará a termo;
Tornando-se exigível, em qualquer caso, em cinco anos ou em metade de duração da
sociedade, quando inferior;
E devendo, salvo acordo em contrário, as prestações dos diversos sócios ser
simultâneas e representar frações iguais do respetivo montante.
O diferimento operará a termo: ou é remetido para uma data fixada ou fica dependente de
factos certos e determinados. Não se admite um diferimento condicionado (facto futuro e
incerto). Para eventualidades, a lei prevê mecanismos, incluindo o próprio aumento de capital,
a decidir pelos sócios. Exigível em cinco anos ou em metade da duração da sociedade,
quando seja inferior: uma norma imperativa destinada a prevenir um diferimento sem limites.
Esta regra é aplicável quando as partes não fixem prazo algum? Temos duas soluções em
abstrato:
Ou, na falta de qualquer prazo, se entende haver o termo legal supletivo de cinco
anos – ou de metade da duração da sociedade, quando inferior;
Ou, nessa mesma eventualidade, se recorre ao regime geral das obrigações sem prazo,
presente no artigo 777.º, n.º1 CC: a sociedade pode solicitar a entrada a todo o tempo
ou o sócio pode-se apresentar a todo o tempo a efetivá-la; esta solução tem a
preferência de Raúl Ventura, com o argumento de que os prazos mínimos operam
em benefício da sociedade e não dos sócios.
Subjacente à solução de Raúl Ventura temos uma contraposição entre o interesse da
sociedade e o dos sócios: um ponto complexo e do qual nos parece difícil retirar soluções
dogmáticas capazes. O problema deve ser repensado. Se as partes não indicarem, no contrato,
qual o prazo do diferimento, há uma lacuna. Esta lacuna deve ser integrada em termos
objetivos, com aproximação às regras próprias da interpretação da lei. Teremos de considerar,
caso a caso, o que se passa. Assim:
Ou resulta do contrato que as entradas diferidas devem coincidir com determinado
evento certus an, ainda que incertus quanto: nessa altura, a integração aproximará, dessa
eventualidade, o prazo de efetivação;
Ou apenas emerge que as partes não quiseram vincular-se a nenhuma data, altura em
que operam os limites legais máximos: cinco anos ou metade da duração da sociedade.
Estamos no campo da autonomia privada. Esse mesmo regime deve aplicar-se perante
entradas condicionadas e, designadamente, perante a condição (potestativa) do chamamento
da gerência: tal chamamento ou é objetivamente justificado (certus an) ou tem o limite dos
cinco anos ou metade da duração da sociedade. Quanto à exigência (supletiva) de realização
simultânea das entradas diferidas e de percentagens idênticas nessa mesma realização trata-
se do afloramento do princípio do igual tratamento dos sócios.
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Sócio remisso; tramitação: a ocorrência do termo no qual a entrada diferida deva ser
verificada – seja pelo decurso do prazo, seja pela verificação do facto certus an de que dependa
– provoca a exigibilidade fraca da inerente prestação. Há um desvio em relação ao artigo
805.º, n.º1 e 2 CC: havendo prazo prefixado ou derivando o vencimento de facto certus an, a
mora deveria ser imediata (ex re). A exigência de interpretação cifra-se num favor socii,
destinado a prevenir que este, por desconhecimento da ocorrência do facto certus an ou por
esquecimento, entre em mora, desencadeando um sempre desagradável conflito com a
sociedade. Aflora, neste ponto, a vertente pessoal das sociedades por quotas. Esse mesmo
aspeto surge, ainda, na eficácia diferida da própria interpelação: esta não provoca o
vencimento (forte) imediato da prestação; ela deve fixar um prazo, entre 30 e 60 dias, para o
efetivo pagamento. O sócio não é apanhado desprevenido (mínimo de 30 dias) mas também
não pode beneficiar de novos e longos diferimentos (máximo de 60 dias). Os gerentes,
verificado o termo, têm o dever de interpelar tão cedo quanto possível ou constituir-se-iam
sujeitos do dever de indemnizar a sociedade pelos danos que ocasionarem com a sua omissão.
Interpelado, pode o sócio não realizar a prestação no prazo que lhe tenha sido fixado na
própria interpelação. Temos a figura do sócio remisso, regulada nos artigos 204.º a 208.º CSC.
Repare-se que a mora do sócio na realização da entrada é duplamente grave: põe em causa o
próprio ente coletivo e conduz, por via do sistema de responsabilidade subjacente às
sociedades por quotas, à responsabilização solidária dos sócios cumpridores. O artigo 204.º
CSC, perante o sócio remisso, prevê a seguinte tramitação:
O sócio deve ser avisado, por carta registada, que a partir do 30.º dia subsequente à
sua receção, fica sujeito a exclusão e à perda, total ou parcial, da quota: trata-se de um
prazo admonitório que corresponde à adaptação do artigo 808.º, n.º CC;
Não sendo o pagamento efetuado nesse prazo, pode a sociedade deliberar excluir o
sócio (artigo 204.º, n.º2, 1.ª parte CSC);
Ou, em alternativa, por sua iniciativa ou a pedido do sócio remisso, pode optar por
limitar a perda à parte da quota correspondendo à prestação não efetivada (artigo
204.º, n.º2, 3.ª parte CSC); a essa parte não é aplicável o artigo 219.º, n.º3 CSC
(mínimo de 100€), mas ela não pode ser inferior a 50€ (artigo 204.º, n.º3 CSC).
A exclusão do sócio vem genericamente prevista no artigo 241.º, n.º1 CSC: trata-se, aqui e
precisamente, de um dos casos previstos na lei, para que a exclusão possa sobrevir. Torna-se
importante sublinhar que a exclusão do sócio, com a subsequente tramitação legal, não é
obrigatória: a sociedade pode optar pelo regime comum de execução da dívida. Tal se infere,
designadamente e também, do artigo 207.º, n.º4 CSC. A hipótese de exclusão dos sócios
remissos não é um mero esquema de execução coativa da prestação, a funcionar em
alternativa ao regime geral (artigo 817.º CC). Pelo contrário: antes afloram, aqui, valores
societários próprios das sociedades de pessoas. O sócio remisso está, antes de mais, a quebrar
a confiança dos restantes sócios, na prossecução dos fins societários. Não efetivando a
obrigação de entrada, ele coloca-se à margem do projeto coletivo, podendo ser excluído. Mas
isso passa por uma concreta avaliação do sucedido: donde a exigência de deliberação dos
sócios (artigo 246.º, n.º1, alínea c) CSC) deliberação essa em que o próprio sócio remisso não
pode votar (artigo 251.º, n.º1, alíneas c) e d) CSC). A exclusão do sócio ou a perda da parte
da quota correspondente à prestação devem ser comunicadas ao interessado (artigo 204.º,
n.º2, 2.ª e 4.ª partes CSC). À perda de parte da quota aplica-se, depois, o regime
correspondente à quota do sócio excluído (artigo 204.º, n.º4 CSC). Excluído o sócio, cumpre
decidir o destino da quota perdida a favor da sociedade. A lei prevê as diversas hipóteses:
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A venda da quota em hasta pública (artigo 205.º, n.º1, 1.ª parte CSC);
A venda a terceiros por modo diverso, exigindo-se, porém, sendo o preço inferior à
soma do montante em dívida com a prestação já efetuada por conta da quota, o
consentimento do sócio excluído (artigo 205.º, n.º1, 2.ª parte CSC);
A divisão da quota proporcionalmente às dos outros sócios, vendendo-se a cada uma
parte que lhe couber (artigo 205.º, n.º2, alínea a) CSC);
A venda indivisa ou a divisão não proporcional seguida de venda, uma e outra a favor
de algum ou alguns dos sócios (artigo 205.º, n.º2, alínea b) CSC); esta via segue o
artigo 265.º, n.º1 CSC (maioria necessária para a alteração do contrato); além disso,
o preço por que os outros sócios pretendem adquirir a quota deve ser previamente
comunicado ao sócio excluído, por carta registada, podendo este, no prazo de 30 dias,
opor-se à execução da deliberação quando o preço em causa não alcance a soma da
importância em dívida com o valor já pago e desde que ele não cubra o valor real da
quota calculado nos termos do artigo 1021.º CC (artigo 205.º, n.º3 CSC); a
deliberação não pode ser executada antes de decorrido o prazo para a oposição ou
antes do trânsito em julgado da decisão que declare a oposição ineficaz (artigo 205.º,
n.º4 CSC).
A solução de base será, tudo visto, a venda em hasta pública. Todavia, a vertente pessoal das
sociedades por quotas explica que a venda possa ser feita a sócios, se assim se deliberar e os
outros requisitos forem preenchidos. Mas deverá haver venda, seja ela qual for? Raúl Ventura
responde pela positiva: de outro modo – diz ele – conservar-se-ia na titularidade da sociedade
uma quota não liberada, sendo que a própria sociedade não pode proceder à liberação. Ora
está em causa o interesse dos credores, pelo que a regra não pode ser derrogada pelos sócios.
Na verdade, joga-se, também, o interesse do sócio remisso, que já terá realizado, pelo menos,
50% do capital que lhe caiba. Veja-se, a tal propósito, o artigo 208.º, n.º2 CSC. O artigo 206.º
CSC versa a responsabilidade do sócio e a dos anteriores titulares da quota: ela é solidária,
perante a sociedade ( e sem possibilidade de compensação) pela diferença do produto da
venda e a parte da entrada em dívida (n.º1). O titular anterior que pagar à sociedade (ou a um
sócio sub-rogado, nos termos do artigo 207.º CSC) tem o direito de haver do sócio excluído
e de qualquer dos antecessores deste, em regime de conjunção, o reembolso da quantia paga,
depois de deduzida a parte que lhe competir (artigo 206.º, n.º2 CSC). A responsabilidade dos
outros sócios consta do artigo 207.º CSC. Quanto às quantias obtidas na venda das quotas
(artigo 208.º, n.º1 e 2 CSC):
Suportam as despesas correspondentes;
Cabem à sociedade, até ao limite da entrada em dívida;
No excedente, se o houver, competem aos outros sócios, no limite dos desembolsos
que hajam suportado;
No que sobre, será entregue ao sócio remisso até ao limite da parte da entrada por
ele prestada;
No remanescente: pertente à sociedade.
A lei não deixou grande margem à imaginação do intérprete-aplicador.
Capítulo III – Os sócios por quotas
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30.º - A responsabilidade
Pelas entradas: cada sócio é responsável pela sua entrada e, designadamente, pela parcela
cuja efetivação tenha sido diferida no contrato de sociedade. Além disso, ele é solidariamente
responsável, com os demais sócios, pela realização do capital diferido. Trata-se de um ponto
que a própria lei apresenta como característica da sociedade (artigo 197.º, n.º1 CSC). A
responsabilidade pela entrada própria equivale ao específico e já examinado regime das
entradas. A responsabilidade solidária pelo conjunto das entradas coloca uma problemática
própria, versada no artigo 207.º CSC. A responsabilidade de cada sócio pelas entradas alheias
provém da Lei alemã e vem regulada e desenvolvida no nosso Código no artigo 207.º, n.º1
CSC:
«Excluído um sócio, ou declarada perdida a favor da sociedade parte da sua quota, são os
outros sócios obrigados solidariamente à parte da entrada que estiver em dívida, quer a quota
tenha sido ou não já vendida nos termos dos artigos anteriores; nas relações internas esses sócios
respondem proporcionalmente às suas quotas».
Tem-se, assim, o regime de responsabilidade subsidiária pelas quotas alheias, com
solidariedade entre os corresponsáveis, a repartir, nas relações internas, na proporção das
quotas respetivas. Como (bem) observa Raúl Ventura, o esquema legal é pouco animador: a
responsabilidade solidária depende de deliberação dos próprios sócios a responsabilizar,
deliberação essa que irá no sentido da perda, total ou parcial e a favor da sociedade, da quota
do sócio remisso. Também lá se poderia chegar na hipótese de a sociedade ter optado pelos
meios executivos normais (portanto: sem efetuar as declarações previstas no artigo 204.º,
n.º1 CSC) e não ter logrado recuperar, do sócio remisso, a importância em dívida (artigo
207.º, n.º4 CSC). De todo o modo, no caso de a sociedade não exercer os seus direitos contra
os sócios (seja o remisso, seja os restantes), podem os credores sociais fazê-lo, por via do
artigo 30.º CSC. Pergunta-se quem são os outros sócios, para efeitos de responsabilização
subsidiária e solidária pela realização das quotas em falta. Outros sócios são os titulares de
posições sociais válidas e eficazes. Não ficam abrangidos:
O próprio sócio remisso e excluído;
Os anteriores titulares da quota do remisso, que respondem nos termos do artigo
206.º CSC;
O adquirente da quota do sócio remisso;
A sociedade, como detentora de quotas próprias: o regime especial destas prevalece
sobre as regras gerais.
O sócio que tiver efetuado algum pagamento por via do artigo 207.º CSC pode (artigo 207.º,
n.º3 CSC) sub-rogar-se no direito que assiste à sociedade contra o excluído e seus sucessores,
segundo o disposto no artigo 206.º CSC, a fim de obter o reembolso da quantia paga.
Direta para com os credores sociais: as sociedades por quotas são sociedades de
responsabilidade limitada. Os sócios não respondem pelas dívidas sociais (artigo 197.º, n.º3
CSC): apenas pelas entradas próprias e, subsidiaria e solidariamente, pelas quotas dos outros
sócios. O Código de 1986, inovando, veio, todavia, prever a possibilidade de uma
responsabilidade direta para com os credores sociais. A ideia de responsabilidade
suplementar dos sócios veio a filiar-se em considerações de ordem prática detetadas no
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funcionamento efetivo da sociedade por quotas. As sociedades por quotas têm, em regra,
um capital pouco expressivo. O seu financiamento vem a ser efetuado pelos próprios sócios,
com recurso a suprimentos ou a prestações suplementares, ou pelo recurso da própria
sociedade ao crédito. Neste último caso, porém, apenas se obtêm financiamentos,
designadamente bancários, desde que haja uma garantia pessoal dos sócios. Explica Raúl
Ventura:
«(...) portanto, parece mais simples e cómodo admitir que, logo na constituição da sociedade e
até montantes determinados, os sócios assumam responsabilidade solidária com a sociedade
pelas obrigações que esta contrair».
A responsabilidade direta dos sócios para com os credores requer:
Uma estipulação no contrato;
Com uma indicação do montante-limite.
Para além disso, e segundo o artigo 198.º, n.º CSC, essa responsabilidade pode assumir
diversas feições, consoante o que resulte do pacto social. Designadamente:
Pode ser solidária com a da sociedade;
Pode ser subsidiária em relação à desta, a efetivar apenas na fase da liquidação.
Trata-se de uma responsabilidade pessoal. Assim (artigo 198.º, n.º2 CSC):
Abrange apenas as obrigações da sociedade constituídas enquanto o sócio
responsável a ela pertencer;
Não se transmite por morte deste, sem prejuízo da transmissão das obrigações a que
o sócio estava anteriormente vinculado.
Supletivamente, o sócio chamado a pagar dívidas sociais, ao abrigo deste esquema, tem
direito de regresso contra a sociedade, pela totalidade do que houver pago: mas não contra
os outros sócios. Naturalmente: a hipótese, dependente de estipulação, de haver regresso
contra a sociedade e contra os restantes sócios tem maior interesse.
Outras; funcionamento do sistema: em princípio, o status de sócio em sociedades
por quotas não compreende outras situações de responsabilidade por dívidas sociais, para
além das acima descritas. Trata-se de consequência lógica da personalização e do princípio
da separação de esferas e patrimónios. Apenas por contrato se poderão estabelecer hipóteses
de responsabilização. A responsabilidade dos sócios por dívidas sociais poderá, todavia,
surgir por exigências específicas do sistema e ao abrigo do instituto do levantamento da
personalidade coletiva. Caberá recordar que o tema surgiu, na jurisprudência europeia,
precisamente a propósito das sociedades por quotas: estas, precisamente por aliarem um
pequeno capital à responsabilidade limitada, poderiam dar azo a abusos. Nessa altura, a
exigência de boa fé determinaria a responsabilização dos sócios envolvidos. Existe, a esse
propósito, toda uma tipologia de casos, tratados na Parte Geral, para onde se remete. O
funcionamento do sistema permite constatar que a limitação da responsabilidade dos sócios
é muito teórica. Na verdade, no que toca aos créditos bancários – os mais significativos, uma
vez que é junto da banca que se financiam as sociedades comuns – as sociedades por quotas
só logram obtê-los mediante garantias pessoais (fiança ou avais) dos sócios ou, pelo menos,
dos sócios gerentes. A hipótese, prevista no Código, de uma responsabilidade direta dos
sócios, até este momento, não tem sido explorada. Mais fácil e dinâmica, sobretudo perante
obrigações cambiárias, é a direta assunção, pelos sócios, do papel de garantes, perante certas
dívidas. Justamente na via de, contratualmente e em face de outros débitos, responsabilizar
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os sócios pelas dívidas de sociedades surgiram as fianças omnibus: contratos pelos quais os
sócios – ou os sócios gerentes – assumiriam a responsabilidade ilimitada por todas as dívidas,
presentes e futuras, da sociedade, perante certo credor. Tais contratos já foram considerados
nulos por indeterminabilidade do seu conteúdo ou por contrariedade aos bons costumes: um
ponto a verificar caso a caso. Dada a prática, podemos considerar que o grande atrativo das
sociedades por quotas é o seu potencial organizativo: mais do que a limitação da
responsabilidade, um tanto teórica.
31.º - Prestações acessórias e prestações suplementares
Obrigações de prestações acessórias: as obrigações de prestações acessórias estão,
hoje, expressamente consagradas na lei. Segundo o artigo 2’9.º, n.º1 CSC, trata-se de
obrigações:
Constantes do contrato de sociedade;
Adstringem todos ou alguns sócios;
A efetuar, a favor da sociedade, determinadas prestações, além das entradas.
Além disso, sempre segundo o mesmo preceito, deve o contrato de sociedade que as inspira:
Definir os elementos essenciais da obrigação;
Especificar se as prestações devem ser fixadas onerosa ou gratuitamente.
Seguem-se diversos aspetos relativos ao seu regime. A origem destas prestações deve-se à
doutrina alemã dos deveres de prestação acessórios, a que se reconhece a maior relevância
prática. Não há limitações quanto ao seu conteúdo: prestações pecuniárias, de entrega de
coisas certas ou de serviço, dependendo da autonomia das partes. O Código das Sociedades
comerciais, consagrou as prestações acessórias (artigo 209.º CSC), diferenciadas das
suplementares (artigo 210.º CSC). Trata-se de prestações independentes: filhas da autonomia
privada, elas vinculam imediatamente os sócios podendo atingi-los todos ou apenas alguns,
diferenciada ou paralelamente. Elas podem dever ser executadas de imediato ou, apenas,
ulteriormente: a prazo certus an certus quando, apenas certus an ou sob condição (incertus an). O
conteúdo depende da autonomia das partes. Designadamente: pode tratar-se de prestações
pecuniárias, de prestações de dare e de prestações de facto. Quanto a prestações pecuniárias,
o artigo 209.º, n.º2 CSC pressupõe, de modo expresso, prestações acessórias pecuniárias.
Ainda quanto ao conteúdo: as prestações acessórias podem ser instantâneas ou duradouras,
únicas ou fracionadas, periódicas ou irregulares. As denominações que lhes deem as partes
não são vinculativas. Assim, um suprimento obrigatório é, na realidade, uma prestação
acessórias pecuniária. Correspondendo o conteúdo da prestação ao de um contrato típico,
aplica-se a regulamentação própria do contrato em causa (artigo 209.º, n.º1, final CSC).
Outros traços do regime:
As prestações acessórias não-pecuniárias são intransmissíveis (artigo 209.º, n.º2 CSC):
um caso de interdição legal de cessão de créditos, a subsumir no artigo 577.º, n.º1 CC;
Convencionando-se a onerosidade, a contraprestação pode ser paga
independentemente de haver lucros do exercício (artigo 209.º, n.º3 CSC);
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O incumprimento das prestações acessórias não afeta a posição do sócio como tal
(artigo 209.º, n.º4 CSC);
As obrigações acessórias extinguem-se com a dissolução da sociedade (artigo 209.º,
n.º5 CSC).
Este último preceito resulta da natureza das coisas: se a obrigação devesse subsistir à
dissolução da sociedade, já teria uma natureza não societária, cabendo apenas, caso a caso,
ponderar a sua licitude. Quanto às restantes, todas elas são supletivas, embora a lei só o diga
expressamente no artigo 209.º, n.º4 CSC e, implicitamente, no artigo 209.º, n.º3 CSC.
Estamos no seio da autonomia privada, cabendo às partes reger os seus interesses como bem
entenderem. No que tange à sua natureza, as obrigações de prestações acessórias surgem
como cláusulas acidentais facultativas e típicas, próprias dos contratos de sociedade. O
legislador deixa-as à disposição dos interessados para que melhor possam compor os seus
negócios.
Prestações suplementares: com a figura das prestações suplementares trata-se de uma
via de financiamento complementar das sociedades, à disposição dos sócios. Aquando da
preparação do Código das Sociedades Comerciais, Raúl Ventura chegou a propor a abolição
da figura. todavia, ela manteve-se pelo peso da tradição: fica à disposição dos sócios como
mais um instrumento de apoio ao financiamento das sociedades ora em estudo. Elas
assumem o papel de um complemento do património social e não (como os suprimentos)
de mero mútuo à sociedade. Várias razões podem levar as partes a estipular prestações
suplementares, com relevo para as conveniências de reforço dos capitais próprios. Quanto
ao seu regime, elas distinguem-se, desde logo, pela dupla base jurídico-normativa (artigo 210.º,
n.º1 CSC):
Devem estar previstas no pacto inicial, seja ab initio, seja por alteração;
Devem ser deliberadas pelos sócios.
Ao contrário do que sucede com as prestações acessórias, as prestações suplementares têm,
necessariamente, natureza pecuniária (artigo 201.º, n.º2 CSC). Isto dito, deve o próprio
contrato conter diversos elementos a elas relativos:
O seu montante global;
Os sócios que ficam obrigados;
O critério de repartição entre eles.
A indicação do montante global é essencial; na falta de indicação dos sócios obrigados, todos
ficam adstritos a fazê-lo; e não havendo critério de repartição, deve esta ser proporcional à
quota de cada um (artigo 210.º, n.º4 CSC). As prestações suplementares não vencem juros
(artigo 210.º, n.º5 CSC). Para além da consagração no pacto social, as prestações
suplementares devem ser deliberadas. Essa deliberação terá de fixar (artigo 211.º, n.º1 CSC):
O montante tornado exigível;
O prazo da prestação, que não pode ser inferior a 30 dias, a contar da comunicação
aos sócios.
Temos, ainda, duas restrições (artigo 211.º, n.º2 e 3 CSC):
A deliberação só é possível depois de interpelados todos os sócios para liberação
integral das suas quotas de capital;
As prestações não podem ser exigidas depois de dissolvida a sociedade.
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As prestações suplementares estão próximas do dever de entrada. É-lhes aplicável o disposto
nos artigos 204.º e 205.º CSC (artigo 212.º, n.º1 CSC). Pode, pois, ser excluído o sócio que
não as acate, o que se compreende: trata-se de obrigações assumidas no pacto social; o
incumprimento justifica, em relação ao faltoso, como que uma resolução contratual. O
legislador reforça os traços próprios da sua efetivação e da sua natureza pessoal:
Ao crédito da sociedade por prestações suplementares não pode ser oposta a
compensação (artigo 212.º, n.º2 CSC);
A sociedade não pode exonerar os sócios da obrigação de as efetuar, estejam ou não
já exigidas (artigo 212.º, n.º3 CSC);
O direito de as exigir é intransmissível e nele não podem sub-rogar-se os credores da
sociedade (artigo 212.º, n.º4 CSC).
A restituição das prestações suplementares: as prestações suplementares, ainda
que não vencendo juros (artigo 201.º, n.º5 CSC), podem ser restituídas. Para isso, o artigo
213.º CSC fixou uma série de requisitos. Desde logo, a restituição depende de uma
deliberação dos sócios (artigo 213.º, n.º2 CSC). Posto o que:
A situação líquida não pode ficar inferior à soma do capital e da reserva legal (artigo
213.º, n.º1, 1.ª parte CSC);
O respetivo sócio já deve ter liberado a sua quota (artigo 213.º, n.º1, 2.ª parte CSC).
Cabe ainda observar o seguinte:
A restituição não é possível depois de declarada a insolvência da sociedade (artigo
213.º, n.º3 CSC);
A restituição deve respeitar a igualdade dos sócios que as tenham efetuado, desde que
hajam liberado as quotas respetivas (artigo 213.º, n.º4 CSC).
Para o cálculo do montante da obrigação vigente de efetuar prestações suplementares não
são computadas as prestações restituídas.
32.º - Contrato de suprimento
Noção, origem e figuras afins: quando uma sociedade por quotas tenha necessidade
de financiamentos, a solução mais fácil, mais natural e mais flexível é ajustá-los com os seus
próprios sócios. Temos a figura do contrato de suprimento, definido no artigo 243.º, n.º1
CSC como:
«(...)o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando
esta obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade(...)».
Ou, numa segunda modalidade, o contrato:
«(...) pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus
sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo caráter de permanência».
A exigência, em qualquer caso do caráter de permanência leva o legislador a fixar índices. São
eles (artigo 243.º, n.º2 e 3 CSC):
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A articulação de um prazo de reembolso superior a um ano, seja ela contemporânea
à constituição do crédito ou posterior a ela; no caso de diferimento do vencimento,
computa-se o tempo decorrido desde a constituição até ao negócio de diferimento;
A não exigência do reembolso devido pela sociedade durante um ano, quer não
havendo um prazo inferior; tratando-se de lucros não distribuídos, o prazo de um
ano conta-se desde a data da deliberação de distribuição.
Os credores sociais podem provar o caráter de permanência mesmo que o reembolso tenha
ocorrido antes de expirado um ano; os sócios podem ilidir a presunção de permanência
demonstrando que o diferimento corresponde a circunstâncias independentes da qualidade
de sócio (artigo 243.º, n.º4 CSC). Fica ainda sujeito ao regime dos suprimentos o crédito de
terceiro sobre a sociedade, desde que o sócio o adquira por negócio entre vivos e no
momento da aquisição se verifique alguma das circunstâncias que constituem índice de
permanência (artigo 243.º, n.º5 CSC). Esta equiparação de regimes permite ver, aqui, uma
terceira modalidade de suprimentos. Os suprimentos devem distinguir-se das figuras afins,
designadamente das prestações acessórias e das prestações suplementares: os regimes
envolvidos são bastante diversos:
As prestações acessórias resultam do pacto social e podem envolver dinheiro, bens
ou serviços;
As prestações suplementares são permitidas pelo pacto social e resultam de
deliberação dos sócios, recaindo apenas sobre dinheiro;
Os suprimentos advêm de um contrato celebrado entre o sócio e a sociedade, relativo
a dinheiro ou a outra coisa fungível, equivalendo a um mútuo.
Todas estas realidades surgem no domínio societário, envolvendo sociedades e os seus sócios,
nessa qualidade. O suprimento distingue-se, noutro plano, de um mútuo comum: representa
um contributo permanente ou, pelo menos, prolongado, do sócio para a sociedade em que
detenha uma posição. Quando muito representaria um mútuo de escopo, cujo regime é
infletido pela realidade societária que visa servir.
Regime: o suprimento corresponde a um especial envolvimento do sócio no
financiamento da sociedade ou, se se preferir, na sua capitalização. O problema reside em
separá-lo de uma comum ajuda monetária, puramente transitória. Como traço distintivo do
suprimento, requer-se uma valoração. O Código das Sociedades Comerciais, na base de uma
ideia excelente de Raúl Ventura, optou por um critério claro: o da permanência. Como vimos,
o artigo 243.º, n.º2 CSC fixa índices de permanência, associado a um jogo de presunções. Na
falta de estabilidade, não há suprimento. O contrato de suprimento é um mútuo especial: é
patente a proximidade entre a definição do artigo 1142.º CC e a do artigo 243.º, n.º1 CSC.
Isso sem prejuízo de se poder, depois, afirmar a sua autonomia. No tocante à forma, há
diferenciação: o suprimento, na linha dos empréstimos mercantis, não está sujeito a qualquer
forma especial (artigo 243.º, n.º6 CSC). O suprimento mantém-se um contrato. Caso o pacto
social preveja a obrigação de efetuar suprimentos, estamos perante prestações acessórias
(artigo 209.º CSC), cabendo analisar o respetivo regime (artigo 244.º, n.º1 CSC). Hipótese
especial é a de os suprimentos serem adotados por deliberação social. Nessa altura, só ficam
vinculados os sócios que votem favoravelmente tal deliberação (artigo 244.º, n.º2 CSC).
Ainda a ideia contratual explica o artigo 244.º, n.º3 CSC: a celebração de contratos de
suprimento não depende de prévia deliberação dos sócios. O artigo 245.º CSC fixa uma série
de regras para os supriemntos sendo patentes os desvios em relação ao mútuo. Encontramos
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aqui matéria de tipo interpretativo e, como tal, aplicável a suprimentos celebrados antes da
entrada em vigor do Código de 1986. Quanto às normas específicas, temos:
Não havendo prazo para o reembolso dos suprimentos, aplica-se o artigo 777.º, n.º2
CC (fixação do prazo deferida ao tribunal); o tribunal terá em conta as consequências
que o reembolso acarretará para a sociedade, podendo determinar o pagamento em
prestações (artigo 245.º, n.º1 CSC): uma regra já considerada interpretativa em relação
ao Direito anterior;
Os credores por suprimentos não podem requerer, por eles, a insolvÊncia da
sociedade, embora o plano de insolvência lhes seja aplicável (artigo 245.º, n.º2 CSC);
decretada a insolvência, os suprimentos só são reembolsados depois de pagos os
créditos de terceiros, não sendo admissível a compensação de créditos da sociedade
com os de suprimentos (artigos 245.º, n.º3 CSC);
Este regime é reforçado com a impugnabilidade do reembolso dos suprimentos
efetuados no ano anterior à insolvência (artigo 245.º, n.º5 CSC) e com a nulidade das
garantias reais prestadas relativamente à obrigação do seu reembolso (artigo 245.º,
n.º6 CSC).
O regime dos suprimentos é, depois, complementado pelas regras gerais. Assim:
O suprimento é um contrato real quoad constitutionem: só produz efeitos com a efetiva
entrega do dinheiro;
As partes podem estipular juros: porém, se nada disserem, não se deve presumir a
onerosidade, uma vez que o suprimento é, sempre e por definição, um negócio
interessado: o sócio pretende capitalizar a sociedade que, depois, lhe dará lucros;
O crédito de suprimentos é transmissível, nos termos gerais do artigo 577.º, n.º1 CC:
quanto transmitido a um não-sócio mantém, não obstante, a precisa qualidade que
tinha inicialmente; além disso, ele tem autonomia não se transmitindo
automaticamente com a quota.
Âmbito, papel e natureza: o contrato de suprimento foi regulado expressamente no
domínio das sociedades por quotas. Curiosamente, estas assumem, no Direito português e
nalguns aspetos, uma dimensão matricial que, em regra, compete às sociedades anónimas.
Pergunta-se, feito este raciocínio, se o regime dos suprimentos se poderá aplicar a outros
tipos societários. No tocante às sociedades em nome coletivo, Raúl Ventura responde pela
negativa: o regime da responsabilidade ilimitada não justificaria a especial proteção dos
credores que as regras sobre suprimentos sempre envolvem. Mas essa responsabilidade é,
tão-só, subsidiária: ela não equivale a certas vantagens imediatas que o regime dos
suprimentos dá aos credores. Pensamos, pois, que nada obsta à aplicabilidade analógica dos
suprimentos às sociedades em nome coletivo: um ponto a verificar caso a caso. Mais
complexa é a situação nas sociedades anónimas. Raúl Ventura, sob inspiração alemã, explica
que cumpre distinguir entre o acionista empresário e o acionista investidor: o primeiro está
efetivamente embricado na vida societária, pelo que os seus contributos em dinheiro têm,
nesse plano, uma justificação interessada; o segundo não tem tal ligação. Assim sendo, apenas
ao acionista empresário haveria que aplicar o regime dos suprimentos. Na Alemanha, a
jurisprudência fixou em 25% a percentagem do capital social cuja detenção permitira concluir
por um acionista empresário; Raúl Ventura propõe entre nós, com base nos artigos 392.º e
418.º, n.º1 CSC, a detenção de 0%, numa opção acompanhada pela jurisprudência (AC STJ
14-Dez-1994 e AC STJ 9-Fev-1999). De facto, o regime dos suprimentos nem é excecional,
nem se funda em razões privativas das sociedades por quotas: pode ser aplicado por analogia.
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Além disso, o suprimento é um contrato à disposição de quaisquer interessados, desde que
se mostrem reunidos os elementos naturais de que depende: uma sociedade com os seus
sócios. Nestas codnições, podemos encontrar suprimentos nas sociedades anónimas:
Quanto as partes estipulem ou quando o pacto social os preveja e regule;
Quando se gere um empréstimo que, materialmente, exerça a função do suprimento.
Não chega a mera qualidade de acionista para que se verifique este último ponto. A fixação
de uma percentagem de detenção de ações para que se possa falar em acionista empresário
interessado na capitalização da sociedade tem óbvias vantagens no plano da segurança. A
cifra de 10% proposta por Raúl Ventura faz sentido; não lhe podem ser contrapostas, sem
menos, percentagens de 1% e de 5% exigidas para outros propósitos, uma vez que os lugares
paralelos (artigos 392.º e 418.º, n.º1 CSC) traduzem efetivas implicações empresariais. Mas
na falta de lei, não vemos como impô-la doutrinariamente: qualquer percentagem fixa implica
um arbítrio que só pode ser assumido por lei geral. Propomos, pois, como elemento de
analogia, a fórmula substancial presente no nosso sistema societário: haverá suprimento
quando a entrega opere em situações nas quais o acionista ordenado faria uma contribuição
de capital. Atenção: só a partir da verificação dessa analogia (iuris) será legítimo aplicar os
índices do artigo 243.º, n.º2 e 3 CSC. Os suprimentos são empréstimos permanentes feitos
pelos sócios às sociedades respetivas: justificam-se e explicam-se a esse nível. O sócio terá,
como contrapartida, o bom funcionamento da sociedade e os lucros (reais ou potenciais) que,
daí, lhe poderão advir. Compreende-se, a essa luz, que ele corra um risco acrescido de não
reembolso: donde o regime na insolvência e a nulidade das garantias reais que os assegurem.
Também aqui haverá que inscrever a álea do momento do reembolso, quando não tenha sido
estipulado. No tocante à natureza: está-se em face de um contrato típico e nominado, a
inscrever no atlas jurídico como um mútuo especial de escopo. Podemos ir um pouco mais
longe. O contrato de suprimento só é possível quando celebrado entre um sócio e a sociedade
na qual ele tenha uma posição. Sendo assim, ele inscreve-se na organização societária em
jogo, mais precisamente na sua vertente financeira. Opera uma lógica de coligação de
contratos: sociedade/suprimento. Materialmente, estamos perante um contrato de Direito
das sociedades, com tudo o que isso implica em termos regulativos e valorativos: um ponto
importante na explicitação do seu regime.
33.º - O direito à informação
Generalidades: o direito à informação constitui um dos pontos básicos que compõem,
em geral, a situação jurídica dos sócios. Ele está genericamente consagrado no artigo 21.º,
n.º1, alínea c) CSC. A Parte Geral não pormenorizou o exercício desse direito: oficialmente
por ele depender, na efetivação, do concreto tipo de sociedade em jogo, o que remete a
matéria pra a Parte Especial. Há, na verdade, algumas especificidades regulamentares,
embora nos pareça que todo o regime geral deveria ter sido vertido na primeira parte do
Código. No Código, o legislador foi levado a, à matéria da informação, dispensar latos
desenvolvimentos, de teor, por vezes mesmo, regulamentar. Os diversos anteprojetos
convergiram no aprontamento de preceitos alargados, numa atuação que passaria ao projeto
e ao Código definitivo. As razões científicas e histórico-culturais que levaram ao atual estado
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de coisas são compreensíveis. Todavia, há que, sobre elas, fazer atuar a Ciência do Direito.
Embora tecnicamente configurado como um direito subjetivo, com tudo o que isso implica,
o direito à informação insere-se num universo de Direito das sociedades. Por certo que se
visa, sempre, o bem estar patrimonial e moral das pessoas (seres humanos): mas em modo
coletivo. Este ponto deve acompanhar a interpretação e a aplicação das normas em presença.
As informações e a sua prestação: o direito dos sócios à informação consta do artigo
214.º CSC. Este preceito surge, como uma amálgama de princípios gerais, de regras
específicas e de precisões: bem poderia ter sido simplificado e desdobrado. A regra básica
surge no artigo 214.º, n.º1 CSC, que desdobra:
Os gerentes que devem prestar a qualquer sócio que o requeira informação verdadeira,
completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade;
E bem assim facultar, na sede social, a consulta da respetiva escrituração, livros e
documentos.
Vamos ver. O direito assiste a qualquer sócio ou ao usufrutuário quando, por lei ou
convenção, lhe caiba exercer o direito de voto (artigo 214.º, n.º8 CSC). Não fica excluído o
sócio-gerente, desde que se trate de elementos a que não tenha tido acesso, num ponto que
já suscitou controvérsia: injustificada. Em compensação, tal direito não assiste ao cônjuge do
sócio que não tenha essa qualidade. O sócio que requeira informação deve estar devidamente
identificado. Também se entende que o esquema do artigo 214.º CSC não pode ser usado
pela sociedade contra os sócios. O final do artigo 214.º, n.º1 CSC, à semelhança do artigo
181.º, n.º1 CSC relativo às sociedades em nome coletivo, permite que a informação seja
pedida por escrito, devendo ser dada em conformidade. Compreende-se que pedidos
repetidos de informação escrita venham perturbar o normal funcionamento da sociedade.
Por isso, o artigo 214.º, n.º2 CSC admite que o direito à informação seja:
«(...) regulamentado no contrato de sociedade, contanto que não seja impedido o seu exercício
efetivo ou injustificadamente limitado o seu âmbito».
A lei vai mais longe, especificando que não pode ser excluído esse direito (designadamente)
quando:
Para o seu exercício for invocada suspeita de práticas suscetíveis de fazer incorrer o
seu autor em responsabilidade, nos termos da lei;
A consulta tiver por fim julgar a exatidão dos documentos de prestação de contas ou
habilitar o sócio a votar em assembleia já convocada.
Estamos perante um garantismo que não se explica à luz do Direito Privado. O direito à
informação não pode ser excluído: ponto assente. Mas a sua regulamentação no pacto social
– onde se lida com direitos disponíveis! – pode ser efetiva: é evidente que nada custa alegar
suspeitas de responsabilidade do autor de quaisquer atos ou invocar a possível inexatidão de
documentos para, em contínuo, tudo devastar. Os preceitos devem ser interpretados à luz
do favor societatis e numa perspetiva de efetiva substancialidade das situações. O artigo 214.º,
n.º3 CSC permite pedidos de informação:
Sobre atos já praticados;
Sobre atos esperados, quando estes sejam suscetíveis de fazer incorrer o seu autor
em responsabilidade, nos termos da lei.
Tomando estes preceitos à letra, todavia, toda a atividade futura ou projetada (mesmo
eventual) teria de ser comunicada. Valem as presunções acima feitas sobre o primado do
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modo coletivo e a necessidade de interpretação restritiva desta matéria. Quanto à consulta
da escrituração, livros ou documentos: ela deve ser feita pessoalmente pelo sócio, que pode
ser assistido por um ROC ou por um perito, bem como usar a faculdade do artigo 576.º CC
pode tirar cópias ou fotografias). Explica a jurisprudência (bem) que a sociedade pode
certificar-se das qualidades do pretenso ROC ou perito, procedendo à sua identificação; mas
não pode exigir deles, uma declaração de responsabilização como condição de acesso à
consulta solicitada. Nas mesmas e referidas condições pode o sócio inspecionar os bens
sociais (artigo 214.º, n.º5 CSC). Na conformação do dever de informação, devemos ainda ter
em conta as suas finalidades. Ele visa proteger os interesses dos sócios. Mas além disso,
protege ainda os interesses dos trabalhadores e dos credores, assegurando a findedignidade
das contas. Trata-se, em suma, de um esquema geral que melhor assegura o efetivo e correto
funcionamento das sociedades, providenciando o próprio autocontrolo dos gerentes.
A recusa justificada: o pedido de informação pode ser recusado, desde que, para tanto,
haja justificação. O artigo 215.º, n.º1 CSC admite três ordens de razões, a que poderemos
acrescentar uma quarta. Assim e principiando por esta:
Razões de praticabilidade;
Razões derivadas do disposto no contrato de sociedade;
Receio de utilização da informação para gins estranhos à sociedade e com prejuízo
desta;
Violação do segredo imposto por lei para tutela de terceiros.
Raúl Ventura invoca a taxatividade do artigo 215.º, n.º1 CSC. Não vemos porquê: a
informação é um direito disponível, que deve ser articulado com outros princípios e direitos,
maxime na lógica do artigo 335.º CC. Além disso, o direito à informação nada pode contra a
natureza das coisas. Assim, a informação será recusada (aina que temporariamente) se o
próprio gerente a ela não tiver acesso, se ele estiver impedido de a ela aceder (de férias ou
em serviço) ou se, estando ao serviço da sociedade, ele não puder, de todo, interromper a
tarefa. As restantes três razões estão elencadas no artigo 215.º, n.º1 CSC. O contrato de
sociedade deve ser acatado. A própria lei como que convida à sindicância da legalidade do
contrato; todavia, desde que o direito não seja excluído, teremos de entender (para mais, no
domínio comercial!) que os contratos devem ser cumpridos. E mesmo na hipótese da sua
invalidade, haverá que ponderar os cenários do venire contra factum proprium: o sócio
compromete-se, por contrato, a exercer o seu direito à informação em certos moldes e,
depois, invoca a ilegalidade do pactuado para venire contra o acordado. O receio da utilização
de informações para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta deve ser apreciado em
termos objetivos, segundo as regras da experiência comum. De todo o modo, será sempre
causa de receio o facto de a informação pretendida ser manifestamente inútil, para os
interesses do sócio requerente. A violação do segredo imposto por lei para tutela de terceiros
é, sempre, uma razão absoluta de recusa de informação. Resta acrescentar que lei é, aqui, o
Direito: pode resultar de lei expressa, de princípios gerais ou de instrumentos contratuais,
existentes em relação ao terceiro protegido. Finalmente, o direito à informação é, como
qualquer posição jurídico-subjetiva, suscetível de abuso (artigo 334.º CC). No seu exercício,
ele não pode contraditar a confiança legítima, nem a materialidade subjacente. Perante
situações de abuso, o exercício deve cessar. E em face delas, a recusa é justificada. Em
compensação, o mero conflito de interesses, que impeça o sócio de votar, não bloqueia o
direito à informação do interessado.
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Sanções pela não-prestação e pelo abuso de informação: a recusa de
informação ao sócio, quando injustificada, dá azo a determinadas sanções. Assim:
É fundamento de anulação de deliberações sociais (artigo 58.º, n.º1, alínea c) CSC);
Pode dar azo a convocação da assembleia geral, para que a informação negada seja
prestada ou para que a informação falsa seja corrigida (artigo 215.º, n.º2 CSC);
Permite ao sócio atingido ao tribunal um inquérito judicial (artigo 216.º CSC);
Faculta o direito à indemnização por todos os danos (artigos 798.º e 483.º, n.º1 CC).
Quanto ao inquérito, diz-nos a jurisprudência:
Quer faltando normas adjetivas sobre a forma de exercer o direito à informação, há
que recorrer às que regulem casos análogos, como os dos artigos 1048º, n.º3, 1049.º,
n.º1, 986.º, n.º1 e 293.º CPC33;
Que ele compete no caso de recusa ou de oposição à informação;
Que ele não pode ser usado para consultar os livros da sociedade ou a sua escrituração; Que ele é acessível ao sócio-gerente;
Que o requerente de inquérito deve expor os motivos do mesmo e indicar os factos
que lhe interessa averiguar;
Que ele não pode ter lugar no caso de falta de aprovação de contas;
Que impede sobre o requerente o ónus da prova de recusa ilícita de informação ou
da sua prestação falsa, incompleta ou não elucidativa;
Que ele pode ser intentado, também, contra o sócio-gerente.
Estamos numa zona na qual a casuística judicial assume um papel de relevo. No direito à
indemnização, há que computar toda uma série de danos, caso se verifiquem. Assim, temos:
Danos emergentes: privado de informação, o sócio não pôde dispor de determinadas
vantagens ou tomou decisões erradas;
Lucros cessantes: uma projeção, no futuro, da situação criada;
Maiores despesas: a recusa de informação obrigou o sócio a novas diligências, a
contratar advogados e contabilistas e a perder tempo;
Danos morais: uma recusa, ad nutum, de informação é uma afronta que pode afetar a
integridade moral e o bom nome e reputação do visado.
O abuso de informação, por parte do sócio interessado, dá também lugar a diversas sanções.
Temos (artigo 214.º, n.º1 CSC):
A responsabilidade civil;
A exclusão.
Quanto à responsabilidade civil: devem ser indemnizados todos os danos, patrimoniais
(emergentes, incluindo maiores despesas e lucros cessantes) e morais: a própria sociedade
tem o direito ao bom nome e à reputação. A indemnização pode ser em espécie, nos termos
gerais. A exclusão (artigo 241.º, n.º1 CSC) cabe na medida em que o abuso de informação
implique uma quebra grave do pacto social. Muitas vezes o abuso de informação anda
associado a outras violações: do bom nome, do sigilo, de elementos comerciais ou industriais
tutelados e, em qualquer caso, do dever de lealdade e de correção para com os sócios e a
sociedade. Tudo isso deve ser ponderado na deliberação de exclusão.
33 Alteramo-los para o Código atual (de 2013)
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34.º - Direito aos lucros
Princípio geral; aplicação: o direito aos lucros integra, como elemento essencial, o
status de sócio. Ele vem referido com ênfase, no artigo 21.º, n.º1, alínea a) CSC, surgindo
ainda como elemento essencial do contrato de sociedade, no artigo 980.º, in fine CC.
Recordamos que, de acordo com a técnica comum relativa aos direitos dos sócios, cumpre
distinguir entre direitos abstratos e direitos concretos: os direitos abstratos correspondem a
posições potencialmente favoráveis que podem surgir na esfera dos sócios, mercê da
titularidade da posição social; os direitos concretos traduzem a concretização dessas posições,
depois de verificados os respetivos requisitos. Apenas neste último caso surgem verdadeiros
direitos subjetivos. Pois bem, todo o sócio tem, pela própria natureza da situação em que se
encontra imerso, um direito abstrato a lucros; concretamente, tal direito só surgirá na
sequência de um procedimento abaixo referido. Ainda em sede geral, recordamos a proibição
tradicional dos pactos leoninos (artigo 22.º, n.º3 CSC). Nas sociedades por quotas, a matéria
dos lucros surge versada no artigo 217.º, segundo o qual:
Deve ser distribuída aos sócios metade do lucro de exercício que, nos termos desta
lei, seja distribuível;
Salvo diferente cláusula contratual;
Ou salvo deliberação tomada por maioria de três quartos dos votos correspondentes
ao capital social em assembleia geral para o efeito convocada.
Nos termos gerais, o pacto social pode afastar a regra da lei estipulando, por exemplo, que
cabe à sociedade, por maioria simples, deliberar a não distribuição de lucros. A deliberação
que, fora do que a lei permita, não proceda à distribuição de lucros, é anulável. A noção de
lucros distribuível vem-nos do artigo 33.º CSC. à partida, o lucro será a diferença entre os
proveitos e os custos: existirá na medida em que os primeiros sejam superiores aos segundos.
Isto posto, não são distribuíveis, dos lucros do exercício (artigo 33.º, n.º1 CSC):
A parcela necessária para cobrir prejuízos transitados;
A parte destinada a formar reservas impostas por lei ou pelo contrato de sociedade.
Além disso, não podem ser distribuídos lucros do exercício (artigo 33.º, n.º2 CSC):
Enquanto as despesas de constituição, de investigação e de desenvolvimento não
estiverem completamente amortizadas;
Exceto se o montante das reservas livres e dos resultados transitados for, pelo menos,
igual ao dessas despesas não amortizadas.
Quanto às reservas: determina o artigo 33.º, n.º3 CSC que não possam ser distribuídas aquelas
cuja existência e cujo montante não constem, expressamente, do balanço (artigo 33.º, n.º3
CSC). Na deliberação visada devem ser expressamente mencionadas quais as reservas
distribuídas, no todo ou em parte, quer isolada quer juntamente com os lucros de exercício
(artigo 33.º, n.º4 CSC).
O procedimento: apurada a existência e a disponibilidade de lucros, tudo depende de
uma deliberação social que determine a sua distribuição. Como vimos, ela não é obrigatória:
pode ser dispensada, em geral, pelo pacto social ou, ano a ano, por uma deliberação social
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adotada pela maioria qualificada de ¾; na falta de algum destes pontos, 50% dos lucros de
exercício são distribuíveis. Deliberada a atribuição dos lucros, recordamos que a sua
distribuição pelos sócios, salvo cláusula em contrário, deverá ser feita na proporção dos
valores nominais das respetivas quotas de capital (artigo 22.º, n.º1 CSC). Posto isto:
O crédito dos sócios à sua parte nos lucros vence-se decorridos 30 dias sobre a
deliberação de distribuição (artigo 217.º, n.º2, 1.ª parte CSC);
Salvo diferimento consentido pelo sócio (artigo 217.º, n.º2, in medium CSC),
entendendo-se: diferimento pelo período que este admitir;
Os sócios podem contudo, com fundamento na excecional situação da sociedade,
alargar o diferimento até aos 60 dias (artigo 217.º, n.º2, 2.ª parte CSC).
Reserva legal: no universo das reservas, cabe distinguir a legal das facultativas, também
ditas complementares ou extraordinárias. A reserva legal é imposta e regulada por lei. Trata-
se de um instituto originário das sociedades anónimas. O artigo 218.º, n.º1 CSC considera
obrigatória a constituição de uma reserva legal. O seu n.º2 remete para os artigos 295.º e
296.º CSC, próprios das sociedades anónimas. Salvo quanto ao limite mínimo da reserva legal:
nunca inferior a 2500€. A dogmática das reservas melhor fica explanada no domínio das
sociedades anónimas.
34.º - A exoneração e a exclusão
Generalidades: a sociedade assenta no correspondente contrato. Deste promanam
relações duradouras, que adstringem os sócios, uns perante os outros e em termos complexos:
todos encabeçam direitos e obrigações que, no seu conjunto, dão azo a um status denso,
destinado a prolongar-se no tempo. A relação não se extingue pelo cumprimento. Pelo
contrário: ela reforça-se, segregando, com o decorrer da sua execução, novos deveres
assentes na confiança. Dominado pela autonomia privada, o próprio contrato de sociedade
pode prever a sua duração (artigo 141.º, n.º1, alínea a) CSC). Indo mais longe, dever-se-ia
desde logo conceder que, no pacto social, se pudesse estipular quanto à exoneração dos
sócios – isto é, quanto à sua saída voluntária – e quanto à exclusão dos mesmos – ou seja:
quanto à sua irradicação da sociedade, independentemente de qualquer concordância do
visado. A saída de um sócio, por exoneração ou por exclusão, coloca diversos problemas,
mesmo quando legitimada pelo contrato social. A posição jurídica de sócio envolve direitos
e deveres. A sua supressão ad nutum pode traduzir a expropriação do sócio ou/e a amputação
de fatores relevantes para a sociedade e para os seus credores. Há que pensar e que
providenciar sobre tudo isso. A problemática mais se complica perante a figura da exclusão.
Pode ainda suceder que o pacto social seja omisso: nada dizendo quanto à saída de sócios,
na constância da sociedade. A lei poderá dispor sobre o tema. Nessa eventualidade,
agudizam-se os problemas derivados da liberação do sócio perante os seus deveres e da
compensação a que tenha direito pela amputação das suas posições ativas. Nos
ordenamentos omissos, houve que, na base dos princípios gerais, construir fundamentos
justificados para a saída dos sócios. Terá de haver uma saída para o sócio que – por exemplo
– sistematicamente contunda com os interesses da sociedade a que pertença e, logo, com os
interesses dos seus parceiros. O Código das Sociedades Comerciais não regulou, na Parte
Geral, a exoneração e a exclusão dos sócios. Dispensou algumas regras quanto às sociedades
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em nome coletivo (artigos 185.º e 186.º CSC) e quanto às sociedades por quotas (artigos
240.º a 242.º CSC): fica a lacuna nas anónimas, numa problemática difícil de reduzir: serão
aí, possíveis, a exoneração e a exclusão e sendo-o, em que base? Recordemos que, para as
sociedades civis puras, legem habemus: artigos 1002.º e 1003.º CC. De todo o modo, a
regulamentação sobre exoneração e exclusão de sócios, elaborada a propósito das sociedades
por quotas, é paradigmática. Nesse domínio coloca-se a maioria da jurisprudência e boa parte
daas doutrinas portuguesas e alemã. Em Itália, o problema é exposto e debatido a propósito
das sociedades simples – as nossas sociedades civis sob forma civil. Para além destes aspetos
de feição prática, a exoneração e a exclusão de sócios colocam temas importantes de
construção jurídico-científica. Num contrato de sociedade, particularmente estando em causa
sociedades de pessoas, as diversas posições erguem-se intuitu personae. As situações não são
intermutáveis: a saída de uma pessoa envolve a cessação da realidade preexistente. Ao longo
da História registou-se uma evolução: para uma visão inicial muito personalista qualquer
modificação nos sócios poria em causa a subsistência da sociedade; mais tarde, as conceções
de tipo institucionalista e de feição empresarial, vieram apurar a hipótese de uma realidade
de conjunto capaz de subsistir, mesmo perante as alterações subjetivas no corpo social. O
problema não é apanágio do Direito das sociedades. O vínculo obrigacional clássico (artigo
397.º CC) também era inseparável das pessoas do credor e do devedor. Mais tarde, a
patrimonialização do Direito Civil levou à objetificação das obrigações as quais, sem quebra
de identidade e respeitando certos requisitos, podem circular no espaço jurídico. Nesse plano,
haverá que procurar as raízes últimas dos fenómenos da exoneração e da exclusão de sócios.
Base justificativa: quanto à base justificativa de exonerações ou de exclusões assentes
em motivos justificados, temos toda uma articulação a considerar. Ainda que sem
preocupações de reconstrução histórica rigorosa, podemos apontar uma sucessão de teorias:
Taxatividade legal: arranca da ideia subjacente de que não é possível, numa
sociedade comercial de pessoas, uma saída de um sócio. Tal saída seria, porém, de
encarar em situações taxativamente previstas na lei, com um sentido publicistico e
visando a tutela da realidade empresarial. De facto, a lei compreende, por vezes,
causas legais de exoneração e de exclusão. Mas nem sempre: em certos ordenamentos,
como o alemão, há que avançar na base da doutrina enquanto noutros – o nosso! –
as exonerações legais devem ser complementadas. Além disso, a existência de causas
legais de exoneração ou de exclusão é admissível à luz de valores estruturalmente
privados e para defesa das posições das pessoas: pense-se nos casos de resolução de
arrendamento por iniciativa do senhorio. A taxatividade legal é redutora e acaba por
não cumprir a função explicativa que se lhe pede.
Preservação da empresa: impor-se-ia, nalgumas leituras mais vincadamente
institucionalistas, como um valor em si, dotado de jurídico-positividade. Daí
resultaria que as sociedades, independentemente de um expresso (e taxativo)
desenvolvimento legal, teriam o poder de sancionar os sócios cuja conduta viesse a
mostrar-se prejudicial para o ente coletivo. Esta orientação não é hoje sufragável. Ela
assenta numa ideia de institucional extrema irrealista: as sociedades, na generalidade,
não correspondem a quaisquer empresas. E quando correspondam: estas não detêm
nenhuma soberania. Além disso, o interesse da empresa (ou o da sociedade) acaba,
sempre, por se reconduzir ao interesse dos sócios. Finalmente: a dogmatização do
poder disciplinar privado levanta uma série de dificuldades: não vemos vantagem em
importá-lo para o Direito das sociedades, tanto mais que os regimes não coincidem.
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Incumprimento contratual: reconduz a exoneração ou a exclusão dos sócios à
figura da resolução do contrato pela inexecução da outra parte. Temos aqui o núcleo
duro das doutrinas ditas contratualistas, dominantes em Itália, após o Código Civil
de 1942. No âmago: a sociedade é entendida como um contrato, a cumprir até ao fim,
salvo cláusula em contrário ou salvo incumprimento do outro lado. A partir daqui,
há várias articulações possíveis, acentuando alguns autores que, na realidade, está em
jogo o interesse privado dos sócios. Trata-se de uma opção bem presente na nossa
doutrina. Adiante tomaremos posição. Não nos parece, todavia, que se possa colocar
num mesmo plano a dissolução total e a dissolução limitada a um sócio (exoneração
ou exclusão): são realidades diferentes, que passam por regimes próprios distintos. A
recondução da exoneração e da exclusão do sócio às consequências de
incumprimentos contratuais, com especial focagem na resolução que eles
possibilitam, não é convincente. Desde logo, é patente que a resolução põe termo ao
contrato, enquanto a exoneração ou a exclusão não o fazem: ou haveria dissolução e
liquidação. De seguida: a resolução assenta num incumprimento, enquanto a
exoneração e a exclusão podem ter outras causas. Finalmente: as explicações
contratualistas tornam-se artificiais, sobretudo perante sociedades em que o elemento
pessoal esteja mais ténue. O pacto social, embora fruto da autonomia privada, tem
um sentido normativo geral. Por isso, a sua interpretação fica mais próxima da da lei
do que da dos negócios jurídicos.
Inexigibilidade da manutenção do status por ponderação perante o sistema:
tem a vantagem de absorver as soluções contratualistas, indo para além delas. à
partida – e esse é um mérito do institucionalismo, que não deve ser desconsiderado
– fica claro que ambos os conceitos servem a continuação da sociedade, prevenindo
a sua dissolução. Indo mais longe: ambos abrem num universo em que se tornou
inexigível, seja ao sócio (exoneração), seja à sociedade (exclusão), a manutenção,
relativamente a certo sujeito, da situação de sócio ou, se se preferir, do seu status.
Trata-se de matéria que exige um suplemento de justificação nos ordenamentos
omissos (como o alemão). No nosso, felizmente, o problema não se põe. A
inexigibilidade em causa deve ser ponderada à luz do sistema. Temos, como vias da
sua concretização:
i. A previsão contratual, que exprime o importante vetor da autonomia privada;
ii. As previsões legais específicas, que dão corpo (em regra) aos valores da
lealdade e da confiança;
iii. Conceitos indeterminados, que permitem concretizar, mesmo na falta de lei
expressa, esses mesmos valores.
De facto, não é a violação do contrato de sociedade que permite, ao outro lado, reagir
com a exoneração ou a exclusão; os inerentes direitos surgem perante uma
ponderação mais alargada do sistema, com uma especial valoração no sentido da
manutenção da sociedade, mas sem a exigência da conservação de certo status de
sócio.
A exoneração de sócios: a exoneração de um sócio é o efeito do exercício, por ele, de
um direito potestativo de fazer cessar, unilateralmente, aquela sua qualidade. O Código Civil,
no seu artigo 1002.º CC, veio introduzir formalmente a figura da exoneração. Esta era
possível: a todo o tempo, não havendo prazo para a sociedade; havendo-o: quando ocorresse
justa causa. O Código das Sociedades Comerciais acabou por fixar um esquema assaz
complexo de exoneração. Assim, ele veio:
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Consagrar, na Parte Geral, esquemas de exoneração aplicáveis (logicamente) aos
diversos tipos de sociedade;
Inserir, no tocante às sociedades em nome coletivo e às sociedades quotas,
fundamentos específicos de exoneração;
Sendo que tudo isso poderia ter de ser conjugado, havendo lacuna, com os esquemas
de exoneração previstos no Código Civil e que têm aplicação subsidiária.
Quanto à Parte Geral, cumpre referir:
Artigo 3.º, n.º6, 2.ª parte CSC: havendo transferência de sede para o estrangeiro, os
sócios que não a tenham votado podem exonerar-se da sociedade, devendo notificá-
la no prazo de 60 dias após a publicação da referida deliberação; Artigo 45.º, n.º1 CSC: nas sociedades por quotas, anónimas e em comandita por
ações, o erro, o dolo e a coação e a usura podem ser invocados como justa causa de
exoneração pelo sócio atingido, desde que se verifiquem as circunstâncias que
permitiriam a anulação civil do negócio;
Artigo 105.º, n.º1 CSC: no caso de fusão, pode o pacto social prever um direito à
exoneração do sócio que, com ela, não tenha concordado: evidentemente, aqui, tudo
depende do pacto;
Artigo 120.º CSC: manda aplicar, entre outros, o artigo anterior, à cisão;
Artigo 137.º, n.º1 CSC: havendo transformação de sociedades, os sócios que não
tenham votado favoravelmente a competente deliberação podem exonerar-se da
sociedade, declarando-o por escrito, nos 30 dias seguintes à publicação da deliberação;
Artigo 161.º, n.º5 CSC: na sociedade em liquidação e iniciada a partilha, havendo
uma deliberação de regresso à atividade, pode exonerar-se o sócio cuja participação
fique relevantemente reduzida em relação à que, no conjunto, anteriormente detinha,
recebendo a parte que pela partilha lhe caberia.
Temos, nalgumas destas situações, regimes diferenciados: um ponto a conferir caso a caso.
Além disso, embora sem referir um direito de exoneração, o Código continha hipóteses que
redundam no mesmo:
Artigo 490.º, n.º5 e 6 CSC: o sócio de uma sociedade dominante pode exigir a
compra das suas quotas ou ações;
Artigo 499.º, n.º1 e 2 CSC: numa situação de subordinação, o sócio livre pode optar
pela venda das suas quotas ou ações à sociedade diretora.
O artigo 240.º CSC reporta-se à exoneração do sócio nas sociedades por quotas. O n.º1 prevê
três possibilidades:
Exoneração nos casos previstos na lei: ficam abrangidas as situações tratadas na Parte
Geral e de que acima demos breve nota; além disso, incluem-se outras hipóteses de
exoneração referidas, de modo avulso, na parte relativa às sociedades por quotas;
temos:
Exoneração de sócio de sociedade cujo pacto proíba a cessão de quotas, uma vez
decorridos dez anos sobre o seu ingresso na sociedade (artigo 229.º, n.º1 CSC);
Atribuição, pelo contrato de sociedade e ao sócio, do direito à amortização da quota:
aplica-se o disposto sobre a exoneração de sócios (artigo 232.º, n.º4 CSC);
Exoneração nas situações figuradas no contrato: podem as partes, ao abrigo da sua
autonomia privada, criar novas hipóteses de exoneração; todavia, elas terão de se
conter nas margens do artigo 240.º, n.º6 CSC: não pode haver exoneração pela
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vontade arbitrária do sócio; o contrato social terá, pois, de remeter para factos aos
quais, razoavelmente, se possa atribuir a natureza de justa causa;
Exoneração quando, contra o voto expresso do sócio em jogo, tenha sido deliberado
(artigo 240.º, n.º1, alínea a) CSC):
i. Um aumento de capital a subscrever total ou parcialmente por terceiros;
ii. A mudança do objeto social;
iii. A prorrogação da sociedade;
iv. A transferência da sede para o estrangeiro;
v. O regresso à atividade da sociedade dissolvida;
Exoneração quando, havendo justa causa de exclusão de um sócio, a sociedade não
deliberar excluí-lo ou não promover a sua exclusão judicial (artigo 240.º, n.º1, alínea
b) CSC).
Perante a exoneração levada a cabo por um sócio, o Direito deve compatibilizar interesses
contrapostos. A posição social de que se vai abdicar tem um valor intrínseco: não pode deixar
de ser atribuída, ao sócio em saída, uma compensação. Mas a sociedade poderá não estar em
condições imediatas de a pagar. Tudo isso deverá ser solucionado através de um adequado
procedimento de exoneração, fixado no artigo 240.º, n.º2 e 3 CSC. Assim:
O processo de exoneração só pode iniciar-se se, além dos competentes pressupostos,
estiverem inteiramente liberadas todas as quotas do sócio em jogo (artigo 240.º, n.º2
CSC);
O sócio que queira exercer o direito à exoneração deve, nos 90 dias subsequentes ao
conhecimento do facto que lhe atribua tal faculdade, declarar por escrito, à sociedade,
a sua intenção de se exonerar (artigo 240.º, n.º3, 1.ª parte CSC); naturalmente, a
declaração deve ser justificada;
Recebida a declaração, deve a sociedade, no prazo de 30 dias e em alternativa (artigo
240.º, n.º3, 2.ª parte CSC):
i. Ou amortizar a quota;
ii. Ou adquiri-la;
iii. Ou fazê-la adquirir por sócio ou por terceiro;
Se nada fizer, pode o sócio de saída requerer a dissolução judicial da sociedade (artigo
240.º, n.º3, in fine CSC; seguir-se-á, então, o disposto no artigo 144.º, n.º1 e 3 CSC.
Note-se que a amortização da quota implica a extinção desta (artigo 232.º, n.º2 CSC); a
aquisição pela sociedade conduz a uma situação de quota própria (artigo 220.º CSC); fazê-la
adquirir por sócio ou terceiro equivale à angariação do competente negócio. A opção
compete apenas à sociedade, ainda que ela tenha depois de respeitar as consequências
correspondentes ao que escolheu. A contrapartida a pagar ao sócio de saída envolve as
seguintes proposições:
Ela é calculada nos termos do artigo 105.º, n.º2 CSC, com referência à data em que
o sócio declare à sociedade a sua intenção de se exonerar (artigo 240.º, n.º5 CSC); o
artigo 105.º, n.º2 CSC remete, por seu turno, para o artigo 1021.º CC: o valor da
quota é fixado com base no estado da sociedade à data em que ocorreu ou produziu
efeitos o facto determinante da liquidação;
O pagamento é fracionado em duas prestações a efetuar dentro de 6 meses e um ano,
respetivamente, a contar do momento em que o montante esteja, em definitivo,
fixado (artigo 235.º, n.º1, alínea b) ex vi artigo 240.º, n.º5 CSC).
Pode haver perturbações no pagamento. A lei dispõe para essa eventualidade. Assim:
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Se a sociedade optar pela amortização, mas não a puder levar a cabo por via do artigo
236.º, n.º1 CSC (a situação líquida da sociedade, depois de satisfeita a contrapartida
da amortização, não pode ficar inferior à soma do capital e da reserva legal, a não ser
que delibere simultaneamente a redução do capital), pode o sócio de saída (artigo
240., n.º6 CSC):
i. Ou esperar pelo pagamento;
ii. Ou requerer a dissolução da sociedade, por via administrativa.
Se se optar por uma aquisição da quota por sócio ou por terceiro e o adquirente da
quota não pagar tempestivamente o pagamento cabem, ao sócio de saída, essas
mesmas hipóteses, sem prejuízo de a sociedade o poder substituir, verificado o
disposto no artigo 236.º, n.º1 CSC: os pressupostos da amortização (artigo 240.º CSC).
Todo este regime permite entender porque não há uma total liberdade de exoneração, mesmo
quando se pretendesse estabelecê-la pelo contrato social. A saída voluntária de um sócio
pode colocar a sociedade por quotas numa situação muito séria: uma marcada
descapitalização ou, até, a dissolução. Estamos perante uma sociedade com uma forte
vertente de capitais, oponível a terceiros e que deve inspirar confiança. O Direito visa a sua
solidez e a sua continuidade. Os interessados, antes de constituírem uma sociedade por
quotas, particularmente quando nela pretendam colocar uma parte significativa dos seus
haveres, devem ponderar todas as hipóteses de desavenças com os restantes sócios: seja em
vida de todos, seja no plano dos respetivos herdeiros. Particularmente delicado é o recurso à
sociedade por quotas para eternizar as heranças indivisas: uma fonte de litígios complicada,
uma vez que a comunhão não pode cessar, depois, a não ser em casos estritos. Haverá que
procurar saídas estatutárias no plano das causas de dissolução.
A exclusão de sócios: a exclusão do sócio é o ato e/ou o efeito que envolvem a perda
da participação que o visado tenha na sociedade, perda essa que opere sem o seu
consentimento. Trata-se de uma medida delicada, que envolve a supressão de uma posição
patrimonial privada e que não pode operar sem uma razão ponderosa e sem uma
compensação adequada. A exclusão do sócio por quotas aparece, designadamente, nos
preceitos seguintes:
Artigo 204.º, n.º1 e 2 CSC: exclusão do sócio remisso que, interpelado, não realize,
no prazo legal, a entrada a que se encontre obrigado;
Artigo 212.º, n.º1 CSC: idem, quanto ao sócio que não efetue as prestações
suplementares que lhe caibam;
Artigo 214.º, n.º6 CSC: o sócio que abuse da informação e prejudique injustamente
a sociedade e os outros sócios é responsável e fica sujeito à exclusão.
Quanto às previsões gerais: regem os artigos 241.º e 242.º CSC. O artigo 241.º CSC é,
fundamentalmente, um preceito de enquadramento. O n.º1 fixa a possibilidade de exclusão
e distingue:
A exclusão prevista na lei: é a referida nos artigos 204.º, n.º1, e 2, 212.º n.º1 e 214.º,
n.º6 CSC e, ainda, a cláusula geral do artigo 242.º, n.º1 CSC;
A exclusão prevista no contrato: terá a ver com aspetos relativos à pessoa do sócio
(insolvência, desinteresse ou outras condutas similares) ou com o seu
comportamento (mau desempenho ou concorrência, tudo como exemplos). A
doutrina retira que não podem os estatutos prever uma exclusão por maioria
arbitrária: ad nutum. Realmente, assim é. Mas por razões precisa:
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i. O sócio não pode renunciar antecipadamente aos seus direitos (artigo 809.º
CC);
ii. Não pode, igualmente, doar bens futuros (artigo 942.º, n.º1 CC).
O Direito das sociedades comerciais não deve enjeitiar o núcleo fundamental do
Direito Privado. Para além desses aspetos, compete às partes fixar os contornos da
justa causa que melhor caiba aos seus interesses.
Na hipótese de exclusão por força do contrato, o artigo 241.º, n.º2 CSC manda aplicar os
preceitos relativos à amortização de quotas. Trata-se de matéria regulada nos artigos 232.º e
seguintes CSC. Recordamos que a amortização dá lugar à extinção da quota (artigo 2232.º,
n.º2 CSC) e que faculta uma compensação equivalente ao valor da liquidação da quota em
causa, a pagar em certos termos (artigo 235.º, n.º1 CSC). O artigo 241.º, n.º3 CSC permite
que o contrato de sociedade fixe, para o caso de exclusão, um valor ou um critério diferentes
dos previstos para a amortização de quotas. Os estatutos, com frequência, aproveitam esta
faculdade fixando um valor inferior e por exemplo, 2/3 do que resultaria das regras de
amortização. O que se compreende: a exclusão representa uma sanção por uma conduta que,
além do mais, pode acarretar danos para a sociedade: reais mais difíceis de explicitar. Ora a
cláusula de exclusão tem um sentido de cláusula penal, admitida por via do artigo 810.º, n.º1
CC. Todavia, não pode a fixação estatutária da compensação devida pela exclusão cifrar-se
em montantes irrisórios ou não significativos. Em tal eventualidade, estar-se-ia a cair
novamente na proibição do artigo 809.º CC ou na da proibição de doação de bens futuros,
resultante do artigo 942.º, n.º1 CC. A lei parece ainda distinguir entre a exclusão por
deliberação social e a exclusão por decisão judicial.
A exclusão judicial: o artigo 242.º CSC prevê a exclusão judicial do sócio por quotas.
Subjacente estará, pois, uma contraposição entre a exclusão societária, deliberada pelos
sócios e a judicial, a decretar pelo juiz. O critério será o seguinte:
Cabe exclusão societária quando se esteja perante um facto concreto a que a lei
associe a exclusão ou a que o contrato ligue a essa mesma consequência;
Cabe exclusão judicial sempre que nos encontremos no âmbito da cláusula geral do
artigos 242.º, n.º1 CSC.
Entendeu o legislador que, perante a vaguidade dessa cláusula, melhor ficaria a apreciação
judicial do problema. Segundo o artigo 242.º, n.º1 CSC, pode ser excluído por decisão judicial
o sócio que, pelo seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento
da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes. Este preceito
representa um grande avanço jurídico-científico Na concretização da fórmula geral do artigo
242.º, n.º1 CSC, temos a observar as seguintes situações justificativas da exclusão por
comportamento desleal ou gravemente perturbador:
Um sócio com conhecimentos importantes a respeito da empresa, coloca tais
atributos ao serviço da concorrência e, ainda por cima, incita os funcionários da
sociedade à deserção; além disso, não se exige um prejuízo efetivo, mas apenas a
capacidade de provocar danos;
Um sócio, pouco tempo depois da renúncia à gerência da sociedade, começa a vender
os mesmos produtos num seu estabelecimento, a utilizar os catálogos e os preçários
da sociedade e a conquistar-lhe clientes, com prejuízos para ela;
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Um sócio desenvolve uma atividade concorrencial com a da sociedade, procurando
angariar mercado através da utilização de meios técnicos e do know how da própria
sociedade;
A apreciação a fazer deve ser feita sem se tomar em conta a causa justificativa mas,
tão-só, o juízo de gravidade e situação de dano relevante a que conduzir ou pode
conduzir;
A exclusão justifica-se quando o interesse social seja posto em causa por um sócio
que, por via da violação das suas obrigações, conduza a resultados ou efeitos que
prejudiquem o fim social.
Como se vê, a deslealdade grave anda, na prática, em torno de questões de sigilo e de
concorrência. Sub-caso interessante é o da sociedade que tenha apenas dois sócios. O artigo
1005.º, n.º3 CC dispõe que, nas sociedades que tenham apenas dois sócios, a exclusão de um
deles só pode ser pronunciada pelo tribunal. O Código das Sociedades Comerciais não tem
um preceito equivalente. Mas ele deve inferir-se do sistema. Pelo seguinte:
Segundo o artigo 246.º, n.º1, alínea c) CSC, depende de deliberação social a exclusão
de sócios;
De acordo com o artigo 251.º, n.º1, alínea d) CSC, o próprio sócio excluído não pode
votar.
Logo, numa sociedade com apenas dois sócios, a exclusão de um deles seria possível só pela
vontade unilateral do outro: uma solução sem sentido que, não tendo saída legal, encobre
uma lacuna, a integrar, ex artigo 2.º CSC , com recurso ao artigo 1005.º, n.º3 CC. Assim o
entende – e bem – a jurisprudência34. A ação de exclusão deve ser proposta pela sociedade
ou deliberada pelos sócios (artigo 242.º, n.º5 CSC), exceto havendo apenas os dois sócios.
Compete ao autor invocar os factos de onde se retire a causa de exclusão. Além disso, a ação
pode ser acompanhada por um pedido de indemnização pelos prejuízos. Posto isto:
Dentro dos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de exclusão,
deve a sociedade amortizar a quota do sócio, adquiri-la ou fazê-la adquirir, sob pena
de a exclusão ficar sem efeito (artigo 242.º, n.º3 CSC);
O valor é calculado por referência à data da propositura da ação e pago nos termos
prescritos para a amortização de quotas (artigo 242.º, n.º4 CSC);
Aplicando-se, caso se opte pela aquisição de quota, pelo disposto no artigo 255.º,
n.º3, 4 e 5, 1.ª parte CSC (artigo 242.º, n.º5 CSC).
Até à amortização da quota, o sócio excluído mantém-se como sócio.
34 Ac STJ 9-Dez-1999, Ac. RCb 14-Mar-2000, Ac. RCb 11-Nov-2003, Ac. RPt 2-Nov-2004 e Ac RPt 4-Out-2005
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Capítulo IV – O Regime das Quotas
36.º - Unidade, montante e divisão
O princípio da unidade; outras características: a expressão quota é recorrente,
no domínio das sociedades ora em estudo. Ela pode abranger duas realidades distintas:
A quota de capital, correspondente à expressão monetária da entrada correspondente
a cada sócio;
A quota de participação, equivalente aos direitos e obrigações sociais do sócio ou, se
se quiser, à representação do seu status social.
Nos artigos 219.º e seguintes CSC, o Código veio fixar diversas regras relativas a quotas. Tem
aí em vista a quota de capital: uma realidade objetivada, especialmente cómoda para talhar
regimes. Pergunta-se, porém, se essa objetivação vai ao ponto de o número de quotas ser
independente da titularidade ou, noutros termos: cada sócio tem uma quota única ou poderá
haver várias quotas? A quota única aproxima-se das sociedades de pessoas, enquanto o
esquema da pluralidade conduz-nos às sociedades anónimas, isto é: das sociedades de capitais.
De acordo com o Direito comparado, há vários sistemas possíveis:
Sistema da unidade inicial: cada sócio pode subscrever apenas uma quota; se depois
adquirir outra, ambas conservam a sua individualidade;
Sistema da unidade permanente: cada sócio subscreve uma única quota; se depois
adquirir outra, esta funde-se com a primeira;
Sistema da pluralidade: cada sócio pode sempre ser titular de várias quotas.
A opção por algumas destas teorias tem consequências práticas: havendo pluralidade, o titular
pode alienar uma das quotas sem ter de proceder a uma prévia divisão; além disso, pode estar
uma quota liberada e outra não, com as consequências daí derivadas. O Código das
Sociedades Comerciais acabaria por optar pelo sistema da unidade inicial da quota de cada
sócio (artigo 219.º, n.º1 CSC), seguida pela pluralidade superveniente das que, depois, viesse
a adquirir (artigo 219.º, n.º4, 1.ª parte CSC). Todavia, o sócio com várias quotas poderia,
proceder à sua unificação, desde que se mostrem reunidos diversos requisitos (artigo 219.º,
n.º4, 2.ª parte CSC):
Estarem as quotas a unificar integralmente liberadas;
Não lhes corresponderem, segundo o contrato de sociedade, direitos e deveres
diversos.
O pacto social pode impor ou proibir a unificação das quotas, desde que verificados os
pressupostos legais: matéria disponível . E pela mesma razão, podem dois titulares de quotas
distintas unificá-las, passando a uma situação de contitularidade. A unificação deve ser
reduzida a escrito, devendo ser registada e comunicada à sociedade (artigo 219.º, n.º5 CSC).
O artigo 219.º, n.º6 CSC fica o princípio básico de que a quota de participação é determinada
pela quota de capital, projetada no capital social. O artigo 219.º, n.º7 CSC proíbe a emissão
de títulos representativos das quotas. Trata-se de uma proibição tradicional, pelo menos
nalguns direitos. Ela visa, essencialmente, a proteção geral da confiança: na presença de
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títulos representativos das quotas, particularmente quando negociáveis, o público poderia
esquecer as diversas restrições que impendem sobre a transmissão das quotas.
O montante: relativamente ao montante das quotas, rege o artigo 219.º, n.º3 CSC, do qual
podemos extrair duas regras:
Os valores nominais das quotas podem ser diversos;
Nenhum pode ser inferior a 100€, salvo quando a lei o permitir.
O montante mínimo das quotas é relativamente elevado perante o capital mínimo, fixado em
500€ (artigo 201.º CSC). A justificação legislativa para a exigência de quotas mínimas pode
cifrar.se em duas proposições:
Ou por se entender que quotas de muito pequeno montante não têm interesse;
Ou por se recear que as quotas reduzidas sejam fictícias.
A divisão: à divisão de quotas dedicou o Código um longo preceito: o artigo 221.º CSC. A
possibilidade de dividir uma quota está logicamente ligada ao sistema da unidade das quotas.
Havia uma preocupação clara em evitar quebras na unidade da quota, à quota de divisões.
Também sobreleva um claro domínio da autonomia privada, no plano estatutário. As regras
sobre a divisão de quotas eram vistas como defendendo quer a sociedade, quer os sócios. A
sua divisão ficava ligada à transmissão da quota resultante da operação. Quanto ao
consentimento da sociedade: ele poderia resultar de deliberação exarada em livro de atas,
sendo depois formalizado em escritura pelo representante da mesma sociedade. As condições
da divisão eram esquematizadas em quatro proposições:
Transmissão de quotas;
Não havendo proibição no pacto social;
Autorização expressa da sociedade;
Documento autêntico ou autenticado.
Tudo isto pesou no sistema de 1986- O artigo 226.º, n.º1 CSC começa por tipificar os casos
nos quais a divisão de quotas é admitida. São eles:
Amortização parcial;
Transmissão parcelada ou parcial;
Partilha ou divisão entre contitulares.
Os atos que importem divisão de quotas deviam constar de escritura pública, exceto a partilha
ou divisão entre contitulares, que pode constar de documento particular (artigo 221.º, n.º2
CSC). Esse mesmo preceito limita-se a dispor que os atos que importem divisão da quota
devem ser reduzidos a escrito. O contrato social pode proibir a divisão desde que daí não
resulte impedimento à partilha ou divisão entre contitulares por um período superior a cinco
anos (artigo 221.º, n.º3 CSC): uma aplicação da regra do artigo 1412.º, n.º2, 1.ª parte CSC.
Salvo disposição diversa do pacto social, a divisão mediante transmissão parcelada ou parcial
não produz efeitos, para com a sociedade, enquanto esta não der o seu consentimento (artigo
221.º, n.º4 CSC), consentimento esse que é dado por deliberação dos sócios (artigo 221.º,
n.º6 CSC), mas sem necessidade de maioria qualificada, quer quanto à divisão, quer quanto
à cessão. O consentimento não é necessário no caso de cessão entre cônjuges, entre
ascendentes e descendentes ou entre sócios (artigo 228.º, n.º2, in fine ex vi artigo 221.º, n.º5
CSC). Todavia, ela deve ser comunicada à sociedade ou, pelo menos, deve-se mostrar aceite,
por ela: expressa ou tacitamente. É ainda possível a divisão da quota quando, perante um
sócio remisso, se opte pela perda da parte da quota não liberada (artigo 204.º, n.º2 ex vi 221.º,
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n.º8 CSC). A divisibilidade das quotas constitui um elemento que a todos diz individualmente
respeito, aquando da contratação. Assim, se o pacto social for alterado no sentido de a divisão
ser excluída ou modificada, a alteração só é eficaz com o consentimento de todos os sócios
por ela afetados (artigo 221.º, n.º7 CSC). A divisão de quotas não altera a quota inicial. Não
podem, só por aí, surgir mais direitos e obrigações do que os inicialmente existentes. As
novas quotas, com esta ressalva, não são idênticas à quota donde provenham.
37.º - Contitularidade e usufruto de quotas
Problemática e evolução: a situação da contitularidade de uma quota ocorre sempre
que a posição social por ela figurada assista a duas ou mais pessoas. Tecnicamente,
poderíamos falar numa comunhão, no tocante aos direitos subjetivos envolvidos e numa
coadstrição, quanto às obrigações35. A contitularidade de quotas tem origens diversas. Ela
pode ter sido estabelecida, logo ab initio, no pacto social; pode, ainda, ter surgido a posteriori,
por acordo entre os interessados. Todavia, a decorrência mais frequente é a hereditária: por
morte de um anterior titular, sucedem-lhe vários herdeiros os quais decidem prolongar a
comunhão hereditária por uma situação de contitularidade na quota que fora do de cuius. A
contitularidade de quotas merece alguma atenção aos legisladores. Por m lado, ela é inevitável,
seja como emergência da autonomia privada, seja como consequência da sucessão mortis causa.
Mas, por outro lado, ela levanta dificuldades ao funcionamento da sociedade: esta deixa de
ter um interlocutor claro, seja para exercício dos direitos sociais, seja para o cumprimento
das obrigações envolvidas. Há mais custos, mais indecisão e maior conflitualidade. O desafio
está em encontrar um equilíbrio entre todos os interesses em presença.
O regime vigente: o ponto básico do regime da contitularidade da quota (ou da quota
indivisa) é o da designação de um representante comum. O representante comum pode ser
designado (artigo 223.º, n.º1, 1.ª parte CSC):
Por lei;
Por disposição testamentária;
Pelos contitulares: e, aqui, a designação pode recair (artigo 223.º, n.º2 CSC):
i. Sobre um de entre os contitulares;
ii. Sobre o cônjuge de um deles;
iii. Sobre um estranho, mas isso apenas se o contrato de sociedade o autorizar
expressamente ou se ele permitir que os sócios se façam representar por um
estranho nas deliberações sociais.
A designação é deliberada por maioria, nos termos do artigo 1407.º, n.º1 CC: salvo se outra
regra se convencionar (ou tiver sido convencionada) e for comunicada à sociedade (artigo
223.º, n.º1, 2.º parte CSC). A fortiori, pode o pacto social dispor sobre essa matéria. Na
hipótese de designação pelos contitulares: podem os mesmos deliberar a destituição do
representante comum. Quando não seja possível os sócios assentarem na nomeação do
representante comum – por exemplo: por desinteresse ou por empate na votação –, pode
35 A natureza jurídica da comunhão corresponde a um tema com tradição de debate na doutrina portuguesa –
estudamo-las a Direitos Reais, vejam isso lá (大象城堡).
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qualquer um deles pedi-la ao tribunal da comarca da sede da sociedade (artigo 223.º, n.º3, 1.ª
parte CSC). Além disso – e salvo se designado por lei – pode qualquer contitular pedir a
destituição, com fundamento em justa causa, do representante comum (artigo 223.º, n.º3, 2.ª
parte CSC). NA sua preocupação regulamentadora, o legislador excedeu-se: é óbvio que o
representante diretamente designado pela lei não poderá deixar de ser destituível com justa
causa. Quando muito, esta teria de assumir contornos mais exigentes. Justa causa será, aqui,
qualquer fundamento justificado, objetivo ou subjetivo. Ela aproxima-se da justa causa
requerida para a revogação do mandato conferido também no interesse do mandatário ou de
terceiro (artigo 1170.º, n.º2 CC): nunca da justa causa laboral De todo o modo, a nomeação
e a destituição devem ser comunicadas por escrito à sociedade; esta pode, mesmo tacitamente,
dispensar a comunicação (artigo 223.º, n.º4 CSC). Pode acontecer que o representante
comum tenha impedimentos ou que ele ainda não tenha sido nomeado pelo tribunal, nos
termos do artigo 223.º, n.º3 CSC. Nessa altura, qualquer dos titulares poderá exercer os
inerentes direitos (artigo 22.º, n.º4, 1.ª parte, a contrario CSC); apresentando-se mais do que
um, prevalecerá a opinião da maioria dos contitulares presentes, desde que (artigo 222.º, n.º4,
2.ª parte CSC):
Representem, pelo menos, metade do valor total da quota;
E para o caso não seja necessária a unanimidade prevista no artigo 224.º, n.º1 CSC.
Expostos os diversos esquemas tendentes à obtenção do representante comum dos
contitulares, vamos examinar as regras nucleares. Elas surgem no artigo 222.º, n.º1 e 2 CSC:
Os contitulares devem exercer os direitos inerentes à quota indivisa através do
representante comum: infere-se daqui que um contitular, isolado, não tem
legitimidade para propor ações de anulação de deliberações sociais, embora possa
pedir a sua suspensão, se for cabeça-de-casal e não tiver atribuído a outro o papel de
representante;
As comunicações da sociedade devem ser dirigidas ao representante comum ou, na
falta deste, a algum dos contitulares.
Em termos de qualificação das situações dos contitulares, há que atender À interferência dos
conceitos sucessórios. Assim perante uma herança indivisa, nenhum dos herdeiros tem, em
rigor, a qualidade de sócio, embora eles possam nomear um representante comum: tal
qualidade mantém-se na própria herança. Havendo indivisão simples, todos os contitulares
são sócios, embora devam recorrer ao tal representante. O representante comum tem, apenas,
poderes gerais de administração. Assim, segundo o artigo 223.º, n.º6 CSC, ele terá de receber
poderes de disposição – da lei, de testamento, de todos os contitulares ou do tribunal – para
praticar atos que importem extinção, alienação ou oneração da quota, aumento de obrigações
e renúncia ou redução dos direitos dos sócios. Tais poderes especiais devem ser comunicados
por escrito à sociedade (artigo 223.º, n.º6, in fine CSC). O representante comum pode, ainda,
ser instruído pelos sócios que o hajam designado. Compreende-se, porém, que tal
eventualidade representaria um encargo suplementar para a sociedade sempre que, perante
esta, se viesse a discutir a (boa) execução das instruções por ele recebidas. Tudo isto é
ponderado pelo artigo 224.º, n.º1 e 2 CSC: As deliberações dos contitulares seguem o artigo 1407.º, n.º1 CC;
Salvo se estiverem em causa a extinção, alienação ou oneração da quota, o aumento
de obrigações, a renúncia ou a redução dos direitos dos sócios, altura em que se exige
a unanimidade;
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A eficácia destas deliberações opera, apenas, perante os próprios contitulares: entre
si e entre eles e o representante comum: não perante a sociedade.
Temos, pois, aqui um caso de eficácia da representação aparente: no sentido de atingir
poderes que não lhe foram atribuídos pelo negócios de base. No tocante ás obrigações legais
ou contratuais inerentes à quota, os contitulares respondem solidariamente (artigo 22.º, n.º3
CSC). Por um lado, aflora aqui a ideia de solidariedade que domina no campo comercial
(artigo 100.º CCom); por outro lado, emerge aqui a clara preocupação de, mercê do
fenómeno da indivisão, não enfraquecer a sociedade no seu todo.
Natureza, cessação e Direito subsidiário: a indivisão das quotas é, tecnicamente,
uma contitularidade. Todos os contitulares têm idênticos direitos e deveres, só que
reportados a um mesmo objeto: a participação social, figurada pela quota. Dados os
interesses envolvidos, o Direito das Sociedades prevê um conjunto de regras tendentes a
harmonizar os valores em presença, sem prejudicar a própria sociedade. Subjacente à
contitularidade está, pois, um esquema organizativo destinado a coordenar as vontades dos
contitulares. Por seu turno e em termos técnico-jurídicos, o representante comum, previsto
para enquadrar o exercício dos direitos inerentes às quotas indivisas, não é um mero
representante. Além dos poderes de representação propriamente ditos, ele dispõe de todo
um estatuto quanto aos atos que pode praticar e, eventualmente, quanto ao sentido do seu
exercício. Trata-se, pois, de um prestador de serviços, inserido numa típica situação de
mandato. A designação mais correta seria, pois, a de um mandatário comum, dotado de
poderes de representação. E a todo o seu desempenho aplicam-se, supletivamente, as regras
do mandato e da representação (artigos 1157.º e seguintes e 258.º e seguintes CC). Mandantes
serão, aqui, os diversos contitulares representados. A contitularidade pode cessar por
qualquer das vias que dão azo à cessação da comunhão. E designadamente:
Por confusão, reunindo-se todos os co-direitos num único titular;
Por divisão da quota.
Nestes pontos, é importante relevar o Direito subsidiário aplicável à contitularidade de
quotas. Perante o disposto no artigo 1404.º CC e tendo em causa a natureza subsidiária geral
que o Direito privado comum assume em todo o ordenamento jurídico português, são
aplicáveis, em última instância, as regras sobre a comunhão. Teremos de verificar, norma a
norma, quais as regras civis compatíveis com a regulação especial prevista para as quotas. De
todo o modo, parece inquestionável:
A aplicação do direito de preferência graduado em 1.ç lugar (artigo 1409.º, n.º1 CC);
O direito à divisão (artigos 1409.º, n.º1 e 1412.º CC).
A aplicabilidade deste último preceito é, aliás, implicitamente confirmada pelo artigo 221.º,
n.º3 CSC.
A associação à quota: com a contitularidade de quotas não se confunde a figura da
associação à quota: articulação interessante que foi especialmente estudada, entre nós, pelo
Professor Raúl Ventura. Na associação à quota, uma pessoa (o associado) acorda com o sócio
uma repartição dos custos e dos lucros envolvidos pela quota, sem, sobre esta, ter qualquer
direito que possa ser oponível à sociedade. A associação à quota estava genericamente
prevista no artigo 1271.º Código de Seabra, segundo o qual:
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«Não carece o socio do consenso dos outros, para se associar com um terceiro, em relação à
parte que tem na sociedade. Não póde, todavia, aindaque seja administrador, fazê-lo entrar
como socio na mesma sociedade».
Tínhamos, aqui, uma figura de ordem geral, que podia ser aplicada às sociedades por quotas.
O Código Civil de 1966 não consagrou a figura: criticavelmente. Todavia, a associação à
quota pode ser estipulada pelas partes, ao abrigo da sua autonomia privada (artigo 405.º CC).
A associação à quota pode ter um papel útil, inclusive no domínio financeiro: faculta ao sócio
descapitalizado, por exemplo, acorrer a aumentos de capital, negociando um associado. Tal
negócio não é relevante para a sociedade. O associado do sócio não é, ele próprio, sócio.
Apenas nas relações internas entre eles o acordo de associação surge relevante.
O usufruto da quota: também às participações sociais –e, agora e aqui, às quotas – se
aplica a figura geral do usufruto. Este vem genericamente referido no Código Civil, de acordo
com a noção romana, no artigo 1439.º CC. Trata-se de um direito real. Todavia, o Código
Civil admite a aplicação de um direito similar ao usufruto a diversas realidades que não
suportam direitos reais e, designadamente, a créditos (artigos 1463.º e seguintes CC). O
Código das Sociedades Comerciais não dispensou um tratamento genérico pormenorizado
ao usufruto de participações sociais. Todavia, temos alguns preceitos que importa relevar O
artigo 23.º CSC dispõe:
«1. A constituição de usufruto sobre participações sociais, após o contrato de sociedade, está
sujeita à forma exigida e às limitações estabelecidas para a transmissão destas;
«2. Os direitos do usufrutuário são os indicados nos artigos 1466.º e 1467.º CC, com as
modificações previstas na presente lei, e os mais direitos que nesta lhe são atribuídos».
O artigo 1466.º CC atribui ao usufrutuário o direito à fruição dos prémios ou outras utilidades.
Mais explícito, o artigo 1467.º CC tem um conteúdo material de Direito das Sociedades. No
título relativo às sociedades por quotas, surgem-nos alguns preceitos com referência ao
usufruto: os artigos 233.º e 269.º CSC. Destes preceitos podemos tirar a estrutura geral do
usufurtuo de quotas: ela corresponde, de resto, ao velho direito real de usufruto, com as
necessárias adaptações. As normas especiais prevalecem sobre as gerais. Em primeiro lugar,
o usufrutuário de quota tem um direito relativo a esta- se se preferir, é titular desta, mas em
modo usufruto. Por isso, quer o nú proprietário que o usufrutuário são ambos sócios; só que
os seus poderes de intervenção variam em função da matéria em causa. Segue-se, daí, que a
constituição de um usufruto sobre uma quota esteja sujeita às limitações e aos
condicionalismos que impendem sobre a sua transmissão. Terceiramente: as vantagens
comuns da quota pertencem ao usufrutuário o qual, por isso, atua os direitos e executa as
obrigações a ela inerentes; só no caso de matéria que tenha a ver com a substância da quota
há que fazer intervir o nú titular. Tanto a contitularidade como o usufruto traduzem um
concurso de dois ou mais direitos subjetivos (e adstrições) sobre a mesma participação social.
Simplesmente, enquanto na contitularidade as diversas participações são qualitativamente
iguais (ainda que possam ser qualitativamente diferentes), no usufruto a diferença ente os
direitos em presença é de ordem qualitativa. As relações entre os participantes seguem, aqui,
como se disse, o modo usufruto.
36.º - Quotas próprias
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Problema geral e influência das anónimas: a possibilidade de uma sociedade se
tornar titular das suas próprias participações sociais – num fenómeno aparentemente contra
naturam – resulta da lógica da personalização coletiva, por um lado e da transmissibilidade
das posições sociais, do outro. Desde o momento em que a sociedade possa adquirir, como
pessoa autónoma, as realidades que circulem no mercado e visto que entre estas se incluem
as suas próprias posições sociais, a aquisição de capital próprio é possível. Além disso, ela
tem várias vantagens:
Evita a dispersão do capital;
Previne a entrada de sócios indesejáveis;
Reforça o peso da administração: com efeito, será esta que, em princípio, tomará as
decisões inerentes às participações sociais próprias, isto é, da sociedade considerada;
Traduz um aumento da procura das participações sociais em jogo, fazendo subir o
seu valor no mercado: um fenómeno particularmente importante no tocante a ações
cotadas em bolsa.
Todavia, o fenómeno da aquisição e da detenção de capital social próprio também tem
desvantagens. Assim:
Descapitaliza a sociedade, em detrimento dos credores: ao adquirir capital próprio, a
sociedade gasta – em princípio e logicamente – o valor correspondente; no limite,
caso adquirisse o seu capital todo, ficaria apenas com posições abstratamente
representativas, mas sem conteúdo;
Desequilibra o funcionamento interno da sociedade: a administração irá exercer os
direitos inerentes às participações próprias, uma vez que a ela assistem os poderes de
representação; com isso enfraquece o papel dos sócios e os próprios mecanismos de
deliberação social e de fiscalização;
Põe em causa a lógica das sociedades, enquanto expressão da cooperação e da
organização económico-privadas.
A detenção de participações próprias – designadamente e em expressão consagrada: quotas
próprias e ações próprias – assumiu especial relevo nas sociedades anónimas. A facilidade
com que, nestes casos e sem publicidade, a sociedade, gerida pela administração, pode ir ao
mercado comprar as suas próprias ações, de modo a falsear cotações e reforçar o
management, explica que, desde os inícios do século XX, se tenham registado estudos e
medidas destinadas a contrariar a inerente prática.
O regime vigente: o Código de 1986 acabaria por consagrar regimes diferentes para a
aquisição de quotas próprias (artigo 220.º CSC) e de ações próprias (artigos 316.º a 325.º-B
CSC), embora com uma importante remissão das primeiras para o artigo 324.º CSC. À partida,
temos uma permissão geral de aquisição, desde que se trate de cláusulas integralmente
liberadas (artigo 220.º, n.º1 CSC). Fica ressalvada a hipótese do artigo 204.º CSC, relativo à
exclusão do sócio remisso, altura em que a respetiva quota é perdida a favor da sociedade
(artigo 204.º, n.º2 CSC). Posto isso, o artigo 220.º, n.º2 CSC só permite, quanto às quotas
próprias:
A aquisição a título gratuito;
A aquisição em ação executiva movida contra o sócio;
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A aquisição comum se, para esse efeito, ela dispuser de reservas livres em montante
não inferior ao dobro do contravalor a prestar.
O pacto social não tem de autorizar as quotas próprias. Mas pode proibi-las: não aligeirá-las,
em confronto com as limitações gerais. O artigo 237.º, n.º3 CSC prevê que, por permissão
do pacto e deliberação dos sócios, sejam criadas, em vez de uma quota amortizada inserida
no balanço, uma ou várias quotas destinadas a serem alienadas. Enquanto a alienação não
operar, temos quotas próprias. Este sistema restritivo permite detetar uma lacuna, no Código,
quanto à aquisição originária de ações próprias. De acordo com uma indicação do Professor
Raúl Ventura, podemos aplicar, às sociedades por quotas, as proibições constantes dos
artigos 216.º, n.º1 e 2 e 304.º, n.º2 CSC; a sociedade não pode:
Subscrever quotas próprias;
Encarregar outrem de, em nome deste mas por conta dela, subscrever quotas
próprias;
Encarregar outrem de, em nome deste, mas por conta dela, adquirir quotas próprias.
Neste último caso, a interposição de pessoas inviabilizadora a verificação dos competentes
requisitos. Prevenindo (ligeiras) dúvidas provindas do Direito anterior, o artigo 220.º, n.º3
CSC prescreve a nulidade para as aquisições de quotas próprias com infração do disposto
neste artigo. Para a declaração de tal nulidade será necessário alegar e provar:
Que ocorreu uma aquisição de quotas próprias, por determinado preço;
Que existiam reservas de certo montante;
Que as reservas livres ascendiam a um valor insuficiente.
Também já se decidiu que, decretada uma nulidade por insuficiência de reservas, não pode o
correspondente negócio converter-se numa promessa de aquisição: esta manteria um objeto
juridicamente impossível. Uma vez adquirida, as quotas próprias ficam num regime especial:
artigo 220.º, n.º4, por remissão do artigo 324.º CSC. Feita a adaptação, temos (artigo 324.º,
n.º1 CSC):
Ficam suspensos os direitos inerentes às quotas, exceto o que resulte do aumento de
capital por incorporação de reservas;
Torna-se indisponível uma reserva de montante igual àquele por que elas estejam
contabilizadas.
Além disso, e para efeitos de informação e fiscalização (artigo 324.º, n.º2 CSC), o relatório
anual deve indicar os dados relativos a ações próprias adquiridas, alienadas e detidas. Durante
a suspensão de direitos não são, designadamente, dispensados lucros nem exercido o voto.
39.º - A transmissão
Problemática e evolução gerais: como foi referido a propósito das sociedades em
nome coletivo, existe uma certa relação inversa entre a natureza pessoal das sociedades e a
livre transmissibilidade das participações sociais respetivas: nas sociedades puramente
pessoais, a transmissibilidade é mínima; nas sociedades anónimas, será máxima. Quanto às
sociedades por quotas: perdidas entre as sociedades de pessoas e as de capitais, elas prestam-
se a vários esquemas possíveis, documentados na evolução Histórica e no Direito
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Comparado. Aquando da preparação do Código das Sociedades Comerciais de 1986, foi
ponderada a situação em Direito Comparado. Na síntese de Raúl Ventura, haveria quatro
sistemas, no tocante à transmissão de quotas:
O sistema alemão, em que as restrições eram de base voluntária;
O sistema inglês, com restrições obrigatórias, mas não definidas por lei;
O sistema francês, com restrições obrigatórias fixadas na lei;
O sistema de meras sociedades de responsabilidade ilimitada (alguns Estados da
América do Sul).
Os diversos projetos foram consagrando uma liberdade de princípio quanto à transmissão;
todavia, esta só era à partida admitida quando mortis causa. Na transmissão inter vivos, o sistema
nacional foi aproximado do francês: ela depende de autorização da sociedade. Com este pano
de fundo, o Código das Sociedades Comerciais veio regular, em três pormenorizados artigos
(artigos 225.º, a 227.º CSC), a transmissão de quotas por morte. A transmissão inter vivos
obteve quatro desenvolvidos preceitos (artigos 228.º a 231.º CSC).
Transmissão mortis causa: a transmissão mortis causa das quotas é, à partida, livre. O
artigo 225.º, n.º1 CSC explicita que:
«O contrato de sociedade pode estabelecer que, falecendo um sócio, a respetiva quota não se
transmitirá aos sucessores, do falecido, bem como pode condicionar a transmissão a certos
requisitos, mas sempre com observância do disposto nos números seguintes».
Quando a quota siga por via sucessória, aplicam-se as regras gerais. Nos casos, porém, em
que as partes, fazendo uso da sua autonomia privada, restrinjam ou impeçam essa
transmissão, há que prever mecanismos de compensação. De outro modo, teríamos uma
expropriação ad nutum, não permitida pela Constituição. Não se verificando a transmissão
para os sucessores, temos três possibilidades (artigo 225.º, n.º2 CSC):
A amortização;
A aquisição pela própria sociedade;
A aquisição por outro sócio ou por um terceiro.
Se no prazo de 90 dias, subsequentes ao conhecimento da morte do sócio por alguns dos
gerentes, nenhuma destas medidas for levada a cabo, a quota considera-se transmitida. Caso
se opte pela aquisição da quota, o respetivo contrato é outorgado pelo representante da
sociedade e pelo adquirente, se for sócio ou terceiro (artigo 225.º, n.º3 CSC). Fica, pois,
dispensada a intervenção dos próprios sucessores. Quanto à determinação e ao pagamento
do preço: aplicam-se as regras relativas à amortização, mas ficando os efeitos da alienação
suspensos enquanto a contrapartida não for paga (artigo 225.º, n,º4 CSC). Não sendo a
contrapartida tempestivamente paga, podem os interessados escolher entre (artigo 225.º, n.º5
CSC):
A efetivação do crédito, através dos meios legais de execução coativa;
A ineficácia da alienação, considerando-se a quota transmitida para os sucessores a
quem caberia a contrapartida em falta: deverá, entretanto, ter havido partilhas
relevantes, nesse ponto.
Na assembleia geral onde se debata o destino da quota do sócio falecido, podem participar
os sucessores. Pode ainda o contrato de sociedade deixar a transmissão da quota do de cuius
à vontade dos sucessores. Para tal eventualidade dispõe o artigo 226.º CSC. Temos:
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Quando os sucessores não aceitem a transmissão, devem declará-lo à sociedade, por
escrito, no 90 dias seguintes ao do conhecimento do óbito (n.º1);
Recebida a declaração, tem a sociedade 30 dias para amortizar a quota, adquiri-la ou
fazê-la adquirir por sócio ou por terceiro (n.º2);
Sob pena de o sucessor poder requerer a dissolução da sociedade por via
administrativa (n.º2, in fine);
Quanto à determinação e ao pagamento da contrapartida, aplicam-se as regras sobre
amortização, ficando os efeitos dependentes do pagamento (n.º3, que remete para o
artigo 225.º, n.º4 CSC);
Se a contrapartida não puder ser paga mercê da situação da sociedade ou se, de todo
o modo, ela não for paga, pode o sucessor requerer a dissolução da sociedade por via
administrativa (n.º3, que remete para o artigo 240.º, n.º6 e 7 CSC).
Apesar de prever prazos relativamente curtos, todos estes procedimentos tendem a alongar-
se no tempo. Havia que prover durante o período de pendência da amortização ou da
aquisição pela sociedade, por sócios ou por terceiros. Tal o papel do artigo 227.º CSC:
A amortização ou a aquisição retroagem à data do óbito (n.º1);
Os direitos e as obrigações mantêm-se suspensos (n.º2);
Mas durante essa suspensão, os sucessores podem exercer todos os direitos
necessários à tutela da sua posição jurídica, nomeadamente votar em deliberações
sobre alteração do contrato ou dissolução da sociedade (n.º3); devem, pois, ser
convocados.
Resta acrescentar que toda esta regulação é tendencialmente supletiva. Os estatutos podem
prever uma diversa ordenação dos interesses mútuos envolvidos. Recordemos que, quando
a sociedade não possa amortizar as quotas ou pagar a contrapartida equivalente, o sucessor
pode requerer a sua dissolução. É uma solução pesada, suscetível de destruir, pela raiz, um
empreendimento totalmente viável. Aos estatutos cabe, designadamente e para essa
eventualidade, prever alternativas: pagamentos faseados e prazos mais alargados. Também é
possível fixar outros métodos de compensação. Mas não ao ponto de se chegar a valores
irrisórios, sob pena de abuso do direito.
Transmissão inter vivos; o consentimento: o artigo 228.º CSC reporta-se à
transmissão e à cessão de quotas. Cabe-nos distinguir entre as duas noções. Segundo Raúl
Ventura, a cessão de quotas é uma subespécie de transmissão inter vivos: é a transmissão
voluntária. Assim, não haverá cessão nos casos de perda da quota (artigo 204.º CSC), de
arrematação e de adjudicação judiciais. A própria cessão é uma designação genérica qu
envolve múltiplas hipóteses: compra e venda, doação, sociedade e os mais diversos negócios,
típicos e atípicos. A lei principia por fixar a regra segundo a qual a transmissão da quota entre
vivos deve ser reduzida a escrito (artigo 228.º, n.º1 CSC). Anteriormente, ela devia constar
de escritura pública, salvo quando operasse por via judicial. Posto isto, surge a norma básica,
mercê da viragem operada em 1986 (artigo 228.º, n.º2 CSC).
«A cessão de quotas não produz efeitos para com a sociedade enquanto não for consentida por
esta, a não ser que se trate de cessão entre cônjuges, entre ascendentes e descendentes ou entre
sócios».
Esta norma é entendida como imperativa, perante o artigo 229.º, n.º5 CSC. O consentimento
é um ato jurídico unilateral, praticado pela sociedade mediante uma deliberação dos sócios.
Pode ser expresso ou tácito: neste último caso, poderemos inserir a hipótese de a sociedade,
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designadamente através dos seus sócios (em assembleia geral ou fora dela) passar a tratar o
transmissário como sócio. A transmissão torna-se eficaz para com a sociedade logo que lhe
for comunicada por escrito ou por ela for reconhecida, expressa ou tacitamente (n.º3).
Reconhecer implica uma atitude positiva de aceitação de validade da cessão. Se não for obtido
o consentimento da sociedade: esta tem legitimidade ativa para o pedido de declaração de
invalidade da cessão. Todavia, o caso não é de nulidade: apenas de ineficácia. Bem pode
suceder que, supervenientemente, a sociedade venha a dar o seu assentimento. Entre as
partes, a cessão é válida. O negócio-base da cessão sujeita-se às vicissitudes comuns de
qualquer contrato. Pode, designadamente e verificados os competentes pressupostos, ser
resolvido por alteração das circunstâncias (artigo 437.º, n.º1 CC), por incumprimento ou
anulado por erro. O pedido e a prestação do consentimento recebem uma regulação de
pormenor, no artigo 230.º CSC. Assim:
O consentimento é pedido por escrito, com indicação do cessionário e de todas as
condições da cessão (n.º1);
O consentimento expresso é dado por deliberação dos sócios (n.º2);
O consentimento não pode ser condicionado, sendo irrelevantes as condições que se
estipulem (n.º3);
Se a sociedade não deliberar nos 60 dias subsequentes à receção do pedido, a eficácia
deixa de depender dele (n.º4);
O consentimento dado a uma cessão posterior a outra não consentida torna esta
eficaz, na medida necessária para assegurar a legitimidade do cedente (n.º5).
O n.º6 explicita ainda o consentimento tácito resultante da presença do cessionário em
assembleia de sócios, sem que ninguém impugne a sua presença. Para efeitos do registo da
cessão, o consentimento tácito prova-se através da ata da deliberação. Havendo recusa de
consentimento, a competente comunicação a dirigir ao sócio deve incluir uma proposta de
amortização ou de aquisição da quota (artigo 231.º, n.º1, 1.ª parte CSC). Cabe, então, ao
cedente decidir: se ele não aceitar a proposta no prazo de 15 dias, a proposta fica sem efeito,
mantendo-se a recusa de consentimento (artigo 231.º, n.º1, 2.ª parte CSC). Este regime – e
os aspetos que dele decorrem, abaixo referidos – só opera se a quota estiver há mais de três
anos na titularidade do cedente, do seu cônjuge ou de pessoa a quem tenham, um ou outro,
sucedido por morte (artigo 231.º, n.º3 CSC). Trata-se de um dispositivo que tutela a
estabilidade e desincentiva passagens meramente especulativas pelo capital das sociedades
por quotas. Tratando-se de aquisição: o direito a adquirir a quota é atribuído aos sócios que
declarem querê-la no momento da deliberação e proporcionalmente às quotas que já
detenham; se não exercerem esse direito, ele pertencerá á sociedade (artigo 231.º, n.º4 CSC).
Temos, aqui, um verdadeiro direito de preferência, que opera na hipótese de a sociedade
deliberar que a quota a ceder seja adquirida, em vez de amortizada. Finalmente: a cessão para
a qual foi pedido o consentimento da sociedade torna-se livre se se verificar o previsto
nalgum das cinco alíneas do artigo 231.º, n.º2 CSC:
Se for omitida a proposta que deve acompanhar a recusa;
Se a proposta e a aceitação não respeitarem a forma escrita e o negócio não for
celebrado por escrito nos 60 dias seguintes à aceitação, por causa imputável à
sociedade;
Se a proposta não abranger todas as quotas para cuja alienação tiver sido pedido, em
simultâneo, o consentimento;
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Se a proposta não oferecer uma contrapartida em dinheiro igual ao valor resultante
do negócio encarado: salvo se o negócio em causa for gratuito ou se provar a
simulação do valor, altura em que deverá propor o valor real da quota, calculado
segundo o artigo 1021.º CC, com referência ao momento da deliberação.
Se a proposta propuser diferimento do pagamento e não for, no mesmo ato, prevista
uma garantia adequada.
Segue; as cláusulas contratuais: o artigo 229.º CSC ocupa-se de diversas cláusulas
contratuais suscetíveis de, no pacto social, regularem o ponto sensível da cessão de quotas.
Desde logo, reporta-se às duas soluções extremas:
O pacto pode proibir a cessão de quotas: simplesmente, quando o faça, os sócios têm
direito à exoneração, decorridos dez anos sobre o seu ingresso na sociedade (n.º1):
uma solução paralela à do artigo 185.º, n.º1, alínea a) CSC, para as sociedades em
nome coletivo;
O pacto pode dispensar o consentimento da sociedade, quer para todas, quer para
determinadas situações; esta hipótese deve, porém, ser conjugada com o n.º5.
Além disso, o pacto pode exigir o consentimento para cessões que, supletivamente, dele não
precisariam: as cessões referidas no final do artigo 228.º, n.º2 CSC: entre cônjuges, entre
ascendentes e descendentes ou entre sócios (artigo 229.º, n.º3 CSC). A deliberação de
alteração do contrato de sociedade que proíba ou dificulte a cessão de quotas requer o
consentimento de todos os sócios afetados (artigo 229.º, n.º4 CSC). Logicamente, trata-se de
um aspeto que vai atingir a posição pessoal (e patrimonial) de todos eles. Muito ponderoso,
o artigo 229.º, n.º5 CSC dispõe que o contrato de sociedade não pode subordinar a cessão a
requisitos diferentes do do consentimento da sociedade; pode, porém, condicionar esse
consentimento a requisitos específicos, desde que a cessão não fique dependente:
Da vontade individual de um ou mais sócios ou de pessoas estranhas, salvo tratando-
se de credor e para cumprimento de cláusula de contrato onde lhe seja assegurada a
permanência de certos sócios (alínea a));
De quaisquer prestações a efetuar pelo cedente ou pelo cessionário em proveito da
sociedade ou de sócios (alínea b));
Da assunção, pelo cessionário, de obrigações não previstas para a generalidade dos
sócios (alínea c)).
Como se vê, estão especialmente em xeque as cláusulas que, a pretexto de autorização para
a cessão, pretendem obter vantagens específicas para a sociedade ou para os sócios. O artigo
229.º, n.º6 CSC prevê que o contrato de sociedade possa cominar penalidades para o caso de
a cessão ser efetuada sem prévio consentimento da sociedade. Estamos perante uma hipótese
de cláusula penal (artigo 810.º CC), embora não limitada a aspetos indemnizatórios. Assim,
uma especial sanção seria a exclusão do sócio (artigo 241.º, n.º1 CSC). Resta acrescentar que
a oneração de quotas, com usufruto ou com penhor, está sujeita às limitações estabelecidas
para a sua transmissão. Entre as cláusulas contratuais relativas à transmissão de quotas conta-
se o estabelecimento de direitos de preferência. Convirá ter o cuidado, na redação dos
competentes estatutos, de articular tais direitos com o consentimento da sociedade, de tal
modo que não se possa ir dizer que a cessão ficou dependente da vontade individual de um
ou mais sócios. De resto, a própria lei fixa um sistema material de preferência na hipótese de,
havendo recusa do consentimento, a sociedade deliberar a aquisição da quota (artigo 231.º,
n.º4 CSC). Ainda no pacto social e a fortiori (artigo 229.º, n.º6 CSC), é possível fixar as
consequências da eventual violação das preferências. Elas poderão passar pela ineficácia da
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cessão prevaricadora ou envolver uma ação de preferência (artigo 1410.º CC). O sistema
português de transmissão das quotas, diferenciado, com princípios, regras e exceções,
envolvendo normas injuntivas e supletivas e remetendo (algumas) liberdades para o pacto
social, acaba por ser bastante complexo.
Posse e usucapião de quotas? A propósito da transmissão de quotas, poder-se-ia
suscitar o problema da posse e da usucapião. Serão tais figuras admissíveis? Curiosamente, a
questão surgiu na prática, obtendo respostas favoráveis da jurisprudência (Ac. STJ 13-Mai-
1952, Ac. STJ 11-Jan-1955, Ac. RLx 16-Abr-1975, Ac. STJ 25-Set-1990, Ac. STJ 6-Mai-1998,
Ac. STJ 28-Mar-2001), parecendo claro que a jurisprudência portuguesa admite a posse de
quotas, posse essa relevante para efeitos de defesa e, até, de usucapião. Contra, apenas decidiu
Ac. STJ 20-Nov-1992 e com um voto de vencido: uma decisão que se apresenta fortemente
injusta, uma vez que veio desamparar duas herdeira que, durante mais de vinte anos, foram
tratadas como sócias por uma sociedade, sociedade essa que, por culpa própria exclusiva,
não curara de amortizar as competentes quotas. No plano doutrinário, o malogrado Antunes
Varela manifestou-se profundamente pela negativa. Anteriormente, o Professor Palma
Carlos pronunciara-se precisamente no sentido contrário: as quotas sociais admitiriam posse,
sendo defendíveis através de embargos de terceiro Percorrendo esta via até ao fim, João
Carlos Gralheiro vem defender que a quota é uma coisa, suscetível de posse e possível objeto
de usucapião. Evaristo Mendes acaba por não tomar posição clara: frisa, todavia, que a
doutrina, ao contrário da jurisprudência, se mostra pouco favorável ao alargamento, às quotas,
da velha usucapio. Falta, do nosso ponto de vista, uma explicação de fundo quanto às razões
(se algumas houver) que expliquem as restrições ao âmbito da posse e da usucapião. O
Código Civil de 1966 veio limitar os direitos reais às coisas corpóreas (artigo 1302.º CC).
Quanto à posse: para além da natureza intrinsecamente real, logo se verifica que o seu regime
está pensado para o universo das coisas corpóreas: posse e detenção (artigo 1253.º CC), posse
violenta (artigo 1261.º, n.º1 CC), as diversas formas de aquisição da posse (artigo 1263.º CC),
a perda da posse (artigo 1267.º CC), o esbulho (artigo 1277.º CC) e a própria noção de
usucapião (artigo 1287.º CC), entre outros, dirigem-se, diretamente, a situações que envolvam
coisas corpóreas. Além disso, a categoria direitos reais não é lógica ou não é puramente lógica:
antes assume raízes histórico-culturais. Daí resulta que direitos relativos a coisas corpóreas
(como o direito do arrendatário), por puras razões de circunstâncias histórica, sejam
consideradas direitos pessoais de gozo, com um regime não precisamente idêntico ao dos
direitos reais. À luz de tudo isto, a usucapião é um instituto limitado aos direitos reais de
gozo. Não há razões racionais para isso. Torna-se injusto que um arrendatário público,
pacífico e reconhecido durante vinte anos, não veja consolidada a sua posição pela usucapião.
Um raciocínio semelhante é perfeitamente aplicável às quotas ou, mais latamente, às diversas
posições sociais. Não será viável, quando a analogia das situações o justifique, aplicar às
quotas as regras próprias dos direitos reais? Justamente: a necessidade de, no terreno, resolver
claras injustiças, tem levado a jurisprudência, corajosamente, a decidir, contra a doutrina, no
sentido do alargamento, às quotas, da usucapião. Todavia, o Direito – particularmente o
Direito privado! – não é razão ou não é, apenas, razão. Todo ele está moldado por profundas
raízes histórico-culturais que não devemos (nem podemos!) enjeitar. O grande desafio que
se coloca ao intérprete aplicador será o de concretizar um sistema harmónico e coerente (i.e:
científico), utilizando meios por vezes distorcidos. Isto dito, vamos distinguir:
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As regras relativas à defesa possessória nada tem de especial: o próprio Código Civil
permite aplicá-las aos direitos pessoais de gozo; logo, elas são operacionais perante
as posições sociais;
A usucapião está reservada aos direitos reais de gozo; todavia, outros institutos hoje
disponíveis permitem conseguir os mesmos efeitos, por outra via: maxime, pelo abuso
do direito, através da suppressio.
Assim, a pessoa que, longamente e à vista de todo, se comporte como titular de uma quota,
como tal sendo tratado pela própria sociedade pode, ex bona fide, adquirir correspondente
posição: a atuação da sociedade de, supervenientemente, vir a questionar essa posição seria
abuso do direito, não podendo ter lugar. Fica-se com a disponibilidade de um instituto
flexível, capaz de corresponder às diferenciações do caso concreto.
40.º - A amortização
Noção, efeitos e problemática geral: o Código das Sociedades Comerciais não
define amortização de quotas. Podemos doutrinariamente apresentá-la como a supressão da
quota e das posições jurídicas a ela subjacentes, levada a cabo pela própria sociedade.
Evidentemente: a supressão não pode ir ao ponto de tudo fazer desaparecer: haverá, sempre,
determinadas decorrências, pelo que a supressão não é absoluta. Temos, aqui, todo um
regime a ter em conta. A supressão de uma quota serve os mais diversos interesses:
Da sociedade, em poder normalizar o seu capital ou prevenir a presença ou a entrada
de sócios indesejáveis;
Dos restantes sócios, em aumentar o seu poder de participação e de perceção de
lucros;
Do próprio sócio cuja quota seja amortizada: em libertar-se de uma posição social
que, porventura, não lhe interessasse, sendo compensado devidamente.
Quanto ao reverso da medalha:
A sociedade terá de pagar pela amortização, ficando descapitalizada;
Os restantes sócios verão baixar os seus lucros e enfraquecer as suas posições;
O sócio atingido ficará despojado de uma posição patrimonial e pessoal que poderá
ter, para ele, um valor acrescido.
Toda esta trama de interesses contrapostos é ainda completada pelos valores que ao Estado
cumpre tutelar: o de estabilidade e segurança nos meios societários e na riqueza a eles
inerentes compreende-se, por isso, que a amortização de quotas seja rodeada por diversas
regras. legislador de 1986 foi pródigo em normas: dedicou à amortização de quotas toda
uma secção – a IV – prevendo sete artigos (artigos 232.º a 238.º CSC). Estes preceitos contém
normas imbricadas, que se completam e delimitam reciprocamente. No seu estudo e na sua
aplicação recomenda-se, aos estudiosos e aos práticos, uma análise cuidada do conjunto.
Pressupostos; previsões legais e estatutárias: o artigo 232.º CSC é,
fundamentalmente, um preceito de enquadramento e de ordenação. Ele começa por
submeter a amortização de quotas a uma prévia permissão (n.º1):
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Da lei; ou
Do contrato.
Manda, em qualquer dos casos, seguir o regime previsto na secção: o que envolve os artigos
232.º a 237.º CSC. Não fica definido se esse regime é injuntivo ou se o pacto social pode
dispor de outro modo. Prevalece, em princípio, esta segunda possibilidade, num aspeto que
terá de ser verificado ponto por ponto. O artigo 232.º, n.º2 CSC fixa o efeito da amortização:
a extinção da quota. Ressalva, porém e desde logo, os direitos já adquiridos e as obrigações
já vencidas. Perante direitos de constituição processualmente diferida e em face de obrigações
já constituídas mas não vencidas (incluindo situações condicionadas) haverá que fazer uma
ponderação ponto por ponto. O artigo 237.º CSC fixa os efeitos da amortização no tocante
ao capital social. Pressuposto importante da amortização é o de a quota atingida se encontrar
integralmente liberada (artigo 232.º, n.º2 CSC); o preceito ressalva, todavia, o caso da redução
de capital. Além disso, a sociedade só pode amortizar quotas (artigo 236.º, n.º1 CSC):
«(...) quando, à data da deliberação, a sua situação líquida, depois de satisfeita a contrapartida
da amortização, não ficar inferior à soma do capital e da reserva legal a não ser que
simultaneamente delibere a redução do seu capital».
Este aspeto é importante. A própria lei entendeu regular a hipótese do seu desaparecimento
superveniente. Assim:
Se, aquando do vencimento da obrigação de pagar a contrapartida, da amortização se
verificar que, feito o pagamento, a situação líquida da sociedade passaria a ser inferior
à soma do capital e da reserva legal, a amortização fica sem efeito e o interessado
deve restituir à sociedade as quantias porventura já recebidas (artigo 236.º, n.º3 CSC);
tecnicamente, temos aqui uma verdadeira condição resolutiva legal;
Sendo esse o caso, o interessado pode optar pela amortização parcial da quota, na
proporção do que já recebeu ou ainda, em alternativa, pelo diferimento do pagamento,
até que se verifique a prescrita situação líquida (artigo 236.º, n.º4 CSC); esta opção
deve ser declarada por escrito, à sociedade, nos 30 dias subsequentes àquele em que,
ao sócio, seja comunicada a impossibilidade do pagamento pelo motivo referido
(artigo 236.º, n.º5 CSC).
Quanto aos pressupostos de raiz – a permissão legal ou a permissão contratual – impõe-se
precisar que a lei prevê a amortização de quotas nos casos seguintes:
Quando, por força de disposições contratuais, a quota não for transmitida para os
sucessores do sócio falecido (artigo 225.º, n.º2 CSC);
Quando, dependendo a transmissão mortis causa da vontade dos sucessores, estes
declarem querer a amortização (artigo 226.º, n.º1 CSC);
Quando a sociedade recuse o consentimento para a transmissão de uma quota (artigo
231.º, n.º1 CSC);
Quando o sócio pretenda exonerar-se (artigo 240.º, n.º3, 2.ª parte CSC).
Cada um destes preceitos deve ser examinado. Por vezes, eles pressupõem outras previsões
contratuais ou envolvem alternativas. Além disso, a amortização é, por vezes, obrigatória.
No tocante à previsão contratual, temos diversas precisões. Aparentemente, o artigo 232.º,
n.º1 CSC admite uma previsão genérica de amortização, desde que consagrada nos estatutos.
Todavia, infere-se do artigo 233.º, n.º1 CSC que tal previsão genérica apenas permitirá a
amortização se houver acordo do sócio atingido. Fora dessa hipótese, ela só será possível se
se verificar um facto que os estatutos considerem fundamento de amortização compulsiva
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(artigo 233.º, n.º1 CSC). Podemos, parcialmente apoiados em Raúl Ventura, fixar o quadro
seguinte:
O pacto social nada diz: a amortização só é possível nos casos previstos na lei; a
própria amortização por acordo não é possível;
O pacto social tem uma permissão genérica de amortização: só são viáveis
amortizações por acordo;
O pacto social inclui, além da permissão genérica, previsões específicas de
amortização: são viáveis as amortizações por acordo e, ainda, aquelas que
correspondam aos factos verificados;
O pacto social inclui apenas previsões específicas, sem explicitar o acordo: operam
as amortizações correspondentes aos factos verificados e, ainda, as que surjam por
acordo, uma vez que a vontade coletiva deixou em aberto a virtualidade de
amortizações.
Além disso, o pacto social pode permitir a amortização ou pode impô-la, perante
determinados factos. Trata-se de um aspeto a elucidar caso a caso, através da interpretação.
Não é necessário, à luz do Direito Português, engendrar situações de amortização através de
uma cláusula geral de justificação muito relevante ou motivo justificado. Para situações extremas, o
Direito Português conhece a figura da exclusão judicial (artigo 242.º, n.º1 CSC). Pela mesma
ordem de razões, não é possível construir, por analogia ou por qualquer processo criativo,
novas causas de concretização não especificadas no pacto: estaríamos, com isso, a defraudar
a confiança dos sócios. O artigo 233.º, n.º2 CSC explicita ainda que a amortização só é
possível quando o facto permissivo já figurava no contrato de sociedade ao tempo da
aquisição da quota pelo atual titular ou pela pessoa na qual ele tenha sucedido mortis causa:
salvo se a introdução do facto em causa tiver sido unanimemente deliberada pelos sócios. As
condições em que não é possível uma determinada amortização funcionam, assim, como
autênticos direitos especiais dos sócios, direitos esses que não podem ser coartados sem o
consentimento do próprio (artigo 24.º, n.º5 CSC). Ainda no domínio dos pressupostos, há
que contar com várias regras atinentes ao consentimento dos sócios. São elas:
O consentimento pode ser dado na própria assembleia geral ou em documento
anterior ou posterior a esta (artigo 233.º, n.º3 CSC);
O consentimento também deve ser dado pelo usufrutuário da quota ou pelo titular
de penhor sobre ela, caso existam (artigo 233.º, n.º4 CSC);
O consentimento é ainda necessário para a amortização parcial, salvo nos casos
previstos na lei (artigo 233.º, n.º5 CSC).
Tecnicamente, o consentimento é um ato jurídico stricto sensu, unilateral. Aplicam-se-lhe,
todavia e com adaptações, as regras do negócio jurídico (artigo 295.º CC).
Forma, procedimento e prazo: a amortização é sempre obra de deliberação dos
sócios (artigos 234.º, n.º1 e 246.º, n.º1, alínea b) CSC). Além disso, essa deliberação deve
surgir apoiada nos respetivos pressupostos legais e estatutários (artigo 234.º, n.º1 CSC): é
importante que refira os factos pertinentes, mais do que as normas legais e contratuais que
estejam em jogo e que serão, em princípio, acessíveis a qualquer intérprete-aplicador. Como
vimos, havendo necessidade de consentimento do interessado, este poderá ser prestado
durante a assembleia geral ou, por documento, antes ou depois dela (artigo 233.º, n.º3 CSC).
A amortização torna-se eficaz mediante uma comunicação dirigida ao sócio afetado (artigo
234.º, n.º1, in fine CSC). Quando ela fique pendente de consentimento subsequente desse
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mesmo interessado, mandam as boas normas (artigo 224.º, n.º1 CC) que ela se torne eficaz
quando o respetivo documento seja recebido pela sociedade. A amortização deve ser tomada
no prazo de 90 dias contados do conhecimento por algum gerente da sociedade de facto
(legal ou contratual) que a permita. Tratando-se de uma amortização obrigatória: passado o
prazo, ela fica igualmente precludida; só que, nessa eventualidade, o gerente que tenha
conhecimento do facto relevante e o não transmita aos sócios é responsável pelos danos que
tenha originado ou venha a originar. Temos ainda a considerar que a amortização pode surgir
como o produto de um direito conferido ao sócio ou de um direito atribuído à própria
sociedade. Como o seguinte alcance prático:
Quando concedido ao sócio, aplica-se o disposto sobre a exoneração (artigo 232.º,
n.º4 CSC);
Quando atribuído à própria sociedade, esta pode antes optar por adquirir a quota ou
por fazê-la adquirir por um sócio ou por terceiro (artigo 232.º, n.º5 CSC); nesta
hipótese, aplica-se o artigo 225.º, n.º3, 4 e 5, 1.ª parte, CSC.
No domínio da exoneração dos sócios (artigo 240.º CSC), diversos preceitos remetem para
a amortização de quotas. Temos, pois, todo um jogo de remissões: porventura evitáveis, com
mais algum apuro legislativo. Na própria deliberação deve-se exarar a ressalva do capital
social e das reservas (artigo 236.º, n.º2 CSC). Assim, não será se o valor for negativo e, como
tal, a amortização se tornar gratuita. Além disso, a jurisprudência entende que o sócio visado
pela amortização não tem um interesse oposto ao da sociedade, a menos que esteja também
em causa a sua exclusão por justa causa. Pode, intervir e votar na competente assembleia
geral. O sócio afetado tem legitimidade direta para se opor à amortização.
Contrapartida: pela amortização da quota é devida uma contrapartida. Assim não
sucederá na hipótese de amortização gratuita: por exemplo, tratando-se de amortização de
quota própria da sociedade. A contrapartida é fixada, em primeira linha (artigo 235.º, n.º1,
corpo CSC):
Pelo pacto social;
Por acordo das partes.
As correspondentes cláusulas devem ser cumpridas (artigo 4’6.º, n.º1 CC). Todavia, há que
atentar nas regras gerais dos artigos 809.º e 941.º, n.º1 CC (proibição de renúncia antecipada
aos direitos do credor e proibição de doação de bens futuros, respetivamente). Retemos,
daqui, que as cláusulas de contrapartida por amortização de quotas devem ser minimamente
compensatórias; de outro modo, estaremos perante atos gratuitos e sujeitos às competentes
regras, inclusive sucessórias. Na falta de regras estipuladas no pacto ou em acordo, aplicam-
se as soluções supletivas do artigo 235.º, n.º1 CSC:
A contrapartida da amortização é o valor de liquidação da quota, determinado nos
termos do artigo 105.º, n.º2 CSC, com referência ao momento da deliberação; este
preceito remete para um cálculo efetuado nos termos do artigo 1021.º CC, por um
Revisor Oficial de Contas designado por mútuo acordo ou, na falta deste, pelo
Tribunal;
O pagamento da contrapartida é fraccionado em duas prestações; a efetuar dentro de
seis meses e um ano, respetivamente, após a fixação definitiva da contrapartida.
Por vezes, o pacto social fixa o valor de amortização remetendo-o para o balanço: o último
aprovado. De acordo com a tradição jurídica portuguesa, há, aqui, que lidar com a sindicância
do abuso do direito. Pode a amortização recair sobre cláusulas arroladas, arrestadas,
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penhoradas ou incluídas em massa insolvente: nessa altura, o recurso às cláusulas do pacto
poderá prejudicar terceiros. Por isso, o artigo 235.º, n.º2 CSC remete, em tal ocasião, para os
critérios supletivos do n.º1, excepto se os resultantes do pacto forem menos favoráveis para
a sociedade e, logo, mais favoráveis para o terceiro. Não sendo a contrapartida
tempestivamente paga, o interessado pode optar (artigo 235.º, n.º3 CSC):
Pela execução da dívida;
Pela amortização parcial;
Pela espera do pagamento.
Encontramos, pois, um lote de soluções: saídas tipicamente obrigacionais contracenam com
composições de tipo societário.
Efeitos quanto ao capital; a contitularidade: a amortização da quota provoca a
sua supressão. Quais os efeitos no capital social da entidade atingida? O artigo 237.º CSC
resolve, hoje, expressamente o problema. Fundamentalmente, uma de duas (n.º1):
Ou a amortização é acompanhada da correspondente redução do capital;
Ou as quotas dos outros sócios são proporcionalmente aumentadas.
Devem os sócios fixar, por deliberação o novo valor nominal das quotas. Os gerentes
deveriam outorgar a correspondente escritura pública, salvo se a ata de deliberação for
lavrada por notário: esta regra suprimida em 2006. Agora, bastará aos sócios fixar, por
deliberação, o tal novo valor nominal das quotas. Como solução mais flexível, muitas vezes
seguida, na prática, dispõe o artigo 237.º, n.º3 CSC:
«O contrato de sociedade pode, porém, estipular que a quota figure no balanço como quota
amortizada e bem assim permitir que, posteriormente e por deliberação dos sócios, em vez da
quota amortizada, sejam criadas uma ou várias quotas, destinadas a serem alienadas a um ou
a alguns sócios, ou a terceiros».
Nesta última hipótese não há nem redução do capital, nem aumento proporcional das demais
quotas. Trata-se de uma operação contabilística destinada a manter o status quo. Em boa
verdade, seria questionável se estamos em face de uma verdadeira amortização, já que a quota
atingida não é, summo rigore, suprimida. Ainda no domínio dos efeitos da amortização, temos
o caso específico da contitularidade, que mereceu, no Código de 1986, um preceito específico.
o artigo 238.º CSC. Quando o fundamento da amortização atinja, objetivamente, a quota ou,
subjetivamente, todos os contitulares, não há problema: segue-se o regime geral. Quando,
porém, apenas em relação a um contitular se verifiquem os pressupostos da amortização,
temos o seguinte cenário:
Podem os sócios deliberar que a quota seja dividida em conformidade com o título,
desde que daí não resultem quotas inferiores a 50 euros (n.º1);
Dividida a quota, a amortização recai sobre a que pertença ao titular que reúna os
pressupostos da amortização (n.º2, 1.ª parte);
Na falta de divisão, não há amortização (n.º2, 2.ª parte CSC).
Como explica Raúl Ventura, é, aqui, sacrificado o interesse da sociedade. Cumpre a esta
tomar medidas oportunas para facilitar a divisão ou para prevenir contitularidades demasiado
fraccionadas.
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41.º - A execução e o registo
Regime da execução da quota: a quota é um bem penhorável. Pode, assim, ser
arrolada ou penhorada, tendo em vista a sua venda em processo executivo, para satisfação
dos direitos dos credores do sócio. Essa eventualidade suscita vários problemas,
designadamente no que toca ao âmbito da penhora e a articulação com os interesses da
sociedade. O legislador de 1986, em grande parte inspirado no anteprojeto alemão de nova
lei das sociedades por quotas, que nunca chegou a ir avante, dispensou a esta matéria um
tratamento específico: artigo 239.º CSC. Quanto ao âmbito da penhora, esclarece o artigo
239.º, n.º1 CSC:
Ele abrange os direitos patrimoniais a ela inerentes
com ressalva do direito a lucros já atribuídos por deliberação dos sócios à data da
penhora, mas sem prejuízo da penhora desses créditos;
Mas continuando o direito de voto a ser exercido pelo titular da quota penhorada.
A sociedade pode não estar nada interessada na perspetiva da penhora e da venda executiva
de uma quota: por essa via, poderá entrar para a sociedade, como sócio, seja um estranho,
seja uma pessoa nociva para os interesses sociais. Todavia, a lei não permite que os pactos
sociais proíbam a transmissão de quotas em processo executivo ou de liquidação de
patrimónios ou que a coloquem sob a sua permissão (artigo 239.º, n.º2, 1.ª parte CSC). Ficam,
porém e à sociedade, várias vias alternativas:
Ou à atribuição, pelo contrato, do direito de amortizar a quota, na hipótese de
penhora ou equivalente (artigo 230.º, n.º2 CSC);
Ou o exercício de preferência pelos sócios ou pela sociedade (artigo 239.º, n.º5 CSC);
Ou ainda o pagamento da quantia exequenda pela sociedade ou pelo sócio, com sub-
rogação no crédito (artigo 239.º, n.º3 CSC, que remete para o artigo 593.º CC).
De modo a facilitar a aplicação das diversas saídas possíveis, o artigo 239.º, n.º4 CSC
determina que a venda da quota em processo de execução ou de insolvência do sócio seja,
oficiosamente, notificada à sociedade. Trata-se de uma norma imperativa: a falta de
notificação envolve nulidade, uma vez que interfere na decisão da causa.
O registo de quotas (reforma de 2006): a regra básica advém-nos do artigo 242.º-
A CSC:
«Os factos relativos a quotas são ineficazes perante a sociedade enquanto não for solicitada,
quando necessária, a promoção do respetivo registo».
O preceito é delicado: deve ser integrado na lógica sistemática do Código de Registo
Comercial. Na verdade, o artigo 14.º, n.º1 CRCom estabelecia – e estabelece! – que os factos
sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo.
Como lex specialis verifica-se que tais factos, quando relativos a sociedades, não produzem
efeitos mesmo quando a sociedade seja parte e perante esta enquanto não for solicitada a
promoção do registo. Tecnicamente, solicitar a promoção de um registo nem é forma de
contrato, nem é modo de publicidade. Trata-se de uma simples formalidade (necessária) a
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que o legislador vem associar efeitos a nível de eficácia perante a sociedade. Esta solução é
tornada necessária pela supressão da escritura pública e sob pena de se estabelecer a completa
insegurança nas sociedades por quotas. Fica à prova. De todo o modo, a sociedade de má fé
não poderá, pelas regras gerais, prevalecer-se da não solicitação de determinado registo. No
limite: por abuso do direito. Segundo o artigo 242.º-B CSC, cabe à própria sociedade
promover os registos relativos a factos em que, de alguma forma, tenha tido intervenção ou
mediante solicitação de quem tenha legitimidade. Ou seja (artigo 242.º-B, n.º2 CSC):
«a) O transmissário, o transmitente e o sócio exonerado;
«b) O usufrutuário e o credor pignoratício».
Pergunta-se se tal legitimidade não deveria ser estendida:
Ao sócio envolvido em operações de unificação, de divisão e de contitularidade de
quotas, quanto a operações a elas relativas;
Ao sócio excluído;
Ao sócio cuja quota seja total ou parcialmente amortizada.
A resposta será positiva. Nestes dois últimos casos, ainda se poderia dizer que a própria
sociedade deveria tomar a iniciativa. Mas há um evidente interesse dos sócios. Segundo o
artigo 242.º-B, n.º3 CSC, o pedido de promoção do registo deve ser acompanhado dos
documentos que titulem o facto a registar. Pressupõe-se, naturalmente, que os interessados
tenham acesso a esses documentos. Quando não: há um evidente dever de colaboração por
parte da própria sociedade. Repare-se ainda que, segundo o artigo 29.º, n.º5 CRCom:
«(...) para pedir o registo de atos a efetuar por depósito apenas tem legitimidade a entidade
sujeita a registo(...)»
O registo por depósito implica o mero arquivamento dos documentos que titulam os factos
sujeitos a registo (artigo 53.º-A, n.º3 CRCom). Se a sociedade não promover o registo,
qualquer pessoa o poderá fazer junto da conservatória, seguindo-se o esquema do artigo 29.º-
A CRCom. O registo por depósito retira ao conservador do registo comercial a intervenção
que lhe competia. O legislador veio cometer à própria sociedade a observância das regras do
registo. Assim:
O artigo 242.º-C CSC fixa as regras de prioridade da promoção dos registos: ordem
dos pedidos (n.º1), ordem de antiguidade dos factos relativos à mesma quota (n.º2) e
ordem da respetiva dependência (n.º3);
O artigo 242.º-D CSC estabelece, agora no plano da promoção, o princípio da
instância;
O artigo 242.º-E, n.º1 CSC impõe o princípio da legalidade, alargado pelo n.º2 a
aspetos fiscais;
O artigo 242.º-E, n.º3 e 4 CSC introduz, a cargo das sociedades por quotas, deveres
de arquivamento e de informação aos interessados.
O contraponto de todos estes ónus, encargos e deveres reside no artigo 242.º-F, n.º1 CSC:
uma responsabilização das sociedades com presunção de culpa, nos termos seguintes:
«As sociedades respondem pelos danos causados aos titulares de direitos sobre as quotas ou a
terceiros, em consequência de omissão, irregularidade, erro, insuficiência ou demora na promoção
dos registos, salvo se provarem que houve culpa dos lesados».
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O n.º2 desse preceito estabelece ainda uma responsabilidade solidária das sociedades pelo
cumprimento das obrigações tributárias cuja fiscalização lhes é cometida pelo artigo 242.º-E,
n.º2 CSC.
Capítulo VI – A organização das sociedades por quotas
§42.º - Aspetos gerais
O modo organizativo das sociedades por quotas: as sociedades por quotas
foram criadas como uma resposta à necessidade de preencher, de certo modo, o largo espaço
existente entre as sociedades em nome coletivo e as sociedades anónimas. Nas sociedades
em nome coletivo, o modelo organizativo era muito incipiente. No fundo, tínhamos um
conjunto de comerciantes que acordavam no exercício conjunto da sua profissão. Todos
eram competentes para administrar, para decidir e para fiscalizar. Só por muita abstração se
tornava possível discernir distintas funções na atuação do grupo. Nas sociedades anónimas,
sobretudo a partir do momento em que a sua gestão se profissionalizou e em que se tornou
necessário, mercê da aquisição automática da personalidade jurídica, prever instâncias
internas de fiscalização, cedo vieram a surgir órgãos diferenciados: a administração, a
assembleia geral e um órgão de fiscalização. Nas sociedades por quotas, o legislador hesitou.
Por um lado – particularmente nas de maior dimensão – faria todo o sentido prover a uma
diferenciação organizativa: pelo menos, teríamos de contar com uma administração e com
um colégio de todos os sócios. Além disso, seria razoável associar uma instância fiscalizadora.
Noutras, porém, compostas por dois ou três sócios, a complicação interna de nada serviria:
apenas para aumentar os custos marginais do seu funcionamento. Aí tudo poderia ser
mantido num nível inorgânico, um tanto semelhante ao das sociedades em nome coletivo.
Digamos que as mesmas pessoas dariam corpo à administração e ao colégio dos sócios.
Como decidir? O Código das Sociedades Comerciais de 1986 conservou a orientação semi-
orgânica que vinha do Direito anterior. Primeiro, foi ordenada a matéria atinente às
deliberações dos sócios (artigo 246.º a 251.º CSC), as quais poderão ocorrer em assembleia
geral, um tanto à semelhança das sociedades anónimas (artigo 248.º CSC). Depois surge a
gerência e a fiscalização (artigo 252.º a 262.º-A CSC): a gerência poderá funcionar como
órgão coletivo (artigo 261.º CSC), enquanto o pacto social pode determinar que a sociedade
tenha um conselho fiscal (artigo 262.º, n.º1 CSC), sendo, nalguns casos, obrigatoriamente
designado um revisor oficial de contas (artigo 262.º, n.º2 CSC). Fica uma lata margem à
decisão dos sócios. Estes podem optar por esquemas mais ou menos diferenciados de
organização. Mantém-se, assim, a especial ambivalência das sociedades por quotas.
§43.º - Deliberações dos sócios e assembleia geral
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A competência dos sócios: o artigo 246.º CSC distingue, basicamente, nos dois
números:
Atos sujeitos necessariamente a deliberação dos sócios (n.º1);
Atos supletivamente sujeitos a esse tipo de deliberação, isto é: se o contrato social
não dispuser de outra forma (n.º2).
Quanto aos atos sujeitos necessariamente a deliberação dos sócios: a lei procede (artigo 246.º,
n.º1, corpo CSC) a uma enumeração mínima: podem a lei ou o contrato acrescentar novos
atos. A enumeração legal – ou a contratual, quando existe – é taxativa. No seguinte sentido:
quando a prática de um ato não dependa de deliberação dos sócios, ela poderá ser levada a
cabo pela gerência: cabe-lhe representar a sociedade. A expressão dependem de deliberação
dos sócios pode parecer excessivamente circundante. Todavia, o legislador teve uma ideia:
entre os atos elencados contam-se diversos que, em última instância, acabarão por se
concretizar através da atuação da gerência. Mas, a precedê-los, deverá haver uma deliberação
dos sócios. De modo a ordenar os atos referidos no artigo 246.º CSC, de acordo com o seu
posicionamento perante atuações e outros órgãos, podemos distinguir:
Atos auto-suficientes: a deliberação dos sócios é bastante para produzir o efeito
pretendido: consentimento para divisão (artigo 221.º, n.º6 CSC) e para cessão (artigo
230.º, n.º2 CSC) de quotas, amortização de quotas (artigo 234.º CSC), e de membros
de órgãos de fiscalização (artigo 257.º, n.º2 CSC), aprovação do relatório de gestão e
exoneração de responsabilidade (artigo 246.º, n.º1 CSC);
Atos que exigem subsequente execução pela gerência: alterações do pacto social,
transformação e dissolução da sociedade e regresso à atividade da sociedade
dissolvida;
Atos a concretizar pela gerência: chamada (artigo 211.º CSC) e restituição (artigo
213.º CSC) de prestações suplementares, aquisição, alienação e oneração de quotas
próprias (artigo 220.º CSC), proposição de ações contra sócios gerentes, fusão e cisão
da sociedade e alienação ou oneração de imóveis; os pontos não especificamente
reportados a preceitos legais têm a sua base no próprio artigo 246.º CSC.
Em termos materiais, a competência dos sócios poderia ser ordenada da seguinte forma
(artigo 246.º CSC):
Quanto à própria sociedade: alteração (n.º1, alínea h)) e fusão, cisão, transformação,
dissolução e regresso à atividade (n.º1, alínea i));
Quanto aos sócios: chamada e restituição de prestações suplementares (n.º1, alínea
a)), exclusão (n.º1, alínea c)), atribuição de lucros (n.º1, alínea e)) e proposição de
ações (n.º1, alínea g));
Quanto às quotas: amortização, quotas próprias e cessão (n.º1, alínea b));
Quanto a outros órgãos: designação e destituição de gerentes e de membros do
órgão de fiscalização (n.º1, alínea d) e 2.º, alíneas a) e b)), aprovação do relatório de
gestão (n.º1, alínea e)), exoneração de responsabilidade (n.º1, alínea f)) e proposição
de ações (alínea g));
Quanto a atos externos: alienação e oneração de imóveis ou do estabelecimento
(n.º2, alínea c)) e subscrição, aquisição, oneração ou alienação de participantes
noutras sociedades (n.º2, alínea d)).
Pergunta-se se os sócios têm competência para avocar matérias atinentes à gestão da
sociedade ou, noutro prisma: para dar instruções, nesses domínios, à gerência. Apesar de,
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lamentavelmente, o Código de 1986 – sempre tão pormenorizado! – não ter esclarecido esse
ponto, a resposta deve ser positiva. Pelo seguinte:
No tocante às sociedades anónimas, os poderes de gestão são reservados ao conselho
de administração, com competência residual (artigo 406.º CSC) e so a pedido do
órgão de administração podem os acionistas deliberar sobre matérias de gestão (artigo
373.º, n.º3 CSC); não encontramos nenhum preceito similar para as sociedades por
quotas;
O artigo 259.º CSC, relativo à competência da gerência, submete-a, genericamente,
ao respeito pelas deliberações dos sócios;
A índole geral das sociedades por quotas: tratando-se, ainda, de sociedades de pessoas
(ou disso próximas), parece oportuno deixar a estas a efetiva orientação doo ente
coletivo em jogo.
A menos que os estatutos disponham de outra forma, podem os sócios (designadamente
reunidos em assembleia geral) dar instruções à gerência. E quando ajam no âmbito dessas
instruções, não há, em princípio, responsabilidade dos gerentes. Finalmente, os sócios têm
competência para definir a sua própria competência, havendo dúvidas (Kompetenz-kompetenz).
Formas de deliberação: o tema das deliberações dos sócios das sociedades comerciais
recebe, no Código, um tratamento complexo. Devemos ter em conta:
A matéria inserida na Parte Geral: temos, aí, um Capítulo IV precisamente epigrafado
deliberações dos sócios (artigos 53.º a 63.º CSC);
As regras para as sociedades em nome coletivo (artigos 189.º a 190.º CSC);
As regras para as sociedades por quotas (artigos 264.º a 251.º CSC);
As regras para as sociedades anónimas (artigos 373.º a 389.º CSC);
As regras para as sociedades em comandita (artigos 472.º CSC).
No caso das sociedades por quotas, haverá que lidar, em especial, com as regras gerais, com
as regras especificamente destinadas a esse tipo societário e com as regras sobre assembleias
gerais das sociedades anónimas, para as quais há uma remissão expressa (artigo 248.º, n.º1
CSC). Recordemos, aliás, que no tocante às deliberações nas sociedades em nome coletivo,
há uma remissão para as sociedades por quotas (artigo 189.º, n.º1 CSC). O Código de 1986
admite várias formas de deliberação dos sócios. De acordo com o artigo 54.º CSC, ainda que
articulando-se, em termos nucleares, com o artigo 247.º CSC, podemos distinguir, quanto Às
formas de deliberação:
Deliberações unânimes por escrito (artigo 54.º, n.º1, 1.ª proposição CSC):
resultam de todos os sócios terem, por essa forma, emitido uma declaração de
vontade confluente. A lei não prevê formalidades especiais, sendo todavia evidente
que terá de tomar a iniciativa. Nos termos gerais do Decreto-Lei n.º7/2004, 7 janeiro
(artigo 26.º, n.º1 CSC), a competente declaração pode ser feita por meios eletrónicos
(pela Internet), valendo como forma escrita. O essencial para que surja a deliberação
é, aqui, simplesmente a manifestação unânime de vontade.
Deliberações em assembleias universais (artigo 54.º, n.º1, 2.ª proposição):
exigem que todos os sócios estejam presentes, que todos queiram deliberar e que só
se decida sobre assuntos por todos consentidos (artigo 54.º, n.º1 e 2 CSC). Embora
se possa falar em assembleia geral é evidente que fica dispensada uma série de regras,
pelo que surge um processo deliberativo autónomo.
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Deliberações por concordância com proposta remetida por escrito (artigo
247.º, n.º1 e 5 CSC): aproximam-se de um referendum. O artigo 247.º, n.º1 CSC fala
em deliberações por voto escrito, o que pode provocar confusão com as deliberações
unânimes por escrito do artigo 54.º, n.º1 CSC. Mal: o legislador, para mais perante a
clara distinção que vinha da legislação anterior, bem poderia ter evitado tais
confusões. A deliberação aqui em causa pressupõe todo um processamento regulado
no artigo 247.º CSC:
i. Exige um acordo dos sócios, desde que ela não seja excluída pela lei ou pelo
pacto social (n.º2);
ii. Os gerentes devem fazer uma consulta por carta registada, com o objeto da
deliberação e com a cominação de que a falta de resposta dentro dos 15 dias
seguintes à expedição da carta será tida como assentimento à dispensa da
assembleia (n.º3);
iii. Quando se possa proceder à votação nesses termos (por falta de oposição) o
gerente envia a todos os sócios a proposta concreta de deliberação, com os
elementos necessários de informação e fixa prazo para o voto não inferior a 10
dias (n.º4);
iv. O voto escrito deve identificar a proposta e conter a aprovação ou a rejeição
desta; qualquer modificação ou condicionamento do voto implica a rejeição da
proposta (artigo 247.º, n.º5 CSC);
v. O gerente lavra ata em que menciona a verificação de todo o ritual, transcreve
a proposta e o voto de cada sócio, declara a deliberação tomada e envia cópia
da ata a todos os sócios (artigo 247.º, n.º6 CSC);
vi. A deliberação considera-se tomada no dia em que for recebida a última
resposta ou no fim do prazo marcado, caso algum sócio não responda (artigo
247.º, n.º7 CSC).
O processo é longo e pesado. Não vemos razão para que, ao abrigo da autonomia
privada, os estatutos não possam simplificar tudo isto, desde que ressalvem o
essencial: todos devem ter possibilidade de votar e todos devem estar esclarecidos. A
mera simplificação não vai contundir com a regra da tipicidade na forma das
deliberações (artigo 53.º, n.º1 CSC). Além disso, tudo isto poderá ser feito por via
eletrónica.
Deliberações em assembleia geral (artigo 247.º, n.º1 CSC).
Assembleias gerais: a assembleia geral constitui, por excelência, o esquema de
deliberação dos sócios. Pensamos que ela nunca opera no mesmo plano de igualdade das
outras formas: apenas em assembleia pode haver debate e evolução do próprio pensamento.
E a grande matriz das assembleias gerais é a das sociedades anónimas. O artigo 241.º CSC
recorre à técnica de uma remissão ampla para a assembleia geral das sociedades anónimas,
intensificando-a: obriga o intérprete-aplicador a percorrer, num vaivém, diversos preceitos
complexos, procedendo às competentes adaptações, o que parece menos adequado, para
mais num Código que se dirigirá a gestores não juristas. A matéria relativa às assembleias
gerais das sociedades anónimas alarga-se, efetivamente, por 17 artigos (artigos 373.º a 389.º
CSC), apenas caso a caso se podendo verificar se é viável a transposição. Quanto às normas
específicas para as assembleias gerais das sociedades por quotas, temos (artigo 248.º CSC):
Qualquer sócio por quotas pode exercer os direitos, atribuídos a minoritários nas
anónimas, quanto à convocação e à inclusão de assuntos na ordem do dia (n.º2); SQ
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A convocação compete a qualquer dos gerentes e deve ser feita por carta registada
expedida com a antecedência mínima de quinze dias; o contrato de sociedade pode
exigir outras formalidades ou estabelecer um prazo mais longo (n.º3);
A presidência compete ao sócio que detiver ou representar a maior fração de capital,
prevalecendo, em igualdade de circunstâncias, o mais velho: tudo isso a título
supletivo (n.º4);
Nenhum sócio, mesmo que impedido de exercer o voto, pode ser privado de
participar na assembleia: uma norma injuntiva (n.º5);
As atas devem ser assinadas por todos os sócios que participaram na assembleia (n.º6).
Pertence à tradição das sociedades por quotas o estabelecimento de restrições quanto à
representação voluntária, para efeitos de participação em assembleia geral. Não vemos
justificação nem vantagem para tal solução: a representação voluntária é, hoje, um instituto
normalíssimo. Quando muito será de exigir, em certos casos, poderes especiais. No fundo,
o legislador imbui-se na ideia de que a assembleia geral é um gremium pessoal e de que a
qualidade de sócio tem essa mesma qualidade, não logrando quebrar tais amarras. Fixou as
regras seguintes (artigo 249.º CSC):
A representação voluntária só pode ser conferida, pelo sócio, ao seu cônjuge, a um
seu descendente ou descendente ou a outro sócio, a não ser que o contrato de
sociedade faculte expressamente outros representantes (n.º5);
Não é permitida a representação voluntária em deliberações por voto escrito (n.º1);
Os instrumentos que não mencionem a duração dos poderes são válidos apenas para
o ano civil respetivo (n.º3);
Para uma representação em determinada assembleia geral, em primeira ou em
segunda data, basta uma carta dirigida ao respetivo presidente (n.º4).
Como se vê, mantêm-se as restrições de fundo quanto à representação voluntária, ainda que
com o trocadilho de a regra básica estar dissimulada no n.º5 do artigo 249.º CSC. Ora, uma
sociedade por quotas não é um instituto de Direito da Família. Também não se visualiza para
quê penalizar pessoas que não possam comparecer pessoalmente por impedimento sério ou
por deficiência: ficarão nas mãos aleatórias de terem familiares próximos disponíveis ou
sócios da sua confiança. Impõe-se, pois, o maior cuidado na representação dos pactos sociais,
sendo certo que, no limite, o artigo 249.º, n.º5 CSC poderá ser julgado inconstitucional, por
violação do princípio da não discriminação. Apuradas as regras específicas das sociedades
por quotas – e salvo o que abaixo se dirá sobre o tema dos votos – cumpre verificar
rapidamente quais são os preceitos relativos às sociedades anónimas e que aqui sejam
aplicáveis por via da remissão do artigo 248.º, n.º1 CSC. Assim:
Artigo 373.º CSC: não é aplicável, prevalecendo os artigos 247.º e 246.º CSC;
Artigo 374.º CSC: não é aplicável, prevalecendo o artigo 248.º, n.º4 CSC;
Artigo 374.º-A CSC: não é aplicável, pela mesma razão;
Artigo 375.º CSC: é aplicável, com as adaptações prescritas no artigo 248.º, n.º2 CSC
e com adaptação dos órgãos;
Artigo 376.º CSC: é aplicável, com adaptação dos órgãos;
Artigo 377.º CSC:
i. N.º1 a 4: não são aplicáveis, prevalecendo o artigo 248.º, n.º3 CSC, todavia,
podemos admitir a convocação pelo conselho fiscal, quando exista, ou pelo
tribunal;
ii. N.º5 a 8: são aplicáveis, com as adaptações dos órgãos;
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Artigo 378.º CSC: é aplicável, com as adaptações impostas pelo artigo 248.º, n.º5
CSC;
Artigo 380.º CSC: não é aplicável – prevalece o artigo 249.º CSC.
Artigo 381.º CSC: é aplicável;
Artigo 382.º CSC: é aplicável, embora se possa admitir mais simplicidade na sua
execução;
Artigo 383.º CSC: é aplicável;
Artigo 384.º CSC: não é aplicável, prevalecendo o artigo 250.º CSC;
Artigo 385.º CSC: é aplicável;
Artigo 386.º CSC:
i. N.º1 a 4: não são aplicáveis, na medida em que prevalece o artigo 250.º CSC;
ii. N.º5: é aplicável;
Artigo 387.º CSC: é aplicável;
Artigo 388.º CSC:
i. N.º1: é aplicável;
ii. N.º2 e 3: não são aplicáveis, prevalecendo o artigo 248.º, n.º6 CSC;
Artigo 389.º CSC: não é aplicável.
Como se vê, o exercício académico é interessante. Diversas são, porém, as vantagens práticas
do sistema legislativo adotado.
Votos e impedimentos: o Código das Sociedades Comerciais veio desdobrar a matéria
em dois preceitos: o artigo 250.º e o artigo 251.º CSC. Assente na experiência anterior, vieram
dar um maior desenvolvimento a toda a matéria. Quanto ao voto (artigo 250.º CSC), temos:
Conta-se um voto por cada centavo do valor nominal da quota (n.º1);
Permite-se que o pacto social atribua, como direito especial, dois votos por cada
centavo, até ao limite de 20% do capital (n.º2);
Consideram-se, salvo disposição especial da lei ou do contrato, tomadas as
deliberações que obtiverem a maioria dos votos emitidos, não se considerando como
tais as abstenções (n.º3).
Nos termos gerais, o voto é simples e não condicionado: representa sim ou não a uma
determinada proposta; o voto condicionado equivalerá a um voto contra. A matéria dos
impedimentos de voto vem tratada no artigo 251.º CSC: tem natureza imperativa (artigo
251.º, n.º2 CSC). A lei recorrer à técnica de enunciar um princípio geral (artigo 251.º, n.º1,
1.ª parte CSC), complementando-o, a título exemplificativo, com várias hipóteses mais
concretas (artigo 251.º, n.º1, 2.ª parte e alíneas). Quanto ao princípio geral, temos:
«O sócio não pode votar nem por si, nem por representante, nem em representação de outrem,
quando, relativamente à matéria da deliberação, se encontre em situação de conflito de interesses
com a sociedade».
Esta técnica presta-se a intermináveis dúvidas. Além do mais, parra a haver desconexão com
o artigo 384.º, n.º6 CSC, que fixa as inibições no tocante às sociedades anónimas. Podemos,
de todo o modo e para além da experiência acolhida no regime anterior, apresentar algumas
proposições jurisprudenciais concretizadoras. À partida, interessa ter presente a enumeração
legal exemplificativa. Segundo a 2.ª parte do artigo 251.º, n.º1 CSC:
«Entende-se que a referida situação de conflito de interesses se verifica designadamente quando
se tratar de deliberação que recaia sobre:
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«a) Liberação de uma obrigação ou responsabilidade própria do sócio, quer nessa qualidade,
quer como gerente ou membro do órgão de fiscalização;
«b) Litígio sobre pretensão da sociedade contra o sócio ou deste contra aquela, em qualquer
das qualidades referidas na alínea anterior, tanto antes como depois do recurso a tribunal;
«c) Perda do sócio de parte de uma quota, na hipótese prevista no artigo 204.º, n.º2 CSC;
«d) Exclusão do sócio;
«e) Consentimento previsto no artigo 254.º, n.º1;
«f) Destituição, por justa causa, da gerência que estiver exercendo ou de membro do órgão de
fiscalização;
«g) Qualquer relação, estabelecida ou a estabelecer, entre a sociedade e o sócio, estranha ao
contrato de sociedade».
Quanto à concretização jurisprudêncial, relevamos as seguintes proposições:
Acórdãos RLx 16 março 1989 e STJ 5 junho 1997: um sócio pode tomar parte na
sua própria eleição como gerente;
Acórdãos RCb 7 abril 1994 e RPt 24 novembro 1997: idem, quanto à fixação do
seu vencimento na gerência;
Acórdão STJ 28 setembro 1995: idem, quanto à relação entre a sociedade e uma
terceira pessoa, ainda que cônjuge do sócio;
Acórdão RPt 2 fevereiro 1998: idem, quanto à aprovação das contas anuais, mesmo
sendo sócio-gerente;
Acórdão STJ 4 maio 1993: idem, quanto à amortização da sua própria quota.
Em compensação, ele não pode votar quanto à sua própria exclusão (Ac. STJ 9 fevereiro
1995). O artigo 251.º, n.º1, 2.ª parte CSC, nas suas diversas alíneas, é meramente
exemplificativo, como se disse. Porém, para determinarmos novas situações de conflitos de
interesses inibidores de votos, é necessário que se verifique uma proximidade valorativa com
as situações enunciadas na lei (Ac. RPt 11 outubro 1993). O sentido das limitações
deliberativas surgem em diversos lugares paralelos, para além das sociedades por quotas.
Dispõe o artigo 410.º, n.º6 CSC:
«O administrador não pode votar sobre assuntos em que tenha, por conta própria ou de terceiros,
um interesse em conflito com o da sociedade; em caso de conflito, o administrador deve informar
o presidente sobre ele».
Por seu turno, o artigo 8.º, n.º2 Decreto-Lei n.º 464/82, 9 dezembro, articula:
«O gestor público deverá declarar-se impedido de tomar posições no órgão de gestão a que
pertence sempre que sejam tomadas deliberações que afetem, direta ou indiretamente, os seus
interesses pessoas(...)».
Finalmente, o artigo 11.º, n.º1 Decreto-Lei n.º 464/82, determina:
«Os gestores públicos ficam impedidos de representação de interesses privados na administração
de quaisquer empresas e ainda da prestação de outros serviços em empresas concorrentes,
fornecedoras, clientes ou por qualquer vínculo ligados àquelas de que sejam gestores, salvo por
incumbência destas ou de entidades públicas».
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Trata-se de preceitos imperativos. Neles, a lei está preocupada não com o sentido das
deliberações, mas com o procedimento que a elas conduza. Repare-se: o gerente ou o
administrador (ou gestor) que delibere em causa própria pode tomar a melhor posição para
a empresa e pode, inclusive, decidir contra o seu próprio interesse. Todavia, o alarido, a
dúvida e a suspeição irão, inevitavelmente, ficar a pairar sobre o desiderato, afetando a
transparência e a credibilidade da empresa e pondo em crise a confiança que deve reinar nas
relações económico-sociais. Da mesma forma, o gestor que aceite comprometer-se perante
outra empresa poderá, concretamente, nada fazer de prejudicial. Os danos para a imagem do
setor público daí advenientes levam, contudo, à proibição legal absoluta de que demos conta.
Podemos formular um princípio de isenção processual, princípio esse que aflora no campo
judicial (artigo 115.º CPC36) e no campo administrativo (artigo 44.º CPA37). Voltamos a frisar:
não está em causa o mérito substancial da deliberação, que poderá ser óbvio e indiscutível;
simplesmente, o processo que a ele conduz surge equívoco pelo que a lei veda, pura e
simplesmente, tais deliberações. O princípio da isenção processual é injuntivo: perderia
sentido quando, sobre ele, as partes envolvidas viessem dispor. Podemos afirmar que ele
integra a ordem pública. Assim entendida, a isenção processual não tem nada de excecional.
Em simples analogia iuris, ela é aplicável a casos análogos, isto é, a situações que,
manifestamente, traduzam – ou possam traduzir – na comunidade jurídica, a mesma carga
negativa que advenha das decisões em causa própria.
44.º - A gerência
Designação e substituição: o artigo 252.º, n.º1 CSC fixa um ou mais gerentes. Caberá
ao pacto social ou, na falta de indicação, aos sócios, decidir qual o número de gerentes
pretendido. Como requisitos (n.º1), temos apenas:
Podem ser sócios ou estranhos;
Devem ser pessoas singulares;
Com capacidade jurídica plena.
Fica aberta a porta ao apelo a gestores profissionais. Não se acolheu a orientação, patente
quanto às sociedades anónimas (artigo 390.º, n.º4 CSC), de se poder escolher uma pessoa
coletiva a qual deveria, depois, nomear uma pessoa singular para exercer o cargo em nome
próprio: provavelmente por ter prevalecido o entendimento de que se deveria dar prioridade
a uma estreita confiança pessoal entre os membros da gerência. De todo o modo, a abertura
facultada nas sociedades anónimas permite-nos considerar que o pacto social pode admitir
pessoas coletivas como gerentes, seguindo-se, depois, o preceito do artigo 390.º, n.º4 CSC.
Quanto à capacidade jurídica plena: ficam excluídos os menores, os interditos e os
inabilitados, os insolventes e, ainda, as pessoas que, quanto ao exercício do comércio,
incorram em proibições, incompatibilidades, inibições e impedimentos. O próprio contrato
pode, aqui, criar novas exigências: mas à partida não se exigem especiais habilitações. A
designação de gerentes é feita (artigo 252.º, n.º2 CSC):
No contrato de sociedade;
36 CPC 2013 37 Sem paciência para ver se é do código atual ou não. vejam vocês
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Posteriormente, por deliberação dos sócios;
Por outra forma prevista no contrato.
A designação feita no contrato de sociedade pode originar um direito comum a gerência ou
um direito especial: neste último caso, ele não pode ser suprimido sem o acordo do próprio
(artigo 24.º, n.º5 CSC); admite-se, aqui, a destituição com justa causa. O direito especial à
gerência não se transmite com a quota respetiva (artigo 24.º, n.º3 CSC). O saber se, perante
uma designação, se está em face de um direito comum ou um direito especial A gerência é
questão de interpretação. A lei resolve, ainda, outros problemas interpretativos. Assim:
A gerência atribuída no contrato a todos os sócios não se entende conferida aos que
só posteriormente adquiriram essa qualidade (artigo 252.º, n.º3 CSC): mantém-se,
pois, uma conceção pessoal de gerência;
A gerência não é transmissível por ato entre vivos ou por morte, nem isolada, nem
conjuntamente com a quota (artigo 253.º, n.º4 CSC): aflora, de novo, a sua natureza
pessoal.
A substituição de gerentes está tratada no artigo 253.º CSC. À partida, devemos antecipar
que, segundo o artigo 256.º CSC, as funções de gerente subsistem, ilimitadamente, até que
sobrevenha destituição ou renúncia. Além disso, o contrato de sociedade ou o ato de
designação podem fixar a sua duração. Pois bem (tendo em conta que a falta não equivale ao
desconhecimento do seu paradeiro – Ac. RPt 9 fevereiro 1993):
Faltando definitivamente um gerente, os restantes prosseguem nas suas funções,
aguardando-se a substituição do faltoso;
Faltando definitivamente todos os gerentes, os diversos sócios assumem, ex lege, os
poderes de gerência até que sejam designados os gerentes (artigo 253.º, n.º1 CSC);
Se a falta for temporária e não for possível aguardar pela cessação da falta, os diversos
sócios assumem, ex lege, os poderes de gerência até que sejam designados os gerentes
(artigo 253.º, n.º2 CSC);
Faltando definitivamente o gerente cuja intervenção seja necessária, ex contractu, para
a representação da sociedade e sendo a exigência nominal, cairemos, então, no artigo
253.º, n.º1 CSC: todos os sócios são gerentes, até à nova designação;
Não sendo a exigência nominal, pode qualquer sócio ou gerente requerer ao tribunal
a nomeação de um gerente substituto, até a situação ser regularizada (artigo 253.º,
n.º3 CSC).
Os gerentes judicialmente nomeados têm direito à indemnização razoável das despesas que
façam e a uma remuneração; na falta de acordo com a sociedade, elas são fixadas pelo tribunal
(artigo 253.º, n.º4 CSC).
Competência: os gerentes, como quaisquer administradores de sociedades, têm,
fundamentalmente, dois poderes: o poder de administrar ou gerir e o poder de representar a
sociedade.
Quanto ao poder de administrar: podemos dizer que ele envolve a possibilidade
de praticar todos os atos materiais ou jurídicos que se mostrem necessários ou
convenientes para a prossecução do objeto social (artigo 259.º CSC). Fica, em regra,
incluída a gestão corrente. Quanto aos atos de disposição: haverá que retirar os que,
pela lei ou pelos estatutos, fiquem reservados para deliberação dos sócios (v.g. artigo
246.º, n.º2, alíneas c) e d) CSC). Como vimos, os sócios podem dar instruções aos
gerentes; tal o alcance do final do artigo 259.º CSC.
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Quanto ao poder de representação: mercê do nexo de organicidade, os atos que
os gerentes pratiquem em nome e por conta da sociedade produzem os seus efeitos,
na esfera jurídica desta. Para tanto, basta que, nos atos escritos, aponham a sua
assinatura com indicação da sua qualidade de gerentes da sociedade considerada
(artigo 260.º, n.º4 CSC). Trata-se de um preceito nuclear que tem dado lugar a muitas
dezenas de acórdãos, numa abundante e esclarecedora casuística. Vamos reter alguns:
i. Acórdão STJ(P), JU n.º1/2002, 6 dezembro 2001: a indicação da qualidade
de gerentes pode ser deduzida, nos termos do artigo 217.º CC, de factos que
com toda a probabilidade a revelem;
ii. Acórdão RPt 19 abril 1990: desapareceram as antigas assinaturas com firma
previstas na LSQ;
iii. Acórdão RPt 14 junho 1993: exigem-se, sempre, os dois elementos: assinatura
pessoal do gerente e indicação expressa dessa sua qualidade.
iv. Acórdão RPt 5 maio 1997: a mera assinatura do gerente, sem se dizer em que
qualidade o faz, não vincula a sociedade;
v. Acórdão RLx 20 novembro 1997: uma assinatura em título de crédito sobre
o carimbo de uma sociedade comercial, acompanhada da identificação
manuscrita dessa sociedade, estabelece uma presunção clara de que ela pertence
ao gerente dessa sociedade;
vi. Acórdão RLx 14 janeiro 1999: o artigo 264.º, n.º4 CSC deve ser interpretado
restritivamente no sentido de só exigir o duplo requisito da assinatura do
gerente e da menção dessa qualidade quando não for possível determinar se ele
atuou em nome próprio ou em representação da sociedade;
vii. Acórdão RLx 8 julho 1999: a assinatura pessoal do gerente em nome da
sociedade vincula esta, não sendo necessária a expressa invocação deste nome,
o qual poderá resultar das circunstâncias em que a assinatura pessoal foi aposta
ou em que o ato foi praticado;
viii. Acórdão STJ 7 outubro 1999: a menção, no verso da livrança, por aval à firma
subscritora, sob a qual foi manuscrita uma assinatura, seguida, entre parêntesis,
da firma de uma sociedade por quotas, é suficiente (em nome da boa fé e da
segurança no comércio jurídico) para vincular a sociedade;
ix. Acórdão STJ 11 abril 2000: quando o ato seja oral, é necessário que o gerente
estabeleça, por alguma forma, a ligação do ato com a sociedade;
x. Acórdão STJ 3 outubro 2000: a exigência do artigo 260.º, n.º4 CSC aplica-se,
também, aos atos em que a forma escrita seja meramente voluntária;
xi. Acórdão RLx 26 abril 2001: basta a aposição da assinatura de dois gerentes
sob um carimbo da sociedade;
xii. Acórdão RLx 27 maio 2003: idem, de um deles, nas mesmas circunstâncias;
xiii. Acórdão RLx 12 abril 2005: a falta de assinatura gera um vício de fundo: não
de forma.
Hoje, podemos considerar que a técnica de atuação em modo coletivo através de sociedades,
em especial de sociedades por quotas, está plenamente popularizada. Assim, quer o próprio
gerente, quer os particulares que, com ele, contratem, têm a perfeita noção de que age uma
sociedade. Esta ficará vinculada. De resto – como vamos ver de seguida – a ordem jurídica,
até por preocupações comunitárias, tutela fortemente a confiança nessa representação. O
preceito decisivo é, aqui, o artigo 260.º, n.º1 CSC, que dispõe:
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«Os atos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhe
confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social
ou resultantes de deliberações dos sócios».
Os números subsequentes prosseguem:
A sociedade pode, porém, opor a terceiros as limitações de poderes resultantes do
seu objeto social se provar que o terceiro as conhecia ou devia conhecer e se não
tiver assumido o negócio, expressa ou tacitamente (n.º2);
Não bastando, para o efeito, a publicidade dada ao contrário (n.º3).
Este preceito filia-se diretamente no artigo 6.º, n.º4 CSC o qual, por seu turno, advém do
artigo 9.º da 1.ª Diretriz do Direito das Sociedades. Pretende-se proteger a comunidade
interessada de limitações não imediatamente aparentes nos poderes de representação dos
gerentes e administradores: uma opção que vibra mais um golpe no antigo princípio da
especialidade. Tem o maior interesse conhecer a aplicação prática destas regras. Assim:
Acórdão STJ 27 janeiro 1993: a prestação de fiança a favor de terceiros por gerentes
de uma sociedade por quotas, estando fora do objeto social, só será nula se, em
função das circunstâncias em que for prestada, a outra parte tiver a obrigação de
conhecer o abuso de poderes;
Acórdão STJ 10 dezembro 1997: os poderes representativos dos gerentes das
sociedades por quotas ficam imunes às restrições ou limitações que os sócios
pretendam estabelecer, quer logo no contrato de sociedade, quer depois por meio de
dliberações;
Acórdão RPt 1 julho 1999: a administração e a representação de uma sociedade por
quotas não podem estar limitadas pela intervenção de sócio não gerente;
Acórdão STJ 21 setembro 2000: o ato ou negócio jurídico praticado pelos sócios
gerentes de uma sociedade não pode ser considerado nulo com o fundamento de
que, dado o princípio da especialidade, a sociedade não tem capacidade de gozo para
o realizar;
Acórdão RLx 22 janeiro 2002: não obstante a previsão, no pacto social de uma
sociedade por quotas, da intervenção de dois gerentes para vincular a sociedade, a
intervenção de apenas um deles em representação da sociedade como aceitante de
uma letra vincula este perante o sacador;
Acórdão RLx 20 agosto 2004: é válida, perante terceiros, a procuração forense
emitida por um dos gerentes de uma sociedade por quotas em nome desta, mesmo
que o pacto social exija a assinatura de dois gerentes para vincular a sociedade.
Acórdãos RCb 25 maio 1999 e RLx 14 março 2002: recai sobre a sociedade o ónus
de provar que o terceiro sabia ou não podia, dadas as circunstâncias, ignorar que o
ato praticado não respeitou a cláusula do objeto ou as limitações de poderes
resultantes do pacto social.
A prática regista ainda situações nas quais se pretendeu limitar, por deliberações sociais, os
poderes de representação de algum dos gerentes: a jurisprudência considera-as nulas. Ainda
no tocante à representação da sociedade, tem o maior interesse atentar no artigo 261.º, n.º3
CSC:
«As notificações ou declarações de terceiros à sociedade podem ser dirigidas a qualquer dos
gerentes, sendo nula toda a disposição em contrário do contrato de sociedade».
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Para efeitos de representação passiva, temos, pois, uma norma imperativa. De novo domina
a intenção muito clara de proteger a confiança geral do público nas sociedades e nos seus
suportes representativos. Quando o gerente deva ou queira fazer notificações ou deliberações
à sociedade e para evitar o ato consigo próprio, o artigo 260.º, n.º5 CSC estabelece que elas
devem ser dirigidas a outro gerente ou, não o havendo, sucessivamente, ao órgão de
fiscalização ou a qualquer sócio.
Funcionamento: no funcionamento da gerência, havendo mais de um gerente, temos,
basicamente, três possíveis sistemas:
Gerência disjuntiva: cada um dos vários gerentes pode, isoladamente, decidir e
praticar os atos de gestão ou de representação da sociedade;
Gerência conjunta (ou coletiva): os poderes devem ser exercidos por dois ou mais
gerentes, todos eles manifestando a mesma vontade;
Gerência colegial: os gerentes atuam em grupo, deliberando em reunião e tendo
cada um 1 voto.
É possível uma combinação de vários sistemas. A própria lei estabelece um esquema de
gerência disjunta para a legitimidade passiva (artigo 261.º, n.º3 CSC) e, supletivamente, um
de gerência conjunta para os demais poderes (artigo 261.º, n.º1 CSC). Já se considerou que
uma gestão do tipo colegial, própria dos conselhos de administração das sociedades
anónimas, não poderia ser aplicada às sociedades por quotas, por violação do princípio da
tipicidade. Os sócios têm o poder de dar instruções à gerência (artigo 259.º, in fine CSC). Por
maioria de razão podem regular internamente o seu exercício. De modo a facilitar o
funcionamento da gerência, podem os gerentes delegar nalgum ou nalguns deles a
competência para determinados negócios ou espécies de negócios; mesmo aí é necessário
que a delegação lhes atribua expressamente o poder de vincular a sociedade (artigo 261.º
CSC). Temos, aqui, a possibilidade de uma distribuição de pelouros, entre os diversos
gerentes. A atividade dos gerentes – como qualquer atividade – deve ser remunerada. No
caso dos gerentes, assim é: salvo disposição em contrário, no pacto social. A remuneração é
fixada pelos sócios (artigo 255.º, n.º1 CSC): naturalmente, ela será, de modo implícito, aceito
pelo gerente, quando este concorde com a designação. Mesmo no silêncio do pacto, poderá
não haver remuneração, se assim for decidido pelos sócios e sufragado pelo gerente. Da
remuneração deve distinguir-se o pagamento de despesas. O exercício gratuito de funções,
quando ocorra, não é uma liberdade: o gerente move-se num plano comercial, acabando por
ter um retorno a nível de lucros da sociedade. Os gerentes Têm, em regra, a maioria dos
votos na assembleia geral. Pode acontecer que, por essa via, estipulem remunerações
exorbitantes, que drenem, para eles, os lucros que deveriam assistir a todos. O artigo 255.º,
n.º2 CSC permite que, a requerimento de qualquer sócio e em processo de inquérito judicial,
o tribunal reduza as remunerações que se mostrem gravemente desproporcionadas, quer ao
trabalho prestado, quer à situação da sociedade. O artigo 255.º, n.º3 CSC proíbe que, salvo
cláusula expressa do contrato de sociedade, a remuneração dos gerentes consista, total ou
parcialmente, em participação nos lucros da sociedade. Haverá, aqui, uma vertigem
assalariadora: não vemos porque razão, independentemente do pacto social, não se poderia
deliberar no sentido de uma comparticipação, no s lucros, por parte da gerência.
Naturalmente: é um ato de boa gestão.
Direitos e deveres; proibição de concorrência: ao gerente incumbem todos os
deveres que respeitam à administração da sociedade por quotas: podemos falar em deveres
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genéricos. Na execução desses deveres, cabe-lhes atuar com a diligência prescrita no artigo
64.º CSC. Além disso, ele incorre em deveres materiais de lealdade: uma construção clássica,
inicialmente apoiada na boa fé e que tem vindo a assumir uma estruturação própria. Como
dever especificamente dirigido aos gerentes das sociedades por quotas, temos a proibição de
concorrência inserida no artigo 254.º CSC:
«1. Os gerentes não podem, sem consentimento dos sócios, exercer, por conta própria ou alheia,
atividade concorrente com a da sociedade».
No tocante à própria noção de concorrência aqui relevante, o artigo 254.º, n.º2 CSC veio
precisar que está em causa qualquer atividade abrangida no objeto da sociedade, desde que
efetivamente exercida ou desde que o seu exercício tenha sido deliberado pelos sócios.
Quanto ao exercício (artigo 254.º, n.º1 e 3 CSC), temos:
A atuação própria direta;
A atuação por interposta pessoa;
A atuação, direta ou por interposta pessoa, em sociedade que implique a assunção de
responsabilidade ilimitada;
A participação de, pelo menos, 20% do capital ou nos lucros de sociedade em que
assuma responsabilidade limitada.
Quanto a participação em sociedades, deve subentender-se: desde que concorrentes, por
preencherem os requisitos do artigo 254.º, n.º2 CSC: de outro modo, o artigo 254.º, n.º3 CSC
nem faria sentido. Uma boa interpretação destes preceitos exigiria o levantamento dos
objetivos de proibição. Perante o texto dador (do Código Civil Italiano) têm sido defendidas
as teses seguintes:
O legislador pretende tutelar o interesse da sociedade em poder dispor das
energias do gerente: mas não, uma vez que lhe não são vedadas ocupações extra-
societárias, desde que não sejam concorrentes;
O legislador quer prevenir a fuga de informações: tão-pouco, dado que, para isso,
bastaria, por hipótese, uma pequena participação; além disso (Soveral Martins) a
proibição sempre subsistiria, mesmo que o gerente não tivesse acesso a quaisquer
informações sigilosas;
O legislador visa evitar um potencial conflito de interesses que afaste o
gerente da realização do interesse social: a opção de Ferrer Correia, de Raúl
Ventura e de Soveral Martins.
Menezes Cordeiro: permitimo-nos dissentir. A proibição de concorrência, pelo
modo abstrato por que é estatuída (pense-se na percentagem de 20%: porque não 25%
ou 15%?) vale por si: não por fins que a transcendam. A lei pretende, simplesmente,
que exista uma confiança geral e objetiva nas instituições societárias e que o grande
público tenha a sensação de que imperam a limpidez e lisura nos negócios. A
concorrência condenável e a deslealdade no exercício de funções terão de ser
verificadas e sancionadas in concreto. Em abstrato, apenas se poderá fixar um quadro
normal e tranquilo, que proteja o sistema.
Quanto ao consentimento para a atuação concorrente: ele pode ser dado no próprio pacto
social, visando cada interessado, individualmente. O artigo 254.º, n.º4 CSC estabelece
algumas regras facilitadoras. Assim:
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Presume-se o consentimento quando o exercício da atividade seja anterior à
nomeação do gerente e seja conhecido dos sócios que detenham a maioria do capital;
Idem, quando, existindo esse conhecimento, ele continue a exercer as suas funções
decorridos mais de 90 dias depois de ter sido deliberada nova atividade da sociedade
com a qual concorra a que vinha sendo exercida por ele.
Sanções pela violação da proibição da concorrência: ela constitui justa causa de destituição e
obriga o gerente a indemnizar a sociedade pelos prejuízos que a ela sofra (artigo 254.º, n.º5
CSC). Tais direitos prescrevem em 90 dias contados do momento em que todos os sócios
tenham conhecimento da atividade exercida pelo gerente ou, em qualquer caso, no prazo de
cinco anos contados do início da atividade (artigo 254.º, n.º6 CSC). Põe-se a hipótese,
facilitada pela letra da lei, de ser sancionada uma atividade que se prolongue no tempo: não
um ato isolado de concorrência. Não vemos base valorativa para a distinção. Um ato isolado
de concorrência pode representar uma autêntica estocada na sociedade, traduzindo grave
deslealdade. Tudo dependerá do caso concreto considerado.
A destituição: a relação de gerência é duradoura: na falta de termo fixado no contrato de
sociedade ou no ato de designação, ela perdura indefinidamente, até que sobrevenham ou a
destituição ou a renúncia (artigo 256.º CSC). Na realidade, a gerência pode cessar por diversas
outras razões. Assim, sucederá por morte ou incapacitação do gerente, por reforma ou por
dissolução da sociedade. Também poderá cessar por mutuo acordo entre o gerente e a
sociedade. Ficam-nos, como formas potencialmente problemáticas de extinção da gerência,
os esquemas unilaterais: a destituição, quando a iniciativa compita à sociedade e a renúncia,
quando caiba ao gerente. A destituição de gerentes vem tratada no artigo 257.º CSC. I
princípio básico é o da livre destituibilidade dos gerentes, isto é: o de livre revogabilidade da
sua situação, por ato unilateral e discricionário da sociedade. A justa causa, como veremos,
apenas é necessária para que não haja lugar a indemnização e, ainda, para outros efeitos
abaixo referidos. A designação com um termo não impede a livre destituição antes dele. A
matéria da destituição é sensível: prende-se, de certo modo, com a ordem pública societária.
Assim, não é possível ficar, nos estatutos, uma não destituibilidade dos gerentes ou de
determinados gerentes. Pode-se, sim:
Fixar um direito especial à gerência, altura em que só com acordo do próprio poderia
haver destituição (artigo 257.º, n.º3, 1.ª parte CSC);
Subordinar a destituição a uma maioria qualificada ou a outros requisitos (artigo 257.º,
n.º2 CSC).
Nenhuma destas situações pode, todavia, impedir a destituição por justa causa. A presença
de justa causa permite:
Deliberar a destituição por maioria simples, mesmo quando o pacto a sujeite a
maioria qualificada ou a outros requisitos (artigo 257.º, n.º2, 2.ª parte CSC);
Deliberar que a sociedade requeira a suspensão e a destituição do gerente que detenha
um direito especial à gerência, designado para tanto, um representante especial;
A qualquer sócio, requerer a suspensão e a destituição do gerente, em ação intentada
contra a sociedade; seguirá, então, o processo de jurisdição voluntária previsto no
artigo 1055.º CPC;
Havendo apenas dois sócios, a destituição (só) pode ser decidida pelo tribunal em
ação intentada por um contra o outro: curiosamente, a jurisprudência admite que,
não sendo invocada justa causa, a destituição possa ser decidida pela assembleia geral.
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Segue; a concretização da justa causa: tudo se ordena em torno do conceito de
justa causa. O Código de 1986 dá-nos várias noções. Assim, a propósito da destituição dos
gerentes das sociedades por quotas (artigo 257.º, n.º6 CSC), temos:
«Constituem justa causa de destituição, designadamente, a violação grave dos deveres do gerente
e a sua incapacidade para o exercício normal das respetivas funções».
Quanto à destituição dos administradores nas sociedades anónimas, encontramos:
«Constituem, designadamente, justa causa de destituição a violação grave dos deveres do
administrador e a sua inaptidão para o exercício normal das respetivas funções».
No tocante ao dever de comunicação à sociedade, a cargo dos membros dos órgãos de
administração e de fiscalização de uma sociedade, do número de ações e de obrigações de
que sejam titulares (artigo 447.º, n.º1 e 2 CSC), o Código explicita (artigo 447.º, n.º8 CSC):
«A falta culposa do cumprimento do disposto no n.º1 e 2 deste artigo constitui justa causa de
destituição».
Como se vê, estes preceitos apontam uma direção, embora não sejam rigorosamente
coincidentes. Antes de proceder à redução dogmática da justa causa, para efeitos de
destituição dos gerentes, vamos verificar como se tem procedido à sua concretização prática.
Tem ainda interesse incluir no rol as situações de justa causa de exclusão de sócio: a fortiori
elas constituirão, também, justas causas de destituição de gerentes. Assim e como exemplos:
Acórdão RLx 3 outubro 1991: há justa causa perante o comportamento desleal ou
gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, daí decorrendo prejuízos
relevantes para a sociedade, efetivos ou potenciais: o sócio, para além de propalar
entre os colaboradores da empresa que esta vai fechar por falta de qualidade dos
produtos, dá concomitantemente colaboração à empresa concorrente;
Acórdão STJ 27 outubro 1994: não há justa causa quando não se provem prejuízos
derivados da conduta do gerente, pois não há um comportamento na atividade de
gerência que impossibilite a continuação da relação de confiança;
Acórdão STJ 14 fevereiro 1995: há justa causa quando o gerente subtraia faturas à
contabilidade da sociedade; tal atitude é ilícita havendo, ainda, presunção de culpa,
por se entender a posição do gerente como contratual;
Acórdão RPt 18 novembro 1996: a propósito de uma ação de destituição numa
sociedade com apenas dois sócios, há justa causa quando o requerido venha
impedindo que a requerente exerça quaisquer atos de gerência, nem sequer a
autorizando a permanecer nas instalações da sociedade; além disso, falsificou uma ata
da sociedade, bem como a sua escrita; acrescendo a aspetos criminais, ficou quebrada
a relação de confiança que deve existir entre sócios-gerentes;
Acórdão RLx 3 dezembro 1996: o conceito de justa causa tem a ver com o interesse
social de não poder continuar investido na gerência aquele que se mostrou
incompetente ou quem infringiu os deveres do cargo;
Acórdão RPt 16 janeiro 1997: é justa causa o exercício, sem consentimento dos
sócios, de atividade concorrente com a da sociedade;
Acórdão REv 28 maio 1998: idem, qualquer circunstância, facto ou situação em face
da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da
relação contratual;
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Acórdão RPt 2 novembro 1998: a justa causa aqui em questão tem um caráter
especial, consubstanciando uma quebra de confiança, por razões justificadas, entre a
sociedade, representada pela assembleia geral e o gerente;
Acórdão STJ 20 janeiro 1999: a justa causa será a verificação de um comportamento
na atividade do gerente (ou a prática de atos por sua parte) que impossibilite a
continuação da relação de confiança que o exercício do cargo pressupõe;
Acórdão RPt 9 abril 2002: há justa causa quando não seja possível exigir, na
sequência de violação grave dos seus deveres, que a sociedade o mantenha no cargo;
será o caso de gerentes que cumpram tardiamente (2 ou 3 anos depois) o seu dever
de relatar a gestão;
Acórdão RPt 24 maço 2003: a justa causa também pode advir da omissão: assim
sucede com o gerente que deixa caducar alvarás de construção civil, anula seguros
dos trabalhadores, passa faturas falsas e aprova tardiamente as contas.
Em diversas decisões avulta o apelo à quebra de confiança. A via é promissora: efetivamente,
para além da complexidade dos esquemas destinados a concretizar os conceitos
indeterminados, há sempre um consenso alargado, entre os membros de uma comunidade,
sobre as circunstâncias nas quais alguém deixa de merecer a confiança necessária para
desempenhar certas funções. A concretização de um conceito indeterminado opera num
conjunto alargado de elementos jurídicos. Nesse domínio, é sempre importante ter presente
as consequências da decisão. Digamos que quanto mais ponderosas forem as consequências
a extrair da verificação de justa causa, mais rigorosos deveremos ser no tocante ao seu
preenchimento. Em abstrato, o conceito de justa causa, para efeitos de destituição dos
gerentes das sociedades por quotas, pode ter uma de duas feições:
Uma feição civil: próxima da justa causa requerida para a revogação de certos
mandatos (artigo 1170.º, n.º2 CC); nesta aceção, justa causa traduz qualquer motivo
justificado, de natureza objetiva ou subjetiva;
Uma feição laboral: típica da justa causa exigida para o despedimento individual de
trabalhadores, por iniciativa da entidade empregadora (artigo 396.º, n.º1 CT): a justa
causa será, aqui, o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e
consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de
trabalho.
Ora, no domínio da destituição dos gerentes, propendemos claramente para esta última
solução. Pelo seguinte:
O artigo 257.º, n.º6 CSC aponta como justa causa, ainda que a título exemplificativo,
a violação grave dos deveres do gerente;
As consequências da destituição sem justa causa são (apenas) o não pagamento de
uma indemnização ao gerente afastado; ampliar a justa causa equivaleria a precarizar
a posição dos gerentes, numa ocasião em que a saúde das empresas exige a sua
profissionalização; além disso, não está em causa a possibilidade de destituir
livremente os gerentes, com ou sem justa causa.
A incapacidade para o exercício normal das respetivas funções, se se prender com a saúde
física ou mental do gerente, conduz à cessação da situação de gerência por caducidade: não
tem a ver com o preenchimento da cláusula de justa causa. A incapacidade deve ser
aproximada da incompetência profissional: o gerente descura a sua formação profissional ou
não é capaz de acompanhar as realidades da empresa. Qualquer dessas eventualidades traduz
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a violação (grave) dos seus deveres profissionais, com presunção de culpa. A justa causa de
destituição do gerente pode analisar-se nos seguintes pressupostos:
Ilicitude: a violação dos deveres de gerência, sejam eles deveres específicos legais,
deveres específicos estatutários ou deveres genéricos;
Culpa: o juízo de censura inerente às violações perpetradas; esta, perante a violação
de deveres específicos, presume-se, nos termos do artigo 799.º, n.º1 CC.
Quanto a danos: não têm de ser efetivos: apenas potenciais. No campo societário, as normas
envolvidas ou têm um conteúdo diretamente patrimonial ou visam, em última instância, a
tutela de valores patrimoniais. Qualquer violação implica, sempre, mas ainda que
potencialmente, danos patrimoniais. Além disso, estamos no Direito Privado, com uma
natural primazia da pessoa. Relevam, por isso e para efeitos de justa causa de destituição, os
danos morais. O gerente que desconsidere os sócios, que vede, a colegas, o acesso à empresa
ou que, por qualquer via, atente contra a honra e a dignidade dos restantes gerentes ou dos
titulares de quotas, incorre em justa causa de destituição. Perante tais generalidades, podemos
concluir que o dano não é um pressuposto explícito da justa causa de destituição. A sua
ocorrência confirma e reforça, contudo, a presença de ilicitude e de culpa. Pergunta-se como
articular a ilicitude, a culpa e, eventualmente, o dano, com a ideia judicialmente frutuosa de
quebra da confiança. O juízo de confiança pressupõe, por parte de quem o formule, uma
ponderação de todos os fatores relevantes que conduza a uma previsão: a de que algo de irá
desenrolar de acordo com determinado programa. Quebrar a confiança no gerente equivale
ao predomínio de uma incerteza sobre o modo por que, no futuro, ele irá desempenhar as
suas funções. A quebra da confiança aqui relevante é, naturalmente, aquela em que incorra
um sócio comum, colocado na situação do concreto sócio atingido, perante a violação
culposa dos seus deveres, perpetrada por algum gerente. O juízo de quebra corresponde a
uma síntese entre a ilicitude, a culpa e o concreto significado que in casu assumam, por um
lado e, por outro, a valoração que tudo isso suscite, num prisma de equilíbrio normal e
prudente. Consequência natural da quebra relevante da confiança é a inexigibilidade da
continuação da situação de gerência, inexigibilidade essa que advém de uma ponderação
global do sistema, expressa pela fórmula tradicional boa fé. Curiosamente: embora se torne
difícil de explicar verbal e analiticamente em que reside a quebra de confiança, podemos
arriscar que, perante a generalidade das situações práticas, todos caem de acordo quanto à
sua ocorrência. No fundo, tudo equivalerá a perguntar ao intérprete-aplicador: confiaria
tranquilamente os seus interesses ao gerente em jogo? Conquistados estes pontos, podemos
ir um pouco mais longe: o conceito de justa causa não é uniforme, nas várias hipóteses de
destituição. Antes tenderá a ser mais exigente, consoante a solidez da situação que venha a
atingir. Assim, podemos distinguir:
Um gerente é designado pela assembleia geral, sem qualquer termo: temos
uma situação duradoura, que tenderá a prolongar-se indefinidamente; compreende-
se que possa cessar com uma justa causa mais leve;
Um gerente é designado pela assembleia geral, mas com um mandato de
duração prefixada: a sua cessação antes do termo já requer uma justa causa mais
ponderosa;
O gerente é indicado no pacto social; estamos perante um elemento que poderá
ter sido constitutivo da decisão de contratar: a justa causa terá de envolver um juízo
de incumprimento do próprio contrato;
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A sociedade tem apenas dois sócios: desta feita, era natural, quando contrataram,
que ambos se conhecessem bem, nas suas qualidades e nos seus defeitos: uma justa
causa superveniente que conduza a uma destituição deverá representar um juízo ainda
mais pesado; finalmente;
O gerente é indicado no pacto, aí recebendo um direito especial à gerência: a
revogação dessa cláusula e a destituição do gerente requerem uma justa causa forte,
com a constatação de uma total inexigibilidade de continuação da situação assumida.
Esta diversificação na densidade da justa causa, de modo a adequá-la às várias situações de
gerência, corresponde a uma ideia de aperfeiçoamento do Direito. Este deve dispensar
soluções distintas em função do tipo de problemas que venha enquadrar e resolver. Cremos
que ela já transparece nas diversas decisões judiciais. Cabe agora aos estudiosos proceder a
uma exposição envolvente da matéria.
Segue; a indemnização: a destituição com justa causa é sempre possível, exceto na
hipótese de haver um direito especial à gerência, como vimos. Todavia, ela obriga a
indemnizar. E sobre o tema, dispõe o artigo 257.º, n.º7 CSC:
«Não havendo indemnização contratual estipulada, o gerente destituído sem justa causa tem
direito a ser indemnizado dos prejuízos sofridos, entendendo-se, porém, que ele não se manteria
no cargo ainda por mais de quatro anos ou do tempo que faltar para perfazer o prazo por que
fora designado».
Como ponto de partida, devemos assentar em que a destituição de um gerente, sem justa
causa, é um facto ilícito. a ilicitude poderá variar, consoante as circunstâncias (será maior
numa destituição imediata ocorrida antes do termo de um mandato expressamente acordado),
mas é uma constante. A indemnização pressupõe danos, incumbindo ainda ao interessado
invocar e provar todos os factos constitutivos da sua pretensão. Ele teria, em especial, de
demonstrar os concretos prejuízos sofridos, não bastando alegar a mera perda de retribuição.
Torna-se patente, quer na jurisprudência, quer na própria lei, uma certa política restritiva, no
tocante ao arbitramento de indemnizações. Trata-se de um ponto que deve ser esclarecido e
reponderado. No tocante à lei: o artigo 257.º, n.º7, 2.ª parte CSC, parece de facto inculcar a
ideia de que a indemnização não poderá ultrapassar as vantagens que adviriam da
manutenção do cargo pelos períodos aí fixados. Quanto à jurisprudência e a alguma doutrina:
subjacentes, elas poderão ter duas ideias restritivas:
O arbitramento de indemnizações elevadas poderia pôr em crise o princípio da livre
destituibilidade dos gerentes: os sócios ponderariam sempre o risco de fazer incorrer
a sociedade em consequências ruinosas;
A destituição, mesmo sem justa causa, seria um facto lícito: perante ele, nunca se
poderia ir muito longe na via indemnizatória.
A tudo temos de contrapor outra panorâmica: o miserabilismo das nossas indemnizações,
contra as quais há que lutar, no presente momento histórico. O exercício de funções de
gerente deve ser dignificado: sem condições e sem contrapartidas, não é possível exigir
estudo, aperfeiçoamento e responsabilização. Os dirigentes das empresas, mesmo de
pequena dimensão, devem ter conhecimentos básicos de contabilidade, de Direito Comercial
e das realidades do setor onde laborem. Devem ter dignidade e devem ser prestigiados. A
destituição ad nutum – ou, porventura pior: a possibilidade de ela ocorrer a todo o tempo –
sem compensação ou com compensações irrisórias equivale a um abaixamento no nível das
pequenas e médias empresas do País. Por certo que sobrecarregar as empresas com ónus
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pesados, quando intentem uma renovação e à semelhança do que sucede no setor laboral,
também tem custos. Todavia, isso pode ser evitado:
Prevendo as situações de justa causa;
Ou estabelecendo prazos para os mandatos de gerência, de tal modo que qualquer
renovação possa operar, de modo indolor para todos, no termo do mandato.
Nos termos do artigo 62.º, n.º1 CRP, são inconstitucionais todas as limitações legais ao
direito à indemnização: isso poderá corresponder à manutenção de um dano não
compensado e, logo, de um atentado a propriedade privada (em sentido amplo). Além disso,
os diversos direitos fundamentais, que incluem muitos direitos de personalidade, devem ser
tutelados, também no plano indemnizatório ainda que, aqui, com o mero sentido de uma
compensação. Quer isso dizer que, perante uma destituição sem justa causa que obrigue a
indemnizar, são computáveis:
Os lucros cessantes, correspondentes à perda da remuneração até ao final do
mandato ou por um período razoável: a lei refere os quatro anos, mas esse ponto
deve ser aferido caso a caso;
Os danos emergentes: maiores despesas, custos de instalação, perda de lugar do
cônjuge, que tenha acompanhado o gerente abandonando a anterior ocupação,
deslocação dos filhos e outras;
Os danos morais: uma destituição ad nutum, sem justa causa ou com uma alegação de
justa causa que não venha a demonstrar-se é, antes de mais, um grave atentado à
dignidade pessoal e profissional de cada um.
Particularmente criticável nos parece ser a postura de desconsiderar os lucros cessantes com
a alegação de que o destituído, entretanto, angariou outros meios de vida. Premiamos o
infrator: quanto mais o destituído trabalhar, menos pagará a entidade responsável. E se o
destituído se remeter à completa ociosidade, então a responsabilidade da sociedade será
máxima. A incongruência é patente. A indemnização só pode ser compensada com lucros
que ocorram mercê do próprio nexo causal que delimita o dano. Fatores externos, como a
capacidade do atingido para alcançar alternativas, são irrelevantes. Uma nova ética na
governação das empresas deve ser servida por um Direito moderno que não tenha receio de
extrair as consequências dos factos com que lide. A solução ideal para toda esta problemática
estará na fixação, aquando da designação:
Da duração do mandato;
Das eventualidades que possam justificar a cessação antecipada das funções do
gerente;
Das compensações a que essa cessação possa dar lugar.
Não é viável uma renúncia antecipada à indemnização por destituição sem justa causa: artigo
809.º CC.
A renúncia: a renúncia é um ato unilateral, praticado pelo gerente e pelo qual ele põe termo
à situação jurídica de administração ou de gerência. A renúncia é possível a todo o tempo: de
outro modo, estaríamos a admitir algo de semelhante a trabalhos forçados. Todavia, ela não
pode ocorrer sem regras, deixando a sociedade desamparada e sem dirigentes. Acontece
ainda que, em termos de gestão profissionalizada, o recrutamento e a formação de gestores
adequados representa um investimento, com custos que podem ser elevados. A sua
substituição ex abrupto pode nem ser possível. De todo o modo: ficam envolvidos novos
custos e despesas. E a própria imagem da empresa estará em causa. Tudo isto envolve uma
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regulamentação jurídica que procure preservar os valores em presença. A renúncia deve ser
comunicada por escrito à sociedade (artigo 258.º, n.º1 CSC). Trata-se de um ato recipiendo.
Esta norma deve ser completada com a do artigo 260.º, n.º5 CSC: ela deve ser dirigida a
outro gerente; não o havendo, ao órgão de fiscalização; não o havendo, a qualquer sócio. Se
não o for: não é eficaz. O gerente que, sem uma declaração válida de renúncia, abandone o
seu posto está, seguramente, a incorrer em justa causa de destituição. Esta, a ser atuada,
inverte a situação e faz incorrer o gerente renunciante em indemnização. Sendo comunicada,
a renúncia torna-se efetiva em oito dias depois de realizada a comunicação: será um lapso de
tempo necessário para que a sociedade cure da substituição. A renúncia opera ex nunc: não
torna, assim, inútil a ação movida pelo renunciante contra a sociedade, por destituição sem
justa causa e tendo em vista a obtenção da competente indemnização. A renúncia torna-se
eficaz nos referidos oito dias, perante a sociedade: isso sem preuízo da necessidade do registo,
para poder tornar-se plenamente oponível, perante terceiros. A renúncia pode ter justa causa.
A justa causa aqui em jogo tenderá a ser mais lata do que a requerida para a destituição. Assim,
ela abrange:
as violações culposas de deveres perpetradas pela sociedade, com relevo para o não
pagamento atempado da remuneração ou de outras prestações retributivas acordadas
ou para a não concretização das condições de trabalho prefixadas ou expectáveis;
Circunstâncias ponderosas, na esfera do gerente, que o levem a abandonar as suas
funções: aspetos familiares ou profissionais que tornem inexigível a manutenção do
cargo.
A justa causa é necessária, para que o gerente renunciante não tenha de indemnizar a
sociedade por todos os prejuízos causados. Na hipótese de um mandato muito longo ou de
um mandato de duração indeterminada, o gerente poderá renunciar, sem justa causa (ou sem
a invocar) desde que dê um pré-juízo razoável (artigo 258.º, n.º2, in fine CSC). De quanto?
No Direito do Trabalho, ele seria de trinta ou de sessenta dias, conforme o trabalhador de
saída tenha até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade (artigo 443.º, n.º1 CT). No
contrato de agência, a denúncia perante a duração indeterminada deverá ter um pré-aviso de
um mês, se o contrato durar há menos de um ano, dois meses, se já tiver iniciado, o segundo
ano de vigência e três meses, nos restantes casos (artigo 28.º, n.º1 Decreto-Lei n.º178/86, 3
julho). Estes valores são referências úteis. Todavia, a sua generalização às sociedades por
quotas levanta dúvidas: as situações de base podem ser muito diferentes, quanto às
circunstâncias. O gerente altamente especializado, com conhecimentos técnicos em áreas um
pouco conhecidas, deverá dar um pré-aviso maior do que o administrador facilmente
substituível. A renúncia ad nutum, e portanto: sem justa causa nem pré-aviso, obriga o gerente
renunciante a indemnizar. Também aqui defendemos que a indemnização deve ser plena,
contemplando:
Os lucros cessantes, incluindo todos os negócios lucrativos que se tenham perdido;
Os danos emergentes, computando as despesas de recrutamento e de formação
perdidas e as que seja necessário suportar para encontrar novo gerente;
Os danos morais: todo o dano de imagem que a sociedade possa sofrer.
De novo a solução ideal residirá em, previamente e aquando da contratação, se acordar na
duração do mandato e nas condições e consequências da sua cessação antecipada, por
iniciativa do gerente.
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A natureza: a determinação da natureza da gerência – ou da posição jurídica do gerente –
constitui uma questão complexa, com muito para esclarecer. Têm dominado, na nossa
doutrina, as conceções contratualistas: haveria um contrato entre o gerente e a sociedade que
explicaria o seu estatuto e que daria base aos direitos e deveres envolvidos. Seria um contrato
de administração ou de gerência. Todavia, afigura-se-nos que a situação de gerência pode ter
diversas outras fontes. Assim, ela advém:
Do próprio contrato de sociedade, quando designe o gerente;
De deliberação unilateral: esta não é, tecnicamente, uma proposta de tal modo que a
subsequente aceitação pelo designado não integra um contrato: os regimes são
distintos;
Da própria qualidade de sócio, quando todos sejam chamados, ex lege, à qualidade de
gerentes;
Da designação judicial.
Há outras hipóteses possíveis, como a cooptação. A fórmula matricial de designação –
portanto: a mais típica, sobre a qual o legislador modelou o regime característico da figura –
é a designação unilateral pela assembleia. Apesar de haver uma aceitação, voltamos a frisar
que não há, aqui, uma proposta contratual. A situação jurídica de gerência caracteriza-se não
pela sua fonte, mas pelo seu conteúdo. Será um status que envolve direitos e deveres:
De base legal: os muitos que advêm diretamente da lei, seja ela injuntiva ou supletiva;
De base societária: os que assentem no contrato de sociedade;
De base deliberativa: os provenientes de deliberações dos sócios;
De base negocial: os praticados diretamente entre o gerente e a própria sociedade.
Substancialmente, a gerência é uma situação complexa, privada, patrimonial, onerosa,
eventualmente sinalagmática e assente na prestação de serviço. O grande modelo supletivo
– para além da aplicação subsidiária das regras sobre a administração das sociedades civis
puras – será, assim, o contrato de mandato (artigo 1156.º CC).
45.º - Fiscalização
Problemática geral: a fiscalização das sociedades e a problemáticas a ela subjacente
constituiriam um dos grandes motores da evolução do Direito das Sociedades ao longo do
século XX. A questão tornou-se especialmente candente mercê da adoção generalizada da
regra do reconhecimento automático da personalidade coletiva e da democratização do
capital. A concorrência, a densificação das regras técnico-económicas e a necessidade de
incrementar a confiança no mercado e no seu funcionamento fizeram o resto. Hoje,
podemos considerar que a fiscalização visa os seguintes objetivos:
defender os interesses da sociedade (e logo: dós sócios) assegurando que a
constituição financeira interna é respeitada;
Tutelar os interesses das pessoas que contratem com as sociedades;
Proteger o interesse geral da comunidade, através do bom funcionamento das
diversas unidades económicas;
Assegurar o mercado e a regularização das instituições económicas;
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Acautelar a confiança geral dos agentes económicos, na idoneidade dos entes
coletivos.
Apesar do interesse dos sócios ser nuclear, também no campo da fiscalização, verifica-se que
ele não é único. Por isso, boa parte das normas relativas à fiscalização acaba por assumir
natureza injuntiva. Ele tutela elementos de tipo geral, que se inscrevem na ordem pública
societário. A fiscalização tem dois grandes modelos, que se entrelaçam nas sociedades
anónimas:
O interno: assente em instâncias próprias, com relevo para o conselho fiscal e para
a revisão oficial de contas;
O externo: dependendo do Estado ou de entidades reguladoras independentes.
Nalguns casos, a fiscalização externa é inevitável: pense-se na supervisão bancária e na dos
seguros. Noutros, a fiscalização contemplada é predominantemente interna. Nas sociedades
por quotas, a fiscalização é interna. Poderemos excetuar alguns setores regulados. A pequena
ou média dimensão que elas assumem não justifica submetê-las a controlos do Estado:
depararíamos com uma burocracia que poria em jogo o seu próprio funcionamento. Temos
aí, todavia, ainda uma clivagem:
A fiscalização orgânica: a sociedade por quotas em causa dispõe de uma instância
especializada na fiscalização: será o caso de estar dotada de um conselho fiscal ou de
ter ao seu serviço um revisor oficial de contas;
A fiscalização inorgânica: a fiscalização será simplesmente levada a cabo pelos
diversos sócios, ao abrigo das prerrogativas legais e estatutárias que lhes cabem.
Resta-nos apresentar uma noção material de fiscalização. Esta traduz o conjunto de regras
destinadas a assegurar o cumprimento e a sanção de outras regras – as regras primárias –
próprias do funcionamento das sociedades. Além disso, a fiscalização destina-se ainda a
tornar público o efetivo acatamento das regras primárias, de modo a melhor garantir a
confiança do público nas sociedades e no mercado.
Modos de fiscalização: o conselho fiscal e o ROC: cabe ao contrato de sociedade
optar, em primeira linha, por uma fiscalização orgânica ou inorgânica. Na primeira hipótese,
o artigo 262.º, n.º1 CSC refere a opção por um conselho fiscal, o qual se irá reger pelo
disposto para as sociedades anónimas (artigos 413.º e seguintes CSC). A fortiori poderá a
opção ser feita por um fiscal único. Quando nada prevejam, a fiscalização será inorgânica;
levada a cabo pelos sócios, ao abrigo do seu direito à informação (artigo 214.º CSC) e, no
limite, com recurso ao inquérito judicial (artigo 216.º CSC). Para as sociedades por quotas de
maior dimensão, a lei impõe uma fiscalização orgânica. Segundo o artigo 262.º, n.º2 CSC:
«As sociedades que não tiverem conselho fiscal devem designar um revisor oficial de contas para
proceder à revisão legal desde que, durante dois anos consecutivos, sejam ultrapassados dois dos
três seguintes limites:
«a) Total do balanço; 1 500 000 euros;
«b) Total das vendas líquidas e outros proveitos; 3 000 000 euros;
«c) Número de trabalhadores empregados em média durante o exercício; 50».
Alcançado este patamar, a designação do Revisor Oficial de Contas só deixa de ser necessário
(artigo 262.º, n.º3 CSC):
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Se a sociedade passar a ter conselho fiscal;
Se dois dos três requisitos fixados no artigo 262.º, n.º2 CSC não se verificarem
durante dois anos consecutivos.
Ainda quanto ao Revisor Oficial de Contas, cumpre tomar nota do artigo 262.º, n.º4 a 6 CSC:
Compete aos sócios a sua designação aplicando-se, na sua falta, os artigos 416.ºa 418.º
CSC (n.º4);
São-lhe aplicáveis as incompatibilidades estabelecidas para os membros do conselho
fiscal (n.º5);
Ao exame pelo Revisor Oficial de Contas deste aplica-se o disposto quanto a
sociedades anónimas, conforme tenham ou não conselho fiscal (n.º6).
Dever de proteção: em 1996, veio-se a adotar uma série de medidas no domínio da
fiscalização, para além de ter introduzido a matéria básica das sociedades por quotas
unipessoais. Entre as medidas fiscalizadoras tomadas conta-se a introdução do dever de
prevenção, inserido no novo artigo 262.º-A CSC. Esse dever cifra-se no seguinte:
Compete ao Revisor Oficial de Contas ou a qualquer membro do conselho fiscal
comunicar imediatamente, por carta registada, os factos que considere reveladores de
graves dificuldades na prossecução do objeto da sociedade (n.º1);
A sociedade tem 30 dias para responder (n.º2);
Na falta de resposta ou se esta não for satisfatória, o Revisor Oficial de Contas deve
requerer a convocação de uma assembleia geral (n.º3);
Ao dever de prevenção aqui em causa aplica-se o disposto sobre o dever de vigilância
nas sociedades anónimas, em tudo o que não estiver especificamente regulado (n.º4).
A medida é importante: poderá constituir um primeiro passo para fazer transmitir, à empresa,
uma mensagem tendente à tomada de medidas de reestruturação, que podem surgir
impopulares. Todavia, pergunta-se se não seria viável prever canais informais de
comunicação. Numa altura em que toda a atenção dos gestores estará virada para os
problemas da empresa, pergunta-se se não será mais um ónus prever tais esquemas
burocráticos.
Apreciação anual da situação da sociedade: o Código prevê um Capítulo
específico – o VII da Parte I – sobre a apreciação anual da situação da sociedade. Esse
Capítulo contém, hoje, um único artigo (o 263.º CSC) sobre o relatório de gestão e as contas
de exercício. Tudo isto pode ser inserido numa ideia ampla de fiscalização. As regras de
fundo sobre a apreciação anual de situações da sociedade constam da Parte Geral: artigos
65.º a 70.ºA CSC. Essas regras são aplicáveis às sociedades por quotas, embora deva ser
sempre feito o confronto, ponto por ponto. O artigo 263.º, n.º1 CSC limita-se a dispor sobre
o direito de informação dos sócios. Posto isto:
não são necessárias especiais apreciação ou deliberação quando todos os sócios sejam
gerentes e quando todos eles assinem, sem reservas, o relatório de gestão, as contas
e a proposta sobre aplicação de lucros e tratamento de perdas, salvo quanto a
sociedades sujeitas a revisão legal (n.º2);
Havendo empate na votação sobre aprovação de contas ou atribuição de lucros, pode
qualquer sócio requerer uma nova assembleia presidida por um especialista indicado
pelo juiz (n.º3);
Essa pessoa pode exigir os necessários elementos (n.º4).
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Nas sociedades sujeitas a revisão legal, nos termos do artigo 262.º, n.º2 CSC, os documentos
de prestação de contas e o relatório de gestão devem ser submetidos a deliberação dos sócios,
acompanhados de certificação legal de contas e do relatório do Revisor Oficial de Contas
(artigo 263º, n.º5 CSC). Ao exame de contas pelo conselho fiscal e ao respetivo relatório
aplica-se o disposto para as sociedades anónimas. Por fim, cumpre ter presente que, nos
termos do artigo 70.º CSC, a sociedade deve disponibilizar aos interessados, sem encargos,
no respetivo sítio da internet, quando exista e na sua sede própria: o relatório de gestão, a
certificação legal das contas e, havendo-o, o parecer do órgão de fiscalização. Esta obrigação
pode ser aproximada da informação empresarial simplificada (IES).
Capítulo VII – Alterações e Dissolução das Sociedades
por Quotas
46.º- Alterações
Regras especiais: as alterações ao contrato de sociedade envolvem diversas situações: as
alterações simples, a cisão, a fusão e a transformação. O artigo 265.º, n.º3 CSC vem
reconhecê-lo. Encontramos, na Parte Geral, uma série de regras sobre o tema. Assim,
recordamos:
O Capítulo VIII – Alterações do contrato (artigos 35.º a 96.º CSC);
O Capítulo IX – Fusão de sociedades (artigos 97.º a 117.º CSC);
O Capítulo X – Cisão de sociedades (artigos 118.º a 129.º CSC);
O Capítulo XI – Transformação de sociedades (artigos 130.º a 145.º CSC).
Toda esta regulação é aplicável às sociedades por quotas, ainda que se exija, sempre, uma
sindicância, norma a norma. Como crítica de política legislativa: essa pormenorizada matéria
foi pensada para as sociedades anónimas. Está em jogo, aliás, a transposição de diversas
diretrizes: também elas destinadas a reger as sociedades anónimas. Ao consignar essa matéria
na Parte Geral, o legislador vem sobrecarregar as pequenas e médias empresas com uma série
de ónus burocráticos que entravam a sua ação. Reagindo (finalmente) a estas críticas, o
legislador introduziu simplificações. Foi o que sucedeu quanto à redução do capital que já
não requer autorização judicial. Deve notar-se que não se consideram, para esta matéria,
como alterações do contrato de sociedade a divisão e a cessão de quotas. Tudo funcionará,
aqui, por maioria simples, quando outra coisa não resulte do pacto social. A alteração do
contrato de sociedade é da exclusiva competência dos sócios. Segundo o artigo 265.º, n.º1
CSC, as deliberações de alteração só podem ser tomadas por uma maioria de três quartos
dos votos correspondentes ao capital social ou por um número ainda mais elevado, exigido
eventualmente pelo contrato de sociedade. Além disso, o artigo 265.º, n.º2 CSC permite que,
como direito especial de um determinado sócio, se possa estipular que o contrato só possa
ser alterado com o seu voto favorável, enquanto ele se mantiver na sociedade.
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A preferência dos sócios: quando a alteração se cifre num aumento de capital a realizar
em dinheiro, os sócios têm um direito de preferência (artigo 266.º, n.º1 CSC). Nos termos
seguintes:
Deliberado um aumento, cada sócio tem direito a uma importância proporcional à
quota de que for titular na sociedade em causa (artigo 266.º, n.º2, alínea a) CSC);
Se o sócio interessado pretender uma importância inferior, ela ser-lhe-á concedida
(artigo 266.º, n.º2, alínea a) CSC); O sobrante será atribuído a pedidos superiores ao que competiria ao interessado,
procedendo-se a um ou mais rateios, em proporção do excesso das importâncias
pedidas (artigo 266.º, n.º2, alínea b) CSC).
A preferência dos sócios nos aumentos de capital tem várias finalidades. Assim e
designadamente:
Visa proteger a percentagem de capital que cada um detenha; de outro modo, essa
percentagem desvanecer-se-ia em cada aumento que ocorresse;
Assegura a manutenção do direito às reservas e a outras mais-valias: pode suceder
que o aumento nominal se quede aquém do valor percentual por ele figurado; ora ao
ficar fora do aumento, o sócio visado iria perder o inerente maior-valor;
Protege a sociedade da entrada de estranhos: o capital não adquirido poderá ser
aberto a terceiras pessoas que, deste modo, passarão a fazer parte da sociedade.
O problema acabaria por se pôr com maior acuidade no domínio das sociedades anónimas.
No Direito alemão, o direito de preferência do acionista na subscrição de novas ações foi
estabelecido, e o seu preceito passaria para o artigo 29º da 2.ª Diretriz do Direito das
Sociedades, relativa às garantias do capital social. Diz esse preceito:
«1. Em todos os aumentos do capital subscrito por entradas em dinheiro, as ações devem ser
oferecidas com preferência aos acionistas, proporcionalmente à parte do capital representada
pelas suas ações».
O nosso legislador transpôs o preceito para os artigos 458.º a 460.º CSC, quanto às anónimas.
E fê-lo, per abundantiam, no artigo 266.º CSC, para as sociedades por quotas. Desta feita, o
zelo é justificado. O artigo 266.º CSC procede, ainda, a alguns aspetos regulamentares. Assim:
A parte do aumento que, relativamente a cada sócio, não seja bastante para formar
uma nova quota acresce ao valor nominal da quota antiga (n.º3);
O direito de preferência só pode ser limitado e suprimido em conformidade com o
disposto no artigo 460.º CSC (n.º4);
Os sócios interessados devem exercer a preferência até à assembleia que aprove o
aumento de capital (n.º5, 1.ª parte);
Devendo, para o efeito, ser informados das condições desse aumento na
convocatória de assembleia ou em comunicação efetuada pelos gerentes com, pelo
menos, dez dias de antecedência relativamente à data da realização da assembleia
(n.º5).
Abre-se agora uma lacuna: quid iuris se a própria assembleia aprovar condições diferentes das
inseridas na convocatória ou das comunicadas pelos gerentes? Por analogia, teremos de abrir
um período de 10 dias depois da assembleia para que os sócios se pronunciem: é óbvio que
não se lhes pode pedir uma resposta imediata. Deverão efetivar o capital que tenham obtido,
sob pena de exclusão, nos termos gerais. A limitação ou a exclusão da preferência dos sócios
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nos aumentos de capital serão vistas a propósito das sociedades anónimas. O direito de
participar preferencialmente num aumento de capital pode ser alienado: mas com o
consentimento da sociedade (artigo 267.º, n.º1 CSC). Ao consentimento, à sua dispensa ou
à recusa aplicam-se as regras relativas ao consentimento para a cessão de quotas: a deliberação
de aumento pode, porém, concedê-lo em geral (artigo 267.º, n.º2 CSC). A reforma de 2006
introduziu um novo artigo 267.º, n.º3 CSC, segundo o qual, havendo consentimento para
alienar o direito de participar em aumento de capital, extensivo a todo ele, os adquirentes
devem exercer a preferência na assembleia que aprove o aumento de capital. E se não forem
sócios? Escapa-nos essa norma. Sendo expressamente recusado, a sociedade deve apresentar
uma proposta de aquisição do direito por sócio ou por estranho, aplicando-se com
adaptações, o artigo 231.º CSC: tal a solução do artigo 267.º, n.º4 CSC.
Processamento do aumento: havendo aumento de capital com ou sem admissão de
novos sócios, rege o artigo 268.º CSC em termos claros. Assim:
Os sócios que aprovaram o aumento a realizar por eles próprios ficam, sem mais,
obrigados a efetuar as respetivas entradas na proporção do seu inicial direito de
preferência se o tiverem (n.º1);
Sendo o aumento de capital destinado à admissão de novos sócios, estes devem
declarar que aceitam associar-se nas condições do contrato vigente ao aumento de
capital (n.º2);
A declaração prevista no artigo 88.º, n.º2 CSC só pode ser prestada depois de todos
os novos sócios terem dado cumprimento ao n.º2 (n.º3);
Efetuada a entrada em espécie ou em dinheiro, pode o interessado notificar a
sociedade, por carta registada, para proceder à declaração do número anterior em
prazo não inferior a 30 dias, sob pena de poder exigir a restituição da entrada efetuada
e uma indemnização, que ao caso couber (n.º4).
A deliberação de aumento do capital caduca se a sociedade não tiver emitido a declaração na
hipótese do n.º4 ou se o interessado não cumprir o disposto no nº2, na data que a sociedade
lhes tenha marcado, por carta registada, com a antecedência mínima de 20 dias (n.º5). O
artigo 269.º CSC veio dispor sobre a eventualidade de aumento de capital, havendo um
direito de usufruto. Ele pretende distribuir os poderes em jogo pelo titular de raiz e pelo
usufrutuário. Colmata, assim, uma lacuna do artigo 1467.º CC: quanto a saber quem tem o
direito de concorrer a um aumento de capital.
47.º - A Dissolução
Dissolução: a dissolução da sociedade bem longamente tratada na Parte Geral do Código
das Sociedades Comerciais. Ocupa todo o Capítulo XII (artigos 141.º a 145.º CSC). Segue-
se-lhe, ainda, o Capítulo XIII, relativo à liquidação (artigos 145.º a 165.º CSC). Toda essa
matéria tem natural aplicação às sociedades por quotas. O artigo 270.º CSC contém apenas
algumas regras relativas às sociedades por quotas. Assim:
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A deliberação de dissolução deve ser tomada por maioria de três quartos dos votos
correspondentes ao capital social, a não ser que o contrato exija maioria mais elevada
ou outros requisitos (n.º1);
A vontade de dissolver, manifestada pelo sócio ou pelos sócios, fora da deliberação,
não pode constituir causa contratual de dissolução (n.º2).
Visou, em matéria desta delicadeza, preservar a lógica das deliberações. A liquidação segue
as regras gerais. Todavia, se os dós únicos sócios-gerentes declararem na deliberação de
dissolução que não há bens a partilhar, a liquidação não é necessária. O Decreto-Lei n.º76-
A/2006, 29 março, introduziu importantes simplificações. Além disso, ele aprovou um
conjunto de regras: o Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e
de Liquidação de Entidades Comerciais, aqui aplicável. O Regime em causa previu, nos seus
artigos 27.º a 31.º CSC, um procedimento especial de extinção imediata de entidades
comerciais. Toda esta matéria deve estar bem presente, sendo aplicável, com as necessárias
adaptações, às sociedades por quotas.
Capítulo VIII – As Sociedades Por Quotas Unipessoais
48.º - A Problemática subjacente
A origem da unipessoalidade: a sociedade tem origem no contrato de societas romano.
Tratava-se do produto de um bonae fidei iudicium, exigindo, por natureza, o mínimo de duas
pessoas celebrantes. Podemos, assim, considerar que as sociedades comerciais têm um duplo
apoio histórico e dogmático: uma origem contratual, particularmente patente nas definições
de contrato de sociedade, que se encontram nas diversas legislações e uma estrutura
institucional, própria das pessoas coletivas que assumem uma eficácia erga omnes. A
manutenção da vertente societas exigia que, para a constituição e a manutenção de uma
sociedade, houvesse sempre uma pluralidade de sócios. Na sua falta, faleceria um dos
elementos fundamentais do substrato. Não se manifestariam os dois fatores fundamentais
da personalidade coletiva:
A autonomia patrimonial;
A limitação, mais ou menos acentuada, consoante o tipo societário da
responsabilidade por dívidas.
Todavia, ao longo do século XX, vieram a ser admitidas situações de unipessoalidade, ainda
que transitórias. Particularmente razoável pareceria a não-extinção automática de sociedades
que viessem a perder, supervenientemente, a pluralidade dos seus sócios. A sua imediata
extinção, as obrigações contraídas ainda em tempo de pluripessoallidade imputando-as,
parece que sem limite, ao sócio sobrevivente. A solução era excessiva. A Ciência do Direito,
mau grado a (então) falta de apoio nos textos, veio a admitir situações transitórias de
unipessoalidade superveniente.
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O reconhecimento da unipessoalidade transitória: o alargamento da
responsabilidade: o artigo 1007.º CC, relativo às causas de dissolução das sociedades
veio dispor, no que agora interessa:
«A sociedade dissolve-se:
(...)
«d) Por se extinguir a pluralidade dos sócios, se no prazo de seis meses não for reconstituída;»
Ou seja: admitia-se que, ocorrendo a unipessoalidade superveniente, a sociedade pudesse
subsistir, como tal, durante seis meses, enquanto procurava recompor o substrato associativo.
Esta regra, aplicável às sociedades civis sob forma civil, foi alargada pela versão do Código
das Sociedades Comerciais de 1986: agora, naturalmente, com um claro alcance comercial.
Assim, segundo o artigo 142.º CSC, relativo às causas de dissolução da sociedade, prevê-se
que possa ser requerida dissolução judicial:
«a) Quando, por período superior a um ano, o número de sócios for inferior ao mínimo exigido
por lei, exceto se um dos sócios for o Estado ou entidade a ele equiparada por lei para esse
efeito».
O artigo 143.º CSC, completava o dispositivo:
«1. No caso previsto na alínea a) do n.º1 do artigo anterior, o sócio ou qualquer dos sócios
restantes pode requerer ao tribunal que lhe seja concedido um prazo razoável a fim de
regularizar a situação, suspendendo-se entretanto a dissolução da sociedade.
«2. O juiz, ouvidos os credores da sociedade e ponderadas as razões alegadas pelo sócio, decidirá,
podendo ordenar as providências que se mostrarem adequadas para a conservação do património
social durante aquele prazo».
A consideração dos preceitos transcritos no Código das Sociedades Comerciais é bastante
instrutiva quanto à problemática em presença. Verifica-se, efetivamente, que o obstáculo
dogmático à unipessoalidade foi pragmaticamente ultrapassado: apesar do aparente contra-
senso de uma sociedade, assente num pacto social, surgir com um sócio único, a situação foi
admitida, desde que transitoriamente. Mas outro problema se desenhava: o da efetiva
fiscalização da sociedade. Efetivamente, desde que se acentuou a liberdade de constituição
das sociedades, houve que providenciar esquemas internos de fiscalização: no interesse dos
próprios sócios e no interesse dos credores das sociedades e do público em geral. Tais
esquemas, todavia, operavam essencialmente na base da pluripessoalidade. Quando o
universo humano de uma sociedade se reduza a uma única pessoa, tudo vacila. Ninguém se
fiscaliza a si próprio ou, pelo menos, ninguém o poderá fazer com total consciência, perante
o público que atue na praça. O problema da efetiva fiscalização da sociedade reduzida a
unidade de sócios ocorria no artigo 143.º, n.º2 CSC. Aí se previam providências adequadas,
a decretar pelo juiz, para a conservação do património social, durante aquele prazo. Na
mesma linha de preocupação, dispõe o artigo 84.º CSC, sob a epígrafe sugestiva
respondabilidade do sócio único:
«1. (...) se for declarada falida uma sociedade reduzida a um único sócio, este responde
ilimitadamente pelas obrigações sociais contraídas no período posterior à concentração das
quotas ou das ações, contanto se prove que nesse período não foram observados os preceitos da
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lei que estabelecem a afetação do património da sociedade ao cumprimento das respetivas
obrigações.
«2. O disposto no número anterior é aplicável ao período de duração da referida concentração,
caso a falência ocorra depois de ter sido reconstituída a pluralidade de sócios».
O preceito parece claro. Havendo unipessoalidade – ainda que transitória – o património
social deverá manter-se afeto ao cumprimento das obrigações sociais. Quando as inerentes
regras não forem observadas, o sócio único passaria a responder ilimitadamente pelas dívidas
da sociedade. Parece justo e adequado.
A unipessoalidade inicial; a responsabilidade do sócio: as conveniências do
tráfego social levaram a um aproveitamento das estruturas organizacionais próprias das
sociedades comerciais fora do quadro de colaboração inter-subjetiva oriundos do velho
contrato de societas. Assim, o artigo 488.º CSC veio prever, sob o título domínio total inicial:
«1. Uma sociedade pode constituir uma sociedade anónima de cujas ações ela seja inicialmente
a única titular.
«2. Devem ser observados todos os demais requisitos da constituição de sociedades anónimas.
«3. Ao grupo assim constituído aplica-se o disposto nos números 4, 5 e 6 do artigo 489.º».
Aos grupos constituídos por domínio total aplicam-se os artigos 501.º CSC: assim o dispõe
o artigo 491.º CSC. Ora, o artigo 501.º CSC dispõe:
«1. A sociedade diretora é responsável pelas obrigações da sociedade subordinada, constituídas
antes ou depois da celebração do contrato de subordinação, até ao termo deste.
«2. A responsabilidade da sociedade diretora não pode ser exigida antes de decorridos 30 dias
sobre a constituição em mora da sociedade subordinada.
«3. Não pode mover-se a execução contra a sociedade diretora com base em título exequível
contra a sociedade subordinada».
Pois bem: a lei admite, na verdade, uma lata constituição de sociedades anónimas, mediante
ato unilateral de uma sociedade preexistente. Tal sociedade será unipessoal. Todavia, a
delicadeza da situação logo é enfrentada através da responsabilização da sócia única,
equiparada à sociedade diretora, pelas dívidas da sociedade unipessoal. A lei atenua um pouco
essa responsabilidade através da moratória dos trinta dias e da limitação do título executivo
eficaz contra a sociedade unipessoal (artigo 501.º, n.º2 e 3 CSC). Mas a responsabilização da
sócio única pelas dívidas da sociedade unipessoal é clara. Podemos considerar que, dada a
unipessoalidade, cessa o benefício da limitação da responsabilidade.
O objetivo da limitação de responsabilidade: o tema da unipessoalidade,
superveniente ou inicial, veio entroncar com uma problemática diversa: a da limitação da
responsabilidade patrimonial. Uma das aspirações clássicas do Direito Comercial era a de
encontrar esquemas que permitissem a limitação da responsabilidade do comerciante. Certos
negócios poderia, na verdade, envolver uma responsabilidade que transcendesse a perda dos
meios que nele fossem envolvidos. No limite, não só os meios da empresa poderiam ficar
comprometidos como, também, a própria fortuna pessoal do comerciante. E aí, uma de duas:
ou tais negócios nunca seriam tentados, com perdas para o próprio desenvolvimento
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económico e social da comunidade onde o problema surgisse, ou eles seriam apenas
ensaiados por aventureiros ou por pessoas sem escrúpulos. A limitação da responsabilidade
passou, assim, a constituir um objetivo da comercialística. Avançou-se com cautela. Uma
primeira hipótese de limitação foi constituída pelas sociedades em comandita: sociedades nas
quais um ou mais sócios, que tomariam a iniciativa - os sócios comanditados –
desenvolveriam certo projeto empresarial, respondendo com todos os seus bens, enquanto
outro ou outros – os sócios comanditários – inverteriam algum capital e responderiam apenas
por este. A solução permitia atrair capitais. Mas tinha inconvenientes: os sócios comanditados
– precisamente os que deteriam o know how empresarial – correriam riscos ilimitados. De
novo se perfilava a alternativa de ou uma excessiva contenção nas iniciativas, ou uma atração
por aventureiros ou pessoas sem medidas. A fraqueza das comanditas ditaria o êxito das
sociedades anónimas, que disparariam na segunda metade do século XIX. A limitação da
responsabilidade conseguida pelas sociedades anónimas tinha alguns inconvenientes. E
desde logo: a sociedade anónima vinha desenhada como um ente de grande porte, capaz de
mobilizar muitos capitais, mas dispendioso e pouco manejável para empreendimentos mais
comedidos. A questão foi ultrapassada com a conceção de um novo tipo de sociedade
comercial mais modesto, mas de responsabilidade limitada: o das sociedades por quotas, cuja
origem já conhecemos. As sociedades por quotas já permitiam uma limitação da
responsabilidade, em empreendimentos mais modestos. Mantinham, porém, um óbice:
exigiam uma fórmula societária e, portanto, uma associação entre duas ou mais pessoas.
Porque não permitir uma limitação de responsabilidade a um simples comerciante individual?
O Direito Civil admite que, por convenção entre as partes, a responsabilidade do devedor,
no caso de incumprimento, seja limitada a alguns dos seus bens – artigo 602.º CC. Trata-se
de uma solução pouco conhecida e pouco praticada. Não sendo institucional, ela exige uma
negociação caso a caso, apresentando-se como menos eficaz. Havia que procurar novas
fórmulas.
O estabelecimento individual de responsabilidade limitada: procurando ir
ao encontro do desígnio limitador da responsabilidade do comerciante, mas sem pôr em
causa a segurança jurídica, o legislador português encarou a solução do estabelecimento
individual de responsabilidade limitada ao EIRL. Esta figura foi aprovada e regulada pelo
Decreto-Lei n.º248/86, 25 agosto e, portanto: anterior ao próprio Código das Sociedades
Comerciais. O EIRL constitui-se por escritura pública, com todas as especificidades do artigo
2.º, n.º2 do dito diploma, devendo ser inscrito no registo comercial e procedendo-se à
publicação no Diário da República – artigo 5.º RJEIRL (Regime Jurídico do EIRL38): a partir
daí, produz efeitos perante terceiros (artigo 6.º RJEIRL. Pelas dívidas resultantes de
atividades compreendidas no objeto do EIRL respondem apenas os bens a este afetados,
salvo se o titular não tiver respeitado o princípio da separação dos patrimónios (artigo 11.º
RJEIRL). O ato constitutivo pode ser alterado, designadamente através de aumentos ou de
reduções de capital, com as cautelas especificadas na lei – artigos 16.º a 20.º CSC. Segundo o
artigo 21.º, n.º1 RJEIRL:
«O estabelecimento individual de responsabilidade limitada pode ser transmitido por ato
gratuito ou oneroso, ou dado em locação. Pode ainda sobre ele constituir-se um usufruto ou um
penhor, produzindo este os seus efeitos independentemente da entrega ao credor».
38 O autor não utiliza a sigla, usamo-la nós (大象城堡) para facilidade de invocação do diploma legal.
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O EIRL é, de facto, um estabelecimento comercial, colocado numa situação especial que
permite a responsabilidade limitada. Há traços do seu regime que refletem bem os progressos
obtidos ao longo do século XX no tratamento do tema: veja-se o artigo 21.º, n.º1 RJEIRL.
A situação especial em que se coloca o EIRL e a necessidade de proteger terceiros e o
comércio em geral levaram o legislador a formalizar alguns aspetos do estabelecimento em
jogo. Designadamente: os bens que o componham não são, ad nutum, os que sejam afetados
ao comércio mas antes aqueles que constem do título constitutivo. Não obstante, muitos dos
valores contemplados no EIRL têm diretamente a ver com o estabelecimento comercial. As
regras daquele podem, após verificação, funcionar como auxiliares de aplicação, para resolver
problemas do estabelecimento em geral. Tal como o estabelecimento comercial, também o
EIRL constitui uma esfera jurídica de afetação: no fundo, este tenderia, à partida, a ser uma
modalidade daquele. A criação do EIRL, caiu sob uma chuva de críticas, desferidas, inclusive,
pelo próprio legislador. Todavia, o diploma está tecnicamente bem elaborado e representa
um conjunto de aspetos interessantes, mesmo para a teoria do estabelecimento. Não pode,
de facto, contrariar a progressão do Direito das Sociedades Comerciais, num fenómeno cuja
explicação se prenderá à cultura dos nossos dias. De todo o modo, o legislador procurou
facilitar o recurso ao EIRL: o legislador em 2000 veio alterar vários preceitos do regime
inicialmente aprovado, dispensando o recurso à escritura pública, em diversas circunstâncias,
num movimento completado em 2006, sujeitando o EIRL ao esquema da dissolução
administrativa.
49.º - O tipo e o Regime
A sociedade por quotas unipessoal: a iniciativa do estabelecimento individual de
responsabilidade limitada não teve êxito. Tratava-se de uma solução que não permitia a
personalização do novo ente económico, constituído precisamente pelo EIRL. Além disso,
ele não se adaptava a certos dados culturais, mais propensos para valorizar as sociedades. Há
muito se anunciava uma evolução doutrinária favorável às sociedades por quotas unipessoais.
Por toda a Europa sopraram ventos favoráveis à unipessoalidade. Na consolidação das
sociedades por quotas unipessoais, teve muito relevo a Diretriz n.º89/667/CEE, do
Conselho, de 21 de Dezembro de 1989 ou Décima Diretriz das Sociedades Coerciais. Este
diploma comunitário diz precisamente respeito às sociedades de responsabilidade com um
sócio único. A transposição desta Diretriz foi levada a cabo, entre nós, pelo Decreto-Lei
n.º257/96, 31 dezembro. Este diplima veio aditar, ao Título III do Código das Sociedades
Comerciais, um Capítulo X precisamente intitulado sociedades unipessoais por quotas. As
sociedades unipessoais por quotas estão dotadas de sete artigos, no Código das Sociedades
Comerciais: os artigos 270.º-A a 270.º-G CSC. Como aspetos de relevo salientamos:
A constituição pode operar por várias formas, incluindo a transformação de prévio
estabelecimento individual de responsabilidade limitada;
A firma deve deixar transparecer a unipessoalidade;
Uma pessoa singular só pode ser sócio de uma única sociedade unipessoal por quotas;
esta, por seu turno, não pode ser sócia única de uma sociedade unipessoal por quotas,
podendo ser pedida a dissolução das sociedades que não observem estas regras;
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A sociedade unipessoal pode passar a sociedade normal, quando alcance uma
pluralidade de sócios;
As decisões do sócio único, a registar em ata, substituem as decisões da assembleia
geral;
O contrato do sócio único com a própria sociedade deve obedecer a certos requisitos,
sob pena de nulidade e de responsabilização ilimitada do sócio;
Às sociedades unipessoais por quotas aplicam-se as normas que regulam as
sociedades por quotas, salvo as que pressuponham a pluralidade de sócios.
O Decreto-Lei n.º76-A/2006, 29 março veio expurgar do texto quaisquer referências à
necessidade de escritura pública e de introduzir a referência à dissolução administrativa. As
sociedades por quotas unipessoais acompanham, assim, o sentido geral do desagravamento
das nossas sociedades.
As cautelas legais; o contrato do sócio com a sociedade unipessoal: pelo
seu papel emblemático, cabe agora fixar a atenção sobre o artigo 270.º-F CSC, relativo ao
contrato do sócio com a sociedade unipessoal. Tal contrato é possível uma vez que a
sociedade unipessoal não se confunde com o sócio único. À partida, parece claro que a
presença de uma sociedade unipessoal pode representar um potencial centro de abusos da
própria personalidade. Os mecanismos internos de fiscalização das sociedades repousam, em
grande parte, na pluralidade dos sócios. Desde o momento em que tal pluralidade não se
verifique, multiplicam-se os riscos de total instrumentalização da sociedade unipessoal e de
confusão entre o património desta e o do sócio único. O artigo 84.º CSC, apesar de pensado
antes da introdução da figura da sociedade unipessoal por quotas, tem aqui plena aplicação:
havendo falência da sociedade unipessoal, o sócio único é ilimitadamente responsável pelas
dívidas da sociedade, o sócio único é ilimitadamente responsável pelas dívidas da sociedade,
quando se mostre que não foram observados os preceitos da lei que estabelecem a afetação
do património da sociedade ao cumprimento das respetivas obrigações. A responsabilidade
limitada exige a observância das previsões legais que a permitem. Um dos problemas
específicos postos pela unipessoalidade é o da contratação entre a sociedade unipessoal e o
sócio único. Essa contratação pode ser feita em desfavor da sociedade, de tal modo que possa
pôr em perigo os direitos e os interesses dos credores da própria sociedade unipessoal. Por
isso, o artigo 270.º-F CSC prescreve, para tais negócios, uma série de requisitos:
O contrato entre a sociedade unipessoal e o sócio único deve servir a prossecução
do objeto da sociedade;
Deve obedecer à forma prescrita ou, em qualquer caso, deve ser celebrado por escrito;
Os documentos que os exarem devem ser patenteados conjuntamente com o
relatório de gestão e os documentos de prestação de contas, podendo ser consultados
por qualquer interessado.
A violação destas regras tem uma dupla sanção (artigo 270.º-F, n.º5 CSC:
A nulidade dos negócios jurídicos celebrados;
A responsabilidade ilimitada do sócio único.
Efetivamente, a nulidade do negócio prevaricador representaria uma sanção insuficiente.
Tendo providenciado para a conclusão de um contrato ilegítimo, à luz do artigo 270.º-F CSC,
o sócio único teria toda a facilidade em executá-lo, mau grado a sua invalidade. Ora é sabido
que tais negócios prosseguem, em geral, o objetivo de descapitalização da sociedade ora em
causa. Os credores sociais são as vítimas tendenciais desse tipo de atuação. A sanção da
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ilimitação de responsabilidade – e, portanto, da cessação do privilégio da limitação da mesma
– surge como o passo mais natural para estabelecer o equilíbrio perturbado. Podemos inferir
que a presença de uma sociedade unipessoal, um tanto ao arrepio da velha lógica da societas,
exige um respeito acrescido por certas regras. Quando esse respeito não seja assegurado, a
própria lei impõe o levantamento da personalidade coletiva: haverá, nessa altura, que
procurar, sob o manto societário, qual o verdadeiro sujeito responsável pelos atos levados a
cabo.
Natureza e êxito: embora moldadas sobre as sociedades por quotas, as sociedades
unipessoais por quotas têm uma configuração própria muito marcada. Digamos que
correspondem a um tipo próprio autónomo: basta ver que muitas das regras das sociedades
por quotas, destinadas a assegurar a pluripessoalidade, não têm, aqui, qualquer aplicação.
Sendo que, assim, as sociedades por quotas unipessoais constituíram um enorme êxito.
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Parte IV – Sociedades Anónimas
Capítulo II – O contrato de sociedade anónima
56.º - Celebração, modalidades e conteúdo
As partes; unipessoalidade e constituição não-negocial:
SA