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Revista SÍNTESE Direito Ambiental ANO V – Nº 27 – SET-OUT 2015 REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Portaria CONJUD nº 610-001/2013 Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087 Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Portaria nº 02, de 31.05.2012 – Registro nº 25 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Portaria nº 942, de 13.08.2013 – Ofício – 1528443 – GPRES/EMAGIS Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Informação nº 001/2013-GAB/DR DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL E DE CONSULTORIA Eliane Beltramini COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Patrícia Rosa da Costa Ruiz CONSELHO EDITORIAL André Luis Saraiva, Antomar Viegas, Daniel Roberto Fink, Gina Copola, João Roberto Rodrigues, Luis Fernando Galli, Marcelo Beserra, Maria Luiza Machado Granziera, Patrícia Faga Iglecias Lemos, Paulo de Bessa Antunes, Ronald Victor Romero Magri, Toshio Mukai COMITÊ TÉCNICO Elisson Pereira da Costa, Francisco Salles Almeida Mafra Filho, Renata Jardim da Cunha Rieger, Sylvio Toshiro Mukai, Veridiana Pinheiro Lima COLABORADORES DESTA EDIÇÃO André Luis Saraiva, Carlos Roberto de Oliveira, Fellipe Simões Duarte, Ives Gandra da Silva Martins, Juliana Alcorta Furlan, Tauã Lima Verdan Rangel, Toshio Mukai ISSN 2236-9406

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Revista SÍNTESEDireito Ambiental

Ano V – nº 27 – Set-out 2015

RepoSitóRio AutoRizAdo de JuRiSpRudênciA

Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Portaria CONJUD nº 610-001/2013Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087

Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Portaria nº 02, de 31.05.2012 – Registro nº 25Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Portaria nº 942, de 13.08.2013 – Ofício – 1528443 – GPRES/EMAGIS

Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Informação nº 001/2013-GAB/DR

diRetoR executiVo

Elton José Donato

GeRente editoRiAl e de conSultoRiA

Eliane Beltramini

cooRdenAdoR editoRiAl

Cristiano Basaglia

editoRA

Patrícia Rosa da Costa Ruiz

conSelho editoRiAl

André Luis Saraiva, Antomar Viegas, Daniel Roberto Fink, Gina Copola, João Roberto Rodrigues, Luis Fernando Galli, Marcelo Beserra, Maria Luiza Machado Granziera, Patrícia Faga Iglecias Lemos,

Paulo de Bessa Antunes, Ronald Victor Romero Magri, Toshio Mukai

comitê técnico

Elisson Pereira da Costa, Francisco Salles Almeida Mafra Filho, Renata Jardim da Cunha Rieger, Sylvio Toshiro Mukai, Veridiana Pinheiro Lima

colAboRAdoReS deStA edição

André Luis Saraiva, Carlos Roberto de Oliveira, Fellipe Simões Duarte, Ives Gandra da Silva Martins, Juliana Alcorta Furlan,

Tauã Lima Verdan Rangel, Toshio Mukai

ISSN 2236-9406

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2011 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência, legislação e outros assuntos de Meio Ambiente.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 2.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista Síntese Direito Ambiental. – v. 5, n. 27 (Out. 2015)- . – São Paulo: IOB, 2011- . v. ; 23 cm.

Bimestral. ISSN 2236-9406

1. Direito ambiental. 2. Meio ambiente.

CDU 351.777.6 CDD 341.347

Bibliotecária responsável: Nádia Tanaka – CRB 10/855

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.iobfolhamatic.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

Na vigésima sétima edição da Revista SÍNTESE Direito Ambiental, publicamos na Seção Assunto Especial o tema “Mudanças Climáticas”.

Abordaremos quais os impactos ambientais que as mudanças climá-ticas causam.

Sobre o tema, publicamos dois artigos. O primeiro, intitulado “Polí-tica Nacional sobre a Mudança do Clima (PNMC). Lei nº 12.187/2009 e o Decreto nº 7.390/2010. Mudança do Clima & Mercado de Carbono. ‘Novo Entrave à Vista ou Excelente Oportunidade para os Países em Desenvolvi-mento’”, de autoria do Presidente & CEO do Prac – Programa de Responsa-bilidade Ambiental Compartilhada, Membro do nosso Conselho Editorial, André Luis Saraiva; e, o segundo, intitulado “A Política Nacional sobre Mu-dança do Clima em Análise: Breves Comentários à Lei nº 12.187/2009”, elaborado pelo Mestrando em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) Tauã Lima Verdan Rangel. Além de duas íntegras do STJ e do ementário.

Na Parte Geral, publicamos três artigos, quais sejam: “O Controle So-cial na Regulação dos Serviços Públicos de Saneamento Básico: Desafios e Estágio de Implantação da Lei Federal nº 11.445/2007”, elaborado pelo Advogado, Mestre em Direito pela USP, Carlos Roberto de Oliveira e pela Gra-duanda em Direito Juliana Alcorta Furlan; “Responsabilidade Socioambiental das Instituições Financeiras (Resolução nº 4.327, de 25.04.2014)”, elaborado Mestre e Doutor em Direito do Estado, integrante do nosso Conselho Editorial, Toshio Mukai; e “A Obrigação de Fazer Ambiental e a Responsabilidade Fis-cal do Estado”, elaborado pelo Advogado Fellipe Simões Duarte.

Selecionamos, outrossim, sete relevantes Acórdãos na Íntegra: um do STF, um do STJ, um do TRF da 1ª R., um do TRF da 2ª R., um do TRF da 3ª R., um do TRF da 4ª R. e um do TRF da 5ª R, além de vasto ementário com valor agregado.

Na Seção Especial, contamos com um Parecer do renomado Jurista Ives Gandra da Silva Martins, intitulado “Estímulos Fiscais para o Desenvol-vimento Econômico em Projetos com Impactos Favoráveis à Preservação e Recuperação Ambiental”.

Não deixe de ver nossa Seção Clipping Jurídico, na qual oferecemos textos concisos que destacam, de forma resumida, os principais aconteci-mentos do período, tais como notícias, projetos de lei, normas relevantes, entre outros.

Aproveite esse rico conteúdo e tenha uma ótima leitura!

Eliane BeltraminiGerente Editorial e de Consultoria

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ....................................................................7

Assunto EspecialMudanças CliMátiCas

doutrinas

1. Política Nacional sobre a Mudança do Clima (PNMC). Lei nº 12.187/2009 e o Decreto nº 7.390/2010. Mudança do Clima & Mercado de Carbono. “Novo Entrave à Vista ou Excelente Oportunidade para os Países em Desenvolvimento”André Luis Saraiva ......................................................................................9

2. A Política Nacional sobre Mudança do Clima em Análise: Breves Comentários à Lei nº 12.187/2009Tauã Lima Verdan Rangel ........................................................................12

JurisprudênCia

1. Acórdão na Íntegra (STJ) ...........................................................................25

2. Acórdão na Íntegra (STJ) ...........................................................................35

3. Ementário de Jurisprudência .....................................................................50

Parte Geral

doutrinas

1. O Controle Social na Regulação dos Serviços Públicos de Saneamento Básico: Desafios e Estágio de Implantação da Lei Federal nº 11.445/2007Carlos Roberto de Oliveira e Juliana Alcorta Furlan .................................58

2. Responsabilidade Socioambiental das Instituições Financeiras (Resolução nº 4.327, de 25.04.2014)Toshio Mukai ...........................................................................................77

3. A Obrigação de Fazer Ambiental e a Responsabilidade Fiscal do EstadoFellipe Simões Duarte ..............................................................................82

JurisprudênCia

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Supremo Tribunal Federal ........................................................................90

2. Superior Tribunal de Justiça......................................................................95

3. Tribunal Regional Federal da 1ª Região ..................................................108

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4. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................112

5. Tribunal Regional Federal da 3ª Região ..................................................117

6. Tribunal Regional Federal da 4ª Região ..................................................124

7. Tribunal Regional Federal da 5ª Região ..................................................136

ementário

1. Ementário de Jurisprudência de Direito Ambiental .................................142

Seção EspecialPArecer

1. Estímulos Fiscais para o Desenvolvimento Econômico em Projetos com Impactos Favoráveis à Preservação e Recuperação Ambiental ParecerIves Gandra da Silva Martins ..................................................................202

Clipping Jurídico ..............................................................................................228

Resenha Legislativa ..........................................................................................237

Bibliografia Complementar .................................................................................238

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................239

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Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação

do Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publicações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Revista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remune-ração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

dicos da SÍNTESE.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “arábi-

co”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preen-cher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastro-deautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

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Assunto Especial – Doutrina

Mudanças Climáticas

Política Nacional sobre a Mudança do Clima (PNMC). Lei nº 12.187/2009 e o Decreto nº 7.390/2010. Mudança do Clima & Mercado de Carbono. “Novo Entrave à Vista ou Excelente Oportunidade para os Países em Desenvolvimento”

ANDRÉ LUIS SARAIVAPresidente & CEO do Prac – Programa de Responsabilidade Ambiental Compartilhada, Vice--Presidente de Relações do Trabalho e Sindicais do Sinaees – Sindicato das Indústrias de Apa-relhos Elétricos Eletrônicos e Similares do Estado de São Paulo, Gestor de Desenvolvimento Ambiental das Empresas: Tamarana Tecnologia & Soluções Ambientais e Rondopar Energia Acumulada.

Qual o real potencial do Mercado de Crédito de Carbono?

Quando ouvirem a pergunta, recomendo muita atenção. O assunto merece consideração especial por sua amplitude e seus benefícios diretos que podem trazer ao meio ambiente e aos países em desenvolvimento. No meu entendimento, essa história começa no Protocolo de Kyoto e envolve caminhos amplos, como o do CCX – Chicago Climate Exchange. Olhando atentamente para tudo o que se escreve e se fala sobre o tema, vale ressaltar, de forma clara, o brilhante livro Caminhos da sustentabilidade no Brasil, pro-duzido pela Terra das Artes Editora, apresentação de Stephan Schmidheiny e repleto de pessoas importantes no meio ambiental com seus respectivos pensamentos e artigos, que reputo ser uma das mais belas publicações já efetuadas. Bom, vamos ao trabalho! Tudo começou no Protocolo de Kyoto. Neste documento, os países listados no Anexo I (chamados: desenvolvidos) terão de reduzir suas emissões de GEE – Gases de Efeito Estufa em 5,2%, com relação aos níveis declarados em 1990, para a primeira etapa do com-promisso (2008 e 2012). Para que o assunto tomasse a proporção devida, era necessário atender a duas premissas: que 55 países o ratificassem e que as emissões desses países equivalessem a, pelo menos, 55% das emissões de GEE em 1990.

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10 ......................................................................................................... RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Nota importante: com a recusa dos Estados Unidos em ratificarem o Protocolo em 2001, para que as condições fossem atendidas, era necessária a ratificação também da Rússia, o que só ocorreu no final de 2004, portanto, passando a vigorar a partir de fevereiro de 2005. Outra iniciativa criada na recusa norte-americana em ratificar o Protocolo foi o CCX, mercado volun-tário e autorregulado no qual as empresas se comprometeram a reduzir suas emissões de GEE em 1% cumulativamente entre 2003 e 2006 (fase piloto), com relação aos níveis emitidos entre 1998-2001. Isto é, ao final de 2006, as empresas deveriam ter reduzido suas emissões em 4%.

E o Brasil nessa história?

Nós não somos um país que consta do Anexo I. Assim, não temos compromissos de reduzir nossas emissões de GEE no primeiro período de compromisso, mas, que fique bem claro, temos, com certeza, absoluto pa-pel a desempenhar nesse mercado, por meio do MDL – Mecanismo de De-senvolvimento Limpo que se tornou uma ferramenta de flexibilização no Protocolo, desenvolvida para reduzir os custos dos países do Anexo I no compromisso de atender aos seus objetivos e metas, tornando-se, assim, o único meio que permite a interação entre os países do Anexo I e os não lis-tados no documento. Os países listados no Anexo I estão de olho em países em desenvolvimento capazes de produzir projetos que resultem em redu-ção de emissões quantificadas e certificadas para comercializá-las junto aos países do Anexo I, computando esse volume como quantidades reduzidas. Vale lembrar que, para essa operação ter validade, nossos projetos precisam obter as tais RCE – Reduções Certificadas de Emissão, que podem envolver entidades privadas ou públicas. Os RCE deverão traduzir, de forma clara, os seguintes ganhos reais: mitigação da mudança do clima e redução de gases de efeito estufa, bem como promover uma redução de emissões que seja adicional, ou seja, uma redução de emissões que não seria obtida no caso da inexistência do projeto.

Outra variável primordial a ser observada no RCE é que, além de caracterizar a qualidade da mercadoria a ser ofertada e as reduções de emissões de GEE em toneladas equivalentes de CO2, o projeto demonstra credibilidade e consistência do ponto de vista econômico, social e ambien-tal. Concluindo, o MDL é complexo e extenso, justamente porque oferece benefícios claros e prazos extensos, reais e mensuráveis. Assim, essa com-plexidade também permite acesso a recursos de longo prazo, que, em nosso País, são escassos. Portanto, a moral da história: “O MDL deve ser visto com muita seriedade, pois propicia projetos com tecnologias limpas e, ainda,

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RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA..............................................................................................................11

pode mudar o cenário dos investimentos em nosso País”, destaca André Saraiva.

O NOVO ACORDO DE MUDANÇA DO CLIMA

COP 21 (Conferência das Partes), que será realizada em dezembro de 2015 em Paris, França.

Em dezembro deste ano, em Paris, os países membros da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), irão se reunir na busca por um consenso sobre qual será o rumo que a Convenção de Clima irá tomar. Os países buscarão assinar um novo acordo global, que possa substituir o Protocolo de Kyoto, único instrumento legal da Con-venção.

Acredito que, em face de nossa biodiversidade, o Brasil tem papel im-portante neste cenário. Nossos negociadores, representados pelo Itamaraty, deverão estar bem ocupados frente aos seguintes destaques: Mudança do Clima e Impactos sobre a Indústria Nacional; como os países em desenvol-vimentos devem construir seus processos de Gestão de Emissões de GEE e como manter a Competitividade da Indústria Nacional; e os Impactos Físi-cos dessa Adaptação às Mudanças Climáticas.

A COP 21 deverá definir globalmente o caminho a seguir para limitar o aquecimento global. Os países do G7 (Estados Unidos, Canadá, Japão, França, Alemanha, Itália, Reino Unido), que representam 10% da popu-lação mundial e cerca de um quarto das emissões de dióxido de carbono (CO2), devem focar seus objetivos em limitar o aumento da temperatura global do planeta a 2 graus Celsius ate 2030. E, para que a conferência de Paris seja um sucesso, será necessário obter o apoio de países que ainda não atingiram sua cota máxima de emissão para se desenvolver, tais como China, Índia, Rússia e Brasil.

Neste sentido, acredito que Câmara de Comércio Internacional reco-nhece o momento de tomar medidas urgentes para combater as alterações climáticas em todas as frentes. As consequências de não reduzir as emissões de gases de efeito estufa em conformidade com as recomendações do IPCC poderão criar riscos significativos para as pessoas, o ambiente e as nossas economias, conclui André Saraiva.

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Assunto Especial – Doutrina

Mudanças Climáticas

A Política Nacional sobre Mudança do Clima em Análise: Breves Comentários à Lei nº 12.187/2009

TAUã LImA VERDAN RANgELBolsista Capes, Mestrando Vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direi-to da Universidade Federal Fluminense (UFF), Linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais, Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo/ES, Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo/ES. Produziu diversos artigos voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental.

RESUMO: O objetivo do presente trabalho está alicerçado na análise da Política Nacional sobre Mu-dança do Clima, instituída pela Lei nº 12.187/2009, bem como suas consequências no ordenamento jurídico. Em sede de comentários introdutórios, cuida reconhecer que as mudanças climáticas ad-vindas da interferência antrópica desastrosa no meio ambiente materializa senso comum, ou seja, facilmente percebido pelo homem, mesmo sem aprofundado conhecimento científico acerca da temática. Ao lado disso, prima sublinhar que as consequências de tal mudança desencadeia uma série de implicações nos países, porquanto é capaz de estabelecer um caos climático, que influen-cia diretamente em bens essenciais ao desenvolvimento humano, notadamente os fluxos hídricos, temperaturas acima e abaixo da média e comprometimento da produção de culturas primárias (agri-cultura e pecuária), além de influenciar diretamente no desenvolvimento de indústrias. Legalmente, em consonância com o ordenamento jurídico brasileiro, a mudança do clima é aquela que possa ser direta ou indiretamente atribuída à atividade humana que tem capacidade de promover alteração na composição da atmosfera mundial e que se some àquela provocada pela variabilidade climática natu-ral observada ao longo de períodos comparáveis. Neste sentido, a Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009, que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC e dá outras providências, representa, no cenário nacional, o robusto diploma legislativo a regular, em âmbito federal, a sensível e complexa temática associada à mudança do clima.

PALAVRAS-CHAVE: Meio ambiente; mudança do clima; política nacional.

SUMÁRIO: 1 Ponderações introdutórias: breves notas à construção teórica do Direito Ambiental; 2 Comentários à concepção de meio ambiente; 3 A política nacional sobre mudança do clima em análise: breves comentários à Lei nº 12.187/2009; Referências.

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RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA..............................................................................................................13

1 PONDERAÇõES INtRODUtóRIAS: BREVES NOtAS à CONStRUÇãO tEóRICA DO DIREItO AMBIENtAL

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robus-tas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ên-fase, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sis-temática.

Com espeque em tais premissas, cuida hastear, com bastante perti-nência, como flâmula de interpretação, o “prisma de avaliação o brocardo jurídico ubi societas, ibi jus, ou seja, ‘onde está a sociedade, está o Direito’, tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binô-mio mantém”1. Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma intera-ção consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus diplomas legislativos e institutos não fiquem inquinados de inapti-dão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo ordenamento pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caó-tico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federa-tiva do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axio-ma de sustentação do ordenamento brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporâ-nea. Ao lado disso, há que se citar o magistral voto proferido pelo Ministro

1 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da legalidade: corolário do direito penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: http://jornal.jurid.com.br. Acesso em: 22 jan. 2015.

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14 ......................................................................................................... RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 46/DF: “O direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não enve-lhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”2. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz, justamente, na constan-te e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a con-cepção pós-positivista que passou a permear o Direito ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan: “Esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do va-lor atribuído aos princípios em face da legislação”3. Destarte, a partir de uma análise profunda dos mencionados sustentáculos, infere-se que o pon-to central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica do Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo, pas-sando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas has-teadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis.

Nas últimas décadas, o aspecto de mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial, quando se analisa a construção de novos que deri-vam da Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a ramificação ambien-tal, considerando como um ponto de congruência da formação de novos ideários e cânones, motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação, de boa técnica se apresenta os ensinamentos de Fernando de Azevedo Alves Brito, que, em seu artigo, aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito mais ligadas às ciências biológicas, até

2 Brasil, Supremo Tribunal Federal, Acórdão em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 46/DF. Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de entrega de correspondências. Serviço postal. Controvérsia referente à Lei Federal nº 6.538, de 22 de junho de 1978. Ato normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao serviço postal. Previsão de sanções nas hipóteses de violação do privilégio postal. Compatibilidade com o sistema constitucional vigente. Alegação de afronta ao disposto nos arts. 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos princípios da livre concorrência e livre iniciativa. Não caracterização. Arguição julgada improcedente. Interpretação conforme a Constituição conferida ao art. 42 da Lei nº 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no art. 9º da lei. Órgão julgador: Tribunal Pleno, Rel. Min. Marcos Aurélio, Julgado em 05.08.2009. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 22 jan. 2015.

3 VERDAN, Tauã Lima. Op. cit.

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então eram marginalizadas”4. Assim, em decorrência da proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas discussões internacionais envolvendo a necessidade de um desenvolvimento econômico pautado em sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em razão de novos fatores, um verdadeiro remode-lamento ou mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir que ocorra a conservação e recuperação das áreas degradadas.

Ademais, há de ressaltar ainda que o direito ambiental passou a figu-rar, especialmente depois das décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os direitos que constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma patente preocupa-ção com o destino da humanidade5. Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível citar o art. 3º, inciso I, da Carta Política que abriga em sua redação tais pressupostos como os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art. 3º Constituem ob-jetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária [...]”6.

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a construção dos direitos encampados sob a rubrica de terceira dimensão tende a identificar a exis-tência de valores concernentes a uma determinada categoria de pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais prosperando a típica fragmenta-ção individual de seus componentes de maneira isolada, tal como ocorria em momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira pertinente, as ponderações vertidas, insta trazer à colação o entendimento do Minis-tro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.856/RJ, em especial quando, com bastante pertinência, destaca que:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os direitos de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que materializam poderes de titularidade coleti-

4 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do trabalho e do meio- -ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba, a. 5, n. 968. Disponível em: www.boletimjuridico.com.br. Acesso em: 22 jan. 2015.

5 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito constitucional – Teoria, jurisprudência e 1.000 questões. 15. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Impetus, 2004. p. 69.

6 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 22 jan. 2015.

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va atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta geração (como o direito ao desenvolvimento e o direito à paz), um momento importante no processo de expansão e reconhecimento dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores fundamentais indisponíveis, como prerrogativas im-pregnadas de uma natureza essencialmente inexaurível.7

Quadra anotar que os direitos alocados sob a rubrica de direito de terceira dimensão encontram como assento primordial a visão da espécie humana na condição de coletividade, superando, via de consequência, a tradicional visão que está pautada no ser humano em sua individualidade. Assim, a preocupação identificada está alicerçada em direitos que são cole-tivos, cujas influências afetam a todos, de maneira indiscriminada. Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides, que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num momento expres-sivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”8. Com efeito, os direitos de terceira dimensão, entre os quais se inclui ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na Consti-tuição de 1988, emerge com um claro e tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e concretização dos direitos fundamentais.

2 COMENtÁRIOS à CONCEPÇãO DE MEIO AMBIENtE

Em uma primeira plana, ao lançar mão do sedimentado jurídico-dou-trinário apresentado pelo inciso I do art. 3º da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 19819, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação e dá outras providências, salienta que o meio ambiente consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e influências de ordem química, física e biológica que permite, abriga e rege

7 Brasil, Supremo Tribunal Federal, Acórdão proferido em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.856/RJ. Ação direta de inconstitucionalidade. Briga de galos (Lei Fluminense nº 2.895/98). Legislação estadual que, pertinente a exposições e a competições entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa. Diploma legislativo que estimula o cometimento de atos de crueldade contra galos de briga. Crime ambiental (Lei nº 9.605/98, art. 32). Meio ambiente. Direito à preservação de sua integridade (CF, art. 225). Prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade. Direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da solidariedade. Proteção constitucional da fauna (CF, art. 225, § 1º, VII). Descaracterização da briga de galo como manifestação cultural. Reconhecimento da inconstitucionalidade da lei estadual impugnada. Ação direta procedente. Legislação estadual que autoriza a realização de exposições e competições entre aves das raças combatentes. Norma que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna. Inconstitucionalidade. Órgão julgador: Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, Julgado em 26.05.2011. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 22 jan. 2015.

8 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 21. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 569.9 Brasil, Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a política nacional do meio ambiente, seus fins e

mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 22 jan. 2015.

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a vida em todas as suas formas. Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de fatores abióticos, provenientes de ordem química e física, e bióticos, consistentes nas plu-rais e diversificadas formas de seres viventes. Para Silva, considera-se meio ambiente como “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”10.

Nesta senda, ainda, Fiorillo11, ao tecer comentários acerca da acepção conceitual de meio ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com os componentes que cercam o ser humano, os quais são de imprescindível relevância para a sua existência. O Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.029/AM, salientou que:

[...] o meio ambiente é um conceito hoje geminado com o de saúde públi-ca, saúde de cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz a Constituição, é por isso que estou falando de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é imbricado, é conceitualmente geminado com o próprio desenvolvimento. Se antes nós dizíamos que o meio ambiente é compatível com o desenvol-vimento, hoje nós dizemos, a partir da Constituição, tecnicamente, que não pode haver desenvolvimento senão com o meio ambiente ecologicamente equilibrado. A geminação do conceito me parece de rigor técnico, porque salta da própria Constituição Federal.12

É denotável, desta sorte, que a constitucionalização do meio ambien-te no Brasil viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que concerne, especificamente, às normas de proteção ambiental. Tal fato decorre da pre-missa que os robustos corolários e princípios norteadores foram alçados ao patamar constitucional, assumindo colocação eminente, ao lado das li-berdades públicas e dos direitos fundamentais. Superadas tais premissas,

10 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 20.11 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 13. ed. rev., atual e ampl.

São Paulo: Saraiva, 2012. p. 77.12 Brasil, Supremo Tribunal Federal, Acórdão proferido em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.029/AM.

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Federal nº 11.516/07. Criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da Associação Nacional dos Servidores do Ibama. Entidade de classe de âmbito nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista Parlamentar. Inconstitucionalidade dos arts. 5º, caput, e 6º, caput e §§ 1º e 2º, da Resolução nº 1 de 2002 do Congresso Nacional. Modulação dos efeitos temporais da nulidade (art. 27 da Lei nº 9.868/99). Ação direta parcialmente procedente. Órgão julgador: Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, Julgado em 08.03.2012. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 22 jan. 2015.

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aprouve ao Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira, ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira dimensão, insculpir na redação do art. 225, conceder amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pi-lar integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria de normas constitucionais, com elaboração de capí-tulo especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”13. Nesta toada, ainda, é observável que o caput do art. 225 da Constituição Federal14 está abalizado em quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em conjun-to, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que assegura o substrato de edificação da ramificação ambiental.

Primeiramente, em decorrência do tratamento dispensado pelo artífi-ce da Constituição Federal, o meio ambiente foi içado à condição de direito de todos, presentes e futuras gerações. É encarado como algo pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma, não se admite o emprego de qual-quer distinção entre brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacan-do-se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não poluição. O art. 225, devido ao cunho de direito difuso que possui, extrapola os limites territoriais do Estado brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste sentido, inclusive, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.856/RJ, destacou, com bastante pertinência, que:

A preocupação com o meio ambiente – que hoje transcende o plano das presentes gerações, para também atuar em favor das gerações futuras [...] tem constituído, por isso mesmo, objeto de regulações normativas e de procla-mações jurídicas, que, ultrapassando a província meramente doméstica do direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declara-ções internacionais, que refletem, em sua expressão concreta, o compromis-so das Nações com o indeclinável respeito a esse direito fundamental que assiste a toda a Humanidade.15

13 THOMÉ, Romeu. Manual de direito ambiental: conforme o novo código florestal e a Lei Complementar nº 140/2011. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 116.

14 Brasil, Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 22 jan. 2015: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

15 Brasil, Supremo Tribunal Federal, Acórdão proferido em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.856/RJ. Ação direta de inconstitucionalidade. Briga de galos (Lei Fluminense nº 2.895/98). Legislação estadual que, pertinente a exposições e a competições entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa. Diploma legislativo que estimula o cometimento de atos de crueldade contra galos de briga. Crime ambiental (Lei nº 9.605/98, art. 32). Meio ambiente. Direito à preservação de sua integridade (CF, art. 225). Prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade. Direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da solidariedade. Proteção constitucional da fauna (CF, art. 225, § 1º, VII). Descaracterização da briga de galo como manifestação cultural. Reconhecimento da

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O termo “todos”, aludido na redação do caput do art. 225 da Cons-tituição Federal de 1988, faz menção aos já nascidos (presente geração) e ainda aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato encontra como arrimo a premissa que foi reco-nhecido ao gênero humano o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em ambiente que permita de-senvolver todas as suas potencialidades em clima de dignidade e bem-estar. Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o meio ambiente é um direito público subjetivo. Desta feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa pa-trimônio público a ser imperiosamente assegurado e protegido pelos orga-nismos sociais e pelas instituições estatais, qualificando verdadeiro encaro irrenunciável que se impõe, objetivando sempre o benefício das presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao Poder Público quanto à coletivi-dade considerada em si mesma.

Assim, decorrente de tal fato, produz efeito erga omnes, sendo, por-tanto, oponível contra todos, incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito público interno ou externo, ou mesmo de direito privado, como também ente estatal, autarquia, fundação ou sociedade de economia mista. Impera, também, evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a possibilidade de quantificar quantas são as pessoas atingidas, pois a polui-ção não afeta tão só a população local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa jurídica de titularidade co-letiva, ressoando a expressão robusta de um poder deferido, não ao indi-víduo identificado em sua singularidade, mas em um sentido mais amplo, atribuído à própria coletividade social.

Com a nova sistemática entabulada pela redação do art. 225 da Carta Maior, o meio ambiente passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a lesões perpetradas contra o ser humano para se agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser esmiuçado, está atrelado o meio ambiente como vetor da sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na salubri-dade, precipuamente, ao vincular a espécie humana está se tratando do

inconstitucionalidade da lei estadual impugnada. Ação direta procedente. Legislação estadual que autoriza a realização de exposições e competições entre aves das raças combatentes. Norma que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna. Inconstitucionalidade. Órgão julgador: Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, Julgado em 26.05.2011. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 22 jan. 2015.

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bem-estar e condições mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).

Por derradeiro, o quarto pilar é a corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever geral de se responsabilizar por todos os elementos que integram o meio ambiente, assim como a condição positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente, tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e preservar, asseverando que o meio ambiente permaneça intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio ambiente, trabalhando com as premissas de desenvolvimento sustentável, aliando progresso e conserva-ção. Por seu turno, o cidadão tem o dever negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o meio ambiente com sua ação. Além disso, em razão da referida corresponsabilidade, são titulares do meio ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.

3 A POLítICA NACIONAL SOBRE MUDANÇA DO CLIMA EM ANÁLISE: BREVES COMENtÁRIOS à LEI Nº 12.187/2009

Em sede de comentários introdutórios, cuida reconhecer que as mu-danças climáticas advindas da interferência antrópica desastrosa no meio ambiente materializa senso comum, ou seja, facilmente percebido pelo ho-mem, mesmo sem aprofundado conhecimento científico acerca da temá-tica. Ao lado disso, prima sublinhar que as consequências de tal mudança desencadeia uma série de implicações nos países, porquanto é capaz de es-tabelecer um caos climático, que influencia diretamente em bens essenciais ao desenvolvimento humano, notadamente os fluxos hídricos, temperaturas acima e abaixo da média e comprometimento da produção de culturas pri-márias (agricultura e pecuária), além de influenciar diretamente no desen-volvimento de indústrias. Quando da propositura do Projeto de Lei nº 18, de 30 de janeiro de 2007, que dispõe sobre a obrigatoriedade da adoção de medidas por parte do Poder Público, objetivando a redução das emis-sões dos gases responsáveis pelo efeito estufa, posteriormente aprovado Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 200916, que institui a Política Nacional so-bre Mudança do Clima – PNMC e dá outras providências, apresenta como argumento justificador que:

16 Brasil, Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009. Institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 22 jan. 2015.

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Com o avanço do processo desenvolvimentista, a princípio visando atender as necessidades do crescimento populacional com o aumento na produção de alimentos, bem como do desenvolvimento tecnológico e industrial para a produção de bens de consumo, sem grandes preocupações ambientais, o tê-nue equilíbrio existente entre o crescimento e os diversos ecossistemas, que garantia a não ocorrência de grandes oscilações climáticas, começou a ser rompido, notadamente nos últimos 200 anos. Esses modelos de crescimento econômico, de acordo com estudos recentes, foram associados em estreitas correlações, a um processo de dilapidação dos recursos ambientais, caracte-rizado pelo aumento dos impactos ambientais, mudanças na matriz energéti-ca, com um aumento da pressão, notadamente, sobre os recursos florestais.17

Legalmente, em consonância com o ordenamento jurídico brasileiro, a mudança do clima é aquela que pode ser direta ou indiretamente atribuída à atividade humana que tem capacidade de promover alteração na compo-sição da atmosfera mundial e que se soma àquela provocada pela variabili-dade climática natural observada ao longo de períodos comparáveis. Neste sentido, a Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 200918, que institui a Polí-tica Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC e dá outras providências, representa, no cenário nacional, o robusto diploma legislativo a regular, em âmbito federal, a sensível e complexa temática associada à mudança do clima. Trata-se do marco regulatório do tema, conferindo concretude aos documentos alienígenas ratificados pelo País perante a comunidade inter-nacional, sobretudo aqueles que versam acerca da diminuição dos índices de poluição e os esforços envidados pelos Estados para atenderem as metas estabelecidas, visando assegurar a salvaguarda de um cenário ambiental propício para o desenvolvimento pleno da espécie humana, em consonân-cia com as demais espécies viventes. Convém mencionar que o documento em comento prevê uma atuação em conjunto dos entes federativos (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios), explicitando, via de con-sequência, a proeminência do tema e a imperiosidade da confluência de esforços para a abordagem do tema, notadamente refletindo as especifici-dades e aspectos singulares existentes em cada âmbito de atuação daqueles.

A nova Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), materializada pela Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009, corroborou o ímpeto inter-nacional demonstrado nos instrumentos que tratam do clima. Com efeito, foi uma resposta do Estado brasileiro diante da necessidade de mitigar a proble-

17 Brasil, Projeto de Lei nº 18, de 30 de janeiro de 2007. Dispõe sobre a obrigatoriedade da adoção de medidas por parte do poder público, objetivando a redução das emissões dos gases responsáveis pelo efeito estufa. Disponível em: www.camara.gov.br. Acesso em: 22 jan. 2015.

18 Brasil, Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009. Institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 22 jan. 2015.

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22 ......................................................................................................... RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

mática do clima, principalmente no que concerne à sua causa mais iminente, que é a emissão desmedida dos gases de efeito estufa (GEE).19

Denota-se, ainda, que o escopo primordial da Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 200920, que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC e dá outras providências, é identificar, planejar e coordenar as ações e medidas que possam ser empreendidas para mitigar as emissões de gases de efeito estufa geradas no Brasil, tal como àquelas imprescindíveis à adaptação da sociedade aos impactos que ocorram devido à mudança do clima. Com destaque, as medidas mitigadoras, bem como as medidas de adaptação e o desenvolvimento de pesquisas visam ao alcance dos princi-pais objetivos específicos mencionados a seguir: (i) fomentar aumentos de eficiência no desempenho dos setores da economia na busca constante do alcance das melhores práticas; (ii) buscar manter elevada a participação de energia renovável na matriz elétrica, preservando posição de destaque que o Brasil sempre ocupou no cenário internacional; (iii) fomentar o aumen-to sustentável da participação de biocombustíveis na matriz de transportes nacional e, ainda, atuar com vistas à estruturação de um mercado inter-nacional de biocombustíveis sustentáveis; (iv) buscar a redução sustentada das taxas de desmatamento, em sua média quadrienal, em todos os biomas brasileiros, até que se atinja o desmatamento ilegal zero; (v) eliminar a perda líquida da área de cobertura florestal no Brasil até 2015; (vi) fortalecer ações intersetoriais voltadas para redução das vulnerabilidades das populações; (vii) procurar identificar os impactos ambientais decorrentes da mudança do clima e fomentar o desenvolvimento de pesquisas científicas para que se possa traçar uma estratégia que minimize os custos socioeconômicos de adaptação do País.

Quadra destacar que “uma política pública só se torna efetiva consi-derando um conjunto de fatores ou elementos, ou seja, além de objetivos e diretrizes bem definidos, é necessário, também, um conjunto de órgãos cons-tituídos e, especialmente, de mecanismos para alcançar o fim desejado”21. Para tanto, foram instituídos mecanismos econômicos, políticos, técnicos e institucionais que objetivam a promoção da proteção do clima e o controle de seus efeitos em âmbito nacional. Diante disso, a Política Nacional sobre Mudança do Clima consagrou um sucedâneo de mecanismos para sua im-

19 BICHARA, Jahyr-Philippe; LIMA, Raquel Araújo. Uma análise da política nacional sobre mudança do clima de 2009. Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 12, n. 23, p. 170, jul./dez. 2012. Disponível em: www.metodista.br. Acesso em: 22 jan. 2015.

20 Brasil, Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009. Institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 22 jan. 2015.

21 BICHARA, Jahyr-Philippe; LIMA, Raquel Araújo. Op. cit., p. 183.

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RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA..............................................................................................................23

plementação, em seu art. 6º22, cujo rol segue transcrito: (i) o Plano Nacional sobre Mudança do Clima; (ii) o Fundo Nacional sobre Mudança do Cli-ma; (iii) os Planos de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento nos biomas; (iv) a Comunicação Nacional do Brasil à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, de acordo com os critérios estabelecidos por essa Convenção e por suas Conferências das Partes; (v) as resoluções da Comissão Interministerial de Mudança Global do Cli-ma; (vi) as medidas fiscais e tributárias destinadas a estimular a redução das emissões e remoção de gases de efeito estufa, incluindo alíquotas diferen-ciadas, isenções, compensações e incentivos, a serem estabelecidos em lei específica; (vii) as linhas de crédito e financiamento específicas de agentes financeiros públicos e privados; (viii) o desenvolvimento de linhas de pes-quisa por agências de fomento; (ix) as dotações específicas para ações em mudança do clima no orçamento da União; (x) os mecanismos financeiros e econômicos referentes à mitigação da mudança do clima e à adaptação aos efeitos da mudança do clima que existam no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e do Protocolo de Quioto; (xi) os mecanismos financeiros e econômicos, no âmbito nacional, referentes à mitigação e à adaptação à mudança do clima; (xii) as medidas existentes, ou a serem criadas, que estimulem o desenvolvimento de processos e tecno-logias, que contribuam para a redução de emissões e remoções de gases de efeito estufa, bem como para a adaptação, entre as quais o estabelecimento de critérios de preferência nas licitações e concorrências públicas, compre-endidas aí as parcerias público-privadas e a autorização, permissão, outorga e concessão para exploração de serviços públicos e recursos naturais, para as propostas que propiciem maior economia de energia, água e outros re-cursos naturais e redução da emissão de gases de efeito estufa e de resídu-os; (xiii) os registros, inventários, estimativas, avaliações e quaisquer outros estudos de emissões de gases de efeito estufa e de suas fontes, elaborados com base em informações e dados fornecidos por entidades públicas e pri-vadas; (xiv) as medidas de divulgação, educação e conscientização; (xv) o monitoramento climático nacional; (xvi) os indicadores de sustentabilidade; (xvii) o estabelecimento de padrões ambientais e de metas, quantificáveis e verificáveis, para a redução de emissões antrópicas por fontes e para as remoções antrópicas por sumidouros de gases de efeito estufa; e (xviii) a avaliação de impactos ambientais sobre o microclima e o macroclima.

22 Brasil, Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009. Institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 22 jan. 2015.

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24 ......................................................................................................... RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

REfERêNCIASBICHARA, Jahyr-Philippe; LIMA, Raquel Araújo. Uma análise da política nacional sobre mudança do clima de 2009. Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 12, n. 23, p. 165-192, jul./dez. 2012. Disponível em: www.metodista.br. Acesso em: 22 jan. 2015.

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______. Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009. Institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 22 jan. 2015.

______. Projeto de Lei nº 18, de 30 de janeiro de 2007. Dispõe sobre a obrigato-riedade da adoção de medidas por parte do poder público, objetivando a redução das emissões dos gases responsáveis pelo efeito estufa. Disponível em: www.camara.gov.br. Acesso em: 22 jan. 2015.

______. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 22 jan. 2015.

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FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 13. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012.

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THOMÉ, Romeu. Manual de direito ambiental: conforme o novo código florestal e a Lei Complementar nº 140/2011. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2012.

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Assunto Especial – Acórdão na Íntegra

Mudanças Climáticas

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Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 994.120 – RS (2007/0234852‑0)Relator: Ministro Herman BenjaminRecorrente: Ministério Público do Estado do Rio Grande do SulRecorrido: Condomínio San SebastianRepr. por: Isolde Striebel – SíndicoAdvogado: Fabrício Uilson Mocellin e outro(s)Interes.: Município de ErechimAdvogado: Ernani Reichmann Sobrinho

EMENTA

ADMINIStRAtIVO – POÇO ARtESIANO IRREGULAR – fISCALIZAÇãO – OBJEtIVOS E PRINCíPIOS DA LEI DA POLítICA NACIONAL DE RECURSOS HíDRICOS (LEI Nº 9.433/1997) – COMPEtêNCIA COMUM DO MUNICíPIO

1. Hipótese em que se discutem os limites da competência fiscali-zatória municipal relacionada à perfuração de poço artesiano e sua exploração por particular.

2. O Município autuou o recorrido e lacrou seu poço artesiano, por inexistência de autorização e descumprimento da legislação estadual que veda a exploração dos recursos hídricos, pelo particular, naquela área.

3. O Tribunal de origem entendeu que a competência do Município para fiscalizar refere-se, exclusivamente, à proteção da saúde públi-ca. Ocorre que a lacração do poço não decorreu dessa competência (a água é comprovadamente potável, sem risco para a saúde), mas sim por conta de descumprimento das normas que regem a explora-ção dos recursos hídricos, editadas pelo Estado.

4. Não há controvérsia quanto à legislação local, que, segundo o Mi-nistério Público Estadual, veda a perfuração e a exploração de poço artesiano da área.

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5. O acórdão recorrido fundamenta-se nas competências fixadas pela Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433/1997), ainda que interpretada à luz dos arts. 21, XIX, e 26, I, da Constituição Federal, o que atrai a competência do STJ.

6. A Lei nº 9.433/1997, adotada pelo Tribunal de Justiça em suas razões de decidir, aponta claramente a competência dos Municípios para a gestão dos recursos hídricos (art. 1º, VI) e para a “integração das políticas locais de saneamento básico, de uso, ocupação e con-servação do solo e de meio ambiente com as políticas federais e esta-duais de recursos hídricos” (art. 31).

7. Os arts. 1º, VI, e 31 da Lei da Política Nacional de Recursos Hí-dricos devem ser interpretados sob o prisma constitucional, que fixa a competência comum dos Municípios, relativa à proteção do meio ambiente e à fiscalização da exploração dos recursos hídricos (art. 23, VI e XI, da Constituição).

8. A Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos significou notável avanço na proteção das águas no Brasil e deve ser interpretada segun-do seus objetivos e princípios.

9. Três são os objetivos dorsais da Lei nº 9.4433/1997, todos eles com repercussão na solução da presente demanda: a preservação da disponibilidade quantitativa e qualitativa de água, para as presentes e futuras gerações; a sustentabilidade dos usos da água, admitidos somente os de cunho racional; e a proteção das pessoas e do meio ambiente contra os eventos hidrológicos críticos, desiderato que ga-nha maior dimensão em época de mudanças climáticas.

10. Além disso, a Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos apóia-se em uma série de princípios fundamentais, cabendo citar, entre os que incidem diretamente no litígio, o princípio da dominiali-dade pública (a água, dispõe a lei expressamente, é bem de domínio público), o princípio da finitude (a água é recurso natural limitado) e o princípio da gestão descentralizada e democrática.

11. As águas subterrâneas são “recurso ambiental”, nos exatos ter-mos do art. 3º, V, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981), o que obriga o intérprete, na solução de litígios asso-ciados à gestão de recursos hídricos, a fazer uma leitura conjunta dos dois textos legais, em genuíno exercício de diálogo das fontes.

12. É evidente que a perfuração indiscriminada e desordenada de po-ços artesianos tem impacto direto no meio ambiente e na disponibili-

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RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ...........................................................................................27

dade de recursos hídricos para o restante da população, de hoje e de amanhã. Feita sem controle, também põe em risco a saúde pública, por ausência de tratamento, quando for de rigor.

13. Em síntese, o Município tem competência para fiscalizar a explo-ração de recursos hídricos, superficiais e subterrâneos, em seu ter-ritório, o que lhe permite, por certo, também coibir a perfuração e exploração de poços artesianos, no exercício legítimo de seu poder de polícia urbanístico, ambiental, sanitário e de consumo.

14. Recurso Especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: “A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).” Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Eliana Calmon, Castro Meira e Humberto Martins vota-ram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 25 de agosto de 2009 (data do Julgamento).

Ministro Herman Benjamin Relator

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator): Trata-se de Recurso Especial interposto, com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição da República, contra acórdão assim ementado (fl. 281):

APELAÇÃO CÍVEL – CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – MUNICÍ-PIO DE ERECHIM – VIGILÂNCIA SANITÁRIA – ABSTENÇÃO DE INTER-DIÇÃO DE POÇO ARTESIANO CLANDESTINO – ÁGUA COMO UM BEM PÚBLICO – FISCALIZAÇÃO MUNICIPAL RESTRITA À SAÚDE PÚBLICA – APLICAÇÃO DOS ARTS. 23, II, 198, I E 200, I E II DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – COMPROVADA A POTABILIDADE DA ÁGUA – COMPETÊN-CIA MUNICIPAL DE FISCALIZAÇÃO AFASTADA – LICENÇA PARA USO DA ÁGUA EM ZONA SERVIDA POR REDE PÚBLICA – COMPETÊNCIA DO ESTADO – MANDADO DE SEGURANÇA – PROCEDÊNCIA NA ORIGEM – APELAÇÕES IMPROVIDAS – SENTENÇA QUE SE CONFIRMA

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1. Diante da preocupação com a finitude da água, bem público e essencial à vida, foi instituída a Política Nacional de Recursos Hídricos, sendo um dos principais objetivos “assegurar à atual e às futuras gerações a necessária dis-ponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos”.

2. A Fiscalização Municipal, pois, no que concerne ao uso da água, está restrita, no âmbito de sua circunscrição, aos problemas relacionados à saúde pública, forte nos termos da Constituição Federal, arts. 23, II, 198, I e 200, I e II.

3. In casu, pois, ante a existência de prova da potabilidade da água, de todo incorreta a atuação do Município que acabou por avocar competência que não lhe foi atribuída.

4. É que as questões relacionadas à licença para uso da água de fonte alter-nativa de abastecimento em zona servida por rede pública é atribuição que compete ao Estado. Sentença que se confirma.

Preliminar rejeitada.

Apelos improvidos. Sentença que se confirma em reexame necessário.

O recorrente aponta ofensa aos arts. 1º, VI, e 31, da Lei nº 9.433/1997, pois o Município tem competência para a fiscalização relacionada à pro-teção do meio ambiente e, especificamente, à gestão dos recursos hídricos (fl. 337).

O Recurso foi admitido na origem (fl. 383).

O MPF opinou pelo não conhecimento do Recurso (fl. 389).

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator):

Discutem-se os limites da competência fiscalizatória municipal re-lacionada à perfuração de poço artesiano e sua exploração por particular.

O Município de Erechim/RS autuou o recorrido e lacrou seu poço artesiano, por inexistência de autorização e descumprimento da legislação estadual que veda a exploração dos recursos hídricos, pelo particular, na-quela área. Transcrevo trecho do voto-condutor (fl. 282):

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RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ...........................................................................................29

Em razões (fls. 219-236), o Ministério Público argumenta que a decisão pro-latada merece reforma uma vez que o ato impugnado não é ilegal e encon-tra respaldo em compromisso de ajustamento de conduta celebrado entre o Ministério Público e o Município de Erechim. Afirma que, apesar do im-petrante não possuir outorga para a captação de água subterrânea, possui poço artesiano, além de ser servido pela água da Corsan. Aduz ser tal atitude ilegal, não podendo privilegiar-se um direito individual em detrimento de um interesse público. Destaca que o art. 87 do Decreto estadual nº 23.430/1971 e o art. 10, XXIX, da Lei nº 6.437/1977, determinam que o abastecimento de água deve ser promovido exclusivamente pela rede pública.

O Tribunal de origem entendeu que a competência do Município para fiscalizar refere-se, exclusivamente, à proteção da saúde pública. Ocorre que a lacração do poço não decorreu dessa competência (a água é comprovadamente potável, sem risco para a saúde), mas sim por conta de descumprimento das normas que regem a exploração dos recursos hídricos, editadas pelo Estado. Transcrevo outro trecho do acórdão recorrido (fl. 284, verso):

No caso dos autos, entretanto, diante da existência de prova da potabilidade da água oriunda do poço artesiano, conforme se comprova com as análises periodicamente realizadas pelo impetrante e juntadas às fls. 28-47, o Mu-nicípio não mais se mostra competente para proceder à devida fiscalização ou mesmo proceder no lacramento do poço artesiano, porquanto sua com-petência está estritamente relacionada com os problemas relativos à saúde pública, hipótese descartada na presente situação. É que neste caso houve o deslocamento da controvérsia a respeito da possibilidade, ou não, do uso do poço artesiano em zona servida por rede pública de água, para fora do âmbito da saúde pública.

Isso porque, os problemas relativos à autorização para o uso de poço arte-siano não são de competência do Município, mas sim do Estado, consoante art. 26, I da Constituição Federal/1988, através da Secretaria do Meio Am-biente – Departamento de Recurso Hídricos.

De início, destaco que não há controvérsia quanto à legislação local, que, segundo o Ministério Público Estadual, veda a perfuração e a explora-ção de poço artesiano da área.

O acórdão recorrido fundamenta-se nas competências fixadas pela Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433/1997), ainda que interpretada à luz dos arts. 21, XIX, e 26, I, da Constituição Federal, o que atrai a competência do STJ. Eis trecho do acórdão recorrido a que me refiro (fl. 283, anverso e verso):

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30 ...................................................................................... RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Assim, diante da preocupação com a finitude deste bem essencial à vida, é que foi instituída a Política Nacional de Recursos Hídricos e criado o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamentando o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, Lei nº 9.433/1997, mais conhecida como Lei das Águas, cujos fundamentos e objetivos são:

“Art. 1º A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes fundamentos:

I – a água é um bem de domínio público;

II – a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico;

III – em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais;

IV – a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas;

V – a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Políti-ca Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Geren-ciamento de Recursos Hídricos;

VI – a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.

CAPÍTULO II

DOS OBJETIVOS

Art. 2º São objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos:

I – assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos;

II – a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o trans-porte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável;

III – a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais.” sem grifos no original.

E o Código das Águas Decreto nº 14.643/1934, o qual disciplinava a respeito de águas públicas, comuns e privadas (o que mantinha a possibilidade de manter nas mãos de particulares o domínio da água), o qual já não fora re-cepcionado pela Constituição Federal de 1998, restou derrogado em todos os dispositivos que contrariam a Lei nº 9.433/1997, ou seja, á água, sem sombra de dúvida, é, efetivamente, um bem público.

Ora, sendo a água um bem finito e público, seu domínio deve estar restrito ao controle da administração, de modo que, através de valor econômico, seu uso seja feito de modo racionalizado, na esteira dos fundamentos e, prin-

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RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ...........................................................................................31

cipalmente num dos principais objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos, qual seja, “assegurar à atual e às futuras gerações a necessária dis-ponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos”.

Entretanto, e essencialmente para o deslinde da lide proposta, necessário ressaltar que compete ao Município, não só o poder de autuar aqueles que infringem as regras de vigilância sanitária, mas também o dever dessa fiscali-zação, porquanto como Ente Público tem o poder-dever de fiscalizar as ativi-dades dos administrados, ainda mais no caso, cuja atividade está relacionada à Saúde Pública. Tudo de acordo com a Constituição Federal, bem como a legislação ordinária, em especial, a Portaria nº 1.469/2000 do Ministério da Saúde.

Assim, não se tratando de Direito local ou matéria exclusivamente constitucional, o STJ deve-se manifestar quanto à competência municipal, nos termos da legislação federal prequestionada, sempre à luz da Constitui-ção Federal.

Diferentemente do que decidiu o Tribunal de origem, a competência do Município não se restringe às questões ligadas à saúde pública. Prote-ger os recursos hídricos, nos planos quantitativo e qualitativo, mais do que faculdade, é dever de todos os entes da federação: União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

A Lei nº 9.433/1997, adotada pelo TJ em suas razões de decidir, apon-ta claramente a competência dos municípios para a gestão dos recursos hí-dricos (art. 1º, VI) e para a “integração das políticas locais de saneamento básico, de uso, ocupação e conservação do solo e de meio ambiente com as políticas federais e estaduais de recursos hídricos” (art. 31).

Para maior clareza, transcrevo a integralidade dos dispositivos legais a que me refiro:

Art. 1º A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes fun-damentos:

[...]

VI – a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.

Art. 31. Na implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, os Poderes Executivos do Distrito Federal e dos municípios promoverão a inte-gração das políticas locais de saneamento básico, de uso, ocupação e con-servação do solo e de meio ambiente com as políticas federal e estaduais de recursos hídricos.

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32 ...................................................................................... RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Os arts. 1º e 31, acima transcritos, devem ser interpretados em con-formidade com a Constituição Federal, que fixa a competência comum dos municípios, relativa à proteção do meio ambiente e à fiscalização da explo-ração dos recursos hídricos (art. 23, VI e XI):

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

[...]

VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

[...]

XI – registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios;

[...]

Ora, é evidente que a perfuração indiscriminada e desordenada de poços artesianos tem impacto direto no meio ambiente e na disponibilidade de recursos hídricos para o restante da população, de hoje e de amanhã.

Ainda que seja do senso comum, é bom lembrar que as águas subterrâneas são recursos ambientais por disposição legal expressa (Lei nº 6.938/1981, grifei):

Art. 3º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

[...]

V – recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e sub-terrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.

A Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos significou notável avanço na proteção das águas no Brasil e deve ser interpretada segundo seus objetivos e princípios. Três são os seus objetivos dorsais, todos eles com repercussão na solução da presente demanda: a preservação da dispo-nibilidade quantitativa e qualitativa de água, para as presentes e futuras ge-rações; a sustentabilidade dos usos da água, admitidos somente os de cunho racional; e a proteção das pessoas e do meio ambiente contra os eventos hidrológicos críticos, desiderato que ganha maior dimensão em época de mudanças climáticas.

Além disso, a Lei nº 9.433/1997 apóia-se em uma série de princípios fundamentais, cabendo citar, entre os que incidem diretamente neste litígio,

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RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ...........................................................................................33

o princípio da dominialidade pública (a água, dispõe a lei expressamente, é bem de domínio público), o princípio da finitude (a água é recurso natural limitado) e o princípio da gestão descentralizada e democrática.

Essa é, portanto, a adequada interpretação da Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos, em diálogo das fontes com a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente: o Município tem competência para fiscalizar a explo-ração de recursos hídricos em seu território, o que lhe permite, por certo, também coibir a perfuração e exploração de poços artesianos, no exercício legítimo de seu poder de polícia urbanístico, ambiental, sanitário e de con-sumo.

Diante do exposto, dou provimento ao Recurso Especial.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEGUNDA TURMA

Número Registro: 2007/0234852-0 REsp 994120/RS

Números Origem: 10600010424 70016384083 70019782531

Pauta: 25.08.2009 Julgado: 25.08.2009

Relator: Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Humberto Martins

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Antônio Carlos Fonseca da Silva

Secretária: Belª Valéria Alvim Dusi

AUTUAÇÃO

Recorrente: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul

Recorrido: Condomínio San Sebastian

Repr. por: Isolde Striebel – Síndico

Advogado: Fabrício Uilson Mocellin e outro(s)

Interes.: Município de Erechim

Advogado: Ernani Reichmann Sobrinho

Assunto: Direito administrativo e outras matérias de direito público – Atos administrativos – Infração administrativa

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34 ...................................................................................... RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”

Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Eliana Calmon, Castro Meira e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 25 de agosto de 2009.

Valéria Alvim Dusi Secretária

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Assunto Especial – Acórdão na Íntegra

Mudanças Climáticas

1638

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 650.728 – SC (2003/0221786‑0)Relator: Ministro Herman BenjaminRecorrente: H. Carlos Schneider S/A Comércio e Indústria e outroAdvogado: Marcos Leandro Pereira e outro(s)Recorrido: Ministério Público Federal

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENtAL – NAtUREZA JURíDICA DOS MANGUEZAIS E MARISMAS – tERRENOS DE MARINHA – ÁREA DE PRESERVAÇãO PERMANENtE – AtERRO ILEGAL DE LIXO – DANO AMBIENtAL – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJEtIVA – OBRIGAÇãO PROPtER REM – NEXO DE CAUSALIDADE – AUSêNCIA DE PREQUEStIONAMENtO – PAPEL DO JUIZ NA IMPLEMENtAÇãO DA LEGISLAÇãO AMBIENtAL – AtIVISMO JUDICIAL – MUDANÇAS CLIMÁtICAS – DESAfEtAÇãO OU DESCLASSIfICAÇãO JURíDICA tÁCItA – SÚMULA Nº 282/Stf – VIOLAÇãO DO ARt. 397 DO CPC NãO CONfIGURADA – ARt. 14, § 1º, DA LEI Nº 6.938/1981

1. Como regra, não viola o art. 397 do CPC a decisão que indefere a juntada de documentos que não se referem a fatos novos ou não foram apresentados no momento processual oportuno, ou seja, logo após a intimação da parte para se manifestar sobre o laudo pericial por ela impugnado.

2. Por séculos prevaleceu entre nós a concepção cultural distorcida que enxergava nos manguezais lato sensu (= manguezais stricto sensu e marismas) o modelo consumado do feio, do fétido e do insalubre, uma modalidade de patinho-feio dos ecossistemas ou antítese do Jar-dim do Éden.

3. Ecossistema-transição entre o ambiente marinho, fluvial e terrestre, os manguezais foram menosprezados, popular e juridicamente, e por isso mesmo considerados terra improdutiva e de ninguém, associados à procriação de mosquitos transmissores de doenças graves, como a

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malária e a febre amarela. Um ambiente desprezível, tanto que ocu-pado pela população mais humilde, na forma de palafitas, e sinônimo de pobreza, sujeira e párias sociais (como zonas de prostituição e outras atividades ilícitas).

4. Dar cabo dos manguezais, sobretudo os urbanos em época de epidemias, era favor prestado pelos particulares e dever do Estado, percepção incorporada tanto no sentimento do povo como em leis sanitárias promulgadas nos vários níveis de governo.

5. Benfeitor-modernizador, o adversário do manguezal era incentiva-do pela Administração e contava com a leniência do Judiciário, pois ninguém haveria de obstaculizar a ação de quem era socialmente abraçado como exemplo do empreendedor a serviço da urbanização civilizadora e do saneamento purificador do corpo e do espírito.

6. Destruir manguezal impunha-se como recuperação e cura de uma anomalia da Natureza, convertendo a aberração natural – pela hu-manização, saneamento e expurgo de suas características ecológicas – no Jardim do Éden de que nunca fizera parte.

7. No Brasil, ao contrário de outros países, o juiz não cria obrigações de proteção do meio ambiente. Elas jorram da lei, após terem passado pelo crivo do Poder Legislativo. Daí não precisarmos de juízes ati-vistas, pois o ativismo é da lei e do Texto Constitucional. Felizmente nosso Judiciário não é assombrado por um oceano de lacunas ou um festival de meias-palavras legislativas. Se lacuna existe, não é por falta de lei, nem mesmo por defeito na lei; é por ausência ou deficiência de implementação administrativa e judicial dos inequívocos deveres ambientais estabelecidos pelo legislador.

8. A legislação brasileira atual reflete a transformação científica, ética, política e jurídica que reposicionou os manguezais, levando-os da condição de risco à saúde pública ao patamar de ecossistema critica-mente ameaçado. Objetivando resguardar suas funções ecológicas, econômicas e sociais, o legislador atribuiu-lhes o regime jurídico de Área de Preservação Permanente.

9. É dever de todos, proprietários ou não, zelar pela preservação dos manguezais, necessidade cada vez maior, sobretudo em época de mudanças climáticas e aumento do nível do mar. Destruí-los para uso econômico direto, sob o permanente incentivo do lucro fácil e de benefícios de curto prazo, drená-los ou aterrá-los para a especula-ção imobiliária ou exploração do solo, ou transformá-los em depósito

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de lixo caracterizam ofensa grave ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e ao bem-estar da coletividade, comportamento que deve ser pronta e energicamente coibido e apenado pela Administração e pelo Judiciário.

10. Na forma do art. 225, caput, da Constituição de 1988, o man-guezal é bem de uso comum do povo, marcado pela imprescritibili-dade e inalienabilidade. Logo, o resultado de aterramento, drenagem e degradação ilegais de manguezal não se equipara ao instituto do acrescido a terreno de marinha, previsto no art. 20, inciso VII, do Texto Constitucional.

11. É incompatível com o Direito brasileiro a chamada desafetação ou desclassificação jurídica tácita em razão do fato consumado.

12. As obrigações ambientais derivadas do depósito ilegal de lixo ou resíduos no solo são de natureza propter rem, o que significa dizer que aderem ao título e se transferem ao futuro proprietário, prescin-dindo-se de debate sobre a boa ou má-fé do adquirente, pois não se está no âmbito da responsabilidade subjetiva, baseada em culpa.

13. Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano am-biental, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem.

14. Constatado o nexo causal entre a ação e a omissão das recorren-tes com o dano ambiental em questão, surge, objetivamente, o dever de promover a recuperação da área afetada e indenizar eventuais da-nos remanescentes, na forma do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981.

15. Descabe ao STJ rever o entendimento do Tribunal de origem, las-treado na prova dos autos, de que a responsabilidade dos recorrentes ficou configurada, tanto na forma comissiva (aterro), quanto na omis-siva (deixar de impedir depósito de lixo na área). Óbice da Súmula nº 7/STJ.

16. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não pro-vido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal

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de Justiça: “A Turma, por unanimidade, conheceu parcialmente do recur-so e, nessa parte, negou-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).” Os Srs. Ministros Eliana Calmon, João Otávio de Noronha, Castro Meira e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 23 de outubro de 2007 (data do Julgamento).

Ministro Herman Benjamin Relator

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator): Trata-se de Recurso Especial interposto com fulcro no art. 105, III, a, da Constituição da Repú-blica, contra acórdão assim ementado:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – AGRAVO RETIDO IMPROVIDO – PROVA PERI-CIAL ANÁLISE DE ACORDO COM O PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCI-MENTO DO JUIZ – ÁREA DE MANGUEZAIS – ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – ATERRAMENTO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA EM DANO AMBIENTAL – SANEAMENTO DE LIXO EXISTENTE NA ÁREA – IN-VIABILIDADE DE RECUPERAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA E INEXEQUIBI-LIDADE TÉCNICA DA RETIRADA DO ATERRO – NÃO COMPROVAÇÃO – ALEGAÇÃO DE TÍTULO DOMINIAL SOBRE A ÁREA

Não merece provimento o agravo retido interposto para juntada de docu-mentos novos na audiência de instrução, quando os mesmos não se referem às alegações da inicial e da contestação e não foi articulado para contrapor fato depois de articulado (art. 397 do CPC).

Pode o juiz acatar em parte o laudo do perito judicial e utilizar-se também do parecer do assistente do Ministério Público Federal para fundamentar sua convicção, com base no Princípio do Livre Convencimento do Juiz (art. 131 do CPC), mormente se a perícia se revela condizente com os demais elemen-tos de prova trazidos aos autos.

As formas de vegetação natural situada ao longo dos rios ou de qualquer outro curso d’água e nas restingas as estabilizadoras de mangues são con-sideradas como áreas de preservação permanente (art. 2º, a e f da Lei nº 4.771/1965 e art. 2º da Lei nº 6.938/1981).

Restou comprovado tanto na fase administrativa em razão de várias autua-ções quanto na fase judicial que as requeridas efetivaram aterro sobre área de manguezal para a construção de ginásio poliesportivo Em matéria de dano ambiental, vige a teoria da responsabilidade objetiva, na qual se revela irre-

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levante a discussão a respeito da culpa. Assim, o fato do lixo ter sido coloca-do pelas requeridas ou por terceira pessoa não afasta responsabilização das mesmas em virtude de serem possuidoras da área degradada.

Ademais, a mera alegação de que o aterramento ocorreu para sanear lixo depositado na área não importa no reconhecimento da licitude de tal ato, tendo em vista inexistir nos autos qualquer indício de ter a parte diligencia-do a retirada do lixo depositado em imóvel de sua propriedade. Ademais, o que se observou nos autos é que o aterramento do lixo ocorreu para atender interesses particulares das requeridas.

Irrelevante o fato de se tratar de terras públicas (terrenos de marinha) ou par-ticulares, posto que apresentando ecossistema de mangue, não poderia ter sido devastada, sob pena de violação ao princípio da função socioambiental da propriedade (art. 225 da CF/1988).

Não tendo as requeridas comprovado a inexiquibilidade técnica da remoção do aterro e nem a inviabilidade da recuperação da área degradada e acenan-do à prova pericial para o sentido contrário, a manutenção da sentença é medida que se impõe Agravo retido improvido. Apelação improvida.

As recorrentes alegam violação do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981; do art. 1.058 do Código Civil de 1916; e do art. 397 do CPC.

Aduzem, em síntese, que (fls. 745-746):

A ofensa aos mencionados dispositivos restou clara a partir do momento em que, na decisão recorrida, entendeu-se que a responsabilidade ambiental ob-jetiva (art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981) alcançaria as Recorrentes quando estas adquiriram imóvel e aterraram área já degradada por terceiros através da deposição de lixo, com omissão inclusive do Poder Público.

Houve, portanto, a indevida extensão dos limites legais do conceito de res-ponsabilidade objetiva na r. decisão, distorcendo o disposto no citado dis-positivo.

Também nesta esteira de entendimento, o art. 1.058 do Código Civil de 1916 foi igualmente violado, pois a distorção do conceito de responsabilidade ob-jetiva pelo r. julgador na decisão recorrida acabou por ofender este dispo-sitivo que impede a responsabilização do sujeito passivo de determinada obrigação em razão de caso fortuito e força maior. In casu, trata-se da degra-dação de área de mangue por terceiros anteriormente às Recorrentes as quais não podem, assim, ser responsabilizadas.

[...]

Neste caso, a ofensa ao art. 397 do CPC ocorreu quando o acórdão recorrido negou provimento ao agravo retido que tinha o condão de reformar decisão

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interlocutória de negativa de pedido de juntada de documentos imprescindí-veis à contraposição de fatos ventilados nos autos.

Contrarrazões às fls. 834-837.

O Recurso Extraordinário aviado pelas ora recorrentes não foi ad-mitido pela Corte de origem, tendo sido interposto Agravo de Instrumento (fl. 842, verso).

O Recurso Especial foi admitido pelo Tribunal a quo.

Em seu Parecer, o Ministério Público Federal opina pelo não-co-nhecimento do Recurso Especial e, no mérito, pelo seu não provimento (fls. 846-861).

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator):

Trata-se de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Fe-deral de Joinville, Santa Catarina, em face de H. Carlos Schneider S/A Com. e Ind. e S.E.R. Parafuso, entidade classista que congrega os empregados do Grupo Ciser. Na inicial, a ilustre Procuradora da República, Doutora Ela Wiecko Volkmer de Castilho, narra que as rés aterraram e drenaram manguezal em imóvel urbano, mesmo após autuação pelo então IBDF, pela Fatma, pela Prefeitura e pela Capitania dos Portos.

O eminente Magistrado, Doutor Marcos César Romeira Moraes, con-denou as rés à a) remoção do aterro e de eventuais edificações que este-jam sobre o manguezal, e b) reflorestamento característico de manguezal. A sentença foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região por acórdão do eminente Desembargador Joel Ilan Paciornik.

1 VIOLAÇãO DO ARt. 1.058 DO CóDIGO CIVIL DE 1916

Inicialmente, verifico que a Corte de origem não emitiu qualquer juí-zo de valor sobre o art. 1.058 do Código Civil de 1916.

Com efeito, a demanda foi examinada exclusivamente à luz da legis-lação ambiental, não se discutindo a aplicação das regras civilistas atinentes ao Direito das Obrigações.

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Logo, diante da ausência de prequestionamento, não conheço do Re-curso quanto a esse ponto (Súmula nº 282/STF). E mesmo que assim não fos-se, a degradação ambiental não resultou de caso fortuito ou força maior. Ao contrário, como muito bem assentado na sentença e no acórdão recorrido, trata-se de dano causado pelas recorrentes, de forma comissiva e omissiva, e que lhes trouxe benefícios econômicos diretos.

2 OfENSA AO ARt. 397 DO CPC

Por se tratar de questão prejudicial, passo à análise da alegação de violação do art. 397 do CPC.

Transcrevo o dispositivo:

Art. 397. É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articu-lados, ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos.

O Tribunal a quo assim se pronunciou sobre a matéria (fls. 718-719):

Preliminarmente, não merece provimento o agravo retido interposto pelas rés na audiência de instrução e julgamento, que indeferiu a juntada de certidões do licenciamento ambiental para o depósito de material, licença da Capi-tania dos Portos para a Sociedade Recreativa e Esportiva, notas fiscais que comprovam a destinação dos resíduos da fábrica de parafusos e alvarás de licença relativos à existência das empresas Fundemaq e Revertex que eram indústrias de fundição estabelecidas nas imediações do imóvel da requerida.

É que como bem salientado pelo magistrado a quo tais documentos não se prestam a fazer prova de fatos ocorridos após a contestação, motivo pelo qual a juntada dos mesmos poderia importar surpresa processual, extrapo-lando os limites dados pelos réus na contestação.

Os próprios agravantes reconhecem que os documentos apresentados em audiência não dizem respeito aos fatos narrados na inicial e confirmam que não foram objetos da contestação.

A primeira vista, portanto, admitem tratar-se de documentos novos.

Entretanto, para afastar a referida tese, sustentam que os documentos não juntados guardam relação com a perícia realizada, afastando, via de conse-quência, a vedação da sua juntada naquele fase processual com fulcro no art. 397, 2ª parte, do Código de Processo Civil.

Todavia, mister se faz ressaltar que as rés foram devidamente intimadas para se manifestarem sobre os laudos periciais apresentados, consoante se ob-serva da certidão de publicação de fl. 400. Somente o Ministério Público

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Federal manifestou-se às fls. 398/399 requerendo esclarecimentos do perito, tendo as ora agravante se quedado silentes.

No entanto, este era o momento adequado para juntar aos autos documentos que porventura guardassem correlação com a prova pericial efetivada, para embasar pedido de esclarecimentos do perito e/ou contrapor à prova peri-cial, motivo pelo qual entendo acertada a decisão que indeferiu a juntada dos mesmos na audiência de instrução e julgamento, em homenagem ao princípio da lealdade processual e ao equilíbrio processual entre os litigantes.

A leitura do excerto acima colacionado permite concluir que:

a) os documentos que as recorrentes pretendiam juntar não tratavam de fatos ocorridos após a contestação, o que afasta a aplicação do art. 397 do CPC, 1ª parte; e

b) se tais documentos se prestavam a contrapor à prova pericial efetivada, deveriam ter sido juntados no momento processual adequado (quando da intimação das rés para se manifestarem sobre os laudos periciais apresen-tados). A preclusão afasta, assim, a incidência do art. 397 do CPC, 2ª parte (contraposição a documentos produzidos nos autos).

Constato que as recorrentes não conseguiram infirmar a tese adotada pela instância ordinária, deixando de apresentar justificativa para que os documentos não tivessem sido juntados quando da intimação para falarem sobre os laudos periciais.

Parece-me evidente que a possibilidade de contraposição, de que tra-ta a segunda parte do art. 397 do CPC, não pode ser entendida, à falta de matéria de ordem pública, como autorização para se juntar documento a qualquer tempo, ao talante da parte, sem a devida observância do momento processual em que o ato deveria ter sido praticado.

Desse modo, não merece reforma o acórdão impugnado.

3 DANO A MANGUEZAL, RESPONSABILIDADE CIVIL OBJEtIVA E APLICAÇãO DO ARt. 14, § 1º, DA LEI Nº 6.938/1981 (LEI DA POLítICA NACIONAL DO MEIO AMBIENtE)

A hipótese dos autos é de dano ambiental, que se caracterizou pela degradação de manguezal. Duas ordens de considerações aqui se põem e precisam ser analisadas separadamente, nesta ordem: a) a natureza e regime jurídicos dos manguezais no Brasil; b) os pressupostos da responsabilidade civil das rés.

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3.1 NATUREzA E REGIME JURíDICOS DOS MANGUEzAIS NO BRASIL

Nos termos da Resolução Conama nº 303/2002, manguezal é “o ecossistema litorâneo que ocorre em terrenos baixos, sujeitos à ação das marés, formado por vasas lodosas recentes ou arenosas, às quais se associa, predominantemente, a vegetação natural conhecida como mangue, com influência flúvio-marinha, típica de solos limosos de regiões estuarinas e com dispersão descontínua ao longo da costa brasileira, entre os estados do Amapá e Santa Catarina” (art. 2º, inciso IX).

Para a Professora da USP, Yara Schaeffer-Novelli, respeitada espe-cialista no tema, o manguezal é um dos ecossistemas mais importantes, frágeis e ameaçados do mundo (cf. Schaeffer-Novelli, Y. & Cintrón, G., Guia para Estudo de Áreas de Manguezal: Estrutura, Função e Flora, São Paulo, Caribbean Ecological Research, São Paulo, 1986; Schaeffer-Novelli, Y. (ed.), Manguezal: Ecossistema entre a Terra e o Mar, São Paulo, Caribbean Ecolo-gical Research, 1995).

Nesse mesmo diapasão, o Ministro Carlos Alberto Direito já alerta-va em 1978 para “a importância ecológica da preservação dos mangues e estuários e sua enorme relevância econômica para o país” (Proteção aos mangues e estuários: nota breve e preliminar).

Não obstante sua relevante posição de ecossistema-transição entre o ambiente marinho, fluvial e terrestre, os manguezais lato sensu (= mangue-zais stricto sensu e marismas) foram, por equívoco, menosprezados, popular e juridicamente. Em decorrência disso, por séculos prevaleceu entre nós a concepção cultural distorcida que neles enxergava o modelo consuma-do do feio, do fétido e do insalubre, uma modalidade de patinho-feio dos ecossistemas ou antítese do Jardim do Éden. Daí serem considerados terra improdutiva e de ninguém, associados à procriação de mosquitos transmis-sores de doenças graves, como a malária e a febre amarela. Um ambiente socialmente desprezível, tanto que – como terrenos baldios – ocupado pela população mais humilde, na forma de palafitas, sinônimo de pobreza, sujei-ra e párias da sociedade (zonas de prostituição e atividades ilícitas).

Acabar com os manguezais, sobretudo os urbanos em época de epi-demias, era favor prestado pelos particulares e dever do Estado, percepção incorporada simultaneamente no sentimento do povo e em leis sanitárias editadas nos vários níveis de governo. Sob o domínio desse estado de espí-rito, o adversário do manguezal virava benfeitor-modernizador, era incenti-vado pela Administração e contava com a leniência do Judiciário. Se estava a serviço da urbanização civilizadora, do saneamento purificador do corpo

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e do espírito, e da restauração da paisagem, ninguém haveria de obstacu-lizar a ação de quem era socialmente abraçado como exemplo do empre-endedor de causas nobres. Destruir manguezal impunha-se, então, como recuperação e cura de uma anomalia da Natureza, convertendo a aberração natural – pela humanização, saneamento e expurgo de suas características ecológicas – no Jardim do Éden de que nunca fizera parte.

Resultado da evolução do conhecimento científico e de mudanças na postura ética do ser humano frente à Natureza, atualmente se reconhecem nos manguezais várias funções: a) ecológicas, como berçário do mar, peça central nos processos reprodutivos de um grande número de espécies, filtro biológico que retém nutrientes, sedimentos e até poluentes, zona de amorte-cimento contra tempestades e barreira contra a erosão da costa; b) econômi-cas (fonte de alimento e de atividades tradicionais, como a pesca artesanal); e c) sociais (ambiente vital para populações tradicionais, cuja sobrevivência depende da exploração dos crustáceos, moluscos e peixes lá existentes).

A legislação brasileira atual reflete a transformação científica, ética, política e jurídica que reposicionou os manguezais, levando-os da condi-ção de risco sanitário e de condição indesejável ao patamar de ecossistema criticamente ameaçado. Objetivando resguardar suas funções ecológicas, econômicas e sociais, o legislador atribuiu-lhes natureza jurídica de Área de Preservação Permanente.

Nesses termos, é dever de todos, proprietários ou não, zelar pela pre-servação dos manguezais, necessidade cada vez maior, sobretudo em épo-ca de mudanças climáticas e aumento do nível do mar. Destruí-los para uso econômico direto, sob o permanente incentivo do lucro fácil e de benefícios de curto-prazo, drená-los ou aterrá-los para especulação imobiliária ou ex-ploração do solo, ou transformá-los em depósito de lixo caracterizam ofensa grave ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e ao bem-estar da co-letividade, comportamento que deve ser pronta e energicamente coibido e sancionado pela Administração e pelo Judiciário.

3.2 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL DAS RECORRENTES

Inicio pela transcrição do dispositivo tido por violado:

Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, esta-dual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da quali-dade ambiental sujeitará os transgressores:

[...]

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§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o po-luidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

As recorrentes sustentam que (fl. 750):

[...] não há que se falar em responsabilidade dos empreendedores pelos da-nos ambientais de terceiros, pois vige aqui a teoria do risco criado, que ad-mite as excludentes de responsabilidade representadas pelo caso fortuito e pela força maior.

Este é o caso das Recorrentes!

Não houve destruição de área de mangue com a realização das obras do aterro porque o mangue já havia sido exterminado pela comprovada atuação de terceiros, consubstanciada pela constante deposição de lixo no local ao longo dos anos, até o momento da aquisição da área pelas Recorrentes, as quais, através das obras realizadas no local, buscaram evitar a contaminação e destruição do resto da área no entorno de depósito de lixo.

Em contrapartida, ficou consignado no acórdão recorrido (fls. 727-728):

Todavia, no caso em comento, restou perfeitamente configurado o nexo cau-sal entre a ação e a omissão das rés com o dano ambiental verificado.

[...]

Assim é que do conjunto probatório contido nos autos não restou dúvida de que as rés aterraram área típica de mangue, contribuindo para o seu desa-parecimento, em razão de não impedirem que a área fosse utilizada como depósito de lixo. Como muito bem salientado pelo representante do Minis-tério Público Federal da 4ª Região: “A responsabilidade restou configurada, destarte, tanto na forma comissiva (aterro) quanto omissiva (impedir depósito de lixo na área), daí decorrendo, inexoravelmente, o dever de indenizar o dano causado e promover a recuperação ambiental da área” (fl. 728).

Dessa forma, ao contrário do que se sustenta nas razões do Recurso Especial, o Tribunal de origem não fundamentou a responsabilidade em atos de terceiros, tendo apontado, de forma clara, as condutas (omissivas e comissivas) praticadas pelas próprias recorrentes. Condutas e benefícios!

No decorrer do processo, as rés defenderam-se com o argumento de que “a restituição do ambiente destruído ao status quo ante, a recomposi-

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ção da natureza virgem, mediante a escavação e remoção de milhares de toneladas de lixo pútrido e contaminado, é medida inconcebível” (fl. 603). E que “tanto é juridicamente inconcebível, quanto economicamente absurdo impor à legítima proprietária da gleba que destrua suas benfeitorias, para exumar o solo do mangue extinto soterrado sob espessa camada de lixo” (fl. 615).

Ora, inconcebível é, após a Constituição Federal de 1988, que valo-rizou a preservação dos “processos ecológicos essenciais” (art. 225, § 1º, inciso I), e em desrespeito frontal ao Código Florestal de 1965, pretender-se dar ao manguezal outra destinação que não seja aquela condizente com a intocabilidade que a lei lhe atribui, como Área de Preservação Permanente. E, na ausência de clara utilidade pública ou interesse social, desnaturá-lo para ilícita e unilateralmente dele se apropriar e afetá-lo a finalidades in-dividuais, retirando-o da disponibilidade coletiva e das gerações futuras. Fosse um bem móvel, a hipótese, no Direito Penal, configuraria furto. Sendo imóvel, do que se trata?

Também é um despropósito querer igualar o resultado do aterramen-to, drenagem e degradação do manguezal ao instituto do acrescido a ter-reno de marinha, na forma do art. 20, inciso VII, da Constituição Federal, o que sujeitaria a nova área à possibilidade de alienação do domínio útil. Primeiro, porque os manguezais, como tal, não são, no Direito brasileiro atual, terrenos de marinha, nem a eles se equiparam, situação muito diferen-te da imprecisão jurídica que os caracterizou no passado. Não se incluem, por conseguinte, no domínio privado da União e não ingressam por essa porta no comércio jurídico como bens dominicais, nem aceitam a ocupação particular. Daí que o Poder Público Federal não pode, por via de regra, alie-nar o domínio útil dos manguezais, submetendo-os a aforamento. Segundo, porque o acrescido em questão foi alcançado de maneira ilegal e incons-titucional; não é resultado do labor da natureza e muito menos da ação humana conforme a lei. Ao contrário, trata-se de fruto proibido da privati-zação unilateral de parcela do meio ambiente, que o próprio constituinte se encarregou de batizar como “bem de uso comum do povo” (art. 225, caput).

Se os manguezais são bens públicos de uso comum do povo, é óbvio que, por isso mesmo, apresentam-se como imprescritíveis e inalienáveis. Se é assim, impossível a sua desafetação ou desclassificação jurídica tácita em razão do fato consumado: aterrados ou não, permanece a utilidade pública que justifica a sua proteção. E para os infratores, abre-se a via da responsa-bilidade civil (também penal e administrativa), contra eles surgindo o dever

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de recuperar o ecossistema degradado e indenizar os danos eventualmente causados.

Nem se argumente que um problema ambiental (destinação do lixo doméstico e industrial) se resolve com a criação de uma nova degradação ambiental (aterro do manguezal).

As obrigações derivadas do depósito ilegal de lixo ou resíduos no solo são de natureza propter rem, o que significa dizer que aderem ao título e se transferem ao futuro proprietário, mais ainda se o ilícito beneficia ou valori-za o terreno, prescindindo-se de debate sobre a boa ou má-fé do adquirente, pois não se está na condição de responsabilidade subjetiva, baseada em culpa.

A autoria indeterminada de lixão não isenta o proprietário da área, que pode – e deve –, como muito bem apontado na sentença e no acór-dão recorrido, ser responsabilizado não apenas por aquilo que fez, como também pela omissão ao deixar de levar imediatamente ao conhecimen-to das autoridades a violação da lei que, praticada por terceiros, acabaria por beneficiá-lo. Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se: quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem.

Como ocorre em todos os campos da regulação jurídica do comporta-mento humano, nem sempre as alterações legislativas refletem-se, imediata ou integralmente, na percepção popular. Persiste ordinariamente a prática de condutas à moda antiga, mesmo quando já banidas pelo Direito mais recente. É a conhecida resistência do Ancien Régime às transformações le-gislativas, dissonância entre a lei e os seus destinatários que persiste, não obstante a solidez dos argumentos científicos e éticos que inspiraram o le-gislador. Na proteção dos manguezais, diante do fosso que separa Direito e realidade, o papel do juiz não se reduz à mera aplicação fria da lei vigente contra infratores contumazes, pois dele se espera que, pela firmeza de suas decisões, realize o processo de conscientização dos muitos que ainda pen-sam e agem como antes.

Sob a ótica do ser humano comum, os manguezais continuam como sempre foram – ecossistemas que não se incluem, normalmente, entre os cartões postais da Natureza.

Nem por isso deixou o legislador de se impressionar pela sua impor-tância para os seres vivos, nós e todos eles que dependem daquele ambien-

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te. O juiz sentenciante, Doutor Marcos César Romeira Moraes, conseguiu bem captar essa nova espécie de beleza, própria da diversidade e do mul-ticulturalismo que bem define a pós-modernidade, e que o constituinte de 1988, ao contrário dos anteriores, quis submeter ao crivo do Judiciário. “A beleza verdadeira – disse o Magistrado – não está no que os olhos vêem como formas retas ou sinuosas, com ou sem cores, grandes ou pequenas. Está na beleza intrínseca do perfeito funcionamento dos processos de sobre-vivência, de interdependência e de criação da vida. A grande beleza está com e na própria Natureza” (fl. 584).

Inexiste aí “tese romântica do retorno da natureza ao estado original” (fl. 601), como pretendem as recorrentes, mas providência judicial de sim-ples cumprimento do que está na Constituição e na lei. No Brasil, o juiz não cria obrigações de proteção do meio ambiente.

Elas jorram da lei, após terem passado pelo crivo do Poder Legisla-tivo. Daí não precisarmos de juízes ativistas, pois o ativismo é da lei e do texto constitucional. Ao contrário de outros países, nosso Judiciário não é assombrado por um oceano de lacunas ou um festival de meias-palavras legislativas. Se lacuna existe, não é por falta de lei, nem mesmo por defeito na lei; é por ausência ou deficiência de implementação administrativa e judicial dos inequívocos deveres ambientais estabelecidos pelo legislador.

Não há, assim, cogitar tenha o Tribunal de origem violado o art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981. Constatado o nexo causal entre a ação e a omis-são das recorrentes com o dano ambiental em questão, surge, objetivamen-te, o dever de promover a recuperação da área afetada e indenizar eventuais danos remanescentes.

Ressalte-se, por fim, que a “questão de fato” suscitada pelas recorren-tes às fls. 746-747 não pode ser apreciada na via do Recurso Especial, por força do óbice da Súmula nº 7/STJ.

4 CONCLUSãO

Diante do exposto, conheço parcialmente do Recurso Especial e, nes-sa parte, nego-lhe provimento.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEGUNDA TURMA

Número Registro: 2003/0221786-0 REsp 650728/SC

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Números Origem: 199804010519005 8900026933

Pauta: 23.10.2007 Julgado: 23.10.2007

Relator: Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Castro Meira

Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Dulcinéa Moreira de Barros

Secretária: Belª Valéria Alvim Dusi

AUTUAÇÃO

Recorrente: H. Carlos Schneider S/A Comércio e Indústria e outro

Advogado: Antônio dos Santos Junior e outro(s)

Recorrido: Ministério Público Federal

Assunto: Ação civil pública – Dano ao meio ambiente

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia segunda turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“A Turma, por unanimidade, conheceu parcialmente do recurso e, nessa parte, negou-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)--Relator(a).”

Os Srs. Ministros Eliana Calmon, João Otávio de Noronha, Castro Meira e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 23 de outubro de 2007.

Valéria Alvim Dusi Secretária

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Assunto Especial – Ementário

Mudanças Climáticas

1639 – Mudanças climáticas – aterro ilegal de lixo – área de manguezais – dano ambiental – configuração

“Processual civil e ambiental. Natureza jurídica dos manguezais e marismas. Terrenos de marinha. Área de preservação permanente. Aterro ilegal de lixo. Dano ambiental. Responsabi-lidade civil objetiva. Obrigação propter rem. Nexo de causalidade. Ausência de prequestiona-mento. Papel do juiz na implementação da legislação ambiental. Ativismo judicial. Mudanças climáticas. Desafetação ou desclassificação jurídica tácita. Súmula nº 282/STF. Violação do art. 397 do CPC não configurada. Art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981. 1. Como regra, não viola o art. 397 do CPC a decisão que indefere a juntada de documentos que não se referem a fatos novos ou não foram apresentados no momento processual oportuno, ou seja, logo após a intimação da parte para se manifestar sobre o laudo pericial por ela impugnado. 2. Por sécu-los prevaleceu entre nós a concepção cultural distorcida que enxergava nos manguezais lato sensu (= manguezais stricto sensu e marismas) o modelo consumado do feio, do fétido e do insalubre, uma modalidade de patinho-feio dos ecossistemas ou antítese do Jardim do Éden. 3. Ecossistema-transição entre o ambiente marinho, fluvial e terrestre, os manguezais foram menosprezados, popular e juridicamente, e por isso mesmo considerados terra improdutiva e de ninguém, associados à procriação de mosquitos transmissores de doenças graves, como a malária e a febre amarela. Um ambiente desprezível, tanto que ocupado pela população mais humilde, na forma de palafitas, e sinônimo de pobreza, sujeira e párias sociais (como zonas de prostituição e outras atividades ilícitas). 4. Dar cabo dos manguezais, sobretudo os urbanos em época de epidemias, era favor prestado pelos particulares e dever do Estado, percepção incorporada tanto no sentimento do povo como em leis sanitárias promulgadas nos vários níveis de governo. 5. Benfeitor-modernizador, o adversário do manguezal era incentivado pela Administração e contava com a leniência do Judiciário, pois ninguém haveria de obsta-culizar a ação de quem era socialmente abraçado como exemplo do empreendedor a serviço da urbanização civilizadora e do saneamento purificador do corpo e do espírito. 6. Destruir manguezal impunha-se como recuperação e cura de uma anomalia da Natureza, convertendo a aberração natural – pela humanização, saneamento e expurgo de suas características eco-lógicas – no Jardim do Éden de que nunca fizera parte. 7. No Brasil, ao contrário de outros países, o juiz não cria obrigações de proteção do meio ambiente. Elas jorram da lei, após terem passado pelo crivo do Poder Legislativo. Daí não precisarmos de juízes ativistas, pois o ativismo é da lei e do Texto Constitucional. Felizmente nosso Judiciário não é assombrado por um oceano de lacunas ou um festival de meias-palavras legislativas. Se lacuna existe, não é por falta de lei, nem mesmo por defeito na lei; é por ausência ou deficiência de implemen-tação administrativa e judicial dos inequívocos deveres ambientais estabelecidos pelo legisla-dor. 8. A legislação brasileira atual reflete a transformação científica, ética, política e jurídica que reposicionou os manguezais, levando-os da condição de risco à saúde pública ao pata-mar de ecossistema criticamente ameaçado. Objetivando resguardar suas funções ecológicas, econômicas e sociais, o legislador atribuiu-lhes o regime jurídico de Área de Preservação Permanente. 9. É dever de todos, proprietários ou não, zelar pela preservação dos mangue-zais, necessidade cada vez maior, sobretudo em época de mudanças climáticas e aumento do nível do mar. Destruí-los para uso econômico direto, sob o permanente incentivo do lucro fácil e de benefícios de curto prazo, drená-los ou aterrá-los para a especulação imobiliária

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ou exploração do solo, ou transformá-los em depósito de lixo caracterizam ofensa grave ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e ao bem-estar da coletividade, comportamento que deve ser pronta e energicamente coibido e apenado pela Administração e pelo Judiciário. 10. Na forma do art. 225, caput, da Constituição de 1988, o manguezal é bem de uso comum do povo, marcado pela imprescritibilidade e inalienabilidade. Logo, o resultado de aterramen-to, drenagem e degradação ilegais de manguezal não se equipara ao instituto do acrescido a terreno de marinha, previsto no art. 20, inciso VII, do Texto Constitucional. 11. É incompatível com o Direito brasileiro a chamada desafetação ou desclassificação jurídica tácita em razão do fato consumado. 12. As obrigações ambientais derivadas do depósito ilegal de lixo ou resí-duos no solo são de natureza propter rem, o que significa dizer que aderem ao título e se trans-ferem ao futuro proprietário, prescindindo-se de debate sobre a boa ou má-fé do adquirente, pois não se está no âmbito da responsabilidade subjetiva, baseada em culpa. 13. Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem. 14. Constatado o nexo causal entre a ação e a omissão das recorrentes com o dano ambiental em questão, surge, objetivamente, o dever de promover a recuperação da área afetada e indenizar eventuais danos remanescentes, na forma do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981. 15. Descabe ao STJ rever o entendimento do Tribunal de origem, lastreado na prova dos autos, de que a responsabilidade dos recorrentes ficou configurada, tanto na forma comissiva (aterro), quanto na omissiva (deixar de impedir depósito de lixo na área). Óbice da Súmula nº 7/STJ. 16. Recurso Especial parcialmente co-nhecido e, nessa parte, não provido.” (STJ – REsp 650728 (2003/0221786-0) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 02.12.2009)

Transcrição Editorial SÍNTESE• Código de Processo Civil:

“Art. 397. É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados, ou para con-trapô-los aos que foram produzidos nos autos.”

• Súmula do Supremo Tribunal Federal:

“282 – É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorri-da, a questão federal suscitada.”

• Lei nº 6.938/1981:

“Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:

I – à multa simples ou diária, nos valores correspondentes, no mínimo, a 10 (dez) e, no máximo, a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional – ORTNs, agravada em casos de reincidência específica, conforme dispuser o regulamento, vedada a sua cobrança pela União se já tiver sido aplicada pelo Estado, Distrito Federal, Territórios ou pelos Municípios.

II – à perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público;

III – à perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimen-tos oficiais de crédito;

IV – à suspensão de sua atividade.

§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e

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dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.”

1640 – Mudanças climáticas – poço artesiano irregular – princípio da Lei na Política Nacio-nal de Recursos Hídricos – aplicabilidade

“Administrativo. Poço artesiano irregular. Fiscalização. Objetivos e princípios da Lei da Polí-tica Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433/1997). Competência comum do município. 1. Hipótese em que se discutem os limites da competência fiscalizatória municipal relacio-nada à perfuração de poço artesiano e sua exploração por particular. 2. O Município autuou o recorrido e lacrou seu poço artesiano, por inexistência de autorização e descumprimento da legislação estadual que veda a exploração dos recursos hídricos, pelo particular, naquela área. 3. O Tribunal de origem entendeu que a competência do Município para fiscalizar refere-se, exclusivamente, à proteção da saúde pública. Ocorre que a lacração do poço não decorreu dessa competência (a água é comprovadamente potável, sem risco para a saúde), mas sim por conta de descumprimento das normas que regem a exploração dos recursos hí-dricos, editadas pelo Estado. 4. Não há controvérsia quanto à legislação local, que, segundo o Ministério Público Estadual, veda a perfuração e a exploração de poço artesiano da área. 5. O acórdão recorrido fundamenta-se nas competências fixadas pela Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433/1997), ainda que interpretada à luz dos arts. 21, XIX, e 26, I, da Constituição Federal, o que atrai a competência do STJ. 6. A Lei nº 9.433/1997, adotada pelo Tribunal de Justiça em suas razões de decidir, aponta claramente a competência dos Municípios para a gestão dos recursos hídricos (art. 1º, VI) e para a ‘integração das políticas locais de saneamento básico, de uso, ocupação e conservação do solo e de meio ambiente com as políticas federais e estaduais de recursos hídricos’ (art. 31). 7. Os arts. 1º, VI, e 31 da Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos devem ser interpretados sob o prisma constitu-cional, que fixa a competência comum dos Municípios, relativa à proteção do meio ambiente e à fiscalização da exploração dos recursos hídricos (art. 23, VI e XI, da Constituição). 8. A Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos significou notável avanço na proteção das águas no Brasil e deve ser interpretada segundo seus objetivos e princípios. 9. Três são os objetivos dorsais da Lei nº 9.433/1997, todos eles com repercussão na solução da presente demanda: a preservação da disponibilidade quantitativa e qualitativa de água, para as presentes e futuras gerações; a sustentabilidade dos usos da água, admitidos somente os de cunho racional; e a proteção das pessoas e do meio ambiente contra os eventos hidrológicos críticos, desiderato que ganha maior dimensão em época de mudanças climáticas. 10. Além disso, a Lei da Políti-ca Nacional de Recursos Hídricos apóia-se em uma série de princípios fundamentais, caben-do citar, entre os que incidem diretamente no litígio, o princípio da dominialidade pública (a água, dispõe a lei expressamente, é bem de domínio público), o princípio da finitude (a água é recurso natural limitado) e o princípio da gestão descentralizada e democrática. 11. As águas subterrâneas são ‘recurso ambiental’, nos exatos termos do art. 3º, V, da Lei da Política Na-cional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981), o que obriga o intérprete, na solução de litígios associados à gestão de recursos hídricos, a fazer uma leitura conjunta dos dois textos legais, em genuíno exercício de diálogo das fontes. 12. É evidente que a perfuração indiscriminada e desordenada de poços artesianos tem impacto direto no meio ambiente e na disponibilidade de recursos hídricos para o restante da população, de hoje e de amanhã. Feita sem contro-le, também põe em risco a saúde pública, por ausência de tratamento, quando for de rigor. 13. Em síntese, o Município tem competência para fiscalizar a exploração de recursos hídri-cos, superficiais e subterrâneos, em seu território, o que lhe permite, por certo, também coibir a perfuração e exploração de poços artesianos, no exercício legítimo de seu poder de polícia

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urbanístico, ambiental, sanitário e de consumo. 14. Recurso Especial provido.” (STJ – REsp 994120 (2007/0234852-0) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 27.04.2011)

1641 – Mudanças climáticas – queima de palha da cana-de-açúcar – dano ao meio ambien-te – configuração

“Ambiental. Ação civil pública. Queima de palha da cana-de-açúcar. Impossibilidade. Dano ao meio ambiente. 1. A Segunda Turma do STJ reconheceu a ilegalidade da queima de palha de cana-de-açúcar, por se tratar de atividade vedada, como regra, pela legislação federal, em virtude dos danos que provoca ao meio ambiente. 2. De tão notórios e evidentes, os males causados pelas queimadas à saúde e ao patrimônio das pessoas, bem como ao meio ambiente, independem de comprovação de nexo de causalidade, pois entender diversamente seria atentar contra o senso comum. Insistir no argumento da inofensividade das queimadas, sobretudo em época de mudanças climáticas, ou exigir a elaboração de laudos técnicos im-possíveis, aproxima-se do burlesco e da denegação de jurisdição, pecha que certamente não se aplica ao Judiciário brasileiro. 3. O acórdão recorrido viola o art. 27 da Lei nº 4.771/1965 ao interpretá-lo de forma restritiva e incompatível com a Constituição da República (arts. 225, 170, VI, e 186, II). Para a consecução do mandamento constitucional e do princípio da pre-caução, forçoso afastar, como regra geral, a queima de palha da cana-de-açúcar, sobretudo por haver instrumentos e tecnologias que podem substituir essa prática, sem inviabilizar a atividade econômica. 4. Caberá à autoridade ambiental estadual expedir autorizações – espe-cíficas, excepcionais, individualizadas e por prazo certo – para uso de fogo, nos termos legais, sem a perda da exigência de elaboração, às expensas dos empreendedores, de Estudo Prévio de Impacto Ambiental, na hipótese de prática massificada, e do dever de reparar eventuais da-nos (patrimoniais e morais, individuais e coletivos) causados as pessoas e ao meio ambiente, com base no princípio poluidor-pagador.” (STJ – REsp 965078 (2006/0263624-3) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 27.04.2011)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de recurso especial interposto contra o acórdão assim ementado:

“Ação Civil Pública. Discussão acerca de queima de palha de cana-de-açúcar. 1. Pro-cedente a ação, incabível apelo ministerial para reconhecer a inconstitucionalidade de lei estadual, alterando-lhe o fundamento. 2. A vedação da queima de palha de cana--de-açúcar baseada na legislação estadual não configura ilegalidade. 3. Editada legisla-ção estadual superveniente ao ajuizamento da demanda, inafastável sua aplicabilidade. 4. Insubsistente a sentença calcada somente em estudos científicos relativos à matéria, sem apreciação dos laudos capazes de estabelecer nexo de causalidade. 5. Apelação do autor não conhecida, provida a da acionada para julgar improcedente a ação.”

O caso em comento cuida-se de discussão da legalidade da queima de palha de cana-de--açúcar, sobretudo em época de mudanças climáticas.

Sobre o assunto, trazemos trecho das lições do estudioso, jurista, Dr. Hugo Nigro Mazzilli:

“[...]

A pretexto de regulamentar o Código Florestal (Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, art. 27, parágrafo único), o atual decreto permite hoje queimadas em que cada área pode chegar a 500 hectares, apesar de o próprio Governo não desconhecer os graves danos delas decorrentes, tanto que seu mote, expresso no próprio decreto, seria regulamentá-las para evitar desastres ecológicos... Em outras palavras, dizendo que quer vedar a queima-da, autoriza-as; dizendo que quer evitar desastres ecológicos, promove-os sob o aparente manto da legalidade.

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Quando da edição do decreto, autoridades governamentais, em entrevistas à imprensa, procuraram sustentar a solução por elas encontrada, sob o argumento de que ‘a nova legislação é uma das medidas concretas do Governo Federal para controlar o uso indis-criminado das queimadas no País’, tendo um Ministro dito que ‘não se está estimulan-do a queimada e, sim, regulamentando um fato’ (jornal O Estado de S. Paulo, ed. de 09.07.1998, p. A-11).

Sob essa óptica equivocada, então vamos deixar de combater o tráfico de drogas: basta regulamentá-lo. Vamos também parar de perder tempo em combater o roubo, o jogo do bi-cho, o trabalho escravo, a exploração sexual, a discriminação racial, a venda de remédios falsificados, o desvio de recursos da Previdência. Já que tudo isso é fato social, basta re-gulamentar. Então, vamos regulamentar exploração de cassinos, prática do jogo do bicho, queimadas (como faz o Governo) e, com um pouco mais de imaginação, regulamentar a falsificação de medicamentos, fixar horários menos incômodos para os assaltos, estipular teto para que os fraudadores da Previdência não quebrem de vez o sistema...

A questão exige, porém, outro enfoque.

Constituem um sério problema em certas regiões interioranas as queimadas.

Tomemos como exemplo aquelas que tanto afligem os moradores de cidades vizinhas de plantações canavieiras – são as queimadas como método despalhador e facilitador do corte de cana-de-açúcar.

Estudos periciais têm demonstrado que tais queimadas provocam sérios danos ambien-tais, de difícil mensuração. O fato de estarem autorizadas por decretos não as torna lícitas, pois violam a Constituição e a Lei federal nº 6.938/1981, que dispõe sobre a política nacional do meio ambiente, e conceitua poluição de forma ampla (art. 3º, III). Com efeito, a Constituição assegura que todos têm direito ao meio ambiente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225).

Em julgamento de que participei em 1994, no Conselho Superior do Ministério Público paulista, em caso relatado pelo então Conselheiro Luiz Antônio Guimarães Marrey, por unanimidade o colegiado ministerial mandou propor ação civil pública para ressarcimento de danos e para impedir a queima de cana-de-açúcar para fins de colheita, diante da infração ambiental provocada por essa prática deletéria (Pt. 34.104/1993).

No leading case, o Relator Marrey trouxe à baila trabalho científico realizado por Marinho e Kirchhoff, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe, de São José dos Campos, sob o título Projeto fogo: um experimento para avaliar efeitos das queimadas de cana-de--açúcar na baixa atmosfera. No trabalho, os estudiosos mostraram que a combustão da palha da cana-de-açúcar libera poluentes, sendo que a excessiva emissão de CO (monóxi-do de carbono) e O3 (ozônio) prejudica a qualidade do ar, traz danos às plantas naturais e cultivadas, à fauna local e até à população ribeirinha. Pareceres encartados aos autos, emitidos pelos Profs. José Carlos Manço e Antônio Ribeiro Franco, titulares de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP, apontaram os efeitos nocivos dessas queimadas sobre a saúde da população, associando-se doenças respiratórias à poluição do ar.

As queimadas poluem o ambiente, causam dano à saúde pública e não são o único pro-cesso disponível para a colheita da cana ou para as demais práticas de agricultura, como vem sendo apontado pela jurisprudência (v.g., Apelação Cível nº 211.501-1/9, TJSP). Matam animais e plantas, assim violando o equilíbrio ecológico; invadem áreas de nas-centes circundadas por vegetação ciliar; atingem, acidentalmente ou, não raro, até mesmo de propósito, áreas de preservação permanente e destroem florestas inteiras. Provocam danos difusos ou às vezes lesões a interesses individuais homogêneos de milhares de pessoas, seja poluindo o ar que respiramos, seja causando-nos ou agravando-nos doen-

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ças respiratórias, sujando nossas casas, causando-nos corte de fornecimento de energia elétrica ou impedindo-nos a visibilidade em estradas e provocando acidentes. E toda a burocracia e documentação exigidas pelo Governo nesse malsinado decreto para autorizar as queimadas não eliminarão os males que vêm junto com estas últimas.

As associações civis, o Ministério Público e o Poder Judiciário, e até mesmo os particula-res, não devem sentir-se atados por esse decreto, já que governante algum tem o poder de autorizar a degradação do meio ambiente em que todos nós vivemos, nem de compro-meter a qualidade de vida de todos nós, e até mesmo das gerações futuras.” (Autorização para Poluir, disponível em http://online.sintese.com/)

Dessa forma, o nobre Relator em seu voto entendeu:

“[...]

Dessa forma, o acórdão recorrido viola o art. 27 da Lei nº 4.771/1965 ao interpretá-lo de forma restritiva e incompatível com a Constituição da República. De fato, o art. 225 de nossa Carta (sem falar dos arts. 170, VI, e 186, II) reconhece o direito ‘ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações’.

Ao contrário do que defende o acórdão recorrido, de tão notórios e evidentes, os males causados pelas queimadas à saúde e ao patrimônio das pessoas, bem como ao meio ambiente, independem de comprovação de nexo de causalidade, pois entender diversa-mente seria atentar contra o senso comum. Insistir no argumento da inofensividade dessas práticas arcaicas, sobretudo em época de mudanças climáticas, ou exigir a elaboração de laudos técnicos impossíveis, aproxima-se do burlesco, pecha que certamente não se aplica ao Judiciário brasileiro.

Ora, para a consecução do mandamento constitucional, forçoso afastar, como regra geral, sujeita às exceções previstas na legislação, a queima de palha da cana-de-açúcar, cau-sadora de danos ambientais, sobretudo por haver instrumentos e tecnologias que podem substituir essa prática, sem inviabilizar a atividade econômica (REsp 1.094.873/SP, Rel. Min. Humberto Martins).

Claro, a autoridade ambiental estadual poderá expedir autorizações – específicas, excep-cionais, individualizadas e por prazo certo –, nos termos legais, sem a perda da exigência da elaboração, às expensas dos poluidores, de Estudo Prévio de Impacto Ambiental, na hipótese de prática massificada, e do dever de reparar eventuais danos (patrimoniais e morais, individuais e coletivos) causados às pessoas e ao meio ambiente, com base no princípio poluidor-pagador.

Diante do exposto, dou provimento ao Recurso Especial. É como voto.”

Assim, o Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso.

1642 – Mudanças climáticas – queimada da palha de cana-de-açúcar – art. 27 do Código Florestal – aplicabilidade

“Processual civil e ambiental. Embargos de divergência. Queimada da palha de cana-de--açúcar. Proibição. Aplicação do art. 27 do Código Florestal. 1. ‘Segundo a disposição do art. 27 da Lei nº 4.771/1985, é proibido o uso de fogo nas florestas e nas demais formas de vegeta-ção as quais abrangem todas as espécies, independentemente de serem culturas permanentes ou renováveis. Isso ainda vem corroborado no parágrafo único do mencionado artigo, que ressalva a possibilidade de se obter permissão do Poder Público para a prática de queimadas em atividades agropastoris, se as peculiaridades regionais assim indicarem’ (REsp 439.456/SP, 2ª T., Min. João Otávio de Noronha, DJ de 26.03.2007). Indispensável considerar que ‘[as] queimadas, sobretudo nas atividades agroindustriais ou agrícolas organizadas ou empresa-riais, são incompatíveis com os objetivos de proteção do meio ambiente estabelecidos na

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Constituição Federal e nas normas ambientais infraconstitucionais. Em época de mudanças climáticas, qualquer exceção a essa proibição geral, além de prevista expressamente em lei federal, deve ser interpretada restritivamente pelo administrador e juiz’ (REsp 1000731, 2ª T., Min. Herman Benjamin, DJ de 08.09.2009). 2. Assim, a palha da cana-de-açúcar está sujei-ta ao regime do art. 27 e seu parágrafo do Código Florestal, razão pela qual sua queimada somente é admitida mediante prévia autorização dos órgãos ambientais competentes, nos termos do parágrafo único do mesmo artigo e do disposto no Decreto nº 2.661/1998, sem pre-juízo de outras exigências constitucionais e legais inerentes à tutela ambiental, bem como da responsabilidade civil por eventuais danos de qualquer natureza causados ao meio ambiente e a terceiros. 3. Embargos de Divergência improvidos.” (STJ – EREsp 418565 – 1ª S. – Rel. Min. Teori Albino Zavascki – DJe 13.10.2010)

Transcrição Editorial SÍNTESECódigo Florestal:

“Art. 27. É proibido o uso de fogo nas florestas e demais formas de vegetação.

Parágrafo único. Se peculiaridades locais ou regionais justificarem o emprego do fogo em práticas agropastoris ou florestais, a permissão será estabelecida em ato do Poder Público, circunscrevendo as áreas e estabelecendo normas de precaução.”

1643 – Mudanças climáticas – queimada de pastagem – medidas necessárias à preservação ou correção – não comprovação

“Ambiental. Multa prevista no art. 14 da Lei nº 6.938/1981. Aplicação. Recurso especial. Alínea c. Não demonstração da divergência. 1. Hipótese em que o Tribunal de origem asse-verou a legalidade da autuação do recorrido, com base no art. 14, I, da Lei nº 6.938/1981, por ter realizado queimada de pastagem em área correspondente a 600 hectares, sem a devida autorização. 2. O dispositivo em tela prevê a aplicação de multa pelo ‘não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental’, constituindo base legal suficiente para a autuação. 3. As queimadas, sobretudo nas atividades agroindustriais ou agrícolas organizadas ou em-presariais, são incompatíveis com os objetivos de proteção do meio ambiente estabelecidos na Constituição Federal e nas normas ambientais infraconstitucionais. Em época de mudan-ças climáticas, qualquer exceção a essa proibição geral, além de prevista expressamente em lei federal, deve ser interpretada restritivamente pelo administrador e juiz. 4. A divergência jurisprudencial deve ser comprovada, cabendo a quem recorre demonstrar as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, com indicação da similitude fática e jurídica entre eles. Indispensável a transcrição de trechos do relatório e do voto dos acór-dãos recorrido e paradigma, realizando-se o cotejo analítico entre ambos, com o intuito de bem caracterizar a interpretação legal divergente. O desrespeito a esses requisitos legais e regimentais (art. 541, parágrafo único, do CPC e art. 255 do RI/STJ) impede o conhecimento do Recurso Especial, com base na alínea c do inciso III do art. 105 da Constituição Federal. 5. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.” (STJ – REsp 1000731 – (2007/0254811-8) – 2ª T. –Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 08.09.2009)

Destaque Editorial SÍNTESEDo voto do Relator, destacamos:

“[...]

De início, esclareço que os diversos dispositivos legais invocados pelo Tribunal de origem para sustentar a competência do Ibama (que não está sendo discutida nos autos) são um

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plus à questão em debate: a legalidade do auto de infração consubstanciado no art. 14, I, da Lei nº 6.938/1981, in verbis:

Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e mu-nicipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:

I – à multa simples ou diária, nos valores correspondentes, no mínimo, a 10 (dez) e, no máximo, a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional – ORTNs, agravada em casos de reincidência específica, conforme dispuser o regulamento, vedada a sua cobrança pela União se já tiver sido aplicada pelo Estado, Distrito Federal, Territórios ou pelos Municípios.”

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Parte Geral – Doutrina

O Controle Social na Regulação dos Serviços Públicos de Saneamento Básico: Desafios e Estágio de Implantação da Lei Federal nº 11.445/2007

CARLOS ROBERTO DE OLIVEIRAAdvogado, Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP), Especialista em Gestão Normativa dos Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Diretor Administrativo e Financeiro da Agência Reguladora de Saneamento ARES-PCJ.

JULIANA ALCORTA fURLANGraduanda em Direito do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal), Campus Americana.

RESUMO: O presente artigo tem como proposta refletir sobre a importância do controle social no pro-cesso regulatório, notadamente na regulação dos serviços públicos de saneamento básico, conforme instituída pela Lei Federal nº 11.445/2007. O instituto do controle social, entendido como a ativa participação da sociedade na formulação das políticas públicas de saneamento básico, é situação recente no ordenamento jurídico brasileiro e deve ser enfrentada pelas agências reguladoras de sa-neamento básico como condição de validade dos seus atos. O artigo aborda, ainda, a experiência da Agência Reguladora de Saneamento das Bacias PCJ (consórcio público de direito público com sede na Cidade de Americana, interior do Estado de São Paulo), no trato da participação da sociedade em âmbito municipal, não só fiscalizando a qualidade dos serviços que são prestados, mas também opi-nando de forma direta na fixação dos valores das tarifas dos serviços públicos de saneamento básico.

PALAVRAS-CHAVE: Regulação; Lei Federal nº 11.445/2007; controle social.

ABSTRACT: This article aims to reflect on the importance of social control in the regulatory pro-cess, especially in the regulation of public sanitation services, as established by Federal Law nº 11.445/2007. The institute of social control, understood as the active participation of society in the formulation of public policies on sanitation, is the recent situation in the Brazilian legal system and should be addressed by regulatory agencies sanitation as a condition of validity of their acts. The paper also discusses the experience of Sanitation Regulatory Agency Basins PCJ (public consortium of public law-based in Americana, the State of São Paulo), in dealing with participation of society at the municipal level, not only overseeing the quality of services provided, but also opining directly in setting the tariffs of public sanitation services.

KEYWORDS: Regulation; Federal Law nº 11.445/2007; social control.

SUMÁRIO: 1 Conceitos e premissas da regulação; 1.1 A regulação dos serviços públicos de sane-amento básico; 1.2 O controle social como componente da regulação dos serviços de saneamento básico; 1.3 A experiência da Agência Reguladora ARES-PCJ; 2 Conclusões; Referências.

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1 CONCEItOS E PREMISSAS DA REGULAÇãO

Assim como a participação social na formulação de políticas públicas é situação recente no ordenamento jurídico brasileiro – e até mesmo uma novidade diante da repressão e do déficit participativo que foram viven-ciados em tempos recentes de ditadura –, a figura de um órgão de estado com funções técnicas para fazer a regulação de mercado – econômica e da qualidade da prestação dos serviços – é igualmente nova1.

Nos últimos anos, o Brasil tem sido palco de uma série de mudanças no sistema de relações do Estado com a sociedade, algumas delas bastan-te relevantes para a história econômica e política do País. Na década de 1990 e nos primeiros anos deste século, a principal mudança no arranjo das funções e organização do Estado no Brasil foi o surgimento de estruturas autônomas de administração para os assuntos de regulação da economia, chamadas agências reguladoras2.

As agências reguladoras surgem como uma alternativa para solucio-nar a crise pela qual passava o Estado, resultante de um crescimento muito superior à sua real possibilidade de atuação, com a evolução do Estado de Direito para o Estado de Direito Social, acabando por estender o exercício de suas atividades para as áreas da saúde, educação, transportes, desportes, fornecimento de energia elétrica, água, exploração de petróleo, econômica (seja como interventor, seja como fomentador de atividades de desenvol-vimento), habitacional, rural, previdenciária, o que acabou por acarretar o colapso, o esgotamento de sua capacidade de atuação, significando, muitas vezes, a prestação dos serviços públicos de forma ineficaz, morosa, inade-quada, quando não danosa, inclusive para a “imagem” do próprio Estado, isso sem contar que seus recursos financeiros são óbvia e efetivamente insu-ficientes para tal gama de atividade3.

1 Nesse mesmo sentido destaca Maria Sylvia Zanella Di Pietro que: “As agências reguladoras foram introduzidas no Direito brasileiro, inicialmente, para assumir o papel que, na concessão, era antes desempenhado pela própria Administração Pública direta, na qualidade de poder concedente; o mesmo papel é assumido na permissão e na autorização. E é desempenhado quando o objeto da concessão é um serviço público, como nas hipóteses elencadas no art. 21, XI e XII, ou quando o objeto da concessão é a exploração de atividade econômica monopolizada, como nas hipóteses do art. 177” (cf. Direito regulatório: temas polêmicos. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 217).

2 RAMALHO, Pedro Ivo Sebba. Regulação e agências reguladoras: reforma regulatória da década de 1990 e desenho institucional das agências no Brasil. In: RAMALHO, Pedro Ivo Sebba (Org.). Regulação e agências reguladoras: governança e análise de impacto regulatório. Brasília: Anvisa, 2009. p. 125.

3 Nesse sentido destaca Verônica Cruz que “a instauração de aparato regulatório capaz de prevalecer sobre os vícios detectados anteriormente na Administração Pública ganhou corpo e assim as agências se multiplicaram e, atualmente no Brasil, controlam os mais distintos setores, de audiovisual a vigilância sanitária, passando por telecomunicações, saúde, energia e transportes” (cf. Estado e regulação: fundamentos teóricos. In: RAMALHO, Pedro Ivo Sebba (Org.). Regulação e agências reguladoras..., cit., p. 56).

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Com o agigantamento da prestação de serviços pelo Estado, surge a necessidade de equilibrar as relações entre o poder público e o agente privado, objetivando conjugar as vantagens da capacidade empresarial pri-vada com a realização de fins de interesse público, para garantir a presta-ção dos serviços adequados. A atuação do ente regulador é garantir que os serviços públicos concedidos sejam prestados com eficiência, qualidade e continuidade, buscando o cumprimento das regras de direito administrati-vo, submetendo o ente privado aos princípios que regram a Administração Pública4.

As atribuições das agências reguladoras5 na concessão, permissão e autorização de serviço público resumem-se ou derivam-se das funções que o poder concedente exerce nesses tipos de contratos ou atos de delegação: regulamentar os serviços que constituem objeto da delegação; acompanhar o procedimento licitatório para escolha do concessionário, permissionário ou autorizatário; ser anuente na celebração do contrato de concessão ou permissão ou praticar ato unilateral de outorga de autorização; definir o valor da tarifa e da sua revisão ou a caducidade; intervir; fazer a rescisão amigável; acompanhar a reversão de bens ao término da concessão; exercer o papel de ouvidor de denúncias e reclamações dos usuários; enfim, exer-cer todas as prerrogativas que a lei outorga ao Poder Púbico na concessão, permissão ou autorização.

Dentro de tais contornos e com o crescimento de sua importância, notadamente com o crescente rol de tarefas e de cobranças feitas pela so-ciedade para que as agências reguladoras tenham forte atuação em favor da qualidade da prestação dos serviços, trazemos o conceito de ente regulador nas lições de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

Assim, agência reguladora, em sentido amplo, é, no Direito brasileiro, qual-quer órgão da Administração direta ou indireta com função de regular a ma-téria específica que lhe está afeta. Em sentido restrito, e abrangendo apenas o modelo mais recente, a agência reguladora é entidade da Administração indireta, em regra autarquia de regime especial, com a função de regular a matéria que se insere em sua esfera de competência, outorgada por lei.6

4 Nesse sentido, conferir FELDMAN, Maria Augusta. As relações entre os direitos fundamentais, o direito regulatório e a legitimação democrática das agências reguladoras. Revista da AGERG. Marco Regulatório nº 15 – Edição Especial de 15 anos, Porto Alegre: AGERGS, p. 23, 2009.

5 Destaca Gustavo Augusto Freitas de Lima que: “Designamos como poder regulador o conjunto de atribuições típicas das agências reguladoras, necessárias à regulação de um determinado setor econômico. O poder regula- dor engloba o exercício de funções administrativas, o poder normativo e o poder de julgar e arbitrar conflitos, desde que especificamente relacionados à atividade regulatória” (cf. Agências reguladoras e o poder normativo. São Paulo: Baraúna, 2013. p. 53).

6 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. São Paulo: Atlas, 2012. p. 179.

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E a mesma autoria adverte, em embasado estudo, que a função regu-ladora vem para suprimir a atuação do poder público nos limites da delega-ção, destacando que “isso significa que a lei, ao criar a agência reguladora, está tirando do Poder Executivo todas essas atribuições para colocá-las nas mãos da agência”7.

Na opinião de Vivian Cristina Lima, é tendência do Estado moderno ser menor e reservar para si tão somente a fiscalização das atividades eco-nômicas, afirmando que

a proposta contemporânea: uma estrutura de Administração Pública simples, rápida, voltada a metas e resultados e, sobretudo, sensivelmente menor, não mais preocupada com a prestação de serviços públicos e tão somente com a sua regulação.8

Há de se destacar, porém, que o compromisso com o sistema regu-latório deve ser cultivado sempre, mesmo quando o ambiente pareça ex-tremamente problemático, pois sem o comprometimento com a segurança jurídica e planejamentos de longo prazo não há como manter investimentos e atrair novos parceiros para as atividades públicas.

Ademais, a prática regulatória brasileira leva-nos a considerar as pe-culiaridades institucionais que foram estabelecidas pela nossa legislação e pelo modelo federalista brasileiro e reconhecer que alcançar nível de com-prometimento pode requerer regime de inflexibilidade regulatória em al-guns casos, e, em outros, só mesmo a propriedade pública dos serviços é possível9.

A discussão dos marcos regulatórios é tema recente e ainda contro-verso, já que são inúmeros os setores que ainda estão em processo de tran-sição entre um modelo de regulação estatal para monopólios estatais e para setores em que a competição entre empresas no mercado ou mesmo mono-pólios privados requer diferente visão dessa função. Enfim, há necessidade de que essa regulação, em qualquer cenário, seja uma regulação de quali-dade, o que envolve inúmeros outros insumos10.

7 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2013. p. 533.8 Administração Pública contemporânea: o usuário de serviço público e a dignidade da pessoa humana.

Dissertação de Mestrado, Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2004. p. 28.

9 Nesse sentido, conferir CRUZ, Verônica. Estado e regulação: fundamentos teóricos. In: RAMALHO, Pedro Ivo Sebba (Org.). Regulação e agências reguladoras..., cit., p. 53-86.

10 SANTOS, Luiz Alberto dos. Desafios da governança regulatória no Brasil. In: RAMALHO, Pedro Ivo Sebba (Org.) Regulação e agências reguladoras..., cit., p. 178.

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1.1 A REGULAÇÃO DOS SERVIÇOS PúBLICOS DE SANEAMENTO BáSICO

Bem mais recente que em outras áreas de atuação do Estado é a regu-lação nos serviços públicos de saneamento básico11.

Somente no ano de 2007, e com a intenção de criar um marco regu-latório na área de saneamento básico e fomentar as ações e as políticas pú-blicas do setor, a União, dentro de suas competências legislativas12, estabe-leceu as diretrizes nacionais para regrar os serviços públicos de saneamento básico, por meio da edição da Lei Federal nº 11.44513.

Com a definição legal dos componentes do saneamento básico – no-tadamente serviços públicos prestados diretamente pelo Estado e, em alguns casos concedidos –, pôs-se luz sobre serviços que tradicionalmente eram tratados com pouca eficiência e com raros casos de preocupação com a qualidade e continuidade de sua prestação.

Com base na inovação legislativa, foram destacados dois novos com-ponentes para imprimir qualidade de gestão aos serviços públicos presta-dos: o planejamento e a fiscalização e regulação dos serviços públicos de saneamento básico.

O planejamento consiste no conjunto de estudos e na fixação das di-retrizes e metas que deverão orientar a prestação de serviços14, pois, como base na elaboração deste instrumento, pode-se buscar a eficiência e a sus-tentabilidade econômica, preconizadas como fundamentos no art. 2º, VII, da Lei nº 11.445/2007. O documento que exterioriza esse planejamento é o plano municipal de saneamento básico15.

11 A definição dos componentes do saneamento básico é encontrada no art. 2º, inciso XI, do Decreto Federal nº 7.217/2010, compreendendo: “[...] conjunto dos serviços públicos de manejo de resíduos sólidos, de limpeza urbana, de abastecimento de água, de esgotamento sanitário e de drenagem e manejo de águas pluviais, bem como infraestruturas destinadas exclusivamente a cada um destes serviços”.

12 A competência legislativa para instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, incluindo habitação, saneamento básico e transporte urbano, pertence à União, conforme dispõe o art. 21, XX, da Constituição Federal de 1988.

13 A fiscalização e a regulação são componentes de gerenciamento das ações na área de saneamento básico, definidos no art. 2º, XI, do Decreto Federal nº 6.017/2007 como “todo e qualquer ato, normativo ou não, que discipline ou organize um determinado serviço público, incluindo suas características, padrões de qualidade, impacto socioambiental, direitos e obrigações dos usuários e dos responsáveis por sua oferta ou prestação e fixação e revisão do valor de tarifas e outros preços públicos”.

14 Lembra Maria Luiza Machado Granziera que “é preciso planejar como será feita a prestação dos serviços, de acordo com as características e necessidades locais, com vistas a garantir resultados positivos, no que se refere à qualidade ambiental e da saúde pública. O planejamento também corresponde ao princípio da eficiência, pois direciona o uso dos recursos públicos de forma racional” (cf. Direito ambiental. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 653-654).

15 O conceito de plano municipal de saneamento básico pode ser extraído da Portaria nº 118, de 14 de fevereiro de 2012, da Fundação Nacional da Saúde – Funasa, que diz que “o Plano Municipal de Saneamento Básico, nos termos da Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, e Decreto nº 7.217, de 21 de junho de

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Define a própria Lei Federal nº 11.445/2007, em seu art. 19, quais os componentes mínimos necessários para estruturação do plano municipal de saneamento, que são:

Art. 19. A prestação de serviços públicos de saneamento básico observará plano, que poderá ser específico para cada serviço, o qual abrangerá, no mínimo:

I – diagnóstico da situação e de seus impactos nas condições de vida, utili-zando sistema de indicadores sanitários, epidemiológicos, ambientais e so-cioeconômicos e apontando as causas das deficiências detectadas;

II – objetivos e metas de curto, médio e longo prazos para a universalização, admitidas soluções graduais e progressivas, observando a compatibilidade com os demais planos setoriais;

III – programas, projetos e ações necessárias para atingir os objetivos e as metas, de modo compatível com os respectivos planos plurianuais e com outros planos governamentais correlatos, identificando possíveis fontes de financiamento;

IV – ações para emergências e contingências;

V – mecanismos e procedimentos para a avaliação sistemática da eficiência e eficácia das ações programadas.

A ação de fiscalização e regulação se dará com a indicação por par-te do titular do saneamento (Município) de uma entidade reguladora de suas atividades (que poderá ter o seu âmbito de atuação nos limites do Mu-nicípio, regional ou estadual) e condições do órgão público para manter sua independência decisória e autonomias administrativa, orçamentária e financeira16-17.

É obrigação de todo Município integrante da Federação, portanto, após a edição da Lei Federal nº 11.445/2007 (Política Nacional de Sanea-mento Básico) e do Decreto Federal nº 7.217/2010), elaborar e aprovar o

2010, tem como diretrizes a promoção da equidade social, o estímulo à adequada regulação dos serviços, o planejamento com base em indicadores epidemiológicos e de desenvolvimento social, a qualidade de vida e o desenvolvimento urbano e regional dentre outros fatores focados na qualidade dos serviços, visando sua universalização”.

16 Cf. art. 21 da Lei Federal nº 11.445/2007.17 Confere-se à agência reguladora, entre outras, a função de coibir a tendência natural de se estabelecer

monopólio no mercado e, ainda, a de procurar a conciliação entre os interesses público e privado. As agências reguladoras de serviços públicos são órgãos destinados à preservação do equilíbrio nas relações jurídicas existentes entre prestadores de serviços públicos e seus usuários, exercendo, portanto, atividade de regulação de mercado.

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seu plano municipal de saneamento básico e indicar (ou criar) uma agência reguladora para os serviços públicos de saneamento básico18.

Como já destacado, o modelo a ser criado é definido pelo próprio Município, que, após estudos de viabilidade, pode optar por uma autarquia municipal, pela criação de uma agência regional, nos moldes definidos pela Lei Federal nº 11.107/2005 (Lei de Consórcios Públicos)19, ou por meio de convênio de cooperação com órgãos reguladores estaduais, conforme dis-põe o art. 31 do Decreto Federal nº 7.217/2010:

Art. 31. As atividades administrativas de regulação, inclusive organização, e de fiscalização dos serviços de saneamento básico poderão ser executadas pelo titular:

I – diretamente, mediante órgão ou entidade de sua administração direta ou indireta, inclusive consórcio público do qual participe; ou

II – mediante delegação, por meio de convênio de cooperação, a órgão ou entidade de outro ente da Federação ou a consórcio público do qual não participe, instituído para gestão associada de serviços públicos.

§ 1º O exercício das atividades administrativas de regulação de serviços pú-blicos de saneamento básico poderá se dar por consórcio público constituído para essa finalidade ou ser delegado pelos titulares, explicitando, no ato de delegação, o prazo de delegação, a forma de atuação e a abrangência das atividades a ser desempenhadas pelas partes envolvidas.

Bastante diversificada, portanto, a formatação da agência reguladora para os serviços de saneamento básico, sendo que, atualmente, pelos dados compilados pela Associação Brasileira de Agências de Regulação – ABAR20, são: 27 (vinte e sete) as agências reguladoras de saneamento básico, sendo: 17 (dezessete) agências estaduais ou distrital, 7 (sete) agências municipais e

18 Estabelece o art. 27 do Decreto Federal nº 7.217/2010 que: “São objetivos da regulação: I – estabelecer padrões e normas para a adequada prestação dos serviços e para a satisfação dos usuários; II – garantir o cumprimento das condições e metas estabelecidas; III – prevenir e reprimir o abuso do poder econômico, ressalvada a competência dos órgãos integrantes do sistema nacional de defesa da concorrência; e IV – definir tarifas e outros preços públicos que assegurem tanto o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, quanto a modicidade tarifária e de outros preços públicos, mediante mecanismos que induzam a eficiência e eficácia dos serviços e que permitam a apropriação social dos ganhos de produtividade. Parágrafo único. Compreendem-se nas atividades de regulação dos serviços de saneamento básico a interpretação e a fixação de critérios para execução dos contratos e dos serviços e para correta administração de subsídios”.

19 Conforme preconiza o art. 31 do Decreto Federal nº 7.217/2010 (que regulamentou a Lei Federal nº 11.445/2007): “As atividades administrativas de regulação, inclusive organização, e de fiscalização dos serviços de saneamento básico poderão ser executadas pelo titular: I – diretamente, mediante órgão ou entidade de sua administração direta ou indireta, inclusive consórcio público do qual participe; ou, II – mediante delegação, por meio de convênio de cooperação, a órgão ou entidade de outro ente da Federação ou a consórcio público do qual não participe, instituído para gestão associada de serviços públicos”.

20 Associação Brasileira de Agências de Regulação – ABAR. Saneamento básico: regulação 2013. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2013.

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3 (três) agências consorciadas. Evidente que tal número é maior, pois exis-tem várias agências municipais em plena atividade, mas que não integram o quadro associativo da ABAR. Com o nosso conhecimento por contatos e trocas de experiências, podemos citar, ao menos, outras 7 (sete) que existem e não integram o rol da pesquisa, o que nos leva ao número de 34 (trinta e quatro) entes de regulação no saneamento básico.

1.2 O CONTROLE SOCIAL COMO COMPONENTE DA REGULAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO BáSICO

Com a teoria da democracia deliberativa, formulada por Habermas21, passou-se a entender que a democracia não pode restringir-se ao sistema de seleção dos dirigentes e governantes, no qual a participação política dos cidadãos está limitada ao voto pelo processo eleitoral. As decisões políti-cas do Estado não podem estar desancoradas das demandas advindas do mundo e, por isso, deve haver um lugar central ao processo discursivo de conformação das opiniões dos cidadãos em sua concepção de democracia.

O princípio da participação popular na gestão e no controle da Ad-ministração Pública é inerente à ideia de Estado Democrático de Direito, enfatizado no Preâmbulo da Constituição Federal de 1988, em seu art. 1º, e reafirmado no seu parágrafo único, com a regra de que “todo o poder ema-na do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamen-te, nos termos desta constituição”; além disso, decorre, de forma implícita, de várias normas consagradoras da participação popular em diversos setores da Administração Pública, em especial na parte referente à ordem social.

Diante de tais premissas básicas, surge o conceito de controle social, que pode ser entendido como a participação da sociedade no acompanha-mento e verificação das ações e metas da gestão pública na execução das políticas públicas, por meio da avaliação dos objetivos, processos e resul-tados.

Antônio Ivo de Carvalho22 destaca que o “controle social é expressão de uso recente e corresponde a uma moderna compreensão de relação Esta-do-sociedade, onde a esta cabe estabelecer práticas de vigilância e controle sobre aquele”.

A opção por instrumentos de participação e controle social, tais como conselhos representativos (consultivos ou deliberativos), audiências públi-

21 Nesse sentido, conferir HABERMAS, Jürgen. Concluding comments on empirical approaches to deliberative politics, Acta Politica, International Journal of Political Science, v. 40, n. 3, p. 384-392.

22 Cf. Conselhos de saúde no Brasil: participação cidadã e controle social. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Administração Municipal, 1995.

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cas, consultas públicas, ouvidoria (ou ombudsman23), são essenciais para a melhoria da qualidade da prestação dos serviços regulados24.

Aliás, instrumento de relevância na novel democracia brasileira é a audiência pública, conceituada por Diogo de Figueiredo Moreira Neto como

um instituto de participação administrativa aberta a indivíduos e a grupos sociais determinados, visando à legitimidade da ação administrativa, formal-mente disciplinada em lei, pela qual se exerce o direito de expor tendências, preferências e opções que possam conduzir o Poder Público a uma decisão de maior aceitação consensual.25

Acertado, portanto, exercitar este modelo democrático da audiência pública sempre que existir interesse público ou políticas públicas a serem implantadas. As audiências tem a possibilidade real de educar, informar e conscientizar a população, sendo poderoso instrumento pedagógico. E quanto maior o acesso da população a tais audiências, mais efetivas e legí-timas elas serão26.

Em relação à participação social na legislação brasileira, podemos dar o exemplo da Lei Federal nº 9.784/1999, que, embora não mencione a participação do cidadão como princípio da Administração Pública, discipli-nou vários instrumentos que facilitam a sua participação, como é o caso do direito à informação, da motivação das decisões no âmbito administrativo e das regras sobre publicidade. Estão também previstas a consulta pública (art. 31), a audiência pública (art. 32) e a participação dos administradores, direta ou por meio de organizações e associações legalmente reconhecidas (art. 33)27-28.

23 Ombudsman é um profissional contratado por um órgão, instituição ou empresa com a função de receber críticas, sugestões e reclamações de usuários e consumidores, devendo agir de forma imparcial no sentido de mediar conflitos entre as partes envolvidas (no caso, a empresa e seus consumidores). A palavra passou às línguas modernas através do sueco ombudsman, que significa “representante do povo” (cf. Dicionário escolar da língua portuguesa. 2. ed. Academia Brasileira de Letras. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2008. p. 921).

24 Nesse sentido, conferir MELO, Glenda Barbosa de; NAHUM, Tânia. Estudo sobre regulação de serviços municipais de saneamento básico. Brasília: Assemae, 2009. p. 19.

25 Direito da participação política legislativa, administrativa, judicial: fundamentos e técnicas constitucionais da democracia. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 129.

26 No mesmo sentido: OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Direito administrativo democrático. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 26-27.

27 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 698.28 Dispõe a citada Lei Federal nº 9.784/1999: “Art. 31. Quando a matéria do processo envolver assunto de

interesse geral, o órgão competente poderá, mediante despacho motivado, abrir período de consulta pública para manifestação de terceiros, antes da decisão do pedido, se não houver prejuízo para a parte interessada. § 1º A abertura da consulta pública será objeto de divulgação pelos meios oficiais, a fim de que pessoas físicas ou jurídicas possam examinar os autos, fixando-se prazo para oferecimento de alegações escritas. § 2º O

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Já no caso específico do saneamento básico, podemos afirmar que o controle social é um dos princípios estabelecidos pela Lei Federal nº 11.445/2007, que reafirma a participação da sociedade nos processos de formulação de política, de planejamento e de avaliação relacionados aos serviços públicos de saneamento básico (art. 2º, inciso IV); em audiências e consultas públicas sobre minuta de contrato para prestação de serviços pú-blicos de saneamento básico (art. 11, inciso IV); em audiência e/ou consul-tas públicas para apreciação de propostas de plano de saneamento básico, inclusive dos estudos que os fundamentem (art. 19, inciso V, § 5º); por meio de mecanismos normatizados pela entidade de regulação da prestação dos serviços (art. 23, inciso X); por meio do acesso a informações sobre a regu-lação ou à fiscalização dos serviços prestados (art. 26).

O contexto do controle e participação social no saneamento básico (Lei Federal nº 11.445/2007) deve ser entendido como um avanço de trans-parência para os atos regulatórios, já que, historicamente, existe um déficit de participação social na formulação e fiscalização das políticas públicas no saneamento básico.

O reajuste tarifário e o planejamento das ações sempre foram marca-dos pelo controle absoluto do executivo; a partir de agora, o que se busca é a convalidação social para os atos de gerenciamento e aprimoramento de um dos mais nobres serviços públicos: a efetiva disponibilização de água tratada para o consumo humano e a correta disposição dos efluentes decor-rentes deste uso (esgotamento sanitário tratado).

O controle social pressupõe, portanto, a participação efetiva da so-ciedade civil organizada na elaboração, acompanhamento e verificação das ações de gestão pública. Na prática, significa definir diretrizes, realizar diagnósticos, indicar prioridades, definir programas e ações e avaliar os ob-jetivos, processos e resultados obtidos.

Há de se destacar, portanto, que o controle social se constitui em uma via de mão dupla: o Estado necessita que as comunidades locais atuem no controle das políticas públicas, e a sociedade organizada precisa que o Estado institucionalize e reconheça esses grupos (atores sociais) como re-

comparecimento à consulta pública não confere, por si, a condição de interessado do processo, mas confere o direito de obter da Administração resposta fundamentada, que poderá ser comum a todas as alegações substancialmente iguais. Art. 32. Antes da tomada de decisão, a juízo da autoridade, diante da relevância da questão, poderá ser realizada audiência pública para debates sobre a matéria do processo. Art. 33. Os órgãos e entidades administrativas, em matéria relevante, poderão estabelecer outros meios de participação de administrados, diretamente ou por meio de organizações e associações legalmente reconhecidas”.

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presentativos da comunidade, para que eles possam oferecer contribuições formais ao Estado, visando à melhoria das políticas públicas.

Com a edição da Política Nacional de Saneamento, iniciou-se a fase de implantação das agências reguladoras, considerada como o marco zero da regulação no País, e instaurou-se um cenário de natureza eminentemente técnica. Se, no primeiro momento, predominavam temas como universali-zação e acesso aos serviços – principalmente os considerados essenciais e os de infraestrutura –, a evolução atual aponta para os caminhos de excelên-cia técnica, de controle social e de transparência29.

Outro marco na trajetória dos órgãos reguladores foi a iniciativa da Presidência da República que, em 2007, estabeleceu o Programa de Fortale-cimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação (PRO-REG).

Entre seus objetivos, o PRO-REG foi criado para propiciar condições para a melhoria da qualidade do sistema regulatório, trazer novos conceitos e experiências de regulação em outros países, consolidar a autonomia das agências reguladoras federais e aperfeiçoar os instrumentos de supervisão e de controle social para as agências de regulação criadas nos Estados e também nos Municípios30-31.

1.3 A ExPERIêNCIA DA AGêNCIA REGULADORA ARES-PCJ

Com a obrigatoriedade da regulação e fiscalização dos serviços públi-cos de saneamento básico, instituída pela Lei Federal nº 11.445/2007, Mu-

29 Dispõe o art. 3º do Decreto Federal nº 7.217/2010: “Os serviços públicos de saneamento básico possuem natureza essencial e serão prestados com base nos seguintes princípios: I – universalização do acesso; II – integralidade, compreendida como o conjunto de todas as atividades e componentes de cada um dos diversos serviços de saneamento básico, propiciando à população o acesso na conformidade de suas necessidades e maximizando a eficácia das ações e resultados; III – abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo dos resíduos sólidos e manejo de águas pluviais realizados de formas adequadas à saúde pública e à proteção do meio ambiente; IV – disponibilidade, em todas as áreas urbanas, de serviços públicos de manejo das águas pluviais adequados à saúde pública e à segurança da vida e do patrimônio público e privado; V – adoção de métodos, técnicas e processos que considerem as peculiaridades locais e regionais, não causem risco à saúde pública e promovam o uso racional da energia, conservação e racionalização do uso da água e dos demais recursos naturais; VI – articulação com as políticas de desenvolvimento urbano e regional, de habitação, de combate à pobreza e de sua erradicação, de proteção ambiental, de recursos hídricos, de promoção da saúde e outras de relevante interesse social voltadas para a melhoria da qualidade de vida, para as quais o saneamento básico seja fator determinante; VII – eficiência e sustentabilidade econômica; VIII – utilização de tecnologias apropriadas, considerando a capacidade de pagamento dos usuários e a adoção de soluções graduais e progressivas; IX – transparência das ações, baseada em sistemas de informações e processos decisórios institucionalizados; X – controle social; XI – segurança, qualidade e regularidade; e XII – integração das infraestruturas e serviços com a gestão eficiente dos recursos hídricos”.

30 MACHADO, Álvaro Otávio Vieira. Os ganhos de uma década e meia de regulação. Revista da AGERGS. Marco Regulatório n. 15, Porto Alegre: AGERGS, p. 85, 1999.

31 Informações e histórico do Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação (PRO-REG) estão disponíveis no sítio eletrônico: www.regulacao.gov.br.

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nicípios localizados na região hidrográfica das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (interior do Estado de São Paulo) uniram-se para criação de um órgão regional, que recebeu o nome de Agência Reguladora dos Serviços de Saneamento das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (ARES-PCJ).

O modelo adotado para a configuração jurídica do ente regulador foi o consórcio público de direito público, depois de aprofundados estudos de viabilidade regulatória, nos termos da Lei Federal nº 11.107/2005 (Lei dos Consórcios Públicos)32.

A instalação do consórcio público se deu no dia 6 de maio de 2011, e hoje, com 3 (três) anos de atividades, o órgão regional fiscaliza e pratica a regulação econômica e tarifária em 47 (quarenta e sete) Municípios33, com população atendida de mais de 5 (cinco) milhões de habitantes.

Para dar efetividade à participação e controle social nas políticas re-gulatórias do saneamento básico, o art. 47 da Lei Federal nº 11.445/2007 estabeleceu a composição mínima de representação dos conselhos de re-gulação:

Art. 47. O controle social dos serviços públicos de saneamento básico po-derá incluir a participação de órgãos colegiados de caráter consultivo, esta-duais, do Distrito Federal e municipais, assegurada a representação:

I – dos titulares dos serviços;

II – de órgãos governamentais relacionados ao setor de saneamento básico;

III – dos prestadores de serviços públicos de saneamento básico;

IV – dos usuários de serviços de saneamento básico;

32 A Lei Federal nº 11.107/2005 introduziu em nosso ordenamento uma pessoa jurídica denominada consócio público, fundamentada no disposto no art. 241 da Constituição Federal, que estabelece: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos”. O conceito de consórcio público pode ser extraído, ainda, do art. 2º, I, do Decreto Federal nº 6.017/2007, como “pessoa jurídica formada exclusivamente por entes da Federação, na forma da Lei nº 11.107, de 2005, para estabelecer relações de cooperação federativa, inclusive a realização de objetivos de interesse comum, constituída como associação pública, com personalidade jurídica de direito público e natureza autárquica, ou como pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos”.

33 São Municípios integrantes da ARES-PCJ os Municípios de Águas de São Pedro, Americana, Amparo, Analândia, Araras, Araraquara, Artur Nogueira, Atibaia, Campinas, Capivari, Cerquilho, Charqueada, Cordeirópolis, Corumbataí, Cosmópolis, Hortolândia, Ipeúna, Iracemápolis, Itatiba, Itirapina, Jaguariúna, Jundiaí, Leme, Limeira, Louveira, Mogi Mirim, Mombuca, Monte Alegre do Sul, Nova Odessa, Paraibuna, Paulínia, Pedreira, Piracaia, Piracicaba, Pirassunga, Rafard, Rio Claro, Rio das Pedras, Salto, Santa Bárbara d’Oeste, Santa Maria da Serra, Santo Antonio de Posse, São Pedro, Sumaré, Tietê, Valinhos e Vinhedo.

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V – de entidades técnicas, organizações da sociedade civil e de defesa do consumidor relacionadas ao setor de saneamento básico.

Já a Agência Reguladora ARES-PCJ, para atender ao comando legal, delimitou em seu Protocolo de Intenções34 que os Municípios, na condição de titulares dos serviços de saneamento básico, devem criar, individualmen-te, os seus Conselhos de Regulação e Controle Social, mecanismos estes que exteriorizam a participação e o controle social efetivos no âmbito local, com a seguinte composição:

Cláusula 60ª (Da composição) – Cada um dos Conselhos de Regulação e Controle Social será composto, no que couber, por 01 representante:

I – do titular dos serviços de saneamento básico;

II – de órgãos governamentais relacionados ao setor de saneamento básico;

III – dos prestadores de serviços públicos de saneamento básico;

IV – dos usuários de serviços de saneamento básico;

V – de entidades técnicas, organizações da sociedade civil e de defesa do consumidor relacionadas ao setor de saneamento básico;

VI – do Conselho Municipal de Meio Ambiente.

Tais Conselhos são criados em todos os Municípios consorciados (hoje são 47 Municípios e 47 Conselhos em pleno funcionamento), sendo que sempre foram tratados com extremo zelo pela ARES-PCJ e atendem à premissa de participação dos atores sociais nas manifestações colegiadas, sendo suas atribuições:

Cláusula 61ª (Das competências) – Compete aos Conselhos de Regulação e Controle Social:

I – avaliar as propostas de fixação, revisão e reajuste tarifário dos serviços de saneamento básico no âmbito do Município consorciado;

II – encaminhar reclamações e denunciar irregularidades na prestação de serviço;

III – elaborar, deliberar e aprovar seu Regimento Interno, bem como suas posteriores alterações.

34 De acordo com o disposto na Lei Federal nº 11.107/2005 (Lei dos Consórcios Públicos), protocolo de intenções é o instrumento pelo qual os participantes de consórcios públicos fixam regras que deverão ser seguidas no decorrer do consórcio. Pelo protocolo de intenções será disciplinada a finalidade, prazo, sede do consórcio, partes, administradores (assembleia-geral) e todas as regras para a formação de uma pessoa jurídica. Por meio do protocolo de intenções se definirá o número de votos de cada ente consorciado na assembleia.

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§ 1º As competências do Conselho de Regulação e Controle Social são limi-tadas às matérias relativas ao Município em que se encontre instalado.

§ 2º Cada Município consorciado fornecerá ao seu Conselho de Regulação e Controle Social a estrutura física necessária para o exercício de suas ativi-dades.

A agência reguladora premiou a sociedade civil de cada Município com a ampla participação na discussão local da prestação dos serviços pú-blicos, evidenciando como principais tarefas de seus membros a avaliação das propostas de fixação, revisão e reajuste tarifário dos serviços de sanea-mento básico e a fiscalização da qualidade da prestação dos serviços, por meio do encaminhamento de reclamações e denúncias por irregularidades na prestação de serviço. De forma bastante clara, o membro do Conselho pode ser classificado como um representante local do ente regulador.

Ponto ainda vulnerável no controle social do saneamento básico é a atribuição meramente consultiva35 atribuída pela Lei Federal nº 11.445/2007, que mitiga o efetivo interesse de participação por parte da sociedade, já que esta se vê apenas como simples interlocutor sem peso decisório e já que sua opinião pode ser relevante, mas nem sempre será refletida na decisão final do processo.

É inegável o significativo avanço na criação destas instituições demo-cráticas que ampliam a democracia e asseguram a participação e o controle social. No entanto, em se tratando de novas institucionalidades democrá-ticas, ainda são muitos os desafios para a compreensão e efetivação destes espaços como instâncias deliberativas.

A opção expressada na Política Nacional de Saneamento Básico (Lei Federal nº 11.445/2007), mantendo o caráter apenas consultivo ou de as-sessoramento, fragiliza o poder decisório da participação da sociedade na relação com o Estado e, caso revisto, traria credibilidade e legitimidade para as ações dos entes reguladores, até mesmo porque os Conselhos não são executores de políticas públicas, são os formuladores, os promotores de po-líticas, defensores de direitos, controladores das ações públicas governa-mentais e definidores de diretrizes das políticas na perspectiva da garantia dos direitos humanos, sociais e políticos.

35 Dispõe o art. 47 da Lei Federal nº 11.445/2007 que “o controle social dos serviços públicos de saneamento básico poderá incluir a participação de órgãos colegiados de caráter consultivo, estaduais, do Distrito Federal e municipais, assegurada a representação [...]” (grifei).

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Para delimitar com clareza quais atribuições e limites de atuação dos membros dos Conselhos de Regulação e Controle Social, a ARES-PCJ, utili-zando seu poder normativo36, editou a Resolução nº 01, de 21 de novembro de 2011, que dispõe sobre as regras para instalação e funcionamento de tais Conselhos.

Para exemplificarmos o funcionamento dos Conselhos de Regulação, citamos alguns artigos da citada Resolução nº 01, que estabelecem:

Art. 2º [...]

§ 1º O Conselho de Regulação e Controle Social deve atuar com autonomia, sem vinculação ou subordinação institucional ao Poder Executivo Municipal e será renovado periodicamente ao final de cada mandato dos seus membros.

§ 2º Do recebimento do parecer prévio sobre fixação, revisão e reajuste tari-fário encaminhado pela ARES-PCJ, o Presidente tem prazo de até 30 (trinta) dias para realizar a reunião ordinária.

§ 3º A reunião do Conselho será pública e divulgada com antecedência míni-ma de 10 (dez) dias nos meios oficiais de divulgação do Município.

[...]

Art. 6º A atuação no Conselho de Regulação e Controle Social é considerada atividade de relevante interesse público, não cabendo qualquer espécie de remuneração ou ajuda de custo.

Art. 7º Perderá o mandato o Membro do Conselho que deixar de comparecer sem justificativa a duas reuniões consecutivas.

Art. 8º Compete aos membros do Conselho de Regulação e Controle Social:

I – comparecer às reuniões ordinárias e extraordinárias do Conselho;

II – estudar as matérias distribuídas pelo Presidente;

III – emitir parecer circunstanciado em relação aos assuntos de pauta;

IV – exercer outras atribuições, por delegação do Conselho.

É possível perceber na prática a aplicação de um conceito cristali-zado na lei e de grande anseio da população, já que a agência reguladora

36 Com base na teoria dos poderes implícitos (segundo a qual a Constituição Federal, ao atribuir competência para o exercício de determinada atividade, implicitamente outorga os poderes a tanto necessário). Nesse sentido, Alexandre Santos de Aragão destaca a possibilidade de órgãos integrantes da estrutura do Poder Executivo editar regulamentos autônomos, hipótese que não avilta o art. 84, IV, da Constituição porque a competência regulamentar não é exclusiva do Chefe do Poder Executivo, sendo, portanto, deferida por lei a outros órgãos da Administração. As agências reguladoras, assim, exercitam poder regulamentar com o objetivo de traduzir concretamente os conceitos, as finalidades e os parâmetros abstratos contidos na lei (cf. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 382-383).

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credencia a sociedade civil de cada Município à participação na discussão local da prestação dos serviços públicos, com ênfase na avaliação das pro-postas de fixação, revisão e reajuste das tarifas.

Desde a instalação da agência reguladora, foram realizadas aproxi-madamente 100 (cem) reuniões participativas e sempre com a presença de técnicos e dirigentes do ente regulador para a apresentação de dados técni-cos, apoio em dúvidas e informações gerais sobre os serviços de saneamen-to básico no âmbito do Município.

2 CONCLUSõES

Com o presente trabalho, podemos concluir que a regulação da pres-tação dos serviços públicos é extremamente salutar, notadamente no sane-amento básico, que por suas peculiaridades é marcado pelo monopólio de mercado. Sua tarefa primordial é, portanto, buscar uma relação de equilí-brio à qualidade da prestação dos serviços com modicidade de tarifas.

Como já destacado, a regulação de mercado é bastante recente no Brasil, porém, ainda mais recente é a regulação dos serviços públicos de saneamento básico, que foi implantada somente em 2007, com a edição da Lei Federal nº 11.445.

Não podemos deixar de consignar que o novo marco legal para o saneamento foi um notável avanço, principalmente neste setor que sempre foi marcado pela ausência de políticas públicas claras, pela falta de investi-mentos e por fortes indefinições jurídicas.

Diante das particularidades do saneamento básico, notadamente pelo disposto no art. 30, inciso V, da Constituição Federal, que atribui à munici-palidade a titularidade dos serviços públicos de saneamento básico e, por consequência, a prerrogativa da indicação do ente regulador, temos presen-ciado uma lenta e gradual criação de entes reguladores.

Fator de destaque – e ponto positivo do novo regramento para o sa-neamento – é a efetiva participação da sociedade civil organizada, por meio de instrumentos de controle social no processo regulatório.

O instituto do controle social, altamente prestigiado em inúmeros pontos da Lei Federal nº 11.445/2007 e entendido como a ativa e efetiva participação da sociedade na formulação das políticas públicas, impõe a participação de atores sociais na formulação de política, de planejamento e de avaliação relacionados aos serviços públicos de saneamento básico (art. 2º, inciso IV); em audiências e consultas públicas sobre minuta de con-

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trato para prestação de serviços públicos de saneamento básico (art. 11, in-ciso IV); em audiência e/ou consultas públicas para apreciação de propostas de plano de saneamento básico, inclusive dos estudos que os fundamentem (art. 19, inciso V, § 5º); por meio de mecanismos normatizados pela enti-dade de regulação da prestação dos serviços (art. 23, inciso X); por meio do acesso a informações sobre a regulação ou à fiscalização dos serviços prestados (art. 26).

Notadamente em relação às audiências públicas, os benefícios são aparentes e inegáveis; além da participação direta da sociedade, existem as funções pedagógicas de informar e educar a população para uma participa-ção efetiva e reivindicação de seus direitos.

Para ilustrar este modelo participativo, foi trazida a experiência da Agência Reguladora dos Serviços de Saneamento das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí – ARES-PCJ (consórcio público de direito pú-blico), que sintetizou o comando legal por meio dos Conselhos de Regula-ção e Controle Social, que são criados em todos os Municípios, sempre com vistas à discussão dos problemas locais pela população local.

A Agência Reguladora ARES-PCJ, com intuito de dar efetividade ao art. 47 da Lei nº 11.445/2007, definiu como tarefas dos membros dos Con-selhos de Regulação: (i) a avaliação das propostas de fixação, revisão e re-ajuste tarifário dos serviços de saneamento básico e a fiscalização da quali-dade da prestação dos serviços; e (ii) o encaminhamento de reclamações e denúncias por irregularidades na prestação de serviço.

Único ponto que ainda padece de aprimoramentos no âmbito do controle social na Política Nacional de Saneamento Básico (Lei Federal nº 11.445/2007) é a opção pelo caráter apenas consultivo ou de assessora-mento de tais Conselhos, o que fragiliza e até mesmo desestimula a partici-pação da sociedade na relação com o Estado, já que acabam por vislumbrar um papel secundário na formulação das políticas públicas e até mesmo como um mero ato protocolar que nunca vai ser ouvido pelos detentores do poder decisório.

A ampliação da participação dos Conselhos como agentes de deli-beração tende a dar credibilidade e legitimidade para as ações dos entes reguladores, até mesmo porque os Conselhos não são executores de polí-ticas públicas, são os formuladores, os promotores de políticas, defensores de direitos, controladores das ações públicas governamentais e definidores de diretrizes das políticas na perspectiva da garantia dos direitos humanos, sociais e políticos.

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Por fim, o processo de regulação no saneamento básico está em fase inicial e de estruturação. A participação e o controle social são ainda inci-pientes no saneamento, pois não faz parte da cultura da sociedade civil ter voz e voto ativos na formulação de políticas públicas, o que nos leva à con-clusão de que o controle social passa, também, por um momento educativo. A sociedade civil passa a ter poderes de participação por força de lei, mas precisa aprender a manejá-lo.

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Parte Geral – Doutrina

Responsabilidade Socioambiental das Instituições Financeiras

(Resolução nº 4.327, de 25.04.2014)

TOSHIO mUKAIMestre e Doutor em Direito do Estado (USP), Membro de Comissão de Desenvolvimento Sus-tentável e Meio Ambiente (OAB/SP), Membro da Comissão de Direito Ambiental do IAB (RJ), Membro da Comissão de Direito Administrativo do IAB (RJ), Consultor Jurídico da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da OAB. Foi Professor de Direito Adminis-trativo da Faculdade de Direito Mackenzie/SP.

I – Quando um empreendimento comercial ou industrial a ser im-plantado é financiado por uma instituição financeira, surgiu, especialmente no âmbito judicial, a tese, segundo a qual a referida instituição, em caso de ocorrer um evento danoso ao meio ambiente, será solidariamente respon-sável pelo evento danoso com o empreendedor. Surgiram dúvidas, princi-palmente sob o ponto de vista da obrigação de monitoramento da execução do empreendimento pelos bancos, se isto seria ou não condição, para tal responsabilização.

II – Finalmente, em 25 de abril de 2014 (data recente), o Banco Central do Brasil resolveu disciplinar tal questão, baixando a Resolução nº 4.327, de 25 de abril de 2014, que “dispõe sobre as diretrizes que devem ser ob-servadas no estabelecimento e na implementação da Política de Responsa-bilidade Socioambiental pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil”.

O Capítulo I dispõe sobre “Do Objeto e do Âmbito da Aplicação”.

O art. 1º expõe sobre as diretrizes que, considerados os princípios de relevância e proporcionalidade, devem ser observadas no estabelecimento e na implementação da Política de Responsabilidade Socioambiental (PRSA) pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil.

O parágrafo único dispõe que:

Para fins do estabelecimento e da implementação da PRSA, as insti-tuições referidas no caput devem observar os seguintes princípios:

I – relevância: o grau de exposição ao risco socioambiental das atividades e das operações da instituição; e

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II – proporcionalidade: a compatibilidade da PRSA com a natureza da insti-tuição e com a complexidade de suas atividades e de seus serviços e produ-tos financeiros.

Portanto, a responsabilidade solidária da instituição financeira so-mente emergirá se houver relevância no evento danoso, no qual o risco da exposição socioambiental seja realmente de grau elevado e que ocorra proporcionalidade no dano em relação às ações praticadas, em termos de cuidados, pela instituição financeira, levando-se em conta a complexidade de suas atividades e de seus serviços e produtos financeiros.

O Capítulo II trata especificamente da “Política de Responsabilidade Socioambiental”.

O art. 2º diz que a PRSA deve conter princípios e diretrizes que nor-teiem as ações de natureza socioambiental nos negócios e na relação com as partes interessadas.

O § 1º dispõe que, “para fins do disposto no caput, são partes inte-ressadas os clientes e usuários dos produtos e serviços oferecidos pela ins-tituição, a comunidade interna à sua organização e as demais pessoas que, conforme avaliação da instituição, sejam impactadas por suas atividades”.

O § 2º diz que a PRSA deve estabelecer diretrizes sobre as ações estratégicas relacionadas à sua governança, inclusive para fins do gerencia-mento do risco socioambiental.

O § 3º dispõe que as instituições mencionadas no art. 1º devem esti-mular a participação de partes interessadas no processo de elaboração da política a ser estabelecida.

§ 4º Admite-se a instituição de uma PRSA por:

I – conglomerado financeiro; e

II – sistema cooperativo de crédito, inclusive a cooperativa central de crédito, e, quando houver, a sua confederação e banco cooperativo.

§ 5º A PRSA deve ser objeto de avaliação a cada cinco anos por parte da diretoria e, quando houver, do conselho de administração.

O Capítulo III trata da “Governança”.

Trata-se de orientações preliminares para as instituições financeiras, instituindo-se a necessidade de essas instituições manterem uma estrutura de governança compatível com o seu porte, a natureza do seu negócio, a

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complexidade de serviços e produtos oferecidos, bem como com as ativi-dades, processos e sistemas adotados, para assegurar o cumprimento das diretrizes e dos objetivos da PRSA.

O § 1º diz que a estrutura de governança mencionada no caput deve prover condições para o exercício das seguintes atividades:

I – implementar as ações no âmbito da PRSA;

II – monitorar o cumprimento das ações estabelecidas na PRSA;

III – avaliar a efetividade das ações implementadas;

IV – verificar a adequação do gerenciamento do risco socioambiental esta-belecido na PRS A; e

V – identificar eventuais deficiências na implementação das ações.

O § 2º faculta a constituição de comitê de responsabilidade socio-ambiental, de natureza consultiva, vinculado ao conselho de administração ou, quando não houver, à diretoria executiva, com a atribuição de monito-rar e avaliar a PRSA, podendo propor aprimoramentos.

O § 3º dispõe que, na hipótese de constituição do comitê a que se refere o § 2º, a instituição deve divulgar sua composição, inclusive no caso de ser integrado por parte interessada externa à instituição.

O Capítulo IV trata “Do Gerenciamento do Risco Socioambiental”.

O art. 4º dispõe que, “para fins desta resolução, define-se risco so-cioambiental como a possibilidade de ocorrência de perdas das instituições mencionadas no art. 1º decorrentes de danos socioambientais”.

O art. 5º diz que “o risco socioambiental deve ser identificado pelas instituições mencionadas no art. 1º como um componente das diversas mo-dalidades de risco a que estão expostas”.

O art. 6º determina que:

O gerenciamento do risco socioambiental das instituições menciona-das no art. 1º deve considerar:

I – sistemas, rotinas e procedimentos que possibilitem identificar, classificar, avaliar, monitorar, mitigar e controlar o risco socioambiental presente nas atividades e nas operações da instituição;

II – registro de dados referentes às perdas efetivas em função de danos so-cioambientais, pelo período mínimo de cinco anos, incluindo valores, tipo, localização e setor econômico objeto da operação;

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III – avaliação prévia dos potenciais impactos socioambientais negativos de novas modalidades de produtos e serviços, inclusive em relação ao risco de reputação; e

IV – procedimentos para adequação do gerenciamento do risco socioam-biental às mudanças legais, regulamentares e de mercado.

O art. 7º dispõe que “as ações relacionadas ao gerenciamento do risco socioambiental devem estar subordinadas a uma unidade de gerencia-mento de risco da instituição”.

O art. 8º dispõe: “As instituições mencionadas no art. 1º devem esta-belecer critérios e mecanismos específicos de avaliação de risco quando da realização de operações relacionadas a atividades econômicas com maior potencial de causar danos socioambientais”.

O Capítulo V trata das “Disposições Finais”.

O art. 9º dispõe que as instituições mencionadas no art. 1º devem estabelecer plano de ação visando à implantação da PRSA.

O parágrafo único reza que “o plano mencionado no caput deve de-finir as ações requeridas para a adequação da estrutura organizacional e operacional da instituição, se necessário, bem como as rotinas e os procedi-mentos a serem executados em conformidade com as diretrizes da política, segundo cronograma especificado pela instituição”.

O art. 10 reza: “A PRSA e o respectivo plano de ação mencionado no art. 9º devem ser aprovados pela diretoria e, quando houver, pelo conselho de administração, assegurando a adequada integração com as demais po-líticas, da instituição, tais como a de crédito, a de gestão de RH e a gestão de risco”.

O art. 11 dispõe que:

As instituições mencionadas no art. 1º devem aprovar a PRSA e o res-pectivo plano de ação, na forma prevista no art. 10, e iniciar a execução das ações correspondentes ao plano de ação segundo o cronograma a seguir:

I – até 28 de fevereiro de 2015, por parte das instituições obrigadas a imple-mentar o Processo Interno de Avaliação da Adequação de Capital (Icaap), conforme regulamentação em vigor; e

II – até 31 de julho de 2015, pelas demais instituições.

O art. 12 reza:

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As instituições mencionadas no art. 1º devem:

I – designar diretor responsável pelo cumprimento da PRSA;

II – manter documentação relativa à PRSA à disposição do Banco Central do Brasil.

O art. 13 dispõe: “O Banco Central do Brasil poderá determinar a adoção de controles e procedimentos relativos à PRSA, estabelecendo pra-zo para sua implementação”.

O art. 14 dispôs que a resolução entraria em vigor na data de sua publicação.

(Publicação: DOU de 28.04.2014, Seção I, p. 22)

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Parte Geral – Doutrina

A Obrigação de Fazer Ambiental e a Responsabilidade Fiscal do Estado1

fELLIPE SImÕES DUARTEAdvogado.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Meio ambiente como direito fundamental e seu controle jurisdicional; 2 A obrigação de fazer imposta ao Estado e a responsabilidade fiscal da Administração Pública; Conclu-são; Referências.

INtRODUÇãO

O presente trabalho visa a analisar como conciliar o princípio do or-çamento e a responsabilidade fiscal da Administração Pública em face das condenações do Estado em obrigações de fazer na área ambiental.

1 MEIO AMBIENtE COMO DIREItO fUNDAMENtAL E SEU CONtROLE JURISDICIONAL

Primeiramente, necessário demonstrar o riquíssimo conteúdo que se extrai do principal dispositivo constitucional acerca do direito ambiental, senão vejamos:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo--se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Daí decorre o princípio do desenvolvimento sustentável, pilar de todo o direito ambiental, cuja primazia se deu na Conferência de Estocolmo, em 19722. Segundo a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvi-mento, o princípio significa “um desenvolvimento que faz face às necessi-dades das gerações presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras na satisfação das suas próprias necessidades”3.

1 Dissertação referente ao módulo Tutela Coletiva e Meio Ambiente. Direito Ambiental da UFPR. Professor Dr. Edson Luiz Peters.

2 Thomé, 2013.3 Thomé, 2013.

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Também se entende que o direito aqui tratado é tido como direito fundamental, decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana.

Assim, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é “ex-tensão do direito à vida, quer sob o enfoque da própria existência física e saúde dos seres humanos, quer quanto ao aspecto da dignidade desta exis-tência – a qualidade de vida –, que faz com que valha a pena viver”4. Desta feita, o dispositivo em análise é tido como cláusula pétrea por Édis Milaré.

Ressalte-se, ainda, que os direitos fundamentais previstos na Consti-tuição Federal são de aplicabilidade imediata, conforme dispõe seu art. 5º, § 1º. Ou seja, nada obsta que sejam imediatamente aplicados, independen-te de legislação regulamentadora. Assim também reconhecido pela juris-prudência:

Agravo de instrumento. Ação civil pública ambiental. Preliminar de inad-missibilidade do recurso rejeitada. Interdição e lacre da empresa agravante. Exigência de completa e efetiva adequação à legislação ambiental. Ante-cipação da tutela já deferida anteriormente. Situação fática que autoriza a ordem judicial emanada na decisão agravada. A Administração Pública tem o poder-dever de respeitar e fazer respeitar os princípios da prevenção e da precaução, que embasam a atuação do Poder Público no direito ambiental, não sendo crível que uma situação de constante irregularidade, apesar de todos os esforços até então envidados para solucioná-la, perpetue-se infi-nitamente. Sendo o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225 da Constituição Federal) um direito fundamental, dotado, pois, de aplicabilidade imediata e vinculante a todas as esferas do Estado, cabe ao Poder Judiciário velar por sua efetivação. É certo que, de acordo com o prin-cípio do desenvolvimento sustentável, extraído da conjugação das normas de proteção ambiental com o princípio do livre exercício econômico e da livre concorrência (art. 170, IV, e parágrafo único da CF), a proteção ambien-tal não pode inviabilizar o livre desenvolvimento econômico. Porém, o caso mostra indícios suficientes de que, não obstante as medidas administrativas e a própria ordem judicial contida na decisão que deferiu o pedido de anteci-pação da tutela, a parte agravante não vem cumprindo, de forma adequada e integral, aquilo que lhe caberia atender para proteção do meio ambiente. Não resta outra solução, portanto, se não a adotada na decisão agravada, ainda que possa afigurar-se como extremamente rígida. Agravo de instru-mento desprovido. (TJRS, AI 70055786164, 4ª C.Cív., Rel. José Luiz Reis de Azambuja, J. 02.10.2013)5

4 Milaré, 2006.5 TJRS, AI 70055786164/RS, 4ª C.Cív., Rel. José Luiz Reis de Azambuja, DJ 02.10.2013, Diário da Justiça:

22.10.2013.

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Desta forma, por se tratar de direito fundamental de aplicabilidade imediata, como já demonstrado, o Poder Público deve prezar por sua apli-cação de forma prioritária, devendo, por exemplo, proceder ao correto tra-tamento de rios e esgotos urbanos ou à reciclagem do lixo.

Cumpre frisar, ainda, que, segundo a teoria da Constituição Eco- lógica,

as normas da CF sobre proteção ambiental exercem a função de limite e de impulso em relação aos Poderes Legislativo e Executivo, fazendo com que os órgãos estatais concretizadores das políticas públicas não possam agir em contrário destes dispositivos e, ao mesmo tempo, são obrigados a tomar positivamente as medidas administrativas e políticas em conformidade com os enunciados impositivos da Lei Maior sobre o tema.6

Para que o Poder Público aja corretamente na aplicação dos princí-pios que tratam sobre o bem ambiental, é cabível ainda controle jurisdicio-nal, mediante ação civil pública intentada por parte do Ministério Público ou seus legitimados7, conforme se depreende da mais moderna interpreta-ção da Jurisprudência. Neste sentido:

Ação civil pública. Meio ambiente. Degradação. Comprovação. Alegação de impossibilidade financeira do Município para regular destinação final de lixo urbano. Irrelevância. Aterro instalado sem observância das medi-das devidas. Art. 225, § 1º, IV, da Constituição Federal, e Decreto Estadual nº 8.468/1976. Prioridade social da Administração Pública. Recurso não pro-vido. [...] inviável a suscitada impossibilidade financeira, já que o problema deve ser tratado como uma das prioridades sociais da Administração Pública, sendo pertinente ressaltar que, em matéria de meio ambiente, verificado o dano e seu agente, a ninguém é permitido se eximir do dever de repará-lo ou indenizá-lo, assim como de abster-se de provocá-lo. Aliás, como bem posto na r. sentença, do contrário, todo aquele que causasse o dano, poderia es-cusar-se da obrigação reparatória ou do dever de não provocá-lo, invocando dificuldades financeiras, o que, à evidência, é inadmissível. A ordem jurídica estaria irremediavelmente comprometida.8

Corroborando com o entendimento posto, conforme já observou Cândido Rangel Dinamarco, ao Judiciário está, indiscutivelmente, reserva-

6 Krell, 2013.7 Legitimados da ação civil pública. Previsão no art. 5º da Lei nº 7.347/1985: Ministério Público; Defensoria

Pública; União, Estados, Distrito Federal e Municípios; Autarquia, Empresa Pública, Fundação ou Sociedade de economia mista; Associação constituída há pelo menos um ano que inclua, entre suas finalidades, a proteção ao meio ambiente.

8 TJSP, AC 229.105-1/3, 7ª C.Cív., Rel. Des. Leite Cintra, J. 09.08.1995, v.u.

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do papel de grande relevância, como órgão estatal capaz de dar resposta às exigências sociais, inclusive no plano da proteção ambiental9.

Também neste sentido é a opinião de Andreas Joachim Krell10, que, com base na supremacia da Constituição, defende que, se a Constituição “declara a proteção ao meio ambiente como dever do Poder Público, tem que ser concedido ao Judiciário o poder de corrigir as possíveis omissões dos outros Poderes no cumprimento desta obrigação”.

Apesar de uma parcela da doutrina ir de encontro com o entendimen-to acima, objetivando impedir o controle jurisdicional dos atos da Adminis-tração, é indubitável que este controle pode e deve ser feito, sob pena de transgressão ao princípio fundamental do meio ambiente ecologicamente equilibrado, reitera-se, constitucionalmente previsto.

Portanto, este é o entendimento ora firmado.

2 A OBRIGAÇãO DE fAZER IMPOStA AO EStADO E A RESPONSABILIDADE fISCAL DA ADMINIStRAÇãO PÚBLICA

É cediço que a Administração Pública deve observar os princípios do art. 37, caput, da Constituição Federal. São eles a legalidade, a impessoali-dade, a moralidade, a publicidade e a eficiência. Necessário ainda se obser-var o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado e os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Sobre todos acima não cabe aqui sua análise. Importa a analise, no plano do direito financeiro, dos princípios referentes ao orçamento e à responsabilidade fiscal, impera-tivos de observância pelo Estado.

Dando continuidade ao raciocínio, em 2000 surgiu a Lei Comple-mentar nº 101, a Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal. A legislação referida “atribuiu caráter de essencialidade à gestão das finanças públicas na conduta racional do Estado moderno, reforçando a ideia de uma ética do interesse público, voltada para o regramento fiscal como meio para o melhor desempenho das funções constitucionais do Estado”11.

Dessarte, a responsabilidade fiscal,

além de cumprir o papel de proporcionar os recursos e imediato a fim de que o Estado realize as funções a que constitucionalmente está vinculado, busca

9 Peters.10 Krell, 2013.11 Mendes, 2002.

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controlar situação orçamentária a fim de não comprometer nem o futuro imediato, muito menos o futuro mais distante.12

A legislação, portanto, surge na tentativa de coordenar os gastos des-medidos e desproporcionais do Estado, visando ao equilíbrio destes gastos e sua aplicação correta a garantir os direitos fundamentais estabelecidos.

Assim, diante da responsabilidade fiscal do Estado e dos princípios que regem o orçamento, há de se analisar as condenações do Estado em ações de obrigação de fazer. De um lado está a necessidade de um or-çamento equilibrado e transparente; de outro, a imposição judicial de se implementar medidas necessárias ao meio ambiente ecologicamente equili-brado, tal como a implementação de estação de tratamento de esgoto. Essa medida afetaria sobremaneira o orçamento do Estado, caso não houvesse previsão orçamentária para tanto.

Portanto, a necessidade de o Estado estabelecer diretrizes orçamentá-rias regradas, para que se atenuem, ao máximo, os riscos fiscais.

Para Gilmar Ferreira Mendes, “a despesa pública, criada de modo de-sorganizada e caótica, faz com que sejam preteridas necessidades premen-tes e de cunho universal, em favor de outras, pouco urgentes e benéficas para pequenos grupos sociais”13. Em outras palavras, a desorganização orça-mentária pode beneficiar interesses outros que não a garantir os direitos fun-damentais, como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Poderia haver, por exemplo, gastos desregrados com interesses supérfluos que não os necessários à sadia qualidade de vida decorrente da dignidade da pessoa humana.

Há, na jurisprudência pátria, posicionamento de que é necessária previsão orçamentária compatível para que se obrigue ao Estado o cumpri-mento destas medidas, como se observa adiante:

Agravo de instrumento. Ação civil pública. Obrigação de fazer. Antecipação dos efeitos da tutela deferida para determinar o recolhimento de cães e gatos soltos em via pública, feridos e maltratados, bem como àqueles ofertados por cuidadores particulares, colocando-os em local próprio, com o devido tratamento veterinário, a expensas do município de São Carlos. Pedido de efeito suspensivo negado. Necessidade de previsão orçamentária compatí-vel. Requisitos da relevância da fundamentação e do perigo de lesão grave e de difícil reparação não demonstrados. Irreversibilidade do provimento

12 Mendes, 2002.13 Mendes, 2002.

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demonstrada. Decisão parcialmente mantida. Recurso conhecido e parcial-mente provido. Na presente hipótese, ressai cristalina a responsabilidade do município de São Carlos pela adoção de políticas ambientais capazes de conter o crescimento desordenado de animais domésticos (principalmente cães e gatos) abandonados nas vias públicas, inclusive como forma de pro-teger a saúde pública, tendo em vista o risco de disseminação de doenças. É certo que “o meio ambiente está incluído no conjunto de atribuições legisla-tivas e administrativas municipais e, em realidade, os Municípios formam um elo fundamental na complexa cadeia de proteção ambiental. A importância dos Municípios é evidente por si mesma, pois as populações e as autoridades locais reúnem amplas condições de bem conhecer os problemas e mazelas ambientais de cada localidade, sendo certo que são as primeiras a localizar e a identificar o problema. É através dos municípios que se pode implementar o princípio ecológico de agir localmente, pensar globalmente [...]” (ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 9. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 85). Contudo, a adoção de medidas protetivas ao meio ambiente e à saúde pública estão infensas à previsão orçamentária própria e compatível sob pena de o Estado-Juiz impor ao administrador público obri-gação que implique transgressão à Lei de Responsabilidade Fiscal. [...]14

Desta forma, a condenação do Estado deve observar os limites de pre-visão orçamentária para que não se fira a Lei de Responsabilidade Fiscal. Na decisão supra, optou-se pelo cumprimento da obrigação de fazer. No entan-to, concedeu-se um prazo dilatado para que o Estado cumpra com base na lei orçamentária em que conste a previsão necessária para tais medidas15.

Assim, foram observados os princípios do direito ambiental, bem como os princípios do orçamento. Tal decisão elucida bem a possibilidade de se cumprir os princípios do direito ambiental dentro de uma conduta que não contrarie a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Há, no entanto, decisões no sentido de que a ausência de previsão orçamentária não justifica o não cumprimento de medidas que garantam o meio ambiente ecologicamente equilibrado16. Neste caso, entendeu-se ir-

14 TJSC, Ag 20130755590/SC, 2013.075559-0 (Acórdão), 3ª CDPúb., Rel. Stanley da Silva Braga, DJ 02.06.2014 (Julgado).

15 “Posto isso, fulcrado nas razões acima expendidas, ainda que presentes os requisitos da verossimilhança das alegações consubstanciada na prova inequívoca do direito invocado, do perigo do dano irreparável ou de difícil reparação consistente na violação ao direito ao meio ambiente equilibrado e à saúde pública, e na irreversibilidade do provimento conferido na forma como o foi, encaminha-se o voto pelo provimento parcial ao recurso, a fim de modificar, parcialmente, a decisão agravada concedendo ao Município de São Carlos o prazo de 100 (cem) dias, contados da data da aprovação da Lei Orçamentária Municipal que contenha previsão dos gastos públicos necessários à implantação das demais medidas elencadas no comando interlocutório objeto deste recurso.”

16 “Apelação cível. Ação civil pública. Julgamento extra petita. Inocorrência. Dano ambiental em área de mata ciliar em Petrópolis. Proteção assegurada no Código Florestal recepcionada pela Constituição Federal de

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relevante a necessidade de previsão orçamentária para a implementação de medidas que garantam um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Logo, é perfeitamente possível conciliar as ações de obrigação de fa-zer impostas ao Estado respeitando o orçamento e a responsabilidade fiscal. É imperativo que o Estado inclua em seu orçamento gastos com medidas realizadoras de direitos fundamentais, como a saúde e o meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Deve-se, ainda, observar os princípios da razoabilidade e da propor-cionalidade no caso concreto, a fim de que se cumpram os postulados am-bientais sem deixar de se atender ao orçamento. Cabe ao Judiciário analisar cada caso, sempre atendendo ao direito fundamental previsto no art. 225, caput, da CF/1988

CONCLUSãO

Por fim, levando-se em conta o princípio do desenvolvimento susten-tável em decorrência da dignidade da pessoa humana, não pode o Estado deixar de prestar as medidas necessárias para um meio ambiente ecologi-camente equilibrado. Ao passo que não pode também o Poder Público se furtar a cumprir sua lei orçamentária, desrespeitando os princípios orçamen-tários e a Lei de Responsabilidade Fiscal.

A conclusão à qual se chega é que é possível o Estado cumprir as im-posições do Judiciário sem comprometer seu orçamento, caso haja sempre previsão orçamentária para se atender aos direitos fundamentais, como ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

1988. Área de preservação permanente. Ocupação ilegal. Obrigação de fazer dos entes públicos estadual e municipal. Necessidade de projeto de recomposição da mata ciliar. Obrigação de fiscalização a fim de impedir novas construções irregulares. Possibilidade. Desprovimento do recurso. [...] 3. Os entes públicos têm o dever solidário e objetivo de zelar pelo meio ambiente ecologicamente equilibrado, na expressão adotada pelo art. 225 da Constituição Federal, e assegurar a efetividade das medidas que tenham essa finalidade, devendo valer-se, inclusive, de seu poder-dever de polícia administrativa para a consecução de tal objetivo. 4. O dispositivo constitucional em destaque não tem caráter meramente programático, sendo norma de eficácia plena, por complementar o conceito do direito fundamental à vida, ou seja, à sadia qualidade de vida, que depende de um meio ambiente ecologicamente equilibrado e que, portanto, não admite flexibilização ou retrocesso na sua proteção, como também não os admite o próprio direito à vida. [...] 9. A ausência de previsão orçamentária não constitui desculpa para deixar o ente público de cumprir a Constituição e as leis, sendo que a omissão reiterada do Estado e do Município justifica a intervenção judicial para restaurar o primado da legalidade, sem que com isso haja quebra do princípio da separação dos poderes. 10. A obrigação de elaborar projeto de recomposição ambiental imposta na sentença é mais do que justificável em razão da degradação do ecossistema ribeirinho, impondo-se ainda, em razão da omissão verificada, a obrigação de fazer, no sentido de fiscalizar e impedir novas construções na área, solução que atende ao interesse público e da coletividade. 11. Desprovimento do recurso.” (TJRJ, APL 89121620048190042/RJ, 0008912-16.2004.8.19.0042, 17ª C.Cív., Rel. Des. Elton Leme, DJ 11.07.2012, Publ. 21.08.2012)

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Assim, deve o Poder Público resguardar-se para que as medidas asse-curatórias ambientais se encaixem perfeitamente no orçamento e que não deixe de cumpri-las. Ora, não pode o Estado ser surpreendido com tais ne-cessidades. Deve prever os riscos e fazer constar de seu orçamento neces-sidades tais.

Enfim, o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equi-librado deve ser observado sempre, de forma que não haja por prejudicado.

REfERêNCIASTHOMÉ, Romeu. Manual de direito ambiental. 4. ed. Salvador: JusPodivm, 2014.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013.

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

MENDES, Gilmar Ferreira. Lei de Responsabilidade Fiscal, correlação entre metas e riscos fiscais e o impacto dos déficits públicos para as gerações futuras. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, n. 14, jul./ago. 2002. Disponível em: http://www.direitopublico.com.br. Acesso em: 30 jul. 2014.

MIRRA, Álvaro Luiz Valery. O problema do controle judicial das omissões esta-tais lesivas ao meio ambiente. Revista de Direito Ambiental, n. 15, jul./set. 1999. Disponível em: <http://www.mpba.mp.br/atuacao/ceama/material/doutrinas/esgotamento/o_problema_do_controle_judicial_das_omissoes_estatais_lesiva.pdf>. Acesso em: 30 jul. 2014.

PETERS, Edson Luiz. A natureza política da ação civil pública como instrumento de afirmação democrática e de redenção da cidadania do Brasil. (Disponível em: <http://ambienteduran.eng.br/system/files/publicador/PUBLICACOES/leg1.pdf>. 25.06.2015.)

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

1644

Supremo Tribunal Federal18.08.2015 Segunda TurmaAgRg no Recurso Extraordinário com Agravo nº 888.055 Santa CatarinaRelatora: Min. Cármen LúciaAgte.(s): Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IbamaProc.(a/s)(es): Procurador‑Geral FederalAgdo.(a/s): Franciane Brautl Novak e outro(a/s)Adv.(a/s): Sandra Mara Zacko e outro(a/s)Intdo.(a/s): Ministério Público FederalProc.(a/s)(es): Procurador‑Geral da República

EMENTA

AGRAVO REGIMENtAL NO RECURSO EXtRAORDINÁRIO COM AGRAVO – RESPONSA-BILIDADE CIVIL – DANO AMBIENtAL – REPARAÇãO – ACóRDãO fUNDAMENtADO NA LEGISLAÇãO INfRACONStItUCIONAL E NO CONJUNtO PROBAtóRIO – AUSêNCIA DE OfENSA CONStItUCIONAL DIREtA – SÚMULA Nº 279 DO SUPREMO tRIBUNAL fEDERAL – AGRAVO REGIMENtAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENtO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Mi-nistro Celso de Mello, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, em negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto da Relatora. Não participou, justificadamente, deste jul-gamento, o Ministro Gilmar Mendes. Ausente, justificadamente, o Ministro Dias Toffoli.

Brasília, 18 de agosto de 2015.

Ministra Cármen Lúcia Relatora

RELATÓRIO

A Senhora Ministra Cármen Lúcia (Relatora):

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1. Em 02.06.2015, neguei seguimento ao agravo nos autos do recurso extraordinário interposto pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama contra julgado do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, que condenou os Agravados à obrigação de repa-rar dano ambiental causado, deixando de condená-los, contudo, ao paga-mento de indenização. A decisão agravada teve a seguinte fundamentação:

“5. Razão jurídica não assiste ao Agravante.

[...]

A apreciação do pleito recursal demandaria o reexame da legislação infra-constitucional (Leis nºs 6.938/1981 e 7.347/1985). A alegada ofensa consti-tucional, se tivesse ocorrido, seria indireta, a inviabilizar o processamento do recurso extraordinário.

A pretensão do Agravante exigiria, ainda, o conhecimento e a análise do conjunto probatório constante dos autos, procedimento incabível de ser ado-tado validamente em recurso extraordinário, como se tem na Súmula nº 279 do Supremo Tribunal Federal:

‘AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – RESPON-SABILIDADE CIVIL – DANO AMBIENTAL – OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE DA ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO IN-FRACONSTITUCIONAL E DO REEXAME DE PROVAS (SÚMULA Nº 279) – OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA – AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO

Imposição de multa de 5% do valor corrigido da causa. Aplicação do art. 557, § 2º, c/c arts. 14, inc. II e III, e 17, inc. VII, do Código de Processo Civil’ (AI 709.291-AgR, de minha relatoria, 1ª T., DJe 06.02.2009).

‘Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Direito administrativo e ambiental. 3. Discussão acerca da existência ou não de danos ambientais decorrentes de construção erigida em áreas de preservação permanente. Necessidade do revolvimento do conjunto fático-probatório. Óbice pre-visto na Súmula nº 279. 4. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 5. Agravo regimental a que se nega provimento’ (RE 580.126-AgR, Relator o Ministro Gilmar Mendes, 2ª T., DJe 17.09.2012).

‘AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO – OFENSA INDIRETA – DESAPROPRIAÇÃO – ÁREA SUJEITA À PRESERVAÇÃO PERMANENTE – INDENIZAÇÃO DEVIDA – 1. O acórdão recorrido não ofende diretamente o artigo da Constituição do Brasil suscitado no recur-so extraordinário. Eventual ofensa se daria indiretamente. 2. A área de co-bertura vegetal sujeita a limitação legal e, consequentemente a vedação de atividade extrativista não elimina o valor econômico das matas pro-tegidas. Agravo regimental a que se nega provimento’ (AI 369.469-AgR, Relator o Ministro Eros Grau, 1ª T., DJ 17.09.2004).

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Nada há, pois, a prover quanto às alegações do Agravante.

7. Pelo exposto, nego seguimento ao agravo (art. 544, § 4º, inc. II, al. a, do Código de Processo Civil e art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).”

2. Publicada essa decisão no DJe de 17.06.2015, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama interpõe, em 29.06.2015, tempestivamente, agravo regimental.

3. O Agravante afirma não haver necessidade de reexame de provas e, ainda, ser “devida, na espécie, a cumulatividade das obrigações de fazer (demolir e reparar a área degradada) e de pagar (indenização). Isso porque o pedido de recuperação do dano ambiental se funda na necessidade de restauração da área degradada, ao passo que a compensação pecuniária se funda na indenização pelo lapso temporal em que a área ficou degradada ambientalmente e a população privada de usufruir do meio ambiente eco-logicamente equilibrado”.

Requer a reconsideração da decisão agravada.

É o relatório.

VOTO

A Senhora Ministra Cármen Lúcia (Relatora):

1. Razão jurídica não assiste ao Agravante.

2. O Tribunal de origem manteve sentença fundamentada nos termos seguintes:

“A reparação do dano ambiental deve se dar, a princípio, por meio da re-composição do bem ambiental lesado, sendo apenas subsidiariamente apli-cáveis eventuais medidas compensatórias (substituição do bem ambiental lesado por outro funcionalmente equivalente ou pagamento de indenização em dinheiro). Isso se dá porque a conservação do equilíbrio ecológico (pre-servação do meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações) é, por excelência, o objetivo da ordem jurídica (art. 225, caput, da Constituição da República), e também em face das dificuldades existentes para mensurar a extensão do dano ambiental, parâmetro pelo qual deve se pautar a quantificação da indenização em dinheiro (art. 944, caput, do Código Civil). Outrossim, a recomposição ou compensação dos danos causados ao meio ambiente deve ser sempre – ou tanto quanto possível, à vista das dificuldades de mensurar lesão ao bem jurídico tutelado – integral, sob pena de locupletamento ilícito do poluidor, que ficaria impune, e corres-

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pondente prejuízo à coletividade, titular do meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, caput, da Constituição da República) que não ficaria indene. [...] Em face da primazia da integral recomposição do bem ambiental violado, deve-se impor aos réus a obrigação de promover a retirada do ran-cho e do entulho resultante de sua eventual demolição e a integral restaura-ção do meio ambiente degradado, esta necessariamente precedida do PRAD – Plano de Recuperação de Área Degradada, a ser submetido à apreciação do Ibama. Não é cabível, como pretende o Ministério Público Federal, a condenação cumulativa dos réus ao pagamento de indenização, que, por também ter o objetivo de recuperar a área degradada, implicaria uma dupla penalização, inadmissível em face do princípio da vedação do bis in idem”.

3. Como afirmado na decisão agravada, a apreciação do pleito recur-sal demandaria o reexame de provas e a prévia análise da legislação infra-constitucional, procedimentos inviáveis em recurso extraordinário.

Eventual ofensa constitucional, se tivesse ocorrido, seria indireta. In-cide na espécie a Súmula nº 279 do Supremo Tribunal Federal. Assim, por exemplo:

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMEN-TAL – DIREITO AMBIENTAL – AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS AM-BIENTAIS – COMPENSAÇÃO FINANCEIRA – RELATÓRIO EIA/RIMA – REE-XAME INCABÍVEL – INTERPRETAÇÃO DA LEI Nº 7.990/1989 – ANÁLISE DA OCORRÊNCIA DE EVENTUAL AFRONTA AOS PRECEITOS CONSTITUCIO-NAIS INVOCADOS NO APELO EXTREMO DEPENDENTE DA REELABORA-ÇÃO DA MOLDURA FÁTICA CONSTANTE NO ACÓRDÃO REGIONAL – SÚMULA Nº 279/STF – ÂMBITO INFRACONSTITUCIONAL DO DEBATE – EVENTUAL VIOLAÇÃO REFLEXA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO VIABILIZA O MANEJO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO – ACÓRDÃO RE-CORRIDO PUBLICADO EM 12.04.2011 – As razões do agravo regimental não são aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada, mormente no que se refere ao óbice da Súmula 279 do STF, a inviabilizar o trânsito do recurso extraordinário. Precedentes. Embargos de declaração rece-bidos com agravo regimental, ao qual se nega provimento” (ARE 694.353-ED, Relatora a Ministra Rosa Weber, 1ª T., DJe 15.05.2013).

“Agravo Regimental em agravo de instrumento. 2. Administrativo. Meio Am-biente. 3. Alegação de ofensa ao princípio da reparação integral do dano. Necessidade de análise e interpretação de normas infraconstitucionais e de revisão do conjunto fático-probatório dos autos. Impossibilidade. 4. Incidên-cia do Verbete nº 279 da Súmula do STF. 5. Agravo regimental a que se nega provimento” (AI 808.549-AgR, Relator o Ministro Gilmar Mendes, 2ª T., DJe 05.03.2013).

4. Os argumentos do Agravante, insuficientes para modificar a de-cisão agravada, demonstram apenas inconformismo e resistência em pôr

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termo a processos que se arrastam em detrimento da eficiente prestação jurisdicional.

5. Pelo exposto, nego provimento ao agravo regimental.

SEGUNDA TURMA ExTRATO DE ATA

AgRg no Recurso Extraordinário com Agravo nº 888.055

Proced.: Santa Catarina

Relatora: Min. Cármen Lúcia

Agte.(s): Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama

Proc.(a/s)(es): Procurador-Geral Federal

Agdo.(a/s): Franciane Brautl Novak e outro(a/s)

Adv.(a/s): Sandra Mara Zacko e outro(a/s)

Intdo.(a/s): Ministério Público Federal

Proc.(a/s)(es): Procurador-Geral da República

Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recur-so de agravo, nos termos do voto da Relatora. Não participou, justificada-mente, deste julgamento, o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Ausente, justi-ficadamente, o Senhor Ministro Dias Toffoli. Presidência do Senhor Ministro Celso de Mello. 2ª Turma, 18.08.2015.

Presidência do Senhor Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Senhores Ministros Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Teori Zavascki. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Dias Toffoli, em face da par-ticipação, na qualidade de Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, na 2ª Assembleia Geral e Conferência Internacional da Associação Mundial de Órgãos Eleitorais, realizada na República Dominicana.

Subprocuradora-Geral da República, Dra. Deborah Duprat.

Ravena Siqueira Secretária

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

1645

Superior Tribunal de JustiçaConflito de Competência nº 129.174 – DF (2013/0246608‑0)Relator: Ministro Reynaldo Soares da FonsecaSuscitante: Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoSuscitado: Tribunal de Justiça do Estado do MaranhãoInteres.: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IbamaAdvogado: Procuradoria‑Geral Federal – PGFInteres.: Estado do Maranhão

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E CONStItUCIONAL – CONfLItO NEGAtIVO DE COMPEtêNCIA – tRIBUNAL DE JUStIÇA EStADUAL X tRIBUNAL REGIONAL fEDERAL – MANDADO DE SEGURANÇA IMPEtRADO PELO IBAMA CONtRA DECISãO DE JUIZ EStADUAL CRIMINAL EM AÇãO PENAL DE REStItUIÇãO DE VEíCULO APREENDIDO EM PROCESSO ADMINIStRAtIVO, POR INfRAÇãO AMBIENtAL (tRANSPORtAR CARVãO VEGEtAL EM DESACORDO COM LICENÇA OUtORGADA PELO óRGãO COMPEtENtE) – PRINCíPIOS DA HIERARQUIA E DA SIMEtRIA – COMPEtêNCIA DO tRIBUNAL REGIONAL fEDERAL

1. De regra, a competência para processar e julgar mandados de segurança se define em razão da qualidade da autoridade coatora (ratione autoritatis), seja dizer da função por ela exercida, se estadual ou federal.

2. Isso não obstante, nas situações em que o impetrante é autarquia federal e o impetrado é autoridade estadual, tal regra deve ser in-terpretada em consonância com os dispositivos constitucionais que descrevem a competência da Justiça Federal nos arts. 108 e 109 da CF/1988.

3. De consequência, ainda que o mandado de segurança não im-pugne decisão de autoridade federal, ou de autoridade atuando com jurisdição delegada da Justiça Federal (art. 109, § 3º, da CF), o critério de definição de competência ratione autoritatis pode ceder lugar ao critério ratione persoanae se o impetrante for algum dos entes previs-tos no art. 109, I, da CF.

4. Conjugada a regra do art. 109, I, da CF com o princípio da hie-rarquia e com o princípio da simetria, tem-se que não pode o juiz

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federal julgar mandados de segurança impetrados contra decisão de juiz estadual, de mesma hierarquia, devendo caber tal competên-cia ao Tribunal Regional Federal, por analogia com o disposto no art. 108, I, c, da CF. Precedentes do STF: RE 266689-AgR, Relª Min. Ellen Gracie, 2ª T., Julgado em 17.08.2004, DJ 03.09.2004, p. 00032, Ement. v. 02162-02, p. 00294 e RE 176881, Relator(a): Min. Carlos Velloso, Rel. p/ Ac. Min. Ilmar Galvão, Tribunal Pleno, Julgado em 13.03.1997, DJ 06.03.1998, p. 00018, Ement. v. 01901-04, p. 00709.

5. “A competência para julgamento de mandado de segurança im-petrado por autarquia federal é da Justiça Federal (art. 109, I, da CF), mesmo que a autoridade coatora seja autoridade estadual. Aplicação do princípio federativo da prevalência do órgão judiciário da União sobre o do Estado-membro (Súmula nº 511/STF).” (CC 68.584/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª S., Julgado em 28.03.2007, DJ 16.04.2007, p. 155)

6. Precedentes desta Corte: CC 58.108/RJ, Relª Min. Eliana Calmon, 1ª S., Julgado em 08.11.2006, DJ 27.11.2006, p. 224 e CC 45.709/SP, Relª Min. Eliana Calmon, Rel. p/ Ac. Min. Luiz Fux, 1ª S., Julgado em 23.08.2006, DJ 18.09.2006, p. 247.

7. Conflito conhecido, para declarar competente para o julgamento do mandado de segurança em questão, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do conflito e declarar competente o Suscitante, Tribunal Regional Federal da 1ª Região, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Newton Trisotto (Desembarga-dor Convocado do TJ/SC), Ericson Maranho (Desembargador convocado do TJ/SP), Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador convocado do TJ/PE), Felix Fischer, Maria Thereza de Assis Moura, Rogerio Schietti Cruz, Nefi Cordeiro e Gurgel de Faria votaram com o Sr. Ministro Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior.

Brasília (DF), 09 de setembro de 2015 (data do Julgamento).

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Ministro Reynaldo Soares da Fonseca Relator

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca (Relator):

Cuida-se de conflito negativo de competência suscitado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (e-STJ, fls. 105/114) em face de decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão (e-STJ, fls. 57/60) que se de-clarou incompetente para julgar Mandado de Segurança (nº 39201-2009, numeração da Justiça Estadual; ou 0010402-29.2010.4.01.0000/MA, nu-meração da Justiça Federal) impetrado pelo Ibama, em 29.01.2010 (e-STJ, fl. 05), contra decisão do Juiz de Direito da Comarca de Buriticupu/MA (e-STJ, fls. 32/34), no bojo de ação penal de restituição de coisas apreendidas, que autorizara a restituição, à proprietária, de caminhão apreendido em proces-so administrativo no qual se apurava o cometimento de infração ambiental (transportar carvão vegetal em desacordo com licença outorgada pelo órgão competente).

Consta dos autos que, “No regular exercício de seu poder de polí-cia, em 27 de agosto de 2009, o Ibama, ora Impetrante, executou a opera-ção de fiscalização para combater infrações ambientais, na qual foi apre-endido o veículo Volkswagen, modelo 23.250 E, placa JQN 3722, chassi 9BW3N82T25R518866, cor Branca, ano/modelo 2005, em virtude de sua utilização no cometimento de infração administrativo-ambiental consistente em ‘transportar madeira serrada ou em tora sem licença válida’, nos ter-mos do disposto no art. 46, Lei nº 9.605/1998, e art. 47, § 1º, Decreto nº 6.514/2008 (fl. 5)” (e-STJ, fl. 09), gerando-se o processo administrativo nº 02012.001454/2009-31, fundado no Auto de Infração nº 599668/D (e-STJ, fl. 36) e no Termo de Apreensão e Depósito nº 515236 (e-STJ, fl. 37).

Além disso, “O fato foi devidamente noticiado à autoridade policial, atendendo a determinação legal, eis que a conduta tipifica em tese infração penal prevista no art. 70 da Lei nº 9.605/1998.” (e-STJ, fl. 09)

Vê-se, assim, que a mesma ação deu ensejo à apuração de uma in-fração administrativa, no bojo da qual ocorreu a apreensão do veículo, as-sim como à apuração de uma infração penal. Isso não obstante, o pedido de restituição do veículo foi direcionado ao Juízo criminal, que se reputou competente para o julgamento da ação de restituição de coisa apreendida, ao fundamento de que “se trata de um desdobramento da competência para apreciar a ação decorrente de crime contra o meio ambiente” (e-STJ, fl. 84).

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98 ................................................................................................RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Pondera o Juízo suscitado (da Justiça Estadual), com amparo em pre-cedente da 3ª Seção desta Corte, que o juiz de direito apontado como au-toridade coatora, atua no exercício da competência federal da área de sua jurisdição, visto que aquela causa versa sobre interesse de autarquia federal, o Ibama (CF, art. 109, I). Assim sendo, caberia ao Tribunal Regional da 1ª Região o julgamento do mandado de segurança.

Por sua vez, o Juízo suscitante (do TRF 1ª R.) defende que “o simples fato de a Autarquia Federal figurar no pólo ativo do mandado de segurança não é circunstância hábil, por si só, a atrair a competência da Justiça Federal para a ação de mandado de segurança” (e-STJ, fl. 109) e que “o ato impe-trado foi praticado por juiz estadual no exercício de competência comum, e não de competência federal, conforme se depreende das informações pres-tadas às fls. 78/81” (e-STJ, fl. 110).

Ouvido, o Ministério Público Federal que atua perante esta Corte opi-nou pela competência da Justiça Federal, em parecer (e-STJ, fls. 144/149) que recebeu a seguinte ementa:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA – JUSTIÇA FEDERAL E JUSTIÇA ESTADUAL – MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO PELO IBAMA – ATO DE JUIZ DE DIREITO – INCIDÊNCIA DOS ARTS. 108, INCISO I, ALÍNEA C, E 109, INCISO I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – PRECEDENTES DO EXCELSO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DESSE COLENDO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL

I – O art. 109, inciso I, da Carta Magna de 1988, não faz qualquer distinção entre os diversos tipos de procedimento, de sorte a contemplar o mandado de segurança, bastando para a definição da competência da Justiça Federal a presença dos entes lá enumerados (ratione personae).

II – Em razão do princípio da hierarquia, os mandados de segurança impe-trados contra atos praticados por juízes federais, nos termos do art. 108, I, c, da Lei Maior, são processados e julgados originariamente pelos Tribunais Regionais Federais. Desse modo, em respeito ao princípio da simetria, as ações mandamentais impetradas contra ato de Juiz Estadual, no exercício de competência federal delegada, também devem ser processadas e julgadas originariamente pela Corte Regional.

III – Parecer pela improcedência do conflito, declarando-se a competência do Juízo Federal, o suscitante.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca (Relator):

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RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ....................................................................................................99

Conheço do conflito, uma vez que os juízos que suscitam a incom-petência estão vinculados a Tribunais diversos, o que atrai a competência originária do Superior Tribunal de Justiça, consoante o disposto no art. 105, inciso I, alínea d, da Constituição Federal.

Questiona-se, nos autos, se a competência para julgamento de man-dado de segurança impetrado pelo Ibama contra decisão de Juiz estadual criminal, em ação penal de restituição de coisa apreendida, cabe ao Tribu-nal de Justiça local ou ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Com efeito, de regra, a competência para processar e julgar manda-dos de segurança se define em razão da qualidade da autoridade coatora (ratione autoritatis), seja dizer da função por ela exercida, se estadual ou federal.

Isso não obstante, como bem ponderou o Parquet Federal em seu parecer de fls. 144/149, tal regra deve ser interpretada em consonância com os dispositivos constitucionais que descrevem a competência da Justiça Fe-deral nos arts. 108 e 109 da CF/1988 e que assim dispõem no que nos interessa:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública fede-ral forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Elei-toral e à Justiça do Trabalho;

[...]

VIII – os mandados de segurança e os habeas data contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos Tribunais federais;

Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:

I – processar e julgar, originariamente:

[...].

c) os mandados de segurança e os habeas data contra ato do próprio Tribunal ou de juiz federal;

É importante observar que a decisão judicial impugnada no mandado de segurança foi proferida por juiz estadual, em processo criminal (ação de restituição de coisa apreendida) no qual não atuava com jurisdição de-legada da Justiça Federal (art. 109, § 3º, da CF/1988), visto que a persecu-ção criminal de delito relacionado ao transporte irregular de 50 m3 de car-vão vegetal em desacordo com licença outorgada pelo órgão competente

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(cf. auto de infração e-STJ fl. 36), embora tenha sido iniciada por ação fis-calizatória do Ibama, por si só, não atrai a competência da Justiça Federal, posto que não atinge interesse direto e específico da União ou de suas au-tarquias.

No ponto, esta Corte tem entendido que a competência do foro cri-minal federal não advém apenas do interesse genérico que tenha a União na preservação do meio ambiente. É necessário que a ofensa atinja inte-resse direto e específico da União, de suas entidades autárquicas ou de empresas públicas federais. Ou seja, inexistindo lesão a bens, serviços ou interesses da União ou de seus entes, afasta-se competência da Justiça Federal.

Ainda nessa linha de raciocínio, a mera presença de um órgão fede-ral, seja como agente executor-fiscalizador de normas fixadas para o meio ambiente, seja como agente responsável pelo licenciamento de atividades que efetiva ou potencialmente, possam causar dano ao meio ambiente (no caso, o instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Re-nováveis – Ibama), por si só, não tem o condão de definir a competência da Justiça Federal. Exemplo disso vemos nos seguintes precedentes:

PENAL E PROCESSUAL PENAL – CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊN-CIA – CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE – ESPÉCIE DE PÁSSARO APRE-ENDIDA QUE NÃO CONSTA DA LISTA OFICIAL DA FAUNA BRASILEIRA AMEAÇADA DE EXTINÇÃO – AUSÊNCIA DE INTERESSE AUTARQUIA FE-DERAL – IBAMA – PRECEDENTES DO STJ – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL

É firme nesta Corte de Justiça a orientação de que a Justiça Federal somente será competente para processar e julgar crimes contra o meio ambiente (fau-na e flora) naquelas hipóteses em que houver lesão direta a bens, serviços ou interesses da União, de suas autarquias ou empresas públicas. Diante de tal entendimento, advindo após a edição da Lei nº 9.605/1998, foi cancelado Enunciado nº 91 da Súmula do STJ, que, editada com fundamento na Lei nº 5.107/1967, atribuía à Justiça Federal a competência para processar e julgar os crimes cometidos contra a fauna. Precedentes.

No caso concreto, não restou demonstrado o interesse do Ibama, autarquia federal, na apuração do delito ambiental. A espécie de pássaro apreendida, não figura no rol, como bem ressaltado pelo Juízo suscitante e conforme a in-formações prestadas pelo próprio Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama (Informação Técnica nº 059/2012), da Lista Oficial da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção (Instrução Normativa nº 3, de 27 de maio de 2003, do Ministério do Meio Ambiente).

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RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA .................................................................................................101

Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito do Primeiro Juizado Especial Criminal de Nova Iguaçu/RJ, o suscitado.

(CC 129.493/RJ, Rel. Min. Ericson Maranho (Desembargador Convocado do TJ/SP), 3ª S., Julgado em 08.10.2014, DJe 16.10.2014) – grifei.

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA – CRIME AMBIENTAL – APRE-ENSÃO DE ESPÉCIMES DA FAUNA SILVESTRE SEM A DEVIDA LICEN-ÇA DO ÓRGÃO COMPETENTE – AUSÊNCIA DE INTERESSE DIRETO DA UNIÃO – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL

1. A preservação do meio ambiente é matéria de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos do art. 23, incisos VI e VII, da Constituição Federal.

2. A Justiça Federal somente será competente para processar e julgar cri-mes ambientais quando caracterizada lesão a bens, serviços ou interesses da União, de suas autarquias ou empresas públicas, em conformidade com o art. 109, inciso IV, da Carta Magna.

3. Na hipótese, verifica-se que o Juízo Estadual declinou de sua competência tão somente pelo fato de o auto de infração ter sido lavrado pelo Ibama, cir-cunstância que se justifica em razão da competência comum da União para apurar possível crime ambiental, não sendo suficiente, todavia, por si só, para atrair a competência da Justiça Federal.

4. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito do Juizado Especial Adjunto Criminal de Rio das Ostras/RJ, o suscitado.

(CC 113.345/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª S., Julgado em 22.08.2012, DJe 13.09.2012) – grifei.

PENAL – CONFLITO DE COMPETÊNCIA NEGATIVO – JUÍZO DE DIREITO E JUÍZO FEDERAL – CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE – FLORA – ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL CRIADA POR DECRETO FEDERAL – DANO OCORRIDO EM PROPRIEDADE PRIVADA – INEXISTÊNCIA DE INTERESSE DA UNIÃO – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL SUSCITADA

1. Em regra, os crimes ambientais são da competência da Justiça Estadual, tendo em vista que a pretensão punitiva estatal somente é deduzida perante o Juízo Federal quando a conduta típica for praticada em detrimento de bens, serviços ou interesses diretos da União, suas entidades autárquicas, empresas públicas ou fundações de direito público.

2. A criação de uma APA por meio de Decreto Federal não transfere integral-mente a gestão ambiental das áreas nela inseridas à União, não subsistindo, portanto, o interesse direto e específico desse ente federativo, a justificar a competência da Justiça Federal para o processamento do feito.

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3. Compete a todos os entes da federação a proteção do meio ambiente, independente do ilícito ser praticado em propriedade privada inserida em APA criada por Decreto Federal.

4. A atribuição do Ibama de fiscalizar a preservação do meio ambiente tam-bém não atrai a competência da Justiça Federal para processamento e julga-mento de ação penal referente a delitos ambientais.

5. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da comarca de Paraibuna/SP, ora suscitado.

(CC 97.372/SP, Rel. Min. Celso Limongi (Desembargador Convocado do TJ/SP), 3ª S., Julgado em 24.03.2010, DJe 05.11.2010) – grifei.

Muito embora o presente mandado de segurança não impugne de-cisão de autoridade federal, ou de autoridade que atuava com jurisdição delegada da Justiça Federal (art. 109, § 3º, da CF), influencia, na definição da competência para o julgamento do mandamus o fato de que o impetrante é autarquia federal, que atrai a regra de competência do art. 109, I, da CF.

Conjugada a regra do art. 109, I, da CF com o princípio da hierar-quia e com o princípio da simetria, tem-se que não pode o juiz federal de 1º grau julgar mandados de segurança contra um juiz estadual também de 1ª instância, devendo caber tal competência ao Tribunal Regional Federal, por analogia com o disposto no art. 108, I, c, da CF.

Tal interpretação encontra amparo na jurisprudência do Supremo Tri-bunal Federal, como se vê, entre outros, dos seguintes precedentes:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO – AGRAVO REGIMENTAL – MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO IMPETRADO PELA OAB EM DEFESA DE SEUS MEMBROS – COMPETÊNCIA – JUSTIÇA FEDERAL – ART. 109, I DA CONS-TITUIÇÃO

1. O apelo extremo está bem fundamentado na parte em que renova a pre-liminar de incompetência da justiça estadual, pois impugna todos os argu-mentos adotados pelo Tribunal a quo em sentido contrário. Não há falar, portanto, em aplicação da Súmula STF nº 283.

2. O art. 109, I da Constituição não faz distinção entre as várias espécies de ações e procedimentos, bastando, para a determinação da competência da Justiça Federal, a presença num dos polos da relação processual de qualquer dos entes arrolados na citada norma. Precedente: RE 176.881.

3. Presente a Ordem dos Advogados do Brasil – autarquia federal de regime especial – no pólo ativo de mandado segurança coletivo impetrado em favor de seus membros, a competência para julgá-lo é da Justiça Federal, a despei-to de a autora não postular direito próprio.

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RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA .................................................................................................103

4. Agravo regimental parcialmente provido, tão-somente para esclarecer que o acolhimento da preliminar de incompetência acarretou o provimento do recurso extraordinário.

(RE 266689-AgR, Relator(a): Min. Ellen Gracie, 2ª T., Julgado em 17.08.2004, DJ 03.09.2004, p. 00032, Ement. v. 02162-02, p. 00294) – grifei.

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO POR AUTARQUIA FEDERAL CONTRA ATO DE JUIZ DE DIREITO – COMPETÊNCIA

Em princípio, qualquer ação proposta pelos entes relacionados no inc. I do art. 109 da Constituição é de competência da Justiça Federal. Tratando-se, entretanto, de mandado de segurança, que, em nosso sistema jurídico-pro-cessual, se rege também pelo princípio da hierarquia, prevê o inc. VIII do mesmo dispositivo a competência dos tribunais federais, obviamente, em ra-zão do respectivo grau hierárquico. Em relação aos juízes federais, a compe-tência é dos tribunais regionais federais (art. 108, I, c, da Carta da República), regra que, por simetria, é de aplicar-se aos juízes de direito. Acórdão que, por encontrar-se orientado no sentido exposto, não merece reparo. Recurso extraordinário não conhecido.

(RE 176881, Relator(a): Min. Carlos Velloso, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Ilmar Galvão, Tribunal Pleno, Julgado em 13.03.1997, DJ 06.03.1998, p. 00018, Ement. v. 01901-04, p. 00709) – grifei.

Nesse sentido também tem decidido esta Corte, como se vê dos se-guintes precedentes:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA – MANDADO DE SEGURANÇA – IMPETRAÇÃO POR AUTARQUIA FEDERAL CONTRA ATO PRATICADO POR AUTORIDADE ESTADUAL – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL

1. A competência para julgamento de mandado de segurança impetrado por autarquia federal é da Justiça Federal (art. 109, I, da CF), mesmo que a au-toridade coatora seja autoridade estadual. Aplicação do princípio federativo da prevalência do órgão judiciário da União sobre o do Estado-membro (Sú-mula nº 511/STF).

2. Conflito conhecido e declarada a competência do Juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Taubaté/SP, o suscitado.

(CC 68.584/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª S., Julgado em 28.03.2007, DJ 16.04.2007, p. 155) – grifei.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA – PROCESSUAL CIVIL – PRESENÇA DE AU-TARQUIA FEDERAL NO FEITO – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL – MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO CONTRA ATO DE AUTO-RIDADES SEDIADAS EM DIFERENTES SEÇÕES JUDICIÁRIAS DA JUSTIÇA

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104 .............................................................................................RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

FEDERAL – COMPETÊNCIA TERRITORIAL – APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

1. Nos termos do art. 109, I, da CF/1988, a competência da Justiça Federal está firmada em razão da presença de autarquias federais no feito.

2. O mandamus foi impetrado contra ato coator atribuído a autoridades se-diadas em diferentes Seções Judiciárias da Justiça Federal. Omissão da Lei nº 1.533/1951, que legitima a aplicação subsidiária do art. 94, § 4º, do CPC.

3. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 1ª Vara de Blumenau/SJ/SC, o suscitado.

(CC 58.108/RJ, Relª Min. Eliana Calmon, 1ª S., Julgado em 08.11.2006, DJ 27.11.2006, p. 224) – grifei.

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA ENTRE JUÍZO ESTADUAL E FEDERAL – MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO PELA CEF CON-TRA ATO DE JUIZ DE DIREITO – INCIDÊNCIA DO ART. 109, I, DA CARTA MAGNA DE 1988 – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL

1. O art. 109, I, da Carta Magna de 1988, não faz qualquer distinção entre os diversos tipos de procedimento, de tal sorte a contemplar o mandado de segurança, bastando para a definição da competência da Justiça Federal a presença dos entes lá enumerados (ratione personae).

2. O inciso VIII do art. 109 da Lei Maior, por sua vez, dispõe que aos juízes federais compete processar e julgar os mandados de segurança e os habeas data contra ato de autoridade federal, excetuando os casos de competência dos tribunais federais, no sentido da fixação de competência hierárquica. Sob este enfoque, tem-se que o inciso VIII tutela o grau de hierarquia dentre as diversas autoridades federais.

3. In casu, tratando-se de mandado de segurança impetrado pela CEF, em-presa pública federal, há que se aplicar a regra insculpida no art. 109, I, da Constituição Federal, a fim que seja determinada a competência da Justiça Federal. Ato contínuo, incide a regra do inciso VIII para indicar, conforme for a autoridade impetrada, o órgão competente na Justiça Federal (1ª ou 2ª instância). Precedente da Suprema Corte: RExt 176.881/RS, Rel. p/ Ac. Min. Ilmar Galvão, Tribunal Pleno, DJ de 06 de março de 1998 e CC 46.512/RN. Ainda quanto a este particular, a egrégia Primeira Seção deste STJ decidiu que:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA – MANDADO DE SEGURANÇA IMPE-TRADO POR AUTARQUIA FEDERAL CONTRA ATO DE JUIZ ESTA DUAL – ARTS. 108, I, C, E 109, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – COMPETÊN-CIA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL – PRINCÍPIOS DA HIERAR-QUIA E SIMETRIA – ORIENTAÇÃO DO PRETÓRIO EXCELSO

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RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA .................................................................................................105

1. O art. 109, I, da Constituição Federal, que estabelece regra de com-petência ratione personae, atrai a competência para a Justiça Federal in-clusive nas hipóteses de mandado de segurança impetrado pela União, entidade autárquica ou empresa pública federal contra entidade pública local, consoante a previsão do enunciado da Súmula nº 511/STF: “Com-pete à Justiça Federal, em ambas as instâncias, processar e julgar as cau-sas entre autarquias federais e entidades públicas locais, inclusive man-dado de segurança, ressalvada a ação fiscal, nos termos da Constituição Federal de 1967, art. 119, § 3º”.

2. Apesar da existência de respeitável corrente doutrinária e jurisprudên-cia em sentido contrário, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE 176.881/RS, Rel. p/ Ac. Min. Ilmar Gal-vão, publicado no DJ de 06.03.1998, sufragou o entendimento de que o art. 109, I, da Constituição Federal, aplica-se inclusive aos casos de manda-do de segurança impetrado por entidade federal contra ato de Juiz Estadual.

3. Além disso, firmou-se a orientação de que é imperiosa a análise do mandamus, nesses casos, pelo Tribunal Regional Federal, e não por um juiz federal. Isso porque, em razão do princípio da hierarquia, os manda-dos de segurança impetrados contra atos praticados por juízes federais, nos termos do art. 108, I, c, da Carta Magna, são processados e julgados originariamente pelos Tribunais Regionais Federais. Desse modo, em res-peito ao princípio da simetria, as ações mandamentais impetradas contra ato de Juiz Estadual também devem ser processadas e julgadas originaria-mente pela Corte Regional.

4. Evidencia-se, portanto, a competência da Justiça Federal para proces-sar e julgar o mandado de segurança em questão, nos termos do art. 109, I, da Carta Magna. Registre-se, entretanto, que a demanda deverá ser jul-gada pelo Tribunal Regional Federal, e não pelo Juízo Federal Suscitante, com fundamento no art. 108, I, c.

5. Conflito conhecido para declarar a competência do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. (CC 46.512/RN, Relª Min. Denise Arruda, 1ª S., DJ de 05 de setembro de 2005)

4. Ademais, in casu, aplica-se integralmente o disposto no art. 2º da Lei nº 1.533/1951, verbis: Considerar-se-á federal a autoridade coatora se as consequências de ordem patrimonial do ato contra o qual se requer o mandado houverem de ser supostamente pela União Federal ou pelas entidades autárquicas federais, porquanto à CEF foi determinado restitu-ísse verba retirada da conta de cliente de cuja responsabilidade diz estar inume.

5. A jurisprudência da Corte, quanto à qualificação da autoridade coato-ra, visa fixar a competência funcional de juízes ou tribunais, sem olvidar as regras de competência absoluta prevista na CF.

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6. Competência da Justiça Federal.

(CC 45.709/SP, Relª Min. Eliana Calmon, Rel. p/ Ac. Min. Luiz Fux, 1ª S., Julgado em 23.08.2006, DJ 18.09.2006, p. 247) – grifei.

Com tudo isso em mente, exsurge a competência da Justiça Federal e, por simetria, a do Tribunal Regional Federal da 1ª Região para o julgamento de mandado de segurança impetrado pelo Ibama contra decisão judicial de Juiz de Direito.

Ante o exposto, conheço do conflito, para declarar competente para o julgamento do mandado de segurança em questão, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

É como voto.

Ministro Reynaldo Soares da Fonseca Relator

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA SEÇÃO

Número Registro: 2013/0246608-0Processo Eletrônico CC 129.174/DF

Matéria criminal

Números Origem: 00104022920104010000 104022920104010000 15732009 392012009

Em Mesa Julgado: 09.09.2015

Relator: Exmo. Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Eitel Santiago de Brito Pereira

Secretário: Bel. Gilberto Ferreira Costa

AUTUAÇÃO

Suscitante: Tribunal Regional Federal da 1ª Região

Suscitado: Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão

Interes.: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama

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RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA .................................................................................................107

Advogado: Procuradoria-Geral Federal – PGF

Interes.: Estado do Maranhão

Assunto: Direito processual penal – Medidas assecuratórias – Busca e apreensão de bens

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia Terceira Seção, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Terceira Seção, por unanimidade, conheceu do conflito e declarou com-petente o Suscitante, Tribunal Regional Federal da 1ª Região, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Newton Trisotto (Desembargador Convocado do TJ/SC), Ericson Maranho (Desembargador convocado do TJ/SP), Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador convocado do TJ/PE), Felix Fischer, Ma-ria Thereza de Assis Moura, Rogerio Schietti Cruz, Nefi Cordeiro e Gurgel de Faria votaram com o Sr. Ministro Relator.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

1646

Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoRecurso em Sentido Estrito nº 0009860‑09.2013.4.01.3200/AMRelator: Desembargador Federal Olindo MenezesRelator convocado: Juiz Federal Marcus Vinícius Reis BastosRecorrente: Ministério Público FederalProcurador: Edmilson da Costa Barreiros JuniorRecorrido: Adrioni Gomes da Costa

EMENTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL – CRIME AMBIENtAL – PESCA DE PEQUENA QUANtIDADE DE PEIXES NO PERíODO DO DEfESO – fALtA DE ADEQUAÇãO SOCIAL NA CONDENAÇãO – PRINCíPIO DA INSIGNIfICÂNCIA – APLICABILIDADE – RECURSO DESPROVIDO

1. O acusado foi denunciado, nos termos do art. 34, c/c arts. 36 e 52, todos da Lei nº 9.605/1998, por ter sido flagrado pescando em período proibido, no interior da Estação Ecológica do Cuniã, tendo consigo uma espingarda Boito, três malhadeiras, dois catitus abatidos, conduta que, a despeito da tipificação penal formal, foi considerada pela sentença, de forma correta (e razoável), como praticada em esta-do de necessidade (fl. 124).

2. Não fora isso, o fato de o agente portar uma espingarda, duas redes de pescar e dois porcos do mato abatidos, não justifica a instauração de ação penal em seu desfavor, por absoluta falta de adequação so-cial, o que aconselha a aplicação, em caráter excepcional, do prin-cípio da insignificância, causa supralegal de exclusão de tipicidade.

3. Recurso em sentido estrito desprovido.

ACÓRDÃO

Decide a Turma negar provimento ao recurso em sentido estrito, à unanimidade.

4ª Turma do TRF da 1ª Região.

Brasília, 25 de agosto de 2015.

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Juiz Federal Marcus Vinicius Reis Bastos Relator Convocado

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Marcus Vinicius Reis Bastos (Relator Convo-cado): Ministério Público Federal recorre em sentido estrito (fls. 129-143) de sentença da 7ª Vara/AM (fls. 121-126), que rejeitou denúncia oferecida em desfavor de Adrioni Gomes da Costa, por supostamente pescar em período proibido e penetrar em Unidade de Conservação conduzindo substâncias ou instrumentos próprios de caça, sem autorização, condutas previstas nos arts. 34, 36 e 52 da Lei nº 9.605/1998.

A decisão entendeu pela incidência do princípio da insignificância em matéria ambiental. Contrariamente, o Parquet Federal sustenta sua ina-plicabilidade.

O Ministério Público Federal nesta instância, em parecer firmado pelo Procurador Regional da República Paulo Queiroz, opina pelo improvi-mento do recurso. (fls. 162-169).

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Marcus Vinicius Reis Bastos (Relator Convo-cado): Este Tribunal tem flexibilizado a vedação da incidência do princípio da insignificância em casos semelhantes ao presente, nos quais a suposta lesão não tem aptidão para malferir o bem jurídico protegido, expresso no meio ambiente em geral e, em especial, na fauna ictiológica.

Conquanto seja tarefa do legislador selecionar e tipificar penalmente as condutas criminosas, a avaliação da tipicidade pelo juiz não se resume ao plano meramente formal, em face do modelo adotado pela lei, mas tam-bém no plano substancial, no sentido de verificar se a conduta do agente atinge, de maneira significativa, o bem jurídico tutelado. Se a resposta for negativa, deixa de existir o crime, ou pelo menos o interesse de agir, como uma das condições da ação penal.

O direito penal, em face do seu caráter fragmentário e subsidiário, não deve ser chamado a punir condutas de pouca ou nenhuma lesividade em relação ao bem jurídico tutelado; não deve a norma penal incriminado-

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ra, por imperativo da intervenção mínima, sancionar todas as situações em que o bem jurídico esteja em perigo, mas somente aquelas que produzam graves consequências.

A norma penal só estende os seus tentáculos até onde seja socialmen-te necessário para proteger o bem jurídico. A aplicação da teoria doutrinária da insignificância, pensada por Claus Roxin, na linha do estudo de Welzel, aconselha, na maioria dos tipos, a excluir da linha punitiva os danos de pouca importância, não devendo o direito penal ocupar-se com bagatelas1, senão com fatos que tenham relevância na estrutura da sociedade.

Em crimes ambientais, diante da importância e singularidade do bem tutelado (meio ambiente equilibrado), o princípio da insignificância deve ser aplicado com cautela.

A hipótese dos autos permite. O acusado, ora recorrido, foi denun-ciado, nos termos do art. 34, c/c arts. 36 e 52, todos da Lei nº 9.605/1998, por ter sido flagrado pescando em período proibido, no interior da Estação Ecológica do Cuniã, tendo consigo uma espingarda Boito, três malhadeiras, dois catitus abatidos (porcos do mato), e nenhum peixe.

Eis os precedentes:

AGRAVO REGIMENTAL – RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS – CRIME AMBIENTAL – AUSÊNCIA DE DANO AO MEIO AMBIENTE – CON-DUTA DE MÍNIMA OFENSIVIDADE PARA O DIREITO PENAL – ATIPICIDA-DE MATERIAL – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – APLICAÇÃO

1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o princípio da in-significância tem como vetores a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabili-dade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

2. Considerando-se a inexistência de lesão ao meio ambiente (fauna aquáti-ca), tendo em vista a quantidade ínfima de pescado apreendido com o acu-sado, deve ser reconhecida a atipicidade material da conduta.

3. Agravo regimental improvido.

(STJ, AgRg-RHC 32.220/RS, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª T., unânime, Julgado em 04.10.2012, DJe de 15.10.2012)

PENAL – PROCESSUAL PENAL – CRIME AMBIENTAL – ART. 34, PARÁ-GRAFO ÚNICO, INCISO III DA LEI Nº 9.605/1998 – TRANSPORTE DE 01 (UM) ÚNICO PEIXE DE ESPÉCIE PROVENIENTE DE PESCA PROIBIDA – ATI-

1 Cf. TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios de Direito Penal. Saraiva, 1968, p. 121.

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PICIDADE DA CONDUTA – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFI-CÂNCIA

1. Não caracteriza o delito do art. 34, parágrafo único, III, da Lei nº 9.605, de 1998, conduta consistente em pescar um pirarucu salgado no interior de área de proteção ambiental no Estado do Amazonas (Rebio do Abufari, Itapauá/AM).

2. Comportamento que se revela atípico, por força da aplicação do princípio da insignificância.

3. Todo homem tem direito a comer em paz o seu pedaço de pão e o seu pedaço de peixe.

4. Recurso desprovido.

(TRF 1ª R., RSE 0010766-67.2011.4.01.3200/AM, Rel. Des. Fed. Hilton Queiroz, Rel. Conv. Juiz Federal Marcus Vinícius Reis Bastos (Conv.), 4ª T., unânime, e-DJF1 de 15.08.2012, p. 901)

Em face do exposto, nego provimento ao recurso em sentido estrito.

É o voto.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoApelação Cível – Turma Espec. III – Administrativo e CívelNº CNJ: 0000232‑98.2014.4.02.5118 (2014.51.18.000232‑3)Relator: Desembargador Federal Marcelo Pereira da SilvaApelante: Dimas MendesAdvogado: Maria da Penha Neves Ramos de OliveiraApelado: União FederalProcurador: Advogado da UniãoOrigem: 2ª Vara Federal de Duque de Caxias (00002329820144025118)

EMENTA

ADMINIStRAtIVO – AUSêNCIA DE RESPONSABILIDADE CIVIL DA UNIãO QUANtO AOS AtOS PRAtICADOS POR SERVIDORES DO IBAMA – ILEGItIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM – INStAURAÇãO DE PROCESSO CRIMINAL SEM JUStA CAUSA – AUtORIA PRESUMIDA PELO CRItÉRIO DA PROPRIEDADE DO IMóVEL – CRIME AMBIENtAL – DENÚNCIA OfERtADA PELO MPf COM BASE EM COMUNICAÇãO DE CRIME PRODUZIDA POR SERVIDORES DO IBAMA – PRESUNÇãO DE LEGItIMIDADE

I – O Ibama possui personalidade jurídica própria e deve responder pelos atos praticados por seus servidores, não possuindo a União, por óbvio, legitimidade passiva ad causam para figurar em demandas nas quais se discute a responsabilidade estatal por atos de agentes vincu-lados à Administração Indireta do Estado

II – Constitui inovação recursal a pretensão, formulada pela parte au-tora da demanda em sede de apelação, de responsabilizar a Procura-doria da República (MPF) por tê-la denunciado criminalmente apenas com base em comunicação de crime produzida por servidores do Ibama, sem a abertura de inquérito policial para a devida apuração do cometimento de crime ambiental, não devendo ser conhecido o recurso nessa parte.

III – Apelação parcialmente conhecida para, de ofício, julgar extinto o processo, sem resolução do mérito, na forma do art. 267, VI, do CPC, em relação à União no que tange à conduta praticada pelos servido-res do Ibama, restando prejudicada a análise do mérito quanto à parte conhecida do recurso.

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ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas.

Acordam os membros da 8ª Turma Especializada do Tribunal Regio-nal Federal da 2ª Região, por unanimidade, em conhecer em parte do re-curso e, de ofício, julgar extinto o processo, sem resolução do mérito, em relação à União, no que tange aos fatos imputados aos servidores do Ibama, na forma do art. 267, VI, do CPC, e restando prejudicada a análise do mérito quanto à parte conhecida do recurso, na forma do voto do Relator.

Rio de Janeiro, 26 de agosto de 2015 (data do Julgamento).

Marcelo Pereira da Silva Desembargador Federal

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por Dimas Mendes objetivando a re-forma da sentença proferida pelo MM. Juízo da 2ª Vara Federal/RJ que julgou improcedente o seu pedido de indenização por danos materiais e morais fundado em responsabilidade civil em face do Estado por ter sido denun-ciado e processado por crime ambiental sem que tenha sido, ao final, com-provado que teria efetivamente concorrido para a infração penal (arts. 40 e 41 da Lei nº 9.605/1998).

Alegou o Apelante que “o MP, sem a devida cautela legal, e sem ter a certeza real, denunciou o A., como autor dos fatos ventilados”, quais sejam, o de ter provocado incêndio em seu próprio sítio.

Sustentou que: “O Autor trabalha em uma das empreiteiras da Petro-bras, sua função é embarcado, e quando o incêndio ocorreu em seu sítio, o mesmo não se encontrava presente, estava trabalhando embarcado”.

Em contrarrazões (fls. 414/418) a União alegou que havia indícios de materialidade e autoria a justificar o oferecimento da denúncia, sustentando que a absolvição por insuficiência de provas não induziria automaticamente a conclusão de que o MPF teria atuado com abuso de poder, dolo ou má-fé contra o recorrente.

Remetidos os autos a este eg. Corte, foi colhida a manifestação do Parquet federal, que às fls. 426/431 opinou pelo provimento parcial da ape-

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lação, com a fixação de danos morais no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

É o relatório. Passa-se a decidir.

Marcelo Pereira da Silva Desembargador Federal

VOTO

Pleiteia o Apelante a reforma de sentença de primeiro grau que con-cluiu pela improcedência de sua pretensão indenizatória calcada no fato de ter sido denunciado por crime ambiental do qual foi, ao final da ação penal, absolvido por falta de provas do cometimento da infração.

Considerou o Magistrado a quo, em seu julgamento contra o qual se recorre, que “o ponto fundamental para a existência de responsabilidade da Administração“ seria “a ilicitude do ato”, havendo fixado, com base em tal premissa, que “a indenização aqui somente seria possível em casos de dolo e comprovada má-fé da Administração Pública, hipóteses em que estariam caracterizados o abuso de autoridade ou o desvio de função”, afastando a possibilidade de que o mero ajuizamento de ação penal pudesse configurar, por si só, dano moral ou material, tal como pretendido pelo Autor-Apelante.

O Ministério Público Federal, em parecer juntado às fls. 426/431, opi-na pela reforma da sentença de primeiro grau, forte no entendimento de que teria havido falta de justa causa para o oferecimento da denúncia e, mais do que isso, por considerar que os servidores do Ibama, ao realizarem a co-municação de crime ambiental, teriam presumido a responsabilidade penal do proprietário do terreno, ora Apelante, pelo simples fato de ter ocorrido dano ambiental em área de sua propriedade, sem procederem a qualquer diligência investigativa dos fatos ocorridos, o que, a seu ver, levaria à fixa-ção de indenização por danos morais em desfavor da União no montante de R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

Não há, contudo, como concordar com a opinião do Parquet federal.

Com efeito, para começar, se houve atuação indevida dos servidores do Ibama que, sem qualquer investigação correlata, e com base apenas no critério da propriedade, lavraram o auto de infração de fl. 20, do qual consta que Dimas Mendes teria praticado a infração descrita como “Uso de fogo sem autorização dos órgãos ambientais competentes (Ibama). Área aproxi-madamente 3,0 hectares” e capitulada nos arts. 70 da Lei nº 9.605/1998, 40

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do Decreto nº 3.179/1999 e 27 da Lei nº 4.771/1965, como ali informado, daí não se extraí qualquer responsabilidade da União ao pagamento de in-denização ao Autor da demanda por danos materiais e morais supostamente sofridos pela instauração da ação penal e recebimento da denúncia.

Como se sabe, o Ibama possui personalidade jurídica própria e deve responder pelos atos praticados por seus servidores, não possuindo a União, por óbvio, legitimidade passiva ad causam para figurar em demandas nas quais se discute a responsabilidade estatal por atos de agentes vinculados à Administração Indireta do Estado.

Num outro giro, verifica-se que, em suas razões recursais, o Apelante acusa o Ministério Público Federal de ter apresentado denúncia sem a aber-tura de inquérito policial para a devida apuração do cometimento do crime. Afirma que “o MP, sem a devida cautela legal, e sem ter a certeza real, de-nunciou o A., como autor dos fatos ventilados” (fls. 409/410).

Cumpre observar, desde logo, que a acusação dirigida ao MPF cons-titui verdadeira inovação recursal, na medida em que a parte autora, em sua petição inicial, embora tenha questionado o fato de ter sido injustamente acusada do cometimento de um crime ambiental e de lhe ter sido imputada pesada multa, não fez qualquer menção ao Ministério Público Federal, mas, sim, aos servidores do Ibama, ao afirmar: “Vale ressaltar que os Funcionais (Policiais Federais do Meio Ambiente), sem a devida investigação, anuncia-ram como sendo o A. o responsável pelo incêndio que ocorreu no sítio de propriedade do A.”

Mas, ainda que se pudesse interpretar a petição inicial de modo a considerar que a insurgência do Autor também teria sido dirigida ao Minis-tério Público Federal, que teria oferecido denúncia sem maior apuração dos fatos, cumpriria, em relação ao mesmo, ser mantida a sentença de primeiro grau, que julgou improcedente a pretensão indenizatória do Autor, uma vez que os documentos produzidos pela autoridade administrativa (auto de infração, certidão com os nomes das testemunhas para fins do art. 41 do CPP e comunicação de crime), juntados às fls. 18/20 destes autos, cuja legi-timidade se presume, seriam, em tese, suficientes para embasar a denúncia apresentada, mormente tendo sido subscritos pelo próprio acusado Dimas Mendes, fornecendo ao Parquet os necessários e suficientes indícios de au-toria e materialidade do delito.

Ressalte-se que não era de conhecimento do Ministério Público Fe-deral, ao tempo em que ofereceu a denúncia, o fato – que somente com o interrogatório dos servidores do Ibama veio a ser apurado pelo MM. Juiz da

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5a Vara Federal de São João do Meriti, no curso da Ação Penal –, de que “a Comunicação do Crime de fl. 06, que serviu de base para a denúncia, las-treou seu entendimento em que o Sr. Dimas Mendes, por ser o proprietário do terreno onde ocorreu a queimada, foi o responsável por ela, sem qual-quer diligência para verificar se, de fato, o réu teve qualquer participação no referido delito”.

De todo o exposto, conheço em parte do apelo e I) de ofício, julgo extinto o processo, sem resolução do mérito, em relação à União, no que tange à conduta praticada pelos servidores do Ibama, nos termos do art. 267, VI, do CPC; II) julgo prejudicada a análise do mérito quanto à parte conhecida do recurso, nos termos da fundamentação supra.

É como voto.

Marcelo Pereira da Silva Desembargador Federal

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoAgravo de Instrumento nº 0001432‑10.2015.4.03.0000/SP2015.03.00.001432‑2/SPRelator: Desembargador Federal Johonsom di SalvoAgravante: Ministério Público FederalProcurador: Ronaldo Ruffo Bartolomazi e outro(a)Agravado(a): Usina Santa Rita S/A Açúcar e ÁlcoolAdvogado: SP159616 Cristian Robert MargiottiOrigem: Juízo Federal da 1ª Vara de São Carlos > 15ª SSJ > SPNº Orig.: 00022196120144036115 1ª Vr. São Carlos/SP

EMENTA

AGRAVO DE INStRUMENtO – AÇãO CIVIL PÚBLICA – DANO AMBIENtAL – RUPtURA DE tANQUE DE ARMAZENAMENtO DE ÁGUAS RESIDUAIS UtILIZADAS NA LAVAGEM DE CANA-DE-AÇÚCAR – VAZAMENtO DE POLUENtES – RESPONSABILIDADE OBJEtIVA DA EMPRESA – AGRAVO PROVIDO

1. Na petição inicial da ação civil pública o Ministério Público Fede-ral aduz que a Usina Santa Rita S/A, em exploração de sua atividade econômica, provocou grave dano ambiental, consistente especifi-camente na lesão à fauna ictiológica do rio Mogi-Guaçu, mediante a ruptura de talude instalado em lagoa de decantação utilizada na lavagem da cana de açúcar e dos gases provenientes das caldeiras existentes na empresa.

2. É certo que a proteção ao meio ambiente detém status constitu-cional, em face do que dispõe o art. 225 da Constituição Federal, su-jeitando os agentes infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções civis, penais e administrativas, as quais podem ser aplicadas de forma cumulativa, em face da independência das instâncias.

3. Destarte, essa disposição constitucional recepcionou a proteção anteriormente existente na esfera da legislação ordinária, destacando--se a Lei nº 6.938/1981, que trata da Política Nacional do Meio Am-biente e suas posteriores alterações, ressaltando-se, ainda, a recente edição do Novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012).

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4. Aplica-se na tutela ambiental a responsabilidade objetiva, confor-me consignado no art. 4º, inciso VII, c/c art. 14, § 1º, ambos da refe-rida Lei nº 6.938/1981.

5. À época dos fatos foi noticiado que milhares de peixes morreram na noite de sexta-feira (04 de outubro de 2013) após o rompimento de uma represa de resíduos da Usina Santa Rita, localizada entre Descal-vado e Santa Rita do Passa Quatro/SP. O evento causou o vazamento de poluentes no Rio Mogi-Guaçu e afetou cidades vizinhas, como Rincão/SP.

6. Assim, há fortes evidências de que a mortandade dos peixes do rio Mogi-Guaçu está relacionada com o rompimento do tanque de contenção da usina agravada, situação que coincide com a conclusão do relatório elaborado de modo complexo e detalhado pela Cetesb.

7. Encontram-se presentes, portanto, a verossimilhança da alegação e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

8. Agravo de instrumento provido, restando mantida as astreintes fi-xadas em desfavor da empresa no caso de atraso no cumprimento da determinação.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, cuidando o Juízo a quo e o Ministério Público Federal de fiscalizar o implemento das medidas até agora propostas pelo Parquet; restando mantidas as astreintes fixadas em desfavor da empresa no caso de atraso no cumprimento da deter-minação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 27 de agosto de 2015.

Johonsom di Salvo Desembargador Federal

RELATÓRIO

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Relator:

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Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Ministério Público Federal em face de decisão que indeferiu medida liminar pleiteada em sede de ação civil pública.

A ação de origem foi proposta em face da Usina Santa Rita S/A – Açú-car e Álcool, objetivando a antecipação dos efeitos da tutela de mérito, nos termos do art. 12 da Lei nº 7.347/1985, c/c arts. 273 e 461, § 3º, ambos do CPC, para que a ré: a) recomponha o meio ambiente degradado, mediante elaboração, apresentação e execução de projeto específico, sob acompa-nhamento, orientação e aprovação do Instituto Chico Mendes de Conserva-ção da Biodiversidade (ICMBio)/Centro Nacional de Pesquisa e Conserva-ção de Peixes Continentais (Cepta) e b) implemente medidas de prevenção mediante acompanhamento, orientação e aprovação da Cetesb, sob pena de incidência de multa diária de R$ 50.000,00.

O magistrado a quo indeferiu o pedido, nos seguintes termos (trans-crição parcial):

Quanto ao primeiro requerimento, não faz sentido impor obrigação genérica, a liquidar, por liminar. Para antecipar a tutela, e proteger a urgên-cia, a obrigação deve ser certa - único meio justificável de supressão do contraditório. Se a obrigação é incerta, in fieri, não se justifica a supressão do contraditório.

Quanto à última, embora as recomendações proviessem da Cetesb – em resposta à correspondência eletrônica, diga-se – não há explicação da pertinência de cada uma das medidas com o risco ambiental. Por maior que seja a capacitação técnica da Cetesb, o juízo não pode, liminarmente, sem contraditório, aceder às recomendações informais do órgão, sob pena de interferência indevida no exercício da empresa.

Sustenta a agravante que a verossimilhança das alegações expendidas encontra suporte nas provas documental e técnica instrutórias do inquérito civil.

Afirma que a primeira medida proporcionará, a médio prazo, o res-tabelecimento do equilíbrio e da dinâmica de existência e reprodução da ictiofauna do rio Mogi-Guaçu, mais precisamente na localidade afetada pelo derramamento de toneladas de resíduos industriais.

Já a segunda medida postulada trará maior segurança à atividade eco-nômica realizada pela empresa-agravada, eliminando ou reduzindo a possi-bilidade de um novo episódio de vazamento de poluentes no rio.

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Assim, alega a agravante que se encontram presentes todos os requi-sitos necessários à concessão de tutela antecipada em sede de ação civil pública em que se pretende a reparação por dano ambiental.

Antecipação de tutela recursal deferida às fls. 339/341.

Contraminuta acostada às fls. 351/358.

Parecer do Ministério Público Federal opinando pelo provimento do agravo (fls. 420/425).

É o relatório.

VOTO

Cuida-se de agravo de instrumento interposto pelo Ministério Público Federal em face de decisão que indeferiu medida liminar pleiteada em sede de ação civil pública.

Não foram apresentadas quaisquer argumentações que modificassem o entendimento deste Relator, exposto quando da prolação da decisão que analisou o pedido de efeito suspensivo do presente recurso.

Por esta razão, transcrevo os fundamentos daquela decisão, adotan-do-os como razão de decidir o mérito deste agravo.

“Na petição inicial da ação civil pública o Ministério Público Federal aduz que a Usina Santa Rita S/A, em exploração de sua atividade econômica, pro-vocou grave dano ambiental, consistente especificamente na lesão à fauna ictiológica do rio Mogi-Guaçu, mediante a ruptura de talude instalado em lagoa de decantação utilizada na lavagem da cana de açúcar e dos gases pro-venientes das caldeiras existentes na empresa, ocorrido no dia 04.10.2013, por volta das 19 horas.

Afirma que no Relatório de Inspeção confeccionado pela Cetesb, instrutivo da Informação Técnica nº 153/2014, consta ter havido negligência por parte da ré ao deixar de providenciar manutenção periódica quanto à remoção de sedimentos de um dos tanques utilizados no armazenamento e recirculação de águas residuais, de modo que sobrecarregou o tanque de segurança con-tra extravasamento, tendo então havido o rompimento do talude e a conse-quente liberação da água residual e de sedimentos para o rio Mogi-Guaçu.

É certo que a proteção ao meio ambiente detém status constitucional, em face do que dispõe o art. 225 da Constituição Federal, sujeitando os agentes infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções civis, penais e administrati-

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vas, as quais podem ser aplicadas de forma cumulativa, em face da indepen-dência das instâncias in verbis:

‘Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibra-do, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

[...]

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.’

Destarte, essa disposição constitucional recepcionou a proteção ante-riormente existente na esfera da legislação ordinária, destacando-se a Lei nº 6.938/1981, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente e suas pos-teriores alterações, ressaltando-se, ainda, a recente edição do Novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012).

Da Lei nº 6.938/1981, infere-se a abrangência do conceito de poluição e agente poluidor, para fins da tutela ambiental:

‘Art. 3º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

[...]

III – poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de ativida-des que direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

c) afetem desfavoravelmente a biota;

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;

IV – poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degra-dação ambiental;’

No tocante à poluição da água, destaca-se que as alterações ambientais se configuram, na maioria das vezes, a partir do lançamento de substâncias tanto por descarga quanto por emissão, seja qual for o estado químico do po-luente, sendo relevante a verificação do maléfico comprometimento direto ou indireto das propriedades naturais do ambiente atingido.

Destaco, ainda que se aplica na tutela ambiental a responsabilidade objetiva, conforme consignado no art. 4º, inciso VII, c/c art. 14, § 1º, ambos da referida Lei nº 6.938/1981, conforme se vê da transcrição que faço a seguir:

‘Art. 4º A Política Nacional do Meio Ambiente visará:

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[...]

VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.’

‘Art. 14 Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à pre-servação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degrada-ção da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:

§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o po-luidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legiti-midade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.’ (grifei)

Deste comando legal advém, portanto, a obrigatoriedade de o agente cau-sador do dano ambiental reparar ou indenizar pelos prejuízos sucedidos in-dependentemente de culpa, bastando para tanto a comprovação de ação ou omissão do poluidor, a ocorrência do dano e o nexo causal entre ambos, sen-do dispensável indagar-se a respeito da licitude da atividade originariamente desenvolvida, aplicando-se ao caso a Teoria do Risco Integral, consistente na responsabilidade objetiva lastreada no risco integral, não se admitindo excludentes de responsabilidade.

Anoto que o ‘acidente’ narrado teve grande repercussão no noticiário lo-cal, conforme se vê das informações obtidas nos sites do G1/São Carlos, da Agência de Notícias de Direitos Animais – Anda, do Instituto da Pesca – SP e Descalvado News e, ainda, das publicações juntadas pelo MPF.

À época dos fatos foi noticiado que milhares de peixes morreram na noite de sexta-feira (04 de outubro de 2013) após o rompimento de uma represa de resíduos da Usina Santa Rita, localizada entre Descalvado e Santa Rita do Passa Quatro/SP.

O evento causou o vazamento de poluentes no Rio Mogi-Guaçu e afetou cidades vizinhas, como Rincão/SP.

Na mesma oportunidade o departamento de comunicação da usina explicou que, devido às fortes chuvas nos dias anteriores, uma represa de contenção não suportou a demanda e rompeu. A assessoria afirmou que na represa ha-via apenas água de chuva e de nascentes e que não tinha nenhum produto químico.

Ocorre que pescadores e rancheiros que se encontravam naquela região re-lataram que, pouco mais de uma hora após o acidente, uma enorme quanti-dade de peixes começou a ‘saltar para fora da água’, tentando desesperada-mente escapar da mancha preta que tomou conta do rio.

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Constou, ainda, das reportagens que entre os peixes mortos analisados foram encontradas muitas fêmeas ovadas, já em período de piracema, o que deve afetar diretamente a demografia dos peixes no futuro do rio, além de algumas espécies raras e ameaçadas de extinção.

Ou seja, não passou de falácia a assertiva da empresa de que apenas água de chuva e de nascentes que não continham nenhum produto químico, foi o que vazou da lagoa rompida.

Com a falácia, o departamento de comunicação da empresa procurou iludir a sociedade, mas foi desmentido pela constatação visual da lesão ambiental, perdendo qualquer credibilidade a jura de inocência da empresa.

Da análise do acervo probatório até agora coligido, inclusive o exame de das imagens tiradas no local, o que se verifica é que houve o rompimento de uma das lagoas de contenção de resíduos da Usina Santa Rita e, na mes-ma ocasião, uma quantidade significativa de peixes de diversas espécies foi encontrada morta no rio Mogi-Guaçu e suas águas foram tomadas por uma mancha preta.

Assim, há fortes evidências de que a mortandade dos peixes do rio Mogi--Guaçu está relacionada com o rompimento do tanque de contenção da usi-na agravada, situação que coincide com a conclusão do relatório elaborado de modo complexo e detalhado pela Cetesb.

Encontram-se presentes, portanto, a verossimilhança da alegação e o funda-do receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

Além do mais, o art. 461, § 3º, do Código de Processo Civil, estabelece que na ação que tenha objeto cumprimento de obrigação de fazer ou não-fazer, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final.”

Pelo exposto, dou provimento ao agravo de instrumento, cuidando o Juízo a quo e o Ministério Público Federal de fiscalizar o implemento das medidas até agora propostas pelo Parquet; restando mantida as astreintes fixadas em desfavor da empresa no caso de atraso no cumprimento da de-terminação.

É como voto.

Johonsom di Salvo Desembargador Federal

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

1649

Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoApelação Criminal nº 0001996‑37.2008.4.04.7103/RSRelator: Des. Federal Márcio Antonio RochaApelante: Ministério Público FederalApelante: Adolfo Pedro DillyAdvogado: Pedro Luiz Rebelato

Tiago Silveira Guterres Nedal Yusef Hasan Ahmad Thalji

Apelado: (Os mesmos)

EMENTA

PENAL – CRIME AMBIENtAL – ARt. 56 DA LEI Nº 9.605/1998 – IMPORtAÇãO E tRANSPORtE DE SUBStÂNCIA PERIGOSA OU NOCIVA AO MEIO AMBIENtE – AGROtóXICO DE PROCEDêNCIA EStRANGEIRA – DANO AO MEIO AMBIENtE – tIPICIDADE – MAtERIALIDADE – AUtORIA – DOLO – PROVA – DOSIMEtRIA DA PENA

A conduta de importar e transportar agrotóxico de procedência es-trangeira, em desacordo com as exigências legais e regulamentares, se insere no tipo penal do art. 56, caput, da Lei nº 9.605/1998.

Comprovados a materialidade, a autoria e o dolo no cometimento do delito, confirma-se a sentença condenatória.

Se nenhuma das circunstâncias previstas no art. 59 do Código Penal é valorada em desfavor do réu, a pena-base deve ser fixada no patamar mínimo.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do Ministério Público Federal e dar parcial provimento à apelação do réu para reduzir a pena privativa de liberdade, fixando-a em 1 ano de reclusão, substituída por uma pena restritiva de direitos, de prestação de serviços à comunidade, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 04 de agosto de 2015.

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Des. Federal Márcio Antônio Rocha Relator

RELATÓRIO

Cuida-se de ação penal movida pelo Ministério Público Federal em face de Adolfo Pedro Dilly pela suposta prática do crime previsto no art. 56, caput, da Lei nº 9.605/1998.

A denúncia, recebida em 05.07.2011 (fl. 37), assim narrou os fatos (fls. 03-04):

[...]

No dia 15 de maio de 2008, na cidade de Uruguaiana/RS, o denunciado Adolfo Pedro Dilly importou e transportou produto perigoso à saúde humana e ao meio ambiente, consistente em 150 pacotes do inseticida Biogard, 400 pacotes do herbicida Agrimet, 1 galão do pesticida BB5, 4 baldes do fun-gicida Curasemill e 2 sacos do adubo Kristalon provenientes da República Oriental do Uruguai, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos.

Na referida data, o denunciado foi surpreendido em frente ao posto da Polí-cia Rodoviária Federal, na BR 290, Km 651 transportando as referidas mer-cadorias que ele introduziu irregularmente em território nacional, motivo pelo qual as mesmas foram apreendidas conforme o Termo de Arrecadação de fl. 18.

Submetido os produtos a exame pericial (fls. 92/100), restou concluído pelo Setor Técnico-Científico do Departamento de Polícia Federal que os produ-tos podem acarretar danos à saúde humana e ao meio ambiente, bem como informou a Receita Federal do Brasil (fls. 09/10), que os mesmos possuem origem e procedência estrangeira.

A autoria restou comprovada pelo depoimento do policial rodoviário Daniel Viegas Cardoso (fl. 32), o qual confirmou que o denunciado estava na posse dos referidos produtos e que afirmou tê-los adquirido no Uruguai.

Por sua vez, a materialidade deriva da Representação Fiscal para Fins Penais e anexo de fls. 07/10, Auto de Infração de fls. 14/17, Termo de Arrecadação de fl. 18 e Laudo de Exame Material de fls. 92/100.

[...]

Instruídos os autos, foi proferida sentença, publicada em 09.12.2013 (fl. 229), julgando procedente a denúncia para condenar o réu Adolfo Pedro Dilly por infração ao art. 56, caput, da Lei nº 9.605/1998, à pena privativa

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de liberdade de 1 (um) ano e 1 (um) mês de reclusão, em regime inicial aberto, e à pena de multa de 15 (quinze) dias-multa, à razão unitária de 1/3 (um terço) do salário mínimo vigente em maio de 2008, atualizado desde então. Foi determinada a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comu-nidade e prestação pecuniária no valor de 5 (cinco) salários mínimos.

Não se conformando, o Ministério Público Federal interpôs recurso de apelação. Em suas razões, postulou a reforma parcial da sentença, a fim de que o réu seja condenado também nas sanções do art. 15 da Lei nº 7.802/1989, em concurso material com a condenação já proferida como incurso nas sanções do art. 56 da Lei nº 9.605/1998 (fls. 232-242).

O réu apelou requerendo sua absolvição, a redução da pena privativa de liberdade e da pena de multa o mínimo legal, ante a inexistência de cir-cunstâncias agravantes e causas de aumento de pena (fls. 259-263).

Foram apresentadas contrarrazões pela defesa (fls. 265-269) e pela acusação (fls. 284-289).

A Procuradoria Regional da República, nesta instância, opinou pelo desprovimento do recurso da acusação e pelo parcial provimento do recur-so da defesa (fls. 293-308).

É o relatório.

À revisão.

Des. Federal Márcio Antônio Rocha Relator

VOTO

1 tIPIfICAÇãO PENAL

Em suas razões de apelo, sustenta o Ministério Público Federal que, além do art. 56 da Lei nº 9.605/1998, o réu também deve ser condenado às penas do art. 15 da Lei nº 7.802/1989.

Não merece guarida a tese recursal.

De acordo com a denúncia, o réu, em 15.05.2008, foi flagrado trans-portando produtos perigosos à saúde humana e ao meio ambiente, con-sistente em 150 pacotes do inseticida Biogard, 400 pacotes do herbicida

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RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA .................................................................................................127

Agrimet, 1 galão do pesticida BB5, 4 baldes do fungicida Curasemill e 2 sacos do adubo Kristalon, provenientes do Uruguai. De acordo com a tese acusatória, além de transportá-los, o réu também importou os referidos pro-dutos, na mesma data.

Conforme entendimento firmado neste Tribunal, o agente que trans-porta em território nacional agrotóxico que introduziu irregularmente no país se sujeita apenas à incidência do art. 56 da Lei nº 9.605/1998, em de-trimento do art. 15 da Lei nº 7.802/1989.

Nesse sentido, destaco os seguintes precedentes:

PENAL – IMPORTAÇÃO E TRANSPORTE DE AGROTÓXICOS – ART. 56 DA LEI Nº 9.605/1998 – PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE – AFASTADO – DOSIMETRIA DA PENA – PRESCRIÇÃO RETROATIVA – RECONHECIMEN-TO – EXTINTA A PUNIBILIDADE (ART. 107, IV DO CÓDIGO PENAL) – 1. Configurado as ações nucleares de importar e transportar defensivo agrí-cola contidas no dispositivo do art. 56 da Lei nº 9.605/1998, deve ser esta a norma aplicada, pois, abrange as duas condutas, em detrimento do art. 15 da Lei nº 7.802/1989, que não contempla o verbo importar em seu tipo, afastan-do, portanto, o princípio da especialidade. 2. [...] (TRF 4ª R., ACr 5008310-81.2012.404.7002, 8ª T., Rel. Juiz Federal João Pedro Gebran Neto, DE 28.10.2013)

PENAL – PROCESSO PENAL – IMPORTAÇÃO DE AGROTÓXICO – TIPI-CIDADE – ART. 56 DA LEI Nº 9.605/1998 – TRANSPORTE – PÓS-FATO IMPUNÍVEL – INTERESSE NA PERSECUÇÃO PENAL – 1. Em que pese o conceito de agrotóxico da Lei nº 7.802/1989 esteja inserido no conceito de substância tóxica da Lei nº 9.605/1998, o primeiro diploma legal é espe-cial em relação ao preceito geral constante da Lei de Crimes Ambientais, devendo ser aplicado de forma preponderante sempre que a ação nuclear incriminada encontrar previsão em ambos os tipos incriminadores. 2. Não havendo criminalização da importação de agrotóxicos no art. 15 da Lei nº 7.802/1989, tem incidência o art. 56 da Lei nº 9.605/1998, constituindo a conduta posterior de transporte e guarda do produto em território nacional mero exaurimento do desígnio de internação e, portanto, pós-fato impunível. 3. Não tendo transcorrido o lapso prescricional entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia, ou entre este marco e a sentença condenatória, não há falar em ausência de interesse na persecução penal. (TRF 4ª R., ACr 0003292-87.2005.404.7010, 7ª T., Rel. Juiz Federal Luiz Carlos Canalli, DE 17.10.2013)

PENAL E PROCESSO PENAL – IMPORTAÇÃO E TRANSPORTE DE AGRO-TÓXICOS – ART. 56 DA LEI Nº 9.605/1998 – COMERCIALIZAÇÃO EM DES-CONFORMIDADE COM AS EXIGÊNCIAS LEGAIS – CORRUPÇÃO ATIVA

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– ART. 333 DO CÓDIGO PENAL – MANUTENÇÃO DO DECRETO CON-DENATÓRIO – DOSIMETRIA – CULPABILIDADE – NEUTRA – ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA – AGRAVANTES DOS ARTS. 61, II, B, E 62, IV, DO ESTATUTO REPRESSIVO – COMPENSAÇÃO EM AMBOS OS CASOS – SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE – 1. A importação de agrotóxicos em desacordo com as exigências legais se subsume ao tipo do art. 56, caput, da Lei nº 9.605/1998, visto que o verbo típico “importar” não se encontra previsto no art. 15 da Lei nº 7.802/1989. 2. Em virtude do princí-pio da consunção, o agente que, após pessoalmente importar agrotóxico em desobediência à legislação pertinente, transporta-o no interior do território brasileiro, sujeita-se somente às penas do delito previsto no art. 56 da Lei nº 9.605/1998, estando nele consumido o art. 15 da Lei nº 7.802/1989. Pre-cedentes deste Regional. 3. Se o ingrediente ativo do agrotóxico é permitido no Brasil, mas o produto que o contém não possui registro para comercia-lização no país, bem como não possui rótulo e bula em língua portuguesa, há desacordo com as exigências legais estipuladas nos arts. 3º e 7º da Lei nº 7.802/1989 e no art. 8º do Decreto nº 4.074/2002. 4. Comprovado que o réu importou e transportou substâncias agrotóxicas em desconformidade com as exigências legais, bem como que ofereceu vantagem indevida aos agentes federais para evitar a realização da prisão em flagrante e da apre-ensão do veículo e das substâncias transportadas, deve ser mantida a sua condenação às penas do art. 56 da Lei nº 9.605/1998 e do art. 333 do Código Penal. 5. [...] (TRF 4ª R., ACr 0010530-50.2006.404.7002, 8ª T., Rel. Des. Fed. Victor Luiz dos Santos Laus, DE 23.05.2013)

Portanto, deve ser mantida a sentença no ponto.

2 MAtERIALIDADE, AUtORIA E DOLO

A sentença, da lavra do MM. Juiz Federal, Dr. Guilherme Belatrami, examinou e decidiu com precisão todos os pontos relevantes, devolvidos à apreciação do Tribunal. As questões suscitadas no recurso não têm o con-dão de ilidir os fundamentos da decisão recorrida. Evidenciando-se a des-necessidade da construção de nova fundamentação jurídica, destinada à confirmação da bem lançada sentença, transcrevo e adoto como razões de decidir os seus fundamentos, in verbis (fls. 222-225):

[...]

A materialidade do fato delituoso restou plenamente comprovada pelo con-junto probatório carreado aos autos, notadamente Representação Fiscal para fins penais (fls. 07/12), Auto de Infração (fls. 13/17), termo de arrecadação (fl. 18) e laudo de exame de material das fls. 92/100, todos do IPL em apenso, dando conta da origem estrangeira dos herbicidas, fungicidas e inseticidas apreendidos na posse do acusado, bem como de que os indigitados produtos

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não constam dos registros da Coordenação Geral de Agrotóxicos e afins do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Diante de tais elementos, estreme de dúvidas a materialidade do delito.

Da Autoria Delitiva

A posse do produto é inquestionável frente à apreensão do produto em poder do réu. Além disso, o próprio réu admite ter havido a apreensão da merca-doria em seu poder, ainda que sob o alegado desconhecimento da origem estrangeira dos inseticidas, fungicidas e herbicidas que estavam em seu veí-culo, alegando ter adquirido a mercadoria em território nacional, desconhe-cendo a proibição.

A versão apresentada pelo réu de que a mercadoria teria sido adquirida em território nacional, de um estranho que se apresentou em um posto de com-bustível à beira da estrada, em viagem à região da fronteira oeste com a fina-lidade de comprar terras, não merece a mínima credibilidade.

Aponto ser pouco crível que alguém adquira considerável quantidade de inseticidas, fungicidas e herbicidas de um desconhecido, à beira da estrada, sem qualquer garantia de que a mercadoria corresponda aquilo que está adquirindo, notadamente quando as todas as inscrições constantes nas em-balagens estão em língua estrangeira, o que já é um indicativo da sua pro-cedência.

Ademais, a fragilizar a alegação, o réu não nominou uma única fazenda, ou pessoas, proprietários de estabelecimentos rurais, que teria visitado na região, já que, segundo ele, o motivo da viagem foi exatamente com o pro-pósito de conhecer alguma propriedade rural para aquisição.

Além disso, o Policial Rodoviário Federal Daniel Viegas Cardoso, que reali-zou a apreensão dos produtos que estavam na posse do réu, quando ouvido em Juízo (CD juntado à fl. 127 – contador de áudio 02:56), disse que, no momento da abordagem, o réu informou ter adquirido o produto no Uruguai, corroborando seu depoimento perante a autoridade policial (fl. 32 dos autos do IPL em apenso).

Assim, os elementos presentes nos autos indicam que o réu adquiriu os fungi-cidas, herbicidas e inseticidas no Uruguai, inclusive, sendo este o verdadeiro propósito para sua viagem à região da fronteira oeste.

Embora esteja prejudicada a tese defensiva de que a aquisição dos produtos se deu em território nacional, uma vez suficientemente demonstrado nos autos que o réu adquiriu fungicidas, herbicidas e inseticidas no Uruguai, destaco que eventual reconhecimento da referida tese resultaria em prejuízo ao réu, uma vez que o apenamento pelo transporte é superior à pena prevista para a importação, conforme já restou consignado anteriormente quando apreciado o ponto atinente à capitulação.

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Ainda na toada das declarações prestadas em sede policial bem como do depoimento prestado em juízo, em defesa escrita insinuou a existência do chamado erro de proibição, pois não imaginava que estaria incorrendo em crime ambiental. O erro de proibição (art. 21 do CP), levaria à isenção da pena a ser aplicada ao acusado.

Esta ocorre quando o erro é inevitável, invencível, ou seja, quando ao agente não era possível, nas circunstâncias em que praticou a infração, ter ou atingir a consciência da ilicitude do fato. O acusado, no entanto, pelo que se extrai dos autos, poderia, sem maior dúvida, alcançar o conhecimento de que era proibida a internação dos herbicidas de origem estrangeira, ainda mais se tra-tando de produtos utilizados em atividade por ele praticada (produtor rural), assunto que, muito provavelmente, deve ser corriqueiro no trato com colegas de atividade e pessoas da região.

A toda evidência, não se pode tolerar a ingênua suposição de que produtores rurais, em razão de sua baixa instrução (primeiro grau completo no caso do réu), desconheçam a proibição normativa. É cada vez mais intenso o movi-mento rumo às fronteiras, tendo como principal atrativo a aquisição de pro-dutos por preços infinitamente inferiores aos existentes no mercado interno.

Ademais, a eivar de inverossimilhança a alegação de desconhecimento por parte do acusado, o fato de que em seu interrogatório (CD juntado à fl. 194 – contador de áudio 07:16) fez referência à necessidade de “receituário ou coisa parecida” para a aquisição dos produtos no Brasil, evidenciando que ele detinha o conhecimento acerca de restrições para compra e dos cuidados necessários com tais produtos estrangeiros.

Desta forma, tenho tais alegações como insuficientes para excluir a antijuri-dicidade ou a culpabilidade da conduta imputada ao réu.

[...]

Como se vê, a materialidade é certa e inconteste.

Quanto à autoria, o réu admitiu a compra dos agrotóxicos de pro-cedência uruguaia, porém negou ter realizado a conduta de importar os referidos agrotóxicos. Todavia, a prova dos autos conduz à conclusão de que o réu, além de ter transportado as referidas substâncias, as importou, via Uruguaiana/RS (fl. 194).

A prova testemunhal colhida na fase policial e em juízo, consistente no depoimento do policial rodoviário federal, Daniel Viegas Cardoso, res-ponsável pela apreensão dos produtos que estavam na posse do réu, foi co-erente e seguro ao afirmar que o réu, no momento da abordagem, informou ter adquirido os agrotóxicos no Uruguai (fl. 127 e fl. 32 do IPL).

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Como bem referido na sentença, a versão trazida pelo réu, de que teria comprado os agrotóxicos de alguém que teria conhecido num posto de gasolina, não está minimamente embasada em elementos de prova, uma vez que não deu maiores detalhes da viagem que realizava, não especificou as pessoas com as quais falou, nem as propriedades que teria visitado.

Ademais, não há nada indicando que o policial teria motivos para prejudicar o réu, não tendo a defesa trazido aos autos qualquer prova nesse sentido. Outrossim, “a prova testemunhal obtida por depoimento de agente policial não se desclassifica tão-só pela sua condição profissional, na supo-sição de que tende a demonstrar a validade do trabalho realizado; é preciso evidenciar que ele tenha interesse particular na investigação ou, tal como ocorre com as demais testemunhas, que suas declarações não se harmoni-zam com outras provas idôneas” (STF, HC 74.522/AC, Rel. Min. Maurício Corrêa, 2ª T., DJU 13.12.1996).

Outrossim, não há falar em erro de proibição, pois o réu é proprie-tário de terras e arrendatário, tendo por rotina a compra de produtos quí-micos, o que vai de encontro à tese de que desconhecia a proibição de importar e transportar os agrotóxicos, ou de que não tivesse conhecimento dos procedimentos legalmente impostos à comercialização e transporte de defensivos agrícolas. Ao contrário, em seu interrogatório, o réu declarou que sabia da necessidade de “receituário ou coisa parecida” para a aquisi-ção dos agrotóxicos.

Dessa forma, comprovados materialidade, autoria e dolo, impõe-se a manutenção da sentença condenatória do réu pela prática do crime previsto no art. 56, caput, da Lei nº 9.605/1998.

3 DOSIMEtRIA DA PENA

As penas do réu foram fixadas nos seguintes termos:

Primeiramente, aponto que não se desconhece orientação adotada pelo E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região no sentido de que se estabeleça quantificação pro rata a cada circunstância judicial do art. 59 do CP, num sistema de vetoriais em face das penas cominadas, de modo que a cada cir-cunstância corresponda um tanto de pena matematicamente apurado a ser eventualmente acrescido à pena mínima cominada para fins de fixação da pena-base.

Assim, numa pena cominada de 01 a 05 anos, tomando como referência o termo médio de 03 anos, considerando a variação de 24 meses do mínimo

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ao termo médio, a cada circunstância judicial corresponderia um tanto de 03 meses.

Tal tarifação, porém, não expressa na lei, me permito entender, colide com o sentido da norma do art. 59 do CP, ferindo o desiderato normativo que deixou de tarifar as circunstâncias judiciais justamente para fazer com que os fatos desiguais sejam desigualmente tratados, inclusive no que diz com a aplicação de cada uma das circunstâncias judiciais.

A tarifação criada pela orientação jurisprudencial restringe a efetiva dosime-tria das penas naquilo que é sua razão de ser, qual seja permitir que o efetivo juízo de desvalor da conduta seja concretizado em face dos contornos fáti-cos, dentro dos limites hipotéticos da pena cominada.

A fixação prévia de quantificação em prol da padronização de aplicação das penas leva a igualar situações desiguais e esvazia de sentido a própria dosimetria da pena, cuja razão de ser é a concretização do juízo axiológico de desvalor das condutas apenadas.

A norma, se devesse ser procedido na forma de vetoriais pro rata, e assim teria sido disposto na lei, mediante a previa parametrização dos critérios de proporcionalidade de cada circunstância judicial.

Por isso que na dosimetria das penas, procederei à apreciação das circuns-tâncias judiciais do art. 59 do CP sem prévia quantificação vetorial pro rata para fixação da pena-base.

Da pena privativa de liberdade

A culpabilidade não merece destaque, pois a conduta se subsume inteira-mente no tipo penal. No que diz com os antecedentes criminais (fl. 09), por força da Súmula nº 444 do STJ, deixo de considerar tal registro em desfavor do réu. A conduta social e a personalidade da agente não encontram nos au-tos qualquer elemento de apreciação, não apresentando traços que mereçam destaque. Os motivos e as circunstâncias são inerentes à conduta delitiva em tela. As consequências do crime não se sobressaem por qualquer peculiari-dade. O comportamento da vítima em nada contribuiu para a ocorrência do delito.

Assim, consideradas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, que, no caso dos autos, se apresentam neutras, mas não favoráveis ao réu, tenho por fixar a pena-base próxima do mínimo legal. É que, não obstante deva ser a pena fixada com a menor gravosidade possível, a dosimetria pre-sume tratamento diversos a agentes em situações diversas, pelo que a pena--base no mínimo legal é reservada a réu(s) que apresente(m) circunstâncias judiciais (art. 59 do CP) favoráveis, não apenas neutras. Assim, v.g., quando reste demonstrado que o réu participe de obras sociais e humanitárias, o que caracterizaria conduta social favorável, por exemplo.

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Portanto, não sendo as circunstâncias do art. 59 do Código Penal nem con-trárias nem favoráveis, sendo estas neutras, fixo a pena-base próximo ao mí-nimo legal, em 01 (um) ano e 01 (um) mês de reclusão, nos termos do art. 56, caput, da Lei nº 9.605/1998.

Ausentes atenuantes, pois embora o réu tenha admitido a posse dos produtos apreendidos em seu poder, alegou desconhecimento da lei, além da versão inverossímil acerca dos fatos, não resta configura a atenuante da confissão. Ausentes agravantes, mantenho a pena provisória em 01 (um) ano e 01 (um) mês de reclusão.

Ausentes causas geral e especial de aumento de pena, torno a pena definitiva em 01 (um) ano e 01 (um) mês de reclusão.

Da pena de multa

Transpondo para a pena de multa os critérios de individualização da pena já analisados, tenho por fixar a quantidade de dias multa no limite mínimo previsto no art. 49 do Código Penal, pelo que fixo a quantidade de dias-multa em 15 dias multa, sendo o valor de cada dia multa de ¼ (um quarto) do salá-rio mínimo vigente à data dos fatos, valor devidamente corrigido desde esta data, nos termos do art. 49 do CP, atendendo à condição econômica do réu, evidenciada nos autos.

Por todo o exposto, fixo a pena de multa em 15 dias-multa, fixando o va-lor do dia multa no valor de 1/3 (um terço) do salário mínimo vigente em 15.05.2008, nos termos do art. 49, do Código Penal, valor a ser corrigido monetariamente desde 15.05.2008, até o efetivo pagamento.

Da substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direito

Tendo sido o réu condenado a pena privativa de liberdade não superior a quatro anos, nos termos do art. 44, inciso I, § 2º, 2ª parte do Código Penal (com redação dada pela Lei nº 9.714/1998, de 25 de novembro de 1998), cabe a substituição por pena alternativa.

Cominada em concreto pena privativa de liberdade superior a um ano, nos termos do art. 44, § 2º, 2ª parte do Código Penal, substituo as penas priva-tivas de liberdade por 02 (duas) penas restritiva de direitos, uma consistente na prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública, nos termos do art. 46 do CP, e outra em prestação pecuniária, no valor de 05 (cinco) salários mínimos vigentes ao tempo do pagamento, em atenção às condições econômicas do réu noticiada nos autos, ambas com a destinação a ser defi-nida pelo Juízo Federal das Execuções.

A prestação de serviço é a pena substitutiva que incute no apenado maior senso de integração e cooperação social, muito pertinente quando se trata de delitos em detrimento do Estado ou coletividade, como na espécie.

A outra pena restritiva consistirá na prestação pecuniária por ser a melhor escolha em se tratando de delito praticado com fim econômico.

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Ressalto que, segundo o art. 55, do Código Penal, a pena restritiva de direitos consistente na prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública, terá a mesma duração da pena privativa de liberdade originariamente fixada, ressalvado disposto no § 4º do art. 46 do mesmo estatuto repressivo.

Em suma, a pena-base foi fixada em 1 ano e 1 mês de reclusão, o que deve ser modificado, tendo em vista que nenhuma das circunstâncias judiciais foi considerada desfavorável ao réu. Com efeito, “o Juiz tem poder discricionário para fixar a pena-base dentro dos limites legais, mas este po-der não é arbitrário porque o caput do art. 59 do Código Penal estabelece um rol de oito circunstâncias judiciais que devem orientar a individuali-zação da pena-base, de sorte que quando todos os critérios são favoráveis ao réu, a pena deve ser aplicada no mínimo cominado; entretanto, basta que um deles não seja favorável para que a pena não mais possa ficar no patamar mínimo. Na fixação da pena-base o Juiz deve partir do mínimo cominado, sendo dispensada a fundamentação apenas quando a pena-base é fixada no mínimo legal; quando superior, deve ser fundamentada à luz das circunstâncias judiciais previstas no caput do art. 59 do Código Penal, de exame obrigatório” (STF, HC 76196, Rel. Min. Maurício Corrêa, 2ª T., J. 29.09.1998). Assim, não é possível estabelecer a pena-base acima do pa-tamar mínimo sem fundamentação no sentido de que alguma das circuns-tâncias judiciais seja desfavorável ao réu.

Nesse contexto, fixo a pena-base em 1 ano de reclusão, mínimo legal, pena esta que torno definitiva.

Redimensionada a pena privativa de liberdade para o mínimo legal, 1 ano de reclusão, cumpre reformar também a substituição de penas res-tritivas de direitos, que deve ser substituída por apenas uma pena restritiva (art. 44, § 2º, do Código Penal).

Assim, substituo a pena privativa de liberdade por apenas uma pena restritiva de direitos, de prestação de serviços à comunidade, pelo prazo da pena privativa aplicada.

4 DISPOSItIVO

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do Ministério Público Federal e dar parcial provimento à apelação do réu para reduzir a pena privativa de liberdade, fixando-a em 1 ano de reclusão, substituída por prestação de serviços à comunidade.

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Des. Federal Márcio Antônio Rocha Relator

ExTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 04.08.2015

Apelação Criminal nº 0001996-37.2008.4.04.7103/RS

Origem: RS 200871030019968

Relator: Des. Federal Márcio Antônio Rocha

Presidente: Des. Federal Sebastião Ogê Muniz

Procurador: Dr. Ângelo Roberto Ilha da Silva

Revisor: Desª Federal Cláudia Cristina Cristofani

Apelante: Ministério Público Federal

Apelante: Adolfo Pedro Dilly

Advogado: Pedro Luiz Rebelato Tiago Silveira Guterres Nedal Yusef Hasan Ahmad Thalji

Apelado: (Os mesmos)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 04.08.2015, na sequência 4, disponibilizada no DE de 20.07.2015, da qual foi intimado(a) o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública. Certifico, também, que os autos foram encaminhados ao revisor em 14.07.2015.

Certifico que o(a) 7ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epí-grafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do Ministé-rio Público Federal e dar parcial provimento à apelação do réu para reduzir a pena privativa de liberdade, fixando-a em 1 ano de reclusão, substituída por prestação de serviços à comunidade.

Relator acórdão: Des. Federal Márcio Antônio Rocha

Votante(s): Des. Federal Márcio Antônio Rocha Desª Federal Cláudia Cristina Cristofani Des. Federal Sebastião Ogê Muniz

Maria Alice Schiavon Secretária

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

1650

Tribunal Regional Federal da 5ª RegiãoGabinete do Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira LimaApelação Cível nº 567794 – PE (2009.83.00.011232‑2)Apte.: Antonio Claudio Cysneiros Cavalcanti JuniorAdv./Proc.: Andre Gustavo Correa Azevedo e outrosApdo.: Ministério Público FederalApdo.: ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da BiodiversidadeRepte.: Procuradoria Regional Federal da 5ª RegiãoOrigem: 26ª Vara Federal de PernambucoRelator: Des. Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima

EMENTA

PROCESSO CIVIL – ADMINIStRAtIVO – AMBIENtAL – IMóVEL PREtENSAMENtE CONStRUíDO EM ÁREA DE PRESERVAÇãO AMBIENtAL E EM PRAIA, BEM DE USO COMUM DO POVO – DEMONStRAÇãO DO AVANÇO EXtRAORDINÁRIO DAS ÁGUAS DO MAR QUE tERMINARAM POR SE APROXIMAR DA CONStRUÇãO QUE fOI EDIfICADA EM DIStÂNCIA REGULAMENtAR DA PRAIA E DENtRO DOS LIMItES DO tERRENO PERtENCENtE AO CONStRUtOR – IMPROCEDêNCIA DO PEDIDO

1. Provado nos autos, inclusive através de relatório elaborado pelo Ibama, que o objeto da autuação foi originariamente construído den-tro dos limites do terreno, não tem sentido condenar o proprietário a promover sua demolição, em face do avanço extraordinário do mar que hoje se choca com o muro de arrimo, edificado justo para impe-dir este avanço.

2. O deslocamento do mar, em direção ao continente, não tem o con-dão de desapropriar as áreas limítrofes, sendo lícito aos proprietários se defender do avanço.

3. Tratando-se os manguezais de ecossistema que se desenvolve às margens de lagoas e marés, sofrendo a influência das marés, o avanço do mar também implica o avanço dos mangues, e nem por isso é obri-gação dos proprietários demolir o que antes edificara regularmente.

4. Apelo provido.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em que figuram como partes as acima indicadas.

Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, à una-nimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator e das notas taquigráficas, que passam a integrar o presente julgado.

Recife, 08 de setembro de 2015.

Paulo Roberto de Oliveira Lima Desembargador Federal Relator

RELATÓRIO

O Sr. Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima (Re-lator):

Cuida-se de apelação interposta por Antonio Claudio Cysneiros Cavalcanti Junior em face de sentença que julgou procedente o pedido em Ação Civil Pública contra ele movida pelo Ministério Público Federal, de-terminando a demolição das obras causadoras de danos ao meio ambiente, construídas pelo réu. Determinou, ainda, que este se abstenha de construir qualquer outra edificação no local e a reparar a área degradada, restauran-do a vegetação nativa de restinga do local correspondente à construção do imóvel a ser demolido, na modalidade indicada pelo ICMBio, no prazo de seis meses contados do término da demolição. Condenou, por fim, o réu, ao pagamento de indenização no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), por danos causados ao meio ambiente, a ser revertida ao fundo de que trata o art. 13 da Lei nº 7.347/1985.

Preliminarmente, requer o apelante a nulidade da sentença, tendo em vista que o MPF teria modificado a causa de pedir depois de ofertada a contestação, quando, na petição de fls. 469/476, requer a demolição da residência não por ter sido construída dentro da área de preamar e da Uni-dade de Conservação Ambiental, mas sim porque teria sido edificada em área de restinga, impedindo a regeneração da vegetação característica, o que violaria o disposto no art. 264 do CPC.

Defende que, naquela oportunidade, requereu que o juízo a quo cha-masse o feito à ordem com relação à vedação prevista pelo art. 264 do CPC,

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mas que os três despachos seguintes limitaram-se a afirmar que tal questão seria apreciada no momento oportuno, o que não ocorreu.

Requer, ainda, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, não se podendo admitir que a matéria em questão seja apenas de direito, quando toda a controvérsia gira em torno da existência ou não de fatos que violaram as normas jurídicas de proteção ambiental, inclusive tendo o pró-prio MPF requerido, como prova emprestada, provas testemunhais extraídas da instrução criminal.

Ainda em sede de preliminar, argumenta que teria havido quebra da isonomia processual entre as partes litigantes, pois, atuando como parte, não poderia o MPF conduzir, presidir ou determinar produção ou desconsti-tuição de provas já produzidas em juízo através de procedimentos inquisito-riais e unilaterais, sem a garantia do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.

No mérito, alega o apelante que em 27.08.2010 foi acostado aos au-tos novo parecer técnico do Ibama, nº 19/2010, (fls. 443/456), que afirma que, apesar de, a princípio, a construção estar distante dos limites da APA Costa dos Corais, no momento atual, parte do terreno e da casa encontra--se dentro dela, em função do avanço do mar, já que os limites da APA são dinâmicos e limitam-se ao nível de maré média anual, e não a de um deter-minado ano pré-estabelecido.

Sustenta que, ao se manifestar sobre o cancelamento do habite-se da construção pela Prefeitura de Barreiros (fls. 762/795), afirmou que o MPF estaria apresentando conduta arbitrária, utilizando-se de suas prerrogativas inquisitoriais para “modificar” fatos e provas já produzidas, através da coer-ção dos membros dos órgãos ambientais e dos representantes da Prefeitura de Barreiros, para que alterassem pareceres, autorizações e outorgas ante-riormente concedidas e que eventualmente pudessem favorecer sua defesa contra as acusações que lhe foram imputadas.

Defende que o juiz sentenciante teria ignorado o teor do Parecer Téc-nico nº 25/2009 (fls. 634/642), em que restou concluído que imóvel não se encontrava dentro da APA Costa dos Corais à época da construção, nem dentro da linha de preamar.

Assevera que a sentença, ao deferir o pedido, fundou-se na alegação de que a construção foi precedida de desmate e supressão de vegetação de restinga, visto que à fl. 451 dos autos, o Parecer nº 19/2010 afirma: “a vegetação de restinga observada em vistorias anteriores foi vista e registra-

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da fotograficamente, neste momento atual foi totalmente suprimida e em seu lugar foi plantada grama de jardim (fig. 06)”, quando, de acordo com os documentos acostados aos autos, não há comprovação de que houvera presença de restinga na área fiscalizada.

Argumenta que é notório o fato do avanço do mar no litoral per-nambucano e que, se à época da construção da residência a mesma não se encontrava dentro da linha preamar nem da APA Costa dos Corais, não se pode determinar a sua demolição pela ocorrência superveniente de fato natural (avanço do mar).

Afirma, ainda, que, de acordo com o princípio da proporcionalida-de, as medidas restritivas extremas só devem ser adotadas caso o binômio necessidade e adequação sejam atendidos, havendo alternativas técnicas capazes de conciliar os impactos ambientais com os direitos do jurisdicio-nado.

Sustenta que, se é proprietário de um lote adquirido em loteamento urbano devidamente aprovado pelo Município de Barreiros há várias déca-das, e requer ao ente federativo alvará de construção de sua residência, ob-tendo os correspondentes alvarás e habite-se (fls. 67/68), não se poderia ad-mitir que, após a conclusão da obra, venham os órgãos ambientais requerer a demolição do imóvel com o argumento de que careceria de licenciamento ambiental, mormente quando, os próprios relatórios de vistoria técnica do Ibama/ICMBio atestaram que, à época da construção da casa, a mesma não se encontrava dentro da APA Costa dos Corais nem da linha de preamar.

O MPF e o ICMBio apresentaram contrarrazões.

O MPF ofertou parecer opinando pelo não provimento da apelação.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima (Re-lator):

Apela o réu, de sentença proferida em ação civil pública, que de-terminou a demolição de imóvel de sua propriedade, bem como que se abstenha de construir qualquer outra edificação no local e a reparar a área degradada, restaurando a vegetação nativa de restinga do local.

Não merecem acolhida as preliminares suscitadas no apelo.

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O MPF não modificou a causa de pedir após a contestação, dado que área de restinga é área de preservação ambiental. Ademais, na exordial, fez--se referência ao terreno como um todo.

Também sem razão o apelante quando sustenta que teria havido cer-ceamento do direito de defesa, pois a despeito de a matéria em questão não ser apenas de direito, mas também de fato, os fatos estão devidamente provados nos autos, através de laudos, relatórios e fotografias. Ademais, as versões fáticas do autor e do réu não são muito discrepantes, e a prova tes-temunhal não é necessária no caso.

Por fim, o poder que o Ministério Público tem de realizar instrução preliminar, é inerente à sua função institucional, não havendo, assim, que se falar em quebra de isonomia processual entre as partes.

Passo à análise do mérito.

Compulsando os autos, observa-se ter restado provado, inclusive atra-vés de relatório elaborado pelo Ibama (fls. 443/456), que o objeto da autua-ção foi originariamente construído dentro dos limites do terreno.

Às fls. 453, no item 4.3 do relatório, foi dito que vale ressaltar que apesar da casa do Sr. Antônio Cysneiros Cavalcanti Júnior a princípio da sua construção estar distante dos limites da APA Costa dos Corais, como foi dito no Parecer Técnico nº 25/2009, p. 134 do processo, quando afirma que

“[...] sendo esta exatamente a linha de preamar média do mês de novembro de 2006, o que confirma a informação inicial de que no período da execução da obra o terreno se encontrava fora dos limites da APA Costa dos Corais’, agora neste momento atual, parte do terreno e da casa encontra-se dentro da APA Costa dos Corais em função do avanço do mar...”.

Vê-se que não tem sentido condenar o proprietário a promover sua demolição, em face do avanço extraordinário do mar que hoje se choca com o muro de arrimo, edificado justo para impedir este avanço.

O deslocamento do mar, em direção ao continente, não tem o con-dão de desapropriar as áreas limítrofes, sendo lícito aos proprietários se de-fender do avanço, tal como ocorreu na hipótese dos autos, com a constru-ção do muro.

No tocante ao muro construído em área de mangue, registre-se que, tratando-se os manguezais de ecossistema que se desenvolve às margens de lagoas e marés, sofrendo a influência das marés, o avanço do mar também

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implica o avanço dos mangues, e nem por isso é obrigação dos proprietários demolir o que antes edificara regularmente.

Pelo exposto, dou provimento à apelação para julgar improcedente o pedido.

É como voto.

Paulo Roberto de Oliveira Lima Desembargador Federal

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Parte Geral – Ementário de Jurisprudência1651 – Ação civil pública – construção de aterro sanitário – recuperação de antigo lixão –

configuração

“Processual civil. Embargos declaratórios. Ação civil pública. Convênio entre o município de Arapiraca/AL e o Ministério do Meio Ambiente para a construção de aterro sanitário e recuperação de antigo lixão. Reabertura de discussão acerca de matéria já analisada. Impossi-bilidade. Inexistência de omissão, contradição ou obscuridade. I – Não é possível, em sede de embargos declaratórios, reabrir discussão acerca de questão já debatida e decidida. II – O Có-digo de Processo Civil, em seu art. 535, condiciona o cabimento dos embargos de declaração à existência de omissão, contradição ou obscuridade no acórdão embargado, não se prestan-do este recurso à repetição de argumentação contra o julgamento de mérito da causa. III – O acórdão estabeleceu que não há como desconsiderar que o extenso lapso transcorrido entre o término da obra e a primeira vistoria (três anos) efetivada pelo Ministério do Meio Ambiente pode ter interferido na conclusão dos laudos que concluíram pelo não cumprimento integral de itens do convênio, uma vez que os próprios técnicos ambientais informaram não ter sido possível aferir com segurança sua execução, uma vez que transcorrera tempo considerável entre a conclusão da obra e a vistoria efetuada. IV – Ademais, defesa e acusação relatam a existência de catadores de lixo (cerca de duzentas pessoas) residindo na região do aterro sani-tário. Há nos autos informações de que estes retiraram objetos do aterro – como, por exemplo, mantas e telas galvanizadas – para utilizar na construção de suas casas, o que teria depreciado as obras. V – Embargos de declaração improvidos..” (TRF 5ª R. – AC 2009.80.01.000967-7/01 – (573508/AL) – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Conv. Ivan Lira de Carvalho – DJe 04.08.2015)

1652 – Ação civil pública – devastação florestal – uso de madeira em siderurgia – configu-ração

“Agravo de instrumento. Direito ambiental e administrativo. Ação civil pública (devastação florestal para uso da madeira em siderurgia). Decisão de 1º grau favorável ao autor. Bloqueio do sistema para emissão do Documento de Origem Florestal – DOF. Condição para a aqui-sição e o transporte do carvão vegetal ou de qualquer matéria-prima florestal. Legitimidade passiva do Ibama por ser responsável pelo Sistema-DOF. Possibilidade de reconsideração de decisão anterior, inaudita et altera parte, em sede acautelatória. Recurso não provido. 1. A reconsideração pelo Juízo de sua primeira decisão, que no caso indeferiu a liminar pleiteada, prescinde da oitiva do adverso; ao Magistrado é dado o poder de decidir, de modo acautela-tório, inaudita et altera pars (TRF 2ª R., Apelação Cível nº 146894, Processo 9702283639, RJ, 3ª T., Rel. Des. Fed. Francisco Pizzolante, Data da decisão 02.10.2002, DJU de 28.10.2002). Conforme afirma José Roberto dos Santos Bedaque, ‘...Não tem o juiz, portanto, mera faculda-de de antecipar a tutela. Caso se verifiquem os pressupostos legais, é seu dever fazê-lo. Existe, é verdade, maior liberdade no exame desses requisitos, dada a imprecisão dos conceitos legais. Mas essa circunstância não torna discricionário o ato judicial’ (Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização). 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 355). Essa possibilidade é ainda mais aguda em sede de tutela ambiental, onde vige o princípio da precaução. 2. O Documento de Origem Florestal – DOF, de que trata a Portaria nº 253/2006, em cumprimento ao disposto no art. 20 do Decreto nº 5.975/2006, foi instituído no âmbito do Ibama, a ser gerado pelo Sistema-DOF em seu endereço eletrônico e sob o seu controle. 3. Quem dispõe de competência para bloquear o Sistema-DOF, para toda e qualquer siderúrgica localizada em qualquer Estado da Federação, é a agravante, cuja atribuição advém de sua condição de órgão executor do Sisnama, e, portanto, da política nacional do meio-ambiente (art. 6º, inciso IV, da Lei nº 6.938/1981), pelo que não há falar--se em litisconsórcio passivo com todos os entes da Federação. 4. Sobre o conflito suscitado

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entre a extensão prevista no art. 103, inciso I, da Lei nº 8.078/1990, e aquela constante do artigo 16 da Lei nº 7.347/1985, com base no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, prevalente a norma da Lei Consumerista, que melhor atende à finalidade pretendida na espé-cie, de salvaguardar o carvão oriundo de mata nativa do Estado do Mato Grosso do Sul, que vem sendo adquirido pelas siderúrgicas de todo o País, sem, contudo, saber-se se de forma regular ou não. 5. Agravo de instrumento a que se nega provimento.” (TRF 3ª R. – AI 0026475-22.2010.4.03.0000/MS – 6ª T. – Rel. Des. Fed. Johonsom Di Salvo – DJe 07.08.2015)

Destaque Editorial SÍNTESEDo voto do Relator, destacamos:

“[...] No caso vertente, não foram apresentadas quaisquer argumentações que modificas-sem a fundamentação e a conclusão exaradas pelo Desembargador Federal Lazarano Neto (fls. 870/873), das quais comunga este Relator, razão pela qual as reitero e transcrevo, adotando-as como razão de decidir o mérito deste agravo.

‘[...]

Desde logo, rejeito a alegação de vício na reconsideração da primeira decisão que inde-feriu a liminar, isso porque a apreciação da medida em questão não está subjugada ao contraditório.

No que tange à questão de fundo, observo que o Documento de Origem Florestal – DOF, de que trata a Portaria nº 253/2006, em cumprimento ao disposto no art. 20 do Decreto nº 5.975/2006, foi instituído no âmbito do Ibama, a ser gerado pelo Sistema-DOF em seu endereço eletrônico e sob o seu controle.

Nesse sentido, transcrevo o teor dos arts. 1º e 2º da Portaria citada:

“O Ministro de Estado do Meio Ambiente, Interino, no uso suas atribuições e tendo em vista o disposto nas Leis nºs 4.771, de 15 de setembro de 1965, 9.605, de 12 de feve-reiro de 1998, e no Decreto nº 3.179, de 21 de setembro de 1999, e o que consta do Processo nº 02001.003485/2006-11, resolve:

Art. 1º Instituir, a partir de 1º de setembro de 2006, no âmbito do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, o Documento de Origem Flo-restal – DOF em substituição à Autorização para Transporte de Produtos Florestais – ATPF.

§ 1º Entende-se por DOF a licença obrigatória para o transporte e armazenamento de produtos e subprodutos florestais de origem nativa, contendo as informações sobre a procedência desses produtos, gerado pelo sistema eletrônico denominado Sistema-DOF.

§ 2º O controle do DOF dar-se-á por meio do Sistema-DOF, disponibilizado no endereço eletrônico do Ibama, na Rede Mundial de Computadores – Internet.

Art. 2º Caberá ao Ibama regulamentar os procedimentos necessários para a implantação do DOF.”

Portanto, é evidente que quem dispõe de competência para bloquear o Sistema-DOF, para toda e qualquer siderúrgica localizada em qualquer Estado da Federação, é a agravante, cuja atribuição advém de sua condição de órgão executor do Sisnama, e, portanto, da política nacional do meio-ambiente (art. 6º, inciso IV, da Lei nº 6.938/1981), pelo que não há falar-se em litisconsórcio passivo com todos os entes da Federação.

Nesse contexto, a expedição de tais licenças de transporte e armazenamento há que se harmonizar com as demais regras disciplinadoras da exploração dos recursos naturais, na hipótese, o disposto nos arts. 21 do Código Florestal, Lei nº 4.771/1965, e 12 de seu Decreto Regulamentador nº 5.975/2006, onde se lê:

“Art. 21. As empresas siderúrgicas, de transporte e outras, à base de carvão vegetal, lenha ou outra matéria prima florestal, são obrigadas a manter florestas próprias para exploração racional ou a formar, diretamente ou por intermédio de empreendimentos dos quais parti-cipem, florestas destinadas ao seu suprimento.

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Parágrafo único. A autoridade competente fixará para cada empresa o prazo que lhe é facultado para atender ao disposto neste artigo, dentro dos limites de 5 a 10 anos.”

“Art. 12. As empresas, cujo consumo anual de matéria-prima florestal seja superior aos limites a seguir definidos, devem apresentar ao órgão competente o Plano de Suprimento Sustentável para o atendimento ao disposto nos arts. 20 e 21 da Lei nº 4.771, de 1965:

I – cinquenta mil metros cúbicos de toras;

II – cem mil metros cúbicos de lenha; ou

III – cinquenta mil metros de carvão vegetal.

§ 1º O Plano de Suprimento Sustentável incluirá:

I – a programação de suprimento de matéria-prima florestal;

II – o contrato entre os particulares envolvidos quando o Plano de Suprimento Sustentável incluir plantios florestais em terras de terceiros;

III – a indicação das áreas de origem da matéria-prima florestal georreferenciadas ou a indicação de pelo menos um ponto de azimute para áreas com até vinte hectares.

§ 2º A apresentação do Plano de Suprimento Sustentável não exime a empresa de in-formar as fontes de matéria-prima florestal utilizadas, nos termos do parágrafo único do art. 11, e do cumprimento da reposição florestal, quando couber.”

Destarte, como cabe ao Ibama a expedição das licenças pelo Sistema-DOF e a fiscalização do cumprimento da obrigação prevista no art. 21 acima transcrito, nos termos do art. 22 do Código Florestal, não há reparos a serem feitos na decisão agravada, especificamente no que tange às medidas determinadas em seu item b.

Ressalto, ainda, que o fato do Ibama desenvolver atividade fiscalizatória segundo o juízo de conveniência e oportunidade que lhe é ínsito, não impede que, diante de situações concretas de violação ao meio-ambiente, como na espécie, seja compelida, pelo Poder Judiciário, como guardião da lei e, portanto, do cumprimento da destinação do uso da propriedade, que inclui a vegetação nativa, como bem de interesse comum (art. 1º da Lei nº 4.771/1965), a adotar medidas efetivas e específicas de fiscalização, como meio de fazer cessar ações de degradação ambiental e impedir a renovação de sua prática.

Sobre o conflito suscitado entre a extensão prevista no art. 103, inciso I, da Lei nº 8.078/1990, e aquela constante do art. 16 da Lei nº 7.347/1985, entendo, por ora, com base no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, prevalente a norma da lei consu-merista, que melhor atende à finalidade pretendida na espécie, de salvaguardar o carvão oriundo de mata nativa do Estado do Mato Grosso do Sul, que vem sendo adquirido pelas siderúrgicas de todo o País, sem, contudo, saber-se se de forma regular ou não.

Nada impede, contudo, que, num segundo momento, mesmo quando da prolação da sentença, o bloqueio de emissão de DOF seja limitada apenas às siderúrgicas com mais de 10 (dez) anos, sem Plano de Suprimento Sustentável aprovado pelo órgão estadual competente, prevalecendo, assim, a extensão de que trata o art. 16 da ACP.

[...]’ [...]”

1653 – Ação civil pública – fauna – formalização de acordo – DNIT e DER/SP – responsa-bilidade – possibilidade

“Processual civil. Direito ambiental. Fauna. Ação civil pública. Audiência de conciliação. Formalização de acordo. Possibilidade. Assunção de obrigações pelos DNIT e DER/SP no sentido de evitar atropelamento de animais silvestres entre os quilômetros 72 e 75 da Rodovia Fernão Dias. Homologado posterior com resolução do mérito. Ilegitimidade passiva dos réus. Não configurada. Não cumprimento do acordo por parte do DER/SP. Alegação de inexequi-bilidade das obrigações. Não subsistente. Perda de objeto da ação. Inocorrência. Transmu-tação de liminar em sentença homologatória. Cabimento. Ofensa ao pacto federativo. Não

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ocorrência. 1. Válido e eficaz o acordo ajustado na audiência de conciliação, porque agiliza a tomada de providências nessa área sensível que é a ambiental, notadamente no caso em que animais silvestres são atropelados ao cruzar a Rodovia Fernão Dias nos quilômetros 72 a 75, por ausência de alambrados e passarelas para a fauna. 2. O DNIT e o DER/SP são partes legítimas e solidárias para figurar no polo passivo da ação, mormente quando o primeiro concedeu a execução da duplicação da rodovia à autarquia estadual e ficou, por imposição legal, com a responsabilidade fiscalizatória. 3. O fato de a autoestrada ter sido concedida, em maio de 2008, à empresa privada não exime o DER/SP e o DNIT do cumprimento do ajustado em 2003, porque ambos têm o dever constitucional e legal de proteger o meio ambiente e preservar as florestas, fauna e flora, que é uma tarefa comum a todos os entes da federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). 4. As obrigações assumidas pelo DER/SP resumem-se a estudos ambientais, os quais não sofreram qualquer limitação com a concessão da rodovia. Quanto ao acréscimo do alambrado de dois para três metros, as providências devem ser tomadas pelos réus junto à concessionária, se é que já não tenha sido objeto da concessão, dado que o problema já era evidente em 2003 e a assunção da rodovia pela empresa privada deu-se em 2008. 5. Não há que se falar em invalidade do pro-cesso, na medida em que a autarquia estadual esteve devidamente representada na audiência e o acordo foi firmado pela Procuradora estadual, pelo Superintendente do DER/SP e de-mais participantes, com a concordância do autor da ação. A Emenda Constitucional Estadual nº 19/2004, que determina a submissão do teor do acordo à avaliação do Procurador-Geral do Estado, é inaplicável ao caso, porquanto promulgada após a data da audiência de conciliação. 6. A suposição do recorrente de que a expedição da licença posterior (de operação) revalida a anterior (de instalação), mesmo que houvesse vícios ou irregularidades, não encontra suporte na legislação ambiental, de modo que não há esvaziamento da ação. 7. A homologação do acordo, ainda que tempo depois de firmado, nada mais fez do que por fim a uma ação que, com a inquestionável concordância das partes, nenhum outro conflito de interesse restava nos autos. Se as partes deliberaram livremente sobre o acordo, inexiste transgressão aos princípios do contraditório e da ampla defesa. 8. Se todo o objeto da pretensão do autor foi obtido com a assunção unilateral de obrigações pelos réus, não há que se falar em renúncia ou indisponibi-lidade do objeto pelo Parquet. 9. Também não incorreu o Magistrado em violação à preclusão pro judicato, na medida em que, constatado que o acordo firmado havia exaurido a pretensão resistida, reconheceu, por sentença, os termos ajustados entre as partes, já que desnecessária qualquer nova manifestação judicial. 10. A Carta Magna e a legislação ambiental atribuem aos quatro entes da federação competência comum para que possam exercer sem qualquer relação de hierarquia, mediante uma relação de cooperação, a proteção do meio ambiente e a preservação das florestas, fauna e flora, de modo que não há respaldo para a alegação de afronta ao pacto federativo. 11. Matéria preliminar rejeitada e agravos retidos e apelações não providos. 12. Deve ser retificada a autuação para excluir os indicados como réus e sucedido, à vista do desmembramento da ação de improbidade administrativa, determinado pelo juízo a quo.” (TRF 3ª R. – AC 0029546-46.2002.4.03.6100 – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Andre Nabarrete – DJe 09.09.2015)

Comentário Editorial SÍNTESEPassamos a comentar o acórdão que trata da proteção à fauna na Rodovia Fernão Dias.

Consta dos autos, que o Ministério Público Federal interveio e requereu providências re-lacionadas ao cercamento de trechos da Fernão Dias entre os quilômetros 72 e 75 para proteger a fauna local.

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O objetivo da ação era de condenar os órgãos a desenvolver estudos ambientais neces-sários e a pagar um programa de monitoramento da onça-parda, espécie ameaçada de extinção, pelo período de cinco anos.

Com base nas alegações, os dirigentes do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) e do DER/SP (Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de São Paulo) foram acusados também de improbidade administrativa.

Foi realizada audiência de conciliação em 27 de fevereiro de 2003 e firmado acordo entre as partes. A ação de improbidade administrativa em razão do acordado entre as partes.

O DER/SP havia assumido as obrigações de complementar o alambrado entre os quilô-metros 72 e 75 da rodovia para três metros, com dispensa judicial de licitação, já que o cercamento de dois metros de altura, previsto anteriormente, já estava em fase adiantada de construção.

Consta que o órgão havia se comprometido a apresentar orçamento do custo de passarelas para a travessia segura de animais na pista, um plano de proteção à fauna com estrutura de resgate de animais feridos e uma proposta de estudo de impacto em relação aos ecos-sistemas naturais.

Com base no acordo, o DNIT deveria fazer quatro placas de sinalização, duas na ida e duas na volta, com os dizeres: “Cuidado, travessia de animais”.

Já o MPF havia se comprometido a apresentar as especificações técnicas para que o DER providenciasse o orçamento do custo da obra. Após isso, o Juízo decidiria e providenciaria meios e mecanismos jurídicos para implantar a obra.

Entendendo que teria ocorrido consenso entre as partes, o juiz de primeiro grau homo-logou o acordo e extinguiu o feito com resolução do mérito, mesmo assim, o DNIT e o DER/SP recorreram da sentença, alegando que atualmente a Rodovia Fernão Dias é ex-plorada por empresa privada concessionária de serviço público, a quem cabe arcar com o passivo ambiental, e que não seriam mais partes legítimas do processo.

Ao analisar os recursos, o relator do processo, não acolheu as alegações dos réus.

Explicou em sua decisão, que há dois impactos principais na relação entre a rodovia e a fauna silvestre: a perda de espécies por atropelamento e a real possibilidade de risco à segurança do usuário.

Vale trazer trecho do voto do relator:

“Por qualquer ângulo que se examine a questão, sobressai a responsabilidade solidária entre os réus. O DER/SP como executor das obras e o DNIT por ineficiência na fiscali-zação no cumprimento do acordado são causadores direta e indiretamente pelos danos ambientais. A omissão do órgão federal foi flagrante, mormente quando deixou de tomar providências protetivas aos animais silvestres, ainda que soubesse que não havia passa-gem segura para eles nas áreas em que a rodovia cruza seu habitat natural.”

[...]

“A Constituição Federal estatui que a proteção do meio ambiente e a preservação das florestas, fauna e flora são uma tarefa que compete a todos os entes da Federação, que é de natureza comum. Essa competência é distribuída à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para que possam exercê-la sem qualquer relação de hierarquia entre eles mediante uma relação de cooperação.”

O relator também discordou da alegação do DER/SP de que a realização de obras na rodovia federal às custas do erário estadual afrontaria o pacto federativo. Ele explicou que a execução do convênio com o governo federal previa contrapartida financeira. Além disso, ressaltou que o DER/SP teve cinco anos para cumprir as obrigações assumidas na audiência de conciliação, em fevereiro de 2003, e somente após a entrega da rodovia à iniciativa privada, em maio de 2008, em desrespeito ao que ele próprio se comprometera, pediu a sua dispensa da incumbência.

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Ao contrário do que afirma a autarquia, não se pode falar em afronta ao pacto federativo quando é o próprio que atribui competência aos quatro entes da federação para proteger o meio ambiente.

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região negou provimento aos recursos do Departamen-to Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT, anteriormente denominado DNER) e Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de São Paulo (DER/SP) e confirmou que os órgãos devem cumprir providências de proteção à fauna na Rodovia Fernão Dias.

1654 – Ação civil pública – imóvel rural – loteamento irregular – degradação ambiental – licenciamento – necessidade

“Ação cautelar preparatória. Direito ambiental. Imóvel rural. Loteamento irregular. Liminar deferida. Determinações incompatíveis com a espécie de tutela de urgência. Manutenção da obrigação de não fazer. Legitimidade do Ministério Público. Implantação de loteamento com inequívoca possibilidade de degradação ambiental. Princípio da prevenção. Recurso parcialmente provido. 1. Descabe a pretensão de exibição de documento pela via do pro-cesso cautelar quando não são comuns às partes, portanto, sequer admitindo sua busca e apreensão, tratando-se de documentos que poderão ser convenientemente apresentados em sede de futura Ação Civil Pública ambiental. 2. A exigência de afixação de placa no imó-vel rural informando aos interessados da proibição judicial de realizar novas construções no imóvel é inócua, considerando que a referida proibição decorre diretamente da obrigação de não fazer, competindo a aplicação das astreintes já fixadas na hipótese de descumprimento. 3. Em que pese a discussão sobre a regularidade de loteamento em imóvel seja de cunho administrativo, é legítima a atuação do Ministério Público pela cautelar no intuito de obstar a degradação ambiental inerente ao processo de ocupação humana, em estrita observância ao princípio da prevenção. 4. Dada a possibilidade de graves repercussões negativas no meio ambiente com o loteamento do imóvel, a necessidade do licenciamento ambiental decorre da previsão contida no art. 10 da Lei nº 6.938/1981, sendo pertinente a liminar deferida no intuito de obstar a continuidade da atividade danosa do particular. 5. Recurso parcialmente provido.” (TJMS – AI 1405191-12.2015.8.12.0000 – 5ª C.Cív. – Rel. Des. Vladimir Abreu da Silva – DJe 31.07.2015)

Transcrição Editorial SÍNTESELei nº 6.938/1981:

“Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio li-cenciamento ambiental.

§ 1º Os pedidos de licenciamento, sua renovação e a respectiva concessão serão publica-dos no jornal oficial, bem como em periódico regional ou local de grande circulação, ou em meio eletrônico de comunicação mantido pelo órgão ambiental competente.”

1655 – Ação civil pública – ocupação irregular – margens de rio – área de risco – configu-ração

“Ação civil pública ambiental. Ocupação irregular das margens de rio. Área de risco. Pro-va da ilicitude e da responsabilidade da municipalidade. Ausência de violação à separação dos poderes. Procedência. Astreintes fixadas em valor razoável. Possibilidade de imposição de multa diária em desfavor da fazenda pública. Prejudiciais afastadas. Sentença mantida. Recurso desprovido.” (TJSP – Ap 0016614-56.2012.8.26.0068 – 1ª C.Res.MA – Rel. Moreira Viegas – DJe 13.08.2015)

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1656 – Acidente ambiental – explosão de navio Vicuña – vazamento de óleo e substâncias químicas – empresas proprietárias da carga – responsabilização

“Apelação cível. Ação de indenização. Responsabilidade civil. Acidente ambiental. Explosão do navio Vicuña. Vazamento de óleo e outras substâncias químicas. Responsabilização das empresas proprietárias da carga. Legitimidade da parte autora. Impugnação em sede de con-testação. Qualidade de pescador. Necessidade de demonstração. Caracterização e extensão dos danos morais. Falta de individualização no caso concreto, o qual exige a prevenção e repressão de eventual ato contrário à dignidade da justiça, como o ajuizamento predatório, em massa e indevido de ações judiciais. Julgamento antecipado da lide que não permitiu a produção de provas. Sentença anulada. Precedentes específicos desta câmara cível. Recurso parcialmente provido.” (TJPR – AC 1352385-8 – 8ª C.Cív. – Rel. Des. Guilherme Freire de Barros Teixeira – DJe 14.08.2015)

1657 – Acidente ambiental – poliduto – rompimento – proibição da pesca – pescadores prejudicados – dano moral – existência

“Responsabilidade civil. Acidente ambiental. Rompimento do poliduto ‘olapa’. Proibição da pesca. Pescadores prejudicados. Sentença de parcial procedência. Insurgência de ambas as partes. Apelação cível (I) julgamento do agravo retido. Inconformismo com decisão que julgou improcedente exceção de incompetência. Via eleita inadequada. Não conhecimento (II) ilegitimidade ativa. Afastamento. Prova oral e documental que atesta o exercício, pelo autor, da profissão de pescador (III) alegação de nulidade por cerceamento de defesa. Afas-tamento. Fato público e notório que os pescadores da região foram prejudicados com o va-zamento (IV) mérito. Recorrente que deu causa aos danos. Responsabilidade civil objetiva da ré. Deslocamento de terra que não pode ser tido como fato imprevisível. Recurso repeti-tivo nº 1.114.398/PR (V) dano moral caracterizado. Sofrimento e angústia derivados da falta de condições de subsistência. Valor corretamente arbitrado em R$ 16.000,00 (VI) juros de mora devidos desde a data do evento danoso. Súmula nº 54 do STJ (VII) prequestionamento. Consideração. Recurso adesivo (I) majoração dos danos morais.descabimento. Quantum de R$ 16.000,00 que se mostra razoável e proporcional ao caso. Posicionamento da 8ª Câmara (II) modificação do termo inicial dos juros de mora relativos aos danos morais. Acolhimento. Súmula nº 54 do STJ. Cômputo a partir da data do evento danoso. Agravo retido não conheci-do. Apelação cível conhecida e desprovida. Recurso adesivo conhecido e provido em parte.” (TJPR – AC 0518709-3 – 8ª C.Cív. – Rel. Juiz Subst. Osvaldo Nallim Duarte – DJe 22.09.2015)

1658 – Águas subterrâneas – solo – contaminação – infração – configuração

“Embargos à execução. Multa ambiental. Contaminação do solo e águas subterrâneas. Pleito de anulação. Não acolhimento. Infração administrativa devidamente caracterizada. Certidão de Dívida Ativa que contém todos os elementos exigidos pelo art. 2º, § 5º, da Lei nº 6.830/1980. Argumentos insuficientes para afastar a presunção de legitimidade e validade do ato administrativo. Sentença de improcedência dos embargos à execução mantida. Re-curso desprovido.” (TJSP – Ap 0001751-21.2012.8.26.0125 – Capivari – 2ª C.Res.MA – Rel. Paulo Alcides – DJe 22.09.2015)

Comentário Editorial SÍNTESEComeçamos nosso comentário com trecho das lições das estudiosas juristas Dra. Maria Luiza Machado Granziera e Dra. Beatriz Machado Granziera, que vem nos ensinando sobre a gestão das águas subterrâneas:

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“Os principais documentos disciplinadores da temática das águas subterrâneas no Brasil são as resoluções específicas do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) 8

8 GUIMARÃES, Patrícia Borba Vilar; RIBEIRO, Márcia Maria Rios. Águas subterrâneas: aspectos compartilhados para gestão de recursos hídricos na legislação brasileira, p. 5. Disponível em: <http://aguassubterraneas.abas.org/asubterraneas/article/view/23316>. Acesso em: 29 abr. 2014.

, editadas no intuito de suprir lacunas da Lei de Águas para a gestão desse recurso, bem como para a gestão integrada dos recursos hídricos em geral, cabendo, para o presente artigo, citar as mais relevantes.

A gestão integrada das águas subterrâneas e superficiais é objeto da Resolução CNRH nº 15/2001. Na aplicação dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, a referida resolução determina que, no caso dos aquíferos [...] subjacentes a duas ou mais Unidades da Federação, o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh) promoverá a integração dos diversos órgãos dos Governos Federal, Estaduais e do Distrito Federal, que têm competências no gerenciamento de águas subterrâneas 9

9 Resolução CNRH nº 15/2001, art. 5º.

. Se é positiva essa regra, dispondo sobre a articulação, a norma não estabelece as formas de realizar essa articulação, o que remete à decisão discricionária dos órgãos e entidades, no que se refere à necessária atuação conjunta, na busca de integração.

Além disso, a resolução mencionada prevê que os Municípios devem ser orientados no que diz respeito às diretrizes para promoção da gestão integrada das águas subterrâneas em seus territórios, em consonância com os planos de recursos hídricos 10

10 Resolução CNRH nº 15/2001, art. 6º.

Um ponto fundamental consiste na proposta de estímulo aos Municípios para a proteção das áreas de recarga dos aquíferos e a adoção de práticas de reuso e de recarga artificial, com vistas ao aumento das disponibilidades hídricas e da qualidade da água. Entende-se que os estímulos reportam-se a Instrumentos Econômicos, em que os Estados, detentores do domínio das águas subterrâneas, ofereceriam benefícios aos Municípios que aderissem às práticas definidas como desejáveis. Um exemplo a ser considerado consiste no ICMS Ecológico, em que o Estado transfere recursos aos Municípios, como forma de compensa-ção por restrições ao uso do solo ou outra situação similar, de acordo com a lei estadual que instituir esse repasse.

Outro ponto estratégico a considerar sobre as águas subterrâneas consiste nos Planos de Recursos Hídricos, documentos técnicos que fornecem as informações e os dados neces-sários à gestão sistêmica, integrada e participativa dos recursos hídricos.

A Resolução CNRH nº 22/2002 objetiva introduzir as águas subterrâneas nos planos de recursos hídricos, detalhando a citada Resolução CNRH nº 15/2001. Nessa linha, os Planos de Recursos Hídricos devem promover a caracterização dos aquíferos e definir suas inter-relações com os demais corpos hídricos superficiais e subterrâneos e com o meio ambiente, visando à gestão sistêmica, integrada e participativa das águas. E, no caso de aquíferos subjacentes a grupos de bacias ou sub-bacias hidrográficas contíguas, os comitês deverão estabelecer os critérios de elaboração, sistematização e aprovação dos respectivos Planos de Recursos Hídricos, de forma articulada, o que implicaria uma articulação entre comitês.

Trata-se de uma estratégia para contornar o fato de que a localização dos aquíferos não coincide com as bacias hidrográficas, como já mencionado, o que gera um vazio normati-vo. Afinal, os Planos de Recursos Hídricos, previstos na Lei nº 9.433/1997, não se repor-tam aos espaços ocupados pelos aquíferos, pois as dimensões destes não correspondem às bacias hidrográficas, nem aos Estados, nem ao País.

Na prática, seguindo as regras da lei federal e também das leis estaduais, que tratam esse tema de forma similar, para estabelecer o planejamento de um aquífero, considerando

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todo o corpo hídrico, é necessário que os planos das bacias hidrográficas que tenham incidência no aquífero sejam elaborados conjuntamente, no que concerne às águas sub-terrâneas, cabendo aos Comitês estabelecer os critérios de elaboração, sistematização e aprovação dos respectivos Planos de Recursos Hídricos, de forma articulada.

A Resolução CNRH nº 91/2008 dispõe sobre procedimentos gerais para enquadramento dos corpos de água superficiais e subterrâneos. O enquadramento dos corpos de água se dá por meio do estabelecimento de classes de qualidade conforme o disposto nas Resoluções Conama nºs 357/2005 e 396/2008, tendo como referência básica a bacia hidrográfica como unidade de gestão e os usos preponderantes mais restritivos.

A proposta de enquadramento deve considerar, de forma integrada e associada, as águas superficiais e subterrâneas, com vistas a alcançar a necessária disponibilidade de água em padrões de qualidade compatíveis com os usos preponderantes identificados.

Nesse sentido, foi editada a Resolução Conama nº 396/2008, dispondo sobre a classifi-cação e diretrizes ambientais para enquadramento especificamente em relação às águas subterrânea. Essa norma constitui um avanço na legislação ao considerar que os aquíferos se apresentam em diferentes contextos hidrogeológicos e podem ultrapassar os limites de bacias hidrográficas e que as águas subterrâneas possuem características físicas, quí-micas e biológicas intrínsecas, sendo necessário que suas classes de qualidades sejam pautadas nessas especificidades.

Além disso, a referida resolução considera a necessidade de integração das Políticas Na-cionais de Gestão Ambiental e de Recursos Hídricos, bem como de uso e ocupação do solo, a fim de garantir as funções social, econômica e ambiental das águas subterrâneas. Nesse sentido, estabelece que os órgão ambientais em conjunto com os órgãos gestores dos recursos hídricos deverão implementar áreas de proteção de aquíferos e perímetros de proteção de poços de abastecimento, objetivando a proteção da qualidade da água subterrânea.

A norma prevê ainda a implantação de áreas de restrição e controle do uso das águas subterrâneas, quando necessário para proteção dos aquíferos, da saúde humana e dos ecossistemas. Para tanto, os órgãos de gestão de recursos hídricos e de meio ambiente deverão articular-se para definição das restrições e das medidas de controle do uso das águas subterrâneas.

A Resolução Conama nº 396/2008 determina que as restrições e exigências da classe de enquadramento das águas subterrâneas deverão ser observadas no licenciamento ambien-tal, no zoneamento ecológico-econômico e na implementação dos demais instrumentos de gestão ambiental. Em relação à disposição de efluentes e de resíduos sólidos, tal resolução determina que estes não poderão conferir às águas subterrâneas características em desa-cordo com seu enquadramento.

Essa norma vem preencher uma lacuna no que se refere às tratativas voltadas ao enqua-dramento das águas subterrâneas, estabelecendo um conteúdo específico para os planos de bacias hidrográficas, inclusive no que se refere à efetividade das decisões. Todavia, esse instrumento de gestão não vem sendo implementado no Brasil, na forma prevista nas políticas de recursos hídricos e na Resolução Conama nº 357/2005, nem em relação às águas subterrâneas, tampouco em relação às superficiais.

A Resolução CNRH nº 92/2008 estabelece critérios e procedimentos gerais para prote-ção e conservação das águas subterrâneas no território brasileiro, visando a identificar, prevenir e reverter processos de superexplotação, poluição e contaminação, considerando especialmente as áreas de uso restritivo previstas na Resolução CNRH nº 22/2002, an-teriormente comentada.

Na continuidade da regulamentação das águas subterrâneas, e tendo em vista a neces-sidade da atuação integrada dos órgãos componentes do Singreh na implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, a Resolução CNRH nº 126/2011 estabelece as

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diretrizes para o cadastro de usuários de recursos hídricos e para a integração das bases de dados referentes aos usos de recursos hídricos superficiais e subterrâneos.

Releva destacar a importância do cadastro de usuários de recursos hídricos. Embora não conste da lista de instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, o cadastro de usuários é uma ferramenta poderosa para nortear todo o planejamento das bacias hidro-gráficas e da utilização dos aquíferos. A Agência Nacional de Águas – ANA, por meio da Resolução ANA nº 317/2003, instituiu o Cadastro Nacional de Usuários de Recursos Hí-dricos – CNARH, para registro obrigatório de pessoas físicas e jurídicas de direito público ou privado usuárias de recursos hídricos.

Nos termos da Resolução CNRH nº 126/2011, o cadastro de usuários de recursos hídri-cos tem como objetivo o conhecimento da demanda pelo uso da água, bem como oferecer suporte à implementação dos instrumentos das políticas de recursos hídricos e a fiscaliza-ção dos usos e interferências nesses recursos 11

11 Resolução CNRH nº 126/2011, art. 2º.

As resoluções do CNRH avançaram no tema das águas subterrâneas, estabelecendo as diretrizes básicas para a sua gestão e mesmo definindo a necessidade de articulação entre os Estados na implementação dos instrumentos das políticas de águas. Além disso, deu-se ênfase à necessidade de apoio aos Municípios para que eles, como entes federados com-petentes para o ordenamento do uso do solo, também participem das ações relacionadas à proteção das águas subterrâneas.”

Após um breve relato sobre o referido assunto, passamos para o acórdão em epígrafe que trata de apelação interposta contra sentença que julgou improcedentes os embargos à execução fiscal.

Consta dos autos que a empresa apelante não atendeu as determinações da Cetesb no sentido de regularizar atividade de contaminação do solo e águas subterrâneas.

A mesma não possuía outorga de captação de água e realizava o armazenamento de resíduos industriais de maneira inadequada.

Sustenta a apelante pelo pleito da anulação da multa ambiental, que fora aplicada.

Dessa forma, o nobre Relator, em seu voto entendeu:

“[...]

Correta, portanto, a aplicação da multa ao apelante como incurso no disposto no art. 28 da Lei nº 9.509/1997.

Ressalta-se, ainda, que a Certidão de Dívida Ativa contém todos os elementos exigidos pelo art. 2º, § 5º, da Lei nº 6.830/1980. Também não se verifica outra irregularidade que possa resultar violação das normas que regem o processo administrativo.

Por fim, ‘à multa administrativa, que não tem natureza tributária, se aplica a correção mo-netária e os juros demora de 1% ao mês conforme art. 39, §§ 3º e 4º da LF 4.320/1964 c/.. Decreto nº 1.735/79 e Decreto nº 1.736/79 e art. 161, § 1º do CTN. Os juros de-correm da mora e incidem desde a data do vencimento sobre o débito atualizado’ (Agravo Regimental nº 9133100-83.2009.8.26.0000/50000, Rel. Torres de Carvalho, J. em 02.06.2011).

Em suma, de rigor a manutenção da r. sentença, por seus jurídicos fundamentos.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.”

Assim, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negou provimento ao recurso.

1659 – Área de preservação permanente – atividades agressoras – suspensão – princípios da reparação integral e do poluidor pagador – possibilidade

“Ambiental e processual civil. Ação civil pública. Área de preservação permanente (Rio Grande). Suspensão de atividades agressoras ao meio ambiente. Princípios da reparação inte-

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gral e do poluidor-pagador. Cumulação de obrigação de fazer (reparação da área degradada e demolição de edificações), de não fazer (inibição de qualquer ação antrópica sem o regular licenciamento ambiental). Possibilidade. Irretroatividade do Novo Código Florestal por impe-rativo do princípio da proibição do retrocesso ecológico em defesa do meio ambiente equili-brado. Orientação da Carta Encíclica Social-Ecológica Laudato Si, do Santo Padre Francisco, na espécie dos autos. I – ‘Na ótica vigilante da Suprema Corte, “a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente” (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio am-biente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral [...] O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafas-tável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações’ (ADI-MC 3540/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 03.02.2006). Nesta visão de uma sociedade sustentável e global, baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura de paz, com responsabilidades pela grande comunidade da vida, numa perspectiva intergeracional, promulgou-se a Carta Am-biental da França (02.03.2005), estabelecendo que ‘o futuro e a própria existência da huma-nidade são indissociáveis de seu meio natural e, por isso, o meio ambiente é considerado um patrimônio comum dos seres humanos, devendo sua preservação ser buscada, sob o mesmo título que os demais interesses fundamentais da nação, pois a diversidade biológica, o desen-volvimento da pessoa humana e o progresso das sociedades estão sendo afetados por certas modalidades de produção e consumo e pela exploração excessiva dos recursos naturais, a se exigir das autoridades públicas a aplicação do princípio da precaução nos limites de suas atribuições, em busca de um desenvolvimento durável. A tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futu-ras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma--se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação) e a conseqüente prevenção (pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada), exi-gindo-se, assim, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causa-dora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade (CF, art. 225, § 1º, IV)’ (AC 0002667-39.2006.4.01.3700/MA, Rel. Des. Fed. Souza Prudente, 5ª T., e-DJF1 p. 172 de 12.06.2012). II – Na visão holística da Carta Encíclica Social-Ecológica Laudato Si, do Santo Padre Francisco, datada de 24.05.2015, ‘Toda a intervenção na paisagem urbana ou rural deveria considerar que os diferentes elemen-tos do lugar formam um todo, sentido pelos habitantes como um contexto coerente com a sua riqueza de significados. Assim, os outros deixam de ser estranhos e podemos senti-los como

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parte de um «nós» que construímos juntos. Pela mesma razão, tanto no meio urbano como no rural, convém preservar alguns espaços onde se evitem intervenções humanas que os alterem constantemente [...] Neste contexto, sempre se deve recordar que «a proteção ambiental não pode ser assegurada somente com base no cálculo financeiro de custos e benefícios. O am-biente é um dos bens que os mecanismos de mercado não estão aptos a defender ou a promo-ver adequadamente». Mais uma vez repito que convém evitar uma concepção mágica do mercado, que tende a pensar que os problemas se resolvem apenas com o crescimento dos lucros das empresas ou dos indivíduos. Será realista esperar que quem está obcecado com a maximização dos lucros se detenha a considerar os efeitos ambientais que deixará às próxi-mas gerações? Dentro do esquema do ganho não há lugar para pensar nos ritmos da natureza, nos seus tempos de degradação e regeneração, e na complexidade dos ecossistemas que po-dem ser gravemente alterados pela intervenção humana’. III – Na inteligência jurisprudencial do colendo Superior Tribunal de Justiça, o princípio da proibição do retrocesso ecológico, em defesa do meio ambiente equilibrado autoriza o entendimento de que ‘o novo Código Flores-tal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações am-bientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da “incumbência” do Estado de garantir a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais (art. 225, § 1º, I)’ (AgRg-AREsp 327.687/SP, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., Julgado em 15.08.2013, DJe 26.08.2013). IV – Na hipótese dos autos, as edificações descritas nos autos foram ergui-das, sem o prévio, regular e competente licenciamento ambiental, no interior de Área de Preservação Permanente (APP Rio Grande), assim definida na legislação e atos normativos de regência, a caracterizar a ocorrência de dano ambiental, impondo-se, assim, além da sua demolição, a adoção de medidas restauradoras da área degradada, bem assim, a inibição da prática de ações antrópicas outras, desprovidas de regular autorização do órgão ambiental competente, apurando-se o quantum indenizatório do dano material ao meio ambiente agre-dido através de competente prova pericial, na fase de liquidação do julgado, por arbitramento (CPC, arts. 475-C e 475-D). V – Nas demandas ambientais, por força dos princípios do polui-dor-pagador e da reparação in integrum, admite-se a condenação simultânea e cumulativa, em obrigação de fazer, não fazer e indenizar. Assim, na interpretação do art. 3º da Lei nº 7.347/1985, a conjunção ‘ou’ opera com valor aditivo, não introduz alternativa excluden-te. Precedentes da Primeira e Segunda Turmas do STJ. ‘A recusa de aplicação, ou aplicação truncada, pelo juiz, dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum arrisca projetar, moral e socialmente, a nociva impressão de que o ilícito ambiental compensa, daí a resposta administrativa e judicial não passar de aceitável e gerenciável “risco ou custo normal do negócio”. Saem debilitados, assim, o caráter dissuasório, a força pedagógica e o objetivo profilático da responsabilidade civil ambiental (= prevenção geral e especial), verdadeiro es-tímulo para que outros, inspirados no exemplo de impunidade de fato, mesmo que não de direito, do degradador premiado, imitem ou repitam seu comportamento deletério’ (REsp 1145083/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., Julgado em 27.09.2011, DJe 04.09.2012). VI – Ordenou-se, ainda, o cumprimento das obrigações de fazer e de não fazer, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa coercitiva, no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por dia de atraso, a contar da intimação deste Acórdão mandamental, sem prejuízo das sanções penais previstas no art. 14, inciso V, e respectivo parágrafo único, do CPC vigente. V – Apelações providas. Sentença parcialmente reformada.” (TRF 1ª R. – AC 2007.38.02. 005085-4/MG – Rel. Des. Fed. Souza Prudente – DJe 12.08.2015)

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154 ....................................... RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA DE DIREITO AMBIENTAL

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de recursos de apelação interpostos contra sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública.

A referida ação foi ajuizada visando à proteção ambiental de área de preservação per-manente, localizada às margens de uma represa em virtude da construção de casa de veraneio, localizada a 9,7m da quota de inundação do leito normal do referido ribeirão.

Na exordial, foi requerido:

“1) desocupação e recuperação da área de preservação permanente em referência, ado-tando-se as medidas necessárias a serem indicadas por técnico habilitado do órgão am-biental competente;

2) demolição de qualquer edificação ali existente;

3) apresentação, ao órgão ambiental competente, de projeto de adequação ambiental, iniciando-o em até 180 dias;

4) abstenção de realização de novas construções ou qualquer outra ação antrópica na aludida área;

5) adoção de medidas compensatórias e mitigatórias correspondentes aos danos ambien-tais que a perícia indicar como irrecuperáveis;

6) pagamento de indenização, correspondente aos danos ambientais causados pela ocu-pação irregular da APP até o início do projeto de adequação ambiental e de indenização correspondente aos danos ambientais que, no curso do processo, mostrarem-se técnica e absolutamente irrecuperáveis na referida área.”

O pedido foi julgado parcialmente procedente “[...] para impor à promovida a obrigação de fazer, consistente em ‘promover, junto ao Instituto Estadual de Florestas – IEF, o projeto de adequação ambiental da área (Sítio Romeu e Julieta, lote 200, localizado na avenida Beira Rio, entorno do córrego Conquistinha, no município de Delta/MG), especificamente quanto à residência situada nos domínios da área de preservação permanente da margem da represa (fl. 81), nos termos da Deliberação Normativa Copam nº 76/2004, no prazo de 06 (seis) meses, sob pena de multa diária, de R$ 500,00 (quinhentos reais), a ser re-vertida ao Fundo Nacional do Meio Ambiente, nos termos da Lei nº 9.605/1998, art. 76’, impondo-lhe, ainda, ou a quem eventualmente estiver ocupando o imóvel, ‘a obrigação de se abster na realização de novas edificações sem a prévia autorização do órgão ambiental competente, sob pena de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais), demais multas adminis-trativas e respectiva demolição sumária’. Concluiu o referido juízo que, na espécie, teriam aplicação as normas das Leis Estaduais nºs 14.309/2002 e 18.023/2009, bem assim, da Lei nº 12.651/2012 (novo Código Florestal) e das Resoluções Conama nºs 302/2000 e 369/2006, segundo as quais, seria possível a redução das áreas de preservação perma-nente localizadas no entorno dos reservatórios artificiais”.

Em suas razões recursais, insiste o apelante reiterando os fundamentos deduzidos na inicial.

Dessa forma, o d. Relator em seu voto entendeu:

“[...]

Com estas considerações, dou provimento às apelações, para, reformando a sentença mo-nocrática, julgar procedentes os pedidos formulados na inicial, impondo-se à promovida as obrigações de fazer a demolição das edificações descritas nos autos, sob a supervisão técnica do Ibama; de apresentar, ao referido órgão ambiental, projeto de recuperação da área degradada, com cronograma de recuperação a ser por ele definido, a fim de revi-talizar o ecossistema ao seu estado natural; de se abster de realizar novas ocupações, edificações, corte, exploração ou supressão de qualquer tipo de vegetação, de realizar ou permitir que realizem qualquer outra ação antrópica na aludida área de preservação permanente, sem o prévio e competente licenciamento ambiental. Condeno, ainda, a

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promovida, no pagamento de indenização correspondente aos referidos danos ambientais, na forma acima explicitada.

Nos termos do que dispõe o art. 461, § 5º, do CPC, intime-se a promovida, de logo, para que cumpra, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da intimação deste julgado, as obrigações de fazer a demolição em referência, sob a supervisão técnica do Ibama, das edificações descritas nestes autos e de outras eventual e posteriormente realizadas, e de apresentar ao Ibama, em igual prazo, projeto de recuperação da área degradada, com cronograma de recuperação a ser definido pelo referido órgão ambiental, a fim de revita-lizar o ecossistema ao seu estado natural, sob pena de multa coercitiva, no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por dia de atraso no cumprimento desta decisão man-damental, sem prejuízo das sanções penais previstas no art. 14, inciso V e respectivo parágrafo único, do CPC vigente.

Oficie-se, com urgência, ao Juízo singular e ao Ibama, para cumprimento imediato desta decisão, no prazo acima estipulado.

Este é meu voto.”

Assim, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região deu provimento às apelações.

1660 – Área de preservação permanente – atividades agressoras ao meio ambiente – prin-cípio da reparação integral e do poluidor pagador – possibilidade

“Ambiental e processual civil. Ação civil pública. Área de Preservação Permanente (Rio Grande). Suspensão de atividades agressoras ao meio ambiente. Princípios da reparação inte-gral e do poluidor-pagador. Cumulação de obrigação de fazer (reparação da área degradada e demolição de edificações), de não fazer (inibição de qualquer ação antrópica sem o regular licenciamento ambiental). Possibilidade. Irretroatividade do Novo Código Florestal por impe-rativo do princípio da proibição do retrocesso ecológico em defesa do meio ambiente equili-brado. Orientação da Carta Encíclica Social-Ecológica Laudato Si, do Santo Padre Francisco, na espécie dos autos. I – ‘Na ótica vigilante da Suprema Corte, “a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente” (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio am-biente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral [...] O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafas-tável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações’ (ADI-MC 3540/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 03.02.2006). Nesta visão de uma sociedade sustentável e global, baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura de paz, com responsabilidades pela grande comunidade da vida, numa perspectiva intergeracional, promulgou-se a Carta Am-biental da França (02.03.2005), estabelecendo que ‘o futuro e a própria existência da huma-nidade são indissociáveis de seu meio natural e, por isso, o meio ambiente é considerado um patrimônio comum dos seres humanos, devendo sua preservação ser buscada, sob o mesmo título que os demais interesses fundamentais da nação, pois a diversidade biológica, o desen-

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volvimento da pessoa humana e o progresso das sociedades estão sendo afetados por certas modalidades de produção e consumo e pela exploração excessiva dos recursos naturais, a se exigir das autoridades públicas a aplicação do princípio da precaução nos limites de suas atribuições, em busca de um desenvolvimento durável. A tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futu-ras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma--se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação) e a conseqüente prevenção (pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada), exi-gindo-se, assim, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causa-dora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade (CF, art. 225, § 1º, IV)’ (AC 0002667-39.2006.4.01.3700/MA, Rel. Des. Fed. Souza Prudente, 5ª T., e-DJF1 p. 172 de 12.06.2012). II – Na visão holística da Carta Encíclica Social-Ecológica Laudato Si, do Santo Padre Francisco, datada de 24.05.2015, ‘Toda a intervenção na paisagem urbana ou rural deveria considerar que os diferentes elemen-tos do lugar formam um todo, sentido pelos habitantes como um contexto coerente com a sua riqueza de significados. Assim, os outros deixam de ser estranhos e podemos senti-los como parte de um «nós» que construímos juntos. Pela mesma razão, tanto no meio urbano como no rural, convém preservar alguns espaços onde se evitem intervenções humanas que os alterem constantemente [...] Neste contexto, sempre se deve recordar que «a proteção ambiental não pode ser assegurada somente com base no cálculo financeiro de custos e benefícios. O am-biente é um dos bens que os mecanismos de mercado não estão aptos a defender ou a promo-ver adequadamente». Mais uma vez repito que convém evitar uma concepção mágica do mercado, que tende a pensar que os problemas se resolvem apenas com o crescimento dos lucros das empresas ou dos indivíduos. Será realista esperar que quem está obcecado com a maximização dos lucros se detenha a considerar os efeitos ambientais que deixará às próxi-mas gerações? Dentro do esquema do ganho não há lugar para pensar nos ritmos da natureza, nos seus tempos de degradação e regeneração, e na complexidade dos ecossistemas que po-dem ser gravemente alterados pela intervenção humana’. III – Na inteligência jurisprudencial do colendo Superior Tribunal de Justiça, o princípio da proibição do retrocesso ecológico, em defesa do meio ambiente equilibrado autoriza o entendimento de que ‘o novo Código Flores-tal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações am-bientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da “incumbência” do Estado de garantir a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais (art. 225, § 1º, I)’ (AgRg-AREsp 327.687/SP, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., Julgado em 15.08.2013, DJe 26.08.2013). IV – Na hipótese dos autos, as edificações descritas nos autos foram ergui-das, sem o prévio, regular e competente licenciamento ambiental, no interior de Área de Preservação Permanente (APP Rio Grande), assim definida na legislação e atos normativos de regência, a caracterizar a ocorrência de dano ambiental, impondo-se, assim, além da sua demolição, a adoção de medidas restauradoras da área degradada, bem assim, a inibição da prática de ações antrópicas outras, desprovidas de regular autorização do órgão ambiental competente, apurando-se o quantum indenizatório do dano material ao meio ambiente agre-dido através de competente prova pericial, na fase de liquidação do julgado, por arbitramento (CPC, arts. 475-C e 475-D). V – Nas demandas ambientais, por força dos princípios do polui-

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dor-pagador e da reparação in integrum, admite-se a condenação simultânea e cumulativa, em obrigação de fazer, não fazer e indenizar. Assim, na interpretação do art. 3º da Lei nº 7.347/1985, a conjunção ‘ou’ opera com valor aditivo, não introduz alternativa excluden-te. Precedentes da Primeira e Segunda Turmas do STJ. ‘A recusa de aplicação, ou aplicação truncada, pelo juiz, dos princípios do poluidor-pagador e da reparação inintegrum arrisca projetar, moral e socialmente, a nociva impressão de que o ilícito ambiental compensa, daí a resposta administrativa e judicial não passar de aceitável e gerenciável “risco ou custo normal do negócio”. Saem debilitados, assim, o caráter dissuasório, a força pedagógica e o objetivo profilático da responsabilidade civil ambiental (= prevenção geral e especial), verdadeiro es-tímulo para que outros, inspirados no exemplo de impunidade de fato, mesmo que não de direito, do degradador premiado, imitem ou repitam seu comportamento deletério’ (REsp 1145083/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., Julgado em 27.09.2011, DJe 04.09.2012). VI – Ordenou-se, ainda, o cumprimento das obrigações de fazer e de não fazer, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa coercitiva, no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por dia de atraso, a contar da intimação deste Acórdão mandamental, sem prejuízo das sanções penais previstas no art. 14, inciso V, e respectivo parágrafo único, do CPC vigente. VII – Apelações providas. Sentença reformada.” (TRF 1ª R. – AC-ACPúb 2007.38.04. 000928-5/MG – Rel. Des. Fed. Souza Prudente – DJe 20.08.2015)

Destaque Editorial SÍNTESEEm seu voto, o Relator citou os precedentes abaixo:

“[...] Nessa linha de inteligência, vem decidindo este egrégio Tribunal, em casos similares, conforme se vê, dentre outros, do seguinte julgado:

AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (RIO GRANDE) – SUSPENSÃO DE ATIVIDADES AGRESSORAS AO MEIO AMBIENTE – PRINCÍPIOS DA REPARAÇÃO INTEGRAL E DO POLUIDOR-PAGADOR – CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA E DEMO-LIÇÃO DE EDIFICAÇÕES), DE NÃO FAZER (INIBIÇÃO DE QUALQUER AÇÃO ANTRÓPICA SEM O PRÉVIO LICENCIAMENTO AMBIENTAL) – VERBA HONORÁRIA EM FAVOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – DESCABIMENTO – I – ‘Na ótica vigilante da Suprema Corte, “a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucio-nal que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral [...] O princípio do desenvolvimento susten-tável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte le-gitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja obser-vância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações” (ADI-MC 3540/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 03.02.2006). Nesta visão de uma sociedade sustentável e global, baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura de paz, com responsabilidades pela grande comunidade da vida, numa perspectiva intergeracional, promulgou-se a Carta Ambiental da França (02.03.2005), estabelecendo que ‘o futuro e a própria existência da humanidade são indissociáveis de seu meio natural e, por isso, o meio ambiente é consi-

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derado um patrimônio comum dos seres humanos, devendo sua preservação ser buscada, sob o mesmo título que os demais interesses fundamentais da nação, pois a diversidade biológica, o desenvolvimento da pessoa humana e o progresso das sociedades estão sen-do afetados por certas modalidades de produção e consumo e pela exploração excessiva dos recursos naturais, a se exigir das autoridades públicas a aplicação do princípio da precaução nos limites de suas atribuições, em busca de um desenvolvimento durável. A tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defen-der e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora, evitando--se a ação) e a consequente prevenção (pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada), exigindo-se, assim, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade (CF, art. 225, § 1º, IV)’ (AC 0002667-39.2006.4.01.3700/MA, Rel. Des. Fed. Souza Pruden-te, 5ª T., e-DJF1 p.172 de 12.06.2012). II – Na hipótese dos autos, a edificação descrita nos autos foi erguida, sem o prévio e competente licenciamento ambiental, no interior de Área de Preservação Permanente (APP Rio Grande), assim definida na legislação e atos normativos de regência, a caracterizar a ocorrência de dano ambiental, impondo-se, assim, além da sua demolição, a adoção de medidas restauradoras da área degradada, bem assim, a inibição da prática de ações antrópicas outras, desprovidas de regular au-torização do órgão ambiental competente, sem prejuízo do pagamento de indenização pelos danos causados, a ser apurada em liquidação do julgado, por arbitramento. III – Na ação civil pública, sagrando-se vencedor o Ministério Público, autor da demanda, como no caso, são indevidos honorários advocatícios, em face do que dispõe o art. 128, § 5º, inciso II, alínea a, da Constituição Federal e da aplicação, por simetria de tratamento, das disposições do art. 18 da Lei nº 7.347/1985, não se podendo fazer incidir, na espécie, o disposto no parágrafo único do art. 13 da referida Lei. Precedentes. IV – Ordenou-se, ainda, o imediato cumprimento das obrigações de fazer e de não fazer, sob pena de multa coercitiva, no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por dia de atraso. V – Apelação provida, em parte. Sentença parcialmente reformada, tão somente, para excluir da conde-nação o pagamento de honorários advocatícios. (AC 0004435-48.2007.4.01.3802/MG, Rel. Des. Fed. Souza Prudente, 5ª T., e-DJF1 p. 619 de 14.01.2014)

AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – PARQUE NACIONAL DOS LENÇÓIS MARANHENSES – UNIDADE DE PROTEÇÃO INTEGRAL – SUSPENSÃO DE ATIVIDADES AGRESSORAS AO MEIO AMBIENTE – RECUPERAÇÃO DO DANO CAUSADO – POSSIBILIDADE – PRELIMINARES DE INCOMPETÊNCIA, DECADÊNCIA E NULIDADE PROCESSUAL REJEITADAS – AGRAVO RETIDO DESPROVIDO – [...] V – Na ótica vigi-lante da Suprema Corte, ‘a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a “defesa do meio ambiente” (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral [...] O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente consti-tucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quan-do ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um

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dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações’ (ADI-MC 3540/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 03.02.2006). Nesta visão de uma sociedade sustentável e global, baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura de paz, com responsabilidades pela grande comunidade da vida, numa perspectiva interge-racional, promulgou-se a Carta Ambiental da França (02.03.2005), estabelecendo que ‘o futuro e a própria existência da humanidade são indissociáveis de seu meio natural e, por isso, o meio ambiente é considerado um patrimônio comum dos seres humanos, devendo sua preservação ser buscada, sob o mesmo título que os demais interesses fundamentais da nação, pois a diversidade biológica, o desenvolvimento da pessoa humana e o progres-so das sociedades estão sendo afetados por certas modalidades de produção e consumo e pela exploração excessiva dos recursos naturais, a se exigir das autoridades públicas a aplicação do princípio da precaução nos limites de suas atribuições, em busca de um desenvolvimento durável. VI – A tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo’ (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação) e a conseqüente prevenção (pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada), exigindo-se, assim, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto am-biental, a que se dará publicidade (CF, art. 225, § 1º, IV). VII – O Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses é área de conservação da natureza, a merecer proteção integral, nos termos da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, tendo como objetivo básico a preserva-ção de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitan-do a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico. É uma área de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei, e a visitação pública e a pesquisa científica, estão sujeitas às normas e restrições estabelecidas no Plano de Manejo da unidade, às normas estabelecidas pelo órgão responsável por sua administra-ção, e àquelas previstas em regulamento, hipótese não ocorrida, na espécie. VIII – Na hipótese dos autos, o imóvel descrito na petição inicial está localizado no interior de Área de Preservação Permanente – APP, encravado na Zona de Amortecimento do Parna dos Lençóis Maranhenses (unidade de conservação da natureza de proteção integral), no Mu-nicípio de Barreirinhas, no Estado do maranhão, integra o patrimônio da União, em zona costeira, devendo ser demolido, no prazo de 60 (sessenta) dias, por inobservância das determinações legais pertinentes, com as medidas de precaução e de prevenção do meio ambiente, adotadas na sentença recorrida, sob pena de multa coercitiva, no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por dia de atraso no cumprimento desta decisão manda-mental. VI – Apelação, remessa oficial e agravo retido desprovidos. Sentença confirmada. (AC 0002797-29.2006.4.01.3700/MA, Rel. Des. Fed. Souza Prudente, 5ª T., e-DJF1 p. 173 de 12.06.2012). [...]”

1661 – Área de preservação permanente – atividades agressoras ao meio ambiente – sus-pensão

“Ambiental e processual civil. Ação civil pública. Área de Preservação Permanente (Rio Grande). Suspensão de atividades agressoras ao meio ambiente. Princípios da reparação inte-gral e do poluidor-pagador. Cumulação de obrigação de fazer (reparação da área degradada

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e demolição de edificações), de não fazer (inibição de qualquer ação antrópica sem o regular licenciamento ambiental). Possibilidade. Irretroatividade do Novo Código Florestal por impe-rativo do princípio da proibição do retrocesso ecológico em defesa do meio ambiente equili-brado. Orientação da Carta Encíclica Social-Ecológica Laudato Si, do Santo Padre Francisco, na espécie dos autos. I – ‘Na ótica vigilante da Suprema Corte, ‘a incolumidade do meio am-biente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de mo-tivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a “defesa do meio ambiente” (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio am-biente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral [...]. O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafas-tável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações’ (ADI-MC 3540/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 03.02.2006). Nesta visão de uma sociedade sustentável e global, baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura de paz, com responsabilidades pela grande comunidade da vida, numa perspectiva intergeracional, promulgou-se a Carta Am-biental da França (02.03.2005), estabelecendo que ‘o futuro e a própria existência da huma-nidade são indissociáveis de seu meio natural e, por isso, o meio ambiente é considerado um patrimônio comum dos seres humanos, devendo sua preservação ser buscada, sob o mesmo título que os demais interesses fundamentais da nação, pois a diversidade biológica, o desen-volvimento da pessoa humana e o progresso das sociedades estão sendo afetados por certas modalidades de produção e consumo e pela exploração excessiva dos recursos naturais, a se exigir das autoridades públicas a aplicação do princípio da precaução nos limites de suas atribuições, em busca de um desenvolvimento durável. A tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futu-ras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma--se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação) e a conseqüente prevenção (pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada), exi-gindo-se, assim, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causa-dora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade (CF, art. 225, § 1º, IV)’ (AC 0002667-39.2006.4.01.3700/MA, Rel. Des. Fed. Souza Prudente, 5ª T., e-DJF1 p. 172 de 12.06.2012). II – Na visão holística da Carta Encíclica Social-Ecológica Laudato Si, do Santo Padre Francisco, datada de 24.05.2015, ‘Toda a intervenção na paisagem urbana ou rural deveria considerar que os diferentes elemen-tos do lugar formam um todo, sentido pelos habitantes como um contexto coerente com a sua riqueza de significados. Assim, os outros deixam de ser estranhos e podemos senti-los como parte de um «nós» que construímos juntos. Pela mesma razão, tanto no meio urbano como no

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rural, convém preservar alguns espaços onde se evitem intervenções humanas que os alterem constantemente [...] Neste contexto, sempre se deve recordar que «a proteção ambiental não pode ser assegurada somente com base no cálculo financeiro de custos e benefícios. O am-biente é um dos bens que os mecanismos de mercado não estão aptos a defender ou a promo-ver adequadamente». Mais uma vez repito que convém evitar uma concepção mágica do mercado, que tende a pensar que os problemas se resolvem apenas com o crescimento dos lucros das empresas ou dos indivíduos. Será realista esperar que quem está obcecado com a maximização dos lucros se detenha a considerar os efeitos ambientais que deixará às próxi-mas gerações? Dentro do esquema do ganho não há lugar para pensar nos ritmos da natureza, nos seus tempos de degradação e regeneração, e na complexidade dos ecossistemas que po-dem ser gravemente alterados pela intervenção humana’. III – Na inteligência jurisprudencial do colendo Superior Tribunal de Justiça, o princípio da proibição do retrocesso ecológico, em defesa do meio ambiente equilibrado autoriza o entendimento de que ‘o novo Código Flores-tal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações am-bientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da “incumbência” do Estado de garantir a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais (art. 225, § 1º, I)’ (AgRg-AREsp 327.687/SP, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., Julgado em 15.08.2013, DJe 26.08.2013). IV – Na hipótese dos autos, a edificação descrita nos autos foi erguida, sem o prévio, regular e competente licenciamento ambiental e sem a observância dos marcos re-gulatórios da legislação ambiental, aplicável na espécie, no interior de Área de Preservação Permanente (APP Rio Grande), assim definida na legislação e atos normativos de regência, a caracterizar a ocorrência de dano ambiental, impondo-se, assim, além da sua demolição, a adoção de medidas restauradoras da área degradada, bem assim, a inibição da prática de ações antrópicas outras, desprovidas de regular autorização do órgão ambiental competente, apurando-se o quantum indenizatório do dano material ao meio ambiente agredido através de competente prova pericial, na fase de liquidação do julgado, por arbitramento (CPC, arts. 475-C e 475-D). V – Nas demandas ambientais, por força dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum, admite-se a condenação simultânea e cumulativa, em obrigação de fazer, não fazer e indenizar. Assim, na interpretação do art. 3º da Lei nº 7.347/1985, a conjun-ção ‘ou’ opera com valor aditivo, não introduz alternativa excludente. Precedentes da Primei-ra e Segunda Turmas do STJ. ‘A recusa de aplicação, ou aplicação truncada, pelo juiz, dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum arrisca projetar, moral e social-mente, a nociva impressão de que o ilícito ambiental compensa, daí a resposta administrativa e judicial não passar de aceitável e gerenciável ‘risco ou custo normal do negócio’. Saem debilitados, assim, o caráter dissuasório, a força pedagógica e o objetivo profilático da respon-sabilidade civil ambiental (= prevenção geral e especial), verdadeiro estímulo para que outros, inspirados no exemplo de impunidade de fato, mesmo que não de direito, do degradador premiado, imitem ou repitam seu comportamento deletério’ (REsp 1145083/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., Julgado em 27.09.2011, DJe 04.09.2012). VI – Ordenou-se, ainda, o cumprimento das obrigações de fazer e de não fazer, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa coercitiva, no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por dia de atraso, a contar da intimação deste Acórdão mandamental, sem prejuízo das sanções penais previstas no art. 14, inciso V, e respectivo parágrafo único, do CPC vigente. VII – Apelações providas. Sentença reformada.” (TRF 1ª R. – AC-ACPúb 2006.38.03.001161-6/MG – Rel. Des. Fed. Souza Prudente – DJe 21.09.2015)

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1662 – Área de preservação permanente – construção – habitação unifamiliar e muro – licença ambiental – configuração

“Ambiental. Embargos à execução fiscal. Auto de infração. Multa. Anulação. Construção de habitação unifamiliar e muro. Área de preservação permanente. Existência de licença am-biental do órgão estadual competente. Impacto ambiental, de âmbito eminentemente local. Art. 10, §§ 3º e 4º, da Lei nº 6.938/1981. I – Apelação de sentença que julgou procedentes embargos opostos à execução fiscal, anulando o Auto de Infração nº 297811-D, referente à construção de habitação unifamiliar e muro em área de preservação permanente, que ensejou a aplicação de multa por infração ambiental objeto da execução nº 2005.82.00.012254-0. II – Não sindica o presente feito, a viabilidade objetiva da construção em Área de Preserva-ção Permanente (APP), mas tão somente a capacidade de consignação da multa por infração ambiental (se do órgão federal ou do congênere estadual). III – Apresenta-se imprescindível a definição da área onde se situa o imóvel como espaço territorial protegido (APP), a fim de possibilitar a restrição ou não do direito de propriedade anteriormente existente, onde tal restrição representa nova condição advinda da limitação administrativa negativa existente, que impõe à proprietária a obrigação de não fazer, no caso, impedindo-a, a posteriori, de explorar e/ou suprimir, por exemplo, vegetação nativa, em área predeterminada da sua pro-priedade. IV – No caso, a autuação procedida imputou à executada/embargante/apelada a prática da infração administrativa, descrita como ‘construir habitação unifamiliar e muro em área de preservação permanente, contrariando as normas legais e regulamentares’, na parte superior da encosta do Maceió e na falésia de Tabatinga (Município de Conde/PB), e teve como fundamento os seguintes dispositivos: art. 2º da Lei nº 4.771/1965 c/c arts. 60 e 70 da Lei nº 9.605/1998, c/c arts. 2º, II e V e 44 do Decreto nº 3.179/1999 c/c art. 10, § 3º, da Lei nº 6.938/1981 e art. 225 da CF/1988, sendo aplicada a multa de dez mil reais e lavrado o embar-go/interdição. V – ‘A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente polui-dores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, depen-derão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – Sisnama, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – Ibama, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis [...] § 3º O órgão estadual do meio ambiente e o Ibama, esta em caráter supletivo, poderão, se necessário e sem prejuízo das penalidades pecuniárias cabíveis, determinar a redução das atividades geradoras de poluição, para manter as emissões gasosas, os efluentes líquidos e os resíduos sólidos dentro das condições e limites estipulados no licenciamento concedido. § 4º Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – Ibama o licencia-mento previsto no caput deste artigo, no caso de atividades e obras com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional’ (art. 10, §§ 3º e 4º, da Lei nº 6.938/1981). VI – A executada/embargante detém licença ambiental do órgão estadual competente para a edifi-cação embargada, não se tratando de obra que envolve significativo impacto ambiental, de âmbito regional ou nacional, mas eminentemente local, concernente ao equilíbrio ambiental do município do Conde/PB, não cabendo a atuação do Ibama, posto que não caracterizada a omissão do órgão ambiental estadual, a qual justificaria a competência supletiva da Autarquia Federal. VII – A fiscalização limitou-se a identificar a existência de uma ‘residência unifamiliar e de um muro’, não ocorrendo a necessária demonstração da existência do nexo causal entre lesão ao meio ambiente e a ação ou omissão da executada/embargante/apelada, proprietá-ria do imóvel, autuada e apontada como responsável pelo dano, esse também não suficien-temente identificado/comprovado. VIII – Não restando devidamente identificada a infração tipificada na legislação ambiental apontada na autuação fiscal, que lastreou a imposição das

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sanções combatidas, não merece reproche a sentença que determinou a nulidade do referido auto de infração e da respectiva multa. IX – ‘Por não se enquadrar como empreendimento de significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional, não há ilegalidade na auto-rização da obra concedida pelo órgão estadual (Semace), com amparo em Estudo de Viabili-dade Ambiental, sendo desnecessária a realização de EIA/Rima (Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental).’ (Ag 128322/CE, 2ª T., Rel. Des. Fed. Francisco Barros Dias, DJe 24.01.2013). X – Apelação improvida.” (TRF 5ª R. – AC 2005.82.00.014397-9 – (496941/PB) – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Conv. Ivan Lira de Carvalho – DJe 12.08.2015)

1663 – Área de preservação permanente – construção de barraca – área de praia – lei mu-nicipal posterior à construção – aplicabilidade

“Administrativo. Ação civil pública. Construção de barraca em área de praia. Demolição. Praia de Cumbuco/CE. Área de preservação permanente. Lei municipal posterior à constru-ção. Aplicabilidade. Dano contínuo. Competência comum dos entes federativos. Boa-fé. In-denização indevida. Sucumbência recíproca. Apelações improvidas. 1. Trata-se de apelações interpostas contra sentença proferida pela 7ª Vara Federal do Ceará que condenou a barraca a recuperar a área de praia degradada, com consequente demolição, devendo ser removido todo o material, e não fixou honorários advocatícios em razão do reconhecimento da su-cumbência recíproca, ao não fixar pagamento de indenização pelos danos causados. 2. Em 2001, o Município de Caucaia, onde se situa a barraca, definiu área de praia como área de preservação permanente, através do art. 137, da Lei Municipal nº 1.367/2001. 3. O fato de o imóvel estar situado em área de praia, por si só, é suficiente para ensejar o controle am-biental, independentemente de a área ser terreno de marinha ou não. 4. A demolição não se trata de uma penalização, mas de uma medida para restaurar o ambiente danificado e o dano ambiental se renova a cada dia em que o imóvel ainda esteja presente no local, de modo que não é aplicável o princípio da irretroatividade da lei. 5. A Constituição Federal, em seu art. 23, VI, estabelece que a competência para proteger o meio ambiente e, consequentemente, a praia, assim como para combater qualquer forma de poluição, é comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de modo que a intervenção de um ente não exclui a de outro, nem vincula a sua manifestação. 6. O pedido de indenização realizado na peça recursal da barraca é inovação recursal, uma vez que não foi pleiteado no Juízo a quo, não sendo cabível sua apreciação por este Tribunal, sob pena de supressão de instância. 7. Incabível o pleito para condenar a barraca a pagar indenização pelo dano causado ao pa-trimônio público ecológico, uma vez que não houve demonstração da má-fé dos possuidores (Processo: 00153039220114050000, AR6841/RN, Rel. Des. Fed. Paulo Roberto de Oliveira Lima, Pleno, Julgamento: 17.06.2015, Publicação: DJe 01.07.2015, p. 20). 8. Não tendo sido acolhido o pleito de indenização, razoável o reconhecimento da sucumbência recíproca, nos termos do art. 21, do Código de Processo Civil. 9. Apelações improvidas.” (TRF 5ª R. – AC 2008.81.00.011488-7 – (581303/CE) – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Rogério Fialho Moreira – DJe 06.08.2015)

Destaque Editorial SÍNTESEDo voto do Relator, destacamos o trecho que segue:

“[...] No que tange à argumentação de irretroatividade da lei, é de se observar dois fatores. Primeiramente, a demolição não se trata de uma penalização, mas de uma medida para restaurar o ambiente danificado. Em segundo lugar, o dano ambiental se renova a cada dia em que o imóvel ainda esteja presente no local, de modo que não é aplicável o princípio da irretroatividade. Nesse sentido:

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ADMINISTRATIVO – IBAMA – CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANEN-TE (APP) – MULTA COM BASE NA LEI Nº 9.605/1998 E NO DECRETO Nº 3.179/1999 – LEGISLAÇÃO POSTERIOR AO FATO GERADOR DA AUTUAÇÃO – INCABIMENTO DE IRRETROATIVIDADE DA LEI – NULIDADE PARCIAL DO AUTO DE INFRAÇÃO – DEMO-LIÇÃO – INCABIMENTO – TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA JÁ FIRMADO E HOMOLOGADO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – I – Trata-se de apelações de sentença que desconstituiu as sanções de multa e demolição de imóvel imposta no Auto de Infração nº 336786/D do Ibama. II – Foi lavrado Auto de Infração pelos fiscais do Ibama contra o autor, em decorrência de construção de imóvel em área considerada de preservação permanente – APP, nas margens do Rio Jaguaribe, no Ceará, fundamentando-se no art. 70 da Lei nº 9.605/1998, art. 51 do Decreto nº 3.179/1999, no art. 2º da Lei nº 4.771/2005 e na Resolução do Conama nº 303/2002, impondo-se uma multa no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais). III – Restou demonstrado nos autos, que a construção realizada pelo autor foi anterior (1983) à legislação que amparou a pena de multa. Não pode a lei sancionadora retroagir para regular fatos jurídicos já existentes, em observância ao princípio da legalidade, anterioridade e irretroatividade, não sendo cabível a pena de multa. IV – Já em relação à determinação de demolição da construção, não se pode valer dos princípios da irretroatividade e anterioridade, pois a demolição não é pena, mas medida administrativa destinada a recuperar o meio am-biente, pois o dano se renova dia a dia. Contudo, no caso, a demolição da construção com fundamento na responsabilidade civil, foi objeto da ação civil pública nº 0000794-79.2006.4.05.8101, que buscou a recomposição da APP da margem do Rio Jaguaribe, tendo sido firmado Termo de Ajuste de Conduta, homologado judicialmente. V – Seria incongruente a permanência da pena de demolição aplicada pelo Ibama quando o autor já firmou TAC em ação civil pública, sendo excluída a mesma penalidade, comprometendo--se o autor a adotar as medidas ambientais compensatórias e a pagar indenização civil. VI – Levando-se em conta o disposto no art. 20, § 4º, do CPC, e os critérios estabeleci-dos no § 3º da mesma norma legal, cabível a condenação do Ibama ao pagamento de honorários advocatícios, no percentual de 10% sobre o valor da causa. VII – Apelação do Ibama improvida. VIII – Apelação do autor provida, para condenar o Ibama ao pagamento de honorários advocatícios. (Processo: 200881010004793, AC 575234/CE, Rel. Des. Fed. Ivan Lira de Carvalho (Convocado), 4ª T., Julgamento: 25.11.2014, Publicação: DJe 28.11.2014, p. 120)

A Constituição Federal, em seu art. 23, VI, estabelece que a competência para proteger o meio ambiente e, consequentemente, a praia, assim como para combater qualquer forma de poluição, é comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Sendo assim, não é cabível o entendimento da apelante ‘Barraca Laranja Mecânica Ltda.’ de que a União não pode se manifestar quanto ao licenciamento ambiental, uma vez que o Município já teria fornecido a autorização. Por tratar-se de competência comum, a inter-venção de um ente não exclui a de outro, nem vincula a sua manifestação, principalmente em área de domínio da própria União – área de praia –, disposta dessa forma no art. 20, IV, da Constituição Federal.

Ademais, mesmo que a manifestação municipal influenciasse no posicionamento da União, não foi juntado qualquer documento aos autos que demonstre a verossimilhança das alegações realizadas quanto à licença municipal.

No que se refere ao pedido de indenização, trata-se de inovação recursal, pois não foi pleiteado no Juízo a quo, não sendo cabível sua apreciação por este Tribunal, sob pena de supressão de instância.

Também não é cabível o pleito da União para condenar a Barraca Laranja Mecânica Ltda. a pagar indenização pelo dano causado ao patrimônio público ecológico, uma vez que não houve demonstração da má-fé dos possuidores da Barraca, existindo, inclusive, contrato de concessão de posse e transferência de direitos (fl. 149/151) [...]”

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1664 – Área de preservação permanente – construção de casa de veraneio – demolição e reparação da área – indenização pelas benfeitorias úteis e necessárias – descabi-mento

“Processual civil. Direito ambiental. Ação civil pública. Construção de casa de veraneio em área de preservação permanente. Obrigação de fazer (demolição das edificações e reparação da área). Aquisição por justo título e boa-fé. Inocorrência. Ação discriminatória. Área trans-ferida para o domínio da União. Reconvenção. Indenização pelas benfeitorias úteis e neces-sárias. Descabimento. 1. A jurisprudência é firme no sentido de que o juiz não é obrigado a examinar todas as alegações das partes, devendo indicar, ainda que de forma sucinta, o funda-mento de sua conclusão, não havendo que se falar, no caso, em ausência de fundamentação razoável ou motivação clara da sentença, com violação ao art. 93, IX, da Constituição Federal de 1988, pois fundamentação sucinta não enseja nulidade do julgamento. 2. No caso, a r. sentença apelada considerou todos os elementos de prova produzidos nos autos, tanto pelo Ministério Público Federal, autor da demanda, quanto pelos requeridos, bem como todas as teses por eles defendidas, na contestação e na reconvenção apresentadas, rechaçando cada uma delas, individualmente. Preliminar de nulidade da sentença rejeitada. 3. Consoante já se decidiu, qualquer edificação erguida em área de preservação permanente impõe a sua demo-lição, conforme previsão do art. 72, inciso VIII, da Lei nº 9.605, de 12.02.1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e é medida que pode ser aplicada, inclusive, pelo órgão ambiental, após regular processo administrativo. 4. Não prospera a alegação dos requeridos de terem adquirido o imóvel mediante justo título e boa-fé quando, durante as investigações, apurou-se que os processos de regularização fundiária da área questionada e que tramitavam perante o Incra, foram arquivados em desfavor do interessado, porque a Gleba Mojuí dos Campos já se en-contrava devidamente arrecadada, matriculada e registrada em nome da União Federal, desde 29.09.1978, em decorrência de ação discriminatória promovida pelo Incra, tendo aquela autarquia informado que ‘não houve o destacamento real e legítimo da área do Poder Público ao domínio privado, em razão do que são indevidos os registros que pesam sobre o imóvel’. 5. Consoante já se decidiu, ‘[a] duplicidade de registros sobre um mesmo imóvel induz a invalidade daquele cujo título tenha sido prenotado no Protocolo do Cartório Imobiliário sob número de ordem mais alto, face à prioridade assegurada no art. 191, da Lei de Registros Pú-blicos, ao título prenotado em primeiro lugar’ (AC 001147333.1991.4.01.0000/MG, Rel. Juiz Nelson Gomes da Silva, 4ª T., DJ de 05.11.1992, p. 35596). 6. O Cartório de Registro Imo-biliário tem o papel de zelar pelo princípio da continuidade e também pela disponibilidade dos imóveis, com vistas a evitar a duplicidade de matrículas, devendo prevalecer, no caso, a matrícula de nº 1.565, aberta em primeiro lugar, em 29.09.1978, em nome da União Federal. 7. O Conselho Superior de Magistratura chancelou que ‘ocorrendo duplicidade de registro, deve ser decretada a nulidade do efetivado em último lugar, com fulcro no art. 214 da Lei nº 6.015/1973’ (AC.523-0-Jaboticabal, J. 22.05.1984, Rel. Bruno Affonso de André). 8. Se a parte nega a legitimidade da posse, cabe a ela provar o alegado, sendo certo que o registro em cartório de imóveis afasta a presunção de boa-fé do comprador, que deve se cercar das cautelas mínimas necessárias a verificar se sua posse não interfere no direito de outrem. 9. Não sendo de boa-fé a posse dos apelantes, não devem ser indenizadas as benfeitorias úteis alegadamente realizadas no imóvel, e tampouco podem ser levantadas as voluptuárias, fican-do seu direito restrito ao ressarcimento das benfeitorias necessárias, nos termos do art. 1.220 do Código Civil. 10. Ainda que a propriedade do lote pudesse ser atribuída aos requeridos, o certo é que, conforme laudo de vistoria do Ibama, a Gleba Mojuí dos Campos encontra-se em área de preservação permanente, por isso que, qualquer construção naquela área, sem a

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autorização do Poder Público, enseja o dever de reparar os danos ambientais causados na região. 11. Na perícia realizada no imóvel, o perito nomeado pelo juízo confirmou que ‘é in-contestável que a área em questão está encravada dentro de área considerada de preservação permanente, visto que, de acordo com a largura do rio que é de 820,00 m, as florestas ou de-mais formas de vegetação só poderiam ser supridas a uma distância de 600,00 m da margem do rio, mas o que se viu foi a intervenção na vegetação a partir dos 67,00 m da margem do rio’. 12. Apelação a que se nega provimento.” (TRF 1ª R. – AC 1998.39.02.000133-3/PA – Rel. Des. Fed. Néviton Guedes – DJe 05.08.2015)

Destaque Editorial SÍNTESESelecionamos os seguintes julgados no mesmo sentido:

“PROCESSUAL CIVIL – ADMINISTRATIVO – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – DES-CUMPRIMENTO DO CONTRATO DE CONCESSÃO DE USO – CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE SEM AUTORIZAÇÃO – NÃO CABIMENTO DE INDE-NIZAÇÃO POR BENFEITORIAS – IMPOSSIBILIDADE DE REAPRECIAÇÃO DE MATÉRIA JÁ DECIDIDA – INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE – EM-BARGOS DE DECLARAÇÃO IMPROVIDOS.” (TRF 5ª R. – AC 2008.82.01.001275-5/01 – (566228/PB) – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Lázaro Guimarães – DJe 04.09.2014 – p. 308) (Disponível em online.sintese.com, sob o nº 111000228585. Acesso em: 24 set. 2015)

“ADMINISTRATIVO – AMBIENTAL – DEMOLITÓRIA – TERRENO DE MARINHA – OCUPA-ÇÃO IRREGULAR – CONSTRUÇÕES NÃO AUTORIZADAS PELO ÓRGÃO COMPETENTE – APELAÇÃO DESPROVIDA – 1. A matéria apelada cinge-se na pertinência, ou não, da demolição da construção realizada pela Apelante, que se encontra situada em Área de Preservação Permanente, sem autorização da Secretaria do Patrimônio da União – SPU. 2. A área onde está localizado o imóvel, em praia marítima, se caracteriza como bem per-tencente à União Federal, nos termos do art. 20, IV, da Constituição Federal. No mesmo sentido, dispõe o caput do art. 10 da Lei nº 7.661/1988 que as praias são bens públicos de uso comum do povo. 3. O poder de fato que o particular eventualmente exerça sobre bens públicos jamais terá a natureza de posse, limitando-se à mera detenção, resultante de simples tolerância do Ente Estatal que, a qualquer tempo, pode reivindicá-la, sendo a ocupação sempre precária, independentemente de sua natureza, não podendo ser colo-cados no comércio. 4. A ocupação e a construção nessas áreas há que ser previamente permitida pela União, sendo indispensável a competente autorização do Serviço de Pa-trimônio da União, que administra os bens dessa entidade. Embora a inscrição seja de regime precário de ocupação de bem da União, é a forma do cidadão promover a regula-rização da posse sobre o imóvel da União, e será deferida de forma discricionária, obser-vados os interesses públicos na utilização do imóvel, e as normas ambientais e posturas municipais aplicáveis, razão pela qual infrutífera a alegação da Apelante de que havia realizado pedido de ocupação à SPU, vez que não trouxe provas do deferimento deste. 5. A Recorrente já tinha conhecimento da ilegalidade de seu ato e dos danos ambientais que estaria ocasionando com a edificação, tendo sido autuado pela Prefeitura de Vila Ve-lha e a obra embargada, mas optou por dar continuidade à obra por sua conta em risco. Assim, a alegada desproporcionalidade da medida e os referidos transtornos decorrentes da demolição jamais seriam levantados se a Apelante tivesse, desde o início, dado cum-primento ao Termo de Embargo de Obra emitido pela Prefeitura de Vila Velha. 6. Não é razoável e proporcional a manutenção edificação realizada em severa afronta à legislação ambiental, de má-fé e em descumprimento de medida imposta pelo Poder Público. Ad-mitir a permanência de construção irregular, carente de licença e degradadora ambiental, representaria uma tolerância do Estado em relação a tais fatos, abrindo precedente sem limite e servindo de exemplo negativo, como forma de incentivo àqueles que desrespeitam a legislação ambiental. 7. Por fim, no que tange à indenização pelas construções reali-zadas, da mesma forma, não merece prosperar, uma vez que, nos termos do Decreto-Lei

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RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA DE DIREITO AMBIENTAL............................................167

nº 9.760/1946, art. 71, estando a Apelante irregularmente no referido imóvel, não possui direito a possíveis indenizações por benfeitorias. 8. Apelação desprovida.” (TRF 2ª R. – AC 2007.50.01.008802-9 – (474239) – 5ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Guilherme Diefenthaeler – e-DJF2R 09.12.2013) (Disponível em online.sintese.com, sob o nº 108000229313. Acesso em: 24 set. 2015)

1665 – Área de preservação permanente – dano ambiental – Código Florestal e Conama – observação – necessidade

“Ação civil pública. Dano ambiental. Área de preservação permanente. Expansão urbana. Observância obrigatória ao Código Florestal e Resoluções do Conama. Consoante a Orienta-ção Jurisprudencial do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, as sentenças de improcedência de Ação Civil Pública, abarcando as de parcial procedência, sujeitam-se ao reexame necessário, em razão do interesse coletivo, por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/1965. Não cabe aos Municípios restringir o âmbito de proteção ao meio ambiente, ditado pela constituição e pelas leis federais, que preveem o máximo de proteção e um sen-tido nacional, senão internacional, de proteção ao mesmo. A Resolução nº 302, do Conama, define como área urbana, para fins de proteção ambiental, conforme seu art. 2º, aquelas que respeitem os seguintes requisitos: ‘a) definição legal pelo poder público; b) a existência de, no mínimo quatro dos seguintes parâmetros de infraestrutura urbana: 1. malha viária com canalização de águas pluviais; 2. rede de abastecimento de água; 3. rede de esgoto; 4. distri-buição de energia elétrica e iluminação pública; 5. recolhimento de resíduos sólidos urbanos; 6. tratamento de resíduos sólidos urbanos; e 7. densidade demográfica superior a cinco mil habitantes por km2. O fato de o Município eventualmente delimitar uma área como de ‘expan-são urbana’, lançando inclusive IPTU, sem que se observe o disposto na referida Resolução, como é o caso dos autos, não permite concluir que se trate de área urbana. A metragem a ser considerada deve ser a de 100 metros, nos termos do art. 2º, a e b, do Código Florestal, bem como do previsto no art. 3º, inciso I, da Resolução Conama nº 302. Apelações do MPF, do Ibama e remessa oficial providas para fixar o valor da multa diária em R$ 1.000,00, nos termos do art. 12, § 2º, da Lei nº 7.347/1985 e majorar o valor da indenização para R$ 20.000,00, como medida salutar para que não estimule a manutenção indevida da exploração comercial, ou para qualquer outro fim, em área de preservação permanente, levando-se também em conta todo o período em que houve degradação, em favor do Fundo de Interesses Difusos e Coletivos, previsto na Lei nº 7.347/1985.” (TRF 3ª R. – AC 0014321-37.2008.4.03.6112/SP – 4ª T. – Relª Desª Fed. Marli Ferreira – DJe 03.08.2015)

1666 – Área de preservação permanente – incidente sobre vereda – proteção ambiental – alvará de construção – impossibilidade

“Direito administrativo. Alvará de construção. Negativa. Área incidente sobre vereda. Área de preservação permanente. Proteção ambiental. Direito de propriedade. Condicionado. Função socioambiental. I – Não é cabível a concessão de alvará de construção quando comprovado que a área incide sobre vereda propriamente dita, Área de Preservação Permanente – APP, e que novas interferências ensejam degradação ambiental. II – O exercício do direito de propriedade está condicionado à observância de sua função social e de sua função socioam-biental, ou seja, deve haver utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preser-vação do meio ambiente (art. 186, II, da Constituição Federal). III – Negou-se provimento ao recurso.” (TJDFT – DirAdm. 20140111946448 – (884133) – 6ª T.Cív. – Rel. Des. José Divino de Oliveira – DJe 04.08.2015)

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Destaque Editorial SÍNTESEColacionamos o seguinte julgados no mesmo sentido:

“PROCESSUAL CIVIL – DIREITO AMBIENTAL – DETERMINAÇÃO DE ABSTENÇÃO DE EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ DE CONSTRUÇÃO OU OCUPAÇÃO – MARGENS DE RIO – MANGUEZAL – ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL – INOCORRÊNCIA DE OFENSA A PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES – DILAÇÃO DE PRAZO PARA CADASTRA-MENTO DAS FAMÍLIAS QUE OCUPAM A ÁREA – 1. Agravo de instrumento de deci-são que determinou a abstenção da União e do Município de Barra dos Coqueiros na concessão de alvarás de construção e autorizações de ocupações às margens do Rio Mangaba, na área indicada nos documentos encartados no Inquérito Civil Público nº 1.35.000.001664/2012-67, além das localizadas nas imediações e que estejam in-fluindo na intervenção, supressão ou degradação da área de manguezal, bem como, no prazo de 30 dias, a realização de cadastramento das famílias, que moram nesta área de preservação permanente. 2. O Código Florestal Brasileiro, Lei nº 12.651/2012, define as áreas reputadas como de preservação permanente, incluindo, entre elas, as faixas margi-nais de qualquer curso d’água natural, permitindo, entretanto, mediante o preenchimento de certos requisitos legais, bem como de licenciamento concedido pelo órgão ambiental competente, a sua utilização pela população, estando submetida à autorização de cons-trução e ocupação do Município no qual esteja localizada. 3. Dada a legitimidade do Ministério Público Federal de requerer medidas judiciais com o fim de proteger áreas con-sideradas importantes ou essenciais à preservação do meio ambiente, bem que envolve interesse público difuso, e considerando que a exordial explicita os riscos relevantes e da-nos, que o Rio Mangaba está sendo submetido, necessária se faz a atuação do Poder Judi-ciário a fim de suspender as concessões administrativas, para a sua utilização, sem que se configure qualquer ingerência em competência constitucional atribuída ao Poder Executivo (Ag 124069, Des. Fed. Francisco Wildo, DJe em 16.08.2012). 4. Ao contrário do que alega o agravante, a decisão não se mostra genérica ou abstrata, porquanto diz respeito às margens do curso do Rio Mangaba, área legalmente definida como de manguezal, até que sejam supridas as deficiências em sua utilização, seja por parte da municipalidade ou da população, noutras palavras, o que se proíbe na decisão não é a expedição de alvarás ou concessões de construção ou ocupação, mas a expedição destes documentos que digam respeito à área submetida à apreciação judicial. 5. Foi concedida em sede de liminar a dilação do prazo para o cadastramento das famílias, que ocupam a área discutida, de 30 para 60 dias, prazo em que se devem cumprir as determinações do juízo a quo, visto que a própria edilidade admite que já vinha realizando tal procedimento, quando tomou ciência da decisão judicial. 6. Parcial provimento do agravo de instrumento, para fixar o prazo em 60 dias para conclusão do cadastramento das famílias, que ocupam as margens do Rio Mangaba.” (TRF 5ª R. – AGTR 0044975-77.2013.4.05.0000 – (136300/SE) – 4ª T. – Relª Desª Fed. Margarida Cantarelli – DJe 06.03.2014 – p. 260) (Disponível em online.sintese.com, sob o nº 111000213300. Acesso em: 24 set. 2015)

1667 – Área de proteção ambiental – habitações – risco de deslizamento – proximidade de curso d’água – remoção – possibilidade

“Recurso de agravo de instrumento em ação civil pública. Meio ambiente. Deferimento de tutela antecipada. Remoção de famílias e alojamento. Área de proteção ambiental. Risco de deslizamento. Proximidade de curso d’água. Pretensão de terceiros interessados na cassação de medida liminar para imediata remoção de famílias de área de risco e demolição das ha-bitações em área de proteção ambiental, com base em Laudo de avaliação elaborado pela Defesa Civil Municipal que mapeou e definiu áreas de perigo. Periculum in mora e fumus boni iuris demonstrados. Situação emergencial caracterizada indicando risco à vida dos ha-bitantes. Liminar deferida, sem que houvesse efeito suspensivo, há mais de 01 ano. Decisão

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mantida. Aplicação do art. 252 do Regimento Interno deste E. Tribunal de Justiça. Recurso desprovido.” (TJSP – AI 2042000-93.2014.8.26.0000 – Poá – 1ª C.Res.MA – Rel. Marcelo Berthe – DJe 06.08.2015)

Destaque Editorial SÍNTESEEm seu voto, o Relator assim se manifestou:

“[...] O Órgão Ministerial, nos autos da Ação Civil Pública, lastreia a presença do periculum in mora e fumus boni iuris em Relatório Técnico realizado pela própria Defesa Civil daque-le ente federativo, sustentando ser a remoção das famílias do local medida imprescindível a garantir a segurança das pessoas que fixaram suas moradias em área sujeita a desliza-mento de terra e próxima a curso d’água em área de preservação permanente.

Neste passo, o relatório técnico acostado aos autos demonstra a presença de moradias em situação de risco iminente a autorizar a sua desocupação imediata, com mapeamento da área em questão, contendo listagem das medidas mitigadoras de risco.

Assim, em sede de cognição sumária, se apresenta razoável a pretensão liminar de re-moção imediata das famílias do local, seja pela presença da situação de urgência ou pela impossibilidade de adoção de medida diversa pela Municipalidade a mitigar os riscos e recompor eventual dano ambiental.

Anote-se, por oportuno, que a decisão liminar foi proferida há mais de 01 ano, sem que houvesse suspensão, de modo que já foi efetivamente cumprida.

Ademais, a ordem de remoção veio junto com a de alojamento em outra localidade, o que garantirá o direito à moradia, bem como à integridade física de todos aqueles atingidos pela medida judicial.

Desta forma, a r. decisão não comporta reparos, devendo ser integralmente mantida por seus jurídicos fundamentos, nos termos do art. 252 do Regimento Interno deste E. Tri-bunal de Justiça.

Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso.”

1668 – Área de proteção ambiental – parcelamento irregular de solo – provas suficientes – condenação

“Parcelamento irregular de solo. Lei nº 6.766/1979. Art. 50. Condenação. Manutenção. Qua-lificadoras. Incisos I e III do parágrafo único. Provas suficientes. Dosimetria. Maus anteceden-tes. Afastamento. Consequências do crime. Análise negativa. Manutenção. I – Deve ser man-tida a condenação pela prática do crime previsto no art. 50 da Lei nº 6.766/1979 se as provas orais e documentais comprovam que o réu deu início a loteamento de solo para fins urbanos, sem autorização do órgão público competente e em desacordo com as normas pertinentes. II – Correta a incidência das qualificadoras dos incisos I e II do parágrafo único do art. 50 da Lei nº 6.766/1979 se o réu efetivamente vendeu os lotes sem o devido registro e promoveu o parcelamento sem ostentar título legítimo de propriedade. III – Afasta-se a avaliação desfavo-rável dos antecedentes criminais se o condenado ostenta uma única condenação definitiva por fato anterior ao em apreço e ela já foi utilizada para a caracterização da agravante da rein-cidência. IV – Correta a análise negativa das consequências do crime se há provas concretas de que a área parcelada estava inserida em Área de Proteção Ambiental, sendo que o réu a desmembrou em aproximadamente duzentos lotes e ainda houve efetiva ocupação desorde-nada. V – Recurso conhecido e parcialmente provido.” (TJDFT – Proc. 20110310270549 – (886261) – 3ª T.Crim. – Relª Desª Nilsoni de Freitas – DJe 13.08.2015 – p. 114)

Transcrição Editorial SÍNTESELei nº 6.766/1979:

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“Art. 50. Constitui crime contra a administração pública:

I – dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, sem autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as disposições desta lei ou das normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Municípios;

II – dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos sem observância das determinações constantes do ato administrativo de licença;

III – fazer, ou veicular em proposta, contrato, prospecto ou comunicação ao público ou a interessados, afirmação falsa sobre a legalidade do loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, ou ocultar fraudulentamente fato a ele relativo.

Pena: reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinquenta) vezes o maior salário mínimo vigente no país.

Parágrafo único. O crime definido neste artigo é qualificado, se cometido:

I – por meio de venda, promessa de venda, reserva de lote ou quaisquer outros instrumen-tos que manifestem a intenção de vender lote em loteamento ou desmembramento não registrado no registro de imóveis competente;

II – com inexistência de título legítimo de propriedade do imóvel loteado ou desmembrado, ressalvado o disposto no art. 18, §§ 4º e 5º, desta Lei, ou com omissão fraudulenta de fato a ele relativo, se o fato não constituir crime mais grave. (NR) (Redação dada ao inciso pela Lei nº 9.785, de 29.01.1999, DOU 01.02.1999)

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de 10 (dez) a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no país.”

1669 – Área de proteção permanente – construção irregular – captação de recursos hídri-cos – propriedade de equipamento – não comprovação

“Constitucional. Processual civil. Administrativo. Apelação cível. Área de proteção perma-nente. Construção irregular. Captação de recursos hídricos considerada insignificante. Exer-cício do poder de polícia administrativo. Previsão legal. Arts. 30, inciso VIII e 182, § 2º, da Constituição Federal. Arts. 17 e 178 da Lei Distrital nº 2.105/1998. Ausência de comprovação da propriedade do equipamento. Sentença mantida. 1. Ao Poder Público incumbe, a teor do art. 30, inciso VIII, da Constituição Federal, e em decorrência do poder de polícia, a responsa-bilidade de promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano. Adiante, quando trata da política urbana, condiciona, no art. 182, § 2º, a função social da propriedade urbana ao atendimen-to das exigências fundamentais de ordenação expressas no plano diretor da cidade, dentro do qual deve combater as construções irregulares erigidas em área pública. 2. O Código de Edificações do Distrito Federal – Lei Distrital nº 2.105/1998, em seus arts. 17 e 178, permite que órgão responsável pela fiscalização poderá demolir obras de que trata este Código, e apreender materiais, equipamentos, documentos, ferramentas e quaisquer meios de produção utilizados em construções irregulares, ou que constituam prova material de irregularidade, independentemente de prévia notificação, na hipótese em que a construção irregular ocor-re em área pública, obedecidos os trâmites estabelecidos nesta Lei. 3. Na hipótese, não há controvérsia de que a construção erigida foi realizada em Área de Proteção Permanente. E, apesar da desnecessidade de licenciamento ambiental, por se tratar de captação insignifican-te, conforme prescreve o art. 12, § 1º, II, da Lei nº 9.433/1997, era indispensável o cadastro juntou à Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, segundo art. 7º, § 2º, do Decreto nº 22.359, de 31 de agosto de 2001. 4. Somente é possível a permanência de equipamento para retirada de recurso hídrico em APP com a devida autorização do poder público ambiental competente. Ademais, o autor/apelante deixou de comprovar a propriedade do equipamento

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(bomba d’água). 5. A Administração Pública Distrital agiu em conformidade com o princípio da legalidade, limitando-se ao exercício do poder de polícia, que goza dos atributos da auto--executoriedade, discricionariedade e coercibilidade, a permitir que o Poder Público restrinja direitos individuais, em nome da proteção ao interesse público, pois a ausência de registro atual à ação fiscalizatória revela a clandestinidade das obras erigidas, caracterizando ativida-de ilícita do particular. Recurso conhecido e desprovido.” (TJDFT – Proc. 20130110442815 – (883892) – 3ª T.Cív. – Rel. Des. Alfeu Machado – DJe 04.08.2015)

1670 – Crime ambiental – art. 41 da Lei nº 9.605/1998 – mata ou floresta – configuração

“Penal. Agravo regimental no recurso especial. Crime ambiental. Denúncia. Art. 41 da Lei nº 9.605/1998. Elementar do tipo. Mata ou floresta. Ausência de justa causa e inépcia da exor-dial acusatória. Trancamento da ação penal em sede de habeas corpus. Possibilidade. 1. Esta Corte de Justiça admite o trancamento de ação penal na via do habeas corpus quando demons-trada, de plano, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade, a ausência de provas da existência do crime e de indícios de autoria ou dos requisitos processuais insculpidos no art. 41 do Código de Processo Penal. 2. No caso, pela simples leitura da denúncia, observa-se que o órgão acusatório limitou-se a descrever o fato inserido no auto de infração – queimada de 22,00 has (vinte e dois hectares) em área agropastoril – e atribuí-lo à responsabilidade do proprietário do imóvel rural, deixando de mencionar a vegetação atingida pela suposta ação do acusado, bem como os efeitos acarretados pela queimada provocada no local. 3. Sabe-se que, para a configuração do crime previsto no art. 41 da Lei nº 9.605/1998, é necessário que a área queimada corresponda aos conceitos de ‘mata’ e ‘floresta’, tratando-se, pois, de uma norma penal em branco que exige complementação para fins de penalização da conduta ali descrita, a qual também não foi mencionada pelo Parquet. 4. Hipótese em que a exordial não atende aos requisitos do art. 41 do CPP, porquanto não descreve de forma suficiente a conduta ilícita imputada ao recorrido, com todas as suas circunstâncias, impossibilitando o exercício da ampla defesa. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.359.176 – (2012/0205205-5) – 5ª T. – Rel. Min. Gurgel de Faria – DJe 03.08.2015)

Comentário Editorial SÍNTESEO acórdão em epígrafe trata de agravo regimental interposto pelo Ministério Público Fede-ral contra decisão que negou provimento ao recurso especial.

Consta dos autos que o agravado praticou crime previsto no art. 41 da Lei nº 9.605/1998, in verbis:

“Art. 41. Provocar incêndio em mata ou floresta:

Pena – reclusão, de dois a quatro anos, e multa.”

Enfatiza o agravante que: “[...] a denúncia está amparada na prova da materialidade delitiva, baseada no auto de infração nº 103923, lavrado por agente da Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso, em que se constou, na fazenda de propriedade do ora agravado, sem autorização do órgão ambiental competente, a queimada de 123,00 ha (cento e vinte e três hectares) de área agropastoril e o incêndio florestal em uma área total de 22,00 ha (vinte e dois hectares)”.

Acrescenta ainda os indícios de autoria delitiva são suficientes, pois decorrem das próprias circunstâncias fáticas narradas.

Sobre o assunto selecionamos os seguintes procedentes:

“HABEAS CORPUS – CRIME AMBIENTAL – ART. 41, CAPUT, DA LEI Nº 9.605/1998 (PROVOCAR INCÊNDIO EM MATA OU FLORESTA) – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA – MATÉRIA NÃO DEBATIDA NA ORIGEM – OCORRÊN-

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CIA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA – EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE E NEGATIVA DE SUBSTITUIÇÃO DA SANÇÃO CORPORAL POR RESTRITIVA DE DIREITOS – FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA – IMPOSSIBILIDADE – PRECEDENTES – 1. O argumento referente à aplicação do princípio da presunção de inocência não é capaz de superar o óbice da ausência de debate na origem, sob pena de indevida supressão de um dos graus de jurisdição. 2. É compreensão já pacificada desta Corte que ao individualizar a pena, o julgador deve examinar com acuidade os elementos que dizem respeito ao fato, obedeci-dos e sopesados todos os critérios estabelecidos no art. 59, do Código Penal, para aplicar de forma justa e fundamentada a reprimenda que seja necessária e suficiente para repro-vação do crime. 3. No caso, o acórdão impugnado não apresentou elementos concretos que justificassem a negativa de substituição da sanção corporal por restritiva de direitos e a elevação da pena-base na metade, além de não ter elencado quais os fatos inusitados da conduta do réu que o faziam merecer especial reprovabilidade. 4. Ordem concedida de ofício para anular o acórdão impugnado com relação à dosimetria da pena a fim de que outro seja proferido pelo Eg. Tribunal de origem com nova e adequada fundamentação no que diz respeito à pena-base e à possibilidade de substituição da sanção corporal por restritiva de direitos. (STJ – HC 246.681 – (2012/0130816-4) – 5ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJe 26.11.2013 – p. 1978)

RECURSO ESPECIAL – ALÍNEAS A E C DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL – CRIME CONTRA A FLORA – INCÊNDIO EM MATA OU FLORESTA – OBJETIVIDADE JURÍDICA – PATRIMÔNIO AMBIENTAL – FOGO DE GRANDES PROPORÇÕES – CONDUTA RESTRITA À VEGETAÇÃO DO CERRADO E SEU AMBIENTE ARBÓREO – COMPROVAÇÃO FÁTICA – EXISTÊNCIA DE CRIME – SÚMULA Nº 7 – DOSIMETRIA – PENA-BASE APLICADA NO MÍNIMO – INVIABILIDADE DE DIMINUIÇÃO POR OCORRÊNCIA DE ATENUANTES – PRESCRIÇÃO AFASTADA – O tipo penal do crime de incêndio em mata ou floresta reside, pela própria definição legal, na hipótese da configuração de fogo descontrolado e de proporções em ambiente arbóreo protegido pela Lei ambiental. Uma vez tendo a instância ordinária consagrado com a prova dos autos a violação ao bem jurídico tutelado pela norma incriminadora em questão, resta insubsistente a reforma pela via especial, em face da necessidade do confronto probatório. Súmula nº 7. A diminuição da pena pela existência de atenuantes não incide diante da fixação no mínimo legal. Recurso Especial não conhecido. (STJ – REsp 200700538776 – (933356) – MG – 6ª T. – Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJU 18.02.2008 – p. 00089)

PENAL – PROVOCAR INCÊNDIO EM MATA OU FLORESTA – ART. 41 LEI Nº 9.605/1998 – EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE POR AUSÊNCIA DE CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE DO ATO – ERRO DE PROIBIÇÃO – ABSOLVIÇÃO MANTIDA – 1. Não obstante a prova de que o réu provocou o incêndio, há de se perquirir da existência de consciência da conduta ilícita praticada, no caso, a consciência de que se tratava de área de preserva-ção ambiental, fato não comprovado nos autos. 2. Na hipótese, o cotejo dos elementos probatórios torna razoável o acolhimento da tese de que o réu, lavrador pobre, assentado pelo Incra, e de pouca instrução, acreditava ser permitido o desmate de pequena área (01 hectare) para formação de pasto. Não supôs tratar-se de atitude condenável frente à lei penal, daí porque não se pode reconhecer a ciência e a intencionalidade na prática do delito imputado, incidindo a excludente de culpabilidade. 3. No caso dos autos, o acusado perdeu, em decorrência do erro de proibição, a compreensão da ilicitude do fato. Supôs, erroneamente, que atuava de forma lícita. 4. Apelação não provida.” (TRF 1ª R. – ACr 2009.36.03.003146-0/MT – Rel. Juiz Fed. Conv. José Alexandre Franco – DJe 10.08.2012 – p. 772)

Dessa forma, o nobre Relator em seu voto entendeu:

“[...]

No caso, pela simples leitura da denúncia, observa-se que o órgão acusatório limitou-se a descrever o fato inserido no auto de infração – queimada de 22,00 has (vinte e dois

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hectares) em área agropastoril – e atribuí-lo à responsabilidade do proprietário do imóvel rural, deixando de mencionar a vegetação atingida pela suposta ação do denunciado, bem como os efeitos acarretados pela queimada provocada no local.

É certo também que o laudo técnico acostado aos autos da Secretaria do Estado do Meio Ambiente – Sema/MT, em momento algum informa as espécies atingidas pela queimada (fls. 14/19), razão pela qual o Tribunal de origem também entendeu não haver justa causa para a persecução penal.

Sabe-se que, para a configuração do crime previsto no art. 41 da Lei nº 9.605/1998, é necessário que a área queimada corresponda aos conceitos de ‘mata’ e ‘floresta’, tratando--se, pois, de uma norma penal em branco que exige complementação para fins de pena-lização da conduta ali descrita, a qual também não foi mencionada pelo Parquet. Com efeito, ao contrário do alegado pelo Ministério Público, a exordial não atende aos requisito do art. 41 do Código de Processo penal, porquanto não descreve de forma suficiente a conduta ilícita imputada ao recorrido, com todas as suas circunstâncias, impossibilitando o exercício da ampla defesa.

[...]

Diante do exposto, nego provimento ao agravo regimental.

É como voto.”

Assim, o Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso.

1671 – Crime ambiental – art. 50-A da Lei nº 9.605/1998 – extração para subsistência – ocorrência

“Penal. Processual. Crime ambiental (art. 50-A, Lei nº 9.605/1998). Perícia suprida por outros elementos de convicção. Extração para subsistência imediata. Ocorrência. Excludente de ili-citude. Provimento da apelação. 1. A denúncia narrou que o réu, ora recorrente, foi autuado pelo Ibama, no dia 06.05.2010, porque teria desmatado 15,3227 hectares de floresta nativa no lote 45 do ‘Assentamento Progresso’ (o ‘seu’ lote), em Afonso Bezerra/RN. Não tendo sido, o seu comportamento, autorizado pelo Incra, ele foi incurso nas penas do art. 50-A da Lei nº 9.605/1998, sendo-lhe aplicadas as sanções de 02 (dois) anos e 01 (um) mês de reclusão, mais 15 (quinze) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato pretensamente delituoso. 2. A perícia, cuja falta foi reclamada no apelo, mostrava-se desnecessária no caso concreto: (i) o termo de inspeção do Ibama (fls. 31/32), bem como a do-cumentação acostada pelo Incra (fls. 35 e ss.) demonstram satisfatoriamente a materialidade do crime, e não foram impugnados pelo acusado; (ii) o tipo penal (desmatamento) é daqueles em que o vestígio só é observado ao tempo de consumação do ato. Anos depois de sua ocor-rência (em 2010, sendo a denúncia recebida em 2013), é certo que alguma vegetação já teria crescido no local, prejudicando um pretenso exame na área; (iii) os depoimentos das testemu-nhas relataram a ocorrência do desmatamento; (iv) a confissão do réu, conquanto não possa, de forma isolada, suprir-lhe a falta (CPP, art. 158), é certo que, quando conjugada aos de-mais elementos de convicção, reiteram a materialidade do crime. Precedente deste TRF 5ª R. 3. Quanto ao argumento, porém, de que a extração da madeira teria ocorrido para garantir a subsistência de sua família, pelo que dever-lhe-ia ser aplicada a excludente de ilicitude prevista no Lei nº 9.605/1998, art. 50-A, § 1º (‘não é crime a conduta praticada quando ne-cessária à subsistência imediata pessoal do agente ou de sua família’), o recurso tem inteira razão. 4. Observe-se, de um lado, que a renda da família do acusado é composta do ‘bolsa família’, recebido pela esposa, e do seu trabalho na agricultura, justo em função do qual se deu e dá sua presença no assentamento, levado a efeito pelo próprio Incra – e não para outra finalidade. A ação combatida teve lugar, aliás, segundo a própria denúncia, exatamente no

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lote que lhe houvera sido reservado (de número 45). 5. Absolvição que se decreta no base na norma insculpida no CPP, art. 386, VI. 6. Apelação provida.” (TRF 5ª R. – ACr 0000370-57.2013.4.05.8403 – (12135/RN) – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Paulo Roberto de Oliveira Lima – DJe 03.08.2015)

Comentário Editorial SÍNTESEO acórdão em tela trata de apelação interposta contra sentença que julgou procedente a denúncia com fundamento no art. 50-A da Lei nº 9.605/1998, in verbis:

“Art. 50-A. Desmatar, explorar economicamente ou degradar floresta (extração de madei-ra), plantada ou nativa, em terras de domínio público ou devolutas, sem autorização do órgão competente:

Pena – reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa.”

Consta dos autos que o réu, ora recorrente, foi autuado pelo Ibama porque teria desmata-do 15,3227 hectares de floresta nativa, não sendo autorizado pelo Incra.

O apelante alega pela nulidade da sentença, ante a ausência de realização de perícia, pugnando pela sua absolvição ao argumento de que a extração de madeira teria ocorrido para a subsistência familiar.

Assim, sobre o assunto, selecionamos os seguintes julgados:

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS – 1. CRIME AMBIENTAL – ART. 46 – DA LEI Nº 9.605/1998 – INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA ESTADUAL DE CONTROLE DE MOVIMENTAÇÃO DE PRODUTO FLORESTAL (EXTRAÇÃO IRREGULAR DE MADEIRA) – 2. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL – 3. RECURSO PROVIDO – 1. A proteção ao meio ambiente é matéria de competência comum da União, Estados, Distrito Federal e dos Municípios, nos termos do art. 23, inciso VI, da Constituição Fe-deral. Inexistindo dispositivo expresso, constitucional ou legal, sobre qual a Justiça com-petente quanto aos crimes ambientais, tem-se, em regra, que o processo e o julgamento desses crimes são da competência da Justiça Comum Estadual. 2. A caracterização da fraude na inserção de dados inseridos no sistema Sisflora/PA – sistema eletrônico de controle de dados ambiental mantido e organizado pelo Estado do Pará –, cujo objetivo era a obtenção de guias florestais para dar aparência de legalidade à atividade ilícita de extração de madeira, representa apenas violação reflexa aos bens, serviços e interesses da União, não atraindo, assim, a competência da Justiça Federal para julgar o feito, pois não caracterizada a violação ao art. 109, IV, da Constituição Federal. 3. Recurso ordinário em habeas corpus provido para determinar a remessa dos autos à Justiça Estadual. (STJ – Rec-HC 35.551 – (2013/0031143-0) – 5ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 19.06.2013 – p. 621)

RESERVA INDÍGENA – EXTRAÇÃO ILEGAL DE MADEIRA E CORTE DE ÁRVORES EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – EMENDATIO LIBELLI – POSSIBILIDADE – ‘Agravo regimental. Recurso especial. Direito penal. Delito ambiental. Lei nº 9.605/1998. Lei nº 8.176/1991. Concurso formal. Art. 70 do CP. Extração ilegal de madeira de reserva indígena e corte de árvores em área de preservação permanente. Emendatio libelli. Possi-bilidade. Nihil tibi factum dabo tibi ius. Acusado defende-se da narração fática, e não da capitulação efetivada na denúncia, que pode ser alterada nos limites do art. 383 do CPP. Art. 89 da Lei nº 9.099/1995. Suspensão condicional do processo. Inadequação. Acórdão a quo em consonância com a jurisprudência deste Tribunal. Matéria fático-probatória. Súmulas nºs 7 e 83/STJ. 1. O art. 383 do Código de Processo Penal dispõe que o juiz poderá – sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa – atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave ao fato, conforme redação determinada pela Lei nº 11.719/2008. Tal norma decorre da máxima nihil tibi factum dabo tibi ius, que exprime o dever do réu de se defender dos fatos, pois cabe ao juiz dizer o direito. 2. A emendatio libelli ocorrerá sempre que hou-

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RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA DE DIREITO AMBIENTAL............................................175

ver uma alteração da classificação da figura típica. 3. Incidência da Súmula nº 83/STJ. 4. Desconstituir a conclusão a que chegaram as instâncias ordinárias – sobre a suspensão condicional do processo, com base no art. 89 da Lei nº 9.099/1995 – implica necessa-riamente a incursão no conjunto probatório dos autos, revelando-se inadequada a análise da pretensão recursal em função do óbice da Súmula nº 7/STJ. 5. Cabível ao Ministério Público a manifestação acerca do oferecimento do benefício da suspensão condicional do processo, no caso de desclassificação de um crime para outro tipo penal que se enquadre nos requisitos estabelecidos no art. 89 da Lei nº 9.099/1995. 6. O recurso não pode ser conhecido sob o fundamento da alínea c, art. 105, da Constituição Federal, porque não realizou a parte o necessário cotejo analítico. Em outros termos, in casu, não se demonstrou suficientemente as circunstâncias identificadoras da divergência com o caso confrontado, conforme dispõem os arts. 541 do Código de Processo Civil e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ. 7. O agravo regimental não merece prosperar, porquanto as razões reunidas na insurgência são incapazes de infirmar o entendimento assentado na decisão agravada. 8. Agravo regimental improvido.’” (STJ – AgRg-REsp 1.256.137 – (2011/0085022-1) – 6ª T. – Rel. Min. Sebastião Reis Júnior – DJe 19.09.2012 – p. 394)

O nobre Relator em seu voto entendeu:

“Analiso o que me cabe, começando por dizer que a preliminar deve ser rejeitada. De fato, a perícia, cuja falta foi reclamada no apelo, mostrava-se desnecessária no caso concreto: (i) o termo de inspeção do Ibama (fls. 31/32), bem como a documentação acostada pelo Incra (fls. 35 e ss.) demonstram satisfatoriamente a materialidade do crime, e não foram impugnados pelo acusado; (ii) o tipo penal (desmatamento) é daqueles em que o vestígio só é observado ao tempo de consumação do ato. Anos depois de sua ocorrência (em 2010, sendo a denúncia recebida em 2013), é certo que alguma vegetação já teria crescido no local, prejudicando um pretenso exame na área; (iii) os depoimentos das testemunhas relataram a ocorrência do desmatamento (fls. 92 e ss.); (iv) a confissão do réu, conquanto não possa, de forma isolada, suprir-lhe a falta (CPP, art. 158), é certo que, quando conjugada aos demais elementos de convicção, reiteram a materialidade do crime.

[...]

Quanto ao argumento, porém, de que a extração da madeira teria ocorrido para garantir a subsistência de sua família, pelo que dever-lhe-ia ser aplicada a excludente de ilicitude prevista no Lei nº 9.605/1998, art. 50-A, § 1º (‘não é crime a conduta praticada quando necessária à subsistência imediata pessoal do agente ou de sua família’), o recurso tem inteira razão. Observe-se, de um lado, que a renda da família do acusado é composta do ‘bolsa família’, recebido pela esposa, e do seu trabalho na agricultura, justo em função do qual se deu e dá sua presença no assentamento, levado a efeito pelo próprio Incra – e não para outra finalidade.

A ação combatida teve lugar, aliás, segundo a própria denúncia, exatamente no lote que lhe houvera sido reservado (de número 45).

Ante o exposto, dou provimento à apelação, absolvendo o réu da acusação que lhe formu-lou o MPF com base na norma insculpida no CPP, art. 386, VI.

É como voto.”

Dessa forma, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região deu provimento à apelação.

1672 – Crime ambiental – ave silvestre – comercialização – licença – ausência – perdão judicial – descabimento

“Ave silvestre. Ausência de licença. Prova da materialidade. Substituição por pena pecuniária. Pena de multa. Perdão judicial. Descabimento. Processo nº 0002783-44.2012.8.19.0032. Apelante: Rafael Machado Assumpção. Apelado: Ministério Público. Relatório: Cuida-se de recurso de apelação interposto por Rafael Machado Assumpção, inconformado com a senten-

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ça de fls. 87/88, prolatada pelo juízo do juizado especial adjunto criminal da Comarca de Mendes, que o condenou pela prática do crime tipificado no art. 29, § 1º, inciso III, e § 4º, inciso I, da Lei nº 9.605/1998, à pena privativa de liberdade correspondente a 01 (um) ano de detenção e 18 (dezoito) dias-multa, tendo a pena privativa de liberdade sido substituída pela pena privativa de direitos na modalidade de prestação de serviços à comunidade, por igual período. Alega a apelante em suas razões recursais constantes de fls. 90/99, preliminarmente, a nulidade da sentença em razão da ausência de perícia e de laudo técnico, que pudessem atestar que os pássaros apreendidos não fazem parte daquelas que o próprio Ibama admite dispensável a licença. No mérito, sustenta que possuía os pássaros desde os 15 anos de idade, tendo a eles se afeiçoado, não tendo o dolo de praticar o delito pelo qual fora condenado. Invoca a aplicação do princípio da bagatela em razão da pouca quantidade de pássaros apre-endidos, que não afeta o equilíbrio ecológico, inexistindo dano ao meio ambiente. Sustenta não ser reincidente e que a causa especial de aumento de pena foi aplicada indevidamente, uma vez que nega a posse do ‘pichochó’ e confessou espontaneamente a posse dos demais pássaros, sendo aplicável a circunstância atenuante da confissão. Assim, requer o acolhimen-to da questão preliminar ou, caso ultrapassada, seja absolvido ou, se mantida a condenação, que seja afastada a causa especial de aumento de pena, com o reconhecimento da circunstân-cia atenuante da confissão espontânea e a aplicação do perdão judicial. O apelado se mani-festou às fls. 103/109 verso, no sentido de que seja conhecido e desprovido o recurso, man-tendo-se a sentença recorrida por seus próprios fundamentos. O Órgão Ministerial em atuação perante esta Turma Recursal também se manifestou às fls. 112/117, sustentando que a condu-ta é típica e o conjunto probatório é suficiente para sustentar o decreto condenatório, opinan-do pelo conhecimento e improvimento do recurso. Rio de Janeiro, 17 de junho de 2015. Carlos Fernando Potyguara Pereira, Juiz de Direito, Relator. Processo nº: 0002783-44.2012.8.19.0032. Apelante: Rafael Machado Assumpção. Apelado: Ministério Público. Apelação. Crime Ambiental. Fortes elementos probatórios que, em conjunto, permitem ao julgador formar sua convicção no sentido da existência do delito previsto no art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998, tornando prescindível a realização do exame pericial para a demonstra-ção da materialidade. Afastamento da causa de aumento de pena diante da dúvida se um dos oito pássaros apreendidos está relacionado entre os animais ameaçados de extinção. Não in-cidência do princípio da bagatela devido à impossibilidade de permissivo geral ao descumpri-mento da lei penal. Não aplicação do perdão judicial em razão da inocorrência de circuns-tâncias excepcionais que torne inconveniente ou desnecessária a imposição da sanção penal. Provimento parcial do recurso para a redução da pena. Voto: Cabe a análise da questão acerca da ausência de laudo pericial e a consequente aferição da prova da materialidade do delito. É princípio geral da avaliação da validade e do aproveitamento dos atos processuais o insculpido no brocardo francês pás de nullité sans grief (não há nulidade sem prejuízo). Em que pese a nulidade tenha sido arguida oportunamente, esta não deverá ser declarada se não houver prova do efetivo prejuízo para a Defesa. A redação do art. 158, do CPP não é absolu-ta. Em outras palavras, apesar de não ter sido efetivamente apresentado laudo pericial elabo-rado por perito integrante de instituição oficial de criminalística, o acusado reconheceu que tinha em cativeiro pássaros de espécimes da fauna silvestre elencados na denúncia, com ex-ceção do ‘pichochó’, que consiste em espécie ameaçada de extinção. Não foi apresentada a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente para manter todos os animais em cativeiro, nem foi produzida prova de que o réu detinha os pássaros desde os 15 (quinze) anos de idade como alegado, provas estas cujo ônus não se desincumbiu a Defesa. Por outro lado, apesar de haver erro material quanto ao número de pássaros apreendidos, pois do auto de apreensão constam nove (fl. 42) e da listagem de animais recebidos constam oito

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(fls. 40/41), é fato incontroverso que o acusado os mantinha em cativeiro, conforme teor de seu interrogatório. Assim, ressalvada a dúvida acerca da manutenção em cativeiro do ‘picho-chó’ (ave em extinção), que propiciaria a incidência da causa de aumento de pena, é eviden-te a prática do delito. Portanto, existindo elementos probatórios, em conjunto, que permitam ao julgador formar sua convicção no sentido da existência do crime ambiental previsto no art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998 imputado ao acusado, torna-se desnecessária a realiza-ção do exame pericial para concluir pela sua materialidade, tendo em conta também a prova oral colhida e demais documentos constantes dos autos, como o auto de apreensão dos ani-mais, a lista de pássaros recebidos pelo Ibama e as informações técnicas correspondentes também elaborada pelo Ibama. Sobre a matéria assim já decidiu o Tribunal de Justiça deste Estado: ‘Apelação. Crime ambiental. Ministério Público que se insurge contra a sentença na qual a MMª Juíza absolveu o acusado da imputação do delito previsto no art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998, mas determinou o prosseguimento do feito em relação ao delito de posse ilegal de arma de fogo de uso permitido, para fins de eventual oferecimento da suspensão condicional do processo. Recurso a que se dá provimento. Declaração de extinção da puni-bilidade de ofício. Do pedido ministerial: a materialidade e a autoria delitivas foram absoluta-mente comprovadas na hipótese dos autos, notadamente pelos depoimentos prestados em Juízo, aos quais corroboram as demais provas do processo. Auto de prisão em flagrante, laudo técnico, termo de soltura e auto de apreensão e entrega, que não deixam a menor dúvida acerca da procedência da acusação. Com o fim da instrução criminal, restou incontroverso que o acusado tinha em cativeiro três coleiros papa-capins e dois canários da terra, espécimes da fauna silvestre. O simples fato de não haver laudo pericial ou informação de órgão oficial ambiental capaz de atestar a origem das aves apreendidas não se mostra suficiente a desca-racterizar a prova da materialidade delitiva, diante de todo o conjunto fático probatório coli-gido durante a instrução criminal. Os pássaros foram devolvidos ao ambiente natural no dia seguinte à conduta criminosa, do que resultou o desaparecimento dos vestígios e, por conse-quência, a autorização para que a prova da materialidade do delito fosse produzida por outros meios, a teor do art. 167 do Código de Processo Penal. Além dos depoimentos dos policiais, prestados sob o crivo do contraditório, o próprio termo de soltura dispõe que os pássaros apreendidos pertencem à fauna nacional. Soma-se a isso o laudo técnico lavrado por um médico veterinário, em que se discriminam os espécimes apreendidos e as suas condições de saúde, com vistas a libertá-los em seu ambiente natural. De igual modo, o auto de apreensão subscrito pelo delegado titular da 152ª Delegacia de Polícia descreve as aves apresentadas por um policial militar como três coleiros papa-capins e dois canários da terra. Nos termos do art. 29, § 3º, da Lei nº 9.605/1998, são espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencen-tes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras, o que configura, indubitavelmente, um rol bastante ampliati-vo. Levando-se em conta que as aves foram capturadas pelo acusado quando se encontravam livres, aliado aos depoimentos das testemunhas prestados em Juízo e aos documentos cons-tantes dos autos, a materialidade e a autoria delitivas restaram absolutamente comprovadas, o que torna, pois, impossível a absolvição do apelado. Do perdão judicial: o apelado faz jus ao perdão judicial, na medida em que não há informação nos autos sobre a ameaça de extinção das aves silvestres apreendidas, cuja guarda se deu em ambiente doméstico, o que se coaduna com os requisitos do art. 29, § 2º, da Lei nº 9.605/1998. Provimento do recurso, a fim de condenar o apelado nas penas do art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998, mas com a concessão de ofício do perdão judicial, para declarar extinta a punibilidade’ (Ap 0000001-06.2012.8.19.0019, Des. Claudio Tavares de O. Junior, Julgamento: 20.05.2015, 8ª C.Crim.)

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Em consequência da aludida dúvida quanto a um dos pássaros apreendidos estar ou não na relação de animais ameaçados de extinção é afastada a causa de aumento de pena correspon-dente. A seu turno, malgrado a jurisprudência pátria venha asseverando, em alguns casos, a aplicação do princípio da bagatela aos delitos ambientais, há de se salientar que a aplicação do referido princípio torna premente a análise casuística dos vetores fixados pela Corte Espe-cial de Justiça, a saber: a) a mínima ofensividade da conduta do agente, b) a nenhuma pericu-losidade social da ação, c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Assim, analisando-se o caso em exame, infere-se que não se mostra condizente com a aplicação do princípio da insignificância, posto que foram apreendidos oito animais na posse do agente, o que não induz, de per si, à atipici-dade material da conduta, haja vista que o bem jurídico tutelado pela norma é a preservação do equilíbrio ecológico, que efetivamente foi posto em xeque pela conduta desviante do acusado. As infrações perpetradas contra o meio ambiente incidem difusamente, repercutindo em desfavor da coletividade e da natureza, resultando em uma acentuada e inquestionável lesividade social, o que, por sua vez, por óbvio, legitima a tutela penal do referido bem jurí-dico, porquanto o mesmo ostenta titularidade difusa e o dano, cuja relevância não pode ser mensurada, lesiona o ecossistema, pertencente à coletividade. Certo é que se tratando especi-ficamente da proteção ambiental, para aceitação do princípio da bagatela, é necessário que a lesão possa ser considerada insignificante, o que não se afigura no caso sub judice, porquanto o bem jurídico tutelado é bem maior e mais relevante do que o aspecto quantitativo, amol-dando-se a conduta do réu como típica e culpável. Eventual acolhimento da tese defensiva nesse sentido, importaria verdadeiro permissivo à manutenção de animais silvestres em domi-cílio, alheia às autorizações e licenças das autoridades competentes que se mostram necessá-rias, o que iria de encontro à necessidade de preservação das espécies para as gerações vin-douras. De outra parte, é inegável que a Lei nº 9.605/1998 objetiva concretizar o direito dos cidadãos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e preservado para as futuras gera-ções, referido no art. 225, caput, da Constituição Federal, que, em seu § 1º, inciso VII, dispõe ser dever do Poder Público, para assegurar a efetividade desse direito, proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da Lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. Conclui-se, então, ter o apelante praticado o crime do art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998. Por conseguinte, passa-se à dosimetria da pena. Atendendo às diretrizes do art. 59 do Código Penal, ante a culpabilidade normal do tipo penal, bem como as circunstâncias e consequências do ilícito, já conhecidas, fixa-se a pena base no mínimo legal, isto é, 06 (seis) meses de detenção. A atenuante da confissão espontânea não pode ser utilizada para a redução da pena abaixo do mínimo legal, tampouco incidem causas de aumento ou diminuição da pena, de forma a to-talizar a pena privativa de liberdade em 6 (seis) meses de detenção, em regime aberto. Toda-via, dado o menor potencial ofensivo do delito, entendo cabível a substituição da pena por ser socialmente recomendável, de maneira a aplicar a substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos, sendo eleita para tanto a prestação pecuniária, diante da re-cente condenação do ora apelante pelo crime do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 no processo criminal de nº 0002555-69.2012.8.19.0032, por não parecer suficiente a mera substituição pela pena de multa. A prestação pecuniária consistirá no pagamento de quantia equivalente a 01 (um) salário mínimo vigente na data de hoje em favor da Casa de Jacira, Rua Aguiar, nº 72, Tijuca, Banco Itaú, Agência 0703, Conta Corrente nº 30015-2. Em havendo o descumprimen-to injustificado da pena restritiva aplicada em substituição à pena privativa de liberdade, de-verá a pena ser convertida em privativa de liberdade, pelo prazo de 6 (seis) meses, conforme o disposto no art. 44, § 4º, do CP. Pena a ser cumprida em regime aberto, ex vi do art. 33,

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§ 2º, alínea c do Código Penal. Aplico também a pena de multa fixada no mínimo legal, isto é, em 10 (dez) dias-multa, com valor do dia-multa de 1/30 do salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, observado o disposto nos arts. 49 e 60 do CP. Derradeiramente, quanto ao pleito de aplicação do perdão judicial, cumpre frisar que essa modalidade de isenção de pena somente tem lugar após o julgador perscrutar se as circunstâncias são favoráveis ao agente, na forma do art. 29, § 2º, da Lei nº 9.605/1998. No caso em apreciação, não se apresentam cir-cunstâncias excepcionais que tornem por inconvenientes ou desnecessárias a imposição da sanção penal ao réu, pois nenhum dado comprovado foi trazido aos autos que evidencie que o réu tenha atuado de forma nobre ou que tivesse os passarinhos desde a adolescência. Isto posto, meu voto é pelo conhecimento e parcial provimento do recurso de apelação manejado, para que a condenação se dê pelo delito do art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998 à pena privativa de liberdade em 06 (seis) meses de detenção, em regime aberto, substituída pela prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário mínimo vigente na data de hoje, cumulada com a pena de multa, de 10 (dez) dias-multa, à razão unitária de 1/30 do salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato. Rio de Janeiro, 17 de junho de 2015. Carlos Fernando Potyguara Pereira Juiz de Direito – Relator.” (TJRJ – ACr 0002783-44.2012.8.19.0032 – 2ª T.R.J.E.Crim. – Rel. Juiz Carlos Fernando Potyguara Pereira – DJe 19.08.2015)

Transcrição Editorial SÍNTESELei nº 9.605/1998:

“Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:

Pena – detenção de seis meses a um ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas:

[...]

III – quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depó-sito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.

[...]

§ 4º A pena é aumentada de metade, se o crime é praticado:

I – contra espécie rara ou considerada ameaçada de extinção, ainda que somente no local da infração; [...]”

1673 – Crime ambiental – dano florestal – unidade de conservação – não comprovação

“Apelação criminal. Meio ambiente. Crime ambiental. Dano florestal. Unidade de conserva-ção. Ausência de provas. Absolvição. Recurso. Não provimento. É de se manter a sentença absolutória quando o conjunto probatório for insuficiente para comprovar a autoria dos de-litos imputados na denúncia.” (TJRO – Ap 0025413-68.2006.8.22.0017 – 2ª C.Crim. – Rel. Des. Miguel Monico Neto – DJe 14.08.2015)

1674 – Crime ambiental – incêndio – insuficiência de provas – absolvição

“Apelação criminal. Crime ambiental. Recurso ministerial. Insuficiência de provas. Absolvi-ção mantida. Recurso defensivo. Desmatamento de espécie nativa. Inexistência de perícia ofi-cial. Absolvição do apelante Marcionílio por ausência de provas. 1. Havendo dúvida acerca da ocorrência do delito de incêndio, descrito no art. 41 da Lei nº 9.605/1998, a absolvição dos apelados Benício e Marcionílio deve ser mantida. 2. Não existindo prova da materialidade

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do crime previsto no art. 38 da Lei nº 9.605/1998, qual seja, perícia oficial, nos termos do art. 158, do Código de Processo Penal, é de absolver o apelante Marcionílio. 3. Desprovimen-to ao recurso ministerial e provimento ao recurso defensivo são medidas que se impõem.” (TJMG – ACr 1.0568.11.001579-5/001 – 3ª C.Crim. – Rel. Antônio Carlos Cruvinel – DJe 05.08.2015)

1675 – Crime ambiental – pesca em local proibido – princípio da insignificância – inaplica-bilidade

“Penal. Processo penal. Crime contra o meio ambiente. Art. 34, caput, da Lei nº 9.605/1998. Pesca em local proibido. 1. Não se aplica o princípio da insignificância em delitos ambientais quando é destinada especial proteção legal ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal, cuja violação reveste-se de maior gravidade, como a pesca em local proibido (v.g., Reservas Ecoló-gicas) ou em período proibido (Piracema), ou a captura de espécimes ameaçados de extinção. 2. A pesca em local proibido, com a ciência da ilicitude da conduta, configura o crime previs-to no art. 34, caput, da Lei nº 9.605/1998.” (TRF 4ª R. – ACr 0011876-19.2009.4.04.7200/SC – 7ª T. – Rel. Des. Fed. Márcio Antonio Rocha – DJe 04.08.2015)

Comentário Editorial SÍNTESEA apelação é oriunda de sentença proferida nos autos de denúncia oferecida pelo Ministé-rio Público Federal contra os réus pela prática do delito previsto no art. 34, caput, da Lei nº 9.605/1998, in verbis:

“Art. 34. Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente:

Pena – detenção de um ano a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.”

O juízo a quo condenou os réus pela prática do referido delito ficando sujeitos à pena de 1 ano de detenção em regime aberto, a qual foi substituída pelo pagamento da prestação pecuniária no valor de R$ 5.000,00 para cada um dos réus.

Irresignados com a sentença, os réus interpuseram o presente recurso alegando ausência de provas para ensejar um juízo condenatório. Como medida subsidiária, pleitearam a redução da pena de prestação pecuniária a que foram condenados.

Na análise recursal a 6ª Câmara Criminal do TJMG entendeu que há nos autos provas suficientes que comprovem a ocorrência do delito.

Os desembargadores enfatizaram que não é possível a aplicação do princípio da insignifi-cância nas infrações penais ambientais, já que o bem jurídico agredido é o ecossistema, e sua relevância não é passível de mensuração.

Do voto da Relatora, destacamos o trecho que segue:

“[...] Acerca do crime em comento, conforme já decidiu este Tribunal Regional, ‘O delito de pesca em local vedado ou com petrechos proibidos perfectibiliza-se com qualquer ato tendente à captura de espécimes ictiológicos (Lei nº 9.605/1998, art. 34), ou seja, com a simples conduta capaz de produzir materialmente o prejuízo. Eventual obtenção do resul-tado material consiste em mero exaurimento do tipo’ (ACr 0002480-18.2009.404.7200, 7ª T., Rel. Des. Fed. Néfi Cordeiro, DE 14.04.2011).

Nesse passo, esta Corte tem decidido que, em regra, as infrações penais ambientais não admitem a aplicação do princípio da insignificância, pois o bem jurídico agredido é o ecos-sistema, constitucionalmente tutelado pelo art. 225 da Constituição Federal, cuja relevân-cia não pode ser mensurada. Assim, são muitas as razões apontadas pelos especialistas e pela doutrina a não permitirem a aplicação da bagatela jurídica, seja porque o meio ambiente é bem jurídico de titularidade difusa, seja porque as condutas que revelam refe-ridos crimes assumem uma potencialidade lesiva que se protrai no tempo e pode afetar as gerações futuras. Não se olvide também que as violações ao meio ambiente, por menores

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que sejam, revelam-se demais preocupantes, à medida que o aumento da destruição é proporcionalmente maior de acordo com o crescimento da população, tornando-se cada vez mais difícil de controlar, motivo pelo qual exige-se de todos a preservação.

A conduta delituosa de pescar em período de defeso ou em local interditado por órgão competente, especialmente, no caso em tela, em uma Reserva Biológica, é uma interven-ção humana indevida e inapropriada, acarretando sérios danos à reprodução da espécie e culminando por lesionar, em cadeia, todo o ecossistema. Se há regras emitidas proibindo a pesca em determinado período e local, ou mediante a utilização de petrechos específicos, ou em determinado número, é porque tais condutas são capazes de gerar sérios danos à fauna e flora aquáticas.

A jurisprudência de ambas as Turmas Penais desta Corte, em hipóteses semelhantes, tem revelado a máxima cautela na aplicação do princípio da insignificância em hipóteses como a presente, conforme ilustra o precedente desta 7ª Turma, já referido no Item 1.2, acima. No mesmo sentido, o julgado da 8ª Turma:

PENAL – EMBARGOS DECLARATÓRIOS – PREQUESTIONAMENTO – PESCA EM LOCAL PROIBIDO, EM PERÍODO DE DEFESO E COM PETRECHO PROIBIDO – INSIGNIFICÂNCIA – INAPLICABILIDADE – RISCO REAL AO BEM JURÍDICO MEIO AMBIENTE – AUSÊNCIA DE OMISSÃO – 1. O crime do art. 34 da Lei nº 9.605/1998 é formal, não exigindo resul-tado material para sua consumação, e só atrai a aplicação do princípio da insignificância quando a conduta não for apta a lesar efetivamente o bem jurídico. Precedentes. 2. Em-bargos declaratórios desacolhidos. (TRF 4ª R., ED-RSE 5006239-48.2013.404.7204, 8ª T., Des. Federal João Pedro Gebran Neto, 09.09.2014) [...]”

No que tange a diminuição do valor da prestação pecuniária, o Relator entendeu ser cabí-vel, atribuindo um novo montante, qual seja, R$ 2.000,00.

Por fim, deu parcial provimento à apelação, reduzindo o valor da prestação pecuniária.

1676 – Crime ambiental – transporte de substância perigosa – nociva ao meio ambiente – agrotóxico de procedência estrangeira – dano ambiental – comprovação

“Penal. Crime ambiental. Art. 56 da Lei nº 9.605/1998. Importação e transporte de substância perigosa ou nociva ao meio ambiente. Agrotóxico de procedência estrangeira. Dano ao meio ambiente. Tipicidade. Materialidade. Autoria. Dolo. Prova. Dosimetria da pena. A conduta de importar e transportar agrotóxico de procedência estrangeira, em desacordo com as exigên-cias legais e regulamentares, se insere no tipo penal do art. 56, caput, da Lei nº 9.605/1998. Comprovados a materialidade, a autoria e o dolo no cometimento do delito, confirma-se a sentença condenatória. Se nenhuma das circunstâncias previstas no art. 59 do Código Penal é valorada em desfavor do réu, a pena-base deve ser fixada no patamar mínimo.” (TRF 4ª R. – ACr 0001996-37.2008.4.04.7103/RS – 7ª T. – Rel. Des. Fed. Márcio Antonio Rocha – DJe 13.08.2015)

1677 – Crime ambiental – uso de documento falso – princípio da consunção – impossibili-dade

“Penal e processual penal. Crime ambiental. Uso de documento falso. Princípio da consun-ção. Impossibilidade. Dolo não configurado. 1. Não se aplica o princípio da consunção entre os crimes descritos nos art. 46 da Lei nº 9.605/1998 e 304 CP, quando o falso não foi mero exaurimento do crime ambiental. Cada crime é dotado de sua própria autonomia: aquele tutela o meio ambiente, bem jurídico diferente do objeto jurídico da fé pública, tutelado pelo crime de uso de documento falso (art. 304, CP). 2. Na inexistência de demonstração da von-tade livre e consciente da acusada de utilizar-se de Autorização para Transporte de Produto

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Florestal (ATPF) falsa, a fim de possibilitar a venda ilegal de madeira, impõe-se a absolvição. A conduta culposa não se enquadra no crime de uso de documento falso (art. 304, CP). 3. Ape-lação desprovida.” (TRF 1ª R. – ACr 2004.39.00.001361-6/PA – Rel. Juiz Fed. Conv. Marcus Vinícius Reis Bastos – DJe 13.08.2015)

1678 – Crime contra a fauna – princípio da insignificância – possibilidade

“Apelação criminal. Crime contra a fauna. Princípio da insignificância. Possibilidade. Ausên-cia de lesão ao sistema ecológico. Aplica-se o princípio da insignificância, mesmo em crimes ambientais, se a conduta do agente não causa qualquer lesão ao bem jurídico tutelado, ou seja, ao meio ambiente, pois os peixes pescados foram devolvidos ao seu habitat com vida.” (TJMG – ACr 1.0625.11.003587-4/001 – 6ª C.Crim. – Relª Denise Pinho da Costa Val – DJe 05.08.2015)

1679 – Dano ambiental – edificações na faixa da areia da praia – indenização – possibili-dade

“Constitucional e processual civil. Ambiental. Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal. Dano ambiental caracterizado. Dever de indenizar. Sujeito passivo. Subs-tituição. Impossibilidade. Responsabilidade objetiva e solidária. 1. Ação Civil Pública ajui-zada pelo Ministério Público Federal visando à demolição de edificações que avançaram sobre a faixa de areia na Praia de Geribá (Armação de Búzios/RJ), bem como ao pagamento de indenização pelos danos ambientais causados. 2. Ocorrido o dano ambiental, deve--se perquirir o responsável por sua ocorrência, que tanto poderá ser o responsável direto, quanto o indireto, havendo uma relação de responsabilidade solidária e objetiva entre tais pela reparação civil do dano ocorrido, conforme consagrado na Constituição Federal, em seu art. 225, § 3º, e no art. 3º da Lei nº 6.938/1981. 3. A alienação da coisa, ou do direito litigioso, a título particular, por ato entre vivos, não altera a legitimidade das partes, é o que observa no caput do art. 42 do CPC. 4. A responsabilidade civil pelo dano ambiental é de natureza objetiva e solidária, razão pela qual a posterior transferência do imóvel não exime a Agravante – como causadora do ilícito ambiental – do ônus de reparar o dano, ainda que solidariamente com o atual proprietário do imóvel. 5. Em se tratando de responsabilidade solidária, podendo ser imediatamente exigida pelo proprietário atual ou por aquele que era da época da agressão ao meio ambiente, independentemente de alegação de boa-fé do adquirente, nenhum óbice há no ajuizamento da ação em questão em face da Agravan-te. 6. Precedentes: STJ, REsp 200500084769, Herman Benjamin, 2ª T., DJe 11.11.2009; TRF 2ª R., AC 200751030021186, Des. Fed. Guilherme Diefenthaeler, 5ª T.Esp., e-DJF2R: 18.05.2012. 7. Agravo desprovido.” (TRF 2ª R. – AI 0003030-60.2014.4.02.0000 – 5ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Marcus Abraham – DJe 06.08.2015)

Transcrição Editorial SÍNTESE• Constituição Federal:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

[...]

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infrato-res, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. [...]”

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• Lei nº 6.938/1981:

“Art. 3º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;

II – degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente;

III – poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

c) afetem desfavoravelmente a biota;

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;

IV – poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;

V – recursos ambientais, a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo e os elementos da biosfera;

V – recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.”

1680 – Dano ambiental – energia elétrica – fornecimento – necessidade

“Apelação cível. Ação civil pública proposta pelo Ministério Público. Defesa de direito indi-vidual indisponível de pessoa idosa. Legitimidade ativa reconhecida. Reconhece-se a legiti-midade ativa do Ministério Público para propor demanda em defesa de direito indisponível – ação civil pública –, e o exercício dessa substituição, com nítido interesse social, mesmo que em benefício de pessoa determinada, mormente porque idosa. Ilegitimidade passiva ad causam. Centrais Elétricas de Santa Catarina – Celesc. Concessionária de serviço público. Preliminar rechaçada. Hipótese em que a ré, concessionária de energia elétrica, negou o for-necimento do serviço aos imóveis de propriedade dos requerentes, pelo que manifesta a sua legitimidade passiva ad causam. Fornecimento de energia elétrica. Imóveis residenciais em área de loteamento irregular. Alegação de dano ambiental. Não ocorrência. Imóveis abasteci-dos por rede de água e por coleta de lixo. Zona urbana consolidada. Decisão judicial liminar, do ano de 2005, que proibiu de modo genérico a ligação de rede elétrica até regularização do loteamento. Provimento de urgência em vigor por mais de 10 (dez) anos. Demanda que aguarda realização da perícia, sem julgamento do mérito. Situação que não obsta a análise dos casos concretos. Prestação de serviço essencial. Princípios da razoabilidade e da digni-dade da pessoa humana. Sentença de procedência mantida. Recurso conhecido e desprovi-do. Caso em que é postulado o fornecimento de energia elétrica em proveito de residências localizadas no loteamento Gralha Azul, no município de São Francisco do Sul, que, embora esteja pendente de regularização fundiária, é zona urbanizada, o que afasta a alegação de danos ambientais. Ademais, os imóveis são abastecidos por rede de água e coleta de lixo, e a negativa da concessionária em disponibilizar serviço público essencial é desarrazoado e ofende a dignidade da pessoa humana. ‘Na esteira do entendimento firmado pelo Grupo de Câmaras de Direito Público, é desproporcional negar serviço público essencial a um único consumidor em área ocupada de forma consolidada, em que os demais moradores dispõem do acesso à energia elétrica’ (Agravo de Instrumento nº 2014.014050-3, de Jaguaruna, Rel. Des. Carlos Adilson Silva, J. 26.08.2014).” (TJSC – AC 2015.001979-9 – Rel. Des. Vanderlei Romer – DJe 21.09.2015)

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Destaque Editorial SÍNTESEEm seu voto, o Relator citou os seguintes precedentes:

“[...] Tem-se outros precedentes no mesmo sentido, veja-se:

Mandado de segurança. Reexame necessário. Fornecimento de energia elétrica. Instalação de postes, medidor de consumo, fiação. Posterior negativa administrativa. Área verde pertencente ao município. Localidade densamente povoada. Ocupação consolidada. Vizi-nhança ligada à rede, com exceção da casa dos impetrantes. Ordem concedida. Remessa desprovida. (TJSC, Reexame Necessário em Mandado de Segurança nº 2015.008522-4, de Lebon Régis, Rel. Des. Júlio César Knoll, J. 25.06.2015)

AGRAVO DE INSTRUMENTO – ANTECIPAÇÃO DA TUTELA INDEFERIDA – LIGAÇÃO DE RESIDÊNCIA À REDE ELÉTRICA – NEGATIVA DA CONCESSIONÁRIA – SUPOSTA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – EDIFICAÇÃO REGULAR – COMPROVAÇÃO DE ALVARÁ DE CONSTRUÇÃO – DECLARAÇÃO DO ÓRGÃO AMBIENTAL MUNICIPAL DE AUSÊNCIA DE RESTRIÇÕES PARA CONSTRUÇÃO NO IMÓVEL – ÁREA URBANA CONSOLIDADA – RECUSA INFUNDADA – SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL – VEROS-SIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES E PERIGO DE DANO DE DIFÍCIL REPARAÇÃO CON-FIGURADOS – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO – ‘Na esteira do entendimento firmado pelo Grupo de Câmaras de Direito Público, é desproporcional negar serviço pú-blico essencial a um único consumidor em área ocupada de forma consolidada, em que os demais moradores dispõem do acesso à energia elétrica’ (AI 2014.014050-3, de Jaguaruna, Rel. Des. Carlos Adilson Silva, J. 26.08.2014). Não cabe à concessionária de energia elétrica fazer as vezes de ente de fiscalização urbanística ou ambiental, negan-do o fornecimento de serviço público essencial à munícipe, mormente quando apresen-tados documentos que atestam a regularidade da construção e, inclusive, declaração do órgão ambiental municipal de que o terreno não possuía restrições ambientais para fins de edificação (Agravo de Instrumento nº 2014.046860-7, de Jaguaruna, Rel. Des. Jorge Luiz de Borba, J. 07.10.2014).[...]”

1681 – Dano ambiental – omissão na prevenção de queimadas e desmatamentos – inocor-rência

“Administrativo. Improbidade administrativa. Ex-prefeito. Dano ambiental. Rejeição da ini-cial. Omissão na prevenção de queimadas e desmatamentos. Inocorrência. Desprovimento das apelações. 1. Os fatos narrados na inicial não constituem atos de improbidade adminis-trativa, como o demonstrou a sentença. A competência para processar e julgar causas cíveis (ação de improbidade administrativa) somente será da justiça federal quando forem interes-sadas, na condição de autoras, rés, assistentes ou opoentes à União, entidade autárquica ou empresa pública federal, ou se houver lesão a bens, serviços ou interesses da União, o que não ocorre no caso, já que a conservação do meio ambiente é dever de todos os entes pú-blicos. 2. O relatório demonstrativo de focos de queimadas nos anos de 2004 a 2010 apenas demonstra que houve um aumento destes focos, não podendo tal fato ser vinculado direta-mente ao desmatamento, nem o apelado ser responsabilizado objetivamente por todos os ilícitos ambientais ocorridos no município na época em que exerceu o mandato de prefeito. 3. O alegado dano ambiental supostamente causado pelo réu em terreno de propriedade da União não constitui improbidade administrativa, o que não implica dizer que não podem ser apurados em outra esfera de responsabilidade. 4. Desprovimento das apelações.” (TRF 1ª R. – AC 0001273-84.2011.4.01.3000/AC – Rel. Juiz Fed. Conv. Marcus Vinícius Reis Bastos – DJe 13.08.2015 – p. 2134)

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1682 – Dano ambiental – rejeitos de mineração e de beneficiamento industrial – descarte

“Agravo de instrumento. Ação de reparação por danos morais. Contaminação ambiental por descarte de rejeitos de mineração e de beneficiamento industrial. Decisão singular que de-terminou a suspensão do andamento da ação individual em razão do trâmite de ações civis públicas na justiça federal com causa de pedir idêntica. Existência de ação coletiva atinente à macro-lide que possibilita a suspensão da ação individual desde seu início. Precedentes do STJ e desta Corte. Decisão que deve ser mantida. Citação que não se faz indispensável para a interrupção do prazo prescricional. Inexistência de motivos para limitar em um ano o prazo para a suspensão da ação individual em decorrência dos reflexos que podem ser produzidos pelo julgamento da demanda coletiva. Agravo desprovido. Em razão da quantidade de ações semelhantes propostas pelos mesmos patronos da presente demanda, alguns recursos em face da suspensão das ações individuais já subiram ao Superior Tribunal de Justiça que, por mais de uma vez, manifestou-se pela manutenção da decisão proferida no Juízo de origem, confor-me se depreende das decisões proferidas nos autos de AREsp 624957, AgRg-AREsp 592756, AREsp 585756, AREsp 585246, todas de relatoria do Excelentíssimo Ministro Luiz Felipe Salomão, em 19.12.2014.” (TJPR – AI 1352866-8 – 9ª C.Cív. – Rel. Des. Luiz Osorio Moraes Panza – DJe 10.08.2015)

1683 – Dano ambiental – unidade de conservação ambiental – comprovação

“Crime ambiental. Dano à unidade de conservação ambiental. Apelação. Conjunto probató-rio suficiente para o reconhecimento do crime. Absolvição. Impossibilidade. Pena adequa-da e motivadamente dosada. Sentença mantida. Recurso desprovido.” (TJSP – Ap 0004739-16.2005.8.26.0495 – Registro – 2ª C.Crim.Ext. – Relª Claudia Lúcia Fonseca Fanucchi – DJe 11.08.2015)

1684 – Degradação ambiental – lançamento de lama abrasiva – floresta – mata ciliar – con-figuração

“Penal. Apelação. Degradação ambiental. Lançamento de lama abrasiva. Lei nº 9.605/1998. Tipicidade. Floresta. Mata ciliar. Dolo configurado. Restou indubitável nos autos que o lan-çamento da lama proveniente do beneficiamento de rochas ornamentais pelos Apelantes pro-vocou degradação ambiental em área considerada de preservação permanente, consubstan-ciada em mata ciliar do Rio Doce, adequando-se ao conceito disposto no art. 3º, II, da Lei nº 12.651/2009 e versada nos arts. 4º a 6º da referida Legislação. O conjunto probatório do feito comprova que houve um despejo da lama tóxica na área de preservação permanente, descartada a tese da defesa de ocorreu um vazamento acidental do material abrasivo. Ina-plicável o princípio do in dubio pro reo, ante a robustez das provas da existência de mate-rialidade e autoria em desfavor dos Apelantes. Apelação conhecida e desprovida.” (TRF 2ª R. – ACr 0000466-02.2012.4.02.5005 – 1ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Paulo Espirito Santo – DJe 04.08.2015)

1685 – Desmatamento – área privada – mata atlântica – Ibama – poder fiscalizatório – pos-sibilidade

“Processual civil. Administrativo. Ambiental. Área privada. Mata atlântica. Desmatamento. Ibama. Poder fiscalizatório. Possibilidade. Ministério Público Federal. Ação civil pública. Le-gitimidade ativa ad causam. Existência. Precedentes. 1. Não há falar em competência exclu-siva de um ente da federação para promover medidas protetivas. Impõe-se amplo aparato de fiscalização a ser exercido pelos quatro entes federados, independentemente do local onde

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a ameaça ou o dano estejam ocorrendo, bem como da competência para o licenciamento. 2. A dominialidade da área em que o dano ou o risco de dano se manifesta é apenas um dos critérios definidores da legitimidade para agir do Parquet Federal. 3. A atividade fiscalizatória das atividades nocivas ao meio ambiente concede ao Ibama interesse jurídico suficiente para exercer seu poder de polícia administrativa, ainda que o bem esteja situado dentro de área cuja competência para o licenciamento seja do município ou do estado, o que, juntamente com a legitimidade ad causam do Ministério Público Federal, define a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento do feito. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.479.316 – (2014/0225211-9) – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 01.09.2015)

1686 – Extração mineral – dano ambiental – paralisação da atividade – recuperação da área degradada – configuração

“Direito ambiental. Ação civil pública. Extração mineral na lagoa de Carapicuíba. Dano am-biental. Paralisação da atividade extrativa. Recuperação da área degradada. Indenização. Jul-gamento em primeira instância antes da oitiva de profissionais da área e da análise do Prad e do EIA-Rima. O julgamento do processo na pendência das providências requeridas pelas partes não pode ser admitido, sob pena de se violar o direito que elas têm, tanto autor quanto réu, de produzirem as provas que entendem pertinentes e relevantes para do desiderato da causa. O simples fato de existir um Prad (Plano de Recuperação de Área Degradada) não afasta a responsabilidade, nem tampouco a existência de eventuais corresponsáveis. A análise há de ser exauriente e vertical, isto é, adentrar nos aspectos consubstanciais da questão, e não apenas limitar-se a um plano superficial ou horizontal. Não há comprovação efetiva da paralisação das atividades, nem tampouco de que o encaminhamento administrativo seguirá, a tempo e modo, razão pela qual retirar a possibilidade de apreciação da questão pelo Judici-ário equivale a fazer letra morta do disposto no art. 5º, XXXV, da CF. Apelação do Ministério Público Federal parcialmente provida para anular a sentença e determinar o prosseguimento do processo para os fins de complementar a instrução. Prejudicada a apelação da Sabesp.” (TRF 3ª R. – AC 0013244-05.2003.4.03.6100/SP – 4ª T. – Relª Desª Fed. Marli Ferreira – DJe 03.08.2015)

1687 – Ibama – animais silvestres em cativeiro – infração – configuração

“Processo civil. Embargos de declaração. Ibama. Auto de infração. Animais silvestres em cativeiro. Multa. Advertência prévia desnecessária. Razoabilidade. Obediência aos critérios legais. Inexistência de omissão, contradição ou obscuridade. 1. Os embargos declaratórios só se justificam quando relacionados a aspectos que objetivamente comprometam a inteli-gibilidade e o alcance do pronunciamento judicial, estando o órgão julgador desvinculado da classificação normativa das partes. É desnecessária a análise explícita de cada um dos argumentos, teses e teorias das partes, bastando a resolução fundamentada da lide. 2. O mero inconformismo, sob qualquer título ou pretexto, deve ser manifestado em recurso próprio e na instância adequada para considerar novamente a pretensão. Embargos declaratórios manifes-tados com explícito intuito de prequestionamento não dispensam os requisitos do art. 535 do CPC. Precedentes jurisprudenciais. 3. O acórdão embargado consignou que a pena de multa é apenas uma das espécies de sanções aplicáveis às infrações ambientais, inexistindo qual-quer ordem obrigatória de gradação a ser observada (Decreto nº 3.179/99, art. 2º, incisos e § 3º); e a correta interpretação do art. 72, § 3º, da Lei nº 9.605/1998 é aquela segundo a qual a aplicação da multa não está restrita às hipóteses do art. 72, § 3º, mas, presentes as condições nele descritas, é imperativa a sua incidência. No caso, a sanção imposta ao infrator, R$ 2 mil, não é desproporcional, na medida em que se balizou em critérios previamente definidos no

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Decreto nº 3.179/1999, que prevê R$ 500,00 por cada espécime encontrado ilegalmente em cativeiro. 4. O recurso declaratório, concebido ao aprimoramento da prestação jurisdicional, não pode contribuir, ao revés, para alongar o tempo do processo, onerando o já sobrecarre-gado ofício judicante. 5. Embargos de declaração desprovidos.” (TRF 2ª R. – AC 0016495-96.2013.4.02.5101 – 6ª T.Esp. – Relª Desª Fed. Nizete Antônia Lobato Rodrigues Carmo – DJe 06.08.2015)

Transcrição Editorial SÍNTESELei nº 9.605/1998:

“Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º:

[...]

§ 3º A multa simples será aplicada sempre que o agente, por negligência ou dolo:

I – advertido por irregularidades que tenham sido praticadas, deixar de saná-las, no prazo assinalado por órgão competente do Sisnama ou pela Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha;

II – opuser embaraço à fiscalização dos órgãos do Sisnama ou da Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha. [...]”

1688 – Ibama – pássaros silvestres mantidos em cativeiro domiciliar – anilhas adulteradas – uso indevido – materialidade e autoria – demonstração

“Penal. Apelação criminal. Art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998. Pássaros silvestres, irregular-mente, mantidos em cativeiro domiciliar. Art. 296, § 1º, III, do Código Penal. Uso indevido de anilhas identificadoras do Ibama (adulteradas). Materialidade e autoria demonstradas, assim como o dolo do acusado, em relação a ambos os delitos. Bens jurídicos penalmente tutelados diversos. Concurso material. Dosimetria. Inocorrência de erro sobre ilicitude inevitável ou evitável. Substituição. Prestação pecuniária reduzida para um salário mínimo e, de ofício, destinada à união federal. Apelo parcialmente provido. 1. Os elementos de cognição de-monstram que José Rubens Pastorelli, de forma livre e consciente, mantinha, irregularmente, em cativeiro domiciliar, 05 (cinco) pássaros silvestres, os quais vieram a ser apreendidos por policiais militares ambientais, em 16.06.2012, na própria residência do acusado, no Muni-cípio de Sales/SP, além de incorrer, também de maneira livre e consciente, no uso indevido de anilhas originalmente cadastradas pelo Ibama e posteriormente adulteradas (todas de di-âmetro superior ao normativamente permitido), constantes nos tarsos dos 03 (três) canário--da-terra (Sicalis flaveola) objeto da referida apreensão: Boletim de Ocorrência nº 120627/PAmb com fotos (fls. 06 e 09); Auto de Infração Ambiental (fl. 05); Termo de Apreensão (fl. 07); Exame de Constatação relativo às gaiolas (fl. 08); Relatório Policial (fls. 31/32); Ofí-cio nº 4BPAmb300/103/13 relativo à libertação dos pássaros apreendidos com as anilhas adulteradas (fl. 41); Ofício 02027.001702/2014-31/ESREG/SJRP-SP/Ibama com os históricos Sispass das anilhas adulteradas ‘2,8 591175’, ‘2,8 591174’, ‘2,8 591173’, ‘2,6 449714’ e ‘2,2 260643’ (fls. 126/131); Depoimento de testemunha em juízo (fls. 84 e 86-mídia); Interrogató-rio em sede policial (fl. 24) e em juízo (fls. 117 e 118-mídia). 2. Com efeito, a versão apresen-tada nos autos pelo apelante mostra-se isolada e incongruente, seja pelas circunstâncias no caso concreto, seja por sua divergência com as informações contidas nos espelhos-consulta do Ibama referentes aos históricos de transferências das anilhas adulteradas (fls. 126/131). 3. Portanto, restam incontestes a materialidade e autoria delitivas, assim como o dolo do réu, em relação à prática dos delitos previstos no art. 296, § 1º, III, do Código Penal, e no art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998, em concurso material, não se olvidando da natureza diversa

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dos bens jurídicos penalmente tutelados em cada um dos tipos penais em comento, respec-tivamente, a fé pública e a proteção ao meio ambiente (fauna). 4. Inocorrência de erro sobre ilicitude do fato, seja inevitável ou evitável, na forma do art. 21, caput e parágrafo único, do Código Penal, sendo perfeitamente possível ao acusado que, naquelas circunstâncias (criador amador de passeriformes silvestres nativos com inscrição no Cadastro Técnico Federal do Ibama), tivesse ou atingisse a consciência da ilicitude de seus atos relacionados à manutenção irregular de pássaros silvestres em cativeiro domiciliar (sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida), fazendo uso indevido das anilhas identificadoras adulteradas ‘591175’, ‘591174’ e ‘591173’, que lhe haviam sido entregues diretamente pelo Ibama, a despeito da versão isolada apresentada pelo apelante. 4. Em relação à fixação da pena de prestação pecuniária, tal como pleiteado pela defesa, reduzo seu valor para 01 (um) salário-mínimo, considerando à situação econômica do réu (fl. 24), destinada, de ofício, à União Federal. 5. Apelo parcialmente provido.” (TRF 3ª R. – ACr 0002851-51.2013.4.03.6106/SP – 11ª T. – Rel. Des. Fed. José Lunardelli – DJe 05.08.2015)

1689 – Ibama – pesca de lagostas imaturas e cascos de tartaruga – período de defeso – apreensão – ocorrência

“Ambiental. Ação civil pública. Apreensão de lagostas imaturas em período de defeso e cas-cos de tartaruga sem autorização do órgão competente. Indenização para reparação do dano ambiental. Cabimento. 1. Hipótese em que se discute se deve o réu ser condenado a pagar indenização a título de reparação dos danos ambientais decorrentes da pesca de três quilos e meio de lagostas imaturas em período de defeso e de sete cascos de tartaruga aruanã, apre-endidos pelo Ibama sem a correspondente autorização. 2. Pescar, transportar, comercializar, beneficiar-se ou industrializar espécimes provenientes da coleta, apanha e pesca proibidas constitui infração prevista no art. 34, III, da Lei nº 9.605/1998, punível com detenção de um a três anos ou multa; 3. A alegação do réu de que é pessoa de poucos recursos não tem o condão de afastar a incidência da norma punitiva; 4. Mantido o valor da indenização (R$ 2.400,00 – dois mil e quatrocentos reais), ante sua razoabilidade, pois corresponde ao dobro do valor estimado do objeto da apreensão. 5. Apelação improvida.” (TRF 5ª R. – AC 0005068-50.2010.4.05.8100 – (561935/CE) – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Paulo Roberto de Oliveira Lima – DJe 21.09.2015)

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de apelação interposta contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido da Ação civil Pública.

Foi movida a referida ação em virtude de pesca de lagostas em período de defeso e cascos de tartaruga aruanã, sem a autorização necessária.

O acusado foi condenado ao pagamento de indenização pelos danos causados ao meio ambiente.

Concedeu ainda, a participação de tutela, determinando que o acusado se abstenha de praticar qualquer atividade tendente à aquisição, utilização ou comercialização de lagos-tas miúdas ou tartarugas aruanãs sem a devida permissão legal.

Portanto, sustenta o apelante que “[...] o presente caso não pode ser equiparado aos gran-des danos ambientais provocados por grupos econômicos, e que não houve sequer com-provação do dano, pois o que consta no auto de infração é unicamente a apreensão de nú-mero muito pequeno de lagostas, aproximadamente 3,5kg, não sendo razoável exigir-lhe o pagamento de indenização no valor de R$ 2.400,00 (dois mil e quatrocentos reais)”.

Defende ainda que seria mais justo até mesmo cumprir a finalidade da norma, a estipula-ção de sanções que estimulassem e educassem o infrator que desconhece as consequên-

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cias da apreensão ilegal de animais, requerendo a aplicação das sanções alternativas mais eficazes a caso como o presente.

Sobre o assunto, selecionamos os seguintes precedentes:

“PENAL – COMERCIALIZAÇÃO DE LAGOSTAS PESCADAS EM PERÍODO DEFESO – ART. 34, DA LEI Nº 9.605/1998 – APELAÇÃO RESTRITA À DOSIMETRIA DA PENA – CONSIDERAÇÃO DE AÇÃO PENAL EM CURSO COMO MAUS ANTECEDENTES – IMPOS-SIBILIDADE – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 444, DO STJ – CONFISSÃO QUALIFICADA USADA PARA EMBASAR A CONDENAÇÃO DO RÉU – APLICAÇÃO DO ART. 65, III, DO CP – REDUÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE AO MÍNIMO LEGAL – APLICAÇÃO DA ATENUANTE DO ART. 14, INCISO I, DA LEI Nº 9.605/1998 – PENA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULA Nº 231 DO STJ – SUBSTITUIÇÃO DA PENA RESTRITIVA DE DIREITOS – APELAÇÃO PROVIDA – 1. Apelante condenado à pena privativa de liberdade de à pena de 01 (um) ano e 03 (três) meses de detenção em face da prática do crime previsto no art. 34, parágrafo único, inc. III, da Lei nº 9.605/1998, por acondicionar 658 kg (seiscentos e cinquenta e oito quilos) de lagosta miúda (imatura) para serem comercializadas, no período da pesca proibida e sem que possuísse declara-ção de estoque, documento de autorização emitido pelo Ibama para venda das lagostas no período defeso. Autoria e materialidade incontestes. 2. Pena-base fixada em 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão, sendo considerados desfavoráveis os antecedentes, pela presença de ação penal em curso contra o Apelante, e as circunstâncias, pela ele-vada quantidade de lagostas. 3. Deve ser prestigiada a Súmula nº 444 do STJ, segundo a qual os ‘inquéritos policiais ou ações penais em andamento não podem, em razão do princípio constitucional do estado presumido de inocência, ser considerados para fins de exasperação da pena-base, seja a título de maus antecedentes, má conduta social ou personalidade’, não utilizando os antecedentes criminais do Réu para agravamento da pena-base. 4. Pena-base reduzida para 01 (um) ano e 03 (três) meses de detenção em face da presença de um 01 (um) requisitos desfavorável do art. 59, do CP (as circunstân-cias), o que autoriza a aplicação da pena acima do mínimo legal. 5. A jurisprudência dos tribunais superiores firmou-se no sentido de que, a teor do art. 65, III, d, do Código Penal, a confissão espontânea, ainda que parcial, é circunstância que sempre atenua a pena. A própria retratação em juízo, em tais casos, não tem o condão de excluir a aplicação da atenuante em referência, exigindo-se apenas para sua incidência que ela seja levada em consideração pelo magistrado quando da fixação da autoria do delito. Precedentes do STF e do STJ (STJ – AgRg-HC 122.632 – (2008/0268135-9) – 6ª T – Rel. Min. Celso Limongi – DJe 16.11.2010 – p. 1197). 6. Havendo a sentença utilizado os depoimentos do Réu, tanto o prestado perante a Autoridade Policial quanto o judicial, para comprovar a existência da autoria e do elemento subjetivo do crime, fundamentando a condenação, deve incidir a atenuante de confissão espontânea. 7. Redução da pena para o mínimo legal de 01 (um) ano de reclusão, pela incidência da atenuante de confissão espontânea (art. 65, III, d, do Código Penal). 8. Inaplicabilidade da atenuante do art. 14, inciso I, da Lei nº 9.605/1998, a saber, o baixo grau de escolaridade do agente, por se tratar de atenuante genérica da referida Lei e em razão da incidência da Súmula nº 231 do STJ, in verbis: ‘A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.’ 9. Pena privativa de liberdade fixada em 01 (um) ano de detenção, tornada definitiva, ante a ausência de agravantes e de causas de aumento e diminuição de pena, devendo ser cumprida, nos termos do art. 33, § 2º, alínea c, do Có-digo Penal, em regime inicialmente aberto. 10. Nos termos do art. 44, § 2º, do CP, a pena privativa de liberdade deve ser substituída por uma pena restritiva de direitos, no caso, na doação de quantia em dinheiro a ser especificada pelo Juízo das Execuções Penais, que indicará também a entidade recebedora dos valores. 11. Apelação provida. (TRF 5ª R. – ACr 0001175-87.2011.4.05.8400 – (11996/RN) – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Geraldo Apoliano – DJe 04.03.2015 – p. 103)

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PENAL – ESTELIONATO QUALIFICADO – SEGURO-DESEMPREGO – PESCADOR – PERÍO DO DE DEFESO DA LAGOSTA – DOLO CONFIGURADO APENAS EM RELAÇÃO A UM DOS RÉUS – CUMULAÇÃO COM O DESEMPENHO DA FUNÇÃO DE MOTORISTA PARA A PREFEITURA – PROVIMENTO PARCIAL DA APELAÇÃO – PRESCRIÇÃO RETRO-ATIVA – EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DECLARADA DE OFÍCIO – 1. Hipótese em que o Ministério Público Federal apela contra sentença que teria julgado improcedente a preten-são punitiva estatal, formulada em desfavor dos acusados pela suposta prática do delito de estelionato qualificado (art. 171, § 3º, do Código Penal), em continuidade delitiva, configurado quando do recebimento indevido de seguro-desemprego durante o período de defeso da lagosta. Argumento dos acusados, acolhido na sentença, de que desconheciam que referido benefício era destinado, com exclusividade, aos pescadores artesanais de lagosta e que servidores do próprio Ibama e do Ministério Público do Trabalho não have-riam esclarecido suficientemente a exigência de exclusividade da pesca da lagosta para fins de percepção do auxílio. 2. Reconhecimento, por um dos acusados, do fato de haver desempenhado serviços de transporte para a Prefeitura (em carro próprio, inclusive) em período no qual deveria, para fins de recebimento do seguro-desemprego, ter exercido o ofício de pescador. Circunstância que configura o dolo, eis que, embora exercendo a fun-ção de motorista, recebeu benefício destinado, exclusivamente, aos pescadores. Apesar de estar filiado à colônia de pescadores, fato é que, ao exercer a atividade de motorista, distanciou-se conscientemente do perfil daqueles que a Lei do seguro-desemprego visava a beneficiar. 3. Ausência de dolo no que se refere ao outro réu. Consoante depoimentos (das testemunhas de acusação, inclusive), o acusado sobrevivia da pesca. É certo que não mais ia ao mar, eis que contratava terceiros para tal. Entretanto, era da pesca – e somente dela – que extraía o seu sustento, de modo que era legítimo que imaginasse fazer jus ao benefício. Controvérsia quanto à pesca da lagosta que se resolve em favor do acusado, dado que, em depoimento de uma testemunha da acusação, está dito que ele também pescava tal crustáceo. 4. Fixação da reprimenda em um ano e seis meses, diante da caracterização do crime continuado, acrescida de multa. 5. Tendo em vista a pena em concreto e em decorrência do disposto nos arts. 109, V; 110, §§ 1º e 2º; e 114, II, do Código Penal, há de se reconhecer a extinção da punibilidade do réu, ante a ocorrência da prescrição retroativa, pois entre a data do recebimento da denúncia e o julgamento do recurso transcorreram mais de quatro anos, sendo digno de registro que a mesma se ulti-mara em 13.03.2011, antes, portanto, da subida dos autos a esta Corte (03.09.2013). 6. Apelação parcialmente provida e extinção da punibilidade declarada de ofício.” (TRF 5ª R. – ACr 2007.84.00.000971-1 – (10562/RN) – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Luiz Alberto Gurgel – DJe 07.10.2014 – p. 75)

Ademais, o nobre Relator em seu voto entendeu:

“[...]

Vê-se que a conduta do réu enquadra-se nessa hipótese. Ressalte-se que a conduta pu-nível não é, apenas, a de pescar em período no qual essa atividade seja proibida, mas, também, ter consigo o pescado na época de defeso.

Por outro lado, entendo que o valor da indenização pelos danos causados (R$ 2.400,00 – dois mil e quatrocentos reais) deve ser mantido, visto que tal pena, em casos como o presente, tem feição flagrantemente punitiva.

Ademais, diante das condições financeiras do réu, mostra-se razoável o valor fixado pelo MM. Juízo a quo, correspondente ao dobro do valor estimado das mercadorias apreen-didas.

A alegação do réu de que é pessoa de poucos recursos não tem o condão de afastar a incidência da norma punitiva.

Por fim, deve ser mantido o valor da indenização (R$ 2.400,00 – dois mil e quatrocentos reais), ante sua razoabilidade, pois corresponde ao dobro do valor estimado do objeto da apreensão.

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Pelo exposto, nego provimento à apelação.

É como voto.”

Assim, o Egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região negou provimento à apelação.

1690 – Ibama – regularização ambiental rural – desmatamento – licença – não compro-vação

“Administrativo e ambiental. Competência. Fiscalização. Legalidade. Técnico administrativo. Designação. Ato próprio. Precedentes. Técnico ambiental. Auto de infração. Ibama. Lei no tempo. Decreto nº 3.179/1999. Tipificação. Conduta infracional. Lei estadual. Programa regu-larização ambiental rural. Autorização para desmatamento. Licença. Insuficiência probatória. Legalidade. Autuação. Honorários reduzidos. Preliminar de nulidade da sentença afastada. Parcialmente reformada. 1. Preliminar de nulidade da sentença arguida com fundamento no reconhecimento da conexão e necessidade de julgamento simultâneo da presente ação decla-ratória com a Ação Civil Pública em trâmite na instância inferior, ambas derivadas do mesmo suporte fático. Eventual prejudicialidade na produção probatória não demonstrada. Rejeição. 2. A Lei nº 9.605/1998 confere a todos os funcionários dos órgãos ambientais integrantes do Sisnama, o poder para lavrar autos de infração e instaurar processos administrativos. Atri-buição da competência para o exercício da atividade de fiscalização ao servidor por meio de ato de designação próprio, na hipótese, portaria regulamentar do presidente do Ibama. Precedentes jurisprudenciais em que se legitima a atuação do técnico ambiental, em casos tais, em conformidade com a Lei nº 10.410/2002. Singularidade da causa, como diretriz para extensão desse entendimento ao técnico administrativo daquele quadro de pessoal. Validade e regularidade do ato de designação da função. Natureza intermediária, semelhança funcio-nal e identidade de requisitos de escolaridade desses cargos. 3. Por regra geral, em matéria de multa administrativa ambiental, aplica-se a lei (lato sensu) vigente na época da ocorrência de seu fato gerador. Na hipótese, deve-se incidir o Decreto nº 3.179/1999, sem evidência de vícios quanto à tipificação da conduta infracional. 4. Comprovação para benefícios de pro-grama estadual de regularização ambiental rural não demonstrada. De igual maneira, insufici-ência de prova da prévia licença e autorização para desmatamento. Legalidade da autuação. 5. Sem relevância causal para justificar a estipulação ao máximo dos honorários advocatícios, impõe-se sua redução, em nova avaliação dos parâmetros do art. 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil. 6. Apelação a que se da parcial provimento, apenas para reduzir a verba honorária.” (TRF 1ª R. – AC 2009.36.00.017808-0/MT – Rel. Juiz Fed. Conv. Derivaldo de Figueiredo Bezerra Filho – DJe 03.08.2015)

1691 – Ibama – transporte de carvão vegetal – veículo apreendido – ocorrência

“Processual civil e constitucional. Conflito negativo de competência. Tribunal de Justiça Esta-dual x Tribunal Regional Federal. Mandado de segurança impetrado pelo Ibama contra deci-são de juiz estadual criminal em ação penal de restituição de veículo apreendido em processo administrativo, por infração ambiental (transportar carvão vegetal em desacordo com licença outorgada pelo órgão competente). Princípios da hierarquia e da simetria. Competência do Tribunal Regional Federal. 1. De regra, a competência para processar e julgar mandados de segurança se define em razão da qualidade da autoridade coatora (ratione autoritatis), seja dizer da função por ela exercida, se estadual ou federal. 2. Isso não obstante, nas situa-ções em que o impetrante é autarquia federal e o impetrado é autoridade estadual, tal regra deve ser interpretada em consonância com os dispositivos constitucionais que descrevem a competência da Justiça Federal nos arts. 108 e 109 da CF/1988. 3. De consequência, ainda que o mandado de segurança não impugne decisão de autoridade federal, ou de autorida-

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de atuando com jurisdição delegada da Justiça Federal (art. 109, § 3º, da CF), o critério de definição de competência ratione autoritatis pode ceder lugar ao critério ratione persoanae se o impetrante for algum dos entes previstos no art. 109, I, da CF. 4. Conjugada a regra do art. 109, I, da CF com o princípio da hierarquia e com o princípio da simetria, tem-se que não pode o juiz federal julgar mandados de segurança impetrados contra decisão de juiz estadual, de mesma hierarquia, devendo caber tal competência ao Tribunal Regional Federal, por analogia com o disposto no art. 108, I, c, da CF. Precedentes do STF: RE 266689-AgR, Relator(a): Min. Ellen Gracie, 2ª T., Julgado em 17.08.2004, DJ 03.09.2004, p. 00032, Ement. v. 02162-02, p. 00294 e RE 176881, Relator(a): Min. Carlos Velloso, Rel. p/ Ac. Min. Ilmar Galvão, Tribunal Pleno, Julgado em 13.03.1997, DJ 06.03.1998, p. 00018, Ement. v. 01901-04, p. 00709. 5. ‘A competência para julgamento de mandado de segurança impetrado por autarquia federal é da Justiça Federal (art. 109, I, da CF), mesmo que a autoridade coatora seja autoridade estadual. Aplicação do princípio federativo da prevalência do órgão judiciário da União sobre o do Estado-membro (Súmula nº 511/STF)’ (CC 68.584/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª S., Julgado em 28.03.2007, DJ 16.04.2007, p. 155). 6. Precedentes desta Corte: CC 58.108/RJ, Relª Min. Eliana Calmon, 1ª S., Julgado em 08.11.2006, DJ 27.11.2006, p. 224 e CC 45.709/SP, Relª Min. Eliana Calmon, Rel. p/ Ac. Min. Luiz Fux, 1ª S., Julgado em 23.08.2006, DJ 18.09.2006, p. 247. 7. Conflito conhecido, para declarar competente para o julgamento do mandado de segurança em questão, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região.” (STJ – CC 129.174 – (2013/0246608-0) – 3ª S. – Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca – DJe 16.09.2015)

1692 – Ibama – usina hidrelétrica – instalação de operação – degradação ambiental – ter-ras indígenas – licenciamento ambiental – necessidade

“Constitucional e ambiental. Ação civil pública. Instalação e operação da usina hidrelétrica. UHE Serra da Mesa. Significativa degradação do meio ambiente. Licenciamento ambiental realizado pelo Estado de Goiás. Invalidade. Competência do Ibama para o licenciamento de hidrelétrica situada em rio interestadual e com impacto ambiental e social sobre terras indíge-nas. Obrigações específicas em defesa do meio ambiente. Orientação da Carta Encíclica So-cial-Ecológica Laudato Si, do Santo Padre Francisco, na espécie dos autos. I – Na ótica vigi-lante da Suprema Corte, ‘a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômi-ca, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina cons-titucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral [...] O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obten-ção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o di-reito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações’ (ADI-MC 3540/DF – Rel. Min. Celso de Mello – DJU de 03.02.2006). Nesta visão de uma sociedade sustentável e glo-bal, baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura de paz, com responsabilidades pela grande comunidade da vida, numa pers-

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pectiva intergeracional, promulgou-se a Carta Ambiental da França (02.03.2005), estabele-cendo que ‘o futuro e a própria existência da humanidade são indissociáveis de seu meio natural e, por isso, o meio ambiente é considerado um patrimônio comum dos seres humanos, devendo sua preservação ser buscada, sob o mesmo título que os demais interesses funda-mentais da nação, pois a diversidade biológica, o desenvolvimento da pessoa humana e o progresso das sociedades estão sendo afetados por certas modalidades de produção e consu-mo e pela exploração excessiva dos recursos naturais, a se exigir das autoridades públicas a aplicação do princípio da precaução nos limites de suas atribuições, em busca de um desen-volvimento durável. II – Na visão holística da Carta Encíclica Social-Ecológica Laudato Si, do Santo Padre Francisco, datada de 24.05.2015, ‘muitas formas de intensa exploração e degra-dação do meio ambiente podem esgotar não só os meios locais de subsistência, mas também os recursos sociais que consentiram um modo de viver que sustentou, durante longo tempo, uma identidade cultural e um sentido da existência e da convivência social. O desapareci-mento duma cultura pode ser tanto ou mais grave do que o desaparecimento duma espécie animal ou vegetal. A imposição dum estilo hegemônico de vida ligado a um modo de produ-ção pode ser tão nocivo como a alteração dos ecossistemas. Neste sentido, é indispensável prestar uma atenção especial às comunidades aborígenes com as suas tradições culturais. Não são apenas uma minoria entre outras, mas devem tornar-se os principais interlocutores, espe-cialmente quando se avança com grandes projetos que afetam os seus espaços. Com efeito, para eles, a terra não é um bem econômico, mas dom gratuito de Deus e de seus antepassados que nela descansam, um espaço sagrado com o qual precisam interagir para manter a sua identidade e os seus valores. Eles, quando permanecem nos seus territórios, são quem melhor os cuida. Em várias partes do mundo, porém, são objeto de pressões para que abandonem suas terras e as deixem livres para projetos extractivos e agropecuários que não prestam aten-ção à degradação da natureza e da cultura’ e de que ‘toda a intervenção na paisagem urbana ou rural deveria considerar que os diferentes elementos do lugar formam um todo, sentido pelos habitantes como um contexto coerente com a sua riqueza de significados. Assim, os outros deixam de ser estranhos e podemos senti-los como parte de um «nós» que construímos juntos. Pela mesma razão, tanto no meio urbano como no rural, convém preservar alguns espaços onde se evitem intervenções humanas que os alterem constantemente [...] Neste contexto, sempre se deve recordar que «a proteção ambiental não pode ser assegurada so-mente com base no cálculo financeiro de custos e benefícios. O ambiente é um dos bens que os mecanismos de mercado não estão aptos a defender ou a promover adequadamente». Mais uma vez repito que convém evitar uma concepção mágica do mercado, que tende a pensar que os problemas se resolvem apenas com o crescimento dos lucros das empresas ou dos in-divíduos. Será realista esperar que quem está obcecado com a maximização dos lucros se detenha a considerar os efeitos ambientais que deixará às próximas gerações? Dentro do es-quema do ganho não há lugar para pensar nos ritmos da natureza, nos seus tempos de degra-dação e regeneração, e na complexidade dos ecossistemas que podem ser gravemente altera-dos pela intervenção humana’. III – Na hipótese dos autos, em se tratando de licenciamento ambiental de empreendimento hidrelétrico com potencial risco de dano ao meio ambiente em rio sob domínio da União, a competência para a sua concessão é do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, na condição de responsável pela ação fiscalizadora decorrente de lei, a fim de coibir abusos e danos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, por eventuais beneficiários de licenças emitidas sem a sua parti-cipação, na condição de órgão executor da política nacional do meio ambiente, pois é da competência gerencial-executiva e comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proteger as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, as paisagens

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naturais notáveis, os sítios arqueológicos e o meio ambiente e, ainda, preservar as florestas, a fauna e a flora (CF, art. 23, incisos III, VI e VII). Além disso, a construção da mencionada usina hidrelétrica causa impactos ambientais e socioambientais no perímetro da comunidade indí-gena Avá Canoeiro, caracterizando-se, também sob este prisma, a competência do Ibama para o licenciamento do referido empreendimento. Confiram-se precedentes jurisprudenciais nesse sentido. IV – De outra banda, afigura-se juridicamente possível a realização de novo Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental – EIA/Rima, com a partici-pação do órgão competente, ainda que após a instalação e operação da Usina Hidrelétrica de UHE Serra da Mesa (Epia – Estudo Póstumo de Impacto Ambiental por imperativo do princípio da prevenção), posto que independentemente de ser válida ou não a licença já expedida, há de ser realizado, na espécie, um licenciamento ambiental válido, sob o controle administrati-vo do órgão de fiscalização competente (Ibama), visando evitar e remediar os impactos nega-tivos ao meio ambiente e, quando possível, a total remoção dos ilícitos ambientais, para apuração das responsabilidades civil, penal e administrativa de quem se omitiu em implemen-tá-lo ou exigi-lo validamente em prol do meio ambiente ecologicamente equilibrado e do desenvolvimento sustentável, no interesse público e difuso de todos, na linha de eficácia do indispensável princípio da prevenção. V – Agravo de instrumento desprovido. Decisão confirma-da, na dimensão eficacial do art. 512 do CPC vigente.” (TRF 1ª R. – AI 2006.01.00.020154-8/GO – Rel. Des. Fed. Souza Prudente – DJe 27.08.2015)

1693 – Infração ambiental – aves silvestres em extinção – posse irregular – multa – aplicação

“Embargos à execução. Multa ambiental. Posse irregular de aves silvestres em extinção. Pre-tensão de anulação da multa. Não acolhimento. Infração administrativa devidamente carac-terizada. Certidão de dívida ativa que contém todos os elementos exigidos pelo art. 2º, § 5º, da Lei nº 6.830/1980. Argumentos insuficientes para afastar a presunção de legitimidade e validade do ato administrativo. Sentença de improcedência dos embargos à execução manti-da. Recurso desprovido.” (TJSP – Ap 4000386-65.2013.8.26.0079 – Botucatu – 2ª C.Res.MA – Rel. Paulo Alcides – DJe 22.09.2015)

1694 – Infração ambiental – edificação – bem imóvel – área de proteção permanente – de-molição do prédio – possibilidade

“Administrativo. Ambiental. Processual civil. Agravo regimental no recurso especial. Infração ambiental. Edificação. Bem imóvel. Área de proteção permanente. Determinação. Demo-lição do prédio. Prestação jurisdicional incompleta. Razões genéricas. Súmula nº 284/STF. Violação. Normas federais. Fundamentação legal inatacada. Súmula nº 283/STF. Carência de prequestionamento. Súmula nº 211/STJ. Extensão. Divergência jurisprudencial. 1. A alegação de ausência de prestação jurisdicional adequada e, por via de consequência, de violação ao art. 535 do CPC, exige do recorrente a indicação de qual o texto legal, as normas jurídicas e as teses recursais não foram objeto de análise nem de emissão de juízo de valor pelo Tribunal da origem, pena de a preliminar carecer de fundamentação pertinente. Inteligência da Súmula nº 284/STF. 2. Não cumpre o requisito do prequestionamento o recurso especial para salva-guardar a higidez de norma de direito federal não examinada pela origem, que tampouco, a título de prequestionamento implícito, confrontou as respectivas teses jurídicas. Óbice da Súmula nº 211/STJ. 3. É inadmissível o recurso especial quando a decisão recorrida assenta--se em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles. Inteligência da Súmula nº 283/STF. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.538.184 – (2015/0140775-7) – 2ª T. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 31.08.2015)

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1695 – Infração ambiental – transporte de carvão vegetal – apreensão do veículo – Decre-to nº 6.514/2008 – possibilidade

“Administrativo. Mandado de segurança. Infração ambiental. Transporte de carvão vegetal em desacordo com as exigências legais. Apreensão do veículo. Nomeação da proprietária do bem como fiel depositária. Decreto nº 6.514/2008. Possibilidade. Sentença mantida. 1. Nos termos do art. 14, § 1º, da Lei nº 12.016/2009, concedida a segurança, a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição. 2. A jurisprudência deste Tribu-nal firmou entendimento de que a apreensão de veículo só é devida quando sua utilização é destinada para uso específico e exclusivo do delito ambiental, na forma do art. 25, § 4º, da Lei nº 9.605/1998. 3. Na espécie em causa, há elementos que indicam que o caminhão da impetrante é utilizado na realização de fretes diversos. O fato de o veículo ter sido apreendi-do em poder do locatário – não proprietário – por si só não comprova que não esteja sendo utilizado costumeiramente para a prática do ilícito ambiental. 4. Contudo, no caso presente, a autoridade indicada como coatora poderia ter apresentado outros elementos de prova que demonstrassem conduta reincidente do impetrante. Porém, preferiu insistir na tese de que a só prática de uma conduta justificaria a apreensão, o que é, porém, contrária ao direito. 5. Não havendo demonstração nos autos da ocorrência de nenhum outro ilícito praticado com a utilização desse bem, conclui-se, assim, tratar-se de fato isolado. 6. Em casos tais, segundo Orientação Jurisprudencial deste Tribunal, é possível a nomeação do proprietário do veículo como fiel depositário do bem, até o julgamento do processo administrativo, nos termos do art. 105, do Decreto nº 6.514/2008. Precedentes desta Corte. 7. Apelações e remessa oficial, tida por interposta, a que se nega provimento.” (TRF 1ª R. – AC 0009660-04.2011.4.01.3901/PA – Rel. Des. Fed. Néviton Guedes – DJe 03.08.2015)

Comentário Editorial SÍNTESEO acórdão em comento é oriundo de apelações interpostas, bem como de remessa oficial de sentença que concedeu parcialmente a segurança pleiteada.

Consta dos autos que foi apreendido o veículo do apelado em virtude do motorista não ter o certificado e aprovação para transportar produto reputado perigoso, no caso em tela, transporte de carvão vegetal.

Sustenta o apelante a necessidade de liberação do veículo, pois restou provado a boa-fé, e que o veículo no momento da autuação e apreensão se locava locado, com contrato regular e válido, devidamente legalizado com a documentação em dia.

Assim, o nobre Relator, em seu voto entendeu:

“[...]

Na espécie em causa, há elementos que indicam que o caminhão da impetrante é uti-lizado na realização de fretes diversos, e, nesse caso, não é razoável supor que a mera formalização de um contrato de locação transfira para o locador a responsabilidade por atos ilícitos praticados pelo locatário na fruição da coisa, nos termos do art. 569, inciso I, do Código Civil.

Além disso, a autoridade indicada como coatora poderia ter apresentado outros elementos de prova que demonstrassem conduta reincidente da impetrante. Porém, preferiu insistir na tese de que a só prática de uma conduta justificaria a apreensão, o que é, porém, contrária ao direito.

Portanto, não havendo demonstração nos autos da ocorrência de qualquer outro ilícito praticado com a utilização desse bem, conclui-se, assim, tratar-se de fato isolado.

Diante dessa situação, se mostra razoável a devolução do bem à impetrante, na condição de fiel depositária, nos termos do Decreto nº 6.514/2008, até o julgamento do respectivo processo administrativo.

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Em casos similares ao presente, assim já se manifestou esta Corte:

ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – INFRAÇÃO AMBIENTAL – AMPLIA-ÇÃO E ABERTURA DE RAMAL COM DESTRUIÇÃO DE MATA PRIMÁRIA – VEÍCULO PER-TENCENTE A TERCEIRO – APREENSÃO – LIBERAÇÃO – NOMEAÇÃO DO PROPRIETÁ-RIO DO BEM COMO FIEL DEPOSITÁRIO – DECRETO Nº 6.514/2008 – POSSIBILIDADE

1. A jurisprudência deste Tribunal firmou entendimento de que a apreensão de veículo só é devida quando sua utilização é destinada para uso específico e exclusivo do delito ambiental, na forma do art. 25, § 4º, da Lei nº 9.605/1998.

2. Na espécie, a documentação constante dos autos não comprova que o veículo do impe-trante (trator de esteiras) tenha sido utilizado exclusivamente para a prática de atividade ambiental ilícita, situação em que, a princípio, afigura-se possível a liberação do veículo.

3. Contudo, a jurisprudência deste Tribunal tem adotado entendimento no sentido de que, não comprovada a alegada boa-fé do impetrante, proprietário do bem apreendido, na cessão de seu veículo para a prática de infração ambiental, deve ele ser nomeado como fiel depositário do bem, até o julgamento do processo administrativo, nos termos do art. 105, do Decreto nº 6.514/2008. Precedentes da 5ª e 6ª Turmas: AMS 0029703-17.2010.4.01.3700/MA, Rel. Des. Fed. Souza Prudente, 01.06.2012 e-DJF1 p. 131 e AMS 0007664-82.2013.4.01.4100/RO, Rel. Des. Fed. Kassio Nunes Marques, 06.10.2014 e-DJF1 p. 181.

4. Apelações do ICMBio e do MPF a que se nega provimento.

5. Remessa oficial a que se dá parcial provimento, a fim de nomear o impetrante como fiel depositário do veículo apreendido, permanecendo nessa condição até o julgamento do processo administrativo, nos termos do art. 105, do Decreto nº 6.514/2008.

(AC 0001340-25.2012.4.01.3902/PA, 5ª T., Rel. Des. Fed. Néviton Guedes, 26.03.2015 e-DJF1 p. 1131)

ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – INFRAÇÃO AMBIENTAL – TRANS-PORTE IRREGULAR DE MADEIRA – APREENSÃO DO VEÍCULO – LIBERAÇÃO – POSSI-BILIDADE – FIEL DEPOSITÁRIO – CABIMENTO

I – Afigura-se possível a liberação de veículos apreendidos em razão do transporte irregular de madeiras, quando a situação fática não indica o uso específico e exclusivo do veículo para a prática de atividades ilícitas, voltadas para a agressão do meio ambiente. Prece-dentes deste Tribunal.

II – O art. 105 do Decreto nº 6.514/2008 dispõe que ‘os bens apreendidos deverão ficar sob a guarda do órgão ou entidade responsável pela fiscalização, podendo, excepcional-mente, ser confiados a fiel depositário, até o julgamento do processo administrativo’. Em sendo assim, afigura-se legítima a nomeação do proprietário do veículo apreendido como fiel depositário do referido bem, na espécie.

III – Apelação do Ibama desprovida. Apelação do Ministério Público Federal provida. Re-messa oficial parcialmente provida.

(AMS 0029703-17.2010.4.01.3700/MA, 5ª T., Rel. Des. Fed. Souza Prudente, 01.06.2012 e-DJF1 p. 131)

APELAÇÃO CÍVEL – REEXAME NECESSÁRIO – ADMINISTRATIVO – AMBIENTAL – MAN-DADO DE SEGURANÇA – IBAMA – INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA – APREENSÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR – LIBERAÇÃO – POSSIBILIDADE – SENTENÇA MANTIDA

1. Remessa oficial, tida por interposta, visto que nos termos do art. 14, § 1º, da Lei nº 12.016/2009, concedida a segurança, a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição.

2. A apreensão de veículo utilizado na realização de infração ambiental se constitui em medida que encontra amparo na legislação de regência. Entretanto, há orientação juris-prudencial assentada nessa Corte no sentido de que, em se tratando de matéria ambien-

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tal, o veículo transportador somente é passível de apreensão na forma do art. 25, § 4º, da Lei nº 9.605/1998, senão quando caracterizado como instrumento de uso específico e exclusivo em atividade ilícita – o que não é a hipótese dos autos. Precedentes.

3. [...].

4. Nos termos dos arts. 105 e 106, II, do Decreto nº 6.514/2008, o próprio autuado poderá ostentar a posição de fiel depositário do bem apreendido, estabelecendo tal pos-sibilidade ‘desde que a posse dos bens ou animais não traga risco de utilização em novas infrações’.

5. Apelação e Remessa oficial, tida por interposta, a que se nega provimento.

(AMS 0007664-82.2013.4.01.4100/RO, 6ª T., Rel. Des. Fed. Kassio Nunes Marques, 06.10.2014 e-DJF1 p. 181)

ADMINISTRATIVO – INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (IBAMA) – INFRAÇÃO AMBIENTAL – APLICAÇÃO DE MULTA E APREENSÃO DO VEÍCULO TRANSPORTADOR DE MADEIRA – LIBERAÇÃO MEDIANTE A NOMEAÇÃO DE FIEL DEPOSITÁRIO – POSSIBILIDADE

1. O Decreto nº 6.514/2008, em seu art. 105, prevê que: ‘Os bens apreendidos deverão ficar sob a guarda do órgão ou entidade responsável pela fiscalização, podendo, excepcio-nalmente, ser confiados a fiel depositário, até o julgamento do processo administrativo’.

2. O procedimento de liberação do veículo, designando o autuado como fiel depositário, encontra amparo no art. 106, inciso II, do Decreto nº 6.514/2008.

3. Apelação e remessa oficial, tida por interposta, desprovidas.

(AMS 2005.36.00.009039-6/MT, 6ª T., Rel. Des. Fed. Daniel Paes Ribeiro, 19.09.2014 e-DJF1 p. 520)

Nessas circunstâncias, deve a sentença ser mantida, tendo em vista que foi determinada nomeação da impetrante com fiel depositária do bem apreendido, devendo permanecer nessa condição até o julgamento do processo administrativo, nos termos do art. 105, do Decreto nº 6.514/2008.

Ante o exposto, nego provimento às apelações e à remessa oficial, tida como interposta.

É como voto.”

Outrossim, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região negou provimento às apelações.

1696 – Infração ambiental – transporte de madeira serrada – apreensão do veículo – De-creto nº 6.514/2008 – possibilidade

“Administrativo. Mandado de segurança. Infração ambiental. Transporte de madeira ser-rada. Guia florestal. Divergência quanto às essências florestais declaradas e transportadas. Apreensão do veículo. Nomeação do proprietário do bem como fiel depositário. Decreto nº 6.514/2008. Possibilidade. Sentença parcialmente reformada. 1. A jurisprudência deste Tribunal firmou entendimento de que a apreensão de veículo só é devida quando sua utili-zação é destinada para uso específico e exclusivo do delito ambiental, na forma do art. 25, § 4º, da Lei nº 9.605/1998. 2. No caso dos autos, não há elementos que indiquem que os veículos da impetrante eram utilizados com finalidade específica para a prática de atividades ilícitas. 3. A autoridade indicada como coatora poderia ter apresentado outros elementos de prova que demonstrassem conduta reincidente da impetrante. Porém, preferiu insistir na tese de que a só prática de uma conduta justificaria a apreensão, o que é, porém, contrária ao direito. 4. Portanto, não havendo demonstração nos autos da ocorrência de nenhum outro ilícito praticado com a utilização desses veículos, conclui-se, assim, tratar-se de fato isolado. 5. De outro lado, as madeiras transportadas não estavam descobertas de licença ambiental, havendo apenas divergência quanto à essência das madeiras transportadas com aquelas cons-tantes do documento de guia florestal. 6. Nessa situação, este tribunal também firmou enten-

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dimento no sentido de que não é exigível que o transportador tivesse conhecimento acerca da divergência entre a essência descrita na guia florestal e aquela constante do carregamento contratado. Precedentes: AC 0000103-85.2014.4.01.3901/PA, 6ª T., Rel. Des. Federal Kassio Nunes Carvalho, 11.03.2015 e-DJF1 p. 1036 e AgRAC 2009.41.01.001822-4/RO, 5ª T., Relª Desª Fed. Selene Maria de Almeida, 30.03.2012 e-DJF1 p. 343. 7. Em tal circunstância, se mostra razoável a devolução dos veículos ao impetrante, na condição de fiel depositário, nos termos do Decreto nº 6.514/2008, até o julgamento do respectivo processo administrativo. Precedentes desta Corte. 8. Apelação do Ibama a que se nega provimento. 9. Apelação do Mi-nistério Público Federal e remessa oficial a que se dá parcial provimento para o fim de intimar o impetrante a firmar termo de fiel depositário dos veículos apreendidos, permanecendo nessa condição até o julgamento do processo administrativo, nos termos do art. 105, do Decreto nº 6.514/2008.” (TRF 1ª R. – Ap-RN 2009.41.01.001334-5/RO – Rel. Des. Fed. Néviton Guedes – DJe 21.07.2015)

1697 – Infração ambiental – transporte irregular de madeira – apreensão de caminhão – configuração

“Mandado de segurança. Apreensão de caminhão quando era usado em prática de infração ambiental (transporte irregular de madeira). Ônus do proprietário (e não do poder público, que se acha acobertado pela presunção de legalidade de seus atos) em demonstrar, na via or-dinária, que o veículo não era usado costumeiramente para a prática ilícita. Segurança dene-gada. Sentença reformada, com cassação de liminar. 1. A r. sentença aplicou o entendimento das Cortes Regionais, no sentido de que a apreensão de veículo utilizado para o transporte de produtos de origem florestal desacompanhado de ATPF ou DOF, só é possível no caso de uso constante e de forma específica à prática de infração ambiental. 2. Uma vez que a apreensão do veículo foi feita porque ele servia como meio transportador de produtos de origem florestal desacompanhado de ATPF ou DOF, é ônus do proprietário do mesmo fazer a prova extreme de dúvidas de que o caminhão não era utilizado exclusiva e reiteradamente em atividade ilícita contra as regras protetivas do meio ambiente. O encargo é sempre do proprietário do veículo, já que a apreensão do mesmo em um episódio dessa atividade ilícita (e até crimino-sa) é ato administrativo coberto pela presunção de legalidade; cabe ao particular interessado desfazer os efeitos dessa presunção, fornecendo – e isso nas vias ordinárias, porquanto em mandado de segurança não se admite dilação probatória. Prova suficiente de que o emprego do tal veículo não era useiro e vezeiro para a conduta ilícita. 3. Segurança denegada e limi-nar cassada.” (TRF 3ª R. – Ap-RN 0001977-98.2010.4.03.6000/MS – 6ª T. – Rel. Des. Fed. Johonsom Di Salvo – DJe 07.08.2015)

1698 – Licença ambiental – construção de aterro sanitário – renovação de licença ambien-tal – possibilidade

“Administrativo. Agravo de instrumento. Ação civil pública. Improbidade administrativa. Re-cebimento parcial da petição inicial. Repasse de verbas federais para a construção de aterro sanitário no município de Itapipoca/CE. Renovação de licença ambiental. Servidores esta-duais. Inexistência de relação com a aplicação dos recursos públicos. Condutas que não se enquadram em nenhum dos tipos previstos nos arts. 10, X, XI, e 11, I e II, da Lei nº 8.429/1992. Improvimento. I – Trata-se de agravo de instrumento interposto pela União contra decisão proferida pelo MM. Juízo da 18ª Vara Federal do Ceará, a qual, com fulcro no art. 267, I e VI, c/c art. 295, II, todos do CPC, rejeitou em relação aos corréus Maria Dias Cavalcante e Romeu Aldigueri de Arruda Coelho a petição inicial da Ação Civil Pública de improbidade administrativa nº 0002919-09.2009.4.05.8103, promovida pelo Ministério Público Federal.

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II – A Ação Civil Pública da qual se originou o presente agravo de instrumento foi proposta pelo Ministério Público Federal para a apuração da prática de atos de improbidade administrativa concernentes na aplicação irregular de recursos repassados pelo Ministério do Meio Ambiente ao Município de Itapipoca/CE para a construção e implementação de aterro sanitário naquela municipalidade. III – No tocante aos agravados, sustenta o Parquet Federal que Maria Dias Cavalcante, na condição de Coordenadora do Copam, emitiu parecer técnico favorável à ex-pedição de licença ambiental em prol da supracitada obra, enquanto que Romeu Aldigueri de Arruda Coelho, na qualidade de Superintendente da Semace, expediu a mencionada licença, razão pela qual defende o órgão ministerial que ambos teriam praticado, juntamente com os demais réus da ação originária, atos ímprobos descritos nos arts. 10, X, XI, e 11, I e II, da Lei nº 8.429/92. IV – Inexistem na ação principal indícios de que os agravados teriam agido de forma negligente na conservação do patrimônio público, liberado irregularmente recursos públicos, praticado ato com finalidade diversa da prevista em lei ou deixado de praticar ato inerente às suas atribuições. V – Os agravados, que, à época dos fatos, estavam na condição de servidores públicos estaduais, atuaram apenas quando da renovação da licença de ope-ração para o aterro sanitário, ocorrido em 2005, momento em que as obras já haviam sido concluídas, de modo que não se pode, mesmo em tese, atribuir aos referidos réus na ação originária qualquer ato que, direta ou indiretamente, tenha contribuído para a má-gestão de recursos públicos federais, uma vez que sua atuação realmente não é contemporânea à libe-ração dos recursos e a execução das obras por parte dos outros réus. VI – Ademais, possível dano ambiental decorrente de eventual irregularidade na renovação da licença ambiental não seria capaz de atrair o interesse da União, suas autarquias ou fundações, mormente porque seria resultado de ato administrativo praticado no exercício de competência estadual, com repercussão estritamente local e que não afetaria propriedades daquele ente político federal. VII – Agravo de instrumento cujo provimento é negado (JDP).” (TRF 5ª R. – AGTR 0005409-58.2012.4.05.0000 – (125005/CE) – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Conv. Ivan Lira de Carvalho – DJe 04.08.2015)

1699 – Licença ambiental – projeto de controle ambiental – implantação – alvará de fun-cionamento – concessão

“1. Direito administrativo. Licença ambiental. implantação do projeto de controle ambiental cumprido. Ausência de riscos ambientais conforme novo ofício expedido pelo IAP. Ausência de motivo para obstar a concessão de alvará de funcionamento pelo município. a) A conces-são de Alvará de Funcionamento foi indeferida à empresa Recorrente, por não estar adequada às recomendações do IAP, no Ofício nº 082/2014, de 17 de março de 2014. b) Após nova expedição de ofício pelo IAP (Ofício nº 034/2015), em 09 de março de 2015, verificou-se que a empresa Apelante implantou o projeto conforme o plano de controle ambiental, cumprindo o estabelecido em sua licença, superando os riscos ambientais oriundos das suas atividades. c) Dessa forma, verificado o cumprimento das normas ambientais, de acordo com novo pa-recer do órgão estadual responsável, não há razão para subsistir a negativa na concessão do Alvará de Funcionamento à empresa Recorrente, com fundamento no descumprimento das normas ambientais. 2. Apelo a que se dá provimento.” (TJPR – AC 1370374-3 – 5ª C.Cív. – Rel. Des. Leonel Cunha – DJe 06.08.2015)

1700 – Pesca – período proibido – princípio da insignificância – impossibilidade

“Constitucional. Penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Pesca em período proibido (Lei nº 9.605/1998, art. 34). Aplicação do princípio da insignificância. Impossibilidade. Maior re-provabilidade da conduta. Recurso desprovido. 1. Em 04.08.2014, ao julgar o Habeas Corpus

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nº 242.132/PR, decidiu a Sexta Turma desta Corte que: a) ‘a questão da relevância ou insigni-ficância das condutas lesivas ao meio ambiente não deve considerar apenas questões jurídicas ou a dimensão econômica da conduta, mas levar em conta o equilíbrio ecológico que faz possíveis as condições de vida no planeta’; b) ‘haverá lesão ambiental irrelevante no sentido penal quando a avaliação dos índices de desvalor da ação e de desvalor do resultado indicar que é ínfimo o grau da lesividade da conduta praticada contra o bem ambiental tutelado’ (Ministro Rogerio Schietti Cruz). À luz desse precedente e das premissas fáticas estabelecidas no acórdão impugnado – o crime foi praticado em unidade de conservação da natureza e em período de defeso à pesca, e o réu já fora ‘autuado por ação semelhante, qual seja fazer extração em área proibida’ –, não há como afastar a tipicidade da conduta delituosa com fundamento no ‘princípio da insignificância’. 2. Recurso desprovido.” (STJ – Rec-HC 56.296 – (2015/0026377-3) – 5ª T. – Rel. Min. Newton Trisotto – DJe 19.08.2015)

Transcrição Editorial SÍNTESELei nº 9.605/1998:

“Art. 34. Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente:

Pena – detenção de um ano a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem:

I – pesca espécies que devam ser preservadas ou espécimes com tamanhos inferiores aos permitidos;

II – pesca quantidades superiores às permitidas, ou mediante a utilização de aparelhos, petrechos, técnicas e métodos não permitidos;

III – transporta, comercializa, beneficia ou industrializa espécimes provenientes da coleta, apanha e pesca proibidas.”

1701 – Poluição – ação coletiva na Justiça Federal – ação individual – suspensão

“Agravo de instrumento. Ação de reparação de danos. Poluição ambiental. Ação coletiva em trâmite na Justiça Federal. Suspensão da ação individual. Identidade de objeto entre as ações. Arts. 103 e 104 do CDC. Ausência de requerimento da parte autora. Paralisação do processo que prestigia o interesse público e a efetividade da justiça. Possibilidade de suspensão ex officio. Pronunciamento do STJ em sede de recurso repetitivo no mesmo sentido. Suspensão mantida. Limitação ao prazo de suspensão. Impossibilidade. Regra do art. 265, § 5º que não se aplica ao caso concreto. Suspensão antes da citação. Ausência de prejuízo à parte autora. Decisão mantida. Recurso desprovido.” (TJPR – AI 1346934-4 – 9ª C.Cív. – Rel. Des. José Augusto Gomes Aniceto – DJe 14.08.2015)

1702 – Propriedade rural – projeto técnico de recuperação florestal – apresentação – pre-juízos ao meio ambiente – inexistência

“Agravo de instrumento. Direito ambiental. Ação civil pública. Propriedade rural. Obrigações de fazer. Apresentação de projeto técnico de recuperação florestal. Isolamento de área de reserva legal não cercada. Licenciamento ambiental e outorga para uso dos recursos hídricos. Obrigações de não fazer. Ocupar, edificar, ampliar edificações e benfeitorias, e explorar, cortar ou suprimir qualquer tipo de vegetação ou de realizar qualquer outra ocupação antró-pica. Liminar. Ausência dos requisitos. Inexistência de prejuízos concretos ao meio ambiente. Averbação de reserva legal. Novo Código Florestal. Facultatividade da averbação no cartório de registro de imóveis. Recurso não provido. 1. Para a concessão de liminar em Ação Civil Pública, mister a presença do fumus boni juris e do periculum in mora, sem os quais não se

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RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA DE DIREITO AMBIENTAL............................................201

mostra razoável a concessão da tutela initio litis. 2. No caso concreto, não individualizando o autor os prejuízos concretos e efetivos à cobertura florestal ou aos recursos hídricos da área pertencente aos agravados, melhor aguardar a instrução contraditória. 3. Com o advento da Lei nº 12.651/2012, ficou definida a obrigatoriedade da inscrição no CAR de todos os imó-veis rurais, tornando facultativa a averbação no Cartório de Registro de Imóveis. 4. Recurso não provido.” (TJMG – AI-Cv 1.0342.13.009714-6/001 – 2ª C.Cív. – Rel. Raimundo Messias Júnior – DJe 11.08.2015)

1703 – Recursos hídricos – poluição – dano moral coletivo – caracterização

“Embargos de declaração em apelação cível. Direito ambiental. Dano moral coletivo em fun-ção da poluição de recursos hídricos. Inexistência de omissão, obscuridade ou contradição. Aclaratórios opostos, exclusivamente, com o fito de prequestionamento de dispositivos legais. Impossibilidade. Requisitos do art. 535 do Código de Processo Civil inatendidos. Embargos re-jeitados. Inexistindo omissão, contradição ou obscuridade a ser sanada, em afronta aos requi-sitos do art. 535 do Código de Processo Civil, devem ser rejeitados os embargos declaratórios, inclusive para fins prequestionatórios, porquanto estes, para serem admitidos, não dispensam a concomitante incidência de um dos vícios apontados no art. 535 da Lei Instrumental Civil. O julgador não está obrigado a se manifestar expressamente sobre cada fundamento legal trazido pela parte, sobretudo quando tenha encontrado motivação suficiente para embasar o convencimento. Aliás, conforme já sedimentou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, impende registrar ser ‘[...] desnecessária a manifestação explícita da Corte de origem acerca das normas que envolvem a matéria debatida, uma vez que, para a satisfação do prequestionamento, basta a implícita discussão da matéria impugnada no apelo excepcional’ (REsp 637.836/DF, Rel. Min. Felix Fischer).” (TJSC – EDcl-AC 2013.071674-9/0001.00 – Rel. Des. Carlos Adilson Silva – DJe 21.09.2015)

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Seção Especial – Parecer Jurídico

Estímulos Fiscais para o Desenvolvimento Econômico em Projetos com Impactos Favoráveis à Preservação e Recuperação Ambiental

IVES gANDRA DA SILVA mARTINSProfessor Emérito das Universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, Unifmu, do CIEE/O Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército – Eceme, Superior de Guerra – ESG e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª Região, Professor Honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), Doutor Honoris Causa das Universidades de Craiova (Romênia) e da PUC-Paraná, e Catedrático da Universidade do Minho (Portugal), Presidente do Conselho Superior de Direito da FecomércioSP, Fundador e Presidente Honorário do Centro de Extensão Universitária – CEU/Instituto Interna-cional de Ciências Sociais – IICS.

CONSULtA

Formula-me, a ABRALATAS – Associação Brasileira dos Fabricantes de Latas de Alta Reciclabilidade, por intermédio de seu presidente executi-vo, Dr. Renault de Freitas Castro, a seguinte consulta:

O meio-ambiente tornou-se, no mundo atual, o mais relevante desafio para manter a sustentabilidade do planeta, muito embora poucos tenham sido os avanços em sua preservação, nos diversos encontros plurinacionais para cuidar-se da temática.

O Brasil, nada obstante as dificuldades em preservá-lo e a anual redução de sua flora e fauna, ainda constitui uma das grandes reservas de biodiversidade da terra, havendo intensa preocupação das autoridades em defender este patrimônio nacional.

Tendo, pois, como premissa o reconhecimento de que é urgente e imprescin-dível a adoção de providências que contribuam para que o desenvolvimento econômico do país passe a se dar de maneira ambientalmente sustentável:

Considerando as principais características do atual Sistema Tributário bra-sileiro nas esferas federal, estaduais e municipais, que implicações práticas teria a introdução de elementos que refletissem, no citado Sistema, o princí-pio constitucional constante do art. 170, inciso VI, da Constituição Federal?

À luz do presente arcabouço normativo tributário, que providências ou al-terações legislativas seriam necessárias ou recomendáveis para que a obser-vância do art. 170, inciso VI, da CF, seja eficaz no que refere aos resultados ambientais visados?

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O Brasil, nada obstante as dificuldades em preservá-lo e a anual redução de sua flora e fauna, ainda constitui uma das grandes reservas de biodiversidade da Terra, havendo intensa preocupação das autoridades em defender este patrimônio nacional.

RESPOStA

Desde a promulgação da Lei Suprema, tenho me debruçado sobre as questões do meio ambiente, responsável, inclusive, que fui, nos comentá-rios à Lei Suprema elaborados com Celso Bastos, entre 1988/1998, em 15 volumes e mais de 12 mil páginas, pela análise do art. 225 da CF1.

Neste sentido, apresentei reflexões variadas sobre temas relacionados ao meio ambiente, à luz do arcabouço legal do País, a saber:

– Competência legislativa da União, Estados, Municípios e Distrito Federal para registrar, acompanhar e fiscalizar pesquisa e exploração de recursos hídricos. Constitucionalidade da Lei do Estado do Pará nº 8.091/2014 que instituiu taxa para tal finalidade2;

– Manipulação de patrimônio genético à luz da Constituição Federal e da MP 2186-16/20013;

– Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA. Constitucionalidade de sua instituição4;

– Extração de minérios. Destinação da partilha do ICMS para o Município em que a extração ocorre. É do peculiar interesse do Município a preservação do bem-estar de seus cidadãos e do meio ambiente do burgo, podendo disciplinar o uso do solo e impor sanções regulatórias5;

– Reserva legal amazônica6.

Por outro lado, o constituinte, na sua intensa preocupação em pre-servar o meio ambiente, além do art. 170, inciso VI, tratou do assunto em diversos outros dispositivos, como:

1 Comentários à constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, v. 8, 1998. p. 960/1007.2 Revista Dialética de Direito Tributário, n. 238/2015, p. 148/169.3 Carta Mensal, Rio de Janeiro, n. 672, p. 23/38, mar. 2011.4 Revista Forense, v. 157.5 Ainda no prelo.6 Boletim de Direito Administrativo NDJ, p. 601-609, jun. 2004.

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MEIO AMBIENTE

– caça; competência legislativa concorrente: art. 24, VI;

– dano; competência legislativa: art. 24, VIII – defesa: art. 170, VI;

– defesa e preservação; dever da coletividade e do Poder Público: art. 225, caput;

– deveres do Poder Público: art. 225, § 10;

– equilíbrio ecológico; direito de todos: art. 225, caput;

– fauna; competência legislativa concorrente: art. 24, VI;

– fauna; preservação pela União: art. 23, VII – flora; preservação pela União: art. 23, VII – floresta; competência legislativa concorrente: art. 24, VI;

– floresta; preservação pela União: art. 23, VII – Floresta Amazônica: art. 225, § 4º;

– Mata Atlântica: art. 225, § 4º;

– natureza; competência legislativa concorrente: art. 24, VI;

– Pantanal Mato-Grossense: art. 225, § 4º;

– pesca; competência legislativa concorrente: art. 24, VI;

– propaganda comercial nociva; vedação: art. 220, § 3º, II;

– proteção: art. 23, VI;

– proteção; competência legislativa concorrente: art. 24, VI;

– qualidade de vida; melhoria: art. 225, caput – recursos minerais: art. 225, § 2º;

– recursos naturais; competência legislativa concorrente: art. 24, VI;

– reparação do dano: art. 225, § 3º;

– sanções penais e administrativas: art. 225, § 3º;

– Serra do Mar: art. 225, § 4º;

– solo; competência legislativa concorrente: art. 24, VI;

– terras devolutas: art. 225, § 5º;

– usinas nucleares; localização: art. 225, § 6º;

– zona costeira: art. 225, § 4º.7

7 Constituição da República Federativa do Brasil. 20. ed. Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2014. p. 253.

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Em meu livro, que se encontra no prelo, O estado à luz da história, filosofia e direito8, dedico todo um capítulo à preservação do meio ambien-te, pois a sobrevivência de 7 bilhões de seres humanos, no planeta, está condicionada tanto à sua preservação quanto à sua recuperação.

Thomas Friedman, três vezes Prêmio Pulitzer, nos Estados Unidos, e autor do famoso livro, publicado em 2003, O mundo é plano, alguns anos depois escreveu outra obra dedicada ao meio ambiente intitulado Quente, lotado e plano, em que, percorrendo diversos continentes, constatou o grau de deterioração ambiental no globo. Entrevistou – foi financiado por seu jornal New York Times – inúmeras autoridades e dirigentes de instituições dedicadas a preservar o meio ambiente, que há anos lutam para recuperar o planeta9, permitindo, pois, uma visão abrangente dos problemas e esforços para assegurar a estabilidades ambiental no mundo em que vivemos.

Mostrou que, por falta de incentivos, na última década, empresa americana especializada em energia eólica, abandonou os EUA e decidiu transferir-se para a Alemanha, onde, apoiada por estímulos governamen-tais, transformou a paisagem do país instalando rede de transmissão que acompanha muitas das linhas ferroviárias, tornando-se um extraordinário sucesso, inclusive financeiro, com considerável benefício para a população.

No livro, lembra que, se os 7 bilhões de seres humanos tivessem o padrão médio de vida do povo americano, não haveria alimento, energia e condições de o globo suportar tal qualidade de bem-estar.

Não sem razão, o constituinte de 1988 teve a preocupação de, em não poucos dispositivos, cuidar do meio ambiente, sobre colocar, no Título VIII, dedicado à ordem social (Seguridade, Educação, Tecnologia, Comu-nicação Social, Família e Índios) um capítulo exclusivo para o meio am-biente10.

8 Editora Noeses.9 Editora Objetiva, 2006.10 Escrevemos Rogério Vidal Gandra da Silva Martins, Soraya David Monteiro Locatelli e eu que:

“A primeira Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente Humano, realizada em 1972, na cidade de Estocolmo, introduzindo no universo jurídico mundial pontos e conceitos nunca antes normatizados acerca da preservação e melhoria do meio ambiente. A partir de então, trocou-se o conceito de desenvolvimento pelo de ecodesenvolvimento, em que o objetivo maior é o desenvolvimento da sociedade em harmonia com o meio ambiente”.

Segundo Maria Cristina Vidotte Bianco Tarrega e Héctor Leandro Arroyo Pérez, “a incorporação das exigências do direito ao desenvolvimento pelo direito ambiental teve como marco inicial a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, reunida em Estocolmo em 1972. Neste contexto foi proposto um novo modelo de desenvolvimento denominado ‘ecodesenvolvimento’, presente na Declaração de Estocolmo nos seus princípios 1º, 2º, 5º, 8º e 13º.

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No título sete, entretanto, define, como princípio fundamental da or-dem econômica dar tratamento adequado ao meio ambiente, ao dispor, no art. 170, inciso VI, o seguinte:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[...]

VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus proces-sos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

[...].11

Dedicar-me-ei, neste parecer, a explorar, principalmente no campo tributário, as potencialidades abertas pelo constituinte ao colocar, após os princípios alicerçantes (livre iniciativa e valorização do trabalho humano) entre os nove princípios fundamentais da ordem econômica, aquele ante-riormente referido.

Fala, o constituinte em tratamento diferenciado para a defesa do meio ambiente, acrescentando, a partir do impacto ambiental de produtos e ser-viços, conforme seu processo de elaboração e prestação venha a provocar12.

Diante da evidência de que a natureza e o meio ambiente não são objetos de exploração ilimitada pelo homem, o conceito de ‘crescimento econômico’ foi rapidamente substituído pelo de ‘desenvolvimento econômico sustentável’ ou simplesmente ‘desenvolvimento sustentável’.

Abandonou-se o critério puramente quantitativo para se inserir o critério qualitativo, o que vale dizer que, não basta apenas se ter um processo produtivo economicamente viável, é preciso que este esteja em consonância com a natureza e observe os limites de exploração da mesma.

O Relatório Brundtland, também intitulado de Nosso Futuro Comum, elaborado em 1987 pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento criada pelas Nações Unidas, definiu ‘desenvolvimento sustentável’, como sendo ‘o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades’” (Direito Tributário e Econômico aplicado ao meio ambiente e à mineração. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 311/12/13).

11 Celso Ribeiro Bastos, ao comentar tal dispositivo, de forma gráfica e concisa, ensina:

“É sem dúvida um dos problemas mais cruciais da época moderna. Os níveis de desenvolvimento econômico, acompanhados da adoção de práticas que desprezam a preservação do meio ambiente, têm levado a uma gradativa deterioração deste, a ponto de colocar em perigo a própria sobrevivência do homem” (BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à constituição do Brasil. 2. ed. Saraiva, v. 7, 2000. p. 34).

12 Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco lembram, ao analisar os princípios constitucionais do meio ambiente, que:

“No que se refere aos princípios fundamentais do direito ambiental, apesar de pequenas alterações de nomenclatura, a maioria dos autores converge na indicação dos seguintes: princípio do ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental da pessoa humana, princípio da natureza pública da proteção ambiental, princípio do controle do poluidor pelo Poder Público, princípio da consideração da variável ambiental no processo decisório de políticas de desenvolvimento; princípio da participação comunitária,

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O dispositivo sinaliza algumas diretrizes para definir o nível de distin-ção das políticas governamentais, objetivando a preservação e recuperação do meio ambiente, ou seja:

a) um tratamento punitivo a práticas prejudiciais;

e

b) um tratamento estimulador para que tais atividades mantenham a ordem econômica e o meio ambiente, de forma sustentável.

É de se lembrar que, pelo art. 174 da CF, no que concerne ao plane-jamento econômico do segmento privado, o Estado pode apenas atuar indi-cativamente e não impositivamente como o faz para as empresas estatais13.

Por outro lado, o art. 225, caput, embora coloque a sociedade como corresponsável pela preservação do meio ambiente, do Estado, em primeiro lugar, exige tal atuação, não podendo este impor, para a preservação global, prejuízos à sociedade, sem recomposição patrimonial, ao definir determi-nadas políticas, como já decidiu a Suprema Corte ou já se posicionaram eminentes ministros.

Está o art. 225 assim redigido:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo--se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

princípio do poluidor-pagador, princípio da prevenção, princípio da função sócio-ambiental da propriedade, princípio do direito ao desenvolvimento sustentável e princípio da cooperação entre os povos.

Essa longa enumeração, por outro lado, em que pese vir a engrossar a onda de nominalismo e de principiologismo, que tomou conta da teoria jurídica contemporânea, serve para evidenciar que, felizmente, o problema ecológico tomou-se questão de consciência para a maioria dos habitantes do planeta Terra, muitos dos quais se converteram em apóstolos da causa ambientalista, tanto mais necessários quanto sabemos que ainda são muitos os que, por dolo ou culpa, agridem a Natureza sem se darem conta das consequências dessa insensatez” (Curso de direito constitucional. Saraiva/IDP Inst. Brasiliense de Direito Público, 2007. p. 1305).

13 O dispositivo tem a seguinte dicção:

“Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”.

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III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a su-pressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencial-mente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo pré-vio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, mé-todos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a cons-cientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão pú-blico competente, na forma da lei.

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeita-rão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrati-vas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

§ 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pan-tanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua uti-lização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a pre-servação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

§ 5º São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.

§ 6º As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.14

14 Escrevi, ao comentar o art. 225, que:

“O art. 225 é uma carta de princípios para a proteção do meio-ambiente. Inicia, o constituinte, seu discurso afirmando que todos, no Brasil, têm direito ao ‘meio-ambiente ecologicamente equilibrado’, isto é, não destruído, nem aviltado por interesses de qualquer natureza, inclusive econômicos, visto que se trata de um patrimônio nacional, coletivo e individual dos que aqui vivem.

O discurso continua afirmando que o meio-ambiente equilibrado é bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.

A primeira parte, portanto, torna o meio-ambiente propriedade coletiva de toda a sociedade, visto que, na segunda parte, o constituinte, reconhece ser tal propriedade coletiva essencial à sadia qualidade de vida.

Essa postura do legislador supremo torna as deseconomias externas (utilização do bem da coletividade a custo zero, como as águas dos rios para a indústria de celulose; os peixes, para a indústria de produtos alimentícios) sujeitas a regras especiais e até a tributo compensatório pelos danos ao meio-ambiente, cuja instituição é permitida pelo artigo 149 (contribuições especiais para intervenção no domínio econômico)” (BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, v. 8, 2000. p. 960/1).

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O tratamento diferenciado, portanto, poderá ser estimulador ou puni-tivo, conforme o tipo de atividade que impacte o meio ambiente.

Na década de 1970, época dos grandes projetos governamentais de estímulo para o desenvolvimento, no que concerne ao reflorestamen-to, houve densa legislação incentivadora, do ponto de vista tributário, para que se recuperassem as florestas, admitindo que pudessem ser exploradas economicamente, dentro de determinadas regras, algumas plantações, in-clusive, com primeiras colheitas para mais de meio século após o início do projeto (nozes pecã, por exemplo)15.

Toda uma política ambiental pode ser realizada a partir deste sexto princípio fundamental da ordem econômica alicerçado em dois princípios basilares (livre iniciativa e valorização do trabalho humano).

Por outro lado, em nível punitivo, podem determinadas explorações ser apenadas com uma tributação mais severa, que Fábio Fanucchi definiu como “tributária penal”, ou seja, disciplinando comportamentos admitidos, mas que seriam politicamente “inconvenientes” (a indústria do fumo é um exemplo).

A tese da tributação penal levantada por Fábio Fanucchi a partir da imposição maior, como se dá nos casos de distribuição disfarçada de lucros, foi por mim encampada, à época, no livro Teoria da imposição tributá-ria, mostrando que certas condutas que o Estado deseja coibir podem ser desestimuladas por meio de tributação exacerbada, lembrando, inclusive, solução adotada na França, na década de 1970, para filmes pornográficos, não censurados, mas tampouco incentivados, e sim apenados por tributa-ção mais onerosa16.

15 Patrícia Machado Iserhardt lembra que:

“O grande problema enfrentado atualmente está na falta de conscientização em relação à preservação do meio ambiente, assim, a temática abordada objetiva o incentivo à preservação, com o consequente benefício financeiro para o contribuinte. Se os custos da degradação ambiental não refletirem nos preços, as decisões econômicas nunca serão ecologicamente corretas; com os tributos ecologicamente corretos pode-se trazer para o custo de cada bem, o custo que representa ambientalmente.

A tributação ecológica trabalha no âmago da questão, o agente não apenas cumpre a lei, mas passa a ser também agente da proteção ambiental, assim, se verifica a diferença, onde se tem uma mudança do comportamento do agente econômico.

O objetivo desta pesquisa é demonstrar que a utilização do Sistema Tributário Nacional como forma de efetivar os valores ambientais é altamente positiva para o meio ambiente, tendo em vista as infinitas possibilidades de adaptação dos tributos” (O incentivo fiscal empresarial como forma de proteção ao meio ambiente. Revista eletrônica do Curso de Direito, v. 7, n. 2, 2012).

16 Escrevi sobre a teoria de Fábio Fannuchi que:

“Sob este prisma, o direito de impor, pela teoria do absolutismo da imposição, não está sujeito à escolha de uma das duas espécies, mas poderá facultar ao poder impositivo a possibilidade de eleger tanto a forma de tributo quanto a da penalidade para provocar a incidência. E poderá albergar a mera imposição, pela técnica do tributo, para acobertar as três exteriorizações possíveis de ilicitude.

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O certo é que todos os governos procuram soluções estimuladoras e desestimuladoras de condutas e comportamentos, por meio de incidências mais ou menos intensas, ou mesmo de cobrança de preços públicos mais ou menos elevados, como ocorre, no Estado de São Paulo, no concernente ao custo da água fornecida pelo Estado, com redução de seu valor, se o consumo baixar, em momento de crise hídrica17.

O vocábulo, portanto, “diferenciado” há de se entender como sinali-zando o duplo comportamento de apenar a conduta indesejável e estimular a conduta desejável, mas, à evidência, interferir, como planejamento eco-nômico, no próprio evoluir do desenvolvimento.

É de se lembrar que tanto a indústria cigarreira quanto a petrolífera são condenáveis, a primeira em relação à saúde e a segunda quanto ao meio ambiente, muito embora esta seja alavancadora do desenvolvimento mundial.

A falta de estímulos, entretanto, a soluções energéticas alternativas em face dos altos interesses envolvidos na exploração do petróleo e seus

Fábio Fanucchi denominou esta solução de “tributação penal”, tendo sido atacado por parte da doutrina, que, não obstante perceber o fenômeno, preferiu ficar na superfície do exame formal da realidade em vez de aprofundar até o âmago na fenomenologia indicada pelo saudoso mestre.

Na escolha – de exclusiva faculdade do poder impositivo – mesmo que sua veiculação se faça por qualquer dos três poderes que o compõem, já que todos serão beneficiários da receita oriunda do direito de impor, Fábio Fanucchi percebeu que não só se fixa tal escolha à revelia de uma participação mais direta do sujeito passivo não componente do poder impositivo, como a eleição da forma imposta é de única determinação do sujeito ativo, da maneira que julgar de melhor alvitre.

Sob esta perspectiva, sempre que uma das três formas de ilicitude tenha seus fatos incididos não sob a rotulação de multa ou penalidade, mas de tributo, aquela imposição fiscal será tributo e não penalidade, mas com características de tributação penal.

O que, talvez, faltou completar ao saudoso mestre foi a análise, a partir da teoria do absolutismo da imposição, de que a eleição da forma (tributo ou penalidade), como meras técnicas de imposição, não seria capaz de alterar a realidade estrutural do que seja tributo ou penalidade, como espécies autônomas de um tipo-base maior, que é a obrigação tributária.

Tivesse o falecido mestre partido da análise superior da entidade central do direito de impor e, talvez, se apercebesse do que seria técnica formal de imposição e do que representariam os contornos estruturais das duas espécies. E teria compreendido que a teoria do absolutismo da imposição permite a hospedagem de um campo muito mais amplo de soluções tributárias, pelo estudo de seus mecanismos, compondo a abrangência maior equacionamento mais natural do referido direito, por poder aproximar-se das regras naturais do direito tributário e de todos os demais ramos do direito” (Teoria da imposição tributária. São Paulo: Saraiva, 1983. p. 264/5).

17 Kelly Farias de Moraes esclarece:

“Tradicionalmente, o tributo tem característica neutra desempenhando um papel de financiador da atividade estatal, promovendo a captação de recursos para a manutenção dos recursos necessários ao cumprimento das funções do Estado, tendo como objetivo principal abastecer os cofres públicos, no entanto este não é o único objetivo há também a atuação interventiva do Estado visando o seu próprio desenvolvimento.

Tal intervenção, seja por meio de medidas repressivas ou preventivas, ou seja, ‘[...]através de uma carga tributária elevada ou de incentivos fiscais, pode vir a ser marca determinante na caracterização do Estado como poluidor ou como auto-sustentável’ (Trennepohl, 2008, p. 99)” (“Direito tributário e meio ambiente: importância dos incentivos fiscais na preservação do meio-ambiente”, estudo a que tive acesso).

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derivados tem, como mostra Thomas Friedman, no já citado livro, “inibido” uma busca mais acelerada de novos caminhos para a produção de energia.

A preocupação brasileira, todavia, em colocar, no sexto princípio fundamental da ordem econômica, tal exploração, sobre permitir compe-tência legislativa comum e concorrente na proteção do meio ambiente, tem sinalizado que os legisladores supremo, complementar e ordinário buscam caminhos para que se possa preservar e recompor o meio ambiente18.

A preservação dar-se-á, portanto, mais por políticas punitivas de com-portamentos indevidos, e a de recomposição ambiental, por políticas esti-muladoras de inversões com resultados econômicos (reflorestamento nas décadas 1970 a 1990 foi assim obtido).

Não sem razão, o art. 226, caput, coloca o Estado, em primeiro lugar, e a sociedade, por decorrência, como responsáveis pela conservação de seu maior bem de sobrevivência, que é o meio ambiente.

Ora, o melhor mecanismo para uma política de estímulos é acionar o sistema tributário vigente, todo ele plasmado na Constituição Federal, entre os arts. 145 e 156 e no art. 195.

O interessante é que não se fala em estímulos fiscais, expressamente, senão no § 3º do art. 156, que os admite, ou no inciso XII, letra g do § 2º do art. 155, assim redigidos:

§ 3º Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

[...]

III – regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

Art. 155. [...]

18 Cristiane Vieira Jaccoud explicita:

“A tributação ambientalmente orientada, pode ser conceituada como ‘o emprego de instrumentos tributários para gerar recursos necessários à prestação de serviços públicos de natureza ambiental, bem como para orientar o comportamento do contribuinte à proteção do meio ambiente’. Para tal, lança-me mão da ‘finalidade extrafiscal dos tributos’, ou seja, aquela orientada para fins outros que não seja a captação de dinheiro para o Erário (finalidade arrecadatória), não se tratando unicamente da instituição de novos tributos, mas, principalmente, da possibilidade de utilizar os tributos já existentes através de uma ‘aplicação especial’, visando à defesa do meio ambiente, ou sendo, de alguma forma, ambientalmente seletivos. Nesse sentido, as técnicas utilizadas poderiam ser diversas, como progressividade e diferenciação de alíquotas, adoção de variáveis ambientais no critério de distribuição/repartição entre os entes federativos bem como a concessão de incentivos fiscais, isenções, deduções, dentre outros” (“Tributação ambientalmente orientada: instrumento de proteção ao meio ambiente”, estudo a que tive acesso).

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212 .............................................................................................RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – SEÇÃO ESPECIAL – PARECER JURÍDICO

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

[...]

XII – cabe à lei complementar:

[...]

g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e re-vogados.

[...].

Há, todavia, referências indiretas, em diversas outras disposições, como, por exemplo, no inciso V do § 2º do art. 155, no estabelecimen-to pelo Senado Federal das alíquotas mínimas nas operações internas do ICMS; no art. 151, inciso I, ao admitir estímulos para evitar desigualdades regionais; na adoção do princípio da progressividade para o Imposto de Renda, art. 153, § 2º, inciso I, ou da seletividade para o IPI, art. 153, § 3º, inciso I19, e ICMS, art. 155, § 2º, inciso III.

19 Estão os referidos dispositivos assim redigidos: “Art. 155. [...] [...] § 2º [...] [...] V – é facultado ao Senado Federal: a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e

aprovada pela maioria absoluta de seus membros; [...] Art. 151. É vedado à União: I – instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência

em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País;

[...] Art. 153. [...] [...] § 2º O imposto previsto no inciso III: I – será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei; Art. 153. [...] [...] § 3º O imposto previsto no inciso IV: I – será seletivo, em função da essencialidade do produto; [...]; Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda

Constitucional nº 3, de 1993) [...] § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3,

de 1993)

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O certo é que a extrafiscalidade sempre foi uma técnica adotada para tornar o direito tributário instrumento de justiça social e desenvolvimento econômico para o bem de todas as nações20.

[...] III – poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços; [...]”.20 Gustavo Miguez de Mello formula quadro em que tais objetivos são acentuados:

“As finalidades da cobrança de tributos

---------------------------------------------------------------------

Especificação

das Finalidades Autores e Comissões

---------------------------------------------------------------------

JUSTIÇA FISCAL Ruy Barbosa, Constituição

Federal do Brasil de 1946

(x), Royal Commission on

Taxation (Canadá), Joseph

Pechman, Fuentes Quintana,

J. M. Sidou.

ALOCAÇÃO Joseph Pechman, John

DE RECURSOS Due, Richard e Peggy

Musgrave, Manuel Lagares

Calvo, Carl Shoup,

Fuentes Quintana,

Walter Heller, Victor

Urquidi.

DESENVOLVIMENTO Royal Commission on

ECONÔMICO Taxation, Joseph Pechman,

John Due, Richard e Peggy

Musgrave, Manuel Lagares

Calvo, Carl Shoup,

Walter Heller.

(estabilização Royal Commission on Taxation,

interna I) Joseph Pechman, John

PLENO EMPREGO Due, Richard Musgrave,

Manuel Lagares Calvo,

Carl Shoup, Fuentes

Quintana, Walter

Heller, Victor Urquidi.

(estabilização Royal Commission on Taxation,

interna II) Joseph Pechman, Richard

COMBATE/INFLAÇÃO e Peggy Musgrave, Manuel

Lagares Calvo, Carl Shoup,

Fuentes Quintana, Walter

Heller, Victor Urquidi.

(estabilização Royal Commission on Taxation,

externa) Joseph Pechman, Richard e

EQUILÍBRIO BALANÇO Peggy Musgrave, Manuel

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Tendo sido convidado pelos constituintes para expor minha visão sobre o sistema tributário ideal, em 1987, apresentei algumas sugestões, durante quase todo um dia perante a Subcomissão de Tributos presidida por Francisco Dornelles, com a presença de José Serra e Roberto Campos, entre outros constituintes21.

DE PAGAMENTOS Lagares Calvo, Carl Shoup,

INTERNACIONAIS Fuentes Quintana, Walter

Heller, Victor Urquidi.

FINALIDADE John Due, Richard e

SOCIAL Peggy Musgrave, Manuel

Lagares Calvo, Carl

Shoup, J.M. Sidou,

Richard Musgrave e

Malcom Gillis, Walter

Heller.

COORDENAÇÃO FISCAL

INTER-GOVERNAMENTAL Carl Shoup

FINALIDADE Royal Commission on

POLÍTICA Taxation, J.M. Sidou,

Walter Heller.

FINALIDADE Royal Commission on

JURÍDICA Taxation.

FINALIDADE Richard Musgrave e

ADMINISTRATIVA Malcom Gillis,

Royal Commission on

Taxation.

OBSERVAÇÕES (x) referência feita à adoção expressa. Aplicação da Constituição de 1946 de maneira alguma atendia à finalidade referente à justiça fiscal”.

(Temas para uma nova estrutura tributária no Brasil. 1º Congresso Brasileiro de Direito Financeiro, 27 a 31 de agosto de 1979, Mapa Fiscal. p. 20).

21 Assim se referiram os parlamentares da Subcomissão à colaboração dos juristas que a assessoraram no primeiro anteprojeto: “Atendendo à sugestão do Constituinte Mussa Demis, vou apenas registrar notável esforço que esta Subcomissão de Tributos, Participação e Distribuição das Receitas realizou, ao longo das últimas 3 semanas, no sentido de ouvir e receber subsídios e sugestões de todos os segmentos da sociedade brasileira interessada em um novo desenho do Capítulo sobre o Sistema Tributário Nacional.

Cumprindo prazo regimental, apresentamos proposta de anteprojeto ao texto da futura Carta Constitucional que, não tendo a pretensão de ser algo perfeito e acabado, deverá sofrer aprimoramentos através das emendas que os membros desta Subcomissão certamente haverão de apresentar.

Necessário se faz assinalar a valiosa contribuição oferecida a esta Subcomissão pelas autoridades e entidades aqui recebidas em audiência pública: os Professores e Técnicos Fernando Rezende, Alcides Jorge Costa, Geraldo Ataliba, Carlos Alberto Longo, Pedro Jorge Viana, Hugo Machado, Orlando Caliman, Ives Gandra da Silva Martins, Edvaldo Brito, Souto Maior Borges, Romero Patury Accioly, Nelson Madalena, Luís Alberto Brasil de Souza, Osiris de Azevedo Lopes Filho; o Secretário da Receita Federal, Dr. Guilherme Quintanilha; os Secretários da Fazenda dos Estados, que antes de aqui comparecerem promoveram, sob os estímulos desta Subcomissão, os encontros de Manaus e Porto Alegre; os Secretários de Finanças das Capitais, o Dieese, a Organização das Cooperativas Brasileiras, o Instituto Brasileiro de Mineração; a Organização Nacional das Entidades de Deficientes Físicos; as associações dos funcionários fazendários, a Unafisco e a Fafite, as entidades representativas do municipalismo brasileiro – a Frente Municipalista, a Associação Brasileira dos Municípios, a Confederação Nacional dos Municípios e o Ibama. Tenham todos a certeza de que a discussão aqui ocorrida em torno das propostas e sugestões apresentadas será decisiva para o posicionamento dos

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RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – SEÇÃO ESPECIAL – PARECER JURÍDICO .................................................................................................215

Algumas delas foram acolhidas, principalmente a divisão quinquipar-tida dos tributos, a tríplice função da lei complementar e, já quando apro-vado o texto pela Subcomissão, a introdução do advérbio “especialmente” para as matérias sujeitas à lei complementar, no campo das normas gerais, o que implicou a recepção de todo o Código Tributário Nacional, ainda o melhor documento legislativo nesta matéria produzido no Brasil.

É que o art. 146, inciso III, tinha como redação o seguinte:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

I – [...]

[...]

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos im-postos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas socie-dades cooperativas.

[...].

Assim, só aquelas matérias mencionadas (numerus clausus) seriam objeto da lei complementar. Com isso, parte considerável do CTN perderia a condição de lei complementar. Quando sugeri, em longo telefonema a Dornelles, a introdução do advérbio “especialmente”, passou o texto a ter a seguinte redação:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

[...]

membros desta Subcomissão em relação à definição do Capítulo Tributário, que desperta enorme interesse na sociedade brasileira.

O resumo das palestras consta do presente relatório, sob a forma de anexo. Os debates foram conduzidos participativamente, dando-se a todos os membros da Subcomissão condições de expor livremente suas ideias, o que contribuiu para o bom andamento dos trabalhos apresentados, bem como divulgar aos demais membros da Subcomissão a síntese das sugestões de Constituintes e de não-constituintes encaminhadas à presidência e ao Relator. Realizou-se reunião plenária em que foi debatida uma pauta contendo os assuntos em torno dos quais gravita maior número de propostas apresentadas. Os membros desta Subcomissão presentes à referida reunião externaram suas opiniões sobre tais assuntos e outras questões relevantes para a elaboração do anteprojeto. A Subcomissão recebeu 818 sugestões de Srs. constituintes e 40 sugestões de entidades e outros interessados, num total de 858, as quais, depois de detidamente analisadas, passarão a integrar o presente relatório acompanhadas dos respectivos pareceres” (grifos meus) (Diário da Assembleia Nacional Constituinte, 19 jun. 1987. p. 139).

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III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especial-mente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos im-postos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas socie-dades cooperativas.

[...]. (grifos meus)

De taxativa, a referência passou a ser apenas exemplificativa, salvan-do-se por inteiro o CTN, que foi então recepcionado pela nova Lei Maior22.

Ora, no capítulo das espécies tributárias, que interessa examinar, o art. 145, caput, determina:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

I – impostos;

II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efe-tiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição;

III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.

O art. 148 (caput):

Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios:

I – para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade públi-ca, de guerra externa ou sua iminência;

22 Escrevi sobre o que representa a Lei Complementar no Sistema Tributário o seguinte:

“Em direito tributário, como, de resto, na grande maioria das hipóteses em que a lei complementar é exigida pela Constituição, tal veículo legislativo é explicitador da Carta Magna. Não inova, porque senão seria inconstitucional, mas complementa, esclarecendo, tornando clara a intenção do constituinte, assim como o produto de seu trabalho, que é o princípio plasmado no Texto Supremo.

É, portanto, a lei complementar norma de integração entre os prin cípios gerais da Constituição e os comandos de aplicação da legislação ordinária, razão pela qual, na hierarquia das leis, posta-se acima destes e abaixo daqueles. Nada obstante alguns autores entendam que tenha campo próprio de atuação – no que têm razão –, tal esfera própria de atuação não pode, à evidência, nivelar-se àquela outra pertinente à legislação ordinária. A lei complementar é superior à lei ordinária, servindo de teto naquilo que é de sua particular área mandamental” (BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. Saraiva, v. 6, t. I, 2001. p. 79).

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RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – SEÇÃO ESPECIAL – PARECER JURÍDICO .................................................................................................217

II – no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante inte-resse nacional, observado o disposto no art. 150, III, b.

E o art. 149 (caput):

Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissio-nais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previs-to no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

As cinco espécies tributárias, portanto, conformam o sistema tribu-tário brasileiro, em nível impositivo, sendo que a mais relevante delas é o imposto23.

São 12, hoje, os impostos exigidos pela legislação complementar e ordinária, a saber:

– a União, pelo art. 153, tem direito às seguintes imposições:

I – importação de produtos estrangeiros;

II – exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;

III – renda e proventos de qualquer natureza;

IV – produtos industrializados;

V – operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;

VI – propriedade territorial rural;

[...]

Não tendo sido regulamentado o IGF, que seria o 13º24.

23 A tese que levantei sobre as cinco espécies tributárias para um Congresso, em 1976, objetivou aquelas: 1) contrapor-se a de duas espécies, imposto e taxa (Geraldo Ataliba, Paulo de Barros Carvalho, Valdir de Oliveira Rocha etc.), a de três espécies tributárias (impostos, taxas e contribuição de melhoria) (Rubens Gomes de Souza e Aliomar Baleeiro); a de quatro (impostos, taxas, contribuição de melhoria e contribuições especiais (Aires Fernandino Barreto, Bernardo Ribeiro de Moraes). A palestra ocorreu na 2ª Reunião Regional Latino-Americana de Direito Tributário, foi publicada sob o título As contribuições especiais numa divisão quinquipartida dos tributos, coedição ABDF (filiada à IFA); Ordem dos Advogados do Brasil – Secção do RGS, Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, Faculdade de Direito da UFRGS, Instituto Internacional de Direito Público e Empresarial. São Paulo: Resenha Tributária, 1976).

24 Rogério Vidal Gandra da Silva Martins e Soraya David Monteiro Locatelli lembram que:

“Ressalte-se ademais, que este tipo de tributação, ao desestimular o investimento e a poupança, tende a aumentar o consumo, contudo não de forma substancial a ponto deste aumento superar a perda gerada pela redução dos investimentos, a qual, por sua vez, pode aumentar a taxa de desemprego do País.

Não bastassem tais fatos, ainda é preciso considerar que a administração do IGF apresenta-se extremamente ineficiente e ineficaz, já que a arrecadação é irrisória em face de uma fiscalização vultosa e de difícil aferimento.

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– os Estados, pelo art. 155, a três exigências:

I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; (Reda-ção dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ain-da que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

III – propriedade de veículos automotores. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

– e os Municípios, pelo art. 156, a três:

I – propriedade predial e territorial urbana;

II – transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imó-veis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, de-finidos em lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

Os Impostos de Importação e Exportação são tributos de regulação do comércio exterior, pouco espaço abrindo para o exercício da extrafiscalida-de, ou seja, de uma política de estímulos fiscais de caráter ambiental, muito embora possa a legislação incentivar, no Imposto de Importação, a aquisi-ção de equipamentos de preservação ou restauração ambiental, eliminan-

Como as alíquotas do IGF não podem ser altas, sob pena de acarretar notória evasão de divisas (pela fuga de capitais), a arrecadação consequentemente será pequena, ao passo que, o aparato administrativo para verificar e avaliar o patrimônio do contribuinte será muito oneroso.

O que vale dizer que, o custo da administração do IGF é extremamente elevado quando comparado com a complexidade dos procedimentos para seu controle e com o valor total arrecadado, sendo este, sem sombra de dúvidas, um dos principais problemas para sua implantação” (MARTINS, Ives Gandra; CASTRO, Paulo Rabello de; MARTINS, Rogério Vidal Gandra da Silva (coord.). O direito tributário no Brasil. 2. ed. Quartier Latin/Fecomércio, 2010. p. 167).

Fátima Fernandes Rodrigues de Souza e Patrícia Fernandes de Souza Garcia, no mesmo sentido, declaram:

“Trata-se de tributo com evidente viés ideológico, cujo objetivo é retirar parte das riquezas dos mais abastados e entregá-la ao Estado para que este a redistribua entre todos ou entre os mais pobres. É frequentemente apresentado, portanto, como instrumento tendente a tornar o sistema tributário mais justo, de forma que os pobres paguem menos impostos sobre o consumo e os ricos paguem mais impostos tanto sobre a renda, quanto sobre a acumulação de fortuna” e continuam: “Os críticos desse imposto apontam-no como fator inibidor da poupança interna do país e da recepção de investimentos estrangeiros, propiciando, numa economia globalizada, em que a informatização confere mobilidade espantosa aos capitais, a fuga de investimentos para países que não possuem essa forma impositiva” (idem, p. 111/112).

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do ou reduzindo alíquotas, o mesmo ocorrendo para incentivar a indústria local, para tais finalidades, fortalecendo-a, por meio do mercado exterior25.

Já o imposto sobre a renda abre maior espaço para uma política tri-butária ambiental de incentivos. É um imposto bem adequado para tal fina-lidade. Foi fartamente utilizado pela União, nas décadas de 1960 a 1990, para estimular setores e regiões (Amazônia, Nordeste, pesca, reflorestamen-to, culturas etc.), tendo perdido um pouco seu impacto nos últimos anos, principalmente após os diversos acordos contra dupla tributação assinados pelo Brasil, que terminaram, nos investimentos estimulados realizados no País por estrangeiros, não os beneficiando nas remessas para o exterior, vis-to que os investidores são obrigados a complementar aqueles tributos não recolhidos, conforme a legislação local de cada país.

Creio que se poderia trabalhar em projetos, conforme a natureza do negócio, com a adoção de técnicas preservativas na produção ou mesmo no impacto ambiental da atividade, em que as alíquotas seriam reduzidas ou até eliminadas, como de resto ocorreu para os grandes projetos regionais das décadas de 1960 a 1990.

O Imposto de Renda é um típico tributo “arrecadatório”.

O mesmo ocorre com o IPI, este com maior facilidade, podendo ser objeto de incentivos, por ser um tributo indireto com alíquotas variáveis de acordo com o tipo de produto produzido ou importado. Talvez seja, em ní-vel federal, aquele tributo que mais se preste a estímulos fiscais de natureza ambiental26.

25 Leia-se na Revista da Lata (edição 2015), p. 31, o seguinte:

“Nossa Constituição, mais do que recomenda, impõe ao Poder Público uma política de incentivos que onere mais aqueles que impactam negativamente o meio ambiente”.

26 Carlos Ayres Britto elogia o IPI e o ICMS como os impostos mais adequados para uma política de extrafiscalidade tributária:

“Quanto às políticas públicas de natureza tributária, também umbilicalmente ligadas a toda a Ordem Econômica, faz-se imprescindível a lembrança de que certos tributos, como o IPI e o ICMS, poderão assumir compostura seletiva em razão da essencialidade do seu próprio fato gerador ou do seu pressuposto material de incidência (inciso I do § 3º do art. 153 e inciso III do § 2º do art. 155, todos da Constituição. E o certo é que, ao falar do meio ambiente ecologicamente equilibrado como ‘essencial à sadia qualidade devida’ (caput do art. 225), a própria Magna Carta estende essa nota da essencialidade para toda empreitada ou para todo produto econômico especialmente favorecedor de tal equilíbrio. Como, verbi gratia, os produtos e atividades ou então os processos ou métodos de fabricação e de serviços cujo impacto ambiental seja nulo. Ou de elevada taxa de reciclabilidade. Ou cuja durabilidade maior minimize seu impacto ambiental no tempo. Ou que impliquem sistemática e suficiente compensação igualmente ambiental. Ou que façam da possibilidade de coleta dos seus resíduos para reinserção no processo produtivo um meio de vida tão sem maiores riscos para a saúde humana quanto absorvente de expressivos contingentes de trabalhadores ou microempresas. Situação em que o princípio econômico do tratamento diferenciado ao meio ambiente melhor se interpenetra com o princípio identicamente constitucional da busca do pleno emprego e/ou da redução de desigualdades sociais. Confirmação, em suma, da imperiosidade do implemento de políticas públicas tributarias que sirvam a esse encarecido princípio do tratamento diferenciado ao meio ambiente como forma de cumprimento de um

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Já os impostos sobre operações financeiras e o territorial rural, tribu-tos estes também regulatórios, podem se prestar a incentivos ambientais. O primeiro, em operações de crédito não tributadas para atividades relacio-nadas com o meio ambiente. O segundo, necessariamente possível, pois é o mais relacionado à convivência dos seus sujeitos passivos com o meio ambiente. A exploração agropecuária entra diretamente em contato com a natureza, sendo mais fácil estimular tributariamente, até com isenção total, os comportamentos de restauração de “habitats” destruídos. Tal imposição poderia ser, com projetos bem definidos, dirigidos à redução ou eliminação da tributação, inclusive na linha do art. 186 da CF, no que concerne à pró-pria função social, que, para o negócio agropecuário, está umbilicalmente ligado ao meio ambiente27.

No âmbito estadual, o ICMS, embora mais complexo na concessão de estímulos, dada a dependência de sua aprovação unânime pelos Estados mediante convênios firmados no âmbito do Confaz, por força do art. 155, § 2º, inciso XII, letra g, e inciso VI, é, a meu ver, de possível utilização, o mesmo ocorrendo com o IPVA, desde que os veículos sejam movidos a combustível não poluente.

O imposto de transmissão seria de mais difícil uso, mas nada impede que também seja utilizado, desde que o beneficiário da transmissão não onerosa se comprometa a cuidar de recuperação ambiental com os recursos recebidos28.

explícito dever estatal e também como reconhecimento de que nele próprio a Ordem Econômica brasileira tem um dos seus mais salientes traços de identidade” (Revista da Lata, 2015, p. 25).

27 O art. 186 da CF está assim redigido:

“Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I – aproveitamento racional e adequado;

II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores”.

O único aspecto curioso do dispositivo, que justifica a desapropriação de imóvel rural que não cumprir sua função social, é eventual desapropriação por não ter promovido “o bem estar do próprio proprietário (inciso IV)”!!!

28 Cleucio Santos Nunes escreveu:

“Diante disso, o ponto de ajuste mais adequado ao sistema jurídico brasileiro leva em consideração princípios de índole ambiental, tais como o do poluidor-pagador e prevenção, porém pela via indireta, isto é, concedendo isenções ou incentivos, como, por exemplo, deduções da base de cálculo dos tributos em relação àquele que polui menos.

A adoção de incentivos, em vez da majoração de tributos, poderá trazer resultados mais eficientes, visto que estimula o empreendedor a adquirir novas técnicas de preservação. Ninguém gosta de pagar tributos! Se o Estado abre mão de seu crédito, exigindo em contrapartida certos compromissos de preservação, estar--se-á diante de uma dupla vantagem: i) colaboração do Estado como corretor de externalidades negativas

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Na esfera municipal, o IPTU é de menor espectro de utilização que o ITR, mas, nas áreas urbanas, onde se faz necessária a preservação ambien-tal, pode ser utilizado como forma de estímulo, o mesmo ocorrendo com o ISS para as atividades consideradas relevantes para tais finalidades.

O imposto de transmissão onerosa, todavia, parece-me de difícil, mas não impossível, utilização, pois dependeria da vinculação do adquirente de utilizar o bem com finalidade de proteção ao meio ambiente.

No que concerne às taxas, são estas mais adotadas para punir às agressões ao meio ambiente do que para estimular a não agressão, só po-dendo ser utilizadas de forma transversa, ou seja, neste caso, reduzindo-se o nível da eventual taxa já existente29.

(Pigou); ii) maior eficiência na conscientização da necessidade de preservação do meio ambiente (princípio da cooperação).

Nem se diga que o uso de incentivos fiscais ao não poluidor ou ao menos poluidor venha a ferir a isonomia tributária. A regra da igualdade não pode ser concebida, no Direito Tributário, ou em qualquer outro ramo do Direito, no seu aspecto formal meramente, qual seja, ‘todos são iguais perante a lei’. Não há ofensa ao princípio em referência, na medida em que se está tratando desiguais de modo desigual. Todos são poluidores (igualdade formal), mas uns poluem menos que outros (objetivo da política ambiental tributária); logo, estes devem receber tratamento diferenciado por estarem engajados nos objetivos da preservação. Nesse processo de busca do equilíbrio na quantificação do valor das perdas, o ótimo de Pareto estará na virtualidade de que todos produzam sem poluir ou poluam menos, estimulados pelo pagamento de menos tributos” (Direito tributário e meio ambiente. Dialética, p. 163).

29 Leia-se:

“Recurso Extraordinário nº 416.601-1 Distrito Federal

Relator: Min. Carlos Velloso

Recorrente(s): Associação Gaúcha de Empresas Florestais – Ageflor

Advogado(a/s): Atina Maria da Trindade dos Reis e Outro (a/s)

Recorrido(a/s): Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais e Renováveis – Ibama

Advogado(a/s): Lina Espíndola

Ementa: Constitucional. Tributário. Ibama: Taxa de Fiscalização. Lei nº 6.938/1981, com a redação da Lei nº 10.165/2000, arts. 17-B, 17-C, 17-D, 17-G. CF, art. 145, II.

Pinto Ferreira lembra, ao comentar o art. 225 da CF que: “A definição legal de meio ambiente é a seguinte: ‘O conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas’ (Lei nº 6.938, de 31.08.1981, art. 3º, I).

O ambiente se compõe de um complexo de elementos naturais, culturais e artificiais: meio ambiente natural, abrangendo o solo, a água, o ar atmosférico, a flora, a fauna, em suma, a biosfera; meio ambiente cultural, formado pelo patrimônio artístico, histórico, turístico, paisagístico, arqueológico; meio ambiente artificial, integrado pelo espaço urbano construído, tais como edificações, ruas, praças, áreas verdes, equipamentos públicos.

A civilização tem tido grande progresso, porém tem degradado constantemente a biosfera. Atualmente vivem no mundo 5,57 bilhões de pessoas, com cerca de 1 bilhão nos países desenvolvidos e abastados, estes sobretudo fazendo mau uso dos recursos da natureza e prejudicando seriamente o ecossistema.

Daí os diversos congressos que foram realizados ultimamente, como a Conferência de Estocolmo de 1972, reunindo cento e catorze países do mundo, e a Conferência realizada no Rio de Janeiro, em 1992, vinte anos depois.

Salienta Ramón Martín Mateo: ‘O homem de hoje usa e abusa da natureza como se fosse o último inquilino deste desgraçado planeta, como se atrás dele não se anunciasse um futuro. A natureza converteu-se assim num bode expiatório do progresso’” (Comentários à constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, v. 7, 1995. p. 264/265)

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As contribuições de melhoria não se prestam a incentivos, como os impostos compulsórios também não.

No que concerne às contribuições especiais, excluo, de início, aque-las no interesse das categorias, mas incluo, como de possível estímulo, as de intervenção no domínio econômico, desde que redutoras de eventuais contribuições existentes em face da finalidade de preservação ou restaura-ção ambiental.

Já no que concerne às contribuições sociais, os estímulos poderão ter as características mais elásticas, em face de a jurisprudência ter acrescen-tado outras finalidades paralelas, sobre haver, na preservação ambiental, possibilidade de dar caráter de benefício social à coletividade.

Neste caso, principalmente PIS e Cofins poderiam ser reduzidos ou eliminados em função do objeto da atividade30.

Colocadas tais premissas, passo a responder as questões formuladas:

Considerando as principais características do atual Sistema Tributário bra-sileiro nas esferas federal, estaduais e municipais, que implicações práticas

“Revista Dialética de Direito Tributário, n. 238, p. 169.

I – Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental; TCFA – do Ibama: Lei nº 6.938, com a redação da Lei nº 10.165/2000: constitucionalidade.

II – R.E. conhecido, em parte, e não provido.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, nos termos do voto do relator, conhecer, em parte, do recurso e, na parte conhecida, negar-lhe provimento. Votou a Presidente. Ausentes, justificadamente, o Senhor Ministro Nelson Jobim (Presidente) e, neste julgamento, os Senhores Ministros Marco Aurélio e Gilmar Mendes.

Brasília, 10 de agosto de 2005.

Ellen Gracie – Vice-presidente

(no exercício da Presidência)

Carlos Velloso – Relator. (Destaques meus)” (Site do STF).30 Leila Von Sohsten Ramalho e Rosana Maciel Bittencourt Passos escrevem:

“Tem-se, assim, que os tributos, na sua dimensão extrafiscal, têm a função arrecadatória posta em segundo plano, passando a atuar como auxiliares ao poder regulatório do Estado, possibilitando a este afastar, pelo agravamento da carga tributária, certas atividades ou comportamentos contrários ao interesse público, ou, por outro lado, estimular, pelo abrandamento da tributação, as condutas convenientes à comunidade.

Com tal concepção é que a extrafiscalidade tributária se revela, sob a ótica da tutela ambiental, instrumento dos mais úteis, ao permitir que sejam premiadas, por força de reduções de alíquota, isenções ou afins, as posturas ambientalmente corretas, bem como desencorajados, pela via da oneração da carga tributária, os comportamentos lesivos ao meio natural. Neste último aspecto, aliás, a extrafiscalidade se mostra duplamente interessante, pois possibilita sejam corrigidas as falhas de mercado que resultam nas chamadas externalidades negativas, assim entendidos os efeitos deletérios da atividade econômica que não são internalizados pela produção – por exemplo, o custo da despoluição ou recomposição de uma área degradada –, sendo indevidamente suportados pela sociedade, e que, com a intensificação da tributação, passarão a ser debitados ao agente, que os terá de incorporar ao custo de seu produto” (Direito ambiental e as funções essenciais à justiça. Apres. Vladimir Passos de Freitas. RT. p. 333/334).

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teria a introdução de elementos que refletissem, no citado Sistema, o princí-pio constitucional constante do art. 170, inciso VI, da Constituição Federal?

Entendo que as implicações práticas seriam:

a) sensível contribuição para a preservação ou recuperação do meio ambiente, a apresentação de projeto de lei de redução ou eliminação de incidências tributárias conforme as atividades capazes de impactá-lo, tornando possível a não degradação do sistema ecológico nacional31;

b) um estímulo real à adoção de técnicas capazes de criar, na atu-ação econômica, uma “economia verde”, na feliz expressão de Thomas Friedman, como ocorreu com a rede eólica de produ-ção de energia, que as margens das estradas de ferro germânicas ostentam, com isenções e estímulos capazes de atrair investi- dores32;

c) o cumprimento de um desiderato constitucional de diferenciar, estimulando ou punindo os que recuperam ou prejudicam o meio ambiente33;

d) reflexo positivo, junto às autoridades internacionais na matéria, com impactos indiscutíveis nos “fóruns” plurinacionais, exer-cendo-se, assim, liderança numa política capaz de não preju-dicar o único “habitat” que os seres humanos ainda têm para sobrevivência de uma população que, até o fim do século, deve superar 10 bilhões de pessoas, em face de o Brasil possuir uma das maiores reservas de biodiversidade34;

e) inovação, em matéria de tecnologia ambiental, dos meios de produção, como ocorreu, na década de 1970, após o 1º choque

31 Aspectos relevantes da maneira de se atuar na área tributária encontram-se no livro coordenado por Heleno Taveira Torres, intitulado Direito tributário ambiental, escrito pelos seguintes autores: Alejandro Altamirano, Anderson Orestes C. Lobato, Andrea Amatucci, Carlos Palao Taboada, Celso Antonio Pacheco Fiorilio, Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida, Cristiane Derani; Domingo Carbajo Vasco, Fernando Facury Scaff, Fernando Serrano Antón, Gilson César Borges de Almeida, Heleno Taveira Tôrres, Ives Gandra da Silva Martins, José Casalta Nabais, Jose Luis Bolzan de Morais, Jussara S. Assis Borges Nasser Ferreira, Lídia Maria Lopes Rodrigues Ribas, Lise Vieira da Costa Tupiassii, Luís Eduardo Schoueri, Luis Manuel Abuso González, Marcelo Figueiredo, Maria de Fátima Ribeiro, Maria Lúcia Luz Leiria, Paulo Caliendo, Pabbo Chico de Ia Cámara, Pedro Manuel Herrera Molina, Pietro Selicato, Regina Helena Costa, Ricardo Lobo Torres, Roberto Ferraz, Victor Uckmar, Willis Santiago Guerra Filho (São Paulo: Malheiros, 2005).

32 Rodrigo Jorge Moraes, Mariangela Garcia de Lacerda Azevedo e Fábio Machado de Almeida Delmanto coordenaram a obra As leis federais mais importantes de proteção ao meio ambiente – Comentadas (Rio de Janeiro, São Paulo, Recife: Renovar, 2005).

33 José Renato Nalini trata do assunto no livro Ética ambiental (2. ed. Campinas/SP: Millenium, 2003).34 Terence Trennepohl, em seu Direito ambiental (4. ed. JusPodivm, 2009).

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do petróleo, com o desenvolvimento do etanol combustível, in-felizmente, por equivocadas políticas, prejudicado, nos últimos tempos35;

f) finalmente, tornar o país uma potência econômica, a partir do “planeta verde” e do desenvolvimento econômico e social, com estímulos bem planejados de suas atividades negociais e ade-quados e diferenciados tratamentos de um dos nove princípios fundamentais da ordem econômica, enumerados no art. 17036.

À luz do presente arcabouço normativo tributário, que providências ou alterações legislativas seriam necessárias ou recomendáveis para que a observância do art. 170, inciso VI, da CF, seja eficaz no que refere aos re-sultados ambientais visados?

Nas considerações apresentadas antes da resposta ao primeiro que-sito, indiquei todos os tributos de possível utilização para a aplicação es-timuladora da legislação tributária, objetivando premiar empresas por sua participação na preservação ou recomposição do meio ambiente, ou seja, para sua “sustentabilidade” .

E. J. Mishan37, na década de 1970, ao discorrer sobre as desecono-mias, já mencionara a necessidade de um preço a ser pago pela utilização da natureza em benefício das empresas, por meio da imposição maior.

35 Colin Norman, em seu livro Running on empty (Washington: Worldwatch Institute, 1979), dá especial destaque à experiência brasileira.

36 O art. 170 e seu parágrafo único estão assim redigidos:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I – soberania nacional;

II – propriedade privada;

III – função social da propriedade;

IV – livre concorrência;

V – defesa do consumidor;

VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

VII – redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII – busca do pleno emprego;

IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.

37 Economic Growth: Some pessimistic reflections, The Great Ideas, 1971, Encyclopedia Brittanica, p. 52/71.

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Em face da referida disposição constitucional e de outros dispositi-vos espalhados pela Lei Maior, entendo que tais políticas de diferenciação para estimular a sustentabilidade foram inteiramente hospedadas pelo Texto Maior do País38.

Todo o trabalho dos interessados deve ser dirigido a mostrar ao Exe-cutivo, ser positiva a alteração de legislação, objetivando a sustentabilidade que deve passar por:

1) estudo de atividades e técnicas na produção, transporte, comer-cialização que propiciem melhoria das condições atuais, no se-tor, acoplando-as às técnicas existentes, quanto à preservação ambiental, exploração de recursos naturais, recuperação de resí-duos e todos os aspectos objetivando um programa moderno de proteção à natureza;

2) tal estudo deverá detectar as áreas em que a preservação e/ou recuperação pode ser realizada;

3) uma vez detectadas as atividades antigas remodeladas ou novas decorrentes de avanço tecnológico, apresentar, com ampla jus-tificativa, acrescida de dados e estatísticas, a forma de adaptar as novas tecnologias às necessidades atuais de sustentabilidade através de anteprojetos de leis;

4) contatar as agências reguladoras dos respectivos segmentos em-presariais, as autoridades responsáveis pelo impacto dos projetos de leis no âmbito ambiental, para demonstrar que a adoção de nova forma de atuar representará benefícios a toda coletividade, razão pela qual, o engajamento oficial far-se-á necessário;

5) como os projetos de leis em matéria fiscal devem ser oriundos do Poder Executivo, de acordo com o art. 61, § 1º, inciso II, letra b, da CF, assim redigido:

Art. 61. [...]

38 Terence Trennepohl escreveu:

“A Constituição Federal de 1988, diferentemente das demais até então promulgadas no país, fez valer uma exigência que muito preocupa os estudiosos do direito que lutam para a inserção de normas que tratem das questões ambientais.

Inovando brilhantemente, a nossa Carta Magna trouxe um capítulo específico sobre o assunto, voltado inteiramente para o meio ambiente, definindo-o como sendo direito de todos e lhe dá a natureza de bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, incumbindo ao poder público e à coletividade o dever de zelar e preservar para que as próximas gerações façam bom uso e usufruam livremente de um meio ambiente equilibrado” (Direito ambiental. 4. ed. JusPodivm. p. 79).

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§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

[...]

II – disponham sobre:

[...]

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orça-mentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territó-rios; [...]

Tal etapa não poderá prescindir da colaboração das autoridades res-ponsáveis, além do Ministro da Fazenda, que, após receber o laudo do impacto ambiental elaborado pelos órgãos competentes, examinará as possibilidades e o impacto fiscal dos anteprojetos de estímulos;

6) uma vez obtido o apoio governamental, veiculada a proposta a partir do Executivo, este a enviará ao Congresso, havendo neces-sidade de trabalhar – já agora em projetos de leis – o Congresso Nacional, procurando os líderes, deputados e as Comissões es-pecíficas para discutir os aspectos relevantes da iniciativa presi-dencial;

7) o mesmo procedimento poderá ser adotado em relação aos tri-butos estaduais, que competem incentivar, como enunciado no corpo do parecer;

8) o problema maior será, quanto ao ICMS – imposto de vocação nacional, regionalizado – visto que os incentivos terão que ser aprovados pelo Confaz, pela unanimidade dos Estados. Um tra-balho adequado junto ao Confaz, portanto, mostrando que o incentivo é de interesse nacional e pode ser concedido por deci-são unânime, talvez facilite a aprovação setorial ou regional, em se determinando qual o impacto positivo que sua adoção trará para o país, em nível de sustentabilidade ambiental39.

O certo, todavia, é que a matéria jurídico-tributária poderá ser bem trabalhada, mas o que efetivamente terminará auxiliando o encaminhamen-to e a aprovação do mecanismo de extrafiscalidade, será, para cada produ-to, para cada atividade que se pretenda beneficiar, uma correta avaliação

39 Tendo Paulo de Barros Carvalho e eu participado de comissão para nosso desconforto denominada de Notáveis, nomeada pelo Presidente do Senado, José Sarney, constituída ainda por Nelson Jobim, Everardo Maciel, Bernard Appy, Fernando Rezende, João Paulo dos Reis Velloso, Luís Roberto Barroso, Manoel Felipe Rêgo Brandão, Marco Aurélio Marrafon, Michal Gartenkraut e Sérgio Roberto Rios do Prado, apresentamos 12 anteprojetos, um deles para solucionar a Guerra Fiscal. Divulgamos tais anteprojetos, ao lado de dois estudos nossos, no livro Guerra fiscal: reflexões sobre a concessão de benefícios no âmbito do ICMS (Noeses, 2014).

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do impacto positivo no meio ambiente, com conveniente demonstração de vantagens para a sociedade dos referidos projetos40.

S.M.J.

São Paulo, 5 de agosto de 2015.

Ives Gandra da Silva Martins

40 Elenco alguns trabalhos de interesse sobre a matéria:

– Tributação ambiental fiscal (dever estado) e extrafiscal (direito estado) – Isabela Cararo Lopes;

– A tributação extrafiscal e o meio ambiente – Juliana Vieira de Araújo;

– Políticas públicas para a concessão de incentivos fiscais na proteção ambiental – Henrique Sampaio Goron;

– Tributação sustentável – A experiência estrangeira e a política fiscal brasileira – Joana Franklin de Araújo;

– Desenvolvimento sustentável e tributação: o papel do tributo ambiental no Brasil – André Luiz Fonseca Fernandes;

– O princípio do tratamento tributário ambientalmente diferenciado – Uma interação entre o princípio da isonomia tributária e o sistema de princípios ambientais-econômicos do estado do bem-estar ambiental brasileiro – Carlos André Huning Birnfeld e Liane Francisca Huning Birnfeld.

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Clipping Jurídico

Comissão vai debater alteração na lei do sistema de unidades de conserva-ção da naturezaA Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável promo-ve au diência pública nesta quinta-feira (24) para discutir o Projeto de Lei nº 1.299/2015, do deputado Toninho Pinheiro (PP-MG), que altera a lei que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Lei nº 9.985/2000). Foram convidados o Presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Cláudio Maretti; o Professor e fun-dador de Milaré Advogados, Édis Milaré; o Secretário de Meio Ambiente de Ibirité/MG, André Gustavo Diniz Matos; e o Secretário de Meio Ambiente de Brumadinho/MG, Hernane Abdon de Freitas. O Projeto de Lei nº 1.299/2015 visa assegurar em lei que o estabelecimento das zonas de amortecimento e dos corredores ecológicos siga o mesmo rito para a criação de unidades de conser-vação, inclusive com consulta aos atores diretamente interessados. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

CPI dos Maus-Tratos de Animais debate controle de zoonoses e leishma-nioseA CPI dos Maus-Tratos de Animais promove uma audiência pública para de-bater dois temas. O primeiro item, solicitado pelo presidente da comissão, De-putado Ricardo Izar (PSD-SP), será a destinação de recursos para o controle populacional de animais e combate às zoonoses. Inicialmente, Izar pediu a con-vocação do Ministro da Saúde, Arthur Chioro. O titular da pasta será represen-tado pelo Secretário de Vigilância em Saúde do ministério, Antonio Carlos Fi-gueiredo Nardi. Segundo o deputado, 75% das doenças infecciosas emergentes no mundo estavam vinculadas às zoonoses em 2010. Como a saúde humana e a saúde animal estão interligadas, o contato entre a população humana e os ani-mais domésticos e silvestres facilitou a disseminação dessas doenças. Ricardo Izar argumenta que muitos municípios não vêm recebendo do governo federal os recursos destinados à prevenção e à proteção de zoonoses, embora esta seja uma questão de saúde pública. “Nesses casos, a obrigação acaba recaindo so-bre organizações não governamentais e associações de proteção animal, que tentam suprir a omissão do Poder Público”, explica. A criação da Política Na-cional de Vacinação Contra a Leishmaniose Animal, prevista no Projeto de Lei nº 1.738/2011, será o tema do segundo debate do dia. A discussão foi solicitada pelo Deputado Geraldo Resende (PMDB-MS), autor do projeto. Preocupado com a captura e a matança de cães abandonados na cidade de Campo Grande (MS) e outras regiões do País, o parlamentar propôs discutir esses problemas com os Deputados Mandetta (DEM-MS), que já foi secretário municipal de Saú-de na capital sul-mato-grossense, e Odorico Monteiro (PT-CE), ex-Secretário

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de Saúde de Fortaleza (2005-2008). (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

MP firma acordo com Prefeitura de Ponta Porã para preservação de cór-regos“Garantir de forma sustentável e por meio de política pública planejada a re-cuperação e preservação dos córregos urbanos na cidade de Ponta Porã.” Essa foi a síntese do acordo judicial firmado entre o Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul e o Município de Ponta Porã. Ponta Porã é bastante conhecida em todo o Estado de Mato Grosso do Sul por seu clima ameno se comparado a outras regiões, tais como o Pantanal e o Centro-Norte. O clima subtropical úmido da região, aliado à altitude média de 755 metros, garante à cidade uma temperatura média anual de 20,7°C, segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia, trazendo bastante conforto para a população que vive nesta região. Além disso, a umidade relativa do ar na cidade dificilmente baixa a níveis menores que 50%, propiciando sensação de bem-estar à saú-de. Visando garantir a preservação deste microclima da região, imprescindível planejar medidas concretas aptas a recuperar e proteger, de modo sustentável, os córregos urbanos existentes na cidade, sabidamente indispensáveis e direta-mente ligados à regulação climática na cidade. Deste modo, o Ministério Públi-co Estadual e o Município de Ponta Porã, nos autos de Cumprimento de Senten-ça nº 019.04.002543-6, firmaram acordo no sentido de garantir a recuperação e preservação de todas as nascentes e áreas de preservação permanentes exis-tentes ao longo do Córrego São João Mirim, ao passo que, nos autos da Ação Civil Pública nº 0800528-12.2015.8.12.0019, pactuaram-se os mesmo termos em relação aos demais córregos existentes na cidade. Segundo ficou acordado, o Município de Ponta Porã iniciará, a partir de fevereiro de 2016, a execução de projetos ambientais visando à recuperação e à manutenção das áreas de preser-vação permanente ao longo de todos os córregos urbanos da cidade, desde que tais áreas sejam públicas, buscando inclusive sua desocupação em prol do meio ambiente. Já com relação às áreas de preservação permanentes localizadas ao longo dos córregos, mas de propriedade particular, o Município, no mesmo prazo, organizará roteiro de fiscalização sistematizado, programado e contí-nuo, a fim de responsabilizar os degradadores pelos danos ao meio ambiente, devendo fazer uso prioritariamente dos instrumentos da política municipal de proteção ao meio ambiente definidos na Lei Municipal nº 3.871/2012. Como o Município de Ponta Porã aderiu ao programa de municipalização da gestão ambiental com ênfase no processo de licenciamento e fiscalização de ativida-des e empreendimentos de impacto local, segundo estabelecido pelo Decreto Estadual nº 10.600/2001, pactuou-se que, no decorrer da atividade fiscalizató-ria, prevista nos acordos firmados, deve o Município encaminhar ao Ministé-

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rio Público relatório circunstanciado sempre que houver indício da prática de crime ambiental, seja por exercício de atividade potencialmente poluidora sem o devido licenciamento ambiental, seja pela inércia ou relutância injustificada do proprietário infrator em executar as medidas reparatórias e conservacionis-tas exigidas pelo órgão ambiental. Ficou decidido que, até agosto de 2016, o Município concluirá projeto de urbanização das áreas de fundo de vale loca-lizadas ao longo dos córregos urbanos, incluindo-se obrigatoriamente em seu conteúdo o exercício de atividade fiscalizatória de modo perene, programado e sistemático. Por fim, previu-se ainda a possibilidade de regularização fundiária de diversas famílias ocupantes de áreas públicas há muitos anos invadidas, pró-ximas às margens de alguns córregos, seguindo os parâmetros fixados nas Leis Federais nºs 12.651/2012 e 11.977/2009, compatibilizando-se desta maneira a preservação ambiental dos córregos com a promoção dos direitos sociais dessa parcela da população. O Promotor de Justiça Gabriel da Costa Rodrigues Alves, titular da 1ª Promotoria de Justiça de Ponta Porã, ressaltou a importância do tra-balho desenvolvido pelo Ministério Público ao longo dos últimos anos em prol do meio ambiente urbano da cidade, destacando-se, com relação aos córre-gos urbanos, a realização de inúmeras reuniões técnicas visando estabelecer as cláusulas dos acordos finalmente assinados. “Os acordos judiciais formalizados estabelecem metas e ações a serem priorizadas pelo gestor municipal nos próxi-mos anos a fim de garantir a sobrevivência dos córregos urbanos em Ponta Porã, já bastante degradados pela devastação da vegetação de suas margens advinda da ocupação irregular”, afirmou o Promotor de Justiça. (Conteúdo extraído do site do Ministério Público do Mato Grosso do Sul)

Câmara aprova regras para indenização de ocupantes de terras indígenasA Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (16), regras para a indenização de benfeitorias a agricultores ocupantes de terras indígenas demarcadas. Como tramita em cará-ter conclusivo, a proposta está aprovada pela Câmara e deve seguir para análise do Senado. Hoje, o governo não tem obrigação de indenizar os ocupantes de terras indígenas demarcadas, mas a Constituição garante ao ocupante de boa-fé o direito à indenização das benfeitorias existentes na área, como for regulamen-tado em lei. O texto aprovado é baseado no Projeto de Lei nº 5.919/2013, do Deputado Dr. Jorge Silva (Pros-ES), que havia sido modificado pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural. O Relator da CCJ, Deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), retirou as mudanças por inconstitu-cionalidade. A Comissão de Agricultura retirou a expressão “boa-fé” do projeto para as benfeitorias, previu a indenização em alguns casos para a terra nua sem qualquer benfeitoria, e colocou regras para terras invadidas. Como a Constitui-ção fala em benfeitorias de boa-fé, e para chegar a um acordo, aceitamos a mu-

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dança para votar a proposta, disse. O texto aprovado garante a indenização em dinheiro das benfeitorias existentes nas áreas de ocupação. São consideradas benfeitorias, por exemplo, as moradias, as construções como galpões e arma-zéns; os investimentos produtivos; e as plantações permanentes e temporárias. Apenas uma mudança feita pela Comissão de Agricultura ainda vale: também será passível de indenização eventual lucro ou valorização das benfeitorias. Pela proposta, os agricultores poderão permanecer na área até a data do pa-gamento integral da indenização. O Deputado Padre João (PT-MG) lembrou que está tramitando na Câmara a PEC 132/15, já aprovada pelo Senado, e que prevê a indenização pela terra nua, desde que o erro pela ocupação irregular tenha sido cometido pelo Estado. Se o Estado errou, deve haver indenização, mas somente por PEC podemos mudar isso, disse. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Construções em Áreas de Preservação Permanente urbanizadas devem ter punição relativizadaAs restrições a construções em Áreas de Preservação Permanente (APPs) de-vem ser relativizadas quando o terreno em questão está em zona urbana de ocupação humana consolidada. Esse foi o entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), ao confirmar sentença que suspendeu as punições ao proprietário de uma edificação no município de Alto Paraíso (PR). A decisão diz respeito a uma construção localizada no Porto Figueira, na cidade parana-ense, área vizinha ao Rio Paraná e tida como zona de amortecimento do Parque Nacional de Ilha Grande. O dono do imóvel entrou com ação ordinária contra o Ibama, requerendo a suspensão do ato de infração homologado pelo órgão, que estabelecia a cobrança de multa administrativa e a demolição da edifica-ção. O pedido foi deferido em primeira instância, mas a instituição recorreu ao TRF4, alegando que a construção, realizada sem licença ambiental, estaria impedindo e dificultando a regeneração da mata ciliar do local. Citando trechos da sentença, o Relator do processo, Desembargador Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, considerou a localidade de Porto Figueira uma área urbana historicamente ocupada, contando hoje com vias pavimentadas e fornecimento de serviços como água potável e energia elétrica. Tendo esse entendimento por base e recorrendo a decisões anteriores da corte e ao Código Florestal, o ma-gistrado indeferiu a apelação. “Devem ser mitigadas as restrições de construção em Áreas de Preservação Permanente, mormente nas hipóteses de zonas urba-nas consolidadas e antropizadas, tendo sido constatado que a total recuperação do meio ambiente ao seu estado natural dependeria de ação conjunta”, refletiu Valle Pereira. Nº do Processo: 5001671-70.2014.4.04.7004. (Conteúdo extraí-do do site do Tribunal Regional Federal da 4ª Região)

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Comissão aprova selo verde para produtos da Amazônia LegalA Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia aprovou a criação do Selo Verde Preservação da Amazônia, previsto pelo Pro-jeto de Lei nº 5.760/2013, de autoria do Senado. O selo verde é usado para classificar um produto ou serviço que apresente menor impacto ambiental em relação a outros disponíveis no mercado. A ideia é incentivar o consumo susten-tável. No substitutivo aprovado, apresentado pelo Relator, Deputado Angelim (PT-AC), ficou aberta a possibilidade de qualquer empresa localizada na Ama-zônia Legal receber o Selo Verde e não apenas aquelas situadas na Zona Franca de Manaus e de Zonas de Processamento de Exportação e Áreas de Livre Co-mércio, localizadas na Amazônia Legal. O projeto considera como integran-tes da Amazônia Legal nove estados do Norte e do Centro-Oeste (Acre, Ama-pá, Amazonas, Mato Grosso, Rondônia, Roraima, Tocantins, Pará e parte do Maranhão). Ficou estabelecida a obrigatoriedade de serem usadas matérias-pri-mas de origem sustentável e a necessidade de adequação ambiental no trans-porte e na comercialização do produto e na destinação final dos resíduos. O relator explicou por que aumentou, em seu parecer, a abrangência do projeto que veio do Senado. Não dá para você apenas colocar um selo no produto final. Você tem que colocar todo o processo produtivo daquele produto e também a origem da matéria-prima, que são os componentes desse produto, disse o Deputado Angelim. A Coordenadora de sustentabilidade da Associação Brasi-leira do Agronegócio, Beatriz Secaf, diz que o Selo poderá ser benéfico para os produtores uma vez que o consumidor valoriza a sustentabilidade. Cada vez mais os consumidores exigem a comprovação de que o produto que eles estão consumindo cumpriu com determinados critérios ambientais, sociais e até eco-nômicos. Então, existe essa demanda. E o produtor, a indústria, que está proces-sando algo que foi produzido de forma sustentável, pode ter acesso a mercados com esse selo, e em alguns casos, pode até conseguir vender o produto por um valor mais alto por conta dessa certificação. A proposta havia sido rejeitada pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Agora, será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e depois pelo Plenário. Se os deputados aprovarem o Selo Verde, o projeto retornará à Casa de origem, o Senado. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Meio ambiente aprova inclusão de mudança climática e biodiversidade em educação ambientalA Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável aprovou, no último dia 19, o Projeto de Lei nº 1.733/2015, que busca assegurar atenção às mudanças do clima e à proteção da biodiversidade na Política Nacional de Edu-cação Ambiental (Lei nº 9.795/1999). Atualmente, essa política estabelece sete objetivos da educação ambiental, incluindo a garantia de democratização das

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informações ambientais e o desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente. De autoria do Deputado Luciano Ducci (PSB-PR), a propos-ta inclui, entre esses objetivos, o estímulo à participação individual e coletiva nas ações relacionadas às mudanças do clima e ao controle da perda de bio-diversidade; e o auxílio à consecução dos objetivos da Política Nacional sobre Mudança do Clima e da Política Nacional do Meio Ambiente. A mesma regra vale para as ações de estudos, pesquisas e experimentações e para os projetos institucionais e pedagógicos da educação básica e da superior, conforme dire-trizes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação. O projeto prevê ain-da atuação do poder público federal, estadual e municipal a fim de sensibilizar a sociedade em relação ao assunto. O relator na comissão, deputado Átila Lira (PSB-PI), recomendou a aprovação da matéria. “Nenhum desses dois desafios – o controle da destruição dos nossos biomas e da perda da nossa biodiversidade e ainda a conversão da nossa economia para uma economia de baixo-carbono – serão alcançados sem o apoio e o engajamento de toda a sociedade. A edu-cação tem um papel insubstituível na conscientização e na mobilização social para o enfrentamento desses e outros desafios no campo ambiental”, afirmou o relator. O projeto tramita em caráter conclusivo e ainda será analisado pelas comissões de Educação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Ministério do Meio Ambiente defende extrativismo de lenha no semiáridoRepresentantes do governo e parlamentares defenderam o extrativismo da lenha como uma das soluções para as vulnerabilidades do semiárido. Os debatedores também pediram estímulo às matrizes energéticas sustentáveis e ao turismo na região. A situação do semiárido foi discutida em audiência pública da comissão externa da Câmara dos Deputados que acompanha as ações dos governos fede-ral, estaduais e municipais em contrapartida à estiagem no Nordeste. Segundo o Secretário de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável do Ministério do Meio Ambiente, Francisco Campello, existem hoje 150 assentamentos licen-ciados para cultivar a lenha no semiárido, em áreas de Plano de Manejo Flores-tal. Nesse programa, cada família credenciada recebe um salário-mínimo e, em contrapartida, deve produzir com responsabilidade ambiental. “Se você usa a caatinga de forma adequada, ela volta”, salientou Campello, ao observar que, nessas áreas, 90% da cobertura florestal está preservada. Ele alertou, porém, para preconceitos que dificultam enxergar o semiárido de maneira produtiva – o bioma semiárido é confundido com a desertificação (processo de degradação dos solos áridos). “O esforço de desenvolvimento na região é um desprezo com a caatinga: criminaliza-se uma matriz energética que usa a biomassa (lenha) quando isso poderia ser revertido em vantagem econômica”, disse. Campello acrescentou que a lenha é usada como fonte energética por 40% do parque

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industrial e por 70% das famílias para cozinhar. O secretário de Extrativismo defendeu maior flexibilidade na concessão de licenças ambientais ao agricultor. “O órgão ambiental hoje leva, em média, dois anos para liberar um projeto de extrativismo sustentável e ainda é taxado por promover o desmatamento, quan-do está ajudando a conservar”, disse. “O controle não pode ser a meta, esta tem de ser o desenvolvimento sustentável”, completou. Francisco Campello tam-bém citou o exemplo dos lenhadores que obtêm renda de R$ 1 mil mensais com a venda da produção às empresas de cerâmica. “A gente não pode marginalizar e criminalizar essas atividades”, disse. Já o Deputado Jorge Côrte Real (PTB-PE) disse que uma nova matriz energética para o semiárido deve privilegiar as ener-gias eólica e solar. “Eu tenho certeza de que as energias solar e eólica vão suprir a demanda. Quem sabe se as próprias indústrias, além de produzir sua própria energia, a coloquem na rede [de distribuição]”, afirmou. Côrte Real também defendeu o estímulo às cooperativas agrícolas e ao ensino técnico direcionado à economia regional. A Deputada Zenaide Maia (PR-RN), por sua vez, destacou o caráter inusitado do uso da lenha como fonte de energia local. “Hoje, quem vê uma carroça cheia de lenha já desconfia que seja desmatamento”, disse. A parlamentar quis saber quais estratégias o Legislativo pode empreender para mudar esse conceito. Para Francisco Campello, seria necessário criar marco legal que inclua o extrativismo da lenha nas políticas de sustentabilidade ener-gética. Ele também é favorável a programas de capacitação energética voltados para as fábricas de cerâmica, para melhorar a eficiência e diminuir as emissões de gases de efeito estufa. Segundo ele, isso já é feito no polo gesseiro do Seridó (PB) – que atende a 98% da demanda doméstica por gesso –, onde produtores usam a lenha em vez do gás, com melhor custo-benefício. A audiência também discutiu o combate à seca no semiárido. No Rio Grande do Norte, 153 muni-cípios estão em estado de emergência (95% do estado) e nove em situação de colapso (oito no Alto Oeste e um no Seridó), informou a Secretária de Meio Ambiente do estado, Ieda Maria Melo Cortez. Segundo ela, o nível de açudes atingiu a marca de 0,84% em Pau de Ferro, na Bacia de Mossoró; e 2,5% em Marechal Dutra, em Piranhas Açu – importantes mananciais hídricos do estado. Como solução, são adotadas medidas de emergência: poços artesanais, carros--pipas, cisternas e dessalinizadores. Ieda Cortez ressaltou, porém, que as ações emergenciais não são suficientes no longo prazo. “A gente não pode pensar em ações de emergência, mas em ações estruturantes que consigam fixar soluções para o futuro.” A secretária de Meio Ambiente destacou parcerias com a Agên-cia Nacional de Águas (ANA) e com o governo federal, como o Programa Água para Todos, que planeja entregar 192 sistemas de abastecimento e 96 barreiras, com investimento previsto de R$ 23 milhões. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

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Ibama é condenado a executar projeto de recuperação ambiental em áreas de preservaçãoO Juiz federal Jacimon Santos da Silva, da 2ª Vara Federal em São Carlos/SP, determinou que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Natu-rais Renováveis (Ibama) elabore e inicie, no prazo de 120 dias, a execução de um projeto de recuperação ambiental e regularização de áreas de preservação permanentes (APPs) de rios e demais cursos d’água federais existentes no terri-tório da 15ª Subseção Judiciária de São Paulo. Para viabilizar o cumprimento da decisão, o Ibama deverá, se necessário, impor a sanção demolitória, bem como outras penalidades cabíveis, sob pena de multa diária de R$ 50 mil caso não apresente justificativa plausível para eventual permanência de qualquer imóvel na área. Além disso, o presidente da autarquia federal também deverá ser notificado para adotar as providências para o cumprimento dessa decisão. De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), autor da ação civil públi-ca, a ocupação das margens de rios e lagos, que se caracterizam como APPs, é uma prática cultural há muito arraigada na região, sobretudo às margens do rio Mogi-Guaçu. O MPF afirma que já houve diversas tentativas, por meio de ações judiciais individuais, e que até o momento não chegaram a um bom termo, “por conta da renitência do infrator em providenciar a completa regene-ração do meio ambiente degradado, mediante a apresentação de um plano de recuperação”. Acrescentou que os imóveis edificados ou mantidos em APP não apresentam finalidade residencial ou de moradia de seus ocupantes, mas sim de mero deleite ou recreio, em ordem a propiciar, ao próprio ocupante, seus familiares e amigos, o lazer aos finais de semana. Jacimon Silva ressalta, na de-cisão, que “dentre as atribuições do Ibama, insere-se a execução de políticas de meio ambiente, relativas à preservação, conservação e ao uso sustentável dos recursos ambientais, bem como sua fiscalização e controle, o que dá compe-tência à autarquia ambiental para, no exercício de suas funções fiscalizatórias, aplicar sanções de caráter administrativo”. O magistrado acrescenta que, por se tratar de um rio federal cuja proteção jurídica a legislação confiou igual-mente há todos os entes, não há como o Ibama afastar sua responsabilidade com base no argumento de que as ocupações são de baixo impacto e por isso a fiscalização seria de responsabilidade dos órgãos estaduais ou municipais. O art. 1.228 do Código Civil dispõe que o direito de propriedade deve ser exer-cido em consonância com as finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. “A exploração ou a ocupação dessas áreas, portanto, contribui decisi-vamente para a diminuição da diversidade da flora e fauna e para a redução dos mananciais, propiciando erosão, assoreamento dos cursos d’água, alteração negativa das condições climáticas e do regime de chuvas, dentre outras formas

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de degradação ambiental”, afirma o juiz. Jacimon Silva conclui que cumpre ao Poder Público e à coletividade “o dever de defender os ecossistemas florestais e preservá-los, não somente para as presentes, mas, sobretudo, para as futuras ge-rações, não sendo admissível a abusiva/ilegal omissão/inércia/letargia do Ibama de não promover a imediata apuração da infração ambiental”. Nº do Processo: 0001700-86.2014.403.6115. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 3ª Região)

Semar garante apoio a ações de preservação de áreas florestaisMembros da ONG SOS Mata Atlântica estiveram com o Secretário do Meio Am-biente e Recursos Hídricos do Piauí, Ziza Carvalho, para tratar de uma agenda positiva com o gestor. “Estamos debatendo diversos temas de interesse do Go-verno do Estado do Piauí, dentre eles, a criação de Unidades de Conservação. Com a Semar, estamos buscando uma aproximação e aproveitando a opor-tunidade para tratar da participação do Secretário Ziza Carvalho no encontro de secretários do Meio Ambiente sobre a Mata Atlântica, que acontece no fim do mês de outubro, em São Paulo”, ressalta a Diretora Executiva da SOS Mata Atlântica, Márcia Hirota. Durante a reunião, foram tratados outros temas, como a criação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), que são uma categoria de unidade de conservação criada pela vontade do proprietário ru-ral, que decide transformar sua terra em uma reserva e assume compromisso perpétuo com a conservação da natureza. A ONG também pediu o apoio do Governo do Piauí, através da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, na criação do Parque Nacional da Serra Vermelha, com 150 mil hectares, que pode vir a se tornar o quinto Parque Nacional do Estado e o maior do Brasil, fora da região amazônica. O Piauí possui os Parques Nacionais Serra da Capivara, da Serra das Confusões, das Sete Cidades e das Nascentes do Rio Parnaíba. Para o Se-cretário Ziza Carvalho, é necessário que os órgãos de meio ambiente atuem na preservação de florestas e desenvolvam projetos de manejo destas áreas. “É uma designação que temos em nossa gestão: criação de Unidades de Conservação, com os respectivos planos de manejo, a exemplo do que ocorre com o Parque Zoobotânico de Teresina. A Semar dará todo o apoio necessário para ações des-ta natureza, através da nossa Diretoria de Parques e Florestas”, declara. Além de Márcia Hirora, participaram da reunião Vivian Maitê, Coordenadora Regional Nordeste dos Planos Municipais da Mata Atlântica; Belloyanis Monteiro, Coor-denador de Mobilização da ONG; e Danielle Grás Senise, Diretora de Parques e Florestas da Semar. (Conteúdo extraído do site do Governo do Estado do Piauí)

Fechamento da Edição: 23.09.2015

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Resenha Legislativa

MEDIDA PROVISóRIA

MEDIDA PROVISÓRIA Nº 677, DE 22.06.2015, PUBLICADA NO DOU DE 23.06.2015

Autoriza a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco a participar do Fundo de Energia do Nordeste, com o objetivo de prover recursos para a implementação de empreendimentos de energia elétrica, e altera a Lei nº 11.943, de 28 de maio de 2009, e a Lei nº 10.848, de 15 de março de 2004.

Fechamento da Edição: 23.09.2015

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição os seguintes conteúdos:

ARtIGOS DOUtRINÁRIOS

• Ressonâncias do Decreto nº 6.899/2009 na Normatividade do Crime de Crueldade Experimental de Animais: Desvelando o Sentido de “Recursos Alternativos”

Cleopas Isaías Santos Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, disponíveis em: online.sintese.com

• Direito Ambiental, Fauna, Tráfico e Extinção de Animais Silvestres Luís Paulo Sirvinskas Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, disponíveis em: online.sintese.com

• Da Supressão ou Alteração da Marca em Animais Júlio Victor dos Santos Moura Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, disponíveis em: online.sintese.com

• Legalização da Venda de Animais Silvestres: Um Remédio para o Tráfico de Fauna?

Carolina Brandt Gualdi Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, disponíveis em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

índice por Assunto Especial

DOUTRINAS

Assunto

Mudanças CliMátiCas

• A Política Nacional sobre Mudança do Cli-ma em Análise: Breves Comentários à Leinº 12.187/2009 (Tauã Lima Verdan Rangel) ........12

• Política Nacional sobre a Mudança do Cli-ma (PNMC). Lei nº 12.187/2009 e o Decreto nº 7.390/2010. Mudança do Clima & Mercado de Carbono. “Novo Entrave à Vista ou Excelente Oportunidade para os Países em Desenvolvi-mento” (André Luis Saraiva) ...................................9

Autor

andré luis saraiva

• Política Nacional sobre a Mudança do Cli-ma (PNMC). Lei nº 12.187/2009 e o Decreto nº 7.390/2010. Mudança do Clima & Mercado de Carbono. “Novo Entrave à Vista ou Excelente Oportunidade para os Países em Desenvolvi-mento” ..................................................................9

tauã liMa verdan rangel

• A Política Nacional sobre Mudança do Cli-ma em Análise: Breves Comentários à Lei nº 12.187/2009 ....................................................12

JURISPRUDÊNCIA

Mudanças CliMátiCas

• Administrativo – Poço artesiano irregular – Fis-calização – Objetivos e princípios da Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433/1997) – Competência comum do mu-nicípio (STJ) ...............................................1637, 25

• Processual civil e ambiental – Natureza jurídica dos manguezais e marismas – Terrenos de mari-nha – Área de preservação permanente – Aterro ilegal de lixo – Dano ambiental – Responsabi-lidade civil objetiva – Obrigação propter rem – Nexo de causalidade – Ausência de preques-tionamento – Papel do juiz na implementação da legislação ambiental – Ativismo judicial – Mudanças climáticas – Desafetação ou desclas-sificação jurídica tácita – Súmula nº 282/STF– Violação do art. 397 do CPC não configurada –Art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981 (STJ) .....1638, 35

EMENTÁRIO

Assunto

Mudanças CliMátiCas

• Mudanças climáticas – aterro ilegal de lixo – área de manguezais – dano ambiental – confi-guração .....................................................1639, 50

• Mudanças climáticas – poço artesiano irregular – princípio da Lei na Política Nacional de Re-cursos Hídricos – aplicabilidade ................1640, 52

• Mudanças climáticas – queima de palha da ca- na-de-açúcar – dano ao meio ambiente – con-figuração ...................................................1641, 53

• Mudanças climáticas – queimada da palha de cana-de-açúcar – art. 27 do Código Florestal – aplicabilidade ...........................................1642, 55

• Mudanças climáticas – queimada de pastagem – medidas necessárias à preservação ou cor-reção – não comprovação .........................1643, 56

índice Geral

DOUTRINAS

Assunto

responsabilidade fisCal

• A Obrigação de Fazer Ambiental e a Responsa-bilidade Fiscal do Estado (Fellipe Simões Duarte) ............................................................................82

responsabilidade soCioaMbiental

• Responsabilidade Socioambiental das Insti-tuições Financeiras (Resolução nº 4.327, de25.04.2014) (Toshio Mukai) .................................77

saneaMento básiCo

• O Controle Social na Regulação dos Servi-ços Públicos de Saneamento Básico: Desa-fios e Estágio de Implantação da Lei Federal nº 11.445/2007 (Carlos Roberto de Oliveira eJuliana Alcorta Furlan) .........................................58

Autor

Carlos roberto de oliveira

• O Controle Social na Regulação dos Servi-ços Públicos de Saneamento Básico: Desa-fios e Estágio de Implantação da Lei Federalnº 11.445/2007 ....................................................58

fellipe siMões duarte

• A Obrigação de Fazer Ambiental e a Responsa-bilidade Fiscal do Estado .....................................82

Juliana alCorta furlan

• O Controle Social na Regulação dos Servi-ços Públicos de Saneamento Básico: Desa-fios e Estágio de Implantação da Lei Federalnº 11.445/2007 ....................................................58

toshio Mukai

• Responsabilidade Socioambiental das Insti-tuições Financeiras (Resolução nº 4.327, de25.04.2014) .........................................................77

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240 ..........................................................................................................RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

JURISPRUDÊNCIA

Assunto

área de proteção aMbiental

• Processo civil – Administrativo – Ambiental – Imóvel pretensamente construído em área de preservação ambiental e em praia, bem de uso comum do povo – Demonstração do avanço ex-traordinário das águas do mar que terminaram por se aproximar da construção que foi edifica-da em distância regulamentar da praia e den-tro dos limites do terreno pertencente ao cons-trutor – Improcedência do pedido (TRF 5ª R.) ................................................................1650, 136

CriMe aMbiental

• Penal – Crime ambiental – Art. 56 da Lei nº 9.605/1998 – Importação e transporte de substância perigosa ou nociva ao meio ambien-te – Agrotóxico de procedência estrangeira – Dano ao meio ambiente – Tipicidade – Materia-lidade – Autoria – Dolo – Prova – Dosimetria dapena (TRF 4ª R.) .......................................1649, 124

• Penal e processual penal – Crime ambiental – Pesca de pequena quantidade de peixes no período do defeso – Falta de adequação social na condenação – Princípio da insignificância – aplicabilidade – Recurso desprovido (TRF 1ª R.) ................................................................1646, 108

dano aMbiental

• Agravo de instrumento – Ação civil pública – Dano ambiental – Ruptura de tanque de ar-mazenamento de águas residuais utilizadas na lavagem de cana-de-açúcar – Vazamento de po-luentes – Responsabilidade objetiva da empresa– Agravo provido (TRF 3ª R.) ....................1648, 117

infração aMbiental

• Processual civil e constitucional – Conflito ne-gativo de competência – Tribunal de Justiça Estadual x Tribunal Regional Federal – Man-dado de segurança impetrado pelo Ibama con-tra decisão de juiz estadual criminal em ação penal de restituição de veículo apreendido em processo administrativo, por infração ambiental (transportar carvão vegetal em desacordo com licença outorgada pelo órgão competente) – Princípios da hierarquia e da simetria – Compe-tência do Tribunal Regional Federal ..........1945, 95

responsabilidade Civil

• Administrativo – Ausência de responsabilidade civil da união quanto aos atos praticados por servidores do Ibama – Ilegitimidade passiva ad causam – Instauração de processo criminal sem justa causa – Autoria presumida pelo critério da propriedade do imóvel – Crime ambiental – Denúncia ofertada pelo MPF com base em comunicação de crime produzida por servi-

dores do Ibama – presunção de legitimidade(TRF 2ª R.) ...............................................1647, 112

• Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo – Responsabilidade civil – Dano am-biental – Reparação – Acórdão fundamentado na legislação infraconstitucional e no conjunto probatório – Ausência de ofensa constitucional direta – Súmula nº 279 do Supremo Tribunal Fe-deral – Agravo regimental ao qual se nega pro-vimento (STF) .............................................1944, 90

EMENTÁRIO

Assunto

ação Civil públiCa

• Ação civil pública – construção de aterro sani-tário – recuperação de antigo lixão – configu-ração .......................................................1651, 142

• Ação civil pública – devastação florestal – uso de madeira em siderurgia – configuração ................................................................1652, 142

• Ação civil pública – fauna – formalização de acordo – DNIT e DER/SP – responsabilidade –possibilidade ...........................................1653, 144

• Ação civil pública – imóvel rural – loteamen-to irregular – degradação ambiental – licen-ciamento – necessidade ...........................1654, 147

• Ação civil pública – ocupação irregular – mar-gens de rio – área de risco – configuração ................................................................1655, 147

aCidente aMbiental

• Acidente ambiental – explosão de navio Vi-cuña – vazamento de óleo e substâncias quí-micas – empresas proprietárias da carga – res-ponsabilização ........................................1656, 148

• Acidente ambiental – poliduto – rompimento – proibição da pesca – pescadores prejudicados– dano moral – existência ........................1657, 148

águas

• Águas subterrâneas – solo – contaminação –infração – configuração ...........................1658, 148

área de preservação perManente

• Área de preservação permanente – atividades agressoras – suspensão – princípios da repara-ção integral e do poluidor pagador – possibi-lidade ......................................................1659, 151

• Área de preservação permanente – atividades agressoras ao meio ambiente – princípio da re-paração integral e do poluidor pagador – pos-sibilidade .................................................1660, 155

• Área de preservação permanente – ativida-des agressoras ao meio ambiente – suspensão ................................................................1661, 159

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RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO .........................................................................................................241 • Área de preservação permanente – constru-

ção – habitação unifamiliar e muro – licença ambiental – configuração ........................1662, 162

• Área de preservação permanente – construção de barraca – área de praia – lei municipal pos-terior à construção – aplicabilidade .........1663, 163

• Área de preservação permanente – construção de casa de veraneio – demolição e reparação da área – indenização pelas benfeitorias úteis enecessárias – descabimento .....................1664, 165

• Área de preservação permanente – dano am-biental – Código Florestal e Conama – observa-ção – necessidade ....................................1665, 167

• Área de preservação permanente – incidente sobre vereda – proteção ambiental – alvará deconstrução – impossibilidade ...................1666, 167

área de proteção aMbiental

• Área de proteção ambiental – habitações – ris-co de deslizamento – proximidade de cursod’água – remoção – possibilidade ............1667, 168

• Área de proteção ambiental – parcelamento irregular de solo – provas suficientes – conde-nação ......................................................1668, 169

área de proteção perManente

• Área de proteção permanente – construção ir-regular – captação de recursos hídricos – pro-priedade de equipamento – não comprovação ................................................................1669, 170

CriMe aMbiental

• Crime ambiental – art. 41 da Lei nº 9.605/1998– mata ou floresta – configuração ............1670, 171

• Crime ambiental – art. 50-A da Lei nº 9.605/1998– extração para subsistência – ocorrência .. 1671, 173

• Crime ambiental – ave silvestre – comerciali-zação – licença – ausência – perdão judicial –descabimento ..........................................1672, 175

• Crime ambiental – dano florestal – unidade deconservação – não comprovação.............1673, 179

• Crime ambiental – incêndio – insuficiência deprovas – absolvição .................................1674, 179

• Crime ambiental – pesca em local proibido – princípio da insignificância – inaplicabilidade ................................................................1675, 180

• Crime ambiental – transporte de substância pe-rigosa – nociva ao meio ambiente – agrotóxico de procedência estrangeira – dano ambiental – comprovação ........................................1676, 181

• Crime ambiental – uso de documento falso –princípio da consunção – impossibilidade . 1677, 181

CriMe Contra a fauna

• Crime contra a fauna – princípio da insigni-ficância – possibilidade ...........................1678, 182

dano aMbiental

• Dano ambiental – edificações na faixa da areiada praia – indenização – possibilidade ....1679, 182

• Dano ambiental – energia elétrica – forne-cimento – necessidade .............................1680, 183

• Dano ambiental – omissão na prevenção de quei-madas e desmatamentos – inocorrência .... 1681, 184

• Dano ambiental – rejeitos de mineração e debeneficiamento industrial – descarte ........1682, 185

• Dano ambiental – unidade de conservação am-biental – comprovação ............................1683, 185

degradação aMbiental

• Degradação ambiental – lançamento de lama abrasiva – floresta – mata ciliar – configuração ................................................................1684, 185

desMataMento

• Desmatamento – área privada – mata atlântica – Ibama – poder fiscalizatório – possibilidade ................................................................1685, 185

extração Mineral

• Extração mineral – dano ambiental – paralisa-ção da atividade – recuperação da área degra-dada – configuração ................................1686, 186

ibaMa

• Ibama – animais silvestres em cativeiro – in-fração – configuração ..............................1687, 186

• Ibama – pássaros silvestres mantidos em ca-tiveiro domiciliar – anilhas adulteradas – uso indevido – materialidade e autoria – demons-tração ......................................................1688, 187

• Ibama – pesca de lagostas imaturas e cascos de tartaruga – período de defeso – apreensão – ocorrência ...............................................1689, 188

• Ibama – regularização ambiental rural – desma-tamento – licença – não comprovação ....1690, 191

• Ibama – transporte de carvão vegetal – veículo apreendido – ocorrência ..........................1691, 191

• Ibama – usina hidrelétrica – instalação de ope-ração – degradação ambiental – terras indígenas– licenciamento ambiental – necessidade . 1692, 192

infração aMbiental

• Infração ambiental – aves silvestres em extin-ção – posse irregular – multa – aplicação .. 1693, 194

• Infração ambiental – edificação – bem imóvel – área de proteção permanente – demolição do prédio – possibilidade .........................1694, 194

• Infração ambiental – transporte de carvão vegetal – apreensão do veículo – Decretonº 6.514/2008 – possibilidade .................1695, 195

• Infração ambiental – transporte de madei-ra serrada – apreensão do veículo – Decretonº 6.514/2008 – possibilidade .................1696, 197

Page 242: SÍNTESE. Autoridade em Publicações Jurídicas 27_miolo.pdf · Revista SÍNTESE Direito Ambiental Ano V – nº 27 – Set-out 2015 RepoSitóRio AutoRizAdo de JuRiSpRudênciA Tribunal

242 ..........................................................................................................RSA Nº 27 – Set-Out/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

• Infração ambiental – transporte irregular de madeira – apreensão de caminhão – configu-ração .......................................................1697, 198

liCença aMbiental

• Licença ambiental – construção de aterro sani-tário – renovação de licença ambiental – pos-sibilidade .................................................1698, 198

• Licença ambiental – projeto de controle ambien-tal – implantação – alvará de funcionamento– concessão .............................................1699, 199

pesCa

• Pesca – período proibido – princípio da insigni-ficância – impossibilidade .......................1700, 199

poluição

• Poluição – ação coletiva na Justiça Federal –ação individual – suspensão ....................1701, 200

propriedade rural

• Propriedade rural – projeto técnico de recupe-ração florestal – apresentação – prejuízos aomeio ambiente – inexistência .................1702, 200

reCursos hídriCos

• Recursos hídricos – poluição – dano moral co-letivo – caracterização .............................1703, 201

Parte EspecialPARECER JURÍDICO

Assunto

reCuperação do Meio aMbiente

• Estímulos Fiscais para o Desenvolvimento Econômico em Projetos com Impactos Favorá-veis à Preservação e Recuperação Ambiental(Ives Gandra da Silva Martins) ...........................202

Autor

ives gandra da silva Martins

• Estímulos Fiscais para o Desenvolvimento Eco-nômico em Projetos com Impactos Favoráveisà Preservação e Recuperação Ambiental ...........202

CLIPPING JURÍDICO

• Câmara aprova regras para indenização de ocu-pantes de terras indígenas ..................................230

• Comissão aprova selo verde para produtos da Amazônia Legal .................................................232

• Comissão vai debater alteração na lei do siste-ma de unidades de conservação da natureza .....228

• Construções em Áreas de Preservação Perma-nente urbanizadas devem ter punição relativi-zada ..................................................................231

• CPI dos Maus-Tratos de Animais debate contro-le de zoonoses e leishmaniose ...........................228

• Ibama é condenado a executar projeto de re-cuperação ambiental em áreas de preservação ..235

• Meio ambiente aprova inclusão de mudança climática e biodiversidade em educação am-biental ...............................................................232

• Ministério do Meio Ambiente defende extrativis-mo de lenha no semiárido .................................233

• MP firma acordo com Prefeitura de Ponta Porãpara preservação de córregos ...........................229

• Semar garante apoio a ações de preservação deáreas florestais ...................................................236

RESENHA LEGISLATIVA

Medida provisória

• Medida Provisória nº 677, de 22.06.2015, pu-blicada no DOU de 23.06.2015 ........................237