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SOBERANIA E TRATADOS
INTERNACIONAIS DE DIREITOS
HUMANOS1
PAULA PRUX Membro do Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Sousa”, da UFJF.
Bacharel em Direito pela Faculdade do Norte Novo do Paraná, Apucarana - FACNOPAR. [email protected]
RESUMO O presente trabalho de conclusão de curso tem como fim primordial a análise da aplicação prática da soberania, quando postos em jogo, por meio de tratados internacionais, os direitos humanos. A soberania, que, antigamente, era tida como um poder absoluto, hodiernamente, relativizou-se em decorrência do desenvolvimento do próprio Direito, conforme demonstra o surgimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos. O avanço da legislação internacional reflete as necessidades do mundo globalizado, em que os direitos humanos têm-se destacado, sobremaneira. Apesar de serem objeto da jurisdição interna de cada Estado, os direitos humanos têm grande respaldo no palco internacional. Por meio de tratados, estendem-se a diversos Estados, assegurando o que existe de fundamental a todos os seres humanos, indistintamente. Os tratados internacionais de proteção aos direitos humanos, bem como os tribunais internacionais que visam a efetivar esses direitos, refletem, não apenas as necessidades do contexto mundial em que nos inserimos, mas, também, uma grande evolução do pensamento humano. Tal evolução é resultado, justamente, da caminhada histórica que percorremos na luta pelos direitos, envolvendo guerras mundiais, assassinatos em massa, terrorismo e demais atrocidades, que trouxeram à tona a importância dos direitos humanos e de meios que viabilizassem a sua efetivação. Assim, os estudos realizados para a elaboração desta monografia, abrem as portas a novos paradigmas, a um novo entendimento da soberania frente aos tratados internacionais da mais elevada importância, aqueles que tratam dos direitos humanos.
1 Trabalho de monografia apresentado como requisito parcial de Conclusão do Curso de Direito, da FACNOPAR – Faculdade do Norte Novo do Paraná - Apucarana, apresentado na área do Direito Internacional, sob a orientação do Prof. Dr. Wanderlei de Paula Barreto.
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“Procuro despir-me do que aprendi, procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram; e raspar a
tinta com que me pintaram os sentidos; desencaixotar
as minhas emoções verdadeiras; desembrulhar-me e ser
eu; é preciso esquecer a fim de lembrar; é preciso
desaprender a fim de aprender de novo”. Alberto
Caeiro – Fernando Pessoa
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como escopo principal o estudo da coexistência das
categorias jurídicas soberania e tratados internacionais de direitos humanos, no contexto atual.
Buscar-se-á demonstrar o quão tênue é a linha entre a soberania, que é, também, a defesa do
Direito Positivo Nacional, e os tratados, que buscam interesses comuns a Estados, muitas
vezes, completamente diferentes, em termos de cultura, política, economia, etc.
Mais especificamente, serão estudados os tratados internacionais de direitos
humanos, que possuem importância singular, dado o caráter histórico, inato, irrenunciável e
universal de tais direitos.
Assim, no primeiro capítulo, estudar-se-ão o conceito e demais aspectos da
soberania, bem como o processo de relativização deste conceito, tendo em vista o fenômeno
da globalização. Traçar-se-á uma linha histórica do conceito de soberania, o qual teve início,
significativamente, no século XVI, com a obra “Les Six Livres de la Republique”, de Jean
Bodin, e percorrendo os dias de hoje com recentes estudos de grandes doutrinadores, como
Miguel Reale, que apresenta um conceito atualizado de soberania em sua obra “Teoria do
Direito e do Estado”.
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No segundo capítulo, examinar-se-ão, fundamentalmente, o conceito e
desenvolvimento do Direito Internacional, seguindo-se o estudo da Sociedade Internacional
no capítulo terceiro.
Nos demais capítulos, analisar-se-ão as características dos tratados
internacionais, dos direitos humanos, e far-se-á uma correlação entre ambos.
Os tratados constituem a principal fonte do direito internacional; o
instrumento de que se utilizam os Estados para firmarem acordos acerca de questões de
interesse comum. Quando tratam de direitos humanos, adquirem posição de destaque nos
ordenamentos jurídicos, tanto nas esferas nacionais quanto na internacional, pois os direitos
humanos concretizam as exigências da dignidade da pessoa em todas as suas expressões.
Finalmente, far-se-á uma reflexão acerca da relação existente entre
soberania e tratados internacionais de direitos humanos, abordando os pontos controversos e
polêmicos que permeiam a questão.
Sob o ponto de vista interno e jurídico-social do Estado, a soberania garante
a supremacia do poder estatal em relação a outros ordenamentos sociais, sendo de essencial
importância à manutenção da ordem que caracteriza o próprio Direito Positivo Nacional.
As maiores controvérsias surgem, quando a análise é feita sob o ponto de
vista externo. Há, sem dúvida alguma, uma grande dificuldade em se conciliar a noção de
soberania do Estado com a ordem internacional, de modo que uma maior valoração deste
ordenamento internacional implica certas restrições à soberania do Estado e vice-versa. O
conceito de soberania deixa, então, de ser absoluto, como antes era considerado por alguns
doutrinadores, e passa a ser relativo.
3
Atualmente, com a tecnologia moderna, as comunicações e o crescimento
do comércio, a interdependência entre os Estados é fato inegável e a necessidade de se
manterem relacionamentos, no âmbito internacional, implica, freqüentemente, uma renúncia
aos interesses próprios do Estado, pois a busca de interesses comuns significa, sempre,
limitação a interesses particulares.
I. SOBERANIA
I.1 A FORMAÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE SOBERANIA
A palavra soberania deriva do latim superanus, que significa o grau
supremo de hierarquia política.
A noção de soberania surgiu na Grécia, na Antigüidade Clássica, visto que
as cidades da época já possuíam uma organização autárquica. Essa noção de soberania era
apenas fática, e não conceitual, pois os antigos gregos ainda não haviam se dedicado à criação
do conceito de soberania.
O Estado antigo, na concepção grega, representava uma ordem auto-
suficiente capaz de suprir todas as necessidades dos cidadãos que estivessem sob a mesma. A
sociedade política grega desconhecia o conflito interno de poderes sociais e era tida como o
único poder responsável pelo plano de vida de cada cidadão grego.
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Desde a Antigüidade, até o fim do Império Romano, portanto, não se
encontra qualquer definição do que, hoje, entende-se por soberania. No Livro I de “A
Política”, Aristóteles menciona as características da polis grega e a denomina de autarquia. A
expressão apenas indica que a cidade-Estado era auto-suficiente; mas, não significa que havia
uma supremacia interna ou qualquer tipo de poder de amplitude externa do Estado. Da mesma
forma, não há noção de soberania, em Roma. Há indícios de que havia um poderio militar ou
civil, no entanto, não há indícios de que o Estado gozasse de um poder supremo em relação
aos demais.
A razão pela qual não se chegou ao conceito de soberania, até o fim do
Império Romano, é simples, porém, brilhantemente, explicada por George Jellinek, quando
este apontou que não havia, no Mundo Antigo, outros poderes que se contrapusessem ao
poder do Estado. A intervenção do Estado visava, basicamente, a manutenção da segurança,
sendo que não havia um grande número de funções que pudesse ensejar a necessidade de se
terem poderes privados paralelos. O Estado era o único responsável pelos seus cidadãos e
jamais teve de competir com qualquer outro tipo de poder.
No século XII, eram concomitantes os poderes senhoril e real, o que não
permitia ao monarca exercer sobre seus súditos um poder absoluto e supremo. A partir do
século XIII, no entanto, os monarcas passam a ter autoridade suprema sobre todo o reino,
tornando-se superiores aos barões (o que não significa que eles não teriam de competir com
outras classes).
Na Idade Média, o Santo Império Romano Germânico significou, em grande
parte, uma simbologia, uma referência ideológica, mais do que uma realidade viva, pois
coexistiu com uma série de poderes intermediários, de instituições competentes que
representavam rivalidade ao poder estatal. O poder que mais se impôs, na época, em
contraposição ao poder estatal, foi o da Igreja.
5
No final da Idade Média, os monarcas, enfim, passaram a governar dotados
de um poder supremo, o que inspirou os estudiosos da época, em especial Jean Bodin, a
desenvolverem um conceito de soberania.
O conceito de soberania teve o início de sua formação na França, no século
XVI. O primeiro a definir o que vem a ser soberania foi o francês Jean Bodin, jurista e
professor de Direito e, ainda, posteriormente, magistrado e diplomata. O estudioso sempre
esteve atento aos aspectos governamentais de sua pátria e à forma como o rei da França
afirmava sua independência no âmbito externo de suas relações. Talvez tenham sido a
realidade histórica de sua época e o seu interesse pelos assuntos políticos que o tenham levado
a definir soberania.
Em sua obra “Lês Six Livres de la Republique”, publicada por volta de
1576, Bodin, para entender a soberania, toma como base a realidade histórico-social da
França. No capítulo VIII do Livro I, Bodin2 esclarece que: “É necessário formular a definição
de soberania, porque não há qualquer jurisconsulto, nem filósofo político, que a tenha
definido e, no entanto, é o ponto principal e o mais necessário de ser entendido no trabalho da
República”. Menciona, ainda, que: “soberania é o poder absoluto e perpétuo de uma
República, palavra que se usa tanto em relação aos particulares quanto em relação aos que
manipulam todos os negócios de estado de uma República”3 (apud DALLARI 2001, p. 77).
Na concepção de Bodin, portanto, a soberania é elemento inseparável do
Estado, é um poder absoluto e perpétuo. Absoluto, porque não possui qualquer limite senão as
leis divinas e naturais, às quais até os monarcas estão sujeitos. Perpétuo, por não existir um
tempo de duração dentro do qual este poder deve ser exercido. O poder soberano era o Estado
que, em sua natureza, carregava as idéias do governante, de quem emanavam todas as leis.
2 BODIN, Jean. Lês Six Livres de la Republique. Paris, 1583
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Apesar de não ter mencionado a inalienabilidade como característica da
soberania, Bodin atenta para o fato de que caso o soberano conceda poder a outro, “ele não
concede tanto que não retenha sempre mais”4. Está implícita em sua obra, portanto, a
característica da inalienabilidade, visto que se o soberano alienar uma porção de soberania a
alguém e reter menos do que alienou para si, terá alienado toda a soberania, uma vez que
ficará sem ela.
Posteriormente, em 1762, com a publicação de “O Contrato Social”, Jean
Jacques Rousseau traz um novo entendimento do que vem a ser soberania. O teórico explica a
soberania com ênfase na inalienabilidade e indivisibilidade e transfere sua titularidade da
pessoa do governante para o povo. A soberania é inalienável, por estar nas mãos do povo, por
ser um poder que pertence à grande maioria, não podendo sequer ser representada pelo
governante. É indivisível, porque exige a participação do todo. Deve ser o exercício da
vontade geral.
A definição de Rousseau é um exemplo claro de que com o passar do
tempo, na medida em que foram decaindo as idéias da monarquia absolutista, o poder
soberano deixou de se confundir com a soberania em si, ou seja, o Estado e o governante
passaram a ser figuras distintas.
I.2 O TITULAR DA SOBERANIA
3 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 22. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 77 4 DALLARI, loc. cit.
7
No que diz respeito à determinação do sujeito de direito da soberania, é
necessário estudar algumas doutrinas, que vão desde o período em que o monarca era
considerado o detentor da soberania, no Estado Moderno, até as idéias mais recentes de que a
soberania tem como titular o próprio Estado.
I.3 AS DOUTRINAS TEOCRÁTICAS
Estas doutrinas partem do princípio de que todo o poder emana de Deus.
Foram bastante utilizadas na Antigüidade; mas, tiveram o auge de sua expressão no final da
Idade Média e permaneceram no auge até o período de absolutismo monárquico do Estado
Moderno. Apontam o rei como o titular da soberania, sendo ele considerado o próprio Deus
ou um privilegiado, que recebe poderes diretamente de Deus. As doutrinas teocráticas são:
I.3.1 A Doutrina da Natureza Divina dos Governantes
Segundo essa doutrina, os reis eram deuses vivos; eram titulares do poder
soberano com caráter divino. A soberania emanava de Deus e permanecia nas mãos de Deus,
pois os monarcas eram os próprios deuses. Essa doutrina da natureza divina dos governantes
remonta à época dos faraós do Egito, dos imperadores romanos e dos príncipes orientais.
I.3.2 A Doutrina da Investidura Divina
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De acordo com a investidura divina, os monarcas não eram deuses, mas
eram diretamente investidos do poder soberano pelos deuses. Eram responsáveis,
exclusivamente, perante Deus, nunca perante o povo, sendo dever deste prestar-lhes estrita
obediência. Essa doutrina é uma característica marcante do governo de Luis XIV e também da
época de propagação da doutrina protestante.
I.3.3 A Doutrina da Investidura Providencial
Essa teoria apenas admite a origem divina do poder, fazendo da investidura
do poder aos governantes uma obra dos homens, e não de Deus. Nesse caso, o poder vinha de
Deus, mas era entregue aos governantes pelos próprios políticos da época.
I.4 AS DOUTRINAS DEMOCRÁTICAS
De acordo com as teorias democráticas, o poder não emana de Deus, e sim
do povo. A primeira fase das teorias democráticas aponta o povo como titular da soberania.
Numa segunda fase, que emergiu no período da Revolução Francesa e teve peso sobre os
pensamentos políticos do século XIX e início do século XX, a nação, e não mais o povo em
si, passa a ser a titular da soberania. Por fim, numa terceira fase das teorias democráticas, o
titular da soberania passa a ser o Estado, idéia esta que ainda mantém grande prestígio dentre
os doutrinadores deste século. São doutrinas democráticas:
I.4.1 A Doutrina da Soberania Popular
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É esta, sem dúvida, a mais democrática de todas as doutrinas. Segundo
Rousseau e seus seguidores intelectuais, a soberania popular é a própria soberania do Estado
fragmentada em porções que pertencem a cada indivíduo que, como membro do Estado e
detentor da parcela do poder soberano que lhe cabe, deve participar ativamente da escolha dos
governantes. Foi a partir dessa doutrina que nasceram as idéias de igualdade política e
sufrágio universal.
I.4.2 A Doutrina da Soberania Nacional
Na doutrina da soberania nacional, a Nação surge como única e exclusiva
titular da soberania, exercida por meio de seus representantes. A Nação emerge como uma
entidade abstratamente personificada, cujas vontades sobrepõem-se às vontades individuais
daqueles que a compõem. Essa doutrina surgiu na época da revolução francesa e dominou
quase todo o direito político da França pós-revolucionária.
I.5 O QUE VEM A SER SOBERANIA?
I.5.1 Sob os Aspectos Político e Jurídico
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É importante que se tenha uma visão geral dos vários entendimentos acerca
do que vem a ser soberania. Inicialmente, considere-se que há autores que a definem como
uma qualidade do poder do Estado e outros como o próprio poder.
Na concepção normativista de Hans Kelsen, a soberania é a expressão da
unidade de uma ordem. Na visão de Miguel Reale e Heller, ela é uma qualidade essencial do
Estado e, ainda, para George Jellinek, ela é uma qualidade fundamental do poder do Estado.
Observa-se que o conceito de soberania está sempre ligado à idéia de poder;
no entanto, há uma evolução deste conceito, que mantinha um cunho eminentemente político
e passou a englobar uma análise jurídica de sua natureza.
Os conceitos meramente políticos trazem a soberania como o poder absoluto
de impor determinações. Não há, nestes conceitos, a preocupação de se ter um poder legítimo,
bastando que ele seja absoluto.
Os conceitos, puramente, jurídicos entendem a soberania como o poder
legítimo de decidir quanto às normas a serem seguidas por um Estado. Seria um poder estatal
utilizado para a eficácia do Direito.
Há, também, uma terceira corrente de doutrinadores, de cunho culturalista,
que conceituam soberania tanto sob o ângulo político quanto jurídico. De acordo com essa
corrente, a soberania não pode, meramente, representar a força de um Estado, como também
não pode limitar-se ao Direito, pois o Estado compreende fenômenos jurídicos, sociais e
políticos.
Miguel Reale5, em sua obra “Teoria do Direito e do Estado”, traz uma
brilhante definição de soberania, entendendo-a como “o poder de organizar-se juridicamente e
de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas decisões nos limites dos fins
5 REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. p. 127
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éticos de convivência”6. (apud DALLARI 2001, p. 80). Para Reale, portanto, a soberania não
é uma mera expressão do poder e tampouco se restringe às atribuições das normas jurídicas.
Conclui-se, portanto, que o conceito de soberania, apesar de ter sido gerado
dentro de uma visão puramente política, já se encontra adaptado a parâmetros jurídicos, pois a
soberania tida como o poder político, sem qualquer preocupação quanto à legitimidade do
mesmo, poderia significar o uso arbitrário da força com o fim de justificar a injusta imposição
das razões de um Estado perante seu povo ou perante outros Estados. Segundo Dalmo de
Abreu Dallari, “Como é natural, e os fatos o comprovam constantemente, é absurdo pretender
que a soberania tenha perdido seu caráter político, como expressão de força, subordinando-se
totalmente a regras jurídicas. Entretanto, sua caracterização como um direito já tem sido útil,
quando menos para ressaltar o caráter antijurídico e injusto da utilização da força
incondicionada, para a solução de conflitos de interesses dentro de uma ordem estatal ou entre
Estados, contribuindo para a formação de uma nova consciência, que repudia o uso arbitrário
da força”7.
I.5.2 Sob os Aspectos Interno e Externo
A soberania é vista, por grande parte dos estudiosos, como um conceito
histórico e relativo. Histórico, porque surgiu juntamente com o Estado Moderno, tendo sido
desconhecido na Antigüidade, como mostra o exemplo da polis, na Grécia. Relativo, pois a
soberania pode ser estudada tanto sob a ótica do direito positivo interno, quanto sob a ótica do
ordenamento internacional.
6 DALLARI, op. cit., p. 80 7 DALLARI, op. cit., p. 84
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Sob o ponto de vista interno, a soberania é um elemento essencial do
Estado. É necessário que, no ordenamento estatal, haja uma superioridade do poder do Estado
sobre todos os demais poderes sociais. A soberania exercida, internamente, consiste na
supremacia do poder estatal sobre todos os demais poderes, num determinado território. O
Estado, para existir e ser caracterizado em sua essência precisa ser portador de uma vontade
soberana – a suprema potestas – exigida pela própria função do ordenamento político que
rege a sociedade.
Internamente, portanto, a soberania significa um poder superior a qualquer
outro. Mesmo que haja grupos sociais dotados de competência e autonomia para exercerem
determinadas funções inerentes ao Estado, estes nunca poderão ter poder igual ou superior ao
poder estatal.
Sob o ponto de vista externo, a soberania demonstra a independência do
Estado dentro do contexto global, uma vez que nenhum poder é superior à soberania estatal,
podendo apenas igualar-se a ele.
Para alguns doutrinadores, é apenas uma qualidade do poder, da qual o
Estado pode ou não usufruir, o que é arriscado dizer, pois, nesse caso, admite-se a idéia de
existirem tanto Estados soberanos como Estados não soberanos. Segundo Paulo Bonavides,
por exemplo, o Estado não existe sem o exercício do poder soberano interno; no entanto, pode
existir sem que haja a manifestação da soberania perante outros Estados.
É certo que a soberania continua sendo invocada pelos dirigentes dos
Estados como um sinônimo de independência e expressão de uma supremacia jurídica. Ao
mesmo tempo em que o Estado tem o poder e os meios de fazer cumprir sua vontade, dentro
dos limites de sua jurisdição, tem o dever de respeitar os outros Estados, na medida em que
estes também são soberanos em seus atos políticos, sociais e jurídicos. Desta forma, quando
um Estado mais forte impõe, arbitrariamente, sua vontade a outro mais fraco, há a violação de
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soberania, caracterizando um comportamento antijurídico que pode não ser punido de
imediato pela falta de meios para tanto, mas que mesmo assim, continua sendo ilegítimo.
É fácil identificar que o conceito de soberania sempre esteve atrelado à
realidade histórica do período em que se o analisa. Na época das monarquias absolutistas, o
conceito de soberania era absoluto; mas, atualmente, com o processo da globalização, o
conceito de soberania já não possui esse mesmo caráter.
Nos dias de hoje, um Estado não vive mais isolado do mundo. Economias
fechadas dificilmente obtêm crescimento e o capitalismo tornou-se, praticamente, uma
imposição. A interdependência econômica entre os Estados e a formação dos grandes blocos
econômicos têm levado a uma flexibilização do conceito de soberania, pois um Estado não
pode mais ditar suas regras sem observar as regras do grupo econômico ao qual pertence.
A expansão do direito internacional tem exigido a relativização do conceito
de soberania. Para que haja a construção e evolução de uma ordem internacional, é necessário
que a coexistência dos Estados soberanos venha acompanhada de cooperação entre estes
Estados e da subordinação dos mesmos a normas internacionais.
Conforme o entendimento de Paulo Bonavides, os internacionalistas temem
determinados aspectos do princípio da soberania, pois vêem o poder soberano como um
obstáculo à concretização da comunidade internacional, à positivação do direito internacional,
à transformação de um direito meramente baseado em fundamentos éticos e morais em um
direito internacional positivo.
O fato é que o conceito de soberania é, até hoje, objeto de controvérsias
dentre os estudiosos do Direito, cientistas políticos, filósofos e internacionalistas. Em torno
deste conceito giram inúmeras teorias, o que dá margem a distorções ditadas pela
conveniência de alguns Estados. Não é possível solidificar-se um conceito em meio às
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inúmeras transformações político-sociais que a sociedade sofre, a cada dia. Com a mudança
do entendimento de soberania, muda, também, o entendimento de Estado e, por conseguinte,
o entendimento do próprio Direito, na sociedade.
I. 6 TRAÇOS CARACTERÍSTICOS DA SOBERANIA
Inicialmente, cumpre fazer algumas considerações gerais sobre a relação
entre soberania e Estado.
O conceito fático de Estado nasceu na Antigüidade, com a polis grega e a
civitas romana. A palavra Estado deriva do latim status, que traduz a idéia de “estar firme”, e
foi utilizada, pela primeira vez, com sentido político, por Nicola Maquiavel, no século XVI,
em sua obra “O Príncipe”.
Para existir, um Estado deve possuir quatro elementos essenciais: território,
população e governo, no plano político-social; e soberania, no plano jurídico. A soberania é,
sem dúvida alguma, um dos elementos básicos essenciais à própria existência do Estado.
Justamente, por isso, o fato de haver mudanças quanto ao conceito de soberania, implica
também mudanças no que tange ao conceito de Estado, pois um é elemento formador do
outro. O que se entendia por Estado, na Antigüidade, certamente, já não é o que se entende
por Estado, hoje.
É interessante, também, diferenciar as expressões soberania do Estado e
soberania no Estado. A expressão soberania do Estado traz à luz a superioridade deste
ordenamento sobre os demais grupos sociais. Já, a expressão soberania no Estado refere-se ao
elemento do poder estatal que o diferencia dos demais poderes.
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Feitas estas breves considerações, cumpre comentar os traços característicos
da soberania que, segundo a maioria dos autores, são: unicidade, indivisibilidade,
inalienabilidade, irrevogabilidade e perpetuidade. De acordo com a teoria de Bodin, todas
essas características são enfatizadas com a afirmação de que a soberania é um poder supremo
e incontrastável.
A soberania é una, porque não pode existir mais de um poder superior, ou
estes deixariam de ser superiores, por coexistirem. É indivisível, porque se aplica a todos os
fenômenos jurídicos, sociais e políticos do Estado. É inalienável, por ser elemento essencial
daquele que a detém, seja o Estado, o povo ou a nação. E, por fim, é imprescritível, porque
não seria um poder, verdadeiramente, superior, caso houvesse um prazo de duração para o
mesmo.
Marco Tullio Zanzucchi, em sua obra “Istituzioni di Diritto Pubblico”,
aponta, ainda, que a soberania é um poder originário, pois nasce juntamente com o Estado;
incondicionado, pois só podem ser impostos limites ao mesmo poder pelo próprio Estado; e
coativo, pois o Estado não apenas detém o poder, mas também os meios para fazer cumprir
suas determinações.
I.7 SOBERANIA E O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO
Como disciplina autônoma das ciências jurídicas, o direito internacional
surgiu por meio das obras de Hugo Grócio, segundo o qual existem leis que buscam
beneficiar a vários Estados, simultaneamente, sendo o conjunto de tais leis o próprio direito
internacional.
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O impulso para o surgimento do direito internacional público foi o período
da Segunda Guerra Mundial, pois com a expansão das idéias socialistas, a necessidade de uma
ordem internacional tornou-se, cada vez mais, presente. As regras jurídicas internacionais
emergiram como a melhor forma de solucionar os conflitos mundiais, prezar pela paz e, ainda,
dar maior segurança às relações internacionais, incentivando os investimentos externos e
contendo, desta forma, o crescimento da doutrina socialista.
Hoje, é evidente que para a efetiva construção de uma ordem internacional,
juridicamente sustentável, é preciso que se abandone a original concepção de soberania
absoluta, intransmissível, imprescritível, inalienável e indivisível. Este conceito clássico não
se adapta à realidade atual, em que a soberania precisa dar vazão à subordinação dos Estados
em relação aos organismos internacionais.
A reflexão sobre a soberania, dentro do atual contexto de um Direito entre
as nações, dá margem à seguinte indagação: como pode haver um direito internacional, se
todos os Estados forem soberanos e não houver poder acima deles?
No entendimento de Oliveiros Litrento8:
[...] a sociedade internacional não está organizada segundo o princípio da subordinação a uma autoridade superior aos seus membros, porquanto a soberania a isto não se submete, ou seja, os Estados soberanos, que compõem a sociedade internacional, não declinam de seu poder soberano.9 (apud LUPI, 2004, p. 101)
A idéia de soberania no contexto político interno de uma nação, em que não
há poder igual ou superior ao poder do Estado, quando analisada, paralelamente à noção de
um direito internacional, pode levar ao entendimento de que as normas de direito
internacional nunca estão acima do direito positivo interno e de que o direito internacional
8 LITRENTO, Oliveiros. Curso de Direito Internacional Público. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 39 9 LUPI, André Lipp Pinto Basto. Soberania e Direito Internacional Público. In: Soberania: Antigos e Novos Paradigmas – Adrian Sgarbi...{et.al.}. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004, p. 101
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seria apenas um direito de coordenação, visto que os Estados soberanos não podem ser
subordinados a qualquer poder superior.
No que diz respeito ao tema, alguns doutrinadores entendem que a soberania
no direito internacional caracteriza-se pela não subordinação entre os Estados. Nesse sentido,
Roberto Luis da Silva observa que “a soberania externa caracteriza-se por não haver
dependência nem subordinação de um Estado ao outro em suas relações recíprocas, devendo
haver igualdade”. 10 (apud LUPI, 2004, p. 103)
Interessante, também, citar a concepção de José Francisco Rezek11, segundo
a qual deve haver uma soberania horizontal dentro da ordem jurídica internacional, necessária
à manutenção do interesse coletivo:
[...] Identificamos o Estado quando seu governo – ao contrário do que sucede com o de tais circunscrições (municípios e províncias federadas) – não se subordina a qualquer autoridade que lhe seja superior, não reconhece, em última análise, nenhum poder maior de que dependam a definição e o exercício de suas competências e só se põe de acordo com seus homólogos na construção da ordem internacional, e na fidelidade aos parâmetros desta ordem a partir da premissa de que aí vai um esforço horizontal e igualitário de coordenação no interesse coletivo. Atributo fundamental do Estado, a soberania o faz titular de competências que, precisamente porque existe uma ordem jurídica internacional, não são ilimitadas; mas nenhuma outra entidade as possui superiores. 12 (apud LUPI, 2004, p. 104)
Tem prevalecido, na literatura contemporânea, a opinião de que a soberania é
relativa e limitada, fundamentando a idéia de que, atualmente, com o aumento da
interdependência entre os Estados, imprescindível se faz a cooperação entre os mesmos, não
apenas em prol da construção de uma ordem jurídica internacional, mas, também, pela própria
necessidade de crescimento econômico e desenvolvimento social que estes Estados possuem.
10 Ibid., p. 103 11 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 7. ed., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 226 12 LUPI, op. cit., p. 104
18
É importante lembrar que o conceito de soberania está positivado em alguns
tratados internacionais como, por exemplo, na Carta da Organização das Nações Unidas, que,
no artigo 2.1, declara o princípio da igualdade soberana dos Estados, dando reconhecimento à
igualdade formal dos mesmos.
A relativização do conceito de soberania frente ao processo de construção
do direito internacional é um assunto polêmico, que dá margem a uma série de interpretações.
Uma breve análise acerca do tema, no entanto, deixa claro que a radicalização, nesse caso,
não é coerente. Desta forma, convém entender que o direito internacional pode, com certeza,
coexistir com a soberania, uma vez que não se ocupa de interferir nas normas de direito
interno que não lhe afetem. Um Estado soberano tem competência única e exclusiva para
decidir assuntos pertinentes à sua autodeterminação, no âmbito de seu território e tem, no
ordenamento internacional, um horizonte de oportunidades que, se bem exploradas pelo
governante, podem resultar em um avanço nos aspectos político, econômico e,
principalmente, social.
I.8 DISTINÇÃO DE DUAS ACEPÇÕES DE SOBERANIA: AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA
Analisando-se as várias concepções do termo soberania e sua correlação
com o direito internacional, sobressaem duas acepções: uma, que está ligada à idéia de
independência, e a outra, que está ligada à idéia de autonomia.
A soberania, como característica formadora da personalidade jurídica do
Estado, está intimamente atrelada à independência, pois Estados que exercem a sua soberania
no âmbito internacional são Estados independentes, o que não significa que não sejam
subordinados às normas de direito internacional, muito pelo contrário, “a independência é a
condição normal dos Estados de acordo com o Direito Internacional”, como bem leciona
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Dionisio Anzilotti, na opinião consultiva da Corte Permanente de Justiça Internacional sobre a
União Aduaneira entre a Alemanha e a Áustria. Um Estado independente, portanto, não
depende de qualquer outro Estado, embora possa sujeitar-se a normas internacionais. (No
original: “Independence as this understood is really no more than the normal condition of
States according to international law; it may also be described as sovereignty (suprema
potestas), or external sovereignty by which is meant that the State has over it no other
authority than that of international law)”13.
Quanto à autonomia, pode-se dizer que a expansão do Direito Internacional
faz diminuir a autonomia do Estado soberano na criação do direito positivo interno, quando há
normatização acerca da mesma matéria pelos dois ordenamentos jurídicos (pelo interno e pelo
internacional). A liberdade de ação do Estado acaba, de certa forma, sendo restringida pelo
direito internacional, se houver sujeição ao mesmo por parte deste Estado.
Como já foi mencionado, para existir, um Estado deve possuir: território,
população e governo, no plano político-social; e soberania, no plano jurídico. A autonomia,
como acepção do elemento soberania, portanto, é também uma condição de existência do
Estado, uma vez que um Estado sem qualquer liberdade de ação, totalmente submisso a outro
ordenamento, deixa de ser, de existir, em sua natureza.
A independência pode ser tida como o aspecto formal da soberania, e a
autonomia, como o aspecto material. A independência está presente em relação aos outros
Estados e pode, ou não, existir em determinadas relações internacionais, ao passo que a
autonomia é gradativa, podendo ser o Estado mais ou menos soberano, na medida em que
possui maior ou menor autonomia.
13 The opinions of Judge Dionisio Anzilotti at the Permanent Court of International Justice. European Journal of International Law. Vol. 3-1, 1992, p. 121. Disponível em www.ejil.org. Acesso em 05/05/2001
20
Para Celso de Albuquerque Mello14:
[...] a soberania tem um aspecto interno e um aspecto externo. O primeiro se manifesta nos diferentes poderes do Estado: no Legislativo, no Executivo e no Judiciário. Ele é a consagração do direito de autodeterminação, isto é, o direito do Estado de ter o governo e as leis que bem entender sem sofrer interferência estrangeira. O aspecto externo é o direito à independência que se manifesta no direito de convenção; direito à igualdade política; direito de legação; direito ao respeito mútuo.15 (apud GUERRA, 2004, p. 329)
As noções de independência e de autonomia são necessárias à compreensão
do Estado como sujeito de direito internacional dotado de capacidade para o exercício de suas
razões, pois mesmo que a limitação à autonomia política de um Estado não afete a sua
independência, um mínimo de autonomia é imprescindível para que haja a independência e o
pleno exercício da soberania.
I.9 SOBERANIA E O PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO
I.9.1 Breve Noção Histórica Acerca do Processo de Globalização
Não há um marco inicial claramente definido para o processo de
globalização. Ela é resultado do caminhar da História e gera polêmica até no que tange à
nomenclatura mais adequada que a defina.
Desde a Antiguidade, diversos povos já expandiam seus territórios e
buscavam conquistas muito além de suas fronteiras. Os persas, os gregos e, posteriormente, os
romanos foram exemplos de povos que construíram grandes impérios.
14 MELLO, Celso D. de Albuquerque. A soberania através da história. Anuário: direito e globalização: a soberania. 9. ed. São Cristóvão-RJ: Renovar, 1999, p. 17 15 GUERRA, Sidney. Soberania e Globalização: o fim do Estado-Nação? In: Soberania: Antigos e Novos Paradigmas – Adrian Sgarbi...{et.al.}. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004, p. 329
21
Nos séculos XV e XVI, com as grandes navegações, as conquistas de
Portugal e Espanha já se revestiam de interesses econômicos, como demonstra o surgimento
do capitalismo mercantil na Europa e a busca por matérias-primas e mercados consumidores,
nas chamadas colônias de exploração.
A Revolução Industrial do século XVII proporcionou o desenvolvimento da
França, Inglaterra, Holanda e, já no século XIX, da Bélgica, Itália, Alemanha, Estados Unidos
e Japão, ocasionando a onda do que se chamou de neocolonialismo, quando foram
partilhadas, a Ásia, África e Oceania. O imperialismo neocolonialista desembocou na
Primeira Guerra Mundial, ocasião em que foi globalizada a luta armada.
Com a Segunda Guerra Mundial, a globalização andou a passos largos. Os
planos de reconstrução chegaram às economias da Europa e da Ásia e os Estados Unidos
emergiram como potência mundial.
Em 24 de outubro de 1945, foi assinada a Carta das Nações Unidas, ocasião
em que passou a existir a ONU – Organização das Nações Unidas, que até os dias de hoje
exerce papel fundamental na consagração dos direitos humanos, da autodeterminação dos
povos e da solidariedade dentro do contexto internacional.
A difusão das idéias socialistas pelo mundo deu início à chamada Guerra
Fria e fomentou o processo de descolonização da África e da Ásia. Conseqüentemente, novos
atores entraram no cenário global e a desigualdade social entre os Estados acentuou-se, cada
vez mais.
A partir da década de 1960, começaram a crescer as empresas transnacionais
e as relações econômicas interestatais expandiram-se, consideravelmente.
Finalmente, a partir da década de 1980, teve início a maior onda da
globalização que já se conheceu. Com uma rapidez tremenda e com a ajuda da contínua
22
modernização tecnológica, o mundo foi, literalmente, conectado entre seus Estados. A
globalização passou a ser o centro dos debates políticos até mesmo nos países de economia
mais fechada, que sentiram a dificuldade de se manterem isolados no mundo.
Atualmente, a globalização continua crescendo em um ritmo
excepcionalmente acelerado, interligando cada vez mais os Estados por meio da mídia; da
política externa; da recente criação de um mercado de trabalho global, com um grande
número de atividades econômicas conduzidas por empresas e indivíduos de países
estrangeiros; enfim, por meio dos vários vôos alçados pelo homem nesta era de modernidades
e que o levam a novas conquistas e à invisível, porém real, expansão de suas fronteiras.
I.9.2 A Degradação do Conceito de Soberania
Nos dias atuais, praticamente, todos os países do globo têm sofrido as
conseqüências da globalização, seja de forma direta ou indireta. Alguns são protagonistas do
fenômeno, outros são coadjuvantes e, outros, ainda, são apenas anexos neste processo.
Na visão de Octavio Ianni16:
[...] a globalização do mundo expressa um novo ciclo de expansão do capitalismo, como modo de produção e processo civilizatório de alcance mundial. Um processo de amplas proporções envolvendo nações e nacionalidades, regimes políticos e projetos nacionais, grupos e classes sociais, economias e sociedades, culturas e civilizações. Assinala a emergência da sociedade global, como uma totalidade abrangente, complexa e contraditória. Uma realidade ainda pouco conhecida, desafiando práticas e ideais, situações consolidadas e interpretações sedimentadas, formas de pensamento e vôos da imaginação.17 (apud GUERRA, 2004, p. 336)
E, ainda, o autor lembra que:
16 IANNI, Octavio. A era do globalismo. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997, p. 7 17 GUERRA, op. cit., p. 336
23
[...] de maneira lenta e imperceptível desaparecem as fronteiras entre os três mundos, modificam-se os significados das noções de países centrais e periféricos, do norte e sul, industrializados e agrários, modernos e arcaicos, ocidentais e orientais. Literalmente, embaralha-se o mapa do mundo, umas vezes parecendo reestruturar-se sob o signo do neoliberalismo, outras parecendo desfazer-se no caos, mas também prenunciando outros horizontes.18 (apud GUERRA, 2004, p. 336)
De maneira mais rápida do que nunca, os conceitos de Estado e soberania
têm mudado. O Estado já não pode mais se preocupar apenas com a política interna que
almeja o bem-estar de seus cidadãos. Todo país tem, hoje, o compromisso de pensar na
sociedade global, de se voltar para as problemáticas que atingem os demais Estados.
Quanto à questão da soberania, cabe perguntar, levando-se em consideração
a idéia de uma sociedade global, analisando-se a crescente interdependência econômica entre
os Estados e a expansão das relações internacionais, em que aspectos estaria o conceito de
soberania ultrapassado.
De acordo com o entendimento de Otávio Ianni19:
[...] juntamente com a expansão das empresas, corporações e conglomerados transnacionais, articulada com a nova divisão transnacional do trabalho e a emergência das cidades globais, verifica-se o declínio do Estado-nação. Parece reduzir-se o significado da soberania nacional, já que o Estado-nação começa a ser obrigado a compartilhar ou aceitar as decisões e diretrizes provenientes de centros de poder regionais e mundiais.20 (apud GUERRA, 2004, p. 330)
I.9.3 O Princípio da Não-intervenção Dentro do Contexto Histórico Atual
Desde o início de 1980, as mudanças no contexto global têm sido, cada vez
mais, evidentes: as organizações internacionais ganharam maior espaço, aumentou
sobremaneira o número de organizações não-governamentais, o transnacionalismo
18 GUERRA, loc. cit. 19 IANNI, op. cit., p. 13 20 GUERRA. Op. cit., p. 330
24
empresarial ganhou impulso com os avanços tecnológicos, os governos passaram a investir
mais na política externa, enfim, o mundo encontra-se em meio a um processo de metamorfose
acelerada.
É certo, também, que os valores comuns difundiram-se, largamente, devido
à evolução do direito internacional, à expansão da mídia e ao desenvolvimento dos meios de
comunicação. Quando ocorrem grandes crimes em um Estado, esta informação é repassada,
quase que imediatamente, aos demais Estados e a humanidade toda se sente agredida e, em
parte, responsável. Há, em todo o mundo, a consciência de que existe um padrão de
comportamento, um standard mínimo que deve ser respeitado nos limites de qualquer nação.
Os direitos humanos e ambientais constituem o fulcro temático desta nova realidade, em que a
colaboração de todos os Estados tornou-se essencial à manutenção da qualidade de vida no
espaço global.
Interessante citar a reflexão de Ricardo Seitenfus sobre o tema:
[...] Mergulhado em crises e dúvidas, faltou ao homem contemporâneo, entre outras, a resposta para o dilema fundamental das relações entre os dois mundos separados pela radical geografia da pobreza. Tanto a testemunha ocular de brutais violações dos direitos fundamentais, como o mais distante e rico cidadão do Hemisfério Norte, perguntam-se hoje: é preciso intervir militarmente num Estado cuja lógica dominante o leva a assassinar seus próprios nacionais ou é preciso que cada país tenha direito à sua própria guerra?21
O autor comenta, ainda, que:
[...] escondidos por detrás do princípio da soberania, os diferentes Estados detêm permissão para torturar, executar, provocar desaparecimentos forçados e utilizar-se das prisões sem julgamento para afastar aqueles que contestam. Por conseguinte, a solidariedade somente pode materializar-se caso intervenha nos assuntos ditos internos dos Estados.22
21 STEINFUS, Ricardo. Soberania e Intervenção: o Embate da Ordem Internacional Contemporânea. In: Soberania: Antigos e Novos Paradigmas – Adrian Sgarbi...{et.al.}. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004, p. 283 22 Ibid., p. 234
25
Com exceção do período de Gorbatchev (1986-1992), o sistema de soluções
de conflitos mundiais estabelecido pela ONU nunca foi eficaz. O mundo vive em guerra
diariamente. A ausência de uma guerra mundial nunca pode ser confundida com um período
de paz. As guerras civis e militares por todo o mundo somam uma quantia sobre a qual a
ONU não tem qualquer controle, nem capacidade para intervir.
O princípio da não-intervenção em assuntos internos dos outros Estados é
predominante na cena internacional, tendo-se em vista o princípio da soberania. A não-
intervenção é um princípio, muitas vezes, explícito pelas próprias ordens jurídicas nacionais, a
exemplo do Brasil, e está implícito nas normas internacionais, como na Carta das Nações
Unidas.
I.9.4 A Consistência da Intervenção
É tênue a linha entre o relacionamento interestatal de comunhão de
interesses e a ingerência externa em assuntos de ordem interna. A ingerência, ou seja, a
imposição coercitiva de algo a um Estado não requer, necessariamente, o uso da violência.
Pode dar-se de maneira sutil, através de manobras políticas, por exemplo.
I.9.5 A Intervenção Segundo sua Finalidade
A intervenção se faz necessária, por exemplo, no caso de proteção aos
estrangeiros residentes em território instável. Aí, então, possui um caráter humanitário e
traduz, geralmente, o interesse de um Estado em proteger seus nacionais. Esse interesse deve
ser colocado acima da soberania do Estado objeto da intervenção, visto que preza por direitos
superiores, como os direitos humanos.
26
I.9.6 Assistência Humanitária
Alarmantes catástrofes que atingem a população civil de todo o mundo
sempre existiram; mas, não com a dimensão de hoje. A multiplicação das formas de
extermínio e o alastramento da violência em todo o mundo conduziram à criação do Comitê
Internacional da Cruz Vermelha e, posteriormente, à assinatura dos Protocolos de Genebra,
que buscam um mínimo de humanidade em meio a situações caóticas.
A partir dessas experiências, surgiram inúmeras Organizações Não-
Governamentais e entidades privadas vinculadas às mesmas, que procuram atuar em socorro
das vítimas de guerras e catástrofes.
27
II. DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO
II.1 CONCEITO DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO
De maneira bastante simples, o direito internacional público pode ser
definido como sendo o conjunto de normas originado fora da jurisdição interna de cada
Estado, como resultado da integração entre eles. Há, no entanto, uma série de definições para
o direito internacional público, as quais variam de acordo com as correntes adotadas pelos
diversos estudiosos dessa área. Díez de Velasco23, por exemplo, tomando por base os aspectos
materiais e formais do direito internacional, o definiu como:
[...] um sistema de princípios e normas que regulam as relações de coexistência e de cooperação, freqüentemente institucionalizadas, além de certas relações comunitárias entre Estados dotados de diferentes graus de desenvolvimento socieconômico e de poder24. (apud SILVA e ACCIOLU, 2002, p. 3)
Seguindo a mesma linha de raciocínio, no entanto, de forma mais concisa,
Celso Mello25 afirma que o direito internacional “é o conjunto de regras que determinam os
direitos e os deveres respectivos do Estado nas suas relações mútuas”26. (apud MOON JO, p.
40)
Jorge Americano27, seguindo uma outra direção, refere-se ao direito
internacional tendo em mente o seu objeto. O estudioso entende que “o objeto do direito
internacional é o estabelecimento de segurança entre as Nações, sobre princípios de justiça
23 DÍEZ, Manuel de Valasco. Instituciones de derecho internacional público. 10. ed. Madrid, 1994, p. 99 24 SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento; ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. 15. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 3 25 MELLO, op. cit., p. 63 26 MOON JO, Hee. Introdução ao Direito Internacional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, p. 40 27 AMERICANO, Jorge. O novo fundamento do direito internacional. São Paulo: 1945.
28
para que dentro delas cada homem possa ter paz, trabalho, liberdade de pensamento e de
crença”28.
Hoje, é, praticamente, unânime o entendimento de que o principal objeto do
direito internacional é a manutenção de relações internacionais pacíficas. O bem comum da
sociedade é secundário e derivado.
Todavia, a tendência dos doutrinadores tem sido definir o direito
internacional a partir do entendimento de quem são os sujeitos deste mesmo direito. Até o
final do século XIX, os Estados eram os únicos a serem reconhecidos como sujeitos do direito
internacional. Posteriormente, também foi atribuída personalidade jurídica internacional às
organizações intergovernamentais e, recentemente, tem-se admitido, com muita restrição, a
personalidade jurídica internacional do homem. É, ainda, importante lembrar que as
organizações internacionais, passaram a serem citadas como sujeitos de direito internacional
após a primeira grande guerra, com a criação da Liga das Nações.
Quanto à questão de o homem ser ou não sujeito de direito internacional há
grandes controvérsias. Vários internacionalistas têm se dedicado ao estudo deste aspecto, e,
alguns entendem que o direito internacional deve alcançar, imediatamente, os Estados que,
possuindo personalidade jurídica internacional, podem reconhecer os direitos do homem.
Outros entendem que o direito internacional deve ter como primazia a proteção dos direitos
fundamentais do homem, o qual deve possuir capacidade para agir no direito internacional.
Finalmente, convém mencionar alguns aspectos das normas internacionais
contemporâneas, que, segundo Hee Moon Jô:
[...] são compostas por três partes, conforme seu campo de aplicação. Podem ser normas que regem as relações públicas entre os Estados e/ou organizações internacionais no campo internacional, podem ser normas que regem as relações entre Estados/organizações internacionais e entidades
28 SILVA; ACCIOLY, loc. cit.
29
privadas, e ainda podem ser normas que regem as relações privadas das pessoas, aplicáveis principalmente por meio da internalização das normas internacionais29.
Com o processo de globalização e internacionalização das relações privadas,
há uma necessidade, cada vez maior, de se aplicarem normas internacionais, o que tem feito
do direito internacional matéria cada vez mais importante, essencial à realidade hodierna.
II.2 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DO DIREITO INTERNACIONAL
A maior parte dos estudiosos do direito internacional nega sua existência, na
Antigüidade. Henry Wheaton, por exemplo, considera o surgimento do direito internacional a
partir da Paz de Vestefália. Louis Lê Fur acredita que o direito internacional provenha do
cristianismo e, dentre os autores mais recentes, Mário Giuliano, adota, como referência para o
nascimento desta ciência jurídica, o século XVI.
Há, portanto, controvérsias no que diz respeito ao nascimento do direito
internacional; mas, os fatores que contribuíram para tanto podem ser estudados desde a
Antiguidade, a partir de dados históricos ligados aos primeiros indícios da caracterização do
direito.
É fato que, na Antigüidade, cada continente, ou cada região de um
continente era um mundo à parte. Quase não havia comunicação entre os povos, e as
diferenças culturais e sociais entre os continentes formavam verdadeiros abismos entre os
mesmos. Evidentemente, não havia um direito internacional ou qualquer possibilidade de se
contemplar uma universalidade.
29 MOON JO, op. cit., p. 42
30
Na Grécia e em Roma, devido a aspectos políticos, o direito desenvolveu-se
com maior rapidez; no entanto, era ainda um direito interno, necessário para contornar os
problemas decorrentes das guerras, das invasões e conquistas praticadas na época,
principalmente, pelo poderio militar do império romano.
Com o advento do Cristianismo, as idéias de igualdade e fraternidade foram
ganhando espaço e alguns princípios jurídicos do jus inter gentes começaram a se
desenvolver.
Ao final da Idade Média, no século XV, houve a queda do sistema
medieval, o enfraquecimento do poder da Igreja e o aparecimento dos Estados soberanos. Tais
Estados adotaram a teoria da soberania absoluta. Estabeleceram-se, então, relações entre estes
Estados, o que se chamou de sistema internacional interestatal. Nesse sistema, o direito
internacional significava a lei que regia as relações entre os Estados e cuja formação se dava
pelo consentimento, explícito ou tácito, dos mesmos. Interessante citar que a interpretação
destas leis também era feita pelos próprios Estados, ao passo que não havia uma instituição
superior que coordenasse as relações internacionais.
É inegável que o descobrimento da América, no final do século XV, foi um
incentivo a mais para o desenvolvimento do direito internacional, pois surgiu a necessidade de
se regularem as relações entre os Estados independentes europeus e os povos americanos. A
partir de então, o direito internacional público começou a surgir como ciência jurídica.
No dia 24 de outubro de 1648, foi assinado o primeiro tratado de direito
internacional da história; o Tratado de Vestefália, que pôs fim à Guerra dos Trinta Anos na
Europa (1618-1648). Este tratado marcou o início de uma nova era para o direito internacional
e, a partir dele, o princípio da igualdade jurídica dos Estados passou a servir como base para o
sistema de relações internacionais que se estruturava.
31
Por três anos houve negociações em Münster e em Osnabrücke, sendo que
os tratados concluídos nestas cidades foram reunidos no Ato Geral de Vestefália, em Munster,
no dia 24/10/1648.
Algumas das decisões mais importantes deste tratado, e que refletem o
desenvolvimento do direito internacional, foram: a criação de novos Estados; a independência
dos Países-Baixos (Holanda e Bélgica); e a incorporação da Alsácia à França. Foi a Paz de
Vestefália que colocou fim ao Sacro Império Romano Germânico e deu início ao
imperialismo francês.
Esse novo período do direito internacional foi, fortemente, marcado pelas
obras de Hugo Grócio, doutrinador holandês, que viveu entre 1583 e 1645. Sua obra De jure
belli ac pacis, em especial, serviu de inspiração à elaboração do Tratado de Vestefália.
No início da Idade Contemporânea, a Revolução Francesa contribuiu para as
unificações alemã e italiana, no século XIX. Por intermédio da Revolução, houve também a
proibição da guerra de conquista e a consagração do princípio da nacionalidade.
Em 1815, o Congresso de Viena declarou a queda de Napoleão, a partir do
estabelecimento de uma nova ordem política na Europa. Serviu de contribuição ao direito
internacional, pois proibiu o tráfico negreiro e declarou liberdade de navegação em
determinados rios, dentre outras medidas.
Já no final do século XIX, os países europeus exerciam grande influência no
mundo todo, inclusive mantendo várias nações sob sua dependência. Assim, o direito
internacional clássico foi, basicamente, o direito internacional europeu.
32
II.3 FORMAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL MODERNO
Somente após a Primeira Guerra Mundial foi que o direito internacional se
desvinculou de suas características européias originais e começou a se tornar,
verdadeiramente, universal. Até então, predominava o intervencionismo entre os Estados.
Posteriormente, em 1945, a Carta da ONU proibiu o uso da força e a intervenção nos assuntos
internos dos Estados (princípio da não-intervenção).
Entre os vários fenômenos do direito internacional moderno, têm-se a
proibição do uso da força militar e a manutenção da paz por meio da organização sistemática
da sociedade internacional.
O período da Guerra Fria foi bastante significativo para o direito
internacional. Nessa época, houve a ameaça de uma guerra nuclear no mundo, fenômeno que
levou o direito internacional a uma dimensão superior. Não só os espaços terrestres, mas,
também, a lua, as profundezas dos oceanos, todo o espaço aéreo e atmosférico passaram a ser
objeto de tratados assinados pela comunidade internacional.
A proteção do meio ambiente também passou a ser objeto de preocupação
do direito internacional. Como reflexo disso, em 1972, foi realizada, em Estocolmo, a
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, o que desencadeou uma série de
outros tratados concernentes a essa área.
Em 1989, realizou-se a primeira Conferência de Paz, de Haia, em que foi
criada a Corte Permanente de Arbitragem de Haia, visando a solução pacífica dos litígios
internacionais, bem como a humanização da guerra.
33
Como no século XX o direito internacional teve uma ampliação
extraordinária, atualmente, o maior desafio para essa ciência jurídica tem sido buscar meios
para a efetivação de suas tarefas.
É fato que os sistemas jurídicos nacionais, isoladamente considerados, não
comportam mais todos os problemas do mundo de hoje. Os grandes desastres naturais, as
guerras, o terrorismo, os problemas globais no meio ambiente, o tráfico internacional de
drogas, armas e pessoas, enfim, todas as questões de âmbito global, precisam e devem ser
reguladas por meio do direito internacional, ao qual devem ser oferecidas as ferramentas
adequadas para sua implementação.
34
III. SOCIEDADE INTERNACIONAL
Toda sociedade surge da necessidade ou conveniência de se estabelecerem
relações recíprocas entre os indivíduos. Assim também ocorre no domínio internacional, em
que passaram a existir relações entre os Estados, que só poderiam prosperar caso fossem
criadas normas que as regessem, o que determinou o nascimento do direito internacional.
O direito internacional, de forma bastante simples, pode ser visto como o
direito da sociedade internacional, que, por sua vez, é composta pelo conjunto de sociedades
nacionais. No período em que teve início a formação do direito internacional, essas
sociedades nacionais foram, jurídica e politicamente, representadas pelos Estados, que
convencionaram uma série de obrigações internacionais e promoveram a internalização dessas
obrigações aplicando-as aos seus respectivos cidadãos.
Desta forma, o direito internacional é predominantemente interestatal, pois
ainda carrega os resquícios da época em que os Estados eram os únicos sujeitos de direito
internacional.
Os Estados são, de fato, os sujeitos dominantes na formação do direito
internacional e na atuação em relações internacionais. As Organizações Internacionais são
criadas pela vontade dos Estados e, geralmente, dependem dos mesmos para a realização de
suas atividades. Os indivíduos, via de regra, gozam dos benefícios do direito internacional, a
partir da internalização das normas. Os Estados são os únicos que possuem capacidade
processual frente à Corte Internacional de Justiça, que podem ser membros da ONU e que
podem invocar ajuda do Conselho de Segurança. Os Estados são, portanto, os principais
atores do cenário internacional.
Interessante notar que o direito internacional moderno surgiu na Europa
Ocidental, na época de formação dos Estados Nacionais, tendo sido, portanto, um direito
35
predominantemente europeu. Segundo Carls Schmitt, no período compreendido entre os
séculos XVI e XX, se “considerava (sic) as nações cristãs da Europa como criadoras e
possuidoras de um ordenamento que era válido para toda a terra” e “o termo civilização era
equivalente a civilização européia”30.
A partir do século XX, as necessidades da sociedade internacional passaram
a exigir que os Estados deixassem de ser os únicos sujeitos de direito internacional e as
sociedades internacionais ganharam espaço no cenário global, assim como o próprio homem
assumiu maiores responsabilidades e compromissos dentro do sistema jurídico internacional.
Os direitos fundamentais se internacionalizaram e o Estado, bem como, as
organizações internacionais, passaram a ver no direito internacional um mecanismo de
proteção jurídica capaz de alcançar todos os seres humanos.
III.1 CARACTERÍSTICAS DA SOCIEDADE INTERNACIONAL
A sociedade internacional é aberta (basta existir para se fazer parte dela);
universal; paritária (todos são iguais, no sistema da sociedade internacional); horizontal (não
há hierarquia interna); e descentralizada (não existe um governo à frente desta sociedade).
Cumpre ressaltar que as constantes mudanças sofridas pela sociedade
internacional, no decorrer dos tempos, exigem uma certa flexibilização do conceito de direito
internacional. De acordo com Hee Moon Jô:
[...] primeiramente, o Direito Internacional deve ser visto simplesmente como o direito da sociedade internacional. Essa definição geral é mais segura e duradoura, dada a constante mudança e evolução da sociedade internacional. Em segundo lugar, o Direito Internacional reflete a necessidade da sociedade internacional contemporânea. Por isso, ele evolui constantemente de acordo com as mudanças das necessidades da sociedade. Em terceiro lugar o Direito Internacional, por ser ramo do direito, visa o bem
30 MELLO, op. cit., p. 35
36
comum da sociedade internacional, cujo benefício final direito e indiretamente deve ser o homem.31 (MOON JO, p. 44)
31 MOON JO, op. cit., p. 44
37
IV. FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL
São fontes do direito internacional todos os atos ou fatos capazes de originar
a norma jurídica. Como num rio, a fonte de onde brota a água corresponde à fonte formal do
direito e todos os fatores que contribuem para que brote a água daquele local constituem a
fonte material.
A fonte formal, então, refere-se à forma de existência atual da lei, a todos os
documentos ou pronunciamentos em que constam os direitos e deveres dos sujeitos
internacionais, enquanto a fonte material refere-se a todos os fenômenos e fatores de valor que
contribuem para a formação do conteúdo da lei, como, por exemplo, o costume da sociedade,
a moral, a tradição, a história, a cultura, etc.
Convém mencionar o artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de
Justiça, que contém uma relação das fontes do direito internacional, quais sejam: as
convenções internacionais; os costumes internacionais; os princípios gerais de direito
reconhecidos internacionalmente; e, em alguns casos, decisões judiciais e doutrina.
Ainda, o parágrafo 2o, do artigo 38, abre às partes a oportunidade de terem
uma questão resolvida ex aequo et bono, ou seja, pela aplicação da eqüidade, caso não exista
norma expressa regulando a matéria.
Durante séculos, a fonte mais importante do direito internacional foi o
costume, evoluído da prática dos Estados. A doutrina, também, é considerada fonte do direito
e tinha grande importância. Até 1960, as fontes do direito eram apenas costumeiras e
doutrinárias. Somente após 1960, quando houve uma expansão dos tratados, estes se tornaram
a principal fonte do direito internacional.
38
A Convenção de Viena, de 1969, é importantíssima fonte do direito
internacional, pois foi por intermédio dela que houve a codificação das regras costumeiras em
vários tratados.
39
V. SUJEITOS DE DIREITO INTERNACIONAL
No direito internacional, só eram considerados sujeitos capazes aqueles que
podiam firmar tratados – os que possuem o treaty making power. Os Estados e as
organizações internacionais têm o treaty making power, sendo que os Estados o possuem,
originariamente, e as organizações internacionais, de forma derivada.
As Convenções de Viena, de 1969 e de 1986, estabeleceram que o direito de
firmar tratados pode ser exercido por sujeitos de direito internacional e não somente pelos
Estados e organizações intergovernamentais.
O homem, no direito internacional, era somente objeto de direitos, pois não
tinha capacidade de agir. A partir de 1949, com o Tribunal de Nuremberg, o homem passou a
fazer parte de relações processuais dentro do direito internacional. O homem passou a ser um
sujeito processual, o que, segundo alguns estudiosos, o torna sujeito de direito internacional.
O fato é que o homem não tem o treaty making power; todavia, em algumas
relações, atua como sujeito de direito internacional.
Não são sujeitos de direito internacional as empresas e as ONGs. Ambas
estão ligadas ao ordenamento jurídico interno dos Estados.
40
VI. TRATADOS
VI.1 NOÇÕES GERAIS ACERCA DOS TRATADOS
Os tratados são atos internacionais bilaterais ou multilaterais. São a
principal fonte do direito internacional, o processo legislativo de maior relevância na
sociedade internacional, tanto pela sua multiplicidade, quanto pelo fato de que são, na maioria
das vezes, os tratados que regulam os assuntos de maior relevância no direito internacional.
Ainda, os tratados são a fonte mais democrática do direito internacional, pois sua elaboração
conta com a participação direta dos Estados.
Conforme leciona Hee Moon Jô:
[...] os tratados têm cada vez mais importância no Direito Internacional. A tecnologia moderna, as comunicações e o comércio aumentaram mais do que nunca a interdependência entre os Estados e a disposição destes em aceitar regras internacionais sobre um grande número de questões de interesse comum: extradição de criminosos, normas de segurança para navios e aviões, ajuda econômica, propriedade intelectual, uniformização dos sinais de circulação rodoviária, etc.32 (MOON JO, p. 84).
Os tratados são instrumentos de cooperação entre Estados, são a
consolidação de ideais num âmbito global. Em alguns casos, substituem o direito
consuetudinário e servem para unir valores já solidificados pelas sociedades nacionais, em
uma escala única dentro do direito internacional.
VI.2 CODIFICAÇÃO DO DIREITO DOS TRATADOS
O direito dos tratados (law of treaties) é um ramo do direito internacional
que estuda, basicamente, o processo de formação, execução e extinção dos tratados. Até 1980,
32 MOON JO, op. cit., p. 84
41
o direito dos tratados era regido, simplesmente, pelos costumes internacionais. A Convenção
de Viena sobre o Direito dos Tratados, que ocorreu em 1969, mas que só entrou em vigor em
1980, foi o resultado da codificação dos costumes internacionais existentes, até então. A partir
daí, grande parte dos costumes foram substituídos pelo estabelecido na Convenção.
Cumpre ressaltar, porém, que a Convenção só se aplica a tratados
posteriores a sua entrada em vigor (art. 4o); não abrange todos os Estados e nem todos os
assuntos relacionados ao direito dos tratados. Portanto, conforme consta da parte final do
preâmbulo da Convenção, as regras do direito internacional costumeiro devem continuar
regendo as questões não reguladas nas disposições da mesma.
No que tange ao Direito dos Tratados, são essenciais os seguintes
documentos:
1) Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (1969);
2) Convenção de Viena sobre Sucessão de Estados em respeito a Tratados
(1978);
3) Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados entre Estados e
Organizações Internacionais (1986);
4) Review of the Multilateral Treaty-making process.
VI.3 CONCEITO DE TRATADO
O artigo 2(1)(a) da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, de
1969; e o artigo 2(1) da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados entre Estados e
Organizações Internacionais, de 1986, definem tratado como sendo “um acordo internacional
celebrado por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer inserido num
42
único instrumento, quer em dois ou mais instrumentos conexos, e qualquer que seja a sua
designação específica”33. (MAZZUOLI, 2006)
Interpretando essa definição, portanto, o tratado é um ato bilateral ou
plurilateral; realizado entre sujeitos de direito internacional; regido pelo direito internacional,
em um ou mais instrumentos conexos e para o qual existem inúmeras denominações, como o
próprio termo tratado, convenção, acordo, pacto, protocolo, carta, estatuto, ata, declaração,
etc. O único tratado que deve ter um nome específico é a concordata (todo tratado do qual faz
parte a Santa Sé). Cabe, ainda, acrescentar que os tratados são ato solene, formal,
manifestações expressas de vontade e cujo objeto deve ser lícito, em todos os países
participantes.
VI.4 CONDIÇÕES DE VALIDADE DOS TRATADOS
São condições de validade dos tratados a capacidade das partes contratantes,
a habilitação dos agentes signatários, o consentimento mútuo e o objeto lícito e possível.
VI.4.1 Capacidade das Partes
São capazes para firmar tratados os Estados, as organizações
internacionais, a Santa Sé e outros entes internacionais como, por exemplo, os territórios
internacionalizados. Segundo a Convenção de Viena, todo Estado tem capacidade para
concluir tratados. Já, as organizações internacionais tiveram o reconhecimento de sua
personalidade internacional pela Corte Internacional de Justiça e, posteriormente, a
capacidade para concluir tratados foi prevista pela Convenção de Viena, de 1986 (artigo 6o).
33 MAZZUOLI, Valério de Oliveira (Organizador). Coletânea de Direito Internacional. 4. ed. atual. São Paulo: RT, 2006.
43
VI.4.2 Habilitação dos Agentes Signatários
Os agentes signatários podem ser plenipotenciários ou acreditados.
Plenipotenciários são aqueles que, em função do cargo, representam o Estado. São
plenipotenciários o chefe do Estado, o Ministro das Relações Exteriores e o embaixador em
missão diplomática. São acreditados aqueles que, em função da pessoa, são nomeados para
representar o Estado; geralmente, alguém que possui vasto conhecimento da matéria
pertinente ao tratado.
VI.4.3 Consentimento das Partes
É necessário, também, que o tratado seja um acordo de vontades. Todos os
Estados que realizam o tratado devem consentir com o mesmo. No caso de tratados
multilaterais, realizados em conferência internacional, estes devem ter a aceitação de no
mínimo, dois terços dos Estados presentes.
Como acordo de vontades, o tratado não pode sofrer vício algum, tal como o
erro, o dolo e a coação.
Só atinge a validade do tratado o erro de fato, e que serviu como base
essencial do consentimento para se aderir ao tratado. O erro de direito não é considerado um
vício do tratado, assim como o erro de redação, que deve ser corrigido. Ainda, não pode
invocar o erro o Estado que contribuiu para o mesmo.
O dolo é caracterizado pela manobra ou fraude de uma parte, a fim de
causar engano na outra, que aceita o tratado com base em um erro.
A coação pode existir contra o agente signatário ou contra o próprio Estado,
a partir da ameaça ou do emprego da força.
44
VI.4.4 Objeto
O objeto do tratado deve ser possível e lícito em todos os Estados
signatários.
VI.5 ELEMENTOS DO TRATADO
Chama-se cimeira ou reunião de cúpula a reunião dos países em que há a
discussão da minuta. Somente após essa discussão inicial, o tratado é concretizado de maneira
efetiva.
O tratado é formado de três partes principais: o preâmbulo, em que são
expostas a justificativa, as finalidades do tratado, bem como, as partes contratantes; a parte
dispositiva, em que são estabelecidos os direitos e obrigações das partes, redigidos em forma
de artigo; e a fase conclusiva, em que há a ratificação e assinatura. A ratificação é uma
confirmação do tratado, uma declaração – ato unilateral internacional, que só pode ser feita
pelos plenipotenciários. A assinatura inclui tanto os plenipotenciários quanto os acreditados.
VI.6 CONCLUSÃO E ENTRADA EM VIGOR DOS TRATADOS
De acordo com o artigo 11 da Convenção sobre o Direito dos Tratados, “o
consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado pode manifestar-se pela assinatura,
troca dos instrumentos constitutivos do tratado, ratificação, aceitação, aprovação ou adesão,
ou quaisquer outros meios, se assim for acordado”34. (MAZZUOLI, 2006). Há, portanto,
várias formas de um Estado obrigar-se a um tratado.
34 Ibid.
45
Via de regra, os tratados internacionais passam pelas fases de negociação,
assinatura, ratificação, promulgação, publicação e registro. Tornam-se obrigatórios, após a
promulgação e publicação, no âmbito interno de cada Estado.
A assinatura, na época em que predominou a teoria do mandato para os
plenos poderes, tinha uma importância muito maior do que tem hoje, pois uma vez que o
soberano assinasse um tratado, via de regra, obrigava-se a ratificá-lo. Atualmente, a assinatura
é importante na medida em que atribui responsabilidade ao Estado e expressa a vontade de
seu representante; no entanto, na maioria dos Estados, sequer é condição de validade do
tratado, pois é necessária a ratificação para que o tratado seja aceito de fato.
Quanto à ratificação, esta é o ato por meio do qual o Chefe de Estado
declara aceito pelo Estado o que foi convencionado pelo agente signatário. A ratificação é
considerada uma das fases mais importantes do processo de conclusão dos tratados na maioria
dos Estados.
Importante mencionar, no entanto, que o procedimento de ratificação não é
uma regra sem exceções e ocorre, geralmente, quando o próprio tratado prevê a sua
necessidade, quando a assinatura é submetida à ratificação e quando é acordado, desta forma,
pelas partes. Em alguns casos, a ratificação é dispensada e, nestes casos, o tratado deve trazer,
expressamente, esta possibilidade.
O processo de entrada em vigor dos tratados pode se dar de duas maneiras
diferentes, dependendo do Estado em que este processo ocorrer. Nos Estados Unidos e em
alguns poucos países do mundo, por exemplo, a minuta passa pelo Congresso Nacional,
previamente, e o Chefe de Estado já assina o tratado com a autorização interna do Congresso.
Na maioria dos países, no entanto, o Chefe de Estado assina o tratado primeiro e, depois, este
vai para a análise do Congresso. É este o procedimento adotado pelo Brasil. Por isso, a
assinatura do tratado, no Brasil, não é condição de validade do mesmo.
46
O direito internacional não prescreve uma forma como deve ser feita a
ratificação, em todos os Estados; por isso, alguns autores aceitam a possibilidade da
ratificação tácita, desde que o Estado demonstre, claramente, ter aceitado o tratado, dando
início, por exemplo, a sua execução. Na maioria das vezes, no entanto, a ratificação é formal,
e se concretiza a partir da carta de ratificação, assinada pelo Chefe de Estado e referendada
pelo Ministro das Relações Exteriores (no caso do Brasil, a ratificação é referendada pelo
Congresso Nacional). Nesta carta, é feita referência ao tratado assinado com a certificação de
que o Estado o cumprirá.
Nos tratados bilaterais, há a troca de ratificações entre os Estados que, via
de regra, se dá no Ministério das Relações Exteriores de um dos Estados, ou na capital de um
terceiro Estado escolhido pelos signatários, para este fim.
Quando se trata de tratados multilaterais, segue-se o procedimento de
depósito das ratificações. Todos os documentos são guardados pelo governo de um Estado
pré-determinado que, geralmente, é o governo do Estado em que foi assinado o tratado.
Um dos maiores problemas do direito internacional tem sido equacionar os
problemas referentes a reservas de tratados bilaterais ou multilaterais. Dependendo do tratado,
este pode ser aceito com emendas e/ou reservas. Reserva: o tratado tem que trazer
expressamente que não aceita reserva; senão, entende-se que ele aceita. Emenda: o tratado
deve trazer, expressamente, que aceita a emenda.
Até 1931, a maior parte da doutrina posicionava-se no sentido de que os
tratados só poderiam ser ratificados conforme foram assinados, ou seja, sem reservas. Em
1931, a Assembléia da Liga das Nações permitiu as reservas desde que o texto do tratado
trouxesse tal possibilidade ou que todos os Estados signatários concordassem. Posteriormente,
no artigo 19 da Convenção sobre o Direito dos Tratados, em 1969, ficou estabelecido que
“Um Estado pode, ao assinar, ratificar, aceitar, aprovar um tratado ou a ele aderir, formular
47
uma reserva, a não ser que: a) a reserva seja proibida pelo tratado; b) o tratado disponha que
só possam ser formuladas determinadas reservas, entre as quais não se inclui a reserva em
pauta; ou c) nos casos em que sejam previstos nas alíneas a e b a reserva seja incompatível
com o objeto e a finalidade do tratado”35. (MAZZUOLI, 2006).
A promulgação é o ato mediante o qual é atestada a regularidade do
processo legislativo do tratado e a executoriedade do tratado no âmbito interno do Estado. No
Brasil, por exemplo, o Presidente da República, por meio de um decreto, determina a
execução do tratado (sendo o texto publicado no Diário Oficial), o que configura a
promulgação.
Na prática, a publicação do tratado é o que, realmente, determina a sua
obrigatoriedade no plano jurídico interno, pois, a partir do momento em que todos os
nacionais podem ter acesso ao conteúdo do tratado aprovado, este se torna obrigatório, dentro
dos limites do Estado. No plano internacional, a norma já é obrigatória antes da sua
publicação pelos Estados partes.
Finalmente, de acordo com o artigo 102 da Carta das Nações Unidas, todo
tratado deve ser registrado no Secretariado e publicado por este mesmo órgão, para que possa
ser invocado pelo Estado perante as Nações Unidas. O próprio depósito ou troca de ratificação
pelo Estado o autoriza a registrar o tratado. Apesar de o artigo ainda prever que só os países
membros da ONU podem registrar tratados, na prática, os países não membros também têm
essa possibilidade. Os tratados não registrados não podem ser invocados perante os órgãos das
Nações Unidas; no entanto, não deixam de ser obrigatórios para as partes.
35 Ibid.
48
VI.7 PROCEDIMENTO DE TATIFICAÇÃO DOS TRATADOS NO BRASIL
No Brasil, primeiramente, o Chefe de Estado assina o tratado e o envia ao
Ministério das Relações Exteriores. O Ministério, por sua vez, envia o tratado ao Congresso
Nacional (artigo 49, I, CF), que o encaminha à CCJ – Comissão de Constituição e Justiça.
Essa Comissão verifica a constitucionalidade do tratado e emite um parecer de natureza
opinativa. Se for aprovado um tratado inconstitucional, caberá ao Supremo Tribunal Federal
julgar a questão (artigo 102, III, ‘b’, CF) e declarar a invalidade do tratado.
Após passar pela CCJ, o tratado volta para o Congresso Nacional.
Dependendo do tratado, este pode ser aceito com emendas e/ou reservas.
Se o Congresso Nacional aceitar o tratado, ele volta para o Chefe de Estado
com um decreto legislativo. Se o Congresso rejeitar, internamente, o tratado não gera
qualquer efeito. No âmbito internacional, gera responsabilidade para o Estado, pois o tratado
já foi assinado.
Se o Chefe de Estado sancionar o tratado, é elaborado um decreto executivo,
ratificando-o. Se ele vetar, o tratado volta para o Congresso Nacional. Neste caso, o
Congresso pode derrubar o veto do Chefe de Estado, transformando o tratado em uma lei
ordinária, sem validade no âmbito internacional.
Exceção: artigo 5o, parágrafo 2o da Constituição Federal. Os tratados, que
vêm apenas ampliar os direitos humanos que já são assegurados pela Constituição, não
precisam de ratificação do Congresso Nacional. Já entram direto no ordenamento jurídico
interno do Estado e têm patamar constitucional!
49
VI.8 HIERARQUIA DOS TRATADOS
No âmbito jurídico interno do Estado signatário, o tratado, depois de
ratificado pelo Presidente da República, torna-se uma lei supra legal, no entanto,
infraconstitucional. As exceções são os tratados de direitos humanos, que possuem nível
constitucional.
VI.9 VIGÊNCIA DOS TRATADOS
Vigência é a mensuração do tempo durante o qual o tratado será aplicável.
Para que um tratado passe a vigir, em relação a um Estado, é preciso que, primeiramente, o
Estado o ratifique. Cada Estado especificará o seu tempo de vacacio e de vigência.
Quanto à questão da retroatividade, via de regra, os tratados não retroagem.
São exceções os tratados sobre direitos humanos.
VI.10 Efeitos dos Tratados
• Efeitos diretos: são os efeitos gerados para as partes.
• Efeitos reflexos: são os efeitos gerados a terceiros.
Via de regra, os tratados somente produzem efeitos em relação às partes,
conforme dispõe o preceito pacta tertiis nec nocent nec prosunt – “os tratados não beneficiam
nem prejudicam terceiros”.
Quando um Estado se compromete a cumprir com o disposto em um tratado
internacional, o Poder Judiciário deve aplicá-lo, - o Executivo deve cumpri-lo, - e, o
Legislativo, deve criar as leis que se fizerem necessárias à sua execução, se tais leis ainda não
50
existirem no ordenamento jurídico interno do Estado. Desta forma, é por meio da
incorporação do tratado pelo Estado que os indivíduos são beneficiados e todo o Estado é
responsabilizado, caso haja o seu descumprimento.
Pelo princípio da relatividade, portanto, um tratado não cria nem obrigações
nem direitos para um terceiro Estado sem o seu consentimento. Esse princípio é,
expressamente, consagrado pela Convenção de Viena, em seu artigo 34.
Contudo, há a possibilidade de um tratado produzir efeitos em relação a
terceiro Estado, desde que haja o consentimento do mesmo. Até mesmo para ser outorgado
um direito a um terceiro Estado, é preciso que o mesmo concorde.
É importante notar, também, que, via de regra, quando um tratado é
firmado, há conseqüências para outros Estados. O tratado pode não interferir nos direitos e
deveres dos outros Estados; mas, dificilmente, não terá influência sobre os interesses dos
mesmos, sejam estes políticos, sociais ou culturais.
VI.11 OBRIGATORIEDADE DOS TRATADOS
O fundamento da obrigatoriedade dos tratados está na norma pacta sunt
servanda, que é um antigo princípio incorporado pelo direito internacional. As normas são
feitas para serem cumpridas, assim como os tratados, cuja revogação só pode ser feita, via de
regra, mediante um procedimento semelhante ao de sua criação, como ocorre com as leis, ou
por um modo previsto no próprio tratado ou estabelecido pelo direito internacional.
51
VI.12 INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS
Os tratados podem ser interpretados pelas próprias partes (auto-
interpretação) ou por órgãos jurisdicionais (geralmente, pela CIJ – Corte Internacional de
Justiça).
O princípio geral para a interpretação dos tratados é o princípio da boa-fé,
consagrado pelas Convenções de 1969 e de 1986, nos artigos 31 a 33. O artigo 31, de ambas
as Convenções, dispõe em seu texto que “um tratado deve ser interpretado de boa-fé, segundo
o sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz de seu objeto e
finalidade”36.
Assim como ocorre com qualquer documento, o tratado deve ser
interpretado como um todo, em consonância com a realidade à qual serve a sua celebração. É
comum que as partes escolham um idioma diferente dos adotados pelos seus Estados para
evitar que aos termos do tratado sejam dados sentidos diversos dissonantes, conforme as
traduções realizadas.
36 Ibid.
52
VII. DIREITOS HUMANOS
VII.1 NOÇÃO GERAL DE DIREITOS HUMANOS
Os direitos humanos podem ser entendidos como o conjunto de direitos
destinados à proteção da dignidade do ser humano, sob todas as formas.
Alguns defendem o posicionamento de que os direitos humanos são
inerentes ao ser humano; outros, entendem os direitos humanos como sendo o resultado de
incansáveis lutas políticas, que acabaram resultando em conquistas na área jurídica e social.
Seja como for, os direitos humanos não podem ser vistos como meras concessões do Estado;
tampouco, como uma simples expressão da criatividade do Legislativo.
Cumpre citar o entendimento de Wagner Rocha D’Angelis37 acerca do tema:
[...] Há de se ter o cuidado, pois, de refletir os direitos humanos como um tema global, significando – no plano das idéias – a adesão a um campo comum de valores que definam a humanidade, a dignidade de todo o (sic) ser humano. Observo que entender os direitos humanos como tema global não representa priorizar determinados interesses, por mais nobres ou internacionais que sejam, mas situar em primeiro plano a abrangência – global – de valores éticos enraizados nas noções de justiça e de igualdade38. (RIBEIRO; MAZZUOLI, 2004, p. 402)
Pode-se falar em direitos humanos como um conjunto de direitos e garantias
fundamentais, pertencente a todos os seres humanos, exigíveis tanto internamente, quanto no
âmbito internacional. Eles são indispensáveis para que uma pessoa tenha o mínimo da
dignidade de que necessita para viver e desenvolver suas capacidades, de maneira plena.
Os direitos humanos representam uma somatória de valores que englobam
todo ser humano, respeitando a individualidade de cada um, independentemente do tempo e
37 D´ANGELIS, Wagner Rocha. As raízes dos direitos humanos e a cidadania hoje. 38 In: RIBEIRO, Maria de Fátima; MAZZUOLI, Valério de Oliveira (coords.). Direito internacional dos direitos humanos: estudos em homenagem à Professora Flávia Piovesan. Curitiba: Juruá, 2004, p. 402
53
do espaço, bem como os princípios gerais da sociedade internacional, porque cada pessoa é
um universo e ao mesmo tempo, parte de um todo indissociável. Assim leciona Wagner
Rocha D’Angelis, ao mencionar que os direitos humanos:
[...] implicam a somatória de fatores e valores que, sendo direito de cada um e de todos, possibilitem a realização integral de todos os seres humanos em qualquer tempo e lugar. Afinal, toda a (sic) pessoa humana deve se perceber como um patrimônio único da humanidade, conquanto jamais dissociado da espécie toda, particularmente dos que integram a sua realidade circundante (comunidade)39.
VII.2 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS
Os direitos humanos formam uma categoria jurídica, pois possuem as
mesmas características básicas, são inatos, históricos, universais, relativos, concorrentes e
irrenunciáveis.
São inatos, porque são inerentes à própria natureza do ser humano. Apesar
da importância que tem a positivação dos direitos humanos, estes não dependem da existência
da norma jurídica, pois nascem junto com o ser humano.
Os direitos humanos têm caráter histórico. Tiveram o início de sua
abordagem no período do Cristianismo, em que o homem passou a ser visto sob a ótica da
igualdade, da solidariedade, quando o mundo conheceu novos valores, até então não adotados
pelo Direito.
Depois do auge do período do Cristianismo, a discussão sobre os direitos
humanos ficou esvaziada, voltando à tona posteriormente, com as declarações de direitos
humanos, que marcaram a história do Direito. A título de exemplo, convém citar a Magna
Charta Libertatum, de 1215; a Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia, de 1776; a
39 Ibid.
54
Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789; e a Declaração Universal de
Direitos do Homem, da Organização das Nações Unidas, em 1948.
Atualmente, continuam crescendo as preocupações acerca da dignidade da
pessoa humana e da forma como alcançar a proteção desta dignidade, em todas as suas
dimensões. A história dos direitos humanos tem se tornado, cada vez mais, viva, pois cria-se
uma realidade em que os direitos não são mais limitados por fronteiras, têm alçado vôos, cada
vez mais, distantes, levando a uma universalidade dos ideais de dignidade inerentes a todo ser
humano.
A universalidade dos direitos humanos é um fato óbvio, pois caso não fosse,
o próprio princípio da igualdade estaria comprometido. Os direitos humanos são destinados a
todos os seres humanos, sem exceção, sendo até difícil imaginar direitos humanos destinados
a apenas uma classe de pessoas, distintas pela raça, cultura, poder sócio-econômico, etc. É
importante ressaltar que os direitos humanos pertencem a todas as pessoas, em qualquer lugar
e a qualquer tempo. Estes direitos transcendem qualquer questão de relativismo cultural ou de
soberania, sendo que não podem ser violados sob a justificativa de um destes fatores.
A limitabilidade se explica pelo fato de os direitos humanos não serem
absolutos, podendo chocar-se quando um indivíduo, no exercício de seu direito, invadir o
espaço de outro, que, também, se encontra amparado por um direito fundamental.
Outra característica dos direitos humanos é, como já foi mencionado, a
concorrência, o que significa que os direitos podem ser acumulados. Todo ser humano
acumula uma série de direitos fundamentais, previstos na Constituição do Estado ao qual
pertence, bem como, nos tratados internacionais.
Ainda, os direitos humanos são irrenunciáveis. Ninguém pode dispor das
garantias fundamentais que lhe protegem ou transferi-las a qualquer título a terceiros. Há
55
casos em que uma pessoa pode deixar de exercer um direito por um determinado período de
tempo, como por exemplo, uma modelo fotográfica que permite a utilização temporária de sua
imagem, mas nunca renunciar ao mesmo. Ninguém possui, tampouco, o direito de violar,
legislar em oposição ou estabelecer um prazo prescricional para os direitos humanos.
Finalmente, todo ser humano precisa concentrar, no rol de seus direitos,
todos os direitos fundamentais à formação e manutenção de uma vida digna. O passar dos
tempos e as mudanças sofridas pela realidade histórica, social e cultural em que o ser humano
vive, exigem cada vez mais, novos direitos, assim como a concretização daqueles que já se
encontram positivados nos planos jurídicos internos e internacional (por isso, os direitos
humanos são inesgotáveis).
VII.3 AS GERAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS
Para, realmente, se entender o que são os direitos humanos e o que eles
significam para a humanidade, é necessário trilhar a caminhada de suas conquistas e de seus
ideais através da História.
Muitos autores falam sobre as gerações dos direitos humanos, que seriam
uma representação da evolução dos mesmos. A Primeira Geração dos Direitos Humanos teve
seu auge, no século XVIII, quando houve a positivação dos direitos civis e políticos, sendo o
norteador principal dos ordenamentos jurídicos o princípio da liberdade.
A Segunda Geração dos Direitos Humanos retrata o período de conquista
dos direitos sociais e econômicos, na época da Revolução Industrial (séculos XIX e XX),
quando o princípio da igualdade tornou-se o foco do Direito.
Posteriormente, emergiram os direitos dos povos, delineados pelo princípio
da solidariedade internacional. A partir da segunda metade do século XX, esta Terceira
56
Geração de Direitos sobressaiu-se, introduzindo no contexto internacional uma série de
princípios como o da não intervenção, da defesa da paz, da solução pacífica de controvérsias,
etc.
Atualmente, com os avanços do século XXI, já se pode falar numa Quarta
Geração de Direitos Humanos, fundada no princípio da qualidade de vida, o que envolve
direito a um meio ambiente saudável, ao desenvolvimento sustentável, à participação na
política, etc.
Cumpre citar o esclarecimento que a renomada doutora Flávia Piovesan faz
acerca do tema, em dissertação sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos:
[...] Ao conjugar o valor da liberdade com o valor da igualdade, a Declaração demarca a concepção contemporânea de direitos humanos, pela qual os direitos humanos passam a ser concebidos como uma unidade interdependente, inter-relacionada e indivisível. Assim, partindo-se do critério metodológico que classifica os direitos humanos em gerações, adota-se o entendimento de que uma geração de direitos não substitui a outra, mas com ela interage. Isto é, afasta-se a idéia da sucessão “geracional” de direitos, na medida em que se acolhe a idéia de expansão, cumulação e fortalecimento dos diretos humanos consagrados, todos essencialmente complementares e em constante dinâmica de interação. Logo, apresentando os direitos humanos uma unidade indivisível, revela-se esvaziado o direito à liberdade, quando não assegurado o direito à igualdade e, por sua vez, esvaziado revela-se o direito à igualdade, quando não assegurada a liberdade.40 (PIOVESAN, 2003, p. 36).
VII.4 RAÍZES OU FONTES DOS DIREITOS HUMANOS
Primeiramente, cumpre esclarecer que os direitos humanos não dependem
de leis, eles são intrínsecos à natureza humana, nascem com o homem e estão acima de
imposições legais.
40 PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 2. ed. atual. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 36
57
No período da Antigüidade, até a Idade Média, não era admitida a idéia de
direitos individuais oponíveis ao Estado. O homem não tinha qualquer valor fora da
sociedade, não era visto com um indivíduo que possuísse direitos subjetivos. Mas, como os
direitos humanos são inerentes à pessoa, a crença em regras aplicáveis a todos, tanto a súditos
quanto a governantes, esteve sempre presente na evolução da humanidade e inevitável tornou-
se a manifestação constante desses direitos.
Desde o Código de Hammurabi (entre os séculos XXI a XVIII a.C), os
direitos humanos já são consagrados, mesmo que inconscientemente, pois não existe
civilização sem estes direitos. O antigo Código previa proteção às viúvas, aos órfãos e aos
mais fracos, bem como estipulava uma remuneração básica para as várias classes de
trabalhadores, o que fez com que surgisse a idéias do que, hoje, se conhece como salário
mínimo.
A civilização egéia – povos que viviam em locais próximos ao mar Egeu – é
considerada a mais antiga da Europa (3000 a 1100 a. C). Conforme indicam os dados
históricos, estes povos já conheciam o princípio da igualdade, pois as mulheres eram livres,
inclusive para trabalharem em atividades públicas, e não havia escravidão. A liberdade e a
igualdade já eram noções de direitos de grande respaldo, à época.
Na Grécia Antiga, por volta do século V a. C, o homem passou a ter maior
liberdade no âmbito da política, pois todos podiam participar das discussões que envolviam a
polis. Assim, haviam Assembléias Populares, tribunais populares, e, até mesmo, a
participação do povo na nomeação e supervisão dos magistrados.
Em Roma, no decorrer dos séculos V a III a. C, a plebe adquiriu os mesmos
direitos que os patrícios, podendo ingressar em colégios sacerdotais e candidatar-se a cargos
públicos. Apesar dos avanços que houveram até o final do império greco-romano, o homem
ainda era visto como parte de um todo, como cidadão dentro de um Estado, sendo que não
58
tinha sido desenvolvida, ainda, a idéia de direitos que resguardassem o valor do homem como
ser humano único em sua essência.
Foi com o Cristianismo que os ideais consagrados pelos direitos humanos
deram um verdadeiro salto. Os princípios de fraternidade, solidariedade, igualdade e amor ao
próximo elevaram a mentalidade do homem a uma dimensão superior. Deus deixou de ser
algo inalcançável e passou a ser Aquele que se preocupa com todos, indistintamente, sem
qualquer preferência por raça, Estado, família ou cor. Com o Cristianismo o ser humano,
criado à imagem e semelhança de Deus, passou a ser visto, em sua individualidade como um
universo de valores.
VII.5 A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E SEU ALCANCE INTERNACIONAL
O Direito é uma ciência em constante evolução. Conforme evolui a
sociedade, mudam, também, as normas que a regem, pois as necessidades do homem se
tornam cada vez mais, complexas e abrangentes. Os direitos humanos, apesar de protegerem
as necessidades inerentes a todo ser humano, nem sempre tiveram o teor e o alcance que
possuem, hoje. A legislação atual acerca dos direitos humanos é resultado de uma série de
fatores sociais, culturais e políticos que se desenrolaram no caminhar da história e continuam
buscando o aperfeiçoamento da “máquina jurídica”, responsável pelo funcionamento de todo
o sistema de proteção a esses direitos.
O excesso de poder tem, sempre, como conseqüência a violação de
liberdades. Pode-se dizer que foi essa a causa principal das primeiras declarações de direitos
humanos. No período das monarquias absolutistas, o abuso do poder real levou os cidadãos a
reivindicarem seus direitos, o que deu um grande impulso inicial ao desenvolvimento dos
direitos humanos.
59
O crescimento econômico, a revolução industrial, por exemplo, também
foram importantes para que o homem se conscientizasse acerca dos direitos mínimos
necessários para que se tenha uma vida digna. Os direitos trabalhistas e os direitos da mulher,
dentre outros, passaram a ganhar importância, por adentrarem o campo de abrangência dos
direitos humanos.
Desde a época do Código de Hammurabi, da Lei das Doze Tábuas e do
Alcorão, o homem já buscava o fortalecimento de seus direitos, o que fica evidente, a partir
do estudo de regras que serviam para a proteção do mais fraco dentro da sociedade.
Longo foi o caminho percorrido para que os direitos humanos fossem
reconhecidos, e foi no período iluminista que esses direitos ganharam alcance universal, o que
se tornou oficial com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, datada de 27 de
agosto de 1789. Antes disso, vários outros documentos existiram que consagravam os direitos
humanos; no entanto, todos estavam restritos a um território nacional.
Cumpre, também, mencionar a Declaração dos Direitos do Bom Estado da
Virgínia, de 1776, que já estabelecia em seu artigo 1o: “Todos os homens nascem igualmente
livres e independentes, têm direitos certos, essenciais e naturais, dos quais não podem, por
nenhum contrato, ser privados nem despojados na posteridade”41. (MAZZUOLI, 2006)
Em 1791, o documento estadunidense Bill of Rights introduziu os dez
primeiros princípios da Constituição dos Estados Unidos da América, sendo que, a partir de
então, foi iniciado o processo de constitucionalização dos direitos humanos naquele Estado.
41 MAZZUOLI , Valério de Oliveira (Organizador). Coletânea de Direito Internacional. 4. ed. atual. São Paulo: RT, 2006.
60
A luta pelos direitos humanos esteve sempre presente na história, com maior
ou menor intensidade e, conforme já mencionado, a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão foi o primeiro documento de alcance universal, de proteção dos direitos humanos. É
inegável, no entanto, que a Segunda Guerra Mundial foi a verdadeira alavanca no processo de
internacionalização dos direitos humanos, pois, nesse período, vários Estados reuniram-se, a
fim de criarem documentos que impedissem, doravante, as atrocidades contra o ser humano.
Em 1945, por exemplo, vinte e um países reuniram-se, em Chapultepec
(México), para a elaboração de uma carta em defesa dos direitos humanos. A consolidação do
processo de internacionalização dos direitos humanos se deu, a partir desta iniciativa, que
resultou na assinatura da Carta das Nações Unidas, em 26 de junho de 1945. A Carta das
Nações Unidas elevou os direitos humanos a um patamar de destaque, transformando a
proteção dos mesmos em uma das principais finalidades da ONU.
A fim de assegurar a proteção dos valores resguardados pela Carta de 1945,
foi aprovada, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem consagrou uma série de
princípios que deveriam ser seguidos por todos os povos e possibilitou a todo indivíduo a
reivindicação de seus direitos perante qualquer Estado. De acordo com o texto do artigo
XXVIII, “toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e
liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados”. Ainda, o
artigo XXX estabelece que:
[...] nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.42 (MAZZUOLI, 2006)
42 Ibid.
61
A última Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, que ocorreu em
Viena, em 1993, consagrou as características acima mencionadas, dispondo, no artigo 5o da
Declaração e Programa de Ação de Viena que:
[...] Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente de forma justa e eqüitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em consideração, assim como diversos contextos históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forem seus sistemas políticos, econômicos e culturais.43 (MAZZUOLI, 2006)
Interessante notar que os direitos humanos, apesar de serem objeto da
jurisdição interna de cada Estado, têm encontrado no âmbito internacional o grande palco para
as suas atuações. Pensar e repensar os direitos humanos é prática usual dos grandes eventos
internacionais. A maior dificuldade no que diz respeito a este mérito, hoje, está em definir
como criar meios de garantir esses valores, meios de “garantir as garantias” fundamentais,
tornando o direito efetivo, exeqüível.
VII.6 UNIVERSALISMO OU RELATIVISMO DOS DIREITOS HUMANOS
O caráter universal ou relativo dos direitos humanos é tema de grandes
controvérsias, no meio jurídico. Até hoje, não existe consenso e, dificilmente, um dia existirá,
no que tange ao entendimento de os direitos humanos serem os mesmos no mundo todo;
serem diferentes conforme a jurisdição interna de cada Estado; ou serem os mesmos, no
mundo todo, no entanto, com valorações diferentes.
É fato que a natureza humana é comum a todos os indivíduos. Os direitos
humanos, como o próprio nome já diz, são inerentes a todos os seres humanos, são universais.
43 Ibid.
62
Partindo deste ponto de vista, a doutrina universalista tem como fundamento principal o
jusnaturalismo. De acordo com essa doutrina, o direito natural determina a existência de uma
série de direitos inerentes a todo ser humano, além de servir como parâmetro, standard
mínimo, que deve ser tido como referência na construção do direito humanístico interno e
internacional.
Assim, os universalistas defendem o posicionamento de que existe um
conjunto mínimo de direitos que todo ser humano possui, independentemente do Estado,
grupo social, econômico, cultural, étnico ou profissional ao qual pertence. Esse conjunto
mínimo de direitos tem como escopo principal assegurar, igualmente, em todos os Estados, a
dignidade da pessoa humana.
Importantíssimo passo para a universalização dos direitos humanos foi a
Declaração de 1948. A Declaração Universal dos Direitos Humanos estabeleceu que a
humanidade partilha alguns valores comuns. Assim, comenta Noberto Bobbio44:
[...] podemos, finalmente, crer na universalidade dos valores, no único sentido em que tal crença é historicamente legítima, ou seja, no sentido em que universal significa não algo dado objetivamente, mas algo subjetivamente acolhido pelo universo dos homens. (BOBBIO, 1992, p. 26-28).
Cumpre esclarecer, no entanto, que o caráter universal dos direitos humanos
não implica a impossibilidade de relativização da forma de aplicação destes direitos. O que
não pode mudar é a essência do Direito, o valor maior a ser protegido pela norma. Não há
dúvidas de que o mais coerente é que haja diálogo entre as culturas. Este é o primeiro passo
para a construção de um universalismo de direitos confluentes, e não conflitantes, como pode
acontecer quando culturas diferentes são postas sob uma mesma régua axiológica.
44 BOBBIO, Noberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 26-28
63
Sobre o tema, leciona Paulo Bonavides45:
[...] a nova universalidade dos direitos fundamentais os coloca assim, desde o princípio, num grau mais alto de juridicidade, concretude, positividade e eficácia. É universalidade que não exclui os direitos da liberdade, mas primeiro os fortalece com as expectativas e os pressupostos de melhor concretizá-los mediante a efetiva adoção dos direitos da igualdade e da fraternidade.
Continua o mestre:
[...] A nova universalidade procura, enfim, subjetivar de forma concreta e positiva os direitos da tríplice geração na titularidade de um indivíduo que antes de ser o homem deste ou daquele País, de uma sociedade desenvolvida ou subdesenvolvida, é pela sua condição de pessoa um ente qualificado por sua pertinência ao gênero humano, objeto daquela universalidade. (BONAVIDES, 1999).
A corrente que defende o caráter relativista dos direitos humanos, por sua
vez, entende que tais direitos estão, estritamente, relacionados ao sistema político, econômico,
social e cultural vigente numa determinada sociedade. De acordo com esta corrente, a
legislação interna e os costumes de cada Estado, refletindo as peculiaridades culturais do
contexto em que se inserem, devem ser os únicos instrumentos válidos para a defesa dos
direitos fundamentais. Não haveria, assim, a possibilidade de uma legislação internacional de
proteção aos direitos humanos se aplicar a todos, indistintamente, visto que, assim, estar-se-
iam tomando como modelo universal os padrões culturais de apenas algumas sociedades, em
desrespeito aos Estados que com esse padrão não se coadunassem.
Para os relativistas, cada Estado pode ter um discurso diferente acerca dos
direitos fundamentais, mecanismos próprios de proteção destes direitos e uma jurisdição auto-
suficiente. Assim, a intervenção do direito internacional no direito interno seria não apenas
desnecessária, mas, também, inadequada para prevenir e punir eventuais condutas derivadas
de um contexto social, econômico e cultural específico.
45 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1999
64
Ainda, os relativistas acreditam que a imposição de valores externos sobre
os costumes locais ocasiona uma rejeição natural da população a esses valores, o que dificulta
ainda mais o processo de universalização dos direitos. As principais expressões do relativismo
cultural em relação aos direitos humanos emergem da África, da China e do Islão.
Apesar de todas as peculiaridades culturais que ainda existem no mundo, é
fato que o processo de globalização tem aproximado os povos, padronizado alguns valores e
interligado as culturas. Há, hodiernamente, uma troca de experiências entre as mais distantes
nações. A informação alcança a todos e o que distingue o “certo” do “errado” já não é mais
um critério tão variável.
Pertinente se revela a afirmativa da ilustre professora Flávia Piovesan46 de
que:
[...] o debate entre os universalistas e os relativistas culturais retoma o velho dilema sobre o alcance das normas de direitos humanos: as normas de direitos humanos podem ter um sentido universal ou são culturalmente relativas? Esta disputa alcança novo vigor em face do movimento internacional dos direitos humanos, na medida em que tal movimento flexibiliza as noções de soberania nacional e jurisdição doméstica, ao consagrar um parâmetro internacional mínimo, relativo à proteção dos direitos humanos, aos quais os Estados devem se conformar. (PIOVESAN, 1966, p. 78).
Um dos fatores que move o Direito Internacional dos Direitos Humanos é a
expectativa de que as culturas predominantes respeitem as diversidades culturais na aplicação
do Direito e, ao mesmo tempo, que as minorias sejam tolerantes ao ideal de proteção dos
direitos humanos. Só desta forma se alcançará uma legislação efetiva que obtenha a aceitação
de todos os Estados, estabelecendo como fator comum a todos eles a consciência da
necessidade de se protegerem direitos inerentes ao ser humano.
46 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 5. ed., São Paulo, Max Limonad, 1966, p. 78
65
VIII. TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS
VIII.1 O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
Os tratados internacionais de direitos humanos fazem parte de um ramo do
Direito que nasceu recentemente, ou seja, o Direito Internacional dos Direitos Humanos. Este
Direito nasceu, justamente, em resposta ao período de crimes e atrocidades do Nazismo e à
destruição humana ocasionada pela Segunda Guerra Mundial.
O Direito Internacional dos Direitos Humanos surgiu, portanto, basicamente
em decorrência da Segunda Guerra Mundial, no século XX, e teve como impulso inicial para
o seu desenvolvimento as alarmantes atrocidades cometidas no período de Hitler e a certeza
de que muitas dessas atrocidades poderiam ter sido evitadas, se existisse, no momento, uma
legislação internacional de direitos humanos e formas efetivas de se proteger tais direitos.
O fundamento do Direito Internacional dos Direitos Humanos está na
obrigação que todos os Estados possuem de respeitar os direitos humanos e de protestar, caso
estes estejam sendo violados. A competência para legislar e decidir em matéria de direitos
humanos não pode ser, exclusivamente, da jurisdição interna de cada nação, até porque o
interesse pela causa dos direitos humanos é mundial.
De acordo com a ilustre doutrinadora Flávia Piovesan47:
[...] fortalece-se a idéia de que a proteção dos direitos humanos não se deve reduzir ao domínio reservado do Estado, isto é, não deve se restringir à competência nacional exclusiva ou à jurisdição doméstica exclusiva, porque revela tema de legítimo interesse internacional. Por sua vez, esta concepção inovadora aponta para duas importantes conseqüências;
1) a revisão da noção tradicional de soberania absoluta do Estado, que passa a sofrer um processo de relativização, na medida em que são admitidas intervenções no plano nacional, em prol da proteção dos direitos humanos;
47 PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 2. ed. atual. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 32
66
isto é, permitem-se formas de monitoramento e responsabilização internacional, quando os direitos humanos forem violados;
2) a cristalização da idéia de que o indivíduo deve ter direitos protegidos na esfera internacional, na condição de sujeito de Direito”. (PIOVESAN, 2003, p. 32).
Neste contexto do pós-guerra, em 1945, foi criada a Organização das
Nações Unidas e, em 1948, foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que
trouxe uma visão contemporânea dos direitos humanos ao valorizar a universalidade e
indivisibilidade dos mesmos. Tanto a universalidade quanto a indivisibilidade são
características lógicas de direitos que são comuns a todo ser humano. Assim, os direitos
humanos são universais, porque se aplicam a todas as pessoas e são indivisíveis, porque estão,
inevitavelmente, relacionados a outros direitos, como aos direitos sociais e econômicos.
A Declaração Universal de 1948, além de ter delimitado uma nova
concepção dos direitos humanos, foi a alavanca inicial para o desenvolvimento do Direito
Internacional dos Direitos Humanos, pois, a partir dela, surgiram inúmeros tratados
internacionais visando à proteção dos direitos fundamentais.
Atualmente, existem dois sistemas paralelos de proteção dos direitos
humanos: o sistema normativo regional, que visa à internacionalização dos direitos humanos
no âmbito regional, principalmente na África, América e Europa e o sistema global. Este
último é composto por instrumentos de cunho geral, como os Pactos Internacionais de
Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, e por
instrumentos que possuem um cunho específico, como as Convenções internacionais que
visam à proteção dos direitos da mulher, do negro, do idoso, etc.
Os sistemas global e regional são complementares, interagem, e formam o
universo jurídico de proteção aos direitos humanos. Diante de uma violação dos direitos
humanos, cabe ao indivíduo lesado encontrar, dentro dos sistemas existentes, a proteção mais
67
adequada ao direito violado e, provavelmente, encontrará garantias dentro do sistema de
alcance global, de alcance regional, referente à matéria geral e específica.
O Direito Internacional dos Direitos Humanos é um ramo do Direito
Internacional que, indubitavelmente, vem conquistando considerável espaço na ordem jurídica
global, principalmente, após a segunda metade do século XX, momento da História em que a
pessoa humana tem ganhado maior importância como sujeito de Direito Internacional.
Até a Segunda Guerra Mundial, apesar de terem sido elaborados
documentos importantes para o desenvolvimento do estudo dos direitos humanos, não
existiam documentos que, realmente, consagrassem a dignidade e a igualdade, em todas as
suas formas, protegendo o ser humano por meio da consolidação e efetivação de seus direitos.
São exemplos de documentos que contribuíram para o desenvolvimento dos direitos humanos
a Magna Carta, de 1215, da Inglaterra, que coibia os abusos na cobrança de impostos; a
Declaração Inglesa de 1689 (Bill of Rights), que determinou as bases da monarquia
parlamentar, a garantia da liberdade de imprensa e da liberdade individual, a proteção à
propriedade privada e a autonomia de atuação do poder judiciário; a Declaração
estadunidense de Independência, elaborada por Thomas Jefferson; e a Declaração francesa
sobres os direitos do homem e do cidadão, de 1789, que teve inspiração nas discussões
jurídico-filosóficas em torno do jusnaturalismo europeu, e que influenciou os movimentos de
independência dos países da América do Sul. Até então, no entanto, os princípios dos direitos
humanos, acolhidos pelos documentos acima mencionados, apenas tinham validade no âmbito
jurídico interno de cada Estado.
As inúmeras atrocidades do período nazista e da Segunda Guerra Mundial
deixaram claro que os direitos humanos deveriam ter proteção no âmbito internacional. A
idéia de soberania, quando significar absoluta liberdade e autonomia jurídicas para um
Estado, deve ser descartada em prol da valorização do ser humano. Para que haja evolução de
68
pensamento e progresso da Humanidade, deve haver, também, a relativização das idéias
primeiro, uma vez que o absolutismo, via de regra, gera injustiças.
Em 1945, a estruturação da Organização das Nações Unidas abriu as portas
à criação de um dos mais importantes, se não o mais importante, documento da história dos
direito humanos, que é a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em
dezembro de 1948, em Paris. A Declaração tem um texto bastante amplo que contém, seja de
forma expressa, seja implicitamente, os princípios substanciais dos direitos humanos. A
Declaração não representa, no entanto, uma obrigação para os Estados que a adotaram, visto
que constitui uma resolução da Assembléia da Organização das Nações Unidas.
O sistema global de proteção dos direitos humanos funciona juntamente
com três importantes sistemas regionais, quais sejam, o europeu, o interamericano e o
africano. O sistema europeu se aplica à Comunidade Européia e está fundamentado na
Convenção Européia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais,
adotada em Roma, em 1950. O sistema africano se aplica à Organização da Unidade Africana
e é baseado na Carta Africana do Direito do Homem e dos Povos, assinada em 1981. O
sistema interamericano baseia-se na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem
e na Convenção Americana sobre a Proteção de Direitos Humanos, que entrou em vigor em
1978.
VIII.2 ALGUNS DOS CRIMES COIBIDOS PELA LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL DE DIREITOS
HUMANOS
Um dos primeiros crimes a ser coibido pela legislação internacional foi o
tráfico de escravos. Desde o século XVIII, alguns países da Europa já coibiam o tráfico; no
entanto, a matéria começou a ser tratada, no âmbito internacional, com o Tratado de Paris, de
69
1814. A partir de então, várias outras iniciativas marcaram o combate a este crime, como, por
exemplo, o Congresso de Viena, de 1815 e a Conferência de Bruxelas, de 1885, e a
Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948. Vergonhoso, mas é um fato, que a
escravidão e o tráfico de pessoas, ainda hoje, na sociedade “civilizada” em que vivemos,
constitui um problema a ser tratado pelo direito internacional, bem como pela jurisdição
interna de vários países.
Importante mencionar, também, os crimes contra a humanidade, pois dentre
as violações contra os direitos humanos, estes crimes estão entre os mais graves, o que se
torna visível quando da análise dos tratados internacionais. O Estatuto do Tribunal Penal
Internacional considera crime contra a humanidade qualquer ato praticado como parte de um
ataque generalizado ou sistemático contra uma população civil e com conhecimento de tal
ataque, o que inclui: homicídio; extermínio; escravidão; deportação ou transferência forçada
de populações; encarceramento ou privação grave da liberdade física em violação a normas
fundamentais de direito internacional; tortura; estupro; escravidão sexual, prostituição
compulsória, gravidez imposta, esterilização forçada ou outros abusos sexuais graves;
perseguição de um grupo ou coletividade com identidade própria, por motivos políticos,
raciais, nacionais, étnicos, culturais ou religiosos; desaparecimento de pessoas; apartheid; e
outras práticas que causem grande sofrimento ou atentem contra a integridade física ou saúde
mental das pessoas.48
Finalmente, um outro crime contra os direitos humanos de grande relevância
para o direito internacional, até pela crueldade que representa, é o genocídio. A palavra
48 http://www.mj.gov.br/sal/tri/estatuto.htm. Acessado em 27/05/2006
70
genocídio é a junção de gen, que provém do grego e significa povo, raça, nação, origem; e
cídio, que tem origem no latim e significa morte, assassinato (FERREIRA49, 1999).
O genocídio é, portanto, o crime realizado contra determinados grupos
étnicos, sociais, religiosos ou que possuam outra característica peculiar que os identifique
como um grupo. O exemplo clássico de genocídio são os crimes que foram cometidos pelos
nazistas, que consistiram, basicamente, nos assassinatos em massa dos judeus, visto que Hitler
implantou na nação a idéia de que a raça ariana pura seria a única que deveria subsistir. Foi,
portanto, com o aumento no número de genocídios que, no período da Segunda Guerra
Mundial, iniciaram-se os esforços a fim de coibir tais crimes. Os crimes de genocídio foram
objeto de julgamento no Tribunal de Nuremberg, ocasião em que foram denominados, de
forma genérica, como "crimes contra a humanidade" (Estatuto do Tribunal Penal
Internacional50, 2006).
Em 1948, foi realizada a Convenção para a Repressão e Prevenção do Crime
de Genocídio, documento em que é feita a tipificação do crime e a especificação dos sujeitos
passivos, ativos, e daqueles a quem incumbe o julgamento destes crimes.
VIII.3 SISTEMAS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS
Quanto aos sistemas internacionais de proteção aos direitos humanos,
cumpre ressaltar que, apesar de os documentos de abrangência global preverem a existência
de garantias que asseguram os direitos humanos, não prevêem a criação de sistemas jurídicos
responsáveis pela efetivação de tais direitos, nem oferecem vias alternativas diretas para que
49 FERREIRA, Aurélio Buarque de Olanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. atual. ampl. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1999. 50 http://www.mj.gov.br/sal/tpi/decreto_capII.htm. Acessado em 26/05/2006
71
cada um possa garantir seus direitos mediante ações afirmativas individuais. Segundo
Francisco Rezek51:
[...] somente em dois contextos regionais, o europeu ocidental e o pan-americano, chegaram-se a instituir sistemas de garantia da eficácia das normas substantivas adotadas, no próprio plano regional, sobre os direitos da pessoa humana. A Corte Européia dos Direitos do Homem, sediada em Estrasburgo, cuida de aplicar a Convenção de 1950. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, sediada em São José da Costa Rica, garante vigência à Convenção de 1969. Nenhuma das duas é diretamente acessível aos indivíduos52. (NETO; SOUZA; MENEZES; GOMES, 2006)
O direito internacional está enfrentando uma fase em que a positivação das
normas tem se dado satisfatoriamente; contudo, faltam formas de efetivação dos direitos
assegurados, o que demonstra a necessidade da criação de tribunais internacionais efetivos e
permanentes para julgarem os crimes tipificados nos tratados internacionais, em especial, os
crimes que violem os direitos humanos. São órgãos jurisdicionais de grande importância para
o Direito Internacional dos Direitos Humanos: a Corte de Haia, o Tribunal Europeu de
Direitos Humanos, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, e o Tribunal Penal
Internacional, dentre outros.
A Corte Internacional de Justiça, ou Tribunal Internacional de Justiça, foi
fundada em 1946 e constitui o principal órgão judiciário da Organização das Nações Unidas.
É sediada em Haia, razão pela qual é comumente denominada Corte de Haia ou Tribunal de
Haia. A principal função deste órgão, em poucas palavras, é julgar as desavenças jurídicas
entre os Estados soberanos e emitir pareceres sobre questões submetidas ao órgão pela
Assembléia Geral e pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, ou por agências
51 REZEK, op. cit., p. 226 52 NETO; Rebouças; SOUZA, Edvaldo de; MENEZES, Alencar de Souza; GOMES, Bruno Leonardo. O Direito Internacional dos Direitos Humanos na ordem jurídica internacional. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1606. Acessado em 17/05/2006
72
especializadas autorizadas pela Assembléia da ONU, conformes com a Carta das Nações
Unidas.
O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos foi criado em 1959, com sede
em Estrasburgo, visando dar eficácia ao estabelecido pela Convenção para a Proteção dos
Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, documento este datado de 1950. Este
Tribunal foi transformado em órgão permanente, no dia primeiro de novembro de 1998, e só
pode efetuar julgamentos contra os Estados que assinaram a Convenção Européia acima
mencionada. Importante notar que o Tribunal não é um órgão da União Européia, mas sim
uma jurisdição do Conselho da Europa, organização internacional composta por 46 Estados
membros e cujos objetivos são promover a democracia, os direitos humanos, a cultura
européia, dentre outros.
Em 1969, a Comissão da Costa Rica deu reconhecimento à Comissão
Interamericana de Direitos Humanos e à Corte Interamericana de Direitos Humanos para que
dessem eficácia ao pactuado na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em vigor
desde julho de 1978. A Comissão de Direitos Humanos realiza, basicamente, um trabalho pré-
jurisdicional, analisando as queixas e denúncias feitas e publicando suas conclusões sobre o
caso concreto e/ou submetendo a análise do mérito à Corte Interamericana de Direitos
Humanos.
A Corte Interamericana dos Direitos Humanos, com sede em San José, na
Costa Rica, é uma instituição judiciária autônoma, parte do Sistema Interamericano de
Direitos Humanos. A Corte foi criada por idealização dos Estados membros da Organização
dos Estados Americanos (OEA) e tem função jurisdicional, na medida em que julga os casos
submetidos a ela pelos estados-partes e pela Comissão Interamericana e tem função
consultiva, pois pode emitir pareceres aos Estados membros da Organização dos Estados
73
Americanos (OEA) sobre a interpretação da Convenção Americana ou sobre a interpretação
de quaisquer tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos.
O Tribunal Penal Internacional, por sua vez, é o resultado da necessidade
que a Sociedade Internacional passou a sentir com mais clareza, a partir da segunda metade
do século XX. Devido aos horrores do período da Segunda Guerra Mundial, foram
constituídos dois tribunais penais internacionais: o Tribunal Militar Internacional de
Nuremberg, criado pelo Acordo de Londres, em 1945; e o Tribunal Internacional Militar para
o Extremo Oriente, em 1946. Ambos os Tribunais foram criados após o cometimento dos
crimes julgados e aplicaram, retroativamente, leis penais. Em 17 de julho de 1998, foi
adotado, com 120 votos favoráveis, 21 abstenções e apenas 7 votos contrários, o Estatuto de
Roma sobre a criação do Tribunal Penal Internacional. Este Tribunal: "com caráter
permanente e independente, no âmbito do sistema das Nações Unidas, e com jurisdição sobre
os crimes de maior gravidade que afetem a comunidade internacional no seu conjunto”
(Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Preâmbulo53, 2006), tem como objetivo
primordial garantir a paz, a segurança e o bem-estar da humanidade. Em entrevista ao Centro
Preparatório para a Carreira Jurídica _, a ilustre Professora Flávia Piovesan afirmou que:
[...] é um privilégio testemunhar o surgimento de um Tribunal isento como é o Tribunal Penal Internacional. Historicamente, podemos citar alguns exemplos de tentativas de criar mecanismos sancionatórios internacionais, mas que não foram bem sucedidos devido às falhas existentes no processo de concepção. Nurenberg, por exemplo, foi um tribunal de vencedores julgando vencidos _ sem, portanto, qualquer grau de isenção neste julgamento. Outros exemplos foram tribunais Ad Hoc, mas, pela própria temporalidade da formação destes tribunais, havia uma seletividade política na escolha dos magistrados. O Tribunal Penal Internacional é o primeiro que tem amplas possibilidades de dar certo, pelo seu caráter de permanência e pela correção de conceitos _ já que mesmo quem redigiu o estatuto a ele se submete.54 (PIOVSAN, 2006)
53 http://www.mj.gov.br/sal/tpi/estatuto.htm Acessado em 10/05/2006 54 PIOVISAN, Flávia. Entrevista ao JusPodvim – Centro Preparatório para Carreira Jurídica. http://www.juspodivm.com.br/entrevistas/entrevistas_105.html. Acessado em 17/05/2006
74
IX. SOBERANIA E TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS
Os direitos humanos, de forma alguma, podem ser confundidos com meros
princípios morais norteadores da criação do Direito. Ao contrário, são normas jurídicas
expressas em inúmeras constituições, bem como em tratados internacionais que podem dispor
sobre um tema geral, ou especificamente sobre estes direitos. Importante lembrar que as
disposições que versam sobre os direitos humanos, em tratados internacionais, geram
obrigações aos Estados signatários, assim como as constituições também geram obrigações
concretas aos Estados em que se aplicam, visto que são o ápice da legislação interna de um
país.
Recentemente, com o fenômeno da globalização, novos desafios têm sido
apresentados aos países em desenvolvimento e, no processo de adaptação destes países à nova
ordem mundial, os direitos humanos têm adquirido posição de destaque. Isso ocorre porque,
quanto mais interação existe entre os Estados, seja de ordem econômica, social ou cultural,
maior a responsabilidade coletiva no que se refere à proteção dos direitos humanos que,
conforme já visto, aplicam-se a todo ser humano, indistintamente.
As reivindicações de ordem humanitária tornam-se, cada vez mais,
presentes no cenário internacional dando início, assim, à caminhada de aproximação dos
povos e universalização dos direitos humanos.
Apesar de a obrigação primária de assegurar os direitos humanos ser do
Estado, a criação de órgãos internacionais de proteção dos direitos humanos, como o Tribunal
Penal Internacional, a Corte de Haia e o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, evidencia a
inevitável mudança do conceito de soberania nos últimos tempos, principalmente, após
meados do século XX.
75
É fato que ainda existem inaceitáveis violações aos direitos humanos, que se
dão sob pretextos relacionados à cultura, religião ou costume peculiares de um determinado
povo; no entanto, conforme leciona Mazzuoli55:
[...] os direitos humanos passaram a fundar-se nos pilares da universalidade e indivisibilidade, consagrados pela Declaração universal de 1948 e reiterados pela Segunda Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena, no ano de 1993. Compreendeu-se, enfim, que o relativismo cultural não pode ser invocado para justificar violações aos direitos humanos internacionalmente consagrados. (MAZZUOLI, 2006)
Dentro deste contexto, em que os direitos humanos adquiriram importância
primordial na ordem internacional, por tratarem de aspectos tão essenciais à vida do ser
humano, cresce, também, a importância dos tratados internacionais de direitos humanos. Tais
tratados devem, não apenas gerar obrigações jurídicas aos Estados signatários, mas, também,
servirem como parâmetro aos demais, visto que representam os ideais comuns a todos os
povos e a principal fonte de formação do direito internacional dos direitos humanos.
Referindo-se aos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos,
leciona Flávia Piovesan56:
[...] Registram ainda o fim de uma época em que o Direito Internacional era, salvo raras exceções, confinado a regular relações entre Estados, no âmbito estritamente governamental. Estes institutos rompem, assim, com a concepção tradicional que concebia o Direito Internacional apenas como a lei da comunidade internacional dos Estados e que sustentava ser o Estado o único sujeito de Direito Internacional. Rompem ainda com a noção de soberania nacional absoluta em prol da proteção dos direitos humanos. Prenuncia-se o fim da era em que a forma pela qual o Estado tratava seus nacionais era concebida como um problema de jurisdição doméstica, restrito ao domínio reservado ao Estado, decorrência de sua soberania, autonomia e liberdade. (PIOVESAN, 1966, p. 55)
55 MAZUOLLI, Valério de Oliveira. Direitos humanos, cidadania e educação. Uma nova concepção introduzida pela Constituição Federal de 1988. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2074&p=2. Acessado em 30/05//2006 56 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 5. ed., São Paulo: Max Limonad, 1966, p. 55
76
A relação entre soberania e os tratados internacionais de direitos humanos é
de extrema importância, tanto para o direito interno de cada Estado quanto para o direito
internacional e envolve valores que, a princípio, se contrapõem. A soberania que, nas palavras
de Jean Bodin significava o poder absoluto e perpétuo de uma República, hoje, é um poder
que se relativiza diante de interesses maiores como a defesa da causa dos direitos humanos.
Os tratados internacionais de proteção aos direitos humanos, portanto,
transformaram a idéia de soberania nacional absoluta na idéia de uma soberania relativa e
limitada, dentro do contexto internacional, na medida em que os direitos humanos traduzem
valores que independem das fronteiras estatais e que não mais se restringem à jurisdição
interna dos Estados.
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X. CONCLUSÃO
Ficou claro, tendo em vista os estudos realizados na elaboração do presente
trabalho, que apesar de ainda ser objeto de muitas controvérsias, o conceito de soberania já
tem sido adaptado aos parâmetros jurídicos, mesmo tendo-se desenvolvido a partir de uma
visão puramente política.
A soberania, sob o ponto de vista interno, equivale ao poder superior; está
acima de qualquer outro ordenamento dotado de competência para decidir quanto aos
assuntos do Estado. Sob o ponto de vista externo, é expressão de independência e autonomia
dentro do contexto global, pois todos os Estados são, igualmente, soberanos, não havendo um
que se sobreponha a outro. Os Estados, portanto, têm o direito de impor sua vontade dentro
dos limites de seu território e, simultaneamente, têm o dever de respeitar os demais Estados,
na medida em que estes, também são soberanos.
Levando-se em consideração o desenvolvimento histórico do conceito de
soberania, observa-se que este esteve, sempre, atrelado à realidade do período em que se o
estuda. Na época das monarquias absolutistas, o conceito de soberania era absoluto; no
entanto, com o processo de globalização que temos vivido, este mesmo caráter absoluto já há
muito não é mais adequado.
Nos dias de hoje, a interdependência que se estabeleceu entre os Estados e a
conseqüente expansão do direito internacional têm imposto a relativização do conceito de
soberania. A nova visão da soberania traz consigo uma nova visão de Estado e, ainda,
modifica o entendimento do próprio Direito, na sociedade.
Com o desenvolvimento do direito internacional, que teve como alavanca o
período da Segunda Grande Guerra, ficou evidente que para a efetiva construção de uma
ordem jurídica internacional, é preciso abandonar a idéia de soberania absoluta,
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intransmissível, imprescritível, inalienável e indivisível. Este conceito clássico é,
definitivamente, inadequado à realidade atual, em que a soberania não se pode sobrepor aos
interesses da humanidade, defendidos pelos organismos internacionais e assegurados por meio
dos tratados.
Dentre os diversos interesses e valores que devem ser protegidos em prol da
humanidade, destacam-se os direitos humanos que, como já visto, são o conjunto de direitos
destinados à proteção da dignidade do ser humano, sob todas as formas. São direitos inatos,
históricos, universais, relativos, concorrentes e irrenunciáveis.
Apesar de terem uma importância imensurável, os direitos humanos nem
sempre alcançaram a dimensão que lhes foi atribuída nas últimas décadas. A atual legislação
acerca dos direitos humanos, no âmbito internacional, é resultado de guerras e massacres, bem
como resultado do fenômeno da globalização, que transpõe a responsabilidade dos Estados
para além de suas fronteiras. Os direitos humanos, além de encontrarem respaldo na jurisdição
interna de cada Estado têm sido, no âmbito internacional, o foco das discussões, eventos e
ações afirmativas.
A grande importância dos direitos humanos no palco internacional gerou o
surgimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos, que tem atuado por meio de uma
série de órgãos jurisdicionais criados com a finalidade de dar execução à legislação vigente,
como a Corte de Haia, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, a Corte Interamericana de
Direitos Humanos, e o Tribunal Penal Internacional.
A efetividade do Direito Internacional dos Direitos Humanos depende,
basicamente, da cooperação entre os Estados. Assim, tanto as culturas predominantes devem
respeitar a diversidade cultural das demais na aplicação do direito, quanto as minorias devem
entender o caráter universal dos direitos humanos.
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Finalmente, conclui-se que o processo de globalização contribuiu,
sobremaneira, para a universalização dos direitos humanos, bem como para o surgimento de
uma legislação internacional cada vez mais efetiva, traduzida, via de regra, nos tratados, que
são a principal fonte do direito internacional. Tais tratados, por sua vez, exigem a
relativização do conceito de soberania, que, originalmente, significava um poder absoluto e
ilimitado. Em outras palavras, a soberania deve ser flexível, de forma a coexistir com o ideal
dos direitos humanos, que representam valores maiores, universais, e que servem de padrão
mínimo ao alcance do que se entende por dignidade da pessoa humana.
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