sociabilidades urbanas v4n10... · 2020. 2. 27. · sociabilidades urbanas - revista de...

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Sociabilidades Urbanas Revista de Antropologia e Sociologia Publicação do Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia das Emoções Universidade Federal da Paraíba (Campus I João Pessoa) Ano III Número 7 Março de 2019 ISSN 2526-4702

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  • Sociabilidades

    Urbanas

    Revista de Antropologia e Sociologia

    Publicação do Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia das Emoções

    Universidade Federal da Paraíba (Campus I – João Pessoa)

    Ano III

    Número 7

    Março de 2019

    ISSN 2526-4702

  • 2

    Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia v4 n10 março de 2020 ISSN 2526-4702

    Sociabilidades Urbanas - Revista de Antropologia e Sociologia

    GREM – Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia das Emoções

    Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

    Universidade Federal da Paraíba

    Publicação Quadrimestral do GREM/UFPB

    n° 7 – Março de 2019 – Ano III

    ISSN 2526-4702

    EDITORES

    Raoni Borges Barbosa (UFPB/GREM)

    Mauro Guilherme Pinheiro Koury (UFPB/GREM)

    Conselho Editorial

    Cláudia Turra Magni (UFPEL); Cornelia Eckert (UFRGS); Gabriel D. Noel (Argentina -

    UNSAM); João Martinho Braga de Mendonça (UFPB); Jussara Freire (UFF); Lisabete

    Coradini (UFRN); Luís Roberto Cardoso de Oliveira (UNB); Luiz Antonio Machado da Silva

    (UERJ); Luiz Gustavo P. S. Correia (UFS); Maria Cláudia Pereira Coelho (UERJ); Maria

    Cristina Rocha Barreto (UERN); Pedro Lisdero (Argentina - CONICET); Roberta Bivar

    Carneiro Campos (UFPE); Rogério de Souza Medeiros (UFPB); Simone Magalhães Brito

    (UFPB).

  • 3

    Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia v4 n10 março de 2020 ISSN 2526-4702

    Expediente

    http://www.cchla.ufpb.br/grem/sociabilidadesurbanas/

    Sociabilidades Urbanas ISSN 2526-4702

    Editores: Raoni Borges Barbosa & Mauro Guilherme Pinheiro Koury

    Sociabilidades Urbanas - Revista de Antropologia e Sociologia é uma revista acadêmica do

    GREM - Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia das Emoções. Tem por objetivo

    debater as questões de formação do self e de culturas emotivas nas sociabilidades urbanas

    contemporâneas na perspectiva teórico-metodológica das Ciências Sociais, sobretudo a

    antropologia e a sociologia.

    The Urban Sociabilities - Journal of Anthropology and Sociology is an academic journal of

    GREM - Research Group on Anthropology and Sociology of Emotions. It aims to discuss the

    issues of self and emotive cultures formation in contemporary urban sociabilities in the

    theoretical-methodological perspective of Social Sciences, especifically with de anthropology

    and sociology.

    Secretaria Sociabilidades Urbanas.

    E-Mail: [email protected]

    O GREM é um Grupo de Pesquisa vinculado ao Departamento de Ciências Sociais da

    Universidade Federal da Paraíba.

    GREM is a Research Group at Department of Social Science, Federal University of Paraíba,

    Brazil.

    Endereço / Address:

    Sociabilidades Urbanas - Revista de Antropologia e Sociologia

    [Aos cuidados de Raoni Borges Barbosa]

    GREM - Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia das Emoções

    Departamento de Ciências Sociais/CCHLA/UFPB CCHLA / UFPB – Bloco V – Campus I –

    Cidade Universitária CEP 58 051-970 · João Pessoa · PB · Brasil

    Ou, preferencialmente, através do e-mail: [email protected]

    Or, preferentially, by e-mail: [email protected]

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    Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia v4 n10 março de 2020 ISSN 2526-4702

    ISSN 2526-4702

    Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia / GREM

    – Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia das Emoções /

    Departamento de Ciências Sociais /CCHLA/ Universidade Federal da

    Paraíba – v. 3, n.7, Março de 2019.

    João Pessoa – GREM, 2017. (v.1, n.1 – Março/Junho de 2017) - Revista

    Quadrimestral ISSN 2526-4702

    Antropologia – 2. Sociologia – 3. Antropologia Urbana – 4. Sociologia

    Urbana – Periódicos – I. GREM – Grupo de Pesquisa em Antropologia e

    Sociologia das Emoções. Universidade Federal da Paraíba

    BC-UFPB

    CDU 301

    CDU 572

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    Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia v4 n10 março de 2020 ISSN 2526-4702

    Perfil da Sociabilidades Urbanas

    Revista de Antropologia e Sociologia

    Sociabilidades Urbanas - Revista de Antropologia e Sociologia é uma revista

    acadêmica do GREM - Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia das Emoções. Tem

    por objetivo debater as questões de formação do self e de culturas emotivas nas sociabilidades

    urbanas contemporâneas na perspectiva teórico-metodológica das Ciências Sociais, sobretudo

    a antropologia e a sociologia.

    Sociabilidades Urbanas - Revista de Antropologia e Sociologia se propõe o esforço

    de construção de uma rede acadêmica de discussão e reflexão sobre o urbano contemporâneo,

    em especial o brasileiro, de uma perspectiva interacionista e figuracional da antropologia e

    sociologia, de modo a enfatizar o exercício de análise da cidade enquanto comunidade

    paradoxal e espaço societal de intenso conflito entre cultura objetiva e subjetiva na qual

    emerge a individualidade moderna.

    O fazer antropológico e sociológico se direciona, nesta proposta teórico-metodológica,

    para o esforço de observação e análise da formação da cultura emotiva, dos códigos de

    moralidade e do self de atores sociais situados como agências criativas e produtoras de um

    espaço interacional e intersubjetivo urbano específico.

    Problematiza, portanto, a dimensão processual da construção e desconstrução das

    cadeias de interdependência que se manifestam socialmente enquanto objetificação de

    conteúdos subjetivos trocados pelos atores sociais.

    As consequências desta exigência teórico-metodológica podem ser percebidas na

    preocupação, quando do fazer etnográfico e da observação micro-orientada das formas e

    conteúdos sociais, do registro das tensões e dos vínculos de solidariedade e conflito entre os

    interactantes no formato de encontros, pertença, confiança, traição, medos, angústias,

    vergonhas, ressentimentos, humilhações, sofrimento, e ainda todo um conjunto extenso de

    emoções e gramáticas morais que perfazem as práticas e o imaginário cotidiano e ordinário

    dos atores sociais na cidade.

    Estas emoções revelam, entre outros, as disputas morais e os códigos de moralidade

    em jogo nos sistemas de posição que organizam as fronteiras e hierarquias simbólicas e

    materiais entre as unidades interacionais sob análise.

    A agenda teórico-metodológica e os interesses temáticos abrigados na proposta de

    publicação da Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia vem sendo

    amadurecidos em uma rotina de pesquisa de quase quatro três décadas desenvolvida no

    GREM – Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia das Emoções, cujas linhas de

    pesquisa, atualmente, são as seguintes: Emoções e Consumo; Emoções e Sociabilidades

    Urbanas; Emoções, Moralidade e Gênero; Estudos Teóricos em Antropologia e Sociologia

    das Emoções.

    Nas palavras de Koury (A Antropologia e a sociologia das emoções no Brasil: breve

    relato histórico do processo de consolidação de uma área temática. Trabalho apresentado no

    II Simpósio Interdisicplinar de Ciências Sociais e Humanas da UERN, 2014.), fundador e

    coordenador do GREM:

    “O GREM tem por objetivo a compreensão e análise da emergência da individualidade

    e do individualismo no Brasil urbano contemporâneo. Enfatiza a questão da formação das

    emoções, enquanto cultura emotiva, e desenvolve estudos e pesquisas sobre o processo de

    formação e experiência sobre emoções específicas em sociabilidades dadas. Assim, o

    processo de luto e da morte e do morrer; dos medos; das formas de sociabilidades e das

    etiquetas sociais que envolvem as relações de amizade; dos processos de ressentimento e

    humilhação; e das formas de estabelecimentos de laços de confiança e desconfiança entre as

    camadas médias e periféricas no urbano brasileiro, faz parte do núcleo de interesse do GREM.

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    Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia v4 n10 março de 2020 ISSN 2526-4702

    As pesquisas desenvolvidas e em desenvolvimento no GREM se debruçam sobre as imagens

    e suas representações na conformação do homem comum urbano brasileiro. Debruça-se,

    também, sobre as redundâncias, as ambivalências e as ambiguidades do ato executado ou

    expresso, sobre os silêncios, sobre os discursos e narrativas fragmentados, sobre os gestos e

    tique que, invariavelmente, acompanham um diálogo ou uma informação e, às vezes,

    ampliam, modificam ou contextuam para além das frases ditas e dos sentidos do quer

    expressar. Tratam, enfim, da cultura emotiva e as redes morais que se formam nela e através

    dela”.

    Sociabilidades Urbanas - Revista de Antropologia e Sociologia parte também da

    experiência acumulada nos quinze anos de publicação sobre emoções da RBSE – Revista

    Brasileira de Sociologia da Emoção, fundada e editada por Mauro Koury e sediada no GREM

    – Grupo de Pesquisa em Antropologia das Emoções.

    Neste ínterim, Sociabilidades Urbanas - Revista de Antropologia e Sociologias se

    situa em uma tradição acadêmica de pesquisas e reflexões em antropologia e sociologia sobre

    o indivíduo, o social e a cultura da perspectiva das emoções, de modo a enfatizar esta

    proposta no campo das sociabilidades urbanas.

    Raoni Borges Barbosa

    Mauro Guilherme Pinheiro Koury

    Editores

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    Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia v4 n10 março de 2020 ISSN 2526-4702

    NORMAS PARA OS AUTORES

    1. A Sociabilidades Urbanas - Revista de Antropologia e Sociologia, ISSN 2526-4702, é uma

    publicação quadrimestral do GREM – Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia das

    Emoções, com lançamentos nos meses de março, julho e novembro de cada ano.

    2. A Sociabilidades Urbanas - Revista de Antropologia e Sociologia tem por editores: Raoni

    Borges Barbosa e Mauro Guilherme Pinheiro Koury.

    3. A Sociabilidades Urbanas pode ser lida inteiramente, de forma gratuita, no site

    http://www.cchla.ufpb.br/grem/sociabilidadesurbanas/.

    4. Todos os artigos apresentados aos editores da Sociabilidades Urbanas serão submetidos à

    pareceristas anônimos conceituados para que emitam sua avaliação.

    5. A revista aceitará somente trabalhos inéditos sob a forma de artigos, entrevistas, traduções,

    resenhas e comentários de livros. Exceto nos casos de dossiês e autores convidados ou artigos

    que o Coordenador do Dossiê ou o Conselho Editorial achar importante publicar ou

    republicar.

    6. Os textos em língua estrangeira, quando aceitos pelo Conselho Editorial, serão publicados

    no original, se em língua espanhola, francesa, italiana e inglesa, podendo por ventura vir a ser

    traduzido.

    7. Todo artigo enviado à revista para publicação deverá ser acompanhado de uma lista de até

    cinco palavras-chave e Keywords que identifiquem os principais assuntos tratados e de um

    resumo informativo em português, com versão para o inglês (abstract), com 300 palavras

    máximas, onde fiquem claros os propósitos, os métodos empregados e as principais

    conclusões do trabalho.

    8. Deverão ser igualmente encaminhados aos editores dados sobre o autor (filiação

    institucional, áreas de interesse, publicações, entre outros aspectos).

    9. Os editores reservam-se o direito de introduzir alterações na redação dos originais, visando

    a manter a homogeneidade e a qualidade da revista, respeitando, porém, o estilo e as opiniões

    dos autores. Os artigos expressarão assim, única e exclusivamente, as opiniões e conclusões

    de seus autores.

    10. Os artigos publicados na revista serão disponibilizados apenas on-line.

    Toda correspondência referente à publicação de artigos deverá ser enviada para o e-mail da

    Sociabilidades Urbanas - Revista de Antropologia e Sociologia:

    [email protected].

    Regras para apresentação de originais

    1. Os originais que não estiverem na formatação exigida pela Sociabilidades Urbanas não

    serão considerados para avaliação e imediatamente descartados.

    2. Os artigos submetidos aos editores para publicação na Sociabilidades Urbanas deverão ser

    digitados em Word, fonte Times New Roman 12, espaço duplo, formato de página A-4. Nesse

    padrão, o limite dos artigos será de até 30 páginas e 8 páginas para resenhas, incluindo as

    notas e referências bibliográficas.

  • 8

    Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia v4 n10 março de 2020 ISSN 2526-4702

    3. Citações com mais de três linhas, no interior do texto, devem se encontrar em separado,

    sem aspas, com recuo de 1 cm à direita, fonte Times New Roman 11, normal, espaçamento

    entre linhas duplo; e espaçamento de 6x6.

    4. O arquivo deverá ser enviado por correio eletrônico para o e-mail

    [email protected].

    Notas e remissões bibliográficas

    1. As notas deverão ser sucintas e colocadas no pé-de-página.

    2. As remissões bibliográficas não deverão ser feitas em notas e devem figurar no corpo

    principal do texto. Sociabilidades Urbanas - Revista de Antropologia e Sociologia, , v. 1, n. 1,

    março de 2017 ISSN 2526-4702.

    3. Da remissão deverá constar o nome do autor, seguido da data de publicação da obra e do

    número da página, separados por vírgulas, de acordo com o exemplo 1: Exemplo 1: Segundo

    Cassirer (1979, p.46), a síntese e a produção pelo saber...

    4. Usa-se o sobrenome do autor, quando no interior do parêntese, em letras maiúsculas,

    conforme o exemplo 2: Exemplo 2: O eu que enuncia "eu" (BENVENISTE, 1972, p.32)... .

    Referências

    1. As referências bibliográficas deverão constituir uma lista única no final do artigo, em

    ordem alfabética.

    2. Deverão obedecer aos seguintes modelos:

    a) Tratando-se de livro:

    • sobrenome do autor (em letra maiúscula), seguido do nome;

    • título da obra (em itálico):

    • subtítulo, (também em itálico);

    • nº da edição (apenas a partir da 2ª edição);

    • local de publicação, seguido de dois pontos (:);

    • nome da editora;

    • data de publicação.

    Exemplo: BACHELARD, Gaston. La terre et les rêveries de la volonté. Paris:

    Librairie José Corti, 1984. 1.

    b) Tratando-se de artigo em revistas:

    • sobrenome do autor (em letra maiúscula), seguido do nome;

    • título do artigo sem aspas;

    • nome do periódico por extenso (em itálico);

    • volume e nº do periódico (entre vírgulas);

    • páginas do artigo: (p. 15-21);

    • data da publicação.

    Exemplo: CAMARGO, Aspásia. Os usos da história oral e da história de vida:

    trabalhando com elites políticas. Revista Dados, v. 27, n. 1, p.1-15, 1984. 2.

  • 9

    Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia v4 n10 março de 2020 ISSN 2526-4702

    c) Tratando-se de artigo em coletâneas:

    • sobrenome do autor (em letra maiúscula), seguido do nome;

    • título do artigo;

    • In:

    • nome do autor ou autores da coletânea seguido por (Orgs);

    • título e subtítulo da coletânea em itálico;

    • nº da edição (a partir da 2ª edição);

    • local da publicação seguido de dois pontos (:);

    • nome da editora;

    • páginas do artigo;

    • ano da publicação.

    Exemplo: DIAS, Juliana Braz. Enviando dinheiro, construindo afetos. In:

    Wilson Trajano Filho (Org.). Lugares, pessoas e grupos: as lógicas do

    pertencimento em perspectiva internacional. 2ª edição. Brasília: ABA

    Publicações, p. 47-73, 2012.

    d) Tratando-se de artigos em revistas online:

    • sobrenome do autor (em letra maiúscula), seguido do nome;

    • título do artigo sem aspas;

    • nome do periódico por extenso (em itálico);

    • RBSE – Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 15, n. 44, agosto de 2016 ISSN 1676-8965 volume e nº do periódico (entre vírgulas);

    • páginas do artigo, se houver: ( p. 15-21);

    • data da publicação

    • Endereço do site

    • Quando se deu a consulta.

    Exemplo: FERRAZ, Amélia. Viver e morrer. Revista online de comunicação,

    v. 10, n. 20, p. 5-10. www.revistaonlinedecomunicação.com.br (Consulta em:

    20.06.2015).

    e) Tratando-se de teses, dissertações, tccs e relatórios:

    • sobrenome do autor (em letra maiúscula), seguido do nome;

    • título da obra (em itálico)

    • subtítulo, (também em itálico);

    • Tese; Dissertação, etc.;

    • local de publicação, seguido de dois pontos (:);

    • nome do Programa e Universidade;

    • Ano

    Exemplo: BARBOSA, Raoni Borges. Medos Corriqueiros e vergonha

    cotidiana: uma análise compreensiva do bairro do Varjão/Rangel. Dissertação.

    João Pessoa: PPGA/UFPB, 2015

    Nota geral para as referências

    1. Artigo, livro, coletânea, ensaio com mais de um autor: com até dois autores:

  • 10

    Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia v4 n10 março de 2020 ISSN 2526-4702

    • Sobrenome do autor principal (em letras maiúsculas), seguido do nome e ponto e vírgula(;)

    • A seguir, o nome e sobrenome do segundo autor. 2. Artigo, livro, coletânea, ensaio com mais de dois autores:

    • Sobrenome do autor principal (em letras maiúsculas), seguido do nome e, após, et al.

    Quadros e Mapas

    1. Quadros, mapas, tabelas, etc. deverão ser enviados em arquivos separados, com

    indicações claras, ao longo no texto, dos locais onde devem ser inseridos.

    2. As fotografias deverão vir também em arquivos separados e no formato jpg ou jpeg

    com resolução de, pelo menos, 100 dpi.

    Norms to manuscripts’ presentation

    The Urban Sociabilities – Journal of Anthropology and Sociology is a review

    published every Mach, July and November with original contributions (articles and book

    reviews) within any field in the Sociology or Anthropology of Emotion. All articles and

    reviews will be submitted to referees. Every issue of Urban Sociabilities will contain eight

    main articles and one to three book reviews. All manuscripts submitted for editorial

    consideration should be sent to GREM by e-mail: [email protected].

    Manuscripts and book reviews typed one and half space, should be submitted to the

    Editors by e-mail, with notes, references, tables and illustrations on separate files. The

    author's full address and the institutional affiliation should be supplied as a footnote to the

    title page. Manuscripts should be submitted in Portuguese, English, French, Spanish and

    Italian, the editors can translate articles to Portuguese (Sociabilidades Urbanas´s main

    language) in the interest of the journal. Articles should not exceed 30 pages double-spaced,

    including notes and references. Reviews should not exceed 8 pages double-spaced and notes

    and references included.

  • 11

    Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia v4 n10 março de 2020 ISSN 2526-4702

    SUMÁRIO

    DOSSIÊ........................................................................................................... 13

    Apresentação do dossiê: Cidades e Imagens: Atores sociais, Discursos e Possibilidades de

    pesquisa ................................................................................................................................ 15

    Jesus Marmanillo Pereira........................................................................................................... 15

    Festa na ocupação ................................................................................................................. 19

    Pedro Henrique Baima Paiva ..................................................................................................... 19

    Fotografando na resistência: memória e visibilidade no caso de remoção da comunidade Vila

    Autódromo (RJ).................................................................................................................... 29

    Ana Priscila Rezende de Carvalho ............................................................................................. 29

    A presença do (in)visível: análises socioimagéticas de mulheres zungueiras na cidade de

    Luanda/Angola ..................................................................................................................... 45

    Osmilde Augusto Miranda ......................................................................................................... 45 Elizabeth de Oliveira Serra ........................................................................................................ 45

    Pintando teorias, colorindo relações: reflexões acerca da prática do grafite a partir de uma

    experiência etnográfica na cidade de Porto Alegre/RS .......................................................... 59

    Leonardo Palhano Cabreira ....................................................................................................... 59

    Controvérsias sobre a criminalização de sociabilidades juvenis na cidade de Pelotas/RS....... 73

    Ícaro Vasques Inchauspe ........................................................................................................... 73 Francisco Luiz Pereira da Silva Neto ......................................................................................... 73

    O Google street e as imagens da cidade: Experiências e diálogos de pesquisas urbanas no

    sudoeste do Maranhão .......................................................................................................... 83

    Jesus Marmanillo Pereira........................................................................................................... 83 Antonia Eliane Lobo Carneiro ................................................................................................... 83 Ana Paula Pinto Pereira ............................................................................................................. 83

    Um cinema de cidade: imagens do urbanismo em filmes brasileiros ..................................... 97

    Wendell Marcel Alves da Costa ................................................................................................. 97

    Memórias dos cinemas no Vale do Mamanguape: uma análise fílmica de Teixeirinha Coração

    de luto (1967) ..................................................................................................................... 113

    José Muniz Falcão Neto .......................................................................................................... 113

    Lisboa por suas intervenções artísticas urbanas ................................................................... 127

    José Luís Abalos Júnior ........................................................................................................... 127

    As cascas de Hiroshima ...................................................................................................... 131

    Alexsânder Nakaóka Elias ....................................................................................................... 131

    ARTIGOS ..................................................................................................... 135

    Por que as pequenas cidades importam: urbanização, transformações rurais e segurança

    alimentar ............................................................................................................................ 137

    Cecilia Tacoli .......................................................................................................................... 137

    O estudo da cidade ............................................................................................................. 145

  • 12

    Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia v4 n10 março de 2020 ISSN 2526-4702

    Donald Pierson........................................................................................................................ 145

    Debates da Antropologia Contemporânea: reflexões sobre poder, campo e cultura ............. 153

    Nayala Nunes Duailibe ............................................................................................................ 153

    Emoções, Cidade e Sociabilidade Urbana: uma análise compreensiva da cidade de João

    Pessoa-PB .......................................................................................................................... 161

    Williane Juvêncio Pontes......................................................................................................... 161

    O processo de modernização conservadora da cidade de João Pessoa – PB ......................... 171

    Raoni Borges Barbosa ............................................................................................................. 171

    Breve narrativa sobre o Projeto de Pesquisa 'Balanço comparativo da produção da UFPB

    campus I sobre a cidade de João Pessoa, Paraíba', em desenvolvimento no GREM Grupo de

    Pesquisa em Antropologia e Sociologia das Emoções ......................................................... 197

    Mauro Guilherme Pinheiro Koury ........................................................................................... 197

    Sobre os Autores ................................................................................................................ 203

  • 13

    Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia v4 n10 março de 2020 ISSN 2526-4702

    DOSSIÊ

  • 14

    Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia v4 n10 março de 2020 ISSN 2526-4702

  • 15

    Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia v4 n10 março de 2020 ISSN 2526-4702

    MARMANILLO, Jesus. Apresentação do dossiê: Cidades e Imagens: Atores sociais, Discursos e

    Possibilidades de pesquisa. Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia, v.3, n.7, p.

    15-18, março de 2019. ISSN 2526-4702. DOSSIÊ

    http://www.cchla.ufpb.br/sociabilidadesurbanas/

    Apresentação do dossiê: Cidades e Imagens: Atores sociais, Discursos e

    Possibilidades de pesquisa

    Presentation of the dossier: Cities and Images: Social Actors, Speeches and Research Possibilities

    Jesus Marmanillo Pereira

    O processo de institucionalização da pesquisa com imagens, no âmbito da sociologia e

    antropologia urbana, já foi satisfatoriamente explorado por pesquisadores como Koury

    (1999), Eckert e Rocha (2018) e Peixoto (1995), pesquisadores que podem ser compreendidos

    como um exemplo de teoria-vivída (PEIRANO, 2006) no campo composto pelas práticas

    etnográficas, fotográficas e produção audiovisual no campo da pesquisa urbana.Quero dizer

    com isso, que tais pesquisadores integram uma comunidade interpretativa que, juntamente

    com outros pares, tem feito circular debates e reflexões sobre o papel das imagens nas

    ciências sociais: por meio de eventos e promoção de um cotidiano de pesquisa sobre o tema

    do presente dossiê. Assim, nos resta fazer algumas inferências mais sucintas a respeito da

    relação cidade-imagens e buscar situar o presente dossiê dentro de um campo mais amplo que

    tem ganhado força e espaço, ao longo dos anos.

    Observando, de forma breve, as informações do Diretório de Grupos de Pesquisa do

    Conselho Nacional de desenvolvimento cientifico e Tecnológico (Cnpq) e dados do Comitê de

    Antropologia Visual da Associação Brasileira de Antropologia(CAV-ABA), contabilizou-se a

    existência de 81 grupos dedicados as pesquisas sobre temas urbanos, dentre os quais 51,63%

    são especializados em temas relacionados à violência, conflito, sociabilidades entre outros, e a

    outra “metade” faz menção a questão das imagens, sinalizando um movimento que tem

    ganhado espaço.

    Existem casos como o do “Grupo de Estudos de Antropologia da Cidade” coordenado

    pelo professor Heitor Frúgoli Junior, que embora não faça menção aos termos “visual” ou

    “imagens” tem apresentado um conjunto de pesquisas relacionados ao visual, como as de

    Guilhermo Aderaldo, Alexandre Barbosa Pereira, e Gabriela Pereira de Oliveira Leal, que

    tratam de temas relacionados à produção de vídeos por coletivos da periferia e grafitagem. Por

    outro lado, grupos como o Núcleo de Antropologia Visual (NAVISUAL-UFRGS) que apesar

    de possuir uma nomenclatura que privilegia a pesquisa com imagem, tem produzido uma serie

    de pesquisas urbanas sobre medos, sociabilidades, memória e gentrificação em Porto Alegre.

    O que se pretende enfatizar é um movimento de convergência nos grupos de pesquisa urbana

    e visual, no sentido de pensar diferentes maneiras de pesquisar as cidades e suas imagens.

    Quando se pensar nesse processo em relação a uma difusão espaço temporal dos

    grupos de pesquisa visual, é possível considerar que em 1989 já existia o referido Núcleo de

    Antropologia Visual (NAVISUAL), e que, em 1991 foi inaugurado o Laboratório da Imagem

    e do Som em Antropologia (LISA-USP). Três anos depois, em 1994 surgiu o Grupo de

    Pesquisa Imagens, Narrativas e Práticas Culturais (INARRA-UERJ). Nos anos seguintes

    ocorreu uma expansão para nordeste com Grupo Interdisciplinar de Estudos em Imagem

    (GREI-UFPB), em 1995, e o Laboratório de Antropologia Visual (LAC-UFPE), em 1999.

    Da década posterior, podemos destacar que no ano de 2001surgiram o Laboratório de

    http://www.cchla.ufpb.br/sociabilidadesurbanas/

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    Imagem e Registros de Interações sociais (IRIS-UNB) em 2001, o Núcleo de Antropologia

    Visual (NAVIS-UFRN) e o Núcleo de Antropologia Visual (NAVIS-UFAM), reforçando a

    expansão da área. Ainda no âmbito da expansão para além do eixo sudeste, pode-se falar do

    Laboratório das Memórias e das Práticas Cotidianas (LABOME-UVA) que iniciou suas

    atividades em 2002, e também do Laboratório de Antropologia Visual de Alagoas (AVAL-

    UFAL) e do Laboratório de Antropologia da Imagem (LAI-UFC) iniciados, respectivamente,

    nos anos de 2004 e 2005.

    Do final, dessa década, pode-se citar ainda, o Grupo de pesquisas Visuais e Urbanas

    (VISURB - UNIFESP) surgido em 2007, o Laboratório de Ensino, Pesquisa e Produção em

    Antropologia da Imagem e do Som (LEPPAIS-UFPEL) em 2008, o Núcleo de

    Experimentações em Etnografia e Imagem (NEXTimagem-UFRJ) em 2008, e o Laboratório

    de Estudos da Oralidade (LEO-UFC) que atua na produção de vídeos etnográficos desde

    2009. Como últimos sinais de expansão, aponto Grupo de Pesquisa em Antropologia Visual e

    da Imagem (VISAGEM-UFPA) em 2013, Núcleo de Estudos e Pesquisas em Antropologia

    Visual, da Imagem e do Som, Memória e Identidades (NAIMI-UNIFAP) e o Laboratório de

    Estudos e Pesquisas sobre Cidades e Imagens (LAEPCI-UFMA), ambos em 2016. Apesar da

    expansão ainda se está longe de se ter uma integralização total, pois a região norte representa

    apenas 7,8% dos 81 grupos contabilizados enquanto o sudeste concentra 43,53% de todos os

    grupos.

    Como destacam Koury (1999), Eckert e Rocha (2018), esse processo de

    institucionalização foi alimentado também pelo exercício de criação de grupos de trabalho,

    existente desde a década de 1990. Pela criação de mostras de vídeo, como a da ANPOCS, por

    exemplo, e de uma serie de esforços que resultaram em livros, dossiês etc.

    Dentro de contexto da produção que relaciona o urbano a pesquisa com imagens,

    buscou-se orientar a proposta do dossiê por algo já apontado por Koury (1999), que é pensar a

    imagem tanto como ampliação do olhar do etnógrafo no trabalho de captação de uma

    determinada realidade cultural ou como elemento de análise, artefato e produto que traz sinais

    e representações que sinalizam a relação individuo-sociedade. Assim, seja pelas etnografias da

    sociologia urbana de Chicago ou, por uma antropologia de alteridade mínima (PEIRANO,

    1999) que toma cidade como campo, de perto e de dentro (MAGNANI, 2002), acredita-se que

    a imagem fotográfica, a produção audiovisual tem evidenciado, cada vez mais, conjuntos de

    práticas e saberes, interações, conflitos e diversas formas de sociabilidade desenvolvidas

    pelos atores da cidade.

    O presente dossiê e suas pesquisas não podem ser desvinculados dessa perspectiva,

    pois representa um conjunto de jovens mestrandos, doutorandos e recém doutores que, de

    alguma forma, se conectaram nesse movimento nacional. Eles trazem um conjunto de

    pesquisas focadas sobre configurações de atores cujas sociabilidades, estratégias, interações e

    relações foram apreendidas por meio de imagens, de narrativas etnográficas e etnografias com

    grande potencial imagético. São trabalhos que apontam não apenas as realidades de

    determinados atores sociais das urbes das regiões sul, sudeste, nordeste e do centro-oeste, mas

    para a interação deles com contextos mais amplos a partir dos quais é possível se refletir sobre

    políticas urbanas, sobre imaginários da cidade, representações e nos “grandes

    empreendimentos”. Assim, longe de trabalhos atomizados sobre aspectos particulares

    contidos no espaço urbano, as pesquisas contidas no dossiê convidam o leitor para

    compreender como os atores sociais e suas práticas, com a produção de representações

    imagéticas sobre a cidade, conectam realidades especificas com projetos mais amplos que

    mobilizam percepções econômicas, sociais e políticas sobre o urbano. São pesquisas que

    apontam as imagens como método, como um uso social e como maneira de observar a cidade

    e seus atores sociais. Trazemos assim um conjunto de oito etnografias e dois ensaios visuais

    No artigo “Festa na Ocupação”, Pedro Henrique Baima demonstra, por meio de uma

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    experiência da câmera participante, importantes processos de sociabilidades existentes em

    uma associação de moradores cujas ações e dramas dialogam com processos de

    desapropriação, e demarcam outros sentidos específicos para a cidade. Isso nos possibilita, ao

    leitor, refletir sobre o planejamento e política urbana, sobre os processos de pesquisa e,

    também, a respeito importância da festa, como lugar de fortalecimento de identidade, das

    relações de vizinhança e da própria mobilização popular na cidade de Goiânia (GO).

    As tensões entre comunidades populares e projetos de “modernização” também

    constituem o tema central no texto “Fotografando na resistência: memória e visibilidade no

    caso de remoção da comunidade Vila Autódromo” de Ana Priscila Rezende de Carvalho. No

    contexto das olimpíadas de 2017, a autora narra o drama, da remoção, da comunidade da Vila

    Autódromo, localizada na região da Barra da Tijuca (RJ). Ela enfatiza a oposição entre a

    realidade local e os megaeventos que ocorriam no Rio de Janeiro, discorrendo sobre a

    trajetória de uma liderança local que mobilizou todo um arsenal imagético no campo de

    disputa em torno de uma memória urbana e da defesa do “lugar”.

    Já no artigo “A presença do (in) visível: análises socioimagéticas de mulheres

    zungueiras na cidade de Luanda/Angola”, Osmilde Augusto Miranda e Elizabeth de Oliveira

    Serra demonstram a cidade como cenário a tensão e exploração no qual se relacionam

    trabalhadoras informais, conhecidas como zungueiras, o poder público e o próprio setor

    econômico. Se valendo da observação direta, de registros fotográficos e de elementos da

    história política de Angola e Luana, os autores trazem uma etnografia sobre essas mulheres

    que trabalham andando e vendendo produtos nas ruas.

    Se nos três primeiros trabalhos, as imagens e narrativas caracterizavam a cidade da

    tensão entre atores marginalizados e grandes projetos e investimentos “higienização” e

    “modernidade”, os dois trabalhos seguintes refletem sobre a apropriação da cidade pelos

    segmentos juvenis, destacando também diferentes formas de sociabilidades. Assim, no texto

    “Pintando teorias, colorindo relações: reflexões acerca da prática do grafite a partir de uma

    experiência etnográfica na cidade de Porto Alegre/RS, Leonardo Palhano Cabreira analisa as

    práticas e os saberes relacionados ao grafite, destacando a questão da comunicação visual, as

    redes de sociabilidade e o papel do pesquisador durante o campo de pesquisa. Já Ícaro

    Vasques Inchauspe e Francisco Luiz Pereira da Silva Neto, também, trazem uma pesquisa

    sobre sociabilidades juvenis no artigo “Controvérsias sobre a criminalização de sociabilidades

    juvenis na cidade de Pelotas/RS” ressaltando a construção de “pedaços”, trajetos e pontos de

    concentração de vários tipos de agrupamentos que compõem a vida noturna no bairro do

    porto, na cidade de Pelotas. Ressalta a dimensão do conflito entre moradores locais, poder

    público e freqüentadores dos bares e clubes do lugar.

    De Pelotas (RS) para as cidades de Imperatriz (MA) e Açailandia (MA), o dossiê traz

    o artigo “O Google street e as imagens da cidade: Experiências e diálogos de pesquisas

    urbanas no sudoeste do Maranhão”, no qual Jesus Marmanillo, Antonia Eliane Lobo e Ana

    Paula Pinto refletem sobre o papel das imagens nos processos tecnológicos virtuais e nas

    representações de cidade na internet. Eles destacam alguns usos e incorporações do aplicativo

    em práticas etnográficas nas cidades do sudoeste maranhense. A representação imagética da

    cidade a o imaginário urbano também são pontos tratados nos materiais seguintes, cuja

    abordagem se vale de fontes cinematográficas para se pensar outras possibilidades de analises

    sobre as cidades e seus atores.

    Nesse sentido, no artigo “Um cinema de cidade: imagens do urbanismo em filmes

    brasileiros”, Wendell Marcel Alves da Costa discorre sobre um cinema que é produzido em

    circunstâncias teóricas e de linguagem que apenas a cidade oferece. Tendo como campo a

    cinematografia pernambucana, ele buscar analisar o teor social, simbólico, transformações da

    paisagem, afetos e ruínas, considerando os “lugares” da cidade por meio de vertentes políticas

    e estéticas. Já no artigo “Memórias dos cinemas no Vale do Mamanguape: uma análise fílmica

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    Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia v4 n10 março de 2020 ISSN 2526-4702

    de Teixeirinha Coração de luto (1967)”, José Muniz Falcão Neto realiza análises fílmicas,

    com filmes exibidos em dois cinemas instalados e localizados no interior do litoral norte da

    Paraíba, Cine Teatro Orion (1944) e Cine Teatro Eldorado (1965), respectivamente,

    construídos na cidade de Rio Tinto e Mamanguape. Grosso modo, a abordagem do autor

    estabelece uma relação metafórica entre tais locais e o filme ‘Teixeirinha Coração de luto,

    buscando apontar relações simbólicas voltadas para a cultura popular e para a modernização,

    as quais estão intrinsecamente ligadas à formação de tipos sociais urbanos e rurais.

    Finalizando o dossiê, temos os ensaios visuais de José Luís Abalos Júnior e

    Alexsânder Nakaóka Elias que trazem interessantes narrativas sobre Lisboa (Portugal) e

    Hiroshima (Japão) a partir, respectivamente, da prática do grafite e de trajetos de observação

    realizados no “memorial da paz”. Dessa forma, no ensaio “Lisboa por suas intervenções

    artísticas urbanas”, José Luís Abalos Junior socializa sua experiência de doutorado sanduíche,

    sob orientação do professor Ricardo Campos, demonstrando uma tour de arte urbana

    organizada pelo coletivo Yes you can spray, e como o grafite está presente no cotidiano

    lisboeta. Já no “As cascas de Hiroshima” Alexsânder Nakaóka Elias traz uma narrativa

    inspirada no artigo “Cascas” (2011), do historiador Georges Didi-Huberman, e em uma

    pesquisa de campo realizada com base em registros fotográficos produzidos no memorial da

    paz.

    Referências

    ECKERT, CORNELIA; ROCHA, A. L. C. Projetos, desafios e consolidação de uma linha de

    pesquisa no Brasil: antropologia audiovisual. Ebook ISBN: 978-85-93380-25-9. In: Mariano

    Báez Landa e Gabriel O. Alvarez. (Org.). Olhar In(com)formado: Teorias e práticas da

    Antropologia Visual: Una mirada in(con) formada. Teorías y prácticas de la Antropología

    Visual. Goiânia: UFG, CAPES, 2018, v. 1, p. 25-101.

    KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. A imagem nas ciências sociais do Brasil: Um balanço

    crítico. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, Rio de Janeiro,

    v. 47, p. 49-64, 1999.

    MAGNANI, José Guilherme Cantor. De perto e de dentro: notas para uma etnografia

    urbana. Rev. bras. Ci. Soc., São Paulo, v. 17, n. 49, p. 11-29, 2002.

    PEIRANO, Mariza G. S. "A antropologia no Brasil (alteridade contextualizada)". In: S.

    Miceli (org.), Ciências sociais no Brasil: tendências e perspectivas. São Paulo: Editora

    Sumaré, ANPOCS; Brasília: CAPES, 1999, p. 226-266.

    PEIRANO, Mariza. A teoria vivida e outros ensaios de antropologia. Rio de Janeiro: Jorge

    Zahar Editor, 2006.

    PEIXOTO, Clarice Ehlers. Antropologia visual no Brasil. Cadernos de Antropologia e

    Imagem (UERJ), RJ, v. 1, p. 75-80, 1995.

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    Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia v4 n10 março de 2020 ISSN 2526-4702

    PAIVA, Pedro Henrique Baima. Festa na ocupação. Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e

    Sociologia, v.3, n.7, p. 19-28, março de 2019. ISSN 2526-4702. DOSSIÊ

    http://www.cchla.ufpb.br/sociabilidadesurbanas/

    Festa na ocupação

    Party in the occupation

    Pedro Henrique Baima Paiva

    Resumo: Esse artigo é parte da minha dissertação de mestrado e procura apresentar alguns

    eventos festivos realizados por moradores que se organizam para defenderem suas casas da

    desapropriação. Ao descrever a associação conhecida como ILOGU, Instituto Pró-Logística

    Urbana, procuro pensar a importância do olhar antropológico na elaboração de políticas de

    urbanização mais equânimes e mais justas, que para além de considerar as estruturas físicas

    e os conflitos na cidade, privilegia a observação das distintas formas de apropriação e

    criação dos lugares. Palavras-chave: câmera participante, planejamento urbano, operação

    urbana consorciada

    Abstract: This article is part of my dissertation and tries to present some festive events held

    by residents who organize to defend their homes from expropriation. In describing the association known as ILOGU, Instituto Pró-Logística Urbana, I try to think about the

    importance of the anthropological view in the elaboration of more equitable and fair

    urbanization policies that, besides considering the physical structures and conflicts in the

    city, privileges observation of the different forms of appropriation and creation of the

    places. Key words: participant camera, urban planning, consortium urban operation.

    Em Goiânia, no dia 25 de junho de 2016 a prefeitura apresentou à população uma

    proposta de Operação Urbana Consorciada para a região entorno do maior parque da cidade, o

    Jardim Botânico, que ficou conhecida como Operação Urbana Consorciada Jardim Botânico

    (OUCJB). A um custo estimado de 600 milhões de reais, a OUCJB propõe a delimitação de

    uma área abrangendo sete bairros: Setor Pedro Ludovico, Vila Izabel, Vila Maria José, Vila

    Redenção, Areião I1, Jardim Santo Antônio e Jardim das Esmeraldas.

    Essa região heterogênea chama atenção das construtoras imobiliárias por estar

    próxima aos terrenos mais valorizados da cidade atualmente, no bairro Jardim Goiás, pela

    presença do parque Jardim Botânico com cerca de um milhão de metros quadrados no centro

    da região, e por ser predominantemente ocupada por casas residenciais e ocupações

    irregulares em bairros carentes de infraestrutura pública, portanto desvalorizados.

    Segundo Olbertz (2011), a Operação Urbana Consorciada caracteriza-se pela

    disposição à intervenção urbanística e à regulação do mercado imobiliário, e resulta na

    execução de um plano urbanístico flexível, em que há concessão de benefícios e recebimento

    de contrapartidas, mediante parceria público-privada e participação social em todo processo.

    Essa ferramenta segundo a autora pode ser bastante eficiente principalmente devido à

    incapacidade ou falta de interesse do Estado de garantir os investimentos necessários em

    infraestrutura.

    Por outro lado, o Instituto Pró-Logística Urbana (ILOGU)2 é uma associação criada

    por moradores que receberam ordem de despejo e são contrários à proposta da prefeitura, sua

    1Embora o bairro Areião I não esteja na lista oficial dos bairros envolvidos na OUC, ele é citado muitas vezes

    durante a apresentação do projeto, e é, portanto, considerado nessa pesquisa. 2Segundo a página na internet do ILOGU: www.ilogu.org.br, o instituto está registrado como pessoa jurídica de

    direito privado e surgiu da necessidade coletiva de ajudar os moradores da comunidade onde o instituto está

    http://www.cchla.ufpb.br/sociabilidadesurbanas/

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    Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia v4 n10 março de 2020 ISSN 2526-4702

    sede, próxima às águas do Córrego Botafogo se torna nesse contexto um lugar de múltiplos

    sentidos. É lugar de reuniões comunitárias e de audiências públicas, é também uma residência

    familiar, local de reuniões e de festas na ocupação.

    Segundo Leite (2007) e De Certeau (2001), os lugares são polissêmicos, isto é,

    possuem vários sentidos e são constituídos a partir de “estratégias” e de “táticas”. As

    “estratégias” são fruto do poder especializado, se afirmam como práticas organizadoras da

    cidade e implicam a construção de uma visão totalizante e homogênea, enquanto as “táticas”

    são movimentos heterogêneos e imprevisíveis organizadas pela ausência de poder, ou pelos

    “sem poder”, que ocorre no interior de espaços urbanos, subvertendo seus sentidos

    estratégicos.

    Conheci o ILOGU durante a realização da minha pesquisa de mestrado. Como técnico

    da prefeitura, fui representar a Agência Municipal de Meio Ambiente de Goiânia em uma

    reunião onde os moradores reivindicavam a regularização fundiária das casas da ocupação e

    refutavam o argumento da prefeitura de que eles causavam degradação ao meio ambiente.

    Contudo, foi com a proposta de realizar um vídeo contando a história e as memórias

    das pessoas que pude passar mais tempo com os moradores. Na Ocupação Jardim Botânico, o

    trabalho de campo buscou a intersubjetividade lançando mão de imagens e de vídeos.

    Inspirado nas experiências dos Vídeos nas Aldeias que começaram em 1986 quando os

    pesquisadores apresentaram o material filmado aos índios Nambiquara e causaram uma

    mobilização coletiva que chamou atenção e que acabou sendo levada para outros grupos

    (ARAÚJO, 2012).

    Também inspirado pelos princípios rouchianos na realização de uma antropologia

    compartilhada a partir da filmagem participante, da edição compartilhada e da publicação do

    material monográfico e audiovisual, lancei mão da câmera participante que é a dinâmica de

    apresentar ao grupo o material registrado durante o trabalho de campo. Essa prática favorece o

    diálogo, e a comunidade, como sujeito coletivo, dialoga sobre o que deve ser filmado, quem

    deve ser filmado, como, quando e onde (ALVAREZ, 2013).

    Somada à técnica da câmera participante, a antropologia do lugar se destaca nesse

    estudo. Para além de descrever sua história, classificar e detalhar seus conflitos, a

    antropologia do lugar nos permite observar e reconstruir a partir da memória, a cidade vivida,

    sentida e experimentada. Portanto, considero aqui o “lugar” como o dos sentidos, proposto

    por Marc Augé (2010, p. 51), o “lugar antropológico”, do sentido inscrito e simbolizado, “é

    simultaneamente princípio de sentido para aqueles que o habitam e princípio de

    inteligibilidade para quem o observa”, sendo constituído de pelo menos três características: é

    identitário, relacional e histórico.

    O lugar é constitutivo da identidade individual, pois todos somos de algum lugar, mas

    também é relacional, pois se situa numa configuração de conjunto cuja inscrição no solo é

    compartilhada com outros e se define por uma estabilidade temporal mínima que o torna

    histórico, de maneira que as pessoas nele inserido não fazem história, elas vivem a história

    (AUGÉ, 2010).

    Segundo Tuan (1983), a princípio, um bairro é uma confusão de imagens e vai se

    fazendo conhecido a partir de quando o morador, ou no meu caso, o antropólogo, passa a

    identificar locais significantes como esquinas, casas e outros referenciais dentro do espaço do

    bairro como centros de valor para as pessoas. Para o autor, os lugares são centros aos quais

    atribuímos valor que nos atrai ou nos repelem em graus variados e onde são satisfeitas nossas

    necessidades biológicas de comida, água, descanso e reprodução.

    Os lugares são humanizados e humanizantes. São construídos fisicamente e

    simbolicamente por meio das agências, da política, da religião, da arquitetura e etc.,

    localizado, na Avenida Segunda Radial, número 794 bairro Vila Redenção em Goiânia, Goiás, ameaçados de

    despejo pela prefeitura.

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    misturando a história das pessoas com o lugar onde vivem. Os lugares têm uma característica

    personalizada, isto é, tomam os atributos das pessoas, e para estudar o sentido de lugar das

    pessoas é preciso andar pelos lugares com elas (TAMASO, 2012).

    A identidade de qualquer lugar não é determinada em termos de qualquer conjunto de

    parâmetros claramente definidos; lugares são estabelecidos em relação a um complexo de

    estruturas objetivas, subjetivas e intersubjetivas que são inseparavelmente conjugadas dentro

    da estrutura do lugar (TAMASO, 2007, p. 469).

    No caso do ILOGU, trata-se de um ponto de encontro das pessoas que são do pedaço,

    “uma peculiar rede de relações que combina laços de parentesco, vizinhança, procedência e

    vínculos definidos por participações em atividades comunitárias”, lugar para práticas

    coletivas onde todos sabem de onde você vem, do que você gosta ou se você não é dali

    (MAGNANI, 2012, p. 88).

    Nesse artigo pretendo apresentar trechos da etnografia realizada nos eventos festivos

    que ocorreram no ILOGU para pensar como os sentidos dados aos lugares são fundamentais

    para a elaboração de políticas públicas mais justas no planejamento urbano das cidades. As

    falas dos moradores e outros entrevistados ao longo da pesquisa, realizada entre janeiro de

    2016 e julho de 2017, serão transcritas aqui em itálico.

    Instituto pró-logística urbana

    A Avenida Segunda Radial começa na Avenida Circular, que contorna completamente

    o terminal de ônibus chamado Isidória, na região Sul de Goiânia. Percorre cinco quarteirões

    do bairro Pedro Ludovico de plena descida até chegar ao Córrego Botafogo, no limite com os

    bairros Vila Izabel, Vila Maria José e Vila Redenção quando começa a subir para o bairro

    Jardim Goiás a leste dali.

    Professor Pedro Wilson3 sugere a participação da esposa do Interventor Pedro

    Ludovico Teixeira no planejamento da cidade:

    o Setor Pedro Ludovico é um setor de origem popular, feito por uma ação social do

    governo do Estado. Tem esse nome porque é um bairro que teve origem mais

    organizada, que a Dona Gercina4 fez em função dos pedreiros e mestres de obras que

    trabalhavam em Goiânia e não tinham onde morar.

    Com duas pistas largas separadas por uma ilha que abriga árvores e uma passarela para

    pedestres, com o passar dos anos a Avenida Segunda Radial se tornou uma importante via que

    permite a passagem de muitos veículos que trafegam pelo sistema de avenidas que se

    integram através da convergência com o terminal Isidória e a Avenida Circular no bairro

    Pedro Ludovico, e vai em direção a uma região de bairros nobres, do shopping Flamboyant, e

    de condomínios fechados de alto padrão a leste dali.

    Com muitas fachadas de comércios, com casas e poucos edifícios próximo ao

    terminal, a Avenida vai ganhando mais arborização em seu ponto mais baixo, próximo ao

    Córrego Botafogo, manancial importante para a cidade e que nasce dentro do Jardim

    Botânico, maior parque da capital, localizado entre a Avenida Segunda Radial e a Avenida

    Quarta Radial. Próximo ao córrego, quando a avenida começa um aclive é onde está

    3Professor Pedro Wilson, como gosta de ser chamado, segundo a Wikipédia, enciclopédia livre da internet,

    nasceu em 24 de fevereiro de 1942 na cidade de Marzagão, interior de Goiás. É advogado, professor

    universitário, sociólogo e político brasileiro filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT). Graduado em direito e em

    ciências sociais pela Universidade Federal de Goiás, foi professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás,

    sendo que entre 1985 e 1988 exerceu o cargo de Reitor dessa mesma instituição. Foi um dos fundadores do PT

    em Goiás em 1980 e sua biografia política contabiliza mandatos de vereador da cidade de Goiânia (1993 –

    1995), deputado federal por Goiás (1995 – 2000; 2007 – 2011), e prefeito de Goiânia (2001 – 2004). 4Dona Gercina Borges foi esposa de Pedro Ludovico Teixeira, interventor do Estado nomeado pelo presidente

    Getúlio Vargas e lembrado pela construção de Goiânia.

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    Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia v4 n10 março de 2020 ISSN 2526-4702

    localizado o ILOGU, onde também é a casa do Jorge, presidente do instituto e meu

    companheiro de filmagens durante a pesquisa.

    Segundo Professor Pedro Wilson,

    O Córrego Botafogo, que inclusive está presente na bandeira de Goiânia, foi muito

    significativo porque um afluente dele, o Areião, foi o primeiro serviço de

    fornecimento de água que nós tivemos no Palácio das Esmeraldas5. Como naquela

    época não tínhamos condição de retirar direto do Botafogo, o fornecimento foi pelo Areião que descia até o Palácio por declividade. Contraditoriamente, foi nessa

    região do Areião que teve também o primeiro lixão de Goiânia.

    Posteriormente, com energia e bombeamento, o próprio Córrego Botafogo forneceu

    água para a cidade, contudo, hoje recebe apenas esgoto clandestinamente lançado ao longo de

    seu curso dentro do município.

    Em frente ao ILOGU, atravessando a Avenida Segunda Radial está o bairro Vila

    Izabel, onde também existem algumas casas que correm o risco de desapropriação; ou por

    estar na área de preservação permanente do córrego Botafogo, cinquenta metros a partir de

    cada margem segundo o Plano Diretor de Goiânia6, ou por estar no caminho da obra de

    expansão de uma grande via de escoamento rápido da cidade, a Avenida Marginal Botafogo,

    também construída em cima da área de preservação permanente7.

    O ILOGU tem um muro branco feito de placas de concreto, fica entre uma oficina

    mecânica e um lote baldio. Destaca-se na sua fachada um outdoor publicitário, em cima do

    muro e na frente de uma frondosa árvore de copa verde e densa, uma das três grandes

    Mangueiras que fazem sombra em praticamente todo o quintal do Jorge8, local da sede do

    instituto.

    Sua casa no início da pesquisa não tinha portão, apenas o espaço de onde ele deveria

    estar, o que facilitava ainda mais a entrada de qualquer morador que precisava do Jorge ou do

    instituto. Posteriormente, após receber uma ordem de despejo e ver as máquinas da prefeitura

    se aproximando e construindo pontes e avenidas às margens do córrego, Jorge instalou um

    portão.

    Ao entrar, logo observamos que o os muros da direita e da esquerda não existem,

    segundo Jorge, caíram em decorrência de uma forte enxurrada que desceu pela Avenida

    Segunda Radial e da Rua Alameda Jardim Botânico, que contorna todo o parque, após uma

    forte chuva. Do lado direito o muro caiu completamente, seu vizinho montou uma retífica

    automotiva às margens do córrego, certamente sem licença ambiental, onde ficam

    normalmente muitos veículos estacionados. Esse lote também é ocupado, em menor parte, por

    uma floricultura, já a poucos metros do Córrego Botafogo.

    Ao explicar sobre a queda dos muros Jorge pondera que devia ter feito um buraco no

    muro como um vizinho havia lhe recomendado, pois se tivesse feito, provavelmente a água

    tinha escoado e o muro não teria caído. Mais uma “tática” na sabedoria da arquitetura popular.

    Do lado esquerdo, o muro caiu parcialmente. No início onde caiu vemos um lote vazio

    e mais ao fundo iniciam os muros dos fundos das casas que estão na Alameda Jardim

    Botânico, sendo que o primeiro deles é o da casa do Senhor Mário, que comumente aparece

    com a cabeça em cima do muro para nos cumprimentar no ILOGU. Um senhor muito

    5Localizado na Praça Cívica de Goiânia, o palácio é sede oficial do governo do estado desde 1937. 6Plano Diretor de Goiânia que está em vigência foi sancionado em 2007 e prevê área de preservação permanente

    os 100 metros a partir das margens do Ribeirão Anicuns e do Rio Meia Ponte e 50 metros para os demais

    mananciais da cidade. Deve ser atualizado em 2017. 7A Lei 12.651/2012, o Código Florestal Brasileiro prevê em seu Art. 8ª que as áreas de preservação permanente

    podem ser utilizadas na hipótese de utilidade pública, interesse social do empreendimento ou o baixo impacto

    ambiental. 8Jorge é cantor, compositor e poeta. Também é presidente do ILOGU e cede parte do quintal para de sua casa

    para a sede da associação.

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    Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia v4 n10 março de 2020 ISSN 2526-4702

    simpático de 73 anos que vive com a família há 40 anos na Rua Alameda Jardim Botânico.

    Gosta de conversar e sempre vai às reuniões do instituto e nos almoços beneficentes.

    O terreno tem aproximadamente 500 m². Na parte da frente possui um grande quintal

    de terra que conta com algumas plantas, três árvores Mangueiras e embaixo delas, uma pilha

    de tijolos furados, depositados na parte da frente do lote e próximo à avenida. Os tijolos

    marcam o local das futuras instalações do ILOGU, parte do terreno oferecido ao instituto pelo

    Jorge que espera desenvolver cursos e atividades artísticas para a comunidade. Jorge, assim

    como todos os moradores que estão às margens do Córrego Botafogo, não possui escritura de

    seu lote e está ameaçado de despejo.

    Alguns moradores que ainda estão na região foram pioneiros e participaram da

    construção dos primeiros barracos, outros compraram suas casas ou lotes dos primeiros

    ocupadores, esses parecem ser a maioria, e tem ainda outros que receberam suas casas como

    herança. Entre os moradores que estão no local desde a ocupação há mais de 60 anos, alguns

    tiveram filhos e netos durante esses anos. Jorge os chama de “Ribeirinhos Urbanos”, que

    nasceram na “berada” do córrego.

    Embora não seja um conceito usado pelos próprios moradores, apenas percebi sendo

    usado por Jorge, se trata de uma importante referência da ocupação. Em um manifesto escrito

    por Jorge e lido por mim em uma audiência pública ele explicou: “Antigamente eu era um

    Ribeirinho Rural, mas agora eu sou um Ribeirinho Urbano”, fazendo referência às mudanças

    que a região havia sofrido nos últimos anos, quando deixou de ser um limite natural da cidade

    para se tornar a mais uma nova centralidade da capital.

    Ao fundo, atrás da terceira Mangueira, está uma pequena casa de paredes brancas com

    formato bastante comum, onde o meio da parede da frente coincide com o ponto mais alto dos

    dois telhados feitos de telha plana, onde está instalada uma forte lâmpada branca e aonde um

    punhado de fios chega à casa do Jorge. Abaixo da forte lâmpada branca da casa está um

    grande mural de fotos e recados do instituto envolvido com um plástico transparente e ao seu

    lado esquerdo um banner com a logomarca do ILOGU e a lista (desatualizada) dos bairros

    representados: Pedro Ludovico, Vila Redenção, Vila Izabel e Vila Maria José.

    Além da parede branca, dos telhados e da luz, vemos do lado direto da casa uma

    pequena janela localizada ao lado da porta de entrada, azul e de metal. Também é do lado

    direito, em direção ao córrego que foi construído uma varanda, visualizada primeiramente

    pela sua cobertura que continua o declive feito pelo telhado desse lado da casa e pela

    visualização das colunas que lhe dão sustentação.

    Dentro da casa poucos móveis preenchem os dois quartos, uma sala, uma cozinha e

    um banheiro. Atrás da casa existe um pequeno banheiro externo que em dias de reuniões e

    eventos fica destinado aos homens, enquanto o de dentro fica destinado às mulheres. Na

    varanda, que em dia de festas vira uma grande cozinha, bar e caixa para compra de comidas e

    bebidas havia no início da pesquisa dois sofás, algumas cadeiras e duas mesas que dão suporte

    para a parte interna da casa, mas que como outras coisas, também se modificou com o passar

    do tempo.

    Em algumas ocasiões a varanda se torna sala de visitas, ou local para as refeições,

    contando também com uma pia onde as louças são lavadas, um tanque e uma máquina para

    lavar roupas no limite com o pequeno quintal dos fundos da casa, onde as galinhas correm

    livremente. Com o tempo e o aumento dos almoços beneficentes, a varanda ganhou um forno

    a lenha construído com a ajuda dos moradores e é nesse lugar polissêmico que ocorrem as

    festas comunitárias na Ocupação Jardim Botânico.

    Festas, sons e sabores

    O lazer é parte integrante da vida cotidiana das pessoas, e pode constituir uma via de

    acesso ao conhecimento dos valores, da maneira de pensar e do modo de vida dos

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    trabalhadores. Se durante as reuniões do ILOGU e as audiências públicas o quintal da casa do

    Jorge é palco para a discussão sobre o conflito habitacional, nos fins de semana se torna palco

    de festa e entretenimento na ocupação, constituindo outra forma de dar sentido ao lugar. Para

    Magnani (2003, p. 19), é preciso observar esses momentos de descontração em seu próprio

    contexto, “pois se existem é porque possuem um significado para aqueles que os praticam”.

    Com o objetivo principal de arrecadar dinheiro para o ILOGU, aos sábados, Jorge, sua

    família e amigos fazem um restaurante na varanda de sua casa e sob as sombras das frondosas

    Mangueiras, recebem dezenas de pessoas que veem para comer, beber, ouvir música e

    contribuir com a luta dos moradores da ocupação. Apesar de festivos, esses dias servem

    também para que os dirigentes do instituto se reúnam com moradores para recolher

    documentos ou prestar esclarecimentos quanto ao processo de desapropriação enfrentado por

    eles.

    Muitas pessoas vão ao ILOGU em busca de comida aos sábados, alguns levam em

    marmitas de isopor para comer em casa, outros comem no próprio instituto. É comum os

    moradores irem com suas famílias para passar a manhã bebendo e ouvindo música antes de

    almoçar. As mesas e as cadeiras brancas de plástico ficam distribuídas pelo quintal, não

    organizadas em fileiras como nas noites de audiências públicas, mas em outra ordem,

    formando conjuntos de mesas e cadeiras agrupadas embaixo das sombras das árvores,

    reunindo famílias, vizinhos e amigos.

    É importante considerarmos que “almoçar fora de casa” se tornou muito comum no

    decorrer do século XX, conforme Collaço (2003, p. 177), esse fenômeno “tomou um impulso

    em função das inovações que se desenrolaram na agricultura, na indústria, nos transportes e

    etc.”, e se tornou mais comum para uma ampla parcela da população.

    Ademais, realizar uma refeição fora do lar, “tornou-se um hábito difundido, gerando

    novas interpretações que, expressas na ação social, organizam as escolhas alimentares assim

    como determinam a apropriação e usos de espaços” (COLLAÇO, 2003, p. 178). Contudo,

    embora sejam necessidade e lazer as principais motivações para levar as pessoas a comerem

    fora de casa, essa experiência nunca é equivalente a todas as pessoas.

    Nos primeiros almoços que acompanhei o cardápio foi galinhada com feijão e salada

    de alface, tomate com cebola. Um cozinheiro da comunidade foi convidado para cozinhar.

    Uma cozinha foi improvisada na varanda e um fogão industrial fez enormes panelas encher o

    ambiente com um cheiro delicioso de comida. Instalado antes do fogão, outro vizinho cuidava

    do caixa, anotando todas as vendas em um caderno e trocando dinheiro por fichas para serem

    trocadas por comida ou bebida com outro morador que havia se tornado garçom. Diferentes

    cozinheiros e cozinheiras passaram pela varanda do Jorge ao longo dos almoços que

    acompanhei.

    Eu participei de muitos desses eventos, quase sempre carregando a câmera ligada.

    Com o passar do tempo, passei a assumir algumas tarefas como distribuir mesas e cadeiras no

    quintal, carregar objetos, servir bebidas ou recolher latas de alumínio vazias, sempre havia

    alguma coisa para fazer. Quando Jorge me via com a câmera ligada logo interagia comigo e

    com a câmera, como na apresentação de um dos cozinheiros.

    Eu estava filmando o cozinheiro trabalhando quando Jorge passou por nós e parou

    para dialogar com a câmera: Esse aqui é o Davi, proprietário e dono da marca Taifa

    Gastronomia, e começou a entrevistar Davi enquanto ele preenchia marmitas, dialogando

    comigo e com a câmera:

    Eu: Davi, me fala do processo que te levou a cozinhar e se tornar um chefe

    de cozinha? Davi respondeu, Minha paixão pela profissão. Eu nasci para

    cuidar dos outros, resumindo. Jorge então completou olhando para a câmera,

    Esse é o agradecimento pelo que ele está fazendo para a comunidade, para o

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    instituto, está fazendo um trabalho voluntário e a gente só tem a agradecer o

    Davi.

    É nesse contexto que a comida, a música, as pessoas e o lugar ganham um sentido

    simbólico que se apresenta à câmera por meio do que Herzfeld (1991) chama de “debate

    cultural na prática social”, nesse caso com mais relevância devido à proposta de uma câmera

    participante, conduzida pelos moradores, principalmente por Jorge durante as filmagens que,

    após naturalizadas ao olhar da maioria, passa a retratar momentos especiais e cotidianos na

    comunidade.

    Durante todo o dia o trabalho é sempre dividido entre os moradores e alguns amigos. É

    claro que nem todos estão dispostos a participar diretamente executando tarefas nos eventos,

    contribuem com o consumo no local, mas as pessoas que costumam ajudar, normalmente

    estão por lá cada dia fazendo alguma coisa diferente. A cooperação é uma característica

    marcante das relações sociais na ocupação, inclusive frente a outros problemas como

    encontrar alguém para lhe ajudar com uma costura de roupa, como para lhe ceder um espaço

    no terreno para morar.

    As relações familiares também são importantes na ocupação. É comum para os

    moradores mais antigos saber o nome dos pais e dos avós de muitas crianças que brincam no

    ILOGU aos sábados, inclusive dar uma bronca e educar se for preciso. A filha do Jorge, por

    exemplo, faz sua parte nos eventos cuidando da salada, descascando e cortando os legumes.

    Algumas vezes, assumi a câmera e sai fotografando a festa e as pessoas da comunidade. O

    filho do Jorge também participa, ora controlando as fichas do caixa, ora fazendo salada ou

    distribuindo marmitas.

    Semelhante aos restaurantes de imigrantes italianos na cidade de São Paulo, lugares

    que não se distingue de imediato o público e o privado, onde a família forma um modelo

    central para garantir a sobrevivência, inclusive econômica, implicando distintas estratégias,

    “de modo que é preciso considerar de que forma o núcleo familiar está constituído para

    compreender o funcionamento desse incipiente modelo de restaurante” (COLLAÇO, 2003, p.

    62).

    Conforme Magnani (2003, p. 30) “a organização da vida familiar, as relações de

    vizinhança, as formas de entretenimento e cultura popular podem constituir, pois, uma

    realidade até mesmo privilegiada para emendar alguns aspectos das orientações políticas e dos

    movimentos sociais populares”.

    Para Robert Park (1987), é o contato com os vizinhos que forma a base mais elementar

    de associação na vida da cidade, onde interesses e associações desenvolvem sentimento local

    fazendo da vizinhança, nesse sistema, a base de participação no Governo e do controle

    político.

    O trabalho nas festas do ILOGU é associativo, se alguém cozinha, fica sob a

    responsabilidade de outro vizinho retirar as marmitas dos sacos e deixá-las prontas para

    receber a comida. A geladeira da casa do Jorge fica cheia de bebidas. No primeiro almoço que

    acompanhei, além da geladeira do Jorge, um freezer horizontal emprestado ficou sobre uma

    carrocinha de metal refrigerando as bebidas, mas com o tempo, mais freezers foram

    necessários e enfileirados na varanda, todos emprestados pela comunidade e amigos.

    Esses eventos se tornaram importantes para se observar a organização do “pedaço”. A

    disposição das mesas e das famílias, a cooperação da vizinhança, a divisão do trabalho, a

    escolha das músicas, observar como se dão as relações sociais entre os vizinhos do bairro, não

    apenas nas casas dos moradores ou nas audiências públicas, mas também em momentos de

    entretenimento que preenchem o tempo livre, onde procurei “estar presente para ouvir relatos

    e comentários, e observar comportamentos, no momento em que se manifestam”

    (MAGNANI, 2003, p. 58).

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    Lá fora, na calçada da Avenida Segunda Radial, uma faixa convida toda a comunidade

    para o almoço a partir das 11:00 horas, enquanto lá dentro cada um faz sua parte, sorrindo,

    conversando e trabalhando; os filhos do Jorge preparam a salada, o cozinheiro cuida da

    comida, um vizinho prepara as marmitas, o outro vende as fichas no caixa e mais um se torna

    o garçom. O trabalho coletivo une os vizinhos que atentem outros vizinhos e amigos que

    chegam com suas famílias em busca de comida, lazer e para apoiar o ILOGU e os moradores

    da Ocupação do Jardim Botânico.

    Lentamente, a parte do quintal que não tem mesas e cadeiras, é tomada por

    carros que chegam a todo o momento. Além da comida, a música também é um atrativo dos

    eventos do ILOGU. Alguns moradores e amigos trazem equipamentos de som como caixas e

    instrumentos musicais, que eles mesmos instalam. Normalmente, enquanto o palco é montado

    em frente à casa do Jorge, ele recebe pessoalmente as pessoas que chegam a seu quintal, com

    um aperto de mão, ou em alguns casos, com abraços e beijos.

    Ao seu lado, Escuro, seu pequeno cão vira lata de longos pelos negros, recebe a todos

    balançando gentilmente sua calda e se beneficiando de bons pedaços de comida cedidos pelos

    visitantes. Eventualmente, outros cães da vizinhança também aparem por lá e pacificamente

    passeiam ao lado de Escuro entre as pessoas e as mesas ganhando sempre um pedacinho de

    comida.

    Muitas crianças participam dos eventos do ILOGU, aos sábados elas podem ser vistas

    andando de bicicleta, correndo ou brincando com ioiô. Já os adultos, como estão entre

    vizinhos e amigos, é comum vermos abraços, beijos e comentários elogiosos sobre o cabelo,

    por exemplo. É possível ver amigos que parecem não se ver a muito tempo se abraçar felizes

    e fazerem brincadeiras entre si. Quanto à música, toca muito pagode, rap e rock,

    principalmente nacional, mas também internacional, inclusive ao vivo.

    A família do Senhor Mário, vizinha de Jorge e do instituto, vez ou outra se

    comunica com a cabeça em cima do muro com as pessoas reunidas no ILOGU, relembrando

    um costume antigo dos moradores de conversar de suas janelas antes de construírem os muros

    entre as casas. Senhor Mário raramente perde um evento ou reunião.

    Nos primeiros eventos, poucas pessoas ficavam bebendo e comendo no ILOGU, a

    maioria preferia levar a comida para casa. Contudo, com o passar do tempo, a quantidade de

    pessoas que passaram a ficar no quintal aumentou. Inclusive a feijoada e a caipirinha foram

    adicionadas ao cardápio, e agora são servidas como opção à tradicional galinhada com

    cerveja. As paredes foram decoradas com pinturas feitas por amigos, e bambus deram forma a

    uma estrutura próxima a de um bar chamado agora por todos de “Quintal do Jorge”.

    Durante as festas, se fala sobre a ocupação, mas se fala sobre trabalho, acontecimentos

    e trivialidades da vida pessoal dos moradores, são principalmente momentos de descontração.

    Normalmente, quando me vê filmando alguém, Jorge se aproxima e cumprimenta as pessoas

    me apresentando-as com seu jeito irreverente: esse é o Paulinho, esse é o Sombra, o Serjão,

    minha sobrinha, meu filho e etc. Apontando para mim, que filmava, esse é o Pedro, onde eu

    vou ele vai, entendeu? E se diverte me apresentando às pessoas.

    Em muitos momentos desses eventos a sensação é de que não existe um conflito e nem

    que os moradores estão ameaçados de despejo. A comida, a música e os momentos de

    descontração entre os vizinhos e amigos dão pistas importantes sobre as relações sociais do

    “pedaço”, como as ações cooperativistas e as atividades rotineiras como o trabalho, a vida

    doméstica e as práticas culturais.

    Conforme os eventos foram atraindo mais pessoas, a cozinha precisou aumentar e o

    palco precisou mudar de lugar. Foi para baixo da primeira Mangueira do quintal, próximo à

    entrada da casa do Jorge. Com uma lona preta escondendo a retífica mecânica do vizinho e

    uma azul rodeando o palco que contava com um microfone, uma bateria e um teclado, mais

    uma vez, uma banda animou a festa na ocupação.

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    Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia v4 n10 março de 2020 ISSN 2526-4702

    Em um desses eventos colocamos embaixo de uma tenda, em frente à casa do Jorge,

    uma televisão reproduzindo os vídeos gravados na comunidade, vídeos das audiências até

    então realizadas e narrativas de moradores contando suas memórias sobre a origem da

    ocupação. Embora tenha despertado a atenção de alguns moradores, não provocou o debate

    esperado. A mesma estratégia foi utilizada outras vezes, chamando mais atenção que da

    primeira vez, mas ainda com poucos debates.

    Para Rocha e Eckert (2013, p. 223) “A cidade é o contexto vivido com a pluralidade

    de alteridades, com aquele que eu não conheço, mas que não é excluído”, pois, é exatamente a

    tolerância para com o estranho que faz a cidade ser cidade. Portanto, o fazer antropológico,

    nesse contexto, desperta a consciência de que atividade humana é criada socialmente e não

    dada pela natureza das coisas, e que as narrativas produzem fóruns de conhecimento entre

    seus habitantes, interpretam os sentidos de continuidade de uma sociedade.

    Considerações finais

    O ILOGU, além de ponto de encontro das pessoas que são do pedaço, “uma peculiar

    rede de relações que combina laços de parentesco, vizinhança, procedência e vínculos

    definidos por participações em atividades comunitárias”, (MAGNANI, 2012, p. 88), é

    também uma residência familiar que em outros dias, é apropriado pelos vizinhos para ser

    palco de suas lutas pelas escrituras durante reuniões e audiências, ou para comer e festejar em

    eventos da comunidade, fazendo dele um lugar de múltiplos usos, sentidos e significados,

    uma sinédoque de toda a ocupação.

    Para Rocha e Eckert (2013, p. 221), “a cidade, como locus, assume um lugar

    estratégico e privilegiado na reflexão antropológica sobre a “comunicação” que preside as

    formas de vida social no meio urbano e sobre as multiplicidades e singularidades que

    encerram o vivido humano em seu espaço”.

    Nesse artigo, ao observar os eventos festivos realizados por moradores que se

    organizam para defenderem suas casas da desapropriação, procuro pensar a importância do

    olhar antropológico na elaboração de políticas de urbanização mais equânimes e mais justas,

    que para além de considerar as estruturas físicas e os conflitos na cidade, privilegia a

    observação das distintas formas de apropriação e criação dos lugares.

    Referencias

    AUGÉ, M., Por uma antropologia da mobilidade. Tradução Bruno César Cavalcante, Rachel

    Rocha de Almeida Barros; revisão Maria Stela Torres B. Lameiras; EDUFAL, UNESP,

    Maceió, 2010.

    ALVAREZ, G. O., Os momentos interpretativos da antropologia e a antropologia visual

    compartilhada. Iluminuras, v. 14, n.32, p. 43-54, jan./jun. Porto Alegre, 2013.

    ARAÚJO, J. J., A realização de documentários por comunidades indígenas: notas sobre o

    projeto Vídeo nas Aldeias. Intexto UFRGS, n. 26, p. 151 – 169. Porto Alegre, jul. 2012.

    COLLAÇO, J., H., L. Um olhar antropológico sobre o hábito de comer fora. Revista

    Campos, Vol. 4, p. 171 – 194, São Paulo, 2003.

    DE CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. 6ª Ed.Vozes, Petrópolis, 2001.

    HERZFELD, M. A place in history: social and monumental time in a Cretan Town. In: The

    Anthropology os Space and Pace: locating culture/ edited by Setha M. Low and Denise

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    LEITE, R. P., Contra-usos da cidade: lugares e espaço público na experiência urbana

    contemporânea, 2ª Edição, Editora UNICAMP, Campinas, SP; Editora UFS, Aracaju, SE,

    2007.

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    Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia v4 n10 março de 2020 ISSN 2526-4702

    MAGNANI, J. G. C., Festa no Pedaço: cultura popular e lazer na cidade. 3ª ed. Hucitec/

    UNESP, São Paulo, 2003.

    MAGNANI, J. G. C., Da periferia ao centro: trajetórias de pesquisa em antropologia urbana,

    Editora Terceiro Nome, São Paulo, 2012.

    OLBERTZ, K., Operação urbana consorciada. Dissertação de Mestrado. Faculdade de

    PARK, R., A cidade: sugestões para a investigação do comportamento humano no meio

    urbano. In Velho, Octávio Guilherme (org.). O fenômeno urbano. Guanabara: Rio de Janeiro,

    4ª ed., p. 26 a 67, 1987.

    ROCHA, A. L. C.; ECKERT, C. Etnografia da Duração: antropologia das memórias

    coletivas em coleções etnográficas. Marcavisual, Porto Alegre, 2013.

    TAMASO, I. M. Em nome do Patrimônio: representações e apropriações da cultura na cidade

    de Goiás. Tese (Doutorado) – Universidade de Brasília, Brasília, 2007.

    TAMASO, I. M., Etnografando os sentidos do lugar: pintando, declamando e cantando a

    cidade de Goiás. In: TAMAZO, I. M., LIMA FILHO, M. F. Antropologia e Patrimônio

    Cultural: trajetórias e conceitos, Brasília: Associação Brasileira de Antropologia, pp. 219 –

    244, 2012.

    TUAN, Y., Espaço e lugar: a perspectiva da experiência, tradução Lívia de Oliveira, DIFEL,

    São Paulo, 1983.

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    Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia v4 n10 março de 2020 ISSN 2526-4702

    CARVALHO, Ana Priscila Rezende de. Fotografando na resistência: memória e visibilidade no caso de

    remoção da comunidade Vila Autódromo (RJ). Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e

    Sociologia, v.3, n.7, p. 29-44, março de 2019. ISSN 2526-4702.

    DOSSIÊ

    http://www.cchla.ufpb.br/sociabilidadesurbanas/

    Fotografando na resistência: memória e visibilidade no caso de remoção da

    comunidade Vila Autódromo (RJ)

    Photographing in the resistance: memory and visibility in the event of removal of Vila Autódromo

    community (RJ)

    Ana Priscila Rezende de Carvalho

    Resumo: O presente relato etnográfico pretende apontar caminhos possíveis para se pensar as

    relações entre a produção de imagens fotográficas e fílmicas e os conflitos em torno do “direito à

    moradia”, tomando como objeto o caso da remoção da comunidade Vila Autódromo, na região da

    Barra da Tijuca, em um contexto que ficou conhecido como “megaeventos” na cidade do Rio de

    Janeiro. Indagações acerca do que muda quando os próprios sujeitos, que não possuem seus

    direitos de moradia assegurados, escolhem enquadrar determinadas situações vividas por eles; o

    que criam com essas imagens posteriormente e por onde elas circulam e como, então,

    desestabilizam as relações de poder na produção de imagem. Os próprios sujeitos que portam e

    escolhem “empunhar” a câmera em busca da construção de “visibilidades” para a situação de remoção, possibilitando a construção de redes de apoio/aliança com pessoas “de fora”, como

    forma possível de legitimação dos modos que construíam e ocupavam o espaço. Proponho

    apresentar os caminhos da pesquisa a partir da construção da exposição “Imagens de Memória e

    de Luta” com as fotografias de Luiz Claudio Silva, morador da Vila Autódromo, quem reuniu um

    acervo de imagens que narram, a partir do seu ponto de vista, uma comunidade que foi

    violentamente removida entre os anos de 2013 e 2016. Para construção da exposição, que tem

    ocupado, principalmente, espaços de outras comunidades que atualmente vivem processos de

    remoção na cidade — com as quais busca construir uma relação de apoio/aliança —, pude ver

    junto às imagens com seu autor e propor uma construção oral de suas memórias acerca do

    processo e dos espaços demolidos da comunidade. Palavras-chave: remoção, moradia, cidade,

    produção de imagem, visibilidade

    Abstract: The present ethnographic account intends to point out possible ways of thinking about

    the relations between the production of photographic and filmic images and the conflicts

    surrounding the "right to housing", taking as object the case of the removal of the Vila Autódromo

    community in the region of Barra da Tijuca, in a context that became known as "mega-events" in

    the city of Rio de Janeiro. Inquiries about what changes when the individuals themselves, who do

    not have their rights of housing assured, choose to frame certain situations they experienced; what

    they create with these images afterwards and where they circulate and how, then, they destabilize

    the relations of power in the production of image. The individuals themselves that carry and

    choose to "wield" the camera in search of the construction of "visibilities" for the situation of

    removal, allowing the construction of networks of support / alliance with outsiders, as a possible

    way of legitimizing the ways that built and occupied space. I propose to present the research paths from the proposed construction of the exhibition "Imagens de Memória e de Luta" with the

    photographs of Luiz Claudio Silva, a resident of Vila Autódromo, who gathered a collection of

    images that narrate, from his point of view, a community that was violently remo