so parte i as organizações e a modernização do mundo
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SOCIOLOGIA DAS ORGANIZAÇÕES
I Parte – As Organizações e a Modernização do Mundo1.1. Modernidade e organização1.2. Max Weber e a análise das organizações1.3. O colete-de-forças da burocracia1.4. As tendências variáveis da burocracia
Ana Maria Santos 2
I – As Organizações e a Modernização do Mundo
• A definição porventura mais consensual de ModernidadeModernidade refere que esta envolve um conjunto de relações sociais ligadas com a industrialização, o que, desde logo, a separa das sociedades tradicionais (Giddens, 1992; Webster, 1995; Kumar, 1995).
• Amplitude de datação:– Século XVI / finais do século XVIII finais do século XVIII / meados do
século XIX
– Preponderância da indústria; emergência e generalização de um sistema de trocas caracterizadamente capitalista (Santos, 1999:72)
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• A ModernidadeModernidade, entendida como implicando mudanças relevantes no sentido intelectual, económico, social e político – as quais vieram a propiciar a intervenção futura da teorização social – deve ser equacionada a partir dos primeiros desenvolvimentos do modernismo– Primeiro como movimento filosófico
• Descartes e o cogitu ergo sum – declaração de uma absoluta e inevitável razão do conhecimento
– Depois, na perspectiva cultural e estética• Renascimento
• Racionalidade – Descartes e Newton
• Positivismo
• Secularização
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• No sentido intelectual, os produtores estruturantes do Iluminismo
(filósofos) deram origem a uma nova ortodoxia intelectual com
linhas de pensamento diferentes das anteriores:
– Anti-clericalismo
– A crença na preponderância do conhecimento empírico e materialista
– Entusiasmo pelos progressos médicos e tecnológicos
– Um desejo de reformas legais e constitucionais
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• Contudo, estas concepções não questionam ainda a estrutura
económica e social do século XVIII na Europa.
• Só com o aparecimento da Sociologia se começam a abordar as
temáticas das reformas e da revolução, centradas nos campos
económicoeconómico (industrialização e desenvolvimento do capitalismo),
socialsocial (desarticulação da sociedade tradicional) e políticopolítico
(ocorrência, por exemplo, das Revoluções Americana de 1776 e
Francesa de 1789).
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• As diferentes conceptualizações sobre a modernização do mundo
tendem a configurar modelos globais e, como tal, caracterizáveis
sob os pontos de vista económico, político, organizacional e
pessoal.
– No campo económicoeconómico, porque se dá início à separação entre a família e
o trabalho e se procura o aumento da produtividade, pela concentração
racional da produção em massa no sistema fabril.
– PoliticamentePoliticamente, pela emergência de um Estado interventivo e regulador,
nomeadamente em matéria económica.
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– OrganizacionalmenteOrganizacionalmente, pelas burocracias enormes e, muitas vezes
inábeis que a modernidade gerou, na procura da gestão de um
complexidade crescente.
– PessoalmentePessoalmente, pela construção de um sistema e de uma ordem,
propiciadores de algum sentido de identidade colectiva e de pertença, o
que gerou um preço a pagar pela racionalidade, que é a perda do
espírito e da magia. Nomeadamente este último facto conduziu,
segundo a concepção de Weber, ao desencantamento do mundo.
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1.1. Modernidade e organização
• MARX, DURKHEIM, WEBERWEBER relação dogmática entre modernidade e organização.– Partilham do pressuposto de que a modernidade foi alcançável através
das organizações.
• Pré-modernidade:Pré-modernidade:– Decorreu enquanto a agricultura foi mais importante do que a indústria.
• Modernidade:Modernidade:– Iniciou-se com a maior relevância da indústria face à agricultura.
– Após a II GM, a tese de Weber ganha notoriedade e aceitação por fazer procurar equivaler racionalidade a eficiência.
• Pós-modernidadePós-modernidade ...
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• Não é, pois, de admirar que as principais raízes do modernismo organizacional tenham sido desenvolvidas a partir a obra de Max Weber.
• Porém, não existe uma única perspectiva quanto ao modernismo e à sua influência no campo de acção. Na verdade, as organizações foram representadas nos mais diversos termos modernistas. Foram imaginadas como:– Tipos ideaisTipos ideais e respectivas disfunçõesdisfunções (burocráticas)
– SistemasSistemas e respectivos mecanismos de processamentomecanismos de processamento
– OrganizaçõesOrganizações e respectivas contingênciascontingências
– MercadosMercados e respectivas ecologiasecologias
– CulturasCulturas e respectivos rituais e mitos institucionalizadosrituais e mitos institucionalizados
– RealpolitikRealpolitik do poderpoder
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• O próprio desenvolvimento da sociologia como ciência é
atravessado pelo objectivo de compreensão dos contornos da
modernidade emergentes no século XIX.
• MARXMARX e DURHKEIMDURHKEIM desenvolveram duas importantes reacções
(opostas) à modernização.
– MARXMARX: a modernização correspondia à maturação e à eventual
superação do capitalismo como modo de produção mundialmente
dominante, tal implicando a superação da divisão do trabalho (essência
da racionalidade capitalista).
• Ideia implícita – a sociedade futura, plenamente modernista, caracterizar-se-
ia por estruturas organizacionais simples, indivíduos multiqualificados,
ausência de hierarquia e elevados níveis de rotação de postos de trabalho.
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– DURHKEIMDURHKEIM: por sua vez, antevia uma crescente divisão do trabalho
nas sociedades e concebia a organização modernista como palco de
uma tendência para o “sobredesenvolvimento” da divisão do trabalho.
• Esta tendência conduziria ao aumento (moralmente arriscado) da
diferenciação das identidades sociais existentes.
• Ideia implícita – a modernidade organizacional estava associada à
hierarquia e complexidade, bem como ao desenvolvimento de uma
sociedade mercantilizada.
• Apesar do autor insistir que a modernização se tratava de um processo de
cariz económico, a sua análise faz transparecer um conteúdo muito menos
economicista do que o trabalho de Marx.
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• Independentemente das perspectivas particulares dos cientistas
sociais do século XIX, todos partilhavam de uma concepção
“universalista” da modernização enquanto veículo para a
modernidade:
– A imagem que tinham do futuro:
• «Eliminação gradual das diferenças culturais e sociais em favor de uma
cada vez maior participação de todos num modelo geral, único e comum de
modernidade.» (TOURAINE, 1988:443).
• Assente na ideia de que os problemas humanos teriam que ser resolvidos
com base na razão, i.e., a modernidade seria “alcançável” se se aplicasse à
condução dos problemas humanos os princípios gerais da razão.
(TOURAINE, 1988:443).
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• É pacífico, então, afirmar que a importância da “organização” (vide CLEGG, 1998:31) decorria do facto de esta estar subjacente à mudança social ( modernidade).
• COMTECOMTE, SAINT-SIMONSAINT-SIMON, DURKHEIMDURKHEIM e MARXMARX– “fundadores” da sociologia e testemunhas do nascimento da
modernidade.
– Porém, os seus escritos em pouco contribuíram para o estudo sistemático das organizações.
• Apenas a obra de Max WEBERWEBER foi entendida como marco inaugurador de um estudo rigoroso das organizações, nomeadamente, a sua análise da natureza da burocracia, da vida económica em geral e da afinidade electiva existente entre a “ética protestante” e o “espírito do capitalismo”.
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1.2. WEBERWEBER e a análise das organizações
• É óbvio que Max WEBERWEBER não pretendia fundar o campo de análise
específico dos estudos organizacionais.
• Os seus intentos comparativos extravasavam as organizações em
si; alargaram-se às questões e temas associados à compreensão
das principais culturas mundiais e à sua relação com a
modernidade secular e racional, tendo por base as religiões
mundiais com maior relevância.
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• Daqui resultam, na década de 50, os trabalhos de:
– Peter BLAUBLAU (1955);
– Alvin GOULDNERGOULDNER (1954);
– Amitai ETZIONIETZIONI (1961).
• Fontes de inspiração deste conjunto de autores:
– As orientações pioneiras de Philip SELZNICKSELZNICK (1942; 1948) e de Robert
MERTONMERTON (1940);
– As “teorias formais de administração”, com carácter mais pragmático,
desenvolvidas por consultores, engenheiros e gestores bem sucedidos,
como:
• Chester BARNARDBARNARD (1938), nos Estados Unidos;
• Charles PERROWPERROW (1986) e Henry FAYOLFAYOL (1949), na Europa.
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• Para além destes, existia um conjunto de trabalhos claramente
associado à crítica de Elton MAYOMAYO à “civilização industrial” que
tinha sido construída com base na imagem individualista do homem
que Frederick TAYLORTAYLOR (1911) começou por desenvolver na
indústria americana e que, posteriormente, foi difundida no mundo
ocidental.
– Esta crítica deu origem à chamada “teoria das relações humanas”
• Esta abordagem, sublinha a importância da organização social informal que
era subjacente à organização formal.
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• Independentemente das fontes realçadas, e da sua influência tanto
no campo teórico, como na prática, o certo é que foi o trabalho de
Max WEBERWEBER que ganhou maior destaque e, até, estatuto
académico.
• WEBER foi, assim, eleito como percursor da análise das
organizações e como um dos seus fundadores.
• Como refere PUGHPUGH (1971:13), após ter sido eleito como fundador
legítimo, podia atribui-se a Weber:
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«o estudo de três tipos gerais de organizações com base no critério
da legitimidade da autoridade dominante, e a concentração da
análise no facto de o tipo burocrático ter-se tornado preponderante
na sociedade moderna devido, segundo o autor, à sua maior
eficiência técnica. Ao fazê-lo, fundou o ponto de partida de uma
série de estudos sociológicos em que se pretendia analisar a
natureza e o funcionamento da burocracia, mais precisamente, as
disfunções desta forma estrutural que não haviam sido ponderadas
pela análise original.»
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• As organizações, na forma como foram caracterizadas por Max
WEBER, enquanto tipo ideal de burocracia, constituem uma
representação modernista de práticas modernistas.
• O modernismo consistia, assim, num conjunto de tendências
empíricas, consideradas irresistíveis e inevitáveis (a famosa
“racionalização” do mundo), cujo sucesso seria atribuído à
burocracia, enquanto mecanismo principal da sua conquista.
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• Porém, o processo de racionalização do mundo desembocaria no
“aprisionamento” da humanidade numa masmorra – o «colete-de-colete-de-
forças da burocraciaforças da burocracia».
– As organizações tornar-se-iam elementos essenciais e inevitáveis da
modernidade, quer trilhasse esta caminhos ao som do tambor
capitalista ou socialista.
– É, por isso, que se afirma que a TO é, em vários aspectos, uma
disciplina modernista (visava descortinar os factores que contribuíam
para a eficiência do desenho organizacional).
– Nesta linha, a modernidade parece estar associada não a múltiplas,
mas a uma forma particular de organização que, de modo crescente e
irreversível, se tornaria definitiva – a organização burocrática.
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• A modernidademodernidade – capacidade de responder a um ambiente instável
e para gerir sistemas complexos (TOURAINE, 1988:452) – e a
organizaçãoorganização estavam envolvidas numa convergência profética:
– A concepção específica da organização tornava-se na essência da
modernidade.
• Não se tratava de um conceito de organização meramente formal, enquanto
simples meio para atingir uma acção intencional, repetitiva e rotineira, mas
antes de um conceito real que, na sua definição, transportava valores e um
propósito muito claros.
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• De facto, não raras vezes, o modernismo adquiriu um carácter
moral explícito.
– Charles PERROWPERROW – Complex Organizations, contribuiu de forma
decisiva para o desenvolvimento de uma concepção de burocracia
como projecto moral:
• A racionalidade organizacional, expressa nos princípios da burocracia,
surge como garantia contra a discriminação, alicerçada em aspectos
particulares da identidade, como a etnicidade, o género, a idade, e religião e
a sexualidade.
• A moralidade da burocracia radica na sua promessa implícita de tratar cada
um apenas de acordo com o seu estatuto, enquanto membro da
organização, independentemente de quaisquer outros aspectos da sua
identidade.
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• Nesta concepção de burocracia como projecto moral, de carácter liberal, de
Perrow, espelham-se os princípios do universalismo burocrático:
– Cada um apenas deve ser tratado de acordo com os direitos, responsabilidades,
normas e deveres inerentes à sua posição, enquanto membro de uma
organização; e o facto de uma pessoa ser preta, branca, vermelha ou verde,
homem ou mulher, hetero ou homossexual deve ser totalmente irrelevante.
• Em alguns aspectos importantes, as organizações constituem, de facto, a
forma característica da nossa condição moderna:
– A maioria das pessoas só consegue alcançar alguma forma de articulação de
interesses através da representação organizacional. Sindicatos, partidos,
governos, empresas e outras organizações privadas e públicas constituem meios
através dos quais participamos na modernidade, exceptuando o teatro e o ritual
ocasionais que caracterizam o processo político formal.
– Na verdade, para a maioria das pessoas, vida organizacional significa vida vida organizacional significa vida
públicapública.
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• Porém, definitivamente, WEBERWEBER não era a favor nem contra o conceito de
burocracia.
– Enquanto nacionalista liberal convicto, interpretou a pré-modernidade em termos
germânicos:
• Como reportando-se a um conjunto de Estados enfraquecido e fragmentada, não a um
forte Estado-Nação.
• Desta forma, e inerente aos ideais iluministas, tal correspondia à aniquilação dos
“selvagens” das Américas, da África, da Ásia, da Oceânia e da Austrália e à sua
transformação numa massa subordinada ao modelo dominante.
– Porém, a realidade actual nada tem a ver com o contexto em que ele viveu.
Aliás, Weber apenas insiste na racionalização das formas de vida menos racionalização das formas de vida menos
“racionais”“racionais”.
– Tendo por base esta perspectiva, o projecto de eliminação da diferença pode ser
descrito através da metáfora do “colete-de-forças da burocracia”.
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1.3. O colete-de-forças da burocraciaO colete-de-forças da burocracia
• Segundo WEBER, o advento da modernidade testemunhava a
invasão das esferas da vida pela “disciplina” da burocracia.
– A difusão da burocracia tornou-se irresistível devido à «superioridade
puramente técnica, por comparação com as restantes formas de
organização» (Weber, 1948:214), mas em muitos aspectos Weber
encarava-a com cepticismo, pois, a burocracia não deixava de ser um
produto humano.
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• Porém, a superioridade técnica da burocracia – comparativamente
com as administrações pré-burocráticas – não significa que Weber
chegue a conclusões optimistas:
– Ele reconhece as ambivalências, nomeadamente pelo perigo de
despersonalizaçãodespersonalização e pelo facto de a racionalidade conduzir ao racionalidade conduzir ao
desencantamentodesencantamento de que falamos (vide Clegg, 1998:35).
– Para Weber, ainda que a burocracia fosse “necessária”, “inevitável”,
“inelutável”, “infalível”, “universal” e simplesmente “inquebrável”, tal
ilustrava, em última instância, algum pessimismo cultural: a burocracia, a burocracia,
ainda que irresistível, era totalmente “horrenda”, mas marcava o ainda que irresistível, era totalmente “horrenda”, mas marcava o
«destino da (nossa) época»«destino da (nossa) época» (Weber, 1920).
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• George RITZERRITZER, que analisou a McDonaldização como uma ilustração da
teoria de Weber da racionalização e do desencantamento, diz o seguinte:
«A McDonalds opera com um menu limitado, quantidades certas de comida e sistemas
padronizados de distribuição com vista a aumentar a eficiência, margens de lucro e
segurança. A McDonaldização retira todas as surpresas da vida; os seus métodos de
produção anulam o aleatório, incluindo o risco de intoxicação. A pequena e rápida
refeição ingerida na McDonalds é o oposto do ritual de orgia das refeições das
hordas primitivas. A diferença entre a refeição da família tradicional, com a sua
civilidade e convivialidade, e a refeição no McDonalds revela bem a distinção entre o
modo de vida tradicional e o sistema racional da moderna sociedade industrial.»
(Ritzer, 1996, in Turner Ed., 2000:492)
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• Segundo GRUMLEYGRUMLEY (1988), o trabalho de Max Weber constitui
provavelmente aa tentativa intelectual mais complexa de
sistematização da repentina mudança da pré-modernidade para a
modernidade.
– A acção racional consistia precisamente na capacidade de responder
às novas incertezas de um mundo sem significado.
– O mundo moderno era, por definição, uma época de incerteza e, esta,
definia e limitava a liberdade.
• As práticas racionais conduzem à previsibilidade dos comportamentos
organizacionais.
• Só a racionalidade limitaria a incerteza do mundo moderno.
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• Segundo Weber, a burocraciaburocracia constituía um modo de
organização.
– O conceito de organizaçãoorganização agregava: Estado, partidos políticos,
igreja ou seita e a empresa.
– Mas a característica definidora da organização era a presença
de:
• um líder
• um corpo administrativo
1.4. As tendências variáveis da burocraciaAs tendências variáveis da burocracia
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• A racionalidade burocrática desenvolveu-se, assim, a partir de
dois grandes tipos de acção:
– Acções racionais comparativamente com os valores;
– Acções racionais relativamente aos fins – Weber privilegiava este tipo
de acção, subordinando a dimensão humana ao funcionamento
(técnico) da burocracia.
• Tal seria uma consequência do “desencantamento do mundodesencantamento do mundo”, até
aí marcado pelo desenvolvimento da história com base em crenças,
superstições, religiões organizadas ou partidos políticos centrados
em “sujeitos históricos”, dos quais o proletariado é um exemplo.
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• Era, então, das acções racionalmente orientadas para um sistema
de fins individuais discretos que decorreria a legitimidadelegitimidade:
– do poderpoder – capacidade de forçar as pessoas a obedecer,
independentemente da sua vontade;
– da autoridadeautoridade – obediência voluntária a ordens por parte de quem as
recebe.
• A autoridadeautoridade varia, assim, consoante o modo como é legitimidade,
havendo, da mesma, três tipos:
– a carismática, fundada na capacidade do líder;
– a tradicional, assente no costume;
– a racional-legal, baseada na racionalidade e na forma, sendo nesta que
se sustenta o modelo burocrático.
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• Como afirma Evan (1993:23):
«A teoria racional-legal da burocracia, de Weber, constrange todo o
pessoal, incluindo os decisores de topo, compele à conformidade
com as políticas existentes, papéis e regulações. Se bem que não
seja impossível para as elites organizacionais em burocracia iniciar
políticas e mudanças organizacionais, é um lento e incerto
processo, razão pela qual se caracteriza o papel da gestão em
burocracia como reactivoreactivo.»
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• Esta “reactividade” decorria da dependência do exterior face à
procura, aos mercados e à tecnologia.
• O que explica, também, o êxito da burocracia num século que,
sendo de progresso, foi, até há pouco, também de continuidade.
• Porém, a descontinuidade do actual progresso caracteriza-se por:
– Imprevisibilidade da procura;
– Diversificação globalizada de mercados;
– Intensidade da mudança tecnológica.
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• As organizações precisavam, assim, de “ordemordem” para subsistir,
mas, adicionalmente, de capacidade para entender, interiorizar e
responder aos desafios que, vindos de fora delas próprias, as
obrigavam a evoluir sem pôr em causa a base que regia o seu
funcionamento até essa altura.
– Esta é, aliás, uma das debilidades actualmente apontada à teoria de
Weber, já que fez encarar as organizações como “sistemas fechados”,
influenciados pela envolvente, mas sem tornar evidentes os efeitos da
burocracia para o sistema social.
– De facto, Weber apenas apontou para a emergência do estado
moderno e da economia de mercado capitalista como pré-requisitos
para o êxito da burocracia racional-legal.
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• Não é, pois, de estranhar que as preferências de Weber vão para o
exercício do poder racional-legal, já que os tipos de autoridade
tradicional e carismático são menos bem adaptados, pela menor
constância que pressupõem, como dependentes do tipo de líder ou
da manutenção de costumes.
• É a legitimidadelegitimidade do tipo racional-legal que entende dever
caracterizar a sociedade moderna, impondo-se a autoridade pela
via de um estatuto legal e de competências positivas, fundadas
sobre regras estabelecidas racionalmente.
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• Na base da burocracia estão, assim, as crenças dos seus membros
na legitimidadelegitimidade da sua existência, dos seus protocolos, do seu
pessoal e das suas políticas.
• É por isso que a burocraciaburocracia tem razões históricas:
– Superioridade técnicaSuperioridade técnica: as ineficiências podem existir e ser denunciadas
como consequência de normas que as sancionam;
– Calculabilidade do capitalCalculabilidade do capital: decorrente da necessidade de prever de
maneira racional e unívoca os custos e benefícios de todos os actos
económicos relevantes;
– Aparecimento da democracia de massasAparecimento da democracia de massas: a qual se pressupõe ser
capaz de garantir a todos os cidadãos tratamentos iguais, imparciais e
previsíveis, segundo as normas vigentes.
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• Com efeito, a burocracia marcou indelevelmente o século XX,
através das seguintes tendências:
1. Descontinuidade das tarefas, pela especialização funcional
(especializaçãoespecialização);
2. Separação funcional das tarefas, que faz com que o pessoal
tenha de dispor de níveis de autoridade e de poder de sanção
proporcionais aos seus deveres (tendência para a legitimação legitimação
da actividade organizacionalda actividade organizacional);
3. Dada a distribuição funcional das tarefas, necessidade de
existência de alguma relação de hierarquia entre os poderes, o
que pressupõe a tendência para a hierarquizaçãotendência para a hierarquização;
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4. Delegação de poderes consubstanciada em contratos de
trabalho pormenorizados, que especificam deveres, direitos,
obrigações e responsabilidades (contratualização das relações contratualização das relações
organizacionaisorganizacionais);
5. Como o contrato especifica as qualidades exigidas pelo
trabalho, há uma procura de especificação das qualidades em
termos de qualificações medidas por diplomas formais
(tendência para a credencializaçãotendência para a credencialização);
6. Como o preenchimento das diferentes posições da hierarquia
exige credenciais estratificadas diferenciadamente, tal
pressupõe uma estrutura de carreira (tendência para a tendência para a
carreirizaçãocarreirização);
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7. Remuneração diferenciada das várias posições hierárquicas
(estratificação das organizaçõesestratificação das organizações);
8. A hierarquia está claramente consubstanciada nos direitos de
controlo, específico dos superiores, e no poder de resistência a
tentativas impróprias de controlo, próprias dos subordinados
(configuração específica da autoridadeconfiguração específica da autoridade no interior da estrutura);
9. A separação funcional, a descontinuidade das tarefas e as
relações hierárquicas levam a que a realização e o controlo do
trabalho inerente à organização devam ser alvo de uma
definição normativa formal, em termos técnicos ou legais, por
forma a que as normas possam ser seguidas
independentemente das pessoas, isto é, sem medo de
represálias (tendência para a formalização das normasformalização das normas);
Ana Maria Santos 40
10.A formalização das normas exige que a gestão se baseie em
documentos escritos, adquirindo a acção organizacional uma
forma estandardizada (estandardizaçãoestandardização);
11.As relações não são exclusivamente hierárquicas; a
centralidade da referida repartição promove o desenvolvimento
da comunicação, da coordenação e do controlo, que passam
necessariamente por este centro (centralizaçãocentralização);
12.A acção legítima passa por uma nítida diferenciação entre
acção burocrática e acção particular dos indivíduos
(legitimaçãolegitimação da acção organizacional);
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13.O poder pertence ao cargo e não à função do titular desse
cargo (oficializaçãooficialização);
14.Como os poderes são exercidos em nome do cargo e não da
pessoa, há uma tendência para a despersonalizaçãodespersonalização da acção
organizacional;
15.Esta despersonalização ocorre de acordo com sistemas
disciplinares do conhecimento desenvolvidos na organização e
importados de corpos de conhecimento profissional exteriores
(disciplinarizaçãodisciplinarização da acção organizacional).
Ana Maria Santos 42
• Cada uma destas quinze tendências da burocracia era
representada como variável do “tipo ideal”, podendo um dado
processo estar mais ou menos presente numa organização
específica.
• De facto, «estes tipos acentuam, de forma expressa e consciente,
aspectos relevantes da realidade, constituindo um modelo artificial
que serve de esquema interpretativo e explicativo» (Clegg e
Dunkerley, 1980:38).
• Analisados em conjunto, estes processos expressam a forma como
Weber antevia a transformação do mundo num complexo de
gaiolas de ferro.
Ana Maria Santos 43
• Apesar de merecidamente influentes, as análises de Weber foram
objecto de revisão e crítica.
• Quando os investigadores começaram a fazer estudos empíricos
das organizações, recorrendo ao tipo ideal de burocracia,
rapidamente concluíram que:
No mundo real da modernidade, e não na teorização de Weber, as No mundo real da modernidade, e não na teorização de Weber, as
tendências burocráticas nem sempre apareciam em conjunto num tendências burocráticas nem sempre apareciam em conjunto num
pacote racional-legal completopacote racional-legal completo.
O fim do colete-de-forças
Ana Maria Santos 44
• Eis alguns autores que evidenciaram nos seus estudos que, na
prática, a burocracia do “tipo ideal” não é perfeita:
– Blau e ScottBlau e Scott
– EtzioniEtzioni
– Merton e SelznickMerton e Selznick
– HageHage
– Burns e StalkerBurns e Stalker
– Gouldner e BlauGouldner e Blau
(Vide CLEGG, Stewart R. – As Organizações Modernas. Lisboa: Celta, 1998, pp. 47-55)
Ana Maria Santos 45
• A burocratizaçãoburocratização (do “tipo ideal”) e a racionalizaçãoracionalização não podem ser
tão facilmente conceptualizados enquanto representações da
modernidade.
• A organização racionalizada, burocratizada, não é necessariamente
mais eficiente.
• A organização burocrática foi, durante a era industrial clássica, o
modelo ideal para as grandes organizações enquanto elas
funcionavam num ambiente estável e de pouca mudança. Mas o
tempo passou, e o mundo mudou…
• A organização burocrática do “tipo ideal” já não é mais o «destino
da nossa época»!
Algumas conclusões…
Advertência!Advertência!
O estudo destes apontamentos NÃO dispensa a leitura das obras referenciadas na
Bibliografia, constante do Programa da cadeira de Sociologia das Organizações.