situação de sem-abrigo e inclusão laboral: o valor do trabalho e

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Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) SITUAÇÃO DE SEM-ABRIGO E INCLUSÃO LABORAL O VALOR DO TRABALHO E DAS RELAÇÕES RELATÓRIO Joaquim Armando Ferreira (Coord.) Eduardo R. Santos António G. Ferreira Lara Figueiredo Sara Rocha POAT/80740/2013 FPCE, UNIVERSIDADE DE COIMBRA 2015

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Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)

SITUAÇÃO DE SEM-ABRIGO E INCLUSÃO

LABORAL

O VALOR DO TRABALHO E DAS RELAÇÕES

RELATÓRIO

Joaquim Armando Ferreira (Coord.)

Eduardo R. Santos

António G. Ferreira

Lara Figueiredo

Sara Rocha

POAT/80740/2013

FPCE, UNIVERSIDADE DE COIMBRA

2015

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)

SITUAÇÃO DE SEM-ABRIGO E INCLUSÃO

LABORAL

O VALOR DO TRABALHO E DAS RELAÇÕES

RELATÓRIO

POAT/80740/2013

FPCE, UNIVERSIDADE DE COIMBRA

2015

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)

AGRADECIMENTOS

A colaboração no estudo Situação de Sem-Abrigo e Inclusão Laboral: O Valor do Trabalho e

das Relações por parte das 190 pessoas em situação de sem-abrigo nas cidades de Coimbra, Aveiro,

Porto e Vila Nova de Gaia foi condição imprescindível para a sua concretização, sendo notável a sua

prontidão de resposta, empenho e abertura ao apelo feito pela equipa de investigadores. No mesmo

sentido, é de salientar o apoio e a colaboração de 20 instituições e coletivos que participaram

diretamente no estudo, através da disponibilização de espaços para a aplicação dos instrumentos de

investigação, na mobilização e seleção de participantes e na prestação de outros apoios pontuais.

Deixamos aqui um profundo agradecimento a cada um dos participantes e às equipas

técnicas e corpos dirigentes das seguintes instituições:

Centro de Acolhimento e Inserção Social da Associação Integrar;

Associação das Cozinhas Económicas Rainha Santa Isabel;

Departamento de Ação Social da Câmara Municipal de Coimbra;

Centro de Acolhimento Temporário O FAROL da Cáritas Diocesana de Coimbra;

Casa Abrigo Padre Américo da Venerável Ordem Terceira da Penitência de S. Francisco;

Gabinete de Apoio ao Toxicodependente – GAT-UP da Cáritas Diocesana de Coimbra;

Centro Porta Amiga AMI de Coimbra;

Equipa de Intervenção Direta da Associação Florinhas do Vouga;

Centro de Acolhimento Temporário da Cáritas de Aveiro;

Centro de Acolhimento Temporário da Fundação CESDA;

Casa da Rua, Santa Casa da Misericórdia do Porto;

Associação dos Albergues Noturnos do Porto;

Movimento Uma Vida como a Arte;

Centro Comunitário São Cirilo;

CAIS Porto;

Associação Nacional de Ajuda aos Pobres;

WelcomeHome;

Grupo Abraço na Noite;

Centro Porta Amiga AMI de Gaia;

Equipa GiruGaia da Agência Piaget para o Desenvolvimento;

Grupo Coração na Rua;

Associação Amigos da Rua;

Mão Amiga Cristã – Associação de Apoio à Integração Social e Comunitária.

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)

ÍNDICE

INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 1

FUNDAMENTOS TEÓRICOS ........................................................................................................... 3

CONTRIBUTOS PARA A DEFINIÇÃO DE SEM-ABRIGO E BREVE ENQUADRAMENTO DA INTERVENÇÃO EM PORTUGAL ..... 3

ENQUADRAR A PROBLEMÁTICA DE SEM-ABRIGO NOS FENÓMENOS DA POBREZA E DA EXCLUSÃO SOCIAL ................. 9

UM HISTÓRICO CUMULATIVO DE PROBLEMA............................................................................................... 11

SITUAÇÃO SEM-ABRIGO: DIFICULDADES ACRESCIDAS NO ACESSO AO EMPREGO................................................. 13

PROCESSOS DE ENTRADA, MANUTENÇÃO E SAÍDA DA SITUAÇÃO DE SEM-ABRIGO .............................................. 15

METODOLOGIA .......................................................................................................................... 20

QUESTIONÁRIO VALOR DO TRABALHO E DAS RELAÇÕES ................................................................................. 20

ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA ............................................................................................................. 21

ANÁLISE DOS RESULTADOS DO ESTUDO QUANTITATIVO ................................................................. 23

I - Dados Sociodemográficos ......................................................................................................... 23

II - Valor das Relações ................................................................................................................... 30

III - Valor do Trabalho.................................................................................................................... 40

IV - Identidade ............................................................................................................................... 49

V - Perspetivas de Futuro .............................................................................................................. 51

VI - Escalas de Avaliação ............................................................................................................... 55

SÍNTESE DOS RESULTADOS DO ESTUDO QUANTITATIVO .................................................................. 60

Percursos escolares ....................................................................................................................... 60

Percursos laborais ......................................................................................................................... 61

Situação habitacional .................................................................................................................... 61

Suporte social: percursos relacionais e serviços de apoio ............................................................ 62

O papel dos profissionais .............................................................................................................. 63

Avaliação crítica dos sistemas institucionais de apoio ................................................................. 63

Efeitos da situação no bem-estar psicológico e emocional .......................................................... 64

Valor atribuído (e vivido) ao trabalho ........................................................................................... 64

Salvaguarda da identidade e objetivos de vida ............................................................................ 65

ANÁLISE DOS RESULTADOS DO ESTUDO QUALITATIVO .................................................................... 66

Dados Sociodemográficos da Amostra ......................................................................................... 66

Resultados da Análise de Conteúdo ............................................................................................. 68

SÍNTESE DA ANÁLISE DOS RESULTADOS DO ESTUDO QUALITATIVO ................................................. 86

Experiências primárias significativas ............................................................................................. 86

Vivências da Adolescência ............................................................................................................ 88

Influência das figuras significativas e das diferentes dinâmicas relacionais................................. 90

Perspetivas sobre o papel das aprendizagens e de atividades ocupacionais ............................... 94

Valor do trabalho e perceção da sua influência ........................................................................... 98

Perspetivando o futuro ............................................................................................................... 103

Impacto da experiência de estar sem-abrigo ............................................................................. 106

Estruturando a saída da situação de sem-abrigo ........................................................................ 114

Processos de identidade, dependências e parentalidade .......................................................... 119

CONCLUSÕES GERAIS ...................................................................................................................... 121

LIMITAÇÕES DO ESTUDO ................................................................................................................. 124

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RECOMENDAÇÕES ................................................................................................................... 125

INTERVIR ALÉM DA RESPOSTA IMEDIATA À PRIVAÇÃO ................................................................................. 125

REPENSAR A INTERVENÇÃO NO ÂMBITO DOS PROCESSOS DE (RE)INSERÇÃO LABORAL ....................................... 125

No panorama europeu ................................................................................................................ 125

No panorama nacional ................................................................................................................ 127

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................. 131

QUESTIONÁRIO VALOR DO TRABALHO E DAS RELAÇÕES ........................................................... 135

GUIÃO DE ENTREVISTA VALOR DO TRABALHO E DAS RELAÇÕES ................................................ 153

DECLARAÇÃO DE CONSENTIMENTO INFORMADO ..................................................................... 161

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ÍNDICE DE GRÁFICOS E QUADROS

Gráficos

Gráfico 1 | Número de filhos ................................................................................................................ 24

Gráfico 2| Idade de abandono escolar ................................................................................................. 25

Gráfico 3 | Número de reprovações ..................................................................................................... 25

Gráfico 4|Tempo de desemprego em meses ....................................................................................... 26

Gráfico 5|Regularidade do uso de apoio .............................................................................................. 29

Gráfico 6|Frequência de consumo de substâncias ............................................................................... 30

Gráfico 7|Relações com outros ............................................................................................................ 38

Gráfico 8|Dificuldade em criar relações ............................................................................................... 39

Gráfico 9|Conhecimento dos outros .................................................................................................... 39

Gráfico 10|Importância atribuída ao trabalho ..................................................................................... 43

Gráfico 11|Sentimentos durante o trabalho ........................................................................................ 43

Gráfico 12|Perceção do aproveitamento das capacidades .................................................................. 44

Gráfico 13|Perceção da qualidade do percurso de trabalho ............................................................... 44

Gráfico 14|Relações com anteriores colegas e chefes de trabalho ..................................................... 45

Gráfico 15|Capaz de lidar com as exigências de um posto de trabalho............................................... 45

Gráfico 16|Dificuldades de regressar ao trabalho ................................................................................ 47

Gráfico 17|Ajuda dos outros para arranjar trabalho ............................................................................ 47

Gráfico 18|Importância dos tempos livres ........................................................................................... 48

Gráfico 19|Importância da formação para a sua vida na área pessoal e/ou profissional .................... 49

Gráfico 20|Mudança da maneira de ser ............................................................................................... 50

Gráfico 21|Opinião das pessoas em geral sobre quem está em situação de sem-abrigo.................... 51

Gráfico 22|Alteração das expetativas de futuro .................................................................................. 51

Gráfico 23|Expetativas de mudança de vida no futuro ........................................................................ 52

Gráfico 24|Expetativa sobre o futuro ................................................................................................... 52

Gráfico 25|Alteração de objetivos de vida ........................................................................................... 53

Gráfico 26|Objetivos atuais em comparação aos objetivos anteriores à situação de sem-abrigo ...... 53

Gráfico 27|Dificuldade em sair de situação de sem-abrigo ................................................................. 54

Gráfico 28|Avaliação do apoio institucional ......................................................................................... 55

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Quadros

Quadro 1 | Estado civil.......................................................................................................................... 23

Quadro 2 | Nível de escolaridade ......................................................................................................... 24

Quadro 3|Motivos de abandono dos estudos ...................................................................................... 26

Quadro 4 |Situação específica de sem-abrigo ...................................................................................... 27

Quadro 5|Motivos que levaram a situação de sem-abrigo .................................................................. 28

Quadro 6|Formas de obter dinheiro .................................................................................................... 28

Quadro 7|Tipo de apoio das instituições que utiliza ............................................................................ 29

Quadro 8|Importância das relações ..................................................................................................... 32

Quadro 9|Pessoas das relações com conhecimento da situação de sem-abrigo ................................ 32

Quadro 10|Tipo de mudança das relações ........................................................................................... 33

Quadro 11|Caraterização das relações ................................................................................................ 34

Quadro 12|Ajuda .................................................................................................................................. 35

Quadro 13|Perceção de bem-estar e saúde ......................................................................................... 36

Quadro 14|Frequência das emoções ................................................................................................... 36

Quadro 15|Pessoas em quem confia em momentos difíceis ............................................................... 37

Quadro 16|Perceção da imagem que os outros têm de si ................................................................... 38

Quadro 17|Motivos que dificultam arranjar trabalho ......................................................................... 46

Quadro 18|Avaliação da ocupação do tempo em situação de sem-abrigo ......................................... 48

Quadro 19|Dificuldades como sem-abrigo .......................................................................................... 49

Quadro 20|Estatística descritiva dos resultados das escalas ............................................................... 56

Quadro 21|Diferenças de resultados entre homens e mulheres ......................................................... 56

Quadro 22|Diferenças de resultados entre cidades............................................................................. 57

Quadro 23|Matriz de correlações ........................................................................................................ 59

Quadro 24|Trajetória de vida e acontecimentos significativos............................................................ 71

Quadro 25|Dinâmicas relacionais......................................................................................................... 73

Quadro 26|Percurso escolar ................................................................................................................. 75

Quadro 27|Percurso de formação ........................................................................................................ 76

Quadro 28|Ocupação de tempos livres ................................................................................................ 77

Quadro 29|Transições de trabalho ....................................................................................................... 78

Quadro 30|Vivências em situação de sem-abrigo ................................................................................ 81

Quadro 31|Processo de saída da situação de sem-abrigo ................................................................... 87

Quadro 32|Saúde, doença mental e dependências ............................................................................. 89

Quadro 33|Vivências da parentalidade ................................................................................................ 91

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RESUMO

A ausência de estudos científicos sobre as dinâmicas entre as dimensões do

trabalho/emprego e a problemática da situação de sem-abrigo em Portugal, assim como a procura

de uma maior inteligibilidade sobre a complexidade e multidimensionalidade do fenómeno, para

uma efetiva compreensão científica e social do mesmo, encontram-se na base do estudo Situação de

Sem-Abrigo e Inclusão Laboral: o valor do trabalho e das relações, realizado entre 2013 e 2015. Os

resultados obtidos de dois estudos de vertente quantitativa e qualitativa, derivados da aplicação de

172 questionários e de 14 entrevistas em profundidade a pessoas em situação de sem-abrigo em

Coimbra, Aveiro, Vila Nova de Gaia e Porto, permitem concluir que o trabalho pode constituir, para

as pessoas que vivenciam esta situação, a principal ferramenta de promoção da autonomia e

independência e, por conseguinte, de efetivas possibilidades de integração social. Acresce que os

seus processos de mudança, assim como os seus objetivos de vida e perspetivas de futuro são

construídos, sobretudo, em torno da inclusão laboral. Por outro lado, as relações com os

profissionais das instituições de apoio são frequentemente destacadas como as mais influentes,

sendo aqueles indicados como as figuras mais significativas neste período das suas vidas. A

constatação da indispensável participação ativa de diferentes agentes e atores (políticos, sociais e

comunitários) obriga a uma revisão transversal dos atuais modelos de intervenção assistencialista e,

também, à observação e compreensão de novas práticas emergentes que procuram, com aparente

sucesso, distanciar-se daqueles modelos. Associado a este movimento, é igualmente imprescindível

revisitar instrumentos de intervenção já concebidos e coletivamente validados como inovadores,

mas cujo processo de implementação plena no território nacional não teve seguimento. Na senda da

capacitação das pessoas em situação de sem-abrigo, para uma efetiva inclusão social e laboral, o

desenvolvimento de estudos mais aprofundados e a aplicação de programas de apoio específicos

direcionados a diferentes grupos surgem como passos essenciais.

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)

1

INTRODUÇÃO

A recente evolução e a complexidade da problemática de sem-abrigo em Portugal merecem a

atenção de estudos científicos focados na compreensão da multidimensionalidade que lhe é

inerente, e que visem a aplicação dos seus resultados na adequação e aperfeiçoamento das políticas

sociais implementadas a nível local e nacional. O parco número de estudos nacionais sobre a relação

entre a problemática e o valor do trabalho e das relações das pessoas que experienciam a situação

de sem-abrigo – uma vez que incidem maioritariamente em relações de vinculação (Barreto, 2000),

caraterização da problemática (Bento & Barreto, 2002), percursos escolares (Bastos, 2011) ou doença

mental (Carrinho, 2012), para nomear alguns – vêm confirmar a necessidade imperativa de uma

análise das perspetivas dos indivíduos em estudo, enquanto matriz estruturante, de uma

(re)definição das metodologias de intervenção e de políticas sociais de criação de emprego e de

combate à exclusão social e laboral.

Seguindo esta premissa desenvolveu-se um estudo inovador no panorama científico nacional ao

possibilitar a análise dos valores do trabalho e das relações em pessoas que experiencia(ra)m a

situação de sem-abrigo, utilizando metodologias e técnicas que permitiram confluir abordagens

quantitativas e qualitativas de investigação científica. Deste modo, procurou-se compreender:

i) A relação entre os fatores conducentes e de manutenção da situação de sem-abrigo (dos

quais se podem destacar as ruturas familiares e sociais e/ou o desemprego);

ii) As perceções que as pessoas que vivenciam esta situação assumem sobre o trabalho e as

relações interpessoais;

iii) A influência de tais perceções na participação ativa dos atores em estudo na sua inclusão

social e laboral.

Respeitando uma abordagem holística e compreensiva do fenómeno, defendida por

investigadores de diferentes áreas científicas (Pleace, 2000) e tendo em conta as diretrizes europeias

e nacionais de combate à pobreza, exclusão social e desemprego, este estudo reconhece a

necessidade de aprofundar conhecimentos sobre a influência do desemprego e a falta de ocupação

laboral e formativa nas pessoas em situação de sem-abrigo, no contexto de exclusão social em que

vivem e nas dificuldades de acesso a condições de vida dignas.

Neste sentido e, procurando um robustecimento científico de influência prática, o estudo

realizou-se em quatro cidades portuguesas: Coimbra, Aveiro, Porto e Vila Nova de Gaia, abarcando

um total de 186 pessoas em situação de sem-abrigo: 172 pessoas (143 homens e 27 mulheres,

havendo um participante que não indicou o sexo) que participaram no preenchimento do

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2

questionário por inquérito e 14 pessoas (9 homens e 5 mulheres), na mesma situação, que

colaboraram através de um processo de entrevista. A aplicação dos questionários e a realização das

entrevistas implicaram a mobilização de 20 instituições públicas e privadas que disponibilizam apoio

social a pessoas em situação de sem-abrigo, de exclusão social e pobreza, as quais tiveram um papel

preponderante na mobilização e seleção de participantes e na disponibilização de espaços para a

administração dos instrumentos de investigação.

O presente relatório explicita os pressupostos teóricos que fundamentam a necessidade e

relevância da execução do estudo, considerando alguns cenários do panorama laboral e social do

País. Apresentam-se, de seguida, os procedimentos utilizados para o desenvolvimento e aplicação

dos instrumentos de avaliação, assim como os dados resultantes dos estudos quantitativo e

qualitativo. Após uma síntese de avaliação destes resultados, desenvolvem-se as conclusões gerais

da investigação, seguida do reconhecimento das limitações observadas. Finaliza-se o relatório com

uma exposição de recomendações de vária ordem.

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3

FUNDAMENTOS TEÓRICOS1

Contributos para a definição de sem-abrigo e breve enquadramento da intervenção em

Portugal

Assistiu-se, ao longo da primeira década do século XXI, a um interesse global crescente a

nível académico e científico sobre a problemática da situação de sem-abrigo (Anderson, 2003). A sua

compreensão obriga a olhar, sob diferentes perspetivas, todas as dimensões que constituem este

fenómeno. Porém, a complexidade que lhe é própria dificulta esta tarefa, começando pela própria

definição de sem-abrigo. No âmbito dos diversos trabalhos produzidos, permanece ainda a

dificuldade em encontrar uma definição de sem-abrigo que englobe a diversidade de dimensões,

fatores e mecanismos transversais às circunstâncias de cada situação e, assim, a dificuldade em

desocultar as causas estruturais do fenómeno, transpondo os seus efeitos mais superficiais.

As definições que os diferentes países ocidentais defendem refletem, na sua maioria, o

panorama político e cultural da época as quais se subordinam, por sua vez, a abordagens teóricas e

práticas vigentes.

No âmbito científico, as múltiplas (in)definições do construto de sem-abrigo, associadas aos

constrangimentos dos locais escolhidos para recolha de participantes nos estudos (existe o risco de

exclusão daqueles que não frequentam esses locais ou não recorrem a serviços de apoio, o que

dificulta uma noção exata do número de pessoas em situação de sem-abrigo) e a outras

caraterísticas relacionadas com a problemática que condicionam o processo de recolha de dados

(e.g. doença mental e dependência de substâncias psicoativas) conduzem a variadas limitações dos

estudos existentes nesta área e dificultam a comparabilidade dos seus resultados (Vásquez & Muñoz,

2001). Estas condicionantes, associadas às diferenças entre as várias definições aplicadas (embora a

construção de uma visão mais completa só poderá surgir do esforço de congregar o que é

complementar nessa diversidade), limitam a adequada caraterização e compreensão da população

sem-abrigo e, consequentemente, constrangem a implementação de planos estratégicos adequados

aos diferentes contextos e o desenvolvimento de instrumentos de intervenção e ação eficazes e

eficientes. Neste sentido, a clarificação do conceito de sem-abrigo, o entendimento da prevalência

do fenómeno (Minnery & Greenhalgh, 2007) e as dimensões subjacentes, são essenciais para que as

1 Os fundamentos teóricos deste estudo baseiam-se na seguinte publicação Ferreira, J.A., Santos, E, Ferreira, A., Figueiredo, L., & Rocha, S.

Multidimensionalidade da Situação de Sem-Abrigo: Pobreza, Exclusão Social e Trabalho. In Santos, E., Ferreira, J.A., Ganga, R.N., Almeida, J.G. & Aires, V. (no prelo), Novas subjetividades: retratos de objetos emergentes. Viseu: Psicosoma.

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4

estratégias de intervenção dirigidas a esta problemática possam surtir efeitos transformativos, isto é,

atuantes ao nível das suas causas estruturais.

Com o objetivo de abranger as diferentes e complexas situações de sem-abrigo e exclusão

habitacional, a F.E.A.N.T.S.A. – Fédération Européenne d’Associations Nationales Travaillant avec les

Sans-Abri desenvolveu uma definição de sem-abrigo (ETHOS2 – European Typology on Homelessness

and Housing Exclusion) (FEANTSA, 2005) que considera as realidades analisadas em diferentes países

europeus, especificamente no que respeita às diferentes situações de habitação. Neste sentido, a

tipologia proposta pretende promover o debate sobre a problemática e servir de ferramenta de base

para o desenvolvimento de políticas e trabalhos de investigação. A sua conceção abrangente baseia-

se no pressuposto que a situação de sem-abrigo não é um fenómeno estático, mas sim um processo

dinâmico que afeta várias pessoas e famílias, em situação de vulnerabilidade, em diferentes

momentos das suas vidas.

Considerado um passo sem precedentes em Portugal, a Estratégia Nacional para a Integração

de Pessoas Sem-Abrigo – ENIPSA (2009) surgiu, em grande parte, pela insistência da União Europeia

na necessidade em definir e implementar políticas especificamente direcionadas à população sem-

abrigo e na importância de quebrar ciclos ineficazes de intervenções assistencialistas (Baptista,

2009). Com a (tentativa de) implementação nacional da ENIPSA, a problemática de sem-abrigo

emerge, finalmente, como objeto de discussão pública, em espaços institucionais e sedes políticas,

num país onde o Estado teve, até então, um papel marginal no que toca a orientações políticas

específicas nesta área. Este movimento permitiu o (re)equacionamento das estratégias de

intervenção utilizadas até então, de forma geral pautadas por medidas fragmentadas, desarticuladas

e com caráter de emergência, serviços prestados principalmente por instituições privadas de

solidariedade social e Organizações Não Governamentais (Baptista, 2009).

De fato, apesar do inegável desenvolvimento e expansão do sistema público de segurança

social conquistado na segunda metade da década de 90, traduzido numa melhoria generalizada das

condições de vida e da proteção social oferecida aos cidadãos (Gonçalves, 2002), do investimento do

Estado na construção de novos equipamentos, na criação de medidas e instrumentos políticos de

combate à pobreza e exclusão, e do esforço de articulação entre políticas sociais e económicas

(Capucha, 2002), Portugal não foi capaz de consolidar os progressos alcançados, nem em reverter o

agravamento das desigualdades e dos problemas sociais que o continuam a marcar. A permanência

2 São quatro as categorias da ETHOS:

1. Sem Teto: pessoas que vivem em espaços públicos ou que pernoitam em abrigos de emergência;

2. Sem Casa: pessoas que vivem em acolhimento temporário.

3. Habitação Insegura: pessoas que vivem em situação de habitação precária (e.g. a viver com amigos ou familiares sem opção de habitação própria),

arrendamentos ilegais e situações de violência doméstica;

4. Habitação Inadequada: pessoas que vivem em estruturas não adequadas para habitação (e.g. sem condições de habitabilidade).

A sua definição considera as situações de sem-abrigo e exclusão habitacional, defendendo que a separação destas dimensões depende das abordagens que

cada contexto nacional assume, podendo as situações de exclusão habitacional (habitação insegura e habitação inadequada) serem ou não consideradas como

situação de sem-abrigo.

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5

desta situação (em cerca de 20 anos de criação de programas de luta contra a pobreza, a taxa de

pobreza anual tem-se mantido na ordem dos 20%) permite questionar se “o problema não está no

que se faz, mas no que fica por fazer” (Bruto da Costa, Baptista, Perista & Carrilho, 2012, p.197).

Com a implementação da ENIPSA, Portugal estipulou uma definição oficial de pessoa em

situação de sem-abrigo3 influenciada pela abordagem da F.E.A.N.T.S.A. Logo, a ausência de habitação

condigna está na base das suas linhas orientadoras de avaliação e intervenção, considerando a

garantia do acesso à habitação como primordial para a redução do número de pessoas nesta

situação, tal como preconizado na Constituição da República Portuguesa (1976) e na Declaração

Universal dos Direitos do Homem (1948). Considerando a problemática como um processo

abrangente, não limitado às pessoas que vivem na rua, e para o qual confluem diversos fatores

(doença mental, desemprego, falta de habitação, problemas de ordem social, económica e familiar),

a ENIPSA foca-se na importância de abranger diferentes atores sociais num funcionamento

interventivo em rede.

Com um plano de ação para o período entre 2009 e 2015, aponta a utilidade da articulação e

potenciação dos recursos existentes como medida eficaz para evitar a sobreposição e duplicação de

esforços e os seus efeitos perversos, principalmente no que respeita à manutenção e reprodução da

problemática (ENIPSA, 2009).

Embora assuma uma abordagem dinâmica, esta Estratégia Nacional peca por não reconhecer

as dimensões de habitação insegura e habitação inadequada (destacadas na ETHOS da FEANTSA)

para uma avaliação e intervenção preventiva das efetivas situações de sem-abrigo. Ao não

estabelecer critérios específicos para a definição de situações de exclusão habitacional duplica-se a

exclusão daqueles que se encontram em graves situações de vulnerabilidade habitacional e social

pois, uma vez que não reúnem as condições formais de integração em programas de intervenção,

ficam condenados à invisibilidade perante as políticas sociais. Neste sentido, ao limitar a situação de

sem-abrigo a situações de sem-teto e sem-casa limitam-se igualmente as metodologias para

levantamento estatístico representativo das situações a nível nacional e, por conseguinte, as

diretrizes interventivas que daí possam resultar.

Importa então compreender a complexidade e heterogeneidade da problemática da situação

de sem-abrigo, cujas causas e efeitos se revelam muitas vezes de difícil distinção. Embora a maioria

das publicações nacionais e internacionais sobre a problemática incida sobre a caraterização da

população, descrição das estratégias de (sobre)vivência na rua e as suas implicações políticas e

sociais, aplicando, tipicamente, uma perspetiva (macros)sociológica ou psicopatológica (Snow &

3 A definição de pessoa sem-abrigo defendida pela ENIPSA (2009) estipula que uma pessoa, independentemente da sua nacionalidade, idade, sexo, condições

socioeconómica e de saúde física e mental, é considerada em situação de sem-abrigo quando se encontra numa das seguintes situações:

Sem teto – vivendo no espaço público, alojada em abrigo de emergência ou com paradeiro em local precário;

Sem casa – encontrando-se em alojamento temporário destinado para o efeito.

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6

Anderson, 1987), ela é concordante no que respeita aos fatores estruturais e individuais

concorrentes para a situação de sem-abrigo. Destacam-se, entre eles, a pobreza, o desemprego e o

abandono escolar associados a ruturas familiares, perturbações do comportamento aditivo e

perturbação mental, o que reflete (e importa sublinhar) que é nesta confluência de fatores de ordem

social e individual que reside a clarificação da entrada na situação de sem-abrigo. Como Nogueira e

Ferreira (2007, p. 199) sublinham, podemos considerar que “a situação de sem-abrigo representa o

final de um processo que se associa à pobreza mas que é distinto desta dado o número e dimensão

das clivagens com os vários sistemas. O deficiente acesso aos sistemas e a existência de fissuras cada

vez mais evidentes resultam de vários fatores produtores de risco de exclusão social. Por sua vez,

estes fatores, individualmente ou por influência conjunta, provocam o aumento desta fratura (entre a

pessoa sem-abrigo e os sistemas), num processo de bola de neve de dimensões cada vez mais

complexas.”

Assume-se que a problemática de sem-abrigo se encontra integrada no extremo do que é

considerado exclusão social. A noção multidimensional de exclusão social de Rogers (1995 in Lúcio &

Marques, 2010) reporta-se a diferentes dimensões, tais como:

a) «Exclusão do mercado de trabalho (desemprego de longo prazo);

b) Exclusão do trabalho regular (parcial e precário);

c) Exclusão do acesso a moradias decentes e a serviços comunitários;

d) Exclusão do acesso a bens e serviços (inclusive públicos);

e) Exclusão dentro do mercado de trabalho - ocorrência de um fenómeno de “dualização do

processo de trabalho”: i) existem empregos perniciosos, de acesso relativamente fácil,

que além de precários não geram rendimentos suficientes para garantir um padrão de

vida mínimo; ii) existem empregos bons, de difícil acesso, que geram níveis de rendimento

e segurança aceitáveis;

f) Exclusão da possibilidade de garantir a sobrevivência;

g) Exclusão do acesso à terra;

h)Exclusão em relação à segurança, em três dimensões: i) insegurança física; ii) insegurança

em relação à sobrevivência (o risco de perder a capacidade de a garantir); e iii)

insegurança em relação à proteção contra contingências;

i) Exclusão dos direitos humanos» (Rogers, 1995, apud Dupas, 1999: 20 in Lúcio & Marques,

2010).

Nesta perspetiva, compreende-se que a situação de exclusão está diretamente associada à

incapacidade de usufruir de direitos humanos básicos, inerentes à compleição da dignidade humana,

e, por fim, à impossibilidade de exercer uma cidadania plena.

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7

Ressalva-se o valor do trabalho e do emprego, apontados na perspetiva de Rogers, no

assegurar de bens e segurança necessários a uma vida digna, na facilitação do acesso a direitos

humanos e constitucionais, além de constituírem elementos estruturantes da vida humana.

Invocando a posição da União Europeia sobre a Estratégia Europa 2020, “Ter um emprego é

provavelmente a melhor salvaguarda contra a pobreza e a exclusão, mas não é suficiente por si só

para garantir uma diminuição dos níveis de pobreza ou a inclusão social. Serão necessários sistemas

de segurança social e de pensões modernos, adaptados à crise e ao envelhecimento da população

europeia, para assegurar um nível adequado de apoio ao rendimento e cobertura às pessoas

temporariamente sem emprego. Lutar contra a segmentação ineficaz do mercado de trabalho

constitui uma outra forma de melhorar a justiça social” (Comissão das Comunidades Europeias, 2009,

p. 7).

É nesta linha de atuação que o presente estudo reconhece a necessidade de aprofundar

conhecimentos sobre a influência do desemprego e a falta de ocupação laboral e formativa nas

pessoas que vivenciam a situação de sem-abrigo, nomeadamente, no contexto da exclusão social em

que vivem e nas dificuldades de acesso a condições de vida dignas, apostando numa abordagem

holística e compreensiva do fenómeno.

Embora se desconheça a existência de mecanismos de associação causa-efeito do

desemprego para a situação de sem-abrigo, constata-se que as pessoas nesta situação vivenciam

múltiplos desafios e barreiras, quer no acesso, quer dentro do mercado de trabalho, revelando

maiores dificuldades que a população desempregada em geral, devido a um maior isolamento social

e a incapacidades de diversa ordem (Steen, Mackenzie & McCormack, 2012).

Refletindo sobre o impacto das experiências de exclusão social ou em situação de sem-

abrigo, Paugam (2003) considera que a primeira constitui um processo marcado por diferentes fases,

onde o indivíduo experimenta sucessivas ruturas: um distanciamento do trabalho, frequentemente

acompanhado por um afastamento da vida social; uma crise de identidade; problemas de saúde; em

certos casos, uma rutura familiar; e, por vezes, numa última fase, a adoção de atitudes e

comportamentos de resistência ao estigma social que os marca, encerrando-se sobre si próprios e

incorrendo no risco de dessocialização. O autor designa este processo de desqualificação social, onde

ao longo de 3 fases – fragilidade, dependência e rutura – a identidade da pessoa transmuta-se, em

função da sua vivência da situação e, também, do tipo de relação estabelecida com os serviços de

assistência a que recorre. Mais do que os efeitos da debilidade dos rendimentos ou da ausência de

bens materiais, a desqualificação social é uma provação pela “degradação moral que representa,

para a existência humana” (p.175), dada a humilhação de ter de recorrer ao apoio de outras pessoas

ou de serviços de ação social para poder ter uma vida minimamente decente.

Habitualmente, a situação mais extrema deste processo é associada às pessoas em situação

de sem-abrigo, correspondente à fase da marginalidade. Os marginais estão desacreditados pelos

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8

seus fracassos, tendo de enfrentar quotidianamente a prova da reprovação social por essa “diferença

vergonhosa” (p. 98).

Na última década diferentes autores têm defendido uma “nova ortodoxia” (Pleace, 2000;

Busch-Geertsema, Edgar, O’Sullivan, & Pleace, 2010) pressupondo que os fatores estruturais

propiciam as condições de ocorrência da situação de sem-abrigo e que as pessoas mais vulneráveis a

contextos sociais e económicos adversos apresentam problemas de ordem pessoal. Deste modo, a

suscetibilidade às forças macro-estruturais pode explicar a elevada concentração de pessoas que

apresentam dificuldades individuais na população sem-abrigo (Fitzpatrick, 2005).

A situação de sem-abrigo atinge pessoas de ambos os sexos, de todas as idades, raça e etnia

e proveniência. Tem-se assistido a um aumento generalizado em diversos países do fenómeno de

“novos sem-abrigo”: famílias, crianças e jovens (Minnery & Greenhalgh, 2007), fruto de diversos

fatores de ordem individual, familiar, social, económica e também cultural, e que recentemente tem

agravado as preocupações de agentes e atores sociais portugueses e internacionais.

Nos últimos anos verifica-se a emergência de uma abordagem de percursos (pathways

approach), cuja aplicação tem surgido em distintos temas sociais, e que visa compreender os

percursos de vida das pessoas que vivenciam a situação de sem-abrigo, as suas perceções e

experiências, ressalvando que ficar sem abrigo não é inevitável ou conducente a estados crónicos

nesta situação (Mayock, Corr & O’Sullivan, 2008). A necessidade de perspetivar a situação de sem-

abrigo como um processo dinâmico permite compreender as diferentes fases da sua vivência,

possibilita a análise dos fatores que influenciam esta mesma trajetória (Snow & Anderson, 1993) e

que convergem para a complexidade dos processos sociais e económicos que reproduzem e mantêm

a problemática, além de enriquecer a reflexão sobre a eficácia das respostas (Anderson, 2001)

institucionais, quer sociais, quer económicas.

A problemática de sem-abrigo agrega múltiplas dimensões relacionadas com doença mental,

dependências e abuso de substâncias psicoativas, comportamentos violentos, trauma, isolamento

social e familiar, problemas familiares e outros de foro relacional. Mantém-se a discussão sobre se

estas dimensões constituem causas ou efeitos do processo da situação de sem-abrigo. Atender à

abrangência das dimensões constitutivas da problemática implica incorporar todos os fatores

económicos, sociais, culturais e psicológicos subjacentes que potenciam a geração e a manutenção

da situação de sem-abrigo (Vázquez & Muñoz, 2001).

Portanto, a construção de uma análise compreensiva do fenómeno da situação de sem-

abrigo implica atender às problemáticas da pobreza e da exclusão social, nomeadamente aos fatores

e mecanismos que contribuem para a sua emergência, manutenção e reprodução.

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9

Enquadrar a problemática de sem-abrigo nos fenómenos da pobreza e da exclusão social

Tendo em conta a reflexão até aqui desenvolvida sobre o fenómeno da exclusão social e, em

particular, da situação de sem-abrigo, assim como os já referidos constrangimentos inerentes à sua

análise, importa esclarecer o que se entende por pobreza e exclusão social no contexto do presente

estudo. Em reflexo da natureza multidimensional e multiforme destes fenómenos, verifica-se uma

grande diversidade de perspetivas e, consequentemente, de definições e conceitos a elas associados,

sobre os quais não convém ao presente relatório um exame detalhado, mas cuja referência é

essencial para enquadrar a posterior análise, prevenindo o risco de conclusões lineares.

No âmbito do trabalho de Bruto da Costa e colaboradores (2012), consideramos adequada a

definição de pobreza ali proposta enquanto “situação de privação resultante da falta de recursos” (p.

26). Nesta escolha subjaz o entendimento de que dar resposta à privação (situação de carência) não

significa resolver a situação de falta de recursos. Admitimos, assim, a questão da dependência em

relação às ajudas prestadas, enquanto fator potenciador da manutenção das situações de pobreza. A

resolução da falta de recursos significa que a privação foi solucionada e que a pessoa adquiriu a

capacidade de ser auto-suficiente em matéria de recursos, isto é, que passou a ter uma forma de

sustento proveniente de fontes consideradas normais na sociedade em que vive (rendimentos do

trabalho, capital e pensões de reforma ou de sobrevivência) (Bruto da Costa et al, 2012).

Se, por um lado, a situação de privação está associada à satisfação de necessidades humanas

básicas, por outro, analisar o problema da falta de recursos implica admitir outras dimensões como o

direito à auto-determinação, a participação cívica, as aspirações de realização pessoal, entre outras.

Neste âmbito, Sen (2003) considera o fenómeno da pobreza não como um problema exclusivo da

escassez de recursos mas, sobretudo, como a incapacidade da pessoa em ter acesso a eles, o que

constitui uma carência de potencialidades, isto é, a falta de habilitação para aceder aos recursos e a

incapacidade da pessoa em conseguir funcionar autonomamente e encontrar as condições ideais

para concretizar o seu ideal de felicidade. Para o autor, qualquer esforço dos dispositivos

económicos, sociais e políticos de uma sociedade, na criação de processos de desenvolvimento,

deverá ser no sentido de reforçar e expandir as liberdades humanas, sejam elas associadas a aspetos

mais concretos da vida (poder evitar privações como a fome, enfermidades evitáveis, por exemplo)

ou liberdades ligadas ao enriquecimento da vida humana (literacia, acesso à participação política, à

liberdade de expressão, etc.). Associar a liberdade à pobreza implica considerar esta última como

“situação de negação de direitos humanos fundamentais” (Bruto da Costa et al, 2012, p. 22), e que a

primeira apenas ganha sentido quando as condições efetivas do seu exercício existem.

Ao considerar outras necessidades da vida humana, para além das necessidades de

subsistência, impõe-se a distinção entre o conceito absoluto de pobreza e o conceito relativo de

pobreza. O primeiro tem que ver, sobretudo, com a definição normativa de um conjunto de

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necessidades básicas de referência, necessárias à subsistência física (Bruto da Costa et al, 2012),

enquanto o segundo atribui maior ênfase à “privação dos padrões de vida e de atividade próprios de

uma dada sociedade (…) dos níveis de vida mínimos (…) comummente aceites” (Fernandes, 1991,

pp.38-39). Deste modo, é introduzida uma outra variável na análise destes fenómenos, a qual remete

para as dimensões sociais da existência humana, isto é, das relações do indivíduo com os diferentes

sistemas sociais em que se insere. Neste sentido, justifica-se a pertinência dada, pelo presente

estudo, ao objetivo de compreender a influência que as relações detêm na participação ativa das

pessoas em situação de sem-abrigo na sua inclusão social e laboral.

Numa perspetiva sistémica, consideremos o indivíduo como parte integrante de vários

sistemas sociais interligados, com os quais estabelece relações: no domínio da sociabilidade (redes

como a família, vizinhança, colegas de trabalho, etc.), no domínio económico (sistemas geradores de

rendimentos, recursos financeiros e mercados de bens e serviços), no domínio institucional (sistema

educativo/formativo, de saúde, emprego, habitação, cultura, justiça, etc.), no domínio espacial (nível

de integração de um dado território) e no domínio simbólico (referências identitárias, construção da

memória individual e coletiva) (Bruto da Costa et al, 2012, pp. 65-71). Estas relações são mediadas

por trocas de recursos, e é neste sentido que a resolução da privação não garante que a situação de

pobreza seja resolvida: a contínua ausência de recursos bloqueia a liberdade de ação da pessoa sobre

o contexto a que pertence e, assim, a diferentes formas de exclusão social.

A situação de exclusão é tanto mais profunda e severa quanto maior for a privação e a falta

de recursos, ou seja, quanto maior for o número de sistemas sociais afetados. Considerando que a

relação dos indivíduos com esses sistemas varia entre diferentes graus de exclusão e inclusão, a

exclusão social constitui um processo de variáveis formas e graus, mais ou menos superficiais ou

profundos, e um percurso de sucessivas ruturas nas relações com a sociedade, nomeadamente com

a família, outras relações afetivas e de amizade e com o mercado de trabalho e restantes sistemas

(Bruto da Costa, et al, 2012).

Sistema laboral como fator de risco para a situação de sem-abrigo

Paralelamente aos fatores de âmbito familiar e individual, outros de ordem social e

económica podem predispor à situação de sem-abrigo e atuar como vetores de manutenção da

mesma.

A discussão dos fatores concorrentes para a situação de sem-abrigo, deve enquadrar-se

numa perspetiva global que abranja fatores de ordem estrutural (nível macro) e de ordem individual

(nível micro), procurando sinalizar e compreender os respetivos cruzamentos que propiciam a

entrada na situação. Anderson (2001) faz referência a diversos estudos (Anderson et al, 1993;

Breugeland Smith, 1999; Burrows, 1997; Craig et al, 1996; Evans et al, 1994; Fitzpatrick et al, 2000)

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11

que demonstram a forte associação da problemática ao desemprego, baixos rendimentos e pobreza.

Segundo a autora, as dificuldades de pagamento das prestações (hipoteca ou crédito) da habitação

são agravadas pelas circunstâncias de pobreza e desemprego, o que aumenta exponencialmente a

probabilidade de ficar sem-abrigo. Os efeitos económicos desta situação dificultam a procura de

emprego e o retorno à independência e estabilidade habitacional para jovens, adultos e famílias.

Também as conclusões da pesquisa de Santos e colaboradores (2007), a qual envolveu 150 famílias

multiproblemáticas pobres, ilustram esta realidade. De forma muito breve, o estudo demonstra os

efeitos da multiplicidade simultânea e intrincada de problemas graves vividos por aquelas famílias

(ao nível da educação, emprego, gestão financeira, habitação, relações familiares, relações sociais,

rendimento e saúde) sobre o seu (dis)funcionamento: em permanente situação de crise e com

escassos recursos materiais e emocionais permanentemente desgastados, na presença de fatores de

risco, apresentam elevada probabilidade da ocorrência de efeitos negativos (ruturas, negligência,

maus-tratos, insucesso escolar, alcoolismo, doenças crónicas, depressão, entre outros). Na

dificuldade em romper com este ciclo de situações, os problemas acabam por se reforçar

mutuamente.

Um histórico cumulativo de problemas

Mantendo presente este conjunto de considerações, e reorientando a análise para o enfoque

do estudo sobre a inclusão laboral, considere-se a condição dos indivíduos e famílias perante o

trabalho como um dos aspetos que mais diretamente se associam ao problema da inclusão ou

exclusão social, com reflexo particular na capacidade de participar na vida comunitária e de obter

rendimentos. Paradoxalmente, a estrutura do mercado de trabalho e o sistema de emprego podem

atuar como fatores de risco perante situações de vulnerabilidade, tais como, situações de inatividade

por motivos de doença, deficiência, velhice, desemprego ou de precariedade de vínculos contratuais,

podendo originar ou agravar processos de empobrecimento.

A evolução do mercado de trabalho português é ilustrativa desta situação, tendo sido

analisado como fator de agravamento das condições de precariedade e exclusão social no trabalho

de Ferreira de Almeida e colaboradores (1994). As consequências prevalecem, quer sobre a geração

que viveu as mudanças do mercado de trabalho do pós-25 de Abril, quer pelas gerações mais novas,

que hoje vivem outra fase de transformação do mercado de trabalho, especialmente marcada pela

precariedade do emprego, a desregulação do mercado de trabalho e a diminuição dos custos diretos

(salários) e indiretos (impostos e contribuições) do trabalho.

De forma breve, enumeramos algumas especificidades da história social, política, económica

e cultural portuguesa recente que contribuíram para a construção de um arranjo de caraterísticas do

sistema laboral que fragilizaram muitas famílias e indivíduos, em particular as mudanças trazidas

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12

pelos quadros legislativos laborais do pós-25 de Abril que produziram uma reação no mercado de

trabalho:

a)A criação de postos de trabalho precários, de modo a contornar aqueles imperativos legais

(relativos a despedimentos, segurança social, greve, salários mínimos, atualizações

salariais e outros) e que resultaram no florescimento da economia subterrânea;

b) A manutenção do trabalho infantil;

c) A generalização dos contratos a prazo (14% do emprego total em 1988);

d) Para os trabalhadores com contratos permanentes, o problema dos salários em atraso,

fenómeno marcante da década de 80, que teve enormes repercussões sobre o nível de

vida de muitas famílias (calcula-se que cerca de 100 000 trabalhadores tenham sido

afetados)4.

Dada a pouca flexibilidade das leis laborais, esta prática foi responsável pelo

empobrecimento de numerosas famílias, sobretudo em zonas industriais onde não existia a

possibilidade de criar meios alternativos de subsistência ou de fatores amortecedores (Ferreira de

Almeida, et al, 1994).

À alternativa do desemprego surgiram também certos tipos de trabalho por conta própria,

exercidos de forma isolada, em que o nível dos rendimentos obtidos, bem como as condições de

trabalho, eram, de um modo geral, mais frágeis do que numa profissão por conta de outrem. Para

além do desemprego e das situações de precariedade, o nível de rendimentos do trabalho e, em

particular, dos salários, é uma questão igualmente decisiva. Isto constitui uma variável central no

estudo da pobreza, uma vez que baixos salários acarretam dificuldades acrescidas na obtenção de

bens e serviços para suprir as necessidades mínimas. Particularmente desfavorecidos encontram-se

os trabalhadores que auferem salário mínimo ou abaixo do mínimo, assim como os desempregados

por longos períodos de tempo, uma das categorias de maior vulnerabilidade à pobreza. Por fim, o

fenómeno de dimensão nacional do trabalho infantil implicou para muitas pessoas, inclusive e como

se demonstrará mais à frente, de um grande número dos inquiridos do presente estudo, a

interrupção do percurso de formação e da escolaridade mínima obrigatória. Diretamente relacionada

com as precárias condições de vida das famílias, esta é mais uma expressão visível do alastramento e

reprodução geracional da situação de pobreza (Santos et al, 2007), uma vez que as reprovações e o

abandono escolar que lhe estão associadas condicionam a obtenção de níveis de qualificação mais

elevados no mercado de trabalho, condenando, assim, os indivíduos à situação de trabalhadores

indiferenciados (Ferreira de Almeida et al, 1994).

Estas descontinuidades estruturais do sistema de emprego em Portugal (segmentação entre

emprego estável e contratos de trabalho precários, entre economia informal e economia formal) são

4 De referir que em 1984, 40% dos contratos eram a prazo no setor da construção civil, umas das áreas de maior atividade por parte de um grande número de

homens em situação de sem-abrigo.

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13

também atravessadas pelas clivagens sociais produzidas pela inclusão ou pela exclusão do sistema

institucional de proteção social, o que produz o risco de novos dualismos (Ferreira de Almeida et al,

1994). Entre a população empregada, os trabalhadores com contratos a termo certo apresentam

uma taxa de risco de pobreza bastante superior aos que têm um contrato sem termo (OD, s.d.). De

acordo com o Banco Mundial, em 2010 a taxa de Emprego Vulnerável em Portugal, ou seja, o

número de trabalhadores com família não remunerados e trabalhadores por conta própria

representavam 18% da percentagem total. A nível europeu, estima-se que 8.5% da população

europeia trabalhadora é pobre (working poor), o que reflete a atual degradação do mercado de

trabalho e a incapacidade do atual sistema económico em garantir a sustentabilidade do emprego

(EC-DGESAI, 2011).

A inclusão de uma perspetiva temporal alargada na presente análise justifica-se se

atendermos à média de idades (44 anos) e aos percursos laborais dos inquiridos no processo de

inquérito do presente estudo, pelo que o recurso a este intervalo de tempo permite compreender

em maior profundidade os efeitos cumulativos daqueles problemas. Assim, os dados até aqui

apresentados traduzem o percurso de um conjunto de mecanismos relacionados com a organização

do trabalho e permitem concluir que o acesso ao trabalho condiciona fortemente o risco de pobreza.

Hoje, em Portugal, o trabalho continua a não ser garantia absoluta de proteção, residindo o

problema não tanto sobre os aspetos da precariedade no trabalho, mas sobretudo devido ao nível

baixo dos salários, fator principal da manutenção do nível de desigualdade no país (Bruto da Costa et

al, 2012).

A fragilidade laboral intensificou-se nos últimos anos fruto da proclamada crise económico-

financeira, efeito dos processos macrossociais de ajustamento económico e de transformação do

papel social do Estado, não só em Portugal, como noutros países da Europa e do mundo, e que, nas

suas dificuldades de resolução, agravam a pobreza e as necessidades das pessoas e famílias,

cristalizando ciclos de dependência de apoios sociais e, consequentemente, a manutenção de

situações de extrema vulnerabilidade.

Situação sem-abrigo: dificuldades acrescidas no acesso ao emprego

Admitindo que o desemprego e a precariedade laboral assumem uma influência negativa tão

vasta capaz de afetar outras dimensões da vida do indivíduo e das famílias, rapidamente se poderá

concluir que esta questão é particularmente incisiva no que toca à problemática de sem-abrigo,

revestindo-a de ainda maior complexidade. As causas e os fatores de risco para cada uma das

dimensões, o desemprego e a situação de sem-abrigo, confundem-se num ciclo que se auto-reforça.

A fragilidade financeira e social em que um indivíduo ou uma família se encontra com a perda de

emprego(s) assoma o risco de ficar sem abrigo. Porém, para este processo concorrem outros fatores

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como a doença mental, a morte de um familiar ou divórcio/separação (Steen, MacKenzie &

McCormack, 2012). É, portanto, difícil prever que situações de desemprego poderão desencadear

situações de sem-abrigo, uma vez que não é clara a natureza da relação causal entre as duas

problemáticas.

A par desta complexidade, a população sem-abrigo enfrenta dificuldades acrescidas no

acesso ao emprego: as múltiplas barreiras pessoais e societais dificultam a demanda por um

emprego e, portanto, o usufruto da estabilidade financeira que lhe está associada. A maioria das

pessoas que vivenciam a situação de sem-abrigo encontra-se desempregada ou profissionalmente

inativa, todavia, um número significativo trabalha de forma permanente ou por períodos curtos

(FEANTSA, 2009). Este último grupo executa trabalhos sob condições precárias que não possibilitam

uma estabilidade para a melhoria das suas condições de vida, nomeadamente ao nível da saúde

(física e mental), habitação e identidade pessoal e social, expondo-as a situações de exploração. O

emprego já não é garantia de salvaguarda da pobreza ou exclusão social, principalmente quando a

precariedade do mesmo e/ou falta de qualidade impossibilita a saída de uma situação frágil ao nível

da habitação e da saúde, entre outras dimensões inerentes à qualidade de vida. Por tudo isto, a

obtenção de trabalho com salário condigno (que permita colmatar as necessidades essenciais e

também apoiar a capacidade de aceder a outros recursos) é um dos passos fundamentais para a

saída da situação de sem-abrigo e para prevenir (re)ingressos na mesma. No sentido do que foi

referido anteriormente, compreende-se que a evolução da vulnerabilidade à pobreza, decorrente

das mutações do mercado de trabalho, influenciam negativamente as possibilidades de (re)inserção

laboral. Acrescem ainda os estereótipos associados às pessoas que vivenciam a situação de sem-

abrigo.

A perceção pública, que se mantém desde o séc. XX, tem considerado as pessoas nesta

situação como desinteressadas em trabalhar. Shier, Jones e Graham (2010) alertam para o efeito

negativo das abordagens estereotipadas e ancoradas em assunções não empíricas no alongamento

do estigma sobre a população sem-abrigo. Este efeito produz um impacto negativo nos recursos

acessíveis e na natureza das relações com os serviços de apoio e a comunidade, devido aos

constrangimentos exercidos por essas perceções e atitudes que, em diferentes graus, constituem

uma forma de violência simbólica (Paugam, 2005). Aqueles autores sublinham a importância e a

necessidade de estudos focados nas perspetivas e perceções das pessoas que vivenciam a situação

de sem-abrigo para análise do impacto no self como forma de aprofundar o conhecimento sobre a

problemática, uma vez que tem sido dominado por estudos sobre necessidades específicas de sub-

grupos da população sem-abrigo (Anderson, Stuttaford & Vostanis, 2006; Anucha, 2005; Carrol

&Trull, 2002; Freund & Hawkins, 2004; Goldberg, 1999 cf. Shier, Jones e Graham, 2010) (que são

inevitáveis para a direccionalidade dos serviços de apoio) e caraterização das pessoas nesta situação.

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15

O estudo de Shier et al (2010) sobre trabalhadores em situação de sem-abrigo emerge da

necessidade de compreensão das interseções da problemática com a habitação, o mercado de

trabalho e os serviços de apoio. A análise das perceções dos participantes permitiu a identificação de

quatro temas primários: a perspetiva sobre o self e estar sem-abrigo, o impacto da situação na auto-

perceção, a esperança em situação de sem-abrigo e o significado de uma habitação permanente.

Efetivamente, estar sem-abrigo produz um profundo impacto nas auto-representações das pessoas

que a vivenciam, alinhadas com a perceção pública negativa. Estas conclusões acompanham os

estudos de Boydell, Goering e Morell-Bellai (2000) e Parsell (2010) acerca das implicações da situação

nas identidades pessoal e social, nomeadamente na observação de identidades desvalorizadas. A

dupla estigmatização tem efeitos negativos nas perspetivas de futuro relativas à habitação e

emprego e ao comportamento adotado no local de trabalho que, na maior parte das vezes, passa por

encobrimento da real situação social do indivíduo com receio de despedimento ou outras represálias

originados nessa perceção pública.

Processos de entrada, manutenção e saída da situação de sem-abrigo

Antes de mais, importa esclarecer que a conceção dinâmica de situação de sem-abrigo

assumida neste estudo conflui com a definição defendida pela F.E.A.N.T.S.A., logo, a utilização, neste

relatório, do termo população sem-abrigo reporta-se a um grupo estatístico de pessoas definidas por

caraterísticas comuns, neste caso, ausência de habitação permanente e condigna. Não se refere a

uma marca identitária de um grupo social específico, distinto do resto da população, mas sim a

pessoas que se encontram numa determinada fase das suas vidas e durante um determinado

período de tempo em situação de sem-abrigo.

Ao longo deste relatório, é referida a necessidade de uma abordagem mais compreensiva do

fenómeno da situação de sem-abrigo e, simultaneamente, a análise até aqui feita tem revelado uma

necessária leitura abrangente dos fatores estruturais e individuais que concorrem para a sua

existência. Na última década, diferentes autores têm defendido uma “nova ortodoxia” (Pleace, 2000;

Busch-Geertsema, Edgar, O’Sullivan, & Pleace, 2010) com base no pressuposto que os fatores

estruturais propiciam as condições de ocorrência da situação de sem-abrigo e que as pessoas mais

vulneráveis a contextos sociais e económicos adversos apresentam problemas de ordem pessoal.

Deste modo, a suscetibilidade às forças macro-estruturais pode explicar a elevada concentração de

pessoas que apresentam dificuldades individuais na população sem-abrigo (Fitzpatrick, 2005).

Nas últimas décadas diversos autores têm procurado descrever as trajetórias mais comuns

para a situação de sem-abrigo (Fitzpatrick, 2000; Anderson, 2001; Martijn & Sharpe, 2006). Nesta

secção são enumeradas trajetórias individuais comuns como possibilidades concorrentes para a

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situação de sem-abrigo, dado que se analisou anteriormente a pobreza e a exclusão social enquanto

processos decorrentes de fatores de ordem estrutural.

Apesar das metodologias e amostras diferenciadas nos diversos estudos, encontra-se algum

consenso entre as diferentes publicações sobre os fatores que poderão potenciar o início de uma

situação de sem-abrigo, destacando-se as perturbações mentais, o abuso de álcool e drogas,

histórias de abuso na infância e adolescência e dinâmicas familiares disfuncionais.

Uma vez que cada fator per si não é sinónimo de entrada imediata na situação de sem-

abrigo, torna-se premente sinalizar e compreender os arranjos de relações entre os diversos fatores

que concorrem para potenciar o risco de desenvolvimento da situação. O estudo da temporalidade

dessas relações ao longo da vida dos indivíduos poderá providenciar uma maior clareza neste

sentido. O contributo de Martijn e Sharpe (2006) procura analisar o papel cumulativo de fatores

identificados e a sua relação na compreensão do risco para a situação de sem-abrigo num grupo de

jovens. Os autores identificaram 5 tipos de percursos prévios à situação: 1 - Abuso/Dependência de

álcool e/ou drogas, trauma com ou sem problemas psicológicos adicionais; 2 – Trauma e problemas

psicológicos (ausência de abuso de drogas e álcool); 3 – Abuso de drogas e álcool e problemas

familiares; 4 – Problemas familiares com ou sem problemas psicológicos; 5 – Trauma.

Os percursos 2, 3 e 4 representaram a maioria da amostra de participantes, o que

demonstra, mais uma vez, que um percurso de vida anterior à situação de sem-abrigo caraterizado

por ruturas, privações e abusos de diversa ordem pode aumentar o risco de desenvolvimento da

situação. Os autores demonstraram igualmente que as vivências em situação de sem-abrigo

amplificam as experiências traumáticas e os problemas psicológicos e de abuso de álcool e drogas.

No mesmo sentido, o estudo de Chamberlain e Johnson (2011), sobre as trajetórias de

adultos para a situação de sem-abrigo, sublinha que os percursos identificados no seu estudo - crise

da habitação, rutura familiar, abuso de substâncias, doença mental e transição para a idade adulta –

não são modelos causais, dado que estes percursos sofrem igualmente a influência de fatores

estruturais e culturais que limitam as oportunidades dos seus atores. A crise da habitação reflete as

dificuldades emergentes de uma conjuntura crítica a nível económico. O aumento do custo de vida

inviabiliza a manutenção da segurança habitacional, alimentar, escolar, familiar e pessoal de pessoas

que (sobre)vivem com rendimentos mínimos ou médios e que têm dificuldades em assegurar o

pagamento da renda ou prestação da casa, a alimentação diária da família, os custos de educação

dos filhos, entre outros. Acresce ainda o desemprego, cujo peso nesta trajetória é tremendo,

colocando as pessoas numa posição financeira muito frágil que, na presença de um fator

perturbador, poderá resultar em situação de sem-abrigo. Segundo os autores, a rutura familiar

advém ou de ambientes onde domina a violência doméstica, cujas vítimas se vêem obrigadas a

abandonar o domicílio para sobreviver às agressões ou proteger os filhos; ou de divórcios ou

separações que, em alguns casos, resultam de pressões financeiras. A terceira trajetória observada

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reporta-se ao abuso de substâncias em adultos cujos consumos se iniciaram no final da adolescência

ou início da idade adulta e que se assumiam inicialmente como consumos ocasionais e recreativos.

Contudo, quando os consumos se caraterizam por um padrão de abuso com efeitos ao nível do

emprego (resultando em desemprego) e dificuldades em manter o padrão de vida anterior devido

aos gastos permanentes com os consumos, o risco de ocorrência da situação de sem-abrigo é

agravado.

No que respeita à doença mental, as diferenças das experiências reportam-se à idade de

surgimento da perturbação mental. A trajetória para a situação de sem-abrigo de adolescentes e

jovens adultos (com idades inferiores a 25 anos) com perturbação mental advém da incapacidade

das famílias em gerir os conflitos e os efeitos dos comportamentos desadequados que resultam,

muitas vezes, na expulsão dos jovens de casa ou na fuga destes. Já nos adultos verifica-se um

aumento do risco para uma situação de sem-abrigo quando a perturbação surge mais tarde (com 30,

40 ou 50 anos) e vivem dependentes do apoio de familiares, principalmente dos pais. Após a morte

dos progenitores e perante a ausência de uma rede de suporte familiar mais alargada, a par com

uma ou mais perturbações mentais, a ocorrência da situação de sem-abrigo torna-se comum para

estes indivíduos. Por fim, a quinta trajetória destaca as tentativas de emancipação de jovens quando

atingem a maioridade. A amostra de participantes desta trajetória é constituída por jovens adultos

que provêm de instituições de acolhimento de crianças e jovens e que experienciaram situações

traumáticas a nível familiar: negligência parental, abusos físicos e sexuais, toxicodependência dos

pais e violência familiar, mas também de jovens que optaram por abandonar a residência familiar

pelos mesmos motivos e/ ou devido a relações conflituosas com os progenitores ou outro adulto

responsável por eles.

Torna-se premente destacar os resultados de Chamberlain e Johnson (2011) que

encontraram um número prevalecente de pessoas na última trajectória (32%). Opondo-se ao que

comummente são consideradas causas da situação de sem-abrigo – as dependências de substâncias

psicoativas e a doença mental – as ruturas familiares constituem fortes indicadores para uma

vivência nesta situação. Verifica-se assim que a perda ou inexistência de relações interpessoais

familiares protetoras influenciam, de forma determinante, trajetórias de vida que podem conduzir à

situação de sem-abrigo.

O estudo dos fatores precipitantes e da sua conjugação nas trajetórias de vida serve como

meio de compreensão dos processos de entrada na situação de sem-abrigo mas deve servir,

principalmente, como plataforma de desenvolvimento de estratégias de prevenção. Um adequado

sistema de prevenção da situação de sem-abrigo protegerá o indivíduo e/ou uma família de atingir

situações extremas de exclusão social e quebrar os ciclos permanentes de privações.

Numa intervenção, quando já verificada a problemática, importa ter presente que a situação

de sem-abrigo aumenta a probabilidade de desenvolver e/ou agravar perturbações psiquiátricas,

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18

problemas de abuso e/ou dependência de álcool e drogas, comportamentos criminosos, isolamento

social, comportando novos ciclos de vitimização. A compreensão dos fatores precipitantes e dos

fatores agravantes – que também se constituem como de manutenção da situação de sem-abrigo –

tem impacto nos resultados dos serviços de apoio à população nesta situação, não só ao nível do

controlo dos riscos associados como na minimização dos danos decorrentes destas experiências.

O processo de saída da situação de sem-abrigo (seja em situação de sem-teto ou sem-casa) é

deveras problemático, não apenas pelo agravamento do ciclo de vitimização, como acima indicado,

mas também pela marginalização, seja esta efetuada por terceiros ou pelo movimento de auto-

exclusão dos próprios indivíduos. Este processo de marginalização encontra-se enraizado nas

atitudes e comportamentos da sociedade em geral (Shier, Jones & Graham, 2010) que considera as

pessoas nesta situação, principalmente quem pernoita na rua ou em espaços públicos, de forma

negativa, responsabilizando-as pela sua situação (Minnery & Greenhalg, 2007). Tais atitudes são

transversais às diversas esferas da comunidade onde as pessoas em situação de sem-abrigo

procuram integrar-se, nomeadamente, os proprietários de habitações para arrendamento e

empregadores. A desconfiança existente e a recusa em arrendar habitações ou possibilitar

oportunidades de emprego reforça a fragilidade social e prolonga a duração nesta situação, o que

obriga a recorrer às instituições de apoio e/ou a centros de acolhimento. Em última instância,

perpetua-se assim o ciclo de dependência e, por conseguinte, a indefinição do futuro das suas vidas.

Por sua vez, a perceção destas atitudes induz as pessoas em situação de sem-abrigo à

descrença numa melhoria das suas condições de vida, o que demonstra igualmente a descrença no

sistema social (Pillinger, 2007) pela ineficácia e/ou inadequação das respostas. O apoio social

existente é largamente insuficiente para permitir a autonomização habitacional, o que alimenta o

ciclo perverso entre a falta de habitação e de trabalho, e a manutenção da situação. Para uma maior

possibilidade de sucesso na saída da situação de sem-abrigo, e respetiva conquista de independência

dos serviços de apoio, torna-se importante a obtenção de um meio de sustento que permita auferir

um nível de rendimentos adequado à gestão e manutenção de uma habitação e estabilidade

financeira [a par com a estabilidade de outras dimensões da vida humana associadas ao trabalho

(Blustein, 2006) e à criação de um lar (Parsell, 2012)], tal como referido em pontos anteriores deste

trabalho. No entanto, as inerentes fragilidades sociais e pessoais associadas à conjuntura

socioeconómica atual dificultam este processo. Em circunstância de obtenção de emprego, a

inexistência de uma habitação agrava a adaptação ao contexto de trabalho (tarefas e relações

laborais) e consequente desempenho profissional. Acresce ainda que a instabilidade associada à

ausência de uma habitação permanente dificulta a procura e consequente obtenção de trabalho,

nomeadamente no que se refere às dificuldades de satisfação de necessidades básicas de proteção,

alimentação e segurança.

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19

Por tudo isto, a abordagem por percursos (pathways approach) emerge como uma

perspetiva igualmente interessante em estudos sobre os processos de saída da situação de sem-

abrigo, não apenas porque esta se deva caraterizar como uma situação de caráter permanente mas

principalmente porque se identificam diferentes grupos, embora na mesma situação, com vivências

distintas (Busch-Geertsema, Edgar, O’Sullivan, & Pleace, 2010).

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20

METODOLOGIA

Questionário valor do trabalho e das relações

Os objetivos primários da presente investigação foram aprofundados através da sua vertente

quantitativa, desenvolvendo-se para o efeito um instrumento de avaliação das dimensões em

estudo, um questionário por inquérito que pressupôs a prossecução dos seguintes objetivos

secundários:

Caraterização sócio-demográfica da amostra em estudo;

Análise dos percursos escolares, formativos e laborais;

Exposição dos fatores concorrentes para a situação de sem-abrigo e estratégias de

(sobre)vivência na atual situação;

Caraterização das relações com diferentes figuras (familiares, amigos, colegas, profissionais e

pessoas da comunidade) previamente e após a entrada na situação de sem-abrigo;

Análise das perceções de bem-estar, saúde (física e mental) e qualidade de vida;

Avaliação da gestão de emoções em situação de sem-abrigo;

Análise das especificidades das perceções atribuídas ao trabalho;

Avaliação das competências e relações em contexto laboral;

Enumeração das dificuldades de acesso ao trabalho;

Classificação do papel de atividades ocupacionais e formativas;

Avaliação do impacto da situação de sem-abrigo na identidade pessoal e social.

Avaliação do impacto da situação de sem-abrigo nas perspetivas de futuro, na definição de

objetivos de vida e também na avaliação do apoio institucional local.

Deste modo, o questionário por inquérito encontra-se dividido em 6 secções: Dados

Sociodemográficos, Valor das Relações, Valor do Trabalho, Identidade, Perspetivas de Futuro e 4

Escalas de avaliação [Escalas de Afetividade Positiva e Afetividade Negativa (PANAS, Watson, Clark &

Tellegen, 1988); Escala de Satisfação com a Vida (SWLS, Diener et al, 1985); Escala de Auto-Estima de

Rosenberg (RSES, Rosenberg, 1965) e Escala de Solidão – (UCLA, (Russell, 1988)]. (vide Anexo I)

Após a estruturação deste instrumento, procedeu-se ao seu pré-teste, junto de 5 pessoas em

situação de sem-abrigo, selecionadas previamente com a colaboração da Associação das Cozinhas

Económicas Rainha Santa Isabel, nas suas instalações em Coimbra. Os participantes preencheram os

questionários individualmente, solicitando pontualmente o apoio das investigadoras que se

encontravam presentes. Posteriormente à discussão final conjunta sobre o questionário, os

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21

participantes consideraram o instrumento de compreensão fácil, embora longo e sugeriram a

reformulação de algumas questões. Na versão original do questionário, introduziu-se o Questionário

de Suporte Social - SSQ6 (Pinheiro & Ferreira, 2002), contudo observou-se que mais de metade dos

participantes do pré-teste demonstrou dificuldades de compreensão e, por conseguinte em

responder em conformidade, pelo que se optou pela sua exclusão do questionário final.

Procedeu-se, de seguida, à reformulação final do questionário e ao estabelecimento de

contactos com diversas instituições das cidades referidas que possibilitassem o acesso e a

colaboração de pessoas em situação de sem-abrigo neste estudo quantitativo. Neste sentido, duas

investigadoras deslocaram-se a diferentes instituições em Coimbra, Aveiro, Porto e Vila Nova de Gaia

para apresentar o estudo e desenhar um mapa de aplicações do questionário que se concretizou

durante 5 meses, entre Maio e Setembro de 2014. Anteriormente ao preenchimento dos

questionários, realizaram-se sessões de esclarecimento, individuais ou em grupo, sobre o estudo e os

seus objetivos, sublinhando a confidencialidade dos dados e a não obrigatoriedade de participação.

Portanto, ao longo deste período, aplicaram-se 172 questionários, maioritariamente em contexto

institucional, enquanto outros se efetuaram em contexto de rua. Na fase posterior de análise de

dados, cada questionário foi introduzido numa base de dados utilizando, para o efeito, o SPSS –

Statistical Package for Social Sciences, procedendo-se à análise estatística descritiva e análise

univariada e multivariada da variância.

Entrevista semi-estruturada

Paralelamente à vertente quantitativa da investigação, o estudo qualitativo visou uma análise

aprofundada das trajetórias de vida dos participantes objetivando o enriquecimento da investigação,

através da inclusão de dimensões não contempladas no questionário por inquérito. Deste modo, o

estudo qualitativo pretendeu:

Compreender a trajetória de vida dos entrevistados, com enfoque nas vivências de infância e

adolescência e nos processos de transição para a idade adulta;

Apreender o percurso laboral e respetivas condições, nomeadamente as primeiras

experiências de trabalho, as relações laborais e vivências de desemprego;

Analisar o impacto da situação de sem-abrigo nas diferentes esferas do quotidiano (relações

com os diferentes sistemas sociais, auto-perceções, avaliação do processo para a situação de

sem-abrigo e mudanças ocorridas com a mesma);

Reconhecer as perceções sobre os processos de saída da situação de sem-abrigo;

Identificar objetivos e perspetivas de futuro relativamente às dimensões do trabalho e

relações.

Na fase inicial de construção dos instrumentos de avaliação, organizou-se um guião de entrevista

biográfica semi-estruturada (vide Anexo II) no qual se identificam as diferentes dimensões do

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22

percurso de vida. Concomitantemente à aplicação dos questionários, realizaram-se 14 entrevistas,

em registo áudio, em Coimbra, Vila Nova de Gaia e Porto, igualmente em contexto institucional ou

de rua, com durações variáveis entre 55 minutos e 5 horas e 15 minutos. Ressalva-se que

previamente à realização das entrevistas, foi solicitado aos entrevistados a leitura e assinatura da

declaração de consentimento informado (vide Anexo III).

A transcrição de cada entrevista, após a sua fase de realização, possibilitou a análise de conteúdo

clássica de cada uma e cujos resultados serão discutidos na secção seguinte.

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23

ANÁLISE DOS RESULTADOS DO ESTUDO QUANTITATIVO

Nesta secção explanam-se a caraterização da amostra de participantes e os dados

estatísticos resultantes do tratamento em SPSS das respostas a cada um dos questionários. Os dados

encontram-se apresentados de acordo com os segmentos do questionário: Dados sociodemográficos,

Valor das relações, Valor do trabalho, Identidade, Perspetivas de futuro e Escalas de avaliação.

I - Dados Sociodemográficos

Os dados de caraterização sociodemográfica da amostra de participantes incidem sobre diversas

dimensões, tais como, o género, a idade, o estado civil, a descendência, o nível de escolaridade e o

percurso escolar, o percurso de trabalho, o percurso em situação de sem-abrigo, os percursos de

consumo de substâncias psicoativas (drogas e álcool), as situações de apoio psiquiátrico e de

problemas judiciais ao longo da vida. Apresentam-se, de seguida, os dados obtidos para cada uma

destas dimensões.

a) Idade:

A amostra é composta por 172 participantes, 84.2% do sexo masculino e 15.8% do sexo

feminino, com idades que variam entre os 20 e os 70 anos (M=44.30, DP=11.18).

b) Estado Civil:

Como se pode verificar no Quadro 1, a maioria dos participantes é solteiro (54.4%), enquanto

32.7% está divorciado e 6.4% está separado. Apenas 2.9% é casado, 1.8% vive em união de

facto e, por fim, também 1.8% é viúvo/a.

Quadro 1 | Estado civil

Estado civil %

Solteiro 54.4

Casado 2.9

União de facto 1.8

Separado 6.4

Divorciado 32.7

Viúvo 1.8

c) Descendência:

Mais de metade dos participantes referem ter filhos (58.9%), sendo que a existência de um

filho é apontado com mais frequência, seguindo-se fratrias de dois.

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24

Gráfico 1 | Número de filhos

d) Nível de habilitações:

Quanto às habilitações escolares dos participantes, a maioria apontou ter frequentado ou

concluído o 3º Ciclo do Ensino Básico. Verifica-se que os níveis de habilitações se distribuem

entre o 7º e 9º anos de escolaridade (31.6%), seguido do 1º ao 4º anos (28.1%) e, por fim,

entre o 5º e 6º anos (17%) e o 10º e 12ª anos (10.5%). Destaca-se, porém, que 2.3% refere

não saber ler e escrever, quando, ao invés, 3.5% revela ter frequência do Ensino Superior.

Quadro 2 | Nível de escolaridade

Nível de escolaridade %

Não sabe ler nem escrever 2.3

Sabe ler e/ou escrever 7.0

1º-4º Anos 28.1

5º-6º Anos 17.0

7º-9º Anos 31.6

10º-12º Anos 10.5

Ensino superior 3.5

e) Abandono escolar e reprovações:

Neste ponto em particular, uma elevada percentagem (68.2%) de participantes refere ter

abandonado os estudos durante a sua infância ou adolescência. Este abandono precoce da

escola sucedeu, em quase metade dos participantes, entre os 11 e os 15 anos de idade,

enquanto 35.2% abandonou mais tarde, entre os 16 e os 20 anos. Porém, 10.9% tinha menos

de 10 anos quando abandonou os estudos e 5% tinha mais de 21 anos.

0

10

20

30

40

50

1 2 3 4 5 6

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25

0

10

20

30

40

50

1 2 3 4 5

Gráfico 2| Idade de abandono escolar

Durante o percurso escolar, 65.9% dos participantes reprovou em algum momento do seu

percurso escolar, apresentando pelo menos uma reprovação (45.5%).

Gráfico 3 | Número de reprovações

Quanto aos motivos que conduziram os participantes a abandonar os estudos, estes são

variados, sendo o mais destacado (47.1%) Para trabalhar, seguido de 26.6% referir que os

rendimentos da família não permitiam a continuidade do percurso escolar. No mesmo

sentido, 9.8% dos participantes viram-se com a responsabilidade de cuidar da família.

Relativamente a razões diretamente relacionadas com a escola, 15% dos participantes

identificou a falta de motivação para continuar a estudar e 3.9% relaciona o abandono

escolar com o facto de não ter sido bom aluno/a.

0

10

20

30

40

50

60

até 10 anos 11-15 anos 16-20 anos 21 anos em diante

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26

Quadro 3|Motivos de abandono dos estudos

Motivos %

Os rendimentos da família não o permitiam 26.6

Falta de motivação para continuar 15

Não era bom/a aluno/a 3.9

Para cuidar da família 9.8

Para trabalhar 47.1

Outro 18.4

f) Percurso de trabalho:

A larga maioria (95.8%) dos participantes refere ter realizado algum trabalho ao longo da sua

vida, sendo que a média de idade de início do percurso laboral se situa nos 16.06 anos de

idade (DP=4.84; mín=5; máx=42).

Relativamente a percursos formativos após o abandono dos estudos, 67.1% dos participantes

frequentou cursos de formação (pessoal e/ou profissional) ao longo da sua vida.

Já a situação laboral de 94% dos participantes pauta-se, atualmente, pelo desemprego,

estando a maioria, nesta situação, há mais de 48 meses (4 anos).

Gráfico 4|Tempo de desemprego em meses

Dos 6% que se encontram a trabalhar, 71.4% está a trabalhar há 6 meses ou menos, 14.3%

encontra-se a trabalhar há 12 meses e outros 14.3% trabalha há 36 meses.

g) Situação de sem-abrigo:

No que se reporta à situação de sem-abrigo, verifica-se que os participantes se encontram

em situações de sem-abrigo distintas. A grande maioria encontra-se em situação de sem-

casa, nomeadamente em regime de acolhimento temporário em Centros (33.5%) ou

albergues (15.9%). De salientar que 31.2% (outra situação) dos participantes refere estar a

viver em quartos (em apartamentos ou, maioritariamente, em pensões/residenciais) cujo

0

10

20

30

40

50

até 12 13-24 25-36 37-48 mais de 48

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27

arrendamento assenta nos subsídios estatais, em específico, o Rendimento Social de

Inserção, estando dependente deste apoio para ter um teto. Já 9.4% afirma estar em

situação habitacional instável estando a viver em casa de familiares ou amigos, por não ter

outra possibilidade. Por fim, 8.8% encontra-se em situação de sem-teto, a pernoitar na rua

ou em edifícios abandonados.

Quadro 4 |Situação específica de sem-abrigo

Situação %

A pernoitar na rua 3.5

A pernoitar em edifícios abandonados 5.3

A pernoitar em albergue 15.9

Num Centro de Acolhimento Temporário 33.5

Em casa de familiares 1.8

Em casa de amigos 7.6

Outra situação 31.2

Mais do que uma das anteriores 1.2

Em média, os participantes referem estar na mesma situação há 29.27 meses (cerca de 2 anos

e meio). A permanência temporal das situações distribui-se da seguinte forma: 60.3%

encontra-se até há 12 meses em situação de sem-abrigo, enquanto 14.4% está nesta situação

entre 13 e 24 meses e 25.3% há mais de 24 meses.

Destaca-se, porém, que 53.7% dos participantes se encontra em situação de sem-abrigo pela

primeira vez.

Relativamente aos motivos que promoveram a entrada na situação de sem-abrigo, a falta de

rendimento (42.3%), a rutura com a família (40.8%) e o desemprego (39.6%) são os mais

frequentemente apontados pelos participantes. A perda da habitação é também uma das

causas referidas por 22% dos participantes, enquanto 20.4% considera que foi o abuso de

drogas e/ou álcool que despoletou a entrada em situação de sem-abrigo. Destacam-se

igualmente as ruturas relacionais, como o divórcio ou separação (15.4%) e a morte de

familiares (10.1.%). No que se refere à doença mental, apenas 5.3% dos participantes a aponta

como motivo da sua atual situação e 6.5% considera que são motivos relacionados com

doenças físicas.

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28

Quadro 5|Motivos que levaram a situação de sem-abrigo

Motivos %

Rutura com a família 40.8

Desemprego 39.6

Perda de habitação 22

Falta de rendimentos 42.3

Falta de apoio social 16.7

Abuso de drogas e/ou álcool 20.4

Saída da prisão 6

Doença física 6.5

Doença mental 5.3

Violência militar .6

Divórcio/separação 15.4

Morte de familiar 10.1

Dívidas 3.6

Não sei 1.2

Outro 6

Na atual situação, os participantes apresentam diversas formas de obtenção de dinheiro para

fazer face às suas necessidades, contudo a maioria é beneficiária do Rendimento Social de

Inserção - RSI (53.6%). Além deste apoio estatal, 25.9% refere fazer pequenos trabalhos (por

norma, temporários e sem contrato de trabalho) em diferentes áreas, enquanto 16.3% assume

“arrumar carros” em parques de estacionamento ou outros locais da cidade. Também

solicitam dinheiro a pessoas conhecidas (10.8%) ou pedem na rua a desconhecidos (6.6.%).

Apenas 7.2% refere que aufere rendimentos através de trabalho remunerado, enquanto 7.2%

recebe pensões ou reformas.

Quadro 6|Formas de obter dinheiro

Formas de obter dinheiro %

Trabalho remunerado 7.2

Pedir dinheiro na rua 6.6

Pedir dinheiro emprestado 10.8

Arrumar carros 16.3

Pequenos trabalhos sem contrato 25.9

Trabalho ilegal 1.2

RSI 53.6

Outros subsídios estatais 3.0

Pensão/Reforma 7.2

Outro 13.4

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29

Na atual situação de sem-abrigo, 87.3% dos participantes utiliza os apoios que as instituições

da cidade disponibilizam, principalmente os serviços de alimentação (45.5%) e os serviços de

saúde (41.3%). No que reporta a serviços de acolhimento, 33.1% recorre a Centros de

Acolhimento Temporário e 20% a Albergues. Apenas 21.9% afirma recorrer a apoios

disponibilizados pelas Equipas de Rua, por outro lado 31.8% utiliza os serviços de atendimento

para apoio social das instituições. A nível de outras necessidades básicas como a higiene

pessoal, vestuário e lavandaria, 19.5% recorre a serviços de banhos públicos, 25.5% solicita

apoio a nível de roupa e 19.5% a nível de lavandaria. Destaca-se que quase ¼ dos participantes

(24%) recorre a serviços de Psicologia.

Quadro 7|Tipo de apoio das instituições que utiliza

Apoio %

Equipas de rua 21.9

Albergues 20.0

Centros de Acolhimento Temporário 33.1

Serviços de alimentação 45.5

Banhos públicos 19.5

Serviços de lavandaria 19.5

Serviços de vestuário 25.5

Atendimento para apoio social 31.8

Serviços de Psicologia 24.0

Apoio jurídico 9.1

Serviços de Saúde 41.3

Outro 6.7

A utilização destes serviços pelos participantes é, na sua maioria (59%), diária, sendo que 12%

utiliza quase todos os dias e 23% apenas algumas vezes.

Gráfico 5|Regularidade do uso de apoio

0

10

20

30

40

50

60

70

Nunca Raramente Algumas vezes Quase todos os dias

Todos os dias

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h) Percurso criminal, de consumo de substâncias psicoativas e acompanhamento psiquiátrico:

Quanto a percursos de consumo de substâncias psicoativas, 13.6% dos participantes refere

que costuma consumir drogas. Desta percentagem, 31.8% consome drogas todos os dias,

22.7% consome quase todos os dias, 27.3% consome algumas vezes e 18.2% raramente.

Relativamente ao consumo de bebidas alcoólicas, 43.5% refere que costuma consumir, sendo

que, deste grupo, cerca de 44% dos participantes o faz algumas vezes, 37.3% raramente,

enquanto 10,7% bebe quase todos os dias e 8% o faz todos os dias.

Gráfico 6|Frequência de consumo de substâncias

Por último, 51.2% dos participantes refere ter tido necessidade de recorrer a ajuda

psiquiátrica ao longo da sua vida e 48.2% menciona ter tido problemas com a Justiça em

algum momento da vida.

II - Valor das Relações

A categoria sobre o Valor das Relações possibilita a obtenção de dados sobre os significados

atribuídos pelos participantes às diferentes figuras das suas esferas relacionais, desde a importância

que essas mesmas relações assumem, à influência da situação de sem-abrigo no estado dessas

relações, possibilitando a caraterização das mesmas. Nesta secção exploram-se ainda as visões dos

participantes sobre as figuras de apoio para a saída da situação de sem-abrigo, assim como as suas

perceções de bem-estar e saúde. A avaliação das emoções vivenciadas diariamente emerge

igualmente como ponto de análise. Descrevem-se, de seguida, os resultados descritivos obtidos.

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

Raramente Algumas vezes Quase todos os dias

Todos os dias

Drogas

Álcool

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31

a) Importância das relações:

Das diferentes figuras familiares, 26.2% dos participantes refere que a sua relação com o pai é

pouco importante e com a mãe nada importante (62.6%). Por outro lado, 43.5% considera que

a relação com os filhos é muito importante, sendo os irmãos também apontados como figuras

de importância (31.4% considera que esta relação é muito importante e 25.2% considera-a

importante). Na sua maioria (81.4%), os avós são figuras que ou estão ausentes ou já

faleceram. Destaca-se que 25% refere outros elementos da família alargada como sendo

importantes para si.

Relativamente a relações amorosas, a relação com o companheiro/a é considerada como

muito importante por 19% dos participantes, enquanto 63.3% aponta não possuir uma relação

amorosa estável.

A relação com amigos é principalmente apontada como importante (41.5%) ou muito

importante (24.5%). As figuras da comunidade surgem como importantes (34.7%) ou muito

importantes (24.7%).

Em contexto laboral, destaca-se a inexistência de relações com colegas (57.4%) e chefes de

trabalho (58.2%) devido à atual situação de desemprego da maioria dos participantes.

Contudo, 16.9% considera a relação com os colegas como importante, assim como 17.6%

atribui a mesma importância relativamente aos seus chefes/patrões/empregadores.

Por último, a relação com os profissionais das instituições de apoio é considerada como muito

importante para a maioria dos participantes (50.9%) ou importante (40.3%). Os profissionais

de saúde surgem igualmente como figuras muito importantes para 41% dos participantes ou

importantes (37.2%).

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32

Quadro 8|Importância das relações

Nada

importante

Pouco

importante Importante

Muito

importante

Não

existe

Pai 8.6 26.2 11.7 12.3 61.1

Mãe 62.6 3.0 15 21.6 54.5

Companheiro 2.5 4.4 10.8 19.0 63.3

Filhos 3.1 2.5 10.6 43.5 40.4

Irmãos 8.2 19.5 25.2 31.4 15.7

Avós 2.6 1.9 5.1 9.0 81.4

Outros familiares 11.8 17.1 25.0 18.4 27.6

Amigos 5.0 12.6 41.5 24.5 16.4

Colegas de trabalho 5.4 10.1 16.9 10.1 57.4

Patrões/Chefes/Empregadores 5.2 6.5 17.6 12.4 58.2

Profissionais de saúde 5.8 5.8 37.2 41.0 10.3

Profissionais das instituições de apoio 1.3 3.8 40.3 50.9 3.8

Pessoas da comunidade 7.3 18.0 34.7 24.7 15.3

Outro - 6.3 18.8 37.5 37.5

Observa-se, através do quadro 9, que todas as figuras relacionais dos participantes têm

conhecimento sobre a sua atual situação, principalmente os amigos (56.5%), os profissionais

de saúde (56.9%) e as pessoas da comunidade (57.3%).

Quadro 9|Pessoas das relações com conhecimento da situação de sem-abrigo

Sim Não Não sei

Não

existe

Pai 21.0 11.1 1.9 66.0

Mãe 27.6 12.9 1.8 57.7

Companheiro 29.1 6.3 2.5 62.0

Filhos 32.5 20.0 8.1 39.4

Irmãos 55.4 21.7 5.7 17.2

Avós 5.8 8.4 3.2 82.6

Outros familiares 35.7 27.9 14.9 21.4

Amigos 56.5 17.5 10.4 15.6

Colegas de trabalho 23.7 15.8 3.3 57.2

Patrões/Chefes/Empregadores 19.2 13.2 5.3 62.3

Profissionais de saúde 56.9 19.6 9.2 14.4

Pessoas da comunidade 57.3 12.7 12.7 17.3

Outro 47.4 15.8 10.5 26.3

A influência da situação de sem-abrigo nas relações pessoais e profissionais é confirmada por

72.5% dos participantes, os quais referem que estas mudaram desde que se encontram nesta

situação. Esta mudança verifica-se, particularmente, em mudanças positivas com o

companheiro (22.1%), os amigos (24.8%), os profissionais de saúde (35.2%) e os profissionais

das instituições de apoio (46.5%). Por outro lado, 22.3% e 12.5% dos participantes avaliam a

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33

mudança da relação com os irmãos e com outros familiares, respetivamente, como negativa.

No entanto, contrariamente à questão anterior, a maioria dos participantes classifica as suas

relações como iguais a anteriormente à situação de sem-abrigo.

Quadro 10|Tipo de mudança das relações

Piorou Não mudou Melhorou

Não

existe

Pai 8.3 20.5 5.3 65.9

Mãe 7.6 20.5 16.0 56.1

Companheiro 3.8 14.5 22.1 59.5

Filhos 13.6 31.1 14.4 40.9

Irmãos 22.3 46.2 10.0 21.5

Avós 1.6 10.9 5.4 82.2

Outros familiares 12.5 46.9 11.7 28.9

Amigos 10.1 46.5 24.8 18.6

Colegas de trabalho 4.8 25.6 10.4 59.2

Patrões/Chefes/Empregadores 6.5 20.2 10.5 62.9

Profissionais de saúde 3.2 47.2 35.2 14.4

Profissionais das instituições de apoio 3.1 43.3 46.5 7.1

Pessoas da comunidade 5.8 47.9 28.1 18.2

Outro - 30 20 50

b) Caraterização das relações:

Os participantes caraterizaram as suas relações em diferentes graus, destacando-se a

caraterização positiva.

Relativamente às relações familiares, as relações com a mãe, o/a companheiro/a e os filhos

são caraterizadas pelos participantes como muito boas (17.4%, 17.4% e 20%, respetivamente).

As restantes relações familiares (pai, irmãos, avós e outros familiares) são caraterizadas,

principalmente, como nem boas, nem más.

As relações com os amigos surgem caraterizadas como boas por 37.5% dos participantes.

Quanto às relações com os profissionais de saúde e das instituições de apoio estas são

maioritariamente classificadas como boas (49% e 52.3%, respetivamente) ou muito boas

(20.9% e 32%, respetivamente).

Por fim, as relações com pessoas da comunidade são igualmente classificadas como boas

(45%).

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34

Quadro 11|Caraterização das relações

Muito

má Má

Nem boa,

nem má Boa

Muito

boa Não existe

Pai 9.5 3.2 13.3 8.2 5.7 60.1

Mãe 4.3 3.7 8.7 13.7 17.4 52.2

Companheiro 1.3 1.3 7.1 9.0 17.4 63.9

Filhos 2.6 1.3 16.1 18.7 20.0 41.3

Irmãos 7.7 6.5 29.7 22.6 16.1 17.4

Avós 1.9 - 7.1 3.2 4.5 83.1

Outros familiares 7.9 2.6 30.5 26.5 7.3 25.2

Amigos 0.6 3.2 29.3 37.4 11.6 18.1

Colegas de trabalho 0.7 1.3 15.0 13.7 6.5 62.7

Patrões/Chefes/Empregadores 0.7 1.3 12.7 12.7 8.7 64.0

Profissionais de saúde 1.3 - 14.4 49.0 20.9 14.4

Profissionais das instituições de apoio 1.3 - 7.8 52.3 32.0 6.5

Pessoas da comunidade 0.7 1.3 22.1 45.0 11.4 19.5

Outro 25 - - 12.5 - 62.5

c) Apoio para a saída da situação de sem-abrigo:

A maioria (75.9%) dos participantes considera-se a si próprios como tendo a principal

obrigação de se ajudar a sair da atual situação, a par com os profissionais das instituições de

apoio que são considerados por 45.2% dos participantes. No mesmo sentido, 62.5.% considera

que quem realmente os pode ajudar a sair da atual situação são os profissionais das

instituições de apoio ou os próprios participantes (57.5%). Os profissionais de saúde (16.1%) e

as pessoas da comunidade (17.4%) são apontados também como figuras com poder de ajuda.

É igualmente aos profissionais das instituições de apoio que 60.3% dos participantes recorre

quando necessita de ajuda. Os amigos (29.7%), os irmãos (18.7%) e as pessoas da comunidade

(18.7%) surgem também como figuras de recurso. De salientar que as figuras familiares não

emergem como elementos-chave de suporte para a saída da situação de sem-abrigo, como se

pode verificar no Quadro 12.

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)

35

Quadro 12|Ajuda

Ter obrigação

de ajudar

Poder

ajudar

Pedir

ajuda

Eu 75.9 57.5 ---------

Pai 6.1 6.6 4.5

Mãe 9.7 10.8 11.6

Companheiro 6.0 9.5 12.2

Filhos 4.2 5.4 4.5

Irmãos 9.1 11.4 18.7

Avós 2.4 1.8 1.9

Outros familiares 4.8 4.2 5.2

Amigos 4.8 9.6 29.7

Colegas de trabalho 2.4 1.2 3.2

Patrões/Chefes/Empregadores 3.6 3.6 2.6

Profissionais de saúde 12.0 16.1 17.4

Profissionais das instituições de apoio 45.2 62.5 60.3

Pessoas da comunidade 8.5 17.4 18.7

Ninguém 1.8 1.2 1.3

Outro 10.4 10.2 5.2

d) Perceção de bem-estar, saúde e qualidade de vida:

Os participantes revelam diferentes perceções sobre o seu bem-estar, saúde e qualidade de

vida. Quando procedem à comparação do seu bem-estar com o de outras pessoas em geral,

38.6% considera que este é igual, embora 29.9% o avalie como inferior.

No que respeita à avaliação do bem-estar em comparação com a situação anterior à de sem-

abrigo, 31.7% considera que a atual situação aumentou o seu bem-estar, contra 28.7% que

aponta que o seu bem-estar é inferior do que antes de estar sem-abrigo.

A comparação da situação de saúde física entre a atual situação e a anterior demonstra que

30.1% se sente com um nível de saúde superior, ao contrário de 22.7% que a considera como

estando inferior ou igual (26.4%). Quanto à saúde mental, 34.1% avalia que esta se encontra

igual à situação anterior, contudo 26.2% considera que essa é superior contra 25.6% que a

avalia como inferior.

Por fim, a qualidade de vida é avaliada como estando inferior (30.1.%) à anterior situação ou

muito inferior (22.3%), ao contrário de 24.1% que a avalia como superior.

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36

Quadro 13|Perceção de bem-estar e saúde

Muito

inferior Inferior Igual Superior

Muito

Superior

Bem-estar quando comparado com outras

pessoas

10.4 29.9 38.6 14.6 5.5

Bem-estar quando comparado com antes

de situação de sem-abrigo

16.5 28.7 13.4 31.7 9.8

Saúde física quando comparada com antes

de situação de sem-abrigo

12.3 22.7 26.4 30.1 8.6

Saúde mental quando comparada com

antes de situação de sem-abrigo

4.9 25.6 34.1 26.2 9.1

Qualidade de vida quando comparada com

antes de situação de sem-abrigo

22.3 30.1 12.7 24.1 10.8

e) Emoções em situação de sem-abrigo:

Verifica-se um equilíbrio na frequência de emoções positivas e negativas, destacando-se que

33.7% dos participantes sente tristeza muitas vezes, assim como 29.8% sente ansiedade.

Acresce que 30.5% sente solidão e 28.2% sente desânimo muitas vezes, porém a esperança é

sentida muitas vezes (30.1%). Por outro lado, 16% dos participantes refere sentir alegria

muitas vezes e 36.7% sente algumas vezes. O otimismo é sentido algumas vezes por 31.9%

dos participantes, assim como o afeto (32.3%).

Quadro 14|Frequência das emoções

Nunca

Raras

vezes

Algumas

vezes

Bastantes

vezes

Muitas

vezes

Ansiedade 11.9 11.3 36.3 10.7 29.8

Tristeza 4.7 15.4 29.6 16.6 33.7

Alegria 5.9 26.6 36.7 14.8 16.0

Prazer 8.9 26.2 26.9 12.5 12.5

Desânimo 9.8 14.1 28.8 19.0 28.2

Felicidade 8.5 21.8 48.5 10.3 10.9

Esperança 6.1 14.7 27.0 22.1 30.1

Satisfação 8.5 21.8 48.5 10.3 10.9

Segurança 9.6 17.4 40.1 16.8 16.2

Afeto 12.0 16.2 32.3 16.8 22.8

Agressividade 34.7 31.1 20.4 6.6 7.2

Tranquilidade 7.1 18.9 32.5 19.5 21.9

Frustração 15.2 20.0 31.5 13.9 19.4

Otimismo 10.2 18.1 31.9 18.7 21.1

Confiança 6.0 17.4 32.9 21.0 22.8

Solidão 13.8 15.0 24.6 16.2 30.5

Desespero 21.3 21.3 27.8 8.3 21.3

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37

f) Relações em situações de crise:

Em momentos difíceis das suas vidas, 67.5% dos participantes confia neles próprios e nos

profissionais das instituições de apoio (47.1%) para lidar com as situações críticas. Os amigos

(22.2.%) também surgem como opção de confiança, tal como os irmãos (17%).

Quadro 15|Pessoas em quem confia em momentos difíceis

g) Imagem social:

A grande maioria dos participantes considera que as pessoas que pertencem às suas esferas

relacionais constroem e possuem imagens positivas de si, principalmente os profissionais das

instituições de apoio (70.2%), as pessoas da comunidade (53.8%) e os amigos (52.8%). A nível

laboral, os participantes consideram que os patrões/chefes (22.7%) e os colegas de

trabalhado (24.4%) tinham uma imagem positiva de si enquanto trabalhadores. Já as imagens

que as figuras familiares manifestam ter dos participantes, de acordo com as respostas dos

próprios, encontram-se divididas entre uma imagem positiva (39.5%), negativa (29.6%) e

neutra (nem positiva, nem negativa) (20.4%).

%

Em si mesmo 67.5

Pai 5.8

Mãe 10.5

Companheiro 14.5

Filhos 9.4

Irmãos 17.0

Avós 2.9

Outros familiares 4.7

Amigos 22.2

Colegas de trabalho 1.8

Patrões/Chefes/Empregadores 3.5

Profissionais de saúde 15.8

Profissionais das instituições de apoio 47.1

Pessoas da comunidade 10.0

Ninguém 2.3

Outro 9.3

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38

Quadro 16|Perceção da imagem que os outros têm de si

Positiva Negativa Neutra Não existe

Companheiro 24.8 6.8 8.7 59.6

Família 39.5 29.6 20.4 10.5

Amigos 52.8 8.0 23.9 14.7

Colegas de trabalho 24.4 5.1 10.9 59.6

Patrão/Chefe 22.7 4.5 10.4 62.3

Profissionais dos serviços a que recorre 70.2 5.6 18.6 5.6

Pessoas da comunidade 53.8 10.0 25.6 10.6

h) Efeito da situação de sem-abrigo nas relações:

Para 30.2% dos participantes as suas relações seriam muito melhores se não estivesse em

situação de sem-abrigo, 23.7% afirma que seriam bastante melhores e, por outro lado, 27.2%

pondera que seriam um pouco melhores ou nada melhores (18.9%).

Gráfico 7|Relações com outros

i) Capacidade de criar relações novas:

41.9% dos participantes considera não ter dificuldades em criar novas relações, embora 22%

afirme ter alguma dificuldade, 18% bastante dificuldade e 16% muita dificuldade.

0

5

10

15

20

25

30

35

Nada Um pouco Bastante Muito

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)

39

Gráfico 8|Dificuldade em criar relações

j) Influência da situação de sem-abrigo no conhecimento das outras pessoas:

De acordo com os participantes, a situação de sem-abrigo permitiu conhecer um pouco

melhor os outros (32.9%), bastante melhor (28.7%) ou muito melhor, enquanto 9.6%

considera que a situação de sem-abrigo não teve qualquer influência na forma de conhecer

as outras pessoas.

Gráfico 9|Conhecimento dos outros

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

Nenhuma Alguma Bastante Muita

0

5

10

15

20

25

30

35

Nada Um pouco Bastante Muito

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40

III - Valor do Trabalho

Nesta secção são avaliadas diversas dimensões relativas ao trabalho, nomeadamente os

significados atribuídos ao mesmo, o percurso laboral e as relações vivenciadas durante este último,

assim como a influência da situação de sem-abrigo nos processos de (re)entrada no mercado de

trabalho. É também dada relevância às formas e necessidades de ocupação do tempo em situação de

sem-abrigo e sua importância no seu bem-estar.

a) Significados do Trabalho:

As respostas dos 172 participantes à pergunta “O que é para si o trabalho” foram sujeitas a

análise de conteúdo clássica, da qual emergiram 5 dimensões comuns sobre o significado

atribuído ao trabalho por pessoas em situação de sem-abrigo: o trabalho como principal meio

de sobrevivência e organizador da vida, o trabalho cumpre uma função de ocupação mental; o

trabalho é a base de dignidade e bem-estar pessoal, o trabalho como promotor do

desenvolvimento pessoal e social, e o trabalho como promotor de melhor qualidade de vida.

Segue-se uma breve descrição de cada categoria com alguns exemplos de respostas.

1. O trabalho como principal meio de sobrevivência e organizador da vida

A maioria dos participantes considera que o trabalho é o principal meio de sustento

nas diversas dimensões da vida, uma vez que através do rendimento gerado pelo

trabalho é possível responder às necessidades básicas de uma forma autónoma e

independente, tornando-se, deste modo, na base através da qual se organiza a vida

quotidiana e se fomenta a estabilidade a diversos níveis (familiar, laboral, relacional,

financeiro e social).

Destacam-se como exemplos de respostas desta dimensão:

Q18 – “É algo de fundamental e indispensável para o ser humano subsistir”.

Q56 – “É um bem necessário para toda a gente, se não há trabalho não há

rendimento nenhum”

Q59 – “O trabalho para mim é o pão da minha boca”.

Q124 – “É tudo na vida, sem trabalho não se come, não se bebe, o trabalho é uma

coisa essencial, ajuda a nós, às outras pessoas, ao país”.

Q149 – “Fonte de vida, significa independência, estabilidade, sentimento de

utilidade, sentir-me útil na sociedade”

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)

41

2. O trabalho cumpre uma função de ocupação mental

Por outro lado, sobressai a vertente ocupacional do trabalho em várias respostas dos

participantes, enquanto influência positiva sobre o bem-estar psicológico e a auto-

estima, através do fomento do sentimento de valor social e laboral atribuído. Serve

igualmente a função de focar a atenção nas tarefas laborais em lugar de criar

pensamentos negativos baseados em dificuldades e constrangimentos da vida

quotidiana.

Exemplos de respostas desta dimensão:

Q61 – “Ocupa a cabeça, o espírito e impede que andemos em más companhias.

Gostava de poder trabalhar para ocupar a cabeça e melhorar a minha qualidade de

vida.”

Q68 – “Uma ocupação salutar”

Q77 – “Faz-me muita falta. O trabalho é um passatempo, evita o tédio.”

Q133 – “Alívio porque não penso em mais nada e esqueço os problemas. Fico

concentrado.”

Q162 – “É importante porque é o meio de me distrair, fazer as coisas com gosto.

Ajuda-me a sobreviver, sem o trabalho não sou nada. Para aprender mais.”

3. O trabalho é a base de dignidade e bem-estar pessoal

No seguimento da dimensão anterior, os participantes assentam no trabalho a

construção da sua dignidade e bem-estar pessoal, considerando que a realização de

tarefas e funções laborais possibilita a liberdade individual e garantia de controlo

sobre a própria vida, dignificando-as como pessoas com valor social e laboral.

Exemplos de respostas desta dimensão:

Q1 – “O trabalho é gratificante (…) quando eu trabalhava andava satisfeito, parecia

que tinha asas para voltar para casa, sabia que era dinheiro ganho com o meu suor”

Q41 – “É saúde. E termos anos de vida.”

Q83 – “Liberdade, significa dignidade do ser humano, faz parte do conjunto da vida.

Dá uma sensação boa de liberdade. E dignifica o ser humano.”

Q124 – “É tudo na vida, sem trabalho não se come, não se bebe, o trabalho é uma

coisa essencial, ajuda a nós, às outras pessoas, ao país”.

Q146 – “É muito importante; é das coisas mais importantes a nível pessoa. Porque

gosto de estar ocupado, não me sinto marginalizado.”

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)

42

4. O trabalho como promotor do desenvolvimento pessoal e social

Concomitantemente, o trabalho emerge como um fator promotor de

desenvolvimento pessoal e social, na medida em que possibilita o crescimento

individual e uma maior integração social que se desenvolve através da contribuição

para o funcionamento da sociedade, em geral, resultante do seu trabalho.

Exemplos de respostas desta dimensão:

Q25 – “É um local onde crescemos como pessoas e profissionalmente.”

Q34 – “Além do prazer em ser útil ao meu país e ajudar a nossa economia é o garante

do meu sustento e bem-estar.”

Q126 – “É uma qualidade de vida. É sentirmo-nos úteis. Estamos a contribuir para

uma comunidade melhor e para garantir o meu sustento”.

5. O trabalho como promotor de melhor qualidade de vida

Por fim, o trabalho é considerado por vários participantes como a solução para a sua

atual situação, possibilitando uma saída eficaz e reestabelecendo a desejada

estabilidade social e financeira que, nesta perspetiva, só é possível através do acesso

ao trabalho e das garantias associadas (rendimento, proteção social, individual,

habitacional e pessoal).

Exemplos de respostas desta dimensão:

Q7 – “É uma coisa muito importante. Se uma pessoa trabalhasse não se encontrava

na situação em como eu encontro”

Q94 – “É um degrau para adquirir estabilidade socioeconómica.”

Q96 – “Para mim era muito importante, para mudar a situação que me encontro e

para ter uma casinha em condições.”

Q118 – “Trabalhar é a única forma que ajuda a resolver os seus problemas, é como

uma luz que te dá apoio e encorajamento, quando se está a trabalhar, a saúde é

melhor, está-se activo.”

Q151 – “O trabalho para mim é mito importante porque sem ela não há dinheiro e

não da para subir na vida.”

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)

43

b) Importância atribuída ao trabalho:

Cerca de 75.1% dos participantes considera que o trabalho é muito importante para si e para

as suas vidas, enquanto 21.3% o valoriza como importante e 3.6% avalia o trabalho como

nada importante.

Gráfico 10|Importância atribuída ao trabalho

Numa questão caraterizadora do trabalho como apenas criador de rendimentos, 70.2%

considera que o trabalho não serve apenas para ganhar dinheiro.

Nos períodos em que se encontra a trabalhar, a maioria dos participantes costuma sentir-se

bem (41.0%) ou muito bem (47.6%).

Gráfico 11|Sentimentos durante o trabalho

0

10

20

30

40

50

60

70

80

Pouco importante Importante Muito

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

Muito mal Mal Nem bem, nem mal

Bem Muito bem

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)

44

c) Percurso de trabalho:

Numa avaliação do seu percurso laboral, mais de metade dos participantes considera

que as suas capacidades de trabalho foram bem aproveitadas (52.7%), muito bem

aproveitadas (32.7%), nem bem nem mal aproveitadas (10.3%), mal aproveitadas (3.0%) ou

muito mal aproveitadas (1.2%).

Gráfico 12|Perceção do aproveitamento das capacidades

Os participantes consideram que o seu percurso de trabalho tem sido Bom (45.6%), Muito

Bom (24.4%), Nem bom nem mau (20.6%), Mau 5.6% ou Muito mau (3.8%). Contudo, 68.1%

dos participantes gostaria que o percurso de trabalho tivesse sido diferente.

Gráfico 13|Perceção da qualidade do percurso de trabalho

0

10

20

30

40

50

60

Muito mal Mal Nem bem, nem mal

Bem Muito bem

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

Muito mau Mau Nem bom, nem mau

Bom Muito bom

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45

d) Relações laborais e avaliação de competências:

No que se reporta às relações em contexto laboral, 60.1% dos participantes avalia as suas

relações com anteriores colegas como boas e 27% como muito boas, assim como 57.9%

avaliam as suas relações com chefes/patrões e empregadoras como boas e 22.6%

consideram-nas como muito boas.

Gráfico 14|Relações com anteriores colegas e chefes de trabalho

Quando questionados sobre as suas atuais capacidades de adaptação a trabalhos

diferenciados, 82.6% sente que se adapta facilmente a qualquer trabalho.

Relativamente à avaliação das suas capacidades atuais para responder às exigências

normativas de um posto de trabalho (tarefas, horários, hierarquia) 34% considera-se muito

capaz e 29% bastante capaz de lidar com as exigências de um posto de trabalho.

Gráfico 15|Capaz de lidar com as exigências de um posto de trabalho

0

10

20

30

40

50

60

70

Muito más Más Nem boas, nem más

Boas Muito boas

Colegas

Chefes

0

10

20

30

40

Nada Um pouco Bastante Muito

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46

e) Trabalho e situação de sem-abrigo:

Os participantes referem utilizar diferentes estratégias diariamente para obter dinheiro para

as suas despesas, sendo que 47.2% considera que o que faz diariamente para arranjar

dinheiro é uma forma de trabalho.

Desde que se encontram em situação de sem-abrigo, 80.8% sente que é mais difícil arranjar

trabalho por estar nesta situação. Estas dificuldades associam-se a diferentes motivos, entre

os quais a degradação da aparência física (28.8% dos participantes consideram que esta

piorou entre bastante e muito); declínio da saúde física (tendo piorado bastante ou muito

para 29% dos participantes) e declínio da saúde mental (22.2% apontam bastantes ou muitas

dificuldades a nível mental). No que se refere a motivos relacionados com o trabalho, 27%

dos participantes menciona ter bastante ou muitas dificuldades em lidar com contextos

laborais, desde que se encontra sem-abrigo, a par com 18.7% que revela bastante ou muitas

dificuldades na relação com chefes. Por fim, 22.4% dos participantes sente que perdeu

bastante ou muitas competências profissionais desde que se encontra nesta situação.

Quadro 17|Motivos que dificultam arranjar trabalho

A influência da situação de sem-abrigo na realização de trabalhos fora das suas áreas laborais

de preferência ou nas quais tenham experiência é vivenciado por 47.9% dos participantes

que sente que a situação de sem-abrigo obrigou a trabalhar em áreas diferentes da que

gostaria.

Quase 29.3% dos participantes refere não sentir dificuldades em regressar ao trabalho após a

entrada em situação de sem-abrigo, porém 25.7% indica sentir muitas dificuldades e cerca de

22.2% aponta ter bastante dificuldade em retomar o seu percurso laboral.

Nada Um pouco Bastante Muito

Aparência física piorou 39.9 31.3 13.5 15.3

Saúde física piorou 50.6 20.4 14.8 14.2

Saúde mental piorou 54.3 23.5 14.8 7.4

Maior dificuldade em lidar com contextos de

trabalho

36.5 36.5 15.7 11.3

Maior dificuldade em relacionar-se com chefes 51.9 29.4 10.6 8.1

Perda de competências 53.4 24.2 11.8 10.6

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47

Gráfico 16|Dificuldades de regressar ao trabalho

Quando se reporta ao apoio de outras pessoas no acesso ao trabalho, cerca de 38.1%

considera que esta tem sido boa ou muito boa (10.1%). Outros avaliam este apoio como mau

(13.1%) ou muito mau (9.5%).

Gráfico 17|Ajuda dos outros para arranjar trabalho

f) Importância da ocupação do tempo:

Mais de metade dos participantes (57%) aponta as atividades de ocupação do tempo como

muito importantes para o seu bem-estar psicológico e emocional.

0

5

10

15

20

25

30

35

Nada Um pouco Bastante Muito

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

Muito má Má Nem boa, nem má

Boa Muito boa

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)

48

Gráfico 18|Importância dos tempos livres

O seguinte quadro ilustra a importância da ocupação do tempo livre, pela sua função

recreativa, assim como destaca as dificuldades em o conseguir de forma profícua durante as

vivências em situação de sem-abrigo.

Quadro 18|Avaliação da ocupação do tempo em situação de sem-abrigo

0

10

20

30

40

50

60

Nada Um pouco Importante Muito

Discordo

totalmente Discordo

Não discordo, nem

concordo Concordo

Concordo totalmente

É muito importante para mim ocupar o meu tempo a fazer o que gosto.

3.5 1.8 2.9 32.7 59.1

Quando estou ocupado, não penso nos meus problemas.

4.1 8.9 6.5 43.8 36.7

Passo os dias preocupado com a minha sobrevivência diária.

4.1 9.9 11.1 38 36.8

Em situação de sem-abrigo é difícil ocupar o meu tempo a fazer outras coisas.

13.8 21.6 13.8 33.5 17.4

Tenho muito tempo livre e poucas actividades para ocupar os meus dias.

8.2 23.5 13.5 32.4 22.4

Os dias seriam mais fáceis de passar se tivesse com que ocupar o meu tempo.

3.5 5.8 6.4 43.3 40.9

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)

49

Por último, 55% dos participantes indica a formação pessoal e profissional como muito

importante para as suas vidas e 87.3% sente que a sua vida teria sido melhor, se

anteriormente tivesse tido mais oportunidades de formação.

Gráfico 19|Importância da formação para a sua vida na área pessoal e/ou profissional

.

IV - Identidade

A IV Secção do Questionário aborda diferentes dimensões da identidade pessoal das pessoas

enquanto vivenciam a situação de sem-abrigo, em específico, as suas auto-avaliações e identificação

com a imagem social dominante sobre a pessoa sem-abrigo.

a) Dificuldades diárias em situação de sem-abrigo:

A maioria dos participantes manifesta ter nenhuma ou pouca dificuldade em providenciar

alojamento, alimentação, segurança e bem-estar psicológico e emocional.

Quadro 19|Dificuldades como sem-abrigo

Nada Um pouco Bastante Muito

Alojamento 43.5 21.4 13.4 21.4

Alimentação diária 57.1 22.0 8.9 11.9

Segurança 40.8 31.4 11.8 16.0

Bem-estar psicológico e emocional 30.4 37.5 15.5 16.7

0

10

20

30

40

50

60

Nada Um pouco Importante Muito

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)

50

b) Análises pessoais em situação de sem-abrigo:

Quando questionados sobre a identificação com a imagem de pessoa sem-abrigo, 42.0%

respondeu que se vê a si próprio como uma pessoa sem-abrigo.

As vivências em situação de sem-abrigo permitiu a 86.3% dos participantes conhecer-se

melhor a si próprio, sendo que 70.2% sente que estar nesta situação levou a mudar a sua

maneira de ser como pessoa (40% considera que mudou bastante e 28.1% sente mudou

muito como pessoa).

Gráfico 20|Mudança da maneira de ser

As mudanças nas suas vidas provocadas pelas vivências em situação de sem-abrigo são

percecionadas por 39.3% que considera que a sua vida piorou, ao contrário de 41.1% que

afirma que melhorou. Para 19.6% dos participantes sua vida não mudou por se encontrar

nesta situação.

A maioria (82.6%) dos participantes avalia a situação de sem-abrigo como potenciadora de

desenvolvimento de capacidades pessoais, das quais, para 72.3% dos participantes, são

avaliadas como positivas, 7.4% considera-as negativas e 20.3% nem positivas, nem negativas.

Embora se encontrem na mesma situação, 51.2% dos participantes considera que é uma

pessoa diferente das outras que se encontram sem-abrigo.

Por fim, a opinião de quase a maioria (49.1%) dos participantes sobre a ideia geral existente

sobre as pessoas em situação de sem-abrigo é que esta é negativa, sendo que 25.1% dos

participantes não revela interesse em verificar qual a opinião geral.

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

Nada Um pouco Bastante Muito

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)

51

Gráfico 21|Opinião das pessoas em geral sobre quem está em situação de sem-abrigo

V - Perspetivas de Futuro

A quinta secção do Questionário debruça-se sobre a perceção da influência da situação de sem-

abrigo nas perspetivas de futuro e objetivos de vida das pessoas que a vivenciam. As últimas

questões do questionário remetem para uma avaliação do apoio institucional no processo de saída

da situação, em particular no que concerne às dimensões relacional, laboral e de necessidades

básicas.

a) Situação de sem-abrigo e futuro:

Para 34.7% dos participantes a experiência em situação de sem-abrigo alterou bastante as

suas expetativas em relação ao futuro e para 18.6% alterou muito. Por outro lado, 11.4%

indicam que em nada mudou as suas expetativas.

Gráfico 22|Alteração das expetativas de futuro

0

10

20

30

40

50

60

Positiva Negativa Nem positiva, nem negativa

Não interessa

0

5

10

15

20

25

30

35

40

Nada Um pouco Nem muito, nem pouco

Bastante Muito

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)

52

A curto prazo, 33.3% dos participantes sente, dentro de um mês, que a sua vida não será

nem muito, nem pouco diferente da atual, embora 24.4% espera que seja bastante

diferente. Por outro lado, 28.4% sente que a sua vida será bastante diferente dentro de

um ano e 22.5% espera que seja muito diferente.

Gráfico 23|Expetativas de mudança de vida no futuro

Verifica-se alguma moderação quanto às expetativas relacionadas com o futuro para 39%

dos participantes que o avaliam como nem bom, nem mau. No entanto, 32% perspetiva o

seu futuro como bom ou muito bom (16%).

Gráfico 24|Expetativa sobre o futuro

0

5

10

15

20

25

30

35

Nada Um pouco Nem muito, nem pouco

Bastante Muito

Mês

Ano

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

Muito mau Mau Nem bom, nem mau

Bom Muito bom

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53

b) Objetivos de vida:

Mais uma vez se verifica a influência da situação de sem-abrigo nos objetivos de vida das

pessoas que a vivenciam ao considerarem que estes mudaram bastante (34.3%) ou muito

(19.3%), desde que se encontra nesta situação.

Gráfico 25|Alteração de objetivos de vida

Neste sentido, 45.7% indica que estipulou mais objetivos de vida desde que se encontra

sem-abrigo, enquanto 25% afirma que os seus objetivos de vida são os mesmos que tinha

antes de estar sem-abrigo. De referir que 12.2% dos participantes revela que não tem

objetivos.

Gráfico 26|Objetivos atuais em comparação aos objetivos anteriores à situação de sem-abrigo

0

5

10

15

20

25

30

35

40

Nada Um pouco Nem muito, nem pouco

Bastante Muito

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

Não tem Menos Mais Mesmos

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54

c) Saída da situação de sem-abrigo:

Os participantes avaliam o processo de saída da situação de sem-abrigo, principalmente,

como difícil (32.5%), muito difícil (19.9%) e 29.5% como nem fácil, nem difícil. De notar

que apenas 18.1% dos inquiridos indica perceber como fácil ou muito fácil sair da situação

em que se encontra.

Gráfico 27|Dificuldade em sair de situação de sem-abrigo

d) Avaliação do apoio institucional5:

Para 80.4% dos participantes as instituições ajudam muito (42.3%) ou bastante (38.1%) a

garantir a satisfação das necessidades básicas, como alojamento, alimentação, higiene

pessoal e vestuário. Contudo, de referir que 24.8% aponta que as instituições nada têm

efetuado no que respeita à reinserção laboral, por outro lado 46.7% indicam que estas têm

apoiado bastante (27.3%) ou muito (19.4%) neste processo. No que toca ao apoio na

reaproximação à família, 34.1% dos inquiridos registam que as instituições em nada

apoiam, enquanto 32.7% indica a existência de bastante (16.5) e muito (15.2%) apoio.

5 De salientar que, nos dados relativos ao apoio institucional, há que considerar a existência de participantes que, por várias razões, não se

encontram à procura de trabalho e de outros que não pretendem auxílio na reaproximação à família.

0

5

10

15

20

25

30

35

Muito dificíl Difícil Nem fácil, nem difícil

Fácil Muito fácil

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)

55

Gráfico 28|Avaliação do apoio institucional

1 - Alojamento, alimentação, vestuário e higiene pessoal, 2 - Procura de trabalho e integração no mercado de trabalho, 3 - Aproximação à família, amigos pessoas da comunidade.

VI - Escalas de Avaliação

Como referido anteriormente, aplicaram-se 4 escalas de avaliação relativas às dimensões da

afetividade, auto-estima, satisfação com a vida e solidão. De seguida, apresentam-se os principais

resultados decorrentes da análise estatística que se encontram discriminados nos Quadros 20, 21 e

22.

a) Escalas de Afetividade Positiva e Afetividade Negativa – PANAS:

Os participantes revelam indicadores de afetividade positiva (M=35.20; DP=7.84; α =.828) e

de afetividade negativa (M= 25.64; DP= 8.37; α= .830) aproximados aos valores encontrados

na população portuguesa em geral (Simões et al, 2003).

Salienta-se que as mulheres experienciam mais emoções positivas (M= 38.75; DP= 7.09; p =.

029) que os homens em situação de sem-abrigo.

b) Escala de Satisfação com a Vida – SWLS:

Os participantes manifestam menor satisfação com a vida (M = 11.61; DP= 5.76; α= .862)

comparativamente à população em geral (Simões et al, 2003).

As mulheres apresentam indicadores mais elevados de satisfação com a vida (M= 14.36; DP=

6.41; p =. 010) do que os homens.

0 5

10 15 20 25 30 35 40 45

Nada Um pouco Nem muito, nem pouco

Bastante Muito Não utilizo serviços de

apoio

1

2

3

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56

c) Escala de Auto- Estima de Rosenberg– RSES:

Os participantes revelam um nível de auto-estima inferior (M= 27.95; DP= 4.20) ao da

população em geral (Simões et al, 2003).

d) Escala de Solidão - UCLA Loneliness Scale:

Os participantes manifestam sentir mais solidão (M= 41.06; DP= 8.75) do que a população

em geral (Simões et al, 2003).

Quadro 20|Estatística descritiva dos resultados das escalas

Total Alpha de Cronbach

n Mínimo Máximo M DP

Auto-Estima 152 17 40 27.95 4.20 .68

Solidão 155 18 63 41.06 8.75 .79

Afetividade Positiva 140 16 51 35.20 7.84 .83

Afetividade Negativa 140 11 51 25.64 8.37 .83

Satisfação com a Vida 157 5 25 11.61 5.76 .86

Quadro 21|Diferenças de resultados entre homens e mulheres

Masculino Feminino

n M DP n M DP t p

Auto-Estima 125 28.24 3.40 26 26.73 4.94 1.679 .095

Solidão 130 40.94 8.43 24 41.54 10.63 -.309 .758

Afetividade Positiva 119 34.61 7.86 20 38.75 7.09 -2.210 .029

Afetividade Negativa 118 25.62 8.49 21 25.48 7.99 .071 .943

Satisfação com a Vida 131 11.13 5.49 25 14.36 6.41 -2.623 .010

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57

Não se verificam diferenças estatisticamente significativas entre os resultados das escalas

aplicadas nas diferentes cidades.

Quadro 22|Diferenças de resultados entre cidades

Coimbra

Aveiro

Porto

n M DP n M DP n M DP F p

Auto-Estima 69 27.99 3.80 12 28.08 4.52 70 27.81 4.55 .039 .962

Solidão

69 40.13 8.20 11 40.55 9.36 74 42.11 9.16 .936 .395

Afetividade Positiva

62 33.81 7.89 9 38.78 6.30 67 36.34 7.64 2.708 .070

Afetividade Negativa

66 25.71 8.96 8 24.63 6.14 64 25.75 8.16 .065 .937

Satisfação com a Vida

69 11.68 5.69 13 11.38 4.79 75 11.57 6.03 .016 .984

e) Correlações entre as diferentes dimensões:

Verifica-se uma correlação positiva entre os resultados relativos à afetividade negativa e a

auto-estima (r =-.41; p <.01), ou seja, os participantes que experienciam mais emoções

negativas podem revelar um nível mais baixo de auto-estima, à semelhança da relação

negativa entre as vivências de solidão com um baixo nível de auto-estima (r =-.37; p <.01),

isto é, na presença de vivências de solidão marcantes, estas podem influenciar

negativamente a auto-estima. Regista-se igualmente uma correlação positiva entre os

resultados relativos à afetividade negativa e a solidão (r =.41; p <.01), ou seja, os

participantes que experienciam mais emoções negativas revelam sentir solidão mais vezes.

Por outro lado, a relação negativa entre os resultados relativos à satisfação com a vida e a

solidão (r =-. 30; p <. 01) sugere que quanto maior o sentimento de solidão, menor é a

satisfação com a vida. Observa-se uma correlação positiva entre os resultados relativos ao

nível de satisfação com a vida e a afetividade positiva (r =.28; p <.01), ou seja, os

participantes que revelam um maior nível de satisfação com a vida, experienciam mais

emoções positivas.

A correlação positiva entre o valor atribuído aos profissionais das instituições de apoio e a

afetividade positiva (r =.20; p <.05), assim como com os indicadores da Escala de Auto-Estima

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58

(r = .20; p < .05) é indicativo da influência positiva de uma relação de empatia e confiança

com os profissionais nas vivências de emoções positivas e manutenção de uma auto-estima

positiva.

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59

Quadro 23|Matriz de correlações

1 2 3 4 5 6 7 8 9

1 Sexo 1

2 Idade -.11 1

3 Cidade .05 .02 1

4 Auto-estima -.14 .16* .02 1

5 Solidão .03 -.03 .05 -.37** 1

6 Afetividade Positiva .19* -.07 .10 .41** -.42** 1

7 Afetividade Negativa -.01 -.22** -.03 -.41** .42** -.10 1

8 Satisfação com a Vida .21** -.14 -.01 -.01 -.30** .28** -.23** 1

9 Valor das relações com os profissionais das instituições de apoio

-.02 -.02 .13 .20* -.04 .20* .01 -.06 1

*p <.05

**p <.01

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60

SÍNTESE DOS RESULTADOS DO ESTUDO QUANTITATIVO

A análise dos resultados do estudo quantitativo possibilita uma reflexão global e ampla

sobre várias dimensões diferenciadas do tema em estudo que, por sua vez, confirmam a

complexidade e multidimensionalidade presente na problemática de sem-abrigo. Não é possível

traçar as causas e consequências da situação de sem-abrigo, de forma linear, uma vez que os

diferentes fatores concorrentes se sobrepõem e dependem igualmente das circunstâncias de vida de

cada uma pessoas que ficou sem abrigo.

Os resultados que aqui emergem permitem concluir que as pessoas em situação de sem-

abrigo partilham experiências comuns nas suas trajetórias de vida e exercem influência nas fases

decorrentes das suas vidas, nomeadamente nos momentos de transição para a idade adulta, nos

seus percursos laborais, nas suas dinâmicas relacionais com diferentes figuras, nas suas perspetivas

de futuro e referências identitárias, assim como nas vivências idiossincráticas em situação de sem-

abrigo.

Tendo em conta que apesar do presente estudo ter o seu enfoque nas conceções de

trabalho e das relações, a abordagem exploratória com que foi realizado (atendendo, ao já referido,

diminuto número de estudos nesta área) resultou numa colheita de dados bastante amplos, os quais

obrigam a uma reflexão mais aprofundada para cada especificidade observada mas que não cabe no

presente relatório. Neste sentido, apresentamos uma síntese dos principais resultados do estudo

quantitativo.

A amostra é constituída maioritariamente por homens em idade ativa. A baixa

representatividade de mulheres reporta-se efetivamente a uma menor percentagem das mesmas

em situação de sem-abrigo.

Percursos escolares

Os percursos escolares dos participantes destacam-se por uma prevalência de baixos níveis

de escolaridade, pautados por insucesso e abandono escolar precoce que ditou um início da

atividade laboral em idade jovem ou muito jovem. O abandono escolar precoce está diretamente

relacionado com a necessidade de trabalhar para obter rendimentos próprios e também com o

objetivo de apoiar financeiramente a família, o que pode indicar que a infância da maioria dos

participantes foi vivenciada em regime de privação a diversos níveis, tornando-se o trabalho a forma

de colmatar as necessidades pessoais e familiares. No entanto, as pessoas em situação de sem-

abrigo referem que a continuidade dos estudos ou a frequência de formação profissional e/ou

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61

escolar permitiria o desenvolvimento de percursos de vida diferentes e mais ajustados aos seus

objetivos de vida.

Percursos laborais

Os participantes deste estudo referenciam percursos laborais diversificados embora em

condições precárias ou instáveis, sendo as principais áreas a restauração, diversas artes ligadas à

construção civil, operários fabris, entre outros. De notar, no caso das mulheres, a existência

relevante de períodos de trabalho doméstico.

Atualmente, a situação de desemprego de longa duração, mais de quatro anos, da grande

maioria dos participantes aponta para as dificuldades associadas no acesso ao trabalho e reinserção

no mercado laboral que possibilite a desejada estabilidade financeira e pessoal. Acresce ainda que a

manutenção da situação de desemprego e, por associação, de desocupação profissional, a par com a

própria situação de sem-abrigo, aprofunda o distanciamento das pessoas das diferentes esferas de

inclusão social.

Por outro lado, deve-se atender à pequena percentagem (6%) de pessoas que se encontram

a trabalhar. Este valor remete para uma discussão paralela sobre as dificuldades no acesso à

habitação condigna quando as pessoas se encontram a realizar trabalho efetivo. A crescente

redução dos salários, e conjuntamente, a precariedade laboral, inviabilizam a manutenção de uma

habitação cujos elevados valores de arrendamento, sobretudo em contexto urbano, não se

coadunam com os rendimentos obtidos. Neste subgrupo destaca-se a percentagem de pessoas que

se encontra a trabalhar há três anos mas que ainda se mantém em situação de sem-abrigo. Deste

modo, estes indicadores revelam que o acesso ao trabalho e à habitação condigna são, em

simultâneo, os fatores que podem viabilizar uma saída eficaz da situação de sem-abrigo. Pelo

contrário, o trabalho, de forma isolada sem a resolução simultânea de outras necessidades, não

garante uma saída definitiva da situação de sem-abrigo.

Situação habitacional

Respeitando a definição de sem-abrigo estipulada pela ENIPSA, a maioria das pessoas em

situação de sem-abrigo encontra-se sem-casa (em acolhimento institucional ou em alojamento

temporário, nomeadamente, quartos em pensões, residenciais ou apartamentos cujas rendas são

pagas com apoios do Estado), enquanto um número reduzido se encontra a pernoitar na rua ou em

edifícios abandonados. Importa destacar o longo período de tempo em que as pessoas se encontram

nesta situação, uma vez que a maioria (60.3%) está sem-abrigo há cerca de um ano,

independentemente de ser a primeira vez que a experienciam, e um quarto dos participantes está

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62

há mais de dois anos nesta situação. Estes valores podem indicar as dificuldades em responder às

necessidades habitacionais em tempo útil, alongando a situação indefinidamente e alimentando a

dependência das instituições sociais. Acresce aqui o desgaste emocional e psicológico associado à

vivência de instabilidade permanente.

Apesar da existência de serviços de apoio institucional que procuram responder a outras

necessidades, estes não apresentam soluções imediatas, ou mesmo a médio prazo, a nível

habitacional para as diversas situações identificadas.

Suporte social: percursos relacionais e serviços de apoio

Na origem do processo de entrada da situação de sem-abrigo destaca-se que a existência de

relações conflituosas e/ou instáveis no núcleo familiar, acompanhada de redes sociais frágeis. A

avaliação dos participantes sobre as suas relações pessoais elucida a existência de conflitos

familiares que, na atual situação, se caraterizam por distanciamento das principais figuras familiares,

pais e mães, o que pode fornecer alguns indicadores da fragilidade e instabilidade destas relações ao

longo da vida. No entanto, os filhos, irmãos e outros elementos da família alargada emergem como

figuras significativas para a maioria das pessoas em situação de sem-abrigo e sobre as quais se

observa a necessidade de manutenção das relações no sentido de estruturar um sentimento de

pertença familiar e de valor pessoal. No mesmo sentido, os amigos e as pessoas da comunidade

caraterizam-se como uma extensão da família e possibilitam um alargamento das redes relacionais

sociais e, por conseguinte, a possibilidade de integração social.

As ruturas relacionais caraterizam-se com um dos maiores fatores que predispõem à

situação de sem-abrigo e para a qual concorrem igualmente o desemprego e as dificuldades em

obter rendimentos que possibilitem a autonomia e independência. As causas apontadas também se

convertem em consequências da situação, uma vez que as dificuldades de acesso à habitação e ao

emprego podem obrigar, quem a vivencia, a recorrer ao Rendimento Social de Inserção (do qual fica

muito dependente), ou sujeitar-se a pequenos trabalhos sem contrato e cujos rendimentos apenas

servem para responder a necessidades da vida quotidiana, obrigando ao recurso de outras

estratégias de obtenção de dinheiro, como “arrumar carros” em espaços da cidade.

Nesta medida, verifica-se uma forte dependência dos serviços de apoio institucionais,

principalmente no que se refere à satisfação das necessidades básicas como o alojamento

(principalmente através do acolhimento institucional em centros de acolhimento temporário e

albergues), a alimentação, a higiene e o vestuário. O acesso aos diferentes serviços de apoio social

obtém-se através dos atendimentos de serviço social e/ou de saúde a que a maioria dos

participantes recorre quando não consegue aceder a outras estruturas de suporte (habitação,

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63

emprego, redes sociais de suporte). Verifica-se, portanto, que ao longo da trajetória de vida as

sucessivas ruturas com os diversos sistemas sociais potenciam a fragilização do indivíduo na

capacidade de controlo do seu percurso, podendo determinar vivências em situação de sem-abrigo

e, consequentemente, uma maior dificuldade de acesso a recursos que possibilitem a sua

autonomização.

O papel dos profissionais

De todas as figuras relacionais, o profissional das instituições de apoio social é destacado

como a mais importante no contexto da situação de sem-abrigo, sendo depositado neste a

esperança das soluções para a sua situação. A construção de relações empáticas entre os

profissionais e as pessoas que estão sem abrigo podem responder a necessidades relacionais destes

últimos, não só pelo afeto ausente das restantes relações, como também pela necessária construção

da motivação conjunta para o processo de saída da situação. Neste processo, os profissionais das

instituições de apoio emergem, portanto, como figuras mediadoras entre as políticas sociais e as

mudanças práticas nas vidas de cada uma das pessoas em situação de sem-abrigo, através da

promoção da autonomia e independência, pelo acesso ao trabalho, habitação e recursos da

comunidade. Paralelamente, as pessoas nesta situação reconhecem que a responsabilidade do seu

papel neste processo amplifica a eficácia da mudança pessoal, social e laboral desejada, contudo

consideram que as figuras familiares e comunitárias influenciam igualmente, embora de uma forma

mais reduzida, o sucesso da saída da situação de sem-abrigo.

Avaliação crítica dos sistemas institucionais de apoio

A um outro nível, as pessoas em situação de sem-abrigo criticam a atuação das instituições

de apoio nos seus processos de autonomização, uma vez que consideram que estas respondem

muito bem no que reporta à satisfação de necessidades básicas (alojamento, alimentação, vestuário

e higiene pessoal), contudo apontam lacunas nas respostas relacionadas com a (re)aproximação à

família (embora também se registe, por vezes, que é a própria pessoa que não pretende apoio nesse

sentido) e ao alargamento das suas redes sociais, nomeadamente ao nível da comunidade. No

respeitante ao apoio na procura de trabalho e (re)inserção laboral, as opiniões são divergentes, o

que possivelmente é indicativo das diferenciações a nível das respostas institucionais e respetivo

envolvimento comunitário e laboral, sendo este um vetor facilitador da (re)entrada no mercado de

trabalho.

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64

Efeitos da situação no bem-estar psicológico e emocional

As diferentes perspetivas sobre o bem-estar e a qualidade de vida, a nível do seu

comprometimento pela própria situação de sem-abrigo com implicações na saúde física e mental,

obrigam a um estudo e análise mais aprofundados a posteriori, dado não ter sido possível efetuá-la

nesta investigação em particular.

As vivências emocionais na situação de sem-abrigo revestem-se de particular importância

pela sua influência na gestão das necessidades e dificuldades sentidas diariamente e,

consequentemente, na construção e manutenção de perspetivas de futuro positivas e da motivação

para a mudança. A preponderância de emoções negativas com tentativas de ajustamento por

emoções positivas, nomeadamente a esperança e o otimismo, revelam as estratégias de gestão

emocional diária, de coping das vulnerabilidades e fragilidades inerentes à própria situação e,

principalmente, da auto-estima. A forma emocional como é vivenciada a situação de sem-abrigo

depende igualmente das perceções das imagens que as outras pessoas (profissionais, amigos e

pessoas da comunidade) têm sobre quem está sem-abrigo. A grande maioria sente que estes

diferentes elementos sociais desenvolvem imagens positivas sobre si próprios (no que respeita às

suas pessoas individualmente), tornando-se um indicador da desejabilidade de pertença social e do

esforço de integração que as próprias pessoas em situação de sem-abrigo procuram exercer. Porém,

os resultados sobre esta questão específica demonstram, mais uma vez, as relações instáveis e/ou

conflituosas com a família pela avaliação destas imagens classificadas de uma forma,

maioritariamente, neutra ou negativa. Por fim, importa ressalvar que a situação de sem-abrigo

influencia de forma negativa as dinâmicas relacionais com as diferentes figuras devido à

complexidade da própria situação e problemática, à ausência de respostas sociais e aos desafios que

surgem diariamente aos seus atores, limitando-os nas suas escolhas, liberdades e capacidade de

decisão.

Valor atribuído (e vivido) ao trabalho

Quanto à dimensão do trabalho, este emerge como a maior dimensão organizadora da vida,

através da análise retrospetiva dos percursos de vida dos participantes, em que este assumiu um

papel preponderante a diversos níveis (auto-estima, desenvolvimento de competências, sentimento

de utilidade e pertença social, assim como de valorização pessoal). Na mesma medida, carateriza-se,

através do olhar das pessoas em situação de sem-abrigo, como o principal agente promotor da saída

da mesma e de estabilidade financeira, habitacional e relacional que ambicionam para o seu futuro.

Através das suas perspetivas, verifica-se que o trabalho proporciona a satisfação de necessidades,

desejos e objetivos, emergindo como a base onde assenta a sua dignidade e bem-estar, promovendo

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65

o desenvolvimento de competências pessoais, laborais e sociais e a melhoria da qualidade vida pelo

acesso a diferenciados recursos da comunidade, em particular e da sociedade, em geral.

Neste sentido, salienta-se que as pessoas em situação de sem-abrigo descrevem

positivamente as suas relações laborais com diferentes elementos da hierarquia laboral, ao longo do

seu percurso de trabalho. Tendo em conta estas perceções positivas e o valor que atribuem ao

trabalho, os inquiridos crêem nas suas competências e capacidades laborais como ferramentas para

um regresso ao mercado de trabalho, ainda que sejam desempregados de longa duração e estejam

em situação de sem-abrigo. Contudo, é incontornável que esta última dificulta efetivamente o

acesso ao trabalho devido aos constrangimentos gerados pela ausência de habitação condigna, pelas

dificuldades na satisfação de necessidades básicas imediatas e pelo estigma social associado que é

fortemente sentido por quem experiencia a situação de sem-abrigo, tal como referido em pontos

anteriores.

Manifestamente as pessoas em situação de sem-abrigo apontam os efeitos da ausência de

atividades ocupacionais, observando-se uma forte necessidade de ocupação saudável e profícua do

tempo, como ferramenta de resistência às vulnerabilidades das situações e de promoção de

competências pessoais e sociais com forte influência no bem-estar psicológico e emocional.

Salvaguarda da identidade e objetivos de vida

Ao nível da dimensão identitária na situação de sem-abrigo, esta força reajustamentos das

identidades pessoais e sociais de quem a vivencia, verificando-se um processo de não identificação

com as imagens dominantes da pessoa sem-abrigo. Este resulta da necessidade de diferenciação

pessoal das restantes pessoas em situação de sem-abrigo, uma vez que a maioria considera que a

imagem social dominante é negativa, com contornos de estigma.

Por fim, as perspetivas de futuro e a definição de objetivos de vida sofrem a influência da

situação de sem-abrigo, na medida em que são reajustados com base nas experiências de privação e

das dificuldades em obter e manter uma vida autónoma e independente, vivenciadas durante a

situação de sem-abrigo.

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66

ANÁLISE DOS RESULTADOS DO ESTUDO QUALITATIVO

Previamente às entrevistas, solicitou-se a colaboração de entidades públicas e privadas para

a seleção de participantes e na disponibilização de espaços físicos, quando possível, para a sua

realização. Nesses momentos, agendados sempre de acordo com a disponibilidade e rotinas dos

participantes, procedeu-se ao esclarecimento individual dos objetivos do estudo e das entrevistas,

salvaguardando a sua identidade e privacidade, uma vez que as entrevistas obrigavam a gravação

áudio. É de referir que os participantes assinaram uma declaração de consentimento informado

sobre a sua participação no estudo qualitativo.

Como referido anteriormente, as entrevistas foram efetuadas ao longo de 5 meses, em

concomitância com o estudo quantitativo, nas cidades de Coimbra, Vila Nova de Gaia e Porto. Em

alguns casos, verificou-se a necessidade de repartir a entrevista em diferentes dias, de forma a

respeitar o ritmo dos entrevistados. As 14 entrevistas apresentam durações variáveis entre 55

minutos e 5 horas e 15 minutos.

Seguidamente à conclusão da fase de entrevistas, procedeu-se à transcrição completa e à

análise de conteúdo clássica (Bardin, 1977) de cada uma, o que possibilitou a estruturação de um

esquema de categorias comum às entrevistas (incluindo subcategorias, unidades de registo e

unidades de contexto).

Para cada um dos entrevistados, solicitou-se o preenchimento de uma ficha abreviada de

caraterização sociodemográfica, cujos dados se apresentam de seguida, após o seu tratamento na

base de dados em SPSS.

Dados Sociodemográficos da Amostra

As entrevistas foram realizadas a 9 homens (64.3%) e 5 mulheres (35.7%), com idades

compreendidas entre os 25 e os 64 anos de idade (M=44.07, DP=10.81). Na sua maioria são solteiros

(n=10; 71.4%), dois entrevistados são divorciados (14.3%), um é casado (7.1%) e outro é viúvo/a

(7.1%).

Os níveis de escolaridade da amostra distribuem-se entre o 5º e 6º ano (n=6; 42.9%), 1º e 4º

ano (n= 4; 28.6%) e o 7º e 9º ano de escolaridade (n=4; 28.6%).

Metade dos entrevistados (50%; n=7) tem filhos, sendo que a média de filhos é dois.

No que se refere à situação de sem-abrigo, mais de metade (57.1%; n=8) encontra-se, pela

primeira vez, nesta situação, sendo que, nos momentos das entrevistas, se encontravam nas

seguintes situações:

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67

Centros de Acolhimento Temporários: 35.7% (n=5);

Outras situações (compreendem as situações de sem-casa, em que pernoitam em

quartos pagos através do Rendimento Social de Inserção ou outro apoio estatal ou

institucional): 35.7% (n= 5);

Albergues: 21.4% (n=3);

Edifícios abandonados: 7.1.% (n= 1).

Mais de metade dos entrevistados (71.4%; n=10) refere utilizar serviços de apoio institucional,

tais como:

Albergues: 21,4% (n= 3);

Centro de Acolhimento Temporário: 21.4% (n=3);

Serviços de alimentação: 21.4% (n=3);

Serviços de lavandaria: 28.6% (n=4);

Apoio em vestuário: 14.35 (n=2);

Apoio social: 28.6% (n=4);

Serviços de Psicologia: 35.7% (5);

Apoio jurídico: 14.3% (n=2);

Serviços de saúde: 42.9% (n= 6).

Os entrevistados que recorrem aos serviços de apoio indicaram que este recurso é diário

(64.3%, n= 9), sendo que 14.3% (n= 2) recorre algumas vezes a esses serviços.

No que respeita a comportamentos de consumo de substâncias psicoativas, a maioria (92.9%;

n= 13) refere não consumir drogas e apenas um entrevistado indica que consome drogas algumas

vezes. Já no que respeita ao consumo de bebidas alcoólicas metade dos entrevistados (50%; n=7)

assume o seu consumo, sendo que 66.7% (n= 4) o faz algumas vezes, 16.7% (n=1) consome todos os

dias e também 16.7% (n=1) apenas bebe raramente. Do grupo de entrevistados que consome

bebidas alcoólicas, quatro (28.6%) indicam que, num dia normal de consumo, bebe 1 a 2 copos.

Apenas um entrevistado refere consumir 6 copos ou mais num dia menos que uma vez por mês e

outro entrevistado refere esse número de bebidas uma vez por mês. Já ao contrário, dois

entrevistados referem que nunca consomem esse número de bebidas.

Por fim, metade dos entrevistados (50%; n=7) necessitou de ajuda psiquiátrica ao longo da

sua vida, contudo a apenas 30% (n=3) foi diagnosticado uma perturbação mental, nomeadamente

depressão (21.4%; n=3). A maioria (71.4%; n=10) indica não ter tido qualquer problema com a

Justiça ao longo da sua vida.

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68

Resultados da Análise de Conteúdo

Da análise de conteúdo individual das entrevistas emergiram 12 categorias comuns que vão encontro das dimensões contempladas no guião de

entrevista: trajetória de vida, dinâmicas relacionais, percurso escolar, formativo e laboral, processos de entrada e saída da situação de sem-abrigo e perspetivas

de futuro.

Seguidamente, encontra-se um esquema simplificado de cada categoria e respetivas subcategorias:

CATEGORIA 1

TRAJECTÓRIA DE VIDA E ACONTECIMENTOS

SIGNIFICATIVOS

CATEGORIA 2

DINÂMICAS RELACIONAIS

CATEGORIA 3

PERCURSO ESCOLAR

CATEGORIA 4

PERCURSO DE FORMAÇÃO

Subcategorias

1.1. Experiências traumáticas de infância

1.2. Vivências da adolescência e juventude

1.3. Etapas de autonomização e independência

1.4.Relações

potenciadoras de

vulnerabilidade em

idade adulta

1.5. Condições

socioeconómicas de

vida desfavoráveis

Subcategorias

2.1. Principais figuras significativas positivas

2.2. Relações negativas e ruturas com as diferentes figuras familiares

2.3. Relação com os sistemas institucionais

2.4. Redes de sociabilidade e de suporte

2.5. Relação com o espaço e o território

Subcategorias

3.1. Auto-imagem como aluno/a

3.2. Significado da escola

3.3. Abandono dos estudos

Subcategorias

4.1. Avaliação e valor atribuído à formação 4.2. Experiências de formação em situação de sem-abrigo

CATEGORIA 6

TRANSIÇÕES DE TRABALHO

Subcategorias

6.1. Percurso de trabalho prévio à situação de sem-abrigo

6.2. Significações atribuídas ao trabalho

6.3. Relações em contexto de trabalho

6.4. Auto-avaliação das competências profissionais

6.5. Vivências das situações de desemprego

6.6. Acesso ao trabalho em situação de sem-abrigo

CATEGORIA 5

OCUPAÇÃO DE TEMPOS LIVRES

Subcategorias

5.1. Formas de ocupação do tempo em situação de sem-abrigo

5.2. Formas de ocupação do tempo prévias à situação de sem-abrigo

5.4. Importância da ocupação do tempo em processos de mudança

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69

CATEGORIA 7

PERSPECTIVANDO O FUTURO

Subcategorias

7. 1. Objetivos de vida prévios à situação de sem-abrigo

7.2. Objetivos de vida atuais (em situação de sem-abrigo)

7.3. Crenças no futuro

CATEGORIA 8

VIVÊNCIAS EM SIUTAÇÃO DE SEM-

ABRIGO

CATEGORIA 9

PROCESSO DE SAÍDA DA

SITUAÇÃO DE SEM-ABRIGO

Subcategorias

8.1.Experiências em situação de sem-abrigo

8.2. Perceções sobre a situação de sem-abrigo

8.3. Imagem construída da pessoa sem-abrigo

8.4.Relações em situação de sem-abrigo

8.5. Processo de entrada na situação de sem-abrigo

8.6. Processos de não identificação com a imagem social dominante da pessoa em situação de sem-abrigo

8.7. Auto-conhecimento em situação de sem-abrigo

Subcategorias

9.1. Avaliação do apoio institucional durante a situação de sem-abrigo

9.2. Motivação intrínseca para a saída da situação de sem-abrigo

9.3. Atribuição da responsabilidade no apoio para a saída da situação de sem-abrigo

9.4. Dificuldades de acesso à habitação e emprego

9.5. Mudanças percecionadas na saída da situação de sem-abrigo

CATEGORIA 6

TRANSIÇÕES DE TRABALHO (Cont.)

Subcategorias

6.7. Experiências de trabalho em situação de sem-abrigo

6.8. Perspetivas futuras acerca de trabalho

CATEGORIA 8

VIVÊNCIAS EM SIUTAÇÃO DE SEM-

ABRIGO (Cont).

Subcategorias

8.8. Reconstruções das visões sobre o outro

8.9. Necessidades identificadas em situação de sem-abrigo

8.10. Mudanças percecionadas com a situação de sem-abrigo

8.11. Vivências emocionais em situação de sem-abrigo

8.12. Vivência do estigma social

8.13. Estratégias de sobrevivência em situação de sem-abrigo

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70

Subcategorias

10.1. Imagens dominantes do Self ao longo da trajetória de vida

10.2. Auto-representações atuais

Subcategorias

11.1. Vivências de perturbação mental ao longo da trajetória de vida

11.2. Vivências de perturbação mental em situação de sem-abrigo

11.3. Abuso e dependências de substâncias psicoativas: drogas e álcool

11.4. Percurso criminal

CATEGORIA 11

SAÚDE, DOENÇA MENTAL E

DEPENDÊNCIAS

CATEGORIA 12

VIVÊNCIAS DE PARENTALIDADE

Subcategorias

12.1. Sentimento de competência parental

12.2. Vivências de afastamento/ separação dos filhos

CATEGORIA 10

CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE

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71

De forma a detalhar o esquema anterior, os quadros seguintes descrevem as unidades de registo de cada subcategoria assim como a

respetiva descrição:

Quadro 24|Trajetória de vida e acontecimentos significativos

CATEGORIA 1 SUB

CATEGORIAS UNIDADES DE REGISTO

Frequência das Unidades de Registo

Descrição da Subcategoria

TRAJECTÓRIA DE

VIDA E

ACONTECIMENTOS

SIGNIFICATIVOS

1.1.

Experiências

traumáticas de

infância

1.1.1. Sofrer/assistir a maus-tratos e

violência doméstica 5

Abrange diversas experiências vivenciadas no período da

infância e criadoras de sofrimento psicológico e emocional com

consequentes traumas revividos ao longo do percurso de vida.

Incluem-se situações de violência doméstica na família;

abandono, negligência e abusos sexuais, físicos e psicológicos

por parte dos pais/progenitores e em regime de acolhimento

institucional; toxicodependência dos pais; institucionalização

em criança e impacto do conhecimento de ser uma criança

adotada.

1.1.2. Vivências de abusos sexuais 4

1.1.3. Vivências de abandono dos pais

devido à toxicodependência dos mesmos 2

1.1.4. Memórias positivas associadas à

infância 4

1.1.5. Impacto do conhecimento de ser

criança adotada 2

1.1.6. Abusos psicológicos durante

período de institucionalização 2

1.2.

Vivências da

adolescência e

juventude

1.2.1. Mudanças dos sistemas nucleares

de proteção 4

Engloba situações de crise geradoras de stresse e angústia na

família, como divórcio dos pais e alterações do núcleo familiar

protetor (substituição ou ausência de figuras cuidadoras) e

alteração comportamental dos indivíduos durante a fase da

adolescência, nomeadamente comportamentos de risco

assumidos no abuso e dependência de substâncias (drogas e

bebidas alcoólicas).

1.2.2. Início do percurso de abuso e

dependência de substâncias (drogas e

álcool)

2

1.2.3. Alterações da dinâmica familiar,

individual e escolar devido ao divórcio dos

pais

1

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72

Quadro 24 – Trajetória de vida e acontecimentos significativos (cont.)

CATEGORIA 1 SUB

CATEGORIAS UNIDADES DE REGISTO Frequência das

Unidades de Registo Descrição da Subcategoria

TRAJECTÓRIA DE

VIDA E

ACONTECIMENTOS

SIGNIFICATIVOS

(Cont.)

1.3.

Etapas de

autonomização e

independência

1.3.1. Maternidade/Paternidade 2

Reporta a diferentes momentos de emancipação dos

entrevistados que inclui maternidade/ paternidade em idade

jovem (18/20 anos), relações amorosas intensas (uniões de

fato/casamento), independência resultante de trabalho

remunerado, independência da família e autonomia total (por

ausência de controlo de figuras familiares).

1.3.2. Serviço militar 2

1.3.3. (Re)Início da atividade profissional

como medida de autonomia e

independência

3

1.3.4. Ausência de estrutura familiar na

aprendizagem da gestão da vida diária 1

1.3.5 Investimento em relação amorosa

como forma de saída de casa

1

1.3.6. Abandono da casa do núcleo

familiar marca início de vida

independente

1

1.4.

Relações

potenciadoras de

vulnerabilidade em

idade adulta

1.4.1. Necessidade de refúgio e proteção

institucional do agressor 1

Abrange as situações reportadas pelos entrevistados de

relações abusivas (violência conjugal e abuso de confiança) que

resultaram em rutura relacional do casal e proporcionaram

momentos de grande vulnerabilidade social.

1.4.2. Abuso de confiança por parte de cônjuge

1

1.5.

Condições

socioeconómicas

de vida

desfavoráveis

1.5.1. Vivência de situações de privação

na infância 7

Reporta circunstâncias de privação na infância e juventude,

indicadoras de reprodução de situações de pobreza do contexto

familiar dos entrevistados. São referidas as dificuldades que, ao longo

da vida, conduzem à manutenção da situação de vulnerabilidade

socioeconómica, como dificuldades de acesso ao mercado de bens e

serviços (alimentação, vestuário, habitação, etc.) e aos sistemas

geradores de rendimento. É também registada a opinião dos

entrevistados que, na qualidade de cidadãos, refletem e avaliam

sobre os efeitos da atual situação social, económica, política e cultural

do contexto local onde vivem e do país.

1.5.2. Situações de privação e outras

dificuldades marcantes na vida adulta

6

1.5.3. Perceção sobre a atual situação de

crise 6

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73

Quadro 25|Dinâmicas relacionais

CATEGORIA 2

SUB CATEGORIAS

UNIDADES DE REGISTO

Frequência das Unidades de Registo

Descrição da Subcategoria

DINÂMICAS RELACIONAIS

2.1.

Principais figuras

significativas positivas

2.1.1. Pessoas da família consideradas como influentes e marcantes nas suas vidas

11 Abrangem-se nesta subcategoria as pessoas (familiares e outros) com quem os entrevistados estabeleceram vinculações afetivas cuja influência se estenderam ao longo do seu percurso de vida, pelo seu carácter protetor e afetivo.

2.1.2. Pessoas consideradas como significativas nas suas vidas

4

2.2. Relações negativas

e ruturas com diferentes figuras

familiares

2.2.1. Relações com as figuras parentais marcadas pela instabilidade ou ausência de afeto

7

Abrange a qualidade negativa de relações com diferentes elementos da família que se carateriza por inexistência de laços afetivos, instabilidade ou distanciamento emocional na relação com os pais e irmãos. Engloba ainda situações de ruturas nas relações dos entrevistados, nomeadamente com figuras familiares (pais ou outras figuras cuidadoras) e com pessoas com quem mantinham relações amorosas ou estiveram casados/as e que exerceram uma influência negativa nas etapas seguintes das suas trajetórias de vida.

2.2.2. Distanciamento emocional na relação com o núcleo familiar

5

2.2.3.Inexistência de laços afectivos na família

3

2.2.4. Separação/Divórcio 7

2.2.5. Rutura relacional com familiares

5

2.3. Relação com

sistemas institucionais

2.3.1. Influência nefasta do sistema institucional no percurso de vida

2 Agrupa as relações dos entrevistados com os diferentes organismos públicos, nomeadamente o sistema institucional de apoio e proteção social, através das relações estabelecidas com os diferentes profissionais, considerando-se a influência destes nas estratégias de coping das suas situações de vulnerabilidade social. Os profissionais assumem um papel protetor e afetivo para os entrevistados influenciando as oportunidades percecionadas de melhoria das circunstâncias de vida.

2.3.2. Profissionais como figuras de suporte

6

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74

Quadro 25 – Dinâmicas relacionais (cont.)

CATEGORIA 2

SUB CATEGORIAS

UNIDADES DE REGISTO Frequência das Unidades de Registo

Descrição da Subcategoria

DINÂMICAS RELACIONAIS

(Cont.)

2.4.

Redes de sociabilidade e de

suporte

2.4.2. A integração na comunidade local como fator de suporte

2 Identifica os círculos sociais dos entrevistados e a influência dos mesmos em momentos de tomada de decisão e situações de proteção e apoio, como pessoas da comunidade e de serviços públicos e/ou privados e os grupos de amizades.

2.4.2. Importância de estabelecer relações de empatia com profissionais de serviços institucionais de apoio

3

2.5. Relação com o

espaço e o território

2.5.1. O sentimento de pertença ao lugar como fator de bem-estar

2

Agrupam-se as perceções dos entrevistados sobre a sua relação com os territórios em que vivem, ou viveram, e a medida em que estes constituem um fator relevante para as decisões dos entrevistados, quer pelo sentimento de pertença a um lugar e às suas gentes, quer pela presença de infra-estruturas e equipamentos, associados a mais oportunidades e melhores condições de vida.

2.5.2. Perceção da cidade como lugar de maior acesso a apoios e oportunidades

2

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75

Quadro 26|Percurso escolar

CATEGORIA 3

SUB

CATEGORIAS UNIDADES DE REGISTO

Frequência das

Unidades de Registo Descrição da Subcategoria

PERCURSO ESCOLAR

3.1. Auto-Imagem como aluno/a

3.1.1.Perceção negativa do desempenho escolar

3

Reporta-se às auto-avaliações dos entrevistados sobre o seu desempenho escolar e respetivas competências de aprendizagem. 3.1.2 Perceção positiva do

desempenho escolar 4

3.2. Significado da

escola

3.2.1 Escola como fonte de segurança

1

Agrupam-se as significações atribuídas à escola, nomeadamente como um local de refúgio e segurança durante a infância e adolescência ou pelo contrário como um espaço punitivo.

3.2.2 Perspetiva positiva da escola

4

3.2.3 Impacto da revolta pessoal no percurso escolar

1

3.3. Abandono dos

estudos

3.3.1 Desmotivação para a continuação do percurso escolar

3

São indicados pelos entrevistados os motivos que os conduziram a desistir de prosseguir os estudos: desmotivação, influência do grupo de pares, desejo de trabalhar pela respetiva autonomia financeira e instabilidade familiar.

3.3.2 Influência negativa de grupo de pares

2

3.3.3 Influência de acontecimentos significativos no percurso escolar

1

3.3.4 Desejo de autonomia financeira

1

3.3.5 Início da atividade laboral para apoiar a família

2

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76

Quadro 27|Percurso de formação

CATEGORIA 4

SUB

CATEGORIAS UNIDADES DE REGISTO

Frequência das Unidades de Registo

Descrição da Subcategoria

PERCURSO DE FORMAÇÃO

4.1. Avaliação e valor

atribuído à formação

4.1.1. A formação académica e/ou profissional percebida como fator promotor de ascensão social e de melhor qualidade de vida

7 Aqui agrupam-se os diferentes graus de importância atribuídos aos cursos de formação, destacando-se, por um lado, as suas vantagens para o percurso profissional e por outro, as suas limitações, onde se contemplam algumas críticas ao seu funcionamento. 4.1.2. Crítica ao sistema de cursos

de formação 4

4.2. Experiências de

formação em situação de sem-

abrigo

4.2.1. Vantagem da realização de cursos de formação profissional

2

Engloba as experiências de formação dos entrevistados enquanto se encontra(va)m em situação de sem-abrigo, apontando as vantagens dos cursos para o currículo e (re)integração no mercado de trabalho, a par da equivalência a níveis de escolaridade e também situações de inadequação do sistema de formação que conflituam com as necessidades sentidas em situação de sem-abrigo.

4.2.2. Realização de cursos de equivalência de habilitações escolares

2

4.2.3. Inadequação do sistema de cursos de formação em relação às necessidades e condicionantes de estar em situação de sem-abrigo

1

4.2.4. Cursos de formação como fonte alternativa de rendimento

2

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77

Quadro 28|Ocupação de tempos livres

CATEGORIA 5

SUB

CATEGORIAS UNIDADES DE REGISTO

Frequência das Unidades de Registo

Descrição da Subcategoria

OCUPAÇÃO DO TEMPO LIVRE

5.1. Formas de ocupação

do tempo em situação de sem-abrigo

5.1.1 Realização de atividades de voluntariado de apoio a pessoas em situação de vulnerabilidade

1

Abrange as atividades ocupacionais que os entrevistados realizam em situação de sem-abrigo, que varia desde a realização de voluntariado a outras atividades de lazer.

5.1.2 Atividades sociais e lúdicas 6

5.1.3 Realização de atividades de desporto

1

5.1.4 Atividades ocupacionais em regime de acolhimento institucional

2

5.2. Formas de ocupação do tempo prévias à

situação de sem-abrigo

5.2.1 Convívio social em espaço da comunidade

1 Reporta-se às atividades mencionadas pelos entrevistados ao longo

da sua vida, destacando determinados períodos, como a adolescência. 5.2.2 Atividades lúdicas 4

5.3. Importância da

ocupação do tempo em processos de

mudança

5.3.1 Importância da ocupação do tempo para o processo de recuperação de dependências

2 Agrupa as diferentes atribuições de valor à ocupação do tempo com atividades que não só possibilitam a ocupação da mente, mas também a reorganização das suas circunstâncias de vida. 5.3.2 Influência das atividades

ocupacionais para o bem-estar psicológico

2

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78

Quadro 29|Transições de trabalho

CATEGORIA 6 SUB CATEGORIAS

UNIDADES DE REGISTO Frequência das Unidades de Registo

Descrição da Subcategoria

TRANSIÇÕES DE TRABALHO

6.1.

Percurso de trabalho prévio

à situação de sem-abrigo

6.1.1. Primeiras experiências de trabalho em idade precoce

5

Agrega as descrições das primeiras experiências de trabalho dos entrevistados, que se concretizaram em idade precoce e na adolescência em diversas áreas tais como restauração, trabalhos manuais, desporto, vendas e indústria. Seguidamente, apontam-se os diferentes tipos de trabalho realizados (restauração, construção civil, agricultura, limpezas, transportes, comércio e indústria) e os motivos de saída dos mesmos (falências das empresas, despedimentos, doença, dependências, entre outros). Destaca-se ainda a influência dos comportamentos aditivos no desempenho laboral, assim como a estrutura do mercado de trabalho atual na estabilidade da vida dos entrevistados.

6.1.2. Primeiras experiências de trabalho na adolescência

8

6.1.3. Diversidade de áreas de trabalho ao longo do percurso profissional

10

6.1.4 Múltiplos motivos de saída do trabalho (abandono do posto, despedimentos, falências, etc.)

19

6.1.5. Influência das perturbações de adição no percurso de trabalho

3

6.1.6. A crise económica como causa da dificuldade em arranjar trabalho

1

6.1.7. Insegurança laboral como factor vulnerabilizante

2

6.2. Significações atribuídas ao

trabalho

6.2.1. O trabalho serve para adquirir experiência e conhecimentos

1

Abrange as diferentes conceções de valor do trabalho dos entrevistados, relacionadas com a aquisição de experiência e conhecimento profissional, ocupação da mente, fonte de rendimentos e de bem-estar pessoal e também como base de autonomia e independência.

6.2.2. Trabalho como fonte de rendimentos

3

6.2.3. Trabalho como forma de ocupação mental

8

6.2.4.O trabalho possibilita a autonomia e independência

4

6.2.5. Trabalho como fonte de bem-estar 3

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79

Quadro 29 – Transições de trabalho (cont.)

CATEGORIA 6

SUB CATEGORIAS

UNIDADES DE REGISTO

Frequência das

Unidades de Registo

Descrição da Subcategoria

TRANSIÇÕES DE

TRABALHO

(Cont.)

6.3.

Relações em contexto de

trabalho

6.3.1. Caraterísticas de personalidade percebidas como promotoras de bom ambiente laboral

5

Engloba as avaliações dos entrevistados da qualidade das suas relações com colegas e chefes, que primaram pelo respeito, considerando que as suas caraterísticas de personalidade possibilitaram o desenvolvimento de boas relações laborais.

6.3.2. Relações positivas em contexto laboral

8

6.4.

Auto-avaliação das competências profissionais

6.4.1.Caraterísticas pessoais que beneficiam o desempenho profissional

7

Os entrevistados revelam as imagens que têm de si como trabalhadores e no cumprimento das suas tarefas laborais, sejam as atuais ou passadas, revelando serem cumpridores e ativos no seu posto de trabalho. 6.4.2.Capacidade de aprendizagem e

adaptação a novas funções

3

6.5. Vivências de situações de desemprego

6.5.1.Sentimento de inutilidade associado à ausência de trabalho

5

Abrange as vivências emocionais dos entrevistados durante os períodos em que não realiza(ra)m trabalho profissional e as dificuldades inerentes à ausência de rendimento.

6.5.2.Dificuldade de ocupação eficaz do tempo

4

6.5.3.Sentimento de impotência e falta de controlo sobre a própria vida

5

6.5.4 Importância das redes de suporte para ultrapassar as dificuldades resultantes da situação de desemprego

5

6.5.5 Desemprego como sinónimo de privação material

2

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80

Quadro 29 – Transições de trabalho (cont.)

CATEGORIA 6 SUB CATEGORIAS

UNIDADES DE REGISTO Frequência das Unidades de Registo

Descrição da Subcategoria

TRANSIÇÕES DE TRABALHO

(Cont.)

6.6. Acesso ao trabalho

em situação de sem-abrigo

6.6.1. A situação de sem-abrigo não é impeditiva de conseguir trabalho

3

Agrupam-se as diferentes perspetivas sobre o acesso ao trabalho enquanto vivenciam a situação de sem-abrigo. Enquanto uns consideram que a situação em si não limita as oportunidades de acesso ao mercado de trabalho, outros explanam as dificuldades sentidas devido ao estigma social associado.

6.6.2.Estigma social como obstáculo para trabalhar

4

6.6.3. Factores que dificultam o acesso ao trabalho (aparência, idade, falta de recursos e espaços adequados)

7

6.7. Experiências de

trabalho em situação de sem-

abrigo

6.7.1.Os trabalhos realizados caraterizaram-se pela instabilidade e/ou precariedade

2

Reporta-se a experiências de trabalho que os entrevistados executaram enquanto se encontra(va)m em situação de sem-abrigo, apontando situações de abuso e exploração laboral.

6.7.2.Trabalhar na instituição social que apoia pessoas em situação de sem-abrigo

2

6.7.3.Situação de sem-abrigo como potenciadora de abuso/discriminação no trabalho

3

6.8. Perspetivas futuras acerca de trabalho

6.8.1.Problemas de saúde que inviabilizam um futuro de trabalho

4 Mencionam-se as expetativas dos entrevistados em relação ao seu futuro profissional, desde total descrença a desejo de trabalhar de forma honesta e (re)obter independência e autonomia, uma vez que sentem as suas competências profissionais ainda válidas.

6.8.2.Desejos de um trabalho que possibilite a independência

3

6.8.3. Proatividade na procura de trabalho

3

6.8.4 Auto-avaliação de capacidade atual para trabalhar

10

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81

Quadro 30|Vivências em situação de sem-abrigo

CATEGORIA 8 SUB

CATEGORIAS UNIDADES DE REGISTO

Frequência das Unidades de Registo

Descrição da Subcategoria

VIVÊNCIAS EM SITUAÇÃO DE SEM-

ABRIGO

8.1. Experiências em situação de sem-

abrigo

8.1.1. Impacto emocional dos primeiros momentos em situação de sem-abrigo

12 Congrega as diferentes experiências dos entrevistados em situação de sem-abrigo, nomeadamente a descrição da primeira vez nesta situação e as suas vivências em situação de sem-teto (pernoitando na rua ou em edifícios abandonados) e/ou sem-casa (em regime de acolhimento institucional), sendo patente o impacto da sensação de desproteção e o medo associados a estas vivências, as dificuldades de adaptação ao regimes e ambientes de acolhimento institucional.

8.1.2. Dificuldades de adaptação às vivências (em regime institucional)

13

8.1.3. Vivências com teto (apoio de amigos e familiares)

1

8.1.4. Singularidades das vivências sem teto (em situação de rua)

23

8.2. Perceções sobre a situação de sem-

abrigo

8.2.1. Comparação de situações com teto e sem teto

4

Incorpora as visões construídas sobre a problemática da situação de sem-abrigo, partindo das suas próprias experiências. São abordadas as perceções sobre os outros que se encontram na mesma situação, a necessidade de compreender de forma mais aprofundada as dimensões pessoais em cada experiência e de se estruturar uma rede de apoio para uma saída eficaz da situação de sem-abrigo.

8.2.2. Necessidade de se estudar aprofundadamente a problemática

2

8.2.3. A situação de sem-abrigo obriga a uma desvalorização de dias festivos

1

8.2.4. Impacto psicológico das vivências em situação de sem-abrigo

3

8.2.5. Necessidade de ajuda externa/rede de suporte para a saída da situação de sem-abrigo

4

8.2.6. A conceção negativa sobre as pessoas em situação de sem-abrigo pode ser esclarecida através de divulgação de informação

1

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82

Quadro 30 – Vivências em situação de sem-abrigo (cont.)

CATEGORIA 8 SUB

CATEGORIAS UNIDADES DE REGISTO

Frequência das Unidades de Registo

Descrição da Subcategoria

VIVÊNCIAS EM SITUAÇÃO DE SEM-

ABRIGO

(cont.)

8.3. Imagem construída

da pessoa sem-abrigo

8.3.1. A diferença entre quem luta contra a situação e quem se acomoda

4 Alude às ideias (re)construídas pelos entrevistados sobre as pessoas que vivenciam a situação de sem-abrigo, partindo da sua própria experiência nesta situação, ou seja, os entrevistados descrevem as suas perceções sobre o outro que também se encontra sem abrigo. Alguns justificam a diferença entre si e os outros, baseado na forma como vivenciam a situação, outros consideram a necessidade de olhar aprofundadamente aos problemas de cada um e outros apontam ainda as caraterísticas convergentes de quem está sem abrigo.

8.3.2. Demarcação dos outros em situação de sem-abrigo

4

8.3.3. O outro em situação de sem-abrigo precisa de apoio psicológico

5

8.3.4. Estar sem-abrigo é estar livre

2

8.3.5. Solidariedade entre quem está sem abrigo

1

8.4. Relações em

situação de sem-abrigo

8.4.1. Necessidade de isolamento em regime de acolhimento

1

Nesta subcategoria menciona-se o estado atual das relações dos entrevistados com as diferentes esferas relacionais: família, amigos e colegas (aqui considerados como pessoas que partilham a mesma situação), classificadas como ausentes ou aperfeiçoadas.

8.4.2. (Re)aproximação à família 2

8.4.3. Ausência de contacto familiar

4

8.4.4. Criação de relações de amizade em regime de acolhimento com pessoas na mesma situação

4

8.4.5. Ocultação da situação de sem-abrigo perante os familiares e outras pessoas

6

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83

Quadro 30 – Vivências em situação de sem-abrigo (cont.)

CATEGORIA 8 SUB

CATEGORIAS UNIDADES DE REGISTO

Frequência das Unidades de Registo

Descrição da Subcategoria

VIVÊNCIAS EM SITUAÇÃO DE SEM-

ABRIGO

(cont.)

8.5. Processo de entrada na

situação de sem-abrigo

8.5.1. Vítima de violência doméstica

2

Abrange os diferentes contextos conducentes à situação de sem-abrigo (seja para uma situação de sem-teto ou para acolhimento institucional), destacando-se as situações de violência doméstica, ruturas relacionais e familiares e perda de emprego.

8.5.2. Choque pela morte de um filho

1

8.5.3. Separações/Divórcio 3

8.5.4. Exigência das autoridades de proteção de crianças e jovens

1

8.5.5. Perda do emprego 1

8.5.6. Conflitos na família devido à dependência alcoólica

1

8.5.7. Auto-responsabilização pela situação de sem-abrigo

3

8.5.8. Problemas incapacitantes resultantes da dependência do álcool

1

8.6. Processos de (não) identificação com a

imagem social dominante da

pessoa sem abrigo

8.6.1. Quem é sem-abrigo faz disso um modo de vida

1 Esta categoria apresenta duas posições opostas reveladas pelos entrevistados quanto às suas identificações com a imagem social dominante sobre quem se encontra sem-abrigo. Por um lado, há quem se considere uma pessoa sem-abrigo embora com resistências, contudo a maioria rejeita identificar-se como uma pessoa sem abrigo, apontando diferentes motivos: sem-abrigo é um modo de vida, sem-abrigo é quem vive na rua (por oposição a quem se encontra acolhido institucionalmente) ou ser sem-abrigo significa unicamente não ter casa.

8.6.2. Identificação hesitante 5

8.6.3. Sem-abrigo é quem vive na rua

3

8.6.4. Ser sem-abrigo é apenas não ter casa

2

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84

Quadro 30 – Vivências em situação de sem-abrigo (cont.)

CATEGORIA 8 SUB

CATEGORIAS UNIDADES DE REGISTO

Frequência das Unidades de Registo

Descrição da Subcategoria

VIVÊNCIAS EM SITUAÇÃO DE SEM-

ABRIGO

(cont.)

8.7. Auto –

conhecimento em situação de sem-

abrigo

8.7.1. Maior controlo na tomada de decisões

1

Agrupa as alterações que os entrevistados sentem na sua pessoa durante as vivências em situação de sem-abrigo. Referem a forma como esta experiência possibilitou mudanças nas suas ações, pensamentos e auto-imagens.

8.7.2. Descoberta de novas competências

2

8.7.3. Benefício da situação de sem-abrigo para o auto-conhecimento

5

8.7.4 Maior compreensão sobre as desigualdades sociais

2

8.8. Reconstruções das

visões sobre o outro

8.8.1. Avaliação das outras histórias de vida no sentido da valorização da própria

1

Reporta-se às novas configurações que o outro assume através do olhar dos entrevistados com base nas suas experiências em situação de sem-abrigo. As histórias de vida dos outros permitem reequacionar a própria trajetória ou, pelo contrário, a tensão das situações de sem-abrigo não possibilita o investimento em “conhecer” o outro. Por fim, menciona-se a descoberta de uma realidade de exploração da situação para benefício próprio.

8.8.2. Desconfiança no outro em situação de sem-abrigo

1

8.8.3. Resistência em conhecer as outras pessoas

1

8.8.4. Aproveitamento da situação de sem-abrigo para benefício próprio

1

8.8.5. Mudança percecionada no comportamento do outro

2

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85

Quadro 30 – Vivências em situação de sem-abrigo (cont.)

CATEGORIA 8 SUB

CATEGORIAS UNIDADES DE REGISTO

Frequência das Unidades de Registo

Descrição da Subcategoria

VIVÊNCIAS EM SITUAÇÃO DE SEM-

ABRIGO

(cont.)

8.9. Necessidades

identificadas em situação de sem-

abrigo

8.9.1. Necessidade de espaço privado

2

Engloba as necessidades sentidas pelos entrevistados em situação de sem-abrigo: tais como a privacidade (nas situações em que se encontram em regime de acolhimento), o apoio de um amigo ou da família e o acesso a recursos.

8.9.2.Necessidade da presença do outro, de reconhecimento e de afeto

12

8.9.3.Necessidade de apoio familiar

4

8.9.4. Necessidade de preservação da imagem

1

8.9.5. Necessidade de acesso a recursos para a satisfação de necessidades básicas

7

8.9.6. Necessidade de acesso a informação sobre os serviços de apoio existentes

1

8.10. Mudanças

percecionadas com a situação de sem-

abrigo

8.10.1. Perda da estabilidade e autonomia financeiras

2

Abrange as alterações sentidas em diferentes esferas da vida dos entrevistados, tais como a estabilidade financeira, saúde física e mental.

8.10.2. Degradação da saúde (física e psicológica)

6

8.10.3. Reforço da motivação para a prossecução dos objetivos de vida

2

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86

Quadro 30 – Vivências em situação de sem-abrigo (cont.)

CATEGORIA 8 SUB

CATEGORIAS UNIDADES DE REGISTO

Frequência das Unidades de Registo

Descrição da Subcategoria

VIVÊNCIAS EM SITUAÇÃO DE SEM-

ABRIGO

(cont.)

8.11. Vivências

emocionais em situação de sem-

abrigo

8.11.1. Sentimento de revolta pela separação familiar

1

Reporta-se às diferentes emoções vivenciadas em situação de sem-abrigo, desde a revolta, vergonha e instabilidade emocional.

8.11.2. Sentimento de vergonha 2

8.11.3. Luto pela vida anterior à situação de sem-abrigo

1

8.11.4. Instabilidade emocional 2

8.12. Vivência do

estigma social

8.12.1. Discriminação no acesso ao trabalho

1

Apontam-se as perceções dos entrevistados acerca das suas vivências em situação de sem-abrigo sob o estigma social dominante acerca das pessoas que a experienciam.

8.12.2. Sentimento de revolta/injustiça pelo impacto da discriminação social

8

8.12.3. Imagem negativa errada associada à situação de sem-abrigo

4

8.13. Estratégias de

sobrevivência em situação de sem-

abrigo

8.13.1. A poupança e a privação como estratégia

1 Enumeram-se as diferentes estratégias de sobrevivência em situação de sem-abrigo, principalmente ao nível do controlo monetário e a necessidade de construir abrigos ainda que precários para se protegerem dos elementos meteorológicos quando se vivenciam situações de sem-teto. Por outro lado, é o recurso aos serviços de apoio institucional que permite responder às necessidades básicas.

8.13.2. Recurso a serviços institucionais para garantir a satisfação de necessidades básicas

4

8.13.3. Recurso a construções precárias e abrigos precários

2

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87

Quadro 31|Processo de saída da situação de sem-abrigo

CATEGORIA 9 SUB

CATEGORIAS UNIDADES DE REGISTO

Frequência das Unidades de Registo

Descrição da Subcategoria

PROCESSO DE SAÍDA

DA SITUAÇÃO DE SEM-ABRIGO

9.1. Avaliação do apoio

institucional durante a situação

de sem-abrigo

9.1.1. Empatia e esforço percecionados no profissional responsável pela gestão do caso

11

Agrega as apreciações realizadas pelos entrevistados sobre o desempenho e empenho das instituições no apoio à sua situação em particular e na problemática em geral, apontando críticas à estrutura do sistema institucional que na sua perspetiva se encontra desadequado e é ineficaz.

9.1.2. Comparação entre os serviços de apoio de diferentes instituições

1

9.1.3. Sentimento de falta de empenho e esforço das instituições de apoio

6

9.1.4. Importância de supervisionar os apoios prestados

4

9.1.5. Efeitos da sobreposição dos serviços 1

9.1.6. Desadequação e insuficiências das respostas prestadas pelo sistema institucional

13

9.2. Motivação

intrínseca para a saída da situação

de sem-abrigo

9.2.1. A auto-estima e o sentido de dignidade como fatores de resistência psicológica para a saída da situação de sem-abrigo

8 Agrupa as perceções dos entrevistados quanto à sua motivação no investimento para o processo de saída da situação de sem-abrigo. Verifica-se uma auto-responsabilização pela gestão da motivação, considerando-se como principais atores nessa transição.

9.2.2 Experiências em contexto institucional geram motivação para a saída da situação

1

9.2.3 Diligências realizadas para sair da situação de sem-abrigo

1

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Quadro 31 – Processo de saída da situação de sem-abrigo (cont.)

CATEGORIA 9 SUB CATEGORIAS

UNIDADES DE REGISTO Frequência das Unidades de Registo

Descrição da Subcategoria

PROCESSO DE SAÍDA

DA SITUAÇÃO DE SEM-ABRIGO

(Cont.)

9.3. Atribuição da

responsabilidade no apoio para a

saída da situação de sem-abrigo

9.3.1.Necessidade de apoio familiar para uma saída eficaz da situação de sem-abrigo

3

Abrange as figuras a quem os entrevistados atribuem um papel de responsabilidade e apoio para o sucesso na saída da situação de sem-abrigo, tais como figuras familiares, profissionais de instituições sociais e o Governo português.

9.3.2.Influência do poder político e civil para a facilitação do processo

7

9.3.3. Propostas para os problemas da pobreza e exclusão social

3

9.4. Dificuldades de

acesso à habitação e emprego

9.4.1.Rendimento insuficiente para uma habitação autónoma

1

São enumerados os constrangimentos que os entrevistados vivenciam no acesso à habitação e a emprego para uma efetiva saída da situação de sem-abrigo, tais como rendimentos insuficientes e vivências de discriminação, quer pela própria situação de sem-abrigo, quer pela idade útil para trabalhar.

9.4.2.O acesso a emprego depende das redes de sociabilidade

2

9.4.3.Discriminação no acesso à habitação

1

9.4.4.Discriminação no acesso ao emprego

2

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89

Quadro 32|Saúde, doença mental e dependências

CATEGORIA 11 SUB

CATEGORIAS UNIDADES DE REGISTO

Frequência das Unidades de Registo

Descrição da Subcategoria

SAÚDE, DOENÇA MENTAL E

DEPENDÊNCIAS

11.1 Vivências de perturbação

mental ao longo da trajectória de vida

11.1.1. Desenvolvimento de perturbação depressiva em momentos críticos

2

Abrange as experiências dos entrevistados relacionadas com perturbações mentais ao longo da sua trajetória de vida, nomeadamente episódios depressivos em momentos críticos.

11.2. Vivências de perturbação mental em

situação de sem-abrigo

11.2.1. Apoio de medicação psiquiátrica em situação de sem-abrigo

3

Abarca as situações mentais diagnosticadas e apoiadas com medicação psiquiátrica, além da manifestação de pensamentos suicidas.

11.2.2. Pensamentos suicidas/tentativas de suicídio em situação de sem-abrigo

3

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90

Quadro 32 – Saúde, doença mental e dependências (cont.)

CATEGORIA 11 SUB CATEGORIAS

UNIDADES DE REGISTO Frequência das Unidades de Registo

Descrição da Subcategoria

SAÚDE, DOENÇA MENTAL E

DEPENDÊNCIAS

(cont.)

11.3 Abuso e

dependências de substâncias

psicoativas: drogas e álcool

11.3.1. Antecedentes familiares de dependências

5

Reúne as experiências relacionadas com abuso e dependência de drogas e álcool ao longo da sua trajetória de vida e durante a situação de sem-abrigo, tendo igualmente em conta as dinâmicas relacionais e os períodos de tratamento de dependências.

11.3.2.Percurso de abuso/dependência de substâncias

7

11.3.3. Dinâmicas relacionais desfavoráveis durante os períodos de dependência

3

11.3.4. Adições durante a situação de sem-abrigo

2

11.3.5. Tratamentos a dependências em situação de sem-abrigo

5

11.4. Percurso criminal

11.4.1. Situações conducentes à entrada na prisão

3 Junta os períodos que os entrevistados descrevem de realização de comportamentos criminosos que os conduziram ao cumprimento de penas de prisão efetiva.

11.4.2. Tráfico de substâncias psicoativas como forma de sustento

1

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91

Quadro 33|Vivências da parentalidade

CATEGORIA 12 SUB CATEGORIAS

UNIDADES DE REGISTO Frequência das Unidades de Registo

Descrição da Subcategoria

VIVÊNCIAS DE PARENTALIDADE

12.1 Sentimento de competência

parental

12.1.1. Filhos como organizadores da vida da mãe

3

Reporta-se às avaliações que o/as entrevistado/as possuem do seu desempenho como pais, descrevendo-se como esforçados, preocupados e dedicados.

12.1.2. Auto-imagem de pai como sustento da família

1

12.1.3. A maternidade como fonte de sentido para a vida

1

12.1.4. Vivência de gravidez em situação de sem-teto

1

12.2. Vivências de

afastamento/ separação dos

filhos

12.2.1. Mães e filhos institucionalizados mas separados

1

Agrupa as situações de separação dos filhos por ordem judicial ou do sistema de proteção de crianças e jovens, revelando-se a separação familiar como a maior fonte de sofrimento.

12.2.2. Necessidade de reestabelecer o papel de mãe

2

12.2.3. A perda dos filhos como fonte de desalento

9

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86

SÍNTESE DA ANÁLISE DOS RESULTADOS DO ESTUDO QUALITATIVO

Os resultados da análise de conteúdo das entrevistas destacam diversas dimensões respeitantes a

diferentes fases das trajetórias de vida das pessoas em situação de sem-abrigo que se caraterizam por

ruturas, de diversa ordem, com os sistemas sociais, nomeadamente a família, a escola, o trabalho e a

comunidade e que, por sua vez, revelam a fragilidade das suas relações inter e intrapessoais refletidas, de

forma particular, nas entrevistas.

Objetivando uma compreensão mais aprofundada de cada categoria, apresentam-se exemplos de

unidades de contexto (excertos) que consubstanciam algumas subcategorias e que se destacam pelas

leituras que os entrevistados realizam sobre as suas experiências pessoais.

Experiências primárias significativas

Iniciando-se esta análise pela primeira categoria Trajetória de Vida: Tempos e Espaços, destacam-se, num

primeiro momento, as experiências marcantes na Infância e Adolescência pela prevalência de experiências

traumáticas e respetivas repercussões na trajetória de vida, nomeadamente, abusos sexuais, situações de

privação e mudanças nos sistemas nucleares de proteção. Sobressai do discurso dos entrevistados o

sofrimento psicológico e emocional associado a essas experiências, nomeadamente sofrer/assistir a maus-

tratos e violência doméstica na família (Subcategoria 1.1.), como se pode verificar nas unidades de contexto

das seguintes entrevistas:

(E10) “…recordo-me viver com um pai alcoólico que batia na minha mãe, batia em nós; vivemos durante

um ano com… eu v… eu e o meu irmão que tínhamos vivido num colégio, tivemos um ano até ele morrer

num acidente, pronto… e… e o meu pai era assim: quando bebia, era uma pessoa – não há palavras –

era… era m… era mau, era mau, mas quando não bebia era uma pessoa boa, uma pessoa generosa,

pronto enfim… Mas o facto é que passando um ano, dele qua…quan… eu vou… vou dizer isto que até…

durante muitos anos me senti culpado por isto, mas a verdade é que quando soube d… da notícia da

morte dele, eu não senti… não chorei, não senti pena, não senti mágoa, senti alívio. Só pa ter uma ideia

como era a minha vida durante esse ano.”

(E13) “…eu tinha 13 anos quando saí de casa, porque eu tinha feito uma… Sabe, uma pessoa com 13

anos não é o mesmo que uma pessoa que tenha 16 ou 19, porque não sabe o que faz, ou seja, sabe o que

faz mas não tem, uh, a consciência do que está a fazer. E, então, eu tinha… Como… como sabe, eu tinha

tado a dar porrada no tronco de uma amendoeira. E então descascou um bocadinho do pé da

amendoeira… (…) E o… A amendoeira era do senhorio onde nós vivíamos. E o senhorio viu aquilo e foi

fazer queixa ao meu padrasto, e o meu padrasto (…). Ele não gostava de mim, e eu também não gostava

dele, porque ele às vezes, tratava-me mal ou batia-me e eu dizia-lhe, “Você não é o meu pai para me

bater!”, e ele dizia, “Ah, mas sou teu pai para te sustentar”. E eu dizia, “Pois, é meu pai para me

sustentar, porque o meu pai morreu e a minha mãe recebeu 500 contos da morte dele e você aproveitou-

se e foi juntar-se com ela, porque sabia que ela tinha 500 contos! (…) eu fugi de casa e não queria voltar

para casa porque sabia que se fosse voltar pra casa, o meu padrasto enchia-me de porrada. Porque

várias vezes, - eu não me lembro quantas vezes mas, digo-lhe sinceramente, não foi uma, não foi duas,

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87

não foi três, não foi quatro, não foi cinco mas, pelo menos 6/7 ou 8 foram, vezes. E ele apanhava-me em

casa, principalmente quando estava sozinho, e eu ficava de roupa de interior, e ele com - aquilo não era

um chicote, era daqueles cabos de eletricidade, da luz -, a dar-me com aquilo, porque às vezes eu fazia

asneiras - e por uma vez, ter mandado o pai dele, desculpe o termo da palavra, à merda… Prontos. E ele

foi fazer queixa ao filho, que era o meu padrasto, não é, e ele, “Oh!”. Como não gostava, vingava-se em

mim. E vingou-se bastante, porque ele também não, não tinha uma boa relação com o pai e… O pai… Ou

seja, antes de, dele conhecer a minha mãe, uh… Ele vivia… Portanto, era o pai e era a madrasta, porque

ele teve madrasta. E a madrasta também o tratou mal. Então, cá pra mim, acho que era vingança dele

que tinha sobre a madrasta, tá-me a compreender?”

(E14) “O meu pai era alcoólico também, e gastava o dinheiro todo… Pagava o que devia, gastava o

dinheiro todo e era pouco pa casa. Derivado a isso era porrada todos os dia… Não faltava… Fome,

porradinha não faltava… Porque ele era alcoólico, qualquer coisa, era sempre…”(…) Cheguei a fugir de

casa porque ele batia muito… Batia a mim, batia à minha madrasta. Já quando era a m inha, a minha

falecida mãe, era igual.”

Quatro participantes (dois homens e duas mulheres) relatam situações de abusos sexuais (ou tentativas

de abuso) durante a sua infância ou início da adolescência cujas repercussões traumáticas se observam nos

seus processos de construção da identidade e, em simultâneo, nas dinâmicas relacionais com diferentes

figuras nas fases seguintes das suas vidas. As seguintes unidades de contexto espelham as diferentes formas

de abuso sexual vivenciadas pelos entrevistados:

(E01) “Eh… e depois o facto de eu… de a minha madrinha ter pegado em mim e me ter levado para

Inglaterra também foi o facto de… porque o meu pai tentou-me violar. Então, eu como sempre fui muito

despachada e consegui libertar-me, eh… consegui libertar-me e… desci logo a ladeira, porque… desço a

ladeira e entro em casa dos meus avós, consegui libertar-me.”

(E12) “Eu acho que a minha vida deu uma grande cambalhota a partir dos 12 anos, uh… porque aos 12

anos fui violada… (...) E fui… quando eu fui violada aos 12 anos, uh… foi por um senhor, um lavrador, já

tinha quase 60 anos na altura… Depois daí, a minha vida foi dando aquelas cambalhotas. Andei em

psicólogos, o meu pai teve preso… Uh… Esse indivíduo também teve preso 7 anos, e prontos.”

(E10) “…eu fui violado, aos 8 anos de idade, e durante praticamente 2 anos consecutivos, e só consegui

falar disto aos 35. Ou seja, eu passei uma infância, pelo menos, até aos 16 anos, de pânico. (…) Pa ter

uma ideia, as pessoas que viveram comigo hoje… eu… eu vou ao futuro e vou ao passado assim só pa…

ver se me consigo explicar: as... os rapazes, quando eu saí, eram sessenta e tais (eu… eu falei nisto há

pouco tempo a alguém) que eram 61 pessoas – 61 rapazes que tavam naquele internato – e eu hoje

conheço alguns que… vivos, ou seja, que estão perturbados sim, andam nas drogas, mas todos os outros

ou morreram ou suicidaram se, ou morreram com overdoses, ou meteram-se em coisas menos boas

porque… pronto, os traumas eram muitos. Todas as crianças que lá viviam, ficaram com traumas

profundos.”

(E13) “Prontos, a única coisa que eu vou divulgar é que se aproveitaram de mim. Tá-me a compreender?

Eu tinha 13 anos quando saí de casa e houve um homem, prontos, que se aproveitou de mim e deu-me

500 escudos, um maço de tabaco, um isqueiro e, e depois disse-me, “Olha, agora não digas nada a

ninguém que tiveste comigo porque eu tou um bocado doente…”. Já tá a perceber tudo…”

O sentimento de abandono (emocional e físico) por influência dos comportamentos aditivos dos pais ou

padrastos (alcoolismo e toxicodependência) e, associados a episódios de violência doméstica e maus-tratos,

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88

encontra-se implícito nos discursos dos entrevistados. A institucionalização resultante do abandono parental

é particularmente vivenciada, de forma diferenciada, por dois participantes:

(E03) “É assim, a minha vida foi sempre assim. Tive uns pais toxicodependentes e fui abandonado aos

quatro anos… separaram-se não é, entretanto, e fiquei eu a cuidar da minha avó. Pronto e fiquei eu a

cuidar da minha avó ali da Sé. E pronto, como ela não tinha muitas condições financeiras, e pronto e fui

para um colégio, da Nova Sintra, desde os meus seis até aos meus dezoito anos, assim mais ou menos. E

pronto, e… nunca tive grande apoio familiar, ia só aos fins-de-semana para casa da minha avó. E muitas

vezes, quando tinha uns treze anos, catorze, deixei de ir porque… era um ambiente muito desagradável

de drogas e de etecetera, não só na minha família, não é, mas na rua e isso tudo, de bairros, e eu pronto,

nunca… apesar dos problemas que os meus pais tiveram de toxicodependência e isso tudo, tentei sempre

fugir desse tal meio de toxicodependência e pronto…”

(E10) “…eu vivi num colégio de freiras com o meu irmão gémeo, onde sofri muito, onde me davam

castigos enormes, onde fico… até aos 6 anos, onde fico com traumas enormes… (…) e nesse colégio eu

acabei mesmo por… passar traumas muito complicados, ou seja, eu… eu ur… eu urinei na cama até aos

16 anos de idade. Já quando tinha 6 anos castigavam-me com castigos que não lembra ao diabo (eu vou

dizer assim que é pa não mencioná-los) onde eu saí muito traumatizado, e depois, e mesmo ali, eu…

davam-me castigos enormes, até aos 16 anos, que posso dizer que urinei na cama até aos 16 anos (…)

nesse colégio davam-me castigos uh, chapadas, era porrada, era… era castigos tipo de joelhos com as

mãos debaixo dos joelhos du… durante 1 hora/2, era, quando urinava na cama, darem-me banho às 7 da

manhã, muitas vezes a cair geada lá fora, com água gelada, coisas assim. Mas isso também acontecia no

colégio de freiras, porque no colégio de freiras até era… até era pior: metiam-me junto de uma banheira,

às 7 da manhã, a banheira a encher, eu tava lá ao lado da banheira até ela encher com água ge… com

água fria e depois me… 2 freiras metiam-me lá dentro e eu hoje a recordação que eu tenho é: (respiração

ofegante) … pronto, e isso cau… eu tou… tou a explicar-lhe isto pa lhe… pa lhe… pa ter uma ideia dos

traumas que eu carreguei a minha vida inteira.”

Vivências da Adolescência

A adolescência (Subcategoria 1.2.), para alguns entrevistados, é marcada pelo início dos consumos de

drogas e bebidas alcoólicas, resultando em percursos de dependência que se estendem na idade adulta.

Apenas um participante apontou a sua dependência alcoólica como fator promotor da situação de sem-

abrigo (as unidades de contexto referentes à entrada na situação de sem-abrigo serão posteriormente

destacadas):

(E10) “…dos 16 anos, 16/17 anos, comecei a meter-me nas drogas e no álcool, não porque gostasse,

apenas porque não sabia lidar com o meu passado, e não acreditava como é que quem me… quem

me de… hoje consigo…é assim, na altura não… não… não era assim que eu raciocinava, mas quem me

devia ter direcionado nu… numa direção, quem me devia ter dado amor, quem me… quem

supostamente… quem supostamente me devia amar, foi aqueles que mais me prejudicaram.”

(E11) “Cheguei a trabalhar uh… uh… até aos meus 18 anos…aliás, acho que foi durante esse período

que comecei a tornar-me alcoólico…lá está, como eu tinha a minha mãe na Suíça, o meu pai em

França, era um jovem totalmente uh, sem ninguém para me controlar. A minha avó coitada, velhinh

…aqui em Portugal…não podia… já trabalhava e ganhava era para mim, sei lá…ajuntava-me muitas

vezes com pessoas mais velhas. Na altura tinha 16/17 anos, aí é que era…com 15 anos até, já ia pá

discoteca com, com os mais velhos que me levavam para todo lado… Foi um pouco por aí acho

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que…comecei-me a (…) a querer fazer como os outros, a beber o meu copo, para me fazer

homem…pensava eu na altura [risos] foi um pouco por aí que se calhar começou a minha adição.”

(E13) “A partir dos meus 16 anos comecei a ficar viciado na heroína. Porque depois aos meus 14 anos

fui viver p’ro apartamento de uns rapazes que eram aqui do norte, do Porto, aqui desta zona, que

viviam num apartamento. E então eles, como eu era… tinha 14 anos e era novito, eles ajudaram-me e

disseram: “Olha, vais morar para o pé de nós. A mesma comida que a gente come é a que tu também

comes connosco à mesa. E, ao fim-de-semana, depois vamos passear ou quem quiser ficar a dormir,

fica a dormir, ou…”. E eles - naquela altura, portanto, no dia em que eu fiz 14 anos -, eles fumavam,

de vez em quando, fumavam haxixe. E no dia em que eu fiz 14 anos eles deram, fizeram um charro,

por assim dizer, e deixaram, prontos, ofereceram-me umas passinhas. E eu como vivia com eles… Não

eram todos que fumavam! Não eram todos, porque já havia lá algumas pessoas que já tinham 40 e

tais, 50 anos. Mas eu digo, os mais jovens ofereceram [tosse] Perdão! E eu, prontos, experimentei.

Dei duas ou três passas e fiquei assim um bocado tonto… E depois, prontos, passou. E, aos 15 anos,

fui eu próprio, fui eu próprio que provei a heroína. Uh, sabia quem vendia e como fiz anos… Ninguém

me ofereceu, nem ninguém me obrigou. Fui à farmácia, arranjei o limão, comprei a seringa na

farmácia, fui pra casa. Fiz uma coisinha pouca na carica, lá fiz aquilo, lá puxei com a seringa e pus a

assim muito coiso, como nunca tinha feito… (…) Mas aí, já eu tinha os meus 16/17 anos, porque aos

16, aos 17 anos já estava aga…, uh, viciado. C’ os 16 já consumia. Não era todos os dias mas, vá lá,

dia sim, dia não. Outras vezes, só aos fins-de-semana, mas era com eles. (…) E a gente chegava a

casa, abria as palhinhas, púnhamos tudo numa revista e depois fazíamos montinhos e repartíamos -

olha, isto é pra mim, aquele é pra ti, aquele é pra ti, aquele é pra ti. Cada um ficava com o seu

bocadinho.”

A referência a situações de privação (Subcategoria 1.5.) material, alimentar e escolar emerge em

algumas entrevistas, tornando-se possíveis indicadores das dinâmicas dos regimes políticos vigentes

à época e, consequentemente, da relação do indivíduo com os diversos sistemas sociais, exercendo

influência sobre os processos de construção identitária a nível pessoal e, particularmente, a nível

social:

(E14) “Era… Era muita fome… Só era o meu pai é que trabalhava pa casa e tudo… O meu irmão foi

criado com a minha avó e eu fui criado com os meus pais num bairro… (…) fazíamos de tudo um

pouco… Roubar a hortaliça, cozinhar dentro de umas latas - antigamente era as latas Nestum. Íamos

p’ros campos, dávamos cabo de tudo. Dávamos cabo, quer-se dizer, a fome era em casa, a gente ia

comer pa… Íamos fazer alguma coisa pa comer. Um trazia um bocado de sal, outro trazia um bocado

de arroz e…. E prontos… E fazíamos as coisas… Era tipo cigano… Era vida cigana. E, quer-se dizer,

cheguei ao ponto de ser…. Tou a voltar ao mesmo, nesta situação.”

(E12) “…nós não éramos culpados, nós não tivemos também ninguém que fosse capaz, de nos

ensinar. Nós aprendemos com o tempo mas também aprendemos nas faculdades, nas universidades

e tudo… E nós não, nós… uh… aquilo que aprendíamos era consoante o dia-a-dia, era no convívio com

as pessoas. Umas pessoas eram mais cultas que outras e a gente agarrava essas pessoas, para

aprender com elas. Era o nosso tempo, era assim. Foi, foi muito complicado, realmente, foi… A

minha… uh… a minha, a minha juventude, eu falo por mim, foi uma juventude assim um bocado… um

bocado difícil… muito difícil… (…) Em tudo. Uh… Havia… havia fome… havia… havia fome… (...) Ele [o

Salazar] cortou as pernas à juventude do meu tempo. (...) A juventude toda, porque a maioria do meu

tempo… havia ricos, mas não havia tantos, eram poucos, mas havia pobres, muitos. Muitos mesmo. E

ele cortou as pernas aos pobres todos.”

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(E12) “Uh, os meus irmãos, todos eles tiraram a carta, todos eles tiveram carro, todos eles tiveram

motas… Eu nunca tive nada. Uh… Todos eles, na altura, quando éramos mais novos, tinham

bicicletas, eu não tinha. Tanto que, uma vez o meu pai arranjava uma bicicleta, ou… Ele viu que uma

bicicleta dava para os outros. O calçado de uns dava para os outros, a roupa de um dava p’ros

outros. A minha falecida avó, uh, às vezes, de pessoas amigas, conseguia arranjar roupas e calçado

pra nós. Prontos. Sempre uma vida muito limitada a tudo. Prontos. Até nas brincadeiras. Mas, o meu

maior prazer que tinha - e era sozinha -, uh… Eu às vezes ia pra lá, p’rás ramadas, para debaixo das

videiras, uh, comer uvas! Aquilo era um…! Ou p’rás figueiras, ou p’os castanheiros! Eu ia pra lá e

consolava-me. Aquilo era um… Pra mim, aquilo era um manjar, porque a minha mãe às vezes fazia o

pão e a minha mãe, “Oh Paula, não comas pão que é para logo, para o jantar”.

(E12) “Acho que também não me interessava muito [a escola], derivado a diferenças que havia… As

diferenças era que os meus amigos de turma, uh, tinham tudo e eu tinha que usar tudo dos meus

irmãos - roupas e calçados… Tudo usado por outras pessoas. Eu nunca tive nada meu. Entretanto, às

vezes, existia aquela diferença quando era na hora do recreio. O recreio, pra mim, era só

praticamente para brincar. E eu às vezes via que, quase sempre, os meus colegas saiam ao recreio [e]

também lanchavam, comiam qualquer coisa e eu às vezes não tinha. Às vezes, até era a minha

professora que trazia e que me dava.”

(E08) “…ficavam-se pela primeira classe, segunda classe… Muitas das vezes os pais diziam-lhe a eles,

muitas das vezes… Não era a questão da vocação, que as pessoas até tinham vocação, os jovens, as

crianças tinham vocação. Não tinham uma alimentação adequada, depois não aprendiam porque

não tinham uma mente aberta, ah? Uma mente aberta para puder aprender.”

(E08) “No meu tempo só estudavam os filhos dos ricos. Pois, era complicado, era complicado essa

situação. Quem fosse pobre era… A escolaridade era obrigatória, só que era assim, quem fosse pobre

não tinha hipótese, tinha de ir trabalhar. Acabava a quarta classe, tinha que ir trabalhar. Quem

tivesse meios, outros meios para estudar, estudava. Económicos, meios económicos. E era, era esse o

lema, antigamente, e pronto.”

Influência das figuras significativas e das diferentes dinâmicas relacionais

No que respeita às relações (familiares, sociais, amorosas, comunitárias e laborais) (Categoria 2 –

Dinâmicas Relacionais) dos participantes, verifica-se dois grandes focos relacionais: a família e os

profissionais das instituições de apoio. As figuras familiares são constantes (com atribuições de valor

positivas e negativas) ao longo das entrevistas, ou seja, são referenciadas em diversos momentos das

trajetórias de vida que os participantes descrevem, estando também presentes em cenários futuros. Já os

profissionais das instituições de apoio emergem como figuras significativas no contexto atual da situação de

sem-abrigo.

No âmbito de uma análise mais específica, os pais e avós são, portanto, identificados como as figuras

significativas com maior influência nas perceções dos participantes sobre a sua trajetória de vida, emergindo

quer como figuras de afeto, quer como figuras perturbadoras e conflituosas:

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(E01) “Entrevistadora: E ao longo da sua vida, quem foram para si as pessoas que mais a marcaram,

quem foram os mais importantes para si?

E01: Os meus avós, sem dúvida, foram os meus pais. E tanto que os meus avós não sabem da minha

situação nem daquilo que a minha mãe me fez, porque eu tento-os preservar ao máximo, porque já

têm oitenta e tal anos e eles agora é… viverem com calma e não terem preocupações nem… e eu

quero-os preservar ao máximo, mas eh… eu vou ligar, vou ligar para eles porque eles… preciso,

necessito disso, necessito disso, são as únicas pessoas… os meus avós e a minha tia mais nova, irmã

da minha mãe, que ainda vive com os meus avós. (…)

Entrevistadora: Porque é que são essas as pessoas que ficam, que são as pessoas mais importantes

para si?

E01: Porque foram elas que… que me criaram, que me deram amor, carinho, atenção, coisa que eu

nunca tive com a minha mãe… da minha mãe ou do meu pai.”

(E04) “Entrevistadora: Então e ao longo da sua vida quem é que teve influência na sua vida, quem é

que foram as pessoas mais importantes para si?

E04: O meu pai, o meu irmão e a minha mãe.

Entrevistadora: Porquê?

E04: Sei lá, foram eles que me tornaram naquilo que sou hoje. Mesmo depois de ter optado por um

caminho diferente do deles, não é? Acho que sempre tive em conta aquilo que a minha mãe e o meu

pai me ensinaram. Ou pelo menos tentei ter. Com o meu irmão, o meu irmão… o meu irmão… o meu

irmão, como é que se há-de dizer isto, se um dizia matar o outro tinha que esfolar, portanto… éramos

muito unidos…”

(E01) “ (…) amor, carinho, atenção, coisa que eu nunca tive com a minha mãe… da minha mãe ou do

meu pai. Eh… porque o meu pai só foi nosso pai, é só nosso pai de sangue, também já não o vejo há

mais de quinze anos, nem… confesso que nem saudades sinto dele.”

(E10) “…não conheci a minha mãe, até aos 6 anos não conheci a minha mãe, conheci a minha mãe

aos 6 anos quando me foi buscar a esse colégio, porque nesse colégio o limite de idade era até aos 6;

levou-me p’ra casa, onde conheci irmãos que nunca tinha visto a viverem em… com… em… em

condições sub-humanas, digamos assim; recordo-me viver com um pai alcoólico que batia na minha

mãe, batia em nós; vivemos durante um ano com… eu v… eu e o meu irmão que tínhamos vivido num

colégio, tivemos um ano até ele morrer num acidente, pronto…”

Atualmente, as relações familiares da maioria dos entrevistados caraterizam-se pelo distanciamento

emocional (Subcategoria 2.2.), conflitos ou instabilidade, o que revela as fragilidades das dinâmicas

familiares existentes desde a infância:

(E03) “É assim, eu só conheci as minhas irmãs quando tinha uns treze anos, nunca tive uma grande

ligação desde pequenino até uns treze, catorze anos, por volta disso. Agora é que tenho mais, às

vezes ligamos um ao outro, mas não… com quem eu falo mais vezes é a minha irmã Catarina, ali de

Rio Tinto, é que eu tenho mais contacto, às vezes vou almoçar a casa dela, às vezes vou passear com

ela, é a única…

Entrevistadora: Mas elas sabem que está nesta situação?

E03: Sim, sim. Tenho dito a toda a gente que posso e… também não quiseram saber, não…”

(E12) “Às vezes os meus irmãos apareciam a ver se eu queria alguma coisa, se precisava de alguma

coisa, uh... Os meus irmãos nunca foram muito de estar a… Nós, irmãos, fomos… Convivemos sempre

juntos quando éramos solteiros. À partida que começaram a casar e cada um foi para a sua casa, a

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gente pouca ligação temos uns com os outros, e que foi o meu caso, prontos. Eu fui para a minha

casa e nós, pouca ligação temos uns com os outros, até agora, prontos. Eu não vou a casa deles, mas

eles também não me procuram a mim. A gente só de vez em quando, quando… A gente só se

encontra quando, por exemplo, vamos à minha mãe. Se eu for à minha mãe e tiver lá um irmão meu,

então… E cumprimenta-se, dá-se beijinho, mas mais nada do que aquilo… Eu não vou a casa deles e

nem eles sequer me procuram. (...) Não. Não, porque eu nunca tive. Não, eu nunca tive. Eu nunca tive

apoio dos meus irmãos ali, não. Portanto, eu não senti falta de uma coisa que não tinha. É como

agora. Os meus irmãos nunca me disseram isso. Tanto que não dizem isso a ninguém, nem se apoiam

uns aos outros.”

(E13) ”Eu já disse, “Se saísse… - se der, pode acontecer e oxalá que acontecesse -, se saísse o euro

milhões ou o totoloto à minha família ou a qualquer pessoa da minha família, um irmão meu ou uma

irmã, ou a minha mãe [e me] dissesse, «Olha, vem aqui para ao pé de nós. Nós arranjámos-te uma

casa para tu viveres e damos-te isto, damos-te tudo o que tu precisares…», eu dizia assim pra eles,

«Que vocês sejam muito felizes e que tenham muita saúde e que não me faltem…»”. Simplesmente,

peço que tenha saúde… Eu peço que tenha saúde p’ra ir vivendo o meu dia-a-dia. E não ia.

Entrevistadora: Mas não ia?

E13 - Não ia, e não vou. Não vou, porque eu, é assim, eu não guardo rancor a eles, eu não lhes

guardo rancor. Eu, o que eu desejo a eles foi mesmo o que eu acabei de dizer - que eles sejam felizes,

qualquer um dos meus irmãos, qualquer uma das minhas irmãs, até as minhas sobrinhas… Eu tenho

sobrinhas e sobrinhos que não os conheço. Custa-me dizer isto, n’é? Mas… E, há uma dor muito

grande dentro de mim porque só quem, só quem consegue apagar essa dor é a morte. A morte é que

me consegue apagar essa dor. De eu ter o HIV e sentir-me desprezado pela família.”

No que respeita a relações amorosas, a separação e/ou o divórcio surgem como vivências comuns aos

entrevistados, motivadas por diferentes causas, provocando, até em alguns casos, a situação de sem-abrigo:

(E02) “Conheci… entretanto comecei a namorar, casei-me, não havia de ter feito isso… pois não. Às

vezes uma pessoa julga que conhece a pessoa e é… e não é nada disso. Só quando uma pessoa se

sente livre é que sente o que a pessoa é. E não era isso. Mas é que se eu fosse má pessoa, mas não. Se

ela entrasse nessa de ser má pessoa não tinha hipótese. Mas outras coisas que ela fazia que eu vim a

saber. Agora está na vida dela, ela vive aqui perto, vive ali em cima à beira da igreja do Bonfim.

Quando eu a encontro digo “está tudo bem?”, outras vezes vejo-a não me apetece não ligo. É

conforme a minha disposição. E é como eu digo, estive vinte e cinco anos sem falar com ela. Foi o que

aconteceu com a miúda que me fez voltar com ela…voltar a falar que eu… ir viver com ela nem que

eu tivesse milhões.”

(E10) “Quer-se dizer… Não demorou muito [até] ela arranjar outro. (…) E prontos, acabei por me

separar. Depois arranjei outra, que era a minha vizinha do lado, só problemas… (…) Ela também fez-

me o que fez…Fui obrigado a despedir-me da firma… Agora, o apartamento e o carro… Caí nesta

situação… Não tinha pa onde ir… Caí nesta situação…”

(E08) “A minha mulher, depois, eu fiz a vontade a ela, porque ela… não gostava muito de Lisboa e

quis ir para o campo e depois arrependeu-se porque as coisas não… não eram tanto assim como ela

pensava… Uh… Depois ela deu em beber… Uh… De beber… Destruiu-se a ela própria, destruiu-se a ela

própria e… ia destruindo também a vida dos filhos mas eu, eu… aqui, foi uma força que me veio do

interior, que eu disse, não, o barco não pode ir ao fundo… Se for os dois a beber é uma casa a arder,

não pode ser. Eu disse, não! Eu entrei em desânimo porque ela entrou, porque morreu-lhe mãe (…) eu

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não a julgo, nem a condeno. Ainda hoje mesmo, foi uma separação forçada… Aliás eu disse aqui às

Doutoras aqui e já disse a várias até hoje, a minha separação foi uma separação forçada, porque eu

fiquei cansado… cansado porque eu, eu nos últimos tempos que eu vivi com ela, os últimos dez anos

que eu vivi, foram terríveis para mim. Foram mesmo terríveis porque… foi… E eu estou agora a pagar,

a pagar um pouco isso. Agora… agora mesmo aqui, aqui, estou a pagar isso. É fruto de tudo isso, é

fruto ainda, ainda, ainda… ainda da… E pronto… Mas pronto, é assim, as coisas são como são, não a

critico por ela beber…. Eu sempre a apoiei, eu sempre… eu tive a preocupação de sempre tentá-la

recuperar, porque eu é que estava fresco da cabeça e eu disse, bom, se eu estou melhor da cabeça

tenho que ser eu a comandá-la, não é?!”

Das relações com o sistema institucional (Subcategoria 2.3.), como referido anteriormente, os

profissionais das instituições de apoio assumem um papel de relevo durante o processo da situação de sem-

abrigo, não só como figuras de autoridade e poder de decisão sobre as suas próprias vidas (pelas suas

funções como pelos instrumentos de apoio que possuem), como também e, principalmente, como figuras de

suporte psicológico e afetivo:

(E01) “(…)tive dez meses lá no Lar de Santa Helena e pus M. H. à… Foi uma homenagem que eu dei ao

Lar de Santa Helena, pus o nome de M. H. Depois quando eu fui para o meu plano de autonomia,

quando ia para o meu plano de autonomia eh… eu tinha uma relação muito grande com as irmãs,

porque aquilo era dirigido por irmãs, eh…”; “Eh… sim, portanto a doutora Lúcia é gestora do meu

processo, não é o doutor J., é a doutora L. E é assim, gosto muito dela, eh… ela tem uma

personalidade forte, mas tem de ser mesmo assim. Eh… e desabafo muito com ela, passo muito

tempo no gabinete com ela, e é uma pessoa sensível, que tem coração.”

(E10) ”Mas a pessoa que mais me marcou e que me ajudou – posso dizer a pessoa que mais me

ajudou – foi dois psicólogos e um conselheiro, que também era psicólogo no centro. Como eu lhe

disse, a minha solução era psicoterapia, não era psiquiatria. Eu só precisava que me ouvissem. Aliás,

nem era que me ouvissem, era que eu, ao falar, me ouvisse a mim mesmo.”

(E05) “(…) depois a Dr.ª I.… para mim é Deus no céu e a Dr.ª I. aqui na terra, a minha senhora

protetora… ela não gosta que eu lhe diga isso, arregala-me logo os olhos. Mas é, cuidou de mim e

depois foi informada quem eu era, como tinha sido o percurso da minha vida, famílias a que eu

pertencia, o status social a que eu pertencia, foi mais difícil também para elas, pronto, o meu

caso…mas pronto, o meu braço direito foram elas, mas a princípio fiquei assim um bocado… mas

como eu estava tão em baixo, tão em baixo, tão doente, que remédio tinha eu, não?”

(E09) “Muito! Muito importante. Sinto que, tendo o apoio delas, me mete mais p’ra cima, para ir à

procura, para lutar. Se eu não tivesse o apoio delas ficava sempre em baixo e não tinha forças. Mas,

como elas me incentivam, eu já ganho mais força para sair daqui de manhã [e] ou ir ao IEFP, ou vou

ali, ou vou ali, ou procuro no jornal. E vou. Se vir alguma coisa que me interesse, vou.”

(E13) “Ainda hoje, eu penso muito neles, nos meus irmãos, na minha mãe… Prontos! Embora, embora

eu não queira viver com eles. Se eles um dia me convidarem para eu ir viver com eles, ou que me

pagam isto, ou que me dêem isto, ou que me dêem aquilo, não. Não, não vou, porque eu quando

est… Já chegu… Porque… Eu aqui no Porto encontrei uma casa, que é a casa CAIS. Na minha maneira

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de ver, na minha maneira de pensar, acho que é a minha casa. Acho que ali encontrei pessoas que me

ajudaram bastante e que estou bastante agradecido. Porque a Doutora C., pra mim - e não só a

Doutora C., como a Doutora R., a Doutora S., (…) prontos, todos os funcionários da CAIS que ali

estiveram, que por ali passaram e que eu conheci. Todos podiam… Todos me deram a mão.”

Perspetivas sobre o papel das aprendizagens e de atividades ocupacionais

A escola (Categoria 3- Percurso Escolar), por outro lado, é perspetivada pelos participantes como um

espaço seguro e de desenvolvimento do sentimento de competência, embora os percursos escolares dos

entrevistados se caraterizem por abandono precoce motivado por circunstâncias diversas (desmotivação

para estudar, influência do grupo de pares ou de outros acontecimentos significativos, início da atividade

laboral para apoiar a família ou para obter independência financeira). Neste sentido, alguns participantes

admitem que a continuidade dos estudos teria possibilitado um percurso de vida mais ajustado socialmente

(e, portanto, o reconhecimento de pertença social) e com melhores condições de estabilidade:

(E01) “A escola, a escola foi muito boa. Eh… sempre fui muito boa e muito calma, sempre tive em

grupos de pessoas… meninos e meninas muito calmas. Tenho recordações boas da escola sim, da

escola sim. Aliás, era um ponto de abrigo, a escola… andar na escola… andei quatro anos também

num coro, eh… andei no ballet e para mim isso tudo era um ponto de abrigo para fugir à rotina que

tinha em casa sim, àquilo que vivia, eu e o meu irmão.”

(E04) “Entrevistadora: E depois de ter… de ter… aliás, antes de ter abandonado a escola portanto,

antes de ter saído do oitavo ano, como é que era a escola para si? O que é que significava para si a

escola?

E04: Eu sempre quis seguir medicina dentária, desde pequena, então, tentava aproveitar a escola ao

máximo… Tirando a matemática, matemática não, nada… De resto tentava aproveitar ao máximo e

mesmo a nível de professores era bom.

Entrevistadora: Então a escola era para si… tinha gosto em ir à escola?

E04: Sim.”

(E05) “Gostei, gostei, gostei, tenho saudades, principalmente na primária, gostei muito das

professoras que tive, a professora que tive da escola primária que já faleceu há muitos anos, quando

fui para lá fui era uma pessoa de idade, já quase na reforma, a infância, do ciclo também, do liceu

também tenho algumas boas recordações, de alguns professores (…)”

(E09) – “Entrevistadora: Foi um período bom da sua vida [a escola]?

E09 - Foi, posso dizer que sim.

Entrevistadora: Porquê?

E09 - Porque… Não me metia em confusões. Ainda, como ainda agora me meto. Uh… Mais…? E

gostava de… Também levei muitas reguadas. Muitas mesmo. Mas foi bom. Foi um período da minha

vida que foi bom, gostei.”

(E08) ”Entrevistadora: “Gostava de estudar?

E08 – Sim. Gostava, gostava.

Entrevistadora: Gostou de estar na escola?

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E08 - Gostei, claro que gostei. E… Porque, e ainda bem, ainda bem que eu tenho a quarta classe. Que

eu sei… Eu sei, como você sabe, que há homens e mulheres do meu tempo que não têm a quarta

classe. (…) “São recordações, recordações muito boas do tempo da minha infância, da minha

juventude, de quando eu era criança. (...) É uma das recordações boas do tempo de quando eu era

criança. Que me deixam saudades e tudo isso. São coisas que nos marcam pela vida fora.”

(E08) “Entrevistadora: “E gostava de ter continuado a estudar?

E08 – Muito. Não sei o que seria hoje, eu penso, eu penso… eu penso que talvez, se eu continuasse a

estudar, hoje, talvez agora na parte final, teria talvez uma boa reforma… Penso, eu penso que sim.

Como eu…”

(E09) “Entrevistadora: Gostava de ter tido mais oportunidades de formação?

E09 - Gostava.

Entrevistadora: Porquê?

E09 - Porque estamos sempre a aprender. E acho que para mim é bom estar sempre… Sempre ativo,

sempre… Sempre a aprender. Basicamente é isso.

Entrevistadora: Acha que teria tido melhores oportunidades em termos de trabalho se tivesse tido

mais oportunidades de formação?

E09 - Penso que sim.”

Embora atribuam importância a aprendizagens formais em idade adulta e considerem as vantagens de

realizar cursos de formação (Categoria 4 – Percurso de Formação), os participantes manifestam críticas à

estrutura formal da formação de adultos, principalmente pela inadequação às suas necessidades atuais e ao

seu percurso de vida:

(E11) “Entrevistadora: E sente que eh, antes de fazer estes cursos de formação, que estes cursos são

mais recentes não é, dos que tem feito? Eh, ao longo da sua vida, acha que se tivesse feito outros

cursos de formação, a sua vida teria sido diferente?

E11: Não… e para ser muito sincero, eu acho que estes cursos servem, servem é pouco e passo a

expressão, para mim até são cursos da treta mas prontos, mas é, é o que se pratica hoje em

dia…Mas, mas é uma realidade…porque é assim, eu quando fiz o RVCC, aliás, o… quando fiz o RVCC, é

atribuído o 9º ano e até mo atribuíram com distinção… o que agente tinha de fazer a história de vida

e eu na história de vida… prontos… fui muito sincero e contei o meu episódio, podia não fazer mas

fiz… contei o episódio da minha passagem pela rua e essas coisas todas (tosse) então valorizaram

isso e atribuíram-me o 9º ano com distinção… Uh, prontos e perguntaram me o que é que eu achei

não é?… Sobre o curso, se eu estava contente com o RVCC e…lá está, como disse a pouco, fui uma

pessoa muito frontal e muito direta e apenas respondi, “olhe, quer a resposta sincera, ou quer uma

resposta bonita?” O que ninguém contava lá no lugar, cheio lá de Doutores…ficaram todos a olhar

para mim… “Ah, porquê, tem duas?” disse,” tenho!” “Ah, já agora diga as duas” e eu disse “prontos

ok… prontos, olhe a resposta bonita, olhe agradeço muito, até agora tenho o 9º ano e isto vai-me

abrir portas aqui no mercado de trabalho que nunca tive até hoje, vai-me facilitar isto e aquilo… Isto

é a resposta bonita! E estou muito contente… A resposta sincera… é ok, agradeço, agora ponha…

Acho que, a equivalência deste 9º ano, não sei se sou merecedor dela porque ponha-me aqui um

teste de um rapaz da escola do 7º do 8º ou do 9º ano aqui na frente, a mim ou de qualquer um dos

meus colegas e ponha-nos para nos fazer e veja se sabemos o que é suposto fazer…”. “Ah, mas nós

valorizamos a história de vida, porque… por causa da idade, por causa que… porque é diferente…”.

”Ok mas imaginamos que amanhã, por exemplo”… Eu nunca tinha mexido num computador, foi

durante umas sessões do centro de emprego que aprendi a mexer basicamente no computador…E

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diziam-me: olha amanhã, ok tenho o 9º ano, estou grato… amanhã arranjo um emprego, por

exemplo, eu tenho o 9º ano, arranjo um emprego e…. o empregador a quem me apresento diz, “olha,

ok, fica cá a trabalhar”, e como supostamente eu tenho o 9º ano, ele diz assim: “olhe tem aqui a sua

secretária, tá aqui o computador, vai fazer isto, isto e isto”, e vira costas e não vai perguntar se eu sei

fazer ou não… porque eu tenho o 9º ano, não é?! Supostamente tenho… e eu na realidade então vou

ficar a olhar para o computador a pensar como é que se faz… mas é a realidade… Não é?! Isto era a

minha resposta sincera… Ficaram assim todos a olhar uns p’os outros… Se calhar arrependeram-se de

me terem dado com distinção [risos] mas não interessa, foi o que foi… já está feito… Mas é a

realidade… Lá está, estes cursos, ok, há muita coisa interessante e aprende-se muitas coisas também,

não é?! E o saber não ocupa lugar e… é sempre algo para a nossa vida, é sempre um

aprendizagem…mas agora, que seja por causa de um curso que a gente vai arranjar emprego

amanhã… não me convence disso! A realidade não é mesmo essa…a nossa realidade é

conhecimentos, se a gente tiver conhecimentos é que consegue alguma coisa… dificilmente com

currículos a gente vai a algum lado.”

(E14) “Entrevistadora: Gostava de ter feito mais cursos de formação ao longo da sua vida?

E14 - Uh, não.

Entrevistadora: Não?

E14 - Não, que eu tipo… Não sou dessas coisas.

Entrevistadora: Acha que não era importante?

E14 - Não estou… Não estou com cabeça pa… Para estudos. Quero trabalho. Se me der trabalho, eu

agradeço. Agora estudos…

Entrevistadora: E neste momento, sente-se preparado?

E14 - É que a gente… A gente nos estudos, num curso, não aprende nada! Eu, por exemplo, eu tirei

este curso de computadores [e] se me puser agora um computador na mão, não sei… Não sei pegar.

A gente está parado bastante tempo, aquilo já saiu da memória. Computadores, somos nós mesmos.

Se me puser um computador… Um telemóvel, eu quase que não sei mexer! É só fazer chamadas ou

recebê-las. Que a gente tá num curso, tá ali a fazer as coisas… É preciso chamar a professora para

ensinar, ela ensina, a gente tá ali a aprender. Aquilo são… É meio ano… Estamos quê?! Pr’aí um ano

ou dois parados… Passa-se tudo. Apaga.

Entrevistadora: Sente que, para além daquilo que aprender, é importante ter uma prática diária, não

é?

E14 - Ora… Ora bem. Porque senão, não vale a pena. Não vale a pena porque passa tudo. A gente

esquece, não é?! Pelo menos, eu sou assim. Não vou dizer que os outros tenham mais memória que

eu e consigam chegar ali e mexer. Agora, eu não. Eu se tiver muito tempo parado, esqueço. Por

exemplo, a arte, já não me esqueço. A arte não me esqueço, porque a arte… Veio de pequenino

comigo.”

(E08) – “Aqui há formações, aqui também, só que são mini formações… p’ra mim não dá! P’ra mim,

tinha que ser uma ocupação a longo prazo… Faço-me entender?! Uma ocupação não é de cursos

muito limitados, muito curtos, porque o que eu vou fazer ao curso… não vou fazer nada! Não é em 15

dias ou um mês, num curso, num «mini curso» como eu lhe chamo… chamados mini cursos… mais

ocupacionais… que se aprende. Isso não é o suficiente. Nem se aprende na teoria, nem se aprende na

prática. Porque a pessoa, ao dar o curso, ou opta pela teoria, ou opta pela prática… o que é que a

pessoa faz, nestes mini cursos? É pela teoria… e depois a prática?! Onde é que ela está?! Tem que

haver… Tem que haver cursos, por isso é que eu sou muito apologista da[s] antigas escolas

comerciais e industriais… Lembra-se de antigamente havia a escola Comercial e Industrial… (...) Sim,

que era muito bom, mas muito bom mesmo! E acabaram com isso! Acabaram com isso.

Antigamente, sim, havia isso… Isso era muito bom! Porque a gente… Eu, não era um curso, a gente

estudava, mesmo, estudava e aprendíamos e praticávamos… havia as chamadas Escolas de Artes e

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Ofícios, havia tudo isso. Juntava-se o estudo à profissão, mas a longo prazo, para que a pessoa,

quando tivesse uma profissão, uh… Através desse curso, a pessoa saía com um diploma capaz de

enfrentar um patrão e dizer assim “Olhe, eu sei fazer isto!”. Não é chegar ao pé do patrão e o padrão

dizer assim “Você sabe fazer isto?”… Com os cursos de hoje…. “O que é que sabe fazer?”, “Ah, não sei

fazer nada…”. É chato. Isto, agora, estes chamados cursos, chamado… P’ra mim, eu considero mais

um curso… um curso de espaço de tempo, para queimar tempo, para… São ocupações em vão… É, é!

(...) São momentâneos, são cursos momentâneos, que não dá para um jovem, seja quem for,

aprender, porque não há tempo suficiente, quer para o instrutor… Hm? Quer para o aluno. Não há

tempo! O instrutor limita-se àquele tempo, o aluno também se limita àquele tempo. A conclusão que

se tira do curso é esta! Fui lá, fui ganhar 300 ou 400€… a única coisa que pode dizer, porque, no

fundo… Ah, sim senhora, dão um papel, um diploma… Um diploma, que me interessa a mim eu ter

um diploma, se eu não sei fazer nada?! (risos) Isso não dá nada… É, ou não é?! Eu chego ao pé de si,

você tem uma firma… “Ah, Sr. J., o senhor tem…”, “Pois tenho…”, “O que é que sabe fazer?”... “Sei

fa…. uh…”… Começo-me a engasgar, porquê? Porque eu não aprendi… É, ou não é?! É complicado, é

muito complicado (risos) É, ou não é?!”

Neste sentido, a ocupação do tempo (Categoria 5 – Ocupação do Tempo Livre) com atividades sociais e

lúdicas diversas é considerada como uma influência positiva sobre o bem-estar pessoal (psicológico e

emocional), porém os participantes revelam dificuldades em ocupar proficuamente o tempo em situação de

sem-abrigo, devido aos constrangimentos inerentes à mesma:

(E10) “Entrevistadora – (…) como é que ocupa o seu tempo livre? De que forma é que gosta de ocupar

o seu tempo livre?

E10- O tempo livre é que com 1 ou 2 colegas, vamos dar uma volta, vamos ali até ao parque verde,

vamos ao banho no rio, metemo-nos numa esplanada a falar, a beber um cafezinho, a falar, a rir,

descontraídos… pronto, por enquanto tem sido assim. (…) E pera aí. Falta mais. Pronto, é assim, isso

quando estou com os meus amigos, quando não estou, é ler. Tou a ler um livro na in… aqui na

internet. Um livro que chama-se O Livro dos Espíritos, pronto e o Livro dos Mediums que eu ando a

ler, para me informar, pa…

Entrevistadora: Gosta de ler?

E10 - Gosto muito de ler.

Entrevistadora: É uma forma preferida de ocupar o tempo?

E10 - Sim, e de… e de estimular o meu raciocínio.”

(E02) “(…)Eu tenho… neste momento eu tenho um computador portátil, e estou com a aquela coisa,

nunca mais chega a semana que vem para eu… Está para arranjar, para levar um display e nunca

mais chega aquele dia para eu poder ir buscar o… o computador. Que aquilo entretém… e de que

maneira, que ali há muita coisa para se ver. Não é. É, é mais uns filmezitos e uns jogos, no facebook

às vezes…sei lá, falar com a família. Eu tenho o Skype metido e depois falo com a malta de Espanha.

Depende do sítio que fizer a chamada, porque há sítios que não dá, eu oiço e eles não me ouvem a

mim.

Entrevistadora: Eh… esse… diz que, então, que o computador é muito importante para si e para a sua

saúde mental…

E02: Para tudo, para tudo. Se eu tivesse o computador, por exemplo, agora, estava no centro

comercial até às cinco e vinha para aqui às cinco e meia, às cinco e meia estava aqui. Aqui temos

internet, pronto.”

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(E01) “Gosto muito de ouvir música, gosto de dançar, muito. Eh… gosto de ler também, gosto de ler.

Gosto de passear com as minhas filhas… passar tempo com elas. Gosto.”; “Então oiço uma música,

estou um bocado no quarto a ouvir música, ou então vou passear, vou dar uma volta ao Parque

Verde, vou fazer exercício, também às vezes vou fazer caminhadas, fazer exercício, faz bem.”

(E08) “Entrevistadora: Como é que ocupava o seu tempo, nessa altura?

E08 – Ocupava por aí… Andava por aí… Como todos, eh pá… Uma pessoa desempregada o que é que

vai…? Senta-se, vai para ali, vai p’ra acolá, joga as cartas, ou isto ou aquilo, nos bancos de jardim, por

exemplo. Agora, tão ali muitas pessoas que… Muitos deles são sem-abrigo, outros são reformados e

por aí fora, e… Era essa a minha ocupação.”

(E11) “Entrevistadora: E foi importante para si estar ocupado?

E11: Muito, sem dúvida. Porque a ocupação é, sobretudo para uma pessoa que tem dependências é

muito importante, seja a ocupação que for, é um momento que a gente não está ali a pensar no

problema que temos. E depois é uma reabilitação também a nível de regras, de horários, de

responsabilidades, que são bases que a gente perde quando estamos no mundo da rua.”

(E14) “Entrevistadora - Estas atividades - uh, então, ajudar a arranjar a janela, dar esses, estes

jeitinhos, estes trabalhos que vai fazendo aqui -, é importante p’ra si esta ocupação?

E14 - Bastante! Bastante!

Entrevistadora - Porquê?

E14 - Uh, bastante porque é assim, uh… Por um lado, por um lado, estou a fazer bem à CAIS, estou a

ajudar; por outro lado, ajuda-me a esquecer as drogas; por outro lado, tenho o meu tempo ocupado.

Por outro lado, uh, não - porque eu não tenho a mania, não tenho a mania, isto é, utilizei esta

palavra da mania, mas não é… Por outro lado, por vezes, não estou em casa a partir o côco… Pensar

nisto ou pensar naquilo. (…) e ao mesmo tempo, sei que estou aqui a fazer esse trabalho e estou a

ganhar vida.

Entrevistadora - O que é que quer dizer com isso?

E14 - Estou a ganhar vida, quer dizer, tou entretido! Porque, enquanto eu estou aqui entretido sei que

não estou a fazer nada de mal. Não me estou, por exemplo, a drogar. Ou seja, depois de eu tomar a

minha medicação, que é receitada pelo médico, do HIV ou do Serenal, ou outro, ou outra medicação

qualquer, que seja receitada pelo médico e que eu não a mude, sei que o meu estado normal é aquele

diariamente. E tou consciente do que estou a fazer. E tento fazer o melhor possível.

Entrevistadora - Sente-se útil?

E14 - E sinto-me útil.

Entrevistadora - É importante p’ra si, esse sentimento?

E14 - É! P’ra mim é bastante importante.”

Valor do trabalho e perceção da sua influência

Uma dimensão de caráter notório nas entrevistas reporta-se ao trabalho e ao seu papel (a diferentes

níveis) nas histórias de vida dos participantes. Embora exponham conceções diversificadas de trabalho

(Categoria 6 – Transições de Trabalho), estas congregam-se em atribuições de valor aproximadas. Deste

modo, o trabalho é apontado como a principal fonte de rendimento e, consequentemente, como a base

fundamental sobre a qual se constroem a autonomia, a independência e o bem-estar mental, ao promover o

sentimento de pertença e utilidade social e laboral:

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(E05) “É importante porque me ocupa o tempo, me distrai, porque me sinto valorizado, porque sou

uma pessoa dinâmica, sou dinâmico e isso ajuda-me muito na auto-estima, estar ocupado. E no ramo

que eu gosto então.”

(E14) “Mais importante que a gente tem na nossa vida é saúde. A seguir à saúde, é trabalho. E a

seguir ao trabalho, é dinheiro… Que é para a gente levar a vida.”

(E12) “O importante é a gente viver a nossa vida e suportarmos a nós, as nossas despesas, sermos

independentes de toda gente, uh, e a maior tristeza que a gente pode ter é a gente não conseguir e

não termos esse trabalho e a gente ter que ser obrigado a ser dependente de alguém. Isso é… E eu

sinto, eu neste momento não estou dependente de nada nem de ninguém, eu estou dependente de

mim. Eu se fizer dinheiro ali, como; se eu não fizer dinheiro ali, eu não como, tenho que ir às carrinhas.

(…) Eu, se tivesse trabalho, eu não pedia nada a ninguém. Eu também tenho o meu orgulho. Eu se

tivesse um emprego, podia ter a certeza que eu ignorava a Segurança Social a cem por cento, porque

aquilo é tudo uma mentira, é tudo uma fachada.”

(E14) “Trabalhinho é que… dava-me tudo. Dava-me saúde… Acredite que dá! Trabalho dá saúde. Há

gente que brinca, “O trabalho dá saúde, é dar trabalho aos doentes”, e eu, por exemplo, não sou

doente, quero trabalho e não tenho. Mas a mim, dá-me saúde.”

(E10) “Por isso é que eu lhe digo, é assim, eu acho o trabalho importante… é… di… dignifica a pessoa

sim, sem dúvida nenhuma, e eu quero ter o trabalho que eu goste, mas a par disso, eu quero con… não

quero a ter uma vida monótona, como muita gente tem, que a gente s… eu sei disso, que só vêm a vida

trabalho/casa, casa/trabalho e depois acabam por se sentir infelizes a vida inteira. Escravas,

prisioneiras de… disso mesmo. Não, não. Eu quero trabalhar sim, mas também quero trabalhar em

mim, também quero… também quero ter os meus projetos, e não quero que m’apu… que…que uma

coisa impeça a outra, porque atão aí… alguma coisa tá mal. E eu sei que vou conseguir essa conci…

conciliação, eu vou conseguir isso, porque o trabalho claro… o trabalho… sem trabalho não há nada.

Aliás, eu próprio digo, eu sem trabalho, não tenho… o que é que eu tenho? Tenho-me a mim mesmo e

aqui…”

Ao invés, as situações de desemprego produzem um impacto negativo que, pela sua persistência,

conduzem a uma maior fragilização psicológica devido ao permanente sentimento de inutilidade, associado

à dificuldade de ocupação alternativa, produzindo efeitos prejudiciais ao nível da auto-estima, nas auto-

imagens pessoais e sociais, o que, por sua vez, gera, em algumas situações, processos de resistência a

episódios depressivos:

(E08) “Sinto-me inútil. Uma coisa que não serve para nada. Porque eu sinto que não sirvo para nada,

uh…”

(E01) ”Foi muito mau, senti-me inútil, eh… porque ao menos assim uma pessoa está ocupada, tem uma

mente mais ocupada, eh… e uma pessoa acaba por juntar o útil ao agradável não é? Trabalhar…

ganhamos algumas experiências. É horrível mesmo, estar sem trabalhar.”

(E05) “Sentia-me chato, frustrado, com a auto-estima muito em baixo, não estava habituado a estar

parado, e queria começar a trabalhar, sentia-me muito nervoso, muito aborrecido.”

(E14) “ Eu não me sinto é bem é parado!

Entrevistadora: Porquê?

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E14 - Sinto-me mal. Não me sinto bem. Quarto, comer às carrinhas ou comer lá acima, quarto… Quer-

se dizer, uma prisão autêntica, e a gente começa a bater mal. Eu, com o álcool, era um bocado…

Violento.”

(E09) “Já estou assim há 2 anos… É, 2 anos. E se continuo assim muito tempo vou… Vou dar em

maluco. Vou dar mesmo em maluco, se continuar assim durante muito tempo. Já estive assim,

também, até arranjar pr’o McDonald’s. Estive, sensivelmente, 3 anos e meio sem fazer nada. As

pessoas “Pá… [Vai] Para o McDonald’s…”, e eu fui para lá. Parece que me saiu um peso das costas!”

(E04) “É horroroso. Para já eu sou uma pessoa ativa. Não consigo estar parada, tenho que inventar

sempre alguma coisa para estar fazer. (…) É horroroso, é horroroso. É horroroso a todo o nível, a nível

de estar parado, a nível de não ter por onde se mexer, não ter… Como é que eu vou explicar? É o ter um

filho “oh mãe dá-me isto, dá-me aquilo” e tu olhares para o filho e “eh pá, não tenho.”

Verifica-se, através das entrevistas, que os percursos laborais dos participantes se iniciaram,

maioritariamente, em idade precoce (entre os 10 e os 13 anos), pautando-se por trabalhos em áreas

diversificadas no comércio, indústria, construção civil, agricultura, restauração e trabalho doméstico. Os

períodos de desemprego, vivenciados durante estes percursos, resultam de diversas situações associadas a

falências das empresas onde trabalhavam, a cessação de contratos de trabalho, influências das adições

(alcoolismo e toxicodependência), dificuldades derivadas de problemas de saúde e, também, a dificuldades

de relacionamento com os superiores (chefes e/ou patrões).

Numa análise destes percursos, os participantes revêm as suas relações laborais como positivas, assim

como caraterizam positivamente as suas competências sociais e profissionais desempenhadas durante os

diferentes trabalhos, apoiando-se nesta visão quando perspetivam a reentrada no mercada de trabalho e,

consequentemente, na estabilidade proporcionada pelo mesmo:

(E08) “Nunca tive problemas com patrões… Uh, pronto, uns mais agradáveis, outros menos. Uns mais

simpáticos, outros menos mas, por norma, quando chegava ao fim do mês, eles cumpriam e eu

também fazia por cumprir. Nunca fui despedido, [o] que é uma coisa boa que eu tive comigo, [que] foi

sempre nunca dar oportunidade aos patrões… para me despedir, porque eu, ao dar a oportunidade a

um patrão pa me despedir, estou-me a fragilizar a mim próprio. Uh, tou a demonstrar que não sou um

bom operário.”

(E05) “Hum, quer dizer, gostava, eu sou assim, eu sou muito fiel, quando me fixo sou muito fiel às

pessoas, por exemplo naqueles 12 anos naquela casa, gostava muito do meu patrão, e tive e

oportunidade de ser muito mais crescido na vida. Porque naquela altura os transitários trabalhavam

bem e procuravam sempre os bons profissionais, e davam-lhes logo o dobro, era a oferta e eu tive

ofertas fabulosas, a ganhar por fora, e lucros, mas eu não me fui por esse caminho, acho que estava

bem pago, era compensado, e pronto gostava do meu patrão, não ia trai-lo, uma pessoa que sempre

me respeitou, nunca me faltou nada…”

(E11) “(…) ou seja, sou uma pessoa muito proactiva, sou uma pessoa muito…proactiva e sou uma pessoa também polivalente, que me adapto a qualquer tipo de serviço…e não sou complicado, sou descomplicado…é pra se fazer, faz-se e se for assim, mesmo que eu não concorde, é assim, pronto é assim que se faz.”

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(E08) “Eu era uma pessoa, pá, fazia a minha obrigação - nem fazia muito, nem fazia pouco. Sabia que

tinha… Sabia que tinha que trabalhar, era para isso que eu me levantava e saía de casa, pronto. Mas

nunca uh, nunca fui uma pessoa de… pronto, de… de mudar de trabalho como quem muda de camisa.

(…) Mas, uh, nunca tive muitos patrões, nunca tive. Porque eu… Eu era um trabalhador de longa

duração, sabe?! Porque eu não era aquele trabalhador que trabalhava meio ano, três meses, um ano

ou dois… Eu só para um trabalhei 16 anos, só p’ra um! Mais 8 anos noutro e por aí fora… por aí fora.

Era, assim, um trabalhador… pronto, como… como antigamente… (…) Sempre responsável, sempre

responsável e fazer o seu trabalho e tal. Mas… era aquele indivíduo que cumpria… pronto, cumpria.”

O desemprego em simultâneo com a situação de sem-abrigo, potencia um aumento da fragilidade social

que, por sua vez, é perpetuada por situações de exploração laboral e de dificuldades de acesso ao trabalho

(Subcategoria 6.6.), muitas vezes, sustentadas no estigma social associado às pessoas em situação de sem-

abrigo, a que acresce os longos períodos de inatividade, a idade e a degradação da aparência física:

(E04) “Entrevistadora: E acha que, por estar nesta situação, por exemplo, quando antes de estar no

curso, quando andava à procura de trabalho, acha que por estar nesta situação é mais difícil arranjar

trabalho?

E04: É, é se nós formos divulgando, não é? Há muita malta aqui da casa que tem um hábito, tem por

hábito, por exemplo digamos, quando vão fazer uma alteração de morada à Loja do Cidadão, “oh pá,

eu já não moro em tal sítio, estou a morar em (…) C. A.”. Prontos. A C. A. tem muito que se lhe diga. C.

A. ou outra instituição qualquer, não é? Às vezes a gente esconder que estamos numa instituição é

bom. Porque do outro lado, não é?.. “Eh pá, estás numa instituição, das duas uma, ou foste drogado,

ou estiveste preso, ou és um bêbedo, ou não sabes trabalhar”. Prontos, por isso é que eu digo que às

vezes o omitir que estamos colocados em instituições, às vezes é bom.

Entrevistadora: Ou seja, mas quando andava à procura de trabalho…

E04: Evitei ao máximo dizer.”

(E14) “Entrevistadora: Acha que, de alguma forma, a situação de… Por ter ficado em situação de sem-

abrigo, isso também influencia… Dificulta arranjar trabalho?

E14- Claro. Dificulta muito.

Entrevistadora: Porquê?

E14 - O sem-abrigo… É que nem todos… Há sem-abrigo que caiu na situação porque tinha que cair,

prontos n’é?! Derivado à minha situação… E há outros sem-abrigo que são sem-abrigo porque querem.

E andam para aí a roubar, andam a fazer asneiras e tudo. É drogas, é álcool, é tudo… E claro, por causa

de uns, pagam os outros. E as pessoas para dar trabalho, não sabem a quem é que vai dar e não tem

confiança… Têm medo. Isso também influ… Isso também conta muito.

Entrevistadora: Então acha que, de uma forma geral, as pessoas têm uma imagem negativa… (…) do

sem-abrigo?!

E14 - Sim. Isso é direitinho.

Entrevistadora: Sente isso na sua experiência?

E14 - Sim, sim. Sinto, sim senhor. Que é a gente, “Ah, o que é que fazes?”, “Sou sem-abrigo…”, e gozam

das pessoas, por causa disso, gozam das pessoas…”

(E09) ”Entrevistadora: “Sente que é mais difícil arranjar trabalho neste momento? Por ter… Por estar

em situação de sem-abrigo, acha que é mais difícil?

E09 - Possivelmente.

Entrevistadora: Porquê?

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E09 – Porque… Acho que o sem-abrigo é - se calhar tou a dizer uma mentira – mas acho que o sem-

abrigo é um bocadinho discriminado.

Entrevistadora: Porquê?

E09 - Porque os patrões acham que… Pensam que um sem-abrigo é… Vai para lá para roubar. Ou vai

para lá para beber. Mas muitos, não. Eu falo por mim. Se eu arranjasse um trabalho nem era para

roubar, nem para beber. Era para trabalhar, pagarem-me ao fim do mês - para ganhar umas gorjetas,

se fosse o caso, também se não fosse, não interessava -, mas era para… Para ter um rendimento para

as minhas coisas. Mas os patrões discriminam muito o sem-abrigo.”

(E08) ”Entrevistadora: “Acha que uma pessoa que está em situação de sem-abrigo tem mais

dificuldade em encontrar trabalho?

E08 – Muito mais, muito mais! E aliás, e não é olhado… Não é olhado pela sociedade.”

(E12) “Entrevistadora - Acha que por estar em situação de sem-abrigo é mais difícil encontrar

trabalho?

E12 - Sim. Por exemplo, eu quando estava mesmo, mesmo na rua… É porque, por exemplo, a troca de

roupa, nós não conseguimos, por exemplo, trocar de roupa todos os dias. Porque nós… Depende de

onde esteja, não conseguimos lavar roupa, ou trocar de roupa todos os dias, isso é impossível. Eu pelo

menos sou uma pessoa que quando se vai trabalhar a gente tem que ir limpo, asseado, não é? A

cheirar bem. Que é para a gente poder trabalhar seja para o que for e para estarmos com os colegas

de trabalho, até com o patrão. Isso é uma imagem… Depende, eu já estou a falar, por exemplo, de uma

fábrica de calçado, ou numa fábrica que a gente teja dentro de um armazém, então… Eu de lojas e

essas coisas todas eu nem penso em ir lá bater à porta – isso é esquecer. Eu sei que não tenho hipótese

nenhuma em ir trabalhar para uma loja qualquer, seja lá para o que fosse. Eu sei que não ia ter… Eu sei

estar e sei ver que não ia ter qualquer tipo de chances.

Entrevistadora - Porquê?

E12 – Primeiro, não tenho a escolaridade suficiente, não tenho a escolaridade. Depois, já tenho uma

certa idade e a minha imagem não é das melhores. Prontos. E eles querem pessoas já com alguns

estudos e que tenham muita experiência, porque agora é o que pedem mais, pedem currículos… O que

é que eu ia escrever num currículo? Nada. Tenho uma quarta classe. E experiências? Uh… Só se for em

fábricas de calçado, e eteceteras, ajudante de cozinha, e mais nada. E isso num currículo não é nada.

Entrevistadora - E conseguiria fazer um currículo? Tinha meios para o fazer?

E12 - Não.”

(E14) “Eu andei aí a fazer vários serviços - aquele café, que estava em cima do jardim, à beira do Santo

António, foi feito pelos sem-abrigo. O F. era eletricista, encartado. Eu, trolha, encartado também, o

primeiro. Mas eu faço de tudo um pouco, porque eu vim de uma firma que se fazia de tudo. Era-se

obrigado a fazer de tudo. E fiz de pintor. Andava lá um pintor, mandaram-no embora - até chamou lá a

polícia duas vezes – o velho não sabia pintar, não… Era, prontos… Era um “borra-botas”, andava ali, só

para enganar. E a ele, pagava-lhe bem e andava de carro, que ele também era de Aveiro, a trabalhar,

com nós. Quer-se dizer, aquele café foi feito pelos sem-abrigo e chegam ao fim, é, toma lá 10€ e vais

comer ao meio dia com nós. Quer se dizer, isso é gozar com quem é pobre. Em vez de ajudar, não! Tá a

calcá-lo pa baixo. Cheguei à beira do Sr. M. e disse, “Gosta do trabalho?”, “Oh, está impecável!”, “Sr.

M., só que é assim, 10€ não chega a nada”.

Entrevistadora: Dava-lhe 10€ por dia de trabalho?

E14 - Sim. (…) Não havia horários de saída nem nada. Diz ele, “Eh, não posso fazer nada, não posso dar

mais…”. Peguei em mim e nas minhas coisas e vim-me embora. Os outros dois ficaram lá, mas também

vieram logo atrás de mim. Mas o café ficou feito, isso é que é o mais bonito! As pessoas aproveitam-se

também, sabendo que a gente está na situação, também se aproveitam. Agora não falta é oferta,

conforme disse há bocado, não falta oferta. Só que sabem a situação e gozam com as pessoas. Isso é

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)

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como, “Vamos para a apanha da ameixa, vamos para a apanha da uva…”… Quer-se dizer, mas sabe, a

gente tá aqui como sem-abrigo, ofertas não faltam! Vai para lá e depois… Tens estadia, tens tudo…

Tens isto e aquilo. Chega lá, não tem nada. É tudo ao contrário. E depois dinheiro, também não há

nada…

Entrevistadora: Já teve essa experiência?

E14 - “Eu não tive, mas os meus colegas, a quase todos, tiveram. E houve um deles que foi e não voltou.

E a quase todos, se calhar a maioria, andam atrás dos sem-abrigo, porque andam aí uns poucos - é

quase tudo “ciganada” -, a pedir aos sem-abrigos para irem trabalhar para a apanha da fruta. Uma

vez, eles até tiveram que roubar os morangos, lá dentro da quinta, e vendê-los cá fora para ganhar

dinheiro para vir embora. Acontece muito isso! As pessoas aproveitam-se… E eu queria ver se não

chegava a essa situação. Antes quero andar por aqui. Se aparecer um servicito, faço, se não aparecer,

não faço.”

Nesta medida, a obtenção de um trabalho remunerado que possibilite autonomia e independência é

o mais destacado pelos participantes quando se reportam ao seu futuro profissional, uma vez que se

consideram aptos para reingressar no mercado de trabalho:

(E03) “Entrevistadora: O que é que… também já falou um bocadinho sobre isto. Quais são os seus

planos para o futuro, quais são os planos para a sua vida?

E03: O meu plano de futuro é tentar que arranjar trabalho e seja qual ele for, que seja honesto, pelo

menos. (…) Que seja honesto. Ter um trabalho honesto e poder arranjar a minha vida, ter liberdade, e

ter esperanças e… de… que a vida, quando arranjar trabalho, há-de correr bem.”

(E10) “Quero um trabalho, dar o meu melhor porque, acredito… quer aqui nesta casa, quer seja onde

for, eu dou sempre o meu melhor. Não é pa ficar bem visto, é… não… é… é… aqui é… eu… eu a dar o

meu melhor não é ser exigente comigo mesmo, é eu tenho que saber que tou a fazer as coisas pa que…

para que eu me sinta bem, não é pa… não é… não é pós outros se sentirem bem, é para eu me sentir

bem, sentir a consciência tranquila. “Tou a fazer as coisas bem, é assim que deve ser, faço.” Isto

também se aplica ao trabalho. E depois, a partir daí, o patrão, necessariamente vai ter que gostar do

trabalho, porque eu sei… aquilo que valho, eu sei aquilo que valho, no trabalho ou seja aonde for.” (…)

infelizmente não consegui arranjar trabalho ainda, infelizmente. Mas, quando isso acontecer, eu posso

garantir que v…que o meu patrão vai…vai gostar bastante de mim, e vai… e vai pensar assim: “ Ainda

bem que eu cont… que eu contratei este rapaz.”

(E14) “Trabalhar, não falta trabalho. Não. Falta quem os meta a trabalhar. Eu, p’ra mim, não trabalho,

porque não me arranjam. Porque eu faço qualquer coisa, eu não me nego a nada. Mas é trabalhar,

agora estudar não… Estudar, está fora de questão. Agora trabalhar, eu faço qualquer coisa. Dão-me

uma enxada para a mão, que eu tou a trabalhar.”

Perspetivando o futuro

Verificou-se, portanto, que os participantes organizam os seus objetivos de vida (Categoria 7 –

Perspetivando o Futuro) e projetam o seu futuro através da realização profissional ou do trabalho que

desejam, uma vez que este possibilita a autonomia e independência (logo, promove de forma eficaz a saída

da situação de sem-abrigo) e, especialmente, porque permite a desejada dignificação e gratificação pessoal

pelo valor social decorrente do trabalho. Em simultâneo, a obtenção de um espaço (casa) seguro para

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habitar condignamente é apontado pelos participantes como outro dos objetivos mais imediatos que

pretendem alcançar.

(E02) “Entrevistadora: Eh… então o que é que… pronto, já me disse também um bocadinho sobre isto, o

que é que pretende para si e para a sua vida no futuro?

E02: O que é que eu pretendo? Quero uma vida mais ou menos estável. Ganhar o dinheiro suficiente

para deixar de andar aqui nesta vida que tenho agora, de vir aqui comer, vir aqui para dormir, comer e

dormir, mais nada. Quero ser independente. Eu já disse, eu tenho sorte. Sou uma pessoa cheia de sorte,

quando eu penso numa coisa que me pode acontecer, acontece-me sempre o contrário. Mas vamos a

ver… Pode ser porque eu vou buscar descontos de Espanha… Já fui, já estão a ir para lá…”

(E03) “Não. Eu estou é a tentar estudar, tirar o nono ano. Estou agora a completar o nono ano, para

ver se arranjo mais fácil um trabalho, não é? Para poder sair daqui, para organizar a minha vida,

porque este mundo… posso dizer que não é meu, não é?

Entrevistadora: O que é que… também já falou um bocadinho sobre isto. Quais são os seus planos para

o futuro, quais são os planos para a sua vida?

E03: O meu plano de futuro é tentar que arranjar trabalho e seja qual ele for, que seja honesto, pelo

menos. (…) Que seja honesto. Ter um trabalho honesto e poder arranjar a minha vida, ter liberdade, e

ter esperanças e… de… que a vida, quando arranjar trabalho, há-de correr bem.”

(E10) “E eu até acho, pra ter um emprego estável – que hei-de ter – para ter uma vida estável, como

hei-de ter, eu precisava passar por isto. Porque, de outra forma, eu nunca… eu nunca conseguiria

crescer interiormente, como aquilo que eu sinto que tou a crescer. Agora, claro que eu tenho esse

sonho. O meu sonho é ter a minha casa, e não uma boa… uma casa farta, eu quando peço, não peço

muito dinheiro – eu não peço dinheiro – eu peço uma casa onde eu viv… onde eu viva… c… onde eu

viva… viva com dignidade, um trabalho que eu goste, obviamente, né? (…) Não, eu sonho com um

trabalho que eu goste, e pode ser duro, porque o meu trabalho até é duro, se formos a ver. O… A minha

profissão – que eu gosto muito, que é canteiro, trabalho em mármores; faço móveis de sala; campas,

mármores artísticos, pronto (…) Eu gosto disso, agora eu tenho é de sentir-me bem no meu local de

trabalho, seja ele qual for o trabalho, não interessa. Isso eu vou ter também e não peço muito dinheiro

Srª Doutora. Peço é paz, porque p… eu antes disso tudo eu quero tar em paz comigo mesmo.”

(E11) “O emprego é fundamental…Eh… o emprego é que nos sustenta, não é? Que nos paga as contas,

isso é o objetivo principal. Depois, é passo a passo, não vivo de ilusões nem de prognósticos. Por viver

assim, de ilusões e de prognósticos e de promessas é que fui cair onde caí não é?”

(E09) “Agora o que eu quero é arranjar um trabalho para ver se saio daqui [da instituição]. É esse o

meu objetivo, é sair daqui. (…) Sim, a curto prazo. Depois, sair daqui. Arranjar uma casa, um quartinho

para sair daqui. Depois, só o destino o dirá.

Entrevistadora: Mas há algum tipo de trabalho em particular que gostava de fazer?

E09 - Não. Qualquer um. Neste momento, qualquer um.

Entrevistadora: E o que é que vai… O que é que v… O que é que está e vai fazer para conseguir alcançar

os seus objetivos?

E09 - Procurar. Procurar, procurar, procurar. Jornais, IEFP, pela internet, por todo o lado…! Para ver

se… Se consigo alguma coisa. Já estou assim há 2 anos… É, 2 anos. E se continuo assim muito tempo

vou… Vou dar em maluco. Vou dar mesmo em maluco, se continuar assim durante muito tempo. Já

estive assim, também, até arranjar p’ro McDonald’s. Estive, sensivelmente, 3 anos e meio sem fazer

nada. As pessoas “Pá… [Vai] Para o McDonald’s…”, e eu fui para lá. Parece que me saiu um peso das

costas!”

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Os participantes consideram que a responsabilidade pessoal e a auto-confiança são os fatores primordiais

para a mudança das suas atuais situações, contudo manifestam uma esperança cautelosa quanto à mesma,

numa forma de contenção da esperança num futuro mais agradável e muito diferente do atual devido,

principalmente, a todos os constrangimentos no acesso a direitos básicos (habitação e emprego) e, portanto,

pela noção do risco de reentrada na situação de sem-abrigo:

(E03) “Agora há mais objetivos, agora tenho mais. Porque… vai custar, não é, mas eu hei-de chegar lá.

Tenho mais coisas para trabalhar, mais para alcançar os meus objetivos não é? Mas… é dar tempo ao

tempo, como lhe disse.”

(E10) “…eu sei que agora não tenho emprego, eu sei que agora não tenho uma casa, mas há uma coisa

que eu sei – não sei quando ou como – eu vou conseguir, porque eu tou a fazer por isso. E depois há

outra coisa que eu não lhe disse: eu tenho os meus projetos. E agora voltando também á questão

laboral, uma coisa que não lhe disse, e vou-lhe dizer agora: de há uns anos a esta parte eu tenho

escrito. Eu tenho 2 livros pa publicar, pelo menos.”

(E12) “Eu também sei o que quero, só que não tenho a força para isso. Às vezes dá-me vontade de

fazer qualquer coisa, mas chego lá…

Entrevistadora - Então, o que é que quer?

E12 - O que é que eu quero? Quero conseguir a minha casa, que eu vou conseguir - eu sei que vou

conseguir. Eu acredito em mim, eu acredito nas minhas capacidades. E levar o dia-a-dia devagarinho,

com calma. Depois, daqui… Tentar arranjar um trabalho ou algo para fazer. Quero ocupar o meu

tempo. Não quero continuar a arrumar carros. Não vou estar a dizer que isto não é um trabalho digno,

não é uma coisa digna, que eu esteja a fazer asneiras, porque não estou. Mas não quero isto para mim,

porque isto… A gente ganha algum dinheiro mas, a nossa cabeça cansa.”

(E12) “Entrevistadora: “O que é que a faz persistir, então?

E12 – [Silêncio] O querer viver. Já houve alturas de não querer viver - de desistir mesmo. Mas lá está, é

muito incrível que pareça…! Uh, eu quero desistir… Mas não me quero matar, porque eu não tenho

coragem. Já tive mas, p’ra isso, tive que apanhar bebedeira mesmo, p’ra ir fazer. Ciente, não faço. Eu

acho que ali ia ser mesmo o meu fim. Mas não… Não pode desistir! Às vezes, eu digo assim, “Eu vou

desistir e vou acabar com tudo”, mas daqui a umas horas, “Porque é que eu vou desistir? Eu não desisti

da coisa mais difícil da minha vida, foi quando eu perdi os meus filhos… Porque é que eu vou desistir

agora, só porque não tenho casa?”. Eu não desisto. E eu tenho uma pessoa que, que está sempre ali ao

meu lado, “Oh pá, e tu não podes desistir, porque tens que ter força, tens que acreditar em ti”. E eu,

neste momento, acredito em mim. (…) Eu também quando disse «Eu vou para uma casa», eu falei com

o senhorio aqui, mas eu depois pus-me a fazer contas e eu disse, “É pá, será que eu vou conseguir, será

que não vou?”. E pus-me a fazer contas e eu… As contas à minha maneira, que às vezes as pessoas

ficam, “É pá, que contas é que tu fazes?”, são contas à minha maneira, mas são as minhas contas.

Então, eu cheguei à conclusão [que], “Não. Eu consigo, eu vou conseguir”. E falei com o senhorio, já

tenho a minha renda paga. Vou começar outro mês, é um senhorio espetacular, foi uma pessoa que

quando eu disse que queria vir para aqui sozinha ele disse, “Isso é que é lutar”, e eu, “Eu tenho que

lutar, porque não tenho quem me ajude, portanto, eu tenho que lutar por mim. Tenho que sobreviver

de alguma maneira”.

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Impacto da experiência de estar sem-abrigo

As vivências em situação de sem-abrigo (Categoria 8), seja sem teto ou sem casa, são diversificadas,

contudo destaca-se o impacto emocional e psicológico dos primeiros momentos e as dificuldades de

adaptação a contextos desprotegidos (no caso da rua) e às dinâmicas dos regimes de acolhimento

institucional.

(E02) “Entrevistadora: (…) pensando um bocadinho nessa primeira experiência em que ficou na rua…

como é que foi essa…

E02: Como é que foi? Ui… isso não desejo ao meu pior inimigo o que… dormir… passar pelo trauma de

dormir na rua. Embora hajam pessoas que preferem estar na rua, porque não têm regras para cumprir e

são livres, não é? E ganham dinheiro a arrumar carros para as drogas e tudo isso. Mas olhe, a

experiência é muito má…

Entrevistadora: Como é que foi essa experiência?

E02: Embora eu dormisse… dormisse dentro de uma caixa multibanco. Abria a porta e dormia lá, que ao

menos quente está. Era chão de pedra, mas está tudo bem.”

(E03) “É assim, tive… desde que saí de… da minha avó, estive desde de manhã até à noite sem comer,

sem saber onde ir, o saber onde ficar, o saber onde ir dormir. Foi também o… foi a primeira sensação que

eu tive e eu, pronto, apesar de depois… o meu primo soube que eu tinha saído de casa, que a minha avó

tinha-me mandado embora, não é? E depois ele à noite é que entrou em contacto comigo, eram para aí

dez, dez e tal, quando ele começou a entrar em contacto comigo, e pronto, fui para casa dele e deu-me a

refeição, deu-me dormida. Depois tentei ir ao colégio, à minha diretora, tentar ver se me podia ajudar de

alguma forma. Nesse dia ela não estava, tive mais um dia outra vez de angústia, de… sem pode comer,

sem… só comi depois à noite, quando a minha irmã saiu do trabalho, depois é que lhe estive a contar o

que se passou e isso tudo… Ela também não tem grandes possibilidades porque todos os dias trabalha,

não é? Ela e o marido e depois têm a menina também e a casa dela também é pequena, é um T1+1. E…

não tinha grande espaço para eu estar, eu também não queria estar a ser um peso para ela porque…

porque ela trabalhava e eu não trabalhava não é? Esses conflitos… Depois fiquei, nessa noite, na… em

casa dela. Depois o marido dela veio-me trazer ao Porto, que ela é de Rio Tinto e depois aí é que falei

com a diretora…

Entrevistadora: A tal do colégio?

E03: Sim, a diretora do colégio. E depois ela é que entrou em contacto para aqui, para a doutora S. A. e

depois aí é que vim para aqui morar… residir. Foi mais isso.

Entrevistadora: Na altura em que… aqueles primeiros dias que falou que foram muito angustiantes para

si, eh… o que é que passava na sua cabeça? O que é que sentia, o que é que pensava que estava a

acontecer?

E03: Pensei muita coisa, não é? Que eu não sei o que é o mundo da noite, o mundo de sem-abrigo, não

é? Às vezes ouvia dizer que há pessoas que podiam-se meter comigo, não é? E o meu medo era entrar no

mundo da droga e no mundo de roubar para me sustentar. Foi mais essa… essa…

Entrevistadora: Mais a esse nível?

E03: Sim. De poder entrar na droga, sei lá, não sei… Graças a Deus não fumo, não é? Mas podia entrar

nos grupos e tentar refugiar-me um bocadinho do… sei lá, da noite, não é? Não posso dizer o que é a

noite, não sei porque nunca vivi. Graças a Deus, não é? E pronto, e eram mais esses os meus medos, era

mais isso.”

(E05) “Entrevistadora: Como é que foi para si os primeiros tempos quando veio, os primeiros tempos em

que veio para cá, podia falar um bocadinho sobre isso, a sua chegada, como é que se adaptou, como é

que era o seu dia a dia.

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E05 – Vinha muito baralhado, das ideias, que… foi um balde de água fria, porque eu pensei que já estava

bom para ir para casa, para ir trabalhar, porque se eu fosse trabalhar, a casa não tinha sido entregue,

mas lá está, depois qualquer dos modos, alguém tinha de pagar a unidade de cuidados continuados ao

meu pai, só com a reforma, quer dizer, a renda, a unidade, depois eu ia para casa doente ainda sem

trabalhar, isso o dinheiro que estava no banco e a reforma não chegava para tudo. Era resvés campo de

Ourique. Para mim foi, senti-me… sei lá… como uma criança que é arrancada do colo da mãe, achei

muito estranho o que me tinha acontecido… não sei explicar, assustado, depois é que me fui habituando,

foram-me explicando como é que era, a minha família, a minha prima nunca vinha cá, por vezes

telefonava e tudo, e fui logo muito apoiado aqui, logo de início, por que sabiam as razões porque eu

vinha.” (…) mas foi, foi assustador, não imaginava, não sabia que havia uma coisa destas, sabia que

havia casas, lugares, pronto, de apoio, de recuperação, mas não estava inteirado de um centro de

acolhimento.(…) Cheguei aqui, muitos traumas, muita gente, muitos drogados, aquela coisa, e agora fico

aqui sozinho, não tenho ninguém, estou aqui sozinho no meio desta gente toda. Tanto homem, para

mim, não fui habituado a isso, fui um menino que nasceu em berço de ouro, um menino que foi

habituado às mordomias todas, a tudo, quer dizer… não sei, não sabia o que era, não imaginava, sentia-

me só, sozinho, à espera que uma doutora me chamasse, eu ficava não sei quanto tempo numa cadeira…

para conversar comigo.”

(E11) “ (…) eh, e comecei prontos, a parar nos bancos de jardins, na altura nesses bancos de jardim

comecei eh, a conhecer outras pessoas…já pessoas da rua, que já estavam no mundo da rua com álcool e

tudo…eu com os problemas de álcool, sentia me bem no meio deles porque eu queria era uns

copos…portanto nada, não havia melhor companhia do que eles porque eles tinham sempre o pacote de

vinho ao lado… Ainda mais na altura, não é?… e uh… e prontos eu depois comecei a… a falar com

eles…levaram-me, levaram-me para o meio deles, ensinaram-me a viver como eles, no meio da rua…

tinha vergonha, não é?… Não sabia, não sabia o que era dormir numa casa abandonada, não sabia o que

era arrumar um carro, para ganhar uns trocos...eu tinha vergonha disso! O que é certo é que tive que me

adaptar a isso porque não tinha fonte de rendimento nenhum. Era isso ou nada! (…) e… mas lá está, uma

das coisas que gosto muito é da própria soli… solidariedade do sem abrigo entre sem abrigo. Se

aparecer alguém que… por motivo caia na rua de um momento para o outro e não sabe onde se

agarrar…. se se juntar a outro sem-abrigo, eles sabem tudo, onde pode ir para tomar banho, onde ir

buscar alimentos, onde passam os carrinhos, que essas carrinhas levarem??? Ah…”o que vais comer hoje

a noite?”... “nada, não sei onde””…”então anda connosco às carrinhas”, e eu dizia “que é isso das

carrinhas?”… ah, são umas carrinhas que trazem roupas, trazem comida… nem sabia que isso existia…

porque lá está, não estava habituado a esse mundo, eu vinha lá da aldeia, lá de Paredes e aquilo… nem

sequer tinha conhecimento que havia… e prontos e… e comecei, comecei a viver e adaptar-me a uma

vida deles… porque, lá está eles ensinam a viver… à maneira deles no meio da rua mas uh, chega a um

ponto que…aquilo é numa fase inicial mas depois é mesmo faz te à vida…” se queres estar connosco faz-

te à vida”… “não estou aqui a...arranjar trocos a arrumar carros para tu estares aqui à espera”…”queres,

não sabes vai à vida”… levaram me com eles, tivemos que ir arrumar carros à beira do cemitério do

Monte…durante um ano e tal, à beira do hospital privado da Boavista… cheio de vergonha, primeira vez,

não estava nada habituado a coisas destas…prontos, vinha de uma família que …prontos, não era r ica

mas também era, tinha as mínimas condições e assim, de um momento para o outro a gente… parece

que anda a pedir….é um sentimento tão vergonhoso para nós…“

(E14) “O que aconteceu é isso… Eu meti-me… Saí do apartamento, que eu tinha que o entregar, fui

ameaçado, tive que o entregar... E fui para casa de um colega meu, que tinha sido expulso de casa. O

senhorio… E ele disse, “Oh pá. Fui expulso, mas ele ainda não me pediu a chave nem nada. Tenho a casa

vaga. Queres ir para lá?”, “Vou!”. Fui para lá e, saí de lá uns dias até ele descobrir que eu estava lá

dentro. Descobriu, meteu-me de lá para fora. A partir daí, tive que vir para a rua, não tive outra hipótese.

(...) Eu depois vim parar aqui ao Porto. As primeiras… o que mais custa é o primeiro, que a gente não

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conhece ninguém, não sabe o ambiente, era facadas para um lado… Só guerra, só barulho! Mas depois

comecei a entrar dentro do ambiente. Comecei a… A ser mais mau. Começava a beber… Ia tudo à minha

frente. Já nem via facas, já nem via nada! Graças a deus, até hoje, nunca tive problema nenhum.”

(E03) “Entrevistadora: Mas por exemplo, desde que está nesta situação sente que houve mudanças em si

em termos… em si na sua pessoa?

E03: Sim, claro. Na altura tinha… ganhava bem, tinha uma vida confortável e agora nem… nem dinheiro

para um café tenho, não é? Nem dinheiro para… sei lá, para… para estar… uma pessoa tem aqui

horários, para poder entrar e poder sair, não é? E isso a mim não facilita muito, porque uma pessoa tem

que sair daqui às nove, entra ao meio dia para comer, depois sair à uma, entrar às cinco e meia.

Primeiro, não tenho… não conheço a maior parte deles, estão reformados ou estão… Não têm que fazer,

não é? E uma pessoa, muitas vezes no Inverno, não é? Muitas vezes aí à chuva, não é? Na altura quando

trabalhava não podia ficar em casa não é? Tinha outra liberdade, saia de casa às horas que quisesse,

fazia de comer o que eu quisesse, aqui estamos limitados a comer aquilo que eles têm na ementa não é?

É muita diferença, não é? Do poder estar a trabalhar e ter a nossa casa, e não poder trabalhar, estar

numa instituição, e ter regras. E ter regras para entrar, para sair, para comer, tudo está estipulado. A

diferença é muito grande.”

(E04) “Entrevistadora: E como é que é o seu dia-a-dia aqui no Centro? Como é que tem sido?

E04: Estando aqui? É assim, se estiver cá uma técnica ainda é naquela, dá para a gente brincar mais.

Agora quando não tá cá nenhum técnico o ambiente aqui na casa fica um bocado (pausa) estúpido.

Uh…Prontos, infelizmente é assim, porque pronto, o técnico ainda vai… é ele quem dita as regras, é ele

quem controla… Infelizmente os funcionários aqui não conseguem ter mão. Se eu puder evitar estar em

casa, ótimo. Se eu preciso ainda arranjo maneira de inventar uma visita e eu vou para a visita do meu

filho, do que estar aqui cinco minutos. Ou então pego no rádio, pego no telemóvel e ponho-me a andar

ali para o jardim e estou ali horas e horas a ouvir música. Quanto menos estiver aqui melhor. Se estiver

cá uma técnica… estou mais à vontade. (…) As únicas pessoas com quem eu me dou mais aqui na casa é

o A., é o P. e o G.. De resto nada. Não tem nada a ver com eles, se calhar tem a ver comigo própria,

mas… prefiro assim. Ah e a J., claro, a J. não pode falhar.”

(E09) “Se eu estivesse a trabalhar não estava aqui, mas infelizmente ou felizmente tou aqui. É assim, não

é um sítio onde - entre aspas - me encaixe, não é…

Entrevistadora: Porquê?

E09 - É assim, eu criei aqui muitas amizades, mas é um ambiente – entre aspas – um bocadinho pesado,

porque há muitos que vêm bêbados, e… Se nós dissermos alguma coisa começam logo a disparatar, a

insultar… E eu não estou para isso. Agora o que eu quero é arranjar um trabalho para ver se saio daqui. É

esse o meu objetivo, é sair daqui. Há aqui muitos que já estão aqui há 12/13 anos e eu não quero passar

por isso. Não quero ser mais um a ficar aqui 12/13 anos. Nem me passa pela cabeça!”

(E04) “ Fui à Segurança Social e encaixaram-me aqui. Contra a minha própria vontade!

E04 - Como agora, agora prontos, estou por aqui. Uh… Vivo e convivo, aqui… [Com] Umas pessoas

convivo mais do que [com] outras, porquê? Porque outras pessoas… Também vai da formação, vai da

educação, vai de tudo… Isto aqui é… Aqui, aqui esta instituição… A vida aqui é muito… É muito pesada. É

pesada porque… (…) Porque apesar de utentes… Doentes do foro psicológico ou doentes alcoólicos…

Pois, é complicado, sabe? Uh, toxicodependentes e… e estarem pessoas, como eu, não sendo

toxicodependente - não me quero julgar mais ou menos, eu sou igual - inserido - eu como muitos que

estão ali -, inseridos a conviver e a viver com este género de pessoas… Eu acho que é uma má opção para

a Segurança Social, não é uma opção para a instituição. Devia-se, realmente, separar o trigo do joio.”

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A fragilidade ou a ausência de relações protetoras dificultam a criação ou reestruturação de redes de

suporte estáveis que viabilizem uma saída eficaz da situação de sem-abrigo, aprofundando as dificuldades

sentidas no acesso a recursos para as quais, contribui, igualmente, o estigma social vivenciado diariamente:

(E08) ”Olhe, uma pessoa entrando numa situação de sem-abrigo é a mesma coisa que ir a um fundo de

um poço. Porque é muito difícil sair. Uma pessoa quando cai a um fundo do poço… levantar, sabe? Se

não tiver alguém capaz de lançar uma corda para ele se agarrar à corda e subir para cima, morre no

poço. E o sem-abrigo se não tiverem… Se não tiver um alguém capaz… Uh, também de… Oh pá, de o

segurar, fazer tirar de uma situação coisa, pá. À medida que os anos vão passando, o sem-abrigo

envelhece muito mais rápido, muito mais! Depois envereda por… para… Uh, para… Como é que hei-de

dizer? Para se andar com a cabeça… Oh pá, à roda, para se andar em desequilíbrio. Não é preciso muito.

Ir, basta ir ao Pingo Doce… Um alcoólico… Uma pessoa começa a beber uns copos e, enfim, por 0,80€

compra um pacote de vinho e pronto, fica com a cabeça perturbada, uh, para esquecer certos e

determinados problemas e anda… E anda sistematicamente… Sistematicamente - diariamente - dia após

dia, mês após mês, ano após ano, e anda nisto. Se não tiver um alguém capaz de dizer assim: “Vamos

levantar esta pessoa”, é complicado… É muito complicado. (…) Mas a nossa sociedade também, também

devia de - um bocadinho -, dizer assim, “Alto! Espere aí! Esta pessoa caiu abaixo de um poço, tem a

barba grande…”, “Espere aí! Mas há giletes para desfazer a barba!”. Ora, vamos olhar… Ora bem, isto

passa-se a fazer assim: “Qual é a idade dele?”, “Tem 40 anos. Espera aí que ainda é útil!”. E onde é que

está essa gente, que faz isso? Muito poucos, quase zero… Quase zero, na nossa sociedade. Porquê?

Porque - foi aquilo que eu citei há bocado -, porque a pessoa tem que ter dignidade e tem que tentar

andar sempre limpo, para a sociedade olhar nos olhos e eu olhar a sociedade, para as pessoas me

dizerem “bom dia” e eu dizer “bom dia” à sociedade. Ao passo que, se eu tiver todo sujo, com as mantas

enroladas, ou sei que as pessoas a estarem a ver eu estar todo sujo, com a barba grande, cabelo coiso,

não sei quê, todo sujo… A sociedade até foge de mim, com medo que eu tenha bichos (risos). Faço-me

entender?! Ao passo [que] se eu tiver limpo, as pessoas ainda… Ainda se lembram da pessoa. Se eu tiver

a camisa limpa, barba desfeita, tal-tal… Diga lá?! Você é uma jovem, vê-me na rua, vê-me limpo, a mim,

vê um sem-abrigo. Tou limpo, barba desfeita, tou sentado, pronto, ali, na rua, a fumar um cigarro ou a

comer uma maçã, seja o que for. E você interroga-se a si própria e diz “Assim, eh pá, sim senhor. Já tenho

reparado em muitos sem-abrigo, mas aquele homenzinho, há uma coisa que eu estou a reparar nele, ele

está muito asseado e muito limpo. Eh pá, vou ter com ele, para lhe dizer uma palavra”… Porquê? O que é

que lhe fez trazer lá? “Será que ele vai falar comigo?”. Claro que fala. Porque o que eles querem, eles

querem sair. Porque aqueles que têm a camisa limpa e as calças limpas e a barba desfeita, querem sair…

Querem sair da rua. Só estão à espera de um alguém. Mas não é fácil (risos) não é fácil… Não é fácil tirar

uma pessoa da rua. É como cair num poço… É complicado… É complicado. E a sociedade… Vai da

formação, da educação, da nossa sociedade, que não está preparada… Que não está preparada - nem

estava, nem está. Agora… Agora já está mais um bocadinho mas, agora já estou num… Agora já estou…

Antigamente, há uns anos atrás, viam um sem-abrigo e não sei quê, desconfiavam dele, eram assim,

assim… Pá, faziam dele, oh pá, aquilo que ele não era, se fosse preciso… Ou nunca foi. E é complicado,

sabe, é complicado! Uma sociedade, às vezes, margin… marginalizava, uh, as pessoas e não tinha

vontade… Vontade de se abeirar às pessoas, perguntar porquê disto ou daquilo, “Meu amigo, o que é

que o fez trazer à rua? Porquê? Então você é uma pessoa, olho para si, você é uma pessoa apresentável,

você é uma pessoa que ainda é útil a si próprio, pela forma de você viver (perdão) de você conviver

comigo nestas, pronto… Nestas palavras, nesta meia hora, uma hora, que você está a conviver comigo e

eu apercebo-me que você é uma pessoa que ainda é útil. O que é que se passou? Porque é que você,

coisa e tal, tal”, e… “Olhe, o que se passou foi isto. Agora é preciso isto… Agora é preciso isto, que haja

um alguém que me puxe para cima”. Eu pelo menos, tento fazer, tento fazer por isso.”

(E12) “A mim ninguém me vai deitar a mão. E há certas coisas que a mim me revoltam, porque como já

ouvi e disseram-me na minha cara “Estás na rua porque queres”, e eu estou na rua não porque quero,

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estou na rua porque há fatalidades, e já disse a alguém que “Pede a Deus que a tua vida não dê voltas

como a minha, porque se a tua vida der as voltas como a minha deu, de certeza que vens parar aqui ao

mesmo sítio onde eu estou, ao mesmo patamar, que não és mais do que ninguém”. Ninguém é mais que

ninguém. A menina se não trabalhar, ou se não fizer por isso, vai acabar por perder o que tem, vai

acabar por perder a casa…”

Neste sentido, importa salientar que as relações familiares da maioria dos entrevistados se pautam por

ausência de qualquer contato (fruto da própria situação ou de dinâmicas conflituosas prévias) ou por

ocultação da situação de sem-abrigo quando as relações com a família são distantes:

(E03) “Não, com os meus amigos (…), eles sabem da minha situação. Mas com a minha família sim,

com a minha avó… desde que ela me fez isso nunca mais a vi. Nunca mais a procurei, nunca mais tive

vontade de… de estar com ela, de pedir… Perdi cem por cento de contacto com ela. Às vezes vejo o meu

tio, a minha prima, aí na rua, mas é “boa tarde, bom dia, boa noite”, eles têm a vida deles, eu tenho a

minha. Estou a refazer a minha vida, e graças a Deus, vai correr tudo bem.”

(E04) “ Eu cortei tudo… tudo… Portanto eu não falo com o meu irmão e com os meus pais há quinze

anos. Até os amigos que havia, cortei tudo. Desliguei mesmo do passado. Apagou.”

(E09) “Entrevistadora: (...) uh, em relação às suas relações familiares. Sente que o ajudam?

E09 - Não.

Entrevistadora: Não?

E09 - Nem eu quero.

Entrevistadora: OK. É por isso, oK.

Entrevistadora: E em relação à sua família ou pessoas da comunidade onde vivia… Qual é neste

momento a situação da sua relação com a família, com… E com as pessoas dessa altura?

E09 – Bem. Com a família, não sei.

Entrevistadora: Não tem tido contacto?

E09 – Não. Com a família, não.”

(E12) “Os meus irmãos nunca me disseram isso [que ajudavam]. Tantos que não dizem isso a ninguém,

nem se apoiam uns aos outros.”

(E14) “Entrevistadora: Quando ficou na rua, a sua família soube?

E14 - Soube, souberam… Não! Não souberam todos, que eu não contei. A minha filha só soube quando

ela me viu no Facebook. Filmaram-me lá em cima, no Santo António, e viu no Facebook. E o… A minha

irmã soube quando viu no primeiro canal, também foram lá acima, e na TVI, a ver-me a comer uma

tigela de sopa. “Oh pá, para comer numa tigela de sopa, tinhas aqui”. “Sim, e não perguntas se tenho

dinheiro para viagens pa ir pa Senhora da Hora, do Porto?! Para ir comer uma tigela de sopa à tua

casa, só no caminho, chego aí cheio de fome, como uma tigela de sopa. Venho-me embora a pé… Com

fome fico”.

(E08) ”Entrevistadora - Nesta altura, os seus filhos sabiam que estava na rua?

E08 – Ocultei-lhes sempre. Por uma questão de eles não entrarem numa situação de desânimo,

porque… Não… Entendi, especialmente a minha mais nova, especialmente a minha mais nova… Mas eu

não… Era um impacto muito difícil… O problema não era por uma questão de complexo, que eu tivesse

complexos de dizer, “Ai estou na rua, tenho vergonha”, não… Eu não queria mexer com eles, sabe?!

Porque se eu dissesse assim, “Eu durmo na rua”… Aliás, foi uma das coisas que eu, quando entrei aqui

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111

[e] falei com a Doutora., eu disse logo, “Olhe, vai ser assim”, “Sim, sim senhor. Vou falar com vocês - os

meus filhos, e tudo - mas atenção, isto vai ficar tudo em sigilo”.

(E12) ” Não tenho que ir chorar à minha mãe, porque eu sei que, ao fazer isso, ela vai tar a sofrer o

mesmo que eu ou mais [do] que eu. Por ela me querer ajudar e não poder. Portanto ela, no momento,

não sabe que eu, por exemplo, estou na rua. Ela pergunta-me, “Ah, tá tudo bem?”, “Tá tudo bem

mãe”… A minha casa…

Entrevistadora- Mais alguém sabe da sua família?

E12 - Sabe a minha irmã...

Entrevistadora - É a única que sabe?

E12 - Sim. É a única que sabe que eu tou na rua. Ah, mas eu já lhe pedi, ela… “Tu não vais dizer aos

meus irmãos - aos nossos irmãos. Não vais dizer a mais ninguém aquilo que sabes de mim”.

Entrevistadora - Mas foi a (…) [entrevistada] que lhe contou?

E12 – Fui.

Entrevistadora - Foi importante para si?

E12 – Sim, porque ela chegou aí, e eu digo assim, “Ah”, fomos beber um copo e ela, “Ah, tão eu faço-te

companhia até tua casa”. Então, eu fui a… Fui a… Ou seja, eu queria levá-la e não poder. Então, eu

fiquei naquela, e ela, “Porquê? Não posso ir a tua casa?”, e eu, “Podes…”, e eu, tipo, bem, aquilo nem é

propriamente uma casa. Eu fiquei assim, e ela, “Então, vamos até à tua casa”, e eu fiquei… E eu,

“Como é que vou desenrolar isto?!”. E fiquei assim naquela e ela, “Há algum problema?”, e eu, “Sim.

Há um problema”. Eu podia dizer que tava na casa de uma amiga, que ela não podia ir, só que eu não

achei correto, porque a mentira tem perna curta, e eu [pensei], “Pá! Vou dizer a verdade”. E eu disse,

“Oh Ana, eu não tenho propriamente uma casa. Quer dizer, tenho uma casa mas não é uma casa digna

a que possas ir ou que se possa viver”, e ela, “Então, é uma casa ou não é uma casa?”, e eu disse, “É

uma casa. Foi uma casa habitada, agora já não é habitada. Uh, não tem água, não tem luz, não tem…

Não tem nada, ou seja, eu tou a viver numa casa velha. Eu tou na rua”, e ela, “Como?”, e eu, “Pá! Eu

vivo como… como os sem-abrigo.”

Tal como as vivências em situação de sem-abrigo também os fatores que conduziram os participantes a

esta situação são variados, com particular destaque para as situações de violência doméstica, separações

e/ou divórcios, perda de emprego e relações conflituosas com a família devido a adições.

Os participantes revelam ainda um processo de resistência psicológica à assimilação das imagens sociais

dominantes sobre as pessoas em situação de sem-abrigo como estratégia de proteção da sua identidade

pessoal. Tal verifica-se nos discursos de comparação dissociativa entre os próprios e os outros na mesma

situação:

(E01) “Entrevistadora: Eh… Vê-se a si própria como uma pessoa em situação de sem-abrigo? Como uma

pessoa sem-abrigo?

E01: Não.

Entrevistadora: Porquê?

E01: Porque não, não… como é que eu hei-de explicar… não… porque há pessoas que aqui estão que já

vivem nesta situação há muito tempo e já estiveram noutras casas abrigo. Eu não, isto para mim foi… foi

um bocado um choque de realidade. Conheci… sempre trabalhei muito e sempre paguei as minhas

contas, sempre trabalhei muito. Nunca tive… nunca fui uma sem-abrigo.”

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(E04) “Entrevistadora: Uh…E… e neste momento vê-se a si própria como uma pessoa em situação de

sem-abrigo?

E04: Não.

Entrevistadora: Porquê?

E04: Não, porque é o que eu digo, sem-abrigo (pausa) é quem está na rua. Prontos. Além de muitos

estarem por opção, uh…mas a partir do momento que eu tenha um teto, ainda que não seja meu, e que

tenha as comodidades todas que existem aqui, não, não me considero sem-abrigo.”

(E14) ”Entrevistadora: Vê-se a si próprio como uma pessoa sem-abrigo?

E14 - Vejo… Não é como sem-abrigo. Eu… Isso de sem-abrigo, puseram sem-abrigo, mas está uma

palavra muito mal dita. O sem-abrigo é aquele que dorme na rua e a maior parte deles não dorme.

Todos eles têm um quarto. Eu é que na brincadeira, e tudo, chamo… Trato-me por sem-abrigo… “Ah, e

tal, sou sem-abrigo”… Eu não sou sem-abrigo, eu tenho um teto. Ainda, graças a deus! Mas já tive à

chuva, e tudo. Tive na entrada, a chuva batia ali… Aí sim, era um sem-abrigo. Eu sinto-me uma pessoa

necessitada. É isso que eu me sinto… Mais nada. Sou uma pessoa necessitada. Tenho um quarto, [mas]

falta-me o mais importante, que é trabalho. Mais importante que a gente tem na nossa vida é saúde. A

seguir à saúde, é trabalho. E a seguir ao trabalho, é dinheiro… Que é para a gente levar a vida.

Entrevistadora – Nessa altura em que estava na rua, via-se como uma pessoa sem-abrigo?

E14 – Claro! Claro que sim. Eu não via, eu era um sem-abrigo, porque aí, os sem-abrigo são aqueles que

verdadeiramente dormem na rua. Eu não posso dizer, atualmente, que sou um sem-abrigo, porque eu

tenho um teto. Não é minha a casa…

Entrevistadora: Hoje em dia vê-se como uma pessoa sem-abrigo?

E14 - Não, não, não… Não me considero um sem-abrigo. Eu só considero um sem-abrigo os que estão a

dormir na rua e exposto… Exposto ao frio, à chuva e ao vento. Exposto a tudo que de mal me pode

acontecer, desde uma doença de ossos, sei lá, tudo. Chuva, sol, calor, sei lá… Isso é que é um verdadeiro

sem-abrigo. Foi essa pele que eu vesti, hã?! Portanto, agora, aqui, eu não me considero um sem-abrigo.

Eu considero que tenho um teto, não é meu, é do Estado – oh, perdão -, não é do Estado mas fazemos de

conta, uh, mas eu estou aqui. Não me considero um sem-abrigo… Não me considero um sem-abrigo.

Uh… Eu acho graça, às vezes, sabe, as pessoas, “Ai, situação, somos o sem-abrigo…”. Não, pá… Eu, ainda

aqui há tempos disse, “Oh pá, tira essa palavra da boca. Tu não és um sem-abrigo. Estás a dormir na

rua? Tu andas com a roupa suja? Tu não tomas um banho? Tu não tens uma refeição diária? - Perdão -,

Tu não tens 3 refeições, ou 4 diárias? Um sem-abrigo é aquele que está exposto ao vento, à chuva, a

tudo, não tem onde comer, não tem nada, hã?!”. Isso é que é um sem-abrigo!”

(E10) “Entrevistadora: Vê-se a si próprio como uma pessoa sem-abrigo?

E10 – [pausa] Não com o sentido que as pessoas lhe dão.

Entrevistadora: Qual é esse sentido?

E10 - Quando as pessoas lhe… as… tou… tou a falar no geral, mas há aquelas pessoas que falam com um

sem-abrigo como uma pessoa sem… sem casa, sem, mas também como um desgraçado, como um

pobrezito, como… um zé-ninguém. E um zé-ninguém eu não sou. Muito pelo contrário, eu vejo-me como

sem-abrigo no sentido em que não tenho casa. No sentido em que não tenho um emprego, ou melhor, o

sem-abrigo não tem casa só… só. Não tenho… não tenho aquela estabilidade, aquela autonomia que eu

queria ter, sim, não tenho, sou sem-abrigo, mas só isso. Apenas porque não tenho casa. Porque, tudo o

resto, a que as pessoas, na generalidade – não tou a dizer que é todas as pessoas – que lh… lhe

associam… não, não é comigo. Atão, se sem abrigo significa ser não ter casa, ser pobrezinho, ser pobre

de espírito, ser isto, ser aquilo, atão eu não sou sem abrigo. Agora, se isso significa apenas não ter casa,

sim. Isso eu sou.”

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A par do acesso a recursos para satisfação das necessidades básicas (alojamento, alimentação, higiene e

vestuário), as necessidades mais mencionadas pelos participantes reportam-se ao apoio familiar, à presença

e apoio de outras pessoas e ao reconhecimento e afeto:

(E04) “Entrevistadora: Quando ficou em situação de sem-abrigo, o que é que poderia tê-la ajudado nos

primeiros dias, e sentiu falta?

E04: Da minha mãe. [pausa longa] Era a minha mãe [suspiro].

Entrevistadora: Porquê?

E04: [pausa] Oh, o meu pai nunca foi… nunca foi… muito presente, lá está, com aquela coisa de não

magoar a família talvez. E no entanto era a minha mãe que nos encobria muito e estava sempre

presente e… não sei. Acho que se a minha mãe me tivesse deitado… se viesse…se tivesse vindo ter

comigo desde o início acho que… sei lá, se calhar hoje não estava aqui a ter esta entrevista. Acho que era

isso. [pausa]. Mas eu fugi.”

(E10) “Entrevistadora – (…) quando ficou sem-abrigo. O que é que poderia ter ajudado nos primeiros dias

e sentiu falta?

E10 – [pausa] Um amigo. Um amigo, 2, 3, 4, 20 se (…). Que eu senti falta...? Senti falta da minha casa, e

quando sentia falta... e sinto ainda hoje, né? [pausa] Senti falta do meu trabalho, do que gostava,

daquilo que fazia. Sim, só isso...”

(E08) “São os problemas da vida, as pessoas não têm tempo para… para os filhos. Não têm tempo para

estarem, por exemplo, para darem uma visita… Como antigamente, tinham tempo para dar uma visita…

O que aqui não existe, visitas de pessoas que nos venham ver. Isto é um facto importante. Estamos no

albergue mas… (...) Nós aqui, ninguém nos vem visitar. Uh… tá bem que isto não é o lar da terceira idade,

mas as pessoas que viessem de fora traziam uma palavra amiga, uma palavra de conforto. Não é o… não

é o conforto material o principal, porque nós… nós… Eu, eu falo por mim próprio: eu dou mais valor a

uma entrevista, perdão, a um diálogo, a um convívio, do que dou mais valor ao materialismo. Eu falo por

mim! Eu… eu, se vier uma pessoa falar comigo… uh… e se eu veja que, realmente, sim senhor, vou falar

com esta pessoa… esta pessoa vai-me ajudar, moralmente, espiritualmente, vai-me ajudar. E é isso que

nós precisamos aqui. Nós precisamos de uma lufada de ar fresco, sabe? Para nós partirmos para uma

outra vida. Porque há aqui rapaziada nova, muito mais novos, muito muito mais do que eu, pessoas com

vinte, trinta, trinta e tais, pessoas recuperáveis. O que é que… do que é que me apercebo? Apercebo-me

que isto é um ciclo fechado!”

(E08) “...toda essa gente [pessoas em situação de sem-abrigo e outras institucionalizadas] é recuperável.

Porque o problema todo, o principal problema aqui, é psicológico. A não ser que hajam pessoas que

sejam mesmo doentes físicas, porque o problema psicológico é um problema… é a maior barreira… é a

maior barreira de que, tanto a sociedade, como os empregadores, os patrões, e até mesmo o Estado

tem, é de tentar recuperar uma pessoa psicologicamente. Porque não é fácil. Não é fácil recuperar uma

pessoa, que caiu… caiu ao fundo de um poço… Não é fácil! Para tirar essa pessoa do poço é muito difícil!

Cair é fácil, agora levantar-se é mais difícil. Agora, é preciso um alguém, um alguém com as duas mãos

que também colabore, colabore. Não é pedir dinheiro, não é com subsídios (acena com a cabeça e a mão

gesticulando um “não”). É com uma palavra amiga, com um incentivo, com incentivo… Nós precisamos é

de… Não, não direi carinho, como a uma criança, mas… uh… Porque não também? Porque não? Até…

Pronto, eu sinto-me, com esta idade, com quase 65 anos, e gosto de um… de um certo carinho. (...) São

pessoas que estão numa situação extremamente complicada para os recuperar. (...) Vamos agarrar essa

gente. Vamos agarrar essa gente, hm? Vamos tirá-los de um vida para eles partirem para uma outra

vida. Isso é muito importante, isso.”

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(E10)“ (…)que nós tamos a falar dos sem-abrigo, que não têm emprego que… nem querem trabalhar ou,

muitas vezes sa… são… que são lhe oferecidas oportunidades e eles recusam, e as pessoas o… que

geralmente dizem: “Ah, não querem, deixa-os andar.” Mas é assim, nós p’ra percebermos um sem-

abrigo, temos que ir ao fundo do problema dele, temos que ir às raízes. Porque, se ele não quer, porquê?

No que é que ele deixou de acreditar? Nele próprio, em quê? Qua… qual é que foram os traumas que ele

passou? Então, ajudá-lo a resolver, porque não se começa a fazer uma casa pelo telhado. E se queremos

ajudar os sem-abrigo nestas casas, seja aonde for, temos que começar pelo princípio. Ouvi-los, tentá-los

compreendê-los, e mais importante que isso, tentar que eles se compreendam a eles próprios e se

aceitem a eles próprios. E a partir dai, garanto-lhe a si, que o mundo começa a ser melhor. E os sem-

abrigo, se calhar, começam a desaparecer, porque começam a ter mais força e a ac… acreditar: “ Pera aí,

isto não f… a vida não é… não é só assim.” E se começam a ter mais gosto neles próprios, e quando uma

pessoa começa a ter mais auto-estima, necessariamente começa a… a s… a lutar por ele próprio. (…)

Pronto, depois e é assim, será… se calhar, as pessoas… os sem-abrigo, hoje em dia, isto… isto no merca…

mesmo no mercado laboral são… são tão esta… est… est… estigmatizados, que eles próprios ac…

acabam por acreditar ne… que ne… nesses estigmas que as pessoas lhe apontam, e pois acabam por…

isto é… quase um… é quase um vi… um ciclo vicioso. E não querem porquê? Porque acreditam que não

conseguem dar um passo mais á frente, eles tão ali e não saem dali, porque a… as pessoas… eles

acreditam, porque muitas pessoas também o fazem acreditar que é mesmo assim, e eu acho que, pa

acabar com os sem-abrigo ou pa acabar com a discriminação social, devíamos ouvir…”

Estruturando a saída da situação de sem-abrigo

Mais uma vez, a construção de relações de confiança com os profissionais das instituições de apoio

exerce uma influência positiva na motivação das pessoas em situação de sem-abrigo para a vivência de

processos de mudança (Categoria 9 – Processo de Saída da Situação de Sem-Abrigo), emergindo como

figuras representativas de respostas a diversos níveis (e.g. alimentação, alojamento, vestuário, formação,

emprego, ocupação) e, portanto, facilitadoras dos processos de (re)inclusão, mas também como figuras de

suporte psicológico e emocional:

(E01) “Entrevistadora: E sente que tem recebido a ajuda necessária para sair desta situação?

E01: Sim. Eh… sim, portanto a doutora Lúcia é gestora do meu processo, não é o doutor J., é a doutora L..

E é assim, gosto muito dela, eh… ela tem uma personalidade forte, mas tem de ser mesmo assim. Eh… e

desabafo muito com ela, passo muito tempo no gabinete com ela, e é uma pessoa sensível, que tem

coração.”

(E03) “E aqui as pessoas são simpáticas, são… da parte da cozinha, as doutoras, a parte do psicólogo

também. Temos agora um psicólogo. Quando uma pessoa precisa eles estão sempre a par das coisas, a

querer ajudar, não é? Assim também é bom, um empurrãozinho para a nossa vida é bom, não é? Para

uma pessoa ter mais fé, para ter mais confiança, não é? Começamos a ter outras noções da vida, não é?

E isso é que… eu gosto de estar aqui é por causa disso, por causa das pessoas, somos simpáticos para

elas, bons para elas e ao mesmo tempo elas ajudam-nos, não é? Porque elas também nos querem ver

sair daqui, não é? Não é sair daqui para a rua, eles querem que uma pessoa saia daqui bem e elas muitas

vezes nos dizem isso. Querem que uma pessoa saia daqui com esperança de vida, não é? E que não

voltamos à mesma situação, ao estar sem-abrigo.”

Entrevistadora: Sente que tem recebido a ajuda necessária para sair da situação de sem-abrigo?

E03: Acho que sim, as pessoas que estão… Posso dizer que sim e que não, acho que as pessoas fazem o

seu trabalho, acho que… ajudam naquilo que podem, não é? Pelo menos a doutora S. e a doutora M. e o

doutor P. também, fazem o que podem. Uma pessoa tem também de fazer por isso, de… sentir-se

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motivado para também querer sair daqui, não é? As pessoas aqui… estão aqui, deixam-nos estar não é?

Uma pessoa tem é de trabalhar para poder sair daqui. Acho que as pessoas devem sentir que dão mais

apoios às pessoas que, digo eu, tentam trabalhar e querem sair daqui. Essas pessoas tentam também

reconhecer o valor e tentam ajudar mais…”

(E11) “E o que é sorte é que, no meu caso a Doutora S. e a Doutora A. foram pessoas incansáveis, que

nunca desistiram de mim e andaram muito tempo atrás de mim. Chegou a um ponto quer dizer, que

chegavam aqui ao jardim, eu parava aqui no Jardim da Boavista e eu via-as a entrar num lado da

rotunda, eu via-as ao longe, eu fugia do outro, pirava-me do outro, era assim “Ui, lá vêm as chatas!”

(risos), ou seja, não tinha muita consciência com o…do problema que eu tinha e que o sentido delas era

vir para me ajudar. (…) Até que um dia elas mesmo até… mais uma vez vieram atrás de mim e eu, mais

uma vez queria fugir delas, mas já nem tive pernas para…nem sequer para atravessar a estrada, que eu

já quase não andava. Pronto e então estiveram comigo e mais uma vez, mais uma conversa e tudo,

incentivaram-me, motivaram-me, se eu queria ajuda, porque não fazer mais um tratamento, na altura

era no Magalhães Lemos, alcoologia. Mas eu já tinha feito três ou quatro desintoxicações e pronto,

estava sempre naquela que não seria por aí que ia resolver a minha vida, como as outras se calhar, ou

seja, lá está, também não estava muito consciente pela mesma forma como eu não estava. (…) Sempre…

sempre com apoio, sempre com suporte também da AMI, que foi uma casa que me ajudou muito. Fez

muita diferença, fez diferença a vontade, está aí muito, não só mas também, as doutoras, que era o caso

ajudou-me imenso, porque estiveram sempre, sempre, sempre, sempre em cima de mim, no sentido de

ajudar, sempre presentes naquilo que eu precisava. A Doutora S. até passou a ser minha psicóloga, a

Doutora A. colaborou sempre com ela para me tratar de tudo o que era papéis da segurança social, isso

tudo. Sempre a arranjar maneira de eu nunca ficar muito tempo sem fazer nada. Ou seja, o envolver-me

em cursos, através do centro de emprego e…”

(E09) “Entrevistadora: Sente que tem tido apoio para a procura de trabalho?

E09 - Sinto. Mais aqui…

Entrevistadora: Aqui aonde? No albergue?

No albergue. Mais por parte das doutoras.

Entrevistadora: Que tipo… Que tipo de apoio é que lhe dão?

E09 - Incentivam-me. Incentivam-me para arranjar trabalho, para… Estão sempre, “Tens que arranjar

trabalho. Tens que arranjar trabalho. Tens que arranjar trabalho…”. Incentivam-me. Dizem-me que se eu

conseguir arranjar trabalho, ótimo! Que é bom, vou ganhar o meu dinheiro. Uh… É esse tipo de

incentivos que as Doutoras me dão.

Entrevistadora: E é importante para si?

E09 - Muito! Muito importante. Sinto que, tendo o apoio delas, me mete mais p’ra cima, para ir à procura, para lutar. Se eu não tivesse o apoio delas ficava sempre em baixo e não tinha forças. Mas, como elas me incentivam, eu já ganho mais força para sair daqui de manhã [e] ou ir ao IEFP, ou vou ali, ou vou ali, ou procuro no jornal. E vou. Se vir alguma coisa que me interesse, vou.”

(E13) ”Entrevistadora: o que é que acha que faria diferença, uh, para conseguir sair da rua, em termos de

apoios, recursos…? Pensando na sua experiência, e na experiência de outras pessoas que conheça…

E13 - Ora bem. O que fazia falta foi o que me aconteceu aqui. Chegar aqui, encontrar pessoas

compreensivas, pessoas com pena de mim… E que eu fui sincero com essas pessoas, com a C., com a R., e

que viram nos meus olhos que eu não estava a mentir. E que viram que eu, uh, havia alturas que tinha

vergonha de dizer uma palavra

Entrevistadora - Então sente… É importante p’ra si sentir que confiam em si?

E13 – Exatamente.”

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Contudo, os entrevistados apontam a insuficiência e inadequação das respostas existentes criticando a

ausência de esforço e empenho das instituições na promoção da transformação da problemática e

apontando a necessidade de supervisão das mesmas:

(E10) “Olhe, uh é assim, sem querer julgar ou criticar, eu penso que as instituições ou... ou, pronto , as

entidades que acolhem sem-abrigos e tudo o mais, sim senhores fazem bom trabalho e tudo o mais, mas

em todas elas falta-lhe algo essencial, que é aquilo que eu já disse: é... é para com... porque há-de

reparar, mesmo aqui em C. isso passa-se, e não há ninguém que não possa... que possa dizer o contrário

é que, a nível de sem-abrigo, os que vêm pr’aqui já tiveram no F., do Farol vão pa C. A. e da C. A. vêm

pr’aqui, é um ciclo vicioso. Ou seja, nas... nas instituições haveria de haver organismos - se calhar não é

culpa das instituições, mas... mas sim do próprio... pronto, do próprio sistema, que é mesmo assim -

havia de haver um tempo disponibilizado p'ra... pa... pa cada utente, p'ra trabalhar o utente, prepará-lo

p'ra uma reinserção. E prepará-lo p'ra uma reinserção, não... não é só arranjar-lhe trabalho. Isso não lhe

vale de nada quando a pessoa em si, não está resolvida emocionalmente, ou se... os seus traumas, ou

seus problemas continuam e persistem. Não basta meter aqui uma pessoa, tar aqui 6 meses, arranjar

trabalho e "Vai lá... vai lá á tua vida." Isso não é ajudá-lo, porque ele vai acabar, mais cedo ou mais

tarde, ir parar ao mesmo sistema. Ou seja, o que falta nestas casas - não tou a falar desta, tou a falar em

todas - é ir ao fundo do problema com cada um.”

(E11) “ (…) acho que as assistentes sociais se calhar deviam ir mais vezes para o terreno, porque muita

gente tenta também em desespero… porque lá está, se as pessoas não tem regras, não tem horários,

não tem nada, a assistente social diz para ir lá a uma consulta às duas da tarde e vão para lá e estão lá

uma tarde inteira à espera para ser atendidas, as pessoas não voltam mais. Porquê? A maior parte

dessas pessoas que já são sem-abrigo, já nem rendimentos têm nem nada, dizem assim: “Vou para lá

fazer o quê?”. As pessoas já vão a primeira vez com uma esperança, se falas a essas pessoas para se

sentar uma tarde inteira, muitas vezes para uma consulta que, se calhar até quem a vai atender não vai

saber falar com a pessoa, não vai entender o que a pessoa vai transmitir, muitas vezes desmotiva o

próprio sem-abrigo a lá voltar. Porque o sem-abrigo é sem abrigo, o sem-abrigo tem uma coisa, ele não

tem nada a perder. (…) Depois há sem-abrigo, que era o meu caso, por exemplo, vou uma tarde inteira

para a segurança social, uma tarde inteira para uma consulta que se calhar me vai prometer mil e uma

coisas e não vai fazer nada… Isso é o pensamento da pessoa desesperada, é que vai por ir, numa

esperança, mas depois como as coisas não se realizam de um momento para o outro, vão desesperar, na

próxima consulta já não apareço porque já penso de outra maneira, que se ficar ali a arrumar carros

ainda vou fazer quatro ou cinco, seis, sete ou oito euros e se eu vou para algum sitio não ganho nenhum.

Por isso é que achava importante que houvesse mais… como tem a AMI, por exemplo, mais equipas de

rua.

Entrevistadora: Mais proximidade?

E11: Proximidade. Muitas vezes que fossem essas pessoas formadas que querem ajudar, as doutoras,

que fossem ao terreno e não como a nós, marcar para uma pessoa ir ao seu gabinete. (…) O que é

injusto, por isso é que eu digo que muitas vezes as doutoras irem para o terreno, se calhar ajudava a ver

outra perspetiva, outra realidade de como poderão ajudar quem… ou se realmente a pessoa necessita ou

não. Porque eu sei de casos, eu estou a falar não por falar, eu sei de casos que infelizmente é assim, sei

de pessoas que têm apoios que não deveriam receber sequer, como sei de pessoas que estão

completamente desgraçados que mereciam e nem o rendimento mínimo tem sequer. Porque

supostamente não apareceram a uma carta que a segurança social mandou, só que infelizmente a

segurança social não se lembra que essa pessoa é sem-abrigo, que não tem domicilio, não tem nada,

muitas vezes não sabe que lhe mandaram uma carta. Mas a esse desgraçado cortaram-lhe… ou seja, há

muitas injustiças sociais.”

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(E14) ”Enquanto me ajudarem na Segurança Social, vou andando, enquanto der para a sopa… Se não

der, olha, tenho que voltar a deitar, outra vez, com as costas numa valeta e continuar nas carrinhas. Que

era coisa que eu queria sair, mas não há hipótese. Isso torna-se um vício… Isto de andar nas carrinhas,

muitos, torna-se num vício. E agora, é que nas carrinhas vê-se mais gente que não tem necessidade, que

têm boas casas, boas reformas e tudo, e são os piores nas carrinhas. E a gente sabe… Salta-lhe logo a

tampa, começam a ralhar uns com os outros e tudo. Agora, vê-se muita gente a aproveitar-se dos sem-

abrigo. Antes, o sem-abrigo era o que dormia na rua. E agora, vêm as carinhas todas cheias… E aquilo

não são sem-abrigo! Pararam carros… Eu tive… Eu tive na presença de pararem carros para ir comer às

carrinhas! E a corrê-los [aos sem-abrigo] de lá para fora. Motões, de motões, iam comer às carrinhas! E a

levar roupas e tudo… Para depois ir vender! Temos aqui a, chamam a “feira do abandono”, que vende

coisas usadas, é o… Vão metade deles. Caçam roupa, levam roupa de mulher, levam tudo para vender!

Para que é que eles querem roupa de mulher?! Metade deles, não tem mulheres! Eu conheço, coiso... E

se eu for lá à mesma, eles já sabem, “Olha, é o Zé Maria”. E o Zé Maria tá logo em cima deles, assim,

“Olha, há bocado não me deixaste levar esse casaco e agora tás aí a vendê-lo”. Não é?! Ainda ontem me

chateei por causa de um fato de treino. Aos anos que ando a pedir um fato de treino, e não me deu.

Chegou lá acima um preto, a primeira vez que lá parou, deu-lhe logo um fato de treino. É só essas

zangazitas que há, de resto, não há problema nenhum.

Entrevistadora: O que é que acha que podia ser feito de diferente?

E14 - Era as pessoas andarem em cima deles! Ora bem, se eu ver quem são, porque eles ajudam. É, lá

está. Vem gente, “Ah, a gente ajuda”. Mas não vão ver as condições. Se eles forem ver as condições, eles

entravam no quarto, fugiam logo para fora! Foi o que assim aconteceu. A primeira vez que fui para

aquele quarto foram lá duas… cinco doutoras ver os quartos todos, e quando chegou ao meu quarto

assustou-se, que o meu quarto não é um quarto, aquilo era um arrumo. É uma casa antiga, fizeram uma

pensão, e eu estou num arrumo. O teto faz isto [demonstrando com as mãos]. Parece que vai cair. E ela,

“Ei, Jesus, o que é isto?!”. Elas apontaram… O que elas apontaram e o que não apontaram, são coisas

delas.

Entrevistadora: Continua no mesmo quarto?

E14 - É. Continuo no mesmo… Continuo na mesma situação… Não adianta.”

(E12) “Se a sua família for uma família muito grande e não tiverem grandes possibilidades e… Você não

vai estar a recorrer à família, porque eles também têm dificuldades e não vão estar a sustentá-la e você

até é a própria a pensar assim, “E começo a olhar à volta e vou por onde? Não tenho casa, não tenho

trabalho, não tenho rendimentos…”. Vais à Assistente Social, “Eu estou assim, eu estou assim”, e qual é

as respostas? “Ah, vamos ver o que é que podemos fazer por si”, e tu estás a precisar de uma solução

agora, na hora. Não é «elas vão ver», o «eu vou ver isso», os dias passam. E nesses dias enquanto você

está à espera de uma resposta, fica onde? Você tem que procurar um sítio.

Entrevistadora - Então sentiu falta disso? De uma resposta mais imediata?

E12 - Sim. Senti. As Assistentes Sociais nem sempre, uh… Não somos apoiados como devemos ser

apoiados. Eu sei que o nosso país está em crise, mas eles haviam de mesmo definir e ver quem realmente

precisa e quem não precisa.

Entrevistadora – Então, o que é que acha que fazia diferença nesse apoio que está a dizer que sentiu

falta?

E12 - Uh… Por exemplo de eu chegar lá e dizer, “Eu preciso de um quarto” e eles pegarem em mim

[estala os dedos] “Está aí o quarto”. Que é para eu poder dali começar e então, quando eu tivesse o meu

rendimento mínimo, e quando pudesse, então, elas diziam “Você tem um tempo até recuperar e, então,

depois a partir daí você tem que dar os seus próprios passos”.

Entrevistadora – Então, acha que esse período de espera é um período que marca a diferença?

E12- Marca a diferença. Marca muito.”

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Apontam, portanto, a família, os decisores políticos e a sociedade civil como co-responsáveis na

facilitação do processo da sua saída da situação de sem-abrigo, considerando que este começa em si

mesmos através da sua auto-confiança e motivação:

(E03) “Entrevistadora: Quem é que acha que tem obrigação de o ajudar?

E03: Acho que ninguém tem obrigação de me ajudar. Só eu mesmo é que tenho obrigação de me ajudar

a mim mesmo. Se eu não me ajudar a mim, as outras pessoas também não vão saber ajudar não é? A

não ser poucas pessoas, não é? E acho que tem de vir também da nossa parte, não é? Se uma pessoa

não estiver interessada e não falar, não é? Não () com pessoas, () da direção aqui da Casa da Rua, mas

também não vão perguntar se estás bem. Podem perguntar mas não te vão ajudar a cem por cento, não

é? Eu acho que tem de vir primeiro de nós a força de vontade para arrancar e acho que essa parte.”

(E04) “Entrevistadora: Acha que há mais alguém que a deveria ajudar? A comunidade, amigos, família…

E04: Não. Não. Isso depende tudo de mim. Eu é que meti o pé na poça, eu é que escolhi o caminho, tenho

de ser eu a levantar. Não digo não receber ajudas, não receber apoio, não receber essas coisas todas,

mas vou… o primeiro passo tem de ser sempre meu.”

(E05) “O apoio, o apoio da… mais presente da família, neste caso da minha irmã. Que cortou um pouco

de relações com o pai e com o irmão. Por motivos de orgulho, assuntos pessoais, que acho que, numa

altura destas, uma pessoa que tenha um pouquinho de coração, e tendo sido tão amigos como éramos,

esquecer, deixar o orgulho um bocado para o lado e ter-me apoiado. Sempre era uma pessoa mais

próxima, não uma prima que tem filhos, que já tem netos (…) É que se ela tivesse sido presente tinha sido

mais fácil. Talvez eu me tivesse recuperado, mesmo quando eu estive a cuidar do meu pai, se ela tivesse

deitado a mão ao pai, as coisas não teriam acontecido assim. E a mim, acho que devia ter acontecido,

não é dever dela, sou maior e vacinado, mas como familiar acho que, quer dizer… Mas é… pronto, eu já

estava habituado e o afastamento já vinha, já vinha de há muito, portanto é como se não tivesse irmã.

Embora pensasse, mas não foi surpresa nenhuma porque já sabia que isso iria acontecer, o afastamento,

porque foi dito mesmo, afastou-se afastou-se… Mas pronto, não me faltou apoio.”

(E10) “É assim, há muita gente que me poderia ajudar a sair desta situação, mas é assim... [pausa] é

como eu lhe digo, era o governo o primeiro a ganhar ou seja, o governo não tinha que me dar subsídios

nenhuns, porque eu até sou contra isso. Devia-me dar era um... devia-me dar oportunidade era de eu

trabalhar. Dar oportunidades de eu procurar emprego e encontrar emprego, isso sim, pronto... mas

pronto isso já é... já é outra parte que não... agora, falando em pessoas individuais, eu tenho a certeza

que, se houvesse, digamos muitas pessoas, ou muitos patrões que me... que me conhecessem realmente

- não como eles vêem como me vêem na rua, mas se me conhecessem enquanto pessoa - eu posso lhe

garantir que, se calhar arranjava muitos trabalhos. Mas o problema é que, é assim, eu não posso andar

aqui com um letreiro atrás: "Conheçam-me, porque eu sou uma pessoa porreira." e as pessoas

estigmatizam apenas, ponto final. As pessoas metem os rótulos e é muito difícil tirá-los, a menos que se

dêem ao trabalho de conhecer as pessoas. E então aí...”

(E08) “Há aí… Por essa Lisboa, Porto e Coimbra, por esse mundo fora, há aí jovens a… Jovens… Mesmo

jovens… Houve, eu… Eu… Já vi muitas vezes, estou farto de ver isso! Tou farto de ver. Passo por vários

sítios, eu sei de vários sítios onde há sem-abrigo, hã?! E sei que há jovens, hã?! Jovens… Jovens, com 20 e

tal anos, a dormir na rua. É complicado… Complicado. Eu pergunto-te agora, de quem é a culpa? … Cá de

cima! É de cá de cima! Então, mata-se um jovem à nascença só porque ele teve… Só porque ele teve uma

fatalidade, porque as coisas não correram bem aos pais, só porque os pais se separaram… Isto é uma

hipótese que eu estou a por… Então?! Será que este jovem veio parar à rua porque não teve um apoio

social, porque não teve um apoio do Estado capaz de ir em frente, só porque não teve um psicólogo, de o

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abanar, dizer assim, “Não, tu não vais abandonar os estudos”. Hã?! “Porque vais ter apoios para

continuar a estudar”… Onde é que está esse apoio, moral e psicológico e físico, tudo, tudo, tudo? Mas de

cá do alto, cá do alto, também têm muita culpa, muita mesmo… Muita mesmo. Porque há jovens que

são discriminados, marginalizados, atirados para a desgraça, hã?! Ao ponto de chegarem… Naquilo que

eu considero o pior, que é a pior coisa, é o mais humilhante que pode acontecer a um ser humano, é uma

pessoa dormir na rua. É a pior coisa que se pode fazer… E eu considerei, eu considero isto uma

humilhação, hã?! De uma certa sociedade, de quem tem direito, poderes, para poder tentar minimizar a

situação… É uma grande humilhação que se faz de um ser humano para ser humano. É um ser humano,

ou 3, ou 4, ou 10, ou 20 pessoas que têm poderes para poder tirá-los [e] não senhor, discriminam. Isso é

grave… Isso é muito grave e está a acontecer muito neste país, sabe?! Porque nós somos um país

desenvolvido… subdesenvolvido! Se nós fossemos um país desenvolvido, especialmente, mentalmente,

como uma Dinamarca, como uma Suécia… Sim, já não vou focar países com poderes económicos, vou

buscar com poderes de cabeça. Têm uma estratégia, que trabalham muito bem… A pessoa caiu, há que

levantar. Tem 20 anos? É esta pessoa. Tem 30 anos? Não interessa! Tem 30? Vá, há que levantá-la. Tirá-

la… Um novo visual, uma outra roupagem, hã?! Há que tirá-la do escuro, há que partir para uma nova

vida. Isto é uma vida mas vamos partir para outra, hã?! Não senhor, não existe em Portugal, isso. Eu não

tenho muita formação, não tenho muita cultura, mas tenho essa visão, porque estou num albergue, mas

se estivesse cá em cima no lugar do Passos, eu tinha uma conversa, estilo conversas em família, estilo

Marcelo Caetano, “Meus amigos, o tema é este: Primeiro vamos falar e depois eu falo ao país”. Era

assim. Reunia, tirava as minhas conclusões com os meus… Com os meus, meus amigos… Não punha os

partidos, acima da bandeira nacional, nunca! É o que fazem agora, porque os par… Os políticos vão

agora para o país e é assim… Quando vão debater um assunto, ou dois assuntos ou dez ou vinte

assuntos, ele debatem o “PSD” [ou] o “PS”, mas não dizem assim, “O país!”. Porque o PS, a bandeira do

PSD, a bandeira do PCP ou UDP, não sei quê, não sei quê… Não! As pessoas quando se mentalizarem que

têm que fazer política em prol de uma nação e de um país e de uma só bandeira, em que o principal… O

principal, sim, o principal de tudo, quando eles forem para primeiros-ministros, isto e aquilo, foram

através de x e determinados partidos. OK, tudo bem, mas a partir deste momento, os partidos não

contam, contam é as pessoas! As pessoas têm que governar um país, não é governar com os partidos

mas sim, a governar com pessoas. Quando isso acontecer, estou de acordo! Está a perceber?! Tou de

acordo.”

Processos de identidade, dependências e parentalidade

A predominância de imagens pessoais negativas construídas ao longo da infância e adolescência dão

lugar a processos de sobrevivência identitária em situações de grande fragilidade, através da construção de

imagens positivas ou ambivalentes (Categoria 10 – Construções da Identidade). Porém, alguns participantes

referem a necessidade de recorrer a apoio psiquiátrico enquanto experiencia(va)m a situação de sem –

abrigo ou, por outro lado, assumem um percurso de abuso e dependência de substâncias psicoativas (drogas

e álcool), antes e durante a situação de sem-abrigo (Categoria 11 – Saúde, Doença Mental e Dependências).

Por último, a situação de sem-abrigo impossibilita o saudável exercício da parentalidade, verificando-

se que pais, principalmente as mães, em situação de sem-abrigo identificam os filhos como os principais

elementos estruturantes das suas vidas, vivenciando, portanto, a sua perda e/ou separação com grande

sofrimento emocional:

(E01) “Sempre fui… uma pessoa muito calma, muito pacífica, sempre fui uma boa… eu tenho consciência

da mãe que sou e fiz tudo como elas me… sem defeito… em prol delas e pronto, a minha vida tem sido

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uma luta. (…) eh… dentro do meu quarto, no guarda-fatos está tudo cheio de fotos das minhas… dos

meus filhos… e vou buscar forças a eles, vou buscar forças a eles cada vez que olho para eles.”

(E01) “Porque o meu objetivo sempre foram as minhas meninas e tentar encontrar todas as condições

para começar do zero novamente para… é uma luta, tem sido uma luta e tenho vencido algumas

batalhas. E até que… não vou descansar enquanto não concretizar o meu objetivo, que é ter as minhas

meninas de volta para mim. Isso sim é que me magoa muito, ter de me separar delas e elas de mim.”

Entrevistadora: Então e diga-me uma coisa, como é que… as dificuldades que vai tendo no dia-a-dia,

como é que as tem enfrentado?

E04: Acho que a maior dificuldade agora é estar sem o meu filho. Acho que ainda não encaixei isso.

Portanto isso já vai quase há meio ano e não… essa é a minha maior dificuldade. E é reunir agora as

condições para o ir buscar. [pausa] Acho que é isso. O resto vem por acréscimo.”

(E12) “E eu acho que os meus maiores sofrimentos que tive, foi perder os meus três filhos. A partir daí,

não. Perder casa, pra mim, passa-me ao lado. Ter casa ou não ter, uh, ter trabalho ou não ter… Eu ando

aqui a arrumar carros, pra mim, meia dúzia de tostões já, já é bom, já dá para eu jantar ou tomar café. O

resto… O meu tabaco, uh… Não, não… Eu não me apego a ninguém, a nada, não. Mesmo! Há pessoas

que dizem assim, “P., mas tu não te sentes «coisa» de não teres casa?”, e eu, “Não!”. Tou viva, é o que

interessa. Viver um dia de cada vez. E, hum, o mais importante, o que me marcou mais, foi a perda dos

meus filhos. E este último, que foi quase há 3 anos, foi para adoção (...). Então, aí foi mesmo…! Eu acho

que foi… Foi um ponto final da minha alegria, da minha vontade, do meu ser… Portanto, eu não… Eu se

tiver que me pegar com alguém eu pego-me, eu se tiver que me defender eu defendo-me, se eu tiver que

tar aqui, ou vou p’ali ou vou p’acolá, durma ou não durma, beba ou não beba… Por mim, tanto me faz.”

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CONCLUSÕES GERAIS

A discussão sobre a problemática de sem-abrigo afigura-se delicada, pois a complexidade e

muldimensionalidade que a caraterizam não se coadunam com análises lineares, não tendo emergido até ao

momento uma abordagem capaz de unificar as diferentes visões sobre o tema. Assiste-se contudo, nos

últimos anos, ao desenvolvimento de perspetivas que procuram distanciar-se de análises centradas apenas,

ora nas causas pessoais (individualizando o problema e ocultando fatores de origem societal), ora nas causas

estruturais (desvalorizando a responsabilidade e capacidade de auto-determinação dos sujeitos), como por

exemplo, aquelas que valorizam a ênfase nas trajetórias de vida (pathways approach), como já foi

mencionado anteriormente. Importa então atender a esta abordagem, objetivando uma compreensão dos

percursos de saída da situação de sem-abrigo com base em medidas de promoção da auto-estima,

construção de objetivos de vida, auto-responsabilização pelos processos de mudança e modificação das

perceções a diversos níveis (pessoais, relacionais e sociais) (MacKnee & Mervyn, 2002).

Nesta medida, os resultados dos estudos quantitativo e qualitativo permitem estruturar uma base

para o desenvolvimento de análises mais aprofundadas e para um entendimento alternativo do pensamento

mainstream sobre a problemática, na medida em que fornecem indicadores semelhantes aos apontados

pelo estudo de MacKnee e Mervyn (2002).

O atual estudo Situação de Sem-Abrigo e Inclusão Laboral: o Valor do Trabalho e das Relações

disponibiliza variados indicadores que exemplificam a complexidade da problemática, observando-se a

existência de percursos diferenciados de entrada na situação de sem-abrigo e nas suas vivências, em

simultâneo, com experiências laborais e dinâmicas relacionais diversificadas. A maioria dos participantes

demonstrou possuir capacidades de avaliação das suas experiências, dificuldades e necessidades, assumindo

a sua responsabilidade pessoal nos processos de mudança ambicionados, com base nos objetivos definidos

para o seu futuro e que focam, sobretudo, a aquisição de uma habitação e emprego. Manifestamente, as

pessoas que se encontram em situação de sem-abrigo revelam necessidade de reconhecimento do seu

capital humano, no que concerne à capacidade de desempenho e utilidade laboral e, consequentemente,

como ser integrante da comunidade. Mais uma vez se destaca a dimensão crucial que o trabalho assume nas

vidas das pessoas em situação de sem-abrigo, sendo-lhe arrogado diferentes significados estruturantes. O

trabalho emerge, então, como o principal vetor de promoção de bem-estar pessoal e social, enquanto

gerador de sentimentos de utilidade, competência, reconhecimento pessoal e social e, portanto, promotor

de auto-estima, caraterizando-se como a principal ferramenta de autonomia e independência.

Analogamente, importa compreender que, embora seja claro que a maioria das pessoas em situação

de sem-abrigo se encontre desempregada (e na maioria das situações desempregados de longa duração),

não se confirma uma relação direta ou unidirecional entre a situação de sem-abrigo e o desemprego (Clarke,

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2010). Se esta pode despoletar a entrada na situação de sem-abrigo, porém verifica-se que a mesma emerge

pela coexistência de diversos outros fatores presentes nas trajetórias de vida que, por sua vez, podem

constituir-se como fatores de manutenção e, por tal, impeditivos de uma saída da situação. As situações de

privação na infância e juventude, decorrentes de um histórico de pobreza na família que, quando associadas

a dificuldades múltiplas ao longo da vida, constituem alguns desses fatores de manutenção, potenciadores

de situações de vulnerabilidade socioeconómica no futuro (ciclo vicioso que condiciona a capacidade de

acesso ao mercado de bens e serviços e aos sistemas geradores de rendimento).

Neste sentido, as múltiplas dificuldades vivenciadas pelas pessoas em situação de sem-abrigo e

comummente associadas à problemática tais como, dependências, problemas de ordem psiquiátrica,

cronicidade de problemas de saúde física, défices cognitivos ou motores, a par com baixos níveis de

escolaridade, redes de suporte sociais e familiares frágeis ou ausentes apartam, ainda mais, quem vivencia

esta situação no acesso a habitação condigna e a emprego estável, fatores de inclusão social. Por outro lado,

a vulnerabilidade decorrente da situação de sem-abrigo potencia situações de abuso e de exploração no

trabalho que, ocorrendo frequentemente de forma ilegal, colocam a pessoa numa posição ainda mais

desprotegida.

À necessidade de retorno à atividade laboral, acresce a necessidade de um papel ativo na definição e

construção dos seus processos de mudança em oposição à passividade imposta pelo paradigma

assistencialista dominante nas respostas e políticas sociais que, atualmente, apenas possibilitam a satisfação

das necessidades básicas. A inexistência de coordenação de respostas integradas e adaptadas à

problemática da situação de sem-abrigo, no que respeita à habitação e emprego, dificulta a capacitação do

indivíduo na efetivação da sua (re)inclusão social, tornando-o num ator passivo do sistema de apoio social.

Tal cenário anuncia o ciclo vicioso, vivenciado pelas pessoas que experienciam a situação de sem-abrigo, que

prolonga o confronto constante entre o desejo e a vontade de autonomia e independência, e os obstáculos

criados pela ineficácia das políticas sociais.

A dimensão relacional das esferas familiar, social, laboral e comunitária averiguou-se constante nos

dois estudos, emergindo com a mesma consideração que o trabalho. A necessidade de estabelecer relações

afetivas estáveis com diferentes figuras, produtoras de bem-estar emocional e psicológico, surge em

oposição às experiências marcantes destacadas ao longo da trajetória de vida (especialmente na infância e

adolescência), produzindo efeitos potencialmente devastadores, por vezes mais do que a própria situação de

sem-abrigo, na construção de referências identitárias, nas formas de coping às situações de crise e na

definição de objetivos de vida, podendo verificar-se, assim, a cristalização de diferentes estratégias de

resistência psicológica como forma de sobrevivência interna à situação de sem-abrigo.

Dada a fragilidade das relações com familiares, amigos e figuras da comunidade, as pessoas em

situação de sem-abrigo atribuem, com muita frequência, aos profissionais das instituições de apoio, um

papel de grande relevância neste período das suas vidas. Assumem-nas, portanto, como figuras protetoras e

afetivas, tornando-as nas principais (e desejadas) figuras relacionais estáveis e com grande responsabilidade

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atribuída na construção dos processos de mudança. Logo, a capacidade de resposta dos profissionais em

intervir em períodos de transição (momentos marcantes de dificuldades) pode ditar a diferença na

prevenção da entrada em situação de sem-abrigo e, também, na sua saída. Porém, o reconhecimento do

espaço limitado de atuação dos profissionais, resultante do desajustamento das políticas sociais não

originadoras de respostas diferenciadas ou de outros constrangimentos próprios às instituições e seu

funcionamento, exponencia as dificuldades de gestão da frustração das expetativas geradas sobre o apoio

para a autonomização do sistema de apoio institucional, aumentando, portanto, a dependência deste.

Por outro lado, a prevalência de uma imagem social negativa sobre as pessoas em situação de sem-

abrigo reforça o estigma e alimenta uma cultura de exclusão, produtora de mecanismos concretos de

bloqueio à integração destas pessoas.

Finalizando esta análise conclusiva, os dados resultantes de ambos os estudos demonstram o grande

fosso existente entre as necessidades laborais e relacionais das pessoas em situação de sem-abrigo e os

atuais paradigmas de intervenção social sobre esta problemática. Deste modo, advoga-se a mudança do

modelo assistencialista (valorizando a sua intervenção em determinados períodos) para o modelo de

empowerment (capacitação) das pessoas que vivenciam a situação de sem-abrigo, com grande ênfase nas

estratégias de prevenção e de saída da mesma.

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LIMITAÇÕES DO ESTUDO

Às dificuldades inerentes de uma pesquisa de natureza exploratória, associado o objetivo deste

estudo em seguir uma perspetiva holística e compreensiva da problemática de sem-abrigo, emergem

algumas limitações inerentes à metodologia utilizada em ambos os estudos que, por sua vez, dificultam a

generalização dos resultados para a população em situação de sem-abrigo.

A construção de um questionário original reveste-se de dificuldades, no presente caso, associadas ao

caráter exploratório do estudo, a par do imperativo em garantir a máxima adequabilidade do instrumento

ao público-alvo, o que estendeu o processo de construção do questionário ao longo de várias etapas de

aproximação a um resultado otimizado. A exigência de uma linguagem acessível e clara nas questões

desenvolvidas (atendendo às caraterísticas da população em estudo) imperou como um dos objetivos, o que

conflituou, por sua vez, com a complexidade das dimensões estudadas. A amplidão do estudo obrigou à

aplicação de um questionário extenso que, por sua vez, interferiu na motivação dos participantes para a sua

concretização, gerando cansaço e algumas desistências. Analogamente, verificou-se a necessidade da

presença e apoio dos investigadores responsáveis pela aplicação dos instrumentos junto dos participantes

durante o seu preenchimento, o que exigiu, também, mais tempo no processo de aplicação. Ou seja,

dificuldades de diversa ordem (problemas de visão, dificuldades de compreensão da leitura, para mencionar

algumas), sentidas pela maioria dos participantes, mas também a necessidade de muitos em aproveitar o

momento para transmitir as suas perspetivas sobre a sua própria situação, obrigaram a reestruturar a sua

forma de aplicação. Neste sentido e, procurando respeitar o anonimato e veracidade das respostas,

minimizando a influência deste apoio, individualizaram-se diversas aplicações.

Ressalva-se ainda o efeito da desejabilidade social inerente à investigação em Ciências Sociais e

Humanas, o que pode condicionar, igualmente, a generalização dos resultados obtidos. As dificuldades de

recolha para a amostra do estudo de pessoas em situação de sem-teto e de mulheres (em situação de sem-

teto ou sem-casa) e, por conseguinte, a participação reduzida destes subgrupos, condicionam a

representatividade da população em estudo.

No que respeita ao estudo qualitativo, houve necessidade de repartir as entrevistas em diferentes

momentos de realização, podendo haver distintos estados de humor dos participantes que possam ter

influenciado a sua colaboração nas entrevistas. Dado o caráter exploratório do estudo, não se especificaram

múltiplas dimensões que caraterizam estas situações extremas, que permitiriam, assim, analisar um nível

mais fino das relações entre as mesmas. O número de entrevistas realizadas é reduzido, pelo que seria

importante efetuar um maior número de entrevistas com o objetivo de aprofundar e adequar os resultados

da análise de conteúdo. Por fim, a maioria das entrevistas foram realizadas em contexto institucional o que

poderá resultar num fator condicionante na colaboração autêntica dos entrevistados.

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RECOMENDAÇÕES

Intervir além da resposta imediata à privação

As pessoas que experienciam a situação de sem-abrigo confrontam-se com múltiplas e distintas

dificuldades e necessidades que, por sua vez, agravam a eficácia do processo da sua inclusão laboral. Este

processo depende de diversos fatores: estado de saúde física e mental, suporte habitacional e alimentar

estáveis, capacidade de auto-gestão, redes relacionais de suporte, entre outros. Globalmente, a intervenção

social observada, e que se tem vindo a registar em diversos trabalhos, foca-se em responder a necessidades

básicas: providenciar abrigo (em formato de quartos em pensões ou apartamentos, ou centros de

acolhimento, no caso de Portugal), alimentação e higiene diária, e acesso a serviços de saúde (no caso de

pessoas com necessidades específicas de doença física, doença mental e dependências). Apesar de

constituírem passos essenciais na intervenção, a exclusão de outras dimensões a assistir torna a intervenção

insuficiente para garantir a prevenção ou o término da situação de sem-abrigo (Shaheen & Rio, 2007). O

evitamento da situação ou de reentrada na mesma depende essencialmente da capacidade de auto-

sustento que, por sua vez, apenas é possível através do trabalho ou de uma integração na comunidade que

permita ao individuo responder, de forma funcional e digna, às suas necessidades. Contrariamente ao

estereótipo vigente, as pessoas que vivenciam esta situação manifestam desejo e vontade de trabalhar

(Shaheen & Rio, 2007) por todas as significações atribuídas ao trabalho previamente expostas.

A par da salvaguarda das necessidades básicas de proteção, alimentação e abrigo, o acesso a um

emprego que assegure um rendimento mínimo de subsistência deve constituir-se como uma prioridade nos

planos de intervenção social, mesmo quando a situação é agravada por dificuldades específicas (doença

mental, doença física ou dependências). A priorização das dimensões com necessidade de resolução mais

urgente, consoante cada situação e opção manifesta do indivíduo, sejam elas referentes a tratamentos de

saúde ou dependências, não pode relegar para segundo plano a importância de (re)introduzir a pessoa no

contexto de trabalho.

Repensar a intervenção no âmbito dos processos de (re)inserção laboral

No panorama europeu

O processo de (re)inclusão laboral deve respeitar as competências, interesses e desejos profissionais

de cada pessoa, através de uma participação ativa na (re)aproximação ao mercado de trabalho, no treino de

competências e na formação profissional, ao invés de a colocar numa posição de mero recetor de programas

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de acompanhamento formativo e/ou profissional, direcionados à população em geral, fator este que cria

outras limitações no acesso e manutenção do trabalho. Os serviços do âmbito do emprego devem estar

associados a uma perspetiva de intervenção integrada, sustentada na articulação direta com outros serviços

de apoio. Shaheen e Rio (2007) esclarecem que o trabalho deve ser uma prioridade para a saída da situação

de sem-abrigo, não através de um processo linear de retirada da situação (seja da rua ou de um centro de

acolhimento) diretamente para um emprego a tempo inteiro e competitivo, mas que tal deve ser

proporcionado o mais brevemente possível e não apenas como resultado da recuperação de dificuldades

específicas. Neste sentido, os autores desafiam as entidades governamentais e os serviços de apoio social

(públicos e/ou privados) a desenvolver programas interinstitucionais de emprego que os capacitarão com

ferramentas de ação mais eficazes para a (re)inserção laboral.

Num âmbito de (re)estruturação macro-sistémica, a F.E.A.N.T.S.A., na sua Recomendação aos

Estados Membros da UE, sobre o Acesso ao Emprego de Pessoas em Situação de Sem-Abrigo (2009), destaca

a importância de prover o mercado de trabalho e os seus atores com diferentes metodologias e abordagens

ocupacionais adaptadas às diferentes trajetórias em situação de sem-abrigo. Atender à exigência imediata

de integração no mercado de trabalho sem atender, simultânea ou previamente, às outras necessidades

observadas e identificadas resulta em ineficácia do processo de inclusão laboral. A promoção da

empregabilidade afigura-se como uma via eficaz para uma efetiva inclusão que se constitui por atividades de

desenvolvimento de competências e capacidades que visam, por sua vez, a conexão do indivíduo com a vida

profissional. Estas atividades destinam-se a melhorias globais das suas condições de vida no que respeita à

saúde, habitação e auto-perceção das suas capacidades profissionais e sociais.

As múltiplas necessidades vivenciadas pela população sem-abrigo distanciam-na das respostas

previstas nas políticas e nos organismos de apoio ao emprego, esvaziadas de uma abordagem

simultaneamente holística e individualizada, pelo que a F.E.A.N.T.S.A. sugere o desenvolvimento de

estratégias de empregabilidade que apliquem esta abordagem, nomeadamente a abordagem de percursos

(pathways approach). As políticas globais de emprego de cada Estado-Membro da União Europeia devem

incluir estratégias de empregabilidade direcionadas às populações mais vulneráveis, remetendo para a

necessidade de articular os diferentes serviços e interventores: sociais, emprego, formação e saúde. Em

simultâneo, recomenda-se a promoção de serviços de emprego apoiado, no âmbito da economia social

como as WISE (empresas sociais para a integração no trabalho) que disponibilizam apoio individualizado a

pessoas em situações socialmente vulneráveis e com múltiplas necessidades, servindo, igualmente, como

base de preparação para a (re)integração no mercado de trabalho global. Em Portugal têm surgido iniciativas

inovadoras – e.g. WelcomeHome e Plataforma +Emprego - baseadas nesta abordagem que visam o

empowerment de pessoas em situação de sem-abrigo para uma efetiva inclusão laboral em que os

intervenientes sociais (instituições e profissionais) mantêm o suporte psicossocial.

É ainda proposto que a União Europeia assuma, pela sua intervenção e influência, orientações

específicas concernentes às populações com múltiplas desvantagens, nomeadamente através da promoção

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de medidas ativas e preventivas para a sua inclusão no mercado de trabalho. Entre estas destacam-se a

identificação inicial e progressiva das necessidades e aspirações de cada indivíduo e o desenvolvimento de

planos de ação personalizados, assistência adaptada à procura de trabalho e acesso a informação sobre

direitos e deveres, emprego apoiado, formação e educação, principalmente, a pessoas que ainda não se

encontram preparadas para o mercado de trabalho formal, e implementação de qualidade dos serviços

sociais no apoio à inclusão.

Enquanto não se reconhecer a existência de interações interdependentes entre os fatores

estruturais (nível macro sistémico) e os fatores individuais (nível micro sistémico), não será possível

solucionar os problemas e dificuldades persistentes das pessoas em situação de sem-abrigo, não só de

âmbito pessoal como social: a inacessibilidade à habitação condigna, a escassez do mercado de trabalho, a

insuficiência de recursos e a diminuição de fornecimento de serviços de apoio (Shier, Jones & Graham,

2010). Vázquez e Muñoz (2001, p. 9) resumem de forma clara as clivagens que se criam com as vivências em

situação de sem-abrigo e o consequente desencontro das necessidades sentidas e os serviços de apoio

existentes: After the cut off point at which a person becomes homeless, it becomes exceedingly difficult to

facilitate a return to his or her previous level in society. The social exclusion that comes with the homeless

status is pervasive enough to impact upon almost all areas of one’s life. In this respect, housing and meals

services are in no way sufficient to meet the real needs of this population. The present preventive services do

not attempt to reintegrate the homeless into social life. The use and development of more complete, flexible

preventative instruments or global reinsertion tools such as programs of assertive community training are

ways to facilitate a solution to the problem of homelessness and focus on the reentry of the homeless into the

society at large.

No panorama nacional

No que concerne ao atual panorama nacional, relativo à problemática em estudo e ao (des)emprego,

e, tendo em consideração a análise e discussão dos resultados do estudo, as recomendações emergentes

contemplam, também, transversalmente, diferentes níveis sistémicos que agem na e para a problemática da

situação de sem-abrigo.

Portanto, pensando a um nível sistémico e das macro-estruturas societais, verifica-se uma dupla

necessidade de maior comprometimento por parte dos poderes políticos no desenvolvimento e

implementação efetiva de políticas de prevenção das situações de pobreza, e de urgência no

desenvolvimento de políticas integradas (habitação, solidariedade social, emprego, economia) de combate à

exclusão social e, em particular, à sua expressão mais extrema, a situação de sem-abrigo. Este investimento

terá necessariamente de se concretizar, independentemente das flutuações inerentes aos ciclos políticos,

respeitando assim o esforço de diagnóstico e compromisso dos diversos agentes implicados. Para tal,

afigura-se imprescindível o envolvimento contínuo entre agentes e atores com poder de decisão ao nível

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político (social e económico) e atores da sociedade civil, em representação dos diferentes elementos das

comunidades, através de ações concertadas entre os núcleos de investigação, políticos e comunitários,

sempre integrando, também, as próprias pessoas em situação de sem-abrigo.

Paralelamente, torna-se indispensável uma revisão transversal dos modelos e estratégias de

intervenção social dominantes, desde a prevenção ao acolhimento e reinserção comunitária e que se deve

efetuar através da abertura e facilitação das instituições de apoio, públicas e privadas, aos distintos recursos

da comunidade local, possibilitando a ação e participação dos seus atores nos processos de inclusão social.

Ainda neste âmbito, a revisão e implementação efetiva da Estratégia Nacional para a Integração da Pessoa

Sem-Abrigo (que atenda às especificidades dos sub-grupos em situação de sem-abrigo destacadas neste

estudo) urge como fundamental, objetivando-se o apoio à eficácia de articulação nacional e local entre os

núcleos da política, das instituições de apoio e da comunidade, para a promoção da inclusão social das

pessoas que se encontram sem-abrigo.

É de salientar que a eficácia de políticas de emprego que atendam à problemática em causa depende

diretamente das respostas de políticas de apoio à habitação, ou seja, a situação de sem-abrigo apenas é

solucionada quando se verificam mudanças nestas duas dimensões. Para uma efetiva inclusão social, as

pessoas que vivenciam a situação de sem-abrigo necessitam de habitação condigna que, por sua vez,

possibilite uma maior estabilidade a nível da alimentação, privacidade, higiene e saúde física e mental, a

qual, por seu turno, vem facilitar o acesso a emprego estável e seguro que permite, assim, a manutenção de

uma habitação. Logo, urge integrar esta interdependência nas políticas promotoras de igualdade de

oportunidades e de não-discriminação.

Particularmente, no que concerne à habitação, a ausência de estruturas de longa duração aprofunda

a problemática, dado que os centros de acolhimento ou albergues se constituem como respostas

temporárias e os apoios financeiros do Estado (nomeadamente, o Rendimento Social de Inserção) são

incompatíveis com a manutenção de uma habitação condigna, devido aos valores muito superiores a este

rendimento (ou outros, como reformas ou pensões) do mercado imobiliário nacional, o que, por sua vez,

gera situações de exploração imobiliária e de especulação indevida quando se trata de pessoas em situação

de sem-abrigo. Deste modo, a dependência dos serviços de apoio institucional é agravada e dificilmente

quebrada, pelo que se recomenda a criação e implementação de programas de apoio habitacional, de cariz

transitório, orientados para a autonomização e independência do sistema de apoio social. Neste âmbito, as

respostas inspiradas na metodologia Housing First emergem como potenciais soluções a longo prazo da

problemática de sem-abrigo, uma vez que se baseiam na premissa do papel ativo dos indivíduos nos seus

processos de mudança e do papel da comunidade na integração social.

Por outro lado, importa aprofundar a articulação e cooperação interinstitucional com o objetivo de

adequar as respostas sociais existentes às necessidades de diferentes tipologias de situação, desde uma

maior flexibilização do funcionamento das instituições para uma melhor resposta às especificidades de cada

situação, sobretudo em momentos de transição. A comunidade local surge como um recurso deveras

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129

essencial na promoção da inclusão social, pelo que se deve investir em campanhas de sensibilização e

consciencialização da problemática no sentido de uma desconstrução simbólica do estigma social associado

às pessoas em situação de sem-abrigo. De notar que esta foi uma das áreas mais apontadas, tanto por

profissionais como pelos inquiridos, como sendo de intervenção fundamental. A perceção deste papel chave

da comunidade no processo de inclusão social das pessoas em situação de sem-abrigo, revela que inclui-la

na equação da intervenção é tanto mais importante, se tivermos em atenção que as dificuldades atuais no

acesso ao emprego tocam a população em geral.

Numa vertente mais direcionada aos interventores de ação direta (profissionais, dirigentes e

voluntários) nesta problemática, incentiva-se o desenvolvimento e aplicação de programas específicos que

procurem dignificar a pessoa em situação de sem-abrigo e transformar os desejos de mudança social em

ações concretas promotoras do usufruto de direitos e deveres, consagrados na Constituição da República

Portuguesa.

Portanto, o desenvolvimento de programas (individuais e em grupo) de apoio psicológico que

objetivem a capacitação pessoal e profissional das pessoas em situação de sem-abrigo surge como uma

necessidade a colmatar apontada pela amostra do estudo. Neste sentido, o acompanhamento e

aconselhamento psicológico imediato, ou seja, nos momentos de transição (entrada e saída da situação de

sem-abrigo, não descurando a sua continuidade durante o período de tempo nesta situação) torna-se

imperativo para minimizar o impacto psicológico e emocional da situação de sem-abrigo. Neste programa

estariam estipuladas diferentes vertentes de capacitação: pessoal, relacional, social, profissional e

comunitária, com o objetivo de promover uma autonomia mais sustentada e articulada com uma rede de

suporte.

Paralelamente, programas ocupacionais comunitários de cariz cultural, artístico e de cidadania ativa

afiguram-se como promotores da ocupação profícua do tempo e do estabelecimento de relações,

reconhecendo as pessoas em situação de sem-abrigo como agentes ativos nestas atividades (tendo como

referência o Grupo Uma Vida como a Arte do Porto). Estes programas visariam a criação de iniciativas de

diferente ordem (cultural, artística, comunitária e de cidadania), evitando a intervenção de figuras

institucionais, reservando a estas unicamente o papel de apoio e de facilitador da execução das atividades

planeadas.

Por outro lado, emerge a necessidade de criar estratégias de informação global sobre as estruturas

de apoio social locais a pessoas que iniciam a sua experiência em situação de sem-abrigo. Ao longo do

estudo observou-se que, nas primeiras noites em situação de sem-teto ou sem-casa, as pessoas

desconhecem a existência e o funcionamento da rede social e institucional de apoio local, pelo que uma

informação sucinta e específica pode constituir-se como fonte de informação (e.g. desdobrável/brochura) e,

como tal, tornar-se um fator de evitamento do agravamento das necessidades e dificuldades inerentes à

experiência. No entanto, para tal, importa criar equipas de intervenção direta e de emergência para atuar,

em tempo útil sobre as novas situações, respondendo de forma adequada às necessidades observadas e

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130

ativando a rede específica de recursos comunitários para esta problemática (tal como preconizado na

Estratégia Nacional de Integração da Pessoa Sem-Abrigo).

As diferentes situações de sem-abrigo são vivenciadas em espaços comunitários e/ou públicos,

constituindo-se, portanto, como uma problemática de interesse e responsabilidade geral, para cuja

resolução todos devem participar. Neste sentido e visando a desconstrução de ideias socialmente pré-

concebidas e enraizadas sobre as pessoas em situação de sem-abrigo e o reconhecimento das suas

competências profissionais, sociais e relacionais, recomenda-se a realização de ações de informação

executadas, pontualmente, em contexto comunitário e empresarial, junto, portanto de figuras da

comunidade e rede de empregadores, transformando-os em elementos facilitadores de processos de

mudança.

Perspetivando a facilitação da inclusão laboral, recomenda-se a criação de ferramentas promotoras

da mediação entre uma rede de empregadores, as pessoas em situação de sem-abrigo e os gestores de

casos (nova recomendação figurada na ENIPSA) e, tendo em consideração a iniciativa Plataforma +Emprego

(integrada no Núcleo de Planeamento e Intervenção com pessoas Sem-Abrigo/NPISA do Porto). Pode

afigurar-se pertinente o desenvolvimento de uma plataforma digital de perfis e competências profissionais,

estruturada com a colaboração das pessoas em situação de sem-abrigo e no qual figurariam ofertas de

emprego adequadas aos perfis e congregadas especificamente nesta ferramenta. Esta plataforma visaria

uma maior aproximação ao mercado de trabalho, através da organização de informação individualizada, com

consentimento e colaboração ativa dos seus atores e interventores.

As experiências em situação de sem-abrigo podem constituir-se como fonte de apoio para o

desenvolvimento de programas de mediação social e comunitária entre as instituições sociais e as pessoas

que se encontram nesta situação, promovendo uma maior integração social, facilitação dos apoios e criação

de emprego no mercado de trabalho social.

Tendo presente a relevância do papel dos profissionais das instituições de apoio na intervenção

direta com pessoas em situação de sem-abrigo, e dada a complexidade da problemática, impera a

necessidade de providenciar programas de supervisão profissional. A formação e supervisão contínua das

ações dos profissionais nesta problemática possibilitariam uma adequação e apoio, em tempo útil das

respostas existentes promovendo-se uma comunicação aperfeiçoada e participada na análise conjunta das

dificuldades, constrangimentos e soluções para a diversidade de situações.

Por último, sugere-se o desenvolvimento de estudos mais específicos e em contextos diferenciados

que possibilitem a análise das vivências das mulheres e de pessoas em situação de sem-teto, como também

de possíveis diferenças entre as zonas rurais e urbanas e entre as cidades do litoral e interior do país,

podendo fornecer novas lentes de análise e, portanto, indicadores de desenvolvimento de planos de

intervenção específica para cada subgrupo distinto estudado nesta problemática, num panorama nacional.

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131

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ANEXO I

Questionário Valor do Trabalho e das Relações

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QUESTIONÁRIO

Valor do Trabalho e das Relações

Código do questionário: _____________________ Data: ____/____/________

Instruções de resposta ao questionário:

Este questionário aborda questões relacionadas com o valor atribuído ao trabalho e às relações interpessoais por pessoas que se

encontram em situação de sem-abrigo. É de toda a conveniência que responda com o máximo de rigor e honestidade, pois só assim

é possível obter resultados fidedignos que permitam uma adequada compreensão da temática em estudo. Todas as respostas são

corretas relativamente a qualquer dos itens, pretendendo-se apenas a sua opinião pessoal e sincera.

Este questionário é de natureza confidencial. O tratamento deste, por sua vez, é efetuado de uma forma global, não sendo sujeito a

uma análise individualizada, o que significa que o seu anonimato é respeitado.

I. DADOS SOCIODEMOGRÁFICOS

1. Sexo: Masculino Feminino

2. Qual é a sua idade? _____

3. Em que ano nasceu? _____

4. Qual é o seu estado civil?

Solteiro/a

Casado/a

União de facto

Separado/a

Divorciado/a

Viúvo/a

5. Tem filhos?

Não Sim, quantos? _______

6. Qual é o seu nível de escolaridade?

Não sabe ler nem escrever

Sabe ler e/ou escrever

1º - 4º Anos

5º - 6º Anos

7º - 9º Anos

10º - 12º Anos

Ensino Superior

6.1. Ao longo do seu percurso escolar, alguma vez abandonou os estudos?

Sim Não

6.1.1. Com que idade abandonou os estudos?

_________________________________

6.1.2. Em que nível de escolaridade estava quando abandonou os estudos?

_________________________________

6.2. Alguma vez reprovou ao longo do seu percurso escolar?

Sim Não

6.2.1. Quantas vezes reprovou?

Integrado no estudo intitulado a Situação de Sem-

Abrigo e Inclusão Laboral: o valor do trabalho e das

relações, financiado pelo Programa Operacional de

Assistência Técnica – POAT/QREN e sob

coordenação de Professor Doutor Joaquim

Armando Ferreira, na Faculdade de Psicologia e de

Ciências da Educação da Universidade de Coimbra.

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137

6.3. Porque motivo abandonou os estudos?

Os rendimentos da família não o permitiam

Falta de motivação para continuar

Não era bom/a aluno/a

Para cuidar da família

Para trabalhar

Outro, qual? __________________________

7. Ao longo da sua vida, realizou algum trabalho?

Sim Não

7.1. Que idade tinha quando começou a trabalhar?

__________________________________________

7.2. Indique quais os trabalhos que realizou ao longo da sua vida, quanto tempo permaneceu nesses trabalhos e os

motivos pelos quais terminaram.

7.3. Realizou curso(s) de formação ao longo da sua vida?

Sim Não

7.3.1. Que tipo de cursos frequentou?

Trabalhos realizados Tempo inteiro/ Tempo parcial

Duração do trabalho

(anos, meses)

Regime de trabalho: Contrato de Trabalho Prestação de Serviços

Sem Contrato de Trabalho

Motivo de término

Cursos frequentados Duração dos

cursos (meses) Motivo de frequência

Por exigência da entidade patronal

Por gosto próprio

Para ter um subsídio de formação

Por exigência do Centro de Emprego e/ou Segurança Social

Por influência de terceiros (ex. família, amigos, companheiro/a)

Outro motivo, qual? ____________________________________

Por exigência da entidade patronal

Por gosto próprio

Para ter um subsídio de formação

Por exigência do Centro de Emprego e/ou Segurança Social

Por influência de terceiros (ex. família, amigos, companheiro/a)

Outro motivo, qual? ____________________________________

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138

7.4. Actualmente encontra-se desempregado/a?

Sim Não

7.4.1. (Se respondeu Sim à pergunta anterior) Há quanto tempo se encontra desempregado/a?

_____ Anos; _____ meses.

7.4.2. (Se respondeu Não à pergunta 7.4.1.) Há quanto tempo se encontra a trabalhar?

_____ Anos; _____ meses.

8. Actualmente encontra-se em qual das seguintes situações?

A pernoitar na rua

A pernoitar em edifícios abandonados

A pernoitar em albergue

Num Centro de Acolhimento Temporário

Em casa de familiares

Em casa de amigos

Outra situação, qual? ________________________ __________________________________________

9. Há quanto tempo se encontra nesta situação?

_____ Anos; _____ meses.

10. É a primeira vez que se encontra em situação de sem-abrigo?

Sim Não

10.1. Se respondeu Não à pergunta anterior, indique: os momentos e os períodos em que esteve em situação de

sem-abrigo, os motivos porque entrou e saiu da situação e a duração dos períodos em que não esteve nessa situação.

Por exigência da entidade patronal

Por gosto próprio

Para ter um subsídio de formação

Por exigência do Centro de Emprego e/ou Segurança Social

Por influência de terceiros (ex. família, amigos, companheiro/a)

Outro motivo, qual? ____________________________________

Por exigência da entidade patronal

Por gosto próprio

Para ter um subsídio de formação

Por exigência do Centro de Emprego e/ou Segurança Social

Por influência de terceiros (ex. família, amigos, companheiro/a)

Outro motivo, qual? ____________________________________

Momentos em que

esteve em situação de sem-abrigo

Durante quanto tempo esteve em situação de sem-

abrigo?

Porque motivo ficou em situação de sem-abrigo?

Porque motivo deixou de estar em situação de sem-abrigo?

Durante quanto tempo não esteve

em situação de sem-abrigo entre cada momento?

1ª vez

2ª vez

3ª vez

4ª vez

5ª vez

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11. Que motivos levaram a esta situação? Pode escolher uma ou mais opções de resposta.

Ruptura com a família

Desemprego

Perda da habitação

Falta de rendimentos

Falta de apoio social

Abuso de drogas e/ou álcool

Saída da prisão

Doença física

Doença mental

Violência militar

Divórcio/separação

Morte de familiar

Dívidas

Não sei

Outro, qual? ____________________

12. Como costuma obter dinheiro? Pode escolher uma ou mais opções de resposta.

Trabalho remunerado

Pedir dinheiro na rua

Pedir dinheiro emprestado

Arrumar carros

Pequenos trabalhos sem contrato

Trabalho ilegal

RSI

Outros subsídios estatais

Pensão/Reforma

Outro, qual? __________________________________

13. Costuma utilizar os apoios que as instituições da cidade disponibilizam?

Sim Não

13.1 Se respondeu Sim à questão anterior, que tipo de apoios costuma utilizar? Pode escolher uma ou mais opções de resposta.

Equipas de Rua

Albergues

Centros de AcolhimentoTemporário

Serviços de alimentação

Banhos Públicos

Serviços de lavandaria

Serviços de vestuário

Atendimento para apoio social

Serviços de Psicologia

Apoio jurídico

Serviços de Saúde

Outro, qual? ______________________________13.2. Com que frequência utiliza esses apoios?

Todos os dias

Quase todos os dias

Algumas vezes

Raramente

Nunca

14. Costuma consumir drogas?

Sim Não

14.1 Se respondeu Sim, com que frequência consome drogas?

Todos os dias

Quase todos os dias

Algumas vezes

Raramente

15. Costuma consumir bebidas alcoólicas?

Sim Não

15.1. Se respondeu Sim, com que frequência consome bebidas alcoólicas?

Todos os dias

Quase todos os dias

Algumas vezes

Raramente

16. Ao longo da sua vida, teve necessidade de recorrer a ajuda psiquiátrica?

Sim Não

17. Em algum momento da sua vida teve problemas com a Justiça?

Sim Não

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140

II. VALOR DAS RELAÇÕES

1. Classifique, colocando uma cruz (X), por graus de importância, as diferentes relações da sua vida. Se alguma destas pessoas já não faz parte da sua vida neste momento, coloque uma cruz (X) na opção “Não existe”.

Nada

importante Pouco

Importante Importante

Muito Importante

Não existe

Pai

Mãe

Companheiro/a

Filho/a(s)

Irmão/Irmãs

Avós

Outros familiares

Amigo/as

Colegas de trabalho

Patrões/Chefe/Empregadores

Profissionais de saúde

Profissionais das instituições de apoio

Pessoas da comunidade

Outra/o Qual?

2. Indique para cada opção da tabela seguinte, as pessoas das suas relações que têm e não têm conhecimento da situação actual de sem-abrigo em que se encontra. Se alguma destas pessoas já não faz parte da sua vida neste momento, coloque uma cruz (X) na opção “Não existe”.

Sim Não Não sei Não existe

Pai

Mãe

Companheiro/a

Filho/a(s)

Irmão/Irmãs

Avós

Outros familiares

Amigo/as

Colegas de trabalho

Patrões/Chefe/Empregadores

Profissionais de saúde

Pessoas da comunidade

Outra/o Qual?

3. As suas relações pessoais mudaram desde que se encontra em situação de sem-abrigo?

Sim Não

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141

3.1. Se respondeu Sim à questão anterior, caracterize, com uma cruz (X) em cada opção, o grau de mudança das suas relações desde que se encontra em situação de sem-abrigo.

4. Caracterize, colocando uma cruz (X), as diferentes relações da sua vida.

5. Quem é que pensa ter a obrigação de o ajudar a sair da situação de sem-abrigo? Pode escolher mais do que uma resposta.

Eu

Pai

Mãe

Companheiro(a)

Filhos

Irmãos/Irmãs

Avós

Outros familiares

Amigos

Colegas de trabalho

Patrões/Chefes

Profissionais de saúde

Profissionais de instituições de apoio

Pessoas da comunidade

Ninguém

Outro/a(s),quem? _______________

Piorou Não

mudou Melhorou

Não existe

Pai

Mãe

Companheiro/a

Filho(s)

Irmão/Irmãs

Avós

Outros familiares

Amigos

Colegas de trabalho

Patrões/Chefe/Empregadores

Profissionais de saúde

Profissionais das instituições de apoio

Pessoas da comunidade

Outra/o Qual?

Muito

má Má

Nem Boa, nem Má

Boa Muito

Boa Não

existe

Pai

Mãe

Companheiro/a

Filho/a(s)

Irmão/Irmãs

Avós

Outros familiares

Amigo/as

Colegas de trabalho

Patrões/Chefe/Empregadores

Profissionais de saúde

Profissionais das instituições de apoio

Pessoas da comunidade

Outra/o Qual?

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142

5.1. Quem é que sente que o pode ajudar a sair da situação de sem-abrigo? Pode escolher mais do que uma resposta.

Eu

Pai

Mãe

Companheiro/a

Filhos

Irmãos/Irmãs

Avós

Outros familiares

Amigo/as

Colegas de trabalho

Patrões/Chefes

Profissionais de saúde

Profissionais de instituições de apoio

Pessoas da comunidade

Ninguém

Outro/a(s),quem?__________

5.2 Quando tem uma necessidade, pede ajuda a outra(s) pessoa(s)?

Sim Não

5.2.1. Se respondeu Sim à questão anterior, a quem costuma pedir ajuda?

Pai Avós Profissionais de saúde

Mãe Outros familiares Profissionais de instituições de apoio

Companheiro/a Amigo/as Pessoas da comunidade

Filhos Colegas de trabalho Ninguém

Irmãos/Irmãs Patrões/Chefes Outro/a(s),quem?________

6. No quadro seguinte irá encontrar um conjunto de afirmações sobre o seu bem-estar e sobre a sua saúde. Para cada afirmação, por favor, assinale a sua resposta com uma cruz (X).

Como classifica… Muito

Inferior Inferior Igual Superior

Muito superior

…o seu bem-estar quando comparado com o de outras pessoas?

…o seu bem-estar agora quando comparado com a sua situação antes de ficar sem-abrigo?

…a sua saúde física agora quando comparada com a sua situação antes de ficar sem-abrigo?

…a sua saúde mental agora quando comparada com a sua situação antes de ficar sem-abrigo?

…a sua qualidade de vida agora quando comparada com a sua situação antes de ficar sem-abrigo?

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143

7. No quadro seguinte encontrará um conjunto de emoções. Por favor, assinale, com uma cruz (x), a frequência com que sente cada uma delas:

Nunca Raras Vezes Algumas

vezes Bastantes

Vezes Muitas vezes

Ansiedade

Tristeza

Alegria

Prazer

Desânimo

Felicidade

Esperança

Satisfação

Segurança

Afecto

Agressividade

Tranquilidade

Frustração

Otimismo

Confiança

Solidão

Desespero

8. Em momentos difíceis da sua vida, em quem mais confia? Pode escolher mais do que uma opção.

Em si mesmo/a

Pai

Mãe

Companheiro/a

Filhos

Irmãos/Irmãs

Avós

Outros familiares

Amigos

Colegas de trabalho

Patrões/Chefes

Profissionais de saúde

Profissionais de instituições de apoio

Pessoas da comunidade

Outro/a(s), quem? ________

Ninguém

9. Por favor, assinale com uma cruz a sua resposta. Deve assinalar apenas uma opção para cada afirmação. Se alguma

destas pessoas já não faz parte da sua vida actual, coloque uma cruz (X) na opção “Não existe”.

Que tipo de imagem sente que… Positiva Negativa Neutra Não existe

…o/a seu/sua companheiro/a tem de si?

…a sua família tem de si?

…os seus amigos tem de si?

…os seus colegas de trabalho têm de si?

…o seu patrão/chefe tem de si?

…os profissionais dos serviços a que recorre têm de si?

…as pessoas da comunidade têm de si?

10. As suas relações com as outras pessoas seriam melhores, se não estivesse em situação de sem-abrigo?

Nada Um pouco Bastante Muito

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144

11. Neste momento, até que ponto tem dificuldade em criar novas relações?

12. Considera que a situação de sem-abrigo permitiu conhecer melhor os outros?

III. VALOR DO TRABALHO

1. O que é para si o trabalho? _________________________________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________________________________

2. De que forma o trabalho é importante para si e para a sua vida?

3. Para si, o trabalho serve apenas para ganhar dinheiro?

Sim Não

4. Como se costuma sentir nos períodos em que está a trabalhar?

Muito mal Mal Nem bem, nem mal Bem Muito bem

5. De que forma sente que as suas capacidades de trabalho foram aproveitadas nos anteriores empregos?

Muito mal Mal Nem bem, nem mal Bem Muito bem

6. Como tem sido o seu percurso de trabalho, desde que começou a trabalhar até agora?

7. Sente que se adapta facilmente a qualquer trabalho?

Sim Não

8. Pensando no seu percurso de trabalho, como eram as relações com os anteriores colegas de trabalho?

9. Pensando no seu percurso de trabalho, como eram as relações com os anteriores chefes de trabalho?

Nenhuma Alguma Bastante Muita

Nada Um pouco Bastante Muito

Nada importante Pouco importante Importante Muito importante

Muito mau Mau Nem bom, nem mau Bom Muito bom

Muito más Más Nem boas, nem más Boas Muito boas

Muito más Más Nem boas, nem más Boas Muito boas

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145

10. Pensando nesse percurso de trabalho, gostaria que ele tivesse sido diferente?

Sim Não

11. Sente que o que faz diariamente para arranjar dinheiro é uma forma de trabalho?

Sim Não

12. Por estar em situação de sem-abrigo, sente que é mais difícil arranjar trabalho?

Sim Não

13. Por favor, assinale com uma cruz a sua resposta. Deve assinalar apenas uma opção de resposta.

Sente que é mais difícil arranjar trabalho porque… Nada Um pouco Bastante Muito

… a sua aparência física piorou desde que está em situação de sem-abrigo?

… a sua saúde física piorou desde que está em situação de sem-abrigo?

… a sua saúde mental piorou desde que está em situação de sem-abrigo?

…tem mais dificuldades em lidar com os contextos de trabalho desde que está em situação de sem-abrigo?

… tem mais dificuldades em se relacionar com colegas e chefes desde que está em situação de sem-abrigo?

…perdeu competências de trabalho desde que está em situação de sem-abrigo?

14. Sente que a sua situação de sem-abrigo o/a obrigou a trabalhar em áreas diferentes da que gostaria?

Sim Não

15. Como classifica a ajuda dos outros para arranjar trabalho?

16. Neste momento, que dificuldades sente em regressar ao trabalho?

17. Neste momento, sente-se capaz de lidar com as exigências de um posto de trabalho?

Muito má Má Nem boa, nem má Boa Muito boa

Nenhuma Alguma Bastantes Muita

Nada Um pouco Bastante Muito

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146

18. No quadro seguinte encontrará um conjunto de actividades de ocupação de tempos livres. Por favor, assinale, com uma cruz (x), a frequência com que realiza cada uma delas.

Nunca ou

quase nunca

Duas ou três vezes por ano

Uma vez por

mês

Algumas vezes por

mês

Uma vez por

semana

Algumas vezes por semana

Todos os dias

Fazer desporto

Ouvir música

Tocar música

Pescar

Ver televisão/vídeo

Ler livros

Ler revistas/ jornais

Escrever

Frequentar bares/cafés

Conviver com amigos

Frequentar associações culturais/recreativas

Passear/ viajar

Ir às instituições de apoio para conviver

Caminhar pelas ruas

Arrumar carros

Não fazer nada

Observar as pessoas/ o mundo à volta

Realizar trabalhos manuais (pintura, escultura, desenho, agricultura, jardinagem, etc.)

Consumir substâncias psicoactivas (drogas e/ou álcool)

Andar de bicicleta

Procurar ferro-velho e outros materiais

Restaurar materiais

Outra

Qual?

19. Caracterize a importância das actividades de ocupação de tempo livre para o seu bem-estar psicológico e emocional.

Nada importante Pouco importante Importante Muito importante

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147

20. De seguida, vai encontrar várias afirmações sobre a forma de ocupação do seu tempo livre. Para cada uma, por favor,

assinale a sua resposta com uma cruz.

Discordo

totalmente Discordo

Não discordo nem concordo

Concordo Concordo

totalmente

É muito importante para mim ocupar o meu tempo a fazer o que gosto.

Quando estou ocupado, não penso nos meus problemas.

Passo os dias preocupado com a minha sobrevivência diária.

Em situação de sem-abrigo é difícil ocupar o meu tempo a fazer outras coisas.

Tenho muito tempo livre e poucas actividades para ocupar os meus dias.

Os dias seriam mais fáceis de passar se tivesse com que ocupar o meu tempo.

21. Caracterize a importância da formação para a sua vida (na área pessoal e/ou área profissional).

22. Sente que se tivesse tido mais oportunidades de formação anteriormente, a sua vida teria sido melhor?

Sim Não

IV. IDENTIDADE

1. Vê-se a si próprio(a) como uma pessoa sem-abrigo?

Sim Não

2. De seguida, vai encontrar várias afirmações sobre dificuldades no seu dia-a-dia. Para cada uma, por favor, assinale a sua resposta com uma cruz.

Neste momento, e dada a situação em que se encontra, que dificuldades encontra no seu dia-a-dia para garantir…

Nenhumas Algumas Bastantes Muitas

…alojamento?

… a sua alimentação diária?

… a sua segurança?

…o seu bem-estar psicológico e emocional?

3. Sente que a sua actual situação permitiu conhecer-se melhor a si próprio/a?

Sim Não

Nada importante Pouco importante Importante Muito importante

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148

4. Agora, sente que a situação enquanto sem-abrigo o/a levou a mudar a sua maneira de ser como pessoa?

Sim Não

4.1. Se respondeu Sim à questão anterior, de que forma a situação de sem-abrigo mudou a sua maneira de ser como pessoa?

5. De que forma sente que a sua vida mudou desde que se encontra em situação de sem-abrigo?

6. Sente que a experiência em situação de sem-abrigo fez desenvolver novas capacidades em si que desconhecia?

Sim Não

6.1. Se respondeu Sim à questão anterior, como caracteriza essas novas capacidades?

7. Sente que é uma pessoa diferente das outras que se encontram sem-abrigo?

Sim Não

8. Na sua opinião, como é a ideia que as pessoas em geral têm sobre quem está em situação de sem-abrigo?

V. PERSPECTIVAS DE FUTURO

1. De que forma a sua situação de sem-abrigo mudou as suas expectativas para o futuro?

1.1. Como sente que será o seu futuro no geral?

1.2. De que forma a sua experiência em situação de sem-abrigo alterou os seus objectivos de vida?

1.3. Como caracteriza os seus objectivos de vida actualmente em comparação a antes de estar em situação de sem-abrigo?

Neste momento não tenho objectivos

Neste momento tenho menos objectivos

Neste momento tenho mais objectivos

Neste momento tenho os mesmos objectivos

Nada Um pouco Bastante Muito

Melhorou Piorou Não mudou

Positivas Negativas Nem positivas, nem negativas

Positiva Negativa Nem positiva, nem negativa Não me interessa

Nada Um pouco Nem muito, nem pouco Bastante Muito

Muito mau Mau Nem bom, nem mau Bom Muito bom

Nada Um pouco Nem muito, nem pouco Bastante Muito

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149

2. O quanto diferente sente que será a sua vida daqui a um mês?

3. O quanto diferente sente que será a sua vida daqui a um ano?

4. Classifique como será para si, neste momento, sair da situação de sem-abrigo.

5. De que forma as instituições de apoio o/a têm ajudado a garantir alojamento, alimentação, vestuário

e higiene pessoal?

6. De que forma as instituições de apoio o(a) têm ajudado na procura de trabalho e no seu processo de

integração no mercado de trabalho?

7. De que forma as instituições de apoio o(a) têm ajudado no que respeita à aproximação à sua família,

a amigos e/ou a pessoas da comunidade?

Nada Um pouco Nem muito, nem pouco Bastante Muito

Nada Um pouco Nem muito, nem pouco Bastante Muito

Muito difícil Difícil Nem fácil, nem difícil Fácil Muito fácil

Nada Um pouco Nem muito, nem pouco Bastante Muito Não utilizo serviços de apoio

Nada Um pouco Nem muito, nem pouco Bastante Muito Não utilizo serviços de apoio

Nada Um pouco Nem muito, nem pouco Bastante Muito Não utilizo serviços de apoio

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150

Por favor indique, para cada opção, de 1 (nada importante) a 4 (muito importante), em que medida considera

que os seguintes aspectos são importantes para si, no seu futuro profissional (escreva um número: 1, 2, 3, 4):

Ter muita variedade no trabalho (por ex., tarefas, horários)

Ter um salário elevado

Ter um emprego para ajudar as outras pessoas

Ter um emprego estável e seguro

Ser autónomo no seu emprego

Entrar rápido e facilmente no mundo do trabalho

Ser um líder no trabalho e assumir responsabilidades

Ter tempo livre além do trabalho

Ter um emprego interessante

Ter um emprego de prestígio

Escalas de Afectividade Positiva e Afectividade Negativa (PANAS)

A seguir encontra uma lista de palavras que representam diferentes sentimentos e emoções. Indique, até

que ponto, experimentou esses sentimentos e emoções durante as últimas semanas. Responda marcando

uma cruz (x) no quadrado apropriado, ao lado de cada palavra: no quadrado número 1, se experimentou

esse sentimento ou emoção “muito pouco ou nada”; no quadrado número 2, se os experimentou “um

pouco”, etc. Marque a cruz só num dos cinco quadrados, à frente de cada palavra.

1 Muito pouco ou

nada

2 Um pouco

3 Assim, assim

4 Muito

5 Muitíssimo

1. Interessada/o

2. Aflita/o

3. Estimulada/o (Animada/o)

4. Aborrecida/o

5. Forte

6. Culpada/o

7. Assustada/o

8. Hostil (inimiga/o)

9. Entusiasmada/o (arrebatada/o)

10. Orgulhosa/o

11. Irritável

12. Atenta/o

13. Envergonhada/o

14. Inspirada/o

15. Nervosa/o

16. Decidida/o

17. Atenciosa/o

18. Agitada/o (inquieta/o)

19. Activa/o (mexida/o)

20. Medrosa/o

21. Emocionada/o

22. Magoada/o

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151

Escala de Satisfação com a Vida (SWLS) Em baixo encontrará cinco frases com que poderá concordar ou discordar. Utilize a escala de 1 a 5, marcando

uma cruz (x) dentro do quadrado que mais está de acordo com a sua resposta.

Rosenberg Self-Esteem Scale (RSES) Segue-se uma lista de afirmações que dizem respeito ao modo como se sente acerca de si próprio/a. À

frente de cada questão coloque uma cruz (X), na resposta que considera mais adequada, na respectiva

coluna.

Concordo

totalmente Concordo Discordo

Discordo Totalmente

1. Globalmente, estou satisfeita/o comigo própria/o.

2. Por vezes, penso que não sou boa/bom em nada.

3. Sinto que tenho algumas qualidades.

4. Sou capaz de fazer as coisas tão bem como a maioria das pessoas.

5. Sinto que não tenho muito do que me orgulhar.

6. Por vezes sinto-me, de facto, um/a inútil.

7. Sinto-me uma pessoa de valor, pelo menos tanto quanto a generalidade das pessoas.

8. Gostaria de ter mais respeito por mim própria/o.

9. Bem vistas as coisas, inclino-me a sentir que sou um/a falhado/a.

10. Adopto uma atitude positiva para comigo.

1

Discordo muito

2 Discordo

um pouco

3 Não concordo, nem discordo

4 Concordo um pouco

5 Concordo

muito

1. A minha vida parece-se em quase tudo com o que eu desejaria que ela fosse.

2. As minhas condições de vida são muito boas.

3. Estou satisfeita/o com a minha vida.

4. Até agora, tenho conseguido as coisas importantes da vida que eu desejava.

5. Se pudesse recomeçar a minha vida, não mudaria quase nada.

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152

Escala de Solidão

Indique quantas vezes se sente da forma que é descrita em cada uma das seguintes afirmações. Coloque um círculo à volta de um número para cada uma delas se acordo com a seguinte distribuição: 1 – Nunca; 2 – Raramente; 3- Algumas vezes; 4 – Muitas vezes

Nu

nca

Rar

ame

nte

Alg

um

as v

eze

s

Mu

itas

ve

zes

1. Sinto-me em sintonia com as pessoas que estão à minha volta 1 2 3 4

2. Sinto falta de camaradagem 1 2 3 4

3. Não há ninguém a quem possa recorrer 1 2 3 4

4. Sinto que faço parte de um grupo de amigos 1 2 3 4

5. Tenho muito em comum com as pessoas que me rodeiam 1 2 3 4

6. Já não sinto mais intimidade com ninguém 1 2 3 4

7. Os meus interesses e ideias não são partilhados por aqueles que rodeiam

1 2 3 4

8. Sou uma pessoa voltada para fora 1 2 3 4

9. Há pessoas a quem me sinto chegado 1 2 3 4

10. Sinto-me excluído 1 2 3 4

11. Ninguém me conhece realmente bem 1 2 3 4

12. Sinto-me isolado dos outros 1 2 3 4

13. Consigo encontrar camaradagem quando quero 1 2 3 4

14. Há pessoas que me compreendem realmente 1 2 3 4

15. Sou infeliz por ser tão retraído 1 2 3 4

16. As pessoas estão à minha volta mas não estão comigo 1 2 3 4

17. Há pessoas com quem consigo falar 1 2 3 4

18. Há pessoas a quem posso recorrer 1 2 3 4

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153

ANEXO II

Guião de Entrevista Valor do Trabalho e das Relações

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154

Guião de Entrevista Valor do Trabalho e das Relações

Integrado no estudo intitulado a Situação de Sem-Abrigo e Inclusão Laboral: o valor do trabalho e das relações, financiado

pelo Programa Operacional de Assistência Técnica – POAT/QREN e sob coordenação de Professor Doutor Joaquim

Armando Ferreira, na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra.

Código da entrevista: _____________________ Data: ____/____/________

Instruções de resposta ao questionário:

Este guião de entrevista aborda questões relacionadas com o valor atribuído ao trabalho e às relações

interpessoais por pessoas que se encontram em situação de sem-abrigo.

É de toda a conveniência que responda com o máximo de rigor e honestidade, pois só assim é possível obter

resultados fidedignos que permitam uma adequada compreensão da temática em estudo. Todas as respostas

são correctas relativamente a qualquer dos itens, pretendendo-se apenas a sua opinião pessoal e sincera.

Esta entrevista é de natureza confidencial. O tratamento desta, por sua vez, é efectuado de uma forma global,

não sendo sujeito a uma análise individualizada, o que significa que o seu anonimato é respeitado.

I. Dados Sociodemográficos

1. Sexo: Masculino Feminino

2. Qual é a sua idade? ________

3. Em que ano nasceu? _________

4. Qual é o seu estado civil?

Solteiro(a)

Casado(a)

União de facto

Separado(a)

Divorciado(a)

Viúvo(a)

5. Tem filhos?

Não Sim, quantos? _______________________

6. Qual é o seu nível de escolaridade?

Não sabe ler nem escrever

Sabe ler e/ou escrever

1º - 4º Anos

5º - 6º Anos

7º - 9º Anos

10º - 12º Anos

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155

Ensino Superior

7. Actualmente encontra-se em qual das seguintes situações?

A pernoitar na rua

A pernoitar em edifícios abandonados

A pernoitar em albergue

Num Centro de Acolhimento

Temporário

Em casa de familiares

Em casa de amigos

Outra situação, qual? ___________________________________________________

8. Há quanto tempo se encontra nesta situação?

_____ Anos; _____ meses.

9. É a primeira vez que se encontra em situação de sem-abrigo?

Sim Não

9.1. Se respondeu “Não” à pergunta anterior, indique: os períodos de tempo que esteve em

situação de sem-abrigo, o motivo da entrada e o motivo de saída da situação.

10. Costuma utilizar os apoios que as instituições da cidade disponibilizam?

Sim Não

Momentos em que

esteve em situação de sem-abrigo

Durante quanto tempo esteve em situação de sem-

abrigo?

Porque motivo ficou em situação de sem-

abrigo?

Porque motivo deixou de estar em situação de

sem-abrigo?

Durante quanto tempo não esteve em

situação de sem-abrigo entre

cada momento?

1ª vez

2ª vez

3ª vez

4ª vez

5ª vez

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156

10.1. Que tipo de apoios costuma utilizar?

Equipas de Rua Serviços de vestuário

Albergues Atendimento para apoio social

Centros de AcolhimentoTemporário Serviços de Psicologia

Serviços de alimentação Apoio jurídico

Banhos Públicos Serviços de Saúde

Serviços de lavandaria Outro, qual?

10.2. Com que frequência utiliza esses apoios?

Todos os dias

Quase todos os dias

Algumas vezes

Raramente

Nunca

11. Costuma consumir drogas?

Sim Não

11.1 Com que frequência consome drogas?

Todos os dias

Quase todos os dias

Algumas vezes Raramente

12. Com que frequência consome bebidas alcoólicas?

Nunca

Uma vez por mês ou menos

Duas a quatro vezes por mês

Duas a três vezes por semana

Quatro ou mais vezes por semana

12.1. Num dia normal, em que decide beber, quantas bebidas alcoólicas consome?

Uma ou duas

Três ou quatro

Cinco ou seis

Sete a nove

Dez ou mais

12.2. Com que frequência consome seis ou mais bebidas numa ocasião?

Nunca

Menos que uma vez por mês

Uma vez por mês

Uma vez por semana

Todos ou quase todos os dias

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)

157

13. Ao longo da sua vida, teve necessidade de recorrer a ajuda psiquiátrica?

Sim Não

13.1. Foi-lhe alguma vez diagnosticada uma perturbação mental?

Sim Não

13.2. Se sim, qual é/foi a perturbação diagnosticada?

_______________________________________________________________________________

14. Em algum momento da sua vida teve problemas com a Justiça?

Sim Não

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158

Guião de Entrevista Biográfica

O nosso grupo de investigação pretende entrevistar várias pessoas que se encontram em situação de

sem-abrigo em Portugal com o objectivo de compreender melhor as suas experiências e opiniões,

como base para indicar melhorias na intervenção social realizada no país.

Neste sentido e se estiver de acordo, gostaríamos de lhe colocar algumas questões sobre a sua

experiência em situação de sem-abrigo e um pouco sobre si e o seu percurso de vida. Pedimos

apenas que recorde as suas experiências, sendo que faremos algumas questões que servem apenas

para o ajudar a recordar.

1. Gostaríamos então que falasse um pouco sobre si e sobre a sua vida até agora. Conte-nos

sobre como era em criança, as recordações que tem da sua família, dos seus amigos e da

escola, continuando pelas suas experiências em jovem e quando começou a trabalhar até

agora.

O que significava a escola, para si? Teve que abandonar os estudos? Porquê?

Quem teve muita influência para si na sua vida? Quem são as pessoas mais importantes

para si?

O que costumava fazer para ocupar o seu tempo livre?

Que objectivos/ sonhos foi tendo para si e para o seu futuro ao longo da sua vida?

2. Fale-me um pouco sobre cada uma das suas experiências de trabalho, o que mais gostou e o

que menos gostou, o que sente que aprendeu, o que sente que ganhou, como se relacionava

com os colegas e os chefes, quanto tempo esteve em cada trabalho.

O que gostava que tivesse sido diferente na sua vida em relação ao trabalho? Gostaria

de ter tido outras experiências e oportunidades de trabalho?

Como foram para si as situações de desemprego? Quanto tempo esteve (ou está)

desempregado/a? O que aconteceu para ficar desempregado/a?

De que forma o trabalho é importante para si?

Realizou algum curso de formação? Desejaria ter frequentado cursos de formação

anteriormente? E agora?

3. Gostaríamos agora que nos contasse um pouco sobre a sua (primeira) experiência em

situação de sem-abrigo, sobre o que aconteceu para ficar nesta situação, o que costuma

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)

159

fazer no seu dia-a-dia, com quem costuma estar. Pode levar o tempo que quiser e os dar os

pormenores que entender.

O que fazia na altura? Como se sentiu? O que pensou sobre o que estava a acontecer na

sua vida?

Há quanto tempo se encontra em situação de sem-abrigo?

Vê-se a si próprio como uma pessoa sem-abrigo? Fale-me um pouco sobre isso.

Sente que passou a conhecer-se melhor si próprio/a? E às outras pessoas? De que

forma?

Como costuma obter dinheiro para o seu dia-a-dia?

Como tem enfrentado as dificuldades que tem sentido no seu dia-a-dia?

Como ocupa o seu tempo livre?

Que mudanças sente que esta situação de sem-abrigo teve na sua vida, em termos

emocionais e financeiros, na relação com a sua família e amigos, na sua saúde física e

psicológica, no seu trabalho, nos seus objectivos de vida?

Como é a relação com a sua família actualmente? Têm conhecimento que se encontra

em situação de sem-abrigo?

Quando ficou sem-abrigo, o que poderia tê-lo ajudado nos primeiros dias e sentiu falta?

Quando ficou sem-abrigo, o que poderia tê-lo/a ajudado a lidar ou a resolver a

situação? Da parte de outras pessoas e/ou instituições?

4. Fale-me um pouco sobre o que tem feito para sair da sua situação de sem-abrigo.

Por onde se deve começar para sair da situação de sem-abrigo?

Sente que é difícil encontrar trabalho? E casa? Porquê?

Sente que tem recebido a ajuda necessária, da família, dos amigos, dos profissionais das

instituições, da comunidade? Quem é que o pode e/ou deve ajudar?

Pensando na sua experiência, de que outras formas acha que se deve ajudar as pessoas em

situação de sem-abrigo? E na procura de trabalho, como o/a deveriam ajudar?

5. O que pretende para si e para a sua vida em relação ao futuro? O que pretende vir a fazer?

Quais são os seus planos em relação ao trabalho? E em relação às pessoas que são

importantes para si?

O que deve fazer para conseguir realizar esses planos?

6. O que é que gostaria de acrescentar/ dizer sobre o que foi aqui falado?

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)

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ANEXO III

Declaração de Consentimento Informado

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)

161

Declaração de Consentimento Informado

O estudo que se encontra a decorrer na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da

Universidade de Coimbra, intitulado Sem-Abrigo e Inclusão Laboral: o valor do trabalho e das

relações - sob coordenação de Professor Doutor Joaquim Armando Ferreira - pretende analisar e

compreender o impacto da situação de sem-abrigo nos valores do trabalho, das relações e da

inclusão laboral. Esta investigação assume-se como um contributo importante para a compreensão

desta problemática em Portugal, respeitando as experiências dos seus atores. Deste modo, as

entrevistas utilizadas servem unicamente o objectivo de recolha de informação para a análise e

compreensão desejadas neste estudo.

Neste sentido, a sua participação nesta entrevista não trará qualquer despesa ou risco para

si. A entrevista será realizada por investigadores e gravada com o objectivo de uma melhor

compreensão e análise posterior, sendo que todas as informações recolhidas serão única e

exclusivamente consideradas para esta investigação, garantindo-se a sua confidencialidade e

identidade resguardada, uma vez que os dados são avaliados de forma colectiva e não individual.

A sua participação nesta entrevista é voluntária e pode retirar-se a qualquer momento ou

recusar em participar, sem que tal tenha consequências para si.

Se concordar em participar neste estudo, por favor assine no espaço abaixo.

Eu, ___________________________________________________________________

tomei conhecimento do objectivo da investigação e do que tenho que fazer para participar no

estudo. Fui esclarecido(a) sobre todos os aspectos que considero importantes e as perguntas que

coloquei foram respondidas. Fui informado(a) que tenho direito a recusar e que a minha recusa em

participar não terá consequências para mim.

Assim declaro que aceito participar nesta investigação.

______________________________________________________, ____ de________ de 201

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)

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