socializaÇÃo e educaÇÃo profissional: um estudo do...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO – UFES
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO INTERINSTITUCIONAL EM EDUCAÇÃO
GIOVANI ZANETTI NETO
SOCIALIZAÇÃO E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL:
UM ESTUDO DO PROEJA – CEFETES
Vitória
2009
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO – UFES
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO INTERINSTITUCIONAL EM EDUCAÇÃO
GIOVANI ZANETTI NETO
SOCIALIZAÇÃO E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL:
UM ESTUDO DO PROEJA - CEFETES
Dissertação apresentada ao programa de Pós-
Graduação em Educação do Centro de
Educação da Universidade Federal do
Espírito Santo para defesa do Mestrado
Interinstitucional na linha de pesquisa em
História, Sociedade, Cultura e Políticas
Educacionais.
Vitória
2009
FICHA CATALOGRÁFICA
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Zanetti Neto, Giovani, 1972-
Z28s Socialização e educação profissional : um estudo do Proeja -
Cefetes / Giovani Zanetti Neto. – 2009.
100 f. : il.
Orientadora: Antonia de Lourdes Colbari.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito
Santo, Centro de Educação.
1. Programa Nacional de Integração da Educação
Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação
de Jovens e Adultos (Brasil). 2. Socialização. 3. Identidade. 4.
Ensino profissional. I. Colbari, Antonia L. II. Universidade Federal
do Espírito Santo. Centro de Educação. III. Título.
CDU: 37
COMISSÃO EXAMINADORA
A Maria, Daniel, Daniela e
Bruno, meus companheiros de
viagem, dedico este trabalho.
AGRADECIMENTOS
Aos colegas de mestrado e professores, pelas horas mágicas que vivemos. E
especialmente à minha orientadora, Antônia Colbari, pela paciência e dedicação e pelos
conhecimentos que compartilhou comigo.
RESUMO
As modificações na legislação da educação profissional e tecnológica na esfera federal
definiram a oferta de vagas nos cursos de formação profissional para a modalidade de
ensino de jovens e adultos. O destaque à questão da qualificação para o mundo do
trabalho introduz na educação de jovens e adultos – EJA – o viés da educação
profissional, configurando-se assim uma nova modalidade: o ensino profissionalizante
de jovens e adultos. Na legislação surge então o Proeja – Programa de Integração da
Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e
Adultos – que passa a ser implantado na rede federal de educação profissional e
tecnológica. Por situar-se na interface entre o mundo da educação e o do trabalho, a
qualificação profissional de jovens e adultos no Proeja envolve questões que incluem
modificações no sistema produtivo e demandas das camadas mais desfavorecidas da
população por inserção social, sempre tendo a escola como centro de discussão. No
universo escolar, o estudante passa por um tipo de socialização que vai contribuir para a
configuração de identidades sociais e profissionais. Na escola, a socialização é um
processo em que se deparam questões relativas tanto às estruturas internas advindas da
história individual – relacionada à família e à comunidade de origem – quanto às
demandas das estruturas externas dos meios com as quais o sujeito entra em contato.
Essa interface configura um processo de socialização no qual surgem novas formas
identitárias. O objetivo desta pesquisa foi estudar como experiências de vida dos
estudantes interagem com os processos de socialização desencadeados durante o
período de formação escolar, ou seja, identificar quais os traços identitários resultantes
da forma como se articulam as condições objetivas com condições subjetivas dos
estudantes.
Palavras-chave: Socialização, Formas identitárias, Proeja.
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 Interação entre os Processos Diacrônico e Sincrônico............................84
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 01 Distribuição das vagas para os cursos técnicos oferecidas no processo
seletivo 2008/1 pelo Cefetes....................................................................51
LISTA DE SIGLAS
Cefetes Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo
DSC Discurso do Sujeito Coletivo
ECH Expressão Chave
EJA Educação de Jovens e Adultos
EMJAT Ensino Médio para Jovens e Adultos
IC Idéia Central
Proeja Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos
SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SESI Serviço Social da Indústria
SETEC Secretária de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da
Educação
LISTA DE TABELAS
Tabela 01 Média de anos de estudo por faixa de idade............................................45
Tabela 02 Legislação relativa ao programa Proeja...................................................47
Tabela 03 Perfil sócio econômico dos ingressos do EMJAT 2005/1
Cefetes......................................................................................................49
Tabela 04 Perfil socioeconômico dos ingressos do Proeja em Automação Industrial
2008/1 Cefetes..........................................................................................50
Tabela 05 Quantidade de vagas e quantidade de inscritos para o curso de
Automação Industrial na modalidade EJA no Cefetes.............................51
Tabela 06 Características Sociais dos Sujeitos Entrevistados..................................61
Tabela 07 Motivações para Interrupção dos Estudos...............................................63
Tabela 08 Motivações da Escolha do Cefetes..........................................................64
Tabela 09 Representações acerca da Automação Industrial.....................................65
Tabela 10 Representações acerca do EJA.................................................................67
Tabela 11 Percepções sobre a Estrutura do Curso....................................................68
Tabela 12 Causas da Evasão.....................................................................................69
Tabela 13 Idéias Centrais sobre Objetivos ao Final do Curso..................................71
Tabela 14 Condições Externas..................................................................................81
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................8
1.1 A QUESTÃO NORTEADORA......................................................................................................10
1.2 A ESTRUTURA DA PESQUISA ...................................................................................................16
2 TRANSFORMAÇÕES DO CAPITALISMO, DA TECNOLÓGICA, DO TRABALHO
E A RELAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO E TRABALHO................................................17
2.1 CRISE DE MODELOS E TRANSIÇÃO DE PARADIGMAS EM CASTELLS, DE MASI E HARVEY.18
2.2 RELAÇÕES ENTRE EDUCAÇÃO E TRABALHO ..........................................................................22
3 SOCIALIZAÇÃO, IDENTIDADES SOCIAIS E PROFISSIONAIS ........................25
3.1 BASES TEÓRICAS E FORMAÇÃO DO CONCEITO DE SOCIALIZAÇÃO.....................................25
3.2 IDENTIDADE: UMA POSSIBILIDADE TEÓRICA DA SOCIOLOGIA............................................30
4 O CONCEITO DE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS EM MOSCOVICI ..................37
5 O CONTEXTO DA PESQUISA: EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, PROEJA,
CEFETES..................................................................................................................41
5.1 O ENSINO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICO NO BRASIL: BREVE HISTÓRICO ......................41
5.2 CONFIGURAÇÃO ATUAL DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE JOVENS E ADULTOS ...............44
5.3 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO CEFETES ..............................................................48
6 PASSOS METODOLÓGICOS.............................................................................52
6.1 TÉCNICAS DE COLETAS DE DADOS PARA UM ESTUDO DE CASO: ENTREVISTA INDIVIDUAL
E GRUPO FOCAL....................................................................................................................................54
6.2 DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO: UMA METODOLOGIA DE ANÁLISE DO DISCURSO ........56
7 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ..................................................59
7.1 A OBSERVAÇÃO COMO ELEMENTO ORIENTADOR DA PESQUISA ........................................59
7.2 ENTREVISTAS INDIVIDUAIS .....................................................................................................61
7.3 GRUPO FOCAL..........................................................................................................................73
4
7.4 ARTICULANDO OS VÁRIOS MOMENTOS DA PESQUISA............................................................79
8 COMENTÁRIOS FINAIS......................................................................................87
9 REFERÊNCIAS ...................................................................................................91
APÊNDICES...........................................................................................................................94
APÊNDICE A - MATRIZ CURRICULAR DO CURSO PROEJA DE AUTOMAÇÃO
INDUSTRIAL DURANTE A ETAPA DE FORMAÇÃO BÁSICA............................................95
APÊNDICE B - MATRIZ CURRICULAR DO CURSO PROEJA DE AUTOMAÇÃO
INDUSTRIAL DURANTE A ETAPA DE FORMAÇÃO PROFISSIONALIZANTE................97
APÊNDICE C - EXEMPLO DE APLICAÇÃO DA METODOLOGIA DO DISCURSO DO
SUJEITO COLETIVO..............................................................................................................98
APÊNDICE D – ROTEIRO DE ENTREVISTAS INDIVIDUAIS................................................. 99
APÊNDICE E – DENOMINAÇÕES ANTERIORES DO IFES...................................................100
8
1 INTRODUÇÃO
Este estudo resultou de pesquisa desenvolvida no curso de automação industrial do Cefetes
na modalidade educação profissional de jovens e adultos e teve como origens o
acompanhamento dos alunos, a conversa com professores, a observação e as experiências
vivenciadas no processo de formação desse público escolar especifico e da formação
profissionalizante.
Ao ingressar como professor no sistema público de educação federal, minha primeira
atividade profissional foi a participação em uma oficina de formação de gestores
educacionais voltada para a educação profissional de jovens e adultos. Essa oficina fez
parte de projeto de capacitação nacional de funcionários públicos da educação com o
objetivo de apresentar o Decreto 5.478, de 25 de junho de 2005, que instituía o Programa
de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de
Jovens e Adultos – Proeja – e determinava que uma porcentagem das vagas fosse destinada
a essa modalidade de ensino. A SETEC havia preparado, então, um ciclo de encontros em
diferentes estados a fim de preparar os CEFETs para a implantação da lei, trazer
experiências já realizadas com educação de jovens e adultos e, por fim, sensibilizar as
comunidades escolares para essa realidade.
Dessa forma, no mesmo momento em que se estabeleciam os primeiros contatos com a
educação profissional e tecnológica, apresentaram-me a outra dimensão da educação.
Durante aquela oficina, ouvi falar sobre projetos de educação de jovens e adultos já em
andamento, assisti a documentários e presenciei depoimentos de estudantes que estavam
inseridos naquela modalidade de ensino.
Nesses momentos, ficou a lembrança dos relatos dos alunos da modalidade EJA. Para
todos eles, a escola havia sido única oportunidade de transformação de vida, e ali puderam
ter acesso a um mundo de conhecimentos e desenvolver algumas habilidades que lhes eram
inéditas. Relatos de projeções para um futuro profissional e de continuidade de estudos
eram acompanhados por depoimentos de melhoria de autoestima e de uma realização
pessoal que era visível aos nossos olhos.
.
9
Daquele encontro resultaram reflexões que me acompanham até então: a educação é um
processo pessoal e talvez mais importante do que a conclusão de um conjunto de matérias,
seja o ponto de que a pessoa parte, seja o ponto a que ela chega, pois aquilo que pode ser
simples para um sujeito, para outro pode demandar grande esforço e representar um grande
ganho em sua vida. Entretanto, o processo educacional está estruturado em conteúdos e
tempos predeterminados, em que o estudante tem de se enquadrar ao ritmo da escola – para
aquém ou para além de suas possibilidades.
Em contrapartida, minha formação como técnico em Eletrotécnica e como engenheiro
eletricista proporcionou-me um determinado modo de interpretação da realidade: mesmo
considerando que, em muitos aspectos, a escola profissionalizante é uma instituição que
enquadra seus alunos a um molde predeterminado fortemente focado em conteúdos,
observei que, durante o processo de formação, o esforço em alcançar os objetivos
proporciona ganhos tanto intelectuais quanto pessoais. Como resultado, na condição de
professor, sentia-me, de um lado, comprometido com a formação profissional, acreditava
nela como uma forma de melhoria nas condições de vida dos estudantes, e de outro estava
consciente do movimento próprio que a educação de jovens e adultos demanda. Ciente do
histórico de descontinuidade escolar presente nesse público e muitas vezes da má
qualidade da escolaridade básica, questionava-me como obter “êxito” no processo de
formação profissional, fortemente baseado em conteúdos derivados das ciências exatas que
demandam alto nível de abstração.
Naquele momento, quando ingressava no sistema Cefetes, a instituição já realizava a
educação de jovens e adultos, porém apenas como formação de ensino médio. E, para
atender à nova legislação, estava reestruturando os cursos para que tivessem também a
formação profissionalizante incluída. Os estudantes realizariam dois anos de formação
básica e posteriormente seriam incluídos nas turmas de ensino pós-médio
profissionalizante, já existente na instituição, para realizar mais dois anos de formação. Ao
final desse processo, obteriam a conclusão do ensino médio profissionalizante. Tive a
oportunidade de acompanhar, em alguns momentos, palestras sobre o curso de automação
industrial, visitas técnicas e orientações do projeto integrador – a etapa inicial de formação
dos alunos da modalidade jovens e adultos –, entretanto, vislumbrava dificuldades que
surgiriam na etapa profissionalizante da formação daqueles estudantes.
10
Ao concluir este estudo, a primeira turma de educação de jovens e adultos do curso de
automação industrial já realizara o primeiro semestre da parte profissionalizante do curso e
a quase totalidade da turma ficou retida no módulo inicial.
Quando comecei a elaborar o projeto de pesquisa para a realização deste estudo, meus
primeiros pensamentos se encaminharam para as formas de ensino relacionado às
demandas e características dos alunos da modalidade EJA. Posteriormente, por meio das
reuniões de orientação, aulas e palestras assistidas, estudos e trabalhos realizados,
conversas com professores e colegas e da revisão de literatura, elaborei a questão
norteadora desta pesquisa: como as experiências de vida dos estudantes interagem com os
processos de socialização desencadeados durante o período de formação escolar, ou seja,
quais os traços identitários resultantes da forma como se articulam as condições objetivas
com condições subjetivas dos estudantes?
Com o intuito de contextualizar a terminologia utilizada nesse estudo, no que diz respeito à
utilização do nome “Cefetes”, relato que a realização dessa pesquisa ocorreu ao longo do
ano de 2008, portanto antes da mudança ocorrida em 29 de Dezembro de 2008, quando a
instituição tornou-se o Instituto Federal do Espírito Santo – IFES. Dessa forma, mesmo
tendo concluído esse estudo em 2009, mantive a terminologia Cefetes por entender que é
essa a identificação que representa o período estudado.
1.1 A QUESTÃO NORTEADORA
Os estudos iniciais para a realização desta pesquisa contemplaram as modificações na
legislação da educação profissional e tecnológica na esfera federal que implicaram o
surgimento de cursos de formação profissional destinados a jovens e adultos que não
puderam concluir, na idade correspondente, o ensino básico. Cabe ressaltar que a
modificação na legislação não inaugura essa modalidade de ensino, que já era presente em
muitas instituições de várias formas.
Na educação profissional de jovens e adultos, além da formação básica, a questão da
qualificação para o mundo do trabalho entra em cena, e com ela o tratamento teórico usado
pelas pesquisas sobre educação de jovens e adultos – EJA. Nesse caso, a presença do viés
da educação profissional (a formação para o mundo do trabalho) configura uma nova
modalidade ensino: o ensino profissionalizante de jovens e adultos. No aspecto legal,
temos a instituição do Proeja – Programa de Integração da Educação Profissional ao
11
Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – que passa a ser
implantado na rede federal de educação profissional e tecnológica. Por situar-se na
interface entre o mundo da educação e o mundo do trabalho, a abordagem da qualificação
profissional de jovens e adultos que ocorre no Proeja não pode desconsiderar questões
mais amplas: entre elas as formas de organização da produção e as demandas das camadas
mais desfavorecidas da população por inserção social, sempre tendo a escola como centro
de discussão.
A partir da década de 1970, as crises econômicas associadas às inovações tecnológicas
resultaram em novas formas de organização produtiva do capitalismo que, por fim,
determinaram o surgimento de novos aspectos economicos e novas formas de organização
na sociedade, baseadas nos conceitos de rede e de acumulação flexível. Todavia, há que
ressaltar que tais transformações não são, nem homogêneas, nem acontecem da mesma
forma em todos os paises, e nem mesmo no interior de uma mesma nação. Não raro, é
possível encontrar avanços tecnológicos em alguns setores convivendo com trabalho
precário. Essa transformação da sociedade, ao mesmo tempo que cria novas possibilidades
no mundo do trabalho, também desarticula modelos consolidados de trabalho, baseados em
categorias profissionais definidas e produção rígida, gerando novas configurações
profissionais e, consequentemente, novas demandas educacionais. Essa configuração de
educação profissional, demanda por inserção no mundo do trabalho e mudanças nas formas
produtivas do capitalismo, faz que na escola o estudante passe por um tipo de socialização
que vai engendrar identidades sociais e profissionais.
Na escola, a socialização é um processo em que ocorre o encontro ou confronto entre
estruturas internas advindas de questões pessoais e da formação familiar e as estruturas
externas das comunidades com as quais o sujeito mantém contato, incluindo o mundo do
trabalho. Desse confronto resultam estratégias objetivas ou subjetivas que ora dão
continuidade ao instituído, ora criam rupturas para o novo. O resultado desse processo são
as novas formas identitárias. Todavia, a identidade não pode ser associada a uma
caracterização rígida da personalidade ou da forma de agir. A identidade de uma pessoa
depende de suas estruturas internas e da relação com os outros, e é sempre passível de
novas acomodações. O objetivo deste trabalho é investigar traços identitários provenientes
da socialização que ocorre durante o processo de formação escolar dos alunos da
modalidade Proeja.
12
Uma vez que as modificações na legislação da educação profissional e tecnológica na
esfera federal implicaram o surgimento de cursos de formação profissional destinados a
jovens e adultos que não puderam concluir o ensino básico na idade correspondente, a
ideia é que essa parcela da população tenha uma possibilidade de retomar sua formação
básica e adquirir também qualificação profissional. Nesse contexto, o Cefetes passa a
oferecer cursos de ensino médio integrado à formação técnica para o público caracterizado
como jovens e adultos.
A educação profissional de jovens e adultos abre outro campo de possibilidades, uma vez
que a questão da qualificação profissional passa a fazer parte do processo de formação.
Dessa forma, mesmo reconhecendo a distinção conceitual significativa entre EJA e
educação profissional – e ainda que a discussão sobre o mundo do trabalho esteja presente
nos estudos sobre EJA – pode-se considerar que todo o tratamento teórico usado para
analisar as pesquisas sobre educação de jovens e adultos é agora acrescido do viés da
educação profissional: aquela destinada diretamente à formação para o mundo do trabalho.
Todavia, uma vez que essa modalidade de educação é nova nas instituições de ensino
profissionalizante, torna-se necessário estudar quais são as características particulares
desse público e que tipo de interação resulta desse processo de escolarização.
Entendendo que o período vivenciado na escola implica para o estudante um tipo de
socialização, pode-se perguntar: como as experiências de vida dos estudantes interagem
com os processos de socialização desencadeados durante o período de formação escolar,
ou seja, quais os traços identitários resultantes da forma como se articulam as condições
objetivas com condições subjetivas dos estudantes?
Por lidar com um público que geralmente possui descontinuidades na formação escolar,
mas é portador de significativa bagagem de experiências de vida e trabalho, pode-se
investigar como o programa lida com as experiências trazidas pelos alunos para o espaço
da sala de aula. E, se a socialização na escola profissionalizante possibilita aos estudantes o
contato com características da profissão, pode-se investigar até que período da formação
profissional contribui para sedimentar identidades profissionais.
A modalidade de ensino profissionalizante atua na interface escola e mundo do trabalho.
Dessa forma, aquilo que caracteriza a profissão, características tanto técnicas como sociais,
está presente durante os anos de estudo, seja de forma objetiva – conteúdos –, seja de
forma velada – comportamento dos profissionais. Os conteúdos dizem respeito ao conjunto
de procedimentos, técnicas e equipamentos que compõem o modo de fazer da profissão. O
13
comportamento dos profissionais que atuam na educação profissional compõe uma fonte
de influência – muitas vezes não declarada – que traz para dentro da instituição de ensino
as características do mundo do trabalho.
A modalidade de ensino EJA caracteriza-se por ser um projeto educacional diferenciado,
que pretende atender a demandas de indivíduos que apresentam trajetórias de fracasso e
descontinuidade escolar, e visa à escolarização de sujeitos que sempre estiveram
marginalizados dos processos formais de educação, buscando para isso com formas
educacionais próprias. O programa Proeja – formação profissional destinada a jovens e
adultos – concatena as características do ensino profissionalizante e da EJA, constituindo
um interessante campo de pesquisas, pois se situa na interface entre os mundos do trabalho
e da educação na modalidade jovens e adultos. Essa modalidade é destinada àquela parcela
da população que depende, em maior escala, da qualificação para a inserção no mundo do
trabalho.
A incorporação da Sociologia como referencial teórico se justifica, sobretudo, pelo
propósito de identificar relações entre a vida cotidiana e estruturas sociais estabelecidas. A
análise sociológica deve, a um só tempo, captar a estrutura – aquilo que está estabelecido –
e observar os processos que ocorrem – aquilo que está em mudança –, identificando as
ações e as relações de poder resultantes da interação entre as estruturas, os processos e os
sujeitos. A contribuição da sociologia ao estudo dos fenômenos educacionais consiste em
confrontá-los com os mundos econômico, político e cultural, estabelecendo ligações entre
processos e instituições sociais e processos e instituições educacionais (Rodrigues,2007).
Neste projeto, o foco de interesse está na interface dos mundos do trabalho e da educação –
a educação profissional –, o que exige a contribuição dos estudos desenvolvidos no terreno
da Sociologia do Trabalho e da Sociologia da Educação.
Um dos autores mais presentes nesse estudo é Claude Dubar, em virtude de sua
contribuição nos estudos sobre socialização e identidades sociais e profissionais. As
hipóteses levantadas nos estudos de Dubar serão confrontadas com as observações
realizadas no ambiente de formação profissional, para identificar concordâncias e
dissonâncias.
Uma vez que o lócus da pesquisa é um ambiente de formação profissional na modalidade
Proeja, pretendeu-se contribuir teoricamente para o entendimento desse campo da
educação ao analisar o processo educacional que envolve um grupo específico de
estudantes. O resultado da pesquisa visou a fornecer características, informações e
14
descrições sobre a modalidade de ensino Proeja de forma a constituir um conjunto de
conhecimentos que subsidiem políticas educacionais e que sirvam de base teórica para
novos estudos nessa área do conhecimento.
Com base na contextualização da questão norteadora do projeto de pesquisa – a
investigação dos traços identitários resultantes da forma como se articulam as condições
objetivas com condições subjetivas dos estudantes –, surgem as questões associadas ao
tema de estudo que englobam as transformações ocorridas durante a realização do curso, a
formação que o estudante traz ao ingressar na instituição de ensino e a relação dessas
transformações com a presença de novos traços identitários (que pressuporiam projeções
para o futuro) que decorrem desse processo. Essas questões podem ser mais bem
formuladas nas perguntas abaixo:
1. Como as trajetórias de vida – familiar, escolar e profissional – se encontram
presentes ao processo de socialização dos estudantes?
2. Quais condições objetivas – contextos socioeconômicos, sistemas de formação e
de trabalho – interagem com os processos de socialização?
3. Como se articulam as experiências de vida e as condições objetivas e quais traços
identitários são resultantes do processo de socialização?
As questões assim colocadas demandam a análise de três sentidos da vida do indivíduo:
primeiro, o histórico social anterior ao ingresso à instituição de ensino, sua socialização
inicial, as características familiares e comunitárias, a formação acadêmica e profissional,
enfim, aquelas características que o indivíduo apresenta ao iniciar o período de formação
escolar no programa PROEJA; depois, as condições externas de socialização que decorrem
do período de formação escolar que efetivamente modificam padrões estruturais de
comportamento; finalmente, a modificação das noções de si próprio e de mundo que
decorrem da vivência escolar.
Para dar conta das questões colocadas anteriormente, esta pesquisa investigou o processo
de formação de alunos da educação profissional de jovens e adultos do curso de
Automação Industrial do Cefetes e teve como objetivos:
15
a) Analisar sucintamente as transformações recentes do modelo de produção e sua
influência na reestruturação social e na configuração de novas relações entre
educação e trabalho;
b) Elaborar uma sustentação teórica dos conceitos de socialização e identidade;
c) Delinear o desenho da educação profissional de jovens e adultos na legislação e sua
implantação no Cefetes;
d) Elaborar, com base nos achados da pesquisa de campo, um quadro dos traços
identitários resultante do processo de socialização vivenciado no período de
formação escolar no Proeja.
Acreditamos que este estudo se justifica no fornecimento de subsídios aos participantes do
processo educacional que, direta ou indiretamente, tem no público de jovens de adultos seu
grupo de interesse de trabalho. Ao investigar a representação social que um sujeito tem do
mundo em que vive e do processo educacional pelo qual passa, revela-se uma forma de
olhar e sentir a escola que somente aquele estudante pode ter. Para professores e gestores
educacionais, conhecer a visão de quem “está do outro lado” é importante para repensar a
formação profissional, pois, se a educação tem características multidimensionais –
integração de aspectos pessoais, sociais, econômicos e políticos –, ela também é múltipla
no que diz respeito aos seus participantes: docentes e discentes têm visões diferentes sobre
o processo educacional e cada um o vivencia de uma forma especifica.
16
1.2 A ESTRUTURA DA PESQUISA
Para investigar o universo da educação profissional de jovens e adultos, partiu-se de um
enfoque qualitativo, objetivando realizar um estudo de caso. O recorte espacial foi dado
pela escolha dos estudantes do curso de automação industrial do Cefetes e o recorte
temporal foi definido pela escolha das turmas que estavam mais adiantadas no processo de
formação. Por meio de entrevistas individuais, grupos focais e observação dos alunos,
procurou-se construir a representação social daquele grupo em relação à forma como eles
se viam no processo de formação, para identificar as características do processo de
socialização e as formas identitárias resultantes.
As representações sociais moldam os acontecimentos de determinada categoria e são
compartilhadas por um grupo de pessoas. Constituem entidades sociais que possuem vida
própria, e seu estudo implica examinar o aspecto simbólico do meio social.
A socialização aqui é entendida como um processo que nunca termina efetivamente, um
processo dinâmico que tem início na infância com o desenvolvimento das capacidades e a
apreensão de regras, valores e signos, balizados pela família, universo escolar e
pertencimentos culturais. Posteriormente na formação para o trabalho e no mundo do
trabalho, novas situações geram novas socializações em que ocorre o embate entre
trajetórias familiares e sociais e as demandas do contexto social e transformações
estruturais externas. A identidade é o resultado desses processos de socialização e também
não pode ser considerada imutável. É um resultado estável e paralelamente provisório, que
considera as condições subjetivas e objetivas, a biografia pessoal e a estrutura externa, o
qual reflete a construção dos indivíduos.
A consideração de que as estruturas social, econômica, política e cultural compõem
aspectos a serem estudados na determinação da socialização e das formas identitárias
implicou a leitura de alguns autores que estudaram as modificações ocorridas,
principalmente nas três últimas décadas do século XX. As transformações das formas de
produção capitalista, fortemente influenciadas pelas crises econômicas e pela evolução
tecnológica, implicaram alterações de paradigmas em todas as áreas e permitiram a
discussão teórica acerca de novos modelos de um período que tem sido identificado, entre
outros nomes, por “pós-modernidade”.
17
2 TRANSFORMAÇÕES DO CAPITALISMO, DA TECNOLÓGICA, DO
TRABALHO E A RELAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO E TRABALHO
A denominação dos períodos históricos é sempre realizada a posteriori: depois de algum
tempo, os historiadores analisam os acontecimentos passados com base nas transformações
sociais mais significativas, o que permite, até mesmo, a eleição de eventos específicos
como marcos referenciais que ancoram os tempos de mudança. O final do século XX
parece caracterizar um desses momentos de mudança, quando as macroestruturas
econômicas, políticas e sociais sofrem um câmbio e se reestruturam com base em novos
paradigmas. Harvey (2007) analisa o que se convencionou chamar de sociedade pós-
moderna a partir das transformações do final do século XX, abordando as mudanças no
modo de produção industrial, na arquitetura, na arte e nas transformações políticas e
econômicas. Para esta pesquisa em particular, a discussão desse autor sobre o conceito de
acumulação flexível é a que mais fornece subsídios para caracterizar as modificações do
capitalismo.
Castells (2007) trabalha com a ideia de uma nova configuração em que a sociedade
passaria a se estruturar em uma rede de interconexões fortemente baseada no fluxo de
capital, informações e cultura – era da informação – que constituiria a sociedade
informacional. Focado nas transformações do capitalismo, Masi (2003) denomina de
sociedade pós-industrial a nova configuração das relações de trabalho também
influenciadas pelas novas tecnologias.
Do texto de De Masi reproduzo uma lista de algumas denominações atribuídas à nova
configuração social (DE MASI,2003,p.33): “sociedade em impasse”, “sociedade
despreparada”, “idade do equilíbrio, “consciência III”, “século causal”, “estado de
entropia”, “sociedade narcisista”, “sociedade programada”, “sociedade pós-moderna”,
“cultura pré-figurativa”, “sociedade pós-civil”, “sociedade pós-capitalista”, “sociedade do
capitalismo maduro”, “sociedade do capitalismo avançado”, “sociedade sadia”, “sociedade
ativa”, “sociedade pós-materialista”, “sociedade tecnotrônica”, “terceira onda”, “sociedade
dos serviços”, “era da descontinuidade. Segundo De Masi (2003), a profusão de
denominações decorre do fato de existir a consciência de a nova configuração social não
mais se basear na sociedade industrial; entretanto, ainda não se conhece que novo aspecto
surgirá como fator de estruturação da sociedade.
18
Para Frigotto (2006), o modo de produção de uma dada sociedade determina a política, a
vida intelectual e a vida social, enquanto Harvey cita Gramsci para afirmar que “os novos
métodos de trabalho são inseparáveis de um modo específico de viver e de pensar a vida”
(GRAMSCI Apud HARVEY, 2007, p.21) e Castells (2007) garante que o paradigma
informacional promove transformações tecnológicas das relações produtivas que resulta
em novas configurações sociais. Em qualquer um desses casos, os autores pressupõem que
modo de produção, estrutura ocupacional e bases econômicas de uma sociedade
determinam a constituição das relações sociais.
Por esse motivo, na revisão de literatura realizada para esta pesquisa, analisamos as
transformações do modo de produção no final do século XX. Autores como Castells
(2007), De Masi (2003) e Harvey (2007) focalizaram essas transformações, bem como as
possíveis configurações futuras decorrentes de novos rearranjos produtivos.
A educação surge nesse processo como um dos aspectos inerentes à estruturação de
determina realidade social. Dessa forma nos apoiamos na análise de Frigotto (2006) para
investigar as relações entre modos de produção e educação. Segundo esse autor, a
educação está, pela ação do estado, a serviço do modo de produção capitalista, atendendo a
seus propósitos por meio da configuração de uma escola voltada para a reprodução desse
modelo que, por fim, gera discursos como a da teoria do capital humano.
2.1 CRISE DE MODELOS E TRANSIÇÃO DE PARADIGMAS EM CASTELLS, DE MASI E
HARVEY
Domenico De mais, em seu texto “A Sociedade Pós Industrial”, desenvolve uma análise
das características básicas das denominadas sociedades rurais, sociedades industriais e
sociedades pós-industriais, visando a apontar aspectos centrais das modificações mais
importantes que instauram uma “crise” no modelo vigente e que sinalizam para uma nova
configuração social. Para De Masi (2003), os modos de produção e o progresso
tecnológico marcam a sociedade industrial, cujas características principais são a aplicação
das descobertas científicas ao processo produtivo, a divisão social do trabalho e sua
fragmentação técnica, a separação entre o lugar onde se vive e o lugar onde se trabalha, a
progressiva urbanização e escolarização das massas e o predomínio dos critérios de
produtividade e eficiência no uso dos recursos e dos meios de produção. E exatamente pela
19
alteração desses aspectos, fortemente influenciados pelo desenvolvimento tecnológico, é
que uma nova forma de reorganização social vai surgir.
Em sua obra intitulada “A Condição Pós-Moderna”, David Harvey analisa as
transformações do final do século XX para determinar o que se descreve como sociedade
pós-moderna. Um dos temas tratados pelo autor é a passagem da produção fordista para o
regime acumulação flexível e os desdobramentos desse movimento nas relações de
trabalho e na configuração da ordem social. No período entre guerras mundiais, os ideais
do fordismo difundiram-se mundialmente. Todavia, sua influência na modificação efetiva
das formas de produção ocorreu (ou não) em maior ou menor escala nas indústrias,
dependendo de fatores como mecanismos de intervenção estatal, formas de trabalho,
tradições artesanais e existência de contingentes de mão-de-obra de imigrantes.
Somente após a Segunda Guerra Mundial, com o rearranjo dos atores do sistema capitalista
(estados-nação, capitalista e trabalho organizado) é que o ideal de produção particionada e
o tipo de controle sobre o trabalhador, defendidos pelo fordismo, se consolidarão, em
grande parte, devido ao desenvolvimento tecnológico e à racionalidade vivenciada durante
a Segunda Grande Guerra. Assim, o período pós-guerra até o início da década de 1970 foi
de solidificação do modo capitalista fordista de produção quando o modo de trabalho
rotineiro foi eleito em troca da busca da produtividade. O autor garante que o fordismo do
pós-guerra se tornou um modo de vida baseado na ideia de padronização de produtos e
consumo de massa, com a própria cultura, tornando-se mercadoria e se inserindo na lógica
do consumo.
Outra referência fundamental na construção do quadro analítico deste projeto é o texto “A
Sociedade em Rede”, de Manuel Castells, que investiga o movimento econômico e social
de determinado período histórico que se identifica pelo termo “era da informação”, cuja
característica central é o intenso fluxo de câmbios de capital, informação e cultura por
meio de uma estrutura de rede. Defende a ocorrência, no final do século XX, de uma
transformação histórica que, em grande parte, devido à evolução das tecnologias de
informação, modifica a base material da sociedade, influenciando as relações de trabalho,
as formas de produção, a dinâmica da economia mundial e a própria estrutura do
capitalismo. A tecnologia que permite a comunicação eletrônica mundial em uma rede
distribuída de computadores, na qual inexiste um centro de controle, é a referência sobre a
qual Castells analisa o contexto do final do século XX.
20
Segundo Harvey (2007), na década de 60 surgem indícios que apontam para a saturação do
modelo fordista de produção. Quando, em 1973, ocorre a crise do petróleo, o resultado é a
elevação do custo dos insumos de energia, o qual, associado à situação econômica
fragilizada, inicia novo período na economia mundial. Para enfrentar a crise, as
corporações buscam a melhoria de recursos por meio da diversificação de produtos e de
mercados e da mudança tecnológica (automatização dos processos). Harvey usa o termo
acumulação flexível para designar esse novo contexto de produção, cuja essência é a
flexibilidade dos processos de trabalho, mercados, produtos e padrões de consumo. Surgem
inovações comercial, tecnológicas e organizacionais que modificam a estrutura rígida de
trabalho do fordismo (produção em massa de poucos produtos não diversificados) e surge
o setor de serviços e a experiência das pequenas indústrias altamente tecnológicas em
contrapartida à imagem da grande indústria fordista. No mundo do trabalho, o aumento da
competição, a diminuição do lucro e o aumento do desemprego, forçou os trabalhadores a
aceitar contratos de trabalho mais flexíveis: “a redução do emprego regular em favor do
trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado” (HARVEY,2007,p.143).
Masi (2003) destaca três fenômenos que prenunciam um momento de transição entre
sistemas: a convergência entre os países industriais, o crescimento das classes médias e a
difusão do consumo e da sociedade de massa. A transição entre os sistemas, entre
macromodelos que orientam uma sociedade é sempre vista como uma crise. Para De Masi
(2003,p.30), “não é a realidade que está em crise e sim nosso modo de compreendê-la e
avaliá-la” e, por fim, “a sensação de crise é uma sensação de modelos interpretativos”
advinda da resistência cultural às mudanças. Nesse processo de transição, o autor centraliza
o desenvolvimento tecnológico, apontando-o como um reorganizador de relações sociais,
uma vez que tende a alterar em profundidade os modos de produção.
Castells (2007) usa o termo informacionalismo para referir-se a um novo modo de
desenvolvimento, que está associado ao surgimento de uma nova estrutura social e que
historicamente tem sido moldado pela reestruturação do sistema capitalista. Para
fundamentar sua análise, o autor promove uma revisão teórica da sociologia por meio dos
conceitos de produção, experiência e poder para definir duas estruturas: modos de
produção (capitalismo e estatismo) e modos de desenvolvimento (pré-industrialismo,
industrialismo e informacionalismo). Castells entende a tecnologia como a força
transformadora maior de comportamentos sociais e considera que é possível usar o termo
21
“sociedade informacional” para designar o atual período. A sociedade informacional seria
assim o novo paradigma das relações sociais nas sociedades capitalistas.
De Masi (2003) utiliza algumas imagens para caracterizar a sociedade industrial, como: a
fabrica é o local preciso da produção, o sistema industrial está polarizado entre
empregadores de classe operária com uma dimensão nacional própria e internacionalmente
existe uma hierarquia de importância de países determinada pelo produto interno bruto. Em
face das transformações em curso, essa configuração se modifica: tornou-se difícil
determinar o local de produção de um objeto qualquer; a imagem de duas classes sociais
contrapostas perde força quando produtores e consumidores estão defasados no espaço; no
plano internacional, apesar da continuidade de dependência dos países periféricos, é
possível que nesses existam núcleos de vanguarda em diversas áreas. O autor também
destaca a característica de que, no modelo emergente de sociedade, ocorre uma inversão de
proporcionalidade entre produção de um setor e quantidade de pessoas alocadas nele. As
reduções significativas na quantidade de trabalhadores de um setor são acompanhadas por
elevação da produtividade e da produção.
Também Harvey (2007) destaca essa tendência de modificação no volume de produção:
enquanto a empresa fordista focava a produção em massa de poucos produtos (rigidez), a
configuração de acumulação flexível orientava-se pela possibilidade de produzir um
conjunto maior de produtos, porém em pequenos lotes (flexibilidade). Por fim, o autor
mostra que tal configuração flexível de produção facilita a inovação produtiva, sustentada
pelo advento de tecnologias produtivas baseadas na automação e na robótica. Todas essas
configurações de mundo de trabalho, com diferentes formas de organização e diferentes
relações de poder, serão fomentadoras de características e demandas para os sujeitos
sociais que as vivem. Assim, constituem o contexto que influenciará a formação de
identidades sociais e profissionais.
Sobre essas novas formas de identidades, Castells (2007) analisa como fica o Ser na
sociedade informacional. Ao admitir que, de um lado, as novas tecnologias da informação
estão criando redes globais de integração e que, de outro, se acentua, da década de 1990
em diante, a tendência ao fortalecimento de identidades primárias locais, questiona qual o
tipo de identidade resultante desse processo simultâneo de globalização e fragmentação. E
em relação à sociedade, garante que o paradigma informacional afeta a sociedade pela
transformação tecnológica das relações produtivas nas empresas emergentes. Para dar
conta das demandas surgidas na década de 1970, o capitalismo se reestrutura, fazendo que
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os grandes agentes corporativos implantassem transformações tecnológicas nos meios de
produção, o que exigiu também o desenvolvimento de novas formas gerenciais. Alterando-
se o meio de produção, modificam-se o trabalho e o mercado de trabalho: novas demandas
são criadas em novos contextos enquanto atividades consolidadas entram em declínio.
2.2 RELAÇÕES ENTRE EDUCAÇÃO E TRABALHO
Com o objetivo de estudar a influência do capitalismo sobre a educação, especificamente
no que diz respeito ao ensino tecnológico, usaremos nesta pesquisa a discussão sobre a
especificidade do modo de produção capitalista que Frigotto (2006) realiza em seu trabalho
“A Produtividade da Escola Improdutiva”. Ainda no que se refere às relações entre
trabalho e educação, destacaremos a contribuição de Frigotto (2005) e Ciavatta (2005) para
a problematização de alguns aspectos dessa relação, sobretudo os vínculos entre a
formação profissional e as demandas do setor produtivo.
Inicialmente cabe o registro de Frigotto (2005) de que o trabalho na vida dos seres
humanos apresenta múltiplas dimensões, tanto pragmáticas relacionadas às necessidades
básicas de sobrevivência, quanto estruturantes de relações sociais. Pela ação consciente do
trabalho, os seres humanos criam e recriam sua existência, por isso mesmo o trabalho “não
se reduz à atividade laborativa ou emprego, mas à produção de todas as dimensões da
vida humana” (Frigotto,2005). Sob essa perspectiva, o trabalho como princípio educativo
extrapola o conceito didático-metodológico do processo de aprendizagem, alcançando
status de princípio ético-político, tornando-se tanto um dever quanto um direito. Torna-se
um dever pelo aspecto funcional de produção de bens necessários à manutenção da vida
humana; torna-se um direito pela necessidade de estabelecer, por meio da ação consciente,
uma relação com a natureza de transformação e interação.
Frigotto (2005) destaca que a educação básica tem função estratégica na construção de
uma nação em seus aspectos culturais, sociais, políticos e econômicos, além de ser um
direito subjetivo de todos e o espaço de compartilhamento do conhecimento humano. Na
educação básica, o ensino médio, associado diretamente ao mundo do trabalho por meio da
educação profissional e tecnológica, deve alinhar-se a essa perspectiva mais geral da
relação entre educação e trabalho. Essa perspectiva se contrapõe ao imediatismo do
23
mercado de trabalho e à relação direta e simples entre mundo do trabalho e trabalho
produtivo.
Entretanto, há desafios a serem superados e tarefas estruturantes a serem realizadas na
aproximação entre a educação e a definição criativa do trabalho. Frigotto (2005) propõe
que essas tarefas incluam primeiramente analisar o imaginário social no que diz respeito as
idéias que relacionam a educação apenas ao êxito na obtenção de uma colocação no
mercado de trabalho, como se esse fosse o fim último dos processos educacionais. Outra
tarefa é reformular a organização escolar por meio da formação dos educadores, da
mudança das concepções curriculares e práticas pedagogias e da melhoria das condições de
trabalho, de forma a permitir e validar as mudanças necessárias. E, finalmente, criar
condições na sociedade que viabilizem política e economicamente este projeto
reestruturante e restaurador da educação.
Quanto ao referencial teórico que embasa a formulação de práticas educativas ligadas à
educação relacionada ao mundo do trabalho, uns autores mostram que o processo
educativo não pode estar dissociado do contexto social e econômico em que está inserida a
escola. Ciavatta (2005), escrevendo sobre a formação integrada e relações entre trabalho e
escola, ressalta um aspecto pragmático relacionado à educação profissional e tecnológica
(CIAVATTA,2005,p.98):.
Mas se a educação de jovens e adultos não pode ser reduzida às
necessidades estritas do mercado de trabalho, ela não pode ser
alheia às suas necessidades de sobrevivência e às exigências da
produção econômica como campo onde os sujeitos sociais retiram
os meios de vida.
Sugere assim que a identificação das oportunidades ocupacionais do meio onde a escola
está inserida deve ser considerada no processo educativo, sendo coautores, mas não
submetendo, todavia, a educação integral aos interesses produtivos nem ao “breve tempo
do mercado” (CIAVATTA,2005,p.99). Outros pontos importantes que a autora propõe
para a elaboração de uma versão equilibrada entre educação e demandas produtivas, por
meio de ensino integrado de qualidade, são a adesão entre professores responsáveis pela
geral e pela formação específica, a articulação da instituição com os alunos e familiares, a
garantia de investimentos na educação e o constante debate participativo no interior da
instituição sobre os processos educacionais, cujo objetivo é equalizar as demandas dos
24
participantes do processo de ensino e também do mundo do trabalho, entendendo que tal
processo é dinâmico e se modifica no tempo.
No texto sobre a produtividade da escola improdutiva, Frigotto (2006) discute a
problemática da teoria do capital humano, a influência dessa forma de pensamento na
educação, criando uma abordagem educacional econômica com base no caráter positivista
da teoria econômica. A raiz do termo capital humano deriva de uma visão economicista
linear que procura explicar o crescimento econômico de determinada sociedade – tanto
microeconomicamente falando quanto macro – fundamentada em seus componentes
básicos: capital físico e estoque de trabalho e economia. Todavia, esses componentes não
foram suficientes para formalizar uma equação que apresentasse como resultado a
produtividade final. Inseriu-se, então, no modelo – matemático – a hipótese que o
investimento em indivíduos seria um dos responsáveis pelo acréscimo de estoque de
capital e de trabalho. E como aquilo que se investia nas pessoas retornava sob a forma de
produtividade, passou-se a denominar tal investimento de “capital humano” em analogia
aos demais tipos de capital. A ideia básica seria: o capital gera renda; se o estudo, a
formação e o treinamento aumentam a renda, logo se tornam um tipo de capital. Mais: o
aumento do investimento no capital humano implicaria diretamente crescimento da
produtividade. A consequência dessa teoria econômica na educação é, segundo o autor, a
redução da escola à transmissão de um conjunto de habilidades e conhecimento que
possam gerar trabalho. E no modo de produção capitalista moderno:
A educação passa, então, a constituir-se num dos fatores
fundamentais para explicar economicamente as diferenças de
capacidade de trabalho e, conseqüentemente, as diferenças
de produtividade e renda.(FRIGOTTO,2006,p.41)
Fundamentado na discussão acerca do modo de produção capitalista, Frigotto (2006)
discute a formulação do contexto histórico que permitiu a produção da teoria do capital
humano com base na análise dos seguintes pontos: monopolização do mercado e formação
de estado intervencionista; crescente incorporação do progresso técnico pelo capital e
desqualificação dos postos de trabalho. O autor garante que a vinculação – construída –
entre processo produtivo, educação e modo de produção no sistema capitalista é um dos
mecanismos que o Estado intervencionista promove para dar conta das contradições
inerentes ao capitalismo.
25
3 SOCIALIZAÇÃO, IDENTIDADES SOCIAIS E PROFISSIONAIS
A segunda parte da revisão de literatura realiza um diálogo com as abordagens relevantes
para a construção deste projeto: a socialização, a socialização profissional, as identidades
sociais, as identidades profissionais e a crise das identidades. A conceituação teórica de
identidade usada neste trabalho de pesquisa repousa sobre os estudos do sociólogo francês
Claude Dubar. Esse autor entende a identidade como o resultado de um processo de
socialização. Entretanto, tal sentença inicial não pode ser entendida nem no sentido de que
o social determina o individual nem no sentido de que uma dada identidade é algo
imutável, mesmo que exista apenas um processo de socialização. Pela via de pensamento
oposta, o conceito de identidade depende da trajetória de vida do indivíduo e da
configuração social de cada momento de sua vida, permitindo a existência de socializações
posteriores àquela primeira socialização familiar.
3.1 BASES TEÓRICAS E FORMAÇÃO DO CONCEITO DE SOCIALIZAÇÃO
A socialização em Dubar (2005) é entendida como o processo pelo qual um ser humano
desenvolve suas maneiras de estar no mundo e de relacionar-se com as pessoas e com o
meio que as cerca, tornando-se um ser social. Tema caro tanto para a psicologia social
quanto para a antropologia, a socialização é um conceito básico da sociologia, que possui
interfaces com as demais grandes teorias das ciências sociais. A socialização da criança, ou
seja, a forma como a criança desenvolve sua forma de relação com o mundo, tem
explicações diversas segundo diferentes teorias. Enquanto, para Durkheim, o corpo social
estabelecido define em grande parte a socialização da criança, para Piaget, o infante tem
previamente definido dentro de si as etapas de seu desenvolvimento que são perpassadas e,
em grande parte, definidas pelas interações com o grupo social. Já Vigotsky retoma o
desenvolvimento de fora para dentro da criança, colocando nas relações sociais o peso da
socialização. As grandes metateorias do século XIX, influenciadas pelo zeitgeist de então,
propunham que eram possíveis explicações universais que dessem conta de todo o
comportamento humano, independentemente do período histórico e da sociedade em
particular. Contudo, essa explicação ontogênica não encontrou respaldo nos estudos
antropológicos do início do século XX, que não identificaram leis gerais que regessem a
26
educação das crianças em ambientes diferentes. Assim se passa da socialização baseada no
desenvolvimento da criança para a socialização como aprendizado da cultura; mas, nessa
segunda abordagem, os aspectos sociais predominam sobre os genéticos no estudo da
socialização. É nos anos de 1980 que a socialização passa a ser vista como um processo de
construção focado fortemente nas relações estabelecidas por um sujeito consciente de si,
distanciando-se tanto do determinismo social – ser humano é produto da sociedade –
quanto de teorias ontogenéticas – ser humano é produto de suas estruturas internas.
A socialização perde assim o caráter rígido de estrutura que não se transforma e passa a ser
vista como mais dinâmica, permitindo a construção, desconstrução e reconstrução de
identidades. Esse sujeito consciente de si em constante processo com o meio que o cerca
torna-se, então, um ator. Ocorre dessa forma o retorno do sujeito como ator de sua
trajetória, interagindo por suas características com o meio social em que se insere. O termo
identidades no plural implica que são múltiplas as esferas de atividades em que o sujeito
transita, entre as quais, a atividade profissional, que, no atual sistema, ocupa posição
central como lócus estruturador de identidades. Considerar como ator o indivíduo social
implica nova concepção de socialização: podem-se compreender os processos de
socialização ao estudar as ações coletivas como elaborações sociais e ao pesquisar a visão
de mundo dos atores, obtendo assim um duplo eixo de análise.
Após essa introdução, é realizada uma breve explanação sobre teorias de socialização. Em
linhas gerais Dubar retoma quatro matrizes teóricas: a questão da socialização em
Durkheim e em Piaget, a antropologia cultural, o funcionalismo e a socialização como
incorporação do habitus.
Piaget considerava a socialização como um processo de adaptação a formas mentais e
sociais cada vez mais complexas. A criança passaria de um estágio a outro quando desse
conta de articular as demandas sociais e suas necessidades pessoais em novos esquemas,
cada vez mais elaborados. Nesse processo definiu os movimentos de assimilação e
acomodação, que, articulados, resultam na adaptação do sujeito. Esse esquema de
internalização de conceitos pressupõe que, inicialmente, há uma forma de equilíbrio no
indivíduo entre as relações sociais e suas estruturas internas e que o processo mudança
ocorre por uma desestruturação inicial que gera um desequilíbrio, seguido por uma nova
reestruturação.
27
Durkheim desenvolveu os conceitos de solidariedade mecânica e solidariedade orgânica ao
explicar de que forma se mantém a coesão social. Nas sociedades mais “primitivas”, a
coesão se daria pela solidariedade mecânica: característica de grupos unidos por
semelhanças sociais (família, religião, costumes, cultura, tradição) em que uma consciência
coletiva dominante sobre os indivíduos seria a responsável pela coerção social. Pela
similitude entre os indivíduos – e suas crenças –, a coletividade se sobreporia às
individualidades. Nas sociedades industriais, a solidariedade orgânica seria a responsável
pela manutenção da sociedade. Da divisão do trabalho em diante, as relações de
cooperação estabelecidas entre os indivíduos não mais se baseiam em nas semelhanças
sociais, mas norteiam-se pela noção de complementaridade entre indivíduos que executam
diferentes tarefas.
A socialização do ponto de vista da antropologia cultural se orienta pela tese de que a
personalidade de um indivíduo é produto da cultura em que nasce, moldada pelas
instituições por que o individuo entra em contato durante sua formação. Por instituições
entendem-se esquemas de conduta, de modelos de comportamento fixados que, devido a
sucessivas repetições, acabam por estruturar ações sociais. Essa tese foi fundamentada em
estudos antropológicos com populações de sociedades muito diferentes, localizadas em
diferentes pontos do planeta. Pesquisadores elaboraram, pela análise de sociedades
chamadas de “primitivas”, a ideia de que não há esquemas universais de socialização,
esquemas que independeriam de uma sociedade específica. Formula-se assim a hipótese da
personalidade básica na antropologia cultural: a formação da personalidade individual se
dá como incorporação progressiva da cultura. A estrutura do indivíduo – a sua
personalidade – identifica-se fortemente com os instrumentos de adaptação comuns àquele
grupo social.
Se, na antropologia cultural, o “resultado final” da socialização está submetido,
necessariamente, a cada sociedade em particular, os funcionalistas vão perguntar: existe
um modelo geral de funcionamento da socialização? Ou seja, a despeito das diferenças
entre sociedades, existe um modelo comum, universal que norteie todos os processos de
socialização? Sociólogos teóricos funcionalistas procuraram generalizações das
socializações e delimitaram questões de estudo na busca dos mecanismos concretos da
produção social de personalidades.
Em outra vertente teórica, temos a ideia de socialização como incorporação do habitus. O
habitus evoca um estado interno de sentimentos, pensamentos, formas de sentir que
28
estruturam a relação do sujeito com o mundo, produzindo práticas que tendem a seguir
condições, dadas pelo passado, que serão mais prováveis de sucesso na obtenção de
determinado fim. Considerar que as ações sociais dos sujeitos são baseadas pela estrutura
do habitus significa considerar que os indivíduos acabam por querer praticar somente
aquilo que tem possibilidade de alcançar pela regras dadas pela sociedade. Isso garantiria a
coesão social, dada pela adesão subjetiva dos sujeitos aos esquemas propostos e por sua
participação ativa na reprodução desse mecanismo.
Por fim, cabe uma explanação mais detalhada da concepção de socialização como
construção social da realidade, tendo em vista o fato de ser a vertente explicativa que
sustenta a análise de Claude Dubar, eleita nesta dissertação como a principal referência
teórica para a compreensão dos processos socializadores e seus impactos na configuração
identidades sociais e profissionais.
Segundo Dubar (2005), nas abordagens culturais e funcionais da socialização, há o
pressuposto implícito de que existe uma unidade do mundo social. Segundo essa ideia, a
noção de pertencimento nas sociedades tradicionais e a lógica econômica de maximização
de ganhos nas sociedades modernas comporiam estruturas homogêneas de uma unidade
social. A socialização nas abordagens culturais e funcionais considera que a formação dos
indivíduos se dá pela incorporação de uma forma de estar no mundo, de ser, de pensar e de
agir própria de um grupo, o que interiorizaria valores, normas e disposições, formando uma
identidade. Socializar-se implica incorporar o mundo social e, se há uma unidade do
mundo social, a formação da identidade está comprometida com o condicionamento a uma
estrutura única e homogênea.
Outro conjunto de teorias sobre a socialização não parte desse pressuposto unificador do
mundo social. Prefere eleger a incerteza e a interação na explicação da realidade social,
que passa ser vista como dinâmica e resultante do confronto entre lógicas diferentes. Os
pressupostos da socialização resultante, exclusivamente da conformação à cultura do grupo
– reprodução de tradições –, ou resultante, também exclusivamente da maximização de
ganhos – otimização de riquezas e poder – são superados. A exigência de reproduzir a
tradição e a exigência de maximizar ganhos estão presentes simultaneamente no indivíduo,
que deve administrar essa dualidade. E, para fundamentar esse outro conjunto de teorias
sobre a socialização, Dubar (2005) se utiliza de alguns outros autores que consideram a
dualidade do social ao invés da unicidade do social.
29
Segundo Mead (apud Dubar,2005,p.115-119), a socialização é a construção de uma
identidade social por meio da interação com os outros, na qual adaptações recíprocas de
conduta seriam resultado da interação entre diferentes organismos. Nesse processo ocorre
um duplo movimento de apropriação e de identificação: os indivíduos se apropriam do
mundo social – do “espírito” da comunidade – e se identificam com papéis sociais
estabelecidos. Esse processo de socialização resultante do conflito “originalidade” versus
“disciplina” implica que o indivíduo, ao socializar-se, cria a sociedade tanto quanto
reproduz a comunidade, uma vez que a “solução” do conflito considera tanto as estruturas
preestabelecidas como as estruturas internas. Utilizando os estudos de Peter Berger e
Thomas Luckmann, Dubar (2005,p.120-128) considera a hipótese de que a socialização
nunca termina efetivamente e de que a socialização nunca é totalmente bem-sucedida.
Assim, pode-se inferir que a socialização secundária tem seu papel na formação da
identidade. Trata-se principalmente da incorporação de saberes especializados, totalmente
relacionados aos aspectos profissionais. A incorporação de saberes profissionais evoca a
construção de um novo universo que relaciona uma concepção de mundo vinculada a um
campo especializado de atividades.
Relacionando os estudos de Berger e Luckmann à discussão sobre a socialização como
construção social da realidade, Dubar destaca que essa transformação depende da relação
entre os aparelhos de socialização primária e secundária: entre as instituições dos saberes
gerais dos mundos sociais da infância (família, escola) e os sistemas relacionados aos
saberes especializados (empresas, profissões). As alterações nos meios de produção da
sociedade moderna engendram socializações secundárias que podem questionar o sentido
de mundo dado pela socialização primária, produzindo transformações sociais. Se ocorre
transformação social, ocorre transformação de identidade. A socialização primária é
orientada para a formação da identidade social, na qual ocorre a incorporação do mundo tal
como dado, condicionando o indivíduo às relações sociais predominantes (reprodução
social), enquanto a socialização secundária tem mais liberdade de ação para produzir
identidades novas.
30
3.2 IDENTIDADE: UMA POSSIBILIDADE TEÓRICA DA SOCIOLOGIA
Da argumentação exposta até o momento, que considera a hipótese de uma articulação
entre condições objetivas e estruturas subjetivas na formação da identidade, pode-se
considerar que essa mesma identidade é caracterizada pela divisão do eu. A análise
sociológica em questão permite considerar duas formas de identidades: a identidade para si
e identidade para o outro. Diante da pergunta: é possível uma abordagem sociológica da
identidade considerando essa definição? Dubar considera que é possível tal abordagem
sociológica, desde que se considere essa relação – identidade para si e identidade para
outro – no interior do processo de socialização (DUBAR,2005,p.136):
Desse ponto de vista, a identidade nada mais é que o resultado a um
só tempo estável e provisório, individual e coletivo, subjetivo e
objetivo, biográfico e estrutural, dos diversos processos de
socialização que, conjuntamente, constroem os indivíduos e definem
as instituições.
Para Dubar, esse conceito traz contribuições teóricas que transcendem as explicações
macrossocial (focada no grupo, classe, categoria) e microssocial (focada no papel, status)
da formação das identidades: introduz uma dimensão subjetiva – psíquica – na análise
sociológica. Para compor teoricamente a questão da dualidade do social, Dubar utiliza dois
outros conceitos: atos de atribuição e atos de pertencimento. Atos de atribuição são os que
visam à identidade para o outro (o que eu sou); atos de pertencimento exprimem a
identidade para si (o que eu quero ser). A questão é que pode não haver correspondência
nenhuma entre o que penso de mim e o que os outros pensam de mim. A identidade
singular, fruto de uma trajetória de vida, não está necessariamente vinculada às identidades
atribuídas pelos outros. Entretanto, será justamente na atividade com o outro que o
indivíduo é identificado, tendo então a possibilidade de aceitar ou não a identificação que
recebe do outro (outro: pessoas ou instituições). Ocorrem assim dois processos
heterogêneos na formação da identidade: um processo de atribuição – atos de atribuição – e
um processo de incorporação – atos de pertencimento. A atribuição traz a ideia de que
alguém atribui a outro uma condição, status, identidade. A atribuição tem de ser analisada
no interior dos sistemas de ação na qual o sujeito convive e é resultado da pressão de um
grupo sobre um individuo, constituindo, todavia, uma identidade “virtual”. A atribuição
31
tem característica sincrônica. A incorporação implica uma interiorização real da
identidade. Relacionada aos processos diacrônicos – história de vida, trajetórias sociais –, o
processo de interiorização permite a construção de identidades “reais” para si, legitimadas
pelo aspecto “subjetivo” que incorpora.
E o que ocorre quando os processos de atribuição e de interiorização não coincidem?
Dubar mostra que ocorre um desacordo entre a identidade “virtual” (o que os outros dizem
que sou) e a identidade “real” (o que eu penso ser) o qual implica ações, visando a
relativizar essa diferença. As ações adotadas podem ter caráter externo ou interno.
Transações externas: tentativa de acomodar a identidade para si a identidade para o outro
(ação objetiva). Transações internas: tentativa de manter as identificações anteriores
advindas da trajetória social por meio da incorporação da identidade para o outro na
identidade para si (ação subjetiva). Essa segunda estratégia pode ser comparada ao
processo de assimilação de Piaget analisado anteriormente.
A construção das identidades sociais se fundamenta na articulação entre as duas
transações. A identidade social é resultado da interação entre um processo sincrônico,
relacionado às condições objetivas dos sistemas de ação, e um processo diacrônico, que
implica a subjetividade de estruturas internas. Dubar (2005, p.140) esclarece:
A construção das identidades se realiza, pois, na articulação entre
os sistemas de ação, que propõem identidades virtuais, e as
trajetórias vividas, o interior da quais se forjam as identidades
“reais” às quais os indivíduos aderem.
A articulação entre estruturas objetivas (identidade visada, virtual que se quer ter) e
estruturas internalizadas (identidade herdada, real) pode resultar em continuidade ou em
ruptura. Na continuidade, as metas coincidem e ocorre reforço mútuo entre as estruturas;
na ruptura, o desacordo entre o que se pensa sobre si e o que se almeja ser implica
conversões subjetivas que ajustam as estruturas interiores a novas configurações.
Considerar que tal articulação existe implica aceitar o caráter dinâmico das configurações
identitárias: uma configuração de identidade é uma articulação relativamente estável
(durante certo período de tempo) entre essas formas de transação, mas podem evoluir
segundo novas articulações em busca de novos reequilíbrios. Considerar tal articulação
implica também que as negociações ao redor da identidade impedem aceitar rotulagens
autoritárias de identidades predefinidas, e esse processo de negociação resulta na
32
construção conjunta entre configurações objetivas e subjetivas. Por fim, Dubar reforça a
hipótese da dualidade do funcionamento do social, irredutível a classificações gerais
advindas ou da “comunidade”, ou da “sociedade”. A identidade de uma pessoa depende de
suas estruturas internas e da relação com os outros.
Nesse ângulo cabe explorar as relações entre o processo identitário biográfico, o processo
identitário relacional e a identidade como espaço tempo geracional. O processo biográfico
relaciona-se a uma construção no tempo de identidades sociais e profissionais a partir das
relações com instituições que atravessaram a trajetória do indivíduo, como família, escola,
mercado de trabalho e religião, constituindo um eixo diacrônico de formação (tempo); o
processo relacional diz respeito a um determinado momento e a determinado espaço em
particular de legitimações que balizam transações objetivas entre o indivíduo e as
instituições, constituindo um eixo sincrônico de formação (espaço).
Da articulação desses dois processos resulta a projeção espaço-temporal das identidades de
uma geração, isto é, influenciada pelo “tempo” vivido do indivíduo e pelo “espaço” em que
vive o indivíduo. Dubar usa a definição de Erikson de identidade como espaço-tempo
geracional, isto é, que depende da geração analisada, para definir que a identidade social
não é transmitida de uma geração a outra, mas sim construída por geração em particular.
Baseando-se nessa abordagem teórica da formação de identidades e admitindo que o
campo trabalho-formação é, na atualidade, central na articulação das sociedades modernas,
Dubar justifica a eleição de seu tema de pesquisa, uma vez que as identidades profissionais
são também identidades sociais.
Nesta pesquisa em particular, considera-se o ensino profissionalizante na interface dos
campos trabalho e formação. Ele é o espaço privilegiado de estudo por conter elementos
que remetem à formação biográfica da identidade (para si) e elementos influenciados pelas
relações de poder e status que advêm do mundo do trabalho, relacionados à formação
relacional da identidade (para o outro).
Nesse ponto, torna-se pertinente recuperar alguns aspectos das abordagens da socialização
profissional, na ótica de Dubar (2005). Um aspecto teórico do estudo das profissões diz
respeito ao tema das relações profissionais. A construção da identidade profissional
implica a articulação dos processos de formação inicial e continuada, de evolução dos
empregos e do reconhecimento das competências. Tal análise da socialização profissional
com base na formação, na evolução do emprego e no reconhecimento profissional constitui
33
uma categoria de análise que Dubar usa na terceira parte de seu texto e que, em especial,
suporta teoricamente o objeto desta pesquisa: o estudo da influência da formação inicial na
configuração da identidade profissional.
Segundo Harvey (2007) e Castells (2007), a partir da crise dos anos 60 nos EEUU e da
crise dos anos 70 na Europa Ocidental, profundas transformações atingiram o mundo do
trabalho. Se até então as análises sociológicas em grande parte tinham como objeto as
análises das relações no emprego, o advento do desemprego estrutural para significativa
parcela da população desencadeou outras análises: o estudo dos excluídos dos empregos,
das transformações do mundo do trabalho, das modificações das competências requeridas,
das formas de acesso ao emprego. A sociologia passa então a ter os mercados de trabalho
como objeto de análise, contrapondo-se ao objeto de análise “profissão”.
Em outras vertentes analíticas, enfatiza-se a descontinuidade no mercado de trabalho entre
mercado primário e mercado secundário. O mercado primário é caracterizado pela
produção em massa, demanda estável, relacionado geralmente a grandes empresas; o
secundário relaciona-se à produção em pequena escala, instabilidade e imprevisibilidade da
demanda, relacionado geralmente a pequenas empresas. Existem ainda as análises que
visualizam mercados de trabalho fortemente baseados em estruturas fechadas de formação
e de continuidade de emprego, refletindo em um status profissional estável.
Por fim, cabe uma indagação relacionada aos mercados de trabalho: considerando que uma
parcela da população não terá acesso a nenhum mercado fechado de trabalho, como se
explica a multiplicação de formações que lhe é destinada? A questão da relação entre
mobilidades profissionais e mercados de trabalho constitui outra vertente: a mediação entre
modelos de gestão das empresas e o perfil dos assalariados, ou ainda, a construção das
identidades profissionais em razão das configurações de mercados de trabalho. Dubar se
apoiará teoricamente na última vertente para fundamentar a análise da dinâmica das
identidades profissionais e sociais.
Para finalizar, cabe destacar que a socialização constitui um processo dinâmico que faz da
“crise das identidades” algo inerente a construções e a movimentos dos processos
identitários.
Recapitulando alguns argumentos da análise de Dubar (2005), temos a socialização como
um processo dinâmico que se inicia na infância com o desenvolvimento das capacidades e
a apreensão de regras, valores e signos, balizados pela família, e que se processa no
34
universo escolar e em outras formas de pertencimentos culturais, resultando na formação
da primeira identidade. Posteriormente, essa referência identitária inicial contribuirá para a
definição dos grupos de pertencimento, das socializações posteriores e da trajetória social,
sempre permeada pelas transformações estruturais externas que, também, influenciam
configurações identitárias. Tudo isso ainda modulado pela configuração psíquica do
indivíduo. Assim, Dubar (2005,p.330) conclui:
As identidades sociais e profissionais típicas não são nem
expressões psicológicas de personalidades individuais nem produtos
de estruturas ou de políticas econômicas impostas de cima, mas sim
construções sociais que implicam a interação entre trajetórias
individuais e sistemas de emprego, de trabalho e de formação.
Dado que o espaço social das identidades profissionais e sociais ultrapassa a esfera do
trabalho, o mundo da formação, notadamente o mundo da escola de formação inicial,
constitui um campo de pesquisa da formação de identidades, uma vez que nele se articulam
os saberes práticos, os saberes profissionais, os saberes da organização e os saberes
teóricos. A proposta desta pesquisa se fundamenta na influência dos processos de formação
na construção social das identidades sociais.
A fundamentação teórica do conceito identidade que Dubar (2005) utiliza tem como pano
de fundo a noção de processo histórico. A ideia é que processos históricos de longa
duração transformam as maneiras de definir os indivíduos. As grandes transformações dos
aspectos econômicos, políticos e simbólicos das relações sociais implicam transformações
nas formas de identidades, contudo, autores diversos darão ênfases diferentes a cada um
desses aspectos.
Nessa visão construtivista e processual, a crise das identidades profissionais diz respeito
não a uma crise única, homogênea na constituição e na aceitação por todos, mas relaciona-
se a três configurações de crises: a crise do trabalho, a crise do emprego e a crise das
relações de classe. Para Dubar (2006), a destruição criadora do capitalismo engendra novas
formas de produção, de produtos e de formação que buscam vantagem competitiva de
empresas no mercado. Principalmente a partir do pós-guerra, a entrada em jogo da
investigação científica, trabalhando em favor da produção conduziu a modernização a uma
fase de mundialização, cuja característica é a de ir além das questões econômicas e
adentrar no campo do domínio tecnológico e do acesso às fontes de riqueza e de inovações.
35
Mas a questão reside no impacto, nas consequências desse modelo de destruição criativa
no trabalho, no emprego e nas relações de classes, em resumo, na vida cotidiana dos
indivíduos.
O trabalho tornou-se uma atividade em que o indivíduo tem de resolver problemas, e não
executar tarefas predeterminadas. Apoiada na automatização dos meios de produção, essa
abordagem supera o trabalho taylorista clássico do trabalho em cadeia, no qual cada
assalariado executa uma tarefa apenas. Todavia, o trabalho como execução de tarefas não
se extingue completamente, apenas uma parte dele se converte em trabalho como resolução
interativa de problemas. Nesse ponto vale a pena discutir a polaridade trabalho teórico
(trabalho predeterminado pela execução de tarefas específicas) e trabalho real (trabalho
efetivamente realizado). A ergologia é o campo que estuda as relações do trabalho sob os
enfoques macropolítico (aquilo que está instituído) e micropolítico (aquilo que
efetivamente ocorre, apesar de não estar instituído, mas pode tornar-se instituído a
qualquer momento). Estudos provenientes da ergologia indicam que, apesar de estar
submetido à execução de uma tarefa específica, um indivíduo não é totalmente passivo,
mas elabora estratégias em que usa os próprios recursos na consecução dos objetivos
propostos. A questão é que esse saber independente não tem reconhecimento pela empresa,
que continua a ver o indivíduo como apenas um executor de tarefas.
Dessa forma, mesmo considerando a hipótese da ergologia, a questão da abordagem do
trabalho segue para verificar se o trabalho assalariado tenderá para a execução rotineira de
tarefas (em busca da manutenção do emprego) ou se seguirá para a configuração mais
criativa de mobilização pessoal na resolução de problemas. A continuidade da lógica da
abordagem acima implicou o discurso das competências. A ideia de competência diz
respeito a outra abordagem. Segundo a abordagem tradicional, a qualificação depende de
um diploma que garantiria, de antemão, ao portador a habilitação para exercer uma
atividade. Depois desse instante inicial, o nível de salário e de classificação do indivíduo se
daria pelo tempo de serviço de maneira mais ou menos automática. Tal conceito pressupõe
uma homogeneidade de comportamentos profissionais (que refletiria em salários iguais)
dados pela formação inicial.
A partir da década de 80, na França, destaca-se a noção de competência ligada ao aspecto
da participação de todos para a competitividade da empresa, que implicou, naquele
momento, desenvolver o funcionário por meio de cursos internos e diferenciar
performances diferentes poro meio de salários e de carreiras diferentes. Nesse período se
36
elaborou o trio de preceitos que se tornaria o lugar comum da ideia de competências, o
saber, o saber-fazer e o saber-estar, que logo seriam substituídos pelos termos iniciativa,
responsabilidade e trabalho em equipe.
Em face do aumento do desemprego, decorrente das mudanças econômicas da década de
90, a noção de competência aparece associada ao conceito de empregabilidade: além da
formação da empresa, cada empregado passa a ser responsável pela aquisição de novas
competências, que o manteriam apto a perpetuar-se no mercado de trabalho. A associação
com a empregabilidade vem da ideia de que, para manter-se “empregável” – em estado de
competência –, o indivíduo tem de gerir sua permanente formação de forma a obter o
conjunto de conhecimentos e práticas que lhe permitam realizar trabalho para uma
empresa.
De forma geral, ao trabalhar com o conceito de crise, admite-se primeiramente que há algo
instituído, estruturado. Durante a crise, aquilo que estava estruturado se modifica pelo
surgimento de novas categorias, formas, modelos, conceitos que se contrapõem àquele
modelo original. Na análise sociológica da crise que se pretende, há que transcender a
dimensão concreta do emprego e entrar nas esferas das relações de classe, do poder no
trabalho e do conflito no trabalho. A abordagem da crise de identidade profissional
desenvolvida até aqui por Dubar segue essa linha de pensamento: as formas tradicionais de
identidade profissionais entraram em crise pela transformação ou pelo fim dos empregos
tradicionais.
37
4 O CONCEITO DE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS EM MOSCOVICI
A referência ao conceito de representações sociais em Moscovici se fez necessária uma vez
que, para o desenvolvimento das questões norteadoras desta dissertação, era importante
identificar o universo vivenciado pelos alunos por meio da “análise dos mundos
construídos mentalmente pelos indivíduos a partir de sua experiência social”
(DUBAR,2005,pg.129). Para Moscovici, as representações sociais são entidades sociais
presentes a todas as atividades humanas, formando um ambiente real que influencia os
indivíduos em suas relações. Entretanto, essas estruturações também se alteram com o
tempo, compondo estruturas dinâmicas que instituem um modo particular de criar a
realidade social. Os mundos construídos pelos alunos do Proeja podem ser analisados
como representações sociais particulares do grupo estudado.
Moscovici (2007) admite que as representações que os indivíduos têm do mundo modulam
a forma como se colocam no mundo: orientam o olhar, dando visibilidade a alguns
aspectos e a outro não, e conduzem as reações a estímulos e situações. Assim, usa a noção
do “pensamento considerado como ambiente” (MOSCOVICI,2007,p.29). Para
fundamentar tal argumentação, o autor descreve duas funções para as representações.
A primeira função defende as representações, que dão uma forma definitiva às pessoas,
objetos e acontecimentos, ou seja, as representações moldam os acontecimentos à
determinada categoria que posteriormente pode ser compartilhada por um grupo de
pessoas, tornando-os uma convenção. O autor usa o termo convencionalizar para ilustrar
esse processo. Dessa forma, um fato cotidiano qualquer é assimilado com base na
representação que já esta estabelecida para ele; no caso de ser um fato novo, procurar-se-á
aquela representação que mais se assemelhe e que possa contê-lo. Os condicionamentos
anteriores provenientes das representações, linguagem ou cultura direcionam o pensamento
e como resultado há a tendência de ver apenas aquilo que já é uma convenção, o que já está
convencionado, apesar de ser inconsciente tal processo. Mesmo que, em algumas
situações, seja possível tomar consciência de que a realidade assim colocada seja um
conjunto de convenções, não é possível ultrapassar sempre esse limite, eliminando todas as
convenções e preconceitos. Resulta assim que é melhor reconhecer que as representações
constituem, enfim, um tipo de realidade.
38
A segunda função diz respeito ao caráter prescritivo das representações. A representação
tem o poder de prescrever, indicar, definir uma forma de reação à determinada situação. A
forma de reagir a determinado acontecimento já está estruturada antes de o indivíduo
começar a pensar sobre ele, pois há uma estrutura que determina o que deve ser pensado.
Segundo tal visão, a forma de pensar está submetida a um conjunto de representações que
são impostas, transmitidas, e elas se estruturam durante gerações e dependem do tempo
para sedimentar-se. Nesse processo ganham relevância as experiências e ideais passados,
que continuam ativamente a modelar a forma de interação com a atualidade.
Uma vez expostas as noções de convenção e de prescrição, Moscovici defende a ideia de
que as representações são entidades sociais, possuem vida própria e coexistem em relações
hierarquizadas, perpassando todas as esferas das atividades humanas. Obviamente a
estrutura das representações é dinâmica: altera-se no curso dos acontecimentos e do tempo.
O que se destaca, todavia, é que as representações são um ambiente real, exercem pressões
sobre os indivíduos e estruturam sua forma de relacionar-se e de responder aos
acontecimentos. A representação é o que caracteriza as interações humanas. A informação
advinda de uma interação qualquer está sob o controle da representação e possuirá somente
o sentido que está a lhe conferir. A representação associa ideias e imagens, contudo tem
caráter de mobilidade, compondo estruturas dinâmicas que instituem um modo particular
de compreender e de comunicar-se que, por fim, cria a realidade social. As representações
sociais permeiam os indivíduos ou grupos como uma “atmosfera” e são específicas de uma
sociedade, tendo por objetivo tornar familiar algo que não o é.
Para Moscovici (p.60), as representações sociais são geradas pelos processos de ancoragem
e de objetivação. O primeiro processo tem o objetivo de situar ideias não familiares em um
contexto que crie uma zona de conforto gerado pela familiaridade, ou seja, relacionar um
acontecimento novo a categorias e imagens comuns. O segundo processo busca objetivar o
acontecimento novo, dar-lhe textura e volume, migrando do mundo das ideias para o
mundo real. Reunindo a ancoragem e a objetivação, primeiro transforma-se o não familiar
e familiar, para depois reproduzi-lo com estruturas já conhecidas.
Ancorar significa dar um nome, classificar, colocar em determinada categoria. Categorizar
implica utilizar as representações disponíveis para definir um acontecimento novo. Para o
autor (Moscovici,2007,p.70), todo pensamento possui ancoragem, ou seja, todo
pensamento pressupõe que existe um consenso sobre determinado tema. O que não quer
dizer que não existam diferentes perspectivas acerca de um acontecimento: as
39
discrepâncias indicam diferenças normais dentro de uma sociedade. O principal objetivo
dos sistemas de classificação e de nomeação é facilitar a compreensão das ações de pessoas
e grupos. Objetivar implica uma forma de domesticação de algo não familiar e baseia-se
em descobrir a qualidade icônica desse algo não comum. O ícone nesse caso é uma
imagem que reproduz um conceito. O ícone, que está relacionado às coisas não verbais, é
associado a um conceito, que pertence ao domínio da palavra. O trabalho da representação
social é associar as palavras proferidas pelos sujeitos com imagens, uma vez que “ninguém
fala sobre coisa alguma” (p.72).
Em relação à metodologia das representações sociais, Moscovici indica alguns princípios
comuns às pesquisas realizadas naquele momento. O primeiro princípio observado é que o
material a ser analisado provém de conversações que são encontradas na sociedade, uma
vez que representações surgem no decorrer de uma conversação como forma de
relacionamento e comunicação. Dessa forma, durante uma conversação, ideias –
representações sociais – tomam forma e passam a ter vida própria. Um segundo princípio
advém da consideração de que representações sociais são meios de recriar a realidade. O
terceiro princípio diz que, em tempos de crise, de modificação de determinado grupo, o
caráter das representações sociais é mais facilmente revelado. Logo, as situações em que os
indivíduos são incitados a mudanças, por uma modificação no ambiente onde se situa, são
mais férteis no que diz respeito ao estudo das representações sociais.
O autor admite ainda que as representações sociais interferem nos estímulos que
efetivamente provocarão interações com o indivíduo. Uma grande variedade de estímulos
está sempre presente a um indivíduo ou a um grupo, alguns dos quais são selecionados e
considerados, enquanto outros não, e produzem variadas reações. A representação social
não se situa entre o estímulo e a resposta. Pela via oposta, a representação social suporta
tanto o estímulo selecionado quanto a resposta.
Por fim, garante que a teoria das representações sociais implica examinar o aspecto
simbólico do meio social – relacionamentos, conceitos – em que vivemos, pois, se todo
comportamento implica algo, esse algo somente tem sentido se compartilhado pelo menos
duas pessoas (e isso distingue o social do individual). Representações sociais são símbolos
compartilhados.
Uma segunda determinação é que o estudo das representações sociais passa pela
observação em detrimento dos métodos experimentais. Da segunda determinação origina-
40
se, por consequência, uma terceira: após a observação, a descrição é necessária ao
procedimento de pesquisa. Uma última implicação relaciona-se ao fator tempo:
representações sociais são históricas. Desde a infância, o contato com a família, as
primeiras relações com a comunidade e com a escola geram conceitos e imagens que
comporão a socialização da criança e, por fim, as representações sociais que usará em suas
relações sociais.
41
5 O CONTEXTO DA PESQUISA: EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, PROEJA,
CEFETES
Este capítulo pretende contextualizar a pesquisa, realizando um breve histórico do ensino
profissional no país, analisando a configuração da educação de jovens e adultos mediante a
legislação, apresentando o contexto dessa modalidade de ensino no Cefetes e descrevendo
o histórico de sua implantação na escola.
5.1 O ENSINO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICO NO BRASIL: BREVE HISTÓRICO
Um breve histórico da trajetória do Ensino Profissional e Tecnológico no Brasil mostra
que, nesse campo, as transformações “... não ocorrem isoladamente ou independentemente
das transformações mais amplas que acontecem na sociedade” (ARAÚJO,2006,p.66);
estão, pelo contrário, relacionadas aos fatores políticos e econômicos e às modificações dos
processos produtivos. De uma visão inicial, predominantemente destinada a atender as
camadas mais desfavorecidas da sociedade, o ensino profissional e tecnológico migra para
um sistema mais organizado à medida que o sistema produtivo do país se modifica,
requerendo um maior número de pessoas qualificadas.
Segundo Lima (2007), umas das primeiras manifestações de ensino vinculado a alguma
atividade profissional data de 1620, quando nas fazendas da capitania de São Vicente
jovens aprendiam a utilização de ferramentas e técnicas de trabalho. Já em 1874 o então
Presidente da Província de Pernambuco determinou que empresas de certo porte se
envolvessem também com a formação profissional de jovens como condição para obter
permissão de funcionamento (FONSECA, apud LIMA, 2007).
Em 1906 o Presidente do Estado do Rio de Janeiro, Nilo Peçanha emitiu o Decreto n. 787
determinando a criação da Escola Profissional nas cidades de Campos, Niterói, Petrópolis e
Paraíba do Sul (GOMES, 2006). Já como Presidente da Republica, Nilo Peçanha retoma o
projeto do ensino profissional técnico em 1909, pelo Decreto n. 7.566, instituindo então 19
escolas de aprendizes artífices em várias capitais brasileiras, incluindo a cidade de Vitória
no Espírito Santo, com o objetivo de formar operários e contramestres. Apesar de ter fins
nitidamente assistencialistas e correcionais, esse decreto constituiu-se um importante passo
42
para a constituição de uma importante rede de ensino profissional e tecnológico no Brasil
(CUNHA, apud LIMA, 2007).
Ainda segundo Lima (2007), as estradas de ferro tiveram papel importante no
desenvolvimento do ensino profissional: em 1924 ocorre a primeira tentativa de unificar as
atividades de ensino desse setor com a criação da Escola Profissional de Mecânica Prática
do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. Em 1937 a Constituição determinou que as
indústrias criassem escolas para aprendizes de ofício. O Decreto n. 1238, no ano de 1939,
estabelecia que industrias com mais de 500 empregados deveriam manter cursos de
aperfeiçoamento profissional para adultos e menores, ficando a regulamentação destes
cursos a cargo do Governo Federal, por meio dos Ministérios do Trabalho, Industria e
Comercio e do Ministério da Educação. Durante esse processo, todavia, a influencia de
Getulio Vargas no sentido de deslocar para os industriais essa responsabilidade levou ao
Decreto n. 4.048, de 1942, que criava o Serviço Nacional de Aprendizagem dos
Industriários (mais tarde: Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI).
Posteriormente, em face das transformações do sistema econômico brasileiro ocorrido na
década de 50, outra transformação é demandada da educação profissional e tecnológica, a
fim de suprir as necessidades surgidas com a expansão industrial. Em 1971, surge a Lei
5.629, que instituiu a iniciação profissional e profissionalização em todo ensino de 1º e 2º
graus, respectivamente.
No Espírito Santo, o ensino profissionalizante segue o desenvolvimento nacional dessa
área. O Decreto n. 7.566 de 1909 tem como resultado a inauguração da Escola de
Aprendizes Artífices do Espírito Santo em 24 de fevereiro de 1910, tendo como objetivo
“habilitar os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensável preparo técnico e
intelectual, afastando-os da ociosidade, escola do vício e do crime”. Mediante a Lei n. 378,
de 13 de Janeiro de 1937, as Escolas de Aprendizes Artífices mudaram de denominação,
tendo no estado do Espírito Santo a antiga escola recebido a denominação de Liceu
Industrial de Vitória. Já na era Vargas, pela Lei Orgânica do Ensino Industrial, Decreto n.
4.073, de 30 de Janeiro de 1942, foi instituída a mudança de nível dessa modalidade de
ensino que se separa do ensino primário e se habilita junto ao ensino secundário. Com o
Decreto n. 4.127, de 25 de Fevereiro de 1942, o Liceu Industrial recebe a denominação de
Escola Técnica de Vitória, nome que perdura até o ano de 1965, quando passa a chamar-se
Escola Técnica Federal do Espírito Santo – ETFES – já sobre os ditames de governos
militares. De 1965 até 1999 a ETFES consolidou-se na modalidade de ensino secundário
43
(hoje ensino médio) profissionalizante, oferecendo cursos técnicos de eletrotécnica,
mecânica, metalurgia, estradas, edificações e agrimensura.
No governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, a rede federal de ensino técnico
sofre uma grande transformação. Seguindo a mesma lógica de adequação da educação ao
sistema produtivo vigente, surge, na década de 90, o Decreto 2.208/1997, que impôs um
reforma na educação profissional e tecnológica nos centros federais de ensino por meio da
separação do ensino básico do ensino profissionalizante, dissociando a qualificação
profissional da escolarização básica. Ocorre assim a dissociação entre o ensino
propedêutico e o ensino técnico profissionalizante e a oferta de vagas passa a dividir-se
entre um ensino médio sem caráter profissional e cursos técnicos de menor duração.
Nesse momento as escolas da rede federal de ensino técnico recebem a denominação de
Centros Federais de Educação Tecnológica, que nesse estado em particular passa a
chamar-se Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo – Cefetes – a partir
da data de 22 de março de 1999.
No governo do Presidente Luis Inácio Lula da Silva ocorre nova modificação na rede
federal de ensino técnico, com a educação profissional e tecnológica passando a ser regida
pelo Decreto 5.154/2004, que recupera parcialmente o modelo de ensino profissionalizante
integrado, com a volta da associação entre ensino propedêutico e ensino técnico
profissionalizante, surgindo ainda a oferta de cursos de nível superior. Nesse governo,
conforme a tabela 02 a seguir, surgem as diretrizes para a oferta de cursos de educação
profissional de forma integrada aos cursos de ensino médio, na modalidade de educação de jovens
e adultos – EJA. As modificações realizadas na rede federal de ensino técnico no governo
Lula culminam com a Lei n. 11.892, de 28 de Dezembro de 2008, que criou trinta e oito
institutos federais de educação, ciência e tecnologia. No estado do Espírito Santo surge o
IFES – Instituto Federal do Espírito Santo – a partir da junção dos Cefetes (unidade Vitória
e unidades descentralizadas) e das escolas agrotécnicas federais de Santa Tereza, Alegre e
Colatina, formando uma única estrutura.
Paralelamente ocorreu nas ultimas duas décadas a expansão e interiorização de unidades
descentralizadas de ensino. Em 1993, ainda com a denominação de Escola Técnica, surge a
unidade de Colatina. Entram em operação posteriormente as unidades de Serra, em 2001 e
ainda no governo do Presidente Fernando Henrique, e Cachoeiro de Itapemirim em 2005,
já no governo do Presidente José Inácio Lula da Silva. Seguem-se então as unidades de São
44
Mateus e Cariacica em 2006, e Aracruz, Linhares e Nova Venécia no ano de 2008 (Fonte:
http://www.ifes.edu.br/institucional/32-historia em 01 de Setembro de 2009).
5.2 CONFIGURAÇÃO ATUAL DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE JOVENS E ADULTOS
A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional dispõe que a educação básica se
divide em Educação Infantil e em Ensinos Fundamental e Médio. A LDB determina que a
Educação Infantil vise ao desenvolvimento integral da criança em seus aspectos físico,
psicológico, intelectual e social; o Ensino Fundamental, à formação básica do cidadão
mediante o desenvolvimento das capacidades de leitura, escrita, cálculo, a compreensão do
ambiente natural, social e político do meio em que está inserido e o desenvolvimento da
capacidade de aprendizagem; o Ensino Médio, à consolidação dos conhecimentos
adquiridos no ensino fundamental, de preparar para o trabalho e a cidadania, aprimorar a
pessoa humana e promover a compreensão dos fundamentos científicos tecnológicos dos
processos produtivos.
A Educação Infantil é voltada para crianças até seis anos, enquanto o Ensino Fundamental
deve ter duração mínima de nove anos e o Ensino Médio ocorrer, no mínimo, em três anos.
De acordo com esse formato de educação, o jovem, aos 18 anos e após anos de estudo,
deveria concluir sua formação básica, estando então apto tanto para o mundo do trabalho
quanto para a continuação dos estudos no Ensino Superior, tendo frequentado, durante todo
esse percurso, a escola. Todavia, tal configuração de coisas não encontra ressonância na
realidade de milhões de jovens que, tendo atingido a idade de 18 anos, encontram-se com
sua formação escolar básica incompleta ou interrompida.
A Tabela 01 exprime a defasagem escolar ao focar duas faixas etárias de interesse para
esse trabalho: dos 15 anos aos 19 e dos 20 anos aos 24. Do exposto, identifica-se que a
estrutura educacional de tempo de estudo por faixa etária proposta na LDB não se
concretiza. A média de 7,5 anos de estudo para a faixa etária de 20 anos a 24, em 1999,
mostra que os alunos ou evadiram da escola, ou não concluíram a formação no tempo
previsto, sendo ambos os casos característicos dos alunos da educação de jovens e adultos.
A educação destinada a essa parcela da população recebe atualmente o nome de Educação
de Jovens e Adultos, também identificada pela sigla EJA. A Educação de Jovens e Adultos
está descrita e contemplada na legislação da educação do país. A Lei 9.394, de 20 de
45
dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, tem como
tema do Artigo 37 “Da Educação de Jovens e Adultos”, esclarecendo ser essa modalidade
de ensino destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuação de estudos no ensino
fundamental e médio na idade própria.
Tabela 01 – Média de anos de estudo por faixa de idade
Ano 15 anos a 19 anos 20 anos a 24 anos
1999 6,8 7,5
1998 6,5 7,3
1997 6,1 6,9
1990 5,3 -
Fonte: dados históricos do IBGE
O inciso primeiro ressalta: “Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e
aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades
educacionais apropriadas, considerando as características do alunado, seus interesses,
condições de vida e trabalho (...)”. A LDB considera a Educação de Jovens e Adultos
como uma modalidade, o que significa dizer que possui características próprias. As
propostas curriculares político-pedagógicas devem ser construídas nas peculiaridades desse
público, considerando os saberes e as experiências acumuladas dos sujeitos atendidos.
Os motivos da não permanência e do insucesso no ensino fundamental e médio
relacionam-se diretamente às desigualdades sociais da sociedade brasileira, em que a
necessidade do trabalho retira, muitas vezes, de crianças o direito ao tempo da escola. Será
ainda o trabalho, ou a necessidade dele, que conduzirá de volta à escola aquele jovem ou
adulto à procura da escolaridade não realizada, vista como possibilidade de
empregabilidade ou de melhoria de condição de vida.
Vinculada ao trabalho, a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, como
educação pública, também é demandada para atuar em consonância com os princípios de
uma educação para todos. Assim, como no ensino superior público, é baixa a perspectiva
de inclusão de jovens das camadas populares nas instituições da Rede Federal de Educação
Profissional e Tecnológica, dada a grande demanda por essas instituições que resulta em
competitivos processos de seleção. De tal situação, a relação entre EJA e Educação
Profissional e Tecnológica na educação federal surge na legislação brasileira em 2005,
trazendo a figura da EJA profissionalizante, que passa a ser identificada pelo Programa de
46
Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de
Jovens e Adultos, o Proeja. O dispositivo de ordem legal relacionado à educação
profissional de jovens e adultos é a Portaria 2.080, de 13 de junho de 2005, que predispõe
sobre essa específica modalidade de ensino no contexto das instituições federais de ensino
técnico. A Portaria é logo seguida pelo Decreto 5.478, de 25 de junho de 2005, que institui
o Proeja. Assim declara o artigo primeiro:
Fica instituído, no âmbito dos Centros Federais de Educação
Tecnológicas, Escolas Técnicas Federais, Escolas Agrotécnicas
Federais e Escolas Técnicas Vinculadas às Universidades
Federais, o Programa de Integração da Educação Profissional ao
Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos –
PROEJA (Decreto nº 5.478,Art.1º)
O decreto garante aos alunos concluintes do curso de educação profissional técnica de
nível médio pelo Proeja um diploma de validade nacional, tanto para atuação profissional
quanto para o prosseguimento dos estudos no nível superior. Outro ponto de destaque do
decreto é que, quando o curso for estruturado em etapas com terminalidade, deverão ser
previstas saídas intermediárias que permitam ao aluno a obtenção de certificados de
conclusão do ensino médio.
A edição do Decreto 5478/2005 instituindo o Proeja é um esboço de uma estratégia
educacional que garante aos jovens e adultos a possibilidade de elevação do grau de
escolaridade e formação profissional. Diante da implantação do Proeja na rede CEFET, a
Secretaria de Tecnologia – SETEC –, do Ministério da Educação – MEC –, realizou, no
último quadrimestre de 2005, oficinas pedagógicas para todas as unidades de ensino
profissionalizante da rede federal para capacitar gestores acadêmicos. As oficinas tinham
por objetivo desenvolver estratégias para implantação do currículo de educação
profissional na modalidade EJA.
O Cefetes já oferecia, nesse momento, cursos integrados profissionalizantes de ensino
médio na Unidade Sede da instituição. Para atender às metas do Decreto 5478/2005, houve
oferecimento de mais vagas para ingresso no Proeja a cada novo edital de abertura de
vagas. Em 1º de dezembro de 2005, o Governo Federal, por intermédio da SETEC, edita a
Portaria 208, que compõe um Grupo de Trabalho para elaborar o documento básico para o
Proeja. Lançado em 2006, o Documento Base tanto fornece diretrizes sobre os aspectos
47
pedagógicos, destacando a necessidade de um projeto político-pedagógico integrado, a
consideração da organização de tempos e espaços próprios na organização curricular e a
importância de uma avaliação que abranja todo o processo de ensino-aprendizagem, quanto
normaliza a estrutura operacional da educação de jovens e adultos no âmbito da rede
federal de ensino profissionalizante e tecnológico.
Tabela 02 – Legislação relativa ao programa Proeja
Legislação Descrição
Lei 9.394/96
20 de dezembro de 1996. No artigo 37 – “Da Educação de Jovens e Adultos” – mostra que essa modalidade de ensino será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuação a estudos no ensino fundamental e médio na idade própria.
Decreto 2.208/97 Separa o ensino profissionalizante do ensino propedêutico nos Centros Federais de Educação Tecnológica.
Decreto 5.154/04 Determina que os cursos e programas de formação inicial e continuada sejam ofertados em articulação com a educação de jovens e adultos.
Portaria 2.080/05
13 de junho de 2005. Estabelece nos Centros Federais de Educação Tecnológicas as diretrizes para a oferta de cursos de educação profissional de forma integrada aos cursos de ensino médio, na modalidade de educação de jovens e adultos – EJA.
Decreto 5.478/05
25 de junho de 2005. Instituí nos Centros Federais de Educação Tecnológicas o Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – Proeja.
Portaria 208/95
1º de dezembro de 2005. Governo Federal, por meio da SETEC, edita a portaria que compõe um Grupo de Trabalho com o objetivo de elaborar o documento básico para o Proeja.
- 2006. Lançamento do Documento Base do Proeja.
Decreto 5.840/06
13 de Julho de 2006. Revoga o Decreto 5.478/05, ampliando o texto base do Proeja, permitindo a adoção do programa pelas entidades do Sistema S.
Fonte: Brasil, 1996, 2004, 2005, 2006.
O Decreto 5.840, de 13 de julho de 2006, revoga o Decreto 5.478, substituindo-o e
acrescentando modificação ao texto original. O Decreto 5.840 mostra que os cursos do
Proeja poderão ser articulados tanto ao ensino fundamental e médio, visando elevação de
escolaridade pela via da formação inicial e continuada de trabalhadores, quanto ao ensino
médio de forma integrada ou concomitante. Em 2008 as diretrizes do decreto foram
incorporadas à Lei de Diretrizes e Bases.
48
5.3 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO CEFETES
A história da educação de jovens e adultos no Cefetes tem início em 2001, antes do
surgimento da legislação que obrigava as instituições da rede federal de ensino a ofertar
vagas específicas para essa modalidade de ensino. Naquele momento, foi usada a
nomenclatura EMJAT – Ensino Médio para Jovens e Adultos Trabalhadores – para
designar a modalidade EJA. O EMJAT oferecia primeiramente o ensino médio regular,
uma vez que, naquele momento, a escola funcionava sob o Decreto 2.208/97, que havia
separado o ensino profissionalizante do ensino propedêutico. Após a realização de quatro
módulos semestrais, o aluno tinha o direito de optar por um dos cursos técnicos
profissionalizantes oferecidos pela instituição, obtendo a conclusão do curso profissional
após mais quatro módulos semestrais. No ano de 2005, ocorre o último processo de seleção
do EMJAT, cuja caracterização socioeconômica está demonstrada na Tabela 03.
Em face do advento do Decreto 5.478/05, há um câmbio na estrutura da educação de
jovens e adultos no Cefetes. A modalidade EJA na escola recebe, então, a denominação
oficial do programa federal, Proeja – Programa de Integração da Educação Profissional ao
Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – e passa a atuar de acordo
com o novo decreto. Entretanto, devido à existência de turmas do EMJAT em
funcionamento quando houve a modificação da legislação, o EMJAT e o Proeja
conviveram simultaneamente até o primeiro semestre de 2007, ano de conclusão da última
turma do Ensino Médio para Jovens e Adultos Trabalhadores.
A principal diferença entre os programas é a integração da educação geral com o ensino
técnico. No EMJAT, o aluno tinha a opção de finalizar seus estudos após a conclusão dos
quatro módulos da educação geral e obter o diploma de conclusão do ensino médio, ou
poderia continuar sua formação em algum dos cursos técnicos. No Proeja, a ideia é que o
aluno ou a aluna participe de uma formação integrada (ensino propedêutico e ensino
profissionalizante). Contudo, permanece a diferenciação entre educação geral e ensino
técnico profissionalizante, uma vez que a formatação de quatro módulos de ensino
propedêutico seguidos por quatro módulos profissionalizantes é mantida.
49
Tabela 03 – Perfil socioeconômico dos ingressos do EMJAT 2005/1 Cefetes
Item de avaliação Porcentagem¹ Situação
Estado civil 72,6 % Solteiro
62,4 % 1º grau Grau de instrução
32,0 % 2º grau
Sistema de ensino de origem 87,1 % Público
46,9 % Preparação para o trabalho
Motivo da opção pelo curso 34,5 %
Preparação para o ingresso na universidade
Nível de instrução da mãe 66,0 %
Sem escolaridade ou com 1° grau (completo ou incompleto)
Nível de instrução do pai 49,5 % Sem escolaridade ou com 1° grau
(completo ou incompleto)
Renda familiar 65,5 % Até três salários mínimos
Atividade de trabalho 61,9 % Trabalham
Contribuição financeira em casa 62,9 % Contribuem
Fonte: Questionário socioeconômico aplicado aos alunos ingressantes na realização da matrícula. Ano 2005. Cefetes. 1. Porcentagens em relação ao universo de 194 respondentes.
O que difere é que no Proeja a escolha pelo curso técnico de formação é feita no momento
da realização da prova de seleção. Assim, o ingressante do Proeja entra na escola com o
curso de formação profissional definido. Um dos cursos técnicos integrados no modelo do
Proeja foi o de Automação Industrial.
O Curso de Automação Industrial foi criado no Cefetes – Unidade Descentralizada Serra –,
no ano de 2001, como um curso técnico subsequente (após conclusão do ensino médio) ou
concomitante (durante a realização do terceiro ano do ensino médio) de dois anos de
duração. A inserção desse curso no Proeja ocorre com os alunos cursando a parte
propedêutica da formação na Unidade Sede do Cefetes. As tabelas e o gráfico apresentados
a seguir procuram caracterizar socioeconomicamente o público do curso de Automação
Industrial na modalidade Proeja assim como apresentar informações relacionadas. O
Gráfico 02 situa a modalidade Proeja no Cefetes, indicando a quantidade de vagas
oferecidas para cada uma das modalidades dos cursos técnicos.
50
Tabela 04 – Perfil socioeconômico dos ingressos do Proeja em Automação Industrial 2008/1 Cefetes
Item de avaliação Quantidades¹ Situação
Estado civil 27 Solteiro
9 Ensino fundamental
8 2º grau incompleto Grau de instrução
9 2º grau completo (ou em vias de conclusão)
Sistema de ensino de origem
21 Público
20 Preparação para o trabalho Motivo da opção pelo curso 4 Preparação para o ingresso na universidade
13 Sem escolaridade ou com ensino fundamental
(completo ou incompleto) Nível de instrução
da mãe
8 Com ensino médio completo
9 Sem escolaridade ou com ensino fundamental
(completo ou incompleto) Nível de instrução do pai
7 Com ensino médio completo
Renda familiar 16 Até três salários mínimos
12 Trabalham Atividade de trabalho 16 Não trabalham
Fonte: Questionário socioeconômico aplicado aos alunos ingressantes na realização da matrícula. Ano 2008. Cefetes. 1. Quantidades em relação ao universo de 29 respondentes.
A Tabela 04 traz o perfil socioeconômico dos ingressos da turma de Automação Industrial
na modalidade Proeja no ano de 2008/1. A Tabela 05 indica a quantidade da vagas
oferecidas e a quantidade de inscritos para o Curso de Automação Industrial na modalidade
Proeja nos últimos processos seletivos.
51
Técnicos Integrados com Ensino Médio
EJA; 16%
Técnicos Integrados com Ensino Médio;
17%
Técnicos Subsequentes;
68%
Tabela 05 – Quantidade de vagas e quantidade de inscritos para o curso de Automação Industrial na modalidade EJA no Cefetes
Ano Vagas oferecidas Inscritos
2006/1 35 37
2007/1 35 21
2007/2 32 7
2008/1 29 51
Fonte: Cefetes.
Gráfico 01 – Distribuição das vagas para cursos técnicos oferecidas no processo seletivo 2008/1 pelo Cefetes
Quantidade total de vagas
oferecidas:
1.224
Fonte: Manual do Candidato. Processo Seletivo 1 2008. Cefetes
52
6 PASSOS METODOLÓGICOS
De especial importância para a definição da metodologia para esse projeto de pesquisa é o
texto de Dubar (2005) sobre a socialização, onde o autor indica a própria forma de
investigação de seu objeto de estudo (o fenômeno identitário concebido como produto da
socialização) (Dubar,2005,pg.129):
É pela análise dos mundos construídos mentalmente pelos
indivíduos a partir de sua experiência social que o sociólogo pode
reconstruir melhor as identidades típicas pertinentes em um campo
social específico.
Dubar sugere que representações estruturariam os discursos dos indivíduos sobre sua
condição social e que as dimensões mais propícias para a apreensão dessas representações
são: 1) a relação com os sistemas, com as instituições e com os detentores do poder; 2) a
relação com o futuro do sistema e o próprio; 3) a relação com a linguagem, isto é, com as
categorias utilizadas para descrever uma situação vivida. Dessa forma, a visão de como
realizar a pesquisa e as dimensões que esse autor pretendeu atingir balizarão a metodologia
desse projeto de pesquisa.
O tipo de pesquisa a ser realizado buscando a “compreensão interna das representações”
por meio da apreensão das dimensões das relações dos indivíduos (alunos do Proeja) com
os sistemas produtivo e educacional, é o estudo de caso. Segundo Bruyne (1987,p.224-
227), o estudo de caso caracteriza-se pelo estudo em profundidade de casos particulares
por meio de uma análise intensiva realizada em única organização real. Pode recorrer a
técnicas de coletas de dados variadas, como observação, observação participante, grupo
focal, entrevista e análise de documentos, e ter por objetivo a descrição da complexidade
de um caso, a exploração de novas problemáticas ou ainda um objetivo de ordem prática
(avaliação de uma instituição, diagnóstico de um processo). Frequentemente de natureza
qualitativa em suas formas de coleta e tratamento de dados, o estudo de caso pode recorrer
a métodos quantitativos para reconstituir uma sequência cronológica de eventos ou para
investigar relações de causa e efeito entre variáveis analisadas.
Becker (1993, p.117-119) também afirma que o caso estudado pode ser uma organização
ou comunidade e que a observação participante é uma forma de coleta de dados muito
utilizada nesse tipo de estudo, mesmo sendo possível a associação a outros métodos, como
53
a pesquisa estruturada. Ressalta, porém, que a observação dá acesso a uma gama de dados
que podem não ter sido previstos no início da pesquisa. Tal proposição baseia-se no
contraponto entre o estudo de caso e o experimento de laboratório. Na situação de um
laboratório, geralmente se testam algumas proposições em condições controladas,
enquanto o estudo de caso pressupõe a preparação para lidar com grande volume de
informações e de considerações teóricas. Esse autor mostra que o estudo de caso tem, em
geral, um propósito duplo: a compreensão abrangente do grupo em estudo e o
desenvolvimento de declarações teóricas sobre características sociais do processo ou da
estrutura estudada. Essa consideração sobre o estudo de caso implica todos os fatos
observados a ser incorporados à pesquisa e depois contemplados teoricamente. Todavia,
Becker adverte que essa apreensão total é impossível, logo o pesquisador acaba por focar
alguns aspectos de maior interesse. Mesmo assim, esse espírito abrangente do estudo de
caso tem a vantagem de preparar o pesquisador para o inesperado – e para possíveis
reorientações teóricas.
Bruyne (1987, p.224-227) identifica duas formas distintas de orientar teoricamente um
estudo de caso: na primeira forma, ênfase no empirismo; na segunda forma, foco na teoria:
a) Na abordagem empirista, recorre-se ao método indutivo para,
geralmente, estudar o funcionamento particular das organizações.
Assim, tende-se a valorizar questões pragmáticas sem, contudo, analisar
as consequências teóricas que tais questões implicam. Isso se deve a não
existência de um princípio diretor que norteie a pesquisa, o leva o
pesquisador a reunir uma massa – talvez desarticulada – de informações,
gerando muitas vezes uma tendência para classificar aquilo que é
observado em lugar da explicação. Bruyne adverte que o estudo de caso
não deve limitar-se a descrever algo, mas deve referir-se a conceitos e
hipóteses, a uma teoria central que oriente a coleta de dados.
b) Na abordagem focada na teoria, o objeto de estudo surge exatamente a
partir de uma teoria: elege-se um aspecto da realidade que será analisado
à luz de determinados conceitos, visando a determinar empiricamente
um sistema de hipóteses. Nessa abordagem, é mais forte a necessidade
de delimitar um quadro teórico de suporte, uma vez que a definição das
variáveis a serem observadas se originará de conceitos gerais da teoria.
54
A forma de estudo de caso neste projeto de pesquisa se apoia na segunda abordagem –
focada na teoria – porque pretende estudar uma realidade à luz de uma teorização
precedente (no caso, os estudos de identidades sociais e profissionais) que fornece as
categorias de análise a serem investigadas no estudo de caso. Diante dessa fundamentação
teórica relativa aos procedimentos metodológicos de uma pesquisa de enfoque qualitativo,
cabe mencionar as três técnicas usadas para a coleta de dados, todas realizadas com alunos
do Proeja em Automação Industrial do Cefetes:
a) Observação dos alunos participantes da pesquisa durante o período letivo (1º módulo
curso técnico), ao longo da realização do projeto integrador (4º módulo curso básico), na
realização de palestras e no acompanhamento de projetos das turmas de automação
industrial dos demais períodos.
b) Realização de entrevistas individuais com alunos do 4º módulo curso básico e 1º módulo
curso técnico;
c) Um grupo focal com alunos do 1º módulo curso técnico.
6.1 TÉCNICAS DE COLETAS DE DADOS PARA UM ESTUDO DE CASO: ENTREVISTA
INDIVIDUAL E GRUPO FOCAL
Uma das técnicas usadas de coleta de dados nesta pesquisa foi a realização de entrevistas
qualitativas semiestruturadas com apenas um respondente. Segundo Gaskell (2002), a
entrevista com só um respondente corresponde a uma pesquisa realizada em profundidade.
Gaskell (2002) situa a entrevista semiestruturada entre dois extremos: a entrevista
totalmente estruturada feita de questões previamente definidas que não permitem a
apreensão de novas dimensões e a conversa menos estruturada, a exemplo da usada na
etnografia em que o foco está em apreender uma cultura local durante um longo período de
tempo. O pressuposto central da entrevista qualitativa é que o mundo social é construído
cotidianamente pelas pessoas, todavia não sob condições que elas próprias estabeleceram.
As construções que as pessoas fazem de seu mundo constituem-se em sua realidade
essencial. A função da pesquisa qualitativa é exatamente investigar e mapear o mundo de
vida dos respondentes, para, em seguida, permitir ao pesquisador construir esquemas de
interpretação das narrativas. Não perdendo o foco do pressuposto central – o mundo social
55
–, a entrevista qualitativa orientou-se pela relação entre os atores sociais e sua situação,
exigindo uma compreensão das crenças, atitudes, valores e motivações.
Buscando investigar o mundo de vida dos alunos do Proeja do Curso de Automação
Industrial e tendo por referência as indicações de Dubar (2005) – relação com instituições,
com o futuro e com a linguagem –, o roteiro elaborado para realizar as entrevistas
individuais dividiu-se em dois blocos de perguntas: o primeiro visou a contextualizar a
condição socioeconômica atual, o grau de instrução dos pais e a relação do aluno com o
trabalho (se trabalha, trabalhou e em que área); o segundo, de perguntas, objetivou
verificar se houve alguma interrupção da continuação dos estudos e qual foi o motivo; qual
a motivação para retornar à escola; a relação do aluno com a instituição Cefetes e com a
modalidade de ensino EJA; as projeções para o futuro relativamente à continuação dos
estudos e ao mundo do trabalho. Por conta dos objetivos de cada bloco de perguntas, cada
um deles teve um tratamento diferente: o primeiro bloco teve seus dados tratados em forma
de tabela, enquanto no segundo bloco foi aplicada a técnica DSC – Discurso do Sujeito
Coletivo – para reunir os discursos dos alunos na forma de uma fala coletiva única.
Para GASKELL (2002), o grupo focal é uma técnica de coleta de dados na qual o objetivo
é estimular a fala dos participantes para reagir àquilo que outras pessoas no grupo falam.
Apesar de diferenciada quanto à forma de aplicação, o grupo focal tem os mesmos
objetivos da entrevista individual, porém com os resultados modulados pela característica
de atividade coletiva. Conforme esse autor, o grupo focal constitui uma “interação social
mais autentica que a entrevista (...) um exemplo da unidade social mínima em operação e,
como tal, os sentidos ou representações que emergem são mais influenciados pela natureza
social da interação do grupo em vez de se fundamentarem em perspectivas individuais”.
(GASKELL,2005,p.75). Isso porque ocorre processo dentro de um grupo no momento da
realização de um grupo focal resultantes da interação entre os indivíduos.
Tanto o procedimento de aplicação da pesquisa semiestruturada como a realização do
grupo focal se basearam em roteiros de perguntas (APÊNDICE D). Todavia, em muitos
momentos, outras questões – também relacionadas ao contexto da pesquisa – foram
trazidas pelos alunos. A essas questões não previstas inicialmente foi dada a mesma
dimensão de importância das demais questões, por entender que, na livre expressão de
ideias por parte de um sujeito, se encontram aquelas percepções, representações, ideias,
conceitos e atitudes que são o real objetivo da pesquisa.
56
A imersão no campo de pesquisa foi facilitada, pois o pesquisador pertence ao quadro de
docentes efetivos do Cefetes e é ligado ao Curso de Automação Industrial, além de ter
atuado, em alguns momentos, junto dos alunos do Proeja em Automação Industrial, na
orientação do projeto integrador de algumas turmas. O convite para participar de
entrevistas foi feito pessoalmente aos alunos no próprio ambiente escolar, onde também
foram realizadas. No início de cada entrevista era exposta uma visão geral da pesquisa e
seus objetivos, bem como a garantia da preservação do anonimato. O motivo da exposição
geral da pesquisa foi importante para situar o aluno no processo da pesquisa de forma a
garantir a espontaneidade do discurso e também para iniciar um processo de troca. Diante
disso, entendemos que o aluno não é um objeto a ser pesquisado de forma imparcial, mas
um sujeito que deve também participar desse momento em que entra em contato com um
mundo da pesquisa cientifica.
6.2 DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO: UMA METODOLOGIA DE ANÁLISE DO DISCURSO
LEFEVRE e LEFEVRE (2003) desenvolveram uma metodologia de análise de discurso a
qual batizaram de Discurso do Sujeito Coletivo, identificado pela sigla DSC. O objetivo
final dessa metodologia é desenvolver, para uma determinada questão que o pesquisador
elaborou e à qual respondeu um grupo de pessoas, um texto único que represente a soma
dos discursos individuais. A ideia central é que, dado um conjunto de respostas a uma
mesma questão, as falas que forem complementares poderão ser agrupadas e representarão
o discurso não apenas de um sujeito, mas de um coletivo de sujeitos. Considerando que os
pensamentos expressos pelos sujeitos compõem uma matéria discursiva e, mediante uma
resposta a uma pergunta aberta, o entrevistado emite uma opinião, uma ideia, um
pensamento que, por fim, é a representação social do grupo pesquisado sobre determinado
tema, LEFEVRE e LEFEVRE (2003) propõem uma metodologia que indica a existência
de um sujeito individual do discurso. Trata-se de uma “proposta de organização e
tabulação de dados qualitativos de natureza verbal” que visa a “analisar o material verbal
coletado extraindo-se de cada um dos depoimentos (...) as ideias centrais e/ou ancoragens e
suas correspondentes expressões-chaves” para construir um “discurso coletivo (que)
expressa um sujeito coletivo, que viabiliza um pensamento social”, que, por fim, “visa dar
57
luz ao conjunto de individualidades semânticas componentes do imaginário social” para
“fazer a coletividade falar diretamente” (LEFEVRE, 2003,P.15-16).
As figuras metodológicas propostas pelos autores para confeccionar os discursos dos
sujeitos coletivos – DSCs – são as expressões-chave, as ideias centrais e as ancoragens. Por
expressões-chave (ECH) compreendem-se trechos literais do discurso de um sujeito que
representam a essência daquilo que foi proferido pelo entrevistado e que serão a matéria-
prima para a construção dos sujeitos coletivos. A ideia central (IC) é um nome que revela e
descreve de forma sucinta, sintética, resumida, o sentido de um conjunto de expressões-
chave homogêneas. Um conjunto de respostas individuais para uma mesma questão pode
ter ideias centrais (IC) diferentes; logo, para cada pergunta realizada, existirão tantas ideias
centrais (IC) quanto forem necessárias para reunir em grupos homogêneos as expressões-
chave (ECH) selecionadas. Dessa forma, a ideia central (IC) é a essência de um conjunto
homogêneo de expressões-chave (ECH).
Em alguns casos, entretanto, essa essência transcende o universo de representações dos
respondentes e deriva diretamente de uma teoria, ideologia ou crença. Nessa situação,
apesar de o discurso proferido pelo entrevistado ser elaborado por ele mesmo, o
pesquisador vê, para além das palavras, um contexto maior e exterior que influencia a fala
do sujeito. Exatamente por estar relacionado, ancorado em uma ideia exterior, esse tipo de
expressão-chave (ECH) remeterá a uma ancoragem (AC) ao invés de uma ideia central
(IC).
Como exemplo da diferença entre ideia central (IC) e ancoragem (AC), declaramos que o
questionamento sobre o que os alunos entrevistados achavam da modalidade EJA originou
algumas ideais centrais (IC), enquanto o questionamento sobre a importância da automação
industrial produziu uma ancoragem (AC). Isso porque, quando indagados sobre a
modalidade EJA, por exemplo, os alunos tendem a demonstrar opiniões baseadas nas
próprias experiências.
O tema “automação” está presente à sociedade de forma mais ampla, independentemente
de o entrevistado estar inserido ou não em um contexto em que a automação é vivenciada.
No primeiro caso, a experiência com EJA foi uma experiência basicamente relacionada ao
contexto vivido pelo grupo, uma vez que o tema não tem tanta projeção que permita
posicionamentos – a priori – consistentes; no segundo, pelo contrário, a automação é um
tema mais geral da sociedade e sobre o qual existem discursos diversos preestabelecidos,
58
como o discurso da automação geradora de desemprego ou o discurso da automação como
fundamental para o desenvolvimento tecnológico.
De posse das expressões-chave, das ideias centrais e de possíveis ancoragens, o próximo
passo é construir o discurso do sujeito coletivo por meio dos instrumentos de análise do
discurso (IAD). Os instrumentos de análise do discurso dividem-se em duas tabelas
denominadas IAD 1 e IAD 2. O IAD 1 consiste nas etapas já descritas anteriormente:
selecionar expressões-chave, identificar ideias centrais e ancoragens; o IAD 2 consiste na
construção do discurso do sujeito coletivo propriamente dito: as expressões-chave
homogêneas são agrupadas e depois unidas em único discurso. Para que tenham um caráter
de discurso individual, é necessário retirar as particularidades, como expressões pessoais,
nomes próprios e referências pessoais. O DSC deve representar um coletivo de discursos
sem, todavia, perder a essência de um discurso individual. O APÊNDICE C traz um
exemplo de construção de DSC realizado nesta pesquisa.
Segundo a definição dos autores (LEFEVRE, LEFEVRE,2005,P.15):
O DSC consiste, então, numa forma não-matemática
nem metalingüística de representar (e de produzir),
de modo rigoroso, o pensamento de uma coletividade,
o que se faz mediante uma série de operações sobre
os depoimentos, que culmina em discursos-síntese que
reúnem respostas de diferentes indivíduos, com
conteúdos discursivos de sentido semelhante.
A metodologia do DSC fundamenta-se na ideia da existência de um eu coletivo que
considera que um indivíduo, ao expressar uma opinião acerca de determinado tema, é um
ser social sob o aspecto sociológico e se expressa nessas condições. O “eu” do DSC
procura reconquistar esse “eu social” que se projeta para além do indivíduo.
59
7 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
O capítulo de análise e discussão dos resultados será dividido em duas partes: na primeira,
serão apresentadas as análises das falas dos alunos advindas das entrevistas individuais,
dos grupos focais; na segunda, a análise dos discursos proferidos foi relacionada ao
referencial teórico usado neste estudo, com o objetivo final de identificar traços das formas
identitárias provenientes da socialização que ocorre durante o processo de formação.
7.1 A OBSERVAÇÃO COMO ELEMENTO ORIENTADOR DA PESQUISA
Inicialmente sem constituir um instrumento formal de coleta de dados deste estudo, a
observação do grupo de estudo antecedeu a realização da pesquisa em questão e constituiu
a primeira fonte de informações e o primeiro contato com as questões relativas ao Proeja e
ao mundo dos alunos participantes dessa modalidade. Mediante a realização de palestras
que visaram a apresentar o Curso de Automação Industrial aos alunos ingressantes; o
acompanhamento e sugestões realizadas nos projetos integradores; visitações realizadas ao
CEFET Uned Serra para apresentação dos laboratórios; a atuação como professor de parte
desses alunos e, por fim, conversas com os alunos nos corredores e pátios da escola,
contatamos o universo de representações e sentimentos desses estudantes. Apesar de a
observação não ter sido um instrumento formal de coleta de dados desta pesquisa,
influenciou a análise dos resultados, uma vez que propiciou maior entendimento do
contexto em que os sujeitos estavam inseridos.
Nesta pesquisa, a observação contemplou o acompanhamento do grupo de estudantes que
constituíam o grupo de sujeitos de análise durante um evento singular no processo de
formação: a passagem da parte básica do curso – dois anos de formação geral – para a
parte técnica do curso – dois anos de formação profissional. Nesse momento ocorre
modificação total no tipo das disciplinas estudadas, conforme pode ser visto na
comparação entre os currículos nos APÊNDICES A e B. Tal transição incluiu também a
mudança física de realização do curso: a parte básica foi realizada no Cefetes sede
(município de Vitória) enquanto a parte técnica, no Cefetes Uned Serra (município da
Serra). Outro fato significativo é que, no Cefetes Uned Serra, os alunos provenientes do
Proeja ingressam nas turmas do curso pós-médio junto com alunos provenientes do
60
processo seletivo que não é o do Proeja. Ocorre que toda a metodologia desenvolvida e
todo o conceito da educação de jovens e adultos não estão presentes durante a fase de
formação técnica, não havendo diferenciação entre alunos provenientes de diferentes
formas de ingresso.
Nesse ponto, consideramos importante relatar o contexto em que transcorreu a fase de
coleta de dados desta pesquisa, realizada ao longo do segundo semestre de 2008. Esse
período coincide com a chegada da primeira turma de Proeja ao Cefetes Uned Serra; por
isso, trata-se de evento singular no processo de formação. Durante o começo de período,
havia entre os alunos um clima de euforia pelo início dessa nova fase, mais relacionada à
formação profissional, com a realização das matérias técnicas e pelo vislumbre do que
seria, efetivamente, o trabalho na área de automação industrial. As entrevistas individuais
ocorreram mais no início do semestre e os entrevistados deixaram transparecer esse
entusiasmo, já sinalizando que, para a obtenção da aprovação no final do semestre, seria
necessário muito esforço dada a natureza das disciplinas estudadas – todas baseadas em
física e com forte necessidade de conhecimento de matemática.
Os grupos focais foram realizados no final do período. O clima dos dois primeiros grupos
focais deixou transparecer tais sentimentos de incerteza e insegurança quanto à aprovação
nas disciplinas, entretanto houve a participação efetiva dos entrevistados na discussão dos
temas propostos. O último grupo focal foi realizado na semana final de aula quando os
resultados finais já haviam sido divulgados. Como a quase totalidade dos entrevistados
havia ficado retida no módulo devido a reprovações, todo esse sentimento esteve presente
durante o encontro, refletindo as incertezas quanto ao futuro da formação profissional.
Vale ressaltar que observamos essa questão da incerteza da conclusão da formação durante
todas as etapas do Proeja: os alunos ingressantes que já possuem ensino médio não sabem
se valerá a pena repetir essa etapa novamente. Aqueles que têm família avaliam
constantemente se o investimento de tempo na escola compensa a ausência no ambiente
familiar; os que trabalham ou os que deixam de trabalhar plenamente analisam a relação
custo benefício de suas escolhas. Ao discurso da educação de jovens e adultos está
presente o conhecimento do histórico de descontinuidade escolar dos alunos – o próprio
documento base do Proeja destaca tal fato –, todavia acreditamos que a não continuação
dos estudos paira sobre os alunos dessa modalidade de ensino como uma opção constante.
61
7.2 ENTREVISTAS INDIVIDUAIS
O primeiro bloco de perguntas das entrevistas individuais objetivou contextualizar a
condição socioeconômica atual dos respondentes e obter algumas informações sobre o
passado familiar, a formação escolar, o tipo de atividade econômica em que os pais
estavam inseridos e a relação dos demais membros da família com os mundos da educação
e do trabalho. A Tabela 06 traz alguns desses resultados. O grupo pesquisado dividiu-se
basicamente meio a meio em relação ao gênero dos entrevistados, e a maioria trabalha ou
já trabalhou, tendo parado por motivo de desemprego ou pela necessidade de dedicação aos
filhos. Em relação à idade, a metade encontra-se na faixa entre 20 anos e 25 e a outra
metade distribui-se pelas faixas etárias seguintes. A formação escolar típica dos pais dos
alunos participantes da pesquisa recai no ensino fundamental, completo ou incompleto,
porém, em alguns casos, houve formação profissional, tipicamente do SENAI. Quanto ao
tipo de atividade econômica exercida pelos pais, as profissões de auxiliar de serviços
gerais, porteiro, padeiro, pedreiro, carpinteiro e produtores rurais apareceram entre os que
tinham basicamente o ensino fundamental. Entre aqueles com mais tempo de estudo,
atividades, como eletricista, eletrotécnico, docência, enfermagem e área militar, foram
citadas. A maioria dos pais dos entrevistados veio para a região da Grande Vitória
proveniente de cidades do interior do estado ou de outros estados – Minas Gerais, Piauí,
Pernambuco – em busca de melhores oportunidades de emprego.
Tabela 06 – Características sociais dos sujeitos entrevistados
20 - 25 26 - 30 31 - 35 36 - 40 Idade
8 2 3 2
Solteiros(as) Casados(as) Separados(as) Estado
Civil 7 6 2
Mulheres Homens Gênero
8 7
Sim Não Trabalham ou já trabalharam 12 3
Não estudaram Ens. fundamental Ens. Médio Grau de instrução
dos pais 2 8 5
62
O segundo bloco de perguntas das entrevistas foi elaborado de forma a permitir a livre
expressão do aluno sobre os temas tratados. Conforme o APÊNCIDE D, o roteiro continha
quatorze perguntas que foram posteriormente agrupadas por afinidades em cinco
subgrupos. Com base na análise dos discursos dos sujeitos coletivos (LEFEVRE e
LEFEVRE,2003,2005), procuramos elaborar um quadro que permitisse o acesso aos
caminhos da socialização e da criação de identidades ao longo do percurso educacional.
Para isso, categorias, como trajetória escolar, pontos de descontinuidade do processo
escolar, avaliação do EJA e do Cefetes e expectativas em relação ao mundo do trabalho e à
continuidade da formação, foram eleitas como centros de análise.
Por que parei de estudar?
O programa Proeja é destinado a jovens e adultos que não puderam continuar ou concluir
seus estudos. Entretanto, em grande parte dos alunos ingressantes nas turmas analisadas já
possuía o ensino médio concluído. A motivação desses sujeitos para refazer essa etapa
escolar passa pelo desejo de realizar um curso técnico – o que justificaria repetir o ensino
médio – e pela menor dificuldade de acesso ao Cefetes por meio do Proeja. Todavia, o fato
de realizar novamente o ensino médio é visto como positivo: “Já tinha feito o ensino
médio, mas eu achei que valia a pena pelo seguinte fato: como eu fiz o ensino médio em
escola pública, eu não tinha um embasamento”. No imaginário dos entrevistados, o Cefetes
sempre aparece como uma instituição de difícil acesso e boa qualidade de ensino, o que
justificaria a repetição de uma etapa já concluída.
A quase totalidade dos entrevistados tinha histórico de descontinuidade escolar – mesmo
entre os que haviam concluído o ensino médio. Os DSCs elaborados para essa questão
indicaram quatro motivações básicas, que serão apresentadas aqui por acreditar que são
significativos da realidade dos alunos do Proeja. A constituição de família, o trabalho e a
desmotivação pela qualidade do ensino da escola pública representam a maior motivação
para a não continuação dos estudos. Dentre os que haviam terminado o ensino médio, um
motivo comum de não continuação dos estudos estava na não aprovação em vestibulares
de instituições públicas, fato que acabava por gerar desmotivação.
63
Tabela 07 – Motivações para Interrupção dos Estudos
Ideia central DSC
Família e gravidez Parei porque casei e tive filhos. Eu, casado com família, chegando do serviço e tendo que estudar ainda, aquele negócio sem porquê.
Trabalho Trabalhava no dia e estudava de noite aí não dava.
Má qualidade do ensino público
Acabou desmotivando pela qualidade do ensino da escola pública. O ensino era precário mesmo.
Não aprovação no Cefetes ou na
UFES
Eu terminei (segundo grau) e fiquei tentando vestibular. Não passei no vestibular e no Cefetes, foram várias tentativas, então eu fiquei sem estudar.
Eu quero estudar no Cefetes: Prestígio versus Oportunidade
A motivação para voltar a estudar observada nas falas dos entrevistados girava em torno da
ideia de que o estudo melhora as condições de vida ao permitir crescimento profissional e
inserção no mercado.
Crescimento profissional. O estudo melhorara as condições
de vida. Eu quero estar no mercado de trabalho, eu quero ter
uma profissão, eu quero ter um curso técnico, eu quero ter
uma responsabilidade econômica, eu quero ser dona do meu
nariz, em função disso, de não precisar pedir dinheiro.
Questão também de querer ajudar em casa.
A escolha do Cefetes para a continuação dos estudos ou para a realização de um curso
técnico profissionalizante teve como resposta de primeiro plano o fato de ser uma escola
pública conceituada e com qualidade de ensino. Todavia uma segunda motivação revelou-
se mais decisiva: a oportunidade de ingresso via Proeja. De forma geral, entretanto, a visão
que se tem da instituição em estudo é positiva, devidamente acompanhada da constatação
da dificuldade de acesso a ela.
64
Tabela 08 – Motivações da Escolha do Cefetes
DSC – Escola Conceituada DSC - Oportunidade
Porque o Cefetes tinha uma qualidade de ensino melhor, é uma Escola pública com bom ensino e bem conceituada. É uma escola que tem um prestígio, que tem nome. E também ajudaria muito no meu currículo, pois o mercado de trabalho aceita bem mais, com mais facilidade alunos de Cefetes do que alunos de outras instituições.
Aí eu vi o edital da Escola Técnica, que havia vagas remanescentes para o curso de automação com o ensino médio para sorteio e aí eu fui. Na verdade, foi uma oportunidade que eu tive, porque, hoje em dia, para entrar no Cefetes, tem que fazer uma seleção de alunos. E eu não, eu entrei através de umas vagas sorteadas.
Antes de prosseguir com o tópico seguinte, vale a pena aqui destacar que, ao comparar os
resultados dos tópicos “Por que parei de estudar?” e “Eu quero estudar no Cefetes”,
observa-se que os fatores que levaram à descontinuidade (família, trabalho e desilusão com
a falta de qualidade da escola pública) são os mesmos que motivam o retorno: melhoria da
qualidade de vida familiar, melhores possibilidades no mercado de trabalho e escola
pública de qualidade.
Por que Automação Industrial?
O motivo da escolha do curso a ser realizado no Cefetes teve duas vertentes de análise:
mercado de trabalho e vocação por um lado e completo desconhecimento da profissão por
outro. Aqueles alunos que vivenciaram atividades relacionadas à automação industrial e ao
mundo da indústria, da manutenção e dos serviços elétricos – seja pelo trabalho na área,
seja pela influência da família – vislumbram ampliar as possibilidades profissionais se
concluírem o Curso de Automação Industrial, que é uma formação vista como muito
qualificada, especialista: “Então eu queria ser um técnico em elétrica. Mas tive um contato
com automação e fiquei sabendo mais ou menos o que um técnico de automação industrial
fazia e aí já mudou. Tem tempo que eu queria fazer já automação”. Em menor parcela, a
vocação foi um termo empregado por alguns para justificar a escolha. Vocação, nesse caso,
relacionada a curiosidade e preferências advindas desde a infância por assuntos
relacionados à tecnologia. Aqueles entrevistados que desconheciam as características dessa
área de atuação disseram que a escolha foi influenciada por terceiros – amigos ou
familiares – que terminaram por definir a escolha do curso:
65
Não foi bem uma escolha. Eu não tenho quase noção
nenhuma do que é automação. No dia que eu fui para fazer o
processo seletivo uma pessoa sugeriu que automação
industrial é um curso bom. Sugeriu que empresas estavam
vindo para o estado e está tendo uma necessidade muito
grande nessa área. Será uma área boa de estar trabalhando.
Fui então para automação.
Independentemente da motivação para a escolha do curso, quando indagados sobre a
importância da automação nos dias de hoje, foram unânimes nas respostas: exaltação da
tecnologia como essencial, salvadora e facilitadora da vida em sociedade. A construção
desse discurso do sujeito coletivo implicou a observação de uma ancoragem. O conceito de
ancoragem na metodologia do discurso do sujeito coletivo diz respeito a uma representação
geral presente à sociedade estudada que direciona as falas e representações individuais.
Nessa questão específica, identificamos o discurso da tecnologia salvadora – ou da
tecnologia indispensável para o funcionamento da sociedade – como uma ancoragem que
dá suporte às falas dos entrevistados. A Tabela 09 a seguir traz a ideia central relacionada a
essa questão.
Tabela 09 – Representações acerca da Automação Industrial
Ideia central: Discurso da tecnologia salvadora
Automação é importante porque é o futuro. Sua importância nos dias de hoje é tão grande
quanto as transformações que estão ocorrendo. Sem automação hoje é mais ou menos
voltar lá para a idade da pedra lascada. A Automação está presente a todo o momento,
todos os dias nas nossas vidas, e a tendência de tudo, fique automatizado. Está sendo
essencial, pois você pode utilizar em todas as áreas. Está presente em tudo, comercial,
residencial. Veio para facilitar a vida das pessoas, em todos os sentidos, na questão de
crescimento para toda uma população, porque é o trabalho de um que vai favorecer a
muitos e que visa à melhoria das empresas e melhora o trabalho do ser humano. É
impossível que, em qualquer área, não tenha um engenheiro, um técnico, alguém que
saiba de automação, então tem que já procurar adquirir um conhecimento do futuro.
66
A escolha de uma escola profissionalizante revela o caráter instrumental do retorno à
escola: não se busca aumentar a escolarização visto que há os que já possuem ensino
médio, mas sim um curso técnico que facilite a inserção na vida profissional. O Curso de
Automação Industrial corresponderia a essa expectativa, além de ser um curso valorizado
socialmente. Por estar estreitamente vinculado às inovações tecnológicas, é encarado como
uma forma de elevação de prestígio profissional dos trabalhadores.
A modalidade Educação de Jovens e Adultos
A educação de jovens e adultos é uma modalidade específica dentro do Cefetes, todavia o
EJA não é algo que seja familiar a todos os membros dessa comunidade escolar. Entre os
discentes e docentes que não fazem parte dessa modalidade de ensino, uma minoria tem
conhecimento acerca das propostas e do público do projeto. E, quando se trata da
sociedade de uma forma geral, o nível de desconhecimento é maior ainda e refletiu-se nas
falas dos entrevistados quando o tema tratado foi o conhecimento prévio do EJA e as
motivações para a escolha dessa modalidade. Alguns alunos só descobriram que estavam
inscritos no Proeja com o início das aulas. Outros sabiam somente que a modalidade tinha
um sistema de ingresso diferenciado dos demais cursos, constituindo-se assim algo
diferente. Na maioria dos casos o conhecimento do EJA no Cefetes foi por meio de uma
terceira pessoas – familiar ou amigo – que já estudava nessa instituição. Um segundo
grupo de entrevistados relatou ter tido conhecimento por meio dos editais públicos da
instituição em jornais ou no site oficial da escola. Em outros casos, ao realizar um curso
preparatório para ingresso no Cefetes ou para a universidade, tinham conhecimento por
intermédio dos professores.
Quando indagados acerca de como viam a modalidade EJA, as falas dos alunos destacaram
dois aspectos: a EJA como uma oportunidade e a EJA como uma modalidade diferenciada
de ensino. A EJA como oportunidade ressalta a essência da modalidade, que dá
oportunidade de um retorno à escola àqueles que foram, de alguma forma, excluídos do
processo educacional formal. O outro conjunto de respostas destacou que a modalidade
não é uma modalidade formal focada somente nos conteúdos, pelo contrário, visa ao
desenvolvimento de consciência social, à capacidade de trabalhar em grupo e da integração
entre conteúdos e aplicações reais. Tal aspecto diferenciado da modalidade EJA foi muito
67
influenciado pela existência do projeto integrador – tema sempre citado nas entrevistas. O
projeto integrador direcionou, a um só tempo, os conteúdos programáticos para aplicação
prática e desenvolveu o senso de trabalho em equipe, tendo sido sempre referenciado como
uma atividade muito importante do programa EJA do Cefetes.
Tabela 10 – Representações acerca do EJA
IC - EJA como oportunidade
IC - EJA é uma modalidade diferenciada de ensino
Muito bom. Isso aí abre portas para muita gente. A questão de dar oportunidade às pessoas de maior idade. Não tem como a pessoa de 30 anos entrar no integrado com aluno de 15 anos, de 16. Essa oportunidade é legal. Eu tenho convivido com pessoas de uma certa idade que não tem mais vontade de estudar, que eu tenho falado comentado sobre o EJA no Cefetes, e eles têm se interessados.
O ensino médio EJA é diferente do ensino médio normal em escola pública. No EJA eles procuram visar à formação do aluno, que ele possa trabalhar em equipe. Eu achei muito importante no aspecto de integração. Integração que eu falo é conjunto, como se trabalhar em conjunto, em equipe entendeu. Eles focam mais para a sociedade. Como tem um projeto, eles te ensinam como fazer um projeto, quais são as dificuldades da sociedade, e também jogar as matérias, matemática, português para esse projeto. A escola pública não fazia isso, era separado.
Uma das entrevistadas teve uma opinião diferente sobre como via a modalidade EJA.
Referindo-se à experiência que teve com a EJA no Cefetes, realizou uma análise não da
modalidade em si, mas da modalidade da EJA na escola: sua estrutura, funcionamento e
possibilidades. A aluna – que foi da primeira turma de EJA de Automação Industrial –
percebeu as modificações pelas quais passava a instituição na implantação do curso.
Destacou o aspecto processual inerente à implantação de qualquer projeto. Ressalto a
seguir a fala da aluna por considerar que apreender a estrutura da escola como um
processo, e não como algo estático, favorece a compreensão dos movimentos escolares:
Porque durante o curso, no início, a gente foi aprendendo
muito uns com os outros. Porque como era um modelo novo
de ensino, até a coordenadoria às vezes não sabia
exatamente o que passar para a gente, a gente não sabia o
que esperar de determinadas coisas, não sabia muita coisa
sabre o nosso curso, então eu acho que, creio que as pessoas
68
que hoje estão entrando já estão encontrando um novo EJA.
Quando eu peguei (a EJA) era uma criança, deve ser um
adolescente agora.
A modalidade de ensino integrado do PROEJA no Cefetes foi implantada através de um
curso de quatro anos de duração, dividido em duas partes: dois anos de ensino geral e dois
de ensino técnico. Essa configuração visou uma adaptação à estrutura já existente no
Cefetes dos cursos técnicos pós-médio, que são realizados em dois anos. Dessa forma, o
aluno ingressante no Proeja realizaria dois anos de estudos gerais, correspondentes ao
ensino médio, e, depois, os dois anos correspondentes à formação profissional. É
importante ressaltar que as estruturas desses dois períodos são completamente
independentes: equipe pedagógica e professores. No caso dos cursos de Informática e
Automação Industrial, fisicamente independentes, uma vez que a formação básica é realiza
na unidade central e a parte profissional, em outra unidade.
Acerca dessa situação, as falas dos entrevistados revelaram o desejo de realizar um curso
plenamente integrado, destacando que a integração entre parte propedêutica e parte
profissional seria importante, tanto da perspectiva educacional quanto em relação a
questões motivacionais. O fato de que na própria instituição existem cursos integrados com
quatro anos de duração também foi destacado na fala dos entrevistados.
Tabela 11 – Percepções sobre a Estrutura do Curso
Ideia central: Integrado seria melhor
Eu entrei pensando que era os quatro anos integrados, porque eu acho que daria um motivo a mais para a pessoa já está estudando, porque ficaria vendo o técnico como é que é e ali, no exercício e na prática, daria uma motivação a mais. Integrado é melhor, você aprende os dois ao mesmo tempo. Eu acho que o fato do aluno ficar ansioso pela área técnica deixa muitas pessoas desmotivadas. Já poderia estar pensando em um estágio a partir do momento em que ele já tivesse um conhecimento que desse para ele encarar um estágio. Matérias específicas caminhando junto com segundo grau, se você tem um problema, por exemplo, como acontece aqui na turma, a gente com algumas dificuldades em matemática, então você tendo um professor de matemática pode te ajudar a sanar. O ensino médio lá integrado não é junto? Por que o ensino médio não pode ser? Nas reuniões que nós participamos que veio o pessoal do Sul, ela (Secretária de educação do Paraná) falou que lá é junto; acho que é três anos lá.
O Curso de Automação Industrial Proeja funciona no período vespertino. Esse fato foi
relatado como a principal causa de evasão dos alunos que ingressaram no curso. A evasão
é significativa: da primeira turma de automação industrial apenas uma aluna conseguiu
69
finalizar os dois anos de ensino básico e, na terceira turma, de vinte e oito ingressantes
apenas quatro chegaram à parte profissional do curso. Na segunda turma, esse valor
chegou a cinquenta por cento. Outro fator apontado como motivador de evasão foi o fato
de alguns alunos ingressantes no Proeja já possuírem o ensino médio concluído, o que
destoa completamente da proposta da modalidade de ensino. Alguns alunos entraram no
programa apenas para abandoná-lo logo a seguir.
Quando se coloca assim, PROEJA, se coloca assim:
educação de jovens e adultos. Quando nós entramos, na
prática não é bem assim. Tinha esse lado de jovens e adultos
sim, mas tinha outro lado de pessoas que já tinham o ensino
médio completo. Como já tinham terminado o ensino médio,
não levaram a sério, tiraram a oportunidade de muitas
pessoas que precisavam. A maioria já tinha ensino médio,
que eles aproveitaram isso como forma de entrar no
CEFETES. Só que quando chegou lá o fato de já ter ensino
médio, mais quatro anos então alguns desistiram por isso.
Entretanto, a causa que mais influenciou a evasão, segundo o relato dos entrevistados, foi o
horário de realização do curso. A realização do curso no período vespertino
impossibilitaria a questão do trabalho, que é um dos temas caros ao discurso da educação
de jovens e adultos. Vale a pena ressaltar que alguns cursos do Proeja são realizados no
período vespertino e outros, no período noturno, uma vez que não seria possível a
realização de todos os curso apenas em um período.
Tabela 12 - Causas da Evasão
Ideia central: Horário vespertino incompatível com necessidade de trabalhar
Alguns, era questão de trabalho, não tinha como conciliar as duas coisas. Um tinha que trabalhar para ajudar a família, outro foi porque estava trabalhando e a empresa estava necessitando mandar para fora do estado ou do país. Ou a pessoa já trabalha e não pode estudar, ou ele quer trabalhar e o horário vespertino atrapalha um pouco. Porque aí você só tem a parte da manhã. Seria interessante se o curso fosse à noite ou pela manhã. Porque aí você só tem a parte da manhã. Se fosse a noite, ia alcançar um público mais assim de trabalhadores. De repente até porque não dizer um pessoal mais interessado, não que o pessoal esteja desinteressado, mas pessoas que trabalham na área de elétrica, que devem ter um interesse muito grande por automação, de repente trabalha em uma empreiteira da Vale, da CST, não vai ter um horário flexibilizado. Outros acabaram desistindo porque reprovaram, porque tinha que trabalhar. Às vezes, dentro da escola,
70
por reprovação, dependência nas matérias, foi acumulando, foi ficando para trás e resolveu parar de vez. Quando se coloca assim, Proeja, se coloca assim: educação de jovens e adultos. Quando nós entramos, na prática não é bem assim. Tinha esse lado de jovens e adultos sim, mas tinha outro lado de pessoas que já tinham o ensino médio completo que aproveitaram isso como forma de entrar no Cefetes.
Quando foram solicitados a falar sobre o que o curso já havia acrescentado a eles, os
alunos relataram vários pontos positivos, de engrandecimento pessoal, de aquisição de
habilidades e, por fim, de melhoria da autoestima. As respostas giraram ao redor de três
ideias centrais: melhoria dos fundamentos, melhoria da sociabilidade e visão de mundo
ampliada. Novamente o projeto integrador foi apontado como a dinâmica que melhor
permitiu o desenvolvimento da turma. O item referente à melhoria dos fundamentos
relacionou-se à melhoria do português falado e escrito, principalmente por meio das
apresentações. A realização do projeto integrador contribuiu para que os alunos
realizassem uma relação entre as matérias do ciclo básico e alguns conceitos técnicos da
área de automação industrial e, ademais, atentassem para a interdisciplinaridade inerente a
qualquer tipo de trabalho:
Foi um ponto muito interessante do Proeja a ligação de
todas as disciplinas, tipo assim, se você fazer um programa
você precisar de português, matemática, e isso nunca passou
pela minha cabeça. Na verdade, tudo tem uma ligação.
Também vi muitas coisas que aqui (na parte técnica) vai ser
bem aproveitada, como a parte de física, matemática.
Em relação ao item melhoria da sociabilidade, a melhoria da comunicação advinda da
necessidade de trabalhar em grupo e de realizar apresentações – todos os itens relacionados
em grande parte ao projeto integrador – foi destacada pelos entrevistados:
Quando eu entrei lá, eu nem sequer sabia conversar direito.
Tinha medo de conversar. Meu português melhorou, minha
comunicação. Lá se aprende com o projeto, a gente participa
de apresentações. Isso me faz aprender a me comunicar com
as pessoas e a ver o mundo de uma forma diferente.
Por fim, a questão da ampliação da visão de mundo relatada diz respeito à modificação na
forma de estar e sentir-se no mundo, à modificação no modo de pensar e de ver os
problemas. É muito interessante como, a despeito de problemas do processo educacional
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citados anteriormente, ocorre efetivamente o crescimento pessoal dos participantes. O DSC
abaixo traz as falas dos alunos, entretanto tenho de relatar, neste momento, algo que não
pode ser visto: o olhar de realização dos entrevistados ao responder à pergunta “O que o
curso já acrescentou para você?” Muitos rostos iluminaram-se e sorrisos foram abertos
para dizer que “Depois que eu entrei no Cefetes, sou outra pessoa”.
Mudou muita coisa na vida da gente. O modo de pensar da
gente muda muito. Às vezes, a gente fica naquele mundo
muito pequeno, de querer coisinhas. No aspecto de você não
olhar somente num foco, você vê tudo que está ao seu redor,
tudo que está acontecendo. O curso leva a gente assim de
olhar mais para frente, a ter sonhos de alcançar
oportunidade melhores na vida. Crescer como pessoa, ter
uma mente melhor sobre o que está acontecendo. Aprendi a
estudar, a gostar de estudar, estou começando a gostar de ler
agora. Depois que eu entrei no Cefetes, sou outra pessoa.
Eu quero trabalhar com...
Outro bloco de perguntas procurou investigar as projeções dos alunos do Curso Proeja em
Automação Industrial em relação ao futuro profissional e à continuação de estudos. O
objetivo desse foco foi analisar as influências externas e internas durante a formação dos
alunos, em busca de relações entre os objetivos futuros e o contexto educacional e a
história de vida.
Tabela 13 – Ideias Centrais Sobre Objetivos ao Final do Curso
Trabalhar em uma empresa do ramo
Melhoria no trabalho atual
Respeito Iniciar um negócio próprio
A maioria dos respondentes tem como objetivo imediato, após a conclusão do curso,
trabalhar em alguma empresa do ramo, tipicamente nas grandes indústrias que operam no
Espírito Santo nas áreas de petróleo, siderurgia e celulose. Todavia, há também a
consciência de que nem sempre isso é possível, considerando também as oportunidades em
empresas menores são. Pelo contato com a área técnica, inicialmente por meio do projeto
72
integrador e depois pelas matérias técnicas, o sentido de ser um profissional dessa área vai
sendo aos poucos incorporado: “Sinceramente (pensava) em trabalhar em uma área bem
diferente dessa daqui. Mas, à medida que eu estou conhecendo as coisas, eu estou gostando
do que eu estou aprendendo”. A melhoria nas condições atuais de trabalho foi apontada por
aqueles que já atuam em áreas correlatas, geralmente ligadas a trabalhos com eletricidade e
áreas afins. Para esses, o curso de automação industrial é um meio de ampliar
possibilidades profissionais. A iniciativa de um projeto de trabalho próprio esteve presente
às respostas, todavia em menor quantidade de respondentes. Uma aluna apenas teve uma
fala em relação ao desejo de obtenção de respeito por meio da realização do curso:
É que eu saia daqui uma profissional muito qualificada.
Chegar lá fora, mesmo que não tenha uma vaga para mim,
ser respeitada.
Todavia reproduzi a resposta, pois essa aluna, em outro momento da pesquisa, relatou ter
tido diversos problemas com empregos em que “perdeu muito dinheiro”, ao não receber
dos empregadores o pagamento de seus serviços. Essa situação expõe um contexto de
queda da remuneração do trabalho, mesmo para as funções mais especializadas, que,
muitas vezes, submetem o indivíduo a um ciclo de emprego a que nem sempre as garantias
mínimas estão presentes. A sentença “(...) mesmo que não tenha uma vaga para mim, ser
respeitada” expõe, primeiro, um desejo de ser respeitada na sociedade e, depois, a
formação qualificada, que é uma forma de obter tal respeito.
Diante da pergunta sobre se desejam continuar os estudos após a conclusão do curso no
Cefetes, quase todos os alunos revelaram que pretendem continuar os estudos,
prioritariamente na área de concentração de engenharia, fortemente influenciados pela
vivência adquirida na instituição de ensino no Curso de Automação Industrial.
Sim. Com certeza. Eu quero continuar estudando. Eu
quero fazer faculdade. Curso superior no mesmo
ramo, na parte de engenharia que complementasse
elétrica, automação, mecatrônica. Engenharia
voltada para automação.
Uma aluna já realiza formação superior no curso de pedagogia em uma faculdade com
modalidade de ensino à distância, semipresencial. O destaque para essa aluna deve-se ao
seu relato de que os conhecimentos adquiridos no Cefetes – e por meio dele – permitiram-
73
lhe uma boa colocação no Enem após vinte anos sem estudar e, com a bolsa do Enem, o
ingresso na instituição superior com os estudos custeados. Finalizo a parte desta pesquisa
com a fala da aluna, por acreditar que expressa os processos de socialização e formação de
identidade que ocorrem no decorrer da vivência escolar.
Eu ganhei uma faculdade graças ao Cefetes. Com
todas as coisas ruins que teve, mas tinha coisas
maravilhosas. Tinha professores maravilhosos lá que
se preocupavam que queriam dar aula, e com esses
professores eu aprendi, eu ganhei. Então, hoje eu sou
uma pessoa, não vou dizer mais culta, mas com mais
conhecimento. Eu sou uma pessoa com mais
conhecimento com certeza.
7.3 GRUPO FOCAL
A atividade do grupo focal foi realizada em três encontros dos quais participaram alunos
que responderam às entrevistas individuais. O primeiro momento do grupo focal teve por
objetivo o momento presente do grupo: investigar o estado atual de conhecimento e
representação em relação ao Curso de Automação Industrial; à automação industrial como
atividade de trabalho; ao Proeja; à representação que os alunos têm de si mesmos e à
representação que os outros têm deles. O segundo momento pretendeu investigar a história
de vida dos alunos, a comunidade de origem, a relação com o trabalho dos pais e o
primeiro contato com o mundo do trabalho, focando assim no passado do aluno. As
relações entre a escola e o mundo do trabalho formaram o tema do terceiro encontro. Com
base nas experiências de trabalho dos alunos, objetivou-se investigar de que forma a escola
prepara, ou não, ou aluno para o trabalho; quais habilidades, posturas, atividades,
conceitos, atitudes são demandadas e trabalhadas na escola e quais são demandadas – e
cobradas – no mundo do trabalho.
Durante o primeiro encontro, observou-se que a relação dos alunos com a automação, no
sentido geral de inovações tecnológicas, remete em parte à teoria do capital humano, na
qual a não realização profissional é resultado de falta de formação escolar. A não
qualificação escolar é vista como um dos fatores geradores do desemprego. Nas falas “Não
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adianta, se você ficar parado no tempo, você vai ficar para trás, então vai gerar desemprego
porque o cara não se qualificou, não buscou, não foi atrás” e “na verdade, acontece uma
mudança na estrutura, e quem não se adapta fica fora do mercado de trabalho”, há a relação
formação versus produtividade, presente ao discurso da teoria do capital humano. E, sob
outro aspecto, a relação com o desenvolvimento tecnológico – visto aqui sob o termo geral
de automação – é uma relação ambígua, que ora destaca a importância da tecnológica na
sociedade moderna, ora analisa a questão do desemprego gerado pelas inovações: “mas
eles (o seminário*) não deixaram de mostrar que, apesar deles mesmos afirmarem que a
automação desemprega, mas que ninguém vive sem, é necessário para todo mundo; sem
perceber as pessoas necessitam da automação”. O seminário a que o entrevistado se referiu
em sua fala foi um encontro sobre o (des)empregro na era da automação, realizado na
Universidade Federal do Espírito Santo. (nota de rodapé). O desenvolvimento tecnológico
é visto como algo inevitável que gera desemprego, mas também beneficia a sociedade. A
fala de uma das entrevistadas exemplifica essa relação:
Se a gente pegar o exemplo do caixa eletrônico, a gente vai
observar que desempregou um pouco? Desempregou alguns
bancários, diminuiu a quantidade de gente, mas as pessoas
ficaram mais independentes, com mais tempo, a sociedade,
de estar fazendo seus depósitos, seus saques, não ficou mais
tão dependente assim, então foi uma coisa boa. Se você olhar
por um lado, aqueles que se qualificaram na era da
informática e da tecnologia, dos bancários, eles ficaram; os
que não conseguiram se adaptar a essa nova etapa, eles
saíram. Na verdade acho que nem foram mandados embora,
eles falaram “isso não dá mais para mim, então vou buscar
outra coisa na minha vida”, e a sociedade fez o quê? Foi
aprender a usar as máquinas.
Os artifícios do capital relacionados à ampliação da mais-valia também foram citados nesta
observação: a promessa do capital de que as inovações tecnológicas viriam para diminuir a
quantidade de trabalho, quando, na verdade, o que se observa é um aumento na quantidade
de trabalho devido ao fato aperfeiçoar o capital em relação aos meios de produção.
O que se faria em tanto tempo, com a automatização seria
menos tempo. Mas na verdade as pessoas estavam se
75
tornando escravos da automação porque acabavam levando
trabalho para casa, com notebook, em casa estava
trabalhando, e a carga horária continuava sendo a mesma.
Também vale citar a observação de uma das entrevistadas em relação ao discurso sobre
automação presente na escola e ao discurso de alunos quando esses entram em contato com
as demandas do mundo do trabalho. O interessa da fala da aluna é que expõe uma
contradição: apesar da discussão sobre impactos do uso da tecnologia, uma vez em contato
com a aplicação prática dos conhecimentos adquiridos, o discurso do modo de produção
capitalista prevalece:
“Uma coisa que observei na Mostra (Mostra Tecnológica da
Uned Serra) (...) o que me chamou atenção foi o pessoal do
hidrômetro. Então quando eles fizeram o hidrômetro que era
analógico para digital, qual foi a visão? Foi visão de
empresa (...) foi visão de empreendedor “eu vou fazer esse
relógio digital, eu vou ter mais tempo, eu vou diminuir a
quantidade de funcionários que está lendo”. A visão que eles
tem, que foi formada, foi essa, para automação (...). Então
acho que está um pouco ainda ligada a isso: eu vou
melhorar, mas vou tirar mão-de-obra, eu vou diminuir a
mão-de-obra para que minha empresa tenha lucro, então o
pensamento ainda está voltado para isso, só que, quando a
gente começa a estudar, buscar o que é automação, não é
bem isso que se fala.”
A socialização proveniente da vivência dos alunos no ambiente escolar e as relações e
sentimentos provenientes dessas relações foram externadas diante da pergunta – se, no
ambiente familiar e na comunidade onde vivem, eles sentem-se de alguma forma
destacados por serem estudantes do Cefetes. O “simples” fato do uso do uniforme da
escola é visto como forma de projeção entre os pares: “Eu chego na faculdade com
uniforme (do Cefetes) e dizem: “caraca” ela faz Cefetes, nossa!”. Outros relatos dizem
respeito às tentativas por parte de conhecidos de tentar uma vaga na instituição, que
geralmente resultam em não aprovação no concurso. O sentimento de sentir-se diferente,
de ser respeitado, de ser um destaque em suas comunidades é usualmente vivenciado
quando os alunos são identificados com alunos do Cefetes, geralmente acompanhados do
76
discurso de que essa formação os projetará para uma condição melhor de empregabilidade
e possibilidade de ascensão social.
Todavia, ante a pergunta se realmente se sentiam diferentes pelo fato de estudarem na
instituição, as falas indicaram uma relação diferente entre a forma como acham que são
vistos pelos outros e a forma como se sentem. Um dos pensamentos iniciais acerca dessa
pesquisa foi a investigação das identidades profissionais advindas do processo de
socialização durante a formação escolar. Todavia, durante o desenvolvimento da pesquisa,
observou-se que a profissão, o mundo do trabalho efetivamente, não era a característica
principal do grupo pesquisado. Apesar de tratar-se de um curso profissionalizante – e em
grande parte orientado diretamente para atender às necessidades imediatas do mercado –, a
característica principal do grupo é a de serem estudantes: a relação com a escola é
prioritária sobre as demais relações, e o trabalho é visto como algo ainda por acontecer,
relativo ao futuro. Mesmo entre aqueles que trabalham, a condição de trabalhar com
automação, como técnicos dessa área, é lançada ao futuro. Dessa forma, as representações
mais presentes são aquelas relativas ao processo de formação. O fato mais marcante para a
maioria dos entrevistados foi a passagem da parte propedêutica do curso (dois anos
realizados na unidade principal da escola) para a parte técnica do curso (dois anos a serem
realizados na unidade descentralizada da Serra). As dificuldades apresentadas pelos alunos
nessa nova fase foram externadas diversas vezes diante da questão como se sentiam, na
condição de alunos, a despeito da visão que os outros tinham deles por estudarem no
Cefetes. Falas como “Quando a gente está no ônibus e o pessoal fica olhando a gente de
uniforme a gente se acha sim. Mas, quando a gente está aqui dentro estudando, é
diferente”.
Ao serem indagados sobre as transformações que vivenciaram desde a entrada no Cefetes
até o momento presente – finalizados os dois anos do curso básico e cursando o primeiro
período da formação técnica –, tanto em questões pessoais quanto em relação à habilidades
e visão de mundo, os alunos participantes do grupo descreveram situações como de
engrandecimento pessoal, ampliação da visão de mundo, capacidade de realizar inter-
relações entre os conteúdos estudados e o mundo.
77
“então o que aconteceu com isso, eu comecei a
prestar atenção no que estava acontecendo com o
mundo. Quando a professora dava as orientações
para a gente em sala de aula, eu levava isso para a
minha vida real e comecei a prestar atenção.”
A expressão de maturidade adquirida durante o processo escolar foi destacada pelos
entrevistados em expressões como:
“eu estou trabalhando agora, me sinto muito mais
seguro. Eu era uma pessoa muito insegura. A partir
do momento que eu entrei no Cefetes e adquiri
responsabilidades, porque lá fiquei na frente da
turma para fazer o projeto de artes, e teve também o
projeto integrador que era responsabilidade de todo
mundo, então isso me ajudou a amadurecer e me
deixou muito mais confiante.”
A referência ao projeto integrador foi uma constante durante as entrevistas. Sempre sendo
associado a bons resultados e visto como catalisador de atividades coletivas voltadas para a
solução de um problema em comum, o projeto integrador é apontado pelos alunos como a
metodologia mais importante do processo escolar, responsável pelas mudanças e
aprendizados mais significativos.
No segundo encontro, as questões em discussão no grupo envolviam o primeiro contato
com o mundo do trabalho e as reações advindas desse momento. Os alunos presentes a esse
encontro começaram a trabalhar na adolescência, em serviços como recepção,
atendimento, comércio (mercearia, padaria), limpeza, seja por motivo de necessidade de
contribuir financeiramente em casa, seja para ter acesso a bens de consumo. De forma
geral, a primeira experiência de trabalho dos participantes foi descrita como não
satisfatória e envolveu a ampliação do mundo familiar vivenciado até então para o mundo
do trabalho.
78
“o primeiro emprego eu não gostei, foi uma
experiência horrorosa, eu descobri muitas coisas
ruins, que as pessoas são falsas, eu saí do meu
mundinho e fui para o mundo real, então foi muito
decepcionante.”
Foi perguntado aos entrevistados sobre a relação com o trabalho na comunidade em que
nasceram e passaram a infância e sobre as profissões mais comuns com as quais tiveram
contato inicialmente. As falas revelaram que as profissões, como porteiro, faxineira,
pedreiro, carteiro, balconista, constituíam o horizonte das ocupações profissionais na
comunidade de origem, bem como as ocupações em algumas grandes indústrias, como a
VALE. Depois, o mesmo questionamento foi feito em referência à família – pais e irmãos
mais velhos – e à relação dos alunos com o tipo de trabalho dos pais, de afinidade, no
sentido de querer ser o mesmo, ou de contramodelo, no sentido de não desejar repetir a
trajetória familiar. A maioria dos participantes teve a segunda opção como resposta. Além
disso, a educação surge como uma possibilidade de ultrapassar a condição social herdada
em direção a outras colocações no mundo do trabalho: “no meu caso foi o segundo, você
tem que estudar bastante para não ter a mesma profissão do que eu”.
Uma vez vivenciando o mundo do trabalho, por meio das primeiras experiências de
emprego, foi perguntado ao grupo que conhecimentos pessoais, aprendizagem de
relacionamento, alegrias e decepções envolveram essa etapa. Os depoimentos destacaram
como aspectos negativos a desconfiança presente às relações pessoais no ambiente de
trabalho. A mentira, a necessidade de “aprender a ser mais esperto” e casos de falta de
honestidade para com os funcionários por parte dos patrões marcaram negativamente as
experiências vivenciadas. Em contrapartida, o reconhecimento dos pares e a obtenção de
sucesso em atividades profissionais são apontados como motivo de realização pessoal.
“a satisfação de você melhorar alguma coisa dentro da
empresa. Você dá uma ideia, dá uma sugestão, aquilo ser
aceito, e se funcionar melhorar a empresa. Essa é a alegria de
você trabalhar, a sua contribuição, eu acho que isso aí é a
melhor coisa, não é o salário no final do mês”
O sentimento de independência – “você não precisar de depender de ninguém para nada é
um sentimento muito bom” – as amizades que surgem, o crescimento como pessoa e a
79
possibilidade de ajudar outras pessoas por meio de seu trabalho também surgiram nas falas
dos participantes. A inserção no mundo do trabalho é vista como um movimento que,
inicialmente, é marcado por experiências nem sempre fáceis, mas resultam em
aprendizagem de questões ligadas ao relacionamento pessoal e à vida em coletividade,
expandindo o mundo vivenciado pelo sujeito para além do circulo familiar e comunitário.
O terceiro encontro teve como objetivo investigar a relação trabalho-escola, se escola
modifica o aluno e como. Focando somente nos dois anos iniciais do Proeja, colocou-se
para o grupo o questionamento: qual a relação observada entre aquilo que se aprende na
escola e aquilo se faz no mundo do trabalho, as diferenças entre uma pessoa que estudou e
uma pessoa que não estudou, e também a questão do êxito escolar versus o êxito no mundo
do trabalho. Os conhecimentos referentes à disciplina Português, como a oratória, uma boa
escrita e o emprego correto das palavras, foram destacados pelos alunos como
conhecimentos muito importantes no mundo do trabalho. O não domínio desses
conhecimentos é apontado como algo prejudicial: “Se você usar “a gente vai” você é
discriminado dentro do serviço”, pois “Querendo ou não no trabalho, você sendo sempre
observado, o menor vacilo pode ser prejudicial ”.
7.4 ARTICULANDO OS VÁRIOS MOMENTOS DA PESQUISA
Os objetivos principais que nortearam a pesquisa de campo foram, primeiramente, como as
trajetórias de vida – familiar, escolar e profissional – encontram-se presentes ao processo
de socialização dos estudantes e quais condições objetivas – contextos socioeconômicos,
sistemas de formação e de trabalho – interagem com os processos de socialização. Tais
objetivos derivam da questão norteadora desse estudo e se fundamentam na teoria sobre
socialização e identidades de Claude Dubar. A etapa posterior consistiu em analisar como
se articulam as experiências de vida e as condições objetivas e quais traços identitários são
resultantes do processo de socialização.
Antes de prosseguir nessa conclusão, consideramos importante ressaltar que Dubar tem por
tema central as identidades sociais e profissionais, e o lócus de pesquisa são os espaços de
reunião de trabalhadores, tipicamente as fábricas e empresas terceirizadas. Todavia,
mesmo focando o trabalho, admite que o campo trabalho-formação é, na atualidade, central
80
na articulação das sociedades modernas. Neste estudo, o foco é a formação, constituindo
espaço privilegiado de estudo por conter elementos que remetem à formação biográfica da
identidade e elementos influenciados pelas relações de poder e status advindos do mundo
do trabalho. Conforme já dissemos, durante a pesquisa se revelou que a característica
principal do grupo estudado é a escola, e não o trabalho. A utilização de Dubar como
referencial teórico principal se justifica uma vez que esse autor considera que as
identidades profissionais são, mais que tudo, identidades sociais construídas na relação
com os campos do trabalho; logo, as identidades “escolares” desse estudo são,
principalmente, identidades sociais construídas no espaço da escola.
A primeira questão específica teve por objetivo investigar como as trajetórias de vida –
familiar, escolar e profissional – encontram-se presentes ao processo de socialização dos
estudantes.
Segundo Dubar (2005), a história de vida e as trajetórias sociais compõem um processo
diacrônico no qual a interiorização de experiências vividas permite a construção de
identidades “reais” para si, legitimadas pelo aspecto “subjetivo” que incorporam. Por meio
do estudo realizado, surgiram algumas características comuns à história de vida dos
entrevistados as quais destacamos por entendermos que representam a maioria das
situações encontradas. São fatores que estiveram presentes à história de vida dos sujeitos e
que influenciaram a construção das subjetividades. Estão presentes à constituição dos
estudantes ao entrarem no processo de formação escolar:
• Histórico pessoal de descontinuidade escolar;
• Histórico de formação escolar incompleta na família e na comunidade;
• Constituição de família e presença de filhos;
• Contato com o trabalho desde a adolescência.
A segunda questão específica teve por objetivo investigar quais condições objetivas –
contextos socioeconômicos, sistemas de formação e de trabalho – interagem com os
processos de socialização.
A relevância das questões objetivas e externas é que contém aqueles elementos muito
importantes, que mais influenciavam os estudantes durante o processo de formação escolar
e profissional. Por condições externas, referimo-nos às condições objetivas que, segundo
81
Dubar (2005), compõem a vertente sincrônica: transação entre o indivíduo e as instituições,
que comporiam os sistemas de ação com os quais o indivíduo está em contato. Os sistemas
de ação estão presentes, a cada momento, a cada configuração social externa,
influenciando as tomadas de decisões e o rearranjo dos esquemas mentais dos sujeitos. As
condições externas tanto dizem respeito às macroestruturas sociais, aos arranjos produtivos
e econômicos, aos avanços da tecnologia quanto às experiências vivenciadas no particular
universo da escola. O estudo revelou que o traço principal do grupo investigado é o da
escola, e não o do trabalho. Apesar de participarem de um processo de formação
profissional, as demandas do processo educacional apresentaram traços mais pronunciados,
caracterizando fortemente o grupo. O contexto das macroestruturas sociais também esteve
presente, todavia mais como um referencial “fora” da escola. A Tabela 14 traz os
principiais aspectos que formaram os sistemas de ação dos sujeitos participantes da
pesquisa.
Tabela 14 – Condições Externas
Educação de Jovens e Adultos
Fazer parte de uma modalidade específica constitui características próprias.
Metodologia de projetos
Projeto integrado como aspecto importante no processo de formação.
Desenvolvimento tecnológico
Contexto da crescente presença da tecnologia na vida cotidiana.
Formação profissional
Objetivo de alcançar a titulação proporcionada pela formação e habilitar-se para o mundo do trabalho.
Apresentaremos aqui individualmente os aspectos destacados na tabela acima:
a) Educação de Jovens e Adultos. Observamos que o fato de fazer parte de uma
modalidade diferenciada de ensino constitui um aspecto importante no universo
simbólico do grupo estudado. A forma de acesso ao curso se realizou por meio de
processo seletivo diferenciado, com vagas específicas para a EJA. A estrutura do
Proeja constava de professores, equipe pedagógica e gestores próprios, de uma
estrutura de atendimento diferenciada, e uma separação entre a parte básica do
curso e a etapa profissionalizante. Ao ingressar na etapa profissionalizante ocorre
então o contato com alunos provenientes do processo seletivo dos cursos pós-
médio. Durante o processo de coleta de dados, transpareceram sentimentos de “ser
82
um estudante diferente” no Cefetes, em contraposição aos dos alunos que tiveram o
acesso à escola pela “via normal”, apoiados em falas de que havia professores que
“não gostavam e não queriam” trabalhar com alunos do Proeja e na constatação de
que existiam cursos técnicos integrados (parte básica e profissional integrada) no
Cefetes, enquanto o curso deles não era assim.
b) Metodologia de projetos. Uma vez inseridos no contexto do Cefetes e no desenrolar
da realização da etapa de formação básica, o projeto integrador aparece como
aspecto importante na vida escolar dos estudantes do Proeja que fizeram parte deste
estudo. O projeto integrador faz parte da proposta de ensino do grupo do Proeja e
implica a realização de um projeto ao final dos dois anos de estudo. Todavia, o
projeto tem início já no primeiro módulo e é composto por etapas sucessivas –
projeto, levantamento bibliográfico, execução e apresentação dos resultados – e
caracteriza-se por ser um trabalho coletivo que envolve toda a turma. As
referências ao projeto integrador podem ser classificadas em três aspectos: o
primeiro aspecto é o desenvolvimento de habilidades relacionadas ao trabalho em
grupo, como: realização de reuniões, estruturação de um projeto, realização de
levantamento bibliográfico, execução do projeto; o segundo deles é o aspecto
técnico. Todos os projetos envolveram o campo da automação industrial, o que
proporcionou um primeiro contato com a área de formação. O estudo da evolução
da área, o estudo de alguns equipamentos e o contato com sistemas automatizados
apresentaram aos estudantes noções gerais da área de formação em que estão
inseridos; o terceiro diz respeito aos “efeitos” resultantes do processo de criar,
planejar e executar coletivamente um trabalho interdisciplinar: o contato com
problemas sociais pela via da escola, a aplicação dos conteúdos estudados a
situações práticas, a apresentação dos resultados finais à escola e a públicos
externos. Por considerar ilustrativo dos sentimentos relacionados ao projeto
integrador, reproduzi a seguir a fala de um dos entrevistados:
Por isso que eu falo, o projeto integrador, você tem
que lidar com diversas situações, então você está ali
aprendendo sobre o seu curso, o que você pode vir a
fazer com seu curso, pegando um problema social,
83
estar resolvendo, tem que dar uma solução para o
projeto, estar apresentando, você tem que estar
lidando com pessoas, trabalhando em equipe, que é
uma coisa que o mercado exige hoje, então você vai
aprendendo diversas coisas, tem vários problemas é
legal.
c) Desenvolvimento tecnológico. A crescente presença da tecnologia na vida cotidiana
representou um contexto geral no qual o grupo estudado está inserido. Os discursos
dos alunos entrevistados relacionam-se aos pensamentos de Castells e De Masi.
Assim como Castells (2007) entende a tecnologia como a força transformadora
maior de comportamentos sociais e considera que é possível usar o termo
“sociedade informacional” para designar o atual período, De Masi (2003) considera
que o desenvolvimento tecnológico está no cerne do processo de transição da
sociedade industrial para a sociedade pós-industrial como um reorganizador de
relações sociais. A automação é vista como importante “porque é o futuro” e “está
presente, a todo o momento, em todos os dias nas nossas vidas” ou “veio para
facilitar a vida das pessoas”, e migrando para o mundo do trabalho o destaque é
dado “porque visa à melhoria das empresas e melhora o trabalho do ser humano”,
uma vez que “a tendência é tudo automatizar”, inclusive por estar “presente em
tudo, comercial, residencial”, resultando que “é impossível que, em qualquer área,
não tenha um engenheiro, um técnico, alguém que saiba de automação”.
d) Formação profissional. Pode-se considerar o contexto da formação profissional
como o principal imaginário do grupo estudado no seguinte sentido: a característica
principal do grupo é o da formação (“mundo da escola”), todavia a formação
profissional (vista como diferenciada por ser realizada no Cefetes) é aguardada
como algo que permitirá o acesso a um “mercado de trabalho” diferenciado, ao qual
dificilmente teria oportunidade sem a existência do Proeja. Seja pelo desejo de
entrar em uma grande empresa, uma colocação em empresas de menor porte, seja
por atuação por iniciativa própria, a qualificação como técnico em Automação
Industrial pelo Cefetes é entendida – e esperada – como uma habilitação necessária
para o acesso a outra esfera de oportunidades de trabalho.
84
A terceira questão específica teve por objetivo analisar como se articulam as experiências
de vida e as condições objetivas e quais traços identitários são resultantes do processo de
socialização.
É importante ressaltar que a socialização é um processo dinâmico e que as identidades
geradas são, a um só tempo, estáveis e provisórias, passando por rearranjos, à medida que a
subjetividade dos processos internos se modifica e os sistemas de ação se transformam.
As formas identitárias são resultantes do encontro das condições subjetivas (processos
internos resultantes da história de vida dos sujeitos) como as condições objetivas (sistemas
de ação proporcionados pelo contexto do ambiente de escolarização), ou seja, as formas
identitárias são resultantes do processo de socialização. Dubar (2005) caracteriza a
identidade com um espaço-tempo geracional, onde as relações com instituições que
atravessaram a trajetória do indivíduo, como família, escola, mercado de trabalho e
religião, constituindo um eixo diacrônico de formação (tempo) em determinado momento e
espaço. Ocorrem processos que configuram transações objetivas entre o indivíduo e as
instituições, constituindo um eixo sincrônico de formação (espaço).
Dubar (2005) admite que da articulação desses dois processos resulta a projeção espaço-
temporal das identidades de uma geração –, isto é, influenciada pelo “tempo” vivido do
indivíduo e pelo “espaço” em que vive o indivíduo. Da mesma maneira, para Rodrigues
(2007), “os processos sociais gerais são, no fim das contas, resultado da interação entre os
sujeitos e as estruturas” (p.86).
Processo Diacrônico
TEMPO
Processo Sincrônico ESPAÇO
Condições objetivas do sistema de ação
Subjetividade dos processos internos
Figura 01 – Interação entre os Processos Diacrônico e Sincrônico
85
Dessa interação, observamos que o histórico de descontinuidade escolar, o histórico de
formação escolar incompleta na família e na comunidade e a condição da constituição de
família e presença de filhos caracterizam um sentimento de que a realização de formação
profissionalizante no Cefetes era uma possibilidade remota, mesmo que desejada em
alguns casos, para os participantes da pesquisa. Assim, a modalidade de educação de
Jovens e Adultos surge como a forma de acesso desses sujeitos à instituição em questão,
até então vista como inacessível. Esse processo indica traços identitários relacionadas à
oportunidade de estudar em uma instituição à qual não poderiam ter acesso pela forma
constituída até então, o que implica uma via de acesso diferenciada e uma condição
alternativa de ser estudante do Cefetes.
Outro ponto importante foi a realização do projeto integrador marcar o grupo pesquisado.
O principal traço dessa metodologia de trabalho foi o crescimento intelectual e pessoal
decorrente da possibilidade de trabalhar conteúdos sob um enfoque não tradicional e da
necessária articulação coletiva para a execução da atividade. Em relação à formação
escolar anterior – vista como limitada e insuficiente –, o projeto integrador constitui um
salto na concepção de educação dos sujeitos. A característica observada – traço identitário
como resultante dessa atividade – foi que os sujeitos ampliaram a noção da relação entre
conteúdos estudados e aplicações práticas, aproximando-se daquela concepção de
educação proposta Santos (2006), na qual a ciência não pode dissociar-se das demandas
sociais.
Por fim, o contato com o trabalho desde a adolescência é outra característica na história
dos participantes desta pesquisa. São, tipicamente, empregos sem necessidade de
qualificação profissional, relacionados às atividades de trabalho desenvolvidas por
familiares e pela comunidade de origem. O objetivo de alcançar a titulação proporcionada
pela formação profissionalizante e habilitar-se para um conjunto de empregos distintos,
que requerem qualificação diferenciada, representa um traço de não continuidade em
relação às condições de trabalho da família e da comunidade de origem. O objetivo é
qualificar-se para ter a possibilidade de acesso a condições melhores de trabalho que,
todavia, não seriam possíveis sem uma formação considerada distinta e de qualidade.
O sentimento de que a formação obtida ao realizar o curso de automação industrial no
Cefetes proporciona projeção no mercado de trabalho e conecta-se diretamente ao
desenvolvimento tecnológico e às transformações nos modos de produção. Uma vez que a
86
tecnologia é vista como presente a todas as áreas, a qualificação em uma área tecnológica
amplifica o sentimento de possibilidade de uma colocação profissional diferenciada, o que
representa um ganho em relação aos cursos de qualificação profissional de áreas mais
tradicionais.
87
8 COMENTÁRIOS FINAIS
Buscando uma breve síntese deste trabalho, destacamos que diversos autores (Castells, De
Masi, Harvey) identificam o final do século XX como um período de intensas
transformações econômicas, sociais e políticas e analisam as possíveis configurações
futuras decorrentes de novos rearranjos produtivos. Outros pesquisadores relacionam os
modos de produção de uma sociedade com a educação, como Frigotto (2006), que analisa
as relações entre o estado e o modo de produção capitalista com as formas de educação, e
Ciavatta (2005), que analisa as relações entre trabalho e escola.
Fundamentadas em Dubar (2005, 2006), as abordagens teóricas relevantes para construir
esta pesquisa – socialização, socialização profissional, identidades sociais e profissionais –
são discutidas para definir a identidade como resultado de um processo de socialização o
qual depende da trajetória de vida do indivíduo e da configuração social de cada momento
de sua vida.
Para identificar o universo vivenciado pelos alunos, ou seja, seus mundos construídos
mentalmente, usamos como base teórica o conceito de representações sociais em
Moscovici (2007), uma vez que, para esse autor, as representações sociais são entidades
sociais presentes a todas as atividades humanas.
O passo seguinte foi contextualizar a pesquisa nas esferas da educação profissional, do
Proeja e do Cefetes, por meio de um breve histórico do ensino profissional e tecnológico
no Brasil, do estudo da legislação referente à educação profissional e tecnológica na
modalidade da educação de jovens e adultos e, por fim, do estudo das características
socioeconômicas dos ingressos no Proeja.
A definição da metodologia a ser usada – o estudo de caso – buscou apreender as
dimensões das relações dos indivíduos (alunos do Proeja) com os sistemas produtivo e
educacional. A entrevista individual e o grupo focal foram as técnicas de coletas de dados
usadas. A análise dos dados foi realizada mediante a técnica do Discurso do Sujeito
Coletivo – DSC.
Na análise e discussão dos resultados, apresentamos os resultados obtidos nas entrevistas
individuais e nos grupos focais. As respostas dos participantes foram agrupadas segundo
convergências que indicavam as relações do grupo com a educação e balizadas pela
relação com o trabalho.
88
Por fim, para articular os vários momentos da pesquisa, retomamos os objetivos principais
do estudo realizado e os analisamos à luz da fundamentação teórica principal – a
socialização e as identidades sociais e profissionais. Apresentamos os aspectos mais
relevantes observados com a intenção de expor os aspectos subjetivos e o contexto
vivenciado pelo grupo.
Como comentário final deste estudo, esclarecemos que, com base na pesquisa realizada,
identificamos algumas características gerais relativas ao grupo estudado.
Independentemente do grau de instrução do aluno antes do ingresso no Proeja do Cefetes, a
todos os casos estava presente uma descontinuidade de estudos. Os impedimentos para a
não continuação dos estudos relacionam-se sempre aos universos da família, do trabalho e
da escola pública. A família diz respeito ao nascimento de filhos e às demandas de tempo e
recursos durante a formação. No caso das mulheres, essa característica está fortemente
presente, enquanto, no dos homens, coloca-se indiretamente pela necessidade do trabalho –
recursos para manutenção da família – e mesmo do acompanhamento, da presença na
criação dos filhos. O trabalho em si mesmo é outro aspecto da interrupção dos estudos.
A necessidade da obtenção de recursos predomina sobre a necessidade ou o desejo de
continuar os estudos. Mesmo assim, em alguns casos, o fato de o sujeito conseguir um
emprego gerou acomodação com a situação, levando-o à interrupção dos estudos. Por fim,
o desencanto com a precariedade da escola pública influencia diretamente na decisão de
não continuar os estudos. A má qualidade do ensino gera falta de motivação e de
perspectivas, levando ao abandono da formação.
Todavia, se a família, o trabalho e a escola pública são fatores que impediram continuar os
estudos, paralelamente são fatores de motivação para o retorno à formação. A melhoria da
qualidade de vida da família foi apontada como uma meta a ser alcançada, o que é visto
como dependência direta da melhoria da formação escolar, mais precisamente pela
formação profissional. A melhoria da qualidade de vida passa também pela melhoria das
expectativas profissionais, outra condição relacionada à qualificação profissional. E a
relação com a escola pública aparece agora no sentido oposto ao anterior. Se os problemas
da escola pública contribuíram para não continuação dos estudos, serão as qualidades de
outra escola pública fator de motivação para recuperar a escolaridade. Nesse caso, o
prestígio de uma escola não é representada pelos atributos negativos associados às demais
escolas da rede pública e a conclusão de formação nessa instituição é vista como algo
capaz de proporcionar oportunidades diferenciadas.
89
Dessa forma, o retorno escolar não é apenas pela busca da escolarização, mas de um
espaço melhor no mercado de trabalho. A escolha de um curso ligado à área tecnológica,
como a automação industrial, é percebida como facilitadora para esse ingresso, pois, além
do prestígio associado à conclusão de um curso no Cefetes, é entendida como uma área
vinculada ao desenvolvimento tecnológico e às tecnologias de ponta.
Após a apresentação desses resultados, não podemos deixar de situar os recortes realizados
visando a contextualizar a pesquisa no universo da educação de jovens e adultos. Neste
estudo procuramos dar relevância àqueles sujeitos que mais se alinham às diretrizes e
fundamentos do Proeja, por entendermos que assim contribuiríamos, de uma melhor forma,
para compreender essa modalidade de ensino, que, potencialmente, tem a possibilidade de
incluir nas escolas profissionalizantes da esfera federal aquela parcela da população que
sempre esteve alijada da possibilidade de formação profissional, mas que,
concomitantemente, é constituída por aqueles que mais dela necessitam. Entretanto, duas
outras possibilidades de pesquisa se depreendem deste estudo de caso: a adequação ao
Decreto 5.478 e o público que efetivamente é atendido pelo Proeja.
As formas como as instituições federais atenderam ao Decreto 5.478 constituem outro
campo de estudos. No Cefetes, para que a demanda de vagas oferecidas ao Proeja estivesse
dentro do exigido pela legislação, foram oferecidas turmas dessa modalidade em cursos
noturnos e cursos vespertinos. Além disso, a estrutura dos cursos de Proeja foi dividida em
dois anos de ensino propedêutico e dois anos de curso técnico. Todavia, os cursos técnicos
de dois anos já estavam presentes à estrutura da escola, como cursos técnicos subsequentes
ou concomitantes (destinados a quem já havia concluído o ensino médio ou estava no
último ano do ensino médio), assim como já eram presentes à estrutura da escola os cursos
integrais de quatro anos, que envolvem o ensino médio e a formação técnica de forma
continuada. Outra modalidade também presente à instituição estudada, no momento do
decreto, era o EMJAT: ensino médio destinado à educação de Jovens e Adultos, com três
anos de duração e sem estar relacionado à formação profissional. Dessa forma, a
implantação do Proeja no Cefetes não constituiu uma modificação real da estrutura da
escola: ao final dos dois anos do ensino básico de formação, os alunos do Proeja são
encaminhados aos cursos técnicos de dois anos, formando, junto com alunos ingressantes
pelo processo seletivo para os cursos técnicos, uma nova turma. Os dois aspectos mais
relevantes desse processo foram destacados pelos alunos entrevistados: a questão de o
curso ser vespertino e a dissociação entre a parte básica e a parte técnica do curso.
90
O estudo comparativo dos fundamentos e das diretrizes da EJA em relação ao público
efetivamente atendido por essa modalidade de ensino nas instituições federais de ensino
profissionalizante constituiria outra pesquisa. Durante a pesquisa, identificamos entre os
alunos dos Proeja em Automação Industrial sujeitos que já possuíam o ensino médio
completo, sendo alguns com passagem por escolas particulares.
As diretrizes nacionais do programa definem o Proeja como uma possibilidade de
reconquista para aquela parcela da população que não pode completar seus estudos na
idade correspondente. O processo seletivo de ingresso para os cursos de Proeja exige
apenas a idade mínima prevista por lei – 18 anos – e não há controlar o grau de instrução
dos concorrentes. Por ser um curso profissionalizante, o Proeja também é visto pelos
alunos que já possuíam o ensino médio completo como formação profissional algo situado
além do ciclo básico de estudos. Além disso, o fato de fazer novamente o ensino médio,
mas agora em uma instituição conceituada, foi apontado com positivo em face das
experiências de má qualidade do ensino em outras instituições, relatadas pelos alunos.
91
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94
APÊNDICES
95
APÊNDICE A - MATRIZ CURRICULAR DO CURSO PROEJA DE AUTOMAÇÃO
INDUSTRIAL DURANTE A ETAPA DE FORMAÇÃO BÁSICA
Técnico Integrado de Automação Industrial com Ensino Médio para Jovens e Adultos
Habilitação: Técnico em Automação Industrial Carga Horária: 2480h
MÓDULO 1 DISCIPLINAS AULAS
SEMANAIS C.H.
SEMESTRAL
Ling. Portuguesa e Liter. Brasil.
4 48
Matemática 4 48
Física 3 36
Química 3 36
Biologia 3 36
Geografia 3 36
História 3 36
Qualidade de Vida 2 24
Na família e comunidade
Subtotal 25 300
MÓDULO 2 DISCIPLINAS AULAS SEMANAIS
C.H. SEMESTRAL
Ling. Portuguesa e Liter. Brasil.
2 24
Matemática 3 36
Física 3 36
Química 2 24
Biologia 3 36
Geografia 3 36
História 3 36
Filosofia 2 24
Metodologia 2 24
Artes 2 24
Na sociedade global
Subtotal 25 300
96
MÓDULO 3 DISCIPLINAS AULAS SEMANAIS
C.H. SEMESTRAL
Ling. Portuguesa e Liter. Brasil.
4 48
Matemática 4 48
Física 3 36
Química 2 24
Biologia 3 36
História 3 36
Informática 2 24
Metodologia 2 24
Inglês 2 24
No trabalho
Subtotal 25 300
MÓDULO 4 DISCIPLINAS AULAS SEMANAIS
C.H. SEMESTRAL
Ling. Portuguesa e Liter. Brasil.
3 36
Matemática 4 48
Física 4 48
Química 3 36
Empreendedorismo 2 24
Geografia 3 36
Inglês 2 24
Informática 2 24
Metodologia 2 24
Na ciência e tecnologia
Subtotal 25 300
97
APÊNDICE B - MATRIZ CURRICULAR DO CURSO PROEJA DE AUTOMAÇÃO
INDUSTRIAL DURANTE A ETAPA DE FORMAÇÃO PROFISSIONALIZANTE
Área: Indústria
Habilitação: Técnico em Automação Industrial Carga Horária: 1280h
Regime Modular: 16 semanas
Módulo Disciplina Aulas
Semanais
C.H.
Eletricidade Geral 6 96
Eletrônica Básica 6 96
Lógica de Programação 4 64
Instrumentação Básica 2 32
Redação Técnica 2 32
Módulo I
Subtotal 20 320
Eletrotécnica Industrial 6 96
Eletrônica Analógica 4 64
Eletrônica Digital 4 64
Instrumentação Industrial 4 64
Inglês Instrumental 2 32
Módulo II
Subtotal 20 320
Controladores Lógicos Programáveis 4 64
Sistemas Hidráulicos e Pneumáticos 4 64
Microcontroladores 4 64
Instrumentação Industrial II 4 64
Comandos de Sistemas Automatizados 2 32
Saúde, Meio Ambiente e Segurança do Trabalho. 2 32
Módulo III
Subtotal 20 320
Instrumentação Analítica 4 48
Controle de Processos 4 64
Redes Industriais 3 48
Sistema Supervisório 2 48
Gestão da Produção Industrial 3 48
Projeto Integrador 4 64
Módulo IV
Subtotal 20 320
TOTAL 1280
98
APÊNDICE C - EXEMPLO DE APLICAÇÃO DA METODOLOGIA DO DISCURSO
DO SUJEITO COLETIVO
“O que você espera do mundo do trabalho após a sua formação? Onde você gostaria de trabalhar? Com o que você gostaria de trabalhar?
Z - Trabalhar em uma empresa do ramo
Expressões-chave DSC
3. Em uma firma. Vale.
5. Então espero já sair daqui empregada. Na automação mesmo. Indústria. Geralmente (...) vêm na cabeça empresas grandes, mas eu acho que tudo é oportunidade, seja na pequena ou na grande. Automação.
8. O que eu penso é conseguir um trabalho, que é o meu objetivo.
Estou fascinado para fazer engenharia, engenharia elétrica ou engenharia de automação e controle.
15. Eu espero arrumar um serviço bom
O que eu penso é conseguir um trabalho, que é meu objetivo principal; então, espero já sair daqui empregado. Na automação mesmo. Eu espero arrumar um serviço bom. Em uma firma, Indústria. Vale. Petrobrás. Geralmente vêm na cabeça empresas grandes, mas eu acho que tudo é oportunidade, seja na pequena ou na grande.
99
APÊNDICE D – ROTEIRO DE ENTREVISTAS INDIVIDUAIS
1. Qual era seu grau de escolarização antes de entrar no Cefetes?
2. Você ficou algum período sem frequentar a escola? Quanto tempo?
3. Por qual motivo você ficou algum período sem frequentar a escola?
4. Qual sua motivação para voltar a estudar?
5. Porque escolheu o Cefetes?
6. Por que escolheu o Curso de Automação Industrial?
7. Qual a importância da Automação Industrial nos dias de hoje?
8. Como você ficou sabendo da modalidade EJA?
9. O que você acha da modalidade EJA?
10. O que você acha do curso integrado de quatro anos e não o modelo de dois anos
básico mais dois anos profissional?
11. Quais seriam então as causas da evasão?
12. O que o curso já acrescentou para você?
13. O que você espera do mundo do trabalho após a sua formação? Onde você gostaria de trabalhar? Com o que você gostaria de trabalhar?
14. Você gostaria de continuar seus estudos? Em que área?
100
APÊNDICE E – DENOMINAÇÕES ANTERIORES DO IFES
1909 - Escola de Aprendizes Artífices do Espírito Santo
1937 - Liceu Industrial de Vitória
1942 - Escola Técnica de Vitória - ETV
1965 - Escola Técnica Federal do Espírito Santo - Etfes
1999 - Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo - Cefetes
2008 - Instituto Federal do Espírito Santo - Ifes