so parte i as organizações e a modernização do mundo

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SOCIOLOGIA DAS ORGANIZAÇÕES I Parte – As Organizações e a Modernização do Mundo 1.1. Modernidade e organização 1.2. Max Weber e a análise das organizações 1.3. O colete-de-forças da burocracia 1.4. As tendências variáveis da burocracia

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Page 1: SO Parte I As Organizações e a Modernização do Mundo

SOCIOLOGIA DAS ORGANIZAÇÕES

I Parte – As Organizações e a Modernização do Mundo1.1. Modernidade e organização1.2. Max Weber e a análise das organizações1.3. O colete-de-forças da burocracia1.4. As tendências variáveis da burocracia

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Ana Maria Santos 2

I – As Organizações e a Modernização do Mundo

• A definição porventura mais consensual de ModernidadeModernidade refere que esta envolve um conjunto de relações sociais ligadas com a industrialização, o que, desde logo, a separa das sociedades tradicionais (Giddens, 1992; Webster, 1995; Kumar, 1995).

• Amplitude de datação:– Século XVI / finais do século XVIII finais do século XVIII / meados do

século XIX

– Preponderância da indústria; emergência e generalização de um sistema de trocas caracterizadamente capitalista (Santos, 1999:72)

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• A ModernidadeModernidade, entendida como implicando mudanças relevantes no sentido intelectual, económico, social e político – as quais vieram a propiciar a intervenção futura da teorização social – deve ser equacionada a partir dos primeiros desenvolvimentos do modernismo– Primeiro como movimento filosófico

• Descartes e o cogitu ergo sum – declaração de uma absoluta e inevitável razão do conhecimento

– Depois, na perspectiva cultural e estética• Renascimento

• Racionalidade – Descartes e Newton

• Positivismo

• Secularização

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Ana Maria Santos 4

• No sentido intelectual, os produtores estruturantes do Iluminismo

(filósofos) deram origem a uma nova ortodoxia intelectual com

linhas de pensamento diferentes das anteriores:

– Anti-clericalismo

– A crença na preponderância do conhecimento empírico e materialista

– Entusiasmo pelos progressos médicos e tecnológicos

– Um desejo de reformas legais e constitucionais

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• Contudo, estas concepções não questionam ainda a estrutura

económica e social do século XVIII na Europa.

• Só com o aparecimento da Sociologia se começam a abordar as

temáticas das reformas e da revolução, centradas nos campos

económicoeconómico (industrialização e desenvolvimento do capitalismo),

socialsocial (desarticulação da sociedade tradicional) e políticopolítico

(ocorrência, por exemplo, das Revoluções Americana de 1776 e

Francesa de 1789).

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• As diferentes conceptualizações sobre a modernização do mundo

tendem a configurar modelos globais e, como tal, caracterizáveis

sob os pontos de vista económico, político, organizacional e

pessoal.

– No campo económicoeconómico, porque se dá início à separação entre a família e

o trabalho e se procura o aumento da produtividade, pela concentração

racional da produção em massa no sistema fabril.

– PoliticamentePoliticamente, pela emergência de um Estado interventivo e regulador,

nomeadamente em matéria económica.

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– OrganizacionalmenteOrganizacionalmente, pelas burocracias enormes e, muitas vezes

inábeis que a modernidade gerou, na procura da gestão de um

complexidade crescente.

– PessoalmentePessoalmente, pela construção de um sistema e de uma ordem,

propiciadores de algum sentido de identidade colectiva e de pertença, o

que gerou um preço a pagar pela racionalidade, que é a perda do

espírito e da magia. Nomeadamente este último facto conduziu,

segundo a concepção de Weber, ao desencantamento do mundo.

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1.1. Modernidade e organização

• MARX, DURKHEIM, WEBERWEBER relação dogmática entre modernidade e organização.– Partilham do pressuposto de que a modernidade foi alcançável através

das organizações.

• Pré-modernidade:Pré-modernidade:– Decorreu enquanto a agricultura foi mais importante do que a indústria.

• Modernidade:Modernidade:– Iniciou-se com a maior relevância da indústria face à agricultura.

– Após a II GM, a tese de Weber ganha notoriedade e aceitação por fazer procurar equivaler racionalidade a eficiência.

• Pós-modernidadePós-modernidade ...

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Ana Maria Santos 9

• Não é, pois, de admirar que as principais raízes do modernismo organizacional tenham sido desenvolvidas a partir a obra de Max Weber.

• Porém, não existe uma única perspectiva quanto ao modernismo e à sua influência no campo de acção. Na verdade, as organizações foram representadas nos mais diversos termos modernistas. Foram imaginadas como:– Tipos ideaisTipos ideais e respectivas disfunçõesdisfunções (burocráticas)

– SistemasSistemas e respectivos mecanismos de processamentomecanismos de processamento

– OrganizaçõesOrganizações e respectivas contingênciascontingências

– MercadosMercados e respectivas ecologiasecologias

– CulturasCulturas e respectivos rituais e mitos institucionalizadosrituais e mitos institucionalizados

– RealpolitikRealpolitik do poderpoder

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• O próprio desenvolvimento da sociologia como ciência é

atravessado pelo objectivo de compreensão dos contornos da

modernidade emergentes no século XIX.

• MARXMARX e DURHKEIMDURHKEIM desenvolveram duas importantes reacções

(opostas) à modernização.

– MARXMARX: a modernização correspondia à maturação e à eventual

superação do capitalismo como modo de produção mundialmente

dominante, tal implicando a superação da divisão do trabalho (essência

da racionalidade capitalista).

• Ideia implícita – a sociedade futura, plenamente modernista, caracterizar-se-

ia por estruturas organizacionais simples, indivíduos multiqualificados,

ausência de hierarquia e elevados níveis de rotação de postos de trabalho.

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– DURHKEIMDURHKEIM: por sua vez, antevia uma crescente divisão do trabalho

nas sociedades e concebia a organização modernista como palco de

uma tendência para o “sobredesenvolvimento” da divisão do trabalho.

• Esta tendência conduziria ao aumento (moralmente arriscado) da

diferenciação das identidades sociais existentes.

• Ideia implícita – a modernidade organizacional estava associada à

hierarquia e complexidade, bem como ao desenvolvimento de uma

sociedade mercantilizada.

• Apesar do autor insistir que a modernização se tratava de um processo de

cariz económico, a sua análise faz transparecer um conteúdo muito menos

economicista do que o trabalho de Marx.

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• Independentemente das perspectivas particulares dos cientistas

sociais do século XIX, todos partilhavam de uma concepção

“universalista” da modernização enquanto veículo para a

modernidade:

– A imagem que tinham do futuro:

• «Eliminação gradual das diferenças culturais e sociais em favor de uma

cada vez maior participação de todos num modelo geral, único e comum de

modernidade.» (TOURAINE, 1988:443).

• Assente na ideia de que os problemas humanos teriam que ser resolvidos

com base na razão, i.e., a modernidade seria “alcançável” se se aplicasse à

condução dos problemas humanos os princípios gerais da razão.

(TOURAINE, 1988:443).

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• É pacífico, então, afirmar que a importância da “organização” (vide CLEGG, 1998:31) decorria do facto de esta estar subjacente à mudança social ( modernidade).

• COMTECOMTE, SAINT-SIMONSAINT-SIMON, DURKHEIMDURKHEIM e MARXMARX– “fundadores” da sociologia e testemunhas do nascimento da

modernidade.

– Porém, os seus escritos em pouco contribuíram para o estudo sistemático das organizações.

• Apenas a obra de Max WEBERWEBER foi entendida como marco inaugurador de um estudo rigoroso das organizações, nomeadamente, a sua análise da natureza da burocracia, da vida económica em geral e da afinidade electiva existente entre a “ética protestante” e o “espírito do capitalismo”.

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1.2. WEBERWEBER e a análise das organizações

• É óbvio que Max WEBERWEBER não pretendia fundar o campo de análise

específico dos estudos organizacionais.

• Os seus intentos comparativos extravasavam as organizações em

si; alargaram-se às questões e temas associados à compreensão

das principais culturas mundiais e à sua relação com a

modernidade secular e racional, tendo por base as religiões

mundiais com maior relevância.

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• Daqui resultam, na década de 50, os trabalhos de:

– Peter BLAUBLAU (1955);

– Alvin GOULDNERGOULDNER (1954);

– Amitai ETZIONIETZIONI (1961).

• Fontes de inspiração deste conjunto de autores:

– As orientações pioneiras de Philip SELZNICKSELZNICK (1942; 1948) e de Robert

MERTONMERTON (1940);

– As “teorias formais de administração”, com carácter mais pragmático,

desenvolvidas por consultores, engenheiros e gestores bem sucedidos,

como:

• Chester BARNARDBARNARD (1938), nos Estados Unidos;

• Charles PERROWPERROW (1986) e Henry FAYOLFAYOL (1949), na Europa.

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• Para além destes, existia um conjunto de trabalhos claramente

associado à crítica de Elton MAYOMAYO à “civilização industrial” que

tinha sido construída com base na imagem individualista do homem

que Frederick TAYLORTAYLOR (1911) começou por desenvolver na

indústria americana e que, posteriormente, foi difundida no mundo

ocidental.

– Esta crítica deu origem à chamada “teoria das relações humanas”

• Esta abordagem, sublinha a importância da organização social informal que

era subjacente à organização formal.

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• Independentemente das fontes realçadas, e da sua influência tanto

no campo teórico, como na prática, o certo é que foi o trabalho de

Max WEBERWEBER que ganhou maior destaque e, até, estatuto

académico.

• WEBER foi, assim, eleito como percursor da análise das

organizações e como um dos seus fundadores.

• Como refere PUGHPUGH (1971:13), após ter sido eleito como fundador

legítimo, podia atribui-se a Weber:

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«o estudo de três tipos gerais de organizações com base no critério

da legitimidade da autoridade dominante, e a concentração da

análise no facto de o tipo burocrático ter-se tornado preponderante

na sociedade moderna devido, segundo o autor, à sua maior

eficiência técnica. Ao fazê-lo, fundou o ponto de partida de uma

série de estudos sociológicos em que se pretendia analisar a

natureza e o funcionamento da burocracia, mais precisamente, as

disfunções desta forma estrutural que não haviam sido ponderadas

pela análise original.»

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• As organizações, na forma como foram caracterizadas por Max

WEBER, enquanto tipo ideal de burocracia, constituem uma

representação modernista de práticas modernistas.

• O modernismo consistia, assim, num conjunto de tendências

empíricas, consideradas irresistíveis e inevitáveis (a famosa

“racionalização” do mundo), cujo sucesso seria atribuído à

burocracia, enquanto mecanismo principal da sua conquista.

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• Porém, o processo de racionalização do mundo desembocaria no

“aprisionamento” da humanidade numa masmorra – o «colete-de-colete-de-

forças da burocraciaforças da burocracia».

– As organizações tornar-se-iam elementos essenciais e inevitáveis da

modernidade, quer trilhasse esta caminhos ao som do tambor

capitalista ou socialista.

– É, por isso, que se afirma que a TO é, em vários aspectos, uma

disciplina modernista (visava descortinar os factores que contribuíam

para a eficiência do desenho organizacional).

– Nesta linha, a modernidade parece estar associada não a múltiplas,

mas a uma forma particular de organização que, de modo crescente e

irreversível, se tornaria definitiva – a organização burocrática.

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• A modernidademodernidade – capacidade de responder a um ambiente instável

e para gerir sistemas complexos (TOURAINE, 1988:452) – e a

organizaçãoorganização estavam envolvidas numa convergência profética:

– A concepção específica da organização tornava-se na essência da

modernidade.

• Não se tratava de um conceito de organização meramente formal, enquanto

simples meio para atingir uma acção intencional, repetitiva e rotineira, mas

antes de um conceito real que, na sua definição, transportava valores e um

propósito muito claros.

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• De facto, não raras vezes, o modernismo adquiriu um carácter

moral explícito.

– Charles PERROWPERROW – Complex Organizations, contribuiu de forma

decisiva para o desenvolvimento de uma concepção de burocracia

como projecto moral:

• A racionalidade organizacional, expressa nos princípios da burocracia,

surge como garantia contra a discriminação, alicerçada em aspectos

particulares da identidade, como a etnicidade, o género, a idade, e religião e

a sexualidade.

• A moralidade da burocracia radica na sua promessa implícita de tratar cada

um apenas de acordo com o seu estatuto, enquanto membro da

organização, independentemente de quaisquer outros aspectos da sua

identidade.

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• Nesta concepção de burocracia como projecto moral, de carácter liberal, de

Perrow, espelham-se os princípios do universalismo burocrático:

– Cada um apenas deve ser tratado de acordo com os direitos, responsabilidades,

normas e deveres inerentes à sua posição, enquanto membro de uma

organização; e o facto de uma pessoa ser preta, branca, vermelha ou verde,

homem ou mulher, hetero ou homossexual deve ser totalmente irrelevante.

• Em alguns aspectos importantes, as organizações constituem, de facto, a

forma característica da nossa condição moderna:

– A maioria das pessoas só consegue alcançar alguma forma de articulação de

interesses através da representação organizacional. Sindicatos, partidos,

governos, empresas e outras organizações privadas e públicas constituem meios

através dos quais participamos na modernidade, exceptuando o teatro e o ritual

ocasionais que caracterizam o processo político formal.

– Na verdade, para a maioria das pessoas, vida organizacional significa vida vida organizacional significa vida

públicapública.

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• Porém, definitivamente, WEBERWEBER não era a favor nem contra o conceito de

burocracia.

– Enquanto nacionalista liberal convicto, interpretou a pré-modernidade em termos

germânicos:

• Como reportando-se a um conjunto de Estados enfraquecido e fragmentada, não a um

forte Estado-Nação.

• Desta forma, e inerente aos ideais iluministas, tal correspondia à aniquilação dos

“selvagens” das Américas, da África, da Ásia, da Oceânia e da Austrália e à sua

transformação numa massa subordinada ao modelo dominante.

– Porém, a realidade actual nada tem a ver com o contexto em que ele viveu.

Aliás, Weber apenas insiste na racionalização das formas de vida menos racionalização das formas de vida menos

“racionais”“racionais”.

– Tendo por base esta perspectiva, o projecto de eliminação da diferença pode ser

descrito através da metáfora do “colete-de-forças da burocracia”.

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1.3. O colete-de-forças da burocraciaO colete-de-forças da burocracia

• Segundo WEBER, o advento da modernidade testemunhava a

invasão das esferas da vida pela “disciplina” da burocracia.

– A difusão da burocracia tornou-se irresistível devido à «superioridade

puramente técnica, por comparação com as restantes formas de

organização» (Weber, 1948:214), mas em muitos aspectos Weber

encarava-a com cepticismo, pois, a burocracia não deixava de ser um

produto humano.

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• Porém, a superioridade técnica da burocracia – comparativamente

com as administrações pré-burocráticas – não significa que Weber

chegue a conclusões optimistas:

– Ele reconhece as ambivalências, nomeadamente pelo perigo de

despersonalizaçãodespersonalização e pelo facto de a racionalidade conduzir ao racionalidade conduzir ao

desencantamentodesencantamento de que falamos (vide Clegg, 1998:35).

– Para Weber, ainda que a burocracia fosse “necessária”, “inevitável”,

“inelutável”, “infalível”, “universal” e simplesmente “inquebrável”, tal

ilustrava, em última instância, algum pessimismo cultural: a burocracia, a burocracia,

ainda que irresistível, era totalmente “horrenda”, mas marcava o ainda que irresistível, era totalmente “horrenda”, mas marcava o

«destino da (nossa) época»«destino da (nossa) época» (Weber, 1920).

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• George RITZERRITZER, que analisou a McDonaldização como uma ilustração da

teoria de Weber da racionalização e do desencantamento, diz o seguinte:

«A McDonalds opera com um menu limitado, quantidades certas de comida e sistemas

padronizados de distribuição com vista a aumentar a eficiência, margens de lucro e

segurança. A McDonaldização retira todas as surpresas da vida; os seus métodos de

produção anulam o aleatório, incluindo o risco de intoxicação. A pequena e rápida

refeição ingerida na McDonalds é o oposto do ritual de orgia das refeições das

hordas primitivas. A diferença entre a refeição da família tradicional, com a sua

civilidade e convivialidade, e a refeição no McDonalds revela bem a distinção entre o

modo de vida tradicional e o sistema racional da moderna sociedade industrial.»

(Ritzer, 1996, in Turner Ed., 2000:492)

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• Segundo GRUMLEYGRUMLEY (1988), o trabalho de Max Weber constitui

provavelmente aa tentativa intelectual mais complexa de

sistematização da repentina mudança da pré-modernidade para a

modernidade.

– A acção racional consistia precisamente na capacidade de responder

às novas incertezas de um mundo sem significado.

– O mundo moderno era, por definição, uma época de incerteza e, esta,

definia e limitava a liberdade.

• As práticas racionais conduzem à previsibilidade dos comportamentos

organizacionais.

• Só a racionalidade limitaria a incerteza do mundo moderno.

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• Segundo Weber, a burocraciaburocracia constituía um modo de

organização.

– O conceito de organizaçãoorganização agregava: Estado, partidos políticos,

igreja ou seita e a empresa.

– Mas a característica definidora da organização era a presença

de:

• um líder

• um corpo administrativo

1.4. As tendências variáveis da burocraciaAs tendências variáveis da burocracia

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• A racionalidade burocrática desenvolveu-se, assim, a partir de

dois grandes tipos de acção:

– Acções racionais comparativamente com os valores;

– Acções racionais relativamente aos fins – Weber privilegiava este tipo

de acção, subordinando a dimensão humana ao funcionamento

(técnico) da burocracia.

• Tal seria uma consequência do “desencantamento do mundodesencantamento do mundo”, até

aí marcado pelo desenvolvimento da história com base em crenças,

superstições, religiões organizadas ou partidos políticos centrados

em “sujeitos históricos”, dos quais o proletariado é um exemplo.

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• Era, então, das acções racionalmente orientadas para um sistema

de fins individuais discretos que decorreria a legitimidadelegitimidade:

– do poderpoder – capacidade de forçar as pessoas a obedecer,

independentemente da sua vontade;

– da autoridadeautoridade – obediência voluntária a ordens por parte de quem as

recebe.

• A autoridadeautoridade varia, assim, consoante o modo como é legitimidade,

havendo, da mesma, três tipos:

– a carismática, fundada na capacidade do líder;

– a tradicional, assente no costume;

– a racional-legal, baseada na racionalidade e na forma, sendo nesta que

se sustenta o modelo burocrático.

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• Como afirma Evan (1993:23):

«A teoria racional-legal da burocracia, de Weber, constrange todo o

pessoal, incluindo os decisores de topo, compele à conformidade

com as políticas existentes, papéis e regulações. Se bem que não

seja impossível para as elites organizacionais em burocracia iniciar

políticas e mudanças organizacionais, é um lento e incerto

processo, razão pela qual se caracteriza o papel da gestão em

burocracia como reactivoreactivo.»

Page 33: SO Parte I As Organizações e a Modernização do Mundo

Ana Maria Santos 33

• Esta “reactividade” decorria da dependência do exterior face à

procura, aos mercados e à tecnologia.

• O que explica, também, o êxito da burocracia num século que,

sendo de progresso, foi, até há pouco, também de continuidade.

• Porém, a descontinuidade do actual progresso caracteriza-se por:

– Imprevisibilidade da procura;

– Diversificação globalizada de mercados;

– Intensidade da mudança tecnológica.

Page 34: SO Parte I As Organizações e a Modernização do Mundo

Ana Maria Santos 34

• As organizações precisavam, assim, de “ordemordem” para subsistir,

mas, adicionalmente, de capacidade para entender, interiorizar e

responder aos desafios que, vindos de fora delas próprias, as

obrigavam a evoluir sem pôr em causa a base que regia o seu

funcionamento até essa altura.

– Esta é, aliás, uma das debilidades actualmente apontada à teoria de

Weber, já que fez encarar as organizações como “sistemas fechados”,

influenciados pela envolvente, mas sem tornar evidentes os efeitos da

burocracia para o sistema social.

– De facto, Weber apenas apontou para a emergência do estado

moderno e da economia de mercado capitalista como pré-requisitos

para o êxito da burocracia racional-legal.

Page 35: SO Parte I As Organizações e a Modernização do Mundo

Ana Maria Santos 35

• Não é, pois, de estranhar que as preferências de Weber vão para o

exercício do poder racional-legal, já que os tipos de autoridade

tradicional e carismático são menos bem adaptados, pela menor

constância que pressupõem, como dependentes do tipo de líder ou

da manutenção de costumes.

• É a legitimidadelegitimidade do tipo racional-legal que entende dever

caracterizar a sociedade moderna, impondo-se a autoridade pela

via de um estatuto legal e de competências positivas, fundadas

sobre regras estabelecidas racionalmente.

Page 36: SO Parte I As Organizações e a Modernização do Mundo

Ana Maria Santos 36

• Na base da burocracia estão, assim, as crenças dos seus membros

na legitimidadelegitimidade da sua existência, dos seus protocolos, do seu

pessoal e das suas políticas.

• É por isso que a burocraciaburocracia tem razões históricas:

– Superioridade técnicaSuperioridade técnica: as ineficiências podem existir e ser denunciadas

como consequência de normas que as sancionam;

– Calculabilidade do capitalCalculabilidade do capital: decorrente da necessidade de prever de

maneira racional e unívoca os custos e benefícios de todos os actos

económicos relevantes;

– Aparecimento da democracia de massasAparecimento da democracia de massas: a qual se pressupõe ser

capaz de garantir a todos os cidadãos tratamentos iguais, imparciais e

previsíveis, segundo as normas vigentes.

Page 37: SO Parte I As Organizações e a Modernização do Mundo

Ana Maria Santos 37

• Com efeito, a burocracia marcou indelevelmente o século XX,

através das seguintes tendências:

1. Descontinuidade das tarefas, pela especialização funcional

(especializaçãoespecialização);

2. Separação funcional das tarefas, que faz com que o pessoal

tenha de dispor de níveis de autoridade e de poder de sanção

proporcionais aos seus deveres (tendência para a legitimação legitimação

da actividade organizacionalda actividade organizacional);

3. Dada a distribuição funcional das tarefas, necessidade de

existência de alguma relação de hierarquia entre os poderes, o

que pressupõe a tendência para a hierarquizaçãotendência para a hierarquização;

Page 38: SO Parte I As Organizações e a Modernização do Mundo

Ana Maria Santos 38

4. Delegação de poderes consubstanciada em contratos de

trabalho pormenorizados, que especificam deveres, direitos,

obrigações e responsabilidades (contratualização das relações contratualização das relações

organizacionaisorganizacionais);

5. Como o contrato especifica as qualidades exigidas pelo

trabalho, há uma procura de especificação das qualidades em

termos de qualificações medidas por diplomas formais

(tendência para a credencializaçãotendência para a credencialização);

6. Como o preenchimento das diferentes posições da hierarquia

exige credenciais estratificadas diferenciadamente, tal

pressupõe uma estrutura de carreira (tendência para a tendência para a

carreirizaçãocarreirização);

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Ana Maria Santos 39

7. Remuneração diferenciada das várias posições hierárquicas

(estratificação das organizaçõesestratificação das organizações);

8. A hierarquia está claramente consubstanciada nos direitos de

controlo, específico dos superiores, e no poder de resistência a

tentativas impróprias de controlo, próprias dos subordinados

(configuração específica da autoridadeconfiguração específica da autoridade no interior da estrutura);

9. A separação funcional, a descontinuidade das tarefas e as

relações hierárquicas levam a que a realização e o controlo do

trabalho inerente à organização devam ser alvo de uma

definição normativa formal, em termos técnicos ou legais, por

forma a que as normas possam ser seguidas

independentemente das pessoas, isto é, sem medo de

represálias (tendência para a formalização das normasformalização das normas);

Page 40: SO Parte I As Organizações e a Modernização do Mundo

Ana Maria Santos 40

10.A formalização das normas exige que a gestão se baseie em

documentos escritos, adquirindo a acção organizacional uma

forma estandardizada (estandardizaçãoestandardização);

11.As relações não são exclusivamente hierárquicas; a

centralidade da referida repartição promove o desenvolvimento

da comunicação, da coordenação e do controlo, que passam

necessariamente por este centro (centralizaçãocentralização);

12.A acção legítima passa por uma nítida diferenciação entre

acção burocrática e acção particular dos indivíduos

(legitimaçãolegitimação da acção organizacional);

Page 41: SO Parte I As Organizações e a Modernização do Mundo

Ana Maria Santos 41

13.O poder pertence ao cargo e não à função do titular desse

cargo (oficializaçãooficialização);

14.Como os poderes são exercidos em nome do cargo e não da

pessoa, há uma tendência para a despersonalizaçãodespersonalização da acção

organizacional;

15.Esta despersonalização ocorre de acordo com sistemas

disciplinares do conhecimento desenvolvidos na organização e

importados de corpos de conhecimento profissional exteriores

(disciplinarizaçãodisciplinarização da acção organizacional).

Page 42: SO Parte I As Organizações e a Modernização do Mundo

Ana Maria Santos 42

• Cada uma destas quinze tendências da burocracia era

representada como variável do “tipo ideal”, podendo um dado

processo estar mais ou menos presente numa organização

específica.

• De facto, «estes tipos acentuam, de forma expressa e consciente,

aspectos relevantes da realidade, constituindo um modelo artificial

que serve de esquema interpretativo e explicativo» (Clegg e

Dunkerley, 1980:38).

• Analisados em conjunto, estes processos expressam a forma como

Weber antevia a transformação do mundo num complexo de

gaiolas de ferro.

Page 43: SO Parte I As Organizações e a Modernização do Mundo

Ana Maria Santos 43

• Apesar de merecidamente influentes, as análises de Weber foram

objecto de revisão e crítica.

• Quando os investigadores começaram a fazer estudos empíricos

das organizações, recorrendo ao tipo ideal de burocracia,

rapidamente concluíram que:

No mundo real da modernidade, e não na teorização de Weber, as No mundo real da modernidade, e não na teorização de Weber, as

tendências burocráticas nem sempre apareciam em conjunto num tendências burocráticas nem sempre apareciam em conjunto num

pacote racional-legal completopacote racional-legal completo.

O fim do colete-de-forças

Page 44: SO Parte I As Organizações e a Modernização do Mundo

Ana Maria Santos 44

• Eis alguns autores que evidenciaram nos seus estudos que, na

prática, a burocracia do “tipo ideal” não é perfeita:

– Blau e ScottBlau e Scott

– EtzioniEtzioni

– Merton e SelznickMerton e Selznick

– HageHage

– Burns e StalkerBurns e Stalker

– Gouldner e BlauGouldner e Blau

(Vide CLEGG, Stewart R. – As Organizações Modernas. Lisboa: Celta, 1998, pp. 47-55)

Page 45: SO Parte I As Organizações e a Modernização do Mundo

Ana Maria Santos 45

• A burocratizaçãoburocratização (do “tipo ideal”) e a racionalizaçãoracionalização não podem ser

tão facilmente conceptualizados enquanto representações da

modernidade.

• A organização racionalizada, burocratizada, não é necessariamente

mais eficiente.

• A organização burocrática foi, durante a era industrial clássica, o

modelo ideal para as grandes organizações enquanto elas

funcionavam num ambiente estável e de pouca mudança. Mas o

tempo passou, e o mundo mudou…

• A organização burocrática do “tipo ideal” já não é mais o «destino

da nossa época»!

Algumas conclusões…

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Advertência!Advertência!

O estudo destes apontamentos NÃO dispensa a leitura das obras referenciadas na

Bibliografia, constante do Programa da cadeira de Sociologia das Organizações.