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CULTURA ORGANIZACIONAL E GESTÃO DO CONHECIMENTO[Março/2003]

Inicialmente é importante explicar o meu entendimento sobre o termo 'organização'. Minha concepção sistêmica vê a organização como uma totalidade integrada através de diferentes níveis de relações. Sua natureza é dinâmica e suas estruturas não são rígidas, mas sim flexíveis embora estáveis, bem como resultam das interações e interdependência de suas partes(1).

Cada organização seja pública, seja privada tem um modo próprio de 'olhar o mundo'. A visão e a forma de agir convencionada entre os indivíduos de uma determinada organização, denomina-se cultura organizacional. Se por um lado os indivíduos que compõem a organização influem diretamente na formação dessa cultura organizacional, por outro lado a própria organização, em termos sistêmico, influi na forma que cada indivíduo atua no seu cotidiano. A cultura organizacional perpassa toda organização, sendo sua essência a relação entre as pessoas, tanto no ambiente interno como no ambiente externo à organização.

Somente é possível realizar gestão do conhecimento, - aqui entendida como um "conjunto de estratégias para criar, adquirir, compartilhar e utilizar ativos de conhecimento, bem como estabelecer fluxos que garantam a informação necessária no tempo e formato adequados, a fim de auxiliar na geração de idéias, solução de problemas e tomada de decisão"(2) -, em qualquer tipo de organização, se a cultura organizacional for positiva em relação a geração, compartilhamento/socialização e transferência de conhecimento.

Estabelecer uma cultura organizacional que favoreça o comportamento voltado a gestão do conhecimento, não é fácil, primeiramente, porque as pessoas acreditam que compartilhar conhecimento, significa perder a propriedade intelectual da idéia, dos métodos, dos processos etc., pensados por elas. Num segundo momento, porque as pessoas acreditam que compartilhar conhecimento, significa perder o poder frente às outras pessoas da organização, uma vez que não será o único a pensar sobre aquela possibilidade ou cenário.

Trabalhar a cultura organizacional visando a gestão do conhecimento, demanda tempo, energia e planejamento. Além disso, outros elementos são fundamentais, pois ajudam a proporcionar um comportamento favorável a gestão do conhecimento. Como exemplo, pode-se citar o próprio espaço físico da organização, isto é, paredes inibem o compartilhamento, a socialização entre as pessoas. Esse exemplo demonstra que a gestão do conhecimento exige a readequação de algumas estruturas básicas das organizações.

Nesse sentido, a organização precisa realizar inicialmente um diagnóstico dos fluxos informais existentes, aqui entendido como aquele relacionado a estrutura de recursos humanos, ou seja, os fluxos informais naturais de comunicação/informação existentes estabelecidos a partir das relações humanas das diferentes unidades/células de trabalho. Após a identificação, é necessário mapear de que forma o conhecimento foi compartilhado/socializado entre as pessoas, quais são os setores envolvidos e, com qual finalidade, houve a socialização/compartilhamento. Em seguida, a gestão do conhecimento necessita verificar se ocorreu de fato a transferência do conhecimento entre as pessoas, pois caso isso realmente tenha ocorrido, as pessoas que participaram do processo de compartilhamento/socialização, criaram novo conhecimento a partir daquele recebido.

A gestão do conhecimento é um processo dinâmico, por isso, não é possível medir onde acaba o conhecimento do indivíduo que o socializou, do conhecimento gerado por outro indivíduo a partir do conhecimento socializado pelo primeiro e, assim, sucessivamente. Em outras palavras, a dinâmica é tal que não é possível saber exatamente quando o indivíduo está criando conhecimento (tácito), do momento que está socializando (explícito). Exatamente por esse motivo é essencial que todos os indivíduos atuem numa cultura organizacional positiva em relação a gestão do conhecimento, caso contrário, não será um processo dinâmico, característica primeira da gestão do conhecimento.

Algumas organizações recorrem a técnicas que incentivam a cultura organizacional positiva em relação a gestão do conhecimento. Entre elas, pode-se estabelecer prêmios, aumentos reais, benefícios etc., aos indivíduos que tenham um comportamento positivo em relação a gestão do conhecimento. É necessário lembrar, que de nada adiantará esse tipo de técnica, se a organização não divulgar de forma sistemática os indivíduos beneficiados por esse tipo de incentivo.

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Além disso, a cultura organizacional positiva em relação a gestão do conhecimento, passa também, por treinamentos e capacitação contínua, inclusive em tecnologias de informação, já que essas ferramentas tecnológicas são essenciais para dar dinâmica ao processo.

A gestão do conhecimento organizacional atualmente tem feito a diferença entre as organizações que aderiram a este tipo de gestão, daquelas que não o fazem. Percebe-se claramente sua importância para estabelecer os relacionamentos essenciais entre as pessoas, assim como para consolidar a integração das pessoas quanto ao desenvolvimento das várias atividades do cotidiano, permitindo assim maior entrosamento e cooperação entre os indivíduos e, conseqüentemente, resultando no aumento do capital intelectual da organização.

A cultura organizacional é fundamental para que a gestão do conhecimento possa ser de fato uma realidade. Além disso, ela possibilita uma dinâmica positiva à consolidação da ética convencionada pela organização, estabelecendo princípios, valores e crenças essenciais para a motivação e o relacionamento humano na organização.

Qualquer que seja o modelo de gestão do conhecimento, implementado por uma organização, sem dúvida nenhuma afetará profundamente as estruturas organizacionais, as relações humanas e a atuação dos indivíduos em relação ao negócio da organização.

Finalizando, a cultura organizacional voltada à gestão do conhecimento é o melhor caminho para implementá-la e, de fato, vê-la funcionar eficientemente. Ilusão é pensar que é possível fazer gestão do conhecimento, sem primeiramente trabalhar a essência da questão, as pessoas.

_______________1 CAPRA, F. O ponto de mutação. São Paulo Cultrix, 2002. 28ed. p.260-2612 MACHADO NETO, N. R. Gestão de conhecimento como diferencial competitivo. SEMINÁRIO GERENCIAMENTO DA INFORMAÇÃO NO SETOR PÚBLICO E PRIVADO, 4, 1998, Brasília. Anais... Brasília: Linker, 1998.

2.5 PRINCIPAIS DIFERENÇAS ENTRE O SETOR PÚBLICO E O SETOR PRIVADO (continuação)

Apesar das considerações comuns dos programas de qualidade, quando se deseja retratar a qualidade no serviço público é conveniente considerar que o setor público difere do setor privado em alguns pontos essenciais. As principais diferenças são:

os empresários são motivados pela busca do lucro, as autoridades governamentais se orientam pelo desejo de serem reeleitas;

o setor privado recebe dos clientes a maior parte dos seus recursos; o setor público é custeado pelos contribuintes. O cliente atendido, no setor privado, remunera diretamente a organização; no setor público, o cliente atendido, paga indiretamente, pela via do imposto, sem qualquer simetria entre a quantidade e a qualidade do serviço recebido e o valor do tributo que recolhe;

o setor privado normalmente trabalha em regime de competição, o setor público usa habitualmente o sistema de monopólio;

a preocupação em satisfazer o cliente no setor privado é baseada no interesse, enquanto no setor público essa preocupação tem que ser alicerçada no dever;

as políticas voltadas para a qualidade no setor privado referem-se a metas de competitividade no sentido da obtenção, manutenção e expansão de mercado; enquanto no setor público a meta é a busca da excelência no atendimento a todos os cidadãos, ao menor custo possível;

as contingências a que estão submetidos os dois setores, como por exemplo, limites de autonomia estabelecidos pela legislação e o perfil da clientela.

Na observação de Osborne & Gaebler (1994) existem outras diferenças significantes. O governo, segundo os autores, é democrático e aberto; por isso seus movimentos são mais lentos comparados aos da iniciativa privada, cujos administradores podem tomar decisões rapidamente, a portas fechadas. Da mesma forma, o setor público muitas vezes não pode alcançar o mesmo nível de

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eficiência do setor privado, pois precisa servir a todos igualmente, independente da capacidade de pagar pelo serviço prestado ou da demanda por esse serviço.

Leite (1994) apresenta um quadro possibilitando uma visualização mais clara dos pontos que diferem e/ou unem Estado e Empresa.

Quadro 2.3: O que difere/une Estado/Empresa

Focos Empresa Setor Público

    Tradicional Contemporâneo

Missão "Fazer dinheiro"

(Lei de mercado)

"Fazer o bem" a todos igualmente

...o veículo de bem estar social

Motivação dos Dirigentes

Competitividade Reeleição – Permanência no cargo

Espaço público de autogestão social

Regime Competição – "quanto de mercado"

Monopólio – "quanto de governo

Privatização é uma resposta; não resposta; "que tipo" de governo

Modelo Decisional Podem decidir "a portas fechadas" rapidamente

Decisões participativas, movimentos mais lentos

Cidadãos informados esferas político-econômico-social

Bases de Cálculo Relação custo-benefício Valores morais absolutos

Penetração recíproca de valores

Fonte de Recursos Clientes (comercialização)

Contribuintes (arrecadação tributária)

Enlace de fontes em retroalimentação

Avaliação de Competência

Lucro Capacidade de excelência na prestação dos serviços.

Auto-sustentável pela capacidade gestorial (foco no cidadão)

Fonte: LEITE, Marina Gomide. Qualidade no setor público: uma alternativa sistematizada de implantação. Empresas & Tendências. São Paulo, p.25-27, 30 de set. 1994.

Na opinião de Main (1994), o governo age sempre contrário a maioria das empresas privadas. Enquanto o governo puxa o poder para o centro, as empresas descentralizam e empurram-no para baixo. Enquanto o governo é guiado por regras, as empresas são guiadas por uma missão. O governo normalmente, não tem como avaliar seu desempenho e quando os parâmetros de avaliação são incorretos, os incentivos são incorretos. Os representantes do governo são avaliados pelo tempo de casa, pelo tamanho de seus staffs, pela soma de dinheiro que gastam. Raramente recebem critérios pela redução de gastos, economia ou satisfação do cliente.

Fica nítida portanto, a necessidade de conferir à administração pública o que há de bom e funcional no setor privado. E o que há de melhor na empresa é a relação com o cliente. Empresa que não trata bem a clientela é abandonada pelo cliente. A administração pública, assim, passaria a ser entendida como fornecedora de serviços, embora mantendo características próprias indispensáveis.

As diferenças apresentadas permitem concluir ainda, que não se pode pensar em qualidade no serviço público da mesma forma que se pensa para o setor privado, embora certamente haja muitas semelhanças entre as duas atividades.

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Da mesma forma, constata-se a relevância do desenvolvimento de conceitos e metodologias adequados para o serviço público, visando a adaptação ao novo cenário mundial.

2.6 QUALIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: ALGUMAS INICIATIVAS

Diante do que foi apresentado até o momento, fica evidente que o serviço público não possui uma estrutura organizacional muito favorável à qualidade de seus serviços e a grande maioria das instituições públicas está pouco preparada para conviver em um cenário como o atual, marcado pela turbulência, incerteza e instabilidade.

Por outro lado, denota-se que é notória a necessidade do serviço público estar aberto e flexível para atender esta necessidade de velocidade, de multidimensionalidade e de soluções complexas, por meio de metodologias e conceitos adaptados à sua realidade.

A partir do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade – PBQP em 1990, reconhecido como o segundo mais importante movimento de busca de competitividade em todo o mundo, o Brasil vem dedicando crescentes esforços para a melhoria da qualidade de seus produtos e serviços, incluindo os segmentos públicos e privados.

Tais esforços foram intensificados com o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que contempla a responsabilidade do Estado na prestação de serviços públicos, refletindo em uma das mais importantes razões para que as organizações governamentais cumpram suas obrigações contratuais (explícitas ou implícitas) e busquem padrões de qualidade compatíveis com as exigências dos clientes, dos usuários, dos cidadãos e da sociedade.

Da mesma forma, a criação da categoria "Administração Pública" pelo Prêmio Nacional da Qualidade – PNQ, ocorrida em dezembro de 1996, representou um diferencial para a dinamização das ações voltadas para a melhoria da qualidade da gestão pública, em direção à excelência dos serviços.

Também a reforma administrativa em curso no país impôs desafios às instituições públicas, sobretudo no que concerne à melhoria da qualidade dos serviços prestados e à utilização racional dos recursos públicos.

Como conseqüência, observa-se alguns esforços de instituições públicas federais, estaduais e municipais no sentido de modernizar e qualificar o setor público. Neste contexto, destaca-se, dentre outros, o Programa de Reestruturação e Qualidade dos Ministériose o Programa da Qualidade e Participação na Administração Pública que integra o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado.

O Programa de Reestruturação e Qualidade dos Ministérios foi instituído pelo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado por intermédio da Portaria Mare n° 3.143/97, tendo como objetivo o aperfeiçoamento da ação governamental, por meio da racionalização e redução de custos do aparelho estatal e da melhoria da qualidade dos serviços prestados a população.

Como princípios que norteiam o programa destacam-se:

orientar a ação governamental para os clientes (conhecer suas expectativas e grau de satisfação em relação aos serviços prestados);

envolver e obter o compromisso de todos os servidores com a melhoria contínua; tornar a gestão participativa, compartilhando a missão, os objetivos e as metas da

organização com todos os servidores; implantar a gerência de processos sempre com o objetivo de agregar valor aos seus clientes; valorizar o servidor por meio da conscientização do valor da sua missão da sua

profissionalização e do reconhecimento de seu mérito; implantar sistemas de planejamento estratégico; combater todas as formas de desperdícios.

Com relação ao Programa da Qualidade e Participação na Administração Pública, duas palavras:

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qualidade e participação definem, respectivamente, a orientação e a ênfase que se deseja dar. A ênfase na participação significa o envolvimento de todos os servidores com a melhoria do serviço público, com o compromisso de cooperação na busca de soluções dos problemas, com o aperfeiçoamento contínuo e com a satisfação dos clientes (internos e externos). Já a qualidade tem no processo o seu centro prático de ação e compreende a definição clara dos clientes, dos resultados esperados, dos indicadores de desempenho e com o fazer certo da primeira vez.

Os princípios que norteiam o programa são: satisfação do cliente; envolvimento de todos os servidores; gestão participativa; gerência de processos; valorização do servidor público; constância de propósitos; melhoria contínua e a não aceitação de erros.

Os dois exemplos de programas voltados para o setor público revelam que a adoção da qualidade como instrumento de modernização da Administração Pública Brasileira, deverá levar em conta simultaneamente a dimensão formal – que se refere à competência para produzir e aplicar métodos, técnicas e ferramentas – e a sua dimensão política – que se refere a competência para projetar e realizar organizações públicas que atendam às necessidades dos clientes-cidadãos.

Além dos dois programas apresentados anteriormente, outras ações estão sendo deflagradas para melhorar o atendimento ao público. O editoral do Jornal do Brasil (1998), por exemplo, menciona a Lei de Defesa dos Usuários de Serviços Públicos, que dará ao cidadão os instrumentos para que se defenda do Estado e a base legal para que possa exigir atendimento à altura do que paga. Ainda segundo a referida fonte "(...) Será uma conquista da cidadania. Mas é preciso que a Câmara vote e saia do papel".

É importante considerar também que os programas da qualidade existentes ainda tem uma amplitude reduzida, sendo implantados em poucas instituições públicas. Da mesma forma, muitas vezes não satisfazem as necessidades do serviço público por serem impostos, por não contarem com o apoio da alta administração e principalmente, em decorrência da descontinuidade administrativa.

Contudo, constata-se que lentamente o setor público brasileiro começa a atentar para a necessidade de promover mudanças de uma cultura burocrática para uma cultura gerencial voltada para o atendimento ao cidadão, a racionalidade de modo de fazer, a definição de objetivos, a motivação dos servidores e o controle de resultados.

2.7 UM PROJETO DA QUALIDADE PARA O SERVIÇO PÚBLICO

Tendo como base a fundamentação teórica desenvolvida até o momento, apresenta-se a seguir, um projeto da qualidade para o serviço público considerando, de forma sucinta, alguns aspectos como conceitos utilizados, características dos serviços, características da qualidade em serviços, os elementos críticos para a qualidade nos serviços públicos e os elementos do projeto.

Desta forma, os aspectos a seguir descritos foram selecionados para consolidar o projeto aqui proposto.

2.7.1 Conceitos Utilizados

Quando há interesse em apresentar um projeto de qualidade nos serviços públicos, é importante conceituar alguns termos fundamentais, tais como: qualidade, serviço público, cliente-cidadão e servidor público.

Qualidade

A abordagem de Garvin (1992) apresentada anteriormente, revela que seu conceito envolve uma gama diferenciada de elementos. Da mesma forma, a definição do termo determinará como será conduzida a produção de um serviço. Assim, para o projeto de qualidade deste trabalho, o conceito adotado será o de Juran (1990) que considera que qualidade é adequação ao uso.

Segundo Paladini (1994), tal conceito envolve duas questões importantes. A primeira delas é a idéia de que qualidade é característica de um serviço que atende totalmente o cliente, muitas vezes procurando superar suas necessidades e expectativas. Por outro lado, revela a importância e

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responsabilidade de vários aspectos (pessoas, equipamentos, métodos, informações, ambientes etc.) ligados direta ou indiretamente a produção do serviço.

Serviço público

Serviço público é entendido como "todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas ou controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade, ou simples conveniência do Estado" (Meirelles, 1988:290).

Tal definição mostrou-se adequada pelo seu aspecto dinâmico e flexível às exigências de cada de cada época e de cada povo, ou seja, dos clientes. Por outro lado, também expressa uma situação não ideal, mas real, que são as atividades realizadas por simples conveniência do Estado.

Considera-se ainda, como serviços públicos os prestados pelo poder público diretamente ou sob regime de concessão ou permissão.

Cliente-cidadão

Da mesma forma que o conceito de qualidade, não há consenso na literatura em relação ao conceito de cliente. Entretanto, a maioria reconhece que a palavra cliente deve ser usada num sentido mais amplo.

No presente trabalho, mais uma vez utiliza-se o conceito de Juran (1993:18), reconhecido pesquisador na área de qualidade. Assim, "cliente é qualquer um que recebe ou é afetado pelo produto ou processo". Tal definição foi adotada por abranger também, nos dizeres de Cardoso (1995:109) "até inocentes espectadores". Da mesma forma, contempla tanto clientes externos, os afetados pelo serviço, mas que não integram a instituição, quanto os clientes internos, os afetados pelo serviço e que integram a instituição.

As expressões usuários, cliente externo ou simplesmente cidadão e cliente, são utilizados como sinônimos no presente trabalho.

Servidor público

Servidor público, outro termo chave do trabalho, pode ser entendido como "aquele que, pertencendo ou não ao quadro do funcionalismo, exerce oficialmente cargo ou função pública" (Ferreira ,1986:1577).

Eventualmente, mantendo o mesmo significado, o termo poderá ser substituído por funcionário público, cliente interno, cidadão-servidor ou simplesmente servidor.

Valorização das pessoas

A expressão é apresentada no presente trabalho, como um conjunto de ações que visam o reconhecimento da importância do elemento humano na organização. Envolve ações como plano de cargos e salários (critério meritório); treinamento; sistema de avaliação do desempenho profissional; remuneração compatível com a função e com os valores de mercado; ambiente adequado à criatividade e desenvolvimento de potencialidade individuais; reconhecimento, possibilidades de ascensão etc.

Modernização do processo produtivo

É a expressão que reflete um conjunto de ações que visam melhorar os processos existentes, eliminando etapas desnecessárias, racionalizando, reavaliando tarefas etc. Envolve também a adoção de técnicas modernas, inovações, aplicações, desenvolvimento e informatização que otimizem os trabalhos, facilitem a integração e o compartilhamento de informações, promovendo melhorias na qualidade dos serviços prestados.

Cabe ainda evidenciar, que no presente trabalho, os termos tecnologia e tecnologia da informação, serão usados como sinônimos de modernização do processo produtivo.

A metodologia proposta assim, utiliza os conceitos acima como ponto de partida para o seu

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desenvolvimento.

2.7.2 Características dos Serviços Utilizados

Diante do que já foi mencionado no presente capítulo, destaca-se no projeto de qualidade para o serviço público, três elementos básicos que identificam o serviço (Parasuraman,1991):

Intangibilidade

O serviço representa uma experiência, não pode ser tocado, nem saboreado e tampouco testado. Diante disso, é uma entidade que não pode ser definida com facilidade, formulada ou alcançada mentalmente.

Inseparabilidade

Não há separação entre servidores e o serviço prestado.

Heterogeneidade

A heterogeneidade do serviço resulta no alto grau de variabilidade que o caracteriza. Isso ocorre em virtude da ligação à pessoa do fornecedor , bem com à pessoa do cliente, ao local e tempo. Em linhas gerais, depende de quem, quando, onde e como são providos os serviços.

Desta forma, a intangibilidade, inseparabilidade e heterogeneidade tornam o serviço público perecível, irreversível e irreprodutível, ou seja, não pode ser armazenado, não pode ser consertado e não é possível garantir sua repetição.

A metodologia, assim, considera estas três etapas características como referenciais a utilizar.

2.7.3 Características da Qualidade em Serviços

As características da qualidade em serviços, do projeto da qualidade para o serviço público, estão calcadas nos estudos de Gronroos e Gummesson (apud Urban & Urban, 1995). Compreendem basicamente duas: as características funcionais e as características técnicas.

As características funcionais referem-se a forma pelo qual o cliente-cidadão recebe o serviço, envolvendo os aspectos comportamentais do atendimento como, cortesia, presteza, agilidade, atenção, interesse etc. As características técnicas relacionam-se aos elementos que o cliente-cidadão recebe pelo serviço adquirido, estando associada normalmente aos aspectos mais tangíveis do serviço.

Meirelles (1988), um dos maiores estudiosos do Direito Administrativo, expõe cinco princípios da Administração Pública que também podem caracterizar a qualidade em serviços: o princípio da permanência que impõe continuidade no serviço; o da generalidade que impõe serviço igual para todos; o da eficiência que exige a atualização do serviço; o da modicidade que exige tarifas razoáveis; e o da cortesia que se traduz em bom tratamento para com o público. Ainda segundo o autor, faltando qualquer desses requisitos em um serviço público ou de utilidade pública, é dever da Administração intervir para restabelecer o seu regular funcionamento, ou retomar a sua prestação.

Assim, a metodologia aqui proposta investiu para que o modelo de serviço estudado tivesse essas características em termos de qualidade.

2.7.4 Elementos Críticos para o Serviço Público

Os elementos críticos para o serviço público são os servidores públicos, as instalações e equipamentos e os procedimentos, padrões e sistemas organizacionais.

Servidores públicos

As características dos serviços, principalmente a intangibilidade e simultaneidade, fazem com que seja inevitável a vinculação do serviço prestado à pessoa do funcionário público que interage com o cliente.

Assim, os servidores públicos com os quais os clientes-cidadãos interagem exercem importante

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papel na percepção que o cliente terá da qualidade do serviço. Dos servidores públicos dependerá a satisfação dos clientes.

Buscar o envolvimento de todos os servidores, independentemente de nível, cargo ou função, com a melhoria do serviço público, o aperfeiçoamento contínuo e a satisfação do cliente é fundamental. Da mesma forma, é preciso valorizar o servidor por meio da capacitação permanente, boa remuneração, bom ambiente de trabalho, oportunidade de desenvolvimento de suas potencialidades etc.

As instalações e equipamentos

As instalações e equipamentos representam também, pontos críticos para o serviço público, pois, os clientes-cidadãos normalmente relacionam o ambiente físico e a modernidade dos equipamentos com a qualidade do serviço prestado.

O ambiente agradável além de refletir positivamente para o cliente, também contribui para a satisfação e melhoria qualidade de vida no trabalho. Paralelamente, os equipamentos podem auxiliar na agilização de muitas atividades e também num melhor compartilhamento de informações.

Procedimentos, padrões e sistemas organizacionais

Representam elementos críticos, pois tanto os procedimentos, quanto os padrões e sistemas organizacionais devem estar alinhados às necessidades dos clientes, sejam eles internos ou externos.

É importante identificar e aperfeiçoar os procedimentos, padrões e sistemas organizacionais que entreguem valor para o cliente e que tenham um impacto importante sobre a percepção desse valor para eles.

Considerar estes elementos e dedicar especial atenção a eles foi preocupação constante durante o desenvolvimento da metodologia.

2.7.5 Estrutura Básica do Projeto

Tendo em vista os itens acima selecionados, a estrutura do projeto foi elaborada considerando as ações a seguir, organizadas em etapas bem definidas:

a) desenvolver e implantar ações de valorização das pessoas na área do serviço público selecionada;

b) comprovar que as atitudes visando a valorização dos servidores são um fator decisivo na melhoria da qualidade do serviço público;

c) desenvolver e implantar um programa de treinamento e desenvolvimento na área do serviço público selecionada, identificando as etapas do programa ;

d) demonstrar que programas bem estruturados de desenvolvimento de pessoal permitem identificar e suprir carências que vão refletir na qualidade dos serviços;

e) desenvolver e implantar ações de modernização do processo produtivo na área do serviço público selecionada;

f) mostrar que a modernização tem reflexos positivos na qualidade dos serviços;

g) avaliar os reflexos de algumas ações de valorização e da modernização do processo produtivo na área do serviço público selecionada, suficiente para viabilizar o programa;

h) comprovar que a valorização do servidor em conjunto com a modernização do processo produtivo promovem uma melhoria qualidade dos serviços prestados;

i) verificar e validar a metodologia proposta para outras áreas do serviço público.

Em termos gerais, a metodologia proposta envolve os seguintes elementos como básicos para um projeto da qualidade no serviço público:

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objetivos e estratégias para alcançá-los; ações para viabilizar as estratégias; organização das ações – metodologia; suporte teórico para viabilizar tecnicamente a metodologia; suporte prático para referenciais, teste, avaliação e consolidação; considerações para eventual generalização do projeto.

Os elementos do projeto serão, em alguns casos, mais detalhados no transcorrer do trabalho, principalmente no capítulo que segue, referente a proposta de metodologia para o serviço público.

OS 10 PECADOS CAPITAIS DO GESTOR PÚBLICO 

Sérgio Roberto Bacury de Lira ( * )

 

Este artigo é resultado de uma palestra proferida para os alunos do Curso de Gestão de Órgãos Públicos da UNAMA, no último dia 22 de outubro, na disciplina ministrada pelo Prof. Lucival Teixeira. A temática abordada procura mostrar como os gestores públicos – aqueles que dirigem os órgãos públicos, indistintamente do grau hierárquico de sua função – ainda vêm se comportando e tomando as suas decisões gerenciais mesmo após a implantação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000).

O tema procura fazer uma analogia, por um lado, aos princípios dos 10 mandamentos contidos na Bíblia, no sentido de que o não atendimento de qualquer um desses princípios levaria o homem a cometer um pecado e, por outro lado, à definição do que a religião entende por pecado capital – é assim chamado por dar origem a inúmeros outros pecados e se constitui na raiz de onde brotam vários outros vícios.

A idéia básica contida neste artigo é a de que uma adequada gestão pública tem que se apoiar nos seguintes pilares: planejamento, transparência, controle e responsabilidade. Estes também são os pilares que balizam a Lei de Responsabilidade Fiscal. Evidentemente que além desses princípios ainda é imprescindível que o gestor atue com ética, o que balizará o seu comportamento perante à sociedade que representa.

1º Pecado - O gestor público não programa as suas ações de forma planejada, mas sim as concebe no dia-a-dia, conforme a urgência de cada situação.

Qualquer ação requer planejamento, sob pena de não se alcançar a meta pretendida. No setor público isto é imprescindível, pois as demandas da sociedade em geral são maiores do que a capacidade de atendimento do estado. A Lei de Responsabilidade Fiscal trata esta questão de forma especial, obrigando o gestor público a adotar mecanismos que garantam efetivamente o exercício do planejamento. Para tanto, condiciona com que a ação pública seja planejada através dos seguintes instrumentos legais: o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA).

Como esses instrumentos se transformam em documentos formais, inclusive exigidos pelos Tribunais de Contas, são elaborados de acordo com o que exige a legislação. Ocorre que por si só não garantem com que a ação pública seja efetivamente realizada de forma planejada. O que ocorre no dia-a-dia de um gestor público, principalmente na esfera municipal, é que a sua ação não é balizada ou apoiada no que está contido nesses instrumentos, ou então que a sua ação somente seja iniciada após a verificação de que a mesma faça parte da sua programação contida nesses instrumentos. O gestor público normalmente vai fazendo acontecer as coisas de acordo com o que está contido na sua cabeça ou dependendo da emergência da situação, e depois a sua área técnica ou o escritório de contabilidade é que dêem o jeito para enquadrar essas ações nesses instrumentos, de forma tal que pareça que foi programado antecipadamente

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de acordo com o espírito da lei, e que não dê motivos para punição por parte dos Tribunais de Contas.

2º Pecado - O gestor público não dá importância ao orçamento público, concebendo-o como entrave burocrático à sua administração.

Nenhuma pessoa consegue planejar e/ou efetivar seus gastos sem possuir um orçamento. Assim ocorre também no setor público. A legislação exige que para cada despesa a ser realizada ela tem que estar programada no orçamento. O orçamento, todavia, não se resume apenas à disponibilidade financeira que o gestor público possui naquele exercício, mas diz respeito à sua programação de trabalho. Hoje, não é mais possível iniciar novos projetos sem que estes estejam contidos no orçamento, da mesma forma que não se pode incluí-los no orçamento sem que o gestor comprove que isto não afetará a continuidade dos que já se encontram em andamento. Aliás, nada disto será permitido se o gestor não comprovar que a inclusão desses novos projetos não afetará também as despesas de manutenção e conservação do patrimônio público.

Por conta disso e de outras normas legais (como os limites mínimos de despesas em diversas áreas), o gestor público cria uma verdadeira aversão pelo orçamento. O orçamento nunca é visto como um instrumento que pretende organizar e facilitar a ação do gestor, mas sempre como um entrave à sua administração. Procedimentos necessários para que se ocorra a autorização de qualquer despesa no setor público, como a verificação de disponibilidade orçamentária e financeira, são vistos como burocráticos e desnecessários. O gestor público efetiva as despesas e somente após o recebimento das notas fiscais é que a contabilidade procede o seu empenho e a conseqüente inserção da mesma no orçamento. Em vez da despesa ocorrer na seqüência empenho-liquidação-pagamento, na prática ocorre na forma inversa: pagamento-empenho, deixando de ter sentido a fase da liquidação. E, algumas vezes, somente após isto é que se procede as suplementações orçamentárias. Isto ocorre sobretudo na esfera municipal, face a inexistência de um sistema que obrigue o cumprimento das fases da despesa. Se dependesse da vontade de alguns gestores públicos, o documento que contém o orçamento seria literalmente rasgado.

3º Pecado - O gestor público não gosta de descentralizar decisões, pois entende que isto significa perda de poder.

O fundamento básico de uma administração eficiente é que esta funcione de forma integrada, compartilhando decisões entre os seus membros, dado o princípio do planejamento estratégico. Na administração pública não se trabalha sozinho, decorrendo o resultado de qualquer ação governamental da ação coletiva de um conjunto de pessoas ou, no mínimo, de uma determinada equipe de trabalho. Ocorre que as decisões não são totalmente descentralizadas em sua estrutura hierárquica, visto que para o gestor público descentralizar significa transferir o poder da decisão para outrém, ou seja, significa perda de poder político.

Como, em geral, o gestor público procura garantir a sua sobrevivência através do poder político, ocorre que, além de normalmente as decisões políticas se sobreporem sobre as decisões técnicas, em inúmeras situações acaba o gestor concentrando também as decisões técnicas, dificultando a eficácia operacional da sua própria administração.

4º Pecado - O gestor público não investe em capacitação e nem tampouco busca as melhores referências profissionais. O seu foco é político e não técnico.

Uma administração eficiente precisa contar com os melhores profissionais. Um gestor precisa e deve compor a sua equipe de trabalho com pessoas que vão lhe ajudar tecnicamente da forma melhor possível. Existe um provérbio de que um administrador inteligente é aquele que compõe a sua equipe com pessoas mais inteligentes do que ele, pois isto lhe possibilitará assimilar mais conhecimentos.

O que ocorre, na prática, é que a maioria dos gestores públicos procura formar a sua equipe de trabalho a partir de um critério político e não técnico. Em geral, os gestores procuram abrigar nos cargos existentes pessoas que fazem parte do seu grupo político, não procurando trazer para a gestão pública as melhores referências profissionais existentes no mercado. Além do mais, não procuram investir em capacitação e reciclagem profissional, pois normalmente entendem que isto se constitui em despesa (desnecessária)  e não em investimento para a

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melhoria do atendimento do setor público. Como conseqüência, a administração pública evidencia-se ineficiente e sem compromisso com a qualidade dos serviços prestados à sociedade.

5º Pecado - O gestor público tem receio de ser transparente, pois teme ser questionado sobre as suas ações.

Com a implantação da Lei de Responsabilidade Fiscal, tornou-se obrigatório o exercício da transparência das ações desenvolvidas por qualquer gestor público. A gestão fiscal – controle das receitas e despesas públicas, deve ser acompanhada pela sociedade, devendo os gestores públicos disponibilizarem as informações relativas às receitas e gastos efetuados através de publicação e divulgação, inclusive por meio eletrônico.

Até a presente data são raros os casos de divulgação das informações fiscais por parte da administração pública. Em geral, no final de cada exercício são publicados relatórios resumidos de execução orçamentária, mas em uma linguagem técnica que nenhum leigo no assunto consegue entender. Na verdade, não há interesse dos gestores públicos em disponibilizar essas informações de forma desagregada e por períodos contínuos, pois isto permitirá com que os segmentos organizados da sociedade possam avaliar criticamente a sua administração. Em suma, os gestores não se esforçam para serem transparentes no trato da coisa pública.

6º Pecado - O gestor público não tem o hábito de socializar informações e de utilizá-las em sua estratégia de ação.

A informação é a base do conhecimento humano. Na gestão pública a informação é de fundamental importância para a tomada de decisões. Do ponto de vista técnico, tomar uma decisão sem que esta esteja balizada por informações acerca da situação, resultará em uma ação ineficaz. É como se fosse necessário ex-ante uma fotografia da situação, para que a partir de sua análise minuciosa sejam tomadas todas as decisões técnicas e/ou políticas.

Devido a falta de uma ação planejada, e às vezes em decorrência da deficiência técnica da equipe de trabalho, não são produzidas informações para a tomada de decisões na gestão pública. Em geral, não se produzem indicadores de avaliação e desempenho e, mesmo quando existem não são utilizados como parâmetros de condução da coisa pública. Isto dificulta o acompanhamento da gestão administrativa por parte da sociedade, pois as informações não são disponibilizadas nem tampouco socializadas para todos.

7º Pecado - O gestor público fica tentando inventar a roda, quando poderia aperfeiçoar e adequar para a sua realidade situações já existentes.

A demanda da sociedade por ações concretas do setor público em prol da melhoria da qualidade de vida exige, sobretudo, criatividade. A inovação e o aperfeiçoamento tecnológico é vital no setor privado, pois nesse setor o conhecimento e o domínio tecnológico condicionam a competição entre as empresas. No setor público, entretanto, não existe essa preocupação. Para os gestores públicos o importante é que existam condições concretas para que as ações efetivamente ocorram.

Todavia, nessa ânsia de fazer as coisas acontecerem e, principalmente, de serem inéditos em sua ação, não buscam conhecer e adequar para a sua realidade situações ou ações já implementadas em outros lugares e por outros administradores. Ou então, quando conhecem essas experiências, procuram não copiá-las ou adotá-las em sua administração, visto que isto poderia significar falta de iniciativa política. Por conta disso, ficam tentando inventar a roda, quando na maioria das vezes a roda já foi inventada.

8º Pecado - O gestor público ainda não acredita que será punido se cometer erros ou prejuízos à sociedade.

A Lei de Responsabilidade Fiscal introduziu novos conceitos na administração pública, principalmente no que diz respeito ao binômio probidade/eficiência. Em outras palavras, explicitou a necessidade de que a ação pública ocorra baseada nos princípios da moralidade, do combate à corrupção, e do alcance de resultados concretos. Para tanto, introduziu também mecanismos de punição para os maus gestores ou gestores ineficazes do ponto de vista administrativo.

Ocorre que mesmo depois da existência dessa Lei ainda predomina o sentimento da

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impunidade para o gestor público. Na prática, pelo simples fato de que cometer erros ou prejuízos à sociedade não leva ninguém para a cadeia, faz com que o gestor não se preocupe com a justiça, nem mesmo com os Tribunais de Contas. Além do mais, quando um político é reconduzido ao poder por meio do sufrágio universal mesmo depois de ser acusado publicamente por atos ilícitos, isto estimula e reforça o sentimento da impunidade, dificultando a existência de gestores com condução administrativa e política correta.

9º Pecado - O gestor público administra a coisa pública como se fosse uma administração doméstica e baseada em contabilidade de botequim.

A ausência de planejamento na gestão pública, assim como de decisões descentralizadas, de trabalho em equipe, e de outros procedimentos basilares de qualquer administração, faz com que o gerenciamento da coisa pública ocorra como se fosse uma administração doméstica. O gestor conduz o setor público como se estivesse gerenciando a sua própria casa, não vendo necessidade de prestar esclarecimento às outras pessoas, ou seja, à sociedade.

Por outro lado, por falta de planejamento e controle nas despesas públicas, e até mesmo por não utilização de, no mínimo, um cronograma de desembolso financeiro mensal, ocasiona com que a contabilidade seja igual a de um botequim, isto é, tudo que entra de receita sai automaticamente como despesa, incorrendo com que nos períodos em que a receita é menor surjam inúmeros problemas para a quitação de dívidas junto aos credores.

10º Pecado - O gestor público não se preocupa em ser responsável do ponto de vista legal, mas sim em ser eficiente do ponto de vista político.

A Lei de Responsabilidade Fiscal só permite que o gestor público não cumpra as determinações impostas para a contagem de prazos, os valores mínimos a serem investidos, o pagamento da dívida pública, o valor máximo permitido com a folha de pagamento de pessoal, o atingimento dos resultados fiscais e a limitação de empenho, quando ocorrer uma calamidade pública, estado de defesa ou de sítio. Não existindo essas situações, é dever do gestor administrar a coisa púbica com probidade, seriedade, competência e eficiência.

Todavia, o gestor público não está preocupado em ser responsável sob o ponto de vista da legislação, pois dentre outros motivos isto condicionará com que ele se sinta limitado e impedido de conduzir as suas ações da forma como deseja e age. A sua intenção é ser eficiente do ponto de vista político, pois atendendo aos apelos e à demanda manifestada por seus pretensos eleitores, garante-lhe a possibilidade de recondução e sobrevivência política.

A existência desses pecados capitais não incrimina o papel desempenhado pelos gestores públicos, da mesma forma que a existência de pecados na Bíblia não condena o ser humano a ser um eterno pecador. Na verdade, tanto lá quanto cá, a sua existência é a certeza da possibilidade de que a qualquer momento alguém poderá cometer um pecado. O gestor público, de espírito tão frágil como qualquer ser humano, sempre está propenso a cometer, pelo menos, um desses pecados. Aliás, quem já não cometeu algum desses pecados?  Portanto, qualquer semelhança não é mera coincidência.

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( * ) - Professor de Economia da UFPª, Doutorando em Economia, Diretor Regional Norte da Federação Nacional dos Economistas (FENECON) e recém eleito Conselheiro Efetivo do Conselho Federal de Economia (COFECON).