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SOCIETAS IN MOMENTUM BREVIS ACCIPITUR

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SOCIETAS IN MOMENTUM BREVIS

ACCIPITUR

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Direito Comercial II | António Menezes Cordeiro 2015/2016

大象城堡

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Secção I – A doutrina das pessoas coletivas

§1.º - A personalidade coletiva

As doutrinas clássicas: o desenvolvimento geral da autonomia da personalidade

coletiva constituiu um dos fatores de sedimentação das sociedades. O pensamento jurídico

atual, no tocante à personalidade coletiva, deve-se a Savigny. Além disso, tem-lhe sido

imputada a teoria da ficção: a primeira das doutrinas clássicas sobre o tema. A personalidade

coletiva incluiu-se entre os institutos privados definitivamente marcados por Savigny. Dela,

Savigny deixou-nos uma ideia geral, uma construção técnica, uma explicação teórica e uma

cobertura ideológica.

1. Savigny: em termos gerais, pessoa é todo o sujeito de relações jurídicas que,

tecnicamente, não corresponda a uma pessoa natural, mas que seja tratado como

pessoa, através de uma ficção teórica: situação que se justifica para permitir

determinado escopo humano. O pensamento de Savigny passou a constituir ponto

de partida obrigatório para os diversos estudos sobre a dogmática da personalidade

coletiva, até aos nossos dias. Essa leitura de Savigny foi posta em causa por Flume.

2. Flume: segundo este autor, Savigny conhecia bem a existência de um substrato real,

subjacente às pessoas coletivas. A referência a uma ficção, em sentido próprio, teria

resultado de um mal-entendido na leitura de Savigny; haveria, na verdade, apenas,

uma transposição. Savigny parece indicar que, na verdade, quando ele falava em

ficção, não lhe dá o sentido de fingimento, que o termo adquiriria na literatura

posterior. Nesse sentido, Flume tem razão: a verdadeira teoria da ficção surgiria mais

tarde, podendo ainda acrescentar-se que, além disso, ela tem raízes bem anteriores a

Savigny. Não pode, contudo, ignorar-se que o qualificativo ficção tinha um imediato

alcance dogmático. Ao efetuá-lo, Savigny não pretendia lucubrar sobre teorias mas,

pelo contrário, apontar um regime.

Ora há dois pontos do regime das pessoas coletivas que – mau grado o silêncio da doutrina

– derivam da natureza essencialmente ficciosa do fenómeno da responsabilidade coletiva: a

impossibilidade de aplicação analógica das normas ficciosas e a irresponsabilidade, penal e

civil aquiliana, das próprias pessoas coletivas. A recondução da personalidade coletiva à mera

categoria de ficção punha em jogo a sua própria subsistência. A questão tinha de ser

formalizada, com frontalidade: em que medida não seria a personalidade coletiva mais do

que um expediente técnico, para prosseguir determinados objetivos?

1. Jhering responde afirmativamente a essa questão. E fá-lo com argumentos

ponderosos. Desde logo, coloca o tema da personalidade depois do do direito

subjetivo que, sabidamente, define como o interesse juridicamente protegido. O

primeiro elemento do direito subjetivo seria o interesse. Como segundo elemento

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surge a proteção, máxime pela ação judicial, e que corresponde a um critério de

Direito Privado. Na sociedade ocorrem certos interesses, indeterminados ou gerais,

cuja defesa exige uma particular colocação de modo a poderem comportar a ação

judicial. Aí acodem as pessoas coletivas: são modos de posicionar os referidos

interesses indeterminados ou gerais, como forma de os tornar operacionais, perante

a ação judicial. Mas os interesses são-no, sempre, dos homens; por isso, Jhering passa

a descobrir quem se abriga por detrás das diversas pessoas coletivas: nessas condições

estariam os verdadeiros titulares dos seus direitos. Esta evolução tinha um termo

lógico. Se as pessoas coletivas – e, daí, as pessoas em geral – mais não eram do que

um expediente técnico para assegurar a tutela jurídica de certos escopos, então elas

podiam ser dispensadas. As realidades deveriam ser chamadas pelos seus nomes: os

escopos com determinada afetação.

O vazio deixado pela tecnicização da personalidade coletiva levou a doutrina do século XIX

a, vivamente, procurar um conteúdo para preencher essa noção. A reação mais característica

e cabal ao ficcionismo técnico viria de Von Gierke e da sua conceção, que ficaria conhecida

como teoria orgânica ou do realismo orgânico e que daria azo, mais tarde, a uma generalizada

busca de substratos, para a pessoa coletiva.

1. Von Gierke desenvolve a sua construção sobre a personalidade coletiva na base de

uma crítica À denominada teoria da ficção. Von Gierke é levado a concluir pela

efetiva existência, na sociedade, de entidades coletivas que não se podem reduzir à

soma dos indivíduos que as componham. A realidade social não permitiria, portanto,

concluir pela existência, apenas, de pessoas singulares: junto a estas operariam as

pessoas coletivas. Resultaria, daí, que:

«A pessoa coletiva é uma pessoa efetiva e plena, semelhante à pessoa singular; porém,

ao contrário desta, é uma pessoa composta».

A construção de Von Gierke tem sido criticada pelo insólito que implica a referência a órgãos,

especificamente cabeça e membros, nas pessoas coletivas. A crítica não é justa: Von Gierke

explica que, por um lado, também a pessoa singular só age através dos seus órgãos; por outro,

tais referências são meramente ilustrativas. A orientação orgânica de Von Gierke tem o

mérito de recordar que a personalidade coletiva corresponde a uma realidade histórica e

sociológica, que ultrapassa o arbítrio do Direito. Este pode não reconhecer todos os

organismos que o mereceriam, como Von Gierke não deixa de notar. Mas quando isso ocorra,

o legislador esquece a realidade, atentando contra a ideia de Direito. Por outro lado, atribuir

personalidade a algo que não corresponda a qualquer substrato, estará, por certo, próximo

da ficção. Otto Von Gierke ficará como o cientista do Direito que mais profundamente

estudou a personalidade coletiva. Embora a linguagem metafórica de Von Gierke tenha sido

desamparada, a ideia básica por ele defendida permaneceria em largos setores da doutrina.

Tal ideia traduz-se na asserção de que, na personalidade coletiva, não há uma pura criação

jurídica ou um simples expediente normativo: o Direito limitar-se-ia a reconhecer algo de

preexistente, ou seja, um determinado substrato, cuja natureza, depois, se poderia discutir. O

organicismo de Vom Gierke veio ceder o lugar a substratos mais subtis. Assim, é possível

apontar três tradições que procuram o substrato das pessoas coletivas, respetivamente, em

acervo de bens, em manifestações institucionalizadas da vontade ou em organizações não

específicas.

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1. Brinz: o acervo de bens ou património de afetação remontando a este autor e, mais

longe, a uma das leituras de Jhering.

2. Windscheid, ainda mantêm alguns aspetos: admitem-se os próprios patrimónios

como sujeitos de direitos.

3. Schwarz, por fim, reconstitui a unidade das pessoas, asseverando que, em todos os

casos, a personalidade resulta do escopo dos patrimónios afetos, numa posição que

aflora igualmente em Rhode.

Todas essas orientações, cada vez de leitura mais complexa e subtil, defrontavam-se com

uma dificuldade de raiz: a multiplicação das pessoas coletivas permitia, em contínuo,

apresentar casos nos quais faltava, ora o património, ora a vontade, ora a organização.

Noutros termos: não há um património, ora a vontade, ora a organização. Noutros termos:

não há um substrato que possa, com razoabilidade, amparar todas as todas as pessoas

coletivas que a prática jurídica permite documentar.

Realismo jurídico e tendências recentes: os esforços acima notados no sentido de,

para as pessoas coletivas, encontrar um substrato foram, claramente, esmorecendo. A

variedade de situações a que o Direito vinha reconhecendo a personalidade coletiva

inviabilizava qualquer hipótese razoável de construir substratos unitários ou sequer,

classificáveis. Os juristas vieram a refugiar-se em construções cada vez mais teóricas ou

técnico-jurídicas. A teoria da ficção, reportada sem grande critério a Savigny, era recusada

perante a presença efetiva de pessoas coletivas. Porém, também o organicismo e os diversos

substratos eram desamparados, dada a presença irrefutável dos mais diversos tipos de

pessoas coletivas. A pessoa coletiva veio, então, a ser definida com recurso a pura

terminologia jurídica e por à pessoa singular. Em contrapartida à teoria da ficção, esta

orientação é dita realismo; e por contraposição aos diversos substratos, ela considera-se

jurídica. O realismo jurídico remonta aos aspetos técnicos da noção de Savigny. Tais aspetos

foram sobrevalorizados por algum pandectística tardia, ao ponto de se tornarem nos únicos

fatores a ter em conta, na definição.

1. Em Windscheid e de Enneccerus, nota-se uma referência muito tímida a substratos;

o essencial das respetivas noções é técnico-jurídico. A partir daqui, autores das mais

diversas formações vêm apresentar noções que pretendem combater o ficcionismo

com recurso a categorias jurídicas.

2. Para Binder, «ser sujeito de direito é estar numa relação, dada pela Ordem Jurídica,

e que nós chamamos direito subjetivo».

O realismo jurídico tem sido doutrina oficial em França, em Itália e em Portugal. O realismo

jurídico teve, por fim, um influxo muito marcado em Portugal, ao ponto de poder considerar-

se, também aí, como uma verdadeira doutrina oficial. Logo no início, essa orientação,

1. José Tavares e Cunha Gonçalves, partia de uma série de classificações de doutrinas

– nem sempre muito ajustadas ao verdadeiro pensamento dos autores classificados –

rebatendo os diversos termos. No fim, a pessoa coletiva, mais ou menos amparada

em referências político-filosóficas, era defendida como uma realidade jurídica ou

técnica.

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2. Manuel de Andrade, aliás com uma referência a Ferrara, apresenta a pessoa coletiva

como um produto da ordem jurídica ou uma realidade do mundo jurídico, na qual o

essencial é o elemento jurídico.

3. Mota Pinto: neste autor reaparece a fórmula de Andrade em que, simplesmente, dá-

se uma caminhada no sentido da sua formalização, em termos que, a ter havido

evolução, poderiam ter levado a opções de tipo analítico ou normativista, mais

modernas.

4. José Dias Marques, que perto esteve dessa evolução, após percorrer as tradicionais

classificações das doutrinas, acaba por fixar-se numa orientação jurídica e realista,

definido a pessoa como mera suscetibilidade de direitos e obrigações.

5. Paulo Cunha e Castro Mendes ficaram mais próximos de um realismo jurídico

tradicional, à semelhança de diversa doutrina que os antecedeu e que lhes sucedeu.

6. Coutinho de Abreu, apenas neste autor e de modo muito sintético se tentaria

superar o realismo mais tradicional.

Cumpre apreciar. O realismo jurídico é uma formula vazia: ela só significa algo pelo que cala:

a inviabilidade das construções que a antecederam. Na verdade, a personalidade coletiva é,

seguramente, personalidade jurídica e, daí, uma realidade jurídica. Mas com semelhante

tautológica, pouco teremos avançado, no sentido de determinar a sua natureza. Wieacker

procura apresentar toda esta situação sob cores mais amenas: as diversas teorias não seriam

concorrentes, mas complementares. Contudo, isso não parece possível: de um modo geral,

as diversas teorias apresentam-se globais. Chegamos a este ponto, restaria concluir pelo

esvaziamento do conteúdo da pessoa coletiva: esta assumiria, hoje, um puro conteúdo

técnico-jurídico, não tendo qualquer significado discutir teorias. O panorama atual relativo à

determinação da natureza da personalidade coletiva mantém-se pouco animador. Em termos

quantitativos, ele mantém-se dominado pelas orientações realistas, tecnicistas, pragmáticas

ou agnósticas. No entanto, alguns autores, conservando acesa a chama da Ciência do Direito,

têm procurado ir mais longe, aprofundando o problema.

7. Menezes Cordeiro: afigura-se útil aproveitar algumas conclusões propiciadas pela

ponderação das inúmeras teorias, historicamente surgidas, para explicar a essência da

personalidade jurídica. Temos por assente que, pelo menos no campo da

personalidade coletiva, o tempo das descobertas intuitivas geniais acabou com

Savigny. A pessoa do Direito deve surgir como uma realidade independente; ela deve

dar azo a conceitos dogmaticamente operacionais; ela pode aproveitar as diversas

teorias historicamente ocorridas. Há que entroncar, aqui, um dos mais estimulantes

filões da atualidade e que tem sido dedignado corrente analítica ou corrente

normativa, sem com isso, se pretender uma unificação desses termos. Quando, em

Direito, se fala na personalidade coletiva, pretende-se, quando não se teorize,

exprimir um regime jurídico-positivo. A pessoa coletiva é, antes do mais, um

determinado regime, a aplicar aos seres humanos implicados. Estes podem ser

destinatários diretos de normas; mas podem-no ser, também, indiretamente, assim

como podem receber normas transformadas pela presença de novas normas,

agrupadas em torno da ideia de pessoa coletiva. No caso de uma pessoa de tipo

corporacional, os direitos da corporação são direitos dos seus membros.

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Simplesmente, trata-se de direitos que eles detêm de modo diferente do dos seus

direitos individuais. Referir, em Direito, uma pessoa é considerar a presença de uma

entidade destinatária de normas jurídicas e portanto: capaz de ser titular de direitos

subjetivos ou de se encontrar adstrita a obrigações. A afirmação da personalidade

será, pois, a consideração de que o ente visado pode autodeterminar-se, no espaço

de legitimidade de que o ente visado pode autodeterminar-se, no espaço de

legitimidade conferido pelos direitos de que seja titular, e deve agir, no campo das

suas adstrições. O modo por que vão ser exercidos os direitos e cumpridas as

obrigações já não é esclarecido pela afirmação sumária da personalidade: isso

dependerá de múltiplas outras normas jurídicas, cuja aplicabilidade, no entanto,

postula a personalidade e deriva dela. Qualquer norma de conduta – permissiva ou

de imposição – será sempre, em última análise, acetada por seres humanos

conscientes, o que é dizer, por pessoas singulares capazes. Qualquer fruição de bens

será, também, sempre sentida, em última instância, por pessoas singulares e isso não

obstante, muitas vezes (quase sempre?) a verdadeira fruição exigir um compartilhar

de vantagens. Por razões históricas, culturais, económicas, práticas, linguísticas ou

casuais, as normas assumem, com frequência, fórmulas indiretas para atingir os seus

destinatários. Em Direito, pessoa é, pois, sempre, um centro de imputação de normas

jurídicas, isto é: um polo de direitos subjetivos, que lhe cabem e de obrigações, que

lhe competem. A pessoa é singular, quando esse centro corresponda a um ser

humano; é coletiva – na terminologia portuguesa – em todos os outros casos. Na

hipótese da pessoa coletiva, já se sabe que entrarão, depois, novas normas em ação

de modo a concretizar a imputação final dos direitos e dos deveres. Digamos que

tudo se passa, então, em modo coletivo: as regras, de resto infletidas pela referência

a uma pessoa, ainda que coletiva, vão seguir canais múltiplos e específicos, até

atingirem o ser pensante, necessariamente humano, que as irá executar ou violar. O

Direito poderia ter encontrado qualquer outra expressão para designar os centros

coletivos de imputação de normas jurídicas, que não a de pessoa. Não o fez. Numa

receção cultural, cujo mérito remonta a Savigny e seus antecessores, aos

jusracionalistas e, mais longe, aos canonistas, procedeu-se à transposição da própria

figuração humana: pessoa. Houve transposição: é bom lembrá-lo e, aqui, o retorno a

Savigny surge inevitável e é saudável. Mas transposição, quanto possível, efetiva.

Tanto basta – e seria possível mais? – para que a referência a uma pessoa coletiva,

para além da imediata eficácia técnica, no plano da aplicação de normas jurídicas,

envolva representações ético-normativas, determinantes na aplicação de normas e

princípios. A focagem deste ponto – essencial, na nossa construção e isso com

múltiplas consequências dogmáticas e regulativas – é mais do que sobeja para

substancializar a personalidade coletiva.

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§2.º - A ordenação das pessoas coletivas

Associações, fundações e sociedades: no Direito comum, a trilogia clássica de

pessoas coletivas é constituída pelas associações, pelas fundações e pelas sociedades civis –

artigos 166.º e seguintes, 185.º e seguintes e 980.º e seguintes, todos CC. Deve esclarecer-se

que não se trata de qualquer classificação: antes e tão-só de um alinhamento de tipos. As

associações e as fundações ainda poderiam ser tomadas como uma classificação básica de

pessoas coletivas, atinente à sua estrutura ou ao seu substrato. As sociedades obedecem já a

um critério diverso – a apregoada natureza lucrativa – mas, sobretudo, a uma tradição muito

distinta e mais antiga: a societas. As associações dão corpo a uma manifestação básica do

princípio da liberdade de associação. As fundações têm o sentido de entregas em vida ou de

deixas por morte do interessado. Elas equivalem a uma reconstrução liberal das antigas deixas

pias, a conventos ou a congregações religiosas. Finalmente, as sociedades correspondem ao

produto da celebração de contratos de sociedades, podendo apresentar formas muito

multifacetadas. A matéria das pessoas coletivas não obteve uma regulação sistemática unitária,

no Código Civil. O relegar das sociedades para o capítulo dos contratos em especial – artigos

980.º CC – é sintomático. De resto, essa situação é comum aos códigos civis dotados de parte

geral – como sucede com o GBG alemão – mas com a agravante de, no Direito Civil

Português, as sociedades civis puras poderem ter personalidade jurídica. A situação mais

marcada fica com o facto de as sociedades comerciais terem assento em diploma próprio. O

Código das Sociedades Comerciais prevê os seguintes tipos de sociedades:

Sociedade em nome coletivo: o sócio responde individualmente pela sua entrada

e, ainda, pelas obrigações sociais subsidiariamente em relação à sociedade e

solidariamente com os outros sócios (artigo 175.º, n.º1 CSC); a sua firma, quando

não individualize todos os sócios, deve conter, pelo menos, o nome ou firma de um

deles, com o aditamento, abreviado ou por extenso, «e Companhia» ou qualquer um

que indique a existência de outros sócios (artigo 177.º, n.º1 CSC);

Sociedade por quotas: o capital está dividido em quotas e os sócios são

solidariamente responsáveis por todas as entradas convencionadas no contrato

(artigo 197.º, n.º1 CSC); a forma poderá ter uma composição variada mas, em

qualquer caso, concluirá pela palavra «limitada» ou pela abreviatura «Lda.» (artigo 200.º,

n.º1 CSC);

Sociedade anónima: o capital é dividido em ações e cada sócio limita a sua

responsabilidade ao valor das ações que subscreveu (artigo 271.º CSC); a firma, de

composição variada, concluirá com a expressão «sociedade anónima» ou pela sigla

«S.A.» (artigo 275.º, n.º1 CSC);

Sociedade em comandita: tem dois tipos de sócios:

o Os sócios comanditários: que respondem apenas pela sua entrada, e

o Os sócios comanditados: que respondem nos mesmos termos pela sua entrada

dos sócios em nome coletivo;

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Na comandita simples não há representação do capital por ações; na comandita por

ações, só as participações dos sócios comanditários são representadas por ações

(artigo 465.º CSC).

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Secção II – As sociedades como organização

§3.º - A personalidade jurídica das sociedades

O problema nas sociedades civis puras; a discussão: o Código Civil não atribui,

com clareza, personalidade coletiva às sociedades civis que regula. Mas também não a nega.

O autor do anteprojeto – o Professor Ferrer Correia – teve a seguinte ideia:

«Foi de caso pensado que não propusemos a inserção no Projeto de qualquer norma consagrando

ou repudiando, neste capítulo das sociedades civis, o conceito de personalidade coletiva. (...) esse

é um problema de dogmática, com que o legislador não tem de se preocupar».

Temos, ainda, duas precisões. Em primeiro lugar, não é uma mera questão de conceito: antes

de construção dogmática, envolvendo consequências de entendimento e de regime.

Seguidamente: estamos perante um tema português clássico, discutido há mais de um século

e não de uma temática importada. Num momento em que a defesa do Direito Português

deve constituir prioridade absoluta, não podemos deixar cair no esquecimento as nossas

questões mais debatidas e, ainda, por resolver. Na origem da discussão ora em estudo, surge-

nos

1. Dias Ferreira que, anotando a sociedade civil no Código de Seabra, a considera

como:

«pessoa jurídica com direitos e obrigações, não só entre os seus membros, mas em relação

a terceiros».

2. Guilherme Moreira vem tomar posição diversa. Para ele, a personalidade só surgiria

quando se verificasse uma total independência patrimonial em relação aos sócios ou

associados. Isso leva-o a considerar as sociedades anónimas como pessoas coletivas;

já as sociedades em nome coletivo não o seriam, outro tanto sucedendo com as

sociedades civis puras.

3. José Tavares, vem tomar posição oposta: as sociedades civis puras teriam uma

verdadeira personalidade jurídica. De facto, diversos preceitos do Código de Seabra

reconheciam, na sociedade civil, uma entidade juridicamente diferenciada dos seus

sócios.

4. Cunha Gonçalves vem negar a personalidade coletiva das sociedades puras. Invoca

argumentos de tradição e explica que a sociedade é de tomar como sentido de os

diversos sócios.

Após a publicação do Código Civil 1966, o problema manteve-se: o legislador entendeu,

como vimos – pensamos que bem – não resolver expressamente o problema, remetendo-o

para a doutrina. A doutrina dividiu-se.

Contra a personalidade coletiva das sociedades civis puras manifestaram-se

Ferrer Correia, Pires de Lima e Antunes Varela, Mota Pinto e Isabel

Magalhães Collaço.

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A favor, com algumas reservas, depunha Paulo Cunha; também com reservas, ele é

propugnada por Marcello Caetano, Castro Mendes, Carvalho Fernandes e

Pedro Pais de Vasconcelos.

5. Menezes Cordeiro: quando a lei, de modo expresso e eficaz, reconheça

personalidade coletiva a uma entidade está, por essa via, a determinar a aplicação de

certas normas: de outro modo, a qualificação pessoa coletiva ficaria no vazio. A

personalização de um ente artificial cria uma entidade oponível erga omnes, com

direitos – incluindo de personalidade! – próprios, uma esfera específica e todas as

prerrogativas que acompanham as pessoas, em Direito. Compreende-se, por isso,

que as pessoas coletivas devam adotar figurinos normalizados, sujeitando-o, ainda, a

uma certa publicidade. De outro modo, não seria curial opor tais pessoas coletivas a

terceiros: estes não podem ser confrontados com a necessidade de respeitar situações

que não conheciam nem podiam conhecer. Mas a lei pode não ser expressa: antes se

limitando a prever um regime que, por razões de harmonia sistemática, obrigue o

intérprete-aplicador a formular o juízo ético-valorativo da personalização. No fundo,

é sempre de um regime adequado que se trata. A análise do articulado legal vigente

mostra, com relevo para o problema, preceitos que:

Referem diretamente direitos e deveres como sendo da sociedade;

Pressupõem direitos e deveres da sociedade;

Mencionam diretamente atos ou atuações da própria sociedade;

Admitem consequências para a sociedade;

Referem fins da sociedade;

Admitem a responsabilidade patrimonial da sociedade.

Parece claro que o Código Civil se exprime, neste complexo, em modo coletivo. Será

quimérico tentar convolar todas as regras em que se refere a sociedade para regras

reportadas aos sócios: é toda uma subsequente questão de regime, comum às diversas

pessoas coletivas, saber como tais regras chegam, depois, aos destinatários últimos

que as devam cumprir. O FNPC abrange informação relativa às sociedades civis

(artigo 4.º, n.º1, alínea a) RNPC). O seu artigo 42.º dispõe expressamente sobre as

denominações das sociedades civis sob forma comercial. Não fica, todavia, clara a

obrigação de inscrição no RNPC: o artigo 6.º do correspondente diploma refere

pessoas coletivas, não sendo seguro que as sociedades civis puras fiquem abrangidas.

Contudo, o artigo 10.º, n.º1 RNPC sujeita a inscrição no FNPC factos relativos às

entidades referidas no artigo 4.º, n.º1, alínea d) RNPC. Quer isto dizer que as

sociedades civis puras devem ser inscritas no RNPC. Esta obrigação envolve a de

adotar uma denominação; ela torna-se efetiva, nos termos do artigo 54.º, n.º2, quando

a sua constituição de concretize por escritura pública: parece que este preceito terá

de se aplicar à própria constituição das sociedades civis puras, independentemente

de serem, a priori, pessoas coletivas. A sociedade civil pura, constituída por escritura

pública ou equivalentes, dotada de denominação, devidamente inscrita no RNPC,

dado o âmbito dos artigo s980.º e seguintes CC, é uma pessoa coletiva em tudo

semelhante às demais sociedades. Mostram-se assegurados os diversos interesses e

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valores subsequentes. De acordo com a metodologia de Paulo Cunha podemos,

então – e só então! – recorrer ao artigo 157.º CC Verifica-se a analogia que permite

a aplicação dos artigos 158.º, n.º1 e 167.º CC: as sociedades civis puras, desde que

constituídas por escritura pública ou por outro meio legalmente admitido e com as

especificações prescritas, nos seus estatutos, são pessoas coletivas plenas. Quanto às

restantes, todas as graduações são permitidas.

A personalidade coletiva das sociedades comerciais: perante o artigo 5.º, a

personalidade coletiva das sociedades comerciais parece não oferecer dúvidas.

1. A generalidade da Doutrina, ao abrigo do artigo 108.º CCom, entendia que, por

via deste preceito, todas as sociedades comerciais eram dotadas de personalidade

jurídica.

2. Guilherme Moreira: depunha contra. Segundo este, a referência a «para com terceiros»

ela limitativa, traduzindo apenas a autonomia patrimonial. Noutros preceitos

transcritos haveria pois que procurar a personalidade coletiva, sendo certo que

Guilherme Moreira acaba por nega-la às sociedades em nome coletivo.

Paralelamente, no Direito Civil, o problema parece ter menor importância. Porque, em

termos de politica legislativa, a personalização tinha um triplo aspeto:

Impedir os credores individuais do sócio de responsabilizar a sua quota nos bens

sociais, prejudicando a sociedade;

Impedir o sócio de transferir essa mesma quota de bens para terceiros;

Assegurar aos credores da sociedade uma preferência sobre os bens sociais, no

confronto com os credores individuais dos sócios.

Daqui resulta que a sociedade comercial deixou de ser um conjunto de relações obrigacionais

entre sócios: antes se tornou num novo sujeito de direitos. A orientação do Código de

Comércio foi considerada excessiva, à luz do Código Civil de 1942. E assim a doutrina atual

distingue entre autonomia patrimonial e personalidade jurídica: na primeira, a lei opera no

âmbito objetivo da sociedade; na segunda, fá-lo, também, no âmbito subjetivo. Apenas as

sociedades de capitais (as anónimas e as de responsabilidade limitada ou por quotas) teriam

personalidade; as de pessoas (as simples e as em nome coletivo) não a teriam. A doutrina

mais recente admite, todavia, uma reponderação; esta sociedades aproximam-se das

sociedades de capitais, pelos sucessivos poderes que lhe vêm sendo reconhecidos, assumindo

uma personalidade rudimentar. Como balanço, podemos assinalar que o Direito Comercial

português, na sequência das transferências culturais apontadas e mercê das críticas

generalizadas dirigidas a Guilherme Moreira, acabou por assentar na solução mais

generosamente radical, quanto à atribuição da personalidade coletiva Às sociedades

comerciais: a todas.

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§4.º - A capacidade de gozo das sociedades

O princípio da especialidade; evolução: as pessoas têm capacidade jurídica: será a

concreta medida de direitos e obrigações de que sejam suscetíveis. No que toca às pessoas

singulares, essa capacidade (ou capacidade de gozo) é plena: elas podem ser titulares da

generalidade dos direitos admitidos pelo ordenamento e podem ficar adstritas à generalidade

dos deveres que a ordem em causa conheça. Já quanto a pessoas coletivas, uma orientação

com certa tradição, entre nós, pretende que a sua capacidade seria limitada pelo princípio da

especialidade: ela (apenas) abrangeria os direitos e obrigações necessários ou convenientes à

prossecução dos seus fins, segundo a fórmula do artigo 6.º, n.º1 CSC, retomada do artigo

160.º CC. A ideia do princípio da especialidade teve uma dupla origem: a doutrina ultra vires

anglo-saxónica e as restrições continentais aos bens de mão morta. Recolhendo e

reformulando todas estas construções, Guilherme Moreira procede a uma interessante

aproximação:

Por um lado, a ideia, ligada à doutrina ultra vires, de que operando o reconhecimento

com vista aos interesses legítimos do seu instituto, a capacidade concedida não

poderia ir mais além;

Por outro, as restrições postas à aquisição de bens, por parte das pessoas moraes.

Trata-se de considerações retomadas por Manuel de Andrade, que aproxima o princípio da

especialidade e a doutrina ultra vires, de modo explícito. Outros autores deram o referido

princípio como adquirido.

A sua superação: o princípio da especialidade perdeu os dois pilares histórico-

dogmáticos em que assentava. Não há, por esta via, nenhum limite estrutural: nas margens

legais, podem os interessados eleger os fins que entenderem, os quais podem ser

prosseguidos por todos os meios lícitos. Introduzir, aqui, uma doutrina ultra vires vai só

embaraçar o comércio jurídico, prejudicando as relações com terceiros. Quanto ao problema

da mão-morta e das desamortizações ele é histórico. De todo o modo, quando se pretenda

evitar a concentração de imoveis em certas esferas jurídicas, leis especiais prescrevem-no. O

anteprojeto de Ferrer Correia recolheu esta solução. Preconizava, quanto à capacidade das

pessoas coletivas, o seguinte preceito:

«Salvas as exceções determinadas na lei, a capacidade das pessoas coletivas estende-se a todos

os direitos e obrigações que, segundo a natureza das coisa ou a índole da sua disciplina legal,

não forem inseparáveis da personalidade singular».

Era o preceito correto, infelizmente. Infelizmente, ele veio a ser afastado nas revisões

ministeriais. A doutrina subsequente a 1966, confrontada com uma consagração legal tardia

do princípio da especialidade, no artigo 160.º, n.º1 CC, tentou minorar o seu alcance. O

próprio Antunes Varela, responsável pelas revisões ministeriais, explica que esse artigo 160.º,

n.º1 CC, facultando os direitos e deveres convenientes à prossecução dos fins da pessoa

coletiva, atenuou largamente o rigor da especialidade.Uma tentativa de salvaguardar o

princípio poderia provir de uma compartimentação do seu conteúdo: não estaria em causa o

fim de uma concreta pessoa coletiva, mas antes o de uma completa categoria de pessoas ou

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de atos. Dir-se-ia, assim, que certa categoria de pessoas coletivas não se poderia dedicar a

certas categorias de atos. Mas não: por verosímeis que pareçam os exemplos que se

encontrem, poderia sempre suceder que, em concreto, um ato estranho se mostrasse

justificado. Apenas na base de leis específicas se torna possível limitar a capacidade das

pessoas coletivas. O princípio da especialidade, como elemento limitador da capacidade

jurídica das pessoas coletivas, tende, assim, a ser abandonado. Citamos José Tavares:

«Desde que a lei reconhece a existência de uma personalidade jurídica, esta tem, em princípio

geral, a capacidade de uma pessoa física, excetuando apenas os direitos que, por sua natureza

ou pelo seu fundamento, lhe não podem realmente pertencer, como são os direitos relativos ao

estado civil das pessoas físicas e os de sucessão ab intestatio, e aqueles que a lei lhes recusa

expressamente, ou indiretamente, determinando taxativamente a área da sua capacidade

jurídica».

O Professor Ferrer Correia, grande comercialista, tentou, há mais de meio século e como

vimos, que o princípio da especialidade não fosse incluído no Código Civil. Foi, pois, num

puro refluxo concetualista, que nenhum estudo de campo soube amparar, que o Código das

Sociedades Comerciais, no seu artigo 6.º, n.º1, o veio como que ressuscitar. Também a

jurisprudência tem vindo a subalternizar o princípio da especialidade: a capacidade das

pessoas coletivas obedeceria a um regime de ilimitação.

O problema dos atos gratuitos e das garantias: o grande campo de eleição para

as restrições à capacidade de gozo dos entes coletivos é o dos atos gratuitos, que poderiam

ser contrários aos fins da pessoa coletiva, particularmente se ela fosse uma sociedade. A

doutrina tende a abandonar tais construções. Desde logo, ficam de fora os donativos

conformes com os usos sociais: nem são havidos como doações (artigo 940.º, n.º2 CC). O

artigo 6.º, n.º2 CSC também considera não serem contrárias ao fim da sociedade «as

liberalidades que possam ser consideradas usuais, segundo as circunstâncias da época e as condições da própria

sociedade». Vamos porém mais longe: e a doação verdadeira e pura ficará fora da capacidade

de uma sociedade? A prática de doações ou atuações non profit é, hoje, uma indústria, por

parte de instituições lucrativas e muito bem geridas. O próprio legislador consagra um

Estatuto de Mecenato, como modo de atrair certas doações. Nenhuma razão se visualiza

para considerar as doações fora da capacidade de qualquer pessoa coletiva, mesmo tratando-

se de uma sociedade. Em casos concretos, determinadas doações poderão ser inválidas: mas

por força de regras específicas, que as proíbam. Resta concluir: o denominado princípio da

especialidade não restringe, hoje, a capacidade das pessoas coletivas: tal como emerge do

artigo 160.º, n.º1 CC, ele diz-nos, no fundo, que todos os direitos e obrigações são, salvo

exceções abaixo referidas, acessíveis às pessoas coletivas. Subproblema muito relevante é o

da prestação de garantias a terceiros. Tal prestação poderia surgir como um favor e, portanto,

como um ato gratuito, que iria depauperar o património do garante, à custa dos sócios e dos

credores. Mas pode ser uma atividade lucrativa: pense-se nos bancos, que prestam garantias

a troco de comissões. O artigo 6.º, n.º3 CSC dispõe sobre as garantias. Fê-lo, porém, usando

uma linguagem desnecessariamente qualitativa: «considera-se contrária ao fim da sociedade a

prestação de garantias…». Mas justamente: a parte puramente qualitativa não vincula o

intérprete-aplicador. De acordo com as regras de interpretação, o artigo 6.º, n.º3 CSC proibiu,

pura e simplesmente, as sociedades de prestar garantias, salvo nas condições que ela própria

prevê. São elas:

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Justificado interesse próprio da sociedade garante;

Sociedade em relação de domínio ou de grupo.

Estas exceções são de tal ordem que acabam por consumir a regra. O justificado interesse

próprio é definido pela própria sociedade, através dos seus órgãos: estamos no Direito

Privado. A jurisprudência alarga, mesmo, a ideia de interesse, explicando que ele pode ser

indireto. Resta concluir que a proibição do artigo 6.º, n.º3 CSC acaba por funcionar apenas,

perante situações escandalosas e, ainda aí, havendo má fé dos terceiros beneficiários. A

responsabilização dos administradores terá de servir de contrapeso. As pessoas coletivas

tendem para a neutralidade. O que se exige, como contrapartida, é a transparência dos seus

atos, com contas devidamente auditadas e publicitadas. A partir dai, o controlo é feito pelo

mercado: automática e implacavelmente.

As limitações específicas: naturais, legais e estatutárias: como vimos, o

chamado princípio da especialidade não tem, hoje, alcance dogmático. Não se infira, contudo

e daí, que a capacidade de gozo das pessoas coletivas seja idêntica à das singulares. Ela pode

sofrer diversas limitações. Vamos distinguir:

Limitações ditadas pela natureza das coisas;

Limitações legais;

Limitações estatutárias;

Limitações deliberativas.

Esta destrinça é importante, uma vez que os regimes derivados da inobservância dos diversos

pontos não são coincidentes. Segundo o final do artigo 6.º, n.º1 CSC, excetuam-se ao âmbito

da capacidade de gozo das pessoas coletivas os direitos e obrigações inseparáveis da

personalidade singular. Trata-se, fundamentalmente:

De situações jurídicas familiares ou sucessórias que, pela sua natureza, visam apenas

pessoas singulares;

De situações de personalidade, também centradas nas pessoas singulares;

De situações patrimoniais, mas que pressupõem a intervenção de uma pessoa

singular;

Diversas situações de Direito Público, também destinadas a contemplar pessoas

singulares.

Quando se trate de transpor para modo coletivo uma determinada norma, cabe verificar, pela

interpretação, se esta, pela sua própria natureza, não opera, apenas, em modo singular,

contemplando direta e necessariamente pessoas singulares. A violação de limitações impostas

pela natureza das coisas implica a nulidade do negócio, por impossibilidade legal (artigo 280.º,

n.º1 CC), atingindo as inerentes deliberações sociais por via do artigo 56.º, n.º1, alínea c) CSC.

As limitações legais á capacidade de gozo das pessoas coletivas, referidas no artigo 6.º, n.º1,

in medio CSC, têm uma natureza profundamente diferente da das impostas pela natureza das

coisas. A referência, feita no artigo 6.º, n.º1, a «direitos e obrigações vedados por lei» é, tal

como o princípio da especialidade, herdeira das antigas leis de desamortização, que visavam

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prevenir a acumulação de bens de mão-morta: mas herdeira tardia. Se bem atentarmos, não

há aqui um verdadeiro problema de (in)capacidade: há, sim, uma proibição legal. Pode

acontecer que a prática de determinado negócio se inscreva, perfeitamente, nas finalidades

coerentes de certa pessoa coletiva (ou de certa categoria de pessoas coletivas) mas que, não

obstante, o legislador proíba a sua celebração. Pode ainda suceder que o legislador proíba um

ato e, depois, o venha, sucessivamente, a permitir e a proibir de novo: não corresponderia a

uma Ciência do Direito harmónica e estável considerar que a capacidade de gozo de certa

sociedade se modificou, sucessivamente, ao abrigo de alterações legislativas… A

inobservância das limitações legais à possibilidade de prática pelas pessoas coletivas de certos

atos, conduz, em princípio, à nulidade do ato por violação de lei expressa (artigo 294.º CSC)

ou por ilicitude (artigo 280.º, n.º1 CSC): não por incapacidade. Como terceira categoria de

limitações específicas à atuação de sociedades temos as estatutárias. Os estatutos podem

limitar, pela positiva, a atuação da sociedade a que respeitem, restringindo-a à prática de

certos atos ou, pela negativa, vedar-lhe a prática de determinados atos. As competentes

disposições estatutárias limitam a capacidade de gozo da pessoa coletiva? À partida:

seguramente não. Apenas alei, seja pela técnica positiva das pessoas rudimentares, seja pela

negativa das proibições específicas, pode reduzir o campo de ação das sociedades ou das

pessoas coletivas em geral. As limitações estatutárias são, assim, meras regras de conduta

internas. Elas adstringem os órgão das pessoa coletiva a não praticar os atos vedados sem,

contudo, limitarem a capacidade das sociedades. É, de resto, essa a solução do artigo 6.º, n.º2

CSC, cuja generalização Às diversas pessoas coletivas não nos parece suscitar quaisquer

dúvidas ou dificuldades. A violação a esses limites estatutários poderia conduzir à invalidade

das inerentes deliberações sociais, em termos a ponderar caso a caso. O mesmo regime deve

ser aplicado às limitações deliberativas, isto é: às limitações que deliberações internas da

própria pessoa coletiva ponham à prática, por ela, de certos atos. O desrespeito por tais

deliberações responsabiliza o seu autor: a capacidade da pessoa coletiva mantém-se, porém,

intacta.

§5.º - A capacidade de exercício e a responsabilidade das

sociedades

A capacidade de exercício: mantendo um paralelo dogmático com as pessoas

singulares, pergunta-se qual possa ser a capacidade de exercício das sociedades. Recordamos

que, no tocante às pessoas singulares, a capacidade de exercício dá-nos a medida dos direitos

e das obrigações que elas possam exercer pessoal e livremente. A regra é a da plena

capacidade de exercício: quem tiver direitos, deve poder exercê-los, por definição, pessoal e

livremente. As únicas exceções derivam da natureza das coisas: têm a ver com a situação dos

menores, dos interditos e dos inabilitados. Para estes o Direito prevê esquemas de

suprimento: poder paternal, tutela e curatela. Numa visão muito elementar e empírica, as

pessoas coletivas seriam assimiladas a menores: incapazes, pela natureza, de praticar pessoal

e livremente os diversos atos, elas teriam de ser representadas. Não é assim. A categoria da

capacidade de exercício só é aplicável às pessoas singulares. As pessoas coletivas – e, com

elas, as sociedades – são tão-só capazes, nos termos que acima deixámos expressos, e com

os limites legais.

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Os representantes das sociedades: as sociedades comerciais são representadas pelos

administradores respetivos. Trata-se de uma regra constante do artigo 996.º, n.º1 CC e dos

artigos 192.º, n.º1, 252.º, n.º1 e 405.º, n.º2 CSC. Tratar-se-á de verdadeira representação? A

resposta é claramente negativa: estamos perante uma representação orgânica, que só um

plano muito imediato e empírico tem a ver com a representação legal (a que permite suprir

incapacidades dos menores e dos interditos). Para tanto, ela disporá de meios: os seus órgãos.

Os titulares dos órgãos agem: o que façam, ope legis, é imputado à pessoa coletiva. É a

representação orgânica. A representação orgânica não é representação em sentido próprio.

Segundo Savigny, as pessoas coletivas teriam capacidade de gozo: mas não de exercício. Este

pressuporia uma essência pensante e volitiva, apenas concebível na pessoa singular. O

problema teria de ser resolvido de modo semelhante ao dos menores e dos inimputáveis,

requerendo representantes. É a teoria da representação. Contrapõe-se-lhe a teoria orgânica,

que remonta a Otto Von Gierke. Segundo este autor, a pessoa coletiva equivale a um

organismo, totalmente capaz através de órgãos próprios. Estes poderiam, evidentemente,

designar representantes, tal como qualquer pessoa singular o poderá fazer. A teoria orgânica

veio a prevalecer: mercê da própria lógica da personificação, a vontade das pessoas coletivas

é expressa, diretamente, pelos órgãos próprios. As maiores consequências da teoria orgânica

refletir-se-iam, todavia, no problema da responsabilidade.

A tutela de terceiros: as regras referentes à orgânica das sociedades acabam por se

refletir nos poderes de representação dos seus administradores. Tai regras podem variar: em

função do tipo social, dos estatutos e do próprio Direito nacional em causa. Nessas

circunstâncias, o comércio internacional e a própria liberdade de estabelecimento podem ser

afetados. Perante uma sociedade nunca se saberia, precisamente, com que orgânica se lida e,

daí, qual a concreta extensão dos poderes dos administradores. Tudo visto, compreende-se

que logo a 1.ª Diretriz do Direito das Sociedades (Diretriz n.º 68/251, 9 março), tenha

disposto no sentido de garantir a posição de terceiros perante todas essas eventualidades.

Retemos as seguintes regras:

As eventuais irregularidades registadas na designação de representantes das

sociedades são inoponívei a terceiros, salvo se a sociedade provar que estes as

conheciam (artigo 8.º);

As sociedades vinculam-se perante terceiros pelos atos praticados pelos seus órgãos,

mesmo quando alheios ao objeto social, exceto se for excedido o que a lei atribuir ou

permitia atribuir a esses órgãos (artigo 9.º, n.1º).

As limitações estatutárias aos poderes dos órgãos, bem como as derivadas de

deliberações, são sempre inoponíveis a terceiros, mesmo quando publicadas (artigo

9.º, n.º2).

Estas regras constam do Direito português, embora em termos sistematicamente repartidos.

Desde logo, a designação dos administradores está sujeita a registo comercial (artigo 3.º, n.º1,

alínea m) CRC). Quando o competente registo seja declarado nulo, são protegidos entretanto

adquiridos por terceiro, a título oneroso e de boa fé (artigo 22.º, n.º 4 CRC): trata-se de uma

manifestação de publicidade positiva. Quanto à existência de limitações induzidas do fim, do

objeto ou dos estatutos, e que já ponderámos a propósito da capacidade propriamente dita

(ou de gozo) das sociedades, opera o artigo 6.º, n.º4 CSC: eles não limitam a capacidade da

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sociedade e, no que aqui releva: o âmbito da representação (orgânica) dos titulares dos seus

órgãos. Para se desencadearem os efeitos próprios da representação (orgânica), basta que o

administrador pratique um ato invocando essa sua qualidade e o estar a agir em nome

(contemplatio domini) e por conta da sociedade. Não se requer qualquer autorização, para que

surja a imputação dos atos à sociedade. Fica sempre ressalvada a hipótese de má fé do terceiro.

A má fé é, aqui, o conhecimento da falta de poderes orgânicos (de representação) ou a

violação de um dever elementar de indagação de tais deveres. Assim e em regra: as sociedades

obrigam-se com duas assinaturas. Surgindo apenas uma, fácil é verificar se, in casu, o pacto

estabeleceu um esquema de vinculação por, apenas, um dos administradores ou, até, se

estamos perante um administrador único. A falsa invocação da qualidade de administrador,

não havendo registo, não permite a imputação à sociedade. ´

A responsabilidade das pessoas coletivas: comecemos por fixar o quadro legal.

Segundo o artigo 165. CC:

«As pessoas coletivas respondem civilmente pelos atos ou omissões dos seus representantes,,

agentes ou mandatários nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos atos ou

omissões dos seus comissários».

O artigo 998.º, n.º1 CC, repete, à letra, esse preceito, aplicando-o às sociedades civis puras.

Já o artigo 6.º, n.º5 CSC, usa uma fórmula diferente:

«A sociedade responde civilmente pelos atos ou omissões de quem legalmente a represente, nos

termos em que os comitentes respondem pelos atos ou omissões dos comissários».

A responsabilidade do comitente consta do artigo 500.º CC, enquanto a do representante

deriva do artigo 800.º CC. Adiantamos que estas fórmulas e remissões não são satisfatórias.

Todavia, se forem bem interpretadas, poderemos colocar o Direito civil português dentro

dos atuais parâmetros da responsabilidade civil das pessoas coletivas. Numa fase inicial, as

pessoas coletivas eram consideradas insuscetíveis de incorrer em responsabilidade civil.

Mesmo ultrapassando a ideia de ficção e da não aplicabilidade analógica de normas e

realidades ficciosas, quedavam dificuldades de fundamentação: a responsabilidade, depois de

atormentada evolução, teria de se basear sempre na culpa; ora a pessoa coletiva não poderia

ter culpa. Além disso, foi levantando um segundo obstáculo: sendo a pessoa coletiva incapaz,

ela teria sempre de se fazer representar. E os poderes de representação não se alargariam a

atos ilícitos. O primeiro avanço consistiria em estabelecer a responsabilidade civil das pessoas

coletivas. Procedeu-se em duas fases:

A da responsabilidade contratual: fácil foi demonstrar que a pessoa coletiva não

podia cumprir as suas obrigações; seriam mesmo injusto ilibá-la, nesse ponto, de

responsabilidade, uma vez que isso iria provocar grave desigualdade nos meios

económico-sociais; e

A da responsabilidade delitual ou aquiliana: veio originar várias teorias, acabando

a doutrina por se fixar na do risco: o comitente, por beneficiar de condutas alheias,,

deveria, também, correr o risco de elas se revelarem danosas: responderia, pois,

objetivamente, isto é: mesmo sem culpa.

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A solução de responsabilizar as pessoas coletivas, em termos aquilianos, pelos atos dos seus

representantes e através do esquema da imputação ao comitente, não era satisfatória: nem

em termos jurídico-científicos, nem em termos práticos.

Passa-se, pois, a uma terceira fase: a pessoa coletiva responde diretamente pelos atos ilícitos

dos titulares dos seus órgãos, desde que tenham agido nessa qualidade. Em Portugal, a

responsabilização direta das pessoas coletivas, por atos dos seus órgãos, foi defendida por

Manuel de Andrade, em termos cuidadosos e convincentes. Um tanto na mesma linha Ferrer

correia, no seu anteprojeto distinguiu a responsabilidade da pessoa coletiva pelos ato e

omissões dos seus representantes estatutários, que era direta e resultante de atos e omissões

dos seus agentes e mandatários, que seguia os meandros da responsabilidade dos comitentes.

Infelizmente, esta contraposição perdeu-se nas revisões ministeriais. O artigo 165.º CC

uniformiza, sob a imputação ao comitente, os atos ou omissões dos representantes, agentes

ou mandatários. De, assim, azo às confusões subsequentes. Com uma agravante: contagiou

as próprias sociedades, como se alcança do artigo 998.º, n.º1 CC, e do artigo 6.º, n.º5 CSC.

Hoje, a possibilidade de submeter as sociedades ás diversas sanções está adquirida. Perante

o teor literal dos artigo 265.º e 998.º, n.º1 CC, reforçado, para mais, pelo artigo 6.º, n.º5 CSC,

que fala em «quem legalmente a represente», alguma doutrina tem sido levada a pensar que, para

efeitos de responsabilidade civil aquiliana, a pessoa coletiva é um comitente, sendo o titular

do seu órgão um comissário, de modo a aplicar o artigo 500.º CC. Há que procurar uma

solução alternativa: fácil, de resto, uma vez que beneficiamos da doutrina de Manuel de

Andrade e das de outros países, que se viram na situação de fazer evoluir o seu pensamento

na matéria. A pessoa coletiva é uma pessoa. Logo, ela pode integrar, de modo direto, «aquele

que, com dolo ou mera culpa», referido no artigo 483.º CC. A culpa – um juízo de censura!

– é-lhe diretamente aplicável: nada tem a ver, na conceção atual, com situações de índole

psicológica. O artigo 165.º CC não tema ver com a responsabilidade das pessoas coletivas

por atos dos seus órgãos: antes dos seus representantes (voluntários ou legais, porquanto nos

termos da lei), eventualmente constituídos para determinados efeitos, dos seus agentes e dos

seus mandatários. E aí já fará sentido para a imputação ao comitente. O Código Civil dá-nos,

ainda, um argumento sistemático, que depõe no mesmo sentido. O artigo 164.º, n.º1 fala em

obrigações e responsabilidade dos «titulares dos órgãos das pessoas coletivas»: expressão correta,

dentro do prisma da representação orgânica. Assim, quando no artigo 165.º refere os

representantes das pessoas coletivas, não pode querer dizer os mesmos «titulares dos órgãos»;

será uma realidade diferente e, designadamente: os representantes voluntários,

expressamente escolhidos para a concussão de um contrato ou para qualquer outro efeito.

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Conceção tradicional do Princípio da Especialidade

Artigos 160.º, n.º1 e 6.º, n.º1 CSC limitam a capacidade de gozo das pessoas coletivas pelo fim

violação Nulidade por incapacidade

Superação do Princípio da Especialidade

Por via pragmática

A referência ao fim seria lida como escopo lucrativo numa

tipologia do fim

Antunes Varela, Jorge Coutinho de Abreu e Osório de

Castro

violação Nulidade por incapacidade

Por via dogmática

Deslocação do núcleo

problemático

Formulação positiva do

princípio da especialidade Rejeição ou superação pura

Dá-se um desvio do fim;

trata-se de legitimidade; não

de capacidade.

Os artigos em questão apenas

definem positivamente a

capacidade dos entes coletivos

e vêm, comente, sofrer de

ilegitimidade na prática de

atos de desvio do fim

O princípio da especialidade

encontra-se ultrapassado, a

única limitação é a sua

natureza, distinta da pessoa

singular.

Oliveira Ascensão e Pedro

Pais de Vasconcelos

Pedro de Albuquerque

João Espírito Santo

Diogo Costa Gonçalves1

Menezes Cordeiro

Violação

Anulabilidade por ilegitimidade

Nulidade por violação de

normas injuntivas e abuso do

Direito (artigo 280.º CC)

1 Este autor, refere ser a única solução aproveitável a superação pura mas, por impossibilidade dogmática, refere a cedência à solução, no seu entendimento, unicamente aproveitável: a da superação pela formulação positiva do princípio.

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Assim, em termos práticos, temos de distinguir:

Atos Deliberações

Efetuados pelos representantes da sociedade (v.g. os elementos do órgão de administração)

Efetuadas pelos sócios (artigos 53.º e seguintes CSC – e 256.º e seguintes CSC para as Sociedades por Quotas e 373.º e seguintes CSC para as sociedades anónimas)

e sendo os objeto e a capacidade representados da seguinte forma

α O objeto da sociedade

β A capacidade da sociedade

χ O que se encontra fora da capacidade e do objeto

Assim, os problemas surgem-nos em duas formas e possibilidades:

Fora da capacidade

(χ)

Temos prática de

Atos Deliberações

A consequência é a nulidade: Menezes Cordeiro – artigo 180.º CC Restante doutrina – artigo 294.º CC.

A consequência também é a nulidade: Menezes Cordeiro – artigo 56.º, n.º1, alínea c) CSC; Restante doutrina – Artigo 56.º, n.º1, alínea d) CSC

Dentro da capacidade mas fora do

objeto

(β-α)

Temos prática de

Atos Deliberações

Artigo 6.º, n.º4 CSC – o ato é válido, já que o objeto não limita a capacidade. Mas é eficaz?

Sofrem anulabilidade (artigo 56.º, n.º1, alínea a), ex vi artigos 9.º, n.º1, alínea d) e 11.º CSC) e uma eventual responsabilidade nos termos do artigo 72.º CSC do administrador, com eventual despedimento por justa causa.

SQ artigo 260.º CSC

Sim, salvo terceiro de má fé

SA artigo 409.º CSC

Sim, salvo 3.º de má fé

SNC artigo 192.º CSC

Não, salvo confirmação unânime de

todos os sócios

α β

χ

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Ao que devemos considerar:

1. O objeto mediato: escopo lucrativo (artigo 980.º CC e 21.º., n.º1, alínea a) CSC): dar

lucro, concretizado pela cláusula do objeto social (este último, concretizado pelos

sócios que será particularmente especificado e concretizado pela administração.

2. O objeto imediato: o objeto social (artigo 11.º, n.º2 CSC e Contrato de Sociedade),

concretizando as atividades, ao abrigo do artigo 11.º, n.º3 CSC, por deliberação dos

sócios (que, numa sociedade por quotas, cabe aos gerentes – artigo 259.º CSC – e nas

anónimas à administração – artigo 405.º CSC)

Assim, quanto ao artigo 6.º, n.º3 CSC:

Há que determinar o fim da sociedade e o seu interesse:

o Porém, no artigo: Fim da sociedade = interesse.

o O artigo não faz qualquer sentido porque se redunda no mesmo conceito.

o Como tal, a prestação da garantia é conforme ao interesse da sociedade?

Se sim Se não

Pode ser prestada Não pode ser prestada

Mas, ora, o interesse da sociedade é:

Coutinho de Abreu: o desejo de todos os sócios;

Menezes Cordeiro: o definido pela sociedade através dos sócios.

Este interesse, pode ter-se em duas perspetivas:

Ideia tradicional (contratualista): o interesse da sociedade é o mesmo que o

interesse dos sócios.

o Mas não todos, porém: há que separar os interesses dos sócios como interesse

como sócios e não na globalidade das suas pessoas.

Ideia institucionalista: a sociedade, à medida que se vai desenvolvendo,

autonomiza a sua existência face aos seus criadores e sintetiza os interesses dos

sujeitos que com elas tratam (artigo 64.º CSC – sujeitos relevantes para a sociedade).

Assim, o interesse é limitado exogenamente (há uma heterolimitação do interesse).

Mas há ramos que limitam o Direito dos Consumidores e com a sociedade, etc. (os

seus fatores externos) que não o Direito das Sociedades Comerciais – que regula a

ordem interna as sociedades.

Temos como sujeitos relevantes

para a sustentabilidade da sociedade

os do artigo 64.º, n.º1, alínea b) CSC

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Donde, seguindo Menezes Cordeiro, o interesse definido pela sociedade através dos sócios

é um interesse em sentido subjetivo (relação de apetência entre o sujeito e o objeto que realiza

nas suas atividade). Ou seja, ele é feito numa sintetização, descendente, pela:

1. Lei;

2. Contrato de Sociedade;

3. Sócios;

4. Administração: só esta precisa e deixa antever o que é o interesse da sociedade.

Donde, a delimitação do interesse é feito através dos diversos órgãos da sociedade que

definirá o interesse para os sócios enquanto sócios: o interesse em sentido objetivo. Ou seja,

é o terceiro que define a apetência a satisfazer as necessidades do sujeito. Tal juízo tem de

ser feito sempre no momento em que se praticam os atos.

Mas como articular os artigos 6.º, n.º3, 64.º, n.º1 e 72.º, n.º1 CSC?

Quanto às relações de grupo e à prestação de garantias, a 2.ª parte do n.º3 do artigo 6.º CSC:

Grupos de sociedades

De iure (relações de grupo) De facto (relações de domínio) artigo 486.º CSC

Domínio total (artigos 488.º a

491.º CSC)

Titularidade de 100% do capital de uma sociedade

Influência dominante de uma sociedade sobre outra (índices de atribuição presentes no artigo 486.º, n.º2 CSC)

Contrato grupo paritário

(artigo 492.º CSC)

As sociedades voluntariamente se sujeitam a uma co-direção

Se a sociedade-mãe está em condições de, faticamente, sobre a contratação e destituição, remuneração da administração, da sociedade filha.

Contrato de subordinação

(artigos 493.º a 508.º CSC)

A sociedade-mãe comanda e a sociedade filha obedece (subordinação) mas a sociedade mãe responde pelas dívidas da sociedade filha (por remissão – artigos 503.º e 501.º CSC)

Fixa a bitola de

diligência

normativa

aplicáveis aos

casos

Se não forem feitos sob tal

juízo, aplicar-se-á o regime da

responsabilidade dos

administradores ou gerentes.

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Assim, quanto às garantias e doações:

Coutinho de Abreu – os atos gratuitos obstam ao fim lucrativo, a não ser que haveria algum

intuito lucrativo por trás

Menezes Cordeiro – os atos terão de ser aferidos em concreto, donde apenas a proibição

legal expressa pode obstar a praticar esses atos.

Quem deve provar o interesse próprio:

quem beneficia da garantia; ou,

o terceiro?

Menezes Cordeiro e Supremo Tribunal de Justiça – quem invoca a nulidade tem o ónus de

provar a falta de interesse próprio.

Coutinho de Abreu e Osório de Castro – quem quer manter a garantia tem de provar o

justificado interesse próprio.

Mas, quanto às garantias:

Pedro Albuquerque – qualquer sociedade pode prestar;

Osório de Castro – só as sociedades mãe para as filhas e nos grupos de direito (não dos de

facto).

Assim, a realidade, deve ser aferida da seguinte forma:

1. Na sociedade mãe (SM) para a sociedade filha (SF):

2. Na sociedade filha (SF) para a sociedade mãe (SM):

Ao prestar a

garantia, perde

capital nesse ato

- €

Dividirá os seus lucros, na

prossecução do seu fim a

que a garantia era necessária,

com esta

++€

Ao prestar a

garantia, perde

capital nesse ato

- €

Capital esse que não

recupera pois esta

não dividirá lucros

consigo.

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Secção III – As sociedades e as exigências dogmáticas

do sistema

Generalidades: as sociedades integram-se no sistema jurídico que as legitima e à luz do

qual se desenvolve a Ciência do Direito que, na prática, lhes irá dar existência social. Elas

deveriam inserir-se, por isso, dentro da harmonia global do sistema em causa. A assim não

ser, teremos distorções que põem em causa a adequação valorativa do conjunto e, no limite,

a própria positividade do Direito. Todavia, sabemos que as muitas regras que compõem o

Direito das Sociedades têm origens periféricas: histórica e culturalmente condicionadas.

Apesar da pressão que a Ciência do Direito sobre elas exerce, é de esperar insuficiências e

desalinhamentos capazes de se manifestarem in concreto. O próprio sistema oferece saídas.

Com efeito, através de diversos institutos, com relevo para o princípio geral da boa fé, o

sistema conserva um controlo sobre as soluções periféricas. Quando, mercê do Direito

estrito, estas se apresentem contrárias aos valores mais profundos do sistema, a Ciência do

Direito intervém, restabelecendo a harmonia. No Direito Civil, esse esforço é prosseguido,

em especial, com recurso ao abuso do direito. No Direito das Sociedades, surgem dois

institutos especialmente vocacionados para assegurar, na periferia, a primazia dos valores do

sistema. São eles:

O levantamento da personalidade coletiva;

O princípio da lealdade.

§6.º - O levantamento da personalidade das sociedades

A delimitação interna das sociedades terminologia e antecedentes: as exigências do

sistema jurídico impõem restrições ao funcionamento das sociedades. Comecemos por uma

delimitação interna. Mercê do sistema, as suas normas societárias perdem aplicação, em

certas circunstâncias, deixando aparecer a realidade subjacente. Estamos perante uma figura

que se impôs por várias ordens de fatores. Como vimos, os ordenamentos atuais

desinteressam-se pelos substratos das pessoas coletivas, particularmente das sociedades.

Estas dependem, na sua constituição e na sua sobrevivência, de requisitos puramente formais:

podem, pois, não apresentar qualquer significado social, económico ou humano. Mas o

Direito Positivo, sempre que encontre uma sociedade com ou sem substrato –, passa a

regular as situações a ela inerentes reportando-se-lhe como ente autónomo. Funciona, então,

em modo coletivo, atingindo as condutas singulares apenas através das regras complexas da

personalidade coletiva e do seu funcionamento interno. O poder de atuar através de

sociedades tem limites intrínsecos. Logo à partida, seria estranho que tal poder fosse

absoluto, permitindo contrariar os dados fundamentais do ordenamento. A doutrina que

sustenta, explica e aplica tais limites é a do levantamento da personalidade. Em 1955, um

professor alemão de nome Serick veio apresentar as possibilidades de levantamento por

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abuso de forma jurídica de uma pessoa coletiva: o juiz deve abstrair da estrita separação

entre os membros e a corporação, quando haja abuso da pessoa coletiva; há abuso quando,

com recurso à pessoa coletiva, se contorne uma lei, se violem deveres contratuais ou se

prejudiquem fraudulentamente terceiros. A sede jurídica residiria na boa fé, embora no fundo

se assistisse à violação da própria personalidade coletiva. Serick refere, ainda, diversas

possibilidades, como a ocorrência de comportamentos contraditórios. A pessoa coletiva não

deve igualmente ser usada para – ou abusada para – frustrar o escopo de uma norma ou de

um negócio; também os escopos de regras dirigidas a pessoas singulares devem prevalecer.

A receção em Portugal: em Portugal o instituto do levantamento da personalidade

coletiva foi acolhido por via doutrinária. Deve-se a Ferrer Correia. Este autor, estudando o

problema das sociedades unipessoais, que apela, para o efeito, à boa fé e ao abuso do direito.

Galvão Telles já havia proposto a utilização deste instituto, designando-o superação da

personalidade jurídica. Curiosamente – e num caso de refluxo da literatura brasileira sobre a

doutrina nacional – a doutrina do levantamento foi incrementada pela obra, de certo

excelente, de Lamartine Correia de Oliveira. Referida por Mota Pinto, ela foi especialmente

divulgada por Oliveira Ascensão, daí advindo o termo desconsideração.

Grupos de casos típicos: o levantamento da personalidade não deriva de meras

lucubrações teóricas. Trata-se de um instituto surgido a posteriori para sistematizar e explicar

diversas soluções concretas, estabelecidas para resolver problemas reais, postos pela

personalidade coletiva. Na sua origem, encontramos uma multiplicidade de casos concretos.

A doutrina que se tem preocupado com o levantamento procede a classificações. Existem

várias formas de agrupar os casos concretos em jogo, embora seja patente uma certa

estabilização.

A confusão de esferas jurídicas: verifica-se quando, por inobservância de certas

regras societárias ou, mesmo, por decorrências puramente objetivas, não fique clara,

na prática, a separação entre o património da sociedade e o do sócio ou sócios. Estes

casos reportam-se, sobretudo, às chamadas sociedades unipessoais. Como regra

mantém-se, contudo, a da separação: apenas fatores coadjuvantes poderão levar ao

levantamento;

A sub-capitalização: verifica-se uma subcapitalização relevante, para efeitos de

levantamento da personalidade, sempre que uma sociedade tenha sido constituída

com um capital insuficiente. A insuficiência é aferida em função do seu próprio

objeto ou da sua atuação surgindo, assim, como tecnicamente abusiva. Para efeitos

de levantamento, cumpre distinguir entre a subcapitalização

o Nominal: a sociedade considerada tem um capital formalmente insuficiente

para o objeto ou para os atos a que se destina. Todavia, ela pode acudir com

capitais alheios.

o Material: há uma efetiva insuficiência de fundos próprios.

Quando o prolema não seja resolvido com recurso a uma norma de Direito estrito,

pensamos que ainda há margem para manter a subcapitalização como um topo de

casos próprios do levantamento. Ela pode auxiliar no apuramento do escopo das

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normas em presença; designadamente: estaria em causa a possibilidade de se apontar

a função do capital social como uma regra de tutela dos credores;

O atentado a terceiros e o abuso da personalidade: O atentado a terceiros

verifica-se sempre que a personalidade coletiva seja usada, de modo ilícito ou abusivo,

para os prejudicar. Como resulta da própria fórmula encontrada, não basta uma

ocorrência de prejuízo, causada a terceiros através da pessoa coletiva: para haver

levantamento será antes necessário que se assista a uma utilização contrária a normas

ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios. Sub-hipótese particular é a do

recurso a testas-de-ferro. No fundo, o comportamento que suscita a penetração vai

caracterizar-se por atentar contra a confiança legítima (venire contra factum proprium,

supressio ou surrectio) ou por defrontar a regra da primazia da materialidade subjacente

(tu quoque ou exercício em desequilíbrio). É certo que todos os outros casos de

levantamento traduzem, em última instância, situações de abuso; neste, porém, há

uma relativa inorganicidade do grupo, que deixa, mais diretamente, a manifestação

de levantamento, perante a atuação inadmissível.

Cumpre ter novamente presente que uma ordenação de grupos de problemas não é, de modo

algum, uma classificação: há disfunções e áreas de sobreposição sem que, por isso, o esforço

perca a sua utilidade. O atentado à boa fé deve ser muito nítido, para justificar o levantamento:

a regra é, sempre , a da personalidade autónoma.

As teorias explicativas: apuradas as constelações de casos a propósito dos quais se tem

suscitado o problema do levantamento, cumpre analisar as diversas explicações para ele

apresentadas. Existem várias sistematizações possíveis, sendo de salientar a mais difundida:

a que distingue:

A teoria subjetiva: defendida pelo próprio Serick, a autonomia da pessoa coletiva

deveria ser afastada quando houvesse um abuso da sua forma jurídica, com vista a

fins não permitidos. Na determinação dos tais fins ou escopos não permitidos,

haveria que lidar com a situação objetiva e, ainda, com a intenção do próprio agente:

na fórmula de Serick, o levantamento exigiria um abuso consciente da pessoa coletiva,

não bastando, em princípio, a não obtenção do escopo objetivo de uma norma ou

de um negócio. Serick escreveu, em 1955, contra um dos dogmas mais

profundamente radicados na moderna dogmática civilística: o da absolutização da

personalidade coletiva. Nessas condições, compreende-se que viesse apresentar a sua

construção do modo mais cauteloso e convincente possível, acrescentando-lhe

pressupostos. E com êxito: será muito difícil negar o levantamento nos exemplos

radicais em que alguém, conscientemente e com abuso, venha manipular a

personalidade coletiva só para prejudicar outrem. A fase subjetiva surge, assim, como

um episódio natural, dentro da evolução geral da ideia de levantamento: jogam-se,

tão-só, os pressupostos da responsabilidade civil.

A teoria objetiva: rejeitando a teoria subjetiva, entende que a utilização puramente

objetiva de uma pessoa coletiva fora dos limites sistemáticos da sua função seria, só

por si, já abusiva. Além disso, a exigência do elemento subjetivo específico iria

provocar insondáveis dificuldades de prova. Deveremos ainda atentar na concreta

solução pretendida com o levantamento considerado. Se se tratar, simplesmente, de

fazer responder o património do sócio por dívidas da sociedade – e, portanto: de

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fazer cessar pontualmente o privilégio da responsabilidade limitada – não se requer

qualquer culpa subjetiva. Pelo contrário, visando-se responsabilidade civil por atos

ilícitos ou pelo incumprimento das obrigações, a culpa é requerida. Não se tratará,

todavia e nessa ocasião, do específico elemento subjetivo, próprio do levantamento:

antes dos comuns pressupostos da responsabilidade civil. As teorias objetivas

resultam, à partida, da rejeição de elementos subjetivos para fazer atuar o

levantamento. Trata-se de uma evolução bastante comum, no tocante a institutos

aparentados à boa fé e que visam, no fundo, permitir uma sindicância do sistema

sobre as diversas soluções jurídicas. Numa primeira fase, tudo é feito depender das

(más) intenções do agente. Conquistado o instituto, este é objetivado, passando a

depender da pura contrariedade ao ordenamento. Abandonada a intenção, o

levantamento exigiria a ponderação dos institutos em jogo. Quando, contra a

intencionalidade normativa, eles fossem afastados pela invocação da personalidade,

esta deveria ser levantada. As orientações objetivistas dizem-se, assim, também

institucionais, tendo obtido múltiplas adesões. Desde o momento em que tudo

dependa da articulação entre os institutos em jogo, o levantamento vai exigir a

cuidada interpretação das regras em presença. As suas diversas manifestações terão

de ser estudadas. Com as teorias objetivas, o levantamento deixa de constituir uma

pena para quem manipule o ordenamento e a personalidade coletiva. Todavia,

perante elas, o levantamento tende a perder autonomia, seja institucional, seja no

plano da sua justificação.

A teoria da aplicação das normas: apresentada por Müller-Freienfels, logo em

1957, o levantamento não traduziria, propriamente, um problema geral da

personalidade coletiva: tratar-se-ia, antes, de uma questão de aplicação das diversas

normas jurídicas. Quando, particularmente por via do seu escopo, elas tivessem uma

pretensão de aplicação absoluta ou visassem atingir a realidade subjacente à própria

pessoa coletiva, aplicar-se-iam. O detrimento das regras da personalidade seria uma

mera consequência daí decorrente. Noutros termos: haveria levantamento sempre

que, por exigência de uma norma concretamente prevalente, não tivesse aplicação

uma norma própria da personalidade coletiva. A teoria da aplicação das normas é,

em rigor, objetiva, tendo bastante êxito. Também ela segue um movimento habitual

nos institutos que nascem sob a égide da boa fé ou dos princípios gerais que remetem

para o sistema: numa primeira fase, eles bastam-se com essas remissões;

subsequentemente eles ganham em precisão dogmática, abandonando as áreas

indeterminadas donde proveem: tornam-se Direito estrito. Parece-nos paradigmática,

neste domínio, a orientação de Jürgen Schmidt: o levantamento teria de se acolher

ao escopo das normas em presença, por ser insuficiente o apelo à boa fé. Uma

menção especial às considerações de Günter Weick: como ponto de partida, há que

ponderar o escopo das normas em presença, mas a própria boa fé poderia intervir,

designadamente quando a invocação da personalidade coletiva implicasse um venire

contra factum proprium. A teoria da aplicação das normas não deve, porém, levar a

esquecer que a personalidade coletiva tem valores próprio, não sendo um mero jogo

de (outras) normas: visa limitar a responsabilidade, e funcionalizar patrimónios

autónomos.

Orientações negativistas: estas teorias negam, direta ou indiretamente, a autonomia

ao levantamento da personalidade, enquanto instituto. O levantamento lidaria com

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proposições vagas, conduzindo à insegurança. Assim, haveria antes que determinar

os deveres concretos que, em certos casos, incidam sobre os membros das pessoas

coletivas. No limite, apenas poderíamos responsabilizar os dirigentes ou

administradores das pessoas coletivas, por falta de diligência. Ao negativismo frontal

de Wilhelm, podemos acrescentar negativismos indiretos. É o que sucede com a

recondução do levantamento à fraude à lei, figura essa que, de resto, não tem

autonomia nem no Direito alemão, nem no português: ele diluir-se-ia no vetor mais

amplo a que se reconduz a fraude à lei sem apresentar autonomia dogmática.

Também o esquecimento do instituto ou a mera referência sem conteúdo dogmático

acaba por se traduzir numa forma de negativismo.

Menezes Cordeiro: o levantamento conquistou a sua posição na Ciência do Direito. Seja

qual for a explicação dogmática encontrada, não restam dúvidas sobre a sua capacidade em

facultar soluções mais adequadas para diversos problemas. Rejeitá-lo ou ignorá-lo ad nutum

apenas iria enfraquecer o moderno instrumento jurídico. O levantamento da personalidade

coletiva, seja pela sua origem jurisprudencial casuística, seja pela riqueza dos contributos

jurídico-científicos que encerra, surge, à primeira vista, com um conteúdo diversificado. Na

verdade, os desenvolvimentos anteriores permitem descobrir, no seu seio:

Situações de violação não-aparente de normas jurídicas: a pretexto da

personalidade coletiva, são descuradas normas de contabilidade, de separação de

patrimónios ou de clareza nas alienações;

Situações de violação de normas indeterminadas ou de princípios: as pessoas

que têm a seu cargo a administração de pessoas coletivas agem sem a diligência

legalmente requerida para tais funções;

Situações de violação de direitos alheios ou de normas destinadas a proteger

interesses alheios, sob invocação da existência de uma pessoa coletiva;

Situações de emulação nas quais, sem razões justificativas, alguém usa uma

pessoa coletiva para causar prejuízos a terceiros;

Situações de violação da confiança ou de atentado às valorações subjacentes,

através de pessoa coletiva;

Situações em que pessoas coletivas são usadas fora dos objetivos que levaram

as normas constituintes respetivas a estabelecê-las;

Situações em que jogos de pessoas coletivas são montados ou atuados para

além dos princípios básicos do sistema.

Perante a apontada diversidade, seria vão procurar uma noção explícita de levantamento ou

indagar, para ele, uma natureza unitária e autónoma. Tão-pouco adianta reportar o assunto à

fraude à lei: figura que, de resto e como referimos, não tem autonomia no Direito português.

A fraude à lei apenas permitiria referenciar, das situações elencadas, aquelas em que o agente

usasse a pessoa coletiva – forma lícita – para prosseguir efeitos proibidos. Teríamos, aí, uma

comum ilicitude, que deixaria de fora vários dos fenómenos acima referenciados. A (aparente)

falta de unidade interna tem levado alguns autores a perder o interesse pelo levantamento.

Esquece-se, com isso, a natureza sistemática da Ciência do Direito. Este é sistemático,

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também, a nível de exposição. Somos por isso levados a admitir institutos de enquadramento.

Trata-se de institutos que reúnem em função de pontos de vista ordenativos – porventura,

mesmo: periféricos – figuras que, de outro modo, ficariam dispersas. A junção assim

conseguida poderá, à partida, ter escasso conteúdo dogmático. No entanto, esse conteúdo

surge após a procurada ordenação. O espaço criado permite aprofundar o velho mote de

tratar o igual de modo igual e o diferente, de forma diferente, de acordo com a medida da

diferença. O levantamento é um instituto de enquadramento, de base aparentemente

geográfica, mas com todas as vantagens científicas e pedagógicas dele decorrentes.

Guardadas as devidas distâncias, outro tanto se passa com a própria boa fé. Reunindo

institutos de origens muito diversas – culpa in contrahendo, abuso do direito, alteração das

circunstâncias, complexidade intraobrigacional e interpretação do contrato – a boa fé

permitiu afeiçoá-los a todos, inserindo-os, de modo mais cabal, na complexidade do sistema.

Regressemos às experiências práticas de levantamento, jurisprudencial e doutrinariamente

documentadas. Mau grado a variedade de situações, é possível reconduzi-las a três grandes

grupos:

Situações de responsabilidade civil assentes em princípios gerais ou em normas de

proteção;

Situações de interpretação integrada e melhorada de normas jurídicas;

Situações de abuso do direito ou, se se preferir: de exercício inadmissível de posições

jurídicas.

No fundo, as teorias historicamente surgidas para explicar o levantamento estão todas

representadas: a teoria subjetiva de Serick cobre as hipóteses de responsabilidade civil; a

teoria do escopo das normas, de Müller-Freienfelds, tem a ver com a interpretação integrada

e melhorada de normas jurídicas; a teoria objetiva ou institucional visa o abuso do direito.

Resta concluir: as diversas teorias documentam facetas próprias do levantamento,

correspondendo a progressões da mesma ideia. Elas não se opõem: completam-se. Posto

isto, grupos inteiros de casos que lhe são reconduzidos poderiam ser recolocados noutros

institutos: na responsabilidade civil e nas diversas normas cuja interpretação melhorada

permite, in concreto, julgar que o legislador decidiu reportar-se diretamente a situações

subjacentes à pessoa coletiva considerada. Um último núcleo concentrar-se-ia, como rubrica

pequena e vagamente autónoma, no abuso do direito. Má solução: apesar da apontada

fragmentação dogmática, apenas a ideia global do levantamento permite: alcançar novas e

mais apuradas hipóteses de responsabilidade civil; obter perspetivas aprofundadas de

interpretação normativa; conquistar vias mais finas de concretização da boa fé. Ainda que

como (mero) instituto de enquadramento, o levantamento tem uma eficácia dogmática: a

natureza sistemática do pensamento jurídico a tanto conduz. No fundamental, o

levantamento traduz uma delimitação negativa da personalidade coletiva por exigência do

sistema ou, se se quiser: ele exprime situações nas quais, mercê de vetores sistemáticos

concretamente mais ponderosos, as normas que firmam a personalidade coletiva são

substituídas por outras normas. Em estudos anteriores, procurámos fazer uma distinção

entre

Levantamento amplo: abrangia todas as situações de levantamento,

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Levantamento estrito: reportar-se-ia apenas àquelas em que isso ocorra por exigência

da boa fé.

A distinção tem alguma utilidade, desde que não nos esqueçamos de que mesmo o

levantamento amplo tem eficácia dogmática, ajudando a localizar problemas e a apontar

soluções. No Direito português, as facilidades legislativas permitiriam mesmo prever, em lei

expressa, problemas típicos do levantamento: é o que sucede com a responsabilidade do

sócio único, hoje vertida no artigo 84.º CSC. Outros casos poderiam seguir destino

equivalente sem, todavia, esgotarem o filão: a própria evolução das sociedades e da economia

acaba por gerar novos problemas, exigindo novas soluções de levantamento, a retirar da boa

fé e do sistema. Pense-se nas multinacionais que atuem, sem rosto, através de fachadas

societárias, para se esquivarem a responsabilidades ou ao risco próprio das atuações que

desenvolvam. A redução dogmática proposta confirma a noção de personalidade coletiva,

acima preconizada. Esta, sem prejuízo pela dimensão ético-normativa que necessariamente

a enforma, é um produto da ordem jurídica, estabelecido por esta, de acordo com os critérios,

que lhe são próprios. E porque assim é, o sistema conserva um controlo intrínseco, no mais

fundo plano ontológico, sobre a personalidade e os seus limites. Em suma: apenas uma

essência normativa da personalidade se compadece com limites internos. Fosse ela uma

realidade extrínseca e todos os limites seriam, também, exteriores. Pela mesma via,

confirmamos e recuperamos um dos dados da moderna teoria da personalidade coletiva: a

da sua relativização. Ela não integrará um dado absoluto, antes se inserindo no sistema e nos

seus valores.

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Assim, quanto à aplicação da desconsideração da personalidade coletiva:

O Direito sempre que encontra uma sociedade, regula-o como ente autónomo dos seus

sócios, ou seja, como consequência da personificação, a sociedade tem direitos e deveres

próprios repercutíveis nos sócios, aos quais não vão ser imputados direitos ou deveres que a

esta se vinculam, não se confundindo com os dos seus sócios.

Porém, o mesmo Direito, reconhece que tal imputação e autonomização traz riscos ao se

poder atuar através de uma pessoa coletiva. Como tal, têm de haver limites: a desconsideração

da personalidade coletiva, como instituto, fá-lo: associando-o ao abuso do Direito e à Boa fé,

pelas mãos da doutrina).

Ou seja, há um juízo de censurabilidade feito pelo ordenamento (já que se trata de um

instituto de enquadramento) por se estar a utilizar o instituto das sociedades comerciais para

fins próprios de outros que não os da sociedade em si. A limitação, através da

desconsideração da personalidade coletiva, pode ser vista como positivada em vários

preceitos, sendo um deles – presente no Código das Sociedades Comerciais – o artigo 84.º,

n.º1 CSC: temos, valorativamente, uma limitação à autonomia patrimonial, sempre que os

credores encontrem-se sem património para solver os seus créditos devido ao não respeito

da afetação dos bens da sociedade ao seu próprio fim.

Na aplicação desta desconsideração (considerada casuisticamente, como vimos) existem 4

formas (segundo Menezes Cordeiro) de agrupar os casos concretos:

1. Confusão de esferas: dá-se quando, por inobservância de regras societárias, não fica

claro o património do sócio e o património da sociedade. Pode dar-se, ainda, através

de:

a. Aquisição de ações próprias;

b. Sócio único (artigo 84.º CSC).

2. Subcapitalização: verifica-se verificando uma manifesta inadequação do capital à

prossecução do objeto da dita sociedade. Pode ser:

a. Nominal: quando a sociedade tem capital insuficiente mas pode socorrer-se

de fundos alheios;

b. Material: quando nem os fundos alheios nem os próprios são suficientes.

3. Atentado a terceiros: consubstanciando-se numa atuação contrária à lei e à prática

ética dos negócios, atentando contra terceiros. Requer:

a. Prejuízo;

b. Atuação contra terceiros, intencionada em lesa-los.

4. Abuso de personalidade: associado, basilarmente, ao abuso do Direito.

A Jurisprudência, mais recentemente, tem reconhecido o instituto:

Ac. RLx 29-Abr-2009

Ac. STJ 5-Fev-2009

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Segundo Ana Perestrelo, nos grupos de sociedades, face à relação de grupo, há uma exceção

(uma deviance) a este princípio, um desvio: donde, se a sociedade-filha não tem capacidade de

se autodeterminar, pois é a sociedade-mãe que a determina, a sociedade mãe é quem

responde pelas dívidas da sociedade-filha. Porém, nesses casos, havendo uma proximidade

valorativa, não é necessário que se invoque o instituto da desconsideração da personalidade

coletiva, sendo que este é a válvula de escape regulativa (aplicável na falta de qualquer outro

instituto – não se esqueça que este é um instituto de enquadramento, que reúne num instituto

o que de outras formas estariam dispersos, como a boa fé, o abuso de Direito, devido às

valorações sistemáticas).

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§7.º - O princípio da lealdade

Sentido geral e aspetos periféricos: diz-se haver lealdade na atuação de quem aja de

acordo com uma bitola correta e previsível. Perante uma pessoa leal, o interessado dispensa

a sua confiança. Daí resultam, desde logo, os seguintes vetores:

A preferência: perante uma multiplicidade de hipóteses, o interessado será levado a

acolher a situação encabeçada por quem se afigure leal;

A entrega: justamente mercê da confiança depositada, o beneficiário irá baixar as

suas defesas naturais; deixará de tomar precauções que, de outro modo, seriam

encaradas;

O investimento: além da entrega passiva, o beneficiário poderá ir mais longe:

confiando, à pessoa leal, os seus próprios valores, crente de que eles serão

devidamente tratados.

Podemos apresentar a lealdade como o contraponto da confiança. Ou, pelo menos: daquela

que seja originada por uma conduta humana. A relação de lealdade envolve uma relação de

confiança na qual, o pólo ativo – o que suscita a confiança – é, precisamente, o indivíduo

leal. Se procurarmos decompor os elementos em que assenta a lealdade, encontramos dois,

já aludidos:

A previsibilidade da conduta;

A sua correção.

A previsibilidade está na base da confiança. Justamente por interessado poder,

subjetivamente, prognosticar a atuação futura de uma outra pessoa, surge, da parte dele, a

convicção que permite a preferência, a entrega e o investimento. A pessoa imprevisível não

é leal. O elemento subjetivo da prognose deve, todavia, ser completado com um fator

objetivo: o da correção da conduta na qual se confia. A verdadeira lealdade envolve a

observância de bitolas corretas de atuação. No Direito privado, encontramos quatro áreas

preferenciais de aplicação da lealdade:

A lealdade como dever acessório: acompanha as diversas obrigações, adstringindo

as partes a, por ação, preservar os valores em jogo, facultando as efetivas vantagens

aguardadas pelo credor; trata-se de um vetor especialmente marcante nas obrigações

duradouras, tendo vindo a dar corpo a regras cada vez mais precisas; no Direito

português, os deveres de lealdade enquanto deveres acessórios das obrigações

apoiam-se no artigo 762.º, n.º2 CC; a natureza específica dos vínculos constitui um

especial apelo à boa fé;

A lealdade como especial conformação de prestações de serviços: variará, aí, na

razão direta da confiança requerida; temos, aqui, uma manifestação mais intensa dos

deveres acessórios, que modelam a própria prestação principal;

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A lealdade como dever próprio de uma obrigação sem dever principal de

prestar: lembremos as adstrições legais in contrahendo assenta, entre nós, na boa fé e

no artigo 227.º CC;

A lealdade como configuração das atuações requeridas a quem gira um

negócio alheio; aproxima-se, aqui, dos deveres do gestor ou do mandatário – artigo

465.º, alínea a), 1161.º e 1162.º CC; nesta vertente, a lealdade tem um conteúdo

fiduciário.

Os deveres de lealdade distinguem-se dos deveres de proteção e dos de informação: visam

condutas positivas e promovem diretamente o escopo almejado pelo credor. Pelo contrário:

a proteção procura uma tutela indireta desse escopo, enquanto a informação (por vezes

requerida pela lealdade!) requer um conteúdo informativo. Nesta ambiência devemos

entender a lealdade – melhor: as manifestações da lealdade – no Direito das sociedades.

A lealdade no Direito das sociedades: o contrato de sociedade mais habitual ocorre

intuito personae; as partes celebram-no na medida em que tenham uma especial confiança nas

qualidades da outra parte. No âmago da sociedade ocorrem as previstas interações com vista

a um fim comum. E nesse nível refere-se a lealdade, própria das relações duradouras, com

um papel multifacetado. Esta lealdade é própria das sociedades civis sob forma civil ou das

sociedades comerciais de base pessoal. Ela decresce na sociedade por quotas e, mais ainda,

nas sociedades anónimas. Ora estas últimas constituem, sabidamente, a grande matriz do

Direito das sociedades. As sociedades anónimas surgiram e desenvolveram-se num ambiente

pouco favorável à confiança interindividual. A própria designação anónima constitui um

início de explicação. As pessoas aderiam convictas de que todos os intervenientes,

pretendendo lucros, não deixariam de agir nesse sentido. Apenas um aprofundamento

subsequente, com diversos sortilégios humanos, permitiria detetar situações onde a velha

lealdade poderia prestar serviços dogmáticos: por exigência do sistema. No campo das

sociedades, a lealdade toma diversas configurações. Analiticamente, podemos distinguir:

A lealdade dos acionistas entre si: designadamente da maioria para com a minoria

mas, também, inversamente;

A lealdade dos acionistas para com a sociedade;

A lealdade dos administradores para com a sociedade;

A lealdade dos administradores para com os acionistas.

A reforma de 2006 do CSC, particularmente quanto ao seu artigo 64.ºCSC, permite ainda

apontar outras lealdades. A sua consistência dogmática é mais do que discutível, até porque

a banalização da lealdade lhe vai tirar substância.

A jurisprudência e o apoio da doutrina: as diversas codificações comerciais

passaram em branco o tema da lealdade no âmbito das sociedades. A referência específica a

uma lealdade no campo societário surgiu, muito lentamente, na jurisprudência alemã. Num

primeiro momento, a jurisprudência veio optar pela total não-vinculação dos sócios, fora do

que a própria lei ou os estatutos determinassem. Paralelamente, a literatura era omissa quando

a um dever de lealdade, no âmbito societário. Apenas Hachenburg veio afirmar, em 1907,

que também o exercício do voto se deveria subordinar à boa fé. Os casos indicados, na sua

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globalidade, originaram uma pressão de fundo para, perante problemas manifestamente

carecidos de saídas jurídicas justas, fazer apelo aos valores fundamentais do sistema A essa

luz, não admira a penetração da referência à boa fé. Todavia e no que toca à lealdade, surgia

um problema: na falta de qualquer consagração legal, ela ocorria como um instrumento

pouco manejável. Procurar sedimentar soluções novas em conceitos desconhecidos é passo

que não se espera, por parte dos cuidadosos tribunais superiores. O hábito de decidir praeter

legem e em consonância com o sistema tinha, agora, de ser alavancado com a doutrina, de

modo a alcançar uma fórmula nova e adequada: a da lealdade. E de facto, na altura, ocorreram

diversas intervenções doutrinárias que permitiriam esse salto qualitativo. Eis a evolução:

Em 1928, Pinner ainda considera que a introdução da boa fé no Direito das

sociedades anónimas seria fonte de incertezas;

Mas nesse mesmo ano, Hachenburg, na linha de posições anteriores, afirma que o

voto não pode contrariar a interpretação de boa fé do contrato;

Em 1929, Alfred Hueck, num estudo decisivo, sistematiza a jurisprudência do

Reichsgericht determinado três situações essenciais de contrariedade aos bons costumes,

por parte das deliberações:

o oposição ao objetivo em jogo;

o abuso da maioria; e

o uso da maioria simples, quando se exigiria a qualificada;

Em 1929, Degen sublinhou a possibilidade de se estabelecerem relações específicas

entre os sócios, seja de sociedades por quotas, seja de sociedades anónimas; quando

isso sucedesse, teríamos relações de lealdade fonte, designadamente, de deveres de

informar, cuja violação poderia conduzir a uma responsabilidade aquiliana;

Também em 1929, Netter, contraditando anteriores tendências doutrinárias,

manifesta-se no sentido de uma cláusula geral limitativa do direito de voto,

sublinhando a existência de um dever de lealdade a cargo do acionista;

Em 1930, Homburger retoma essa mesma posição;

em 1932, Hachenburg, sublinha a importância da boa fé no Direito das sociedades

anónimas;

em 1934, Ritter apela para o leal tratamento entre os acionistas;

Em 1935, Siebert aplaude a jurisprudência relativa à boa fé e à lealdade, nas

sociedades anónimas.

A situação jurídica podia ser considerada madura. Além disso, ela foi facilitada pelo

pensamento cominutário-pessoal, próprio do Direito do trabalho e que se procurou alargar

aos entes coletivos. Podemos antecipar que a lealdade representaria um ganho, permitindo

dogmatizar, nas relações específicas que se estabelecerem dentro do universo societário, as

exigências do sistema. Apenas décadas mais tarde seria possível o desenvolvimento jurídico-

científico suficiente para esse passo. Nesta fase, a defesa de uma ideia de lealdade pode, ainda,

ser aproximada das conceções que pretenderam arvorar a empresa a conceito nuclear do

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Direito comercial. Em especial, tem sido notada uma certa proximidade com a ideia da

empresa em si.

A evolução posterior a 1945: após 1945, assistiu-se a um claro abandonada doutrina

da lealdade, aplicada às sociedades comerciais. Uma certa contaminação com as

considerações comunitário-pessoais propugnadas pelo pensamento nacional-socialista, quer

para contrariar o liberalismo, quer o socialismo, a tanto conduziu. De resto essa mesma

contaminação provocou, em geral, um retrocesso na aplicação prática da empresa e, até, na

própria boa fé. Evidentemente: não há conceitos maus: mau poderá ser o uso que deles se

faça, sobretudo quando se perca a sindicância de uma Ciência do Direito coerente e dotada

de valores materiais. No campo jurisprudencial, o relatado estado de coisas levou a que

apenas cerca de trinta anos mais tarde, o Bundesgerichtshof retomasse as aplicações do seu

antecessor. Como veremos, neste período foi a doutrina que iniciou a retoma da lealdade,

De todo o modo, parece-nos importante antecipar esta jurisprudência: ela documenta a

efetiva formação periférica da lealdade. Esta vem a assentar numa plêiade de distintos

problemas que, em comum, têm a necessidade de uma intervenção, in casu, dos valores

básicos do sistema jurídico e, ainda, a presença de uma especial proximidade entre dois

sujeitos. Apesar da vaguidade (natural) da linguagem, não encontramos um dever genérico

de lealdade: antes situações relacionais concretas em que esta se manifesta. Temos e

conforme acima antecipámos:

Lealdade entre acionistas individualmente tomados;

Lealdade do gerente para com o sócio;

Lealdade da maioria para com a minoria;

Lealdade da minoria para com a sociedade.

Nenhum destes vetores pode ser generalizado, sob pena, seja de perder impacto, seja de

paralisar a vida da sociedade. Assinale-se ainda que a responsabilidade dos administradores

na base de deveres de lealdade veio a conhecer uma derivação própria autónoma, abaixo

referida. Na doutrina do pós-guerra relativa à lealdade no âmbito das sociedades comerciais,

no plano continental fundamentalmente alemão, podemos distinguir três grandes manchas:

A dos estudiosos que prosseguiram na linha adiantada no período imediatamente

anterior ao colapso do III Reich, em 1945;

A dos anotadores e críticos, relativamente aos grandes casos dos anos 70 e 80

retomadas nos anos 90;

A dos dogmáticos da reconstrução do conceito, nos anos 2000 e ainda em curso.

O período anterior a 1945 fechou (neste domínio!) com chave de ouro:

1. A habilitação de Fechner sobre as ligações fiduciárias dos acionistas: a lealdade

nasceria diretamente do povo, sendo, depois, tratada pela Moral, pela Filosofia e pelo

Direito. Na base, ela está enraizada na consciência de cada um, dirigindo-se ao outro.

A lealdade dá firmeza às relações jurídicas: sem ela, a vida em comunidade nem seria

possível. Tudo isto teria aplicação no Direito das sociedades anónimas.

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2. Na retoma, avulta o pequeno mas rico princípio de Alfred Hueck sobre a ideia de

lealdade no Direito privado moderno: vem apoiar a lealdade na Ética; todavia, ela

alcançaria um significado no Mundo do Direito. Trata-se, depois, de ordenar as ideias

de boa fé, de bons costumes e de dever de lealdade. E propõe a seguinte pirâmide:

o O conceito mais geral é o de bons costumes: banham em geral, todo o

ordenamento, dando azo a responsabilidade aquiliana, quando violados com

dolo;

o A boa fé já é mais exigente e específica: pressupõe uma série de requisitos,

para se manifestar;

o O dever de lealdade surge ainda mais pesado e estrito: tem a ver com

uma especial ligação entre as pessoas; assim sucederia no contrato de trabalho.

O próprio Alfred Hueck questiona a hipótese de deveres de lealdade entre acionistas:

faltariam, aí, as relações pessoais entre os sócios. Ao contrário, nas sociedades em

nome coletivo onde, de toda a forma, de imporia a lealdade ao contrato.

Dos trabalhos de Hueck ressalta um ponto: o da necessidade de precisão de conceitos. A

lealdade não pode ser usada como algo de informe, suscetível de transmitir uma ideia

aprazível, mas sem conteúdo dogmático claro. Como evolução da literatura tradicional

podemos apontar uma certa funcionalização da lealdade. Por certo que, à partida, ela se

destinará a proteger as pessoas. Mas em que sentido?

3. Wieldemann sublinha o papel da lealdade na tutela das minorias, pelas razões

particulares e gerais que se conhecem;

4. Immenga recorda, além do conflito minoria/maioria, a separação entre a

propriedade e o domínio, subjacente as grandes anónimas e ao reforço dos deveres

requeridos para as necessárias composições.

Outros autores seguiam nestas vias. Tudo isto se insere no movimento geral da socialização

do Direito privado: empenhado, de modo assumido, em, sem perturbar o livre jogo

económico, proteger os fracos. Um especial avanço na literatura da lealdade foi o promovido

pelas decisões exemplares dos anos 70, 80 e 90 do século XX. Devemos aliás antecipar que

essa literatura não seguiu, apenas, a pista dogmática dos deveres de lealdade, antes se

alargando a áreas conexas da responsabilidade, aos grupos de sociedades e, até, à doutrina do

levantamento da personalidade coletiva. Toda esta matéria aponta, no seu conjunto, para a

necessidade de depurar o tema da lealdade: ele vai sobrepor-se com regimes técnico-jurídicos

mais precisos que se ligam à competência da assembleia geral, à responsabilidade dentro dos

grupos de sociedades e ao próprio levantamento da personalidade. Ora quando isso aconteça,

o dever de lealdade, como figura mais geral e, nessa medida, residencial, deve ceder em face

das realidade dogmáticas mais estritas. Finalmente, uma referência aos dogmáticos que têm

procurado uma reconstrução do conceito. Vamos reter dois:

5. Wiedemann: aponta, quanto aos deveres de lealdade, as suas breves aparições no

BGB e no HGB, bem como a impossibilidade de, com referência a eles, operar

qualquer subsunção. Posto isto, distingue três áreas de aplicação: a lealdade dos

sócios, a dos órgãos e a da maioria.

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6. Wellenhofer-Klein: sublinha a concretização do §242 BGB (boa fé) que eles

representam. Assentam, em especial:

o Numa relação duradoura;

o Que postula uma organização;

o Determinada entre as partes específicas.

Encontramos, aqui, as sementes da evolução subsequente e do seu apoio dogmático: a

lealdade traduz, por tradição, o papel da boa fé (do sistema jurídico) no domínio societário.

Campos de aplicação: participações sociais, competência da assembleia

e deveres dos administradores: na evolução de que demos nota, ficou claro que os

deveres de lealdade conheciam campos distintos de aplicação. Parece razoável supor que tais

campos originaram, por seu turno, conteúdos específicos diversos. Distinguimos três:

A da lealdade exigível aos sócios, seja nas relações entre si, seja com referência à

própria sociedade;

A da lealdade da sociedade para com os sócios;

A da lealdade requerida aos próprios órgãos societários.

A lealdade exigível aos sócios inscreve-se no seu próprio status enquanto sócios. Tal status

exprime uma série de direitos e de deveres, ínsitos na ideia de participação social. Entre os

deveres em causa, incluem-se, precisamente, os da lealdade. Hoje, poderemos falar, neste

domínio, no exercício das posições sociais de acordo com a boa fé, seguindo-se as vias de

concretização deste instituto: tutela da confiança e primazia da materialidade subjacente.

Exemplos de deslealdade será o abuso no pedido de informações: contraria a materialidade

subjacente, isto é: os valores que levaram o legislador a conferir as inerentes pretensões.

Tudo isto pressupõe a construção da participação societária não como um direito subjetivo,

mas como uma posição variável (status) que envolve uma relação complexa, com deveres. A

lealdade da sociedade para com os sócios implica, tudo visto, um alargamento ex bona fide da

competência da assembleia geral e a adoção, nesta, de certas deliberações por maioria

qualificada. Também aqui as vias de concretização da boa fé são úteis. A matéria irradia,

ainda, para a área dos grupos de sociedades. Finalmente: a lealdade requerida aos próprios

órgãos societários tem a sua manifestação paradigmática nos deveres de lealdade dos

administradores (artigo 64.º, n.º1, alínea b) CSC). A base legal destas manifestações de

lealdade radicava, tradicionalmente, na boa fé. A sua especialização em grupos de casos cada

vez mais precisos leva a doutrina, muito simplesmente, a apelar para o Direito

consuetudinário. Como balanço, podemos, nestes últimos cem anos, apontar uma evolução:

oscilante, mas com um sentido geral claro. Num primeiro tempo, a lealdade relacionava

sócios entre si; depois, ocupou-se das relações maioria/minoria; finalmente, reportou-se aos

órgãos. As duas primeiras foram sendo absorvidas pela teoria das participações sociais e pela

doutrina da repartição de poderes intrassocietárias. Fica-nos, como especial área de reflexão,

a dos deveres dos órgãos e, em especial: dos administradores. Todas as três manifestações

de lealdade podem ser reconduzidas às exigências básicas do sistema. Através dela, os valores

fundamentais são assegurados nas diversas decisões concretas: donde a aproximação ao

principio geral da boa fé. Esta permite a dogmatização da ideia de sistema.

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Capítulo II – O Contrato de Sociedade

Secção I – Celebração, conteúdo e capital social

33.º - Celebração, forma e natureza

Celebração; contrato, pacto social e estatutos: o contrato de sociedade é um

contrato nominado e típico: além de dispor de nomen iuris, ele vem regulado na lei civil –

artigo 980.º CC – e na lei comercial – artigo 7.º e seguintes CSC. A natureza verdadeiramente

contratual deste ato presta-se a dúvidas e discussões: matéria a enfrentar a propósito da sua

natureza. Adiantamos apenas que o Direito português insiste, tradicionalmente, na natureza

contratual da figura e isso mesmo quando contemporize com a sociedade de origem não

contratual. Recorde-se a inserção das sociedades entre os contratos em especial: quer nos

códigos civis, quer nos comerciais. As dúvidas sobre a natureza contratual da sociedade

tiveram um reflexo curioso no artigo 7.º, n.º2 CSC: o de fixar o número mínimo de partes

num contrato de sociedade… em dois, ressalvando a exigência legal específica de um número

superior ou a permissão de sociedades constituídas por uma só pessoa. Nessa altura, o

negócio será unilateral. O contrato de sociedade é, ainda, um negócio jurídico. De acordo

com o sistema adotado, verifica-se que se trata de um ato marcado pela liberdade de

celebração e pela liberdade de estipulação: as partes podem não só optar por celebrar, ou não,

o contato de sociedade como, fazendo-o, têm a liberdade de nele apor as cláusulas que

entenderem. De entre os elementos que estão na disponibilidade conta-se a escolha do tipo

societário. Efetuando-a, incorrem nos limites injuntivos que o enformem. Uma parcela

apreciável das regras legais relativas a sociedades tem natureza meramente supletiva: pode

ser afastada por vontade das partes. A prática mostra, todavia, contratos bastante

circunspetos, pelos quais as partes se limitam a consignar os elementos voluntários

necessários – denominação ou firma, sócios, capital social, partes sociais, sede e tipo – e uma

ou outra cláusula que considerem mais relevante. Tudo o resto cai no regime legal. O

contrato de sociedade não é considerado um negócio corrente. Assim, a sua celebração é, em

regra, precedida de negociações efetivas – salvo, naturalmente, quando a sociedade tenha

natureza unilateral. Sucede, porém, que a sociedade encobre, por vezes, uma mera ordenação

de interesses familiares, tendo, como partes, os cônjuges e os filhos menores. Quando isso

ocorra não haverá, em regra, negociações, já que os interesses não são contrapostos: antes se

adotará um figurino. Põe-se o problema da sociedade formada por adesão a cláusulas

contratuais gerais. Quando isso sucede, não haveria dúvidas ou dificuldades em fazer intervir

a lei sobre cláusulas contratuais gerais. Este trato de sociedade foi pré-formulado, isto é:

apresentado à subscrição de outrem, sem hipótese de alteração. Com todas as reservas que

esse esquema suscita, as cláusulas abusivas seriam expurgadas. Entre nós, o próprio Estado,

ao abrigo do Decreto-Lei n.º 111/2005, 8 julho, apresenta modelos de estatutos de

sociedades, aos particulares interessados. Materialmente, trata-se de cláusulas contratuais

gerais. Um contrato de sociedade pode, ainda, ocorrer através de uma oferta ao público. A

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situação paradigmática é a da constituição de uma sociedade anónima com apelo à subscrição

pública e que vem regulada nos artigos 279.º a 283.º CSC e no artigo 168.º CVM. Prevê-se,

aí, todo um procedimento algo complexo, que irá desembocar numa assembleia constitutiva

(artigo 281.º CSC); apenas depois é formalizado o contrato de sociedade (artigo 283.º CSC).

Na sua configuração, o contrato de sociedade permite, muitas vezes, distinguir duas áreas: a

do contrato propriamente dito, na qual as partes se identificam, declinando elementos

comprovativos, estado civil, profissão e residência e manifestam a intenção de constituir uma

sociedade; e a do pacto social ou estatutos, nos quais as partes, normalmente em moldes

articulados, disciplinam a nova entidade. Quando se recorra a escritura pública, esta segunda

parte pode constar de documento anexo, dispensando-se a sua leitura. Tecnicamente, os

estatutos ou pacto social são parte integrante do contrato, embora possam apresentar

especialidades interpretativas, como a seu tempo sublinharemos. O Código das Sociedades

Comerciais fala, de modo predominante, em contrato de sociedade para designar os estatutos.

Trata-se de uma opção linguística destinada a melhor corporizar as opções contratualistas

dos seus autores.

As partes; cônjuges e menores: como referimos, a figura visualizada, em moldes

típicos, pelo legislador, foi a da sociedade instituída por contrato. Donde a referência, já

estranhada, do artigo 7.º, n.º2 CSC: tem de haver, pelo menos, duas partes. Quando as partes

estabeleçam, ab initio, uma posição ou participação social em regime de contitularidade, as

pessoas assim envolvidas valem apenas como uma única parte. Podem ser partes em

contratos de sociedade não apenas pessoas singulares mas, ainda, pessoas coletivas. É o que

resulta da lata capacidade de gozo que hoje é reconhecida às pessoas coletivas. O próprio

Estado pode ser parte em sociedades. Há mesmo sociedades que só podem exercer a sua

atividade através de outras sociedades cujas participações detenham: é o que sucede com as

sociedades gestoras de participações sociais (SGPS). Também as pessoas rudimentares

podem constituir sociedades, desde que estas, em função do objeto ou de outras

circunstâncias, se possam reconduzir à janela da personalidade que lhes seja reconhecida. O

problema da constituição de uma sociedade, particularmente comercial, entre cônjuges,

levantava clássicos problemas. Efetivamente, desde que os cônjuges constituíssem uma

sociedade para a qual contribuíssem com os seus bens, ficariam – ou poderiam ficar – em

causa, segundo o pensamento tradicional:

O regime de bens estipulado para o casamento: as regras próprias desse regime

seriam substituídas pelas do funcionamento da sociedade;

O então denominado poder marital: a cheia da família, assegurada pelo marido,

daria lugar aos esquemas de formação da vontade social, mais igualitários: logo

inadmissíveis;

O sistema de responsabilidade dos bens dos cônjuges ou do casal, pelas

dívidas de cada um deles ou de ambos: esse sistema seria, naturalmente,

substituído pelo regime do tipo social adotado.

Procurando resolver as dúvidas que se levantaram, o artigo 8.º, n.º1 CSC veio dispor:

«É permitida a constituição de sociedades entre cônjuges, bem como a participação destes em

sociedades, desde que só um deles assuma responsabilidade ilimitada».

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Este preceito vem revogar o artigo 1714.º, n.º2 e 3 CC, ainda que seja possível compatibilizá-

lo com o princípio da imutabilidade das convenções antenupciais. Uma tomada de posição

definitiva cabe ao Direito Civil (da família). Todavia, as justificações para a proibição histórica

de sociedades entre cônjuges não se quedam pelas proposições clássicas acima anunciadas,

todas rebatíveis. Valem, antes, criptojustificações: a necessidade de manter o status de

incapacidade da mulher casada; a ideia de que repugna mesclar o Direito Comercial e relações

entre cônjuges; e a evidência de que uma sociedade entre cônjuges poderia não ser uma

verdadeira sociedade mas, antes uma sociedade unipessoal. Tudo isto vem a regredir, quer

na frente civil, quer na comercial. Mas em compensação, a imutabilidade das convenções

antenupciais, até ser suprimida em futura reforma, é Direito vigente e deve ser respeitada.

Isto dito: a constituição de uma sociedade entre cônjuges pode (ou não ) atingir a

imutabilidade das convenções antenupciais. Assim, se ambos os cônjuges entrarem para uma

sociedade com todos os seus bens, presentes e futuros, poderemos estar perante um esquema

destinado a postergar os regimes da separação, ou da comunhão de adquiridos. Porém, se

subscreverem pequenas quotas ou umas quantas ações, o problema nem se põe. Haverá, por

isso, que compatibilizar o artigo 8.º CSC com o artigo 1714.º, n.º1 CC, verificando, contrato

a contrato, se a imutabilidade das convenções é respeitada. Para além disso, a constituição de

sociedades entre cônjuges, assumindo ambos responsabilidade ilimitada, é proibida, nos

termos do transcrito artigo 8.º CSC. É um resíduo histórico, tanto mais que, na prática

comercial e societária, qualquer operação bancária módica exige, como rotina, garantias dadas

por ambos os cônjuges. De todo o modo, a restrição do artigo 8.º CSC deve aplicar-se,

também, às sociedades civis puras: e não a proibição (considerada) absoluta do Código Civil,

na base de um princípio de diferenciação entre sociedades civis e comerciais que não tem,

hoje, já consistência. Mercê de um regime de bens, pode acontecer que uma participação

social seja comum a ambos os cônjuges. Nessa altura, por força do artigo 8.º, n.º2 CSC e nas

relações com a sociedade, será considerado sócio aquele que tenha celebrado o contrato de

sociedade ou, sendo a participação adquirida posteriormente, aquele por quem a participação

tenha vindo ao casal. O n.º3 do mesmo preceito ressalva a administração do cônjuge do sócio

que se encontrar impossibilitado e os direitos mortis causa. Os menores podem ser partes em

contratos de sociedade. E poderão fazê-lo pessoal e livremente sempre que a sociedade em

vista esteja ao seu alcance, perante o artigo 127.º CC. De facto, não é viável, a priori, excluir

do campo dos atos facultados pessoal e livremente ao menor, a celebração de uma sociedade.

Fora isso, os menores poderão celebrar contratos de sociedade, através dos pais, como

representantes legais. Será, todavia, necessária a autorização do tribunal para entrarem nas

sociedades em nome coletivo ou e comandita simples ou por ações: artigo 1889.º, n.º1, alínea

d) CC. O óbice reside, aí, nos riscos derivados da ilimitação da responsabilidade. Tratando-

se de menor sob tutela, a entrada em qualquer sociedade deve ser autorizada, visto o disposto

no artigo 1938.º, n.º1, alíneas a), b) e d) CC. Este regime é aplicável, com as necessárias

adaptações, ao interdito: artigos 139.º e 144.º CC. Quanto ao inabilitado, tudo depende da

competente sentença: artigo 153.º, n.º1 CC.

Forma: o contrato de sociedade comercial é um contrato formal – artigo 7.º, n.º1 CSC.

Requer forma escrita com reconhecimento presencial das assinaturas dos subscritores, salvo

se forma mais solene for exigida para a transmissão dos bens com que os sócios entram para

a sociedade. Acrescenta, ainda, a parte final do artigo 7.º,n.º1 CSC, «sem prejuízo de lei especial»:

um acrescento inútil, uma vez que qualquer preceito cede perante lei especial. Se

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percorrermos os contratos próprios das sociedades comerciais, deparamos com as exigências

de forma seguintes:

Acordos parassociais: o artigo 17.º CSC não contém qualquer exigência de forma; em

regra, são celebrados por escrito;

A aquisição de bens a acionistas por sociedades anónimas ou em comandita por ações

deve ser reduzida a escrito (artigo 29.º, n.º4 CSC);

A alteração do contrato de sociedade deve ser reduzida a escrito (artigo 85.º, n.º3

CSC); o aumento de capital e outras alterações (artigos 88.º e 93.º, n.º1, 274.º, 370.º,

n.º1 e 456.º, n.º5 CSC) devem, também, ser objeto de declaração escrita;

A fusão de sociedades segue a forma exigida para a transmissão dos bens das

sociedades incorporadas ou, no caso de constituição de nova sociedade (artigo 106.º

CSC) numa regra aplicável à cisão (artigo 120.º CSC);

A dissolução da sociedade não depende de forma especial, quando tenha sido

deliberada em assembleia geral (artigo 145.º, n.º1 CSC);

O contrato de subordinação exige forma escrita (artigo 498.º CSC).

No tocante aos diversos contratos de sociedade, não são retomados os requisitos de forma,

dado o alcance geral do artigo 7.º, n.º1 CSC; apenas são referidos aspetos atinentes ao

conteúdo dos contratos: artigos 176.º, 199.º, 272.º e 466.º CSC, relativos, respetivamente, a

sociedades em nome coletivo, por quotas, anónimas e em comandita. No domínio da

transmissão de partes sociais, a lei exige forma escrita:

Para a transferência das partes de um sócio de sociedade em nome coletivo (artigo

182.º, n.º2 CSC);

Para a transferência de quotas (artigo 228.º, n.º1 CSC).

A transformação de uma sociedade por quotas em sociedade unipessoal exige documento

particular quando, da sociedade, não façam parte bens cuja transmissão exija essa forma

solene (artigo 270.º-A, n.º3 CSC). Uma regra similar funciona para a constituição originária

de uma sociedade unipessoal: tem aplicação o artigo 7.º, n.º1 CSC. O contrato de suprimento

não está sujeito a qualquer forma, o mesmo sucedendo com outros negócios de adiantamento

de fundos pelo sócio à sociedade ou com convenções de diferimento de créditos de sócios

(artigo 243.º, n.º6 CSC). Tratando-se de negócio entre o sócio único e a sociedade unipessoal,

deve ser observada a forma escrita, quando outra não esteja prescrita para o negócio em jogo

(artigo 270.º-F, n.º2 CSC).

Natureza: de acordo com diversa doutrina, não seria seguro que o denominado contrato

de sociedade surja, efetivamente, como um contrato. No contrato de sociedade: as diversas

declarações de vontade são idênticas e confluentes. Além disso, nos contratos comuns, os

efeitos produzem-se, como é de esperar, nas esferas jurídicas dos intervenientes. De modo

diverso: no contrato de sociedade, surge uma nova e terceira entidade: a própria sociedade

constituída. E para completar: o atual Direito das sociedades, nos diversos países, admite a

constituição de sociedades por ato unilateral. Tudo isto obrigaria a uma evidência: o ato

constitutivo da sociedade teria uma natureza específica, não-contratual. Como contraprova:

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ao contrário do que sucederia em qualquer contrato comum, em que o número de partes é

decisivo e depende do figurino visualizado, na sociedade isso seria secundário: poderia,

mesmo, cair para a unidade, como ocorre nas sociedades unipessoais. A questão foi-se pondo

nos diversos países, em termos não totalmente coincidentes. Na Alemanha,

1. Otto Von Gierke, analisando o tema da sua constituição, conclui que tinham na

origem um ato constitutivo sócio-jurídico: se todos os negócios são declarações de vontade,

nem todas as declarações de vontade são negócios, com exemplo no ato constitutivo

de uma associação. Acrescentando,

«porém esta atuação constitutiva não é um contrato, mas antes um ato conjunto

unilateral que não tem paralelo no Direito individual».

Foi adotada, na época, por outros autores, sendo conhecida como teoria da norma.

2. Contrapôs-se, a esta orientação, Von Thur com a teoria do contrato: preconizava-se

uma ideia lata de contrato, como o simples encontro de vontades ou negócio

plurilateral: o que ocorreria na constituição das pessoas coletivas. A opção contratual

justifica-se, apenas, pela presença de mais uma pessoa e, portanto, pela necessidade

de encontrar, eventualmente por negociações, vontades coincidentes. Joga-se, porém,

um contrato específico: um contrato organizatório – também se diz ato organizatório.

Nas próprias associações tem-se vindo a defender a teoria do contrato, ainda que

modificada: constituída a associação e adquirida a personalidade, as declarações

fundir-se-iam na regulação comum, Por vezes, o contrato é, aí, posto em causa,

embora se admita nas sociedades. Com regras próprias de interpretação, o contrato

organizatório, quando admitido, distingue-se claramente dos contratos comuns. A

redução negocial e, mesmo, contratual, visa explicitar a liberdade que preside à

constituição de pessoas coletivas.

As divergências quanto à natureza do ato constitutivo de sociedades também ocorreram em

Portugal. Embora não indicando fontes doutrinárias,

1. Guilherme Moreira veio tecer as seguintes considerações:

«Nos contractos há sempre pessoas determinadas que por elles ficam adstrictas a certas

prestações e cujas vontades, manifestando-se em direcções oppostas, se encontram,

formando-se um vínculo jurídico em virtude desse acordo. Quando todas as vontades

se manifestam na mesma direção, não se formando um vinculo jurídico entre as pessoas

que manifestam essa vontade, não haverá contracto, porque essas pessoas não se

sujeitam, nas relações entre si, a uma obrigação; não haverá contracto sempre que,

dada uma declaração de vontade pela qual se constitua uma obrigação para com

qualquer pessoa, o direito desta não tenha a sua causa numa manifestação da sua

vontade que coopere junctamente com a declaração da vontade de quem sem constitue

nessa obrigação. Nestes casos haverá um negócio jurídico unilateral e não bilateral».

Guilherme Moreira dá depois, como exemplo, precisamente a constituição de uma

sociedade anónima.

2. Contra pronuncia-se José Tavares. o conceito moderno de contrato abrange o ato

coletivo, o Gesamtakt e a união ou Vereinbarung.

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3. Ferrer Correia, vem defender a natureza contratual da constituição de sociedades.

Explica, designadamente, que as declarações que integram o contrato de sociedade

não são meramente paralelas, tendentes à formação do novo ente, uma vez que

produz, também, relações entre as partes celebrantes.

4. Fernando Olavo acolhe e reforça esta ideia: aquando da celebração de um contrato

de sociedade, as partes podem ter interesses contrapostos: estaremos, perfeitamente

na figura do contrato. A partir daí, podemos considerar que o contratualismo ficou

definitivamente radicado nas duas grandes escolas jurídicas do País: Coimbra e

Lisboa.

5. Menezes Cordeiro: a atual tendência de trabalhar com um conceito amplo de

contrato, capaz de abranger todos os atos plurilaterais, tem levado à rejeição da

doutrina do ato conjunto de Von Gierke ou do negócio jurídico unilateral, de

Guilherme Moreira. A orientação em causa teve, de resto, o cuidado de afeiçoar a lei:

o Código das Sociedades Comerciais refere, de modo contínuo, contrato. Tal

orientação, convertida quase em doutrina oficial, não deve conduzir a uma perda de

capacidade analítica. Ponto assente: a natureza negocial da constituição de uma

sociedade. Este aspeto é importante porque, além de acentuar as liberdades de

celebração e de estipulação aqui presentes, traduz, ab initio, a colocação das sociedades

na área do Direito privado e da livre iniciativa económica e social. Para além disso,

porém, o contrato de sociedade tem especificidades: não é um contrato comum.

a. Desde logo, ele é dispensável. A sociedade pode constituir-se por ato

unilateral, no sentido clássico de ter um único declarante. É o que sucede nas

hoje pacíficas sociedades inicialmente unipessoais: artigos 270.º-A, n.º1 e

488.º, n.º1 CSC como exemplos. Além disso, pode resultar da dinâmica de

uma sociedade preexistente: o caso da cisão será um bom exemplo.

b. De seguida, o regime do contrato de sociedade não coincide com o dos

contratos comuns. A invalidade resultante de vício da vontade ou de usura,

por exemplo – e independentemente do registo – não é oponível erga omnes

mas, apenas, aos demais sócios (artigo 41.º, n.º2, 2.ª parte CSC). Outras

invalidades são sanáveis por (meras) deliberações maioritárias (artigos 42.º,

n.º2 e 43.º, n.º2 CSC: solução contratualmente inexplicável). À reflexão: a

presença de uma concreta vontade, na conclusão de um contrato de

sociedade, tem a virtualidade de fazer passar o seu autor a sócio; não a de

fazer surgir a própria sociedade em si. E quem adquira uma participação

social não se torna, propriamente, parte no primitivo contrato de sociedade.

c. Finalmente: um pacto social não regula, simplesmente, um delimitado círculo

de interesses entre as partes que o concluam; ele antes fixa – ou pode fixar –

um quadro normativo capaz de regular múltiplas situações subsequentes.

Poderíamos sucumbir à solução do negócio unilateral, de Guilherme Moreira.

Irrealismo: na sua configuração mais natural e típica, a sociedade traduz um encontro

de várias vontades que se põem de acordo para concretizar um projeto comum.

Trata-se, necessariamente, de um contrato. Sendo um contrato, nada impede que, aí,

se abra uma especial categoria para o acolher. Na sociedade não há prestações

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recíprocas: antes uma atuação conjunta ou confluente, com uma estruturação

normativa para futuras ações. A doutrina atual fala num contrato de colaboração ou

de organização. Podemos aceitar esses qualificativos.

Constituição por negócio não contratual: o Código das Sociedades Comerciais

prefigura o contrato como o esquema normal de constituição das sociedades, numa valoração

básica tomada pelo Código Civil. Ele próprio previa, contudo, outros modos de constituição

de sociedades. Assim:

A constituição por fusão, cisão ou transformação (artigos 7.º, n.º4 e 97.º e seguintes

CSC);

A constituição de sociedade anónima com apelo a subscrição pública (artigo 279.º e

seguintes CSC);

A constituição originária de sociedade unipessoal por quotas (artigo 270.º-A, n.º1

CSC);

A constituição originária de sociedades anónimas (artigo 488.º, n.º1 CSC).

No caso de fusão, cisão ou transformação há, de facto, uma constituição derivada uma vez

que a(s) nova(s) sociedade(s) resulta(m), de facto, de transformação da(s) anterior(es). O

motor da constituição é, aqui, desempenhado por uma ou mais deliberações sociais.

Esclareça-se que, na hipótese de fusão, não há propriamente um contrato entre as

administrações das sociedades preexistentes: estas limitam-se a executar o que fora

deliberado pelas assembleias gerais das sociedades envolvidas, não tendo liberdade de

celebração (nem de estipulação). Por isso, as regras que se aplicam à fusão são as previstas

para esse instituto e não as da contratação. Na hipótese de constituição de sociedade anónima

com apelo a subscrição pública, a constituição deriva de contrato celebrado por dois

promotores e pelos subscritores que entrem com bens diferentes do dinheiro (artigo 283.º,

n.º1 CSC) precedendo uma especial deliberação da assembleia constitutiva (artigo 281.º, n.º7,

alínea a) CSC). Não há, propriamente, um contrato. De todo o modo, quer neste caso, quer

no da constituição derivada, deparamos com atos marcados pela liberdade de celebração e

pela liberdade de estipulação. Tecnicamente, surgem negócios unilaterais, ainda que de

estrutura deliberativa. Temos, depois, os casos de constituição originaria de sociedades

unipessoais: seja por quotas (artigo 270.º-A, n.º1 CSC) seja anónimas (artigo 488.º, n.º1 CSC).

Em ambos os casos deparamos com claros negócios unilaterais.

Constituição por diploma legal e por decisão judicial: encontramos sociedades

constituídas por Decreto-Lei do Governo, a que podemos acrescentar as hipóteses de Lei da

Assembleia da República ou de diploma regional. Encontramos, ainda, a hipótese de

constituição de sociedades por decisão judicial. Ela pode ocorrer no domínio de planos de

insolvência, adotados nos termos dos artigos 209.º e seguintes CRIE, com homologação pelo

juiz. Às sociedades instituídas por diploma legal ou por decisão judicial passa a aplicar-se,

uma vez constituídas, o regime comum das sociedades. E, designadamente: poderão os seus

estatutos ser modificados por deliberação a tanto dirigida, da assembleia geral e que observe

os requisitos estabelecidos para esse tipo de ocorrência. No caso de diploma legal pode haver

restrições, designadamente quanto à live circulação das ações.

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34.º - O conteúdo

Elementos gerais: em rigor, o conteúdo de um contrato traduz a regulação jurídica por

ele introduzida, no âmbito delimitado pelas partes. Nas sociedades comerciais, a locução

abrange ainda elementos que, não sendo em si regulativos, se tornam essenciais para

depreender o regime fixado pelo contrato. O Código das Sociedades Comerciais fala, a tal

propósito, em elementos. Segundo o artigo 9.º:

«1. Do contrato de qualquer tipo de sociedade devem cotar:

«a) Os nomes ou firmas de todos os sócios fundadores e os outros dados de identificação destes;

«b) O tipo de sociedade;

«c) A firma da sociedade;

«d) O objeto da sociedade;

«e) A sede da sociedade;

«f) O capital social, salvo nas sociedades em nome coletivo em que todos os sócios contribuam

apenas com a sua indústria;

«g) A quota de capital e a natureza da entrada de cada sócio, bem como os pagamentos

efetuados por conta de cada quota;

«h) Consistindo a entrada em bens diferentes de dinheiro, a descrição destes e a especificação

dos respetivos valores;

«i) Quando o exercícioo anual for diferente do ano civil, a data do respetivo encerramento, a

qual deve coincidir com o último dia de um mês de calendário, sem prejuízo do previsto no

artigo 7.º do Código do Imposto sobreo Rendimento das Pessoas Coletivas».

Diversos preceitos complementam o conteúdo do contrato, a propósito dos vários tipos

sociais: artigos 176.º, quanto às sociedades em nome coletivo, 199.º, quanto às sociedades

por quotas, 272.º, quanto às sociedades anónimas e 446.º, quanto às sociedades em

comandita. O artigo 9.º contém elementos necessários: a sua eventual ausência conduziria à

invalidade do contrato, nos termos do artigo 42.º, n.º1 CSC, que especifica:

A falta do mínimo de dois sócios fundadores, salvo quando a lei permita a

constituição unipessoal;

A falta de menção da firma, da sede, do objeto ou do capital da sociedade, bem como

do valor da entrada de algum sócio ou de prestações por conta desta.

O artigo 42.º, n.º2 CSC distingue, destes vícios, os sanáveis por deliberação dos sócios,

tomada nos termos prescritos para a alteração do contrato: a falta de firma, de sede ou do

valor da entrada de algum sócio ou de prestação realizadas por conta desta. A contrario, a falta

do objeto ou do capital seriam insuscetíveis de sanação. Apesar do silêncio da lei, a não

indicação do tipo de sociedade, quando insuprível com recurso a elementos contratuais, deve

ser considerada, também, insanável: todo o processo de constituição teria de ser retomado

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desde o início. Os elementos em causa poderão constar implícita ou explicitamente do

contrato, nos termos gerais. Pensamos, todavia, que deverão surgir com suficiente clareza,

mesmo perante terceiros. A tal propósito, pergunta-se se não seria aplicável, ao contrato de

sociedade, o dispositivo do artigo 238.º CC, designadamente quando admite que, de negócios

formais, possa resultar um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto

do respetivo documento. A resposta é negativa: no contrato de sociedade, caímos

precisamente no final do artigo 238.º, n.º2 CSC: as razões determinantes da forma do negócio

opõem-se a essa validade.

A interpretação e a integração do contrato: o contrato de sociedade coloca

questões próprias e, de certo modo, autónomas, de interpretação. De facto e logo à partida

verifica-se que a sociedade não pode ser considerada como um contrato comum. Ele não é

eficaz inter partes ou apenas inter partes: originando, pelo registo, um ente coletivo

personalizado, ele vem produzir efeitos erga omnes. Designadamente:

Efeitos perante os novos sócios;

Efeitos perante terceiros estranhos;

Efeitos perante os credores da sociedade.

Se o contrato de sociedade fosse interpretado segundo as regras negociais comuns, poderia

haver que dar primazia à vontade real das partes, previstas no artigo 236.º, n.º2 CC, com a

daí resultante irrelevância da falsa demonstrativo. Mais: sendo formal, o contrato de sociedade

poderia, nas condições do artigo 238.º, n.º2 CC, dar lugar a um sentido sem o mínimo de

correspondência com o seu texto. E também a integração procuraria, segundo o artigo 239.º

CC, uma vontade hipotética de partes, que poderiam já nada ter a ver com a sociedade em

que se pusesse o problema. As tais regras comuns poderiam conduzir a que um terceiro,

tendo contactado com uma sociedade, deparasse, quanto aos estatutos, com um sentido de

todo inexcogitável. Este simples enunciado de problemas mostra logo que o contrato de

sociedade, porquanto incluindo os estatutos, não pode ser interpretado como um contrato

comum. O Código das Sociedades Comerciais utiliza uma linguagem contratual quase

absoluta. Todavia, no contexto do contrato de sociedade – que engloba, na linguagem geral

do Código, os estatutos, isso não é possível. As regras de interpretação negocial vertidas nos

artigos 236.º CC, pressupõem, fundamentalmente, um diálogo negocial a dois. Locuções

como declaratário real, comportamento do declarante, vontade real (artigo 236.º CC) e

vontade real das partes (artigo 238.º, n.º2 CC) compreendem-se num mundo bidimensional:

seriam impraticáveis em contratos plurilaterais, em que, provavelmente, cada declarante

pensou em algo diverso. Além disso, regras como a do equilíbrio das prestações (artigo 237.º

CC) têm a ver com contratos cumulativos. Logo à partida, todas estas regras surgem

impraticáveis em contratos de organização, como sucede com o de sociedade. A isso

acrescentam de a sociedade, ao criar um novo sujeito de direitos, ser de modo efetivo um

contrato oponível erga omnes. Ora o terceiro que contrate com a sociedade não pode ser

confrontado com sentidos que só a declarantes e declaratários digam respeito. O mesmo se

diga perante o facto de, particularmente nas sociedades de capitais, as participações sociais

poderem circular. Também o adquirente dessas posições não deve ser confrontado com

realidades que, de todo, se lhe não reportem. Tanto basta para que se possa proclamar: a

interpretação dos pactos sociais é fundamentalmente objetiva, devendo seguir o prescrito

para a interpretação da lei (artigo 9.º CC, com as inevitáveis adaptações). Também a

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integração deverá seguir o prescrito no artigo 10.º CC, em vez de apelar a uma vontade

hipotética das partes (quais?). Quando as partes preparam os estatutos de uma sociedade,

elas têm a perfeita consciência de escrever para o futuro e, não, uma para a outra. Mesmo o

modo impessoal por que tais estatutos são redigidos implica, na raiz, uma intenção legiferante.

Assim sucede nas próprias sociedades de pessoas e no que tange a todas as cláusulas inseridas

nos contratos. Mantemos, pois, a natureza objetiva, de tipo legal, das interpretação e

integração do contrato de sociedade: que não haja receio em assumir as especificidades

próprias do Direito das sociedades. Apenas cumpre fazer duas cedências aos princípios gerais

de interpretação e de integração, acima enunciados:

O da presença de claúsulas extrassocietárias: corresponde a um último reduto das

pretensas cláusulas meramente obrigacionais. Sustentamos que estas devem ter o

mesmo tratamento do das organizacionais. Todavia, pode suceder que, num contrato

de sociedade, haja sido inserida, ao abrigo da liberdade contratual (artigo 405.º, n.º1

CC), alguma cláusula que, com o contrato de sociedade nada tenha a ver. Nessa altura,

ela seguiria os cânones interpretativos negociais comuns.

O da proibição de venire contra factum proprium: deriva da boa fé. In concreto não pode

uma parte adotar uma atuação societária assente numa (pretensa) interpretação

subjetiva do pacto, convencer outrem da excelência da conduta e, depois, prevalecer-

se da interpretação objetiva. A proibição de comportamentos contraditórios obrigaria,

no limite, o responsável a indemnizar os danos assim causados. Uma orientação

paralela deverá, como vimos, prevalecer no tocante à integração de lacunas. O artigo

239.º CC, faz apelo à vontade hipotética das partes. Ora o contrato de sociedade,

uma vez instituído o novo ente coletivo, liberta-se dos seus celebrantes iniciais. Além

disso, é oponível a terceiros, os quais devem poder prever as linhas de integração de

lacunas. Jogam, em suma, todas as razões que, quanto à própria interpretação,

recomendam soluções de tipo objetivo.

Tanto basta para abandonar uma integração de tipo subjetivo. Perante a lacuna estatutária,

queda recorrer à lei das sociedades comerciais; na falta desta, caberá seguir as vias subsidiárias

do artigo 2.º CSC e, no limite, as regras do artigo 10.º CC.

A firma: o artigo 10.º CSC contém diversas regras relativas à firma das sociedades

comerciais. Trata-se de matéria que pertence ao Direito Comercial e que, aqui, apenas será

aludida. Quanto às denominações das sociedades civis puras, haverá que recorrer ao RNPC,

como vimos. A firma da sociedade pode ser constituída, consoante se alcança do artigo 10.º,

nº.2 e 3 CSC:

Por nomes ou firmas de algum ou alguns sócios (firmas pessoais ou subjetivas);

Por denominação particular, quando seja composta por designações materiais,

atinentes à atividade social (firmas materiais ou objetivas) ou por designações de

fantasia (firma de fantasia);

Por denominação particular e nome ou firma (ou nomes ou firmas), simultaneamente

(firmas mistas).

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Temos a seguinte diferenciação:

A firma pessoal deve ser completamente distinta das que já se acharem registadas;

A firma material, a de fantasia e a mista não podem ser idênticas à firma registada ou

por tal forma semelhante que possa induzir em erro; deve, ainda dar a conhecer

quanto possível o objeto da sociedade.

Parece haver uma graduação. De acordo com as regras gerais do Direito Comercial, a firma

obedece aos seguintes princípios:

Autonomia privada: a escolha da firma compete aos interessados, ainda que com os

limites do artigo 32.º, n.º4, alíneas a), b), c) e d) RNPC;

Obrigatoriedade e normalização: os comerciantes devem adotar certa firma a qual

deve ter expressão verbal, suscetível de comunicação oral e escrita, em carateres

latinos; além disso, quando tenha significado, deve ser expressa em língua portuguesa

correta;

Verdade e exclusividade: quando tenha significado, deve retratar a realidade a que se

reporte ou, pelo menos: não deve induzir em erro; além disso, dever ser própria do

ente a que se refira;

Estabilidade: a firma não muda com a alteração dos titulares do estabelecimento;

Novidade: a firma deve ser distinta de outras já registadas ou notoriamente

conhecidas.

Estes princípios, constantes dos artigos 32.º e seguintes RNPC devem aplicar-se às

sociedades comerciais, cumulativamente com as regras do artigo 10.º CSC. Com efeito, este

último diploma rege, em substância, a matéria das firmas das sociedades comerciais. Os

respetivos contratos de sociedade não podem, todavia, ser celebrados sem fazer referência à

emissão do certificado de admissibilidade da firma, através da indicação do respetivo número

e data de emissão (artigo 54.º, n.º1 RNPC). Tal certificado dependerá, naturalmente, da

verificação dos pressupostos do próprio RNPC. De todo o modo: embora os requisitos

derivados dos dois diplomas tenham formulações diversas, há, entre eles, uma área de

coincidência. Embora o Código não o diga, não oferece dúvidas o predomínio da autonomia

privada, no campo da firma das sociedades comerciais. Cabe às partes no contrato – ou ao

interveniente único, quando não haja contrato – escolher a firma. Essa autonomia privada é

limitada por lei, pela moral e pelos bons costumes: tal a formulação do artigo 10.º, n.º5, alínea

c) CSC, aquém da do artigo 32.º, n.º4, alíneas a), b), c) e d) RNPC. A obrigatoriedade e a

normalização estão, ainda, presentes: basta ver que o artigo 9.º, n.º1, alínea c) CSC, prevê a

firma como elemento necessário de qualquer contrato de sociedade; a normalização

decorrerá da natureza das coisas. O princípio da verdade vem largamente consignado no

artigo 10.º, n.º5, alínea a) CSC, que veda expressões que possam induzir em erro quanto à

caracterização jurídica da sociedade e no artigo 10.º, n.º5, alínea b) CSC, que proíbe as que

surgiram, de forma enganadora, uma capacidade técnica ou financeira ou um âmbito de

atuação manifestamente desproporcionados, relativamente aos meios disponíveis. O

princípio da exclusividade, com o da novidade, ressalta do artigo 10.º, nº2 e 3 CSC. O n.º4

do mesmo artigo não permite, porém, a apropriação de vocábulos de uso corrente e dos

topónimos, bem como de qualquer indicação de proveniência geográfica: todos esses

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elementos não são considerados de uso exclusivo. Por fim, o princípio da estabilidade vem

a ser assegurado por todos os esquemas que se reportam ao RNPC e, ainda, às cautelas postas,

por lei, na alteração dos estatutos. A firma deve exprimir o tipo de sociedade em causa.

Nas sociedades em nome coletivo, ela deve contar (artigo 177.º, n.º1 CSC):

Ou os nomes de todos os sócios;

Ou o nome de um deles, com o aditamento, abreviado ou por extenso, e Companhia

ou qualquer outro que indique a existência de outros sócios; p. ex.: e associados.

O papel da firma é tão importante que, se alguém que não for sócio, incluir o seu nome na

firma, ficará responsável pelas dívidas, nos termos do artigo 175.º: 177.º, n.º2, ambos CSC.

Como se vê, nas sociedades em nome coletivo, apenas se admitem firmas pessoais ou

subjetivas, o que vai ao encontro desse tipo social.

Nas sociedades por quotas, a firma deve ser formulada, com ou sem sigla:

Ou pelo nome ou firma de todos, algum ou alguns dos sócios;

Ou por uma denominação particular;

Ou por ambos.

concluindo, em qualquer dos casos, pela palavra Limitada ou pela abreviatura Lda. Admitem-

se, pois, firmas pessoais, firmas objetivas, firmas de fantasia ou firmas mistas. A propósito

das firmas das sociedades por quotas, o legislador reforça o princípio da verdade (artigo 200.º,

n.º1 e 2 CSC):

Na firma não podem ser incluídas ou mantidas expressões indicativas de um objeto

social que não esteja especificamente previsto na respetiva cláusula do contrato de

sociedade;

Alterando-se o objeto social e deixando-se de incluir a atividade especificada na firma,

a escritura de alteração não pode ser outorgada sem simultânea modificação da

mesma firma.

Em rigor e perante o artigo 10.º CSC a primeira exigência seria dispensável. A segunda tem

utilidade, uma vez que faz prevalecer o princípio da verdade sobre o da estabilidade. Porém,

a eficácia destes preceitos não é significativa. Nas sociedades por quotas unipessoais, a firma

deve ser formada pela expressão sociedade unipessoal ou pela palavra unipessoal antes da palavra

Limitada ou da abreviatura Lda (artigo 270.º-B CSC). Em tudo o mais terão aplicação das

regras atinentes às sociedades por quotas propriamente ditas (artigo 270.º-G CSC).

As regras relativas à firma das sociedades anónimas (artigo 275.º CSC) retranscrevem,

praticamente à letra, o disposto no artigo 200.º CSC para as sociedades por quotas. Apenas

com a diferença: em vez de Limitada ou Lda terá de surgir, agora, sociedade anónima ou S.A.

Perante o Direito em vigor, as sociedades anónimas poderão dispor de firmas pessoais, de

firmas materiais, de firmas de fantasia e de firmas mistas.

Quanto às sociedades em comandita, devem as respetivas firmas ser formadas, pelo menos,

pelo nome ou firma de um dos sócios comanditados, aditado pela expressão em Comandita ou

&Comandita ou – sendo uma comandita por ações –, em Comandita por Ações & Comandita por

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Ações (artigo 467.º, n.º1 CSC). O nome dos sócios comanditários não pode surgir na firma;

se isso suceder, esse sócio passa a ser responsável, perante terceiros e pelos negócios em que

figure a firma em causa, nos termos impostos aos sócios comanditados. O mesmo, de resto,

sucede a terceiros que facultem o seu nome para a firma (artigo 467.º, n.º2 a 5 CSC.

Objeto; a aquisição de participações: como vimos, o objeto da sociedade (ou

objeto mediato, para quem queira chamar objeto ao conteúdo) é constituído pelas atividades

a desenvolver pelo ente coletivo. O artigo 11.º CSC tem diversas regras a tanto respeitantes.

O objeto da sociedade deve constar de indicação corretamente redigida em língua portuguesa.

A contrario, poder-se-ia inferir daqui que os outros elementos do conteúdo do contrato de

sociedade não teriam de preencher esses requisitos. Não é assim. O contrato de sociedade

deve ser celebrado por escrito, com reconhecimento presencial das assinaturas – artigo 7.º,

n.º1 CSC. O reconhecimento não pode ser exarado num texto incompreensível: pressupõe-

se, naturalmente, que deve estar em português correto. De todo o modo, o artigo 11.º, n.º1

CSC só merece aplauso, mesmo quando dispensável. Como objeto devem ser indicadas as

atividades que os sócios se proponham para a sociedade (artigo 11.º n.º2 CSC). A lei permite

que o contrato indique uma série de atividades não efetivas; segundo o n.º3, compete depois

aos sócios, de entre as atividades elencadas no objeto social, escolher aquela ou aquelas que

a sociedade efetivamente exercerá, bem como deliberar sobre a suspensão ou a cessação de

uma atividade que venha sendo exercida (n.º3). A prática vai, assim, no sentido de alongar o

objeto da sociedade com toda uma série de hipóteses de atuação. Questão controversa era a

da aquisição, pela sociedade, de participações sociais noutras sociedades, a qual teria de ser

facultada pelo pacto social. O problema surgia particularmente cadente no tocante a

participações em sociedades de responsabilidade ilimitada; tais participações poderiam pôr

em causa o regime de responsabilidade próprio da sociedade participante. Resolvendo

dúvidas, o artigo 11.º, n.º4 a 6.º CSC, veio dispor:

A aquisição de participações em sociedades de responsabilidade limitada cujo objeto

seja igual àquele que a sociedade está exercendo – entenda-se: efetivamente – não

depende de autorização no contrato de sociedade nem de deliberação dos sócios,

salvo cláusula em contrário;

A aquisição de participações em sociedade de responsabilidade ilimitada pode ser

autorizada livre ou condicionalmente, pelo contrato social;

De igual modo, tal autorização pode reportar-se à aquisição de participações em

sociedades com objeto diferente do efetivamente exercido, em sociedades reguladas

por leis especiais e em agrupamentos complementares de empresas.

Finalmente, o artigo 11.º, n.º6 CSC permite que a gestão de uma carteira de títulos

pertencente à sociedade possa constituir o objeto dela. O objeto da sociedade tem, assim, a

ver primordialmente com o funcionamento da própria sociedade e com a responsabilidade

dos titulares dos seus órgãos.

A sede e as formas locais de representação: sede é um dos elementos essenciais

do contrato de sociedade (artigo 9.º, n.º1, alínea e) CSC). Segundo o artigo 12.º, n.º1 CSC, a

sede da sociedade deve ser estabelecida em local concretamente definido. Aliás, pelo artigo

10.º, n.º1, alínea b) RNPC, a sede ou domicílio e o endereço postal de pessoas coletivas estão

sujeitos a inscrição no FNPC. Tudo isto está interligado: por razões elementares de polícia,

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fiscais, comerciais e até pessoas, as sociedades devem ter um local preciso, onde possam ser

efetivamente contactadas. Na falta de indicação da sede, surgirá, no caso de sociedades por

quotas, anónimas, ou em comandita por ações registadas, a nulidade (artigo 42.º, n.º1, alínea

b) CSC), ainda que sanável (idem, n.º2); não se poderá, assim, recorrer diretamente ao artigo

159.º CC que permite, na falta de designação estatutária, recorrer ao lugar em que funcione

normalmente a administração principal. O artigo 12.º, n.º2 CSC permite que, salvo disposição

em contrário no contrato, a administração possa deslocar a sede dentro do território nacional.

A partir daí, a mudança de sede exige alteração dos estatutos. O n.º3 desse mesmo preceito

dispõe que a sede constitua o domicílio da sociedade, sem prejuízo de se estabelecer domicílio

especial para determinados negócios. O artigo 13.º, n.º1 CSC prevê formas locais de

representação.

O capital social: segundo o artigo 9.º, n.º1 CSC:

«Do contrato de qualquer tipo de sociedade devem constar:

(…)

«f) O capital social, salvo nas sociedades em nome coletivo em que todos os sócios contribuam

apenas com a sua indústria;».

O artigo 14.º dispõe:

«O montante do capital social deve ser sempre e apenas expresso em moeda com curso legal em

Portugal».

Este diploma visou diversas adaptações à introdução do euro, em substituição do escudo.

Verifica-se, pelo enunciado legal, que o capital social não é um elemento essencial do contrato

de sociedade, uma vez que não ocorre nas sociedades em nome coletivo, nas quais todos os

sócios apenas contribuam com a sua indústria. Também não há capital nas sociedades civis

sob forma civil (artigo 980.º CC). Tratar-se-á um elemento próprio, apenas, das restantes

sociedades. Em termos materiais, o capital de uma sociedade equivale ao conjunto das

entradas a que os diversos sócios se obrigaram ou irão obrigar. Podem antecipar algumas

distinções, neste domínio, sendo certo que as diversas categorias são dominadas pelas

sociedades anónimas. Assim:

O capital diz-se subscrito ou a subscrever, consoante as pessoas interessadas se

tenham, já, tenham vinculado ou não às inerentes entradas;

O capital considera-se realizado ou não realizado em função de terem sido ou não

concretizadas as entregas à sociedade dos valores que ele postule;

O capital é realizado em dinheiro ou em espécie consoante o tipo de entradas a que

dê azo.

Em termo contabilísticos, o capital exprime uma cifra ideal que representa as entradas

estatutárias, surgindo, como tal, nos diversos instrumentos de prestação de contas. Ele

poderá já nada mais ter a ver nem com o real património da sociedade em jogo, expresso

pela relação ativo/passivo, nem com o valor de mercado da mesma sociedade, dependente

da sua aptidão para os negócios e fixado segundo as regras da oferta e da procura. Nas

sociedades em nome coletivo, podem ocorrer sócios de indústria, isto é, sócios adstritos a

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prestações de facere, por oposição a obrigações de entrega, em dinheiro ou em bens. O valor

da contribuição em indústria não é computado no capital social (artigo 178.º, n.º1 CSC).

Resulta, daí, que nas sociedades em nome coletivo em que todos os sócios contribuam apenas

com indústria, não há indicação de capital social (artigo 9.º, n.º1, alínea f) CSC). De facto, a

ideia do capital social como expressão de bens penhoráveis prevalece. O capital social vem a

ser apresentado por fatores que traduzem os quinhões dos sócios. Temos partes do capital,

nas sociedades em nome coletivo (artigo 176.º, n.º1, alínea c) CSC), quotas, nas sociedades

por quotas (artigo 197.º, n.º1 CSC), e ações nas sociedades anónimas (artigo 271.º CSC).

Tudo isso deve ser expresso no pacto social, quantificando-se a parte relativa a cada sócio e

explicitando-se os pagamentos efetuados por cada um (artigo 9.º, n.º1, alínea g) CSC). Na

hipótese de entradas em espécie, cabe ao pacto social a descrição dos bens em causa e a

especificação dos valores respetivos (idem, alínea h)). As estipulações de entrada em espécie

que não satisfaçam as alíneas g) e h) do n.º1 são consideradas ineficazes, pelo artigo 9.º, n.º2

CSC. Devemos, ainda, contar com outras noções de capital. A doutrina distingue:

O capital contabilístico: cifra que consta do balanço, como passivo, correspondente

às entradas realizadas dos sócios; quando por realizar, surgem no ativo;

O capital estatutário ou nominal: valor inserido nos estatutos e que traduz, de modo

abstrato e formal, o conjunto das entradas dos sócios;

O capital real ou financeiro: expressão dos denominados capitais próprios ou valores

de que a sociedade disponha, como seus;

O capital económico: imagem da capacidade produtiva da sociedade, enquanto

empresa ou conjunto de empresas.

Podem ocorrer outras aceções. Assim, há que assentar na natureza polissémica do capital.

A duração: a sociedade dura por tempo indeterminado: tal solução supletiva que resulta

do artigo 15.º, n.º1 CSC. Às partes cabe, no pacto social, fixar uma duração determinada para

a sociedade, altura em que ela só pode ser aumentada por deliberação tomada antes de o

prazo ter terminado (artigo 15.º, n.º2 CSC). De outra forma, esse mesmo preceito manda

aplicar as regras referentes ao regresso à atividade, previstas no artigo 161.º CSC. A fixação

da duração de uma sociedade poderá, ainda, ser feita por remissão para termo certo – por

tantos anos ou até tal data – ou para um fator certus an incertus quando: até à conclusão da obre

ou até à morte de tal sócio. Estas considerações permitem também condicionar a duração da

sociedade – a não confundir com a sociedade condicional: durará até que ocorra determinado

facto incertus an incertus quando. As sociedades fazem surgir, entre os seus membros, relações

tendencialmente perpétuas. Salvo a hipótese – na prática bem pouco corrente – de os

próprios sócios fixarem, no pacto social, um prazo para a duração da sociedade, esta vai

subsistir indefinidamente, até que sobrevenha uma causa de extinçãoFixada uma duração

para certa sociedade, surge um elemento objetivo suscetível de concitar a confiança de

terceiros. A súbita alteração desse elemento pode suscitar danos, diretos ou indiretos. Donde

a preocupação legal de só permitir a alteração desse ponto antes de o prazo de duração em

causa ter sido alcançado.

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Vantagens, retribuições e indemnizações: artigo 16.º CSC acrescenta, ao rol de

elementos do contrato de sociedade, ainda um fator eventual: a indicação de vantagens,

indemnizações e retribuições. O elenco desse preceito é o seguinte:

Vantagens concedidas a sócios;

O montante global por esta devido a sócios ou a terceiros, a título de indemnização;

Idem, a título de retribuição de serviços prestados, excecionados os emolumentos e

as taxas de serviços oficiais e os honorários de profissionais em regime de atividade

liberal, tudo isso desde que em conexão com a constituição da sociedade.

A razão de ser de tal indicação resulta do artigo 16.º, n.º2 CSC: trata-se de conseguir que as

inerentes obrigações sejam oponíveis à própria sociedade. Na falta de indicação, elas apenas

serão oponíveis aos fundadores. Além disso, verifica-se que a sociedade só assume, de pleno

direito, os direitos e obrigações decorrentes dos negócios jurídicos referidos no artigo 16.º,

n.º1 CSC, com o registo definitivo do contrato (artigo 19.º, n.º1, alínea a) CSC).

Secção II – Sociedades em formação e sociedades

irregulares

35.º - O processo de formação de sociedades

Fases necessárias e negócios eventuais: qualquer contrato pode ser antecedido

por um processo de formação mais ou menos alongado ou pode, pelo contrário, ser de

celebração instantânea. No caso do contrato de sociedade, há sempre um prévio processo de

formação. Desde logo porque a lei prevê fases necessárias que, por definição, se sucedem no

tempo. De seguida: uma sociedade pressupõe diversos ajustes, desde a firma à duração,

passando pelo objeto, pelo capital social, pela escolha dos sócios e pela redação dos estatutos;

ora é impossível que tudo isso ocorra em termos imediatos. Finalmente: a demora na

obtenção do registo definitivo leva, por vezes, os sócios a iniciar, de imediato, uma atividade

produtiva, atividade essa que só posteriormente poderá ser imputada, em termos plenos e

absolutos, à própria sociedade. Em suma: no caso das sociedades, é de lidar co a hipótese de

situações prévias de duração alongada a que, genericamente, chamaremos sociedades em

formação. Por via dos dispositivos legais em vigor, particularmente dos artigos 7.º, n.º1, 5.º,

18.º e 167.º CSC, podemos dizer que, na formação de uma sociedade, intervêm sempre as

seguintes três fases: as fases necessárias:

Contrato escrito, com assinaturas presencialmente reconhecidas;

Registo;

Publicações obrigatórias.

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Na presença de um registo prévio, previsto no artigo 18.º, n.º1 CSC e, nos termos aí

prescritos, anterior ao contrato escrito, a sequência das fases necessárias será:

Registo prévio;

Contrato escrito;

Registo definitivo;

Publicações obrigatórias.

Na hipótese de registo prévio, parece claro que, antes de requerer a inscrição pública, as

partes terão de celebrar previamente (e pelo menos), um duplo acordo:

O relativo aos estatutos, uma vez que o requerimento de registo prévio deve ser

instituído com «um projeto completo do contrato de sociedade»;

O referente à própria decisão de requerer o registo prévio em causa.

Para além das fases necessárias enunciadas, poderão ocorrer determinados negócios

eventuais. Distinguimos, em termos não exaustivos:

Acordos de princípio;

Negócios instrumentais preparatórios;

Acordo de subscrição pública;

Acordo destinado a fazer funcionar a sociedade antes do registo definitivo.

Todos eles devem ser honrados, sob cominação de responsabilidade civil. Quando a

sociedade definitiva esteja suficientemente prefigurada e as partes se obriguem, mutuamente,

a celebrar o competente contrato, teremos uma promessa de sociedade. De acordo com o

Direito português, a promessa de sociedade está sujeita a simples forma escrita. Poderá haver

uma execução específica dessa promessa, nos termos do artigo 830.º CC.

1. Pinto Furtado responde pela negativa: a sociedade traduziria uma associação

voluntária, à qual ninguém poderia ser obrigado.

2. Menezes Cordeiro: mesmo na hipótese de execução específica, a associação não

deixaria de ser voluntária; só que a liberdade teria sido exercida previamente, no

momento da conclusão da promessa. A execução específica de uma promessa de

sociedade dependerá, assim:

o Da interpretação do próprio contrato-promessa, de modo a verificar se

as partes não terão recorrido à promessa precisamente para se reservarem um

direito de recesso ou de arrependimento

o Da natureza da sociedade prefigurada pelas partes: a execução específica

não será possível por a isso se opor a natureza da obrigação assumida nos

casos de sociedades de pessoas e, ainda, naqueles em que não haja livre

transmissibilidade das posições dos sócios ou possibilidade de exoneração

por iniciativa do próprio; nos outros casos, ela é um comum negócio

patrimonial: e nem dos mais graves.

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Na presença de um registo prévio, será possível, pela interpretação, detetar a presença de

uma promessa implícita, mormente quando todos os interessados subscrevam o projeto de

estatutos ou o requerimento de registo. Será, então, uma mera questão de interpretação.

Também as regras sobre a redução e a conversão dos negócios jurídicos são úteis. Para além

da promessa de sociedade, podem ainda surgir diversos negócios instrumentais preparatórios:

tudo isto, em conjunto com a própria promessa, preenche a categoria dos negócios de

vinculação, por oposição aos negócios de organização, que visam já pôr a funcionar a futura

sociedade. Eles devem ser cumpridos, sob pena de responsabilidade civil. Não há que recear

estas figuras: estamos perante negócios patrimoniais que devem ser honrados.Pode ainda

ocorrer um negócio preliminar específico, pressuposto pela lei: o acordo destinado à

subscrição pública. Com efeito, segundo o artigo 279.º CSC:

«1. A constituição de uma sociedade anónima com apelo a subscrição pública de ações deve ser

promovida por uma ou mais pessoas que assumem a responsabilidade estabelecida nesta lei».

Tratando-se de várias pessoas, pressupõe-se, entre elas, um contrato bastante, que defina o

papel e as obrigações de cada um dos intervenientes. Normalmente, o negócio aqui referido

envolverá também uma promessa de sociedade, uma vez que os promotores (artigo 279.º,

nº.3 CSC)

«devem elaborar o projeto completo de contrato de sociedade e requerer o seu registo provisório».

Por fim, as partes poderão concluir, explícita ou implicitamente, um convénio destinado a

fazer funcionar a sociedade, mesmo antes do registo.

A boa fé in contrahendo: em todo o processo conducente à definitiva constituição de

uma sociedade, as partes devem observar as regras da boa fé, previstas no artigo 227.º, n.º1

CC. A formação de uma sociedade implica – ou pode implicar – negociações demoradas.

Além disso, o processo formativo dá azo a uma atuação jurídica prolongada. Finalmente e

num aspeto da maior importância: a preparação de uma sociedade pode pôr em campo as

mais diversas atuações materiais preparatórias, possibilitando ainda a antecipação da própria

atividade societária. Durante todo esse caminho, as partes interessadas ficam nas mãos umas

das outras. A observância das regras da boa fé in contrahendo é primordial. Em princípio, a

culpa in contrahendo é negativamente recortada por quaisquer acordos preliminares que as

partes entendam concluir. Na área destes funcionam as regras próprias das obrigações

contratuais e, sendo esse o caso, as normas correspondentes aos incumprimentos porventura

ocorridos. Ela tornar-se-á, assim, de especial utilidade sempre que deparemos com situações

para as quais as partes nada hajam previsto. Saliente-se, ainda, que ninguém pode renunciar

previamente aos direitos que lhe possam advir de esquemas defeituosos de preparação de

sociedades: consequência direta de vários princípios e, designadamente, do artigo 809.º CC.

No domínio da preparação da sociedade poderão, ex bona fide, ocorrer diversos deveres

preliminares, com as seguintes linhas de concretização:

Deveres de segurança: ficam especialmente envolvidas as medidas necessárias para

que, na fase pré-contratual, não ocorram danos nas pessoas ou nos patrimónios dos

envolvidos; na preparação da sociedade podem ocorrer atividades materiais,

potencialmente perigosas; para além da tutela aquiliana, há que contar com os

deveres específicos pré-contratuais, que dispensam uma tutela mais efetiva, mercê da

presunção da culpa que envolvem;

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Deveres de lealdade: implicam diversas atuações com relevo para o dever de sigilo,

a proibição de prossegui, com efetividade, o caminho da formação de sociedade;

neste campo entrará a interrupção injustificada de negociações, quando se tenha dado

azo a uma convicção justificada de que haveria sociedade e quando, na preparação

desta, tenha havido despesas consideráveis e ou perda de negócios alternativos;

Deveres de informação: dependendo da sua natureza, a preparação de uma

sociedade pode exigir uma troca de informações de densidade variável, quer para

bem acertar os interesses dos intervenientes, quer para preparar o futuro ente coletivo;

tudo o que tiver interesse deve ser comunicado. Como contraponto: as informações

obtidas ficam cobertas pelo dever de sigilo ex bona fide, dever esse que será tanto mais

denso quanto mais reservadas forem as informações prestadas; particularmente: seria

grave que informações obtidas num processo de constituição de sociedade viessem

a ser usadas em prol da concorrência; poderia mesmo haver responsabilidade

criminal.

A culpa in contrahendo terá, então, um papel fundamental.

Situações pré-societárias; a tradição da sociedade irregular: como foi

referido, os sócios podem, antes de completado o processo de constituição de uma sociedade,

iniciar a atividade visada por esta. Estamos no âmbito do Direito privado, onde é permitido

tudo o que não for proibido. Todavia, nessa eventualidade, o Direito predispõe um regime

que, em diversos pontos, é menos favorável do que o aplicável às sociedades perfeitas. Usa-

se, por vezes, para nominar este fenómeno, a locução: situações pré-societárias ou pré-

sociedade, isto é, a realidade em funcionamento, antes de completada, pelo registo, a

constituição de uma sociedade. A pré-sociedade dispõe, no atual Código das Sociedades

Comerciais, de um circunstanciado e expresso regime legal (artigos 36.º a 41.º CSC). Com

isso, o Direito português torna-se bastante mais simples do que aqueles em que – como no

alemão – por falta de regras gerais se imponha todo um esforço de construção científica e de

desenvolvimento jurisprudencial. Todavia, podem surgir outras figuras, estranhas a um

normal processo de formação de sociedades e que também exigem a atenção do Direito. O

regime das sociedades irregulares molda-se, quanto possível, pelo das sociedades. A

qualificação deverá derivar desse ponto.

36.º - As sociedades irregulares por incompleitude

Ideia geral e modalidades: a comercialística portuguesa clássica trabalhava, com

virtuosismo, uma ideia de sociedade irregular. A ela era possível reconduzir figuras

diversificadas que, em comum, tinham o facto de traduzir uma situação societária não

totalmente conforme com a sociedade perfeita. A noção de sociedade irregular não tem, no

Direito vigente, consagração legal expressa. É certo que o Código das Sociedades Comerciais,

no artigo 172.º, menciona a hipótese de o contrato de sociedade não ter sido celebrado na

forma legal, permitindo o artigo 173.º, n.º1 CSC que o Ministério Público notifique:

«por oficio a sociedade ou os sócios para, em prazo razoável, regularizarem a situação».

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O n.º2 do mesmo preceito permite ainda que a situação das sociedades seja regularizada até

ao trânsito em julgado da sentença proferida na ação proposta pelo Ministério Público. Seria

vão procurar aqui um vício autónomo de a sociedade viciada poder funcionar noutros moldes

e, provavelmente, com outro fundamento. Também o artigo 174.º, n.º1, alínea e) CSC, a

propósito da contagem do prazo de cinco anos para a prescrição dos direitos da sociedade

contra os fundadores e a dos direitos deste contra aquela, manda que ela se faça desde:

«A prática do ato em relação aos atos praticados em nome de sociedade irregular por falta de

forma ou de registo».

Procede a mesma consideração. O contrato vitimado por falta de forma é nulo, sem prejuízo

de produzir efeitos como ato diverso, se a lei o permitir ou prescrever. A falta de registo

impede a personalização plena. A referência a sociedade irregular foi apenas uma fórmula

cómoda, usada pelo legislador, para transmitir essas duas realidades e determinar um regime

que, com elas, nada tem a ver: a contagem de um prazo de prescrição. Todavia, mau grado a

falta de precisa consagração legal, a doutrina e, sobretudo, a jurisprudência, continuam a usar

a expressão sociedade irregular para cobrir:

A sociedade organizada e posta a funcionar independentemente de as partes terem

formalizado qualquer contrato de sociedade;

A sociedade formalizada por escritura pública (exigida antes de 2006), mas ainda não

foi registada;

A sociedade já formalizada, mas cujo contrato seja inválido; será possível aqui

subdistinguir situações consoante haja, ou não, registo.

Tendo em conta os regimes aplicáveis, iremos reservar a expressão sociedade irregular para

os casos em que haja incompleitude do processo, seja por falta da própria escritura, seja por

ausência do registo. As invalidades colocam questões que podem, com felicidade, agrupar-se

em torno do epíteto invalidades da sociedade. Com efeito, as situações a reconduzir às

sociedades irregulares têm, em comum, duas importantes circunstâncias:

A não-conclusão do processo formativo, o qual pressupõe um acordoo solene e o

registo definitivo;

A efetiva presença de uma organização societária em funcionamento, com relações

atuantes: quer entre os sócios interessados, quer com terceiros;

Sociedade material e sociedade aparente: passando a analisar as diversas

sociedades irregulares, deparamos, desde logo, com o artigo 36.º CSC. Esse preceito abrange,

todavia, duas situações bastante distintas:

A do n.º1 onde se prevê uma mera situação de sociedade material, sem a cobertura

de qualquer acordo entre as participantes;

A do n.º2 que prefigura já um acordo tendente à constituição de uma sociedade

comercial mas sem que se tenha celebrado o contrato escrito.

A primeira situação parece surpreendente. Impõem-se algumas considerações preliminares.

As organizações e cooperação humanas não se esgotam em meros vínculos abstratos com a

marca valorativa do dever-ser. Elas antes dão – ou podem dar – azo a efetivas modificações

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materiais: atividades comuns, bens afetos, captação de recursos humanos e compromissos

com terceiros. Há, aqui, um fenómeno que faz lembrar a posse: afetação material de coisas

corpóreas, independentemente dos direitos que lhes possam respeitar.

A primeira categoria de sociedades irregulares que iremos abordar é a das sociedades

materiais: situações que, no campo da materialidade correspondam a contribuições de bens

ou serviços, feitas por duas ou mais pessoas, para o exercício em comum de certa atividade

económica, que transcenda a mera fruição, com o fim de repartição dos lucros daí resultantes.

E todavia falta, para tais situações, qualquer contrato ou outro título legitimador. Uma ideia

ampla de sociedade meramente material abrangeria todas as situações societárias a que

faltasse ou um contrato válido, ou o registo mas que, todavia, tivessem dado azo, no espaço

jurídico, a uma organização de tipo societário em efetivo funcionamento. Em rigor, na

presença de qualquer contrato (ainda que inválido), já não haveria uma situação puramente

material. Fica, pois, o sentido estrito, em que a sociedade material equivale à sociedade

aparente. A sociedade aparente caracteriza-se por não ter, na origem, qualquer contrato ou

acordo societário. Assistir-se-ia à presença de uma mera organização societária a qual, por

ser percetiva por terceiros, surgiria como uma aparência. Semelhante eventualidade é pouco

imaginável perante sociedades anónimas, de montagem complexa e difícil e com várias

instâncias de verificação. Também as sociedades por quotas, dotadas de certo tecnicismo,

dificilmente darão azo a situações meramente aparentes, despidas de qualquer título. O

Código das Sociedades Comerciais resolveu solucionar expressamente a problemática posta

pelas sociedades aparentes. Assim, segundo o artigo 36.º CSC:

«1. Se dois ou mais indivíduos quer pelo uso de uma firma comum quer por qualquer outro

meio, criarem a falsa aparência de que existe entre eles um contrato de sociedade, responderão

solidária e ilimitadamente pelas obrigações contraídas nesses termos por qualquer deles».

O n.º2 desse preceito dispõe, porém, que se for acordada a constituição de uma sociedade e

antes da celebração do contrato as partes iniciarem a competente atividade, tem aplicação o

regime das sociedades civis. O preceito não foi conseguido. É importante procede à sua

crítica não por um prisma de política legislativa, mas para tentar, pela interpretação, afeiçoar

o seu conteúdo às exigências do sistema. O legislador parece ter feito uma distinção radical:

Uma aparência total de sociedade, em que os responsáveis nem intenção têm de

celebrar um contrato;

Uma situação em que tal intenção já existiria.

Na primeira hipótese, haveria uma responsabilidade solidária (e, naturalmente, ilimitada)

entre os participantes; no segundo, aplicar-se-iam as regras das sociedades civis. Pelo prisma

dos terceiros, não se percebe esta diferenciação. Repare-se que num caso como no outro,

eles apenas estão convictos da existência da sociedade, sendo-lhes inacessível o facto de os

sócios terem ou não a intenção de celebrar, no futuro, um contrato que, então, faltava. Ora

o regime das sociedades civis é mais adequado e pode assegurar superiores níveis de tutela:

basta ver que, perante o regime da sociedade civil, os credores sociais têm uma situação de

privilégio, perante os bens da sociedade e em relação aos credores pessoais dos sócios (artigo

999.º CC). Além disso, está sempre assegurada a responsabilidade pessoal e solidária dos

sócios, pelas dívidas da sociedade (artigo 997.º, n.º1 CC) ainda que, é certo, com benefício

de excussão (idem, n.º2). Para quê diferenciar regimes em função de um acordo de celebração

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futura, de cuja existência ninguém pode ajuizar? A solução normal tenderá, assim, a ser a de

aplicação das regras das sociedades civis puras. Como vimos, a constituição destas sociedades

não depende de qualquer forma especial. Quando duas ou mais pessoas, pelo uso de uma

forma comum ou por qualquer outro meio criem a falsa aparência de uma sociedade

(comercial) há, pelo menos, um acordo, expresso ou tácito, no sentido de criar a aparência

em causa. Será já, em regra, uma sociedade civil. O campo de aplicação do artigo 36.º, n.º1

CSC reduz-se, acantonando-se na parte mais interessante: a da responsabilidade civil solidária,

pelos danos causados. Além disso, também não oferecerá dúvidas a necessidade de fazer

intervir outros elementos próprios da tutela da aparência – ou, por um prisma mais atual –

da confiança das pessoas que adiram. Assim:

A confiança deve ser objetivamente justificada;

Os confiantes a tutelar devem estar de boa fé, ou seja: devem desconhecer, sem culpa,

a natureza meramente aparente da sociedade.

O investimento da confiança e a imputação, da mesma, às pessoas que lhe estejam na origem

podem ser dispensados: existe uma previsão legal expressa de tutela. O artigo 36.º, n.º1 CSC

– tal como os restantes preceitos relacionados com as sociedades irregulares, exceto as que

o sejam em virtude de vício na formação do contrato – aplica-se às situações existentes antes

da entrada em vigor do Código das Sociedades Comerciais: artigo 534.ºCC. Ficam todavia

ressalvados os efeitos anteriormente produzidos.

A pré-sociedade antes do contrato: uma segunda hipótese de sociedade irregular

surge no artigo 36.º, n.º2 CSC. O seu estudo fica facilitado com a leitura do texto em causa:

«Se for acordada a constituição de uma sociedade comercial, mas, antes da celebração do contrato

de sociedade, os sócios iniciarem a sua atividade, são aplicáveis às relações estabelecidas entre

eles e com terceiros as disposições sobre as sociedades civis».

Cumpre começar por esclarecer que situações deste tipo podem ocorrer com alguma

frequência. A negociação de uma sociedade é obra da autonomia privada. Conseguindo um

acordo, inicia-se um processo burocrático que, até há pouco tempo, demorava meses. Ora

se tudo estiver pronto, no campo dos preparativos a efetuar no terreno, porque não começar

a trabalhar? Justamente: a lei permite esse início de atividade; mas sob o regime das

sociedades civis puras. Que tipo de acordo exige a primeira parte do artigo 36.º, n.º2 CSC?

Dados os valores em presença – a adequada proteção de terceiros e uma justa regulação entre

as partes - bastará um acordo muito simples e incipiente. Designadamente, a lei não exige

uma promessa de celebração do contrato de sociedade definitivo. Pergunta-se se esse acordo

não deveria, pelo menos, incluir os elementos requeridos pelo contrato civil de sociedade

que se irá aplicar. De facto, terá de haver um minimum de elementos, para se poder identificar

a própria situação. Mas isso implicará, simplesmente, a indicação das partes e a determinação

da atividade comum em causa. Quanto ao resto: resulta da lei. Em termos doutrinários, qual

o sentido da remissão final do artigo 36.º, n.º2 CSC para as disposições sobre sociedades

civis?

1. Pinto Furtado entende que este preceito configura o nele descrito como uma

invalidade de forma: posto o que operaria uma conversão ope legis de uma sociedade

comercial de facto em sociedade civil.

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2. Menezes Cordeiro: salvo o devido respeito, não é esse o teor da lei; tão-pouco nos

parece vantajoso proceder, doutrinariamente, às construções que permitiriam apoiar

tal asserção e isso admitindo que elas fossem possíveis. Assim e como vimos, as

regras sobre sociedades civis podem cobrir situações muito diversificadas: desde

atuações concertadas ocasionais até um verdadeiro e próprio organismo societário a

funcionar com pelouros e órgãos. Esta multifuncionalidade constitui o grande trunfo

das sociedades civis puras. Ao remeter para as regras das sociedades civis, não se

apela para todas: apenas, naturalmente, para aquelas que, em função das

circunstâncias, tenham aplicação e, ainda aí, com as necessárias adaptações. Há, pois,

uma aplicação de regras civis: não uma conversão de uma (inexistente) sociedade

comercial numa (porventura: impossível) sociedade civil.

Finalmente: a sociedade resultante da aplicação do final do artigo 36.º, n.º2 CSC é civil ou

comercial? Comercial não pode ser: o artigo 1.º, n.º2 CSC formaliza essa categoria, não se

encarando a mínima vantagem em inobservar as inerentes valorações, que são importantes.

Aliás, bem pode acontecer que se tenha acordado na constituição de uma sociedade

comercial e que se inicie, desde logo, uma atuação comum sem que se tenha, sequer e ainda,

optado por um concreto tipo de sociedade. Ergo, a haver elementos suficientes para se poder

falar em sociedade, ela será civil. Isso não impede, todavia, que a situação globalmente

considerada seja comercial, tal como comerciais serão os atos praticados pelos intervenientes,

em nome e por conta da sociedade. A nossa preocupação é, aqui, a de permitir a apreciação

de eventuais litígios, aqui ocorridos, pelos tribunais de comércio.

A pré-sociedade depois do contrato e antes do registo:

1. Relações internas: o Código das Sociedades Comerciais veio, depois, prever a pré-

sociedade subsequente ao contrato mas anterior ao registo. Repare-se: havendo

contrato, as relações entre os sócios, sejam pessoais, sejam patrimoniais, estão

precisadas. O único óbice resulta da falta de personalidade jurídica (plena) a qual, nos

termos do artigo 5.º CSC, apenas surge com o registo definitivo. A lei estabelece um

sistema para este tipo de pré-sociedade que assenta, fundamentalmente, em distinguir

relações entre sócios (artigo 37.º CSC) e relações com terceiros (artigos 38.º a 40.º

CSC). No tocante às relações entre os sócios são aplicáveis:

As regras previstas no próprio contrato e as legais (correspondentes, entenda-se,

ao respetivo tipo), com as adaptações necessárias e salvo as que pressupunham

o contrato definitivo registado (artigo 37.º, n.º1 CSC);

Em qualquer caso, a transmissão inter vivos de posições sociais e as modificações

do contrato social requerem, sempre, o consentimento unânime de todos (idem,

n.º2 ).

A lei parece clara. Uma vez que as partes celebraram um contrato, deverão cumpri-

lo, nas suas relações entre si. E como esse mesmo contrato pressupõe todo um

regime legal complementar (supletivo ou injuntivo), também ele é convocado.

Pergunta-se o porquê da ressalva da transmissão inter vivos, das posições sociais e da

modificação do contrato social: como vimos, o artigo 37.º, n.º2 CSC submete-as a

uma regra de unanimidade. De acordo com a lógica da lei, a personalidade (plena)

surge apenas com o registo. Até lá, haverá um mero contrato que, pelas regras gerais

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(artigo 406.º, n.º1 CC), só por mútuo consentimento pode ser modificado. Há valores

de fundo em jogo: as partes aceitaram ingressar numa sociedade com certos parceiros

e em face de determinado clausulado: um desejo a respeitar, mesmo que, a posteriori e

mercê das vicissitudes da própria sociedade, uma vez constituída, possa haver

modificações. Mas alem disso, também há razões societárias:

Os sócios podem ser responsáveis pelas dívidas contraídas antes do registo e de

acordo com esquemas que variam consoante a sociedade; admitir exonerações

ou alterações por maioria poderia prejudicar os credores (no primeiro caso) e os

próprios sócios minoritários (no segundo);

Tornar-se-ia muito difícil fixar o preciso momento da eficácia das exonerações

ou modificações; poderia, aliás, haver vários momentos a considerar, consoante

o momento em que os factos modificativos ou exonerativos chegassem ao

conhecimento dos interessados;

Finalmente: a medida serve como esquema compulsório destinado a efetivar a

realização do registo; recorde-se que um esquema paralelo opera perante o

registo predial: os prédios não inscritos em nome do alienante não podem ser

vendidos.

2. Relações externas: depois de regular as relações internas das pré-sociedades já

formalizadas, em escritura pública, mas ainda não registadas, o Código das

Sociedades Comerciais passa às relações externas ou relações com terceiros. Nesse

domínio, ele procede a um tratamento diferenciado, em consonância com o tipo de

sociedade que esteja em causa. Distingue:

o Sociedades em nome coletivo;

o Sociedades em comandita simples;

o Sociedades por quotas, anónimas e em comandita por ações.

3. Para efeitos da análise subsequente, podemos agrupar as duas primeiras numa rubrica

sobre sociedades de pessoas e, as três últimas, nutra sobre as sociedades de capitais.

a. Nas sociedades de pessoas: quanto às sociedades em nome coletivo:

pelos negócios realizados em seu nome, depois da escritura e antes do registo,

com o acordo expresso ou tácito dos diversos sócios – acordo esse que se

presume – respondem, solidária e ilimitadamente, todos eles (artigo 38.º, n.º1

CSC). Caso não tenham sido autorizados por todos os sócios, respondem

apenas aqueles que os tenham realizado ou autorizado (n.º2). O que entender

por responder? A resposta prende-se com o tema da capacidade das pré-

sociedades e com a assunção, pelas sociedades uma vez constituídas, das

posições daquelas. Adiantamos que responder é, aqui, usado no sentido de

alguém ser convocado em termos de responsabilidade patrimonial. Os

próprios negócios celebrados em nome das pré-sociedades visadas devem ser

cumpridos por estas – ou nem haveria negócios! E se o não forem, a pré-

sociedade incorre nas consequências do incumprimento. Havendo que passar

à fase da execução patrimonial: responderá a própria pré-sociedade, com os

bens que porventura já tenha (regime geral, que não tinha de ser repetido) e

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respondem os sócios que tenham celebrado ou autorizado os negócios em

causa: salvo ilisão: todos. A lei não refere o beneficium excussionis, nem mesmo

quando todos os sócios tenham autorizado a operação. Lacuna? Parece que

não. Uma vez que a própria lei, logo no preceito imediatamente anterior,

manda aplicar às sociedades que agirem sem contrato, o regime das

sociedades civis, não se compreenderá que, havendo contrato, as regras se

tornassem mais desfavoráveis para os sócios ou – pior! – menos societárias.

Vamos, pois, sustentar que a responsabilidade solidária e ilimitada referida no

artigo 38.º, n.º1 CSC, segue o regime do artigo 997.º, n.º1 e 2 CC incluindo,

designadamente, o benefício da prévia excussão do património social. A

optar-se pela lacuna: a solução seria a mesma, com apelo à analogia. As

cláusulas que limitem objetiva ou subjetivamente os poderes de

representação só são oponíveis aos terceiros que se prove conhecerem-nas,

aquando da celebração dos contratos respetivo (artigo 38.º, n.º3 CSC). Trata-

se da solução que corresponde às regras gerais. As relações, com terceiros,

das sociedades em comandita simples, cujos contratos tenham sido

regularmente outorgados mas que não se encontrem, ainda, registadas,

mereceram ao legislador um longo preceito: o artigo 39.º CSC. Diz, em

súmula:

Pelos negócios celebrados em nome da sociedade, com o acordo de

todos os sócios comanditados (o qual se presume), respondem todos

eles, pessoal e solidariamente (n.º2);

Nos mesmos termos responde o sócio comanditário que tenha

consentido no início da atividade social, salvo se provar que o credor

conhecia a sua qualidade (n.º2);

Se os negócios celebrados não tiverem sido autorizados por todos os

sócios comanditados (ilidindo-se, pois, a presunção), respondem

apenas os que realizarem ou aprovarem (n.º3);

As cláusulas que limitem objetiva ou subjetivamente os poderes de

representação só são oponíveis aos terceiros que se prove

conhecerem-nas, aquando da contratação.

No tocante ao sentido da responsabilidade aplicam-se, pelas razões apontadas,

as regras acima apuradas quanto às sociedades em nome coletivo.

b. Nas sociedades de capitais: as relações com terceiros, das sociedades por

quotas, anónimas ou em comandita por ações, já celebradas por escritura

mas ainda não registadas, obedecem à regra seguinte: pelos negócios

celebrados em seu nome respondem ilimitada e solidariamente todos os que

intervenham no negócio em representação da sociedade em causa, bem como

os sócios que o autorizem; os restantes sócios respondem apenas até às

importâncias das entradas a que se obrigaram, acrescidas das importâncias

que tenham recebido a título de lucros ou de distribuição de reservas (artigo

40.º, n.º1 CSC). A responsabilidade em causa já não opera se os negócios

forem expressamente condicionados ao registo da sociedade e à assunção por

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esta, dos respetivos efeitos (idem, n.º2). Pergunta-se, também aqui, se não seria

justo e sistematicamente adequado fazer intervir, em primeiro lugar, o fundo

comum da sociedade: o próprio artigo 36.º, n.º2 CSC a tanto conduziria. E

independentemente disso: não deveria a própria (pré-)sociedade responder

também pelas dívidas em seu nome contraídas? Uma sensibilidade jurídico-

científica responde positivamente a ambas as questões: afinal, seria esse o

regime das sociedades civis puras.Na verdade, o registo definitivo de uma

sociedade comercial não se limita a atribuir-lhe personalidade jurídica plena.

Tem ainda o efeito de provocar a assunção, pela sociedade, dos negócios

anteriores ao próprio registo, nos termos prescritos pelo artigo 19.º CSC2.

Tomado à letra, este preceito implicaria:

Que a própria pré-sociedade de capitais, já formalizada em contrato

mas ainda não registada, não ficasse obrigada pelos negócios

celebrados em seu nome, durante este período;

Que tais negócios apenas respeitassem a quem, no negócio, tivesse

agido em representação;

Que, com o registo, eles fossem assumidos pela sociedade.

Semelhante orientação poria em grave crise todo o papel das pré-sociedades,

além de representar uma disfuncionalidade pronunciada. Como poderia ter

um certo apoio numa primeira leitura da lei, cabe explicar como surge. O

artigo 40.º, n.º1 CSC – tal como os artigos 38.º, n.º1 e 39.º, n.º1 CSC –, na

parte em que refere a responsabilidade dos sócios, filia-se no §41 (1) do AktG

alemão que tinha o objetivo político assumido de impedir a atuação da

sociedade antes da atribuição, pelo Estado, da personalidade coletiva.

Quando transposto para as sociedades por quotas, foi entendido como

visando pressionar para a realização do registo. Todos estes fundamentos têm

vindo a ser rejeitados, pondo-se em crise qualquer justificação para o preceito.

Todavia, ele deve conservar-se, com elemento destinado a proteger o capital.

Trata-se, porém, de uma solução supletiva, que as partes podem afastar. A

responsabilidade aí prevista é meramente acessória e o responsabilizado pode

defender-se invocando as diversas exceções. A doutrina fica, assim, habilitada

a dizer que o preceito em análise tem escasso papel prático. Nos negócios

celebrados pelos seus representantes: os que agiram nessa representação e os

que autorizem tais negócios respondem (portanto: garantem, em termos de

responsabilidade patrimonial) por eles, solidária e ilimitadamente. O artigo

40.º, n.º1 CSC acrescenta ainda, no fim, que os restantes sócios respondem

até à importância das entradas a que se obrigaram, acrescidas das

importâncias que tenham recebido a título de lucros ou de distribuição de

reservas. A responsabilidade dos representantes e dos sócios que tenham

autorizado os negócios não isenta – como vimos suceder com as sociedades

de pessoas – o património social da responsabilidade principal. Além disso,

mercê do artigo 997.º, n.º1 e 2 CC, os representantes e sócios demandados

dispõem do beneficium excussionis. Resta acrescentar que tudo isto é supletivo:

2 Este preceito também se aplica às sociedades de pessoas.

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cessa se os negócios forem expressamente condicionados ao registo da

sociedade e à assunção por esta dos respetivos feitos (artigo 40.º, n.º2 CCS).

Pode-se, ainda admitir que seja pactuado o afastamento deste regime: se

necessário, sob invocação do artigo 602.º CC.

A capacidade: conhecido o regime legal das relações internas e externas das sociedades

irregulares, cabe responder à questão crucial, que tende a escapar aos roteiros comuns sobre

a matéria. Qual é a capacidade das sociedades irregulares?

Pode ser iniciada a atividade social antes do contrato, seguindo-se, então, o regime

próprio das sociedades civis (artigo 36.º, n.º2 CSC);

Podem ser realizados negócios por conta das sociedades em nome coletivo (artigo

38.º, n.º1 CSC); esta tem representantes (idem, n.º3); um esquema semelhante

funciona para as comanditas simples (artigo 39.º, n.º1 e 4 CSC).

Podem ser realizados negócios em nome das sociedades de capitais, agindo, certas

pessoas, em representação delas (artigo 40.º, n.º1 CSC);

Ainda essas mesmas sociedades, sempre antes do registo, podem distribuir lucros e

reservas (artigo 40.º, n.º1, in fine CSC).

Os preceitos referidos bastam para concluir que as sociedades, particularmente as pré-

sociedades, dispõem de uma capacidade geral similar à que compete às próprias sociedades

definitivas. O especial óbice reside na responsabilidade de quem pratique os inerentes atos,

em termos acima examinados. Essa capacidade ampla não causa qualquer surpresa: o mesmo

sucede com as sociedades civis puras, que não dependem de forma especial nem de registo

e com as próprias associações não personalizadas, previstas nos artigos 195.º e seguintes CC.

Esta capacidade de princípio não obsta a que, caso a caso, se verifique o exato alcance do ato

que lhe seja impugnado. Na concretização da sua capacidade, a sociedade irregular disfruta

da representação orgânica. Esta será levada a cabo por qualquer dos seus promotores, no

caso do artigo 36.º, n.º2 CSC (pré-sociedade anterior à escritura) ou pelos órgãos

competentes já previstos nos seus estatutos, nas hipóteses dos artigos 38.º a 40.º CSC (pré-

sociedades posteriores ao contrato mas anteriores ao registo). Apesar desta latitude dada pelo

Direito privado, deve ter-se presente que as pré-sociedades dão lugar a constrangimentos

fiscais e, porventura, bancários. Além disso, diversos negócios formais vão, na prática, estar-

lhes vedados, por razões de prática notarial. Recomenda-se, pois, como regra, a rápida

conclusão do processo.

A natureza:

1. Algumas doutrinas: com os elementos obtidos, resta fixar a natureza da sociedade

irregular. Adiantamos que os resultados obtidos são aplicáveis às sociedades que

apresentem vícios nos respetivos contratos, na medida em que tais vícios bloqueiam

a comum natureza societária. O Direito português vigente beneficia da juventude da

sua lei: pôde aproveitar uma série de elementos conquistados noutras latitudes. Ora

aí – particularmente na Alemanha – os exatos contornos da pré-sociedade e da

sociedade irregular (fehlerhafte e Gesellschaft) foram sendo desenvolvidos pela

jurisprudência, surgindo como uma manifestação de interpretação complementadora.

Não houve uma doutrina pré-definida mas, apenas, a necessidade de atalhar

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problemas concretos. Devemos ainda ter presente que toda esta matéria resulta,

também, da transposição dos artigos 7.º e 9.º da 1.ª Diretriz sobre sociedades

comerciais, de clara inspiração alemã. Podemos ordenar as diversas teorias

explicativas das sociedades irregulares em três grandes troncos:

a. A teoria da sociedade de facto: a sociedade poderia ter, na sua origem, não

apenas um contrato concluído entre as partes interessadas, mas, também, a

simples evidência dos seus surgimento e funcionamento, no campo dos

factos.

i. Von Gierke: afinal, o determinante na pessoa coletiva seria o próprio

facto da existência do seu organismo, mais do que qualquer

operatividade jurídico-formal.

ii. Günther Haupt: poderia verificar-se o surgimento de relações de

tipo contratual, mas sem que, na origem, houvesse qualquer contrato

ou qualquer contrato valido. Tais relações adviriam de meras

condutas materiais.

iii. Haupt: entre essas situações, insere a que implica a inclusão de uma

pessoa numa denominada relação comunitária, exemplificando com

a sociedade e o trabalho. Na sociedade de facto, marcada por assentar

num contrato nulo, haveria que manter, pela injustiça que adviria da

aplicação das regras da restituição do enriquecimento, alguns dos

efeitos próprios da sociedade. No seu seio será possível discernir

figuras muito distintas: a culpa in contrahendo, os comportamentos

concludentes, a eficácia legal de situações nulas e a tutela da aparência,

baseada na boa fé. Todas essas figuras convocariam regras próprias e

distintas, ficando incomodamente arrumadas, lado a lado.

Em suma: a teoria da sociedade de facto pouco ganharia em ser reconduzida

a um construção mais vasta de relações contratuais de facto, dada a total

heterogeneidade desta última. Isoladamente tomada, a sociedade de facto

deixa por explicar a sua positividade jurídica, não determinando quaisquer

regras. É evidente que, embora de facto, a sociedade aqui em jogo obedece a

regras. Aliás, pela natureza da situação, tais regras deverão mesmo ser mais

precisas do que as das sociedades comuns.

b. A teoria dos limites da nulidade: foi inicialmente apontada para explicar a

essência das sociedades em contratos inválidos. Seria fácil, depois, a sua

extrapolação para as pré-sociedades, apontando, como vícios, as falhas de

que ainda padeceriam, por não terem alcançado o estádio definitivo de

perfeição. No cerne, a teoria diz-nos o seguinte: pela natureza das coisas, as

regras que determinem a invalidade e uma sociedade não são radicais,

pretendendo afastar o ente visado, como se não existisse; pelo contrário: têm

alguns limites, através dos quais a sociedade irregular ainda pode exercer certa

atividade.

i. Wolfgang Siebert: defendeu que uma sociedade surgida com vício

era… uma sociedade com vício, a colocar num plano equivalente ao

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das sociedades sem ele. Acentuou-se, depois, que pelo menos nas

relações internas, estas sociedades implicavam uma combinação entre

a vontade das partes e as regras da nulidade.

Há que ter presente: toda esta matéria deriva de um intenso

acompanhamento jurisprudencial quer anterior, quer posterior à Guerra de

1939-1945. Ora os tribunais devem apoiar-se na lei: a presença de regras

específicas para a nulidade das sociedades resolveria, assim, o problema.

Outra perspetiva: a de aplicar, aos diversos tipos de situações, as regras

relativas à constituição ou à extinção das sociedades. Os limites às invalidades

societárias, bem como às suas incompleitudes, constituem uma base para

qualquer eficácia jurídica. Têm uma importância evidente para sistemas que,

como o português, disponham de um elevado nível regulativo. O facto de se

descobrirem regras explícitas que, à nulidade de sociedades, ainda atribuam

certas consequências não dispensa procurar o porquê de tais normas. Dá,

todavia, uma inquestionável base jurídico-positiva para qualquer solução

efetiva. É ainda seguro que o resultado passa por um desvio em relação às

regras de nulidade e aos seus efeitos. Pelo menos: um desvio aparente.

c. A teoria da organização: parte, em geral, de uma apregoada dupla natureza

do contrato de sociedade: uma relação interna, puramente obrigacional e uma

exterior, de tipo organizatório. Esta última tenderia a transcender a

obrigacional: representaria um centro de interesses próprios, dando azo a um

evidente elemento de confiança. O Direito não poderia deixar de o

reconhecer.

2. Menezes Cordeiro: a exposição, acima realizada, de diversas doutrinas surgidas para

explicar a natureza das sociedades irregulares é útil: permite esclarecer vários ângulos

da dogmática societária, aqui subjacente. Todavia, há que prevenir transposições

apressadas para o Direito português. Aí, além de dados legislativos próprios, deve-se

contar com uma tradição fortemente contratualista, exacerbada, aliás, pelo legislador

de 1986. A primeira e inevitável constatação é a de que o Código das Sociedades

Comerciais trata, com pormenor, das diversas hipóteses (artigos 36.º e seguintes CSC)

abrangendo:

a. A sociedade sem contrato,

b. A sociedade com contrato informal,

c. a sociedade com contrato mas sem registo,

d. A sociedade com contrato, com vício e sem registo; e

e. A sociedade com registo e com vício.

Ambos estes últimos aspetos ainda a examinar, mas que poderão ser úteis, para

efeitos de exposição. Tanto basta para que se não possa apelar para uma informe

doutrina de relações contratuais de facto ou sociedade de facto, a resolver por

analogia. Antes teremos soluções claramente baseadas na lei. Mas a lei fundamenta

todas as soluções legítimas. A sociedade irregular por incompleitude é, muito

claramente, uma sociedade assente na vontade das partes. Esta é, pela lei, aproveitada

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até aos limites do possível. A hipótese de acordo informal (artigo 36.º, n.º2 CSC) é

equiparada à sociedade civil, pressupondo-se, naturalmente: com o conteúdo que as

partes lhe tiverem dado. Havendo contrato o seu teor rege os direitos entre as partes

(artigo 37.º CSC). E mesmo quanto a relações externas: tudo funciona consoante o

figurino adotado pelas partes (artigos 38.º, 39.º e 40.º CSC). A falta do registo, na

prática, apenas vem impedir o privilégio da limitação da responsabilidade, tendo

significado efetivo no tocante às sociedades de capitais. A sociedade irregular por

incompleitude – portanto: a pré-sociedade – é uma pessoa coletiva erigida pela

vontade das partes e na base da sua autonomia privada. Poder-se-ia apelar à temática

das pessoas rudimentares. Seria útil no caso do artigo 36.º, n.º1 CSC: a sociedade

aparente funciona em modo coletivo apenas muito limitadamente. Já após o acordo

de constituição (artigo 36.º, n.º2 CSC) altura em que se remete para as sociedades

civis puras, poderá haver personalidade mais ampla: depende do nível de organização

alcançado. Realizado o contrato, as sociedades assumem, de facto, personalidade

coletiva. Se bem se atentar, as limitações que impendem sobre as sociedades não

registadas têm a ver com a responsabilidade dos sócios perante terceiros, que não é

limitada. Quanto ao resto: temos órgãos, temos representantes orgânicos e temos, de

facto, um centro autónomo de imputação de normas, com funções e interesses

próprios. Tudo isto aponta para uma única e inevitável conclusão: as sociedades

irregulares retiram a sua jurídica-positividade da vontade das partes. Nos diversos

casos surpreendemos acordos a tanto destinados, ainda que completados pela tutela

da aparência: esta, ligada à proteção da confiança, segue, ainda que por analogia, o

regime negocial. O passo seguinte: qual a figura derivada da vontade das partes? De

acordo com as categorias gerais, como são hoje entendidas, tal figura dá azo a um

contrato. Que contrato? Perante a noção geral do artigo 980.º CC, confirmada, aliás,

por quanto ela representa, tal contrato só poderá ser… um contrato de sociedade.

Resta concluir: as sociedades irregulares, que o sejam por incompleitude são, em todo

o caso, verdadeiras sociedades, assentes em equivalentes contratos de sociedade. Tais

contratos, por razões endógenas (falta de contrato formal) ou exógenas (falta de

registo) não equivalem aos modelos finais legalmente fixados. Não deixam de ser

contratos. De categoria inferior? Não propriamente: apenas diferente. As sociedades

irregulares são verdadeiras e próprias sociedades, ainda que diversas do figurino

elencado no artigo 1.º, n.º2 CSC. Há inúmeras graduações possíveis, o que não

admira, uma vez que escapam à tipicidade comercial. Quanto à natureza: contratual,

como sucede com a nossa matriz societária.

37.º - Sociedades irregulares por invalidade

A categoria; a 1.ª Diretriz das sociedades comerciais: como foi referido, o

universo das sociedades irregulares, tal como emergia do Código Veiga Beirão, era muito

envolvente: abrangia todas as sociedades que não se constituíssem «nos termos e segundo os

trâmites indicados neste Código». Porventura mais pela letra do que pelo espírito, o preceito veio

abarcar não apenas incompleitudes, faltas de registo ou disfunções perante o modelo legal

mas, também, situações de invalidade, na própria constituição da sociedade. De todo o modo,

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a aproximação correspondia a uma efetiva confluência de valorações: parece claro que, nas

diversas situações englobadas, ocorrem problemas de tutela dos sócios e dos terceiros, que

concitam soluções de calibre próximo. Esta capacidade aglutinante da velha figura das

sociedades irregulares foi reforçada, de forma muito curiosa, pela 1.ª Diretriz das sociedades

comerciais, que pretendeu coordenar as garantias que, para proteção dos interesses dos

sócios e de terceiros, são exigidas, nos Estados Membros, às sociedades. Essa Diretriz foi

substituída pela n.º 2009/101/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 setembro

1009, que procedeu à codificação das alterações entretanto introduzidas. A Diretriz

2009/101, abrange cinco capítulos. De acordo com o corpo do artigo 12.º desta Diretriz,

aqui em causa, os fundamentos da invalidade da sociedade são limitados:correspondem,

deste modo, a uma exigência comunitária, que já foi reconhecida pelo Tribunal de Justiça

Europeu. Trata-se de um elemento que deve ser tido em conta, em nome de uma

interpretação conforme com as diretrizes, quando estejam em causa normas de transposição.

Transcendendo as exigências comunitárias, o legislador consagrou uma regulação minuciosa

para esta matéria: os artigos 41.º a 52.º CSC. A lei poderia, claramente, ter sido mais

sistemática e simples. A mera leitura das epígrafes dos preceitos implicados mostra uma

ordenação caleidoscópica, difícil de reter e que não era exigida pela ordem da União. Na

sequência, iremos distinguir:

Princípios gerais;

Regras quanto a sociedades de pessoas;

Regras quanto a sociedades de capitais.

Em rigor, apenas quanto a estas últimas há elementos de exigência comunitária.

Os princípios gerais; o favor societatis: os princípios gerais relativos à ineficácia

dos negócios jurídicos são de elaboração civil. Devemos ainda ter presente que se trata de

matéria histórico-dogmática de certa complexidade, variável de País para País e, ainda, em

função de coordenadas históricas. Como pano de fundo, temos a seguinte regra: o negócio

jurídico que, por razões extrínsecas (impossibilidade, indeterminabilidade, ilicitude ou

contrariedade à lei ou aos bons costumes) ou intrínsecas (vício na formação ou na

exteriorização) não produza efeitos ou, pelo menos, todos os efeitos que, por lei, ele deveria

produzir, é ineficaz. Dentro da ineficácia, a categoria a reter é a da invalidade. Finalmente,

dentro da invalidade e quando a lei não disponha de outro modo, o vício concretizado é o

da nulidade. Todas estas regras são aplicáveis ao contrato de sociedade, antes de ter ocorrido

o registo. Segundo o artigo 41.º, nº.1, 1.ª parte CSC, enquanto o contrato não estiver registado,

«a invalidade do contrato ou de uma das declarações negociais rege-se pelas disposições aplicáveis em negócios

jurídicos nulos ou anuláveis». Apenas com duas especificidades:

As invalidades (nulidade declarada ou anulação pronunciada) envolvem a liquidação

da sociedade, em termos abaixo referidos (artigo 41.º, n.º1, 2.ª parte CSC);

A invalidade resultante de incapacidade é oponível, também, a terceiros (artigo 41.º,

n.º2 CSC).

No domínio das sociedades comerciais, operam regras diversas das comuns. A nulidade pura

e simples iria comprometer todos os atos já praticados pela sociedade em jogo,

desamparando os terceiros e pondo em risco a própria confiança que a comunidade deve

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dispensar ao fenómeno societário. Por isso, encontramos aqui todo um conjunto de regras

destinadas a minimizar, por vários ângulos, a invalidade das sociedades comerciais e as

consequências dessa invalidade, quando ela seja inevitável. É o favor societatis. O favor societatis

exprime-se, na lei portuguesa, em sete vetores:

Na limitação dos fundamentos da nulidade;

Na introdução de prazos para a invocação dessa nulidade;

Na presença de esquemas destinados a sanar as invalidades;

Na delimitação da legitimidade para invocar a nulidade;

Na limitação dos efeitos da anulabilidade, perante as partes;

Numa certa inoponibilidade das invalidades a terceiros;

Na presença de um regime especial, no tocante à execução das consequências da

nulidade.

A sociedade tem uma especial consistência jurídico-social. As razões da sua nulidade são

limitadas, como vimos, pelo artigo 11.º da Diretriz, a qual foi transposta pelo artigo 42.º, n.º1

CSC. Elas são, ainda, taxativas: «o contrato só pode ser», diz o preceito em jogo. Daí resulta uma

regra geral da redução das invalidades, que nos diz o seguinte: a invalidade de algumas

cláusulas societárias não conduz à invalidade de todo o contrato; isso só sucederá se a

invalidade em causa recair sobre alguma cláusula crucial: as elencadas nos artigo s 11.º

Diretriz e 42.º CSC, salvo a exigência de registo, feita por este e ausente do primeiro. As

nulidades em jogo são, sempre, nulidades totais do contrato de sociedade, só possíveis nas

descritas situações. Em princípio, a nulidade pode ser invocada a todo o tempo, e por

qualquer interessado. Mas perante o contrato de sociedade, já não é assim:

Desde logo, antes de intentar a ação, há que interpelar a sociedade para sanar o vício,

quando este seja sanável; só 90 dias após a interpelação se pode interpor a ação.

Opera, assim, como um ónus.;

A ação deve ser intentada no prazo de três anos a contar do registo, salvo tratando-

se do Ministério Público (artigo 44.º, n.º2 e 2 CSC); quer isso dizer que, passado esse

prazo, o direito a propor caduca;

Ela pode ser iniciada por qualquer membro da administração, do conselho fiscal ou

do conselho geral e de supervisão da sociedade ou por qualquer terceiro «que tenha

um interesse relevante e sério na procedência da ação».

Mas há, ainda, verdadeiros deveres legais de informar, segundo o artigo 44.º, n.º3 CSC. Os

membros da administração devem comunicar, no mais breve prazo, aos sócios de

responsabilidade ilimitada e aos sócios de sociedades por quotas, a proposição da ação de

declaração de nulidade. Entenda-se, para que o preceito seja útil: independentemente de

quem tenha proposto a ação. Tratando-se de sociedades anónimas, a comunicação deve ser

feita ao conselho fiscal ou ao conselho geral e de vigilância (ou à comissão de auditoria),

consoante o tipo de sociedade anónima em causa (artigo 44.º, n.º3, in fine CSC). Este dever

visa facultar o conhecimento da ação dentro da sociedade, permitindo, aos interessados,

tomar as medidas que entenderem e, no limite: iniciar o processo de sanação do vício. A sua

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omissão presume-se culposa (artigo 799.º, n.º1 CC) e obriga o prevaricador a indemnizar o

lesado por todos os danos causados. Dado o teor do artigo 44.º CSC, ele aplica-se ,

claramente, a todos os tipos de sociedades comerciais. A anulabilidade tem, como se sabe e

nos termos do artigo 287.º, n.º1 CC, requisitos especiais de funcionamento. Na prática, ela

equivale a uma impugnabilidade: coloca nas mãos do interessado um direito potestativo

temporário de provocar o colapso do negócio. Todavia, sempre segundo o Direito comum,

uma vez atuada, ela tem efeitos similares aos da declaração de nulidade. Aqui intervém o favor

societatis:

Nas sociedades de capitais, certos fundamentos de anulabilidade operam (apenas)

como justas causas de exoneração dos sócios atingidos; quanto à incapacidade: ela

gera uma anulabilidade limitada ao incapaz (artigo 45.º, n.º1 e 2 CSC);

Nas sociedades de pessoas, a invalidade por determinados fundamentos provoca

anulabilidade apenas perante o atingido, salvo na impossibilidade de redução prevista

no artigo 292.º CC (artigo 46.º CSC);

Em qualquer dos casos, o sócio que obtenha a anulação do contrato, nos termos do

artigo 45.º, n.º2 ou 46.º CSC, tem o direito de rever o que prestou e não pode ser

obrigado a completar a sua entrada mas, «se a anulação se fundar em vício da vontade ou

usura, não ficará liberto, em face de terceiros, da responsabilidade que por lei lhe competir quanto às

obrigações da sociedade anteriores ao registo da ação ou da sentença» (artigo 47.º CSC); o

disposto nos artigos 45.º a 47.º CSC vale, com as adaptações necessárias, se o «sócio

incapaz ou aquele cujo consentimento foi viciado» ingressar posteriormente na sociedade» (artigo

48.º CSC);

A anulabilidade pode ver o seu prazo encurtado, através do dispositivo no artigo 49.º

CSC: qualquer interessado pode notificar o impugnante para que anule ou confirme

o negócio; perante a notificação, tem o notificado 180 dias para intentar a ação, sob

pena de o vício se considerar sanado;

Quanto aos efeitos: eles podem ser substituídos pela homologação judicial de

medidas, requeridas pela sociedade ou por um dos sócios, e que se mostrem

adequadas, para satisfazer o interesse do autor, «em ordem a evitar a consequência jurídica

a que a ação se destine» (artigo 50.º, n.º1 CSC).

Os efeitos da invalidade: uma manifestação importante do favor societatis é a das

consequências da invalidade, nos termos do artigo 52.º CSC. Em princípio, a invalidade tem

os efeitos radicais do artigo 289.º CC, efeitos esses que, doutrinariamente, têm sido

amortecidos, em obrigações duradouras. No caso das sociedades comerciais, as

consequências da declaração de nulidade ou da anulação do respetivo contrato foram objeto

de específico regime legal. Desde logo, segundo o artigo 52.º, n.º1 CSC, a invalidação do

contrato de sociedade determina:

«(…) a entrada da sociedade em liquidação, nos termos do artigo 165.º, devendo esse efeito ser

mencionado na sentença».

Recordamos que a liquidação, regulada nos artigos 146.º e seguintes CSC, é o conjunto de

operações que, dissolvida uma sociedade, permitem o pagamento dos credores sociais e a

repartição do remanescente pelos sócios, nos termos acordados ou legais. Pois bem: a

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invalidação, acompanham as comuns declarações de nulidade ou anulação. O simples facto

de poder haver relações com terceiros, traduzidas na existência de credores sociais ou de

devedores à sociedade e a possibilidade de se desenvolverem, ainda, negócios pendentes,

obriga a uma série de operações ditas de liquidação. Há um claro paralelo com a dissolução,

o que justifica a remissão legal. A liquidação por nulidade ou anulação da sociedade tem,

todavia, especificidades em relação à liquidação comum. Donde o teor do artigo 165.º CSC,

cujo n.º1 manda seguir o regime legal, com as particularidades seguintes:

i. Devem ser nomeados liquidatários, exceto se a sociedade não tiver iniciado a sua

atividade;

ii. O prazo de liquidação extrajudicial é de dois anos, a contar da declaração de

nulidade ou anulação de contrato e só pode ser prorrogado pelo tribunal;

iii. As deliberações dos sócios são tomadas pela forma prescrita para as sociedades

em nome coletivo;

iv. A partilha será feita de acordo com as regras estipuladas no contrato, salvo se

tais regras forem, em si mesmas, inválidas;

v. Só haverá lugar a registo de qualquer ato se estiver registada a constituição da

sociedade.

Além disso, qualquer sócio, credor da sociedade ou credor de sócio de responsabilidade

ilimitada, pode requerer a liquidação judicial, antes de ter sido iniciada a liquidação pelos

sócios, ou a continuação judicial da liquidação iniciada, se esta não tiver terminado no prazo

legal. Toda esta matéria deve ser confrontada com o regime geral da liquidação das

sociedades. Assinale-se que a exigência de liquidação da sociedade invalidada, além de se

impor pela própria natureza das coisas, deriva da 1.ª Diretriz sobre sociedades comerciais,

mais precisamente do seu artigo 13.º, n.º2, na sua versão de 2009. Deve, pois, proceder-se a

uma interpretação que, em concreto, dê corpo à intenção legislativa subjacente ao nosso

artigo 52.º CSC. A exigência de liquidação apresenta-se, aqui, como uma norma de tipo

processual formal, com custos. Tais custos constituem risco dos sócios que hajam decidido

subscrever a sociedade viciada, tenham ou não culpa na ocorrência. A redução teleológica do

artigo 52.º, n.º1 CSC não parece possível:

Não pode haver dispensa de liquidação nem formação do respetivo processo à

margem da lei, mesmo nos casos em que o património da sociedade não tenha

passivo e em que o ativo seja comporto por dinheiro ou bens suscetíveis de imediata

partilha entre os ex-sócios;

Perante a invalidade do contrato de sociedade por vício de forma, ocorrida antes do

registo definitivo, não pode ser restituído, aos sócios, o valor das prestações que

fizeram a título de entrada, com base no artigo 289.º CC; esses sócios têm,

unicamente, o direito de verem partilhado o ativo resultante da liquidação.

O legislador sentiu, depois, a necessidade de se ocupar dos negócios concluídos

anteriormente em nome da sociedade. A regra básica é a de que esses negócios não são

afetados, na sua eficácia, pela declaração de nulidade ou anulação do contrato social (artigo

52.º, n.º1 CSC). Trata-se de uma transposição rigorosa do artigo 13.º, n.º1 da 1.ª Diretriz na

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sua versão de 2009. Há que interpretá-lo de modo estrito, permitindo a introdução de duas

delimitações:

É necessário que o próprio negócio anteriormente concluído com a sociedade não

incorra em nenhum fundamento de invalidade;

Exigindo-se, ainda, que o terceiro protegido esteja de boa fé, no sentido geral:

desconhecer, sem culpa, o vício que afeta a sociedade.

Este entendimento pode ser perturbado pelo artigo 52.º, n.º3 CSC, cujo teor cumpre ter bem

presente:

«No entanto, se a nulidade proceder de simulação, de ilicitude do objeto ou de violação de ordem

pública ou ofensiva dos bons costumes, o disposto no número anterior só aproveita a terceiros de

boa fé».

A contrario, pareceria que, provindo a nulidade de quaisquer outros vícios, a tutela referida

no artigo 52.º, n.º2 CSC aproveitaria mesmo a terceiros de má fé. Quanto à lógica da tutela

de terceiros, explica o artigo 52.º, n.º4 CSC: a invalidade não exonera os sócios da realização

das suas entradas nem da responsabilidade pessoal e solidária que, por lei e perante terceiros,

eventualmente lhes incumba: um aspeto a delucidar na liquidação, cabendo aos liquidatários

cobrar, aos sócios remissivos, as importâncias em falta. Naturalmente: cessará a

responsabilidade quando se esteja perante um sócio cuja incapacidade tenha sido causa de

anulação do contrato ou quando ela venha a ser oposta, por via de exceção, às sociedades,

aos outros sócios ou a terceiros (artigo 52.º, n.º5 CSC). No seu conjunto, estas especificidades

de regime atinentes às invalidades do contrato de sociedade habilitam-nos a concluir: trata-

se, por um prisma de Teoria Geral do Direito, de invalidades específicas, de tipo misto.

Impõe-se uma indagação caso a caso e perante os preceitos gerais e específicos. A sociedade

atingida não desaparece: no limite, sujeitar-se-á (apenas) à liquidação. Merece, assim, a

designação tradicional: sociedade irregular.

Especificidades das sociedades pessoas: quanto às sociedades de pessoas –

fundamentalmente: sociedades em nome coletivo e em comandita simples – a primeira

observação é clara: elas caem fora da 1.ª Diretriz sobre Sociedades Comerciais. Segundo o

artigo 1.º da Diretriz em causa, ela apenas se dirige a sociedades anónimas, a sociedades em

comandita por ações e a sociedades por quotas, isto é: às geralmente chamadas de sociedades

de capitais. Compreende-se, assim, por que razão as sociedades de pessoas estão um tanto

mais próximas do regime geral. Desde logo, o artigo 43.º, n.º1 CSC enuncia:

«Nas sociedades em nome coletivo e em comandita simples, são fundamentos de invalidade do

contrato, além dos vícios do título constitutivo, as causas gerais de invalidade dos negócios

jurídicos segundo a lei civil».

Os vícios do título constitutivo correspondem aos fundamentos de invalidade admitidos na

1.ª Diretriz, para atingir as sociedades de capitais e que o artigo 42.º, n.º1 CSC verteu para a

ordem interna: artigo 43.º, n.º2 CSC, que acrescenta ainda a falta de menção do nome ou

firma de algum dos sócios de responsabilidade ilimitada. Tudo isto seria alcançável através

dos princípios gerais. Todavia, o disposto no preceito em estudo tem a virtualidade de

facilitar a tarefa do intérprete-aplicador. Os vícios que atinjam o título constitutivo – e que a

lei ilustra referindo a falta ou nulidade da indicação da firma, da sede, do objeto e do capital

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social da sociedade, bem como do valor da entrada de algum sócio e das prestações realizadas

por conta desta – podem ser sanáveis por deliberações dos sócios, tomadas nos termos

estabelecidos para as deliberações sobre alteração do contrato – artigo 43.º, n.º3 CSC. De

facto: são alterações do contrato. Quanto à segunda categoria dos vícios – isto é, segundo o

artigo 43.º, n.º1 CSC –, o Código isola, expressamente, o que considera vícios da vontade e

incapacidade, enumerando – artigo 46.º CSC: o erro, o dolo, a coação, a usura e a

incapacidade. Para o seguinte:

A invalidade daí resultante só opera em relação ao contraente que sofra o erro ou a

usura ou que seja incapaz (1.ª parte);

Podendo, todavia, o negócio ser anulado no seu todo («quanto a todos os sócios») se,

perante o artigo 292.º CC, não for possível a sua redução às participações dos outros.

Impõem-se dois reparos. Em primeiro lugar, o regime do artigo 46.º CSC acaba por ser o da

redução, previsto no artigo 292.º CC, conquanto que expresso em termos invertidos. Repare-

se: a invalidade de uma das declarações envolve a de todo o negócio, salvo a redução; esta

consiste, aqui, na eliminação de um dos sócios, possível desde que não se mostre que a

sociedade não seria concluída sem ele. Em segundo: quid iuris quanto aos vícios gerais não

referidos no artigo 46.º CSC? O problema poderia descambar num clássico confronto entre

o argumento a contrario e a analogia. Mas neste âmbito, nem sequer: uma vez que a

especificidade do artigo 46.º CSC se espraia, afinal, no regime comum, bastará fazer a pelo a

este. Nas sociedades de pessoas, os diversos vícios que possam atingir o contrato constitutivo

respetivo dão azo às competentes invalidades; porém, quando toquem, apenas, num dos

sócios (ou mais), os contratos atingidos são recuperáveis pela redução, quando possível

(artigo 292.º CC). Pela mesma ordem de ideias, poderemos recuperar sociedades

dissimuladas (artigo 241.º CC) e construir sociedades por conversão (artigo 293.º CC). O

apelo ao Direito comum a tanto conduz, sendo que os princípios gerais, acima estudados e

aqui aplicáveis, asseguram as dimensões societárias em jogo.

Especificidades das sociedades de capitais: no tocante às sociedades por quotas,

anónimas ou em comandita por ações, operado o registo definitivo, apenas se admite a

declaração de nulidade do correspondente contrato, por algum dos fundamentos referidos

no artigo 42.º, n.º1 CSC. Por maioria de razão e, ainda, por força de uma interpretação

conforme com a Diretriz, tais sociedades não podem ser anuladas sob nenhum fundamento.

Tão-pouco pode ser suscitada a hipótese de inexistências, que não são admitidas, como vício

autónomo, pelo Direito civil português. A sequência do artigo 42.º, n.º1 CSC é taxativa. Deve

notar-se que a Diretriz transposta não exige o registo da sociedade. Temos, pois, de entender,

pela lógica do Direito português e, também, para evitar a violação, pelo nosso Estado, da

Diretriz em causa, que antes do registo, não há sociedade, para efeitos da proteção ora em

jogo. Mas isso suscita outras dificuldades. Os vícios alinhados apresentam um surrealismo

vincado. Não se vê como se consiga registar uma sociedade… cujo contrato não tenha sido

reduzido a escrito, com as assinaturas presencialmente reconhecidas. E quando isso sucede,

o registo em causa seria ilícito, nulo, podendo ser impugnado, o que não é vedado por

nenhuma lei, interna ou comunitária. Deixaria, então, de haver registo, seguindo-se o regime

do artigo 41.º CSC … O vício de forma só faz sentido quando não se requeira o registo ou

quando o problema se discuta antes de o mesmo ter sido efetivado. Os demais vícios também

são de verificação bem improvável: não vemos como reconhecer assinaturas com tão

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patentes insuficiências. A natureza óbvia da 1.ª Diretriz tem a ver com a data: 1968. Nessa

altura, a legislação comunitária dava pequenos passos. De todo o modo, ao proteger o

contrato apenas após o registo, o Código das Sociedades Comerciais está a transpor

deficientemente a 1.ª Diretriz. No plano interno, nada a fazer. Os prejudicados poderão, de

todo o modo, responsabilizar o Estado português por essa falha. O artigo 42.º, n.º2 CSC

considera sanáveis «por deliberação dos sócios, tomada nos termos estabelecidos para as deliberações sobre

alteração do contrato», alguns dos vícios elencados como relevantes: a falta ou nulidade da firma

e de sede da sociedade, bem como do valor da entrada de algum sócio e das prestações

realizadas por conta desta. Quanto a estas prestações: não têm de constar do ato constitutivo

e, em regra, nem constarão. O artigo 45.º, n.º1 CSC elenca determinados vícios da vontade

– o erro, o dolo, a coação e a usura – a que acrescenta a incapacidade. Pois bem: tais

eventualidades, não podem determinar a anulabilidade de sociedades de capitais

(registadas…), visto o artigo 42.º, n.º1 CSC; constituiriam, todavia, justa causa de exoneração

do sócio atingido, desde que se verifiquem as circunstâncias de anulabilidade. Tratando-se

de incapacidade, teremos uma anulabilidade relativa apenas ao incapaz (artigo 45.º, n.º2 CSC).

Tal como fizemos perante o preceito paralelo (artigo 46.º CSC) relativo às sociedades de

pessoas, também aqui cabem dois reparos:

O regime limitador das consequências da anulabilidade abre na regra geral da redução

dos contratos societários com invalidades;

Ficam sem referência legal os outros vícios: simulação parcial, simulação relativa, falta

de consciência da declaração, coação física e incapacidade acidental; desta feita

compete, caso a caso, verificar se tais vícios podem, por analogia, constituir justa

causa de exoneração.

Apenas o excesso de construtivismo legal levou a tais complicações: perfeitamente

dispensáveis.

Secção III – O registo e as publicações

38.º - O registo comercial

Aspetos gerais do registo comercial: o registo comercial equivale a um conjunto

concatenado de normas e de princípios que regulam um sistema de publicidade racionalizado

e organizado pelo Estado, relativo a atos comerciais. Além disso, registo comercial designa

o setor da Ciência do Direito que estuda, que ensina e que aplica essas normas e princípios.

Por seu turno, a publicidade relativa a atos comerciais pretende dá-los a conhecer ao público

interessado. Repare-se que o acesso a atos comerciais permite conhecer as situações que deles

decorram. O relevo da publicidade dos atos comerciais leva o Direito a tornar obrigatório o

seu registo, em diversas circunstâncias. A efetivação do registo obedece a regras: não podem

ser efetuadas inscrições sem um prévio controlo do que se registe, entre outros aspetos. E

uma vez efetivado, o registo produz efeitos. A sujeição ao registo comercial é um dado a

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incluir no estatuto jurídico do comerciante: a esse propósito deve ser considerado. Apenas

serão relevados alguns aspetos atinentes ao Direito das Sociedades.

A reforma de 2006: o Direito português das sociedades apresentava, nos princípios do

século, uma feição pesada: pejado de formalidades demoradas, com múltiplas instâncias de

controlo em sobreposição, ele representava um colete de forças para o desenvolvimento

empresarial. A partir de 2005 – com alguns antecedentes – o legislador empenhou-se em

simplificar o sistema. Ponto alto das reformas foi o Decreto-Lei n.º 76.º-A/2006, 29 março.

Esse diploma teve, porém, uma ação profunda no Código do Registo Comercial, muito

alterado, ao ponto de ter sido republicado como Anexo II. As alterações cisaram,

fundamentalmente, as sociedades. A sistemática inicial do Código foi mantida. Apesar de se

verificar uma alteração profunda em orientações básicas do diploma – radical mesmo, quanto

às sociedades por quotas! – não houve o ensejo de elaborar um novo diploma. Devem ainda

ter-se presentes dois condicionalismos que possibilitam uma reforma ambiciosa:

A disponibilidade de meios informáticos, os quais podem facilitar radicalmente todas

as tarefas de coordenação, pesquisa e disponibilidade da informação registal;

A dimensão do País, que permite centralizar toda esta matéria, em vez de a manter

dispersa por várias circunscrições.

O processo do registo: o processo de registo, no formato resultante da reforma de 2006,

segue, em síntese, o seguinte caminho:

O pedido do registo é formulado verbalmente, quando efetuado em pessoa por quem

tenha legitimidade para o efeito (artigo 4.º, n.º1 Regulamento do Registo Comercial3);

Nos restantes casos, é feito por escrito, em modelo adequado (artigo 4.º, n.º2 do

RRCom).

Por seu turno, nas conservatórias existem (artigo 1.º, n.º1 RRCom):

Um diário em suporte informático;

Fichas de registo com o mesmo tipo de suporte;

Pastas de arquivo.

Os registos por transcrição seguem a metodologia regulada nos artigos 8.º, a 13.º RRCom.

Assim:

O extrato de matrícula deve conter o número, que corresponde ao NIC, a natureza

da entidade, o nome ou a firma do comerciante individual ou a firma ou denominação

da pessoa coletiva (artigo 8.º RRCom);

O extrato das transcrições compreende certas menções gerais (artigo 9.º RRCom) e,

eventualmente, especiais (artigo 10.º RRCom);

Os averbamentos são explicitados (artigo 11.º RRCom).

Quanto aos registos por depósito, há a salientar:

3 Portaria n.º 657-A/2006, 28 junho.

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Menções gerais: data, facto, nome ou denominação (melhor seria firma) (artigo 14.º

RRCom);

Menções especiais elencadas na lei (artigo 15.º RRCom).

Finalmente, o artigo 16.º RRC determina que as notificações sejam efetuadas por carta

registada.

A impugnação de decisões: da decisão de recusa da prática do ato de registo cabe

(artigo 101.º, n.º1 CRCom):

Recurso hierárquico para o diretor geral dos Registos e do Notariado;

Impugnação judicial.

Impugnada a decisão, o conservador profere, em 10 dias,, despacho a sustentar ou a reparar

a decisão (artigo 101.º-B, n.º1 CRCom). Sendo sustentada, o Presidente do Instituto dos

Registos e do Notariado, I.P, decide em 90 dias (artigo 102.º, n.º1 CRCom), podendo ser

ouvido o Conselho Técnico. Sendo o recurso hierárquico considerado improcedente, pode

ainda o interessado impugnar judicialmente a decisão (artigo 104.º, n.º1 CRCom): tem 20

dias (artigo 104.º, n.º2 CRCom). Da sentença cabe recurso, com efeito suspensivo, recurso

esse que pode ser interposto pelo autor, pelo réu, pelo Presidente do Instituto dos Registos

e do Notariado, I.O. e pelo Ministério Público (artigo 106.º, n.º1 CRCom). Do acórdão da

Relação não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, salvo quando seja sempre

admissível (artigo 106.º, n.º4 CRCom).

39.º - O registo comercial e as sociedades

Os princípios: o registo comercial está especialmente vocacionado para as sociedades. De

todo o modo, ele obedece a princípios gerais, que cumpre recordar. São eles:

O princípio da instância;

O princípio da obrigatoriedade;

O princípio da competência (só até 2007);

O princípio da legalidade;

O princípio do trato sucessivo (só até 2007).

Todos eles comportam desvios e exceções. Aqui damos, tão só, uma síntese. Os diversos

princípios enunciam-se nas proposições que seguem:

Princípio da instância: o registo comercial efetua-se a pedido dos interessados; apenas

haverá registos oficiosos nos casos previstos na lei (artigo 28.º CRCom);

Princípio da obrigatoriedade:

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o Direta: a inscrição de certos factos, referidos no artigo 15.º, n.º1 CRCom é

imperativa, sob pena de coimas;

o Indireta: os diversos factos sujeitos a registo só produzem efeitos, perante

terceiros, depois da inscrição (artigo 14.º, n.º1 CRCom) ou da publicação

(artigo 14.º, n.º2 CRCom);

Princípio da legalidade: segundo o artigo 41.º CRCom:

«A viabilidade do pedido do registo a efetuar por transcrição deve ser apreciada em

face das disposições legais aplicáveis, dos documentos apresentados e dos registos

anteriores, verificando especialmente a legitimidade dos interessados, a regularidade

formal dos títulos e a validade dos atos neles contidos».

Contraponto deste princípio é a recusa do registo, a qual deve operar nos casos

seriados no artigo 48.º, n.º1 CRCom.

Os efeitos do registo: o registo comercial assenta na atividade de um serviço público

expressamente destinado a publicitar, junto do público interessado, a ocorrência de atos

comerciais. Publicitados tais atos, todos sabem, de antemão, que deles decorrerão situações

jurídicas inevitáveis. Trata-se de um produto especialmente credível: há fé pública. Além

disso, o registo é – ou tende a ser – obrigatório: nem sequer queda, em particular, um juízo

de idoneidade ou de conveniência. Em suma: tudo isto explica que o registo comercial não

se fique por uma mera eficácia informativa. Ele antes assume consequências concretas, a

nível processual e a nível substantivo. O primeiro efeito é o presuntivo. Segundo o artigo

11.º CRCom:

«O registo por transcrição definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos

precisos termos em que é definida».

O segundo é o da prevalência do registo mais antigo: havendo, com referência às mesmas

quotas ou partes sociais, inscrições ou pedidos incompatíveis de inscrições, prevalece o

primeiro inscrito, nos termos do artigo 12.º CRCom. Como se vê, trata-se de um efeito que

releva, apenas, para as sociedades comerciais. O efeito constitutivo diz-nos, em síntese, o

seguinte: contrariando o vetor da imediata produção de efeitos por contrato (artigo 406.º,

n.º1 CC) as leis impõem, por vezes, a ocorrência de um registo, para que determinados atos

produzam todos os efeitos que se destinam a produzir. Tal ocorreria, designadamente, no

tocante às sociedades comerciais, em termos que, adiante, melhor examinaremos. Desde já

adiantamos, todavia, que não se trata de um verdadeiro efeito constitutivo mas,, antes, de um

fator condicionante de eficácia plena. Finalmente, temos um efeito indutor de eficácia, que

se manifesta em duas proposições:

A publicidade negativa: o ato sujeito a registo e não registado não produz os seus

efeitos ou todos os seus efeitos;

A publicidade positiva: o ato indevida ou incorretamente registado pode produzir

efeitos, tal como emerja da aparência registal.

Tudo isto invoca uma série de construções de alguma complexidade e que pertencem ao

Direito Comercial. O Direito das sociedades comerciais pressupõem-nas. Nalguns casos:

afeiçoa-as.

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Atos societários sujeitos a registo: à partida, o registo teria um efeito constitutivo

primordial, no seio do Direito das sociedades: segundo o artigo 5.º CSC:

«As sociedades gozam e personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do registo

definitivo do contrato pelo qual se constituem, sem prejuízo do disposto quanto à constituição

das sociedades por fusão, cisão ou transformação de outras».

Tal preceito deixa de fora todas as constituições que não operem por contrato e que, de todo

o modo, não poderão deixar de ser registadas. Além disso e como vimos, a pré-sociedade já

é uma sociedade, mau grado a falta do registo. Somos, assim, obrigados a rever a ideia de um

registo a priori constitutivo, no domínio das sociedades4. Toda a matéria tem de ser estudada

e reconstruída. Segundo o Código de Registo Comercial, estão sujeitos a registo, logo pelo

artigo 3.º CRCom, vinte e um grupos de atos relativos a sociedades comerciais e civis sob

forma comercial, que poderemos ordenar da forma seguinte:

O contrato de sociedade e, em geral, as suas modificações;

As transformação, cisão, fusão, dissolução e liquidação das sociedades;

As transmissões de partes sociais ou de quotas e as operações a elas relativas;

A deliberação de amortização, conversão ou remissão de ações e a emissão de

obrigações;

A designação e a cessação de funções dos administradores, dos fiscalizadores e do

secretário, salvo determinadas exceções;

Determinadas relações de grupo entre sociedades;

A prestação de contas.

Deve assinalar-se que estão sujeitos a registo comercial a generalidade dos atos relevantes e

relativos a cooperativas (artigo 4.º CRCom), a empresas públicas (artigo 5.º CRCom), a

agrupamentos complementares de empresas (artigo 6.º CRCom), a agrupamentos europeus

de interesse económico (artigo 7.º CRCom) e a estabelecimentos individuais de

responsabilidade limitada (artigo 8.º CRCom). Estão ainda sujeitas a registo as ações que

tenham como fim, principal ou acessório, declarar, fazer conhecer, constituir, modificar ou

extinguir qualquer dos direitos referidos nos artigos 3.º a 8.º CRCom (artigo 9.º, alínea b)

CRCom) e, ainda (artigo 9.º CRCom):

As ações de declaração de nulidade ou de anulação dos contratos de sociedade (alínea

c));

As ações de declaração de nulidade ou anulação de deliberações sociais, bem como

dos procedimentos cautelares de suspensão destas (alínea e));

As decisões finais obtidas nesses processos (alínea h));

Diversas ações do domínio da insolvência (alíneas i) a n)).

Acrescenta o artigo 10.º CRCom, entre outros sujeitos a registo:

4 Consultem o Código Anotado.

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A criação, a alteração e o encerramento de representações permanentes de sociedades

ou entidades equivalentes (alínea c));

A prestação de contas de sociedades com sede no estrangeiro e representação

permanente em Portugal (alínea d)).

Deve frisar-se que todo este esquema é reforçado pelo artigo 15.º, n.º1 CRCom: este preceito

considera obrigatório o registo da generalidade dos atos societários a ele sujeitos. Além disso,

o n.º5 desse mesmo artigo determina:

«As ações de declaração de nulidade ou de anulação dos contratos de sociedade (…) bem como

de deliberações sociais, não terão seguimento após os articulados enquanto não for feita a prova

de ter sido pedido o seu registo; nos procedimentos cautelares de suspensão de deliberações sociais,

a decisão não será proferida enquanto aquela prova não for feita».

Trata-se de um preceito com grande relevo prático. Quanto ao Código das Sociedades

Comerciais, cumpre relevar:

Artigo 5.º CSC: as sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como tais a

partir da data de registo definitivo do contrato;

Artigo 112.º CSC: os efeitos da fusão dão-se com a sua inscrição no registo comercial;

Artigo 120.º CSC: idem, quanto à cisão;

Artigo 160.º, n.º2 CSC: idem, quanto à extinção.

Não conseguimos, todavia, montar um sistema coerente de registo, para mais constitutivo:

desde logo porque os atos acima mencionados acabam por produzir diversos (e importantes)

efeitos, mesmo antes do registo, com especial relevo para o contrato de sociedade; de seguida,

porque atos manifestamente equivalentes aos transcritos – como a modificação ou a

transformação das sociedades – não dependem, formalmente, do registo (artigo 88.º a 140.º-

A, n.º1 CSC).

O efeito condicionante de eficácia plena: não se torna difícil imputar às diversas

inscrições de atos societários uma eficácia constitutiva e isso mesmo quando,

vocabularmente, a lei aponte – ou pareça apontar – para essa dimensão. Assim:

Quanto ao registo do contrato de sociedade (artigo 5.º CSC): o contrato, uma vez

celebrado, produz a generalidade dos seus efeitos, seja inter partes, seja perante

terceiros: artigos 37.º, 38.º, 39.º e 40.º CSC; no fundo, a grande consequência da falta

do registo tem a ver com a não limitação da responsabilidade dos sócios;

Quanto ao registo da fusão (artigo 112.º CSC): a extinção das sociedades

incorporadas na data do registo, pela evidente necessidade de fixar uma fronteira a

quo e ad quem; todavia, antes do registo, temos toda uma série de efeitos, que se

desencadeiam com a elaboração do projeto de fusão (artigo 98.º CSC) e eu se

desenvolvem numa série de procedimentos subsequentes (artigo 99.º e seguintes

CSC); tudo isto é aplicável à cisão (artigo 120.º CSC);

Também o registo da extinção (artigo 160.º, n.º2 CSC) visa fixar uma data segura

para a ocorrência ou para o seu encerramento, o processo a ela conducente.

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Devemos ter presente, em todo o estudo do Direito das Sociedades, que estamos no coração

do Direito privado. Não é possível estabelecer vetores que contraditem o sentir geral do

ordenamento. O caso do registo das sociedades é, disso, um bom exemplo de escola. Vamos

admitir que, por influência doutrinária alemã (constituição) ou germano-comunitária (fusão

e cisão), o legislador tenha pontualmente pensado em fixar um registo constitutivo.

Contraria-se o princípio basilar da eficácia imediata dos contratos, no próprio domínio real

(artigo 408.º, n.º1 CC). Resultado: escapariam à lógica constitutiva toda a área das pré-

soceidades (que são, como vimos, elas próprias, sociedades) e outras importantes vicissitudes,

não dependentes do registo:

A alteração do contrato, com exemplo no artigo 88.º CSC;

A transformação da sociedade, como se infere do artigo 140.º-A CSC.

O grande papel substantivo do registo comercial deriva do competente Código e cifra-se no

efeito indutor da eficácia: seja não reconhecendo todos os efeitos a atos sujeitos a registo e

não registados (inoponibilidade a terceiros de boa fé), seja atribuindo efeitos a atos não

efetivos, mas indevidamente registados (inoponibilidade da nulidade do registo a terceiros de

boa fé). No caso de registos constitutivos previstos no Código das Sociedades Comerciais, a

conclusão impõe-se: não são verdadeiras hipóteses de registo constitutivo. Caso a caso será

necessário verificar quais os efeitos a eles associados. Como fundo genérico, podemos

adiantar que os atos sujeitos a esse registo produzem efeitos antes e independentemente dele.

Mas não todos os efeitos que, segundo o Direito vigente e a natureza das coisas, eles deveriam

produzir. O registo surge, assim, como uma condicionante da sua eficácia plena, ligando-se,

enquanto especificidade, ao efeito indutor de eficácia que resulta da publicidade registas:

negativa e positiva. Este efeito condicionante de eficácia plena tem, todavia, uma

particularidade que justifica a sua manutenção como efeito autónomo. Ao contrário do que

sucede com a comum publicidade indutora de eficácia, não temos, aqui, uma mera

inoponibilidade a terceiros de boa fé; antes ocorrem diversos efeitos especificamente

contemplados pelas normas em presença e que devem ser apurados caso a caso. A

possibilidade de fazer, nessa base, uma teorização do fenómeno dependerá dos regimes

aplicáveis.

40.º - O registo definitivo do contrato de sociedade

O regime tradicional e a preparação do Código das Sociedades

Comerciais: o Código Veiga Beirão estabelecia que as sociedades comerciais

representavam, para com terceiros, uma individualidade jurídica diferente da dos associados.

Neste preceito, a generalidade da doutrina da época via a atribuição, às sociedades comerciais,

da personalidade coletiva. E as sociedades dependiam, simplesmente, de ter sido celebrado

o competente contrato, na forma da lei. A simples escritura seria, assim, atributiva da

personalidade. É certo que a previsão das sociedades irregulares era suficientemente ampla

para poder vitimar as sociedades que não tiverem sido matriculadas e registadas. De todo o

modo, não havia qualquer base legal para sustentar que, antes do registo, faltava a

personalidade, a qual seria expressamente adquirida através deste. Na preparação do hoje

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Código das Sociedades Comerciais, o tema foi ponderado. A solução consistente em fazer

depender a personalização da sociedade do registo definitivo foi propugnada por Ferrer

Correia e António Caeiro. Teria, no entendimento destes autores, duas vantagens:

Permitiria a terceiros o conhecimento fácil e seguro do momento em que nasce a

pessoa coletiva;

Facultaria o funcionamento de um processo prévio de controlo da sociedade.

A eficácia do registo: o artigo 5.º CSC associa-lhe a personalidade jurídica e a existência

como sociedades. Este preceito perde importância, uma vez que a sociedade devidamente

constituída por contrato assinado e ainda não registada opera como um centro próprio de

imputação de regras, dispondo de capacidade jurídica. Com o registo surgirá uma entidade

diferente? Como vimos, o tema foi debatido na Alemanha, acabando por prevalecer a teoria

da identidade. Também entre nós assim deverá ser e por maioria de razão, dado o manancial

disponível de regras quanto às pré-sociedades. Um problema poderá advir do artigo 19.º CSC:

segundo o seu n.º1, com o registo definitivo do contrato, a sociedade assume de pleno direito:

a) Os direitos e obrigações decorrentes dos negócios jurídicos referidos no artigo 16.º,

n.º1 CSC;

b) Os direitos e obrigações resultantes da exploração normal de um estabelecimento

que constitua objeto de uma entrada em espécie ou que tenha sido adquirido por

conta da sociedade, no cumprimento de estipulação do contrato social;

c) Os direitos e obrigações emergentes de negócios jurídicos concluídos antes do ato de

constituição que neste sejam especificados e expressamente ratificados;

d) Os direitos e obrigações decorrentes de negócios jurídicos celebrados pelos gerentes

ou administradores ao abrigo de autorização dada por todos os sócios no ato de

constituição.

A assunção prevista destes negócios é retroativa e liberatória em relação às pessoas

responsáveis, segundo o artigo 40.º CSC (artigo 19.º, n.º3 CSC). Já no tocante a direitos e

obrigações decorrentes de outros negócios celebrados, antes do registo, em nome da

sociedade, a sua assunção depende de decisão da administração, a comunicar à contraparte

nos 90 dias subsequentes ao registo (artigo 19.º, n.º2 CSC). Exigir-se-á . naturalmente e nos

termos gerais – o acordo, prévio ou subsequente da contraparte. O artigo 19.º, n.º4 CSC

contém uma delimitação negativa: a sociedade não pode assumir obrigações derivadas de

negócios jurídicos não mencionados no contrato social que versem sobre vantagens especiais,

despesas de constituição, entradas em espécie ou aquisições de bens. Quanto a despesas de

constituição, a reserva legal é incompreensível: a sociedade bem poderá não as querer (ou

poder) assumir; ela sempre seria condenada a arcar com elas, o mais não fosse por via do

enriquecimento sem causa: impõe-se a redução teleológica. No tocante às outras: trata-se de

regras materialmente estatutárias, que não podem valer fora da adequada formulação dos

estatutos ou, no limite: da sua revisão. O registo definitivo permite ainda a montagem eficaz

dos sistemas de responsabilidade limitada, facultando, em geral, os esquemas de imputação

próprios de cada um dos tipos societários. Trata-se de vetores que podem retirar, sem

dificuldade, dos artigos 38.º, 39.º e 40.º CSC.

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A natureza do registo: o regime apurado permite clarificar a eficácia do registo do

contrato de sociedade – ou, mais latamente, do facto constitutivo:

Fixa uma data clara da qual a sociedade considerada produz a plenitude dos seus

efeitos;

Determina a assunção liberatória, pela sociedade, de determinados negócios que

haviam ficado sujeitos à conditio iuris da sua formação;

Faculta a assunção liberatória, pela sociedade, de certos negócios, mediante

deliberação da administração;

Implica a definitiva aplicabilidade das regras próprias do tipo societário implicado,

designadamente das que asseguram a imputabilidade, exclusiva ou preferencial, de

factos e de efeitos à sociedade e dos esquemas próprios da limitação da

responsabilidade dos sócios.

Também não oferecerá dúvidas o facto de tal registo implicar o cumprimento da obrigação

legal de o requerer (artigo 15.º, n.º1 CRCom). Além disso, ele permitirá uma oponibilidade

da sociedade a terceiros (mesmo de boa fé) – artigo 14.º, n.º1 CRCom, doutrinariamente

complementado. No tocante a relações internas, há que aplicar os artigos 36.º e seguintes

CSC como predispõe o artigo 13.º, n.º2 CRCom. As conclusões quanto à natureza do registo

têm, agora, o campo aberto. Assim:

O registo não é constitutivo da personalidade coletiva nem, muito menos, da

sociedade: esta já existia anteriormente; a eficácia é, neste ponto, declarativa;

O registo condiciona a adoção de determinados negócios, pela sociedade;

O registo faculta a plena eficácia das normas próprias doo tipo societário considerado.

Trata-se de um regime condicionante da eficácia plena. O próprio efeito assuntivo de

determinadas posições jurídicas lhe pode ser reconduzido. O preâmbulo do Decreto-Lei n.º

262/86, 2 setembro, que aprovou o Código das Sociedades Comerciais, sucumbiu à tentação

doutrinária; segundo o seu n.º7: «Para a aquisição da personalidade jurídica das sociedades passa a ser

decisivo o registo comercial». Trata-se do pensamento de Raúl Ventura, fortemente

impressionado pelo facto de o artigo 6.º CSC se inspirar diretamente no AktG alemão. Esta

linha não tem hoje o apoio da própria doutrina alemã, mau grado dados gerais bem mais

favoráveis do que os nossos; bastará recordar a vitória da Identitätstheorie entre a pré-sociedade

e a sociedade propriamente dita: é evidente, perante ela, que o efeito constitutivo do registo

da segunda terá de ser limitado.

41.º - Publicações e outras formalidades

Publicações obrigatórias: no tocante a sociedades comerciais e à generalidade dos atos

que se lhe reportem, a lei não se contenta com a publicidade emergente do registo comercial.

Prevê, ainda, publicações obrigatórias, a efetuar em sítio da internet de acesso público (artigo

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167.º, n.º1 CSC). Tais publicações vêm reportadas, por remissão, no artigo 70.º, n.º1 CRCom,

acabando por abranger a generalidade das situações relativas a sociedades de capitais. A

publicação é oficiosa: segundo o artigo 71.º, n.º1 CRCom, deve o conservador promover as

publicações imediatamente e a expensas do interessado. As modalidades de publicações e o

seu teor resultam do artigo 72.º CRCom. A matéria vem retomada no Código das Sociedades

Comerciais que lhe consagrou todo um Capítulo de Parte Geral: o XIV, precisamente

intitulado publicidade dos atos sociais. Aí, o artigo 166.º CSC anuncia o princípio geral, enquanto

o artigo 167.º CSC se reporta a publicações obrigatórias, retomando o Código do Registo

Comercial. Verifica-se que as publicações assumem um papel autónomo. Segundo o artigo

168.º, n.º2 CSC:

«A sociedade não pode opor a terceiros atos cuja publicação seja obrigatória sem que este seja

efetuada, salvo se a sociedade provar que o ato está registado e que o terceiro tem conhecimento

dele».

O artigo 14.º, n.º2 CRCom, depõe na mesma direção. Por seu turno, o artigo 168.º, n.º3 CSC

vai mais longe:

«Relativamente a operações efetuadas antes de terem decorrido dezasseis dias sobre a publicação,

os atos são oponíveis pela sociedade a terceiros que provem ter estado, durante esse período,

impossibilitados de tomar conhecimento da publicação».

Estes preceitos devem ser habilmente interpretados, de modo a cederem perante a lei. As

regras apontadas podem ser facilitadas através da notificação direta dos atos, feita pela

sociedade aos terceiros potencialmente interessados ou perante os quais tenha interesse em

fazer valer os atos sujeitos a registo. Nessa altura, os terceiros notificados não poderão

invocar a falta de publicações (artigo 168.º, n.º2 CSC) e, a fortiori, o não terem podido tomar

conhecimento (artigo 168.º, n.º3 CSC). A própria falta do registo poderá ser suprida, desde

que, pela notificação fique provado o conhecimento do terceiro e, daí, a sua má fé. Basta,

para tanto, uma interpretação conjunta e capaz dos artigos 14.º, n.º1 e 22.º, n.º4 CRCom.

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Quanto ao contrato de sociedade e sua constituição: o processo poderá ser representado

temporalmente da seguinte forma:

3 fases:

1. Momento da criação do contrato de sociedade: os sócios dizem de que

maneira (os estatutos) irá a sociedade ser constituída concomitante com a

aquisição do certificado de admissão de firma;

2. O registo do contrato;

3. As publicações obrigatórias (artigo 167.º CSC).

Acordo dirigido à constituição da sociedade – artigo 405.º CC

Certificado de admissibilidade de firma (no RNPC) – artigo 36.º, n.º2 CSC

A sociedade está constituída e segue como clara pessoa autónoma – artigo 5.º CSC

Devendo realizar publicações obrigatórias – artigo 167.º CSC

Registo do contrato de

sociedade

(15 dias)

artigos 7.º CSC

e 3.º, n.º1, alínea a)

CRCom

Como

escritura pública

o contrato é um

documento particular,

com a formalidade do

reconhecimento particular das

assinaturas: identificação das partes e do

que estas proferiram e concordaram.

Com o cumprimento destas formalidades, o Código

atribui a consequência da personificação da sociedade:

mas a Personalidade Jurídica (conceito qualitativa) não é o que se

encontra no artigo 5.º CSC, donde se trabalha, antes – sim –, com a

capacidade

β

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Artigo 7.º CSC: O contrato de sociedade tem as duas liberdades já estudadas: de celebração

e de estipulação. (tendo como limite o princípio da tipicidade – respeitando um dos 4 tipos

previstos na lei).

No contrato, o número de partes deve sempre ser 2 à exceção dos artigos 260.º-F CSC e

seguintes e nas sociedades anónimas, cujo limite mínimo é d e5 acionistas.

Uma sociedade pode também deter outra (artigo 11.º, n.º4 e 5 CSC). mas cria-nos dois

problemas práticos:

os cônjuges podem constituir uma sociedade comercial? (artigo 1714.º CC e 8.º CSC)

o Se for de responsabilidade limitada, podem ambos entrar;

o Se for de responsabilidade ilimitada, apenas um deles como tal poderá entrar

na sociedade.

quanto ao 1714.º, n.º2 e 3 CSC compatibilizado com o artigo 8.º CSC

o Com a entrada em vigor do CSC, este artigo 8.º CSC vem revogar esses

números do artigo em questão

Um menor/incapaz/interdito pode ser parte num contrato de sociedade?

o artigo 1889.º, n.º1, alínea d) CC: podem, desde que representados pelos

representantes legais. (MC: esta incapacidade dos menores,... é aparente pois

pode sempre ser suprida).

Ainda quanto a este artigo 7.º CSC, é suficiente um contrato reduzido a escrito com o

reconhecimento presencial das assinaturas. Só a partir daqui é a sociedade um sujeito de

Direito. Mas esta forma não chega se existir um bem pelo que os sócios entram para a

sociedade que requeira, para a sua transmissão, forma mais solene (Devendo-se, aí, respeitar

essa forma).

No artigo 9.º CSC estão os elementos obrigatórios do contrato, constatáveis com grande

clareza.

Firma: nome da sociedade (artigo 10.º CSC e 200º. e 275.º CSC).

Objeto: artigo 11.º CSC – não limita a capacidade:

Capital social – artigo 14.º CSC.

o Capital social subscrito: valor com que o sócio se obriga como entrada

o Capital social realizado: valor que o sócio cumpre da entrada, do valor

subscrito.

Duração da sociedade: regra geral é por tempo indeterminado (artigo 15.º CSC).

Mas também pode ser por tempo indeterminado.

Mas, temos uma exceção à tramitação normal do registo de sociedades – Mecanismo da

empresa na hora. Decreto-Lei n.º111/2005. Concede a possibilidade de uma empresa ou

sociedade comercial se fazer valer por um regime especial face ao seu registo, que é mais

célere: 24horas. Só se aplica a sociedades por quotas e anónimas e em relação a uma bolsa

de firmas.

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Quanto a problemas na constituição da sociedade:

Sociedades irregulares por incompletude – relações anteriores à celebração do

contrato de sociedade, em que só temos uma sociedade aparente. Artigo 36º CSC.

Pode não existir por parte dos sócios interesse em constituir efetivamente a sociedade

(relevante em termos de responderem ou não).

Sociedades irregulares por incompletude – pré sociedade (já houve celebração

do contrato mas ainda não foi registado); artigo 7.º CSC. Aqui, convém distinguir

relações internas e relações externas. As primeiras estão representadas no artigo 37º

e as segundas (perante terceiros), exigem a distinção do tipo de sociedade em causa.

Artigos 38.º a 40.º CSC (remissão para o 10.º, n.º9 CSC).

Sociedades irregulares por invalidade – antes do registo: Artigo 41.º CSC, temos

de ir para as regras gerais de invalidade dos negócios jurídicos, patentes no CC,

artigos 285.º e seguintes CSC e não o artigo 289.º CSC.

Sociedades irregulares por invalidade – depois do registo: artigo 42.º, n.º1 CSC,

que é taxativo. É nulo o contrato de sociedade, mesmo depois do registo, quando

previstos um dos factos enumerados neste mesmo artigo. Contudo, algumas são

sanáveis (favor societatis): 42.º, n.º2 CSC. Só estas (taxativamente previstas) é que

podem ser sanáveis, as restantes são insuscetíveis de sanação. Passa-se, em seguida,

para o artigo 44º. Se a ação de nulidade for procedente, passamos para o artigo 52º

(referente à liquidação), onde seguiremos depois para o 165º CSC. Ou seja, se a ação

de nulidade for procedente, a sociedade entra em liquidação.

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Teremos, assim, que distinguir:

Sociedade aparente

artigo 36.º, n.º1 CSC

Pré-sociedade

artigo 36.º, n.º2 CSC

Não havendo acordo Havendo acordo

Respondem os sócios solidariamente

1.º responde a sociedade (α)

2.º respondem os sócios solidariamente

(β)

(artigos 997.º, n.º1 e 999.º CC)

Os bens ainda se encontram na esfera

jurídica dos sócios Já existia afetação patrimonial à sociedade

sócios

credores

O artigo 999.º CC isola o património

social para que esse património responda

por si e o proteja dos credores dos sócios

(autonomia patrimonial não plena)

sócios

credores

A prova do artigo 32.º, n.º2 CSC é

praticamente impossível.

O escopo da norma é proteger terceiros que

se encontram perante uma prova diabólica

e, como tal, há que adaptar o ónus da prova.

β

α

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Capítulo III – A Situação Jurídica dos Sócios5

Secção I – Conteúdo geral

43.º - A qualidade de sócio como um estado

Aspetos gerais; titularidade e participação: o Direito – todo o Direito – existe

apenas para o ser humano e em função dele. Nestes termos, compreende-se que o primeiro

objetivo de uma sociedade seja o de servir os interesses das pessoas que, nela, se tenham

organizado ou que a ela tenham aderido, o que é dizer: os interesses dos diversos sócios. Para

além disso, as sociedades podem exprimir a ordenação jurídica de empresas: circunstância

que pode levar o Estado a intervir, protegendo, orientando ou dificultando a vida do ente

coletivo em jogo. As sociedades são pessoas coletivas o que e dizer: traduzem um modo

coletivo e ordenação da comunidade. Nelas, o Direito abdica de dirigir diretamente os seus

comandos a seres humanos. Antes opta por imputar deveres e direitos a organizações

humanas de tal modo que, através da interação de numerosas outras normas que dão corpo

às pessoas coletivas, se venham a consubstanciar, na comunidade, as valorações pretendidas

pelo ordenamento. À partida, os sócios corresponderiam às pessoas que celebram o contrato

de sociedade, dando lugar à organização dele derivada e ingressando, nela, com a posição

que tenha sido acordada. A lógica das organizações privadas leva, todavia, a que estas se

soltem, na sua vida e nas suas vicissitudes, das amarras contratuais que lhes deram origem.

Assim, a qualidade de sócio passa a ser expressa pela titularidade de inerente posição. Essa

titularidade pode ser original – quando o próprio sócio considerado tenha participado na

celebração do contrato constitutivo – ou pode ser adquirida: na hipótese de o interessado ter

vindo, por alguma das vias em Direito conhecidas, a subingressar na posição considerada.

Ainda como vicissitude: podem ocorrer modificações ou transformações no ente coletivo

considerado, de tal modo que a situação do sócio já não corresponde à inicial. Estas

considerações documentam e explicam a evolução progressiva da situação dos sócios, no

sentido da abstração. Primeiro: uma qualidade assumida; depois: a titularidade de uma

posição; por fim: a própria posição ou participação social. Conforme o tipo de sociedade

considerado, assim nos situaríamos dentro da escala indicada: nas sociedades de pessoas

teríamos a qualidade de sócios; nas mistas, a titularidade de uma posição; nas de capitais, a

própria posição, independentemente do seu titular. Quando se pretenda constituir uma parte

geral, todo este filme deve estar presente. Pergunta-se pelo interesse prático de semelhante

construção. Afinal, não se poderia contrapor que o regime relativo às posições dos sócios

varia de tipo, de tal modo que apenas na parte especial da disciplina Direito da sociedades

ele poderia ser levado a cabo? Nalguns domínios, assim é: não vale a pena, perante o atual

estado dos nossos conhecimentos e dada a realidade jurídico-positiva portuguesa, elaborar,

5 Cordeiro, António Menezes; Direito das Sociedades, Parte Geral, Volume I; Almedina editores; 3.ª edição; Coimbra, Maio 2011.

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num esforço de grande abstração, toda uma teoria geral das posições societárias: ela teria de

ser decomposta e reformulada, na passagem para os tipos singulares. Noutros, porém, o

esforço justifica-se: não só o próprio Código das Sociedades Comerciais contém uma parte

geral, que cumpre conhecer, como, também, se afigura útil generalização. Permite melhor

conhecer e, depois, densificar as regras próprias de cada tipo societário.

Enumeração legal de direitos e deveres: no Código das Sociedades Comerciais, a

matéria relativa aos direitos e deveres dos sócios, conquanto fundamental não foi

sistematizada. Com efeito, encontramos, na parte geral:

No Capítulo III, o artigo 9.º, n.º1, alínea f), que refere o capital social e a alínea g)

que menciona a quota de capital e a natureza da entrada de cada sócio, bem como os

pagamentos efetuados por conta de cada quota;

Nos mesmos Capítulo e secção, o artigo 16.º, relativo a vantagens, indemnizações e

retribuições, quando concedidos a sócios em conexão com a constituição da

sociedade;

Idem, o artigo 17.º, dirigido aos acordos parassociais, fontes de diversos direitos.

De seguida, ainda no capítulo III, encontramos uma secção II precisamente epigrafada

obrigações e direitos dos sócios em geral. Contém, numa primeira subsecção sobre

obrigações e direitos dos sócios em geral:

Artigo 20.º: enumera a obrigação de entrada e o dever de quinhoar nas perdas;

Artigo 21.º: enumera o de quinhoar nos lucros, o de participar nas deliberações

sociais, o de obter informações e o de ser designado para os órgãos sociais;

Artigo 22.º: desenvolve esses aspetos, proíbe os pactos leoninos e a remissão para

critério de terceiros;

Artigo 23.º: refere a matéria epigrafada, formulando regras;

Artigo 24.º: fixa normas sobre o assunto: umas gerais e outras relativas a certos tipos

sociais.

Seguem-se duas subsecções : uma (a II) relativa a obrigações de entrada (artigo 25.º a 30.º) e

outra (a III) referente à conservação do capital (artigos 31.º a 35.º). Finalmente, temos um

Capítulo IV sobre deliberações dos sócios (artigos 53.º a 63.º). O simples enunciado do

alinhamento legal relativo às posições dos sócios constitui crítica conclusiva ao trabalho de

1986: numa codificação moderna, podia-se e devia-se ter assumido um mínimo de

composição sistemática. Além dos saltos e da heterogeneidade do articulado, há patentes

omissões de deveres que, depois, são pura e simplesmente repetidos a propósito de todos os

tipos societários. A enumeração legal terá de ser complementada, por via doutrinária.

Fontes; a lógica da apropriação privada: as posições jurídicas dos sócios assumem

uma configuração nuclear, presente nas diversas posições societárias. Além disso, elas podem

conter elementos periféricos, de presença mais ou menos constante. Por fim, são

compagináveis fatores eventuais, ocasionalmente presentes. Perante esta diversidade, cumpre

perguntar pelas fontes, isto é: pelos factos suscetíveis de influenciar a concreta composição

dos direitos dos sócios. De imediato, ocorrem os múltiplos fatores suscetíveis de interferir

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no regime das sociedades, com relevo para o sistema de fontes. Tal sistema não dispõe,

todavia e neste domínio, da latitude que lhe é conferida nas áreas puramente regulativas. As

posições jurídicas dos sócios incorporam direitos e deveres de pessoas. Trata-se – ainda que

não exclusivamente – de direitos patrimoniais privados. Tais direitos, uma vez constituídos,

não podem ser arbitrariamente suprimidos: nem mesmo por lei, sob pena de violação do

artigo 62.º, n.º1 CRP (propriedade privada). No sistema das fontes reportado às posições dos

sócios, temos de fazer intervir as valorações próprias da apropriação privada e dos direitos

das pessoas. Resulta, daqui, uma especial tensão, uma vez que os preceitos estatutários,

formalmente contratuais, podem ser suprimidos ou delimitados por deliberações maioritárias.

Proibir essa possibilidade rigidifica o ser coletivo. Admiti-la pode frustrar expectativas e, no

limite, prejudicar os investimentos e as associações de esforços: prevenindo a hipótese de vir

a ser despojado dos seus bens e direitos, o interessado pode abdicar de sociedades, preferindo

movimentar-se a solo. A solução de equilíbrio reside no regime das chamados direitos

especiais.

Os direitos especiais: a matéria dos direitos especiais consta do artigo 24.º CSC. Infere-

se desse preceito que os direitos especiais são direitos de qualquer sócio, inseridos no

contrato de sociedade e que – salvo disposição legal ou estipulação contratual expressa em

contrário – não podem ser suprimidos ou coartados sem o consentimento do respetivo titular

(n.º1 e 5). Os direitos especiais têm merecido, na nossa literatura comercial, uma atenção

bastante vincada. Tal deve-se à capacidade que esses direitos têm no domínio da

pessoalização dos estatutos e dos tipos societários presentes, afeiçoando-os, de modo

tendencialmente perpétuo, à vontade dos seus titulares. Podemos até adiantar que a

possibilidade de consignar direitos especiais surge como um dos fatores mais delimitativos

da regra da tipicidade. O Código das Sociedades Comercias refere, no citado artigo 24.º, a

categoria dos direitos especiais dos sócios em termos gerais. Não concretiza que precisos

tipos de direitos poderiam estar em causa. Com base na jurisprudência portuguesa, podemos

apontar os seguintes exemplos:

O direito de vincular uma sociedade por quotas, em juízo ou fora dele, apenas com

a assinatura do beneficiário;

O direito de exercer atividade concorrente com a da sociedade;

O direito de dividir ou de alienar a sua quota sem as autorizações exigidas aos demais;

O direito de alienar quotas sem possibilidade de exercício da preferência pelos demais;

O direito à gerência, altura em que a destituição só poderia operar com base em justa

causa e por via judicial.

Outras hipóteses poderiam consistir em direitos de veto, em todos ou alguns assuntos ou o

direito de perceber quinhões mais favoráveis de lucros. Os direitos especiais são intuitu

personae: estabelecidos em função de um concreto titular, eles não são transmissíveis a

terceiros, em conjunto com a respetiva quota. Não vemos, porém, razão para que uma

cláusula expressa não possa facultar essa possibilidade: artigo 24.º, n.º3 CSC. Quando os

estatutos atribuam certa posição a uma pessoa, será questão de interpretação o saber se se

trata de um verdadeiro direito especial, sujeito ao regime do artigo 24.º CSC ou se antes se

verifica uma mera designação em pacto social. Na verdade, não basta a atribuição de um

direito: é necessário uma atribuição especial. Recomenda-se, pois, que sendo esse o caso, se

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diga expressamente que o direito é especial ou – melhor – que o mesmo só pode ser

suprimido com o consentimento do seu titular. O artigo 24.º, n.º2, 3 e 4 CSC fixa, depois,

regras para as sociedades em nome coletivo, por quotas e anónimas. Nos termos seguintes:

Sociedades em nome coletivo: os direitos especiais são intransmissíveis, salvo

cláusula em contrário;

Sociedades por quotas: os direitos especiais patrimoniais são transmissíveis e

intransmissíveis os restantes, salvo cláusula em contrário;

Sociedades anónimas: os direitos especiais são atribuídos a categorias de ações,

transmitindo-se com estas.

Aflora a natureza essencialmente transmissível das ações. Na mesma lógica, o artigo 24.º,

n.º6 CSC, reportando-se ao consentimento a dar pelo próprio, para a supressão ou a limitação

dos seus direitos especiais, estabelece que, nas sociedades anónimas, ele seja dado por

deliberação tomada em assembleia especial dos acionistas titulares de ações da respetiva

categoria. Finalmente, já se discutiu, entre nós, se os direitos especiais podem assistir a todos

os sócios – com exceção das sociedades anónimas onde, por imposição legal, há que lidar

com categorias de ações. O problema põe-se (pensamos) mercê de um condicionalismo

linguístico: o de se ligar especial ao sócio, inferindo, daí, que a especialidade se perde se todos

os sócios detiverem igual prerrogativa. Mas não: os direitos especiais são-no não por

pertencerem apenas a alguém, mas por pressuporem, em si, um regime especial, isto é:

diferente do comum. Ora, assim sendo, não há problemas em que todos os sócios sejam

titulares de direitos de que só possam ser despojados com o seu próprio assentimento e

seguindo-se os outros traços do regime legal. A jurisprudência vai nessa linha: bem. Estamos

no Direito privado: tudo o que perita alijar interpretações deprimidas, que restrinjam, sem

fundamento sério, a liberdade das partes, deve ser acolhido e incentivado.

O recurso à técnica do estado: o excurso anterior logo permite concluir que a posição

jurídica do sócio é complexa. Ela contém, desde logo, direitos e deveres. A enumeração legal,

que peca certamente por defeito, mostra aspetos patrimoniais – o dever de entrada e o de

quinhoar nas perdas e o direito aos lucros – e aspetos participativos vários. Temos, ainda, o

já examinado caso dos direitos especiais, enquistados em detrimento da própria regulação

societária típica. Todos estes aspetos podem ser indefinidamente enriquecidos com recurso

aos regimes próprios dos vários tipos societários, a considerar na parte especial. Devemos,

ainda, atentar num fenómeno flagrante: os diversos direitos dos sócios são suscetíveis de se

concretizar – ou não – consoante os eventos subsequentes que rodeiem a vida da sociedade.

Por exemplo: o direito a lucros depende de haver, efetivamente, lucros e de se ter optado

pela sua distribuição; o dever de informar pressupõe que haja algum elemento com interesse

e assim por diante. No essencial, o sócio tem o dever de entrada inicial e, depois, o direito

de sócio. Tudo o resto é mero potencial, dependendo de fatores de natureza variada.

Podemos entroncar aqui uma referência à natureza jurídica da participação social.

Tradicionalmente, ela era referida como uma relação duradoura, de participação, entre a

corporação e o seu membro. O fenómeno da sua transmissibilidade e da complexidade do

seu conteúdo levou a doutrina atenta a falar na qualidade de um sujeito de tipo elástico. Esta

ideia teve se, por razões práticas, confluir com a conceção anterior da participação como

direito subjetivo, mais particularmente: como um direito diverso, para efeitos do §823 BGB,

de modo a permitir uma tutela aquiliana. O Direito português dispensa, porém, tais

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qualificações, para poder dispensar uma tutela lata. Além disso, não vemos como verificar a

participação em torno de uma ideia de direito subjetivo quando, à partida, se reconhece que

ela envolve diversos deveres. Quedamo-nos, por isso, pela ideia de estado, propugnada no

texto. No mesmo sentido veio depor Pedro Pais de Vasconcelos, bem como Costa

Gonçalves. Podemos usar, com vantagem, a técnica do estado, elaborada no antigo Dieito

Civil para exprimir, em termos sintéticos, as muitas variáveis capazes de interferir nas

posições dos sócios. Recordamos que o estado das pessoas pode ser entendido numa de três

aceções:

O estado-qualidade, correspondente a uma determinada posição da pessoa;

O estado como complexo de situações jurídicas correspondentes a essa qualidade ou

por ela potenciadas ou condicionadas;

O estado enquanto complexo de normas jurídicas reguladoras dessa massa de

situações.

As referidas aceções estão interligadas. Parte-se do estado-qualidade, decorrendo, dele, as

outras duas aceções. Pois bem: ao admitir o estado de sócio, podemos exprimir, de modo

sintético, todo um mutável mas consistente conjunto de posições jurídicas que, por lei, pelo

contrato de sociedade, por outros acordos (designadamente: os parassociais) e por

deliberações societárias lhe possam advir.

44.º - Classificações dos direitos e dos deveres dos sócios

Direitos abstratos e direitos concretos: o conteúdo complexo do estado de sócio

pode ser parcialmente clarificado com recurso a algumas classificações relativas aos

elementos que compõem o seu conteúdo. Os critérios são diversos, sendo possível avançar,

apenas, em base exemplificativa. De acordo com um critério de concretização ou de

consubstanciação, contrapomos os direitos abstratos aos direitos concretos. O direito

abstrato é uma posição favorável, protegida pelo Direito e que, verificando-se determinadas

ocorrências, permitirá ao sócio ver surgir um direito concreto correspondente. O direito

concreto, por seu turno, será o produto da concretização de uma prévia posição favorável,

que assistia ao sócio. Como exemplo: o direito aos lucros, referido no artigo 21.º, n.º1, alínea

a) CSC é um direito abstrato: permitirá ao sócio, após todo um percurso, encabeçar uma

pretensão efetiva a um concreto lucro que, porventura, lhe caiba. Esta contraposição é

importante para o entendimento de muitas das disposições legais que se reportam a direitos

dos sócios e, ainda, ao próprio discurso jurídico societário que, em permanência, trabalha

com estas categorias. Fica, porém, uma questão de fundo: o direito abstrato será um

verdadeiro direito subjetivo? À primeira vista, a resposta deveria ser negativa: o direito

subjetivo pressupõe sempre um bem concreto: será uma permissão normativa específica de

aproveitamento de um bem. A permissão de que falamos não resulta, todavia, de meras

fórmulas deônticas. É fundamental ter presente que o direito subjetivo corresponde a uma

categoria compreensiva e não a uma forma analítica. Os diversos direitos subjetivos surgem-

nos com uma configuração que nos é dada pela evolução histórico-dogmática e pelos

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condicionamentos linguísticos. Por isso, pode suceder que um direito subjetivo, quando

ponderado lógica e racionalmente, venha a apresentar, no seu interior, subdireitos, faculdades,

poderes, expectativas e outras realidades ativas e, ainda, obrigações, encargos e deveres

diversos. Não deixará de corresponder à definição proposta, com a dimensão existencial

própria das realidades humanas. Apontada a dificuldade e as coordenadas reitoras, vamos

ver. O direito abstrato surge como uma expectativa, em relação a um bem final futuro:

pressupõe um processo no termo do qual esse bem poderá surgir. Trata-se de uma

expectativa juridicamente tutelada: diversos procedimentos instrumentais estão previstos e

devem ser respeitados, sob cominações jurídicas. Além disso, o direito abstrato pressupõe

ou implica determinados direitos instrumentais, também suscetíveis de efetivação.

Consideraremos, assim, os direitos abstratos dos sócios como verdadeiros direitos. Dentro

da tradição ocidental, eles permitem exprimir uma posição favorável do sujeito, tutelada pelo

Direito, de exercício permitido e reportada a vantagens suscetíveis de expressão linguística

unitária. A sua especialidade reside em traduzirem conteúdos complexos, que englobam um

conjunto de expectativas jurídicas e, ainda, uma série de fatores instrumentais, que podem

incluir outros direitos, certas faculdades e alguns poderes. Além disso, os direitos abstratos

inscrevem-se no estado de sócio. Têm, assim e necessariamente, associadas as mais diversas

figuras, incluindo algumas de natureza passiva: obrigações e deveres. Trata-se, por fim, de

um instrumento especialmente elaborado pela dogmática da sociedade.

Direitos patrimoniais, participativos e pessoais: numa abordagem mais

parofundada ao conteúdo do estado de sócio, vamos privilegiar, sempre de acordo com a

tradição ocidental, o prima dos direitos; muitas vezes é possível, por simetria, extrair, deles,

os deveres. Os direitos dos sócios podem ser objeto das mais diversas classificações.

Pensamos que sobreleva a que atende à natureza imediata do bem jurídico tutelado.

Distinguimos:

Valores patrimoniais;

Valores que se prendam com o funcionamento da sociedade;

Valores pessoais do sócio.

Os valores patrimoniais dão corpo aos correspondentes direitos. Na base encontramos o

direito aos lucros ou a quinhoar nos lucros (artigo 21.º, n.º1, alínea a) CSC). Todavia, esse

direito pode implicar outros direitos instrumentais; além disso, uma visão panorâmica do

Direito das Sociedades permite encontrar outras posições ativas de tipo patrimonial. Assim:

Os diversos direitos especiais de conteúdo patrimonial (artigo 24.º, n.º1 CSC);

O direito à contrapartida pela aquisição de bens a acionistas (artigo 29.º, n.º1 CSC);

Os direitos relativos à conservação do capital (artigos 31.º a 35.º CSC);

O direito individual de indemnização contra os administradores ou ação ut singuli

(artigo 77.º, n.º1 1.ª parte CSC);

O direito de grupo (5%) de indemnização contra os administradores ou ação social

de grupo (artigo 37.º, n.º2, 2.ª parte CSC);

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O direito de receber de volta o valor que lhe caiba, na hipótese de redução do capital

da sociedade para libertação de excesso do mesmo (artigos 94.º, n.º1 e 95.º, n.º4 alínea

d), implicitamente CSC);

O direito de exigir que a sociedade adquira ou faça adquirir a sua comparticipação,

quando haja fusão de que discorde (artigo 105.º, n.º1 CSC);

O direito de encabeçar as posições sociais da sociedade resultante da fusão de

anteriores (artigo 112.º, alínea b), CSC, numa regra aplicável, com as necessárias

adaptações, à cisão) – artigo 120.º CSC;

O direito de receber o valor a sua participação na hipótese de transformação de que

discorde (artigo 137.º, n.º1 CSC);

O direito de proceder à partilha imediata dos haveres sociais, quando haja dissolução

de sociedade sem passivo (artigo 147.º, n.º1 CSC);

O direito de ser inteirado em dinheiro na hipótese de transmissão global do

património da sociedade dissolvida (artigo 148.º, n.º1 CSC);

O direito de participar na partilha do ativo restante, na hipótese de liquidação da

sociedade (artigo 156.º, n.º1 CSC) e, sendo esse o caso, de participar em partilha

adicional (artigo 164.º, n.º1 CSC).

Além disso, o sócio tem o direito de dispor da sua participação social, nos teros

correspondentes ao tipo societário considerado. Diversas outras posições patrimoniais

podem, ainda, ser contempladas, consoante a sociedade em causa. Os direitos participativos

têm a ver com a possibilidade, reconhecida aos sócios, de ingressar no modo coletivo de

gestão dos interesses, inserindo-se na organização social e atuando nos esquemas de

cooperação por ela previstos. OS direitos participativos são importantes: eles correspondem

a concretizações dos direitos ao trabalho e à livre iniciativa, constitucionalmente garantidos,

tendo, subjacente, a dignidade humana. Os direitos participativos podem ser repartidos, de

acordo, aliás, com as alíneas b(, c) e d) do artigo 21.º, n.º1 CSC, em:

Direito a participar nas deliberações dos sócios;

Direito a obter informações sobre a vida da sociedade;

Direito a ser designado para os órgãos de administração e de fiscalização;

Todos estes direitos têm, depois, múltiplas facetas de concretização. Os direitos patrimoniais

e os participativos dos sócios não esgotam o teor do estado se sócio. Os sócios encontram-

se, ainda, imersos numa teia de direitos e de deveres mútuos. Além disso, surgem tutelas

indiretas e diversas outras posições ativas. Sem preocupação de exaustão, vamos referir:

Os direitos parassociais;

O direito à lealdade;

O direito ao respeito do estado de sócio

Os direitos parassociais são aqueles que advenham nos termos do artigo 17.º CSC. Trata-se

de posições obtidas por força dos acordos em causa, mas apenas devido à qualidade de sócio

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e no âmbito do status deste. O direito à lealdade tem a ver com as relações dos sócios entre

si e destes para com a sociedade. A proibição de concorrência equivale a uma concretização

desse vetor; há, todavia, outras, num campo de útil aplicação da boa fé objetiva. Como vimos,

o limite do horizonte é constituído pelo sistema e pelos seus valores fundamentais.

Finalmente, o estado de sócio é um qualidade pessoal do sujeito, que deve ser respeitada.

Impedir um sócio de falar numa assembleia geral poderá representar uma violação dos seus

direitos participativos. Mas é, ainda – sobretudo! – um atentado à sua integridade moral.

Temos aqui um nível relevante no direito das modernas sociedade, que não pode ser

esquecido.

Deveres; situações absolutas: os sócios incorrem em situações passivas. À partida,

elas serão apenas duas:

A obrigação de entrada;

A sujeição às perdas.

Estas situações são genericamente referidas no artigo 20.º CSC. A obrigação de entrada vem

desenvolvida nos artigos 25.º e seguintes CSC, implicando diversas modalidades e fórmulas

de concretização. A sujeição às perdas tem o duplo alcance:

De representar a frustração de contrapartidas esperadas pelas entradas;

De traduzir o funcionamento das regras de responsabilidade dos sócios.

Esta última sujeição concretiza-se, de modo diverso, consoante o tipo societário em causa:

temos a responsabilidade ilimitada, solidária e subsidiária nas sociedades em nome coletivo

(artigo 175.º, n.º1 CSC) a responsabilidade limitada aos valores as entradas, solidária e

subsidiária, nas sociedades por quotas (artigo 192.º, n.º1 CSC) e a responsabilidade apenas

pelas entradas próprias, nas sociedades anónimas (artigo 271.º CSC). Aparecem, ainda,

variações, no caso das comanditas. Em certos tipos societários, o contrato de sociedade pode

impor aos sócios – ou a algum deles – a obrigação de efetuar prestações, além das entradas

(artigos 209.º e 287.º CSC). Necessário é, então, que o contrato fixe os elementos essenciais

da obrigação e especifique se as prestações devem ser efetuadas onerosa ou gratuitamente.

Trata-se de prestações acessórias. Distinta é a figura das prestações suplementares (artigo

210.º CSC). Estas devem ser permitidas pelo contrato de sociedade, dependendo, depois, de

deliberação dos sócios (n.º1). Têm sempre dinheiro por objeto (n.º2) devendo ver as suas

coordenadas definidas no contrato. O desenvolvimento do regime das sociedades

documenta, ainda, o aparecimento de outras adstrições, designadamente como contrapartida

dos diversos direitos. Assim, no tocante à participação nas deliberações dos sócios: se todos

têm o direito de participar, cada um tem o dever de possibilitar essa participação. O moderno

Direito das sociedades transcende o limiar bidimensional dos exclusivos relacionamentos

sócios/sociedade: há, ainda, ligações diretas entre os próprios sócios. Patentes no caso dos

acordos parassociais, tais legações ocorrem, ainda, instrumentalmente, em vários planos.

Além disso, cumpre recordar os deveres de lealdade, que a todos unem. A consideração de

diversos deveres sociais permite chama a atenção para a proliferação, no seio do estado de

sócio, de múltiplas situações absolutas, isto é: e situações que não se inserem em relações

jurídicas. Desde logo, ocorrem deveres genéricos – de respeito, por exemplo – que não têm,

como contrapeso, diretos direitos subjetivos. Depois deparamos com posições potestativas,

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encargos, ónus e, até, direitos absolutos. Em suma: toda a Ciência do Direito é chamada a

intervir, no domínio das sociedades comerciais e do estado de sócio.

45.º - O status de sócio como situação duradoura

Generalidades; evolução geral da dogmática das relações duradouras: a

situação jurídica do sócio implica o recurso alargado aos diversos instrumentos da moderna

dogmática privada. Torna-se problemático reconduzi-la a algum ou alguns dos instrumentos

disponíveis, tal a sua complexidade e variabilidade internas. No entanto, há um instituto que

se afigura particularmente útil e que não tem sido inserido nos roteiros clássicos do nosso

Direito privado: o das situações duradouras ou relações duradouras. Vamos, assim, recordar

os traços essenciais da dogmática das relações duradouras. Na verdade, o estado de sócio,

além de complexo, prolonga-se no tempo e implica obrigações duradouras. A distinção das

obrigações em instantâneas e duradouras remonta a Savigny. Este clássico põe em destaque

o facto de, nas primeiras, o cumprimento se efetivar num lapso juridicamente irrelevante;

pelo contrário, nas segundas, o cumprimento prolongar-se-ia no tempo, correspondendo à

sua natureza. Todavia, seria necessário aguardar pelos princípios do século XX para ver a

doutrina ocupar-se das obrigações duradouras, aprofundando-as. O mérito recaiu sobre Otto

von Gierke, em estudo publicado em 1914. Este autor chama a atenção para o seguinte

fenómeno:

Nas obrigações instantâneas, o cumprimento surge como causa de extinção;

Nas duradouras, o cumprimento processa-se em termos constantes, não as

extinguindo.

As obrigações duradouras implicariam, designadamente, abstenções; mas poderiam redundar,

também, em prestações positivas. Um dos aspetos significativos das regras próprias das

obrigações duradouras estaria nas formas da sua cessação. Von Gierke distingue:

A determinação inicial da sua duração, seja pela aposição de um termo certo, seja

pela de um termo incerto;

A indeterminação inicial, podendo, então, sobrevir a denúncia, prevista na ei ou no

contrato; a denúncia poderia operar com um prazo (pré-aviso) ou ser de efeitos

imediatos;

A impossibilidade superveniente.

As ideias de von Gierke foram retomadas pelo austríaco Gschnitzer, que estudou,

precisamente, a denúncia. Explicações importantes advieram de Beitzke, segundo o qual o

mero decurso do tempo não equivale ao cumprimento. Outros aspetos atinentes às relações

duradouras foram aprofundadas por Wiese. Este autor sublinha também as relações

duradouras são sensíveis ao cumprimento. Nelas, todavia, a exceção da prestação prolonga-

se no tempo, o qual constitui um estádio inerente a cada uma. Posteriormente, a dogmática

das obrigações duradouras desenvolveu-se, sendo de sublinhar o escrito maciço de Oetker e

os desenvolvimentos de Kramer e de Otto. O tema passou a constar das obras gerais, ainda

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que com poucas explicitações quanto ao seu regime. Esta última circunstância explica-se pela

existência de muitas regras imperativas, dirigidas a situações particulares, com relevo para os

contratos de trabalho e de arrendamento. Uma teoria geral das obrigações duradouras seria

elaborada, sempre, à custa de uma grande generalidade.

Denúncia, longa duração e perpetuidade: as obrigações duradouras são, ainda,

sensíveis à denúncia. Uma vez que elas não se extinguem pelo cumprimento, há que prever

outra forma de extinção, diversa da resolução (unilateral, justificada e retroativa), e da

revogação (que exige mútuo acordo). E aqui ocorre a figura da denúncia. A denuncia estará,

em princípio, prevista por lei ou pelo próprio contrato. O Direito preocupa-se com a matéria

no âmbito de situações em que, de modo tipificado, procede à tutela da parte fraca: assim

sucede no Direito do Trabalho e no Direito do arrendamento. Põe-se o problema de saber

o que sucede perante obrigações duradouras de duração indeterminada, quando as partes

nada tenham dito sobre a denúncia e quando elas não possam ser reconduzidas a nenhum

tipo contratual que preveja essa figura. Ocorre, por vezes, a afirmação de que não poderia

haver obrigações perpétuas, por contrariar vetores indisponíveis do ordenamento (ordem

pública). A afirmação remonta ao Código Civil Francês, de 1804, que a propósito da locação

de domésticos e de operários – grosso modo, o contrato de trabalho – dispõe, no seu artigo 1780:

«Só se pode adstringir os seus serviços por duração limitada ou para um empreendimento

determinado».

Com isso pretendia-se prevenir o regresso a situações de servidão, abolidas pela Revolução

Francesa. Mas paradoxalmente, foi precisamente no setor do trabalho que a evolução

posterior acabaria por (re)introduzir situações tendencialmente perpétuas, com clara

ilustração no Direito português atual. A proibição de relações perpétuas – que justificaria

sempre a denúncia – surge apoiada na regra constitucional da liberdade de atuação.

Naturalmente, isso possibilitaria a livre denunciabilidade de relações duradouras de duração

indeterminada, o que poderia atentar contra legítimas expectativas de continuação e de

estabilidade e contra a regra do respeito pelos contratos. A solução teria de ser

compatibilizada à luz da boa fé, numa ponderação a realizar em concreto. O problema da

excessiva restrição à liberdade individual, por força da existência de relações duradouras

indeterminadas, põe-se a propósito da prestação de serviço: daí a proibição napoleónica. Fora

dessas situações e para mais num Direito que, como o português, perpetua, na prática,

situações como os contratos de trabalho e de arrendamento, a afirmação da não-perpetuidade,

embora soe bem, terá de ser verificada e comprovada. De resto, o artigo 18.º, alínea j) da Lei

sobre Cláusulas Contratuais Gerais veio proibir obrigações perpétuas, quando derivadas de

cláusulas contratuais gerais; a contrario, elas pareceriam possíveis quando tivessem outra

origem. O problema tem conhecido uma abordagem diversa, graças à doutrina dos contratos

de longa duração (long term contracts), de origem anglo-saxónica. As partes podem, ao abrigo

da sua autonomia privada, concluir contratos que durem ilimitadamente: basta que prevejam

uma associação de interesses que tenha essa aspiração. Nessa eventualidade, o facto de elas

não terem previsto uma cláusula de denúncia, ainda que com um pré-aviso alongado, poderia

significar:

Ou que houve erro ou esquecimento, seguindo-se o seu regime próprio;

Ou que há lacuna contratual, a integrar pela interpretação complementadora; ainda

aqui, poderão estabelecer-se cláusulas de renegociação.

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Não se vão verificando nenhuma dessas hipóteses – ou, a fortiori, quando as partes excluam

expressamente a denúncia ou equivalente – quedará o recurso à alteração das circunstâncias.

Fecha-se o círculo: no limite, a existência de relações perpétuas poderá, in concreto, defrontar

os valores fundamentais do ordenamento, veiculados pela ideia de boa fé. O Direito

português, justamente através do instituto da alteração das circunstâncias, tem meios para

intervir.

Construção geral e aplicação: as obrigações duradouras têm sido abordadas na

doutrina portuguesa, constatando de breves referências de todos os obrigacionistas. Vamos

tentar a sua construção geral. À partida, a obrigação duradoura não se caracteriza pela

multiplicidade de atos de cumprimento: qualquer obrigação instantânea, designadamente se

tiver um conteúdo complexo, pode implicar cumprimentos que se analisem em múltiplos

atos. Por isso, Pessoa Jorge propõe que, em vez de se atender ao número de atos realizados,

se dê prevalência ao momento (ou momentos) em que é realizado o interesse de credor. Pela

nossa parte, adotamos essa ideia básica, embora convolando-a para a concretização do

cumprimento. Nas obrigações duradouras – ao contrário das instantâneas – o cumprimento

vai-se realizando num lapso de tempo alongado, em termos de relevância jurídica: uma ideia

já presente, de resto, em Savigny. Na obrigação duradoura, anda podemos encontrar duas

situações:

Ou a prestação permanente é contínua, exigindo uma atividade sem interrupção,

quotidie et singulis momentis;

Ou essa prestação é sucessiva, quando implique condutas distintas, em momentos

diversos.

Encontramos prestações contínuas sobretudo nas abstenções; mas elas ocorrem, também,

em obrigações positivas, com exemplo nas do depositário. As obrigações duradouras

apresenta, algumas regras ditadas pela natureza das coisas. Desde logo, elas não se extinguem

por nenhum ato singular de cumprimento. Tão-pouco elas podem dar lugar à repetição, na

hipótese de ser anulado ou declarado nulo o contrato em que assentem: ou se restitui o valor

(artigo 289.º, n.º1 CC) ou não há quaisquer restituições, como sucede na hipótese de

invalidade do contrato de trabalho. A aplicação da dogmática geral das relações duradouras

no Direito das Sociedades dependerá da consideração do concreto problema em jogo e da

sua ordenação perante o tipo societário onde ocorra. As regras próprias das sociedades foram

surgindo sem qualquer preocupação generalizadora. Todavia, a tendência natural que o

sistema revela para o equilíbrio requer uma certa harmonização de soluções. O intérprete-

aplicador é-lhe sensível. Neste plano, a dogmática das relações duradouras tem o seu papel.

E o próprio legislador a terá em conta, nas suas soluções. A reconstrução das obrigações

societárias à luz de uma dogmática das relações duradouras está, ainda, por elaborar:

interessante desafio para o atual Direito das sociedades.

Secção II – Entradas, lucros e perdas e defesa do

capital

46.º - A obrigação de entrada

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Categoria básica; a 2.ª Diretriz: a obrigação de entrada corresponde a um dever

essencial dos sócios. Sem ela, a sociedade não terá meios para poder desempenhar a sua

atividade; paralelamente, os sócios não terão título de legitimidade para recolher lucros e para

pretender intervir na vida da sociedade. A entrada pode consistir em diversas realidades

patrimoniais ou, pelo menos, com alcance patrimonial. Assim, encontramos:

Entradas em dinheiro;

Entradas em espécie;

Entradas em indústria.

O tipo de entrada é definido no contrato de sociedade, nos termos do artigo 9.º, alíneas g) e

h) CSC: quer quantitativa quer qualitativamente. A entrada tem, ainda, uma dupla

apresentação, traduzida em indicações de valor. Cumpre distinguir:

O valor nominal: é o valor da participação social a que ela corresponda: pode ser

uma parte social, uma quota ou uma ação, consoante esteja em causa uma sociedade

em nome coletivo, por quotas ou anónima. O artigo 25.º, n.º1 CSC apenas estabelece

que o valor nominal da participação não pode exceder o valor da entrada. Entenda-

se: o valor real.

O valor real: é o valor correspondente à cifra, em dinheiro, em que ela se traduza,

quando pecuniária ou ao valor dos bens que implique, quando em espécie.

Como já foi adiantado, a entrada em dinheiro corresponde à assunção de uma obrigação

pecuniária. A entrada em espécie equivale a entregas «de bens diferentes de dinheiro», nas palavras

do artigo 28.º, n.º1 CSC. A lei não põe restrições, exigindo, designadamente, que se trate de

bens materiais ou de bens facilmente realizáveis. Apenas se infere do artigo 20.º, alínea a)

CSC, que tais bens devem ser suscetíveis de penhora. Quanto às entradas em indústria: trata-

se de serviços humanos não subordinados; de outro modo, teríamos trabalho, em sentido

estrito e técnico, sujeito a diversa disciplina jurídica. A obrigação de entrada é, à partida, uma

obrigação comum em que, como devedor, surge o sócio e, como credor, a própria sociedade.

Essa obrigação pode ser cumprida de imediato ou diferidamente, consoante o tipo de

sociedade em jogo. Por isso, o artigo 9.º, n.º1, alínea g) CSC, distingue quota de capital,

natureza da entrada e pagamento efetuado por conta de cada quota. Fixadas as categorias

básicas, cumpre chamar a atenção para o facto de alguns dos aspetos atinentes ao capital – e,

daí, as entradas – estarem, no tocante às sociedades anónimas, predispostos (em parte) pela

2.ª Diretriz das sociedades comerciais, isto é: a Diretriz n.º 77/91/CEE, de 13 dezembro

1976. Esta Diretriz tem a ver com sociedades anónimas.

Regime geral das entradas: a obrigação de entrada obedece, em geral, às regras civis.

Tem especificidades e complementações societárias, para as quais chamamos a atenção.

Quanto ao seu montante, as entradas não podem ter um valor inferior ao da participação

nominal (parte, quota ou ações) atribuída ao sócio. Poderá, eventualmente, ser superior: diz-

se, então, acima do par. Teremos, nessa eventualidade, um prémio de subscrição ou de

emissão, também dito ágio, que passará a integrar as reservas. A emissão acima do par (em

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regra: nas sociedades anónimas) justifica-se por três ordens de razões as quais, de resto,

operam muitas vezes em conjunto:

A simples ideia de constituir certa sociedade e a congregação de esforços nesse

sentido vale dinheiro e acrescenta uma mais-valia às participações dos sócios é lógico

que a paguem, surgindo o prémio;

Independentemente dessa mais-valia, pode a sociedade gerar expectativas de negócio

que conduzam a uma sobrevalorização de mercado: justifica-se o prémio;

A sociedade, particularmente quando em funcionamento, pode representar um valor

real que ultrapasse o valor nominal do capital; havendo emissão de novas ações, isso

deve ser tido em conta, sob pena de se depauperarem os sócios antigos – e a própria

sociedade – e de se enriquecerem os novos.

Quanto ao momento do cumprimento da obrigação de entrada: ela deve ser realizada no

momento da outorga da escritura, salvo quando o contrato preveja o diferimento das

entradas em dinheiro e a lei o permita, o que sucede:

Nas sociedades por quotas até metade das entradas em dinheiro, mas o quantitativo

global dos pagamentos feitos por conta delas, juntamente com a soma dos valores

nominais das quotas correspondentes às entradas em espécie, deve perfazer o capital

mínimo fixado na lei (artigo 202.º, n.º2 CSC) o qual é, hoje, de 5000 euros (artigo

201.º CSC);

Nas sociedades anónimas pode ser diferida a realização de 70% do valor nominal das

ações, mas não o pagamento do prémio de emissão, quando previsto (artigo 277.º,

n.º2 CSC).

Para as entradas em espécie, não há diferimentos, assim como os não haverá para as

sociedades em nome coletivo. Quanto à forma do cumprimento das obrigações de entrada

em dinheiro; a lei apenas a regula quanto às sociedades por quotas (artigo 202.º, n.º3 CSC) e

às sociedades anónimas (artigo 277.º, n.º3 CSC): a soma das entradas em dinheiro já

realizadas deve ser depositada em instituição de crédito, antes de celebrado o contrato, numa

conta aberta em nome da futura sociedade, devendo ser exibido ao notário o comprovativo

de tal depósito por ocasião da escritura. Quanto às garantias da obrigação de entrada, cumpre

salientar as seguintes precauções, que se alcançam do artigo 27.º CSC:

São nulos os atos da administração e as deliberações dos sócios que liberem total ou

parcialmente os sócios da obrigação de efetuar entradas estipuladas, salvo redução

do capital (n.º1);

A dação em cumpriemtno exige deliberação como alteração do contrato, seguindo-

se o preceituado quanto a entradas em espécie (n.º2);

Podem ser estabelecidas, no contrato, penalidades para a falta de cumprimento da

obrigação de entrada (n.º3); podem ocorrer hipóteses de pagamento de juros ou de

cláusulas penais;;

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Os lucros correspondentes a entradas em mora não podem ser pagos, mas podem

ser compensados com elas (n.º4); fora isso, a obrigação de entrada não pode

extinguir-se por compensação (n.º5);

A falta de uma prestação de entrada «importa o vencimento de todas as demais

prestações em dívida pelo mesmo sócio, ainda que respeitem a outras partes, quotas

ou ações» (n.º6); trata-se de uma versão reforçada (porquanto extensiva a outras

partes, quotas ou ações) da perda do benefício do prazo, prescrita no artigo 781.º CC.

Entradas em espécie: as entradas podem ser em espécie, isto é: traduzir na transferência

para a sociedade de direitos patrimoniais, suscetíveis de penhora e que não se traduzam em

dinheiro. Falamos em direitos: pode estar em causa qualquer situação diferente do direito de

propriedade: por exemplo, o direito ao uso e fruição, direitos sobre bens imateriais, tais como

patentes ou técnicas de saber-fazer (know-how). O artigo 28.º, n.º1 CSC refere «bens diferentes

de dinheiro». Trata-se de uma fórmula excessivamente empírica para exprimir a ideia dos

referidos direitos patrimoniais. O dinheiro é de fácil avaliação: basta ver o montante, em

função do princípio do nominalismo. Já a espécie pode ter valores subjetivos. Repare-se que

não basta, aqui, revelar o valor que, por acordo, os sócios lhe queiram atribuir: a sociedade

tem um património objetivo, que interessa à comunidade e, em especial, aos credores. Por

isso, o Direito preocupasse com o conhecimento do valor exato dos bens, procurando que

seja devidamente determinado. O artigo 28.º CSC prevê, com pormenor, a preparação de um

relatório elaborado por um revisor oficial de contas (ROC), devidamente distanciado e que

avalie, objetivamente, os bens, explicando os critérios usados e declarando formalmente se o

valor deles atinge o valor nominal indicado pelos sócios (n.º3, alínea d)). Ao relatório em

causa deve ser dada especial publicidade (artigo 28.º, n.º5 e 6 CSC). Recordamos que o grande

objetivo do trabalho exigido ao ROC é a defesa de terceiros: os credores da sociedade, os

futuros adquirentes de posições sociais e o público em geral. Por isso, os próprios sócios

estão, aqui, perante regras imperativas. Nem por comum acordo podem ser postergadas.

Direitos dos credores: a efetivação das entradas interessa à sociedade: ela carece de

meios materiais para poder levar a cabo s fins a que se destina. Mas interessa, ainda, aos

credores da sociedade, uma vez que releva para a cobertura patrimonial dos seus direitos. O

artigo 30.º, n.º1 CSC veio, assim, referenciar dois direitos dos mesmos credores:

O exercer os direitos da sociedade relativos às entradas não realizadas, a partir do

momento em que se tornem exigíveis (alínea a));

O de promover judicialmente essas entradas, mesmo antes de se tornarem exigíveis,

desde que isso seja necessário para a conservação ou a satisfação dos seus direitos.

Trata-se, no fundo, de uma concretização da ação sub-rogatória, prevista no artigo 606.º CC.

O artigo 30.º, n.º2 CSC prevê que a sociedade possa obstar (ilidir?) ao pedido desses credores,

«satisfazendo os seus créditos com juros de mora, quando vencidos, ou mediante o desconto correspondente à

antecipação, quando por vencer, e com as despesas acrescidas». Preceito em rigor dispensável, já que o

pagamento pode ser feito por terceiro (artigo 767.º, n.º1 CC) e antecipado pelo devedor

(artigo 779.º CC). De todo o modo, facilita a referência ao desconto e às despesas.

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47.º - A participação nos lucros e nas perdas; pactos leoninos

Princípio geral: a sociedade inscreve-se entre os institutos de cariz patrimonial,

inventados pelos homines sapientes. Ela visa o lucro económico, repartindo-o pelos associados.

A noção geral do artigo 980.º CC é muito clara: «a fim de repartirem os lucros resultantes dessa

atividade». Por seu turno, o artigo 21.º n.º1, alínea a) CSC, inscreve, à cabeça dos direitos dos

sócios, o de «quinhoar nos lucros». Preceitos das partes especiais impõem, à sociedade, a

distribuição de: pelo menos, uma parcela dos seus lucros pelo sócios, com determinadas

exceções: artigos 217.º e 294.º CSC, quanto a sociedades por quotas e anónimas,

respetivamente. Para além destes aspetos jurídicos, é evidente que a perspetiva do lucro

anima todas as iniciativas societárias e dá corpo a um mercado mobiliário. É um traço da

nossa atual cultura, porventura absolutizado em demasia, mas que não se vê como combater.

Cabe ao Direito, pelo menos, regular o fenómeno, disciplinando excessos. Contrapartida do

lucro é o risco. Muitas vezes, os empreendimentos mais lucrativos são, precisamente, os mais

arriscados. Independentemente disso: por muito bem pensados e executados que sejam os

negócios, a hipótese das grandes perdas nunca pode ser descartada. Também aqui o Direito

é chamado a intervir, particularmente nos casos em que, mercê da presença de uma sociedade,

as perdas tenham de ser repartidas. A regra básica resulta dos dois primeiros números do

artigo 22.º CSC. Infere-se, do preceito, a existência de uma regra supletiva, que indexa o

quinhão de lucros/prejuízos à proporção nominal das prestações respetivas. Para além disso,

cabe à autonomia privada estabelecer outras eventuais repartições. A propósito de cada tipo

societário podem surgir outras regras imperativas ou permissivas que facultem formas

privilegiadas de comunhão nos lucros ou que limitem perdas. Em sede geral, há que contar

com a proibição dos pactos leoninos, que referimos de seguida.

A proibição histórica dos pactos leoninos: segundo o artigo 22.º, n.º3 CSC:

«É nula a cláusula que exclui um sócio da comunhão nos lucros ou que o isente de participar

nas perdas da sociedade, salvo o disposto quanto a sócios de indústria».

Formalmente, é pena que o legislador tenha degradado este princípio para o n.º3 de um

ignoto preceito. Melhor, sob a epígrafe clássica pacto leonino, dispõe o artigo 994.º CC:

«É nula a cláusula que exclui um sócio da comunhão nos lucros ou que o isenta de participar

nas perdas da sociedade».

Esta proibição corresponde a preocupações materiais profundas do Direito do Ocidente,

que cumpre conhecer. Na origem do instituto temos um trecho de Ulpiano que diz, em

vernáculo:

«Aristo refere que Cassius deu um parecer segundo o qual uma sociedade não poderia ser

combinada de modo a que um receberia todo o lucro e o outro suportaria o prejuízo; uma tal

sociedade é chamada, habitualmente, sociedade leonina (societas leonina). Nós concordamos que

uma tal sociedade é nula, pois um recebe o lucro e o outro nenhum lucro, mas antes o dano: tal

tipo de sociedade é iniquíssimo, pela qual só se expecta dano e não também lucro».

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No Direito Romano, as sociedades leoninas eram, assim, proibidas: seriam contrárias à

natureza das sociedade. A parte do leão e a societas leonina advêm da velha fábula de Esopo,

depois remodelada ao longo da História. Na versão original da Esopo, toava assim:

«Um leão, um burro e uma raposa, feito um pacto entre eles, andaram à caça e depois de terem

capturado uma quantidade abundante de peças, o leão encarregou o burro de as dividir. O

burro repartiu-as em três partes iguais e ofereceu aos companheiros o direito de escolher. Mas o

leão, enfurecido com aquela repartição, rangendo os dentes perante a divisão, devorou-o e impôs

a raposa repartir a presa. A raposa, pelo contrário, reuniu as três partes numa só e entregou

tudo ao leão nada deixa de lado para si. O leão, então, perguntou: “Quem te ensinou a fazer

as divisões?” E prontamente a raposa: “Ensinou-me a experiência do burro!”».

A Fábula mostra que o perigo dos outros torna as pessoas mais cautelosas. Com os

antecedentes apontados, a proibição de sociedades leoninas foi-se mantendo ao longo da

História, sendo acolhida nas codificações. Segundo a versão original do Código Napoleão

(artigo 1855.º):

«A convenção que viesse dar a um dos associados a totalidade dos benefícios é nula.

«O mesmo sucede com a convenção que liberasse de qualquer contribuição para as perdas, as

quantias ou os efeitos entregues para o fundo comum da sociedade por um ou mais associados».

A partir daqui, a proibição foi sendo adotada pelos diversos códigos continentais latinos,

sendo de referir o Código italiano de 1865 e o artigo 1242.º do nosso Código de Seabra. Em

compensação, ela não foi acolhida nem no BGB alemão, nem, plenamente, no artigo 533.º

do Código das obrigações suíço. No âmbito do Código italiano de 1865, discutiu-se o

fundamento da proibição e, particularmente, a questão de saber se a proibição da exclusão

das perdas e da exclusão do lucros obedecem ao mesmo princípio e isso com consequências

práticas. Já foi defendido que não podia haver exclusão dos lucros porque, nessa altura, o

contrato já não seria de sociedade; pelo contrário, a não-exclusão das perdas impunha-se para

evitar um negócio usurário. Teríamos, então, regimes diferenciados, com a possibilidade de,

no primeiro caso, recuperar o contrato, ainda que com diferente tipo. Importa ainda referir

que a solução do Código Civil italiano de 1942: influenciou – como em geral, no tocante à

sociedade – o legislador de 1966. A nulidade dos pactos leoninos é elegantemente fixada no

seu artigo 2265.º. Todavia, com recurso à figura da nulidade parcial (artigo 2265.º). Todavia,

com recurso à figura da nulidade parcial (artigo 1419.º), equivalente à nossa redução dos

negócios inválidos (artigo 292.º CC), a doutrina válida as sociedades atingidas expurgando-

as, apenas, das cláusulas leoninas. A proibição emancipou-se do antigo bloqueio dos juros.

No entanto, mantêm os autores italianos que a razão da nulidade está no «contraste do pacto com

a essência sociedade»: não se pode ser sócio sem se participar dos resultados da atividade social;

tão-pouco poderia um sócio excluído de participar nos ganhos correr o risco de perder as

entradas, sem uma correspondente utilidade. Temos as maiores dúvidas quanto a explicações

deste tipo, como adiante melhor veremos, perante o Direito português. Em compensação,

afigura-se de reter a ideia de que a proibição dos pactos leoninos é material. Mesmo quando

as partes a dissimulem ou contornem, a sua detenção, pela interpretação, conduz à proibição

legal. Como apontamento interessante, retemos ainda que o atual Direito francês, mantendo

o princípio, admite, através da jurisprudência, uma certa flexibilização, designadamente nos

caso de cessão de ações com dilação temporal, em que o cedente já não suportaria perdas.

No fundo, estamos perante situações requeridas pelo mercado acionista.

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O Direito português: a tradição românica da proibição dos pactos leoninos surgia no

artigo 1242.º do Código de Seabra, ainda que em termos reputados deficientes. Assim,

segundo esse preceito:

«Será nulla a sociedade, na qual se estipular, que todos os proveitos pertençam a algum, ou

alguns dos sócios, e todas as perdas a outro, ou outros d’elles».

O preceito era violento, uma vez que invalida toda a sociedade. Com efeito, pareceria

preferível:

Invalidar não a sociedade in totum, apenas, o pacto leonino, assuma ele a feição de

(mera) cláusula ou de pacto autónomo;

Vedar todas as hipóteses de exclusão das perdas ou de exclusividade nos lucros – a

parte do leão – independentemente de haver reciprocidade ou concomitância.

Na base destes elementos, o Código Civil de 1966 procedeu a uma proibição mais

aperfeiçoada: no seu artigo 994.º CC, já acima transcrito, escolher uma fórmula muito

semelhante à italiana. A regra foi retomada, como vimos, no artigo 22.º, n.º3 CSC. Torna-se

inevitável perguntar pela justificação da norma; dela dependerá a sua interpretação. Mantém-

se a tendência, nalguma doutrina, de aproximar a proibição do pacto leonino da própria

natureza da sociedade: sem uma participação nos lucros, não haveria sociedade, visto o artigo

980.º CC. Tudo bem: só que, nessa altura, o contrato leonino poderia subsistir como qualquer

outro contrato de não-sociedade, não se percebendo o porquê da proibição. Quanto às

perdas: a explicação para tais doutrinadores, já teria de ser outra: não faz parte do objetivo

do qualquer sociedade comungar --- em prejuízos. Pires de Lima e Antunes Varela apelam,

então, a razões justificativas «de ordem moral e social, e não de ordem jurídica». Solução

incompreensível, no próprio plano ético-social: não poderá um pai fazer uma sociedade com

os filhos menores, comprometendo-se a arcar com os prejuízos, se os houver … e isso em

nome da moral?! Além disso, não pode a Ciência do Direito demitir-se de explicar

juridicamente as suas soluções. A razão da invalidade dos pactos leoninos, assente em sólida

tradição histórica, deve ser procurada noutras latitudes. Antes de o fazer importa, porém,

reafirmar a unidade do instituto: ele não deve ser esquartejado e, por um lado, não—

participação nos lucros e, por outro, não-participação nas perdas: trata-se de proposições que

obedecem, nitidamente, às mesmas valorações. Isto dito: o sócio que abdique de lucros vai

sujeitar-se a eventuais prejuízos; o que aceite todos os prejuízos vai submeter-se,

eventualmente aos que ocorram. Em qualquer dos casos, ele está a dispor, para o futuro, das

vantagens que poderia obter e está a conceder, também para o futuro, vantagens aos outros

sócios. Os Direitos do Sul, atentas as características psicológicas dos seus patrícios, sabem

que há uma permanente tentação de se dar o que (ainda) não se tem e o de assumir, para um

futuro indeterminado, obrigações sem critério. E por isso, toma medidas coerentes:

É nula a renúncia antecipada aos direitos: artigo 809.º CC;

A cláusula penal pode ser equitativamente reduzida pelo tribunal: artigo 812.º, n.º1

CC;

A remissão é contratual: artigo 863.º, n.º1 CC;

A doação não pode abranger bens futuros: artigo 942.º, n.º1 CC;

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A doação de móveis deve ser feita com imediata tradição da coisa ou por escrito:

artigo 947.º, n.º2 CC.

É nesta linha que se deve inscrever a proibição dos pactos leoninos: envolvem um misto de

renúncia antecipada aos direitos e de doação do que (ainda) não se tem. Se alguém quiser dar

lucros ou arcar com prejuízos, tudo bem: fá-lo-á, porém, na altura concreta em que ocorram

e com eficácia limitada aos valores efetivos então em jogo. Obrigar-se, para todo o tempo, a

fazê-lo poderá ir ao encontro dos frígidos valores do Norte; não ao do calor do Sul. A

nulidade dos pactos leoninos não suscita, assim, dúvidas. Esclarecido este ponto, cabe

verificar o âmbito da proibição. É evidente que as partes, perante uma tentação leonina, não

irão exarar, expressis verbis, uma cláusula com o inerente teor. Tal cláusula ou é dissimulada

em diversas outras, ou consta de um extra, normalmente sob a forma de um acordo

parassocial. A valoração é, porém, material: atingirá todos os dispositivos que, seja qual for a

sua localização ou a sua configuração, conduzam à prévia e indeterminada disposição de

lucros ou à também prévia e indeterminada assunção de prejuízos. Verificada a nulidade do

pacto – ou a cláusula – leonina, a doutrina tem reclamado, sob inspiração italiana, a aplicação

– ou a aplicabilidade – do instituto da redução: a sociedade vigoraria sem a parte viciada,

salvo se se demonstrasse que, na sua falta,, as partes não teriam contratado (artigo 292.º CC).

Não é tão simples. Uma sociedade leonina não é uma sociedade comum com uma cláusula

leonina: surge, antes, como um negócio uno e distorcido em toda a sua conceção. A redução

não o pode salvar: apenas a conversão lhe valeria, desde que verificados os requisitos do

artigo 293.º CC: teremos de atender ao fim das partes e à sua vontade hipotética, com uma

diferente distribuição do ónus da prova.

48.º - Constituição financeira e defesa do capital

Constituição financeira; capitais próprios: o funcionamento de uma sociedade

comercial, num fenómeno particularmente visível nas sociedades anónimas, é suportado por

fluxos monetários. Aplicam-se-lhes regras especializadas a cujo conjunto a moderna

comercialística chama a constituição financeira das sociedades. Nesse domínio, é habitual a

distinção entre:

Capitais próprios;

Capitais alheios.

Os capitais próprios, com exemplo nas sociedades anónimas, abrangem, designadamente:

O capital social, correspondente à soma do valor nominal das ações subscritas ou de

um valor fixo, se estiverem em causa ações sem valor nominal, após a reforma

introduzida pelo Decreto-Lei n.º 49/2010, 19 maio;

As reservas de ágio ou de prémio de emissão, correspondentes à soma do sobrevalor

por que, com referência ao valor nominal, as ações tenham sido colocadas;

O montante de outras prestações feitas pelos acionistas;

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As reservas livres, constituídas por lucros não distribuídos e para elas encaminhados;

A reserva legal, imposta por lei;

Outras reservas.

Dizem-se capitais alheios, inter alia:

Obrigações;

Opções, covertible bonds;

Títulos de participação nos lucros e outros empréstimos.

No tocante aos capitais próprios, há que lidar com as regras gerais derivadas da escrituração

mercantil e da prestação de contas e, ainda, com regras especialmente prescritas para este

aspeto da vida societária. O Direito toma diversas medidas destinadas a proteger o capital

social. Elas visam a defesa dos terceiros, particularmente quando credores e, ainda, a tutela

das próprias sociedades, dos sócios do comércio em geral. Bastante relevantes são as regras

atinentes à temática das reservas. Como ponto de partida, devemos ter bem presente que as

sociedades comerciais operam dentro do Direito privado. Nessas condições, tem plena

aplicação o aforismo de que é permitido quanto não for proibido por lei. Todavia, estamos

num campo em que se jogam posições que as leis modernas vêm, por vezes, acautelar. Assim:

O interesse dos sócios minoritário;

Os direitos de terceiros credores da sociedade;

O valor social representado pela própria sociedade.

As leis de proteção, para além dos aspetos procedimentais de contabilidade e de prestação

de contas, regulam a hipótese de distribuição de lucros ao sócios. Tal distribuição pode afetar

duplamente as reservas: ora impedindo a sua formação, ora implicando o seu

desaparecimento. Em toda a problemática subsequente, devemos ter presente a natureza

essencialmente lucrativa do giro comercial. As empresas, em especial quando assumam a

forma de sociedades comerciais, visam produzir e captar lucros. Só assim elas poderão

congregar os capitais necessários para a subsequente criação de riqueza. Há, pois, que

encontrar uma bissetriz justa e adequada entre a tutela dos valores em jogo, que exige certas

regras atinentes aos capitais próprios e à proteção do lucro, condição sine qua non de

funcionamento do sistema.

A distribuição de bens ao sócios: consequência direta da personalização das

sociedades é a separação patrimonial: os bens da sociedade não se confundem com os dos

sócios. Mau grado essa lógica, os sócios têm, no seu conjunto, o controlo da sociedade.

Poderão entender, dentro da sua autonomia privada, que a sociedade não necessita de

determinados bens ou que, de todo o modo, eles melhor ficariam nas mão dos diversos

sócios. Não poderão deliberar uma distribuição, mais ou menos importante, de bens aos

sócios? A resposta à luz do Direito privado, seria tendencialmente positiva. Todavia, dois

óbices podem ser invocados:

O interesse dos credores da sociedade;

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A própria confiança do público na estabilidade dos entes coletivos.

Como se compreenderá, particularmente nas sociedades de capitais, cuja responsabilidade é

limitada, não é indiferente, aos credores, a consistência do património da sociedade e os bens

que, no mesmo, se encontrem. O Direito procurará acautelar esta vertente. Além disso, deve

haver, na comunidade, uma confiança generalizada na estabilidade dos entes coletivos. Não

se compreenderia que os bens circulassem, sem mais, entre a sociedade e os sócios. Mesmo

quando nada obste a tal circulação, compreende-se que se fixem formalidades e instâncias de

controlo que dignifiquem as sociedades e a todos tranquilizem. O artigo 32.º, n.º1 CSC

contém uma norma básica para a tutela dos credores, que clara fica com a sua transcrição:

«Sem prejuízo do preceituado quanto à redução do capital social, não podem ser distribuídos

aos sócios bens da sociedade quando o capital próprio desta, incluindo o resultado líquido do

exercício, tal como resulta das contas elaboradas e aprovadas nos termos legais, for inferior À

soma do capital e das reservas que a lei ou o contrato não permitem distribuir aos sócios ou se

tornasse inferior a esta soma em consequência da distribuição».

O n.º2 desse preceito visou uma adaptação às atuais regras contabilísticas. No fundo, esta

norma pretende que apenas possam ser distribuídos aos sócios, valores que, tecnicamente,

se devam considerar lucros. Em princípio, no que a situação líquida ultrapasse o capital e as

reservas não distribuíveis, há lucro. Como as dívidas são encontradas na situação líquida, a

posição dos credores fica assegurada. Na hipótese de o próprio capital ser considerado

excessivo: queda a solução de redução do capital: equivale a uma modificação do contrato

(artigo 85.º e seguintes CSC) com regras próprias (artigos 94.º e seguintes CSC). A coerência

do sistema é, depois, assegurada por um conveniente processo de distribuição de bens.

Consta ele do artigo 31.º CSC, traduzindo-se, essencialmente no seguinte:

A distribuição de bens (salvo a hipótese de distribuição antecipada de lucros e outros

casos previstos na lei) depende de deliberação dos sócios (n.º1);

Mesmo quando tomada, tal deliberação não deve ser executada pelos administradores

quando tenham fundadas razões para crer: que alterações ocorridas no património

social tornariam a distribuição ilícita perante o artigo 32.º CSC, que, de todo o modo,

violem os artigos 32.º e 33.º CSC ou que assentou em contas inadequadas (n.º2);

quando optem pela não execução, os administradores devem requerer inquérito

judicial;

A distribuição também não terá lugar após a citação da sociedade «para a ação de

invalidade de deliberação de aprovação do balanço ou de distribuição de reservas ou lucros de

exercício» (n.º4) sendo os autores de tal ação responsáveis, solidariamente, pelos

prejuízos que causem aos outros sócios, quando litiguem temerariamente ou de má

fé (n.º5).

Os bens indevidamente recebidos pelos sócios devem ser restituídos à sociedade: tal o

sentido geral do artigo 34.º CSC. Todavia, fica protegida a posição dos sócios de boa fé

(artigo 34.º, n.º1 CSC) sendo o todo aplicável aos transmissários dos direitos dos sócios (n.º2).

Os credores podem propor ação para restituição, à sociedade, das importâncias em causa,

tendo ainda ação contra os administradores (artigo 34.º n.º3 CSC). O n.º4 regula o ónus da

prova, enquanto o n.º5 alarga o dispositivo da restituição a «qualquer facto que faça beneficiar o

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património das referidas pessoas dos valores indevidamente atribuídos». Temos, aqui, manifestações do

instituto da repetição do indevido (artigos 476.º CC).

Lucros e reservas não distribuíveis: a tutela do capital social encontra, no nosso

Código das Sociedades Comerciais, um tratamento em duas partes:

Na da parte geral, isto é, em sede de regras aplicáveis a todas as sociedades;

Na da parte especial, relativa às sociedades anónimas, constando de normas que são

também mandadas aplicar às sociedades por quotas.

Todas estas regras devem ser interpretadas e aplicadas em conjunto. O artigo 33.º CSC,

epigrafada lucros e reservas não distribuíveis e inserido na parte geral, dispõe, no seu n.º1 a

proibição de distribuição de lucros do exercício que se mostrem necessários para cobrir

prejuízos transitados ou para formar ou reconstituir reservas obrigatórias, por lei ou pelos

estatutos. O preceito parece claro. A lei não define lucros de exercício, sendo de presumir

que recorre ao sentido comum dessa expressão. Por outro lado, a proibição reporta-se a

«lucros necessários para cobrir prejuízos transitados ou para formar ou reconstituir reservas» a contrario,

cabe distribuição de lucros quando os prejuízos transitados possam, legalmente, ser cobertos

de outra forma. O exemplo de escola será o de a sociedade ter constituído uma reserva

facultativa destinada, precisamente, a enfrentar determinados prejuízos previsíveis:

ocorrendo estes, a sua cobertura está assegurada; os lucros podem ser distribuídos, nos

termos legais. A solução apontada aflora no artigo 33.º n.º2 CSC. Veda-se, aí, a distribuição

de lucros doo exercício, enquanto as despesas de constituição, de investigação e de

desenvolvimento não estiverem completamente amortizadas. Solução lógica: trata-se de

despesas de lançamento de sociedade; se ainda não estiverem cobertas, não há, em bom rigor,

lucros a referenciar. Todavia, a proibição cessa se o montante das reservas livres e dos

resultados transitados for, pelo menos, igual ao dessas despesas não amortizadas. O legislador

pretende, de facto, que certas despesas não sejam deixadas a descoberto, a pretexto de

distribuição de lucros. A proibição já não faz sentido, quando existam esquemas reais e

efetivos que assegurem a pretendida cobertura. O Direito das sociedades comerciais deve

traduzir o império da verdade económica e funcional: não uma área de formalismo. O artigo

33.º, n.º3 CSC proíbe a distribuição das chamadas reservas ocultas. Duas razões depõem

nesse sentido:

Sendo ocultas, as reservas escapam ao conhecimento e ao controlo dos sócios e de

credores; a sua distribuição surgiria como uma pura disposição do património social;

Não constando da contabilidade, as reservas ocultas põem em crise a verdade do

balanço e da prestação de contas, mais se agravando essa situação com a sua

distribuição.

Este preceito tem, ainda, um papel importante: a contrario, diz-nos que podem ser distribuídas

as reservas cuja existência e cujo montante figurem, expressamente, no balanço. E, a fortiori,

elas poderão ser usadas para, por exemplo, cobrir prejuízos transitados. Finalmente, o artigo

33.º, n.º4 CSC traduz um afloramento do princípio da verdade e da transparência: havendo

distribuição de reservas, seja em que termos for, a deliberação deve mencioná-lo, de modo

expresso. Como vimos, o artigo 33.º, n.º1 CSC referia a hipótese de haver reservas impostas

por lei. Encontramos agora, no artigo 295.º CSC, a imposição de tal reserva: a reserva legal.

O n.º1 desse artigo dispõe:

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«Uma percentagem não inferior à vigésima parte dos lucros da sociedade é destinada à

constituição da reserva legal e, sendo caso disso, à sua reintegração, até que aquela represente a

quinta parte do capital social. No contrato de sociedade podem fixar-se percentagens e montante

mínimo mais elevados para a reserva legal».

O regime da reserva legal é, depois, complementado pelo artigo 296.º CSC. Quadro do

regime da reserva legal é claro e preciso:

Advém de, pelo menos, 1/20 dos lucros anuais;

Até atingir 1/5 do capital social;

E só podendo ser usada para os fins do artigo 296.º CSC.

As cifras podem ser majoradas pelo pacto social: não diminuídas. O artigo 295.º CSC dispõe,

de seguida:

«Ficam sujeitas ao regime da reserva legal as reservas constituídas pelos seguintes valores:

«a) Ágios obtidos na emissão de ações ou obrigações convertíveis em ações, em troca destas por

ações e em entradas em espécie;

«b) Saldos positivos de reavaliações monetárias que forem consentidas por lei, na medida em

que não forem necessários para cobrir prejuízos já acusados no balanço;

«c) Importâncias correspondentes a bens obtidos a título gratuito, quando não lhes tenha sido

imposto destino diferente, bem como acessões e prémios que venham a ser atribuídos a título

pertencentes à sociedade».

O n.º3 explica, com diversos pontos, em que consistem os ágios referidos na alínea a):

englobam, designadamente, o chamado prémio de emissão das ações. Pergunta-se: as

reservas em causa ficam sujeitas a todo o regime legal ou apenas a parte dele? Com a seguinte

consequência prática:

Se for a todo o regime legal, as reservas facultativas elencadas no artigo 295.º, n.º2

CSC só ficariam congeladas até à ocorrência de 1/5 do capital social;

Se for parte do regime – e sendo a parte o artigo 296.º CSC –, ficariam congeladas

sem limite de montante.

Questão nem deveria pôr-se: se a lei remete para o regime legal, é obviamente todo.

Fazer amputações apenas poderá conduzir a distorções em absoluto inimputáveis a

qualquer legislador razoável, como adiante melhor se verá.

A manutenção das reservas legais: o artigo 295.º, n.º2 CSC, quando sujeita ao regime

da reserva legal determinadas reservas livres, designadamente as constituídas pelos prémios

de emissão de ações, fá-lo apenas nos limites de 1/5 do capital social e isso se essa parcela

não estiver já coberta pela reserva legal e na medida em que isso (não) suceda. E assim sucede

por várias razões, todas elas confluentes e que passamos a referenciar. Em primeiro lugar,

temos um claro elemento gramatical. O artigo 295.º, n.º2 CSC sujeita determinadas reservas

livres «ao regime da reserva legal». O artigo 295.º, n.º1 CSC indica os primeiros e mais impressivos

traços do regime da reserva legal: o modo de constituição e o montante. E é nessa sequência

que o n.º2 explicita: ficam sujeitas ao regime da reserva legal. Esse aspeto quantitativo do

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regime estava direta e necessariamente em causa, parecendo, impensável vir escamoteá-lo,

apelando apenas a aspetos mais distantes. Em terceiro lugar, um elemento sistemático. Todo

o sistema do Código aponta para um regime de mínimos, os quais são ultrapassados por

expressa disposição estatutária. Alcançados esses mínimos, a própria reserva legal

excedentária fica disponível. Não se compreende como , de modo enviesado, o legislador iria

ampliar a latere, sem limite e à custa da liberdade empresarial, as verbas congeladas. Neste

ponto, a globalidade do sistema, com apoio na autonomia privada e no espaço de liberdade

que necessariamente aflora nas sociedades comerciais, sempre exigiria a solução que

propugnamos. A hipótese inversa, por contrariedade ao sistema e a valores fundamentais,

suscitaria, inclusive, problemas de (in) constitucionalidade, a prevenir pela interpretação.

49.º - A perda de metade do capital social

Generalidades; as redações do artigo 35. CSC: o artigo 35.º CSC dispõe sobre a

eventualidade da perda de metade do capital social das sociedades comerciais. Trata-se de

um preceito muito atormentado, que obteve estudos nossos, de Paulo Olavo Cinha, de Paulo

de Tarso Rodrigues e de Alexandre Mota Pinto, entre outros. O Decreto-Lei n.º 184/87, 21

abril, introduziu no Código, um novo título VII, referente a disposições gerais e de mera

ordenação social. Contem-se, aí, o artigo 523.º, com o teor seguinte:

«O gerente, administrador ou diretor de sociedade que, verificando pelas contas de exercício estar

perdida metade do capital, não der cumprimento ao disposto no artigo 35.º, n.º1 e 2, deste Código será

punido com prisão até três meses e multa até 90 dias».

O Decreto-Lei n.º 237/2001, 30 agosto, veio atingir diversos preceitos do Código, de modo

a reduzir as exigências de escritura pública. Nesse contexto – ou antes: fora dele – dispôs, no

artigo 4.º:

«O artigo 34.º do Código das Sociedades Comerciais entra em vigor na data da entrada em

vigor do presente diploma».

NA base da vacatio comum, o artigo 35.º terá entrado em vigor no dia 5 agosto 2001: no

Continente. Por pouco tempo. O Decreto-Lei n.º 162/2001, 11 julho, modificou os artigos

35.º e 141.º CSC. Até que o Decreto-Lei n.º 19/2005, 18 janeiro, lhe veio dar um novo rosto;

este Decreto-Lei alterou, ainda, os artigos 141.º e 171.º CSC determinando o seu artigo 2.º

uma aplicação retroativa: produz efeitos desde 31 dezembro de 2004. Por fim, o Decreto-

Lei n.º 76-A/2006, 29 março, veio introduzir mais uma pequena modificação. Retirou, do

n.º1, a referência «ou diretores», de modo a adequar o preceito aos novos figurinos das

sociedades anónimas.

Aspetos críticos: a 2.ª Diretriz de Direito as sociedades aplica-se, apenas, a sociedades

anónimas aplica-se, a sociedades anónimas. Ora o artigo 35.º CSC visa todas as sociedade,

incluindo a mais modesta empresa familiar. Além disso, o artigo 35.º CSC, logo na versão

original, supera, em muito, as exigências comunitárias. Este pecado original foi purgado com

uma suspensão de 15 anos. E então, ex abrupto:

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A reforma de 2001 vem pô-lo em vigor;

A reforma de 2002 vem agravá-lo, adiando porém a sua aplicação para 2005;

A reforma de 2005 intenta resolver o problema: veremos em que termos.

A aparente falta de elementos que alicercem as reformas legislativas obriga a um maior

cuidado na interpretação e na aplicação dos dispositivos em jogo. Em especial, há que

proceder às competentes integrações sistemáticas, o que obriga a conhecer elementos

históricos, comparatísticos e europeus.

O Código Comercial: a presença, no Direito português, de dispositivos destinados a

enfrentar as perdas societárias não é novidade de inspiração comunitária. De facto, o artigo

120.º CCom 1880, relativo aos casos de dissolução das sociedades anónimas, continha um

§4.º, com o seguinte teor:

«Os credores duma sociedade anonyma podem requerer a sua dissolução, provando que,

posteriormente a época dos seus contratos, metade do capital social está perdido; mas a sociedade

oppôr-se á dissolução, sempre que dê as necessárias garantias de pagamento aos seus credores».

O transcrito preceito vigorou durante 98 anos. Foi comentado e anotado por gerações de

grandes juristas. Não deu azo a dúvidas, nem a sobressaltos. O legislador de 1888 estava

essencialmente preocupado com os credores: a ideia patente no preâmbulo de 2002! De facto,

Veiga Beirão não veio obrigar a especiais esclarecimentos aos sócios (não bastarão as regras

sobre as contas?) nem se preocupou com os devedores dos administradores (não são eles

dedutíveis?). Bastaria dar, aos credores, poderes eficazes, até ao limite requerido pela garantia

dos seus créditos. A partir daí, manda o mercado. E, obviamente, estamos perante uma típica

questão de sociedades anónimas.

A segunda Diretriz: de seguida, cumpre referir a 2.ª Diretriz do Conselho, de 13

dezembro 1976, tendente a coordenar as garantias que, para proteção dos sócios e de

terceiros, são exigidas nos Estados-Membros às sociedades no que respeita à constituição da

sociedade anónima, bem como à conservação e às modificações do seu capital social. Dessa

Diretriz interessa reter o seu artigo 17.º: de acordo com o referido preâmbulo do Decreto-

Lei n.º 262/86, esse artigo está na base do artigo 35.º CSC, aqui em estudo. Diz o artigo 17.º,

da 2.ª Diretriz em causa:

«1. No caso de perda grave do capital subscrito, deve ser convocada uma assembleia geral no

prazo fixado pelas legislações dos Estados-Membros, para examinar se a sociedade deve ser

dissolvida ou se deve ser adotada qualquer outra medida.

«2. Para os efeitos previstos no n.º1, a legislação de um Estado-membro não se pode fixar em

mais de metade do capital subscrito o montante da perda considerada grave».

Como se vê, o artigo 17.º da 2.ª Diretriz é bastante flexível, aproximando-se do esquema

alemão. Deixa grande margem ao legisladores nacionais. A grande obrigação surgida do facto

das perdas consideradas é, no fundo, a de prevenir os sócios, no local de eleição para tal

efeito: a assembleia geral.

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A previsão vigente: regressando ao Direito Português, recordemos a redação em vigor

do artigo 35.º, n.º1 CSC:

«Resultando todas contas de exercício ou das contas intercalares, tal como elaboradas pelo órgão

de administração, que metade do capital social se encontra perdido, ou havendo em qualquer

momento fundadas razões para admitir que essa perda se verifica».

Contas de exercício são as previstas no artigo 65.º, n.º1 CSC, com referência a cada exercício

anual. As contas intercalares situam-se entre as contas de exercício, podendo ser requeridas

por lei especial ou pelos estatutos ou, ainda, derivar de mera prática interna. O artigo 35.º,

n.º1 CSC prevê ainda a hipótese de fundadas razões levarem a admitir as tais perdas graves.

Não há, aqui, diversamente do que sucede no AktG alemão, um dever de indagar a existência

de tais perdas. As fundadas razões serão, assim, aquelas que se imponham ao gestor normal,

colocado na posição do gestor real. Para serem fundadas elas deverão, de todo o modo,

arrancar de umas quaisquer contas anteriores. Tudo isto traduz um alargamento em relação

à redação anterior que apenas apresentava, como referencial, as contas de exercício. Seja

como for, o artigo 35.º, n.º2 CSC, inspirando-se, desta feita, no modelo italiano, veio

esclarecer:

«Considera-se estar perdida metade do capital social quando o capital próprio da sociedade

for igual ou inferior a metade do capital social».

Abandonou-se a referência, feita na reforma de 2002, ao capital próprio constante do balanço

de exercício, uma vez que a existência das perdas pode, agora, ser apurada na base dos

balanços intercalares ou das fundadas razões. Os capitais próprios abrangem, além do capital

social, as reservas de ágio, as prestações dos acionistas, a reserva legal, as reservas livres e

outras rubricas. Na lógica da lei, haverá que lhe subtrair o passivo. Todavia, não é pacífico,

entre os peritos, o exato alcance desse capital e, designadamente, se abrange expectativas de

negócio e reavaliações. Em situações de fronteira e no silêncio do legislador, tudo dependerá

das técnicas contabilísticas utilizadas.

As consequências: verificadas as tais perdas graves (artigo 35.º, n.º1, 2.ª parte CSC):

«devem os gerentes convocar de imediato a assembleia geral ou os administradores requerer

prontamente a convocação da mesma, a fim de nela se informar os sócios da situação e de estes

tomarem as medidas julgadas convenientes».

Desde logo merece reparo a pesada redação de todo este preceito. Haveria outras formas de

exprimir o pretendido sem, num único período, incluir uma dezena de predicados. Não

caberia, aliás, a este normativo especificar o modo de convocar a assembleia geral, figura que,

de resto, só é referida, no Código, a propósito de sociedades anónimas. Além do dever de

convocação, a lei determina a ordem do dia mínima, ainda que usando uma linguagem menos

curial (artigo 35.º, n.º3 CSC). A dissolução por deliberação dos sócios opera nos termos do

artigo 141.º, n.º1, alínea b) CSC. A redução do capital social deve observar os artigos 94.º e

seguintes CSC. Tratando-se, como se trata, de cobrir perdas, ficaria dispensada a autorização

judicial (artigo 95.º, n.º3 CSC) suprimida, de todo o modo, após a reforma de 2007. A ressalva

final do capital mínimo (artigo 96.º CSC) sempre teria aplicação, sendo dispensável o final da

alínea b). Quanto à realização de entradas: a competente deliberação especificará que tipo de

prestações estarão em jogo e qual o ritmo da sua realização, dentro dos fins da lei. Os três

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pontos elencados são, apenas, pontos para deliberação dos sócios. Nenhum deles tem de ser

aprovado. Desaparece a dissolução automática, tendo, consequentemente, sido suprimida a

alínea f) do artigo 141.º, n.º1 CSC. O legislador considerou que, não havendo redução do

capital, bastaria reportar a situação das perdas graves. Donde a adenda feita ao artigo 171.º,

n.º2 CSC, de modo a obrigar, nos atos externos, a publicitar:

«o montante do capital próprio segundo o último balanço aprovado, sempre que este for igual

ou inferior a metade do capital social».

Pode não haver nenhum balanço aprovado relativo a esse tema, sendo, todavia sabido, com

fundadas razões, que se verificaram as perdas graves aqui relevantes. Além disso, não

vislumbramos qualquer exequibilidade para tal preceito. Quid iuris se os administradores não

executarem o artigo 35.º CSC? Já vimos que desapareceu a dissolução automática. E também

desapareceu o dever de propor: tudo se queda, agora, por um dever de convocar ou de fazer

convocar a assembleia geral, com uma certa ordem do dia. Paralelamente, o legislador não

tocou no artigo 523.º CSC. Perante a vigente textura do artigo 35.º CSC, esse preceito perdeu

sentido útil. Resta concluir que o atual artigo 35.º CSC pode operar como fonte de deveres

legais, para efeitos de responsabilidade civil dos administradores para com a sociedade (artigo

72.º, n.º1 CSC na parte em que refere omissões) e para com os credores sociais (artigo 78.º,

n.º1 CSC). Perante a fórmula restritiva do artigo 79.º, n.º1 CSC, ao restringir-se aos danos

diretos, queda, como via de responsabilidade perante sócios e terceiros, o apelo às normas

de proteção (artigo 483.º, n.º1, 2.ª parte CC). As hipóteses de atuação de tais remédios são

académicas.

Secção III – A comparticipação na vida societária

Subsecção I – Os acordos parassociais

50.º - Os acordos parassociais: categorias, Direito comparado

Categorias básicas: como foi referido, a comparticipação dos sócios na vida societária

constitui um dos aspetos básicos do estado em que se inserem. Aí se concretiza o seu direito

ao trabalho e ao seu direito à iniciativa privada: pessoal e económica. Um moderno Direito

das sociedades deve dar a maior atenção a este aspeto, de resto, se entrecruzam direitos

fundamentais. O Direito português contém importantes elementos para a elaboração da

inerente categoria. A comparticipação dos sócios na vida societária obedece, antes de mais,

à autonomia privada e à sua livre iniciativa. Esta processa-se, contudo, no quadro da lei, dos

estatutos da sociedade e, ainda, de determinados acordos celebrados pelos sócios: são os

chamados acordos parassociais. Os acordos parassociais são convénios celebrados por sócios

de uma sociedade, nessa qualidade; visam, além disso, regular relações societárias.

Distinguem-se, em abstrato, do próprio pacto social, uma vez que apenas respeitam aos

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sócios que os celebrem, sem interferir no ente coletivo. E distinguem-se igualmente de

quaisquer outros acordos que os sócios possam celebrar entre si por, no seu objeto,

respeitarem a verdadeiras relações societárias. Compreende-se a delicadeza da figura; através

de acordos parassociais, os sócios podem defraudar todas as regras societárias e, ainda, os

próprios estatutos. Por isso, os diversos ordenamentos têm tecido, em torno dos acordos

parassociais, múltiplos esquemas restritivos. Os acordos parassociais podem respeitar ao

exercício do direito de voto: seja no tocante a aspetos pontuais, seja no que respeita à

estratégia geral da sociedade, no âmbito da política do pessoal ou da própria empresa. Por

vezes, implicam verdadeiras deliberações prévias. Podem ainda regular o regime das

participações sociais, fixando preferências ou variados processos de alienação. Neles os

sócios podem obrigar-se a subscrever aumentos futuros de capital ou a constituir novas

sociedades complementares. Em suma: há todo um universo subjacente, que adiante

documentaremos. O tema tem grande acuidade prática e apresenta completa dignidade

científica.

Nota comparatística: normalmente, apontam-se os países anglo-saxónicos, no século

XIX, como tendo dado azo aos primeiros acordos parassociais. Esta facilidade não radica

propriamente num exacerbar do princípio da liberdade contratual: antes joga a conceção

puramente patrimonial que o Common Law tem do direito de voto (right of property). Nas

palavras atribuídas ao juiz Jesser, no século XIX, «a shareholder’s vote is a right of property which he

may use as he pleases». E, naturalmente: dá corpo a uma forte capacidade de iniciativa individual,

com o respeito pelos compromissos assumidos nesse plano. Apenas em situações-limite,

perante fraudes desenvolvidas contra acionistas minoritários, se prevê uma intervenção do

ordenamento. No tocante à experiência norte-americana, cumpre salientar que ela é, neste

particular ponto, próxima da inglesa. Ficam ressalvadas normas injuntivas, nomeadamente

as que imponham ofertas públicas de aquisição. A experiência francesa teve, no seu início e

no tocante a convenções de voto, pedra angular dos acordos parassociais, um certo

desenvolvimento. As convenções de voto foram-se implantando, na prática, mau grado a

falta de bases legais. Pouco publicitadas, elas só vinham à luz em caso de conflito grave entre

acionistas. Nessa altura, tornava-se decisivo apurar qual a sua finalidade: a jurisprudência

admitia convenções de manifesto interesse social, invalidando as puramente egoístas.

Simplesmente, enquanto na Alemanha, as exigências da concentração e da racionalização,

operando em nome do interesse social, levaram à definitiva consagração dos acordos

parassociais, em França eles ter-se-ão prestado a jogos menos claros entre acionistas. Assim,

um Decreto-Lei de 1937 veio proibir as convenções de voto. Considerado excessivo, este

preceito obrigou a cuidadas tarefas de interpretação e de aplicação judiciais. Embora em

termos restritivos, certas convenções foram sendo toleradas. A lei das sociedades comerciais

de 1966, um tanto surpreendentemente, não se pronunciou sobre o tema. Apenas no seu

artigo 440.º, n.º3, surge um preceito penal punindo com multa e prisão a pessoa que aceite

vantagens para votar ou não votar em certo sentido, tal como aquela que as conceda, com

esses mesmos objetivos. A compra de votos está, pois, vedada. A evolução manteve-se, pois,

jurisprudencial. Assim:

São válidas as convenções nos grupos de sociedades, quando mais não façam do que

lhes dar corpo e joguem no interesse social;

São nulas as convenções pelas quais o acionista se obrigue antecipadamente a votar

neste ou naquele sentido.

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De todo o modo, o Direito francês é considerado pouco remissivo em relação às convenções

de voto. Subjaz, ainda, uma conceção de voto. Subjaz, ainda, uma conceção do voto como

direito funcional, que não poderia ser exercido fora do seu quadro próprio. Documentando

a riqueza dos Direitos do Velho Continente, a experiência francesa contrapõe-se, assim,

claramente à inglesa e, como veremos, à alemã. Dentro dos Direitos continentais, a

experiência alemã é frequentemente considerada como a mais favorável aos acordos

parassociais. Contrapor-se-ia até, globalmente e nessa base, aos Direitos latinos, mais

inclinados para a proibição. Todavia, no princípio do século XX, surgiu uma orientação

contrária à admissibilidade de acordos parassociais. Mais tarde, como veremos, a

jurisprudência inverteu a sua posição. Não obstante, mantiveram-se sempre vozes contrárias

à admissibilidade de pactos parassociais. As necessidades de organização económica e uma

conceção mais marcadamente empresarial das sociedades comerciais, particularmente das

anónimas, levou a jurisprudência a admitir a validade e a eficácia de acordos parassociais.

Nesta sequência, surgiu um movimento generalizado: no sentido da admissibilidade lata das

convenções de voto. Podemos confrontar, em especial, Fischer, Tank, Reuter, Konzen,

Luter/Grunewald e Martens, cabendo mencionar, a título de tratadistas recentes, Karsten

Schmidt, Christine Windbichler, Kübler/Assmann e Raiser/Veil. Também nas sociedades

por quotas tais convenções são possíveis. Acolhidas – salvo determinadas limitações de que

abaixo daremos conta – as convenções de voto, a Ciência Jurídica alemã tiraria diversas e

importantes conclusões, quanto ao seu regime. Assim, as convenções de voto foram

consideradas suscetíveis de execução específica, quando inobservadas; por exemplo: Peters,

Erman e Loewenheim, ainda na fase de afirmação. A jurisprudência admitiu esta orientação.

Uma opção que, embora dominante, não é unânime. A latitude com que, no Direito alemão,

são admitidos os acordos parassociais corresponde à lógica empresarial tradicionalmente

imprimida à gestão das sociedades. Consegue-se, designadamente e por meio de tais acordos,

uma administração estável, mau grado a dispersão do capital. É ainda importante sublinhar

que, na prática, o direito de voto vem a ser exercido pelos bancos onde se encontram

depositadas as ações. As convenções de voto servem estratégias coerentes de gestão e não

arranjos de momento. Devem ser interpretadas de modo integrado, procedendo-se à

ordenação da jurisprudência em constelações de casos. De todo o modo, o Direito Alemão

veio apontar determinadas restrições, seja por via específica, seja, genericamente, através da

interação de grandes princípios. A primeira proibição específica surge na lei sobre sociedades

anónimas de 1964 (AktG), a propósito dos preceitos penais e contraordenacionais; sanciona

o uso do voto contra a concessão de determinadas vantagens ou seja e em termos sintéticos:

a compra do voto. Os inerentes contratos serão, naturalmente, nulos. A doutrina discute,

depois, sobre a razão de ser desta restrição. No fundamental, o exercício do direito de voto

contra vantagens iria implicar o total desvirtuamento do ente coletivo, abrindo as portas a

um controlo dissociado da titularidade do capital. E como, além disso, as vantagens iriam,

em última análise, ser conferidas à custa da sociedade, teríamos aqui uma grave fonte de

prejuízos para os outros sócios e para os credores sociais. Uma segunda proibição específica

emerge do §136(2) AktG: é nulo o contrato pelo qual o acionista se obrigue a votar de acordo

com instruções da sociedade, da direção, do conselho de vigilância ou de uma empresa

subordinada. Para além das limitações específicas, têm vindo a surgir delimitações genéricas.

Uma convenção de voto pode pôr em cheque os sócios que nela não participem. Estes,

pensando subordinar-se aos estatutos da sociedade, acabam, afinal, por depender de acordos

a que foram estranhos e que nem têm de conhecer. Em suma: as convenções de voto não

podem atentar contra os deveres de lealdade existentes entre acionistas. Trata-se de uma

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construção classicamente assente na boa fé. No fundo, cabe proclamar não se possível,

através de acordos parassociais, conseguir o que não se poderia licitamente obter pelo simples

exercício do direito de voto. Os deveres de lealdade adstringem, particularmente, os grandes

acionistas, visando a tutela dos pequenos. Eles ficam ainda em causa quando os acordos

parassociais confiram posições vantajosas a terceiros, alheios à sociedade. O Direito italiano

posterior à codificação tinha contactos estreitos com o francês. Assim, tanto a doutrina como

a jurisprudência negavam a validade de convenções de voto. Aquando da feitura do Código

Civil de 1942, o tema foi ponderado. O legislador optou por não se pronunciar: não proibiu

– apesar da tradição existente – os acordos parassociais, antes os deixando à jurisprudência.

Subsequentemente, na base da doutrina – a que não será estranho o contributo alemão – os

acordos vieram a ser admitidos, particularmente na jurisprudência. Quanto aos primeiros, o

pacto parassocial não os comportaria: ele seria irrelevante, no tocante às suas relações com a

sociedade, não permitindo, designadamente, a impugnação das deliberações sociais tomadas

em sua violação. Por essa mesma ordem de razões, não é pensável a execução específica de

um acordo parassocial. Já nas relações puramente internas, os acordos parassociais poderiam

ser admitidos. A doutrina atual distingue múltiplas possibilidades, enquanto as leis mais

recentes vêm reconhecendo o papel da figura. Foi pioneiro, nesse sentido, o texto único da

intermediação financeira, numa evolução rematada pela reforma das sociedades de 2003,

introduzida no Código Civil. Muito significativa, nesta caminhada do Direito italiano, quer

pela evolução em si, quer por tocar num ponto sensível do moderno Direito das sociedades,

foi a alteração do Código Civil levada a cabo pela reforma societária de 2003. Foi, então,

introduzida no Código uma nova secção intitulada dos pactos parassociais, com dois artigos:

constituem a primeira referência feita, na lei fundamental, à figura que ora nos ocupa. Tem

essa nova secção dois artigos que cumpre divulgar. Uma noção geral consta do artigo 2341.º

bis - pactos parassocias:

«Os pactos, estipulados por qualquer forma, com o fim de estabilizar a titularidade ou o

governo das sociedades, que:

«a) Tenham por objeto o exercício do direito de voto nas sociedades por ações ou nas

sociedades que as controlem;

«b) Ponham limites à transferência de ações respetivas ou de participações na sociedade

que as controlem;

«c) Tenham por objeto ou como efeito o exercício também conjunto de uma influência

dominante sobre tais sociedade.

«não podem ter uma duração superior a cinco anos e entendem-se estipulações por essa duração

ainda que as partes lhes tenham previsto uma duração superior; os pactos são renováveis quando

caduquem.

«Quando o pacto não preveja um limite de duração, qualquer das partes tem o direito de

rescisão com um pré-aviso de seis meses.

«As disposições deste artigo não se aplicam aos pactos instrumentais e aos acordos de

colaboração na produção ou na troca de bens ou serviços e relativos a sociedades inteiramente

possuídas pelos participantes no acordo».

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Trata-se de uma inovação importante, de 2003, devidamente saudada pela doutrina. De

seguida, foi introduzido no Código Civil um segundo preceito – o artigo 2341.º ter – também

importante. Dispôs, sob a epígrafe publicidade dos pactos parassociais:

«Nas sociedades que recorram ao mercado de capitais de risco, os pactos parassociais devem

ser comunicados à sociedade e declarados no início de cada assembleia. A declaração deve ser

transcrita na ata e esta deve ser depositada na conservatória do registo das empresas.

«No caso da falta de declaração prevista no parágrafo anterior, os possuidores das ações a

que se refira o pacto parassocial não podem exercitar o direito de voto e as deliberações adotadas

com o seu voto determinante são impugnáveis nos termos do artigo 2377».

Este novo preceito visou prosseguir a transparência no governo das sociedades, impondo

publicidade. Esclareça-se que as sociedades que recorram ao capital de risco são, segundo o

artigo 2325.º bis, as sociedades emitentes de ações cotadas em mercados regulamentados ou

dispersas pelo público em medida revelante. Estamos, assim, perante uma norma mobiliária,

de que se espera um novo fluxo, no aprofundamento do tema.

51.º - Os acordos parassociais no Direito português

A experiência anterior ao Código das Sociedades Comerciais: a expressão

acordo parassocial terá sido introduzida, entre nós, por Fernando Galvão Teles, retomando

Oppo, em 1951. Pouco tempo depois, discutiu-se o problema da validade dos contratos

parassociais a propósito da Sociedade Industrial de Imprensa, SARL: o acórdão da Relação

de Lisboa de 18 maio 1955 pronunciou-se pela sua invalidade. Nesse caso, houve diversos

pareceres. Pronunciam-se pela invalidade Barbosa de Magalhães, Cavaleiro de Ferreira e

Fernando Olavo, enquanto Manuel de Andrade e Ferrer Correia tomaram posição inversa.

A jurisprudência manteve-se desfavorável aos acordos parassociais. A falta de apoio legal e a

orientação doutrinária dominante explicam esta opção negativista. A ela não terá sido

estranha a influência, então marcante, da literatura jurídica francesa. Entretanto, alguma

doutrina ia assumindo uma posição mais permissiva. Com antecedentes em Manuel de

Andrade e Ferrer Correia, Vaz Serra, Mário Raposo, Amândio de Azevedo e Pinto Furtado

vieram a adotar orientações favoráveis aos acordos parassociais. Importante foi, ainda, a

opção de Vasco Lobo Xavier, em benefício dos pactos.

O Direito vigente; apreciação crítica: o Código das Sociedades Comerciais, de 1986,

veio admitir genericamente os acordos parassociais. Fê-lo nos seguintes termos (artigo 17.º

CSC):

«1 – Os acordos parassociais celebrados entre todos ou entre alguns sócios pelos quais estes,

nessa qualidade, se obriguem a uma conduta não proibida por lei tem efeitos entre os

intervenientes, mas com base neles não podem ser impugnados atos da sociedade ou dos sócios

para com a sociedade.

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«2 – Os acordos referidos no número anterior podem respeitar ao exercício do direito de voto,

mas não à conduta de intervenientes ou de outras pessoas no exercício de funções de

administração ou de fiscalização.

«3 – São nulos os acordos pelos quais um sócio se obrigue a votar:

«a) Seguindo sempre as instruções da sociedade ou de um dos seus órgãos;

«b) Aprovando sempre as propostas feitas por estes;

«c) Exercendo o direito de voto ou abstendo-se de o exercer em contrapartida de

vantagens especiais».

Este preceito foi inspirado no AktG alemão e na Proposta de Quinta Diretriz6. O n.º3 é,

mesmo, uma tradução literal do seu artigo 35.º da aludida proposta, na versão de 19837. O

artigo 17.º CSC admite os acordos parassociais. Com isso, altera a orientação antes prevalente

de os considerar excluídos, por falta de base legal. Todavia - e desviando-se, neste ponto, do

Direito alemão – o n.º1 desse preceito apenas lhes confere uma eficácia obrigacional:

produzem efeitos entre os sócios intervenientes e, na sua base, não podem ser impugnados

atos da sociedade ou de sócios para com a sociedade. Retiramos ainda daqui que não é

possível – contra o que vimos ocorrer no Direito alemão – a execução específica de acordos

parassociais. Repare-se: o voto tem efeitos societários: não meramente obrigacionais. Admitir

uma ação de cumprimento (que teria aqui, de ser uma execução específica, já que o voto é

uma declaração de vontade que, não sendo emitida pelo próprio, teria de o ser pelo tribunal)

seria conferir, ao acordo parassocial, uma eficácia supra partes. O Direito alemão admite-o; o

Direito português não. Em geral, o legislador do artigo 17.º CSC não foi feliz. A sanha

tradutora e a subserviência perante textos comunitários têm impedido a gestação de um

pensamento jurídico nacional: a realidade sócio-económica não será idêntica à de Além-Reno.

O Direito comparado mostra que, na Alemanha, os acordos parassociais são úteis: permitem

dar coerência ao funcionamento das sociedades, num País onde se assiste a uma pulverização

do capital social. Já nos países latinos, os acordos parassociais traduzem, muitas vezes,

esquemas de controlo do poder ou de take over, à margem dos minoritários. As leis latinas

têm sido prudentes quanto à sua admissibilidade. O súbito entusiasmo pró-acordos

parassociais poderá ser menos adequado. Assim, ele foi compensado pela relativização dos

acordos. Eles são admitidos, mas com uma eficácia contida inter partes. O funcionamento da

sociedade não pode ser diretamente perturbado. Além disso, o acordo parassocial não

comporta execução específica: a isso se opõe a natureza das obrigações assumidas. Querendo

6 A matéria dos acordos parassociais mereceu a atenção da Proposta de 5.ª Diretriz, relativa a sociedades comerciais, de 19 agosto 1983, ligeiramente modificada em 1989. Segundo o artigo 35.º da Proposta, última versão:

«São nulas as convenções pelas quais um acionista se compromete: «a) A votar segundo instruções da sociedade ou do seu órgão de administração, de direção ou de fiscalização; «b) A votar aprovando sempre as propostas feitas por estes; «c) Ou, em contrapartida de vantagens especiais, a exercer o direito de voto num determinado sentido ou, pelo contrário, a abster-se».

O artigo transcrito reflete a influência alemã. 7 Mau grado a existência de regras duvidosas nesta Proposta, em especial a primeira – facilmente criticável: afinal, bastaria que as instruções fossem dadas por um terceiro, para se contornar a proibição –, e o facto de a Proposta da 5.ª Diretriz não estar perto da aprovação, o legislador português, adotou-a, praticamente ad nutum, neste artigo 17.º CSC. Trata-se de um insólito referido, como curiosidade, em autores estrangeiros (v. Pier Giusto Jaeger).

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conferir uma eficácia absoluta aos acordos parassociais, as partes têm, todavia, um caminho

em aberto: o de estabelecer pesadas cláusulas penais. Cabe agora aos tribunais, através do

exercício prudente e criterioso da faculdade de redução, equitativa (artigo 812.º CC),

moralizar esse procedimento, lícito à partida. No tocante às sociedades abertas, o CVM

inseriu uma norma da maior importância. O seu artigo 19.º, n.º1 CVM determinou que os

acordos parassociais que visem adquirir, manter ou reforçar uma participação qualificada em

sociedade aberta ou assegurar ou frustrar o êxito de oferta pública de aquisição devem ser

comunicados à CMVM por qualquer dos contraentes no prazo de três dias após a sua

celebração. A CMVM poderá determinar a publicação total ou parcial do acordo (n.º2). Por

fim, o n.º5 considera anuláveis as deliberações sociais tomadas na base de acordos não

comunicados ou não publicados, salvo se os votos em causa não tiverem sido determinantes.

Modalidades; os sindicatos de voto; garantias: os acordos parassociais podem

ter objetos diversificados: as classificações abundam, nas obras da especialidade. A principal

classificação distingue:

Acordos relativos ao regime das participações sociais: podem regular os mais diversos aspetos

relativos a elas – e, em especial, às ações. Particularmente em causa estará o regime

da sua transmissão, sendo de relevar:

o Proibições de alienação: absolutas, temporárias ou fora de um determinado

círculo de pessoas – normalmente, as que hajam subscrito o acordo;

o Direitos de preferência mútuos, com regulações mais ou menos explícitas,

sobre o seu exercício;

o Direitos de opção, na compra ou venda das participações sociais;

o Obrigações de subscrição de determinados aumentos de capital;

o Obrigações instrumentais, quanto ao manuseio de ações ou dos títulos que

as representem.

Por vezes, designadamente quanto a preferências, as partes atribuem eficácia real ao

negócio. Será um ponto a referir caso a caso, perante o regime das quotas e das ações;

Acordos relativos ao exercício do direito de voto: dos mais variados teores, podem implicar

três grandes tipos:

o As partes predeterminam, no próprio acordo, o sentido do voto, em termos

concretos: na reunião A, votar-se-á a proposta B;

o As partes obrigam-se a uma concertação futura, relativa a determinado tipo

de assuntos; fica entendido que eles não serão aprovados se, ambas (ou todas)

não estiverem de acordo; é a concertação por unanimidade;

o As partes obrigam-se a reunir em separado, antes de qualquer assembleia

geral, de modo a concertar o voto; aí, poderá prevalecer a opinião da maioria,

ficando a minoria obrigada a votar com ela;

Acordos relativos à organização da sociedade: implicam um misto de regime das

participações e de sindicato de voto. Temos, também aqui, as mais diversas hipóteses,

acordadas na prática:

o As partes adotam um plano para a empresa e comprometem-se a pô-lo em prática;

ficam implicadas votações concertadas em assembleia geral, indicações ou

eleições de administradores de confiança e, até, influências extrassocietárias;

o As partes repartem os órgãos societários; posto isto, votam todas, de modo

concertado;

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o As partes obrigam-se a investir, aumentando – obrigando-se a votar nesse

sentido – o capital e subscrevendo-o;

o As partes obrigam-se a enfrentar um concorrente: não lhe alienando ações,

isolando-o na assembleia (ou no conselho de administração, quando lá

chegue, por via do artigo 392.º CSC) ou acompanhando os seus movimentos

(entenda-se: dentro da sociedade e no que seja oficial e público);

o As partes obrigam-se a prever certas auditorias internas ou externas, votando

nesse sentido.

Modalidade de acordo parassocial é, ainda, a dos acordos omnilaterais. Trata-se de acordos

subscritos por todos os sócios e que assumiriam um especial relevo quando incompatíveis

com os estatutos. Nessa eventualidade, que não poderia atingir os interesses de terceiros,

haveria como que uma desconsideração (levantamento) da personalidade, para efeitos

internos. Noutros planos, têm sido considerados acordos de Joint-venture, convenções de

pool, designadamente familiares, acordos de voto isolados, convenções de tutela, de

consórcio e de colaboração e acordos de investimento, que podem abranger todos ou alguns

sócios. A tendência é para alargar o leque, impondo, todavia, publicidade. Acontece, muitas

vezes, que as partes preveem a obrigação de confidencialidade: não dão a conhecer a

existência do acordo. O artigo 19.º CVM obriga, como vimos, à comunicação e à publicação

dos pactos relativos às sociedades abertas. Mas não de todos: apenas os que visem adquirir,

manter ou reforçar uma participação qualificada em sociedade aberta ou assegura o frustrar

o êxito da OPA; torna-se, assim, operação de engenharia jurídica ladear esses âmbitos. Além

disso, fica o campo das sociedades não abertas, para o proliferar de pactos secretos: só se

tornam, em regra, públicos, quando se discuta a sua violação. Não vemos inconveniente em

que haja confidencialidade nos negócios, dentro dos limites da lei. Estes devem ser

ressalvados em qualquer contrato. A violação da confidencialidade obriga a indemnizar, salvo

o que abaixo se dirá sobre as garantias. Os acordos parassociais são, por vezes, dotados de

garantias poderosas. Temos, como exemplos:

O depósito das ações em contas de garantia – escrow accounts;

Cláusulas de rescisão, com ou sem pré-aviso;

Cláusulas penais.

Também é frequente a inserção de convenções de arbitragem: pretende-se uma justiça rápida

e eficaz: é evidente que um processo de anos para discutir um acordo parassocial nada tema

ver com a realidade das sociedades e da vida económica. Todavia, a arbitragem atravessa,

em Portugal, uma crise inacreditável. Generalizou-se, entre alguns juristas, a ideia de que a

arbitragem só vale se ganharem. Perdendo – mesmo que sem direito a recurso – tudo vale:

ações de nulidade do acórdão arbitral, ainda que sem fundamento, recursos não previstos na

lei e puro e simples inacatamento do decidido. Direito e Ética profissional terão de se ligar,

para pôr cobro a este insólito lastimável. Ou, noutros termos: a arbitragem é uma instância

para cavalheiros.

A exclusão da administração e da fiscalização: o artigo 17.º CSC, para além de

admitir os acordos parassociais, impondo a sua relatividade, contém determinadas restrições.

Assim, o seu n.º2 é lapidar dizendo que os acordos parassociais não podem respeitar à

conduta de intervenientes ou de outras pessoas no exercício de funções de administração ou

de fiscalização. A administração e a fiscalização ficam fora do universo aberto aos acordos

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parassociais. Quando muito, poderíamos admitir que o acordo visasse aspetos que, sendo da

competência da assembleia geral, pudessem refletir-se na administração e fiscalização: e

poucos serão, no caso das sociedades anónimas, visto o artigo 373.º, n.º3 CSC. A razão

dogmática do artigo 17.º, n.º2 CSC parece clara. As sociedades comerciais submetem-se a

um princípio de tipicidade (artigo 1.º, n.º3 CSC). As sociedades regem-se pelo pacto social

(artigo 9.º CSC) sujeito a reconhecimento das assinaturas das partes (artigo 7.º, n.º1 CSC) e

adquirem personalidade pelo seu registo (artigo 5.º CSC). Assim ficam acautelados os

interesses dos sócios, de terceiros e de toda a comunidade. As alterações ao pacto dos sócios,

de terceiros e de toda a comunidade. As alterações ao pacto passam, novamente, pelo crivo

da escritura e do registo, com diversas instâncias de fiscalização. Admitir acordos parassociais

com incidência na administração e na fiscalização equivaleria a permitir, a latere, uma

organização diferente da do pacto social. A tipicidade societária perderia sentido, uma vez

que a verdadeira orgânica seria parassocial. Além disso, seriam iludidos todos os preceitos

relativos ao pacto social e às suas alterações: escritura, registo e diversas fiscalizações. O

Direito é um todo coerente. A limitação do artigo 17.º, n.º2 CSC faz sentido. Todavia, ela

pode ser facilmente contornável e vai ao arrepio do Direito comparado. Não podemos

penalizar as já depauperadas empresas portuguesas, perante as concorrentes estrangeiras.

Preconizamos, assim, uma interpretação cuidada e restritiva, caso a caso. Neste ponto como

noutros, é importante que o legislador nacional, antes de intervir nas sociedades, se

documente no terreno e nos Direitos concorrentes. Ele deverá ainda, a uma Justiça conceitual,

somar preocupações de progresso económico e social.

Outras restrições: o artigo 17.º, n.º3 CSC, retomando o artigo 35.º da Proposta de Quinta

Diretriz e o §136.º (2) AktG alemão, veio, nas suas alíneas a) e b), proibir os acordos segundo

os quais o sócio deveria votar seguindo sempre as instruções dos órgãos sociais ou aprovando

sempre as propostas por eles feitas. No fundo, os sócios delegariam os seus votos,

materialmente, nos órgãos sociais, os quais tomariam as decisões substantivas. Várias razões

foram decantadas, no Direito alemão, para justificar esta proibição. A delegação do sentido

do voto nos órgãos sociais equivale à dissociação entre o capital e o risco: tudo se passaria

como se a sociedade, à margem do permitido, detivesse ações próprias. Mais importante nos

parece o facto de, por esta via, se contornar, novamente, o princípio da tipicidade societária:

o acordo parassocial iria estabelecer uma orgânica paralela, à margem da oficial. A evolução

das sociedades anónimas mostra que o sistema de reconhecimento automático teve como

contrapeso a divisão dos poderes dentro da sociedade e o estabelecimento de instâncias de

fiscalização. Tudo isto de perde quando o sentido do voto passe a ser dimanado pela

sociedade ou pelos seus órgãos. A proibição dos acordos de delegação é importante e

corresponde a dados estruturantes do sistema. Apenas teremos de interpretar restritivamente

as locuções sempre (alíneas a) e b) do n.º3 do artigo 17.º CSC) sob pena de tirar qualquer

alcance prático aos preceitos. O artigo 17.º, n.º3, alínea c) CSC proíbe os acordos pelos quais

alguém se comprometa a votar (ou a não votar) em certo sentido, mediante vantagens

especiais. Trata-se da proibição da chamada compra de votos, exarada nos Direitos francês

e alemão. O preceito justifica-se pela necessidade de fazer corresponder o risco à detenção

do capital. De outro modo, a autocontenção subjacente às sociedades modernas perder-se-

ia. Além disso, estaria aberta a porta aos mais graves atentados ao interesse social, isto é, ao

interesse comum dos sócios, garantia do interesse geral. A doutrina explica que estão em

causa quaisquer vantagens especiais, desde que operem como conexão, direta ou indireta, do

voto. Elas nem teriam de apresentar natureza patrimonial. Também é seguro que a vantagem

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pode resultar de um acordo mais vasto. Trata-se, agora, de interpretar o acordo parassocial,

no seu conjunto, de modo a , dele, retirar a eventual concessão de vantagens, a troco do voto.

Os acordos parassociais na prática societária portuguesa: os acordos

parassociais têm uma grande importância prática, particularmente a nível de grandes

empresas. Assumem várias funções, embora com especificidades nacionais. Vamos apontar

três motivos, os quais jogam, muitas vezes, em conjunto:

As reprivatizações: dirigem-se, em geral, ou a pequenos investidores praticamente

interessados apenas em mais valias esperadas ou a grupos descapitalizados de

potenciais gestores. Essa descapitalização teve a ver com as crises sucessivas dos anos

70 e 80 e com as nacionalizações de 1975, pouco ou nada indemnizadas. Além disso,

por razões quiçá ideológicas, as reprivatizações – ou algumas delas – previam uma

dispersão do capital, procurando manter o poder empresarial em gestores afetos ao

Estado ou a máquinas partidárias. O remédio possível para tudo isto residia no

agrupamento parassocial dos interessados, como modo de contrabalançar a dispersão

nominal do capital. Os pactos ficariam, naturalmente, no limite da legalidade;

A fraqueza económico-financeira de muitos participantes: decorre do que foi dito e, ainda, da

debilidade do mercado mobiliário: torna-se difícil captar para a bolsa as pequenas

poupanças, numa dificuldade que a burocracia reinante se encarregou de agravar.

Também aqui a associação dos interessados pode ser compensadora;

A recomposição mobiliária: pode requerer novas aquisições, permutas e alienações

programadas: os acordos parassociais dão corpo a tudo isso.

Na prática das empresas surgem, muitas vezes, acordos parassociais à margem do estrito

esquema do artigo 17.º CSC. Os desvios mais comuns são os seguintes:

Acordos parassociais que incluem cláusulas que nada têm a ver com a sociedade em

jogo;

Acordos parassociais em que intervêm não sócios, normalmente para adquirirem

opções de compra ou para as mais variadas combinações relacionadas com a

sociedade em jogo;

Acordos parassociais subscritos, também, pela própria sociedade cujos sócios se

concertam.

Deve ficar bem claro que estamos no Direito Privado. A liberdade contratual prevista no

artigo 405.º CC tem, aqui, direta aplicação. Nada impede as partes de celebrar contratos

mistos, que incluam elementos parassociais e, ainda, outros elementos típicos de outros

contratos, em como elementos totalmente originais. Os acordos parassociais atípicos não

podem, de modo algum, ser invalidades. Há, tão-só, que interpretá-los, reconstituindo a

vontade relevante das partes. Apenas quando se mostrem violadas normas imperativas, se

poderá questionar a sua validade. Os acordos parassociais estão pouco representados nas

decisões dos nossos tribunais. De facto o essencial da litigiosidade parassocial tem sido

submetida a instâncias arbitrais. E a esse nível as partes evitam, muitas vezes, qualquer

publicidade.

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Subsecção II – O direito à informação

52.º - Dogmática geral do direito à informação

A informação em Direito: o artigo 21.º, n.º1, alínea c) CSC, inclui, entre os direitos dos

sócios, o de obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato. O

termo lei refere-se, na realidade, ao Direito e à sua Ciência. Temos, pois, todo um vasto

campo, encoberto sob o direito à informação. À partida, devemos ter presente que o Direito

das sociedades é um Direito relativo a bens imateriais. Poderemos conceber sociedades muito

simples, em que os diversos sócios acompanhem, no momento, o desenrolar das atuações

societárias, atuações essas que , para mais, se reduziriam a operações de tipo material sobre

coisas corpóreas. Em regra, porém, isso não ocorre. O sócio, mesmo interessado, não pode

(nem deve: seria um embaraço) acompanhar, ponto por ponto, o que faz a sua sociedade.

Além disso, esta envolve-se numa teia de obrigações e de direitos, para com terceiros, que

não são percetíveis pelos sentidos. E tão-pouco são tangíveis as variadíssimas situações que

possam envolver o próprio sócio e que relevem para a sociedade. O Direito das sociedades

só funciona através de intrincada e permanente rede de informações, trocadas com a maior

naturalidade entre todos os intervenientes. De resto, isso sucede em boa parte das situações

jurídicas, assentes em vínculos imateriais. O Direito das sociedades fica incluído nesse

universo, assumindo as informações diversos papeis. A omnipresença das informações tem

levado o Direito a descurar a sua análise. Trata-se de algo pressuposto e que todos conhecem,

independentemente de quaisquer considerações dogmáticas. Todavia: a presença de

específicos esquemas destinados a proporcionar informações societárias e, ainda, o facto de

a informação – como todo o direito – não poder ser absoluta, leva o Direito das sociedades

a providenciar esquemas explícitos, no Direito privado. Os quadros subsequentes não são,

de resto, específicos para o Direito das sociedades embora, aí, tenham uma especial razão de

ser. A dogmática da informação é preenchida, fundamentalmente, com uma ponderação de

diversas classificações de deveres: dão uma ideia imediata sobre vários parâmetros do seu

regime. Retemos, designadamente, distinções com base nos seguintes critérios:

1. A base jurídico-positiva: Quanto à base jurídico-positiva, os deveres de informação

podem resultar:

De regras estritas indeterminadas: ocorrem institutos carecidos de

concretização: por exemplo, o dever de informar pré-contratual, assente na boa

fé (artigo 227.º, n.º1 CC) ou o dever de informar na pendência do contrato,

derivado da mesma bona fides (artigo 762.º, n.º2 CC);

De regras estritas: temos prescrições de informação que definem deveres à parte

(mais) densos. Na hipótese das regras estritas, logo se impõe uma subdistinção:

o Regras estritas comuns: cobrem uma generalidade indeterminada de situações

hipotéticas: tal obrigação predisposta nos artigos 573.º e seguintes CC.

o Regras estritas especiais: impõem-se mercê de normas jurídicas destinadas a

contemplar situações regulativas próprias de setores delimitadores. Assim

sucede com o artigo 75.º, n.º1 RGIC, para o setor bancário e com o citado

artigo 21.º, n.º1, alínea c) CSC, para as sociedades comerciais, ou o artigo

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417.º CPC, para o domínio processual. O regime geral dos artigos 573.º e

seguintes CC, é importante: ele terá aplicação, em todas as situações

relevantes, em termos de informação, sempre que lei especial não imponha

regime diverso. Trata-se de um regime simples e evidente:

Alguém tem de ter uma dúvida fundada quanto à existência ou ao

conteúdo de um direito – o direito de base – estando outrem em

condições de prestar informações necessárias.

Podendo o direito efetivar-se por via judicial, se não for

espontaneamente acatado;

2. A fonte: será, aqui, o facto jurídico que dê azo ao dever de informação. Na origem

encontramos, inevitavelmente: um direito duvidoso, quanto à existência ou ao teor e

alguém em posição de esclarecer. Quem saiba tudo não carece de informação, assim

como quem não saiba, não pode informar. Tempos, porém, uma contraposição

interessante:

O facto específico: corresponderá a uma precisa eventualidade que gere o dever

de informar: por exemplo, a ocorrência de negociações pré-contratuais ou o

evento de feição incerta que acione certas regras;

O status: é uma qualidade geral do sujeito que o habilita a colher informações.

Neste caso, o beneficiário poderá ficar isento de provar os concretos elementos

que fundariam o direito à informação: é o que sucede com o sócio.

3. O conteúdo: o dever de informação poderá assumir as mais variadas feições: tudo

depende do teor da comunicação a veicular. De todo o modo, são possíveis ordenações

e, designadamente, as que distingam:

Deveres de informação substanciais: o obrigado está adstrito a veicular a

verdade que conheça, descrevendo-a de modo compreensível e explícito. Assim,

na boa fé in contrahendo, o visado deverá descrever correta e cabalmente a situação

que conheça;

Deveres de informação formais: compete ao obrigado tão-só transmitir

elementos prefixados ou, se se quiser, informação codificada. Na informação aos

sócios, poderá (por hipótese) haver apenas que lhes entregar as contas: já não cabe

ao informador (para o caso: a própria sociedade) dar lições de contabilidade;

Podemos estabelecer uma tendencial relação inversa entre a substancialidade de uma

informação e a sua precisão inicial: quanto mais precisa for a comunicação, mais

formal é o seu cumprimento;

4. A determinação: cumpre contrapor:

A autodeterminação: cabe ao próprio obrigado, à medida que a situação progrida,

fixando os termos a informar e a matéria a que eles respeitem; no limite, só ele

estará em condições de poder precisar o universo sobre que deverá recair a

informação; à

Heterodeterminação: compete ao interessado definir a matéria sobre que deseja

ser informado. Assim: as informações a favorecer pelos administradores das

sociedades anónimas, aos sócios e em assembleia geral (artigo 290.º, n.º1 CSC);

5. A inserção sistemática: a informação pode tomar corpo:

Em prestações principais: perante um vínculo destinado a informar, seja ele

contratual ou legal, a informação integra a prestação principal. Por exemplo: o

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contrato destinado, precisamente, a informar ou o dever legal de informar previsto

no artigo 573.º CC;

Em prestações secundárias: em situações mais amplas que integrem,

estruturalmente, informações, estas preenchem o conteúdo de prestações

secundárias: o contrato de engenharia financeira ou o status de sócio, como

exemplos contratual e legal, respetivamente;

Em deveres acessórios: que podem acompanhar quaisquer vinculações, legais

ou contratuais, ex bona fide. A materialidade do ordenamento exigirá informações.

Esta classificação articula-se, ainda, com a contraposição dos deveres de informar

contratuais e legais.

Ocorrem, ainda, classificações específicas do Direito das sociedades: encontrá-las-emos a tal

propósito.

Aspetos evolutivos e configuração nas leis sobre sociedades; ordenação:

O dever de informar e a dogmática geral da informação parecem ter um teor de apreensão

fácil. Todavia, correspondem a um exercício muito forte de abstração, apenas possível

perante um desenvolvimento acentuado da Ciência do Direito. Tradicionalmente: o Direito

não se reportava diretamente a deveres de informar mas, apenas, a atuações materiais donde

a informação poderia fluir. Atendemos, por exemplo, em diversos preceitos, hoje revogados

do Código Veiga Beira: artigos 118.º, 155.º e 189.º. Os referidos artigos eram examinados

sem conexão com um dever geral de informação; essa sua integração operaria apenas perante

os quadros do Código das Sociedades Comerciais. No Direito das sociedades comerciais, o

direito dos sócios à informação desenvolveu-se, em especial, do domínio das sociedades

anónimas. Por um lado, é o setor societário mais evoluído e que serviu, de resto, como grande

matriz para todo o ramo jurídico-científico que ora nos ocupa. Por outro, é precisamente nas

sociedades anónimas que a distanciação entre o sócio e a sociedade e que a própria

imaterialidade das situações mais requer, em termos informativos. De todo o modo, não

oferece dúvidas o facto de o dever de informar se impor nos diversos tipos sociais. Trata-se,

além disso, de um fenómeno conhecido noutras áreas jurídicas; a sua dogmatização constituía,

seguramente, um fator de progresso e de aperfeiçoamento. O seu estudo mantém-se, porém,

algo disperso. O Direito à informação encontra-se disperso por várias fontes legais. Assim e

sem preocupação de exaustividade, cumpre referir:

Artigo 998.º, n.º1 CC: os sócios têm, injuntivamente, o direito de obter dos

administradores as informações de que necessitem sobre os negócios das sociedades,

de consultar os documentos a eles pertinentes e de exigir a prestação de contas;

Artigo 21.º, n.º1, alínea a) CSC: direito (geral) de obter informações sobre a vida da

sociedade;

Artigos 35.º, n.º1, 65.º e 66.º CSC: dever de relatar a gestão, com determinados

elementos;

Artigos 91.º, n.º2, 94.º, 98.º a 101.º, 119.º, 120.º e 132.º CSC: deveres de informação

relacionados com alterações do capital, fusões e cisões e transformações de

sociedades;

Artigos 146.º, n.º2, 152.º, n.º1, 155.º e 157.º CSC: deveres de informação cometidos,

direta ou indiretamente, aos liquidatários;

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Artigos 181.º, 214.º a 216.º e 288.º a 293.º CSC: direito à informação nas sociedades

em nome coletivo, por quotas e anónimas, respetivamente.

Há, ainda, que lidar com regras específicas referentes à gestão e à fiscalização de diversos

tipos sociais. Estas normas surgem algo tópicas: muito ligadas aos problemas que as vieram

a ocasionar. Podemos proceder à sua ordenação em função de vários critérios e nos termos

que seguem. A informação pode ser:

Ordinária: quando tenha a ver com a gestão comum da sociedade e com os negócios

que não caiam sob específicas previsões de informar;

Extraordinária: sempre que se reporte a hipóteses específicas: reduções ou

aumentos de capital, fusões, cisões ou transformações de sociedades: todas essas

eventualidades obrigam a específicas informações.

Com base no ensejo, relativamente à tomada de decisões, podemos distinguir:

A informação permanente: prestada a todo o momento, a pedido do sócio, ela

prevalece nas sociedades de pessoas;

A informação prévia: ocorre antes de cada assembleia geral, como prelúdio para uma

deliberação esclarecida; prevalece nas sociedades de capitais;

A informação em assembleia: efetivada em plena assembleia, como modo de instruir

o debate; normalmente têm-se em vista as sociedades anónimas; todavia, também se

aplica às sociedades por quotas.

Estes tipos de informação tomam corpo, quanto às sociedades anónimas, nos artigos 288.º,

289.º e 290.º, respetivamente.

Tipos de informação consoante o acesso; a informação pública: nem

sempre os assuntos relativos às sociedades podem, ad nutum, ser dados a conhecer a todos os

sócios. Basta ver que a sociedade poderá ser detentora de segredos vitais: científicos,

tecnológicos, estratégicos, comerciais ou pessoais, como exemplos. Por outro lado, a

qualidade de sócio pode ser totalmente circunstancial ou passageira: bastará adquirir em bolsa,

uma ação. Por isso, o Direito dos diversos países, com recurso a vários esquemas técnico-

legislativos, procura fixar círculos ou âmbitos de acessibilidade de informações societárias,

consoante as pessoas que a elas tenham acesso. A matéria tende a ser desenvolvida com base

nas sociedades anónimas: aquelas que, pela sua natureza e pelo relevo que assumem, mais

informações poderão ter para dar. Caso a caso haverá, depois, que ponderar a sua

aplicabilidade aos outros tipos societários e às próprias associações. A benefício de inventário,

vamos adiantar a existência de quatro círculos de matéria informativa societária, ordenados

em função do acesso que a eles se tenha:

Informação pública: é disponibilizada a todos os interessados, sócios ou não sócios.

Ela resulta do registo comercial e das publicações obrigatórias, nos termos acima

apontados. Ela poderá ainda ser disponibilizada ao balcão de sociedades que tenham

estabelecimentos abertos ao público e nos quais se transacionem valores que tenham

a ver com a própria sociedade, ou produtos para os quais certas características da

sociedade possam ter relevo. Por exemplo: saber se determinada agência de viagens

é uma sucursal de uma multinacional da especialidade.

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Informação reservada: é a que assiste aos sócios, devendo ser colhida nos termos

da lei e do contrato, nas palavras do artigo 21.º, n.º1, alínea c) CSC. Tendencialmente,

ela deveria assistir a todos os sócios: porém, a extrema dispersão do capital de certas

sociedades anónimas, que poderia colocar algumas dezenas de milhares de pessoas

em condições de pedir informações, com grandes custos para a própria sociedade,

levou a limitar, nas anónimas, alguma informação reservada, aos detentores de 1%

do capital social – artigo 288.º, n.º1 CSC.

Informação qualificada: assiste apenas a sócios que detenham posições mais

consideráveis no capital da sociedade: participações ditas qualificadas. É o que sucede

com as sociedades anónimas, onde, para aceder a certos elementos, se requerem 10%

do capital social agrupado (artigo 291.º CSC) ou com as sociedades por quotas, onde,

em princípio, todas as participações são consideradas, para este efeito, qualificadas

(artigo 214.º CSC). A informação qualificada mergulha mas funda na vida da

sociedade.

Informação secreta: pura e simplesmente, não pode ser disponibilizada aos sócios.

Trata-se, fundamentalmente, de informação sujeita a sigilo profissional ou de

informação que, a ser divulgada, poderia prejudicar os sócios ou a própria sociedade.

A informação corrente; limites: tradicionalmente, a informação societária tinha a ver

com o acesso às contas e à escrituração da sociedade. Nessa linha depunham os revogados

artigos 118.º e 119.º Código Veiga Beirão. Hoje, o artigo 21.º, n.º1, alínea c) CSC, limita-se a

referir informações sobre a vida da sociedade: parece estarmos, com clareza, perante um

âmbito mais vasto do que previsto em 1888. Mas o que se ganhou em amplidão perdeu-se

em clareza: o que entender por vida da sociedade, tomada em sentido lato, pode ligar-se à

vida particular dos administradores e, ate, dos quadros e demais colaboradores: tudo isso é

suscetível de interferir nos negócios sociais. O artigo 288.º CSC, relativo ao direito mínimo

à informação, no âmbito das sociedades anónimas, indica, no seu n.º1, o seguinte objeto da

informação, acessível aos acionistas que tenham, pelo menos, ações representativas de 1%

do capital social8:

a) Os relatórios de gestão e os documentos de prestação de contas previstos na lei,

relativos aos três últimos exercícios, incluindo os pareceres do conselho fiscal ou do

conselho geral, bem como os relatórios do revisor oficial de contas sujeitas a

publicidade, nos termos da lei;

b) As convocatórias, as atas e as listas de presença das reuniões das assembleias gerais e

especiais de acionistas e das assembleias gerais de obrigacionistas realizadas nos

últimos três anos;

c) Os montantes globais das remunerações pagas, relativamente a cada um dos últimos

três anos, aos membros do órgão de administração e do órgão de fiscalização;

8 Trata-se de uma restrição introduzida pelo Decreto-Lei n.º280/87, 8 julho. Segundo o n.º3 do preâmbulo deste diploma:

«Este o caso da amplitude do direito à informação, no tocante às sociedades anónimas. Sendo hoje um elemento fundamental da atividade societária, logo genericamente reconhecido na alínea c) do n.º1 do artigo 21.º, não deve ser entorpecido por limitações que lhe retirem a sua operância, em termos de razoabilidade. Mas, ao invés, não poderá ser convocado para uma dificilmente controlável devassa à vida interna da sociedade, para a qual, numa perspetiva prudencial, os sócios poderão lançar mão de outros meios».

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d) Os montantes globais das quantias pagas, relativamente a cada um dos últimos três

anos, aos dez ou aos cinco empregados da sociedade que recebam as remunerações

mais elevadas, consoante os efetivos de pessoal excedam ou não o número de 200;

e) O livro de registo de ações.

O artigo 289.º CSC, quanto a informações preparatórias da assembleia geral, vem acrescentar

como objeto da informação, durante os 15 dias anteriores à data da assembleia geral:

a) Os nomes completos dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização,

bem como da mesa da assembleia geral;

b) A indicação de outras sociedades em que os membros dos órgãos sociais exerçam

cargos sociais, com exceção das sociedades de profissionais;

c) AS propostas de deliberação a apresentar à assembleia geral pelo órgão de

administração, bem como os relatórios ou justificação que as devem acompanhar;

d) Quando estiver incluída na ordem do dia a eleição de membros de órgãos sociais, os

nomes das pessoas a propor para o órgão de administração, as suas qualificações

profissionais, a indicação das atividades profissionais exercidas nos últimos cinco

anos, designadamente no que respeita a funções exercidas noutras empresas ou na

própria sociedade e do número de ações da sociedade de que são titulares;

e) Quando se tratar da assembleia geral anual o relatório de gestão, as contas do

exercício e demais documentos de prestação de contas, incluindo a certificação legal

das contas e o parecer do conselho fiscal, ou o relatório anual do conselho geral,

conforme o caso.

O n.º2 acrescenta ainda, ao rol de elementos a disponibilizar aos acionistas, na sede da

sociedade, os requerimentos de inclusão de assunto na ordem do dia. Finalmente, o artigo

290.ºl CSC permite (n.º1) que o acionista requeira, em assembleia geral, que lhe sejam

prestadas informações verdadeiras, completas e elucidativas, que lhe facultem formar uma

opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberações. De outro modo, a

deliberação poderá ser anulável (n.º3). A grande questão que se põe é a de saber se a

enumeração legal de elementos, aqui exemplificada com as sociedades anónimas, sobre que

deva recair a informação, é taxativa ou se, a eles, há que acrescentar todos os outros

suscetíveis de integrar a vida da sociedade. Tratar-se de uma dúvida com tradições na nossa

comercialística. Perante o revogado artigo 189.º Código Veiga Beirão, perguntava-se se todos

os elementos da escrituração da sociedade deviam ser patentes se todos os elementos da

escrituração da sociedade deviam ser patentes aos acionistas ou se apenas alguns, indicados

para o efeito; Cunha Gonçalves optava pela primeira solução e Fernando Olavo pela segunda.

E a segunda viria a ter o apoio da jurisprudência e, aparentemente, do Código vigente e da

doutrina sobre ele formada. Os elementos indicados pela lei como objeto de informação são

taxativos. A informação intercalar (direito mínimo à informação, do artigo 288.º CSC) e a

preparatória da assembleia geral (artigo 289.º CSC), correspondem a comunicações

formalizadas. Trata-se de levar ao conhecimento dos sócios os precisos elementos elencados

na lei, sem necessidade de maiores explicações. Já as informações a prestar em assembleia

geral assumem uma dimensão substantiva informações verdadeiras, completas e elucidativas

que lhe permitam formar opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberação

(artigo 290.º, n.º1 CSC). Aqui, é inevitável apor limites: quatro:

A informação pedida não se enquadra na previsão do artigo 290.º, n.º1 CSC;

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A informação pedida é consumida pelo previsto no artigo 289.º CSC ou por

informações públicas;

A informação pedida é suscetível de ocasionar grave prejuízo à sociedade ou a outra

sociedade com ela coligada (artigo 290.º, n.º2, in medio CSC);

A informação pedida envolve segredo imposto por lei (artigo 290.º, n.º2, in fine CSC).

O artigo 290.º, n.º1 CSC é lato. Mas não abrange tudo: apenas matéria pertinente com o que

se delibere. Não faz sentido admitir alguém a deliberar sem lhe facultar os elementos

necessários para uma opção consciente: mas em termos de razoabilidade. Tudo o que

ultrapasse esse nexo de razoabilidade, já não tem de ser atendido. A informação a prestar

tem a ver com factos: não com a teoria da gestão de empresas. Quanto à consunção de

previsões de informação: se esta for disponibilizada ao público ou nos termos dos artigos

288.º e 289.º CSC, não há que repeti-la em assembleia geral. O acionista interessado terá de

fazer os seus trabalhos de casa: os administradores não são consultores nem docentes de

gestão. Finalmente, temos das previsões de informação inacessível: não pode ser prestada,

seja por prejudicar a sociedade, seja por violar a lei.

A informação qualificada e a informação secreta; balanço geral: a

informação qualificada, de acordo com o esquema proposto, é a dispensável, apenas, a sócios

que detenham uma participação significativa no capital social. Tais as hipóteses previstas no

artigo 214.º, n.º1 CSC, para os quotistas, em geral e no artigo 291.º CSC, para os acionistas.

No primeiro caso não há limites – a não ser os que advenham do próprio contrato ou, assim

o pensamos, de aplicação analógica dos artigos 290.º, n.º2 e 291.º, n.º4 CSC. No segundo,

exige-se uma participação de 10% do capital social; acionistas que não atinjam essa cifra

poderão agrupar-se, para o efeito. A informação qualificada recai sobre a gestão da sociedade

(artigo 214.º, n.º1 CSC) ou sobre assuntos sociais (artigo 291.º, n.º1 CSC); o artigo 21.º, n.º1,

alínea c) CSC, fara na vida da sociedade. Apesar da amplidão do dispositivo, sempre há

alguma delimitação pela positiva: não se jogam elementos estranhos à sociedade, numa

apreciação que compete aos administradores. Existe, noutras experiências próximas da nossa,

uma larga casuística, sobre os elementos a prestar. Uma apreciação deve ser feita em concreto.

A lei dá um direito reforçado de informação quando estejam em causa elementos capazes de

responsabilizar os administradores (artigo 214.º, n.º2, in medio CSC). Mesmo então, há que

ressalvar dois casos:

O de, pelo conteúdo do pedido ou por outras circunstâncias, ser patente não ser esse

o fim pelo pedido de informação;

O de se tratar de informação secreta.

O artigo 291.º, n.º4 CSC parece fazer ceder a informação secreta perante a invocação de se

tratar de efetivar a responsabilidade dos administradores ou de outros titulares de órgãos.

Tem de ser interpretado restritivamente. O segredo profissional não pode ceder a não ser

em casos previstos na lei e com intervenção do juiz: pense-se no segredo bancário ou no dos

seguros. Além disso, temos de lidar com a intimidade da vida privada, que pode estar

envolvida e que deve ser respeitada. Por outro lado, o valor responsabilizado dos

administradores deve ser ponderado quando conflitue com o prejuízo da sociedade ou dos

sócios. Finalmente, temos a informação secreta. Fica logo abrangida a informação coberta

pelo segredo profissional (Artigo 291.º, n.º4, alínea c) CSC). Além disso, está em causa:

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Informação a usar fora dos fins da sociedade ou (apenas) para prejudicar, seja a

própria sociedade, seja algum acionista (artigo 291.º, n.º4, alínea a) CSC);

Informação que, de todo o modo, possa prejudicar relevantemente a sociedade ou

algum acionista (artigo 291.º, n.º4, alínea b) CSC).

Como balanço geral de toda esta matéria e tendo em conta a concreta experiência das

empresas portuguesas, cumpre sublinhar o que segue. A assembleia geral só pode deliberar

sobre matérias de gestão da sociedade a pedido do órgão de administração (Artigo 373.º, n.º3

CSC). Quer isto dizer que ele opera mais como um fórum de discussão e de descompressão

do que como um lugar onde se joguem verdadeiras opções societárias: nas sociedades

anónimas e nas sociedades por quotas que, delas, se aproximem. A informação altamente

especializada não tem, em regra, aí, qualquer interesse. Quanto às informações qualificadas:

a realidade do nosso País mostra que são, aí, frequentes os conflitos de interesses. Os 10%

de acionistas que pretendem aceder aos assuntos da sociedade são, muitas vezes, elementos

de grupos concorrentes, que obtiveram na bolsa ou em processos de reprivatização, as

participações que invocam. Nessas condições, pensamos que a informação pode ser negada,

ao abrigo da cláusula do maior perigo. A lei deve ser fonte de justiça: não de gratuita

litigiosidade entre os operadores privados.

53.º - O regime do direito à informação

As regras aplicáveis: o regime da informação resulta dos diversos parâmetros acima

desenvolvidos. Cabe, agora, proceder à sua sistematização. Questão prévia, útil em todo o

processo subsequente, é a de determinar o escopo ou finalidade do direito à informação dos

sócios. Esse escopo articula-se com as duas grandes dimensões das sociedades: a da

colaboração e a da organização. Quanto à colaboração: os sócios só poderão produzir

trabalho útil, em prol da sociedade e no seu âmbito, se tiverem conhecimento do que se lhes

exige e do que é útil. A informação surge como condição prévia necessária de qualquer

colaboração. Trata-se de um aspeto que predomina nas sociedades de pessoas. Nas

sociedades de capitais, poder-se-ia considerar que a informação aos sócios seria dispensável.

Feita a aportação de capital, caberia aos sócios entregar a gestão a especialistas, abstendo-se

de os incomodar com perguntas. Todavia, a dimensão organizatória justifica ainda, e por

várias vias, a informação aos sócios. Esta opera:

Como pressuposto do voto em assembleia geral;

Como meio de legitimação dos investimentos e do mercado;

Como forma de fiscalização da administração;

Como tutela de minorias.

Admitindo o direito de voto em assembleia geral, há que providenciar para um conteúdo

efetivo. Não faz sentido votar sem saber o que se faz: atribuído o voto, há que disponibilizar

toda a informação necessária, útil e legitimadora para o seu exercício. Uma boa informação

levará os sócios a investir com segurança: quer inicialmente, quer em futuros aumentos de

capital. Além disso, permite-lhes avaliar corretamente as suas participações, base de

subsequentes decisões de venda adequadas ou de (novas) aquisições. Todo o mercado

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depende disso. A fiscalização da administração exige informações capazes. Este aspeto é

importante, uma vez que o moderno Direito das sociedades abandona, aos particulares, o

acompanhamento e a fiscalização dos respetivos organismos. Finalmente: a tutela das

minorias exige o conhecimento da vida das sociedades. Trata-se de uma dimensão importante,

para manter a atratividade das sociedades. O mercado também depende disso. Em suma:

essência colaborativa, nas sociedades de pessoas e defesa do mercado, nas de capitais: as duas

dimensões que apontam para a informação. Os sujeitos da obrigação de informar são,

respetivamente, os sócios e a própria sociedade. Para o efeito, o sócio pode-se fazer

representar, nos termos gerais: não há, aqui, qualquer direito pessoalíssimo, que apenas em

pessoa se possa exercer. Os estatutos não podem limitar a representação em assembleia geral,

segundo a atual redação do artigo 280.º CSC: isso vale, ipso iure, para o exercício do direito à

informação em assembleia. Fora isso, há que aplicar as regras gerais, extensivas, naturalmente,

ao exercício do direito à informação, nas sociedades por quotas (artigo 214.º CSC). Além dos

sócios, o artigo 293.º CSC atribui também o direito à informação ao representante comum

dos obrigacionistas, ao usufrutuário e ao credor pignoratício quando, por lei ou convenção,

lhes caiba exercer o direito de voto. Esta regra é extensiva, por analogia e com as competentes

adaptações, aos outros tipos societários. Além disso, haverá sempre um direito à informação,

por parte de quaisquer interessados, nos termos do artigo 573.º CC. Como sujeito passivo,

temos a sociedade, representada pelos administradores. Quando a informação disponível

esteja na posse de algum trabalhador ou de terceiros vinculados à sociedade, cabe à hierarquia

– à administração – acionar os mecanismos competentes para conseguir os elementos

pretendidos. O pedido de informação pode ser oral ou escrito: não depende de forma

especial, salvo quando a lei diga o contrário. De todo o modo, o sócio tem o ónus de se

identificar como tal e de explicitar o que pretenda. Não são operacionais pedidos confusos

ou indeterminados. Objeto da obrigação é a informação em jogo: autodeterminada ou

heterodeterminada, substancial ou formal, aberta ou reservada, conforme as circunstâncias.

A obrigação pode ser cumprida oralmente; por escrito quando a lei o preveja e como tal seja

pedida (artigo 14.º, n.º1, in fine CSC). A regra básica é, sempre, a da não sujeição das

declarações a qualquer forma solene, salvo quando a lei o determine (artigo 219.º CC).

Admitimos que os estatutos possam impor outras formas mais solenes – designadamente: a

escrita – para a prestação de certas informações. O direito à informação é, em princípio,

irrenunciável e inderrogável. Não pode haver renúncias prévias ao seu exercício, visto o

disposto no artigo 809.º CC, aqui aplicável. Possível é, sim, o seu não exercício in concreto

e, dentro dos limites dos bons costumes e ordem pública, a assunção, subsequente, do dever

de não o exercer. Também não pode haver derrogações: quer pelos estatutos, quer por

deliberação social. O artigo 214.º, n.º2 CSC admite que o pacto social regularmente o direito

à informação, desde que não ponha em causa o seu exercício efetivo ou o seu âmbito9. O

direito a informação não se constitui quando impossível; cessa, ainda, por impossibilidade

superveniente e, em especial, pela perda da informação solicitada. Pode, ainda,, ser

concretamente inexigível: pense-se em pedidos maciços de informação em plena assembleia,

com catálogos ou listas intermináveis. Ele extingue-se, nos termos gerais, pelo cumprimento

e por renúncia. Também podemos configurar a sua cessação pela publicitação geral do

elemento solicitado.

9 O artigo 214.º, n.º2, 2.ª parte CSC, ressalva ainda, com Ênfase, a hipótese de o direito à informação em três situações: hipotética responsabilidade do seu autor, exatidão dos documentos de prestação de contas e habilitação para o exercício do voto.

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Natureza e abuso: o direito à informação é uma posição pessoal que integra o status de

sócio. Podemos distinguir o direito abstrato à informação ou a pedir informações e o direito

concreto, potestativamente constituído, perante situações que possibilitem a sua efetivação.

Trata-se, de todo o modo, de uma posição ativa de cariz potestativo, que se vai adaptando

aos diversos tipos societários: pode, designadamente, ser de exercício individual ou coletivo.

Apesar da apregoada natureza pessoal, o direito à informação insere-se na realidade

patrimonial das participações societárias: já lhe tem sido dispensada a tutela específica da

propriedade privada, constitucionalmente garantida. Além dos casos acima apontados em

que o exercício do direito à informação é legalmente vedado, podemos genericamente

apontar a possibilidade de o bloquear por abuso ou por violação da lealdade. No fundamental

e perante o Direito português, estarão em causa as seguintes sub-hipóteses:

Venire contra factum proprium: ocorre quando o sócio tenha, com credibilidade,

inculcado na sociedade a convicção de que não iria exercer o seu direito e, depois, o

exerça, provocando danos.

Tu quoque: configura-se quando a informação decorra de um ilícito perpetrado pelo

sócio interessado o qual, assim, nada mais faria do que aproveitar o malefício próprio.

Desequilíbrio no exercício: temos desequilíbrio: o sócio, para uma vantagem mínima,

pede elementos que irão provocar um esforço máximo à sociedade.

Ocorre aqui perguntar se o direito à informação é meramente instrumental ou puramente

funcional. A eventual opção por este último termo indigitaria nova hipótese de abuso: a de

um pedido de informação fora do escopo legítimo. Mas não: o Direito português configura

a informação como um elemento a se: autónomo de quaisquer concretas finalidades. Estas

só relevam pela negativa, quando se pretenda usar a informação para fins estranhos à

sociedade ou para prejudicar terceiros. E assim substancializamos a informação. Parte

integrante do status de sócio, ela dá corpo à propriedade privada, à livre iniciativa económica

e à própria liberdade de associação. Vale por si. Não é instrumental. Finalmente, uma

referência ao abuso da própria informação, quando reservada ou privilegiada, também

conhecida por insider trading. Desta feita, trata-se de usar informação que se tenha obtido a

nível interno e que não seja conhecida pelas outras pessoas, para conseguir vantagens

extraordinárias e, designadamente: vendendo caro o que se saiba vai descer ou comprando

barato o que se conheça ir subir. Hoje, tal prática é incriminada pelo artigo 378.º CVM.

Garantia: o direito à informação é rodeado de diversas garantias. Desde logo, temos

sanções penais: o artigo 518.º CSC sanciona a recusa ilícita de informações, enquanto o artigo

519.º CSC penaliza o autor de informações falsas. De seguida, temos a anulabilidade das

deliberações sociais, causada pela recusa injustificada de informações (artigos 58.º, n.º1, alínea

c) e 290.º, n.º2 CSC). Também se nos afigura aplicável o esquema geral do incumprimento

das obrigações, com as indemnizações conexas: danos patrimoniais e não patrimoniais. No

tocante a este último aspeto, cabe explicar: embora o direito à informação se inscreva num

status essencialmente patrimonial, ele envolve uma dimensão pessoal. O sócio a quem, para

mais em público, seja recusada informação pertinente vê atingida a sua honra e o seu direito

de participar, ativamente, em iniciativas que lhe competem. Este aspeto deve ser

contemplado, até porque, muitas vezes, não se documentarão danos patrimoniais. O papel

retributivo e de preservação, geral e especial, da responsabilidade surgirá, então, com clareza.

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Certas informações dispõem de garantias específicas. A não apresentação do relatório de

gestão, das contas de exercício e dos demais documentos de contas dá azo ao inquérito

previsto no artigo 67.º, n.º1 CSC. O juiz, ouvidos os administradores, poderá então adotar

uma das medidas previstas no n.º2 desse preceito. Este inquérito não se confunde com o

inquérito judicial previsto nos artigos 216.º e 292.º CSC e regulado nos artigos 1048.º do

Código de Processo Civil. O inquérito judicial surge como um procedimento complicado e

pesado, a usar, somente quando necessário. Ele apenas deve ser pedido (artigos 216.º e 292.º,

n.º1 CSC) quando tenha sido recusada informação solicitada ao abrigo dos artigos 214.º,

288.º e 291.º CSC ou prestada informação presumivelmente falsa, incompleta ou não

elucidativa. Com oscilações, a jurisprudência admite que ele seja usado pelos próprios

administradores (gerentes). É essa a opção mais adequada. Feito o pedido, o juiz tem um lato

poder, no tocante à concretização das medidas a aplicar. Fundamentalmente, ele pode

determinar que seja prestada a informação em falta ou fixar prazo para a apresentação das

contas (artigo 1049.º CPC). Pode optar pelo inquérito à sociedade, fixando os pontos que a

diligência deve abranger e nomeando perito ou peritos para a investigação (artigo 1049.º, n.º2

CPC). O investigador poderá praticar os atos elencados no artigo 1049.º, n.º3 CPC, ou outros

que lhe sejam especificamente cometidos pelo juiz. São possíveis medidas cautelares (artigo

1050.º CPC). Finalmente, o artigo 292.º, n,º2 CSC prevê medidas draconianas:

a) A destituição das pessoas cuja responsabilidade por atos praticados no exercício de

cargos sociais tenha sido apurada;

b) A nomeação de um administrador ou diretor;

c) A dissolução da sociedade, se forem apurados factos que constituam causa de

dissolução, nos termos da lei ou do contrato, e ela tenha sido requerida.

O artigo 292.º, n.º6 CSC chega a admitir que o inquérito seja requerido sem precedência do

pedido de informações à sociedade se as circunstâncias do caso fizerem presumir que a

informação não será prestada ao acionista, nos termos da lei. O inquérito judicial é,

efetivamente, um esquema destinado a enfrentar problemas bem mais graves do que a não

prestação de informação ou a informação inexata. Justifica-se, por exemplo, quando a falta

de informação derive da falta de contas. O pedido de inquérito judicial já tem servido, entre

nós, para incomodar grandes sociedades ou para dar armas a minorias de bloqueio ou a

representantes de empresas concorrentes, que hajam logrado 10% das ações da sociedade

visada. O País real reclamaria menos garantias e uma melhor responsabilização dos

envolvidos.

As informações profissionalizadas; a responsabilização: na atualidade e no

que respeita às anónimas cotadas, a informação relevante é disponibilizada por grandes

agências ou consultores de âmbito internacional. A propósito de cada assembleia geral, elas

chegam a preconizar, ponto por ponto, o sentido de voto recomendado e o porquê. No que

respeita às sociedades portuguesas, e apesar de essas entidades disporem, em regra, de pessoal

habilitado nos Direitos e nas realidades de cada País, a informação assim disponibilizada é,

por vezes, insuficiente: quiçá, mesmo, confrangedora. De resto, as recomendações de

compra ou de venda, relativamente aos diversos valores mobiliários e as notações de risco

dispensadas a títulos de dívida primam pela irracionalidade. E todavia, elas contribuem, em

larga medida, para conformar o mercado. Do nosso ponto de vista, não é aceitável que o

Direito não possa intervir, nesta situação. Os profissionais de informações societárias,

quando atuem com dolo ou negligência, são responsabilizáveis, nos termos gerais. Os

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tribunais portugueses podem, por diversas vias, dispor de competência internacional para se

ocuparem do problema. E qualquer condenação aqui obtida é executável, na generalidade

dos países estrangeiros. Os agentes nacionais (e apropria República Portuguesa!) parecem ter

receio de agir: porventura por temerem novas desacreditações. Não pode ser: desde sempre

o Direito existe para defender quer a Justiça, quer os mais fracos.

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Capítulo X – Deliberações Sociais: Evolução

e Regime10

54.º - Noções básicas e evolução

Coordenadas dogmáticas: a deliberação é uma proposição imputada à decisão de um

conjunto de pessoas singulares ou seres humanos. Colocada nestes termos, a deliberação

assenta em pressupostos de legitimidade e assume, ela própria, uma dimensão legitimadora.

Perante a Ciência do Direito, a deliberação é, simplesmente, a decisão de um órgão coletivo,

sobre uma proposta. Para efeitos de deliberação, cada participante nesse órgão tem um (ou

mais) votos. O voto será, tecnicamente, a recusa ou a aceitação de uma proposta de

deliberação. A própria deliberação surge assimilada a uma manifestação de vontade coletiva.

Há que estar prevenido quanto a metadiscursos. A vontade é, em si, um fenómeno

psicológico puramente humano e individual. Uma coletividade não tem vontade: apenas

esquemas que permitam imputar-lhe uma proposição a qual, na origem, deverá ter vontades

humanas. A transposição dessas vontades para a pretensa vontade coletiva é sempre obra de

esquemas abstratos e, para o caso, de normas jurídicas: estas transpõem decisões humanas

para o modo coletivo. Podemos pois afirmar que, embora correspondendo a esquemas de

natureza psicológica e sociológica – e, portanto: naturais – a deliberação social acaba por ser

uma criação jurídico-cultural destinada a atribuir, a um grupo, uma determinada decisão.

Evolução geral: o facto de, na deliberação, se articularem várias vontades humanas obriga,

como se viu, a toda uma construção dogmática. Esta não surgiu de um momento para o

outro, antes tendo requerido uma evolução complexa. Num primeiro momento, a

deliberação surge como um dado empírico, de tipo psicológico: várias pessoas, juntas,

manifestam uma vontade unânime ou predominante num certo sentido; tal sentido é

imputado ao ente coletivo, como se de uma pessoa se tratasse. Von Gierke, com as suas

construções orgânicas, apresentou a deliberação como um ato conjunto (Gesamtakt), que

absorveria as singulares manifestações de vontade que o precedessem; esse ato seria

imputado ao ente coletivo. A necessidade de dar (algum) tratamento individualizado a tais

manifestações singulares de vontade levou alguma doutrina a ver, nas deliberações, um

convénio multilateral (Vereinbarung), que confluiria na decisão final. A doutrina privatista

recuperou a dogmática das deliberações, logo no início do século XX. Esta poderia ser

explicada com recurso à técnica do negócio jurídico: teríamos, então, negócios deliberativos,

isto é: negócios de um tipo específico mas, ainda, negócios O negócio deliberativo

caracteriza-se por postular diversas declarações confluentes; não havendo coincidência, ele

poderia formar-se por maioria, sendo oponível aos dissonantes. Surgiria, em suma, uma

vontade de conteúdo unitário e vinculativo. Esta posição vem dominando a civilística mais

recente, com exemplos em Flume e Larenz. Foi recebida em Portugal por Manuel de

Andrade. Embora mantendo uma linguagem mais empírica, a construção do ato deliberativo

10 Cordeiro, António Menezes; Direito das Sociedades, Parte Geral, Volume I; Almedina editores; 3.ª edição; Coimbra, Maio 2011.

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com recurso à metodologia negocial também se impôs, com alguma discussão, no Direito

das sociedades comerciais. Na base teremos uma formação unitária assente em várias

vontades individuais e à qual se poderão tendencialmente aplicar as regras dos negócios

jurídicos. Pelo menos: quanto possível. Também entre nós esta orientação veio a radicar-se.

Pinto Furtado mantém, todavia, que a deliberação integra, antes, um ato negocial: não um

negócio, uma vez que, como ato de vontade que efetivamente seria, ela não corresponderia

a uma autorregulamentação de interesses. Também Coutinho de Abreu sustenta que, por

vezes, as deliberações não tem substância jurídica não sendo, nessa eventualidade, negócios

jurídicos. Tem razão: a verdadeira deliberação recai sobre matéria jurídica, com efeitos de

Direito. Já a deliberação consultiva pode surgir como um verdadeiro negócio deliberativo.

Não compete recomeçar, aqui, uma discussão alongada sobre o conceito de negócio jurídico.

É evidente que a adoção, quanto a este, de leituras mais envolvidas (tipo autorregulamentação

de interesses) irá, depois, infletir as opções quanto à deliberação. De acordo com

experimentada tradição, manteremos o negócio jurídico como facto jurídico marcado pela

liberdade de celebração e pela liberdade de estipulação. O negócio jurídico, em si, não é uma

manifestação de vontade: não se confunda negócio com declaração. Antes surgirá como a

consequência de uma ou mais declarações de vontade11. Perante esta metodologia, não há

dúvidas de que a deliberação é um verdadeiro e próprio negócio jurídico: um facto

relevante para o Direito e marcado pela dupla liberdade: de celebração e de

estipulação. A deliberação não se identifica com as declarações de vontade que lhe subjazam

e não é, ela própria, uma declaração de vontade, singular, coletiva, concertada ou outra. A

sua inclusão no universo dos negócios tem, todavia, uma especial relevância teórica e prática,

uma vez que implica a aplicação de um regime. Todo o ramo das imputações às sociedades

segue, por esta via, os caminhos do Direito privado. No âmbito dos negócios, a deliberação

ocupa um lugar próprio, com um regime específico. Será um negócio deliberativo ou, muito

simplesmente… uma deliberação.

O desenvolvimento da experiência portuguesa: a matéria das deliberações

sociais veio a merecer a atenção do Direito, mercê de situações negativas e, designadamente,

da sua invalidade. Assimilada a uma comum manifestação de vontade, só que imputável a

uma pessoa coletiva, a deliberação mostrou requerer normas e específicas na eventualidade

da sua desconformidade com o Direito. Paradigmático, o artigo 146.º CCom, dispunha:

«Todo o sócio ou acionista, que tiver protestado em reunião ou assembleia geral de sócios contra

qualquer deliberação nela tomada em oposição às disposições expressas da lei ou contrato social,

pode, no prazo de vinte dias, levar o seu protesto com as provas que tiver ao tribunal de comércio

respetivo, e pedir que se julgue nula a deliberação, ouvida a sociedade».

O artigo 46.º LSQ continha um preceito semelhante, embora com o prazo de cinco dias.

Ainda no âmbito do Código Comercial, o artigo 181.º referia a convocação da assembleia

geral e considerava, no seu §único:

«(…) nula toda a deliberação tomada sobre objeto estranho àquele para que a assembleia geral

houvesse sido convocada, salvo tendo sido comunicada aos acionistas não presentes pela forma

de convocação, e não houver dentro do prazo de trinta dias».

11 Bartholomeyczik explica-se nestes termos:

«A deliberação não corresponde a uma declaração de vontade mas antes à formação da vontade dos particulares».

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Por seu turno, o artigo 186.º, do mesmo Código, previa:

«Todo o acionista tem direito de protestar contra as deliberações tomadas em oposição às

disposições expressas na lei e nos estatutos, e poderá requerer ao respetivo juiz presidente do

tribunal de comércio a suspensão da execução de tais deliberações, com prévia notificação dos

diretores».

A LSQ, de 11 abril 1901, continha um capítulo IV intitulado das deliberações sociais, o qual se

ocupava, no essencial, da convocação e do funcionamento da assembleia geral, prevendo

determinadas sanções. O seu artigo 36.º, §§2.º e 3.º admitia que certas deliberações, em vez

de se formarem em assembleia, pudessem resultar de escrito que todos os sócios

subscrevessem. Esta figura foi, como vimos, generalizada pelo artigo 54.º, n.º1 CSC, como

deliberação unânime por escrito. O Direito das sociedades português orientava-se assim, neste

tema, em moldes pragmáticos. As investigações realizadas, com relevo para de Vasco Lobo

Xavier, ocorreram já na ponta final da vigência do Código Comercial e enfocaram,

fundamentalmente, a invalidade das deliberações. Aquando da preparação do Código das

Sociedades Comercias, a matéria conheceu um lato desenvolvimento. Temos, em primeiro

lugar, o contributo de Vaz Serra; este Autor ocupou-se do tema de modo fragmentário,

referindo os casos de supressão de direitos especiais e do abuso do direito. O Anteprojeto

de lei sobre sociedades por quotas de responsabilidade limitada, de Coimbra, dedicou ao

tema um espaço mais considerável: artigos 100.º a 118.º No Projeto, a matéria foi condensada,

surgindo com a configuração atual. Na base de uma forte componente doutrinária, o Código

das Sociedades Comerciais veio prever um capítulo geral – o IV – sobre o que chama

deliberações dos sócios. Trata-se de um conjunto de onze artigos – 53.º a 63.º CSC –, por

vezes bastante densos, onde se ocupa:

De deliberações sociais e de alguns dos seus aspetos (artigo 53.º a 55.º CSC);

Da invalidade das deliberações (artigos 56.º a 59.º CSC);

De aspetos processuais ligados a essa invalidade e das suas consequências (artigos

60.º a 62.º CSC);

Das atas (artigo 63.º CSC).

A matéria acaba pro assumir alguma complexidade, sendo de estranhar que se evite falar em

assembleias gerais. Além dos preceitos gerais descritos, temos ainda regras específicas para

as deliberações no âmbito das sociedades em nome coletivo (artigos 189.º a 193.º CSC), das

sociedades por quotas (artigo s246.º a 251.º CSC), das sociedades anónimas (artigos 373.º a

389.º CSC) e das sociedades em comandita (artigo 472.º CSC), retomando, muitas vezes,

fórmulas gerais. O Código da Sociedades deveria ser uma lei simples, diretamente dirigida

para a prática e para operadores sem formação jurídica. Um ponto a reter, em futuras

reformas.

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55.º - Regime geral

Tipos de deliberações: primazia da deliberação em assembleia geral: comecemos por recordar uma referência terminológica: o Código refere deliberações dos

sócios, evitando deliberações sociais, da sociedade, da assembleia ou de quaisquer outros

órgãos. Oficialmente: porque os sócios podem deliberar não só em assembleia mas também,

noutros casos, diretamente, sem reunião 12 . De facto, os sócios emitem declarações de

vontade; maxime: votam. A deliberação é do órgão a que pertençam, sendo imputável à

sociedade. As expressões deliberação da assembleia e deliberação social – esta última,

tradicional e usada pelo saudoso Professor Lobo Xavier – são corretas: mais corretas. A

deliberação não deixa de ser social pelo facto de os sócios votarem sem se reunirem em

assembleia; já a referência a deliberações dos sócios, nessas circunstâncias, não parece correta.

No fundo, ela deriva de um posicionamento radicalmente individualista e contratual, no

campo societário. Isso equivale, aqui, a negar todo um importante antecedente, institucional

e publicista, no campo das sociedades. O artigo 53.º, n.º1 CSC parece impor uma regra de

tipicidade, no tocante às formas de deliberações dos sócios: só podem ser tomadas por algum

dos modos admitidos por lei para cada tipo de sociedade. Na verdade, a lei pretende dizer

que os órgãos sociais estão sujeitos ao princípio da tipicidade: os sócios não podem, pois,

deliberar fora dos figurinos orgânicos previstos para cada uma delas. No tocante à forma –

no sentido técnico que o termo assume no Direito privado – mantém-se uma regra de

liberdade: os sócios poderão deliberar, conforme o ajustado, por escrito, de braço levantado,

com tarjetas ou palmatórias, por levantados e sentados, etc.. Quando muito, admitimos que

os estatutos fixem regras, nesse domínio. Não o fazendo, a forma da deliberação será fixada

por deliberação dos sócios ou por decisão do presidente da mesa da assembleia (artigo 348.º,

n.º8 CSC). Feita esta correção terminológica, torna-se fácil entender o artigo 53.º, n.º2 CSC:

as disposições legais ou estatutárias relativas a deliberações de assembleia geral aplicam-se

aos correspondentes órgãos dos diversos tipos, salvo solução (interpretativa) diversa. A

deliberação social implica uma coordenação entre as distintas pessoas que nela possam

participar. Haverá, assim, sempre um procedimento prévio a seguir: mais ou menos

complicado, mas necessário. O Código, mau grado o desenvolvimento dado à matéria,

acabou por não tratar sistematicamente este aspeto. Resulta do artigo 54.º, n.º1 CSC a

possibilidade de dois grandes tipos de procedimento, para efeitos de deliberação social:

A deliberação em assembleia;

A deliberação por escrito.

Como temos vindo a referir, o grande modelo que presidiu à evolução histórica e à

dogmatização das deliberações sociais é a deliberação em assembleia. As outras modalidades

são, dela, meros sucedâneos. E é a deliberações em assembleia que a própria lei dedica o

melhor do seu esforço. E quanto a assembleias, a matiz é, naturalmente, a das sociedades

anónimas.

12 O Projeto, aproveitando ensinamentos do Direito público, fazia uma distinção entre deliberações e resoluções; estas últimas coadunar-se-iam com decisões tomadas pela administração e pelo conselho fiscal e que não seria diretamente impugnáveis. A referência a resoluções foi abandonada, por sugestão de Brito Correia. Tudo é apelidado deliberações, assim surgindo dúvidas de interpretação.

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O processo deliberativo: a deliberação exige uma coordenação entre diversas pessoas.

Podemos falar num processo deliberativo: um conjunto de atos concatenados para a

obtenção de um fim: a própria deliberação. A matéria, versada a propósito das sociedades

anónimas, pode explicitar-se nos pontos seguintes:

Uma convocatória cabal;

Uma reunião da assembleia, com presidência secretariado, verificação de presenças e

ata;

Uma ou mais propostas;

Um debate;

Uma votação, com escrutínio e proclamação do resultado;

A elaboração da ata.

A convocação cabal dependerá das circunstâncias, do órgão e do tipo de sociedade em causa.

Ela deverá ser dirigida a todas as pessoas que tenham o direito de participar na assembleia,

indicando o local, a hora e a ordem de trabalhos. Deverá, ainda, ser assinada pela pessoa com

competência para a convocação. Nalguns casos, a convocatória deve ser publicada (artigo

377.º, n.º2 CSC), podendo bastar-se com esse tipo de comunicação: pense-se nas sociedades

com milhares de sócios (idem, n.º3). Isto posto, terá de decorrer uma reunião, em termos

ordeiros: mesa (presidência e secretariado), verificação das presenças (pode, eventualmente,

haver representações) e realização de ata: fundamental para provar qualquer deliberação em

assembleia (artigo 63.º, n.º1, 1.ª parte CSC). Na reunião em causa terão de surgir propostas,

as quais cairão na matéria da ordem do dia: apenas sobre propostas se poderá formar a

aquiescência ou a rejeição dos sócios. Havendo propostas, é normal abrir-se um debate. Aliás,

é esse o momento por vezes indicado para pedidos de informação (artigo 290.º CSC).

Todavia, o debate poderá ser dispensado. Seguir-se-á, depois, a votação: normalmente, por

maioria do capital, representado. Poder-se-á, porém, exigir alguma maioria qualificada ou,

até, a unanimidade. A deliberação corresponderá à proposta aprovada. A aprovação com

modificações é, na realidade, a aprovação de uma proposta modificada em relação a uma

outra, inicialmente apresentada Feita a votação, haverá que contar os votos, com as

necessárias ponderações: o voto é real: não pessoal; depende do capital detido ou

representado por cada votante13. Finalmente: o resultado é proclamado, constando da ata

(artigo 63.º, n.º1, 1.ª parte CSC).

Deliberação por escrito e assembleias universais: a deliberação pode ser tomada

por escrito, independentemente da reunião dos sócios em assembleia. O artigo 54.º, n.º1 CSC

admite este tipo de procedimento, desde que haja uma aprovação por unanimidade. Tudo

isto deve ser interpretado em termos atualistas. Admitimos que os estatutos possam prever

uma reunião por teleconferência: telefónica, por vídeo ou pela Internet. Tratar-se-á, então,

de uma verdadeira assembleia: não há, entre as diversas manifestações de vontade, um lapso

de tempo juridicamente relevante. Fala-se, como vimos, em assembleias virtuais. A

deliberação por escrito corresponde a algo diverso: os sócios prescindem da troca de opiniões

e de argumentos e da obtenção de novas informações. Vão emitindo as vontades respetivas

13 Exceto, supletivamente, nas sociedades em nome coletivo: artigo 190.º, n.º1 CSC.

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em separado e podendo ocorrer lapsos de tempo relevantes entre eles. A referência a escrito

pode ser alargada: vontade depositada em gravação, vídeo ou áudio, vontade por núncio ou

vontade teletransmitida, mas sem reunião. A especialidade reside na exigência de

unanimidade. Eis a justificação: ninguém pode ser despojado do direito de argumentar e de

colocar questões aos proponentes e à administração. Logo, todos terão de prescindir,

livremente, dos inerentes direitos. No entanto, parece possível que, por unanimidade, se

delibere adotar o voto por escrito. Dado esse passo, os votos podem não ser unânimes:

prevalece, então, a maioria14. O legislador de 1986 adotou uma metodologia radicalmente

contratual. Todavia, sucumbiu à tentação regulamentadora jurídico-publicistica. Dentro de

limites, convém ter presente que estamos em Direito privado e que os sócios detêm posições

disponíveis. Surge, ainda, a modalidade das assembleias universais: trata-se de assembleias

gerais que reúnam (artigo 54.º, n.º1 CSC):

«(…) sem observância de formalidades prévias, desde que todos estejam presentes e todos

manifestem a vontade de que a assembleia se constitua e delibere sobre determinado assunto».

A assembleia universal dispensa o esquema das convocatórias. Ela é operacional em

sociedades com um pequeno número de sócios, marcada pela confiança mútua. Logicamente:

a assembleia universal não tem ordem do dia: só pode deliberar (ainda que por maioria) sobre

assuntos que todos os sócios tenham concordado pôr à apreciação do coletivo societário.

Depois de montada e em funcionamento, com o acordo de todos os sócios quanto à ordem

do dia, ela pode funcionar por simples maioria, nos termos gerais.

56.º - A ata

Noção e conteúdo mínimo: no processo tendente à tomada de deliberações, um papel

essencial é assumido ela ata. No tocante às sociedades anónimas, para além dos preceitos

gerais abaixo examinados, cumpre reter o artigo 338.º. Pois bem: diz-se, em geral, ata o

documento de onde conste o relato, mais ou menos pormenorizado, do decurso de uma

reunião. Tratando-se de deliberações dos sócios, a ata reportar-se-á à assembleia. O artigo

63.º, n.º2 regula o conteúdo mínimo da ata:

a) A identificação da sociedade, o lugar, o dia e a hora da reunião;

b) O nome do presidente e, se os houver, dos secretários;

c) Os nomes dos sócios presentes ou representados e o valor nominal das partes sociais,

quotas ou ações de cada um, salvo nos casos em que a lei mande organizar lista de

presenças, que deve ser anexada à ata;

d) A ordem do dia constante da conservatória, salvo quando esta seja anexada à ata;

e) A ordem do dia constante da convocatória, salvo quando este seja anexada à ata;

14 Não se confunda esta situação com o voto escrito previsto no artigo 247.º, n.º1 CSC, para as sociedades por quotas: aí, a iniciativa é da gerência e não se exige qualquer unanimidade.

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f) Referência aos documentos e relatórios submetidos à assembleia;

g) O teor das deliberações tomadas;

h) Os resultados das votações;

i) O sentido das declarações dos sócios, se estes o requererem.

Com alguma frequência, as atas vão mais longe: referem as intervenções dos diversos sócios

fazendo, delas, uma súmula. Também ocorre, particularmente em situações litigiosas e pré-

litigiosas, que as atas passem a transcrever as intervenções15. Em rigor, não é essa a sua função.

A ata é um documento escrito. É o que se infere dos próprios requisitos acima transcritos,

da exigência de assinaturas (artigo 63.º, n.º3 CSC) e de deverem ser lavradas no respetivo

livro ou em folhas soltas… A mera gravação, ótica, sonora ou vídeo da reunião não vale

como ata16. As atas devem ser lavradas no respetivo livro ou em folhas soltas (artigo 63.º,

n.º4, 1.ª parte CSC). A primeira hipótese é mais manuseável e dá garantias de não serem

tiradas ou aditadas folhas; pressupõe, todavia, atas manuscritas, de elaboração e leitura lentas.

A hipótese das folhas soltas datilografadas pode ser completada com uma numeração seriada

de todas as páginas, as quais, serão, depois, encadernadas (artigo 63.º, n.º5 e 6 CSC). Aí se

conterão as deliberações; quando estas constem de escritura pública ou de instrumento fora

de notas, devem os administradores inscrever no livro a sua existência (artigo 63.º, n.º4, 2.ª

parte CSC). Deve ser lavrada uma ata por reunião (artigo 388.º, n.º1 CSC). A ata deve ser

assinada por todos os sócios que tomaram parte na assembleia (artigo 63.º, n.º3, 1.ª parte

CSC). No caso das sociedades anónimas, onde isso não seria praticável, a ata é assinada pelo

presidente da mesa e pelo secretário (artigo 388.º, n.º2 CSC). Aos prevaricadores cabe, com

pena, multa até 120 dias (artigo 521.º CSC). Quando algum sócio, podendo assinar, o não

faça, deve a sociedade notifica-lo judicialmente para que, em prazo não inferior a oito dias,

assine: quando mantenha a negativa, a ata terá o valor probatório comum17, desde que esteja

assinada pela maioria dos sócios que tomaram parte na assembleia, sem prejuízo do direito

dos que a não assinaram de invocarem, em juízo, a sua falsidade (artigo 63.º, n.º3 CSC). Note-

se que, pelo atual artigo 63.º, n.º8 CSC, nenhum sócio tem o dever de assinar atos que não

estejam consignados no respetivo livro ou nas folhas soltas, devidamente numeradas e

rubricadas: tudo isto está escrito em termos caleidoscópicos: teria sido possível dizer o

mesmo, com menos palavras e mais clareza. A exigência da notificação judicial18 tem sido

criticada pela sua inutilidade: não bastaria esperar pelos oito dias, para verificar se o sócio

faltoso assina ou não? Tal como está redigido o preceito, assim será. Por cautela, os

administradores serão levados a proceder à tal notificação judicial: nada garante que não se

deparem, depois, com um Tribunal dominado por uma filosofia legalista (Pinto Furtado) que

desconsidere atas não assinadas por todos os presentes, quando não se mostrem feitas as

notificações aos faltosos. De facto, o legislador ficou a meio. Lógico seria que a notificação

judicial fosse acompanhada de um prazo cominatório: ou assina ou impugna, em certo prazo,

15 Pode-se, então, com o conhecimento e o acordo de todos, proceder à gravação da reunião, transcrevendo, a partir daí, o teor das intervenções. Na falta de consentimento prévio dos interessados, poderemos estar perante uma violação do direito à imagem ou do direito à palavra. 16 Dentro da orientação geral de que a forma escrita tem um especial simbolismo para as pessoas, alcançando, assim, uma dimensão mais profunda do que a facultada por meios mais cabais e fidedignos de reprodução dos factos. 17 A lei refere o valor probatório do artigo 63.º, n.º1 CSC: aparentemente pleno. Veremos, todavia, que esse alcance deve ser matizado pela interpretação. 18 Trata-se da notificação judicial avulsa, prevista e regulada no artigo 256.º CPC.

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posto o que, não o fazendo, a ata produzirá prova contra o próprio faltoso. Não vemos é

como completar, pela doutrina, o que o legislador não escreveu. Já nos parece,

doutrinariamente, dispensável a notificação. Mas não aconselharíamos os administradores a

omiti-la.

Forma solene e aprovação: as atas podem ser lavradas por notário; mais precisamente,

através de instrumento avulso. Assim sucederá, segundo o artigo 63.º, n.º6 CSC:

Quando a lei o determine;

Quando, no início da reunião, a assembleia assim o delibere;

Quando, em escrito dirigido à administração e entregue na sede social com cinco dias

úteis de antecedência, algum sócio o requeira, suportando, então, as despesas

notariais.

Permitindo a lei escolher a forma notarial da ata, a escolha cabe a quem presidir à reunião:

motu proprio ou a requerimento de alguns sócios; pode ainda a assembleia deliberar nesse

sentido (artigo 63.º, n.º6 CSC). A lei portuguesa vigente não prescreve, quanto sabemos,

nenhum caso de obrigatoriedade de atas lavradas pelo notário. Limita-se a prever essa

eventualidade, com a consequência, quando ocorresse, de aligeirar a forma de atos ulteriores.

Nos artigos 446.º-A a 446.º-F, temos, ainda, outro tipo de atas: as lavradas pelo secretário da

sociedade – artigo 446.º-B, alínea b) CSC. Trata-se de uma figura que deve ser designada

pelas sociedades anónimas cotadas em bolsa de valores – artigo 446.º-A, n.º1 CSC – ou, na

linguagem pós 2006, admitidas à negociação em mercado regulamentado. Muitas vezes procede-se,

na sessão seguinte à da reunião que lhe deu azo, à aprovação da ata. O artigo 388.º, n.º3 CSC,

a propósito das sociedades anónimas, fixa uma norma que nos parece generalizável: a

assembleia pode determinar que a ata seja submetida à sua aprovação, antes de assinada. Qual

o sentido da aprovação? Não se trata de uma declaração social de vontade: essa teve lugar

aquando da própria deliberação em si. Antes será uma constatação ou um controlo de

fidelidade do texto da ata.

Função: por estranho que possa parecer, a função – e a própria natureza – da ata não estão

claras, no nosso Direito. A razão da obscuridade – cujos termos abaixo serão indicados –

reside na utilização de múltiplos elementos estrangeiros, sem se ter escolhido um modelo

claro. No domínio do Código Veiga Beirão, tínhamos o artigo 183.º, relativo ao

funcionamento da assembleia geral, segundo o §6.º:

«As atas das diferentes sessões serão assinadas pelo presidente e secretários e lavradas no registo

respetivo».

Este preceito era aproximado do artigo 37.º do mesmo Código, que, no tocante à escrituração

comercial, obrigava à existência de livros de atas das sociedades onde, além dos diversos

elementos, deveriam ser lançadas:

«(…) as deliberações tomadas e tudo o mais que possa servir para fazer conhecer e fundamentar

estas (…)».

A jurisprudência nacional começou por tomar esta exigência como um requisito formal: a

deliberação não lançada em ata seria nula; a ata – ou o lançamento em ata – teria o sentido

de uma formalidade ad substantiam. Este ponto não estava em definitivo resolvido, quando se

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levantou o tema da força probatória da ata. Aí, a propósito de certas opções feitas em

assembleias de sociedades por quotas, veio doutrinar-se que a ata faria prova plena do que,

nela, se exarasse. Quanto à ata como forma: a base legal era escassa. O artigo 37.º CSC não

depunha nesse sentido: a ata apenas visaria a reconstrução histórica do deliberado. Quanto à

força probatória: ela era plena no caso da ata lavrada por notário, o que ocorria nas sociedades

por quotas, por influência alemã. Perante as indefinições doutrinárias e legais, deu-se atenção

aos Direitos estrangeiros. Aí, frente a frente, dos sistemas:

O sistema alemão, segundo o qual todas as deliberações da assembleia geral devem

ser notarialmente tituladas; se assim não for, há nulidade;

O sistema latino, presente no artigo 2375.º do Código Italiano, que apenas exige atas

(verbale) assinada pelo presidente e pelo secretário; nas assembleias extraordinárias,

surge a ata notarial; pois bem: pelo menos no primeiro caso, a falta da ata não

invalidaria a deliberação, que poderia ser provada por qualquer outra forma.

No âmbito da preparação do Código, Vaz Serra propôs a solução alemã da nulidade por

inobservância da formalização prescrita para a ata. Esta, no meio de uma multiplicidade de

fontes inspiradoras, acabaria por enformar, ainda que de modo algo indireto, no artigo 63.º,

n.º1 CSC:

«As deliberações dos sócios só podem ser provadas pelas atas das assembleias ou, quando sejam

admitidas deliberações por escrito, pelos documentos donde elas constem».

A ata tem, pois, uma função problemática forte: e um meio exclusivo de prova. O artigo 63.º,

n.º1 CSC retoma, efetivamente e em termos práticos, a jurisprudência tradicional, que

retirava eficácia às deliberações não reduzidas a atas.

A natureza: antes de recordar os precisos contornos do regime da ata, dos quais dependerá

a determinação da sua natureza, cumpre recordar os fins e os valores que lhe estão

subjacentes. Numa assembleia de sócios podem participar muitas pessoas. Por vezes haverá

diversas opiniões, opiniões essas que poderão – ou não – implicar votos diferentes. Com

frequência, pessoas votam uma mesma proposta dando-lhe alcances diferentes. Por isso,

torna-se difícil, perguntando às pessoas, mesmo partindo do princípio de que são todas

honestas e apenas dizem a verdade, descobrir, afinal, o que se passou numa assembleia.

Passado algum tempo, as dificuldades aumentam: a memória humana é falaciosa e só retém

– mesmo de boa fé – ou o que impressiona, ou o que convém. Tudo isto leva a que, no

interesse dos participantes, se deva fixar em documento oficial o que se discutiu e, sobretudo,

o que se decidiu. A partir daí, só vale o que constar do documento em causa. Pensemos,

agora, nos terceiros. Estes podem ter um interesse legítimo em conhecer o que foi deliberado.

Aí, só um sistema da ta ajuda. E a ata em questão terá de ter uma especial estabilidade: quando

não, o terceiro poderia ser surpreendido, em momento subsequente, por alterações, quiçá

menos unânimes, introduzidas pelos sócios, em nome de uma verdade histórica que não é,

necessariamente, a verdade jurídica. Estas considerações são suficientes para afastar escolhas

de tipo mais solto, segundo as quais a ata seria um mero documento particular, a apreciar

livremente pelo juiz (Pinto Furtado). Não deve ser assim. Por certo que o juiz pode ser

convencido, por qualquer meio ponderoso, de que a ata é falsa. Mas para tanto, haverá razões

sérias e, sobretudo: tem de apurar-se, afinal, o que se passou na assembleia questionada. Na

dúvida, a ata prevalece. E não havendo, de todo, ata? Nessa altura, a deliberação está

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incompleta. Embora a fase da manifestação da vontade social se baste com a votação e o seu

apuramento, ela tem de ser formalizada e exteriorizada. Dondo o papel da ata. A lei admite

atas sem os requisitos legais e, designadamente, as atas constantes de documentos

particulares avulsos (artigo 63.º, n.º7 CSC). Estas atas, mesmo quando assinadas por todos

os sócios que participaram na assembleia, constituem (mero) princípio de prova. Concluímos,

pois:

Que a ata visa completar a deliberação;

Que se trata de uma formalidade (não forma!) ad probationem: condiciona a prova da

deliberação;

Que, na sua falta, a deliberação não é eficaz;

Que pode ser afastada por falsidade sem que, para o efeito, o Direito limite os meios

de prova.

A ata é, assim, uma formalidade destinada a completar o processo deliberativo. Faltando

requisitos legais, há que recorrer à lei, para verificar o seu valor. Em certos casos, a lei

dispensa a ata, pelo menos para determinados fins. Segundo o artigo 59.º, n.º4 CSC, a

proposição da ação de anulação não depende de apresentação da respetiva ata; mas se o sócio

invocar impossibilidade de a obter, o juiz mandará as pessoas que, nos termos da lei, a devam

assinar, para a apresentarem no tribunal, em prazo a fixar até 60 dias: a instância suspende-

se até essa apresentação. Como se vê, o legislador pretendeu não bloquear a ação de anulação

por falta de ata; todavia, esta mantém o seu poder probatório especial, uma vez que o

processo aguarda. E se não houver ata ou, de todo, ela não for exibida? Ai, o juiz deverá

concluir que não houve deliberação, decretando-o. Na falta de deliberação, não pode haver

anulação. Este preceito é aplicável à ação de nulidade: não se percebe porque não foi, antes,

colocado no artigo 60.º CSC. Em discutível técnica, o legislador aproveitou para, a propósito

da ação de anulação, fixar ou recordar certos aspetos atinentes à ata: artigo 59.º, n.º5 e 6 CSC.

Assim:

Para apresentação da ação em juízo, bastará que ela seja assinada por todos os sócios

votantes no sentido que fez vencimento (artigo 63.º, n.º3 CSC);

Tendo o voto sido secreto, considera-se que não votaram no sentido que fez

vencimento apenas aqueles sócios que, na própria assembleia, ou perante notário,

nos cinco dias seguintes à assembleia tenham feito consignar que votaram contra a

deliberação tomada.

Esta regra é aplicável noutras situações. Finalmente: a deliberação constante de ata goza de

proteção; declarada nula ou anulada a competente deliberação, não pode a sentença

prejudicar os direitos adquiridos de boa fé por terceiros, com fundamento em atos praticados

em execução da deliberação (artigo 62.º, n.º2 CSC). A ata registada goza ainda da proteção

conferida pelo registo comercial: positiva e negativa.

Secção II – Invalidades e ineficácia

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57.º - Dogmática e evolução gerais da invalidade e da

ineficácia

Conspecto básico: o tema da invalidade das deliberações sociais foi aprofundado na

Ciência Jurídica portuguesa, pelos estudos do saudoso Professor Vasco da Gama Lobo

Xavier. Vamos recordar o essencial. A invalidade das deliberações sociais é, ainda, um tema

de ineficácia de atos jurídicos. Com raízes esparsas no Direito romano, ela seria sistematizada

pela pandectística, com relevo para Savigny a quem se devem muitos dos quadros hoje

familiares a todos os juristas. Assim, depois de uma evolução marcada pelas ideias da

simplificação – os múltiplos vícios existentes foram sendo reduzidos, até ficarem apenas dois

ou três – e da substancialização – os vícios de teor processual foram reconduzidos ao Direito

subsidiário – chegou-se a um quadro em que a manifestação mais clara de ineficácia é a

invalidade. Esta abrange duas modalidades: uma, mais grave, dita nulidade absoluta ou,

simplesmente, nulidade e outra, mais leve, dita nulidade relativa ou, simplesmente,

anulabilidade ou impugnabilidade. Na atualidade, o tema em análise vive dominado pela

contraposição da nulidade à anulabilidade. Em termos de regime, há conhecidas diferenças

entre as duas figuras: a nulidade pode ser arguida a todo o tempo e por qualquer interessado

e pode ser declarada ex officio pelo tribunal, enquanto a anulabilidade só pode ser invocada

pela pessoa em cujo interesse seja estabelecida e isso dentro de um ano contado da cessação

do vício. Dogmaticamente, deve considerar-se que, enquanto a nulidade implica um não-

reconhecimento, pelo Direito, do ato viciado, o qual escapa à autonomia privada, a

anulabilidade traduz a presença, em determinada esfera jurídica, do poder de impugnar um

negócio. Não se pode afirmar, à partida, quando haja nulidade ou quando haja anulabilidade.

As doutrinas antigas descobriram a primeira na presença de normas de interesse público e a

segunda prante regras de interesse privado. Mas há aqui, tão-só, uma indicação tendencial

para o legislador que poderá, depois, seguir outras opções. Assim, hoje e por razões que se

prendem com a natureza histórico-cultural do Direito privado, vícios aparentemente leves

originam a nulidade enquanto outros mais pesados dão lugar, apenas, à anulabilidade; ou

vícios paralelos dão lugar à nulidade e à anulabilidade, consoante a formulação. Cumpre, pois,

caso a caso, ponderar as normas do jogo, com vista a descobrir a sanção que recaia sobre os

atos que as contradigam. Em termos de orientação tendencial, pode-se considerar que, no

Direito Civil, tendo em conta a amplidão do artigo 280.º CC, a regra é a da nulidade. Esta

prevalecerá sempre que a lei não indique um regime diverso.

A evolução geral: a introdução de uma doutrina da invalidade no domínio das

deliberações sociais foi complexa e demorada. Os Códigos Comerciais da primeira geração

nada diziam sobre o assunto. A novela alemã de 1884 introduziu uma referência breve à

impugnabilidade das deliberações das assembleias gerais das sociedades anónimas que

infringissem a lei ou o pacto social. Um esquema semelhante seria adotado pelo Código do

Comércio italiano, de 1882. Apenas o AktG alemão, de 1937 e o Código Civil italiano de

1942, assumiriam um sistema mais completo e coerente de invalidades das deliberações

sociais. Entre nós, a matéria começou por ser muito escassamente tratada no Código

Comercial e na Lei de 11 abril 1901, sobre as sociedades por quotas. O artigo 146.º CCom,

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hoje revogado, previa apenas a declaração de nulidade das deliberações contrárias à lei ou

aos estatutos, numa orientação retomada pelo artigo 46.º e seu §1.º da LSQ. Tal declaração

judicial ocorreria desde que algum sócio a viesse requerer judicialmente nos vinte dias

posteriores à sua tomada. De facto, seria uma anulabilidade: apenas o interessado a poderia

invocar e em certo prazo. Esta orientação, conquanto que arcaica, deixava já patentes as

valorações fundamentais do ordenamento. Qualquer situação de dúvida sobre a validade e a

eficácia de deliberações sociais deveria ser rapidamente solucionada, sob pena de bloquear

todo o esquema do modo coletivo de funcionamento do Direito. Devemos ainda ter presente

que a anulação de uma deliberação social põe em crise as deliberações conexas e os atos

jurídicos dela dependentes. A incerteza que tudo isso faz pairar nos horizontes societários é

grande. O Direito procura atalhar. Por isso, as primeiras leis apenas referem a anulabilidade

das deliberações impondo, além disso, prazos mais reduzidos para a sua invocação. Passado

algum tempo, a situação consolidar-se-ia, sem incertezas. Mau grado estas valorações e o seu

patente ajuste, a doutrina e a jurisprudência do âmbito do Código Veiga Beirão foram

confrontadas com vícios tão graves que a simples e tradicional anulabilidade não poderia

satisfazer. Haveria que fazer apelo à nulidade. Tudo isto explica ainda o interesse que, desde

cedo, houve em aproximar as deliberações sociais dos negócios jurídicos. Toda a doutrina da

ineficácia, desenvolvida a propósito destes, poderia, com as convenientes cautelas, ser

aproveitada. Na preparação do Código das Sociedades Comerciais, a matéria foi pesada. A

tarefa foi facilitada pelo desenvolvimento que o tema adquiriu noutras doutrinas, com relevo

para a alemã. Manteve-se, como ainda melhor será visto, o princípio do predomínio da

anulabilidade e não o da nulidade, como sucede no Direito Civil.

Quadro das ineficácias: antes de passar a uma análise dos competentes preceitos do

Código das Sociedades Comerciais, parece útil estabelecer um quadro geral das ineficácias

(lato sensu) suscetível de afetar as deliberações sociais. O vício de uma deliberação pode

resultar:

De vícios formais;

De vícios substanciais.

No primeiro caso, verifica-se que a deliberação, em si, é possível: todavia, não foi respeitado

o processo previsto para a sua emissão. Assim sucederá quando a assembleia geral não tenha

sido convocada – artigo 56.º, n.º1, alínea a)19 CSC ou quando se tenha recorrido ao voto

escrito sem que todos os sócios tenham sido convidados a emitir o seu voto – artigo 56.º,

n.º1, alínea b) CSC. No segundo, o procedimento prescrito foi seguido, mas a própria

deliberação defronta a lei ou os estatutos. Quanto às consequências jurídicas do vício,

podemos distinguir:

Deliberações aparentes;

Deliberações nulas;

Deliberações anuláveis;

Deliberações ineficazes ou stricto sensu.

19 Ou tenha sido deficientemente convocada, num ponto essencial.

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As deliberações aparentes, no Direito português, serão aquelas que sejam levadas ao registo

comercial e na base das quais certos terceiros tenham adquirido direitos, de boa fé. Mesmo

quando não correspondam a qualquer materialidade, elas produzirão os seus efeitos, de

acordo com as regras do registo. As deliberações ineficazes em sentido estrito não produzem

efeitos até certa eventualidade: é o que sucede no artigo 55.º CSC, a propósito das

deliberações que exijam o consentimento de determinado sócio. Veremos, de seguida, a

arrumação obtida no Código das Sociedades Comerciais, arrumação essa que, para facilidade

de estudo, adotaremos na exposição subsequente.

O sistema do Código: o Código das Sociedades Comerciais, na sequência dos

elementos doutrinários e comparatísticos que o antecederam, procurou dar um tratamento

moderno à matéria das ineficácias das deliberações sociais. Dedicou-lhe os seus artigos 55.º

a 62.º CSC: trata-se de preceitos que têm a maior relevância prática. Chamaremos a atenção

para os aspetos mais relevantes. O artigo 55.º CSC começa por fixa uma hipótese de ineficácia:

a de deliberação tomada sobre assunto para a qual a lei exija o consentimento de determinado

sócio, enquanto este não o deu. O artigo 56.º CSC reporta-se às deliberações nulas, enquanto

o artigo 57.º CSC obriga o órgão de fiscalização a, nessa eventualidade, tomar certas

providências. Seguem-se o artigo 58.º CSC, sobre situações anuláveis e o artigo 59.º CSC,

quanto à ação de anulação. Finalmente, os artigos 60.º e 61.º CSC apresentam disposições

comuns às ações de nulidade e de anulação enquanto o artigo 62.º CSC contém outras regras,

próprias, desta feita, apenas da nulidade (n.º1) e da anulabilidade (n.º2). O artigo 63.º CSC,

já estudado, reporta-se a atas: não tem a ver com a invalidade das deliberações sociais.

Dogmaticamente, a matéria apresentava-se madura. Poderia ter sido melhor sistematizada,

de acordo com as tradições dos códigos: primeiro os princípios; depois os casos; então o

regime; por fim, o processo. De todo o modo, podemos considerar esta área como um ganho

substancial, de 1986.

As deliberações ineficazes: as deliberações (em sentido estrito) são aquelas que, por

razões extrínsecas, não produzam efeitos ou, pelo menos, todos os efeitos que se destinariam

a comportar. O Código das Sociedades Comerciais só se lhe refere, de forma expressa, no

artigo 55.º CSC:

«Salvo disposição em contrário, as deliberações tomadas sobre assunto para o qual a lei exija

o consentimento de determinado sócio são ineficazes para todos enquanto o interessado não der

o seu acordo, expressa ou tacitamente».

A hipótese de a lei exigir, para uma deliberação, o consentimento de determinado sócio

recorda logo os direitos especiais dos sócios, previstos no artigo 24.º CSC (a hipótese inversa:

portanto, a de se criar um direito especial dos sócios ou de algum ou alguns deles, sem ser

por unanimidade, já conduziria a anulabilidade da deliberação). Será essa a única hipótese de

concretização do preceito? De facto, o legislador não fez uma remissão direta para o artigo

24.º CSC, antes usando uma fórmula capaz de dar cobertura a outras previsões legais.

Quando ocorram, o artigo 55.º CSC terá aplicação. A solução da lei levanta dúvidas. Poder-

se-ia entender, perante as regras gerais, que quando fosse atingido um direito especial de um

sócio:

Estaria em causa uma nulidade, por via do artigo 56.º, n.º1, alínea c) CSC;

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Estaria em jogo, além da ineficácia, uma anulabilidade, dado o artigo 58.º, n.º1, alínea

a) CSC.

No silêncio da lei, assim seria. O artigo 55.º CSC tem, todavia, o efeito de retirar as situações

nele previstas do regime comum, sujeitando-as à ineficácia. A solução do artigo 55.º CSC

tem, na origem, uma tradição nacional, tendente a atenuar as consequências de certas

invalidades. Nessa linha, podemos inscrever a já referida tendência de completar o quadro

legal, introduzindo a mera ineficácia. A previsão do artigo 55.º CSC visa, unicamente, as

deliberações tomadas sobre assunto para o qual a lei exija o consentimento de determinado

sócio. Não permite, todavia, inferir que exista ineficácia (stricto sensu) apenas nesse caso. As

regras gerais facultam, efetivamente, encontrar outras situações de ineficácia, já referida, de

deliberações (ainda) não reduzidas a ata: serão válidas mas ineficazes, até que isso opere. O

mesmo se poderá dizer das deliberações sujeitas a registo comercial, enquanto não se

mostrarem inscritas: desta feita, a ineficácia não é total; mas existe. Recorde-se que a

ineficácia teve um sentido remanescente. Além do traço de raiz – ou seja: com uma não

produção plena de efeitos por razões extrínsecas – a ineficácia surge como um conceito-

quadro residual. As hipóteses que se acolham serão distintas umas das outras, devendo ser

estudadas isoladamente.

Secção III – Nulidade

58.º - A nulidade por vícios de procedimento

Generalidades; procedimento e substância: as duas grandes categorias de vícios

das deliberações, à semelhança do que sucede com os negócios jurídicos, são constituídas

pela nulidade e pela anulabilidade. A primeira existe, sendo declarada pelo tribunal, a pedido

de qualquer interessado. A segunda traduz um direito potestativo na esfera de determinados

interessados: é atuada pelo tribunal, quando devidamente instalado. Recordamos que, no

domínio das sociedades, a regra é a anulabilidade. Esta cabe sempre que a lei não determine

a nulidade, tal como se infere do artigo 58.º, n.º1, alínea a) CSC. Podemos considerar que,

no campo em estudo, só ocorrem nulidades nos casos previstos na lei. Os casos de nulidade

são taxativos. Todavia, eles abrangem situações de grande amplitude, de tal modo que não

parece viável trabalhar, aqui, com uma verdadeira tipicidade taxativa. O artigo 56.º CSC fixa,

nas suas quatro alíneas, diversas hipóteses de deliberações que considera nulas. A sua leitura,

logo permite distinguir:

Vícios de processo ou de procedimento: alíneas a) e b);

Vícios de conteúdo ou de substância: alíneas c) e d).

No primeiro grupo incluem-se deliberações surgidas no termo de processos em que não

foram observadas formalidades essenciais. A alínea a) explicita a assembleia geral não

convocada, salvo se tiverem estado presentes ou representados todos os sócios e a alínea b)

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o equivalente vício, na hipótese de voto escrito. Poder-se-ia perguntar: e a situação de não

ter sido convocado determinado sócio, mas sendo seguro e confirmado que a sua presença

não alteraria o sentido da deliberação? Mesmo então, esta é nula: trata-se da necessidade de

respeitar um ritual legitimador, sem o qual todo o edifício societário ficaria descaracterizado.

O artigo 56.º, n.º2 CSC manda aplicar o mesmo regime à assembleia em cuja base estejam

determinados vícios da convocatória.

Vícios de procedimento: os vícios de procedimento eram já sancionados pela

jurisprudência anterior ao Código das Sociedades Comerciais. As orientações então

assumidas mantêm-se, podendo considerar-se que existe uma certa tendência no sentido de

diminuir relativamente o papel das questões formais, a favor das matérias. Verifica-se, depois,

que a convocatória deve ser suficientemente explícita. Na linha de jurisprudência antiga, não

se admitem fórmulas genéricas, proposições enigmáticas ou referências enganosas.Tudo

deve ser feito em moldes tais que o sócio comum, recebida a convocatória possa, com a

diligência habitual, entender, efetivamente, o que irá ser tratado na assembleia.

Consequências: a grande diferença entre os vícios de procedimento e os vícios de

substância reside na natureza sanável dos primeiros. A sanação opera quando os sócios

ausentes e não representados ou não participantes na deliberação escrita deem, por escrito,

o seu assentimento à deliberação – artigo 56.º, n.º3 CSC. Já quando se verifique um ício de

substância, a sanação não é possível; haverá que repetir a deliberação, sem o vício de

conteúdo que a aflija. Em rigor, estaremos já perante uma invalidade mista. Além disso, a

deliberação com vício de procedimento é renovável por outra deliberação à qual, ressalvando

os direitos de terceiro, se pode atribuir eficácia retroativa (artigo 62.º, n.º1 CSC). A contrario,

essa atribuição não é possível perante vícios e conteúdo. O facto de os vícios de

procedimento previstos no artigo 56.º, n.º1, alínea a) e b) CSC, poderem ser sanados, por via

o referido artigo 56.º, n.º3 CSC, conduz ao seguinte: não se trata, em rigor, de verdadeiras

nulidades ou nulidades puras. De todo o modo, a figura adere largamente ao tipo nulidade

pelo que, como tal, deve ser considerada: ainda que com um regime especial.

59.º - A nulidade por vício de substância

Não sujeição, por natureza, a deliberação dos sócios: o artigo 56.º, n.º1, alíneas

c) e d) CSC, determina a nulidade por vícios de conteúdo ou substância. Mais precisamente,

prevê:

Deliberações cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberações dos

sócios (alínea c));

Deliberações cujo conteúdo, diretamente ou por atos de outros órgãos que determine

ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam

ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios (alínea d)).

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Que deliberações poderão ter um conteúdo que não esteja, por natureza, sujeito a

deliberações dos sócios? Este preceito levanta dúvidas sérias de interpretação. Frente a frente,

duas orientações:

A da incompetência;

A da impossibilidade.

Pela teoria da incompetência – de resto: tradicional – a alínea c) do artigo 56.º, n.º1 CSC

invalidaria os atos estranhos à competência da assembleia geral e, ainda, atos que

interferissem com terceiros. Tal opção de Lobo Xavier, de Carneiro da Frada, de Brito

Correia, de Carlos Olavo, de Raúl Ventura e de Pedro Maia. Contra, manifesta-se (e bem)

Pinto Furtado: a mera inobservância de regras, internas de competência não poderia ser tão

grave que justifique a nulidade; além disso, quando prejudicados terceiros ou quando

atingidas regras legais de competência, cair-se-ia seja na ineficácia, seja na alínea d). Posto

isto, este Autor apresenta a sua própria teoria: a de impossibilidade física. O artigo 56.º, n.º1,

alínea c) CSC, consideraria nulas as deliberações fisicamente impossíveis; as legalmente

impossíveis caberiam na alínea d), do mesmo preceito. Chamar-lhe-emos a teoria da

impossibilidade. O pensamento de Pinto Furtado via reconstruir, no quadro das nulidades

das deliberações, o artigo 280.º CC. Fica a pergunta: se o legislador de 1986 pretendeu

respeitar o de 1966, para quê recorrer a enigmas e, designadamente: porquê abandonar

conceitos consagrados, para se lançar na completa aventura de definir novas fórmulas para

as nulidades mais profundas? Não há resposta. A fórmula da alínea c) terá sido retirada do

§241/3 AktG alemão, que considera nulas as deliberações que não sejam compagináveis com

a essência da sociedade anónima. Todavia, perante tal preceito, a doutrina afiança que se trata

de uma norma residual destinada a acolher situações nas quais a deliberação não possa

subsistir, mas que não se deixem reconduzir a outros fundamentos de nulidade. Não parece,

pois, haver grande hipótese de aclaração, por via da origem do preceito. De todo o modo,

mandam as boas regras que se parta da presunção de acerto da lei e que se procure uma

solução harmónica para tudo isto. A ideia de Pinto Furtado é sedutor: explicaria o porquê da

severa nulidade e daria um alcance plausível à referência natureza. Mas tem óbices, embora

menores do que os da teoria da competência. São eles:

Cinde as impossibilidades física e legal: ambas se integram, de facto, numa área

unitária redutível à conformação legal;

Causa embaraços, perante a figura da impossibilidade superveniente: uma deliberação

hoje válida pode ser amanhã nula e revalidar-se a seguir? Inversamente: a deliberação

nula pode validar-se se uma ocorrência impensável a viabilizar?

Rema contra a atual corrente jurídico-civil: a possibilidade deixou de ser requisito de

validade da obrigação, na reforma do BGB alemão de 2002 e isso por razões

operacionais para o Direito português; será uma questão de tempo: a impossibilidade

deixará o rol das fontes da nulidade do negócio.

Mas sobre tudo isto paira uma objeção mais societária: uma deliberação cujo conteúdo não

esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios não pode ser, simplesmente, uma

deliberação de conteúdo fisicamente impossível: isso (pela perspetiva ainda corrente) atingiria

todo e qualquer ato e não, somente, as deliberações. A natureza não implica, aqui,a ordem

natural das coisas ou cairíamos na teoria da impossibilidade. Também não equivale a ordens

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extrajurídicas, ou estaríamos perante os bons costumes. A natureza reporta-se à índole do

conteúdo questionado e não à bitola da admissibilidade. Feita esta precisão, pergunta-se: o

que é que, sendo lícito e possível – quando não, funciona a alínea d) –, não pode, todavia e

pela (sua) natureza, surgir como conteúdo de uma deliberação social? De momento, só

vemos uma resposta: o que, pelo seu teor, não caiba na capacidade da pessoa coletiva

considerada. Os próprios negócios celebrados fora da capacidade natural ou legal da

sociedade serão nulos, por impossibilidade legal ou por ilicitude. As deliberações que lhes

estejam na origem são-no, igualmente, por via do artigo 56.º, n.º1, alínea c) CSC. Resta

acrescentar que a importância deste vício é escassa, tal como escasso é, hoje, o papel da

(in)capacidade das sociedades.

Contrariedade aos bons costumes: uma segunda previsão de vícios de substância

consta da 1.ª parte do artigo 56.º, n.º1, alínea d) CSC. São nulas as deliberações,

«Cujo conteúdo, diretamente ou por atos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo

dos bons costumes».

De novo o legislador de 1986 entendeu retomar algumas categorias civis, alterando a

linguagem e abrindo problemas sem qualquer ganho. Na interpretação do preceito transcrito

impõe-se alguma disciplina mental e científica. Em especial: parece-nos francamente

deslocado pretender, a propósito do artigo 56.º, n.º1, alínea d), 1.ª parte CSC, descobrir ou

reescrever o verdadeiro conceito de bons costumes. Por certo que qualquer jurista tem tanto

direito quanto o dos seus pares de opinar e de escrever sobre o tema. Fazê-lo, num caso

destes, sem percorrer todo o calvário do Direito Romano, das receções, dos contributos

racionalista e pandectístico, do Direito comparado e do Direito alemão, fonte dos atuais bons

costumes, é ligeireza que apenas perturbará a jurisprudência. Em nome da disciplina acima

reclamada, propomos que na pesquisa dos bons costumes do artigo 56.º, n.º1, alínea d), 1.ª

parte CSC, se reconheçam e se adotem, a título de evidências cartesianas, os seguintes

postulados:

O Código das Sociedades Comerciais utiliza a noção comum de bons costumes, tal

como resulta do Código Civil;

Essa noção não se confunde com a de ordem pública; tão-pouco absorve esta última;

Não é lícito recorrer ao Direito estrangeiro sem fazer Direito comparado, isto é: sem

verificar, perante as coordenadas científicas da ordem dadora e da ordem recetora,

se a transposição é possível.

A referência aos bons costumes surge de modo inesperado no Código das Sociedades

Comerciais. Estando no Código Civil e aplicando-se a todos os atos jurídicos – artigos 280.º,

n.º2 e 295.º CC – ela atingiria, seguramente, as deliberações sociais. E de facto, a noção não

constava do Projeto de Código. Foi introduzida à última hora por reverência para com o

chamado projeto de Coimbra relativo as sociedades por quotas: tanto quanto se sabe, sem

que nenhum dos Autores desse projeto tenha defendido tal introdução: pelo contrário. Por

seu turno, tem-se considerado que o projeto de Coimbra teria bebido inspiração no §241/4

AktG, segundo o qual:

«Uma deliberação da assembleia geral, além dos casos (…) só é nula quando:

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(…)

«4. Atente, pelo seu conteúdo, contra os bons costumes».

A doutrina alemã viu, aqui, uma orientação no sentido de restringir as consequências do

§138.º I BGB: a nulidade só ocorreria quando, pelo conteúdo da deliberação, surgisse o

atentado aos bons costumes. Se apenas a causa, o escopo ou as consequências da deliberação

fossem contrários aos bons costumes, haveria mera anulabilidade: mais uma manifestação da

necessidade de atenuar, a propósito das sociedades, as consequências das invalidades. Resta

acrescentar que os Autores alemães acolhem, a propósito do AktG, a noção de bons

costumes que vem do Código Civil. Quanto aos próprios bons costumes: eles abrangem

regras de conduta familiar e sexual e, ainda, códigos deontológicos próprios de certos setores.

O Direito Português ao contrário do alemão! – distingue os bons costumes da ordem pública:

razão definitiva por que não faz sentido insistir na inclusão de uma série de princípios

injuntivos gerais, no seio dos bons costumes. A violação desses princípios (a reconduzir à

ordem pública) deverá confrontar-se na 2.ª parte do artigo 56.º, n.º1, alínea d) CSC. Além

disso, cumpre considerar superada a confusão entre bons costumes (noção técnico-jurídica

há muito conquistada) e moral social. Sem precisão de conceitos, não há progresso jurídico-

científico. Incorre na previsão da nulidade por atentado aos bons costumes, qualquer

deliberação social que:

Assuma um conteúdo sexual ou venha bulir com relações reservadas ao Direito da

Família;

Atente contra deontologias profissionais;

A jurisprudência portuguesa, mau grado a confusão de conceitos que advém da doutrina,

tem vindo, mesmo sem o assumir, a detetar uma deontologia comercial que deve presidir às

deliberações sociais, sob pena de nulidade. Assim:

É ofensiva dos bons costumes a deliberação de distribuir lucros por dois fundos e

uma conta nova, prosseguindo há vinte e cinco anos com uma prática de não

distribuir lucros aos sócios (STJ, 7 janeiro 1993);

Idem quanto à deliberação unânime de vender a uma irmã de um sócio o único imóvel

da sociedade por um preço muito inferior ao valor real (RPt 13 abril 1999);

Idem quanto à deliberação de vender por 210 000 c., o estabelecimento e sede da

sociedade, quando o sócio minoritário presente ofereceu 518 000c., equivalentes ao

valor real (STJ 3 fevereiro 2000);

Idem quanto à deliberação de trespassar um estabelecimento e vender terrenos por

menos de metade do seu valor real: «não realiza o fim social, choca o senso comum

de justiça e briga pois com a consciência social, mesmo quando considerada apenas

no âmbito mais restrito da ética dos negócios» (STJ 15 dezembro 2005).

Essa deontologia impõe-se quando estejam em jogo violações grosseiras, em termos de a

determinar in concreto. Assinale-se que a indeterminação daqui resultante não é grave. Mostra

a experiência que, na prática, os juristas põem-se facilmente de acordo quanto aquilo que se

coloque fora de ética dos negócios: e isso quando seja difícil encontrar formulações

explicativas.

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Conteúdo contrário a preceitos inderrogáveis:a 2.ª parte do artigo 56.º, n.º1,

alínea d) CSC prevê um terceiro vício de substância indutor de nulidade das deliberações.

Assim, são nulas as deliberações cujo conteúdo, direta ou indiretamente:

«(…) seja ofensivo (…) de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por

vontade unânime dos sócios».

Este preceito visa as deliberações contrárias a normas legais, imperativas. A sua redação

presta-se a críticas, pela confusa fórmula que veio adotar. O preceito adveio do já referido

Projeto de Coimbra, sendo aí justificado por parecer ser este o critério de mais fácil e segura

aplicação prática. Só assim seria se, em cada caso, a lei anunciasse que dispositivos não podem

ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios. Ora a lei não o faz: em nenhum

caso, ao que sabemos. Queda à doutrina apurar critérios. O preceito que possa ser afastado

por deliberações dos sócios é meramente supletivo. Em casos especiais exigir-se-á a

unanimidade: não deixará de haver supletividade. Por isso, a deliberação que não respeite a

regra da unanimidade não é nula: apenas anulável. Nesta base, pouco se avançou. O que está

simplesmente em causa é a determinação da natureza imperativa da norma afastada pela

deliberação social. Como proceder? Não parece que o tema seja fundamentalmente diferente

da determinação equivalente a fazer no Direito das Obrigações. Como pano de fundo,

deveremos ter presente que o Direito das Sociedades é Direito Privado. Nessa medida, ele é

tendencialmente supletivo: visa ocupar-se das matérias que os interessados não quiseram

regular diferentemente. Infere-se daqui que, quando outra coisa se não conclua, não há

nulidade por atentado à lei, quando esta não seja imperativa. A natureza imperativa de um

dispositivo pode impor-se:

Explicitamente: o próprio preceito dirá salvo cláusula em contrário (supletivo) ou mau

grado cláusula em contrário (injuntivo), ou expressões equivalentes;

Implicitamente: o preceito é mudo, devendo ser delucidado com recurso a regras

exógenas.

Grosso modo, podemos dizer que uma regra societária é imperativa:

Quando integre a ordem pública;

Quando concretize princípios injuntivos;

Quando institua ou defenda posições de terceiros.

A ordem pública é composta por vetores constituintes do sistema considerado e, como tais,

inderrogáveis. Além da ordem pública geral estará aqui em jogo a ordem pública societária,

que integra, entre outros, os elementos necessários do contrato e os factos integrativos dos

tipos de sociedades. Os princípios injuntivos desenvolvem-se em normas elas próprias

injuntivas. Podem ser princípios civis: por exemplos, os artigos 72.º e seguintes, por darem

corpo à regra geral do artigo 809.º CC; outro tanto com o artigo 14.º, perante o artigo 300.º,

todos CC. E pode, naturalmente, ser princípios societários: o voto não é disponível nas

sociedades em nome coletivo (artigo 190.º, n.º1 CSC), em aplicação do princípio do artigo

21.º, n.º1, alínea b) CSC. As posições de terceiros não podem, por fim, ser atingidas por

deliberações sociais. No limite, tal decorreria dos artigos 13.º, n.º1 e 62.º, n.º1 CRP. A

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jurisprudência confirma as asserções acima produzidas, ainda que recorrendo, em certos

casos, a outras terminologias.

A contrariedade indireta: o artigo 56.º, n.º1, alínea d) CSC, prevê ainda, quer em

relação ao atentado aos bons costumes, quer perante a violação de norma injuntiva, a

hipótese de tal suceder em termos indiretos. Usa a perífrase de a prevaricação ocorrer «por

atos de outros órgãos que determine ou permita». Em bom rigor, porém, a deliberação que determine

ou que permita que outro órgão atente contra os bons costumes ou viole normas injuntivas

é diretamente nula, nos mesmos e precisos termos em que o seria a congénere mais frontal.

Aliás: a deliberação, salvo quando potestativa, não passa de uma abstração exarada em ata:

os seus eventuais malefícios manifestar-se-ão, mais tarde, a propósito da execução. Tem

interesse atentar no artigo 58.º, n.º2 CSC: contém, fora do contexto, uma importante regra

sobre nulidades. Pode acontecer que um contrato de sociedade reproduza – particularmente

nos estatutos – regras legais injuntivas. Quando isso suceda, considera-se que, havendo

violação, tais regras são diretamente violadas e não (apenas), as contratuais.. Com a

consequência de se aplicar a nulidade e não, como decorreria do final do artigo 58.º, n.º1,

alínea a) CSC, a mera anulabilidade.

Consequências: a nulidade de uma deliberação pode ser invocada a todo o tempo e por

qualquer interessado: é o que extraímos da regra geral do artigo 286.º C, em termos

confirmados pelo artigo 59.º, n.º1 e 2 CSC, a contrario. Como se vê, ela faz pairar grave

incerteza sobre a sociedade, o que explica as restrições legais e o facto de, por defeito,

prevalecer a anulabilidade (artigo 58.º, n.º1, alínea a) CSC). Perante deliberações nulas, o

artigo 57.º CSC faculta a iniciativa do órgão de fiscalização. Em síntese:

O órgão de fiscalização deve dar a conhecer aos sócios, em assembleia geral, a

nulidade de qualquer deliberação, para eles a renovarem, sendo possível, ou para

promoverem a declaração judicial respetiva (n.º1);

Se eles não a renovarem ou se a sociedade não for citada para a ação de nulidade no

prazo de dois meses, deve o órgão de fiscalização promover sem demora a declaração

judicial de nulidade em causa (n.º2);

O órgão de fiscalização deve então propor ao tribunal a nomeação de um sócio para

representar a sociedade (n.º3);

Nas sociedades sem órgãos de fiscalização, cabe o poder referido a qualquer gerente

(n.º4).

Repare-se que é do interesse da própria sociedade e dos seus sócios o não deixar pendentes

situações de nulidade que poderão, depois e em qualquer altura, ser invocadas, com danos

para todos.

Secção IV – A anulabilidade

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60.º - A anulabilidade por violação de lei (não geradora de

nulidade)

Generalidades; o vício de forma: o artigo 58.º, n.º1, alínea a) CSC, como tem sido

ficado de modo repetido, a cláusula geral da invalidade das deliberações sociais: havendo

violação da lei – quando não caiba nulidade – as deliberações em falta são anuláveis. Trata-

se de uma regra que, através do Projeto de Coimbra sobre sociedades por quotas, nos adveio

do AktG alemão. A germanização do nosso Código das Sociedades Comerciais pelo menos

na forma, é muito intensa. Mas como veremos, no plano da interpretação e da concretização

das normas em jogo, chega-se a soluções verdadeiramente nacionais, distintas das fontes

inspiradoras de origem. O artigo 58.º, n.º1, alínea a) CSC move-se entre dois valores,

aparentemente contraditórios: a necessidade de segurança jurídica, que leva a restringir

quanto possível a invalidade das deliberações sociais e a justiça, que permite aos sócios

vítimas de ilegalidades perpetuadas pela assembleia geral fazer valer as suas posições. A

primeira fonte de anulabilidade deriva da violação da lei. A sobreposição com a nulidade é

resolvida através da consunção por esta: quando ocorra, prevalece a nulidade. Qual a bitola?

Tratando-se de vícios de forma ou de omissão de formalidades, haverá que seguir o artigo

56.º, n.º1 CSC: as hipóteses neste inseridas geram nulidade; todas as outras, mera

anulabilidade. Mesmo então impõe-se o raciocínio substancial de Karsten Schmidt, apoiado

na jurisprudência e que corresponde a uma regra geral do processo: só haverá anulabilidade

quando a falha verificada possa influenciar o sentido da deliberação. Nalguns casos, tal

sucederá fatalmente: assim a hipótese de se impedir a participação de um sócio minoritário

na assembleia; temos de admitir que, mau grado a irrelevância dos seus votos, a sua presença

na assembleia, através de questões e de intervenções persuasivas, seria de molde a fazer

bascular a maioria. Evidentemente: exige um cripto-juízo de ilegitimidade, que tem também

o seu peso. Segundo a jurisprudência exemplificativa, encontramos os seguintes caos de

vícios de forma capazes de induzir anulabilidade:

Convocação sem a antecedência é fonte de anulabilidade;

A violação de normas imperativas de (mero) procedimento, por oposição ao

conteúdo, gera simples anulabilidade: tal o caso do aumento de capital votado sem

atingir a maioria de ¾ dos votos correspondentes ao capital social;

A convocação da assembleia por aviso postal, quando era exigível a publicação do

competente aviso no Diário da República, conduz a anulabilidade por ser vício

meramente formal;

A falta, na convocatória, de referência à destituição do gerente, a qual ocorreu de

modo não unânime, conduz à anulabilidade.

Estas decisões ilustram, da melhor forma, a ideia do favor societatis.

Vício de substância: como vimos, a nulidade das deliberações sociais ocorre sempre

que elas defrontem normas jurídicas injuntivas. Logicamente: haverá anulabilidade quando

as normas atingidas sejam dispositivas ou supletivas. Temos de nos entender quanto à

supletividade: significa ela que a norma pode ser afastada pelo contrato de sociedade; não

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por mera deliberação dos sócios, como expressamente resulta do artigo 9.º, n.º3 CSC. Bem

se compreende tal orientação. Ao contratar, as partes assentaram na aplicabilidade dos

estatutos e, ainda, no de um conjunto de regras que, podendo afastar, elas mantiveram. Não

devem ser surpreendidas com deliberações maioritárias que equivalham à alteração do jogo

inicialmente fixado. A contraprova reside no próprio artigo 56.º, n.º1, alínea d), 2.ª parte CSC:

quando a norma possa ser afastada pela unanimidade dos sócios, há supletividade; a

correspondente deliberação será impugnável; não nula. Veremos aliás que, por esta via, se

torna possível alterar estatutos, fora do formalismo a tanto dirigido. A referência a lei deve

ser entendida em termos amplos: violação do Direito. Fica incluída a norma legal expressa,

o princípio, o conceito indeterminado e o Direito consuetudinário. Entre os princípios

societários cuja violação pode gerar anulabilidade temos, quando eficazes, o do igual

tratamento e o da lealdade. Entre nós, eles operam como manifestação de boa fé e, em certos

casos, do exercício inadmissível de posições jurídicas, dito abuso do direito nos Países do sul.

Quer isso dizer que o abuso do direito, quando não seja consumido pelo artigo 58.º, n.º1,

alínea b) CSC, pode ser sancionado através da alínea a) do mesmo preceito. A matéria das

deliberações sociais integra-se no sistema. Não se lhe podem negar os valores básicos, através

de jogos de normas advindos, para mais, das áleas que rodearam o Código das Sociedades,

de 1986. As exigências da segurança são satisfeitas através da mera anulabilidade e do regime

restritivo que lhe dá corpo. Os exemplos judiciais de anulabilidade, por violação do conteúdo

não-imperativo dos preceitos, é impressivo.

Violação dos estatutos; a modificação informal unânime: o artigo 58.º, n.º1,

alínea a), in fine CSC, seguindo o modelo alemão, prevê a anulabilidade pela violação do

contrato de sociedade; em regra: dos estatutos. Quando a violação seja decidida por

unanimidade, e nenhum dos sócios a poderá impugnar, devendo-se então entender que o

órgão de fiscalização também não o pode fazer. Salvo a inoponibilidade eventualmente

consubstanciada perante terceiros, deverá então entender-se que os estatutos foram

modificados, de modo informal, pela unanimidade dos sócios. Só assim não será quando se

defronte uma norma imperativa, altura em que se seguirá a nulidade ex artigo 56.º, n.º1, alínea

d), 2.ª parte CSC. A justificação para a invalidade é clara: tendo-se os sócios vinculado a

determinado pacto, não podem desviar-se dele a não ser nos termos previstos nele próprio

ou na lei. Salvo unanimidade, a deliberação está em falta. Todavia, não há, pela lógica

societária, razões para a nulidade, uma vez que não se jogam regras injuntivas. As violações

insignificantes não são causa de anulabilidade: de minimis non curat praetor. E não são causas de

anulabilidade simples violações de acordos parassociais: a sua eficácia é meramente

obrigacional. Ainda no tocante à violação de estatutos, a jurisprudência dá-nos exemplos

essencialmente de natureza formal.

61.º - A anulabilidade por votos abusivos

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Conspecto e evolução: prosseguindo no estudo das deliberações anuláveis,

encontramos o dispositivo do artigo 58.º, n.º1, alínea b) CSC. Segundo esse preceito, são

anuláveis as deliberações que:

«Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através

do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo

da sociedade ou de outros sócios ou, simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos

que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos».

Trata-se de uma formulação (desnecessariamente) complexa, vertida da lei alemã e que exige

uma cuidada interpretação. No Direito anterior ao Código das Sociedades Comerciais, as

deliberações sociais podiam ser invalidadas por abuso do direito. Tal o entendimento da

jurisprudência e da doutrina, tendo havido, já nessa altura, uma pré-receção de elementos

germânicos. A evolução foi lenta. Como decisão pioneira, aponta-se o acórdão da RCb 28

maio 1930, que sancionou o facto de se ter excluído um sócio por não realização da quota,

contra o que resultava do pacto social. Esta primeira orientação teve, depois, um influxo

doutrinário, tecido em torno do problema da amortização de quotas. Esta, a não ser feita

pelo valor real, geraria injustiça grave. Nesse sentido, cumpre recordar estudos importantes

de Galvão Telles e de Manuel de Andrade, que teriam influência posterior. A referência

limitativa a um abuso especificamente societário foi introduzida na jurisprudência, ainda

antes da reforma de 1986, através de escritos do Professor Ferrer Correia. A importância do

fator universitário na transposição de elementos jurídico-científicos, com reflexos diretos na

prática, é decisiva.

A interpretação da lei: feito o posicionamento histórico, cumpre interpretar o instituto

do artigo 58.º, n.º1, alínea b) CSC, a que chamaremos anulabilidade por votos abusivos.

Podemos decompor o preceito nos seguintes elementos:

O propósito de um dos sócios;

De conseguir através do exercício do direito de voto;

Vantagens especiais para si ou para terceiros;

Em prejuízo da sociedade ou de outos sócios.

Estes dois últimos elementos podem ser substituídos por uma única proposição:

O propósito de, simplesmente, prejudicar a sociedade ou (os) outros sócios.

Surgindo um pressuposto negativo:

A menos que se prove que as deliberações seriam tomadas mesmo sem os votos

abusivos.

Historicamente, este preceito foi adotado para cobrir as hipóteses de invalidade engendradas

por elementos exteriores à própria deliberação. De todo o modo, exigia-se uma adequação

objetiva; tal adequação está presente no artigo 58.º, n.º1, alínea b) CSC, embora com menos

clareza do que no texto dador. Tomando o preceito tal como está, ele atinge as deliberações

que tenham, subjacentes, denominados votos abusivos os quais, objetiva e subjetivamente:

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Acarretem vantagens especiais para o próprio, em detrimento da sociedade ou de

terceiros; ou

Tenham natureza emulativa, visando prejudicar a sociedade ou outros sócios.

Vantagens especiais opõe-se a gerais; traduz, assim, as vantagens que assistam

particularmente a um sócio ou a terceiros, e não a todos os sócios ou a uma grande

generalidade de terceiros. Nos termos gerais, a intenção terá de se inferir da conduta exterior

do sócio, ou o instituto ficará inviabilizado. Ato emulativo, na tradição romana, é o que vise

provocar danos gratuitos a outrem. Como alinhar este instituto perante o abuso do direito?

Logo à partida, devemos prevenir contra a presença, no Direito das sociedades comerciais,

com noções arcaicas de abuso do direito. O abuso do direito ou exercício inadmissível de

posições jurídicas equivale, simplesmente, a um exercício contrário à boa fé. A boa fé exprime,

em cada situação, a valores fundamentais do ordenamento. Para tanto, usam-se princípios

mediantes, com relevo para a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente.

Finalmente: tudo isto se caracteriza em grupos de casos típicos perfeitamente conhecidos e

experimentados pela doutrina e pela jurisprudência: inalegabilidades formais, venire contra

factum proprium, suppressio, surrectio, tu quoque e exercício em desequilíbrio. Qualquer autor pode

pretender mudar esta terminologia. Não vemos, nisso, nenhuma vantagem: ela está

sedimentada em milhares de escritos especializados e de decisões judiciais, particularmente

na Alemanha e em Portugal. Fazê-lo, ad nutum, seria ligeireza de quem se julgue habilitado a

opinar sem ler o que critica e sem aceder à lei e à jurisprudência. Isto dito: os votos abusivos,

na vertente vantagens especiais, traduzem uma atuação fora da permissão jurídica em jogo.

Não se trata de abuso do direito mas, simplesmente, de falta de direito. Uma melhor

interpretação dos atos em jogo permitirá determinar se o efeito pretendido está ou não

coberto pela norma legitimadora. Os votos emulativos já serão abusivos: na versão

desequilíbrio no exercício. Uma interpretação rigorosa do artigo 58.º, n.º1, alínea b) CSC

permitiria, assim, concluir que, salvo o aditamento emulativo, não está em causa um

verdadeiro abuso do direito; apenas a necessidade de recordar que certos votos não podem

prosseguir finalidades extra societárias. Poderá haver verdadeiras deliberações abusivas, por

contrariedade à boa fé; elas cairão, todavia, no artigo 58.º, n.º1, alínea a) CSC. Como já foi

referido: é essa a solução que nos vem da própria Alemanha.

A prática jurisprudencial: a prática portuguesa tem seguido outros rumos. Os votos

abusivos foram adotados, como categoria, antes da introdução, pelo Código das Sociedades

de 1986, da prossecução inadmissível de vantagens especiais. Nessa altura, a aproximação ao

abuso do direito visou torna-las mais verosímeis. Agora: ela corre o risco de ser redutora. Já

se defendeu, entre nós, que o abuso, nas deliberações sociais é, apenas, o do artigo 58.º, n.º1,

alínea b) CSC: com isso, o artigo 335.º CC, não teria aplicação. Não pode ser. O sistema

jurídico tem uma harmonia interna que lhe vem dos romanos, que foi aperfeiçoada pelas

codificações e que ocupa toda a Ciência do Direito dos nossos dias. Se não for assim: não há

Ciência e o próprio princípio da igualdade entra em crise. A exigência de respeito pelo

essencial do sistema, em cada caso, recorda que as normas não se aplicam isoladas: todo o

Direito é, sempre, aplicável em conjunto. Por certo que há zonas mais insensíveis ao abuso,

em nome da segurança. Mas a boa fé tem instrumentos de sobra para introduzir essas

particularidades nos seus modelos de decisão: problemas como o das inalegabillidades

formais estão reduzidos, em termos dogmáticos, há quase um século. Em caso algum o artigo

58.º, n.º1, alínea b) CSC, poderia afastar a aplicabilidade do artigo 334.º CC, na parte em que

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refere a boa fé. Caminho inverso seria o de alargar o artigo 58.º, n.1º, alínea b) CSC, de modo

a abarcar, no campo das deliberações sociais, todo o abuso do direito. Não vemos vantagens.

Além disso, vai contra a história e a letra do preceito. Mas sempre seria via preferível à de

pretender excluir o abuso, do campo deliberativo. Tudo visto: propomos a aplicação do

artigo 58.º, n.º1, alínea b) CSC, às situações nele previstas; além disso, as deliberações que

incorram, nos termos gerais, em abuso do direito, serão anuláveis, por via da alínea a) do

mesmo preceito. Um apanhado de jurisprudência mostra que o instituto dos votos abusivos

tem sido utilizado dentro dos quadros do artigo 58.º,n.º1, alínea b) CSC. De resto: na linha

do que já sucedia antes, mesmo, da aprovação do Código de 1986. Há uma paulatina

colonização dos votos abusivos pelo abuso do direito. Além disso, surge a referência a um

interesse da sociedade, como forma de auxiliar na ponderação dos valores em presença:

método típico do abuso do direito, na vertente do exercício em (des)equilíbrio. Também nos

parece claro que o elemento subjetivo tem vindo a, discretamente, passar ao segundo plano.

Os votos abusivos não provocam, apenas, a anulabilidade das deliberações que propiciem.

Eles obrigam, ainda, a indemnizar a sociedade a e os outros sócios, pelos prejuízos que

causem. O artigo 58.º, n.º3 CSC prescreve, nessa altura, a solidariedade entre os votantes em

abuso.

A anulabilidade: o artigo 58.º, n.º1, alínea c) CSC, considera anuláveis as deliberações

que não tenham sido precedidas do fornecimento, ao sócio, de elementos mínimos de

informação. O artigo 58.º, n.º4 CSC procurando prevenir dúvidas, explicita os elementos

mínimos de informação. São eles:

As menções do artigo 377.º, n.º8 CSC; este preceito tem a ver com o aviso

convocatório de assembleias em sociedades anónimas, sendo aplicável às sociedades

por quotas, nos termos do artigo 248.º, n.º1 CSC;

A colocação de documentos para exame dos sócios no local e durante o tempo

prescritos pela lei ou pelo contrato.

Em rigor, a violação das regras sobre informação prévia tem a ver com a inobservância das

normas de processo, caindo no artigo 58.º, n.º1, alínea a) CSC. Como tal é, de resto,

considerada na doutrina alemã. Tem interesse verificar o modo porque a falta ilícita de

informação vem sendo manuseada na jurisprudência, no tocante à invalidação, por

anulabilidade, das deliberações. Incluímos, neste elenco, situações de inobservância do

direito à informação que não se enquadrem, precisamente, no artigo 58.º, n.º1, alínea c) e

58.º, n.º4 CSC. Em rigor, elas cairiam na alínea a) do n.º1 desse preceito. Todavia, parece

razoável proceder a uma unificação sistemática da matéria. A própria jurisprudência enceta

passos, nesse sentido.

62.º - A ação de anulação

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Generalidades; a legitimidade: tendo fixado, em termo substantivos, as

circunstâncias suscetíveis de conduzir à invalidade das deliberações sociais, o Código das

Sociedades veio regular alguns aspetos da ação de anulação: artigo 59.º CSC. A legitimidade

para a ação de anulação é conferida (artigo 59.º, n.º1 CSC):

Ao órgão de fiscalização;

A qualquer sócio que não tenha votado no sentido do vencimento nem,

posteriormente, tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente.

A intervenção do órgão de fiscalização em questões de mera anulabilidade obrigaria a

repensar dogmaticamente este instituto: já não se trataria da concessão, ao sócio, de um

direito potestativo de impugnar a deliberação, mas antes de algo mais profundo. O preceito

deve ser entendido em termos restritivos: se todos os sócios aprovarem uma deliberação

anulável ou se o sócio prejudicado vier confirmá-la, como explicar uma impugnação deduzida

pelo órgão de fiscalização? A atuação do órgão de fiscalização, que não estava prevista no

projeto de Coimbra, só se admite, mesmo perante a (deficiente) lei em vigor quando a

deliberação não tenha sido integralmente adotada ou confirmada. Para além disso: há erro

legislativo. Dogmaticamente, a anulabilidade fica na disponibilidade dos sócios, não se

entendendo a concessão, aos fiscalizadores, de poderes funcionais nesse domínio. A

intervenção de qualquer sócio, desde que não tenha votado no sentido que fez vencimento

nem posteriormente, tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente, surge de modo

a prevenir o venire contra factum proprium. O artigo 59.º, n.º6 CSC ocupa-se, a tal propósito, do

voto secreto. Sendo esse o caso, considera-se que não votaram no sentido que fez

vencimento apenas aqueles sócios que, na própria assembleia ou perante notário, nos cinco

dias seguintes à assembleia, tenham feito consignar que votaram contra a deliberação tomada.

Quer isso dizer que, havendo voto secreto, a deliberação tornar-se-á inimpugnável, se não

tiver sido, por algum sócio, seguido o apontado procedimento.

O prazo: o prazo para intentar a ação de anulação é de 30 dias contados (artigo 59.º, n.º2

CSC):

Da data em que foi encerrada a assembleia geral;

Do 3.º dia subsequente à data do envio da ata da deliberação por voto escrito;

Da data em que o sócio tenha tido conhecimento da deliberação, se esta incidir sobre

assunto que não constava da convocatória.

A assembleia geral pode sofrer interrupções, desdobrando-se em várias sessões. Durando a

interrupção mai de quinze dias, permite o artigo 59.º, n.º3 CSC que a ação de anulação de

deliberação anterior à interrupção seja proposta nos 30 dias seguintes àquele em que ela tinha

sido tomada. Trata-se, porém, de uma possibilidade que fica na mão do interessado. Este

pode escolher deixar seguir a assembleia até ao fim, antes de intentar a ação: poderá, assim,

colher novo elementos e fundamentar, com mais eficácia, a sua pretensão. Na contagem dos

prazos, á que ter o maior cuidado, evitando proposituras de última hora. Eis algumas

precisões jurisprudenciais:

O prazo de trinta dias tem natureza substantiva, aplicando-se-lhe, segundo o artigo

298.º, n.º2 CC, o regime da caducidade (RPt 10 dezembro 1992);

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Havendo irregularidades na convocatória, por aplicação analógica do artigo 59.º, n.º2,

alínea c) CSC, o prazo conta-se a partir do momento em que o sócio teve

conhecimento da deliberação (STJ 18 novembro 1997);

A prova de já ter decorrido o prazo dos 3 dias incumbe à sociedade ré (RCb 29

setembro 1998);

O direito de pedir a suspensão da deliberação não se confunde com o de pedir a sua

anulação: as caducidades respetivas são diferentes (STJ 23 abril 2002).

Consequência importante da natureza do prazo de 30 dias é o facto de ele só ser impedido

pela prática tempestiva do ato em jogo, isto é: pela interposição da ação de anulação. Assim,

a simples interposição de um procedimento cautelar de suspensão de deliberação social não

impede o decurso de prazo do artigo 59.º, n.º2 CSC (STJ 11 março 1999). E se tal decurso

se consumar, o próprio procedimento cautelar irá naufragar por inutilidade superveniente da

lide. Em princípio, o processo serve o Direito substantivo, dando-lhe meios de legitimação

e de efetivação. Devemos todavia ter presente que, muitas vezes, os modernos sistemas

jurídicos vê, moldados os seus institutos através de sucessivas camadas regulativas, algumas

das quais de natureza processual. Tudo conflui na decisão final. Não é demasiado enfatizar

o prazo de 30 dias e os valores substantivos que serve: pretende-se, quanto antes, pôr cobro

à pendência de dúvidas, no tocante às deliberações societárias. Justamente por isso se

procedeu ao alargamento da figura da anulabilidade.

Secção V – Disposições comuns à nulidade e à

anulabilidade

63.º - Direito à ação e legitimidade

Generalidades; legitimidade: o artigo 60.º CSC contém regras epigrafadas disposições

comuns às ações de nulidade e de anulação. Em rigor, também o artigo 61.º CSC mereceria o mesmo

epíteto, enquanto o artigo 62.º CSC tem também regras comuns a essas duas invalidades.

Donde a verificação desses preceitos na presente rubrica. Recorde-se que este tipo de ações

decorre perante os tribunais de comércio: artigos 89.º, n.º1, alínea d) da Lei n.º 3/99, 13

janeiro20 . O artigo 60.º, n.º1 CSC determina que tanto a ação de nulidade como a de

anulabilidade sejam propostas contra a sociedade. Trata-se de um preceito que decorre do

artigo 117.º do Projeto de Coimbra, sedimentando a prática anterior. Quer isso dizer que

qualquer sociedade corre o risco, só por o ser, de ser demandada em ações relativas às

deliberações tomadas pelos seus sócios. Pergunta-se se as ações de ineficácia ou de

inexistência de deliberações sociais também são intentadas contra a sociedade. A resposta é

positiva, por interpretação extensiva ou por aplicação analógica do preceito em causa, mas

20 VER ATUAL PRECEITO DA LOSJ

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isso – naturalmente – na medida em que faça sentido admitir tais ações. A ineficácia paralisa

a deliberação: não tem de ser declarada. Se houver interesse em fazê-lo, a ação será

meramente declarativa. Quanto à inexistência: não deve ser considerada um vício autónomo.

Assim, perante a ausência de certa deliberação, só faria sentido uma ação de simples

apreciação negativa. Fatalmente: contra a própria sociedade. Em qualquer os casos

impugnam-se deliberações e não (simples) votações. O voto, só por si, não representa uma

posição da sociedade. Além disso, não tem relevância (societária) quando desinserido da

deliberação que origine. O vício do voto comunica-se à deliberação, quando se enquadre nas

previsões de nulidade ou de anulabilidade. A prova de resistência consiste em verificar se

determinado voto tem relevância para a deliberação concreta. Não a tendo, tornam-se

indiferentes, para o tema em estudo, quaisquer vícios que o possam afetar.

Apensação e iniciativa do órgão fiscalizador: pode acontecer que, perante uma

deliberação social, especialmente controversa, surjam diversas ações de invalidade. Por

razões de racionalização processual óbvias e visando prevenir soluções judiciais díspares, o

artigo 60.º, n.º2 CSC determina a sua apensação. As ações podem ser propostas pelo órgão

de fiscalização ou, na sua falta, por qualquer gerente (artigo 57.º, n.º2 CSC). Explicam os

tribunais que neste âmbito, o conselho fiscal tem personalidade judiciária para intentar ações:

não para pedir a confirmação da sua validade. Tais ações podem dar lugar a encargos. Tais

encargos são suportados pela sociedade, mesmo que as ações sejam julgadas improcedentes

(artigo 60.º, n.º3 CSC). Por aplicação dos princípios gerais, assim não deverá ser quando haja

condenação por litigância de má fé ou quando se verifique abuso do direito de ação.

Ações abusivas: as ações de anulação ou de declaração de nulidade de uma deliberação

social podem ser abusivas. Assim sucederá, nos termos gerais quando, por defrontar a

confiança ou a materialidade subjacente, elas se apresentem contrárias à boa fé. A

jurisprudência em sancionado ocorrências desse tipo. Esta dimensão é importante. As

sociedades tornam-se facilmente vítimas de raiders que impugnam, sem fundamento, as mais

diversas deliberações sociais. Além das situações de abuso, podemos ainda computar as

hipóteses de condenação do seu autor como litigante de má fé e de ele incorrer em

responsabilidade civil por culpa in petendo. Ambas as eventualidades devem ser reconduzidas

aos princípios gerais que norteiam esses institutos.

64.º - Eficácia do caso julgado

Generalidades; eficácia interna: o artigo 61.º CSC fixa a eficácia do caso julgado que

se forme em ação de declaração de nulidade ou de anulação de deliberação social. O n.º1

reporta-se à eficácia interna; o n.º2, à externa. Antes de examinar ambos os aspetos, cumpre

ponderar a natureza da jurisdição aqui em jogo. Pergunta-se se o juiz tem jurisdição de mérito

ou apenas, de legalidade: no primeiro caso, ele apreciaria a oportunidade e a valia de

determinada deliberação; no segundo, estarão em jogo, apenas, juízos de legalidade. À partida,

a jurisdição será, aqui, de mera legalidade. Desde logo porque o juiz apenas pode invalidar

deliberações; não as pode substituir por outras, mais oportunas. De seguida porque não lhe

são pedidos juízos técnicos, no plano da gestão: apenas uma verificação de conformidade

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com as regras aplicáveis. Todavia, o juiz poderá ter de concretizar conceitos indeterminados.

Assim sucederá em três eventualidades exemplificativas:

Na de a própria ação de invalidação ser abusiva;

Na de se jogar a violação da boa fé;

Na de estarem em causa votos abusivos.

Nesses planos, a deliberação que traduza uma saída impossível ou, pelo contrário, um erro

grosseiro, não poderá deixar de ser alvo da sindicância material do juiz. Em suma: temos um

contencioso de legalidade, mas no qual o mérito pode fazer a sua aparição. Passemos À

eficácia interna do caso julgado. Segundo o artigo 61.º, n.º1 CSC:

«A sentença que declarar nula ou anular uma deliberação é eficaz contra e a favor de todos os

sócios e órgãos da sociedade, mesmo que não tenham sido parte ou não tenham intervindo na

ação».

O preceito é claro. Duas delimitações: o caso julgado assim formado não opera quando a

causa de invalidação seja diversa; todavia, isso funciona para causas de pedir diferentes e não

para fundamentações distintas, uma vez que estas não são cobertas pelo caso julgado.

A eficácia externa: as sociedades constituem pessoas coletivas autónomas. Opõem-se,

só por si, erga omnes. As suas deliberações – e as ações que se lhe reportem – tendem, também,

a contundir com terceiros. Donde a necessidade de, aos casos julgados que se formem nesse

âmbito, atribuir eficácia perante terceiros ou eficácia externa. Segundo o n.º2 do mesmo

preceito:

«A deliberação de nulidade ou a anulação não prejudica os direitos adquiridos de boa fé por

terceiros, com fundamento em atos praticados em execução da deliberação; o conhecimento da

nulidade ou da anulabilidade exclui a boa fé».

O preceito visa tutelar a confiança de terceiros. As ações de declaração de nulidade ou de

anulação de deliberações sociais estão sujeitas a registo comercial (artigo 9.º, alínea e) CRCom:

um elemento importante para o seu conhecimento). De todo o modo, compreende-se ser

inexigível, a qualquer particular que contrate com uma sociedade, o ir indagar, junto do

registo comercial, se não estará alguma ação de invalidação de uma deliberação em cujo

prolongamento surja o negócio que lhe interesse. O registo da ação não impede, pois, a boa

fé de terceiros. Pergunta-se se a boa fé aqui referida é psicológica ou ética. No primeiro caso,

aproveita a mera ignorância; no segundo, apenas a ignorância desculpável, isto é: a ignorância

que não derive da inobservância de deveres de cuidado aplicável in casu. Por força de vetores

gerais do ordenamento, aqui presentes, a boa fé terá de o ser na sua dimensão ética. De todo

o modo, não há, em princípio e no que tanja a terceiros estranhos, quaisquer especiais deveres

de indagação.

65.º - A renovação de deliberações

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Generalidades; a deliberação nula: o Direito das sociedades revela uma acentuada

preocupação com as perturbações que a pendência de ações de invalidade de deliberações

sempre representa para os entes coletivos. A essa luz, compreende-se o papel proeminente

dado à anulabilidade e o estabelecimento de um prazo curto para a sua propositura: 30 dias.

Todavia: uma vez intentada, a ação de invalidação poderá pender durante anos, com tudo o

que isso representa de incerteza e de publicidade negativa para a sociedade e os seus sócios.

O problema tem uma saída através da renovação da deliberação inválida, renovação essa que

poderá operar ad cautelam: afirmada a presença de certo vício e independentemente de se

aceitar tal asserção, poder-se-ia retomar a deliberação sem o ponto questionado. O interesse

prático da figura é, assim, muito grande, o que é atestado por numerosa jurisprudência

ilustrativa. No domínio do Direito anterior ao Código das Sociedades Comerciais de 1986,

era duvidosa a possibilidade de renovação das deliberações inválidas. O artigo 62.º CSC

pretendeu resolver esse problema, num sentido afirmativo. A primeira previsão do artigo

62.º CSC é a de uma deliberação nula por força do artigo 56.º, n.º1, alínea a) ou b) CSC, isto

é: inquinada por vício de procedimento (grave). Compreende-se que possa ser tomada uma

segunda deliberação com o mesmo conteúdo, mas que corrija o óbice antes verificado. A

essa deliberação pode a assembleia atribuir eficácia retroativa, ressalvados os direitos de

terceiros. Fica claro, logo aqui, que não se trata de uma convalidação ou de uma sanação da

primeira deliberação: antes ocorre uma segunda e própria deliberação, que visa produzir os

mesmos efeitos jurídicos da anterior, mas agora sem a pendência da invalidação. A contrario

sensu, não é possível renovar deliberações nulas por força do artigo 56.º, n.º1, alíneas c) e d):

desta feita, o vício é substantivo; nova deliberação, para ser válida, teria forçosamente de ser

diferente da anterior.

A deliberação anulável: no artigo 60.º, n.º2 o Código prevê:

«A anulabilidade cessa quando os sócios renovem a deliberação anulável mediante outra

deliberação, desde que esta não enforme do vício da precedente».

Desta feita, não se distinguem vícios formais e vícios substantivos. No entanto, há uma lógica

subjacente irrecusável: uma verdadeira renovação postula que a segunda deliberação tenha

um conteúdo idêntico ao da primeira, sob pena de lidarmos com algo de distinto, que se

suceda no tempo. Ora um conteúdo idêntico e sem vícios só será compaginável com

problemas de ordem formal. Todavia, a indistinção da lei pode ser proveitosa: pode haver

vícios substanciais que, em nova deliberação, não mais possam ser invocados; basta, para

tanto, a aprovação unânime dos sócios. Também aqui se pode atribuir eficácia retroativa,

como se extrai da 2.ª parte do artigo 62.º, n.º2 CSC. Essa 2.ª parte permite ao sócio, que nisso

tenha um interesse atendível, obter a anulação da primeira deliberação, relativamente ao

período anterior ao da deliberação renovatória. A retroatividade já não será aplicável quando

estejam em causa institutos de Direito Civil, como, por exemplo, uma assembleia de

condóminos. O artigo 62.º, n.º3 CSC permite que a sociedade, ré numa ação de impugnação,

requeira ao tribunal um prazo para renovar a deliberação. O prazo a requerer deve ser

razoável. Todavia, o tribunal só o concederá quando a deliberação em jogo for renovável.

Encontramos, aqui, um novo elemento de favor societatis.

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Capítulo V – A administração das

sociedades21

Secção I – Aspetos gerais

69.º - Papel: gestão e representação

A administração como cerne do Direito das Sociedades: as sociedades

correspondem a um modo coletivo de funcionamento do Direito. Tanto quanto sabemos,

apenas a pessoa singular pode acatar normas jurídicas, sentindo a inerente necessidade moral

de cumprir as obrigações e desfrutando da liberdade psicológica inerente às permissões. Os

progressos da Ciência do Direito e a multiplicação exponencial das normas em presença

levaram às construções complexas que subjazem à personalidade coletiva. Como foi

explicado, a personalidade coletiva traduz, antes de mais, a aplicabilidade de um regime.

Dirigir uma regra a uma pessoa coletiva implica depois, através desta, o acionamento de

muitas outras regras que irão, mais ou menos mediatamente, desembocar em incumbências

que recaem sobre pessoas singulares. No centro de toda esta problemática, encontramos a

administração. Em termos societários, a administração traduz:

O conjunto das pessoas que têm a seu cargo a função de administrar uma sociedade;

em certos casos, poderá tratar-se de uma pessoa singular única;

O ato ou o efeito de administrar essa mesma sociedade.

Na primeira aceção, temos a administração a subjetivam no segundo, a objetiva. Em termos

subjetivos, pode-se usar a expressão consagrada administrador. Esta cobre as figuras dos

gerentes, dos administradores stricto sensu e dos administradores executivos, em função do

concreto tipo societário em jogo. Pois bem: o que façam ou deixem de fazer as sociedades,

nas mais diversas circunstâncias, lícita ou ilicitamente, é obra dos administradores. O papel

da administração das sociedades assume uma dimensão considerável: por certo que a mais

importante de quantas são legitimadas pelo Direito das sociedades e das ais significativas das

reconhecidas pelos diversos ramos jurídicos. O atual discurso jurídico processa-se,

necessariamente, num nível de grande abstração. Mas há que apor limites a tal processamento,

em nome das realidades da vida e da própria estrutura prática do Direito. Assim, as regras

destinadas às sociedades são, no fundo, comandos dirigidos às administrações. Ora, as

sociedades sustentam e controlam a vida social e económica de Estados industriais e pós-

industriais. Todo o tecido das organizações humanas está modelado pelas sociedades, num

fenómeno que ficou sem alternativa à vista, depois da queda do muro de Berlim e do

21 Cordeiro, António Menezes; Direito das Sociedades, Parte Geral, Volume I; Almedina editores; 3.ª edição; Coimbra, Maio 2011.

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desmoronar do chamado segundo Muro. Tudo isto é conhecido e está descrito, embora se

mantenha longe dos textos jurídico-comerciais. A administração das sociedades constitui o

cerne do Direito das sociedades: ponto em torno do qual tudo orbita e destino final de todas

as construções e institutos. Todavia, a matéria está pouco estudada. Surge, mesmo, algo

secundarizada na lei. Este estado de coisas tende a mudar, perante o influxo representado

pela responsabilidade dos administradores e dada a exigência crescente de desempenho,

implicada pelo universo, algo ambíguo, da corporate governance. Uma exposição geral de Direito

das sociedades não pode ficar indiferente a este poderoso movimento dos nossos dias.

O problema dos interesses: questão importante e suscetível de infletir os raciocínios

subsequentes é a de saber se o administrador está ao serviço dos sócios ou da sociedade ou,

se se quiser: que interesses serve ou deve servir. Por isso – e antecipando a análise dos textos

legais aplicáveis que iremos efetuar mais adiante – vamos abordar, de imediato, o tema.

Deixaremos de parte as hipóteses de, formalmente, o administrador estar ao seu próprio

serviço ou ao de terceiros. É evidente que o está, ou pode estar; todavia, quando tais atuações

conflituem com normas destinadas à defesa da sociedade ou dos sócios, estas prevalecem.

Esta discussão entronca, com facilidade, numa outra: a de saber se há interesses próprios da

sociedade e se tais interesses são distintos dos dos sócios. Primeiro temos de saber do que

falamos. Não há nenhuma definição constitucional ou meramente legal de interesse. Quem

utilize esse termo e o defenda como operacional tem, como elementar manifestação de

seriedade intelectual e científica, o ónus de o explicar. Pela nossa parte, embora não o usemos,

vamos tentar clarificar o tema.

Em sentido subjetivo: o interesse traduz uma relação de apetência entre o sujeito

considerado e as realidades ou os seus desejos;

Em sentido objetivo: o interesse traduz a relação entre o sujeito com necessidades

e os bens aptos a satisfazê-las.

Parece evidente que esses conceitos são diferentes. Para um jogador compulsivo, o interesse

(subjetivo) será o de encontrar um casino onde passar a noite; em termos objetivos, o seu

interesse seria ir para casa descansar, com vista ao trabalho do dia seguinte. Eis o problema:

se releva o interesse subjetivo, caberá ao próprio interessado defini-lo; o Direito apenas fixará

limites às atuações resultantes das opções que ele faça. Se predominar o interesse objetivo,

terá de haver alguém exterior que o defina. Tal definição não poderá ser arbitrária – ou saímos

do Direito. Quer isso dizer que a explicitação do interesse objetivo deverá ser feita por

normas de conduta, dirigidas ao sujeito. No exemplo do jogador: é proibida a permanência

de jogadores compulsivos nos casinos, depois da meia noite. Temos de nos recordar que o

interesse não foi descoberta recente, assim como recentes não são as considerações que,

dando-lhe todo um papel, não o aceitam como categoria dogmática. Com raízes em Jhering,

o interesse foi aprofundado por Heck, para superar os meros jogos de conceitos praticados

pela metodologia anterior. Mas Heck usou-os, ainda e sobretudo, para combater a Filosofia

do Direito, enquanto fonte de menções extrapositivas na decisão jurídica. Perante isso, e à

pergunta: quem define os interesses?, Heck só poderia responder: ou o próprio, se estivermos

em área de permissão ou o Direito, se assim não suceder. A partir daqui, os interesses

heckianos facultam uma interpretação melhorada de algumas fontes, obrigando a, para além

dos conceitos, indagar a teleologia das normas e as valorações subjacentes. Agora o interesse,

só por si e sem regras que o definam e mandem prosseguir, não é bitola de coisa nenhuma.

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Antes surge como arrimo linguístico nada inovador e, sobretudo: juridicamente

inoperacional. Algumas leis, incluindo o Código Civil, utilizam o termo interesse. Aí, teremos

de lhe atribuir um sentido útil. Por exclusão, não está em causa o interesse subjetivo: este

pode ser qualquer um, conforme as pessoas, pelo que não tem operacionalidade dogmática.

Queda uma saída objetiva, sendo de eleger uma fórmula que possa ser usada pelo Direito.

Acolhemos a noção desenvolvida por Paulo Mota Pinto: uma realidade protegida por normas

jurídicas as quais, quando violadas, dão azo a um dano. Quando a Lei refira interesses, remete o

intérprete-aplicador para realidades juridicamente relevantes e que tenham a tutela jurídica.

Mais precisamente, ela visualiza: ou o conteúdo de um direito subjetivo ou a área acautelada

por normas de proteção. Por esta via (e revendo, um tanto, posições anteriores) , consegue-

se aproveitar a remissão legal para interesses. Voltamos a apelar à doutrina que se ocupa

destas matérias: não é possível opinar sem explicar o que se entende por interesse e sem

reconstruir o percurso de toda esta matéria. E o problema não pode ser resolvido com um

apelo vocabular à funcionalização das regras dirigidas aos administradores. É óbvio que tal

funcionalização existe, uma vez que os administradores agem em defesa de bens alheios; mas

dizer que eles servem interesses não esclarece sobre qual a função em jogo.

Ao serviço: dos sócios, da sociedade ou de terceiros? O administrador serve a

sociedade ou os sócios? Se regressarmos à técnica anterior, perguntaríamos se o

administrador serve os interesses da sociedade ou os dos sócios. Admitamos que sejam os

da sociedade:

Em sentido subjetivo: esses interesses terão de ser selecionados dentro dos órgãos

sociais, o que acabará por descambar na decisão dos sócios;

Em sentido objetivo: tais interesses seriam escalonados pelo tribunal, de acordo

com regras jurídicas; tais regras teriam de ser claras, estritas e constitucionais, já que

elas viriam cercear a livre iniciativa dos sócios.

Admitindo agora que o administrador sirva os interesses dos sócios: em sentido subjetivo, a

sua definição caber-lhes-ia; em sentido objetivo, surgem as tais regras injuntivas que se

fundirão com as que definam o interesse objetivo da própria sociedade. Confirma-se, assim,

o círculo: no que a lei permita, cabe aos sócios definir os interesses da sociedade e os seus

próprios; fora disso, funcionará o Direito objetivo. O problema resolve-se com a noção

jurídica de interesse: o administrador deve respeitar as posições protegidas pelo Direito

(interesses); quer dos sócios, quer das sociedades. Mas devemos ser mais ambiciosos. De

facto a referência aos interesses da sociedade encobre uma outra questão e da maior

importância: deve o administrador atender, em cada momento, às indicações dos sócios ou,

pelo contrário, caber-lhe-á decidir com vista ao médio e ao longo prazo, de tal modo que o

interesse objetivo da sociedade e dos sócios, definido na base do lucro, do crescimento ou

do êxito empresariais, prevaleça sobre quaisquer outras bitolas? A lei dá grande margem aos

administradores, particularmente no campo das sociedades anónimas: veja-se o artigo 373.º,

n.º3 CSC, que veda à assembleia geral a interferência na gestão da sociedade, salvo se por

iniciativa dos próprios administradores. Tal margem destina-se, justamente, a permitir, aos

administradores, pensarem no tal médio e no longo prazo. Isto dito, recoloca-se o tema:

médio e longo prazo tendo em vista as vantagens sociais ou as dos sócios? A sociedade é

sempre um regime jurídico. Ela não sofre nem ri: apenas o ser humano o pode fazer. Separar

a sociedade dos sócios é má escolha: despersonaliza um instituto que uma longa experiência

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mostrou melhor estar no Direito privado. O administrador servirá, pois, os sócios. Mas não

enquanto pessoas singulares: antes enquanto partes que puseram a gestão dos seus valores

num modo coletivo de tutela e de proteção. Nesse modo coletivo interferem normas que

recordarão, entre outros aspetos:

Que a boa saúde das sociedades é vantajosa para o mercado;

Que há setores sensíveis onde regras técnicas e prudenciais devem ser seguidas; banca

e seguros;

Que as sociedades a que se acolhem empresas dão emprego e criam riqueza para o

País.

Tudo isto tem de ser acatado. Poderemos exprimi-lo dizendo que os administradores servem

a sociedade, na qual os sócios têm um papel importante, mas não exclusivo. E as vantagens

dos sócios são prosseguidas em modo coletivo, o que é dizer: de acordo com as regras

societárias aplicáveis. A nova redação do artigo 64.º, n.º1, alínea b) CSC, abaixo examinada,

que determina atender aos interesses da sociedade, dos sócios, dos trabalhadores, dos clientes

e dos credores, manda, no fundo, respeitar as regras que tutelam as inerentes posições. Nem

de outro modo poderia ser, pois os conflitos de interesses entre essas entidades são tais que

nenhum administrador poderia decidir fosse o que fosse.

O poder de gestão: em termos jurídicos, os administradores têm dois poderes, de

conteúdo muito vasto:

O poder de gerir ou de administrar;

O poder de representar.

Apesar da natureza básica desta matéria, o Código não a considerou na sua parte geral.

Recorrendo aos diversos tipos societários, encontramos:

Nas sociedades em nome coletivo: a administração e a representação da sociedade

competem aos gerentes (artigo 192.º, n.º1 CSC);

Nas sociedades por quotas: a sociedade é administrada e representada por um ou

mais gerentes (artigo 252.º, n.º1 CSC);

Nas sociedades anónimas de tipo latino: compete ao conselho de administração

gerir as atividades da sociedade e o conselho de administração tem exclusivos e

plenos poderes de representação da sociedade (artigo 405.º, n.º1 e 2 CSC);

Nas sociedades anónimas de tipo germânico: compete ao conselho de

administração executivo gerir as atividades da sociedade e o conselho de

administração executivo tem plenos poderes de representação da sociedade perante

terceiros (artigo 431.º, n.º1 e 2 CSC);

Nas sociedades em comandita: haverá que aplicar as regras das sociedades em

nome coletivo (artigo 474.º CSC) ou anónimas (artigo 478.º CSC) conforme se trata

de comandita simples ou de comandita por ações.

O Código das Sociedades Comerciais não dá uma noção explícita de administração das

sociedades. Nas sociedades em nome coletivo, diz-se que a competência dos gerentes, tanto

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para administrar como para representar a sociedade, deve ser sempre exercida dentro dos

limites do objeto social (artigo 192.º, n.º2 CSC); nas sociedades por quotas, manda o artigo

259.º CSC: os gerentes devem praticar os atos que forem necessários ou convenientes para a

realização do objeto social, com respeito pelas deliberações dos sócios; a propósito das

sociedades anónimas, já se anotou a fórmula ampla do artigo 405.º, n.º1 CSC, que fala em

gerir as atividades da sociedade o artigo 406.º CSC enumera os poderes de gestão: compete

ao conselho de administração deliberar sobre qualquer assunto de administração da

sociedade, nomeadamente; seguem-se 13 pontos, que vão desde a escolha do presidente até

qualquer outro assunto sobre o qual algum administrador requeira deliberação do conselho.

A enumeração é, assumidamente, exemplificativa, de tal modo que o próprio Código das

Sociedades Comerciais acrescenta, em preceitos dispersos, outros pontos; como exemplo:

compete ao conselho de administração, em certos casos, deliberar a emissão de obrigações

(artigo 350.º, n.º1 CSC). Cumpre recorrer ao Direito comum. A expressão administração

aparece-nos dezenas de vezes, no Código Civil. Tem, aí, diversas aceções. Pois bem: dessas

diversas aceções, para além de flutuações de linguagem que escaparam às revisões do Código

Civil, resultam linhas reitoras. A administração reporta-se a patrimónios, a bens ou a coisas,

de modo a traduzir, em termos compreensivos, um conjunto de atuações insuscetíveis de

enumeração em concreto ou, sequer, de definição: tudo depende, em cada caso, da realidade

de cuja administração se trate. Por vezes, a lei introduz limitações nas concretas entre atos

de administração e de disposição. Trata-se, porém, de uma contraposição relativa: caso a caso

haverá que determinar o preciso âmbito da administração e da disposição. A ideia básica é a

indeterminação dos poderes ou potencialidades de atuação, a incluir na administração. Esta

apenas pode ser determinada: pela negativa, retirando-lhe faculdades, como sejam a

disposição ou a administração extraordinária; pelo objeto, de acordo com a realidade a que

respeite e pela finalidade. As sociedades comerciais têm personalidade (artigo 5.º CSC) e

capacidade jurídica: esta compreende os direitos e as obrigações necessárias ou convenientes

à prossecução do seu fim (artigo 6.º, n.º1, 1.ª parte CSC). A administração de uma sociedade

vem definir-se, perante esta realidade, com recurso a duas coordenadas: uma positiva e

material e outra negativa e formal. Diremos que a administração abrange o conjunto de

atuações materiais e jurídicas imputáveis a uma sociedade que não estejam, por lei, reservadas

a outros órgãos. A competência genérica e residual para agir, reservadas a outros órgãos. A

competência genérica e residual para agir, pela sociedade, cabe à administração: é o que se

infere dos artigos 259.º e 405.º, n.º1 CSC. A prática jurídica e societária tem reservado a ideia

de administração para a atuação dos próprios administradores. Mas ela poderia ser alargada

a outras pessoas a quem sejam confiadas funções de administração (artigo 80.º CSC). Resta

acrescentar que, também na prática, surgem, como sinónimas, as locuções administração,

gerência e gestão. Tecnicamente, a administração é um direito potestativo: traduz a permissão

normativa que os administradores têm de decidir e de agir, em termos materiais e jurídicos,

no âmbito dos direitos e dos deveres da sociedade. Embora se trate de um direito – os

administradores são autónomos, ou teriam de ir procurar a administração noutra instância –

é um direito funcional ou fiduciário: os administradores devem observar regras e agir na base

da lealdade: pontos importantes.

O poder de representação: ao lado do poder de administrar, o administrador tem,

como segundo pilar da sua posição, o de representar a sociedade. A representação é

uniformemente atribuída aos gerentes (artigos 192.º, n.º1 e 252.º, n.º1 CSC) ao conselho de

administração (artigo 405.º, n.º2 CSC) e ao conselho de administração executivo (artigo

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431.º,n.º2 CSC). Trata-se do vínculo jurídico, de base legal, que permite imputar à pessoa

coletiva os atos dos seus órgãos e, para o caso: à sociedade, a atuação dos administradores.

À partida, o âmbito dos poderes de representação estaria delimitado pelo da própria

administração. A tutela da confiança levou o legislador português a estabelecer um esquema

inverso: quando, no uso formal de poderes de representação, o administrador ultrapasse o

que lhe caberia, a imputação funciona: artigo 6.º, n.º4 CSC «não limitam a capacidade da

sociedade…». Conectada com a imputação de atos provenientes do vínculo de representação,

surge a imputação, ao ente coletivo, de factos ilícitos. A lei (artigo 6.º, n.º5 CSC) não fala,

aqui, em representação, apenas remetendo para o regime da comissão. Como sabemos, a

representação aqui figurada não equivale à representação em sentido técnico. Antes se trata

de um modo cómodo sugestivo de exprimir os nexos de organicidade que imputam, ao ser

coletivo, a atuação dos titulares dos seus órgãos. Por isso, quando a lei fale em representantes

da sociedade, teremos de ver, pela interpretação, se estamos perante representantes

voluntários, constituídos nos termos dos artigos 262.º CC, para a prática de certos atos22 ou

se, pelo contrário, estão em causa os verdadeiros e próprios administradores. Os efeitos de

uma ou de outra dessas duas possibilidades são distintos. Em termos técnicos, também a

representação dos administradores se apresenta como um direito potestativo. Ela envolve a

permissão de, agindo em nome e por conta da sociedade, produzir efeitos jurídicos que se

projetam imediata e automaticamente na esfera desta. A representação orgânica tem,

subjacente, a administração e os condimentos que a norteiam. Trata-se de duas facetas de

uma mesma realidade, que cumpre cindir, para efeitos de análise.

Secção II – Os deveres fundamentais dos

administradores

70.º - O artigo 64.º CSC

Redação atual: os administradores dispõem dos poderes básicos de gestão e de

representação. Tais poderes não devem ser exercidos arbitrariamente. O Direito não pode,

todavia, descer a cada situação, de modo a, aí, explicitar a forma do exercício. Prevê

determinadas obrigações concretas, em pontos delicados e predeterminados e elabora

grandes diretrizes, de construção difícil, mas inevitável. No centro do problema surge-nos o

artigo 64.º CSC, precisamente epigrafado deveres fundamentais. A propósito desse preceito, da

sua evolução, da sua crítica e daquilo que ele representa, podemos expor a matéria dos

deveres fundamentais dos administradores. O artigo 64.º, n.º1 CSC, na versão da reforma de

2006, vem dispor:

«1. Os gerentes ou administradores da sociedade devem observar:

22 Segundo a boa doutrina, é isso o que se passa no artigo 6.º, n.º5 CSC.

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«a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento

da atividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência

de um gestor criterioso e ordenado; e

«b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo

dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade

da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores».

A uma primeira leitura: temos um preceito pesado, que condensa, em duas alíneas, uma série

complexa de mensagens normativas. O artigo 64.º, n,º1 CSC, na sua redação de 2006, teve

um advento publicitado. Aquando da apresentação do anteprojeto, a CMVM explicou a sua

importância e revelou estar em causa, quanto aos titulares dos órgãos de administração:

«uma cuidadosa densificação dos deveres que devem ser acautelados no seu exercício profissional»

e

«parece ser igualmente pacífico que a lei deve recordar um núcleo mínimo dos deveres dos

administradores e dos titulares dos órgãos de fiscalização, não só para fornecer modelos de

decisão claros mas também para permitir a efetivação aplicativa de precisões normativas

decorrent3es do incumprimento dos deveres societários».

E compulsada a reforma, verifica-se que todo o conjunto das enunciadas medidas relativas

ao governo das sociedades – que chega a dar o nome o projeto – acaba, afinal, por desaguar

no artigo 64.º, n.º1 CSC, acima transcrito. Este preceito, mesmo quando aquém da

desmesurada importância que lhe deu o legislador histórico, tem um relevo inegável, que

justifica alguma atenção.

As redações anteriores: o artigo 64.º CSC tem uma história movimentada: diz muito

sobre várias experiências europeias e sobre os mores legislativos nacionais. Vamos recordá-la.

Na origem temos o artigo 17.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 49.381, 15 novembro 1969. Este

preceito, visando introduzir um capítulo sobre a responsabilidade dos administradores, veio

dispor:

«Os administradores da sociedade são obrigados a empregar a diligência de um gestor criterioso

e ordenado».

Trata-se de uma regra inspirada por Raúl Ventura. Esse mesmo preceito foi basicamente

acolhido no artigo 64.º CSC, versão original. Com um acrescento: a sua redação surge

completada, ficando com a seguinte composição, agora sob a epígrafe dever de diligência:

«Os gerentes, administradores ou diretores de uma sociedade devem atuar com a diligência de

um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios

e dos trabalhadores».

Desta feita, o aditivo no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e

dos trabalhadores adveio, por indicação de Brito Correia, da proposta da 5.ª Diretriz das

sociedades comerciais, a qual, de resto, nunca foi adotada, no plano europeu. No projeto da

que seria a reforma de 2006, da CMVM, posto a discussão pública, o preceito surgia

desdobrado em dois números: o n.º1 relativo aos administradores, e o n.º2 quanto à

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fiscalização. Releva, aqui, apenas o primeiro, assim redigido, agora sob a epígrafe dever de

diligência e de lealdade:

«1. Os gerentes ou administradores da sociedade devem atuar com a diligência de um gestor

criterioso e ordenado e com lealdade, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos

sócios e dos trabalhadores».

Por inspiração da CMVM, foi acrescentado com lealdade. Palavras simples, mas com inúmeras

implicações jurídico-científicas, como veremos. Estávamos na tradição alemã, ainda que com

elementos heterogéneos. Finalmente, o artigo 64.º, n.º1 CSC, versão definitiva proveniente

da reforma e acima transcrito, desta feita epigrafado deveres fundamentais, veio:

Articular, em alíneas separadas, os deveres de cuidado e de lealdade;

Explicitar o conteúdo dos deveres de cuidado e rematar com a diligência de um

gestor criterioso e ordenado;

Desenvolver o teor dos deveres de lealdade, aí inserindo, entre os elementos a

atender, a referência a diversos interesses.

Os deveres de cuidado são de origem anglo-saxónica. As concretizações de tais deveres, bem

como os desenvolvimentos levados a cabo a propósito da lealdade, corresponderiam a ideias

da CMVM, tanto quanto veio a público. Mais precisamente: às ideias destinadas a dar forma

ao denominado governo das sociedades ou corporate governance, de cepa norte-americana.

Também a contraposição entre deveres de cuidado e deveres de lealdade (Estados Unidos)

ou fiduciários (Inglaterra) é típica dos manuais de Direito das sociedades de além-Atlântico

ou de além-Mancha. Ao já colorido Direito português soma-se, assim, uma massa de língua

inglesa. Cabe ao intérprete estudar o assunto, naturalmente: problemático.

As componentes jurídico-científicas: o artigo 64.º, n.º1 CSC não corresponde a

quaisquer desenvolvimentos nacionais: nem doutrinais, nem jurisprudenciais. Grosso modo,

ele traduz uma série de aportações retiradas de fontes exteriores, desinseridas dos sistemas

que as originariam. Parece-nos claro que, tal como se apresentam e a serem juridicamente

operacionais, essas aportações irão encontrar um novo equilíbrio e um sentido conjunto e

coerente. Pelo menos: será papel dos juristas nacionais trabalhar com esse objetivo. O

primeiro passo para a reconstrução do artigo 64.º, n.º1 CSC terá de consistir no levantamento

das parcelas que o compõem e no seu estudo, à luz dos sistemas dadores. Iremos, assim,

considerar sucessivamente:

A diligência de um gestor criterioso;

Os interesses da sociedade, dos sócios e dos trabalhadores;

Os deveres de lealdade;

Os deveres de cuidado;

O governo das sociedades.

Veremos, na base dos elementos obtidos, até onde se poderá ir na composição de um

preceito harmónico e funcional. Acrescentamos, ainda, um ponto metodológico insofismável:

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estamos numa área muito densa, com estreitas conexões civis, e nas quais não é de esperar

descobertas, capazes de dispensar todo um estudo histórico e dogmático.

71.º - A diligência de um gestor criterioso

A origem da bitola de diligência: a denominada bitola de diligência de gestor

criterioso remonta ao AktG alemão de 1937. Mais precisamente, ao seu §84 que,

introduzindo à responsabilidade dos membros da direção das sociedades anónimas, dispunha,

no seu n.º1:

«Os membros da direção devem aplicar, na sua condução da sociedade, o cuidado de um gestor

ordenado e consciencioso. Devem manter sigilo sobre os dados confidenciais».

A doutrina explicava que uma responsabilização dos administradores independente de culpa

levaria a resultados injustos. A regra legal conduziria, deste modo, à culpa e à sua necessidade.

Esclarecemos, no plano terminológico, que cuidado (Sorgfalt) sempre foi vertido, em

português, por diligência; nada tem a ver com o novo cuidado (care), anglo-saxónico e com a

tradição distinta, a ele ligada. Na passagem para o AktG de 1965, a primeira parte do preceito

manteve-se íntegra: há uma regra não escrita que manda preservar as normas deste tipo. A

doutrina foi aprofundado o sentido da bitola do dever de diligência explicando que, sendo

objetiva, ela se afirmaria pelo tipo, pelo âmbito e pela dimensão da sociedade. Tal bitola seria

mais exigente do que a relativa ao comum comerciante, uma vez que se gerem bens alheios.

Este aspeto é importante. De outro modo, bastaria apelar ao bonus pater famílias. Na atualidade,

a bitola de diligência do gestor ordenado e consciencioso mantém-se firme, no seu papel na

responsabilidade civil. Fundamentalmente em causa está a compatibililzação entre a

discricionariedade empresarial e as restrições impostas, quer pelo ordenamento, quer pelas

realidades da sociedade. A doutrina explica que, pelo seu teor, o §93/I AktG reporta uma

bitola de culpa, correspondendo ao §276.º BGB e o §347 HGB. Todavia, o preceito é levado

a uma dupla função, assumindo ainda o papel de uma previsão geral de responsabilidade (de

ilicitude).

O business judgement rule: interessa fazer aqui uma referência ao business judgement

rule, introduzindo no §93/I, 2 AKtG, pelo UMAG de 22 setembro 2005. Esse diploma,

depois da consagração da bitola de diligência, que se mantém, veio acrescentar:

«Não há um violação de dever quando o membro da direção, na base de informação adequada,

devesse razoavelmente aceitar que, aquando da decisão empresarial, agia em prol da sociedade».

Trata-se de uma regra de origem norte-americana23. Resumindo: na base de um enérgico

sistema de responsabilidade civil, responsabilidade dos administradores era transferida para

as seguradoras; estas negociavam com os queixosos; todavia, o incremento das

indemnizações levou as seguradoras a retraírem-se, excluindo numerosas hipóteses de

responsabilidade. O sistema reagiu: através do business judgement rule, os administradores não

23 Em inglês do Reino Unido, escreve-se judgement; no dos Estados Unidos judgment; por isso surge ora uma ora outra das duas grafias, consoante a origem ou a fonte inspiradora dos diversos autores.

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seriam demandáveis quando mostrassem que agiram, com os elementos disponíveis, dentro

das margens que lhes competiriam, em termos de negócios. Apesar da inspiração norte-

americana, a sua transposição para a Alemanha obedeceu a necessidades efetivas. Na verdade,

no caso alemão, observava-se que as situações de responsabilização dos administradores,

designadamente nas décadas do pós-guerra, eram relativamente escassas: o §93 chegou a ser

comparado a um tigre de papel. A partir de 1998, mercê das alterações introduzidas no §147,

as situações de responsabilidade multiplicaram-se, sendo absorvidas pelos seguros D&O. Os

lobbies dos seguros movimentaram-se, assim sendo introduzido, na lei alemã, o business

judgement rule. E isso sucedeu com uma oportunidade reforçada, uma vez que o UMAG

2005,atingindo o §148, foi facilitar, de novo, a responsabilidade da direção. Com a seguinte

consequência prática: nos casos de negligência, a responsabilidade é excluída quando se

mostre que o administrador agiu dentro da razoabilidade dos negócios. Digamos que se lhe

reconhece, para além da esfera representada pelo cuidado do gestor ordenado e

consciencioso, mais um campo de ação onde podem ocorrer atuações inovatórias. Trata-se

de uma saída já antecipada pela jurisprudência nos casos ARAG e Siemens/Nold. Criada

para as sociedades anónimas, a regra tem vindo a ser aplicada, por analogia, também às

sociedades por quotas. No campo dos quadros jurídicos anglo-saxónicos, o business judgement

rule opera como uma causa de isenção de responsabilidade, não cabendo discutir se enquanto

causa de justificação de ilicitude ou causa de excusa (tal discussão, como é sabido, pressupõe

a contraposição entre a culpa e a ilicitude, desconhecida no Direito anglo-saxónico). Feita a

transposição para os Direitos continentais, há que reconduzi-lo aos quadros competentes. A

mera leitura do §93(1), 2, mostra que estamos perante uma específica exclusão da ilicitude:

não de culpa. E num efeito de retorno: mais claro fica que a diligência equivale a uma bitola

de conduta, fonte de ilicitude quando violada. Adiantemos, por fim, que o business judgement

rule também foi transposto para o nosso Direito: artigo 72.º, n.º2 CSC. É estranho: não

logramos, no Direito português, nenhum surto de responsabilização dos administradores que

pudesse justificar tal cautela. Trata-se de um ponto a considerar em sede própria.

A transposição para o Direito português: a diligência do gestor criterioso foi, como

vimos, transposta para o Direito português pelo artigo 17.º Decreto-Lei n.º 49.381, 15

novembro 1969. A análise dos seus vastos trabalhos preparatórios bem como das

subsequentes explicações dadas pelos ilustres autores do anteprojeto, permite algumas

conclusões interessantes:

O legislador material conhecia bem os diversos sistemas europeus, tendo optado pela

fórmula do AktG alemão: tecnicamente mais apurada e consonante com a tradição

nacional;

Além disso, apercebeu-se do dilema culpa/ilicitude, tendo acabado por aproximar a

diligência de uma norma de conduta e, portanto: de fonte de ilicitude, quando violada,

sujeita a subsequente e eventual juízo de culpa.

Cifra-se, logo aí, uma linha coerente, interrompida, segundo parece, em 2006. Torna-se

evidente que a mera transposição de 1969 nunca poderia assegurar a deslocação, para o nosso

Direito, de todos os desenvolvimentos alemães do que acima demos conta. De resto: muitos

deles são subsequentes a essa data. Registamos, todavia, que o preceito manteve a lógica da

origem, surgindo como uma regra de responsabilidade civil dos administradores. Mas a partir

daí, como classifica-la? Regra de conduta ou bitola de culpa? A resposta é complexa e exige

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uma prévia ponderação metodológica, que reduziremos ao mínimo. Perante a realidade

jurídica nacional e considerando as comuns e elementares aspirações de coerência jurídico-

científica, não vemos qualquer utilidade em duplicar (ou multiplicar) os sistemas de

responsabilidade civil. Isto dito: em sentido normativo, a diligência equivale ao grau de

esforço exigível para determinar e executar a conduta que integra o cumprimento de um

dever. Trata-se de uma regra de conduta, ou melhor: de parte de uma regra de conduta, que

deve ser determinada independentemente de qualquer responsabilidade e, logo: de culpa. A

violação do dever de diligência dá azo a responsabilidade e, logo: de culpa. A violação do

dever de diligência dá azo a ilicitude: não a mera medida de culpa. Aliás: a falta de diligência

pode ser dolosa e não meramente negligente. É certo que o §93/I AktG alemão começou

por ser assimilado a uma medida de culpa (de negligência), mercê da sua ordenação

sistemática pelos §§ 276 BGB e 347 HGB, mais tarde, evoluiu para uma regra de conduta,

em termos hoje pacíficos. Não vemos, porém, para quê manter tais complicações, aquando

da transposição para o Direito português que, aliás, dispõe de quadros mais flexíveis e

avançados do que o alemão, no campo da responsabilidade civil. A bitola de diligência é, nos

termos gerais, uma regra de conduta. Mas incompleta: apenas em conjunto com outras

normas, ela poderá ter um conteúdo útil e preciso. Com efeito, ninguém atua diligentemente,

tout court: há que saber de que conduta se trata para, então, fixar o grau de esforço exigido na

atuação em jogo.

O Código das Sociedades Comerciais em 1986 e em 2006: a orientação acima

apontada – a do dever de diligência como quantum de esforço normativamente exigível, aos

administradores, no cumprimento dos seus deveres – mais fortalecida fica quando se passa

ao artigo 64.º CSC, na sua versão original. Esse preceito, perante a arrumação das matérias

adotada pelo Código, ficou geograficamente desligado da responsabilidade dos

administradores, passando a integrar um capítulo próprio sobre a administração. Ora,

perante a natureza científica assumida pelo Código, não seria crucial ver, em sítio tão

desgarrado, uma referência a uma bitola de culpa, sem qualquer menção às condutas de onde

ela emergia. Tínhamos, pois:

Uma bitola de esforço;

Reportada a um modelo objetivo e abstrato: o gestor criterioso e ordenado.

Tudo isso foi sendo concretizado pela jurisprudência, em função dos diversos deveres a

executar. A referência aos interesses (da sociedade, dos sócios e dos trabalhadores) já surge

como um corpo estranho. Todavia, poderíamos absorve-la encontrando aí pontos auxiliares

para a concretização de deveres incompletos de conduta e, portanto: carecidos de

preenchimento com certas bitolas de esforço que, agora, apareciam direcionadas. Em 2006,

tudo isso oscila. A diligência parece deixar de ser uma bitola geral de determinação do esforço

requerido aos administradores para a execução dos seus deveres, ameaçando limitar-se a algo

de bastante diverso, como a seu tempo veremos. Deveria ter havido a preocupação de

ponderar, dogmaticamente, o que é a diligência, no Direito português. Um diploma como o

Código das Sociedades Comerciais não pode, ad nutum, ignorar a lógica intrínseca do

ordenamento a que pertence. De todo o modo: qualquer tentativa de recuperação da

diligência obriga a ponderar o preceito no seu conjunto.

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72.º - A atuação no interesse da sociedade

A origem da referência aos interesses: no projeto do Código das Sociedades

Comerciais, publicado em 1983, o artigo 64.º surgia com uma redação muito semelhante à

do artigo 17.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 49.381, 25 novembro 1969. Dizia-se, aí, no artigo 92.º,

que encimava um preceito sobre a responsabilidade dos administradores:

«Os gerentes, administradores ou diretores duma sociedade devem atuar com a diligência de um

gestor criterioso e ordenado».

Todavia, na fase final da revisão do projeto, sem qualquer indicação justificativa, o preceito

fi retirado da responsabilidade civil, sendo feito o acrescento:

«(…) no interesse da sociedade, tendo em contra os interesses dos acionistas e dos trabalhadores».

Sabe-se hoje que se tratou de uma iniciativa de Luís Brito Correia, a quem o então Ministro

da Justiça terá pedido uma última revisão do Código. Donde provém tal ideia e qual o seu

sentido? O próprio Brito Correia veio dizer-se que se inspirara no §76 AktG alemão de 1965.

Este preceito nada tem a ver com o tema. Mais tarde, o mesmo autor surge a reportar, antes,

o §70 AktG de 1937. Embora vagamente relacionado, esse preceito também não pode ter

sido a fonte do acrescento. Tal fonte – como também refere Brito Correia – adveio, sim, do

projeto modificado de 5.ª Diretriz do Direito das sociedades. Mais precisamente: do seu

artigo 10.º, alínea a) e n.º2, que dispõe:

«Todos os membros dos órgãos de direção e de vigilância exercem as suas funções no interesse

da sociedade, tendo em conta os interesses dos acionistas e dos trabalhadores. Eles devem

observar a necessária discrição no que respeita às informações de natureza confidencial de que

disponham, sobre a sociedade. Eles ficam adstritos a essa obrigação, mesmo após a cessação

das suas funções».

Foi usada a primeira parte do preceito. Qual o seu sentido e quais os seus objetivos? Cumpre

fazer um breve excurso pela história da malograda 5.ª Diretriz.

A transposição para o Código, em 1986: o inopinado acolhimento do texto do artigo 10.º,

alínea a), n.º2, 1.ª parte, da proposta de 5.ª Diretriz, no CSC, versão original, coloca problemas

curiosos. Não há, no nosso País, qualquer cogestão. Logo, a norma perde o sentido que tivera

na Proposta de 5.ª Diretriz. Ficam-nos o seu teor e a sua inserção sistemática. Como avançar?

Como acima foi visto, o termo interesse é ambíguo, não sendo dogmatizável. Quando muito,

podemos adotar uma noção objetiva e normativa, segundo a qual o interesse representa a

porção de realidade protegida e que, quando violada, dá lugar um dano. Mas com isso perde-

se um pouco do alcance normativo do preceito. O papel útil da referência a interesses da

sociedade cifra-se, como vimos, em determinar que os administradores, ao agir no âmbito

das suas funções, o façam em prol dos sócios: mas em modo coletivo. Não se trata, pois, de

propugnar vantagens caso a caso mas, antes, numa panorâmica possibilitada pelo

conhecimento do cenário global, de defender, societariamente, as saídas mais promissoras.

Resta ainda emprestar um sentido útil aos interesses dos trabalhadores, aparentemente

colocados no mesmo plano dos sócios. Tal colocação só faria sentido em cenários de

cogestão, aqui inexistentes. Podemos, todavia, aproveitar a regra: na concretização do esforço

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exigível – portanto: da diligência – haverá que ter em conta as dimensões sociais da sociedade.

Temos um campo que poderia ser aproveitado por uma jurisprudência empenhada, numa

ligação às regras laborais. Ou seja: o universo dos administradores deveria atender, para além

da dimensão societária pura, também ao Direito do trabalho.

O sentido, em 2006; crítica: a interpretação acima indicada era uma tentativa frutuosa

de dar saída útil ao desgarrado troço retirado da naufragada proposta de 5.ª Diretriz. E no

pós-reforma de 2006? A atual alínea b) do artigo 64.º, n.º1 CSC, aparentemente imaginada

ex novo pelo legislador de 2006, não parece corresponder a conexões coerentes, perante

qualquer Direito societários. Antecipemos alguns pontos. O legislador começou por

subordinar o tema aos deveres de lealdade. Ora tais deveres são puros, devendo ter o

ordenamento como horizonte. Exigir lealdade no interesse da sociedade e, ainda, atentando

aos interesses (a longo prazo) dos sócios e, ponderando os de outros sujeitos, entre os quais

os trabalhadores, os clientes e os credores, é permitir deslealdades sucessivas. Quem é leal a

todos, particularmente havendo sujeitos em conflito, acaba desleal perante toda gente. Uma

técnica legislativa elementar ensina que não se devem construir normas com um aditamento

ilimitado de novos termos, sob pena de se lhes esvaziar os conteúdos. Prosseguindo:

mantém-se uma referência aos interesses da sociedade. Ora estes, segundo a doutrina

portuguesa largamente dominante, já haviam sido reconduzidos os interesses dos sócios.

Estranhamos o pouco (ou nenhum) relevo dado pelo legislador à doutrina da sua própria

Terra. Acresce, in casu, que os interesses da sociedade (dos sócios!) surgem ainda

complementados:

Atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios;

Ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da

sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores.

Mesmo formalmente, a sucessão de gerúndios devia ter sido evitada. Interesses de longo

prazo dos sócios? E quanto aos interesses de médio e de curto prazo? Seria absurdo, a

contrario, defender a irrelevância destes. Fica-nos a ideia de que tais interesses mais imediatos

(ou menos longínquos) surgem como interesses da sociedade, na linha tradicional já

sedimentada: das poucas que se conseguiram a abrigo do velho artigo 64.º CSC. Quanto à

referência aos interesses de longo prazo: será uma chamada para aquilo a que consideramos

o modo coletivo de defesa dos sócios e que implica, naturalmente, que não se sacrifique a

sociedade – por hipótese – a uma apetência imediata de lucros. No tocante aos outros sujeitos

relevantes para a sustentabilidade da sociedade – fórmula que, por mais própria de um texto

de gestão, deveria ter sido evitada: estão em causa os stakeholders, exemplificados com

trabalhadores, clientes e credores. Um sentido útil? Os administradores devem observar as

regras atinentes à globalidade do ordenamento. Tudo isto deve ser autonomizado, uma vez

que nada tem a ver com a lealdade. Quando muito, com a diligência. Mas o legislador inverteu

tudo, confundindo noções. Quanto aos stakeholders: uma noção sem tradições entre nós e que,

deste modo, não terá sido introduzida da melhor maneira.

73.º - Os deveres de lealdade

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Origem e evolução: como vimos, a lealdade exprime, no Direito das sociedades, o

conjunto das exigências valorativas básicas do sistema, em cada situação concreta. Trata-se

de um ponto que se concretiza perante a sociedade e perante os sócios. Compete agora

verificar o seu papel em face dos administradores. A situação jurídica dos administradores

foi, inicialmente, enquadrada por referência à figura do mandato. No exercício dos seus

poderes de administração, o administrador (ou o membro da direção, no sistema dualista

alemão) está ligado por vínculos específicos à sociedade. Tais vínculos implicam deveres

acessórios, entre os quais, por mera lógica obrigacional, podemos inserir a boa fé. Todavia e

como repetidamente sucede com a lealdade, não foi numa derivação simples que surgiram

os deveres dos administradores: estes antes se impuseram no terreno, para enquadrar

problemas concretos. Num primeiro momento, a jurisprudência veio explicitar os deveres

dos administradores com recurso aos do mandatário, a complementar pela boa fé. Mais tarde,

sublinhou-se o facto de, na administração, estarmos em face d gestão de bens alheios: fonte

de deveres específicos. Estes primeiros passos são importantes e devem-nos fazer reter o

óbvio. A relação de administração é, antes de mais, uma prestação de serviço, pautada pelas

regras gerais do Direito das obrigações. Nestas vamos sempre encontrar o essencial dos

regimes aplicáveis, bem como uma porta aberta para enquadrar os problemas novos que

possam surgir. Isto dito: é natural que a especificidade das situações dite o aparecimento de

grandes linhas de problemas que irão encontrar, no Direito das sociedades, soluções

particularmente adaptadas aos valores em jogo. A evolução subsequente foi pautada pelas

seguintes linhas:

Determinação de atuações vedadas, com base em cláusulas gerais;

(Re)sistematização de atuações vedadas por lei, agora ordenadas em função do vetor

lealdade;

Procura de atuações impostas ou condutas requeridas, desta feita, pela positiva.

A aproximação à lealdade foi progressiva. Tomando como exemplo a proibição de receber

corretagens por conta de negócios celebrados em representação da sociedade:

Primeiro, ela foi apoiada na cláusula dos bons costumes;

Mais tarde, ela derivou da lealdade;

Por fim, ela é apontada como óbvia: apenas sistematicamente se apela à lealdade; nas

obras anglo-saxónicas, a lealdade ocorre sem mais, como um elemento no seio da

codificação dos deveres dos diretores.

Segue-se a análise das concretizações dos deveres de lealdade dos administradores.

Atuações vedadas: a jurisprudência e a literatura permitem apontar diversas situações

em que, por referência à lealdade, surgem atuações proibidas aos administradores. Incluem-

se, aqui, proibições legais que, por razões sistemáticas e valorativas, fazem naturalmente parte

desta constelação problemática. As duas proibições mais óbvias, muitas vezes sancionadas,

de modo expresso, pelas leis são:

A proibição de concorrência;

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A proibição de divulgar segredos societários.

Para além disso, vamos encontrar:

A proibição (ou severa restrição) de aceitar crédito da própria sociedade;

A proibição e aproveitamento das oportunidades de negócio (corporate opportunities ou

Geschäftschancen): esta parte da proibição de concorrência vai mais longe; o

aproveitamento não pode considerar-se legitimado com a mera autorização para a

concorrência; trata-se de matéria conhecida pela jurisprudência e ponderada à luz do

Direito comparado;

A proibição de tomar decisões ou de colaborar nelas, quando se verifiquem situações

de conflito de interesses;

A proibição ou a forte restrição no tocante a negócios a celebrar com a própria

sociedade;

A proibição de discriminação de acionistas, mantendo-se, pela positiva, um dever de

neutralidade;

A proibição de empatar OPAs consideradas hostis (a menos, evidentemente, que tais

OPAs, sendo nocivas para a sociedade – para os sócios em modo coletivo –,

obriguem, por outras vias, a agir);

O dever de informar os negócios que faça com títulos da sociedade.

De um modo geral, podemos dizer que estas proibições encontram uma base jurídico-

positivas, seja nas regras correspondentes disponíveis nos diversos diplomas, seja no

princípio geral da boa fé. O seu recorte é simples: o administrador encabeça um vínculo

material, que deve respeitar. As exigências do sistema visam o aproveitamento desse vínculo

com fins alheios às situações consideradas. Designadamente: os fins pessoais do

administrador ficarão sempre aquém dos da sociedade.

Condutas devidas; delimitação da diligência e do cuidado: prosseguindo,

pergunta-se se o dever de lealdade não imporá, aos administradores, a observância, pela

positiva, de deveres de conduta. Estes podem ser inferidos, por meras operações lógicas, do

catálogo de proibições acima mencionado. Teríamos os deveres de não aceitar crédito, de

não-apropriação das corporate opportunities, de não agir em conflito de interesses, de não

contratar com a própria sociedade, de respeitar a igualdade entre os acionistas e de deixar

jogar a concorrência, perante OPAs hostis. Todavia: em nenhum destes casos teremos uma

bússola que diga, pela positiva, como agir. Apenas são apostas margens, na conduta dos

administradores. Na origem, a lealdade ganha conteúdo positivo mercê da própria

aproximação ao sistema e à boa fé, na vertente (segundo a nossa terminologia) da primazia

da materialidade subjacente. O dever de lealdade implica a prossecução efetiva de um escopo:

não meras atuações formais. A doutrina e a jurisprudência têm, com alguma timidez, feito

precisões úteis. Assim, o administrador deve consagrar, à sua função, as energias necessárias,

abstendo-se de aceitar cargos laterais que esgotem as suas forças. Deve, ainda, trabalhar

colegialmente com os outros administradores. Prosseguindo, constata-se que, na atuação dos

administradores, está em causa uma gestão de bens alheios. Tal gestão pressupõe uma

especifica lealdade, à qual podemos conferir uma natureza fiduciária: todos os poderes que

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lhes sejam concedidos devem ser exercidos não no seu próprio interesse, mas por conta da

sociedade. Eles são dobrados pelo vínculo de confiança que dá corpo à lealdade. Mais longe

do que isso: teremos de remeter para as regras do governo das sociedades, no que tenha de

prescritivo. De todo o modo, cumpre manter a matéria semanticamente clara. Assim, o dever

de lealdade, mesmo nesta concretização positiva, não se confunde:

Com o dever de diligência: este traduz a medida de esforço exigível aos

administradores, no cumprimento dos deveres que lhes incumbam;

Com o dever de cuidado: este implica concretizações do dever geral de respeito, de

modo a evitar situações de responsabilidade aquiliana; normalmente fala-se em

deveres de prevenção do perigo.

Atenção: o legislador português, na reforma do CSC, de 2006, alterou o artigo 64.º em termos

que quebram a terminologia consagrada. Para além das necessidades reconstruções a que esse

estado de coisas obriga, podemos assentar: a lealdade pressupõe a manutenção e a defesa da

confiança; o exercício dos poderes de administração e de representação é fiduciário, uma vez

que assenta em bens alheios; e finalmente: na atuação leal, há que ter em conta os valores

fundamentais do sistema.

A transposição para o Direito Português: feito este excurso, regressemos ao artigo

64.º CSC. A transposição dos deveres de lealdade pra o CSC foi feita pelo Decreto-Lei n.º

76-A/2006, 29 março. Recordamos os precisos termos em que isso ocorreu:

«1. Os gerentes ou administradores da sociedade devem observar:

(…)

«b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos

sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da

sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores».

Já acima criticámos esta aproximação entre a lealdade e os numerosos interesses depois

articulados: tomados à letra, eles retiram qualquer sentido útil ao preceito. Por via doutrinária,

poderemos fazer decorrer, dos deveres de lealdade aí prescritos, as concretizações há muito

conhecidas: o dever de neutralidade; o dever de moderação na recolha de vantagens

remuneratórias; a lisura perante OPAs; a não atuação em conflitos de interesses; a proibição

de concorrência; a não apropriação das oportunidades de negócio da sociedade. A sua base:

a exigência do sistema (boa fé), perante o facto de estarmos em face de uma gestão de bens

alheios. Um ponto é evidente: a lealdade é-o para com a sociedade: não para acionistas ou

para stakeholders. Quanto a estes, talvez pudesse valer o dever de cuidado. O legislador,

todavia, inverteu os termos do problema.

74.º - Os deveres de cuidado

A origem: os deveres de cuidado fizeram a sua aparição no Direito português das

sociedades à última hora, através da reforma de 2006. Efetivamente, eles não constavam do

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anteprojeto posto à discussão pública. E no competente texto, a CMVM chegou mesmo a

adiantar:

«Merece, neste contexto, proceder a uma explicitação dos deveres de lealdade dos

administradores, dado que o regime nacional apenas refere, em termos gerais, a subordinação a

critérios de diligência (artigo 64.º CSC). Com efeito, os deveres de diligência (duties of care) –

que se reportam, genericamente, ao desenvolvimento de um esforço adequado (designadamente

informativo) e a uma correção técnica da atuação dos administradores, segundo critérios de

racionalidade económica – devem ser complementados pela explícita alusão aos deveres de

lealdade dos administradores».

Portante, se bem se entende: aquando dos preparatórios da reforma, julgava-se bastante a

referência a deveres de lealdade, além do já existente critério de diligência. Todavia, o peculiar

estilo de, entre parêntesis, ir escrevendo em inglês o que vai dizendo em vernáculo, leva a

pensar que, já então, a CMVM tinha em vista não propriamente a diligência, mas antes os

duties of care ou deveres de cuidado. Uma melhor meditação explicará a atual alínea a) do artigo

64.º, n.º1 CSC, com a sua referência aos deveres de cuidado. No Direito inglês, o dever de

cuidado opera no domínio da responsabilidade civil por negligência: ninguém incorre, aí, em

condenação se não ficar estabelecido que violou tal dever. Todavia, o dever de cuidado

assume, depois, diversas especializações. No tocante aos administradores, o dever de cuidado

inglês apresentasse como uma medida de diligência requerida para o exercício regular das

suas funções. Contudo, é no Direito norte-americano que ele dá azo a maiores

desenvolvimentos. O dever de cuidado, também próprio da responsabilidade por negligência,

abrange:

A desatenção: é responsável o administrador que não siga os negócios da sociedade,

desacompanhando-a;

A condenação perante o business judgment rule: este estabelece um estalão de

grave negligência.

O porquê de uma regra de cuidado especial para os administradores leva a uma clássica

discussão. Efetivamente, o cuidado que lhes é exigido fica aquém do requerido aos cidadãos

comuns. Entre os argumentos referidos surge a necessidade de não suprimir o risco do

negócio, base de qualquer progresso. Em suma: sob a especial técnica anglo-saxónica – que

não separa a ilicitude da culpa – o dever de cuidado exprime as regras de conduta e a carga

de não censura necessárias no exercício das funções de administração, para que ele não

incorra em responsabilidade negligente. Para além dos caso judiciais concretos em que ele se

exprima, não encontramos fórmulas precisas para o dever de cuidado, no Direito das

sociedades.

A transposição para a lei portuguesa: a exigência da especial categoria anglo-

saxónica dos deveres de cuidado era há muito conhecida no Continente europeu, tendo

originado interessantes estudos de Direito Comparado. Mais recentemente, ela aparece

contraposta aos deveres de lealdade, em termos que também ocuparam os comparatistas.

Torna-se evidente que não é de todo possível transpor a técnica anglo-saxónica de decisão

para um Direito continental. Uma mera tradução de locuções não potencia, pois, qualquer

transposição. O legislador de 2006, o referir os deveres de cuidado, especificou:

A disponibilidade;

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A competência técnica;

O conhecimento da atividade da sociedade.

Realmente, alguns destes elementos surgem nas exposições britânicas, a propósito dos

deveres de cuidado. Trata-se, nos termos apontados, de deveres que acompanham a atuação

doo administrador, prevenindo situações de negligência. Apresentam um grau de abstração

muito elevado, a concretizar nos meandros do case law: estranha ao nosso Direito. Não parece

fácil a ligação feita entre os deveres de cuidado, típicos do negligence law e a bitola do gestor

criterioso e ordenado, constante do final do artigo 64.º, n.º1, alínea a) CSC. Aparentemente,

esses dois elementos dizem o mesmo: um em linguagem anglo-saxónica e outro em termos

continentais. Também não se entende porque inserir, no artigo 64.º CSC, um claro elemento

de responsabilidade civil: seria lógico colocar tal norma – a ser necessária! – no artigo 72.º

CSC. Aliás: no n.º2 deste último surge-nos, agora, o business judgment rule. Finalmente: a bitola

da diligência, que antes acompanhava todos os deveres dos administradores, parece agora

confinada aos deveres de cuidado: não é brilhante. Como saída interpretativa: teremos de

esquecer as origens bizarras do artigo 64.º, n.º1, alínea a) CSC, úteis apenas para fins expositivos, de clarificação e de crítica ao procedimento legislativo. Essa alínea deverá ser

interpretada no seu conjunto, exprimindo a boa velha (e sempre útil) bitola de diligência,

acompanhada por algumas precisões.

75.º - Os deveres gerais dos administradores

Os elementos disponíveis: cumpre agora empreender a reconstrução do artigo 64.º

CSC. Devemos atuar à luz do Direito Português, ao qual ele pertence, e de acordo com os

cânones da interpretação, que mandam atender à lei, mesmo quando obscura (artigo 8.º, n.º1

CC). Aliás, o legislador goza de presunções de acerto e de adequação (artigo 9.º, n.º3 CC), às

quais nos submetemos. Além disso, relevam os elementos históricos e comparatísticos, bem

como a realidade dos nossos tempos: todos os dias vão surgindo, nos tribunais da Europa e

dos Estados Unidos, novas facetas relativas aos deveres dos administradore3s e à

responsabilidade emergente da sua violação. Em sede de síntese, diremos que o artigo 64.º,

n.º1 CSC, tal como saiu da pena do legislador de 2006, é uma justaposição de massas jurídicas

de origens e tempos diversos. Assim, temos:

Uma massa portuguesa tradicional: a diligência do gestor criterioso e ordenado;

Uma massa alemã: os deveres de lealdade;

Uma massa europeia: o interesse da sociedade e a referência aos interesses dos sócios

e dos trabalhadores;

Uma massa anglo-saxónica: a contraposição cuidado/lealdade; os deveres de cuidado

com algumas especificações e a referência aos stakeholders.

A epígrafe do artigo 64.º CSC é enigmática: os deveres fundamentais dos administradores

prendem-se com os de gestão e de representação; não com as subtilezas desse preceito.

Todavia, tentaremos emprestar-lhe um sentido útil.

Normas de conduta:

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1. Deveres de cuidado: o primeiro ponto a esclarecer será o seguinte: o artigo 64.º,

n.º1 CSC compreende regras de responsabilidade civil ou normas de conduta?

Diretamente, pretende reger a atuação dos administradores ou fixar consequências

no caso de violação de (outras) normas? Esquecendo o negligence law, estamos perante

normas de conduta. Sistematicamente, o artigo 64.º CSC está desligado dos preceitos

relativas à responsabilidade dos administradores. A própria epígrafe, conquanto que

exagerada, aponta, também, no mesmo sentido. Finalmente: tal como estão

articulados, os deveres de cuidado – melhor seria: de procedimento – e de lealdade

são mesmo normas de conduta. Quando violadas, teremos de fazer apelo a outras

regras – culpa, ilicitude, dano e causalidade, entre outras – para determinar uma

eventual responsabilidade civil. Esclarecido esse ponto, passemos aos deveres de

cuidado. Tais deveres parecem reportar à disponibilidade, à competência técnica e ao

conhecimento da sociedade. Na realidade, estes três elementos constituem outros

tantos deveres, que explicitam, em moldes não taxativos, o teor do tal cuidado. Se

procurarmos generalizar, encontramos o conteúdo positivo da gestão. Ou seja: os

administradores devem gerir com cuidado, o que implica, designadamente, a

disponibilidade, a competência e o conhecimento. Trata-se de matéria a clarificar

caso a caso. Donde a referência: adequados às suas funções. A partir daqui, jogaram

os códigos de governo das sociedades.

2. Deveres de lealdade e interesses a atender: seguem-se os deveres de lealdade.

Abreviando, podemos considerar que se trata de deveres fiduciários, que recordam

estar em causa a gestão de bens alheios. Os administradores são leais na medida em

que honrarem a confiança neles depositada. Ficam envolvidas as clássicas proibições

já examinadas: de concorrência, de aproveitamento dos negócios, de utilização de

informações, de parcialidade e outros. Ainda a mesma lealdade exige condutas

materialmente conformes com o pretendido: não meras conformações formais. A

lealdade que se impõe é-o, naturalmente: à sociedade o que é dizer, aos sócios, mas

em modo coletivo. As referências aos interesses de longo prazo dos sócios e aos dos

stakeholders – especialmente, trabalhadores, clientes e credores – só podem ser

tomadas como uma necessidade de observar as competentes regras. Para além delas,

os administradores estão ao serviço da sociedade: ou a pretendida competitividade

das sociedades portuguesas será uma miragem. Quanto aos sócios e aos interesses a

curto, a médio e a longo prazo: teremos de fazer apelo às regras (diversificadas) do

governo das sociedades, para dispor de um quadro inteligível e, eventualmente; de

critério de decisão. O artigo 64.º, n.º1, alínea b) CSC, embora rico, nunca poderia

resolver tal nó górdio. A referência legal vale, pois, como uma prevenção e como um

ovo apelo aos códigos de corporate governance.

A bitola de diligência: a bitola de diligência, apesar de desgraduada para o final do artigo

64.º, n.º1, alínea a) CSC, conserva todo o seu relevo. Desde logo, em termos literais: nesse

âmbito – portanto: o âmbito em que os administradores devem empregar a diligência de um

gestor criterioso e ordenado – reporta-se às suas funções: não apenas aos deveres de cuidado.

Obviamente: o administrador deve ser diligente na execução de todos os seus deveres e não,

apenas, nos de cuidado. A diligência, enquanto medida objetiva e normativa do esforço

exigível, mantém-se, tudo visto, como uma regra de conduta incompleta: mas regra que dobra

todas as outras, de modo a permitir apurar a efetiva atuação exigida aos administradores.

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Secção III – O governo das sociedades24

76.º - Corporate governance: origem e desenvolvimento

Aceções: à letra, corporate governance traduzir-se-ia por governo societário. Em português do

Brasil, usa-se o termo governança corporativa. Os puristas franceses recorrem a government

d’enterprise ou government des sociétés, explicando tratar-se de corporate governance. Esta última

expressão, no anglo-americano de origem, é utilizada, sem problemas, pelos comercialistas

alemães. Corporate governance não tem um equivalente claro, no Direito português das

sociedades. Ficamo-nos, por isso, pela locução governo das sociedades, habitualmente usada.

Todavia, em linguagem técnica, admitamos que se recorra ao inglês corporate governance. O

governo das sociedades corresponde a um conceito anglo-americano. Postula quadros

jurídicos e conceituais diferentes dos continentais: razão pela qual não há total equivalência,

perante estes últimos. A sua utilização deve ser acompanhada pelas necessárias explicações,

sob pena de promover confusões conceituais. Feitas estas precisões, verifica-se que corporate

governance pode abranger duas diferentes realidades:

A organização da sociedade: a corporate governance reportar-se-ia ao que chamamos

a administração e a fiscalização da sociedade. Ela abrangeria:

o A orgânica societária, suscetível de integrar diversos modelos; no caso das

sociedades anónimas, teríamos, à escolha (artigo 278.º, n.º1 CSC): o modelo

monista latino, com administração e conselho fiscal, o modelo monista

anglo-saxónica, com administração compreendendo uma comissão de

auditoria e o revisor oficial de contas e o modelo dualista ou germânico, com

conselho de administração executivo, conselho geral e de supervisão e revisor

oficial de contas;

o A ordenação interna do conselho de administração;

o A articulação com a assembleia geral;

o O modo de designação e de substituição dos administradores.

As regras aplicáveis ao funcionamento da sociedade: a corporate governance abarca:

o Os direitos e os deveres dos administradores;

o As regras de gestão e de representação;

o As regras de fiscalização;

o Os deveres atinentes às relações públicas.

A primeira – e, porventura, fundamental – subtileza do governo das sociedades reside na não

separação entre essas duas vertentes. Os estudiosos norte-americanos dão-nos noções em

que ambos os aspetos estão miscenizados: não logram referir uma orgânica sem, de mistura,

falarem das funções e das regras envolvidas, tudo isso entremeado por considerações de

ordem política algo naïf. Podemos reter algumas definições ilustrativas. Assim, o governo das

sociedades seria:

24 Cordeiro, António Menezes; Direito das Sociedades, Parte Geral, Volume I; Almedina editores; 3.ª edição; Coimbra, Maio 2011.

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O sistema pela qual as sociedades são administradas e controladas (Relatório Cadbury,

1992);

As estruturas, o processo, as culturas e os sistemas que deem azo à organização e ao

funcionamento com sucesso (Keasy e Wright, 1993);

O processo de supervisão e de controlo destinado a assegurar que a administração

da sociedade age de acordo com os interesses dos acionistas (Parkinson, 1994);

A soma das atividades que afeiçoam a regulação interna do negócio em consonância

com as obrigações derivadas da legislação, da propriedade e do controlo (Cannon,

1994).

A técnica subjacente não é precisa, pelos cânones continentais: falha na formulação de

conceitos e na dimensão analítica. Todavia, ela permitirá entender melhor a realidade.

Origem e evolução: a corporate governance tem origem norte americana. Ela remonta a

1932, altura em que Berle e Means expuseram o tema da separação, nas grandes empresas,

entre a propriedade (Formal) e o controlo. Como assegurar que os gestores, que detêm o

controlo, agem no interesse dos proprietários? Seria o problema da representação (agency

problems): haveria que prever um jogo de incentivos e de monitorização para assegurar esse

desiderato. Grosso modo, o sistema era atribuído pelo mercado: a empresa mal gerida via

criar as suas cotações, acabando por ser vítima de um takeover. Os novos titulares do capital

poderiam optar entre desmantelar a empresa ou proceder a reajustamentos na sua gestão. A

partir dos anos 90 do século XX, a política económica e a prevenção vieram ocupar o lugar

dos takeovers. Estes assumiam custos sociais elevados e instilaram uma insegurança junto dos

investidores. Devemos ainda ter presente que, nos Estados Unidos, as empresas financiam-

se junto do mercado de capitais e não na banca. Torna-se importante, por isso, uma difusão

de informações aprazíveis e uma imagem de segurança na gestão das empresas. A corporate

governance, agora com um sentido funcional e normativo mais vincado, ganha um uso e uma

intensidade sem precedentes. Novos métodos de análise permitiram estabelecer o papel de

um governo societário forte sobre os resultados da sociedade. Este foi incrementado. Mas

teve um subproduto infeliz: uma sucessão de escândalos, com relevo para os casos

mediáticos da Enron, da WorldCom e da Global Crossing. Antes da crise de 2007-2012, sete das

doze maiores falências da História norte-americana haviam ocorrido em 2002. A

monitorização dos administradores ganhou uma dimensão acrescida. O governo das

sociedades tinha de assumir um papel mais moralizador e fiscalizador. Surgiram publicadas

leis, com relevo para o norte-americano Sarbanes-Owley Act (2002). Foram estabelecidas

incompatibilidades, garantias de independência, práticas moralizadas e incrementos de

responsabilidade. A matéria tem conhecido um crescimento exponencial.

77.º - Corporate governance em Portugal

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As vias de penetração: o governo das sociedades tem penetrado, na realidade do Direito

português das sociedades, por seis vias:

Através de práticos do Direito, com especial capacidade na área das relações

internacionais: foi pioneiro, em especial contacto com a realidade dos outros países,

particularmente anglo-saxónicos, eles tiveram acesso imediato às novas orientações

vindas de além-Atlântico e de além-Mancha. Por vezes, tiveram a possibilidade de

transmitir conhecimentos assim adquiridos, publicando-o;

Mercê dos estudiosos que exercem funções no âmbito da CMVM: têm uma

apetência de princípio pelos temas do governo das sociedades. Cabe-lhes, em especial,

preparar os regulamentos e as recomendações que irão enquadrar o mercado

mobiliário. A sua sensibilidade À doutrina de língua inglesa reforçou a natural ligação

com os mercados mundiais, em breve trecho, dominados pela linguagem e pelos

princípios de gestão norte-americanos. A CMVM é responsável por diversos

regulamentos relativos ao Governo das Sociedades Cotadas: o último, neste

momento, é o n.º1/2010, 7 janeiro.;

Por via dos especialistas em técnicas de gestão, hoje: de governo das

sociedades: num plano próximo ao anterior, podemos colocar estes especialistas,

muitas vezes de formação anglo-saxónica. Organizados no ICPG – Instituto

Português de Corporate Governance, eles são responsáveis pela penetração do

pensamento subjacente nas grandes empresas nacionais. Deve-se-lhes, em especial,

a publicação do livro branco sobre corporate governance em Portugal (2006). A partir de

2009, o IPCG pôs em circulação um anteprojeto de Código de Bom Governo das

Sociedades, relativamente ao qual há elementos datados do início de 2011;

Pela pressão do Direito Europeu: temos, desde logo presente a já referida

Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu: Modernizar o

Direito das sociedades e reforçar o governo das sociedades na União Europeia –

Uma estratégia para o futuro. Retemos o troço seguinte:

«A UE deve definir uma abordagem própria em matéria de governo das sociedades,

adaptada às suas tradições culturais e empresariais. Com efeito, trata-se de uma

oportunidade no sentido de a União reforçar a sua influência à escala mundial através

de regras de governo das sociedades sólidas e sensatas. O governo das sociedades

constitui efetivamente uma área em que as normas têm vindo cada vez mais a ser

estabelecidas a nível internacional, conforme evidenciando pela recente evolução

registada nos Estados Unidos. A lei Sarbanes-Oxley, adotada em 20 julho 2002,

após uma série de escândalos, representou uma resposta rápida neste contexto.

Infelizmente, suscitou uma série de problemas, devido aos seus efeitos extraterritoriais

a nível das empresas e dos revisores oficiais de contas na Europa, tendo a Comissão

empreendido um intenso diálogo com as autoridades norte-americanos (nomeadamente

a Securities and Exchange Commission) no domínio da regulamentação com vista a

negociar soluções aceitáveis. Em muitas áreas, a EU partilha objetivos e princípios

gerais idênticos aos enunciados na lei Sarbanes-Oxley e, nalguns casos, vigora já uma

regulamentação sólida e equivalente na EU. Nalgumas outras áreas, contudo, são

necessárias novas iniciativas. Assegurar o direito de serem reconhecidas como regras

menos equivalentes a outras regras nacionais e internacionais constitui, só por si, um

objetivo legítimo e profícuo».

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Fica, naturalmente, a grande questão: as várias medidas preconizadas, no tocante à

fiscalização, à responsabilidade dos administradores, aos figurinos de organização e

à evolução e à evolução do próprio Direito das sociedades não estariam ao alcance

da linguagem continental clássica? A resposta seria, tecnicamente, positiva. Todavia,

o influxo anglo-saxónico foi um motor poderoso nesse domínio. A linguagem

adotada é, ainda, a da corporate governance: ora a moderna Ciência do Direito assenta no

relevo substantivo da linguagem. Não podemos ainda falar numa legislação direta

europeia sobre governo das sociedades. Mas a pressão existe e é efetiva.

Pelo ensino universitário: o ensino universitário debate-se com a estreiteza dos

planos de estudos, agravada pela desastrosa reforma dita de Bolonha (Mariano Gago),

responsável pela quebra de nível das licenciaturas. O âmbito letivo do Direito

comercial tem dificuldades em acolher mais esta província. Não obstante, são feitas,

há anos, referências básicas em obras gerais surgindo, mais recentemente, planos de

estudos relativos a disciplinas especializadas de processo das sociedades, nos cursos

de mestrado. Pelas características do nosso País: a matéria não terá de ser

aprofundada a esse nível;

Mediante reformas legislativas: vamos ver!

A projeção na reforma de 2006: na preparação da reforma levada a cabo, no Código

das Sociedades Comerciais a 29 de março de 2006, houve uma efetiva projeção de certos

vetores da denominada corporate governance. De acordo com o estudo preparatório elaborado

pela CMVM, a reformulação global e coerente do regime das sociedades anónimas em

Portugal implica os objetivos seguintes:

a. Promover a competitividade das empresas portuguesas, permitindo o seu

alinhamento com modelos organizativos avançados;

b. Ampliação da autonomia societária, designadamente através da abertura do leque de

opções quanto a soluções de governação;

c. Eliminar distorções injustificadas entre modelos de governação;

d. Aproveitar os textos comunitários em relevo direto sobre a questão dos modelos de

governação e direção de sociedades anónimas;

e. Atender às especificidades das pequenas sociedades anónimas;

f. Aproveitar as novas tecnologias da sociedade da informação em benefício do

funcionamento dos órgãos sociais dos mecanismos de comunicação entre os sócios

e as sociedades.

Há algum desenvolvimento vocabular. Todavia, a reforma aprovada deu corpo, em especial,

aos pontos b. e f.. Quanto a modelos: houve um reforço efetivo da fiscalização, com

múltiplos reflexos na prestação de contas. No tocante à administração, como temos referido,

de modo a justapor-lhe categorias anglo-saxónicas de deveres:

Alterou-se o artigo 64.º CSC, de modo a justapor-lhe categorias anglo-saxónicas de

deveres;

Introduziu-se o business judgment rule.

Trata-se de aspetos que irão sendo clarificados, nos próximos anos.

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Balanço e perspetivas: a projeção da corporate governance, quanto ideologia, tem sido

intensa, nas grandes empresas. Para além da introdução de uma terminologia anglo-saxónica,

procede-se a reformulações nos esquemas de retribuição dos administradores, de arrumação

dos conselhos de administração e – com menor efetividade – na reorganização das

fiscalizações. O setor bancário parece ser dos mais sensíveis. Além disso, a matéria comunica-

se, rapidamente, ao setor público. No plano legislativo, o governo das sociedades serviu,

essencialmente, como força impulsionadora da reforma de 2006, junto do legislador. A

configuração concreta da reforma não dependeu dos novos princípios: estava ao alcance da

técnica continental. Estamos ainda longe de qualquer concretização jurisprudencial. Nesse

domínio, impor-se-á toda uma divulgação jurídico-científica da matéria, junto dos agentes

jurídicos: consultores, advogados e administradores. Estamos no Direito Privado: os

tribunais só decidem quando devidamente solicitados pelas partes. O especial fascínio do

governo das sociedades advém da integração de regras jurídicas, princípios de gestão e

normas éticas. A corporate governance não é definível em termos jurídicos: abrange um conjunto

de máximas válidas para uma gestão de empresas responsável e criadora de riqueza a longo

prazo, para um controlo de empresas e para a transparência. Podemos dizer que ficam

abrangidas:

Verdadeiras regras jurídicas societárias, como sucede com o artigo 64.º CSC e outros

preceitos relativos a prestação de contas;

Regras jurídicas de ordem civil e deveres acessórios, também de base jurídica;

Princípios e normas de gestão, de tipo económico e para as quais, eventualmente,

poderão remeter normas jurídicas;

Postulados morais e de bom senso, sempre suscetíveis de interferir na concretização

de conceitos indeterminados.

A grande vantagem do governo das sociedades é a sua natureza não legalista. Lidamos com

regras flexíveis, de densidade variável, adaptáveis a situações aprofundamento distintas e que

não vemos como inserir num Código das Sociedades Comerciais. De resto: não temos

conhecimento de, em qualquer País, se ter seguido tal via. Não obstante, o governo das

sociedades é um tema do nosso tempo. Fortemente impressivo, pela nota norte-americana

de modernidade que comporta, o governo das sociedades não podia deixar de ser arvorado,

pelo legislador, em bandeira de reforma. O seu papel acabou, todavia, por ser modesto:

quedou-se pela reforma do artigo 64.º CSC, com todos os óbices e desafios que temos vindo

a assinalar. Fora do estrito campo legal, o tema do governo das sociedades tem um papel

acrescido. A CMVM produz regulamentos e recomendações de nível elevado e que têm

como bússola importantes princípios de governo das sociedades. Além disso, ela tem uma

atuação informal junto das grandes empresas, que permite pôr no terreno vetores

importantes na área da boa gestão, da transparência e da informação ao mercado. O tema é

retomado por estudiosos e especialistas, junto das referidas grandes empresas. Em suma:

filtra uma cultura de modernidade, importante na Aldeia Global. O desafio que enfrentamos

é outro: velar par que o acolhimento dos princípios do governo das sociedades não provoque

um abaixamento técnico-jurídico, nem se traduza por mais uma desmesurada fonte de

complexidade societária.

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Secção IV – A situação jurídica dos administradores

78.º - Os administradores no Direito comparado

Generalidades: a situação jurídica dos administradores é uma peça-chave no Direito das

sociedades anónimas. O regime aplicável nem sempre surge explícito: torna-se, por isso,

necessário recorrer à construção científica e à lógica do sistema. Finalmente: o conhecimento

dos diversos meandros permitiria fixar a natureza da posição dos administradores. Tudo isto

constitui, no presente momento, um problema complexo, que está por resolver. Na origem

dogmática do problema, podemos apontar o seguinte: o Direito das sociedades comerciais,

particularmente perante as opções dos autores do CSC, que lograram consagração em

diversos troços da lei, é, estruturalmente, de tipo contratual. Todavia, quando se intenta uma

metodologia contratual à situação dos administradores, surgem dificuldades. O

administrador não é, no Direito português, provido por contrato, enquanto se multiplicam

situações nas quais a própria vontade da sociedade é dispensável. O Direito português torna-

se, ainda, um tanto caleidoscópico, pelas sucessivas influências que tem sofrido, de outros

ordenamentos. Tais influências, que remontam ao século XVIII e à Lei da Boa Razão,

intensificaram-se aquando da elaboração do Código de 1986 e, mais recentemente, no âmbito

da reforma de 2006.

As orientações contratuais: o Code de Commerce francês de 1807 dispunha, no seu artigo

31.º, reportando-se às sociedades:

«Elas são admitidas por mandatários temporários, destituíveis associados ou não associados,

assalariados ou gratuitos».

Subjacente à situação jurídica dos administradores estaria uma ideia de mandatou ou, mais

concretamente: um contrato de mandato. Esta conceção fez história passou às Leis

Prussianas de 1838, sobre Caminhos de Ferro e de 1843, sobre sociedades anónimas; além

disso, vamos encontra-las nos Códigos de Comércio de Itália, de 1867 e 1882, ambos com

larga influência, designadamente entre nós. O recurso ao mandato tem origens históricas.

Podemos esquematiza-las em dois pontos:

Os inconvenientes do publicismo das grandes companhias coloniais;

As vantagens técnico-jurídicas do mandato.

No período moderno, as grandes companhias coloniais recebiam, da lei, poderes exorbitantes,

de tipo público. Além disso, elas eram geridas por uma lógica de Estado, de acordo com

diretrizes provenientes do Conselho do Rei ou de notáveis. Esta situação redundou, por

vezes, num protelamento dos direitos dos acionistas. Contra ela veio, a História, a reagir. A

vaga individualista subsequente à Revolução Francesa foi pouco propícia às companhias

coloniais. A figura das sociedades anónimas teve, ainda, uma imagem degradada, por via de

diversos escândalos financeiros. Em suma: todo este conjunto de fatores levou a que, na

codificação francesa de 1807 e, depois, nas codificações que se lhe seguiram, fossem

efetuadas opções claras pelas soluções jurídico-privadas. Também as exigências de

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construção conduziram ao reforço das opções privadas. Com efeito, a doutrina da

personalidade coletiva, na passagem do século XVIII para o século XIX, estava ainda muito

incipiente. A figura do administrador, com os seus poderes de gerir bens alheios e de vincular

a própria sociedade era um verdadeiro enigma. A figura mais disponível e mais próxima seria

justamente a do mandato: o mandatário geria bens alheios e, de acordo com as explicações

da época, tinha poderes de representação. O apelo ao mandato permitia concretizar duas

ordens de objetivos: políticos e técnico-jurídicos. Em termos políticos, os administradores

eram colocados ao serviço dos sócios, sem veleidades de intervenção de poderes políticos.

No plano técnico-jurídico, ficava enquadrada a problemática da gestão de bens alheios bem

como a da representação. Apesar das suas ingenuidades, o apelo ao mandato manteve a sua

influência, até hoje.

Críticas; o contrato de administração: a aplicação da ideia de mandato à situação

jurídica dos administradores veio a ser objeto de duas grandes tradições críticas:

A crítica interna, de origem alemã: tem a ver com a dissociação entre o mandato

e a representação. Na linha dos estudos pioneiros de Jhering e de Laband, sabemos

hoje que o mandato implica uma simples prestação contratual de serviços, de

natureza jurídica, enquanto a representação, proveniente de um ato unilateral – a

procuração – traduz o direito potestativo de uma pessoa praticar atos jurídicos que

se repercutam imediata e automaticamente, na esfera de outra. Pode o mandato não

envolver representação e pode haver representação sem mandato. Acrescente-se,

ainda, que a separação entre mandato e representação é, entre nós, um dado

adquirido. Pois bem: uma vez adquirido que o mandato não envolve,

necessariamente, a representação e que esta pode existir sem mandato, fica por

explicar, com recurso a esta via, a realidade da administração social. Ao lado do

mandato, haveria, no mínimo, que descobrir uma qualquer outra fonte para os

incontornáveis poderes de representação assumidos pelos administradores. Perfilam-

se, já, no horizonte e por esta ordem de ideias, as construções analíticas. Resta

acrescentar que o Código Civil de 1966 acolheu, em termos indubitáveis, a

dissociação entre o mandato e a representação (artigos 1178.º e seguintes e 1180.º e

seguintes CC). As conceções tradicionais que reduzem a situação jurídica de

administração ao mandato teriam, aqui, um obstáculo muito sério.

A crítica externa, de base italiana: (crítica, essa, à conceção do mandato) radica na

existência, a cargo do administrador de sociedades, de deveres retirados da lei e que

não se conectam com um mandato comum. Tais deveres têm vindo a ampliar-se, ao

longo do tempo, consistindo hoje no essencial da sua posição jurídica. No fundo,

joga uma questão de realismo. A evolução sócio-económica acarretou uma

regulamentação jurídica sempre mais complexa. Feixes de deveres específicos de base

legal dirigiam-se, diretamente, aos administradores, num cenário que o circunspeto

mandato não podia, de todo em todo, absorver.

Ambas são pertinentes e funcionais, no Direito português. Como construir a situação jurídica

da administração, depois de perdido o referencial do mandato? A situação jurídica dos

administradores de sociedades privadas será, com probabilidade, uma situação jurídica

privada. Por isso, parece razoável admitir que, na sua base, esteja um contrato: a sociedade

pretende uma determinada pessoa em funções de administração e essa pessoa dá o seu

assentimento. O contrato subjacente poderia não ser, propriamente, um mandato. Não seria

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de excluir, contudo, algo de próximo. Decisiva, no sentido da manutenção da ideia contratual,

foi a vigorosa reconstrução de Minervi. Segundo este autor, a estrutura da relação de

administração seria contratual: ela surgiria depois de a designação do interessado, feita pela

assembleia geral, lhe ser comunicada e de ele a aceitar, expressa ou tacitamente. Tratar-se-ia

de uma relação de trabalho em sentido amplo já que haveria uma prestação de serviço por

conta de outrem em termos não autónomos; por fim, dados os múltiplos elementos

específicos disponíveis, seria possível avançar individualizando um contrato típico de

administração. A hipótese é retomada por outros autores que sublinham a ideia de contrato

de trabalho amplo, que opinam por um tipo contratual autónomo ou, finalmente, que

pesquisam diversas relações, entre o administrador e a sociedade – trabalho, agência e

mandato profissional – em situação de união. Principiando pelo aspeto mais simples, pode

desde já antecipar-se que, se a situação jurídica de administração tiver uma base contratual,

haverá que procurar um contrato de administração ou qualquer outra figura contratual sui

generis: é manifesto que ela não se coaduna, precisamente, com nenhuma outra figura

preexistente. A aproximação ao contrato de trabalho teria o aliciante de corresponder à

profissionalização dos administradores, num fenómeno universal e que terá, por certo,

consequências. Mas levanta problemas de regime de enorme complexidade, que não são

minimamente ponderados pelos autores que propugnam semelhante aproximação. O aspeto

mais complicado – e verdadeiramente decisivo – é o da determinação concreta, na relação

de administração, de uma estrutura contratual, em sentido próprio. Em abstrato, parece

inteiramente possível e até razoável, que se possa fazer tal opção. Escolhido um

administrador, a sociedade abriria negociações com o eleito; obtido um acordo sobre todas

as cláusulas suscitadas pelas partes, incluindo os benefícios sociais, fechar-se-ia um contrato

de administração, que a doutrina iria posicionar algures, dentro das situações de prestação de

serviço. O Direito privado, porém, não é lógico. Melhor: a sua lógica assenta em fatores

estruturalmente culturais, dados por atormentada evolução histórica e marcados por

transposições conceituais muito variadas. A natureza contratual da relação de administração

não pode, assim, ser afirmada ou defendia em abstrato. Joga-se, antes de mais, um problema

de Direito positivo e de regime: há que verificar se o procedimento, relativo à colocação de

administradores, comporta uma redução contratual.

As orientações unilaterais: as teorias unilaterais contrapõem-se globalmente às

contratuais. Na sua promoção, jogaram fatores de ordem diversa que, por comodidade de

exposição, podem ser ordenados em técnicos e em significativo-ideológicos. Os fatores

técnicos prendem-se com a estrutura da designação dos administradores e com a via pela

qual eles entram em funções: não haveria, aí, qualquer, contrato. Os fatores significativo-

ideológicos têm a ver com conceções institucionalistas e publicistas, que ditariam um modus

faciendi não contratual. Aprofundemos os fatores técnicos. Os administradores são

designados por deliberação dos sócios. A deliberação é, na sequência de Von Thur,

autonomizada como uma especial categoria de atos jurídicos, genericamente contraposta a

atos não deliberativos. Ela própria depende de um processo, no qual surge uma proposta,

sujeita a votos; o voto exprime uma recusa ou a aceitação da proposta. Os participantes, na

assembleia deliberativa, funcionariam como representantes do ente coletivo, a quem a

deliberação vai ser imputada. Contrapondo-se aos atos jurídicos não deliberativos, verifica-

se que a deliberação se distingue, por três particularidades:

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1. Comporta várias declarações de vontade idênticas, por oposição a confluentes: os

participantes na deliberação de escolha do administrador, p. ex., dirão “quero

determinada pessoa como administrador” e não, por hipótese, um deles, “quero

mandatar” e outro “quero ser mandatado”;

2. As declarações de vontade não se dirigem a outrem, reciprocamente, mas sim à

agremiação;

3. A deliberação pode vincular quem, com ela, não tenha concordado.

Esta matéria, embora pouco estudada e raramente tida em conta pela comercialística, assume

importância. Ela impôs-se a autores de diferente formação e por prismas diversificados, não

tendo, por exemplo, escapado a Paulo Cunha. Desde o momento em que a escolha de um

administrador assente numa deliberação, a situação já não pode ser considerada contratual.

Impõem-no razões técnicas muito sérias: ao ato deliberativo, salvo fortes cautelas, não

podem ser aplicadas as regras do negócio jurídico e, muito menos, as do contrato: basta ver

que ela pode vincular quem, com ela, não concorde e que o regime da invalidade e da

ineficácia é próprio. Além disso, a deliberação não é negociável com o exterior: ela é

encontrada no seio do órgão deliberativo e fica perfeito, logo nesse nível. As construções

institucionalistas filiam-se, de um modo geral, no realismo de Von Gierke. A pessoa coletiva

tem uma existência própria, diferente do somatório dos seus membros, enquanto os seus

órgãos traduzem algo que lhes é próprio. A concreta designação da pessoa ou pessoas que

irão preencher esses órgãos é um ato interno, de natureza corporacional ou institucional.

Faltar-lhe-ia, pela própria natureza, a dimensão mínima da alteridade contratual. Esta

orientação foi reforçada pelas correntes institucionalistas que, detetando no ente coletivo

uma vida própria, diferente da dos seus membros, nela inserem a designação dos

administradores. A contraprova residiria na natureza não-contratual da posição dos

administradores, inacessível à autonomia das partes. As versões institucionais aparecem

bastante representadas, na doutrina francesa. Berdah parte para a crítica à conceção do

mandato de uma consideração simples: tem de haver sempre um (ou mais) administrador;

portanto, não se joga um mandato, por definição voluntário, mas antes um órgão, com

funções. Logo se vê que esta consideração atinge, em geral, as diversas leituras contratuais.

Aquele autor constata ainda que o poder de representação dos dirigentes societários

ultrapassa o dos mandatários e recorda que apenas a teoria orgânica explica a

responsabilidade delitual das pessoas morais; por fim, o mandato poderia ter uma cláusula

que prevenisse a sua revogação ad nutum – o que não sucede com a situação dos

administradores – tendo os seus poderes origem institucional. Ainda que com diversas

restrições, é indubitável que, perante a prática francesa, a posição dos administradores das

sociedades surge numa ambiência não contratual. Pelo contrário: domina um estilo

estatutário que invoca, na verdade, conceções de tipo institucional. As construções

publicistas aparecem em Itália, ainda que nem sempre sejam assumidas com clareza. Na sua

base, uma raiz dupla: por um lado a constatação, feita já no início do século XX, de que os

administradores se encontram também investidos em deveres de ordem e interesse públicos;

por outro, a aproximação realizada entre a estrutura interna dos entes privados e a dos entes

públicos. As teorias unilaterais têm sido desconsideradas, em virtude do preconceito

contratualista românico e lliberal: as situações jurídicas privadas devem assentar no livro

consentimento dos visados: têm, por isso e em princípio, natureza contratual. Essa ideia está

em regressão. Por um lado, multiplicam-se as hipóteses de negócios jurídicos unilaterais; por

outro, põe-se em crise a ideia da tipicidade estrita dos negócios unilaterais. Além disso, haverá

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ainda um aspeto mais importante: o da influência direta, no jusprivatismo, da Ciência Jurídica

administrativa. O Direito Administrativo atual conhece uma colocação de pessoas, ao serviço

da Administração, através de contrato pessoal. Mas admite, também, a tradicional nomeação

unilateral25, sujeita, naturalmente, a aceitação26. Trata-se de quadros técnicos-jurídicos que

podem – se o Direito positivo estiver conforme –, ser transposto para o Direito privado.

As construções analíticas: Bestellung e Anstellung: a situação jurídica dos

administradores é ainda explicada por construções a que chamaremos analíticas. No essencial,

essas construções descobrem, na génese da posição jurídica aqui em jogo, um ato duplo: por

um lado, a nomeação, pela sociedade, da pessoa eleita para administradora – a Bestellung

(nomeação ou designado); por outro, a celebração, com essa pessoa, de um contrato de

emprego – Anstellung (colocação). Esta orientação deriva de uma análise mais aprofundada

da posição jurídica do administração. A contraposição entre a nomeação e a colocação iria

obedecer a uma ordem de considerações jurídico-cientificas, paralelas às que levaram a

distinguir o mandato da procuração. Além disso, ela permite a salvaguarda das pretensões

derivadas dos contratos celebrados, sem prejudicar a livre destituição dos administradores.

A contraposição entre Bestellung e Anstellung foi mantida em aprofundada na jurisprudência

do RG e, depois, na do BGH. Ressalvou-se a ideia de que os administradores podiam ser

exonerados, sem pré-aviso. Mas para a cessação do Anstellungsvertrag, já seriam de observar

os requisitos da resolução deste. Havia que determinar a sua natureza. Em BGH 11 julho

1953, a propósito de um administrador que teve de abandonar Berlim, durante a Guerra,

ficando impossibilitado de cumprir as suas obrigações e que só em 1947 lá conseguiu voltar,

vem dizer-se:

«Segundo a opinião dominante, o Anstellungsvertrag, relativo a órgãos de pessoas coletivas,

insere-se no contrato de prestação de serviço autónomo (…). Depõe, nesse sentido, em especial,

a inexistência de um poder de direção, da pessoa coletiva sobre o administrador. A

administração pertence, antes, aos órgãos onde se forma a vontade da sociedade»27.

O §626 BGB dispõe sobre a necessidade de um fundamento importante para a resolução do

contrato de prestação de serviço. A jurisprudência passou, pois, a debater em que

circunstancialismo poderia surgir o fundamento importante que justificasse a cessação do

Anstellungsvertrag. Finalmente, a contraposição entre a Bestellung e a Anstellung, correntemente

aplicada pela jurisprudência, foi reconhecida pelos diversos diplomas que, na Alemanha, têm

vindo a regular as sociedades comerciais. Para o bom entendimento do alcance da construção

analítica alemã, assente na contraposição entre a Bestellung e a Anstellung, é necessário

reforçar a ideia de que ela não é, primacialmente, uma construção teorética. Trata-se, antes,

de uma verdadeira dogmática, ditada pela jurisprudência e pelas necessidades práticas e

precisada pela doutrina. Ela implica instituições societárias, aptas a suportar o seu

25 A denominada relação jurídica de emprego na Administração Pública é, hoje, regulada pelo Decreto-Lei n.º 427/89, 7 dezembro, alterado, por último, pelo Decreto-Lei n.º 175/95, 21 julho. Retenha-se a noção de nomeação, inserida no artigo 4.º, n.º1, daquele diploma:

«A nomeação é um ato unilateral da Administração pelo qual se preenche um lugar do quadro e se visa assegurar, de modo profissionalizado, o exercício de funções próprias de serviço público que revistam caráter de permanência».

26 Artigo 9.º, n.º1 Decreto-Lei n.º 427/89: «A aceitação é o ato pessoal pelo qual o nomeado declara aceitar a nomeação».

27 O administrador não foi, pois, considerado trabalhador, o que logo afasta a aplicação dos esquemas de proteção, próprios do Direito do trabalho. Não obstante, seria possível assegurar-lhe determinada tutela, através do princípio da boa fé.

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funcionamento. Além disso, ela requer uma linguagem conceitual apurada e permite, depois,

a localização e o aprofundamento de diversos problemas. Quanto às instituições societárias,

é necessário ter em boa conta a configuração interna das sociedades anónimas alemãs. Os

membros da direção são designados pelo conselho de vigilância; o contrato de emprego é

acordado entre o elemento da direção em causa e o conselho de vigilância; o contrato de

emprego é acordado entre o elemento da direção em causa e o conselho de vigilância

podendo, depois, este delegar no seu presidente os poderes especiais necessários para a sua

celebração. No caso das sociedades por quotas, há que distinguir: quando não tenham

conselho de vigilância, a competência para a designação defere-se aos sócios, nos termos

gerais, outro tanto sucedendo com o acordar do contrato de emprego; quanto tenham tal

conselho, á que subdistinguir: o conselho pode, pelos estatutos, ter ou não competência para

designar a gerência; na primeira hipótese, o conselho de vigilância toma as competentes

deliberações à imagem do que sucede com as sociedades anónimas; na segunda, a

competência recai nos sócios. Esta situação, assim descrita no tocante às sociedades por

quotas é, no fundo, o resultado da evolução protagonizada nas anónimas: a não haver

conselho de vigilância, não seria facilmente imaginável negociação do Anstellungsvertrag,

através da assembleia geral. Trata-se de um ponto não esquecer, quando se intente transpor

o esquema analítico alemão para as sociedades anónimas de tipo latino: sem conselho de

vigilância ou conselho geral. A linguagem conceitual apurada parta da precisa qualificação

das duas figuras. A Bestellung é um ato deliberativo e, nesse sentido, unilateralmente, embora

com um destinatário. Ela pode ser revogada a todo o tempo, nos termos legais. A Anstellung

pressupõe um contrato com certas cláusulas. Quando outra coisa não se disponha, ela pode

ser objeto de denúncia ordinária – ou seria de duração perpétua – e de denúncia

extraordinária – melhor: resolução – perante um motivo justificado. Dos diversos problemas

que esta técnica analítica permite estudar com apuro cumpre salientar, em primeira linha, a

assimilação da Anstallung a um contrato de trabalho. A jurisprudência e a doutrina têm

respondido pela negativa: não há que aplicar aos titulares dos órgãos sociais o regime da

tutela laboral; além disso, eles estão, em termos sócio-culturais, mais próximos dos

empregadores do que dos trabalhadores. Também se verifica que, de facto, os titulares dos

órgãos de direção não surgem numa posição de subordinação jurídica, em sentido técnico:

ninguém lhes dá instruções sobre o modo de concretizar em sentido técnico: ninguém lhes

dá instruções sobre o modo de concretizar os serviços que devam prestar – ou ter-se-ia de ir

procurar, alhures, a direção. Não obstante, a evolução laboral tem permitido, nalguns casos,

fazer transposição de normas do Direito do trabalho, para os titulares dos órgãos sociais. O

Direito do trabalho não mais tem sido entendido como um Direito de exceção. É,

simplesmente, um Direito especial. Logo, torna-se possível, caso a caso e quando a analogia

das situações o permita, transpor normas laborais para outros setores, entre os quais o aqui

em causa. Trata-se de um ponto importante que, abaixo, será aprofundado.

Valores laborais: a natureza da situação jurídica da administração constitui uma questão

clássica, ainda por resolver. Não a devemos enjeitar. É certo que a natureza de uma situação

jurídica não pode – superado o concetualismo – assumir-se como reitora de soluções: por

isso, ela não pode preceder a determinação do regime. Contudo, a fixação da natureza

constitui um banco de ensaio para a coerência do regime, permitindo detetar lacunas e

incongruências. Além disso, ela traduz um momento imprescindível na compreensão e na

construção do sistema. Como ponto prévio encontramos o da pesquisa, na relação de

administração, de elementos jurídico laborais. A doutrina começou por negar, nos

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ordenamentos continentais dadores do nosso, a natureza laboral da situação dos

administradores. Nos finais do século XX, porém, a problemática subjacente reacendeu-se.

Martin Diller, numa monografia maciça e exemplar (1994) veio, globalmente, opinar pela

laboralização das relações orgânicas intrassocietárias; de resto, essa monografia teve,

subjacente, o excelente estudo histórico de Hromadka (1979), sobre o tema. No século XIX,

os administradores ou, mais latamente, os representantes permanentes das pessoas coletivas

eram considerados empregados das sociedades respetivas com funções dirigentes, à

semelhança de outros quadros superores. Era um evidência. Dois fatores jogavam nesse

sentido: por um lado, o contrato de trabalho não estava tipificado de modo que, de acordo

com o sentir comum, ele poderia abranger todas as situações nas quais, com independência

ou sem ela, uma pessoa ficasse obrigada a trabalhar; por outro, faltava ainda, ao contrato de

trabalho, um regime de tutela de natureza impositiva que, anos depois, viria a conferir um

sobressalto especial às qualificações laborais. A distanciação dos administradores, perante o

laboralismo nascente, ocorreu no primeiro pós-guerra; ela derivou, aliás, de uma

problemática geral, exterior à empresa. Na verdade, a institucionlizaçõ definitiva dos

sindicatos e a prática da negocial laboral, com a subsequente celebração de convenções

coletivas, muitas vezes antecedias de greves, criaram um ambiente político-social que, de

modo sistemático, colocava os administradores do lado dos empregadores e frente aos

trabalhadores. Muitas vezes, aliás, o administradores eram mesmo identificados com o

patronato, a quem davam um rosto: o deles. A lógica do confronto de classes, muito viva

no princípio do século XX, teve, assim, como efeito, o retirar os administradores do universo

imediatista dos trabalhadores. Mas como não eram – ou não eram necessariamente –

detentores do capital, eles ficaram em terra de ninguém, numa indefinição que se estendeu à

realidade jurídica. A jurisprudência teve, sobre o tema, uma evolução menos linear do que

muitas vezes hoje se julga. De um modo geral e simplificado, podemos considerar que as

instâncias civis e comerciais negavam a natureza laboral da situação jurídica de administração;

pelo contrário, a instância jurídico-laboral era mais favorável, àquela natureza. Em termos

práticos, a relação existente entre as administradores e as sociedades respetivas reger-se-ia

pelas regras comuns relativas ao contrato de prestação de serviço, contidas no BGB e não

pelas normas especificamente laborais. Paralelamente, o jurisprudência laboral parecia

assumir uma posição diversa ou, pelo menos e como acentua Diller, uma orientação menos

formal, do que a do BGH. Tal orientação do Reichsarbeitsgericht, depois mantida pelo

Bundesarbeitsgericht. Por seu turno, a doutrina também oscilou. Obras jurídico-laborais antigas

faziam uma aproximação fácil entre a posição dos administradores e a do pessoal trabalhador

dirigente. Mais tarde, a doutrina laboral inclinar-se-ia para a orientação do BGH,

propendendo para a natureza não laboral da relação de administração. A questão não estava,

porém – como nunca esteve – encerrada. Ainda nos anos sessenta do século XX, Trinkhaus

pediu, de modo direto, a revisão da posição dominante relativa à natureza não-laboral da

posição dos administradores. Com diversas variantes, posições próximas em Miller, em

Becker, em Grunsky e em Henssler: este último, paradigmaticamente, vem afirmar que se

verificam, na relação de administração, pressupostos próprios da relação de trabalho

bastantes, pelo menos, par aa aplicação analógica de certas regras; assim e embora considere

a questão ainda em aberto, há tendências claras favoráveis às orientações laborais. A doutrina

laboral dos nossos dias trata o tema com alguma cautela: reafirma as especificidades da

relação de administração, reconhecendo embora a situação particular, de tipo sujeição, a que

dá azo; finalmente, admite uma aplicação, a ponderar em cada caso, de normativos laborais.

Essa orientação poderia, ainda, ser subtilmente complementada com a societarização das

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relações de trabalho clássicas. Em suma: parece caminhar-se para um agnosticismo de cautela

que, se denota humildade científica, dificulta, contudo, o conhecimento. Partindo – como se

impõe – das soluções, parece evidente que a doutrina e a jurisprudência dos diversos

ordenamentos – francês, alemão e italiano – se inclinam para a necessidade de proteção social

dos administradores, proteção essa que, historicamente, é prosseguida pelo Direito do

Trabalho. Fazendo um levantamento de decisões observamos que permitem fixar dois

parâmetros: a situação jurídica de administração não pode provocar um abaixamento no tipo

de proteção que o administrador, anteriormente, detivesse e os diversos passos protetores

são dados sem uma referência direta, a regras do trabalho. Se o primeiro ponto parece

evidente, o segundo merece um suplemento de indagação. Em termos quantitativos, a

discussão em torno da laboralidade d administração tem vindo a centrar-se nos gerentes das

sociedades por quotas. Ora estas, no início, foram concebidas como sociedades de capitais –

portanto: como pequenas empresas anónimas – aptas, em teoria, a suportar administradores

profissionalizados e, como tal, assalariáveis. Evoluíra, porém, para sociedades de pessoas em

moldes que – até por razões de ordem económica –, já não se compadecem com tutelas

laborais alargadas. Paradoxalmente, porém, seria em sociedades deste tipo que ainda se

poderia intentar descobrir uma subordinação, em sentido jurídico-laboral, pelo menos

sempre que o administrador – o gerente – não seja, ele próprio, sócio. Já nas sociedades

anónimas, a problemática inverte-se: o administrador tenderá a ser contratado como um

empregado dirigente, especialmente habilitado, mas ligado apenas por uma relação de serviço

remunerada; porém, já não há paradoxalmente quem lhe dê instruções. Tais instruções,

consideradas possíveis nas sociedades de tipo germânico, através do conselho de vigilância

ou conselho geral, seriam impensáveis, nas sociedades anónimas de tipo latino. A própria lei

exclui, aliás, a gestão corrente, do âmbito da competência da assembleia geral.

Dogmaticamente, a situação jurídica laboral autonomiza-se, no seio da prestação ode serviço,

por postular a denominada subordinação jurídica do trabalhador. Tal subordinação daria

corpo ao dever de obediência e à sujeição ao poder disciplinar. O dever de obediência traduz

a heterodeterminação do serviço laboral: caso a caso o sujeito laboral – o trabalhador –

deveria conformar a sua atuação, às instruções do empregador ou do seu representante. O

Direito do trabalho, por razões históricas, visa dispensar uma especial tutela aos

trabalhadores. Tal tutela impôs-se, mercê da subordinação económica que os atinge,

subordinação essa que, a não ser corrigida, ditaria uma desigualdade de raiz, doente de

injustiças individuais e de grave perturbação social. Designadamente nas áreas

industrializadas, boa parte do motor do Direito do trabalho tem sido assegurado pelos níveis

coletivos da conflitualidade laboral, com relevo para a greve. Porém, por evidentes razões de

definição e de delimitação, o Direito não atendeu à subordinação económica, para definir o

trabalhador e, dai, os seus direitos: atendeu à subordinação jurídica. Donde o drama: visando

um valor material – a tutela dos economicamente subordinados a outrem – o Direito do

trabalho guia-se pelo critério formal da subordinação jurídica. É certo que esta, na tipicidade

social das situações reguladas pelo Direito, tenderá a coincidir com a subordinação

económica. Mas nem sempre: há situações claras de subordinação económica e da mais

gritante que, por não envolverem serviços heterodeterminados, não são protegidas; e há

situações formalmente laborais, em que a segurança económica do protegido é tranquila.

Ocorre, por tudo isto, a figura clássica da situação semelhante à do trabalhador, caracterizada

pela mera subordinaçõ económica e à qual, em certos casos, teriam aplicação algumas regras

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laborais. A administração de sociedades seria uma hipótese a incluir neste domínio28. Mas

apenas em teoria: a problemática da administração foi desenvolvida, em ambiência própria,

por comercialistas, de tal mo d que, culturalmente pertence ao Direito comercial. A

qualificação jurídica não deve abdicar dos resultados a que conduza. No Direito português e

mercê de diversas confluências históricas, cristalizadas na Constituição da República

Portuguesa de 1976, chegou—se um tipo de tutela jurídico-laboral que, tendencialmente,

visa tornar perpétuas as situações jurídicas de trabalho, bem como as categorias profissionais

que elas tenham configurado. Trata-se da denominada proibição de despedimentos sem justa

causa que, por via de estritas interpretações constitucionais, só dificilmente tem sido

flexibilizada por legisladores dos diversos quadrantes. É hoje reconhecido que a rígida tutela

existente comporta o efeito perverso de precarizar as situações dos recém chegados ao

mercado de trabalho contribuindo ainda para a pesada taxa de desemprego: torna-se

impensável perpetuar as situações jurídicas de administração das sociedades. Nas anónimas

como nas restantes sociedades, é da sua essência a renovabilidade dos mandatos, com a

inerente hipótese de não recondução. Perpetuar situações de administração equivaleria a

paralisar as empresas. Pior: obrigaria a pesquisar formas práticas de dissolver todo o ente

coletivo, com as sequelas sócio-económicas respetivas que se adivinham para, in extremo,

remover uma administração indesejada. Em suma: por evidentes inadequação e

incompatibilidade valorativa não é viável, no Direito positivo português vigente, laboralizar

a situação jurídica dos administradores. A tutela requerida passará assim por dois planos

simples: o do não retrocesso social do trabalhador, designado administrador e o da

densificação, dentro do razoável, da justa causa exigida para a destituição, na pendência do

mandato, dos administradores designados. Trata-se de uma via a aprofundar, dentro do

respeito pela vontade das partes, sempre que esta tenha sido formalizada, o que, de todo o

modo e no Direito societário português, só por exceção ocorre. Um desenvolvimento

recente, neste domínio, advém da eventual aplicação, aos administradores, das regras

específicas sobre a não discriminação, aprontadas no domínio laboral. Não vemos como

impor restrições à livre designação dos administradores. Em compensação, não é possível

admitir destituições puramente discriminatórias quando ocorressem, faltaria, seguramente,

justa causa.

79.º - Os administradores no Direito português

Refutação do contratualismo puro: a doutrina portuguesa tem procurado, de um

modo geral, reconduzir a situação jurídica de administração a um contrato: o contrato de

administração ou outro similar. Na origem Ferrer Correia opta por uma solução de tipo

germânico, assente no ato de nomeação unilateral, e num contrato de emprego, concluído

entre o administrador e a sociedade. Raúl Ventura, por último, propende para a natureza

unitária da situação, rematando, em termos lapidares:

28 A doutrina jurídico-laboral não procede, em regra, a esta inclusão: entende que a administração compreende, hoje, um regime especial próprio, claro e bem definido, no Direito comercial – o que, de resto, não é exato.

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«Havendo um só ato, criador de uma só relação, a sua natureza contratual é evidente, pois não

se concebe outra forma, em Direito privado, de as duas vontades se combinarem para

produzirem a relação».

Brito Correia, assentando no que apresenta como natureza contratual da eleição e de

aceitação, inclina-se para a contratualidade da relação de administração: haveria, a tal

propósito, um contrato de administração. Ilídio Rodrigues inclina-se também para um

contrato de administração o qual, em certos casos de subordinação, poderia ter natureza

laboral. Nestas condições, a própria jurisprudência fala em contrato sui generis, assente

pretensamente contratuais eleição e aceitação. Esta orientação deve ser revista: ela não tem,

por si, nem a colocação histórica do instituto, nem a atual Ciência do Direito nem, sobretudo,

o Direito positivo aplicável. Bastará aliás um argumento retirado deste último nível: o Direito

vigente mostra que a situação jurídica de administração pode ter alguma das seguintes fontes:

A imanência à qualidade de sócio;

Designação inter partes no contrato de sociedade;

Designação a favor de terceiro, nesse mesmo contrato;

Designação pelos sócios ou por minorias especiais;

Eleição pelo conselho geral e de supervisão;

Designação pelo Estado;

Substituição automática;

Cooptação;

Designação pelo conselho fiscal ou designação judicial.

Apenas na hipótese de designação pelo conselho geral e de supervisão se poderia configurar

um contrato: em todos os outros casos, o único contrato que nos surge é o da sociedade o

qual, aliás, nem visa, de modo específico, designar administradores. Procurar reconduzir a

contratos os modos de designação dos administradores de sociedades, acima alinhados,

releva de uma alquimia puramente irreal. Não é pensável que, no Direito privado moderno,

falte instrumentação dogmática, ao ponto de obrigar a tão distorcivas ficções. A própria

conjunção eleição-aceitação, tendo embora natureza voluntaria, não é contratual. Pela mais

simples e definitiva das razões: não se lhe aplica o regime dos contratos mas, antes, um

conjunto preciso de regras de natureza deliberativa e societária29. A situação jurídica de

administração não pode ser definida com recurso à via da sua constituição. Ela encontra-se

num grupo de situações jurídicas, enformadas por uma multiplicidade de factos constitutivos.

E designadamente: ela pode ser contratual ou não contratual sem por isso, perder a sua

unidade. Caberia, ainda, explorar a seguinte via: mau grado a diversidade genética, a

administração poderia ter uma forma particularmente impressiva de constituição; essa forma

impregnaria o instituto de tal modo que as restantes vias mais não fossem do que meras

alternativas ou sucedâneos. O Direito português vigente, contudo, aponta a eleição – tomada

como deliberação unilateral – como a via mais típica de constituição da situação de

administração, dobrada aliás pela unilateralidade de diversos outros elementos constitutivos

do seu conteúdo, com relevo para a remuneração. Fica de pé o recurso dogmático aos

quadros do Direito público comum: não do contrato. A natureza da situação jurídica da

administração há-de ser fixada pelo seu conteúdo e não pela forma da sua constituição. Na

29 Ainda um exemplo: Raúl Ventura procede a uma sábia exposição que documenta o modo não contratual, de funcionamento da dinâmica dos administradores.

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jurisprudência mais recente, a natureza da situação jurídica da administração tem sido

diferentemente considerada. Assim, ora se afirma que ela é contratual, ora se sublinha que,

operando a sua constituição por via do artigo 391.º, n.º1 CSC, não pode haver um contrato

de administração. Em boa verdade, as qualificações em causa não interferem nas decisões

tomadas.

A administração como estado: prossigamos na determinação da natureza da

administração, no Direito português. Em moldes sistemáticos, a situação jurídica de

administração inclui-se no Direito privado: pertence ao Direito das sociedades, ele próprio

privado especial, globalmente marcado pela igualdade e pela liberdade, dentro dos

parâmetros cientíco-culturais do substrato românico. Podemos ainda adiantar que se trata de

uma situação privada patrimonial: o Direito compadece-se com a sua colocação no mercado,

a troco de dinheiro. A situação jurídica de administração é complexa e compreensiva: ela

abrange um conjunto indiferenciado, muito rico, de direitos e de deveres. Estruturalmente,

a situação jurídica de administração não pode deixar de ser qualificada como absoluta, no

sentido previso de não implicar uma relação jurídica. De facto, o administrador tem, no

essencial, os poderes de representar e de gerir que são, tecnicamente, posições potestativas e

como tal absolutas: não corporizam binómios de direitos-deveres. O núcleo absoluto da

situação jurídica em causa é, contudo, completado por múltiplas relações: o administrador

tem direitos e deveres, legais, estatutários, convencionais ou deliberados, que dão corpo à

sua situação. Chegados a este ponto, resta considerar a situação jurídica de administração

como uma realidade autónoma, de cariz societário, com factos constitutivos múltiplos,

privada, patrimonial, complexa, compreensiva e nuclearmente absoluta. O seu conteúdo

deriva da lei, dos estatutos e de deliberações sociais, podendo, ainda, ser conformado por

contrato ou por decisões judiciais. Tanto basta para adotar a designação aqui utilizada:

situação jurídica de administração ou, simplesmente, administração. Essa situação, quando

se verifique, seja por que via for, coloca logo o administrador numa teia de direitos simples,

de direitos funcionais e de deveres. Diversas fontes a tanto levam. Trata-se de um status ou

estado: qualidade ou prerrogativa que implica e condiciona a atribuição de uma massa prévia

de elementos juridicamente relevantes, incluindo deveres, direitos funcionais e obrigações.

Cabe ao Direito aplicável explicitar o conteúdo desse estado.

Os direitos dos administradores; a remuneração; a moderação: a posição

jurídica do administrador é tratada, nas fontes, em termos absolutos. Assim, ela não se explica,

de modo direto, com recurso a elencos de direitos e de deveres. Não obstante, é possível

apontar algumas realidades dessa natureza, como forma de melhor explicar o tema. A

administração de sociedades comerciais tem vindo a ser profissionalizada. Trata-se de um

fenómeno há muito adquirido nas sociedades anónimas, paradigma de modelo societário. O

primeiro direito do administrador será o direito à retribuição. Nos restantes tipos societários,

o papel de administrador, ainda que de modo não tão claro, mantém-se estritamente

patrimonial. A retribuição faz parte do seu conteúdo natural. O Código das Sociedades

Comerciais pesume remunerada a gerência das sociedades em nome coletivo: o montante da

remuneração é ficado por deliberação dos sócios (artigo 192.º, n.º5 CSC). As sociedades por

quotas merecem, nesse domónio, uma regulamentação mais complexa: artigo 255.º CSC.

Quanto às sociedades anónimas, vigora o artigo 399.º CSC. Um preceito similar (artigo 429.º

CSC) dispõe sobre a remuneração dos administradores executivos: esta é fixada pelo

conselho geral e de supervisão ou, no caso de assim estar previsto no contrato de sociedade,

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pela assembleia geral ou por uma comissão por esta nomeada. A remuneração dos

administradores, designadamente no caso das sociedades anónimas, apresenta uma estrutura

ainda mais complexa. Por razões de ordem social e fiscal, elas têm vindo a assumir

composições parcial e crescentemente não-monetárias. Acresce que, por vezes, o

desempenho de funções de administração numa sociedade implica o desempenho de funções

semelhantes, em empresas participadas, desempenho esse que é remunerado. O exercício das

funções de administração pode ainda facultar diversas regalias sociais. Para além das regras

gerais de segurança social, os administradores podem desfrutar de esquemas específicos,

previstos nos estatutos da sociedade ou em regulamentos a ele anexos (vide o artigo 402.º

CSC, a propósito das sociedades anónimas; pensamos, porém, que este dispositivo pode ser

estendido a outros tipos societários). A prática exemplifica esquemas de reforma, de

subsídios de doença e de invalidez, seguros profissionais, esquemas de apoio na aquisição de

habitação e outros. Pois bem: todas as vantagens patrimoniais dispensadas aos administrador

nessa qualidade têm natureza retributiva. São, assim de ter em conta, para a precisa definição

dos seus direitos e jogam para o cálculo de hipotéticas indemnizações, que os devam ter em

causa. Resta acrescentar que a política de remuneração dos administradores integra um

capítulo dedicado da corporate governance. Cada vez mais ela dá azo a disciplinas especializadas,

que requererem um estudo autónomo e alargado de conhecimentos comparatísticos. Ao

longo dos loucos anos 90 do século passado, as remunerações dos administradores das

grandes sociedades norte-americanas atingiam, por vezes, cifras muito elevadas: da ordem

das dezenas de milhões de dólares por ano. Essa tendência alargou-se à Europa, conquanto

que num nível bastante mais modesto. O fenómeno tem três ordens de explicações:

As regras do mercado: num ambiente muito competitivo, um bom administrador

pode fazer ganhar quantias elevadas aos acionistas; estes disputam os melhores

administradores que veem, assim, subir os seus proventos;

A imagem da empresa: num Mundo em que a promoção se joga a todos os níveis, há

ganhos de imagem quando a sociedade possa exibir um elevado standing, o qual

inclui gestores e quadros bem pagos;

A influência dos próprios administradores: estes, uma vez instalados, mantêm boas

relações com os principais acionistas e com os círculos especializados que fixam o

montante das remunerações dos administradores; pela ordem das coisas, isso traduz-

se numa pressão para o incremento.

Com o despoletar da crise de 2007/2012, essas explicações atingiram dimensões perversas.

Desde logo, verificou-se que o incremento das remunerações dos administradores podia

resultar da sua associação aos resultados da empresa. Designadamente: a remuneração

compreenderia uma parcela variável, correspondente a certa percentagem dos lucros. Assim

sendo, poderia o administrador ser levado:

1. Ou a assumir um tipo de gestão muito lucrativo, no imediato, mas depauperador a

prazo, de modo a recolher elevadas remunerações;

2. Ou a protagonizar, com o auxílio de fiscalizadores e auditores, uma contabilidade

maquilhada, com vista à faturação de lucros fictícios e, daí, de elevados prémios.

A crise de 2007/2012 teve algumas raízes no modo brusco de gerir certas empresas, com

vista ao lucro imediato. Os administradores foram acusados, ainda que, na grande maioria

dos caos, nada se demonstrasse. Mais grave foi o facto de, mercê da forma de calcular

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prémios e remunerações, reportado ao ano anterior àquele em que fossem pagos, certas

empresas falidas, com milhares ou dezenas de milhares de despedimentos, pagarem

remunerações muito elevadas aos administradores que, formalmente, a tal conduziram. E

maior foi o escândalo, nos Estados Unidos, onde algumas dessas empresas foram salvas, in

extremis, pelo Estado e com o dinheiro dos contribuintes. A fúria coletiva virou-se contra os

administradores: contra todos, mesmo aqueles que não estavam implicados na crise e que

nem tinham remunerações verdadeiramente deslocadas. O voyeurismo e o sensacionalismo da

comunicação social ampliaram o fenómeno, junto da opinião pública. Os Estados reagiram,

procurando limitar as remunerações dos administradores: seja diretamente, seja através de

impostos ad hoc. Nos Estados Unidos, surgiram leis que limitavam as remunerações nos

casos em que as empresas e jogo tivessem recebido fundos públicos. A Comissão Europeia,

em recomendação de 30 abril 2009, adotou diversas proposições que tinham em vista a

adequação e moderação retributivas. Particularmente visada foi a comissão de remunerações,

que deveria ter uma composição adequada. Na Alemanha, foi adotada a Lei para a moderação

da retribuição da direção que, através de alterações no AktG, procurou tornar mais razoáveis

os esquemas de cálculo a aplicar. O seu alargamento é preconizado, ponderando-se as

consequências. A Lei n.º 28/2009, 19 junho, que visava rever o regime sancionatório no setor

financeiro em matéria criminal e contra-ordenacional, veio adotar duas normas algo pesadas

nos seus artigos 2.º e 3. O despacho do Ministério das Finanças n.º 5696-A/2010, 25 março,

veio dispor nos seguintes termos:

«1 – A título excecional, e nos termos legalmente previstos, seja adotada por todo o setor

empresarial do Estado uma política assente na contenção acrescida de custos no que toca à

remuneração dos membros dos respetivos órgãos de administração, designadamente não havendo

lugar, nos anos de 2010 e 2011, à atribuição de qualquer componente variável da remuneração;

«2 – O disposto no número anterior é aplicável a todo o setor empresarial do Estado,

incluindo empresas públicas, entidades públicas empresariais e entidades participadas».

Tomado à letra, este despacho iria atingir sociedades nos quais o Estado tinha participações

minoritárias, diretas ou indiretas (casos exemplares da PT, Galp e EDP) e que estavam

sujeitas a puros regimes de Direito comercial. As assembleias gerais recusaram

(legitimamente) a sua aplicação. Noutro plano a CMVM, no Código de Governo das

Sociedades da CMVM de 2010 (recomendações), preconizou que as sociedades cotadas

divulgassem individualmente as recomendações dos administradores. Vai um tanto na linha

da Lei n.º 28/2009. A novidade reside no seguinte: o artigo 288.º, n.º1, alínea c) deste Código,

apenas obriga a divulgar os montantes globais pagos em cada ano, aos membros dos órgãos

sociais: não os montantes individuais. De facto, em certos casos, o montante individual pode

estar associado a índices de produtividade setorial que não convenha tornar públicos, por

razões de negócio. Obviamente: os montantes exatos são sempre conhecidos pela

Administração fiscal. A divulgação individual permite comparações dentro da empresa e

conduz ao nivelamento e, portanto: ao fim da recompensa pelo mérito. Esta matéria exige

cuidado e ponderação. Do lado dos administradores, há que ter o sentido das proporções e

das conveniências: havendo crise, com despedimentos, com reduções de salários e com

desempregados, mal fica, em termos éticos, a demonstração agressiva de riqueza, por parte

de alguns. Do lado dos comentadores e da comunicação social: há que pôr cobro ao

sensacionalismo fácil de exibir cifras fora do contexto. Uma chamada de atenção deve ser

feita: a continuar o ambiente de calúnia persecutória e de delação em curso, nenhum técnico

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habilitado quererá assumir funções de responsabilidade: na política como na gestão de alto

nível. As consequências são fáceis de antever. Finalmente, o Direito vigente tem, há muito,

instrumentos para lidar com situações de excesso. Para além da cláusula geral do abuso do

direito, recordamos o artigo 255.º, n.º2 CSC, que permite a redução da remuneração dos

sócios gerentes, pelo tribunal, a requerimento de qualquer sócio, em processo de inquérito

judicial, quando forem gravemente desproporcionadas quer ao trabalho prestado, quer à

situação da sociedade. Esta regra pode ser aplicada a outros tipos de sociedades por analogia.

Os deveres dos administradores; quadro geral: os deveres dos administradores

prestam-se a longas enumerações. Vamos, aqui, proceder apenas a algumas classificações. De

acordo com a fonte, os deveres dos administradores podem ser legais, estatutários,

contratuais ou deliberativos, conforme provenham diretamente de preceitos legais, do pacto

social, de contrato ou de deliberação dos sócios ou do próprio conselho de administração.

As normas em causa podem originar deveres fiscais, de segurança social, laborais, cambiários,

societários. Muito importante é a contraposição entre deveres genéricos e deveres específicos:

os primeiros resultam da mera existência de direitos alheios ou de normas de proteção,

enquanto os segundos têm a ver com obrigações legais, estatutárias ou convencionais.

Perante situações relativas, os deveres dos administradores podem equacionar-se em deveres

para com a sociedade, para com os credores desta, para com os sócios ou para com terceiros.

Tomados n sua configuração, os deveres poderão ser diretamente de conduta ou redundar

em meros deveres de diligência. De resto, a complexidade da situação permite aplicar as

diversas classificações de obrigações: há deveres solidários, deveres de meios e de resultado

e obrigações de facere, de dare e de pati. Em obediência aos conceitos usados para os explicitar,

os deveres dos administradores podem ser determinados ou indeterminados. Estes últimos,

que carecem em cada caso de atravessar um competente processo de concretização,

abrangem, em particular, deveres de cuidado, de lealdade e de informação. Fica em aberto o

saber se é possível imputar, aos administradores, a generalidade dos deveres que assistam às

sociedades e, ainda, toda uma série de deveres orgânicos, instrumentais e funcionais.

80.º - A constituição e o termo da situação de administrador

A constituição: o Código das Sociedades Comerciais omitiu o tratamento geral da

constituição da situação da administração das sociedades. Somos, assim, obrigados a procurar

regras nas partes dedicadas aos diversos tipos societários. Essas regras correspondem, no

essencial, a um regime comum.

No domínio das sociedades em nome coletivo, o artigo 119.º estabelece, nos seus

três primeiros números:

o Não havendo estipulação em contrário e salvo o disposto no n.º3, são

gerentes todos os sócios, quer tenham constituído a sociedade, quer tenham

adquirido essa qualidade posteriormente;

o Por deliberação unânime dos sócios podem ser designadas gerentes pessoas

estranhas à sociedade;

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o Uma pessoa coletiva sócio não pode ser gerente, mas, salvo proibição

contratual, pode nomear uma pessoa singular pra, em nome próprio, exercer

esse cargo.

Nas sociedades em nome coletivo, a posição de gerente é uma decorrência da de

sócio: estamos próximos da solução vigente, para as sociedades civis puras, nos

termos do artigo 985.º, n.º1 CC. O facto constitutivo essencial e, supletivamente,

predominante é o contrato de sociedade: a lei não prevê um contrato de gerência

autónomo. Quando a gerência recaia sobre um não-sócio, o facto constitutivo é a

própria deliberação dos sócios. Finalmente, prefigura-se, ainda, uma terceira situação:

a da eficácia conjunta do pacto social e de deliberação de entidade terceira, na

hipótese da pessoa coletiva sócia.

Passando à composição da gerência, nas sociedades por quotas, encontramos o

dispositivo do artigo 252.º CSC, assim concebido:

«1. A sociedade é administrada e representada por um ou mais gerentes que podem

ser escolhidos de entre estranhos à sociedade e devem ser pessoas singulares com

capacidade jurídica plena.

«2. Os gerentes são designados no contrato de sociedade ou eleitos posteriormente por

deliberação dos sócios, se não estiver prevista no contrato outra forma de designação.

«3. A gerência atribuída no contrato a todos os sócios não se entende conferida aos

que só posteriormente adquiriram esta qualidade.

«4. A gerência não é transmissível por ato entre vivos ou por morte, nem isolada, nem

conjuntamente com a quota».

Aparentemente, verifica-se um distanciamento em relação à imanência da

administração aos sócios. Os gerentes são designados no pato ou escolhidos,

posteriormente, por deliberação dos sócios, podendo ser estranhos. A gerência é

sempre personalizada – veja-se o n.º3 – não sendo transmissível por morte – n.º4. A

emancipação do modelo civil não é total: faltando definitivamente os gerentes, todos

os sócios assumem, por força da lei, os poderes de gerência, até à designação de

novos gerentes – artigo 253.º, n.º1 CSC. O artigo 253.º, n.º1 CSC admite, finalmente,

a nomeação judicial quando decorram 30 dias sobre a falta de um gerente, não

nominalmente designado, cuja intervenção seja, pelo contrato, necessária para a

representação da sociedade.

No tocante às sociedades anónimas, o Código prevê um esquema complexo de

designação dos administradores. Estes podem (artigo 391.º, n.º1 CSC) ser designados

no contrato de sociedade ou eleitos pela assembleia,, referindo ainda (n.º5) a

necessidade de aceitação, expressa ou tácita. O contrato de sociedade pode prever

administradores eleitos, por certas minorias (artigo 392.º, n.º1 CSC), havendo ainda

e eventualmente, que contar com administradores por parte do Estado (n.º11). Nas

hipóteses de substituição prevista no artigo 393.º CSC, pode haver, após a chamada

de suplentes, quando os haja, designações por cooptação ou, na falta desta, por

deliberação do conselho fiscal ou do conselho de auditoria (artigo 393.º, n.º1, alíneas

b) e c) CSC). O artigo 394.º CSC prevê a nomeação judicial, quando decorram

determinados períodos de tempo, sem que tenha sido possível eleger o conselho de

administração. O Código admite, ainda, sociedades anónimas de modelo germânico:

com conselho geral e de supervisão e com conselho de administração executivo.

Segundo o artigo 425.º CSC, os administradores são designados ou no contrato de

sociedade ou pelo conselho geral e de supervisão ou, ainda, pela assembleia geral, se

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os estatutos assim o determinarem (n.º1) podendo não ser acionistas (n.º6). O

conselho geral e de supervisão providencia quanto à sua substituição (n.º4) podendo

(artigo 426.º CSC) haver nomeação judicial, por aplicação, com as necessárias

adaptações, das regras atinentes às sociedades de estrutura latina. Um tanto contra a

corrente do Código, o artigo 430.º, n.º3 CSC, n sua redação inicial, a propósito da

destituição sem justa causa do diretor, refere o contrato com ele celebrado.

Queda uma referência breve às sociedades em comandita: aí, salvo se o contrato

de sociedade permitir a atribuição da gerência aos sócios comanditários, só os

comanditados podem ser gerentes (artigo 470.º, n.º1 CSC). Posto o que têm aplicação:

nas sociedades em comandita simples, o dispositivo relativo às sociedades em nome

coletivo (artigo 474.º CSC) e nas comanditas por ações, as regras previstas para as

sociedades anónimas (artigo 478.º CSC). Finalmente, cumpre aludir a situações

especiais, como as que envolvem a nomeação de administradores, por parte do

Estado. Tais administradores, que ocupam, por lei, a precisa posição orgânica e

estatutária dos seus pares, designados pelos estatutos ou eleitos em assembleia geral,

como que completam uma rica panóplia de factos constitutivos da situação de

administração.

O termo: a situação jurídica de administração não é, por natureza, perpétua. A vicissitude

da sua cessação esta sempre no horizonte. Diversas formas de cessação das situações jurídicas

têm, aqui, aplicação e, designadamente: a caducidade, a revogação, a resolução e a denúncia.

Todas estas figuras sofrem, na sua aplicação aos administradores, diversos processos de

adaptação. A caducidade sobrevém por morte, interdição, incapacitação, inabilitação ou

reforma do administrador. Quanto à inabilitação, é de relevar a situação correspondete, por

exemplo, à cassação da carteira ou à não autorização de entidade competente para o

desempenho do lugar. Também há caducidade quando expire o prazo por que foi feita a

designação – no caso das sociedades anónimas, releva o prazo máximo de quatro anos, fixado

no artigo 391.º, n.º3 CSC – prazo esse acrescido do lapso necessário, para que haja nova

designação (artigo 391.º, n.º4 CSC: noutros termos, a caducidade opera aqui, apenas, quando

haja nova designação, mas não antes de decorrido o período dos quatro anos. Se este não for

respeitado, temos, já a destituição). Outra hipótese de caducidade é a extinção da sociedade;

a passagem do administrador a liquidatário (artigo 151.º, n.º1 CSC), puramente supletiva,

representa, já, uma posição qualitativamente diversa. Também podemos falar em caducidade,

na hipótese de extinção do órgão ou do lugar, aqui, a materialidade da situação subjacente

poderá requerer a aplicação do regime da destituição. A revogação, em rigor, corresponderia

à cessação da situação jurídica de administração, por acordo das partes. Porém, um

verdadeiro acordo exigiria aqui que a constituição da situação fosse contratual, o que é tudo

menos seguro, à luz do Direito português. Fica-nos a revogação unilateral, por decisão de

entidade competente para a designação, numa posição duvidosa por, de toda a designação

criar direitos. A resolução, sempre unilateral, exige fundamento e previsão legal. As

exigências próprias do Direito societário levarama que, neste ponto, revogação e resolução

tenham sido fundidas numa figura própria e autónoma: a destituição dos administradores.

Trata-se de um ponto em que o CSC, na sua versão inicial, incorreu em múltiplas flutuações,

que têm vindo a ser limadas, pela doutrina e pela jurisprudência. A reforma de 2006

introduziu, aqui, alguma clarificação. A situação dispersiva aconselha uma prévia recolha, a

nível de fontes:

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216

Nas sociedades em nome coletivo (artigo 191.º, n.º4 a 7 CSC) releva as seguintes

possibilidades:

o O sócio foi designado por cláusula especial do contrato de sociedade: só pode

ser destituído da gerência em ação intentada pela sociedade ou por outro

sócio, contra ele e contra a sociedade, com fundamento em justa causa (artigo

191.º, n.º4 CSC);

o O sócio é gerente por inerência à qualidade de sócio ou foi designado gerente

por deliberação dos sócios: só pode ser destituído da gerência por deliberação

dos sócios e com fundamento em justa causa, salvo se o contrato de

sociedade dispuser diferentemente (artigo 191.º, n.º5 CSC);

o O gerente não é sócio: pode ser destituído por deliberação dos sócios,

independentemente de justa causa (artigo 191.º, n.º6 CSC);

o A sociedade tem apenas dois sócios: a destituição de qualquer deles da

gerência, com fundamento sem justa causa, só pode ser decidida pelo tribunal,

em ação intentada pelo outro contra a sociedade.

Nas sociedades por quotas, o sistema de destituição tem a configuração

subsequente (artigo 257.º CSC):

o Em princípio, os sócios podem deliberar, a todo o tempo, a destituição dos

gerentes (artigo 257.º, n.º1 CSC); o contrato de sociedade pode exigir, para o

efeito, maioria qualificada, ou exigir outros requisitos; porém, se a destituição

se fundar em justa causa, pode ser sempre deliberada por maioria simples

(n.º2);

o Quando uma cláusula do contrato atribua a um sócio um direito especial à

gerência, requer-se o consentimento deste; podem, porém, os sócios

deliberar que a sociedade requeira a suspensão e destituição judicial do

gerente por justa causa (n.º3);

o Existindo justa causa, qualquer sócio pode requerer a suspensão e a

destituição do gerente, em ação intentada contra a sociedade (n.º4);

o A sociedade tem apenas dois sócios: a destituição da gerência, com

fundamento em justa causa, só pode ser decidida pelo Tribunal, em ação

intentada pelo outro.

Nas sociedades anónimas, deparamo-nos com o esquema seguinte:

o De tipo latino (artigo 403.º CSC):

A assembleia geral pode deliberar, a todo o momento, a destituição

de qualquer membro do conselho de administração (artigo 403.º, n.º1

CSC);

O administrador foi eleito de acordo com as regras especiais do artigo

392.º CSC: a deliberação sem justa causa não procede se contra ela

tiverem votado acionistas que representem pelo menos 20% do

capital social (artigo 403.º, n.º2);

Enquanto não for convocada a assembleia geral para deliberar sobre

o assunto: um ou mais acionistas titulares de ações correspondentes,

pelo menos, a 10% do capital social podem requerer a destituição

judicial de um administrador, com fundamento em justa causa (artigo

403.º, n.º3 CSC);

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217

O administrador é nomeado pelo Estado ou entidade equiparada: a

assembleia geral apenas pode, na apreciação anual da sociedade,

manifestar a sua desconfiança, em deliberação que deve ser

transmitida ao ministro competente (artigo 403.º, n.º4 CSC);

Constituem designadamente justa causa de destituição a violação

grave dos deveres do administrador e a sua inaptidão para o exercício

normal das suas funções (artigo 404.º, n.º4 CSC);

Se a destituição não se fundar em justa causa, cabe indemnização

(404.º, n.º5 CSC).

o De tipo germânico (artigo 430.º CSC):

Os administradores podem ser destituídos, a todo o tempo, pelo

conselho geral e de supervisão ou pela assembleia geral, consoante o

órgão competente para a eleição (artigo 430.º, n.º1 CSC);

Aplicando-se, quanto à noção de justa causa e quanto às

consequência da sua inexistência o disposto para as sociedades de

tipo latino.

Como se vê, abundam as soluções desencontradas e incompletas. Alem disso, verificam-se

flutuações de linguagem às quais parece difícil emprestar alcance hermenêutico mas que, na

prática, podem implicar dúvidas. Trata-se de um ponto em que o Código das Sociedades

Comerciais foi particularmente pouco conseguido.

A livre destituibilidade e a exigência de justa causa: o princípio da livre

destituibilidade dos administradores é tradicional: provinha do Direito francês e tinha

expressa consagração, no revogado artigo 172.º CCom. A doutrina da época entendia que

esta norma era imperativa. Com o seguinte efeito prático: ela não podia ser afastada pelos

estatutos das diversas sociedades. O Código Comercial não efetuava distinções dentro da

ideia da destituição dos administradores, por decisão da assembleia. A doutrina, fortemente

influenciada pelo que se observava noutros ordenamentos jurídicos, designadamente no

italiano, já havia proposta a distinção basilar entre destituição com justa causa e sem justa

causa. E a principal eficácia da distinção assentaria no problema da indemnização: quando

houvesse justa causa, a destituição não daria lugar a qualquer indemnização. A noção de justa

causa não era, contudo, pacífica. Frente a frente duas orientações:

Uma noção mais civilística, segundo a qual a justa causa seria qualquer motivo

justificado, a apreciar livremente pelo Tribunal;

Uma noção mais laboral, que via, na justa causa, um comportamento culposo desde

que, pela sua gravidade e consequências, torne praticamente impossível a sua

manutenção em funções.

O CSC conserva o princípio da destituibilidade livre dos administradores. A justa causa

apenas serve para decidir se a destituição opera ou não com indemnização. Isto assente,

verifica-se que a lei dá duas definições próximas de justa causa de destituição. A propósito

da sociedade por quotas, esta é definida (artigo 257.º, n.º6 CSC) nestes termos:

«Constituem justa causa de destituição, designadamente, a violação grave dos deveres do gerente

e a sua incapacidade para o exercício normal das respetivas funções».

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No tocante às sociedades anónimas (artigo 403.º, n.º4 e 430.º, n.º2 CSC) aparece uma noção

semelhante, mas em que incapacidade é substituída por ineptidão. Temos, ainda, certos

exemplos concretos de justa causa: o do artigo 254.º, n.º5 CSC, que considera justa causa de

destituição do gerente a violação da proibição da concorrência e o do artigo 447.º, n.º8 CSC,

que afirma como tal a falta culposa de cumprimento do disposto n o n.º1 e 2 deste artigo,

relativos à publicidade de participações dos membros de órgãos de administração e

fiscalização. Pois bem: perante estas fórmulas, não restam dúvidas de que a justa causa

implica a violação grave – com dolo ou negligência grosseira – dos deveres do administrador.

A incapacidade para o exercício normal não é incapacitação: esta conduz à caducidade; trata-

se, antes, da incompetência profissional grave, a qual implica, sempre, um nível normativo,

e, daí: a violação, necessariamente grave, dos deveres de estudo e de atualização exigíveis. A

noção mais laboral – portanto mais restritiva – que tem, na lei, uma base suscetível de

alargamento, merece ser acolhida. Aliás, ela foi desenvolvida por Raúl Ventura, a propósito

dos gerentes das sociedades por quotas; a argumentação em causa pode, porém, ser

transposta para os administradores das sociedades anónimas. Além do exposto, há boas

razões de fundo para dispensa, aos administradores das sociedades, uma certa proteção

semelhante À que a lei concede aos trabalhadores subordinados. Não pode ter a mesma

intensidade, sob pena de subverter a própria lógica intrínseca do Direito societário; mas

sempre será alguma: a total desproteção dos administradores iria repercutir-se no seu

profissionalismo, com danos para a própria sociedade. É sintomático, aliás, que a experiência

alemã tenha sido a primeira a trilhar essa via. A jurisprudência portuguesa surge

maioritariamente, sensível a este ponto, sobretudo, no início, a nível do Supremo. Pode-se ir

mais fundo. A qualificação de uma deliberação como tendo justa causa comporta, sobretudo,

virtualidade de dispensar a indemnização e outros institutos de proteção aos administradores:

a liberdade da própria sociedade não está em jogo, uma vez que a destituição é sempre

possível, com ou sem justa causa. Por isso, a justa causa assume um perfil totalmente

imputável ao administrador; se não houver culpa e ilicitude por parte deste, ela não se justifica.

Particularmente em jogo, está o problema da mudança de orientação da sociedade. Tal

mudança de orientação é sempre possível, sobretudo quando se venha a formar uma nova

maioria de sócios. Poderá, então, haver que dispensar os administradores. Mas o risco é da

sociedade: se os administradores estiverem ainda dentro do mandato para que foram

designados, eles têm direito a diversas compensações: não há justa causa. Tem interesse

consignar algumas proposições judiciais relativas à destituição dos administradores e à justa

causa que, porventura, se verifique. Assim, temos:

Constitui justa causa de destituição, nomeadamente, a violação grave dos deveres de

gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respetivas funções;

Justa causa de destituição do gerente é a violação grave do seu dever e a sua

incapacidade para o exercício normal das funções; trata-se de um conceito

indeterminado, mas que consiste no facto ou situação na qual, segundo a boa fé, não

seja exigível à sociedade a continuação da relação contratual;

A justa causa de destituição consubstancia uma quebra de confiança, por razões

justificadas, entre a sociedade e o gerente;

O facto de o gerente de certa sociedade ser sócio de outra congénere, onde não

exerce qualquer atividade, não é motivo justificado para a sua destituição de gerente;

Os gerentes que, por sistema, cumpram tardiamente (3 ou 2 anos depois) o seu dever

de relatar a gestão e de apresentar as contas da mesma, não atuam segundo os

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critérios de um gestor ordenado e criterioso, havendo por isso justa causa para a sua

destituição;

O gerente de uma sociedade por quotas deve respeitar deveres de diligência e de

vigilância, segundo um padrão objetivo; para integrar a justa causa de destituição,

relevam ações e omissões; in casu, deixar caducar alvarás de construção civil, anular

contratos de seguros de trabalhadores e passar faturas falsas;

Destituição com justa causa será aquela que tenha por fundamento a verificação de

um motivo grave, de tal modo que não seja exigível, à sociedade, manter a relação de

administração;

Justa causa pressupõe uma conduta culposa que torne impossível ou inexigível a

subsistência da relação funcional;

Justa causa provém da verificação de um comportamento culposo do administrador

que, pela sua gravidade e consequências, torne inexigível, à sociedade, manter a

relação de indemnização;

A justa causa pressupõe uma atuação censurável;

Há justa causa perante a impossibilidade de continuar a relação de confiança.

Em termos processuais, os factos relativos à existência de justa causa devem ser invocados e

provados pela sociedade que dela se queira prevalecer. É uma decorrência das regras gerais

sobre o ónus da prova. Os fundamentos da destituição devem constar da competente ata;

único meio de prova quanto ao deliberado.

A indemnização: cabe aprofundar um pouco o tema do direito à indemnização

eventualmente envolvida pela cessação do mandato dos administradores: numa dogmática

responsiva, ele dar-nos-á um auxiliar de entendimento da justa causa e da própria destituição.

Na vigência do Código Comercial, o direito dos administradores destituídos, antes do termo

do mandato, a receber uma indemnização da sociedade, veio a ser reconhecido, na doutrina

e na jurisprudência. Para tanto, aduzia-se o seguinte argumento: o artigo 172.º CCom, a

propósito dos diretores das sociedades comerciais, falava em revogabilidade do mandato.

Por seu turno, o artigo 245.º CCom dispunha que:

«A revogação e a renúncia do mandato, não justificadas, dão causa, na falta de pena

convencional, à indemnização de perdas e danos».

Assim, embora se soubesse que o mandato dos administradores não era o mandato comercial

dos artigos 231.º e seguintes CCom, fazia-se a transposição da regra. A jurisprudência veio,

contudo, colocar a questão na dependência da natureza jurídica do vínculo que une os

administradores à sociedade. Essa natureza dá lugar a uma série de dúvidas e dificuldades,

acima aludidas. A jurisprudência começa por fazer a seguinte derivação:

Se a posição dos administradores assentasse num vínculo unilateral, a sua destituição

não daria lugar a qualquer indemnização;

Se, pelo contrário, ela fosse contratual, impor-se-ia a analogia com o mandato e, daí,

a indemnização, no caso de destituição sem justa causa.

Pode, pois, dizer-se que a predominância jurisprudencial ia no sentido de haver direito a

indemnização; toda a doutrina alinha, aliás, nesse sentido. Para além da quantificação das

diversas orientações é importante a ponderação das bases em que assenta. Na verdade, não

é correto fazer derivar o direito a uma indemnização da natureza do vinculo de administração.

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Para além da manifesta inversão que consiste em retirar um regime de uma qualificação –

que deveria ser subsequente – fácil é constatar que, quando aquele vínculo fosse unilateral,

nem por isso deixaria de existir tal direito. Com efeito, o ato unilateral deve ser respeitado

pelo próprio; nada impede, perante a moderna Ciência do Direito, que ele dê lugar a direitos,

na esfera de terceiros, direitos esses que, sendo violados, abram as portas ao ressarcimento.

O exemplo utilizado, no domínio das sociedades comerciais, tem sido o direito aos

dividendos: eles são arbitrados, pela assembleia geral, num ato claramente unilateral; no

entanto, posteriormente, a assembleia já não pode deliberar não os distribuir: seria uma pura

decisão de não cumprimento de uma obrigação. Quando destituídos, antes do termo e sem

justa causa, os administradores das sociedades anónimas têm, pois, direito a uma

indemnização, seja qual for a natureza do vínculo que os una à sociedade. O CSC, na sua

versão inicial, não tratou, expressamente, do direito à indemnização que têm os

administradores das sociedades anónimas, destituídos sem justa causa antes do termo do seu

mandato. Não obstante, não oferecia dúvidas, mesmo perante o silêncio então reinante, que

a solução, já antes alcançada, também no silêncio da lei se mantinha. Para tanto, referíamos

dois argumentos de Direito positivo e um argumento de ordem geral. Direito positivo:

No (então) silêncio do CSC, havia que recorrer às sociedades civis, nos termos do

artigo 2.º CSC: ora o artigo 987.º, n.º1 CC, remete os direitos dos administradores

das sociedades civis para as normas do mandato; e o mandato conferido, também no

interesse do mandatário ou de terceiro, não pode ser revogado sem justa causa (artigo

1170.º, n.º2 CC) sob pena de indemnização (artigo 1172.º CC);

O próprio CSC contemplava o direito à indemnização, no caso de destituição de

gerentes sem justa causa (artigo 257.º, n.º6 CSC) e dos então diretores de sociedades

anónimas, no regime de conselho geral, também sem justa causa (artigo 420.º, n.º3

CSC).

O argumento de ordem geral assentava na presença de direitos na esfera dos administradores

que não podiam, sem mais, ser destruídos. Como foi referido, impunha-se aqui uma certa

analogia com a situação de trabalho, sendo de dispensar um mínimo de proteção no próprio

interesse das sociedades: de outro modo, os profissionais competentes nunca seriam

administradores; apenas os aventureiros correriam tal risco. Após a reforma de 2006, as

duvidas foram claramente resolvidas no bom sentido: também nas sociedades anónimas, a

destituição sem justa causa dos administradores obriga a indemnizar. Problema gravoso é o

da pretensa limitação apriorística do montante das indemnizações. O artigo 257.º, n.º7 CSC,

a propósito da indemnização devida ao gerente destituído sem justa causa, acrescenta:

«(…)entendendo-se, porém, que ele não se manteria no cargo ainda por mais de quatro anos

ou do tempo que faltar para perfazer o prazo por que fora designado».

Havia, aqui, uma sugestão de que esse lapso de tempo condicionava a indemnização. Indo

ainda mais longe, o artigo 403.º, n.º5 CSC, na redação resultante da reforma de 2006,

pretende limitar, ad nutum, a indemnização. Diz:

«(…) sem que a indemnização possa exceder o montante das remunerações que

presumivelmente receberia até ao final do período para que foi eleito».

Este preceito envolve um grave erro de Direito e surge claramente inconstitucional. Perante

a responsabilidade por atos ilícitos, todos os danos devem ser ressarcidos. De outro modo,

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estarmos a admitir o desrespeito pela propriedade privada, perante danos patrimoniais e a

desconsideração pela dignidade da pessoa, perante danos morais. O preceito de 2006 é

contrário ao sistema e à Constituição. A limitação às indemnizações só é possível perante

situações de responsabilidade objetiva. Ora o legislador, particularmente em 2006, parece

partir do princípio que a destituição é sempre lícita… envolvendo responsabilidade objetiva

(sem culpa), faltando justa causa. Não é assim. A destituição sem justa causa é mesmo ilícita:

o combinado é para cumprir. O facto de não haver reintegrações não limitada – antes pelo

contrario! – a indemnização. Para além da inconstitucionalidade e do erro dogmático, a

solução apontada em 2006 incorre noutro óbice: vai dar corpo ao miserabilismo das nossas

indemnizações. Também por isso, deve ser contradita em nome do sistema. Os limites

aparentemente resultantes do artigos 257.º, n.º7 CSC e 403.º, n.º5 CSC caem em terreno fértil.

A jurisprudência é muito parca em indemnizações, enquanto a figura dos administradores é,

hoje, malquista. Muitas das decisões restritivas têm a ver com particularidades dos casos

concretos que resolveram. Retemos os seguintes aspetos:

A indenização traduz os lucros cessantes os quais, na falta de outros elementos,

correspondem ao que o administrador deixou de ganhar;

Não chega dizer que perdeu remunerações: o gerente destituído deve provar os danos;

À indemnização haveria que descontar o que o destituído foi ganhar alhures (aliunde

perceptum): uma orientação que, sendo um apelo à preguiça, não podemos subscrever;

O montante previsto no artigo 403.º, n.º5 CSC é o máximo: uma tese que reputamos

inconstitucional.

Desenha-se, no entanto, uma linha que merece total apoio: a que admite, ainda, o cômputo

dos danos morais, que podem ser gravíssimos.

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Capítulo VI – A responsabilidade dos

Administradores30

82.º - A responsabilidade dos administradores na experiência

portuguesa

Antecedentes e evolução: a responsabilidade dos administradores foi estudada, em

Portugal, na década de sessenta do século XX. E foi-o com intuitos legislativos: visava-se

preparar uma reforma geral da fiscalização das sociedades anónimas, que contivesse regras

sobre o tema. A fiscalização das sociedades anónimas foi aprovada pelo Decreto-Lei n.º

49.381, 15 novembro 1969, sem preocupações de unidade. A matéria aqui em causa, que

transitaria para o CSC e foi objeto de especiais preparatórios, é a do Capítulo II. A sua

transposição, pura e simples, para o Código não conduziu a grandes diferenças de linguagem,

em relação ao restante tecido do diploma: no fundo, no projeto do que seria o Decreto-Lei

n.º 49.381, como no CSC, superintendeu Raúl Ventura. O Direito português anterior a 1969

era pobre, no tocante à responsabilidade dos administradores. A lei cingia a matéria a dois

simples artigos: o artigo 165.º e o 173.º CSC, ambos do Código Comercial Veiga Beirão,

relativos, respetivamente, à responsabilidade dos fundadores e à dos diretores das sociedades

anónimas, alargados às sociedades por quotas pelo artigo 31.º da Lei 11 abril 1901. Mas pior

do que a escassez de fontes: não havia, nem uma elaboração científica sobre o tema, nem

qualquer jurisprudência significativa. Decidido a reformar a matéria, quedou, ao legislador, a

via do recurso a experiências estrangeiras. Intervêm, aqui, os preparatórios: assinados por

Raúl Ventura e Brito Correia, eles procuraram fazer a súmula dos Direitos francês, alemão e

italiano, no domínio da responsabilidade dos administradores. A tarefa não era fácil: também

nessas experiências falecia um regime claro e uniforme, obrigando a uma longe recolha de

textos e de autores. Nestas condições, sucedeu o inevitável: foram compiladas as diversas

soluções relativas à responsabilidade dos administradores e escolheram-se ou as formalmente

melhores ou as que representavam um maior avanço. Em 1969, Portugal foi, pois, dotado

de uma lei que consagrava as mais elaboradas regras sobre a responsabilidade dos

administradores. Contudo, nos dezassete anos de vigência dessa lei, apenas se conhece uma

única decisão publicada que, a nível do Supremo, a tenha aplicado (STJ 19 novembro 1987):

o tema não chegou, pois, a ser plenamente recebido, na cultura jurídica nacional.

O Código das Sociedades Comerciais; conspecto geral: o CSC compreende,

no seu Título I – Parte Geral –, um Capítulo VII, intitulado responsabilidade civil pela

constituição, administração e fiscalização da sociedade. Esse capítulo abrange catorze artigos

– 71.º a 84.º CSC –, alguns de considerável densidade, dedicados precisamente ao problema

em estudo. Dos preceitos aí presentes, logo se verifica que os artigos 80.º a 84.º CSC não

dizem respeito à responsabilidade dos administradores, gerentes ou diretores e que os artigos

30 Cordeiro, António Menezes; Direito das Sociedades, Parte Geral, Volume I; Almedina editores; 3.ª edição; Coimbra, Maio 2011.

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83.º e 84.º CSC nem sequer têm a ver com o instituto da responsabilidade civil. Os artigos

80.º, 81.º e 82.º CSC prendem-se, como se viu, com a responsabilidade de outras pessoas

com funções de administração, de membros dos órgãos pessoas com funções de

administração, de membros dos órgãos de fiscalização e dos revisores oficiais de contas,

respetivamente. Os artigos 83.º e 84.º CSC, por seu turno, contêm regras não de

responsabilidade civil, mas de responsabilidade patrimonial: verificadas as condições

legalmente previstas, os bens dos implicados respondem, independentemente de qualquer

atuação. Aflora, aqui, um instituto – o da responsabilidade patrimonial – cuja ligações com a

responsabilidade civil são, antes de mais, linguísticas. A sua inserção sistemática não tem

justificação científica. O Capítulo VII, da Parte Geral, apresenta uma lógica interna. Ele

principia pela responsabilidade quanto à constituição (artigo 71.º CSC) e passa, depois, à dos

membros da administração, portanto já no período de funcionamento normal da sociedade

(artigo 72.º CSC). De seguida, fixa alguns aspetos dos termos dessa responsabilidade:

solidariedade (artigo 73.º CSC) e cláusulas nulas (artigo 74.º CSC). Versados esses aspetos

substantivos, o Código veio precisar diversos pontos processuais: a ação social e os

representantes especiais (artigos 75.º e 76.º CSC) e a ação social dita, por vezes, entre nós, ut

singuli (artigo 77.º CSC). Temos, aqui, situações de responsabilidade obrigacional, uma vez

que estão em causa violações de deveres (específicos) contratuais ou legais. Seguem-se

situações de responsabilidade aquiliana: a responsabilidade perante os credores sociais (artigo

78.º CSC) e perante os sócios e terceiros (artigo 79.º CSC). Os restantes preceitos desse

Capítulo ocupam-se de questões já exteriores à temática versada. A uma primeira leitura, os

preceitos envolvidos são complexos: vão bulir com uma problemática comercialística

tipicamente societária e ainda, sobretudo, com questões profundas de responsabilidade civil.

Torna-se flagrante que vários desses preceitos são herdeiros de evoluções doutrinárias e

jurisprudênciais sofridas, processadas em França, na Alemanha e em Itália e transpostas, pelo

legislador, para o espaço português. Tem ainda interesse notar que a sistematização interna,

aqui patenteada, obedece a uma preocupação funcional e não científica. De facto, o Capítulo

VII em causa, compreende três tipos de normas:

Preceitos que correspondem a manifestações comuns de responsabilidade civil;

Preceitos que exprimem deveres a cargo de gerentes ou administradores, de

sociedades e, ainda, dos fundadores;

Preceitos que implicam soluções mais complexas e, propriamente, societárias.

Correspondem a manifestações comuns de responsabilidade civil, os artigos 72.º, n.º1, 73.º

e 74.º, n.º1 CSC (obrigacional) e os artigo 78.º, n.º1 e 79.º CSC (aquiliana). A estes preceitos

podem, ainda, somar-se os artigos 80.º,, 81.º e 82.º CSC, os quais, contudo, já não dizem

respeito a administradores ou gerentes. Noutros termos: na ausência dos referidos artigos,

chegar-se-ia a idênticas saídas, através do regime geral das obrigações, desde que devidamente

concretizado. No artigo 72.º, n.º1 CSC o regime resultaria logo dos artigos 798.º e 799.º, n.º1

CC. No artigo 73.º, n.º1 CSC, a responsabilidade dos diversos administradores ou similares

é solidária; solidariedade que já resultaria do artigo 497.º,n.º1 CC, enquanto a medida do

regresso do artigo 73.º, n.º1 CSC transcreve, quase à letra, o artigo 497.º, n.º2 CC. O artigo

74.º, n.º1 CSC prescreve a nulidade de cláusulas de isenção ou de limitação de

responsabilidade: é o regime geral do artigo 809.º CC. No artigo 78.º, n.º1 CSC tratamos de

regras gerais de responsabilidade civil, presentes no artigo 483.º, n.º1, in fine CC: é a chamada

responsabilidade pela violação de normas de proteção. Por fim, manda o artigo 79.º, n.º1

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CSC o mesmo que o regime geral: derivado do artigo 483.º, n.º1 CC, embora com um

novidade: parece limitar-se aos danos diretos. Os preceitos em causa não são inúteis; tão-

pouco se apresentam interpretativamente neutros, até porque são acompanhados por

diversas adaptações à realidade em jogo. Na sua falta, porém, não haveria, nem solução

diferente, nem lacuna.

Responsabilidade por declarações prestadas com vista à constituição da

sociedade: os deveres dos fundadores, administradores, gerentes ou diretores de

sociedades comerciais, surgem, designadamente, no artigo 71.º CSC. Este ponto carece de

alguma precisão complementar. Os diversos preceitos do Capítulo VII, aqui em análise,

pressupõem normas de conduta que, sendo violadas em determinadas circunstâncias,

conduzam à responsabilidade. Mas essas normas ficam subentendidas; fala-se, tão-só e em

geral, de deveres legais ou contratuais (artigos 72.º, n.º1 e 78.º, n.º1 CSC). Justamente o artigo

71.º CSC, a pretexto de cominar responsabilidade civil, comporta uma norma de conduta

diretamente dirigida aos seus destinatários. Segundo o artigo 71.º, n.º1 CSC contém, na

realidade, uma norma que obriga os visados a prestar as referidas declarações, com exatidão

e sem deficiência. Na ausência dessa norma, haveria que encontrar uma saída delitual, seja

com base no artigo 483.º, n.º1 CC, de difícil manuseio para a tradição germânica, seja

recorrendo ao artigo 485.º, n.º2 CC e, mesmo então, havendo que buscar, alhures, um dever,

legal ou negocial, de dar as indicações; de outro modo, o dever de indemnizar teria de ser

fundado no artigo 485.º, n.º1 CC, a contrario, mas ainda nessa altura, na presença de dolo.

Tudo isto ponderado: a presença do preceito em estudo simplifica a matéria e modifica-a, de

facto, em substância. O referido dever legal de exatidão e compleitude dá azo a uma

obrigação legal específica; a sua violação envolve uma linear responsabilidade obrigacional,

com presunção de culpa, contra o prevaricador (artigos 798.º e 799.º, n.º1 CC. Outra norma

de conduta resulta do n.º2 do mesmo artigo 71.º CSC. Na realidade, este preceito pretendia

excluir, de responsabilidade, os agentes de boa fé, na sua aceção subjetiva e ética,

tecnicamente correta: ignorar sem culpa. Mas fazendo-o, ele acaba por comportar uma

diretriz de relevo: ele impõe, a todos os fundadores, gerentes ou administradores, o dever –

leia-se: legal e específico – de se inteirarem do andamento e do teor das indicações e

declarações prestadas. De outra forma, já haverá culpa na ignorância. O n.º3 do artigo 71.º

CSC comina, também, uma obrigação legal específica, a cargo dos fundadores, de não causar

danos, com as operações nele descritas. Aparece, depois, uma discutível exclusão da

responsabilidade («contanto que tenham procedido com dolo ou culpa grave») nos casos de negligência

simples. Há, aqui, uma manifesta influência germânica, que contraria a tradição civil de

equiparar as diversas formas de negligência e que, de lege ferenda, e dados os valores aqui em

presença, não parece justificada. A interpretação deste passo terá, pois, de ser tão restritiva

quanto possível. Finalmente, o artigo 16.º, n.º2 CSC ressalva ainda a responsabilidade dos

fundadores na hipótese de não fazerem exarar no contrato de sociedade as vantagens

concedidas aos sócios em conexão com a constituição, bem como o montante global por ela

devida a sócios ou a terceiros. Nessa eventualidade, tais direitos e acordos são ineficazes para

com a sociedade, mas isso sem prejuízo dos eventuais direitos contra os fundadores. Esses

eventuais direitos têm precisamente a ver com indemnizações.

Outras hipóteses; feição geral do sistema de responsabilidade: aparecem-

nos, de seguida, preceitos que vão bulir com institutos societários mais complexos. Tal

sucede com os artigos 72.º, n.º3, 4, 5 e 6, 74.º, n.º2 e 3, 75.º, 76.º e 77.º CSC, aos quais se

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poderiam, ainda, juntar os artigos 83.º e 84.º CSC, relativos, embora, a questões, já diversas

da responsabilidade dos administradores. Pense-se, a esse propósito, nas regras a observar

pelo administrador que não queira solidariza-se com os seus colegas, numa deliberação que

considere ilegal (artigo 72.º, n.º3 e 4 CSC), ou no papel exoneratório que pode assumir uma

deliberação dos sócios, ainda que anulável (idem, n.º4). O artigo 72.º, n.º6 CSC dispõe que o

parecer favorável ou o consentimento do órgão de fiscalização não exoneram de

responsabilidade os membros da administração; pelo contrário: fazendo-o, os titulares

daquele órgão entram, também, em responsabilidade, salvo o que parece ser a relevância

negativa da causa virtual, prevista no artigo 81.º, n.º2, in fine CSC. O artigo 74.º, n.º2 CSC

regula os termos em que os sócios podem renunciar à indemnização ou transigir sobre ela,

enquanto o n.º3 explicita a eficácia exoneratória da aprovação, pela assembleia geral, das

contas ou da gestão dos gerentes. Os artigos 75.º 76.º e 77.º CSC tratam da ação social, dos

representantes especiais e de ação social ut singuli imprópria. No seu conjunto, o Capítulo

VII, do Título I, CSC, aponta para a primazia dos quadros do Direito comum. No fundo,

trata-se de retomar o sistema geral da responsabilidade tal como resulta do CC, sublinhando

os seus contornos perante a realidade das sociedades comerciais. As especialidades surgem a

nível processual, o que é dizer: no modo de efetivação das diversas ações envolvidas. No que

respeita à responsabilidade em si, o CSC assenta em pressupostos civis. No fundo, os

administradores são responsáveis quando, com dolo ou negligência, violem os deveres que

lhes incumbia respeitar e, com isso, provoquem danos. A grande questão que se põe será,

pois, a de determinar que especiais deveres incumbem aos administradores e em que medida

vão eles interferir, depois, na concretização dos quadros comuns em jogo. Mas com a ressalva

do plácido artigo 71.º CSC, esses deveres implicam já uma enumeração que transcende o

Capítulo VII, Título I CSC: implica o estudo dos diversos tipos de sociedades.

83.º - A responsabilidade para com a sociedade

Responsabilidade obrigacional: como foi referido, o artigo 72.º, n.º1 CSC contém

uma previsão geral de responsabilidade obrigacional para com a sociedade: os

administradores respondem, para com esta, pelos danos que lhe causem com preterição dos

deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa. Trata-se de uma

simples concretização, porventura desnecessária, dos artigos 798.º e 799.º CC. Com efeito:

Estão em causa danos ilícitos;

Provocados pela inobservância de deveres específicos;

Com presunção de culpa.

Entre os deveres específicos suscetíveis de, quando violados, causarem responsabilidade dos

administradores para com a sociedade temos:

Violação de cláusulas contratuais ou de deliberações sociais que fixem à sociedade

determinado objeto ou que proíbam a prática de certos atos (artigo 6.º, n.º4 CSC);

Execução de deliberações relativas à distribuição de bens aos sócios, quando tais

deliberações sejam ilícitas ou enformem de vícios (artigo 31.º, n.º2 CSC);

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Não convocação ou não requerimento da assembleia geral, quando se esteja perante

a perda de metade do capital social (artigo 35.º, n.º1 CSC);

Incumprimento do dever de relatar a gestão e de apresentar contas (artigo 65.º, n.º1

CSC) ou de proceder ao competentes depósitos (artigo 70.º CSC);

Inobservância do dever de declarar por escrito que, havendo aumento de capital, não

têm conhecimento de ter havido, entre o dia do balanço que servir de base à

competente deliberação e o dia da deliberação em si, um diminuição patrimonial que

obste ao aumento (artigo 93.º, n.º1 CSC) ou, a fortiori: efetivação de uma declaração

falsa.

Muitos outros deveres podem ser retirados de diversos institutos societários e, ainda, de

numerosas leis avulsas. A violação dos apontados deveres específicos envolve uma

denominada presunção de culpa. No plano obrigacional, isso significa que a ilicitude e a culpa

do inadimplemente são, em conjunto e globalmente, imputadas ao agente faltoso. Caberá a

este ilidir a presunção: seja demonstrando uma causa de justificação, seja provando um

fundamento de desculpabilidade. Mantemos a nossa construção: a responsabilidade

obrigacional portuguesa situa-se na evolução o regime francês da responsabilidade, de tal

modo que culpa, equivale à faute, acarreta um misto de culpa e de ilicitude; pelo contrário, a

responsabilidade aquiliana deriva do sistema alemão: culpa e ilicitude são conceitos distintos

e contrapostos. Em termos exegéticos, a culpa do artigo 799.º, n.º1 CC não equivale à do

artigo 483.º, n.º1 CC: a primeira abrange também a ilicitude, aproximando-se da faute; a

segunda limita-se à censura do Direito, equivalendo à Schuld. De todo o modo e no que toca

à responsabilidade dos administradores: qualquer outra visão da responsabilidade civil

portuguesa conduziria a resultados similares aos acima apontados. Pergunta-se qual a medida

da culpa ou, se se quiser: qual a quantidade de esforço exigível, aos administradores, no

cumprimento dos seus deveres. No Direito Civil, apela-se à bitola do bonus pater famílias; no

Direito das sociedades, como vimos, vai-se mais longe: isso fazendo uma interprertação

depuradoura do artigo 64.º, n.º1, alínea a) CSC. Em bom rigor, estes facos não têm a ver

(apenas) com a culpa: antes com a própria conduta em si. A explicação é fácil, do nosso

ponto de vista: estamos perante uma responsabilidade obrigacional em que culpa e ilicitude

surgem incindíveis. A bitola de diligência reporta-se ao conjunto. Fica-nos, de seguida, o

nexo de causalidade. Perante responsabilidade obrigacional, cabe verificar qual era o bem

representado pela prestação incumprida. Tal vem traduz o quantum do dano, eventualmente

acrescido de danos colaterais ou de lucros cessantes. No domínio das sociedades pode haver

danos em bola de neve. A delimitação pressuposta pelo nexo causal assente na clara

determinação do bem jurídico tutelado pela norma que se mostrou violada. Apenas os danos

provocados nesse bem são, em princípio, indemnizáveis.

O problema da atuação informada, isenta e racional: a aparente perturbação

no quadro da responsabilidade resultou da introdução, pela reforma de 2006, no artigo 72.º,

n.º2 CSC, do business jugdement rule. Pela sua inserção, parece-nos claro que tal regra tem a ver

com a responsabilidade obrigacional prevista no n.º1. Recordemos o seu enquadramento e

teor. O artigo 72.º, n.º1 CSC fica ou recorda o princípio geral da responsabilidade

obrigacional dos administradores:

«(…) respondem para com a sociedade pelos danos a esta causados por atos ou omissões

praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam

sem culpa».

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Logo de seguida, o n.º2 acrescenta:

«A responsabilidade é excluída se alguma das pessoas referidas no número anterior provar que

atuou em termos informados, livre de qualquer interesse pessoal e segundo critérios de

racionalidade empresarial».

Já vimos que isto corresponde, fora de qualquer oportunidade jurídico-científica séria, à

introdução do business judgement rule. Fica a questão: esse preceito, uma vez introduzido no

Direito português, que sentido vem ganhar? Vamos imaginar que o legislador de 2006 tenha

resistido à tentação de introduzir mais esse sortilégio, no nosso martirizado Direito das

sociedades. E vamos imaginar ainda que, num caso concreto, um administrador que tivesse

causado danos à sociedade, por preterir os seus deveres legais ou contratuais provava, em

juízo:

Que tinha atuado em termos informados, isto é: com pleno conhecimento das

realidades (técnicas e jurídicas em jogo);

Que o fizeram sem qualquer interesse pessoal, isto é: de modo isento e desinteressado;

E que agira seguindo critérios de racionalidade empresarial.

Haveria responsabilidade? A resposta seria negativa. Ao produzir tal prova, o administrador

estaria a ilidir a presunção de culpa (ou, porventura, a ilidir a presunção de culpa/ilicitude,

precisamente atacando o nível valorativo que essa dupla envolve). Nas circunstâncias

apontadas, a conduta do administrador tornar-se-ia desculpável. Repare-se que estão em

causa apenas deveres para com a sociedade, sendo de acentuar a observância dos critérios de

racionalidade empresarial, a que teremos oportunidade de regressar. Os grandes dados da

responsabilidade civil não estão na disponibilidade do legislador: mesmo quando,

iluminadamente, mexa nos institutos mais delicados do Direito das sociedades. Ao introduzir

o business judgement rule no Direito português, no preceito relativo à responsabilidade

obrigacional dos administradores para com a sociedade, o legislador está a cortar as amarras

com outras experiências, mesmo quando dadoras. Assim:

No Direito americano, o business judgement31 rule veio delimitar os deveres genéricos

do administrador e, em especial, o dever de cuidado;

No Direito alemão, essa mesma regra veio restringir deveres legais específicos bem

delimitados – os introduzidos pela Lei da Transparência.

Compreende-se assim que, no caso americano, o rule delimite a culpa/ilicitude, no conjunto:

o Common Law não faz a destrinça. E no Direito alemão, temos uma delimitação das próprias

regras de conduta, pelo que fica afastada a ilicitude. Mas no Direito português, o caso é

diverso. O business judgmente rule constitui uma específica via de exclusão de culpa. Ilustres

autores como Pedro Pais de Vasconcelos e Coutinho de Abreu vieram sustentar que o rule

implicaria uma exclusão de ilicitude, porque, quando aplicável, traduziria o respeito, por parte

dos administradores, dos deveres prescritos no artigo 64.º CSC. Tecnicamente, isso quereria

dizer que, perante um conflito de deveres proporcionados pelo artigo 64.º CSC e deveres

com qualquer outra origem, os primeiro prevaleceriam. De facto, é sabido que os

31 O autor quebra a promessa terminológica feita na nota de rodapé n.º 2563 (p. 857) de distinguir as grafias inglesas e americanas aquando do seu tratamento. Humildemente a, aqui, corrigimos mantendo a sistemática pretendida pela sumidade doutrinária e académica a que tanto tecemos louvor e agradecimentos (graças já a

academia as concedeu, e bem, pensamos!). (大象城堡).

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administradores incorrem facilmente em conflitos de deveres, o que obriga a uma cuidada

ponderação entre eles para se ver, em concreto, qual prevalece. Mas – é regra que não vemos

como afastar – o dever específico prevalece sobre o genérico32. Admitir, em geral, que o

administrador, posicionado dentro do artigo 64.º CSC, ficasse isento de cumprir quaisquer

outros deveres para com a sociedade (pois só assim se poderá afastar um juízo de ilicitude) é

passo que não podemos acompanhar. A grande dificuldade denotada por estes (e outros)

autores em cindir a ilicitude da culpa advém ainda do seguinte: na responsabilidade

obrigacional, essas duas realidades interpenetram-se. Há, pois, que distinguir na base do

ângulo de abordagem. De facto e pelo nosso entendimento da responsabilidade obrigacional,

o business judgment rule funcionaria, entre nós, como exclusão de faute, isto é, de culpa/ilicitude.

Seria absolutamente contrário a dados básicos do sistema admitir que, ratione societatis, o

administrdor pudesse ficar isento dos seus deveres legais ou estatutários. É certo que o

business judgemente rule só opera nas relações com a sociedade: ela nunca poderia isentar o

administrador dos seus deveres para com o fisco, os trabalhadores ou a segurança social.

Além disso, o rule exige critérios de racionalidade empresarial. Ora tais critérios englobam

sempre as vantagens de bem cumprir a lei: os ganhos que se obtenham à margem desta jogam,

a prazo, contra a sociedade, sendo alheios a uma boa gestão. O rule requer, ainda, uma

compatibilização com o princípio da colegiabilidade e com eventuais conflitos de interesses

que se reportem a, apenas, algum ou alguns administradores. Mas mesmo com estas

delimitações: os deveres legais e estatutários, porventura subsequentes à Lei de 2006, não se

podem, de modo algum, considerar revogados pelo novo artigo 72.º, n.º2 CSC ou, sequer:

de incumprimento genericamente justificado. Apenas no caso concreto o apelo ao business

judgement rule permitirá isentar o administrador do juízo de censura que, sobre ele, iria incidir.

Há exclusão de culpa/ilicitude ou, para quem insista na contraposição, em sede contratual:

de culpa.

Responsabilidade aquiliana: a lei não refere, de modo expresso, a hipótese de uma

responsabilidade aquiliana dos administradores para com a própria sociedade. Apenas o faz

relativamente aos credores sociais, aos sócios e a terceiros (artigo 78.º, n.º1 e 79.º CSC).

Todavia, essa responsabilidade é possível, nos termos gerais. Assim sucederá, desde logo,

nos caso em que o administrador atinja direitos absolutos da sociedade – reais ou de

personalidade, como exemplo – independentemente de deveres específicos que lhe

incumbam; responde, nos termos do artigo 483.º, n.º1 CC. Seguindo as regras gerais, a

responsabilidade aquiliana por violação de direitos subjetivos da sociedade deverá efetivar-

se através de outros administradores que representem a sociedade. Não estão em causa

situações jurídicas especificamente societárias, pelo que não faz sentido vir discutir o assunto

em assembleia geral. De seguida, devemos contar com normas de proteção. Particularmente

nos artigos 509.º e seguintes CSC, surgem diversas disposições penais que visam os

administradores. Essas disposições penais dobram, por vezes, as obrigações específicas que

incumbem aos próprios administradores. Noutros caso, elas surgem isoladas, visando

proteger simplesmente os interesses da sociedade ou de terceiros. A violação de tais normas

obriga a indemnizar: em termos aquilianos e por via do artigo 483.º, n.º1, 2.ª parte CC. Temos,

como exemplos:

A falta de cobrança de entradas de capital (artigo 509.º CSC);

32 Autores como Ana Perestrelo de Oliveira aceitam a presença de uma exclusão de ilicitude, mas por referência aos próprios elementos contidos no artigo 72.º, n.º2 CSC.

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Aquisição ilícita de quotas ou ações (artigo 510.º CSC);

Amortização de quota não liberada (artigo 511.º CSC);

Amortização ilícita de quota dada em penhor ou objeto de usufruto (artigo 512.º

CSC).

Recusa ilícita de informações (artigo 518.º CSC) ou informações falsas (artigo 519.º

CSC);

Violação ilícita das medidas a empreender perante a perda de metade do capital social

(artigo 523.º CSC);

Irregularidades na emissão de títulos (artigo 525.º CSC).

Em todos estes casos, não podemos falar em obrigações específicas no sentido civil do termo.

A sua violação não envolve presunção de culpa: nem isso seria pensável, no campo penal. A

censura em que incorra o agente deve ser especificamente alegada e demonstrada, por quem

queira uma sua responsabilização. Em compensação, tais normas de proteção asseguram uma

tutela aquiliana em caso de mera negligência (artigo 483.º, n.º1 CC). A específica exigência

do dolo só vale para as sanções penais (artigo 527.º, n.º1 CSC).

Violação de deveres de cuidado; os deveres incompletos: temos, depois, a área

melindrosa do que poderemos chamar os deveres incompletos: fundamentalmente, os que

se inscrevem no artigo 64.º CSC. Recordamos que, desse preceito, emergem os deveres de

cuidado, os quais englobam:

Deveres de disponibilidade;

Deveres de competência técnica;

Deveres de conhecimento da atividade da sociedade.

Todos esses deveres devem ser calibrados de acordo com as suas funções, operando, sobre

o conjunto, a bitola de esforço dada pela diligência do bom pai de família. Trata-se, agora, de

encaixar uma dogmatização coerente, perante o Direito positivo português. Os deveres

jurídicos impõem condutas. Mas para tanto devem tais deveres comportar um conteúdo

comunicativo útil. De outro modo, o destinatário nem se aperceberá do que, dele, se pretende.

Faz todo o sentido dizer que os administradores devem revelar disponibilidade, competência

técnica e conhecimento da atividade da sociedade. Mas daí nenhum operador vai retirar

condutas concretas, em termos de dever ser. Quedam dois caminhos possíveis:

Ou imaginar que os elencados deveres, genericamente ditos de cuidado, sofrem um

processo de autoconcretização;

Ou entender que esses deveres só se concretizam em conjugação com outras normas.

Imaginar um dever de cuidado como uma cláusula geral de conduta, a concretizar perante

cada problema, equivale a uma inglória duplicação. Para tanto, temos já as cláusulas civis –

da boa fé e dos bons costumes; além disso, dispomos ainda da cláusula de lealdade (artigo

64.º, n.º1, alínea b) CSC), especificamente societária e à qual teremos a oportunidade de

regressar. Temos por mais útil o tratamento dos deveres de cuidado como normas parcelares

ou incompletas. Com este sentido:

Exige-se, em primeiro lugar, uma norma de conduta de onde emerja um qualquer

dever, a cargo dos administradores;

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Apurado esse dever, a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da

sociedade serão úteis para o complementar e precisar.

Ninguém pode ser responsabilizado por, em abstrato, não ter disponibilidade. Mas poderá

sê-lo se, perante determinado desempenho, se verificar que o administrador não organizou

a sua vida, de modo a poder honrá-lo. Os deveres de cuidado, com a trilogia constante da lei

e, ainda, como outros termos que se logre construir, operam como deveres incompletos. Só

por si não são violáveis, em termo sde respobsabilidade civil. Em conjunto com outras

normas, a violação torna-se possível, seguindo-se um regime operacional.

Violação de deveres de lealdade: uma área delicada é a da eventual existência de

responsabilidade, para com a sociedade, perante a violação de deveres genéricos

concretizados. A lógica da responsabilidade civil é simples:

Quando sejam violadas obrigações específicas, a situação é grave: o agente incorre

numa presunção de culpa/ilicitude;

Tratando-se de deveres genéricos (respeito por direitos absolutos) ou de normas de

proteção, a situação não é tão gravosa, estando em causa a liberdade do agente: este

já não incorre em presunção de culpa.

Põe-se a hipótese de uma terceira via: a da violação de deveres genéricos concretizados, de

tal modo que não chegue a operar tal presunção de culpa/ilicitude. O tem atem uma certa

voga entre nós, mercê do acolhimento de elementos alemães anteriores à reforma do BGB,

de 2001/2002. Qual o papel dessa teoria para o delucidar do artigo 64.º CSC? Os

desenvolvimentos mais recentes, na área do Direito das obrigações, apontam para a hipótese

de vínculos obrigacionais sem deveres de prestação principais. Tais vínculos explicariam

situações de culpa in contrahendo, de deveres de atuação perante a nulidade ou a anulação de

contratos, de culpa post pactum finitum e outras. A sua consagração no BGB arrasta esta matéria,

em definitivo, para a responsabilidade obrigacional. Ora tal solução é preferível, entre nós,

uma vez que reforça a responsabilidade civil: área em que os tribunais são demasiado parcos.

A ideia das obrigações sem dever de prestar principal pode ser útil para enquadrar, em termos

de responsabilidade civil, parte do galáctico artigo 64.º CSC, tal como emergiu da reforma de

2006. Já vimos que, dele, resultam determinados deveres de cuidados os quais, em dogmática

lusitana, serão reduzidos a normas incompletas de conduta. E quanto aos deveres de lealdade?

Como vimos, os deveres de lealdade devem, pela dogmática continental que opera na nossa

Terra, ser reconduzidos a concretizações societárias do princípio da boa fé e das suas

exigências. Tais concretizações determinam que, em cada caso, sejam respeitados os valores

fundamentais da ordem jurídica, designadamente nas vertentes da tutela da confiança e da

primazia da materialidade subjacente. Na concretização desses valores fundamentais,

relevamos a enumeração do artigo 64.º, n.º1, alínea b) CSC, a que não pode deixar de se

emprestar um qualquer sentido útil. Manda atender (e/ou ponderar) aos:

Interesses de longo prazo dos sócios;

Interesses dos outos sujeitos relevantes: trabalhadores, clientes e credores.

Ou seja, perante esse preceito (e, de resto: independentemente dele, pelos princípios gerias),

os administradores devem respeitar as situações de confiança legítima e a materialidade

subjacente que ocorram nas exemplificadas dimensões. A prática documenta linhas de

concretização, como os deveres de não concorrência, de não aproveitamento das

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oportunidades de negócio surgidas para a sociedade e outras. Em termos de responsabilidade

civil, estes deveres de lealdade merecem reflexão. Eles operam como concretizações de uma

obrigação ainda despida do dever de prestar principal. À partida, ninguém lhes poderá

conhecer o conteúdo: nem mesmo o próprio visado. Não se torna, por isso, viável falar numa

prévia obligatio iuris, à qual o administrador esteja ligado. No decurso da vida societária, podem

ocorrer vicissitudes que coloquem, de súbito, os mais imponderáveis deveres. Consoante as

eventualidades, assim o dever (geral) de lealdade daria azo:

A deveres acessórios de segurança, de tutela da confiança ou de informação;

A verdadeiras prestações principais de facere ou de non facere.

Na concretização da lealdade, há que usar, sem limitações, toda a instrumentação

disponibilizada pelo moderno Direito das obrigações.

Ações sociais: a efetivação da responsabilidade dos administradores perante a sociedade

consegue-se através das denominadas ações sociais: um tema clássico. O CSC, fruto de

múltiplas influências cruzadas, desenvolver o tema: talvez em excesso, uma vez que a

proficiência dos preceitos acaba por restringir a responsabilidade que era suposto acautelar.

A matéria das ações consta dos artigo 75.º, 76.º e 77.º CSC. Com a seguinte lógica:

Artigo 75.º CSC: ocupa-se da ação social ut universi, isto é, da ação intentada pela

própria sociedade contra os administradores;

Artigo 76.º CSC: prevê que, na hipótese de tal ação, possa haver representantes

especiais da sociedade, escolhidos por sócios;

Artigo 77.º CSC: admite a ação social de grupo, também dita ação social ut singuli

imprópria.

A ação social ut singuli é, em rigor, a ação movida por um único sócio, apenas por ter a

qualidade de sócio e na qual ele faz valer um direito da sociedade. O Direito português,

admite a ação de grupo, isto é, a ação movida por sócios que detenham uma certa

percentagem do capital social. Evidentemente: o sócio que, isolado, detenha essa

percentagem do capital, poderá intentar a ação de grupo (leia-se: de grupo de ações), não por

ser sócio, mas por reunir a tal fração de capital. A nossa literatura chama, por vezes, ação ut

singuli à ação de grupo. Tudo bem, desde que se explique o uso impróprio da expressão. A

ação social ut universi depende de uma deliberação da assembleia gera,, tomada por maioria

simples (artigo 75.º, n.º1, 1.ª parte CSC). Tal deliberação pode provir de prévio agendamento

ou, independentemente dele, em qualquer reunião que aprecie as contas de exercício (artigo

75.º, n.º2, 1.ª parte CSC). Nessa deliberação e nos termos gerais, não podem votar as pessoas

cuja responsabilidade esteja em causa (artigo 75.º, n.º3 CSC). A ação deve ser proposta no

prazo de seis meses a contar da deliberação da assembleia (artigo 75.º, n.º1, 2.ª parte CSC) e,

enquanto estiver pendente, não podem os administradores voltar a ser designados (artigo

75.º, n.º2, in fine CSC). A ação social ut universis é intentada pelos representantes da sociedade.

Estes, de acordo com as regras comuns, são designados pela administração a qual incluirá as

pessoas que pretenda responsabilizar. Perante o melindre, que pode traduzir conflitos de

interesses, a lei prevê:

Que os próprios sócios (leia-se: a sua maioria) possam designar representantes

especiais (artigo 75.º, n.º1, parte final CSC);

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Que o tribunal, a requerimento de sócios que detenham, pelo menos, 5% do capital

social, nomeie pessoa ou pessoas diferentes das que habitualmente representem a

sociedade quando os sócios (a maioria) não os tenham designado ou sempre que se

justifique a sua substituição (artigo 76.º, n.º1 CSC).

Tais representantes podem pedir, da sociedade e no mesmo processo, o reembolso de

despesas e uma remuneração, fixada pelo tribunal (artigo 76.º, n.º2 CSC). Todavia, caso a

sociedade decaia totalmente na ação, cabe à minoria que haja requerido a nomeação de

representantes especiais reembolsar a sociedade das custas e outras despesas. A exigência de

uma prévia deliberação da assembleia, para intentar ações ut universi e o esquema dos

representantes implica que seja possível organizar, no quadro da mesma, uma cooperação

concertada e isso à margem da administração. É difícil. Por isso, há que limitar a ação social

a assuntos estritamente societários. Quanto aos outros: a própria administração deve agir,

em representação da sociedade. A lei visa simplificar o sistema, permitindo ações sociais de

grupo ou ut singuli impróprias (artigo 77.º CSC). Assim:

Sócios que detenham 5% do capital social ou 2% quando de trate de ações cotadas,

podem intentar a ação social (artigo 73.º, n.º1 CSC);

Podem, para o efeito, encarregar algum ou alguns dos sócios de os representar, para

o efeito (artigo 77.º, n.º2 CSC);

A ação prossegue mesmo que algum ou alguns dos sócios, na pendência dela, percam

essa sua qualidade (artigo 77.º, n.º3 CSC);

A sociedade é chamada à causa, pelos seus representantes (artigo 77.º, n.º4 CSC);

O réu pode pedir decisão prévia, quando os interessados visados não correspondam

aos defendidos por lei ou requerer que o autor preste caução (artigo 77.º, n.5º CSC).

A ação social ut singuli (própria ou imprópria) não se confunde com a ação singular, em que

o sócio faz valer direitos seus (prevista no artigo 79.º CSC) e não interesses sociais. A ação

ut singuli faz sentido quando a própria sociedade, através da assembleia geral, não intente a

ação ut universi. Tem, nesta medida, natureza subsidiária. Apenas caberá ressalvar a hipótese

de se tratar de ações com diversos conteúdos ou causas de pedir, cabendo ao juiz arbitrar

ações concorrentes, designadamente da decisão prévia referida no artigo 77.º, n.º5 CSC.

84.º - A responsabilidade para com os credores, os sócios e

os terceiros; síntese

A responsabilidade para com os credores: como vimos, a lei contempla uma

expressa previsão de responsabilidade para com os credores sociais nos termos do artigo 78.º

CSC. Trata-se de uma previsão aquiliana, que retoma o final do artigo 483.º, n.º1 CC. Com

efeito, está em causa a violação culposa (com dolo ou mera culpa) de normas de proteção. O

preceito só se entende à luz da lógica do Direito das sociedades. Na verdade, qualquer

inobservância culposa de normas de proteção conduz à responsabilidade aquiliana: desde que

haja danos. E os danos para os credores não emergem, apenas, de uma eventual insuficiência

patrimonial: poderíamos, ainda, computar delongas, incómodos, maiores despesas, danos à

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imagem e, em geral, danos morais. Tudo isso é, porém, imputado à própria sociedade, mercê

do nexo de organicidade. É à sociedade – e não aos administradores – que cumpre

indemnizar. O problema de uma direta responsabilidade dos administradores só surge

quando a culposa inobservância das normas de proteção provoque uma insuficiência

patrimonial. Estamos fora de obrigações específicas, razão pela qual lidamos com uma

responsabilidade aquiliana, ainda que assente em normas de proteção. Dada a natureza dessas

normas – a tutela dos próprio credores – compreende-se o alcance do artigo 78.º, n.º3 CSC:

útil mas dispensável. Segundo esse preceito, o dever de indemnizar os credores, a cargo dos

administradores, não é excluído por quaisquer situações da sociedade: renúncia, transação ou

qualquer deliberação justificativa. Obviamente: estão em causa posições de terceiros (os

credores), que não estão na disponibilidade da própria sociedade. Aos credores é ainda

reconhecida a possibilidade de agir em sub-rogação. Segundo o artigo 78.º, n.º2 CSC:

«Sempre que a sociedade ou os sócios o não façam, os credores sociais podem exercer, nos

termos dos artigos 606.º a 609.º CC, o direito a indemnização de que a sociedade seja

titular».

Trata-se de novo lembrete inútil: recorda regras que sempre teriam aplicação, por via da

responsabilidade civil. Além disso, a hipótese de responsabilidade que comporta remonta ao

artigo 72.º, n.º1 CSC: não ao artigo 78.º, n.º1 CSC. O artigo 78.º, n.º5 CSC faz uma série de

remissões para vários preceitos. Mais precisamente:

Para o artigo 72.º, n.º2 CSC: business judgement rule;

Para o artigo 72.º, n.º3 CSC: não responsabilidade dos administradores que não

tenham participado nas deliberações em jogo ou que a elas se tenham oposto;

Para o artigo 72.º, n.º4 CSC: responsabilidade dos administradores que, podendo,

não se tenham oposto;

Para o artigo 72.º, n.º5 CSC: a responsabilidade para com a sociedade não tem lugar

quando a ação ou omissão do administrador assente em deliberação social, ainda que

anulável: este preceito contraria, aqui, o artigo 78.º, n.º3 CSC, a menos que se restrinja

a sua aplicação à hipótese do artigo 78.º, n.º2 CSC;

Para o artigo 72.º, n.º6 CSC: a responsabilidade não cessa por haver consentimento

ou parece favorável do órgão de fiscalização;

Para o artigo 73.º CSC: solidariedade dos administradores responsáveis;

Para o artigo 74.º CSC: nulidade das cláusulas de limitação ou de exclusão de

responsabilidade.

Perante este quadro, a remissão para o artigo 72.º, n.º2 CSC só pode advir de lapso. Com

efeito, não se entende – dado o Direito positivo português e tendo em conta o competente

sistema – como pode o business judgement rule alijar a responsabilidade dos administradores

para com os credores por violação culposa de normas destinadas a proteger esses mesmos

credores. Repare-se que as próprias cláusulas de exclusão são nulas (artigo 74.º, n.º1, ex vi

artigo 78.º, n.º5 CSC), assim como insuficiente é qualquer deliberação justificativa ou

exoneratória (artigo 78.º, n.º3 CSC). Admitir que o administrador possa, ilícita e

culposamente, prejudicar os credores, violando normas de proteção, por agir livre, informada

e empresarialmente, seria a mais completa selva. O business judgement rule, com todos os óbices

de que demos conta, só é imaginável em relações administrador/sociedade: nunca fora desse

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círculo. Perfilar-se-ia, de resto, uma inconstitucionalidade: por violação da propriedade

privada (artigo 62.º, n.º1 CRP) e da própria igualdade (artigo 13.º, n.º1 CRP).

Responsabilidade para com os sócios e terceiros: a responsabilidade dos

administradores para com os sócios e terceiros é remetida, como foi vista, para o regime geral

da responsabilidade aquiliana. Dispõe o artigo 79.º, n.º1 CSC:

«Os gerentes ou administradores respondem também, nos termos gerais, para com os

sócios e terceiros pelos danos que diretamente lhes causarem no exercício das suas

funções».

À primeira vista, temos uma responsabilidade por violação de direitos absolutos ou por

inobservância de normas de proteção, nos termos do artigo 483.º, n.º1 CC. Todavia, tal

responsabilidade sofre uma especial delimitação: apenas cobre os danos diretamente

causados. Pode acontecer e aos mais diversos títulos, que administradores, no exercício das

suas funções, causem danos a sócios e a terceiros. Estes terceiros englobam, designadamente:

o Estado, os trabalhadores, os fornecedores e stakeholders em geral e os próprios credores,

agora por outra via. Quando isso suceda: a sociedade é a responsável, mercê dos nexos de

imputação orgânica. O administrador, enquanto tal, não é incomodado. Num desvio à lógica

da personalidade coletiva, a Lei admite porém que os administradores sejam demandados

quanto a danos que causem diretamente. Como entender esse advérbio? A responsabilidade

é direta quando os danos resultem do facto ilícito, sem nenhuma intervenção de quaisquer

outros eventos. Em termos valorativos, isso redundará:

Ou em práticas dolosas dirigidas à consecução do prejuízo verificado;

Ou em práticas negligentes grosseiras, cujo resultado seja, inelutavelmente, a

verificação do dano em causa.

Nestas condições, compreende-se que seja difícil a verificação da hipótese prevista no artigo

79.º, n.º1 CSC. Logicamente: pois a assim não ser, de pouco valeria a própria ideia de

personalidade coletiva. Digamos que existe aqui uma hipótese de levantamento da

personalidade: ex lege. Também neste domínio, o artigo 79.º, n.º2 CSC procede a uma teia de

remissões semelhantes às acima examinadas quanto ao artigo 78.º, n.º5 CSC: remete para os

artigos 72.º, n.º2 e 6, 73.º e 64.º, n.º1 CSC. Valem as considerações então feitas, com especial

tónica no lapso que representa, também aqui, o apelo ao business judgement rule. Não se entende

como uma realidade interna, exclusiva da sociedade, possa permitir, aos administradores, vir

causar danos aos sócios ou a terceiros.

Breve síntese: o Direito positivo português vigente, designadamente através do CSC de

1986, terá sido dos que mais longe levaram a evolução assim apontada. Desde logo, nos seus

artigos 72.º e seguintes, ele sistematizou, em moldes gerais, a responsabilidade dos

administradores; ora, ainda hoje, num País como a Alemanha, essa matéria continua dispersa

por vários diplomas. E de seguida, aproveitando o essencial das experiências francesa, italiana

e alemã, o legislador português reuniu, no mesmo ordenamento, o essencial das defesas

previstas em cada um deles. Chegou-se, assim, a um esquema muito completo, fruto de toda

uma evolução europeia. Na base, pode considerar-se que os administradores são

responsáveis, para com a sociedade, por violações de deveres específicos, contratuais ou

legais (artigo 72.º, n.º1 CSC): um clara hipótese de responsabilidade obrigacional. Os

competentes deveres são suscetíveis das mais diversas qualificações. Assim:

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Os deveres contratuais podem derivar dos estatutos societários, de pactos

parassociais ou de outros contratos especificamente celebrados com os

administradores em causa; categoria complexa seria ainda a dos deveres laterais

derivados da celebração de contratos entre a sociedade e terceiros;

Os deveres legais têm a ver com os preceitos gerais inseridos no artigo 64.º CSC,

depois completado por diversas normas, ou como os múltiplos deveres específicos

dispersos pelos mais variados diplomas.

O artigo 64.º CSC, de origem complexa, carece de adequado e complexo processo de

concretização, a operar caso a caso. Temos, depois, hipóteses de responsabilidade aquiliana

perante os credores (artigo 78.º, n,º1 CSC) e os sócios e terceiros (artigo 79.º, n.º1 CSC); aí,

sob um pano de fundo de regras gerais, há especificidades de relevo, que sublinhámos e que

devem ser sempre tidas em conta. A responsabilidade dos administradores é, essencialmente,

uma imputação por incumprimentos ou por atos ilícitos culposos. De outra forma, aliás, os

administradores seriam responsabilizados pelo risco, o que não se coaduna com o sistema

geral da responsabilidade civil portuguesa. A lei estabelece um princípio de colegialidade no

conselho de administração. Resulta daí uma regra de solidariedade entre os administradores

(artigo 73.º CSC): todos respondem pelos danos, salvo os que votarem vencidos e fizerem

lavrar o competente voto, nos termos do artigo 72.º, n.º2 CSC. Esta regra, que é importante,

não deve ser absolutizada: a responsabilidade baseada na culpa é sempre uma

responsabilidade individualizada. O ato puramente individual, que nada tenha a ver com o

conselho de administração, só responsabiliza quem o pratique. Alem disso, os

administradores poderão sempre ilidir a presunção de culpa, provando que, embora não se

tenham oposto às decisões danosas, agiram, em concreto, com a diligência e o cuidado

exigíveis, o que poderá não ter sucedido com outros. O CSC, remando um pouco contra o

que parecia ser uma sistematização coerente da matéria, veio a inserir um único e extenso

artigo sobre a prescrição da responsabilidade: o artigo 174.º CSC. Aí, no fundamental, é

visada a responsabilidade dos administradores. Procurando, para além dos textos legais,

surpreender a verdade do funcionamento do sistema, cumpre ainda acrescentar o seguinte.

As sociedades, particularmente as anónimas, que funcionam como matriz de todo este

desenvolvimento, têm um porte económico que supera largamente qualquer património

singular. Havendo erros ou falhar de gestão, os danos causados poderão ser muito superiores

a qualquer hipótese de ressarcimento, pelos administradores responsabilizáveis. Além disso,

as ações judiciais são morosas. Por muito cuidado que se assuma, elas têm sempre um epílogo

incerto. Uma ação intentada contra os administradores é dispendiosa. Por norma, será pouco

remuneratória a apresenta-se arriscada. Em regra, tal ação irá implicar má publicidade para a

empresa envolvida. Aspetos menos felizes da sua gestão serão postos a nu, afugentando

investidores mobiliários e dificultando o crédito. Por tudo isto, o fiel sancionatório desloca-

se da responsabilidade civil para a destituição dos administradores. A sociedade descontente

com os seus administradores destitui-os, e designa outros. Só por exceção lhe convirá reabrir

o assunto, gastando tempo e dinheiro com ações judiciais. A tudo isto acresce, em Portugal,

o complicado sistema jurídico em vigor. Apesar desta perda de importância relativa, a

responsabilidade dos administradores mantém-se como um instituto dogmaticamente rico e

potencialmente operacional. Finalmente, pergunta-se se o dispositivo do artigo 64.º CSC

também pode ser usado no tocante à responsabilidade dos administradores perante terceiros:

sócios, credores e estranhos. Respondemos pela negativa. De facto, o administrador

relaciona-se com a sociedade. Mesmo quando, para aquilatar os deveres em jogo, haja que

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ponderar os interesses dos sócios e dos stakeholders, o sujeito ativo da relação é a sociedade.

Fora dela, teremos os clássicos remédios aquilianos. De outro modo, não haverá nenhuma

dogmática consistente.

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Capítulo VIII – A Prestação de Contas

92.º - O processo de prestação de contas

Generalidades: as sociedades traduzem meios de cooperação e de organização humanos,

funcionando em modo coletivo. Exigem-se regras que cometam a alguém a prestação de

contas e o relato da gestão, a ela associados. O CSC dedica à matéria o Capítulo VI do Título

I. Nos seus preceitos, são de aplicação tendencialmente geral, isto é, funcionam perante os

diversos tipos de sociedades comerciais. Além deles, encontramos no Código: artigos 420.º,

447.º, 448.º e 508.º-A a 508.ºF CSC. Há, ainda, que lidar com os diversos diplomas, relativos

a contas e à contabilidade, com relevo para o SNS. O Capítulo V, aqui em causa, tem alguma

lógica interna:

Ele principia pelo dever de apresentar contas, fixando alguns dos seus parâmetros

(artigos 65.º, 65.º-A, 66.º e 66.º-A CSC);

Prossegue com aspetos patológicos: não apresentação de contas ou não deliberação

sobre elas (artigo 67.º CSC), recusa de aprovação de contas (artigo 68.º CSC) e regime

de invalidade das respetivas deliberações (artigo 69.ºCSC);

Conclui com a publicidade das contas (artigo 70.º e 70.º-A CSC).

A matéria deve ser seguida sempre em conjunto com as regras próprias de cada tipo

societário e à luz das normas contabilísticas aplicáveis.

O dever de relatar a gestão e de apresentar contas: as contas surgem em

execução de um dever cometido à administração. Na verdade, são os administradores as

entidades melhor colocadas para dominar, a nível de decisão como do conhecimento, os

diversos parâmetros de que elas dependem. Nessa linha, o artigo 65.º, n.º1 CSC determina

duas obrigações fundamentais, relativamente aos membros da administração:

De elaborar as contas;

A de as submeter aos órgãos competentes da sociedade.

Em ambos os casos trata-se de obrigações de facere, na forma de especiais prestações

específicas de serviço. A estrutura da obrigação de submeter aos órgãos competentes a

aprovação das contas mostra que estamos perante a contraface do direito à informação, que

assiste aos diversos sócios. A prestação de contas em sentido amplo abrange diversos

elementos. O próprio artigo 65.º, n.º1 CSC enumera:

O relatório e gestão: é um documento que exara os parâmetros a que tenha

obedecido o funcionamento da sociedade, as dificuldades encontradas, a estratégia

seguida e o sentido dos resultados. Pode ser muito sucinto ou grandes análises de

conjuntura e de evolução do setor. O artigo 66.º CSC desenvolve o conteúdo do

relatório de gestão, desdobrando os seus diversos aspetos, em termos não muito

ordenados. Destacamos, quanto ao seu conteúdo o n.º5 do artigo 66.º CSC. Esta

seriação só faz sentido para grandes anónimas. A sua inclusão na Parte Geral do

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Código implica, todavia, uma aplicação a todas as sociedades comerciais. Em

compensação, faltam alguns elementos exigíveis para certos tipos de sociedades e que

encontraremos nos locais próprios.

As contas de exercício: devem ser exaradas em diversos documentos. Hoje, no

Direito interno, dispõe o Decreto-Lei n.º 158/2009, 13 julho, o qual, no tocante às

entidades sujeitas ao SNS, fixa as seguintes demonstrações financeiras (artigo 11.º,

n.º1):

i. Balanço;

ii. Demonstração dos resultados por naturezas;

iii. Demonstração das alterações no capital próprio;

iv. Demonstração dos fluxos de caixa pelo método direto;

v. Anexo.

Adicionalmente pode ser apresentada uma demonstração dos resultados por funções

(artigo 11.º, n.º3 CSC). Deve ainda ter-se em conta o artigo 12.º, quanto ao inventário.

O CSC ando bem ao não enumerar o teor das contas de exercício e os demais

documentos de prestação de contas. A matéria é instável, melhor ficando em leis

especiais. O artigo 66.º-A CSC veio exigir a junção de mais um elemento às contas:

o anexo. A introdução do artigo 66.º-A CSC correspondeu à preocupação de verter

no CSC a decorrência do SNC. Este, no seu artigo 11.º, n.º1 inseriu o anexo como

um dos elementos das demonstrações financeiras. O SNC refere o anexo como a

divulgação das bases de preparação e políticas contabilísticas adotadas e divulgações

exigidas pelas Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro (NCRF). O artigo 66.º-

A, n.º1 CSC veio alargar este papel do anexo. Passa, agora, a incluir também:

a. Informação sobre a natureza e o objetivo comercial das operações não

incluídas no balanço e o respetivo impacte financeiro, na medida do

necessário para avaliar a situação da sociedade;

b. Informação sobre os honorários faturados a ROCs, a SROCs e a outros

títulos.

A autonomização solene destes elementos pode contundir com segredos legítimos

da empresa: deve ceder perante regras ou princípios concretamente mais ponderosos.

O artigo 66.º-A CSC corresponde à inclusão no CSC, de regras contabilísticas,

desinseridas do local próprio.

Os demais documentos de prestação de contas, previstos na lei.

As regras legais relativas ao relatório de gestão e às regras de prestação de contas são

imperativas (artigo 65.º, n.º2 CSC): os estatutos sociais podem ampliá-las, mas não derrogá-

las. A lei exige ainda que o relatório e as contas do exercício sejam assinadas por todos os

membros da administração; a recusa de assinatura deve ser justificada no documento a que

respeita e explicada perante o órgão competente para a aprovação ainda que o interessado já

tenha cessado as suas funções (artigo 65.º, n.º3 CSC). O tema das assinaturas é retomado

pelo artigo 65.º, n.º4 CSC: o relatório e as contas são elaborados e assinados pelos

administradores devem prestar todas as informações que, para o efeito, lhes forem solicitadas.

Estas regras são importantes, mas não devem ser formalizadas. Pode suceder (a prática

permite ilustrá-lo) que, no momento da assinatura, algum administrador, que esteja

totalmente de acordo, não possa assinar: por razões de saúde ou, até funcionais, por estar no

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estrangeiro ao serviço da sociedade. Para quê levantar todo um problema, que pode ser

penalizador nas sociedades cotadas? Bastará que alguém assume a rogo, assumindo a

responsabilidade ou, mais simplesmente, que se use uma assinatura digital.

A apresentação de contas e a sua falta: o artigo 65.º, n.º5 CSC fixa dois distintos

prazos para a apresentação do relatório de gestão, das contas e de exercício e demais

documentos de prestação de contas ao órgão competente e para a apreciação, por este. Assim:

Três meses a contar da data de cada exercício anual, nos casos comuns;

Cinco meses a contar da mesma data, quando se trate de sociedades que devam

apresentar contas consolidadas ou que apliquem o método de equivalência

patrimonial.

A data concreta da apresentação de contas depende do termo do exercício social. Em

princípio, tal exercício corresponde ao ano civil. Por isso, a generalidade das sociedades faz

aprovar as suas contas no mês de março de cada ano ou, havendo consolidação de contas ou

equivalência patrimonial, no mês de maio. O artigo 9.º, n.º1, alínea i) SNC permite, todavia,

que o exercício anual seja diferente do civil, desde que a data do encerramento coincida com

o último mês do calendário e com ressalva do artigo 7.º CIRC. Intervém, nessa eventualidade,

o artigo 65.º-A CSC: o primeiro exercício das tais sociedades não pode ser inferior a 6 nem

superior a 18 meses, sempre sem prejuízo do artigo 7.º CIRC. Relativamente ao relatório de

gestão, às contas de exercício e aos demais documentos de prestação de contas, podem

ocorrer três distintos incidentes:

Podem não ser apresentados;

Podem sê-lo, mas sem obter a aprovação do órgão competente;

Podem ser rejeitados por esse mesmo órgão.

Na primeira hipótese, a Lei dá ainda dois meses de tolerância. De facto, o artigo 67.º, n.º1

CSC, na falta de apresentação de contas, permite que qualquer sócio requeira ao tribunal que

se proceda a inquérito: mas apenas quando a apresentação não ocorra nos dois meses

seguintes ao termo dos prazos fixados no artigo 65.º, n.º5 CSC. O inquérito às contas segue

a tramitação do artigo 65.º, n.2º CSC: não se trata do inquérito judicial previsto no artigo

292.º CSC, para as sociedades anónimas e desenvolvido no CC, perante a recusa de

informações e com consequências possíveis muito gravosas. Ele tem o seguinte

desenvolvimento:

É dirigido contra a sociedade;

Qualquer sócio pode fazê-lo, desacompanhado dos restantes e independentemente

do capital detido; o próprio sócio-gerente impedido de tomar posse do cargo pode

usar esse meio;

O requerente tem o ónus de invocar e de provar os seus pressupostos;

O juiz ouve os administradores;

Considerando procedentes as razões por estes invocadas, fixa um prazo adequado

para a apresentação das contas em falta;

Quando não as considere procedentes, nomeia um administrador para, no prazo

fixado, elaborar as contas em falta e submete-las ao órgão competente: pode, para o

efeito, convocar a assembleia geral (artigo 67.º, n.º2 CSC);

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Caso o órgão competente não aprove as contas, pode o administrador nomeado nos

autos de inquérito, submeter a divergência ao juiz, para decisão (artigo 67.º, n.º3 CSC).

O inquérito às contas, seguindo a tramitação do artigo 67.º, n.º2 e 3 CSC é, perante o CSC,

a única forma de reagir à não apresentação das mesmas. Ele não pode ser usado perante a

não aprovação das contas pelo órgão competente. Nessa eventualidade, terá aplicação o

artigo 68.º CSC. Tão pouco é possível recorrer à ação de prestação de contas, prevista no

CPC.

Falta de aprovação e recusa de aprovação: pode haver apresentação de contas e,

todavia, estas não serem aprovadas (ou rejeitadas), sem culpa dos administradores (artigo

67.º, n.º4 CSC). Sem culpa quererá, aqui, dizer que não houve inobservância de deveres a seu

cargo ou que, tendo-a havido, eles hajam logrado ilidir a presunção de culpa derivada do

artigo 799.º CC. Designadamente, verifica-se que os administradores:

Elaboraram as contas;

Apresentaram-nas ao órgão de fiscalização, quando seja o caso;

Convocaram ou pediram a convocação do órgão competente para a sua aprovação

(a assembleia geral);

Divulgaram as contas, nos termos previstos na lei e nos estatutos;

Compareceram na assembleia e prestaram, aí, os esclarecimentos que lhes cabia.

Não obstante, ou a assembleia não reuniu por razões a ela alheias ou, tendo reunido, não

deliberou. Em tal eventualidade, decorrido o prazo do artigo 67.º, n.º1 CSC (isto é: o prazo-

limite para a apreciação das contas, acrescido de dois meses de tolerância), pode qualquer

dos administradores ou algum dos sócios requerer, ao tribunal, a convocação da assembleia

geral, para o efeito de apreciar as contas, aprovando-as ou rejeitando-as (artigo 67.º, n.º4

CSC). Quando rejeite, haverá que aplicar, por analogia, o artigo 68.º CSC. Pode acontecer

que a assembleia judicialmente convocada para o efeito não as aprove nem as rejeite. Nessa

altura, qualquer interessado pode requerer ao juiz a nomeação de um ROC independente. O

mesmo juiz, em face do relatório do ROC, do que conste dos autos e das demais diligências

que ordene, aprovará ou rejeitará as contas (artigo 67.º, n.º5 CSC). A última hipótese é a de,

tendo as contas ido à assembleia, esta as rejeitar (artigo 68.º CSC). Nessa altura, essa mesma

assembleia deve deliberar motivadamente:

Que se proceda à elaboração total de novas contas;

Ou que se efetue a reforma, em pontos concretos, das contas apresentadas.

Se não adotar nenhuma destas posturas, segue-se o artigo 67.º, n.º4 e 5 CSC, convocação

judicial, nomeação de ROC e aprovação ou rejeição judicial. Quando a assembleia mande

elaborar novas contas ou reformar as apresentadas, podem os administradores, nos oito dias

seguintes à data da deliberação, requerer inquérito judicial: a menos que a reforma deliberada

implique juízos para os quais a lei não imponha critérios (artigo 68.º, n.º2 CSC). Desta feita,

o inquérito em causa será o do CPC. Parece claro que a Lei toma uma opção de favor contabilis:

entende ser do interesse social a presença de contas aprovadas, ainda que em detrimento da

sua qualidade.

Regime especial de invalidade das deliberações: o artigo 69.º CSC prevê um

regime especial de invalidade das deliberações sociais que aprovem as contas, com violação

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dos preceitos legais relativos à elaboração do relatório de gestão, das contas de exercício e

dos demais documentos de prestação de contas. No essencial, o regime especial daí resultante

tem as particularidades seguintes:

A violação de regras de elaboração de contas, necessariamente perpetrada pelos

administradores, contamina as deliberações sociais que as aprovem;

Tais deliberações deveriam ser nulas, nos termos da segunda parte do artigo 56.º, n.º1,

alínea d) CSC, todavia, apenas é cominada a anulabilidade.

De novo a favor contabilis: a Lei pretende que haja contas, aprovadas e estabilizadas. Admitir

a nulidade equivaleria a prolongar um processo que se pretende célere: toda a atividade

subsequente da sociedade implica contas aprovadas. O artigo 69.º, n.º2 CSC considera

igualmente anuláveis as contas irregulares em si mesmas: a expressão que Ana Maria

Rodrigues aproxima da ideia de contas não apropriadas, na linguagem contabilística, por não

serem adequadas ou eficientes. Mesmo então opera o favor contabilis: nos caso de pouca

gravidade, o juiz decreta a anulação se as contas não forem reformadas, no prazo que fixar

(artigo 69.º, n.º2, 2.ª parte CSC). O favor cessa nos casos do artigo 69.º, n.º3 CSC. Há nulidade

quando se assista à violação de preceitos legais relativos à constituição, ao reforço ou à

utilização de reserva legal ou de preceitos que visem, exclusiva ou principalmente, a proteção

dos credores ou do interesse público. Todas as normas de prestação de contas visam o

interesse público. O preceito deve ser interpretado em termos restritos, sob pena de inutilizar

o n.º1 do artigo 69.º CSC. Pergunta-se qual o regime aplicável quando o vício consista na

falta de certificação legal as contas ou do parecer do órgão de fiscalização, quando legalmente

previstos. Prever a nulidade por se tratar de elementos de interesse público parece-nos

excessivo: a falta pode ser formal ou menos relevante, sempre que, de facto, as contas estejam

bem elaboradas. O regime adequado será, por analogia, o do artigo 69.º, n.º2 CSC:

anulabilidade, com possibilidade de o juiz fixar um prazo razoável para que se mostrem

aditados os elementos em falta.

Publicidade: o artigo 70.º CSC prevê que a informação respeitante às contas do exercício

e aos demais elementos de prestação de contas, devidamente aprovadas, seja sujeita a registo

comercial (n.º1; artigo 42.º, n.º1 CRCom). O artigo 70.º, n.º2 CSC prevê, a disponibilização,

via Internet, quando aí tenham sítio, dos diversos elementos relativos à prestação de contas.

Trata-se, efetivamente, da via mais indicada. O artigo 70.º-A CSC regula a publicidade

relativo às contas das sociedades em nome coletivo e das comanditas simples.

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VOLUME

II

Das Sociedades

Comerciais em Especial

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Parte I – Sociedades em nome coletivo

Capítulo I – Tipo geral e evolução das sociedades em

nome coletivo

11.º - Tipo geral, natureza e função

As sociedades em nome coletivo no Código: as sociedades em nome coletivo são

objeto do Título II do Código das Sociedades Comerciais: o primeiro depois da denominada

parte geral. Elas ocupam 23 artigos – artigos 175.º a 196.º CSC – ordenados por quatro títulos.

A leitura do respetivo articulado, por confronto com a parte geral, permite identificar três

áreas de regulação. Temos, com efeito:

Preceitos específicos das sociedades em nome coletivo, com exemplos nos artigos

175.º, n.º1 e 177.º CSC, referentes às suas características e à firma;

Preceitos de ordem geral, ora repetidos, ora retomados com eventuais adaptações

linguísticas: assim sucede, entre outros, com o artigo 176.º CSC, que reproduz o que

já adviria do artigo 9.º CSC, ambos sobre o conteúdo do contrato de sociedade;

Preceitos de ordem geral, mas que o Título I do Código não consagrou: veja-se, nesse

sentido, o artigo 192.º CSC, relativo à competência dos gerentes.

Registe-se que a extensão regulativa dispensada pelo Código das Sociedades Comerciais às

sociedades em nome coletivo fica muito aquém das da sociedade por quotas e da sociedade

anónima. Será de esperar uma grande aderência à parte geral do Código.

Responsabilidade por dívidas; insuficiência: o legislador de 1986 optou por

caracterizar a sociedade em nome coletivo através do regime da responsabilidade pelas suas

dívidas. Segundo o artigo 175.º, n.º1 CSC e nessas sociedades, o sócio responde:

Individualmente pela sua entrada;

Subsidiariamente, pelas obrigações sociais;

E isso solidariamente com os demais sócios.

De facto, os sócios respondem, sempre, pela sua entrada: trata-se da regra presente nos

artigos 20.º, alínea a) e 27.º CSC e retomada nos artigos 197.º, n.º1 CSC, quanto a sociedades

por quotas e artigo 271.º CSC, quanto às anónimas. Mas a responsabilidade pelas obrigações

sociais, mesmo subsidiária, não surge nem nas sociedades por quotas, nem nas anónimas:

ambas são sociedades de responsabilidade limitada, ao contrário do que ocorre nas

sociedades em nome coletivo. Quanto à solidariedade: ela está presente, de facto, nas

sociedades por quotas, mas apenas no tocante à obrigação de entrada. O regime da

responsabilidade das sociedades em nome coletivo aproxima-se, assim, do das sociedades

civis puras. Nestas, o artigo 997.º, n.º1 CC, estabelece uma regra de responsabilidade pessoal

dos sócios pelas dívidas sociais, responsabilidade essa que opera solidariamente entre todos

eles. Como, porém, o sócio demandado para pagamento dos débitos da sociedade pode exigir

a prévia excussão do património social (artigo 997.º, n.º2 CC), queda concluir que também

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aqui há subsidiariedade económica. Em termos jurídicos, porém, ocorrem diferenças: nas

sociedades civis puras, é possível demandar o sócio; este, se quiser, invocará o beneficium

excussionis. No Direito italiano, perante um texto muito semelhante ao do novo artigo 175.º,

n.º1 CSC, alguma doutrina sublinha a insuficiência do elemento responsabilidade dos sócios para

definir a sociedade em nome coletivo. Explicaram Ferrara e Corsi que essa fórmula, para

além de não permitir uma distinção perante as sociedades simples – i.e.: civis puras – apenas

nos dá uma consequência do concreto tipo em jogo, numa observação retida por outros

estudiosos. A presença de uma sociedade em nome coletivo adviria, assim, de três fatores:

Da presença dos elementos constitutivos da própria noção de sociedade (artigo 980.º

CC);

Da natureza comercial da atividade desenvolvida;

Da ausência de uma vontade das partes tendente a reconduzir a figura a qualquer outro

tipo de sociedade.

Todavia, também por aqui não avançamos. Os elementos gerais da sociedade encontram-se

nos diversos tipos, não permitindo abrir distinções. A natureza comercial da atividade vai

demasiado longe: pode haver sociedades civis sob a forma de sociedade em nome coletivo

(artigo 1.º, n.º4 CSC). Quanto à não-recondução do ente em causa a qualquer outro tipo

societário: ela deixa em aberto as hipóteses de sociedades civis puras, de sociedades

irregulares e de associações não personalizadas. A objeção lógica de que o regime de

responsabilidade por dividas pressupõe a prévia determinação da natureza da sociedade

parece inultrapassável. Mas também os critérios materiais alternativos se mostram

insuficientes. Na verdade, as sociedades em nome coletivo – como as restantes

demonstrações de personalidade coletiva – apenas tendencialmente visam dar corpo a

valorações substanciais específicas. No plano prático do Direito, elas obedecem, antes de

mais, a critérios objetivos e formais.

A firma; outros elementos: a sociedade em nome coletivo tem, necessariamente, uma

firma (artigo 9.º, n.º1, alínea c) CSC). A firma consta do contrato, a celebrar por escrito com

assinaturas presencialmente reconhecidas ou por escritura pública (artigo 7.º, n.º1 CSC). O

reconhecimento ou a escritura, por seu turno, não poderão ter lugar sem, neles, se dar conta

do certificado de admissibilidade da firma (artigo 54.º, n.º1 RNPC). O contrato de sociedade

está sujeito a registo comercial (artigo 3.º, alínea a) CRCom) registo esse que é exigido para

a plena constituição do novo ente coletivo (artigo 5.º CSC). Em suma: por diversas e

confluentes razões, não é compaginável a existência de uma sociedade comercial não dotada

de uma competente firma. Essa firma passará por três distintas autoridades públicas, todas

com poderes de fiscalização e sujeitas ao princípio da legalidade: o RNPC, o notário e o

conservador do registo comercial. As sociedades em nome coletivo têm uma firma

característica. Segundo o artigo 177.º CSC, ela deve:

Ou individualizar todos os sócios, subentendendo-se que através dos nomes respetivos,

completos ou abreviados;

Ou conter, pelo menos, o nome ou firma de um deles com o aditamento, abreviado

ou por extenso, «e Companhia» ou qualquer outro que indique a presença de mais sócios.

Pela negativa, a firma das sociedades em nome coletivo é claramente identificável pela

ausência de qualquer partícula que indique a limitação da responsabilidade. As sociedades em

nome coletivo dispõem – ou podem dispor – de outros elementos específicos: impossíveis,

juridicamente, de encontrar nos restantes tipos societários. Assim sucede com o sócio de

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indústria. Nos termos do artigo 20.º, alínea a) CSC, todo o sócio é obrigado a entrar para a

sociedade com bens suscetíveis de penhora ou, nos tipos de sociedade em que tal seja

permitido, com indústria. Justamente: os sócios de indústria só são permitidos nas sociedades

em nome coletivo (artigo 178.º CSC) e, ainda e quanto aos sócios comanditados, nas

sociedades em comandita (artigo 468.º CSC a contrario). Quer isto dizer: na presença de um

sócio de indústria e na falta de comandita, estaremos com segurança perante uma sociedade

em nome coletivo. Já a mera ausência desse elemento nada permitirá concluir. As sociedades

em nome coletivo são, basicamente, sociedades comerciais, facilmente reconhecíveis pela sua

firma. Na hipótese – académica – de nos enfrentarmos com uma sociedade cuja firma não

esteja clara ou não seja conhecida, poderemos recorrer a aspetos subsequentes, próprios do

seu regime: a responsabilidade ilimitada dos sócios pelas dívidas sociais, a presença de um

sócio de indústria ou, ainda, algum dos outros aspetos específicos.

Natureza e função: perante o Direito português, as sociedades em nome coletivo são

verdadeiras sociedades comerciais, dotadas de personalidade jurídica, nos termos do artigo

5.º CSC. Trata-se, porém, de sociedades muito simples. Na pureza dos princípios e das

tradições, a sociedade em nome coletivo daria corpo a uma organização imediata de

comerciantes para, em conjunto, exercerem uma prática comercial. A atuação comum giraria,

unificada, em torno de um nome: tendencialmente, o da família. Falar-se, igualmente, num

comerciante com os seus ajudantes. Ainda, na mesma logica, surgiria a responsabilidade

ilimitada e solidária dos sócios. A sociedade em nome coletivo corresponderia, deste modo,

a uma cobertura jurídica adequada para pequenas empresas de tipo familiar, exprimindo a

forma básica do exercício, em conjunto, do comércio. Particularmente importantes, no

século XIX, elas permitiram emprestar, às sociedades em geral, uma caução de seriedade,

mercê, justamente, da responsabilidade ilimitada e solidária dos seus sócios. Tiveram, deste

modo, uma importância decisiva na viragem do mundo comercial para as sociedades e, mais

genericamente, para os operadores coletivos. A função inicial das sociedades em nome

coletivo veio a perder-se. Nesse sentido, jogaram duas ordens de motivos:

Os operadores viraram-se, por várias razões, para as sociedades de responsabilidade

limitada, particularmente para as sociedades por quotas;

As leis – principalmente a nossa – vieram a contagiar os regimes das sociedades em

nome coletivo com elementos próprios das sociedades de capitais, tornando

desnecessariamente complexo o seu manuseio.

Ainda em sede de introdução, as sociedades em nome coletivo apresentam-se bastante

próximas das sociedades civis sob forma civil. Aliás, para além de remissões diretas do

Código das Sociedades Comerciais para o Código Civil, encontraremos múltiplos aspetos

regulativos que foram influenciados por este. Todas elas são sociedades de pessoas. Entre

nós, na falta de remissões expressas, as sociedades em nome coletivo mantêm uma feição

comercial própria. Apenas pelo crivo do artigo 2.º CSC se pode chegar ao Código Civil.

Capítulo II – O contrato de sociedade em nome

coletivo

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14.º - Celebração e conteúdo

As partes: a celebração do contrato em nome coletivo pode, grosso modo, ser remetida

para o regime geral da celebração dos contratos comerciais de sociedade. Anotemos algumas

especificidades. O contrato pode ser concluído por quaisquer pessoas dotadas de capacidade

de exercício. Todavia, está difundida a ideia de que a sociedade em nome coletivo, pela

ilimitação da responsabilidade que envolve, seria perigosa. Resquício dessa ideia é o

dispositivo do artigo 8.º, n.º1 CSC. Com tal fórmula impede-se a formação de uma sociedade

familiar em nome coletivo: precisamente a hipótese em que ela teria mais interesse. Tudo isto

corresponde a resquícios históricos ligados à discriminação da mulher casada e ao

abaixamento social do exercício do comércio: pontos a rever e a corrigir, em definitivo. Ainda

na mesma linha perigosidade das sociedades em nome coletivo, não podem os menores,

representados pelos pais, entrar numa sociedade em nome coletivo ou em comandita simples

ou por ações, sem autorização do tribunal (artigo 1889.º, n.º1, alínea d) CC). Compreende-

se a preocupação, útil nos casos em que o menor rico fosse introduzido, como sócio, numa

sociedade em nome coletivo, para lhe dar mais crédito ou, no limite, para lhe suportar as

dívidas. Lembremos, todavia, que o grande interesse das sociedades em nome coletivo era

de ordem familiar: desaparecerá se implicar um acréscimo de burocracia, de perda de tempo

e de desperdício de dinheiro. Sempre sob o signo do risco empresarial representado pela

responsabilidade ilimitada, o artigo 11.º, n.º5 CSC veio proteger as próprias sociedades

comerciais de, como sócias, ingressarem em sociedades em nome coletivo. Normalmente, os

estatutos societários conferem esta possibilidade muito raramente exercida. Todos estes

preceitos diversos deveriam ter sido devidamente codificados, na sede própria: o Código das

Sociedades Comerciais. Às sociedades em nome coletivo não se aplicam as possibilidades,

existentes para as sociedades por quotas (artigo 270.º-A e 270.º-G CSC) e para as sociedades

anónimas (artigo 488.º, n.º1 CSC), de constituição puramente unilateral. São, pois, exigidas

pelo menos duas partes (artigo 7.º, n.º2 CSC): descontando as sociedades em comandita, pela

natureza das coisas, as sociedades em nome coletivo acabam, assim, por ser as únicas que

sofrem o processo rígido da não unipessoalidade.

A forma e registo: o contrato de sociedade em nome coletivo está sujeito a forma escrita,

devendo as assinaturas dos seus subscritores ser reconhecidas presencialmente, salvo se

forma mais solene for exigida para a transmissão dos bens com que os sócios entrem para a

sociedade (artigo 7.º, n.º1 CSC) e a registo (artigo 5.º CSC, bem como o artigo 3.º, alínea a)

CRCom). A inobservância de forma pode ser minorada pelo regime especial das sociedades

irregulares, a que abaixo se fará referência. Mantemos a tónica geral de crítica ao sistema

vigente: as sociedades em nome coletivo deveriam constituir um esquema societário

aligeirado, de funcionamento instantâneo, para servir o pequeno comércio altamente

personalizado: uma situação parcialmente resolvida pela reforma de 2006. Paradoxo: o

Decreto-Lei n.º111/2005, 8 julho, procurando reagir às queixas contínuas do esmagamento

burocrático das empresas, veio criar:

«…a empresa na hora, através de um regime especial de constituição imediata de sociedades».

Esse regime só se aplica, porém, a sociedades por quotas e a sociedades anónimas (artigo 1.º

CSC). Ficam de fora as sociedades em nome coletivo: aquelas que mais facilidades exigiriam.

A razão de ser desta exclusão tem a ver com o problema da firma. A empresa na hora exige

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que os interessados escolham uma firma de fantasia previamente criada e reservada a favor

do Estado (artigo 3.º, alínea a) CSC). Ora, tais firmas não são possíveis em relação a

sociedades em nome coletivo.

O conteúdo: o conteúdo do contrato de sociedade vem, em geral, previsto no artigo 9.º,

n.º1 CSC. Tratando-se de sociedades em nome coletivo, há que lidar com o artigo 176.º CSC:

«1. No contrato de sociedade em nome coletivo devem especialmente figurar:

«a) A espécie e a caracterização da entrada de cada sócio, em indústria ou bens, assim como

o valor atribuído aos bens;

«b) O valor atribuído à indústria com que os sócios contribuam, para o efeito de repartição

de lucros e perdas;

«c)A parte de capital correspondente à entrada com bens de cada sócio».

O legislador nacional é particularmente prolixo, nestes domínios. O contrato de sociedade

deveria, simplesmente, conter os elementos voluntários essenciais: tudo o resto advém da lei.

Perante o Direito nacional, nota-se de imediato que as alíneas a) – espécie e a caracterização

da entrada de cada sócio – e a c) – pare do capital correspondente à entrada com bens de

cada sócio – são inúteis: elas logo resultariam das alíneas g) e h) do artigo 9.º CSC. Salva-se

o artigo 176.º, alínea b) CSC, relativo ao sócio de indústria, que melhor teria ficado no artigo

178.º CSC. Trata-se de matéria – aí sim – específica e à qual não deixaremos de dar a devida

atenção. Perante o Direito português, não subsiste qualquer dúvida de que a constituição de

uma sociedade em nome coletivo é puramente formal: pode, no momento da sua formação,

não corresponder a qualquer empreendimento real.

A firma: a firma das sociedades em nome coletivo apresenta uma especial configuração: é

o elemento formalmente caracterizador deste tipo societário. Segundo o artigo 177.º, n.º1

CSC:

«A firma da sociedade em nome coletivo deve, quando não individualizar todos os sócios, conter,

pelo menos, o nome ou firma de um deles, com o aditamento, abreviado ou por extenso, “e

Companhia” ou qualquer outro que indique a existência de outros sócios».

Como vimos, este preceito remonta à tradição de Ferreira Borges: a sociedade com firma –

ou com nome – contrapõe-se às sociedades sem firma ou anónimas. E a firma seria,

necessariamente, o nome dos sócios ou, pelo menos, o de um deles, com a indicação “&

Companhia”. Os interessados devem obter, num momento prévio, um certificado de

admissibilidade da firma, junto do RNPC e isso apesar de apenas estarem em causa os seus

próprios nomes. Ainda à luz do RNPC, parece-nos que a locução “e Companhia”, mau grado

a flexibilidade do final do preceito, não pode ser substituída por “e associados”: ou estaremos

perante uma sociedade civil sob forma civil – artigo 42.º, n.º1 RNPC. Recordemos ainda que

sem o certificado de admissibilidade, não é possível a realização do reconhecimento presencia

ou da competente escritura – artigo 54.º, n.º1 RNPC – e, logo: a própria constituição da

sociedade.

Responsabilidade por aparência na firma: o artigo 177.º, n.º2 CSC consagra uma

regra tradicional, já presente no Código Veiga Beirão:

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«Se alguém que não for sócio da sociedade incluir o seu nome ou firma na firma social, ficará

sujeito à responsabilidade imposta aos sócios no artigo 175.º».

O preceito responsabiliza – ainda que objetivamente – a pessoa que, por si e como

consequência e ação sua, tenha incluído, não sendo sócia, o seu nome na firma de uma

sociedade em nome coletivo. O dispositivo não se aplica se, abusivamente, alguém incluir o

nome de um terceiro, que de nada sabia, na firma de uma sociedade em nome coletivo.

Caberiam, então, os diversos remédios relativos à tutela do nome. Passando à previsão,

cumpre distinguir:

O terceiro logrou construir uma firma na qual o seu nome se incluiu;

O terceiro teve artes de, num ou mais atos praticados pela sociedade em nome coletivo,

fazer inserir o seu nome.

É à primeira hipótese que se aplica o transcrito artigo 177.º, n.º2 CSC: apenas nas condições

que ela retrata se poderá dizer que o seu nome está incluído na firma social. Trata-se de uma

hipótese que nos vem de Ferreira Borges e que, então, seria concebível. Hoje não o é.

Semelhante inclusão na firma teria de passar pelos crivos (apertado!!) do RNPC, do notário

ou da entidade responsável pelo reconhecimento presencial das assinaturas e do conservador

do registo comercial. Perante a realidade, o artigo 177.º, n.º2 CSC surge como uma relíquia

dos tempos em que ainda imperava o informalismo: a firma tinha, então, um papel quase

constitutivo. Na segunda hipótese – num ou mais atos da sociedade foi incluído o nome de

um terceiro, por iniciativa ou tolerância deste – já não podemos falar em verdadeira inclusão

na firma. Poderá, então, verificar-se uma sociedade aparente, a qual seguirá o regime do artigo

36.º, n.º1 CSC. O terceiro, ao criar a falsa aparência de uma sociedade que o inclua, vai

responder solidariamente pelas dívidas do ente aparente. Diferenças em relação à primeira

hipótese: a responsabilidade é direta e não, apenas, subsidiária. Aquando da inserção, n

Código, do dispositivo sobre sociedades em nome coletivo não se atentou nem na evolução

dos tempos, nem no dispositivo da parte geral.

15.º - Sociedades em nome coletivo irregulares

Aspetos gerais e modalidades: na tradição portuguesa, lamentavelmente abandonada

pelo Código das Sociedades Comerciais, mas que podemos manter viva, com vantagens e

por via doutrinária, a sociedade irregular é aquela que, por incompletude no seu processo

formativo ou por vício intrínseco no seu contrato, não produza todos os efeitos que, por lei

e pela natureza, ela deveria produzir. Mais precisamente, ficam abrangidas:

As sociedades postas a funcionar independentemente de as partes envolvidas terem

formalizado um contrato de sociedade;

As sociedades formalizadas por escritura pública mas não registadas;

As sociedades formalizadas, mas cujo contrato seja inválido;, ainda aqui, poderá faltar

ou não o registo.

O Código das Sociedades Comerciais veio regular esta matéria nos artigos 36.º a 52.º,

incluídos numa secção intitulada (aliás, erroneamente) Regime das sociedades antes do registo.

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Invalidade do Contrato. Grosso modo, o esquema previsto, sempre aplicável às sociedades em

nome coletivo, é o seguinte:

Há uma sociedade puramente aparente, sem haver qualquer contrato: todos os

intervenientes respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações (artigo 36.º, n.º1

CSC);

Há uma sociedade acordada, mas sem ainda haver contrato definitivo: às relações entre

os sócios e com terceiros aplica-se o regime das sociedades civis (artigo 36.º, n.º2 CSC).

Até aqui, o regime é geral para todas as sociedades. A partir do momento em que já haja

contrato, cabe aplicar as regras diferenciadas. Interessam-nos, de agora em diante, as soluções

especificamente dirigidas às sociedades em nome coletivo irregulares.

A sociedade em nome coletivo não registada: a sociedade em nome coletivo,

depois de concluído o contrato mas antes do registo, rege-se, no tocante às relações entre os

sócios, pelo contrato (artigo 37.º, n.º1 CSC). A solução é justa e adequada: tendo concluído

um contrato e iniciado, na sua base, uma atividade económica, nada mais há a fazer do que

honrar a palavra dada. Além disso, haverá que aplicar as regras correspondentes ao tipo

societário em causa. Quanto a sociedades em nome coletivo, aplicaremos às relações entre

os sócios, respetivamente:

As normas específicas imperativas;

As normas gerais imperativas;

As cláusulas contratuais;

As normas específicas supletivas;

As normas gerais supletivas.

Apenas deparamos com a particularidade do artigo 37.º, n.º2 CSC: a transmissão, por ato

entre vivos, das participações sociais e as modificações do contrato requererão unanimidade.

Trata-se, porém, de uma regra que, salvo o que abaixo se dirá, já resultava dos artigos 182.º,

n.º1 e 194.º, n.º1 e 2 CSC. No tocante a relações com terceiros, temos um preceito específico

para as sociedades em nome coletivo não registadas: o artigo 38.º CSC: Pelos negócios realizados em nome das sociedades, com o acordo expresso ou tácito

dos sócios – o qual se presume – respondem todos eles, solidária ou ilimitadamente;

Se os negócios não tiverem sido autorizados por todos, respondem pessoal e

solidariamente apenas os que os realizarem ou autorizarem (artigo 38.º, n.º2 CSC);

As cláusulas limitativas da responsabilidade não são oponíveis a terceiros, salvo se se

provar que estes as conheciam (artigo 38.º, n.º3 CSC).

O sócio demandado ao abrigo do artigo 38.º, n.º1 CSC pode, em defesa, invocar o beneficium

excussionis previsto no artigo 997.º, n.º2 CC? Isso permitir-lhe-ia só responder se os bens

afetos à sociedade (o seu património) fossem insuficientes. O teor literal da lei parece inculcar

a negativa. Mas o elemento sistemático da interpretação aponta para a saída inversa. Com

efeito:

Não havendo (sequer) escritura, aplica-se o regime das sociedades civis e, logo, o

beneficium em jogo (artigo 36.º, n.º2 CSC);

Depois da escritura, não se entende como (e para quê) um regime mais severo.

Não faz sentido causticar as já massacradas sociedades em nome coletivo com mais este

regime desfavorável: agora em relação às sociedades civis puras e às sociedades irregulares

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pela falha (magna) do contrato. O beneficium excussionis terá de manter-se, por aplicação do

artigo 997.º, n.º2 CC.

A sociedade em nome coletivo inválida: o artigo 43.º, n.º 1 CSC prevê que as

sociedades em nome coletivo possam ser inválidas por duas distintas ordens de razões,

depois de dotadas de regimes diferenciados:

Vícios no título constitutivo;

Causas gerais de invalidade dos negócios, segundo a lei civil.

São vícios do título constitutivo (artigo 43.º, n.º2 CSC que remete para o artigo 42.º, n.º1

CSC e acrescenta ainda alguns):

A falta de, pelo menos, dois sócios fundadores;

A falta de menção da firma, da sede, do objeto ou do capital da sociedade, bem como

do valor da entrada de algum sócio ou de prestações realizadas por conta deste;

Menção de um objeto ilícito ou contrário à ordem pública;

Falta de escritura pública;

Falta de nome ou firma de alguns dos sócios de responsabilidade ilimitada.

Quanto à falta de indicação do capital, entenda-se que ela releva apenas quando a sociedade

em nome coletivo o deva ter: isso não sucede, como vimos, quando ela só tenha sócios de

indústria (artigo 9.º, n.º1, alínea f) CSC). Também não é vício a hipótese da alínea d) do artigo

42.º, nº.1 CSC: não há, aqui, regras sobre a liberação do capital. A presença de invalidade por

vícios no título constitutivo tem a particularidade de ser sanável por deliberação dos sócios,

tomada nos termos estatutários previstos para a alteração do contrato: mas desde que o vício

resulte de falta ou nulidade da indicação da firma, da sede, do objeto e do capital da sociedade,

bem como do valor da entrada de algum sócio e das prestações realizadas por conta desta. A

ação de nulidade corre segundo o regime específico do artigo 44.º CSC. Tratando-se de

causas gerais de invalidade dos negócios, segundo a lei civil, lida-se com o artigo 46.º CSC.

Este específica, na epígrafe, vícios da vontade e incapacidade e, no seu corpo, o erro, o dolo,

a coação, a usura e a incapacidade. A essa lista haverá que acrescentar a falta de consciência

da declaração e, com as devidas adaptações, a simulação. Isto posto: o artigo 46.º CSC

determina a anulabilidade do contrato em relação ao incapaz ou à pessoa que tenha sofrido

o vício da vontade ou a recusa. Embora a lei não o diga, ficam em causa quer o erro na

declaração, quer o erro na formação da vontade. Pena foi que o projeto final do Código não

tivesse sido revisto, também, por um civilista. Todavia, sempre segundo o n.º4 do artigo 46.º

CSC em causa, o negócio poderá ser anulado quanto a todos os sócios, se não for possível,

nos termos do artigo 292.º CC, a sua redução às participações dos outros (artigo 46.º, in fine

CSC). O processamento e as consequências da anulação – apresentadas como já afirmamos

noutra obra, em termos caleidoscópicos pelo legislador de 1986 –, obedecem a regras gerais

para os diversos tipos societários.

16.º - O capital, as entradas e os sócios de indústria

O capital: o artigo 9.º, n.º1, alínea f) CSC determina que do contrato de sociedade deva

constar o capital social,

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«salvo nas sociedades em nome coletivo, em que todos os sócios contribuam com a sua indústria».

O capital da sociedade equivale ao conjunto das entradas dos vários sócios, realizadas ou por

realizar. Essa noção básica tem uma projeção contabilística: será a cifra ideal que representam

as entradas estatutárias, surgindo como tal, nos diversos instrumentos de prestação de contas.

Nada disso se confunde com o património real das sociedades. O capital surge como

elemento relevante justamente nas chamadas sociedades de capitais: sociedades por quotas e

sociedades anónimas. Nas sociedades de pessoas, o conceito apaga-se, de tal modo que:

Ele não ocorre nas sociedades civis sob forma civil, perante o silêncio do artigo 980.º

CC;

Ele não ocorre, necessariamente, nas sociedades em nome coletivo; faltará nas

sociedades que apenas agrupem sócios de indústria.

Poderíamos, assim, distinguir sociedades em nome coletivo com capital social e sem ele. Em

termos de política legislativa, teria sido possível dispensar as sociedades em nome coletivo

de qualquer capital social não faz, aí, grande sentido. Poderíamos fazer dele uma noção

abstrata englobando o conjunto dos valores das entradas, incluindo as entradas em indústria,

para efeitos de repartição de lucros e perdas (artigo 176.º, n.º1, alínea b) CSC): mas nessa

altura, todas as sociedades teriam capital social. A referência ao capital social das sociedades

em nome coletivo é brumosa e não tem expressão, já que não se lhes impõe qualquer capital

mínimo. Ele apenas conduz a que se apliquem, no seu âmbito, diversas e complexas leis de

tutela do capital, ao arrepio do que deveria ser uma verdadeira e própria sociedade de pessoas.

Nas sociedades por quotas, o capital mínimo é de 5000 euros, enquanto, nas anónimas, essa

cifra ascende a 50000 euros: artigos 201.º e 276.º, n.º2 CSC, respetivamente.

Entradas em dinheiro e em espécie: a obrigação de entrada é um traço específico e

característico das sociedades (artigo 20.º, alínea a) CSC). A natureza da entrada de cada sócio

deve constar do contrato social (artigo 9.º, n.º1, alínea g) CSC). A entrada consiste em

realidades patrimoniais ou com alcance patrimonial, numa conjunção especialmente

documentada nas sociedades em nome coletivo. Aí encontramos:

Entradas em dinheiro;

Entradas em espécie;

Entradas em indústria.

De acordo com a visão tradicional, a sociedade em nome coletivo caracterizar-se-ia por

postular a prossecução conjunta de um empreendimento comercial. As entradas teriam a ver

com o contributo para tal empreendimento, o qual poderia ser essencialmente variável.

Todavia, a codificação da matéria veio aproximar, em diversos pontos, as sociedades em

nome coletivo das sociedades de capitais. Entre eles está a matéria atinente às entradas – ou

a certas entradas. A entrada em dinheiro postula uma obrigação pecuniária do sócio. Nos

termos gerais do artigo 25.º, n.º1 CSC, o seu montante não pode ficar aquém do valor

nominal da entrada que ele venha a realizar: abaixo do par. O inverso seria possível: teríamos

um prémio de subscrição, que nada impede neste tipo de sociedade. A lei não regula nem o

momento do cumprimento da obrigação de entrada, nem a forma desse cumprimento:

apenas dispomos de regras para as sociedades por quotas e para as anónimas. Concluímos

pela aplicação:

Ou das regras que porventura o contrato insira;

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Ou das regras supletivas do Direito Civil: a todo o tempo pode o sócio apresentar-se

a realizar a entrada ou pode a sociedade exigir-lha, sob pena de mora.

Consequentemente, não há base para a aplicação do artigo 543.º CSC: este apenas funciona

perante as sociedades de capitais. Nas entradas em espécie lidamos com a transferência, para

a sociedade, de direitos patrimoniais suscetíveis de penhora e que não sejam dinheiro. O

Direito Comunitário preocupou-se muito com as entradas em espécie: ao passo que as

entradas em dinheiro são facilmente confrontáveis, através do seu valor nominal, as entradas

em espécie têm um valor objetivo discutível. Os particulares interessados podem ser levados

a empolá-lo, em detrimento dos credores. Da transposição do Direito Comunitário (2.ª

Diretriz de Direito das Sociedades) resulta o artigo 28.º CSC: preceito que, havendo entradas

em espécies, impõe a preparação de um relatório elaborado por um ROC, devidamente

distanciado da sociedade em jogo e que avalia, objetiva e explicadamente, os bens em jogo

(artigo 28.º, n.º3, alínea d) CSC). Ao relatório é dada, para a proteção de terceiros, uma

especial publicidade (artigo 28.º, n.º4 e 5 CSC). A 2.ª Diretriz dirige-se a sociedades anónimas.

O legislador nacional, fiel à sua militância pró-Bruxelas, transferiu essa matéria para a parte

geral do Código de modo a aplicar-se a todo o tipo de sociedades. Sem justificação: a vida

das sociedades portuguesas não pode ser sistematicamente mais difícil do que a das suas

concorrentes dos outros países europeus. Confrontado com a desnecessária (e dispendiosa)

complicação que o artigo 28.º CSC representa para as sociedades em nome coletivo, o artigo

179.º CSC veio dispor:

«A verificação das entradas em espécie, determinada no artigo 28.º, pode ser substituída por

expressa assunção pelos sócios, no contrato de sociedade, de responsabilidade solidária, mas não

subsidiária, pelo valor atribuído aos bens».

Algumas precisões:

Trata-se de uma responsabilidade para com a sociedade;

É solidária: esta pode efetiva-la junto de quem entender;

Não está ao acesso direto dos credores da sociedade: estes apenas poderão,

subsidiariamente, penhorar o correspondente crédito ou, verificando-se os

competentes pressupostos, lançar mão de uma ação sub-rogatória (artigo 606.º, n.º1

CC);

Funciona em alternativa ao artigo 28.º CSC, à opção dos sócios.

Os sócios de indústria: o sócio de indústria é aquele que entra para a sociedade com

serviços próprios: nem com dinheiro, nem com bens. Trata-se de uma concretização do

artigo 980.º CC, na parte em que refere serviços. A lei civil, de resto, nada mais dispõe sobre

o tema a não ser, no artigo 992.º CC, cujos números 2 e 3, respetivamente:

Isentam o sócio de indústria de responder, nas relações internas, pelas perdas sociais;

Regula a fixação do quinhão do sócio de indústria nos lucros, bem como o valor da

sua contribuição.

As contribuições em indústria estão vedadas nas sociedades por quotas (artigo 202.º, n.º1

CSC) e nas anónimas (artigo 277.º, n.º1 CSC). Trata-se, pois, de uma especial prerrogativa

das sociedades em nome coletivo (artigo 178.º CSC) e das em comandita, no tocante aos

sócios comanditados (artigo 468.º CSC, a contrario). A lei não especifica que indústria possa

integrar a contribuição para a sociedade em nome coletivo. Entendemos que será qualquer

serviço útil, de teor económico. A lei portuguesa confere, a este aspeto, uma dimensão

particularmente significativa, designadamente no artigo 178.º CSC. Já se tem pretendido

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excluir do universo das indústrias possíveis a assunção da gerência da sociedade: porque

todos os sócios são gerentes, nos termos do artigo 191.º, n.º1 CSC e salvo cláusula em

contrário: logo, todos eles o seriam de indústria. Mas não: tudo depende da livre vontade das

partes. Bem pode acontecer que uma pessoa, dotada de experiência, de bons conhecimentos

e de especial know how, represente uma tal mais-valia para a sociedade que os seus consócios

o aceitem como sócio de indústria sendo a sua entrada, justamente, o serviço de gerência.

Poderá mesmo ser um excelente negócio para todos: não vislumbramos porque iria o Direito

impedi-lo. A presença de sócios de indústria levanta algumas dificuldades práticas. Desde

logo: como computá-la para o capital social? Repare-se que, ab initio, a indústria nada vale: in

futurum, o seu contributo para a riqueza societária irá aumentando, à medida que se for

concretizando. Perante a dificuldade, o legislador adotou duas normas importantes:

Se todos os sócios o forem de indústria, não há capital social: artigo 9.º, alínea f) CSC;

Em qualquer caso, o valor da contribuição em indústria não é computado no capital

social (artigo 178.º, n.º1 CSC).

À partida, o sócio de indústria deveria ser responsável, tal como os outros ilimitadamente,

pelas dívidas da sociedade. Todavia, o artigo 22.º, n.º3 CSC, que proíbe os pactos leoninos,

exceciona:

«...salvo o disposto quanto a sócios de indústria».

Tentemos articular essa aparente particularidade com as específicas disposições relativas aos

sócios de indústria. Assim:

Os sócios de indústria não respondem, nas relações internas, pealas perdas sociais,

salvo cláusula em contrário do contrato de sociedade (artigo 178.º, n.º2 CSC,

semelhante ao artigo 992.º, n.º2 CC;

Quando, por haver tal cláusula, o façam e, desse modo, contribuam com capital (artigo

178.º, n.º3 CSC):

«ser-lhes-há comporta, por redução proporcional das outras partes sociais, uma parte de

capital social correspondente àquela contribuição».

A última e referida hipótese implica a alteração da sociedade: qualquer dos gerentes

pode outorgar na respetiva escritura (artigo 178.º, n.º4 CSC).

Mas, e nas relações externas? O sócio de indústria, na qualidade de membro de uma

sociedade em nome coletivo, responde perante os credores solidária e subsidiariamente, pelas

dívidas da sociedade (artigo 175.º, n.º1 CSC). Este aspeto não é, logicamente, afastado.

Quanto a perdas propriamente ditas: se não houver lucro, o sócio de indústria terá trabalhado

sem nada receber em causa. Sofre perdas (e graves!). Em suma: pela natureza das coisas, o

risco de perdas a que se sujeita o sócio de indústria é o de não ser pago.

Capítulo III – A situação jurídica dos sócios em nome

coletivo

17.º - A responsabilidade

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Responsabilidade pelas entradas: na sociedade em nome coletivo, cada sócio

responde individualmente pela sua entrada (artigo 175.º, n.º1, 1.ª parte CSC). Trata-se de um

preceito distinto do das sociedades por quotas, nas quais cada sócio é solidariamente

responsável por todas as entradas previstas no pacto social (artigo 197.º, n.º1 CSC) e do das

sociedades anónimas: aí, cada sócio responde apenas pelo valor das ações que haja subscrito.

Como se infere do próprio regime das entradas, a responsabilidade aqui em causa:

É individual: cada sócio só responde pela sua própria entrada;

É exercida pela própria sociedade: apenas em ação sub-rogatória poderia um

terceiro interessado agir neste domínio, desde que verificados os devidos pressupostos;

Efetiva-se de acordo com a natureza da entrada em causa.

Quanto à efetivação: cabe à sociedade interpelar o sócio remisso e proceder, sendo esse o

caso, à fixação de prazo admonitório, antes de se considerar incumprida, definitivamente, a

obrigação em causa (artigo 808.º CC). Mas, além disso, e nos termos gerais:

A entrada em dinheiro efetiva-se, sendo necessário, segundo as regras que regem as

obrigações pecuniárias; no limite, haverá que recorrer aos mecanismos coativos de

agressão e de execução patrimonial;

A entrada em espécie pode dar azo à reivindicação da coisa pela sociedade, verificados

os pressupostos do artigo 1311.º CC; de facto, a sociedade adquire a propriedade da

espécie por mero efeito do contrato (artigo 408.º, n.º1 CC); quanto, por razões de

redocumentação ou outras, não caiba a transferência imediata, será possível a execução

específica;

A entrada em indústria faculta, não sendo cumprida:

i. Ou a sua execução por terceiros, quando estejam em causa indústrias fungíveis;

tal execução é feita à custa do sócio faltoso (artigo 828.º CC);

ii. Ou a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias (artigo 829.º-A CC).

Responsabilidade pelas obrigações sociais: além de responder pelas entradas, o

sócio em nome coletivo responde ainda pelas obrigações sociais: subsidiariamente em relação

à sociedade e solidariamente com os outros sócios (artigo 175.º, 2.ª parte CSC. Trata-se,

como vimos, de um ponto chave deste tipo societário. Com o seguinte alcance:

A responsabilidade é subsidiária porque só opera perante a insuficiência do património

social;

A responsabilidade é solidária porque qualquer dos sócios pode ser demandado pela

totalidade do quantum em causa.

A natureza subsidiária da responsabilidade do sócio aqui em causa coloca, na esfera deste,

uma exceção em sentido técnico: a de invocar o beneficium excussionis, com isso detendo a

própria responsabilidade, até que se mostre excutido o património da sociedade. O benefício

da excussão, como qualquer posição ativa privada, deve ser exercido por iniciativa do seu

titular. A este propósito, importa ter presente o artigo 745.º, n.º1 CPC (de 2013, o mais atual),

precisamente epigrafado penhorabilidade subsidiária:

«Na execução movida contra devedor subsidiário, não podem penhorar-se os bens deste,

enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal, desde que o devedor

subsidiário fundadamente invoque o benefício da excussão, no prazo a que se refere o n.º1 do

artigo 728.º»

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O exercício, no prazo fixado, da exceção do benenficium excussionis constitui um encargo

técnico: destinado a prevenir que a situação se protele indefinidamente. A responsabilidade

subsidiária dos sócios pelas obrigações sociais é estabelecida a favor dos credores sociais: não

da própria sociedade. Não é possível, fora dos condicionalismos próprios da

responsabilidade subsidiária, imputar ao sócio prejuízos que a lei não lhe impute. Além disso,

uma execução contra o sócio sempre pressuporia que estes tivesse sido demandado na ação

donde proveio o título executivo.

A insolvência: tradicionalmente, a declaração de falência (hoje: insolvência) de uma

sociedade em nome coletivo envolvia a declaração de falência dos sócios, dada a sua

responsabilidade ilimitada. A inclusão, no universo da falência, dos sócios de

responsabilidade ilimitada, que surge noutros ordenamentos, para mais em termos

automáticos ou derivados, só pode ter, como explicação, a falta de personalidade jurídica das

sociedades em nome coletivo. Compreende-se que seja lógico nos atuais Direitos alemão e

italiano. Resulta incongruente no nosso Direito. Apresenta-se, entre nós, como uma relíquia

do valioso mas longínquo Código Ferreira Borges, no qual, tudo visto, a sociedade em nome

coletivo representava, por um conjunto de comerciantes, o exercício, em comum, da sua

atividade. No atual Código da Insolvência (2004), o sistema resulta menos claro. O artigo 6.º

introduz uma noção de responsáveis legais. Diz o seu n.º2:

«Para efeitos deste Código, são considerados responsáveis legais as pessoas que, nos termos da

lei, respondam pessoal e ilimitadamente pela generalidade das dívidas do insolvente, ainda que

a título subsidiário».

Todavia, o preceito relativo à petição inicial (artigo 23.º CIRE) omite a óbvia indicação de

quem, porventura, devesse ser julgado insolvente, em conjunto com o devedor principal.

Deduzimos que os responsáveis legais deverão ser objeto de distintos pedidos de insolvência,

caso em relação a eles se verifiquem os competentes pressupostos. O artigo 40.º, n.º1, alínea

e) e f) CIRE dão legitimidade, para oposição a embargos, aos responsáveis legais pelas dívidas

do insolvente e aos sócios, associados ou membros do devedor: os sócios em nome coletivo

têm, assim, um duplo título para intervir, independentemente de terem sido requeridos na

falência. Os devedores solidários e garantes (artigo 95.º, n.º1 CIRE) dão azo a diferentes

massas solventes, às quais o credor pode concorrer pela totalidade do seu crédito. As ações

contra os responsáveis legais pelas dívidas do insolvente ficam a cargo, na pendência do

processo de insolvência, exclusivamente, do administrador da insolvência (artigo 82.º, n.º2

CIRE). Temos elementos suficientes para apurar, na insolvência das sociedades em nome

coletivo, uma dogmática própria, dogmática essa que, inclusive, altera o esquema comum da

responsabilidade subsidiária que resulta das leis comerciais substantivas. Trata-se de matéria

que carece de estudo. Resta fazer votos para que haja um mínimo de estabilidade legislativa.

Objeto, início e termo: a situação da responsabilidade ilimitada é ponderosa. Cabe, por

isso, fixar com precisão o seu objeto, o seu início e o seu termo: fatores que o legislador

contempla de modo expresso. Quanto ao objeto da responsabilidade temos as obrigações

sociais (artigo 175.º, n.º1 CSC) ou as obrigações de sociedade (artigo 175.º, n.º2 CSC). Trata-

se de obrigações externas, isto é, de obrigações da sociedade para com terceiros. A fonte é

irrelevante: ficam abarcadas obrigações ex contractu, ex delicto e todas as restantes ensinadas

pela doutrina geral das obrigações. Também o conteúdo das obrigações em jogo não releva:

poderão se de dare, de facere ou de non facere. Seguindo uma ideia de Pinto Furtado, afigura-se-

nos que tem aqui aplicação o artigo 638.º, n.º2 CC, relativo à fiança: mesmo quando excutidos

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todos os bens da sociedade, é lícito ao sócio ilimitado recusar o pagamento, desde que prove

que o crédito não foi satisfeito por culpa do credor. Trata-se de uma exigência da boa fé, na

fórmula clássica do tu quoque. Seguindo a ordem legal, o sócio responde apenas pelas

obrigações da sociedade contraídas até à data em que dela saia. Vale, para situar

cronologicamente as obrigações em causa, a data da sua constituição: não a do vencimento

ou qualquer outra. Nos contratos de formação sucessiva, teremos de determinar o preciso

quantum vinculativo no momento em que a responsabilidade ilimitada do sócio deve ser

aferida. Assim, ele poderá, por hipótese, ser responsabilizado pelo incumprimento de uma

carta de intenção concluída quando era sócio, mas não pela do contrato-promessa

subsequentemente obtido. O artigo 175.º, n.º2, 2.ª parte CSC, determina a responsabilidade

do sócio pelas obrigações contraídas anteriormente à data do seu ingresso. Trata-se da

solução equivalente à do artigo 977.º, n.º4 CC. No seu anteprojeto, Fernando Olavo, embora

consciente destes fatores, propusera a solução inversa. Explicava, em troço também

transcrito por Raúl Ventura:

«Os credores anteriores à entrada ou posteriores à saída do sócio não podiam ter tido em vista

a garantia pessoal dele e correspondentemente não é justo que dela beneficiem. Por outro lado,

também não se justifica que o sócio responda por atos de que pode não ter sequer conhecimento

e que estavam em todo o caso fora do seu controle».

Raúl Ventura responde:

Quanto ao segundo aspeto: seria de elementar prudência que uma pessoa, antes de

ingressar numa sociedade de responsabilidade ilimitada se inteire das obrigações

existentes;

Quanto ao primeiro: assim é; todavia, o Código preferiu tutelar o crédito em geral e

evitar, aos credores, o terem de indagar a precisa data do ingresso dos sócios.

A solução de Fernando Olavo era, sem dúvida, a mais coerente e equilibrada… além de mais

justa. Haverá circunstâncias em que alguém ingressa numa sociedade sem que, por cauteloso

que seja, possa conhecer todos os débitos existentes. A solução pelo abuso do direito é

sempre espinhosa, quando o legislador de 1986 podia tudo ter resolvido.

Sub-rogação e regresso: o artigo 175.º, n.º3 CSC atribui, ao sócio que haja sido

chamado a responder por dívidas da sociedade em nome coletivo, um direito de regresso.

Cumpre reter os seus precisos termos:

«O sócio que, por força do disposto nos números anteriores, satisfizer obrigações da sociedade

tem direito de regresso contra os outros sócios, na medida em que o pagamento efetuado exceda

a importância que lhe caberia suportar segundo as regras aplicáveis à sua participação nas

perdas sociais».

O direito de regresso consta do artigo 524.º CC: ele traduz-se num direito novo,

particularmente dirigido à contra-efetivação da solidariedade. Os juros a que dê lugar, por

exemplo, serão os moratórios contados desde o pagamento que deu azo ao regresso. Quanto

à medida do regresso: ela recorta-se na participação que, a cada um, caiba no tocante à

repartição das perdas sociais. O n.º4 do artigo 175.º CSC manda aplicar o mesmo regime à

hipótese de um sócio ter satisfeito obrigações da sociedade, para evitar que, contra ela, fosse

movida execução. A lei pretendeu que não fosse penalizado o sócio que, em nome da boa

prossecução dos negócios ou por qualquer outra razão, não invocasse o beneficium excussionis.

Todavia, não podem ficar por aqui as consequências do pagamento, por um sócio, das

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dívidas da sociedade, tanto mais que, entre nós, estas têm personalidade jurídica. A primeira

consequência do pagamento, nestas circunstâncias, de uma dívida alheia é a sub-rogação:

artigo 592.º, n.º1 CSC. O sócio fica na precisa posição do credor, sendo-lhe transmitidas

todas as garantias e acessórios (artigo 582.º ex vi artigo 594.º CC). Aliás, também é essa (e não

a do regresso) a situação do fiador que cumpra a obrigação (artigo 644.º, n.º1 CC). Essa sub-

rogação – que por maioria de razão opera na hipótese do artigo 175.º, n.º4 CSC – permite

que tenha pago dívidas sociais duas vias de atuação ulterior:

Pode agir como novo credor da sociedade, por via da sub-rogação nos direitos do

primeiro credor;

Pode agir em regresso, diretamente contra os seus consócios.

Uma ponderação in concreto mostrará qual a via preferível. Em regra será, porém, a da sub-

rogação. De novo sublinhamos que o projeto de Código das Sociedades Comerciais deveria

ter sido revisto, também por civilistas.

18.º - A proibição de concorrência

Aspetos gerais: a proibição de concorrência tem lugar especial, particularmente nas

sociedades de pessoas. Ela surge:

No artigo 990.º CC, relativo aos sócios das sociedades civis puras;

No artigo 180.º CSC, quanto a sócios de sociedades em nome coletivo;

No artigo 254.º CSC, no que toca a gerentes de sociedades por quotas.

Pela natureza das coisas, pela sua extensão e pelo pormenor legislativo, podemos considerar

que a proibição paradigmática é precisamente a que surge no campo das sociedades em nome

coletivo. Em termos latos, há concorrência quando dois ou mais agentes económicos aspirem

a negociar num mesmo mercado, isto é, com um determinado universo de potenciais

interessados, de tal modo a opção por um dos agentes concorrentes implique uma não opção

pelos outros. A concorrência está na base das economias do mercado, sendo assegurada e

disciplinada por todo um complexo normativo com importantes projeções comunitárias: o

Direito da concorrência. A concorrência pode ser direta, quando os agentes pretendam

colocar no mercado produtos idênticos; ou pode ser indireta ou por sucedâneo quando os

produtos em jogo, não sendo idênticos, se possam, melhor ou pior, substituir uns aos outros.

No campo societário, não encontramos uma noção única da concorrência e do seu âmbito.

Assim:

O artigo 990.º CC fala, simplesmente, em «exercer uma atividade igual à da sociedade»;

O artigo 180.º, n.º3 CSC entende:

«como concorrente qualquer atividade abrangida no objeto da sociedade, embora de facto

não esteja a ser exercida por ela».

O artigo 254.º CSC contrapõe:

«como concorrente com a da sociedade qualquer atividade abrangida no objeto desta,

desde que esteja a ser exercida por ela ou o seu exercício tenha sido deliberado pelos

sócios».

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A lei é mais severa quanto às sociedades em nome coletivo: proíbe, aí e como se vê, a mera

concorrência potencial; nos dois outros casos, apenas a concorrência efetiva é sancionada.

Concorrência e lealdade: sentido e limites: a proibição, dirigida aos sócios em

nome coletivo, de concorrerem com a própria sociedade, é antiga. Ela vem sendo retirada

do dever de fidelidade ou do dever de lealdade, tendo base legal. Ela explica-se pela própria

natureza da sociedade em nome coletivo, tomada como uma estrita comunidade de trabalho

e de responsabilidade. Os sócios que a queiram constituir comprometem-se, uns perante os

outros, a colocar os seus esforços em prol do conjunto, mantendo-se mutuamente fieis a esse

escopo. Essa ideia não deve ser exacerbada: o sócio não pode, pura e simplesmente, abdicar

da sua capacidade produtiva autónoma. A proibição de concorrência surge como uma norma

destinada a prevenir colisões de interesses, independentemente de, in concreto, eles

ocorrerem efetivamente e isso com consequências ou sem elas. Estão especialmente em

causa:

O uso, pelo sócio concorrente, de informações privilegiadas, que lhe advenham da sua

presença no manejo societário (insider trading);

A diminuição das hipóteses de negócio da sociedade, desviadas para outros domínios.

Poderíamos ainda acrescentar a este rol a própria falta de dedicação à sociedade que o sócio

concorrente, disperso por outras paragens, acabaria por demonstrar perante os negócios

sociais. Na fixação do dever de não concorrência, há que lidar com os seus âmbitos subjetivo,

objetivo e cronológico. Em termos subjetivos, ela abrange todos os sócios em nome coletivo,

independentemente do facto de serem ou não gerentes. A proibição de concorrência abrange,

a fortiori, os gerentes que não sejam sócios, designados por via do artigo 191.º, n.º2 CSC. Fica

abarcada a pertença a outra sociedade de responsabilidade ilimitada. O exercício também

pode ser por conta própria ou alheia: ambos são proibidos (artigo 191.º, n.º1 CSC). O n.º4

desse preceito especifica ainda que, no exercício por conta própria, se inclui a participação

de, pelo menos, 10% do capital ou nos lucros de uma sociedade em que o sócio assuma

responsabilidade limitada. Objetivamente, a concorrência é vedada quando implique

qualquer atividade abrangida no objeto da sociedade, ainda que não esteja, no momento

considerado, a ser exercida (artigo 180.º, n.º3 CSC).Pode ainda suceder que a sociedade venha,

de facto, exercer uma atividade não compreendida no seu objeto social: opera, perante ela, a

proibição de concorrência? Raúl Ventura responde pela afirmativa: tendo o sócio consentido

uma atuação extra-estatutária, não lhe seria lícito, agora, prevalecer-se da omissão quanto ao

objeto da sociedade. Mas podemos distinguir:

Se o sócio já exercia a atividade questionada antes de a sociedade se abalançar a ela e

se não houve intenção de transferir, para o ente societário, tal atividade, não vemos

como proibir a concorrência;

Se o sócio apenas vem seguir o caminho da sociedade, encetando, ex novo, a atuação

concorrente, há ilicitude: mesmo que se trate de atuação de facto.

Para a definição da atividade em jogo não releva, apenas, a sua natureza: também há que lidar

com coordenadas geográficas. Se uma sociedade vende postais (apenas) em Lisboa, não

haverá concorrência vedada se o socio iniciar vendas no Porto. Em termos cronológicos, a

proibição de concorrência deveria subsistir enquanto a qualidade de sócio se mantiver.

Todavia, os deveres de boa fé (artigo 762.º, n.º2 CC) vão proibir:

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A concorrência na fase pré-societária, isto é: no momento em que se prepare a

sociedade, a qual já se poderá encontrar em funcionamento antes do registo e antes da

própria escritura;

A concorrência na fase pós-societária, ou seja: o sócio que já tenha abandonado a

sociedade pode ser portador de segredos e de oportunidades de negócio, angariadas

enquanto sócio e dos quais não pode tirar proveito, em detrimento da sociedade.

O consentimento: o artigo 180.º, n.º1 CSC, ao proibir a concorrência que ora nos ocupa,

logo ressalva «salvo expresso consentimento de todos os outros sócios». Compreende-se essa hipótese:

movimentamo-nos no plano patrimonial onde, em princípio, as diversas posições jurídicas

são disponíveis. Não se infira estarem em jogo interesses dos sócios e não da sociedade:

todos os interesses o são das pessoas singulares envolvidas, apenas sucedendo que alguns

deles operam em modo coletivo, de acordo com as regras da personalidade coletiva. É

manifestamente esse o caso, uma vez que o consentimento requerido o é a todos os outros

sócios. O consentimento pode resultar do próprio pacto social: a solução preferível uma vez

que, dessa forma, todos saberão com o que contar. Quid iuris, porém, quando a situação

advenha de iniciativa da sociedade? Isto é: a sociedade modifica o seu objeto e, com isso, vai

envolver uma atividade já desenvolvida por um sócio. Em princípio, tal alteração só é

possível com o consentimento de todos os sócios e, logo: do sócio visado (artigo 194.º, n.º1

CSC). Este terá de escolher: ou negoceia individualmente ou o faz em nome coletivo. Neste

último caso, é necessária a autorização, sob pena de incorrer (supervenientemente) em

concorrência ilícita. A lei fala em expresso consentimento. Não poderá ser tácito? A lei

equipara as declarações tácitas às expressas: elas resultam de factos que, com toda a

probabilidade as revelem, podendo ser formais. E o próprio legislador abre uma brecha na

estrita redação do artigo 181.º, n.º1 CSC, quando, no n.º5 desse mesmo preceito, dispõe:

«O consentimento presume-se no caso de o exercício da atividade ou a participação noutra

sociedade serem anteriores à entrada do sócio e todos os outros sócios terem conhecimento desses

factos».

Em compensação, não vemos margem para transpor, neste domínio, a presunção do artigo

254.º, n.º2 CSC. O consentimento subsequente não está sujeito a qualquer forma específica.

Ele pode provir de declarações individuais ou de uma manifestação conjunta da vontade de

todos, patente, por exemplo, numa votação realizada em reunião de sócios.

Concorrência ilícita: a concorrência ilícita envolve uma quebra grave da confiança que

deve reinar entre os sócios. Assim, o artigo 186.º, n.º1, alínea a) CSC, coloca-a à cabeça dos

casos nos quais a sociedade pode excluir um sócio: uma violação grave das suas obrigações

para com a sociedade. Esta sanção pode ser insuficiente: o sócio concorrente pode apoderar-

se de segredos comerciais, de carteiras de clientes e de negócios, lançando-se, por conta

própria e à custa da sociedade. As leis preveem, por isso, esquemas sancionatórios mais

complexo. Também no nosso artigo 180.º, n.º2 CSC prevê sanções alternativas, a aplicar ao

prevaricador:

Ou uma indemnização pelos danos causados à sociedade;

Ou a entrega, à sociedade, dos negócios concorrentes e dos inerentes proveitos, sejam

eles captados em nome do próprio sócio concorrente ou sejam-no em nome alheio.

Esta solução alternativa é fortemente insatisfatória, devendo ser corrigida pela interpretação.

Tomada à letra, parece que a sociedade teria de escolher: ou a indemnização ou o subingresso

nos negócios do sócio concorrente. Tratando-se de matéria em curso, dependente, para mais,

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de decisões judiciais, nenhuma sociedade pode prever, com clareza, qual a melhor solução.

O Direito das Sociedades não deve transformar-se num exercício aleatório de apostas.

Dizem-nos os princípios gerais que o devedor é responsável pelos danos que cause ao credor

(artigo 798.º CC), devendo a reparação ser integral (artigo 562.º CC). Tudo o que seja limitar

legal e artificialmente as indemnizações incorre em inconstitucionalidade, por violação da

propriedade privada (artigo 62.º, n.º1 CRP). A hipótese de subingresso é interessante: mas

deve ser sempre completada por uma indemnização, quando não se mostre suficiente para

cobrir todos os danos. A alternativa legal deve ser interpretada nestes termos:

Ou a sociedade opta, ab initio, por uma indemnização;

Ou escolhe o subingresso a completar, eventualmente, com a indemnização adequada.

O progresso do Direito Privado faz-se na busca da harmonia e da adequação de valores.

19.º - O direito à informação

Aspetos gerais: o direito à informação sobre os assuntos da sociedade constitui um dos

mais importantes elementos que integram o status de sócio. Em termos gerais, a informação

relevante pode ser mais ou menos acessível. Compreende-se que numa sociedade anónima

que possa reunir dezenas de milhares de sócios – incluindo concorrentes! – não seja pensável

facultar a todos e permanentemente, o acesso à documentação social. Nessa base, fomos

levados a distinguir círculos de informação, consoante as pessoas a que sejam acessíveis:

Informação pública;

Informação reservada;

Informação qualificada; e

Informação secreta.

Toda esta matéria foi desenvolvida a partir das sociedades anónimas, encontrando, no

Código, consagrações dispersas. Nas sociedades em nome coletivo, em que todos os sócios

são tendencialmente gerentes (artigo 191.º, n.º1 CSC) e por cujas dívidas eles respondem

solidariamente, o regime da informação deve ser mais aberto: acessível, em princípio, a todos

os sócios.

Os elementos do direito à informação: o direito dos sócios em nome coletivo à

informação societária resulta do artigo 181.º CSC. Este preceito compreende vários níveis de

regulação. Assim, iremos distinguir:

Como prestar informações; As informações devem ser verdadeiras, completas e

elucidativas (artigo 181.º, n.º1 CSC). Aparentemente, ficam abrangidas, nos termos

desse mesmo preceito:

i. Informações diretas, prestadas verbalmente;

ii. Informações escritas, se assim for solicitado;

iii. A consulta, na sede social, de escrituração, dos livros e dos documentos.

A lei não especifica como se processam as informações verbais e por escrito É evidente

que não podem ser prestadas em contínuo: o gerente solicitado não deve descurar as

suas funções, no manejo social. O dever geral de informar deve entender-se delimitado

pelas exigências da boa fé. Já quanto à consulta da escrituração, dos livros e dos

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documentos, temos norma: o artigo 181.º, n.º3 CSC determina que a mesma se faça

pessoalmente pelo sócio, que pode ser assistido por um Revisor Oficial de Contas ou

por outro perito; pode, ainda, tirar cópia, como se infere da remissão para o artigo

181.º, n.º3 CSC.

Qual o objeto das informações: quando a este, a lei distingue (artigo 181.º, n.º2 CSC):

i. Informações sobre atos já praticados;

ii. Informações sobre atos cuja prática seja esperada, quando sejam suscetíveis de

fazer incorrer o seu autor (a sociedade) em responsabilidade.

Nesta distinção está, aparentemente, em causa a possibilidade de obter elementos

sobre as intenções dos gestores. Já a determinação do que possa provocar

responsabilidade é mais complexo. Na dúvida, devem prevalecer critérios objetivos.

A inspeção dos bens sociais: prevista no artigo 181.º, n.º4 CSC deve ocorrer

pessoalmente, com a eventual participação de peritos. Tudo isto pode acionar despesas:

caberá ao sócio interessado suportá-las.

Pergunta-se se pode ser invocado o segredo, para não prestar informações. No tocante a

negócios da sociedade, a resposta é negativa: o sócio, até porque ilimitadamente responsável,

deve poder aceder a tudo. Admitimos, porém, que os gerentes, por via da sua atividade,

fiquem na posse de elementos confidenciais relativos a terceiras pessoas e que nada tenham

a ver com o giro comercial. Sobre tais elementos cabe segredo, nos termos gerais (trata-se,

designadamente, do direito à intimidade privada).

Abuso de informações: segundo o artigo 181.º, n.º5 CSC:

«O sócio que utilize as informações, obtidas de modo a prejudicar injustamente a sociedade ou

outros sócios é responsável, nos termos gerais, pelos prejuízos que lhes causar e fica sujeito a

exclusão».

Impõem-se previsões. A informação, só por si, é um dano para quem a deva prestar: envolve

um esforço, um dispêndio de tempo e, porventura: mesmo despesas diretas. Qualquer pedido

de informação vai, assim, prejudicar a sociedade e logo os sócios. Todavia, não é,

manifestamente, esse o aspeto aqui em jogo. A lei fala em utilizar a informação: visa-se a

situação na qual o sócio, em vez de guardar para si a informação obtida, vai:

Ou divulga-la a terceiros;

Ou encetar, na sua base, uma qualquer atuação.

Ambas essas atuações podem ser ilícitas. A ilicitude em causa pode advir:

Da violação de deveres contratuais expressamente assumidos: pensa-se na hipótese de

se ter acordado um regime de confidencialidade;

Da violação de deveres legais específicos, com relevo para a proibição de concorrência;

Da violação de um dever geral de lealdade: para com a sociedade ou para com os outro

sócios;

Da inobservância de direitos subjetivos absolutos, como o direito à intimidade da vida

privada.

A lei refere prejudicar injustamente. Leia-se ilicitamente, fórmula correta, no atual Direito Civil de

responsabilidade. Além da ilicitude, exige-se o prejuízo, isto é, o dano. Admitimos:

Danos emergentes;

Lucros cessantes;

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Danos morais.

Por tudo isso, o sócio prevaricador é responsável, nos termos gerais. O artigo 181.º, n.º5

CSC refere ainda a sujeição do sócio à exclusão. Pode, com efeito, tratar-se de uma violação

grave das suas obrigações para com a sociedade, nos termos do artigo 186.º, n.º1, alínea a)

CSC.

Sanções pena não-prestação de informações: segundo o artigo 181.º, n.º6 CSC:

«No caso de ao sócio ser recusado o exercício dos direitos atribuídos nos números anteriores,

pode requerer inquérito judicial nos termos previstos no artigo 450.º».

O português não é famoso. O artigo 450.º CSC prevê, efetivamente, um inquérito judicial,

«(…)em cujo processo será ordenada a destituição do infrator, se disso for caso» (n.º1). Além disso, haverá

que contar com a aplicação do artigo 518.º CSC: preceito que incrimina a recusa ilícita de

informações, bem como do artigo 519.º CSC, que se ocupa das informações falsas. Queda,

finalmente, o dever de indemnização por todos os danos que sejam provocados ao sócio

preterido, incluindo os morais.. Recusar um pedido legítimo de informações, para mais numa

ambiência de sociedade em nome coletivo é, antes de mais, uma grave desconsideração.

Capítulo IV – O Funcionamento das Sociedades em

Nome Coletivo

20.º - As deliberações dos sócios

Aspetos gerais; a assembleia geral: no tocante às deliberações dos sócios de

sociedades em nome coletivo, há que aplicar, em primeira linha, a Parte Geral do Código –

artigos 53.º a 63.º CSC. Apenas com uma prevenção: trata-se de matéria gizada em torno da

grande matriz das sociedades anónimas. Na passagem para as sociedades de pessoas, haverá

sempre que proceder às competentes adaptações. O Código de 1986 evitou referir a

assembleia geral. Por um lado, teve em conta o facto de poder haver deliberações por escrito

(artigo 54.º CSC) sem que, de assembleia geral, se possa falar. Por outro, preponderou, num

plano vocabular, a opção contratualista subjacente. Curiosamente, o artigo 189.º, n.º1 CSC

não teve dúvidas em, relativamente às sociedades em nome coletivo, referir a assembleia geral.

Funcionamento: o artigo 189.º, n.º1 CSC, relativo às deliberações dos sócios, começa

logo por definir o direito subsidiário. Assim:

«Às deliberações dos sócios e à convocação e funcionamento das assembleias gerais aplica-se o

disposto para as sociedades por quotas em tudo quanto a lei ou o contrato de sociedade não

dispuserem diferentemente».

Só que o artigo 248.º, n.º1 CSC, referente às assembleias gerais das sociedades por quotas

manda aplicar:

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«(…) o disposto sobre assembleias gerais das sociedades anónimas, em tudo o que não estiver

especificamente regulado para aquelas».

Temos, pois, um jogo complexo de remissões: muito discutível, de iure condendo. Prevalecem

as normas específicas sobre sociedades em nome coletivo. São elas:

As deliberações são tomadas por maioria simples, salvo disposição legal ou contratual

diversa (artigo 189.º, n.º2 CSC);

O sócio só pode ser representado pelo cônjuge, ascendente, descendente ou outro

sócio, bastando para o efeito uma carta dirigida à sociedade (artigo 189.º, n.º4 CSC);

As atas devem ser assinadas por todos os que participarem na assembleia (artigo 189.º,

n.º5 CSC);

A cada sócio pertence um voto, salvo se outro critério resultar do pacto social, sem

que o direito de voto possa ser suprimido (artigo 190.º, n.º1 CSC);

O sócio de indústria dispõe sempre, pelo menos, de votos em número igual ao menor

número de votos atribuídos a sócios de capital (artigo 190.º, n.º2 CSC).

De seguida, há que recorrer às seguintes normas próprias das sociedades por quotas:

Qualquer sócio pode requerer a convocação da assembleia geral, solicitando, ainda, a

inclusão de assuntos na ordem do dia (artigo 248.º, n.º2 CSC);

A assembleia geral é convocada por qualquer gerente, por carta registada expedida com

o mínimo de quinze dias, salvo outras regras legais ou contratuais (artigo 248.º, n.º3

CSC);

Ela é presidida pelo sócio que detenha a maior fração do capital ou, em igualdade, pelo

mais velho (artigo 248.º, n.º4 CSC);

O sócio não pode votar quando haja conflito de interesses (artigo 251.º, n.º1 CSC).

Das sociedades anónimas, recuperamos os pontos seguintes:

A convocatória deve mencionar o lugar, o dia e a hora da reunião (artigo 377.º, n.º5,

alínea b) CSC);

Bem como a ordem do dia (artigo 377.º, n.º5, alínea a) CSC);

Deve decorrer na sede da sociedade (artigo 377.º, n.º6 CSC).

Outras regras poderão ser aproveitadas.

Competência: o artigo 189.º, n.º3 CSC, inserido no seio das regras relativas ao

funcionamento da assembleia, compreende alguns dados sobre a sua competência. Assim,

ela abrange, necessariamente:

A apreciação do relatório de gestão e dos documentos de prestação de contas;

A aplicação dos resultados;

A propositura de ações da sociedade contra os sócios ou gerentes, bem como as suas

desistência e transação;

A nomeação de gerentes de comércio;

O consentimento para que algum sócio possa concorrer com a sociedade.

O artigo 191.º, n.º2 CSC permite acrescentar:

Por deliberação unânime: a designação de pessoas estranhas à sociedade como gerentes.

Além da competência enunciada, outros preceitos preveem novos campos para a deliberação

dos sócios, mas por unanimidade. Assim:

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A criação de partes sociais livres, para transmissão, no caso de extinção de parte social

(artigo 187.º, n.º2 CSC);

A designação, como gerentes, de pessoas estranhas à sociedade (artigo 191.º, n.º2 CSC);

A confirmação de atos praticados sem poderes (artigo 192.º, n.º3 CSC);

As alterações ao contrato ou as decisões de fusão, cisão, transformação e dissolução,

salvo se o contrato as autorizar por maioria, que não poderá ser inferior a três quartos

dos votos de todos os sócios (artigo 194.º, n.º1 CSC)

A admissão de novos sócios (artigo 194.º, n.º2 CSC).

E, por maioria de razão, temos ainda outro ponto:

A fixação da remuneração dos gerentes (artigo 192.º, n.º5 CSC).

O pacto social torna-se determinante para o exato levantamento da competência da

assembleia geral. Designadamente, ele deverá precisar se, à assembleia, são conferidos

poderes de gestão e qual o seu alcance. Resta acrescentar que a dificuldade – nesta como

noutras matérias – reside em localizar, no Código, os preceitos pertinentes. Tudo poderia ter

sido facilitado com uma parte geral melhor construída e com uma ordenação da matéria

dentro de cada tipo societário.

21.º - A administração

Aspetos gerais; a gerência: a administração – ou condução dos negócios – surge, hoje,

como o aspeto nuclear do Direito das Sociedades. Na verdade, a generalidade das normas

relativas a sociedades traduz-se, tudo visto, em regras de conduta dirigidas aos

administradores. Por seu turno, administrador em sentido amplo designa toda a pessoa a

quem caiba, sem delegações, o manejo da sociedade. Abrange:

Os gerentes das sociedades em nome coletivo, por quotas ou em comandita;

Os administradores stricto sensu das sociedades anónimas de estrutura monista;

Os administradores executivos das sociedades anónimas de estrutura dualista.

Nas sociedades em nome coletivo, lidamos com gerentes. E ao conjunto dos gerentes de

uma determinada sociedade chamaremos gerência: expressão que, de resto, exprime também

a atividade de administração (Geschäfsführung). A gerência abarca toda a atividade dirigida à

prossecução dos fins da sociedade. Pode abranger atos materiais e atuações jurídicas:

contactos, reuniões, correspondência, organização, publicidade e a realização dos diversos

negócios. Podemos mantê-la distinta da representação. Esta, porém, acaba associada

estreitamente à gestão, uma vez que assegura os poderes necessários para o funcionamento

da sociedade. A natureza da gestão – hic: da gerência – dá azo a uma discussão complexa.

Vale, aqui, a teoria geral sobre o status do administrador. Sublinhe-se que, segundo o artigo

192.º, n.º5 CSC, a gerência presume-se remunerada: pode, porém, ser excluída pelo contrato.

Não o sendo, o seu montante é fixado por deliberação dos sócios.

A composição da gerência: como regra de base, a gerência é composta por todos os

sócios: quer pelos iniciais, quer por aqueles que só posteriormente tenham adquirido essa

qualidade (artigo 191.º, n.º1 CSC). A gerência tende, assim, a coincidir com a assembleia geral,

o que permite falar num monopólio orgânico dos sócios. Trata-se de uma regra que equivale

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à do artigo 985.º, n.º1 CC e que constava já do Código Veiga Beirão. Podem verificar-se

desvios, em relação à regra de base. Assim:

O pacto social pode reservar a qualidade de gerente apenas para algum ou alguns dos

sócios (artigo 191.º, n.º1 CSC);

Podem, por deliberação unânime, ser designados gerentes pessoas estranhas à

sociedade (artigo 191.º, n.º2 CSC);

A pessoa coletiva sócia não pode ser gerente mas, salvo proibição contratual, pode

nomear uma pessoa singular para, em nome próprio, exercer esse cargo (artigo 191.º,

n.º3 CSC).

Numa certa aproximação às sociedades de capitais, surgem alguns sintomas da dissociação

entre a titularidade do capital e a gestão da sociedade.

A destituição dos gerentes: a destituição dos administradores, em geral, carece de uma

teoria geral. Efetivamente, o Código de 1986 não curou do seu tratamento na Parte Geral:

teria sido perfeitamente possível fazê-lo. No tocante à gerência das sociedades em nome

coletivo, o legislador foi, todavia, bastante generoso em normas. Cumpre distinguir diversas

situações. Assim:

A do sócio designado gerente por uma cláusula especial do contrato de

sociedade: só pode ser destituído em ação intentada pela sociedade ou por outro

sócio, contra ele e contra a sociedade, com fundamento em justa causa (artigo 191.º,

n.º4 CSC); estamos, efetivamente, perante um direito especial, que, em princípio, só

com o consentimento do próprio pode ser afastado (artigo 24.º, n.º5 CSC)M a lei

ressalva a hipótese de decisão judicial baseada em justa causa;

A do gerente que o seja pela sua qualidade de sócio ou que tenha sido

designado gerente por deliberação dos sócios: só pode ser, salvo cláusula em

contrário, destituído com justa causa (artigo 191.º, n.º5 CSC);

A dos gerentes não sócios que podem ser destituídos livremente (artigo 191.º,

n.º6 CSC);

A da sociedade que tenha apenas dois sócios: a destituição de qualquer deles da

gerência só é possível com fundamento em justa causa e através de ação judicial

intentada pelo outro contra a sociedade (artigo 191.º, n.º7 CSC).

A justa causa é, aqui, um motivo justificativo bastante: seja ele objetivo, seja ele subjetivo, no

sentido de exigir culpa do visado. Parece-nos a solução mais favorável à funcionalidade das

sociedades em nome coletivo. Terá de haver mecanismos que permitam, com os devidos

controlos e garantias, substituir os gerentes que não acompanhem as necessidades da

moderna gestão societária. Na hipótese dos gerentes estranhos à sociedade e, como tal,

livremente destituíveis, independentemente de justa causa (artigo 191.º, n.º7 CSC): deverá

entender-se que, mau grado essa possibilidade, o gerente designado para um certo período

de tempo não pode ser destituído ad nutum, antes do termo. Se o for, a destituição é eficaz: a

sociedade ficará, todavia, obrigada a indemnizar.

Funcionamento: o funcionamento da gerência nas sociedades em nome coletivo envolve

uma série de vetores de ordem geral. Iremos abordar os elementos específicos do tipo

societário ora em análise. A matéria é, à partida, deixada ao cuidado das partes (artigo 193.º,

n.º1 CSC). Isto posto, o Código prescreve a seguinte solução supletiva:

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Havendo mais de um gerente, todos têm poderes iguais e independentes para

administrar e representar a sociedade;

Mas qualquer deles pode opor-se aos atos que a outra pretenda realizar;

Cabendo então à maioria dos gerentes tomar uma decisão (artigo 193.º, n.º1 CSC).

Note-se que a oposição de um gerente a um ato de outro é ineficaz em relação a terceiros, a

não ser que estes tenham conhecimento dela (artigo 193.º, n.º2 CSC). Em termos

esquemáticos, podemos distinguir:

A administração conjunta: os diversos atos têm de ser levados a cabo por dois ou

mais administradores, em simultâneo.

A administração disjunta: cada um deles pode, sozinho, praticar atos inerentes à

gestão.

A administração colegial: funciona um conselho que agrupa os administradores

em cujo seio, por deliberação maioritária, se adotem os diversos atos de gestão.

Todos estes métodos têm vantagens e desvantagens: umas e outras dependem, de resto, do

tipo de sociedade e da espécie de ato que, concretamente, esteja em causa. O Direito

Português, em relação à gerência das sociedades em nome coletivo, estabelece um sistema

basicamente disjunto, com elementos de conjunção negativa e saída colegial. No fundo,

temos um sistema paralelo ao do artigo 985.º, n.º1 e 2 CC. Ou seja:

Havendo mais de um gerente, todos têm poderes iguais e independentes para

administrar e representar a sociedade (método disjuntivo);

Mas podendo qualquer outro opor-se aos atos que o primeiro queira realizar

(conjunção negativa);

Cabendo à maioria decidir sobre o mérito da oposição (método colegial).

Competência; a representação: segundo o artigo 192.º, n.º1 CSC, competem aos

gerentes a administração e a representação da sociedade. Vimos em que se traduz a

administração (a gestão); quanto à representação: trata-se da representação orgânica, própria

das pessoas coletivas e à qual só com muitas cautelas se pode aplicar o regime da

representação voluntária. O tema da representação foi regulado nos artigos 7.º e seguintes da

1.ª Diretriz das sociedades comerciais (n.º68/151/CEE, de 9 de março), tendo sido

transposto através do Código das Sociedades Comerciais. Em nome da tutela da confiança e

da segurança do tráfego jurídico foram introduzidas diversas delimitações à possibilidade de

desvincular as sociedades por excessos dos seus representantes. Simplesmente, o sistema

assim montado só se aplica às nossas sociedades por quotas e anónimas: não às sociedades

em nome coletivo. Compreende-se, por isso, que surjam afloramentos da Diretriz nos artigos

260.º, n.º1 e 409.º, n.º1 CSC. Mas não nas sociedades em nome coletivo: uma especial

homenagem à sua natureza simples e imediatista. A competência dos gerentes, quer para

administrar, quer para representar, deve ter como limites (artigo 192.º, n.º2 CSC):

O objeto social;

O pacto societário.

Quando sejam celebrados atos que ultrapassem esses limites, há falta de poderes: os atos em

causa podem ser impugnados pela sociedade. A impugnação já não será possível se os

negócios questionados tiverem sido conformados, expressa ou tacitamente, por deliberação

unânime dos sócios (artigo 192.º, n.º3 CSC). Pode acontecer que os negócios ultra vires não

tenham sido confirmados. Pois mesmo nessa eventualidade, eles não são impugnáveis pelos

terceiros neles intervenientes que tivessem tido conhecimento da infração cometida pelo

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gerente (artigo 192.º, n.º4 CSC). O conhecimento deve ser objeto de prova autónoma, uma

vez que não se presume com base nos registos ou na sua publicação (artigo 192.º, nº.4, in fine

CSC). Tais elementos são, contudo, fatores de prova, que o juiz poderá ter em conta. A

representação das sociedades em nome coletivo dá azo a um subsistema autónomo, cuja

dogmática merece aprofundamento.

Capítulo V – As vicissitudes das sociedades em nome

coletivo

22.º - As partes sociais

Aspetos gerais: os sócios detêm um acervo de direitos relativos às sociedades a que

pertençam. Além disso, são destinatários de feixes de obrigações: tudo isso integra o seu

status. O status de sócio advém da titularidade básica no acervo societário. Essa titularidade é

reportada ao capital, quando exista ou, na hipótese inversa, à própria sociedade como ente

ideal. A titularidade em causa assume diversas designações, em função do tipo de sociedade

que esteja em causa. Temos:

Quotas, nas sociedades civis puras (artigo 1021.º CC);

Partes, nas sociedades em nome coletivo (artigos 176.º, n.º1, alínea c), 182.º e 183.º

CSC, entre outros);

Quotas, nas sociedades por quotas (artigo 197.º, n.º1 CSC);

Ações, nas sociedades anónimas (artigo 271.º CSC).

A parte social – por vezes: parte do capital – tem várias funções:

Permite identificar a titularidade de determinada participação, numa sociedade em

nome coletivo;

Dá a medida da distinção dos lucros e perdas, bem como a da reparação final da

responsabilidade ilimitada que, sobre todos, incide.

Muitas das vicissitudes que podem atingir uma sociedade em nome coletivo têm a ver com

as partes sociais. Pela sua própria natureza, uma alteração no plano das partes induz uma

modificação na própria sociedade.

Transmissão entre vivos: as situações jurídicas patrimoniais são essencialmente

transmissíveis. Trata-se de uma prerrogativa que assume consagração constitucional; as

participações societárias, porquanto patrimoniais, deveriam comparticipar, também, dessa

transmissibilidade. Todavia, a posição social é, ainda, uma posição contratual. Essa qualidade,

ela abrange aspetos ativos e passivos. E estes últimos não são suscetíveis de livres

transmissões, uma vez que não é indiferente, para o credor, a concreta figura do devedor. A

cessão da posição contratual e a assunção de dívidas exigem, por isso e como é sabido, o

consentimento do cedido (artigo 424.º, n.º1 e 595.º, n.º1 CC). Finalmente, e como terceira

variável: mesmo as posições puramente ativas são, por vezes, contratadas tendo em conta as

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especiais qualidades do seu titular: dizem-se intuitu personae, ficando especialmente ligadas à

pessoa do credor. A sua livre transmissão não é, então, possível (artigo 577.º, n.º1, in fine CC).

Nas sociedades comerciais apura-se uma graduação. A livre transmissibilidade das posições

sociais varia na razão inversa da pessoalidade do tipo societário a que se reportem. Assim:

Na sociedade anónima: a transmissibilidade das ações é, em princípio, total (artigos

101.º e 102.º CVM);

Na sociedade por quotas: a transmissão de quotas exige o consentimento da

própria sociedade (artigo 228.º, n.º1 CSC);

Na sociedade em nome coletivo: na sociedade em nome coletivo, a transferência

de partes requer o consentimento de todos os outros sócios (artigo 182.º, n.º1 CSC);

Na sociedade civil pura: a cessão da quota de um sócio exige a concordância de

todos os outros (artigo 995.º, n.º1 CC).

Estas regras podem ser infletidas pelos pactos sociais: fica, todavia, exarada a sua estrutura

básica. Compreende-se, ainda, que tenha sido necessária toda uma evolução para facultar

modificações subjetivas nas sociedades, particularmente de pessoas. A transmissão de

participações sociais envolve, no plano económico, uma série de variáveis tendentes a

determinar o seu valor. O dispositivo referido, do artigo 182.º, n.º1 CSC explica-se,

precisamente, pela natureza pessoal das sociedades em nome coletivo e pela confiança intuitu

personae que se exige entre os seus associados: quer nas suas qualidades comerciais, quer na

sua honradez quer, finalmente, nas suas capacidades patrimoniais, uma vez que estamos

perante sociedades de responsabilidade ilimitada. Ele é acompanhado pelos Direitos dos

diversos países. Além disso, reflete-se em regras como a da não comunicabilidade da

qualidade de sócio ao seu cônjuge, mesmo sob o regime de comunhão geral de bens. A lei

não impõe qualquer forma para o consentimento. Este poderá ser efetivado individual ou

coletivamente: mas nunca (apenas) por maioria. Raúl Ventura considera a norma do artigo

182.º, n.º1 CSC como imperativa; o pacto social não poderia, por conseguinte, dispensar o

consentimento de todos os sócios, para efeitos de transmissão. Assim é. Dada a natureza

pessoal das posições envolvidas, não há renúncias antecipadas à apreciação que só in concreto

poderá ser efetivada em consciência. A exigência de consentimento de todos, para a

transmissão opera, pelas mesmas razões, perante a constituição de um usufruto sobre a parte

social. O artigo 182.º, n.º3 CSC fala em constituição de direitos reais de gozo, mas apenas

por força de expressão: não há direitos reais sobre partes sociais e, muito menos, de gozo:

elas não têm natureza material. O usufruto de direitos é (ele sim) reconhecido. Essa regra é

aplicável aos direitos reais de garantia – aqui: o penhor da parte, a tomar como penhor de

direito – segundo o final do citado preceito. A cessão não autorizada é, em si, válida, tanto

mais que a autorização pode vir a ser dada ulteriormente. Todavia, ela não produz efeitos

perante os sócios e a sociedade, antes da autorização. Finalmente, a transmissão da parte do

sócio, mau grado autorizada por todos os sócios, só se torna eficaz para com a sociedade

quando lhe seja comunicada por escrito ou por ela seja reconhecida (artigo 182.º, n.º4 CSC).

Compreende-se: a transmissão é subsequente à autorização, havendo que dotar a sociedade

de uma data certa, para efeitos contabilísticos e sociais.

Execução: a execução sobre a parte de um sócio em nome coletivo coloca problemas

delicados. Em princípio, uma participação societária representa um valor patrimonial. Nessa

qualidade, ela deve ser penhorável, respondendo pelas dívidas do seu titular (artigo 601.º CC).

No entanto, tratando-se de sociedades de pessoas, a posição considerada não é, apenas,

patrimonial. As leis procuram dosear os aspetos que, das quotas das sociedades civis puras

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(artigo 999.º CC) e das partes das sociedades em nome coletivo possam, de facto, ser

executadas (artigo 183.º CSC). A regra de base é a da impenhorabilidade da parte do sócio: a

execução apenas poderá recair sobre o direito aos lucros e a quota de liquidação (artigo 183.º,

n.º1 CSC). Isto posto: efetuada a penhora em causa, o credor, nos quinze dias seguintes à

notificação desse facto, pode requerer que a sociedade seja notificada para, em prazo razoável

não excedente a 180 dias, proceder à liquidação da parte (artigo 183.º, n.º2 CSC). Salvo

situações muito especiais, o prazo razoável tenderá a coincidir com os 180 dias, uma vez que

a liquidação da parte coloca, sempre, diversos problemas. A sociedade pode reagir por duas

vias:

Ou demonstrando que o sócio devedor possui outros bens suficientes para satisfazer

a dívida exequenda, altura em que a execução prosseguirá sobre eles (artigo 183.º,

nº.3 CSC);

Ou provando que a parte do sócio não pode ser liquidada, por a sociedade ficar com

uma situação líquida inferior ao capital social (artigo 183.º, n.º4 e 188.º, n.º1 CSC).

Nessa última eventualidade:

A execução prossegue sobre o direito aos lucros e à quota de liquidação;

Podendo o credor requerer que a sociedade seja dissolvida (artigo 183.º, n.º4 CSC)

nessa altura poderá realizar o direito à quota de liquidação.

Na venda ou adjudicação dos direitos aos lucros ou à quota de liquidação, os outros sócios

têm preferência. Havendo mais de um interessado, procede-se a rateio na proporção do valor

das respetivas partes sociais (artigo 183.º, n.º5 CSC). Assim se compatibiliza, até aos limites

do possível, a execução da parte social com a natureza pessoal das sociedades em nome

coletivo.

Falecimento de um sócio: o falecimento de um sócio em nome coletivo coloca

problemas delicados: paralelos aos que ocorrem, nessas mesmas circunstâncias, perante as

sociedades civis puras (artigo 1001.º CC). Efetivamente, a parte do falecido representa um

valor patrimonial que não pode deixar de reverter para os seus herdeiros. Mas ela representa,

ainda, uma realidade puramente pessoal, perdida, para sempre, com o desaparecimento do

sei titular. A lei procura compatibilizar esses dois aspetos: por vezes, contraditórios. Estamos

sob a primazia da autonomia privada. A solução ideal residirá, assim, em prever-se, no pacto

social, o modus operandi na hipótese de falecimento do sócio. Os interessados podem prever,

designadamente:

O termo da sociedade;

A passagem da parte social ao sucessor;

A sua supressão, com compensação aos sucessores, regulando-se, diretamente ou por

remissão, o procedimento que, então, deva ser seguido.

No silêncio das partes, há que apelar para o sistema legal. Este, numa evolução presente,

também, no Código Civil, dá conta de um relativo favor societatis, permitindo, em certas

condições, o funcionamento da sociedade. Ocorrendo um falecimento de sócio – e sempre

no silêncio do contrato – podem os sócios supérstites (artigo 184.º, n.º1 e 2 CSC):

Ou pagar aos sucessores do falecido o valor da parte que lhe pertencera;

Ou optar pela dissolução da sociedade, comunicando-o ao sucessor nos 90 dias

seguintes ao da data em que tomaram conhecimento do facto;

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Ou continuar a sociedade com o sucessor do falecido, desde que este concorde

expressamente: o que não pode ser afastado por cláusulas em contrário.

Sendo vários os sucessores da parte do falecido, podem eles livremente dividi-la entre si ou

encabeça-la nalguns deles (artigo 184.º, n.º3 CSC). Entenda-se: livremente entre si; no que

toca aos sócios supérstites, terá sempre de se verificar o seu assentimento. Ainda na hipótese

de continuação da sociedade com os sucessores do falecido: sendo algum deles incapaz,

podem os supérstites, nos 90 dias seguintes, deliberar a transformação da sociedade, de modo

que o incapaz se torne sócio de responsabilidade limitada (artigo 184.º, n.º4 CSC). Teremos,

no horizonte, uma comandita simples. Não o fazendo pode o representante do incapaz

requerer judicialmente a exoneração do seu representado ou, não sendo isso possível

legalmente, a dissolução da sociedade (artigo 184.º, nº6 CSC). Dissolvida a sociedade ou

devendo a parte do sócio falecido ser liquidada, extinguem-se, a partir da data da morte todos

os direitos e obrigações inerentes à parte social; a sucessão opera apenas no produto da

liquidação, reporta àquela data e calculado ex vi artigo 1021.º CC (artigo 184.º, n.º6 CSC).

Tudo isto é aplicável ao caso de a parte do sócio falecido compor a meação do seu cônjuge.

A eventualidade da morte de um sócio numa sociedade de pessoas, especialmente uma

sociedade em nome coletivo, constitui um ponto fraco deste tipo societário. Ele deve ser

ponderado, aquando da sua constituição.

Exoneração do sócio: uma sociedade pressupõe relações duradouras. Estas são

tendencialmente sensíveis à denúncia: quando não tenham uma duração predeterminada

permite-se a qualquer das partes envolvidas provocar, unilateralmente, a sua cessação.

Eventualmente: com um pré-aviso. Além disso, poderá pôr-se termo a relações duradouras

quando, para isso, haja justo motivo (justa causa): estaremos próximos da resolução. Esta

lógica aplica-se às sociedades de pessoas: fala-se, então, na exoneração do sócio (artigo 185.º

CSC). Como veremos a propósito das sociedades por quotas, há que alargar a base

justificativa para esta reflexão. De momento, ela é suficiente. O Código das Sociedades

Comerciais, na Parte Geral, algumas situações que traduzem motivos justificados (a

terminologia é nossa) de exoneração. Assim sucede nos artigos 3.º, n.º5, 137.º, n.º1 e 161.º,

n.º5 CSC, relativamente aos sócios que se oponham às correspondentes deliberações. Trata-

se de preceitos que aprofundaremos no campo das sociedades por quotas. Segundo o artigo

185.º CSC, o sócio pode exonerar-se da sociedade (n.º1):

Nos casos previstos na lei ou no contrato;

Não havendo termo de duração da sociedade, sendo este vitalício ou por um período

superior a 30 anos, ao fim de 10 anos;

Ocorrendo justa causa.

A exoneração torna-se efetiva no fim do ano social em que seja feita a comunicação respetiva

mas nunca antes de decorridos três meses sobre ela (artigo 185.º, n.º4 CSC). O sócio

exonerado tem direito ao valor da sua parte social (artigo 185.º, n.º5 CSC), com as

especificações aí feitas. A hipótese de exoneração por justa causa é a que levanta mais dúvidas.

O artigo 185.º, n.º2 CSC, a título exemplificativo, indica algumas concretizações de justa

causa. Esta verifica-se quando, contra o seu voto expresso:

«a) A sociedade não delibere destituir o gerente, ocorrendo justa causa de exclusão;

«b) A sociedade não delibere excluir um sócio, ocorrendo justa causa para tanto;

«c) o referido sócio for destituído da gerência da sociedade». SNC

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Este elenco permite fixar a justa causa para a exoneração do sócio em nome coletivo na

quebra geral da confiança, entre ele a sociedade ou entre ele e os outros sócios. Não se trata,

pois, de uma reação a factos ilícitos; requer-se, todavia, que a quebra da confiança seja

bastante grave. A invocação de justa causa deve ser feita nos 90 dias a contar daquele em que

o interessado tomou conhecimento dos competentes factos (artigo 185.º, n.º3 CSC).

Exclusão do sócio: a possibilidade de exclusão de sócios foi regulada, no Código Civil:

artigos 1003 a 1006.º CC. Visa-se, grosso modo, reagir a situações que tornem o sócio a

excluir inaproveitável, em termos de fins da sociedade. A exclusão é possível nos casos

previstos na lei e no contrato e, ainda (artigo 186.º CSC):

Quando lhe seja imputável uma violação grave das suas obrigações para com a

sociedade, designadamente a proibição de concorrência (alínea a), 1.ª parte);

Quando seja destituído da gerência com base em justa causa que consista em facto

culposo, suscetível de causa prejuízo à sociedade (alínea a), 2.ª parte);

Quando ocorra a sua interdição ou inabilitação (alínea b), 1.ª parte);

Quando seja declarada a sua insolvência (alínea b), 2.ª parte);

Quando, sendo sócio de indústria, se impossibilite de prestar à sociedade os serviços

a que ficou obrigado (alínea c)).

Trata-se de normas imperativas: não podem ser afastadas por vontade das partes. A lei regula

aspetos processuais. Assim:

A exclusão deve ser deliberada por três quartos dos votos dos restantes sócios, se o

contrato não exigir maioria mais elevada (artigo 186.º, n.º2, 1.ª parte CSC);

A deliberação deve ocorrer nos 90 dias seguintes àquele em que algum dos gerentes

(entenda-se: que não o próximo, caso o seja) tomou conhecimento do facto que

permite a exclusão (artigo 186.º, n.º2, 2.ª parte CSC);

Se a sociedade tiver apenas dois sócios, a exclusão só pode ser decretada pelo tribunal

(artigo 186.º, n.º3 CSC).

A exclusão do sócio não pode dar azo a um conflito. Assim, o sócio excluído tem direito ao

valor da sua parte social, calculado nos termos do artigo 105.º, n.º2 CSC, com referência ao

momento da deliberação de exclusão (artigo 186.º, n.º4 CSC). Não podendo, por força do

artigo 188.º CSC, ser a parte social liquidada, retoma o sócio o direito aos lucros e à quota de

liquidação, até lhe ser efetuado o devido pagamento (artigo 186.º, n.º5 CSC).

Extinção e liquidação de partes sociais: a extinção da parte social vem regulada

no artigo 187.º CSC. De facto, seja por falecimento do sócio (artigo 184.º CSC), seja pela sua

exoneração (artigo 185.º CSC), seja pela exclusão (artigo 185.º CSC), pode chegar-se a

situações nas quais a quota deve desaparecer. Dispõe o artigo 187.º CSC:

Ou há lugar à redução do capital social (artigo 187.º, n.º1, 1.ª parte CSC);

Ou o respetivo valor acresce ás restantes partes, nas proporções respetivas, devendo

ser alterado, em conformidade, o contrato de sociedade (artigo 187.º, n.º1, in fine, na

redação dada pelo Decreto-Lei n.º76-A/2006, 29 março);

Ou, por opção do pacto ou mediante decisão unânime: a criação de uma ou mais

partes sociais livres, no valor nominal igual à que foi extinta, para imediata

transmissão a sócios ou a terceiros (artigo 187.º, n.º2 CSC).

A liquidação da parte não é possível quando, tratando-se de sociedade não dissolvida, a sua

situação líquida se torne, por isso, inferior ao capital social (artigo 188.º, n.º1 CSC). Tal

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liquidação efetiva-se nos termos do artigo 1021.º CC. A parte é avaliada com referência ao

momento da ocorrência ou da eficácia do facto que originou a liquidação.

23.º - Alterações, dissolução e liquidação

Alteração no contrato: as sociedades em nome coletivo, como todas as outras podem,

uma vez constituídas, sofrer alterações. Estas implicam, em regra, modificações nos

respetivos contratos: firma pelo qual a lei aborda o tema, no artigo 194.º, n.º1 CSC. Esse

mesmo preceito especifica:

Alterações;

Fusão;

Cisão;

Transformação.

Todas essas eventualidades gozam de um regime geral: artigos 85.º a 96.º, 97.º a 117.º, 118.º

a 129.º e 130.º a 140.º CSC. Cumpre apenas recordar que, nesses preceitos, surgem alguns

especificamente dirigidos às sociedades em nome coletivo. Tal o caso do artigo 139.º, n.º1

CSC: a transformação de uma sociedade de responsabilidade ilimitada numa outra em que

esta seja limitada não afeta a responsabilidade pessoal e ilimitada dos sócios pelas dívidas

anteriormente contraídas. E, inversamente: numa transformação de uma sociedade de

responsabilidade limitada numa sociedade em nome coletivo, a responsabilidade pessoal e

ilimitada dos sócios não abrange as dívidas sociais anteriormente constituídas. Ainda como

regra específica, o artigo 194.º, n.º1 CSC determina que todas essas alterações são feitas por

unanimidade, a não ser que o contrato autorize a deliberação por maioria, que não pode ser

inferior a três quartos (3/4) dos votos de todos os sócios. Também só por unanimidade pode

ser deliberada a admissão de novos sócios (artigo 194.º, n.º2 CSC). Logicamente, tal admissão

envolve, ipso iure, a modificação do pacto social.

Dissolução e liquidação: a dissolução e liquidação surgem longa e

pormenorizadamente tratadas na Parte Geral: artigos 141.º a 145.º e 14.º a 165.º CSC,

respetivamente. São aplicáveis, quanto à dissolução, os dispositivos dos artigos 141.º e 142.º

CSC: Além disso, o artigo 195.º, n.º1 CSC, de acordo, aliás, com a regulamentação já

examinada, vem prever mais duas hipóteses de dissolução:

A requerimento do sucessor do sócio falecido, se a liquidação da parte social não

puder fazer-se por força do disposto no artigo 188.º, n.º1 (artigo 195.º, n.º1, alínea a)

CSC);

A requerimento, nas mesmas circunstâncias, do sócio que pretende exonerar-se com

base no artigo 185.º, n.º2, alíneas a) e b) CSC.

Temos, assim, algumas particularidades quanto às sociedades em nome coletivo. Quanto à

liquidação, segue-se o pormenorizado tratamento dos artigos 146.º e seguintes. Todavia, o

artigo 195.º, n.º2 CSC, com referência ao artigo 153.º, n.º3 CSC, que explicita dívidas dos

sócios que os liquidatários poderão exigir, vem acrescentar, além das dívidas das entradas, as

quantias necessárias para satisfação das dívidas sociais, em proporção da parte de cada um

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nas perdas; se, porém, algum sócios se encontrar insolvente, será a sua parte dividida pelos

demais, na mesma proporção.

Regresso à atividade: após a dissolução da sociedade e no decurso do processo de

liquidação, podem os sócios deliberar o termo desta e a retoma da atividade social. Trata-se

de uma hipótese prevista, em geral, no artigo 161.º CSC. Nas sociedades de responsabilidade

ilimitada, o regresso à atividade vai, de imediato, ampliar o universo das dívidas pelas quais

o sócio pode ser chamado a responder. Esta circunstância explica a especificidade do

regresso à atividade, quando estejam em causa sociedades em nome coletivo. Segundo o

artigo 196.º CSC, o credor do sócio de sociedade em nome coletivo em liquidação pode

opor-se ao regresso desta à atividade:

Desde que o faça nos trinta dias seguintes ao da publicação da respetiva deliberação;

Por notificação judicial avulsa requerida nesse prazo.

Recebida a notificação pode a sociedade, nos sessenta dias seguintes, excluir o sócio ou

deliberar a continuação da liquidação (artigo 196.º, n.º2 CSC). Se nada fizer, pode o credor

exigir judicialmente a liquidação da parte do seu devedor.

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Parte III – Sociedades por Quotas

Capítulo I – Tipo geral, origem e papel das sociedades

por quotas

24.º - Tipo geral

As sociedades por quotas no Código: o Código das Sociedades Comerciais

apresenta as sociedades por quotas no seu artigo 197.º, n.º1:

«Na sociedade por quotas o capital está dividido em quotas e os sócios são solidariamente

responsáveis por todas as entradas convencionadas no contrato social, conforme o disposto no

artigo 207.º».

Adiante veremos que esta primeira aproximação legal é insuficiente para definir o tipo

societário ora em estudo. Mas, aparentemente, estaremos:

Perante um tipo mais complexo;

Exigindo maior precisão de soluções;

E surgindo a uma certa distância do tipo básico das sociedades civis sob forma civil.

Verifica-se que o Código seguiu, grosso modo, a ordenação da Parte Geral, esforçando-se,

agora, por adaptar as suas soluções ao especial universo das sociedades por quotas. A

interpenetração destas com a Parte Geral é muito grande: de certo modo, mais do que a das

sociedades em nome coletivo, uma vez que a Parte Geral foi moldada sobre o regime das

sociedades de capitais.

A (mera) responsabilidade solidária pelas entradas: o tipo sociedades por quotas

parece distinguir-se, perante a apresentação do artigo 197.º, n.º1 CSC, pelo facto de existir,

entre os sócios, uma responsabilidade solidária pelas entradas. De facto e à partida, a entrada

corresponde a uma obrigação individual de cada sócio (artigo 20.º, alínea a) CSC) podendo

mesmo consistir numa prestação não fungível. Esta corresponsabilidade traduz, já, algo de

específico. A solidariedade pode ser convencionada: artigos 405.º, n.º1 e 712.º, n.º1 CC. Quer

isso dizer que em qualquer tipo societário as partes sempre poderiam, através de acordos

laterais, estabelecê-la, no tocante às entradas: nem por isso iriam transformar o ente em causa

numa sociedade por quotas. O artigo 197.º CSC vai mais longe. O seu n.º3 determina:

«Só o património social responde para com os credores pelas dívidas da sociedade, salvo o

disposto no artigo seguinte».

A responsabilidade solidária dos sócios pelas entradas torna-se, assim, supletivamente, na

única em que eles incorrem. Estamos perante uma responsabilidade dos sócios limitada às

entradas, o que nos habilita a falar, a propósito das sociedades por quotas, em sociedades de

responsabilidade limitada. De resto, é assim que elas são conhecidas nas línguas francesa,

SQ

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alemã, italiana e espanhola. A limitação da responsabilidade pode ser afastada através dos

acordos de responsabilização direta dos sócios para com os credores sociais, nos termos do

artigo 198.º CSC. De novo estamos perante uma característica insuficiente: teremos de, mais

longe, enquadrar o tipo. Tal como vimos suceder com as sociedades em nome coletivo,

haverá que recorrer ao elemento formal da firma. Esta, segundo o artigo 200.º CSC, pode ter

natureza pessoal, material ou de fantasia mas, em qualquer caso, concluirá pela palavra

limitada ou Lda. Não é pensável, com os graus de sindicância existentes (RNPC), que uma

sociedade possa formar-se com uma firma não indicada para o seu tipo. A partir daí, a firma

corresponderá a sociedades:

Cujas partes se denominem quotas, sendo subscritas pelos sócios num regime de

solidariedade na sua realização;

De responsabilidade limitada, uma vez que, supletivamente, os sócios não respondem

pelas obrigações sociais;

Com uma determinada configuração orgânica, distinta da das sociedades anónimas.

Natureza e função: as sociedades por quotas são, formalmente, sociedades comerciais:

logo, personalizadas (artigo 5.º CSC). E tal como sucede com as restantes sociedades:

também elas podem ser adotadas para dar corpo a sociedades civis (artigo 1.º, n.º4 CSC). Ao

contrário do que ocorre com as sociedades em nome coletivo, a personalidade coletiva das

sociedades por quotas não põe quaisquer dúvidas: nem na sua evolução, nem no Direito

comparado. As leis são expressas. Além disso, quando surgiram, já a doutrina da

personalidade coletiva estava estabilizada, oferecendo opções claras ao legislador. As

sociedades por quotas são multifacetadas: podem facultar as mais diversas funções, surgindo

como um instrumento para todos os fins. Tendencialmente, elas têm um número reduzido

de sócios: todos se conhecem, sendo frequente o estabelecimento de relações de confiança

entre eles. Funcionarão, nessa medida, como sociedades de pessoas. Os sócios podem, de

resto e para além das entradas, contribuir para a sociedade em termos personalizados

(vendedores, contabilistas e, em geral, prestadores de pequenos serviços). Mas a sociedade

por quotas pode funcionar como verdadeira sociedade de capitais: congregando fundos para

a prossecução de fins. A sua estrutura tem sido aproximada da das sociedades anónimas.

Encontramos sociedades por quotas familiares, profissionais e, propriamente, comerciais. O

tipo é suficientemente lato para abranger atuações non profit. Além disso, a sociedade por

quotas pode corresponder à mera atuação de uma pessoa: quando seja unipessoal. Podemos,

sem exagero, considerar que, mercê de vários fatores – incluindo alguns de natureza

psicológica –, as sociedades por quotas traduzem um tipo de organização capaz de

desenvolver qualquer espécie de atuação humana lícita.

26.º - O Código das Sociedades Comerciais

Apreciação geral: as sociedades por quotas deveriam constituir a fórmula de eleição para

as iniciativas patrimoniais que não estejam diretamente ligadas ao pequeno comércio

industrial. Praticamente, elas cobrem todo o tipo de atividades, podendo falar-se na sua

popularização. Em tais condições, haveria que dispensar-lhes um tratamento simples, claro

e flexível. O Direito português das sociedades por quotas, mercê dos fatores acima apontados,

SQ

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apresenta, porém, uma complexidade excessiva. Logo na preparação do competente

anteprojeto, assistiu-se a uma disputa de escolas, com sucessivos documentos de elaboração

distinta. Mantiveram-se, até tarde, indefinições políticas: quanto à opção por um Código das

Sociedades Comerciais ou por uma Lei de Sociedades por Quotas. Fica por explicar a

substituição da lei de 1901: afinal, na Alemanha, a Lei de 1892 conserva-se, até hoje, com

poucas alterações. Teria sido possível um Código mais simples, melhor arrumado e, no

tocante às sociedades por quotas, de maior acessibilidade. O tema põe mesmo em causa a

excelência de um Código das Sociedades Comerciais: as inevitáveis dúvidas que surgem na

articulação da Parte Geral com as partes especiais e as remissões e transposições entre os

diversos tipos societários fazem, da matéria, uma disciplina só acessível a juristas

especializados. Ora, as sociedades por quotas poderiam ser tratadas num Código sintético

mas preciso, dirigido a gestores e a pequenos e médios empresários. A inevitável

simplificação acabará por vir através de exigências comunitárias.

Capítulo II – O contrato de sociedades por quotas

27.º - Celebração e conteúdo

As partes; unipessoalidade e constituição não negocial: podem ser em

contrato da sociedade por quotas todas as pessoas: singulares ou coletivas. Dada a natureza

da responsabilidade limitada, desaparecem aqui as prevenções relativas às sociedades em

nome coletivo, desde que apresentam especificidades no tocante à participação dos cônjuges

(artigo 8.º, n.º1 CSC) ou à aquisição de posições em sociedades de responsabilidade ilimitada,

a autorizar pelo contrato (artigo 11.º, n.º1 CSC). A acessibilidade das sociedades por quotas

é uma das suas vantagens. A lei não fixa um número necessário de sócios. Deverá ser o

mínimo de dois (artigo 7.º, n.º2 CSC). A lei admite sociedades unipessoais por quotas, no

termo de uma evolução. Segundo o artigo 270.º-A CSC:

«1. A sociedade unipessoal por quotas é constituída por um sócio único, pessoa singular ou

coletiva, que é titular do capital social».

Todavia, a sociedade unipessoal por quotas corresponde a um tipo específico ou subtipo,

com regras próprias, incluindo uma firma onde figure, antes de Limitada ou Lda, a palavra

unipessoal (artigo 270.º-C CSC). Resta concluir que, a menos que se haja optado por uma

sociedade unipessoal, com firma e regras próprias, estatutos adotados e regras específicas, a

sociedade por quotas deve constituir-se com, pelo menos, dois sócios. E deverá mantê-los.

Quando reduzidas a um único, temos:

Ou se trata de pessoa coletiva pública ou entidade equiparada, altura em que a

situação pode manter-se (artigo 142.º, n.º1, alínea a) CSC);

Ou recompõe-se a pluralidade no prazo de um ano (idem);´

Ou é transformada em sociedade unipessoal por quotas, nos termos do artigo 270.º-

A, n.º3 CSC; SQ

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Ou é dissolvida administrativamente (artigo 142.º, n.º1, alínea a) CSC).

Mercê do antigo princípio da especialidade, o artigo 11.º, n.º5 CSC ainda consagra a regra

segundo a qual:

«O contrato pode ainda autorizar, livre ou condicionalmente, a aquisição pela sociedade (...) de

participações em sociedades com objeto do acima referido (...)».

Sendo que o objeto acima referido é o da própria sociedade potencial adquirente. Pareceria

resultar daqui uma limitação quanto à possibilidade de ser parte em sociedades por quotas: a

ser uma sociedade, ela teria de ter o mesmo objeto. Mas há dois mecanismos corretivos:

A capacidade da sociedade corresponde aos direitos e às obrigações necessários ou

convenientes à prossecução do seu fim (artigo 6.º, n.º1 CSC): ora como apenas os

sócios poem determinar o que é necessário ou conveniente, todas as situações são

compagináveis;

Na hipótese académica de se optar por uma aquisição que, de todo, nada pudesse ter

de útil, bastaria que ela tivesse operado por deliberação unânime dos sócios ou que

não sobreviesse qualquer oposição em 30 dias: ela consolidar-se-ia equivalendo, na

prática, a uma automática modificação dos estatutos.

Para além do já referido fenómeno da unipessoalidade, é ainda possível a constituição não-

contratual de sociedades por quotas:

Por diploma legal;

Por decisão judicial, quando a constituição de uma sociedade ocorra no âmbito de

um plano de insolvência;

Por decisão administrativa, quando o Estado opte pela constituição a solo, de uma

sociedade por quotas.

A lei portuguesa não põe limites ao número de sociedades por quotas de que se possa ser

sócio.

A forma e o registo: as sociedades por quotas seguem o regime geral da redução a escrito

com as assinaturas dos subscritores reconhecidas presencialmente, salvo se forma mais

solene for exigida, para a transmissão de bens com que os sócios entrem para a sociedade

(artigo 7.º, n.º1 CSC), a qual deve ser precedida pela obtenção do certificado de

admissibilidade da firma (artigo 54.º, n.º1 RNPC). Adquirem a personalidade plena pelo

registo (artigo 5.º CSC). Fácil no papel, este sistema era, na prática, o mais burocratizado da

Europa. Em Lisboa e no ano da graça de 2006, continuava a esperar-se meses por qualquer

registo comercial. A isso poderíamos acrescentar semanas pelo certificado de admissibilidade

de firma. Apenas a situação dos notários melhorara, devido à privatização: tudo depende,

agora, dos bons conhecimentos de cada um. Mantém-se, pois, uma grande expectativa em

torno da reforma de 2006, qua aboliu a necessidade de escritura pública. As enormes

delongas na constituição de sociedades, particularmente no tocante ao tipo popularizado das

sociedades por quotas, foram objeto de sucessivas representações aos Governos. Finalmente,

em 2005, houve novidade: veio facultar-se, em certos casos, a constituição de sociedades em

24 horas.

A constituição imediata (reforma de 2005): o Decreto-Lei n.º111/2005, 8 julho,

teve, em Diário da República, um sumário mediático: SQ

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«Cria a empresa na hora, através de um regime especial de constituição imediata de sociedades,

alterando o Código das Sociedades Comerciais, o Regime do Registo Nacional de Pessoas

Coletivas, o Código do Registo Comercial, (...)».

A aplicação do regime da constituição imediata de sociedades tem, como pressuposto, que

se eliminem todas as delongas relativas à admissibilidade da firma e às discussões com o

notário. Assim:

Quanto à firma: ou se opta por uma expressão de fantasia criada e reservada a favor

do Estado (artigo 3.º, alínea a), 1.ª parte do diploma) a escolher numa bolsa de firmas

reservadas a favor do Estado (artigo 15.º); ou se apresenta logo um certificado de

admissibilidade do RNPC (artigo 3.º, alínea a), 2.ª parte);

Quanto ao pacto: adota-se um modelo aprovado pelo Diretor-Geral dos Registos e

Notariado (artigo 3.º, alínea b)).

Quanto a aspetos processuais, observa-se o seguinte:

O processo de constituição imediata é da competência das conservatórias do registo

comercial, independentemente da sede da sociedade constituenda (artigo 4.º, n.º1); o

procedimento pode ser promovido, também, nos centros de formalidades de

empresas ou CFE (artigo 4.º, n.º2);

A tramitação deve iniciar-se e concluir-se no mesmo dia, em atendimento presencial

único (artigo 5.º);

Principia-se pela escolha da firma e do modelo do pacto ou ato constitutivo (artigo

6.º, n.º1), prosseguindo depois da verificação inicial da identidade, da capacidade e

dos poderes de representação dos interessados para o ato (artigo 6.º, n.º2);

Quanto a documentos, são exigidos:

i. Os comprovativos do depósito legal, capacidade e poderes de representação

(artigo 7.º, n.º1);

ii. A demonstração do depósito legal ou a declaração, sob a sua responsabilidade,

que será realizada no prazo de cinco dias úteis (artigo 7.º, n.º2);

iii. A entrega (facultativa) imediata da declaração de início de atividade para efeitos

fiscais (artigo 7.º, n.º3), sendo advertidos de que, quando a não façam, o

deverão fazer no serviço competente e no prazo legal (artigo 7.º, n.º4);

iv. Os serviços notificam ainda, por via eletrónica, a segurança social (artigo 7.º,

n.º5).

Feita a verificação inicial da identidade, da capacidade e dos poderes de representação dos

interessados, o serviço competente procede às diversas operações seriadas nas alíneas do

artigo 8.º, n.º1, a concluir com a emissão e entrega do cartão de identificação de pessoa

coletiva e com a comunicação, aos interessados, do número de identificação da segurança

social. Tudo isso se processa dentro do princípio da legalidade: o conservador deve recusar

a titulação, nos casos previstos no artigo 9.º e que se prendem com omissões, vícios ou

deficiências que prejudiquem o ato, seguindo-se o regime de impugnação dos artigos 98.º e

seguintes CRCom. São possíveis determinados aditamentos à firma selecionada (artigo 10.º).

O direito ao uso da firma caduca se o procedimento for interrompido por causa imputável

aos interessados (artigo 11.º). Concluído o procedimento, o serviço competente entrega de

imediato, aos representantes da sociedade e a título gratuito, uma certidão do pato ou ato

constitutivo e do registo deste último, bem como o recibo comprovativo dos encargos pagos

(artigo 12.º). E ainda o serviço competente procede, depois, e no prazo de 24 horas às

SQ

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diversas diligências subsequentes (artigo 13.º, n.º1): publicações legais, remessa para as

finanças da declaração de início de atividades, informações à Direção-Geral do Trabalho e à

Segurança social e outras. Num País visceralmente cético em relação a novidades que venham

do Estado, o esquema das empresas na hora obteve algumas críticas na comunicação social.

Verberou-se, em especial, a não intervenção de advogados e os riscos de afunilamento nos

locais onde o novo processo foi posto em vigor. Apenas há que desejar que o esquema

funcione, na prática. Em abstrato, ele é totalmente viável, graças à informática. Constitui um

excelente progresso que honra os seus autores. E poderá operar como um exemplo para

outros atos da vida privada, patrimonial e, até, pessoal.

A constituição on line (reforma de 2006): a modernização da constituição de

sociedades prosseguiu com o Decreto-Lei n.º125/2006, 29 junho: permitiu a criação de

sociedades pela Internet. Para o efeito, usa-se um sítio do Ministério da Justiça, mantido pela

Direção-Geral dos Registos e Notariado, com as diversas funções referidas no artigo 3.º, n.º1.

O regime de constituição on line não é aplicável a sociedades cujo capital seja realizado em

espécie, de tal modo que se exija forma mais solene do que a escrita; tão-pouco se aplica às

sociedades anónimas europeias (artigo 2.º). O pedido é formulado on line, envolvendo os

atos alinhados no artigo 6.º. Aí destacamos a opção por uma firma de fantasia precisamente

criada e reservada pelo Estado e a opção por um pacto-modelo ou por pacto enviado pelo

interessado. Os encargos são pagos por via eletrónica, havendo ainda que remeter os

elementos necessários. O pedido é apreciado pelo serviço competente (artigo 11.º): estando

tudo em ordem, ele procede à inscrição no RNPC e a todas as demais formalidades (artigo

12.º). Esta reforma só pode merecer apoio.

O conteúdo: o conteúdo do contrato de sociedade por quotas deve obdecer ao disposto

no artigo 9.º, n.º1 CSC: o preceito que rege, em geral, a matéria. E como as sociedades por

quotas se aproximam do modelo nuclear tido em conta pelo legislador, na Parte I,

compreende-se que pouco mais haja a acrescentar àquele preceito. Nessas condições, o artigo

199.º CSC limita-se a especificar como elementos a incluir no contrato:

O montante de cada quota de capital e identificação do respetivo titular;

O montante das entradas efetuadas por cada sócio no contrato e o montante das

diferidas.

Perante o artigo 199.º, alínea a) CSC, resultará sempre, do contrato de sociedade por quotas,

a identidade dos diversos sócios. Trata-se de um elemento que aproxima este tipo das

sociedades de pessoas: as sociedades anónimas limitam-se a especificar o número total das

ações. Para além dos elementos necessários, o contrato pode conter cláusulas eventuais,

algumas das quais típicas. Assim:

A obrigação de prestações acessórias (artigo 209.º, n.º1 CSC);

A permissão de prestações suplementares (artigo 210.º, n.º1 CSC), fixando as suas

coordenadas (artigo 210.º, n.º3 CSC);

A regulamentação do direito à informação (artigo 214.º, n.º2 CSC);

Regras quanto aos lucros (artigo 217.º, n.º1 CSC);

Regras quanto à transmissão por morte (artigo 225.º, n.º1 e 226.º, n.º1 CSC); Regras quanto à cessão de quotas (artigo 229.º CSC);

Permissão para amortização de quotas (artigo 232.º, n.º1 CSC);

SQ

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Os casos de exoneração (artigo 240.º, n.º1) e de exclusão do sócio (artigo 241.º, n.º1

CSC);

A competência da assembleia geral (artigo 296.º, n.º2 CSC);

A exclusão do voto escrito (artigo 247.º, n.º2 CSC);

A presidência da assembleia geral (artigo 248.º, n.º4 CSC);

A possibilidade de a cada cêntimo do valor nominal da quota competirem dois votos

(artigo 250.º, n.º1 CSC);

A designação dos gerentes (artigo 252.º, n.º2 CSC);

A permissão de concorrência, por parte dos gerentes (artigo 254.º, n.º1 CSC);

A natureza gratuita da gerência (artigo 255.º, n.º1 CSC) ou o facto de ela estar

indexada aos lucros (artigo 255.º, n.º3 CSC);

A exigência de maioria qualificada para a destituição dos gerentes (artigo 257.º, n.º2

CSC);

O direito especial à gerência (artigo 257.º, n.º3 CSC);

A competência da gerência (artigo 259.º CSC);

O funcionamento da gerência plural (artigo 261.º, n.º1 CSC);

A existência de um conselho fiscal (artigo 262.º, n.º1 CSC);

A exigência de uma maioria superior a ¾ para as alterações ao contrato (artigo 265.º,

n.º1 CSC).

Em todos estes casos há um regime supletivamente aplicável, na hipótese de nada se fizer no

contrato. O Código teria sido mais funcional se tivesse reunido, num preceito ordenado, esta

matéria. De todo o modo, cumpre reter que estamos no campo da autonomia privada. Cabe

às partes envolvidas definir, no que a lei não proiba, a ordenação dos seus interesses.

A firma: segundo o artigo 200.º CSC, a firma destas sociedades deve ser formada, com ou

sem sigla, pelo nome ou firma de todos, algum ou alguns dos sócios, ou por uma

denominação particular, ou pela reunião de ambos esses elementos, mas em qualquer caso

concluirá pela palavra “limitada” ou pela abreviatura Lda. Na constituição da firma, na sua

dogmática e nos meandros relativos à sua natureza, cabe observar as regras gerais. De todo

o modo, cumpre ter presente que a generalidade dos problemas que se põem a propósito da

firma têm, justamente, a ver com as sociedades por quotas.

28.º - Sociedades por quotas irregulares

Aspetos gerais; remissão: tal como vimos suceder com as sociedades em nome

coletivo, também nas sociedades por quotas pode haver situações de irregularidade por

incompletude ou por vício intrínseco. Têm aplicação as construções e as soluções gerais já

expendidas. Apenas cumpre chamar a atenção para as normas especialmente dirigidas a

sociedades por quotas – normas essas que, de resto, constam da Parte Geral

A sociedade não registada: a primeira especificidade ocorre na hipótese de uma

sociedade por quotas, já formalizada nos termos do artigo 7.º, n.º1 CSC, mas ainda não

registada, realizar algum negócio. Ou melhor, mantendo a ficção de que tais sociedades não

têm personalidade jurídica: de tal negócio ser praticado em seu nome. Nessa eventualidade,

SQ

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segundo o artigo 40.º, n.º1 CSC, na parte que agora releva, respondem ilimitada e

solidariamente todos os que no negócio agirem em representação dela, bem como os sócios

que tais negócios autorizarem. Digamos que, dada a falta do registo, a lei reage retirando o

privilégio da personalidade coletiva. Simplesmente, a responsabilidade dos representantes só

pode ser subsidiária:

Porque, de outro modo, a sua situação ficaria pior do que na sociedade por quotas

ainda não formalizada no contrato definitivo; nessa eventualidade, aplicar-se-ia o

regime das sociedades civis (artigo 36.º, n.º2 CSC), o qual prevê que os sócios

demandados por dívidas da sociedade possam requerer a prévia excussão do

património social;

Porque o resto do preceito, abaixo transcrito, visa precisamente assegurar um fundo

social comum: obviamente, para responder pelas dívidas.

Ainda segundo o artigo 40.º, n.º2, parte final CSC, na hipótese de negócios praticados em

nome de uma sociedade por quotas formalizada mas não registada, , os restantes sócios

respondem até às importâncias das entradas a que se obrigaram, acrescidas das importâncias

que tenham recebido a título de lucros ou da distribuição de reservas. Temos, aqui, uma regra

especialmente destinada a assegurar o património social responsável pelas dívidas.

A sociedade inválida: ocorrendo uma sociedade por quotas e uma vez efetuado o

registo definitivo, operam restrições quanto à invalidação. Trata-se de uma exigência do

Direito Europeu. Recordamos a lista dos vícios que permitem a invalidação (artigo 42.º, n.º1

CSC):

Falta do mínimo de dois sócios fundadores, salvo quando a lei permita a constituição

da sociedade por uma só pessoa;

Falta de menção da firma, da sede, do objeto ou do capital da sociedade, bem como

da entrada de algum sócio ou de prestações realizadas por conta desta;

Menção de um objeto ilícito ou contrário à ordem pública;

Falta de cumprimento dos preceitos legais que exigem a liberação mínima do capital

social;

Não ter sido reduzido a escritura pública o contrato de sociedade.

A ação de declaração de nulidade obedece ao artigo 44.º CSC, concebido sob o signo da

tutela do novo ente coletivo. O favor societatis explica que, segundo o artigo 42.º, n.º2 CSC,

sejam sanáveis os vícios que decorram da falta ou nulidade da firma e da sede, do valor da

entrada de algum sócio e das prestações realizadas por conta desta: por deliberação dos sócios,

tomada nos termos estabelecidos para as deliberações sobre alteração do contrato. Quanto a

vícios de vontade – o erro, o dolo, a coação e a usura: podem ser, nas sociedades por quotas,

invocados como justa causa de exoneração pelo sócio atingido ou prejudicado, desde que se

verifiquem as circunstâncias, incluindo as de tempo, que permitiriam a anulação, pelo Direito

Civil (artigo 45.º, n.º1 CSC). Essa justa causa vem somar-se ao elenco do artigo 240.º, n.º1

CSC. Havendo incapacidade: segundo o artigo 45.º, n.º2 CSC, o negócio jurídico é anulável

em relação ao incapaz. A 1.ª Diretriz das sociedades comerciais concede, a estas, uma

proteção perante as invalidades, independentemente do registo. O artigo 42.º CSC só se

aplica, porém, depois do registo definitivo. A sociedade por quotas invalidada fora do que

prevê o artigo 11.º da 1.ª Diretriz – e mercê do artigo 42.º, n.º1 CSC – por não se mostrar

registada, traduzirá uma violação concreta daquele diploma comunitário. Os prejudicados

pela ocorrência poderão demandar o Estado português pelos danos daí resultantes.

SQ

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29.º - O capital e as entradas

O capital: as sociedades por quotas têm, necessariamente, capital social: um ponto que

deriva da sua própria natureza e que surge positivado nos artigos 9.º, n.º1, alínea f), 199.º,

alínea a) e 201.º CSC. Não são admitidas contribuição de indústria (artigo 202.º, n.º1 CSC)

assim se fechando o círculo. O capital mínimo está fixado nos 5000€ (artigo 201.º CSC): esse

valor deve ser respeitado aquando da constituição: além disso, o capital não pode,

ulteriormente, descer abaixo desse montante. O Decreto-lei n.º253/2001, 30 agosto veio, no

seu artigo único, n.º1, determinar que as sociedades que não houvessem procedido ao

aumento de capital social até aos montantes mínimos previstos nos artigos 201.º e 277.º, n.º3

CSC devem ser dissolvidas a requerimento do Ministério Público, mediante participação do

conservador do registo comercial. O artigo único previa, porém, uma notificação prévia, a

efetuar pela conservatória do registo comercial, notificação essa a partir da qual se contariam

três meses: última oportunidade para a regularização do capital social, perante a lei nova.

As entradas; o diferimento: a obrigação de entrada (artigos 20.º, alínea a) e 25.º e

seguintes CSC) assume, nas sociedades por quotas, algumas particularidades. Como vimos,

na hipótese de se recorrer à constituição imediata prevista no Decreto-Lei n.º111/2005, 8

julho, apenas as entradas em dinheiro são possíveis. O legislador dispensou um especial

tratamento à possibilidade de diferimento das entradas. Apenas pode ser diferida a efetivação

das entradas em dinheiro desde que estas, no seu conjunto e somadas as eventuais entradas

em espécie – que não são diferíveis – perfaçam o capital mínimo fixado na lei. O artigo 202.º,

n.º3 a 5 CSC tem a redação que resultou, sucessivamente, de alterações legislativas e o regime

daí resultante é o seguinte:

A soma das entradas já realizadas deve ser depositada em instituição de crédito, numa

conta aberta em nome da futura sociedade, até ao momento da celebração do

contrato;

Os sócios devem declarar no ato constitutivo, sob sua responsabilidade, que

procederam a esse depósito;

Dessa conta só poderão ser feitos levantamentos:

i. Depois do registo definitivo;

ii. Depois de celebrado o contrato, caso os sócios autorizem os gerentes a efetuá-

los para fins determinados;

iii. Para liquidação por inexistência ou nulidade do contrato ou por falta de registo.

De iure condendo, não se justificam estes depósitos obrigatórios, hoje reduzidos a mero ritual.

Em 2001 veio permitir-se a substituição do comprovativo do depósito por uma declaração

dos sócios, sob sua responsabilidade, de que o depósito existe. Há como que um convite à

fraude, numa solução que ficou a meio caminho entre a saída ideal e a existente. De notar

que a inexistência do contrato (que não constava da redação inicial do Código) não tem

projeção na Parte Geral. Será um vício específico das sociedades por quotas? Não cremos

que a inexistência deva ser admitida como um vício autónomo. A sua transposição para as

sociedades anónimas iria contraditar o artigo 11.º, n.º2 da 1.ª Diretriz sobre Direito das

sociedades. Quanto a sociedades por quotas: embora não haja, nesse domínio, Direito

comunitário aplicável, sempre assistiríamos a grave disfunção. Sublinhe-se ainda que, no

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tocante a sociedades irregulares, o vasto regime legislado nada diz quanto a pretensas

inexistências. Há que – também por isso – reconduzi-las à nulidade. A possibilidade de

diferimento das entradas e o montante abrangido devem constar do próprio contrato de

sociedade (artigo 199.º, alínea b) CSC). Compreende-se: trata-se de um ponto sensível,

relevante para terceiros e em relação ao qual operam as razões justificativas da exigência de

forma para o próprio contrato de sociedade. Quando as partes optem pelo diferimento, para

além da já vista regra de que só podem estar em causa entradas em dinheiro e até metade

(artigo 202.º, n.º1 CSC), há que observar o seguinte (artigo 203.º, n.º1 e 2 CSC):

O diferimento operará a termo;

Tornando-se exigível, em qualquer caso, em cinco anos ou em metade de duração da

sociedade, quando inferior;

E devendo, salvo acordo em contrário, as prestações dos diversos sócios ser

simultâneas e representar frações iguais do respetivo montante.

O diferimento operará a termo: ou é remetido para uma data fixada ou fica dependente de

factos certos e determinados. Não se admite um diferimento condicionado (facto futuro e

incerto). Para eventualidades, a lei prevê mecanismos, incluindo o próprio aumento de capital,

a decidir pelos sócios. Exigível em cinco anos ou em metade da duração da sociedade,

quando seja inferior: uma norma imperativa destinada a prevenir um diferimento sem limites.

Esta regra é aplicável quando as partes não fixem prazo algum? Temos duas soluções em

abstrato:

Ou, na falta de qualquer prazo, se entende haver o termo legal supletivo de cinco

anos – ou de metade da duração da sociedade, quando inferior;

Ou, nessa mesma eventualidade, se recorre ao regime geral das obrigações sem prazo,

presente no artigo 777.º, n.º1 CC: a sociedade pode solicitar a entrada a todo o tempo

ou o sócio pode-se apresentar a todo o tempo a efetivá-la; esta solução tem a

preferência de Raúl Ventura, com o argumento de que os prazos mínimos operam

em benefício da sociedade e não dos sócios.

Subjacente à solução de Raúl Ventura temos uma contraposição entre o interesse da

sociedade e o dos sócios: um ponto complexo e do qual nos parece difícil retirar soluções

dogmáticas capazes. O problema deve ser repensado. Se as partes não indicarem, no contrato,

qual o prazo do diferimento, há uma lacuna. Esta lacuna deve ser integrada em termos

objetivos, com aproximação às regras próprias da interpretação da lei. Teremos de considerar,

caso a caso, o que se passa. Assim:

Ou resulta do contrato que as entradas diferidas devem coincidir com determinado

evento certus an, ainda que incertus quanto: nessa altura, a integração aproximará, dessa

eventualidade, o prazo de efetivação;

Ou apenas emerge que as partes não quiseram vincular-se a nenhuma data, altura em

que operam os limites legais máximos: cinco anos ou metade da duração da sociedade.

Estamos no campo da autonomia privada. Esse mesmo regime deve aplicar-se perante

entradas condicionadas e, designadamente, perante a condição (potestativa) do chamamento

da gerência: tal chamamento ou é objetivamente justificado (certus an) ou tem o limite dos

cinco anos ou metade da duração da sociedade. Quanto à exigência (supletiva) de realização

simultânea das entradas diferidas e de percentagens idênticas nessa mesma realização trata-

se do afloramento do princípio do igual tratamento dos sócios.

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284

Sócio remisso; tramitação: a ocorrência do termo no qual a entrada diferida deva ser

verificada – seja pelo decurso do prazo, seja pela verificação do facto certus an de que dependa

– provoca a exigibilidade fraca da inerente prestação. Há um desvio em relação ao artigo

805.º, n.º1 e 2 CC: havendo prazo prefixado ou derivando o vencimento de facto certus an, a

mora deveria ser imediata (ex re). A exigência de interpretação cifra-se num favor socii,

destinado a prevenir que este, por desconhecimento da ocorrência do facto certus an ou por

esquecimento, entre em mora, desencadeando um sempre desagradável conflito com a

sociedade. Aflora, neste ponto, a vertente pessoal das sociedades por quotas. Esse mesmo

aspeto surge, ainda, na eficácia diferida da própria interpelação: esta não provoca o

vencimento (forte) imediato da prestação; ela deve fixar um prazo, entre 30 e 60 dias, para o

efetivo pagamento. O sócio não é apanhado desprevenido (mínimo de 30 dias) mas também

não pode beneficiar de novos e longos diferimentos (máximo de 60 dias). Os gerentes,

verificado o termo, têm o dever de interpelar tão cedo quanto possível ou constituir-se-iam

sujeitos do dever de indemnizar a sociedade pelos danos que ocasionarem com a sua omissão.

Interpelado, pode o sócio não realizar a prestação no prazo que lhe tenha sido fixado na

própria interpelação. Temos a figura do sócio remisso, regulada nos artigos 204.º a 208.º CSC.

Repare-se que a mora do sócio na realização da entrada é duplamente grave: põe em causa o

próprio ente coletivo e conduz, por via do sistema de responsabilidade subjacente às

sociedades por quotas, à responsabilização solidária dos sócios cumpridores. O artigo 204.º

CSC, perante o sócio remisso, prevê a seguinte tramitação:

O sócio deve ser avisado, por carta registada, que a partir do 30.º dia subsequente à

sua receção, fica sujeito a exclusão e à perda, total ou parcial, da quota: trata-se de um

prazo admonitório que corresponde à adaptação do artigo 808.º, n.º CC;

Não sendo o pagamento efetuado nesse prazo, pode a sociedade deliberar excluir o

sócio (artigo 204.º, n.º2, 1.ª parte CSC);

Ou, em alternativa, por sua iniciativa ou a pedido do sócio remisso, pode optar por

limitar a perda à parte da quota correspondendo à prestação não efetivada (artigo

204.º, n.º2, 3.ª parte CSC); a essa parte não é aplicável o artigo 219.º, n.º3 CSC

(mínimo de 100€), mas ela não pode ser inferior a 50€ (artigo 204.º, n.º3 CSC).

A exclusão do sócio vem genericamente prevista no artigo 241.º, n.º1 CSC: trata-se, aqui e

precisamente, de um dos casos previstos na lei, para que a exclusão possa sobrevir. Torna-se

importante sublinhar que a exclusão do sócio, com a subsequente tramitação legal, não é

obrigatória: a sociedade pode optar pelo regime comum de execução da dívida. Tal se infere,

designadamente e também, do artigo 207.º, n.º4 CSC. A hipótese de exclusão dos sócios

remissos não é um mero esquema de execução coativa da prestação, a funcionar em

alternativa ao regime geral (artigo 817.º CC). Pelo contrário: antes afloram, aqui, valores

societários próprios das sociedades de pessoas. O sócio remisso está, antes de mais, a quebrar

a confiança dos restantes sócios, na prossecução dos fins societários. Não efetivando a

obrigação de entrada, ele coloca-se à margem do projeto coletivo, podendo ser excluído. Mas

isso passa por uma concreta avaliação do sucedido: donde a exigência de deliberação dos

sócios (artigo 246.º, n.º1, alínea c) CSC) deliberação essa em que o próprio sócio remisso não

pode votar (artigo 251.º, n.º1, alíneas c) e d) CSC). A exclusão do sócio ou a perda da parte

da quota correspondente à prestação devem ser comunicadas ao interessado (artigo 204.º,

n.º2, 2.ª e 4.ª partes CSC). À perda de parte da quota aplica-se, depois, o regime

correspondente à quota do sócio excluído (artigo 204.º, n.º4 CSC). Excluído o sócio, cumpre

decidir o destino da quota perdida a favor da sociedade. A lei prevê as diversas hipóteses:

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A venda da quota em hasta pública (artigo 205.º, n.º1, 1.ª parte CSC);

A venda a terceiros por modo diverso, exigindo-se, porém, sendo o preço inferior à

soma do montante em dívida com a prestação já efetuada por conta da quota, o

consentimento do sócio excluído (artigo 205.º, n.º1, 2.ª parte CSC);

A divisão da quota proporcionalmente às dos outros sócios, vendendo-se a cada uma

parte que lhe couber (artigo 205.º, n.º2, alínea a) CSC);

A venda indivisa ou a divisão não proporcional seguida de venda, uma e outra a favor

de algum ou alguns dos sócios (artigo 205.º, n.º2, alínea b) CSC); esta via segue o

artigo 265.º, n.º1 CSC (maioria necessária para a alteração do contrato); além disso,

o preço por que os outros sócios pretendem adquirir a quota deve ser previamente

comunicado ao sócio excluído, por carta registada, podendo este, no prazo de 30 dias,

opor-se à execução da deliberação quando o preço em causa não alcance a soma da

importância em dívida com o valor já pago e desde que ele não cubra o valor real da

quota calculado nos termos do artigo 1021.º CC (artigo 205.º, n.º3 CSC); a

deliberação não pode ser executada antes de decorrido o prazo para a oposição ou

antes do trânsito em julgado da decisão que declare a oposição ineficaz (artigo 205.º,

n.º4 CSC).

A solução de base será, tudo visto, a venda em hasta pública. Todavia, a vertente pessoal das

sociedades por quotas explica que a venda possa ser feita a sócios, se assim se deliberar e os

outros requisitos forem preenchidos. Mas deverá haver venda, seja ela qual for? Raúl Ventura

responde pela positiva: de outro modo – diz ele – conservar-se-ia na titularidade da sociedade

uma quota não liberada, sendo que a própria sociedade não pode proceder à liberação. Ora

está em causa o interesse dos credores, pelo que a regra não pode ser derrogada pelos sócios.

Na verdade, joga-se, também, o interesse do sócio remisso, que já terá realizado, pelo menos,

50% do capital que lhe caiba. Veja-se, a tal propósito, o artigo 208.º, n.º2 CSC. O artigo 206.º

CSC versa a responsabilidade do sócio e a dos anteriores titulares da quota: ela é solidária,

perante a sociedade ( e sem possibilidade de compensação) pela diferença do produto da

venda e a parte da entrada em dívida (n.º1). O titular anterior que pagar à sociedade (ou a um

sócio sub-rogado, nos termos do artigo 207.º CSC) tem o direito de haver do sócio excluído

e de qualquer dos antecessores deste, em regime de conjunção, o reembolso da quantia paga,

depois de deduzida a parte que lhe competir (artigo 206.º, n.º2 CSC). A responsabilidade dos

outros sócios consta do artigo 207.º CSC. Quanto às quantias obtidas na venda das quotas

(artigo 208.º, n.º1 e 2 CSC):

Suportam as despesas correspondentes;

Cabem à sociedade, até ao limite da entrada em dívida;

No excedente, se o houver, competem aos outros sócios, no limite dos desembolsos

que hajam suportado;

No que sobre, será entregue ao sócio remisso até ao limite da parte da entrada por

ele prestada;

No remanescente: pertente à sociedade.

A lei não deixou grande margem à imaginação do intérprete-aplicador.

Capítulo III – Os sócios por quotas

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30.º - A responsabilidade

Pelas entradas: cada sócio é responsável pela sua entrada e, designadamente, pela parcela

cuja efetivação tenha sido diferida no contrato de sociedade. Além disso, ele é solidariamente

responsável, com os demais sócios, pela realização do capital diferido. Trata-se de um ponto

que a própria lei apresenta como característica da sociedade (artigo 197.º, n.º1 CSC). A

responsabilidade pela entrada própria equivale ao específico e já examinado regime das

entradas. A responsabilidade solidária pelo conjunto das entradas coloca uma problemática

própria, versada no artigo 207.º CSC. A responsabilidade de cada sócio pelas entradas alheias

provém da Lei alemã e vem regulada e desenvolvida no nosso Código no artigo 207.º, n.º1

CSC:

«Excluído um sócio, ou declarada perdida a favor da sociedade parte da sua quota, são os

outros sócios obrigados solidariamente à parte da entrada que estiver em dívida, quer a quota

tenha sido ou não já vendida nos termos dos artigos anteriores; nas relações internas esses sócios

respondem proporcionalmente às suas quotas».

Tem-se, assim, o regime de responsabilidade subsidiária pelas quotas alheias, com

solidariedade entre os corresponsáveis, a repartir, nas relações internas, na proporção das

quotas respetivas. Como (bem) observa Raúl Ventura, o esquema legal é pouco animador: a

responsabilidade solidária depende de deliberação dos próprios sócios a responsabilizar,

deliberação essa que irá no sentido da perda, total ou parcial e a favor da sociedade, da quota

do sócio remisso. Também lá se poderia chegar na hipótese de a sociedade ter optado pelos

meios executivos normais (portanto: sem efetuar as declarações previstas no artigo 204.º,

n.º1 CSC) e não ter logrado recuperar, do sócio remisso, a importância em dívida (artigo

207.º, n.º4 CSC). De todo o modo, no caso de a sociedade não exercer os seus direitos contra

os sócios (seja o remisso, seja os restantes), podem os credores sociais fazê-lo, por via do

artigo 30.º CSC. Pergunta-se quem são os outros sócios, para efeitos de responsabilização

subsidiária e solidária pela realização das quotas em falta. Outros sócios são os titulares de

posições sociais válidas e eficazes. Não ficam abrangidos:

O próprio sócio remisso e excluído;

Os anteriores titulares da quota do remisso, que respondem nos termos do artigo

206.º CSC;

O adquirente da quota do sócio remisso;

A sociedade, como detentora de quotas próprias: o regime especial destas prevalece

sobre as regras gerais.

O sócio que tiver efetuado algum pagamento por via do artigo 207.º CSC pode (artigo 207.º,

n.º3 CSC) sub-rogar-se no direito que assiste à sociedade contra o excluído e seus sucessores,

segundo o disposto no artigo 206.º CSC, a fim de obter o reembolso da quantia paga.

Direta para com os credores sociais: as sociedades por quotas são sociedades de

responsabilidade limitada. Os sócios não respondem pelas dívidas sociais (artigo 197.º, n.º3

CSC): apenas pelas entradas próprias e, subsidiaria e solidariamente, pelas quotas dos outros

sócios. O Código de 1986, inovando, veio, todavia, prever a possibilidade de uma

responsabilidade direta para com os credores sociais. A ideia de responsabilidade

suplementar dos sócios veio a filiar-se em considerações de ordem prática detetadas no

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funcionamento efetivo da sociedade por quotas. As sociedades por quotas têm, em regra,

um capital pouco expressivo. O seu financiamento vem a ser efetuado pelos próprios sócios,

com recurso a suprimentos ou a prestações suplementares, ou pelo recurso da própria

sociedade ao crédito. Neste último caso, porém, apenas se obtêm financiamentos,

designadamente bancários, desde que haja uma garantia pessoal dos sócios. Explica Raúl

Ventura:

«(...) portanto, parece mais simples e cómodo admitir que, logo na constituição da sociedade e

até montantes determinados, os sócios assumam responsabilidade solidária com a sociedade

pelas obrigações que esta contrair».

A responsabilidade direta dos sócios para com os credores requer:

Uma estipulação no contrato;

Com uma indicação do montante-limite.

Para além disso, e segundo o artigo 198.º, n.º CSC, essa responsabilidade pode assumir

diversas feições, consoante o que resulte do pacto social. Designadamente:

Pode ser solidária com a da sociedade;

Pode ser subsidiária em relação à desta, a efetivar apenas na fase da liquidação.

Trata-se de uma responsabilidade pessoal. Assim (artigo 198.º, n.º2 CSC):

Abrange apenas as obrigações da sociedade constituídas enquanto o sócio

responsável a ela pertencer;

Não se transmite por morte deste, sem prejuízo da transmissão das obrigações a que

o sócio estava anteriormente vinculado.

Supletivamente, o sócio chamado a pagar dívidas sociais, ao abrigo deste esquema, tem

direito de regresso contra a sociedade, pela totalidade do que houver pago: mas não contra

os outros sócios. Naturalmente: a hipótese, dependente de estipulação, de haver regresso

contra a sociedade e contra os restantes sócios tem maior interesse.

Outras; funcionamento do sistema: em princípio, o status de sócio em sociedades

por quotas não compreende outras situações de responsabilidade por dívidas sociais, para

além das acima descritas. Trata-se de consequência lógica da personalização e do princípio

da separação de esferas e patrimónios. Apenas por contrato se poderão estabelecer hipóteses

de responsabilização. A responsabilidade dos sócios por dívidas sociais poderá, todavia,

surgir por exigências específicas do sistema e ao abrigo do instituto do levantamento da

personalidade coletiva. Caberá recordar que o tema surgiu, na jurisprudência europeia,

precisamente a propósito das sociedades por quotas: estas, precisamente por aliarem um

pequeno capital à responsabilidade limitada, poderiam dar azo a abusos. Nessa altura, a

exigência de boa fé determinaria a responsabilização dos sócios envolvidos. Existe, a esse

propósito, toda uma tipologia de casos, tratados na Parte Geral, para onde se remete. O

funcionamento do sistema permite constatar que a limitação da responsabilidade dos sócios

é muito teórica. Na verdade, no que toca aos créditos bancários – os mais significativos, uma

vez que é junto da banca que se financiam as sociedades comuns – as sociedades por quotas

só logram obtê-los mediante garantias pessoais (fiança ou avais) dos sócios ou, pelo menos,

dos sócios gerentes. A hipótese, prevista no Código, de uma responsabilidade direta dos

sócios, até este momento, não tem sido explorada. Mais fácil e dinâmica, sobretudo perante

obrigações cambiárias, é a direta assunção, pelos sócios, do papel de garantes, perante certas

dívidas. Justamente na via de, contratualmente e em face de outros débitos, responsabilizar

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os sócios pelas dívidas de sociedades surgiram as fianças omnibus: contratos pelos quais os

sócios – ou os sócios gerentes – assumiriam a responsabilidade ilimitada por todas as dívidas,

presentes e futuras, da sociedade, perante certo credor. Tais contratos já foram considerados

nulos por indeterminabilidade do seu conteúdo ou por contrariedade aos bons costumes: um

ponto a verificar caso a caso. Dada a prática, podemos considerar que o grande atrativo das

sociedades por quotas é o seu potencial organizativo: mais do que a limitação da

responsabilidade, um tanto teórica.

31.º - Prestações acessórias e prestações suplementares

Obrigações de prestações acessórias: as obrigações de prestações acessórias estão,

hoje, expressamente consagradas na lei. Segundo o artigo 2’9.º, n.º1 CSC, trata-se de

obrigações:

Constantes do contrato de sociedade;

Adstringem todos ou alguns sócios;

A efetuar, a favor da sociedade, determinadas prestações, além das entradas.

Além disso, sempre segundo o mesmo preceito, deve o contrato de sociedade que as inspira:

Definir os elementos essenciais da obrigação;

Especificar se as prestações devem ser fixadas onerosa ou gratuitamente.

Seguem-se diversos aspetos relativos ao seu regime. A origem destas prestações deve-se à

doutrina alemã dos deveres de prestação acessórios, a que se reconhece a maior relevância

prática. Não há limitações quanto ao seu conteúdo: prestações pecuniárias, de entrega de

coisas certas ou de serviço, dependendo da autonomia das partes. O Código das Sociedades

comerciais, consagrou as prestações acessórias (artigo 209.º CSC), diferenciadas das

suplementares (artigo 210.º CSC). Trata-se de prestações independentes: filhas da autonomia

privada, elas vinculam imediatamente os sócios podendo atingi-los todos ou apenas alguns,

diferenciada ou paralelamente. Elas podem dever ser executadas de imediato ou, apenas,

ulteriormente: a prazo certus an certus quando, apenas certus an ou sob condição (incertus an). O

conteúdo depende da autonomia das partes. Designadamente: pode tratar-se de prestações

pecuniárias, de prestações de dare e de prestações de facto. Quanto a prestações pecuniárias,

o artigo 209.º, n.º2 CSC pressupõe, de modo expresso, prestações acessórias pecuniárias.

Ainda quanto ao conteúdo: as prestações acessórias podem ser instantâneas ou duradouras,

únicas ou fracionadas, periódicas ou irregulares. As denominações que lhes deem as partes

não são vinculativas. Assim, um suprimento obrigatório é, na realidade, uma prestação

acessórias pecuniária. Correspondendo o conteúdo da prestação ao de um contrato típico,

aplica-se a regulamentação própria do contrato em causa (artigo 209.º, n.º1, final CSC).

Outros traços do regime:

As prestações acessórias não-pecuniárias são intransmissíveis (artigo 209.º, n.º2 CSC):

um caso de interdição legal de cessão de créditos, a subsumir no artigo 577.º, n.º1 CC;

Convencionando-se a onerosidade, a contraprestação pode ser paga

independentemente de haver lucros do exercício (artigo 209.º, n.º3 CSC);

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O incumprimento das prestações acessórias não afeta a posição do sócio como tal

(artigo 209.º, n.º4 CSC);

As obrigações acessórias extinguem-se com a dissolução da sociedade (artigo 209.º,

n.º5 CSC).

Este último preceito resulta da natureza das coisas: se a obrigação devesse subsistir à

dissolução da sociedade, já teria uma natureza não societária, cabendo apenas, caso a caso,

ponderar a sua licitude. Quanto às restantes, todas elas são supletivas, embora a lei só o diga

expressamente no artigo 209.º, n.º4 CSC e, implicitamente, no artigo 209.º, n.º3 CSC.

Estamos no seio da autonomia privada, cabendo às partes reger os seus interesses como bem

entenderem. No que tange à sua natureza, as obrigações de prestações acessórias surgem

como cláusulas acidentais facultativas e típicas, próprias dos contratos de sociedade. O

legislador deixa-as à disposição dos interessados para que melhor possam compor os seus

negócios.

Prestações suplementares: com a figura das prestações suplementares trata-se de uma

via de financiamento complementar das sociedades, à disposição dos sócios. Aquando da

preparação do Código das Sociedades Comerciais, Raúl Ventura chegou a propor a abolição

da figura. todavia, ela manteve-se pelo peso da tradição: fica à disposição dos sócios como

mais um instrumento de apoio ao financiamento das sociedades ora em estudo. Elas

assumem o papel de um complemento do património social e não (como os suprimentos)

de mero mútuo à sociedade. Várias razões podem levar as partes a estipular prestações

suplementares, com relevo para as conveniências de reforço dos capitais próprios. Quanto

ao seu regime, elas distinguem-se, desde logo, pela dupla base jurídico-normativa (artigo 210.º,

n.º1 CSC):

Devem estar previstas no pacto inicial, seja ab initio, seja por alteração;

Devem ser deliberadas pelos sócios.

Ao contrário do que sucede com as prestações acessórias, as prestações suplementares têm,

necessariamente, natureza pecuniária (artigo 201.º, n.º2 CSC). Isto dito, deve o próprio

contrato conter diversos elementos a elas relativos:

O seu montante global;

Os sócios que ficam obrigados;

O critério de repartição entre eles.

A indicação do montante global é essencial; na falta de indicação dos sócios obrigados, todos

ficam adstritos a fazê-lo; e não havendo critério de repartição, deve esta ser proporcional à

quota de cada um (artigo 210.º, n.º4 CSC). As prestações suplementares não vencem juros

(artigo 210.º, n.º5 CSC). Para além da consagração no pacto social, as prestações

suplementares devem ser deliberadas. Essa deliberação terá de fixar (artigo 211.º, n.º1 CSC):

O montante tornado exigível;

O prazo da prestação, que não pode ser inferior a 30 dias, a contar da comunicação

aos sócios.

Temos, ainda, duas restrições (artigo 211.º, n.º2 e 3 CSC):

A deliberação só é possível depois de interpelados todos os sócios para liberação

integral das suas quotas de capital;

As prestações não podem ser exigidas depois de dissolvida a sociedade.

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As prestações suplementares estão próximas do dever de entrada. É-lhes aplicável o disposto

nos artigos 204.º e 205.º CSC (artigo 212.º, n.º1 CSC). Pode, pois, ser excluído o sócio que

não as acate, o que se compreende: trata-se de obrigações assumidas no pacto social; o

incumprimento justifica, em relação ao faltoso, como que uma resolução contratual. O

legislador reforça os traços próprios da sua efetivação e da sua natureza pessoal:

Ao crédito da sociedade por prestações suplementares não pode ser oposta a

compensação (artigo 212.º, n.º2 CSC);

A sociedade não pode exonerar os sócios da obrigação de as efetuar, estejam ou não

já exigidas (artigo 212.º, n.º3 CSC);

O direito de as exigir é intransmissível e nele não podem sub-rogar-se os credores da

sociedade (artigo 212.º, n.º4 CSC).

A restituição das prestações suplementares: as prestações suplementares, ainda

que não vencendo juros (artigo 201.º, n.º5 CSC), podem ser restituídas. Para isso, o artigo

213.º CSC fixou uma série de requisitos. Desde logo, a restituição depende de uma

deliberação dos sócios (artigo 213.º, n.º2 CSC). Posto o que:

A situação líquida não pode ficar inferior à soma do capital e da reserva legal (artigo

213.º, n.º1, 1.ª parte CSC);

O respetivo sócio já deve ter liberado a sua quota (artigo 213.º, n.º1, 2.ª parte CSC).

Cabe ainda observar o seguinte:

A restituição não é possível depois de declarada a insolvência da sociedade (artigo

213.º, n.º3 CSC);

A restituição deve respeitar a igualdade dos sócios que as tenham efetuado, desde que

hajam liberado as quotas respetivas (artigo 213.º, n.º4 CSC).

Para o cálculo do montante da obrigação vigente de efetuar prestações suplementares não

são computadas as prestações restituídas.

32.º - Contrato de suprimento

Noção, origem e figuras afins: quando uma sociedade por quotas tenha necessidade

de financiamentos, a solução mais fácil, mais natural e mais flexível é ajustá-los com os seus

próprios sócios. Temos a figura do contrato de suprimento, definido no artigo 243.º, n.º1

CSC como:

«(...)o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando

esta obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade(...)».

Ou, numa segunda modalidade, o contrato:

«(...) pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus

sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo caráter de permanência».

A exigência, em qualquer caso do caráter de permanência leva o legislador a fixar índices. São

eles (artigo 243.º, n.º2 e 3 CSC):

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A articulação de um prazo de reembolso superior a um ano, seja ela contemporânea

à constituição do crédito ou posterior a ela; no caso de diferimento do vencimento,

computa-se o tempo decorrido desde a constituição até ao negócio de diferimento;

A não exigência do reembolso devido pela sociedade durante um ano, quer não

havendo um prazo inferior; tratando-se de lucros não distribuídos, o prazo de um

ano conta-se desde a data da deliberação de distribuição.

Os credores sociais podem provar o caráter de permanência mesmo que o reembolso tenha

ocorrido antes de expirado um ano; os sócios podem ilidir a presunção de permanência

demonstrando que o diferimento corresponde a circunstâncias independentes da qualidade

de sócio (artigo 243.º, n.º4 CSC). Fica ainda sujeito ao regime dos suprimentos o crédito de

terceiro sobre a sociedade, desde que o sócio o adquira por negócio entre vivos e no

momento da aquisição se verifique alguma das circunstâncias que constituem índice de

permanência (artigo 243.º, n.º5 CSC). Esta equiparação de regimes permite ver, aqui, uma

terceira modalidade de suprimentos. Os suprimentos devem distinguir-se das figuras afins,

designadamente das prestações acessórias e das prestações suplementares: os regimes

envolvidos são bastante diversos:

As prestações acessórias resultam do pacto social e podem envolver dinheiro, bens

ou serviços;

As prestações suplementares são permitidas pelo pacto social e resultam de

deliberação dos sócios, recaindo apenas sobre dinheiro;

Os suprimentos advêm de um contrato celebrado entre o sócio e a sociedade, relativo

a dinheiro ou a outra coisa fungível, equivalendo a um mútuo.

Todas estas realidades surgem no domínio societário, envolvendo sociedades e os seus sócios,

nessa qualidade. O suprimento distingue-se, noutro plano, de um mútuo comum: representa

um contributo permanente ou, pelo menos, prolongado, do sócio para a sociedade em que

detenha uma posição. Quando muito representaria um mútuo de escopo, cujo regime é

infletido pela realidade societária que visa servir.

Regime: o suprimento corresponde a um especial envolvimento do sócio no

financiamento da sociedade ou, se se preferir, na sua capitalização. O problema reside em

separá-lo de uma comum ajuda monetária, puramente transitória. Como traço distintivo do

suprimento, requer-se uma valoração. O Código das Sociedades Comerciais, na base de uma

ideia excelente de Raúl Ventura, optou por um critério claro: o da permanência. Como vimos,

o artigo 243.º, n.º2 CSC fixa índices de permanência, associado a um jogo de presunções. Na

falta de estabilidade, não há suprimento. O contrato de suprimento é um mútuo especial: é

patente a proximidade entre a definição do artigo 1142.º CC e a do artigo 243.º, n.º1 CSC.

Isso sem prejuízo de se poder, depois, afirmar a sua autonomia. No tocante à forma, há

diferenciação: o suprimento, na linha dos empréstimos mercantis, não está sujeito a qualquer

forma especial (artigo 243.º, n.º6 CSC). O suprimento mantém-se um contrato. Caso o pacto

social preveja a obrigação de efetuar suprimentos, estamos perante prestações acessórias

(artigo 209.º CSC), cabendo analisar o respetivo regime (artigo 244.º, n.º1 CSC). Hipótese

especial é a de os suprimentos serem adotados por deliberação social. Nessa altura, só ficam

vinculados os sócios que votem favoravelmente tal deliberação (artigo 244.º, n.º2 CSC).

Ainda a ideia contratual explica o artigo 244.º, n.º3 CSC: a celebração de contratos de

suprimento não depende de prévia deliberação dos sócios. O artigo 245.º CSC fixa uma série

de regras para os supriemntos sendo patentes os desvios em relação ao mútuo. Encontramos

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aqui matéria de tipo interpretativo e, como tal, aplicável a suprimentos celebrados antes da

entrada em vigor do Código de 1986. Quanto às normas específicas, temos:

Não havendo prazo para o reembolso dos suprimentos, aplica-se o artigo 777.º, n.º2

CC (fixação do prazo deferida ao tribunal); o tribunal terá em conta as consequências

que o reembolso acarretará para a sociedade, podendo determinar o pagamento em

prestações (artigo 245.º, n.º1 CSC): uma regra já considerada interpretativa em relação

ao Direito anterior;

Os credores por suprimentos não podem requerer, por eles, a insolvÊncia da

sociedade, embora o plano de insolvência lhes seja aplicável (artigo 245.º, n.º2 CSC);

decretada a insolvência, os suprimentos só são reembolsados depois de pagos os

créditos de terceiros, não sendo admissível a compensação de créditos da sociedade

com os de suprimentos (artigos 245.º, n.º3 CSC);

Este regime é reforçado com a impugnabilidade do reembolso dos suprimentos

efetuados no ano anterior à insolvência (artigo 245.º, n.º5 CSC) e com a nulidade das

garantias reais prestadas relativamente à obrigação do seu reembolso (artigo 245.º,

n.º6 CSC).

O regime dos suprimentos é, depois, complementado pelas regras gerais. Assim:

O suprimento é um contrato real quoad constitutionem: só produz efeitos com a efetiva

entrega do dinheiro;

As partes podem estipular juros: porém, se nada disserem, não se deve presumir a

onerosidade, uma vez que o suprimento é, sempre e por definição, um negócio

interessado: o sócio pretende capitalizar a sociedade que, depois, lhe dará lucros;

O crédito de suprimentos é transmissível, nos termos gerais do artigo 577.º, n.º1 CC:

quanto transmitido a um não-sócio mantém, não obstante, a precisa qualidade que

tinha inicialmente; além disso, ele tem autonomia não se transmitindo

automaticamente com a quota.

Âmbito, papel e natureza: o contrato de suprimento foi regulado expressamente no

domínio das sociedades por quotas. Curiosamente, estas assumem, no Direito português e

nalguns aspetos, uma dimensão matricial que, em regra, compete às sociedades anónimas.

Pergunta-se, feito este raciocínio, se o regime dos suprimentos se poderá aplicar a outros

tipos societários. No tocante às sociedades em nome coletivo, Raúl Ventura responde pela

negativa: o regime da responsabilidade ilimitada não justificaria a especial proteção dos

credores que as regras sobre suprimentos sempre envolvem. Mas essa responsabilidade é,

tão-só, subsidiária: ela não equivale a certas vantagens imediatas que o regime dos

suprimentos dá aos credores. Pensamos, pois, que nada obsta à aplicabilidade analógica dos

suprimentos às sociedades em nome coletivo: um ponto a verificar caso a caso. Mais

complexa é a situação nas sociedades anónimas. Raúl Ventura, sob inspiração alemã, explica

que cumpre distinguir entre o acionista empresário e o acionista investidor: o primeiro está

efetivamente embricado na vida societária, pelo que os seus contributos em dinheiro têm,

nesse plano, uma justificação interessada; o segundo não tem tal ligação. Assim sendo, apenas

ao acionista empresário haveria que aplicar o regime dos suprimentos. Na Alemanha, a

jurisprudência fixou em 25% a percentagem do capital social cuja detenção permitira concluir

por um acionista empresário; Raúl Ventura propõe entre nós, com base nos artigos 392.º e

418.º, n.º1 CSC, a detenção de 0%, numa opção acompanhada pela jurisprudência (AC STJ

14-Dez-1994 e AC STJ 9-Fev-1999). De facto, o regime dos suprimentos nem é excecional,

nem se funda em razões privativas das sociedades por quotas: pode ser aplicado por analogia.

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Além disso, o suprimento é um contrato à disposição de quaisquer interessados, desde que

se mostrem reunidos os elementos naturais de que depende: uma sociedade com os seus

sócios. Nestas codnições, podemos encontrar suprimentos nas sociedades anónimas:

Quanto as partes estipulem ou quando o pacto social os preveja e regule;

Quando se gere um empréstimo que, materialmente, exerça a função do suprimento.

Não chega a mera qualidade de acionista para que se verifique este último ponto. A fixação

de uma percentagem de detenção de ações para que se possa falar em acionista empresário

interessado na capitalização da sociedade tem óbvias vantagens no plano da segurança. A

cifra de 10% proposta por Raúl Ventura faz sentido; não lhe podem ser contrapostas, sem

menos, percentagens de 1% e de 5% exigidas para outros propósitos, uma vez que os lugares

paralelos (artigos 392.º e 418.º, n.º1 CSC) traduzem efetivas implicações empresariais. Mas

na falta de lei, não vemos como impô-la doutrinariamente: qualquer percentagem fixa implica

um arbítrio que só pode ser assumido por lei geral. Propomos, pois, como elemento de

analogia, a fórmula substancial presente no nosso sistema societário: haverá suprimento

quando a entrega opere em situações nas quais o acionista ordenado faria uma contribuição

de capital. Atenção: só a partir da verificação dessa analogia (iuris) será legítimo aplicar os

índices do artigo 243.º, n.º2 e 3 CSC. Os suprimentos são empréstimos permanentes feitos

pelos sócios às sociedades respetivas: justificam-se e explicam-se a esse nível. O sócio terá,

como contrapartida, o bom funcionamento da sociedade e os lucros (reais ou potenciais) que,

daí, lhe poderão advir. Compreende-se, a essa luz, que ele corra um risco acrescido de não

reembolso: donde o regime na insolvência e a nulidade das garantias reais que os assegurem.

Também aqui haverá que inscrever a álea do momento do reembolso, quando não tenha sido

estipulado. No tocante à natureza: está-se em face de um contrato típico e nominado, a

inscrever no atlas jurídico como um mútuo especial de escopo. Podemos ir um pouco mais

longe. O contrato de suprimento só é possível quando celebrado entre um sócio e a sociedade

na qual ele tenha uma posição. Sendo assim, ele inscreve-se na organização societária em

jogo, mais precisamente na sua vertente financeira. Opera uma lógica de coligação de

contratos: sociedade/suprimento. Materialmente, estamos perante um contrato de Direito

das sociedades, com tudo o que isso implica em termos regulativos e valorativos: um ponto

importante na explicitação do seu regime.

33.º - O direito à informação

Generalidades: o direito à informação constitui um dos pontos básicos que compõem,

em geral, a situação jurídica dos sócios. Ele está genericamente consagrado no artigo 21.º,

n.º1, alínea c) CSC. A Parte Geral não pormenorizou o exercício desse direito: oficialmente

por ele depender, na efetivação, do concreto tipo de sociedade em jogo, o que remete a

matéria pra a Parte Especial. Há, na verdade, algumas especificidades regulamentares,

embora nos pareça que todo o regime geral deveria ter sido vertido na primeira parte do

Código. No Código, o legislador foi levado a, à matéria da informação, dispensar latos

desenvolvimentos, de teor, por vezes mesmo, regulamentar. Os diversos anteprojetos

convergiram no aprontamento de preceitos alargados, numa atuação que passaria ao projeto

e ao Código definitivo. As razões científicas e histórico-culturais que levaram ao atual estado

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de coisas são compreensíveis. Todavia, há que, sobre elas, fazer atuar a Ciência do Direito.

Embora tecnicamente configurado como um direito subjetivo, com tudo o que isso implica,

o direito à informação insere-se num universo de Direito das sociedades. Por certo que se

visa, sempre, o bem estar patrimonial e moral das pessoas (seres humanos): mas em modo

coletivo. Este ponto deve acompanhar a interpretação e a aplicação das normas em presença.

As informações e a sua prestação: o direito dos sócios à informação consta do artigo

214.º CSC. Este preceito surge, como uma amálgama de princípios gerais, de regras

específicas e de precisões: bem poderia ter sido simplificado e desdobrado. A regra básica

surge no artigo 214.º, n.º1 CSC, que desdobra:

Os gerentes que devem prestar a qualquer sócio que o requeira informação verdadeira,

completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade;

E bem assim facultar, na sede social, a consulta da respetiva escrituração, livros e

documentos.

Vamos ver. O direito assiste a qualquer sócio ou ao usufrutuário quando, por lei ou

convenção, lhe caiba exercer o direito de voto (artigo 214.º, n.º8 CSC). Não fica excluído o

sócio-gerente, desde que se trate de elementos a que não tenha tido acesso, num ponto que

já suscitou controvérsia: injustificada. Em compensação, tal direito não assiste ao cônjuge do

sócio que não tenha essa qualidade. O sócio que requeira informação deve estar devidamente

identificado. Também se entende que o esquema do artigo 214.º CSC não pode ser usado

pela sociedade contra os sócios. O final do artigo 214.º, n.º1 CSC, à semelhança do artigo

181.º, n.º1 CSC relativo às sociedades em nome coletivo, permite que a informação seja

pedida por escrito, devendo ser dada em conformidade. Compreende-se que pedidos

repetidos de informação escrita venham perturbar o normal funcionamento da sociedade.

Por isso, o artigo 214.º, n.º2 CSC admite que o direito à informação seja:

«(...) regulamentado no contrato de sociedade, contanto que não seja impedido o seu exercício

efetivo ou injustificadamente limitado o seu âmbito».

A lei vai mais longe, especificando que não pode ser excluído esse direito (designadamente)

quando:

Para o seu exercício for invocada suspeita de práticas suscetíveis de fazer incorrer o

seu autor em responsabilidade, nos termos da lei;

A consulta tiver por fim julgar a exatidão dos documentos de prestação de contas ou

habilitar o sócio a votar em assembleia já convocada.

Estamos perante um garantismo que não se explica à luz do Direito Privado. O direito à

informação não pode ser excluído: ponto assente. Mas a sua regulamentação no pacto social

– onde se lida com direitos disponíveis! – pode ser efetiva: é evidente que nada custa alegar

suspeitas de responsabilidade do autor de quaisquer atos ou invocar a possível inexatidão de

documentos para, em contínuo, tudo devastar. Os preceitos devem ser interpretados à luz

do favor societatis e numa perspetiva de efetiva substancialidade das situações. O artigo 214.º,

n.º3 CSC permite pedidos de informação:

Sobre atos já praticados;

Sobre atos esperados, quando estes sejam suscetíveis de fazer incorrer o seu autor

em responsabilidade, nos termos da lei.

Tomando estes preceitos à letra, todavia, toda a atividade futura ou projetada (mesmo

eventual) teria de ser comunicada. Valem as presunções acima feitas sobre o primado do

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modo coletivo e a necessidade de interpretação restritiva desta matéria. Quanto à consulta

da escrituração, livros ou documentos: ela deve ser feita pessoalmente pelo sócio, que pode

ser assistido por um ROC ou por um perito, bem como usar a faculdade do artigo 576.º CC

pode tirar cópias ou fotografias). Explica a jurisprudência (bem) que a sociedade pode

certificar-se das qualidades do pretenso ROC ou perito, procedendo à sua identificação; mas

não pode exigir deles, uma declaração de responsabilização como condição de acesso à

consulta solicitada. Nas mesmas e referidas condições pode o sócio inspecionar os bens

sociais (artigo 214.º, n.º5 CSC). Na conformação do dever de informação, devemos ainda ter

em conta as suas finalidades. Ele visa proteger os interesses dos sócios. Mas além disso,

protege ainda os interesses dos trabalhadores e dos credores, assegurando a findedignidade

das contas. Trata-se, em suma, de um esquema geral que melhor assegura o efetivo e correto

funcionamento das sociedades, providenciando o próprio autocontrolo dos gerentes.

A recusa justificada: o pedido de informação pode ser recusado, desde que, para tanto,

haja justificação. O artigo 215.º, n.º1 CSC admite três ordens de razões, a que poderemos

acrescentar uma quarta. Assim e principiando por esta:

Razões de praticabilidade;

Razões derivadas do disposto no contrato de sociedade;

Receio de utilização da informação para gins estranhos à sociedade e com prejuízo

desta;

Violação do segredo imposto por lei para tutela de terceiros.

Raúl Ventura invoca a taxatividade do artigo 215.º, n.º1 CSC. Não vemos porquê: a

informação é um direito disponível, que deve ser articulado com outros princípios e direitos,

maxime na lógica do artigo 335.º CC. Além disso, o direito à informação nada pode contra a

natureza das coisas. Assim, a informação será recusada (aina que temporariamente) se o

próprio gerente a ela não tiver acesso, se ele estiver impedido de a ela aceder (de férias ou

em serviço) ou se, estando ao serviço da sociedade, ele não puder, de todo, interromper a

tarefa. As restantes três razões estão elencadas no artigo 215.º, n.º1 CSC. O contrato de

sociedade deve ser acatado. A própria lei como que convida à sindicância da legalidade do

contrato; todavia, desde que o direito não seja excluído, teremos de entender (para mais, no

domínio comercial!) que os contratos devem ser cumpridos. E mesmo na hipótese da sua

invalidade, haverá que ponderar os cenários do venire contra factum proprium: o sócio

compromete-se, por contrato, a exercer o seu direito à informação em certos moldes e,

depois, invoca a ilegalidade do pactuado para venire contra o acordado. O receio da utilização

de informações para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta deve ser apreciado em

termos objetivos, segundo as regras da experiência comum. De todo o modo, será sempre

causa de receio o facto de a informação pretendida ser manifestamente inútil, para os

interesses do sócio requerente. A violação do segredo imposto por lei para tutela de terceiros

é, sempre, uma razão absoluta de recusa de informação. Resta acrescentar que lei é, aqui, o

Direito: pode resultar de lei expressa, de princípios gerais ou de instrumentos contratuais,

existentes em relação ao terceiro protegido. Finalmente, o direito à informação é, como

qualquer posição jurídico-subjetiva, suscetível de abuso (artigo 334.º CC). No seu exercício,

ele não pode contraditar a confiança legítima, nem a materialidade subjacente. Perante

situações de abuso, o exercício deve cessar. E em face delas, a recusa é justificada. Em

compensação, o mero conflito de interesses, que impeça o sócio de votar, não bloqueia o

direito à informação do interessado.

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Sanções pela não-prestação e pelo abuso de informação: a recusa de

informação ao sócio, quando injustificada, dá azo a determinadas sanções. Assim:

É fundamento de anulação de deliberações sociais (artigo 58.º, n.º1, alínea c) CSC);

Pode dar azo a convocação da assembleia geral, para que a informação negada seja

prestada ou para que a informação falsa seja corrigida (artigo 215.º, n.º2 CSC);

Permite ao sócio atingido ao tribunal um inquérito judicial (artigo 216.º CSC);

Faculta o direito à indemnização por todos os danos (artigos 798.º e 483.º, n.º1 CC).

Quanto ao inquérito, diz-nos a jurisprudência:

Quer faltando normas adjetivas sobre a forma de exercer o direito à informação, há

que recorrer às que regulem casos análogos, como os dos artigos 1048º, n.º3, 1049.º,

n.º1, 986.º, n.º1 e 293.º CPC33;

Que ele compete no caso de recusa ou de oposição à informação;

Que ele não pode ser usado para consultar os livros da sociedade ou a sua escrituração; Que ele é acessível ao sócio-gerente;

Que o requerente de inquérito deve expor os motivos do mesmo e indicar os factos

que lhe interessa averiguar;

Que ele não pode ter lugar no caso de falta de aprovação de contas;

Que impede sobre o requerente o ónus da prova de recusa ilícita de informação ou

da sua prestação falsa, incompleta ou não elucidativa;

Que ele pode ser intentado, também, contra o sócio-gerente.

Estamos numa zona na qual a casuística judicial assume um papel de relevo. No direito à

indemnização, há que computar toda uma série de danos, caso se verifiquem. Assim, temos:

Danos emergentes: privado de informação, o sócio não pôde dispor de determinadas

vantagens ou tomou decisões erradas;

Lucros cessantes: uma projeção, no futuro, da situação criada;

Maiores despesas: a recusa de informação obrigou o sócio a novas diligências, a

contratar advogados e contabilistas e a perder tempo;

Danos morais: uma recusa, ad nutum, de informação é uma afronta que pode afetar a

integridade moral e o bom nome e reputação do visado.

O abuso de informação, por parte do sócio interessado, dá também lugar a diversas sanções.

Temos (artigo 214.º, n.º1 CSC):

A responsabilidade civil;

A exclusão.

Quanto à responsabilidade civil: devem ser indemnizados todos os danos, patrimoniais

(emergentes, incluindo maiores despesas e lucros cessantes) e morais: a própria sociedade

tem o direito ao bom nome e à reputação. A indemnização pode ser em espécie, nos termos

gerais. A exclusão (artigo 241.º, n.º1 CSC) cabe na medida em que o abuso de informação

implique uma quebra grave do pacto social. Muitas vezes o abuso de informação anda

associado a outras violações: do bom nome, do sigilo, de elementos comerciais ou industriais

tutelados e, em qualquer caso, do dever de lealdade e de correção para com os sócios e a

sociedade. Tudo isso deve ser ponderado na deliberação de exclusão.

33 Alteramo-los para o Código atual (de 2013)

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34.º - Direito aos lucros

Princípio geral; aplicação: o direito aos lucros integra, como elemento essencial, o

status de sócio. Ele vem referido com ênfase, no artigo 21.º, n.º1, alínea a) CSC, surgindo

ainda como elemento essencial do contrato de sociedade, no artigo 980.º, in fine CC.

Recordamos que, de acordo com a técnica comum relativa aos direitos dos sócios, cumpre

distinguir entre direitos abstratos e direitos concretos: os direitos abstratos correspondem a

posições potencialmente favoráveis que podem surgir na esfera dos sócios, mercê da

titularidade da posição social; os direitos concretos traduzem a concretização dessas posições,

depois de verificados os respetivos requisitos. Apenas neste último caso surgem verdadeiros

direitos subjetivos. Pois bem, todo o sócio tem, pela própria natureza da situação em que se

encontra imerso, um direito abstrato a lucros; concretamente, tal direito só surgirá na

sequência de um procedimento abaixo referido. Ainda em sede geral, recordamos a proibição

tradicional dos pactos leoninos (artigo 22.º, n.º3 CSC). Nas sociedades por quotas, a matéria

dos lucros surge versada no artigo 217.º, segundo o qual:

Deve ser distribuída aos sócios metade do lucro de exercício que, nos termos desta

lei, seja distribuível;

Salvo diferente cláusula contratual;

Ou salvo deliberação tomada por maioria de três quartos dos votos correspondentes

ao capital social em assembleia geral para o efeito convocada.

Nos termos gerais, o pacto social pode afastar a regra da lei estipulando, por exemplo, que

cabe à sociedade, por maioria simples, deliberar a não distribuição de lucros. A deliberação

que, fora do que a lei permita, não proceda à distribuição de lucros, é anulável. A noção de

lucros distribuível vem-nos do artigo 33.º CSC. à partida, o lucro será a diferença entre os

proveitos e os custos: existirá na medida em que os primeiros sejam superiores aos segundos.

Isto posto, não são distribuíveis, dos lucros do exercício (artigo 33.º, n.º1 CSC):

A parcela necessária para cobrir prejuízos transitados;

A parte destinada a formar reservas impostas por lei ou pelo contrato de sociedade.

Além disso, não podem ser distribuídos lucros do exercício (artigo 33.º, n.º2 CSC):

Enquanto as despesas de constituição, de investigação e de desenvolvimento não

estiverem completamente amortizadas;

Exceto se o montante das reservas livres e dos resultados transitados for, pelo menos,

igual ao dessas despesas não amortizadas.

Quanto às reservas: determina o artigo 33.º, n.º3 CSC que não possam ser distribuídas aquelas

cuja existência e cujo montante não constem, expressamente, do balanço (artigo 33.º, n.º3

CSC). Na deliberação visada devem ser expressamente mencionadas quais as reservas

distribuídas, no todo ou em parte, quer isolada quer juntamente com os lucros de exercício

(artigo 33.º, n.º4 CSC).

O procedimento: apurada a existência e a disponibilidade de lucros, tudo depende de

uma deliberação social que determine a sua distribuição. Como vimos, ela não é obrigatória:

pode ser dispensada, em geral, pelo pacto social ou, ano a ano, por uma deliberação social

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adotada pela maioria qualificada de ¾; na falta de algum destes pontos, 50% dos lucros de

exercício são distribuíveis. Deliberada a atribuição dos lucros, recordamos que a sua

distribuição pelos sócios, salvo cláusula em contrário, deverá ser feita na proporção dos

valores nominais das respetivas quotas de capital (artigo 22.º, n.º1 CSC). Posto isto:

O crédito dos sócios à sua parte nos lucros vence-se decorridos 30 dias sobre a

deliberação de distribuição (artigo 217.º, n.º2, 1.ª parte CSC);

Salvo diferimento consentido pelo sócio (artigo 217.º, n.º2, in medium CSC),

entendendo-se: diferimento pelo período que este admitir;

Os sócios podem contudo, com fundamento na excecional situação da sociedade,

alargar o diferimento até aos 60 dias (artigo 217.º, n.º2, 2.ª parte CSC).

Reserva legal: no universo das reservas, cabe distinguir a legal das facultativas, também

ditas complementares ou extraordinárias. A reserva legal é imposta e regulada por lei. Trata-

se de um instituto originário das sociedades anónimas. O artigo 218.º, n.º1 CSC considera

obrigatória a constituição de uma reserva legal. O seu n.º2 remete para os artigos 295.º e

296.º CSC, próprios das sociedades anónimas. Salvo quanto ao limite mínimo da reserva legal:

nunca inferior a 2500€. A dogmática das reservas melhor fica explanada no domínio das

sociedades anónimas.

34.º - A exoneração e a exclusão

Generalidades: a sociedade assenta no correspondente contrato. Deste promanam

relações duradouras, que adstringem os sócios, uns perante os outros e em termos complexos:

todos encabeçam direitos e obrigações que, no seu conjunto, dão azo a um status denso,

destinado a prolongar-se no tempo. A relação não se extingue pelo cumprimento. Pelo

contrário: ela reforça-se, segregando, com o decorrer da sua execução, novos deveres

assentes na confiança. Dominado pela autonomia privada, o próprio contrato de sociedade

pode prever a sua duração (artigo 141.º, n.º1, alínea a) CSC). Indo mais longe, dever-se-ia

desde logo conceder que, no pacto social, se pudesse estipular quanto à exoneração dos

sócios – isto é, quanto à sua saída voluntária – e quanto à exclusão dos mesmos – ou seja:

quanto à sua irradicação da sociedade, independentemente de qualquer concordância do

visado. A saída de um sócio, por exoneração ou por exclusão, coloca diversos problemas,

mesmo quando legitimada pelo contrato social. A posição jurídica de sócio envolve direitos

e deveres. A sua supressão ad nutum pode traduzir a expropriação do sócio ou/e a amputação

de fatores relevantes para a sociedade e para os seus credores. Há que pensar e que

providenciar sobre tudo isso. A problemática mais se complica perante a figura da exclusão.

Pode ainda suceder que o pacto social seja omisso: nada dizendo quanto à saída de sócios,

na constância da sociedade. A lei poderá dispor sobre o tema. Nessa eventualidade,

agudizam-se os problemas derivados da liberação do sócio perante os seus deveres e da

compensação a que tenha direito pela amputação das suas posições ativas. Nos

ordenamentos omissos, houve que, na base dos princípios gerais, construir fundamentos

justificados para a saída dos sócios. Terá de haver uma saída para o sócio que – por exemplo

– sistematicamente contunda com os interesses da sociedade a que pertença e, logo, com os

interesses dos seus parceiros. O Código das Sociedades Comerciais não regulou, na Parte

Geral, a exoneração e a exclusão dos sócios. Dispensou algumas regras quanto às sociedades

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em nome coletivo (artigos 185.º e 186.º CSC) e quanto às sociedades por quotas (artigos

240.º a 242.º CSC): fica a lacuna nas anónimas, numa problemática difícil de reduzir: serão

aí, possíveis, a exoneração e a exclusão e sendo-o, em que base? Recordemos que, para as

sociedades civis puras, legem habemus: artigos 1002.º e 1003.º CC. De todo o modo, a

regulamentação sobre exoneração e exclusão de sócios, elaborada a propósito das sociedades

por quotas, é paradigmática. Nesse domínio coloca-se a maioria da jurisprudência e boa parte

daas doutrinas portuguesas e alemã. Em Itália, o problema é exposto e debatido a propósito

das sociedades simples – as nossas sociedades civis sob forma civil. Para além destes aspetos

de feição prática, a exoneração e a exclusão de sócios colocam temas importantes de

construção jurídico-científica. Num contrato de sociedade, particularmente estando em causa

sociedades de pessoas, as diversas posições erguem-se intuitu personae. As situações não são

intermutáveis: a saída de uma pessoa envolve a cessação da realidade preexistente. Ao longo

da História registou-se uma evolução: para uma visão inicial muito personalista qualquer

modificação nos sócios poria em causa a subsistência da sociedade; mais tarde, as conceções

de tipo institucionalista e de feição empresarial, vieram apurar a hipótese de uma realidade

de conjunto capaz de subsistir, mesmo perante as alterações subjetivas no corpo social. O

problema não é apanágio do Direito das sociedades. O vínculo obrigacional clássico (artigo

397.º CC) também era inseparável das pessoas do credor e do devedor. Mais tarde, a

patrimonialização do Direito Civil levou à objetificação das obrigações as quais, sem quebra

de identidade e respeitando certos requisitos, podem circular no espaço jurídico. Nesse plano,

haverá que procurar as raízes últimas dos fenómenos da exoneração e da exclusão de sócios.

Base justificativa: quanto à base justificativa de exonerações ou de exclusões assentes

em motivos justificados, temos toda uma articulação a considerar. Ainda que sem

preocupações de reconstrução histórica rigorosa, podemos apontar uma sucessão de teorias:

Taxatividade legal: arranca da ideia subjacente de que não é possível, numa

sociedade comercial de pessoas, uma saída de um sócio. Tal saída seria, porém, de

encarar em situações taxativamente previstas na lei, com um sentido publicistico e

visando a tutela da realidade empresarial. De facto, a lei compreende, por vezes,

causas legais de exoneração e de exclusão. Mas nem sempre: em certos ordenamentos,

como o alemão, há que avançar na base da doutrina enquanto noutros – o nosso! –

as exonerações legais devem ser complementadas. Além disso, a existência de causas

legais de exoneração ou de exclusão é admissível à luz de valores estruturalmente

privados e para defesa das posições das pessoas: pense-se nos casos de resolução de

arrendamento por iniciativa do senhorio. A taxatividade legal é redutora e acaba por

não cumprir a função explicativa que se lhe pede.

Preservação da empresa: impor-se-ia, nalgumas leituras mais vincadamente

institucionalistas, como um valor em si, dotado de jurídico-positividade. Daí

resultaria que as sociedades, independentemente de um expresso (e taxativo)

desenvolvimento legal, teriam o poder de sancionar os sócios cuja conduta viesse a

mostrar-se prejudicial para o ente coletivo. Esta orientação não é hoje sufragável. Ela

assenta numa ideia de institucional extrema irrealista: as sociedades, na generalidade,

não correspondem a quaisquer empresas. E quando correspondam: estas não detêm

nenhuma soberania. Além disso, o interesse da empresa (ou o da sociedade) acaba,

sempre, por se reconduzir ao interesse dos sócios. Finalmente: a dogmatização do

poder disciplinar privado levanta uma série de dificuldades: não vemos vantagem em

importá-lo para o Direito das sociedades, tanto mais que os regimes não coincidem.

SQ

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300

Incumprimento contratual: reconduz a exoneração ou a exclusão dos sócios à

figura da resolução do contrato pela inexecução da outra parte. Temos aqui o núcleo

duro das doutrinas ditas contratualistas, dominantes em Itália, após o Código Civil

de 1942. No âmago: a sociedade é entendida como um contrato, a cumprir até ao fim,

salvo cláusula em contrário ou salvo incumprimento do outro lado. A partir daqui,

há várias articulações possíveis, acentuando alguns autores que, na realidade, está em

jogo o interesse privado dos sócios. Trata-se de uma opção bem presente na nossa

doutrina. Adiante tomaremos posição. Não nos parece, todavia, que se possa colocar

num mesmo plano a dissolução total e a dissolução limitada a um sócio (exoneração

ou exclusão): são realidades diferentes, que passam por regimes próprios distintos. A

recondução da exoneração e da exclusão do sócio às consequências de

incumprimentos contratuais, com especial focagem na resolução que eles

possibilitam, não é convincente. Desde logo, é patente que a resolução põe termo ao

contrato, enquanto a exoneração ou a exclusão não o fazem: ou haveria dissolução e

liquidação. De seguida: a resolução assenta num incumprimento, enquanto a

exoneração e a exclusão podem ter outras causas. Finalmente: as explicações

contratualistas tornam-se artificiais, sobretudo perante sociedades em que o elemento

pessoal esteja mais ténue. O pacto social, embora fruto da autonomia privada, tem

um sentido normativo geral. Por isso, a sua interpretação fica mais próxima da da lei

do que da dos negócios jurídicos.

Inexigibilidade da manutenção do status por ponderação perante o sistema:

tem a vantagem de absorver as soluções contratualistas, indo para além delas. à

partida – e esse é um mérito do institucionalismo, que não deve ser desconsiderado

– fica claro que ambos os conceitos servem a continuação da sociedade, prevenindo

a sua dissolução. Indo mais longe: ambos abrem num universo em que se tornou

inexigível, seja ao sócio (exoneração), seja à sociedade (exclusão), a manutenção,

relativamente a certo sujeito, da situação de sócio ou, se se preferir, do seu status.

Trata-se de matéria que exige um suplemento de justificação nos ordenamentos

omissos (como o alemão). No nosso, felizmente, o problema não se põe. A

inexigibilidade em causa deve ser ponderada à luz do sistema. Temos, como vias da

sua concretização:

i. A previsão contratual, que exprime o importante vetor da autonomia privada;

ii. As previsões legais específicas, que dão corpo (em regra) aos valores da

lealdade e da confiança;

iii. Conceitos indeterminados, que permitem concretizar, mesmo na falta de lei

expressa, esses mesmos valores.

De facto, não é a violação do contrato de sociedade que permite, ao outro lado, reagir

com a exoneração ou a exclusão; os inerentes direitos surgem perante uma

ponderação mais alargada do sistema, com uma especial valoração no sentido da

manutenção da sociedade, mas sem a exigência da conservação de certo status de

sócio.

A exoneração de sócios: a exoneração de um sócio é o efeito do exercício, por ele, de

um direito potestativo de fazer cessar, unilateralmente, aquela sua qualidade. O Código Civil,

no seu artigo 1002.º CC, veio introduzir formalmente a figura da exoneração. Esta era

possível: a todo o tempo, não havendo prazo para a sociedade; havendo-o: quando ocorresse

justa causa. O Código das Sociedades Comerciais acabou por fixar um esquema assaz

complexo de exoneração. Assim, ele veio:

SQ

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Consagrar, na Parte Geral, esquemas de exoneração aplicáveis (logicamente) aos

diversos tipos de sociedade;

Inserir, no tocante às sociedades em nome coletivo e às sociedades quotas,

fundamentos específicos de exoneração;

Sendo que tudo isso poderia ter de ser conjugado, havendo lacuna, com os esquemas

de exoneração previstos no Código Civil e que têm aplicação subsidiária.

Quanto à Parte Geral, cumpre referir:

Artigo 3.º, n.º6, 2.ª parte CSC: havendo transferência de sede para o estrangeiro, os

sócios que não a tenham votado podem exonerar-se da sociedade, devendo notificá-

la no prazo de 60 dias após a publicação da referida deliberação; Artigo 45.º, n.º1 CSC: nas sociedades por quotas, anónimas e em comandita por

ações, o erro, o dolo e a coação e a usura podem ser invocados como justa causa de

exoneração pelo sócio atingido, desde que se verifiquem as circunstâncias que

permitiriam a anulação civil do negócio;

Artigo 105.º, n.º1 CSC: no caso de fusão, pode o pacto social prever um direito à

exoneração do sócio que, com ela, não tenha concordado: evidentemente, aqui, tudo

depende do pacto;

Artigo 120.º CSC: manda aplicar, entre outros, o artigo anterior, à cisão;

Artigo 137.º, n.º1 CSC: havendo transformação de sociedades, os sócios que não

tenham votado favoravelmente a competente deliberação podem exonerar-se da

sociedade, declarando-o por escrito, nos 30 dias seguintes à publicação da deliberação;

Artigo 161.º, n.º5 CSC: na sociedade em liquidação e iniciada a partilha, havendo

uma deliberação de regresso à atividade, pode exonerar-se o sócio cuja participação

fique relevantemente reduzida em relação à que, no conjunto, anteriormente detinha,

recebendo a parte que pela partilha lhe caberia.

Temos, nalgumas destas situações, regimes diferenciados: um ponto a conferir caso a caso.

Além disso, embora sem referir um direito de exoneração, o Código continha hipóteses que

redundam no mesmo:

Artigo 490.º, n.º5 e 6 CSC: o sócio de uma sociedade dominante pode exigir a

compra das suas quotas ou ações;

Artigo 499.º, n.º1 e 2 CSC: numa situação de subordinação, o sócio livre pode optar

pela venda das suas quotas ou ações à sociedade diretora.

O artigo 240.º CSC reporta-se à exoneração do sócio nas sociedades por quotas. O n.º1 prevê

três possibilidades:

Exoneração nos casos previstos na lei: ficam abrangidas as situações tratadas na Parte

Geral e de que acima demos breve nota; além disso, incluem-se outras hipóteses de

exoneração referidas, de modo avulso, na parte relativa às sociedades por quotas;

temos:

Exoneração de sócio de sociedade cujo pacto proíba a cessão de quotas, uma vez

decorridos dez anos sobre o seu ingresso na sociedade (artigo 229.º, n.º1 CSC);

Atribuição, pelo contrato de sociedade e ao sócio, do direito à amortização da quota:

aplica-se o disposto sobre a exoneração de sócios (artigo 232.º, n.º4 CSC);

Exoneração nas situações figuradas no contrato: podem as partes, ao abrigo da sua

autonomia privada, criar novas hipóteses de exoneração; todavia, elas terão de se

conter nas margens do artigo 240.º, n.º6 CSC: não pode haver exoneração pela

SQ

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vontade arbitrária do sócio; o contrato social terá, pois, de remeter para factos aos

quais, razoavelmente, se possa atribuir a natureza de justa causa;

Exoneração quando, contra o voto expresso do sócio em jogo, tenha sido deliberado

(artigo 240.º, n.º1, alínea a) CSC):

i. Um aumento de capital a subscrever total ou parcialmente por terceiros;

ii. A mudança do objeto social;

iii. A prorrogação da sociedade;

iv. A transferência da sede para o estrangeiro;

v. O regresso à atividade da sociedade dissolvida;

Exoneração quando, havendo justa causa de exclusão de um sócio, a sociedade não

deliberar excluí-lo ou não promover a sua exclusão judicial (artigo 240.º, n.º1, alínea

b) CSC).

Perante a exoneração levada a cabo por um sócio, o Direito deve compatibilizar interesses

contrapostos. A posição social de que se vai abdicar tem um valor intrínseco: não pode deixar

de ser atribuída, ao sócio em saída, uma compensação. Mas a sociedade poderá não estar em

condições imediatas de a pagar. Tudo isso deverá ser solucionado através de um adequado

procedimento de exoneração, fixado no artigo 240.º, n.º2 e 3 CSC. Assim:

O processo de exoneração só pode iniciar-se se, além dos competentes pressupostos,

estiverem inteiramente liberadas todas as quotas do sócio em jogo (artigo 240.º, n.º2

CSC);

O sócio que queira exercer o direito à exoneração deve, nos 90 dias subsequentes ao

conhecimento do facto que lhe atribua tal faculdade, declarar por escrito, à sociedade,

a sua intenção de se exonerar (artigo 240.º, n.º3, 1.ª parte CSC); naturalmente, a

declaração deve ser justificada;

Recebida a declaração, deve a sociedade, no prazo de 30 dias e em alternativa (artigo

240.º, n.º3, 2.ª parte CSC):

i. Ou amortizar a quota;

ii. Ou adquiri-la;

iii. Ou fazê-la adquirir por sócio ou por terceiro;

Se nada fizer, pode o sócio de saída requerer a dissolução judicial da sociedade (artigo

240.º, n.º3, in fine CSC; seguir-se-á, então, o disposto no artigo 144.º, n.º1 e 3 CSC.

Note-se que a amortização da quota implica a extinção desta (artigo 232.º, n.º2 CSC); a

aquisição pela sociedade conduz a uma situação de quota própria (artigo 220.º CSC); fazê-la

adquirir por sócio ou terceiro equivale à angariação do competente negócio. A opção

compete apenas à sociedade, ainda que ela tenha depois de respeitar as consequências

correspondentes ao que escolheu. A contrapartida a pagar ao sócio de saída envolve as

seguintes proposições:

Ela é calculada nos termos do artigo 105.º, n.º2 CSC, com referência à data em que

o sócio declare à sociedade a sua intenção de se exonerar (artigo 240.º, n.º5 CSC); o

artigo 105.º, n.º2 CSC remete, por seu turno, para o artigo 1021.º CC: o valor da

quota é fixado com base no estado da sociedade à data em que ocorreu ou produziu

efeitos o facto determinante da liquidação;

O pagamento é fracionado em duas prestações a efetuar dentro de 6 meses e um ano,

respetivamente, a contar do momento em que o montante esteja, em definitivo,

fixado (artigo 235.º, n.º1, alínea b) ex vi artigo 240.º, n.º5 CSC).

Pode haver perturbações no pagamento. A lei dispõe para essa eventualidade. Assim:

SQ

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Se a sociedade optar pela amortização, mas não a puder levar a cabo por via do artigo

236.º, n.º1 CSC (a situação líquida da sociedade, depois de satisfeita a contrapartida

da amortização, não pode ficar inferior à soma do capital e da reserva legal, a não ser

que delibere simultaneamente a redução do capital), pode o sócio de saída (artigo

240., n.º6 CSC):

i. Ou esperar pelo pagamento;

ii. Ou requerer a dissolução da sociedade, por via administrativa.

Se se optar por uma aquisição da quota por sócio ou por terceiro e o adquirente da

quota não pagar tempestivamente o pagamento cabem, ao sócio de saída, essas

mesmas hipóteses, sem prejuízo de a sociedade o poder substituir, verificado o

disposto no artigo 236.º, n.º1 CSC: os pressupostos da amortização (artigo 240.º CSC).

Todo este regime permite entender porque não há uma total liberdade de exoneração, mesmo

quando se pretendesse estabelecê-la pelo contrato social. A saída voluntária de um sócio

pode colocar a sociedade por quotas numa situação muito séria: uma marcada

descapitalização ou, até, a dissolução. Estamos perante uma sociedade com uma forte

vertente de capitais, oponível a terceiros e que deve inspirar confiança. O Direito visa a sua

solidez e a sua continuidade. Os interessados, antes de constituírem uma sociedade por

quotas, particularmente quando nela pretendam colocar uma parte significativa dos seus

haveres, devem ponderar todas as hipóteses de desavenças com os restantes sócios: seja em

vida de todos, seja no plano dos respetivos herdeiros. Particularmente delicado é o recurso à

sociedade por quotas para eternizar as heranças indivisas: uma fonte de litígios complicada,

uma vez que a comunhão não pode cessar, depois, a não ser em casos estritos. Haverá que

procurar saídas estatutárias no plano das causas de dissolução.

A exclusão de sócios: a exclusão do sócio é o ato e/ou o efeito que envolvem a perda

da participação que o visado tenha na sociedade, perda essa que opere sem o seu

consentimento. Trata-se de uma medida delicada, que envolve a supressão de uma posição

patrimonial privada e que não pode operar sem uma razão ponderosa e sem uma

compensação adequada. A exclusão do sócio por quotas aparece, designadamente, nos

preceitos seguintes:

Artigo 204.º, n.º1 e 2 CSC: exclusão do sócio remisso que, interpelado, não realize,

no prazo legal, a entrada a que se encontre obrigado;

Artigo 212.º, n.º1 CSC: idem, quanto ao sócio que não efetue as prestações

suplementares que lhe caibam;

Artigo 214.º, n.º6 CSC: o sócio que abuse da informação e prejudique injustamente

a sociedade e os outros sócios é responsável e fica sujeito à exclusão.

Quanto às previsões gerais: regem os artigos 241.º e 242.º CSC. O artigo 241.º CSC é,

fundamentalmente, um preceito de enquadramento. O n.º1 fixa a possibilidade de exclusão

e distingue:

A exclusão prevista na lei: é a referida nos artigos 204.º, n.º1, e 2, 212.º n.º1 e 214.º,

n.º6 CSC e, ainda, a cláusula geral do artigo 242.º, n.º1 CSC;

A exclusão prevista no contrato: terá a ver com aspetos relativos à pessoa do sócio

(insolvência, desinteresse ou outras condutas similares) ou com o seu

comportamento (mau desempenho ou concorrência, tudo como exemplos). A

doutrina retira que não podem os estatutos prever uma exclusão por maioria

arbitrária: ad nutum. Realmente, assim é. Mas por razões precisa:

SQ

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i. O sócio não pode renunciar antecipadamente aos seus direitos (artigo 809.º

CC);

ii. Não pode, igualmente, doar bens futuros (artigo 942.º, n.º1 CC).

O Direito das sociedades comerciais não deve enjeitiar o núcleo fundamental do

Direito Privado. Para além desses aspetos, compete às partes fixar os contornos da

justa causa que melhor caiba aos seus interesses.

Na hipótese de exclusão por força do contrato, o artigo 241.º, n.º2 CSC manda aplicar os

preceitos relativos à amortização de quotas. Trata-se de matéria regulada nos artigos 232.º e

seguintes CSC. Recordamos que a amortização dá lugar à extinção da quota (artigo 2232.º,

n.º2 CSC) e que faculta uma compensação equivalente ao valor da liquidação da quota em

causa, a pagar em certos termos (artigo 235.º, n.º1 CSC). O artigo 241.º, n.º3 CSC permite

que o contrato de sociedade fixe, para o caso de exclusão, um valor ou um critério diferentes

dos previstos para a amortização de quotas. Os estatutos, com frequência, aproveitam esta

faculdade fixando um valor inferior e por exemplo, 2/3 do que resultaria das regras de

amortização. O que se compreende: a exclusão representa uma sanção por uma conduta que,

além do mais, pode acarretar danos para a sociedade: reais mais difíceis de explicitar. Ora a

cláusula de exclusão tem um sentido de cláusula penal, admitida por via do artigo 810.º, n.º1

CC. Todavia, não pode a fixação estatutária da compensação devida pela exclusão cifrar-se

em montantes irrisórios ou não significativos. Em tal eventualidade, estar-se-ia a cair

novamente na proibição do artigo 809.º CC ou na da proibição de doação de bens futuros,

resultante do artigo 942.º, n.º1 CC. A lei parece ainda distinguir entre a exclusão por

deliberação social e a exclusão por decisão judicial.

A exclusão judicial: o artigo 242.º CSC prevê a exclusão judicial do sócio por quotas.

Subjacente estará, pois, uma contraposição entre a exclusão societária, deliberada pelos

sócios e a judicial, a decretar pelo juiz. O critério será o seguinte:

Cabe exclusão societária quando se esteja perante um facto concreto a que a lei

associe a exclusão ou a que o contrato ligue a essa mesma consequência;

Cabe exclusão judicial sempre que nos encontremos no âmbito da cláusula geral do

artigos 242.º, n.º1 CSC.

Entendeu o legislador que, perante a vaguidade dessa cláusula, melhor ficaria a apreciação

judicial do problema. Segundo o artigo 242.º, n.º1 CSC, pode ser excluído por decisão judicial

o sócio que, pelo seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento

da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes. Este preceito

representa um grande avanço jurídico-científico Na concretização da fórmula geral do artigo

242.º, n.º1 CSC, temos a observar as seguintes situações justificativas da exclusão por

comportamento desleal ou gravemente perturbador:

Um sócio com conhecimentos importantes a respeito da empresa, coloca tais

atributos ao serviço da concorrência e, ainda por cima, incita os funcionários da

sociedade à deserção; além disso, não se exige um prejuízo efetivo, mas apenas a

capacidade de provocar danos;

Um sócio, pouco tempo depois da renúncia à gerência da sociedade, começa a vender

os mesmos produtos num seu estabelecimento, a utilizar os catálogos e os preçários

da sociedade e a conquistar-lhe clientes, com prejuízos para ela;

SQ

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Um sócio desenvolve uma atividade concorrencial com a da sociedade, procurando

angariar mercado através da utilização de meios técnicos e do know how da própria

sociedade;

A apreciação a fazer deve ser feita sem se tomar em conta a causa justificativa mas,

tão-só, o juízo de gravidade e situação de dano relevante a que conduzir ou pode

conduzir;

A exclusão justifica-se quando o interesse social seja posto em causa por um sócio

que, por via da violação das suas obrigações, conduza a resultados ou efeitos que

prejudiquem o fim social.

Como se vê, a deslealdade grave anda, na prática, em torno de questões de sigilo e de

concorrência. Sub-caso interessante é o da sociedade que tenha apenas dois sócios. O artigo

1005.º, n.º3 CC dispõe que, nas sociedades que tenham apenas dois sócios, a exclusão de um

deles só pode ser pronunciada pelo tribunal. O Código das Sociedades Comerciais não tem

um preceito equivalente. Mas ele deve inferir-se do sistema. Pelo seguinte:

Segundo o artigo 246.º, n.º1, alínea c) CSC, depende de deliberação social a exclusão

de sócios;

De acordo com o artigo 251.º, n.º1, alínea d) CSC, o próprio sócio excluído não pode

votar.

Logo, numa sociedade com apenas dois sócios, a exclusão de um deles seria possível só pela

vontade unilateral do outro: uma solução sem sentido que, não tendo saída legal, encobre

uma lacuna, a integrar, ex artigo 2.º CSC , com recurso ao artigo 1005.º, n.º3 CC. Assim o

entende – e bem – a jurisprudência34. A ação de exclusão deve ser proposta pela sociedade

ou deliberada pelos sócios (artigo 242.º, n.º5 CSC), exceto havendo apenas os dois sócios.

Compete ao autor invocar os factos de onde se retire a causa de exclusão. Além disso, a ação

pode ser acompanhada por um pedido de indemnização pelos prejuízos. Posto isto:

Dentro dos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de exclusão,

deve a sociedade amortizar a quota do sócio, adquiri-la ou fazê-la adquirir, sob pena

de a exclusão ficar sem efeito (artigo 242.º, n.º3 CSC);

O valor é calculado por referência à data da propositura da ação e pago nos termos

prescritos para a amortização de quotas (artigo 242.º, n.º4 CSC);

Aplicando-se, caso se opte pela aquisição de quota, pelo disposto no artigo 255.º,

n.º3, 4 e 5, 1.ª parte CSC (artigo 242.º, n.º5 CSC).

Até à amortização da quota, o sócio excluído mantém-se como sócio.

34 Ac STJ 9-Dez-1999, Ac. RCb 14-Mar-2000, Ac. RCb 11-Nov-2003, Ac. RPt 2-Nov-2004 e Ac RPt 4-Out-2005

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Capítulo IV – O Regime das Quotas

36.º - Unidade, montante e divisão

O princípio da unidade; outras características: a expressão quota é recorrente,

no domínio das sociedades ora em estudo. Ela pode abranger duas realidades distintas:

A quota de capital, correspondente à expressão monetária da entrada correspondente

a cada sócio;

A quota de participação, equivalente aos direitos e obrigações sociais do sócio ou, se

se quiser, à representação do seu status social.

Nos artigos 219.º e seguintes CSC, o Código veio fixar diversas regras relativas a quotas. Tem

aí em vista a quota de capital: uma realidade objetivada, especialmente cómoda para talhar

regimes. Pergunta-se, porém, se essa objetivação vai ao ponto de o número de quotas ser

independente da titularidade ou, noutros termos: cada sócio tem uma quota única ou poderá

haver várias quotas? A quota única aproxima-se das sociedades de pessoas, enquanto o

esquema da pluralidade conduz-nos às sociedades anónimas, isto é: das sociedades de capitais.

De acordo com o Direito comparado, há vários sistemas possíveis:

Sistema da unidade inicial: cada sócio pode subscrever apenas uma quota; se depois

adquirir outra, ambas conservam a sua individualidade;

Sistema da unidade permanente: cada sócio subscreve uma única quota; se depois

adquirir outra, esta funde-se com a primeira;

Sistema da pluralidade: cada sócio pode sempre ser titular de várias quotas.

A opção por algumas destas teorias tem consequências práticas: havendo pluralidade, o titular

pode alienar uma das quotas sem ter de proceder a uma prévia divisão; além disso, pode estar

uma quota liberada e outra não, com as consequências daí derivadas. O Código das

Sociedades Comerciais acabaria por optar pelo sistema da unidade inicial da quota de cada

sócio (artigo 219.º, n.º1 CSC), seguida pela pluralidade superveniente das que, depois, viesse

a adquirir (artigo 219.º, n.º4, 1.ª parte CSC). Todavia, o sócio com várias quotas poderia,

proceder à sua unificação, desde que se mostrem reunidos diversos requisitos (artigo 219.º,

n.º4, 2.ª parte CSC):

Estarem as quotas a unificar integralmente liberadas;

Não lhes corresponderem, segundo o contrato de sociedade, direitos e deveres

diversos.

O pacto social pode impor ou proibir a unificação das quotas, desde que verificados os

pressupostos legais: matéria disponível . E pela mesma razão, podem dois titulares de quotas

distintas unificá-las, passando a uma situação de contitularidade. A unificação deve ser

reduzida a escrito, devendo ser registada e comunicada à sociedade (artigo 219.º, n.º5 CSC).

O artigo 219.º, n.º6 CSC fica o princípio básico de que a quota de participação é determinada

pela quota de capital, projetada no capital social. O artigo 219.º, n.º7 CSC proíbe a emissão

de títulos representativos das quotas. Trata-se de uma proibição tradicional, pelo menos

nalguns direitos. Ela visa, essencialmente, a proteção geral da confiança: na presença de

SQ

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títulos representativos das quotas, particularmente quando negociáveis, o público poderia

esquecer as diversas restrições que impendem sobre a transmissão das quotas.

O montante: relativamente ao montante das quotas, rege o artigo 219.º, n.º3 CSC, do qual

podemos extrair duas regras:

Os valores nominais das quotas podem ser diversos;

Nenhum pode ser inferior a 100€, salvo quando a lei o permitir.

O montante mínimo das quotas é relativamente elevado perante o capital mínimo, fixado em

500€ (artigo 201.º CSC). A justificação legislativa para a exigência de quotas mínimas pode

cifrar.se em duas proposições:

Ou por se entender que quotas de muito pequeno montante não têm interesse;

Ou por se recear que as quotas reduzidas sejam fictícias.

A divisão: à divisão de quotas dedicou o Código um longo preceito: o artigo 221.º CSC. A

possibilidade de dividir uma quota está logicamente ligada ao sistema da unidade das quotas.

Havia uma preocupação clara em evitar quebras na unidade da quota, à quota de divisões.

Também sobreleva um claro domínio da autonomia privada, no plano estatutário. As regras

sobre a divisão de quotas eram vistas como defendendo quer a sociedade, quer os sócios. A

sua divisão ficava ligada à transmissão da quota resultante da operação. Quanto ao

consentimento da sociedade: ele poderia resultar de deliberação exarada em livro de atas,

sendo depois formalizado em escritura pelo representante da mesma sociedade. As condições

da divisão eram esquematizadas em quatro proposições:

Transmissão de quotas;

Não havendo proibição no pacto social;

Autorização expressa da sociedade;

Documento autêntico ou autenticado.

Tudo isto pesou no sistema de 1986- O artigo 226.º, n.º1 CSC começa por tipificar os casos

nos quais a divisão de quotas é admitida. São eles:

Amortização parcial;

Transmissão parcelada ou parcial;

Partilha ou divisão entre contitulares.

Os atos que importem divisão de quotas deviam constar de escritura pública, exceto a partilha

ou divisão entre contitulares, que pode constar de documento particular (artigo 221.º, n.º2

CSC). Esse mesmo preceito limita-se a dispor que os atos que importem divisão da quota

devem ser reduzidos a escrito. O contrato social pode proibir a divisão desde que daí não

resulte impedimento à partilha ou divisão entre contitulares por um período superior a cinco

anos (artigo 221.º, n.º3 CSC): uma aplicação da regra do artigo 1412.º, n.º2, 1.ª parte CSC.

Salvo disposição diversa do pacto social, a divisão mediante transmissão parcelada ou parcial

não produz efeitos, para com a sociedade, enquanto esta não der o seu consentimento (artigo

221.º, n.º4 CSC), consentimento esse que é dado por deliberação dos sócios (artigo 221.º,

n.º6 CSC), mas sem necessidade de maioria qualificada, quer quanto à divisão, quer quanto

à cessão. O consentimento não é necessário no caso de cessão entre cônjuges, entre

ascendentes e descendentes ou entre sócios (artigo 228.º, n.º2, in fine ex vi artigo 221.º, n.º5

CSC). Todavia, ela deve ser comunicada à sociedade ou, pelo menos, deve-se mostrar aceite,

por ela: expressa ou tacitamente. É ainda possível a divisão da quota quando, perante um

sócio remisso, se opte pela perda da parte da quota não liberada (artigo 204.º, n.º2 ex vi 221.º,

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n.º8 CSC). A divisibilidade das quotas constitui um elemento que a todos diz individualmente

respeito, aquando da contratação. Assim, se o pacto social for alterado no sentido de a divisão

ser excluída ou modificada, a alteração só é eficaz com o consentimento de todos os sócios

por ela afetados (artigo 221.º, n.º7 CSC). A divisão de quotas não altera a quota inicial. Não

podem, só por aí, surgir mais direitos e obrigações do que os inicialmente existentes. As

novas quotas, com esta ressalva, não são idênticas à quota donde provenham.

37.º - Contitularidade e usufruto de quotas

Problemática e evolução: a situação da contitularidade de uma quota ocorre sempre

que a posição social por ela figurada assista a duas ou mais pessoas. Tecnicamente,

poderíamos falar numa comunhão, no tocante aos direitos subjetivos envolvidos e numa

coadstrição, quanto às obrigações35. A contitularidade de quotas tem origens diversas. Ela

pode ter sido estabelecida, logo ab initio, no pacto social; pode, ainda, ter surgido a posteriori,

por acordo entre os interessados. Todavia, a decorrência mais frequente é a hereditária: por

morte de um anterior titular, sucedem-lhe vários herdeiros os quais decidem prolongar a

comunhão hereditária por uma situação de contitularidade na quota que fora do de cuius. A

contitularidade de quotas merece alguma atenção aos legisladores. Por m lado, ela é inevitável,

seja como emergência da autonomia privada, seja como consequência da sucessão mortis causa.

Mas, por outro lado, ela levanta dificuldades ao funcionamento da sociedade: esta deixa de

ter um interlocutor claro, seja para exercício dos direitos sociais, seja para o cumprimento

das obrigações envolvidas. Há mais custos, mais indecisão e maior conflitualidade. O desafio

está em encontrar um equilíbrio entre todos os interesses em presença.

O regime vigente: o ponto básico do regime da contitularidade da quota (ou da quota

indivisa) é o da designação de um representante comum. O representante comum pode ser

designado (artigo 223.º, n.º1, 1.ª parte CSC):

Por lei;

Por disposição testamentária;

Pelos contitulares: e, aqui, a designação pode recair (artigo 223.º, n.º2 CSC):

i. Sobre um de entre os contitulares;

ii. Sobre o cônjuge de um deles;

iii. Sobre um estranho, mas isso apenas se o contrato de sociedade o autorizar

expressamente ou se ele permitir que os sócios se façam representar por um

estranho nas deliberações sociais.

A designação é deliberada por maioria, nos termos do artigo 1407.º, n.º1 CC: salvo se outra

regra se convencionar (ou tiver sido convencionada) e for comunicada à sociedade (artigo

223.º, n.º1, 2.º parte CSC). A fortiori, pode o pacto social dispor sobre essa matéria. Na

hipótese de designação pelos contitulares: podem os mesmos deliberar a destituição do

representante comum. Quando não seja possível os sócios assentarem na nomeação do

representante comum – por exemplo: por desinteresse ou por empate na votação –, pode

35 A natureza jurídica da comunhão corresponde a um tema com tradição de debate na doutrina portuguesa –

estudamo-las a Direitos Reais, vejam isso lá (大象城堡).

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qualquer um deles pedi-la ao tribunal da comarca da sede da sociedade (artigo 223.º, n.º3, 1.ª

parte CSC). Além disso – e salvo se designado por lei – pode qualquer contitular pedir a

destituição, com fundamento em justa causa, do representante comum (artigo 223.º, n.º3, 2.ª

parte CSC). NA sua preocupação regulamentadora, o legislador excedeu-se: é óbvio que o

representante diretamente designado pela lei não poderá deixar de ser destituível com justa

causa. Quando muito, esta teria de assumir contornos mais exigentes. Justa causa será, aqui,

qualquer fundamento justificado, objetivo ou subjetivo. Ela aproxima-se da justa causa

requerida para a revogação do mandato conferido também no interesse do mandatário ou de

terceiro (artigo 1170.º, n.º2 CC): nunca da justa causa laboral De todo o modo, a nomeação

e a destituição devem ser comunicadas por escrito à sociedade; esta pode, mesmo tacitamente,

dispensar a comunicação (artigo 223.º, n.º4 CSC). Pode acontecer que o representante

comum tenha impedimentos ou que ele ainda não tenha sido nomeado pelo tribunal, nos

termos do artigo 223.º, n.º3 CSC. Nessa altura, qualquer dos titulares poderá exercer os

inerentes direitos (artigo 22.º, n.º4, 1.ª parte, a contrario CSC); apresentando-se mais do que

um, prevalecerá a opinião da maioria dos contitulares presentes, desde que (artigo 222.º, n.º4,

2.ª parte CSC):

Representem, pelo menos, metade do valor total da quota;

E para o caso não seja necessária a unanimidade prevista no artigo 224.º, n.º1 CSC.

Expostos os diversos esquemas tendentes à obtenção do representante comum dos

contitulares, vamos examinar as regras nucleares. Elas surgem no artigo 222.º, n.º1 e 2 CSC:

Os contitulares devem exercer os direitos inerentes à quota indivisa através do

representante comum: infere-se daqui que um contitular, isolado, não tem

legitimidade para propor ações de anulação de deliberações sociais, embora possa

pedir a sua suspensão, se for cabeça-de-casal e não tiver atribuído a outro o papel de

representante;

As comunicações da sociedade devem ser dirigidas ao representante comum ou, na

falta deste, a algum dos contitulares.

Em termos de qualificação das situações dos contitulares, há que atender À interferência dos

conceitos sucessórios. Assim perante uma herança indivisa, nenhum dos herdeiros tem, em

rigor, a qualidade de sócio, embora eles possam nomear um representante comum: tal

qualidade mantém-se na própria herança. Havendo indivisão simples, todos os contitulares

são sócios, embora devam recorrer ao tal representante. O representante comum tem, apenas,

poderes gerais de administração. Assim, segundo o artigo 223.º, n.º6 CSC, ele terá de receber

poderes de disposição – da lei, de testamento, de todos os contitulares ou do tribunal – para

praticar atos que importem extinção, alienação ou oneração da quota, aumento de obrigações

e renúncia ou redução dos direitos dos sócios. Tais poderes especiais devem ser comunicados

por escrito à sociedade (artigo 223.º, n.º6, in fine CSC). O representante comum pode, ainda,

ser instruído pelos sócios que o hajam designado. Compreende-se, porém, que tal

eventualidade representaria um encargo suplementar para a sociedade sempre que, perante

esta, se viesse a discutir a (boa) execução das instruções por ele recebidas. Tudo isto é

ponderado pelo artigo 224.º, n.º1 e 2 CSC: As deliberações dos contitulares seguem o artigo 1407.º, n.º1 CC;

Salvo se estiverem em causa a extinção, alienação ou oneração da quota, o aumento

de obrigações, a renúncia ou a redução dos direitos dos sócios, altura em que se exige

a unanimidade;

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A eficácia destas deliberações opera, apenas, perante os próprios contitulares: entre

si e entre eles e o representante comum: não perante a sociedade.

Temos, pois, aqui um caso de eficácia da representação aparente: no sentido de atingir

poderes que não lhe foram atribuídos pelo negócios de base. No tocante ás obrigações legais

ou contratuais inerentes à quota, os contitulares respondem solidariamente (artigo 22.º, n.º3

CSC). Por um lado, aflora aqui a ideia de solidariedade que domina no campo comercial

(artigo 100.º CCom); por outro lado, emerge aqui a clara preocupação de, mercê do

fenómeno da indivisão, não enfraquecer a sociedade no seu todo.

Natureza, cessação e Direito subsidiário: a indivisão das quotas é, tecnicamente,

uma contitularidade. Todos os contitulares têm idênticos direitos e deveres, só que

reportados a um mesmo objeto: a participação social, figurada pela quota. Dados os

interesses envolvidos, o Direito das Sociedades prevê um conjunto de regras tendentes a

harmonizar os valores em presença, sem prejudicar a própria sociedade. Subjacente à

contitularidade está, pois, um esquema organizativo destinado a coordenar as vontades dos

contitulares. Por seu turno e em termos técnico-jurídicos, o representante comum, previsto

para enquadrar o exercício dos direitos inerentes às quotas indivisas, não é um mero

representante. Além dos poderes de representação propriamente ditos, ele dispõe de todo

um estatuto quanto aos atos que pode praticar e, eventualmente, quanto ao sentido do seu

exercício. Trata-se, pois, de um prestador de serviços, inserido numa típica situação de

mandato. A designação mais correta seria, pois, a de um mandatário comum, dotado de

poderes de representação. E a todo o seu desempenho aplicam-se, supletivamente, as regras

do mandato e da representação (artigos 1157.º e seguintes e 258.º e seguintes CC). Mandantes

serão, aqui, os diversos contitulares representados. A contitularidade pode cessar por

qualquer das vias que dão azo à cessação da comunhão. E designadamente:

Por confusão, reunindo-se todos os co-direitos num único titular;

Por divisão da quota.

Nestes pontos, é importante relevar o Direito subsidiário aplicável à contitularidade de

quotas. Perante o disposto no artigo 1404.º CC e tendo em causa a natureza subsidiária geral

que o Direito privado comum assume em todo o ordenamento jurídico português, são

aplicáveis, em última instância, as regras sobre a comunhão. Teremos de verificar, norma a

norma, quais as regras civis compatíveis com a regulação especial prevista para as quotas. De

todo o modo, parece inquestionável:

A aplicação do direito de preferência graduado em 1.ç lugar (artigo 1409.º, n.º1 CC);

O direito à divisão (artigos 1409.º, n.º1 e 1412.º CC).

A aplicabilidade deste último preceito é, aliás, implicitamente confirmada pelo artigo 221.º,

n.º3 CSC.

A associação à quota: com a contitularidade de quotas não se confunde a figura da

associação à quota: articulação interessante que foi especialmente estudada, entre nós, pelo

Professor Raúl Ventura. Na associação à quota, uma pessoa (o associado) acorda com o sócio

uma repartição dos custos e dos lucros envolvidos pela quota, sem, sobre esta, ter qualquer

direito que possa ser oponível à sociedade. A associação à quota estava genericamente

prevista no artigo 1271.º Código de Seabra, segundo o qual:

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«Não carece o socio do consenso dos outros, para se associar com um terceiro, em relação à

parte que tem na sociedade. Não póde, todavia, aindaque seja administrador, fazê-lo entrar

como socio na mesma sociedade».

Tínhamos, aqui, uma figura de ordem geral, que podia ser aplicada às sociedades por quotas.

O Código Civil de 1966 não consagrou a figura: criticavelmente. Todavia, a associação à

quota pode ser estipulada pelas partes, ao abrigo da sua autonomia privada (artigo 405.º CC).

A associação à quota pode ter um papel útil, inclusive no domínio financeiro: faculta ao sócio

descapitalizado, por exemplo, acorrer a aumentos de capital, negociando um associado. Tal

negócio não é relevante para a sociedade. O associado do sócio não é, ele próprio, sócio.

Apenas nas relações internas entre eles o acordo de associação surge relevante.

O usufruto da quota: também às participações sociais –e, agora e aqui, às quotas – se

aplica a figura geral do usufruto. Este vem genericamente referido no Código Civil, de acordo

com a noção romana, no artigo 1439.º CC. Trata-se de um direito real. Todavia, o Código

Civil admite a aplicação de um direito similar ao usufruto a diversas realidades que não

suportam direitos reais e, designadamente, a créditos (artigos 1463.º e seguintes CC). O

Código das Sociedades Comerciais não dispensou um tratamento genérico pormenorizado

ao usufruto de participações sociais. Todavia, temos alguns preceitos que importa relevar O

artigo 23.º CSC dispõe:

«1. A constituição de usufruto sobre participações sociais, após o contrato de sociedade, está

sujeita à forma exigida e às limitações estabelecidas para a transmissão destas;

«2. Os direitos do usufrutuário são os indicados nos artigos 1466.º e 1467.º CC, com as

modificações previstas na presente lei, e os mais direitos que nesta lhe são atribuídos».

O artigo 1466.º CC atribui ao usufrutuário o direito à fruição dos prémios ou outras utilidades.

Mais explícito, o artigo 1467.º CC tem um conteúdo material de Direito das Sociedades. No

título relativo às sociedades por quotas, surgem-nos alguns preceitos com referência ao

usufruto: os artigos 233.º e 269.º CSC. Destes preceitos podemos tirar a estrutura geral do

usufurtuo de quotas: ela corresponde, de resto, ao velho direito real de usufruto, com as

necessárias adaptações. As normas especiais prevalecem sobre as gerais. Em primeiro lugar,

o usufrutuário de quota tem um direito relativo a esta- se se preferir, é titular desta, mas em

modo usufruto. Por isso, quer o nú proprietário que o usufrutuário são ambos sócios; só que

os seus poderes de intervenção variam em função da matéria em causa. Segue-se, daí, que a

constituição de um usufruto sobre uma quota esteja sujeita às limitações e aos

condicionalismos que impendem sobre a sua transmissão. Terceiramente: as vantagens

comuns da quota pertencem ao usufrutuário o qual, por isso, atua os direitos e executa as

obrigações a ela inerentes; só no caso de matéria que tenha a ver com a substância da quota

há que fazer intervir o nú titular. Tanto a contitularidade como o usufruto traduzem um

concurso de dois ou mais direitos subjetivos (e adstrições) sobre a mesma participação social.

Simplesmente, enquanto na contitularidade as diversas participações são qualitativamente

iguais (ainda que possam ser qualitativamente diferentes), no usufruto a diferença ente os

direitos em presença é de ordem qualitativa. As relações entre os participantes seguem, aqui,

como se disse, o modo usufruto.

36.º - Quotas próprias

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Problema geral e influência das anónimas: a possibilidade de uma sociedade se

tornar titular das suas próprias participações sociais – num fenómeno aparentemente contra

naturam – resulta da lógica da personalização coletiva, por um lado e da transmissibilidade

das posições sociais, do outro. Desde o momento em que a sociedade possa adquirir, como

pessoa autónoma, as realidades que circulem no mercado e visto que entre estas se incluem

as suas próprias posições sociais, a aquisição de capital próprio é possível. Além disso, ela

tem várias vantagens:

Evita a dispersão do capital;

Previne a entrada de sócios indesejáveis;

Reforça o peso da administração: com efeito, será esta que, em princípio, tomará as

decisões inerentes às participações sociais próprias, isto é, da sociedade considerada;

Traduz um aumento da procura das participações sociais em jogo, fazendo subir o

seu valor no mercado: um fenómeno particularmente importante no tocante a ações

cotadas em bolsa.

Todavia, o fenómeno da aquisição e da detenção de capital social próprio também tem

desvantagens. Assim:

Descapitaliza a sociedade, em detrimento dos credores: ao adquirir capital próprio, a

sociedade gasta – em princípio e logicamente – o valor correspondente; no limite,

caso adquirisse o seu capital todo, ficaria apenas com posições abstratamente

representativas, mas sem conteúdo;

Desequilibra o funcionamento interno da sociedade: a administração irá exercer os

direitos inerentes às participações próprias, uma vez que a ela assistem os poderes de

representação; com isso enfraquece o papel dos sócios e os próprios mecanismos de

deliberação social e de fiscalização;

Põe em causa a lógica das sociedades, enquanto expressão da cooperação e da

organização económico-privadas.

A detenção de participações próprias – designadamente e em expressão consagrada: quotas

próprias e ações próprias – assumiu especial relevo nas sociedades anónimas. A facilidade

com que, nestes casos e sem publicidade, a sociedade, gerida pela administração, pode ir ao

mercado comprar as suas próprias ações, de modo a falsear cotações e reforçar o

management, explica que, desde os inícios do século XX, se tenham registado estudos e

medidas destinadas a contrariar a inerente prática.

O regime vigente: o Código de 1986 acabaria por consagrar regimes diferentes para a

aquisição de quotas próprias (artigo 220.º CSC) e de ações próprias (artigos 316.º a 325.º-B

CSC), embora com uma importante remissão das primeiras para o artigo 324.º CSC. À partida,

temos uma permissão geral de aquisição, desde que se trate de cláusulas integralmente

liberadas (artigo 220.º, n.º1 CSC). Fica ressalvada a hipótese do artigo 204.º CSC, relativo à

exclusão do sócio remisso, altura em que a respetiva quota é perdida a favor da sociedade

(artigo 204.º, n.º2 CSC). Posto isso, o artigo 220.º, n.º2 CSC só permite, quanto às quotas

próprias:

A aquisição a título gratuito;

A aquisição em ação executiva movida contra o sócio;

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A aquisição comum se, para esse efeito, ela dispuser de reservas livres em montante

não inferior ao dobro do contravalor a prestar.

O pacto social não tem de autorizar as quotas próprias. Mas pode proibi-las: não aligeirá-las,

em confronto com as limitações gerais. O artigo 237.º, n.º3 CSC prevê que, por permissão

do pacto e deliberação dos sócios, sejam criadas, em vez de uma quota amortizada inserida

no balanço, uma ou várias quotas destinadas a serem alienadas. Enquanto a alienação não

operar, temos quotas próprias. Este sistema restritivo permite detetar uma lacuna, no Código,

quanto à aquisição originária de ações próprias. De acordo com uma indicação do Professor

Raúl Ventura, podemos aplicar, às sociedades por quotas, as proibições constantes dos

artigos 216.º, n.º1 e 2 e 304.º, n.º2 CSC; a sociedade não pode:

Subscrever quotas próprias;

Encarregar outrem de, em nome deste mas por conta dela, subscrever quotas

próprias;

Encarregar outrem de, em nome deste, mas por conta dela, adquirir quotas próprias.

Neste último caso, a interposição de pessoas inviabilizadora a verificação dos competentes

requisitos. Prevenindo (ligeiras) dúvidas provindas do Direito anterior, o artigo 220.º, n.º3

CSC prescreve a nulidade para as aquisições de quotas próprias com infração do disposto

neste artigo. Para a declaração de tal nulidade será necessário alegar e provar:

Que ocorreu uma aquisição de quotas próprias, por determinado preço;

Que existiam reservas de certo montante;

Que as reservas livres ascendiam a um valor insuficiente.

Também já se decidiu que, decretada uma nulidade por insuficiência de reservas, não pode o

correspondente negócio converter-se numa promessa de aquisição: esta manteria um objeto

juridicamente impossível. Uma vez adquirida, as quotas próprias ficam num regime especial:

artigo 220.º, n.º4, por remissão do artigo 324.º CSC. Feita a adaptação, temos (artigo 324.º,

n.º1 CSC):

Ficam suspensos os direitos inerentes às quotas, exceto o que resulte do aumento de

capital por incorporação de reservas;

Torna-se indisponível uma reserva de montante igual àquele por que elas estejam

contabilizadas.

Além disso, e para efeitos de informação e fiscalização (artigo 324.º, n.º2 CSC), o relatório

anual deve indicar os dados relativos a ações próprias adquiridas, alienadas e detidas. Durante

a suspensão de direitos não são, designadamente, dispensados lucros nem exercido o voto.

39.º - A transmissão

Problemática e evolução gerais: como foi referido a propósito das sociedades em

nome coletivo, existe uma certa relação inversa entre a natureza pessoal das sociedades e a

livre transmissibilidade das participações sociais respetivas: nas sociedades puramente

pessoais, a transmissibilidade é mínima; nas sociedades anónimas, será máxima. Quanto às

sociedades por quotas: perdidas entre as sociedades de pessoas e as de capitais, elas prestam-

se a vários esquemas possíveis, documentados na evolução Histórica e no Direito

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Comparado. Aquando da preparação do Código das Sociedades Comerciais de 1986, foi

ponderada a situação em Direito Comparado. Na síntese de Raúl Ventura, haveria quatro

sistemas, no tocante à transmissão de quotas:

O sistema alemão, em que as restrições eram de base voluntária;

O sistema inglês, com restrições obrigatórias, mas não definidas por lei;

O sistema francês, com restrições obrigatórias fixadas na lei;

O sistema de meras sociedades de responsabilidade ilimitada (alguns Estados da

América do Sul).

Os diversos projetos foram consagrando uma liberdade de princípio quanto à transmissão;

todavia, esta só era à partida admitida quando mortis causa. Na transmissão inter vivos, o sistema

nacional foi aproximado do francês: ela depende de autorização da sociedade. Com este pano

de fundo, o Código das Sociedades Comerciais veio regular, em três pormenorizados artigos

(artigos 225.º, a 227.º CSC), a transmissão de quotas por morte. A transmissão inter vivos

obteve quatro desenvolvidos preceitos (artigos 228.º a 231.º CSC).

Transmissão mortis causa: a transmissão mortis causa das quotas é, à partida, livre. O

artigo 225.º, n.º1 CSC explicita que:

«O contrato de sociedade pode estabelecer que, falecendo um sócio, a respetiva quota não se

transmitirá aos sucessores, do falecido, bem como pode condicionar a transmissão a certos

requisitos, mas sempre com observância do disposto nos números seguintes».

Quando a quota siga por via sucessória, aplicam-se as regras gerais. Nos casos, porém, em

que as partes, fazendo uso da sua autonomia privada, restrinjam ou impeçam essa

transmissão, há que prever mecanismos de compensação. De outro modo, teríamos uma

expropriação ad nutum, não permitida pela Constituição. Não se verificando a transmissão

para os sucessores, temos três possibilidades (artigo 225.º, n.º2 CSC):

A amortização;

A aquisição pela própria sociedade;

A aquisição por outro sócio ou por um terceiro.

Se no prazo de 90 dias, subsequentes ao conhecimento da morte do sócio por alguns dos

gerentes, nenhuma destas medidas for levada a cabo, a quota considera-se transmitida. Caso

se opte pela aquisição da quota, o respetivo contrato é outorgado pelo representante da

sociedade e pelo adquirente, se for sócio ou terceiro (artigo 225.º, n.º3 CSC). Fica, pois,

dispensada a intervenção dos próprios sucessores. Quanto à determinação e ao pagamento

do preço: aplicam-se as regras relativas à amortização, mas ficando os efeitos da alienação

suspensos enquanto a contrapartida não for paga (artigo 225.º, n,º4 CSC). Não sendo a

contrapartida tempestivamente paga, podem os interessados escolher entre (artigo 225.º, n.º5

CSC):

A efetivação do crédito, através dos meios legais de execução coativa;

A ineficácia da alienação, considerando-se a quota transmitida para os sucessores a

quem caberia a contrapartida em falta: deverá, entretanto, ter havido partilhas

relevantes, nesse ponto.

Na assembleia geral onde se debata o destino da quota do sócio falecido, podem participar

os sucessores. Pode ainda o contrato de sociedade deixar a transmissão da quota do de cuius

à vontade dos sucessores. Para tal eventualidade dispõe o artigo 226.º CSC. Temos:

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Quando os sucessores não aceitem a transmissão, devem declará-lo à sociedade, por

escrito, no 90 dias seguintes ao do conhecimento do óbito (n.º1);

Recebida a declaração, tem a sociedade 30 dias para amortizar a quota, adquiri-la ou

fazê-la adquirir por sócio ou por terceiro (n.º2);

Sob pena de o sucessor poder requerer a dissolução da sociedade por via

administrativa (n.º2, in fine);

Quanto à determinação e ao pagamento da contrapartida, aplicam-se as regras sobre

amortização, ficando os efeitos dependentes do pagamento (n.º3, que remete para o

artigo 225.º, n.º4 CSC);

Se a contrapartida não puder ser paga mercê da situação da sociedade ou se, de todo

o modo, ela não for paga, pode o sucessor requerer a dissolução da sociedade por via

administrativa (n.º3, que remete para o artigo 240.º, n.º6 e 7 CSC).

Apesar de prever prazos relativamente curtos, todos estes procedimentos tendem a alongar-

se no tempo. Havia que prover durante o período de pendência da amortização ou da

aquisição pela sociedade, por sócios ou por terceiros. Tal o papel do artigo 227.º CSC:

A amortização ou a aquisição retroagem à data do óbito (n.º1);

Os direitos e as obrigações mantêm-se suspensos (n.º2);

Mas durante essa suspensão, os sucessores podem exercer todos os direitos

necessários à tutela da sua posição jurídica, nomeadamente votar em deliberações

sobre alteração do contrato ou dissolução da sociedade (n.º3); devem, pois, ser

convocados.

Resta acrescentar que toda esta regulação é tendencialmente supletiva. Os estatutos podem

prever uma diversa ordenação dos interesses mútuos envolvidos. Recordemos que, quando

a sociedade não possa amortizar as quotas ou pagar a contrapartida equivalente, o sucessor

pode requerer a sua dissolução. É uma solução pesada, suscetível de destruir, pela raiz, um

empreendimento totalmente viável. Aos estatutos cabe, designadamente e para essa

eventualidade, prever alternativas: pagamentos faseados e prazos mais alargados. Também é

possível fixar outros métodos de compensação. Mas não ao ponto de se chegar a valores

irrisórios, sob pena de abuso do direito.

Transmissão inter vivos; o consentimento: o artigo 228.º CSC reporta-se à

transmissão e à cessão de quotas. Cabe-nos distinguir entre as duas noções. Segundo Raúl

Ventura, a cessão de quotas é uma subespécie de transmissão inter vivos: é a transmissão

voluntária. Assim, não haverá cessão nos casos de perda da quota (artigo 204.º CSC), de

arrematação e de adjudicação judiciais. A própria cessão é uma designação genérica qu

envolve múltiplas hipóteses: compra e venda, doação, sociedade e os mais diversos negócios,

típicos e atípicos. A lei principia por fixar a regra segundo a qual a transmissão da quota entre

vivos deve ser reduzida a escrito (artigo 228.º, n.º1 CSC). Anteriormente, ela devia constar

de escritura pública, salvo quando operasse por via judicial. Posto isto, surge a norma básica,

mercê da viragem operada em 1986 (artigo 228.º, n.º2 CSC).

«A cessão de quotas não produz efeitos para com a sociedade enquanto não for consentida por

esta, a não ser que se trate de cessão entre cônjuges, entre ascendentes e descendentes ou entre

sócios».

Esta norma é entendida como imperativa, perante o artigo 229.º, n.º5 CSC. O consentimento

é um ato jurídico unilateral, praticado pela sociedade mediante uma deliberação dos sócios.

Pode ser expresso ou tácito: neste último caso, poderemos inserir a hipótese de a sociedade,

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designadamente através dos seus sócios (em assembleia geral ou fora dela) passar a tratar o

transmissário como sócio. A transmissão torna-se eficaz para com a sociedade logo que lhe

for comunicada por escrito ou por ela for reconhecida, expressa ou tacitamente (n.º3).

Reconhecer implica uma atitude positiva de aceitação de validade da cessão. Se não for obtido

o consentimento da sociedade: esta tem legitimidade ativa para o pedido de declaração de

invalidade da cessão. Todavia, o caso não é de nulidade: apenas de ineficácia. Bem pode

suceder que, supervenientemente, a sociedade venha a dar o seu assentimento. Entre as

partes, a cessão é válida. O negócio-base da cessão sujeita-se às vicissitudes comuns de

qualquer contrato. Pode, designadamente e verificados os competentes pressupostos, ser

resolvido por alteração das circunstâncias (artigo 437.º, n.º1 CC), por incumprimento ou

anulado por erro. O pedido e a prestação do consentimento recebem uma regulação de

pormenor, no artigo 230.º CSC. Assim:

O consentimento é pedido por escrito, com indicação do cessionário e de todas as

condições da cessão (n.º1);

O consentimento expresso é dado por deliberação dos sócios (n.º2);

O consentimento não pode ser condicionado, sendo irrelevantes as condições que se

estipulem (n.º3);

Se a sociedade não deliberar nos 60 dias subsequentes à receção do pedido, a eficácia

deixa de depender dele (n.º4);

O consentimento dado a uma cessão posterior a outra não consentida torna esta

eficaz, na medida necessária para assegurar a legitimidade do cedente (n.º5).

O n.º6 explicita ainda o consentimento tácito resultante da presença do cessionário em

assembleia de sócios, sem que ninguém impugne a sua presença. Para efeitos do registo da

cessão, o consentimento tácito prova-se através da ata da deliberação. Havendo recusa de

consentimento, a competente comunicação a dirigir ao sócio deve incluir uma proposta de

amortização ou de aquisição da quota (artigo 231.º, n.º1, 1.ª parte CSC). Cabe, então, ao

cedente decidir: se ele não aceitar a proposta no prazo de 15 dias, a proposta fica sem efeito,

mantendo-se a recusa de consentimento (artigo 231.º, n.º1, 2.ª parte CSC). Este regime – e

os aspetos que dele decorrem, abaixo referidos – só opera se a quota estiver há mais de três

anos na titularidade do cedente, do seu cônjuge ou de pessoa a quem tenham, um ou outro,

sucedido por morte (artigo 231.º, n.º3 CSC). Trata-se de um dispositivo que tutela a

estabilidade e desincentiva passagens meramente especulativas pelo capital das sociedades

por quotas. Tratando-se de aquisição: o direito a adquirir a quota é atribuído aos sócios que

declarem querê-la no momento da deliberação e proporcionalmente às quotas que já

detenham; se não exercerem esse direito, ele pertencerá á sociedade (artigo 231.º, n.º4 CSC).

Temos, aqui, um verdadeiro direito de preferência, que opera na hipótese de a sociedade

deliberar que a quota a ceder seja adquirida, em vez de amortizada. Finalmente: a cessão para

a qual foi pedido o consentimento da sociedade torna-se livre se se verificar o previsto

nalgum das cinco alíneas do artigo 231.º, n.º2 CSC:

Se for omitida a proposta que deve acompanhar a recusa;

Se a proposta e a aceitação não respeitarem a forma escrita e o negócio não for

celebrado por escrito nos 60 dias seguintes à aceitação, por causa imputável à

sociedade;

Se a proposta não abranger todas as quotas para cuja alienação tiver sido pedido, em

simultâneo, o consentimento;

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Se a proposta não oferecer uma contrapartida em dinheiro igual ao valor resultante

do negócio encarado: salvo se o negócio em causa for gratuito ou se provar a

simulação do valor, altura em que deverá propor o valor real da quota, calculado

segundo o artigo 1021.º CC, com referência ao momento da deliberação.

Se a proposta propuser diferimento do pagamento e não for, no mesmo ato, prevista

uma garantia adequada.

Segue; as cláusulas contratuais: o artigo 229.º CSC ocupa-se de diversas cláusulas

contratuais suscetíveis de, no pacto social, regularem o ponto sensível da cessão de quotas.

Desde logo, reporta-se às duas soluções extremas:

O pacto pode proibir a cessão de quotas: simplesmente, quando o faça, os sócios têm

direito à exoneração, decorridos dez anos sobre o seu ingresso na sociedade (n.º1):

uma solução paralela à do artigo 185.º, n.º1, alínea a) CSC, para as sociedades em

nome coletivo;

O pacto pode dispensar o consentimento da sociedade, quer para todas, quer para

determinadas situações; esta hipótese deve, porém, ser conjugada com o n.º5.

Além disso, o pacto pode exigir o consentimento para cessões que, supletivamente, dele não

precisariam: as cessões referidas no final do artigo 228.º, n.º2 CSC: entre cônjuges, entre

ascendentes e descendentes ou entre sócios (artigo 229.º, n.º3 CSC). A deliberação de

alteração do contrato de sociedade que proíba ou dificulte a cessão de quotas requer o

consentimento de todos os sócios afetados (artigo 229.º, n.º4 CSC). Logicamente, trata-se de

um aspeto que vai atingir a posição pessoal (e patrimonial) de todos eles. Muito ponderoso,

o artigo 229.º, n.º5 CSC dispõe que o contrato de sociedade não pode subordinar a cessão a

requisitos diferentes do do consentimento da sociedade; pode, porém, condicionar esse

consentimento a requisitos específicos, desde que a cessão não fique dependente:

Da vontade individual de um ou mais sócios ou de pessoas estranhas, salvo tratando-

se de credor e para cumprimento de cláusula de contrato onde lhe seja assegurada a

permanência de certos sócios (alínea a));

De quaisquer prestações a efetuar pelo cedente ou pelo cessionário em proveito da

sociedade ou de sócios (alínea b));

Da assunção, pelo cessionário, de obrigações não previstas para a generalidade dos

sócios (alínea c)).

Como se vê, estão especialmente em xeque as cláusulas que, a pretexto de autorização para

a cessão, pretendem obter vantagens específicas para a sociedade ou para os sócios. O artigo

229.º, n.º6 CSC prevê que o contrato de sociedade possa cominar penalidades para o caso de

a cessão ser efetuada sem prévio consentimento da sociedade. Estamos perante uma hipótese

de cláusula penal (artigo 810.º CC), embora não limitada a aspetos indemnizatórios. Assim,

uma especial sanção seria a exclusão do sócio (artigo 241.º, n.º1 CSC). Resta acrescentar que

a oneração de quotas, com usufruto ou com penhor, está sujeita às limitações estabelecidas

para a sua transmissão. Entre as cláusulas contratuais relativas à transmissão de quotas conta-

se o estabelecimento de direitos de preferência. Convirá ter o cuidado, na redação dos

competentes estatutos, de articular tais direitos com o consentimento da sociedade, de tal

modo que não se possa ir dizer que a cessão ficou dependente da vontade individual de um

ou mais sócios. De resto, a própria lei fixa um sistema material de preferência na hipótese de,

havendo recusa do consentimento, a sociedade deliberar a aquisição da quota (artigo 231.º,

n.º4 CSC). Ainda no pacto social e a fortiori (artigo 229.º, n.º6 CSC), é possível fixar as

consequências da eventual violação das preferências. Elas poderão passar pela ineficácia da

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cessão prevaricadora ou envolver uma ação de preferência (artigo 1410.º CC). O sistema

português de transmissão das quotas, diferenciado, com princípios, regras e exceções,

envolvendo normas injuntivas e supletivas e remetendo (algumas) liberdades para o pacto

social, acaba por ser bastante complexo.

Posse e usucapião de quotas? A propósito da transmissão de quotas, poder-se-ia

suscitar o problema da posse e da usucapião. Serão tais figuras admissíveis? Curiosamente, a

questão surgiu na prática, obtendo respostas favoráveis da jurisprudência (Ac. STJ 13-Mai-

1952, Ac. STJ 11-Jan-1955, Ac. RLx 16-Abr-1975, Ac. STJ 25-Set-1990, Ac. STJ 6-Mai-1998,

Ac. STJ 28-Mar-2001), parecendo claro que a jurisprudência portuguesa admite a posse de

quotas, posse essa relevante para efeitos de defesa e, até, de usucapião. Contra, apenas decidiu

Ac. STJ 20-Nov-1992 e com um voto de vencido: uma decisão que se apresenta fortemente

injusta, uma vez que veio desamparar duas herdeira que, durante mais de vinte anos, foram

tratadas como sócias por uma sociedade, sociedade essa que, por culpa própria exclusiva,

não curara de amortizar as competentes quotas. No plano doutrinário, o malogrado Antunes

Varela manifestou-se profundamente pela negativa. Anteriormente, o Professor Palma

Carlos pronunciara-se precisamente no sentido contrário: as quotas sociais admitiriam posse,

sendo defendíveis através de embargos de terceiro Percorrendo esta via até ao fim, João

Carlos Gralheiro vem defender que a quota é uma coisa, suscetível de posse e possível objeto

de usucapião. Evaristo Mendes acaba por não tomar posição clara: frisa, todavia, que a

doutrina, ao contrário da jurisprudência, se mostra pouco favorável ao alargamento, às quotas,

da velha usucapio. Falta, do nosso ponto de vista, uma explicação de fundo quanto às razões

(se algumas houver) que expliquem as restrições ao âmbito da posse e da usucapião. O

Código Civil de 1966 veio limitar os direitos reais às coisas corpóreas (artigo 1302.º CC).

Quanto à posse: para além da natureza intrinsecamente real, logo se verifica que o seu regime

está pensado para o universo das coisas corpóreas: posse e detenção (artigo 1253.º CC), posse

violenta (artigo 1261.º, n.º1 CC), as diversas formas de aquisição da posse (artigo 1263.º CC),

a perda da posse (artigo 1267.º CC), o esbulho (artigo 1277.º CC) e a própria noção de

usucapião (artigo 1287.º CC), entre outros, dirigem-se, diretamente, a situações que envolvam

coisas corpóreas. Além disso, a categoria direitos reais não é lógica ou não é puramente lógica:

antes assume raízes histórico-culturais. Daí resulta que direitos relativos a coisas corpóreas

(como o direito do arrendatário), por puras razões de circunstâncias histórica, sejam

consideradas direitos pessoais de gozo, com um regime não precisamente idêntico ao dos

direitos reais. À luz de tudo isto, a usucapião é um instituto limitado aos direitos reais de

gozo. Não há razões racionais para isso. Torna-se injusto que um arrendatário público,

pacífico e reconhecido durante vinte anos, não veja consolidada a sua posição pela usucapião.

Um raciocínio semelhante é perfeitamente aplicável às quotas ou, mais latamente, às diversas

posições sociais. Não será viável, quando a analogia das situações o justifique, aplicar às

quotas as regras próprias dos direitos reais? Justamente: a necessidade de, no terreno, resolver

claras injustiças, tem levado a jurisprudência, corajosamente, a decidir, contra a doutrina, no

sentido do alargamento, às quotas, da usucapião. Todavia, o Direito – particularmente o

Direito privado! – não é razão ou não é, apenas, razão. Todo ele está moldado por profundas

raízes histórico-culturais que não devemos (nem podemos!) enjeitar. O grande desafio que

se coloca ao intérprete aplicador será o de concretizar um sistema harmónico e coerente (i.e:

científico), utilizando meios por vezes distorcidos. Isto dito, vamos distinguir:

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As regras relativas à defesa possessória nada tem de especial: o próprio Código Civil

permite aplicá-las aos direitos pessoais de gozo; logo, elas são operacionais perante

as posições sociais;

A usucapião está reservada aos direitos reais de gozo; todavia, outros institutos hoje

disponíveis permitem conseguir os mesmos efeitos, por outra via: maxime, pelo abuso

do direito, através da suppressio.

Assim, a pessoa que, longamente e à vista de todo, se comporte como titular de uma quota,

como tal sendo tratado pela própria sociedade pode, ex bona fide, adquirir correspondente

posição: a atuação da sociedade de, supervenientemente, vir a questionar essa posição seria

abuso do direito, não podendo ter lugar. Fica-se com a disponibilidade de um instituto

flexível, capaz de corresponder às diferenciações do caso concreto.

40.º - A amortização

Noção, efeitos e problemática geral: o Código das Sociedades Comerciais não

define amortização de quotas. Podemos doutrinariamente apresentá-la como a supressão da

quota e das posições jurídicas a ela subjacentes, levada a cabo pela própria sociedade.

Evidentemente: a supressão não pode ir ao ponto de tudo fazer desaparecer: haverá, sempre,

determinadas decorrências, pelo que a supressão não é absoluta. Temos, aqui, todo um

regime a ter em conta. A supressão de uma quota serve os mais diversos interesses:

Da sociedade, em poder normalizar o seu capital ou prevenir a presença ou a entrada

de sócios indesejáveis;

Dos restantes sócios, em aumentar o seu poder de participação e de perceção de

lucros;

Do próprio sócio cuja quota seja amortizada: em libertar-se de uma posição social

que, porventura, não lhe interessasse, sendo compensado devidamente.

Quanto ao reverso da medalha:

A sociedade terá de pagar pela amortização, ficando descapitalizada;

Os restantes sócios verão baixar os seus lucros e enfraquecer as suas posições;

O sócio atingido ficará despojado de uma posição patrimonial e pessoal que poderá

ter, para ele, um valor acrescido.

Toda esta trama de interesses contrapostos é ainda completada pelos valores que ao Estado

cumpre tutelar: o de estabilidade e segurança nos meios societários e na riqueza a eles

inerentes compreende-se, por isso, que a amortização de quotas seja rodeada por diversas

regras. legislador de 1986 foi pródigo em normas: dedicou à amortização de quotas toda

uma secção – a IV – prevendo sete artigos (artigos 232.º a 238.º CSC). Estes preceitos contém

normas imbricadas, que se completam e delimitam reciprocamente. No seu estudo e na sua

aplicação recomenda-se, aos estudiosos e aos práticos, uma análise cuidada do conjunto.

Pressupostos; previsões legais e estatutárias: o artigo 232.º CSC é,

fundamentalmente, um preceito de enquadramento e de ordenação. Ele começa por

submeter a amortização de quotas a uma prévia permissão (n.º1):

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Da lei; ou

Do contrato.

Manda, em qualquer dos casos, seguir o regime previsto na secção: o que envolve os artigos

232.º a 237.º CSC. Não fica definido se esse regime é injuntivo ou se o pacto social pode

dispor de outro modo. Prevalece, em princípio, esta segunda possibilidade, num aspeto que

terá de ser verificado ponto por ponto. O artigo 232.º, n.º2 CSC fixa o efeito da amortização:

a extinção da quota. Ressalva, porém e desde logo, os direitos já adquiridos e as obrigações

já vencidas. Perante direitos de constituição processualmente diferida e em face de obrigações

já constituídas mas não vencidas (incluindo situações condicionadas) haverá que fazer uma

ponderação ponto por ponto. O artigo 237.º CSC fixa os efeitos da amortização no tocante

ao capital social. Pressuposto importante da amortização é o de a quota atingida se encontrar

integralmente liberada (artigo 232.º, n.º2 CSC); o preceito ressalva, todavia, o caso da redução

de capital. Além disso, a sociedade só pode amortizar quotas (artigo 236.º, n.º1 CSC):

«(...) quando, à data da deliberação, a sua situação líquida, depois de satisfeita a contrapartida

da amortização, não ficar inferior à soma do capital e da reserva legal a não ser que

simultaneamente delibere a redução do seu capital».

Este aspeto é importante. A própria lei entendeu regular a hipótese do seu desaparecimento

superveniente. Assim:

Se, aquando do vencimento da obrigação de pagar a contrapartida, da amortização se

verificar que, feito o pagamento, a situação líquida da sociedade passaria a ser inferior

à soma do capital e da reserva legal, a amortização fica sem efeito e o interessado

deve restituir à sociedade as quantias porventura já recebidas (artigo 236.º, n.º3 CSC);

tecnicamente, temos aqui uma verdadeira condição resolutiva legal;

Sendo esse o caso, o interessado pode optar pela amortização parcial da quota, na

proporção do que já recebeu ou ainda, em alternativa, pelo diferimento do pagamento,

até que se verifique a prescrita situação líquida (artigo 236.º, n.º4 CSC); esta opção

deve ser declarada por escrito, à sociedade, nos 30 dias subsequentes àquele em que,

ao sócio, seja comunicada a impossibilidade do pagamento pelo motivo referido

(artigo 236.º, n.º5 CSC).

Quanto aos pressupostos de raiz – a permissão legal ou a permissão contratual – impõe-se

precisar que a lei prevê a amortização de quotas nos casos seguintes:

Quando, por força de disposições contratuais, a quota não for transmitida para os

sucessores do sócio falecido (artigo 225.º, n.º2 CSC);

Quando, dependendo a transmissão mortis causa da vontade dos sucessores, estes

declarem querer a amortização (artigo 226.º, n.º1 CSC);

Quando a sociedade recuse o consentimento para a transmissão de uma quota (artigo

231.º, n.º1 CSC);

Quando o sócio pretenda exonerar-se (artigo 240.º, n.º3, 2.ª parte CSC).

Cada um destes preceitos deve ser examinado. Por vezes, eles pressupõem outras previsões

contratuais ou envolvem alternativas. Além disso, a amortização é, por vezes, obrigatória.

No tocante à previsão contratual, temos diversas precisões. Aparentemente, o artigo 232.º,

n.º1 CSC admite uma previsão genérica de amortização, desde que consagrada nos estatutos.

Todavia, infere-se do artigo 233.º, n.º1 CSC que tal previsão genérica apenas permitirá a

amortização se houver acordo do sócio atingido. Fora dessa hipótese, ela só será possível se

se verificar um facto que os estatutos considerem fundamento de amortização compulsiva

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(artigo 233.º, n.º1 CSC). Podemos, parcialmente apoiados em Raúl Ventura, fixar o quadro

seguinte:

O pacto social nada diz: a amortização só é possível nos casos previstos na lei; a

própria amortização por acordo não é possível;

O pacto social tem uma permissão genérica de amortização: só são viáveis

amortizações por acordo;

O pacto social inclui, além da permissão genérica, previsões específicas de

amortização: são viáveis as amortizações por acordo e, ainda, aquelas que

correspondam aos factos verificados;

O pacto social inclui apenas previsões específicas, sem explicitar o acordo: operam

as amortizações correspondentes aos factos verificados e, ainda, as que surjam por

acordo, uma vez que a vontade coletiva deixou em aberto a virtualidade de

amortizações.

Além disso, o pacto social pode permitir a amortização ou pode impô-la, perante

determinados factos. Trata-se de um aspeto a elucidar caso a caso, através da interpretação.

Não é necessário, à luz do Direito Português, engendrar situações de amortização através de

uma cláusula geral de justificação muito relevante ou motivo justificado. Para situações extremas, o

Direito Português conhece a figura da exclusão judicial (artigo 242.º, n.º1 CSC). Pela mesma

ordem de razões, não é possível construir, por analogia ou por qualquer processo criativo,

novas causas de concretização não especificadas no pacto: estaríamos, com isso, a defraudar

a confiança dos sócios. O artigo 233.º, n.º2 CSC explicita ainda que a amortização só é

possível quando o facto permissivo já figurava no contrato de sociedade ao tempo da

aquisição da quota pelo atual titular ou pela pessoa na qual ele tenha sucedido mortis causa:

salvo se a introdução do facto em causa tiver sido unanimemente deliberada pelos sócios. As

condições em que não é possível uma determinada amortização funcionam, assim, como

autênticos direitos especiais dos sócios, direitos esses que não podem ser coartados sem o

consentimento do próprio (artigo 24.º, n.º5 CSC). Ainda no domínio dos pressupostos, há

que contar com várias regras atinentes ao consentimento dos sócios. São elas:

O consentimento pode ser dado na própria assembleia geral ou em documento

anterior ou posterior a esta (artigo 233.º, n.º3 CSC);

O consentimento também deve ser dado pelo usufrutuário da quota ou pelo titular

de penhor sobre ela, caso existam (artigo 233.º, n.º4 CSC);

O consentimento é ainda necessário para a amortização parcial, salvo nos casos

previstos na lei (artigo 233.º, n.º5 CSC).

Tecnicamente, o consentimento é um ato jurídico stricto sensu, unilateral. Aplicam-se-lhe,

todavia e com adaptações, as regras do negócio jurídico (artigo 295.º CC).

Forma, procedimento e prazo: a amortização é sempre obra de deliberação dos

sócios (artigos 234.º, n.º1 e 246.º, n.º1, alínea b) CSC). Além disso, essa deliberação deve

surgir apoiada nos respetivos pressupostos legais e estatutários (artigo 234.º, n.º1 CSC): é

importante que refira os factos pertinentes, mais do que as normas legais e contratuais que

estejam em jogo e que serão, em princípio, acessíveis a qualquer intérprete-aplicador. Como

vimos, havendo necessidade de consentimento do interessado, este poderá ser prestado

durante a assembleia geral ou, por documento, antes ou depois dela (artigo 233.º, n.º3 CSC).

A amortização torna-se eficaz mediante uma comunicação dirigida ao sócio afetado (artigo

234.º, n.º1, in fine CSC). Quando ela fique pendente de consentimento subsequente desse

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mesmo interessado, mandam as boas normas (artigo 224.º, n.º1 CC) que ela se torne eficaz

quando o respetivo documento seja recebido pela sociedade. A amortização deve ser tomada

no prazo de 90 dias contados do conhecimento por algum gerente da sociedade de facto

(legal ou contratual) que a permita. Tratando-se de uma amortização obrigatória: passado o

prazo, ela fica igualmente precludida; só que, nessa eventualidade, o gerente que tenha

conhecimento do facto relevante e o não transmita aos sócios é responsável pelos danos que

tenha originado ou venha a originar. Temos ainda a considerar que a amortização pode surgir

como o produto de um direito conferido ao sócio ou de um direito atribuído à própria

sociedade. Como o seguinte alcance prático:

Quando concedido ao sócio, aplica-se o disposto sobre a exoneração (artigo 232.º,

n.º4 CSC);

Quando atribuído à própria sociedade, esta pode antes optar por adquirir a quota ou

por fazê-la adquirir por um sócio ou por terceiro (artigo 232.º, n.º5 CSC); nesta

hipótese, aplica-se o artigo 225.º, n.º3, 4 e 5, 1.ª parte, CSC.

No domínio da exoneração dos sócios (artigo 240.º CSC), diversos preceitos remetem para

a amortização de quotas. Temos, pois, todo um jogo de remissões: porventura evitáveis, com

mais algum apuro legislativo. Na própria deliberação deve-se exarar a ressalva do capital

social e das reservas (artigo 236.º, n.º2 CSC). Assim, não será se o valor for negativo e, como

tal, a amortização se tornar gratuita. Além disso, a jurisprudência entende que o sócio visado

pela amortização não tem um interesse oposto ao da sociedade, a menos que esteja também

em causa a sua exclusão por justa causa. Pode, intervir e votar na competente assembleia

geral. O sócio afetado tem legitimidade direta para se opor à amortização.

Contrapartida: pela amortização da quota é devida uma contrapartida. Assim não

sucederá na hipótese de amortização gratuita: por exemplo, tratando-se de amortização de

quota própria da sociedade. A contrapartida é fixada, em primeira linha (artigo 235.º, n.º1,

corpo CSC):

Pelo pacto social;

Por acordo das partes.

As correspondentes cláusulas devem ser cumpridas (artigo 4’6.º, n.º1 CC). Todavia, há que

atentar nas regras gerais dos artigos 809.º e 941.º, n.º1 CC (proibição de renúncia antecipada

aos direitos do credor e proibição de doação de bens futuros, respetivamente). Retemos,

daqui, que as cláusulas de contrapartida por amortização de quotas devem ser minimamente

compensatórias; de outro modo, estaremos perante atos gratuitos e sujeitos às competentes

regras, inclusive sucessórias. Na falta de regras estipuladas no pacto ou em acordo, aplicam-

se as soluções supletivas do artigo 235.º, n.º1 CSC:

A contrapartida da amortização é o valor de liquidação da quota, determinado nos

termos do artigo 105.º, n.º2 CSC, com referência ao momento da deliberação; este

preceito remete para um cálculo efetuado nos termos do artigo 1021.º CC, por um

Revisor Oficial de Contas designado por mútuo acordo ou, na falta deste, pelo

Tribunal;

O pagamento da contrapartida é fraccionado em duas prestações; a efetuar dentro de

seis meses e um ano, respetivamente, após a fixação definitiva da contrapartida.

Por vezes, o pacto social fixa o valor de amortização remetendo-o para o balanço: o último

aprovado. De acordo com a tradição jurídica portuguesa, há, aqui, que lidar com a sindicância

do abuso do direito. Pode a amortização recair sobre cláusulas arroladas, arrestadas,

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penhoradas ou incluídas em massa insolvente: nessa altura, o recurso às cláusulas do pacto

poderá prejudicar terceiros. Por isso, o artigo 235.º, n.º2 CSC remete, em tal ocasião, para os

critérios supletivos do n.º1, excepto se os resultantes do pacto forem menos favoráveis para

a sociedade e, logo, mais favoráveis para o terceiro. Não sendo a contrapartida

tempestivamente paga, o interessado pode optar (artigo 235.º, n.º3 CSC):

Pela execução da dívida;

Pela amortização parcial;

Pela espera do pagamento.

Encontramos, pois, um lote de soluções: saídas tipicamente obrigacionais contracenam com

composições de tipo societário.

Efeitos quanto ao capital; a contitularidade: a amortização da quota provoca a

sua supressão. Quais os efeitos no capital social da entidade atingida? O artigo 237.º CSC

resolve, hoje, expressamente o problema. Fundamentalmente, uma de duas (n.º1):

Ou a amortização é acompanhada da correspondente redução do capital;

Ou as quotas dos outros sócios são proporcionalmente aumentadas.

Devem os sócios fixar, por deliberação o novo valor nominal das quotas. Os gerentes

deveriam outorgar a correspondente escritura pública, salvo se a ata de deliberação for

lavrada por notário: esta regra suprimida em 2006. Agora, bastará aos sócios fixar, por

deliberação, o tal novo valor nominal das quotas. Como solução mais flexível, muitas vezes

seguida, na prática, dispõe o artigo 237.º, n.º3 CSC:

«O contrato de sociedade pode, porém, estipular que a quota figure no balanço como quota

amortizada e bem assim permitir que, posteriormente e por deliberação dos sócios, em vez da

quota amortizada, sejam criadas uma ou várias quotas, destinadas a serem alienadas a um ou

a alguns sócios, ou a terceiros».

Nesta última hipótese não há nem redução do capital, nem aumento proporcional das demais

quotas. Trata-se de uma operação contabilística destinada a manter o status quo. Em boa

verdade, seria questionável se estamos em face de uma verdadeira amortização, já que a quota

atingida não é, summo rigore, suprimida. Ainda no domínio dos efeitos da amortização, temos

o caso específico da contitularidade, que mereceu, no Código de 1986, um preceito específico.

o artigo 238.º CSC. Quando o fundamento da amortização atinja, objetivamente, a quota ou,

subjetivamente, todos os contitulares, não há problema: segue-se o regime geral. Quando,

porém, apenas em relação a um contitular se verifiquem os pressupostos da amortização,

temos o seguinte cenário:

Podem os sócios deliberar que a quota seja dividida em conformidade com o título,

desde que daí não resultem quotas inferiores a 50 euros (n.º1);

Dividida a quota, a amortização recai sobre a que pertença ao titular que reúna os

pressupostos da amortização (n.º2, 1.ª parte);

Na falta de divisão, não há amortização (n.º2, 2.ª parte CSC).

Como explica Raúl Ventura, é, aqui, sacrificado o interesse da sociedade. Cumpre a esta

tomar medidas oportunas para facilitar a divisão ou para prevenir contitularidades demasiado

fraccionadas.

SQ

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41.º - A execução e o registo

Regime da execução da quota: a quota é um bem penhorável. Pode, assim, ser

arrolada ou penhorada, tendo em vista a sua venda em processo executivo, para satisfação

dos direitos dos credores do sócio. Essa eventualidade suscita vários problemas,

designadamente no que toca ao âmbito da penhora e a articulação com os interesses da

sociedade. O legislador de 1986, em grande parte inspirado no anteprojeto alemão de nova

lei das sociedades por quotas, que nunca chegou a ir avante, dispensou a esta matéria um

tratamento específico: artigo 239.º CSC. Quanto ao âmbito da penhora, esclarece o artigo

239.º, n.º1 CSC:

Ele abrange os direitos patrimoniais a ela inerentes

com ressalva do direito a lucros já atribuídos por deliberação dos sócios à data da

penhora, mas sem prejuízo da penhora desses créditos;

Mas continuando o direito de voto a ser exercido pelo titular da quota penhorada.

A sociedade pode não estar nada interessada na perspetiva da penhora e da venda executiva

de uma quota: por essa via, poderá entrar para a sociedade, como sócio, seja um estranho,

seja uma pessoa nociva para os interesses sociais. Todavia, a lei não permite que os pactos

sociais proíbam a transmissão de quotas em processo executivo ou de liquidação de

patrimónios ou que a coloquem sob a sua permissão (artigo 239.º, n.º2, 1.ª parte CSC). Ficam,

porém e à sociedade, várias vias alternativas:

Ou à atribuição, pelo contrato, do direito de amortizar a quota, na hipótese de

penhora ou equivalente (artigo 230.º, n.º2 CSC);

Ou o exercício de preferência pelos sócios ou pela sociedade (artigo 239.º, n.º5 CSC);

Ou ainda o pagamento da quantia exequenda pela sociedade ou pelo sócio, com sub-

rogação no crédito (artigo 239.º, n.º3 CSC, que remete para o artigo 593.º CC).

De modo a facilitar a aplicação das diversas saídas possíveis, o artigo 239.º, n.º4 CSC

determina que a venda da quota em processo de execução ou de insolvência do sócio seja,

oficiosamente, notificada à sociedade. Trata-se de uma norma imperativa: a falta de

notificação envolve nulidade, uma vez que interfere na decisão da causa.

O registo de quotas (reforma de 2006): a regra básica advém-nos do artigo 242.º-

A CSC:

«Os factos relativos a quotas são ineficazes perante a sociedade enquanto não for solicitada,

quando necessária, a promoção do respetivo registo».

O preceito é delicado: deve ser integrado na lógica sistemática do Código de Registo

Comercial. Na verdade, o artigo 14.º, n.º1 CRCom estabelecia – e estabelece! – que os factos

sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo.

Como lex specialis verifica-se que tais factos, quando relativos a sociedades, não produzem

efeitos mesmo quando a sociedade seja parte e perante esta enquanto não for solicitada a

promoção do registo. Tecnicamente, solicitar a promoção de um registo nem é forma de

contrato, nem é modo de publicidade. Trata-se de uma simples formalidade (necessária) a

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que o legislador vem associar efeitos a nível de eficácia perante a sociedade. Esta solução é

tornada necessária pela supressão da escritura pública e sob pena de se estabelecer a completa

insegurança nas sociedades por quotas. Fica à prova. De todo o modo, a sociedade de má fé

não poderá, pelas regras gerais, prevalecer-se da não solicitação de determinado registo. No

limite: por abuso do direito. Segundo o artigo 242.º-B CSC, cabe à própria sociedade

promover os registos relativos a factos em que, de alguma forma, tenha tido intervenção ou

mediante solicitação de quem tenha legitimidade. Ou seja (artigo 242.º-B, n.º2 CSC):

«a) O transmissário, o transmitente e o sócio exonerado;

«b) O usufrutuário e o credor pignoratício».

Pergunta-se se tal legitimidade não deveria ser estendida:

Ao sócio envolvido em operações de unificação, de divisão e de contitularidade de

quotas, quanto a operações a elas relativas;

Ao sócio excluído;

Ao sócio cuja quota seja total ou parcialmente amortizada.

A resposta será positiva. Nestes dois últimos casos, ainda se poderia dizer que a própria

sociedade deveria tomar a iniciativa. Mas há um evidente interesse dos sócios. Segundo o

artigo 242.º-B, n.º3 CSC, o pedido de promoção do registo deve ser acompanhado dos

documentos que titulem o facto a registar. Pressupõe-se, naturalmente, que os interessados

tenham acesso a esses documentos. Quando não: há um evidente dever de colaboração por

parte da própria sociedade. Repare-se ainda que, segundo o artigo 29.º, n.º5 CRCom:

«(...) para pedir o registo de atos a efetuar por depósito apenas tem legitimidade a entidade

sujeita a registo(...)»

O registo por depósito implica o mero arquivamento dos documentos que titulam os factos

sujeitos a registo (artigo 53.º-A, n.º3 CRCom). Se a sociedade não promover o registo,

qualquer pessoa o poderá fazer junto da conservatória, seguindo-se o esquema do artigo 29.º-

A CRCom. O registo por depósito retira ao conservador do registo comercial a intervenção

que lhe competia. O legislador veio cometer à própria sociedade a observância das regras do

registo. Assim:

O artigo 242.º-C CSC fixa as regras de prioridade da promoção dos registos: ordem

dos pedidos (n.º1), ordem de antiguidade dos factos relativos à mesma quota (n.º2) e

ordem da respetiva dependência (n.º3);

O artigo 242.º-D CSC estabelece, agora no plano da promoção, o princípio da

instância;

O artigo 242.º-E, n.º1 CSC impõe o princípio da legalidade, alargado pelo n.º2 a

aspetos fiscais;

O artigo 242.º-E, n.º3 e 4 CSC introduz, a cargo das sociedades por quotas, deveres

de arquivamento e de informação aos interessados.

O contraponto de todos estes ónus, encargos e deveres reside no artigo 242.º-F, n.º1 CSC:

uma responsabilização das sociedades com presunção de culpa, nos termos seguintes:

«As sociedades respondem pelos danos causados aos titulares de direitos sobre as quotas ou a

terceiros, em consequência de omissão, irregularidade, erro, insuficiência ou demora na promoção

dos registos, salvo se provarem que houve culpa dos lesados».

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O n.º2 desse preceito estabelece ainda uma responsabilidade solidária das sociedades pelo

cumprimento das obrigações tributárias cuja fiscalização lhes é cometida pelo artigo 242.º-E,

n.º2 CSC.

Capítulo VI – A organização das sociedades por quotas

§42.º - Aspetos gerais

O modo organizativo das sociedades por quotas: as sociedades por quotas

foram criadas como uma resposta à necessidade de preencher, de certo modo, o largo espaço

existente entre as sociedades em nome coletivo e as sociedades anónimas. Nas sociedades

em nome coletivo, o modelo organizativo era muito incipiente. No fundo, tínhamos um

conjunto de comerciantes que acordavam no exercício conjunto da sua profissão. Todos

eram competentes para administrar, para decidir e para fiscalizar. Só por muita abstração se

tornava possível discernir distintas funções na atuação do grupo. Nas sociedades anónimas,

sobretudo a partir do momento em que a sua gestão se profissionalizou e em que se tornou

necessário, mercê da aquisição automática da personalidade jurídica, prever instâncias

internas de fiscalização, cedo vieram a surgir órgãos diferenciados: a administração, a

assembleia geral e um órgão de fiscalização. Nas sociedades por quotas, o legislador hesitou.

Por um lado – particularmente nas de maior dimensão – faria todo o sentido prover a uma

diferenciação organizativa: pelo menos, teríamos de contar com uma administração e com

um colégio de todos os sócios. Além disso, seria razoável associar uma instância fiscalizadora.

Noutras, porém, compostas por dois ou três sócios, a complicação interna de nada serviria:

apenas para aumentar os custos marginais do seu funcionamento. Aí tudo poderia ser

mantido num nível inorgânico, um tanto semelhante ao das sociedades em nome coletivo.

Digamos que as mesmas pessoas dariam corpo à administração e ao colégio dos sócios.

Como decidir? O Código das Sociedades Comerciais de 1986 conservou a orientação semi-

orgânica que vinha do Direito anterior. Primeiro, foi ordenada a matéria atinente às

deliberações dos sócios (artigo 246.º a 251.º CSC), as quais poderão ocorrer em assembleia

geral, um tanto à semelhança das sociedades anónimas (artigo 248.º CSC). Depois surge a

gerência e a fiscalização (artigo 252.º a 262.º-A CSC): a gerência poderá funcionar como

órgão coletivo (artigo 261.º CSC), enquanto o pacto social pode determinar que a sociedade

tenha um conselho fiscal (artigo 262.º, n.º1 CSC), sendo, nalguns casos, obrigatoriamente

designado um revisor oficial de contas (artigo 262.º, n.º2 CSC). Fica uma lata margem à

decisão dos sócios. Estes podem optar por esquemas mais ou menos diferenciados de

organização. Mantém-se, assim, a especial ambivalência das sociedades por quotas.

§43.º - Deliberações dos sócios e assembleia geral

SQ

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A competência dos sócios: o artigo 246.º CSC distingue, basicamente, nos dois

números:

Atos sujeitos necessariamente a deliberação dos sócios (n.º1);

Atos supletivamente sujeitos a esse tipo de deliberação, isto é: se o contrato social

não dispuser de outra forma (n.º2).

Quanto aos atos sujeitos necessariamente a deliberação dos sócios: a lei procede (artigo 246.º,

n.º1, corpo CSC) a uma enumeração mínima: podem a lei ou o contrato acrescentar novos

atos. A enumeração legal – ou a contratual, quando existe – é taxativa. No seguinte sentido:

quando a prática de um ato não dependa de deliberação dos sócios, ela poderá ser levada a

cabo pela gerência: cabe-lhe representar a sociedade. A expressão dependem de deliberação

dos sócios pode parecer excessivamente circundante. Todavia, o legislador teve uma ideia:

entre os atos elencados contam-se diversos que, em última instância, acabarão por se

concretizar através da atuação da gerência. Mas, a precedê-los, deverá haver uma deliberação

dos sócios. De modo a ordenar os atos referidos no artigo 246.º CSC, de acordo com o seu

posicionamento perante atuações e outros órgãos, podemos distinguir:

Atos auto-suficientes: a deliberação dos sócios é bastante para produzir o efeito

pretendido: consentimento para divisão (artigo 221.º, n.º6 CSC) e para cessão (artigo

230.º, n.º2 CSC) de quotas, amortização de quotas (artigo 234.º CSC), e de membros

de órgãos de fiscalização (artigo 257.º, n.º2 CSC), aprovação do relatório de gestão e

exoneração de responsabilidade (artigo 246.º, n.º1 CSC);

Atos que exigem subsequente execução pela gerência: alterações do pacto social,

transformação e dissolução da sociedade e regresso à atividade da sociedade

dissolvida;

Atos a concretizar pela gerência: chamada (artigo 211.º CSC) e restituição (artigo

213.º CSC) de prestações suplementares, aquisição, alienação e oneração de quotas

próprias (artigo 220.º CSC), proposição de ações contra sócios gerentes, fusão e cisão

da sociedade e alienação ou oneração de imóveis; os pontos não especificamente

reportados a preceitos legais têm a sua base no próprio artigo 246.º CSC.

Em termos materiais, a competência dos sócios poderia ser ordenada da seguinte forma

(artigo 246.º CSC):

Quanto à própria sociedade: alteração (n.º1, alínea h)) e fusão, cisão, transformação,

dissolução e regresso à atividade (n.º1, alínea i));

Quanto aos sócios: chamada e restituição de prestações suplementares (n.º1, alínea

a)), exclusão (n.º1, alínea c)), atribuição de lucros (n.º1, alínea e)) e proposição de

ações (n.º1, alínea g));

Quanto às quotas: amortização, quotas próprias e cessão (n.º1, alínea b));

Quanto a outros órgãos: designação e destituição de gerentes e de membros do

órgão de fiscalização (n.º1, alínea d) e 2.º, alíneas a) e b)), aprovação do relatório de

gestão (n.º1, alínea e)), exoneração de responsabilidade (n.º1, alínea f)) e proposição

de ações (alínea g));

Quanto a atos externos: alienação e oneração de imóveis ou do estabelecimento

(n.º2, alínea c)) e subscrição, aquisição, oneração ou alienação de participantes

noutras sociedades (n.º2, alínea d)).

Pergunta-se se os sócios têm competência para avocar matérias atinentes à gestão da

sociedade ou, noutro prisma: para dar instruções, nesses domínios, à gerência. Apesar de,

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lamentavelmente, o Código de 1986 – sempre tão pormenorizado! – não ter esclarecido esse

ponto, a resposta deve ser positiva. Pelo seguinte:

No tocante às sociedades anónimas, os poderes de gestão são reservados ao conselho

de administração, com competência residual (artigo 406.º CSC) e so a pedido do

órgão de administração podem os acionistas deliberar sobre matérias de gestão (artigo

373.º, n.º3 CSC); não encontramos nenhum preceito similar para as sociedades por

quotas;

O artigo 259.º CSC, relativo à competência da gerência, submete-a, genericamente,

ao respeito pelas deliberações dos sócios;

A índole geral das sociedades por quotas: tratando-se, ainda, de sociedades de pessoas

(ou disso próximas), parece oportuno deixar a estas a efetiva orientação doo ente

coletivo em jogo.

A menos que os estatutos disponham de outra forma, podem os sócios (designadamente

reunidos em assembleia geral) dar instruções à gerência. E quando ajam no âmbito dessas

instruções, não há, em princípio, responsabilidade dos gerentes. Finalmente, os sócios têm

competência para definir a sua própria competência, havendo dúvidas (Kompetenz-kompetenz).

Formas de deliberação: o tema das deliberações dos sócios das sociedades comerciais

recebe, no Código, um tratamento complexo. Devemos ter em conta:

A matéria inserida na Parte Geral: temos, aí, um Capítulo IV precisamente epigrafado

deliberações dos sócios (artigos 53.º a 63.º CSC);

As regras para as sociedades em nome coletivo (artigos 189.º a 190.º CSC);

As regras para as sociedades por quotas (artigos 264.º a 251.º CSC);

As regras para as sociedades anónimas (artigos 373.º a 389.º CSC);

As regras para as sociedades em comandita (artigos 472.º CSC).

No caso das sociedades por quotas, haverá que lidar, em especial, com as regras gerais, com

as regras especificamente destinadas a esse tipo societário e com as regras sobre assembleias

gerais das sociedades anónimas, para as quais há uma remissão expressa (artigo 248.º, n.º1

CSC). Recordemos, aliás, que no tocante às deliberações nas sociedades em nome coletivo,

há uma remissão para as sociedades por quotas (artigo 189.º, n.º1 CSC). O Código de 1986

admite várias formas de deliberação dos sócios. De acordo com o artigo 54.º CSC, ainda que

articulando-se, em termos nucleares, com o artigo 247.º CSC, podemos distinguir, quanto Às

formas de deliberação:

Deliberações unânimes por escrito (artigo 54.º, n.º1, 1.ª proposição CSC):

resultam de todos os sócios terem, por essa forma, emitido uma declaração de

vontade confluente. A lei não prevê formalidades especiais, sendo todavia evidente

que terá de tomar a iniciativa. Nos termos gerais do Decreto-Lei n.º7/2004, 7 janeiro

(artigo 26.º, n.º1 CSC), a competente declaração pode ser feita por meios eletrónicos

(pela Internet), valendo como forma escrita. O essencial para que surja a deliberação

é, aqui, simplesmente a manifestação unânime de vontade.

Deliberações em assembleias universais (artigo 54.º, n.º1, 2.ª proposição):

exigem que todos os sócios estejam presentes, que todos queiram deliberar e que só

se decida sobre assuntos por todos consentidos (artigo 54.º, n.º1 e 2 CSC). Embora

se possa falar em assembleia geral é evidente que fica dispensada uma série de regras,

pelo que surge um processo deliberativo autónomo.

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Deliberações por concordância com proposta remetida por escrito (artigo

247.º, n.º1 e 5 CSC): aproximam-se de um referendum. O artigo 247.º, n.º1 CSC fala

em deliberações por voto escrito, o que pode provocar confusão com as deliberações

unânimes por escrito do artigo 54.º, n.º1 CSC. Mal: o legislador, para mais perante a

clara distinção que vinha da legislação anterior, bem poderia ter evitado tais

confusões. A deliberação aqui em causa pressupõe todo um processamento regulado

no artigo 247.º CSC:

i. Exige um acordo dos sócios, desde que ela não seja excluída pela lei ou pelo

pacto social (n.º2);

ii. Os gerentes devem fazer uma consulta por carta registada, com o objeto da

deliberação e com a cominação de que a falta de resposta dentro dos 15 dias

seguintes à expedição da carta será tida como assentimento à dispensa da

assembleia (n.º3);

iii. Quando se possa proceder à votação nesses termos (por falta de oposição) o

gerente envia a todos os sócios a proposta concreta de deliberação, com os

elementos necessários de informação e fixa prazo para o voto não inferior a 10

dias (n.º4);

iv. O voto escrito deve identificar a proposta e conter a aprovação ou a rejeição

desta; qualquer modificação ou condicionamento do voto implica a rejeição da

proposta (artigo 247.º, n.º5 CSC);

v. O gerente lavra ata em que menciona a verificação de todo o ritual, transcreve

a proposta e o voto de cada sócio, declara a deliberação tomada e envia cópia

da ata a todos os sócios (artigo 247.º, n.º6 CSC);

vi. A deliberação considera-se tomada no dia em que for recebida a última

resposta ou no fim do prazo marcado, caso algum sócio não responda (artigo

247.º, n.º7 CSC).

O processo é longo e pesado. Não vemos razão para que, ao abrigo da autonomia

privada, os estatutos não possam simplificar tudo isto, desde que ressalvem o

essencial: todos devem ter possibilidade de votar e todos devem estar esclarecidos. A

mera simplificação não vai contundir com a regra da tipicidade na forma das

deliberações (artigo 53.º, n.º1 CSC). Além disso, tudo isto poderá ser feito por via

eletrónica.

Deliberações em assembleia geral (artigo 247.º, n.º1 CSC).

Assembleias gerais: a assembleia geral constitui, por excelência, o esquema de

deliberação dos sócios. Pensamos que ela nunca opera no mesmo plano de igualdade das

outras formas: apenas em assembleia pode haver debate e evolução do próprio pensamento.

E a grande matriz das assembleias gerais é a das sociedades anónimas. O artigo 241.º CSC

recorre à técnica de uma remissão ampla para a assembleia geral das sociedades anónimas,

intensificando-a: obriga o intérprete-aplicador a percorrer, num vaivém, diversos preceitos

complexos, procedendo às competentes adaptações, o que parece menos adequado, para

mais num Código que se dirigirá a gestores não juristas. A matéria relativa às assembleias

gerais das sociedades anónimas alarga-se, efetivamente, por 17 artigos (artigos 373.º a 389.º

CSC), apenas caso a caso se podendo verificar se é viável a transposição. Quanto às normas

específicas para as assembleias gerais das sociedades por quotas, temos (artigo 248.º CSC):

Qualquer sócio por quotas pode exercer os direitos, atribuídos a minoritários nas

anónimas, quanto à convocação e à inclusão de assuntos na ordem do dia (n.º2); SQ

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A convocação compete a qualquer dos gerentes e deve ser feita por carta registada

expedida com a antecedência mínima de quinze dias; o contrato de sociedade pode

exigir outras formalidades ou estabelecer um prazo mais longo (n.º3);

A presidência compete ao sócio que detiver ou representar a maior fração de capital,

prevalecendo, em igualdade de circunstâncias, o mais velho: tudo isso a título

supletivo (n.º4);

Nenhum sócio, mesmo que impedido de exercer o voto, pode ser privado de

participar na assembleia: uma norma injuntiva (n.º5);

As atas devem ser assinadas por todos os sócios que participaram na assembleia (n.º6).

Pertence à tradição das sociedades por quotas o estabelecimento de restrições quanto à

representação voluntária, para efeitos de participação em assembleia geral. Não vemos

justificação nem vantagem para tal solução: a representação voluntária é, hoje, um instituto

normalíssimo. Quando muito será de exigir, em certos casos, poderes especiais. No fundo,

o legislador imbui-se na ideia de que a assembleia geral é um gremium pessoal e de que a

qualidade de sócio tem essa mesma qualidade, não logrando quebrar tais amarras. Fixou as

regras seguintes (artigo 249.º CSC):

A representação voluntária só pode ser conferida, pelo sócio, ao seu cônjuge, a um

seu descendente ou descendente ou a outro sócio, a não ser que o contrato de

sociedade faculte expressamente outros representantes (n.º5);

Não é permitida a representação voluntária em deliberações por voto escrito (n.º1);

Os instrumentos que não mencionem a duração dos poderes são válidos apenas para

o ano civil respetivo (n.º3);

Para uma representação em determinada assembleia geral, em primeira ou em

segunda data, basta uma carta dirigida ao respetivo presidente (n.º4).

Como se vê, mantêm-se as restrições de fundo quanto à representação voluntária, ainda que

com o trocadilho de a regra básica estar dissimulada no n.º5 do artigo 249.º CSC. Ora, uma

sociedade por quotas não é um instituto de Direito da Família. Também não se visualiza para

quê penalizar pessoas que não possam comparecer pessoalmente por impedimento sério ou

por deficiência: ficarão nas mãos aleatórias de terem familiares próximos disponíveis ou

sócios da sua confiança. Impõe-se, pois, o maior cuidado na representação dos pactos sociais,

sendo certo que, no limite, o artigo 249.º, n.º5 CSC poderá ser julgado inconstitucional, por

violação do princípio da não discriminação. Apuradas as regras específicas das sociedades

por quotas – e salvo o que abaixo se dirá sobre o tema dos votos – cumpre verificar

rapidamente quais são os preceitos relativos às sociedades anónimas e que aqui sejam

aplicáveis por via da remissão do artigo 248.º, n.º1 CSC. Assim:

Artigo 373.º CSC: não é aplicável, prevalecendo os artigos 247.º e 246.º CSC;

Artigo 374.º CSC: não é aplicável, prevalecendo o artigo 248.º, n.º4 CSC;

Artigo 374.º-A CSC: não é aplicável, pela mesma razão;

Artigo 375.º CSC: é aplicável, com as adaptações prescritas no artigo 248.º, n.º2 CSC

e com adaptação dos órgãos;

Artigo 376.º CSC: é aplicável, com adaptação dos órgãos;

Artigo 377.º CSC:

i. N.º1 a 4: não são aplicáveis, prevalecendo o artigo 248.º, n.º3 CSC, todavia,

podemos admitir a convocação pelo conselho fiscal, quando exista, ou pelo

tribunal;

ii. N.º5 a 8: são aplicáveis, com as adaptações dos órgãos;

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Artigo 378.º CSC: é aplicável, com as adaptações impostas pelo artigo 248.º, n.º5

CSC;

Artigo 380.º CSC: não é aplicável – prevalece o artigo 249.º CSC.

Artigo 381.º CSC: é aplicável;

Artigo 382.º CSC: é aplicável, embora se possa admitir mais simplicidade na sua

execução;

Artigo 383.º CSC: é aplicável;

Artigo 384.º CSC: não é aplicável, prevalecendo o artigo 250.º CSC;

Artigo 385.º CSC: é aplicável;

Artigo 386.º CSC:

i. N.º1 a 4: não são aplicáveis, na medida em que prevalece o artigo 250.º CSC;

ii. N.º5: é aplicável;

Artigo 387.º CSC: é aplicável;

Artigo 388.º CSC:

i. N.º1: é aplicável;

ii. N.º2 e 3: não são aplicáveis, prevalecendo o artigo 248.º, n.º6 CSC;

Artigo 389.º CSC: não é aplicável.

Como se vê, o exercício académico é interessante. Diversas são, porém, as vantagens práticas

do sistema legislativo adotado.

Votos e impedimentos: o Código das Sociedades Comerciais veio desdobrar a matéria

em dois preceitos: o artigo 250.º e o artigo 251.º CSC. Assente na experiência anterior, vieram

dar um maior desenvolvimento a toda a matéria. Quanto ao voto (artigo 250.º CSC), temos:

Conta-se um voto por cada centavo do valor nominal da quota (n.º1);

Permite-se que o pacto social atribua, como direito especial, dois votos por cada

centavo, até ao limite de 20% do capital (n.º2);

Consideram-se, salvo disposição especial da lei ou do contrato, tomadas as

deliberações que obtiverem a maioria dos votos emitidos, não se considerando como

tais as abstenções (n.º3).

Nos termos gerais, o voto é simples e não condicionado: representa sim ou não a uma

determinada proposta; o voto condicionado equivalerá a um voto contra. A matéria dos

impedimentos de voto vem tratada no artigo 251.º CSC: tem natureza imperativa (artigo

251.º, n.º2 CSC). A lei recorrer à técnica de enunciar um princípio geral (artigo 251.º, n.º1,

1.ª parte CSC), complementando-o, a título exemplificativo, com várias hipóteses mais

concretas (artigo 251.º, n.º1, 2.ª parte e alíneas). Quanto ao princípio geral, temos:

«O sócio não pode votar nem por si, nem por representante, nem em representação de outrem,

quando, relativamente à matéria da deliberação, se encontre em situação de conflito de interesses

com a sociedade».

Esta técnica presta-se a intermináveis dúvidas. Além do mais, parra a haver desconexão com

o artigo 384.º, n.º6 CSC, que fixa as inibições no tocante às sociedades anónimas. Podemos,

de todo o modo e para além da experiência acolhida no regime anterior, apresentar algumas

proposições jurisprudenciais concretizadoras. À partida, interessa ter presente a enumeração

legal exemplificativa. Segundo a 2.ª parte do artigo 251.º, n.º1 CSC:

«Entende-se que a referida situação de conflito de interesses se verifica designadamente quando

se tratar de deliberação que recaia sobre:

SQ

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«a) Liberação de uma obrigação ou responsabilidade própria do sócio, quer nessa qualidade,

quer como gerente ou membro do órgão de fiscalização;

«b) Litígio sobre pretensão da sociedade contra o sócio ou deste contra aquela, em qualquer

das qualidades referidas na alínea anterior, tanto antes como depois do recurso a tribunal;

«c) Perda do sócio de parte de uma quota, na hipótese prevista no artigo 204.º, n.º2 CSC;

«d) Exclusão do sócio;

«e) Consentimento previsto no artigo 254.º, n.º1;

«f) Destituição, por justa causa, da gerência que estiver exercendo ou de membro do órgão de

fiscalização;

«g) Qualquer relação, estabelecida ou a estabelecer, entre a sociedade e o sócio, estranha ao

contrato de sociedade».

Quanto à concretização jurisprudêncial, relevamos as seguintes proposições:

Acórdãos RLx 16 março 1989 e STJ 5 junho 1997: um sócio pode tomar parte na

sua própria eleição como gerente;

Acórdãos RCb 7 abril 1994 e RPt 24 novembro 1997: idem, quanto à fixação do

seu vencimento na gerência;

Acórdão STJ 28 setembro 1995: idem, quanto à relação entre a sociedade e uma

terceira pessoa, ainda que cônjuge do sócio;

Acórdão RPt 2 fevereiro 1998: idem, quanto à aprovação das contas anuais, mesmo

sendo sócio-gerente;

Acórdão STJ 4 maio 1993: idem, quanto à amortização da sua própria quota.

Em compensação, ele não pode votar quanto à sua própria exclusão (Ac. STJ 9 fevereiro

1995). O artigo 251.º, n.º1, 2.ª parte CSC, nas suas diversas alíneas, é meramente

exemplificativo, como se disse. Porém, para determinarmos novas situações de conflitos de

interesses inibidores de votos, é necessário que se verifique uma proximidade valorativa com

as situações enunciadas na lei (Ac. RPt 11 outubro 1993). O sentido das limitações

deliberativas surgem em diversos lugares paralelos, para além das sociedades por quotas.

Dispõe o artigo 410.º, n.º6 CSC:

«O administrador não pode votar sobre assuntos em que tenha, por conta própria ou de terceiros,

um interesse em conflito com o da sociedade; em caso de conflito, o administrador deve informar

o presidente sobre ele».

Por seu turno, o artigo 8.º, n.º2 Decreto-Lei n.º 464/82, 9 dezembro, articula:

«O gestor público deverá declarar-se impedido de tomar posições no órgão de gestão a que

pertence sempre que sejam tomadas deliberações que afetem, direta ou indiretamente, os seus

interesses pessoas(...)».

Finalmente, o artigo 11.º, n.º1 Decreto-Lei n.º 464/82, determina:

«Os gestores públicos ficam impedidos de representação de interesses privados na administração

de quaisquer empresas e ainda da prestação de outros serviços em empresas concorrentes,

fornecedoras, clientes ou por qualquer vínculo ligados àquelas de que sejam gestores, salvo por

incumbência destas ou de entidades públicas».

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Trata-se de preceitos imperativos. Neles, a lei está preocupada não com o sentido das

deliberações, mas com o procedimento que a elas conduza. Repare-se: o gerente ou o

administrador (ou gestor) que delibere em causa própria pode tomar a melhor posição para

a empresa e pode, inclusive, decidir contra o seu próprio interesse. Todavia, o alarido, a

dúvida e a suspeição irão, inevitavelmente, ficar a pairar sobre o desiderato, afetando a

transparência e a credibilidade da empresa e pondo em crise a confiança que deve reinar nas

relações económico-sociais. Da mesma forma, o gestor que aceite comprometer-se perante

outra empresa poderá, concretamente, nada fazer de prejudicial. Os danos para a imagem do

setor público daí advenientes levam, contudo, à proibição legal absoluta de que demos conta.

Podemos formular um princípio de isenção processual, princípio esse que aflora no campo

judicial (artigo 115.º CPC36) e no campo administrativo (artigo 44.º CPA37). Voltamos a frisar:

não está em causa o mérito substancial da deliberação, que poderá ser óbvio e indiscutível;

simplesmente, o processo que a ele conduz surge equívoco pelo que a lei veda, pura e

simplesmente, tais deliberações. O princípio da isenção processual é injuntivo: perderia

sentido quando, sobre ele, as partes envolvidas viessem dispor. Podemos afirmar que ele

integra a ordem pública. Assim entendida, a isenção processual não tem nada de excecional.

Em simples analogia iuris, ela é aplicável a casos análogos, isto é, a situações que,

manifestamente, traduzam – ou possam traduzir – na comunidade jurídica, a mesma carga

negativa que advenha das decisões em causa própria.

44.º - A gerência

Designação e substituição: o artigo 252.º, n.º1 CSC fixa um ou mais gerentes. Caberá

ao pacto social ou, na falta de indicação, aos sócios, decidir qual o número de gerentes

pretendido. Como requisitos (n.º1), temos apenas:

Podem ser sócios ou estranhos;

Devem ser pessoas singulares;

Com capacidade jurídica plena.

Fica aberta a porta ao apelo a gestores profissionais. Não se acolheu a orientação, patente

quanto às sociedades anónimas (artigo 390.º, n.º4 CSC), de se poder escolher uma pessoa

coletiva a qual deveria, depois, nomear uma pessoa singular para exercer o cargo em nome

próprio: provavelmente por ter prevalecido o entendimento de que se deveria dar prioridade

a uma estreita confiança pessoal entre os membros da gerência. De todo o modo, a abertura

facultada nas sociedades anónimas permite-nos considerar que o pacto social pode admitir

pessoas coletivas como gerentes, seguindo-se, depois, o preceito do artigo 390.º, n.º4 CSC.

Quanto à capacidade jurídica plena: ficam excluídos os menores, os interditos e os

inabilitados, os insolventes e, ainda, as pessoas que, quanto ao exercício do comércio,

incorram em proibições, incompatibilidades, inibições e impedimentos. O próprio contrato

pode, aqui, criar novas exigências: mas à partida não se exigem especiais habilitações. A

designação de gerentes é feita (artigo 252.º, n.º2 CSC):

No contrato de sociedade;

36 CPC 2013 37 Sem paciência para ver se é do código atual ou não. vejam vocês

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Posteriormente, por deliberação dos sócios;

Por outra forma prevista no contrato.

A designação feita no contrato de sociedade pode originar um direito comum a gerência ou

um direito especial: neste último caso, ele não pode ser suprimido sem o acordo do próprio

(artigo 24.º, n.º5 CSC); admite-se, aqui, a destituição com justa causa. O direito especial à

gerência não se transmite com a quota respetiva (artigo 24.º, n.º3 CSC). O saber se, perante

uma designação, se está em face de um direito comum ou um direito especial A gerência é

questão de interpretação. A lei resolve, ainda, outros problemas interpretativos. Assim:

A gerência atribuída no contrato a todos os sócios não se entende conferida aos que

só posteriormente adquiriram essa qualidade (artigo 252.º, n.º3 CSC): mantém-se,

pois, uma conceção pessoal de gerência;

A gerência não é transmissível por ato entre vivos ou por morte, nem isolada, nem

conjuntamente com a quota (artigo 253.º, n.º4 CSC): aflora, de novo, a sua natureza

pessoal.

A substituição de gerentes está tratada no artigo 253.º CSC. À partida, devemos antecipar

que, segundo o artigo 256.º CSC, as funções de gerente subsistem, ilimitadamente, até que

sobrevenha destituição ou renúncia. Além disso, o contrato de sociedade ou o ato de

designação podem fixar a sua duração. Pois bem (tendo em conta que a falta não equivale ao

desconhecimento do seu paradeiro – Ac. RPt 9 fevereiro 1993):

Faltando definitivamente um gerente, os restantes prosseguem nas suas funções,

aguardando-se a substituição do faltoso;

Faltando definitivamente todos os gerentes, os diversos sócios assumem, ex lege, os

poderes de gerência até que sejam designados os gerentes (artigo 253.º, n.º1 CSC);

Se a falta for temporária e não for possível aguardar pela cessação da falta, os diversos

sócios assumem, ex lege, os poderes de gerência até que sejam designados os gerentes

(artigo 253.º, n.º2 CSC);

Faltando definitivamente o gerente cuja intervenção seja necessária, ex contractu, para

a representação da sociedade e sendo a exigência nominal, cairemos, então, no artigo

253.º, n.º1 CSC: todos os sócios são gerentes, até à nova designação;

Não sendo a exigência nominal, pode qualquer sócio ou gerente requerer ao tribunal

a nomeação de um gerente substituto, até a situação ser regularizada (artigo 253.º,

n.º3 CSC).

Os gerentes judicialmente nomeados têm direito à indemnização razoável das despesas que

façam e a uma remuneração; na falta de acordo com a sociedade, elas são fixadas pelo tribunal

(artigo 253.º, n.º4 CSC).

Competência: os gerentes, como quaisquer administradores de sociedades, têm,

fundamentalmente, dois poderes: o poder de administrar ou gerir e o poder de representar a

sociedade.

Quanto ao poder de administrar: podemos dizer que ele envolve a possibilidade

de praticar todos os atos materiais ou jurídicos que se mostrem necessários ou

convenientes para a prossecução do objeto social (artigo 259.º CSC). Fica, em regra,

incluída a gestão corrente. Quanto aos atos de disposição: haverá que retirar os que,

pela lei ou pelos estatutos, fiquem reservados para deliberação dos sócios (v.g. artigo

246.º, n.º2, alíneas c) e d) CSC). Como vimos, os sócios podem dar instruções aos

gerentes; tal o alcance do final do artigo 259.º CSC.

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Quanto ao poder de representação: mercê do nexo de organicidade, os atos que

os gerentes pratiquem em nome e por conta da sociedade produzem os seus efeitos,

na esfera jurídica desta. Para tanto, basta que, nos atos escritos, aponham a sua

assinatura com indicação da sua qualidade de gerentes da sociedade considerada

(artigo 260.º, n.º4 CSC). Trata-se de um preceito nuclear que tem dado lugar a muitas

dezenas de acórdãos, numa abundante e esclarecedora casuística. Vamos reter alguns:

i. Acórdão STJ(P), JU n.º1/2002, 6 dezembro 2001: a indicação da qualidade

de gerentes pode ser deduzida, nos termos do artigo 217.º CC, de factos que

com toda a probabilidade a revelem;

ii. Acórdão RPt 19 abril 1990: desapareceram as antigas assinaturas com firma

previstas na LSQ;

iii. Acórdão RPt 14 junho 1993: exigem-se, sempre, os dois elementos: assinatura

pessoal do gerente e indicação expressa dessa sua qualidade.

iv. Acórdão RPt 5 maio 1997: a mera assinatura do gerente, sem se dizer em que

qualidade o faz, não vincula a sociedade;

v. Acórdão RLx 20 novembro 1997: uma assinatura em título de crédito sobre

o carimbo de uma sociedade comercial, acompanhada da identificação

manuscrita dessa sociedade, estabelece uma presunção clara de que ela pertence

ao gerente dessa sociedade;

vi. Acórdão RLx 14 janeiro 1999: o artigo 264.º, n.º4 CSC deve ser interpretado

restritivamente no sentido de só exigir o duplo requisito da assinatura do

gerente e da menção dessa qualidade quando não for possível determinar se ele

atuou em nome próprio ou em representação da sociedade;

vii. Acórdão RLx 8 julho 1999: a assinatura pessoal do gerente em nome da

sociedade vincula esta, não sendo necessária a expressa invocação deste nome,

o qual poderá resultar das circunstâncias em que a assinatura pessoal foi aposta

ou em que o ato foi praticado;

viii. Acórdão STJ 7 outubro 1999: a menção, no verso da livrança, por aval à firma

subscritora, sob a qual foi manuscrita uma assinatura, seguida, entre parêntesis,

da firma de uma sociedade por quotas, é suficiente (em nome da boa fé e da

segurança no comércio jurídico) para vincular a sociedade;

ix. Acórdão STJ 11 abril 2000: quando o ato seja oral, é necessário que o gerente

estabeleça, por alguma forma, a ligação do ato com a sociedade;

x. Acórdão STJ 3 outubro 2000: a exigência do artigo 260.º, n.º4 CSC aplica-se,

também, aos atos em que a forma escrita seja meramente voluntária;

xi. Acórdão RLx 26 abril 2001: basta a aposição da assinatura de dois gerentes

sob um carimbo da sociedade;

xii. Acórdão RLx 27 maio 2003: idem, de um deles, nas mesmas circunstâncias;

xiii. Acórdão RLx 12 abril 2005: a falta de assinatura gera um vício de fundo: não

de forma.

Hoje, podemos considerar que a técnica de atuação em modo coletivo através de sociedades,

em especial de sociedades por quotas, está plenamente popularizada. Assim, quer o próprio

gerente, quer os particulares que, com ele, contratem, têm a perfeita noção de que age uma

sociedade. Esta ficará vinculada. De resto – como vamos ver de seguida – a ordem jurídica,

até por preocupações comunitárias, tutela fortemente a confiança nessa representação. O

preceito decisivo é, aqui, o artigo 260.º, n.º1 CSC, que dispõe:

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«Os atos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhe

confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social

ou resultantes de deliberações dos sócios».

Os números subsequentes prosseguem:

A sociedade pode, porém, opor a terceiros as limitações de poderes resultantes do

seu objeto social se provar que o terceiro as conhecia ou devia conhecer e se não

tiver assumido o negócio, expressa ou tacitamente (n.º2);

Não bastando, para o efeito, a publicidade dada ao contrário (n.º3).

Este preceito filia-se diretamente no artigo 6.º, n.º4 CSC o qual, por seu turno, advém do

artigo 9.º da 1.ª Diretriz do Direito das Sociedades. Pretende-se proteger a comunidade

interessada de limitações não imediatamente aparentes nos poderes de representação dos

gerentes e administradores: uma opção que vibra mais um golpe no antigo princípio da

especialidade. Tem o maior interesse conhecer a aplicação prática destas regras. Assim:

Acórdão STJ 27 janeiro 1993: a prestação de fiança a favor de terceiros por gerentes

de uma sociedade por quotas, estando fora do objeto social, só será nula se, em

função das circunstâncias em que for prestada, a outra parte tiver a obrigação de

conhecer o abuso de poderes;

Acórdão STJ 10 dezembro 1997: os poderes representativos dos gerentes das

sociedades por quotas ficam imunes às restrições ou limitações que os sócios

pretendam estabelecer, quer logo no contrato de sociedade, quer depois por meio de

dliberações;

Acórdão RPt 1 julho 1999: a administração e a representação de uma sociedade por

quotas não podem estar limitadas pela intervenção de sócio não gerente;

Acórdão STJ 21 setembro 2000: o ato ou negócio jurídico praticado pelos sócios

gerentes de uma sociedade não pode ser considerado nulo com o fundamento de

que, dado o princípio da especialidade, a sociedade não tem capacidade de gozo para

o realizar;

Acórdão RLx 22 janeiro 2002: não obstante a previsão, no pacto social de uma

sociedade por quotas, da intervenção de dois gerentes para vincular a sociedade, a

intervenção de apenas um deles em representação da sociedade como aceitante de

uma letra vincula este perante o sacador;

Acórdão RLx 20 agosto 2004: é válida, perante terceiros, a procuração forense

emitida por um dos gerentes de uma sociedade por quotas em nome desta, mesmo

que o pacto social exija a assinatura de dois gerentes para vincular a sociedade.

Acórdãos RCb 25 maio 1999 e RLx 14 março 2002: recai sobre a sociedade o ónus

de provar que o terceiro sabia ou não podia, dadas as circunstâncias, ignorar que o

ato praticado não respeitou a cláusula do objeto ou as limitações de poderes

resultantes do pacto social.

A prática regista ainda situações nas quais se pretendeu limitar, por deliberações sociais, os

poderes de representação de algum dos gerentes: a jurisprudência considera-as nulas. Ainda

no tocante à representação da sociedade, tem o maior interesse atentar no artigo 261.º, n.º3

CSC:

«As notificações ou declarações de terceiros à sociedade podem ser dirigidas a qualquer dos

gerentes, sendo nula toda a disposição em contrário do contrato de sociedade».

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Para efeitos de representação passiva, temos, pois, uma norma imperativa. De novo domina

a intenção muito clara de proteger a confiança geral do público nas sociedades e nos seus

suportes representativos. Quando o gerente deva ou queira fazer notificações ou deliberações

à sociedade e para evitar o ato consigo próprio, o artigo 260.º, n.º5 CSC estabelece que elas

devem ser dirigidas a outro gerente ou, não o havendo, sucessivamente, ao órgão de

fiscalização ou a qualquer sócio.

Funcionamento: no funcionamento da gerência, havendo mais de um gerente, temos,

basicamente, três possíveis sistemas:

Gerência disjuntiva: cada um dos vários gerentes pode, isoladamente, decidir e

praticar os atos de gestão ou de representação da sociedade;

Gerência conjunta (ou coletiva): os poderes devem ser exercidos por dois ou mais

gerentes, todos eles manifestando a mesma vontade;

Gerência colegial: os gerentes atuam em grupo, deliberando em reunião e tendo

cada um 1 voto.

É possível uma combinação de vários sistemas. A própria lei estabelece um esquema de

gerência disjunta para a legitimidade passiva (artigo 261.º, n.º3 CSC) e, supletivamente, um

de gerência conjunta para os demais poderes (artigo 261.º, n.º1 CSC). Já se considerou que

uma gestão do tipo colegial, própria dos conselhos de administração das sociedades

anónimas, não poderia ser aplicada às sociedades por quotas, por violação do princípio da

tipicidade. Os sócios têm o poder de dar instruções à gerência (artigo 259.º, in fine CSC). Por

maioria de razão podem regular internamente o seu exercício. De modo a facilitar o

funcionamento da gerência, podem os gerentes delegar nalgum ou nalguns deles a

competência para determinados negócios ou espécies de negócios; mesmo aí é necessário

que a delegação lhes atribua expressamente o poder de vincular a sociedade (artigo 261.º

CSC). Temos, aqui, a possibilidade de uma distribuição de pelouros, entre os diversos

gerentes. A atividade dos gerentes – como qualquer atividade – deve ser remunerada. No

caso dos gerentes, assim é: salvo disposição em contrário, no pacto social. A remuneração é

fixada pelos sócios (artigo 255.º, n.º1 CSC): naturalmente, ela será, de modo implícito, aceito

pelo gerente, quando este concorde com a designação. Mesmo no silêncio do pacto, poderá

não haver remuneração, se assim for decidido pelos sócios e sufragado pelo gerente. Da

remuneração deve distinguir-se o pagamento de despesas. O exercício gratuito de funções,

quando ocorra, não é uma liberdade: o gerente move-se num plano comercial, acabando por

ter um retorno a nível de lucros da sociedade. Os gerentes Têm, em regra, a maioria dos

votos na assembleia geral. Pode acontecer que, por essa via, estipulem remunerações

exorbitantes, que drenem, para eles, os lucros que deveriam assistir a todos. O artigo 255.º,

n.º2 CSC permite que, a requerimento de qualquer sócio e em processo de inquérito judicial,

o tribunal reduza as remunerações que se mostrem gravemente desproporcionadas, quer ao

trabalho prestado, quer à situação da sociedade. O artigo 255.º, n.º3 CSC proíbe que, salvo

cláusula expressa do contrato de sociedade, a remuneração dos gerentes consista, total ou

parcialmente, em participação nos lucros da sociedade. Haverá, aqui, uma vertigem

assalariadora: não vemos porque razão, independentemente do pacto social, não se poderia

deliberar no sentido de uma comparticipação, no s lucros, por parte da gerência.

Naturalmente: é um ato de boa gestão.

Direitos e deveres; proibição de concorrência: ao gerente incumbem todos os

deveres que respeitam à administração da sociedade por quotas: podemos falar em deveres

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genéricos. Na execução desses deveres, cabe-lhes atuar com a diligência prescrita no artigo

64.º CSC. Além disso, ele incorre em deveres materiais de lealdade: uma construção clássica,

inicialmente apoiada na boa fé e que tem vindo a assumir uma estruturação própria. Como

dever especificamente dirigido aos gerentes das sociedades por quotas, temos a proibição de

concorrência inserida no artigo 254.º CSC:

«1. Os gerentes não podem, sem consentimento dos sócios, exercer, por conta própria ou alheia,

atividade concorrente com a da sociedade».

No tocante à própria noção de concorrência aqui relevante, o artigo 254.º, n.º2 CSC veio

precisar que está em causa qualquer atividade abrangida no objeto da sociedade, desde que

efetivamente exercida ou desde que o seu exercício tenha sido deliberado pelos sócios.

Quanto ao exercício (artigo 254.º, n.º1 e 3 CSC), temos:

A atuação própria direta;

A atuação por interposta pessoa;

A atuação, direta ou por interposta pessoa, em sociedade que implique a assunção de

responsabilidade ilimitada;

A participação de, pelo menos, 20% do capital ou nos lucros de sociedade em que

assuma responsabilidade limitada.

Quanto a participação em sociedades, deve subentender-se: desde que concorrentes, por

preencherem os requisitos do artigo 254.º, n.º2 CSC: de outro modo, o artigo 254.º, n.º3 CSC

nem faria sentido. Uma boa interpretação destes preceitos exigiria o levantamento dos

objetivos de proibição. Perante o texto dador (do Código Civil Italiano) têm sido defendidas

as teses seguintes:

O legislador pretende tutelar o interesse da sociedade em poder dispor das

energias do gerente: mas não, uma vez que lhe não são vedadas ocupações extra-

societárias, desde que não sejam concorrentes;

O legislador quer prevenir a fuga de informações: tão-pouco, dado que, para isso,

bastaria, por hipótese, uma pequena participação; além disso (Soveral Martins) a

proibição sempre subsistiria, mesmo que o gerente não tivesse acesso a quaisquer

informações sigilosas;

O legislador visa evitar um potencial conflito de interesses que afaste o

gerente da realização do interesse social: a opção de Ferrer Correia, de Raúl

Ventura e de Soveral Martins.

Menezes Cordeiro: permitimo-nos dissentir. A proibição de concorrência, pelo

modo abstrato por que é estatuída (pense-se na percentagem de 20%: porque não 25%

ou 15%?) vale por si: não por fins que a transcendam. A lei pretende, simplesmente,

que exista uma confiança geral e objetiva nas instituições societárias e que o grande

público tenha a sensação de que imperam a limpidez e lisura nos negócios. A

concorrência condenável e a deslealdade no exercício de funções terão de ser

verificadas e sancionadas in concreto. Em abstrato, apenas se poderá fixar um quadro

normal e tranquilo, que proteja o sistema.

Quanto ao consentimento para a atuação concorrente: ele pode ser dado no próprio pacto

social, visando cada interessado, individualmente. O artigo 254.º, n.º4 CSC estabelece

algumas regras facilitadoras. Assim:

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Presume-se o consentimento quando o exercício da atividade seja anterior à

nomeação do gerente e seja conhecido dos sócios que detenham a maioria do capital;

Idem, quando, existindo esse conhecimento, ele continue a exercer as suas funções

decorridos mais de 90 dias depois de ter sido deliberada nova atividade da sociedade

com a qual concorra a que vinha sendo exercida por ele.

Sanções pela violação da proibição da concorrência: ela constitui justa causa de destituição e

obriga o gerente a indemnizar a sociedade pelos prejuízos que a ela sofra (artigo 254.º, n.º5

CSC). Tais direitos prescrevem em 90 dias contados do momento em que todos os sócios

tenham conhecimento da atividade exercida pelo gerente ou, em qualquer caso, no prazo de

cinco anos contados do início da atividade (artigo 254.º, n.º6 CSC). Põe-se a hipótese,

facilitada pela letra da lei, de ser sancionada uma atividade que se prolongue no tempo: não

um ato isolado de concorrência. Não vemos base valorativa para a distinção. Um ato isolado

de concorrência pode representar uma autêntica estocada na sociedade, traduzindo grave

deslealdade. Tudo dependerá do caso concreto considerado.

A destituição: a relação de gerência é duradoura: na falta de termo fixado no contrato de

sociedade ou no ato de designação, ela perdura indefinidamente, até que sobrevenham ou a

destituição ou a renúncia (artigo 256.º CSC). Na realidade, a gerência pode cessar por diversas

outras razões. Assim, sucederá por morte ou incapacitação do gerente, por reforma ou por

dissolução da sociedade. Também poderá cessar por mutuo acordo entre o gerente e a

sociedade. Ficam-nos, como formas potencialmente problemáticas de extinção da gerência,

os esquemas unilaterais: a destituição, quando a iniciativa compita à sociedade e a renúncia,

quando caiba ao gerente. A destituição de gerentes vem tratada no artigo 257.º CSC. I

princípio básico é o da livre destituibilidade dos gerentes, isto é: o de livre revogabilidade da

sua situação, por ato unilateral e discricionário da sociedade. A justa causa, como veremos,

apenas é necessária para que não haja lugar a indemnização e, ainda, para outros efeitos

abaixo referidos. A designação com um termo não impede a livre destituição antes dele. A

matéria da destituição é sensível: prende-se, de certo modo, com a ordem pública societária.

Assim, não é possível ficar, nos estatutos, uma não destituibilidade dos gerentes ou de

determinados gerentes. Pode-se, sim:

Fixar um direito especial à gerência, altura em que só com acordo do próprio poderia

haver destituição (artigo 257.º, n.º3, 1.ª parte CSC);

Subordinar a destituição a uma maioria qualificada ou a outros requisitos (artigo 257.º,

n.º2 CSC).

Nenhuma destas situações pode, todavia, impedir a destituição por justa causa. A presença

de justa causa permite:

Deliberar a destituição por maioria simples, mesmo quando o pacto a sujeite a

maioria qualificada ou a outros requisitos (artigo 257.º, n.º2, 2.ª parte CSC);

Deliberar que a sociedade requeira a suspensão e a destituição do gerente que detenha

um direito especial à gerência, designado para tanto, um representante especial;

A qualquer sócio, requerer a suspensão e a destituição do gerente, em ação intentada

contra a sociedade; seguirá, então, o processo de jurisdição voluntária previsto no

artigo 1055.º CPC;

Havendo apenas dois sócios, a destituição (só) pode ser decidida pelo tribunal em

ação intentada por um contra o outro: curiosamente, a jurisprudência admite que,

não sendo invocada justa causa, a destituição possa ser decidida pela assembleia geral.

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Segue; a concretização da justa causa: tudo se ordena em torno do conceito de

justa causa. O Código de 1986 dá-nos várias noções. Assim, a propósito da destituição dos

gerentes das sociedades por quotas (artigo 257.º, n.º6 CSC), temos:

«Constituem justa causa de destituição, designadamente, a violação grave dos deveres do gerente

e a sua incapacidade para o exercício normal das respetivas funções».

Quanto à destituição dos administradores nas sociedades anónimas, encontramos:

«Constituem, designadamente, justa causa de destituição a violação grave dos deveres do

administrador e a sua inaptidão para o exercício normal das respetivas funções».

No tocante ao dever de comunicação à sociedade, a cargo dos membros dos órgãos de

administração e de fiscalização de uma sociedade, do número de ações e de obrigações de

que sejam titulares (artigo 447.º, n.º1 e 2 CSC), o Código explicita (artigo 447.º, n.º8 CSC):

«A falta culposa do cumprimento do disposto no n.º1 e 2 deste artigo constitui justa causa de

destituição».

Como se vê, estes preceitos apontam uma direção, embora não sejam rigorosamente

coincidentes. Antes de proceder à redução dogmática da justa causa, para efeitos de

destituição dos gerentes, vamos verificar como se tem procedido à sua concretização prática.

Tem ainda interesse incluir no rol as situações de justa causa de exclusão de sócio: a fortiori

elas constituirão, também, justas causas de destituição de gerentes. Assim e como exemplos:

Acórdão RLx 3 outubro 1991: há justa causa perante o comportamento desleal ou

gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, daí decorrendo prejuízos

relevantes para a sociedade, efetivos ou potenciais: o sócio, para além de propalar

entre os colaboradores da empresa que esta vai fechar por falta de qualidade dos

produtos, dá concomitantemente colaboração à empresa concorrente;

Acórdão STJ 27 outubro 1994: não há justa causa quando não se provem prejuízos

derivados da conduta do gerente, pois não há um comportamento na atividade de

gerência que impossibilite a continuação da relação de confiança;

Acórdão STJ 14 fevereiro 1995: há justa causa quando o gerente subtraia faturas à

contabilidade da sociedade; tal atitude é ilícita havendo, ainda, presunção de culpa,

por se entender a posição do gerente como contratual;

Acórdão RPt 18 novembro 1996: a propósito de uma ação de destituição numa

sociedade com apenas dois sócios, há justa causa quando o requerido venha

impedindo que a requerente exerça quaisquer atos de gerência, nem sequer a

autorizando a permanecer nas instalações da sociedade; além disso, falsificou uma ata

da sociedade, bem como a sua escrita; acrescendo a aspetos criminais, ficou quebrada

a relação de confiança que deve existir entre sócios-gerentes;

Acórdão RLx 3 dezembro 1996: o conceito de justa causa tem a ver com o interesse

social de não poder continuar investido na gerência aquele que se mostrou

incompetente ou quem infringiu os deveres do cargo;

Acórdão RPt 16 janeiro 1997: é justa causa o exercício, sem consentimento dos

sócios, de atividade concorrente com a da sociedade;

Acórdão REv 28 maio 1998: idem, qualquer circunstância, facto ou situação em face

da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da

relação contratual;

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Acórdão RPt 2 novembro 1998: a justa causa aqui em questão tem um caráter

especial, consubstanciando uma quebra de confiança, por razões justificadas, entre a

sociedade, representada pela assembleia geral e o gerente;

Acórdão STJ 20 janeiro 1999: a justa causa será a verificação de um comportamento

na atividade do gerente (ou a prática de atos por sua parte) que impossibilite a

continuação da relação de confiança que o exercício do cargo pressupõe;

Acórdão RPt 9 abril 2002: há justa causa quando não seja possível exigir, na

sequência de violação grave dos seus deveres, que a sociedade o mantenha no cargo;

será o caso de gerentes que cumpram tardiamente (2 ou 3 anos depois) o seu dever

de relatar a gestão;

Acórdão RPt 24 maço 2003: a justa causa também pode advir da omissão: assim

sucede com o gerente que deixa caducar alvarás de construção civil, anula seguros

dos trabalhadores, passa faturas falsas e aprova tardiamente as contas.

Em diversas decisões avulta o apelo à quebra de confiança. A via é promissora: efetivamente,

para além da complexidade dos esquemas destinados a concretizar os conceitos

indeterminados, há sempre um consenso alargado, entre os membros de uma comunidade,

sobre as circunstâncias nas quais alguém deixa de merecer a confiança necessária para

desempenhar certas funções. A concretização de um conceito indeterminado opera num

conjunto alargado de elementos jurídicos. Nesse domínio, é sempre importante ter presente

as consequências da decisão. Digamos que quanto mais ponderosas forem as consequências

a extrair da verificação de justa causa, mais rigorosos deveremos ser no tocante ao seu

preenchimento. Em abstrato, o conceito de justa causa, para efeitos de destituição dos

gerentes das sociedades por quotas, pode ter uma de duas feições:

Uma feição civil: próxima da justa causa requerida para a revogação de certos

mandatos (artigo 1170.º, n.º2 CC); nesta aceção, justa causa traduz qualquer motivo

justificado, de natureza objetiva ou subjetiva;

Uma feição laboral: típica da justa causa exigida para o despedimento individual de

trabalhadores, por iniciativa da entidade empregadora (artigo 396.º, n.º1 CT): a justa

causa será, aqui, o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e

consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de

trabalho.

Ora, no domínio da destituição dos gerentes, propendemos claramente para esta última

solução. Pelo seguinte:

O artigo 257.º, n.º6 CSC aponta como justa causa, ainda que a título exemplificativo,

a violação grave dos deveres do gerente;

As consequências da destituição sem justa causa são (apenas) o não pagamento de

uma indemnização ao gerente afastado; ampliar a justa causa equivaleria a precarizar

a posição dos gerentes, numa ocasião em que a saúde das empresas exige a sua

profissionalização; além disso, não está em causa a possibilidade de destituir

livremente os gerentes, com ou sem justa causa.

A incapacidade para o exercício normal das respetivas funções, se se prender com a saúde

física ou mental do gerente, conduz à cessação da situação de gerência por caducidade: não

tem a ver com o preenchimento da cláusula de justa causa. A incapacidade deve ser

aproximada da incompetência profissional: o gerente descura a sua formação profissional ou

não é capaz de acompanhar as realidades da empresa. Qualquer dessas eventualidades traduz

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a violação (grave) dos seus deveres profissionais, com presunção de culpa. A justa causa de

destituição do gerente pode analisar-se nos seguintes pressupostos:

Ilicitude: a violação dos deveres de gerência, sejam eles deveres específicos legais,

deveres específicos estatutários ou deveres genéricos;

Culpa: o juízo de censura inerente às violações perpetradas; esta, perante a violação

de deveres específicos, presume-se, nos termos do artigo 799.º, n.º1 CC.

Quanto a danos: não têm de ser efetivos: apenas potenciais. No campo societário, as normas

envolvidas ou têm um conteúdo diretamente patrimonial ou visam, em última instância, a

tutela de valores patrimoniais. Qualquer violação implica, sempre, mas ainda que

potencialmente, danos patrimoniais. Além disso, estamos no Direito Privado, com uma

natural primazia da pessoa. Relevam, por isso e para efeitos de justa causa de destituição, os

danos morais. O gerente que desconsidere os sócios, que vede, a colegas, o acesso à empresa

ou que, por qualquer via, atente contra a honra e a dignidade dos restantes gerentes ou dos

titulares de quotas, incorre em justa causa de destituição. Perante tais generalidades, podemos

concluir que o dano não é um pressuposto explícito da justa causa de destituição. A sua

ocorrência confirma e reforça, contudo, a presença de ilicitude e de culpa. Pergunta-se como

articular a ilicitude, a culpa e, eventualmente, o dano, com a ideia judicialmente frutuosa de

quebra da confiança. O juízo de confiança pressupõe, por parte de quem o formule, uma

ponderação de todos os fatores relevantes que conduza a uma previsão: a de que algo de irá

desenrolar de acordo com determinado programa. Quebrar a confiança no gerente equivale

ao predomínio de uma incerteza sobre o modo por que, no futuro, ele irá desempenhar as

suas funções. A quebra da confiança aqui relevante é, naturalmente, aquela em que incorra

um sócio comum, colocado na situação do concreto sócio atingido, perante a violação

culposa dos seus deveres, perpetrada por algum gerente. O juízo de quebra corresponde a

uma síntese entre a ilicitude, a culpa e o concreto significado que in casu assumam, por um

lado e, por outro, a valoração que tudo isso suscite, num prisma de equilíbrio normal e

prudente. Consequência natural da quebra relevante da confiança é a inexigibilidade da

continuação da situação de gerência, inexigibilidade essa que advém de uma ponderação

global do sistema, expressa pela fórmula tradicional boa fé. Curiosamente: embora se torne

difícil de explicar verbal e analiticamente em que reside a quebra de confiança, podemos

arriscar que, perante a generalidade das situações práticas, todos caem de acordo quanto à

sua ocorrência. No fundo, tudo equivalerá a perguntar ao intérprete-aplicador: confiaria

tranquilamente os seus interesses ao gerente em jogo? Conquistados estes pontos, podemos

ir um pouco mais longe: o conceito de justa causa não é uniforme, nas várias hipóteses de

destituição. Antes tenderá a ser mais exigente, consoante a solidez da situação que venha a

atingir. Assim, podemos distinguir:

Um gerente é designado pela assembleia geral, sem qualquer termo: temos

uma situação duradoura, que tenderá a prolongar-se indefinidamente; compreende-

se que possa cessar com uma justa causa mais leve;

Um gerente é designado pela assembleia geral, mas com um mandato de

duração prefixada: a sua cessação antes do termo já requer uma justa causa mais

ponderosa;

O gerente é indicado no pacto social; estamos perante um elemento que poderá

ter sido constitutivo da decisão de contratar: a justa causa terá de envolver um juízo

de incumprimento do próprio contrato;

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A sociedade tem apenas dois sócios: desta feita, era natural, quando contrataram,

que ambos se conhecessem bem, nas suas qualidades e nos seus defeitos: uma justa

causa superveniente que conduza a uma destituição deverá representar um juízo ainda

mais pesado; finalmente;

O gerente é indicado no pacto, aí recebendo um direito especial à gerência: a

revogação dessa cláusula e a destituição do gerente requerem uma justa causa forte,

com a constatação de uma total inexigibilidade de continuação da situação assumida.

Esta diversificação na densidade da justa causa, de modo a adequá-la às várias situações de

gerência, corresponde a uma ideia de aperfeiçoamento do Direito. Este deve dispensar

soluções distintas em função do tipo de problemas que venha enquadrar e resolver. Cremos

que ela já transparece nas diversas decisões judiciais. Cabe agora aos estudiosos proceder a

uma exposição envolvente da matéria.

Segue; a indemnização: a destituição com justa causa é sempre possível, exceto na

hipótese de haver um direito especial à gerência, como vimos. Todavia, ela obriga a

indemnizar. E sobre o tema, dispõe o artigo 257.º, n.º7 CSC:

«Não havendo indemnização contratual estipulada, o gerente destituído sem justa causa tem

direito a ser indemnizado dos prejuízos sofridos, entendendo-se, porém, que ele não se manteria

no cargo ainda por mais de quatro anos ou do tempo que faltar para perfazer o prazo por que

fora designado».

Como ponto de partida, devemos assentar em que a destituição de um gerente, sem justa

causa, é um facto ilícito. a ilicitude poderá variar, consoante as circunstâncias (será maior

numa destituição imediata ocorrida antes do termo de um mandato expressamente acordado),

mas é uma constante. A indemnização pressupõe danos, incumbindo ainda ao interessado

invocar e provar todos os factos constitutivos da sua pretensão. Ele teria, em especial, de

demonstrar os concretos prejuízos sofridos, não bastando alegar a mera perda de retribuição.

Torna-se patente, quer na jurisprudência, quer na própria lei, uma certa política restritiva, no

tocante ao arbitramento de indemnizações. Trata-se de um ponto que deve ser esclarecido e

reponderado. No tocante à lei: o artigo 257.º, n.º7, 2.ª parte CSC, parece de facto inculcar a

ideia de que a indemnização não poderá ultrapassar as vantagens que adviriam da

manutenção do cargo pelos períodos aí fixados. Quanto à jurisprudência e a alguma doutrina:

subjacentes, elas poderão ter duas ideias restritivas:

O arbitramento de indemnizações elevadas poderia pôr em crise o princípio da livre

destituibilidade dos gerentes: os sócios ponderariam sempre o risco de fazer incorrer

a sociedade em consequências ruinosas;

A destituição, mesmo sem justa causa, seria um facto lícito: perante ele, nunca se

poderia ir muito longe na via indemnizatória.

A tudo temos de contrapor outra panorâmica: o miserabilismo das nossas indemnizações,

contra as quais há que lutar, no presente momento histórico. O exercício de funções de

gerente deve ser dignificado: sem condições e sem contrapartidas, não é possível exigir

estudo, aperfeiçoamento e responsabilização. Os dirigentes das empresas, mesmo de

pequena dimensão, devem ter conhecimentos básicos de contabilidade, de Direito Comercial

e das realidades do setor onde laborem. Devem ter dignidade e devem ser prestigiados. A

destituição ad nutum – ou, porventura pior: a possibilidade de ela ocorrer a todo o tempo –

sem compensação ou com compensações irrisórias equivale a um abaixamento no nível das

pequenas e médias empresas do País. Por certo que sobrecarregar as empresas com ónus

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pesados, quando intentem uma renovação e à semelhança do que sucede no setor laboral,

também tem custos. Todavia, isso pode ser evitado:

Prevendo as situações de justa causa;

Ou estabelecendo prazos para os mandatos de gerência, de tal modo que qualquer

renovação possa operar, de modo indolor para todos, no termo do mandato.

Nos termos do artigo 62.º, n.º1 CRP, são inconstitucionais todas as limitações legais ao

direito à indemnização: isso poderá corresponder à manutenção de um dano não

compensado e, logo, de um atentado a propriedade privada (em sentido amplo). Além disso,

os diversos direitos fundamentais, que incluem muitos direitos de personalidade, devem ser

tutelados, também no plano indemnizatório ainda que, aqui, com o mero sentido de uma

compensação. Quer isso dizer que, perante uma destituição sem justa causa que obrigue a

indemnizar, são computáveis:

Os lucros cessantes, correspondentes à perda da remuneração até ao final do

mandato ou por um período razoável: a lei refere os quatro anos, mas esse ponto

deve ser aferido caso a caso;

Os danos emergentes: maiores despesas, custos de instalação, perda de lugar do

cônjuge, que tenha acompanhado o gerente abandonando a anterior ocupação,

deslocação dos filhos e outras;

Os danos morais: uma destituição ad nutum, sem justa causa ou com uma alegação de

justa causa que não venha a demonstrar-se é, antes de mais, um grave atentado à

dignidade pessoal e profissional de cada um.

Particularmente criticável nos parece ser a postura de desconsiderar os lucros cessantes com

a alegação de que o destituído, entretanto, angariou outros meios de vida. Premiamos o

infrator: quanto mais o destituído trabalhar, menos pagará a entidade responsável. E se o

destituído se remeter à completa ociosidade, então a responsabilidade da sociedade será

máxima. A incongruência é patente. A indemnização só pode ser compensada com lucros

que ocorram mercê do próprio nexo causal que delimita o dano. Fatores externos, como a

capacidade do atingido para alcançar alternativas, são irrelevantes. Uma nova ética na

governação das empresas deve ser servida por um Direito moderno que não tenha receio de

extrair as consequências dos factos com que lide. A solução ideal para toda esta problemática

estará na fixação, aquando da designação:

Da duração do mandato;

Das eventualidades que possam justificar a cessação antecipada das funções do

gerente;

Das compensações a que essa cessação possa dar lugar.

Não é viável uma renúncia antecipada à indemnização por destituição sem justa causa: artigo

809.º CC.

A renúncia: a renúncia é um ato unilateral, praticado pelo gerente e pelo qual ele põe termo

à situação jurídica de administração ou de gerência. A renúncia é possível a todo o tempo: de

outro modo, estaríamos a admitir algo de semelhante a trabalhos forçados. Todavia, ela não

pode ocorrer sem regras, deixando a sociedade desamparada e sem dirigentes. Acontece

ainda que, em termos de gestão profissionalizada, o recrutamento e a formação de gestores

adequados representa um investimento, com custos que podem ser elevados. A sua

substituição ex abrupto pode nem ser possível. De todo o modo: ficam envolvidos novos

custos e despesas. E a própria imagem da empresa estará em causa. Tudo isto envolve uma

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regulamentação jurídica que procure preservar os valores em presença. A renúncia deve ser

comunicada por escrito à sociedade (artigo 258.º, n.º1 CSC). Trata-se de um ato recipiendo.

Esta norma deve ser completada com a do artigo 260.º, n.º5 CSC: ela deve ser dirigida a

outro gerente; não o havendo, ao órgão de fiscalização; não o havendo, a qualquer sócio. Se

não o for: não é eficaz. O gerente que, sem uma declaração válida de renúncia, abandone o

seu posto está, seguramente, a incorrer em justa causa de destituição. Esta, a ser atuada,

inverte a situação e faz incorrer o gerente renunciante em indemnização. Sendo comunicada,

a renúncia torna-se efetiva em oito dias depois de realizada a comunicação: será um lapso de

tempo necessário para que a sociedade cure da substituição. A renúncia opera ex nunc: não

torna, assim, inútil a ação movida pelo renunciante contra a sociedade, por destituição sem

justa causa e tendo em vista a obtenção da competente indemnização. A renúncia torna-se

eficaz nos referidos oito dias, perante a sociedade: isso sem preuízo da necessidade do registo,

para poder tornar-se plenamente oponível, perante terceiros. A renúncia pode ter justa causa.

A justa causa aqui em jogo tenderá a ser mais lata do que a requerida para a destituição. Assim,

ela abrange:

as violações culposas de deveres perpetradas pela sociedade, com relevo para o não

pagamento atempado da remuneração ou de outras prestações retributivas acordadas

ou para a não concretização das condições de trabalho prefixadas ou expectáveis;

Circunstâncias ponderosas, na esfera do gerente, que o levem a abandonar as suas

funções: aspetos familiares ou profissionais que tornem inexigível a manutenção do

cargo.

A justa causa é necessária, para que o gerente renunciante não tenha de indemnizar a

sociedade por todos os prejuízos causados. Na hipótese de um mandato muito longo ou de

um mandato de duração indeterminada, o gerente poderá renunciar, sem justa causa (ou sem

a invocar) desde que dê um pré-juízo razoável (artigo 258.º, n.º2, in fine CSC). De quanto?

No Direito do Trabalho, ele seria de trinta ou de sessenta dias, conforme o trabalhador de

saída tenha até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade (artigo 443.º, n.º1 CT). No

contrato de agência, a denúncia perante a duração indeterminada deverá ter um pré-aviso de

um mês, se o contrato durar há menos de um ano, dois meses, se já tiver iniciado, o segundo

ano de vigência e três meses, nos restantes casos (artigo 28.º, n.º1 Decreto-Lei n.º178/86, 3

julho). Estes valores são referências úteis. Todavia, a sua generalização às sociedades por

quotas levanta dúvidas: as situações de base podem ser muito diferentes, quanto às

circunstâncias. O gerente altamente especializado, com conhecimentos técnicos em áreas um

pouco conhecidas, deverá dar um pré-aviso maior do que o administrador facilmente

substituível. A renúncia ad nutum, e portanto: sem justa causa nem pré-aviso, obriga o gerente

renunciante a indemnizar. Também aqui defendemos que a indemnização deve ser plena,

contemplando:

Os lucros cessantes, incluindo todos os negócios lucrativos que se tenham perdido;

Os danos emergentes, computando as despesas de recrutamento e de formação

perdidas e as que seja necessário suportar para encontrar novo gerente;

Os danos morais: todo o dano de imagem que a sociedade possa sofrer.

De novo a solução ideal residirá em, previamente e aquando da contratação, se acordar na

duração do mandato e nas condições e consequências da sua cessação antecipada, por

iniciativa do gerente.

SQ

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A natureza: a determinação da natureza da gerência – ou da posição jurídica do gerente –

constitui uma questão complexa, com muito para esclarecer. Têm dominado, na nossa

doutrina, as conceções contratualistas: haveria um contrato entre o gerente e a sociedade que

explicaria o seu estatuto e que daria base aos direitos e deveres envolvidos. Seria um contrato

de administração ou de gerência. Todavia, afigura-se-nos que a situação de gerência pode ter

diversas outras fontes. Assim, ela advém:

Do próprio contrato de sociedade, quando designe o gerente;

De deliberação unilateral: esta não é, tecnicamente, uma proposta de tal modo que a

subsequente aceitação pelo designado não integra um contrato: os regimes são

distintos;

Da própria qualidade de sócio, quando todos sejam chamados, ex lege, à qualidade de

gerentes;

Da designação judicial.

Há outras hipóteses possíveis, como a cooptação. A fórmula matricial de designação –

portanto: a mais típica, sobre a qual o legislador modelou o regime característico da figura –

é a designação unilateral pela assembleia. Apesar de haver uma aceitação, voltamos a frisar

que não há, aqui, uma proposta contratual. A situação jurídica de gerência caracteriza-se não

pela sua fonte, mas pelo seu conteúdo. Será um status que envolve direitos e deveres:

De base legal: os muitos que advêm diretamente da lei, seja ela injuntiva ou supletiva;

De base societária: os que assentem no contrato de sociedade;

De base deliberativa: os provenientes de deliberações dos sócios;

De base negocial: os praticados diretamente entre o gerente e a própria sociedade.

Substancialmente, a gerência é uma situação complexa, privada, patrimonial, onerosa,

eventualmente sinalagmática e assente na prestação de serviço. O grande modelo supletivo

– para além da aplicação subsidiária das regras sobre a administração das sociedades civis

puras – será, assim, o contrato de mandato (artigo 1156.º CC).

45.º - Fiscalização

Problemática geral: a fiscalização das sociedades e a problemáticas a ela subjacente

constituiriam um dos grandes motores da evolução do Direito das Sociedades ao longo do

século XX. A questão tornou-se especialmente candente mercê da adoção generalizada da

regra do reconhecimento automático da personalidade coletiva e da democratização do

capital. A concorrência, a densificação das regras técnico-económicas e a necessidade de

incrementar a confiança no mercado e no seu funcionamento fizeram o resto. Hoje,

podemos considerar que a fiscalização visa os seguintes objetivos:

defender os interesses da sociedade (e logo: dós sócios) assegurando que a

constituição financeira interna é respeitada;

Tutelar os interesses das pessoas que contratem com as sociedades;

Proteger o interesse geral da comunidade, através do bom funcionamento das

diversas unidades económicas;

Assegurar o mercado e a regularização das instituições económicas;

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Acautelar a confiança geral dos agentes económicos, na idoneidade dos entes

coletivos.

Apesar do interesse dos sócios ser nuclear, também no campo da fiscalização, verifica-se que

ele não é único. Por isso, boa parte das normas relativas à fiscalização acaba por assumir

natureza injuntiva. Ele tutela elementos de tipo geral, que se inscrevem na ordem pública

societário. A fiscalização tem dois grandes modelos, que se entrelaçam nas sociedades

anónimas:

O interno: assente em instâncias próprias, com relevo para o conselho fiscal e para

a revisão oficial de contas;

O externo: dependendo do Estado ou de entidades reguladoras independentes.

Nalguns casos, a fiscalização externa é inevitável: pense-se na supervisão bancária e na dos

seguros. Noutros, a fiscalização contemplada é predominantemente interna. Nas sociedades

por quotas, a fiscalização é interna. Poderemos excetuar alguns setores regulados. A pequena

ou média dimensão que elas assumem não justifica submetê-las a controlos do Estado:

depararíamos com uma burocracia que poria em jogo o seu próprio funcionamento. Temos

aí, todavia, ainda uma clivagem:

A fiscalização orgânica: a sociedade por quotas em causa dispõe de uma instância

especializada na fiscalização: será o caso de estar dotada de um conselho fiscal ou de

ter ao seu serviço um revisor oficial de contas;

A fiscalização inorgânica: a fiscalização será simplesmente levada a cabo pelos

diversos sócios, ao abrigo das prerrogativas legais e estatutárias que lhes cabem.

Resta-nos apresentar uma noção material de fiscalização. Esta traduz o conjunto de regras

destinadas a assegurar o cumprimento e a sanção de outras regras – as regras primárias –

próprias do funcionamento das sociedades. Além disso, a fiscalização destina-se ainda a

tornar público o efetivo acatamento das regras primárias, de modo a melhor garantir a

confiança do público nas sociedades e no mercado.

Modos de fiscalização: o conselho fiscal e o ROC: cabe ao contrato de sociedade

optar, em primeira linha, por uma fiscalização orgânica ou inorgânica. Na primeira hipótese,

o artigo 262.º, n.º1 CSC refere a opção por um conselho fiscal, o qual se irá reger pelo

disposto para as sociedades anónimas (artigos 413.º e seguintes CSC). A fortiori poderá a

opção ser feita por um fiscal único. Quando nada prevejam, a fiscalização será inorgânica;

levada a cabo pelos sócios, ao abrigo do seu direito à informação (artigo 214.º CSC) e, no

limite, com recurso ao inquérito judicial (artigo 216.º CSC). Para as sociedades por quotas de

maior dimensão, a lei impõe uma fiscalização orgânica. Segundo o artigo 262.º, n.º2 CSC:

«As sociedades que não tiverem conselho fiscal devem designar um revisor oficial de contas para

proceder à revisão legal desde que, durante dois anos consecutivos, sejam ultrapassados dois dos

três seguintes limites:

«a) Total do balanço; 1 500 000 euros;

«b) Total das vendas líquidas e outros proveitos; 3 000 000 euros;

«c) Número de trabalhadores empregados em média durante o exercício; 50».

Alcançado este patamar, a designação do Revisor Oficial de Contas só deixa de ser necessário

(artigo 262.º, n.º3 CSC):

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348

Se a sociedade passar a ter conselho fiscal;

Se dois dos três requisitos fixados no artigo 262.º, n.º2 CSC não se verificarem

durante dois anos consecutivos.

Ainda quanto ao Revisor Oficial de Contas, cumpre tomar nota do artigo 262.º, n.º4 a 6 CSC:

Compete aos sócios a sua designação aplicando-se, na sua falta, os artigos 416.ºa 418.º

CSC (n.º4);

São-lhe aplicáveis as incompatibilidades estabelecidas para os membros do conselho

fiscal (n.º5);

Ao exame pelo Revisor Oficial de Contas deste aplica-se o disposto quanto a

sociedades anónimas, conforme tenham ou não conselho fiscal (n.º6).

Dever de proteção: em 1996, veio-se a adotar uma série de medidas no domínio da

fiscalização, para além de ter introduzido a matéria básica das sociedades por quotas

unipessoais. Entre as medidas fiscalizadoras tomadas conta-se a introdução do dever de

prevenção, inserido no novo artigo 262.º-A CSC. Esse dever cifra-se no seguinte:

Compete ao Revisor Oficial de Contas ou a qualquer membro do conselho fiscal

comunicar imediatamente, por carta registada, os factos que considere reveladores de

graves dificuldades na prossecução do objeto da sociedade (n.º1);

A sociedade tem 30 dias para responder (n.º2);

Na falta de resposta ou se esta não for satisfatória, o Revisor Oficial de Contas deve

requerer a convocação de uma assembleia geral (n.º3);

Ao dever de prevenção aqui em causa aplica-se o disposto sobre o dever de vigilância

nas sociedades anónimas, em tudo o que não estiver especificamente regulado (n.º4).

A medida é importante: poderá constituir um primeiro passo para fazer transmitir, à empresa,

uma mensagem tendente à tomada de medidas de reestruturação, que podem surgir

impopulares. Todavia, pergunta-se se não seria viável prever canais informais de

comunicação. Numa altura em que toda a atenção dos gestores estará virada para os

problemas da empresa, pergunta-se se não será mais um ónus prever tais esquemas

burocráticos.

Apreciação anual da situação da sociedade: o Código prevê um Capítulo

específico – o VII da Parte I – sobre a apreciação anual da situação da sociedade. Esse

Capítulo contém, hoje, um único artigo (o 263.º CSC) sobre o relatório de gestão e as contas

de exercício. Tudo isto pode ser inserido numa ideia ampla de fiscalização. As regras de

fundo sobre a apreciação anual de situações da sociedade constam da Parte Geral: artigos

65.º a 70.ºA CSC. Essas regras são aplicáveis às sociedades por quotas, embora deva ser

sempre feito o confronto, ponto por ponto. O artigo 263.º, n.º1 CSC limita-se a dispor sobre

o direito de informação dos sócios. Posto isto:

não são necessárias especiais apreciação ou deliberação quando todos os sócios sejam

gerentes e quando todos eles assinem, sem reservas, o relatório de gestão, as contas

e a proposta sobre aplicação de lucros e tratamento de perdas, salvo quanto a

sociedades sujeitas a revisão legal (n.º2);

Havendo empate na votação sobre aprovação de contas ou atribuição de lucros, pode

qualquer sócio requerer uma nova assembleia presidida por um especialista indicado

pelo juiz (n.º3);

Essa pessoa pode exigir os necessários elementos (n.º4).

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349

Nas sociedades sujeitas a revisão legal, nos termos do artigo 262.º, n.º2 CSC, os documentos

de prestação de contas e o relatório de gestão devem ser submetidos a deliberação dos sócios,

acompanhados de certificação legal de contas e do relatório do Revisor Oficial de Contas

(artigo 263º, n.º5 CSC). Ao exame de contas pelo conselho fiscal e ao respetivo relatório

aplica-se o disposto para as sociedades anónimas. Por fim, cumpre ter presente que, nos

termos do artigo 70.º CSC, a sociedade deve disponibilizar aos interessados, sem encargos,

no respetivo sítio da internet, quando exista e na sua sede própria: o relatório de gestão, a

certificação legal das contas e, havendo-o, o parecer do órgão de fiscalização. Esta obrigação

pode ser aproximada da informação empresarial simplificada (IES).

Capítulo VII – Alterações e Dissolução das Sociedades

por Quotas

46.º- Alterações

Regras especiais: as alterações ao contrato de sociedade envolvem diversas situações: as

alterações simples, a cisão, a fusão e a transformação. O artigo 265.º, n.º3 CSC vem

reconhecê-lo. Encontramos, na Parte Geral, uma série de regras sobre o tema. Assim,

recordamos:

O Capítulo VIII – Alterações do contrato (artigos 35.º a 96.º CSC);

O Capítulo IX – Fusão de sociedades (artigos 97.º a 117.º CSC);

O Capítulo X – Cisão de sociedades (artigos 118.º a 129.º CSC);

O Capítulo XI – Transformação de sociedades (artigos 130.º a 145.º CSC).

Toda esta regulação é aplicável às sociedades por quotas, ainda que se exija, sempre, uma

sindicância, norma a norma. Como crítica de política legislativa: essa pormenorizada matéria

foi pensada para as sociedades anónimas. Está em jogo, aliás, a transposição de diversas

diretrizes: também elas destinadas a reger as sociedades anónimas. Ao consignar essa matéria

na Parte Geral, o legislador vem sobrecarregar as pequenas e médias empresas com uma série

de ónus burocráticos que entravam a sua ação. Reagindo (finalmente) a estas críticas, o

legislador introduziu simplificações. Foi o que sucedeu quanto à redução do capital que já

não requer autorização judicial. Deve notar-se que não se consideram, para esta matéria,

como alterações do contrato de sociedade a divisão e a cessão de quotas. Tudo funcionará,

aqui, por maioria simples, quando outra coisa não resulte do pacto social. A alteração do

contrato de sociedade é da exclusiva competência dos sócios. Segundo o artigo 265.º, n.º1

CSC, as deliberações de alteração só podem ser tomadas por uma maioria de três quartos

dos votos correspondentes ao capital social ou por um número ainda mais elevado, exigido

eventualmente pelo contrato de sociedade. Além disso, o artigo 265.º, n.º2 CSC permite que,

como direito especial de um determinado sócio, se possa estipular que o contrato só possa

ser alterado com o seu voto favorável, enquanto ele se mantiver na sociedade.

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A preferência dos sócios: quando a alteração se cifre num aumento de capital a realizar

em dinheiro, os sócios têm um direito de preferência (artigo 266.º, n.º1 CSC). Nos termos

seguintes:

Deliberado um aumento, cada sócio tem direito a uma importância proporcional à

quota de que for titular na sociedade em causa (artigo 266.º, n.º2, alínea a) CSC);

Se o sócio interessado pretender uma importância inferior, ela ser-lhe-á concedida

(artigo 266.º, n.º2, alínea a) CSC); O sobrante será atribuído a pedidos superiores ao que competiria ao interessado,

procedendo-se a um ou mais rateios, em proporção do excesso das importâncias

pedidas (artigo 266.º, n.º2, alínea b) CSC).

A preferência dos sócios nos aumentos de capital tem várias finalidades. Assim e

designadamente:

Visa proteger a percentagem de capital que cada um detenha; de outro modo, essa

percentagem desvanecer-se-ia em cada aumento que ocorresse;

Assegura a manutenção do direito às reservas e a outras mais-valias: pode suceder

que o aumento nominal se quede aquém do valor percentual por ele figurado; ora ao

ficar fora do aumento, o sócio visado iria perder o inerente maior-valor;

Protege a sociedade da entrada de estranhos: o capital não adquirido poderá ser

aberto a terceiras pessoas que, deste modo, passarão a fazer parte da sociedade.

O problema acabaria por se pôr com maior acuidade no domínio das sociedades anónimas.

No Direito alemão, o direito de preferência do acionista na subscrição de novas ações foi

estabelecido, e o seu preceito passaria para o artigo 29º da 2.ª Diretriz do Direito das

Sociedades, relativa às garantias do capital social. Diz esse preceito:

«1. Em todos os aumentos do capital subscrito por entradas em dinheiro, as ações devem ser

oferecidas com preferência aos acionistas, proporcionalmente à parte do capital representada

pelas suas ações».

O nosso legislador transpôs o preceito para os artigos 458.º a 460.º CSC, quanto às anónimas.

E fê-lo, per abundantiam, no artigo 266.º CSC, para as sociedades por quotas. Desta feita, o

zelo é justificado. O artigo 266.º CSC procede, ainda, a alguns aspetos regulamentares. Assim:

A parte do aumento que, relativamente a cada sócio, não seja bastante para formar

uma nova quota acresce ao valor nominal da quota antiga (n.º3);

O direito de preferência só pode ser limitado e suprimido em conformidade com o

disposto no artigo 460.º CSC (n.º4);

Os sócios interessados devem exercer a preferência até à assembleia que aprove o

aumento de capital (n.º5, 1.ª parte);

Devendo, para o efeito, ser informados das condições desse aumento na

convocatória de assembleia ou em comunicação efetuada pelos gerentes com, pelo

menos, dez dias de antecedência relativamente à data da realização da assembleia

(n.º5).

Abre-se agora uma lacuna: quid iuris se a própria assembleia aprovar condições diferentes das

inseridas na convocatória ou das comunicadas pelos gerentes? Por analogia, teremos de abrir

um período de 10 dias depois da assembleia para que os sócios se pronunciem: é óbvio que

não se lhes pode pedir uma resposta imediata. Deverão efetivar o capital que tenham obtido,

sob pena de exclusão, nos termos gerais. A limitação ou a exclusão da preferência dos sócios

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351

nos aumentos de capital serão vistas a propósito das sociedades anónimas. O direito de

participar preferencialmente num aumento de capital pode ser alienado: mas com o

consentimento da sociedade (artigo 267.º, n.º1 CSC). Ao consentimento, à sua dispensa ou

à recusa aplicam-se as regras relativas ao consentimento para a cessão de quotas: a deliberação

de aumento pode, porém, concedê-lo em geral (artigo 267.º, n.º2 CSC). A reforma de 2006

introduziu um novo artigo 267.º, n.º3 CSC, segundo o qual, havendo consentimento para

alienar o direito de participar em aumento de capital, extensivo a todo ele, os adquirentes

devem exercer a preferência na assembleia que aprove o aumento de capital. E se não forem

sócios? Escapa-nos essa norma. Sendo expressamente recusado, a sociedade deve apresentar

uma proposta de aquisição do direito por sócio ou por estranho, aplicando-se com

adaptações, o artigo 231.º CSC: tal a solução do artigo 267.º, n.º4 CSC.

Processamento do aumento: havendo aumento de capital com ou sem admissão de

novos sócios, rege o artigo 268.º CSC em termos claros. Assim:

Os sócios que aprovaram o aumento a realizar por eles próprios ficam, sem mais,

obrigados a efetuar as respetivas entradas na proporção do seu inicial direito de

preferência se o tiverem (n.º1);

Sendo o aumento de capital destinado à admissão de novos sócios, estes devem

declarar que aceitam associar-se nas condições do contrato vigente ao aumento de

capital (n.º2);

A declaração prevista no artigo 88.º, n.º2 CSC só pode ser prestada depois de todos

os novos sócios terem dado cumprimento ao n.º2 (n.º3);

Efetuada a entrada em espécie ou em dinheiro, pode o interessado notificar a

sociedade, por carta registada, para proceder à declaração do número anterior em

prazo não inferior a 30 dias, sob pena de poder exigir a restituição da entrada efetuada

e uma indemnização, que ao caso couber (n.º4).

A deliberação de aumento do capital caduca se a sociedade não tiver emitido a declaração na

hipótese do n.º4 ou se o interessado não cumprir o disposto no nº2, na data que a sociedade

lhes tenha marcado, por carta registada, com a antecedência mínima de 20 dias (n.º5). O

artigo 269.º CSC veio dispor sobre a eventualidade de aumento de capital, havendo um

direito de usufruto. Ele pretende distribuir os poderes em jogo pelo titular de raiz e pelo

usufrutuário. Colmata, assim, uma lacuna do artigo 1467.º CC: quanto a saber quem tem o

direito de concorrer a um aumento de capital.

47.º - A Dissolução

Dissolução: a dissolução da sociedade bem longamente tratada na Parte Geral do Código

das Sociedades Comerciais. Ocupa todo o Capítulo XII (artigos 141.º a 145.º CSC). Segue-

se-lhe, ainda, o Capítulo XIII, relativo à liquidação (artigos 145.º a 165.º CSC). Toda essa

matéria tem natural aplicação às sociedades por quotas. O artigo 270.º CSC contém apenas

algumas regras relativas às sociedades por quotas. Assim:

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352

A deliberação de dissolução deve ser tomada por maioria de três quartos dos votos

correspondentes ao capital social, a não ser que o contrato exija maioria mais elevada

ou outros requisitos (n.º1);

A vontade de dissolver, manifestada pelo sócio ou pelos sócios, fora da deliberação,

não pode constituir causa contratual de dissolução (n.º2).

Visou, em matéria desta delicadeza, preservar a lógica das deliberações. A liquidação segue

as regras gerais. Todavia, se os dós únicos sócios-gerentes declararem na deliberação de

dissolução que não há bens a partilhar, a liquidação não é necessária. O Decreto-Lei n.º76-

A/2006, 29 março, introduziu importantes simplificações. Além disso, ele aprovou um

conjunto de regras: o Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e

de Liquidação de Entidades Comerciais, aqui aplicável. O Regime em causa previu, nos seus

artigos 27.º a 31.º CSC, um procedimento especial de extinção imediata de entidades

comerciais. Toda esta matéria deve estar bem presente, sendo aplicável, com as necessárias

adaptações, às sociedades por quotas.

Capítulo VIII – As Sociedades Por Quotas Unipessoais

48.º - A Problemática subjacente

A origem da unipessoalidade: a sociedade tem origem no contrato de societas romano.

Tratava-se do produto de um bonae fidei iudicium, exigindo, por natureza, o mínimo de duas

pessoas celebrantes. Podemos, assim, considerar que as sociedades comerciais têm um duplo

apoio histórico e dogmático: uma origem contratual, particularmente patente nas definições

de contrato de sociedade, que se encontram nas diversas legislações e uma estrutura

institucional, própria das pessoas coletivas que assumem uma eficácia erga omnes. A

manutenção da vertente societas exigia que, para a constituição e a manutenção de uma

sociedade, houvesse sempre uma pluralidade de sócios. Na sua falta, faleceria um dos

elementos fundamentais do substrato. Não se manifestariam os dois fatores fundamentais

da personalidade coletiva:

A autonomia patrimonial;

A limitação, mais ou menos acentuada, consoante o tipo societário da

responsabilidade por dívidas.

Todavia, ao longo do século XX, vieram a ser admitidas situações de unipessoalidade, ainda

que transitórias. Particularmente razoável pareceria a não-extinção automática de sociedades

que viessem a perder, supervenientemente, a pluralidade dos seus sócios. A sua imediata

extinção, as obrigações contraídas ainda em tempo de pluripessoallidade imputando-as,

parece que sem limite, ao sócio sobrevivente. A solução era excessiva. A Ciência do Direito,

mau grado a (então) falta de apoio nos textos, veio a admitir situações transitórias de

unipessoalidade superveniente.

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O reconhecimento da unipessoalidade transitória: o alargamento da

responsabilidade: o artigo 1007.º CC, relativo às causas de dissolução das sociedades

veio dispor, no que agora interessa:

«A sociedade dissolve-se:

(...)

«d) Por se extinguir a pluralidade dos sócios, se no prazo de seis meses não for reconstituída;»

Ou seja: admitia-se que, ocorrendo a unipessoalidade superveniente, a sociedade pudesse

subsistir, como tal, durante seis meses, enquanto procurava recompor o substrato associativo.

Esta regra, aplicável às sociedades civis sob forma civil, foi alargada pela versão do Código

das Sociedades Comerciais de 1986: agora, naturalmente, com um claro alcance comercial.

Assim, segundo o artigo 142.º CSC, relativo às causas de dissolução da sociedade, prevê-se

que possa ser requerida dissolução judicial:

«a) Quando, por período superior a um ano, o número de sócios for inferior ao mínimo exigido

por lei, exceto se um dos sócios for o Estado ou entidade a ele equiparada por lei para esse

efeito».

O artigo 143.º CSC, completava o dispositivo:

«1. No caso previsto na alínea a) do n.º1 do artigo anterior, o sócio ou qualquer dos sócios

restantes pode requerer ao tribunal que lhe seja concedido um prazo razoável a fim de

regularizar a situação, suspendendo-se entretanto a dissolução da sociedade.

«2. O juiz, ouvidos os credores da sociedade e ponderadas as razões alegadas pelo sócio, decidirá,

podendo ordenar as providências que se mostrarem adequadas para a conservação do património

social durante aquele prazo».

A consideração dos preceitos transcritos no Código das Sociedades Comerciais é bastante

instrutiva quanto à problemática em presença. Verifica-se, efetivamente, que o obstáculo

dogmático à unipessoalidade foi pragmaticamente ultrapassado: apesar do aparente contra-

senso de uma sociedade, assente num pacto social, surgir com um sócio único, a situação foi

admitida, desde que transitoriamente. Mas outro problema se desenhava: o da efetiva

fiscalização da sociedade. Efetivamente, desde que se acentuou a liberdade de constituição

das sociedades, houve que providenciar esquemas internos de fiscalização: no interesse dos

próprios sócios e no interesse dos credores das sociedades e do público em geral. Tais

esquemas, todavia, operavam essencialmente na base da pluripessoalidade. Quando o

universo humano de uma sociedade se reduza a uma única pessoa, tudo vacila. Ninguém se

fiscaliza a si próprio ou, pelo menos, ninguém o poderá fazer com total consciência, perante

o público que atue na praça. O problema da efetiva fiscalização da sociedade reduzida a

unidade de sócios ocorria no artigo 143.º, n.º2 CSC. Aí se previam providências adequadas,

a decretar pelo juiz, para a conservação do património social, durante aquele prazo. Na

mesma linha de preocupação, dispõe o artigo 84.º CSC, sob a epígrafe sugestiva

respondabilidade do sócio único:

«1. (...) se for declarada falida uma sociedade reduzida a um único sócio, este responde

ilimitadamente pelas obrigações sociais contraídas no período posterior à concentração das

quotas ou das ações, contanto se prove que nesse período não foram observados os preceitos da

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lei que estabelecem a afetação do património da sociedade ao cumprimento das respetivas

obrigações.

«2. O disposto no número anterior é aplicável ao período de duração da referida concentração,

caso a falência ocorra depois de ter sido reconstituída a pluralidade de sócios».

O preceito parece claro. Havendo unipessoalidade – ainda que transitória – o património

social deverá manter-se afeto ao cumprimento das obrigações sociais. Quando as inerentes

regras não forem observadas, o sócio único passaria a responder ilimitadamente pelas dívidas

da sociedade. Parece justo e adequado.

A unipessoalidade inicial; a responsabilidade do sócio: as conveniências do

tráfego social levaram a um aproveitamento das estruturas organizacionais próprias das

sociedades comerciais fora do quadro de colaboração inter-subjetiva oriundos do velho

contrato de societas. Assim, o artigo 488.º CSC veio prever, sob o título domínio total inicial:

«1. Uma sociedade pode constituir uma sociedade anónima de cujas ações ela seja inicialmente

a única titular.

«2. Devem ser observados todos os demais requisitos da constituição de sociedades anónimas.

«3. Ao grupo assim constituído aplica-se o disposto nos números 4, 5 e 6 do artigo 489.º».

Aos grupos constituídos por domínio total aplicam-se os artigos 501.º CSC: assim o dispõe

o artigo 491.º CSC. Ora, o artigo 501.º CSC dispõe:

«1. A sociedade diretora é responsável pelas obrigações da sociedade subordinada, constituídas

antes ou depois da celebração do contrato de subordinação, até ao termo deste.

«2. A responsabilidade da sociedade diretora não pode ser exigida antes de decorridos 30 dias

sobre a constituição em mora da sociedade subordinada.

«3. Não pode mover-se a execução contra a sociedade diretora com base em título exequível

contra a sociedade subordinada».

Pois bem: a lei admite, na verdade, uma lata constituição de sociedades anónimas, mediante

ato unilateral de uma sociedade preexistente. Tal sociedade será unipessoal. Todavia, a

delicadeza da situação logo é enfrentada através da responsabilização da sócia única,

equiparada à sociedade diretora, pelas dívidas da sociedade unipessoal. A lei atenua um pouco

essa responsabilidade através da moratória dos trinta dias e da limitação do título executivo

eficaz contra a sociedade unipessoal (artigo 501.º, n.º2 e 3 CSC). Mas a responsabilização da

sócio única pelas dívidas da sociedade unipessoal é clara. Podemos considerar que, dada a

unipessoalidade, cessa o benefício da limitação da responsabilidade.

O objetivo da limitação de responsabilidade: o tema da unipessoalidade,

superveniente ou inicial, veio entroncar com uma problemática diversa: a da limitação da

responsabilidade patrimonial. Uma das aspirações clássicas do Direito Comercial era a de

encontrar esquemas que permitissem a limitação da responsabilidade do comerciante. Certos

negócios poderia, na verdade, envolver uma responsabilidade que transcendesse a perda dos

meios que nele fossem envolvidos. No limite, não só os meios da empresa poderiam ficar

comprometidos como, também, a própria fortuna pessoal do comerciante. E aí, uma de duas:

ou tais negócios nunca seriam tentados, com perdas para o próprio desenvolvimento

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económico e social da comunidade onde o problema surgisse, ou eles seriam apenas

ensaiados por aventureiros ou por pessoas sem escrúpulos. A limitação da responsabilidade

passou, assim, a constituir um objetivo da comercialística. Avançou-se com cautela. Uma

primeira hipótese de limitação foi constituída pelas sociedades em comandita: sociedades nas

quais um ou mais sócios, que tomariam a iniciativa - os sócios comanditados –

desenvolveriam certo projeto empresarial, respondendo com todos os seus bens, enquanto

outro ou outros – os sócios comanditários – inverteriam algum capital e responderiam apenas

por este. A solução permitia atrair capitais. Mas tinha inconvenientes: os sócios comanditados

– precisamente os que deteriam o know how empresarial – correriam riscos ilimitados. De

novo se perfilava a alternativa de ou uma excessiva contenção nas iniciativas, ou uma atração

por aventureiros ou pessoas sem medidas. A fraqueza das comanditas ditaria o êxito das

sociedades anónimas, que disparariam na segunda metade do século XIX. A limitação da

responsabilidade conseguida pelas sociedades anónimas tinha alguns inconvenientes. E

desde logo: a sociedade anónima vinha desenhada como um ente de grande porte, capaz de

mobilizar muitos capitais, mas dispendioso e pouco manejável para empreendimentos mais

comedidos. A questão foi ultrapassada com a conceção de um novo tipo de sociedade

comercial mais modesto, mas de responsabilidade limitada: o das sociedades por quotas, cuja

origem já conhecemos. As sociedades por quotas já permitiam uma limitação da

responsabilidade, em empreendimentos mais modestos. Mantinham, porém, um óbice:

exigiam uma fórmula societária e, portanto, uma associação entre duas ou mais pessoas.

Porque não permitir uma limitação de responsabilidade a um simples comerciante individual?

O Direito Civil admite que, por convenção entre as partes, a responsabilidade do devedor,

no caso de incumprimento, seja limitada a alguns dos seus bens – artigo 602.º CC. Trata-se

de uma solução pouco conhecida e pouco praticada. Não sendo institucional, ela exige uma

negociação caso a caso, apresentando-se como menos eficaz. Havia que procurar novas

fórmulas.

O estabelecimento individual de responsabilidade limitada: procurando ir

ao encontro do desígnio limitador da responsabilidade do comerciante, mas sem pôr em

causa a segurança jurídica, o legislador português encarou a solução do estabelecimento

individual de responsabilidade limitada ao EIRL. Esta figura foi aprovada e regulada pelo

Decreto-Lei n.º248/86, 25 agosto e, portanto: anterior ao próprio Código das Sociedades

Comerciais. O EIRL constitui-se por escritura pública, com todas as especificidades do artigo

2.º, n.º2 do dito diploma, devendo ser inscrito no registo comercial e procedendo-se à

publicação no Diário da República – artigo 5.º RJEIRL (Regime Jurídico do EIRL38): a partir

daí, produz efeitos perante terceiros (artigo 6.º RJEIRL. Pelas dívidas resultantes de

atividades compreendidas no objeto do EIRL respondem apenas os bens a este afetados,

salvo se o titular não tiver respeitado o princípio da separação dos patrimónios (artigo 11.º

RJEIRL). O ato constitutivo pode ser alterado, designadamente através de aumentos ou de

reduções de capital, com as cautelas especificadas na lei – artigos 16.º a 20.º CSC. Segundo o

artigo 21.º, n.º1 RJEIRL:

«O estabelecimento individual de responsabilidade limitada pode ser transmitido por ato

gratuito ou oneroso, ou dado em locação. Pode ainda sobre ele constituir-se um usufruto ou um

penhor, produzindo este os seus efeitos independentemente da entrega ao credor».

38 O autor não utiliza a sigla, usamo-la nós (大象城堡) para facilidade de invocação do diploma legal.

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O EIRL é, de facto, um estabelecimento comercial, colocado numa situação especial que

permite a responsabilidade limitada. Há traços do seu regime que refletem bem os progressos

obtidos ao longo do século XX no tratamento do tema: veja-se o artigo 21.º, n.º1 RJEIRL.

A situação especial em que se coloca o EIRL e a necessidade de proteger terceiros e o

comércio em geral levaram o legislador a formalizar alguns aspetos do estabelecimento em

jogo. Designadamente: os bens que o componham não são, ad nutum, os que sejam afetados

ao comércio mas antes aqueles que constem do título constitutivo. Não obstante, muitos dos

valores contemplados no EIRL têm diretamente a ver com o estabelecimento comercial. As

regras daquele podem, após verificação, funcionar como auxiliares de aplicação, para resolver

problemas do estabelecimento em geral. Tal como o estabelecimento comercial, também o

EIRL constitui uma esfera jurídica de afetação: no fundo, este tenderia, à partida, a ser uma

modalidade daquele. A criação do EIRL, caiu sob uma chuva de críticas, desferidas, inclusive,

pelo próprio legislador. Todavia, o diploma está tecnicamente bem elaborado e representa

um conjunto de aspetos interessantes, mesmo para a teoria do estabelecimento. Não pode,

de facto, contrariar a progressão do Direito das Sociedades Comerciais, num fenómeno cuja

explicação se prenderá à cultura dos nossos dias. De todo o modo, o legislador procurou

facilitar o recurso ao EIRL: o legislador em 2000 veio alterar vários preceitos do regime

inicialmente aprovado, dispensando o recurso à escritura pública, em diversas circunstâncias,

num movimento completado em 2006, sujeitando o EIRL ao esquema da dissolução

administrativa.

49.º - O tipo e o Regime

A sociedade por quotas unipessoal: a iniciativa do estabelecimento individual de

responsabilidade limitada não teve êxito. Tratava-se de uma solução que não permitia a

personalização do novo ente económico, constituído precisamente pelo EIRL. Além disso,

ele não se adaptava a certos dados culturais, mais propensos para valorizar as sociedades. Há

muito se anunciava uma evolução doutrinária favorável às sociedades por quotas unipessoais.

Por toda a Europa sopraram ventos favoráveis à unipessoalidade. Na consolidação das

sociedades por quotas unipessoais, teve muito relevo a Diretriz n.º89/667/CEE, do

Conselho, de 21 de Dezembro de 1989 ou Décima Diretriz das Sociedades Coerciais. Este

diploma comunitário diz precisamente respeito às sociedades de responsabilidade com um

sócio único. A transposição desta Diretriz foi levada a cabo, entre nós, pelo Decreto-Lei

n.º257/96, 31 dezembro. Este diplima veio aditar, ao Título III do Código das Sociedades

Comerciais, um Capítulo X precisamente intitulado sociedades unipessoais por quotas. As

sociedades unipessoais por quotas estão dotadas de sete artigos, no Código das Sociedades

Comerciais: os artigos 270.º-A a 270.º-G CSC. Como aspetos de relevo salientamos:

A constituição pode operar por várias formas, incluindo a transformação de prévio

estabelecimento individual de responsabilidade limitada;

A firma deve deixar transparecer a unipessoalidade;

Uma pessoa singular só pode ser sócio de uma única sociedade unipessoal por quotas;

esta, por seu turno, não pode ser sócia única de uma sociedade unipessoal por quotas,

podendo ser pedida a dissolução das sociedades que não observem estas regras;

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A sociedade unipessoal pode passar a sociedade normal, quando alcance uma

pluralidade de sócios;

As decisões do sócio único, a registar em ata, substituem as decisões da assembleia

geral;

O contrato do sócio único com a própria sociedade deve obedecer a certos requisitos,

sob pena de nulidade e de responsabilização ilimitada do sócio;

Às sociedades unipessoais por quotas aplicam-se as normas que regulam as

sociedades por quotas, salvo as que pressuponham a pluralidade de sócios.

O Decreto-Lei n.º76-A/2006, 29 março veio expurgar do texto quaisquer referências à

necessidade de escritura pública e de introduzir a referência à dissolução administrativa. As

sociedades por quotas unipessoais acompanham, assim, o sentido geral do desagravamento

das nossas sociedades.

As cautelas legais; o contrato do sócio com a sociedade unipessoal: pelo

seu papel emblemático, cabe agora fixar a atenção sobre o artigo 270.º-F CSC, relativo ao

contrato do sócio com a sociedade unipessoal. Tal contrato é possível uma vez que a

sociedade unipessoal não se confunde com o sócio único. À partida, parece claro que a

presença de uma sociedade unipessoal pode representar um potencial centro de abusos da

própria personalidade. Os mecanismos internos de fiscalização das sociedades repousam, em

grande parte, na pluralidade dos sócios. Desde o momento em que tal pluralidade não se

verifique, multiplicam-se os riscos de total instrumentalização da sociedade unipessoal e de

confusão entre o património desta e o do sócio único. O artigo 84.º CSC, apesar de pensado

antes da introdução da figura da sociedade unipessoal por quotas, tem aqui plena aplicação:

havendo falência da sociedade unipessoal, o sócio único é ilimitadamente responsável pelas

dívidas da sociedade, o sócio único é ilimitadamente responsável pelas dívidas da sociedade,

quando se mostre que não foram observados os preceitos da lei que estabelecem a afetação

do património da sociedade ao cumprimento das respetivas obrigações. A responsabilidade

limitada exige a observância das previsões legais que a permitem. Um dos problemas

específicos postos pela unipessoalidade é o da contratação entre a sociedade unipessoal e o

sócio único. Essa contratação pode ser feita em desfavor da sociedade, de tal modo que possa

pôr em perigo os direitos e os interesses dos credores da própria sociedade unipessoal. Por

isso, o artigo 270.º-F CSC prescreve, para tais negócios, uma série de requisitos:

O contrato entre a sociedade unipessoal e o sócio único deve servir a prossecução

do objeto da sociedade;

Deve obedecer à forma prescrita ou, em qualquer caso, deve ser celebrado por escrito;

Os documentos que os exarem devem ser patenteados conjuntamente com o

relatório de gestão e os documentos de prestação de contas, podendo ser consultados

por qualquer interessado.

A violação destas regras tem uma dupla sanção (artigo 270.º-F, n.º5 CSC:

A nulidade dos negócios jurídicos celebrados;

A responsabilidade ilimitada do sócio único.

Efetivamente, a nulidade do negócio prevaricador representaria uma sanção insuficiente.

Tendo providenciado para a conclusão de um contrato ilegítimo, à luz do artigo 270.º-F CSC,

o sócio único teria toda a facilidade em executá-lo, mau grado a sua invalidade. Ora é sabido

que tais negócios prosseguem, em geral, o objetivo de descapitalização da sociedade ora em

causa. Os credores sociais são as vítimas tendenciais desse tipo de atuação. A sanção da

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ilimitação de responsabilidade – e, portanto, da cessação do privilégio da limitação da mesma

– surge como o passo mais natural para estabelecer o equilíbrio perturbado. Podemos inferir

que a presença de uma sociedade unipessoal, um tanto ao arrepio da velha lógica da societas,

exige um respeito acrescido por certas regras. Quando esse respeito não seja assegurado, a

própria lei impõe o levantamento da personalidade coletiva: haverá, nessa altura, que

procurar, sob o manto societário, qual o verdadeiro sujeito responsável pelos atos levados a

cabo.

Natureza e êxito: embora moldadas sobre as sociedades por quotas, as sociedades

unipessoais por quotas têm uma configuração própria muito marcada. Digamos que

correspondem a um tipo próprio autónomo: basta ver que muitas das regras das sociedades

por quotas, destinadas a assegurar a pluripessoalidade, não têm, aqui, qualquer aplicação.

Sendo que, assim, as sociedades por quotas unipessoais constituíram um enorme êxito.

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Parte IV – Sociedades Anónimas

Capítulo II – O contrato de sociedade anónima

56.º - Celebração, modalidades e conteúdo

As partes; unipessoalidade e constituição não-negocial:

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