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LEDILSON LOPES SANTOS JUNIOR SOCIABILIDADE E IDENTIDADES CONFINADAS EM CONDOMÍNIOS DA BARRA DA TIJUCA Tese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Planejamento Urbano e Regional. Orientador: Prof. Dr. Rainer Randolph Rio de Janeiro 2009

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LEDILSON LOPES SANTOS JUNIOR

SOCIABILIDADE E IDENTIDADES CONFINADAS EM CONDOMÍNIOS DA BARRA DA TIJUCA

Tese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Planejamento Urbano e Regional. Orientador: Prof. Dr. Rainer Randolph

Rio de Janeiro 2009

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RÁFICA LEDILSON LOPES SANTOS JUNIOR

SOCIABILIDADE E IDENTIDADES CONFINADAS EM CONDOMÍNIOS DA BARRA DA TIJUCA

Tese submetida ao corpo docente constituído pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Planejamento Urbano e Regional.

Aprovado em: 30 de janeiro de 2009 ______________________________________ Prof. Dr. Rainer Randolph – Orientador Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – UFRJ ______________________________________ Prof. Dra. Ester Limonad Universidade Federal Fluminense – UFF ______________________________________ Prof. Dra. Maria de Fátima Ribeiro Gusmão Furtado Universidade Federal de Pernambuco – UFPE ______________________________________ Prof. Dra. Tamara Tania Egler Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – UFRJ ______________________________________ Prof. Dra. Luciana Corrêa do Lago Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – UFRJ

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AGRADECIMENTOS

Esta tese é fruto de uma longa caminhada que sequer teria sido iniciada sem

a ajuda dos meus pais. A eles que sempre estiveram ao meu lado e me conferiram

uma sólida base ética.

Agradeço ao Departamento de Ciências Sociais da UERJ que no ano de 2000

me ofereceu a primeira experiência docente em nível superior, de onde pude extrair

excelentes lições acadêmicas baseadas no desafio da dedicação ao ensino e

pesquisa em um país cada vez menos afeito ao pensamento crítico. Sou

profundamente grato ao Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e

Ciências Sociais da UFRJ que no período de 2001 a 2003 me permitiu a atividade

docente, acrescentando a minha curta biografia um novo envolvimento com a

Instituição onde estudei. Neste período pude apreender significados que distinguem

o trabalho reflexivo do mero tarefismo pedagógico. Não poderia deixar de

reconhecer a importância dos meus alunos nesta nova etapa da minha vida.

Um agradecimento especial aos amigos Anderson, Claudia, Humberto e

Natany.

Aos funcionários do IPPUR, sempre profissionais e zelosos de suas

responsabilidades com os alunos, sem com isto perder o afeto tão necessário, e

cada vez mais escasso, às relações humanas.

Um agradecimento especial aos amigos da minha “turminha” Betânia e Oscar.

A primeira o prazer de ter como amiga alguém tão humana e brilhante, e que faz de

sua trajetória pessoal uma preocupação com o Outro. Ao amigo Oscar, notável

urbanista e “xará”, o privilégio de ser seu amigo, de poder ter aprendido tanto com a

nossa convivência em locus no Rio de Janeiro, tendo a certeza que este vínculo

permanecerá por toda a vida.

Agradeço, de forma sincera, ao meu orientador por ter pautado sua

orientação no respeito à minha produção e no estímulo ao debate de idéias,

mantendo o rigor de suas análises.

Agradeço a todos os moradores que me concederam as entrevistas.

A Myriam, meu amor, por estar ao meu lado neste momento tão particular que

exigiu tanta paciência, onde revelou muito companheirismo.

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RESUMO

LOPES, Ledilson. Sociabilidade e Identidades Confinadas em Condomínios da Barra da Tijuca. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional), Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.

Este estudo tem como objetivo investigar as formas de socialização desenvolvida pelos moradores dos condomínios fechados da Barra da Tijuca, tanto no âmbito dos seus respectivos condomínios quanto nas áreas de encontro presentes nos seus entornos. Considerando o impacto sócio-espacial produzido pelo crescimento da Barra da Tijuca, impacto este que possui relações de determinação sobre as morfologias tanto do tecido social deste bairro e dos outros bairros de sua respectiva região administrativa quanto do conjunto da cidade do Rio de Janeiro, buscamos através da identificação dos fatores que motivam os processos de interação entre moradores de condomínios fechados a verificação de valores que possam estas legitimando estas escolhas. Para atender a este objetivo nossa empreitada foi divida em duas etapas: uma primeira abordagem teórica baseada na bibliografia que tem se debruçado sobre a complexidade da instalação dos condomínios fechados em várias cidades, com ênfase para os casos metropolitanos. Feito isto partimos para o campo e através da realização de entrevistas com moradores de condomínios fechados buscamos responder algumas indagações que fundamentaram toda a investigação, tais como, até que ponto o morador da Barra da Tijuca só se relacionava com os moradores e os espaços do próprio bairro; qual a real dimensão do condomínio fechado na vida do morador, no que tangesse a determinação das suas dinâmicas espaciais dentro e fora do bairro; e se seria possível extrair destes depoimentos alguma concepção de cidade oriunda das possíveis representações que os moradores da Barra da Tijuca produzem sobre a sua condição de residentes de um bairro de classe média alta. As conclusões a que se chegamos alertaram-nos sobre uma certa generalização de idéias e imagens que diferentes veículos tem produzido sobre a Barra da Tijuca, que freqüentemente consagram pré-noções que pouco contribuem para a percepção da real participação da Barra da Tijuca no contexto atual de crescimento das cidades capitalistas, cujos arranjos sociais frutos de empreitadas privatistas, bem representadas pelo caso da Barra da Tijuca, tem revelado toda a força de determinadas orientações comportamentais, algumas delas induzidas pela sociedade de consumo.

Palavras chave: Segregação residencial; identidade social e consumo.

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ABSTRACT

LOPES, Ledilson. Sociability and Confined Identities at Condominiums in Barra da Tijuca. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional), Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.

This study aims to investigate the forms of socialization of private condominiums developed by the residents of Barra da Tijuca, both within their respective areas of condominiums and in their surroundings. Considering the socio-space impact produced by the growth of Barra da Tijuca, which impact this has on the relations of determination morphologies of both the social fabric of this district and other districts in their region as the whole city of Rio de Janeiro, we by identifying the factors that drive the processes of interaction between residents of these private condominiums verified values that can legitimizing these choices. To meet this goal our work was divided into two stages: a first theoretical approach based on the literature that has been working on the complexity of the installation of private condominiums in several cities, with emphasis on the metropolitan cases. After that we did a practical research by conducting interviews with residents of condominiums we aimed to answer some questions which motivated the whole research, such as the extent to which the resident of Barra da Tijuca is only related to the residents and the spaces of their own neighborhood, which is the real dimension of the private condominium in the life of the residents regarding their spatial dynamics within and outside the neighborhood, and if it would be possible to extract from some of these testimonials the design of possible representations that the inhabitants of the Barra da Tijuca produce on the condition of residents of a neighborhood of upper middle class. Our conclusions warned us about a generalization of ideas and images that have been produced by the media about Barra da Tijuca, which often spend little pre-notions that contribute to the perception of the real participation of Barra da Tijuca in the current context of capitalist growth of cities, whose social arrangements of private works, well represented by the case of Barra da Tijuca, has revealed the full force of certain behavioral guidelines, some of them induced by the society of consumption.

Key words: Residential segregation, social identity and consumption.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Barra da Tijuca nos anos cinqüenta

96

Figura 2 – Avenida das Américas em 1969

101

Figura 3 – Barra da Tijuca nos anos oitenta

112

Figura 4 – Entrada da Barra da Tijuca em 1972

112

Figura 5 – Entrada da Barra da Tijuca em 1977

113

Figura 6 – Presença do condomínio Solar da Barra, Nau da Barra, Portal do Parque e Vivendas do Bosque

183

Figura 7 – Condomínio Barramares

184

Figura 8 – Condomínio Jardim Europa

186

Figura 9 – Condomínio Barrasul

187

Figura 10 – Condomínio Lake Buena Vista

188

Figura 11 – Mapa da Barra da Tijuca

189

Figura 12 – Vista aérea da Barra da Tijuca

190

Figura 13 – Fronteira tensa entre condomínio Barrasul e vizinho

200

Figura 14 – Guarita do Solar da Barra

202

Figura 15 – Imagem interna do Barramares

204

Figura 16 – Área de lazer do Barramares

209

Figura 17 – Administração profissional

221

Figura 18 – Limites artificiais de um condomínio

236

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

1

Os condomínios fechados e os novos desafios urbanos: uma breve revisão da literatura sobre condomínios fechados no Brasil e na América Latina

8

Condomínios fechados: a diversidade do objeto

11

Divisão da tese

24

CAPÍTULO 1 – Espaço e modernidade tardia: a construção de uma nova espacialidade representada pelos condomínios fechados

28

1.1 – O sentimento de insegurança nas grandes cidades: a solução condomínio fechado

33

1.2 – Comunitarismo com individualismo. O desafio das novas classes médias

40

1.3 – Condomínio fechado: racionalismo com culturalismo?

58

1.4 – A nova socialização urbana

62

1.5 – Os condomínios fechados e a modernidade tardia

66

1.6 – O condomínio fechado e a busca por um modo de vida total

73

1.7 – Conforto e exclusividade: dois epítomes da sociedade de consumo

78

CAPÍTULO 2 – As Transformações Sócio-Espaciais da Cidade: a contribuição da Barra da Tijuca para um novo modelo de urbanidade

89

2.1 – As particularidades da forma urbana

90

2.2 – Do descampado ao mar de condomínios

96

2.3 – Um breve aporte sobre os impactos morfológicos provocados pelo Plano Lúcio Costa na Barra da Tijuca

100

2.4 – A Barra da Tijuca – a consagração de uma nova urbanidade

111

2.5 – A Barra de ontem para hoje

117

2.6 – O escapismo das elites e a redução da maioridade territorial

127

CAPÍTULO 3 – Representação e Realidade – a vida em condomínios fechados da Barra da Tijuca através do noticiário da grande imprensa

139

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3.1 – O papel da imprensa na construção de um imaginário urbano segregacionista

139

3.2 – Metodologia adotada

143

3.3 – Vulnerabilidade em fortalezas

146

3.4 – A fala sobre o público e a ação no espaço privado

163

CAPÍTULO 4 – Barra da Tijuca: as formas de interação em condomínios fechados

175

4.1 – Metodologia das entrevistas

178

4.1.1 – A seleção dos moradores e dos condomínios fechados

180

4.2 – A Barra como destino

189

4.3 – O medo urbano: a procura por segurança nos condomínios fechados

206

4.4 – A invenção da comunidade

216

4.5 – A gestão do espaço condominial

220

4.6 – Individualismo x Comunitarismo: os limites da dicotomia

225

4.7 – O consumo como elemento de formação de uma identidade social e a sua construção nos espaços de fluxo do bairro

231

4.7.1 – Na busca pelos bens privados: a reconfiguração do espaço público

234

CONCLUSÃO

250

REFERÊNCIAS

263

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1

INTRODUÇÃO Welcome to Pessanha Tower. Welcome to Flowerville. Depois de conversar com Pessanha, Neumani já não estranha aquele welcome obrigatório que flowerville parece considerar tão educado. Caminha pelas ruas do condomínio entre bancas de jornal e floristas, mesas de café e tábuas de shiatsu ao ar livre, parquinho com balanços e anúncios holográficos que saltam da calçada e dos quais todo mundo desvia – por reflexo, mas também porque dizem que dá azar passar dentro da holografia. Aqui tudo é playground, o slogan dos tempos do lançamento do projeto pós-urbano lhe vem à cabeça.(Rodriguez, Sérgio, 2006, p.15). 1

Flowerville é um megacondomínio. Erguido sobre um antigo vazio urbano2, sua

concepção atendia aos preceitos mais ambiciosos do urbanismo pós-moderno: construir

em uma área deserta uma obra arquitetônica que pudesse gerar um estilo jamais visto

em termos de vida coletiva. Lá o idioma oficial é o inglês, assim como os hábitos dos

seus moradores são referenciados pelo modo de vida americano. Este idioma, que no

fundo procura induzir uma gramática de relações sociais, está sempre presente nos

vícios de linguagem do seu idealizador, o doutor Pessanha, que, não raro, é

mencionado pelos outros personagens como doutor Peçonha, principalmente por

Neumani, espécie de colaborador involuntário dos seus projetos. Neste

empreendimento primado pela maximização dos usos dos espaços internos, esperava-

se reproduzir uma cidade perfeita, sem os vícios e infortúnios das cidades reais, cujos

projetos forma marcados pela racionalidade, porém aplicados em ambientes sociais que

não corresponderam suas estratégias de controle.

1 RODRIGUEZ, Sérgio. As Sementes de Flowerville. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006. 2 O uso desta expressão é uma menção à antiga imagem da Barra da Tijuca, antes da sua ocupação começar a se efetivar por volta do final dos anos sessenta. Apesar do romance não citar explicitamente a Barra da Tijuca, as imagens arquitetônicas, as relações entre os moradores e os valores por eles defendidos em seus processos de interação poderiam reportar o seu leitor a imaginar em Flowerville uma caricatura de condomínios presentes na Barra da Tijuca. Soma-se a isto o fato biográfico de que, apesar de ser mineiro de origem, o autor mora no Rio de Janeiro, logo ele tende a estar bastante familiarizado com o fenômeno de condomínios da Barra da Tijuca.

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2

Dentro de Flowerville, dada a grandiosidade de sua estrutura física é possível

encontrar de tudo, permitindo ao seu morador desenvolver formas de socialização que

lembrem modos de vida totais.3 Nada que fuja a imaginação humana está de fora. Sua

existência é a mais perfeita combinação de conforto, exclusividade e segurança,

assegurando a distinção dos seus moradores e a enorme distância que estes guardam

com aqueles que ficaram do lado de fora, nomeados na obra literária como os

moradores da cidade.

Apesar de se tratar de uma obra literária, logo, um exercício de imaginação livre

dos preceitos de investigação científica, a passagem epigrafiada, assim como a

abordagem sintética que eu procurei fazer da história contada no livro, são bastante

reveladoras de uma das mais expressivas construções urbanas das últimas décadas, e

que hoje se faz presente em praticamente todas as grandes capitais brasileiras: os

condomínios fechados.

Fenômeno que há pelo menos duas décadas vem intrigando uma série de

pesquisadores urbanos egressos de diferentes formações acadêmicas, os condomínios

fechados começaram a ganhar a imaginação artística. Já nos sessenta Godard

produziu um dos seus clássicos Alphaville, um filme que primava pela qualidade do

texto e uma previsão assustadora de um cenário urbano onde todos os movimentos

seriam programados e controlados por um grande computador, espécie de Big Brother

a lá George Orwell, instalado no núcleo central da cidade, o Alphaville 60.

O pesadelo anunciado pela obra cinematográfica de uma cidade onde todos os

movimentos são calculados, as pessoas cumprem funções rígidas, e desta forma, estão

destituídas de personalidade própria, alcançando um nível de despersonalização que

nenhuma experiência concreta de cidade ao longo da história sequer conseguiu se

aproximar, curiosamente, teve a sua nomenclatura reaproveitada alguns anos depois

pelo ambicioso projeto residencial paulistano. A recuperação deste nome parece

atender a um preceito lógico. Seus empreendedores, preocupados em convencer os

futuros compradores das unidades alphavillianas de que estes morariam em ambientes

inovadores, recorreram à ficção para reforçar uma representação coletiva. O fato de

que viver nas cidades convencionais tenha se tornado perigoso, e ainda que os

3 Neste momento o conceito tem um sentido introdutório para uma reflexão feita no corpo da tese.

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3

indivíduos precisassem sacrificar, em um primeiro momento, certo níveis de liberdade,

esta perda seria compensada por um futuro seguro, sustentado por modos de vida

harmoniosos.4 Daí a sua opção por uma cidade asséptica, longe dos intrusos, bem

parecido com a intenção defendida pela paranóia de segurança do filme francês.

Os dois trabalhos citados são narrativas ficcionais que, entretanto, podem

confundir-se com a realidade. Perdoem-me o chavão, mas só assim consigo expressar

minha surpresa com os níveis de realidade traduzidos por duas obras que em termos

geográficos, históricos e culturais estão tão afastadas, mas ao mesmo tempo anunciam

valores contemporâneos à determinados modos de vidas nas grandes cidades. No

trabalho de Sérgio Rodriguez a figura do empresário do setor imobiliário lucra com a

especulação imobiliária consentida por acordos com órgãos do governo, destacando

assim, uma das facetas estruturais do crescimento de formas específicas de

apropriação do terreno urbano, que é o casamento dos interesses de determinados

segmentos do capital rentista com o poder público.

Apesar do personagem do megaempresário ser caricaturado na obra, o seu

perfil e os tipos de relação que ele estabelece com os seus subordinados, normalmente

marcadas por acordos de submissão, traçam com relativa perfeição o cenário de uso

desenfreado do poder que está de posse de certos personagens cada vez mais comuns

no imaginário da cidade capitalista. Ele é uma figura com acesso indiscriminado a tudo

que acontece dentro dos seus domínios, desde àqueles que entram no seu território,

sempre cuidadosamente vigiado, até uma confusão protagonizada por Bruno Leonte,

espécie de maurcinho pitboy da Barra da Tijuca, cuja repercussão precisou ser

abortada antes que fosse veiculado aos meios de comunicação local. Pode-se dizer,

sem exagero, que Flowerville é uma aplicação da sociedade do controle, o refinamento

de pregressas formas de monitoração da vida.5

4 Para Baumam, uma das grandes contraposições trazidas pela retórica do confinamento voluntário, que parece fronterizar de-terminados modelos de socialização em condomínios fechados, é a contraposição entre liberdade e segurança. Para ele é impossível equacionar as demandas por segurança formuladas por segmentos que buscam se isolar, ainda que de forma imprecisa, dos conflitos e tensões que caracterizam espaços abertos, logo vizinhos às suas residências, com liberdade, já que esta mesma liberdade é frutada pelo monitoramente da dinâmica dos moradores dentro dos seus condomínios. Apesar desta reflexão aplicar-se a um escopo muito maior do que as formas de socialização desenvolvidas dentro de condomínios fechados, a sua mensagem parece explicar um dos grandes paradoxos resultantes de algumas dinâmicas de confinamento residencial. 5 Sociedade de controle foi uma categoria criada por Gilles Deleuze para sustentar a superação das bases disciplinar que marcou outras épocas. Hoje em dia a monitoração e o controle sobre os indivíduos se dão, justamente, na sociedade de controle cujo funcionamento é caracterizado pelo controle contínuo e comunicação instantânea. Uma era das máquinas cibernéticas e dos computadores. Todo este aparato pode ser visto nas engrenagens de controle de Flowerville.

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4

Levando em consideração a relevância de algumas questões levantadas pelos

referidos trabalhos literários, mas de antemão anunciando a minha investigação de

caráter estritamente científico, o objetivo da minha tese foi investigar os processos de

socialização em curso dentro de um número específico de condomínios fechados no

bairro da Barra da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro. Delineado este objetivo procurei

verificar dentro destes condomínios o conjunto de relações que especificam os agentes

envolvidos nestes processos e os lugares com os quais os moradores se envolvem, já

que nos primeiros momentos da minha investigação já era possível identificar

deslocamentos dos moradores em direção a outros espaços do bairro, acionados de

acordo com a demanda em questão.

Ao fazer a análise das formas de interação entre os moradores de condomínios

em busca dos valores que os sustentam, pretendia verificar a existência de

diversidades entre os modelos residênciais e de que forma esta diversidade poderia

impactar nas formas de socialização desenvolvidas por estes moradores, na medida em

que a heterogeneidade da composição poderia indicar uma diversidade de segmentos

sociais que se expressa no território. E um dos valores que pretendia verificar era a

participação do medo como princípio norteador da escolha do morador por morar em

condomínio fechado.

Adianto nesta passagem a proeminência do medo como variável para o exame

das formas de socialização dos moradores de condomínios, fazendo um exercício de

antecipação que não pretende desfigurar a seqüência de uma tese, já que aqui na

introdução esta descoberta recebe outro tratamento. Sua antecipação colabora para

justificar o marco teórico selecionado. Logo, ao figurar como um dos valores mais

comuns, o medo que consubstancia uma conseqüente sensação de insegurança

procura ser amenizado pela disponibilidade de aparatos de segurança modernos e

reconhecidos pelos moradores de condomínios como obrigatórios, e o anseio por

privacidade. Este aspecto demonstrou a combinação de princípios que em um primeiro

momento me soaram como contraditórios, mas que depois foram sendo equacionados

pela regularidade com a qual apareciam nas entrevistas: o desejo de viver em um

ambiente coletivo que assegurasse ao seu morador a defesa da sua privacidade. Estas

duas preocupações colaboram para a composição de formas de subjetivações dos

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5

moradores de condomínios cujas dinâmicas de interação com os espaços do bairro são

definidas pelos marcos teóricos e morais da sociedade de consumo. Entretanto, se a

complexidade da sociedade de consumo não pode ser restrita ao conjunto de relações

acionadas por estes moradores – consumidores, alguns dos seus princípios podem

estar ali perfeitamente representados.

A minha investigação que foi motivada pela curiosidade analítica de identificar e

analisar o tipo de tecido social que se forma dentro destes macro espaços que são os

condomínios fechados acabou por me permitir a desconstrução de alguns lugares

comuns que costumam ser atribuídos aos condomínios. Primeiro, os condomínios

fechados não são áreas anômalas, no sentido durkheimiano6, pois dentro deles existem

formas de convivência que se assemelham à outros espaços sociais da cidade,

igualmente marcados por formas de comunicação entre os seus moradores e

irradiadores de valores comuns. Segundo, apesar da preocupação com a segurança

ser comum a todos moradores ela não foi o único fator que motivou a migração de

moradores de outros bairros em busca da Barra da Tijuca, notadamente do final dos

anos oitenta até os dias atuais. Terceiro, ao contrário do que parece sugerir um senso

comum ilustrado, categoria de largo uso na sociologia de Bourdieu (2004), a Barra da

Tijuca não pode ser responsabilizada como a região responsável pelos efeitos da

segregação sócio-espacial da cidade do Rio de Janeiro. O reconhecimento da Barra da

Tijuca como o bairro protagonista do aumento da segregação sócio- espacial da cidade

assemelha-se mais a um juízo de valor do que uma comprovação empírica, mesmo

considerando – se a participação do bairro no processo aludido. Uma análise desta

problemática complexa depende da articulação de fatores de natureza social, política,

econômica e cultural, que não podem ser plenamente satisfeitas pela demonstração de

um caso específico. E por fim, o fato de que o morador da Barra da Tijuca não vive de

forma integral dentro dos seus condomínios. Considerando que a diversidade dos

condomínios expressa uma variação de infra-estruturas internas, a maioria dos seus

moradores se direciona para os setores de serviço e lazer, os shoppings, que se

encontram fora dos domínios condominais. Como estas buscas geram novas formas de

interação dos moradores da Barra da Tijuca com os seus espaços constituintes,

6 Mais a frente, ainda nesta introdução, eu explico este conceito.

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amparando na terminologia de Manuell Castells, eu conclui que existem espaços de

fluxos no horizonte relacional dos moradores da Barra da Tijuca.

Para atingir os objetivos pretendidos pela investigação a minha tese pode ser

dividida em duas etapas, que talvez fiquem mais claras logo adiante quando eu

apresentarei de forma detalhada o conteúdo de cada capítulo. A primeira etapa trata-se

de uma investigação teórica das atuais dinâmicas de interação dos indivíduos com os

espaços de convivência nas grandes metrópoles, com ênfase para o caso carioca,

precedido pela sistematização de questões ligadas a urbanização das cidades ao longo

da história.

Neste percurso teórico procurei destacar como as diferentes formas de

apropriação do espaço feita por indivíduos agrupados em variadas formas de filiação

social são definidas e definem os tecidos sociais subseqüentes. Através deste método

foi possível reconhecer que as cidades são o resultado dialético dos processos de

interação dos indivíduos com os seus respectivos espaços, corroborando as reflexões

Lefebvrianas. Além de Lefebvre, recorri às reflexões de Bauman sobre a construção da

identidade social no processo de individuação contemporânea nas sociedades de

consumo e todo o drama ao incidir na composição de modos de vida que pleteiam uma

integração social isenta de conflitos, mas que acaba deparando com dramas de

integração social que acabam por afetar os grupos sociais menos abastados. O

trabalho de Bauman revelou-se uma rica contribuição para a compreensão dos conflitos

entre integrados e desintegrados substanciado pela retórica do acesso aos bens de

consumo e o conseqüente sentimento de desfiliação daqueles que não conseguem

atingir as metas deste modelo coertivo, e ao que tudo indica, hegemônico. Foucault foi

fundamental para a identificação de espaços heterotópicos que traduzem uma relação

de sobredeterminação de lugares na morfologia de determinados espaços da

modernidade tardia, que neste caso tem os condomínios fechados como estes

espaços. Castells foi uma referência que lançou luzes sobre a existência dos espaços

de fluxo do bairro, e por fim, em Bourdieu obtive um lastro teórico fundamental para

desvendar a situação de dominação entre grupos sociais ocultado pela material

jornalístico analisado no terceiro capítulo da tese.

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A segunda etapa da tese foi composta por uma pesquisa empírica realizada

através de entrevistas com determinados moradores de condomínios fechados da Barra

da Tijuca. Estes moradores foram selecionados graças a um progressivo ingresso que

tive no campo através de intermediários que abriram as minhas portas para ingressar

neste mundo distante para mim, revelando uma diversidade social destes domínios

residenciais e a possibilidade de identificar que a diversidade expressada por estes

condomínios é a conseqüência da heterogeneidade do tecido social de um bairro como

a Barra da Tijuca. Na minha pesquisa empírica tentei traduzir a diversidade dos

moradores, e os subseqüentes modos de vida por eles acionados dentro dos seus

condomínios fechados, como uma extensão da heterogeneidade de modos de vida

presentes em outros espaços de convívio do bairro.

Antes de apresentar o conteúdo de cada capítulo com o fim de sustentar a

delimitação da minha pesquisa passo neste momento a uma breve apresentação da

composição da problemática da minha tese através da discussão de uma literatura das

ciências sociais que tem se debruçado sobre o fenômeno dos condomínios fechados.

Nesta literatura não se encontram os autores que destaquei como centrais para a

composição do meu marco teórico. Sem querer incorrer em uma contradição entre

método e prática pretendo, tão somente, esclarecer que a literatura a ser aqui analisada

atende a dois objetivos: primeiro destacar o fato de que o objeto condomínios fechados

converteu-se em um desafio científico na área das ciências sociais em função dos

dilemas urbanísticos que estas formações residenciais tem gerado para as metrópoles

em todo o mundo; e segundo que as questões levantadas por esta literatura

reaparecem nos autores do meu marco teórico, e desta forma, sua exposição funciona

como uma contextualização teórica do fenômeno dos condomínios fechados com todas

as questões trazidas por esta literatura, e de forma mais específica, focando no objetivo

da minha tese, quais são as dinâmicas de interação social em curso dentro dos seus

domínios.

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Os condomínios fechados e os novos desafios urbanismo: uma breve revisão da literatura sobre condomínios fechados no Brasil e na América Latina.

Os trabalhos acadêmicos têm revelado vários enfoques sobre a problemática dos

condomínios fechados, dada a heterogeneidade do fenômeno, e a diferença de

tratamento atribui-se, em boa parte, aos vários perfis profissionais que tem se

apropriado deste objeto. De arquitetos a sociólogos, sem querer sugerir neste espaço

que estas áreas representem extremos das investigações sobre fenômenos urbanos,

em termos Lefebvrianos7 os condomínios fechados tem levantando dúvidas sobre os

rumos das cidades brasileiras, em especial as metrópoles, ao apontar que a

consolidação destes empreendimentos nas últimas décadas tem produzido uma série

de efeitos no tecido social das cidades contribuindo assim para a ampliação da

distância entre os segmentos de renda na cidade.

Esse distanciamento traz novos subsídios para estratificação social de nossas

cidades, alinhando de forma cada vez mais desproporcional os diferentes segmentos

de renda dentro dos seus territórios. Este realinhamento tem, inclusive, modificado a

dinâmica de crescimento intrametropolitano de algumas cidades, como é o caso de São

Paulo, que segundo Caldeira (2000) estaria vivendo a sua terceira fase de expansão

urbana, em um cenário social bem distinto dos períodos anteriores. A título de distinção

com o período anterior, que segundo a autora foi encerrado nos anos oitenta, enquanto

nele observava-se um longo afastamento espacial entre as classes sociais dentro da

cidade, ou seja, pobres nas periferias e segmentos mais abastados nas áreas centrais,

no atual período iniciado nos anos noventa vemos uma maior proximidade territorial

entre os pobres e as classes médias. Longe de indicar a diminuição da distância de

renda e uma democratização na distribuição e nos acesso dos equipamentos públicos,

como transporte e melhorias urbanas, na nova fase de expansão urbana a diminuição

da distinção física tem contribuído para enfatizar a enorme distância social entre os

grupos da cidade. A morfologia urbana de São Paulo, a maior metrópole brasileira,

estaria se aproximando da de outras capitais, como o Rio de Janeiro.

7 O fenômeno urbano precisa ser abordado em toda a sua complexidade, isto è, partindo de uma complexidade relativa para uma complexidade maior. Este movimento requer, segundo o autor, um método de investigação que transcenda às atuais fronteiras que delimitam as áreas do conhecimento, donde se alcançará a sua transdisciplinaridade.

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Em cidades como o Rio de Janeiro, cujas áreas centrais sempre demonstraram

ao longo da história esta morfologia de segregação sócio-espacial que combina enorme

distância de renda com proximidade física, a disseminação dos condomínios fechados

em bairros da cidade, cujas morfologias atém então eram marcadas pela predominância

de residências sem uma estrutura de confinamento mais explícita, parece ao mesmo

tempo reforçar e relativizar esta tendência histórica, na medida em que enquanto

continua havendo uma sobrevalorização fundiária de determinados bairros da cidade

começa a surgir em bairros que não são classificados como nobres áreas de

valorização que passaram a polarizar a relação de classes no seu território. Em áreas

de subúrbio, da baixada, para ficarmos naquelas que grassam de menor poder

aquisitivo, o padrão de construção das moradias, em geral, permitia uma forte interface

com os espaços públicos, tendência que se refletia entre os segmentos mais abastados

destes bairros. Com os condomínios esta tendência tende a ser alterada8.

A dupla regência deste novo estatuto urbano, com contornos nem sempre

delineados pela formalidade das regras de regulação urbana, parece confirmar-se no

caso da Barra da Tijuca. Este bairro é fruto de um planejamento estatal que visava

ocupar de forma racional uma região até então bastante afastada dos lugares mais

centrais da cidade. Destituída de recursos mínimos que pudessem torná-la ocupável, a

saída encontrada pelo governo estadual, na época Estado da Guanabara tende a frente

Francisco Negrão de Lima (1965-1970), foi entregar ao consagrado arquiteto Lúcio

Costa a responsabilidade de definir os limites e as formas de ocupação não só da Barra

da Tijuca como a Baixada de Jacarepaguá (1969). Alguns resultados desta empreitada

foram examinados no capítulo 2 da tese. Nesta passagem quero apenas frisar de

maneira objetiva o fato de que nos dias atuais os condomínios fechados participam da

paisagem urbana de vários bairros da cidade, impactando nas relações entre os

segmentos de classe e entre estes segmentos com os espaços locais.

Neste sentido, acredito que os condomínios fechados vêm potencializando a

participação da dinâmica de determinados territórios no processo de construção de uma

nova ordenação urbana, que mesmo revestida de caráter privado está aliada a setores

8 Quero deixar bem claro que eu não disponho de dados nem de estudos sistemáticos que possam dar maior embasamento a esta afirmação. Seu sentido parte de uma constatação empírica, obtidos por observação visual do autor, pelo relato de moradores destas áreas e de moradores da Barra da Tijuca que eu entrevistei que já estão familiarizados com o modelo de condomínios fechados em outras regiões da cidade.

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do poder público estabelecido. Por detrás desta ordenação que pode aparecer nos

discursos locais, feitas por personagens instalados em funções representativas ou na

fala dos moradores, estão sendo desenvolvidas formas de socialização dos moradores

com os seus condomínios e os seus entornos mais imediatos.

Os condomínios passaram a compor a paisagem urbana de algumas cidades.

Inicialmente os condomínios foram construídos em áreas mais afastadas das grandes

cidades como atestam os subúrbios norte-americanos. Nesta área, aparecia no

horizonte de possibilidades materiais de uma determinada classe média a chance da

reconstrução de relações sociais mais amistosas, que pretendiam entre outras coisas a

reconfiguração de laços sociais mais fraternos, que lembrassem as antigas

comunidades. Esta comunidade baseada em supostos laços de proximidade entre os

vizinhos pretendia ser a resposta ao individualismo predominante nas grandes cidades

norte-americanas, marcadas pelo ritmo da produção industrial e a sua conseqüente

competitividade. Apesar desta diretriz estar povoada de pré-noções e saudosismo, é

inegável que o modelo do subúrbio norte-americano se projetou para outras localidades

e países que passaram a adotar os princípios desta nova formação urbana,

universalizando a sua morfologia e os seus valores. 9

O que a recente literatura sobre condomínios tem revelado, para além do

reconhecimento do pioneirismo do modelo norte-americano e sua influência nos

condomínios latino – americanos, é de que nem todos os condomínios construídos têm

como modelo o subúrbio dos Estados Unidos. Logo, uma primeira conclusão que se

pode retirar da literatura que investigará este fenômeno é a existência de diferentes

matrizes que estão de acordo com fatores de ordem econômica, social e cultural. Desta

feita, aparece no campo das ciências sociais uma diversidade de trabalhos que impede

a identificação de um padrão de análise. A diversidade do fenômeno dos condomínios

deve ser responsiva aos princípios específicos que nortearam a sua construção e de

como elementos locais se articulam com postulados de ordem universal, permitindo a

este tema situar-se entre os atuais processos de fragmentação sócio-espacial, do qual

9 È importante chamar a atenção para o fato de que os condomínios fechados de subúrbios podem ser murados, logo mais parecidos com a sua forma mais conhecida, como também podem ser “abertos”. Este segundo modelo, por sua vez, nem pos isto se demonstra mais democrático, já que as suas fronteiras são cuidadosamente monitorados por forças policiais privadas.

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os condomínios fechados são um dos seus reflexos e as diretrizes da atual fase do

capitalismo.

Os fatores que levaram as cidades a investirem na construção de condomínios

fechados não são os mesmos, mesmo em se tratando da preocupação com a

segurança, item comum a todos os empreendimentos. Neste sentido, ainda que todos

comunguem com a indispensabilidade de um rigoroso aparato de segurança, há uma

variação de investimento neste quesito, de tal forma que não seria exagero afirmarmos

que existe uma pluralidade de condomínios, alguns obedecendo a uma verdadeira

hierarquia, que os separa de acordo com a quantidade de recursos internos e com o

seu caráter, isto é, se atendem exclusivamente a função de moradia ou se servem

como clubes de lazer. Esta subdivisão, que incide numa tipologia, obedece a exigências

destacadas pela localidade onde este se encontra inserido, ou por ingerências

empresarias coordenadas á distância, associando os condomínios fechados aos

processos mais recentes de reprodução do capital.

Condomínios fechados: a diversidade do objeto.

O primeiro grupo de trabalhos que gostaria de destacar se refere aos estudos

sobre o crescimento dos condomínios fechados como um dos sintomas da

segmentação das cidades latino-americanas em conseqüência da consolidação do

processo de globalização no continente. Dentre estes trabalhos destacam-se as

investigações de Matos (2002), Sabatini, Cáceres e Cerda (2001), Hidalgo, Barros e

Correa (2003) e Janoskha (2002). Matos, inclusive, reconhece que a maior parte dos

estudos sobre os efeitos urbanos e territoriais dos processos de reestruturação

econômica convertem quanto ao fato de que a recuperação da dinâmica das cidades e

de seu crescimento, e o conseqüente desencadeamento de novas modalidades de

expansão urbana, ligados a suburbanização, policentralização, a polarização social, a

segregação residencial e a fragmentação da estrutura urbana, aparecem como fatos

destacados de uma nova geografia urbana. (Op. cit. p.1).

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Matos, cujas pesquisas procuram relacionar a globalização com as várias

morfologias urbanas dos territórios latino-americanos na medida em que as políticas

locais têm procurado incorporar alguns princípios centrais da globalização no final do

século XX, identifica alguns componentes histórico-culturais neste processo. Ao mesmo

tempo em que os governos obedecem a um receituário internacional, medidas

consideradas estruturais para a adequação das cidades latino-americanas às

exigências da economia global, estas mesmas cidades têm se transformado

preservando alguns dos seus traços históricos, e por este motivo, é possível identificar

dinâmicas de adequação distintas entre as cidades latino-americanas. São

permanências atribuídas às identidades acumuladas ao longo de suas histórias. Seria

como, por exemplo, reconhecer que ao mesmo tempo em que cidade do Rio de Janeiro

tem adequado a sua estrutura as novas exigências do capital suas prefeituras

continuem investindo em capitais simbólicos como a beleza natural e o caráter alegre e

receptivo do seu povo.10

Mattos seleciona cinco áreas que compõem o amplo painel de mudanças em

curso no continente, dentre as quais duas estão intimamente relacionadas com a

problemática da pesquisa: a primeira diz respeito às mudanças na morfologia urbana e

a segunda são as alterações nas imagens e nas paisagens urbanas.

O primeiro item viria a ser uma conseqüência das políticas públicas adotadas

pelos governos municipais voltadas a valorização do automóvel e das novas

tecnologias de informação e comunicação. Estas diretrizes exigem amplos programas

de reformas urbanas através da construção de equipamentos como rodovias e grandes

centros empresariais alinhados com as exigências das novas tecnologias de

informação. Estas políticas impactaram na ordenação de novos pólos urbanos que

vieram a substituir antigas áreas de expansão. Começa a se observar um campo de

externalidades metropolitanas favorecendo a formação de sistemas produtivos centrais

mediante a articulação destes com regiões mais afastadas. Na medida em que estas

tendências vão se impondo, observa-se um deslocamento de famílias e grupos

10 Antes que esta observação possa parecer uma concessão ao senso comum que tem sobre a cidade, no Plano estratégico apresentado pela cidade no início da década de noventa um dos pontos ressaltados pelo documento era a vocação turística da cidade em muito auxiliado pela histórica simpatia do seu morador.

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empresariais para estas áreas caracterizando o que autor definiu como metropolização

expandida11.

Outra área apontada na sua análise indica que a mudança na paisagem urbana

está ligada à colaboração da cidade compacta com o desenvolvimento de uma cidade

difusa, aberta. Neste caso, cada cidade começa a abrigar no seu interior artefatos que

alojem e dêem suporte as atividades econômicas globais. Um exemplo deste princípio

tem sido os Shoppings e os grandes edifícios corporativos. Este seria o caso de novas

cidades, ou regiões dentro da cidade que qualificam as suas edificações como ativos de

participação do novo capitalismo corporativo. 12

Para Janoschka, que têm procurado identificar as variáveis urbanas que possam

estar indicando um novo modelo de cidade latino-americana, a fragmentação pela qual

vem passando estas cidades combinadas com a difusão de artefatos urbanos restritos

(condomínios fechados) tem sido tributária das mudanças sócio-políticas ocorridas

desde os anos setenta, tanto nos Estados Unidos como na América Latina. Sua

argumentação se aproxima da de Matos, entretanto ele aponta que enquanto os

estudos norte-americanos partem da fragmentação exemplificada pelo caso de Los

Angeles, os modelos de cidade latino-americanos partem de estruturas homogêneas.

Partindo de um estudo de caso, o bairro de Nordelta na grande Buenos Aires,

região marcada por grande complexidade de funções e que abriga uma intensa

socialização dos seus moradores, integrantes de um cenário social heterogêneo,

Janosckha concluiu os novos arranjos urbanos – espaciais mudaram a escala da

segregação sócio-espacial, diminuindo assim as diferenças de polarização entre as

cidades ricas e as pobres. Enquanto na grande escala pode-se notar maior

heterogeneidade social, na escalas micros são reforçados os padrões de segregação.

(Op. cit. p.11 ).

Como conclusão o autor identificou uma descontinuidade entre os padrões de

planificação e construção entre os anos noventa e os anos oitenta. Apesar de já 11 Este situação apesar de não se referir ao caso da Barra da Tijuca, já que esta região está vinculado ao núcleo da metrópole, foi questionado em estudos que eu empreendi junto com Randolph (2006; 2007; 2008 ) onde é criticado o modelo da urbanização expandida quando foi tomado como caso de estudo a região de Itaipava na região serrana do Estado. Entretanto sua inclusão nesta passagem pode justifica-se por se aplicar a outros contextos já que são eles que estão sendo aqui examinadas. 12 Várias empresas transnacionais começaram a se deslocar em direção à Barra da Tijuca. As condições financeiras mais favoráveis, aluguéis mais baratos, costumam ser o argumento utilizado para justificar este deslocamento. Entretanto, esta explicação é simplista já que ignora os incentivos fiscais que estas empresas possam estar recebendo por parte do poder público para se instalarem e consolidarem o crescimento da região, neste caso, pela legitimação da Barra da Tijuca como área da cidade articulada as redes de produção e reprodução do grande capital.

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existirem ha algum tempo, os condomínios fechados dos anos noventa geraram um

fator de ordem qualitativa, ampliando o isolamento urbano de sua população e criando

uma “atmosfera de clube”, leia-se, promovendo uma diversificação que permite a

combinação dos princípios da moradia, calcadas na segurança, com o lazer, garantidor

da exclusividade tão pretendida por um produto que se propõe a diferenciar-se

radicalmente do seu entorno. Este é um resultado seria um sinal de afirmação

econômica de um determinado setor imobiliário nas cidades latino-americanas,

indicando com isto uma participação cada vez maior destas empresas nas esferas

decisórias da cidade.

Munidos de uma orientação analítica muito parecida com os dos autores já

mencionados, Sabatini, Cáceres e Cerda sustentam nas cidades chilenas, que parece

constituir uma espécie de paradigma para os estudos sobre urbanização fechadas no

continente dada a constância com a qual são mencionados, o padrão de segregação

residencial tem apresentado duas novidades: a mudança de sua escala e o aumento de

sua magnitude. Os autores atribuem estas modificações a uma ação combinada dos

efeitos provocados pela liberalização da economia, como a flexibilização das relações

de trabalho, a liberalização das políticas de solo com o retrocesso do clientelismo,

justificado pela apatia do eleitorado e a marginalização política dos estratos mais

pobres.

Desta forma procuram recusar uma relação simétrica entre segregação

residencial e desigualdade social, que segundo eles, orientam os estudos na região.

Nestas investigações haveria uma relação direta entre o crescimento da desigualdade,

que incide em uma oferta desproporcional dos ativos de participação social, e

estratégias de classe escapistas de algumas classes médias, indicada no aumento dos

condomínios fechados. Para eles, entretanto, as diferentes formas de organização

espacial precisam de maior atenção, pois justamente nestes arranjos aparecem

questões de ordem subjetiva que comprometeriam a simetrias entre segregação e

desigualdade social. Neste caso, os condicionantes para o surgimento dos condomínios

fechados podem variar de região para região, os casos devem ser investigados para se

perceber a sua particularidade, e o aumento da segregação não viria necessariamente

a ser um reflexo do aumento da desigualdade social. Mesmo em sociedades cujas

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distâncias sociais não são tão amplas, como é o caso da sociedade chilena, os

condomínios fechados têm aparecido como alternativas residenciais.

Considerando a menor assimetria entre classes na sociedade chilena no

contexto do continente latino-americano, porém admitindo a diferença de oportunidades

que orientam as escolhas espaciais e as formas de interação entre os seus respectivos

grupos, para Sabatini, Cáceres e Cerda, a proximidade física entre estes segmentos,

em função da construção de condomínios fechados em áreas até então

predominantemente pobres, poderia trazer benefícios para os mais pobres, já que estes

poderiam dispor de recursos, como equipamentos públicos e privados trazidos para

atender as demandas de consumo da população mais abastadas residente dos

condomínios fechados. No plano subjetivo poderia ser gerado um sentimento de

pertença pelos mais pobres, na medida em que passariam a se ver como entes

integradas a cidade através dos seus benefícios.

Para os autores, a segregação sócio-espacial é um fenômeno urbano

dependente da escala em que estiver sendo analisado. Haveria casos nos quais a

proximidade entre diferentes classes sociais amenizaria a distância que separa estes

grupos tornando o território um lugar onde podem ser vistas experiências de

transferência de capitais. Em outro momento do trabalho criticar esta tese, que, ao meu

ver, ameniza recorre a um determinismo territorial para sugerir a diminuição da

assimetria social, e como conseqüência, ainda que não seja uma intenção declarada

dos autores, delega a grupos privados a competência pelo provimento de recursos

coletivos, desonerando o Estado de uma de suas mais atribuições mais estruturais, que

é o investimento em políticas de inclusão social. Por hora, cabe mencionar a relevância

da investigação destes autores ao apontarem o fato que a segregação residencial não

ser uma conseqüência imediata da desigualdade de renda.

Há trabalhos que atentos a contribuição dos condomínios fechados ao processo

de segregação urbana apontam uma variável que permeia, praticamente, qualquer

investigação sobre o tema: o fato dos empreendimentos privados virem alterando os

sentidos dos espaços públicos, que se fazem sentir, pelo menos nos seus entornos

mais imediatos. Para Sônia Koppmann (2005) as formas de urbanização privadas

pouco se articulam com as formações da cidade tradicional, e desta forma, dentro de

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Buenos Aires, considerada a primeira cidade latino-americana a abrigar este tipo de

residência, estas formas representam verdadeiros arquipélagos urbanos, munidos de

estradas, Shoppings, redes de serviços telemáticos e uma série de serviços que,

praticamente, tornam a estrutura da cidade externa dispensável. Como conseqüência,

as diferentes estruturas observadas, uma recente e dotada de equipamentos

diversificados e outra remanescente da “velha cidade”, no máximo se justapõem, jamais

se integrando no território.

Por este motivo estes novos atores privados vêm modificando sensivelmente os

sentidos do espaço público. Como os condomínios cresceram em função das

vantagens conferidas ao mercado imobiliário que se aproveitou da desregulamentação

advindas do setor produtivo. Como resultado observa-se uma urbanização e

industrialização descontroladas, o predomínio de atividades de consumo sobre as

atividades produtivas e o crescimento da especulação imobiliária, enquanto, segundo a

autora, nem trinta por cento de sua população reside em condições dignas. A

contrapartida deste crescimento privado são as melhorias trazidas frutos de obras

promovidas pelos condomínios, que Sabatini e seus colegas interpretam com benesses

parecendo desconhecer que na base deste “empreendimento” estão acordos espúrios

entre os governos e a iniciativa privada, onde o primeiro pode ausentar-se

comodamente de suas responsabilidades sociais.

A autora concluiu que a falta de uma normatividade para regular a localização

das urbanizações fechadas converteu-se em uma poderosa ferramenta para obter-se

vantagens especulativas e delegar-se zonificações (Op, cit. P.14). E de que estas

urbanizações, marcadas pela ilegalidade, são o reflexo da introdução de um capitalismo

mais brutal que ampliou os níveis de pobreza e desigualdade no continente.

O trabalho de Manjarrez e Ávalos (2003) também se ocupa dos embates entre o

público e o privado votando suas baterias para a identificação de tensões psicológicas.

Neste caso quando a interpretação que se faz do aberto não cumpre com as

expectativas dos habitantes dos conjuntos habitacionais, não respondendo as suas

necessidades implícitas, entendidas como exigências psicológicas (não explícitas)

correspondentes ao plano físico (o seu uso e aproveitamento), são gerados conflitos de

caráter social, cujos desdobramentos alteração a qualidade das relações interpessoais.

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Chumillas e Gomes (2003), examinando o caso de Puebla y Toluca no México,

sustentam que nestes condomínios fechados se reproduz os modelos de subúrbios

norte-americanos, provavelmente influenciados pela proximidade territorial com os

Estados Unidos em que a identidade cultural deste espaço. O modelo predominante é

unifamiliar, com as famílias isolando-se completamente da sua vizinhança, e ao mesmo

tempo, reforçam a desarticulação dos espaços nas desarticuladas periferias que os

cercam. Ou seja, há um impacto negativo produzido por estes condomínios nas áreas

que os cercam. Com isto, estes condomínios procuram dotar-se de uma infra-estrutura

inexistente na cidade.Os espaços públicos, que de acordo com a lógica da

modernidade deveriam ser lugares destinados a circulação indiscriminada dos grupos

sociais sem conservarem no seu interior nenhum privilégio, seja ele de classe ou étnico,

tem sido reconfigurado pelo avanço indiscriminado pela sujeição às metas privadas

estabelecidas pelos condomínios que se encontram no seu entorno.

Outro grupo de trabalho é formado por aqueles que atribuem ao medo,

geralmente ao crescimento do sentimento de insegurança, o fator determinante para o

crescimento de condomínios fechados na América Latina (Dammert, 2004; Lopes,

2008). Com o agravamento da questão social das cidades latino-americanas vinculadas

à ampliação da distribuição irregular de renda, um dos efeitos mais percebidos nas

últimas décadas vem sendo o crescimento dos índices de violência. Este crescimento

que atinge de forma diferenciada os segmentos de classe, tem suscitado em alguns

segmentos estratégias de enfrentamento desta questão urbana, alterado pela entrada

em cenas de novos fatores que comporiam a violência urbana13 que tem atravessado

os séculos das grandes cidades uma determinada parcela das classes médias, e em

alguns casos das elites, têm optado voluntariamente por morarem em macro formações

residências sustentadas por aparatos de segurança ostensivos.

Este auto-isolamento estaria afastando seus moradores de um contato mais

itinerante com os espaços públicos, tradicionalmente, vistos como os ambientes de

onde se espera a mistura urbana necessariamente demarcada pela heterogeneidade

dos seus integrantes. Este princípio deveria ser registrado mesmo em relações que são

marcadas pela efemeridade dos contatos, que embora irregulares inscrevem valores

13 Sobre esta temática ver os trabalhos de Soares (1996), Machado (2003) e Misse (1995) para o caso carioca.

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que sedimentam o terreno para outros futuros passantes, fortalecendo a ênfase já

conferida por Goffman (2002) aos laços passageiros resultados de interações face-a –

face.

Para Dammert (2004) Santiago espelha com ênfases uma situação social cada

vez mais comum a outras cidades na América Latina: cidades sem cidadania. Como

resultado desta fuga, feita por segmentos de renda detentores de estratégias de

escapismo espacial, os espaços da cidade têm lembrado lugares de anomia,14

negativamente registrados pelo seu abandono. O medo, ou melhor, os temores

desenvolvidos nestes ambientes que se convertem muitas vezes em fobias urbanas se

vinculam a processos sociais, políticos, econômicos e culturais. Na pesquisa da autora,

acompanhada por material empírico, pode-se depreender da fala dos moradores de

Santiago uma imagem de uma cidade com medo.

Hoje em dia já há na bibliografia um conceito que nomeia este sentimento:

agorafobia.15 A agorafobia é o sentimento de medo, em alguns casos horror,

manifestado por setores das classes médias ou elites, dos lugares públicos, associados

à possibilidade da criminalidade violenta. Este medo aciona estratégias de escapismo

social dos setores mais abastados nas grandes cidades, que passariam a residir em

ambientes isolados socialmente, onde protegido por extensivos aparatos de segurança,

o seu morador busca restringir ao máximo os seus contatos ao seu lugar de residência,

de onde sairão os seus valores e códigos de comportamento. Para Lopes

A auto-segregação é uma solução escapista. Representa uma fuga e não um

enfrentamento, muito menos um enfrentamento construtivo. Como tal, não passa de uma pseudo-solução. Se, de uma parte, os “condomínios exclusivos” prometem solucionar os problemas de segurança de indivíduos e famílias de classe média ou da elite, de outra parte, deixam intactas as causas da violência e da insegurança que os nutrem. Pior, no longo prazo colaboram para deteriorar a qualidade de vida, a civilidade e as condições de exercício da própria cidadania na cidade, sob determinados aspectos. Sob o efeito do marketing imobiliário, da debilidade do debate político, e dos limites ideológicos de uma pequena burguesia cada vez mais americanizada (ou, mais especificamente, “miamizada”), esses ônus até que tendem a parecer suportáveis, algo como um

14 Adotamos aqui o termo de forma diferente da cunhada por Durkheim, embora a ele sempre deva se fazer referência todas as vezes que esta categoria for utilizada. Enquanto para Durkheim a anomia se refere as formas de patologia social em que se verifica a ausência ou desintegração de normas sociais, no nosso caso de estudo a menção á anomia relaciona-se ao estigma que recai sobre estas áreas, na medida em que marcadas pelo abandono ou pela freqüência de tipos sociais hegemonicamente negativisados, estes espaços passam a representar as imagens de degradação social da cidade. 15 Ver LOPES, Marcelo. Fobópole – o medo generalizado e a militarização da questão urbana: Rio de Janeiro, 2008.

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“mal menor” ou “preço a pagar”, traindo uma resignação facilmente acomodável ao próprio sistema de valores do individualismo exacerbado. (Lopes, 2008, p.73, grifos meus).

Consagrando estas modalidades de residência as cidades estariam caminhando

para a formação de culturas individualistas que ao se manifestarem em certas micro-

realidades, deformariam alguns princípios caros aos esforços por construção de valores

coletivos e democráticos, que até hoje lutam por afirmação nas sociedades ocidentais,

para ficarmos apenas no modelo que nos é comum. O diagnóstico grifado na passagem

do autor será examinado com pormenores no capítulo quatro. Por hora, acredito ser

suficiente identificar esta inquietação que versa sobre a preocupação com a formação

de valores antidemocráticos dentro de ambientes que adéquam territorialmente

princípios e discursos do processo de fragmentação das metrópoles.

Já pode ser identificado um conjunto expressivo de trabalhos sobre condomínios

fechados que cobrem especificidades deste fenômeno no Brasil, e como este tema se

articula com preocupações que acomete pesquisadores e políticas de planejamento

urbano de outros países da América Latina. Diante desta ressalva, que no fundo, é a

confirmação do largo escopo da problemática, percebemos que os motivos que levaram

ao surgimento dos condomínios fechados não foram os mesmos nas diferentes

metrópoles brasileiras, voltando a frisar, ainda que todas elas acusem o medo do seu

morador como justificativa para se auto-isolarem. Esta heterogeneidade de trabalhos

consagra a complexidade da problemática urbana trazida pelos condomínios e os

desafios que eles tem gerado, tanto para as o poder público, desde que atento aos

impactos produzidos por estes tipos de moradias, como para os segmentos privados

que possam estar articulando estratégias de resistências as atuais dinâmicas de

segmentação do território, sejam estas estratégias organizadas ou não.

Dos trabalhos que investigaram os impactos estruturais dos condomínios no

tecido social das cidades brasileiras dois merecem destaque. O primeiro é a

investigação de Carlos Nelson Ferreira dos Santos (1981)16 e o segundo é o livro de

Teresa Caldeira (2000)17.

16 SANTOS, Nelson Ferreira dos. Condomínios Exclusivos: o que diria a respeito um arqueólogo? In Revista de Administração Municipal. Rio de Janeiro: IBAM, 1981. 17 CALDEIRA, Teresa. Cidade de Muros: crime, segregação e cidadania na cidade em São Paulo. São Paulo: Editora 34, 2000.

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O primeiro texto18 é um estudo que revela, de forma pioneira, as possíveis

intervenções na morfologia das cidades brasileiras provocadas pela construção de

condomínios fechados. Os condomínios no início dos anos oitenta já anunciavam a

pretensão de construir mundos à parte dentro dos seus muros provendo ao seu

morador as pretensões de autonomia que haviam sido abolidas pelo crescimento

desorganizado de nossas cidades. E neste sentido, os condomínios viriam a atender as

demandas subjetivas de determinados segmentos de renda, notadamente as altas

classes médias, por conforto e exclusividade, ao mesmo tempo em que parecia

deslocar do Estado a responsabilidade de gestão das questões ligadas ao crescimento

desigual das sociedades brasileira, que neste período enfrentava altas taxas de

inflação, e um acúmulo de déficits sociais provocados por duas décadas de um regime

militar ditatorial claramente alinhado com setores do capital estrangeiro. Entendo que o

texto de Santos tem vários méritos, dentre eles, levantar questões de natureza teóricas

que justificassem a edificação dos condomínios, o resultado da mescla de princípios do

racionalismo com o culturalismo; fatores estratégicos como a renovação da iniciativa

privada no seu papel de fomentadora do crescimento urbano, tendo o setor de

construção na ponta deste processo e questões de natureza subjetiva, no caso os

valores que os moradores de condomínios priorizavam como os mais adequados aos

seus novos estilos de vida.

Já o texto de Caldeira, provavelmente, o trabalho brasileiro sobre condomínios

fechados mais consagrado pela literatura do tema, tanto dentro como fora do Brasil,

procura interfaces entre o processo de auto-confinamento residencial com os processo

mais amplos de segregação urbana nas cidades brasileiras, em particular na cidade de

São Paulo. O avanço dos condomínios, que naquela cidade tem como grande

representante o modelo Alphaville, vem representando uma mudança na localização

social de suas classes médias. Em torno destes empreendimentos surgem novos

núcleos urbanos, compostos por equipamentos públicos e privados, que por sua vez

acabam denunciando a enorme distância social da cidade.

1818 Tanto este texto como e o de Caldeira são discutidos de forma aprofundada no corpo da tese, de forma específica, no primeiro capítulo. A sua presença nesta seção deve-se ao fato deles organizarem uma espécie de campo de reflexões sobre os condomínios fechados, ainda estes textos tenham sido produzidos com uma razoável distância histórica e os seus autores em muitos pontos não compartilhem dos mesmos diagnósticos.

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Estes mundos a parte apontam para uma cidade polinucleada contextualizada

por um grave cenário social, onde são cada vez maiores as taxas de violência que

acometes as mais pobres, não apenas a violência material acompanhada da morte

violenta e da perde de seus escassos patrimônios, como aquela de cunho simbólicos

exemplificados pelos constantes rituais de humilhação pelos quais são obrigados a

passar , através de constrangedoras revistas policiais e agressões nos ambientes de

trabalho. Estes fatos, precarização dos mais pobres, apoderamento dos mais

abastados, ampliação da ordem privada inserem-se numa cultura de crescimento

constante de desrespeito aos direitos humanos e a enorme dificuldade de afirmação de

princípios democráticos, que tocam entre outros aspectos, na predação dos espaços

públicos. Soma-se a esta cultura antidemocrática alguns hostis acionados por

moradores de condomínios, em especial entre os mais jovens.19

Em outros trabalhos questões mais pontuais têm sido examinadas. Ferraz (2005)

estudou como as alterações forma e funcionais feitas em condomínios fechados

procuraram responder aos anseios por segurança e proteção das populações de altas

rendas. Na sua pesquisa ela identificou sensíveis modificações nas relações sociais e

espaciais urbanas intensificadas por movimentos de individuação, exclusão e anulação

do Outro, a desconsideração e o desrespeito pelo direito coletivo aos usos dos espaços

públicos. (Op. cit. p.1) . Para a autora o recurso privatista implica em maior controle do

entorno, seja ela direto através da coação de seguranças, ou indireto pela colocação de

fronteiras artificiais, os muros, e o seu impacto social é anulação das relações de

interação entre os moradores da cidade.

Metrópoles fora do eixo Sudeste também abrigam condomínios fechados.

Bernardes e Junior (2006) ao analisarem a formação do espaço urbano de Goiânia,

procuraram identificar as mudanças morfológicas que esta região vem sofrendo a partir

da construção dos condomínios fechados. Neste processo houve um aumento

expressivo da polarização social da cidade, agravando uma tendência estrutural já que

a cidade é dividida em setores dotados de enormes diferenças comparativas na sua

dotação de recursos públicos e privados.

19 A referência aos comportamentos anti-democráticos dos jovens relaciona-se , em boa parte, a uma mudança de orientação cultural que afeta alguns setores das classes médias. Criados em ambientes em que estão acostumados com um conjunto de facilidades, estes jovens tendem a revelar comportamentos competitivos e narcisistas. São fatores típicos da sociedade de consumo potencializados por setores de alto poder aquisitivo e criados em redomas artificiais.

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Estes condomínios que acabam valorizando o preço da terra urbana, ocupando

espaços vazios ou já edificados, cresceram numa eficiente estratégia de marketing

urbano. Convencidos, seus moradores migram para áreas dotadas de privilegiadas

infra-estruturas, oriundas de um investimento prévio visando incorporar qualitativamente

segmentos de renda que acionam a economia urbana. Feita esta escolha o morador do

condomínio é alguém que está em busca de segurança, qualidade de vida e status,

fomentando uma cultura de auto-segregação promovida por aqueles que moram em

espaços distintos da cidade, e que através da sua aparente iniciativa individual pode

estar incrementando o valor econômico e simbólico da sua habitação.

Estes mesmo valores parecem fundamentados por condomínios fechados no sul

do Brasil (Ueda, 2005). Em Porto Alegre segmentos da burguesia procuram morar em

condomínios para se sentirem seguros, terem a sensação de viver de forma exclusiva,

sem os custos, inclusive de deslocamento para usufruírem lazer, e atentos a estas

demandas, o setor imobiliário tem investido na idéia do seu morar viver em

comunidade, estar junto dos seus iguais, ao mesmo tempo em que este morador

comunitário pode personalizar sua convivência.

Os trabalhos sobre a Barra da Tijuca também revelam a sua diversidade.

Investigações como as de Rezende e Leitão e Eppinghaus, Poppe e Tângari20, mais

voltadas para a área de Arquitetura, examinaram, respectivamente, as recentes

transformações da morfologia da Barra da Tijuca, desde a implementação do seu plano

piloto, em 1969, passando pelas modificações nos seus princípios no final dos anos

setenta, até chegar aos anos noventa quando o bairro incorporou, definitivamente, um

padrão de edificações privadas.

No primeiro trabalho os autores procuraram reconhecer a inserção da Barra da

Tijuca nos desafios do urbanismo brasileiro, inicialmente vinculada ao modernismo que

chegara ao Brasil através da própria arquitetura nos anos trinta. Ele enfatiza que a atual

paisagem arquitetônico-espacial da Barra da Tijuca é resultado de um conjunto de

modificações, a sua grande maioria no sentido de promover os ajustes necessários aos

interesses do setor imobiliário, mudando os gabaritos e interferindo na regulação dos

20 Nestes trabalhos eu não encontrei qualquer referência de datas, daí a ausência nas suas citações.

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solos. Estas iniciativas permitiram que ao novo espaço físico do bairro fossem sendo

ocupados por personagens que definiriam uma narrativa social muito particular.

Neta mesma linha, no segundo texto os autores percebem que ainda que em boa

parte tenham sido conservadas as características do Plano Lúcio Costa, existe na Barra

da Tijuca uma combinação de usos públicos com privados, com casos em que a

identificação de suas fronteiras fica muito difícil. Como o trabalho enfatiza as dimensões

do espaço físico construído, os autores entendem que as configurações representam

um forte condicionamento do relacionamento das comunidades com o território. “E

desta forma o homem se relaciona com um espaço em níveis diversos e um

determinado grupo social estabelece relações de diferentes qualidades com os lugares

que freqüenta” (Op. cit. p.18 ).

Outros trabalhos estudam como o medo tem sido manipulado por uma

determinada investida publicitária. (Ferraz, Possidônio, 2004). Neste caso os autores

compreendem como os processos sociais emergem mo campo da produção da

violência, circulação e consumo da arquitetura identificadas nas duas maiores cidades

brasileiras, no caso, Rio e São Paulo. Os autores fazem uma abordagem interessante

sobre os sentidos da casa associada ao conforto, acolhimento e, enfim, dotadas de

uma série de positividades, contrapondo-a aos espaços abertos marcados pela

hostilidade. E a publicidade aposta exatamente nesta dicotomia, ampliando os limites

deste bem estar para as dependências dos condomínios.

Os estudos comparativos ente Rio e São Paulo já começam a ocupar maior

espaço, como é o caso do trabalho de Campos (2006). Para a autora a diferença entre

as duas metrópoles representadas por casos pontuais, Alphaville Tamboré para São

Paulo e Barra da Tijuca para o Rio de Janeiro, está baseada nas sucessivas ações

planejadas que incorporaram nas suas áreas amplos e complexos segmentos urbanos.

Logo, ao contrário do caráter expansivo que se esperava da Barra da Tijuca, dada a

reunião de fatores positivos que esta reunião dispunham, no caso de Tamboré

determinadas amenidades não fazem parte do seu projeto como a integração com a

natureza e o caráter de integração circular de suas vias urbanas. A autora dá a

entender que em São Paulo a incorporação do verde e a definição das artérias urbanas

exigiram um maior desafio, já que este crescimento não foi fomentado pelo poder

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público como no caso da Barra da Tijuca. O outro lado desta dinâmica paulistana é a

vasta liberdade de construir na cidade conferida aos setores privados de construção.

Só para concluir esta breve revisão de trabalhos, vemos análises sobre a

colaboração da imprensa para a criação de um imaginário do medo e do acolhimento

na Barra da Tijuca (Freitas, 2006), abordando como a mídia tem construído

representações sobre a degradação social que induzem a formação de uma

consciência polarizada sobre a cidade, como se esta se dividisse numa lógica dual de

regiões nobres, assépticas, livres de problemas, e regiões marcados pela

desorganização.

Divisão da tese.

A tese foi dividida em quatro capítulos. No primeiro capítulo, que representa o

seu marco teórico, eu identifiquei todas as questões que cercam os estudos sobre

condomínios fechados, tanto no Brasil quanto na América Latina, trazendo estas

inquietações para uma aproximação com os contextos sócio-espaciais destes

condomínios na Barra da Tijuca. Para enfatizar a ligação do fenômeno dos condomínios

fechados da Barra da Tijuca com a sua dinâmica de promoção e afirmação em outras

regiões, foram elencadas relações que tem ocorrido dentro destes condomínios. Por

vezes, estas relações são frutos de expectativas cultivadas pelos moradores, seduzidos

ou não por uma retórica publicitária, ou foram fatores advindos de uma cultura própria

gestada de acordo com as formas de filiação construídas dentro deste território.

Das questões trazidas à tona pelos condomínios da Barra da Tijuca estão a

relevância do fator segurança como determinante para a decisão de se morar na Barra

da Tijuca, necessariamente em condomínio, seja ele vertical ou horizontal; quais são os

valores advindos das formas de ocupação dos moradores da Barra da Tijuca,

resultados das interações destes moradores como os condomínios, e com o bairro de

uma maneira geral, já que este morador, afora por motivos de trabalho, opta por não se

ausentar do seu bairro; se tem aparecido como resultado das interações destes

moradores formações sócio- espaciais que lembrem uma comunidade. Tão propagada

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em algumas campanhas publicitárias, como um recurso ideológico que pretende

convencer o morador do condomínio de que dentro dos seus domínios é possível a

formação de laços de convivência harmônicos e solidários, pude perceber que esta

pretensão não desponta tão somente numa retórica convincente de venda, mas

também aparece na fala de alguns moradores que convocam um passado saudosista

realizado dentro dos próprios condomínios por moradores, em geral os mais velhos,

buscando resgatar laços de solidariedade perdidos; e por fim, qual o tipo de consumo

praticado pelo morador de condomínio, até que ponto é ele que define a procura pelos

seus produtos, que são itens de afirmação identitária.

No capítulo dois eu fiz uma análise do desenvolvimento da Barra da Tijuca, seu

processo de crescimento demográfico, a sua valorização como nova frente do capital

imobiliário da cidade, no contexto da história da cidade do Rio de Janeiro. Considerei

imprescindível esta perspectiva, pois ela localiza a Barra da Tijuca no tempo e no

espaço, na medida em que os condicionantes do seu desenvolvimento são

referenciados por processo de natureza social que atingiram outras regiões da cidade.

Neste sentido, o fato da Barra da Tijuca começar a desfrutar de prestígio no início dos

anos oitenta, deveu-se a um deslocamento do eixo de valorização urbana da cidade,

desafogando a zona sul, pois vários dos seus bairros anunciavam uma espécie de

esgotamento, isto é, no vocabulário do setor de construção não tinham mais para onde

crescerem. Subentenda-se desta mensagem, não abrigarem a classe média em

ascensão.

Antes, porém, de chegar a este estágio, questões da cidade industrial foram

colocadas de forma pontual para revelar que os planos que matriciaram o

desenvolvimento da Barra da Tijuca, assim como as intervenções urbanas sobre a

cidade do Rio de Janeiro dispõem de uma matriz. Notadamente, os fundamentos da

cidade industrial. A cidade do Rio de Janeiro, desde as suas primeiras intervenções

urbanas que visavam a regulação dos seus espaços e os hábitos de sua população,

revelou uma opção segregacionista disponibilizando os melhores equipamentos

urbanos para as classes mais abastados e vinculando precariamente as suas

populações mais pobres ao setores subalternos da economia capitalista. A Barra da

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Tijuca das últimas duas décadas parece dar seqüência a esta tendência atualizando-a

com algumas novidades. Uma delas é o distanciamento relacionamento deste bairro.

No terceiro capítulo eu fiz uma investigação do conteúdo das reportagens de um

jornal de grande circulação. Busquei retirar da imprensa escrita valores que pudessem

estar sendo camuflados na cobertura que a grande imprensa gosta de enfatizar como

imune a ideologias particularistas e comprometidas com a investigação da realidade.

Menos importante do que simplesmente desfazer esta falsa idéia de neutralidade eu

entendo que as representações que podem ser retirados destas entrevistas revelam

determinados discursos sobre a cidade. Nestas representações a cidade aparece

descrita através de tipologias que registram a identidade do morador de acordo com a

sua territorialidade. Uma territorialidade munida de valores que tanto servem para

unificar a cidade em torno de suas mazelas como separá-las de acordo com as virtudes

manifestadas por alguns grupos sociais e as ameaças representadas por outros.

No último capítulo eu analisei as entrevistas feitas com moradores de diversos

condomínios fechados. Busquei por moradores de diferentes condomínios para atender

a dois grandes objetivos: identificar a diversidade dos entrevistados e perceber, até que

ponto, a variação de condomínios espelhava uma presença diferenciada dos mesmos

dentro de uma ordem de importância destes condomínios dentro do bairro. Foi possível

identificar estas duas hipóteses, ainda que na tese eu não tenha produzido uma

tipologia mais pormenorizada dos condomínios. Mais que a revelação das

particularidades estruturais destas formações territoriais eu buscava a influência destas

construções nos modos de vida dos seus moradores, sem incorrer em um determinismo

espacial, mas sim buscando entender como o confinamento dos moradores leva-os a

definirem socializações específicas.

Por fim, através destas entrevistas eu busquei enfrentar algumas pré-noções

sobre os moradores de condomínios fechados, que antes de iniciar a pesquisa me

incomodavam já que a realidade da Barra da Tijuca parecia ser algo do conhecimento

público. Ao longo da pesquisa pude perceber suas complexidades. Por isto procurei

saber até que ponto o morador do condomínio é uma pessoa que cortou radicalmente

seus laços com a cidade, e caso tenha havido algum corte qual é o seu real alcance. Se

os condomínios fechados constituíam áreas de homogeneidade social. Tentei identificar

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como os condomínios têm afetado a distribuição de capitais de participação nos rumos

da cidade. Neste sentido pode-se perceber que uma cultura em voga dentro destes

condomínios pode estar revelando um distanciamento do seu morador de valores mais

democráticos que deveriam fundamentar a convivência coletiva. Vejamos como se deu

esta interface.

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CAPÍTULO 1 – Espaço e modernidade tardia: a construção de uma nova espacialidade representada pelos condomínios fechados.

Os trabalhos sobre condomínios fechados não seguem o mesmo padrão de

análise, apesar de falsas impressões iniciais, que não raro está eivada de preconceitos

disciplinares, que os associam, exclusivamente, a preocupações arquitetônicas

voltadas a um diagnóstico dos impactos sociais da forma urbana. No entanto, o perfil de

trabalhos sobre condomínios fechados tem se mostrado mais multidisciplinar. Nos

últimos anos, não apenas os arquitetos, equivocadamente chamados de os

“especialistas do espaço, tem se debruçado sobre a problemática sócio-espacial dos

condomínios. Também fazem parte desta seara acadêmica geógrafos, sociólogos,

economistas, historiadores, filósofos e as empresas de consultoria de grandes grupos

imobiliários, com interesses bem menos” acadêmicos “do que os seus” colegas

“citados. A complexidade deste objeto tem exigido cada vez mais uma postura

interdisciplinar dos seus trabalhos”. O fenômeno dos condomínios fechados está presente em várias cidades do

mundo, e não apenas no chamado mundo capitalista, como também nos países que

ainda podem ser classificados como integrantes do regime de produção socialista,

como é o caso da China, afora todas as ressalvas que podem ser feitas ao tipo de

socialismo adotado no caso chinês. Nos Estados unidos estas formações territoriais são

chamadas de “gated comunities“, na América espanhola são os “Barrios cerrados” ou

“urbanización cerrada”. Como bem descreve este último termo em castelhano para o

caso de áreas maiores que reúnem um conjunto de prédios residências e casas

suntuosas no estilo de mansões, esses condomínios são caracterizados pela restrição

ao seu acesso através de muros e entradas vigiadas, e na sua grande maioria contam

com um complexo sistema de serviços internos.

Entretanto, apesar dessa disseminação pelo mundo afora, há uma diversidade

significativa nas formas como essa urbanização fechada é implantada. Ao lado dos

condomínios altamente verticalizados, comumente associados à idéia dos condomínios

fechados, encontram-se, em muitos casos, áreas mais ou menos extensas e

densamente ocupadas por condomínios de casas unifamiliares dependendo do

tamanho dos lotes e da ocupação do terreno pretendido. Toda a bibliografia que serviu

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de suporte teórico para a análise da complexidade do surgimento, desenvolvimento e

afirmação dos condomínios fechados na América Latina, com maior atenção dedicada

ao caso brasileiro, com ênfase para a minha região delimitada que é a Barra da Tijuca,

revelou as características mais gerais e particulares destas formações territoriais.

A implementação dos condomínios fechados vem levando em consideração ao

longo de sua história relativamente recente uma série de variáveis. Desde questões

como a maior ou menor proximidade as áreas onde estão sendo construídos os

condomínios com as regiões mais centrais de suas respectivas cidades, medindo desta

forma as implicações em potencial do componente distância na formação das

morfologias espaciais, até elementos de natureza social como o grau de influência que

o medo urbano sobre a decisão de morar em espaços de confinamento residencial

relativo, os condomínios fechados têm se mostrado tão universais quanto particulares.

Universais porque parecem indicar o modelo residencial mais confiável para\abrigar um

segmento das classes médias urbanas, tanto no Brasil quanto no exterior, e particular

porque cada uma destas formações parece indicar prioridades, correspondentes as

preferências formuladas pela ação interessada de agentes como o setor imobiliário, o

poder público e a população residente.

Uma primeira onda de difusão dessa forma de urbanização atingiu todas as

áreas metropolitanas maiores como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Goiânia,

Curitiba, Porto Alegre, e nos últimos anos algumas capitais nordestinas cujas

morfologias podem se assemelhar, apesar das questões sociais que as envolvem não

serem necessariamente as mesmas. Na condição de objeto desta tese, a construção e

consolidação dos condomínios fechados na Barra da Tijuca, será tomada como um

fenômeno de dupla determinação territorial, cuja análise está centrada nas várias

formas de socialização praticada pelos seus moradores.

A primeira determinação é de natureza comparativa ao procurar diferenciar a

proposta dos condomínios fechados da Barra da Tijuca de outras experiências no

Brasil, com destaque para o modelo Alphaville. Esta comparação justificar-se-ia por dois

motivos: o fato destas formações espaciais estarem localizadas em áreas de expansão

das duas maiores metrópoles brasileiras e porque enquanto Alphaville transformou-se

em uma franquia que se espalhou por outras cidades, a Barra da Tijuca representa um

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caso único. A segunda determinação é de caráter local, e nele procurei compreender as

formas de socialização dos moradores de condomínios fechados na Barra da Tijuca

como uma experiência de consumo do espaço urbano ligado às premissas da

sociedade de consumo. Nestas modalidades de interação onde a procura por

determinados bens de consumo, tanto dentro, como, principalmente, no entorno dos

condomínios tem atuado diretamente na formação de novas identidades sociais.

Para alguns pesquisadores (Santos, 1981) a forma de urbanização que

consagrou a construção de condomínios fechados produziu um padrão espacial de

crescimento da população urbana diferente daquele ocorrido no período inicial da

urbanização brasileira, que nos quarenta e cinqüenta revelava uma forte concentração

de ativos econômicos e simbólicos nos núcleos das grandes cidades. Da década de

oitenta para cá se nota uma maior espraiamento da distribuição populacional (Martine,

1994). Esta dispersão ocorreu desde a ocupação das áreas suburbanas ou mesmo de

municípios vizinhos aos grandes centros até através do deslocamento de parcelas da

população urbana para áreas rurais dentro de um município, processo denominado por

Limonard (1999) enquanto sub-urbanização no sentido literal. Seguindo esta lógica

poderíamos acompanhar o diagnóstico de pensadores como Harvey (1994) e Sennet

(1997) que reconhecem como modelo de urbanização hegemônico para os dias atuais

uma urbanização pós-moderna, onde os indivíduos inscritos em seus respectivos

segmentos de classe deslocam-se pelo espaço de forma dispersa e com poucas

chances de estabelecerem contatos, ainda que mínimo.

Entretanto, menos importante do que identificar numa arquitetura pós-moderna a

responsabilidade sobre as dinâmicas de interação urbana nas grandes cidades, caso

que não incorpora plenamente a Barra da Tijuca, já que este bairro foi concebido nos

moldes do modernismo brasileiro, estão em cursos novas formas de interação com o

espaço, seja no nível mais imediato ou em um plano mais amplo. Voltando ao nódulo

teórico deste parágrafo, mesmo considerando a importância das investigações sobre a

existência de um padrão de crescimento nas áreas chamadas peri-metropolitanas

diferente do verificado nas Metrópoles, esta tese não se ocupará desta

problemática.Trabalhos comparativos vêm sendo realizados pelo autor em parceria com

Randolph (2006, 2007, 2008).

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As investigações dos fenômenos de urbanização fechada associaram sua

proliferação, geralmente, ao desejo de uma parte das classes socais mais abastadas de

usufruir uma melhor qualidade de vida longe de problemas urbanos como

engarrafamentos, poluição sonora e visual e ciosos pela obtenção de proteção contra o

suposto aumento da violência e do crescimento de insegurança nas cidades. (Gomes e

Chamillas,2003; Manjarris e Avalos,2003; Danmet,2004;Possidônio,2004 e

Lopes,2008).Aponta-se como principal resultado desse processo de deslocamento

espacial das classes abastadas em busca de “áreas de exceção” das grandes cidades

o processo de aprofundamento da segregação sócio – espacial, não apenas no nível

municipal, mas também ao nível regional, na medida em que, num segundo momento,

o processo começou a envolver toda a região metropolitana em torno da cidade núcleo.

Neste capítulo estaremos levantando questões de natureza teóricas sobre o

crescimento e afirmação dos condomínios fechados enquanto estratégias de

deslocamento espacial de determinados segmentos da classe média carioca que nas

duas últimas duas décadas optou pela residência na Barra da Tijuca e suas implicações

no desenvolvimento de formas de socialização dos seus moradores nos espaços

internos destes condomínios e nos seus entornos mais imediatos, no caso, os espaços

de frequentação do bairro. Nestes ambientes está sendo gestada uma forma de

identidade social do morador da Barra da Tijuca que o apresenta, simultâneamente,

como ser detentor de um conjunto de valores que circulam no imaginário e nas práticas

específicas dos moradores do bairro, e agente investido de valores e comportamentos

de um morador integrante de uma territorialidade maior, no caso, a cidade do Rio de

Janeiro.

Procurei adotar na minha pesquisa uma abordagem sobre o objeto que não

individualize o morador da Barra da Tijuca a tal ponto de transformá-lo em um ser a

parte do conjunto de preocupações sociais, morais e territoriais, que atravessam a

metrópole carioca, no que tange a formação de uma identidade urbana. Pude perceber

que este morador da Barra da Tijuca, residente em condomínios fechados mantém

vínculos de várias naturezas com a cidade, notadamente o centro da cidade e os

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bairros da zona sul, embora exista uma divulgação pouco consistente, tanto do ponto

de vista teórico quanto empírico, de que estes moradores vivam em anti-cidades. 21

Esta afirmação não é integralmente desprovida de sentido, no entanto, há de se

fazer uma ressalva quanto a sua amplitude. Já que muitos moradores mantêm vínculos

com a infra-estrutura de outras regiões da cidade do Rio de Janeiro, em geral por lá

trabalharem, foi possível identificar uma espécie de dupla vinculação territorial dos

moradores de condomínios fechados na Barra da Tijuca: em sua grande maioria eles

trabalham ou no centro ou na zona sul, tendo casos de moradores que por terem uma

trajetória de vida que envolve outros bairros, ampliaram a sua relação com estes bairros

para além do setor de trabalho, desdobrando a sua participação em atividades afetivas

e sociais.

Por sua vez, uma quantidade expressiva de moradores da Barra da Tijuca

parece deslocar-se para outros bairros22 durante a semana pelos motivos ai aludidos, e

se concentra no seu bairro nos finais de semana, desenvolvendo uma de dependência

quase integral, o que nos levou a identificar uma complexidade neste modo de vida

urbano baseado nas estratégias de confinamentos adotada por quem se sente

contemplado pela ofertas do setor de consumo do bairro. Consumo será aqui entendido

como uma relação social que envolve os indivíduos numa busca incessante de

produtos, mesmo que esta procura esbarre na impossibilidade de plena consecução

deste desejo de consumo (Bauman, 2000). De acordo com esta definição o consumo é

um ato desejante que é acionado independente do fato de poder ser realizado. Na

sociedade dos consumidores, que para Bauman representa o novo paradigma da

organização social, os homens constroem vínculos instáveis e passageiros com outros

indivíduos, demarcando um sentido similar aos espaços que abrigam estas relações. A

ideologia da renovação constante dos produtos a serem consumidos orienta em igual

medida a durabilidade das relações em todos os seus níveis. Curiosamente, e sem

fragilizar o paradigma baumaniano, o lugar cumpre simultaneamente a função de

estimular laços perecíveis e relações duráveis. Nestas duas dimensões podem ser

destacadas. O ambiente doméstico, as áreas de encontro dos condomínios onde os

21 Esta questão pela via da crítica das ambigüidades que aparecem na fala dos moradores no capítulo quatro. 22 Em praticamente todas as entrevistas que realizei os moradores dos condomínios afirmaram que um dos grandes sonhos de consumo do morador da Barra da Tijuca é poder trabalhar dentro do bairro, situação que, contudo, é restrita a poucos, enquanto a grande maioria tem se deslocar para outras áreas da cidade, principalmente o centro.

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moradores se encontram, por mais rápidos que sejam estes contatos, e nos espaços de

consumo como os Shoppings Centers, nos quais a durabilidade dos contatos tende a

ser bem menor.

Feita esta breve digressão preliminar passemos agora para o apontamento dos

fatores que estruturam a incrementação dos condomínios fechados nas cidades latino –

americanas, buscando com isto, identificar um conjunto de pressupostos comuns que

possam estar indicando, em sentido lato, os rumos das cidades latino-americanas. O

primeiro pressuposto é a vinculação da escolha residencial com o crescimento da

violência urbana.

1.1 – O sentimento de insegurança nas grandes cidades: a solução condomínio fechado. O crescimento da violência nas grandes cidades parece ter estimulado em

alguns agentes, principalmente, a grande imprensa, a indicação de um cenário social

em que a chamada violência urbana alcança índices alarmantes, que no limite, podem

vir a ameaçar concretamente a vida das pessoas. Uma das conseqüências mais

imediatas deste quadro é o aumento do sentimento de insegurança, representado tanto

pelas falas formuladas no dia a dia pelos moradores da cidade em suas relações mais

cotidianas expressas, por exemplo, nas relações de vizinhança, quanto pela divulgação

em massa de imagens violentas feitas pela mídia. Um dos reflexos espaciais deste

cenário de tensões acumuladas e práticas de socialização disruptivas nas grandes

cidades da América Latina tem sido uma migração territorial de segmentos da classe

média em direção aos condomínios fechados, geralmente situados em áreas mais

afastadas dos grandes centros. Esta migração corresponde ao que alguns autores

(Lopes, 2008) têm chamado de auto-confinamento das elites.

Sem desconsiderar o medo real que os moradores podem sentir ao optarem por

morar em condomínios fechados, os trabalhos que vem se debruçando ao crescimento

desta estratégia de confinamento têm polemizado as representações da violência

urbana oriundas da divulgação generalista que se faz do medo urbano, em especial nos

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meios de comunicação, que desconsideram a segmentação da cidade em áreas mais

propensas e menos sujeitas á ocorrência de práticas criminosas. Neste sentido,

Fernando Carrion (2008) ao analisar os casos de Santiago e Montevidéu buscou

compreender que

Cada cidade tem certos “registros territoriais” do medo, de onde suas populações constroem e depositam um imaginário do terror, a partir da qual se estende este sentimento a totalidade das cidades, seja porque sua consolidação é estratégica, porque os meios de comunicação operam como caixa de ressonância, ou porque a organização urbana da cidade reflete o caráter seletivo destes espaços emblemáticos (Carrion,2008, p.5 ).

Para Lucia Dammert (2004) o temor urbano que atinge as cidades latino-

americanas tende a se assemelhar a mesma sensação de insegurança recorrente em

cidades européias. Para o caso latino – americano, entretanto, entram em cena fatores

sociais típicos de países que herdaram precárias instituições responsáveis pela

representação de interesses coletivos. Esta cultura pública de forte desconfiança e

descrédito nas instituições representativas por parte da população, independente da

sua localização na estrutura econômica das cidades, incide na percepção de um

aparelho de Estado marcado pela corrupção judiciária, violência policial e de uma

sociedade civil sustentada por frágeis laços de solidariedade. Estes fatores costumam

ser potencializados pela exploração incisiva da mídia, que ao veiculá-los

cotidianamente ao grande público, cria em torno de si uma atmosfera de isenção moral

e incrementa um imaginário social propício ao desenvolvimento de soluções

diferenciadas para os problemas urbanos.

Neste contexto propício ao desenvolvimento de modelos de segregação

residencial, como os capitaneados pelos condomínios, Dammert (2003) constata que

ao longo de sua pesquisa na sua pesquisa quase quarenta e sete por cento dos

entrevistados sofreram alguma forma de violência, enquanto pouco mais de sessenta

por cento acreditam que possam ser vítimas dela. Esta segunda amostragem pode

estar indicando como a sensação de insegurança antecipa a ocorrência do ato

criminoso, ao passo que pode condicionar psicologicamente a sua vítima em potencial

a adoção de ferramentas de defesa. Para os mais pobres tende a crescer a sua

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vulnerabilidade, e entre as classes mais abastadas ganham espaços as iniciativas de

autoproteção.

Neste sentido seus efeitos parecem ser bem concretos já que a população em

potencial atingida pelas ações violentas formula discursos de autoproteção lugares

como a metrópole carioca esta sensação de segurança vem sendo agravada com o

crescimento da segregação sócio-territorial. Em lugares como a metrópole carioca esta

sensação de insegurança parece produzir desdobramentos territoriais associados que

indicam uma dinâmica de crescimento diferenciado da cidade de forma segregada. O

aumento da disparidade de renda entre os segmentos da cidade parece colaborar para

a ampliação da distância social entre estratos que já se encontravam hierarquizados na

estrutura responsável pela distribuição de oportunidades de participação social. Para

Ribeiro e Junior (2003) na década de noventa pôde-se perceber a entrada de novos

agentes no cenário urbano, novas forças sociais representando as novas forças

econômicas presentes na cidade. A sua principal característica é a construção de

acordos estratégicos entre os antigos e os novos interesses da acumulação urbana e a

busca da sua legitimação através do marketing urbano. Neste contexto de insegurança,

a violência urbana tem sido um filtro habilmente utilizado por quem efetivamente vem

lucrando com a fragmentação do tecido social da cidade.

A publicidade é um ator que vem corroborando este processo. Analisando os

anúncios publicitários de venda de imóveis nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo,

Sônia Tadeu e Edson Possidônio (2004) observaram que tanto o medo quanto a

necessidade e o desejo de proteção dele decorrentes é que fornecem o fermento para

os processos para os processos de fetichização da casa nas publicidades do mercado

imobiliário, entendendo por casa o lugar de abrigo contra as possíveis ameaças

urbanas. Logo, de acordo com o raciocínio dos autores, a casa é o lugar seguro,

acolhedor, porque pessoal, ao contrário da rua, sinônimo do desconhecido, impessoal,

e por extensão, reino da insegurança nos dias em que vivemos. A violência nestes

recortes de um dos setores do marketing urbano é fomentada para que o produto

completo, que é condomínio fechado, foco da análise dos autores, seja vendido com

todo o pacote de benefícios, tendo em destaque o elemento da segurança.

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E neste cenário a casa, sempre pensada de forma associada ao condomínio,

permite a concretização de desejos e fantasias. A retórica publicitária tem sido muito

hábil na divulgação destes paraísos artificiais. Vejamos como alguns anúncios

publicitários retirados de um suplemento jornalístico de um jornal de grande circulação23

anunciam as vantagens de se viver na Barra da Tijuca, depreendendo daí a

inevitabilidade de se viver em condomínios fechados.

“O Rio volta a ser uma referência mundial em lançamentos imobiliários

vanguardistas, com projetos inteligentes, arrojados, conceituados, tematizados. Tudo

isso, por causa da Barra, que impeliu o mercado a produzir resultados

espetaculares”(Rubens Vasconcellos, Patrimóvel).

“Pesquisas mostram que o morador da Barra dá importância a benefícios que

tornam sua casa uma espécie de oásis: academia, SPA, amplas áreas de lazer,

segurança e paisagismo” (Rogério Zylberztajn, RJZ/Cyrela, grifos meus).

“Precisamos conquistar consumidores que procuram empreendimentos de alto

padrão, com segurança, modernidade, infra-estrutura e lazer de Primeiro Mundo”(Luiz

Henrique Rimes, Gafisa).

A mensagem presente nos textos de três dos maiores grupos empresariais que

investem nos setor de produção imobiliária da Barra da Tijuca é tentar convencer o

futuro e atual morador da Barra de que ele vive em um lugar a parte do restante da

cidade, e de que dentro do seu condomínio o desejo de consumo será plenamente

atendido, um consumo que se estende ao corpo bem modulado tão valorizado nos

circuitos de socialização do bairro como a praia e os Shoppings Centers.

Outro agente que pode estar estimulando sentimentos de insegurança que em

alguma medida alimentam um imaginário urbano do medo são os meios de

comunicação. Desde o momento em que passam a veicular imagens de um cotidiano

violento, onde a população de forma indiferenciada parece terce-se tornado refém de

uma população criminosa, ainda que esta população muitas vezes esteja difusamente

distribuída pelo território, o terror urbano converteu-se em uma imagem absoluta, e o

23 Suplemento especial o Globo, Quinta – feira, 30 de Novembro de 2006.

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seu enfrentamento fugiu completamente das capacidades de prevenção do poder

público. De acordo com a lógica deste discurso, as cidades têm sido tomadas pela

criminalidade praticada pelo poder organizada ou pelos pequenos crimes, o que a

tornaria ingovernável. Os cidadãos sentem-se inseguros em face da diacronia de ritmo

entre a 24violência e a capacidade do Estado de adotar mecanismo de proteção que

garantisse o direito as suas vidas.

Para Izabel Szpacenkopf (2000) a violência fartamente divulgada pelos

noticiários televisivos não refleteria apenas uma banalização do cotidiano. Por detrás

desta divulgação existe um processo de sedução operado pelos meios de comunicação

que, segundo a autora, tem agradado em cheio os telespectadores. Afinal de contas,

uma imagem muitas vezes trabalhada cinematograficamente, tende a convencer o seu

público pela veracidade de uma mensagem interpretada. Esta “reprodução da

realidade” pode repercutir no cotidiano ao divulgar fatos que acontecem aos olhos de

muitos, ainda que muitos não percebam que a colagem pré-definida de certas imagens

sustentadas por uma narração trágica, freqüentemente investe maior intensidade a o

fato violento. Em suma, acredita-se que a violência está indiferenciadamente

disponibilizada no território.

Por fim, o fenômeno da violência urbana pode, no fundo, ser um componente de

um processo muito perverso que reflete a baixa mobilidade social ascendente que afeta

quase todos os segmentos de classe da sociedade carioca, exceção feita aos setores

abonados que tem recorrido ao uso do capital privado para tentarem se imunizar das

ameaças presentes na cidade. Podemos ver nas reflexões que enfocam a segregação

urbana uma perda de garantias reais trazidas pela orientação política-econômica dos

últimos anos pró - desregulamentação social do Estado. Não é casual o fato de que

enquanto as economias dos Estados latino-americanos atravessaram períodos de

desemprego e perda de poder aquisitivo para os mais pobres, o mercado imobiliário

vem se consolidando neste continente como um dos agentes sócias sociais de maior

participação na redefinição dos seus territórios.25

24 SZPACENKOPF, Maria Isabel Oliveira. O Olhar do poder. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2003. 25 Para ficarmos apenas no caso da Barra da Tijuca, enquanto o Estado foi uma figura determinante na fase inicial da urbanização do bairro prevista no plano piloto de Lúcio Costa, na virada da década de setenta para a de oitenta o setor empresarial representando o mercado imobiliário se apoderou do processo levando, inclusive, ao pedido de renuncia de Lúcio Costa do cargo de chefia que ele exercia na SUDEBAR, até então órgão soberano na condução da urbanização do bairro.

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Como resultado, a morfologia fragmentada do território pode estar sendo

acompanhada da pulverização de expectativas sociais por uma ordem mais justa e

igualitária, dificultando qualquer germinação de ideologias coletivas de inclusão social.

O velho axioma sustentado pelas classes dominantes de que a desordem urbana era

causada, entre outros motivos, pela aglomeração de pobres em determinadas áreas da

cidade habitadas pela população mais rica parece dar passagem a outras concepções

sobre a desordem urbana, aonde a figura do escravo ou do homem negro recém-liberto

vem sendo substituída pelos novos pobres urbanos, em sua maioria jovens negros

moradores de favelas.

As tensões entre as classes sociais repaginadas por determinações presentes

em um novo tempo e espaço atualizam a morfologia segmentada da cidade do Rio de

Janeiro cujo território revela sinais de separação das classes entre grupos detentores

dos ativos de intervenção social, seja esta intervenção registradas pelo poder

econômico e a sua conseqüente participação ativa na sociedade de consumo ou na

possibilidade de acionarem a aparelho jurídico do Estado podendo transformar suas

reivindicações em ações jurídicas concretas. 26 Tentando visualizar os efeitos destas

iniciativas segmentadas no interior da metrópole, e levando que apesar da sua

separação em segmentados de classe não há garantias de que estas ações estejam

sendo tomadas de forma organizada, as chances de formação de uma cultura

democrática na metrópole carioca parecem ser bem escassas. Como esta problemática

é muito ampla, ficaremos restritos aos impedimentos desta cultura democrática

colocados a partir da identificação do comportamento e das falas de alguns segmentos

das classes médias urbanas, e na medida do possível, interpelando seus efeitos no

tecido social da cidade.

Déficits de comportamento democrático costumam ser apontados como um saldo

das formas de vida confinadas em condomínios fechados. Esta suspeita está

sustentada, por exemplo, na estrutura arquitetônica destas construções marcadas por

muros altos que isolam visualmente o morador do seu entorno imediato, e daí advirem

várias dificuldades de ingresso nos condomínios em função dos impedimentos criados

26 Vários caminhos poderiam ser aqui adotados visando identificar a segmentação da cidade do Rio de Janeiro. Cada um deles sugeriria uma literatura específica. No caso da dimensão mais política temos o trabalho de Ribeiro e Junior (2003) e pela perspectiva econômica vemos a investigação de Abramo (2008). Mesmo considerando a importância destas investigações eu tomo como referência teórica os trabalhos que reconhecem a centralidade da sociedade de consumo.

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pela administração interna. Percebemos nas entrevistas com os moradores que os

conflitos, quando existem, são resolvidos por fóruns internos. Nestes espaços costuma-

se buscar uma solução consensual que não alimente maiores dissensões e “perda de

tempo” entre os moradores, como revelou um dos meus entrevistados.

Mesmo que a mediação destes conflitos seja feita por uma instituição legítima e

legal como a associação de moradores há uma forte inclinação para que na eminência

do surgimento de uma grande tensão que supere a capacidade de resolução dos fóruns

internos, ainda assim, busquem-se soluções domésticas. Esta predisposição para

soluções rápidas, a busca de decisões consensuais e o temor pela interferência de

órgãos do Estado nos problemas internos dos condomínios sugere o predomínio de

princípios não democráticos na regulação de comportamentos sediciosos entre os

moradores. Neste sentido, determinados hábitos entre moradores de condomínios

fechados sinalizam a despreocupação com princípios democráticos. Entre os desafios

colocados na nossa pesquisa esteve a preocupação em saber até que ponto esta

cultura interna reflete uma rejeição dos moradores aos princípios democráticos que

deveriam nortear as escolhas socialmente relevantes para uma sociedade.

Os condomínios fechados podem ser o lócus de novas formas de filiação social

que reconfiguram princípios de organização comunitária adaptadas ás novas exigências

de consumo dos seus moradores? Podemos estar diante de ambientes que busquem a

confraternização de interesses econômicos e sociais aparentemente contraditórios

produzindo como resultado formas de interação de grupos que indiquem uma espécie

de equação do individualismo com gregarismo local? Os arranjos sociais costurados

dentro de micro-territórios como os condomínios fechados podem ser exemplos da

absorção de tendências globais pelas idiossincrasias expressas localmente pelos seus

residentes? Estaríamos diante da postura antropofágica observada por Bauman onde

através da desalienação das substâncias alheias seja possível “ingerir”, “devorar”

corpos e espíritos estranhos de modo a fazê-los, pelo metabolismo, idênticos aos

corpos que os ingerem, e, portanto, não distinguíveis deles. (Bauman, 2000). Passemos

então a investigação desta complexidade que costuma aparece não apenas nos

condomínios da Barra da Tijuca assim como em várias formações territoriais da

América Latina.

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1.2 - Comunitarismo com individualismo. O desafio das novas classes médias.

As palavras têm significados: algumas delas,

porém, guardam sensações. A palavra

“comunidade” é uma dessas. Ela sugere uma coisa

boa: o que quer que “comunidade” signifique, é

bom ter uma comunidade, “estar numa

comunidade”. Se alguém se afastar do caminho

certo, freqüentemente explicamos sua conduta

reprovável dizendo que “anda em má companhia”.

Se alguém se sente miserável, sofre muito e se vê

persistentemente privado de uma vida digna, logo

acusamos a sociedade – o modo como está

organizado e como funciona. As companhias ou a

sociedade podem ser más; mas não a comunidade.

Comunidade, sentimos, é sempre uma coisa boa.

(Bauman, 2003, p.7 ).

Nesta passagem Bauman sintetiza com a precisão e a coragem costumeiras que

vem marcando a sua obra, o que ele considera como um dos grandes dilemas da

organização social nestes tempos da modernidade tardia marcados pela incerteza:

diante do clima de insegurança existencial experimentado por todos aqueles que vêm

construindo suas trajetórias em sociedades cada vez mais competitivas a possibilidade

de, ao menos, amenizar o sentimento de vazio e medo, pode estar na construção de

formas de solidariedade que recuperem valores como afeto e segurança pessoal. Daí a

saída pela vida da comunidade, esta coletividade que se opõe a sociedade na medida

em que enquanto na segunda predomina a impessoalidade das relações sociais

desenvolvidas em ambientes amplos cujas redes de proteção social mostram-se

difusas, logo imprecisas para uma incorporação segura dos seus membros, no primeiro

as relações entre os indivíduos são definidas pela proximidade física que acaba

produzindo uma proximidade de interesses de ordem social e moral. Daí a sensação de

maior acolhimento na comunidade e de desproteção na sociedade.

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Uma utilização pouco criteriosa do conceito de comunidade tem produzido

confusões de rumo no atual debate sobre o urbanismo contemporâneo. Esta é a

conclusão a que chega David Brain (2005) que ao propor uma nova agenda de

pesquisas urbanas identifica impecilhos teóricos refletidos em conclusões empíricas.

Neste sentido

No curso de montagem da agenda social do novo urbanismo é possível identificar duas idéias, simultaneamente, diferentes e contraditórias. De um lado existe a idéia de comunidade, cuja retórica de solidariedade está baseada no sentimento comum e na ligação pessoal. Do outro lado há uma vinculação frágil de um conjunto de idéias precariamente resumida sob a rubrica de urbanismo, baseado numa retórica de diversidade vital, ordem normativa do espaço público e realismo cívico.na tentativa de defenderem os valores do que propõem, muitos defensores do novo urbanismo falharam ao apostarem nas ambigüidades da retórica da comunidade que é utilizada por um discurso popular. E é a retórica da comunidade que tem causado a maioria dos problemas, rendendo aos novos urbanistas as críticas de defensores de um comunitarismo e deixando-os expostos as críticas de quem são indiferentes as mudanças mais significativas que tem ocorrido nas cidades: problemas de raças, classe e igualdade social. (Brain, David, 2005, p.218, tradução minha).

Para uma literatura especializa na área de urbanismo uma categoria tão cara á

história da sociologia como a comunidade vem sendo apropriada de forma ideológica,

submetendo conclusões de pesquisa á juízos de valor formulados pelos pesquisadores.

A problemática urbana fica reduzida à popularidade de um conceito transformado em

idéia força de um conjunto de relações sociais que esta categoria não conseguia

compreender. Neste sentido, a categoria comunidade reaparece como uma reação

retórica produzida por uma parcela da área de pesquisas em ciências sociais que

garante sua legitimidade na fluência coletiva dos espaços sociais que reconhece na

comunidade uma saída coletiva conservadora que se antepõe ás formas de conflitos

considerados disruptivos protagonizados na sociedade. Em uma época onde as lógicas

dualistas, do tipo a luta do bem contra o mal, parece ser hegemônica comunidade pode

aparece neste contexto como os domínios da ordem sobre a desordem, representada

pelas formações societárias.

De acordo com este preceito dualista podemos visualizar as formas dicotômicas

de filiação dos indivíduos nas dinâmicas autuais de socialização urbana. E desta forma

vemos que os problemas trazidos pela sociedade produzem impactos distintos nos

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segmentos de classe nas metrópoles. Utilizarei esta categoria ao longo da tese por me

referir a inscrição segmentada das classes sociais dentro dos territórios da metrópole.

Classe social é aqui compreendida como a forma específica de vinculação social dos

indivíduos, entendendo que além destas classes manterem relações objetivas com

outras classes, definindo a sua posição dentro da estrutura social, seus membros se

envolvem deliberadamente com indivíduos de outras classes (Bourdieu, 2002). Esta

definição, a meu ver, incorpora a dimensão relacional da socialização urbana,

considerando o fator da alteridade, mesmo que nas falas e práticas de alguns

segmentos de classe o Outro seja deliberadamente excluído. O uso deste conceito

pretende demonstrar esta contradição.

Logo, se para os mais pobres morar em uma comunidade pode representar a

recuperação da auto-estima e o enfrentamento das estigmatizações territoriais, como

todo o encargo moral que a expressão morador de favela traz para o seu usuário, entre

os segmentos mais abastados a comunidade pode sugerir a proximidade com iguais

que compartilhem códigos civilizatórios específicos de grupamentos sociais

voluntariamente enclausurados. O primeiro grupo luta contra uma gramática imposta

por um sistema social altamente estratificado que define as possibilidades de afirmação

social de acordo com a posse dos ativos de participação desigualmente distribuídos no

mercado de trabalho e na sociedade de consumo. O segundo grupo, por ter mais

acesso a estes ativos de participação social, navega socialmente (Da Matta, 1991) com

larga margem de autonomia. Em ambos os casos, a sociedade, por diferentes motivos,

é percebida como uma ordem extremamente impessoal e constrangedora.

A procura pelo abrigo seguro da comunidade, segundo Bauman, é um projeto

atravessado por ambigüidades. Na tentativa das novas classes médias (Na verdade

Bauman trabalha com o conceito de elite, que eu prefiro evitar no meu trabalho, e por

isto enveredo para uma terminologia que considero mais apropriada) assegurarem as

suas identidades, alinhada com as referências valorativas da sociedade de consumo,

que incluem a volatilidade e dispensabilidade dos significados de longo prazo, estes

mesmo grupos encontram-se diante do dilema de terem que abrir mão de determinados

objetivos para conservarem certas conquistas. Trazendo para o campo dos exemplos, o

investimento que estes grupos fazem em busca da liberdade de fazerem o quiserem

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entre os seus iguais esbarra na impossibilidade da segurança para tal empreendimento,

para usarmos um termo bastante em voga. Por outro lado, quem pretende viver em

segurança inevitavelmente diminui a sua margem de liberdade.

A categoria comunidade aparece, direta ou indiretamente, em trabalhos sobre

condomínios fechados. Maria de Fátima Gomes (2003) reconhece que dentro de alguns

macro condomínios fechados da Barra da Tijuca como o Riviera Del Fiori e o Novo

Leblon existe uma intensa vida social, por eles definida como uma expressão festiva da

vida em comunidade, alem de eventos sociais menos idílicos como as reuniões

regulares de foro condominial. 27 Quando esta categoria parece nas reflexões de Bauman ela parece justificar

estratégias escapistas de segmentos das classes médias cuja dinâmica de

deslocamento espacial corrobora a lógica circulação ininterrupta de acordo com os

novos circuitos de distribuição do capital. Mesmo que a capacidade de constante

mobilidade na cidade, que confere a certos segmentos sociais a prerrogativa de

escolherem os lugares onde irão estabelecer relações mais duradouras, como no caso

da residência, seja intercalada por esta fixação em territórios específicos.

Estas novas dinâmicas urbanas consagram-se em ambientes de incerteza

generalizada trazida pelas narrativas de desmonte dos antigos fundamentos daquilo

que o autor chamou de modernidade pesada, ou modernidade sólida. Nela, em que

pesavam os conflitos de classe, havia margens seguras de negociação de garantias

que assegurassem aos setores mais fragilizados da estrutura capitalistas bens de

participação política, através do acionamento de um sistema de proteção social que

resguardava os direitos inalienáveis dos trabalhadores. Hoje em dia, as novas

engenharias industriais procuram convencer os trabalhadores cada vez mais

desmobilizados e desacreditados de suas instâncias de representação, como os

partidos políticos e os sindicatos, das vantagens da flexibilização das relações

trabalhistas.

27 Os sites dos condomínios funcionam como uma eficiente ferramenta de divulgação das atividades realizadas nos seus domínios. Neles aparecem desde informações triviais como datas das reuniões de condomínio até a divulgação de eventos como palestras com consultores de empresas e firmas de segurança. Este segundo exemplo tem representado uma atividade muito regular na medida em que o seu conteúdo atinge diretamente os moradores dos condomínios e os seus incorporadores imobiliários. Podemos atém esmo arriscar ao falarmos que o formato comunitário mais comum aos moradores da Barra da Tijuca é o virtual.

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Dispensados do “peso do Estado”, o neoliberalismo com a sua agenda de

flexibilização das relações de trabalho, acaba por flexibilizar, inclusive, as relações

pessoais, por mais contraditória que esta expressão possa parecer. Não apenas a

antiga massa operária tem sido atingida pelas políticas de incorporação pinga a gotas

no mercado de trabalho. Neste ambiente em que o tempo da produção do consumo se

ajusta em diacronia com as possibilidades de edificações de projetos de médio e longo

prazo, a identidade social, para Bauman, cada vez se afasta mais do projeto sartriano

da identidade para a vida inteira. O mais indicado é a definição de identidades que se

adéqüem a imprevisibilidade do dia seguinte, e para isto, os fundamentos que a

sustentam devem ser passageiros. Entretanto, há o desejo de superar esta sensação

de insegurança através dos supostos valores familiares trazidos pela comunidade.

Desta forma, a busca pela comunidade, este porto seguro que protege o seu

integrante das intempéries da nova ordem social, esbarraria numa grande contradição.

Ao invés do fortalecimento de laços coletivos que primem pela colaboração de todos os

seus membros, da sedição do interesse de cada um em prol da vontade da

coletividade, enfim, ações voltadas para o interesse comum baseado na lógica da

garantia de oportunidades para todos, a comunidade que se busca, no fundo, é um

espaço que visa resguardar a distância que cada um dos seus membros pretende

guardar, não apenas dos estranhos, mas até mesmo dos seus vizinhos.

A importância da comunidade sempre dependeu da sua função na estrutura

produtiva. No capitalismo do século XIX, sua importância era questionada por autores

que entendiam que as comunidades aprisionavam os indivíduos em vínculos

conservadores untados à importância da família e das habilidades adquiridas. A

sociedade moderna estava em busca de novos braços para a produção que deveriam

ser despidos dos seus hábitos comunitários (Op. cit. p.30 ) e transformados em massas.

Sendo assim, para Bauman, neste momento a guerra contra a comunidade foi

declarada em nome da libertação do indivíduo da inércia da massa. Entretanto,

O verdadeiro resultado – ainda que não dito – dessa guerra foi o oposto do objetivo declarado: a destruição dos poderes de fixar padrões e papéis de comunidade de tal forma que as unidades humanas privadas de sua individualidade pudessem ser condensadas na massa trabalhadora. A “preguiça” inata da classe trabalhadora não passou de uma débil desculpa. (Bauman, 2003, p.30).

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Aquela razão moderna que exigia a predisposição para os homens comuns

abandonarem suas origens em prol de uma vida mais livre e cheia de escolhas

fascinantes escondia no fundo, a dupla face de Jano apresentada por Bauman, onde a

autonomia de fato de alguns, custava a enorme repressão da maioria. Os indivíduos de

jure não estavam liberados pela razão libertadora do iluminismo. Eles eram apenas

dados, peças de reposição na nova engrenagem do controle social. Os detentores do

poder social estavam investidos de uma autoridade quase inquestionável já que os

seus fundamentos eram nobres e de difícil crítica. Afina de contas, naquela época

representaria um contra-senso a rejeição a liberdade, democracia e justiça social. E a

comunidade parecia representar um retrocesso ao um mundo de direitos que se

tornava promissor. Por fim, uma das lições que esta história nos passou foi de que o

desenvolvimento humano é sempre desigual e que a conta deste progresso é paga por

segmentos que se colocaram contra os consensos estabelecidos.

Curiosamente, no final do século XX a categoria comunidade reaparece em um

cenário social ainda mais dramático do que o mundo de onde ela foi expurgada. Sua

convocação por segmentos da classe média passa a impressão de ser uma empreitada

em busca da recuperação de paraísos de convivência social, modos de vida mais

harmoniosos do que os hábitos que imperam nas formas de socialização atuais,

principalmente aqueles que transcorrem nos espaços públicos. Entretanto, este ideal

comunitarista preserva espaço para ideologias individualistas.

Por este motivo Bauman reconhecerá que este modelo de comunidade nada

tem a ver com a comunidade de interesses baseados em princípios éticos,

responsáveis pela regulação do interesse coletivo. Sua perspectiva é o interesse

estético. Nele a imagem de bem sucedidos, a aparência da vitória, a exibição dos

signos de pertencimento ao mundo das imagens dos seus integrantes contam muito

mais do que os (im) prováveis sentimentos de coletividade que venham alimentar o

estar perto uns dos outros. As imagens exitosas da sociedade de consumo fornecem o

modelo e os seus valores são as fronteiras destes territórios de exceção.

As comunidades que apareceram no vocabulário publicitário e na fala dos

moradores todas as vezes que se buscou a qualificação de um comportamento,

supostamente mais adequado aqueles que pretendem viver em harmonia, as

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“comunidades cercadas” em que pretendem viver os membros da nova classe média

carioca levam-nos a reconhecermo-las como instalações munidas de um pesado

aparato de segurança e vigilância constante pesadamente guardadas e eletronicamente

controladas compradas no momento em que haja dinheiro ou crédito suficiente para

manter distância da confusa intimidade da vida comum da cidade. São comunidades

apenas no nome. O que os seus moradores parecem estar dispostos a assegurarem é

o direito de manter-se á distância e viver livre de intrusos.

È como se dentro dos condomínios fechados fosse possível que cada um

vivesse suas particularidades em tal grau de harmonia que estas pudessem ser

incorporadas harmonicamente pelos interesses de um coletivo. Ou seja, estaríamos

diante de um micro – espaço social que onde o indivíduo pode definir a sua

plenamente, sem os incômodos de se submeter às formas de autoridade oriundas das

instituições coletivas, sejam elas legais, ou morais? Ou estaria ocorrendo uma

transferência de autoridade, que migra das organizações coletivas mais difusas como a

sociedade, para as comunidades frutos da acomodação espacial de grupos de

interesse? Vejamos algumas saídas teóricas possíveis para este dilema que parece

ganhar corpo nas falas e ações de determinados segmentos de classe.

Os trabalhos de Baumam, mesmo tendo apontado os fundamentos do novo

comunitarismo, reporta-se ao debate sobre comunitarismo e multiculturalismo que

grassa larga audiência nas sociedades americanas e européias. Sem tirar o seu mérito,

acredito que para a compreensão das motivações que sustentam os motes de

organização social dentro dos condomínios fechados da Barra da Tijuca a vertente

individualista deva ser levada em consideração. O individualismo que os moradores

manifestam apresentados sob a face do discurso comunitário é a tentativa de afirmação

de modos de vida baseados na proteção dos interesses particulares garantidos pela

normalização de relações sociais minimante coletivas. Neste sentido, a evocação da

categoria comunidade ou um termo afim por parte do morador do condomínio fechado

não seria uma mentira ou a engano vocabular cometido pelo seu aprisionamento no

discurso publicitário. Vejamos agora as premissas cognitivas deste individualismo.

Trabalhos sobre condomínios fechados no Brasil que abordam uma perspectiva

mais culturalista deste fenômeno visam destacar os processos de socialização

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baseados nas relações de vizinhança e nas interações domésticas costumam recorrer a

modelos teóricos baseados em dicotomias espaciais. Trabalhos como o de Cristina

Moura, que estuda as formas de interação destacadas acima em condomínios fechados

de Goiânia, sustentam que os códigos de comportamento dos seus moradores

destacam a “casa” como um ambiente prenhe de valores sustentados pela hierarquia

de relações sociais na sociedade brasileira que destacam neste especo fatores como a

pessoalidade e o domínio das relações primárias. Ao passo que na “rua”, também

detentora de valores, predominam vínculos individualistas baseados em códigos

igualitários que escondem os indivíduos em sues anonimatos.

Esta análise esta diretamente influenciada pelo trabalho de Roberto da Matta

(1991), ainda que a autora reconhece os valores do mundo da rua que para Da Matta

seria exclusivamente o reino da institucionalização das regras reguladas pelo Estado e

pelo Mercado. Na medida em que a dicotomia espacial pode sugerir avanços ao

traduzir os sentidos ocultos destes espaços, e ao mesmo o tempo, indicarem

particularidades da forma urbana brasileira recorreremos ao trabalho crítico de Jessé de

Souza ao trabalho de Da Matta, que se propõe a descredenciar o modelo de análise

que defende a díade complementar casa e rua, e o mesmo tempo, é uma rica

contribuição sobre a consolidação de narrativas individualistas dentro de formações

territoriais como os condomínios fechados.

Para Roberto da Mata o indivíduo no Brasil seria alguém inscrito em uma na

estrutura do mundo das leis impessoais aos quais está sob controle e subordinação.

Como a sua existência é definida pelo mundo da rua, o reino da impessoalidade, ele

deixaria de desfrutar de uma série de privilégios típicos da rede de relações pessoais

que estão abrigadas nos espaços mais íntimos da nossa sociedade, como é o mundo

da casa. De forma muito sintética, o indivíduo no Brasil não faz parte de uma categoria

universal como é o caso de países como os Estados Unidos e nem do renunciante

como na Índia. Aqui ele é uma espécie de João ninguém.

A antípoda deste indivíduo numa sociedade como a nossa é a pessoa, um ser

eminentemente relacional compreensível por fazer parte de um sistema de relações

sociais onde as relações de compadrio, de família, de amizade e de trocas de

interesses e favores constituem um elemento fundamental. Da Matta afirma que na

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sociedade relacional brasileira é muito positivo ser uma pessoa porque esta premissa

nos garante conquistas materiais e simbólicas fornecidas pela proximidade com figuras

importantes, e por extensão, nos torna participe dos privilégios de uma sociedade que

condiciona a sua navegação social a este tipo de vinculação. O indivíduo, por sua vez,

seria o destituído desta rede privilégios, e pagaria por este alijamento o preço de estar

sob a fiscalização regular das leis e dos mecanismos de controle social, que mesmo

baseados em forte institucionalidade, acabam tratando de forma diferenciada estes

mesmos indivíduos. A dicotomia rua e casa no esquema Damattiano pode ser resumida

ao conforto da casa contra os perigos da rua. De um lado a cultura e do outro a

racionalidade.Instala-se no argumento Dammatiano uma antítese entre indivíduo e

pessoa do qual serão tributários todos os outros conceitos presentes na obra do autor.

Um primeiro problema levantado por Jessé é o de que na tese de Da Matta os

brasileiros na condição de indivíduos só reagiriam de modo inverso aos estímulos das

instituições tradicionais como o Estado e o Mercado. Logo, o nosso individualismo

viraria uma espécie de moeda corrente de um comportamento deturpado que não teria

como extensão os valores do individualismo recorrentes em outras sociedades onde o

indivíduo, e por extensão, seu individualismo, corroborariam seus sentidos originais.

Acredito ser muito mais adequado reconhecer que o individualismo que os

moradores manifestam dentro dos condomínios fechados é uma extensão adaptada

para esta territorialidade do tipo de individualismo universalista da sociedade de

consumo, que de forma não contraditória, aglutina-se com as exigências de um tipo de

comunitarismo, desde que este preserve num ambiente de convivência comum as

individualidades almejadas por estes moradores. A posse do bem como credencial para

qualificar a presença positiva de alguém no mundo de valores de uma sociedade

competitiva como a carioca anuncia as chances de afirmação da sua individualidade.

Neste sentido, o ser da sociedade consumo dentro do condomínio fechado pode

guardar expectativas muito parecidas com alguém que mora em uma gated city. A

presença da cultura é uma variável para identificar as escolhas dos moradores de

condomínios, o que não significa desprezar a pressão que instituições do mercado e do

Estado exercem sobre suas escolhas. No mínimo há uma interpenetração de

determinações. O consumo traz uma capacidade cognitiva para o seu usuário, que ao

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acionar os seus códigos, que são de natureza cultural, revela uma racionalidade

instrumental típica de quem está minimamente familiarizado com o mercado.

Ao acionarem estes códigos os moradores de condomínios na Barra da Tijuca

parecem sinalizar uma influência de valores típicos de nossa cultura como o familismo,

onde a família é um lugar que os indivíduos podem consultar para sentirem-se mais

seguros sobre suas escolhas, a força dos grupos primários dentro que incorporam estes

sujeitos tirando-nos de uma incômoda situação de isolamento interno e a decodificação

do aparelho do Estado, quando os moradores recusam a interferência do Estado em

casos de conflitos internos. Esta recusa não demonstra a incompatibilidade entre o

indivíduo que se quer fora do condomínio e a preservação da privacidade das pessoas

lá residentes. Sua decisão parece se sustentar no pleno reconhecimento das leis e na

autonomia predatória dos condomínios poderem burlá-las, não somente através de

consensos baseados em pactos tácitos, mas sim ao concederem esta competência a

instituições internas como as convenções condominiais. Esta territorialidade se sustenta

no duplo vínculo da cultura com a lei, e neste caso ser indivíduo ou pessoa para os

domínios do condomínio converte-se em questão de opção.

O individualismo seria melhor compreendido como a uma ideologia de

organização social onde os indivíduos tornam-se seres plenamente autônomos quanto

as suas decisões. Instituições sociais como o Estado, a Escola e a Família deveriam

servir de suporte a realização dos desejos dos indivíduos que pontuam as suas vidas

pela sensação de autonomia. O que importaria, principalmente na sociedade de

consumo que eu considero o desiderato das formas de socialização em condomínios

fechados, seria um nível mínimo de regras coletivas em contrapartida ao máximo de

liberdade para se movimentar dentro dos espaços de suas escolhas. De preferência se

esta mobilidade for feita com o grau máximo de segurança.

Outros trabalhos mais contemporâneos que vêm investigando os novos

contornos do individualismo vêm gerando um intenso debate no interior das ciências

sociais, articulando esta problemática com a revisão de alguns dos seus paradigmas

fundadores. (Macpherson, 1968; Dumont, 1974; Velho, 1981; Giddens,1994). Todos

eles associam a premissa do individualismo na distribuição de compromissos sociais.

Para Macpherson, a preocupação com a sobrevivência do indivíduo marcava as

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reflexões políticas e filosóficas voltadas à criação de instituições que evitassem uma

luta de vida e morte entre os sujeitos sempre maximizaram os seus interesses quando

foram Dumont entende que o pensamento ocidental tem sido marcado por uma

valorização das fontes de produção da individualidade, como a família, a escola e o

ambiente de trabalho. As instituições ocidentais teriam sido erguidas para incorporarem

coletivamente os interesses individuais, a priori difusamente distribuídos na sociedade.

As questões presentes nas reflexões acima podem perfeitamente ser atualizadas

pelos formatos ideológicos assumidos nos modos de vida urbano. Sem exagero, é a

tentativa de encontrar um formato social que atenda conjuntamente a preocupação com

a garantia da liberdade individual (Weber, 1982) junto ao respeito pelas instituições de

coerção da sociedade (Durkheim, 1983) que vem marcando as ciências sociais de

forma geral, e a sociologia, de maneira mais específica. O indivíduo é um ator

historicamente construído em espaços sócio-político-culturias nos quais suas intenções

possam desfrutar de níveis minimantes seguros de conversão em resultados objetivos.

Assim, ele se filiará a determinadas coletividades coordenadas por instituições

responsáveis por estes níveis mais seguros de garantias. Nem sempre, contudo, estes

percebem o caráter coercitivo destas instituições, principalmente, em ambientes

marcados por regras mais difusas de socialização.

A meu ver, as demandas presentes nos modos de vida urbanos e que estão na

base das novas de socialização que têm sido feitas pelos indivíduos contemporâneos,

tornam as análises teóricas que tratam o social a partir de escolhas metodológicas

ortodoxas, como o individualismo metodológico ou o coletivismo metodológico,

insuficientes. Nos momentos em que estes indivíduos tomam decisões de acordo com

as suas preferências, muitas variáveis passam a fazer parte deste processo. Logo, uma

ação tipicamente individual, como a escolha de uma residência, não será entendida

plenamente se não levarmos em consideração os fatores sociais que sustentam a

opção por um lugar, um bairro ou uma cidade, em detrimento do outro. Ao mesmo

tempo, que socialmente constrangida, uma escolha não anula necessariamente os

interesses de natureza mais individual. Segundo Bauman

[...] como um ato de emancipação pessoal e de auto-afirmação, a individualidade parece carregar uma inata aporia: uma contradição insolúvel.

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Precisa da sociedade simultaneamente como berço e como destino. Qualquer pessoa que procure a sua individualidade ao mesmo tempo em que esquece, rejeita ou menospreza a sóbria / sombria verdade se arrisca a enfrentar muita frustração. A individualidade é uma tarefa que a sociedade dos indivíduos estabelece para seus membros – como tarefa individual a ser realizada individualmente por indivíduos que usam recursos individuais. E, no entanto, esta tarefa é aucontraditória e autofrustrante: na verdade, é impossível realizá-la. (Bauman, 2005, p.29, grifos do autor).

Visto desta forma, o individualismo converte-se em uma espécie de mito da

vontade pessoal. O sujeito não pode desvencilhar-se de suas amarras sociais

fundamentadas em obrigações que nem sempre podem ser controladas pela sua

vontade pessoal. Ainda que esta não constitua uma situação aprisionadora de uma

jaula de ferro (Weber, 1982) a vontade individual sempre será frustrada por vínculos

que limitam o seu espaço de locomoção. Logo, viver em sociedade exige que certas

premissas coletivas sejam colocadas em cena. Esta ressalva seria redundante se os

tempos fossem outros. No entanto, eu entendo que os discursos sobre a defesa

intransigente da individualidade precisam ser enfrentados nos lugares aonde os seus

resultados tem sido sentidos com mais intensidade. Não acredito haver dúvidas quanto

à vigência desta retórica em territórios de confinamento voluntário, ou como colocou

Bauman28 em outra de suas obras, nos “guetos voluntários”.

Entendo que o individualismo contemporâneo não pode ser compreendido sem

um exame mais geral de um conjunto de escolhas feitas por diferentes segmentos de

classe no contexto mais amplo da cidade. Sendo assim, este individualismo pretende

ser a expressão de um modo de vida urbano, que apesar de localizado espacialmente,

supera estas mesmas espacialidades. Este “individualismo urbano” parece construir a

sua afirmação na condição de uma narrativa das possibilidades de vida mais seguras

para os indivíduos aterrorizados pelos perigos das cidades. Este individualismo apregoa

o abandono de preocupações com questões coletivas mais abstratas, como a

democracia e a justiça social. Estes itens que ao longo dos séculos XVIII e XIX

impulsionaram os movimentos sociais comprometidos com a garantia de direitos

fundamentais deveriam ser delegados ao Estado, que vem se constituindo para

algumas classes como uma entidade cada vez mais abstrata. Dissociados de maiores

preocupações coletivas o individualismo contemporâneo é aquele em que se busca o 28 BAUMAN. Comunidade – a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

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gozo hedonista que mascara um discurso de sujeição dos segmentos ou classes

menos favorecidas pelo novo aparato de alienação manifestado pelas engrenagens da

sociedade de consumo.

Freire Costa (2000)29 identifica prerrogativas valiosas sobre este individualismo.

Para ele, no individualismo contemporâneo temos uma substituição dos antigos

interesses políticos religiosos pelo mundo por preocupações com a satisfação individual

física ou mental. Estão em vigor novos mecanismos de exclusão social, que agora

passam pela desqualificação daqueles que não se adéquam a estética dos bem

sucedidos. Segmentados em faixas etárias temos, por exemplo, os velhos que

deixariam de ser relegados ao segundo plano na medida em que são estimulados a

participarem de atividades da “terceira idade”, “quarta idade”, ou mesmo a “melhor

idade”.

Na outra ponta do controle social os jovens são estimulados a competirem

economicamente, a cuidarem do corpo, da saúde, das relações sexuais e amorosas, e

acreditarem que caso sejam bem sucedidos no cumprimento destas tarefas, as outras

conquistas viram como um resultado natural. (Op cit. p.34). O corpo do indivíduo deve

ser um depositário de símbolos positivos da sociedade de consumo. O corpo branco,

atlético, o profissional jovem empregado em uma empresa multinacional virá uma

espécie de paradigma da sociedade dos bem sucedidos, perfeitamente encarnada nos

estereótipos presentes nos jovens de classe média alta da Barra da Tijuca.

Desta forma, os enclaves residenciais que são as formações em que podem ser

identificadas estas expressões do individualismo não são em si estruturas isoladas do

conjunto de outras estruturas da sociedade. As motivações comportamentais dos seus

moradores estão incluídas em narrativas culturais que perpassam o conjunto da cidade.

Apenas a sua manifestação tem se diferenciado de acordo com os capitais disponíveis

a cada grupo social, sejam eles expressos em classes ou quaisquer outras formas de

filiação social. Desta forma, a presença de uma retórica pró-isolamento presente na fala

de alguns moradores e de muitos anúncios publicitários, repousa a sua eficiência na

presença de contrapontos valorativos que são hegemônicos em outros lugares da

cidade. No caso aludido, a defesa de um individualismo intransigente passa a ser

29 FREIRE COSTA, Jurandir. In Quatro Autores em busca do Brasil. Org. José Geraldo Couto. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.

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justificada quando supostos valores garantidores da solidariedade social estão

ausentes. A defesa de uma individualidade localizada no espaço depende da presença

de ameaças que possam comprometer conquistas humanas tão caras, como a garantia

da vida e os respeito à propriedade privada Daí todo o aparato de segurança dos

condomínios serem justificados pelo crescimento da violência na cidade, na medida em

que o Estado estaria falhando em prover a proteção à vida do seu cidadão este se vê

no “direito” de escolher os métodos mais adequados de sobrevivência. A retórica pró-

isolamento investe sua legitimidade em um paradoxo: a crise da cidade, que é uma

formação coletiva, começa a ser enfrentada a ser enfrentada de forma pontual e

territorializada através da satisfação dos direitos individuais de alguns.

Voltando a Bauman, podemos apreender que o individualismo é fruto do

amadurecimento histórico da sensação de autonomia que o homem moderno vem

desfrutando desde que ele passou a assumir todos os benefícios e agruras inatas à

empreitada pela busca de um sentido para a vida. Nesta condição de tarefa a

individualidade é o produto final de uma transformação societária disfarçada de

descoberta pessoal. Esta iniciativa não esteve dissociada de perigos para o coletivo do

qual este novo homem fazia parte, afinal de contas, o emergir da individualidade

passava a assinalar um progressivo enfraquecimento, desintegração e até mesmo

destruição de uma densa rede de laços sociais que sustentava a totalidade da vida, e

com isto lhe conferia sentido. Neste sentido, o mundo moderno parecia anunciar um

problema que se tornaria estrutural nas sociedades contemporâneas: a contradição

entre indivíduo e sociedade.

Esta grande contradição aparece, segundo Bauman, enquanto aporia, isto é,

uma contradição insolúvel, já que a afirmação da individualidade precisa de uma

ambiente social que lhe sirva simultaneamente como berço e destino. Seria uma

impossibilidade lógica se assim não fosse, afinal, como o próprio autor sustenta, a

condição de reconhecimento de um indivíduo passa obrigatoriamente pelo contraste

que a sua escolha pode gerar no conjunto das possibilidades de escolhas alheias. O

indivíduo adjetivado positiva ou negativamente precisa do seu oposto. Este é o eterno e

indissolúvel equilíbrio tenso que serve como pilar de sustentação não apenas para a

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vida, na sua acepção mais imediata, mas também para o tecido social que organiza as

escolhas dos membros de uma coletividade.

Marcado por esta limitação, o indivíduo contemporâneo aprece estar

impossibilitado de ir além das fronteiras artificialmente construídas pelas convenções

por ele estabelecidas como operados do jogo social, precisa aceitar a finitude do

espaço social que habita. Por um lado, este seria um traço valioso ao indicar que o

espaço socialmente construído para a interação entre as pessoas é limitado pelas

escolhas feitas dentro de um cardápio de opções constrangido pelas possibilidades de

acesso diferenciado que cada um dos indivíduos dispõem, e tais diferenciações

estabeleceriam uma diferença fundante em termos materiais e simbólicos. Esta primeira

virtude aparente, e é aparente porque sugere o respeito pela diferença, por fim

converte-se no seu antípoda, pois ela está fundamentada na idéia da divisão social.

Sendo assim a posição ocupada no espaço social, isto é, na estrutura de distribuição

dos diferentes tipos de capital, que também são armas, comanda as representações

deste espaço e a tomada de posições na luta para conserve-lo ou transformá-lo30.

Esta constatação sociológica preenchida por um número cada vez maior de

exemplos presentes nas novas formas de organização da vida social nos meios

urbanos, parece ir ao encontro dos discursos liberais que prometem uma vida plena de

escolhas e livre de restrições. As propagandas que cercam a grade televisa e prometem

a consecução do binômio boa forma/ vida feliz, são um bom exemplo, pois sugerem ao

telespectador que por sua livre escolha todos os problemas teriam terminado,

parafraseando uma expressão de um famoso programa de humor semanal, em que um

dos seus quadros é uma paródia aos programas de televenda, mas ao invéis das

soluções práticas possibilitadas pelos primeiros eles oferecem engenhocas,

prometendo a satisfação procurada.31

De acordo com esta orientação ideológica, nas cidades capitalistas, parece ser

cada vez mais ressonante o discurso do “faça você mesmo”, “proteja a sua vida”, “tome

todos os cuidados no trânsito”, “evite sair depois de uma certa hora, pois a sua vida

corre perigo”, e as formas de solidariedade que surgem, geralmente tão frágeis que

desaparecem rapidamente, muitas vezes sem deixar nenhum vestígio, são construídos 30 Bourdieu, Pierre. Razões práticas. São Paulo: Papirus, 1997. 31 Falo aqui das organizações tabajara do programa Casseta e planeta.

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no intuito de reaver a segurança individual ameaçada. Em todas estas convocações

esta praticamente ausente qualquer menção á uma autoridade pública, como se os

movimentos que os homens fazem ocorressem em uma área destituída da presença da

autoridade constituída.

Neste contexto, as escolhas a serem feitas dão a entender que a sua

legitimidade repousa na livre escolha, que mesmo sendo uma ficção historicamente

combatida pela sociologia, para Bauman este embate histórico não inviabilizou a

passagem da condição de presunção ao direito de escolher, escoltada na suposição da

plena autonomia decisória para a condição de um fato social durkheimiano que se torna

“real” no sentido de uma pressão esmagadora equipada com recompensas irresistíveis,

que não pode ser eliminada pelo desejo ou pela argumentação, muito menos,

rechaçada ou ignorada impunemente.32

Nesta retórica do novo individualismo os indivíduos devem se movimentar (até

porque aqueles que param são logo ultrapassados) o tempo todo em direção ao

consumo, a instância comum a todos que procuram reconhecimento no mundo

contemporâneo. Na realidade de consumo, que não envolve a penas o ato do consumo,

e sim, a necessidade de desejar continuamente o consumo de algo, mesmo que não se

tenha a exata noção do que seja este algo, ao mesmo tempo em que, para muitos

existe a consciência de que aquilo que se procura é inalcançável, todas as relações da

vida se desenvolvem. Acredito que um dos grandes méritos desta análise é o de

chamar a atenção para o fato de que as identidades são socialmente construídas no

mundo do consumo, e com isto o mundo do trabalho parece perder progressivamente o

espaço que em um passado recente foi tão vital para a socialização das classes

urbanas. 33 Não quero dizer que o mundo do trabalho tenha desaparecido para

determinados segmentos de classe, mas que não se observa mais a sua centralidade.

Nestas sociedades marcadas pela concomitância do afastamento social e da

proximidade no território de pobres, ricos e classes médias, existem áreas ocupadas

pelas classes médias e médias altas, que têm estabelecido com uma freqüência

crescente perímetros de isolamento social de alguns grupos, notadamente os pobres

32 Bauman, op. cit. p. 23. 33 Para uma análise mais detalhada deste fenômeno ver os trabalhos de Baudrillard (1996) Ribeiro e Junior (2003), Lago (2000) e Castels (2002).

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urbanos, pois segundo os primeiros, deve haver uma preocupação com as possíveis

interseções que possam vir a ser estabelecidas com grupos de menor poder aquisitivo.

Mesmo que estas interseções sejam cada vez mais passageiras, chegando a ponto de

se tornarem em alguns casos imperceptíveis. No modelo dos condomínios fechados

estes esforços têm sido feitos, e no caso do Rio de Janeiro, com destaque para a Barra

da Tijuca, esta pretensão é uma realidade que se renova a cada dia.

Entretanto esta decisão tomada por um determinado grupo voltada a um tipo

específico de isolamento social esbarra em uma contradição, qual seja, entre os

segmentos de classes é obrigatoriamente de interdependência, logo, a existência de

um segmento, por mais recursos que este venha a possuir, nunca é independente dos

valores e atitudes executados por um grupo, mesmo que com ele existe um contato

intermitente. Neste sentido, as classes se estruturam no espaço de acordo com as suas

chances de movimentação social, e é justamente por esta diferença de oportunidades,

que muitas vezes indica a sua simetria, que o empoderamento de uma classe será

explicado pelo empobrecimento complementar da outra.

Visto desta forma, a categoria individualidade oferece significados distintos para

os indivíduos de diferentes classes sociais. Se para os moradores de condomínios

fechados, a sua individualidade é construída por causa das facilidades que ele encontra

para definir as suas preferências, ainda que se considere a ressalva presente acima,

para outras classes mais empobrecidas, no caso específico, de moradores que tenham

alguma proximidade física com áreas mais favorecida das cidades, a sua

individualidade pode ser percebida pelo “bizarro de sua condição”, e neste cenário

“dificilmente conseguiriam vinculá-lo a outra coisa na sua experiência de vida senão à

agonia da solidão, ao abandono, a falta de moradia, a hostilidade dos vizinhos, ao

desaparecimento dos amigos em que se podia confiar e com cuja ajuda se podia

contar, e ao banimento dos lugares em que outras pessoas podem caminhar,

admirando-os e usufruindo-os ao seu bel – prazer.34Sentimentos saudosistas à parte

que esta passagem possa indicar, ela é sugestiva ao nos indicar que os significados de

uma categoria dependem necessariamente dos usos que as diferentes classes as

conferem, de acordo com as suas intenções e possibilidades.

34 BAUMAN . Op. cit. p.35

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Para concluir, retorno a contribuição da abordagem baumaniana do

individualismo fundamentada no ideário do consumo como formador de identidades.

Este individualismo se sustenta em algumas dicotomias, e dentre as mais expressivas e

adequadas para os contornos jurídico-político e simbólico de uma cidade como o Rio de

Janeiro, está aquela que demarca a distinção entre o indivíduo de jure do indivíduo de

fato. No primeiro caso o respeito aos direitos individuais está prevista na lei, está

estabelecido como uma das sociedades contratuais modernas, sem, contudo, existir na

prática qualquer segurança quanto à realização. No segundo exemplo o exercício do

direito está assegurado pela posição privilegiada que o indivíduo desfruta no processo

de distribuição de garantias sociais. Estes dois planos estão assegurados por uma

relação complementar, onde a posição favorável de um indivíduo ou um grupo dentro

de um determinado sistema social depende da precariedade da condição do outro.

Os elementos personalistas da cultura brasileira podem se manifestar neste

esquema, embora a dicotomia, a meu ver, não se dê entre os espaços da “casa” e da

“rua”, como já foi sustentado no início desta seção. A assimetria destas duas formas de

individualização está condicionada pela posição que o individuo ocupa nas esferas de

oportunidades do espaço público, que se obviamente se refletem nos espaços

domésticos. As oportunidades são distribuídas dentro da posição social que os

segmentos de classe ocupam na nossa sociedade, as chances de acionarem os ativos

simbólicos e materiais que conferem prestígio e individualidade, valores tão destacados

na sociedade de consumo, e de fazerem valer suas prerrogativas universais de

cidadãos para ressoarem nos espaços públicos suas demandas por cidadania. Mas

uma vez eu corroboro uma das conclusões de Jessé acerca da construção dos limites

da nossa cidadania que passam pelo reconhecimento diferenciado dos indivíduos

escalonando-nos em supercidadãos e subcidadãos, duas classificações legitimadas

nas esferas públicas.

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1.3 - Condomínio fechado: racionalismo com culturalismo? A opção residencial pelo condomínio fechado por alguns segmentos das classes

médias foi destacada no trabalho pioneiro de Santos (1981) como a maior ameaça às

cidades brasileiras, em função dos valores segregacionistas que tendiam a corroborar

este modelo de confinamento residencial, e o avanço das décadas, não apenas

confirmou como agravou esta tendência. Apesar do seu trabalho pode ser aplicado a

qualquer caso de condomínio fechado no Brasil, e até mesmo no exterior,

salvaguardando todas as especificidades deste empreendimento, o autor tomou como

estudo de caso os condomínios fechados da Barra da Tijuca. A análise de Santos está

voltada para as implicações morfosociológicas do condomínio fechado, em um

momento de vertiginoso crescimento do capital imobiliário na cidade do Rio de Janeiro.

Santos (op. cit.) abordou a opção urbana pelo condomínio fechado como uma

tentativa de equacionar o crescimento populacional das cidades em um período de

industrialização acelerada sinalizando que os condomínios apresentariam a saída

buscada pelo capital privado para promover uma ocupação racional do espaço. Esta

iniciativa embutiria duas lógicas: a primeira de cunho racionalista ao “investir em uma

visão totalizante do meio urbano. Sua concepção é autoritária e visa à eficiência. O

espaço é concebido para o homem padrão e pretende responder os seus requisitos

básicos. A solução é universalizante e independe das condições locais; pode ser

implantando em qualquer lugar” (Santos, 1981).

A segunda vertente, que é a culturalista, aparece porque “o condomínio propõe

desde o início um mundo fechado, com medidas automaticamente limitadas. A

população é cuidadosamente prevista, impossível de ultrapassar, já que as construções

obedecem a regras pré-fixadas. O número de moradias condiciona a oferta de infra-

estrutura e dimensiona os equipamentos. Completando tudo há o muro, acerca com

entradas vigiadas. Em alguns casos há as senhas; cartões de entrada; identificação

eletrônica; circuito interno. Em outras há toques de recolher como nas pequenas

cidades medievais autocontidas”. (Santos, 1981).

Apesar da atualidade do trabalho de Santos produzido no início dos anos oitenta,

coincidente com um período que tem demonstrado um verdadeiro boom dos

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condomínios fechados, no tocante ao componente racionalista a pretensão de um

universalismo dos procedimentos tem passado por algumas adaptações, que são

condicionadas por fatores locais. Empreendimentos como o Alphaville Tamboré na

região metropolitana de Curitiba, por exemplo, foram adaptados a fatores estruturais,

dentre os quais a exigência de ampliação da avenida que o cerca, pois as dimensões

da avenida anterior não conseguiriam comportar o novo fluxo de veículos trazido pelo

condomínio. No caso da Barra da Tijuca, as últimas áreas de proteção ambiental têm

sido invadidas por megacondomínios, pela via da negociação da legislação ambiental,

onde os condomínios passam a se comprometer coma preservação de espaços verdes.

Quem sabe este processo não esteja revelando a ultrapassagem de uma das últimas

fronteiras que a natureza “insistia” em impor teimosamente ao grande capital em sua

histórica “missão civilizatória”.

Outra valiosa contribuição que em muito pouco se converteu em uma obra de

referência aos estudos sobre condomínios fechados é o trabalho de Caldeira (2000)

sobre o crescimento do processo de segregação social nas cidades latino-americanas,

com destaque para o caso paulistano, visibilizado por estratégias de confinamento

residencial feito pelas classes médias e altas instaladas em enclaves fortificados.

Para Caldeira um dos fenômenos mais expressivos na maneira de morar das

classes médias nas últimas décadas na cidade de São Paulo foi a disseminação de

condomínios fechados. È um tipo de empreendimento marcado pela multiplicidade de

residências, sobretudo edifícios, invariavelmente fortificados, com entradas controladas

por sistemas de segurança, normalmente ocupando um grande terreno com áreas

verdes e incluindo todo o tipo de instalações para uso coletivo. Caldeira apresenta em

sua obra o que se pode chamar de modelo dos condomínios fechados, com variações

em suas unidades morfológicas que acompanham algumas especificidades do espaço

onde eles serão construídos.

Para Caldeira os condomínios fechados são a versão residencial de uma

categoria de investimento residencial que a autora classifica como enclaves fortificados.

Este empreendimento tem mudado sensivelmente a maneira como as classes médias

trabalham, vivem, consomem e gastam o seu dinheiro. Modificam o panorama das

cidades, o seu padrão de segregação residencial, o caráter do espaço público e as

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formas de interação entre os seus moradores. A definição que poderia sintetizar estes

empreendimentos é de que eles são

Propriedades privadas para uso coletivo e enfatizam o valor do que é privado e restrito ao mesmo tempo em que desvalorizam o que é público e aberto na cidade. São fisicamente demarcados e isolados por muros, grades, espaços vazios e detalhes arquitetônicos. São voltados para o interior e não em direção à rua, cuja vida pública rejeitam explicitamente. São controlados por guardas armados e sistemas de segurança que impõe as regras de inclusão e exclusão. São flexíveis: devido ao seu tamanho, as novas tecnologias de comunicação, organização do trabalho e aos sistemas de segurança eles são espaços autônomos, independentes do seu entorno, que podem ser situados, praticamente, em qualquer lugar. (Caldeira, 2000, ps.158-159).

Estes são espaços socialmente homogêneos, compostos pelos mesmos

segmentos de classe aonde os seus moradores procuram viver entre iguais,

possivelmente, compartilhando os mesmos códigos de pertença. Em virtude do capital

econômico acumulado dentro dos enclaves a autora acredita que este espaço confere

prestígio ao seu morador. È um prestígio relacionado também a distância que estes

condomínios guardam em relação aos espaços públicos, e não apenas uma distância

física, mas principalmente, simbólica. Até por isto, eles vem desfigurando estes

mesmos espaços públicos, negando a sua importância e se constituindo como

formações que prescindem de vínculos com áreas externas aos seus domínios.

Suas reflexões são indispensáveis para que possamos ir além dos muros destes

condomínios ao identificarmos que os condomínios fechados não são simplesmente o

resultado espacial de escolhas voluntárias feitas por uma parcela da população que

procura uma qualidade de vida vinculada ao contato com a natureza, a tranqüilidade

longe da cidade e a beleza deste projeto residencial. A construção destas moradias

reflete uma ideologia separatista nas cidades que reconfigura antigas estratégias de

separação das classes sociais no espaço. Este produto parece se ocupar da pretensão

de diluição das diferenças sociais e encobrimento de conflitos gerados pelo acúmulo de

tensões em sociedades cada mais desiguais distanciando os grupos dentro do território.

Esta tentativa, entretanto, estaria atravessada por tensões na medida em que estaria

em curso uma nova fase da segregação que tem modificado a localização dos pobres e

dos ricos na cidade de São Paulo, tornando-nos vizinhos na cidade, mas cada vez mais

afastados das possibilidades de desfrutarem em condições semelhantes os mesmos

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equipamentos urbanos. Até por este motivo, os condomínios fechados dos anos

noventa e oitenta dispõe de uma área interna vasta que congrega o maior número

possível de serviços, muito diferente dos condomínios dos anos setenta onde se

percebia nestas áreas, no máximo, uma área de lazer com playgrounds, piscina e

salões de festas. Esta estrutura tem relevado uma clara tentativa dos condomínios

paulistanos evitarem possibilidades de vínculos com as áreas do entorno, fortalecendo

entre suas classes médias atitudes isolacionistas. (Caldeira, 2000).

Entretanto, o trabalho de Caldeira incorre em algumas generalizações que

carecem de uma base empírica sustentável. Numa delas as residências dos

condôminos brasileiros aparecem personalizadas, ao contrario de uma padronização do

caso norte-americano. Da mesma forma, que enquanto nos Estados Unidos os

moradores de condomínios optem por modelo social homogêneo, no Brasil a questão

da homogeneidade não seria um valor central para as nossas elites. Duas ressalvas

podem ser feitas sobre esta constatação. A primeira diz respeito ao uso do conceito de

elite, uma categoria que hoje em dia pode abarcar um conjunto maior de integrantes,

não porque tenha facilitado o seu ingresso para personagens emergentes, mas sim

pela sua diferenciação interna. Se os integrantes da elite econômica podem vir a ser

identificados pelo seu patrimônio, o mesmo não se aplicaria, necessariamente, a uma

elite intelectual, cujo diferencial social é o domínio de informações raras de caráter

abstrato (Bourdieu, 2007).

A outra restrição é a rejeição que a autora faz da categoria homogeneidade

social como uma exigência moral para o estabelecimento de formas de convivência

específicas. Situação bem diferente desta eu pude constatar na minha pesquisa na

Barra da Tijuca, onde o desejo por uma vida comunitária aparecia na fala de alguns

moradores que convocavam de modo saudosista formas de convivência mais

harmoniosas, estilos de convivência que pareciam sintetizar familismo com

comunitarismo, assim como nos anúncios publicitários que tentavam convencer os

futuros moradores da Barra da tijuca a viverem em verdadeiras comunidades.

Outra imprecisão no trabalho de Caldeira é fruto de uma premissa correta mais

com uma conclusão equivocada. A autora está convencida de que todos os

equipamentos de serviços disponibilizados pelos condomínios relacionam-se muito

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mais com o sentimento de status do seu morador do que como uma condição

necessária para uma vida gratificante. Neste caso essas instalações parecem ter mais a

ver com ostentação do que com um novo padrão de sociabilidade entre vizinhos ou

com novos conceitos de vida privada.(Caldeira, 2000). Isto porque em sua pesquisa ela

percebeu que as áreas de lazer luxuosas passavam a maior parte do tempo vazias.

Sem antecipar uma reflexão que só aparece de forma aprofundada no último

capítulo, esta situação eu também pude constatar nas visitas aos condomínios da Barra

da Tijuca. Por outro lado, Caldeira parece desconhecer que o desejo por status

embutido neste esvaziamento intencional das áreas de lazer já indica uma forma de

socialização, se não nestas áreas em outras, provavelmente, dentro dos próprios

apartamentos. Esta reclusão pode estar indicando uma nova modalidade de

individualismo marcado pela ostentação de bens diferenciados no mercado de valores

simbólicos ainda que com ele se mantenha uma relação de caráter virtual.

Dando seqüência ao reconhecimento de novas dimensões de convívio na

cidade, podemos concluir que a articulação de variáveis culturais e políticas, muitas

vezes difusamente presentes no território, ajudar-nos-ão a identificar o cenário urbano

que vem legitimando a existência de ocupações exclusivistas dos espaços da cidade.

Dentre as preocupações ontológicas presentes na nova realidade urbana protagonizada

pelo interesse específico de algumas classes, destaca-se a busca por segurança,

liberdade e exclusividade. Vejamos então, como estão em curso novas formas de

socialização urbanas e de que forma os condomínios fechados têm influenciado neste

processo.

1.4 - A nova socialização urbana.

Estaria em marcha o fim de uma época onde as lealdades possam ser

construídas a partir de intermediários que não sejam a própria vontade do homem,

maximizado em sua individualidade? Discutiremos nessa passagem do trabalho, que ao

contrário de uma impressão inicial de conquista da autonomia por parte dos homens,

como conseqüente concretização de um dos ideais da modernidade, na modernidade

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tardia o tipo de individualismo que predomina tende a desestimular os homens a

estabelecerem convivências coletivas mais amplas, questionando o estatuto universal

da autonomia na medida em que esta autonomia ou a sensação da mesma está

reservada a número muito limitado de indivíduos que preservar esta prerrogativa pela

posse de recursos materiais e simbólicos consagrados por uma determinada

coletividade.

Este movimento tende a superfaturar uma individualidade na qual a figura do

Outro da relação social fica cada vez mais distante, e sua materialidade se dá nestes

contatos mais próximos entre indivíduos que costumam compartilhar os mesmos

códigos. Em outros casos o Outro, perde a sua função integradora e se torna refém de

uma ideologia cada vez comum que prioriza guardar a distância entre os diferentes.

Este vem sendo o novo “projeto social” das classes médias. As relações que elas

tendem a construir nos ambientes que fazem parte de suas vidas tendem a ser

marcados pela efemeridade, e a duração é controlada pela conveniência dos fins

práticos que daí podem surgir? E com isto setores das classes médias vêm estreitando

os seus vínculos com espaços restritos e neles definidos uma nova gramática de

relações sociais, cujos impactos se fazem sentir além destes limites?

Parte destes questionamentos vem sendo respondida nas últimas investigações

de Bauman (2000, 2001, 2005, 2008), e suas conclusões giram em torno do paradigma

que o autor construiu para investigar os novos fenômenos sociais da modernidade

tardia. Para ele estaríamos vivendo em uma sociedade líquida na qual as condições

sobre as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que aquele

necessário para consolidação, em hábitos e rotinas, das formas de agir. A liquidez da

vida e da sociedade se revigoram mutuamente.35 Liquidez é uma metáfora para falar

sobre a dissolubilidade das coisas que não podem durar o tempo suficiente para serem

substituídas por outras coisas. Estas coisas para o qual Bauman chama a atenção, e

outros autores seguem a mesma linha sem adjetivar seus objetos da mesma maneira,

são as relações sociais. Em um tipo de sociedade como esta, as solidariedades outrora

obtidas através de pactos de longa durabilidade, tornam-se inviáveis. Posicionando-se

contrariamente aos prognósticos freqüentemente produzidos pos políticos, planejadores

35 BAUMAN, Zygmunt. Vidas líquidas. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.

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urbanos e até mesmo alguns acadêmicos em uma busca apressada e pouco criteriosa

para resolver os problemas sociais mais emergentes das sociedades periféricas,

Bauman pode frustrar esta corrente de pensamento ao afirmar que prever tendências

futuras a partir de eventos passados é bastante arriscado, e freqüentemente, enganoso.

Para aqueles espaços que se encontram em economias periféricas do

capitalismo, como é o caso do Brasil, e mais especificamente a cidade do Rio de

Janeiro, nota-se o esgarçamento do tecido social responsável pelo aumento, da já

histórica, e ao que parece irreversível, distância entre as classes no território. Para

fortalecer esta tendência entram cena novas tecnologias que ampliam a apartação dos

segmentos de classe nos territórios da metrópole. Este afastamento aparece em frentes

espaciais bem distintas, ainda que complementares, do ponto de vista da estruturação

do espaço. No mercado de trabalho é cada vez maior a substituição da mão-de-obra

humana pela informatização,e nos projetos residências, um verdadeiro arsenal de

ferramentas tecnológicas tem sido empregados com o objetivo de separar os diferentes

no território. Recorro aqui, em relação ao segundo caso, a um exemplo norte-

americano, que por sua vez descreve um processo muito próximo aos comportamentos

que podem estar sendo observados em lugares específicos do território da cidade do

rio de Janeiro. Paul Virilio explica que em diversas áreas residências o policiamento é

feito através de um circuito fechado ligado ao posto, que pode ser uma estação ou

delegacia da cidade. Sendo assim

Nesta perspectiva sem horizonte na qual a via de acesso à cidade deixa de ser uma porta ou um arco do triunfo para transforma-se em um sistema de audiência eletrônica, os usuários são menos os habitantes, residentes privilegiados, do que interlocutores em trânsito permanente. A partir de então, a ruptura de continuidade não se dá tanto no espaço de um cadastro ou no limite de um setor urbano, mas principalmente na duração, “duração” esta que as tecnologias avançadas e a reorganização industrial não cessam de modificar através de uma série de interrupções (fechamento de empresas, desempregos, trabalho autônomo...) e de ocultações sucessivas ou simultâneas que organizam ou desorganizam o meio urbano a ponto de provocar o declínio e a degradação irreversível dos locais, como no grande conjunto habitacional junto á Lyon, onde a “taxa de rotatividade” dos ocupantes tornou-se elevada demais (um ano de permanência), contribuindo para a ruína de um habitat que, entretanto, todos julgavam satisfatório. (Virilio, 2005, ps.8-9, grifos do autor).

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Esta citação traz contribuições valiosas para a problemática que está sendo

discutida neste capítulo. Virilio desconstrói um dos argumentos mais favoráveis ao

modo de vida total pretendido pelos moradores dos condomínios fechados: a sua

durabilidade e indispensabilidade. Pois de acordo com o caso acima, a integração entre

os de dentro com os de fora, neste caso em uma relação de necessidade que é a

garantia da segurança, ocorre por um sistema que coloca os usuários em trânsito, tal

como os móveis constantes da modernidade tardia. Nela as pessoas, obviamente em

graus diversos, estão em um trânsito ininterrupto. Uma determinada hierarquia de

funções sociais esta consolidando um espaço em que as trocas são impessoais e

operadas por um sistema que isola os seus participantes. O setor responsável pela

vigilância da residência pode perfeitamente jamais ter tido qualquer contato com alguns

dos seus moradores. Os moradores ficam alheios à existência empírica daqueles de

quem dependem. Esta invisibilidade das trocas sociais sugere uma pergunta

relativamente simples, ainda que não seja a sua resposta: quem controla quem?

É bem provável que a ausência de uma referência objetiva que prenda os

indivíduos a determinadas obrigações de vizinhança, que em verdade não transcorrem

apenas pelo contato mais imediato entre os vizinhos, mas tem no imediatismo das

trocas uma das mais significativas fontes de produção de valores em situações de

vizinhança, leve os indivíduos a elaborarem estratégias de confinamento garantidas por

supostos mecanismos de manutenção da privacidade. A busca pela privacidade, e no

limite, uma defesa intransigente pela exclusividade, ornamenta o imaginário de

segmentos socais urbanos voltados dedicados a modos de vida confinados nos quais o

outro, isto é, aqueles que não compartilham do mesmo sistema simbólico, devem ser

isolados do seu convívio.

É impossível tirarmos apenas a partir do exemplo de mobilidade e ocupação do

espaço exposto acima uma compreensão ampla das relações de vizinhança em uma

cidade como o Rio de Janeiro que nos últimos anos tem tido o seu território marcado

pela fragmentação e afastamento dos prejuízos daqueles que se encontram em

diferentes escalas da vida social. No entanto, esta passagem sugere que a ausência de

um mínimo de contatos entre os dentro com os de fora, ainda que em momentos

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intermitentes da convivência social, pode estar incrementando um sentimento de

desfiliação com fortes impactos em todo o tecido social. Este drama, que sem exageros pode ser representado como uma tragédia, pode

ser a potencialização de relações passageiras com os lugares, ainda que na intenção

inicial estes fossem vistos como ambientes seguros e duradouros. Mais do que os

indivíduos, os microcosmos da cidade estariam sendo inscritos na perspectiva da curta

durabilidade de fenômenos sociais a princípio duradouros, como os vínculos de

residência. Esta lógica de socialização que seleciona aquilo que é “útil”, “descartando” o

dispensável, nada mais faz do que corroborar o sentimento de substituição do “antigo”

pelo “novo”, já que aquele se encontra depreciado e precisa ser obrigatoriamente

renovado. A interação com certos ambientes da cidade prescreve a mesma lógica de

consumo das mercadorias da sociedade capitalista, decodificando o uso de certas

áreas em uma relação de consumo com espaços que são perecíveis, isto porque a sua

importância, ou interesse social é avaliado pelo valor positivo de um determinado

momento da relação social de compra de determinado serviço.

Depois de ter feito a apresentação da problemática que cerca o paradigma da

modernidade tardia, priorizada na minha tese pela concepção de modernidade “líquida”

de Bauman, passarei para uma discussão mais pormenorizada das suas categorias. O

uso destas categorias permite uma investigação dos hábitos que estão na base das

interações que os moradores dos condomínios vêm estabelecendo nos seus interiores,

até que ponto os contatos se resumem às afinidades e expectativas que estes nutrem

entre si, e em que grau, a escolha por ambientes que condicionam a realização destes

contatos mais restritos passa por uma rejeição aos espaços socialmente abertos e

difusos da cidade.

1.5 - Os condomínios fechados e a modernidade tardia.

O domínio teórico-conceitual da modernidade tardia ainda gera muitas

polêmicas, e alguns autores que compartilham com este conjunto de idéias (Baudrillard,

1996; Lipovetsky, 2004; Bauman, 2004) e que defendem a ruptura com as pretensões

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do paradigma da modernidade, sequer poderiam ser incluídos em um corrente de

pensamento, segundo a sua acepção mais usual. Ainda assim, acredito que uma grade

de questões comuns está presente nestes trabalhos. Podemos reconhecer nesta

relação o reconhecimento de uma temporalidade acelerada que fragmenta a realidade

em intensidade jamais encontrada, de uma hipervalorização da individualidade, da

diminuição de um sentido de solidariedade, que implica na fragilização dos laços de

convivência social, uma crise estrutural no mercado de trabalho e o sentimento

crescente de insegurança como uma de suas conseqüências mais imediatas, e a busca

por novas formas de subjetividade.

Para Stuart Hall (1992) o sujeito humano nascido na modernidade, (clássica para

alguns e pesada para outros), um período que pode ser situado entre os séculos XVI

até os anos sessenta do século XX, até então detentor de certas capacidades fixas e

um sentimento estável de sua própria identidade e lugar na ordem das coisas,

encontra-se hoje em dia descentrado, fragmentado e imerso em contradições que não

poderiam mais ser resolvidos através de decisões de natureza racional36. O indivíduo

da modernidade tardia mais do que desagregado (uma expressão que denota perda de

laços gregários que permitem algum tipo de filiação) encontrar-se-ia deslocado. Esta

assertiva, no meu entender, traduz com mais fidelidade um dos grandes paradoxos do

homem contemporâneo: ao mesmo tempo em que a desfiliação poderia sugerir a

ruptura com laços tradicionais coercitivos que podavam a movimentação do indivíduo,

como a família, e em um certo sentido o mercado de trabalho, aumentando com isto a

tão desejada concretização da autonomia, a sua ausência representa isolamento,

aumento de angústia e do sentimento de insegurança. O homem, notadamente, o

homem das classes médias urbanas, precisa se sentir incluído autonomamente no novo

mundo da vida37 dominado pela sociedade de consumo, mas, no entanto, precisa de

certas garantias de que o seu empreendimento não venha a ser impedido por forças

sociais que representem o caos, a desordem, enfim, as ações daquele que se

36 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós - modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. 37 No sentido em que a estou aplicando, esta expressão é uma apropriação livre do conceito cunhado por Habermas que se referia a um ambiente social marcado por níveis de liberdade em que os indivíduos poderiam se opor as obrigações trazidas pelos sistemas. No meu caso, o mundo da vida almejado por este personagem urbano, é uma armadilha porque se permite ao sujeito a sensação de autonomia garantida pelo seu poder de compra, ao mesmo tempo o encerra em uma estrutura social de obrigações que premia e pune de forma implacável os seus participantes.

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encontram na sua margem. O problema social que no passado esteve associado às

classes perigosas formadas pelos pobres e criminosos, agora pode ser representada

por uma classe, ou por classes, que além de pobres não estão inseridas plenamente na

sociedade de consumo. Este última hipótese pode estar na base da maior parte dos

crimes cometidos nos últimos anos contra o patrimônio ou a pessoa física na cidade do

Rio de Janeiro38.

Logo, nas cidades devem ser criados espaços específicos e diferenciados em

que a lógica do consumo possa se manifestar não apenas pelo poder de compra dos

seus integrantes, mas principalmente, pelos seus estilos de vida. Neste contexto

ideológico de clara segregação especial, os condomínios fechados poderiam ser vistos

com um dos acabamentos sociais mais felizes desta sociedade em que a afirmação do

indivíduo, isto a sua identidade social, passa obrigatoriamente por um conjunto de

valores inacessível ao conjunto difuso e fluído da sociedade. No entanto, este mesmo

indivíduo demandante de exclusividade é um reflexo e sintoma da sociedade maior do

qual ele pretende fugir. As suas escolhas estão socialmente orientadas, e tal como seus

concidadãos, a sua identidade é o resultado de uma busca constante e de poucas

garantias.

Neste quadro, onde os questionamentos parecem superar de longe a

possibilidade de serem dadas respostas tranqüilizadoras, tem surgido por um lado,

verdadeiros desafios intelectuais na medida em que a nova ordem social criada é

marcada por formas de tensão reguladas por discursos e práticas que tentam garantir

um nível mínimo de legitimidade e segurança (Bauman, 1997), e pelo outro lado, ações

normativas do poder estabelecido, público ou privado, que através da cidade procuram

definir um modelo de intervenção na realidade freqüentemente marcado pela gestão

privada do espaço, desde que autorizado pelo poder político em exercício.39 È neste

38 Os estudos sobre violência revelam um crescimento em termos de grau e modalidade da violência carioca na cidade do Rio de Janeiro. Lopes sugere que o título violência urbana é inapropriado para dar conta do problema, logo aquilo que se chama violência urbana expressa diversas manifestações de violências interpessoal explícita que além de terem lugar no ambiente urbano apresentam uma conexão bastante forte com a espacialidade urbana. Para machado está em curso uma sociabilidade violenta formada por códigos de afirmação do indivíduo que passa pelo uso da forma no relacionamento interpessoal. Tais abordagens, ricas e complexas, ao meu ver deixam de fora as ambições por afirmação social procuradas por segmentos, que alijados do mercado de trabalho e da sociedade de consumo, que matricia este mercado, lutam, literalmente, pela aquisição dos recursos de consolidação de uma identidade socialmente relevante. 39 È bastante significativo a presença casada do estado com a iniciativa privada, notadamente os incorporadores imobiliários, na construção dos condomínios. O capital de incorporação que se consolida na Barra da Tijuca a partir dos anos oitenta produz um menor número de unidades, porém dedicado aos segmentos de mais alta renda, e aos investidores a procura de alternativas mais seguras e lucrativas. Ribeiro. Dos cortiços aos condomínios fechados. Apenas para concluir este argumento, os agentes imobiliários

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sentido que os desafios intelectuais da modernidade tardia não se referem ao debate

exclusivo entre interlocutores no campo das idéias. Nas cidades capitalistas vêm

ocorrendo modificações muito sensíveis nos espaços de convivência entre os homens,

que têm sido regulados por ferramentas de controle atualizadas pelas exigências

capitalistas incorporadas pela lógica de reprodução da riqueza, modificando as relações

de produção, e ao fazê-la, altera o sentido do espaço e da acomodação dos indivíduos,

inscritos nas suas formas de filiação social.40 Uma das variantes mais ricas da atual

modernidade está, ao meu ver, na obra de Zygmunt Bauman. Para Bauman o nosso

momento histórico é uma versão individualizada e privatizada da modernidade, e os

pesos sobre as tramas que aí são encenadas e dos possíveis fracassos caem

exclusivamente sobre os ombros dos indivíduos, que passam a ser os únicos

responsáveis pelos rumos de suas vidas. Um dos traços mais destacados identificados

pelos estudos sobre a modernidade líquida, e também um dos seus princípios, é de que

a partir de agora nenhuma ordem coletiva desfruta de legitimidade, ou se a possui ela é

muito limitada em face do poder alcançado pelas autoridades individuais.

A obra de Bauman mantém uma interlocução com o trabalho de Giddens (1991),

ao considerar a importância do papel cumprido pela lógica da descontinuidade presente

na narrativa da modernidade. No trabalho de Giddens, a modernidade pode ser

compreendida a partir de uma compreensão das dinâmicas de tempo e espaço,

traduzidos pela execução de três grandes processos hitóricos: o ritmo acelerado da

mudança social, que não pode ser igualada a qualquer outro período pré-moderno da

história; o escopo global desta mesma mudança, já que a parir de agora as ações

executadas em um determinado território tendem a refletir expectativas e decisões bem

além de suas fronteiras, permitindo-nos classificar este alcance dentro de uma lógica da

globalização, ainda que dissociando-a de qualquer orientação ideológica; e por fim, a

cada vez mais produzem objetos de consumo destro destes condomínios, como é o caso é o caso do condomínio Golden Green que possui até um mini campo de golfe. (revista Veja, 6/11/2002) in GOMES, Maria de Fátima C. M. Sonhos urbanos e pesadelos metropolitanos: violência e segregação na cidade do Rio de Janeiro. In Scripta Nova, volume II, número. Barcelona, 2003. 40 Bauman identifica uma via de mão dupla na atual globalização: por um lado existem os segmentos plenamente integrados na lógica de reprodução do capital, muito bem demonstrado no eu estilo de consumo. Pelo outro temos os indivíduos presos à localidade e marcados pelo imobilismo de quem não se desloca na rede de produtos disponíveis. No entanto um paradoxo tem surgido: no momento em que o Estado parece ser incompetente no cumprimento de algumas tarefas elementares, a segurança, que é uma delas, passou a ser tratado como assunto do bairro. Para os segmentos mais abastados estar seguro passou a ser sinônimo de uma vida comunitária, garantida por um forte aparato de segurança que isola do interior das residências – fortalezas, personagens estranhos aos seus ambientes. Nestes lugares marcados pela residência de uma população abastada, logo, na ponta do sistema capitalista, Bauman tem identificado a presença de guetos voluntários. Já se pode identificar um tipo de morfologia da cidade, ou melhor seria uma anti-cidade (Randolph, 2001) neste tipo de ambiente.

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presença inédita de algumas instituições típicas da modernidade como é o caso do

Estado – Nação e a proeminência das relações de mercado fundadoras da sociedade

capitalista.

As instituições da modernidade criaram outras formas de lealdade social que

puderam garantir, pelo menos em tese, o pleno exercício da individualidade. As antigas

formas de solidariedade que inscreviam os indivíduos em laços comunitários de

indiferenciação, viriam a ser gradativamente substituídas por contratos tácitos ou

jurídicos que prescreviam a indissociabilidade da liberdade e da felicidade pessoais

com as premissas mais constituintes da vida social. Neste sentido, poderíamos

recuperar a tese lockeana para a qual o grande fundamento do contrato social

(ferramenta teórica e prática que sustentaria na sua época as formas de lealdade

responsáveis pelo respeito ao direito individual) é garantir o uso pleno da propriedade

privada.

O princípio da individualidade, associado a todos os ganhos indispensáveis de

uma boa vida, como a felicidade pessoal e o crescimento material, tornou-se uma mola

motriz das sociedades modernas. Sendo assim, a família, uma das principais

instituições responsáveis pela formação da personalidade social, terá como um dos

seus pilares ser uma espécie de depositário das virtudes coletivas, atendendo a tarefa

que os educadores costumam lhe atribuir de ser uma instância de socialização primária.

Durkheim (op.cit) já apontara a educação como um dos mais vigorosos recursos de

socialização. Tal virtude não se deveu, exclusivamente, ao papel cumprido pela escola,

ainda que ele seja central, e sim ao fato de que na escola o indivíduo vai sendo

gradativamente preparado para o exercício de uma vida cidadã em estreita conexão

com os valores que lhe são passados pela família. Ou seja, a família estava

organicamente, para usar uma categoria gramsciana, integrada às expectativas

exigidas pela sociedade que a circunscrevesse.

Estas variáveis da modernidade, segundo Bauman, estão sofrendo um processo

de remodelação na modernidade tardia. A mudança social hoje é ainda mais acelerada

pela presença de meios de comunicação mais dinâmicos, como a internet e o telefone

celular, o seu escopo além de global articula todas as outras escalas na mesma

intensidade que as desintegra, vide as relações voláteis do mercado de financeiro e de

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trabalho, e o Estado-Nação não estaria mais exercendo, com o mesmo nível de

autonomia, as prerrogativas que lhe caracterizavam em períodos modernos. A

dissolubilidade dos laços de integração social, a simultaneidade das decisões coletivas

com implicações na vida individual e uma certa fragmentação do território incidindo em

uma espécie de recentralização da autoridade política, são componentes centrais para

Bauman presentes na sua episteme pos moderna.

Seguindo esta linha, outros autores concordam com o caráter emergente da

modernidade. Para alguns destes analistas da realidade social o mundo esta passando

por um processo de redefinição ontológica, abrindo espaço para uma nova realidade do

fenômeno social. Sociólogos, filósofos, cientistas, economistas e religiosos têm se

debatido sobre o homem do novo milênio e o tipo de sociedade que o abrigará. Para

Edgard Morim (1999) é preciso que a educação assuma um papel de destaque na nova

ordem global, emancipando o indivíduo dos saberes conservadores e limitados que

incorporarem a necessária interdisciplinaridade. Santos e Boaventura, cada um ao seu

modo, sugerem outra globalização, aonde, analisados aqui de forma muito sintética,

para o primeiro a ordem tecnológica capitalista deve ser enfrentada por uma concepção

humanista do espaço e do território, enquanto para o segundo, os movimentos sociais

tendem a cumprir um papel fundamental na redefinição de uma agenda de lutas sociais

que deslocaria a soberania plena dos Estados centrais e das agências transnacionais

para escalas regionais mais democráticas.

Os diagnósticos que procuram cobrir o, ou os, escopos destas mudanças são tão

amplos quanto as suas pretensões. Tamanha complexidade não será abordada neste

trabalho. No entanto, eu entendo que algumas orientações analíticas têm se destacado

neste cenário de mudanças, não tanto pela possibilidade que estas detém de apontar

caminhos seguros que possam ser trilhados por vários indivíduos desorientados pelas

armadilhas do mundo contemporâneo, como suas capacidades de levantarem

questionamentos estruturais.

Além da já destacada crítica baumaniana aos rumos da globalização e as

práticas de dessocialização da vida coletiva e o seu diálogo direto com o paradigma da

modernidade tardia, os escritos de Lefbreve sobre o direito à cidade e as contribuições

de Michel Foucault sobre os usos do poder se ajustariam a análise do tipo de

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problemática com a qual eu me ocupo. Articulados em torno dos conceitos relevantes

para esta investigação, estes trabalhos podem levantar questionamentos muito ricos

aos processos de fragmentação social em marcha nas metrópoles, como é o caso do

Rio de Janeiro, e de como movimentos localizados, como a construção e legitimidade

da opção condomínio fechado, sugerem a fundação de espaços morais de convivência

que, em sua maioria, vão ao encontro de algumas dinâmicas da vida social em

“espaços abertos”. Para Foucault, que segundo Soja (1993) confere ao espaço um papel de

destaque na teoria social crítica que até então relegava-lo a uma situação subordinada

à dimensão temporal, e com isto promove a reunião analítica das dimensões do tempo,

espaço e do ser no cerne da questão social do final de século XX, o espaço deve ser

pensado como processo. Era preciso superar as análises históricas que ainda estariam

muito reféns do viés historicista, de forte tradição de um determinado tipo de marxismo,

para quem as relações entre os homens ao longo da história resumia-se a luta de

classes. Foucault procurou mostrar que as relações de poder eram travadas no interior

das instituições repressores das instituições da modernidade. Para ele, mais importante

do que entender como a dicotomia capital trabalho e a exploração da mão-de-obra

segundo o esquema marxiano, era desvendar os mecanismo de subordinação que se

davam dentro das engrenagens ocultas do poder. Como estas relações eram

sustentadas por autoridades baseadas em uma saber técnico e unívoco, pois baseado

em uma racionalidade pretensamente universal, toda relação de poder implicava em

uma relação de domínio do saber.

Considero válida esta apresentação preliminar da epistemologia do poder

foucaultiano para chegar a sua categoria de heterotopia, que a meu ver, aplica-se ao

domínio dos condomínios fechado, ainda que na sua obra o autor não tenha feito a ele

nenhuma menção. Vejamos pela definição do próprio autor.

A heterotopia é capaz de superpor num único lugar rela diversos espaços,

diversos locais que em si são incompatíveis. Eles têm uma função em relação a todo o

espaço restante. Essa função se desdobra entre dois pólos extremos. Ou seu papel

consiste em criar um espaço de ilusão que expõe todos os espaços reais, todos os

espaços em que se divide a vida humana, como ainda mais ilusórios. Ou então, ao

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contrário, seu papel consiste em criar um espaço outro, um outro espaço real, tão

perfeito, meticuloso quanto o nosso é desarrumado, mal construído e confuso. Foucault

(1986 apud Soja 1993). Este último tipo seria a heterotopia.

No final da vida Foucault chamou a atenção para a necessidade de se

reescrever uma história dos espaços, que na verdade seria a história dos poderes, que

iria da estratégia da geopolítica até as pequenas táticas do habitat. Este último é o caso

da nossa problemática que requer uma olhar mais minucioso sobre a trama das

relações sociais que se desenvolvem dentro dos condomínios fechados, que são

unidades do território com uma espacialidade viva, já que dentro destes espaços os

seus valores depositam valores que respondem a uma hierarquia destes mesmos

valores que vão dos mais aos menos importantes. Esta hierarquia pode nos indicar

relações de poder que transcorrem dentro e fora dos condomínios fechados.

1.6 - O condomínio fechado e a busca por um modo de vida total.

A procura por um modo de vida total vem sendo objeto de investigação

sociológica desde os pioneiros trabalhos de Durkheim (1983), para quem o modo de

vida total pode ser alcançado quando as escolhas feitas por uma determinada

coletividade são difundidas, pelo viés da legitimação, para o conjunto total de indivíduos

pertencentes ha uma coletividade maior que os engloba. Desta forma, o mundo dos

valores assume um papel proeminente na vida dos homens, pois estes tendem a

modular escolhas que ao longo do tempo vem a ser legitimadas. As formas de

legitimação das referidas escolhas são as mais variadas, desde que, elas passem por

uma espécie de filtro que selecione as opções mais positivas dentro de uma escala de

valores, condicionada pela situação que as classes ocupam dentro de uma determinada

função social objetiva, que no modelo durkheimiano foi o trabalho, e no desta tese é o

do consumo.

Um modo de vida total só se manifesta apoiada em um espaço específico. Este

espaço construído por um determinado ocupante (uma classe social) deve garanti-lo a

capacidade de associação entre as dimensões territoriais da área e as pretensões do

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seu morador. Esta vem a ser uma das relações mais específicas dos moradores dos

condomínios fechados na Barra da Tijuca, pois apesar de todas as diferenças de

associação que existem entre os moradores de um condomínio e entre os condomínios,

e estas diferenças serão demonstradas ao longo da tese, o prestígio que o condomínio

fechado tem desfrutado junto a alguns segmentos da sociedade carioca vem sendo

confirmado pela capacidade desta área constituir um empreendimento que apesar de

sua faceta edificada, não pode prescindir dos signos que estão de posse dos seus

ocupantes, e desta forma refletem o que há de mais subjetivo neste morador.

Esta pretensão de auto-sustentação provoca uma combinação de princípios que

seriam aparentemente contraditórios. No caso, ao investirem na preocupação com as

particularidades locais, sejam elas dos indivíduos ou dos territórios onde estão sendo

erguidos os condomínios fechados, os seus promotores conseqüentemente garantem a

universalidade deste projeto. O acabamento destes condomínios tende a refletir

idiossincrasias religiosas, étnicas, sociais, ao mesmo tempo em que parecem indicar

uma tendência universal das novas classes médias, qual seja, o desejo pelo

isolamento, que no discurso é pelo isolamento total, mas que na prática revela-se

apenas relativo.

Neste sentido, enquanto questão sociológica referente aos desafios do

planejamento urbano das cidades latino-americanas, o condomínio fechado levanta

sérias suspeitas quanto a existência de um processo em curso de desvalorização de

certas áreas de convívio das cidades. O caso da Barra da Tijuca pode estar levando

esta suspeita ao paroxismo. Com a sua ocupação acelerada a partir do final dos anos

sessenta, em boa parte devido ao deslocamento de uma massa de capital imobiliário

que encontrou terreno disponível para uma especulação promovida indiretamente pelas

facilidades fiscais e pela nova orientação política estatal, que desde então deixara de

ser marcada por macro-projetos de habitação e tornara-se uma via de facilitação para o

crescimento do capital de valorização da terra, a Barra da Tijuca ofereceu toda a infra -

estrutura para a consolidação deste novo produto do mercado imobiliário.

A outra grande novidade é o fato de que o grande promotor passa a ser o capital

privado e o Estado tem o seu papel reduzido garantindo uma infra-estrutura urbana

mínima. O caso do plano piloto para a Barra da Tijuca baixada de Jacarepaguá é

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bastante ilustrativo desta tendência, já que Lúcio Costa, renomado urbanista de

formação Courbesiana, fora contratado para definir a melhor forma de ocupação uma

região que até então constituía uma espécie de vazio urbano. A elaboração e execução

deste projeto parecem atender a dupla determinação apresenta no texto de Santos,

revelando a face racionalista do condomínio fechado que “deve investir em uma

verdadeira totalização do meio urbano e sua concepção é autoritária e visa à eficiência”

(Santos, 1981,p.20) e culturalista ao propor “desde o início um mundo fechado com

medidas automaticamente limitadas”. Como conseqüência “a população é

cuidadosamente revista, impossível de ultrapassar, já que as construções obedecem a

regras pré-fixadas”.(op. cit. p.22).

Estas duas premissas teórico-organizacionais indicam os comportamentos

esperados dos moradores destes espaços e que como eles tenderão a se relacionar

com as áreas adjacentes e a pretensão do seu caráter total, tanto do ponto de vista

econômico quanto social. A concepção racionalista nada diz a respeito de valores que

façam parte da vida da cidade. Definitivamente não é de uma razão universal, que

poderia comungar um sentido comum a todos, que esta racionalidade se ocupa. A

razão está fragmentada pelo espaço como um a priori da necessária triagem que deve

ser feito entre os de dentro e os de fora dos espaços que fronteirizam a boa vida da

vida insegura. Espera-se então que emerja daí um sistema classificatório das ações

executadas pelos moradores dos condomínios e, o que não representa exagera, mas

sim um componente complementar, e das dinâmicas dos indivíduos além muros.41

Esta é uma razão instrumental que não se volta exclusivamente para a utilidade

das coisas como se estas pudessem ser classificadas por um valor econômico

construído por uma relação social de troca no mercado, como foi o caso da

racionalidade instrumental do mercado clássico que incentiva o homem a se

movimentar dentro de uma estrutura de produção e consumo apoiada por uma forte

convicção de ter que acionar as suas potencialidades, permitindo-o ser o responsável

pela definição dos sues limites. O discurso da razão contemporânea não abandonou a

valorização econômica, mas apenas a reconfigurou na forma de um mais valor

41 Em recente entrevista a um canal de televisão um morador de um famoso condomínio da Barra da Tijuca, orgulho com a sua opção residencial, ao falar sobre as ocorrências de violência na cidade do Rio de Janeiro, e de como esta poderia afetá-lo, concluí a sua entrevista em tom claro dizendo que “ os problemas da cidade aberta não dizem respeito ao seu mundo.”

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simbólico desmaterializada na relação entre sujeitos que podem prescindir da co-

presença (Lyotard, 1979).

Na sua versão radical que é o discurso da pós-modernidade, determinadas

subjetividades totalitárias são construções que buscam orientar curso de ação

desprovidos de um referente que não seja o próprio agente que pronuncia o discurso de

sua individualidade. No caso desta tese, eu acompanho aquelas reflexões que

identificaram na construção de uma determinada subjetividade contemporânea uma

batalha vivida todos os dias por aqueles, que ao deterem os meios simbólicos de

valorização das identidades no mundo do consumo, procuram, incessantemente,

descredenciar a validade das identidades daqueles contra quem eles se posicionam.

Esta tarefa adquire a sua lógica social ao por em evidência um jogo de soma zero

vivido por sujeitos de uma relação social assimétrica, na qual sae vencedor aquele que

manipular com mais competência as regras do jogo do consumo, que neste caso, não

se restringem à obtenção de um produto no mercado, e sim a afirmação de um modo

de vida através da aquisição de uma mercadoria muito mais complexa da atual

sociedade de consumo, que é o condomínio fechado.

Com isto, estas identidades buscariam sua legitimidade num movimento de

negação da identidade alheia. Acontece que, por vezes, a rejeição da alteridade se dá

entre indivíduos que estão localizadas nas proximidades de um território limítrofe. Esta

é a situação dilemática presente na luta pela defesa da identidade confinada dos

condomínios fechados que só torna-se plena através da invisibilização de

comportamentos antípodas às preferências atitudinais expressas pelos seus residentes,

e que apesar do seu pesado investimento civilizatório, convivem com atos socialmente

desagregadores que estão se dando nas suas vizinhanças mais imediatas. O

desconforto provocado por estas atitudes nos residentes dos condomínios, que são

classificadas como destrutivas, na medida em que, ou estão associadas as práticas da

violência, ou na simples ameaça de sua concretização, provoca uma delicada

inquietação no residente do condomínio fechado da Barra.

E boa parte das surpresas manifestadas pelos moradores de condomínios da

Barra que continuam vivendo com medo, mesmo depois de terem optado por um

modelo de residência que deveria tê-los imunizados deste tipo de ameaça, advém do

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fato que as fronteiras seguras, em forma de muros, que foram erguidas para isolar

indivíduos em arenas de distintas de negociação e afirmação de suas identidades,

advém de uma cultura urbana bastante recente nas metrópoles. Estes moradores

tendem a compor um perfil modulado pelo poder aquisitivo maior do que a média da

cidade. Esta prerrogativa lhe confere uma certa autonomia no momento em que

seleciona as formas e significados de sua ocupação territorial.

Determinados valores que estão sendo observados nos atuais processos de

socialização urbana, como este que eu pude identificar no interior dos condomínios

fechados da Barra da Tijuca, parecem indicar que vivemos um período de acentuação

da inscrição desigual dos segmentos de classe dentro dos territórios da cidade. Estes

valores estariam sendo criados para uso quase exclusivo ás áreas internas dos

condomínios Para alguns autores está em curso um processo de desterritorialização do

espaço realizado por classes que ocupam sazonalmente o território e a sua

permanência tem sido tão fluida quanto os compromissos profissionais que eles

ocupam dentro da escala de mobilidade do grande capital, compondo assim as elites

extraterritoriais (Bauman, 2006). Para outros autores os territórios tem sido

reconfigurados por estas mesmas classes, uma elite talvez, que modula as exigências

materiais e simbólicas às suas conveniências em um processo de reterritorialização

(Deleuze, 2002 ; Haesbarth 2002 ).

Desta feita, toda a retórica publicitária relaciona esta fala com o auto-

confinamento - acionada pelo setor de construção não repercutiria com tamanha

eficiência se não houvesse uma “questão social” que a sustentasse. A compreensão

desta questão requer o movimento de desvelamento proposto por Lefebvre no qual o

pensamento, isto é, a atividade de construção cognitiva das coisas, deve ser

apresentado dentro dos seus produtos e objetos. Se para Lefbreve, não haveria o

menor sentido buscarmos o que estava na cabeça de um pintor quando ele pintou uma

obra, sem a observação da mesma, também seria ilógica uma determinada

espacialidade da cidade ser entendida sem um exame mais profundo dos objetos que a

compõem. Estes objetos, que fazem o fenômeno migrar de sentido do desconhecido

para o conhecido constituem, a meu ver os itens de afirmação de uma determinada

individualidade a sociedade de consumo. Tais itens, ou mercadorias operam como

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discriminadores de importância social, responsável pela classificação dos indivíduos de

acordo com categorias de maior ou menor prestígio social.

Este prestígio, ou status, não tem a obrigação de prescrever o ideal

meritocrático clássico da modernidade, ainda que nele houvesse uma crença avançada

na relação confiável entre mérito e posição no mundo sustentada moralmente pelo

dinheiro. O diferencial desta mercadoria chamada condomínio fechado está presente

tanto na sua infra-estrutura, que salta aos olhos de quem a contempla, quanto dos

valores manifestados pelos seus moradores. Os méritos presentes na sua escolha

continuam sendo escoltados pela importância do dinheiro. No entanto, a posse do

recurso financeiro deve diferenciar o seu proprietário, permitindo-o um modo de vida

que combine opulência com privacidade.

1.7 - Conforto e exclusividade: dois epítomes da sociedade de consumo.

Ainda que predominante a preocupação com a segurança não é o único fator

presente nas investigações sobre os avanços dos condomínios fechados. Há trabalhos

em que esta questão sequer figura como uma variável de análise. Neste sentido, alguns

trabalhos começam a destacar os ganhos simbólicos atribuídos ao fato de se viver em

condomínios fechados, áreas que para além da função residencial associada ao

conforto começa se converter em valor de troca, uma atribuição conferida pelo conjunto

de positividades reveladas pela circulação de bens valorizados pela sociedade de

consumo. Os condomínios passam a ser identificados como microrealidades que

reproduzem de forma contextualizada algumas exigências da sociedade de consumo.

No trabalho de Levent e Gulumser (2005) sobre as gateds comunities de

Istambul, na Turquia, as classes médias em ascensão têm optado pelos condomínios

menos pela questão da segurança do que pelo prestígio (op. cit. p.8). Analisando a

ótica do setor de empreendimento imobiliário da cidade, que para lograr êxito na venda

do seu produto, se adaptou a uma demanda por consumo que expressa uma

determinada cultura de afirmação social da classe média, os autores puderam perceber

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o peso do prestígio, provavelmente devido ao fato destas áreas já disporem de uma

sólida infra-estrutura técnica antes da construção dos condomínios.

No caso de Buenos Aires, um dos casos mais estudados da América Latina, a

tendência das novas elites afirmarem os seus estilos de vida sobre o seu território, os

domínios dos seus condomínios e os seus entornos mais imediatos, parece anunciar

um movimento de suburbanização cujos impactos já são percebidos na morfologia

urbana. Tal suburbanização corrobora um processo de desenvolvimento fragmentado

marcado pela existência de vivendas individuas amplas e exclusivas, que em seu

conjunto estão separadas das moradias circundantes graças a um reforçado aparato de

segurança. (Hidalgo, Salazar e Correa, 2003). O aparato de segurança que pretende

invisibilizar socialmente o seu residente, ao mesmo tempo agrega valores distintos ao

residente do condomínio, que mesmo sem ser identificado visualmente pode ser

imaginado pelos transeuntes das proximidades do condomínio como alguém

“importante”, ou quiçá distinto, em virtude da posse de bens de afirmação social

escassos e disputados (Bourdieu, 2002 ). Daí a sua moradia ser planificada a ponto de

se afastar completamente daquelas que a envolvem. No caso dos countries clubs, que

começam a surgir por volta dos anos oitenta, eles correspondem a áreas “não

urbanizadas”, dada a facilidade em que são desempenhadas práticas esportivas por

parte dos seus moradores. Considerando que golf e tênis não são esportes populares,

o seu praticante conseguiu através destes contry clubs combinar as exigências da

residência com a preocupação com o estilo de vida disponível para determinados

segmentos de classe.

Em relação ao aparato de segurança, que geralmente aparece em destaque em

trabalhos que buscam compreender as motivações presentes nas escolhas dos

moradores em residir nos condomínios fechados, este aparato, com certeza esta no

imaginário dos promotores imobiliários, e por extensão, no campo representativo dos

moradores das gateds em Istambul. Mesmo que não tenha ficado explícito no trabalho,

eu suspeito que o fator segurança aparece como um dado implícito no imaginário dos

setores interessados na promoção da gateds comunities, Esta particularidade, por seu

turno, aponta para a possibilidade da exclusividade poder aproximar os moradores das

gated comunitis de forma a neste espaço serem desenvolvida relações comunitárias.

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Pretende-se pelo lado dos promotores imobiliários, o incitamento da proximidade física

entre os moradores que os levaria ao reconhecimento de estarem fazendo parte de

uma sociedade de iguais, isto é, uma comunidade. Segundos os autores, a formação

de uma comunidade passa pelo reconhecimento de certos valores que se opõe aos

códigos de convivência regenerados presentes nas formas de interação hegemônicas

da sociedade aberta.

Este mundo intramuros vem a ter a sua exclusividade garantida pelas barreiras

que permitem, sob a forma de filtro, a produção de um sistema classificatório que

ordena os papéis que as classes sociais podem estar exercendo no espaço. E o

mercado imobiliário tem sido um dos principais agentes na articulação de sentido entre

as identidades como um requisito de diferenciação social e o espaço como lugar que

acomoda os valores desta distinção. Vemos em curso acelerado nas metrópoles de

vários países uma lógica de compartimentalização do espaço em áreas segregadas e a

possibilidade de opção pela moradia, em casos como os processos migratórios de

determinadas classes médias, permitir ao seu morador credenciar esta busca como um

fator apriorístico da legitimação da batalha classificatória que sempre demarcou os

espaços de mobilidade lógico-existencial dos indivíduos urbanos. Esta dinâmica da

fronteira residencial vem a fortalecer uma das teses de Bauman que diz que o mundo

contemporâneo da modernidade líquida parece ter encontrado na comunidade a saída

para todos os seus males.

O muro parece uma fronteira que delimita a capacidade diferenciada de

circulação das classes em espacialidades cuja validação tem pouca relação com um

estatuto urbano que apareça sob a forma de uma legislação pública específica. A

organização do espaço público que deve prever a delimitação legal dos condomínios

fechados parece a todo instante ser equacionada por acordos de ordenação espacial

bastante específicos. Desta forma, o espaço público, e todas as dimensões que lhe

dizem respeito, entre elas as formas mais adequadas de organização da segurança,

pode ser entendido como o terreno no qual são definidos limites, freqüentemente

ambíguos, de exercício da autoridade privada representada por forças sociais que

lucram em termos simbólicos e materiais com este tipo de ordenação. Dos grupos

empresariais, que promovem o condomínio fechado como produto imobiliário, até o seu

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principal cliente que é o morador, todos os agentes presentes neste processo estão

vinculados pelo princípio de que as antigas formas de gestão pública do território forma

superadas pelas circunstâncias que as cercam, e sendo assim, novos parâmetros como

a gerência privada e a maximização da intimidade devem redesenhar os limites daquilo

que outrora se definiu como espaço público, um espaço onde pudessem ser encenados

os rituais de decisão pública.42

Poderíamos arriscar em dizer que esteja em curso entre certos segmentos de

classe uma cultura do isolamento. Entretanto, quando esta expressão costuma

aparecer na literatura sociológica o seu rigor é questionável na medida em que busca

confirmar um determinado fenômeno social destacado de uma espacialidade mais

precisa. È até possível que os condomínios fechados possam fomentar modalidades de

convivência que indiquem a consolidação de hábitos coletivos marcados pelo

isolamento, ainda que tal isolamento seja mais relativo do que absoluto. No entanto,

terei a cautela de, no máximo, apontar possíveis variáveis que possam vir a indicar este

isolacionismo, exigindo um aprofundamento a ser realizado em trabalhos futuros.

Trabalhos como o de Diego Campos e Carmem Garcia (2004), por exemplo,

identificaram que a principal motivação para se viver em um condomínio fechado não

seria a opção consciente por isolamento social, já que a definição de uma identidade

dos seus grupos ocupantes não se relaciona com qualquer estratégia de prevenção aos

fatores externos ao modo de vida dos condomínios, como o caso do crime. Na base da

escolha destes moradores estaria a associação da busca pela qualidade da moradia

com preços adequados que permitissem a residência em áreas nobres. Para estes

autores a presença de um ethos católico ajuda a amortizar os possíveis conflitos que

podem surgir por causa da presença de diferentes grupos disputando os recursos de

participação no consumo do espaço. Nesta sociedade tendem a prevalecer sentimentos

altruístas que estimulam o respeito pelo outro e impedem a ações de caráter

individualista.

Sabatini fortalece este argumento por outra via. Para ele a solidariedade social

entre os diferentes grupos sociais tem sido obtida mesmo na presença dos

42 Para um exame teórico aprofundado acerca da importância dos espaços públicos nas ordens sociais democráticas ver a obra de Hanna Arendt. Consciente de que o espaço público contemporâneo envolver dimensões mais complexas do que os modelos que o antecederam, a autora por sua vez convoca uma espécie de retorno crítico aos fundamentos da concepção de espaço público entre os gregos clássicos visando a sua adequação às exigências societárias das democracias no século XX.

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condomínios fechados, em função da contribuição que estas residências tem trazido

para uma vizinhança desassistida de recursos e que graças a estes novos vizinhos

passaram os moradores mais pobres a desfrutar de um conjunto de bens úteis as suas

vidas. Ou seja, reduzida na escala, o que a princípio poderia sugerir uma clara

segregação residencial, no fundo, contribuí para aproximar os diferentes no espaço. As

classes mais abastadas, longe de se isolarem dos seus vizinhos, passariam a cumprir a

função de provedoras de benefício para os mais pobres.

Os dois trabalhos acima parecem desconhecer a problemática social que esta

sendo gerada com o avanço dos condomínios fechados. Se os condomínios fechados

não podem ser tomados em si como objeto de estudos, já que tal decisão o isolaria de

um conjunto de pressupostos relacionais que explicam os modos contemporâneos de

socialização presentes nas metrópoles, eles jamais devem ser tratados como

responsáveis pela solução de desafios delicados como a incorporação dos sujeitos em

uma sociedade de direitos. Penso que como o debate sobre a construção da

subjetividade do mundo contemporâneo atravessa a fundo os espaços socialmente

erguidos pelos indivíduos, a presença de determinadas barreiras classificatórias, como

é o caso dos muros, sinaliza um impedimento muito caro para a convivência entre os

indivíduos, que passaria indubitavelmente por circuito mínimo de trocas que

assegurasse um gradiente aceitável de liberdade de escolhas. Esta condição precisa

ser tratada como um direito inalienável, que nos termos Lefebriviano, converte-se em

um direito à cidade.

Este componente culturalista presente em vários trabalhos revela, a meu ver, o

traço mais brutal do condomínio fechado, na medida em que, a sua formação social

resultante se responsabiliza pela escrita de uma gramática das relações humanas cada

mais condizentes com as demandas por tipos de exclusividade social em que pese uma

recusa obstinada do diferente e todas as ameaças que a sua proximidade pode

implicar. Atento a premissa da separação das classes no espaço o capital agenciador

dos condomínios movido pelo impulso do lucro e auxiliada pela disponibilidade de terras

onde possa exercer a sua atividade especuladora, freqüentemente facilitado por

dispositivos legais presente na esfera do Estado oferecem e estimulam no seu morador

o sentimento de pertença a um território associado à lógica da acessibilidade urbana, já

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que nos últimos anos esta área tem recebido um enorme volume de capital

representado pelas empresas ligadas, principalmente, ao setor de serviços. No caso da

Barra da Tijuca, o seu residente não precisara mais se deslocar pára lugares mais

distantes em busca dos produtos e relações que já estão ofertados na sua vizinhança

mais imediata.

Ficou bastante presente na fala de vários moradores que eu entrevistei o

conforto de morar na Barra da Tijuca, já que este é um bairro onde se pode fazer quase

tudo43 sem a necessidade de percorrer longas distâncias. Neste bairro o seu morador

pode fazer compras, se divertir, levar seus filhos ao colégio, e para alguns privilegiados,

até mesmo trabalhar. O setor de serviços aparece como o segmento econômico mais

expressivo. A Barra tem se configurado na fala do seu morador quase como um caso

limite de bairro que se basta, não fosse o fato da maior parte dos seus moradores ainda

terem de trabalhar em outros bairros da cidade, notadamente o centro e a zona sul.

Se por um lado este dado é uma conseqüência do crescimento da economia de

um bairro selecionado pelo grande capital dentro da sua lógica de expansão, esta

quantificação não esconde o claro sinal de que morar na Barra da Tijuca daí em diante

significaria, entre outras vantagens, pertencer a uma espacialidade tão completa e

complexa que o seu residente venha em um tempo futuro cortar os seus fluxos de

comunicação com outros bairros da cidade.

Acredito que a amplitude das reflexões oferecidas pelos autores nos sugere uma

preocupação que costuma passar ao largo das análises urbanistas, que é a

reconfiguração dos espaços de ligação das áreas da cidade. Dentro de um condomínio

fica muito difícil classificar em termos convencionais os espaços públicos e os privados,

anulando desta forma uma fronteira que separaria legitimamente os bens, e por

extensão, as relações que definam o que pode ser acessado privadamente do que deve

ser visto como um bem público. Aquilo que é um bem público, como parques, jardins e

ruas arborizadas, transforma-se em privilégio individual.

Neste caso, não encontraríamos mais a deformação que na época moderna ficou

conhecida como subordinação da vida individual pelos instrumentos de monitoramento

das autoridades públicas, como os famosos sistemas de vigilância que para Foucault

43 Grifei esta expressão para acentuar este desejo comum à vários moradores do bairro.

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fiscalizavam os movimentos dos indivíduos de forma tão intensa que estes passariam

em algum momento a reproduzirem esta orientação sob a forma de decodificação

inconsciente das normas de controle. Hoje o que presenciamos é a apropriação privada

do espaço público feito por alguns segmentos que validam os seus movimentos dentro

superação do fundamento histórica da igualdade, analisada por Baudrillard, já que

pouco importa para os indivíduos de hoje a busca pela igualdade, tal como esta foi

procurada nos idéias republicanas de movimentos históricos do passado.

Pode-se depreender que a felicidade continua como um dilema para todas as

sociedades, afinal de contas, os homens sempre procuraram por melhores condições

de vida, no entanto, o que parece ter mudado foi o seu fundamento, que agora passa

ao largo de preocupações coletivas e se se apóia exclusivamente na procura pela

realização do prazer individual. Sendo assim, a felicidade precisa ser mensurável, e

uma das as suas expressões mais significativas é o conforto. Este último é o bem que

galvaniza a cobiça de indivíduos que habitam uma sociedade na qual o consumo nivela

os homens entre os mais capazes e os fracassados. A aquisição de um bem

socialmente pretendido, porque caro e exclusivo, demonstra todos os signos

diferenciados que este revela.

Dentro deste raciocínio, e entendendo que o condomínio fechado é uma

mercadoria de consumo da sociedade de consumo contemporânea, com uma

magnitude ampliada pelo fato deste ambiente reunir um conjunto de bens cobiçados na

referida sociedade, a crítica feita por Baudrillard á ineficiência das análises que

procuravam apontar a desigualdade de oportunidades sociais nas sociedades

marcadas pela lógica da abundância é bastante valiosa para os marcos teóricos deste

trabalho. Para o pensador francês, recentemente falecido, nunca existiu uma sociedade

da abundância ou sociedade da penúria, já que toda a sociedade seja qual fosse o

volume dos bens produzidos ou da riqueza disponível, se articula ao mesmo tempo

sobre uma penúria estrutural e uma abundância estrutural. (Baudrillard, 1996).

Esta explicação impossibilita as análises que visam superar as desigualdades de

oportunidades sociais através da conquista do equilíbrio social. Na verdade, como diz

Baudrillard, no plano sociológico não existe equilíbrio, já que toda a sociedade se

orienta pela diferenciação e a discriminação social, e esta estrutura implicam na

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distribuição desigual da riqueza. Mesmo que fosse aumentado o volume de bens

produzidos, e ainda que este fato implicasse em chances concretas de aumento da

participação da população consumidora, que no caso da sociedade de consumo, pode

significar ampliação do reconhecimento social, este fato seria acompanhado pela

expansão correlata de uma massa de indivíduos precarizados. A conclusão é que para

todo aumento da prosperidade não assistimos, necessariamente, a concretização de

uma equação simétrica que permita o crescimento de uma oferta qualitativa das

oportunidades para todos os membros da sociedade.

Desta feita, os condomínios fechados estariam colaborando para o aumento da

segregação urbana nas cidades latino – americanas. Estas têm passado por profundas

transformações em suas estruturas desde a década de setenta que marcou uma

redução do ritmo de crescimento urbano e modificações no panorama social e

econômica. As reformas econômicas dos anos 90 que pregavam a redução do papel do

Estado na economia através da redução de uma, já precária, rede proteção social,

foram desta forma beneficiadas por governos, muito deles militares, que vinha

preparando gradativamente a substituição de políticas desenvolvimentistas por outras

de orientações liberais.

Estas decisões produziram efeitos decisivos nos rumos administrativos e sociais

das cidades do continente. Tais processos produziram uma polarização social das

classes que se distribuem no espaço de acordo com as suas possibilidades de

acessarem serviços cada vez mais concentrados nas mãos do capital privado. O

abandono da gestão e controle do desenvolvimento urbano por parte do Estado e sua

apropriação por parte de atores privados indicam a aparição de formas comercializáveis

urbanas rentáveis para o mercado. (Janoschka, 2000). A cidade entra definitivamente

no circuito de reprodução do grande capital.

A globalização aparece em destaque em todas as análises que explicam a

situação de extrema desigualdade em que se encontram as cidades latino-americanas.

Contudo estas análises conferem ênfases diferentes ao processo. Para Santos o novo

circuito do capital garantido pela entrada em cena privilegiada do capital imobiliário

especulativo contribui para a dispersão das classes no território, contribuindo, inclusive,

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para uma desmobilização política dos pobres que vinha sendo articulada pelos

movimentos sociais pela reforma urbana.

Para Carlos de Mattos (2002) as transformações urbanas têm levado à formação

de um novo tipo de cidade que substitui o modelo fordista expressando as mutações

impostas pelas transformações do próprio sistema capitalista. Para Mattos esta claro

que em virtude da globalização as cidades s cidades tem se transformado, ao mesmo

tempo, que preservam traços decisivos consolidados ao longo de suas histórias, que as

distinguem de outras cidades no mesmo âmbito geográfico.Como exemplo, Rio de

Janeiro e Buenos Aires marcam suas diferenças assim como aquelas existentes entre

Paris e Londres. Com certeza, o autor recorre a estes exemplos em função das

respectivas influências que as primeiras receberam das segundas cidades.

Nas duas explicações, as cidades latino-americanas pouco aparecem orientadas

preferencialmente por modelo exógenos de desenvolvimento. Se Santos explica o

crescimento da desigualdade por um fator menos evidente como a descapitalização das

classes urbanas. Matos não torna a globalização menos cruel por observar certas

permanências históricas nas cidades latino-americanas. Mesmo porque determinados

registros históricos, ao serem renovados, aumentam a distância ao acesso a bens

urbanos indispensáveis para uma vida mais cidadã.

Tais explicações, por sua vez, reconhecem que estão em curso diretrizes sócio-

administrativas para as cidades, que passam a se comprometer ao cumprimento de

agendas de compromisso acompanhadas bem de perto, via fiscalização e imposição,

por agências multilaterais cada vez mais governativas. Esta ação planejada, onde o

capital imobiliário tem aparecido com destaque, sequer precisa credenciar como global

city uma cidade para lhe conferir o título de sócia da nova ordem urbana, como

indicavam os trabalhos sobre a cidade global, paradigmáticos nas explicações sobre a

nova distribuição da economia urbana em escala global. Para os dias atuais tal

credencial tem sido o resultado de um esforço muito bem sucedido entre as alianças

dos poderes públicos locais com determinados setores do capital privado. Um belo

exemplo desta aliança foi a realização dos jogos pan-americanos na cidade do Rio de

Janeiro, cuja vila olímpica ficou na Barra da Tijuca, a última fronteira de expansão do

capital urbano (Cardoso, 1988).

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Um dos principais responsáveis pela existência de uma ideologia privada de

organização do território é o avanço do mercado, não como uma entidade autônoma e

sim pelo conjunto de atores privados que organizam a produção e distribuição da

mercadoria social. Com a privatização da economia antigos setores que ficavam sob a

responsabilidade do Estado passaram para as mãos da iniciativa privada, dentre os

quais a segurança. Como efeito, o menor grau de redistribuição econômica através de

subvenções diretas ou indiretas conduz rapidamente a conseqüências. (op. Cit. p. 5).

Com isto, começam a aparecer sinais visíveis de restrições ao acesso de serviços

fundamentais de forma generalizada no território.

A identificação de partes distintas na cidade é o primeiro efeito visível da

fragmentação do território. Erguidos em profusão e sustentados por uma retórica do

medo urbano, em toda a América Latina os condomínios fechados isolam determinadas

áreas da cidade, ao mesmo tempo, que integram outras entre si. As áreas ocupadas

por condomínios, principalmente pelos mais abastados, recebem um potencial quase

imediato de dinamismo social, os que muitas vezes faz com que estes se instalem em

determinadas áreas da cidade como unidades autônomas, filtrado o seu contato com a

vizinhança, que só acionada pela necessidade de contratação de mão – de – obra

barata e informal. (Sabatini, 2000).

De maneira sintética, somos levados à constatação de que as cidades latino-

americanas, principalmente as suas metrópoles, têm sido reestruturadas pelas

exigências do capitalismo contemporâneo, que a distância social entre as classes tem

aumentado, a diminuição do espaço público e o crescimento dos espaços privados e

uma intensa fragmentação espacial. No entanto, cabe uma indagação, bastante

devedora das hipóteses que se debruçam sobre os rumos das cidades no nosso

continente. Existe em vigor um modelo de segregação latino-americana, ou seria

melhor apontarmos vários modelos de segregação orientados por preocupações

comuns, dentre as quais, as justificativas para a consolidação dos condomínios

fechados?

Mia do que trazer uma resposta concreta para esta indagação esta tese

pretende, tão somente, discutir alguns condicionantes destas dinâmicas de

confinamento social de determinados segmentos das classes médias. Embora,

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variáveis de natureza cultural e política presentes na história dos países do nosso

continente tenham aparecido na formação das morfologias sócio- espaciais destes

condomínios. Em países como a Argentina suas classes médias o sentimento de medo,

que sempre aparece na fala dos moradores de condomínios fechados, tem estado

vinculado ao crescimento da insegurança econômica vivida nas últimas décadas. Em

determinadas experiências brasileiras a opção pelo condomínio fechado relaciona-se a

ambição de se morar relativamente distante das aglomerações urbanas, baseia-se no

medo da violência e no desejo pela diferenciação social que a vida nestes condomínios

pode proporcionar. Por isto, a meu ver teria mais sentido atribularmos o modelo de

condomínio fechado de cada pais ou região de acordo com as questões que o

envolvem, ao invés de sugerirmos um modelo global para o continente.

Uma das questões passíveis do risco de uma generalização é a evitação de

certas invasões aos condomínios fechados. As “invasões” do mundo contemporâneo

parecem preocupar as cidades menos pela presença de ameaças externas do que

“pela movimentação suspeita de elementos internos”. Não são mos mais Estados que

precisam se preocupar com a defesa do território, e quando isto acontece os

mecanismos utilizados são muito mais brutais do que os dispositivos acionados pelos

exércitos particulares. As barreiras atuais são erguidas em ambientes sociais difusos e

o grande anteparo que separa os de dentro do de fora é representado por muros

guarnecidos por sofisticados aparelhos de segurança. Estas barreiras dividem territórios

e apontam secções, tensões e conflitos camuflados em estilos de vida que indicam

como as cidades latino-americanas, para ficarmos só na escala do continente,

caminham para um perigosos processo de composição unidades territoriais

segregacionistas, e no limite , predatórias.

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CAPÍTULO 2 – As Transformações Sócio-Espaciais da Cidade: a contribuição da Barra da Tijuca para um novo modelo de urbanidade.

Entre o final do século XIX e o início do século XX o capitalismo entrou em uma

nova etapa de reprodução ampliada da riqueza, iniciada com o processo de

colonização da África e resultando na primeira grande guerra mundial. O final deste

conflito consagrou a vitória da economia americana e sua futura preponderância

mundial junto com a consolidação do sistema de produção fordista. Sua permanência

deu-se até os anos sessenta, quando as suas diretrizes sócio-produtivas passaram a

indicar uma descontinuidade estrutural com as demandas de produção e consumo da

sociedade capitalista. A sociedade começa a entrar em contradição com o sistema de

produção que a suportava, indicando com isto sinais claros de ruptura.

Como percebermos na análise abaixo orientada pelos trabalhos que vêm se

debruçando sobre a formação do espaço urbano carioca é possível suspeitarmos que

na história das modernidades44 um conjunto de questões que vieram à baila com a

modificação do tecido social das cidades européias mostrou, em algumas situações,

comuns a realidade que se configurava no Rio de Janeiro, da mesma forma que a mais

recente transição de paradigmas, no caso da modernidade clássica para a

modernidade tardia, que nesta tese aparecerá fundamentada pelo receituário analítico

da modernidade líquida de Bauman, recentemente tem produzido seus efeitos sobre os

modos de ocupação da cidade. Ao final da exposição desta passagem veremos como a

Barra da Tijuca pôde se identificada como uma região que cumpriu um itinerário urbano

que aos poucos incorporou as contradições espaciais da Metrópole carioca, ao mesmo

tempo, em que suspeito que a sua plena consolidação anuncia algumas

particularidades de sua forma urbana.

44 È importante destacar diferentes momentos da modernidade, entre outros motivos, pela inexistência de consenso entre os estudiosos sobre os períodos exatos da mudança de status da modernidade, inclusive no que se refere a sua nomenclatura.

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2.1 - As particularidades da forma urbana.

Para Maurício de Abreu (2006) a formação da área metropolitana do Rio de

Janeiro é muito similar ao de outras cidades capitalistas, marcadas por áreas centrais

que correspondem aos seus núcleos valorizados pela disponibilidade de recursos

materiais e positivação simbólica que a contrapõe a outras regiões menos abonadas,

em geral as periferias. Dentro desta lógica de cidade deve-se entender que a área

central é formada pelo seu núcleo territorial, no caso do Rio de Janeiro, o centro da

cidade em que estão reunidos os principais postos de trabalho e a Zona Sul, que

apesar de sua diferenciação interna entre velha e nova zona sul (Lago, 2001) abriga um

mercado de trabalho expressivo e a maior concentração de renda da cidade.

Neste sentido a cidade vai sendo erguida em consonância com uma estrutura

social que a apóia, logo a estrutura social de uma cidade capitalista, como é o caso do

Rio de Janeiro, “não pode ser dissociada das práticas sociais e dos conflitos existentes

entre as classes urbanas” (Op. cit. p.15). Os grupos vão se identificando com espaços

específicos em função de um processo de ocupação interessada onde seus atores

depositam o seu conteúdo, especificamente na forma de valores. Esta ocupação, por

sua vez, é sempre marcada por formas de conflito já que comumente outros grupos

manifestam interesse pela posse destes espaços, ou no mínimo pelos bens

socialmente positivados. Conflitos estes que podem ser abertos, através de práticas

violentas como o crime, quando este parece ter uma clara motivação coletiva45, ou

velados manifestados nas formas de preconceito e afastamento por parte dos

segmentos mais abonados dos grupos de menor poder aquisitivo.

Neste sentido, a dinâmica de ocupação espacial aprece ser conduzida pela

busca dos agentes por bens de participação que lhe vinculem positivamente a um

determinado território. Esta busca, que visa à fixação em um determinado lugar e o

consumo dos bens desejados, tem duas dimensões: uma material ligada a quantidade

de bens públicos e privados, no caso equipamentos urbanos e espaços privados

45 A literatura sobre violência urbana costuma associar o crime praticado entre os mais pobres à fatores sociais como o quase completo estado de indigência social, indicando nesta motivação uma imbricação de fatores e agentes como as mídias, o desemprego, o poder público e elementos de natureza local ( Zaluar, 1994 ; Soares, 2006 ). Entretanto, existem trabalhos que tem procurado abordar a violência como a desposseção simbólica de itens considerados indispensáveis a integração social, indicando um forte componente individualista na produção de formas de violência que nem sempre irrompem em conflitos abertos. È o caso dos trabalhos de Bauman (2004; 2005) e Freire Costa (2000).

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ligados ao lazer e ao entretenimento, e a segunda que é simbólica, já que estes bens

são hierarquizados dentro de uma escala de interesses , geralmente explicados pela

sua menor disponibilidade. Em resumo, quanto mais raro mais cobiçado.

A história da cidade do Rio de Janeiro tem revelado a existência de intermediário

que medeiam a busca pelos bens e usos presentes nestes espaços. Quando o Estado

foi este mediador, vemos que nas áreas mais nobres ele atua de forma mais itinerante

pela produção de melhorias contribuindo para fixar no território populações de uma

maior poder aquisitivo, e no caso das áreas mais pobres, sua existência é muitas vezes

“metafísica“, já que muitas sabem de sua existência apesar de poucos perceberam sua

presença, a não ser pelo acúmulo de carências estruturais que levam seus moradores a

freqüentemente convocarem a intervenção do poder público.

Esta diferença de tratamento é uma tendência na cidade e demonstra como o

Estado vem sendo uma figura muito atuante na construção do espaço tradicionalmente

apoiando os interesses das classes dominantes, via adoção de políticas e mecanismo

reguladores altamente discriminatórios, segundo Abreu. E como conseqüência deste

planejamento diferenciado vemos uma região central que se desenvolve com toda sorte

de equipamentos públicos e áreas periféricas mal servidas de infra-estrutura urbana, e

quando recebeu estes benefícios eles foram fruto do acordo entre o Estado e iniciativa

privada, exemplificados historicamente pela construção de uma estrutura ferroviária que

no final do século XIX atendia as exportações para outros estados ou na construção de

rodovias que na metade do século XX em virtude da instalação de um parque industrial

no subúrbio. Nestes exemplos a questão da qualidade de vida de sua população

residente não parece figurar como uma preocupação, devendo esta tão somente

desfrutar dos serviços urbanos construídos para a produção da riqueza que se converte

em benefícios para a população que reside em outra ponta da cidade, e em termos

residenciais, ao contrário dos bairros mais nobres que em um período de meio século

chegaram a sofrer cinco renovações urbanas, nos bairros mais pobres parecem se

consolidar dois padrões de organização residencial: a construção de residências

padronizadas, que são os conjuntos habitacionais, e o mais precário que o padrão de

auto-construção. Daí ser possível afirmar que o modelo do Rio

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[...] tende a ser o de uma Metrópole de núcleo hipertrofiado, concentrador da maioria da renda e dos recursos urbanos disponíveis, cercados por estratos urbanos periféricos cada vez mais carentes de serviços e infra-estruturas à medida em se afastam do núcleo, e serviços de moradia e local de exercício de algumas outras atividades as grandes massas de população de baixa renda. (Abreu, 2006, p.17).

Continuando o seu argumento agora tecendo uma comparação com as cidades

norte-americanas, Abreu sustenta que ao contrário do verificado no caso brasileiro, nos

Estados Unidos as famílias de maior poder aquisitivo em busca das amenidades da

urbanização moderna buscam as periferias em onde a ocupação dos solos é menos

densa. No Rio os segmentos mais abastados buscaram viver em áreas mais próximas

do centro e de maior densidade urbana. Ainda que Abreu sustenta que a Barra da

Tijuca possa estar anunciando uma novidade para Metrópole carioca, entre outros

motivos, por ser um bairro de alto poder aquisitivo mais afastado do centro, Abreu

admite que este bairro tende a se integrar ao núcleo da Metrópole. A busca da

incorporação da Barra da Tijuca ao seu modelo, entretanto, não elimina um fator que

com este entra em conflito: o fato de que para a Barra da Tijuca é um bairro de baixa

densidade urbana.

Sendo assim, este modelo pode explicar o crescimento da cidade do Rio de

Janeiro antes que a Barra da Tijuca despontasse como área de expansão, de uma

certa forma admitida pelo próprio autor no seu texto, já que o trabalho que aqui tomo

como referência foi escrito no final dos anos setenta. Esta área não corroboraria

algumas premissas deste modelo explicatório. Em função da distância ao centro da

cidade (aproximadamente trinta e dois quilômetros do centro da cidade, aonde ainda se

concentram os principais postos de trabalho da cidade), nesta região não são

encontrados os índices de precariedade comuns às tradicionais formações periféricas,

embora nos últimos tenham surgido algumas favelas no bairro. Ainda que tentativas

tenham sido feitas tentativas no sentido de integrar a Barra da Tijuca ao centro e a

Zona Sul, com todas as suas críticas, o plano Lúcio Costa, com a construção de um

transporte do tipo plano inclinado, estas iniciativas teriam poucas condições de êxito já

que o governo Juscelino lançara as bases da industrialização pesada de forte estímulo

para o setor automobilístico. Nestes anos o governo Estadual anuncia a liberação de

verbas para o início das obras do Metrô da Linha 4. Esta medida é o último passo deste

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projeto que vem sendo executado através da integração do metrô aos ônibus que ligam

a zona sul à Barra da tijuca. A demanda pelo encurtamento do tempo de deslocamento

da população aos seus postos de trabalho não estão sendo acompanhadas por outros

pedidos locais que possam facilitar o acesso de outras para a Barra, ainda mais no

setor de lazer.

Mesmo não estando tão distante da zona sul, especificamente São Conrado,

ligado pela Avenida Niemeyer, há em relação a esta região, no mínimo um afastamento

relativo, principalmente se for considerado os freqüentes engarrafamentos que acabam

por relativizar a distância empírica e incorporam a variável da distância psicológica,

acompanhada por estresse urbano com o trânsito, depondo frontalmente contra a

almejada qualidade de vida. Ainda assim, há na Barra da Tijuca uma infra-estrutura de

serviços que a diferencia dos outros bairros da zona oeste, e neste caso a distância

converte-se em um fator cômodo que a torna bem próxima, em termos morfológicos do

ideário dos subúrbios norte-americanos.

Algumas comparações com os subúrbios podem ser feitas, evitando assim que

incorramos numa assimilação de modelos que são necessariamente marcados por

diferenças de sociais e culturais. Enquanto nos subúrbios as casas costumam ser

padronizadas e separadas por muros artificiais como os jardins, na Barra da Tijuca

predomina um padrão vertical de residências separadas dos logradouros públicos por

um expressivo aparato de segurança integrado obrigatoriamente por grandes muros

com câmeras de vigilância. Em termos sociais é possível a afirmação de que nos

subúrbios exista homogeneidade social, ao passo que, embora predominem na Barra

os segmentos de renda mais abastados, sem dúvida neste bairro pode ser percebido

uma diversidade de classes, que é espelhada nas diferenças de estruturas entre os

seus condomínios. Por último, enquanto a questão racial se revela determinante na

configuração da vizinhança dos subúrbios, esta questão não aparece de forma clara

entre os moradores dos condomínios, embora casas recentes noticiados na grande

imprensa tenham revelado demonstrações explícitas de discriminação. 46

46 De todas as notícias envolvendo atos de hostilidade acionados por moradores de condomínios fechados na Barra da Tijuca um dos mais famosos envolveu a família do jogador de futebol Ronaldo Nazário, no condomínio Golden Green, há alguns anos. Ao fazerem um churrasco em sua cobertura sem a sua presença, mas autorizados por ele, os seus parentes acabaram chamando a atenção dos vizinhos, que incomodados com uma população pouco comum ao condomínio chegaram a ameaçar os integrantes da festa dizendo que iriam chamar a polícia. Este fato que parece ter repercutido mais do que gostariam os moradores dos

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Por outro lado, mesmo levando em consideração estas diferenças, ao abrigar

uma parcela das classes médias cariocas a Barra da Tijuca vem se consolidando como

opção urbana sustentada por um imaginário de qualidade de vida aonde parecem

entrar em combinação o desejo pela tranqüilidade, a acessibilidade aos serviços

indispensáveis e a proximidade com uma natureza exuberante. Estas premissas

convertidas em escolhas localmente orientadas dão a entender que o modelo, ainda

que um tanto vago, do subúrbio norte-americano faz-se presente no imaginário

manipulado pelo morador do condomínio fechado da Barra da Tijuca. Seria o processo

de antropofagia descrita por Bauman (2006) como a apropriação dos elementos vindos

de fora pelos filtros da cultura local. Uma explicação que, na verdade, fundamenta

sociologicamente a definição do caráter antropofágico da cultura brasileira definida por

Oswald de Andrade no âmbito do modernismo brasileiro da segunda década do século

passado. Este subúrbio imaginado, espécie de paraíso perdido da convivência social,

apareceu subliminarmente na fala de vários moradores entrevistados quando eles

procuravam apontar o espaço do condomínio como a tradução perfeita de laços sociais

harmoniosos.

Talvez estejamos aqui diante de um processo de aglutinação inconsciente do

subúrbio perfeito com a memória recente de um morador urbano que busca no passado

imaginado o conforto para escapar dos desafios atuais com os quais não consegue

conviver. Esta trama desenrola-se em um tempo e espaço determinado, onde presente,

passado e futuro se misturam e o espaço é entendido como categoria estratégica,

principalmente no que tange a salvaguarda da distância de algumas classes em relação

ás outras.

Na Barra da Tijuca a distância cumpriu um papel bastante ambíguo. Enquanto a

Barra era uma demasiadamente afastada do centro e da zona sul, morar aí significa

pagar um custo muito alto pelo seu isolamento. Com o passar dos anos algumas

empresas ou indivíduos foram identificando um grande potencial de investimento. Para

executar esta suspeita estes grupos foram organizando-se em empresas que

adquiriram a preços módicos, logo permitidos pelo Estado que vinha lentamente

condomínios que não gostam de ter seus condomínios presentes negativamente no noticiário da grande imprensa, parece ter sido resolvido de forma negociada entre as partes envolvidas, agora envolvendo o próprio jogador Ronaldo.

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produzindo melhorias na região, terrenos que se convertiam desta forma em estoques

de terra. Estava sendo gerida a grande matéria prima para a especulação imobiliária.

O fator distância transforma-se em elemento de barganha nas mãos do Estado e

da iniciativa privada. Estes agentes, conscientes das potencialidades da região

começam, cada um ao seu modo, a acionar uma campanha que relativize o fator

distância em prol da garantia de alguns serviços cuja ausência era sentida em outras

áreas da cidade, algumas delas nobres. O crescimento da violência na cidade

estimulou uma classe média á buscar por bairros onde a insegurança pudesse ser

resolvida de forma direta, leia-se, sem a constante intermediação do Estado. È neste

contexto que os condomínios fechados aparecem como a grande opção residencial

consagrando um perfeito casamento entre a iniciativa privada que passa a vender um

produto de moradia com segurança total, e o Estado que deixa de investir na proporção

adequada no policiamento local, enquanto fatura com a especulação imobiliária através

de vantajosos acordos com empresas de construção.

Há enormes brechas na legislação urbana brasileira que possibilitam este quadro

de desorganização coordenada do crescimento urbano. Antes de entrar nesta seara,

para perceber a sua influência em processos de longo prazo, como é o caso das

narrativas dos indivíduos e dos grupos nos espaços urbanos da Barra da Tijuca,

lançarei um breve olhar sobre a história pregressa do bairro que pode esclarecer alguns

comportamentos bastante contemporâneos.

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2.2 - Do descampado ao mar de condomínios

Figura 1 – Barra da Tijuca nos anos cinqüenta. Esta imagem sintetiza com precisão a idéia de um “sertão

urbano”, embora no canto direito possamos ver a praia, pouco freqüentada na época. Fonte: Internet

De acordo com a secretaria Municipal de Urbanismo a Barra da Tijuca está entre

as regiões do Município que mais cresceram nos últimos anos, tendo a sua população

quase quadruplicada, saltando de 28.528 mil moradores nos anos oitenta para

aproximadamente 92.233 moradores nos anos 2000. Região de expansão do capital

imobiliário, que tem se afirmado no bairro, por exemplo, pela construção de

condomínios fechados (estima-se que ai existam 120 e 150 destas unidades)47, a Barra

da Tijuca tem abrigado uma parcela significativa das classes médias cariocas, que 47 Fonte INSTITUTO PEREIRA PASSOS. Mapa de ruas e condomínios fechados da Barra da Tijuca.

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poderia ser classificada como uma nova classe média na medida em que sua

identidade social parece estar muito vinculada à sociedade de consumo. Neste sentido

destaca-se a quantidade shoppings no bairro (em torno de dez), uma das maiores

fontes de lazer e consumo para os seus moradores. .

Entre os indicadores sociais que justificam a afirmação de que na Barra da Tijuca

reside uma parcela das classes médias estão o número médio de banheiros por

domicílio (2,09) ficando atrás somente da Lagoa que aparece com 2,27; a média de

1,18 carros por residência, a mais alta de três os cinco principais bairros nestes

quesitos, cujas médias seguiram respectivamente Lagoa (1,03), Tijuca (0,75), Vila

Isabel (0,73) e Botafogo (0,73). Do total de 30.809 domicílios identificados no ano de

2000, 30.612 são permanentes, destes 25.755 são apartamentos e 4673 casas, dos

quais 97,71 % recebem abastecimento de água por rede geral canalizada, 69,49%

dispõem de esgotamento sanitário por rede geral e 93,89 % dos domicílios tem o seu

lixo coletado regularmente.

A título de comparação, quando analisados os mesmo indicadores da XXIV

Região administrativa que envolve além da Barra os bairros do Recreio, Pedra de

Guaratiba, Itanhangá, Vargem Grande e Vargem Pequena podemos identificar algumas

alterações. De um total de 55274 domicílios, dentre os quais 54494 permanentes e 411

improvisados, aumenta o número de casas, de 4673 da Barra da Tijuca para 21695 da

XXIV R.A, e somente nesta última figura o chamado aglomerado subnormal, as favelas,

que reúnem 8820 domicílios. Ademais a percentagem de domicílios atendidos por rede

geral no abastecimento de água cai para 88,79%, o esgotamento sanitário para 54,75

% e o serviço de limpeza regular atinge 85,94% das residências. Ainda assim o IDH da

XXIV R.A é de 0,92, dos mais altos dentre todas as RAs, condição possivelmente

atribuída a presença da Barra da Tijuca, já que a fonte consultada não trouxe o IDH da

Barra individualizado. 48

Estes componentes, a meu ver, são significativos para o perfilamento de uma

classe social. Os integrantes deste segmento são detentores de recursos que

classificam estágios de bem estar social, seja pela proximidade com equipamentos

48 Os dados relativos à análise comparativa da Barra da Tijuca com bairro outras RAs são provenientes da CPS/FGV a partir dos microdados do censo demográfico 2000 do IBGE, enquanto os dados relativos a análise comparativa da Barra da Tijuca com a XXIV RA são da Prefeitura do Rio de Janeiro.

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públicos, como a infra-estrutura urbana acima descrita, pelos benefícios indiretos

provocados por estes recursos, o sentimento de status por residir em uma área

identificada por elevados índices sociais, incidindo assim em uma simbologia que

positiva determinados hábitos, sempre entendidos como um conjunto de disposições

adquiridas (Bourdieu, 2007) e legitimados pelos uso em territórios que contribuem para

qualificá-los.

Esta, por sua vez, é a radiografia social contemporânea da Barra da Tijuca de

uma população distribuída em um território de 4815.6 hectares, tendo 53,5 5 de sua

área urbanizada ou modificada. Recuando no tempo, para podermos compreender

alguns fatores de determinantes para a formação da morfologia e dos modos mais

antigos de ocupação do bairro, voltemos para os primórdios da ocupação do território

da Barra da Tijuca, uma região delimitada por pântanos e porões de terras que desde o

início indicava o caráter patrimonialista da formação da sociedade brasileira.

Até o século XVIII tinha o seu território integrado à freguesia de Irajá, que foi a

segunda freguesia criada pelos colonos portugueses (Gonçalves, 1999). Em termos

físicos a região é composta por um grande litoral oceânico, vastas planícies com os

seus alagadiços, as lagoas pouco acima do nível do mar cercadas pelas cadeias

montanhosas constituída pelos maciços da Pedra Branca, na parte ocidental e o da

Tijuca, na parte oriental.

As primeiras apropriações da Barra da Tijuca, no período classificado como pré-

moderno, são de concessões advindas de disputas de terras envolvendo a matriz

familiar de Salvador de Sá, que além de se beneficiar com metade da antiga Ilha do

Governador este distribuiu terras para aqueles que auxiliaram a família governante na

luta contra a ocupação francesa no litoral do Rio de Janeiro. Os primeiros beneficiados

destas ofertas de terras, que na época englobavam os terrenos da atual Barra da

Tijuca, Jacarepaguá e Guaratiba, sob a forma de Sesmarias (a unidade territorial

padrão do período) foram Júlio Rangel e Jerônimo Fernandes.

No ano de 1667 foi criada a instituição de Dias Morgadios, uma espécie de

Legislação Ambiental que tornava a terra indivisível e inalienável, confirmando assim, o

princípio histórico da apropriação patrimonial no Brasil. Neste mesmo ano morreu

Vitória de Sá, filha de Salvador de Sá, o cabeça da dinastia real. Sua morte gerou por

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testamento, haja vista que a falecida não deixou herdeiros, a transmissão de sues bens

para o mosteiro de São Bento uma vasta extensão de terras, circundada pelo mar,

lagoas, chegando até Guaratiba, assim como escravos, crioulos e crioulas e mulatas e

alguma gente da terra.

Para Gonçalves (1999) esta forma de distribuição da propriedade gerou

pendências jurídicas que se arrastam até os dias atuais. De qualquer maneira, iniciava-

se o processo de demarcação territorial via instrumentos jurídicos que anunciavam as

primeiras iniciativas de composição dos limites fiscos desta região, que englobava a

época outras áreas como Taquara, Joá e Freguesia. Outro fator que se destaca neste

procedimento de transmissão da propriedade vem marcando a região desde então: a

propriedade privada.

Sem mergulhar de maneira mais detida em informações detalhadas de todos os

processos de formação do território representado pela Barra da Tijuca dos dias atuais,

é fato que a natureza privada da posse da terra tornou-se uma espécie de axioma

fundador da aquisição de terrenos na região. Auxiliada pela ausência de uma política

legal de controle dos terrenos, grupos que conseguiram se instalar ao longo da história

na Barra da Tijuca vem compondo o seu cenário latifundiário sem maiores onerações.

Para Gonçalves ( 0p. cit ) hoje em daí quatro grande grupos controlariam a Barra da

Tijuca. São eles:

_ A Carvalho Hosken S/A e a sua coligada Barra da Tijuca S/A e São Francisco

empreendimentos S/A, de posse de um patrimônio estimado em 12 milhões de metros

quadrados de terras.

_ A Empresa Saneadora Território Agrícola (ESTA) que desde 1955 pertence a

Tjong Aiong Oei, que apesar de sua origem cingapuriana é conhecido pela alcunha de

“o chinês da Barra“. Seu patrimônio cobre dez milhões de metros quadrados,

geograficamente localizados no entroncamento da Avenida das Américas e

Sernambetiba , logo após a Avenida Airton sena indo em direção ao Recreio dos

Bandeirantes. Dentro de suas propriedades originais, representada por estas medidas

descritas acima, forma erguidas obras como o Fazenda Club Marapendi,os

Condomínios Nova Ipanema , Novo Leblon e Mandala, e gigantescos empreendimentos

comerciais como o Barra Shopping, Carrefour e Via Parque Shopping.

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_ Pasquale Mauro, que começou suas atividades na Barra m 1940, de posse de

um sítio de forte atividade agrícola lançou-se na comercialização de bananas

climatizadas. Atualmente o seu grupo detém, entre outras construções, o Loteamento

Condomínio Rio – Mar, o Hospital Rio Mar e a Pasquale Mauro Minerações.

_ O quarto grupo é encabeçado pelo advogado Múcio Athayde, que começou a

sua carreira em 1968 através junto a Ivete Palombo da gleba da fazenda da Restinga,

tendo que recorrer ao STF para garantir a sua apropriação. No interior de 1,5 milhão de

metros quadrados dedicou-se a construção de contestadas obras do Mega Projeto

Torres da Barra, que até hoje se encontra sub-ocupado. Em 1981, lançou no mesmo

local o empreendimento Athaydeville, sendo ocupado logo em seguida pelas Casas

Sendas e Bradesco.

Juntos, estes grupos são responsáveis, senão pela grande maioria, pelo menos

pelos investimentos mais expressivos de uma região que no ano 2000 encabeçou o

boom imobiliário do Município, registrando a aprovação e construção de cinco hotéis-

residências, uma série de construções de operações interligadas e a predominância de

unidades multifamiliares sob a forma de condomínios fechados.

Este tipo de construção foi largamente beneficiado pelas modificações realizadas

sobre o Plano Lúcio Costa ao longo dos anos oitenta, ampliando algumas prerrogativas

de segmentação que estavam presentes nos anos 60. Vejamos então, algumas destas

modificações e quais têm sido os impactos sócio-ocupacionais provocados por elas.

2.3 – Um breve aporte sobre os impactos morfológicos provocados pelo Plano Lúcio Costa na Barra da Tijuca.

O Plano Piloto para a Barra da Tijuca e Jacarepaguá em 1969 significou, em

termos operacionais, a tomada de consciência por parte do poder público da

necessidade de intervenção sobre uma extensa área do território metropolitano, que até

então, salvo a presença de escassas residências espalhadas pelo bairro, representava

um “vazio urbano”. Para a execução deste empreendimento foi contratado o arquiteto

Lúcio Costa, um dos pioneiros da introdução e divulgação da ideologia modernista na

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arquitetura brasileira. Dispondo de plenos poderes para a execução deste programa,

em pleno acordo com a linha ideológica do regime da época, onde os chefes de Estado

controlavam de forma ditatorial o regime político e impunham os cargos de confiança,

Lúcio Costa dispôs de uma estrutura irrepreensível de mando para o projeto que ele

estava à frente.

Figura 2 - Em destaque a Avenida das Américas. Fonte: Internet

No campo político, está em curso uma ideologia de controle total sobre o

território, neste momento comandada pelos militares. Não quero sugerir nestas linhas

que a ação do governo local do O Estado do Rio de Janeiro estivesse usando o Plano

Lúcio Costa para fins conspiratórios. No entanto, a meu ver, não é uma mera

coincidência que no início do regime ditatorial brasileiro, que ainda buscava (ainda que

esta afirmação possa parecer absurda) afirmar a sua autoridade dentro do país, o

Estado do Rio de Janeiro oferecer toda a estrutura institucional para que um renomado

arquiteto, que já participara há alguns anos da construção da capital federal,

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executasse um programa destinado a urbanizar uma região relativamente esvaziada e

distante do centro da cidade, e com isto adiantando-se ao inevitável processo de

ocupação da área com a definição de parâmetros construtivos, “que a partir da proteção

de características singulares da região , não permitissem a reprodução do que havia

ocorrido e outros bairros da orla marítima, como Copacabana, Ipanema e Leblon, que

sofriam um processo intenso de construção e adensamento”. (Leitão, apud Souza,

2002, grifos meus).

Ou seja, o racionalismo arquitetônico modelo da Barra da Tijuca destinado à

melhoria da qualidade de vida, a preservação do meio ambiente e o adequado

ordenamento espacial ao serem alcançados através de um zoneamento rigoroso que

previa o controle sobre a relação entre determinadas frações do território e as suas

práticas sociais correlatas, apresentava a sua face autoritária e anti-humanista, e no

limite, anti-cidade.

Ainda que este componente não aparecesse com clareza, a organização e

controle sobre qualquer território é fundamental para um regime que governa sob

exceção e convivia com oposições sistemáticas e organizadas ou latentes e difusas o

tempo todo. Investir em uma região esvaziada atenderia futuramente aos interesses

imobiliários com ganhos diretos e indiretos para o Estado, como se viu e vem sendo

observado ao longo da história da Barra da Tijuca, e ao mesmo tempo, permitiria o

monitoramento do espaço organizado em princípios racionais. Lançava-se um olhar

cirúrgico sobre o território, e sem que o Estado precisa estar diretamente presente,

através do seu aparelho repressivo, ele seria percebido através dos princípios de

ordenamento espacial em que esperava-se a delimitação dos seus usos, o perfil dos

seus usuários e a definição das atividades compondo uma organização sócio-espacial

sistêmica.

De saída, os planejadores da Barra da Tijuca entendiam que as ações

executadas dentro de um território adequar-se-iam a uma morfologia pregressamente

estabelecida pelas diretrizes funcionais do plano. Mesmo com as intenções sinceras de

Lúcio Costa de integrar organizadamente a Barra da Tijuca ao Município do Rio de

Janeiro, que implicava, dentre outros benefícios, a articulação aos recursos materiais

com os cálculos de bem estar pretendidos pela sua população, esta pretensão é

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garantida por um tipo de olhar em que a cidade é vista como um ente funcionalmente

integrado por atividades bem articuladas que tendem a gerar comportamentos

previsíveis e lineares dos seus residentes.Seguindo um caminho oposto, seja de que

espécie for, a diversidade gerada pelas cidades repousa no fato de nela muitas

pessoas estão bastante próximas, e elas manifestarem os mais diferentes gestos,

habilidades, necessidades e obsessões49.

O medo de que a Barra da Tijuca pudesse se assemelhar ao desenvolvimento de

Copacabana e Ipanema expressava veladamente a preocupação com os ”possíveis

riscos” trazidos pela heterogeneidade social destes bairros. Este temor, a meu ver, não

expressa uma antipatia com a diversidade de classes em si, mas sim com a pobreza

urbana que vinha se instalando e crescendo em bairros ricos da orla carioca,

representada majoritariamente pelo crescimento populacional das favelas nestes

bairros, e em uma escala menor nos Conjugados.

Este fato gerou temores e preconceitos nos planejadores da Barra da Tijuca que

pretendiam que este bairro fosse ocupado de modo linear, ou seja, que ao terem os

seus espaços sendo ocupados da forma mais harmoniosa possível fossem evitados no

futuro próximo as típicas tensões sociais, geralmente convertidas em práticas de

violência urbana, que vinham caracterizando as trajetórias de territórios heterogêneos.

A heterogeneidade com pobreza urbana aparecia como a clara personificação da

desordem. Evitar a desordem passava por uma intervenção acéptica no território recém

explorado. A Barra da Tijuca nascia, assim, com a obrigação de representar a novidade

urbanística e a vocação da diferença em relação aos outros bairros nobres. Estas

imagens, com maior ou menor ênfase, sempre fizeram parte do discurso sobre a Barra

da Tijuca que procurava através da sua lógica racional funcionalista e do seu

paisagismo a sua conversão em práticas urbanas “autênticas” e invejáveis.

Os arquitetos costumam apresentar a Barra dos dias atuais como a

conseqüência de modificações muito sensíveis do Plano Lúcio Costa. Em parte, esta

crítica é justa, já que algumas diretrizes previstas no Plano Lúcio Costa foram

modificadas. Dentre as modificações mais importantes das propostas inicialmente

previstas temos o abandono da distância mínima de um quilômetro entre os

49 JACOBS, Jane. Morte e Vida de Grandes Cidades. Rio de Janeiro : Martins Fonte, 2000.

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condomínios fechados, que sequer deveriam ser o modelo hegemônico de residência, a

alteração do gabarito dos edifícios da orla de oito para doze andares e o abandono da

construção de um transporte do tipo plano inclinado que ligasse o bairro à outras áreas

da cidade passando por um dos seus maciços, garantindo desta forma, um

deslocamento menos oneroso da sua população residente (provavelmente já se fazia

uma previsão preocupante do violento e caótico trânsito carioca) sem impacto no seu

meio ambiente.

As modificações ocorridas nas décadas subseqüentes à elaboração e execução

inicial do plano, sacramentadas pela saída de Lúcio Costa da SUDEBAR no final dos

anos 70, atendiam as exigências do mercado imobiliário que começava a coordenar a

nova ocupação especial do território. Os condomínios fechados passam a modelar o

cenário residencial. Após os pioneiros Nova Ipanema e Novo Leblon, que como os

próprios nomes sugerem pretendem acomodar os modos de vida da orla da zona sul a

um conjunto de novos habitus induzidos por um projeto residencial de larga escala, cuja

pretensão é oferecer um circuito interno pleno de atividades, indo do lazer até a

segurança privada, o condomínio fechado é alçado a condição de plano piloto

residencial do bairro.

Esta proposta converte-se em realidade através de modificações da natureza

das residências na medida em que aumenta o número de residências multi - familiares

nos anos oitenta e com o progressivo aumento populacional dos anos noventa surgem

edifícios de maior porte, que são complexos de salas comerciais e de escritórios. Esta

diversificação dos edifícios, na verdade, contribui para a consagração dos condomínios

fechados que passam a apresentar nos seus formatos uma diversidade inédita de usos.

São os Homme officers, que tem no Condomínio Novo Mundo o seu primeiro exemplo.

Leitão (2000) comunga das observações mais comuns da arquitetura de que a

nova espacialidade da Barra da Tijuca não corrobora os seus ideais modernistas, pois

este preconiza transformar as relações sociais a partir de uma espacialidade sugerida.

Suas críticas são dirigidas a este novo dirigismo empresarial que teria transformado a

Barra da Tijuca em lugar de moradia das novas classes médias, e de uma parcela da

elite carioca. O setor de incorporação imobiliária procura oferecer seus produtos a uma

classe média perfilada pelo medo urbano crescente na Metrópole e setores de uma

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nova elite que constrói a sua identidade social dentro de espaço privados exclusivos em

que se percebe uma modificação brutal da forma e dos usos do espaço público. O

espaço público local tem sido remodelado sob a forma de espaço de consumo. Os

atores formadores deste novo espaço exercem papéis muito particulares, ainda que

complementares.

Os empresários edificam a região com construções que estariam atendendo as

demandas latentes da população local, como se estes agentes tivessem a competência

de intuir sobre estes alegados interesses velados, ao invés de estarem, de fato,

fomentando comportamentos esperados de quem investiu pesadamente nas

antecipações urbanas (Abramo, 2008). Os moradores se divertem, consomem e se

reproduzem dentro dos seus condomínios, e quando precisam tendem a procurar por

serviços relativamente próximos de suas residências, já que a proximidade, entendida

como conforto, pontua ideologicamente a escolha que eles fizerem de morar em um

lugar em que tudo estria por perto. O Estado acompanharia a uma distância estratégica

a movimentação destes agentes em seus territórios específicos.

Digo à distância porque a sua presença dependerá muito do fato que esta sendo

gerado. Por exemplo, no que diz respeito à imagem da cidade, qualquer ato de

violência cometido na Barra e que venha a ganhar as páginas dos jornais seria

atentamente monitorado pelo Estado com o envio do seu aparato policial, preocupado

em passar para a população uma imagem ordeira, que vinha a se contrapor ao “caos”

reinante em outras áreas da cidade. No entanto, a participação do Estado através do

seu aparelho coercitivo, nem de longe lembra as tradicionais intervenções urbanas

realizadas em áreas de risco, como a as favelas, aonde em face de primeira ameaça

real ou potencial a ordem urbana, o poder público se encarrega de instalar de forma

muito pouco respeitosa aos seus moradores locais o seu efetivo policial. Em uma “área

diferenciada”, como os bairros nobres da cidade, bastariam que as delegacias locais

assumissem as suas investigações, sem muitos constrangimentos para os envolvidos.

Evitar constrangimentos significa que o aparato policial tenderá a conduzir a

investigação respeitando a privacidade dos seus moradores que poderão ser

esclarecidos sobre os seus direitos, através da contratação de bons advogados,

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mantendo-se, desta forma, distantes de atitudes investigativas que pudessem sugerir

invasões de privacidades50.

Embora estas críticas sejam justas, no fundo elas expressam, apenas, um ponto

de vista sobre o espaço. Considerando as múltiplas determinações que atuam sobre o

espaço investindo sobre eles saberes destinados à regulação e controle dos seus

participantes (Foulcaut, 1979) os indivíduos que se encontram sob o efeito destas

intervenções de caráter político - espacial acomodariam suas trajetórias às funções

estabelecidas pelos planejadores. Nesta dinâmica de assimilação de regras implícitas

ou explícitas de monitoramento urbano, o espaço tende a ser compreendido através de

mecanismos disciplinadores de conduta humana.

Neste sentido, podemos estar observando na Barra da Tijuca a formação de uma

espacialidade em construção que reforça, por uma nova via de acumulação do capital,

que tem uma natureza específica, no caso imobiliária, a ampliação da estratificação

social concernente a toda a cidade do Rio e Janeiro, contribuindo assim para uma nova

consolidação da hierarquia entre os segmentos de classe na cidade. De forma sintética,

esta espacialidade reflete uma nova geografia do poder na cidade. Não um tipo de

poder cujo exercício passa exclusivamente pelo aparelho do Estado, mas que se

encontra capilarizado pelas vias de mobilidade dos seus agentes, no caso o capital

privado representado pelo setor imobiliário, e os moradores que celebram com este um

acordo baseado na oferta de conforto e segurança que o primeiro possa lhe oferecer.

As relações de poder, que eram historicamente exercidas nos espaços clássicos

de afirmação do capital, como o chão da fábrica, e que repercutiam em todo o tecido

social, agora manifestavam-se nos empreendimentos técnico – racionais, em que se

percebiam um aparato de monitoramento e classificação dos territórios através de

ações pontuais e coordenadas. Ao tentar se desvencilhar pelo crescimento urbano em

outras áreas da cidade, o olhar modernista sobre a Barra da Tijuca pretendeu controlar

o crescimento desordenado através da anulação dos processos sociais de classes que

50 Um dos fastos que me chamou muita atenção na minha pesquisa de campo foi a distância que os condomínios fechados costumavam guardar de qualquer tentativa de interferência policial. Mesmo quando o problema em questão acontecia fora dos limites dos condomínios, não era comum que a polícia fosse chamada entrasse nestas residências para cumprir um procedimento corriqueiro do processo. Isto quando atos de violência contra transeuntes transformavam-se em denúncias. È do conhecimento apenas local, principalmente dos jovens que vivenciam os momentos noturnos do bairro, as práticas de agressões a prostitutas. Um dos meus entrevistados me contou ao voltar de uma boate com os seus amigos viu uma prostituta completamente ensangüentada e a polícia que por ali passava era alheia a sua situação.

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sempre disputaram posições no mercado de trabalho, ainda que esta disputa tenha sido

sempre marcada sempre pela assimetria das oportunidades de participação na

produção da riqueza nacional.

A heterogeneidade social identificada em bairros como Copacabana, seria um

sintoma das orientações recorrentes sobre planejamento urbano para a cidade,

destinadas a produção de infra-estrutura e embelezamento de áreas valorizadas ou em

processos de valorização previstos pela parceira capital especulativo e poder público.

Ao contrário do que um saber tecnocrático poderia sustentar, a procura e posterior

fixação precária da população pobre em Copacabana, que vem a morar em favelas, por

exemplo, não significou um resultado perverso do adensamento urbano que a referia

parceira pretendia obter. Esta população é estrutural ao funcionamento do sistema de

produção que precisava de mão-de-obra para exercer as funções do setor de

construção, que era muito forte no bairro neste período, e também para o setor de

serviços, fosse para a função de garçom nos bares da orla ou empregadas domésticas,

incorporando às exigências feitas, principalmente pelas mulheres de classe média que,

ao migrarem para o mercado de trabalho precisavam de profissionais que se

ocupassem dos afazeres domésticos.

Paralelamente ao significativo deslocamento de uma classe média dos subúrbios

da zona norte para a zona sul, a outra parte do deslocamento migratório intra – urbano,

no período em que o país experimentava resultados urbanos concretos advindos das

políticas de industrialização, era composta por pobres, muitos vindos de áreas centrais

em decadência. Estava consolidada uma etapa da recente história da recente

urbanização da cidade do Rio de Janeiro. Do início do século XX até os anos setenta a

cidade vinha passando por sucessivas cirurgias urbanas que segregavam dos espaços

dos ricos, das classes médias e dos pobres. Com o crescimento vertical da orla da zona

sul nos anos cinqüenta e sessenta, os bairros passavam a acomodar as suas

populações de acordo com os papéis que estas exerceriam no mercado de trabalho e

no consumo urbanos. As classes médias e altas que moravam próximas ao mercado de

trabalho, beneficiadas por equipamentos urbanos modernos e eficientes, “integrava” a

mão-de-obra menos remunerada nas demandas domésticas, da construção civil e do

setor de serviços, como foi destacado acima. O “esgotamento residencial” de um eixo

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da zona sul passava a ser suprido, exatamente, porém sem reproduzir os hábitos que

forma responsáveis pela relação entre as suas classes pelo aquecimento imobiliário da

Zona Oeste, no caso da Barra da Tijuca.

Voltando ao argumento da sobreposição no território, a delimitação dos espaços,

os usos que deles são feitos pelos seus respectivos agentes podem ser e entendidos a

luz do conceito de heterotopia de Foucault, que é o espaço socialmente vivido, interno

dos locais e das relações entre eles. Desta forma, as relações criadas dentro dos

shoppings centers e condomínios fechados não se limitam a estes espaços, nem teria

sentido suas ontologias serem tomadas aprioristicamente. Este olhar excluiria as

dinâmicas relacionais entre os grupos, no caso, moradores e consumidores, com os

seus lugares e entre estes lugares.

Se a Barra da Tijuca exerce um papel de protagonista na nova dinâmica espacial

brasileira marcada pela segmentação – sócio – espacial dos grupos seguindo os

preceitos de territorialidades determinadas pela precariedade ou bonança de recursos

de classificação materiais e simbólicos (Lopes, 2008), pode-se concluir que na região

pode –se observar, um novo ambiente construído, que abriga, predominantemente, as

classes privilegiadas, instaura novas centralidades e sociabilidades (Bienenstein, 2000).

Entre 2000 e 2001 verificou-se na Barra da Tijuca um elevado número

construções de hotéis– residências, empreendimentos empresariais e condomínios

fechados. Juntos eles foram responsáveis por 76 % da área construída. A título de

exemplo, vale o registro de alguns casos:

Condomínio Novo Mundo que ocupa uma área 147. 476. 41 metros quadrados,

de sua multifamiliar, assim como o condomínio Paradiso que ocupa uma área de

38.795.03 metros quadrados. O Centro Empresarial Mario Henrique Simonsen com

uma área de 99.183.55 metros quadrados e o Centro Empresarial Barra Shopping com

mais de seiscentos mil metros quadrados.

Estes casos, que não refletem a totalidade das construções deste período,

demonstram a recentralização dos investimentos na região metropolitana e a

interligação heterotópica entre os setores lazer, trabalho, consumo e residência. A

população que mora nos condomínios fechados usa os shoppings como lugares de

encontro, fortalecendo seus vínculos com o bairro, na medida em que ali são formados

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e mantidos círculos sociais duradouros, e em vários casos, estes círculos são

estendidos ao interior dos condomínios.

Estes topos são ontologicamente preenchidos pelas expectativas diversificadas

dos sues usuários. Se no Shopping Center o morador busca a aquisição de produtos,

que são bens de valorização no mercado simbólico do bairro, evidentemente,

associados a um sistema de afirmação simbólico que alcança outras escalas territoriais,

como roupas de grifes, aparelhos celulares e outros adornos equivalentes, estas

demandas por consumo são freqüentemente estimuladas pela importância que estes

itens recebem nas interações desenvolvidas por estes moradores nos seus

condomínios. Estes bens de troca funcionam como senhas que autorizam a

participação de alguém na sociedade de consumo, aqui representada m sua micro

realidade.

Teoricamente, as heterotopias foucaultianas podem ser ampliadas pela

articulação com a concepção de espacialidade de Lefebvre, embora houvesse uma

nítida distância nas perspectivas teóricas destes autores, e em vida Lefebvre se quer

credenciava o trabalho do seu colega francês.Afora a polêmica, eu acredito que exista

um eixo em seus trabalhos e que fica bem claro na seguinte passagem

O espaço não é um objeto científico afastado da ideologia e da política, sempre foi político e estratégico. Se o espaço tem aparência de neutralidade e indiferença em relação aos seus conteúdos, e, desse modo, parece ser “puramente formal”, a epítome da abstração racional, é precisamente por ter sido ocupado e usado, e por já ter sido foco de processos passados cujos vestígios nem sempre são evidentes. O espaço foi moldado a partir de elementos históricos e naturais, mas esse foi um processo político. O espaço é um produto político e ideológico. È um produto, literalmente, repleto de ideologias. (Lefebvre, 1976 apud Soja, 1993, p. 31).

Nesta passagem Lefebvre vai direto ao ponto de sua problemática espacial: o

espaço é político e nele estão contidos os valores em disputa valorizados

historicamente pelas sociedades humanas. Estas disputas lhe dão o sentido e

importância. Não há nenhuma possibilidade de retirar as pretensões políticos e

ideológicas que pesam sobre a construção e desconstrução de espaços, sem que se

corre de se defender uma neutralidade de valores, que em si mesma, revela-se uma

operação intelectual, ou até mesmo científica, ideológica.

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Logo as intenções racionalistas modernistas presentes na concepção da Barra

da Tijuca, em qualquer dos seus períodos de evolução urbana, são anti – Lefebvrianas,

pois pretendem definir aprioristicamente o espaço através das ações das classes

sociais intermediadas por mediações funcionais supostamente de acordo com as

intencionalidades delas. As funções que se esperam destas classes, isto é, os seus

comportamentos nos ambientes que formam o bairro, são escrutinizados por um

aparato técnico funcional de especialistas no espaço. Estes técnicos, em sua maioria

engenheiros e arquitetos, em um primeiro momento, e construtores imobiliários quando

a Barra da Tijuca já se convertera na esperada última fronteira de expansão do capital

metropolitano, seja por vício de formação ou por obedecerem uma orientação

ideológica de um plano macro de ordenação do território, interferem diretamente nas

trajetórias dos residentes da Barra da Tijuca, na medida em que são os responsáveis

pelos traçados urbanos que limitem os espaços de deslocamento dos seus ocupantes.

Esta reflexão poderia induzir críticas a uma suposta defesa do automatismo, e

um leitor atento poderia mesmo indicar que na minha análise eu superestimo o papel do

saber técnico. Porém quero deixar bem claro, que longe de caricaturar a participação

de determinados agentes na ordenação e monitoramento do território, eu entendo que

estes agentes estendem as suas atribuições para além dos seus escritórios. No Brasil

há uma tradição de predomínio do saber técnico sobre outras formas de saberes “não

especialistas“. Se por um lado, desprezar a participação de profissionais tecnicamente

qualificados seria incorrer na falsa premissa da auto-suficiência de saber social

pretensamente auto-gestionário, por outro lado, as mal sucedidas experiências de

políticas que ficaram sob a exclusiva responsabilidade de técnicos nos ensinaram que é

fundamental a existência de uma articulação entre os diferentes saberes envolvidos em

um determinado projeto de intervenção social.

Os desdobramentos históricos das dinâmicas espaciais desenvolvidas na Barra

da Tijuca, desde a sua concepção inicial, tem produzido resultados ambíguos. Ao

mesmo tempo em que um setor tem assumido a modelação do bairro e investido as

suas expectativas lucros nos investimentos racionalmente calculados, há níveis de

autonomia dentro dos territórios ordenados que revelam situações típicas de

grupamentos humanos que ao escolherem um modo de vida confinado e total, longe de

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suprimirem os perigos da “cidade real”, acabam por vias internas reproduzindo-nos.

Esta dinâmica de socialização entre as classes tem dinamizado o processo que alguns

autores vêm identificando nos últimos anos na Metrópole carioca, que é a fragmentação

do seu tecido sócio – espacial. A fragmentação do tecido sócio – espacial da Barra da

Tijuca apresenta-se, neste contexto, como um reflexo, não mecânico e não linear, da

fragmentação do tecido sócio – espacial da cidade do Rio de Janeiro.

2.4 - A Barra da Tijuca - a consagração de uma nova urbanidade.

A Barra da Tijuca é um bairro que vem se configurando no imaginário urbano da

cidade do Rio de Janeiro. O outrora “Sertão carioca” que até os anos trinta do século

XX representava uma região praticamente selvagem, onde a três ou quatro horas do

centro urbano ainda se encontravam onças, jaguatiricas, capivaras e estranhos símios

(Palma 1955 apud Luz Palma, 1999), abriga atualmente uma expressiva classe média.

Esta mudança de eixo, com significativos efeitos simbólicos que redefinindo em termos

bourdiesianos os sentidos do lugar projetou a Barra da Tijuca como novo eixo urbano

de deslocamento intra-metropolitana de segmentos da classe média carioca, e não

seria exagerado assegurarmos, também da sua elite. Em função da polissemia do

conceito elite, eu fiz a opção pela categoria das novas classes médias que consegue

explicar os deslocamentos que certos segmentos sociais fizeram em direção à Barra da

Tijuca, e ao se instalarem no bairro passaram a perfilar suas identidades em ambientes

de trocas de valores fortemente determinado pelas práticas de consumo.51

51 Para uma discussão sobre elites na cidade do Rio de Janeiro ver a tese de Luiz Henrique Lemos “Posição social, consumo e espaço urbano – um estudo sobre a dinâmica sócio-espacial nas áreas nobres do Rio de Janeiro”. IPPUR, 2008.

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Figura 3 – Barra da Tijuca nos anos oitenta. A morfologia mais próxima da atual, distanciando-se de

outras épocas. A título de contraste, vejamos uma seqüência de fotos da Barra da Tijuca nos anos setenta.

Fonte: Internet

Figura 4 - Viaduto de entrada para a Barra da Tijuca. Foto de 1972. Fonte: Internet

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Figura 5 - Podemos ver à direita a Avenida das Américas e à esquerda o início da Avenida Lúcio Costa,

atualmente avenida Sernambetiba. Predomínio de casas e prédios baixos, em nítido contraste com a hegemonia dos grandes condomínios verticais atuais. Foto de 1977.

Fonte: Internet

Nas últimas décadas poucos bairros da região metropolitana do Rio de Janeiro

aparecem com tanto destaque, principalmente na mídia, como a Barra da Tijuca. Em

torno desta divulgação têm aparecido algumas imagens com a pretensão de cobrir todo

o conjunto de hábitos e expectativas dos moradores e da população em geral, que

ainda numa relação passageira, acabam desenvolvendo vínculos com o bairro. Neste

caso o morador da Barra da Tijuca seria um “emergente“ que seduzido pelas

oportunidades oferecidas pelo “novo eldorado urbano” procura encastelar-se nas “ilhas

de segurança” da nova “Miami carioca”.

Estas imagens não devem ser desprezadas, já que a sua existência é fruto da

elaboração de determinados agentes a partir da recorrência hegemônica de modos de

vida. No entanto, muitas vezes elas simplificam em demasia toda a problemática

espacial do bairro, seja porque enfatizam apenas uma das dimensões dos usos que

têm sido feitos dos seus espaços, como são comuns nos recortes publicitários -

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arquitetônicos, ou porque camuflam pela via da divulgação de caricaturas urbanas

interesses políticos e sociais segregadores.

Os desafios urbanos suscitados pelo “fenômeno” Barra da Tijuca têm orientado

reflexões acadêmicas de várias orientações. Neste conjunto de trabalhos vários

enfoques podem ser percebidos, dentre eles a preocupação com a privatização dos

espaços públicos presentes em estudos da área de arquitetura, seja pela identificação

da situação contemporânea (Poppe, Tângara e Eppinghaus, 2003; Bienenstein, 2002)

ou se referindo ao atual contexto urbano como desdobramento dos projetos de

intervenções urbanas sofridas em outras épocas (Leitão e Rezende, 2004), as críticas

aos escapes urbanos (Lopes, 2000, 2008; Randolph e Lopes, 2006), a identificação de

estratégias de vendas de lugares seguros para a cidade (Possidônio e Ferraz, 2004) e

estudos que apontam as formas de violência hegemônicas no bairro (Freitas , 2003 ).

As temáticas destes trabalhos serão aproveitadas no curso da minha tese. Afinal,

estas investigações levantaram problemáticas que vêm sendo validadas pelas ações

que os diferentes agentes estudados têm implementado em territórios. Neste sentido,

os empreendedores imobiliários têm investido na construção de produtos imobiliários

comerciais ou residenciais fechados e os moradores procuram estes espaços em busca

de lazer, consumo ou moradia. Cada um destes agentes está orientando as suas

escolhas por motivos específicos, o interesse financeiro do primeiro e a proteção com

conforto do segundo. Ambos acionam, a princípio, lógicas particulares de intervenção

nos seus distintos territórios, mas no final, estas lógicas territorializadas convertem-se

em uma lógica maior concernente a todo o território representado pelo bairro.

No entanto, o meu objetivo sobre a Barra da Tijuca é identificar e compreender

as diferentes formas de socialização que têm sido praticadas pelos moradores no

interior destes condomínios fechados, e por extensão, levar ao limite esta análise ao

perceber que estas práticas, apesar de possuírem um lócus, estendem-se ao entorno

destes condomínios. Por entender que estes modos de vida desenvolvidos em

ambientes segmentados por limites territoriais possuem implicações nas escolhas

culturais e nas orientações ideológicas que contribuem para definir e legitimar uma

apropriação muito particular de sentido da cidade, eu articulo estas demandas dentro

de uma lógica de fluxos entre espaços, que no caso específico da Barra da Tijuca,

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interliga os moradores dos condomínios como usuários de uma satisfatória infra-

estrutura interna, com determinados equipamentos urbanos disponibilizados pelo bairro.

Apesar da pretensão ideológica dos promotores urbanos (que podem ser

agrupados como aqueles que oferecerem uma contribuição direta para a especulação

urbana, como os especuladores imobiliários, e aqueles que lucram indiretamente com a

sobrevalorização imobiliária através da concessão de benefícios públicos para o

planejamento privado, no caso o Estado) divulgarem uma ideologia de condomínios

fechados, isto é, empreendimentos supostamente imunes aos perigos da vida urbana e

capazes de realizar uma vida interior quase plena, aproximando-se caricaturalmente de

um modo de vida total, esta pretensão é recorrentemente anulada pelo fato dos

moradores recorrerem aos vários setores do bairro.

Analisarei neste capítulo como os vínculos existentes entre os espaços internos

dos moradores, representados pelos condomínios fechados, com os espaços externos

que aparecem de acordo com a demanda que estiver sendo formulada no momento da

relação, estão inscritos em uma lógica de circuito urbano de aquisição e trocas de

mercadorias e serviços, aproximando-se daquilo que Castells (1999) classificou como

espaços de fluxo, ainda que o marco teórico de análise para esta situação esteja, de

forma integral, mais próxima daquilo que Lefebvre classificou como o consumo do

espaço.

Até porque, a meu ver, a definição de Castells é insuficiente para cobrir todos os

micros espaços que compõem os espaços de fluxos. Para o sociólogo francês o espaço

de fluxos é a organização material das práticas sociais de tempo compartilhado que

funcionam por meio de fluxos. Na sociedade contemporânea encontrar-se-iam uma

série de fluxos interligados, dentre os quais os fluxos de capital, de informação, de

tecnologia, de interação organizacional, de imagens, sons e símbolos. As relações

sociais, que na outrora sociedade industrial eram demarcadas pela separação do tempo

e do espaço, acontecem nos dias atuais com o ritmo de simultaneidade em que os

tempos destas relações são vivenciados com um nível de proximidade que torna o

distante próximo, e no limite, até mesmo íntimo, e o aqui converte-se no agora.

Avançando nesta reflexão poderíamos concluir que no espaço de fluxos estão

englobados em uma série de micro - espaços de trocas interligados diferenciadamente,

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funcionando de acordo com as demandas formuladas pelos agentes que participam

destas trocas. Apesar do verniz teórico democrático esta definição supõe como

paradigma as formas de trocas nos espaços de fluxos globais, logo, afinados com os

interesses econômicos e as demandas localizadas das populações de cidades

européias, norte-americanas e asiáticas. A contribuição de Castells precisa ser

mesclada com outras leituras que incorporem novidades empíricas mais adequadas às

cadeias de trocas das economias de cidades do capitalismo periférico. Adotando uma

perspectiva de análise mais adequada à realidade das cidades de países da periferia

do capitalismo, Santos (2003) chama a atenção para a existência de dois circuitos do

sistema urbano. O autor destaca dois planos: os superiores e os inferiores. Estes

planos da escala urbana interligar-se-iam da seguinte forma

No plano inferior da escala urbana, as atividades do circuito superior geralmente agem a serviço da população (local e área de influência da cidade) e o seu tamanho é função do mercado. No plano superior, nas metrópoles nacionais, as atividades econômicas experimentam inter-relações e interdependências. Quanto mais pronunciado o nível de industrialização do país, mas as atividades econômicas das metrópoles estão sujeitas a obter autonomia, isto é, mais provável que elas se sustentem mutuamente e criem seu próprio mercado em vez de serem condicionadas pelo mercado em si.Existem, naturalmente, situações intermediárias e a tal que se torna difícil esquematizá-las. (Santos,2003, ps 128-129 ).

Antes de avançar na explicação destes espaços de troca de relações sociais e

econômicas margeadas pela lógica de reprodução do grande capital, farei uma breve

recuperação das intervenções sofridas pelo território da Barra da Tijuca que foram

decisivas para a composição de sua atual morfologia. Não estou preocupado

exclusivamente com os desdobramentos matérias do bairro, que seria o seu espaço

construído. Meu foco é refletir sobre as representações criadas pelo e em torno do

bairro, e até que ponto estas representações espelham os modos de vida de seus

moradores.

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2.5 – A Barra de ontem para hoje.

A Barra da Tijuca atual é, em termos espaciais, o resultado acumulado e

modificado do projeto de urbanização para a baixada de Jacarepaguá idealizado e

executado no ano de 1969 conhecido como plano Lúcio Costa. Bairro que tem nos

limites naturais os maciços da Pedra Branca e da Pedra da Tijuca. A Barra da Tijuca

vem experimentando um acelerado processo de crescimento nas últimas décadas,

credenciando-na nos dias de hoje como uma área detentora de um dos maiores IDHs52

da cidade. Desde a sua concepção no Plano Lúcio Costa, um dos grandes objetivos foi

o desenvolvimento de uma intervenção urbanística planejada que pudesse integrá-la à

outras regiões da cidade, notadamente o centro e a zona sul.

Este projeto que se baseava nos princípios urbanísticos modernistas foi

idealizado e executado por Lúcio Costa a pedido do então governador Negrão de Lima.

O Plano Piloto apresenta-se então como a oportunidade que o modernismo teve de se

realizar em uma área de expansão da cidade desvencilhando-se das dificuldades

impostas em áreas já parceladas e edificadas. Para Rezende e Leitão (2004) desde a

fundação de Brasília e de parte da esplanada de Santo Antônio o modernismo já vinha

sendo criticado por uma certa rigidez funcional. Desta forma, a Barra da Tijuca aparecia

como a possibilidade de adoção de um projeto de intervenção total local marcada pelos

princípios modernistas, mas sensíveis aos contornos desta mesma localidade. Pelo

menos, é assim que os arquitetos costumam ler esta proposta.

Em linhas gerais o Plano Piloto destinava-se a contribuir com a melhoria da

qualidade de vida, a preservação do meio ambiente e o adequado ordenamento da

ocupação da região através de um zoneamento rigoroso, que definiria relações entre

determinadas frações do território e práticas sociais, acreditando que desta feita seria

corrigidos os conflitos mais comuns das cidades tradicionais. (op cit, 2003).

Passadas três décadas, foram realizadas sensíveis alterações nas metas iniciais

do plano, sugeridas pela participação cada vez maior do setor imobiliário na condução

52 Em um trabalho sobre a forma de relatório publicado pela Prefeitura do rio de Janeiro através do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos em que analisa o índice de desenvolvimento social das regiões da cidade do Rio de Janeiro, a Barra da Tijuca aparece na sexta posição , sendo superada por bairros como Lagoa, Copacabana, Botafogo, Tijuca e Vila Isabel. Como este índice se refere à região administrativa, que no caso da Barra da Tijuca é a XXIV, que incluí Recreio, Vargem Grande , Vargem Pequena e o Camorim, a presença destes bairros com muito menos recursos do que a Barra da Tijuca, e no caso do Camorim existe uma vasta área rural, “rebaixa” a sua posição entre os bairros mais desenvolvidos da cidade.

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da modelagem do bairro e por alguns segmentos políticos da cidade, que já projetavam

para a Barra da Tijuca um futuro bastante promissor.53 Dentre as modificações mais

significativas estão a substituição dos gabaritos de 8 para 12 pavimentos, as mudanças

nos usos do solo e nas formas de parcelamento.

A nova morfologia urbana da Barra da Tijuca, que á capaz de combinar o

moderno com o pós-moderno, pode não ter atendido plenamente os ideais modernistas

de garantir para os seus moradores uma vida social autônoma e harmoniosa através da

modelagem do espaço, porém vem exercendo uma expressiva ambigüidade no que se

refere aos usos do espaço: se por um lado, os enormes conjuntos de prédios

comerciais e residenciais procuram garantir aos seus usuários e residentes a sensação

de segurança e a preservação da intimidade, pelo outro, as necessidades impostas

pelos ritmos diferenciados de trânsitos nos territórios que envolvem o segmento

formado pela mão-de-obra de lugares como os condomínios fechados ou Shoppings

Centers, ou mesmo por aqueles que estão projetando nas vitrines as suas expectativa

de inclusão na sociedade de consumo, têm provocado contatos “involuntários“ entre os

de dentro das estruturas involucradas e os transeuntes da “cidade aberta”.

Mesmo que a paisagem artificial da Barra da Tijuca exponha de forma enfática a

segregação espacial nas suas residências cada vez mais erguidas sob forte esquema

de segurança privada e isolamento visual, o seu tecido social não consegue esconder,

mas sim quando muito camuflar, a sua heterogeneidade social. Planejada de forma

diferenciada do restante da zona Oeste, em sua quase totalidade, pouquíssimo

planejada, podemos identificar componentes elitistas na Barra da Tijuca, desde sua

concepção através do Plano Lúcio Costa. Neste, o destino das residências eram as

classes médias, não os pobres do local. Não existia o interesse de povoar esta região

com a presença de diferentes classes sociais. Caso contrário, deveria aparecer no

plano a construção de uma série de atividades de trabalho e consumo que incorporasse

as diferentes formações profissionais dos seus moradores e as capacidades de serem

inseridos nas estruturas de consumo. A etapa final que consolidou esta premissa de

53 Em 1988 alguns setores da Barra da tijuca alegando o fato de que este bairro estava sendo sobrecarregado pela tributação da cidade puxou um plesbicito que buscava a sua emancipação. O resultado foi a derrota , que manteve o bairro vinculado estruturalmente à cidade, e que deve ter causado a surpresa dos defensores deste pleito. Mesmo derrotado este grupo manteve-se inflexível na sua posição de conferir a Barra da Tijuca um papel diferenciado em uma cidade que deveria ampliara os espaços de comunicação com o capital global. Não à toa, em 2007 está a frente da secretaria de esportes e turismo, e com o papel de ser um dos principais personagens dos jogos pan-americanos o senhor Eduardo Paes, um dos principais promotores deste plebiscito.

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tentar erguer no antigo vazio urbano uma área socialmente homogênea em que

estivessem, pelo menos em tese, ausentes as contradições e conflitos de classes

presentes em outras áreas de expansão da cidade, tem a sua consagração nos anos

setenta quando o setor imobiliário toma a frente da urbanização da Barra da Tijuca,

levando inclusive Lúcio Costa a renunciar a sua função na SUDEBAR por entender que

a o ritmo da urbanização em voga iria descaracterizar o seu projeto.

Essa desarticulação de interesses, a meu ver, não elimina uma herança para a

zona oeste que, e que em menor grau já vinha prevista no Plano, qual seja, a falta de

uma política de inclusão social para a sua população pobre que levasse em

consideração os efeitos desiguais que o crescimento da Barra da Tijuca poderia

provocar nos bairros vizinhos. A pretensão de estimular um modo de vida homogêneo

parece ter deixado esta questão social em segundo plano e os seus impactos podem

ser sentidos nos dias atuais quando a Barra da Tijuca exerce uma posição de

centralidade local sobre os outros bairros, destacando-se na oferta de mão-de-obra

para a população residente nestes bairros vizinhos. 54

Ao longo dos anos o poder público vem investindo em uma estrutura urbana

muito específica para a Barra da Tijuca mantendo estreita vinculação com o capital

privado, e desta forma produzindo uma série de melhorias urbanas, como as longas

avenidas que cortam todo o bairro e o integram funcionalmente aos outros bairros da

zona oeste, calçamento e iluminação pública em tempo recorde e um aceitável sistema

de segurança pública. A título de exemplo, nos anos noventa foi construída a linha

amarela, uma longa avenida responsável pelo encurtamento da distância entre a Barra

da Tijuca e a zona norte. Por ela transita diariamente um fluxo expressivo de mão – de

– obra que trabalha no comércio local do bairro, e nos finais de semana pode desfrutar

sem maiores encargos financeiros da praia, ainda que este benefício seja

acompanhado por atitudes estigmatizadoras, já que a área da praia próxima ao ponto

final destas linhas de ônibus costuma ser “abandonada” pelos moradores do bairro.

54 Não disponho de dados precisos a respeito desta situação. Porém minha colocação vai além de meras suspeitas. Durante as entrevistas esta informação aparecia, mesmo que o morador não soubesse quantificar ao certo o número de funcionário dos seus condomínios que moravam na zona Oeste. Ademais, devido a proximidade a um setor de serviços em franca expansão, era relativamente esperado que o trabalhador de Shoppings e Condomínios Fechados residisse nas suas imediações, incidindo na favorável relação custo-benefício para o empregador.

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Neste sentido, podemos ver que os governos da cidade e do Estado do Rio de

Janeiro preservam um velho princípio de gestão urbana: o investimento seccionado de

recursos públicos de acordo com a importância regional dos bairros da cidade.

Enquanto a Barra da Tijuca é beneficiada por obras deste vulto, incorporando-se

gradativamente a cidade através da implementação de uma malha urbana capitaneada

por setores empresariais que lucram em escala crescente com o transporte urbano,

haja visto que, há algum tempo, a Barra disponibiliza uma série de linhas de ônibus que

a interligam aos outros bairros da zona Oeste e que trazem o grosso da mão-de-obra

dos Shoppings e condomínios, nos bairros mais pobres a chegada do benefício

costuma passar pelas mãos de lideres políticos locais que barganham nos momentos

eleitorais a sua permanência como lideranças representativas junto ao aparelho do

Estado. No esteio deste movimento da economia política da cidade passaram a ser

freqüentes atitudes segregacionistas de segmentos da população residente no bairro e

claramente incomodada com a presença deste outro, o não morador da Barra da Tijuca,

que parece ser tolerado, tão somente, no exercício de sua função produtiva. Desta feita,

no tecido sócio-espacial cada vez mais fragmentado da metrópole carioca os papeis

sociais já estariam pré-fixados, existindo pouca margem de tolerância por meio de sua

elite a movimento lúdicos e expansivos de certos segmentos de classe.55

Esta centralidade da Barra da Tijuca aparece claramente no plano administrativo

da cidade. No Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro (1993) elaborado por um

grupo de trabalho nomeadamente pluri-classista, mas que no fundo foi composto pelos

setores politicamente mais conservadores e interessados na inclusão da cidade do Rio

de Janeiro no circuito das cidades globais56, a Barra da Tijuca aparecia com os

seguintes aspectos positivos: praças com altas taxas de uso, densidade populacional

baixa, elevadas taxas de sobrevivência, que em termos mais convencionais poderia ser

entendida como maior expectativa de vida, renda acima da média da cidade e muitas

55 Há uma clara divisão dos espaços da praia da Barra. O início, onde desembocam os ônibus egressos do Subúrbio é reconhecido como área dos pobres, enquanto em outros lugares mais afastados é mais comum a presença do morador local. Para ilustrar outra manifestação de preconceito, esta de forma explícita, no ano passado um grupo de garotos que moravam em um dos mais caros condomínios do bairro agrediu gratuitamente uma mulher que aguardava o seu ônibus no ponto. Presos em flagrante graças à uma rara denúncia de um taxista que fazia ponto em um posto de gasolina próximo, os jovens forma presos. No dia seguinte ao retirar o seu filho da Delegacia um dos pais do acusado reclamava da excessiva importância dada a um caso que representava uma mera brincadeira. 56 Ver a primorosa crítica feita por VAINER, Carlos. Os liberais também fazem planejamento urbano? In ARANTES, Otília, MARICATO, Ermínia e VAINER, Carlos (Orgs). A cidade do pensamento único – desmanchando consensos. Rio de Janeiro : Vozes, 2002.

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áreas livres por habitantes. De acordo com este documento a Barra tem vocação para o

comércio, residência, lazer, turismo, gastronomia e até o braço mais recente da

preservação ambiental que mistura uma difusa militância ambiental com respeito ao

meio ambiente classificada como ecoturismo. Nestes termos a Barra poderia ser a

própria síntese da nova cidade.57

Estas qualidades, por sua vez, nem sempre confirmam o mundo vivido, já que

são poucas as praças efetivamente habitadas neste bairro que tem sido marcado pela

pouca freqüência de sua população as suas áreas abertas. A exceção a esta regra é,

provavelmente, a praia. A baixa densidade populacional apontada como outra virtude,já

que sobrariam espaços par que a população residente vivesse em maior harmonia com

o seu entorno deve ser alvo de críticas, e aqui faço coro as críticas formuladas por uma

corrente de pesquisadores urbanos conhecida como novo urbanismo, que aponta em

trabalhos como o de Jacobs (2000) os perigos que os espaços pouco ocupados podem

representar para a cidade.

Se estas baixas densidades ocorressem em áreas pobres haveria o risco de

num curto horizonte temporal ocorrerem práticas de delinqüência, e no caso de áreas

mais nobres, como é o caso da Barra da Tijuca, poderia ocorrer o tédio da ausência de

contatos entre os diferentes, retirando a capacidade criativa em potencial do seu

espaço público. Esta conseqüência empobreceria as expectativas que repousam sobre

o modo de vida urbano que deve ser marcado pelo imprevisível e o estímulo à

diversidade, e na medida em que os espaços de encontram resumem-se às compras e

as interações nas áreas internas dos condomínios caminha-se para a hegemonia dos

espaços privados sustentados por comportamentos individualistas apoiados no medo e

na desconfiança.

A baixa densidade dos condomínios e dos espaços de convívio da Barra da

Tijuca comprometem a esperada interação face a face (Goffman, 1998) fundamental ao

ser realizada não apenas entre os participantes diretos da relação de troca, mas

também pelos expectadores que contribuem à distância para a formação dos valores

morais que sustentam estes mesmos vínculos. As entrevistas realizadas para esta tese,

57 Menção a idéia de que a Barra da Tijuca representa uma área de “expansão natural da cidade” conforme estabelece o documento.

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analisadas no capítulo seguinte, demonstram uma freqüência muito intermitente dos

moradores ás áreas de lazer dos seus condomínios.

Malgrado as variáveis que determinam as interações dentro dos condomínios,

como faixa etária e poder aquisitivo dos moradores dos condomínios, nos espaços

internos dos condomínios podem ser vistas secções entre os seus moradores, onde

determinados grupos vão se constituindo de acordo com a incorporação de códigos de

pertencimento distribuídos pelo grupo de filiação. Ou seja, há divisões entre grupos

sociais dentro dos condomínios, e esta diversidade de vínculos nos autoriza a afirmar

que os microcosmos dos condomínios fechados são heterogêneos, mesmo que

predomine dentro destes condomínios determinados segmentos sociais, nitidamente,

àqueles integrantes das classes médias.

Em meio a esta diversidade existem fatores coercitivos atuando sobre os

moradores, criando uma moralidade baseada na definição do uso de certos códigos de

conduta. Em algumas entrevistas pude perceber que os moradores prezam pelo

respeito a determinadas fronteiras internas que demarcam os limites de separação

entre o íntimo, pessoal e o comum. Ao mesmo tempo em que permitem o contato com

os seus vizinhos, se encontram e se cumprimentam nas áreas sociais dos condomínios,

estes mesmo moradores reivindicam um distanciamento relativo de outros grupos com

os quais não mantém maiores intimidades, e principalmente, com os funcionários dos

setores de serviços dos condomínios, já que muitas vezes, estes moradores ignoram as

suas existências.

Direcionando este olhar para uma escala mais ampla, pode-se dizer que

algumas premissas de socialização nos grandes conglomerados urbanos sugerem a

redução dos espaços públicos em prol da ampliação dos espaços privados, como se

estes fossem mais adequados ao desenvolvimento das individualidades. O crescimento

dos condomínios fechados vai nesta direção. Sem querer incorrer em um juízo de valor,

nada é mais equivocado, do ponto de vista da formação da personalidade individual do

que esta suposição. Afinal de contas, determinadas idiossincrasias dos espaços

públicos, como a diversidade, a imprevisibilidade e a inevitabilidade dos contatos

podem atuar de forma positiva na construção de perspectivas individuais que se nutrem

de padrões morais e sociais de convivência. Neste sentido, unidades (escolhas feitas

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por cada pessoa) envolvem-se com a totalidade sem perder as suas particularidades,

evitando a sua auto-alienação.

Levado a uma perspectiva extrema, o espaço público é o lugar onde o projeto de

afirmação da individualidade é garantido pela coexistência de várias individualidades

que convivem em uma totalidade de indivíduos em relações recíprocas. Indivíduos que

seriam sujeitos da história, isto é, donos, ou pelo menos condutores de suas trajetórias

baseadas em escolhas e necessidades. Entretanto, ampliarei esta reflexão mais

adiante, incluindo uma crítica a um certo entusiasmo saudosista as antigas formas do

espaço público que estariam sendo removidas pelas formações mais contemporâneas,

como se esta remoção significasse a substituição imediata de uma antiga ordem

democrática social por uma ordem social tirânica.

Vários estudos na área de urbanismo têm se debruçado sobre a contraposição

da predominância dos espaços privados sobre os espaços públicos. Adotam uma

orientação analítica que pressupõe a falência das perspectivas mais democráticas de

vidas nas grandes cidades em função da derrocada do espaço público. Sendo mais

cauteloso do que o entusiasmo demonstrado por estas reflexões, meus apontamentos

sobre a diminuição dos espaços públicos vão ao encontro de algumas observações

presentes no trabalho de Rodrigo Hansen (2000) para quem autores como Caldeira

(2000), Davis (1990) e Sennett (1997; 1999) contrastam a cidade atual com um passado mítico,

localizado em algum momento da época moderna na qual as características próprias do espaço

público – multiplicidade de usos e encontro social – não só se eram percebidas como estavam

em constante desenvolvimento. Este discurso é próprio dos urbanistas pós-modernos, que

idealizam conservadoramente o espaço público da modernidade e questionam os recintos

propriamente pós-modernos, qualificando-nos de “pseudo” ou “pos públicos”. Estou de acordo com o autor quando ele considera que esta utopia distintiva

convocada por estes pesquisadores inventa uma tradição de espaços de encontro e

convivência. Historicamente, em todas as cidades capitalistas que passaram por

processo radicais de modificação dos seus espaços urbanos, como é o caso do Rio de

Janeiro, apareceram espaços, a priori comuns, mas na prática revelavam-se sob o

controle de determinados grupos. Recuando para a história do Rio de Janeiro no início

do século XX, as obras de ampliação do centro da cidade que precipitaram o

alargamento das ruas estavam vinculadas à adequação do centro da cidade como

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entreposto comercial e sede da moral e dos costumes de uma elite que embarcara para

a capital e se incomodava com determinados hábitos, até então cultivados nas ruas da

cidade.

Neste sentido, a legislação urbana carioca revelou uma ambigüidade no seu

enunciado, ao explicitar a proibição da prática de certas formas de comércio popular,

consideradas aviltantes aos olhos sensíveis da aristocracia local, ao mesmo tempo em

que se baseava no princípio da administração racional do espaço de cunho burguês.

Neste espaço antropofágico, em termos ideais, o homem deveria circular de forma livre,

sem maiores impedimentos morais. Entretanto, verificou-se que o universalismo que se

pretendia adotar era o do homem burguês voltado para o comércio de produtos

estrangeiros e combatente das “irracionalidades” vigentes, como determinados traços

aristocráticos e escravistas que “teimavam” em atrasar o ingresso do Rio de Janeiro na

civilização moderna. A progressiva implementação desta lógica sempre enfrentou

“resistências” promovidas por grupos cujos hábitos eram sinais claros que de a

organização do espaço em questão atendia a preceitos exclusivistas de determinados

segmentos de classe e deixava claro que o espaço é um ambiente marcado por

conflitos e tensões.

Logo, o nascimento do espaço urbano carioca embute uma perspectiva

segregadora de usos do espaço, determinando o lugar das classes sociais em seus

respectivos territórios. Nas décadas seguintes o que é possível perceber na

consolidação dos espaços públicos da cidade é que este é um lugar de disputa,

perfilado pelos grupos que sobre ele exercem autoridade. Esta autoridade foi mediada

por exigências morais, econômicas e culturais e jurídicas.

No passado, especificamente no início do século XX, estas exigências foram

formuladas pela Reforma Passos que representou a primeira iniciativa de

transformação capitalista da cidade, tendo o centro como palco destas alterações. Com

a pretensão de integrar a cidade do Rio de Janeiro no circuito internacional do capital,

já que o Brasil vinha sendo beneficiado pelo crescimento do comércio exportador que

gerava um sensível acúmulo de capitais, foram adotadas na administração Pereira

Passos (1902- 1906) obras de grande vulto que não só modificaram a forma urbana da

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cidade como também introduziram princípios de ordem urbana que deixaram raízes

profundas na sociedade carioca.

Em termo materiais Passos reurbanizou várias ruas do centro da cidade,

redefinindo o seu traçado urbano que a partir de agora devia acompanhar o

crescimento do comércio na cidade e a presença de novos meios de transportes como

os bondes. Junto a esta reurbanização deveriam ser adotadas medidas higiênicas,

como a demolição dos cortiços que haviam sobrevivido as reformas anteriores,

relegando para os anais da história as habitações populares coloniais. Afinal de contas,

os pobres já haviam sido classificados como um problema para a ordem urbana, e a

erradicação de alguns dos seus hábitos, ou pelo menos, o afastamento para bem longe

do centro moderno, promoveria a cidade ao status de símbolo de um de um Novo Brasil

(op. Cit, p.60).

No conjunto das obras realizadas destacam-se o embelezamento da Praça XV,

do Largo Machado, do Passeio Público e da Praça Tiradentes. A arborização atingiu os

bairros de Botafogo, Laranjeiras e tijuca, definindo aí a centralidade que estas áreas

viriam a adquirir ao longo da história da cidade, e a canalização dos rios carioca (que

deu nome a cidade por desembocar no cruzamento das ruas Paissandu e Barão do

Flamengo e ali se encontrar a “casa do branco”), que atravessa Laranjeiras e o

Flamengo, e o Maracanã. Por fim, com o auxílio do governo federal, na época tendo na

presidência Rodriguez Alves, com quem Pereira Passos mantinha estreita relações, foi

reformado o porto do Rio de Janeiro e abertas as Avenidas Pereira Passos e Francisco

Bicalho.

Segundo Abreu (2006) a reforma Passos foi importante em termos referencias

porque representou o claro exemplo de que momentos de organização social

determinam novas funções á cidade, é o primeiro exemplo de intervenção direta do

poder político sobre o espaço urbano, e a meu ver, o traço mais importante para os

contornos analíticos deste trabalho, deixa claro que as tentativas de resolução de

contradições sociais anteriores, na verdade, podem determinar contradições sociais nos

períodos seguintes. Ou seja, o modelo pioneiro de urbanização capitalista da cidade

destinada a afastar as classes sociais dentro do território gerou uma sociedade

estratificada que só foi crescendo ao longo da história. O caso da Barra da Tijuca, longe

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de negar esta dinâmica, flexiona um pouco o seu modelo, já que o seu “projeto”

vitorioso encampado pelos empresários no final dos anos setenta, visava seccionar

esta região de outras áreas nobres da cidade, definindo assim uma descontinuidade de

hábitos, principalmente os de consumo, e em termos espaciais a distância em relação

ao centro da cidade, sempre uma região eixo, é bem maior do que o das outras áreas

nobres mais tradicionais em relação a este mesmo centro. Visava-se um certo

isolamento. Entretanto, o tempo e as pesquisas revelaram que este isolamento é

relativo. Voltando a especificidade dos espaços da Barra da Tijuca, estes chamam a

atenção por estimularem comportamentos individualistas ligados ao consumo de bens e

serviços. As residências padrão do bairro são os condomínios fechados, onde se

exalta um modo de vida enclausurado, de forte conotação individualista, embora em

torno deles exista uma intensa propaganda de divulgação destes ambientes como

áreas de recuperação de modos de vida mais integradas, numa ilusória referência a um

comunitarismo reiventado.Nos seus entornos imediatos vemos os Shopping Centers e

os Supermercados por onde circulam milhares de pessoas em busca produtos e lazer e

a macro – avenidas que exacerbam um dos traços mais marcantes do bairro, que é o

uso do automóvel.58

Este individualismo acopla-se perfeitamente ao medo urbano. Se é inegável que

a cidade do Rio de Janeiro aumentou sensivelmente os índices de violências nas

últimas décadas, em boa parte devido ao agravamento da desigualdade social que tem

produzido uma verdadeira geração de jovens sem perspectivas no mercado de trabalho

formal e adultos que vem o seu rendimento diminuindo ano a ano, junto a este fato

social vemos o estabelecimento de um sentimento de medo generalizado na cidade.

Percebemos que o medo tem cumprido um papel central na definição das

escolhas que os indivíduos passaram a fazer pautadas por diagnósticos de riscos

urbanos previamente realizados. Da mesma forma, este medo não atinge as classes

sociais da mesma forma, e há uma retórica hegemônica do medo que traduz de forma

caricatural as ameaças sentidas por segmentos que atuam de maneira privilegiada na

formulação de um imaginário urbano. 58 Estipula-se que na Barra da Tijuca o número de veículos por residência supere a média norte-americana, considerada a maior frota de veículos privados do mundo.

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Entretanto, esta análise será feita no capítulo seguinte. Por hora basta a

constatação de que através de meios de comunicação, de estratégias publicitárias e

das experiências cotidianas dos moradores em seus itinerários idiossincráticos na

metrópole carioca, vem sendo fomentada uma sensação de insegurança generalizada,

convertendo-se em ideologias preservacionistas de classe, que em termos empíricos

estimula modalidades de confinamento residencial. Passemos a análise dos impactos

segregacionistas provocados pelo crescimento da Barra da Tijuca na cidade no Rio de

Janeiro, enfatizando uma das contradições trazida pelo desenvolvimento deste bairro: o

fato de que a busca por um modelo racional de crescimento urbano para uma área até

então praticamente virgem visando eliminar os equívocos dos modelos de intervenção

urbano, outrora adotados em outras partes da cidade, acabou revelando toda a sua

pretensão ahistórica ao desconhecer uma das maiores lições da história da cidade do

Rio de Janeiro, o fato de que as contradições tendem a se reproduzir ao longo do

tempo. Neste sentido, a Barra da Tijuca vem colaborando para a ampliação da

segregação urbana na cidade, e as contradições que aparecem na sua morfologia

social ilustram a inserção estrutural deste bairro no conjunto da cidade.

2.6 – O escapismo das elites e a redução da maioridade territorial.

Para Lopes (2008) uma das faces da fragmentação do tecido sóciopolítico –

espacial59, é a formação de enclaves territoriais auto – segregados das elites cariocas,

59As Metrópoles brasileiras vêm passando nos últimos anos por um processo de modificação de suas infra-estruturas

sócio – espaciais, ligados, entre outros fatores, as alterações nas formas de gestão e a esgarçamento do sue tecido sócio -

espacial. Vários estudiosos (Caldeira, 2000; Ribeiro, 2005; Lopes, 2000 e 2008) apontam para o fato de que, independentemente

das razões geradoras das problemáticas espaciais estão em curso problemas que são comuns as nossas metrópoles. As

metrópoles ilustrariam situações de segmentação social que refletem a fragmentação sócio-espacial dos seus territórios. Esta uma

problemática legítima que nos últimos anos vem ocupando espaço crescente na literatura de estudos urbanos, na medida em que

apontaria os processo de ocupação desigual das populações dentro de território específicos separadas de acordo com a menor ou

menor detenção de bem indispensáveis a vida coletiva. O crescimento em importância da Barra da Tijuca dentro da nova lógica de

expansão da Metrópole, pode estar indicando o reforço da fragmentação sócio-espacial do território carioca. Entretanto, na

ausência de dados sistemáticos que me permitam apontar empiricamente os efeitos que outras áreas da cidade tem sofrido em

função do crescimento deste bairro, apontando, inclusive, para uma nova centralidade urbana local, esta situação a fragmentação é

apenas indicada. Em trabalhos futuros pretendo explicar o alinhamento desigual da cidade, focando na Barra da Tijuca. Porém, já

dispomos de pistas teóricos que podem nos levar ao objetivo pretendido. O conceito de segregação residencial para Ribeiro (op. cit)

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que em termos residências são os seus condomínios fechados, e em menor grau, os

Shoppings Centers. Segundo o próprio autor, o segundo não se enquadraria

perfeitamente na condição de um enclave porque as suas barreiras são de fácil

transposição, ainda que permaneçam controles mais sutis sobre quem não se enquadra

no modelo padrão de freqüentador esperado. Os Shoppings seriam o equivalente a um

confinamento residual e passageiro de uma população, que por sua vez, almeja

consumir com segurança.

Já nos condomínios exclusivos, ou na feliz expressão de Caldeira (2000), os

enclaves fortificados, o confinamento é evidente. Os Enclaves fortificados começaram a

surgir no Brasil nos anos setenta com a construção do modelo Alphaville em São Paulo.

A sua concepção acompanha uma tendência da população de alto poder aquisitivo, que

insatisfeitas com problemas urbanos como barulhos provocados pelo movimento

frenético de pessoas, longos engarrafamentos e o crescimento da violência, pretende

se instalar em residências onde tais fatores possam, idealisticamente, serem

eliminados.

Esta migração intra – metropolitana , segundo Caldeira , começa a modificar o

padrão de segregação residencial da Metrópole paulistana, já que o setor imobiliário

que ficou responsável pela oferta deste padrão de vida, renovado, quase bucólico, foi

em busca de terrenos mais afastados dos meios urbanos, que encontravam-se

“disponíveis” para o “investimento“ deste segmento do grande capital. Estes estoques

de terra urbanos, em termos espaciais, estavam na vizinhança de áreas periféricas. O

resultado é que São Paulo começaria a vivenciar a tensa relação, já presente em

Metrópoles como o Rio de Janeiro, de proximidade territorial com distância social.

Para Lopes sob a influência do medo e do sentimento de insegurança que se

dissemina, morar em casas isoladas e mesmo em prédios de apartamentos que não

é muito operativo ao definir, em termos gerais, segregação residencial como a separação e exclusão de determinados grupos

sociais no conjunto da sociedade, situações nas quais ocorre ausência de relações que vinculem esses grupos com o conjunto

social. Em uma situação de segregação existem barreiras que impedem que determinados grupos da sociedade, inscritos em

classes ou em quaisquer outras formas de filiação social, desloquem-se com a intenção de estabelecer relações com outros grupos

em outros territórios da cidade, ainda que tias contatos sejam passageiros. Este quadro encontra-se descrito nas relações sociais

dos moradores de condomínios fechados, analisadas no capítulo quatro.

.

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estejam protegidos por um aparato de segurança de um verdadeiro “condomínio

exclusivo” vai se configurando como uma opção cada vez menos atraente em favor de

um tipo de habitat representada por uma gated comunity. O autor entende, que por

conseqüência a organização da cidade inteira vai se modificando. Este comportamento

de procura por ambientes protegidos que possam garantir ao morador um mínimo de

isolamento das tensões e conflitos, tratados como particulares aos espaços públicos,

representa em suas palavras um escapismo das elites.

As elites sempre procuraram se diferenciar de outros grupos sociais. Edmund

Burke se horrorizava diante dos atos dos revolucionários franceses, que ao se

insurgirem violentamente contra a ordem vigente, atacando as suas instituições, e não

raro, ceifando a vida dos seus representantes, acabavam com tradições consolidadas

em séculos de história. No seu argumento, Burke procurava fundamentar as bases da

sociedade francesa no imperativo da força histórica, logo no tradicionalismo de

instituições que garantiam a sua perenidade na premissa da tradição. A sua fala e

prática, afinal de contas Burke, foi parlamentar, expressava a necessidade de preservar

instituições que salvaguardassem a necessária distância social entre as classes, não

apenas no campo político, já que se apresentava um cenário de clara ruptura com a

ordem monárquica, mas também no campo dos costumes, quando o cidadão comum,

convertido em ser universal passava a questionar a atribuição de papéis sociais

previamente concebidos.

As elites costumam manter uma relação ambígua com os seus tempos históricos.

Este grupo precisa se distanciar do modos vivendi padrão de sua época, decodificando

os códigos deste padrão predominante ao seu favor. No campo político apareceu uma

reflexão, que de forma muito generalizada, pode ser classificada, como a teoria das

elites. Segundo a teoria das elites, nas democracias a necessidade de representação

política feita através da seleção de eleitos designados para o exercício de cargos de

representação corre o risco de afastá-los dos seus representados quando estes

representantes começarem a desfrutar de um aparato institucional que os isole de

qualquer forma de pressão coletiva. São os famosos comportamentos de insulamento

dirigente, tão comuns na classe política brasileira, que em qualquer nível de

representação, se auto-proclama representante que atua e discursa em favor de uma

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coletividade, como se esta lhe tivesse conferido carta branca para a uma desenfreada

tomada de decisões.

O campo político, ao contrário do que possa parecer, está muito próximo do

campo dos costumes, já que as práticas políticas no Brasil refletem, de forma

codificada, uma série de valores em forma de hábitos socialmente significativos. A

sociedade brasileira, com toda a imprecisão que este termo sugere, estaria

invertidamente representada nos seus foros oficiais de poder. E como apenas os

vencedores merecem as batatas, ilustrada na impecável imagem de Schuwarts (1982),

as nossas elites colaboram para a inversão da ordem em defesa de ordenações sociais

que preservam o status quo e a distância social.

È neste sentido que eu entendo a observação de Lopes de que os

comportamentos escapistas atingem o conjunto da sociedade. Na verdade, as suas

premissas já estão difusamente distribuídas no tecido social composto pela convivência

tensa entre classes que disputam posições no território da cidade. Nesta guerra de

posições, os despossuídos de bens simbólicos e materiais socialmente requisitados,

como a segurança, estão nas mãos de segmentos que se impõem pelo uso explícito da

força, como é o caso das milícias na “outra Zona Oeste” formada pelos seus bairros

“menos promissores“. Já nos enclaves fortificados o uso deliberado da força

representada no aparato de segurança privada registra um nível de autonomia

impensável nos enclaves territoriais pobres. 60

Para Lopes (2008) os condomínios fechados são uma solução escapista que

procuram resolver os problemas de insegurança de famílias de classe média, muitas

vezes classes médias altas, sem atacar os fundamentos da insegurança originados nos

espaços públicos da cidade. Estas soluções privadas escondem um problema de forma

intencional, porque ao tentarem resolvê-lo dentro de limites territoriais residenciais,

limitam a interferências das instituições do Estado no cotidiano dos seus moradores, 60 Em recente reportagem dominical do Jornal O Globo, saiu como matéria de capa uma informação que incomodava pela sua a priori impossibilidade: a existência de milícias em bairros nobres da cidade. Nesta reportagem, moradores de Botafogo, Copacabana e Laranjeiras falavam sobre a presença de propostas de segurança privada que circulavam em cartas, que ofereciam este serviço, ainda identificava, o seu preço e até o comércio local já começava a contratar seguranças privadas, não cadastradas, para evitar assaltos. Em Laranjeiras, na semana seguinte à denúncia, foram deslocados efetivos policias que passaram, desde então a fazer o policiamento regular do bairro, e as propostas de segurança privada desapareceram. Enquanto isto nas favelas da zona oeste moto táxis funcionam a todo o vapor, botijões de gás são oferecidos para a população por preços módicos e algumas vezes os telefones celulares “deixam de funcionar”, ilustrando um típico cenário de uma cidade apartada, onde nas áreas mais pobre estão o espaço público é traduzido pelo abandono e o uso da força, enquanto nas áreas mais nobres o espaço público é diminuído por interesses exclusivistas dos seus moradores ou requisitado ou fiscalizado pela vigilância pública, quando ele se encontrado ameaçado por grupos de pressão indesejados.

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modificando assim os usos mais esperados dos espaços públicos. È por isto que o

autor identifica na permanência destas práticas a possibilidade de serem produzidos

déficits significativos de comportamentos civilizatórios. O confinamento dificulta, quando

não impede, a formação de práticas democráticas na cidade. A ausência de diálogos

entre os diferentes grupos em razão do bloqueio de canais de comunicação de

natureza pública, como por exemplo as vias laterais aos condomínios indevidamente

privatizadas, modifica o sentido destes espaços.61 Este caso revela, dentro de uma

espacialidade, uma crise societária que

[...] corresponde a fragilização dos processos de socialização e, portanto, de orientações institucionais relacionadas à tessitura das interações sociais, ao compartilhamento de valores e , inclusive, ao uso dos mesmo códigos na comunicação diária. Apesar da relevância destes processos, os seus ângulos mais dolorosos tendem a permanecer ocultos pelo ativismo estimulado pela efervescência consumista. Esta efervescência, que altera o ritmo das grandes cidades, decorre da financeirzação da economia urbana, da monetarização de todas as relações sociais e da ênfase, quase exclusiva, em intervenções de materialidade que objetivam o embelezamento de áreas privilegiadas e aa circulação confortável para somente alguns segmentos da população. (Ribeiro, 2008, p.3).

O trânsito destes grupos, observado dentro das bolhas de segurança

apresentados por Ceccato (1997) em que o deslocamento de uma determinada parcela

da população ocorre entre vias seguras que protegem os seus transeuntes através do

uso de seguranças que envolvem homens armados e carros blindados, configuram, em

termos parciais, os espaços de fluxos Castelianos. Vê-se nestes deslocamentos a

interconexão dos vários fluxos destacados por Castels. A título de exemplo observemos

a seguinte situação, bastante comum entre alguns moradores da Barra da Tijuca. Um

adolescente, morador de um grande condomínio, sai da sua casa em rumo à escola

dentro de um carro com seguranças. No seu trajeto a preocupação com a segurança é

fundamental, já que este deslocamento é feito dentro de um espaço público. Ao chegar

à escola este estudante não teve nenhum contato com a rua, sequer visual. Terminada

61 Na minha pesquisa de campo uma das moradoras que eu entrevistei, residente no condomínio Barramares, um dos mais prestigiados da Barra da Tijuca, me relatou um conflito muito comum no bairro. Existe uma rua lateral ao condomínio que permite o acesso ao Canal de Marapendi, que é utilizado pelos moradores que usam a balsa para chegar aos seus condomínios. Incomodados com esta “ invasão de terreno “ os moradores do Barramares, através de sua associação, tentaram na justiça o impedimento deste uso. Como não foram bem sucedidos em seu pleito, afinal de contas, ao contrário do imaginário dos seus moradores, uma rua, ainda que vizinha a um condomínio é pública, o condomínio Barramares construiu uma cerca nos seus limites legais, como se quisessem passar a mensagem de que haviam perdido uma batalha, e não a guerra. Nota-se neste caso que o bloqueio do diálogo á ainda mais grave, já que se dá entre os “iguais”.

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a sua aula ele até poderá sair sozinho, desde que a sua escolta, seja ela quem for, seja

liberada pela autorização dos seus pais. Há casos em que esta “escolta” é feita pelos

pais ou outros parentes. O seu destino será, provavelmente, a casa de amigos, em

geral, outro condomínio provido de toda e estrutura de segurança requerida por quem

tem um elevado padrão de vida, um Shopping Center, isto é, outra área fechada, ou um

clube. Neste caso, o controle pode ser mais ameno, mas ele não deixa de existir. Esta

situação hipotética, porém verossímil, retrata a rotina de vários estudantes de classe

média alta da Barra.

Na minha pesquisa de campo um dos entrevistados admitiu que os adolescentes

da Barra da Tijuca são despreparados para viverem sozinhos no bairro. Sem o auxílio

de pessoas mais velhas, eles teriam uma enorme dificuldade de executarem tarefas

corriqueiras, como irem à escola e atravessarem a rua, que são, na verdade, avenidas

de alta velocidade. Esta situação é ainda mais grave quando se amplia a escala do

deslocamento, ou seja, a necessidade destes adolescentes terem que ir para bairros

mais “distantes”, na sua maioria os bairros da zona sul, em casos mais específicos o

centro da cidade. Estes pais entrevistados têm a clareza de que foi criada uma geração

confinada as fronteiras do bairro, e que a superação destas barreiras, sejam elas

naturais ou artificiais, representa um verdadeiro ritual de passagem.

Estes comportamentos confinantes em condomínios fechados, Shoppings ou

Clubes também contribuem para um déficit de civilidade. Estes jovens convencidos, e

muitas vezes amedrontados pelos seus pais, de que tudo de que eles precisam

encontra-se no seu bairro recebem uma equivocada noção de totalidade. As suas

atitudes tenderam a se adequar ao sistema de pertença que estrutura de forma

inequívoca os seus vínculos, neste caso, muito articulado com espacialidades

fechadas. Esta juventude constrói a sua identidade dentro do território. Este fato, a

priori, não traria nenhuma novidade sociológica, já que o território sempre exerceu um

papel decisivo na elaboração dos códigos de pertencimento. No entanto, neste caso, a

sua novidade é a proclamação feita por esta faixa etária, ainda que inconsciente, da

auto-suficiência deste território confeccionado nas relações de medo. È um contexto em

que o bairro vira cidade e a cidade vira não lugar, levando ao extremo da análise aqui a

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categoria cunhada por Marc Auge (2003) que explica o caráter efêmero dos espaços do

hipercapitalismo.

Estas relações serão estudas com mais profundidade no quarto capítulo. Por

hora, importante é destacar que este comportamento confinado não é exclusivo dos

mais jovens. No último capítulo eu farei uma breve distinção entre as atitudes dos

moradores de condomínios fechados frente ao confinamento espacial, já que em

algumas entrevistas aparecem diferentes expectativas de outras faixas etárias em

relação às oportunidades de lazer e socialização disponibilizados pelas áreas internas

dos condomínios.

Os jovens representam neste ambiente sócio-cultural um segmento

particularmente vinculado aos diversos setores do bairro (lazer, estudo e consumo) que

de acordo com as suas preferências formulam suas representações. Estas

representações são o resultado da combinação da educação recebida dentro de suas

casas, sob a influência direta dos seus pais, com as pedagogias fornecidas pelos

territórios em que eles transitam. Em suas trajetórias estas vias são bem nítidas, já que

em famílias de classe média a participação dos pais na educação dos filhos costuma

ser mais decisiva do que em famílias mais pobres, independentemente do saldo

civilizatório desta relação. Na casa e nestes territórios são comuns os discursos da

ameaça lá fora, do perigo das ruas, e ao mesmo tempo, alguns destes jovens são

criados com uma margem de liberdade em que os limites necessários para a

convivência com os outros em lugares públicos ou semi-privados encontram-se

ausentes. Não é incomum que a ausência de limites se reflita em práticas violentas

cometidas por jovens de classe média, protagonizadas em boates, bares e no trânsito.

Estas atitudes podem ser compreendidas dentro dos marcos do consumo, já que

este vem ocupando cada vez mais espaço dentre as maiores preocupações de

afirmação identitária entre jovens de classe média. Às vezes, a procura por esta

afirmação se vale de meios hostis, e um lugar em que esta hostilidade tem se mostrado

presente, na maior parte do tempo de maneira sutil, é no mercado de consumo. Assim

sendo, o, digamos, lado negro do consumo, convertido em consumismo, tem sido

apontado como um dos promotores, ainda que indiretos, das novas formas de

criminalidade urbana. Segundo Freire Costa

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Custa a crer, igualmente, que o aumento da criminalidade urbana se deva apenas ao apetite irracional dos mais pobres por superficialidades que não podem comprar. A meu ver, a criminalidade urbana, em primeiro lugar, é resultado óbvio, da miséria material degradante, e em segundo lugar, de um estilo de vida no qual sociabilidade e moralidade se tornaram adversárias (Freire Costa, 2004, p.175, grifos meus).

Para Costa, não há uma relação de causalidade direta entre consumo e violência

urbana. O que existe é o estímulo à procura de bens que possam assegurar uma

posição social mais confortável na sociedade de consumo para aqueles que chegarem

com uma certa “antecedência”. Os beneficiados são indivíduos que já entraram nesta

disputa munidos de recursos distribuídos irregularmente, de acordo com a sua posição

social na hierarquia de classes. Como esta posição tem pouquíssima relação com os

valores democráticos de respeito ao outro a tendência é que este sujeito oriente a

conquista dos bens por ele almejados numa relação de força. Assim, no vandalismo

urbano, como as brigas em portas de boates tão comuns no dia a dia de alguns jovens

da Barra da Tijuca, nada estaria a salvo do vandalismo e da predação, porque nada ou

ninguém é digno da reverência devida à autoridade, isto é, as pessoas ou instituições

que corporificam o melhor de todos nós. (Costa, 2004). O consumo, transformado em

ritual de passagem, oferece assim a sua face mais desumana.

Veremos na análise dos espaços de fluxo da Barra da Tijuca como o

individualismo funciona como um vetor privilegiado de socialização. A estética

individualista expressa nos seus condomínios, protetores da privacidade dos seus

residentes, e o uso compulsivo do automóvel, meio consagrado de deslocamento

dentro do bairro, são dois aplicativos de uma ideologia difundida em escala global de

que o indivíduo é o único responsável pela tomada das suas decisões. Esta pretensão

cria, em termos marxianos, uma falsa consciência sobre si próprios, e contribuiu de

forma decisiva para a erosão, da já tão frágil, socialização das metrópoles do

capitalismo financeiro.

Uma última questão que apareceu regularmente nas reportagens e nas

entrevistas que eu realizei com moradores dos condomínios fechados foi o sentimento

de medo, que justificou na grande maioria dos casos investigados, este escapismo, ou

melhor, o deslocamento territorial de segmentos das classes médias cariocas em

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buscas de áreas que não os índices de violência que geram o seu sentimento de

insegurança. O desenvolvimento de um sentimento generalizado de medo na cidade do Rio de

Janeiro tem orientado as diferentes classes sociais a adotarem estratégias defensivas

que se adéqüem as suas possibilidades materiais e aos códigos particulares de

pertença ou exclusão relativa da cidade. O objetivo de se imunizarem ao máximo das

ameaças urbanas, no entanto, é comum a todas. A Barra da Tijuca, como bairro que

abriga uma das classes médias mais representativas da cidade apresenta-se como

caso paradigmático, já que desde a sua concepção no final dos anos 60 previa-se uma

ocupação ordenada e racional do território respeitando modelos de edificação

assépticos que pudessem evitar as indesejadas aglomerações urbanas. Esta

concepção urbana higienista atualizada de medo aos pobres, que se não são mais

aqueles que no início do século XX ocupavam as áreas nobres da cidade, notadamente

o centro, com seus costumes ignóbeis e pouco civilizados, pelo menos para os padrões

que viriam a construir a visão da cidade da época pela elite carioca, não deixam de

preocupar a sua nova elite, que após ter perdido a batalha da pureza espacial na orla

que foi ocupada por uma diversidade social que fugia as pretensões de se montar uma

morfologia urbana homogênea, procura acionar ferramentas que possam salvaguardar

a sua individualidade.

Para alguns pesquisadores o medo tem sido difundido com a intenção de incitar

a formulação de um imaginário de horror a personagens urbanos estigmatizados, que

devido a nossa formação histórica, residem na vizinhança das classes mais abastadas.

Estas estratégias discursivas muito bem manipuladas pelos agentes que detêm o

monopólio da imagem e da fala (políticos, empresários urbanos e meios de

comunicação), por vezes, aparecem na forma de políticas públicas voltadas a

neutralização das massas urbanas (Malaguti, 2003), que nos dias atuais tem sido vista

nas ações policiais em áreas pobres. No entanto, no outro extremo da pirâmide social

(Ribeiro, 2005; Lopes, 2008) são manufaturados discursos de inclusão e exclusão

social. Estas falas são legitimadas pela situação de insegurança generalizada

manifestada por segmentos em posição de uma suposta vulnerabilidade urbana.

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Digo suposta, porque ao se tratar de uma classe média que mora e consome em

um bairro de relevante poder aquisitivo, é bem provável que um público midiatizado

pelo bombardeio diário de venda de estilos de vida, convertidas em práticas de

consumo coletivo, sustentadas pelas oportunidades de consumo, filie-se a suspeita de

que as classes sociais mais abonadas aquelas potencialmente mais atingidas pela

violência urbana. Esta tese só tem sentido em ambientes sociais em que a volúpia pelo

consumo filtra as oportunidades de participação cidadã. Neste contexto, a grande

ameaça à cidadania seria a apropriação indevida do bem alheio.

Não estou desconsiderando os perigos presentes na criminalidade violenta em

curso na cidade do Rio de Janeiro, já que há vários casos de assaltos seguidos de

morte, que em alguns casos é motivado pela busca de bens descartáveis, como

celulares e automóveis. Procuro problematizar a perigosa associação existente entre o

direito ao consumo e do direito á vida. Subordinar a garantia de um conjunto de direitos

que são vitais para as escolhas que estão na base uma socialização minimamente

democrática é reduzir o direito à vida as premissas da acumulação material de bens,

sejam eles duráveis ou escassos.

Outro grave erro contido em reportagens realizadas pelos meios de

comunicação, para ficarmos aqui em veículo de grande participação na formulação do

imaginário coletivo, é que ao vulgarizar a problemática da violência urbana ele

desconsidera o fato de que há casos em que a procura pelo bairro é uma decisão

voluntária, logo, os seus moradores dispõem de um nível de autonomia que lhes

permitiria, por exemplo, morar em outro lugar. Expressões de forte impacto como

“cidade ingovernada”, “caos urbanos”, ainda que inadequadas, estariam muito mais

próximos da realidade de territórios marcados pela pobreza e práticas de violência em

que a vida está seriamente ameaçada. Esta freqüência não faz parte do dia a dia da

Barra da Tijuca. No caso dos moradores de áreas nobres, como é a Barra da Tijuca, as

suas decisões são tomadas dentro de uma lógica de antecipações de ganhos urbanos

e as suas possíveis perdas correlatas. Não á toa, prevalece neste bairro a segurança

privada de condomínios fechados.

A prerrogativa da vida em ambientes fechados como Shoppings e condomínios

Fechados, porque neles estriam presentes as condições idéias da segurança, é reflexo

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das mais recentes narrativas individualistas de construção da identidade social. O medo

daquilo que possa escapar do seu campo de visão tem motivado os indivíduos a

procurarem por lugares urbanos de circulação restrita e fortemente vigiada como um

refúgio daqueles que podem fazer as suas escolhas sem o incômodo do imprevisto,

típico de situações onde o referido controle sobre os movimentos encontrar-se – ia

ausente. Daí a clara opção feita pelo morador da Barra da Tijuca pelos lugares

confinados. Um dos correlatos morais desta antipatia pelo público, que em casos limites

possa sugerir uma rejeição à cidade tradicional, é a generalização entre os moradores

de um sentimento de medo e a conclusão hegemônica entre eles de que a solução para

os males públicos está nos recursos privados.

Para Bauman este medo que não para de crescer é resultado das inseguranças

trazidas pela modernidade líquida, onde relações outrora duradouras foram por

agrupamento sociais, seja em escala macro ou micro, mais perecíveis. Os indivíduos,

sejam lá quais forem os seus agrupamentos sociais, são levadas a tomarem decisões

de acordo com a velocidade em que as mudanças ocorrem, velocidades estas que

podem comprometer as decisões tomadas em tempos inadequados. Como os grupos

são organizados sem o mesmo nível de “competência decisória“, as angústias advindas

da velocidade das escolhas sugeridas serão diferentes. O medo na metrópole pode ser

comum á todos, mas as suas percepções são bastante diferentes, pois dependem de

fatores muito diversos, envolvendo tanto formulações estritamente pessoais quanto a

influência coercitiva exercida pelos territórios.

O discurso do medo urbano dispõe de vários canais para a sua promoção.

Veremos a partir de agora como este sentimento tem se renovado na cidade do Rio de

Janeiro, e como a sua potencialização tem sido explorada pela divulgação de um

determinado conteúdo jornalístico. Este meio, apesar de não ser o mais consumido

para aqueles que buscam informações sobre o cotidiano, já tendo sido superado há

algum tempo em audiência pela televisão, e mais recentemente por mídias mais

modernas como a Internet, ainda desfruta de alguma credibilidade em regiões da

cidade que predomina um determinado perfil de renda. Este é o caso da Barra da

Tijuca, bairro das novas classes médias cariocas, onde ainda é possível perceber um

consumo expressivo de jornais de grande circulação.

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Perceberemos que apesar de ser um tema recorrente, daí a sua ênfase já

anunciada nesta seção, a violência não é o único assunto coberto por este noticiário

jornalístico. Nele são apresentados os costumes que estão em voga nas relações de

interação dos moradores entre si nos territórios da Barra da Tijuca, permitindo-nos

extrair as intencionalidades que subjazem estas dinâmicas e os valores que orientam

as escolhas destes moradores.

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CAPÍTULO 3 - Representação e Realidade – a vida em condomínios fechados da Barra da Tijuca através do noticiário da grande imprensa.

3.1 - O papel da imprensa na construção de um imaginário urbano segregacionista.

Em uma cidade como o Rio de Janeiro, marcada nos últimos anos pelo

crescente sentimento de insegurança percebida de forma diferenciada pelos distintos

segmentos de classe, os meios de comunicação, de uma forma geral, e a imprensa

escrita de maneira particular, passam a ter uma enorme responsabilidade com a

produção de imagens e textos que, com expressiva freqüência, tendem a reforçar este

sentimento. Até porque, é bem provável que para uma quantidade expressiva de

pessoas a cidade seja vista como a personificação das imagens e dos textos que estão

expostos ao seu leitor, o cidadão que desta forma passa a enxergar o lugar onde vive.

Um dos possíveis efeitos deste processo de socialização imagética é a maximização do

seu conteúdo convertido em mensagens transformadas em verdades62. A imprensa, ou

melhor, a empresa jornalística, parece fundamentar a produção da informação através

de uma espécie de pré-separação de conteúdos, associando o lugar ao assunto que

será abordado. Esta é uma lógica que aparece com freqüência crescente no noticiário

sobre a cidade, ainda mais quando a cidade em foco é uma Metrópole como o Rio de

Janeiro. Neste sentido, suspeitamos que a cidade é parcelada na divulgação do

noticiário e que esta fragmentação pode estar indicando a consagração de um

imaginário segregado sobre a mesma.

A presença da grande imprensa é um constante no cotidiano das grandes

cidades. Reconhecida no senso comum como tradutora da realidade ao revelar, pela

descrição ou visualização, os acontecimentos mais relevantes do dia a dia, nos últimos

anos a sua articulação com o real vem sendo potencializada pelo investimento

empresarial dos grupos de controle dos meios de comunicação que vêm criando

mundos possíveis dentro de uma lógica de divulgação de imagens na qual o mundo a

62 Apesar de não compartilhar de muitas das reflexões feitas por Barthes no seu livro Mitologias encontra-se um verdadeiro achado para a decodificação do discurso capitalista através dos signos embutidas nas mercadorias de consumo. O jornal como vendedor de produtos pode gerar alguns destes sinais.

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ser divulgado obedece a uma lógica de mercantilização da informação, que em linhas

gerais, poderia ser entendido como mercantilização da própria vida. Ao serem

divulgadas, as notícias obedecem ao interesse capitalista em revelar a realidade de

forma segmentada, ou como afirmou Guy Debord, convertendo a realidade em

espetáculo (Debord, 2002).

Como afirma Maria Isabel Szpacenkopf (2003), a mídia, de uma forma geral,

oferece um campo nada desprezível no que diz respeito a rápida e maciça circulação

de modelos identitários e de formas de comportamentos que influenciam , em alguma

medida, a existência de cada um. Considerando o período em quem vivemos como

aquele onde as identidades tendem a ser formatadas e desformatadas com a

velocidade da imposição e o descarte de determinadas modas comportamentais

oferecidas pelos discursos dos segmentos formadores de opinião como a mídia, a

notícia parece estar se transformando em uma poderosa notificação do real

corroborada pela adesão crescente de um público leitor que assume, direta ou

indiretamente, afinidades com determinadas visões de mundo. Mesmo que o objeto de

análise da autora seja a televisão, a sua mensagem pode ser destinada a imprensa

escrita, que é foco desta passagem, já que este veículo também se dedica a criação de

mundos possíveis, cujo aparecimento pode não figurar com a mesma velocidade da

vida televisiva, mas ainda assim o seu conteúdo pode ser decodificado pelo

reconhecimento da instrumentalização de mensagens cifradas pelo texto jornalístico.

Tendo em vista que o conteúdo das reportagens selecionadas de um suplemento

jornalístico de um jornal de grande circulação nacional procura cobrir o maior número

possível de situações do cotidiano dos moradores da Barra da Tijuca o meu objetivo

neste capítulo é revelar as mensagens implícitas contidas nestas matérias, chamando a

atenção para o fato de que este material jornalístico sugere uma certa perplexidade

diante de fatos, a princípio, pouco prováveis em um bairro de classe média alta. Esta

surpresa, camuflada pela pretensa isenção jornalística, deve, a meu ver, ser

desconstruída com vistas a revelar as possíveis fundamentações sociais deste material,

deslocando o lugar de onde se produz a informação, e com isto apresentando o veículo

de imprensa como órgão vinculado a um conjunto de interesses ideológicos e

econômicos.

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O outro personagem que confere sentido a esta engrenagem é o leitor deste

semanário, que na condição de morador do bairro pode encontrar neste noticiário

indicativos ou traduções integrais de hábitos e formas de socialização em curso no

bairro. Espera-se, por parte da lógica ideológica embutida no texto jornalístico, que

nestes casos haja uma interface entre os episódios narrados e os conteúdos desta

narrativa correspondida pelas apreciações positivas do leitor/morador. Nesta relação o

morador pode ser capaz de apreender o bairro em múltiplas dimensões, identificando

as arenas de organização da vida dos moradores do bairro através de um noticiário que

cobre temas tão diversos como os movimentos de ajuda humanitária criados por

moradores de condomínios fechados para ajudar populações carentes e a presença no

tráfico de droga em condomínio de luxo. Tendo em vista estes personagens e suas

respectivas expressões na produção do material jornalístico que cobre a Barra da Tijuca

investigaremos até que ponto é possível identificar nesta cobertura jornalística um

tratamento diferenciado, e geralmente, positivo, por parte da grande imprensa, dando a

Barra da Tijuca a condição, ainda que implícita, de um bairro de exceção.

Neste sentido, a empresa da informação exerce enorme responsabilidade sobre

as representações que orientam os modos de vida possíveis aos homens instalados em

suas respectivas localizações sócio-territoriais63. Responsável pela criação de

representações de mundos possíveis, a imprensa cumpriria um papel na formação de

um imaginário capitalista que reconhece as relações sociais como coisas. Esta

coisificação das relações, que no fundo é a objetivação dos indivíduos, entendendo por

objetivação a transformação dos homens em mercadorias, se apresenta como uma

nova forma de alienação, agora no contexto de uma sociedade de consumo.

(Baudrillard, 1996).

E é no campo dos valores que este debate, a meu ver, mostra toda a sua

fertilidade. O elemento que constituí a matéria jornalística, a sua matéria é um produto

construído a partir de um fato social (Durkheim, 1983), logo, um evento dotado de

valores. Estes valores orientam as ações intencionais dos seus atores numa relação

interessada com relação aos fins, como diria Weber (1982). Estes acontecimentos,

convertido em fatos sociais, perdem a sua naturalidade, pois este movimento não é 63 Uma abordagem original desta situação está nas análises feitas por Guatari (1986 ) sobre o papel dos meios de comunicação, ao apresentar o embate que transcorre na atualidade entre identidade e subjetividade.

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espontâneo, mas sim induzido pelas lógicas que preenchem os territórios da matéria de

sentido.

Neste movimento me parece que os valores que organizam as intenções e os

subseqüentes comportamentos destes grupos ficam mais evidentes ao serem

objetivados por um aparato de produção de mensagens ligadas ao real imediato. È

neste momento que eu enxergo na imprensa esta função de intermediária entre

mundos, o mundo privado dos interesses imediatos, e o mundo coletivo das

necessidades sociais. Esta intermediação está longe de ser isenta, afinal de contas, ao

escalar os assuntos que serão abordados também se define o seu tratamento. O

próprio movimento traduzido pela intervenção jornalística, deslocando a temática do

plano imediato para o coletivo sinaliza a sua interferência.

A grande imprensa analisada nesta passagem está de posse de um discurso

supostamente baseado num saber preciso da realidade, um tipo de saber elaborado

pelas técnicas de investigação da realidade executadas por profissionais que dentro

desta lógica encontrar-se-iam afastados das questões sociais, éticas ou morais do seu

objeto em questão. Esta concepção liberal, que a grande imprensa ainda se esforça em

tornar o seu paradigma de investigação, no fundo encobre uma das facetas mais

distintivas da chamada grande imprensa, qual seja, a de que as informações obtidas

estão sustentar-se-ão em um discurso de verdade, mantido por uma estratégia

subliminar de poder baseado em um saber específico. Não à toa, os meios de

comunicação já há algum tempo tem sido nomeados como o quarto poder.

A lógica de consumo da informação coaduna-se com a lógica do consumo

descartável das mercadorias mergulhadas em um registro contraditório: tanto a

informação quanto os produtos que precisam ser consumidas o mais rápido possível,

pois logo já serão descartados, são simultaneamente definidores de personalidades

extensivas, que superem a mesma imediaticidade do seu consumo, pelo menos até

serem substituídas por outras. Em termos empíricos, os conteúdos veiculados pela

imprensa modificam-se de um dia para o outro, entretanto, a mensagem que se quer

passar deve permanecer por um tempo que seja, no mínimo, suficiente para que esta

seja alçada a um determinado imaginário coletivo que consagra preocupações que se

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alongam no cotidiano da cidade. Afinal de contas, no circuito de produção e consumo

dos produtos efêmeros exigem-se relações duráveis. (Bauman, 2006).

Por fim, apostamos que através de uma investigação sociológica do texto

jornalístico, e da empresa jornalística de uma forma geral como vemos sustentando

nesta passagem, possamos identificar movimentos intencionais de alienação da

realidade acionados por segmentos de classe que procuram parcelar esta realidade em

dimensões válidas, logo desejáveis, e dispensáveis, entenda-se ilegítimas. Esta

alienação vem se manifestando através das práticas produzidas por grupos instalados

territorialidades setorializadas que ao defenderem valores muito específicos parecem

sugerir a idealização de mundos à parte da coletividade onde os indivíduos encontram-

se envolvidos. Esta alienação, entendida como fuga em direção a ambientes

socialmente assépticos, isto é, imune às ameaças da vida real, por vezes são reveladas

como dramas nas reportagens investigadas. È neste sentido que o maior objetivo desta

passagem da tese é identificar as possíveis representações sobre cidade que podem

ser extraídas de um texto jornalístico que se propõem a traduzir os modos de vida dos

moradores da Barra da Tijuca a partir de situações singulares.

3.2 - Metodologia adotada.

O material separado para análise neste capítulo foi retirado em sua maioria do

suplemento jornalístico do jornal O Globo que trata somente da Barra da Tijuca. Além

dele busquei analisar reportagens publicadas em outras passagens do jornal. Esta

escolha obedeceu a dois critérios: examinar no suplemento sobre a Barra da Tijuca

uma determinada freqüência de temas que pudessem indicar particularidades do bairro.

Como por exemplo, se até que ponto o tipo de violência praticado no bairro o aproxima

ou distancia desta prática em outros bairros da cidade. Articulei esta preocupação com

o segundo critério de seleção das matérias que foi extrair de passagens não específicas

sobre a Barra da Tijuca um olhar que se projeta sobre este bairro, neste caso imerso

em um contexto maior que o envolve que é a cidade do Rio de Janeiro.

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A separação deste material representou uma novidade na minha formação de

sociólogo que até então não tinha se deparada com qualquer análise sistemática da

imprensa. Para enfrentar esta limitação eu procurei respeitar uma tradição de trabalhos

que desvelaram os signos implícitos da notícia jornalística, discutindo teoricamente esta

abordagem tal como apareceu no marco teórico que baliza este capítulo, e mesmo

quando não me aprofundei em metodologias consagradas sobre o tema, como no caso

dos estudos semiológicos de Roland Barthes. Sendo assim, busquei superar este

obstáculo inicial antes que este se convertesse em um obstáculo epistemológico, como

diria Bachelard, definindo uma abordagem estritamente sociológica.

Procurei sustentar a minha reflexão em textos que pudessem auxiliar na

revelação das representações coletivas extraídas destas reportagens, identificando

nelas elementos ideológicos que ilustrem uma situação social que costuma ser deixada

em segundo plano. Pretendi nas minhas análises desmontar a faceta de neutralidade

social que a grande imprensa costuma defender. Acredito que através deste exercício,

volta a frisar, feito por um neófito nesta seara, possa ter desvelado uma espécie de real

ocultado. Este movimento, que Lefebvre, representava a desvelamento do conhecido

no desconhecido, não como revelação da coisa em si, no seu sentido oculto, ou

metafísico, e sim na apreensão real na totalidade das coisas, de forma não

fragmentada, ao meu ver pode se reproduzida logicamente na tentativa de apresentar o

conteúdo das entrevistas como o resultado da articulação de várias dimensões, até

então tratadas como coisas em si. Sintetizando, acredito ser mais rico percebermos que

a imprensa procura fragmentar a realidade ao noticiar as suas reportagens, quando na

verdade, cada matéria pontual tem a sua mensagem, que abordei sobre a forma de

valores, articulada com um conjunto maior de questões da cidade, e não apenas do

bairro onde estas matérias têm o seu epicentro.

As reportagens analisadas foram retiradas do Jornal O Globo no período que vai

de Outubro de 2003 a Outubro de 2007. A escolha pelo jornal foi condicionada por uma

série de motivos: primeiro pelo prestígio que ele possui, pois sem dúvida, é um dos

mais destacados veículos da grande imprensa brasileira fazendo parte de um grupo

empresarial responsável pela renovação da manufaturação e veiculação da notícia da

imprensa moderna; segundo por ser um diário carioca, e ainda que suas matérias

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cubram todo o território nacional, o noticiário sobre a cidade do Rio de Janeiro aparece

com destaque; terceiro, pelo fato deste jornal dispor de cadernos semanais, destacados

em dias específicos da semana, que tratam dos assuntos de determinados bairros. O

caderno sobre a Barra da Tijuca, de onde saíram várias reportagens analisadas, é

publicado aos domingos, e apesar de ser distribuído apenas na Barra da Tijuca é lido

no dia em que tradicionalmente os jornais costumam ser mais lidos.

Este segundo aspecto poderia parecer irrelevante, entretanto, percebemos neste

jornal ao longo dos últimos anos uma clara preocupação com acontecimentos pontuais

que atingem segmentos da classe média residentes em áreas de expansão urbana.

Neste caso é recorrente o olhar sobre os episódios ocorridos em Condomínios fechados

da Barra da Tijuca. A quantidade de assuntos cobertos por estas reportagens dá o tom

de sua complexidade. Nestas reportagens, assuntos que até pareceriam estranhos aos

condomínios fechados tornaram-se recorrentes aos seus cotidianos.

Neste cenário a grande imprensa é analisada como um ator central na estratégia

de formulação de discursos sobre o meio urbano. Entendo ser indispensável o exame

do espaço social onde ela interfere, direta e indiretamente, ao colaborar para a

montagem de representações sobre a realidade da cidade. O olhar que eu empreendi

procurou desvelar o olhar que a imprensa costuma ter sobre os espaços da cidade, em

geral por ela abordados como formações segmentadas ou descontínuas, quando na

verdade, tais espacialidades são frutos de tensões e conflitos que traduzem as filiações

de todos os seus grupos integrantes. Nas espacialidades detentora de maiores capitais

de participação na cidade as falas dos integrantes tendem a repercutir com muito mais

ressonância do que em lugares cujos canais de comunicação já parecem ter pré-

modulado as expectativas dos seus moradores.64

Responsivas a este princípio, as reportagens selecionadas revelaram as

seguintes questões: violência (assalto a residência, tráfico de drogas, agressões entre

vizinhos) disputas legais, venda imobiliária, preocupações com o meio ambiente, ações

64 Faço menção as diferenças de tratamento dado pela imprensa nas áreas pobres e mais ricas da cidade. Enquanto nas primeiras vemos uma recorrência de temáticas sustentada na tríade pobreza – violência – ausência de direitos, nas segundas os noticiários costumam ser mais amplos, abordando assuntos tão diversos como violência, entretenimento e novos arranjos coletivos, por exemplo. Esta distinção, ao meu ver, sustentada por apriores moralistas não traduzem uma ordem social bipolar, do tipo, morro e asfalto. A complexidade social da cidade é muito ampla para separar a pobreza e a riquezas em áreas estanques, como quis fazer crer o já tão citado “Cidade Partida”, de Zuenir Ventura. Os território da pobreza e da riqueza estão distribuídos em um tipo de ordenamento espacial que combina princípio a aparentemente contraditórios, já que de um lado temos elementos altamente hierarquizados, como a renda, e do outro fatores difusos, como a oferta de produtos da sociedade de consumo.

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de solidariedade. Às vezes estes temas aparecem combinados dentro de uma mesma

reportagem, e nestes casos a análises devem incorporar esta dupla dimensão, ainda

que uma delas acabe se sobressaindo.

Das setenta e nove reportagens que eu obtive na pesquisa trinta e sete tratavam

diretamente de fatos violentos que aconteceram no bairro. Os episódios cobertos pela

reportagem tratavam de casos como assaltos, seqüestros, latrocínio, violência

doméstica, tráfico de drogas dentro dos condomínios e irregularidades de

funcionamento da segurança privada.

O predomínio desta temática reflete uma concepção disseminada sobre o bairro

como uma unidade espacial onde os seus moradores pontuam suas relações pela

preocupação com a segurança. Esta premissa, que também foi verificada nas

entrevistas, alimenta a formação de valores de pertencimento que atuam diretamente

na formação das subjetividades sobre o território, e anuncia assim, a identidade social

do seu morador, vis a vis, a sua diversidade dentro do próprio território. Passemos

então a análise pormenorizada das matérias agrupadas em conteúdos temáticos

tornando mais objetivo a freqüência com que determinados temas aparecem nas

reportagens.

3.3 - Vulnerabilidade em fortalezas.

Na matéria de 23 de Outubro de 2003 foi destacada a surpresa com o fato de na

classe média alta carioca estarem em curso casos de tráfico de drogas em bairros da

zona sul carioca e em condomínio fechados da Barra da Tijuca. Bem criados em alguns

casos com nível superior de recebendo mesadas, estes garotos inexplicavelmente

optaram pelo mundo do crime. Na verdade, esta opção não é uma distorção da

realidade nem constituí um caso de anomia que para Durkheim acontecia quando

determinados comportamentos fugiam das normas estabelecidas e que atuavam

coercitivamente sobre os indivíduos.

Em um modelo de sociedade como este se espera que os papéis estipulados

para os atores sociais sejam cumpridos, sem o desvio da norma. Nas sociedades

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contemporâneas as formas de conflitos são outras, e por isto, requerem um exame

menos previsível dos seus fundamentos. Apesar da expectativa da imprensa serem

positivistas, a dinâmica das relações humanas não a corrobora.

O fenômeno de drogas aciona uma rede de interlocutores composta por

personagens instalados em diferentes localidades. Neste caso, os setores responsáveis

pela investigação falam sobre a substituição das esticas, antigas modalidades de

distribuição da droga dentro dos condomínios onde alguém levava a droga de fora para

dentro, pelo tráfico local, onde a mercadoria é busca fora dos domínios do condomínio,

porém passam a existir responsáveis internos pelo seu controle e distribuição.

O comércio é feito sob a forma de Delivery, entrega a domicílio, e desta forma a

polícia A polícia acredita que o tráfico no asfalto, especialmente na Barra, já atenda a

40% da demanda dos condomínios do bairro. Quando a "boca-de-fumo" não está

instalada no condomínio, segundo o jornal o usuário tem ao seu alcance um serviço de

entrega domiciliar, o delivery da droga, controlado de um apartamento qualquer na

Zona Sul. Pelo telefone, o interessado faz o pedido. Um motoqueiro faz a entrega. Para

Marina Magessi, chefe de coordenadoria de inteligência da polícia civil, as esticas têm

diminuído por causa da violência nas favelas que assusta os seus usuários, e com isto

o tráfico tem crescido dentro dos apartamentos de luxo, no asfalto e nos condomínios

da Barra da Tijuca. A violência nas favelas tem incentivado uma nova modalidade de

investimento urbano.

Dada a complexidade da sua engrenagem o fenômeno do tráfico de drogas em

condomínios pode ser tratado como uma extensão das relações de compra e venda da

droga, acrescida por uma nova territorialidade. As favelas deixam de ser os lugares por

excelência da distribuição das drogas, e os condomínios vem sendo incorporados ao

sistema de distribuição de drogas do varejo. Os condomínios passam a cumprir um

papel relativamente parecido com as favelas, com a diferença que o padrão de

visibilidade e aplicação da violência ai dentro é bem diferente. Ainda são mantidos os

vínculos com as favelas que fornecem drogas e a mão-de-obra volátil do tráfico que

morre na mesma proporção que a droga circula.

Em matéria de 3/02/2005 que destaca a prisão de traficantes de classe média na

Barra da Tijuca, a polícia conseguiu desarticular uma quadrilha composta por jovens

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moradores de condomínios fechados que em dois condomínios do bairro estavam de

posse de haxixe e ecstasy, drogas típicas da classe média alta. As drogas chegavam

ao Brasil em carros dois importados, um Audi A4 e uma Variant, e foram trazidos por

um criminoso chamado espanhol. Ou seja, o comércio das drogas no bairro está

diretamente incorporado pelo comércio internacional.

Estas reportagens assustam os moradores da Barra da Tijuca que passam a

receber quase todos os dias informações sobre comportamentos que contrastam com

os modos de vida por eles tão defendidos, e que é motivo de orgulho para muitos, e,

provavelmente, surpreendem muitos moradores de outros bairros que começam a ser

informados sobre episódios que até então, seriam restritos á áreas menos nobre da

cidade. A possível incompatibilidade levantada por diagnósticos subjetivos e até

mesmos oficiais, devem-se em boa parte a consagração de tipificações construídas por

setores chamados de formadores de opinião.

Nestes segmentos, onde se incluí a imprensa, as regiões da cidade são

apresentadas como lugares caracterizados por determinadas relações predominantes.

Assim, nos morros que outrora abrigavam o samba carioca, vêm sendo verificados nas

últimas décadas o crescimento da pobreza e a consolidação do tráfico de drogas. Os

subúrbios, ainda pobres e precários, segunda uma tradição do pensamento intelectual,

ainda que bem intencionada, pode neste contexto enfrentar as suas dificuldades com

criatividade e capacidade de reinventar tradições que diluam o novo no antigo de forma

positiva, operando uma espécie de inversão das características negativas da

globalização (Lessa, 2000).

Ou seja, para os pobres, o mundo está dividido entre a inevitabilidade da

degradação ou a redenção pela fusão de elementos díspares, ainda que esta fusão

seja pouco corroborada pelos dados da realidade. Aos segmentos mais ricos da cidade,

as suas imagens ficam próximas da poesia urbana expressa em movimentos musicais

como a Bossa Nova, filha de Ipanema, bairro da rica boemia carioca, que fundiu ritmos

nobres e populares e vendeu uma imagem positiva de nação. Ou pelo passado mítico

representado pela Copacabana da prosa ficcional de alguns divulgadores. No caso da

Barra da Tijuca, a única imagem que teria sentido é a caricatura do seu emergente, um

personagem cuja existência é atribuída menos a auto-referência dos seus detentores

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do que a conseqüência de um escárnio feito por uma elite insatisfeita com uma co-

presença menos nobre.

Os territórios da cidade e os seus personagens passam a ser vistos dentro de

um quadro semântico polarizado, onde para alguns existe a vantagem da auto-

construção da imagem auxiliada pela capacidade de mobilidade social e espacial, que

no caso, pertence às classes mais altas, enquanto para os mais vulneráveis , a auto-

definição é limitada, e a afirmação de sua identidade é dificultada pela despossessão

de alguns capitais simbólicos. Ou seja, nas metrópoles globalizadas, a uns é dada a

velocidade enquanto a grande maioria permanece presa aos seus territórios de origem.

Os noticiários que apontam as novas formas de violência da Barra da Tijuca

anunciam as contradições que estão em curso nos seus espaços. Nos condomínios

fechados onde residem segmentos de classe representativos do homem móvel da

sociedade contemporânea, velhas formas de criminalidade estão em curso, ainda que

atualizadas pela venda e o consumo de novas drogas. A inversão de papéis, onde a

classe média alta passa a traficar dentro da própria casa, estigmatizando residências de

alto poder aquisitivo, longe de negar à sociedade a capacidade de mobilidade social

destes segmentos de classe, acaba afirmando-o, já que estes personagens são

comerciantes de uma clientela especializada com quem mantém estreitos laços de

afinidade social. O traficante mauricinho, como rotulou a imprensa, muitas vezes

freqüentou no passado o mesmo ambiente dos seus clientes, como a escola, e logo,

poderia ser o seu amigo. Nesta leitura, entraria a variável da amizade para amenizar o

caráter negativo do tráfico e até mesmo vestir o traficante com uma roupagem moral

ligado mais ao desajuste pessoal, um possível sinal de rebeldia, do que a prática de

uma atividade criminosa no seu sentido mais tradicional.

Mesmo reconhecendo a rede de relações criadas em torno da droga e imprensa

é muito moralista na hora de fazer os relatos de casos. Na reportagem de 16/05/2005

X, morador de 21 anos que atualmente mora no Recreio, mas foi criado na Barra da

Tijuca, conta que dentro dos condomínios existem uma vasta oferta de drogas como

maconha, cocaína e ecstasy, e que tais drogas podem ser obtidas nos morros, embora

como aparece em outras reportagens a aquisição já seja permitida na localidade. Y, 37

anos, morador do Nova Ipanema, um dos mais tradicionais condomínios fechados da

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Barra da Tijuca, diz que já fez pós-graduação, mestrado, tem bons empregos, e que se

tornou dependente, e como a reportagem indica , por influência dos amigos.

As matérias dão a entender que o consumo de drogas será resolvido através da

ação conjunta da família, grupos de ajuda e escolas. Um exemplo ilustrativo é do

Colégio Veiga de Almeida, que possui uma unidade dentro do novo Leblon, e através

de sua orientadora educacional chama a atenção para a necessidade de se dar limites

as jovens que, a princípio fazem tudo que querem. Daí a informação ser o caminho

para prevenção.

A orientadora educacional índica que um dos pontos chaves do consumo de

drogas que é a ausência de controle dos seus consumidores. Sem querer fazer aqui

qualquer campanha moralista, pois entendo que elas tendem a superficializar os

problemas que pretendem resolver, este tipo de descontrole é uma variável da falta de

controle típica da sociedade de consumo, onde a posse é um requisito para a inclusão

social. Logo, consumir drogas e até mesmo enveredar pelo mundo do tráfico, se torna

muito sedutor, na medida em que se afina com os símbolos de pertencimento e

prestígio da sociedade de consumo.

A identidade do jovem, principalmente o de classe média, é tradicionalmente um

período de experimentações aonde as escolhas vão sendo modificada na medida em

que outras opções mais sedutoras aparecem no horizonte. Este comportamento típico

começa a se generalizar em um conjunto da população detentora dos maiores capitais

de participação social. Faixas etárias mais elevadas passam a usufruir desta

intermitência da identidade, ainda mais no campo pessoal. Logo, a questão não se

coloca como uma incompatibilidade de certas escolhas com os modos de vida

esperados, como pretende a imprensa e outras instituições como a escola e a família.

O mais indicado, do ponto de vista analítico, é que a chegada do tráfico de

drogas nos setores da classe média alta seja o resultado da inserção de jovens na

sociedade de consumo, que também incluí dimensões violentas, e de que as condições

para a promoção deste meio ambiente estão colocados por relações do cotidiano, como

a concorrência e o individualismo, logo, fatores que, apenas a pouco tempo,

começaram ser considerados nos estudos sobre comportamento humano, mais

voltados ao campo da psicologia do que da Sociologia.

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Um componente importante revelado pelas reportagens é que a presença do

traficante mauricinho não alterou a sua distância simbólica em relação ao traficante de

drogas tradicional morador de favela. Enquanto, por exemplo, nas operações de

combate a repressão ao tráfico de drogas nas favelas cariocas é orientada por uma

lógica de ocupação militar que freqüentemente ceifa a vida de vários inocentes, o

mesmo procedimento não é percebido nas intervenções da polícia nos condomínios

fechados.

Na reportagem de 16/05/2005 que aborda a mudança do perfil do traficante

aparecem depoimentos que indicam a necessidade de adoção de políticas

compartilhadas de combate ao tráfico, com a participação da escola, família e a criação

de um disque - denúncias, além de um pedido formulado pela ONG Barralerta, que

apoiada por entidades como a Câmara da Barra e a Associação Comercial e Industrial

do Recreio, demandam a instalação de uma delegacia de Repressão a Entorpecentes e

um Instituto de Perícia Técnica.

Busca-se através desta ação coordenada a construção de uma estrutura de

combate ao crime formada por atores públicos e privados, visibilizando uma abordagem

moderna do problema do tráfico. Não restam dúvidas de que o prestígio do lugar é o

responsável pelo balizamento de uma política de segurança mais racional, efetiva e que

respeito os direitos dos moradores e usuários. Em nenhuma das reportagens que

trataram do tema qualquer autoridade responsável pela investigação sugeriu uma

intervenção mais incisiva dentro dos condomínios, ainda que alguns condomínios

tenham chegado a situações quase descontroláveis, como é o caso do Mandala, que

em função do consumo crescente de drogas percebeu-se uma diminuição da

freqüência em suas dependências do seu quadro de associados. Devemos lembrar que

em alguns condomínios da Barra da Tijuca funcionam clubes de lazer.

A questão das drogas nos condomínios parece revelar uma cidade que, por um

lado aproxima perversamente os extremos de sua pirâmide social ao expor sua ação

combinada no tráfico de drogas, mas por outro lado, torna claro que existem dois

Estados atuando sobre o mesmo problema. Nas áreas pobres, sem governo e sem

ordem, a saída é a intervenção violenta, ao passo que nos condomínios fechados, há

uma preocupação com a manutenção do sigilo dos acusadores, a abertura de

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inquéritos e a cautela com a integridade física dos moradores. Parece estar em curso a

presença de ordens privadas nos extremos da sociedade carioca. Nas áreas pobres

como as favelas, o tráfico de drogas e as milícias vêm ampliando seus espaços e, ao

que parece, justifica a intensificação da ação policial violenta, enquanto nos

condomínios fechados o combate ao tráfico abre espaços para ação de uma polícia do

Estado de Direito, ou delega-se tal tarefa á segurança privada. A imprensa, por sua vez,

insiste em suavizar um dos lados problema, deixando de fazer as devidas acusações à

segurança privada.

Para ilustrar esta dicotomia, na reportagem de 16/06/2005 o Delegado Eduardo

Baptista da Décima Sexta DP diz que “o trabalho da investigação tem que ser

cuidadoso e bem feito para que tenha os elementos que redundem em condenações

judiciais. Neste momento, já temos algumas investigações em curso”. (O globo, 2005).

Entretanto, na mesma reportagem denuncia que alguns condomínios não aguardam

pela investigação policial e passam a usar seguranças particulares atuando disfarçados

nas investigações. Esta ação ilegal e clandestina, porque descaracteriza a incursão

policial , apesar de te sido levemente denunciada pela reportagem, acrescida da crítica

balizada de um profissional, não teve desdobramentos mais negativos. O que leva a

crer que os condomínios continuam seno os únicos responsáveis pela manutenção da

ordem privada dentro dos seus domínios.

Quatorze dias depois em reportagem de 30/06 Kléber Machado, presidente da

ONG Barralerta, junto com o trigésimo primeiro batalhão do Recreio, sugerem a criação

de um curso para porteiros visando o auxílio ao combate ao tráfico. Entretanto caberia

perguntarmos até que ponto existirão garantias contra a vinculação desta iniciativa à

segurança privada, retratada pela própria polícia como ilegal e contraproducente?

Outras reportagens vão na mesma direção, seja descrevendo o procedimento do

comércio ou revelando espanto com o perfil do seu praticante, tratados como os

mauricinhos do tráfico. Esta identidade tomada de um grupo que caracteriza por

comportamentos mais conservadores, seja em suas vestimentas ou falas, é uma

reconfiguração dos antigos rebeldes sem causa, agrados pela prática de um crime

violento que ceifa por ano centenas de vítimas e personagens diretamente envolvidos.

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Ademais, sua “rebeldia” é descaracterizada pela clara filiação do seu praticante às

regras do sistema de dominação.

A grande contradição que surgem nestas notícias é ocorrência de quadros

criminosos dentro de ambientes pautados pela proteção e invisibilização do seu

morador dos problemas que ocorrem fora dos domínios do condomínio. Daí a surpresa

de em um ambiente tão seguro e controlado, o tráfico de drogas se reproduzir de forma

quase impune. Drogas como o êxtase, típico entorpecente de consumo das classes

médias altas trazidos de países europeus como Holanda e Suécia.

Outra fragilidade destas fortalezas urbanas é revelada em algumas reportagens,

algumas com resultados quase trágicos e outras com saldos de perda material. No

primeiro o caso do assalto a uma residência de um triatleta Raul Pereira Furtado de 25

anos que foi agredido pelos assaltantes e precisou levar quinze pontos na orelha

direita. Ele e um vizinho tiveram suas casas invadidas, foram amordaçados e torturados

pelos assaltantes. A Secretaria de Segurança informa que houve um aumento de 14%

no número de assaltos á residências na Barra da Tijuca em relação ao em comparação

com os meses de setembro de 2003 e 2004. Os assaltos geralmente produzem

prejuízos materiais, mas nos últimos casos têm sido comuns agressões a moradores.

Na reportagem de 19 / 02/2005 sobre o assalto a residência do jogador de

futebol Ronaldo Nazário. Situado em um dos mais prestigiados condomínios fechados

do bairro, O Riviera del Fiori, prestígio que está sempre associado ao somatório de

conforto com segurança, o seu apartamento de cobertura foi facilmente invadido por

bandidos que levaram alguns pertences materiais, sem a presença de qualquer familiar

no domicílio.

O andamento das investigações levanta com hipótese mais provável o roubo ter

sido cometido por algum morador do próprio condomínio, ou alguém que tenha sido

auxiliado por um funcionário, já que no local não foram identificados provas que

revelassem maiores dificuldades para ingresso na residência. Esta hipótese, convertida

em fato, como outras reportagens vieram a confirmar, fragiliza o princípio da

inviolabilidade da intimidade, na sua forma mais brutal.

Ao optar por um condomínio fechado o seu morado procura pela confirmação de

um estilo de vida marcado por forte individualismo, daí ser muito comum que os laços

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de convivência que ele constrói, muitas vezes, fiquem restritos ao seu imóvel. Daí, a

invasão do mesmo ferir este contrato de preservação da individualidade pretendida,

invasão experimentada sob a forma de crime.

Os contratos celebrados entre moradores e condomínios devem ser pautados

pela inviolabilidade da residência, caso que não representa novidade, já que este

mesmo princípio rege as relações contratuais de qualquer outro imóvel com as mesmas

características. A quebra deste princípio surpreende na medida em que é feito um largo

investimento para se proteger das ameaças localizadas fora do condomínio, para no

fim, o problema acontecer dentro dos seus próprios limites. Na tentativa de manufaturar

formas de vida que lembrem apenas de forma desfigurada as formas de interação dos

moradores nas áreas abertas da cidade, os condomínios começam a perceber que as

tensões regulares típicas das áreas abertas, como assaltos, também podem ser

acontecer dentro dos seus domínios.

As formas de violência em curso dentro destes condomínios devem ser

pensadas dentro de um quadro social amplo. Desta forma, podem ser compreendidos

os seus aspectos particulares e de que formam eles se enquadram na narrativa da

violência que tem sido muito comum nas metrópoles brasileiras. Episódios como a

invasão de domicílios na Barra da Tijuca não fatos isolados do seu entorno, ainda que a

representação que dele tem sido feita, em espaços como a mídia, procurem convencer

o público em geral do contrário.

Sem entrar em todos os elementos desta problemática que compõe a violência,

que é extensa demais para as pretensões do meu trabalho, eu acredito que algumas

ressalvas devem ser feitas, já que posicionarão o objeto urbana violência dentro de um

quadro amplo da sociedade brasileira. Tomando as reflexões de Luis Antonio Machado

da Silva65como guia para esta análise, a lógica da insegurança cotidiana das grandes

cidades só será bem compreendida se alguns componentes forem levados em

consideração. Dentre eles gostaria de destacar o fato de que as análises correntes

compreendem o agente da ação em termos de estatuto legal do seu comportamento, e

não através de suas práticas concretas e de que deve-se romper com as

65 MACHADO, Luis Antonio. Sociabilidade Violenta: por uma interpretação da criminalidade contemporânea do Brasil urbano. In RIBEIRO, Luiz César Queiroz, Junior, Orlando (Orgs). Entre a Coesão e a Fragmentação , a Cooperação e o Conflito. Ribeiro, Luiz César Queiroz; Junior, Orlando. Rio de Janeiro : Revan , FASE, 2004.

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representações do senso comum sobre a violência, como por exemplo, aquele de que

existe uma relação de causalidade direta entre pobreza e violência.

Esta orientação é fundamental para se romper com o mito de que a pobreza é a

única causadora da violência. É uma forte representação sustentada por vários atores

sociais, dentre eles a imprensa, que colabora para a construção das tipologias duais

para as quais eu chamei a atenção. Tipologias como pobres precários e pouco

educados e classe média mais informada e educada, empobrece os sentidos das

relações entre os segmentos de classe, e cristalizam um imaginário social que não

traduz as transições em curso na sociedade carioca, para ficarmos apenas como um

exemplo. Estas representações do senso comum podem ser percebidas entre os

moradores de condomínios fechados surpresos com episódios atípicos aos seus

ambientes.

A característica central da representação da violência urbana para o autor é

expressar uma ordem social, mais do que um conjunto de atos isolados. Logo, para

Machado a ameaça à integridade física e a segurança patrimonial que constituem o

fundamento individual e coletivo das reivindicações por mais segurança e por extensão,

críticas ao sentimento de insegurança, não provém de práticas de agentes isolados,

mas de um complexo orgânico de práticas. Dentre elas o fato de que a crise de

legitimidade que tem afetado a sociedade brasileira nas últimas décadas criou um

ambiente social propício para que narrativas de mobilidade fragmentadas dentro do

território refletissem uma ausência do reconhecimento de direitos universalmente

disponíveis para todas as classes, reforçado assim, uma lógica privatista da

sobrevivência. Os condomínios estão gerando uma ordem privada, são espaços em

que predominam relações contratuais específicas e controlada apenas pelas instâncias

interna de regulação, e ao pretenderem se distanciar da realidade que o envolve, dela

se protegendo com extensivos aparatos de segurança, ignoram o fato das regras de

convivência social baseadas no respeito aos direitos universal estarem sendo

questionada em todos os segmentos de classe.

Por desconhecerem esta problemática, de imediato vem a cabeças das vítimas

uma enorme inquietação: como um morador que paga por uma quantia expressiva para

se sentir seguro pode ter o seu imóvel invadido, provavelmente por alguém que

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conhece o cotidiano do condomínio? As explicações para estes episódios costumam

ser simplistas. A polícia e os moradores acreditam que pessoas conhecidas tenham

praticado o crime, o curioso é que não tenham informado pelas câmeras de segurança,

provavelmente bem posicionados em um condomínio de alto luxo. Os moradores

apostam na hipótese de serem moradores viciados em drogas, só não explicam como

eles poderiam te burlado estes esquema de proteção. Enfim, os envolvidos no episódio

apesar de admitirem a fragilidade da segurança continuam apostando em fatos

pontuais dissociados de desafios sociais mais amplos.

A classificação baumaniana dos guetos voluntários, enquanto áreas de auto-

confinamento construídas por um segmento urbano que procura isolar-se de outras

coletividades através da reinvenção de laços solidários legítimos, parece ser confirmada

de forma adaptada, que por vezes lembra uma caricatura da sua pretensão. Já que, por

um lado, o auto-confinamento das classes médias altas é confirmado, enquanto pelo

outro, eles não são imunizados dos atos violentos. Eu suspeito que o temor

demonstrado pelo morador do condomínio que sofreu um tipo de violência como está

associado a surpresa em ter que reconhecer no seu ambiente manifestações violentas

que para ele, a princípio, seriam exclusivos de grupos sociais não solidários e

habitantes de territórios urbanos decadentes, de forte déficit civilizatório. Em suma,

sinais da “sociedade desorganizada” parecem ameaçar a “ordem urbana” destes

paraísos artificiais instalados em lugares de exceção.

Estas mazelas revelam como uma determinada parcela detentora dos capitais

econômicos e sociais, residente em condomínios de luxo da Barra da Tijuca, constrói

cognitivamente nas suas falas e práticas dimensões típicas das metrópoles. Quero

ressaltar que o público e o privado aparecem nas ações dos moradores de acordo com

uma apropriação de classe destes conceitos atualizada pelos seus medos, sem seguir

necessariamente acompanhar nenhuma matriz conceitual histórica. Valores que

deveriam balizar as clássicas concepções de público e privada, como o respeito a

diversidade de opiniões e liberdade de expressão nas arenas públicas e construção da

individualidade em sintonia com preocupações coletivas nas situações privadas,

aparecem relativizadas por matrizes de conduta mais individualistas.

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A reportagem de 27/10/2005 revela saga do bandido Weberton Freitas dos

Santos de 19 anos que vem cometendo sucessivos assaltos a Condomínios fechados

na Barra da Tijuca. O seu assalto mais conhecido foi realizado na residência do casal

de apresentadores do Jornal Nacional Willian e Fátima Bonner, e desde então ele

tornou-se um assaltante procurado e considerado muito perigosos pelos moradores e o

policiamento do bairro. Recentemente a sua trajetória terminou de forma mais

esperada, isto é, trágica. Assim noticiou o jornal O globo em 15/01/2006 “O assaltante

que em fevereiro do ano passado invadiu a residência dos jornalistas William Bonner e

Fátima Bernardes, apresentadores do "Jornal Nacional" da Rede Globo, foi morto

ontem de madrugada ao entrar em outra casa na Barra, desta vez no condomínio

Vivendas do Bosque, atrás do shopping Info Barra, na Avenida das Américas. Weberton

Freitas dos Santos, de 19 anos, estava foragido. Por volta das 3h30m ele invadiu a

residência do casal de advogados Thomaz Augusto de Castro, de 60 anos, e Eliana

Costa Guttmann, de 59. Eles foram rendidos dentro do quarto”.

Para resumir o seu conteúdo, o resultado trágico da nova invasão operada por

Weberton foi a sua morte provocada pela briga em que se envolveu com o filho da

família que ao chegar em casa presenciou os seus pais imobilizados. Os motivos da

morte levantados pela polícia são morte provocada por pancada na cabeça durante a

queda ou tiro, já que o bandido foi desarmado durante a briga.

A revelação deste episódio traz uma novidade para o cotidiano dos moradores

da Barra da Tijuca já que envolveu a investigação policial, que não é muito comum e

revelou toda a fragilidade do seu sistema de segurança, já que Weberson era

conhecido por ter invadido outros condomínios. Quebrou-se aqui um “pacto de silêncio”

muito comum entre moradores de condomínios fechados da Barra da Tijuca já que a

sua intimidade foi externada por um fato trágico. Tenho informações que justificam a

minha hipótese, pois entrevistei uma moradora do condomínio onde Weberson foi

morto, o Vivendas do Bosque, e ela falou de forma muito subliminar sobre um caso de

assalto a uma casa do condomínio.

Outro componente importante é a fala do apresentador William Bonner revelada

nesta mesma reportagem, que apesar de longa, merece ser reproduzida para que

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algumas passagens sejam depuradas. Segue abaixo um pequeno texto escrito por

Willian Bonner intitulado “A cidade não ficou mais segura agora”.

“Não se pode tripudiar sobre a morte de ninguém. O que tenho a dizer sobre a

morte de Weberton é um enorme lamento, sem nenhuma falsidade. Lamento, em

primeiro lugar, que eu e minha família tenhamos passado pelo que passamos naquele

17 de fevereiro. Lamento, em segundo lugar, que, depois de todo o esforço necessário

para prendê-lo, ele tenha conseguido fugir. Lamento também que tudo tenha acabado

como acabou. Embora isso fosse previsível, eu sabia que ia acabar de forma violenta.

Por fim, lamento que haja outros tantos Webertons crescendo por aí, na mesma escola

de crimes que o primeiro. Eu não estou aliviado. Agora pelo menos eu posso afastar a

possibilidade de ele vir atrás de mim por vingança, mas a cidade não está mais segura

porque ele morreu. As condições para o surgimento de novos Webertons estão dadas,

são reais, talvez estejam sendo até alimentadas. A situação pela qual passei mudou a

minha vida. Sempre fui contrário ao uso de violência e de armas, e sempre defendi que

ninguém deve reagir a uma situação como essa. Mas, numa situação limite, eu fui

testado, e reprovado. Agi de maneira irracional e instintiva. Isso mudou a minha vida, a

minha casa, a minha forma de encarar a violência urbana. Fizemos uma reforma para

instalar dispositivos de segurança em casa, passando a viver num bunker. Qualquer

ruído à noite é motivo de estresse, causa sobressalto. Com o tempo melhora, mas a

gente nunca mais esquece”(Grifos meus). Bonner demonstra sensibilidade social na sua análise ao identificar os motivos

que levaram Weberson ao mundo do crime, comuns a jovens que vivem em condições

de vida semelhantes. Procura não individualizar a sua situação ao revelar que não se

sente seguro com a morte de Weberson e admite que precisou transformar a sua casa

em um Bunker. É sabido que os Bunkers eram construções erguidas no período de

guerras que poderiam proteger seus moradores de ataques aéreos, um dos mais

recorrentes neste tipo de conflito. Contudo, várias propostas residenciais do tipo

condomínios fechados possuem a estética do Bunker, procurando passar ao seu

morador o máximo de imunidade á violência urbana e deixando bem claro que vivemos

em uma guerra urbana onde a única saída são as soluções privadas.

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Episódios como este assustam as elites mediante a revelação de sua

vulnerabilidade e corroboram a análise de Machado que indica a necessidade de

pensar o fenômeno da violência urbana através da articulação de várias dimensões. Em

termos práticos as soluções privadas são pouco úteis porque ajudam a incrementar

dispositivos que já existiam, e em termos coletivos são um agravante da diminuição da

importância das esferas públicas na mediação de conflitos. No discurso de Bonner,

apesar de ter aparecido uma preocupação com o quadro social que forma vítimas da

violência como Weberson, em momento algum é insinuada a necessidade de se

reconsiderar as referências de cidadania diferentemente oferecidas aos cidadãos

cariocas em consonância com a sua localização na estrutura de classes.

É neste sentido que a solidariedade revelada pela fala de Bonner reforça uma

percepção individualista de viver na cidade. Mesmo sem querer demonstrar rancor pelo

ocorrido, ele não encontra uma saída para se sentir seguro que não passe por uma

escolha pessoal. Tanto que o seu condomínio passou a investir mais em segurança,

ampliando um aparato que a princípio já era expressivo.

Episódios como este só tem ampliado o investimento em segurança feito pelos

setores responsáveis dos condomínios. Em alguns já existem sensores identificadores

de íris e de impressão digital, que fazem lembrar as cenas de filmes de ficção científica,

onde em um futuro sombrio e não muito distante do atual, como retratado no excelente

Minority Report, os criminosos passariam a ser identificados pela íris dos olhos,

recuperando assim o velho princípio lombrosiano da externalização dos caracteres

criminosos.

Segundo Sérgio Ricardo, consultor em segurança condominial, uma estrutura

básica de segurança deve ser formada por câmeras estrategicamente posicionadas,

botões de alarme e profissionais treinados. Em sua opinião “não adianta o condomínio

ter profissionais que não estão preparados para lidar com as diferentes ferramentas de

segurança (O Globo, 18/12/2005)”.

Em outra reportagem de 04/06/2006 o presidente da Patrimóvel Consultoria

Imobiliária Rubem Vasconcelos afirma que a “tendência é se criar bairros em que se

corrijam os erros que se encontram na cidade, principalmente no que diz respeito a

segurança. As pessoa querem viver num lugar de sonho”.

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Na mesma reportagem aparece pela primeira vez nas reportagens o componente

da exclusividade ligado a segurança na fala de Ricardo Corrêa, diretor de marketing da

Carvalho Hosken, responsável por um macro – empreendimento imobiliário na Barra da

Tijuca chamado Rio 2, que tende a ocupar oito milhões de quilômetros quadrados. Para

ele “as pessoas querem deixar de ser um número. Gostam da idéia de que seus filhos

peguem o ônibus, dirigido pelo seu João para ir para a escola. É como se

importássemos o jeito de viver do subúrbio”.

Voltarei a estas duas declarações grifadas, que são extremamente sintomáticas

de uma ideologia que sustenta a concepção de determinados condomínios fechados,

antes, porém, apresentarei outra reportagem que polemiza as suas pretensões de

segurança total.

Em reportagem de 16/12/2004 de acordo com o Sindesp, o sindicato de

segurança privada, a seguranças privadas irregulares se destacam no setor. Em cada

área a segurança encontra suas justificativas. No centro ela é feita basicamente em

prédios comerciais, enquanto nas outras a serventia é para as residências. Neste

cenário a Barra da Tijuca aparece com destaque e vem preocupando o sindicato na

medida em que a fiscalização sobre os condomínios é dificultada pelas imposições

restrição de informações. Dentre as irregularidades está a presença de policiais

disfarçados cumprindo os chamados bicos, que são horas extras informais. Por lei um

policial pode até ser expulso da corporação se for pego neste tipo de função, mas ainda

assim são muito raras as punições à estes tipos de infrações.

Após investigações a polícia identificou uma série de condomínios da Barra da

Tijuca que utilizam este tipo de serviço. Dentre eles alguns famosos como o Mandala, o

Novo Leblon. Em reportagem de 6/10/2005 Paulo Roberto, diretor de segurança do

Mandala afirma o seguinte “Não temos policias disfarçados. Nosso condomínio trabalha

com uma empresa legalizada. Não temos motivos para precisar de gente disfarçada

aqui”.

Na mesma reportagem aparecem depoimentos muito reveladores nas conversas

telefônicas gravadas. Em um deles o representante de uma empresa que presta

segurança deixa claro que a maioria dos casos de indivíduos envolvidos com drogas é

dentro do condomínio e o consumo é feito nas casas e áreas de lazer, e o combate é

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feito com homens uniformizados e com uma equipe de agentes, que é uma equipe de

infiltração, com apoio do pessoal do batalhão que faz a ronda interna. Ou seja, há um

policiamento, inclusive oficial que faz a ronda dentro dos condomínios que não é

divulgado. Quando o poder público participa da vigilância de condomínio ela é feita de

forma disfarçada, provavelmente, para cobrir alguns acordos específicos feitos entre os

condomínios e a policia que incluem privilégios para estas áreas.

Em reportagem de 12/02/2006 especialista alertam que na busca pela

implantação de estruturas infalíveis de segurança em várias regiões da cidade, dentre

elas a Barra da Tijuca, estes condomínios têm sido desatentos á um aspecto que pode

ser crucial, e até mesmo contraditório às suas pretensões: grande parte das empresas

e da mão-de-obra usadas para a segurança é irregular.

Para Alcyr Vidal, chefe em exercício da Delegacia de Controle de Segurança

Privada (Delesp), “o que muitos não sabem é que segurança privada só é permitida em

ruas fechadas, com autorização da Prefeitura”.(Op. cit.) Vidal polemiza o avanço

indiscriminado das formas de proteção privada em condomínios e põe em cheque toda

a tecnologia que asseguraria a proteção almejada nestas estratégias escapistas de

segmentos da classe média alta do Rio de Janeiro.

Em reportagem da Revista de Segurança Pública o delegado Ângelo Goia da

Delegacia de Segurança Privada do Rio de Janeiro (Delesp – RJ) vem investigando o

crescimento da segurança privada irregular nos condomínios privados, e conferindo um

enfoque mais amplo à questão diz que “reprimindo as atividades clandestinas de

segurança, estamos obrigando tanto os clandestinos como os contratantes a passarem

para o lado da lei ( Segurança Privada )”. Em outro trecho preocupação com a questão

trabalhista aparece de forma mais clara, já que “ embora não seja este o objetivo final ,

em razão desta rigorosa fiscalização estamos garantindo os direitos trabalhistas

daqueles profissionais que estão sendo frustrados pela ação fraudulenta de quem os

colocou para exercer uma atividade que não é aquela para o qual se prepararam,

muitas vezes com grande sacrifício”.

Os profissionais responsáveis pela segurança começam a interferir nos rumos da

segurança interna dos condomínios, cobrando destas residências compromissos com

os contratos previstos por legislação pública. Os acordos estatutários podem até

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preservar a sua relevância, já que continuarão a reger as normas de controle das ações

dos moradores de condomínios, no entanto, investigações como estas exigem o

reconhecimento de suas limitações. A inserção da preocupação com o respeito à lei é

uma variável decisiva que pode começar a limitar o campo de ação privada dos

condomínios. Contudo, veremos mais a frente na análise de outras reportagens que as

tensões envolvendo condomínio fechados e o poder público são muito comuns e estão

longe de serem resolvidas a curto prazo.

Gostaria de destacar a reportagem de 04 de Junho do jornal O Globo onde o

dirigente da Patrimóvel afirma que com seu empreendimento não pretende repetir os

erros da cidade. Com este discurso o setor privado pretende assumir de forma absoluta

o controle sobre a gestão urbana, evitando que nesta nova concepção equívocos co

passado, ainda que recente, não sejam cometidos. Entre estes equívocos podem estar

a aglomeração urbana, (os condomínios fechados da Barra da Tijuca são conhecidas

pela baixa densidade interna) e os seus problemas correlatos como violência,

degradação ambiental e formas de conflito que posam comprometer a qualidade de

vida que o morador de condomínio almeja encontrara. Nesta fala, a cidade deve ficar do

lado de fora.

Tal discurso não pode ser tratado como uma fantasia urbana, mas sim como

uma pretensão urbanístico-empresarial que começa a desfrutar progressivamente de

legitimidade social. A Barra da Tijuca que nasceu como uma experiência destinada a

corrigir as conseqüências do crescimento desorganizado de outros bairros, passa a

abrigar um discurso que se opõe ao seu próprio projeto, ainda que consideremos as

alterações sofridas ao longo da implementação do plano Lúcio Costa.

No depoimento seguinte de uma construtora que pretende com seu

empreendimento resgatar relações que ficaram perdidas na grande cidade, o

condomínio passaria a ser responsável pela implantação de relações comunitárias

entre os seus moradores. Neste sentido, segundo o enfoque publicitário, seria possível

que uma mãe tivesse o seu filho sendo levado para a escola por uma motorista com o

qual estivesse familiarizada, e os indivíduos deixariam de ser um número. Há uma clara

intenção de construção de identidades individualizadas, completamente diferentes das

individuações surgidas dos meios urbanos de massa.

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Aqui os indivíduos estão inseridos em teias de relações sociais tão complexas

que acabam ficando invisibilizados. As pessoas passam a se relacionar através das

suas funções ou em rápidos contatos que são insuficientes para assegurarem a

permanência de relações futuras. Busca-se nos condomínios a superação da distância

entre as pessoas que impera na cidade grande, tornando esta área residencial um

espaço à parte do restante da cidade, uma área de conforto pessoal e anulação das

tensões. Não por acaso, muitos condomínios já oferecem uma rede complexa de

serviços internos que incluem spas e áreas de relaxamento.

Esta pretensão comunitária é aquela criticada por Bauman, pois ao tentarem

recuperar relações harmoniosas perdidas com o passar do tempo, os moradores de

condomínios fechados recuperam um passado mitificado, que só existe como utopia

invertida da realidade. Estas relações nunca existiram de fato, pelo menos da forma

como são sugeridas no anúncio publicitário, e na fala de alguns moradores. O subúrbio

tomado como modelo espacial detentor de relações sociais de proximidade é uma

invenção publicitária que pretende criar paraísos urbanos em lugares de exceção, no

caso os condomínios, inventando pessoas e situações que ao se encontrarem muito

distantes dos contatos com a classe média alta que busca o condomínio fechado,

poderia converter em verdade a ideologia do isolamento social.

3. 5 - A fala sobre o público e a ação no espaço privado.

Uma das questões que têm sido levantadas por várias instituições a respeito do

crescimento dos condomínios fechados na Barra da Tijuca é a falta de uma delimitação

clara entre os espaços públicos e os espaços privados. Protegidos por acordos jurídicos

e alianças com o poder público, onde representantes políticos eleitos votam matérias

legislativas a favor do crescimento deste tipo de comércio, os condomínios fechados

têm travado uma batalha com alguns órgãos de fiscalização, e esta faceta integrante de

toda a problemática que cerca os condomínios começa a ser duramente criticadas por

pesquisadores e urbanistas que identificam os malefícios deste tipo de avanço

predatório.

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Na imprensa começam a ser mais comuns reportagens que denunciam estes

avanços. Porém, ao mesmo tempo em que a crítica é feita, logo em seguida o mesmo

órgão se encarrega de apresentar inovações e trabalhos realizados no interior destes

condomínios que colaboram para amenizar a sua ação indevida. Vejamos como estas

duas posições podem ser assumidas e as contradições implicadas por este discurso, e

adiantando uma conclusão a ser elaborada mais a frente, como a itinerância de uma

imagem sobre os condomínios contribui para o encobrimento das questões por ele

suscitadas.

A reportagem de 29/09/2005 retrata um mal estar que está sendo gerado para

moradores dos Condomínios Riviera e Mediterrâneo, que em função de um portão na

rua Gastão Formenti, transversal a Avenida Sernambetiba, eles corem o risco de terem

a travessia de balsa pelo canal de Marapendi bloqueada. Esta decisão gera um tipo de

impasse que é resultado da disputa sobre o espaço público que sempre vem

esclarecida pelas ferramentas jurídicas responsáveis pela regulação de conflitos. Senão

vejamos dois depoimentos de dois lados da disputa.

Carlos Henrique Jund, morador do condomínio Riviera afirma que “a rua é

pública, recorremos á Justiça para impedir o fechamento do portão, pois cerca de seis

mil pessoas utilizam este tipo de serviço há 25 anos” (Op. cit.) na mesma reportagem

uma Secretaria Municipal de governo, (como o jornal não informa, eu presumo que

possa ser de urbanismo ou obras) legitimou o portão no ano anterior. Para Adelton

Gunzburger, presidente da Amalinda “apesar do imenso movimento de pessoas em dia

de sol e reveillon, não vamos impedir a passagem. Sabemos que a rua é pública e

vamos legalizar o portão.66

Em duas reportagens de 27 e 28/04/2005 do Globo foi destacado um conflito

envolvendo o shopping Downtown e os seus consumidores, passando pela interferência

do governo do Estado. Os freqüentadores do Shopping estavam denunciando o

Downtown pela cobrança irregular do seu estacionamento, e a administração deste

Shopping, por sua vez, se defendia dizendo que ele não está registrado como

Shopping, mas sim condomínio fechado, e que neste caso o seu registro jurídico passa

de comércio para residência, ou seja, na condição de condomínio fechado seria 66 Frase que pareceria óbvia em outros contextos. No entanto, ao se tratar das formas da Barra da Tijuca, um dos bairros em que se verifica uma das mais acentuadas apropriações privadas de espaço público, este período pode ser considerado uma novidade.

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liberado qualquer tipo de cobrança por tratar-se de área privada, enquanto como um

comércio, a exploração do serviço é feita em área de circunscrição pública.

Por sua vez, a lei estadual 4.541 de autoria do deputado Gilberto Palmares, na

época sancionada pela governadora Rosinha Garotinho, isentava de pagamento quem

comprovasse gastos acima de dez vezes o valor do estacionamento. Para Sérgio

Zveiter, que na época ocupava o cargo de secretário de defesa do consumidor, “até que

a diretoria jurídica do PROCON analise todos os documentos, o shopping terá que

cumprir o que determina a lei. Caso não cumpra, poderá ter interditada as cancelas eu

dão acesso ao estacionamento” Com a decisão da lei o governo procurava aumentar a

sua arrecadação, considerando que o consumo feito dentro do Shopping poderia incluir

alimentação e entretenimento.

Apesar da pressão exercida pelo órgão do Estado, a indignação justificada dos

compradores e a reportagem denúncia, a cobrança irregular continuava sendo feita.

Nas duas reportagens acima (falo desta e do fechamento da rua), uma

característica pareceu-me bastante clara: a de que na Barra da Tijuca, qualquer disputa

sempre começa entre os segmentos particulares, e mesmo que o Estado seja

convocado para a atuar, a sua intervenção é sempre posterior ao episódio em questão.

O Estado é personificado como reativo, e sua ação dependerá dos desdobramentos

das batalhas que estão sendo travadas entre os particulares.

No primeiro o portão foi erguido com a anuência do poder público, de tal forma

que a uma associação responsável em defender os interesses de quem tomou a

iniciativa de fechar a rua se defende alegando que o portão só é fechado em um

determinado período do dia. No entanto, em áreas públicas, pela lei, um portão não

pode ser colocado entre áreas privadas, e no caso de uma barreira artificial em áreas

pública, cabe ao Estado definir o seu horário de funcionamento.

Na segunda reportagem vemos duas participações do poder público, ambas de

caráter reativo. No depoimento do Secretário de Defesa do Consumidor, garantindo o

uso de um direito inviolável, e na própria implementação da legislação que isenta a

cobrança do estacionamento uma participação oportunista do Estado, isso porque,

comprovada a sua incompetência de autuar um estabelecimento de porte em uma

região de prestígio na metrópole carioca, encontra como solução interferir na circulação

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de capital dentro do estabelecimento, definindo uma legislação que tribute o shopping

em benefício do Estado.

Entendo que esta decisão representa um pacto entre o Estado e o comércio,

onde mesmo punido, o comércio sai beneficiado porque não terá suas atividades

interrompidas, mas sim apenas uma diminuição na sua margem de lucros, e o Estado

com o discurso da ordem branda deixa claro a sua vinculação com o setor de serviços.

Em síntese, ao invés de executar uma lei em vigor, ele dobra-se diante do poder grande

capital e com ele negocia em bases favoráveis.

Apresentar os condomínios fechados não representa nenhuma distorção das

responsabilidades, que deveriam por dever de ofício, fazer parte das atribuições

estatais, pelo menos no entender da grande imprensa. Prova disto, é e tom de

entusiasmo de algumas reportagens aonde o setor privado aprece como força

competente para realizar o trabalho de fiscalização urbana ou em ações de

solidariedade acionadas pelos moradores de condomínios. Vejamos algumas destas

reportagens.

Para solucionar a questão dos engarrafamentos o Condomínio Rio 2, um mega

condomínio recentemente construído na Barra da Tijuca, discutiu, segundo reportagem

de 17/01/2005, uma reestruturação do sistema de transportes já que o grande fluxo de

veículos oriundos desta área estaria ampliando os já tradicionais engarrafamentos no

bairro. O presidente da Câmara Comunitária da Barra, Delair Dumbrosck, diz que a

grande quantidade de ônibus fretados aumenta os congestionamentos da cidade, além

de representar 23% dos custos do condomínio.

Mediante um problema que afeta toda a cidade, como foi reconhecido por Delair,

uma das associações de moradores da Barra da Tijuca, e não o poder público, tomou

as rédeas dos assuntos e já começou a indicar soluções. O poder público que é o

responsável pela administração do espaço público, sequer é levado em consideração

no arranjo que se propõe implementar. A figura do Estado aparece aqui bem traduzida

pela expressão do Estado guarda noturno usada por Robert Nozick (1997), ao se referir

as novas, e poucas, responsabilidades públicas do Estado na nova ordem neoliberal.

Um dos sinais da autonomia dos condomínios na oferta de serviços infra-

estruturais está no provimento dos serviços de ônibus, que a partir dos condomínios

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fechados, alcança vários pontos da cidade. A matéria de 17/11/2005 “O conforto faz

ponto na porta de casa“ é aberta pela afirmação categórica de que conforto, segurança

e rapidez são as três qualidades mais expressivas de quem usa o serviço de ônibus

para vários pontos da cidade, como o centro, a zona sul.

Entretanto, aparece nesta reportagem um depoimento crítico dirigido à falta de

horários mais flexíveis, pois segundo a sua autora, a estudante Eduarda Modesto, que

mora no Parque das Rosas “da zona sul pára cá, a espera pelo ônibus é demorada e as

vezes eles vêm cheios. Além disso, ficamos presas pelos horários, pois ele circula

apenas até as 20Hs.”

A fala da estudante é a de uma usuária especial dos transportes na cidade.

Como desfruta de um serviço privado, este deveria estar adaptado as suas vicissitudes

funcionando de acordo com o horário do seu usuário diferenciado, e não obedecendo a

padrões convencionais de circulação dos meios de transporte. Este exemplo pontual é

sintomático do sentimento de pertença que esta classe média experimenta, uma classe

que se desloca pela cidade em circuitos fechados cada vez mais legitimados pelas

circunstâncias em que estão inscritas. Esta legitimação também pode ser percebida no

discurso despolitizado da imprensa que pretende apenas destacar as demandas

locacionais dos moradores de condomínio fechados. Esta questão aparece com

bastante ênfase nas análises feitas sobre as entrevistas que eu realizei.

Não é só no campo dos transportes que a iniciativa privada tem sido bem

avaliada pela opinião pública, vide divulgação jornalística. Em reportagem de

27/11/2005 os moradores da Rua jornalista Pierre Plancher decidiram adotar e custear

a manutenção das duas pracinhas existentes. Toda a ornamentação da praça, que

incluí plantio de canteiro de flores e reforma do coreto foi realizada pela Associação de

moradores do Condomínio Barra Linda. Esta iniciativa evitou, segundo um dos seus

moradores, que estas áreas se transformassem em pontos de venda de drogas.

Uma outra dimensão que tem sido acatada pelo condomínio fechado é o trabalho

voluntário e a preocupação ecológica. Em reportagem de 06/03/2005 o Colégio Anglo-

Americano um dos mais tradicionais colégios da cidade, e localizado dentro do

condomínio Nova Ipanema, um dos primeiros no bairro, abriu naquele ano uma turma

de alfabetização de adultos.

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O objetivo do curso, segunda sua coordenação é instrumentalizar os seus

alunos para o exercício de tarefas rotineiras, e os resultados começavam a aparecer.

Este saldo social, por sua vez, não revela algumas de suas prováveis intenções, dentre

as quais ampliar a participação dos funcionários nas tarefas do condomínio, tornando-

nos mais vinculados à estrutura empregatícia. A coordenadora do curso, Cátia Couto,

afirma que a educação de adultos é uma superação de limites, e que , tal fato aparece,

por exemplo, no caso de um aluno, que é porteiro, que pediu para sair mais cedo para

acabar de lavar carros. Ele representa, de fato, a ideologia do trabalhador total,

educado e disciplinado para o cumprimento de suas obrigações. Ademais, a tarefa da

alfabetização, em qualquer nível de ensino, é, segundo a Constituição, de

responsabilidade do Estado. Tais fatores, entretanto, não são levados em consideração

na reportagem.

Em matéria de 08/12/2005 a iniciativa coube a Construtora Carmo e Calçada,

que passou a educar os seus operários entre 18 e 60 anos que trabalham no canteiro

de obras do condomínio Rio 2. Este projeto que conta com o apoio do Sesi, vem sendo

desenvolvido em todos as obras da construtora desde 2001, e segundo a professora

responsável pela projeto na Barra da Tijuca, “ o mais importante é a formação do

cidadão “. Munidos de capacidade de leitura e escrita, estes funcionários poderiam se

precaver dos acidentes de trabalho ao poderem ler as informações nos canteiros de

obras. Perfeito. Ao invés de serem ampliadas às condições para a segurança dos

trabalhadores, investe-se em “capital humano”, que por conta própria previne-se das

possíveis ameaças futuras. È uma estratégia de desoneração do Estado comodamente

veiculada pelos veículos de imprensa.

Outra proposta de trabalho voluntário, este ao nível interno dos condomínios,

está em curso no condomínio Beverly Hills, onde os trabalhadores têm trabalhado em

conjunto com o intuito de colaborar com uma administração mais transparente.

Segundo a reportagem, como um campo minado de conflitos estas iniciativas têm

contribuído para a formação de um ambiente mais pacífico e democrático. Esta

atividade seria um reflexo dentro dos condomínios das várias atividades voluntárias em

curso na sociedade civil. Não a toa, o presidente da associação brasileira de

administradores de imóveis fala sobre uma melhoria nas relações comunitárias.

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Estas iniciativas procuram convencer os seus participantes de que estão sendo

recriadas relações de convivência de cunho comunitário, onde todos podem se sentir

mais integrados em torno de objetivos comuns, atualizadas por responsabilidades mais

contemporâneas, de cunho democrático e preocupadas com a transparência de

procedimentos. È como se dentro destes condomínios fosse feito um filtro das relações

de solidariedade que estão sendo desenvolvidas na sociedade civil, adaptando-nas as

demandas dos seus moradores, que podem até mesmo espelhar valores semelhantes

aos da “sociedade aberta”.

Recorrendo mais uma vez as reflexões de Bauman, a comunidade criada

internamente á uma inversão da sociedade civil depurada dos seus defeitos e neste

caso, maximizando as suas virtudes. Um princípio da ordem pública democrática como

a transparência converte-se em instrumento de solidariedade acionada para várias

situações. Ele pode ser visto na colaboração das mães entusiasmadas com a

remodelagem do parque das crianças e na fiscalização das contas dentro dos

condomínios.

Na frente ecológica os condomínios também estão a plenos vapores. Em

reportagem de 06/07/2006 a coleta seletiva de lixo que passou ser feita por alguns

condomínios se transformou em lucro para os condomínios. Um exemplo é o

condomínio Atlântico Sul, que contratou uma ONG chamada Reviverte, especializada

em reciclagem de lixos para orientar os funcionários sobre os diferentes tipos de

detritos. A coleta passou a ser regular, e para Lúcia, que de tão empolgada com a

iniciativa comprou quarenta cestas básicas para funcionários do prédio “é importante

conscientizar as pessoas da importância de preservar a natureza”. E arremeda, num

discurso tipicamente pequeno –burguês, que “estamos cumprindo a nossa parte”.

As ações privadas acionadas pelos condomínios fechados põem em cheque

algumas responsabilidades do poder público, ainda que se queira afirmar o contrário.

Logo ações de solidariedade não seriam um mal em si, pois não se busca aqui um

purismo das intenções que estão por detrás de iniciativas como estas. No entanto, os

segmentos formadores de opinião, como a imprensa, parecem navegar em correntes de

pensamento que acreditam no potencial espontaneísta da sociedade civil, como se nela

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estivessem de forma embrionária uma capacidade latente de resolução autônoma das

mazelas sociais.

Neste cenário, os depoimentos sobre os êxitos da iniciativa tendem a destacar a

sua proeminência frente a incompetência do poder público, que se não está enunciado

claramente, está refletido por um imaginário pró-privado. Não é por caso que em um

bairro que tem sido modelado por investimentos da iniciativa privada uma retórica como

esta tenha tanta ressonância, e o que veremos mais a frente em outras reportagens

que apontam exemplos de novos empreendimentos, cada vez mais complexos, em

curso na Barra da Tijuca, é um indicativo da desnecessidade do espaço público

sugerido nesta dinâmica de incrementação da cidade.

Duas reportagens, uma de 17/09/2006 e outra de 22/10 do mesmo ano, apontam

irregularidades nas obras de infra-estrutura que preparavam a Barra da tijuca para

sediar as instalações dos jogos Pan-americanos a serem realizados no ano seguinte.

Segundo a reportagem, a União, o Estado e a Prefeitura teriam que gastar duzentos e

trinta e oito milhões de reais a mais do que planejavam inicialmente para concluir as

obras das instalações esportivas. Várias justificativas foram sendo oferecidas pelos

técnicos entrevistados para sustentarem a implementação de orçamentos extras.

A reportagem sugere um contraponto nas irregularidades ao apresentar um

quadro bem mais racional nas obras que estão sob responsabilidade da iniciativa

privada. A GL Events, responsável pelas obras do Riocentro, e que assumiu as obras

em troca de uma concessão de exploração do centro de convenções por cinqüenta

anos justifica o seu mérito profissional afirmando que trabalha com uma equipe de

dezoito pessoas que estão detalhando todos os projetos e orçando cada item, e que

este investimento já está incluindo no orçamento do Pan. Mais uma vez, a imprensa

tenta sugerir que de um lado está a iniciativa privada amparada por uma racionalidade

técnica exeqüível, e do outro, o Estado ineficiente e clientelista.

O que fica de fora desta análise é, talvez, a sua característica central: o Estado

só realizou os jogos Pan Americanos por causa dos seus acordos empresariais com a

iniciativa privada. A preparação dos jogos Pan americanos foi um pontos programáticos

que a cidade cumpriu dentro do receituário de adoção de medidas que visam inserir o

Rio de Janeiro dentro do circuito de trocas globais que envolvem as cidades no mundo

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inteiro. Nesta lógica, as cidades cumprem tarefas que tenham relação com um

receituário de investimentos globais, destacando a participação do setor financeiro e de

grandes investimentos imobiliários. Um destas tarefas é a realização de eventos

internacionais como os Jogos Pan Americanos. As cidades passam a incorporar uma

lógica que Sanches (2004) chamou de Market Cities, isto é, cidades voltadas para o

mercado.

Dentro desta lógica do capital internacional a Barra da Tijuca vem consolidando o

seu papel de áreas de expansão urbana, ainda que na imprensa esta associação não

apareça. Este crescimento, por sua vez, nem sempre é acompanhado pr processos que

atestem um crescimento racional com bom uso dos recursos disponíveis. Prova disto e

a reportagem de 13/11/2005 que denunciava a invasão de áreas verdes por casas da

classe média alta. Epigrafada pela expressão do prefeito César Maia, ilegal e daí? , ao

se referir a denúncia feita pela imprensa carioca de quem um prédio de oito andares da

rocinha ameaçava o verde e a vida de alguns moradores dentro da favela, esta

reportagem começa dizendo que nem sempre de tijolos aparentes ou madeiras são

feitas casas em situações irregulares no Rio, pois tal como nas favelas, existem

novecentas residências construídas em onze das nove ilhas da Lagoa da Tijuca onde

só poderiam ser erguidos clubes e restaurantes.

A alegação feita pelos construtores é de eles pagam IPTU e, ainda assim, não

possuem licença da Prefeitura. A Prefeitura alega que muitas destas casas estão sendo

construídas em áreas de proteção ambiental do Sacopã, e por isto, não possuem

licença. Estes casos pontuais parecem ser suficientes para que o poder público sinta-se

satisfeito para articular a sua ofensiva contra obras que formam um patrimônio natural.

O conjunto de irregularidades que está base de expansão dos condomínios não

aparece no seu horizonte de críticas. Ademais, a infeliz frase cunhada pelo Prefeito

contradiz a sua iniciativa ao, supostamente, compreender a construção irregular

baseada na carência social por moradias. Nesta outra ponta da cidade do capital, como

diria Lefebvre, a justificativa seria o empreendedorismo urbano.

As últimas reportagens que eu vou analisar abordam aquele que talvez seja a

grande mensagem que a Barra da Tijuca, na condição de bairro diferenciado, tem

transmitido aos seus moradores e ao conjunto de moradores da cidade: ela forma uma

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totalidade urbana autônoma. Desta forma, é possível falar que alguns

empreendimentos imobiliários na Barra da tijuca dispõem de tamanha infra-estrutura,

que os seus promotores têm falado na existência de pequenos bairros circunscritos

pelos seus limites artificiais.

Esta proposta, na verdade, fortalece a ideologia de qualidade total divulgada

pelos condomínios fechados da Barra da Tijuca, que desde o seu nascimento,

localizado no final dos anos setenta, pretendia criar nos seus limites uma infra-estrutura

tão plena que permitiria aos seus moradores uma vida onde tudo poderia ser obtido

pelo condomínio.Esta ideologia da qualidade total vem sendo aperfeiçoada pelos

promotores imobiliários que são os principais responsáveis pela renovação da feição

urbana do bairro.

O papel da imprensa neste processo me parece ser o de divulgar esta tendência

como se esta tivesse a cargo de um crescimento esperado do bairro. Não pretendo

apresentar a imprensa na minha análise como a responsável pelos valores que estão

em circulação na cidade, e de forma mais específica, na Barra da tijuca. Pretendo

sustentar, contudo, que a sua atuação não é ingênua e imparcial como pretendem

muitos, principalmente, os jornalistas. Ocupo-me das representações que o texto

jornalístico tem criado sobre e para a cidade, afunilando as representações daí

advindas nas práticas em voga no noticiário sobre o bairro.

Na reportagem de 03/04/2005 o jornal O Globo apresenta um crescimento da

Barra da Tijuca em direção ao seu interior, do lado oposto da praia. Os novos

empreendimentos parecem seguir os caminhos apontados pelo plano Lúcio Costa,

mirando investir na direção oposta da praia, fazendo uma interiorização do bairro.

Seguindo esta tendência primeiro apareceu o Rio 2, que desde 1999 já conduziu duas

mil famílias para morarem em vinte dos cem prédios construídos próximos ao

Autódromo. Outros investimentos estão em curso, como a cidade da música e a Vila

Pan-Americana, na época em construção, representando assim uma tendência da Nova

Barra.

Em depoimento, o publicitário Albano Alves Filho, que depois de ter morado no

condomínio Santa Mônica decidiu se mudar para a península, mesmo estando a par

dos inconvenientes que iria enfrentar, como o excesso de mosquitos. No entanto, tal

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risco valia a pensa ser enfrentado para se ter a sensação de voltar a morar na “Barra do

passado.”

Há uma enorme confusão produzida por esta entrevista, e com ela corre-se o

risco de uma percepção equivocada do que foi a Barra planejada por Lúcio Costa e o

redirecionamento dos investimentos do capital imobiliário para o bairro. São processos

distintos, pois enquanto o primeiro buscava, ainda que a meu ver de forma elitista, uma

integração daquela região com ela mesma e com o restante da cidade através do

aproveitamento racional do terreno, daí a opção pela interiorização, sem contudo,

abandonar o litoral, o segundo processo é uma tentativa , pelo jeito bem sucedida, de

fragmentar o bairro com a construção de mega empreendimentos voltados para si

próprios , sem nenhum interesse em integrar-se ao bairro.

A Barra da Tijuca do passado que aprece na fala do morador é a tentativa de

atualizar um passado mítico composto por situações que não serão repetidas. A

imprensa reproduz este discurso como se a Barra da Tijuca de hoje pudesse aproximar

o velho do antigo aprimorando-o. É um investimento ideológico que tenta transportar do

imaginário para o real expectativas criadas pela propaganda imobiliária. O próprio

tempo de vida da Barra da Tijuca é bastante curto para daí se tirar um embate tão

intenso entre tradição e modernidade.

A última informação trazida pelas reportagens que eu selecionei diz respeito a

uma situação que mereceu tratamento destacado na minha pesquisa, que é a presença

de administrações profissionais dentro dos condomínios. A matéria de 08/09/2005

destaca que no condomínio Rio 2 foi contratado um funcionário destacado para resolver

conflitos dentro dos condomínios. A lógica desta contratação vem do fato de que, para

o juiz arbitral e morador do condomínio seja “natural que surjam divergências quando

cerca de seis mil pessoas habitam o mesmo espaço. Por isto é necessário ter um

profissional de fora do condomínio, especializado em legislação e boa conduta, para

resolver possíveis desentendimentos”.

Para a administração do condomínio o segredo é encarar o condomínio como

uma empresa. (Grifo meu).

A ordem privada dentro dos condomínios revela aqui a sua face empresarial.

Dada a sua complexidade este empreendimento precisa estar de acordo com as novas

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tendências do mundo incorporando serviços que sejam simultaneamente impessoais e

personalizados, que atendem um coletivo que transcende aos limites da relação familiar

e, que por fim, tenha metas de uma empresa onde se possa combinar investimento,

relacionamento e lucro. Os valores do capitalismo tardio são reportados pela

reportagem.

A valorização do privado é muito recorrente na Barra da Tijuca. No privado as

coisas costumam funcionar, e sobre este espaço repousam formas de controle que

facilitam o acesso do seu morador. Podemos perceber uma dicotomia entre o público e

o privado. Enquanto costuma-se ter do público a imagem das coisas que não

funcionam, vide o imaginário altamente negativo do funcionalismo público no Brasil, o

privado costuma espelhar a velocidade, a fluidez e a prestação de contas. Aliás, é muito

sintomático que a categoria prestação de contas sustente a lógica do bom

funcionamento dos condomínios fechados.

Sua eminência sinaliza a existência de uma ordem privada. Até então, prestação

de contas associada à transparência, costumava aparece nas reivindicações por

moralidade pública, nas críticas, por exemplo, aos escândalos de corrupção, ou na

lógica interna das empresas. No caso pontual dos condomínios é como se fosse

possível a fusão das duas lógicas, territorializadas pela conveniência dos seus

moradores. O termo empresa, e os sentidos que lhe são subseqüentes são

apresentados nesta reportagem como se esta pretensão fosse uma requisição local,

logo, destituída de articulação com uma lógica em curso de modificação dos sentidos

dos espaços públicos e privados.

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CAPÍTULO 4 – Barra da tijuca: as formas de interação em condomínios fechados.

O morador da Barra da Tijuca é uma espécie de personagem urbano de quem

muitos falam, e no fim, poucos conhecem. Sobre ele existe uma espécie de imaginário

urbano que divulga certas imagens que se convertem em verdade na medida em vão

sendo consagradas por um certo saber do senso comum. Na mídia, nas conversas

informais e na própria academia de pesquisadores, todos têm suas impressões sobre

este novo ser da urbe, viciado no consumo e morador amedrontado de condomínios

fechados. Deste imaginário saem as suas tipificações mais específicas: emergente,

novo rico, brega, americanizado, deslumbrado, termos que em suas caricaturização do

real revelam-se quase similares. Estas construções podem ser operatórias na definição

de um anedotário urbano, no entanto, contribuem muito pouco para a análise dos

modos de vida destes moradores.

Uma análise rigorosa das relações entre os moradores de condomínios fechados

seja entre eles ou com outros moradores nos lugares de encontro do bairro como os

shoppings centers, ainda não foi feita. Até agora os trabalhos tem se voltado para a

identificação dos fatores que tornaram a Barra da Tijuca um problema urbano, e desta

forma incluí-la no processo de segregação sócio-espacial que está em curso na

metrópole carioca.

Eu também acompanho os trabalhos que apontam os efeitos que a opção

condomínio fechado tem produzido no tecido social da metrópole do Rio de Janeiro, e

da mesma forma, acredito que existe um modelo de confinamento residencial que

procura responder as formas de crescimento das cidades latino-americanas, para

ficarmos apenas na escala regional, encerrando segmentos de sua elite em áreas

cercadas por rigorosos aparatos de segurança voltados para a criação de um ambiente

a parte do restante da cidade. Considerando uma série de variáveis que cercam o

crescimento dos condomínios fechados, as questões aqui apontadas parecem ser

minimamente aceitas entre os estudiosos da área de planejamento urbano e de

sociologia urbana.

A meu ver, entretanto, falta um complemento a estas análises, a ser feito em

estudos munidos por materiais empíricos que possam identificar como estão sendo

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estruturadas as relações entre moradores de condomínios fechados e destes

moradores com outros espaços do bairro. Estas relações estão balizadas por valores

que organizam a convivência entre moradores que determinam com quais grupos se

identificarão, e com quais grupos deverão guardar distância. A distância erguida entre

estes moradores, integrantes de um macro agrupamento interno de pessoas com quem

a princípio guardam relações de afinidade, e os moradores da “cidade aberta”

residentes em bairros com menor padrão de vida têm criado tensões, por vezes

veladas, e em outros casos explícitas, que, no fundo, escamoteiam perspectivas

diferentes sobre a cidade.

No meu trabalho eu procuro mostrar que existem fatores concretos presentes

nas falas e ações dos moradores de condomínios fechados que justificam a constante

acusação feita por estudos específicos e uma determinada “opinião pública” de que

eles vêm construindo uma concepção de cidade em oposição a idéia mais comum que

se tem de cidade, entendida como uma formação territorial ocupada por indivíduos em

relações complexas de complementaridade.

No entanto, condicionar a segregação residencial na cidade do Rio de Janeiro e,

por extensão, identificar a Barra da Tijuca como o único lugar em que se manifesta um

discurso e uma prática anti-cidade é reduzir demais a escala de fatores que envolvem o

fenômeno da segregação. Existem outras regiões da cidade aonde são produzidas

intenções da mesma ordem, em que se procura afastar o contato com vizinhos

indesejáveis. Nestes lugares, as estratégias podem ser diferentes, mas as

preocupações que guiam as suas iniciativas fazem parte de um imaginário maior sobre

a cidade que atualiza o medo urbano agora justificado como aversão a novos

personagens desagregadores da ordem. Se na virada do século XIX para o XX os

capoeiras e vagabundos formavam o grupo a ser combatido, hoje em dia o “problema“

está nas favelas e nas suas populações estigmatizadas.

No que diz respeito à Barra da Tijuca, a contraposição entre a cidade imaginada

e a cidade real está fundamentada em diversas questões, dentre as quais aparecem

com bastante destaque o fator renda e a faixa etária. Estas duas variáveis não

aparecem separadas, já que se costuma tomar o morador da Barra da Tijuca como

integrante de um grupo social, adulto, e notoriamente segregacionista. A segregação

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existe, está presente, por exemplo, na variedade de equipamentos disponibilizados

pelos condomínios, alguns mais sofisticados do que outros. Esta complexidade

estrutural faz parte do pacote de amenidades que o morador adquire quando opta por

morar em ambientes que possam lhe oferecer serviços que se fossem buscados do

lado de fora exigiriam desgastes que eles pretendem não enfrentar.

A complexidade deste universo material está integrada aos setores de serviço do

bairro, ampliando assim a sensação de auto-suficiência dos seus moradores. A

complexidade de infra-estrutura de alguns condomínios, alguns por mim estudados,

muitas vezes dispensa o morador da necessidade de se deslocar dos seus domínios

domésticos para o consumo de produtos do varejo, como alimentação e bebidas. È um

modelo que aperfeiçoa a lógica do delivery, difundida em vários bairros da cidade, onde

o morador requisita a entrega do produto na sua residência. A sofisticação dá-se pela

pelo fato do comércio onde se obtém o produto encontrar-se dentro do próprio

condomínio, destacando desta forma a multiplicidade de usos presentes neste espaço.

Sem ter comigo uma estatística com dados precisos sobre as compras à distância é

possível afirmar, de acordo com as entrevistas realizadas, que o morador da Barra é

alguém que, por opção, busca maximizar as relações sociais dentro de domínios que

lhe sejam mais imediatos, no caso no próprio condomínio, que para muitos significaria a

relação ideal, ou então na ida aos shoppings centers em busca de lazer e consumo. O

afastamento do bairro está quase sempre relacionado às obrigações trabalhistas, já que

a grande maioria dos moradores da Barra da Tijuca trabalha em outros bairros.

No entanto, mais importante do que simplesmente enunciar a estrutura para a

partir daí se supor o envolvimento que os seus moradores terão com a mesma, é

fundamental que se investigue como efetivamente os moradores de condomínios

fechados têm interagido com o seu setor de serviços interno, com as ofertas externas

do bairro, ainda que fechadas, para desta forma serem tiradas conclusões que apontem

os modos de vida que estão em curso dentro destas micro realidades que são os

condomínios fechados.

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4.1 – Metodologia das entrevistas.

A Barra da Tijuca representou um grande desafio. Afina de contas, escolhera um

objeto localizado dentro de um bairro que nos últimos vem recebendo todas as

tipologias possíveis, conforme já asseverei no item acima. Mais do que uma empreitada

acadêmica em meu debruçava com a dificuldade de adentrar um território composto por

vários territórios dotas de conteúdos valorativos e símbolos de prestígio. Esta última

característica, inclusive, costuma se destacar pelo fato de morar na Barra da Tijuca

estar associado a morar com conforto e segurança. Este duplo registro iria me

acompanhar durante todo o trajeto da pesquisa, e mesmo a sua conclusão ainda deixou

indagações que precisarão de outras investigações, já que um objeto tão intrigante

quanto recente não pode ser satisfeito na sua primeira tentativa.

A sociologia, como diria o Sociólogo americano Peter Berger,67 está sempre

movida por uma curiosidade que se justifica pela necessidade de se olhar a realidade

de forma distinta revelando, desta forma, aspectos encobertos pela tradição e pré-

noções que sustentam realidades consensuais. Neste sentido, a Sociologia notabilizar-

se-ia como a ciência cuja meta é enfrentar o mundo na sua aparente obviedade,

desfazendo certezas e deixando claro que as coisas não são aquilo que aparentam ser.

Este princípio deve nortear o olhar crítico da sociologia, e o sociólogo deve se

comportar como um ser eternamente insatisfeito com as informações que lhe chegam

do mundo empírico. Afinal de contas, aquilo que a sociologia entende como empírico é

uma formação social específica revelada por investigações cuidadosamente orientadas

por conceitos validados ao longo de sucessivos exames das relações que os indivíduos

estabelecem entre si mediados por seus interesses e localizados em tempos e espaços

específicos. Estas conquistas não seriam possíveis sem uma rigorosa metodologia de

pesquisa.

Sendo assim, a Barra da Tijuca surgiu inicialmente como uma preocupação de

um morador da cidade do Rio de Janeiro que levantava suspeitas sobre a contribuição

deste bairro para a formação de representações sobre a vida na cidade, para longo em

seguida , na medida em que fui me familiarizando, primeiro com um material teórico e

67 BERGER, Peter. Perspectivas Sociológicas. Rio de Janeiro : Vozes, 1963.

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depois com dados da pesquisa, como uma realidade sócio-espacial que só pode ser

compreendida na sua articulação com fatores socialmente produzidos, nem sempre nos

limites deste bairro. Esta lógica de integração territorial, mesmo marcada pela

reivindicação de uma distância relativa em relação á outros bairros que, a princípio,

retira da Barra da Tijuca a exclusividade na produção das questões que movem os seus

moradores, por sua vez, aponta para o fato de que nos espaços destes bairros, em

especial nos condomínios fechados, estão em gestação relações idiossincráticas que

só possuem sentido se vistas de dentro para fora. Feito este movimento, eu pude

enfrentar algumas das minhas pré-noções e encontrar algum alívio por ter feito o

movimento de desconstrução inquietante que baliza as orientações teóricas que

procuro recorrer para pensar sociologicamente.

Como eu poderia entrar neste campo, já que ao longo da minha trajetória nunca

havia freqüentado a Barra da Tijuca e como conseqüência não desenvolvi quaisquer

laços afetivos com este lugar. Deveria ir sozinho ao campo e procurar me informar

sobre os seus moradores em lugares que eles pudessem freqüentar, como os

Shoppings Centers? Esta alternativa pareceria tanto ingênua quanto inútil, senão

mesmo absurda, já que eu continuaria sendo um estranho e ainda correria o risco de

ser confundido com uma espécie de voyeur do mercado de consumo local.

Deveria buscar outros caminhos mais profícuos e cheguei a conclusão de a via

de acesso a Barra da Tijuca poderia passar por amigos que tivessem amigos neste

bairro. O uso do intermediário tão consagrado nas dinâmicas de socialização que

formam os vínculos típicos de uma sociedade relacional como definiria Roberto da

Matta68, demonstrou ser a escolha mais adequada. O caminho seguinte seria

estabelecer uma ferramenta de investigação das relações que eu buscava entender e o

lócus de suas manifestações já que o meu universo de possibilidades era muito vasto

por se tratar de um estudo em residências que representam quase a totalidade do

modelo de moradia do bairro.

Comecei a realizar os contatos com semanas de antecedência a minha entrada

no campo. Esta iniciativa não teve a resistência de nenhum dos moradores, pois

mesma a distância tive condições de expô-las a natureza do meu trabalho e

68 DA MATTA, Roberto. Carnavais, Malandros e Heróis – por uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro : Rocco, 1991.

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compatibilizar a minha ida as suas residências nos horários de suas conveniência. Devo

ressaltar que a maior parte das entrevistas foi feita durante a semana, logo, em horários

de compromissos dos meus entrevistados.

As entrevistas foram gravadas e suas perguntas foram previamente formuladas

sem um modelo de um questionário fechado. Procurei montar uma espécie de roteiro

com as questões que poderiam ter motivado a vinda do morador para a Barra da Tijuca

e outras que abordassem as formas de relações dos moradores com o bairro e as sua

expectativas com o mesmo. A primeira entrevista foi uma espécie de piloto, e caso o

seu resultado ficasse muito distante das metas estipuladas seu modelo seria trocado.

Com o seu êxito pude mantê-lo e assim foi a até a aplicação do último questionário.

4.1.1. – A seleção dos moradores e dos condomínios fechados

A seleção dos entrevistados obedeceu a uma grande preocupação: atingir uma

diversidade sócio-cultural de moradores, mesmo tendo em vista que os resultados

pudessem me conduzir ao reconhecimento de um padrão sócio – ocupacional

determinado por um conjunto de hábitos minimamente pactuados por estes moradores.

Longe de ser uma contradição este princípio parecia-me alinhado com algumas

informações que obtivera do bairro antes da minha entrada nos condomínios que

indicavam uma diversidade social entre estes moradores. Ainda que a Barra da Tijuca

figure como bairro detentor de um dos maiores IDHs69 da cidade, a sua população não

é economicamente homogênea. Neste sentido a Barra da Tijuca não se diferencia de

outros bairros cariocas que cresceram dentro de um modelo de cidade, que como bem

asseverou Abreu (2006), tem suas áreas centrais dotadas de recursos e as periféricas a

margem dos investimentos públicos. A ampliação do crescimento desigual da cidade

fortaleceu a segregação urbana, e sem dúvida, a Barra da Tijuca tem colaborado para

esta situação. Em função do reconhecimento de que este bairro não é uma unidade

isolada no território procurei verificar as possibilidades dos múltiplos envolvimentos da

população com os espaços do bairro.

69 È o índice utilizado pelas prefeituras para medir o nível de desenvolvimento social dos bairros.

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Neste sentido entendo que o condomínio onde o morador da Barra da Tijuca

reside é determinante nos seus fluxos, sejam eles circunscritos ao próprio bairro ou até

mesmo para deslocamentos de maior distância. Os condomínios selecionados são

diversos em suas infra-estruturas e localização espacial, haja vista que existe uma

espécie de hierarquia dos condomínios da Barra explicada pela dotação de recursos

que eles dispõem e da proximidade à espaços consagrados no bairro. Neste caso, são

muito valorizados os condomínios localizados na Avenida Sernambetiba que margeia a

praia da Barra da Tijuca. È bem verdade que condomínios mais afastados dentro do

bairro recebem elevada dotação econômica e simbólica, como é o caso do Pedra de

Itaúna , dividido internamente entre prédios e mansões. Como não entrevistei

moradores deste condomínio ou de outros que a ele se assemelhem não posso tirar

nenhuma conclusão, mesmo sabendo que esta ausência possa provocar limitações aos

achados da minha tese.

Segue abaixo alista de condomínios investigados e uma foto aérea que permite

suas respectivas localizações:

Solar da Barra : localizado na Rua Vilhena de Moraes, próximo ao Shopping

Infobarra na Avenida das Américas. Sua estrutura interna é considerada mediana, se

compararmos com o modelo de Condomínio padrão na Barra da Tijuca, onde se

destacam grandes condomínios antigos como o Novo Leblon, e os condomínios de luxo

mais recentes como o Golden Green, muito conhecido no bairro, pois nele mora uma

parcela da elite emergente da Barra da Tijuca, como atores de televisão e jogadores de

futebol. A área interna do condomínio é formada por uma grande piscina, uma

churrasqueira junto à área de lazer com bar e um pequeno parque, além de uma sauna

e estacionamento. A facilidade destacada pelo morador entrevistado é a proximidade

com o Infobarra, (fato que também foi destacado pelos moradores de outros

condomínios vizinhos que estão localizados nesta grande foto), um grande shopping de

informática que é uma referência no bairro. Na grande foto abaixo o condomínio Solar

da Barra é o segundo da Rua Vilhena de Moraes.

Nau da Barra: também localizado na mesma Avenida, dispõe de estrutura muito

similar, embora suas dependências sejam mais modestas. Nele podemos encontrar

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piscina, sauna, quadra poliesportiva, bar, geralmente de uso exclusivo dos moradores.

È o primeiro condomínio fechado da Rua Vilhena de Moraes.

Portal do Parque : paralelo a Avenida das Américas, fica na rua Carlos Oswald,

número 230. Pode ser considerado um condomínio pequeno na Barra da Tijuca, tanto

pela dimensão espacial (foi o menor condomínio onde estive) quanto pela infra-

estrutura de lazer e serviços. Dentro de suas dependências existem uma área de lazer

com quadras poliesportivas, um pequeno espaço para festas com salão, churrasqueira

e parque para o uso das crianças, além de estacionamento. Os menores condomínios

são apontados como positivos pelos moradores pela facilidade dos pais fiscalizarem a

movimentação dos seus filhos, fato considerado imprescindível quando o segmento

etário em foco são as crianças e adolescentes, considerados pelos próprios pais frágeis

para circularem sozinhos pelo bairro, ainda que nas suas imediações. Na foto abaixo é

o segundo condomínio da Rua Carlos Oswald.

Vivendas do Bosque: localizado na Rua José de Figueiredo, na foto é o grande

condomínio de casas vizinho a rua Vilhena de Moraes. Apesar da morar na rua Arthur

Bernardo Filho, este logradouro não aparece na foto, mas ele pode ser indicado como

paralelo a rua Emílio Wolff, localizada dentro dos domínios do condomínio. Procurei

justificar sua ausência por uma questão formatação, já que além de mostrar nestas

fotos as residências eu busquei a visualização do conjunto de serviços dos seus

entornos. O Vivendas do Bosque é um mais antigos condomínios da Barra da Tijuca,

tendo sido construído no final dos anos setenta. Formado exclusivamente por casas,

seus moradores destacam as vastas áreas internas das casas, fato pouco comum na

Barra da Tijuca, e uma área de lazer situada no fundo do condomínio, que incluí quadra

poliesportiva, parque e churrasqueiras.

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Figura 6 – Na foto acima podem ser visualizados os quatro condomínios citados anteriormente. Fonte: Armazém de dados, Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro.

Green Coast: fica próximo a ponte Lúcio Costa e suas dependências possuem

áreas de lazer como as outras já descritas, saunas e uma vasta garagem. (localizar

mapas).

Terrazas: fica na Avenida Sernambetiba, sem proximidade com shoppings, de

frente da praia e sua estrutura dispõe de uma área de lazer, com o detalhe curioso que

sãos as piscinas privativas. (verificar se a localização do mapa está correta).

Barramares: localizado na Avenida Sernambetiba número 3300, é um dos

grandes condomínios da Barra da Tijuca. A proximidade com a praia é tratado como um

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dos grandes trunfos pelos seus moradores, já que ela costuma ser apontada como um

dos orgulhos do bairro. Dispondo de todos os serviços e lazeres descritos em outros

condomínios, que no Barramares aprecem em dimensões maiores, este condomínio

dispõe de um expressivo setor de serviços internos, que incluí uma locadora, salões de

beleza, um mini mercado, tudo demarcado por uma divisão interna peculiar: uma certa

facilidade de adentrar no portão principal e o acesso altamente controlado aos

condomínios internos. Assim como outros grandes condomínios da Barra da Tijuca, o

Barramares é muito procurado pelos moradores do bairro, em especial seus vizinhos

para fazerem compras no seu mini mercado. Na foto abaixo é o condomínio que produz

a maior foto visível na areia.

Figura 7 – Condomínio Barramares. Fonte: Armazém de dados, Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro.

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Jardim Europa: localizado na Avenida das Américas número 4319 é um grande

condomínio, dividido internamente por blocos de condomínios nomeados por cidades

estrangeiras. Dispõe de grande infra-estrutura com uma vasta área de lazer que inclui

parque para as crianças, quadras de esportes, e no fundo do condomínio, depois de

ultrapassado o segundo portão, podemos ver três grandes churrasqueiras onde os

moradores costumam se reunir em festas sejam elas comuns ao condomínio ou

privativas. Uma peculiaridade desde condomínio é fato dele ser atravessado por uma

rua, logo logradouro público, controlado por dois portões: o da rua, próximo da avenida

das Américas, e o portão de fundos, que dá a cesso a área de lazer aludida e a uma

igreja Mórmon freqüentada por não moradores do condomínio. Esta dubiedade

registrada nos usos dos espaços da Barra será investigada neste capítulo. Uma das

vantagens locacionais apontadas pelos seus moradores é a proximidade com o

Barrashopping, o mais antigo do bairro. Na foto abaixo ele aparece como o segundo

conjunto de prédios no canto esquerdo com prédios de cor preta.

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Figura 8 – Condomínio Jardim Europa Fonte: Armazém de dados, Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro.

Barrasul: localizado na avenida das América, sem número Kilômetro 13, é um

dos condomínios mais afastados do setor de serviços do bairro. De grandes dimensões,

sua estrutura interna em alguns momentos chega a ser tão complexa quanto o

Barramares, ainda que de corte mais modesto. Nela podem ser vistas piscinas, salões

de festas, saunas, quadras poliesportivas e espaços significativo dentro de cada um

dos blocos de prédios. Em função da distância os moradores precisam recorrer ao

serviço de ônibus interno, que não é comum á todos os condomínios, e como

peculiaridade no fundo dos condomínios existe uma balsa que permite o acesso à

praia, e costuma ser usada por moradores de outros condomínios, desde que

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acompanhados por moradores do Barrasul. Na foto abaixo o Barrasul fica ao lado deste

grande terreno e o edifício da moradora entrevista está na Avenida Fausto Moreira.

Figura 9 – Condomínio Barrasul. Fonte: Armazém de dados, Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro.

Lake Buena Vista: localizado na Avenida Prefeito Dulcídio Cardoso, fica a

margem do canal de Marapendi, ponto muito divulgado pelos moradores do bairro. È

um condomínio de médio a grande porte, destacando-se pela idade (foi criado no meio

dos anos noventa) e uma relativa sofisticação de serviços internos. Os equipamentos

internos não se diferem muito dos já descritos em outros condomínios, sendo acrescido

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por algumas amenidades, como a presença de uma pista bem arborizada onde os

moradores fazem caminhadas que acompanha o conjunto de todos os condomínios

localizados na Avenida, chamada pelos moradores de avenida do canal Vista fica atrás

do Canal de Marapendi. Na foto abaixo o Lake Buena vista é o segundo conjunto de

prédios localizados antes da rua que se liga a ponte Marapendi.

Figura 10 – Condomínio Lake Buena Vista Fonte: Armazém de Dados, Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro.

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Estes condomínios formam um verdadeiro mosaico urbano, afora a habitual

padronização que marca as suas edificações. O fato comum a todos é a presença de

guaritas onde são feitos os controles dos moradores e visitantes. São Condomínios que

podem refletir a modernidade e segurança tão associadas aos condomínios da Barra,

como são os casos do Barramares e o Lake Buena Vista, ainda que estes não figurem

entre os condomínios mais sofisticados do bairro, assim como estarem situados no

extremos oposto como é o caso da Barrasul, um dos mais antigos condomínios do

bairro e estigmatizado pelos moradores da Barra que a ele se referem como “favelão”.

Ou seja, a diversidade dos condomínios reflete a heterogeneidade dos moradores da

Barra da Tijuca.

4.2 – A Barra como destino.

Figura 11 - Mapa da Barra da Tijuca. Pode-se perceber a situação geográfica da Barra da Tijuca na sua

proximidade com bens naturais e outros bairros da XXIV Região Administrativa, da qual é integrante.

Fonte: Instituto Pereira Passos

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Os moradores dos condomínios fechados que eu entrevistei têm trajetórias

bastante diferentes. O fato de serem moradores da Barra da Tijuca não permite

generalizações que os incluam em um universo homogêneo de moradores que

compartilham das mesmas escolhas. Estas escolhas são tão distintas quanto os seus

lugares de origem. Pude perceber que esta diversidade contribuiu de forma decisiva na

formas de incorporação dos moradores dentro do bairro. Incorporados de forma

diferenciada, estes moradores criaram expectativas inicias bastante particulares, cada

qual em respeito aos projetos pessoais que poderiam ser colocados em curso. Sendo

assim, a viabilidade destes projetos estavam atreladas ao casamento da infra-estrutura

que o bairro oferecia com os seus ritmos de vida que incluíam as relações de trabalho e

o grupos sociais do qual faziam parte. Pude perceber, de saída, que as concepções

que os moradores formularam sobre o bairro tem uma estreita relação com os seus

lugares de origem. Vejamos como isto apareceu.

Figura 12 - Vista aérea da Barra da Tijuca. Fonte: Internet

Ls, moradora do condomínio Vivendas do Bosque, arquiteta, casada,

aparentando ter pouco mais de 50 anos, tem toda a carreira construída nos setor

público, é de origem nordestina, sem ter precisado o Estado e decidiu vir para a Barra

da Tijuca para atender um desejo do seu marido que era morar em uma região que

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lembrasse as suas origens de cidade de interior. Com a morfologia urbana ainda pouco

urbanizada, a Barra da Tijuca poderia se encaixar neste perfil. Seu marido pretendia

oferecer às suas filhas o grau máximo de liberdade que ele desfrutara na sua criação

estimulando nelas os hábitos de contato com a natureza como subir em árvores, andar

descalço e correr pela casa (a casa possuí um vasto jardim ). Ela e o seu marido

buscavam para as suas filhas uma criação libertária, que de uma certa forma mantinha

uma linha de continuidade com a sua infância e adolescência, já que fora criada em

Laranjeiras, bairro da zona sul carioca, em uma época que era possível às crianças

brincarem na rua, e de forma geral, ocuparem os espaços públicos do bairro. Neste perfil aparece uma identificação da família de Ls com formas de

socialização que passam pela convivência em espaços públicos. Mais adiante ela

afirma que sempre buscou na criação das filhas o maior número possível de contatos

com as pessoas, tanto que fez da sua casa um lugar de encontro onde toda a sua

família pudesse ser reunida. Há no imaginário de Ls uma avaliação positiva do espaço

público. Para ela este é um lugar aonde as pessoas podem conviver e experimentar

todas as suas diferenças nele exercendo a sua criatividade.

Com trajetória distinta, mas também bastante afeito aos valores positivos

oferecidos por uma vida construída em lugares abertos, M. morador do Condomínio

Terraza, é iluminador de teatro, tem pouco mais de 40 anos, atualmente estuda direito

em uma faculdade privada e mora na Barra da tijuca há dezesseis anos. Criado em

Botafogo veio morar na Barra da Tijuca pelo comodismo de mora no apartamento dos

seus pais, tendo passado anteriormente pelo alto da Boa Vista. Esta informação

confirma, em parte a idéia que se tem do morador da Barra da Tijuca como morador

emergente que ao melhora o seu padrão de vida vem morar na Barra, digo em parte

porque um caso como o de M deixam claro que tal decisão foi circunstancial. M lança um olhar bastante crítico sobre o bairro, com certeza junto com o de Ls o

mais incisivo entre todos os moradores que eu entrevistei. Para ele várias exigências do

bairro são bastante inconvenientes como a necessidade constante do uso do carro, o

fato das caçadas estarem constantemente vazias, que acaba contribuindo para torná-

las perigosas, e, principalmente, as formas de relação entre os moradores dentro do

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seu condomínio. Em sua avaliação “o seu condomínio é doentio. Os moradores moram

em tribos, enquanto acreditam falsamente que ocupam um espaço democrático”.

Dentro deste quadro de relações tensas entre os moradores é bastante ilustrativa

podemos recorrer ao conceito de Heterotopia foucaultianas para percebermos os seus

efeitos. As Heterotopias são lugares de disputa aonde alguns grupos acabam

exercendo relações de dominação sobre outros e garantem assim a sua soberania.

Neste espaço aparentemente linear desenrolam-se disputas pela sua ocupação. Estas

disputas são reguladas pela validade de determinados códigos de conduta, como o

respeito à família, a certas formas de tradição que se convertem em hábitos entre os

moradores, caracterizando assim uma espécie de contrato tácito. No condomínio

Terraza, assim como praticamente todos os outros em que estive, pude identificar que

as falas dos moradores estavam impregnadas de valores familiares e comunitários, e

aqueles que, por quaisquer que fossem os motivos, não se enquadrassem nesta

terminologia sofriam punições tácitas, não necessariamente contratuais. Ou seja, dentro

dos condomínios existe uma relação de controle entre os grupos e o espaço reflete

estas divisões. Aqueles grupos mais estabelecidos hegemonizam os espaços internos

do condomínio induzindo a criação de relações baseadas em uma espécie de força da

tradição. No caso do Terraza, o fator tempo pareceu ser decisivo para que certos

moradores se destacassem frente aos outros, e desta forma, os moradores mais velhos

dispõe de maior prestígio local.

Mais à frente eu vou aprofundar esta situação quando falar sobre as estratégias

que os moradores dos condomínios fechados têm utilizado para camuflar algumas das

tensões que ocorrem dentro de suas áreas residenciais. No momento o importante é

deixar claro como as relações de poder da modernidade tardia estenderam seus

tentáculos para espaços que no período da modernidade clássica, ou pesada como

diria Bauman, eram vistos apenas como epifenômenos de uma espacialidade mais

nobre, no caso restrita ao espaço público.

Moradora do mesmo condomínio que Mr, Hl, com idade entre 55 e 60 anos, é

assistente social aposentada tendo trabalhado na Caixa Econômica e no BNH, antigo

Banco Nacional de Habitação. Moradora do Terraza há trinta anos é casada e mãe de

três filhos, estado todos casados com uma delas morando fora do Brasil. Desde que

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chegaram na Barra da Tijuca moram no mesmo condomínio, de onde vêm percebendo

mudanças significativas na estrutura do bairro. Em todos estes casos até agora

analisados, os moradores viram a Barra da Tijuca passar da condição de promessa

para realidade de nova urbanidade carioca. No entanto, cada morador se inseriu da sua

maneira dentro de nova estrutura urbana, aonde o condomínio fechado exerce um

papel central.

A trajetória de Hl começou a ser construída na Tijuca, tradicional bairro de zona

norte do Rio de Janeiro. Depois de se casar foi morar em bairros muitos distintos, tanto

do ponto de vista econômico quanto social, como Catumbi e Botafogo. Ela e o seu

marido começaram a procurar por um imóvel que pudesse compatibilizar os seus

desejos que eram o de morar em um apartamento mais espaçoso, num lugar tranqüilo e

que pudesse ser compatibilizado com a renda da sua família. Dado o estágio inicial no

qual a Barra da Tijuca se encontrava na época, o bairro acaba lhes oferecendo as

condições mais propícias. Foi um projeto familiar que trouxe esta família para o bairro e

o seu movimento, acabou caracterizando-se como a trajetória mais comum à Barra, que

é a chegada de famílias egressas da Tijuca que viram ampliados o seu poder aquisitivo,

mesmo considerando que a intenção inicial desta família não era morar

necessariamente na Barra da Tijuca.

Hl começou a sua socialização no bairro de forma muito positiva, e credita seu

êxito aos traços revelados pelo seu condomínio que em muito lembrava o ambiente

familiar com o qual ela estava familiarizada. A micro realidade criada pelo seu

condomínio criava uma espacialidade familiar permitindo aos seus moradores a criação

de laços de pertencimento muito fortes. Tal quadro estimulou contatos regulares entre

os moradores que , como ela, chegavam ao condomínio naquele momento, e nele

depositavam suas expectativas de convivência, ainda mais porque uma Barra pouco

urbanizada, sem muitos recursos externos e com acessos onerosos que só

estimulavam os seus moradores a saírem dos seus domínios para trabalharem,

acabava estimulando os modos de vida internos.

A Barra da Tijuca, que fora planejada e executada em 1969, no fim dos anos

setenta ainda era muito jovem, e dava passos tímidos para se tornar um bairro que se

integrasse a lógica da cidade do capital, que como definiu Lefebvre (2006) deve ser

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composta por aglomerações territoriais urbanas organizadas que galgavam do estágio

de áreas de desenvolvimento autônomas para se integrarem em uma rede de

economias urbanas envolvendo outras cidades.70 A sua integração ocorrerá nos anos

noventa, produzindo efeitos no estatuto urbano do bairro e do seu morador. È

justamente neste período que se dissemina, em boa parte no setor imobiliário, a

expectativa de transformar os condomínios fechados em instituições totais, nos termos

durkheimianos. Este prognóstico escusado nas experiências pioneiras do Novo Leblon

e do Nova Ipanema, tem sido um dos eixos para a produção dos valores entre os seus

moradores.

A afinidade de H com o seu condomínio é tão expressiva que durante o período

de seis anos em que esteve afastada por motivos de trabalho, na metade dele sequer

alugou o seu apartamento, vindo para a Barra todos os finais de semana. É bem

verdade que ela dirige algumas críticas ao distanciamento atual entre os moradores

atribuído-no ao fato de muitos terem envelhecido e diminuído o seu contato,

enfraquecendo um pouco o seu caráter familiar.

V, com idade entre 55 e 60 anos, é outra moradora do condomínio Terraza,

aonde mora há trinta anos. Nascida em Salvador, assim que veio para o Rio de Janeiro

foi morar em Copacabana, bairro em que permaneceu por quinze anos. O motivo que a

trouxe para o Terraza foi a busca por maior espaço em comum acordo com o seu

marido, e assim como Ls, moradora do Vivendas do Bosque, pretendia morar em um

ambiente mais rural. As condições oferecidas pelo condomínio eram consideradas

ideais. Ele era novo, amplo e os seus moradores que estavam acabando de chegar

inevitavelmente acabavam se conhecendo. Esta dinâmica colaborava para a criação

dos laços de familiaridade para os quais H chamou a atenção.

Entre estes moradores mais antigos do bairro, a memória sobre uma realidade

diferente da atual é tão expressiva que eles costumam convocá-la para destacar fatores

positivos e negativos da atual Barra da Tijuca. Aliás, de saída, é possível a afirmação já

que estes moradores presenciaram uma Barra da Tijuca com pouca infra-estrutura, eles

são inclinados a acreditarem que as pessoas tendiam a se envolver mais com os seus

condomínios que tornavam-se lugares acolhedores e gregários, ao passo que a Barra

70 LEFEBVRE, Henry. O Direito a Cidade. São Paulo : Centauro, 2006.

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da Tijuca atual seria muito grande, e que apesar de dispor de uma boa infra-estrutura,

exceção feita ao transporte, dentro dos condomínios observa-se um grande

afastamento entre os moradores. È como se na avaliação feita por uma determinada

geração de moradores, representada por alguns casos que entrevistei, os condomínios

tivessem deixado de ser lugares coletivos para se transformarem em ambientes

individualistas.

Contudo, mais a frente vai ficar claro que esta conclusão não é compartilhada

pelos moradores mais jovens, mesmo quando residem dentro dos mesmos

condomínios destes moradores mais velhos. Aquele que veio morar primeiro na Barra

gostaria que fossem mantidas as relações que ele cultivou, num exercício bem típico

que alguns representantes das gerações mais velhas gostam de fazer, transformando o

seu período na época de ouro de um período que se perdeu. O seu contraponto é a fala

dos mais jovens escoradas na experiência de viver em um bairro que se tornou uma

espécie de epicentro da sociedade de consumo contemporânea, marcada pelo

individualismo de consumo. (Bauman, 2006).

B é casado, arquiteto, trabalha com restauração na empresa Concrejato, é

Professor universitário, tem pouco mais de quarenta anos e mora no condomínio Portal

do Parque com sua mulher e dois filhos, um de dez e outro de quatorze anos. Sua

história de vida está atravessada pela Barra da Tijuca. Ele teve diferentes vinculações com o bairro. Primeiro morou com os pais em um

Condomínio de casas luxuoso chamado Jardim da Barra entre 1982 e 1992. Em 1992

saiu da Barra e foi morar em diversos bairros como Tijuca, Ipanema, Leblon e até na

Europa, sem ter precisado o país e a cidade, voltando para o bairro em 1997 para

morar no condomínio que morar até os dias de hoje. Apesar da estreita relação com o

bairro B não nasceu na Barra da Tijuca. Entre a infância e a adolescência morou na

Tijuca, no Humaitá e em Botafogo, bairro de onde traz várias recordações que são

mencionadas na entrevista.

A entrevista com B aponta um dilema: reconhecendo as trajetórias dos

moradores da Barra da Tijuca é possível reconhecer neles um ethos (Bourdieu, 2004)

constituído no bairro, sendo que em alguns casos esta filiação é mais clara e em outros

há uma tensão entre os habitus adquiridos no bairro, tratados como positivos e as

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críticas dirigidas a um modo de vida considerado padrão para esta região. È no campo

desta disputa que, ao meu ver, opera uma espécie de dialética na filiação urbana, que

traduz a acomodação do morador às expectativas que são nutridas sobre quem mora

em uma área de expansão urbana e certos males estares oriundos da necessidade de

se manter esta posição.

Neste sentido é possível dizer que o ethos de B é na Barra da Tijuca. Neste

bairro viveu durante dez anos, um período suficiente para destrinchar as suas

entranhas, ainda mais porque este vivência se deu entre 1982 e 1992, no exato

momento em que a Barra da Tijuca está modificando o seu estatuto urbano. Porém a

sua passagem por outros bairros deixou registrada uma série de valores que mais

adiante foram sendo reelaborados pela convivência com espacialidades bem distintas.

Quero dizer com isto que o fato de B nem sempre ter sido morador de condomínio

fechado, e ter intercalado a sua trajetória com em ambientes semi abertos, já que

morou em prédios, colaborou para a formação de valores híbridos que aparecem nas

suas formas de socialização dentro do próprio condomínio.

Pr, outra moradora que eu entrevistei, moradora do condomínio Green Coast, é

casada, aparenta ter entre 32 e 40 anos e é moradora do bairro há seis anos. Antes de

morar na Barra da Tijuca Pr morou no Méier, onde parece ter sido criada, e depois se

mudou para Jacarepaguá, onde residiu por dez anos. O envolvimento com o bairro vem

de longa data, pois com ele já mantinha relações profissionais e de amizade. Depois de

casada decidiu se mudar em definitivo para a Barra da Tijuca, tornando este percurso

um movimento esperado.

Na trajetória espacial de Pr há uma clara intencionalidade em relação à Barra.

Sua mudança fez parte de um projeto cuja arquitetação vem de longa data e passa por

relações afetivas que com tempo reforçaram o seu interesse de vir morar no bairro.

Pode-se dizer que o seu vínculo com a Barra é morfo-psicológico. Esta vinculação não

tem recebido a devida atenção por parte dos estudos urbanos que se dedicam com

mais freqüência aos macro processos das cidades, como a fragmentação do tecido

sócio-espacial e a sua conseqüente segregação residencial e acaba relegando as

outras escalas do problema a um plano menor de importância. Esta orientação deixa de

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perceber as interseções entre os dois planos na questão urbana. Minha análise procura

cobrir esta problemática.

A idade de Pr e o seu tempo no bairro são determinantes para as percepções

que construiu sobre o bairro e as pessoas que nele vivem. Relativamente jovem, a sua

trajetória coincide com o desenvolvimento do bairro, que começou nos anos oitenta

porém foi acelerado na década de noventa. Pr. conheceu a Barra da Tijuca já

remodelada, com a sua paisagem dominada pelos condomínios fechados e os

shoppings centers como as formas de comércio e lazer predominantes.Com certeza ela

pôde acompanhar algumas transições pelas quais o bairro passou, mas estas

certamente vieram no sentido de consolidar um modelo que vinha sendo gestado e que

ainda hoje produz desdobramentos.

Sem querer incorrer em um determinismo geográfico, pude perceber que Pr não

sofreu no seu processo de subjetivação uma necessidade maior de adaptação aos

novos contornos que o bairro veio tomando. Não que esta adaptação gera custos

psicológicos traumáticos, já que a maioria dos moradores que eu entrevistei revelam um

certo orgulho por serem testemunhas do processo de crescimento do bairro. Pr, por sua

vez é herdeira deste crescimento, faz parte de uma geração que vem dando seqüência

ao seu processo de desenvolvimento, com saldos na estima de ser moradora do bairro.

Aliás, na sua entrevista a dimensão do bairro é mais significativa do que do condomínio,

que para ela é apenas o lugar onde mora, sem maiores implicações na definição da sua

moralidade urbana. Ela revela sentir saudades da época em que morou em outro

condomínio, o que acentua que o seu sentimento de pertença a um ambiente fechado

foi mais significativo naquela ocasião.

A. é aposentada, aparenta ter 60 anos, tem dois filhos e cinco netos, e

atualmente mora sozinha com o seu marido. Oriunda do Grajaú, tradicional bairro da

zona norte carioca, já costumava vir para o bairro onde freqüentava o clube Marapendi

do qual era sócia. Moradora do bairro há mais de vinte anos, ela também faz parte da

geração que viu o bairro crescer. Quando chegou a Barra era muito pouco urbanizada,

não havia o predomínio dos condomínios fechados em sua paisagem e o bairro era

pouco servido pelo setor de serviços.

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Assim, como H. A. acabou se envolvendo bastante como os moradores do seu

condomínio, já que mediante as carências que se faziam sentir no bairro era neste lugar

que ela buscava abrigo para a sua socialização. E pode-se dizer que esta empreitada

foi muito bem sucedida porque até hoje ela é uma figura de ressonância dentro do seu

condomínio, já tendo sido síndica e exercendo até os dias atuais funções informais de

consultoria sindical. Aliás, é bastante comum em alguns condomínios a construção de

lideranças carismáticas que por desfrutarem de grande prestígio junto aos seus

moradores acabam se sobrepondo as atribuições burocráticas regulares, de acordo

com elas, pelo bem do lugar.

Na sua trajetória para a Barra da Tijuca está a busca pela tranqüilidade, que ela

considerava maior no início da sua residência no bairro do que agora. Como a sua

integração com o bairro se deu através do condomínio, a sua auto – suficiência fica

bastante caracterizada na sua fala ao atestar que o seu condomínio fica afastado e no

centro do tudo. Ou seja, em função da sua competente dotação de serviços o seu

condomínio inclui socialmente o morador no bairro, ao lhe oferecer os recursos

materiais e simbólicos de pertença a uma coletividade, e ao mesmo tempo o isola dos

conflitos e ameaças urbanas produzidas na cidade. Desta forma, o condomínio se

insere no circuito urbano descrito por Santos aonde transcorrem relações de trocas de

produtos e serviços entre uma região e outra. È o condomínio se relacionando com o

bairro. Esta complementaridade é decisiva para a definição da sensação de pertença

para A.

An é moradora do condomínio Lake Buena Vista, aparenta ter entre 45 e 50

anos, é arquiteta aposentada da Caixa Econômica Federal, casada, mora com o marido

e dois filhos, um rapaz de 21 e uma garota de 17 anos e uma empregada que ela

chama de funcionária e que vem todas as semanas para o trabalho onde acaba

passando a semana inteira. Antes de vir para a Barra morou na Tijuca da infância até o

início da vida adulta, indo para o Grajaú assim que se casou e por lá morou um breve

período até tomar a decisão de morar na Barra da Tijuca. Ela mora na Barra da Tijuca

desde 1995. Assim que chegou teve que morar entre Abril e Fevereiro no condomínio

Jatiuca, localizado no número 1400 do canal de Marapendi. Esta decisão foi tomada em

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função da realização de obras no condomínio que mora hoje e que só veio ficar pronta

em Setembro de 1995. Desde então, vivem no mesmo condomínio.

O caso de A2 é aquele que talvez melhor corresponde a idéia de mobilidade

social que se tem do morador da Barra da Tijuca. Aquele egresso da Tijuca e que com

a ampliação da sua renda procura por uma região que guarda uma certa similaridade

com o seu lugar de origem, mas a este acrescenta características que asseguram a

clara sensação de estar desfrutando de um melhor padrão de vida. Na Barra poder-se-

ia viver em relativo isolamento, e tal possibilidade o aproxima de um passado distante

do bairro que para muitos só é acessível pela narrativa dos mais antigos.

Se no final do século XIX era possível refugiar-se dos miasmas urbanas na

Tijuca, região de terras altas e clima mais ameno, a Barra da Tijuca do final do século

XX ofereceria ao seu residente uma sensação de isolamento relativo e ainda poderia

desfrutar de amenidades naturais, como a proximidade com a praia. Se no final do

século XIX quem procurava pela Tijuca fugia dos miasmas urbanos, no final do século

XX quem procurava pela Barra da Tijuca fugia da violência urbana representada, de

acordo com um senso comum cada vez mais amplo, pela figura territorial da favela.

Esta pretensão vem seno frustrada nos últimos anos pela presença da vizinhança

“indesejada” e como uma conseqüência do crescimento urbano do bairro passam a ser

comuns os engarrafamentos e outras formas de aglomeração urbana, fatores sociais

rejeitados por quem optou pela Barra da Tijuca. Veremos mais a frente como este

saldo, considerado negativo pelos moradores dos condomínios, vem gerando

ambigüidades na relação entre os projetos de vida destes mesmos moradores e as

limitações colocadas por elementos da territorialização urbana.

Na trajetória de An a família teve um peso muito grande, reforçando no seu caso

a importância que esta instituição costuma desfrutar entre os moradores da Tijuca.

Como os seus pais se mudaram para a Barra ela procurou ficar mais perto deles.

Outros fatores também pesaram na sua decisão, como o preço considerado compatível

com a sua renda familiar (Em 1995 ainda era possível comprar imóveis de porte

expressivo por preços muito abaixo dos dias atuais, caso estes fossem atualizados), e a

vontade de criar os seus filhos em um prédio que tivesse área de lazer.

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No entanto, mesmo levando em consideração a importância da combinação

destes fatores citados, o grande motivo que trouxe An para a Barra da Tijuca foi o

crescimento da violência no bairro em que morava, no caso a Tijuca. Como este fator é

praticamente comum à todos os moradores da Barra da Tijuca que afirmam com maior

ou menor ênfase que ao morarem na Barra da Tijuca sentem-se mais seguros, esta

variável será analisada com destaque mais adiante. Sua centralidade nas escolhas dos

moradores é tão expressiva que alguns trabalhos acadêmicos ao se referirem à

estrutura criado pelos condomínios fechados como a arquitetura do medo (Lessa, 2000,

Malaguti, 2007).

Sl é professora de redação, português e artesanato, trabalha na faculdade

Estácio de Sá, no Senac, numa clínica de fisioterapia na Barra da Tijuca e coordena um

grupo de bordadeiras na Casa do Artesanato. Separada, mora com a única filha no

condomínio Barrasul há quatro anos. Sem ter construído qualquer vinculo anterior com

o bairro, o motivo que a trouxe para a Barra da Tijuca foi meramente casual.

Figura 13 – Fronteira tensa entre o condomínio Barra Sul e o seu vizinho. Fonte: Arquivo pessoal do autor

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Atravessando uma delicada situação financeira a vinda para a Barra da Tijuca foi

permitida pelo empréstimo feito pelo seu irmão ao apartamento onde mora. Logo, sua

vinda para o bairro foi absolutamente casual e distante de muitas trajetórias

investigadas nas outras entrevistas. Aliás, sua trajetória não tem, com exceção desta

situação que ela gosta de frisar de frisar ser temporária, nenhuma relação anterior com

a Barra da Tijuca. Até por isto, na sua fala ela enfatiza não se enquadrar no perfil de

morador do bairro. Na parte final das análises eu farei uma apreciação critica da

conceituação deste perfil pelos moradores entrevistados.

Vários bairros da cidade do Rio de Janeiro participaram da mobilidade espacial

de Sl. Filha de militar, a troca de residência foi uma constante em sua vida. Neste

circuito ela passou a sua adolescência em Brasília, São Paulo, Rio Grande do Sul,

Rezende (Estado do Rio de Janeiro) e o bairro de São Cristóvão. No Rio de Janeiro,

além de São Cristóvão, morou em bairros como Cosme Velho, Ramos até chegar na

Barra da Tijuca. De todos estes lugares no Rio, Cosme Velho foi o bairro com o qual

mais se envolveu, pois lá morou enquanto estava solteira e depois retornou após o fim

do seu casamento.

A interação de Sl com a cidade se opõe às opções oferecidas pelo bairro. As

grandes distâncias da Barra da Tijuca, incluindo o gigantismo do seu condomínio,

atuam sobre ela de forma constrangedora. Distante dos lugares que precisa recorrer

para atender as suas exigências cotidianas, como fazer compras e ir ao trabalho, a

localização no bairro produz nela um sentimento de isolamento. È sabido que morar na

Barra da Tijuca sem automóvel, em um bairro que ganhou todas a configurações

urbanas adaptadas a este meio de transporte, torna as condições de vida do seu

morador quase anômala. Exceção feita aos ônibus que partem dos condomínios. Como

este serviço não está disponível no seu condomínio ela recorre ao ônibus que circula

dentro do próprio bairro, mas a sua lentidão torna o seu trajeto bastante oneroso.

Br, trinta e quatro anos é desenhista industrial e trabalha como consultor.

Morador do Condomínio Solar da Barra, Br vive na Barra da Tijuca desde 1993. Ao

contrário de alguns moradores entrevistados, Br já conhecia o bairro porque durante a

sua infância costuma vir com os seus pais para freqüentar a praia, usando o

apartamento onde ele mora atualmente. Naquela época, a Barra da Tijuca era uma

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região de veraneio, pouco habitada e começando a experimentar o seu crescimento

urbano. Já morou em diferentes lugares, Salvador, Toulouse (França) e em Botafogo,l

que representou um período significativo da sua vida. Sua trajetória espacial é comum a

certos segmentos da classe média alta que se mudam por motivos de trabalho, mas

costumam optar por morarem em bairros com os quais guardam afinidade. È o seu

caso em relação a Botafogo, que representou um lugar de residência em diferentes

momentos da sua vida.

Figura 14 – Guarita do condomínio Solar da Barra. Esta é uma construção típica dos condomínios da

Barra que demonstra toda a preocupação dos seus moradores com a segurança. Fonte: Arquivo pessoal do autor

O motivo que o trouxe para a Barra da Tijuca foi familiar. Com a separação dos

seus pais, Br foi morar com o pai e o irmão continuou morando com a mão no Morada

do Sol. Como recentemente o seu pai se casou outra vez e optou por morar em

Friburgo, ele acabou ficando praticamente sozinho no seu apartamento, o que acabou

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se tornando uma opção adequada ao seu atual ritmo de vida, por ele considerado

bastante caseiro, inclusive em relação ao trabalho, já que nos últimos anos tem

trabalhado dentro de casa. Com o tempo a relação com a Barra da Tijuca foi se

estreitando e ele sente-se incorporado pelo seu setor de serviços e lazer que, aliás,

representam os maiores pólos do bairro.

Br tem uma longa experiência com condomínios fechados. Em Botafogo morou

em um dos condomínios mais conhecidos da zona sul, o Morada do Sol. Por isto parece

estar familiarizado com as exigências trazidas pela vida em um condomínio fechado. No

Morado do Sol, um Condomínio muito maior do que aquele onde ele mora atualmente,

as condições oferecidas eram consideradas positivas. Ele era bem localizado, o que

facilitava a sua vida, já que estudava em Botafogo e seus amigos moravam

praticamente na zona sul, oferecia uma gama de serviços confortável e disponibilizava

uma vista que o agradava bastante. Sua única crítica é dirigida às dimensões do

condomínio, exageradas em sua opinião, o que por vezes lhe passava a sensação de

estar vivendo em uma Megalópole.

A referência à Megalópole é sintomática da experiência com a cidade que certos

segmentos de classe vem tendo ao longo das últimas décadas. Jovens como Br que

cresceram em uma época de aumento da violência na cidade há bastante tempo vêm

sendo apresentados as preocupações com a segurança dentro dos seus condomínios.

Estes jovens tendem a desenvolver uma relação de medo de desconfiança com a

cidade alimentada pelas informações visuais que os seus ambientes mais imediatos

lhes enviam. São câmeras de segurança, sensores, guardas e dispositivos que

segundo Br, já estavam sendo usados no Morada do Sol nos anos oitenta, ou seja,

antes destes recursos se tornarem populares com os condomínios fechados da Barra

da Tijuca.

E , tem em torno de trinta anos, é design de jóias, trabalha como professora de

Inglês e mora no Condomínio Barramares. Nordestina, nasceu em Aracajú, morar no

Rio em Botafogo no Condomínio Morada do Sol, o mesmo de B, tendo lá permanecido

por apenas seis meses. Logo em seguida se muda para o Condomínio Atlântico Sul,

este já na Barra da Tijuca, onde permanece até os dezessete anos. Teve um breve

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período fora do Brasil, e ao voltar morou no Condomínio Village Oceanic para enfim vir

morar no Condomínio Barramares.

Figura 15 - Foto interna do Barramares Fonte: Arquivo pessoal do autor

Como foi possível perceber a trajetória residencial de E passa muito pelos

condomínios fechados, e, em especial, pelos condomínios fechados da Barra da Tijuca.

Apesar de afirmar que não gosta de morar na Barra da Tijuca, especificamente dentro

de condomínios, e que se pudesse escolher moraria em Aracajú ou na zona sul do Rio

de Janeiro, E parece ter uma relação ambígua com o Condomínio. Apesar de morar

com a mãe, que é viúva, e parecer ter com ela um forte vínculo afetivo, as duas

manifestam opiniões muito distintas em relação à Barra. Para E, a Barra da Tijuca é um

bairro distante que sufoca as pessoas encerradas em modos de vida fechados,

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enquanto sua mãe aprova esta residência por entender que a Barra oferece um padrão

de vida que ela só conheceu em países de primeiro mundo.

E. costuma se dirigir para outros lugares da cidade, basicamente, para a zona

sul. Este eixo é cumprido por muitos moradores que tem entre trinta e quarenta anos

indicando que existe uma relação paradoxal da Barra com a zona sul, melhor dizendo,

zona sul mais nobre formada por Ipanema, Lagoa e Leblon. Se por um lado, estes

bairros são bem avaliados por alguns moradores, principalmente os que estão na idade

de E, por disponibilizarem excelentes opções sócio-culturais e alternativas de circulação

que dispensam os automóveis, por outro lado, há casos de crítica aos preconceitos

manifestados pelos moradores da zona sul aos moradores da Barra da Tijuca.

O caso de E. é de envolvimento com esta zona sul onde tem muitos amigos e

por extensão, é o lugar em que costuma se divertir. De qualquer forma, a zona sul

exerce continua exercendo um papel central na cidade do Rio de Janeiro, mesmo entre

as regiões em expansão, como é o caso da Barra. Este fato parece sugerir um desafio

para os segmentos que remodelaram a Barra da Tijuca nos anos oitenta : estes

tentaram fazer da Barra um bairro que não repetisse os erros urbanos da zona sul, mas

com o passar do tempo alguns moradores apontam sinais de saturamento urbano que

acabam levando-nos a direcionar seus interesses para esta mesma zona sul.

O e M são irmãos, tem entre 20 e 25 anos, moram no condomínio Nau da Barra

há quinze anos, mas têm diferentes períodos de vivência no bairro. M morou na Barra

da Tijuca entre 1993 e 2000, depois voltou para Tijuca, bairro onde nasceu, só

retornando para a Barra em 2005. O, por sua vez, nunca se ausentou do bairro. Mesmo

e durante o período em que M viveu na Tijuca ele nunca perdeu contato com a Barra.

Com este bairro já estabelecera uma relação de intimidade, já que aqui moravam

muitos dos seus amigos, que em sua grande maioria, só conhecem o bairro. M e O nasceram na Tijuca, mas pode-se dizer que eles são típicos

representantes da geração Barra da Tijuca, isto é, jovens que nasceram e forma criados

na Barra no período em que o bairro começou a despontar como opção de moradia e

lazer na cidade. Muitos dos traços mais típicos desta geração estão inscritos na

personalidade dos irmãos, dentre os quais a forte socialização em condomínios

fechados. No que diz respeito a este habitus, sua análise será feita em uma seção

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específica. Porém adiantar a sua existência é afirmar que há, sem dúvida, um fator

geracional no envolvimento do morador da Barra da Tijuca com o seu bairro. Jovens da

idade de M e O costumam se envolver de forma mais completa com o bairro do que os

moradores mais velhos. Este envolvimento e extensivo aos condomínios fechados, se

bem que aí aparece uma diferença apontada nas falas dos irmãos: os mais velhos

tendem a se envolver mais com os condomínios, que pode ser tanto as áreas dos

condomínios como os seus apartamentos do que os mais jovens.

A inclusão de M e O demarca a relação espacial que eles mantém coma cidade.

Ambos são usuários da cidade, conhecem outros bairros, tem família em outro bairro,

até gostam de sair longe de suas casas, mas admitem que esta não é a situação mais

comum entre os seus amigos. Os limites de mobilidade destes outros garotos são

circunscritos ao ciclo de vida todo feito na Barra da Tijuca. A cartografia urbana deles é

afetiva e atesta através do medo que a cidade termina onde começa o desconhecido,

avaliado como ameaçador.

4.3 – O medo urbano: a procura por segurança nos condomínios fechados.

Em todas as entrevistas realizadas, um dos únicos pontos de concordância

revelado na fala dos moradores foi o motivo que traz as pessoas para virem morar em

condomínios fechados. A razão é a procura por segurança. Sentindo-se inseguros

morando nos bairros onde não predominam os condomínios fechados a decisão de vir

para a Barra passa pelo desejo de evitar a proximidade com o perigo, na maior parte

das vezes, associado à vizinhança com favelas. Ou seja, a violência urbana é

identificada de forma muito pontual, traduzindo as ameaças ligadas ao patrimônio

material, assaltos a residências, roubo de carros e o medo da bala perdida.

A vinda para o bairro pretende alinhar a segurança com padrão de vida. Em geral

estas duas premissas parecem associadas, que fica claro na infra-estrutura dos

condomínios. Todos os condomínios investigados dispõem de um acervo comum de

segurança que inclui câmeras de vigilância, guaritas, (há casos de guaritas internas e

externas, e nestes casos as guaritas internas são mais rigorosas do que as externas),

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segurança armada atuando em vários pontos dos condomínios trabalhando em sistema

de turnos.

Como esta decisão de vir para a Barra da Tijuca tomada pelo morador foi

voluntária, independente da natureza da sua escolha, na sua mobilidade está a

definição de uma relação com determinada espacialidades. Ao vir para o condomínios

fechado o morador tenderá a ser socializado em ambientes confinados, com espaços

de encontro restringidos à uma delimitação prévia. Estes espaços construídos vão

sendo reconstruídos ao longo do tempo na medida em que o seu morador vai lhe

preenchendo com os valores que ele define como modulares para a sua vida. Este

caráter antrópico dos condomínios revela de saída um grande paradoxo na fala de

muitos moradores: ao virem em busca de tranqüilidade pretendem construir relações de

convivência fraternais, algumas vezes rurais, no entanto, ou estas metas são

alcançadas apenas no início de suas residências nestes condomínios ou esta meta

revela-se tão somente um enorme investimento pessoal desprovido de resultados

concretos.

Os condomínios começam a servir de refúgio para muitos moradores saturados

de uma determinada urbanidade e atraídos pela possibilidade de estabelecerem

vínculos de convivência mais harmoniosos que os afaste das tensões e conflitos das

cidades. O desejo destes moradores de morar em condomínio passa a ser sinônimo de

paz, segurança, tranqüilidade e resgate do passado. Estas pretensões foram sendo

convertidas em investimentos imobiliários que cada vez mais anunciam ao seu

pretendente a possibilidade de viver em um paraíso urbano, num lugar bom para se

criar os filhos. E as famílias, mesmo aquelas que ao chegarem na Barra da Tijuca

encontraram um bairro pouco urbanizado e não precisaram da motivação publicitária,

parecem ter acreditado piamente na retórica desta apologia.

Nas entrevistas pude perceber que determinadas atividades praticadas nos

condomínios fechados até podem lembrar o caráter familiar declarado pelos seus

moradores. Em alguns casos havia uma forte ligação ente estas pessoas, até porque

na condição de pioneiras do seu condomínio cresceram junto com ele. Logo, vir esta

sensação de familiaridade. Contudo, esta proximidade não pode isolar os condomínios

das questões que o cercam e que dizem a respeito a cidade como um todo.

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Alguns fatores contribuíram para que os condomínios fechados da Barra da

Tijuca atraíssem populações urbanas a procura de ambientes urbanos pouco marcados

pelas complexidades típicas da urbanidade de outros bairros cariocas. Um dos fatores

foi de natureza física, já que a Barra da Tijuca fica a trinta e cinco quilômetros do centro

da cidade e, mesmo relativamente próxima da zona sul (está separada pela Avenida

Niemeyer), lhe é garantindo um isolamento relativo. A outra questão é de natureza

econômico-social. No início das migrações para a Barra da Tijuca os moradores

encontravam imóveis por preços convidativos, inclusive, mais baratos que outros da

mesma proporção em bairros da zona sul, e atém mesmo, na Tijuca. Soma-se a esta

facilidade o fato da Barra da Tijuca não figurar entre os bairros de classe média alta

com os maiores índices de violência.

Entretanto, este mesmo contexto urbano responsável pela formação dos

condomínios fechados com todas as suas amenidades naturais e supostamente

amistosas relações sociais, também contribuí para a edificação de um dos seus

paradoxos, qual seja, a tentativa de fugir da cidade incluí o condomínio como resultado

sócio-territorial oferecido pela própria cidade em face das questões que esta não

conseguiu resolver.

Neste sentido, os condomínios fechados enquadram-se no conjunto de questões

trazidas à baila pela modernidade tardia. Como causa ou reflexo dos seus princípios, os

condomínios podem estar incorporando alguns desafios da modernidade tardia ao nele

identificarmos uma temporalidade de ritmos acelerada que fragmenta a realidade em

um ritmo jamais visto, a hipervalorização da individualidade, a diminuição de um sentido

de solidariedade social que implica na fragilização dos laços de convivência social, uma

crise estrutural no mercado de trabalho, o crescimento da insegurança e a busca por

novas formas de subjetividade.71

71 Estas categorias aparecem em destaque por serem centrais a episteme da modernidade tardia que eu adotei na tese.

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Figura 16 – Foto de área de lazer do condomínio Barramares. Fonte: Arquivo pessoal do autor.

Mesmo a questão da crise do mercado de trabalho que poderia parecer distante

das razões que levam a configuração dos condomínios fechados, aparece quando

notamos os vínculos trabalhistas em que estão inseridos os funcionários dos

condomínios na condição de funcionários de empresas terceirizadas, servindo nos

diversos setores dos condomínios, até o perfil profissional dos seus moradores,

provavelmente ligadas ao setor de serviços.

O morador do condomínio fechado revela nas suas práticas orientações muito

individualistas, que por sua vez, são sintomas da diminuição de laços de solidariedade

que deveriam balizar o relacionamento entre os indivíduos na cidade, para ficarmos

aqui apenas em uma das escalas. Estimulado por uma cultura do consumo a ser o

único responsável pelos rumos de sua vida, este sujeito contemporâneo aciona novas

relações com o espaço onde vive.

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Com uma relação apenas pontual e passageira com os espaços públicos, o

morador de condomínio fechado constrói a sua subjetividade maximizando as relações

com as pessoas e as coisas nas micro realidades, procurando estabelecer relações de

afinidade com os seus vizinhos mais imediatos. Porém, de acordo com relato dos

próprios moradores, nos últimos anos estas relações tem sido cada vez mais escassas,

predominando posições mais individualistas, com os moradores se fechando mais entre

si.

Como morar em um condomínio fechado é sinal de maior segurança, cria-se

uma cultura de redefinição dos espaços públicos: quando eles interessam as

pretensões imobiliárias dos condomínios são apropriados privadamente, e quando são

avaliados como áreas distantes, sobre ele recai um juízo negativo, e a atitude mais

comum e rejeitá-lo, retirando-lhe, ao máximo, significados positivos.

Mesmo quem não revelou a segurança como o maior motivo que norteou a

procura por vim morar em um condomínio fechado, todos os moradores entrevistados

admitem que morar em condomínio fechado significa usufruir de um aparato de

segurança que dificilmente encontraria fora destes domínios. Suas opiniões divergem

quanto aos reais alcances desta segurança. Enquanto Ls do condomínio Vivendas do

bosque e Mr do Terraza acham que, na verdade, as pessoas são convencidas de que

vivem em ambientes seguros, e que no fim, esbarram no crescimento da insegurança

muitas vezes desfrutado dentro do bairro, e atém mesmo no condomínio, outros

moradores como Vr do Lake Buena Vista, A do Jardim Europa, B do Portal Parque e Br

do Solar da Barra sentem-se efetivamente mais seguros morando dentro dos

condomínios. B do Solar da Barra Parque chega a demarcar uma distinção na

concepção de condomínio fechado dos dias atuais para o tempo em que ele veio morar

na Barra da Tijuca. Antes a segurança em condomínios era um modismo, hoje é uma

necessidade.

Esta diferença de diagnósticos, ao meu ver, está associado a uma maior ou

menor afinidade com o bairro. Há o caso de moradores que lançam olhares mais

críticos sobre o bairro, da sua concepção até as fantasias criadas em torno do seu

prestígio. Dois depoimentos destes mesmos moradores são bem reveladores neste

sentido. Ls acha não consegue entender porque as pessoas procuram tanto pela Barra

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da Tijuca, se muitas vezes elas poderiam encontrar uma qualidade de vida maior nos

seus bairros de origem. Inclusive no quesito segurança, hoje em dia ela sequer sente-

se to segura assim no bairro. Mr direciona críticas bem severas as formas hostis de

relacionamento que estão curso dentro do seu condomínio e as praticas de violência no

bairro que afetam, principalmente, os mais jovens, e até por isto ele acredita que muitos

deles são completamente despreparados para se defenderem fora de ambientes em

que sentem confortáveis.

Entre os outros moradores há uma maior afinidade com o bairro sentem-se

satisfeitos com as ofertas disponíveis, saem muito pouco da Barra da Tijuca, anão ser

para afazeres obrigatórios, e se envolvem com os setores de lazer e consumo do bairro.

Como vivem bastante dentro do bairro, e suas relações de amizade passam pelos

condomínios acreditam que dentro deles sentem-se mais seguros. Há casos em que a

dimensão espacial dos seus condomínios é avaliada como um fator positivo, já que

permitem um controle visual sobre a movimentação dos seus filhos. Esta informação

aparece nos depoimentos de B e Vr. Os condomínios viram pequenos panópticos, de

onde os pais podem exercer o controle sobre os movimentos dos seus filhos sem por

eles serem percebidos.

Esta diversidade, como já falei, não pode mascarar o fato de que os moradores

de condomínios fechados procuram por segurança e delegam esta autoridade aos

contratos de proteção feitos entre as firmas de segurança e os condomínios, isto é, a

ordem privada. Por este motivo, ter a vida monitorada por aparelhos de vigilância

controlados por funcionários particulares é uma característica que unifica os moradores

da Barra da Tijuca. Em maior ou menor grau, todos eles tem os seus deslocamentos

autorizados por decisões que não estão sob o seu controle, que sugere perda de

autonomia quanto a vontade ter a sua vida interferida por um terceiro. O aumento do

individualismo expõe neste caso sua face perversa que é a sua própria negação.

Esta conclusão evita que lancemos um olhar maniqueísta baseado em

diagnósticos diferentes feitos acima. È pouco conclusivo identificarmos de um lado, os

insatisfeitos com a Barra da Tijuca e militantes por formas de vida mais democráticas

dentro e fora dos seus condomínios, e do outro, os integrados ao modo de vida da

Barra , logo defensores da privatização da vida. Este raciocínio é simplista e deixa de

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perceber tanto as idiossincrasias dos moradores como os fatores que os tornam um

coletivo. Ente as primeiras o desejo de um maior ou menor envolvimento com a cidade

e no segundo a aceitação do caráter coercitivo dos condomínios fechados.

Em todas estas falas há a convicção do crescimento do sentimento de

insegurança em relação a vida na cidade. Os Condomínios aparecem como redomas

que podem isolar os seus moradores das ameaças urbanas. Ele se converte em uma

construção de duplo sentido: material e simbólico. Sua materialidade é evidente,

constantemente visível no seu gigantismo, e o seu simbolismo é o investimento em um

conjunto de significados positivos para os valores que se quer defender para viver

dentro dos seus domínios, ou negativos para se apontar as mazelas da vida urbana.

Deste segundo caso saem as representações invertidas sobre a violência, já que

pretendem ignorar o fato de que sua ocorrência indica uma ordem social em

construção, e não apenas atos isolados ( Machado,2003).

O morador do condomínio fechado tem medo de uma violência real que pode

acometer todos que vivem nas grandes cidades. No entanto, é bem provável que ao

procurarem de forma apressada se imunizarem das ameaças que eles identificam como

reais acabem desconhecendo o mapa da violência na cidade do Rio de Janeiro, pois aí

perceberiam que as formas de violência não atingem de forma homogênea os

moradores da cidade. É possível se afirmar com base em pesquisas sobre a região

metropolitana que existe uma distribuição desigual da segurança no Rio de Janeiro.

Segundo Relatório de Desenvolvimento Humano do Rio de Janeiro, escrito no início

dos anos 2000, e produzido em parceria entre o IPEA, a Prefeitura da Cidade e o

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, a insegurança não atinge igual

ou indiscriminadamente a todos os cariocas, nem se distribui de forma homogênea

pelas diversas áreas do Município. Devem ser levadas em consideração variáveis como

gênero, faixa etária, raça, classe social, e localização geográfica para se ter uma idéia

dos riscos corridos pela população da cidade.

O perfil do morto em potencial é o jovem negro, pobre, de baixa escolarização, e

como conseqüência mal empregado no mercado de trabalho,na faixa etária entre 19 e

25 anos, apesar de se verificar no final dos anos noventa um crescimento na

participação das mulheres na rubrica de “mortes suspeitas“. Mesmo considerando a

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assimetria dos índices entre as regiões metropolitanas, na Barra da Tijuca / Tijuca e

Zona Sul há uma constante em relação ao perfil da maior vítima de homicídios dolosos.

Nestes bairros, cuja população branca neste período representava 81,2% do total os

negros e pardos eram 66,7 % das vítimas. No Centro e na Zona Norte, onde a

população branca cai para 61,1% a porcentagem de vítimas entre os negros e pardos é

de 62,4%, ou seja, em bairros com poder aquisitivo muito menor do que nas regiões

mais abonadas da cidade os negros são as vitimas esmagadoras da violência.

Como neste relatório não existe uma estatística especifica para a Barra da Tijuca

não foi possível identificar as particularidades do bairro. Entretanto, pode-se concluir

que a população residente em condomínio fechado, com toda a certeza, não figura

entre as maiores vítimas de homicídio. Aliás, a Barra da Tijuca só aparece em destaque

ns estatísticas de violência urbana quando em pesquisa de 2003 feita pelo Instituto de

Segurança Pública foi revelado o maior aumento no número de assaltos à residências

(12%). Este dado mostra um grande paradoxo para o morador de condomínio fechado,

e que já apareceu na fala de alguns moradores entrevistados: quando mais protegidos

mais eles se sentem inseguros.

Voltando ao relatório e tratando do índice de homicídios dolosos, que deve ser

um dos crimes mais assustadores para os moradores já que afeta diretamente a vida do

atingido, os índices verificados nas áreas mais ricas não chegam a ser baixos (16,4

vítimas por cem mil habitantes), porém bem menores do que as taxas registradas na

zona Oeste, região da qual faz parte a Barra da Tijuca, com 55,3 para cada cem mil

habitantes. Curiosa é a comparação feita pelo relatório dizendo que as taxas de

homicídio na cidade do Rio de Janeiro estão localizadas em extremos equivalentes a

distância entre Miami e África do Sul. O primeiro caso está próximo da Barra da Tijuca e

o segundo da Zona Oeste. Não à toa, a Barra da Tijuca é a nossa Miami carioca.

Desta forma, cabe uma indagação: sendo uma das regiões mais seguras da

cidade, porque os condomínios fechados, ou para usarmos a incisiva categoria

cunhada por Caldeira, os enclaves fortificados, têm um aparato de segurança tão

sofisticado? Ainda que neste bairro tenha havido o crescimento no número de assaltos

á domicílio, este fato não seria suficiente para gerar preocupações que chegam as raias

da paranóia. Isto porque, neste caso o número de registros é insignificante face ao

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número de residências no bairro, somado ao fato desta ser uma das modalidades de

crime com uma das maiores dificuldades de operacionalização.

O medo que o morador do condomínio sente parece estar relacionado mais aos

acontecimentos violentos em curso em outros bairros da cidade do que, propriamente,

nos casos de violência que acontecem no próprio bairro. Num dos trechos da fala de B,

morador do condomínio Portal do Parque, ele diz que no colégio onde o seu filho

estuda, o Colégio Santo Agostinho localizado dentro do condomínio Novo Leblon, há

muitas dificuldades par serem feitas visitas a lugares que ficam no centro da cidade,

pois a excursão teria que passar pela Linha Vermelha ou Linha Amarela, vias

expressas que segundo estes pais, são muito perigosas. No seu discurso B endossa

esta preocupação quando entende que o morador da Barra da Tijuca está cercado pelo

tráfico.72

São falas como esta que denunciam a presença de uma idéia de cidade na

cabeça destes moradores, que no fundo, revela a existência de uma apropriação de

significados sobre a cidade a partir de uma visão segmentada ilustrativa de um

segmento de classe que deposita neste olhar todos os seus temores, sejam eles

baseados em fatos reais ou fantasias urbanas. Nesta empreitada os códigos de

pertença estão muito distantes de discursos que fundaram a idéia contemporânea de

cidadania que teria a cidade como o seu palco principal, já que nela as distâncias

sociais poderiam ser amenizadas pela maior distribuição e garantia de aquisição de

direitos fundamentais, como o direito a ser representado de forma justa e o direito à

vida.

Nada mais distante desta premissa do que o percebido neste cenário. Nesta

cidade palco, o “novo humanismo”, conjunto de significados responsáveis pela criação

de um novo homem, parte da premissa de que a existência deste sujeito prescinde das

formas de solidariedade social que o vinculam à outros indivíduos de uma coletividade

maior da qual ele, querendo ou não, fará parte . Como a sua coletividade, o ambiente

com o qual procurará definir as suas filiações, será bem mais restrito do que a cidade

no seu plano mais amplo, este sujeito tende a obliterar a alteridade. O outro da relação,

este ser distante, porém, necessário, raramente aparece no seu campo de 72 Frase típica de moradores que manifestam um sentimento de insegurança generalizado, justificando tal sentimento pelas ocorrências que são vítimas reais ou em potencial.

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preocupações, pelo menos dentro do conjunto majoritário de entrevistas que eu realizei.

O outro muitas vezes surge como uma invenção para dar vazão aos seus medos e

preconceitos, assegurar a sua sensação de segurança condicionada as possibilidades

de mantê-lo distante. A cidade seria aqui o reflexo invertido de todos os fatores

positivos presentes na vida comunitária, ou familiar, dos condomínios fechados. Nesta

leitura os condomínios tendem a aparecer como contrapontos das cidades.

Ao atuarem diretamente na legitimação desta retórica do medo os condomínios

têm sido um dos reflexos materiais mais evidentes da segregação urbana. Como nas

últimas décadas os governos tem sido cada vez mais negligentes no combate as

desigualdades sociais, as cidades tem respondido á este abandono de formas

diferenciadas. Segmentos de classe de maior poder aquisitivo vêm adotado estratégias

defensivas ao se sentirem ameaçadas pelos efeitos da desordem urbana. È neste

sentido que os condomínios fechados têm colaborado para o avanço da segregação

urbana que se dá em ambientes marcados pelo medo, indiferença e agressividade de

várias naturezas. Neste crescimento percebe-se uma articulação entre fatores

empíricos em curso nas cidades, com sólidas estratégias publicitárias num contexto

urbana de city marketing.

Acompanhando o “clássico” diagnóstico de Carlos Nelson Ferreira dos Santos

os condomínios fechados transformaram-se em uma profecia que se cumpriu, de forma

até mesmo agravada, já que nos últimos anos a sua complexidade só fez “acompanhar“

o aumento de uma série de carências urbanas. De acordo com as suas palavras, o

condomínio seria uma das maiores ameaças às cidades brasileiras, pois trazia a

pretensão de solucionar os problemas não resolvidos pela cidade industrial.

Desta forma, retomando o novo homem fruto deste humanismo individualista que

extrai boa parte de sua legitimação das exigências da sociedade de consumo, é

produtor e produto de uma espacialidade que combina situações, a princípio,

contraditórias. Ao viver a compreensão espaço temporal definida por Harvey (1992),

onde é possível comprimir as atividades em fluxos temporais contínuos e ininterruptos,

este homem vivencia situações de ruptura – sutura. Ele vive isotopicamente o lugar, isto

é, constrói relações de vizinhança e familiaridade no seu ambiente ou seu entorno mais

imediato, e ao mesmo tempo se relaciona heterotopicamente com outros lugares,

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entrando em tensão com lugares que os definem. Nesta segunda dimensão os espaços

públicos são os lugares em que transcorrem os conflitos destes moradores.

O muro fronteiriço dos enclaves isola parcialmente os moradores do seu entorno.

Há uma porosidade com o entorno, o que não significa que ela permita uma troca

constante de informações entre os diferentes segmentos de classe, entendo daí, que os

segmentos mais bastados tendem a se envolver com as classes mais pobres, como

compreende Sabatini nas suas análises sobre condomínios fechados em Santiago

(Sabatini, 2002). Esta situação não ocorre na Barra da Tijuca porque, primeiro não há

uma grande proximidade entre suas classes médias e a população pobre e os fluxos

criados dentro dos enclaves e entre estes e outras área internas do bairro não permitem

uma troca tão continua com o diferente que possa implicar na formação de valores

democráticos.

São as tensões de outra ordem que eu começo a explorar no próximo item. Nele

serão examinadas as contradições que tem surgido dentro dos enclaves devido ao fato

dos seus moradores se defrontarem com certas escolhas que muitas vezes frustram as

suas expectativa iniciais, trazendo para dentro dos seus domínios situações que, a

princípio, estes prefeririam que ficassem de fora.

4.4 – A invenção da comunidade.

A, moradora do condomínio Jardim Europa, afirma que no seu condomínio

encontrou um clima familiar, acolhedor como se todos os seus moradores

constituíssem, de fato, uma família. Opiniões parecidas têm V e H moradoras do

condomínio Terraza. Assim que chegaram procuraram por um ambiente que pudesse

lembrar as criações que tiveram, uma ambiência em todos se conhecessem e

pudessem ajudar uns aos outros. Esta dinâmica de envolvimento sinaliza uma

preocupação constante de um morador com o outro. Vr, que mora no Lake Buena Vista, ao vir para a Barra da Tijuca também

pretendia levar adiante o tipo de socialização que construiu em outros lugares que

morou. Neste lugar ela costumava se relacionar com todos os moradores, sentia-se

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assim acolhida. Ls, deixou muito claro na sua entrevista que a vinda para a Barra da

Tijuca esteve condicionada ao desejo de sue marido de morar em um ambiente rural

que lembrasse a sua infância passada no interior do Estado do Rio de Janeiro.

Estas expectativas forma atendidas até um certo momento. De alguns anos para

cá estes mesmos moradores têm demonstrado uma certa insatisfação com os rumos

tomados pelos relacionamentos entre os moradores de dentro dos seus condomínios.

Para Ls, o seu condomínio deixou de ser homogêneo, um lugar onde todos se

conheciam, adquirindo um perfil mais heterogêneo, com um universo mais diferenciado

de moradores. Neste mesmo sentido vem a crítica de A. Para a maior diferenciação dos

moradores modificou o perfil do residente do seu condomínio.

Nestas falas sobressaem intencionalidades muito claras que visam transformar

as áreas de residência em lugares a parte da cidade, uma negação da cidade como

tentativa de recuperar um passado místico, idealizado. Este saudosimo traduz as

transformações sofridas pelo espaço na modernidade tardia, pois, segundo Bauman, ao

mesmo tempo em que ele tornou desnecessário, sobre ele recaiu uma resignificação.

Tentando compatibilizar este sentimento saudosista com os movimentos do

capital em escala mais ampla, exercício que pode parecer pretensioso e até absurdo,

identificamos nos dias atuais retóricas, sob a forma de dogmas, que defendem no curso

da globalização teses como o fim dos territórios, a desindexação das economias, e

universalização da cultura e o fim do regionalismo, dentre outras pontos que mais

parecem com uma profecia que anuncia o fim dos tempos. Entre os paradoxos desta

retórica vemos que poucas vezes na história a questão da identidade foi tão convocada,

seja para demarcar uma distância em relação ao passado assim como buscando

resgatar valores que se encontram abandonados (o caso do comunitarismo dos

condomínios fechados, que no caso brasileiro também pode ser associado ao

familismo).73

É possível identificar em situações pontuais dos territórios da modernidade

tardia, como os condomínios fechados, uma curiosa fusão de princípios da tradição com

73 Esta é uma categoria muito ligada aos estudos clássicos da Sociologia. Sua primeira aparição se deu na obra de Gilberto Freyre (1932) que em trabalhos como Casa – Grande e Senzala (1932) e Sobrados e Mocambos ( 1961) conferia a casa, e as relações familiares que nela transcorriam como edificadoras de valores que ultrapassavam os domínios domésticos, fundamentando as relações entre os indivíduos nos espaços públicos. No meu trabalho eu procuro utilizar esta categoria seguindo as críticas feitas por Souza ao trabalho de Da Matta, já citado no corpo da tese, pois entendo que nesta abordagem crítica o conceito de familismo é devidamente atualizado pelas novas relações de mercado onde estão inseridos os moradores da Barra da Tijuca.

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a modernidade. È neste sentido que Bauman examina a resignificação do território

buscando dele extrair os significados das novas relações de lealdade que garantem aos

seus integrantes o tão sonhado conforto existencial e a sensação de inclusão que

diminua as suas inseguranças.

Esta sociedade da qual eles sentem saudades é uma sociedade

metamorfoseada pelo formato comunitário. Este traço fica claro porque ao se referirem

aos lugares de origem a referência é sempre feita sobre uma espacialidade de menor

escala, um apartamento onde tenham vivido, uma vila, ou uma cidade do interior onde

se destacassem os tradicionais laços comunitários. Entendendo aqui como comunidade

o tipo de formação territorial presente na explicação de Weblen que nele identificava

uma proximidade tão grande entre os seus membros que as questões pessoais

imiscuíam-se nas preocupações coletivos. É um tipo de ambiente de feição solidária,

mas que no fundo cobra um elevado preço, na medida em que há forte coerção do

grupo sobre os destinos individuais.

Voltando a frisar que mesmo fora das preocupações iniciais de alguns moradores

que foram construir residência na Barra da Tijuca, a preocupação com a segurança, de

alguma forma, esteve presente. No caso a procura por uma segurança pessoal possível

em um lugar que servisse de abrigo contra as angústias trazidas pela competitividade

da modernidade tardia, que a todo instante cobra do indivíduo a responsabilidade sobre

as escolhas que ele deve fazer.

Da mesma forma, a procura pela segurança no seu nível mais imediato, a defesa

da vida, também se adequou ao discurso comunitário. O investimento do morador no

condomínio fechado é uma defesa que se faz de um lugar, visto como condição

necessária de toda a segurança, que a partir de agora tornou-se uma questão do bairro,

um “assunto comunitário”. No entanto, esta escolha poderia sugerir que onde o Estado

fracassou, poderá a comunidade – a comunidade local, uma comunidade corporificada

num território habitado por seus membros e ninguém mais (ninguém que não faça

parte), fornece aquele “estar seguro” que o mundo mais extenso claramente conspira

para destruir? (Bauman, 2003).

O avanço dos condomínios fechados parece confirmar esta suspeita. Com o

incremento de sua complexidade estrutural, que na fala de muitos moradores é

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apresentado como maior heterogeneidade dos condomínios, envolvendo tanto os

serviços como o maior número de residentes, diferenciação interna os enclaves figuram

com a pretensão de abrigarem modos de vida total, os enclaves quase pleiteiam a

garantia de um modo de vida total para os seus moradores.

Para se ter um quadro desta complexidade, mesmo nos enclaves mais simples

há um número mínimo de serviços e equipamentos considerados obrigatórios. Nesta

relação todos eles dispõem de uma guarita que controla o fluxo de entrada e saída,

inclusive dos próprios moradores, sendo que há casos de condomínios maiores onde o

controle e fato é feito na guarita de cada prédio, seguranças trabalhando em sistemas

de turnos em vários lugares, áreas de lazer, alguns com verdadeiras estruturas de

clubes como é o caso do Barramares, algum comércio interno, um tão próximo que

possa alinhar-se ao cotidiano deste morador, e garagens bem servidas, atestando um

traço comum aos moradores de enclaves que á a posse do carro. De todos os

moradores que eu entrevistei apenas uma não tem carro.

A pretensão de um modo de vida total se manifesta nesta espacialidade

específica. Nesta espacialidade provida do maior número possível de recursos, o seu

ocupante precisa desfrutar da sensação de auto-suficiência , ainda que ela seja

incompleta. Vemos que, na prática, morar em um condomínio não significa prescindir da

infra estrutura que o bairro ou a cidade venha a lhe oferecer. Os moradores dos

enclaves saem de suas residências seja para trabalhar ou para se divertirem,

considerando que suas opções de lazer estão na maior parte do tempo circunscritas ao

bairro.

Porém quando o assunto é segurança e exclusividade, outro forte componente

que apareceu nas entrevistas, eles sentem-se contemplados com os seus condomínios.

Morar nestes ambientes levá-los, muitas vezes, a dispensar interferências de serviços

ou pessoas que não sejam da sua relação mais imediata. Um bom exemplo deste

conforto é demonstrado pelo trabalho feito pela administração profissional já presentes

em alguns condomínios. Substituindo o antigo modelo onde o síndico assumia, sozinho

ou em colegiado, todas as responsabilidades do condomínio, a administração

profissional tem sido utilizada em vários condomínios da Barra da Tijuca e atesta um

fato: com o crescimento dos condomínios a saída tem sido recorrer a formas de gestão

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que em muito os aproximam de verdadeiras empresas, dada a sua complexidade e as

metas previstas pelas partes envolvidas, no caso, administração e moradores.

Este modelo sugere um recorte espacial na Barra da Tijuca. Além de áreas

residências os enclaves se tornaram proposta de gestão. Sua existência pode produzir

várias mensagens, e uma delas eu gostaria de destacar, que é a consolidação da

ordem privada como modelo indireto de resolução de conflitos. Vamos a este item.

4.5 – A gestão do espaço condominial.

M é formado em Direito e trabalha com administração condominial há nove anos,

tendo começado bem jovem, e com a primeira experiência outro condomínio da Barra

da Tijuca, o Alafabarra. Ele tem muita clareza sobre as atribuições de uma

administração de condomínio. Segundo ele ela deva ser exercida com o máximo de

eficiência e estar disponível ao seu morador, que na verdade é um cliente, vinte e

quatro horas por dia. Este é um trabalho que não admite erros. Na condição de cotistas,

os moradores apostam no retorno do seu investimento, e não estando dispostos a

correrem maiores riscos apostam na credibilidade da administração.

Esta preocupação atrela a administração do condomínio a acordos com

empresas credenciadas no mercado de trabalho. Estas devem estar a sua disposição

para resolver qualquer tipo de problema a qualquer hora do dia, sem se dar ao luxo de

cometer erros. A punição nestes casos é a dispensa dos seus serviços, situação que

procura ser evitada por empresas atentas ao filão que tem representado estes

convênios.

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Figura 17 – Administração profissional. Cada vez mais comuns nos condomínios da Barra da Tijuca. Fonte: Arquivo pessoal do autor.

No trabalho de M há uma curiosa combinação de princípios que modulo o que

ele considera um perfil obrigatório da administração condominial: na condição de

empresa ela deve atender a todo o conjunto de moradores, que exige um pessoal bem

treinado, e prova desta exigência são os constantes cursos feitos pelos seus

funcionários. No entanto, o outro lado é a preocupação que a administração tem que ter

em atender cada morador de acordo com a sua especificidade.

Percebe-se neste caso uma combinação, apontada pelo próprio entrevistado, de

racionalidade empresarial com afetividade nos laços humanos. Se a empresa prima

pela eficiência ela não pode deixar o seu morador / cliente órfão de maior atenção. Isto

quando dela não partem relações diretas de clientelismo. M conta casos de

interferência da administração na conciliação de conflitos entre moradores.O conflito foi

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resolvido e ficou provado que sem despertar a sensibilidade para identificar as

passionalidades dos moradores tornam-se inaplicáveis as responsabilidades racionais

da administração condominial.

Nada que deponha contra os movimentos do capital nesta fase do capitalismo

tardio. A nova lógica do capital parece estar baseada em vários casos na busca de

lucro pelas empresas e ambientes descentralizados, tendo o poder público como

promotor direto ou indireto desta acumulação, principalmente, quando o lugar onde se

dá este investimento é a cidade. Se as grandes empresas dominam o cenário mundial e

nos últimos anos muitos delas dispõem de um orçamento anual maior do que ao PIB de

vários países, paralelamente a esta escala macro, há um movimento do capital no

sentido de buscar novas fontes de acumulação. Nas últimas décadas o espaço tem sido

este ambiente renovada da acumulação capitalista,e a cidade é o território onde

repousam as circunstâncias favoráveis para esta empreitada. A cidade transformou-se

em uma mercadoria de cobiça para o circuito de acumulação mundial.

Não entrarei aqui em uma reflexão pormenorizada da cidade como mercadoria.

Este exercício demandaria uma formação que eu não disponho. Entretanto é possível

entrar rapidamente na sua lógica examinando de passagem algumas contribuições

teóricas. Para Vainer (2002), a questão urbana de outras épocas que estava associada

ao crescimento desordenado, reprodução de força de trabalho, consumo coletivo e

movimentos sociais urbanos, foi substituída por uma nova que teria como eixo central a

problemática da competitividade urbana. Neste sentido, a liberalização do mercado

presidiria o desenvolvimento da economia mundial e a privatização o caminho

necessário para desonerar o Estado dos seus encargos desnecessários, como procura

ensinar um certo receituário neoliberal. (Grifos meus).74

Naquilo que interessa a esta tese a habitação deixa de ser uma preocupação e o

que se vê nas várias faixas de renda é o crescimento progressivo da iniciativa privada

com a ampla anuência do poder público. Nos segmentos de mais alta renda, a solução

privada é muito bem vinda na maior parte do tempo, e o depoimento dos entrevistados

tornam esta premissa quase um axioma. Chegando ao nosso ponto, a presença da

administração condominial privada é a prova da superação de uma fase das relações

74 Excelentes criticas a concepção neoliberal da economia global estão presentes na obra de Fiori ( 2001;2003).

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de convivência dentro dos ambientes fechados que agora passam a se converter em

pequenas ordens alinhadas as exigências do capital.

Os condomínios não são apenas áreas residências. São produtos instalados em

porções privilegiadas do território urbano destinado a atenderem determinadas

demandas coletivas. O crescimento da violência urbana tem sido alavancado como o

leitmotiv para abrigar uma população cujo poder aquisitivo lhes garante acessar

recursos que, a principio, estariam em falta em outros lugares. Preocupados com estas

demandas alguns condomínios viraram empresas, os seus construtores trabalham com

margens de lucro quando nele investem, a sua concepção é profissional, e esta

profissionalização implica no avanço de relações impessoais que gradativamente vão

conformando os espaços comuns dos seus moradores. Com ingerência em toda as

dimensões da vida, como ilustrou M, o modelo da administração privada de

condomínios sugere um acordo tácito entre as partes envolvidas onde os moradores

pagam e o setor responsável garante a realização do serviço. Como M diz, desde o

momento em que o morador faz a sua mudança, entra para morar, ele assina um termo

que representa um agendamento de compromissos.

Neste modelo parece estar em curso o princípio da acumulação flexível que se

apóia na flexibilidade das relações de trabalho, dos mercados, dos produtos e do

padrão de consumo. Todas estas condições estão presentes nesta relação. A mão de

obra da administração do condomínio é contratada, deve passar por um treinamento

constante que visa a sua qualificação, isto é, atualização, e ele mesmo não é morador

do condomínio. Aliás, a preocupação com a qualificação explica o fato da empresa dá

preferência á funcionários que tenham o segundo grau completo. Ele cita, com orgulho,

o fato de ter nos seus quadros um professor de história.

Esta contratação está de acordo com a reestruturação dos mercados que

convocam paras suas fileiras um trabalhador, que de acordo com a retórica neoliberal

deve ser elástico, atento à todas as demandas da sua profissão. Por buscar um perfil

diferenciado, que no fundo é um padrão cobrado por condomínios que adotam o

mesmo modelo de gerência condominial, M. garante que o seu funcionário deve ter a

habilidade de um técnico para o exercício da sua função específica, e ao mesmo

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tempo, estar aberto a outras competências, ligadas, por exemplo, a capacidade de

resolver as angústias que estão por detrás do pedido dos moradores.

Neste mercado estão presentes os novos produtos. Segurança é um produto

prioritário, conforto é o diferencial buscado pelo morador, acessibilidade ao setor de

serviços é uma comodidade inquestionável, permitida pela disponibilidade de serviços

oferecidos pela administração condominial e pelos condomínios, toda a infra - estrutura

que garanta ao morador comodidade de não precisar sair dos condomínios, ou quando

isto for necessário, que o seu custo não seja oneroso.

Por fim a flexibilidade no padrão de consumo margeia o itinerário que o morador

traça no bairro. A relação que o morador da Barra da Tijuca tem com o consumo é

muito forte. Não houve um só depoimento que não tenha destacado este traço. O

consumo este presente na ida ao Shopping, um dos programas mais comuns dentro do

bairro, na ida a praia já que lá se manifesta uma forte competição entre os seus

freqüentadores que, ao mesmo tempo em que tendem a apreciar as mesmas marcas e

estilos de roupas buscam neste modismo uma forma de se diferenciarem uns dos

outros. È o paradoxo do individualismo na cultura de consumo de massa.

Boa parte do sucesso do trabalho de M esteve condicionado a percepção de que

na sua chegada ao condomínio haviam códigos de comunicação entre os moradores

que não poderiam ser desprezados. Eles demandavam uma estrutura sindical mais

organizada, haja vista que o tempo de tomada das decisões chaves para o

funcionamento do condomínio era compatível com estes pedidos. Neste sentido,

segundo M, a chegada da administração profissional foi uma grande conquista. Da

mesma forma, já havia uma ambiência entre os moradores que destacavam certos

códigos, como algum nível de personalismo no atendimento e respeito à vaidade de

cada um.

Quero dizer com isto que dentro dos condomínios uma estrutura como a

administração profissional tem atuando diretamente na composição dos espaços sócio

– cognitivos destes condomínios. Como o condomínio é um espaço que vai sendo

construído, isto é, para além do chamado espaço construído há a todo instante uma

construção do lugar, o ego do seu morador, as suas intenções deve nela ser

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espelhados. Daí o individualismo ter sido apresentado nas entrevistas como um dos

traços mais fortes dos atuais moradores de condomínios fechados.

4.6 – Individualismo x Comunitarismo: os limites da dicotomia. A frustração dos moradores com o desaparecimento progressivo dos laços

familiares nos seus moradores pode ser a revelação de um princípio diretor da vida

contemporâneo, admitido por estes mesmo moradores: o individualismo. Ao falarem

sobre o individualismo procuram atestar um comportamento típico de quem vive

preocupando-se exclusivamente com a sua vida, sem dedicar maiores preocupações

com o que pensam e fazem outras pessoas. Apesar da preocupação em se apontar o

individualismo como um problema que afeta toda a sociedade, os moradores procuram

direcionar as suas inquietações com questões mais imediatas que envolvem o seu

relacionamento com os vizinhos. Para eles os laços de proximidade outrora vigentes vêem perdendo espaços

para relações mais distanciadas. A base comunitária que foi tão decisiva para a

aproximação dos moradores dos condomínios, principalmente quando eles estavam

chegando nestes espaços, deixou de ser predominante. Na fala dos moradores que

fazem este diagnóstico existem vários exemplos que sustentam suas hipóteses. O

esvaziamento das áreas de encontro dos condomínios, a chegada de novos moradores

que tornaram os condomínios mais heterogêneos, logo, quebrando a então homogênea

morfologia predominante e a intensidade do medo demonstrado pelos moradores que

acabou tornando-nos mais reclusos em seus domicílios. H e V do condomínio Terrazas percebem o individualismo atribuindo-no à uma

questão geracional. E e sua mãe, moradoras do Barramares, acham que o morador do

condomínio vive muito isolado, mesmo que a primeira enxerga uma freqüência muito

grande de moradores nas áreas de lazer. A idéia de individualismo que sai da fala de

Sl, moradora do Barrasul, seria fruto de um desconhecimento intencional dos seus

moradores que se reflete na baixa freqüência de encontros nas áreas de lazer,

enquanto Ls do Vivendas do Bosque e Mr do Terrazas, vêem este afastamento como

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um traço estrutural do morador da Barra da Tijuca. Na fala de Ls esta questão aparece

de forma ambígua: nos seu condomínio as relações de proximidade entre os moradores

já foram maiores, mesmo quando considerando o fato do bairro Barra da Tijuca

promover, devido a sua concepção urbana, modos de vida individualistas.

Atribuo o avanço destas práticas individualistas ao desenvolvimento de novas

formas de relação social, que não são restritas aos condomínios, mas estes são, sem

dúvida, um palco onde elas são muito recorrentes. Falo da freqüência com a qual laços

de solidariedade são desfeitos em prol da edificação de novos laços que se quer dispõe

de tempo suficiente para a sua consolidação. São amizades construídas para serem

mantidas em lugares de encontro efêmeros, como as praças de consumo, que podem

estar nos shopping Centres ou nas áreas de encontro dos condomínios. Nestes

ambientes as pessoas podem estar “em contato” umas com as outras de forma visual

ou através de uma troca de palavras passageira, mesmo que estas pessoas se vejam

freqüentemente nestes ambientes.

Teve entrevista na qual enquanto o morador andava comigo pelo condomínio,

apontava e falava com algumas pessoas que estavam reunidas, a princípio um grupo

de amigos, esta mesma moradora acreditava que naquele pequeno grupo não havia

maiores afinidades, ainda que a aparência sugerisse o contrário. A espacialidade dos

condomínios estaria colaborando para a exacerbação de práticas individualistas.

Geralmente muito amplos, os espaços internos dos condomínios dificilmente estão

plenamente ocupados, e ainda que haja uma ocupação significativa em termos

quantitativos, esta se revela, em geral, insuficiente para cobrir toda a espacialidade

disponível. Em síntese, o gigantismo destas construções acaba colaborando para uma

espécie de anonimato dos moradores, que me parece ser denunciado por alguns como

o estágio propenso ao individualismo, na medida em que desobrigaria os indivíduos de

compartilharem sentimentos e palavras.

Mesmo entre os condomínios de menor porte os espaços tendem a superar a

capacidade dos moradores ocuparem-nos. Algumas razões são relativamente óbvias,

afinal de contas, nem todos os moradores estão dentro dos condomínios ao mesmo

tempo. Eles têm rotinas diferentes e a possibilidade de dissolver estas rotinas está

circunscrita aos finais de semana através da ocupação dos lugares comuns. Porém

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como já foi colocada, esta aproximação sequer garante uma regularidade de

comunicação entre os moradores.

Agora, contextualizando este comportamento de um segmento de classe dentro

do atual momento de fragmentação do tecido sócio – espacial da cidade, este

individualismo se insere em uma narrativa de socialização interna destes segmentos de

classe em territórios específicos. Maximizando os espaços de contato interno, mesmo

em bases individualistas, os moradores de condomínios guardam uma distância relativa

com o seu entorno. As entrevistas revelaram que são muito escassos os contatos com

não moradores de condomínios, a não ser nas relações de serviços que são exercidas

por moradores de áreas pobres, e até por isto eu venho sustentando que o isolamento

do morador do condomínio fechado é relativo.

O individualismo que emerge nas práticas destes moradores sugere que vivemos

em uma época em que as relações sociais têm sido marcadas pela distância entre as

pessoas, separadas em arenas de negociação onde a proximidade costuma ser

intermediada por ferramentas impessoais. A distância parece ter se convertido na

conduta apreciada por muitos, ainda mais quando esta distância já esta preservada por

um aparato prévio, como os presentes em condomínios fechados. Nesta dinâmica o

Outro da relação, que é uma figura integrante da paisagem social, aquele com quem é

necessária a interlocução, ainda que distante, é completamente afastado do plano de

percepção de quem escolhe por residir em ambientes pautados pelo isolamento. Nesta

dinâmica, o este Outro é construído e desconstruído ideologicamente.

Estaríamos vendo nestes casos o que Bauman chama de fratura nas relações

sociais. Com a tendência a diminuição das interações face a face, as significações

presentes nas micro territorialidades e o domínio das relações impessoais perde-se a

noção de que a individualidade é fruto de uma negociação contínua entre indivíduos.

Individualidade é a palavra defendida pelo autor, e não individualismo, que no caso tem

sido o modelo de socialização destes moradores.

A distância entre moradores também afeta os moradores de outros enclaves.

Muitos moradores afirmaram que dificilmente se relacionam com quem não mora no

seu condomínio e quando isto acontece a sua manifestação é muito pontual. Outros

contatos acontecem em festas Juninas feitas em grandes condomínios, onde a entrada

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do morador está garantida pelo pagamento de um determinado valor. Mesmo assim,

este morador /consumidor era uma espécie de convidado.

Observando as modalidades de contatos internos dentro dos condomínios, pode-

se afirmar que há uma socialização em curso. Não teria sentido falar que ao se isolarem

dentro dos condomínios os moradores abrem mão de formas de comunicação. Eles

maximizam as relações internas, e mesmo assim não cortam relações com o seu

entrono. São socializações confinadas que transcorrem em vários espaços. Quando os

moradores resolver resguardar a sua intimidade o cenário escolhido é o apartamento,

um lugar de encontro restrito apenas aos convidados. Para alguns moradores

entrevistados esta prática é mais comum nos condomínios de alto luxo, que

curiosamente estão entre aqueles que dispõem de uma luxuosa infra-estrutura de lazer,

que com isto acabam ficando na maior parte do tempo vazias.

Outras socializações têm caráter mais duradouro, conforme apontadas na fala de

A, moradora do Lake Buena Vista. Ela mesma faz parte do que chama de grupo da

praia, formado por moradores do seu condomínio que se encontram regularmente na

praia próxima da sua casa, e se estende ao condomínio. Este aplicativo da socialização

confinada anuncia uma relação de proximidade entre a casa e o espaço público. Medo

e espaço se encontram neste movimento de construção de uma identidade social, que

na verdade, camufla uma extensão de escolhas de natureza individualistas.

Antes de a minha afirmação parecer contraditória, basta que eu recupere as

questões que cercam a escolha do lugar de residência. V veio para a Barra da Tijuca

atrás de espaço e segurança para ela e sues filhos gostaria que a sua família

desfrutasse da combinação de conforto, segurança e liberdade, ou seja, epítomes da

modernidade tardia que dificilmente são conciliados na prática, mas que são

constantemente convocados na procura por ambiente como os condomínios fechados.

O grupo de amigos que ela construiu é a extensão destas relações travadas dentro de

um ambiente cujo registro mais aparente para quem não faz parte dele é a invisibilidade

do seu interior. A procura por isolamento voluntário pode ser apresentada como uma

das expressões mais acabadas do individualismo contemporâneo. Isolado parcialmente

do seu entorno, o morador do condomínio encontra um ambiente físico pronto para a

sua ocupação, como se este se adequasse as conveniências de cada um, e na medida

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em que vai se envolvendo com este espaços preenchendo-no com os seus valores,

deixa traços pessoais muito marcantes. É como se a socialização do morador dentro

dos enclaves lhes garantisse uma dupla conquista: a possibilidade de agregar valores

com moradores de semelhante origem social e, ao mesmo tempo, preservar a sua

individualidade, já que cada morador desta ambiente ser identificado como integrante

de um segmento de classe que pode desfrutar de um conjunto de bens que os

diferencie dos outros segmentos que pleiteiam por estes mesmos recursos. No comunitarismo que muitos moradores sentem saudades, na verdade, jamais

estiveram ausentes sinais de individualismo, afinal de contas, os moradores queriam

sentir-se integrados dentro dos seus espaços, mas alheios as possibilidades de

formação de vínculos mais amplos com outros espaços. Tentando amenizar este

isolamento, e diminuir a sua face individualista, alguns condomínios da Barra da Tijuca

procuram se envolver nos dias de hoje com campanhas humanitárias, promovendo

doações de alimentos e roupas para famílias atingidas por alguma tragédia. Há casos

em que moradoras, principalmente as mais velhas, se dedicam a trabalhos voluntários

contínuos, como, por exemplo, costurar para crianças que moram comunidades

carentes.

Ainda que sejam simpáticas, e até mesmo bem intencionadas, estas práticas não

diminuem a distância social entre áreas nobres e territórios da pobreza urbana. No

máximo, há um sentimento católico de preocupação com o outro, um outro de quem

não se sabe ao certo sua cor, idade, lugar de moradia e carências de fato. Este outro

tem sido inventado por uma confusa “consciência de classe” de quem procura

desvencilhar-se temporariamente dos seus privilégios para filiar-se a uma causa maior

do que as suas rotinas repetitivas do dia a dia. Este investimento solidário representaria

um fato novo, quase um desafio para se chegar aos lugares reais onde as pessoas

vivem suas dificuldades, ainda que a ida ao encontro do problema esteja condicionada

a permanência no seu lugar de origem.

Existe um espaço, um topos de onde o morador do enclave projeta o seu olhar

sobre o mundo. Mesmo que no depoimento de Ls, moradora do Vivendas do Bosque,

ela tenha demonstrado a preocupação de oferecer valores solidários às suas filhas,

estimulando-nas a realização de trabalhos voluntários, procurando assim, levar adiante

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uma experiência que ela sempre gostou de cultivar, este exemplo é muito pontual e o

vínculo que a sua filha criou pode ter desenvolvido nela um olhar mais humano sobre a

vida, no entanto, insuficiente para romper com o comportamento isolacionista padrão do

morador da Barra da Tijuca.

Em várias falas os moradores procuraram associar o individualismo há uma

mudança de comportamento geracional. Os mais jovens, criados em uma cultura de

consumo explícita de hedoismo e narcisismo ter-se-iam virado consumidores vorazes

de valores competitivos. Este raciocínio é incompleto, sugere um maniqueísmo típico do

recorte geracional, sobrevalorizando as virtudes dos mais velhos e desqualificando as

atitudes dos mais novos. Além disso, soa como tendencioso atribuir a um único

segmento a responsabilidade sobre um comportamento coletivo tão complexo como o

individualismo. Mas ao mesmo tempo é revelador, na medida em que aponta uma das

pontas da socialização dentro do bairro com todas as suas questões envolvidas.

O quadro do individualismo na sua versão consumista deve ser pensado com

algumas demarcações. Deixarei para falar sobre os hábitos de consumo dos moradores

de condomínios no próximo item. Por hora falarei exclusivamente sobre o

individualismo. Sobre este aspecto o trabalho de Freire Costa oferece valiosas

sugestões. Para ele no individualismo contemporâneo ocorre uma substituição dos

antigos interesses políticos e religiosos por preocupações com saúde física e mental.

Isto é um fato que se comprova, por exemplo, com a regularidade de academias de

musculação, oficinas de trabalhos espirituais, exercícios específicos que atinjam todas

as faixas etárias, incorporando novos segmentos como a terceira idade, chamada em

muitos condomínios como a melhor idade e em alguns casos os Spas. Segundo Costa

(2000) estão em vigor mecanismo de exclusão social que agora passam pela

desqualificação daqueles que não se adéquam a estética dos bem sucedidos, que

estimula o corpo a exibir formas de gratificação social. O morador do enclave tem uma

forte preocupação com a aparência, e como diz E, moradora do Barramares, o morador

da Barra da Tijuca cultiva muito a aparência, gosta de expor bens de diferenciação e

um destes símbolos é o próprio corpo.

Na outra ponta do controle social, fruto do individualismo contemporâneo, estão

os jovens estimulados a competirem economicamente, a cuidarem do corpo, a

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acumularem o maior número possível de conquistas, seja no campo amoroso ou

profissional, enquanto as outras conquistas viriam como uma espécie de resultado

natural. Esta competitividade transcorre basicamente entre os jovens da mesma classe

social. Um exemplo disto é o circuito fechado no qual eles vivem, basicamente

circunscritos ao bairro.

Para M, O e R, todos jovens, os seus amigos só se relacionam com pessoas do

bairro, desconhecem outras regiões e se precisam deslocar-se em direção a outros

bairros vêem-se ilhados, assombrados e atemorizados com o diferente. Envolvidos em

um circuito de Shoppings e Boates suas relações passam sempre pela proximidade

com os ambientes onde é possível levar adiante sues desejos de consumo, no caso

dos corpos em rituais de sedução, que não raro, transformam estes mesmos corpos em

máquinas inesgotáveis de produção de símbolos de consumo do capitalismo

contemporâneo. È o corpo como fonte de prazer e sucesso, de onde poder-se-ia retirar

uma identidade acéptica.

Sua permanência, entretanto, depende da duração das referências que estes

corpos precisam corroborar. Para uma análise mais completa da variável do consumo

na formação da identidade dos moradores da Barra da Tijuca, para além e

atravessando, as faixas etárias, passemos para o próximo item, porém desde já

adiantando que dentre todos as características que demarcam o consumo o traço que

perpassa todas as suas modalidades é a perenidade dos seus produtos, tal como a

efemeridade de suas relações.

4.7 – O consumo como elemento de formação de uma identidade social e a sua construção nos espaços de fluxo do bairro.

Além da preocupação com a segurança, outro aspecto que apareceu com muita

freqüência nas falas dos moradores entrevistados foi a enorme disponibilidade para o

consumo dos moradores da Barra da Tijuca. A opção de vir morar no bairro já sugere a

predisposição de um morador/consumidor preocupado com o fator proximidade

geográfica, que para ele representa um facilitador social, face as condições espaciais

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em que se encontra o bairro da Barra da Tijuca, relativamente afastado de certos

centros urbanos, tradicionalmente grandes ofertadores de bens e serviços.

Neste sentido, o morador da Barra da Tijuca espera que o seu bairro seja prático,

que nele possam ser encontrados o maior número possível de serviços e mercadorias

que ele considera indispensável para a sua sobrevivência. Entre estes produtos não se

encontram, exclusivamente, bens de primeira necessidade. O elemento supérfluo se

destaca entre as maiores demandas de consumo por parte dos moradores. Ele explica-

se, em boa parte, pelo fato de que a aquisição de bens de participação desta natureza

insere o seu morador em quadro de referências simbólicas diferenciada, em função do

prestígio que tal bem desfruta dado a sua escassez nesta economia dos bens

simbólicos.

O consumo será aqui compreendido como uma relação social onde indivíduos

buscam por bens de participação de naturezas material e simbólica e procuram afirmar-

se por meio destes produtos. Deve ser levada em conta toda a complexidade dos

processos sócio-culturais onde estas relações estão sendo configuradas (Canclini,

1997), aliada ao fato de que os agentes do consumo ocupam diferentes posições no

espaço social que correspondem aos seus estilos de vida. O seu consumo é perfilado

por um habitus, isto é, um sistema de disposições duráveis, que exprime sob a forma de

preferências sistemáticas, as necessidades objetivas das quais ele é produto.

(Bourdieu, 2004).

Nesta busca serão validados produtos aliados a necessidades muito específicas

de um segmento de classe, as classes médias, inseridas em um contexto geográfico da

cidade. Ou seja, ao mesmo tempo em que tomo como referências para minha reflexão

autores que procuram explicar os fundamentos da relação de consumo em uma ampla

escala, acredito que existem particularidades que demarcam o consumo de

determinados grupos. Os territórios da Barra da Tijuca são estas fronteiras.

De saída, considero válida a apreciação de Canclini (1997) de que é preciso ir

além das clássicas investigações realizadas pelos estudos culturais e identificar os

novos mediadores na relação de consumo. A relação não se dá por processo direto de

alienação onde o receptor do produto é uma pessoa desinformada que se deixa

enganar pela propagando publicitária dos meios de comunicação, como apostavam os

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estudos orientados pelo marxismo estruturalista. Existem novos mediadores nesta

relação representados pela família, bairro e o ambiente de trabalho. Em síntese, o

consumo é o conjunto de processos sócio-culturais em que se realizam a apropriação e

o uso dos produtos.

Nas entrevistas as dimensões apontadas por Canclini aparecem com muita

freqüência. Recuperando rapidamente um item que já foi analisado, as relações de

vizinhança de corte comunitário colaboram de forma estreita com os habitus de

consumo entre os moradores, na medida em que eles tendem a comungar preferências

sócio-culturais representadas pelos lugares de encontro. Os encontros transcorrem

dentro dos condomínios nas suas áreas de lazer, no entorno mais imediato, como o

caso das praias, nos shoppings e casas noturnas, este último caso ocupado

principalmente pelo segmento mais jovem. Em todas estas praças são executadas

relações de consumo e em cada uma delas uma dimensão filiadora é preponderante.

Nos condomínios fechados é possível identificar um conjunto heterogêneo de

consumidores. Este fato se deve a centralidade comercial possuída por alguns destes

enclaves dentro do bairro. Esta centralidade significa que as sua fronteiras são mais

abertas do que outros condomínios mais convencionais, onde não se vê uma circulação

tão itinerante de consumidores, que não são necessariamente moradores.

No Barramares não existem impedimentos para o morador de outro condomínio

ir lá e fazer compras. Sua estrutura é relativamente requisitada, provavelmente, pela

sua localização que facilita o acesso dos moradores que não moram próximos dos

grandes supermercados, e para lá chegarem precisariam atravessar longas distâncias.

Esta contribuição democrática do Baramares ao setor de consumo de varejo no bairro,

na verdade, esconde algumas tentativas de bloqueio feitas pelos seus moradores que

só não foram adiante, segundo E, por uma ação movida pelo dono de um mini

mercado. Outro impedimento, que não foi percebido por E, é que estes condomínios

estão localizados em áreas públicas, logo, sujeitas à interferência da justiça para

regular conflitos como estes onde se reivindicava o seu uso, ainda que este mesmo uso

seja de natureza privada.

Aliás, as várias divergências dentro do bairro relacionadas à exploração de áreas

públicas por interesses privados atestam um axioma na questão urbana do bairro: a

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Barra da Tijuca cresceu modificando os estatutos de regulação urbana que separam o

público do privado e os moradores internalizaram esta aparente contradição de acordo

com os códigos de pertencimento que lhes servem como guia de comportamento. Esta

tensão entre o público e o privado é um reflexo dos limites artificiais consolidados por

situações de conveniência urbana, que dão aos setores responsáveis pela

administração dos espaços de convivência e os moradores que são os grandes

usuários destes espaços, uma autonomia perversa. A recorrência desta autonomia, que

vem se reproduzindo nos últimos anos com a chegada de uma nova geração de

moradores de condomínios fechados, esta na base das críticas feitas aos moradores da

Barra da Tijuca como integrantes de uma não cidade. Veremos esta polêmica está

atravessada por relações de consumo desenvolvidas dentro do bairro, identificando as

simbologias de pertencimento elaboradas por estes moradores.

4.7.1 – Na busca pelos bens privados a reconfiguração do espaço público.

O consumo de produto se dá dentro de uma determinada espacialidade. O que

se consome, como se consome com qual finalidade estes gestos são decididos

preenchem o lócus da sua ocorrência de sentidos. Daí, nas áreas de consumo dos

condomínios fechados, o tipo de consumo padrão tende a lhe ser correspondente, isto

é, restrito aos seus moradores. Casos como o Barramares, que tipificam um modelo de

macro condomínio comum no bairro, expõe tensões entre moradores e não moradores.

Os primeiros passam a se incomodar com os segundos, a partir do momento em que

eles ultrapassam uma fronteira estabelecida para preservar a intimidade dos seus

residentes. Logo, mesmo que o consumo de bens seja feito por segmentos da mesma

classe social, o elemento da distância social garantido pela fronteira do condomínio

encontra-se presente.

Há uma disputa em curso por bens e serviços dentro do bairro que passa pelo

bloqueio de área de circulação cujo efeito é ampliar o prestígio social dos moradores

das áreas confinadas. Logo, o encerramento residencial parece ter-se convertido em

um expressivo capital social na Barra da Tijuca, e quando mais exclusivo for o

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condomínio maior será sua valorização, e por extensão, maiores serão as marcas de

distinção social do seu morador. As barreiras que foram pretendidas pelo Barramares parecem sugerir um sinal

de uma cultura da apropriação dos espaços alheios amplamente naturalizados em

bairros com o perfil da Barra da Tijuca, onde se consome quase todos os tipos de bens,

dentre eles, o próprio espaço. A partir deste exemplo, parece que foi estimulada neste

condomínio uma disponibilidade para se avançar suas fronteiras. Tal avanço pode estar

indicando dois tipos de acordo: um tácito, celebrado entre os seus moradores com o

próprio condomínio, reconhecendo que a extensão da sua área se adequa a

grandiosidade de suas pretensões, e outro de natureza jurídica que envolve a

administração do condomínio com o poder público responsável pela regulação formal

destes tipos de espaços. Não tive em mãos documentos que comprovem plenamente

esta segunda suspeita, entretanto, a quantidade de irregularidades cometidas pelos

condomínios raramente levá-los a responderem juridicamente. Seguindo estas

premissas, há alguns anos o Barramares tentou fechar uma rua lateral baseado no

argumento da proximidade territorial com o terreno. A alegação é que como ela não

representava uma área pública, esta poderia ficar sobre a ingerência deste condomínio.

O grande problema desta iniciativa, cuja natureza jurídica, em si, é ilegal, é que

por esta rua lateral passam todos os dias moradores que precisam usar a Balsa que faz

a travessia do canal de Marapendi para chegarem as suas casas. Levada a justiça os

usuários da balsa tiveram assegurados o direito de continuarem trafegando pela área

pública, porém sem admitir explicitamente, a sua derrota jurídica, o Barramares

construiu uma cerca no extremo limite dos seus domínios, visualizando o

distanciamento daqueles que passava pela sua lateral. Entre os moradores do

Barramares não parece ter havido maior polêmica em relação às decisões tomadas

pela sua administração.

Outro episódio que revela o imbróglio intencional entre o público e o privado foi

dado por Br, morador do condomínio Solar da Barra. Ele fala sobre uma tentativa do

condomínio Vivendas do Bosque, vizinho ao seu, de tentar construir duas cancelas que

fechariam a rua. Com a denúncia de alguns moradores de casas localizada na rua onde

as cancelas seriam construídas, estas foram embargadas pela Prefeitura. O fator

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emblemático deste episódio é o juízo que Bruno faz. Ele entende que a demolição só foi

feita porque não havia um comum acordo entre os moradores. Afinal de contas, uma

coisa é ser ilegal, a outra é ser pactuada.

Figura 18 - Apesar da preocupação excessiva com a segurança, por vezes os limites artificiais dos

condomínios demonstram suas fragilidades. Fonte: Arquivo pessoal do autor.

Na sua fala existe uma ignorância intencional da existência de delimitações

jurídico – políticas que deveriam demarcar a exploração dos espaços públicos. Esta

mesma percepção aparece em outra passagem da sua entrevista quando ele concorda

com os impedimentos para bloqueios de ruas públicas, sem que o mesmo impedimento

fosse direcionado às ruas privadas. O poder público nestes casos aparece como um

mero intermediário para fazer jus às conveniências das partes que previamente acertam

as suas bases do acordo em torno da exploração de um serviço. O serviço neste caso é

a segurança, que claramente está sob efeito de acordos obscuros, por vezes realizados

entre condomínios e firmas de segurança que exploram formas de trabalho irregulares e

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precárias. Como esta lógica parece ser predominante na Barra da Tijuca, tanto em

áreas residenciais restritas como em estabelecimentos comerciais fechados, podemos

afirmar que há um processo de privatização do espaço público sustentado por ações

institucionais e empresariais e legitimado por acordos tácitos entre moradores de

condomínios. Estes “acordos multilaterais” demonstram que a arena jurídica é acessada

pelo condomínio fechado quando este quer levar adiante projetos que incrivelmente

parecem desvirtuar os fundamentos onde repousam a idéia de uso universal do solo

urbano, e que há uma cultura da apropriação privada em voga entre os seus

moradores. A fragilidade da delimitação das fronteiras do bairro, nos planos jurídicos e

culturais, pode ser tributária da sua concepção mais recente de reurbanização. Com as

modificações do Plano Lúcio Costa de 1968, segmentos do setor empresarial

praticamente perfilaram o novo planejamento do bairro, agravando assim, a feição

privada que já aparecia no seu planejamento inicial. Dentre as modificações mais

emblemáticas temos a alteração na altura dos gabaritos de 8 para 12 pavimentos, as

mudanças nos usos do solo e nas formas de parcelamento. Não me alongarei na

discussão destas modificações que já foram analisadas no capítulo anterior da tese.

Faço aqui um pequeno reforço destas premissas para compreender como se dá o

alinhamento do novo desenho do bairro com a moralidade urbana dos seus moradores.

Com estas modificações foi autorizado um enorme volume de construções de

comércios e condomínios fechados em áreas que até então relativamente preservadas,

porque voltadas para uma preocupação ambiental, que no projeto de Lúcio Costa

apareciam associadas à qualidade de vida. O novo parcelamento do solo, com o

aumento das glebas urbanas, a profissionalização cada vez maior das empreitadas

empresariais, com departamentos jurídicos mais competentes voltadas à manipulação

da frágil legislação urbana que regulava a Barra da Tijuca foram estruturando as ações

coordenadas do poder público e da iniciativa privada responsáveis pela remodelação

urbana da Barra da Tijuca dos anos oitenta em diante.

O morador foi construindo o seu envolvimento com o bairro visualizando uma

série de iniciativas que produziram uma infra-estrutura muito elogiada por atender as

demandas por serviços diversos, como residência, lazer e consumo. O poder público,

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com atuação mais discreta neste crescimento, porém decisiva, já que a Barra da Tijuca

recebeu em poucos anos um volume de obras considerada inédito em relação a média

histórica de toda a cidade, ficou quase invisibilizado pelo seu morador. Nas entrevistas,

quase toda as vezes em que é citado, o poder público é muito criticado,

responsabilizado pela falta de transportes coletivos, principalmente, a ausência do

metrô (mesmo que já há alguns anos a exploração deste serviço seja privada), a

precariedade no abastecimento de água, casos de asfaltamento deficiente, e até

mesmo, a reivindicação por maior segurança pública, ainda que a critica a esta

responsabilidade tenha sido bem menos freqüente.

Neste cenário, o tipo de produção do espaço construído no bairro insinua a um

observador/ analista que os moradores da Barra da Tijuca optaram claramente por

formas de interação que reflitam a positivação dos ambientes privados, isto é, restritos e

marcados pela proximidade, e tendam a lançar desconfiança a qualquer vínculo que

sugira a presença de um intermediário de natureza pública. O privado aparece como o

reino do possível, onde os indivíduos podem fazer suas escolhas com maior segurança,

sua racionalidade é instrumental, prática, de facial acesso ao seu usuário. Como

morador de condomínio e usuário do bairro, ele precisa ter a sensação de uma

interferência direta nos seus espaços de uso, e o seu horizonte de atuação deve ser

bem claro. Este morador não parece ficar muito à vontade com as perspectiva de estar

se deslocando dentro de uma espacialidade impessoal. È como se tudo o que ele

fizesse precisasse ter o registro da sua personalidade, quem em termos sociológicos,

implica na configuração de sua identidade.

Para diminuir a significação do público, como espaço difuso, impessoal e

distante, que por isto encontrar-se-ia localizado no outro extremo desta gramática

urbana das relações sociais, o seu sentido é modificado para um espaço com o qual o

morador possa guardar alguma familiaridade. Desta forma, quando são citadas nas

entrevistas algumas áreas de lazer públicas freqüentadas pelos moradores, como a

praia e o Bosque da Barra, elas costumam ser apresentadas com base na dicotomia

segurança – insegurança. Identificando alguns destes exemplos, a praia é

territorializada e o morador da Barra da Tijuca tem opção pelos trechos de acesso mais

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difícil para quem vem de ônibus de outros bairros, o parque é fechado garantindo ao

seu usuário toda a tranqüilidade para desfrutar de passeios familiares.

Esta diminuição da distância dos espaços, mudando o seu estatuto, vem ao

encontro dos modos de vida preferidos pela coletividade formada pelos moradores da

Barra da Tijuca, ou até mesmo por não moradores do bairro que ao freqüentarem estas

áreas encontram uma espécie de modos operandi moral. O que se percebe é um

mundo de valores em ação modulando escolhas que ao longo do tempo vão sendo

legitimadas e perfilando os espaços onde transcorrem estas escolhas. Os espaços de

vida e uso da Barra da Tijuca possuem uma faceta privada porque são ocupados por

indivíduos que neles emprestam suas narrativas particulares, ainda que estas

dependam de relações com alguma coletividade. O público nestes bairros parece

indicar a distância encurtada que o morador percorre para se apropriar dos espaços,

até então, opacos do bairro.

Em termos durkheimianos, as formas de legitimação irão filtrar as opções mais

positivas dentro de um escala de valores, condicionada pela situação que as classes

ocupam dentro de uma determinada função objetiva. No que se refere ao consumo,

como atividade de aquisição de bens e serviços demarcado por configurações sócio-

constitucionais, é no âmbito do consumo privado que as relações sociais transcorrem.

As trocas que visam à aquisição destes bens tendem a ser realizadas com o maior nível

possível de proximidade, e quando não for este o caso, que sejam criadas estruturas

que permitam o trânsito seguro dos moradores consumidores na busca por estes bens.

No que tange aos valores, os moradores da Barra da Tijuca parecem estar em

busca de modos de vida totais, seja em relação ao bairro ou dentro dos seus próprios

condomínios. Estes modos de vida totais, por sua vez, só se manifestam em

espacialidades específicas. Os espaços devem garantir a capacidade de associação

entre as dimensões territoriais da área e o ego do seu morador. Neste princípio repousa

o prestígio desfrutado pelo morador do condomínio fechado, e mesmo que eu tenha

observado uma diversidade de estruturas que demonstra uma diversidade de padrões

de vida, ele é comum aos seus moradores. Por isto eu afirmei logo acima que o

morador da Barra da Tijuca tende a personalizar o seu território.

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Este sentimento é comum e ao mesmo tempo caricato. A mãe de E afirma que o

morador da Barra da Tijuca é esnobe e por isto gosta de se projetar na imagem de bem

sucedido por morar em um condomínio fechado. Em sua opinião, nem sempre a

posição ostentada pelo morador é condizente com o seu real padrão de vida. Por

vezes, estes moradores precisam fazer grandes sacrifícios para se manterem dentro

deste aparelho de produção simbólica que é o condomínio fechado. Esta informação

apareceu em outras entrevistas, revelando que há na Barra da Tijuca o mesmo tipo de

“acusação” comumente feita à moradores que ao buscarem a zona sul estão mais

preocupados em adquirirem prestígio simbólico do que, efetivamente, reunirem

condições materiais que possa incluí-los no setor de serviços e lazer que os bairros da

zona sul costumam oferecer. Talvez por este motivo, de forma inconsciente, E afirma

que a Barra faz parte da zona sul.

O fator da diferenciação recorrente nas “cartilhas” de comportamento,

verdadeiros receituários de como devem se comportar aqueles consumidores

detentores do poder simbólico (Lemos, 2008) tem se garantido pelo pacto de agentes

interessados nesta dotação diferenciada de recursos de participação no consumo do

espaço, que me parece o maior efeito do consumo que se faz na Barra da Tijuca, no

que tange à formação de uma identidade coletiva.

Neste sentido, o mercado de bens materiais e simbólicos encontra no mundo

intramuros dos condomínios fechados um lugar privilegiado de acomodação. Neste

lugar participam os moradores, usuários de suas áreas de lazer internas, ou no máximo,

consumindo no espaço do seu entorno mais imediato, os agentes imobiliários que

anunciam paraísos artificiais que tentam convencer os moradores de condomínios de

que dentro dos seus limites estes podem encontrar de tudo que precisam e uma

logística comandada de forma profissional, comum á alguns condomínios, que visam

atender o morador em todos os seus momentos.

Neste universo as barreiras artificiais atuam como filtros que selecionam os

acessos dos seus ocupantes. O muro é uma fronteira que diferencia a capacidade das

classes circularem diferenciadamente no território,e a sua espacialidade resultante tem

pouca relação com os estatutos urbanos mais tradicionais que estabeleçam, por

exemplo, que as áreas públicas estão sob o controle do poder público. Como barreiras

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artificiais, os muros garantem o isolamento relativo do seu residente, e colaboram para

que o morador elabore convicções exageradas sobre a sua auto-suficiência. A sua

identidade não pode prescindir do contato com os de fora do seu condomínio. Apesar

de muitos moradores entrevistados trabalharem, ou já terem trabalhado fora do bairro,

há uma opinião geral de que o grande sonho de consumo do morador da Barra da

Tijuca é o de trabalhar no bairro. A alegação recorrente é a proximidade com a casa.

Este argumento, todavia, parece-me insuficiente porque não aponta algumas

questões como o fato do bairro ser grande, e por isto, nem todos morarão

necessariamente tão próximos do seu trabalho, o fato do aumento inevitável do fluxo de

veículos dado a preferência por este meio de transporte pelo morador do bairro,

gerando o aumento dos engarrafamentos, que eles próprios associam como um déficit

na pretendida qualidade de vida. Enfim, o mais provável é que este argumento esconda

o desejo do morador da Barra da Tijuca não querer sair do seu bairro, porque este é o

lugar onde se envolve com várias dimensões de suas vidas, onde se encontram os

grupos de amigos, a sua família, as opções de consumo e lazer, e principalmente

porque nele tendem a se sentir mais seguros.

A participação do setor imobiliário tem sido decisiva, segundo alguns moradores,

na estimulação da vinda de novos moradores para a Barra da Tijuca. Para L, esta

iniciativa trouxe moradores de variadas faixas de renda para o bairro, ainda que o

padrão predominante seja o morador de classe média egresso da Tijuca. Como

resultado deste processo o comércio local procura acompanhar a nova demanda dos

moradores, diferenciando os seus serviços e aumentando o número de entregas à

domicílio, os chamados serviços delivery.

A diferenciação do comércio é uma adaptação ao novo tecido social do bairro,

que se pretende capaz de absorver todas as faixas de renda. Os Shoppings do bairro e

os grandes mercados acompanham esta diferenciação do consumo, onde se pode

encontrar dos shoppings populares mais tradicionais, onde o morador pobre, inclusive

não residente no bairro, pode freqüentá-lo sem maiores inconvenientes, até os mais

sofisticados, onde embora não existe um controle formal do acesso a qualquer pessoa,

os constrangimentos acionados pelos seguranças e freqüentadores costumeiros,

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inibem a circulação dos segmentos identificados estética e economicamente estranhos

ao seu universo.

Pude perceber na fala dos moradores uma hierarquia de lugares de consumo no

bairro. Esta hierarquia apareceu com muita clareza numa história contada por Sl,

moradora do condomínio Barrasul. Ela revelou que certa vez uma amiga sua se

encontrou com uma amiga casada com um funcionário da Rede Globo, e pelo que deu

para depreender, alguém com uma posição expressiva dentro da empresa. Como este

encontro aconteceu dentro de um supermercado popular, esta mulher pediu amiga de

Sl que este fato não fosse revelado para outras amigas em comum, preocupado com as

repercussões negativas deste episódio.

Esta historieta corrobora o argumento que venho sustentando ao longo deste

item: que a personalidade do morador da Barra da tijuca, principalmente àqueles

instalados nos segmentos de maior poder aquisitivo, têm uma intima relação com o

consumo. O lugar em que se consome, e por extensão, aquilo que se consome, são

definidores dos capitais simbólicos que regulam a aceitação dos seus personagens

naqueles espaços que outrora foram definidos por Wright Mills (1967) como as altas

rodas.

Entendo que esta definição poderia causar desconforto para os pesquisadores

que se debruçam sobre os hábitos de consumo e formas de reunião das chamadas

elites cariocas com é o caso de Lemos (2008), que em sua tese reconhece como

integrantes das altas rodas somente aqueles que pertencem às famílias mais

tradicionais da cidade, e mesmo que atualmente algumas delas não dispusessem mais

do patrimônio de outras épocas, elas ainda representariam os estratos de maior

aceitação dentro do circuito de promoção do prestígio na cidade. Neste caso, seriam

elas as mais adequadas a integrarem as altas rodas, e não os chamados emergentes

da Barra da Tijuca. Entretanto, eu me aproprio desta categoria para sustentar que este

segmento da Barra da Tijuca ao se afirmar levou a discussão para certos espaços que

se mostravam conservados, imunes á interferência, e que ao pretenderem fazer parte

das altas rodas geraram um confronto, dentro do seu estrato social, entre tradição e

modernidade.

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Este tipo de consumo obedece às hierarquias estabelecidas pelo poder aquisitivo

de alguns segmentos de classe, que em função da aposição referencial que desfrutam

exercem um poder coercitivo sobre as escolhas de outros segmentos, igualmente

interessados em fazerem parte de um circuito de consumo, ainda que este seja

diferenciado. Este mecanismo lógico ajuda-nos a entender o constrangimento revelado

pela moradora acima, que se negou a ser associada a um espaço que fosse de

encontro a posição social que ela ocupava na escala de valores do bairro. Quanto mais

exclusivo for o consumo maior será o prestígio do seu usuário. A princípio esta

explicação poderia até não trazer maiores novidades, já que poderia o bem exclusivo

sempre foi de posse se poucos. No entanto, acredito que a novidade está não na

natureza do produto, mas sim nas modificações no produto, alterando o seu padrão e

conferindo-lhe a almejada exclusividade.

Esta diferenciação regulará as competências de mobilidade social dos

segmentos sociais dentro dos espaços de trânsito do bairro que são as suas áreas de

consumo. Selecionados por mecanismos ao mesmo tempo arbitrários, na medida em

que reconhecem a conveniência do consumo, a priori superior de um segmento de

classe, e ao mesmo tempo objetivo, já que este consumo incorpora alguns valores de

ressonância coletiva como respeito e reconhecimento, o consumo converteu-se em

uma espécie de atestado de competência para o seu morador, alçando-no a uma

posição de prestígio ou de anonimato social, que em aprece ser uma das maiores

condenações que o morador da Barra da Tijuca pode vir a sofrer.

Antes de prosseguir gostaria de fazer uma ressalva. As modalidades de

consumo que são acionadas pelos moradores da Barra da Tijuca integram um modelo

de convivência social em torno do consumo pertinente à outros territórios da cidade. Se

formos nos restringir a uma perspectiva horizontal de classes, as várias classes médias

da zona sul e de bairros da zona norte, classificados como integrantes da elite

econômica da cidade, também revelam um comportamento consumista muito voltado a

posse de bens diferenciais estruturados de sistemas classificatórios que hierarquizam a

posição dos indivíduos dentro dos espaços.

O alegado comportamento blasé do morador da zona sul, uma categoria que

procura equiparar a localização territorial com um estilo de vida, no fundo, generaliza

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uma região que de fato é bem diversificada. Voltando a questão, este termo é, na

verdade, uma invenção cultural, uma caricatura de quem sempre esteve de posse dos

aparelhos culturais da cidade. Esta caricatura busca preservar uma imagem mais

boêmia de moradores esclarecidos, logo indiferentes aos modismos do consumo. Na

verdade, o homem do consumo é um personagem urbano marcado por uma série de

atributos generalizáveis com traços de fácil identificação, mas que se diferencia na

territorialização dos seus habitus. Estes traços seriam a elaboração de vínculos sociais

em áreas de comércio, como nos Shoppings centers, a busca pela personalização nas

relações de consumo, a chamada costumização do produto, a busca por itens culturais

consensuais, como produtos culturais considerados da moda e a larga integração nas

redes de comunicação virtual, tenda na Internet a maior representante. Considerando

este conjunto, a variável do território explicaria os traços específicos das relações de

consumo na Barra da Tijuca, assim como em outros bairros.

As relações de consumo obedecem a um processo de territorialização bem

próximo da definição que lhe dá Deleuze ao afirmar que os territórios têm sido

reconfigurados pelas classes sociais que os modula de acordo com as suas exigências

materiais e simbólicas. Como a dinâmica das classes tem classificado as gramáticas

dos territórios, Sl, que mora em um condomínio estigmatizado pelos moradores da

Barra da Tijuca afirma que o perfil do morador da Barra da Tijuca é aquele com alto

poder aquisitivo que usa os Shoppings Centers com freqüência, e de acordo com outras

passagens da sua entrevista, é obcecado com a segurança.

Os moradores da Barra da Tijuca se referem a zona sul com muita freqüência. Br

morou durante muitos anos em Botafogo, criou um expressivo circulo de amizades e até

hoje freqüenta os seus bairros, mesmo que a sua presença na Barra da Tijuca hoje em

dia seja mais regular. Br e Mr moraram durante vários anos na zona sul, o primeiro

tende passado boa parte da sua adolescência, E, gostaria de morar na zona sul,

acredita não ter o perfil de moradora da Barra da Tijuca, e prefere sai nestes bairros

para se divertir. Ou seja, por vários motivos a zona sul está no horizonte do morador da

Barra da Tijuca, sendo que em todos estes casos os motivos da convocação desta

região passam pela comparação entre a Barra da Tijuca e a zona sul tangenciada por

questões de consumo e comportamento.

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Br, por exemplo, atribui uma significação positiva a zona sul pelo fato desta

região dispor de um conjunto grande de serviços essenciais, que nos últimos anos

começaram a chegar na Barra da Tijuca, e na possibilidade dos seus moradores

estarem mais próximos destes serviços, que afasta a necessidade do uso constante do

carro, que na Barra da Tijuca é um padrão de deslocamento. Neste sentido, a zona sul,

é mais prática. Há também uma maior facilidade para os encontros em função de

existirem áreas públicas que permitam as reuniões dos seus moradores, e até de não

moradores. Curiosamente, a fala de Br sugere que na zona sul os seus moradores

estão mais sujeitos a familiaridade entre si, e com os lugares que costuma freqüentar. A

questão da familiaridade aparece em outro território da cidade, no entanto, demarcado

por fronteiras, a princípio, mais abertas do que aquelas que circundam os condomínios

fechados.

Na tese de Lemos (op.cit. 2008), que estudou as relações entre posição social,

consumo e espaço urbano, existem alguns depoimentos neste sentido. Em um deles,

um tradicional morador da zona sul, que faz parte dos chamados DPS, ou seja, detentor

do poder social, diz que os locais onde você mora, os locais que você freqüenta são

muito importantes para essas pessoas (referindo-se ao DPS ). Hoje voltou aquela coisa

da vida da vila. Morar em Ipanema, Leblon ou Jardim Botânico, tomar um café da

manhã numa esquina perto de casa. Isto tudo anda muito valorizado hoje em dia. A

coisa do bairro, da vila, voltou.75

O conforto é um objetivo muito claro na fala deste morador, principalmente,

porque as atividades que ele gosta de exercer estão no entorno da sua residência.

Nesta área tudo lhe parece comum, e os espaços externos da sua residência são uma

espécie de extensão de sua própria casa. O bairro se converte em vila porque nele

todos se conhecem, travam relações de proximidade e, possivelmente, sentem - se

seguros. A combinação de conforto com segurança nestes bairros da zona sul, que

estão os melhores ranquiados em qualidade de vida na cidade, se dá numa

territorialidade aberta, ao contrário da Barra da Tijuca que se desenvolve em recintos

fechados. O que esta moradora do Leblon procurou revelar na definição de vila diz

75 Ver LEMOS (2008).

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menos respeito a sua morfologia do que as formas de socialização desenvolvidas pelos

seus moradores.

O consumo na Barra da Tijuca também pode ser marcado por fatores etários.

Pudemos retirar do depoimento dos entrevistados uma distinção de comportamento

entre os mais jovens e os mais velhos dentro dos seus condomínios, que se reflete

também fora dele. Segundo O, M e R, todos moradores do mesmo condomínio fechado,

há uma diferença sazonal na freqüência das áreas de lazer. Durante a semana, é mais

comum a presença das crianças e dos adolescentes, ao passo que nos finais de

semana é maior a participação dos mais velhos. Estes costumam consumir os espaços

internos de forma mais diferenciada, fazendo uso das piscinas, saunas, quadra

poliesportivas e os bares.

Eles acreditam que entre os moradores mais velhos a presença nestas áreas

seja bem pequena, possivelmente voltando-se mais para o interior dos seus

apartamentos. Esta informação já havia aparecido em outras falas, no caso, para se

referir a uma diferença de comportamento entre moradores de diferentes condomínios,

demarcados por distintos padrões de renda. Entretanto, na fala destes três moradores,

todos jovens e bem envolvidos com os setores de consumo e entretenimento do bairro,

esta sazonalidade aponta um certo distanciamento dos segmentos dentro dos próprios

condomínios.

Podemos apreender destas observações que as relações sociais desenvolvidas

entre moradores de condomínios fechados respondem à uma fragmentação, que se

espelha no conjunto dos moradores onde alguns deles se afinam mais com

determinados grupos. Ou seja, há em ambientes totalizadores como os condomínios

fechados, dissociações no conjunto dos seus moradores, que por sua vez não sugere

com isto que esta seja uma fonte maior de atritos, (na maioria das entrevistas os

moradores falaram que os conflitos, quando existem, acontecem nas reuniões de

moradores). Não seria exagero se falar na formação de micro socializações nesta

microterritorialidade que é o condomínio fechado.

Exceção feita aos depoimentos de corte saudosistas dos moradores mais velhos,

que acreditam que o individualismo dos condomínios fechados é um fenômeno recente,

pude perceber que os moradores têm seus grupos de amigos escolhidos de acordo

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com critérios da sua conveniência, e assim sendo, ainda que possamos falar de um

conjunto de hábitos destes moradores, é praticamente impossível daí retirarmos

comportamentos homogêneos, como querem fazer crer algumas análises sobre os

condomínios fechados destituída de pesquisa empírica.

Voltando as relações de consumo, gostaria de chamar a atenção para o circuito

no qual vivem os moradores dos condomínios fechados. Nele estão em curso as

relações de deslocamento espacial dos moradores conectando os seus condomínios

com as áreas externas. Neste fluxo podem ser percebidas as relações de consumo do

bairro, colaborando para derrubar outro mito em torno da Barra da Tijuca, de que afora

nos momento de trabalho, os seus moradores vivem o tempo inteiro confinados em

seus condomínios.

Br, morador do condomínio Solar da Barra, por exemplo, hoje em dia considera-

se mais usuário da Barra da tijuca do que em outras épocas em que freqüentava o

bairro antes de ser morador. Ele credita a sua maior freqüência ao fato de hoje em daí

existirem mais opções de lazer como o Downtow, o Cita América e outros shoppings

menores como o Infobarra, uma série de comércios e supermercados construídos entre

as décadas de noventa e nos anos dois mil. Hoje em dia ele quase não precisa sair do

bairro, somado ao fato de desfrutar de uma situação por muitos moradores da Barra da

Tijuca, que é o de trabalhar no bairro, no seu caso mais específico, na própria casa.

S, moradora do Barrasul acredita que a grande maioria dos moradores da Barra

da Tijuca freqüenta os Shoppings do bairro, e mesmo no caso do sue condomínio

encontrar-se ns proximidades do bairro do Recreio a primeira opção destes moradores

é a Barra da Tijuca, com a qual mantém um vinculo muito estreito auxiliado pelos meios

de transportes internos, como ônibus e carros particulares.

A, moradora do condomínio Jardim Europa, considera o seu condomínio e a

Barra da Tijuca um ótimo lugar para se viver. Para ela morar no seu condomínio é muito

prático só se ausentando dele para realização dos afazeres cotidianos como ir a

farmácia, pagar contas, fazer compras e ir ao dentista, cinema e restaurantes. Por sua

vez, todos bem próximos da sua casa.

An, moradora do Lake Buena Vista, diz que o morador da Barra da Tijuca tem

como opção preferencial não sair do seu bairro,mesmo durante a semana. Nos finais de

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semana esta preferência é ampliada pelo fato dele não desenrolar maiores relações de

interação com outros bairros, optando pela freqüência dos shoppings, praias e outros

espaços que combinam lazer, segurança e comodidade.

B, morador do condomínio Portal do Parque diz que o morador da Barra se

relaciona basicamente com o seu bairro, e por isto precisa recorrer ao carro o tempo

todo. É possível adquirir quase todos os bens e serviços procurados, principalmente

nos lugares fechados, exceção feita á Barrinha, nome que se dá ao inicio do bairro, que

também é a sua parte mais antiga. Os deslocamentos dentro do próprio bairro, por sua

vez, têm o seu preço, já que as distâncias são grandes, e muitas áreas de comércio são

fechadas, e um dos efeitos que começam a ser sentidos pelos seus moradores são os

engarrafamentos cada vez mais comuns dentro do bairro. Este componente revela que

um crescimento desorganizado na Barra da Tijuca, frustrando aqueles que acreditavam

que este bairro pudesse servir de modelo de organização racional para o restante da

cidade.

Praticamente todos os entrevistados afirmaram que o grande sonho do morador

da Barra da Tijuca é poder ter uma vida integral dentro do bairro. Pr, moradora do

condomínio Green Cost, gostaria de morar em casa, ela mora em apartamento, mas

ainda assim, considera muito positivo morar na Barra da tijuca, já que consegue

conciliar segurança com comodidade. No depoimento de mãe de E, moradora do

Barramares, ela diz que encontrou na Barra da Tijuca a possibilidade de ficar muito

tempo dentro de casa, ver neste bairro a reunião de beleza com segurança, conseguir

preservar a sua privacidade, e com isto tudo identifica na Barra da Tijuca o lugar no

Brasil mais próximo do primeiro mundo onde ela já morou por alguns anos. Para os

moradores a Barra da Tijuca passa a impressão de ser um bairro padronizado, e esta

padronização se reflete nas formas de consumo. Sem sombra de dúvida, o Shopping

Center tem na Barra da Tijuca uma competência incomum à muitos bairros do restante

da cidade. Nele é possível ir do consumo ao lazer o tempo todo. È um lugar que

exercer, simultaneamente, a dupla competência do encontro e da passagem. Por estes

motivos, os Shoppings exercem sua centralidade dentro do bairro.

Uma nova estrutura comercial tem colaborado para estimular a procura por áreas

externas aos condomínios, construindo os espaços de fluxos do bairro. O e M, dizem

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que os minishoppings estão tirando um pouco mais os moradores dos seus

condomínios. Nestes lugares aparecem itens que já faltaram no bairro em outras

épocas, e nele também existem os lugares de encontro, onde principalmente, os mais

jovens, consomem produtos ligados a atividades físicas, ou simplesmente se reúnem

para conversar. Esta mudança de estrutura já tinha sido apontada por Br, que veio a

justificar a sua maior permanência no bairro.

Shoppings como o Novo Leblon, ao disporem desta estrutura tem trazido para o

seu interior moradores de outros condomínios, colaborando para diminuir um pouco a

distância que havia entre os seus moradores. São estes espaços que tem capitalizado

a formação de vínculos de amizade e outros relacionamentos afetivos. Ali os moradores

podem combinar dinâmicas que serão levados para outros ambientes, como as casas

noturnas, tão relevantes na formação da identidade social destes jovens moradores.

Nestes espaços de fluxos estão englobados em uma série de micro-espaços de

trocas (condomínios fechados, espaços abertos e Shoppings Centers)

diferenciadamente, funcionando de acordo com a demanda formulada por cada um dos

agentes que participam desta troca. Os fluxos destes espaços devem ser tomados em

uma perspectiva amplamente interligados nos setores de capital, informação,

tecnologia, sons e símbolos, por exemplo. Em todos estes planos podemos ver a

participação dos moradores do bairro, quando buscam serviços por vias impessoais e

pela maior participação das empresas no bairro, alterando seu mercado de trabalho

local.

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CONCLUSÃO

A Metrópole do Rio de Janeiro vem apresentando ao longo de sua história uma

espécie de padrão de crescimento. Todas as vezes que alguma região da cidade foi

selecionada para sofrer uma expressiva intervenção urbana, tal escolha sustentava-se

pela avaliação dos potenciais que ela concentrava. Nestas áreas cabia ao poder público

a competência destes diagnósticos, disponibilizando seus técnicos, com perfis

profissionais diferenciados, para a realização das tarefas exigidas para estes macro

investimentos. A montagem deste aparato institucional de caráter racional burocrático,

que faz menção ao modelo de Estado moderno weberiano, procurava alinhar as suas

obrigações funcionais aos setores privados interessados em fazer investimentos na

cidade.

Caberia ao poder público realizar obras de caráter infra-estrutural, como

calçamento, iluminação pública, provimento de segurança e a definição de uma

legislação urbana mínina. O capital privado ingressaria com os seus investimentos

pontuais nos setores que representavam o desenvolvimento da economia capitalista na

cidade. Este casamento, em geral, está perpassado pela ideologia de valorização

diferenciada dos bairros da cidade e, por extensão, promove a integração do Rio de

Janeiro aos circuitos internacionais do grande capital. No governo Pereira Passos

(1902-1906), certamente a primeira grande modelização urbana da cidade, o Estado

despendeu enormes somas de recursos para a promoção de melhorias de vias

públicas, e dentre suas realizações a de maior envergadura foi modernização do porto

do Rio de Janeiro tornando-o adequado as condições de cidade exportadora que o Rio

tinha se tornado, já que na época o Estado desfrutava do posto de capital da República

e maior exportador do pais.

Em síntese, apesar da cidade do Rio de Janeiro ser mais um dos exemplos

urbanos de crescimento desorganizado entre as cidades brasileiras, este adjetivo é

muito mais o resultado de políticas pontuais de caráter segregacionista do que qualquer

sinal de irracionalidade urbana. Nenhuma metrópole cresce de forma espontânea,

como parecem querer fazer-nos crer alguns “diagnósticos” realizados pelas mais

recentes prefeituras cariocas.

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Esta retórica é extremamente perigosa do ponto de vista social porque aponta na

direção de dinâmicas internas de desorganização do tecido urbano, conferindo a uma

espécie de darwinismo social o motor da nossa história. Já em termos políticos encobre

as ideologias que sustentaram os prognósticos sobre os rumos da cidade, sempre

amparados, de forma mais explícita, ou não, numa concepção de cidade planejada para

os segmentos sociais mais abastados, e a cidade da auto-formatação urbana para os

outros. Ainda que as regiões mais pobres da cidade tenham em algum momento

recebido obras de infra-estrutura, estes investimentos invariavelmente ou tem o caráter

de sobras de verbas públicas, ou quando específicos para as áreas pobres costumam

atender a interesses eleitoreiros imediatos, na melhor tradição de um populismo vulgar.

Isto para ficarmos apenas na escala da cidade, que é a escala com a qual eu trabalho

na tese. O saldo social deste planejamento foi uma cidade de fortes contrastes, onde se

pode ver a proximidade territorial de pobres, classes médias e ricos apartadas por

gigantescas distâncias de renda e de oportunidades de acesso aos ativos de

participação na cidade classificados como positivos. Diante deste cenário a cidade vem

se apresentando como um palco de acúmulo de tensões, que freqüentemente, irrompe

em conflitos, cujos sinais mais conhecidos pelo grande público são as imagens das

balas perdidas e das trocas de tiros entre traficantes e policiais. A complexidade destes

acontecimentos vem exigindo uma investigação muito mais rigorosa do que a

apresentação da imagem da barbárie urbana, afora o fato de que, inegavelmente, as

pessoas venham pagando com suas próprias vidas pelo preço de viver numa

Metrópole. Neste sentido, o crescimento e a afirmação da Barra da Tijuca,

notadamente, nas últimas três décadas, vem significando a incorporação deste bairro

na complexa dinâmica urbana da cidade e o aumento dos desafios de integrar as partes

da cidade em uma lógica territorial efetivamente democrática.

A consolidação da Barra da Tijuca como fronteira do capital onde se reproduzem

as formas de produção rentista baseados em forte estratégia de sobrevalorização dos

terrenos urbanos tem confirmado parcialmente este padrão. Esta região que começou a

despontar como opção urbana a partir da intervenção pública, hoje em dia aparece com

destaque nas concepções mais contemporâneas de planejamento urbano. Falo, de

maneira específica, no plano estratégico da cidade do Rio de Janeiro elaborado por

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uma composição pluriclassista de atores, mas que no decorrer do seu processo,

transpareceu o alinhamento da prefeitura com setores estratégicos do capital. Neste

texto a Barra da Tijuca figurava como uma das direções para onde a cidade

“naturalmente” cresceria.

Neste sentido, a Barra da Tijuca foi erguida em um antigo “vazio urbano” como

obra de investimento do poder público, colocando o planejamento e execução da sua

urbanização o prestígio e talento de Lúcio Costa, um dos mais renomados arquitetos

brasileiros. Este histórico inclui a Barra da Tijuca como uma região planejada, em que

se investia com vistas a modificação de sua imagem predominante, ou seja, converter-

se em uma centralidade.

A Barra exerceria, como vem exercendo, sobre os bairros vizinhos da zona

Oeste a condição de pólo, cumprindo todas as suas exigências: a concentração que

traria para seus estabelecimentos a mão-de-obra da região. Dentre estes

estabelecimentos estão os condomínios fechados que precisam de trabalhadores para

a portaria, os serviços de manutenção das áreas dos prédios e residências e

empregadas domésticas. Há sobre a Barra da Tijuca a aposta, que, de certa forma, se

confirma, que é de dar seqüência ao desenvolvimento da cidade ao longo da orla, ao

mesmo tempo em que dela esperava-se a não repetição do “erro” de Copacabana cujo

crescimento “desorganizado” gerou uma heterogeneidade social onde pobres,

moradores de favelas ou dos conjugados, estavam muito perto das classes médias. O

espaço social da Barra da Tijuca, segundo os seus idealizadores, deveria ser asséptico,

o que não significou a ausência de favelas na região e um passado recente de ações

violentas de remoções de aglomerados urbanos da população pobre promovidas pelo

poder público e o setor de construção.

Por outro lado, sua afirmação espacial trouxe novidades. Dada a sua distância

em relação aos bairros mais centrais da cidade, centro, Tijuca e mesmo os da zona sul,

pode-se dizer que a sua localização territorial lhe permitiu um isolamento, ainda que

relativo. Ao se consagrar como área de atração de setores da classe média, a Barra da

Tijuca passou a abrigar uma população que maximiza a sua participação no bairro,

procurando dele extrair os bens que requisita. È claro que nos bairros da zona sul, seja

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ela a velha, a nova ou a novíssima zona sul76, os seus moradores manifestam uma

clara preferência por permanecerem o maior tempo possível dentro dos seus bairros.

Porém, a conurbação urbana destes bairros acaba forçando-nos a um maior

relacionamento com outras áreas da cidade.

Este dado, a meu ver, não deve nos conduzir a uma identificação simplória dos

moradores da zona sul como seres cosmopolitas em contraposição ao provincianismo

do morador da Barra. Esta assertiva embute preconceitos e projeta representações

que, freqüentemente, atendem mais a vaidade do morador do que ao espelho dos

modos de vida. A cidade é uma unidade social muito vasta, e comparações entre

modos de vida de vida devem ser muito cuidadosas, passando obrigatoriamente, pela

seleção criteriosa dos personagens da comparação e dos termos que poderão

sustentá-la.

Se nesta conclusão eu menciono os moradores da Barra da Tijuca e os da zona

sul, este fato deve-se por dois motivos: na fala dos moradores da Barra da Tijuca a

citação a zona sul é muito freqüente, e porque as duas regiões representam, em

diferentes momentos do século XX, os dois eixos para onde a cidade parece se

encaminhar. Faço o recorte temporal no século XX porque foi neste século em que a

cidade do Rio de Janeiro, efetivamente, sofreu intervenções urbanas que mudaram

radicalmente a sua paisagem física e social, as chamadas cirurgias urbanas. Esta

comparação não anula outros bairros da cidade do horizonte relacional dos moradores

do bairro, já que muito deles, egressos de bairros das zonas norte, mantém vínculos

familiares e de amizades ali. Mais a frente esta indicação ficará mais clara ao falarmos

sobre as trajetórias dos moradores dos condomínios fechados.

Esta afirmação social do morador da Barra da Tijuca foi o fator que suscitou as

minhas primeiras inquietações a respeito deste bairro e, em boa parte, foi confirmada

ao longo do trabalho: o fato de que o morador da Barra da Tijuca mora em condomínios

fechados e de que desenvolve sua socialização em espaços fechados e exclusivos,

como são os condomínios, ou no máximo, em áreas semi-fechadas como os

Shoppings.

76 Na primeira classificação figuram bairros como Catete, Flamengo e Botafogo; na segunda Laranjeiras, Cosme Velho, Ipanema, Copacabana e na terceira Leblon, Lagoa, São Conrado e Gávea.

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Assustado com o crescimento da violência na cidade do Rio de Janeiro, o

morador procura o condomínio fechado por uma questão de segurança. Neste espaço

ele pode desfrutar de um macro aparato que controle os fluxos de moradores, e não

moradores. Todos os condomínios possuem guaritas que delimitam um espaço

fronteiriço artificial entre as áreas internas e os espaços externos, em geral, lugares

públicos. Por sua vez, os condomínios diferenciam-se bastante, e esta heterogeneidade

é legitimada pela infra-estrutura que eles possuem.

Em termos absolutos, os condomínios fechados mais prestigiados são os

detentores os mais rigorosos no controle do acesso aos seus domínios, possuem uma

vasta área social que implica numa diversidade de serviços munidos de quadras

poliesportivas, campos de futebol, parques infantis, quadras de tênis, saunas,

bicicletários, piscinas e nos casos mais sofisticados pequenas lagoas adaptadas para a

prática de esportes aquáticos e campos de golfe. Entretanto, Há casos em que o critério

da indevassabilidade do domínio privado é parcialmente relativizado.

É o caso do Barramares, que mesmo não figurando hoje em dia entre os

condomínios mais caros do bairro, surpreende pela facilidade de ingresso pela portaria

principal. Neste caso, o grande bloqueio apareceu na segunda portaria, aquela que,

efetivamente, isola o apartamento. Esta estrutura indicou como variável de isolamento o

ambiente residencial, indicando um fato novo: há lugares em que a segurança começa

a ser reivindicada como um bem que se efetiva dentro da própria residência, no seu

sentido mais habitual.

Entretanto, o rigor do acesso da portaria é o fator que simultaneamente aproxima

e distancia os condomínios, indicando uma diversidade de moradores, agrupados em

estruturas residências que se adéquam aos seus orçamentos. Mesmo sendo um bairro

de classe média, não é possível a afirmação, muito comum, de que na Barra da Tijuca

predomina uma homogeneidade social. No máximo podemos retirar desta região uma

predominância de segmentos de classe reunidas em torno de um conjunto de princípios

e hábitus.

Esta heterogeneidade também se constata dentro dos territórios do bairro dada a

quantidade de filiações desenvolvidas pelos seus moradores. Estas filiações passam

inevitavelmente pelos condomínios, mas a eles não se restringem. Dentro dos

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condomínios fatores como idade e tempo de residência influenciam no tipo de

envolvimento que o morador terá com os seus vizinhos. Quanto maior o tempo de

residência do morador, em geral, maior é o seu afastamento das áreas de convivência,

levando-os a estreitar dentro destes espaços os laços de convivência com moradores

tão antigos quanto estes.

Esta dinâmica produz um cenário social interno muito particular, eivado de

saudosismo e desconfianças: os moradores mais antigos recolhem-se para domínios

mais privados, ao passo que os mais novos acionam interações nos espaços mais

abertos. Entre em cena um conflito geracional, que demarca uma disputa por

significações dentro de um território quase total, no sentido, de uma espacialidade onde

se pode viver, consumir e se divertir77. Neste cenário, os moradores mais antigos, não

necessariamente velhos, apontam uma diferença entre as relações de vizinhança atuais

e as mais antigas. Para eles, há um passado recente onde as pessoas eram mais

próximas, se reuniam com mais freqüência e acessam mais a intimidade dos seus

vizinhos, Ao longo dos anos esta convivência teria diminuído e passado a predominar

um ambiente de desconfiança.

Este mostrou-se um típico discurso da defesa das permanências, a necessidade

de manutenção de um tempo onde as relações transcorriam pelas vias da

informalidade. As gerações mais novas dos condomínios, notadamente, dentro dos

condomínios de vinte ou trinta anos, ao serem apresentadas como mais distantes

acabam sendo responsabilizadas por uma espécie de deslocamento de princípios que

organizam a moralidade interna dos moradores. E com isto, os condomínios estariam

deixando de ser comunitários e se transformando em micro – realidades individualistas.

Tal acusação procura encobrir a revelação de uma falácia na qual os moradores

mais antigos insistem em apostar, até mesmo para justificarem suas motivações iniciais

de virem morar na Barra da Tijuca: o desejo de morar em uma comunidade, de

preferência em uma ambiência que lembrasse os lugares de onde são egressos. Os

destinos dos moradores da Barra da Tijuca concentram-se na Tijuca e na zona sul.

Nem todos vieram para o bairro a procura por segurança imediata. Esta requisição foi

77 Existem condomínios em fase final de construção se aproximam das famosas edge cities americanas, que são macro - condomínios de onde o seu morador sequer se ausenta para trabalhar. Estes empreendimentos reproduzem minicidades, exceção feita à ausência de prefeituras, já que os seus moradores ainda não podem escolher representantes para lhes governar internamente. No caso da Barra da Tijuca, a Península e o Cidade Jardim são os exemplos que mais se aproximam desta proposta.

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adequando-se com o passar do tempo. Para muitos as condições financeiras

favoráveis, preços de terrenos e imóveis mais baratos, representaram um grande

atrativo. Seduzidos por uma região a ser desbravada, para muitos nela tornava-se

possível a reprodução destes modos de vida pretendidos. Esta premissa aplica-se

inclusive às ocupações mais recentes, porém o seu discurso é mais atuante nos

moradores que iniciavam a ocupação dos seus condomínios.

Questões ligadas a memória misturavam-se oportunamente com os espaços de

um lugar “virgem”, destituído de uma moralidade. Esta vacância seria preenchida,

exatamente, pela chegada deste morador pioneiro. Porém, a comunidade para eles

representava menos uma unidade social de acolhimento e proteção cognitiva dos seus

integrantes do que a extensão das relações familiares para um domínio espacial

externo. Não raro, na fala de vários moradores este comunitarismo aparece nomeado

como um ambiente familiar.

Mesmo que os condomínios fechados tenham aumentado a sua complexidade,

tanto do ponto de vista estrutural quanto social e pessoal, esta opção residencial tem no

individualismo um dos seus pressupostos. Ainda que este individualismo em algum

momento tenha sido, digamos, suavizado, por uma maior proximidade entre os

moradores através de eventos promovidos dentro dos seus domínios, a unidade

indispensável na definição de sua identidade é a casa. A casa é uma unidade

inquestionável do ponto de vista moral para o morador de condomínios fechados. È do

exemplo da família que saem os padrões de conduta dentro e fora dos condomínios. È

como se os princípios da socialização primária agissem coercitivamente com muita

ênfase nas consciências destes sujeitos e gerassem sobre o privado mais imediato um

imaginário altamente positivo.

Da casas sai uma moralidade individualista que se funde com sinais típicos da

competitividade desenvolvidos nos espaços externos, nos lugares de convívio interno

dos condomínios e nos espaços públicos. O individualismo que se constituí nestes

condomínios, é parcialmente, aquele denunciado por Ribeiro (2008) como uma

ideologia que anula a individuação, entendendo esta como a capacidade do indivíduo

formular cursos de ação efetivamente autônomos, considerando que estas ações

poderiam precipitar uma lógica de ação coletiva democrática.

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Digo parcial porque se a individuação não se mostra como uma alternativa para

a maioria das pessoas o motivo é a concentração de suas potencialidades e usos em

outro extremo da ação individual. A construção do individualismo é relacional. E esta

premissa foi constatada nas atitudes dos moradores da Barra da Tijuca, ainda que nas

suas falas apareça uma idéia de isolamento total. Desta forma, há indivíduos que

desfrutam de enorme capacidade de escolha e sua competência deve-se, em boa

parte, a sua capacidade de concentrar toda uma série de ativos, que estão ausentes

nos outros extremos da escala social. A concentração destes ativos nas mãos de uns

está condicionada necessariamente a sua ausência no cotidiano de outros grupos. São

os indivíduos de jure e os indivíduos de fato em Bauman, os primeiros integrados as

redes de proteção institucional e econômica e os segundos em suas periferias. Em uma

sociedade fragmentada como a carioca, os condomínios parecem ampliar esta

dicotomia. Ainda que a fragmentação notada não obedeça a uma lógica dual, do tipo,

pobres de um lado e ricos do outro, na medida em que grupos intermediários, como as

classes médias da Barra, tornam-se signatários deste “mundo dos direitos”, os

bloqueios para o acesso a estes benefícios passam a ser mais severos. Os

condomínios fechados atuam desta forma no arrefecimento da estratificação, trazendo

este fenômeno para uma nova escala.

Este individualismo, do qual os mais jovens são freqüentemente acusados como

sendo seus responsáveis, pode ser o sintoma da mudança de padrão da organização

do espaço, uma nova espacialidade de onde se percebe o crescimento da afinidade

cognitiva e ideológica destes condomínios com as exigências dos princípios do

mercado capitalista. Cada vez mais as antigas associações de moradores têm sido

substituídas por administrações profissionais. Em tese, sobrariam menos espaços para

as relações informais com o avanço deste tipo de gestão, já que sequer seria o morador

do condomínio o gestor responsável.

Este modelo de organização dos interesses dos moradores apontou para a

intensificação da profissionalização como fator de arrefecimento do individualismo, já

que com a delegação de autoridade para um profissional o morador estaria dispensado

de um maior envolvimento com os rumos do seu condomínio, e com isto, se afastaria

mais dos seus vizinhos diante de possíveis problemas em comum.

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Entretanto, estas administrações são organizações que pautam seus trabalhos

por uma combinação de orientações, a princípio, contraditórias. Ao mesmo tempo em

que se dedicam em resolver de forma profissional, logo racional, as suas tarefas, cada

vez mais complexas, já que os condomínios têm se tornado mais diferenciados, estes

mesmo profissionais não podem ignorar os componentes mais pessoais na relação com

os moradores.

Ou seja, uma inovação institucional que procura sustentar a modernidade da

qual tanto se orgulham os empreendedores e os moradores dos condomínios acabam

sintetizando as lógicas da tradição com a mudança. Tradição aqui entendida como

preservação das antigas relações de vizinhança. Logo, mais uma vez, o familismo, ou

comunitarismo, que os moradores mais antigos tanto convocam estaria, ao seu modo,

preservado. Esta combinação atípica ajuda a explicar o sucesso deste

empreendimento, pois o morador pode se individualizar com a salvaguarda de que as

suas vicissitudes serão preservadas. È como se dentro dos condomínios já fosse

possível a equação das garantias de uma ordem institucional com a preservação do

“caráter humano” de cada um.

Outra faceta do individualismo constatado na Barra da Tijuca despontou na

imagem mais freqüente do seu morador: como alguém muito preocupado com a

segurança.Para eles, a segurança pessoal é uma garantia inegociável, não foi

encontrada qualquer forma ou sugestão de modelo alternativo de segurança que

pudesse substituir o modelo vigente. São moradores que pelo perfil profissional cobram

por uma infra-estrutura que lhes possibilite o acesso a bens e serviços com o maior

grau possível de comodidade, já que passam muito tempo fora de suas casas nos dias

de semana ou trabalham muito tempo nas mesmas. A própria morfologia de serviços da

Barra endossa este desejo, e neste caso, aqueles serviços que não forem encontrados

dentro dos condomínios podem ser obtidos pelo serviço de delivery, ainda que este

último traço não individualize um certo hábito do morador da Barra da Tijuca, haja vista

que este recurso é muito utilizado em outros bairros da cidade.

As áreas de lazer são freqüentadas de forma sazonal. È possível, com leves

variações apontar que a dinâmica do morador com estas áreas passa bastante pela sua

faixa etária. Já que os condomínios possuem uma estrutura de veraneio, com

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equipamentos que fazem lembrar micro clubes, é no verão ou nos dias de temperaturas

mais altas que estes encontros costumam acontecer. Os grupos de filiação para os

quais chamei a atenção se definem bastante pela participação nestes ambientes, que

também incluem as academias de musculação e os espaços de esportes coletivos. Os

mais jovens são freqüentadores muito assíduos destes ambientes, tendem a se reunir

em torno das áreas de lazer para celebrarem encontros muito típicos da juventude, ou

para anunciarem sue corpos em sintonia com as exigências de beleza predominantes.

Há um padrão de beleza branca e “sarada” dominante na Barra da Tijuca, e em geral,

nos bairros de maior poder aquisitivo da cidade.

Entre os mais adultos a freqüência a estes ambientes obedece a um padrão de

seletividade. A ida às academias é intervalada de acordo com o seu horário de trabalho,

as piscinas e as quadras são lugares de reunião que costumam compor grupos que se

reproduzem e em alguns casos, formam relações de amizade. Entre os mais velhos a

presença a socialização mais recorrente ocorre dento dos próprios apartamentos.

Alguns destes moradores admitem que em outras épocas foram mais afeitos aos

espaços internos dos condomínios, mas que, com o passar do tempo, a idade produziu

nestes um desdobramento do confinamento em que já se encontravam. È possível

identificar um sentimento de solidão nestas faixas etárias.

No entanto, volta a afirmar que estas são as dinâmicas mais comuns. Há casos

de grandes condomínios, como o maior onde estive, o Barramares, onde as interações

dos moradores obedecem a uma dupla territorialização: há os espaços comuns a todos

moradores e as áreas freqüentadas tão somente pelo morador do próprio bloco. A

presença destes lugares de encontro corresponderia, a meu ver, em mais uma fronteira

nas várias territorializações que podem ser vistas dentro dos condomínios, conferindo a

estes espaços um papel agregador de diferenciação, e por extensão status, ao seu

freqüentador. Soma-se a esta dinâmica a maximização da socialização na esfera

exclusiva dos apartamentos, que na verdade, eu só percebi no caso de uma moradora.

Todos os outros, com maior ou menor freqüência relacionam-se com os seus vizinhos

em áreas de encontro. Nas suas áreas de encontra a Barra da Tijuca revela traços de

fragmentação, e neste caso os próprios moradores se fracionam através dos grupos de

afinidade, potencializam capitais de segregação internos, que podem ser reportados ao

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contexto da cidade, na medida em que valores competitivos atuam de forma coercitiva

sobre estes moradores.

Os condomínios procuram pautar o relacionamento entre os seus moradores da

forma mais harmônica possível. Esta tem sido a retórica dos promotores imobiliários e

de muitos moradores, que nas entrevistas quase não identificaram mais divergências,

exceto àqueles que integram o cotidiano, consideradas por eles normais. Porém dentro

dos condomínios existem níveis de tensões, que por vezes, irrompem em conflitos

abertos. Parece haver uma lei do silêncio sustentada por códigos de pertença que

associam o conflito ao delito. A anulação da sua existência indica o esforço do

condomínio em ser visto como uma área a parte, onde não se perceberiam os mesmos

processos disruptivos encontradas em lugares abertos.

Quebrar este pacto do silêncio pode implicar na rejeição do acordo tácito. Tal

atitude só apareceu abertamente numa entrevista feita no Terraza, onde um dos seus

moradores identificou que naquele condomínio havia um microcosmo que reproduzia

conflitos muito parecidos com dos de área abertas. Desta forma, são percebidas

disputas por espaços entre vizinhos, nem sempre elegantes, os moradores procuram

criar laços clientelistas com funcionários fazendo uma troca de favores que acalenta a

ambas as partes, e há graves casos de delinqüência dentro dos condomínios. Este fato

ficou bem patente na análise das reportagens que denunciaram tráfico de drogas,

roubos de peças de automóveis, assaltos a residências e formação de gangues nos

condomínios. Ou seja, as pretensões de se deixar a “cidade do lado de fora”, forte

orientação ideológica que permeia a fala de alguns moradores de condomínios

fechados não se realizaram plenamente.

Afora a questão da segurança, outro fator que identifica irrestritamente os

moradores de condomínios fechados é a sua disposição para o consumo. O morador

de condomínio fechado é um sujeito que tem uma relação itinerante com o consumo.

Uma relação que se manifesta em múltiplos níveis: com o espaço em que vive, com os

bens que precisa adquirir para se integrar no circuito de valorização simbólica do bairro

e com as pessoas com as quais se relaciona, em geral, integrantes de um segmento de

renda similar que as integra neste circuito. O consumo acaba universalizando, e ao

mesmo tempo, individualizando os moradores.

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Não consumir pode significar ficar excluído dos grupos de integração do bairro.

Há um único caso registrado no trabalho de uma moradora que se afasta bastante

deste perfil, já que o seu relacionamento com o bairro é marcado por idas reduzidas

aos seus estabelecimentos de compras e lazer, com esta mesma freqüência aplicando-

se ao seu condomínio. De acordo com esse duplo registro do consumo, consumir

converte-se em ato que acaba indicando a qualidade e validade do bem que se

procura. Neste sentido, observa-se, segundo Bauman, que no consumo o indivíduo

pode manifestar o sentimento de fazer parte de algo maior que suas vidas mais íntimas,

ainda que esta relação de consumo fundamente as escolhas que estes mesmos

indivíduos fazem visando alcançar níveis seguros de bem estar e promoção pessoal.

Dentro deste contexto de consumo parece estar em vigência na Barra da Tijuca

uma dinâmica de ocupação territorial delimitada pela precariedade da separação entre

o público e o privado. Esta informação pode ser flagrada no campo de visão que se

apresenta a um pesquisador nos seus primeiros contatos com o bairro, onde são

flagrantes as arbitrariedades presentes nos avanços dos espaços privados sobre os

públicos. Por este motivo, e pelo fato de vários trabalhos qualificados já terem coberto

esta problemática de forma competente, gostaria de chamar a atenção para o

surgimento de uma espécie de cultura da privatização do espaço público, ligado nem

tanto a estes movimentos de apropriação e sim a uma internalização, por parte dos

moradores, destas práticas predatórias.

Nesta cultura o morador atribui sentidos muito subjetivos ao que é público e ao

privado. O público tende a ser o lugar que não está ao seu alcance imediato, e por onde

ele costuma ter uma relação passageira. Uma das poucas exceções que podem ser

feitas a esta premissa é a praia, muito freqüentada pelos moradores do bairro. No mais,

no espaço público identifica-se o distante, o desconhecido, e o ameaçador. Em uma

das entrevistas o morador se refere a uma importante via pública da cidade como um

corredor que estreita o seu morador passante, que na condução do seu veículo

encontra-se cercado pelas78 favelas.

78 Esta acusação foi feita ao fato dos moradores da Barra da Tijuca precisarem usar as linhas vermelha e amarela. Nesta lógica, a cidade se parece com um mosaico de fios ligados que ao interferirem na passagem de carga uns dos outros podem gerar um curto circuito. Esta é uma justificativa da centralidade da Barra, sustentada de forma inconsciente.

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Em outra entrevista a menção caricaturada ao espaço público é ainda mais

explícita. Nela, ao fundamentar um conflito existente entre o seu condomínio e outro

vizinho em função de uma obra irregular, que acabou sendo embargada pela Prefeitura,

mesmo reconhecendo a validade da intervenção do poder público, este morador afirma

que em outros casos de apropriação ele não viria nenhum dano, já que uma “coisa é

ser ilegal e a outra é ser irregular”. Estas duas falas são muito reveladoras do nível

desconhecimento da população local da natureza dos espaços coletivos.

Por fim, não é possível identificar um perfil que unifique o morador de

condomínio fechado. No máximo, podem ser reveladas questões em torno das quais

estes moradores procuram construir a sua identidade. De todas estas, como já foi

apontado, vemos a preocupação com a segurança, a preservação da intimidade,

comumente figurada por condutas individualistas e a procura pelo consumo, baseado

na necessidade imperiosa de participar de um coletivo que gravita em torno de bens

materiais e simbólicos pautados por uma necessidade distinção.

Atribuir à Barra da Tijuca a responsabilidade pela segregação sócio-espacial na

cidade é incorrer em um olhar míope. Se nos capitulo dedicado a análise do material

jornalístico, eu tive a preocupação de denunciar as falsas representações

manufaturados por grupos interessados na promoção diferenciada de estilos de vida

calcados em territórios específicos, a mesma crítica deve direcionada para segmentos

que escalaram uma região da cidade como esta fosse capaz de cobrir um fenômeno

tão complexo. Outros bairros mais estabelecidos como referências urbanas continuam

segregando as populações dentro e para além dos seus limites.

A segregação residencial é um dos saldos sociais mais perversos constituintes

de uma espécie de herança estrutural. Seus efeitos estarão longe de serem

enfrentados enquanto permanecerem na cidade lógicas administrativas que insistiam

em seccionar o crescimento urbano. Sua percepção deve obedecer a uma avaliação do

fenômeno como um processo que integra de forma indiferenciada os bairros da cidade

em um tecido urbano fragmentado e com déficits cada vez mais acentuados de

cidadania. Nesta cidade apartada, cada região assumiu em algum momento o seu

papel de destaque. E pelo jeito, esta oportunidade tem sido muito bem aproveitada pela

Barra da Tijuca.

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