sistematica vegetal.pdf

Upload: apaulacruz

Post on 09-Feb-2018

260 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/22/2019 sistematica vegetal.pdf

    1/12

    1A Cincia da

    Sistemtica Vegetal

    O que exatamente a sistemtica vegetal? A pergunta se torna

    mais difcil de responder se considerarmos que vegetale siste-

    mticaso bastante difceis de definir. Considerar estes concei-tos em detalhes nos ajudar a definir melhor esta cincia e a

    esclarecer nossos propsitos.

    O que queremos dizer comvegetais?A maioria das pessoas tem uma noo intuitiva do que uma planta ou vege-

    tal: um ser vivo verde e que no se desloca. Para alguns, o conceito de vegetais

    abrange os fungos, que no so verdes. Os departamentos de botnica e biolo-

    gia vegetal em muitos colgios e universidades tambm incluem micologistas

    (pessoas que estudam os fungos). Para alguns, a palavra vegetalse restringe a or-

    ganismos verdes de ambientes terrestres e aquticos. No entanto, os organismosfotossintticos aquticos abrangem uma enorme diversidade de formas de vida,

    incluindo algas verdes e no-verdes e grupos relacionados.

    Para os propsitos deste livro, consideraremos as plantas verdes, uma grande

    linhagem que inclui as assim chamadas algas verdes e as plantas terrestres (Figu-

    ra 1.1). Assim definidas, as plantas verdes partilham certo nmero de caracteres,

    incluindo (1) a presena dos pigmentos fotossintticos clorofila ae b; (2) reserva

    de carboidratos, em geral na forma de amido; e (3) a presena de dois flagelos

    anteriores em forma de chicote em algum momento do ciclo de vida (com fre-

    qncia modificados ou s vezes perdidos).

    ... Caracteres que, segundo os naturalistas, mostram uma verdadeira afinidadeentre duas ou mais espcies so aqueles que foram herdados de um ancestral

    em comum, portanto toda classificao verdadeira genealgica.

    Charles Darwin 1859: 391

  • 7/22/2019 sistematica vegetal.pdf

    2/12

    2 JUDD, CAMPBELL, KELLOGG, STEVENS& DONOGHUE

    Dentro das plantas verdes, nos concentraremos nas plan-

    tas terrestres, ou embrifitas (das quais, na verdade uma pe-quena parte vive na gua), cujo grupo atual mais prximo soas carfitas, um grupo de algas verdes. As plantas terrestresapresentam histrias de vida com duas geraes (um espor-fito diplide e um gametfito haplide), esporos de paredesespessas, um estgio embrionrio no ciclo de vida, estruturasespecializadas que protegem os gametas (arquegnios paraos vulos e anterdios para os gametas masculinos) e umacutcula (uma camada cerosa protetora acima das clulasepidrmicas). Junto com estes caracteres morfolgicos emcomum, numerosos caracteres de DNA sustentam que estegrupo monofiltico, isto , asplantas representam um ni-co ramo da rvore da vida.

    As plantas terrestres consistem em trs grupos bem pe-

    quenos hepticas, antceros e musgos e as traquefitas.Tracheo refere-se presena de traquedes (clulas especiali-zadas para o transporte de lquidos) e o sufixo grego phytonsignifica planta. As traquefitas s vezes so referidas comoplantas vasculares e de longe so o maior grupo de plantasverdes, incluindo cerca de 260.000 espcies. Elas constituem avegetao dominante na maior parte da superfcie terrestre eso o foco principal deste livro.

    Dentre todas as traquefitas, apenas umas 12.000 no soplantas com flores, ou angiospermas.As angiospermas so-

    brepassam de longe o resto das traquefitas pela sua impor-

    tncia para os ecossistemas terrestres, a nutrio humana, amedicina e o bem-estar em geral. Por isso, a maior parte destelivro dedicada s angiospermas.

    O que queremos dizer comsistemtica?Mesmo quando este livro se focaliza principalmente nas an-giospermas, os princpios bsicos de sistemtica aqui enun-ciados se aplicam a todos os organismos. Sistemtica acincia da diversidade dos organismos. Envolve a descoberta,a descrio e a interpretao da diversidade biolgica, bemcomo a sntese da informao sobre a diversidade, na for-ma de sistemas de classificao preditivos. De acordo com o

    paleontlogo George Gaylord Simpson (1961: 7), A siste-mtica o estudo cientfico da diversidade dos organismose de qualquer e todas as relaes entre eles. Esta viso toampla que poderia abranger aquilo que normalmente con-sideramos ecologia, ou talvez outras disciplinas. Portanto, necessrio considerar em detalhes os tipos de relaes entreorganismos que preocupam especificamente os sistematas.

    Em nossa opinio, o propsito fundamental da sistem-tica descobrir todos os ramos da rvore evolutiva da vida,documentar as modificaes que ocorreram durante a evo-

    Traquefitas

    Plantas terrestresCarfitas

    D

    iversasalgas

    carofceas

    Clorfitas(= algasverdesrestritamentedefinidas)

    Traquedes

    Esporfito ramificado

    Diviso celular apicalXilema, floema

    Estmatos

    Esporos de parede espessa

    EmbrioArquegnios, anterdios

    Cutcula

    Tecido parenquimtico(corpo multicelular e complexo)

    Tipo de diviso celular

    Flagelos assimetricamente ligados

    Clorofilas ae bAmido (estocado dentro de umcloroplasto com duas membranas)

    Dois flagelos anteriores em forma de chicote

    Com freqncia todos estesgrupos so considerados algas verdes

    Mu

    sgos

    Antceros

    Hepticas

    Coleochaete

    Charae

    tax

    aafins

    FIGURA 1.1 Filogenia das plantas verdes(ilustrada em uma rvore filogentica). Atri-butos estruturais que caracterizam gruposso indicados nos ramos onde se acreditaque estes caracteres tenham evoludo. Asrelaes filogenticas entre hepticas, an-tceros e musgos no esto claras; ver tam-

    bm Figura 7.6.

  • 7/22/2019 sistematica vegetal.pdf

    3/12

    SISTEMTICAVEGETAL 3

    luo desses ramos e, at onde for possvel, descrever todasas espcies (os pices dos ramos da rvore da vida). Assim,a sistemtica o estudo da diversidade biolgica que existehoje na Terra e da sua histria evolutiva.

    Os sistematas tentam reconstruir a crnica inteira doseventos evolutivos, incluindo a separao de populaes em

    linhagens diferentes e quaisquer outras modificaes evolu-tivas nas caractersticas dos organismos associados com esteseventos de divergncia, bem como com os perodos entre taiseventos. Uma finalidade secundria, porm crtica, da siste-mtica converter o conhecimento sobre a rvore da vida(dos ramos terminais as espcies e as relaes entre estes)em um sistema de classificao no-ambguo, que possa as-sim nortear nossa compreenso sobre a vida e o mundo quenos rodeia. Este o enfoque filogentico na sistemtica.

    Defendemos explicitamente a idia de que a sistemticano apenas uma cincia descritiva, mas que tambm procu-ra descobrir relaes evolutivas e entidades evolutivas reaisque so o resultado do processo de evoluo. Tomemos comoponto de partida a separao de uma linhagem em duas ou

    mais. Estudamos ento as modificaes evolutivas que ocor-reram (e continuaro ocorrendo) dentro das linhagens. Nossoobjetivo reconstruir a histria da separao das linhagens ea histria das suas modificaes de modo to acurado quantopossvel pelo levantamento da maior quantidade possvel deinformao que nos permita resolver o problema. Os siste-matas continuamente elaboram hipteses sobre a existnciade ramos na rvore da vida e testam estas idias com evidn-cias provindas de uma ampla variedade de fontes. Hiptesesalternativas so avaliadas e algumas so provisoriamente es-colhidas dentre outras.

    Alguns sistematas vem seu trabalho de um modo di-ferente. Eles pensam em si prprios como simplesmentedescrevendo semelhanas e diferenas evidentes entre or-

    ganismos ao nosso redor, sem referir-se a uma teoria. Elesenxergam os diagramas ramificados (como os das Figuras 1.1e 1.2) e as classificaes (ver Figura 1.5) apenas como ilustra-es eficientes das semelhanas e diferenas entre organis-mos. De acordo com tal ponto de vista, as entidades aceitaspelos sistematas nada mais so do que resumos das infor-maes observadas, ao tempo que, em nosso ponto de vista,estas entidades representam ramos hipotticos na rvore davida. Assim, nosso enfoque se estende alm da somatria deinformaes disponveis e nos leva a efetuar afirmaes sobreentidades que no podemos observar, mas cuja existncia po-demos inferir em decorrncia do processo evolutivo.

    A tenso entre enfoques neutrais e baseados em teoriaspermeia a histria da cincia. Sempre existiram pesquisado-

    res que acreditam que observaes neutrais so possveis edesejveis, e existem aqueles que preferem definir os termosbsicos da disciplina cientfica na forma de operaes particu-lares efetuadas nos dados. Existem tambm aqueles (como osautores deste livro) cujos conceitos, definies e procedimen-tos de inferncia esto explicitamente baseados em teoriase que gostariam de ir alm dos dados levantados e efetuargeneralizaes.

    Para alguns, a distino que acabamos de fazer pode pa-recer pequena, e na prtica, a verdade que sistematas com

    diferentes pontos de vista sobre suas atividades conduzemsuas pesquisas de modo muito semelhante. Enfatizamosaqui as diferenas porque isso poder ajudar alguns leito-res a compreender parte da literatura sobre a sistemtica eporque nos ajuda a explicar nossa prpria orientao sobrea sistemtica vegetal. Mais importante, ao longo deste livro,

    nos focalizaremos em como interpretamos todos os tipos deevidncia em relao ao propsito fundamental da sistem-tica aqui enunciado. A sistemtica ocupa uma posio cen-tral na biologia evolutiva e est desempenhando uma funocuja importncia vem gradualmente aumentando para ou-tras disciplinas, como ecologia, biologia molecular, biologiado desenvolvimento, antropologia e at para a lingstica ea filosofia.

    O enfoque filogenticoNossa viso da sistemtica vegetal explica uma idia quesurgir inmeras vezes ao longo do livro: que a sistemticaest ligada direta e fundamentalmente ao estudo da evoluoem geral, desde o estudo de fsseis at o estudo de modi-ficaes genticas em populaes locais. Esta conexo bsi-ca extraordinariamente simples: estudos sobre o processoevolutivo se beneficiam (em geral, muito!) do conhecimentodaquilo que deduzimos que aconteceu durante a evoluo davida na Terra. Por exemplo, quando elaboramos uma hip-tese sobre a evoluo de uma caracterstica em particular deum organismo, assumimos que o carter em questo de fatoevoluiu dentro do grupo em estudo. Alm disso, tais hipte-ses em geral se apiam em conhecimentos sobre a condioprecursora a partir da qual este carter se desenvolveu.

    Este tipo de informao sobre as seqncias de eventosevolutivos obtida pelos sistematas que reconstroem a filo-genia (a histria evolutiva) de um grupo de organismos. De

    modo semelhante, estudos sobre as taxas de modificaesevolutivas, das idades e padres de diversificao de linha-gens dependem diretamente do conhecimento sobre relaesfilogenticas.

    Como reconstrumos uma filogenia?

    Uma filogenia consiste em conjuntos simples de afirmaesda seguinte natureza: os grupos A e B esto mais proxima-mente relacionados entre si do que qualquer um deles o estcom C. Consideremos um exemplo simples envolvendo trsintegrantes da famlia das rosas (Rosaceae): amora-do-mato,framboesa e cereja (Figura 1.2). De acordo com a frase pelosseus frutos os conhecereis, podemos inferir relaes evolu-

    tivas utilizando apenas os frutos como evidncias. A amora-do-mato e a framboesa apresentam numerosos frutos peque-nos, carnosos (drupas) e agrupados (ver Captulo 4 para umadescrio dos tipos de frutos). Os frutos da cereja tambm sodrupas, mas so solitrios e muito maiores que os dos outrosdois taxa.

    Com tais informaes sobre os frutos dessas trs plantas,podemos inferir que a amora-do-mato e a framboesa estomais proximamente relacionadas entre si do que com a ce-reja. Isto equivale a dizer que a amora-do-mato e a framboe-

  • 7/22/2019 sistematica vegetal.pdf

    4/12

    4 JUDD, CAMPBELL, KELLOGG, STEVENS& DONOGHUE

    sa partilham um ancestral em comum mais recente do queaquele ancestral comum partilhado com a cereja. A amora-do-mato e a framboesa so chamadas de grupos-irmos ouparentes mais prximos. Uma grande quantidade de evidn-cias provindas de caracteres estruturais, qumicos e seqn-cias de DNA leva mesma concluso sobre as relaes entretais plantas. Podemos representar estas relaes filogenticas

    na forma de um diagrama conhecido como rvore evolutiva(tambm conhecida como rvore filogentica ou cladogra-ma). Este livro contm grande variedade destas rvores; o daFigura 1.2 uma das mais simples.

    Mais formalmente, uma rvore filogentica um diagra-ma que resume as relaes entre ancestrais e descendentes.

    Imagine uma populao de organismos muito semelhantesentre si. Por algum motivo, a populao se divide em duaspopulaes e estas divergem e evoluem independentemente.Em outras palavras, duas linhagens (seqncias ancestrais-descendentes de populaes) se estabelecem. Sabemos queisso aconteceu porque integrantes das duas novas popula-es adquirem, por meio de mutaes, caractersticas novasnos seus genes e, possivelmente, modificaes na forma, oumorfologia. Tais modificaes morfolgicas fazem com queos integrantes de uma populao se paream entre si e sejamdiferentes dos integrantes das outras populaes ou da po-pulao ancestral. Estas caractersticas so as evidncias daevoluo.

    Por exemplo, um grupo de plantas produzir uma pro-

    gnie que geneticamente relacionada com seus parentais,como indicado pelas linhas na Figura 1.3. A prognie se re-produzir dando lugar a outra prognie, de modo que pode-mos ver a populao ao longo de muitas geraes, com cone-xes genticas indicadas por linhas.

    Se por algum motivo uma populao se divide em duaspopulaes separadas, cada populao ter seu prprio con-junto de conexes e eventualmente adquirir caracteres dis-tintos. Por exemplo, na populao hipottica da Figura 1.3, apopulao direita desenvolve flores vermelhas e o caule dapopulao esquerda se torna lenhoso. Estas modificaesso evidncias de que cada populao constitui uma linha-gem separada. O processo pode repetir-se e cada uma das

    Amora-do-mato

    Framboesa

    Cereja

    Tempo

    Ancestral em comumentre a amora-do-matoe a framboesa

    Ancestral em comumentre a amora-do-mato,a framboesa e a cereja

    FIGURA 1.2 Uma filogenia simples de trs integrantes da famlia dasroseiras.

    FIGURA 1.3 Evoluo de duas linhagens hipotticas de plantas. Cadacrculo ou quadrado representa um indivduo. As linhas se estendemde baixo para cima, a partir de cada planta em direo aos seus des-cendentes, e para baixo, em direo aos parentais de cada indivduo.No ano 4, por algum motivo, a populao se divide em duas. Uma mu-

    tao na populao esquerda produz uma mudana de caule her-bceo para lenhoso que transmitida aos descendentes. Ao longo dotempo, as plantas lenhosas gradualmente substituem as herbceas napopulao. Uma mutao diferente no grupo da direita nos leva a umgrupo de plantas com flores vermelhas ao invs de brancas.

    Ptalas brancas, cauleherbceo, folhas no-pilosas,cinco estames, fruto seco, testada semente lisa

    Ptalas vermelhas, cauleherbceo, folhas no-pilosas,cinco estames, fruto seco, testada semente lisa

    Ptalas brancas, caule lenhoso,folhas no-pilosas, cinco estames,fruto seco, testa da semente lisa

    Ano 10

    Ano 9

    Ano 8

    Ano 7

    Ano 6

    Ano 5

    Ano 4

    Ano 3

    Ano 2

    Ano 1

    Tempo

  • 7/22/2019 sistematica vegetal.pdf

    5/12

    SISTEMTICAVEGETAL 5

    novas populaes poder dividir-se novamente, com cada

    uma das novas populaes adquirindo um novo conjunto decaracteres. Algumas das plantas lenhosas agora apresentamfrutos carnosos e outro grupo apresenta a testa da semen-te provida de espinhos. Ao mesmo tempo, parte das plantascom flor vermelha apresenta apenas quatro estames e outroconjunto de plantas de flor vermelha apresenta folhas pilosas(Figura 1.4).

    As caractersticas das plantas, tais como cor da flor ouestrutura do caule, so geralmente denominadas caracteres.Cada carter pode apresentar valores diferentes ou estadosde carter. Em nosso exemplo, o carter cor da florapre-senta dois estados: branco e vermelho. O carter estruturado cauletambm apresenta dois estados: herbceo e lenho-so. Plantas com o mesmo estado de carter esto mais prova-

    velmente relacionadas entre si do que plantas com diferentesestados de carter.O ponto crtico deste exemplo que caracteres como p-

    talas vermelhas e caules lenhosos sonovos: eles so deriva-dos (ou apomrficos) em relao populao ancestral queapresentava flores brancas e caules herbceos (no lenhosos).Apenas caracteres derivados como estes nos indicam queuma nova linhagem se estabeleceu. A reteno de estados decarter antigos (flores brancas, caule herbceo, folhas no pi-

    losas, cinco estames, fruto seco, semente com testa lisa) no

    nos informa nada sobre o que aconteceu.Um estado de carter derivado poder tornar-se ancestralem um momento posterior. Na Figura 1.4, caules lenhososso derivados em relao populao original, mas so an-cestrais em relao aos grupos com frutos carnosos ou comsementes de testa provida de espinhos.

    O que monofilia?

    De que modo um sistemata utiliza uma filogenia para decidira quais grupos de organismos, ou taxa (em singular txon),deve dar nome em uma classificao? Um enfoque filogen-tico exige que cada txon seja um grupo monofiltico, defi-nido como um grupo que contm um ancestral e todos seus

    descendentes (mono, nica; phyllum, linhagem). O exemplona Figura 1.2 ilustra como identificamos taxamonofilticos.Apenas como exemplo didtico, assumamos que Rosaceaecontm apenas os trs grupos da figura (claro que uma fa-mlia muito maior; ver Captulo 9), que os trs taxaso mo-nofilticos e que a figura ilustra as verdadeiras relaes filo-genticas entre eles. H trs possveis arranjos dos taxa: (1)amora-do-mato e framboesa, (2) cereja e amora-do-mato e(3) cereja e framboesa.

    Ptalas brancas, caule lenhoso,folhas no-pilosas, cinco estames,fruto seco, testa da semente lisa

    Ptalas vermelhas, caule herbceo,folhas no-pilosas, cinco estames,fruto seco, testa da semente lisa

    Ptalas brancas, caule lenhoso,folhas no-pilosas, cinco estames,fruto carnoso, testa da semente lisa

    Ptalas vermelhas, caule herbceo,folhas no-pilosas, quatro estames,fruto seco, testa da semente lisa

    Ptalas vermelhas, caule herbceo,folhas-pilosas, cinco estames, frutoseco, testa da semente lisa

    Ptalas brancas, caule herbceo,folhas no-pilosas, cinco estames,fruto seco, testa da semente lisa

    Ptalas brancas, caule lenhoso,folhas no-pilosas, cinco estames,fruto seco, testa da semente comespinhos

    18

    17161514

    13121110

    9

    8

    7

    6

    5

    4

    3

    2

    1

    Ano

    FIGURA 1.4 O mesmo conjunto hipottico de plantas da Figura 1.3 aps 8anos e outras duas divises.

  • 7/22/2019 sistematica vegetal.pdf

    6/12

    6 JUDD, CAMPBELL, KELLOGG, STEVENS& DONOGHUE

    Quais desses arranjos representam grupos monofilticos?Apenas o conjunto 1 inclui todas as entidades de um ni-co ramo da rvore filogentica, ou seja, apenas o conjunto 1contm todos os descendentes de um nico ancestral e mo-nofiltico. Grupos monofilticos tambm so denominadosclados.

    Outro modo de entender a monofilia pensar que umgrupo monofiltico aquele que pode ser removido de umarvore filogentica com um nico corte. Veja a Figura 1.2 eobserve que a remoo do grupo 2 (cereja e amora-do-mato)necessitaria de dois cortes. Em geral, a remoo de gruposno-monofilticos de rvores filogenticas maiores requermais do que dois cortes.

    Esta definio de monofilia em particular foi adotadaapenas recentemente (ver Captulo 3), e muitos grupos tra-dicionalmente aceitos de plantas no so monofilticos deacordo com tal definio. Um exemplo de grupos familiaresque no so monofilticos so as dicotiledneas. Este gru-po apresenta caracteres como presena de dois cotildones eflores com peas perinticas em nmero igual ou mltiplo de

    4 ou 5, que fazem com que sejam reconhecidas facilmente.No entanto, elas no constituem um grupo monofiltico. Asmonocotiledneas, que aparentemente so monofilticas),so tambm descendentes do ancestral comum das dico-tiledneas, e as monocotiledneas esto inseridas dentrodestas. Assim, o grupo dicotiledneasno contm todos osdescendentes de um nico ancestral, e necessrio mais deum corte para remov-las da rvore da vida.

    O Captulo 2 discute a monofilia em mais detalhes, bemcomo as formas em que interpretamos as evidncias a favorou contra ela. Para manter o enfoque filogentico deste livro,aceitaremos apenas grupos monofilticos. Por exemplo, re-jeitamos as dicotiledneascomo grupo formal e indicamoseste e quaisquer outros grupos no-monofilticos entre aspas.

    Um grupo monofiltico pode ser reconhecido como tal peloscaracteres derivados compartilhados pelos seus integrantes(sinapomorfias). Sinapomorfias so estados de carter quesurgiram no ancestral de um grupo e que esto presentesem todos os seus integrantes (mesmo que s vezes de formamodificada). O conceito de sinapomorfia foi formalizado pelaprimeira vez por Hennig (1966) e Wagner (1980). Em anosrecentes, a possibilidade de seqenciar nucleotdeos de DNApermitiu a comparao de seqncias gnicas de diferentesorganismos na busca por sinapomorfias. Tal tipo de estudo a base da sistemtica molecular, descrita no Captulo 5. Osresultados dessa disciplina, com freqncia, viram pelo aves-so pontos de vista aceitos por muito tempo sobre as relaesfilogenticas entre determinados organismos.

    Em alguns casos, a evidncia a favor ou contra a monofiliade um grupo no inequvoca. Por exemplo, as gimnosper-mas atuais, um grupo de plantas que inclui os pinheiros eos ciprestes, no so monofilticas de acordo com algumasanlises e so monofilticas de acordo com outras. Estudosmoleculares recentes em geral sustentam a monofilia das gi-mnospermas atuais, mas possvel que estudos posteriorescontradigam esta viso. Provisoriamente, reconhecemos asgimnospermas como um grupo monofiltico na nossa classi-ficao. Discusses mais extensas sobre estes tpicos comple-xos podem ser encontradas nos Captulos 7 e 8.

    Uma importante exceo da regra da monofilia ocorre noreconhecimento de taxano nvel de espcies. O problema daaplicao do conceito de monofilia nas espcies est relacio-nado com a natureza das relaes abaixo e acima do nvel deespcie. Acima do nvel de espcie, a rvore da vida separa-seem geral na forma de ramos, como nas Figuras 1.1 e 1.2. Isto

    assim porque os taxanessas rvores no se cruzam ou hibri-dizam entre si. Dentro das espcies, no entanto, os ramos seunem devido reproduo entre os integrantes das espcies.Assim, durante a separao de uma espcie em duas, podemocorrer eventos reprodutivos entre integrantes das linhagensem formao, de modo que no possvel identificar um ni-co ancestral comum a ambas ou cada uma das espcies. Estee outros problemas em relao as espcies so discutidos noCaptulo 6.

    A sistemtica vegetal na prticaA classificao e a identificao so duas importantes ativida-des dos sistematas. A classificao consiste em localizar uma

    entidade em um sistema de inter-relaes logicamente orga-nizado. Este sistema geralmente hierrquico, compondo-se de grupos grandes e inclusivos de organismos, tais comoo reino vegetal, que inclui todas as plantas verdes, que porsua vez contm grupos menos abrangentes sucessivamen-te inseridos, tais como ordens, famlias, gneros e espcies.Os maiores e mais inclusivos grupos de seres vivos so ostrs grandes domnios da vida: Bacteria, Archaea (amboscontendo organismos unicelulares e procariontes) e Eukarya(organismos uni ou multicelulares, mas todos eucariontes).O domnio Eukarya definido por muitas sinapomorfias, in-cluindo a presena de um ncleo celular.

    Dentro de Eukarya, encontramos muitos organismos pre-dominantemente unicelulares, em geral includos nos pro-

    tistas, e trs reinos monofilticos de organismos multicelu-lares: animais, fungos e plantas verdes. Estudos filogenticosabrangem grupos desde o nvel de domnio at o de espcie.A Figura 1.5 apresenta o exemplo da localizao de uma es-pcie de planta (Solidago sempervirens), em um sistema hie-rrquico de classificao (ver tambm Apndice 1). Cerca de1,5 milho de organismos foram descritos e nomeados, masa Terra provavelmente sustenta 10 a 20 vezes esse nmero deespcies.

    A sistemtica abrange a disciplina da taxonomia, palavraligada ao termo txon. Em taxonomia, grupos de organismosso descritos e nomes cientficos lhes so designados. O nomede um txon nos d acesso informao disponvel sobre ele.Por isso, importante que todos os grupos de plantas tenham

    um nome que sirva de referencial. Isto especialmente im-portante no nvel de espcie, uma hierarquia taxonmica deespecial importncia e utilidade para a humanidade. A apli-cao de nomes cientficos a finalidade da nomenclaturabiolgica (ver Apndice 1).

    A identificao envolve determinar se uma planta des-conhecida pertence a um grupo j conhecido de plantas. Emregies temperadas, onde geralmente a flora bem conheci-da, possvel associar cada planta com um nome. Um con-sultor ambiental, durante a execuo de um levantamentoflorstico, poder, por exemplo, encontrar uma espcie de

  • 7/22/2019 sistematica vegetal.pdf

    7/12

    SISTEMTICAVEGETAL 7

    Solidago(Asteraceae) e, eventualmente, poder reconhec-lacomo integrante desse gnero sem ter, no entanto, certezasobre a espcie. As espcies desse gnero so s vezes dedifcil identificao. O consultor deve registrar informaessobre a planta para poder identific-la, mas no quer dani-ficar a planta, pois suspeita que possa ser rara ou tratar-se deuma espcie ameaada. Assim, ele toma cuidadosas notas efotografias, de modo a documentar o aspecto da planta. Seapropriado e conveniente, pode ser de ajuda coletar um ni-co espcime, que ser preservado por meio de prensagem e

    secagem (ver Apndice 2) e utilizado para poder identificar aplanta com certeza.A forma mais rpida de identificar um espcime botnico

    consultar um botnico profissional ou um naturalista bemtreinado e conhecedor da flora da regio; tambm pode-seconsultar a literatura pertinente. Existem livros dedicados nomenclatura e descrio de plantas, alguns abrangendoas plantas em geral, outros focalizando-se em parte de umaflora especfica.

    Uma terceira via para identificar plantas visitar um her-brio, um tipo de instituio cuja funo abrigar coleescientficas de plantas e cuja existncia um padro dentrode universidades e instituies botnicas. Nessas instituies, possvel comparar as informaes que temos (espcimes,

    fotos) com espcimes j determinados e depositados. A In-ternet vem se tornando uma ferramenta de importncia cadavez maior para a identificao de plantas e nela encontramosimagens de plantas e chaves online(Farr 2006).

    A identificao de plantas mais desafiadora nos trpi-cos, no apenas porque estes contm mais espcies do queas regies temperadas, mas tambm porque, em geral, flo-ras tropicais so menos estudadas. Uma enorme quantidadede espcies tropicais ainda precisa ser reconhecida, coletada,descrita e nomeada. Aqui, a funo do especialista crtica.No entanto, a cada ano o nmero de especialistas diminui.

    Por que a sistemtica importante?A sistemtica essencial para nossa compreenso e comuni-cao sobre o mundo natural. As atividades bsicas da siste-mtica (classificao e nominao) so metodologias antigaspara lidar com informaes sobre o mundo natural, sendo

    que, no incio da evoluo cultural humana, elas j produziamclassificaes sofisticadas de organismos de importncia parao ser humano. Dependemos de muitas espcies para obteralimento, abrigo, fibras ou vestimentas, papel, medicamentos,ferramentas, corantes, assim como para uma grande quanti-dade de outras finalidades. Conhecemos ou podemos preverutilizaes para uma biota, em parte devido ao nosso conhe-cimento sistemtico dela.

    Embora a classificao sempre tenha sido uma atividadefocalizada em descrever e agrupar organismos, apenas emtempos recentes esta tem-se envolvido com relaes filoge-nticas e evolutivas. A publicao deA Origem das Espcies,em 1859, por Charles Darwin, estimulou a incorporao dasrelaes gerais e evolutivas dos organismos nas classificaes,

    uma meta em andamento e que deve ainda ser completada(de Queiroz e Gauthier 1992). Um passo crtico neste pro-cesso foi o desenvolvimento de uma perspectiva filogentica,para a qual contriburam Willi Hennig (um entomlogo ale-mo, 1913-1976), Walter Zimmermann (um botnico alemo,1892-1980), Warren H. Wagner, Jr. (um botnico americano,1920-2000) e muitos outros.

    Quanto mais uma classificao reflita a histria filoge-ntica e evolutiva de um grupo, mais preditiva ela ser. Porexemplo, a descoberta de certos precursores da cortisonaem certas espcies de inhame do gneroDioscorea(Diosco-reaceae; ver Captulo 9) promoveu a busca e o subseqenteachado de maiores concentraes desse composto em outrasespcies do gnero (Jeffrey 1982). O fato de tais espcies se-

    rem prximas dos inhames fez com que fosse provvel quepartilhassem caracteres geneticamente controlados, como apresena de compostos qumicos.

    Assim, o conhecimento sobre sistemtica de plantas guiaa busca por plantas de potencial importncia econmica. Nadcada de 1960, durante estudos sobre as plantas nativas dosAndes peruanos, o botnico Hugh Iltis coletou espcies dognero Solanum, que inclui a batata e o tomate. Iltis sabiaque parentes selvagens do tomate poderiam ser teis nomelhoramento dos tomates cultivados e enviou sementes deum txon desconhecido ao geneticista Charles Rick, na Ca-lifrnia. Este descreveu a espcie nova com o nome Solanumchmielewskii(em homenagem a Tadeusz Chmielewskii, umgeneticista polons que se dedicou aos tomates). Rick cruzou

    essa espcie com os tomates cultivados, introduzindo genesque melhoraram o sabor dos tomates (Rick 1982). Avanossimilares (h centenas de exemplos semelhantes) permiti-ram o aumento das colheitas, a resistncia a doenas e outrosatributos desejveis em variedades horticulturais. A sistem-tica tambm crtica em cincias biolgicas que envolvema biodiversidade, como biologia da conservao, ecologia eetnobotnica.

    A sistemtica avana nosso conhecimento sobre a evolu-o, pois estabelece um contexto histrico de compreensopara uma grande variedade de fenmenos biolgicos, tais

    Reino vegetal

    Diversas plantasno-vasculares

    Traquefitas

    Plantas com flores

    Astera ceae

    Solidago

    Solidagosempervirens

    Diversas plantassem flores

    Muitas outrasfamlias

    Muitos outrosgneros

    Muitas outrasespcies

    Solidago sempervirens

    FIGURA 1.5 Parte de uma classificao hierrquica, mostrando a lo-calizao da espcie Solidago sempervirens. Setas que apontam parabaixo indicam grupos inseridos dentro dos grupos acima deles. Emtodos os casos, uma seta leva a um grupo contendo Solidago semper-virense a outra a todos os outros grupos no mesmo nvel hierrquico.(Foto de David McIntyre.)

  • 7/22/2019 sistematica vegetal.pdf

    8/12

    8 JUDD, CAMPBELL, KELLOGG, STEVENS& DONOGHUE

    como diversificao ecolgica e especializao, relaes co-evolutivas entre parasitas e hospedeiros ou entre plantas epolinizadores, biogeografia, adaptao, especiao e taxas deevoluo. Apresentaremos trs exemplos para ilustrar a im-portncia da sistemtica na biologia evolutiva.

    Certas Asteraceae havaianas, como muitos outros gruposdessas ilhas, so exemplos de eventos de radiao evolutiva.Um grupo monofiltico de 28 espcies, distribudos em trsgneros (Argyroxiphium, Dubautiae Wilkesia), endmico doarquiplago havaiano e evoluiu a partir de um nico indiv-duo fundador provindo de uma espcie ancestral da Califr-nia (Baldwin e Robichaux 1995). Este grupo contm algunsdostaxamais notveis da flora havaiana. As espcies de Ar-gyroxiphium, por exemplo, apresentam folhas em forma deespada dispostas em uma roseta basal, com plos verdes ouprateados. Do centro da roseta emerge uma inflorescnciaterminal de at 2 m de altura, com at 600 captulos grandes(Figura 1.6).

    Alm de plantas com folhas em rosetas basais, outrasplantas dessa aliana se tornaram arbustos, subarbustos, r-vores e lianas. Essas plantas ocupam grande diversidade dehbitats, desde os 75 at os 3.750 m de altura, e locais comprecipitaes que vo de menos de 400 a mais de 12.300 mmanuais. Um padro comum na radiao evolutiva desse gru-po aparentemente envolve eventos de disperso entre ilhasseguidas de modificaes ecolgicas ao longo de gradientesde umidade.

    Podemos perceber este padro de radiao na filogeniado grupo (Figura 1.7). Quando plotamos as preferncias dehbitat na rvore filogentica, fica claro que ocorreram muitasmudanas de hbits midos para secos na evoluo das esp-cies. A diversificao do grupo parece ter ocorrido h cerca de5,2 milhes de anos, o que coincide com a idade da ilha maisantiga (Kauai). A especiao parece ter ocorrido a uma taxade 0,56 ( 0,17) espcies por milho de anos (Baldwin 2003),uma taxa consideravelmente alta se comparada com a de ou-tros grupos de plantas (ver Especiao no Captulo 6).

    O segundo exemplo envolve adaptaes evolutivas rela-cionadas com a polinizao. O gnero Parkiainclui rvorestropicais, especialmente na floresta amaznica. Este gneropertence famlia Fabaceae, a famlia do feijo (ver Captulo

    FIGURA 1.6 Hbito de Argyroxiphium sandwicense, mostrando a ro-seta basal de folhas em forma de espada e a inflorescncia volumosa,que pode atingir at 2 m de altura. (Foto: cortesia de Sherwin Carlquiste da Botanical Society of America.)

    U. gymnoxiphium

    Wilkesia

    Dubautiasect.Dubautia

    U

    SS

    S

    SS

    S

    S

    SS

    S

    Dubautiasect.Railliardia

    Argyroxiphium

    U. hobdyiS. latifoliaS. paleataS. raillardioidesS. microcephalaS. plantaginea BHS. plantaginea h.S. plantaginea p.S. knudsenii f.S. knudsenii k.S. knudsenii n.S. laxa h.S. laxa l.S. pauciflorulaS. imbricata l.S. laevigata 671S. laevigata 777S. menziesiiS. platyphyllaS. reticulataS. arboreaS. ciliolata c.S. ciliolata g.S. linearis h.S. linearis l.S. scabra l.S. scabra s.S. herbstobataeS. sherffiana

    A. caliginiA. grayanumUMA. grayanum EMA. kauenseA. sandwicense m.A. sandwicense s.

    Tempo

    FIGURA 1.7 rvore filogentica dos gneros Argyroxiphium, Dubau-tiae Wilkesia, incluindo todas as 28 espcies nativas do Hava. A rvorese baseia em seqncias do espaador interno de DNA ribossomal nu-clear. As letras acima dos clados indicam o hbitat (S, seco, U, mido)de cada linhagem. Linhagens de hbitats secos so mostradas em azul.(Modificada de Baldwin e Robichaux 1995.)

  • 7/22/2019 sistematica vegetal.pdf

    9/12

    SISTEMTICAVEGETAL 9

    9), e as sementes de algumas espcies so consumidas emalgumas regies tropicais.Parkiacontm um grande nmerode espcies cujas flores so polinizadas por morcegos. Nestasespcies, a antese noturna, quando os morcegos esto ati-vos, e as flores secretam nctar abundante como recompensafloral para os polinizadores. O plen depositado nos morce-

    gos enquanto eles visitam as flores e sugam o nctar; a poli-nizao acontece quando estes animais acabam transferindoentre as flores o plen que carregam.

    Enquanto uma filogenia deParkiano esteve disponvel(Luckow e Hopkins 1995), no era possvel esclarecer se a po-linizao por morcegos tinha evoludo uma ou muitas vezesdentro do grupo. Luckow e Hopkins identificaram um grandeclado dentro deParkiaonde todas as espcies estudadas sopolinizadas por morcegos. A polinizao por morcegos den-tro deParkiano acontece fora desse clado. Assim, a filogeniafoi uma boa evidncia de uma nica origem para a poliniza-o por morcegos neste gnero. Muitas modificaes acon-teceram no clado polinizado por morcegos, especialmente aproduo de flores que produzem grandes quantidades de

    nctar, mas que no se transformaro em frutos e que ocor-rem na mesma planta junto com flores perfeitamente funcio-nais. A filogenia de Luckow e Hopkins indicou que o cladopolinizado por morcegos evoluiu a partir de ancestrais polini-zados por abelhas noturnas e j tinham antese noturna. Estetipo de flor certamente facilitou a apario de polinizao pormorcegos. Alm disso, a filogenia indicou que a apario dapolinizao por morcegos foi acompanhada pela evoluo denumerosas adaptaes especficas. Por exemplo, a superfciedo plen de algumas espcies apresenta uma ornamentaoespecial (Figura 1.8), denominada verrucosa. Outras legu-minosas polinizadas por morcegos, fora do gnero Parkia,apresentam uma ornamentao do plen similar. Caracteresflorais associados com a polinizao por vertebrados e outros

    aspectos de biologia floral so discutidos no Captulo 4.Nosso terceiro exemplo demonstra o valor da filogeniapara a biogeografia, o estudo da distribuio geogrfica dosorganismos. Este exemplo trata de outro grupo importantede rvores, os baobs, alguns dos quais so polinizados pormorcegos. Existem oito espcies de baob, todas do gneroAdansonia(Malvaceae) (ver Captulo 9). Uma espcie nativana Austrlia, seis so restritas a Madagascar eAdansonia digi-tata ocorre no nordeste, centro e sul da frica. Ainda, Adan-sonia digitata, o baob africano, um elemento florstico em-blemtico da regio subsaariana. Esta rvore pode viver pormais de 1.000 anos e seu volumoso tronco pode atingir at 16m de dimetro. O caule tem a capacidade de estocar grandequantidade de gua, o que permite que a rvore sobreviva agrandes perodos de seca. Folhas, brotos e sementes so co-mestveis e importantes recursos para alguns povos africanos.As flores do baob apresentam um dimetro de at 20 cm,antese noturna e so polinizadas por morcegos frugvoros. Asespcies de Madagascar tambm so polinizadas por morce-gos, embora um lmur noturno contribua substancialmentena polinizao de algumas dessas espcies.

    As trs grandes reas hoje ocupadas por baobs foramoutrora parte de Gondwana. Este supercontinente do Hemis-

    frio Sul foi dividido pela tectnica de placas e pela derivacontinental em um processo que comeou cerca de 120 mi-lhes de anos atrs. A deriva continental resultou em umasrie de separaes, como acontece com as linhagens que seseparam em uma filogenia. possvel que as oito espciesatuais de baobs tenham evoludo apenas em decorrncia daseparao de Gondwana. Alternativamente, a distribuioatual dessas espcies poderia ser o resultado de eventos dedisperso de sementes. Se tivssemos (mas no temos) umbom registro fssil dos baobs, poderamos optar entre estashipteses.

    Uma filogenia deAdansonia, junto com uma estimativado tempo de separao das linhagens dentro do gnero, se-ria um bom teste para as duas hipteses biogeogrficas antesenunciadas. Baum e colaboladores (1998) estimaram uma fi-logenia desse grupo com base em seqncias de DNA nuclear(Figura 1.9). Esta filogenia situaA. gibbosa(da Austrlia) comoo grupo-irmo das outras espcies. Baum e colaboladores(1998) utilizaram taxas de divergncia de seqncias de DNApara estimar o tempo de divergncia deA. gibbosa das demaisespcies do gnero. Se as divergncias so estimadas comotendo comeado antes da separao entre Austrlia, frica eMadagascar, a divergncia poderia ser interpretada como oresultado da separao e posterior isolamento das reas. Aocontrrio, as estimativas obtidas por Baum e colaboladoresindicam que esta divergncia muito mais recente, sugerin-do disperso de sementes atravs do oceano. Tal disperso alonga distncia plausvel porque muitos frutos de baob solenhosos e rgidos, podendo ser dispersos pela gua.

    23,1 m

    FIGURA 1.8 Um agregado de gros de plen de Parkia sumatranavar. streptocarpa, uma espcie polinizada por morcegos. A superfciedos gros de plen descrita como verrucosa e acredita-se que sejauma especializao para a polinizao por morcegos. (Fonte: Luckowe Hopkins 1995.)

  • 7/22/2019 sistematica vegetal.pdf

    10/12

    10 JUDD, CAMPBELL, KELLOGG, STEVENS& DONOGHUE

    A. gibbosa Austrlia

    A. digitatafrica

    A. grandidieri

    A. suarezensis

    A. rubrostipa

    A. za

    A. madagascariensis

    A. perrieri

    Madagascar

    Ancestral emcomum

    A. gibbosa

    A. digitata

    A. grandidieri

    FIGURA 1.9 Filogenia das oito espcies de Adansonia, comindicao da distribuio geogrfica direita de cada espcie.(Fonte: Baum et al. 1998.)

  • 7/22/2019 sistematica vegetal.pdf

    11/12

    SISTEMTICAVEGETAL 11

    Objetivos e organizao deste livroEste livro apresenta um enfoque filogentico da sistemticavegetal. O Captulo 2 estabelece os conceitos e prticas b-sicas da sistemtica filogentica. Para entender este enfoque, importante entender um pouco da histria da sistemtica

    vegetal, o tpico do Captulo 3.Inferimos as filogenias a partir de muitas fontes de carac-teres biolgicos, incluindo caracteres estruturais (anatomia,morfologia ou atributos externos) e moleculares (constituin-tes bioqumicos, tais como protenas, flavonides e DNA). OCaptulo 4 dedicado s fontes estruturais e moleculares (ex-ceto DNA) de evidncias sistemticas. O Captulo 5 focalizaas evidncias obtidas por meio do DNA.

    O Captulo 6 trata da diversificao vegetal. Como as es-pcies so formadas e mantidas? Como determinamos quedois indivduos pertencem mesma ou a diferentes espcies?De que forma a diversificao moldada pela hibridizao,poliploidia e sistema reprodutivo?

    O Captulo 7 apresenta um resumo da histria evolutivadas plantas e explica a origem de muitos caracteres importan-tes que so utilizados para identific-las, criando um pontode partida para os dois captulos finais.

    Este livro se focaliza em famlias de plantas, um bom pon-to de partida para entender a diversidade vegetal. H esp-cies demais para serem ensinadas em um curso de graduao.Alm disso, muitas famlias (como as dos carvalhos, pinhei-ros, rosas, gramas, mostarda, feijo e orqudeas) so de fatoj conhecidas por muitas pessoas e so relativamente fceisde reconhecer. Aprendendo a reconhecer famlias importan-tes, aprendemos uma classificao que nos permitir depoisaprender gneros e espcies.

    Os captulos 8 e 9 abordam a diversidade vegetal e contmnumerosas ilustraes, descries e chaves (ver Apndice 2).As chaves organizam a informao sobre um grupo (p. ex., asfamlias de conferas) de um modo que facilita a identificao.Como antes enunciado, seguimos um enfoque filogentico.Assim, na medida do possvel, temos tentado definir famliasque so monofilticas. O captulo 8 abrange as traquefitasno-angiospermas. Mais especificamente, apresenta 26 fam-lias de seis grupos principais: licfitas, monilfitas (samam-baias, incluindo Psilotales e Equisetales), Cycadales, Gingko,conferas (pinheiros, ciprestes, etc.) e Gnetales.

    A diversidade das angiospermas, descrita no Captulo 9, enorme; descrevemos mais de 140 famlias. As angiospermasapresentam adaptaes que lhes permitem crescer em prati-camente qualquer tipo de ambiente da Terra.

    As angiospermas contm a maioria dos gros e cultivosde importncia para o ser humano, bem como uma srie dervores de ampla utilizao.

    Dois apndices deste livro tratam de prticas importantesda sistemtica vegetal. No Apndice 1, explicamos a nomen-clatura botnica: a aplicao de nomes cientficos s plantas.

    O Apndice 2 abrange a coleta de espcimes vegetais, forneceum resumo do processo de identificao e prov um pequenoguia de como se manter atualizado sobre os avanos da siste-mtica vegetal mediante o uso da literatura e da Internet.

    O CD contm mais de 3.100 imagens de flores, frutos eoutras partes das plantas, bem como sinapomorfias e carac-teres que permitem a identificao no campo dos grupos tra-tados neste livro. Estes caracteres tambm so teis na iden-tificao, assim como as imagens que mostram disseces deflores e frutos. O CD tambm contm um glossrio ilustradocom linkspara uma ou mais imagens que ilustram os carac-teres definidos. As imagens complementam as descries dasfamlias e ilustraes botnicas no texto.

    O CD contm trs apndices, cada um dos quais arranja

    os grupos tratados no livro conforme os trs principais sis-temas de classificao: Cronquist (1981), Thorne (1992) e osistema APG (Angiosperm Phylogeny Group) (1998, 2003).Este ltimo o sistema seguido neste livro.

    importante ressaltar que o conhecimento sobre siste-mtica vegetal est aumentando muito rapidamente. Novashipteses filogenticas esto surgindo a passos longos, e de-vemos esperar grandes mudanas nos prximos anos. Nestascircunstncias, impossvel que um texto permanea atuali-zado e, sem dvida, ser necessrio que o material aqui apre-sentado seja complementado com informaes adicionaisobtidas, talvez, por meio de bases de dados (ver Apndice 2para uma discusso sobre a sistemtica vegetal na Internet).

    Os estudantes podem achar frustrante que, em uma dis-

    ciplina to antiga quanto a sistemtica vegetal, nosso conhe-cimento necessite de freqente (alis, constante) reviso. Es-peramos que, ao invs disso, estas rpidas mudanas sejampercebidas de modo positivo, como uma expresso da vita-lidade dessa disciplina. Como em qualquer cincia, o conhe-cimento em sistemtica vegetal sempre provisrio e devemudar para refletir as novas descobertas. Afortunadamente,novas metodologias e ferramentas para inferir relaes filo-genticas, bem como a disponibilidade de novas formas deevidncia, nos do a oportunidade de obter uma descriocada vez mais acurada da histria evolutiva. Ficaremos muitosatisfeitos se outros se unirem a ns na alegria de procuraruma melhor compreenso da sistemtica vegetal.

  • 7/22/2019 sistematica vegetal.pdf

    12/12

    12 JUDD, CAMPBELL, KELLOGG, STEVENS& DONOGHUE

    Angiosperm Phylogeny Group. 1998. An ordinal

    classification for the families of floweringplants.Ann. Missouri Bot. Gard. 85: 531-553.Angiosperm Phylogeny Group. 2003. An upda-

    te of the Phylogeny Group classification forthe orders and families of flowering plants:APGII. Bot. J. Linnean Soc. 141: 399-436.

    Baldwin, B. G. 2003. A phylogenetic perspectiveon the origin and evolution of Madiinae.In Tarweeds and silverswords: Evolution ofthe Madiinae (Asteraceae), S. Carlquist, B.G. Baldwin and G. D. Carr (eds.), 193-228.Missouri Botanical Garden Press, St. Louis.

    Baldwin, B.. G. and R. H. Robichaux. 1995. His-torical biogeography and ecology of theHawaiian silversword alliance (Asteraceae).New molecular phylogenetic perspectives.In Hawaiian biogeography: Evolution on ahot spot archipelago, W. L. Wagner and V. A.Funk (eds.), 259-287. Smithsonian Institu-tion Press, Washington, DC.

    Baum, D. A., R. L. Small and J. F. Wendel. 1998.Biogeography and floral evolution of bao-babs (Adansonia, Bombacaceae) as inferredfrom multiple data sets. Syst. Biol. 47: 181-207.

    Bremer, K. and H. Wanntrop. 1978. Phylogeneticsystematics in botany. Taxon27: 317-329.

    *Briggs, D. and S. M. Walters. 1997.Plant varia-tion and evolution, 3rd ed. Cambridge Uni-versity Press, Cambridge.

    Cronquist, A. 1981.An integrated system of clas-sification of flowering plants. Columbia Uni-versity Press, New York.

    *Darwin, C. 1859. On the origin of species.Men-

    tor edition, 1958. New American Library,New York.*Davis, P. H. and V. H. Heywood. 1963. Princi-

    ples of angiosperm taxonomy. Oliver & Boyd,Edinburgh, Scotland.

    *de Queiroz, K. and J. Gauthier. 1992. Phylo-genetic taxonomy.Annu.Rev. Ecol. Syst. 23:449-480.

    Donoghue, M. J. and J. W. Kadereit. 1992. WalterZimmerman and the growth of phylogene-tic theory. Syst. Biol. 41: 74-85.

    Farr, D. F. 2006. Online keys: More than just pa-per on the Web. Taxon55: 589-596.

    Graham, L. E., M. E. Cook and J. S. Busse. 2000.The origin of plants: Body plan changescontributing to a major evolutionary ra-diation.Proc. Natl. Acad. Sci. USA 97: 4535-

    4540.Hennig, W. 1966.Phylogeneticsystematics. Uni-

    versity of Illinois Press, Urbana.Hoch, P. C. and A. G. Stephenson. 1995. Expe-

    rimental and molecular approaches to plantbiosystematics. Missouri Botanical Garden,St. Louis.

    Iltis, H. H. 1988. Serendipity in the explorationof biodiversity: What good are weedy to-matoes? In Biodiversity, E. O. Wilson and F.M. Peter (eds.), 98-105. National AcademyPress, Washington, DC.

    Jeffrey, C. 1982.An introduction to plant taxonomy.Cambridge University Press, Cambridge.

    Lawrence, G. H. M. 1951. The taxonomy of vas-cular plants. Macmillan, New York.

    Luckow, M. and H. C. F. Hopkins. 1995. A cla-

    distic analysis ofParkia(Leguminosae: Mi-mosoideae).Am. J. Bot. 82: 1300-1320.Niklas, K. J. 1997. The evolutionary biology of

    plants. University of Chicago Press, Chi-cago.

    Radford, A. E., W. C. Dickison, J. R. Massey andC. R. Bell. 1974. Vascular plant systematics.Harper & Row, New York.

    Renzaglia, K. S., R. J. Duff, D. L. Nickrent and D.J. Garbary. 2000. Vegetative and reproduc-tive innovations of early land plants: Im-plications for a unified phylogeny. Philos.Trans. R. Soc. LondonB 355: 769-793.

    Rick, C. M. 1982. The potential of exotic germ-plasm for tomato improvement. In Plantimprovement and somatic cell genetics, I. K.Vasil, W. R. Scowocroft, and K. J. Frey (eds.),

    1-28. Academic Press, New York.Simpson, G. G. 1961.Principles of animal taxo-

    nomy. Columbia University Press, NewYork.

    Stace, C. A. 1980. Plant taxonomy and biosyste-matics. University Park Press, Baltimore.

    Stuessy, T. F. 1990.Plant taxonomy: The systema-tic evaluation of comparative data. ColumbiaUniversity Press, New York.

    Thorne, R. R 1992. The classification and geo-graphy of the flowering plants. Bot. Rev. 58:225-348.

    Wagner, W. H., Jr. 1980. Origin and philosophyof the groundplan-divergence method ofcladistics. Syst. Bot. 5: 173-193.

    BIBLIOGRAFIA CITADA E LEITURAS RECOMENDADAS

    Itens indicados com asterisco so especialmente recomendados para aqueles leitores interessadosem obter informaes adicionais sobre os tpicos discutidos neste captulo.