sobre a colite ico-hbuosa

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ïfOi João Alvares Pereira Carneiro Leal BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A COLITE ICO-HBUOSA SEU TRATAMENTO DISSERTAÇÃO INAUGURAL APRESENTADA Á ESCOLA MEDICO-CICURGICA DO PORTO ÁJM-i PORTO Officinas do «Commercio do Porto» 108—Rua do tCommercio do Porto» —112 1902

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Page 1: SOBRE A COLITE ICO-HBUOSA

ïfOi João Alvares Pereira Carneiro Leal

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A

COLITE ICO-HBUOSA SEU TRATAMENTO

DISSERTAÇÃO INAUGURAL APRESENTADA Á

ESCOLA MEDICO-CICURGICA DO PORTO

ÁJM-i

PORTO Officinas do «Commercio do Porto»

108—Rua do tCommercio do Porto» —112

1902

Page 2: SOBRE A COLITE ICO-HBUOSA

ESCOLA MEDICD-CIHURB1CA DO PDRTD

DIRECTOR

Antonio Joaquim de Moraes Caldas LENTE SECRETARIO

CLEMENTE JOAQUIM DOS SANTOS PINTO

CORPO DOCENTE

LENTES CATHEDRATICOS

I.* Cadeira—Anatomia descriptiva e geral Carlos Alberto de Lima. 2." Cadeira—Physiologia Antonio Placido da Costa. 3." Cadeira—Historia natural dos medicamentos e

materia medica Illydio Ayres Pereira do Valle. 4." Cadeira—Patliologia externa e therapeutica ex­

terna Antonio il. de Moraes Caldas. 5.a Cadeira—Medicina operatória Clemente J. dos Santos Pinto. 6." Cadeira—Partos, doenças das mulheres de parto .

e dos recem­nascidos Cândido Augusto C. de Pinho. 7.a Cadeira—Patliologia interna e therapeutica in­

terna Antonio de Oliveira Monteiro. 8.a Cadeira­Clinica medica Antonio de Azevedo Maia. IIa Cadeira—Clinica cirúrgica lloherto B. do liosario Frias.

10.a Cadeira—Anatomia pathologies Augusto H. d'Almeida Brandão. 11." Cadeira­Medicina legal e toxicologia MaximianoA.d'OliveiraLemos. 12." Cadeira—Patliologia geral, semeiotica e histo­

ria da medicina Alberto Pereira Pinto d'Aguiar. 13.a Cadeira—Hygiene privada e publica loiio Lopes da Silva M. Junior. Pharmacia Nuno Freire Dias Salgueiro.

LENTES JUBILADOS

1 José de Andrade tlramaxo. Secção medica I n i n i i

Ur. José Carlos Lopes. _ ■ _ ' . ■ . I Pedro Augusto Dias. Seccao cirúrgica r; , . . . , „ .

j Dr. Agostinho A. do Souto.

LENTES SUBSTITUTOS

„ _ .. í José Dias d'Almeida Junior. Seccao medica ! , . . , lr , ,, .. ,, .

I Jose Allredo M. Magalhães. „ 1 Luiz de Freitas Viegas. Secção cirúrgica ,.

| Vaga.

LENTE DEMONSTRADOR

Secção cirúrgica Vaga.

Page 3: SOBRE A COLITE ICO-HBUOSA

A Escola nïo l'esponde pelas doutrinas expendidas na dissertarão e enunciadas nas proposições.

[Regulamento da Escola, de 23 d'abril de 1810, ait." 155.°)

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à INOLVIDÁVEL MEMORIA

DE

IMI IETT ZP_A_:E

i

Page 5: SOBRE A COLITE ICO-HBUOSA

A MINHA MAE

Nunca esquecerei os vossos sacrifícios»

A MINHAS IRMÃS

Isabel Elisa

i

Antónia

Estarei sempre ao vosso lado.

A MEUS IRMÃOS

Francisco Manoel

Um abraço sincero.

Page 6: SOBRE A COLITE ICO-HBUOSA

A MINHA MADRINHA

ma „. I r , a A EXC. SNR.

aí). <zJÍLcLtiar.r.a do- Olasaio- &%toB%edo- ^Lzai

e a. sens iiitio-s ■M.

A MINHAS TIAS

A MEUS TIOS

A . n v c i a s r H ­ A . S P K I M A S

A MEUS PRIMOS

Page 7: SOBRE A COLITE ICO-HBUOSA

AO ILL."0 E EXCr SNR.

Kcmseílmro Alexandre Caibra] Faeaòa Amarai

Muito obrigado.

Page 8: SOBRE A COLITE ICO-HBUOSA

AO MEU I N T I M O AMIGO

taZ/fc. J)íziz cytnto-nio- de O5 a VLza,

AOS MEUS AMIGOS Y.

EM ESPECIAL

AOS

meus condiscípulos,

Appolinario Monteiro d'Azevedo Antonio Pinto Gouvêa e Almeida

Manoel Corrêa d'Almeida Mergulhão João Julio Guedes

Manoel Corrêa da Silva Antonio Augusto de Miranda

Augusto de Miranda João de Azeredo

Julio Corrêa da Silva.

AOS EXC.ra0 SNRS.

Dr. José de Miranda Guedes Dr. Augusto Ramalho

Dão licença?

AOS MEUS CONTEMPORÂNEOS

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Á MEMORIA

Qsadá ^y/Caria Lsiceâe^ cie ^sèLzéreào

A morte furtou-vos a uma grande alegria.

Page 10: SOBRE A COLITE ICO-HBUOSA

ÁS EXC.MAS SNR.

33. Filomena be Sou^a Teixeira íxuebes

B . Josejtha Fitomé Somes

B . Carolina Kanbiba íoriieb

e exc.mas íamilias

AO EXC.M0 SNR.

A N O E L K R A N G I S G O D A A I L V A

DIGNÍSSIMO DIRECTOR DA ESCOLA ACADÉMICA DO PORTO

2

Page 11: SOBRE A COLITE ICO-HBUOSA

%

AO MEU DIGNÍSSIMO PRESIDENTE DE THESE

{^.atisecaeiío- LJuiv-eiía O'CÍanícíza

Homenagem a seu caracter e profundo saber.

AO ILLUSTRE CORPO DOCENTE

ESCOLA MEDICO-CIRURGICA DO PORTO

Page 12: SOBRE A COLITE ICO-HBUOSA

DIVISÃO

É muito difficil, ou quasi impossível, fazer uma descripção completa da colite muco-membranosa; a antiguidade da doença, a idade do individuo, o seu temperamento, a variedade dos symptomas, a evo­lução sub-aguda ou chronica, a associação com ou­tros estados mórbidos, são factores importantes para modificar o quadro clinico.

Ha, todavia, symptomas importantes, que quan­do apparecem, bastam para caracterisar a doença; tratarei d'elles em primeiro logar, e ha symptomas accessorios e muito variáveis, que tratarei em segun­do logar.

A doença também se apresenta com symptomas différentes, segundo se trata da forma chronica, ou aguda-, tratarei d'esta ultima na marcha e formas d'affecçao.

No capitulo seguinte passarei em revista:

Os symptomas essenciaes; Os symptomas accessorios; Os signaes physicos.

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*

i

Symptomatologia

Symptomas essenciaes

Os symptomas primordiaes são: A constipação, a evacuação de muco-membranas

e as dores.'

Constipação.—A constipação é habitual e ap-parece sempre, embora haja algumas vezes «falsas diarrheias» que cedem a um tratamento adquado, e que são muitas vezes para o medico causas frequen­tes de erro.

Esta constipação vem da infância, mais ou menos tenazmente. Os doentes estão quatro ou cinco dias sem terem dejecções espontâneas, precisam, para se alliviarem do conteúdo intestinal, de purgantes ou clysteres, meios estes que tornam cada vez mais in­tensa a constipação.

As dejecções espontâneas são constituídas por bolas sêccas, duras e reproduzindo a forma dos go­dets do intestino grosso.'

«Estas massas duras, adherindo á mucosa, actuam como corpos estranhos, e destacando-se por arran-camento, produzem uma irritação chronica do intes-

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»

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tino» (Malibran). Pôde ainda encontrar-se nas fezes pequenas parcellas escamosas, resultando da fra­gmentação das matérias fecaes endurecidas. Em cer­tos casos, quando as matérias fecaes provêm de par­tes do intestino em contracção espasmódica têm a forma de fitas, são achatadas, como que passadas á fieira.

As fezes podem ser, ou não, envolvidas por mu­co e acompanhadas de estrias de sangue. Emfim as scybalas podem nadar n'um fluxo diarrheico de chei­ro fétido.

Muco-membranas—As muco-membranas são o único signal característico. Apresentam-se debaixo de duas formas: amorpha e membranosa.

A forma amorpha—é constituída por mucosida-des tendo o aspecto da clara d'ovo crû, ou por bolas cinzentas, que se segmentam na agua, ou ainda por uma espécie de espuma, que cobre as dejecções, e que se apresenta muitas vezes raiada de sangue.

Nos casos benignos encontra-se apenas esta forma.

A forma membranosa—tem o aspecto de tubos ou cylindres cheios, de fitas achatadas, ou ainda de fragmentos de formas variáveis.

Os tubos cheios parecem-se com macarrão, têm o volume do intestino, ou são antes d'um calibre in­ferior; em qualquer dos casos o muco acha-se bem moldado, sobre a mucosa do intestino, e reproduz-lhe todos os contornos, de modo que os doentes julgam evacuar fragmentos de mucosa, e dizem-se atacados de dysenteria.

O comprimento d'estes tubos assim como o das membranas é muito variável, vai d'alguns centime-

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tros a um metro e mesmo mais. Um doente de M. Wannebroucq expulsou um tubo de im,20 de com­primento.

A maior parte das vezes o muco concreto fra-gmenta-se e é então, que reveste a forma de cylin­dres cheios, de fitas achatadas simulando os anneis da taenia, de filamentos parecendo-se com os oxyu-ros e ascaridas.

A confusão com estes últimos vermes, é fácil a um exame superficial, porque o verme, assim como os cylindres cheios, acham se muitas vezes ennovel-lados. Se os fragmentos cylindricos são confundíveis com o oxyuros ou com as ascaridas, as fitas são-no çom os anneis da taenia.

Desenroladas debaixo d'agua as membranas têm uma face lisa, amarellada, que corresponde á face interna livre, e uma outra branca villosa que corres­ponde á mucosa e pôde ter pontos escuros e estrias de sangue, que provam a adherencia ao intestino.

A quantidade de membranas evacuadas d'uma só vez é muito variável, ás vezes insignificante, pô­de ir até encher um vaso de noite! (Laboalbène).

Certos doentes não expellem as muco-membra-nas senão em espaços afastados; n'estes casos a sua expulsão é precedida durante alguns dias de dores muito intensas, d'uma verdadeira crise de cólicas, comparáveis ás cólicas hepáticas e nephriticas, com as quaes se confundem muitas vezes. N'outres doen­tes a expulsão dos exsudatos membranosos tem lo-gar todos os dias e coincide com a sahida do bolo fecal.

As mucosidades e as muco-membranas têm a mesma composição. São constituídas especialmente

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por mucina, cellulas epitheliaes cylindricas deforma-1

das, saes, e excepcionalmente pela cholestrina. A differença de aspecto é devida a demora maior

ou menor no intestino; quando o muco é evacuado á medida da sua producçao tem o aspecto de clara d'ovo; quando se demora no intestino é evacuado debaixo da forma de tubos, membranas, etc.

Dores. — As dores são constantes em todos os casos, mas apresentam diversas modalidades segun­do attendermos á sua intensidade, sede, momento de apparição, etc. Convém distinguir as dores habi-tuaes das que se manifestam debaixo da forma de accessos e que se se produzem em intervallos variá­veis.

As dores habituaes são surdas, os doentes têm á sensação da passagem d'agua muito quente no intes­tino. Localisam em geral estas sensações dolorosas nas fossas iliacas, na visinhança do umbigo ou ao nivel do côlon transverso; outros sentem nas em todo o ventre.

As dores apparecem de preferencia duas ou três horas depois das refeições, ou durante a noute.

Estas dores são nitidamente influenciadas pelos desvios de regimen alimentar. Alguns doentes apre­sentam tenesmo anorectal e vesical.

As dores paroxysticas, muito mais intensas, ap­parecem com intervallos variáveis; uma ou mais ve­zes por mez.

Os espaços entre estas dores podem ser muito maiores. Na mulher tem se notado, a coincidência dos paroxysmos com as èpochas menstruaes.

N'um e n'outro sexo, a volta das crises dolorosas

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é preparada pelos desvios de regimen, surmenage, por um periodo longo de constipação não tratada, è t c

Estas crises dolorosas podem durar alguns d ias ; os doentes, durante este tempo, têm soffrimento por assim dizer contínuo, apenas interrompido por re­missões d'algumas horas. Traduzem de diversas ma­neiras as sensações que experimentam; parece que lhe roem o intestino ou que lhe passam uma lima, etc. Durante este periodo a constipação é absoluta.

A constipação e as dores são devidas ao espasmo do intestino; o ventre está distendido, meteorisado. A palpação é impossível por causa da hyperstesia cutanea, o peso da roupa da cama algumas vezes mal pôde ser supportado.

Estes soffrimentos tão vivos influenciam o estado geral do individuo. Os doentes estão immoveis no leito, deitados de dorso, com as coxas flectidas sobre o abdomen, têm a face pallida e recusam quasi sem­pre os alimentos.

Concebe se que este quadro symptomatico possa simular uma péritonite, appendicite, occlusão intes­tinal, tanto mais. que os vómitos se associam aos sym-ptomas precedentes.

O diagnostico é ainda difricil quando apparece febre; o quadro symptomatico é então o d'uma infe­cção intestinal de forma typhoide.

Symptomas accessories

Nos symptomas accessorios vou estudar as per­turbações gástricas, hepáticas, intestinaes, cardíacas, respiratórias, nervosas, boccaes, cutâneas, genito-

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urinarias­, e por ultimo estudarei as modificações produzidas no estado geral do individuo.

P e r t u r b a ç õ e s g á s t r i c a s —Estas perturbações são constantes, embora sejam algumas vezes desco­

nhecidas dos doentes. Apresentam­se de diversas maneiras: ora existem dores vivas no estômago de­

pois das refeições, ora dores nocturnas, sensações de queimadura, regorgita'çoes acidas, insomnia, etc., em summa todos os symptomas da hyperchlorydria; ora os incommodos são d'outra ordem; os doentes experimentam fiactulencia depois das refeições, exis­

■te uma distensão excessiva do estômago, sóbem­lhe ao rosto lufadas de calor, e durante a digestão têm uma tendência irresistível para o somno. Estes são os symptomas habituaes da dyspepsia nevro­motriz, e cujo typo chimico é a hypopepsia com fermenta­

ções anormaes. A inappetericia é frequente e o appe­

tite é caprichoso em todos os casos. Se os vómitos são raros, fora das crises, as nauseas são frequentes ao despertar.

Os resultados da analyse chimica são muito va­

riáveis; ora encontra­se a hyperchlorydria, ora a.hy­

popepsia. Na analyse feita por Gaston­Lyon em n doen­

tes, 7 eram nitidamente hyperchlorydricos.

P e r t u r b a ç õ e s h e p á t i c a s —Além das ptoses do fígado, que coincidem com os casos graves de ente­

roptose, ha outras desordens hepáticas difficeis de distinguir e de interpretar. O volume do fígado pôde ser augmentado ou diminuído. As perturbações no seu funccionamento traduzem­se pela acholia, encon­

trando­se as fezes descoradas, como nos ictéricos.

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Ao lado da acholia intermittente, ha casos em que a bílis é segregada em grande abundância, e cora as matérias fecaes em verde escuro.

N'uma palavra, a funcção biliar está ora activa­da, ora retardada.

Per turbações in t e s t inaes — A hemorrhagia intestinal é frequente na colite, e é assignalada por différentes auctores e especialmente por Malibran e Potain. Esta hemorrhagia é muitas vezes desconheci­da pelos práticos.

Convém eliminar os casos em que o sangue pro­vém de hemorrhoidas, o que é fácil de distinguir. As hemorrhoidas e as fissuras do anus, são frequen­tes nos indivíduos constipados.

Estas hemorrhagias são ás vezes pequenas, es­triando apenas de sangue as matérias fecaes e as mucosidades; outras vezes são abundantes, poden­do chegar a um litro e mais a quantidade de sangue perdida pelos doentes.

Estas hemorrhagias têm por caracter produzirem-se inopinadamente, sem que as haja a explicar uma aggravação do estado intestinal. O doente sente su­bitamente mal-estar, arrepios, cólicas, tem necessi­dade de defecar, e expulsa sangue puro ou misturado com as matérias fecaes. Em geral, as fezes téem um cheiro fétido.

A temperatura pôde subir acima do normal, e só desce nos casos de grande hemorrhagia.

Estas hemorrhagias nunca são isoladas," repetem-se durante dias e são benignas, pois cedem quasi sempre ao repouso e dieta láctea.

A sua pathogenia é bastante obscura; M. Potain attribue as a uma congestão vaso-motora intensa da

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mucosa intestinal (nos arthriticos são frequentes as congestões).

Podem também ser devidas á existência 'de ulce­rações do intestino, que se produzem debaixo da in­fluencia da retenção estercoral, e á pullulação de mi­cróbios nas partes do intestino atacado de atonia. A elevação passageira da temperatura n'estes casos vem indicar o processo infeccioso.

As estrias de sangue que cobrem muitas vezes as scybalas, provêm de lacerações da mucosa re­ctal. Ha uma certa relação entre a lithiasis intestinal e a colite muco-membranosa; a lithiasis é sempre secundaria e é uma consequência da colite.

Se as areias são finas, e expeliidas em pequena quantidade, a sua passagem passa despercebida, e só são reveladas pela analyse systematica das fezes-N'outros casos a migração dos cálculos determina crises dolorosas, que não têm nada de caracteristico. A intensidade particular da crise dolorosa seria in­dicio de lithiasis, todavia ha doentes que soffrem vivas dores e em que ha ausência de cálculos nas fezes.

A cólica lithiasica acompanha-se de vómitos bilio-sos ou mucosos, ás vezes sanguinolentos, de verti-tigens e tendência á lypothimia.

A evacuação do calculo misturado ou não ás scybalas marca o fim da crise.

O exame do ventre mostra-nos o abdomen dis­tendido e sensível á pressão, o cego e o côlon trans­verso dão a sensação de empastamento. As areias e os cálculos expulsos têm a cor cinzento claro, e são constituídos por materia orgânica, saes de cal (phos-phatos e carbonatos) e phosphato amoníaco magne-siano.

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. «Na colite muco-membranosa acham-se reunidas todas as causas favoráveis á formação das concre­ções, secreção exaggerada de muco, que forma nú­cleos, em volta dos quaes se vêm agregar camadas calcareas; estase dos productos mucosos, por causa da constipação; accumulação dos saes calcareos, de­vida á descamação epithelial intensa da mucosa in­testinal.»— (Langenhagen).

Tem se discutido a relação entre a colite e a appendicite e essa discussão foi feita ultimamente na Academia de Medicina de Paris, por Mr. Dieulafoy, Potain, Reclus, Robin e Lucas Championière.

Todos estes mestres negam a relação de causa e effeito entre estas duas doenças. Mr. Bottentuit nun­ca viu uma só vez a appendicite apparecer como complicação da colite; em 460 casos que observou, Dieulafoy reuniu 53 observações de colites em doen­tes que nunca tiveram appendicite.

Ha, comtudo, medicos distinctos que dizem pre­cisamente o contrario, e entre estes temos Mr. Al­bert Robin e M- Vorbe, que reuniu "Si observações em que a colite fez nascer a appendicite.

Ë certo que a appendicite é quasi sempre prece­dida d'uma phase de perturbações digestivas, cujo effeito é sem duvida exaltar a virulência dos micró­bios intestina es; ora na colite muco-membranosa a estagnação das matérias fecaes favorece a infiamma-ção e a erosão da mucosa, e exalta a virulência dos micróbios, especialmente do coli-bacillo.

Como coincidência mórbida, pôde existir a tae­nia, num doente attingido de colite (Blondel). N'es­tes casos o diagnostico é difificil.

Per turbações cardíacas.—Com as perturba-

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ções cardíacas começa a enumeração das perturba­ções funccionaes, cuja existência tem sido assignala-da no curso da colite muco-membranosa.

Convém mencionar d'uma vez para sempre, que todas estas perturbações, assim como as que hei-de mencionar, apparecem de preferencia nos doentes nervosos, as mais das vezes nevropathas hereditá­rios. Os reflexos partindo do intestino vão actuar por intermédio do bolbo, pneumogastrico e sympa-thico sobre o coração e os pulmões e, como se pro­duzem em indivíduos nervosos, a sua acção acha-se notavelmente exagerada.

Frequentemente depois das refeições, apparecem accessos de palpitações, com dôr precordial, simu­lando a angina do peito (Teissier), o pulso torna-se subitamente pequeno, o corpo cobre-se de suores e o doente tem a sensação de morte imminente, mas ao final de alguns segundos tudo se dissipa. Obser­va se algumas vezes o pulso intermittente, e frequen­te, podendo dar 120 a i3o pulsações por minnto.

M. Potain encontrou a insufficiencia tricuspida passageira.

Ha também perturbações circulatórias vaso-mo-toras periphericas, que se traduzem por lufadas de calor na face e por epistaxis.

Per turbações respiratórias.—Podem obser-var-se crises dyspneicas análogas ás da asthma, alter­nando com crises de corysa. E provável que a dys-pneia espasmódica e a corysa tenham explicação commum no arthritismo dos indivíduos atacados.

Per turbações nervosas.—As perturbações ner­vosas são muito variáveis e entram em grande par-

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te no quadro symptomatico. As faculdades intelle-ctuaes podem ser attingidas de diversas maneiras; em muitos doentes existem modificações profundas no caracter; uns têm uma irritabilidade excessiva, outros são deprimidos e melancholicos. A aphasia e a amnesia passageiras tem sido encontradas.

Os doentes dormem mal, o somno é perturbado por pesadellos, de modo que ao levantar sentem-se fatigados e sem aptidões para o trabalho.

Depois das refeições têm um torpor invencível. Como phenomenos d'ordem moral temos a assi-

gnalar: as convulsões nas creanças (chorea, epile­psia), crises de hysteria e o tremulo neurastenico.no adulto. A asthnia é ás vezes tal, que os doentes são incapazes de todo o esforço. Na esphera da sensibi­lidade temos a citar a cephalalgia, a hypersthesia das regiões malleolares (Siredey, Wannebroucq), as ar­thralgias, dores lombares, dores sobre o trajecto dos nervos periphericos (sciatico, crural), etc. A amblyo­pia, a amaurose e os zumbidos dos ouvidos são per­turbações frequentes.

Perturbações boccaes e esophagianas.—A gingivite e a estomatite gangrenosas são frequentes n'estes doentes; Langenhagen encontrou frequentes vezes o ptyalismo, intermittente e continuo, e o eso-phagismo. A fetidez do hálito é frequente, os gazes intestinaes eleminam-se pela mucosa pulmonar.

Per turbações cutâneas.—Do lado da pelle têm-se encontrado a herpes, especialmente na crean-ça, urticaria e différentes erythemas.

Per turbações geni to-ur inar ias— Coincidin-3

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do com a colite muco-membranosa, encontram-se muitas vezes lesões do utero e dos annexos, taes como: metrites, salpingites e ovarites.

Egualmente corn os accessos de colite, appare-cem phenomenos de dysmenorrheia, menorrhagias, etc., o que prova a existência d'uma certa relação entre a aflecção intestinal e a affecção uterina.

Findley encontrou em dois casos a coexistência da dysmenorrheia pseudo membranosa com a colite; mas não ha nenhuma similhança entre as muco-membranas da colite e a caduca espessa, que cons­titue a membrana das dysmenorrheicas.

A dysuria e as dores vesicaes são frequentes, as connexões da bexiga e do recto explicam facilmente estes desarranjos.

Estado gera l—E' nas formas graves que o es­tado geral se encontra alterado. O emagrecimento é ás vezes considerável, o fácies toma uma expressão especial, intermediaria entre o typo peritoneal e o typo uterino. A côr amarellada do doente, a magre­za e falta de forças fazem pensar no cancro. Os doentes têm cryesthesia e a sua temperatura é infe­rior á normal.

Signaes physicos

Se o exame do doente não fornece dados suffi* cientes para fazer o diagnostico, o seu interrogatório feito com methodo, auxilia-o muitíssimo.

O aspecto geral varia segundo a antiguidade e intensidade da doença; nas formas leves ou recentes

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não offerece nada de característico, não acontece o mesmo nas formas graves e antigas.

Os doentes são em geral muito magros, porque se alimentam mal; têm uma cor amarellada indican­do autointoxicação intestinal chronica, os olhos en­covados e com olheiras, uma fadiga excessiva que se explica pelas insomnias habituaes; têm mais uma apparencia triste, que se explica pelas preocupações a que dá logar a sua saúde abalada.

A lingua tem aspecto variável, pôde estar húmi­da e rosada, ou ter uma camada branca na base e estar vermelha nos bordos; e n'outros casos é niti­damente saburrosa.

Pela palpação o ventre tem uma flacidez notável, deixando deprimir-se até á columna vertebral. A pa­rede abdominal e o intestino perderam toda a resis­tência e estão n'um relaxamento completo. O ventre está habitualmente deprimido e retrahido. Ha, po­rém, outros doentes em que a parede abdominal é resistente, e o ventre está tenso e tympanisado, por causa da expansão dos gazes do estômago e intes­tino. O ventre varia de consistência de individuo pa­ra individuo; emquanto n'uns é uniformemente mol­le, n'outros tem zonas duras e zonas molles; as pri­meiras são symptomaticas d'um estado espasmódico do intestino (Fleiner, Kussmaul, M. Geoffroy).

O espasmo é intermittente e segmentar, isto é, localisado a algumas ansas intestinaes. E' habitual­mente o côlon transverso, que está em contractura, emquanto que o côlon ascendente e descendente, es­tá pelo contrario flácido e dilatado.

Quando o cego está dilatado, dá á palpação a sen­sação d'uma chouriça, e a mão faz deslocar as scy-balas.

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Í3G

A palpação pôde ainda revelar a existência d'um espessamento uniforme, tendo por sede o côlon trans­verso, e o cego; este espessamento é devido a falsas membranas peritoneaes (Potain); M. Gaston Lyon cita um caso característico.

Ao lado das partes retrahidas existem segmentos. de intestino em atonia, e em que a palpação deter­mina uma espécie de gargolejo, que é devido ao con-flicto dos gazes e líquidos estagnados.

A palpação pôde ainda ser dolorosa, e é nas par­tes retrahidas que se encontram os pontos dolorosos: os dous ângulos do côlon, especialmente o esquerdo.

Muitas vezes o côlon retrahido dá a sensação d'uma corda com a grossura de dous dedos. Para Glenard a corda cólica é symptomatica de entero-ptose.

Mas para se affirmar a existência de enteroptose é preciso, que esta corda cólica se encontre na visi-nhança do umbigo. Por ultimo a palpação feita ao nível do S. iliaco revela a existência de matérias fecaes. Blondel notou, que o toque rectal determina algumas vezes uma viva dor quando a mão livre de­prime a parede abdominal, ao nivel do fundo do sac-co de Douglas.

O estômago pôde estar dilatado ou ptosado. Não é fácil n'um exame rápido distinguir a dilatação do côlon da do estômago; para isso é preciso recorrer á insufflação do estômago para tirar todas as duvidas.

A ptose do estômago é fácil de distinguir da di­latação, porque no primeiro caso o espaço de Traube dá o som baço e no segundo tympanico.

Quando ha enteroptose pode haver ao mesmo tempo ptose do rim direito; mas n'estes casos en-contra-se pelo processo bimanual, o rim deslocado

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quer no flanco, quer na fossa iliaca ou mesmo na região umbilical.

Por ultimo o fígado pôde estar também desloca­do. Em todos os casos é doloroso á pressão na face inferior n'um ponto correspondente á vesícula. Pôde também estar bypertrophiado ou atrophiado.

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Formas clinicas, marcha, duração e terminação

Raras vezes esta doença começa por uma enteri­te aguda no adulto; habitualmente a doença tem a forma chronica desde o principio.

Podem distinguir-se as formas benignas das for­mas graves; a doença primitivamente benigna, pode revestir uma forma grave, quando é despresada ou mal tratada.

É nas formas benignas que a doença tem o typo intermittente. Um doente, uma mulher, a maior par­te das vezes arthritica e nervosa, frequentemente portadora de lesões uterinas e com uma constipação rebelde, expelle durante alguns dias mucosidades ou muco-membranas com scybalas.

Debaixo d'um tratamento adequado a constipa­ção desapparece, e tudo entra na ordem, mas pôde acontecer que o medico dirija a sua attenção para a affecção uterina concomitante, ou para as perturba­ções gástricas ou nervosas.

No momento d'estas crises existe ás vezes um leve movimento febril; o pulso é accelerado, os doen­tes têm uma anorexia absoluta, a lingua saburrosai

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o somno perturbado e é-Ihes impossível trabalhar. Estas crises succédera se com intervallos afastados, ou periodicamente em certas mulheres na occasião da congestão menstrual. Em todos estes casos as perturbações reflexas são pouco accentuadas, e a doença caracterisada por phases intermittentes fica estacionaria durante algum tempo. Se é despresada, as perturbações mórbidas tornam-se permanentes e apparece então o quadro symptomatico das formas graves.

N'estas formas graves a constipação é intensa e os doentes expellem quasi constantemente muco-membranas.

Por outro lado, as crises agudas que interrom­pem o curso chronico da doença e que a aggravam muitas vezes, são mais intensas e aproximadas.

Vamos agora estudar as diversas modalidades de crises, a saber: crises agudas enteralgicas apyreti-cas, dysenteriformes, febris, e as crises de forma typhoide.

Crises enteralgicas apyreticas.—Estas cri­ses são caracterisadas por uma constipação absoluta e dores intensas no ventre. O curso das matérias fe-caes está completamente paralysado, e os doentes têm soffrimentos especialmente na região peri-umbi-lical e fossas ilíacas. Outros tem tenesmo e sensa­ção de queimadura no anus; as dejecções são fre­quentes e pouco abundantes. N'outros casos ha re­tenção das muco-membranas, e então apparecem symptomas terríveis, semelhantes ao do estrangula­mento interno.

O ventre está abaulado, as ansas intestinaes de-senham-se na parede abdominal distendida, a pai-

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pação torna-se intolerável, o pulso é pequeno e acce-lerado; a constipação é absoluta, nem mesmo os ga­zes sahem pelo anus, e por ultimo vêm os vómitos fecaloides completar o quadro. Outros doentes ca-hem em colapso, o pulso torna se imperceptível e as extremidades arrefecem. Se a dôr está limitada á fossa iliaca direita pode imaginar-se que se trata d'uma appendicite.

Mas com uma dejecção espontânea ou provoca­da, todos estes symptomas terríveis desapparecem. Os doentes evacuam então uma grande quantidade de muco-membranas misturadas a scybalas, que na­dam n'um fluxo diarrheico de cheiro fétido.

Crises dysenterifbrm.es, febris.—São mais raras estas crises que as precedentes; são caracteri-sadas- por puxos, tenesmo anal e pela expulsão de verdadeiras membranas dysenteriformes e mucosi-dades sanguinolentas. As vezes produzem se gran­des hemorrhagias intestinaes. O S. ilíaco é doloroso á pressão.

Crises com forma typhoide.—Ainda são mais raras que as precedentes; o quadro symptomatic© n'estes casos é o d'uma doença infecciosa. O doen­tes tem arrepios successivos, epistaxis e febre que pode attingir 39o ou 40o, mas a marcha d'esta tem­peratura não é como a da febre typhoide, as remis­sões matutinas são mais pronunciadas. Comtudo a lingua é saburrosa, a anorexia completa e a cepha­lalgia intensa.

O abdomen está meteorisado, doloroso á pressão na fossa iliaca direita, e ha também diarrheia. Não ha manchas vermelhas pelo corpo.

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O que distingue principalmente esta forma de co­lite da febre typhoïde é o exame das fezes; encon-tram-se ahi sempre as scybalas e as muco-membra-nas. Estas crises typhoides terminam como as pre­cedentes, com dejecções successivas.

Com a forma grave da colite coincidem quasi sempre a nephrotose e a enteroptose. E' n'estas for­mas, que o estado geral é profundamente alterado. Os doentes, obcecados pela ideia incessante de pro­vocarem dejecções, usam e abusam de todos os pur­gantes e laxantes da pharmacopêa, e por ultimo a neurasthenia attinge um grau intenso.

A cura é possível nas formas benignas e recen­tes, mas as recidivas são frequentes. Emquanto á forma grave pode alliviar-se os doentes, mas nunca curai os. A morte, pôde vir por cachexia, ou por uma complicação infecciosa (pneumonia, bronco-pneumo-nia, appendicite, etc.)

Parece-me que não se deve attribuir á colite de evolução aguda, a morte produzida por ulcerações e hemorrhagias intestinaes. Comtudo, Wannebroucq diz ter visto succumbir doentes com hemorrhagias intestinaes precedidas de evacuações muco-purulen-tas, e cita o caso d'um homem, de 24 annos, gozando anteriormente boa saúde e que, no espaço de oito mezes tinha sofírido muitos ataques de colite muco-membranosa, com intervallos de restabelecimento completo.

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Anatomia pathologica

Pouco se sabe ainda da anatomia pathologica da colite muco-membranosa. As autopsias de Edwards, Rothmann e Chazot, não confirmaram a existência das lesões descriptas por Wannebroucq nos casos agudos e chronicos.

Wannebroucq n'estes últimos casos admittia, ora a atrophia das tunicas intestinaes, ora a esclerose com induração lardacea do tecido cellular. Nas au­topsias recentes têm-se encontrado apenas lesões mí­nimas da mucosa: descamação parcial do epithelio, e algumas alterações das glândulas. Estas lesões ca-tharraes têm por sede o intestino grosso.

A composição das muco-membranas affasta toda a ideia d'um processo inflammatorio; pois sabe-se que são constituídas essencialmente por muco e ac-cessoriamente por cellulas epitheliaes, blocos réfrin­gentes, leucocytos e diversos micro-organismos. Não contêm fibrina.

As cellulas epitheliaes contidas nas muco mem­branas estão deformadas, têm o aspecto homogéneo, o núcleo mal se distingue. Nothnagel, attribuia es­tas alterações a deshydratação do epithelio incluído

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nas scybalas e Kitagawa á degenerescência hyalina ou a uma necrose de coagulação.

Segundo Schmidt, estas duas opiniões são erró­neas; o aspecto particular das cellulas epitheliaes é devido á imbibição do protoplasma cellular por ácidos gordos e sabões.

Tratando as cellulas pelo acido acético ou chlo-rydrico e aquecendo-as em seguida com precaução, vêem-se apparecer gottas de gordura; depois, quan­do toda a-gordura é eliminada, o protoplasma cellu­lar torna-se claro e o núcleo muito nitido. Entre os micróbios que pullulam nas mucomembranas, o coli-bacillo é que predomina. Finkelstein attribue o papel pothogenico a uma bacteria especial e M. Thiercelin differenciou uma bacteria especifica.

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Etiologia, pathogenia

A colite muco-membranosa é uma affecção mui­to mais frequente do que se julga habitualmente, porque os casos benignos passam despercebidos, a maior parte das vezes.

Esta doença é mais frequente nas classes favore­cidas da fortuna do que nas classes pobres; é tam­bém mais frequente na cidade do que no campo.

Todas as idades estão sujeitas a esta doença; to­davia as colites agudas são frequentes na primeira in­fância, emquanto a forma chronica apparece depois da segunda infância.

O seu máximo de frequência é dos 20 aos 45 annos.

A influencia do meio é indiscutível; as mulheres são mais atacadas do que o homem na proporção de 2:1.

A predominância da doença no sexo feminino é devida a causas geraes e locaes: frequência do ner­vosismo na mulher, frequência de constipação e le­sões uterinas. ,

A maior parte das vezes encontram-se os ante­cedentes hereditários do neuro-arthritismo,taes como:

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gotta, obesidade migraine, .hemorrhoidas, asthma, hysteria, neurasthenia, etc.

As mesmas manifestações também se podem en­contrar nos collateraes.

Admitte-se também além da hereditariedade di­recta a transmissão da predisposição, para a atonia do tubo digestivo, e d'ahi o ponto de partida para a hypersecreçao mucosa (Gaston-Lyon, Wannebroucq, Langenhagen).

Esta predisposição para a atonia, manifesta-se desde as primeiras idades pela dilatação do estôma­go e pela constipação; n'estes casos o ventre da creança é molle, flexível e deixa-se deprimir facil­mente.

Como uma das causas predisponente, temos a as-signalar a febre typhoide, a enterite aguda, etc. A pathogenia da colite muco-membranosa tem sido muito discutida e ainda o é na hora actual; se ha duvidas sobre a causa real d'esta doença, é porque falta um critério bacteriológico e anatomo-patholo-gico.

Está-se reduzido aos dados da clinica e ás hypo­theses que suggerem as associações frequentes da affecção intestinal a outras doenças.

Estas associações sendo numerosas, são-no tam­bém as theorias. Por isso vamos passar em revista as diversas theorias que ha sobre este ingrato as­sumpto.

Tem-se successivamente julgado encontrar a cau­sa da doença nas perturbações gástricas, nas ptoses dos órgãos abdominaes, nas différentes compressões do intestino, nas affecções gymnecologicas, e por ul­timo tem-se incriminado a infecção.

As perturbações gástricas são a regra; já as des-

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crevemos, e fizemos notar que não existe uma varie­dade de gastropathia nos doentes, porque não exis­tem caracteres chimicos e clínicos que a permittam especificar.

Encarando agora as perturbações gástricas de­baixo do ponto de vista das relações, que as unem á colite, nós devemos saber em primeiro logar se es­tas perturbações são primitivas ou secundarias, e, n'uma das hypotheses saber porque mechanismo, o soffrimento d'um dos segmentos do tubo digestivo vai influir sobre os outros.

Para Gaston-Lyon, ha casos em que as pertur­bações gástricas precedem nitidamente o principio das perturbações intestinaes, e ha outros casos em que os différentes segmentos do tubo digestivo são interessados simultaneamente, e por ultimo cita tam­bém casos em que as perturbações intestinaes são primitivas.

Alguns doentes começam por serem dyspepticos, antes de serem constipados, ou de soffrerem do in­testino, trata se a maior parte das vezes, mas não sempre de hyperchlorydricos. N'outros doentes, os neurasthenicos, o estômago e o intestino parecem atacados simultaneamente:

Para Germain Seé, o intestino era primitivameiv te atacado, e as perturbações gástricas eram secun­darias e produzidas pelo refluxo dos gazes intesti­naes.

Gaston-Lyon pensa, que os casos de colite, sem perturbações gástricas antecedentes, se observam especialmente nas creanças, e isto explica-se pela de­formação do intestino grosso, S. iliaco, sobre o que Marfan chamou ultimamente a attenção, e que seria a causa da constipação.

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Em resumo: as perturbações gástricas são a re­gra na colite e estão subordinadas á mesma causa geral: a atonia dos dois segmentos do tubo diges­tivo.

Todas as causas de compressão do intestino de­vem ser incriminadas, porque todas podem occasio-nar a constipação. Citaremos em primeiro logar a gravidez; não é raro apparecerem as muco membra­nas pela primeira vez durante a gravidez; os tumo­res da bacia (fibromas, kistos dos ovários), a retro-versão uterina, precedem muitas vezes a colite.

Convém fazer desempenhar um papel importan­te ás adherencias cicatriciaes, que são o resultado d'uma péritonite antiga, e que ligam entre si o ute­ro, as trompas, os ovários e o intestino. Bardet cita a observação d'um doente, que apresentava pheno-menos de obstrucção intestinal; feita a laparotomia encontrou se a terminação do intestino delgado liga­do á columna vertebral por uma brida membranosa.

As enterites agudas também desempenham um papel importante na pathogenia da entero-colite. Es­tas enterites actuam sem duvida, alterando a muco­sa e as fibras musculares lisas do intestino.

A enteroptose e a nephroptose nunca faltam nas formas graves. Mathieu diz ter encontrado 54 vezes o rim movei em g5 mulheres, que apresentavam mu-cosidades nas dejecções. Se todos os doentes attingi-dos de enteroptose não tem entero-colite, pelo con­trario a enteroptose, é constante nas formas graves de colite.

A enteroptose é primitiva ou secundaria? Primi­tiva determinaria a colite mecânica, dificultando o curso das matérias fecaes, por causa do abaixamen­to do côlon transverso e pela formação d'angulos

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agudos, na sua reunião ao côlon ascendente e des­cendente.

Do mesmo modo, que nós consideramos as per­turbações gástricas como subordinadas á mesma cau­sa geral que a entero-colite, assim é preciso consi­derar a atonia intestinal, a colite e a enteroptose co­mo accidentes, cujo ponto de partida deve ser pro­curado n'uma perturbação primitiva do systema ner­voso.

Indicamos precedentemente, que um certo numero de gymnecologistas, appoiando-se na coincidência frequente da colite e das affecções uterinas, têm procurado estabelecer uma certa relação entre estas duas affecções.

Esta relação pôde ter a sua explicação nas mo­dificações que as affecções uterinas imprimem á es­tática intestinal. E certo, que um, prolapso accentua-do do utero pôde dar logar a enteroptose. Por outro lado, os tumores fibrosos, as bridas peritoneaes, as posições viciosas do utero, o utero gravido, podem, comprimindo o recto, constituir um obstáculo, perma­nente ao curso das matérias fecaes. Mas esta influen­cia mechanica, não é a única. Segundo Monod, Mo-ran, Ozenne, Pichevin, Ollivier, a colite muco-mem-branosa pôde ser de origem infecciosa, e resultar da propagação ao intestino, por via lymphatica da in-íiammação uterina; pois sabe-se que existem anasta-moses entre os vasos lymphaticos da vagina e os do recto (Letcheff).

Esta explicação, não parece muito satisfactoria; com effeito, a propagação inflammatoria faz-se n'uma porção limitada do intestino (recto e parte inferior do côlon descendente), como explicar a transmissão ao resto do intestino?

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Pelo que diz respeito á importância dada ás affe-cçoes utero ovaricas como causa directa da colite, parece-me que é preciso fazer algumas reservas, pois ha grandes uterinas, que são isentas de perturbações intestinaes. Emquanto aos que consideram as affe-cções uterinas como causa exclusiva da colite, basta dizer, que ella se encontra muitas vezes no homem e na creança. O que é inegável, é a influencia que po­dem ter as congestões do utero sobre a evolução da aftecção intestinal.

Vê-se frequentemente debaixo da influencia das regras, sobrevirem crises de colite. Aqui ainda se pôde incriminar a influencia nervosa, traduzindo-se por accidentes simultâneos em todos os órgãos da cavidade abdominal. Falta agora discutir a opinião, dos que consideram a colite muco-membranosa como uma aftecção microbiana primitiva, e provocada pela cultura no intestino d'um micróbio especifico.

Sobre este assumpto ha muitas hypotheses, mas não existem factos decisivos. As mucomembranas contéem um numero considerável de bactérias, mas não mais do que as que sencontram no intestino, no estado normal. Estas bactérias são aprisionadas pelo muco.

Recentemente M. Thiercelin isolou um micróbio a que attribue um papel pathogenico. Este micróbio, cujo papel no intestino seria tão importante como o do coli bacillo,., é um diplococco, difficilmente isola-vel no estado saprophytico, mas que pôde no estado pathogenico ser facilmente isolado e cultivado. Este diplococco desenvolve se em todos os meios de cul­tura; é virulento para o rato, menos virulento para o coelho e inofïensivo para a cobaya. Pelos seus ca­racteres morphologicos e pelas propriedades biolo-

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gicas approxima-se do meningococco. Parece-me, que não ha dados sufficientes para affirmar cathegorica-mente, que a colite muco-membranosa é uma doença microbiana especifica. Nos episódios febris que com­plicam frequentemente a entero-colite, o papel dos agentes infecciosos e positivo. Mas a quem attribui-mos este papel, ao coli-bacillo, ao estreptococco ao entero-cocco?

E preciso, não perder de vista, que o facto capi­tal que domina toda a historia da colite muco-mem­branosa, é a atonia do intestino, e a constipação o seu corollario necessário. A atonia é o signal inicial, vêm em seguida as dores abdominaes, a byperse-creção mucosa, as ptoses e finalmente as desordens geraes d'ordem nervosa.

As ptoses para Gaston-Lyon, contrariamente a Glenard, são antes o effeito da atonia no seu grau mais grave, do que a causa dos accidentes da colite.

A atonia pôde ser provocada por uma das cau­sas de compressão do intestino precedentemente enumeradas, mas é sempre favorecida por uma pre­disposição hereditaria, que se pôde traduzir também por dilatação do estômago, varizes, hemorrhoidas, hernias, etc.

Em resumo, a filiação dos accidentes da doença parece-me ser a seguinte:

Debaixo da influencia d'uma predisposição here­ditaria, o arthritismo, ou de causas adquiridas, produz-se a atonia do intestino, á qual se junta muitas vezes a ptose; a atonia determina a estase estercoral, o en­durecimento das matérias fecaes, d'ahi a irritação constante do intestino, a hypersecreção mucosa.

E posto em jogo o sympathico abdominal, por causa da tracção dos plexos abdominaes, produzida

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pela ptôse do intestino. D'onde uma serie de reflexos actuando primeiro localmente e produzindo espas­mos, dores, etc., depois actuando sobre o systema nervoso geral produzindo desordens variadas.

A auto-intoxicação também entra em grande par­te nos phenomenos geraes-.

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Diagnostico

A colite muco-membranosa dá muitas vezes lo-gar a erros de diagnostico, tanto na forma aguda co­mo chronica.

Os erros de diagnósticos podem provir de sym-ptomas locaes mal interpretados, ou dos symptomas geraes, serem considerados como affecções primiti­vas, ou como consequência d'outras affecções, e sem que appareça o laço, que as liga á affecção intestinal.

Um doente, que tem ha mais ou menos tempo constipação habitual, que sente dores abdominaes e que mostra nas fezes mucosidades e muco-membra-nas o diagnostico impõe-se.

O medico seria indesculpável, se em presença d'estes symptomas não pensasse logo na colite.

A difficuldade começa quando o doente, quei­xando se de dores abdominaes e de constipação não notou as muco-membranas nas fazes, ou se as no­tou, as attribue á taenia ou ás ascaridas. N'estes ca­sos se o medico tem o cuidado de examinar as fe­zes, como é seu dever, parece-me que não deve ha­ver motivo para erro de diagnostico. Comtudo n'al-guns casos, pode tomar-se por anneis de tasnia ou

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por novellos de ascaridas as muco-membranas e os novellos cylindricos, que são expulsos. M. Langlet cita uma observação d'uma senhora, que tratou du­rante três annos, como se fosse taenia, e mais tarde observou que se tratava d'um caso de colite muco-membranosa.

Um exame á lupa, quando se trata da taenia, per-mitte constatar a presença dos órgãos genitaes.

Tem-se encontrado ao mesmo tempo a taenia e as muco-membranas; aqui o diagnostico está um pouco mais sujeito a erro. Se o erro, que consiste em tomar as muco-membranas por fragmentos de helminthos tem sido commettido, devemos assigna-lar, que erro contrario também se tem dado.

Tem-se também tomado por muco-membranas, os restos de albumina d'ovo que não soffreram a acção dos suecos digestivos (Nothnagel, Potain). Em resumo, todas as vezes que ha duvida na natureza das membranas, basta examinal-as ao microscópico para constatar a sua natureza.

Os symptomas concomittantes do lado dos ou­tros órgãos, e os symptomas geraes podem desviar a attenção do pratico do intestino.

Assim a existência de perturbações gástricas, faz despertar a ideia d'uma afíecção primitiva do estô­mago, e n'este caso expomo-nos a fazer um diagnos­tico incompleto, pois as perturbações gástricas e in­testinais andam a par, n'um grande numero de ca­sos. As vezes, no exame do ventre, julga-se encon­trar a dilatação do estômago, quando em realidade é o côlon transverso que está dilatado.

Outras vezes pode imaginar-se a existência d'um cancro no estômago nos doentes magros, anorexi-cos, com cor amarellada, e apresentando no côlon

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uma accumulação de matérias fecaes susceptíveis de passarem por um tumor gástrico; o cancro do intes­tino pode também ser suspeitado pela mesma razão. Axenfeld viu uma senhora de 5o annos, cachetica, tendo na familia cancerosos, e que apresentava um empastamento doloroso na região direita do abdo­men, e todos os symptomas de cancro, e que não tinha outra doença alem da colite muco membra­nosa!

A enterite tuberculosa também dá logar á confu­são com a colite.

A neurasthenia, a hysteria., tão frequentes nos doentes affectados de colite, podem ser consideradas como primitivas, e desviarem por isso a attenção do intestino.

Os symptomas reflexos na esphera do apparelho urinário; dysuria, vontade frequente de urinar, leva­ram Thevenot ao diagnostico de cálculos na bexiga.

Emfim as lesões uterinas podem fazer concentrar toda a attenção, e desviarem-na do intestino.

E' sobretudo com as crises dolorosas, que os er­ros de diagnostico podem ser commettidos. A colite pôde ser confundida com a cólica hepática e nephre-tica.

A localisação infra-hepatica da dôr, a sua appa-rição por crises paroxisticas, podia fazer crer na li-thiasis com icterícia, se o exame das fezes não vies­se revelar o contrario.

O engano com a cólica hepática acompanhada de icterícia é igualmente possível, pois podem observar-se durante a colite phases de congestão hepática com icterícia.

Emfim a lithiasis biliar e a colite podem coinci-

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dir, o que complica o diagnostico e pode levar ao desconhecimento d'uma das affecções.

O diagnostico com a appendicite não é sempre fácil; comtudo, pertence á appendicite a localisação exacta da dôr no ponto de Mac Burney e a contra-ctura dos músculos da parede abdominal. Estas doenças podem também existir ao mesmo tempo.

Assignalaremos ainda a confusão possível com a cólica saturnina.

Mr. Vouzelle viu um pintor, saturnino evidente, que, depois d'um periodo de constipação, com do­res abdominaes violentas e vómitos, teve varias deje­cções com muco-membranas.

Se a peritone não pôde ser facilmente confundida com a crise paroxistica, não acontece o mesmo com o estrangulamento interno, que tem uma evolução apyretica.

Ha alguns casos de obstrucção do intestino por muco-membranas, em que os symptcmas são idên­ticos aos do estrangulamento interno: a face está contrahidd, o ventre distendido, a constipação é abso­luta, os gazes mesmo não são emittidos pelo anus, e apparecem os vómitos.

As crises dysenteriformes da colite distinguem-se facilmente da dysenteria. Pelo exame das fezes não se encontram os retalhos de mucosa característicos da dysenteria.

As crises de forma tyhoide também se distinguem da febre typhoide: pela marcha irregular da tempe­ratura, ausência de manchas vermelhas, falta de prostração e stupor, pelos caracteres das fezes e pe­lo resultado negativo da sero-reacção, etc.

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Tratamento

A colite muco membranosa, é uma affecção diffi-cil de tratar e que exige largos e pacientes esforços, antes de ser melhorada; comtudo não está fora dos recursos da therapeutica. E incontestável, que exis­tem casos rebeldes a todo o tratamento, mas a maior parte das vezes obtêm-se melhoras consideráveis.

O tratamento deve ser dirigido por um lado con­tra o estado local, isto é, contra a constipação e as suas causas, contra a irritação intestinal, o spasmo e as dores. Por outro lado a medicação deve ser di­rigida contra o estado geral, a neurasthenia, etc.

Antes de tudo importa prescrever um regimen alimentar conveniente, que assegurando a nutrição d'uma maneira sufficiente, não deixe resíduos sóli­dos, que são irritantes mechanicos, e ao mesmo tem­po também não deve ser fermentiscivel.

Não convém regimen exclusivo; se os alimentos azotados deixam poucos resíduos têm o inconvenien­te de conservar a constipação. O regimen vegetal é irritante por causa dos resíduos abundantes que dei­xa. Por ultimo, o regimen lácteo é mal supportado.

Mr. Glenard considera mesmo a intolerância

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absoluta para o leite como um dos caracteres da en-teroptose.

O leite será apenas utilisado em doses modera­das e associado a outros alimentos. Apenas se po­derá usar o regimen lácteo absoluto nas crises paro-xysticas.

Os alimentos permittidos serão os seguintes: Leite, creme, ovos; carne assada de boi, vitella e

carneiro; certas aves (pombos e gallinhas). Todas estas carnes devem ser bem divididas.

Os peixes de carne molle (pescada, linguado, truta, etc.).

Os legumes seccos (ervilhas e feijões), bem divi­didos e passados pela peneira.

As saladas de espinafres, chicorea e a couve flor. Os fructos cosidos (pêras, maçãs e damascos),

as compotas de fructas pouco assucaradas. O queijo fresco. O pão em pequena quantidade (ioo a 200 gram­

mas por dia). Como bebida, a melhor de todas é agua de

fonte, em seguida vem o vinho, ou cerveja mistura­dos com agua simples ou aguas alcalinas.

Os alimentos que se devem prohibir são: Caldos gordos. Os guizados de todas as espécies. Carne com molhos apimentados, certas aves (pa­

tos, gallinhas da índia), a caça de pello. Peixes gordos (enguia, salmão, sável, etc.); os

crustáceos. Carne de porco (fumeiro), etc. As couves, tomates, azeitonas, pepinos, em geral

todas as conservas salgadas ou avinagradas. Pasteis, doces, etc.

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Os vinhos espumosos, ácidos, os licores e o café. Contra a constipação tem-se recorrido aos diffé­

rentes laxantes e aos meios physicos. A atonia intes­tinal deve ser combatida sem demora.

Devem ser banidos todos os purgantes drásticos, mesmo usados em pequenas doses. Os purgantes sa­linos e aguas purgativas devem ser usados com mo­deração, porque o effeito prolongado d'estes purgan­tes determina ainda uma constipação mais intensa do que a que se tinha por fim combater.

Entre os laxantes que se podem empregar quoti­dianamente sem receio de determinar irritação in­testinal, temos: as sementes de linho, que actuam me-chanicamente sobre o estômago e chimicamente pe­los seus óleos essenciaes sobre o intestino. G. Sée prescreve antes de cada refeição uma colher de so­pa d'estas sementes.

Quando estas sementes não são sufficientes para provocarem uma dejecção quotidiana, o melhor me­dicamento é o óleo de rícino ministrado em peque­nas doses (uma ou duas colheres de chá) ao levan­tar da cama. Estas doses de óleo de ricino não pro­duzem cólicas, e devem sem empregadas sempre. Quando se começa a tratar um doente pela primei­ra vez, é também ao óleo de ricino, em doses frac­cionadas, a que se deve recorrer.

O óleo de ricino sendo, sem duvida, o melhor laxante, podíamos deixar de ennumerar os outros meios postos em prática para attenuarem a consti­pação; mas é preciso também attender ás suscepti­bilidades dos doentes.

E o mesmo medicamento usado durante muito tempo deixa de produzir o effeito desejado; é bom

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fiO

por isso saber os laxantes porque pode ser substi­tuído o óleo de ricino.

A magnesia, o enxofre e o cremor de tártaro, são depois do óleo de ricino os que empreguei de preferencia.

G. Lée prescreve, antes de cada refeição, uma colher de café da mistura seguinte:

Magnezia calcinada ) Enxofre lavado > aã—vinte grammas. Cremor de tártaro )

Os clysteres simples ou addicionados á glycerina (i ou 2 colheres), ou ao azeite (3 a 4) são muito em­pregados pelos doentes, mas têm o inconveniente de actuarem sobre uma parte limitada do intestino, e de embotarem a sensibilidade da mucosa rectal, e d'ahi a perda da necessidade da defecação.

Os suppositorios de glycerina têm os mesmos in­convenientes e a maior parte das vezes são elimina­dos sem produzirem effeito:

A massagem é um excellente meio para dar ao intestino a sua tonicidade perdida, mas deve ser em­pregada fora das crises pasxysticas.

A gymnastica sueca actua do mesmo modo. O exercício moderado em bicydeta, fazendo con-

trahir os músculos abdominaes, faz desapparecer muitas vezes uma constipação rebelde aos outros meios.

Dissemos que não bastava combater a constipa­ção, é preciso combater as suas causas.

Quando ha enteroptose, é preciso recommendar repouso no leito durante algum tempo, e comprimir o abdomen por meio d'uma faixa, que o doente de­ve usar mesmo depois de se levantar.

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Se a nephroptose existe simultaneamente, reme-deia-se ou por meio de faixa, ou pela fixação do rim.

M. Weber cita a observação d'uma senhora, que tinha um rim fluctuante e uma colite rebelde a todo o tratamento; a fixação do rim curou a colite passa­dos dez dias.

Em casos de hemorrhoidas produzindo o espas­mo do intestino e constipação, pôde tornar-se neces­sária a dilatação do anus.

As afíecçÕes uterinas necessitam um tratamento apropriado, tratam-se as metrites, corrigem-se os desvios uterinos, reduz-se o prolaso e se existem adherencias pratíca-se a massagem uterina. Certos medicos julgavam, que pelo emprego dos antipseti-cos inestinaes, faziam parar a formação das muco-membranas e empregavam os diversos antisepticos: naphtol B, benzo-naphtol, betol, salol, salycilato de bismutho, etc.

Estas substancias pouco resultado dão na colite muco-membranosa.

Outros ainda tentaram modificar a mucosa intes­tinal por meio de icthjol. Recentemente, Mr. Che-ron empregou o acido picrico, como sendo capaz de combater directamente as lesões, modificando os epithelios alterados.

Eazia tomar aos doentes, em seguida á defeca-ção, um clyster destinado a ser conservado e com­posto d'um litro de agua addicionada d'uma colher de café da solução seguinte:

Acido picrico—uma gramma Agua distillada—cento e vinte grammas.

Tem-se ainda preconisado os clysteres de nitrato de prata a o,gr2o/iooo, etc.

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Na realidade, um único meio permitte modificar a infkmmação superficial da mucosa, causada pela coprostase; é a lavagem do intestino cujos effeitos são múltiplos: arrasta as matérias fecaes endurecidas e as muco-membranas; faz desapparecer as dores devidas á inrlammação do intestino, ao espasmo e á retenção das muco-membranas; restitue á mucosa do intestino as suas funcções d'absorpçao e tem ainda a vantagem de levar a sua acção a todo o intestino.

A enteroclyse constitue, portanto, o meio de tra­tamento mais apropriado ás indicações pathogenicas.

Os doentes, que recorrem pela primeira vez á la­vagem do intestino, sentem um allivio immediato, e declaram se encantados com este banho interno; têm infelizente tendência a abusar, e renovam a lavagem todos os dias, de modo que a acção d'esté tratamen­to acaba por ser nulla.

Para fazer a lavagem, serve um irrigador ordi­nário munido d'uma cânula de enteroclyse. O irriga­dor deve estar pouco elevado acima do plano do leito (om,4o a om,5o), para que a pressão do liquido seja pequena. O doente deve estar deitado em de­cúbito dorsal para que o liquido penetre profunda­mente no intestino.

Como liquido a injectar podemo-nos servir de agua fervida simples addicionada de subsistancias antisepticas, mas que não sejam irritantes.

Podemos, por exemplo, addicionar a cada litro d'agua:

Bicarbonato de soda—cinco grammas. Salicylato de soda—uma gramma.

A principio, não se deve empregar mais d'um li­tro de lavagem, mais tarde pode elevar se esta quan-

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tidade de agua a très litros. O doente expelle im-mediatamente uma parte do liquido; em seguida faz-se conservar durante alguns minutos meio litro a um litro de liquido fazendo deitar o doente do lado di­reito, para facilitar a passagem da agua no côlon transverso.

A temperatura do liquido não é indifférente; quando existem vivas dores e o intestino está em es­pasmo, a temperatura do liquido não deve exceder 40o, mas quando é a atonia que predomina, a tem­peratura deve ser de 45o a 48o. '

Desde as primeiras lavagens o allivio começa a produzir-se, ainda mesmo que o intestino não seja evacuado d'uma só vez do conteúdo. Ao fim d'algu-mas lavagens vem uma dejecção abundante, trazen­do scybalas e muco-membranas; e os doentes conti­nuam a expulsar scybalas nas lavagens seguintes.

,Deve-se prescrever uma lavagem quotidiana du­rante seis a oito dias, depois mandam-se espaçar de dois em dois dias, de três em très, etc.

Mas nunca se deve cessar completamente o seu uso, ao menos uma lavagem por semana está indi­cada.

Ao lado das lavagens convém também collocar os grandes clj-steres oleosos, que segundo Fleiner, seriam o remédio por excellencia, nos casos em que ha espasmo do intestino.

Fleiner fazia passar 400 a 5oo grammas de azei­te no intestino. Segundo elle, o azeite puro não de­composto, protegia a mucosa na parte inferior do intestino contra as scybalas endurecidas, e nas par­tes superiores do intestino havia a digestão, a de­composição do azeite em glycerina e ácidos gordos, e adquiria então propriedades laxativas.

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Seja como for, elles actuam favoravelmente, de­terminando dejecções fáceis, porque facilitam o es­corregamento das scybalas ao longo das paredes do intestino.

Gaston-Lyon associa habitualmente os grandes clysteres oleosos á enteroclyse. Quando inaugura o tratamento d'uma colite muco-membranosa, dá em primeiro logar o óleo de ricino como laxante, em se­guida um clyster oleoso e termina o tratamento por seis ou oito lavagens.

As lavagens calmam indirectamente as dores, desembaraçando o intestino do seu conteúdo irritan­te; comtudo isto não basta, é preciso empregar ou­tros meios no intervallo das lavagens.

Quando os doentes continuam a soffrer, é bom applicar os banhos quentes prolongados. Como o seu emprego repetido enfraquece os doentes, podem substituir-se por compressas frias sobre o ventre-, a acção sedativa é a mesma, porque a compressa re­vestida dum invólucro impermeável, aquece ao fim de pouco tempo, de mais a mais a constipação pa­rece também melhorar com as applicações frias.

Como calmante tem-se proposto: o brometo de cálcio, o ópio, a belladona, que é o sedativo de esco­lha; prescreve-se debaixo da forma de tintura ou em pílulas:

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Extracto de belladona j S 3 _ u m c e n t i g r a i n m a . Po de raiz de belladona \ ° Para tomar duas pílulas por dia.

E necessário tratar as perturbações gástricas, que acompanham habitualmente a affecção intesti­nal.

E sobretudo com o regimen alimentar que se obtêm melhoras consideráveis.

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Para combatermos as perturbações nervosas d'or-dem neurasthenica ha diversos meios. Como calman­te pode utilisar se o valerianate de ammoniaco de preferencia aos brometos, que são sempre irritantes para o estômago.

Os banhos quentes prolongados calmam o ere-thismo nervoso. Prescrevem-se habitualmente a 38° ou 40o.

As duches frias também são empregadas quan­do os doentes têm uma boa reacção, mas é preciso que o jacto d'agua não seja dirigido para o estô­mago.

A massagem geral actuando sobre a nutrição presta bons serviços.

A electricidade estatita também é empregada com bons resultados.

Contra a fraqueza de certos doentes podem em-pregarse as injecções hypodermicas de cacodylato de soda ou de arrhenal.

As mudanças d'ar, o repouso physico e intelle­ctual, impõem-se aos doentes enfraquecidos pelas dores, insomnia, alimentação insuficiente, etc. A habitação no campo é recommendavel.

O tratamento thermal é um complemento indis­pensável aos outros modos de tratamento, mas fora de todo o estado inflammatorio.

Entre nós as aguas do Gerez são para recom-mendar. Nos períodos de acalmia, de constipação não dolorosa, a cura deve ter por base a ingestão da agua thermal, o uso de duches ascendentes ther-maes, e durante as crises accentuadas repouso, bal-neação thermal prolongada, dieta mais ou menos absoluta e suppressão da cura interna. Nos doentes muito sujeitos a crises dolorosas diarrheicas, convém

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mesmo nos intervallos d'estas ter muita cautella no uso das duches ascendentes, que devem ser substi­

tuídas por enteroclyses thermaes suaves e no uso da agua em bebida. Quando haja espasmos, cólicas accentuadas é ainda a balneação, que deve predo­

minar na cura, eliminando as duches ascendentes e outros processos estimulantes das contracções intes­

tinaes. As crises dolorosas peroxysticas, que simulam a

cólica hepática, nephretica, a appendicite, etc., ne­

cessitam de repouso, applicações de compressas quentes, de belladona no interior ou em supposito­. rios; ás vezes a intensidade da dor é tal que neces­

sita uma injecção de morphina, comtudo é preciso evitar o morphinismo.

Taes são as regras geraes no tratamento das formas .chronicas. O resultado d'esté tratamento é dos mais variáveis, os seus effeitos estão subordina­

dos cm grande parte á intensidade da doença e á sua antiguidade.

Todavia, mesmo nos casos graves, podem ob­

ter­se melhoras consideráveis; para isso é preciso impor se ao doente repouso absoluto, submettel­o a um regimen alimentar conveniente, esforçar­se por calmar as dores, modificar o estado inrlammatorio do intestino e levantar as forças e o moral do doente. ■ A crise dolorosa sendo provocada pelo espasmo, que dirficulta o curso das matérias fecaes, a indicação essencial é expulsal­as por meio de purgantes ligei­

ros e lavagens. Nas formas febris, todo o alimento deve ser pro­

hibido á excepção do leite. Quando as melhoras co­

meçam a produzir­se, associa­se ao leite a carne crua muito dividida, e quando as dejecções se tor­

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nam diarrheicas e sanguinolentas, devem usar-se os purgantes salinos.

O tratamento deve ser completado por grandes lavagens usadas com prudência. Se a colite dysen-teriforme persiste ao cabo de alguns dias, podem empregar-se os grandes clysteres com uma solução diluída de nitrato de prata a 0",25 a o°',3o por litro. Na forma typhoide a dieta láctea e as lavagens cons­tituem todo o tratamento.

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PROPOSIÇÕES 3

Anatomia—O ligamento redondo não é constante.

Physiologia—A funcção respiratória é uma fermentação.

Pathologia geral—O espartilho tem um papel impor­tante na etiologia das ptoses abdominaes.

Materia medica—0 melhor antithermico é a agua fria.

Anatomia pathologica—Não ha lesões características na colite muco-membranosa.

Pathologia externa—Só em casos excepcionaes pra­ticarei a extirpação dos tumores malignos.

Pathologia interna—A indicação capital no tratamen­to das hemoptyses, é levantar o moral do doente.

Hygiene—Condemno a actual reforma de instrucção se­cundaria, por ser um attentado aos princípios mais rudimen­tares da hygiene.

Medicina operatória—Os catheterismos urethraes de­vem ser feitos na cama dos doentes.

Medicina legal—O medico sceptico deve abandonar o exercício profissional.

Partos—As parteiras inexperientes são a causa da maior parte dos accidentes durante e depois do parto.

Visto. O PRESIDENTE

Oliveira Monteiro.

rodo imprimisse. O DIRECTOR

Moraes Caldas.