socializaÇÃo e educaÇÃo profissional: um estudo do...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO – UFES CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO INTERINSTITUCIONAL EM EDUCAÇÃO GIOVANI ZANETTI NETO SOCIALIZAÇÃO E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: UM ESTUDO DO PROEJA – CEFETES Vitória 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO – UFES

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MESTRADO INTERINSTITUCIONAL EM EDUCAÇÃO

GIOVANI ZANETTI NETO

SOCIALIZAÇÃO E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL:

UM ESTUDO DO PROEJA – CEFETES

Vitória

2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO – UFES

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MESTRADO INTERINSTITUCIONAL EM EDUCAÇÃO

GIOVANI ZANETTI NETO

SOCIALIZAÇÃO E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL:

UM ESTUDO DO PROEJA - CEFETES

Dissertação apresentada ao programa de Pós-

Graduação em Educação do Centro de

Educação da Universidade Federal do

Espírito Santo para defesa do Mestrado

Interinstitucional na linha de pesquisa em

História, Sociedade, Cultura e Políticas

Educacionais.

Vitória

2009

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FICHA CATALOGRÁFICA

Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)

(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)

Zanetti Neto, Giovani, 1972-

Z28s Socialização e educação profissional : um estudo do Proeja -

Cefetes / Giovani Zanetti Neto. – 2009.

100 f. : il.

Orientadora: Antonia de Lourdes Colbari.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito

Santo, Centro de Educação.

1. Programa Nacional de Integração da Educação

Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação

de Jovens e Adultos (Brasil). 2. Socialização. 3. Identidade. 4.

Ensino profissional. I. Colbari, Antonia L. II. Universidade Federal

do Espírito Santo. Centro de Educação. III. Título.

CDU: 37

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COMISSÃO EXAMINADORA

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A Maria, Daniel, Daniela e

Bruno, meus companheiros de

viagem, dedico este trabalho.

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AGRADECIMENTOS

Aos colegas de mestrado e professores, pelas horas mágicas que vivemos. E

especialmente à minha orientadora, Antônia Colbari, pela paciência e dedicação e pelos

conhecimentos que compartilhou comigo.

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RESUMO

As modificações na legislação da educação profissional e tecnológica na esfera federal

definiram a oferta de vagas nos cursos de formação profissional para a modalidade de

ensino de jovens e adultos. O destaque à questão da qualificação para o mundo do

trabalho introduz na educação de jovens e adultos – EJA – o viés da educação

profissional, configurando-se assim uma nova modalidade: o ensino profissionalizante

de jovens e adultos. Na legislação surge então o Proeja – Programa de Integração da

Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e

Adultos – que passa a ser implantado na rede federal de educação profissional e

tecnológica. Por situar-se na interface entre o mundo da educação e o do trabalho, a

qualificação profissional de jovens e adultos no Proeja envolve questões que incluem

modificações no sistema produtivo e demandas das camadas mais desfavorecidas da

população por inserção social, sempre tendo a escola como centro de discussão. No

universo escolar, o estudante passa por um tipo de socialização que vai contribuir para a

configuração de identidades sociais e profissionais. Na escola, a socialização é um

processo em que se deparam questões relativas tanto às estruturas internas advindas da

história individual – relacionada à família e à comunidade de origem – quanto às

demandas das estruturas externas dos meios com as quais o sujeito entra em contato.

Essa interface configura um processo de socialização no qual surgem novas formas

identitárias. O objetivo desta pesquisa foi estudar como experiências de vida dos

estudantes interagem com os processos de socialização desencadeados durante o

período de formação escolar, ou seja, identificar quais os traços identitários resultantes

da forma como se articulam as condições objetivas com condições subjetivas dos

estudantes.

Palavras-chave: Socialização, Formas identitárias, Proeja.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01 Interação entre os Processos Diacrônico e Sincrônico............................84

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 01 Distribuição das vagas para os cursos técnicos oferecidas no processo

seletivo 2008/1 pelo Cefetes....................................................................51

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LISTA DE SIGLAS

Cefetes Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo

DSC Discurso do Sujeito Coletivo

ECH Expressão Chave

EJA Educação de Jovens e Adultos

EMJAT Ensino Médio para Jovens e Adultos

IC Idéia Central

Proeja Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na

Modalidade de Educação de Jovens e Adultos

SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SESI Serviço Social da Indústria

SETEC Secretária de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da

Educação

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LISTA DE TABELAS

Tabela 01 Média de anos de estudo por faixa de idade............................................45

Tabela 02 Legislação relativa ao programa Proeja...................................................47

Tabela 03 Perfil sócio econômico dos ingressos do EMJAT 2005/1

Cefetes......................................................................................................49

Tabela 04 Perfil socioeconômico dos ingressos do Proeja em Automação Industrial

2008/1 Cefetes..........................................................................................50

Tabela 05 Quantidade de vagas e quantidade de inscritos para o curso de

Automação Industrial na modalidade EJA no Cefetes.............................51

Tabela 06 Características Sociais dos Sujeitos Entrevistados..................................61

Tabela 07 Motivações para Interrupção dos Estudos...............................................63

Tabela 08 Motivações da Escolha do Cefetes..........................................................64

Tabela 09 Representações acerca da Automação Industrial.....................................65

Tabela 10 Representações acerca do EJA.................................................................67

Tabela 11 Percepções sobre a Estrutura do Curso....................................................68

Tabela 12 Causas da Evasão.....................................................................................69

Tabela 13 Idéias Centrais sobre Objetivos ao Final do Curso..................................71

Tabela 14 Condições Externas..................................................................................81

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................8

1.1 A QUESTÃO NORTEADORA......................................................................................................10

1.2 A ESTRUTURA DA PESQUISA ...................................................................................................16

2 TRANSFORMAÇÕES DO CAPITALISMO, DA TECNOLÓGICA, DO TRABALHO

E A RELAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO E TRABALHO................................................17

2.1 CRISE DE MODELOS E TRANSIÇÃO DE PARADIGMAS EM CASTELLS, DE MASI E HARVEY.18

2.2 RELAÇÕES ENTRE EDUCAÇÃO E TRABALHO ..........................................................................22

3 SOCIALIZAÇÃO, IDENTIDADES SOCIAIS E PROFISSIONAIS ........................25

3.1 BASES TEÓRICAS E FORMAÇÃO DO CONCEITO DE SOCIALIZAÇÃO.....................................25

3.2 IDENTIDADE: UMA POSSIBILIDADE TEÓRICA DA SOCIOLOGIA............................................30

4 O CONCEITO DE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS EM MOSCOVICI ..................37

5 O CONTEXTO DA PESQUISA: EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, PROEJA,

CEFETES..................................................................................................................41

5.1 O ENSINO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICO NO BRASIL: BREVE HISTÓRICO ......................41

5.2 CONFIGURAÇÃO ATUAL DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE JOVENS E ADULTOS ...............44

5.3 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO CEFETES ..............................................................48

6 PASSOS METODOLÓGICOS.............................................................................52

6.1 TÉCNICAS DE COLETAS DE DADOS PARA UM ESTUDO DE CASO: ENTREVISTA INDIVIDUAL

E GRUPO FOCAL....................................................................................................................................54

6.2 DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO: UMA METODOLOGIA DE ANÁLISE DO DISCURSO ........56

7 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ..................................................59

7.1 A OBSERVAÇÃO COMO ELEMENTO ORIENTADOR DA PESQUISA ........................................59

7.2 ENTREVISTAS INDIVIDUAIS .....................................................................................................61

7.3 GRUPO FOCAL..........................................................................................................................73

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4

7.4 ARTICULANDO OS VÁRIOS MOMENTOS DA PESQUISA............................................................79

8 COMENTÁRIOS FINAIS......................................................................................87

9 REFERÊNCIAS ...................................................................................................91

APÊNDICES...........................................................................................................................94

APÊNDICE A - MATRIZ CURRICULAR DO CURSO PROEJA DE AUTOMAÇÃO

INDUSTRIAL DURANTE A ETAPA DE FORMAÇÃO BÁSICA............................................95

APÊNDICE B - MATRIZ CURRICULAR DO CURSO PROEJA DE AUTOMAÇÃO

INDUSTRIAL DURANTE A ETAPA DE FORMAÇÃO PROFISSIONALIZANTE................97

APÊNDICE C - EXEMPLO DE APLICAÇÃO DA METODOLOGIA DO DISCURSO DO

SUJEITO COLETIVO..............................................................................................................98

APÊNDICE D – ROTEIRO DE ENTREVISTAS INDIVIDUAIS................................................. 99

APÊNDICE E – DENOMINAÇÕES ANTERIORES DO IFES...................................................100

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1 INTRODUÇÃO

Este estudo resultou de pesquisa desenvolvida no curso de automação industrial do Cefetes

na modalidade educação profissional de jovens e adultos e teve como origens o

acompanhamento dos alunos, a conversa com professores, a observação e as experiências

vivenciadas no processo de formação desse público escolar especifico e da formação

profissionalizante.

Ao ingressar como professor no sistema público de educação federal, minha primeira

atividade profissional foi a participação em uma oficina de formação de gestores

educacionais voltada para a educação profissional de jovens e adultos. Essa oficina fez

parte de projeto de capacitação nacional de funcionários públicos da educação com o

objetivo de apresentar o Decreto 5.478, de 25 de junho de 2005, que instituía o Programa

de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de

Jovens e Adultos – Proeja – e determinava que uma porcentagem das vagas fosse destinada

a essa modalidade de ensino. A SETEC havia preparado, então, um ciclo de encontros em

diferentes estados a fim de preparar os CEFETs para a implantação da lei, trazer

experiências já realizadas com educação de jovens e adultos e, por fim, sensibilizar as

comunidades escolares para essa realidade.

Dessa forma, no mesmo momento em que se estabeleciam os primeiros contatos com a

educação profissional e tecnológica, apresentaram-me a outra dimensão da educação.

Durante aquela oficina, ouvi falar sobre projetos de educação de jovens e adultos já em

andamento, assisti a documentários e presenciei depoimentos de estudantes que estavam

inseridos naquela modalidade de ensino.

Nesses momentos, ficou a lembrança dos relatos dos alunos da modalidade EJA. Para

todos eles, a escola havia sido única oportunidade de transformação de vida, e ali puderam

ter acesso a um mundo de conhecimentos e desenvolver algumas habilidades que lhes eram

inéditas. Relatos de projeções para um futuro profissional e de continuidade de estudos

eram acompanhados por depoimentos de melhoria de autoestima e de uma realização

pessoal que era visível aos nossos olhos.

.

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Daquele encontro resultaram reflexões que me acompanham até então: a educação é um

processo pessoal e talvez mais importante do que a conclusão de um conjunto de matérias,

seja o ponto de que a pessoa parte, seja o ponto a que ela chega, pois aquilo que pode ser

simples para um sujeito, para outro pode demandar grande esforço e representar um grande

ganho em sua vida. Entretanto, o processo educacional está estruturado em conteúdos e

tempos predeterminados, em que o estudante tem de se enquadrar ao ritmo da escola – para

aquém ou para além de suas possibilidades.

Em contrapartida, minha formação como técnico em Eletrotécnica e como engenheiro

eletricista proporcionou-me um determinado modo de interpretação da realidade: mesmo

considerando que, em muitos aspectos, a escola profissionalizante é uma instituição que

enquadra seus alunos a um molde predeterminado fortemente focado em conteúdos,

observei que, durante o processo de formação, o esforço em alcançar os objetivos

proporciona ganhos tanto intelectuais quanto pessoais. Como resultado, na condição de

professor, sentia-me, de um lado, comprometido com a formação profissional, acreditava

nela como uma forma de melhoria nas condições de vida dos estudantes, e de outro estava

consciente do movimento próprio que a educação de jovens e adultos demanda. Ciente do

histórico de descontinuidade escolar presente nesse público e muitas vezes da má

qualidade da escolaridade básica, questionava-me como obter “êxito” no processo de

formação profissional, fortemente baseado em conteúdos derivados das ciências exatas que

demandam alto nível de abstração.

Naquele momento, quando ingressava no sistema Cefetes, a instituição já realizava a

educação de jovens e adultos, porém apenas como formação de ensino médio. E, para

atender à nova legislação, estava reestruturando os cursos para que tivessem também a

formação profissionalizante incluída. Os estudantes realizariam dois anos de formação

básica e posteriormente seriam incluídos nas turmas de ensino pós-médio

profissionalizante, já existente na instituição, para realizar mais dois anos de formação. Ao

final desse processo, obteriam a conclusão do ensino médio profissionalizante. Tive a

oportunidade de acompanhar, em alguns momentos, palestras sobre o curso de automação

industrial, visitas técnicas e orientações do projeto integrador – a etapa inicial de formação

dos alunos da modalidade jovens e adultos –, entretanto, vislumbrava dificuldades que

surgiriam na etapa profissionalizante da formação daqueles estudantes.

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Ao concluir este estudo, a primeira turma de educação de jovens e adultos do curso de

automação industrial já realizara o primeiro semestre da parte profissionalizante do curso e

a quase totalidade da turma ficou retida no módulo inicial.

Quando comecei a elaborar o projeto de pesquisa para a realização deste estudo, meus

primeiros pensamentos se encaminharam para as formas de ensino relacionado às

demandas e características dos alunos da modalidade EJA. Posteriormente, por meio das

reuniões de orientação, aulas e palestras assistidas, estudos e trabalhos realizados,

conversas com professores e colegas e da revisão de literatura, elaborei a questão

norteadora desta pesquisa: como as experiências de vida dos estudantes interagem com os

processos de socialização desencadeados durante o período de formação escolar, ou seja,

quais os traços identitários resultantes da forma como se articulam as condições objetivas

com condições subjetivas dos estudantes?

Com o intuito de contextualizar a terminologia utilizada nesse estudo, no que diz respeito à

utilização do nome “Cefetes”, relato que a realização dessa pesquisa ocorreu ao longo do

ano de 2008, portanto antes da mudança ocorrida em 29 de Dezembro de 2008, quando a

instituição tornou-se o Instituto Federal do Espírito Santo – IFES. Dessa forma, mesmo

tendo concluído esse estudo em 2009, mantive a terminologia Cefetes por entender que é

essa a identificação que representa o período estudado.

1.1 A QUESTÃO NORTEADORA

Os estudos iniciais para a realização desta pesquisa contemplaram as modificações na

legislação da educação profissional e tecnológica na esfera federal que implicaram o

surgimento de cursos de formação profissional destinados a jovens e adultos que não

puderam concluir, na idade correspondente, o ensino básico. Cabe ressaltar que a

modificação na legislação não inaugura essa modalidade de ensino, que já era presente em

muitas instituições de várias formas.

Na educação profissional de jovens e adultos, além da formação básica, a questão da

qualificação para o mundo do trabalho entra em cena, e com ela o tratamento teórico usado

pelas pesquisas sobre educação de jovens e adultos – EJA. Nesse caso, a presença do viés

da educação profissional (a formação para o mundo do trabalho) configura uma nova

modalidade ensino: o ensino profissionalizante de jovens e adultos. No aspecto legal,

temos a instituição do Proeja – Programa de Integração da Educação Profissional ao

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Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – que passa a ser

implantado na rede federal de educação profissional e tecnológica. Por situar-se na

interface entre o mundo da educação e o mundo do trabalho, a abordagem da qualificação

profissional de jovens e adultos que ocorre no Proeja não pode desconsiderar questões

mais amplas: entre elas as formas de organização da produção e as demandas das camadas

mais desfavorecidas da população por inserção social, sempre tendo a escola como centro

de discussão.

A partir da década de 1970, as crises econômicas associadas às inovações tecnológicas

resultaram em novas formas de organização produtiva do capitalismo que, por fim,

determinaram o surgimento de novos aspectos economicos e novas formas de organização

na sociedade, baseadas nos conceitos de rede e de acumulação flexível. Todavia, há que

ressaltar que tais transformações não são, nem homogêneas, nem acontecem da mesma

forma em todos os paises, e nem mesmo no interior de uma mesma nação. Não raro, é

possível encontrar avanços tecnológicos em alguns setores convivendo com trabalho

precário. Essa transformação da sociedade, ao mesmo tempo que cria novas possibilidades

no mundo do trabalho, também desarticula modelos consolidados de trabalho, baseados em

categorias profissionais definidas e produção rígida, gerando novas configurações

profissionais e, consequentemente, novas demandas educacionais. Essa configuração de

educação profissional, demanda por inserção no mundo do trabalho e mudanças nas formas

produtivas do capitalismo, faz que na escola o estudante passe por um tipo de socialização

que vai engendrar identidades sociais e profissionais.

Na escola, a socialização é um processo em que ocorre o encontro ou confronto entre

estruturas internas advindas de questões pessoais e da formação familiar e as estruturas

externas das comunidades com as quais o sujeito mantém contato, incluindo o mundo do

trabalho. Desse confronto resultam estratégias objetivas ou subjetivas que ora dão

continuidade ao instituído, ora criam rupturas para o novo. O resultado desse processo são

as novas formas identitárias. Todavia, a identidade não pode ser associada a uma

caracterização rígida da personalidade ou da forma de agir. A identidade de uma pessoa

depende de suas estruturas internas e da relação com os outros, e é sempre passível de

novas acomodações. O objetivo deste trabalho é investigar traços identitários provenientes

da socialização que ocorre durante o processo de formação escolar dos alunos da

modalidade Proeja.

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Uma vez que as modificações na legislação da educação profissional e tecnológica na

esfera federal implicaram o surgimento de cursos de formação profissional destinados a

jovens e adultos que não puderam concluir o ensino básico na idade correspondente, a

ideia é que essa parcela da população tenha uma possibilidade de retomar sua formação

básica e adquirir também qualificação profissional. Nesse contexto, o Cefetes passa a

oferecer cursos de ensino médio integrado à formação técnica para o público caracterizado

como jovens e adultos.

A educação profissional de jovens e adultos abre outro campo de possibilidades, uma vez

que a questão da qualificação profissional passa a fazer parte do processo de formação.

Dessa forma, mesmo reconhecendo a distinção conceitual significativa entre EJA e

educação profissional – e ainda que a discussão sobre o mundo do trabalho esteja presente

nos estudos sobre EJA – pode-se considerar que todo o tratamento teórico usado para

analisar as pesquisas sobre educação de jovens e adultos é agora acrescido do viés da

educação profissional: aquela destinada diretamente à formação para o mundo do trabalho.

Todavia, uma vez que essa modalidade de educação é nova nas instituições de ensino

profissionalizante, torna-se necessário estudar quais são as características particulares

desse público e que tipo de interação resulta desse processo de escolarização.

Entendendo que o período vivenciado na escola implica para o estudante um tipo de

socialização, pode-se perguntar: como as experiências de vida dos estudantes interagem

com os processos de socialização desencadeados durante o período de formação escolar,

ou seja, quais os traços identitários resultantes da forma como se articulam as condições

objetivas com condições subjetivas dos estudantes?

Por lidar com um público que geralmente possui descontinuidades na formação escolar,

mas é portador de significativa bagagem de experiências de vida e trabalho, pode-se

investigar como o programa lida com as experiências trazidas pelos alunos para o espaço

da sala de aula. E, se a socialização na escola profissionalizante possibilita aos estudantes o

contato com características da profissão, pode-se investigar até que período da formação

profissional contribui para sedimentar identidades profissionais.

A modalidade de ensino profissionalizante atua na interface escola e mundo do trabalho.

Dessa forma, aquilo que caracteriza a profissão, características tanto técnicas como sociais,

está presente durante os anos de estudo, seja de forma objetiva – conteúdos –, seja de

forma velada – comportamento dos profissionais. Os conteúdos dizem respeito ao conjunto

de procedimentos, técnicas e equipamentos que compõem o modo de fazer da profissão. O

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comportamento dos profissionais que atuam na educação profissional compõe uma fonte

de influência – muitas vezes não declarada – que traz para dentro da instituição de ensino

as características do mundo do trabalho.

A modalidade de ensino EJA caracteriza-se por ser um projeto educacional diferenciado,

que pretende atender a demandas de indivíduos que apresentam trajetórias de fracasso e

descontinuidade escolar, e visa à escolarização de sujeitos que sempre estiveram

marginalizados dos processos formais de educação, buscando para isso com formas

educacionais próprias. O programa Proeja – formação profissional destinada a jovens e

adultos – concatena as características do ensino profissionalizante e da EJA, constituindo

um interessante campo de pesquisas, pois se situa na interface entre os mundos do trabalho

e da educação na modalidade jovens e adultos. Essa modalidade é destinada àquela parcela

da população que depende, em maior escala, da qualificação para a inserção no mundo do

trabalho.

A incorporação da Sociologia como referencial teórico se justifica, sobretudo, pelo

propósito de identificar relações entre a vida cotidiana e estruturas sociais estabelecidas. A

análise sociológica deve, a um só tempo, captar a estrutura – aquilo que está estabelecido –

e observar os processos que ocorrem – aquilo que está em mudança –, identificando as

ações e as relações de poder resultantes da interação entre as estruturas, os processos e os

sujeitos. A contribuição da sociologia ao estudo dos fenômenos educacionais consiste em

confrontá-los com os mundos econômico, político e cultural, estabelecendo ligações entre

processos e instituições sociais e processos e instituições educacionais (Rodrigues,2007).

Neste projeto, o foco de interesse está na interface dos mundos do trabalho e da educação –

a educação profissional –, o que exige a contribuição dos estudos desenvolvidos no terreno

da Sociologia do Trabalho e da Sociologia da Educação.

Um dos autores mais presentes nesse estudo é Claude Dubar, em virtude de sua

contribuição nos estudos sobre socialização e identidades sociais e profissionais. As

hipóteses levantadas nos estudos de Dubar serão confrontadas com as observações

realizadas no ambiente de formação profissional, para identificar concordâncias e

dissonâncias.

Uma vez que o lócus da pesquisa é um ambiente de formação profissional na modalidade

Proeja, pretendeu-se contribuir teoricamente para o entendimento desse campo da

educação ao analisar o processo educacional que envolve um grupo específico de

estudantes. O resultado da pesquisa visou a fornecer características, informações e

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descrições sobre a modalidade de ensino Proeja de forma a constituir um conjunto de

conhecimentos que subsidiem políticas educacionais e que sirvam de base teórica para

novos estudos nessa área do conhecimento.

Com base na contextualização da questão norteadora do projeto de pesquisa – a

investigação dos traços identitários resultantes da forma como se articulam as condições

objetivas com condições subjetivas dos estudantes –, surgem as questões associadas ao

tema de estudo que englobam as transformações ocorridas durante a realização do curso, a

formação que o estudante traz ao ingressar na instituição de ensino e a relação dessas

transformações com a presença de novos traços identitários (que pressuporiam projeções

para o futuro) que decorrem desse processo. Essas questões podem ser mais bem

formuladas nas perguntas abaixo:

1. Como as trajetórias de vida – familiar, escolar e profissional – se encontram

presentes ao processo de socialização dos estudantes?

2. Quais condições objetivas – contextos socioeconômicos, sistemas de formação e

de trabalho – interagem com os processos de socialização?

3. Como se articulam as experiências de vida e as condições objetivas e quais traços

identitários são resultantes do processo de socialização?

As questões assim colocadas demandam a análise de três sentidos da vida do indivíduo:

primeiro, o histórico social anterior ao ingresso à instituição de ensino, sua socialização

inicial, as características familiares e comunitárias, a formação acadêmica e profissional,

enfim, aquelas características que o indivíduo apresenta ao iniciar o período de formação

escolar no programa PROEJA; depois, as condições externas de socialização que decorrem

do período de formação escolar que efetivamente modificam padrões estruturais de

comportamento; finalmente, a modificação das noções de si próprio e de mundo que

decorrem da vivência escolar.

Para dar conta das questões colocadas anteriormente, esta pesquisa investigou o processo

de formação de alunos da educação profissional de jovens e adultos do curso de

Automação Industrial do Cefetes e teve como objetivos:

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a) Analisar sucintamente as transformações recentes do modelo de produção e sua

influência na reestruturação social e na configuração de novas relações entre

educação e trabalho;

b) Elaborar uma sustentação teórica dos conceitos de socialização e identidade;

c) Delinear o desenho da educação profissional de jovens e adultos na legislação e sua

implantação no Cefetes;

d) Elaborar, com base nos achados da pesquisa de campo, um quadro dos traços

identitários resultante do processo de socialização vivenciado no período de

formação escolar no Proeja.

Acreditamos que este estudo se justifica no fornecimento de subsídios aos participantes do

processo educacional que, direta ou indiretamente, tem no público de jovens de adultos seu

grupo de interesse de trabalho. Ao investigar a representação social que um sujeito tem do

mundo em que vive e do processo educacional pelo qual passa, revela-se uma forma de

olhar e sentir a escola que somente aquele estudante pode ter. Para professores e gestores

educacionais, conhecer a visão de quem “está do outro lado” é importante para repensar a

formação profissional, pois, se a educação tem características multidimensionais –

integração de aspectos pessoais, sociais, econômicos e políticos –, ela também é múltipla

no que diz respeito aos seus participantes: docentes e discentes têm visões diferentes sobre

o processo educacional e cada um o vivencia de uma forma especifica.

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1.2 A ESTRUTURA DA PESQUISA

Para investigar o universo da educação profissional de jovens e adultos, partiu-se de um

enfoque qualitativo, objetivando realizar um estudo de caso. O recorte espacial foi dado

pela escolha dos estudantes do curso de automação industrial do Cefetes e o recorte

temporal foi definido pela escolha das turmas que estavam mais adiantadas no processo de

formação. Por meio de entrevistas individuais, grupos focais e observação dos alunos,

procurou-se construir a representação social daquele grupo em relação à forma como eles

se viam no processo de formação, para identificar as características do processo de

socialização e as formas identitárias resultantes.

As representações sociais moldam os acontecimentos de determinada categoria e são

compartilhadas por um grupo de pessoas. Constituem entidades sociais que possuem vida

própria, e seu estudo implica examinar o aspecto simbólico do meio social.

A socialização aqui é entendida como um processo que nunca termina efetivamente, um

processo dinâmico que tem início na infância com o desenvolvimento das capacidades e a

apreensão de regras, valores e signos, balizados pela família, universo escolar e

pertencimentos culturais. Posteriormente na formação para o trabalho e no mundo do

trabalho, novas situações geram novas socializações em que ocorre o embate entre

trajetórias familiares e sociais e as demandas do contexto social e transformações

estruturais externas. A identidade é o resultado desses processos de socialização e também

não pode ser considerada imutável. É um resultado estável e paralelamente provisório, que

considera as condições subjetivas e objetivas, a biografia pessoal e a estrutura externa, o

qual reflete a construção dos indivíduos.

A consideração de que as estruturas social, econômica, política e cultural compõem

aspectos a serem estudados na determinação da socialização e das formas identitárias

implicou a leitura de alguns autores que estudaram as modificações ocorridas,

principalmente nas três últimas décadas do século XX. As transformações das formas de

produção capitalista, fortemente influenciadas pelas crises econômicas e pela evolução

tecnológica, implicaram alterações de paradigmas em todas as áreas e permitiram a

discussão teórica acerca de novos modelos de um período que tem sido identificado, entre

outros nomes, por “pós-modernidade”.

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2 TRANSFORMAÇÕES DO CAPITALISMO, DA TECNOLÓGICA, DO

TRABALHO E A RELAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO E TRABALHO

A denominação dos períodos históricos é sempre realizada a posteriori: depois de algum

tempo, os historiadores analisam os acontecimentos passados com base nas transformações

sociais mais significativas, o que permite, até mesmo, a eleição de eventos específicos

como marcos referenciais que ancoram os tempos de mudança. O final do século XX

parece caracterizar um desses momentos de mudança, quando as macroestruturas

econômicas, políticas e sociais sofrem um câmbio e se reestruturam com base em novos

paradigmas. Harvey (2007) analisa o que se convencionou chamar de sociedade pós-

moderna a partir das transformações do final do século XX, abordando as mudanças no

modo de produção industrial, na arquitetura, na arte e nas transformações políticas e

econômicas. Para esta pesquisa em particular, a discussão desse autor sobre o conceito de

acumulação flexível é a que mais fornece subsídios para caracterizar as modificações do

capitalismo.

Castells (2007) trabalha com a ideia de uma nova configuração em que a sociedade

passaria a se estruturar em uma rede de interconexões fortemente baseada no fluxo de

capital, informações e cultura – era da informação – que constituiria a sociedade

informacional. Focado nas transformações do capitalismo, Masi (2003) denomina de

sociedade pós-industrial a nova configuração das relações de trabalho também

influenciadas pelas novas tecnologias.

Do texto de De Masi reproduzo uma lista de algumas denominações atribuídas à nova

configuração social (DE MASI,2003,p.33): “sociedade em impasse”, “sociedade

despreparada”, “idade do equilíbrio, “consciência III”, “século causal”, “estado de

entropia”, “sociedade narcisista”, “sociedade programada”, “sociedade pós-moderna”,

“cultura pré-figurativa”, “sociedade pós-civil”, “sociedade pós-capitalista”, “sociedade do

capitalismo maduro”, “sociedade do capitalismo avançado”, “sociedade sadia”, “sociedade

ativa”, “sociedade pós-materialista”, “sociedade tecnotrônica”, “terceira onda”, “sociedade

dos serviços”, “era da descontinuidade. Segundo De Masi (2003), a profusão de

denominações decorre do fato de existir a consciência de a nova configuração social não

mais se basear na sociedade industrial; entretanto, ainda não se conhece que novo aspecto

surgirá como fator de estruturação da sociedade.

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Para Frigotto (2006), o modo de produção de uma dada sociedade determina a política, a

vida intelectual e a vida social, enquanto Harvey cita Gramsci para afirmar que “os novos

métodos de trabalho são inseparáveis de um modo específico de viver e de pensar a vida”

(GRAMSCI Apud HARVEY, 2007, p.21) e Castells (2007) garante que o paradigma

informacional promove transformações tecnológicas das relações produtivas que resulta

em novas configurações sociais. Em qualquer um desses casos, os autores pressupõem que

modo de produção, estrutura ocupacional e bases econômicas de uma sociedade

determinam a constituição das relações sociais.

Por esse motivo, na revisão de literatura realizada para esta pesquisa, analisamos as

transformações do modo de produção no final do século XX. Autores como Castells

(2007), De Masi (2003) e Harvey (2007) focalizaram essas transformações, bem como as

possíveis configurações futuras decorrentes de novos rearranjos produtivos.

A educação surge nesse processo como um dos aspectos inerentes à estruturação de

determina realidade social. Dessa forma nos apoiamos na análise de Frigotto (2006) para

investigar as relações entre modos de produção e educação. Segundo esse autor, a

educação está, pela ação do estado, a serviço do modo de produção capitalista, atendendo a

seus propósitos por meio da configuração de uma escola voltada para a reprodução desse

modelo que, por fim, gera discursos como a da teoria do capital humano.

2.1 CRISE DE MODELOS E TRANSIÇÃO DE PARADIGMAS EM CASTELLS, DE MASI E

HARVEY

Domenico De mais, em seu texto “A Sociedade Pós Industrial”, desenvolve uma análise

das características básicas das denominadas sociedades rurais, sociedades industriais e

sociedades pós-industriais, visando a apontar aspectos centrais das modificações mais

importantes que instauram uma “crise” no modelo vigente e que sinalizam para uma nova

configuração social. Para De Masi (2003), os modos de produção e o progresso

tecnológico marcam a sociedade industrial, cujas características principais são a aplicação

das descobertas científicas ao processo produtivo, a divisão social do trabalho e sua

fragmentação técnica, a separação entre o lugar onde se vive e o lugar onde se trabalha, a

progressiva urbanização e escolarização das massas e o predomínio dos critérios de

produtividade e eficiência no uso dos recursos e dos meios de produção. E exatamente pela

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alteração desses aspectos, fortemente influenciados pelo desenvolvimento tecnológico, é

que uma nova forma de reorganização social vai surgir.

Em sua obra intitulada “A Condição Pós-Moderna”, David Harvey analisa as

transformações do final do século XX para determinar o que se descreve como sociedade

pós-moderna. Um dos temas tratados pelo autor é a passagem da produção fordista para o

regime acumulação flexível e os desdobramentos desse movimento nas relações de

trabalho e na configuração da ordem social. No período entre guerras mundiais, os ideais

do fordismo difundiram-se mundialmente. Todavia, sua influência na modificação efetiva

das formas de produção ocorreu (ou não) em maior ou menor escala nas indústrias,

dependendo de fatores como mecanismos de intervenção estatal, formas de trabalho,

tradições artesanais e existência de contingentes de mão-de-obra de imigrantes.

Somente após a Segunda Guerra Mundial, com o rearranjo dos atores do sistema capitalista

(estados-nação, capitalista e trabalho organizado) é que o ideal de produção particionada e

o tipo de controle sobre o trabalhador, defendidos pelo fordismo, se consolidarão, em

grande parte, devido ao desenvolvimento tecnológico e à racionalidade vivenciada durante

a Segunda Grande Guerra. Assim, o período pós-guerra até o início da década de 1970 foi

de solidificação do modo capitalista fordista de produção quando o modo de trabalho

rotineiro foi eleito em troca da busca da produtividade. O autor garante que o fordismo do

pós-guerra se tornou um modo de vida baseado na ideia de padronização de produtos e

consumo de massa, com a própria cultura, tornando-se mercadoria e se inserindo na lógica

do consumo.

Outra referência fundamental na construção do quadro analítico deste projeto é o texto “A

Sociedade em Rede”, de Manuel Castells, que investiga o movimento econômico e social

de determinado período histórico que se identifica pelo termo “era da informação”, cuja

característica central é o intenso fluxo de câmbios de capital, informação e cultura por

meio de uma estrutura de rede. Defende a ocorrência, no final do século XX, de uma

transformação histórica que, em grande parte, devido à evolução das tecnologias de

informação, modifica a base material da sociedade, influenciando as relações de trabalho,

as formas de produção, a dinâmica da economia mundial e a própria estrutura do

capitalismo. A tecnologia que permite a comunicação eletrônica mundial em uma rede

distribuída de computadores, na qual inexiste um centro de controle, é a referência sobre a

qual Castells analisa o contexto do final do século XX.

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Segundo Harvey (2007), na década de 60 surgem indícios que apontam para a saturação do

modelo fordista de produção. Quando, em 1973, ocorre a crise do petróleo, o resultado é a

elevação do custo dos insumos de energia, o qual, associado à situação econômica

fragilizada, inicia novo período na economia mundial. Para enfrentar a crise, as

corporações buscam a melhoria de recursos por meio da diversificação de produtos e de

mercados e da mudança tecnológica (automatização dos processos). Harvey usa o termo

acumulação flexível para designar esse novo contexto de produção, cuja essência é a

flexibilidade dos processos de trabalho, mercados, produtos e padrões de consumo. Surgem

inovações comercial, tecnológicas e organizacionais que modificam a estrutura rígida de

trabalho do fordismo (produção em massa de poucos produtos não diversificados) e surge

o setor de serviços e a experiência das pequenas indústrias altamente tecnológicas em

contrapartida à imagem da grande indústria fordista. No mundo do trabalho, o aumento da

competição, a diminuição do lucro e o aumento do desemprego, forçou os trabalhadores a

aceitar contratos de trabalho mais flexíveis: “a redução do emprego regular em favor do

trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado” (HARVEY,2007,p.143).

Masi (2003) destaca três fenômenos que prenunciam um momento de transição entre

sistemas: a convergência entre os países industriais, o crescimento das classes médias e a

difusão do consumo e da sociedade de massa. A transição entre os sistemas, entre

macromodelos que orientam uma sociedade é sempre vista como uma crise. Para De Masi

(2003,p.30), “não é a realidade que está em crise e sim nosso modo de compreendê-la e

avaliá-la” e, por fim, “a sensação de crise é uma sensação de modelos interpretativos”

advinda da resistência cultural às mudanças. Nesse processo de transição, o autor centraliza

o desenvolvimento tecnológico, apontando-o como um reorganizador de relações sociais,

uma vez que tende a alterar em profundidade os modos de produção.

Castells (2007) usa o termo informacionalismo para referir-se a um novo modo de

desenvolvimento, que está associado ao surgimento de uma nova estrutura social e que

historicamente tem sido moldado pela reestruturação do sistema capitalista. Para

fundamentar sua análise, o autor promove uma revisão teórica da sociologia por meio dos

conceitos de produção, experiência e poder para definir duas estruturas: modos de

produção (capitalismo e estatismo) e modos de desenvolvimento (pré-industrialismo,

industrialismo e informacionalismo). Castells entende a tecnologia como a força

transformadora maior de comportamentos sociais e considera que é possível usar o termo

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“sociedade informacional” para designar o atual período. A sociedade informacional seria

assim o novo paradigma das relações sociais nas sociedades capitalistas.

De Masi (2003) utiliza algumas imagens para caracterizar a sociedade industrial, como: a

fabrica é o local preciso da produção, o sistema industrial está polarizado entre

empregadores de classe operária com uma dimensão nacional própria e internacionalmente

existe uma hierarquia de importância de países determinada pelo produto interno bruto. Em

face das transformações em curso, essa configuração se modifica: tornou-se difícil

determinar o local de produção de um objeto qualquer; a imagem de duas classes sociais

contrapostas perde força quando produtores e consumidores estão defasados no espaço; no

plano internacional, apesar da continuidade de dependência dos países periféricos, é

possível que nesses existam núcleos de vanguarda em diversas áreas. O autor também

destaca a característica de que, no modelo emergente de sociedade, ocorre uma inversão de

proporcionalidade entre produção de um setor e quantidade de pessoas alocadas nele. As

reduções significativas na quantidade de trabalhadores de um setor são acompanhadas por

elevação da produtividade e da produção.

Também Harvey (2007) destaca essa tendência de modificação no volume de produção:

enquanto a empresa fordista focava a produção em massa de poucos produtos (rigidez), a

configuração de acumulação flexível orientava-se pela possibilidade de produzir um

conjunto maior de produtos, porém em pequenos lotes (flexibilidade). Por fim, o autor

mostra que tal configuração flexível de produção facilita a inovação produtiva, sustentada

pelo advento de tecnologias produtivas baseadas na automação e na robótica. Todas essas

configurações de mundo de trabalho, com diferentes formas de organização e diferentes

relações de poder, serão fomentadoras de características e demandas para os sujeitos

sociais que as vivem. Assim, constituem o contexto que influenciará a formação de

identidades sociais e profissionais.

Sobre essas novas formas de identidades, Castells (2007) analisa como fica o Ser na

sociedade informacional. Ao admitir que, de um lado, as novas tecnologias da informação

estão criando redes globais de integração e que, de outro, se acentua, da década de 1990

em diante, a tendência ao fortalecimento de identidades primárias locais, questiona qual o

tipo de identidade resultante desse processo simultâneo de globalização e fragmentação. E

em relação à sociedade, garante que o paradigma informacional afeta a sociedade pela

transformação tecnológica das relações produtivas nas empresas emergentes. Para dar

conta das demandas surgidas na década de 1970, o capitalismo se reestrutura, fazendo que

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os grandes agentes corporativos implantassem transformações tecnológicas nos meios de

produção, o que exigiu também o desenvolvimento de novas formas gerenciais. Alterando-

se o meio de produção, modificam-se o trabalho e o mercado de trabalho: novas demandas

são criadas em novos contextos enquanto atividades consolidadas entram em declínio.

2.2 RELAÇÕES ENTRE EDUCAÇÃO E TRABALHO

Com o objetivo de estudar a influência do capitalismo sobre a educação, especificamente

no que diz respeito ao ensino tecnológico, usaremos nesta pesquisa a discussão sobre a

especificidade do modo de produção capitalista que Frigotto (2006) realiza em seu trabalho

“A Produtividade da Escola Improdutiva”. Ainda no que se refere às relações entre

trabalho e educação, destacaremos a contribuição de Frigotto (2005) e Ciavatta (2005) para

a problematização de alguns aspectos dessa relação, sobretudo os vínculos entre a

formação profissional e as demandas do setor produtivo.

Inicialmente cabe o registro de Frigotto (2005) de que o trabalho na vida dos seres

humanos apresenta múltiplas dimensões, tanto pragmáticas relacionadas às necessidades

básicas de sobrevivência, quanto estruturantes de relações sociais. Pela ação consciente do

trabalho, os seres humanos criam e recriam sua existência, por isso mesmo o trabalho “não

se reduz à atividade laborativa ou emprego, mas à produção de todas as dimensões da

vida humana” (Frigotto,2005). Sob essa perspectiva, o trabalho como princípio educativo

extrapola o conceito didático-metodológico do processo de aprendizagem, alcançando

status de princípio ético-político, tornando-se tanto um dever quanto um direito. Torna-se

um dever pelo aspecto funcional de produção de bens necessários à manutenção da vida

humana; torna-se um direito pela necessidade de estabelecer, por meio da ação consciente,

uma relação com a natureza de transformação e interação.

Frigotto (2005) destaca que a educação básica tem função estratégica na construção de

uma nação em seus aspectos culturais, sociais, políticos e econômicos, além de ser um

direito subjetivo de todos e o espaço de compartilhamento do conhecimento humano. Na

educação básica, o ensino médio, associado diretamente ao mundo do trabalho por meio da

educação profissional e tecnológica, deve alinhar-se a essa perspectiva mais geral da

relação entre educação e trabalho. Essa perspectiva se contrapõe ao imediatismo do

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mercado de trabalho e à relação direta e simples entre mundo do trabalho e trabalho

produtivo.

Entretanto, há desafios a serem superados e tarefas estruturantes a serem realizadas na

aproximação entre a educação e a definição criativa do trabalho. Frigotto (2005) propõe

que essas tarefas incluam primeiramente analisar o imaginário social no que diz respeito as

idéias que relacionam a educação apenas ao êxito na obtenção de uma colocação no

mercado de trabalho, como se esse fosse o fim último dos processos educacionais. Outra

tarefa é reformular a organização escolar por meio da formação dos educadores, da

mudança das concepções curriculares e práticas pedagogias e da melhoria das condições de

trabalho, de forma a permitir e validar as mudanças necessárias. E, finalmente, criar

condições na sociedade que viabilizem política e economicamente este projeto

reestruturante e restaurador da educação.

Quanto ao referencial teórico que embasa a formulação de práticas educativas ligadas à

educação relacionada ao mundo do trabalho, uns autores mostram que o processo

educativo não pode estar dissociado do contexto social e econômico em que está inserida a

escola. Ciavatta (2005), escrevendo sobre a formação integrada e relações entre trabalho e

escola, ressalta um aspecto pragmático relacionado à educação profissional e tecnológica

(CIAVATTA,2005,p.98):.

Mas se a educação de jovens e adultos não pode ser reduzida às

necessidades estritas do mercado de trabalho, ela não pode ser

alheia às suas necessidades de sobrevivência e às exigências da

produção econômica como campo onde os sujeitos sociais retiram

os meios de vida.

Sugere assim que a identificação das oportunidades ocupacionais do meio onde a escola

está inserida deve ser considerada no processo educativo, sendo coautores, mas não

submetendo, todavia, a educação integral aos interesses produtivos nem ao “breve tempo

do mercado” (CIAVATTA,2005,p.99). Outros pontos importantes que a autora propõe

para a elaboração de uma versão equilibrada entre educação e demandas produtivas, por

meio de ensino integrado de qualidade, são a adesão entre professores responsáveis pela

geral e pela formação específica, a articulação da instituição com os alunos e familiares, a

garantia de investimentos na educação e o constante debate participativo no interior da

instituição sobre os processos educacionais, cujo objetivo é equalizar as demandas dos

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participantes do processo de ensino e também do mundo do trabalho, entendendo que tal

processo é dinâmico e se modifica no tempo.

No texto sobre a produtividade da escola improdutiva, Frigotto (2006) discute a

problemática da teoria do capital humano, a influência dessa forma de pensamento na

educação, criando uma abordagem educacional econômica com base no caráter positivista

da teoria econômica. A raiz do termo capital humano deriva de uma visão economicista

linear que procura explicar o crescimento econômico de determinada sociedade – tanto

microeconomicamente falando quanto macro – fundamentada em seus componentes

básicos: capital físico e estoque de trabalho e economia. Todavia, esses componentes não

foram suficientes para formalizar uma equação que apresentasse como resultado a

produtividade final. Inseriu-se, então, no modelo – matemático – a hipótese que o

investimento em indivíduos seria um dos responsáveis pelo acréscimo de estoque de

capital e de trabalho. E como aquilo que se investia nas pessoas retornava sob a forma de

produtividade, passou-se a denominar tal investimento de “capital humano” em analogia

aos demais tipos de capital. A ideia básica seria: o capital gera renda; se o estudo, a

formação e o treinamento aumentam a renda, logo se tornam um tipo de capital. Mais: o

aumento do investimento no capital humano implicaria diretamente crescimento da

produtividade. A consequência dessa teoria econômica na educação é, segundo o autor, a

redução da escola à transmissão de um conjunto de habilidades e conhecimento que

possam gerar trabalho. E no modo de produção capitalista moderno:

A educação passa, então, a constituir-se num dos fatores

fundamentais para explicar economicamente as diferenças de

capacidade de trabalho e, conseqüentemente, as diferenças

de produtividade e renda.(FRIGOTTO,2006,p.41)

Fundamentado na discussão acerca do modo de produção capitalista, Frigotto (2006)

discute a formulação do contexto histórico que permitiu a produção da teoria do capital

humano com base na análise dos seguintes pontos: monopolização do mercado e formação

de estado intervencionista; crescente incorporação do progresso técnico pelo capital e

desqualificação dos postos de trabalho. O autor garante que a vinculação – construída –

entre processo produtivo, educação e modo de produção no sistema capitalista é um dos

mecanismos que o Estado intervencionista promove para dar conta das contradições

inerentes ao capitalismo.

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3 SOCIALIZAÇÃO, IDENTIDADES SOCIAIS E PROFISSIONAIS

A segunda parte da revisão de literatura realiza um diálogo com as abordagens relevantes

para a construção deste projeto: a socialização, a socialização profissional, as identidades

sociais, as identidades profissionais e a crise das identidades. A conceituação teórica de

identidade usada neste trabalho de pesquisa repousa sobre os estudos do sociólogo francês

Claude Dubar. Esse autor entende a identidade como o resultado de um processo de

socialização. Entretanto, tal sentença inicial não pode ser entendida nem no sentido de que

o social determina o individual nem no sentido de que uma dada identidade é algo

imutável, mesmo que exista apenas um processo de socialização. Pela via de pensamento

oposta, o conceito de identidade depende da trajetória de vida do indivíduo e da

configuração social de cada momento de sua vida, permitindo a existência de socializações

posteriores àquela primeira socialização familiar.

3.1 BASES TEÓRICAS E FORMAÇÃO DO CONCEITO DE SOCIALIZAÇÃO

A socialização em Dubar (2005) é entendida como o processo pelo qual um ser humano

desenvolve suas maneiras de estar no mundo e de relacionar-se com as pessoas e com o

meio que as cerca, tornando-se um ser social. Tema caro tanto para a psicologia social

quanto para a antropologia, a socialização é um conceito básico da sociologia, que possui

interfaces com as demais grandes teorias das ciências sociais. A socialização da criança, ou

seja, a forma como a criança desenvolve sua forma de relação com o mundo, tem

explicações diversas segundo diferentes teorias. Enquanto, para Durkheim, o corpo social

estabelecido define em grande parte a socialização da criança, para Piaget, o infante tem

previamente definido dentro de si as etapas de seu desenvolvimento que são perpassadas e,

em grande parte, definidas pelas interações com o grupo social. Já Vigotsky retoma o

desenvolvimento de fora para dentro da criança, colocando nas relações sociais o peso da

socialização. As grandes metateorias do século XIX, influenciadas pelo zeitgeist de então,

propunham que eram possíveis explicações universais que dessem conta de todo o

comportamento humano, independentemente do período histórico e da sociedade em

particular. Contudo, essa explicação ontogênica não encontrou respaldo nos estudos

antropológicos do início do século XX, que não identificaram leis gerais que regessem a

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educação das crianças em ambientes diferentes. Assim se passa da socialização baseada no

desenvolvimento da criança para a socialização como aprendizado da cultura; mas, nessa

segunda abordagem, os aspectos sociais predominam sobre os genéticos no estudo da

socialização. É nos anos de 1980 que a socialização passa a ser vista como um processo de

construção focado fortemente nas relações estabelecidas por um sujeito consciente de si,

distanciando-se tanto do determinismo social – ser humano é produto da sociedade –

quanto de teorias ontogenéticas – ser humano é produto de suas estruturas internas.

A socialização perde assim o caráter rígido de estrutura que não se transforma e passa a ser

vista como mais dinâmica, permitindo a construção, desconstrução e reconstrução de

identidades. Esse sujeito consciente de si em constante processo com o meio que o cerca

torna-se, então, um ator. Ocorre dessa forma o retorno do sujeito como ator de sua

trajetória, interagindo por suas características com o meio social em que se insere. O termo

identidades no plural implica que são múltiplas as esferas de atividades em que o sujeito

transita, entre as quais, a atividade profissional, que, no atual sistema, ocupa posição

central como lócus estruturador de identidades. Considerar como ator o indivíduo social

implica nova concepção de socialização: podem-se compreender os processos de

socialização ao estudar as ações coletivas como elaborações sociais e ao pesquisar a visão

de mundo dos atores, obtendo assim um duplo eixo de análise.

Após essa introdução, é realizada uma breve explanação sobre teorias de socialização. Em

linhas gerais Dubar retoma quatro matrizes teóricas: a questão da socialização em

Durkheim e em Piaget, a antropologia cultural, o funcionalismo e a socialização como

incorporação do habitus.

Piaget considerava a socialização como um processo de adaptação a formas mentais e

sociais cada vez mais complexas. A criança passaria de um estágio a outro quando desse

conta de articular as demandas sociais e suas necessidades pessoais em novos esquemas,

cada vez mais elaborados. Nesse processo definiu os movimentos de assimilação e

acomodação, que, articulados, resultam na adaptação do sujeito. Esse esquema de

internalização de conceitos pressupõe que, inicialmente, há uma forma de equilíbrio no

indivíduo entre as relações sociais e suas estruturas internas e que o processo mudança

ocorre por uma desestruturação inicial que gera um desequilíbrio, seguido por uma nova

reestruturação.

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Durkheim desenvolveu os conceitos de solidariedade mecânica e solidariedade orgânica ao

explicar de que forma se mantém a coesão social. Nas sociedades mais “primitivas”, a

coesão se daria pela solidariedade mecânica: característica de grupos unidos por

semelhanças sociais (família, religião, costumes, cultura, tradição) em que uma consciência

coletiva dominante sobre os indivíduos seria a responsável pela coerção social. Pela

similitude entre os indivíduos – e suas crenças –, a coletividade se sobreporia às

individualidades. Nas sociedades industriais, a solidariedade orgânica seria a responsável

pela manutenção da sociedade. Da divisão do trabalho em diante, as relações de

cooperação estabelecidas entre os indivíduos não mais se baseiam em nas semelhanças

sociais, mas norteiam-se pela noção de complementaridade entre indivíduos que executam

diferentes tarefas.

A socialização do ponto de vista da antropologia cultural se orienta pela tese de que a

personalidade de um indivíduo é produto da cultura em que nasce, moldada pelas

instituições por que o individuo entra em contato durante sua formação. Por instituições

entendem-se esquemas de conduta, de modelos de comportamento fixados que, devido a

sucessivas repetições, acabam por estruturar ações sociais. Essa tese foi fundamentada em

estudos antropológicos com populações de sociedades muito diferentes, localizadas em

diferentes pontos do planeta. Pesquisadores elaboraram, pela análise de sociedades

chamadas de “primitivas”, a ideia de que não há esquemas universais de socialização,

esquemas que independeriam de uma sociedade específica. Formula-se assim a hipótese da

personalidade básica na antropologia cultural: a formação da personalidade individual se

dá como incorporação progressiva da cultura. A estrutura do indivíduo – a sua

personalidade – identifica-se fortemente com os instrumentos de adaptação comuns àquele

grupo social.

Se, na antropologia cultural, o “resultado final” da socialização está submetido,

necessariamente, a cada sociedade em particular, os funcionalistas vão perguntar: existe

um modelo geral de funcionamento da socialização? Ou seja, a despeito das diferenças

entre sociedades, existe um modelo comum, universal que norteie todos os processos de

socialização? Sociólogos teóricos funcionalistas procuraram generalizações das

socializações e delimitaram questões de estudo na busca dos mecanismos concretos da

produção social de personalidades.

Em outra vertente teórica, temos a ideia de socialização como incorporação do habitus. O

habitus evoca um estado interno de sentimentos, pensamentos, formas de sentir que

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estruturam a relação do sujeito com o mundo, produzindo práticas que tendem a seguir

condições, dadas pelo passado, que serão mais prováveis de sucesso na obtenção de

determinado fim. Considerar que as ações sociais dos sujeitos são baseadas pela estrutura

do habitus significa considerar que os indivíduos acabam por querer praticar somente

aquilo que tem possibilidade de alcançar pela regras dadas pela sociedade. Isso garantiria a

coesão social, dada pela adesão subjetiva dos sujeitos aos esquemas propostos e por sua

participação ativa na reprodução desse mecanismo.

Por fim, cabe uma explanação mais detalhada da concepção de socialização como

construção social da realidade, tendo em vista o fato de ser a vertente explicativa que

sustenta a análise de Claude Dubar, eleita nesta dissertação como a principal referência

teórica para a compreensão dos processos socializadores e seus impactos na configuração

identidades sociais e profissionais.

Segundo Dubar (2005), nas abordagens culturais e funcionais da socialização, há o

pressuposto implícito de que existe uma unidade do mundo social. Segundo essa ideia, a

noção de pertencimento nas sociedades tradicionais e a lógica econômica de maximização

de ganhos nas sociedades modernas comporiam estruturas homogêneas de uma unidade

social. A socialização nas abordagens culturais e funcionais considera que a formação dos

indivíduos se dá pela incorporação de uma forma de estar no mundo, de ser, de pensar e de

agir própria de um grupo, o que interiorizaria valores, normas e disposições, formando uma

identidade. Socializar-se implica incorporar o mundo social e, se há uma unidade do

mundo social, a formação da identidade está comprometida com o condicionamento a uma

estrutura única e homogênea.

Outro conjunto de teorias sobre a socialização não parte desse pressuposto unificador do

mundo social. Prefere eleger a incerteza e a interação na explicação da realidade social,

que passa ser vista como dinâmica e resultante do confronto entre lógicas diferentes. Os

pressupostos da socialização resultante, exclusivamente da conformação à cultura do grupo

– reprodução de tradições –, ou resultante, também exclusivamente da maximização de

ganhos – otimização de riquezas e poder – são superados. A exigência de reproduzir a

tradição e a exigência de maximizar ganhos estão presentes simultaneamente no indivíduo,

que deve administrar essa dualidade. E, para fundamentar esse outro conjunto de teorias

sobre a socialização, Dubar (2005) se utiliza de alguns outros autores que consideram a

dualidade do social ao invés da unicidade do social.

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Segundo Mead (apud Dubar,2005,p.115-119), a socialização é a construção de uma

identidade social por meio da interação com os outros, na qual adaptações recíprocas de

conduta seriam resultado da interação entre diferentes organismos. Nesse processo ocorre

um duplo movimento de apropriação e de identificação: os indivíduos se apropriam do

mundo social – do “espírito” da comunidade – e se identificam com papéis sociais

estabelecidos. Esse processo de socialização resultante do conflito “originalidade” versus

“disciplina” implica que o indivíduo, ao socializar-se, cria a sociedade tanto quanto

reproduz a comunidade, uma vez que a “solução” do conflito considera tanto as estruturas

preestabelecidas como as estruturas internas. Utilizando os estudos de Peter Berger e

Thomas Luckmann, Dubar (2005,p.120-128) considera a hipótese de que a socialização

nunca termina efetivamente e de que a socialização nunca é totalmente bem-sucedida.

Assim, pode-se inferir que a socialização secundária tem seu papel na formação da

identidade. Trata-se principalmente da incorporação de saberes especializados, totalmente

relacionados aos aspectos profissionais. A incorporação de saberes profissionais evoca a

construção de um novo universo que relaciona uma concepção de mundo vinculada a um

campo especializado de atividades.

Relacionando os estudos de Berger e Luckmann à discussão sobre a socialização como

construção social da realidade, Dubar destaca que essa transformação depende da relação

entre os aparelhos de socialização primária e secundária: entre as instituições dos saberes

gerais dos mundos sociais da infância (família, escola) e os sistemas relacionados aos

saberes especializados (empresas, profissões). As alterações nos meios de produção da

sociedade moderna engendram socializações secundárias que podem questionar o sentido

de mundo dado pela socialização primária, produzindo transformações sociais. Se ocorre

transformação social, ocorre transformação de identidade. A socialização primária é

orientada para a formação da identidade social, na qual ocorre a incorporação do mundo tal

como dado, condicionando o indivíduo às relações sociais predominantes (reprodução

social), enquanto a socialização secundária tem mais liberdade de ação para produzir

identidades novas.

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3.2 IDENTIDADE: UMA POSSIBILIDADE TEÓRICA DA SOCIOLOGIA

Da argumentação exposta até o momento, que considera a hipótese de uma articulação

entre condições objetivas e estruturas subjetivas na formação da identidade, pode-se

considerar que essa mesma identidade é caracterizada pela divisão do eu. A análise

sociológica em questão permite considerar duas formas de identidades: a identidade para si

e identidade para o outro. Diante da pergunta: é possível uma abordagem sociológica da

identidade considerando essa definição? Dubar considera que é possível tal abordagem

sociológica, desde que se considere essa relação – identidade para si e identidade para

outro – no interior do processo de socialização (DUBAR,2005,p.136):

Desse ponto de vista, a identidade nada mais é que o resultado a um

só tempo estável e provisório, individual e coletivo, subjetivo e

objetivo, biográfico e estrutural, dos diversos processos de

socialização que, conjuntamente, constroem os indivíduos e definem

as instituições.

Para Dubar, esse conceito traz contribuições teóricas que transcendem as explicações

macrossocial (focada no grupo, classe, categoria) e microssocial (focada no papel, status)

da formação das identidades: introduz uma dimensão subjetiva – psíquica – na análise

sociológica. Para compor teoricamente a questão da dualidade do social, Dubar utiliza dois

outros conceitos: atos de atribuição e atos de pertencimento. Atos de atribuição são os que

visam à identidade para o outro (o que eu sou); atos de pertencimento exprimem a

identidade para si (o que eu quero ser). A questão é que pode não haver correspondência

nenhuma entre o que penso de mim e o que os outros pensam de mim. A identidade

singular, fruto de uma trajetória de vida, não está necessariamente vinculada às identidades

atribuídas pelos outros. Entretanto, será justamente na atividade com o outro que o

indivíduo é identificado, tendo então a possibilidade de aceitar ou não a identificação que

recebe do outro (outro: pessoas ou instituições). Ocorrem assim dois processos

heterogêneos na formação da identidade: um processo de atribuição – atos de atribuição – e

um processo de incorporação – atos de pertencimento. A atribuição traz a ideia de que

alguém atribui a outro uma condição, status, identidade. A atribuição tem de ser analisada

no interior dos sistemas de ação na qual o sujeito convive e é resultado da pressão de um

grupo sobre um individuo, constituindo, todavia, uma identidade “virtual”. A atribuição

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tem característica sincrônica. A incorporação implica uma interiorização real da

identidade. Relacionada aos processos diacrônicos – história de vida, trajetórias sociais –, o

processo de interiorização permite a construção de identidades “reais” para si, legitimadas

pelo aspecto “subjetivo” que incorpora.

E o que ocorre quando os processos de atribuição e de interiorização não coincidem?

Dubar mostra que ocorre um desacordo entre a identidade “virtual” (o que os outros dizem

que sou) e a identidade “real” (o que eu penso ser) o qual implica ações, visando a

relativizar essa diferença. As ações adotadas podem ter caráter externo ou interno.

Transações externas: tentativa de acomodar a identidade para si a identidade para o outro

(ação objetiva). Transações internas: tentativa de manter as identificações anteriores

advindas da trajetória social por meio da incorporação da identidade para o outro na

identidade para si (ação subjetiva). Essa segunda estratégia pode ser comparada ao

processo de assimilação de Piaget analisado anteriormente.

A construção das identidades sociais se fundamenta na articulação entre as duas

transações. A identidade social é resultado da interação entre um processo sincrônico,

relacionado às condições objetivas dos sistemas de ação, e um processo diacrônico, que

implica a subjetividade de estruturas internas. Dubar (2005, p.140) esclarece:

A construção das identidades se realiza, pois, na articulação entre

os sistemas de ação, que propõem identidades virtuais, e as

trajetórias vividas, o interior da quais se forjam as identidades

“reais” às quais os indivíduos aderem.

A articulação entre estruturas objetivas (identidade visada, virtual que se quer ter) e

estruturas internalizadas (identidade herdada, real) pode resultar em continuidade ou em

ruptura. Na continuidade, as metas coincidem e ocorre reforço mútuo entre as estruturas;

na ruptura, o desacordo entre o que se pensa sobre si e o que se almeja ser implica

conversões subjetivas que ajustam as estruturas interiores a novas configurações.

Considerar que tal articulação existe implica aceitar o caráter dinâmico das configurações

identitárias: uma configuração de identidade é uma articulação relativamente estável

(durante certo período de tempo) entre essas formas de transação, mas podem evoluir

segundo novas articulações em busca de novos reequilíbrios. Considerar tal articulação

implica também que as negociações ao redor da identidade impedem aceitar rotulagens

autoritárias de identidades predefinidas, e esse processo de negociação resulta na

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construção conjunta entre configurações objetivas e subjetivas. Por fim, Dubar reforça a

hipótese da dualidade do funcionamento do social, irredutível a classificações gerais

advindas ou da “comunidade”, ou da “sociedade”. A identidade de uma pessoa depende de

suas estruturas internas e da relação com os outros.

Nesse ângulo cabe explorar as relações entre o processo identitário biográfico, o processo

identitário relacional e a identidade como espaço tempo geracional. O processo biográfico

relaciona-se a uma construção no tempo de identidades sociais e profissionais a partir das

relações com instituições que atravessaram a trajetória do indivíduo, como família, escola,

mercado de trabalho e religião, constituindo um eixo diacrônico de formação (tempo); o

processo relacional diz respeito a um determinado momento e a determinado espaço em

particular de legitimações que balizam transações objetivas entre o indivíduo e as

instituições, constituindo um eixo sincrônico de formação (espaço).

Da articulação desses dois processos resulta a projeção espaço-temporal das identidades de

uma geração, isto é, influenciada pelo “tempo” vivido do indivíduo e pelo “espaço” em que

vive o indivíduo. Dubar usa a definição de Erikson de identidade como espaço-tempo

geracional, isto é, que depende da geração analisada, para definir que a identidade social

não é transmitida de uma geração a outra, mas sim construída por geração em particular.

Baseando-se nessa abordagem teórica da formação de identidades e admitindo que o

campo trabalho-formação é, na atualidade, central na articulação das sociedades modernas,

Dubar justifica a eleição de seu tema de pesquisa, uma vez que as identidades profissionais

são também identidades sociais.

Nesta pesquisa em particular, considera-se o ensino profissionalizante na interface dos

campos trabalho e formação. Ele é o espaço privilegiado de estudo por conter elementos

que remetem à formação biográfica da identidade (para si) e elementos influenciados pelas

relações de poder e status que advêm do mundo do trabalho, relacionados à formação

relacional da identidade (para o outro).

Nesse ponto, torna-se pertinente recuperar alguns aspectos das abordagens da socialização

profissional, na ótica de Dubar (2005). Um aspecto teórico do estudo das profissões diz

respeito ao tema das relações profissionais. A construção da identidade profissional

implica a articulação dos processos de formação inicial e continuada, de evolução dos

empregos e do reconhecimento das competências. Tal análise da socialização profissional

com base na formação, na evolução do emprego e no reconhecimento profissional constitui

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uma categoria de análise que Dubar usa na terceira parte de seu texto e que, em especial,

suporta teoricamente o objeto desta pesquisa: o estudo da influência da formação inicial na

configuração da identidade profissional.

Segundo Harvey (2007) e Castells (2007), a partir da crise dos anos 60 nos EEUU e da

crise dos anos 70 na Europa Ocidental, profundas transformações atingiram o mundo do

trabalho. Se até então as análises sociológicas em grande parte tinham como objeto as

análises das relações no emprego, o advento do desemprego estrutural para significativa

parcela da população desencadeou outras análises: o estudo dos excluídos dos empregos,

das transformações do mundo do trabalho, das modificações das competências requeridas,

das formas de acesso ao emprego. A sociologia passa então a ter os mercados de trabalho

como objeto de análise, contrapondo-se ao objeto de análise “profissão”.

Em outras vertentes analíticas, enfatiza-se a descontinuidade no mercado de trabalho entre

mercado primário e mercado secundário. O mercado primário é caracterizado pela

produção em massa, demanda estável, relacionado geralmente a grandes empresas; o

secundário relaciona-se à produção em pequena escala, instabilidade e imprevisibilidade da

demanda, relacionado geralmente a pequenas empresas. Existem ainda as análises que

visualizam mercados de trabalho fortemente baseados em estruturas fechadas de formação

e de continuidade de emprego, refletindo em um status profissional estável.

Por fim, cabe uma indagação relacionada aos mercados de trabalho: considerando que uma

parcela da população não terá acesso a nenhum mercado fechado de trabalho, como se

explica a multiplicação de formações que lhe é destinada? A questão da relação entre

mobilidades profissionais e mercados de trabalho constitui outra vertente: a mediação entre

modelos de gestão das empresas e o perfil dos assalariados, ou ainda, a construção das

identidades profissionais em razão das configurações de mercados de trabalho. Dubar se

apoiará teoricamente na última vertente para fundamentar a análise da dinâmica das

identidades profissionais e sociais.

Para finalizar, cabe destacar que a socialização constitui um processo dinâmico que faz da

“crise das identidades” algo inerente a construções e a movimentos dos processos

identitários.

Recapitulando alguns argumentos da análise de Dubar (2005), temos a socialização como

um processo dinâmico que se inicia na infância com o desenvolvimento das capacidades e

a apreensão de regras, valores e signos, balizados pela família, e que se processa no

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universo escolar e em outras formas de pertencimentos culturais, resultando na formação

da primeira identidade. Posteriormente, essa referência identitária inicial contribuirá para a

definição dos grupos de pertencimento, das socializações posteriores e da trajetória social,

sempre permeada pelas transformações estruturais externas que, também, influenciam

configurações identitárias. Tudo isso ainda modulado pela configuração psíquica do

indivíduo. Assim, Dubar (2005,p.330) conclui:

As identidades sociais e profissionais típicas não são nem

expressões psicológicas de personalidades individuais nem produtos

de estruturas ou de políticas econômicas impostas de cima, mas sim

construções sociais que implicam a interação entre trajetórias

individuais e sistemas de emprego, de trabalho e de formação.

Dado que o espaço social das identidades profissionais e sociais ultrapassa a esfera do

trabalho, o mundo da formação, notadamente o mundo da escola de formação inicial,

constitui um campo de pesquisa da formação de identidades, uma vez que nele se articulam

os saberes práticos, os saberes profissionais, os saberes da organização e os saberes

teóricos. A proposta desta pesquisa se fundamenta na influência dos processos de formação

na construção social das identidades sociais.

A fundamentação teórica do conceito identidade que Dubar (2005) utiliza tem como pano

de fundo a noção de processo histórico. A ideia é que processos históricos de longa

duração transformam as maneiras de definir os indivíduos. As grandes transformações dos

aspectos econômicos, políticos e simbólicos das relações sociais implicam transformações

nas formas de identidades, contudo, autores diversos darão ênfases diferentes a cada um

desses aspectos.

Nessa visão construtivista e processual, a crise das identidades profissionais diz respeito

não a uma crise única, homogênea na constituição e na aceitação por todos, mas relaciona-

se a três configurações de crises: a crise do trabalho, a crise do emprego e a crise das

relações de classe. Para Dubar (2006), a destruição criadora do capitalismo engendra novas

formas de produção, de produtos e de formação que buscam vantagem competitiva de

empresas no mercado. Principalmente a partir do pós-guerra, a entrada em jogo da

investigação científica, trabalhando em favor da produção conduziu a modernização a uma

fase de mundialização, cuja característica é a de ir além das questões econômicas e

adentrar no campo do domínio tecnológico e do acesso às fontes de riqueza e de inovações.

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Mas a questão reside no impacto, nas consequências desse modelo de destruição criativa

no trabalho, no emprego e nas relações de classes, em resumo, na vida cotidiana dos

indivíduos.

O trabalho tornou-se uma atividade em que o indivíduo tem de resolver problemas, e não

executar tarefas predeterminadas. Apoiada na automatização dos meios de produção, essa

abordagem supera o trabalho taylorista clássico do trabalho em cadeia, no qual cada

assalariado executa uma tarefa apenas. Todavia, o trabalho como execução de tarefas não

se extingue completamente, apenas uma parte dele se converte em trabalho como resolução

interativa de problemas. Nesse ponto vale a pena discutir a polaridade trabalho teórico

(trabalho predeterminado pela execução de tarefas específicas) e trabalho real (trabalho

efetivamente realizado). A ergologia é o campo que estuda as relações do trabalho sob os

enfoques macropolítico (aquilo que está instituído) e micropolítico (aquilo que

efetivamente ocorre, apesar de não estar instituído, mas pode tornar-se instituído a

qualquer momento). Estudos provenientes da ergologia indicam que, apesar de estar

submetido à execução de uma tarefa específica, um indivíduo não é totalmente passivo,

mas elabora estratégias em que usa os próprios recursos na consecução dos objetivos

propostos. A questão é que esse saber independente não tem reconhecimento pela empresa,

que continua a ver o indivíduo como apenas um executor de tarefas.

Dessa forma, mesmo considerando a hipótese da ergologia, a questão da abordagem do

trabalho segue para verificar se o trabalho assalariado tenderá para a execução rotineira de

tarefas (em busca da manutenção do emprego) ou se seguirá para a configuração mais

criativa de mobilização pessoal na resolução de problemas. A continuidade da lógica da

abordagem acima implicou o discurso das competências. A ideia de competência diz

respeito a outra abordagem. Segundo a abordagem tradicional, a qualificação depende de

um diploma que garantiria, de antemão, ao portador a habilitação para exercer uma

atividade. Depois desse instante inicial, o nível de salário e de classificação do indivíduo se

daria pelo tempo de serviço de maneira mais ou menos automática. Tal conceito pressupõe

uma homogeneidade de comportamentos profissionais (que refletiria em salários iguais)

dados pela formação inicial.

A partir da década de 80, na França, destaca-se a noção de competência ligada ao aspecto

da participação de todos para a competitividade da empresa, que implicou, naquele

momento, desenvolver o funcionário por meio de cursos internos e diferenciar

performances diferentes poro meio de salários e de carreiras diferentes. Nesse período se

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elaborou o trio de preceitos que se tornaria o lugar comum da ideia de competências, o

saber, o saber-fazer e o saber-estar, que logo seriam substituídos pelos termos iniciativa,

responsabilidade e trabalho em equipe.

Em face do aumento do desemprego, decorrente das mudanças econômicas da década de

90, a noção de competência aparece associada ao conceito de empregabilidade: além da

formação da empresa, cada empregado passa a ser responsável pela aquisição de novas

competências, que o manteriam apto a perpetuar-se no mercado de trabalho. A associação

com a empregabilidade vem da ideia de que, para manter-se “empregável” – em estado de

competência –, o indivíduo tem de gerir sua permanente formação de forma a obter o

conjunto de conhecimentos e práticas que lhe permitam realizar trabalho para uma

empresa.

De forma geral, ao trabalhar com o conceito de crise, admite-se primeiramente que há algo

instituído, estruturado. Durante a crise, aquilo que estava estruturado se modifica pelo

surgimento de novas categorias, formas, modelos, conceitos que se contrapõem àquele

modelo original. Na análise sociológica da crise que se pretende, há que transcender a

dimensão concreta do emprego e entrar nas esferas das relações de classe, do poder no

trabalho e do conflito no trabalho. A abordagem da crise de identidade profissional

desenvolvida até aqui por Dubar segue essa linha de pensamento: as formas tradicionais de

identidade profissionais entraram em crise pela transformação ou pelo fim dos empregos

tradicionais.

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4 O CONCEITO DE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS EM MOSCOVICI

A referência ao conceito de representações sociais em Moscovici se fez necessária uma vez

que, para o desenvolvimento das questões norteadoras desta dissertação, era importante

identificar o universo vivenciado pelos alunos por meio da “análise dos mundos

construídos mentalmente pelos indivíduos a partir de sua experiência social”

(DUBAR,2005,pg.129). Para Moscovici, as representações sociais são entidades sociais

presentes a todas as atividades humanas, formando um ambiente real que influencia os

indivíduos em suas relações. Entretanto, essas estruturações também se alteram com o

tempo, compondo estruturas dinâmicas que instituem um modo particular de criar a

realidade social. Os mundos construídos pelos alunos do Proeja podem ser analisados

como representações sociais particulares do grupo estudado.

Moscovici (2007) admite que as representações que os indivíduos têm do mundo modulam

a forma como se colocam no mundo: orientam o olhar, dando visibilidade a alguns

aspectos e a outro não, e conduzem as reações a estímulos e situações. Assim, usa a noção

do “pensamento considerado como ambiente” (MOSCOVICI,2007,p.29). Para

fundamentar tal argumentação, o autor descreve duas funções para as representações.

A primeira função defende as representações, que dão uma forma definitiva às pessoas,

objetos e acontecimentos, ou seja, as representações moldam os acontecimentos à

determinada categoria que posteriormente pode ser compartilhada por um grupo de

pessoas, tornando-os uma convenção. O autor usa o termo convencionalizar para ilustrar

esse processo. Dessa forma, um fato cotidiano qualquer é assimilado com base na

representação que já esta estabelecida para ele; no caso de ser um fato novo, procurar-se-á

aquela representação que mais se assemelhe e que possa contê-lo. Os condicionamentos

anteriores provenientes das representações, linguagem ou cultura direcionam o pensamento

e como resultado há a tendência de ver apenas aquilo que já é uma convenção, o que já está

convencionado, apesar de ser inconsciente tal processo. Mesmo que, em algumas

situações, seja possível tomar consciência de que a realidade assim colocada seja um

conjunto de convenções, não é possível ultrapassar sempre esse limite, eliminando todas as

convenções e preconceitos. Resulta assim que é melhor reconhecer que as representações

constituem, enfim, um tipo de realidade.

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A segunda função diz respeito ao caráter prescritivo das representações. A representação

tem o poder de prescrever, indicar, definir uma forma de reação à determinada situação. A

forma de reagir a determinado acontecimento já está estruturada antes de o indivíduo

começar a pensar sobre ele, pois há uma estrutura que determina o que deve ser pensado.

Segundo tal visão, a forma de pensar está submetida a um conjunto de representações que

são impostas, transmitidas, e elas se estruturam durante gerações e dependem do tempo

para sedimentar-se. Nesse processo ganham relevância as experiências e ideais passados,

que continuam ativamente a modelar a forma de interação com a atualidade.

Uma vez expostas as noções de convenção e de prescrição, Moscovici defende a ideia de

que as representações são entidades sociais, possuem vida própria e coexistem em relações

hierarquizadas, perpassando todas as esferas das atividades humanas. Obviamente a

estrutura das representações é dinâmica: altera-se no curso dos acontecimentos e do tempo.

O que se destaca, todavia, é que as representações são um ambiente real, exercem pressões

sobre os indivíduos e estruturam sua forma de relacionar-se e de responder aos

acontecimentos. A representação é o que caracteriza as interações humanas. A informação

advinda de uma interação qualquer está sob o controle da representação e possuirá somente

o sentido que está a lhe conferir. A representação associa ideias e imagens, contudo tem

caráter de mobilidade, compondo estruturas dinâmicas que instituem um modo particular

de compreender e de comunicar-se que, por fim, cria a realidade social. As representações

sociais permeiam os indivíduos ou grupos como uma “atmosfera” e são específicas de uma

sociedade, tendo por objetivo tornar familiar algo que não o é.

Para Moscovici (p.60), as representações sociais são geradas pelos processos de ancoragem

e de objetivação. O primeiro processo tem o objetivo de situar ideias não familiares em um

contexto que crie uma zona de conforto gerado pela familiaridade, ou seja, relacionar um

acontecimento novo a categorias e imagens comuns. O segundo processo busca objetivar o

acontecimento novo, dar-lhe textura e volume, migrando do mundo das ideias para o

mundo real. Reunindo a ancoragem e a objetivação, primeiro transforma-se o não familiar

e familiar, para depois reproduzi-lo com estruturas já conhecidas.

Ancorar significa dar um nome, classificar, colocar em determinada categoria. Categorizar

implica utilizar as representações disponíveis para definir um acontecimento novo. Para o

autor (Moscovici,2007,p.70), todo pensamento possui ancoragem, ou seja, todo

pensamento pressupõe que existe um consenso sobre determinado tema. O que não quer

dizer que não existam diferentes perspectivas acerca de um acontecimento: as

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discrepâncias indicam diferenças normais dentro de uma sociedade. O principal objetivo

dos sistemas de classificação e de nomeação é facilitar a compreensão das ações de pessoas

e grupos. Objetivar implica uma forma de domesticação de algo não familiar e baseia-se

em descobrir a qualidade icônica desse algo não comum. O ícone nesse caso é uma

imagem que reproduz um conceito. O ícone, que está relacionado às coisas não verbais, é

associado a um conceito, que pertence ao domínio da palavra. O trabalho da representação

social é associar as palavras proferidas pelos sujeitos com imagens, uma vez que “ninguém

fala sobre coisa alguma” (p.72).

Em relação à metodologia das representações sociais, Moscovici indica alguns princípios

comuns às pesquisas realizadas naquele momento. O primeiro princípio observado é que o

material a ser analisado provém de conversações que são encontradas na sociedade, uma

vez que representações surgem no decorrer de uma conversação como forma de

relacionamento e comunicação. Dessa forma, durante uma conversação, ideias –

representações sociais – tomam forma e passam a ter vida própria. Um segundo princípio

advém da consideração de que representações sociais são meios de recriar a realidade. O

terceiro princípio diz que, em tempos de crise, de modificação de determinado grupo, o

caráter das representações sociais é mais facilmente revelado. Logo, as situações em que os

indivíduos são incitados a mudanças, por uma modificação no ambiente onde se situa, são

mais férteis no que diz respeito ao estudo das representações sociais.

O autor admite ainda que as representações sociais interferem nos estímulos que

efetivamente provocarão interações com o indivíduo. Uma grande variedade de estímulos

está sempre presente a um indivíduo ou a um grupo, alguns dos quais são selecionados e

considerados, enquanto outros não, e produzem variadas reações. A representação social

não se situa entre o estímulo e a resposta. Pela via oposta, a representação social suporta

tanto o estímulo selecionado quanto a resposta.

Por fim, garante que a teoria das representações sociais implica examinar o aspecto

simbólico do meio social – relacionamentos, conceitos – em que vivemos, pois, se todo

comportamento implica algo, esse algo somente tem sentido se compartilhado pelo menos

duas pessoas (e isso distingue o social do individual). Representações sociais são símbolos

compartilhados.

Uma segunda determinação é que o estudo das representações sociais passa pela

observação em detrimento dos métodos experimentais. Da segunda determinação origina-

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se, por consequência, uma terceira: após a observação, a descrição é necessária ao

procedimento de pesquisa. Uma última implicação relaciona-se ao fator tempo:

representações sociais são históricas. Desde a infância, o contato com a família, as

primeiras relações com a comunidade e com a escola geram conceitos e imagens que

comporão a socialização da criança e, por fim, as representações sociais que usará em suas

relações sociais.

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5 O CONTEXTO DA PESQUISA: EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, PROEJA,

CEFETES

Este capítulo pretende contextualizar a pesquisa, realizando um breve histórico do ensino

profissional no país, analisando a configuração da educação de jovens e adultos mediante a

legislação, apresentando o contexto dessa modalidade de ensino no Cefetes e descrevendo

o histórico de sua implantação na escola.

5.1 O ENSINO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICO NO BRASIL: BREVE HISTÓRICO

Um breve histórico da trajetória do Ensino Profissional e Tecnológico no Brasil mostra

que, nesse campo, as transformações “... não ocorrem isoladamente ou independentemente

das transformações mais amplas que acontecem na sociedade” (ARAÚJO,2006,p.66);

estão, pelo contrário, relacionadas aos fatores políticos e econômicos e às modificações dos

processos produtivos. De uma visão inicial, predominantemente destinada a atender as

camadas mais desfavorecidas da sociedade, o ensino profissional e tecnológico migra para

um sistema mais organizado à medida que o sistema produtivo do país se modifica,

requerendo um maior número de pessoas qualificadas.

Segundo Lima (2007), umas das primeiras manifestações de ensino vinculado a alguma

atividade profissional data de 1620, quando nas fazendas da capitania de São Vicente

jovens aprendiam a utilização de ferramentas e técnicas de trabalho. Já em 1874 o então

Presidente da Província de Pernambuco determinou que empresas de certo porte se

envolvessem também com a formação profissional de jovens como condição para obter

permissão de funcionamento (FONSECA, apud LIMA, 2007).

Em 1906 o Presidente do Estado do Rio de Janeiro, Nilo Peçanha emitiu o Decreto n. 787

determinando a criação da Escola Profissional nas cidades de Campos, Niterói, Petrópolis e

Paraíba do Sul (GOMES, 2006). Já como Presidente da Republica, Nilo Peçanha retoma o

projeto do ensino profissional técnico em 1909, pelo Decreto n. 7.566, instituindo então 19

escolas de aprendizes artífices em várias capitais brasileiras, incluindo a cidade de Vitória

no Espírito Santo, com o objetivo de formar operários e contramestres. Apesar de ter fins

nitidamente assistencialistas e correcionais, esse decreto constituiu-se um importante passo

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para a constituição de uma importante rede de ensino profissional e tecnológico no Brasil

(CUNHA, apud LIMA, 2007).

Ainda segundo Lima (2007), as estradas de ferro tiveram papel importante no

desenvolvimento do ensino profissional: em 1924 ocorre a primeira tentativa de unificar as

atividades de ensino desse setor com a criação da Escola Profissional de Mecânica Prática

do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. Em 1937 a Constituição determinou que as

indústrias criassem escolas para aprendizes de ofício. O Decreto n. 1238, no ano de 1939,

estabelecia que industrias com mais de 500 empregados deveriam manter cursos de

aperfeiçoamento profissional para adultos e menores, ficando a regulamentação destes

cursos a cargo do Governo Federal, por meio dos Ministérios do Trabalho, Industria e

Comercio e do Ministério da Educação. Durante esse processo, todavia, a influencia de

Getulio Vargas no sentido de deslocar para os industriais essa responsabilidade levou ao

Decreto n. 4.048, de 1942, que criava o Serviço Nacional de Aprendizagem dos

Industriários (mais tarde: Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI).

Posteriormente, em face das transformações do sistema econômico brasileiro ocorrido na

década de 50, outra transformação é demandada da educação profissional e tecnológica, a

fim de suprir as necessidades surgidas com a expansão industrial. Em 1971, surge a Lei

5.629, que instituiu a iniciação profissional e profissionalização em todo ensino de 1º e 2º

graus, respectivamente.

No Espírito Santo, o ensino profissionalizante segue o desenvolvimento nacional dessa

área. O Decreto n. 7.566 de 1909 tem como resultado a inauguração da Escola de

Aprendizes Artífices do Espírito Santo em 24 de fevereiro de 1910, tendo como objetivo

“habilitar os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensável preparo técnico e

intelectual, afastando-os da ociosidade, escola do vício e do crime”. Mediante a Lei n. 378,

de 13 de Janeiro de 1937, as Escolas de Aprendizes Artífices mudaram de denominação,

tendo no estado do Espírito Santo a antiga escola recebido a denominação de Liceu

Industrial de Vitória. Já na era Vargas, pela Lei Orgânica do Ensino Industrial, Decreto n.

4.073, de 30 de Janeiro de 1942, foi instituída a mudança de nível dessa modalidade de

ensino que se separa do ensino primário e se habilita junto ao ensino secundário. Com o

Decreto n. 4.127, de 25 de Fevereiro de 1942, o Liceu Industrial recebe a denominação de

Escola Técnica de Vitória, nome que perdura até o ano de 1965, quando passa a chamar-se

Escola Técnica Federal do Espírito Santo – ETFES – já sobre os ditames de governos

militares. De 1965 até 1999 a ETFES consolidou-se na modalidade de ensino secundário

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(hoje ensino médio) profissionalizante, oferecendo cursos técnicos de eletrotécnica,

mecânica, metalurgia, estradas, edificações e agrimensura.

No governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, a rede federal de ensino técnico

sofre uma grande transformação. Seguindo a mesma lógica de adequação da educação ao

sistema produtivo vigente, surge, na década de 90, o Decreto 2.208/1997, que impôs um

reforma na educação profissional e tecnológica nos centros federais de ensino por meio da

separação do ensino básico do ensino profissionalizante, dissociando a qualificação

profissional da escolarização básica. Ocorre assim a dissociação entre o ensino

propedêutico e o ensino técnico profissionalizante e a oferta de vagas passa a dividir-se

entre um ensino médio sem caráter profissional e cursos técnicos de menor duração.

Nesse momento as escolas da rede federal de ensino técnico recebem a denominação de

Centros Federais de Educação Tecnológica, que nesse estado em particular passa a

chamar-se Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo – Cefetes – a partir

da data de 22 de março de 1999.

No governo do Presidente Luis Inácio Lula da Silva ocorre nova modificação na rede

federal de ensino técnico, com a educação profissional e tecnológica passando a ser regida

pelo Decreto 5.154/2004, que recupera parcialmente o modelo de ensino profissionalizante

integrado, com a volta da associação entre ensino propedêutico e ensino técnico

profissionalizante, surgindo ainda a oferta de cursos de nível superior. Nesse governo,

conforme a tabela 02 a seguir, surgem as diretrizes para a oferta de cursos de educação

profissional de forma integrada aos cursos de ensino médio, na modalidade de educação de jovens

e adultos – EJA. As modificações realizadas na rede federal de ensino técnico no governo

Lula culminam com a Lei n. 11.892, de 28 de Dezembro de 2008, que criou trinta e oito

institutos federais de educação, ciência e tecnologia. No estado do Espírito Santo surge o

IFES – Instituto Federal do Espírito Santo – a partir da junção dos Cefetes (unidade Vitória

e unidades descentralizadas) e das escolas agrotécnicas federais de Santa Tereza, Alegre e

Colatina, formando uma única estrutura.

Paralelamente ocorreu nas ultimas duas décadas a expansão e interiorização de unidades

descentralizadas de ensino. Em 1993, ainda com a denominação de Escola Técnica, surge a

unidade de Colatina. Entram em operação posteriormente as unidades de Serra, em 2001 e

ainda no governo do Presidente Fernando Henrique, e Cachoeiro de Itapemirim em 2005,

já no governo do Presidente José Inácio Lula da Silva. Seguem-se então as unidades de São

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Mateus e Cariacica em 2006, e Aracruz, Linhares e Nova Venécia no ano de 2008 (Fonte:

http://www.ifes.edu.br/institucional/32-historia em 01 de Setembro de 2009).

5.2 CONFIGURAÇÃO ATUAL DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE JOVENS E ADULTOS

A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional dispõe que a educação básica se

divide em Educação Infantil e em Ensinos Fundamental e Médio. A LDB determina que a

Educação Infantil vise ao desenvolvimento integral da criança em seus aspectos físico,

psicológico, intelectual e social; o Ensino Fundamental, à formação básica do cidadão

mediante o desenvolvimento das capacidades de leitura, escrita, cálculo, a compreensão do

ambiente natural, social e político do meio em que está inserido e o desenvolvimento da

capacidade de aprendizagem; o Ensino Médio, à consolidação dos conhecimentos

adquiridos no ensino fundamental, de preparar para o trabalho e a cidadania, aprimorar a

pessoa humana e promover a compreensão dos fundamentos científicos tecnológicos dos

processos produtivos.

A Educação Infantil é voltada para crianças até seis anos, enquanto o Ensino Fundamental

deve ter duração mínima de nove anos e o Ensino Médio ocorrer, no mínimo, em três anos.

De acordo com esse formato de educação, o jovem, aos 18 anos e após anos de estudo,

deveria concluir sua formação básica, estando então apto tanto para o mundo do trabalho

quanto para a continuação dos estudos no Ensino Superior, tendo frequentado, durante todo

esse percurso, a escola. Todavia, tal configuração de coisas não encontra ressonância na

realidade de milhões de jovens que, tendo atingido a idade de 18 anos, encontram-se com

sua formação escolar básica incompleta ou interrompida.

A Tabela 01 exprime a defasagem escolar ao focar duas faixas etárias de interesse para

esse trabalho: dos 15 anos aos 19 e dos 20 anos aos 24. Do exposto, identifica-se que a

estrutura educacional de tempo de estudo por faixa etária proposta na LDB não se

concretiza. A média de 7,5 anos de estudo para a faixa etária de 20 anos a 24, em 1999,

mostra que os alunos ou evadiram da escola, ou não concluíram a formação no tempo

previsto, sendo ambos os casos característicos dos alunos da educação de jovens e adultos.

A educação destinada a essa parcela da população recebe atualmente o nome de Educação

de Jovens e Adultos, também identificada pela sigla EJA. A Educação de Jovens e Adultos

está descrita e contemplada na legislação da educação do país. A Lei 9.394, de 20 de

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dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, tem como

tema do Artigo 37 “Da Educação de Jovens e Adultos”, esclarecendo ser essa modalidade

de ensino destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuação de estudos no ensino

fundamental e médio na idade própria.

Tabela 01 – Média de anos de estudo por faixa de idade

Ano 15 anos a 19 anos 20 anos a 24 anos

1999 6,8 7,5

1998 6,5 7,3

1997 6,1 6,9

1990 5,3 -

Fonte: dados históricos do IBGE

O inciso primeiro ressalta: “Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e

aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades

educacionais apropriadas, considerando as características do alunado, seus interesses,

condições de vida e trabalho (...)”. A LDB considera a Educação de Jovens e Adultos

como uma modalidade, o que significa dizer que possui características próprias. As

propostas curriculares político-pedagógicas devem ser construídas nas peculiaridades desse

público, considerando os saberes e as experiências acumuladas dos sujeitos atendidos.

Os motivos da não permanência e do insucesso no ensino fundamental e médio

relacionam-se diretamente às desigualdades sociais da sociedade brasileira, em que a

necessidade do trabalho retira, muitas vezes, de crianças o direito ao tempo da escola. Será

ainda o trabalho, ou a necessidade dele, que conduzirá de volta à escola aquele jovem ou

adulto à procura da escolaridade não realizada, vista como possibilidade de

empregabilidade ou de melhoria de condição de vida.

Vinculada ao trabalho, a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, como

educação pública, também é demandada para atuar em consonância com os princípios de

uma educação para todos. Assim, como no ensino superior público, é baixa a perspectiva

de inclusão de jovens das camadas populares nas instituições da Rede Federal de Educação

Profissional e Tecnológica, dada a grande demanda por essas instituições que resulta em

competitivos processos de seleção. De tal situação, a relação entre EJA e Educação

Profissional e Tecnológica na educação federal surge na legislação brasileira em 2005,

trazendo a figura da EJA profissionalizante, que passa a ser identificada pelo Programa de

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Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de

Jovens e Adultos, o Proeja. O dispositivo de ordem legal relacionado à educação

profissional de jovens e adultos é a Portaria 2.080, de 13 de junho de 2005, que predispõe

sobre essa específica modalidade de ensino no contexto das instituições federais de ensino

técnico. A Portaria é logo seguida pelo Decreto 5.478, de 25 de junho de 2005, que institui

o Proeja. Assim declara o artigo primeiro:

Fica instituído, no âmbito dos Centros Federais de Educação

Tecnológicas, Escolas Técnicas Federais, Escolas Agrotécnicas

Federais e Escolas Técnicas Vinculadas às Universidades

Federais, o Programa de Integração da Educação Profissional ao

Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos –

PROEJA (Decreto nº 5.478,Art.1º)

O decreto garante aos alunos concluintes do curso de educação profissional técnica de

nível médio pelo Proeja um diploma de validade nacional, tanto para atuação profissional

quanto para o prosseguimento dos estudos no nível superior. Outro ponto de destaque do

decreto é que, quando o curso for estruturado em etapas com terminalidade, deverão ser

previstas saídas intermediárias que permitam ao aluno a obtenção de certificados de

conclusão do ensino médio.

A edição do Decreto 5478/2005 instituindo o Proeja é um esboço de uma estratégia

educacional que garante aos jovens e adultos a possibilidade de elevação do grau de

escolaridade e formação profissional. Diante da implantação do Proeja na rede CEFET, a

Secretaria de Tecnologia – SETEC –, do Ministério da Educação – MEC –, realizou, no

último quadrimestre de 2005, oficinas pedagógicas para todas as unidades de ensino

profissionalizante da rede federal para capacitar gestores acadêmicos. As oficinas tinham

por objetivo desenvolver estratégias para implantação do currículo de educação

profissional na modalidade EJA.

O Cefetes já oferecia, nesse momento, cursos integrados profissionalizantes de ensino

médio na Unidade Sede da instituição. Para atender às metas do Decreto 5478/2005, houve

oferecimento de mais vagas para ingresso no Proeja a cada novo edital de abertura de

vagas. Em 1º de dezembro de 2005, o Governo Federal, por intermédio da SETEC, edita a

Portaria 208, que compõe um Grupo de Trabalho para elaborar o documento básico para o

Proeja. Lançado em 2006, o Documento Base tanto fornece diretrizes sobre os aspectos

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pedagógicos, destacando a necessidade de um projeto político-pedagógico integrado, a

consideração da organização de tempos e espaços próprios na organização curricular e a

importância de uma avaliação que abranja todo o processo de ensino-aprendizagem, quanto

normaliza a estrutura operacional da educação de jovens e adultos no âmbito da rede

federal de ensino profissionalizante e tecnológico.

Tabela 02 – Legislação relativa ao programa Proeja

Legislação Descrição

Lei 9.394/96

20 de dezembro de 1996. No artigo 37 – “Da Educação de Jovens e Adultos” – mostra que essa modalidade de ensino será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuação a estudos no ensino fundamental e médio na idade própria.

Decreto 2.208/97 Separa o ensino profissionalizante do ensino propedêutico nos Centros Federais de Educação Tecnológica.

Decreto 5.154/04 Determina que os cursos e programas de formação inicial e continuada sejam ofertados em articulação com a educação de jovens e adultos.

Portaria 2.080/05

13 de junho de 2005. Estabelece nos Centros Federais de Educação Tecnológicas as diretrizes para a oferta de cursos de educação profissional de forma integrada aos cursos de ensino médio, na modalidade de educação de jovens e adultos – EJA.

Decreto 5.478/05

25 de junho de 2005. Instituí nos Centros Federais de Educação Tecnológicas o Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – Proeja.

Portaria 208/95

1º de dezembro de 2005. Governo Federal, por meio da SETEC, edita a portaria que compõe um Grupo de Trabalho com o objetivo de elaborar o documento básico para o Proeja.

- 2006. Lançamento do Documento Base do Proeja.

Decreto 5.840/06

13 de Julho de 2006. Revoga o Decreto 5.478/05, ampliando o texto base do Proeja, permitindo a adoção do programa pelas entidades do Sistema S.

Fonte: Brasil, 1996, 2004, 2005, 2006.

O Decreto 5.840, de 13 de julho de 2006, revoga o Decreto 5.478, substituindo-o e

acrescentando modificação ao texto original. O Decreto 5.840 mostra que os cursos do

Proeja poderão ser articulados tanto ao ensino fundamental e médio, visando elevação de

escolaridade pela via da formação inicial e continuada de trabalhadores, quanto ao ensino

médio de forma integrada ou concomitante. Em 2008 as diretrizes do decreto foram

incorporadas à Lei de Diretrizes e Bases.

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5.3 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO CEFETES

A história da educação de jovens e adultos no Cefetes tem início em 2001, antes do

surgimento da legislação que obrigava as instituições da rede federal de ensino a ofertar

vagas específicas para essa modalidade de ensino. Naquele momento, foi usada a

nomenclatura EMJAT – Ensino Médio para Jovens e Adultos Trabalhadores – para

designar a modalidade EJA. O EMJAT oferecia primeiramente o ensino médio regular,

uma vez que, naquele momento, a escola funcionava sob o Decreto 2.208/97, que havia

separado o ensino profissionalizante do ensino propedêutico. Após a realização de quatro

módulos semestrais, o aluno tinha o direito de optar por um dos cursos técnicos

profissionalizantes oferecidos pela instituição, obtendo a conclusão do curso profissional

após mais quatro módulos semestrais. No ano de 2005, ocorre o último processo de seleção

do EMJAT, cuja caracterização socioeconômica está demonstrada na Tabela 03.

Em face do advento do Decreto 5.478/05, há um câmbio na estrutura da educação de

jovens e adultos no Cefetes. A modalidade EJA na escola recebe, então, a denominação

oficial do programa federal, Proeja – Programa de Integração da Educação Profissional ao

Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – e passa a atuar de acordo

com o novo decreto. Entretanto, devido à existência de turmas do EMJAT em

funcionamento quando houve a modificação da legislação, o EMJAT e o Proeja

conviveram simultaneamente até o primeiro semestre de 2007, ano de conclusão da última

turma do Ensino Médio para Jovens e Adultos Trabalhadores.

A principal diferença entre os programas é a integração da educação geral com o ensino

técnico. No EMJAT, o aluno tinha a opção de finalizar seus estudos após a conclusão dos

quatro módulos da educação geral e obter o diploma de conclusão do ensino médio, ou

poderia continuar sua formação em algum dos cursos técnicos. No Proeja, a ideia é que o

aluno ou a aluna participe de uma formação integrada (ensino propedêutico e ensino

profissionalizante). Contudo, permanece a diferenciação entre educação geral e ensino

técnico profissionalizante, uma vez que a formatação de quatro módulos de ensino

propedêutico seguidos por quatro módulos profissionalizantes é mantida.

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Tabela 03 – Perfil socioeconômico dos ingressos do EMJAT 2005/1 Cefetes

Item de avaliação Porcentagem¹ Situação

Estado civil 72,6 % Solteiro

62,4 % 1º grau Grau de instrução

32,0 % 2º grau

Sistema de ensino de origem 87,1 % Público

46,9 % Preparação para o trabalho

Motivo da opção pelo curso 34,5 %

Preparação para o ingresso na universidade

Nível de instrução da mãe 66,0 %

Sem escolaridade ou com 1° grau (completo ou incompleto)

Nível de instrução do pai 49,5 % Sem escolaridade ou com 1° grau

(completo ou incompleto)

Renda familiar 65,5 % Até três salários mínimos

Atividade de trabalho 61,9 % Trabalham

Contribuição financeira em casa 62,9 % Contribuem

Fonte: Questionário socioeconômico aplicado aos alunos ingressantes na realização da matrícula. Ano 2005. Cefetes. 1. Porcentagens em relação ao universo de 194 respondentes.

O que difere é que no Proeja a escolha pelo curso técnico de formação é feita no momento

da realização da prova de seleção. Assim, o ingressante do Proeja entra na escola com o

curso de formação profissional definido. Um dos cursos técnicos integrados no modelo do

Proeja foi o de Automação Industrial.

O Curso de Automação Industrial foi criado no Cefetes – Unidade Descentralizada Serra –,

no ano de 2001, como um curso técnico subsequente (após conclusão do ensino médio) ou

concomitante (durante a realização do terceiro ano do ensino médio) de dois anos de

duração. A inserção desse curso no Proeja ocorre com os alunos cursando a parte

propedêutica da formação na Unidade Sede do Cefetes. As tabelas e o gráfico apresentados

a seguir procuram caracterizar socioeconomicamente o público do curso de Automação

Industrial na modalidade Proeja assim como apresentar informações relacionadas. O

Gráfico 02 situa a modalidade Proeja no Cefetes, indicando a quantidade de vagas

oferecidas para cada uma das modalidades dos cursos técnicos.

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Tabela 04 – Perfil socioeconômico dos ingressos do Proeja em Automação Industrial 2008/1 Cefetes

Item de avaliação Quantidades¹ Situação

Estado civil 27 Solteiro

9 Ensino fundamental

8 2º grau incompleto Grau de instrução

9 2º grau completo (ou em vias de conclusão)

Sistema de ensino de origem

21 Público

20 Preparação para o trabalho Motivo da opção pelo curso 4 Preparação para o ingresso na universidade

13 Sem escolaridade ou com ensino fundamental

(completo ou incompleto) Nível de instrução

da mãe

8 Com ensino médio completo

9 Sem escolaridade ou com ensino fundamental

(completo ou incompleto) Nível de instrução do pai

7 Com ensino médio completo

Renda familiar 16 Até três salários mínimos

12 Trabalham Atividade de trabalho 16 Não trabalham

Fonte: Questionário socioeconômico aplicado aos alunos ingressantes na realização da matrícula. Ano 2008. Cefetes. 1. Quantidades em relação ao universo de 29 respondentes.

A Tabela 04 traz o perfil socioeconômico dos ingressos da turma de Automação Industrial

na modalidade Proeja no ano de 2008/1. A Tabela 05 indica a quantidade da vagas

oferecidas e a quantidade de inscritos para o Curso de Automação Industrial na modalidade

Proeja nos últimos processos seletivos.

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Técnicos Integrados com Ensino Médio

EJA; 16%

Técnicos Integrados com Ensino Médio;

17%

Técnicos Subsequentes;

68%

Tabela 05 – Quantidade de vagas e quantidade de inscritos para o curso de Automação Industrial na modalidade EJA no Cefetes

Ano Vagas oferecidas Inscritos

2006/1 35 37

2007/1 35 21

2007/2 32 7

2008/1 29 51

Fonte: Cefetes.

Gráfico 01 – Distribuição das vagas para cursos técnicos oferecidas no processo seletivo 2008/1 pelo Cefetes

Quantidade total de vagas

oferecidas:

1.224

Fonte: Manual do Candidato. Processo Seletivo 1 2008. Cefetes

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6 PASSOS METODOLÓGICOS

De especial importância para a definição da metodologia para esse projeto de pesquisa é o

texto de Dubar (2005) sobre a socialização, onde o autor indica a própria forma de

investigação de seu objeto de estudo (o fenômeno identitário concebido como produto da

socialização) (Dubar,2005,pg.129):

É pela análise dos mundos construídos mentalmente pelos

indivíduos a partir de sua experiência social que o sociólogo pode

reconstruir melhor as identidades típicas pertinentes em um campo

social específico.

Dubar sugere que representações estruturariam os discursos dos indivíduos sobre sua

condição social e que as dimensões mais propícias para a apreensão dessas representações

são: 1) a relação com os sistemas, com as instituições e com os detentores do poder; 2) a

relação com o futuro do sistema e o próprio; 3) a relação com a linguagem, isto é, com as

categorias utilizadas para descrever uma situação vivida. Dessa forma, a visão de como

realizar a pesquisa e as dimensões que esse autor pretendeu atingir balizarão a metodologia

desse projeto de pesquisa.

O tipo de pesquisa a ser realizado buscando a “compreensão interna das representações”

por meio da apreensão das dimensões das relações dos indivíduos (alunos do Proeja) com

os sistemas produtivo e educacional, é o estudo de caso. Segundo Bruyne (1987,p.224-

227), o estudo de caso caracteriza-se pelo estudo em profundidade de casos particulares

por meio de uma análise intensiva realizada em única organização real. Pode recorrer a

técnicas de coletas de dados variadas, como observação, observação participante, grupo

focal, entrevista e análise de documentos, e ter por objetivo a descrição da complexidade

de um caso, a exploração de novas problemáticas ou ainda um objetivo de ordem prática

(avaliação de uma instituição, diagnóstico de um processo). Frequentemente de natureza

qualitativa em suas formas de coleta e tratamento de dados, o estudo de caso pode recorrer

a métodos quantitativos para reconstituir uma sequência cronológica de eventos ou para

investigar relações de causa e efeito entre variáveis analisadas.

Becker (1993, p.117-119) também afirma que o caso estudado pode ser uma organização

ou comunidade e que a observação participante é uma forma de coleta de dados muito

utilizada nesse tipo de estudo, mesmo sendo possível a associação a outros métodos, como

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a pesquisa estruturada. Ressalta, porém, que a observação dá acesso a uma gama de dados

que podem não ter sido previstos no início da pesquisa. Tal proposição baseia-se no

contraponto entre o estudo de caso e o experimento de laboratório. Na situação de um

laboratório, geralmente se testam algumas proposições em condições controladas,

enquanto o estudo de caso pressupõe a preparação para lidar com grande volume de

informações e de considerações teóricas. Esse autor mostra que o estudo de caso tem, em

geral, um propósito duplo: a compreensão abrangente do grupo em estudo e o

desenvolvimento de declarações teóricas sobre características sociais do processo ou da

estrutura estudada. Essa consideração sobre o estudo de caso implica todos os fatos

observados a ser incorporados à pesquisa e depois contemplados teoricamente. Todavia,

Becker adverte que essa apreensão total é impossível, logo o pesquisador acaba por focar

alguns aspectos de maior interesse. Mesmo assim, esse espírito abrangente do estudo de

caso tem a vantagem de preparar o pesquisador para o inesperado – e para possíveis

reorientações teóricas.

Bruyne (1987, p.224-227) identifica duas formas distintas de orientar teoricamente um

estudo de caso: na primeira forma, ênfase no empirismo; na segunda forma, foco na teoria:

a) Na abordagem empirista, recorre-se ao método indutivo para,

geralmente, estudar o funcionamento particular das organizações.

Assim, tende-se a valorizar questões pragmáticas sem, contudo, analisar

as consequências teóricas que tais questões implicam. Isso se deve a não

existência de um princípio diretor que norteie a pesquisa, o leva o

pesquisador a reunir uma massa – talvez desarticulada – de informações,

gerando muitas vezes uma tendência para classificar aquilo que é

observado em lugar da explicação. Bruyne adverte que o estudo de caso

não deve limitar-se a descrever algo, mas deve referir-se a conceitos e

hipóteses, a uma teoria central que oriente a coleta de dados.

b) Na abordagem focada na teoria, o objeto de estudo surge exatamente a

partir de uma teoria: elege-se um aspecto da realidade que será analisado

à luz de determinados conceitos, visando a determinar empiricamente

um sistema de hipóteses. Nessa abordagem, é mais forte a necessidade

de delimitar um quadro teórico de suporte, uma vez que a definição das

variáveis a serem observadas se originará de conceitos gerais da teoria.

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A forma de estudo de caso neste projeto de pesquisa se apoia na segunda abordagem –

focada na teoria – porque pretende estudar uma realidade à luz de uma teorização

precedente (no caso, os estudos de identidades sociais e profissionais) que fornece as

categorias de análise a serem investigadas no estudo de caso. Diante dessa fundamentação

teórica relativa aos procedimentos metodológicos de uma pesquisa de enfoque qualitativo,

cabe mencionar as três técnicas usadas para a coleta de dados, todas realizadas com alunos

do Proeja em Automação Industrial do Cefetes:

a) Observação dos alunos participantes da pesquisa durante o período letivo (1º módulo

curso técnico), ao longo da realização do projeto integrador (4º módulo curso básico), na

realização de palestras e no acompanhamento de projetos das turmas de automação

industrial dos demais períodos.

b) Realização de entrevistas individuais com alunos do 4º módulo curso básico e 1º módulo

curso técnico;

c) Um grupo focal com alunos do 1º módulo curso técnico.

6.1 TÉCNICAS DE COLETAS DE DADOS PARA UM ESTUDO DE CASO: ENTREVISTA

INDIVIDUAL E GRUPO FOCAL

Uma das técnicas usadas de coleta de dados nesta pesquisa foi a realização de entrevistas

qualitativas semiestruturadas com apenas um respondente. Segundo Gaskell (2002), a

entrevista com só um respondente corresponde a uma pesquisa realizada em profundidade.

Gaskell (2002) situa a entrevista semiestruturada entre dois extremos: a entrevista

totalmente estruturada feita de questões previamente definidas que não permitem a

apreensão de novas dimensões e a conversa menos estruturada, a exemplo da usada na

etnografia em que o foco está em apreender uma cultura local durante um longo período de

tempo. O pressuposto central da entrevista qualitativa é que o mundo social é construído

cotidianamente pelas pessoas, todavia não sob condições que elas próprias estabeleceram.

As construções que as pessoas fazem de seu mundo constituem-se em sua realidade

essencial. A função da pesquisa qualitativa é exatamente investigar e mapear o mundo de

vida dos respondentes, para, em seguida, permitir ao pesquisador construir esquemas de

interpretação das narrativas. Não perdendo o foco do pressuposto central – o mundo social

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–, a entrevista qualitativa orientou-se pela relação entre os atores sociais e sua situação,

exigindo uma compreensão das crenças, atitudes, valores e motivações.

Buscando investigar o mundo de vida dos alunos do Proeja do Curso de Automação

Industrial e tendo por referência as indicações de Dubar (2005) – relação com instituições,

com o futuro e com a linguagem –, o roteiro elaborado para realizar as entrevistas

individuais dividiu-se em dois blocos de perguntas: o primeiro visou a contextualizar a

condição socioeconômica atual, o grau de instrução dos pais e a relação do aluno com o

trabalho (se trabalha, trabalhou e em que área); o segundo, de perguntas, objetivou

verificar se houve alguma interrupção da continuação dos estudos e qual foi o motivo; qual

a motivação para retornar à escola; a relação do aluno com a instituição Cefetes e com a

modalidade de ensino EJA; as projeções para o futuro relativamente à continuação dos

estudos e ao mundo do trabalho. Por conta dos objetivos de cada bloco de perguntas, cada

um deles teve um tratamento diferente: o primeiro bloco teve seus dados tratados em forma

de tabela, enquanto no segundo bloco foi aplicada a técnica DSC – Discurso do Sujeito

Coletivo – para reunir os discursos dos alunos na forma de uma fala coletiva única.

Para GASKELL (2002), o grupo focal é uma técnica de coleta de dados na qual o objetivo

é estimular a fala dos participantes para reagir àquilo que outras pessoas no grupo falam.

Apesar de diferenciada quanto à forma de aplicação, o grupo focal tem os mesmos

objetivos da entrevista individual, porém com os resultados modulados pela característica

de atividade coletiva. Conforme esse autor, o grupo focal constitui uma “interação social

mais autentica que a entrevista (...) um exemplo da unidade social mínima em operação e,

como tal, os sentidos ou representações que emergem são mais influenciados pela natureza

social da interação do grupo em vez de se fundamentarem em perspectivas individuais”.

(GASKELL,2005,p.75). Isso porque ocorre processo dentro de um grupo no momento da

realização de um grupo focal resultantes da interação entre os indivíduos.

Tanto o procedimento de aplicação da pesquisa semiestruturada como a realização do

grupo focal se basearam em roteiros de perguntas (APÊNDICE D). Todavia, em muitos

momentos, outras questões – também relacionadas ao contexto da pesquisa – foram

trazidas pelos alunos. A essas questões não previstas inicialmente foi dada a mesma

dimensão de importância das demais questões, por entender que, na livre expressão de

ideias por parte de um sujeito, se encontram aquelas percepções, representações, ideias,

conceitos e atitudes que são o real objetivo da pesquisa.

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A imersão no campo de pesquisa foi facilitada, pois o pesquisador pertence ao quadro de

docentes efetivos do Cefetes e é ligado ao Curso de Automação Industrial, além de ter

atuado, em alguns momentos, junto dos alunos do Proeja em Automação Industrial, na

orientação do projeto integrador de algumas turmas. O convite para participar de

entrevistas foi feito pessoalmente aos alunos no próprio ambiente escolar, onde também

foram realizadas. No início de cada entrevista era exposta uma visão geral da pesquisa e

seus objetivos, bem como a garantia da preservação do anonimato. O motivo da exposição

geral da pesquisa foi importante para situar o aluno no processo da pesquisa de forma a

garantir a espontaneidade do discurso e também para iniciar um processo de troca. Diante

disso, entendemos que o aluno não é um objeto a ser pesquisado de forma imparcial, mas

um sujeito que deve também participar desse momento em que entra em contato com um

mundo da pesquisa cientifica.

6.2 DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO: UMA METODOLOGIA DE ANÁLISE DO DISCURSO

LEFEVRE e LEFEVRE (2003) desenvolveram uma metodologia de análise de discurso a

qual batizaram de Discurso do Sujeito Coletivo, identificado pela sigla DSC. O objetivo

final dessa metodologia é desenvolver, para uma determinada questão que o pesquisador

elaborou e à qual respondeu um grupo de pessoas, um texto único que represente a soma

dos discursos individuais. A ideia central é que, dado um conjunto de respostas a uma

mesma questão, as falas que forem complementares poderão ser agrupadas e representarão

o discurso não apenas de um sujeito, mas de um coletivo de sujeitos. Considerando que os

pensamentos expressos pelos sujeitos compõem uma matéria discursiva e, mediante uma

resposta a uma pergunta aberta, o entrevistado emite uma opinião, uma ideia, um

pensamento que, por fim, é a representação social do grupo pesquisado sobre determinado

tema, LEFEVRE e LEFEVRE (2003) propõem uma metodologia que indica a existência

de um sujeito individual do discurso. Trata-se de uma “proposta de organização e

tabulação de dados qualitativos de natureza verbal” que visa a “analisar o material verbal

coletado extraindo-se de cada um dos depoimentos (...) as ideias centrais e/ou ancoragens e

suas correspondentes expressões-chaves” para construir um “discurso coletivo (que)

expressa um sujeito coletivo, que viabiliza um pensamento social”, que, por fim, “visa dar

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luz ao conjunto de individualidades semânticas componentes do imaginário social” para

“fazer a coletividade falar diretamente” (LEFEVRE, 2003,P.15-16).

As figuras metodológicas propostas pelos autores para confeccionar os discursos dos

sujeitos coletivos – DSCs – são as expressões-chave, as ideias centrais e as ancoragens. Por

expressões-chave (ECH) compreendem-se trechos literais do discurso de um sujeito que

representam a essência daquilo que foi proferido pelo entrevistado e que serão a matéria-

prima para a construção dos sujeitos coletivos. A ideia central (IC) é um nome que revela e

descreve de forma sucinta, sintética, resumida, o sentido de um conjunto de expressões-

chave homogêneas. Um conjunto de respostas individuais para uma mesma questão pode

ter ideias centrais (IC) diferentes; logo, para cada pergunta realizada, existirão tantas ideias

centrais (IC) quanto forem necessárias para reunir em grupos homogêneos as expressões-

chave (ECH) selecionadas. Dessa forma, a ideia central (IC) é a essência de um conjunto

homogêneo de expressões-chave (ECH).

Em alguns casos, entretanto, essa essência transcende o universo de representações dos

respondentes e deriva diretamente de uma teoria, ideologia ou crença. Nessa situação,

apesar de o discurso proferido pelo entrevistado ser elaborado por ele mesmo, o

pesquisador vê, para além das palavras, um contexto maior e exterior que influencia a fala

do sujeito. Exatamente por estar relacionado, ancorado em uma ideia exterior, esse tipo de

expressão-chave (ECH) remeterá a uma ancoragem (AC) ao invés de uma ideia central

(IC).

Como exemplo da diferença entre ideia central (IC) e ancoragem (AC), declaramos que o

questionamento sobre o que os alunos entrevistados achavam da modalidade EJA originou

algumas ideais centrais (IC), enquanto o questionamento sobre a importância da automação

industrial produziu uma ancoragem (AC). Isso porque, quando indagados sobre a

modalidade EJA, por exemplo, os alunos tendem a demonstrar opiniões baseadas nas

próprias experiências.

O tema “automação” está presente à sociedade de forma mais ampla, independentemente

de o entrevistado estar inserido ou não em um contexto em que a automação é vivenciada.

No primeiro caso, a experiência com EJA foi uma experiência basicamente relacionada ao

contexto vivido pelo grupo, uma vez que o tema não tem tanta projeção que permita

posicionamentos – a priori – consistentes; no segundo, pelo contrário, a automação é um

tema mais geral da sociedade e sobre o qual existem discursos diversos preestabelecidos,

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como o discurso da automação geradora de desemprego ou o discurso da automação como

fundamental para o desenvolvimento tecnológico.

De posse das expressões-chave, das ideias centrais e de possíveis ancoragens, o próximo

passo é construir o discurso do sujeito coletivo por meio dos instrumentos de análise do

discurso (IAD). Os instrumentos de análise do discurso dividem-se em duas tabelas

denominadas IAD 1 e IAD 2. O IAD 1 consiste nas etapas já descritas anteriormente:

selecionar expressões-chave, identificar ideias centrais e ancoragens; o IAD 2 consiste na

construção do discurso do sujeito coletivo propriamente dito: as expressões-chave

homogêneas são agrupadas e depois unidas em único discurso. Para que tenham um caráter

de discurso individual, é necessário retirar as particularidades, como expressões pessoais,

nomes próprios e referências pessoais. O DSC deve representar um coletivo de discursos

sem, todavia, perder a essência de um discurso individual. O APÊNDICE C traz um

exemplo de construção de DSC realizado nesta pesquisa.

Segundo a definição dos autores (LEFEVRE, LEFEVRE,2005,P.15):

O DSC consiste, então, numa forma não-matemática

nem metalingüística de representar (e de produzir),

de modo rigoroso, o pensamento de uma coletividade,

o que se faz mediante uma série de operações sobre

os depoimentos, que culmina em discursos-síntese que

reúnem respostas de diferentes indivíduos, com

conteúdos discursivos de sentido semelhante.

A metodologia do DSC fundamenta-se na ideia da existência de um eu coletivo que

considera que um indivíduo, ao expressar uma opinião acerca de determinado tema, é um

ser social sob o aspecto sociológico e se expressa nessas condições. O “eu” do DSC

procura reconquistar esse “eu social” que se projeta para além do indivíduo.

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7 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

O capítulo de análise e discussão dos resultados será dividido em duas partes: na primeira,

serão apresentadas as análises das falas dos alunos advindas das entrevistas individuais,

dos grupos focais; na segunda, a análise dos discursos proferidos foi relacionada ao

referencial teórico usado neste estudo, com o objetivo final de identificar traços das formas

identitárias provenientes da socialização que ocorre durante o processo de formação.

7.1 A OBSERVAÇÃO COMO ELEMENTO ORIENTADOR DA PESQUISA

Inicialmente sem constituir um instrumento formal de coleta de dados deste estudo, a

observação do grupo de estudo antecedeu a realização da pesquisa em questão e constituiu

a primeira fonte de informações e o primeiro contato com as questões relativas ao Proeja e

ao mundo dos alunos participantes dessa modalidade. Mediante a realização de palestras

que visaram a apresentar o Curso de Automação Industrial aos alunos ingressantes; o

acompanhamento e sugestões realizadas nos projetos integradores; visitações realizadas ao

CEFET Uned Serra para apresentação dos laboratórios; a atuação como professor de parte

desses alunos e, por fim, conversas com os alunos nos corredores e pátios da escola,

contatamos o universo de representações e sentimentos desses estudantes. Apesar de a

observação não ter sido um instrumento formal de coleta de dados desta pesquisa,

influenciou a análise dos resultados, uma vez que propiciou maior entendimento do

contexto em que os sujeitos estavam inseridos.

Nesta pesquisa, a observação contemplou o acompanhamento do grupo de estudantes que

constituíam o grupo de sujeitos de análise durante um evento singular no processo de

formação: a passagem da parte básica do curso – dois anos de formação geral – para a

parte técnica do curso – dois anos de formação profissional. Nesse momento ocorre

modificação total no tipo das disciplinas estudadas, conforme pode ser visto na

comparação entre os currículos nos APÊNDICES A e B. Tal transição incluiu também a

mudança física de realização do curso: a parte básica foi realizada no Cefetes sede

(município de Vitória) enquanto a parte técnica, no Cefetes Uned Serra (município da

Serra). Outro fato significativo é que, no Cefetes Uned Serra, os alunos provenientes do

Proeja ingressam nas turmas do curso pós-médio junto com alunos provenientes do

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processo seletivo que não é o do Proeja. Ocorre que toda a metodologia desenvolvida e

todo o conceito da educação de jovens e adultos não estão presentes durante a fase de

formação técnica, não havendo diferenciação entre alunos provenientes de diferentes

formas de ingresso.

Nesse ponto, consideramos importante relatar o contexto em que transcorreu a fase de

coleta de dados desta pesquisa, realizada ao longo do segundo semestre de 2008. Esse

período coincide com a chegada da primeira turma de Proeja ao Cefetes Uned Serra; por

isso, trata-se de evento singular no processo de formação. Durante o começo de período,

havia entre os alunos um clima de euforia pelo início dessa nova fase, mais relacionada à

formação profissional, com a realização das matérias técnicas e pelo vislumbre do que

seria, efetivamente, o trabalho na área de automação industrial. As entrevistas individuais

ocorreram mais no início do semestre e os entrevistados deixaram transparecer esse

entusiasmo, já sinalizando que, para a obtenção da aprovação no final do semestre, seria

necessário muito esforço dada a natureza das disciplinas estudadas – todas baseadas em

física e com forte necessidade de conhecimento de matemática.

Os grupos focais foram realizados no final do período. O clima dos dois primeiros grupos

focais deixou transparecer tais sentimentos de incerteza e insegurança quanto à aprovação

nas disciplinas, entretanto houve a participação efetiva dos entrevistados na discussão dos

temas propostos. O último grupo focal foi realizado na semana final de aula quando os

resultados finais já haviam sido divulgados. Como a quase totalidade dos entrevistados

havia ficado retida no módulo devido a reprovações, todo esse sentimento esteve presente

durante o encontro, refletindo as incertezas quanto ao futuro da formação profissional.

Vale ressaltar que observamos essa questão da incerteza da conclusão da formação durante

todas as etapas do Proeja: os alunos ingressantes que já possuem ensino médio não sabem

se valerá a pena repetir essa etapa novamente. Aqueles que têm família avaliam

constantemente se o investimento de tempo na escola compensa a ausência no ambiente

familiar; os que trabalham ou os que deixam de trabalhar plenamente analisam a relação

custo benefício de suas escolhas. Ao discurso da educação de jovens e adultos está

presente o conhecimento do histórico de descontinuidade escolar dos alunos – o próprio

documento base do Proeja destaca tal fato –, todavia acreditamos que a não continuação

dos estudos paira sobre os alunos dessa modalidade de ensino como uma opção constante.

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7.2 ENTREVISTAS INDIVIDUAIS

O primeiro bloco de perguntas das entrevistas individuais objetivou contextualizar a

condição socioeconômica atual dos respondentes e obter algumas informações sobre o

passado familiar, a formação escolar, o tipo de atividade econômica em que os pais

estavam inseridos e a relação dos demais membros da família com os mundos da educação

e do trabalho. A Tabela 06 traz alguns desses resultados. O grupo pesquisado dividiu-se

basicamente meio a meio em relação ao gênero dos entrevistados, e a maioria trabalha ou

já trabalhou, tendo parado por motivo de desemprego ou pela necessidade de dedicação aos

filhos. Em relação à idade, a metade encontra-se na faixa entre 20 anos e 25 e a outra

metade distribui-se pelas faixas etárias seguintes. A formação escolar típica dos pais dos

alunos participantes da pesquisa recai no ensino fundamental, completo ou incompleto,

porém, em alguns casos, houve formação profissional, tipicamente do SENAI. Quanto ao

tipo de atividade econômica exercida pelos pais, as profissões de auxiliar de serviços

gerais, porteiro, padeiro, pedreiro, carpinteiro e produtores rurais apareceram entre os que

tinham basicamente o ensino fundamental. Entre aqueles com mais tempo de estudo,

atividades, como eletricista, eletrotécnico, docência, enfermagem e área militar, foram

citadas. A maioria dos pais dos entrevistados veio para a região da Grande Vitória

proveniente de cidades do interior do estado ou de outros estados – Minas Gerais, Piauí,

Pernambuco – em busca de melhores oportunidades de emprego.

Tabela 06 – Características sociais dos sujeitos entrevistados

20 - 25 26 - 30 31 - 35 36 - 40 Idade

8 2 3 2

Solteiros(as) Casados(as) Separados(as) Estado

Civil 7 6 2

Mulheres Homens Gênero

8 7

Sim Não Trabalham ou já trabalharam 12 3

Não estudaram Ens. fundamental Ens. Médio Grau de instrução

dos pais 2 8 5

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O segundo bloco de perguntas das entrevistas foi elaborado de forma a permitir a livre

expressão do aluno sobre os temas tratados. Conforme o APÊNCIDE D, o roteiro continha

quatorze perguntas que foram posteriormente agrupadas por afinidades em cinco

subgrupos. Com base na análise dos discursos dos sujeitos coletivos (LEFEVRE e

LEFEVRE,2003,2005), procuramos elaborar um quadro que permitisse o acesso aos

caminhos da socialização e da criação de identidades ao longo do percurso educacional.

Para isso, categorias, como trajetória escolar, pontos de descontinuidade do processo

escolar, avaliação do EJA e do Cefetes e expectativas em relação ao mundo do trabalho e à

continuidade da formação, foram eleitas como centros de análise.

Por que parei de estudar?

O programa Proeja é destinado a jovens e adultos que não puderam continuar ou concluir

seus estudos. Entretanto, em grande parte dos alunos ingressantes nas turmas analisadas já

possuía o ensino médio concluído. A motivação desses sujeitos para refazer essa etapa

escolar passa pelo desejo de realizar um curso técnico – o que justificaria repetir o ensino

médio – e pela menor dificuldade de acesso ao Cefetes por meio do Proeja. Todavia, o fato

de realizar novamente o ensino médio é visto como positivo: “Já tinha feito o ensino

médio, mas eu achei que valia a pena pelo seguinte fato: como eu fiz o ensino médio em

escola pública, eu não tinha um embasamento”. No imaginário dos entrevistados, o Cefetes

sempre aparece como uma instituição de difícil acesso e boa qualidade de ensino, o que

justificaria a repetição de uma etapa já concluída.

A quase totalidade dos entrevistados tinha histórico de descontinuidade escolar – mesmo

entre os que haviam concluído o ensino médio. Os DSCs elaborados para essa questão

indicaram quatro motivações básicas, que serão apresentadas aqui por acreditar que são

significativos da realidade dos alunos do Proeja. A constituição de família, o trabalho e a

desmotivação pela qualidade do ensino da escola pública representam a maior motivação

para a não continuação dos estudos. Dentre os que haviam terminado o ensino médio, um

motivo comum de não continuação dos estudos estava na não aprovação em vestibulares

de instituições públicas, fato que acabava por gerar desmotivação.

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Tabela 07 – Motivações para Interrupção dos Estudos

Ideia central DSC

Família e gravidez Parei porque casei e tive filhos. Eu, casado com família, chegando do serviço e tendo que estudar ainda, aquele negócio sem porquê.

Trabalho Trabalhava no dia e estudava de noite aí não dava.

Má qualidade do ensino público

Acabou desmotivando pela qualidade do ensino da escola pública. O ensino era precário mesmo.

Não aprovação no Cefetes ou na

UFES

Eu terminei (segundo grau) e fiquei tentando vestibular. Não passei no vestibular e no Cefetes, foram várias tentativas, então eu fiquei sem estudar.

Eu quero estudar no Cefetes: Prestígio versus Oportunidade

A motivação para voltar a estudar observada nas falas dos entrevistados girava em torno da

ideia de que o estudo melhora as condições de vida ao permitir crescimento profissional e

inserção no mercado.

Crescimento profissional. O estudo melhorara as condições

de vida. Eu quero estar no mercado de trabalho, eu quero ter

uma profissão, eu quero ter um curso técnico, eu quero ter

uma responsabilidade econômica, eu quero ser dona do meu

nariz, em função disso, de não precisar pedir dinheiro.

Questão também de querer ajudar em casa.

A escolha do Cefetes para a continuação dos estudos ou para a realização de um curso

técnico profissionalizante teve como resposta de primeiro plano o fato de ser uma escola

pública conceituada e com qualidade de ensino. Todavia uma segunda motivação revelou-

se mais decisiva: a oportunidade de ingresso via Proeja. De forma geral, entretanto, a visão

que se tem da instituição em estudo é positiva, devidamente acompanhada da constatação

da dificuldade de acesso a ela.

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Tabela 08 – Motivações da Escolha do Cefetes

DSC – Escola Conceituada DSC - Oportunidade

Porque o Cefetes tinha uma qualidade de ensino melhor, é uma Escola pública com bom ensino e bem conceituada. É uma escola que tem um prestígio, que tem nome. E também ajudaria muito no meu currículo, pois o mercado de trabalho aceita bem mais, com mais facilidade alunos de Cefetes do que alunos de outras instituições.

Aí eu vi o edital da Escola Técnica, que havia vagas remanescentes para o curso de automação com o ensino médio para sorteio e aí eu fui. Na verdade, foi uma oportunidade que eu tive, porque, hoje em dia, para entrar no Cefetes, tem que fazer uma seleção de alunos. E eu não, eu entrei através de umas vagas sorteadas.

Antes de prosseguir com o tópico seguinte, vale a pena aqui destacar que, ao comparar os

resultados dos tópicos “Por que parei de estudar?” e “Eu quero estudar no Cefetes”,

observa-se que os fatores que levaram à descontinuidade (família, trabalho e desilusão com

a falta de qualidade da escola pública) são os mesmos que motivam o retorno: melhoria da

qualidade de vida familiar, melhores possibilidades no mercado de trabalho e escola

pública de qualidade.

Por que Automação Industrial?

O motivo da escolha do curso a ser realizado no Cefetes teve duas vertentes de análise:

mercado de trabalho e vocação por um lado e completo desconhecimento da profissão por

outro. Aqueles alunos que vivenciaram atividades relacionadas à automação industrial e ao

mundo da indústria, da manutenção e dos serviços elétricos – seja pelo trabalho na área,

seja pela influência da família – vislumbram ampliar as possibilidades profissionais se

concluírem o Curso de Automação Industrial, que é uma formação vista como muito

qualificada, especialista: “Então eu queria ser um técnico em elétrica. Mas tive um contato

com automação e fiquei sabendo mais ou menos o que um técnico de automação industrial

fazia e aí já mudou. Tem tempo que eu queria fazer já automação”. Em menor parcela, a

vocação foi um termo empregado por alguns para justificar a escolha. Vocação, nesse caso,

relacionada a curiosidade e preferências advindas desde a infância por assuntos

relacionados à tecnologia. Aqueles entrevistados que desconheciam as características dessa

área de atuação disseram que a escolha foi influenciada por terceiros – amigos ou

familiares – que terminaram por definir a escolha do curso:

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Não foi bem uma escolha. Eu não tenho quase noção

nenhuma do que é automação. No dia que eu fui para fazer o

processo seletivo uma pessoa sugeriu que automação

industrial é um curso bom. Sugeriu que empresas estavam

vindo para o estado e está tendo uma necessidade muito

grande nessa área. Será uma área boa de estar trabalhando.

Fui então para automação.

Independentemente da motivação para a escolha do curso, quando indagados sobre a

importância da automação nos dias de hoje, foram unânimes nas respostas: exaltação da

tecnologia como essencial, salvadora e facilitadora da vida em sociedade. A construção

desse discurso do sujeito coletivo implicou a observação de uma ancoragem. O conceito de

ancoragem na metodologia do discurso do sujeito coletivo diz respeito a uma representação

geral presente à sociedade estudada que direciona as falas e representações individuais.

Nessa questão específica, identificamos o discurso da tecnologia salvadora – ou da

tecnologia indispensável para o funcionamento da sociedade – como uma ancoragem que

dá suporte às falas dos entrevistados. A Tabela 09 a seguir traz a ideia central relacionada a

essa questão.

Tabela 09 – Representações acerca da Automação Industrial

Ideia central: Discurso da tecnologia salvadora

Automação é importante porque é o futuro. Sua importância nos dias de hoje é tão grande

quanto as transformações que estão ocorrendo. Sem automação hoje é mais ou menos

voltar lá para a idade da pedra lascada. A Automação está presente a todo o momento,

todos os dias nas nossas vidas, e a tendência de tudo, fique automatizado. Está sendo

essencial, pois você pode utilizar em todas as áreas. Está presente em tudo, comercial,

residencial. Veio para facilitar a vida das pessoas, em todos os sentidos, na questão de

crescimento para toda uma população, porque é o trabalho de um que vai favorecer a

muitos e que visa à melhoria das empresas e melhora o trabalho do ser humano. É

impossível que, em qualquer área, não tenha um engenheiro, um técnico, alguém que

saiba de automação, então tem que já procurar adquirir um conhecimento do futuro.

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A escolha de uma escola profissionalizante revela o caráter instrumental do retorno à

escola: não se busca aumentar a escolarização visto que há os que já possuem ensino

médio, mas sim um curso técnico que facilite a inserção na vida profissional. O Curso de

Automação Industrial corresponderia a essa expectativa, além de ser um curso valorizado

socialmente. Por estar estreitamente vinculado às inovações tecnológicas, é encarado como

uma forma de elevação de prestígio profissional dos trabalhadores.

A modalidade Educação de Jovens e Adultos

A educação de jovens e adultos é uma modalidade específica dentro do Cefetes, todavia o

EJA não é algo que seja familiar a todos os membros dessa comunidade escolar. Entre os

discentes e docentes que não fazem parte dessa modalidade de ensino, uma minoria tem

conhecimento acerca das propostas e do público do projeto. E, quando se trata da

sociedade de uma forma geral, o nível de desconhecimento é maior ainda e refletiu-se nas

falas dos entrevistados quando o tema tratado foi o conhecimento prévio do EJA e as

motivações para a escolha dessa modalidade. Alguns alunos só descobriram que estavam

inscritos no Proeja com o início das aulas. Outros sabiam somente que a modalidade tinha

um sistema de ingresso diferenciado dos demais cursos, constituindo-se assim algo

diferente. Na maioria dos casos o conhecimento do EJA no Cefetes foi por meio de uma

terceira pessoas – familiar ou amigo – que já estudava nessa instituição. Um segundo

grupo de entrevistados relatou ter tido conhecimento por meio dos editais públicos da

instituição em jornais ou no site oficial da escola. Em outros casos, ao realizar um curso

preparatório para ingresso no Cefetes ou para a universidade, tinham conhecimento por

intermédio dos professores.

Quando indagados acerca de como viam a modalidade EJA, as falas dos alunos destacaram

dois aspectos: a EJA como uma oportunidade e a EJA como uma modalidade diferenciada

de ensino. A EJA como oportunidade ressalta a essência da modalidade, que dá

oportunidade de um retorno à escola àqueles que foram, de alguma forma, excluídos do

processo educacional formal. O outro conjunto de respostas destacou que a modalidade

não é uma modalidade formal focada somente nos conteúdos, pelo contrário, visa ao

desenvolvimento de consciência social, à capacidade de trabalhar em grupo e da integração

entre conteúdos e aplicações reais. Tal aspecto diferenciado da modalidade EJA foi muito

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influenciado pela existência do projeto integrador – tema sempre citado nas entrevistas. O

projeto integrador direcionou, a um só tempo, os conteúdos programáticos para aplicação

prática e desenvolveu o senso de trabalho em equipe, tendo sido sempre referenciado como

uma atividade muito importante do programa EJA do Cefetes.

Tabela 10 – Representações acerca do EJA

IC - EJA como oportunidade

IC - EJA é uma modalidade diferenciada de ensino

Muito bom. Isso aí abre portas para muita gente. A questão de dar oportunidade às pessoas de maior idade. Não tem como a pessoa de 30 anos entrar no integrado com aluno de 15 anos, de 16. Essa oportunidade é legal. Eu tenho convivido com pessoas de uma certa idade que não tem mais vontade de estudar, que eu tenho falado comentado sobre o EJA no Cefetes, e eles têm se interessados.

O ensino médio EJA é diferente do ensino médio normal em escola pública. No EJA eles procuram visar à formação do aluno, que ele possa trabalhar em equipe. Eu achei muito importante no aspecto de integração. Integração que eu falo é conjunto, como se trabalhar em conjunto, em equipe entendeu. Eles focam mais para a sociedade. Como tem um projeto, eles te ensinam como fazer um projeto, quais são as dificuldades da sociedade, e também jogar as matérias, matemática, português para esse projeto. A escola pública não fazia isso, era separado.

Uma das entrevistadas teve uma opinião diferente sobre como via a modalidade EJA.

Referindo-se à experiência que teve com a EJA no Cefetes, realizou uma análise não da

modalidade em si, mas da modalidade da EJA na escola: sua estrutura, funcionamento e

possibilidades. A aluna – que foi da primeira turma de EJA de Automação Industrial –

percebeu as modificações pelas quais passava a instituição na implantação do curso.

Destacou o aspecto processual inerente à implantação de qualquer projeto. Ressalto a

seguir a fala da aluna por considerar que apreender a estrutura da escola como um

processo, e não como algo estático, favorece a compreensão dos movimentos escolares:

Porque durante o curso, no início, a gente foi aprendendo

muito uns com os outros. Porque como era um modelo novo

de ensino, até a coordenadoria às vezes não sabia

exatamente o que passar para a gente, a gente não sabia o

que esperar de determinadas coisas, não sabia muita coisa

sabre o nosso curso, então eu acho que, creio que as pessoas

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que hoje estão entrando já estão encontrando um novo EJA.

Quando eu peguei (a EJA) era uma criança, deve ser um

adolescente agora.

A modalidade de ensino integrado do PROEJA no Cefetes foi implantada através de um

curso de quatro anos de duração, dividido em duas partes: dois anos de ensino geral e dois

de ensino técnico. Essa configuração visou uma adaptação à estrutura já existente no

Cefetes dos cursos técnicos pós-médio, que são realizados em dois anos. Dessa forma, o

aluno ingressante no Proeja realizaria dois anos de estudos gerais, correspondentes ao

ensino médio, e, depois, os dois anos correspondentes à formação profissional. É

importante ressaltar que as estruturas desses dois períodos são completamente

independentes: equipe pedagógica e professores. No caso dos cursos de Informática e

Automação Industrial, fisicamente independentes, uma vez que a formação básica é realiza

na unidade central e a parte profissional, em outra unidade.

Acerca dessa situação, as falas dos entrevistados revelaram o desejo de realizar um curso

plenamente integrado, destacando que a integração entre parte propedêutica e parte

profissional seria importante, tanto da perspectiva educacional quanto em relação a

questões motivacionais. O fato de que na própria instituição existem cursos integrados com

quatro anos de duração também foi destacado na fala dos entrevistados.

Tabela 11 – Percepções sobre a Estrutura do Curso

Ideia central: Integrado seria melhor

Eu entrei pensando que era os quatro anos integrados, porque eu acho que daria um motivo a mais para a pessoa já está estudando, porque ficaria vendo o técnico como é que é e ali, no exercício e na prática, daria uma motivação a mais. Integrado é melhor, você aprende os dois ao mesmo tempo. Eu acho que o fato do aluno ficar ansioso pela área técnica deixa muitas pessoas desmotivadas. Já poderia estar pensando em um estágio a partir do momento em que ele já tivesse um conhecimento que desse para ele encarar um estágio. Matérias específicas caminhando junto com segundo grau, se você tem um problema, por exemplo, como acontece aqui na turma, a gente com algumas dificuldades em matemática, então você tendo um professor de matemática pode te ajudar a sanar. O ensino médio lá integrado não é junto? Por que o ensino médio não pode ser? Nas reuniões que nós participamos que veio o pessoal do Sul, ela (Secretária de educação do Paraná) falou que lá é junto; acho que é três anos lá.

O Curso de Automação Industrial Proeja funciona no período vespertino. Esse fato foi

relatado como a principal causa de evasão dos alunos que ingressaram no curso. A evasão

é significativa: da primeira turma de automação industrial apenas uma aluna conseguiu

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finalizar os dois anos de ensino básico e, na terceira turma, de vinte e oito ingressantes

apenas quatro chegaram à parte profissional do curso. Na segunda turma, esse valor

chegou a cinquenta por cento. Outro fator apontado como motivador de evasão foi o fato

de alguns alunos ingressantes no Proeja já possuírem o ensino médio concluído, o que

destoa completamente da proposta da modalidade de ensino. Alguns alunos entraram no

programa apenas para abandoná-lo logo a seguir.

Quando se coloca assim, PROEJA, se coloca assim:

educação de jovens e adultos. Quando nós entramos, na

prática não é bem assim. Tinha esse lado de jovens e adultos

sim, mas tinha outro lado de pessoas que já tinham o ensino

médio completo. Como já tinham terminado o ensino médio,

não levaram a sério, tiraram a oportunidade de muitas

pessoas que precisavam. A maioria já tinha ensino médio,

que eles aproveitaram isso como forma de entrar no

CEFETES. Só que quando chegou lá o fato de já ter ensino

médio, mais quatro anos então alguns desistiram por isso.

Entretanto, a causa que mais influenciou a evasão, segundo o relato dos entrevistados, foi o

horário de realização do curso. A realização do curso no período vespertino

impossibilitaria a questão do trabalho, que é um dos temas caros ao discurso da educação

de jovens e adultos. Vale a pena ressaltar que alguns cursos do Proeja são realizados no

período vespertino e outros, no período noturno, uma vez que não seria possível a

realização de todos os curso apenas em um período.

Tabela 12 - Causas da Evasão

Ideia central: Horário vespertino incompatível com necessidade de trabalhar

Alguns, era questão de trabalho, não tinha como conciliar as duas coisas. Um tinha que trabalhar para ajudar a família, outro foi porque estava trabalhando e a empresa estava necessitando mandar para fora do estado ou do país. Ou a pessoa já trabalha e não pode estudar, ou ele quer trabalhar e o horário vespertino atrapalha um pouco. Porque aí você só tem a parte da manhã. Seria interessante se o curso fosse à noite ou pela manhã. Porque aí você só tem a parte da manhã. Se fosse a noite, ia alcançar um público mais assim de trabalhadores. De repente até porque não dizer um pessoal mais interessado, não que o pessoal esteja desinteressado, mas pessoas que trabalham na área de elétrica, que devem ter um interesse muito grande por automação, de repente trabalha em uma empreiteira da Vale, da CST, não vai ter um horário flexibilizado. Outros acabaram desistindo porque reprovaram, porque tinha que trabalhar. Às vezes, dentro da escola,

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por reprovação, dependência nas matérias, foi acumulando, foi ficando para trás e resolveu parar de vez. Quando se coloca assim, Proeja, se coloca assim: educação de jovens e adultos. Quando nós entramos, na prática não é bem assim. Tinha esse lado de jovens e adultos sim, mas tinha outro lado de pessoas que já tinham o ensino médio completo que aproveitaram isso como forma de entrar no Cefetes.

Quando foram solicitados a falar sobre o que o curso já havia acrescentado a eles, os

alunos relataram vários pontos positivos, de engrandecimento pessoal, de aquisição de

habilidades e, por fim, de melhoria da autoestima. As respostas giraram ao redor de três

ideias centrais: melhoria dos fundamentos, melhoria da sociabilidade e visão de mundo

ampliada. Novamente o projeto integrador foi apontado como a dinâmica que melhor

permitiu o desenvolvimento da turma. O item referente à melhoria dos fundamentos

relacionou-se à melhoria do português falado e escrito, principalmente por meio das

apresentações. A realização do projeto integrador contribuiu para que os alunos

realizassem uma relação entre as matérias do ciclo básico e alguns conceitos técnicos da

área de automação industrial e, ademais, atentassem para a interdisciplinaridade inerente a

qualquer tipo de trabalho:

Foi um ponto muito interessante do Proeja a ligação de

todas as disciplinas, tipo assim, se você fazer um programa

você precisar de português, matemática, e isso nunca passou

pela minha cabeça. Na verdade, tudo tem uma ligação.

Também vi muitas coisas que aqui (na parte técnica) vai ser

bem aproveitada, como a parte de física, matemática.

Em relação ao item melhoria da sociabilidade, a melhoria da comunicação advinda da

necessidade de trabalhar em grupo e de realizar apresentações – todos os itens relacionados

em grande parte ao projeto integrador – foi destacada pelos entrevistados:

Quando eu entrei lá, eu nem sequer sabia conversar direito.

Tinha medo de conversar. Meu português melhorou, minha

comunicação. Lá se aprende com o projeto, a gente participa

de apresentações. Isso me faz aprender a me comunicar com

as pessoas e a ver o mundo de uma forma diferente.

Por fim, a questão da ampliação da visão de mundo relatada diz respeito à modificação na

forma de estar e sentir-se no mundo, à modificação no modo de pensar e de ver os

problemas. É muito interessante como, a despeito de problemas do processo educacional

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citados anteriormente, ocorre efetivamente o crescimento pessoal dos participantes. O DSC

abaixo traz as falas dos alunos, entretanto tenho de relatar, neste momento, algo que não

pode ser visto: o olhar de realização dos entrevistados ao responder à pergunta “O que o

curso já acrescentou para você?” Muitos rostos iluminaram-se e sorrisos foram abertos

para dizer que “Depois que eu entrei no Cefetes, sou outra pessoa”.

Mudou muita coisa na vida da gente. O modo de pensar da

gente muda muito. Às vezes, a gente fica naquele mundo

muito pequeno, de querer coisinhas. No aspecto de você não

olhar somente num foco, você vê tudo que está ao seu redor,

tudo que está acontecendo. O curso leva a gente assim de

olhar mais para frente, a ter sonhos de alcançar

oportunidade melhores na vida. Crescer como pessoa, ter

uma mente melhor sobre o que está acontecendo. Aprendi a

estudar, a gostar de estudar, estou começando a gostar de ler

agora. Depois que eu entrei no Cefetes, sou outra pessoa.

Eu quero trabalhar com...

Outro bloco de perguntas procurou investigar as projeções dos alunos do Curso Proeja em

Automação Industrial em relação ao futuro profissional e à continuação de estudos. O

objetivo desse foco foi analisar as influências externas e internas durante a formação dos

alunos, em busca de relações entre os objetivos futuros e o contexto educacional e a

história de vida.

Tabela 13 – Ideias Centrais Sobre Objetivos ao Final do Curso

Trabalhar em uma empresa do ramo

Melhoria no trabalho atual

Respeito Iniciar um negócio próprio

A maioria dos respondentes tem como objetivo imediato, após a conclusão do curso,

trabalhar em alguma empresa do ramo, tipicamente nas grandes indústrias que operam no

Espírito Santo nas áreas de petróleo, siderurgia e celulose. Todavia, há também a

consciência de que nem sempre isso é possível, considerando também as oportunidades em

empresas menores são. Pelo contato com a área técnica, inicialmente por meio do projeto

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integrador e depois pelas matérias técnicas, o sentido de ser um profissional dessa área vai

sendo aos poucos incorporado: “Sinceramente (pensava) em trabalhar em uma área bem

diferente dessa daqui. Mas, à medida que eu estou conhecendo as coisas, eu estou gostando

do que eu estou aprendendo”. A melhoria nas condições atuais de trabalho foi apontada por

aqueles que já atuam em áreas correlatas, geralmente ligadas a trabalhos com eletricidade e

áreas afins. Para esses, o curso de automação industrial é um meio de ampliar

possibilidades profissionais. A iniciativa de um projeto de trabalho próprio esteve presente

às respostas, todavia em menor quantidade de respondentes. Uma aluna apenas teve uma

fala em relação ao desejo de obtenção de respeito por meio da realização do curso:

É que eu saia daqui uma profissional muito qualificada.

Chegar lá fora, mesmo que não tenha uma vaga para mim,

ser respeitada.

Todavia reproduzi a resposta, pois essa aluna, em outro momento da pesquisa, relatou ter

tido diversos problemas com empregos em que “perdeu muito dinheiro”, ao não receber

dos empregadores o pagamento de seus serviços. Essa situação expõe um contexto de

queda da remuneração do trabalho, mesmo para as funções mais especializadas, que,

muitas vezes, submetem o indivíduo a um ciclo de emprego a que nem sempre as garantias

mínimas estão presentes. A sentença “(...) mesmo que não tenha uma vaga para mim, ser

respeitada” expõe, primeiro, um desejo de ser respeitada na sociedade e, depois, a

formação qualificada, que é uma forma de obter tal respeito.

Diante da pergunta sobre se desejam continuar os estudos após a conclusão do curso no

Cefetes, quase todos os alunos revelaram que pretendem continuar os estudos,

prioritariamente na área de concentração de engenharia, fortemente influenciados pela

vivência adquirida na instituição de ensino no Curso de Automação Industrial.

Sim. Com certeza. Eu quero continuar estudando. Eu

quero fazer faculdade. Curso superior no mesmo

ramo, na parte de engenharia que complementasse

elétrica, automação, mecatrônica. Engenharia

voltada para automação.

Uma aluna já realiza formação superior no curso de pedagogia em uma faculdade com

modalidade de ensino à distância, semipresencial. O destaque para essa aluna deve-se ao

seu relato de que os conhecimentos adquiridos no Cefetes – e por meio dele – permitiram-

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lhe uma boa colocação no Enem após vinte anos sem estudar e, com a bolsa do Enem, o

ingresso na instituição superior com os estudos custeados. Finalizo a parte desta pesquisa

com a fala da aluna, por acreditar que expressa os processos de socialização e formação de

identidade que ocorrem no decorrer da vivência escolar.

Eu ganhei uma faculdade graças ao Cefetes. Com

todas as coisas ruins que teve, mas tinha coisas

maravilhosas. Tinha professores maravilhosos lá que

se preocupavam que queriam dar aula, e com esses

professores eu aprendi, eu ganhei. Então, hoje eu sou

uma pessoa, não vou dizer mais culta, mas com mais

conhecimento. Eu sou uma pessoa com mais

conhecimento com certeza.

7.3 GRUPO FOCAL

A atividade do grupo focal foi realizada em três encontros dos quais participaram alunos

que responderam às entrevistas individuais. O primeiro momento do grupo focal teve por

objetivo o momento presente do grupo: investigar o estado atual de conhecimento e

representação em relação ao Curso de Automação Industrial; à automação industrial como

atividade de trabalho; ao Proeja; à representação que os alunos têm de si mesmos e à

representação que os outros têm deles. O segundo momento pretendeu investigar a história

de vida dos alunos, a comunidade de origem, a relação com o trabalho dos pais e o

primeiro contato com o mundo do trabalho, focando assim no passado do aluno. As

relações entre a escola e o mundo do trabalho formaram o tema do terceiro encontro. Com

base nas experiências de trabalho dos alunos, objetivou-se investigar de que forma a escola

prepara, ou não, ou aluno para o trabalho; quais habilidades, posturas, atividades,

conceitos, atitudes são demandadas e trabalhadas na escola e quais são demandadas – e

cobradas – no mundo do trabalho.

Durante o primeiro encontro, observou-se que a relação dos alunos com a automação, no

sentido geral de inovações tecnológicas, remete em parte à teoria do capital humano, na

qual a não realização profissional é resultado de falta de formação escolar. A não

qualificação escolar é vista como um dos fatores geradores do desemprego. Nas falas “Não

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adianta, se você ficar parado no tempo, você vai ficar para trás, então vai gerar desemprego

porque o cara não se qualificou, não buscou, não foi atrás” e “na verdade, acontece uma

mudança na estrutura, e quem não se adapta fica fora do mercado de trabalho”, há a relação

formação versus produtividade, presente ao discurso da teoria do capital humano. E, sob

outro aspecto, a relação com o desenvolvimento tecnológico – visto aqui sob o termo geral

de automação – é uma relação ambígua, que ora destaca a importância da tecnológica na

sociedade moderna, ora analisa a questão do desemprego gerado pelas inovações: “mas

eles (o seminário*) não deixaram de mostrar que, apesar deles mesmos afirmarem que a

automação desemprega, mas que ninguém vive sem, é necessário para todo mundo; sem

perceber as pessoas necessitam da automação”. O seminário a que o entrevistado se referiu

em sua fala foi um encontro sobre o (des)empregro na era da automação, realizado na

Universidade Federal do Espírito Santo. (nota de rodapé). O desenvolvimento tecnológico

é visto como algo inevitável que gera desemprego, mas também beneficia a sociedade. A

fala de uma das entrevistadas exemplifica essa relação:

Se a gente pegar o exemplo do caixa eletrônico, a gente vai

observar que desempregou um pouco? Desempregou alguns

bancários, diminuiu a quantidade de gente, mas as pessoas

ficaram mais independentes, com mais tempo, a sociedade,

de estar fazendo seus depósitos, seus saques, não ficou mais

tão dependente assim, então foi uma coisa boa. Se você olhar

por um lado, aqueles que se qualificaram na era da

informática e da tecnologia, dos bancários, eles ficaram; os

que não conseguiram se adaptar a essa nova etapa, eles

saíram. Na verdade acho que nem foram mandados embora,

eles falaram “isso não dá mais para mim, então vou buscar

outra coisa na minha vida”, e a sociedade fez o quê? Foi

aprender a usar as máquinas.

Os artifícios do capital relacionados à ampliação da mais-valia também foram citados nesta

observação: a promessa do capital de que as inovações tecnológicas viriam para diminuir a

quantidade de trabalho, quando, na verdade, o que se observa é um aumento na quantidade

de trabalho devido ao fato aperfeiçoar o capital em relação aos meios de produção.

O que se faria em tanto tempo, com a automatização seria

menos tempo. Mas na verdade as pessoas estavam se

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tornando escravos da automação porque acabavam levando

trabalho para casa, com notebook, em casa estava

trabalhando, e a carga horária continuava sendo a mesma.

Também vale citar a observação de uma das entrevistadas em relação ao discurso sobre

automação presente na escola e ao discurso de alunos quando esses entram em contato com

as demandas do mundo do trabalho. O interessa da fala da aluna é que expõe uma

contradição: apesar da discussão sobre impactos do uso da tecnologia, uma vez em contato

com a aplicação prática dos conhecimentos adquiridos, o discurso do modo de produção

capitalista prevalece:

“Uma coisa que observei na Mostra (Mostra Tecnológica da

Uned Serra) (...) o que me chamou atenção foi o pessoal do

hidrômetro. Então quando eles fizeram o hidrômetro que era

analógico para digital, qual foi a visão? Foi visão de

empresa (...) foi visão de empreendedor “eu vou fazer esse

relógio digital, eu vou ter mais tempo, eu vou diminuir a

quantidade de funcionários que está lendo”. A visão que eles

tem, que foi formada, foi essa, para automação (...). Então

acho que está um pouco ainda ligada a isso: eu vou

melhorar, mas vou tirar mão-de-obra, eu vou diminuir a

mão-de-obra para que minha empresa tenha lucro, então o

pensamento ainda está voltado para isso, só que, quando a

gente começa a estudar, buscar o que é automação, não é

bem isso que se fala.”

A socialização proveniente da vivência dos alunos no ambiente escolar e as relações e

sentimentos provenientes dessas relações foram externadas diante da pergunta – se, no

ambiente familiar e na comunidade onde vivem, eles sentem-se de alguma forma

destacados por serem estudantes do Cefetes. O “simples” fato do uso do uniforme da

escola é visto como forma de projeção entre os pares: “Eu chego na faculdade com

uniforme (do Cefetes) e dizem: “caraca” ela faz Cefetes, nossa!”. Outros relatos dizem

respeito às tentativas por parte de conhecidos de tentar uma vaga na instituição, que

geralmente resultam em não aprovação no concurso. O sentimento de sentir-se diferente,

de ser respeitado, de ser um destaque em suas comunidades é usualmente vivenciado

quando os alunos são identificados com alunos do Cefetes, geralmente acompanhados do

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discurso de que essa formação os projetará para uma condição melhor de empregabilidade

e possibilidade de ascensão social.

Todavia, ante a pergunta se realmente se sentiam diferentes pelo fato de estudarem na

instituição, as falas indicaram uma relação diferente entre a forma como acham que são

vistos pelos outros e a forma como se sentem. Um dos pensamentos iniciais acerca dessa

pesquisa foi a investigação das identidades profissionais advindas do processo de

socialização durante a formação escolar. Todavia, durante o desenvolvimento da pesquisa,

observou-se que a profissão, o mundo do trabalho efetivamente, não era a característica

principal do grupo pesquisado. Apesar de tratar-se de um curso profissionalizante – e em

grande parte orientado diretamente para atender às necessidades imediatas do mercado –, a

característica principal do grupo é a de serem estudantes: a relação com a escola é

prioritária sobre as demais relações, e o trabalho é visto como algo ainda por acontecer,

relativo ao futuro. Mesmo entre aqueles que trabalham, a condição de trabalhar com

automação, como técnicos dessa área, é lançada ao futuro. Dessa forma, as representações

mais presentes são aquelas relativas ao processo de formação. O fato mais marcante para a

maioria dos entrevistados foi a passagem da parte propedêutica do curso (dois anos

realizados na unidade principal da escola) para a parte técnica do curso (dois anos a serem

realizados na unidade descentralizada da Serra). As dificuldades apresentadas pelos alunos

nessa nova fase foram externadas diversas vezes diante da questão como se sentiam, na

condição de alunos, a despeito da visão que os outros tinham deles por estudarem no

Cefetes. Falas como “Quando a gente está no ônibus e o pessoal fica olhando a gente de

uniforme a gente se acha sim. Mas, quando a gente está aqui dentro estudando, é

diferente”.

Ao serem indagados sobre as transformações que vivenciaram desde a entrada no Cefetes

até o momento presente – finalizados os dois anos do curso básico e cursando o primeiro

período da formação técnica –, tanto em questões pessoais quanto em relação à habilidades

e visão de mundo, os alunos participantes do grupo descreveram situações como de

engrandecimento pessoal, ampliação da visão de mundo, capacidade de realizar inter-

relações entre os conteúdos estudados e o mundo.

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“então o que aconteceu com isso, eu comecei a

prestar atenção no que estava acontecendo com o

mundo. Quando a professora dava as orientações

para a gente em sala de aula, eu levava isso para a

minha vida real e comecei a prestar atenção.”

A expressão de maturidade adquirida durante o processo escolar foi destacada pelos

entrevistados em expressões como:

“eu estou trabalhando agora, me sinto muito mais

seguro. Eu era uma pessoa muito insegura. A partir

do momento que eu entrei no Cefetes e adquiri

responsabilidades, porque lá fiquei na frente da

turma para fazer o projeto de artes, e teve também o

projeto integrador que era responsabilidade de todo

mundo, então isso me ajudou a amadurecer e me

deixou muito mais confiante.”

A referência ao projeto integrador foi uma constante durante as entrevistas. Sempre sendo

associado a bons resultados e visto como catalisador de atividades coletivas voltadas para a

solução de um problema em comum, o projeto integrador é apontado pelos alunos como a

metodologia mais importante do processo escolar, responsável pelas mudanças e

aprendizados mais significativos.

No segundo encontro, as questões em discussão no grupo envolviam o primeiro contato

com o mundo do trabalho e as reações advindas desse momento. Os alunos presentes a esse

encontro começaram a trabalhar na adolescência, em serviços como recepção,

atendimento, comércio (mercearia, padaria), limpeza, seja por motivo de necessidade de

contribuir financeiramente em casa, seja para ter acesso a bens de consumo. De forma

geral, a primeira experiência de trabalho dos participantes foi descrita como não

satisfatória e envolveu a ampliação do mundo familiar vivenciado até então para o mundo

do trabalho.

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“o primeiro emprego eu não gostei, foi uma

experiência horrorosa, eu descobri muitas coisas

ruins, que as pessoas são falsas, eu saí do meu

mundinho e fui para o mundo real, então foi muito

decepcionante.”

Foi perguntado aos entrevistados sobre a relação com o trabalho na comunidade em que

nasceram e passaram a infância e sobre as profissões mais comuns com as quais tiveram

contato inicialmente. As falas revelaram que as profissões, como porteiro, faxineira,

pedreiro, carteiro, balconista, constituíam o horizonte das ocupações profissionais na

comunidade de origem, bem como as ocupações em algumas grandes indústrias, como a

VALE. Depois, o mesmo questionamento foi feito em referência à família – pais e irmãos

mais velhos – e à relação dos alunos com o tipo de trabalho dos pais, de afinidade, no

sentido de querer ser o mesmo, ou de contramodelo, no sentido de não desejar repetir a

trajetória familiar. A maioria dos participantes teve a segunda opção como resposta. Além

disso, a educação surge como uma possibilidade de ultrapassar a condição social herdada

em direção a outras colocações no mundo do trabalho: “no meu caso foi o segundo, você

tem que estudar bastante para não ter a mesma profissão do que eu”.

Uma vez vivenciando o mundo do trabalho, por meio das primeiras experiências de

emprego, foi perguntado ao grupo que conhecimentos pessoais, aprendizagem de

relacionamento, alegrias e decepções envolveram essa etapa. Os depoimentos destacaram

como aspectos negativos a desconfiança presente às relações pessoais no ambiente de

trabalho. A mentira, a necessidade de “aprender a ser mais esperto” e casos de falta de

honestidade para com os funcionários por parte dos patrões marcaram negativamente as

experiências vivenciadas. Em contrapartida, o reconhecimento dos pares e a obtenção de

sucesso em atividades profissionais são apontados como motivo de realização pessoal.

“a satisfação de você melhorar alguma coisa dentro da

empresa. Você dá uma ideia, dá uma sugestão, aquilo ser

aceito, e se funcionar melhorar a empresa. Essa é a alegria de

você trabalhar, a sua contribuição, eu acho que isso aí é a

melhor coisa, não é o salário no final do mês”

O sentimento de independência – “você não precisar de depender de ninguém para nada é

um sentimento muito bom” – as amizades que surgem, o crescimento como pessoa e a

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possibilidade de ajudar outras pessoas por meio de seu trabalho também surgiram nas falas

dos participantes. A inserção no mundo do trabalho é vista como um movimento que,

inicialmente, é marcado por experiências nem sempre fáceis, mas resultam em

aprendizagem de questões ligadas ao relacionamento pessoal e à vida em coletividade,

expandindo o mundo vivenciado pelo sujeito para além do circulo familiar e comunitário.

O terceiro encontro teve como objetivo investigar a relação trabalho-escola, se escola

modifica o aluno e como. Focando somente nos dois anos iniciais do Proeja, colocou-se

para o grupo o questionamento: qual a relação observada entre aquilo que se aprende na

escola e aquilo se faz no mundo do trabalho, as diferenças entre uma pessoa que estudou e

uma pessoa que não estudou, e também a questão do êxito escolar versus o êxito no mundo

do trabalho. Os conhecimentos referentes à disciplina Português, como a oratória, uma boa

escrita e o emprego correto das palavras, foram destacados pelos alunos como

conhecimentos muito importantes no mundo do trabalho. O não domínio desses

conhecimentos é apontado como algo prejudicial: “Se você usar “a gente vai” você é

discriminado dentro do serviço”, pois “Querendo ou não no trabalho, você sendo sempre

observado, o menor vacilo pode ser prejudicial ”.

7.4 ARTICULANDO OS VÁRIOS MOMENTOS DA PESQUISA

Os objetivos principais que nortearam a pesquisa de campo foram, primeiramente, como as

trajetórias de vida – familiar, escolar e profissional – encontram-se presentes ao processo

de socialização dos estudantes e quais condições objetivas – contextos socioeconômicos,

sistemas de formação e de trabalho – interagem com os processos de socialização. Tais

objetivos derivam da questão norteadora desse estudo e se fundamentam na teoria sobre

socialização e identidades de Claude Dubar. A etapa posterior consistiu em analisar como

se articulam as experiências de vida e as condições objetivas e quais traços identitários são

resultantes do processo de socialização.

Antes de prosseguir nessa conclusão, consideramos importante ressaltar que Dubar tem por

tema central as identidades sociais e profissionais, e o lócus de pesquisa são os espaços de

reunião de trabalhadores, tipicamente as fábricas e empresas terceirizadas. Todavia,

mesmo focando o trabalho, admite que o campo trabalho-formação é, na atualidade, central

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na articulação das sociedades modernas. Neste estudo, o foco é a formação, constituindo

espaço privilegiado de estudo por conter elementos que remetem à formação biográfica da

identidade e elementos influenciados pelas relações de poder e status advindos do mundo

do trabalho. Conforme já dissemos, durante a pesquisa se revelou que a característica

principal do grupo estudado é a escola, e não o trabalho. A utilização de Dubar como

referencial teórico principal se justifica uma vez que esse autor considera que as

identidades profissionais são, mais que tudo, identidades sociais construídas na relação

com os campos do trabalho; logo, as identidades “escolares” desse estudo são,

principalmente, identidades sociais construídas no espaço da escola.

A primeira questão específica teve por objetivo investigar como as trajetórias de vida –

familiar, escolar e profissional – encontram-se presentes ao processo de socialização dos

estudantes.

Segundo Dubar (2005), a história de vida e as trajetórias sociais compõem um processo

diacrônico no qual a interiorização de experiências vividas permite a construção de

identidades “reais” para si, legitimadas pelo aspecto “subjetivo” que incorporam. Por meio

do estudo realizado, surgiram algumas características comuns à história de vida dos

entrevistados as quais destacamos por entendermos que representam a maioria das

situações encontradas. São fatores que estiveram presentes à história de vida dos sujeitos e

que influenciaram a construção das subjetividades. Estão presentes à constituição dos

estudantes ao entrarem no processo de formação escolar:

• Histórico pessoal de descontinuidade escolar;

• Histórico de formação escolar incompleta na família e na comunidade;

• Constituição de família e presença de filhos;

• Contato com o trabalho desde a adolescência.

A segunda questão específica teve por objetivo investigar quais condições objetivas –

contextos socioeconômicos, sistemas de formação e de trabalho – interagem com os

processos de socialização.

A relevância das questões objetivas e externas é que contém aqueles elementos muito

importantes, que mais influenciavam os estudantes durante o processo de formação escolar

e profissional. Por condições externas, referimo-nos às condições objetivas que, segundo

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Dubar (2005), compõem a vertente sincrônica: transação entre o indivíduo e as instituições,

que comporiam os sistemas de ação com os quais o indivíduo está em contato. Os sistemas

de ação estão presentes, a cada momento, a cada configuração social externa,

influenciando as tomadas de decisões e o rearranjo dos esquemas mentais dos sujeitos. As

condições externas tanto dizem respeito às macroestruturas sociais, aos arranjos produtivos

e econômicos, aos avanços da tecnologia quanto às experiências vivenciadas no particular

universo da escola. O estudo revelou que o traço principal do grupo investigado é o da

escola, e não o do trabalho. Apesar de participarem de um processo de formação

profissional, as demandas do processo educacional apresentaram traços mais pronunciados,

caracterizando fortemente o grupo. O contexto das macroestruturas sociais também esteve

presente, todavia mais como um referencial “fora” da escola. A Tabela 14 traz os

principiais aspectos que formaram os sistemas de ação dos sujeitos participantes da

pesquisa.

Tabela 14 – Condições Externas

Educação de Jovens e Adultos

Fazer parte de uma modalidade específica constitui características próprias.

Metodologia de projetos

Projeto integrado como aspecto importante no processo de formação.

Desenvolvimento tecnológico

Contexto da crescente presença da tecnologia na vida cotidiana.

Formação profissional

Objetivo de alcançar a titulação proporcionada pela formação e habilitar-se para o mundo do trabalho.

Apresentaremos aqui individualmente os aspectos destacados na tabela acima:

a) Educação de Jovens e Adultos. Observamos que o fato de fazer parte de uma

modalidade diferenciada de ensino constitui um aspecto importante no universo

simbólico do grupo estudado. A forma de acesso ao curso se realizou por meio de

processo seletivo diferenciado, com vagas específicas para a EJA. A estrutura do

Proeja constava de professores, equipe pedagógica e gestores próprios, de uma

estrutura de atendimento diferenciada, e uma separação entre a parte básica do

curso e a etapa profissionalizante. Ao ingressar na etapa profissionalizante ocorre

então o contato com alunos provenientes do processo seletivo dos cursos pós-

médio. Durante o processo de coleta de dados, transpareceram sentimentos de “ser

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um estudante diferente” no Cefetes, em contraposição aos dos alunos que tiveram o

acesso à escola pela “via normal”, apoiados em falas de que havia professores que

“não gostavam e não queriam” trabalhar com alunos do Proeja e na constatação de

que existiam cursos técnicos integrados (parte básica e profissional integrada) no

Cefetes, enquanto o curso deles não era assim.

b) Metodologia de projetos. Uma vez inseridos no contexto do Cefetes e no desenrolar

da realização da etapa de formação básica, o projeto integrador aparece como

aspecto importante na vida escolar dos estudantes do Proeja que fizeram parte deste

estudo. O projeto integrador faz parte da proposta de ensino do grupo do Proeja e

implica a realização de um projeto ao final dos dois anos de estudo. Todavia, o

projeto tem início já no primeiro módulo e é composto por etapas sucessivas –

projeto, levantamento bibliográfico, execução e apresentação dos resultados – e

caracteriza-se por ser um trabalho coletivo que envolve toda a turma. As

referências ao projeto integrador podem ser classificadas em três aspectos: o

primeiro aspecto é o desenvolvimento de habilidades relacionadas ao trabalho em

grupo, como: realização de reuniões, estruturação de um projeto, realização de

levantamento bibliográfico, execução do projeto; o segundo deles é o aspecto

técnico. Todos os projetos envolveram o campo da automação industrial, o que

proporcionou um primeiro contato com a área de formação. O estudo da evolução

da área, o estudo de alguns equipamentos e o contato com sistemas automatizados

apresentaram aos estudantes noções gerais da área de formação em que estão

inseridos; o terceiro diz respeito aos “efeitos” resultantes do processo de criar,

planejar e executar coletivamente um trabalho interdisciplinar: o contato com

problemas sociais pela via da escola, a aplicação dos conteúdos estudados a

situações práticas, a apresentação dos resultados finais à escola e a públicos

externos. Por considerar ilustrativo dos sentimentos relacionados ao projeto

integrador, reproduzi a seguir a fala de um dos entrevistados:

Por isso que eu falo, o projeto integrador, você tem

que lidar com diversas situações, então você está ali

aprendendo sobre o seu curso, o que você pode vir a

fazer com seu curso, pegando um problema social,

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estar resolvendo, tem que dar uma solução para o

projeto, estar apresentando, você tem que estar

lidando com pessoas, trabalhando em equipe, que é

uma coisa que o mercado exige hoje, então você vai

aprendendo diversas coisas, tem vários problemas é

legal.

c) Desenvolvimento tecnológico. A crescente presença da tecnologia na vida cotidiana

representou um contexto geral no qual o grupo estudado está inserido. Os discursos

dos alunos entrevistados relacionam-se aos pensamentos de Castells e De Masi.

Assim como Castells (2007) entende a tecnologia como a força transformadora

maior de comportamentos sociais e considera que é possível usar o termo

“sociedade informacional” para designar o atual período, De Masi (2003) considera

que o desenvolvimento tecnológico está no cerne do processo de transição da

sociedade industrial para a sociedade pós-industrial como um reorganizador de

relações sociais. A automação é vista como importante “porque é o futuro” e “está

presente, a todo o momento, em todos os dias nas nossas vidas” ou “veio para

facilitar a vida das pessoas”, e migrando para o mundo do trabalho o destaque é

dado “porque visa à melhoria das empresas e melhora o trabalho do ser humano”,

uma vez que “a tendência é tudo automatizar”, inclusive por estar “presente em

tudo, comercial, residencial”, resultando que “é impossível que, em qualquer área,

não tenha um engenheiro, um técnico, alguém que saiba de automação”.

d) Formação profissional. Pode-se considerar o contexto da formação profissional

como o principal imaginário do grupo estudado no seguinte sentido: a característica

principal do grupo é o da formação (“mundo da escola”), todavia a formação

profissional (vista como diferenciada por ser realizada no Cefetes) é aguardada

como algo que permitirá o acesso a um “mercado de trabalho” diferenciado, ao qual

dificilmente teria oportunidade sem a existência do Proeja. Seja pelo desejo de

entrar em uma grande empresa, uma colocação em empresas de menor porte, seja

por atuação por iniciativa própria, a qualificação como técnico em Automação

Industrial pelo Cefetes é entendida – e esperada – como uma habilitação necessária

para o acesso a outra esfera de oportunidades de trabalho.

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A terceira questão específica teve por objetivo analisar como se articulam as experiências

de vida e as condições objetivas e quais traços identitários são resultantes do processo de

socialização.

É importante ressaltar que a socialização é um processo dinâmico e que as identidades

geradas são, a um só tempo, estáveis e provisórias, passando por rearranjos, à medida que a

subjetividade dos processos internos se modifica e os sistemas de ação se transformam.

As formas identitárias são resultantes do encontro das condições subjetivas (processos

internos resultantes da história de vida dos sujeitos) como as condições objetivas (sistemas

de ação proporcionados pelo contexto do ambiente de escolarização), ou seja, as formas

identitárias são resultantes do processo de socialização. Dubar (2005) caracteriza a

identidade com um espaço-tempo geracional, onde as relações com instituições que

atravessaram a trajetória do indivíduo, como família, escola, mercado de trabalho e

religião, constituindo um eixo diacrônico de formação (tempo) em determinado momento e

espaço. Ocorrem processos que configuram transações objetivas entre o indivíduo e as

instituições, constituindo um eixo sincrônico de formação (espaço).

Dubar (2005) admite que da articulação desses dois processos resulta a projeção espaço-

temporal das identidades de uma geração –, isto é, influenciada pelo “tempo” vivido do

indivíduo e pelo “espaço” em que vive o indivíduo. Da mesma maneira, para Rodrigues

(2007), “os processos sociais gerais são, no fim das contas, resultado da interação entre os

sujeitos e as estruturas” (p.86).

Processo Diacrônico

TEMPO

Processo Sincrônico ESPAÇO

Condições objetivas do sistema de ação

Subjetividade dos processos internos

Figura 01 – Interação entre os Processos Diacrônico e Sincrônico

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Dessa interação, observamos que o histórico de descontinuidade escolar, o histórico de

formação escolar incompleta na família e na comunidade e a condição da constituição de

família e presença de filhos caracterizam um sentimento de que a realização de formação

profissionalizante no Cefetes era uma possibilidade remota, mesmo que desejada em

alguns casos, para os participantes da pesquisa. Assim, a modalidade de educação de

Jovens e Adultos surge como a forma de acesso desses sujeitos à instituição em questão,

até então vista como inacessível. Esse processo indica traços identitários relacionadas à

oportunidade de estudar em uma instituição à qual não poderiam ter acesso pela forma

constituída até então, o que implica uma via de acesso diferenciada e uma condição

alternativa de ser estudante do Cefetes.

Outro ponto importante foi a realização do projeto integrador marcar o grupo pesquisado.

O principal traço dessa metodologia de trabalho foi o crescimento intelectual e pessoal

decorrente da possibilidade de trabalhar conteúdos sob um enfoque não tradicional e da

necessária articulação coletiva para a execução da atividade. Em relação à formação

escolar anterior – vista como limitada e insuficiente –, o projeto integrador constitui um

salto na concepção de educação dos sujeitos. A característica observada – traço identitário

como resultante dessa atividade – foi que os sujeitos ampliaram a noção da relação entre

conteúdos estudados e aplicações práticas, aproximando-se daquela concepção de

educação proposta Santos (2006), na qual a ciência não pode dissociar-se das demandas

sociais.

Por fim, o contato com o trabalho desde a adolescência é outra característica na história

dos participantes desta pesquisa. São, tipicamente, empregos sem necessidade de

qualificação profissional, relacionados às atividades de trabalho desenvolvidas por

familiares e pela comunidade de origem. O objetivo de alcançar a titulação proporcionada

pela formação profissionalizante e habilitar-se para um conjunto de empregos distintos,

que requerem qualificação diferenciada, representa um traço de não continuidade em

relação às condições de trabalho da família e da comunidade de origem. O objetivo é

qualificar-se para ter a possibilidade de acesso a condições melhores de trabalho que,

todavia, não seriam possíveis sem uma formação considerada distinta e de qualidade.

O sentimento de que a formação obtida ao realizar o curso de automação industrial no

Cefetes proporciona projeção no mercado de trabalho e conecta-se diretamente ao

desenvolvimento tecnológico e às transformações nos modos de produção. Uma vez que a

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tecnologia é vista como presente a todas as áreas, a qualificação em uma área tecnológica

amplifica o sentimento de possibilidade de uma colocação profissional diferenciada, o que

representa um ganho em relação aos cursos de qualificação profissional de áreas mais

tradicionais.

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8 COMENTÁRIOS FINAIS

Buscando uma breve síntese deste trabalho, destacamos que diversos autores (Castells, De

Masi, Harvey) identificam o final do século XX como um período de intensas

transformações econômicas, sociais e políticas e analisam as possíveis configurações

futuras decorrentes de novos rearranjos produtivos. Outros pesquisadores relacionam os

modos de produção de uma sociedade com a educação, como Frigotto (2006), que analisa

as relações entre o estado e o modo de produção capitalista com as formas de educação, e

Ciavatta (2005), que analisa as relações entre trabalho e escola.

Fundamentadas em Dubar (2005, 2006), as abordagens teóricas relevantes para construir

esta pesquisa – socialização, socialização profissional, identidades sociais e profissionais –

são discutidas para definir a identidade como resultado de um processo de socialização o

qual depende da trajetória de vida do indivíduo e da configuração social de cada momento

de sua vida.

Para identificar o universo vivenciado pelos alunos, ou seja, seus mundos construídos

mentalmente, usamos como base teórica o conceito de representações sociais em

Moscovici (2007), uma vez que, para esse autor, as representações sociais são entidades

sociais presentes a todas as atividades humanas.

O passo seguinte foi contextualizar a pesquisa nas esferas da educação profissional, do

Proeja e do Cefetes, por meio de um breve histórico do ensino profissional e tecnológico

no Brasil, do estudo da legislação referente à educação profissional e tecnológica na

modalidade da educação de jovens e adultos e, por fim, do estudo das características

socioeconômicas dos ingressos no Proeja.

A definição da metodologia a ser usada – o estudo de caso – buscou apreender as

dimensões das relações dos indivíduos (alunos do Proeja) com os sistemas produtivo e

educacional. A entrevista individual e o grupo focal foram as técnicas de coletas de dados

usadas. A análise dos dados foi realizada mediante a técnica do Discurso do Sujeito

Coletivo – DSC.

Na análise e discussão dos resultados, apresentamos os resultados obtidos nas entrevistas

individuais e nos grupos focais. As respostas dos participantes foram agrupadas segundo

convergências que indicavam as relações do grupo com a educação e balizadas pela

relação com o trabalho.

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Por fim, para articular os vários momentos da pesquisa, retomamos os objetivos principais

do estudo realizado e os analisamos à luz da fundamentação teórica principal – a

socialização e as identidades sociais e profissionais. Apresentamos os aspectos mais

relevantes observados com a intenção de expor os aspectos subjetivos e o contexto

vivenciado pelo grupo.

Como comentário final deste estudo, esclarecemos que, com base na pesquisa realizada,

identificamos algumas características gerais relativas ao grupo estudado.

Independentemente do grau de instrução do aluno antes do ingresso no Proeja do Cefetes, a

todos os casos estava presente uma descontinuidade de estudos. Os impedimentos para a

não continuação dos estudos relacionam-se sempre aos universos da família, do trabalho e

da escola pública. A família diz respeito ao nascimento de filhos e às demandas de tempo e

recursos durante a formação. No caso das mulheres, essa característica está fortemente

presente, enquanto, no dos homens, coloca-se indiretamente pela necessidade do trabalho –

recursos para manutenção da família – e mesmo do acompanhamento, da presença na

criação dos filhos. O trabalho em si mesmo é outro aspecto da interrupção dos estudos.

A necessidade da obtenção de recursos predomina sobre a necessidade ou o desejo de

continuar os estudos. Mesmo assim, em alguns casos, o fato de o sujeito conseguir um

emprego gerou acomodação com a situação, levando-o à interrupção dos estudos. Por fim,

o desencanto com a precariedade da escola pública influencia diretamente na decisão de

não continuar os estudos. A má qualidade do ensino gera falta de motivação e de

perspectivas, levando ao abandono da formação.

Todavia, se a família, o trabalho e a escola pública são fatores que impediram continuar os

estudos, paralelamente são fatores de motivação para o retorno à formação. A melhoria da

qualidade de vida da família foi apontada como uma meta a ser alcançada, o que é visto

como dependência direta da melhoria da formação escolar, mais precisamente pela

formação profissional. A melhoria da qualidade de vida passa também pela melhoria das

expectativas profissionais, outra condição relacionada à qualificação profissional. E a

relação com a escola pública aparece agora no sentido oposto ao anterior. Se os problemas

da escola pública contribuíram para não continuação dos estudos, serão as qualidades de

outra escola pública fator de motivação para recuperar a escolaridade. Nesse caso, o

prestígio de uma escola não é representada pelos atributos negativos associados às demais

escolas da rede pública e a conclusão de formação nessa instituição é vista como algo

capaz de proporcionar oportunidades diferenciadas.

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Dessa forma, o retorno escolar não é apenas pela busca da escolarização, mas de um

espaço melhor no mercado de trabalho. A escolha de um curso ligado à área tecnológica,

como a automação industrial, é percebida como facilitadora para esse ingresso, pois, além

do prestígio associado à conclusão de um curso no Cefetes, é entendida como uma área

vinculada ao desenvolvimento tecnológico e às tecnologias de ponta.

Após a apresentação desses resultados, não podemos deixar de situar os recortes realizados

visando a contextualizar a pesquisa no universo da educação de jovens e adultos. Neste

estudo procuramos dar relevância àqueles sujeitos que mais se alinham às diretrizes e

fundamentos do Proeja, por entendermos que assim contribuiríamos, de uma melhor forma,

para compreender essa modalidade de ensino, que, potencialmente, tem a possibilidade de

incluir nas escolas profissionalizantes da esfera federal aquela parcela da população que

sempre esteve alijada da possibilidade de formação profissional, mas que,

concomitantemente, é constituída por aqueles que mais dela necessitam. Entretanto, duas

outras possibilidades de pesquisa se depreendem deste estudo de caso: a adequação ao

Decreto 5.478 e o público que efetivamente é atendido pelo Proeja.

As formas como as instituições federais atenderam ao Decreto 5.478 constituem outro

campo de estudos. No Cefetes, para que a demanda de vagas oferecidas ao Proeja estivesse

dentro do exigido pela legislação, foram oferecidas turmas dessa modalidade em cursos

noturnos e cursos vespertinos. Além disso, a estrutura dos cursos de Proeja foi dividida em

dois anos de ensino propedêutico e dois anos de curso técnico. Todavia, os cursos técnicos

de dois anos já estavam presentes à estrutura da escola, como cursos técnicos subsequentes

ou concomitantes (destinados a quem já havia concluído o ensino médio ou estava no

último ano do ensino médio), assim como já eram presentes à estrutura da escola os cursos

integrais de quatro anos, que envolvem o ensino médio e a formação técnica de forma

continuada. Outra modalidade também presente à instituição estudada, no momento do

decreto, era o EMJAT: ensino médio destinado à educação de Jovens e Adultos, com três

anos de duração e sem estar relacionado à formação profissional. Dessa forma, a

implantação do Proeja no Cefetes não constituiu uma modificação real da estrutura da

escola: ao final dos dois anos do ensino básico de formação, os alunos do Proeja são

encaminhados aos cursos técnicos de dois anos, formando, junto com alunos ingressantes

pelo processo seletivo para os cursos técnicos, uma nova turma. Os dois aspectos mais

relevantes desse processo foram destacados pelos alunos entrevistados: a questão de o

curso ser vespertino e a dissociação entre a parte básica e a parte técnica do curso.

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O estudo comparativo dos fundamentos e das diretrizes da EJA em relação ao público

efetivamente atendido por essa modalidade de ensino nas instituições federais de ensino

profissionalizante constituiria outra pesquisa. Durante a pesquisa, identificamos entre os

alunos dos Proeja em Automação Industrial sujeitos que já possuíam o ensino médio

completo, sendo alguns com passagem por escolas particulares.

As diretrizes nacionais do programa definem o Proeja como uma possibilidade de

reconquista para aquela parcela da população que não pode completar seus estudos na

idade correspondente. O processo seletivo de ingresso para os cursos de Proeja exige

apenas a idade mínima prevista por lei – 18 anos – e não há controlar o grau de instrução

dos concorrentes. Por ser um curso profissionalizante, o Proeja também é visto pelos

alunos que já possuíam o ensino médio completo como formação profissional algo situado

além do ciclo básico de estudos. Além disso, o fato de fazer novamente o ensino médio,

mas agora em uma instituição conceituada, foi apontado com positivo em face das

experiências de má qualidade do ensino em outras instituições, relatadas pelos alunos.

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LEFEVRE, Ana Maria Cavalacanti, LEFEVRE, Fernado. Depoimentos e Discursos: uma

proposta de análise em pesquisa social. Brasília: Líber Livro Editora, 2005. (Série

Pesquisas; 12).

____________________. O Discurso do Sujeito Coletivo: um novo enfoque em pesquisa

qualitativa (Desdobramentos). Caxias do Sul: EDUCS, 2003.

MOCOVICI, Serge. Representações sociais: Investigação em Psicologia Social. Petrópolis,

RJ: Vozes, 2007, 5ed.

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93

PIAGET, Jean. Seis Estudos de Psicologia. Rio de Janeiro; Forense Universitária, 2003,

24ed.

RODRIGUES, Alberto Tosi. Sociologia da Educação. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007,

6ed.

SANTOS, Boaventura de Souza. Um Discurso Sobre as Ciências. São Paulo: Cortez,

2006. 4ed.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A - MATRIZ CURRICULAR DO CURSO PROEJA DE AUTOMAÇÃO

INDUSTRIAL DURANTE A ETAPA DE FORMAÇÃO BÁSICA

Técnico Integrado de Automação Industrial com Ensino Médio para Jovens e Adultos

Habilitação: Técnico em Automação Industrial Carga Horária: 2480h

MÓDULO 1 DISCIPLINAS AULAS

SEMANAIS C.H.

SEMESTRAL

Ling. Portuguesa e Liter. Brasil.

4 48

Matemática 4 48

Física 3 36

Química 3 36

Biologia 3 36

Geografia 3 36

História 3 36

Qualidade de Vida 2 24

Na família e comunidade

Subtotal 25 300

MÓDULO 2 DISCIPLINAS AULAS SEMANAIS

C.H. SEMESTRAL

Ling. Portuguesa e Liter. Brasil.

2 24

Matemática 3 36

Física 3 36

Química 2 24

Biologia 3 36

Geografia 3 36

História 3 36

Filosofia 2 24

Metodologia 2 24

Artes 2 24

Na sociedade global

Subtotal 25 300

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MÓDULO 3 DISCIPLINAS AULAS SEMANAIS

C.H. SEMESTRAL

Ling. Portuguesa e Liter. Brasil.

4 48

Matemática 4 48

Física 3 36

Química 2 24

Biologia 3 36

História 3 36

Informática 2 24

Metodologia 2 24

Inglês 2 24

No trabalho

Subtotal 25 300

MÓDULO 4 DISCIPLINAS AULAS SEMANAIS

C.H. SEMESTRAL

Ling. Portuguesa e Liter. Brasil.

3 36

Matemática 4 48

Física 4 48

Química 3 36

Empreendedorismo 2 24

Geografia 3 36

Inglês 2 24

Informática 2 24

Metodologia 2 24

Na ciência e tecnologia

Subtotal 25 300

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APÊNDICE B - MATRIZ CURRICULAR DO CURSO PROEJA DE AUTOMAÇÃO

INDUSTRIAL DURANTE A ETAPA DE FORMAÇÃO PROFISSIONALIZANTE

Área: Indústria

Habilitação: Técnico em Automação Industrial Carga Horária: 1280h

Regime Modular: 16 semanas

Módulo Disciplina Aulas

Semanais

C.H.

Eletricidade Geral 6 96

Eletrônica Básica 6 96

Lógica de Programação 4 64

Instrumentação Básica 2 32

Redação Técnica 2 32

Módulo I

Subtotal 20 320

Eletrotécnica Industrial 6 96

Eletrônica Analógica 4 64

Eletrônica Digital 4 64

Instrumentação Industrial 4 64

Inglês Instrumental 2 32

Módulo II

Subtotal 20 320

Controladores Lógicos Programáveis 4 64

Sistemas Hidráulicos e Pneumáticos 4 64

Microcontroladores 4 64

Instrumentação Industrial II 4 64

Comandos de Sistemas Automatizados 2 32

Saúde, Meio Ambiente e Segurança do Trabalho. 2 32

Módulo III

Subtotal 20 320

Instrumentação Analítica 4 48

Controle de Processos 4 64

Redes Industriais 3 48

Sistema Supervisório 2 48

Gestão da Produção Industrial 3 48

Projeto Integrador 4 64

Módulo IV

Subtotal 20 320

TOTAL 1280

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APÊNDICE C - EXEMPLO DE APLICAÇÃO DA METODOLOGIA DO DISCURSO

DO SUJEITO COLETIVO

“O que você espera do mundo do trabalho após a sua formação? Onde você gostaria de trabalhar? Com o que você gostaria de trabalhar?

Z - Trabalhar em uma empresa do ramo

Expressões-chave DSC

3. Em uma firma. Vale.

5. Então espero já sair daqui empregada. Na automação mesmo. Indústria. Geralmente (...) vêm na cabeça empresas grandes, mas eu acho que tudo é oportunidade, seja na pequena ou na grande. Automação.

8. O que eu penso é conseguir um trabalho, que é o meu objetivo.

Estou fascinado para fazer engenharia, engenharia elétrica ou engenharia de automação e controle.

15. Eu espero arrumar um serviço bom

O que eu penso é conseguir um trabalho, que é meu objetivo principal; então, espero já sair daqui empregado. Na automação mesmo. Eu espero arrumar um serviço bom. Em uma firma, Indústria. Vale. Petrobrás. Geralmente vêm na cabeça empresas grandes, mas eu acho que tudo é oportunidade, seja na pequena ou na grande.

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APÊNDICE D – ROTEIRO DE ENTREVISTAS INDIVIDUAIS

1. Qual era seu grau de escolarização antes de entrar no Cefetes?

2. Você ficou algum período sem frequentar a escola? Quanto tempo?

3. Por qual motivo você ficou algum período sem frequentar a escola?

4. Qual sua motivação para voltar a estudar?

5. Porque escolheu o Cefetes?

6. Por que escolheu o Curso de Automação Industrial?

7. Qual a importância da Automação Industrial nos dias de hoje?

8. Como você ficou sabendo da modalidade EJA?

9. O que você acha da modalidade EJA?

10. O que você acha do curso integrado de quatro anos e não o modelo de dois anos

básico mais dois anos profissional?

11. Quais seriam então as causas da evasão?

12. O que o curso já acrescentou para você?

13. O que você espera do mundo do trabalho após a sua formação? Onde você gostaria de trabalhar? Com o que você gostaria de trabalhar?

14. Você gostaria de continuar seus estudos? Em que área?

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APÊNDICE E – DENOMINAÇÕES ANTERIORES DO IFES

1909 - Escola de Aprendizes Artífices do Espírito Santo

1937 - Liceu Industrial de Vitória

1942 - Escola Técnica de Vitória - ETV

1965 - Escola Técnica Federal do Espírito Santo - Etfes

1999 - Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo - Cefetes

2008 - Instituto Federal do Espírito Santo - Ifes