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Súmula 617-STJ – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Súmula 618-STJ Márcio André Lopes Cavalcante DIREITO AMBIENTAL INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA Súmula 618-STJ: A inversão do ônus da prova aplica-se às ações de degradação ambiental. STJ. Corte Especial. Aprovada em 24/10/2018, DJe 30/10/2018. Imagine a seguinte situação hipotética: A empresa “XXX”, após vencer a licitação, construiu uma usina hidrelétrica no rio Paranapanema, que faz a divisa dos Estados de São Paulo e Paraná. João é pescador artesanal e vivia da pesca que realizava no rio Paranapanema. Ocorre que, segundo alega João, após a construção da usina, houve uma grande redução na quantidade de peixes existentes no rio, em especial “pintados”, “jaú” e “dourados”. Diante deste fato, João ajuizou ação de indenização contra a empresa sustentando que a construção da usina causou degradação ambiental com terríveis impactos no ecossistema. Na ação, o autor pediu a inversão do ônus da prova mediante a aplicação, por analogia, da regra do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor: Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; É possível a inversão do ônus da prova nas ações que se pede a reparação econômica pelos danos causados ao meio ambiente? SIM. A inversão do ônus da prova aplica-se às ações de degradação ambiental. Princípio da precaução Uma das razões que justifica essa inversão do ônus da prova é o princípio da precaução. Por meio do princípio da precaução, entende-se que o meio ambiente deve ter em seu favor o benefício da dúvida no caso de incerteza. Em outras palavras, se existe uma desconfiança, um risco de que determinada atividade pode gerar um dano ambiental ao meio ambiente e à saúde humana, deve-se considerar que esta atividade acarreta sim este dano. Logo, é a empresa-ré (empresa poluidora) quem tem o ônus de provar que a atividade econômica por ela desempenhada não gerou o dano ambiental que foi alegado pelo autor na ação de reparação. Nesse sentido: O princípio da precaução pressupõe a inversão do ônus probatório, competindo a quem supostamente promoveu o dano ambiental comprovar que não o causou ou que a substância lançada ao meio ambiente não lhe é potencialmente lesiva. STJ. 2ª Turma. REsp 1.060.753/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 01/12/2009. Qual é a consequência prática disso? O autor precisará provar apenas que existe um nexo de causalidade provável entre a atividade exercida e a degradação ambiental. Sendo isso provado, fica transferido para a concessionária o encargo (ônus) de provar que sua conduta não ensejou riscos ou danos para o meio ambiente. STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 1311669/SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 03/12/2018.

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Súmula 617-STJ – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Súmula 618-STJ Márcio André Lopes Cavalcante

DIREITO AMBIENTAL

INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

Súmula 618-STJ: A inversão do ônus da prova aplica-se às ações de degradação ambiental.

STJ. Corte Especial. Aprovada em 24/10/2018, DJe 30/10/2018.

Imagine a seguinte situação hipotética: A empresa “XXX”, após vencer a licitação, construiu uma usina hidrelétrica no rio Paranapanema, que faz a divisa dos Estados de São Paulo e Paraná. João é pescador artesanal e vivia da pesca que realizava no rio Paranapanema. Ocorre que, segundo alega João, após a construção da usina, houve uma grande redução na quantidade de peixes existentes no rio, em especial “pintados”, “jaú” e “dourados”. Diante deste fato, João ajuizou ação de indenização contra a empresa sustentando que a construção da usina causou degradação ambiental com terríveis impactos no ecossistema. Na ação, o autor pediu a inversão do ônus da prova mediante a aplicação, por analogia, da regra do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

É possível a inversão do ônus da prova nas ações que se pede a reparação econômica pelos danos causados ao meio ambiente? SIM. A inversão do ônus da prova aplica-se às ações de degradação ambiental.

Princípio da precaução Uma das razões que justifica essa inversão do ônus da prova é o princípio da precaução. Por meio do princípio da precaução, entende-se que o meio ambiente deve ter em seu favor o benefício da dúvida no caso de incerteza. Em outras palavras, se existe uma desconfiança, um risco de que determinada atividade pode gerar um dano ambiental ao meio ambiente e à saúde humana, deve-se considerar que esta atividade acarreta sim este dano. Logo, é a empresa-ré (empresa poluidora) quem tem o ônus de provar que a atividade econômica por ela desempenhada não gerou o dano ambiental que foi alegado pelo autor na ação de reparação. Nesse sentido:

O princípio da precaução pressupõe a inversão do ônus probatório, competindo a quem supostamente promoveu o dano ambiental comprovar que não o causou ou que a substância lançada ao meio ambiente não lhe é potencialmente lesiva. STJ. 2ª Turma. REsp 1.060.753/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 01/12/2009.

Qual é a consequência prática disso?

O autor precisará provar apenas que existe um nexo de causalidade provável entre a atividade exercida e a degradação ambiental. Sendo isso provado, fica transferido para a concessionária o encargo (ônus) de provar que sua conduta não ensejou riscos ou danos para o meio ambiente. STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 1311669/SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 03/12/2018.

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Aquele que cria ou assume o risco de danos ambientais tem o dever de reparar os danos causados e, em tal contexto, transfere-se a ele todo o encargo de provar que sua conduta não foi lesiva. STJ. 1ª Turma. REsp 1.049.822/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 23/04/2009.

Seja o poluidor ente público ou empresa privada Vale ressaltar que essa inversão do ônus da prova ocorre tanto nos casos em que o degradador é uma pessoa jurídica de direito público como também nas hipóteses em que se trata de pessoa jurídica de direito privado. Assim já decidiu o STJ:

A responsabilidade civil pelo dano ambiental, qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador, público ou privado, é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios poluidor-pagador, da reparação in integrum, da prioridade da reparação in natura e do favor debilis, este último a legitimar uma série de técnicas de facilitação do acesso à justiça, entre as quais se inclui a inversão do ônus da prova em favor da vítima ambiental. STJ. 2ª Turma. REsp 1.454.281/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 9/9/2016.

Os princípios poluidor-pagador, reparação in integrum e prioridade da reparação in natura e do favor debilis são, por si sós, razões suficientes para legitimar a inversão do ônus da prova em favor da vítima ambiental. STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 620.488/PR, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 04/09/2018.

Seja em ACP, seja em ação individual Importante também destacar que essa inversão do ônus da prova pode ocorrer tanto em ação civil pública como em ação individual, desde que relacionada com degradação ambiental.

A inversão é cabível mesmo que o autor da ação seja o MP A inversão do ônus da prova deve ser também admitida em caso de ação civil pública proposta pelo Ministério Público pedindo a recomposição e/ou a reparação decorrente de degradação ambiental. Isso porque, por mais que o Ministério Público não possa ser considerado hipossuficiente, ele atua em juízo como substituto processual e a vítima (substituída) é toda a sociedade que, em se tratando de dano ambiental, é considerada hipossuficiente do ponto de vista de conseguir produzir as provas. STJ. 2ª Turma. REsp 1235467/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 20/08/2013.

Previsão do princípio da precaução O princípio da precaução tem origem na “Carta Mundial da Natureza”, de 1982, cujo princípio n. 11, “b”, estabeleceu a necessidade de os Estados controlarem as atividades potencialmente danosas ao meio ambiente, ainda que seus efeitos não fossem completamente conhecidos. Esse princípio foi posteriormente incluído na Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco-92). Além desses documentos, o princípio da precaução está contido, implicitamente, no art. 225, § 1º, IV e V, da CF/88:

Art. 225 (...) § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (...) IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

Regra de instrução A inversão do ônus da prova de que trata o art. 6º, VIII, do CDC é REGRA DE INSTRUÇÃO, devendo a decisão judicial que determiná-la ser proferida preferencialmente na fase de saneamento do processo ou, pelo menos, assegurar à parte a quem não incumbia inicialmente o encargo a reabertura de oportunidade para manifestar-se nos autos. STJ. 2ª Seção. EREsp 422.778-SP, Rel. para o acórdão Min. Maria Isabel Gallotti, julgados em 29/2/2012.