síntese do livro dos delitos e das penas

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Síntese do livro: "Dos Delitos e das Penas" de Cesare Beccaria Síntese do livro: "Dos Delitos e das Penas" de Cesare Beccaria I – Introdução Apenas com boas leis, se pode impedir os abusos da sociedade de deixar os privilégios e o poder nas mãos de poucos, enquanto a maioria fica à mercê da miséria e da debilidade. O Homem, demora a abrir os olhos a essas verdades. Por isso, talvez seja esta a hora de examinar e diferenciar as diversas espécies de delitos e a maneira de os punir, pois nunca alguém soube orientar a sociedade com um único objetivo, ou seja, o bem-estar da sociedade como um todo. O autor, no decorrer do livro, vai restringir-se às faltas e aos erros mais comuns. II - Origem das penas e do direito de punir A moral política deve estar fundada em sentimentos indeléveis do coração do homem. Qualquer lei que não estiver fundada nessa base achará sempre uma resistência que a constrangerá a ceder, pois, somente a necessidade obriga os homens a abrir mão de alguma coisa. Está na liberdade o fundamento do direito de punir. Qualquer exercício que se afaste um pouco disso, constituirá abuso e não a justiça verdadeira. E quanto mais sagrado e inviolável for a segurança, mais justas serão as penas, que não podem ir além da necessidade de manter o depósito da salvação pública. III – Conseqüências desses princípios A primeira conseqüência desses princípios é que apenas a lei pode indicar as penas de cada delito, sendo que, tal lei somente pode ser proposta pelo legislador (representante da sociedade). A segunda conseqüência cabe ao soberano, que ao fazer leis, estas devem ser gerais (todos devem obedecê-las), não cabendo a ele julgá-las. A terceira e última conseqüência é mostrar que a crueldade das penas é inútil, em desacordo com a justiça e com a natureza do contrato social. IV – Da interpretação das leis Os julgadores dos crimes não têm o direito de interpretar as leis penais por não ser legislador. Isso cabe ao juiz, que, fazendo com que as leis penais sejam cumpridas à letra, qualquer cidadão poderia calcular os incovenientes de uma ação reprovável, o que seria útil, pois pode fazer com que o indivíduo se desvie do crime. V – Da obscuridade das leis A obscuridade das leis, fica ainda maior quanto estas são escritas em outra língua. Estas leis devem ser escritas de uma forma mais popular, para que o povo entenda as conseqüências que devem ter os atos que praticam sobre a sua

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Síntese do livro: "Dos Delitos e das Penas" de Cesare Beccaria

Síntese do livro: "Dos Delitos e das Penas" de Cesare Beccaria

I – Introdução

Apenas com boas leis, se pode impedir os abusos da sociedade de deixar os privilégios e o poder nas mãos de poucos, enquanto a maioria fica à mercê da miséria e da debilidade. O Homem, demora a abrir os olhos a essas verdades. Por isso, talvez seja esta a hora de examinar e diferenciar as diversas espécies de delitos e a maneira de os punir, pois nunca alguém soube orientar a sociedade com um único objetivo, ou seja, o bem-estar da sociedade como um todo. O autor, no decorrer do livro, vai restringir-se às faltas e aos erros mais comuns.

II - Origem das penas e do direito de punir

A moral política deve estar fundada em sentimentos indeléveis do coração do homem. Qualquer lei que não estiver fundada nessa base achará sempre uma resistência que a constrangerá a ceder, pois, somente a necessidade obriga os homens a abrir mão de alguma coisa. Está na liberdade o fundamento do direito de punir. Qualquer exercício que se afaste um pouco disso, constituirá abuso e não a justiça verdadeira. E quanto mais sagrado e inviolável for a segurança, mais justas serão as penas, que não podem ir além da necessidade de manter o depósito da salvação pública.

III – Conseqüências desses princípios

A primeira conseqüência desses princípios é que apenas a lei pode indicar as penas de cada delito, sendo que, tal lei somente pode ser proposta pelo legislador (representante da sociedade).A segunda conseqüência cabe ao soberano, que ao fazer leis, estas devem ser gerais (todos devem obedecê-las), não cabendo a ele julgá-las.A terceira e última conseqüência é mostrar que a crueldade das penas é inútil, em desacordo com a justiça e com a natureza do contrato social.

IV – Da interpretação das leis

Os julgadores dos crimes não têm o direito de interpretar as leis penais por não ser legislador. Isso cabe ao juiz, que, fazendo com que as leis penais sejam cumpridas à letra, qualquer cidadão poderia calcular os incovenientes de uma ação reprovável, o que seria útil, pois pode fazer com que o indivíduo se desvie do crime.

V – Da obscuridade das leis

A obscuridade das leis, fica ainda maior quanto estas são escritas em outra língua. Estas leis devem ser escritas de uma forma mais popular, para que o povo entenda as conseqüências que devem ter os atos que praticam sobre a sua liberdade e sobre seus bens. Pois quanto mais pessoas as lerem, menos será o número de delitos.

VI – Da prisão

Está em poder dos magistrados, um poder que contraria o fim da sociedade, que é a segurança pessoal (prender). Tal poder é usado para acabam com a liberdade do inimigo sob pretextos frívolos, errados. Quanto mais suaves forem as penas, as leis poderão se satisfazer com provas mais fracas para pedir a prisão, precisando esta de deixar de ser a horrível mansão do desespero e da fome, onde a piedade e a humanidade se farão presentes.

VII – Dos indícios do delito e da forma dos julgamentos

Um dos meios de calcular a certeza de um fato e o valor que têm os indícios de um delito é: "Quando as

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provas de um fato se apóiam todas entre si, isto é, quando os indícios do crime não se mantêm senão apoiados uns nos outros, quando a força de inúmeras provas dependem de uma só, o número dessas provas nada acrescenta nem subtrai na probabilidade do fato: merecem pouca consideração, porque, se destruís a única prova que parece certa, derrocareis todas as demais. Quando, porém, as provas independem umas das outras... ...tanto mais provável será o delito, porque a falsidade de uma prova em nada influi sobre a certeza das restantes".As provas de um delito podem distinguir-se em perfeitas e imperfeitas. Basta uma prova perfeita (aquelas que demonstram positivamente que é impossível ser ele inocente) para que se condene o acusado.Os julgamentos devem ser públicos. É justo também, que o culpado e o ofendido, quando em condições desiguais, escolham os juízes, a fim de contrapesar os interesses pessoais, que mudam as aparências das coisas e para deixar que falem apenas a verdade e as leis. O culpado, pode recusar um certo número de juízes que lhe parecem suspeitos.Lei sábia e de efeitos sempre felizes é aquela que prescreve que cada qual seja julgado por seus iguais.

VIII – Das testemunhas

Todo homem razoável, que puser ligação em suas idéias e que eexperimentar as mesmas sensações que os demais homens, poderá ser recebido em testemunho. Contudo, a confiança que se lhe depositar deve ser medida pelo interesse que ele tem em dizer ou não a verdade. Vale dizer, que uma só testemunha não é suficiente porque, se o acusado nega o que ela afirma, nada resta de certo e a justiça então tem de respeitar o direito que cada qual tem de se considerar inocente.

IX – Das acusações secretas

As acusações secretas, tornam o homem falso e péfido, pois, aquele que suspeita que seu concidadão é um delator vê logo nele um inimigo. Elas provocam terríveis males, como, por exemplo: um governo em que o monarca em cada súdito supeita de um inimigo e vê-se constrangido, para garantir a paz pública, a conturbar a paz de cada cidadão. O autor se tivesse de criar novas leis, recusar-se-ia a autoriza tais acusações secretas.

X – Dos interrogatórios sugestivos

A atual legislação proíbe que sejam feitos interrogatórios sugistivos, pois, de acordo com nossos juristas, apenas se deve interrogar a propósito da maneira pela qual o crime foi cometido e a respeito das circunstâncias que o acompanham. Tal método foi estabelecido para evitar sugerir ao acusado uma reposta que o salve, ou por ter sido considerada coisa monstruosa ou contrária à natureza um homem acusar-se a si próprio, qualquer que tenha sido a finalidade desejada com a proibição dos interrogatórios sugestivos, fez-se com que as leis caíssem numa contradição bem notória, visto que ao mesmo tempo se autorizou a tortura. As confissões do acusado não são necessárias quando provas suficientes comprovaram que ele é com certeza culpado do crime de que se trata. A experiência indica que, na maioria dos processos criminais, os culpados negam tudo.

XI – Dos juramentos

Os juramentos é uma outra contradição entre as leis e os sentimentos naturais. Como exigir que o acusado diga a verdade quando seu maior interesse é escondê-la? Seria como ajudar na própria destruição. A experiência comprova a inutilidade dos juramentos, pois não existe juiz que não convenha que nunca o juramento faz com que o acusado diga a verdade.

XII – Da tortura

Um dos maiores absurdos é consagrado pelo uso na maioria dos governos de aplicar a tortura a um acusado enquanto se faz o processo, seja para que ele confesse a autoria do crime, seja para esclarecer as contradições em que tenha caído, seja para descobrir os cúmplices ou outros crimes de que não é acusado, porém dos quais poderia ser culpado, seja finalmente porque sofistas incompreensíveis pretenderam que a tortura purgava a infâmia.

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Um homem não pode ser considerado culpado antes da sentença do jiz; e a sociedade apenas lhe pode retirar a proteção pública depois que seja decidade que ele tenha violado as normas em que tal proteção lhe foi dada. Apenas o direito da força pode, portanto, das autoridade a um juiz para infligir um pena a um cidadão quando ainda se está em dúvida se ele é inocente ou culpado.Portanto, ou o crime é certo, ou é incerto. Se é certo, apenas deve ser punido com a pena que a lei fixa, e a tortura é inútil, porque não se tem mais necessidade das confissões do acusado. Se o crime é incerto, não é hediondo atormentar um inocente? Perante as leis, é inocente aquele cujo delito não está provado.

XIII – Da duraçao do processo e da sua prescrição

É justo que se conceda ao acusado tempo e meio para se justificar, quando o delito é constatado e as provas são certas. Porém, tal tempo precisa ser bem curto para não atrasar muito o castigo que deve acompanhar de perto o delito, se se quer que o mesmo seja um útil freio contra os criminosos. Para sua aplicação exata, é necessário ter um vista a legislação vigente, os costumes do país e as circunstâncias. Nos crimes de menos vilto e mais comuns, é necessário prolongar o tempo dos processos, pois a inocência do acusado é menos provável, e diminuir o tempo fixado para a prescrição, pois a impunidade é menos perigosa.

XIV – Dos crimes iniciados; dos cúmplices; da impunidadePor existir uma grande diferença entre a tentativa do crime e sua execução, é justo reservar uma pena maior para o crime realizado para deixar, ao que apenas começou o crime, motivos que o impeçam de acabá-lo. Deve-se observar idêntica gradação nas penas, quanto aos cúmplices, se estes não forem todos executores imediatos. Um caso que devemos afastar da regra, é quando aquele que executa o crime recebe dos cúmplices uma recompensa à parte; como a diferença dos perigos ficou compensada com a diferença das vantagens, o castigo deve ser igual.Uma lei geral que prometesse a impunidade a qualquer cúmplice que delata um delito, seria melhor que uma declaração especial num casa particular: precaveria a união dos maus, pelo medo recíproco que imporia a cada um de enfrentar sozinho os perigos. Seria importante acrescentar a essa lei que a impunidade acarretaria o banimento do delator.XV – Da moderação das penasA finalidade das penalidades não é torturar e afligir um ser sensível, nem desfazer um crime que já está praticado. Os castigos têm por finalidade única obstar o culpado de tornar-se futuramente prejudicial à sociedade e afastar os seus concidadãos do caminho do crime. Entre as penalidades e no modo de aplicá-las proporcionalmente aos delitos, é necessário, portanto, escolher os meios que devem provocar no espírito público a impressão mais eficaz e mais durável e, igualmente, menos cruel no corpo do culpado. Quanto mais terríveis forem os castigos, mais cheio de audácia será o culpado em evitá-los. Praticará novos crimes, para subtrair-se à pena que mereceu pelo primeiro. A fim de que o castigo surta o efeito que se deve esperar dele, basta que o mal causado vá além do bem que o culpado retirou do crime. Devem ser contados ainda como parte do castigo os terrores que antecedem a execução e a perda das vantagens que o delito devia produzir. Qualquer excesso de severidade torna-a supérflua e, portanto, tirânica. Mas, o mais importante é que o rigor das penas deva estar em relação com o atual estado do país.

XVI – Da pena de morte

A soberania e as leis nada mais são do que a soma das pequenas partes de liberdade que cada qual cedeu à sociedade. representam a vontade geral, que resulta da reunião das vontades individuais. Mas quem já pensou em dar a outros homens o direito de lhes tirar a existência? Se isso ocorresse, como conciliar tal princípio com a máxima que proíbe o suicídio?A pena de morte, pois, não se apoia em nenhum direito. É guerra que se declara a um cidadão. A morte de um cidadão apenas pode ser considerada necessária por duas razões: nos instantes confusos em que a nação está na dependência de recuperar ou perder sua liberdade, nos períodos de confusão quando se substituem as leis pela desordem; e quando um cidadão, embora sem a sua liberdade, pode ainda, graças às suas relações e ao seu crédito, atentar contra a segurança pública, podendo a sua existência acarretar um revolução perigosa no governo estabelecido

XVII – Do banimento e das confiscações

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Deve ser posto fora da sociedade, banido, quem perturba a tranquilidade pública, quem não obedece às leis, quem viola as condições sob as quais os homens se mantêm e se defendem mutuamente. Poderiam ainda ser banidos, aqueles que, acusados de crime atroz, são suspeitos de culpa com maior verossimilhança, porém sem estar inteiramente convencido do delito.

XVIII – Da infâmia

Infâmia significa desaprovação pública, que retira do culpado a consideração, a confiança que a sociedade depositava nele e essa espécie de irmandade que une os cidadãos de uma mesma nação. Como seus efeitos não dependem das leis, é necessário que a vergonha que a lei inflinge esteja baseada na moral, na opinião pública.

XIX – Da publicidade e da presteza das penas

Mais justa e útil será a pena, se aplicada o mais rápido possível e mais perto acompanhar o crime. Mais justa, porque evitará ao acusado os cruéis tormentos da dúvida. A rapidez do julgamento é justa também porque, senda a perda da liberdade uma pena em si, esta apenas deve preceder a condenação na exata medida em que a necessidade o exige.

XX – Da inevitabilidade das penas das graças

A certeza da punição, o zelo vigilante do juiz e essa severidade inalterável que só é uma virtude no magistrado quando as leis são brandas. A perspectiva de um castigo moderado, porém inflexível, provocará sempre uma impressão mais forte do que o vago temor de um suplício horrendo, em relação ao qual aparece alguma esperança de impunidade.

XXI – Dos asilos

Pouca diferença existe entre a impunidade e os asilos; e como a melhor manieira de impedir o delito é a perspectiva de um castigo certo e inexorável, os asilos, que são um abrigo contra a ação das leis, incitam mais ao crime do que as penas o evitam, do instante em que se tem a esperança de evitá-los.

XXII – Do uso de pôr a cabeça a prêmio

Será para a sociedade vantagem ou desvantagem colocar a cabeça a prêmio? Ou o criminoso deixou o país ou ainda reside nele. No primeiro caso, os cidadãos são excitados a praticar um homicídio, a matar talvez um inocinte, a merecer tormentos. Comete-se uma injúria ao país estrangeiro, desmerece-se a autoridade, autoriza-se que sejam feitas indênticas usurpações entre os próprios domínios. Se ele ainda se encontra no país cujas leis violou, o governo que coloca a cabeça dele a prêmio demosntra debilidade. Isso também desfaz todas as idéias de moral e virtude.

XXIII – Que as penas devem ser proporcionais aos delitos

Os meios que se utiliza a legislação para impedir os crimes devem ser mais fortes à proporção que o crime é mais contrário ao bem público e pode tornar-se mais frequente. Portante, deve haver uma proporção entre os crimes e as penas. A população não quer apenas que se cometam poucos crimes, mas principalmente que os crimes mais prejudiciais à sociedade sejam os menos comuns.

XXIV – Das medidas dos delitos

A exata medida dos crimes é o prejuízo causado à sociedade. A grandeza do crime não depende da intenção de quem o pratica, como o entenderam erroneamente alguns, pois a intenção do acusado depende das impressões provocadas pelos objetos presentes e das disposições que vêm da alma. Tais sentimentos variam em todos os homens e no próprio indivíduo, coma rápida sucessão das idéias, das paixões e das circunstâncias.

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XXV – Divisão dos delitos

Todo ato não enquadrado em certas divisões não podem ser classificados como delitos. Tais divisões são seguintes: delitos que tendem diretamente à destruição da sociedade ou daqueles que a representam, delitos que afetam o cidadão em sua existência, em seus bens ou em sua honra, e por fim, delitos são atos contrários ao que a lei determina ou proíbe, tendo em mira o bem público.

XXVI – Dos crimes de lesa-majestade

Estes são considerados grandes crimes, pois são prejudiciais à sociedade. Tal conceito foi usado erroneamente devido ao despotismo.

XXVII – Dos atentados contra a segurança dos particulares e sobretudo das violências

Como a segurança dos particulares e das violência é a finalidade de todas as sociedades humanas, não se pode deixar de castigar com as penalidades mais graves aquele que a viole. Entre esses crimes, uns são atentados contra a existência, outros contra a honra e outros contra a propriedade. Os primeiros devem ser castigados com penas corporais.

XXVIII – Das injúrias

As injúrias pessoais, que são contra a honra, insto é, a essa justa parcela de estima que cada homem tem o direito de esperar de seus concidadãos, devem ser punidas pela infâmia. Existe uma contradição evidente entre as "leis" ocupadas especialmente com a proteção da fortuna e da existência de cada cidadão, e as leis do que se chama a "honra", que preferem a opinião a tudo o mais.

XXIX – Dos duelos

A honra, que não é mais do que a necessidade dos votos públicos, deu origem aos combates singulares, que só puderam se estabelecer na desordem das leis más.Se os duelos não eram comuns na Antiguidade, como muitos acreditam, é porque os antigos não se reuniam armados com um sentimento de desconfiança, nos templos, no teatro e entre os companheiros.

XXX – Do roubo

Um roubo praticado sem o uso de violência apenas deveria ser punido com uma pena em dinheiro. É justo que aquele que rouba o bem de outrem seja despojado do seu. A pena mais apropriada será essa espécie de escravidão, a única que pode ser chamada de justa, isto é, a escravidão temporária, que dá à sociedade domínio total sobre a pessoa e sobre o trabalho do culpado para fazê-lo pagar.

XXXI-Do contrabando

O contrabando produz ofensa ao soberano e à nação, porém cuja pena não deveria ser infamante, pois a opinião pública não liga qualquer infâmia a esse tipo de crime. Os homens, aos quais as distantes conseqüências de um ato apenas produzem impressões fracas, não vêem o prejuízo que o contrabando lhes pode provocar. Não enxergam que o mal causado ao príncipe e, para recusarem estima ao culpado, só têm um motivo premente contra o ladrão, o falsário e alguns outros celerados que podem prejudicá-los pessoalmente.

XXXII – Das falências

A boa-fé dos contratos e a garantia do comércio obrigam o legislados a conceder recurso aos credores sobre a pessoa de seus devedores, assim que estes abrem falência. Deve-se entretanto, não confundir o falido de modo fraudulento e aquele que o faz de boa-fé. O primeiro teria de ser castigado como os moedeiros falsos,

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pois não é mais grave o delito de falsificar o metal amoedado, que é a base da garantia dos homens entre si, do que falsificar essas mesmas obrigações.

XXXIII – dos crimes que perturbam a tranqüilidade pública

A terceira espécie de crimes que distinguimos é a dos que perturbam, de modo particular, o repouso e a tranqüilidade pública. Não existe exceção à regra geral de que os cidadãos devem conhecer o que precisam fazer para serem culpados, e o que necessitam evitar para serem inocentes.

XXXIV – Da ociosidade

Cabe às leis e não à severa virtude de alguns censores, definir a espécie de ociosidade passível de punição.

XXXV – Do suicídio

Se o castigo ao suicídio fosse aplicado contra os restos sem vida do culpado, não produziria nenhuma impressão nos espectadores senão a que eles sentiriam vendo fustigar uma estátua. Se esse castigo é aplicado sobre a família inocente, ele se torna despótico e odioso, pois já não existe liberdade quando os castigos não são essencialmente pessoais. A questão fica reduzida em saber se é útil ou perigoso à sociedade deixar cada um de seus membros uma liberdade perpétua de se afastarem dela.

XXXVI – De alguns delitos difíceis de serem constatados

Praticam-se na sociedade alguns crimes que são muito freqüentes, porém difíceis de serem provados. São, por exemplo, o adultério, a pederastia, o infanticídio. A melhor maneira de evitar essa espécie de crime seria proteger com leis eficientes a fraqueza e a desventura contra essa espécie de despotismo, que apenas se ergue contra os vícios que não podem se cobrir com o manto da virtude.

XXXVII – De uma espécie particular de crime

O autor do livro, não fala dos crimes mais atrozes à humanidade, como um corpo humano alimentando chamas. Ele apenas discorre dos delitos que pertencem ao homem natural e que desrespeita o contrato social.

XXXVIII – De algumas fontes gerais de erro e de injustiças na legislação

As falsas idéias que os legisladores fizeram da utilidade são uma das fontes mais fecundas de erros e de injustiças. É ter idéias falsas de utilidade ocupar-se mais com inconvenientes particulares do que com os ferais; desejar comprimir os sentimentos naturais em vez de procurar excitá-los; fazer silenciar a razão. Pode-se chamar ainda falsas idéias de utilidade aquelas que separam o bem geral dos interesses particulares, sacrificando as coisas às palavras.

XXXIX – Do espírito de família

Esta é outra fonte geral de injustiças na legislação. Este espírito é uma minúcia limitado pelos mais insignificantes pormenores; ao passo que o espírito público, ligado a princípios gerais, vê os fatos com visão segura, coordena-os nos lugares respectivos e sabe tirar deles efeitos úteis ao bem da maioria.

XL – Do espírito do fisco

É para a mesma finalidade fiscal que se encaminha hoje toda a jurisprudência criminal, pois as conseqüências permanecem por muito tempo depois de cessadas as causas. O acusado que recusa declarar-se culpado, ainda que convicto por provas evidentes, sofrerá um castigo mais leve do que se tivesse confessado; não lhe será aplicada a tortura pelos outros delitos que poderia ter praticado, exatamente porque não confessou o delito principal de que está convicto. contudo, se o delito é confessado, o magistrado apossa-se do corpo do culpado; despedaça-o metodicamente; e dele faz, por assim dizer, um

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fundo do qual retira todo proveito que pode. Reconhecida a existência do delito, a confissão do réu toma-se prova convincente. Crê-se tornar essa prova menos suspeita quando se arranca a confissão do delito pelos tormentos e pelo desespero; e estabeleceu-se que a confissão não é mais suficiente para condenar o culpado se este se mostra calmo, fala com desembaraço, e não está rodeado pelas formalidades judiciárias e pelo aparato aterrados dos suplícios.

XLI - Dos meios de prevenir crimes

É muito melhor previnir os delitos a ter de puni-los ( é preferível impedir o mal que repará-lo). Se desejas previnir os crimes, faça leis claras e simples; e esteja o país inteiro preparado a armar-se para defendê-las, sem que a minoria se preocupe constantemente em destruí-las

XLII – Conclusão

A pena deve ser, de modo essencial, pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcionada ao delito e determinada pela lei.

BIOGRAFIA DO AUTOR

CESARE BONESANA, marquês de Beccaria, nasceu em Milão no ano de 1738. Educado em Paris pelos jesuítas, entregou-se com entusiasmo ao estudo da literatura e das matemáticas. Muita influência exerceu na formação do seu espírito a leitura das Lettres Persanes de Mostesquieu e de L'Esprit de Helvétius. Desde então, todas as suas preocupações se voltaram para o estudo da filosofia. Foi ele um dos fundadores da sociedade literária que se formou em Milão e que, inspirando-se no exemplo da de Helvétius, divulgou os novos princípios da filosofia francesa. Além disso, a fim de divulgar na Itália as idéias novas, Beccaria fez parte da redação do jornal II Caffè, que apareceu de 1764 a 1765.Foi mais ou menos por essa época que, insurgindo-se contra as injustiças dos processos criminais em voga, Beccaria principiou a agitar com os seus amigos, entre os quais se destacavam os irmãos Pietro e Alessandro Verri, os complexos problemas relacionados com a matéria. Assim teve origem o seu livro Dei Delitti e delle Pene. Receoso de perseguições, o autor mandou imprimir sua obra secretamente, em Livorno, e ainda assim velando muitos pensamentos com expressões vagas e indecisas.O tratado Dos Delitos e das Penas é a filosofia francesa aplicada à legislação penal: contra a tradição jurídica, invoca a razão e o sentimento; faz-se porta-voz dos protestos da consciência pública contra os julgamentos secretos, o juramento imposto aos acusados, a tortura, a confiscação, as penas infamantes, a desigualdade ante o castigo, a atrocidade dos suplícios; estabelece limites entre a justiça divina e a justiça humana, entre os pecados e os delitos; condena o direito de vingança e toma por base do direito de punir a utilidade social; declara a pena de morte inútil e reclama a proporcionalidade das penas aos delitos, assim como a separação do poder judiciário e do poder legislativo. Nenhum livro fora tão oportuno e o seu sucesso foi verdadeiramente extraordinário, sobretudo entre os filósofos franceses. O abade Morellet traduziu-o, Diderot anotou-o, Voltaire comentou-o. d'Alembert, Buffon, Hume, Helvétius, o barão d'Holbach, em suma, todos os grandes homens da França manifestaram desde logo a sua admiração e seu entusiasmo.Em 1766, indo a Paris, Beccaria foi alvo das mais vivas demonstrações de simpatia. No entanto, tendo regressado a Milão, cidade que ele não mais abandonou, teve de sofrer uma campanha infamante por parte dos seus adversários, que ainda se apegavam aos preconceitos e à rotina para acusá-lo de heresia. A denúncia não teve conseqüências, mas Beccaria ressentiu-se de tal forma que o receio de novas perseguições levou-o a renunciar às dissertações filosóficas.Em 1768, o governo austríaco, sabedor de que ele recusara as ofertas de Catarina II, que procurara atraí-lo para São Petersburgo, criou em seu favor uma cátedra de economia política.Beccaria morreu em Milão, em 1794.

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"Dos Delitos e das Penas"

 INTRODUÇÃO

 As vantagens da sociedade devem ser igualmente repartidas entre todos os seus membros, pois, as minorias acumulam os privilégios, o poder e a felicidade, enquanto à maioria fica com a miséria e a debilidade.

As leis são barbaras, feitas por uma minoria quando na realidade deveriam ser convenções feitas livremente entre homens livres.

A filosofia deve resolver com precisão geométrica os problemas da origem das penas e o fundamento do direito de punir, a utilidade da pena de morte, tortura, tormentos, as melhores formas de prevenir os delitos, a igualdade das leis no tempo e a influência que exercem sobre os costumes. A filosofia deve triunfar sobre a destreza dos sofismas, as dúvidas tímidas e as seduções da eloquência.

DA ORIGEM DAS PENAS E DO DIREITO DE PUNIR 

A moral política não pode proporcionar à sociedade nenhuma vantagem durável, se não for fundada sobre sentimentos indeléveis do coração do homem.

Assim, os princípios fundamentais do direito de punir encontram-se no coração humano.

As pessoas que ultrapassam a necessidade de conservar o depósito da salvação pública são injustas por sua natureza, e tanto mais justas serão quanto mais sagrada e inviolável for a segurança e maior liberdade que o soberano conservar aos súditos. 

AS CONSEQUÊNCIAS DESSES PRINCIPIOS

 Somente as leis podem fixar as penas de cada delito e o direito de fazer leis penais encontra-se no legislador, o representante legal do povo.

A segunda conseqüência é que o soberano, só pode fazer leis gerais, as quais todos devem submeter - se, não lhe compete, porém, julgar se alguém violou essas leis.

Em terceiro lugar, mesmo que a atrocidade das penas não fosse reprovada pela filosofia, veremos que a crueldade é inútil, odiosa, contrária a toda justiça e à própria natureza do contrato social.

DA INTERPRETAÇÃO DAS LEIS 

As leis penais devem ser executadas à letra, para cada cidadão calcular exatamente os inconvenientes de uma ação reprovável.

O juiz não pode interpretar as leis penais. Ele deve fazer um silogismo perfeito, a premissa maior deve ser a lei geral, a menor, a ação conforme ou não a lei, a conseqüência, a liberdade ou a pena. 

DA OBSCURIDADE DAS LEIS 

Se a interpretação arbitrária das leis é um mal, também o é a sua obscuridade, pois precisam ser interpretadas, vejamos que as leis são escritas em uma língua morta.

Somente a imprensa pode dissipar o tenebroso espírito de cabala e de intriga.

Os séculos da boa fé e da simplicidade antiga são marcados pela opressão e tirania da nobreza, com o apoio da Igreja. 

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DA PRISÃO

 As leis devem estabelecerem de maneira fixa, por que indícios de delito um acusado pode ser preso e submetido a interrogatório.

A prisão não deveria deixar nenhuma nota de infâmia sobre o acusado cuja inocência foi juridicamente reconhecida.

O sistema atual de jurisprudência criminal baseia - se na idéia de força e de poder, em lugar da justiça.

DOS INDÍCIOS DO DELITO E DA FORMA DOS JULGAMENTOS

A certeza que se exige para declarar um culpado é, poi, a mesma que determina todos os homens nas suas mais importantes ações, vejamos que as provas de um delito podem distinguir-se em provas perfeitas, demonstram positivamente que é impossível que o acusado seja inocente; e imperfeita , quando não excluem a possibilidade de inocência .

Os julgamentos devem ser públicos, e os juizes escolhidos, metade entre os iguais do acusado e metade entre os do ofendido, para contrabalançar assim os interesses pessoais, que modificam, involuntariamente, as aparências dos objetos, e para só deixar falar a verdade e as leis

DAS TESTEMUNHAS

É importante determinar de maneira exata o grau de confiança que se deve dar às testemunhas, ou seja, todo homem que tiver certa coordenação em suas idéias e que experimentar as mesmas sensações que os outros homens, poderá ser recebido em testemunho.

As mulheres, os condenados, nem as pessoas com nota de infâmia, porque, em todos esses casos, uma testemunha pode dizer a verdade, quando não tem nenhum interesse em mentir.

Uma só testemunha não basta porque, negando o acusado o que a testemunha afirma, não há nada de certo e a justiça deve então respeitar o direito que cada um tem de ser julgado inocente.

DAS ACUSAÇÕES SECRETAS

Vejamos que as acusações secretas são um abuso manisfesto. O acusador passa a viver escondido, com medo que alguém o descubra.

Já disse Montesquieu: "As acusações públicas são conformes ao espírito do governo republicano, no qual o zelo do bem geral deve ser a primeira paixão dos cidadãos. Nas monarquias, em que o amor da pátria é muito fraco, pela própria natureza do governo, é sabia a instituição de magistrados encarregados de acusar, em nome do público, os infratores das leis. Mas todo governo, republicano ou monárquico, deve ao caluniador a pena que sofreria o acusado se culpado."

DOS INTERROGATÓRIOS SUGESTIVOS

Nossas leis proíbem os interrogatórios sugestivos, isto é, os que se fazem sobre o fato mesmo do delito.

O juiz que interroga só deve ir ao fato indiretamente, dizem os criminalistas.

Aquele que se recusa a responder o interrogatório, deve sofrer uma pena pesada, o silêncio de um homem, é considerado um escândalo e à justiça uma ofensa que cumpre prevenir tanto quanto possível.

DOS JURAMENTOS

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Outra contradição entre as leis e os sentimentos naturais é exigir de um acusado o juramento de dizer a verdade, quando ele tem o maior interesse em calá - la. Consulte-se a experiência e se reconhecerá que os juramentos são inúteis, pois não há juiz que não confirme que jamais o juramento faz o acusado dizer a verdade.

DA TORTURA

É uma crueldade consagrada pelo uso na maioria dos governos aplicar a tortura a um acusado enquanto se faz o processo, um homem não pode ser considerado culpado antes da sentença do juiz.

A tortura é muitas vezes um meio seguro de condenar o inocente fraco e de absolver o criminoso robusto.

Legisladores apenas consideram as confissões obtidas sobre tortura nulas, se em seguida não confirmadas pelo juramento. Se porém, recusar-se a confirmá-las, será torturado de novo.

Esses abusos tão ridículos não deveriam ser tolerados no século XVIII.

Enfim, as leis militares não admitem a tortura; e se esta pudesse existir em alguma parte, seria sem dúvida nos exércitos, compostos em grande parte da escória das nações.

DA DURAÇÃO DO PROCESSO E DA PRESCRIÇÃO

Quando o delito é constatado e as provas são certas, é justo conceder ao acusado o tempo e os meios de justificar - se, se lhe for possível, para crimes atrozes, como o homicídio, o processo deve ser rápido e a prescrição prolongada. Nos delitos mais comuns, por ser a inocência do acusado menos provável e a impunidade menos perigosa, o processo deve ser prolongado e a prescrição deve ter seu tempo diminuído.

Quando às nações cujo o poderio é consolidado e constantemente sustentado por boas leis, as paixões enfraquecidas parecem mais capazes de manter a forma de governo estabelecida do que de melhorá - la, conseqüentemente, os grandes crimes nem sempre são a prova da decadência de um povo.

DOS CRIMES COMEÇADOS, DOS CÚMPLICES E DA IMPUNIDADE

Se bem que as leis não possam punir a intenção, não é menos verdade que uma ação que seja o começo de um delito e que prova a vontade de cometê - lo, merece um castigo, porém mais brando do que seria aplicado se o crime tivesse sido cometido, porém, o castigo deve ser mais brando nos crimes tentados, que o dos crimes cometidos. Deve seguir-se a mesma gradação nas penas, em relação aos cúmplices, se estes não foram executores imediatos.

Alguns tribunais oferecem a impunidade ao cúmplice de um grande crime que trair os seus companheiros, por outro lado, a esperança da impunidade, para o cúmplice que trai, pode prevenir grandes crimes e reanimar o povo, sempre apavorado quando vê crimes cometidos sem conhecer os culpados.

 DA MODERAÇÃO DAS PENAS

 Das simples considerações das verdades até aqui exposta resulta a evidência de que o fim das penas não é atormentar e afligir um ser sensível, nem desfazer um crime que já foi cometido, o rigor das penas deve ser relativo ao estado atual da nação. A medida que as almas se abrandam no estado de sociedade, o homem se torna mais sensível, e se quiser conservar as mesmas relações entre o objeto e a sensação, as penas devem ser menos rigorosas.

Quanto mais atrozes forem os castigos, tanto mais audacioso será o culpado para evitá - los. Acumulará os crimes, para subtrair - se à pena merecida pelo primeiro, a crueldade das penas produz ainda dois resultados funestos, contrários ao fim do seu estabelecimento, que é prevenir o crime, em primeiro lugar, é

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muito difícil estabelecer uma justa proporção entre os delitos e as penas, em segundo lugar, os suplícios mais horríveis podem acarretar às vezes a impunidade.

DA PENA DE MORTE

Quem poderia ter dado a homens o direito de degolar seus semelhantes? Esse direitos não tem certamente a mesma origem que as leis. A pena de morte é inútil, pois seu ato é imediato, não causando grande impacto no homem, que aprende por repetição. A melhor pena seria a escravidão perpétua, pois põe sob os olhos do povo um exemplo que subsiste sempre e se repete.

A pena de morte não se apóia em nenhum direito.

O legislador deve por limites ao rigor das penas, quando o suplício não se torna mais do que um espetáculo e parece coordenado mais para demonstrações de força do que para punição do crime.

Ainda não chegaram os dias felizes em que a verdade eliminará o erro e se tornará apanágio da maioria, em que o governo humano não será iluminado somente pelas verdades reveladas.

Do banimento e das confiscações

Aquele que perturba a tranqüilidade pública, que não obedece às leis, que viola as condições sob as quais os homens se sustentam e se defendem mutuamente, esse deve ser excluído da sociedade, isto é, banido.

O uso das confiscações põe continuamente a prêmio a cabeça do infeliz sem defesa, e faz o inocente sofrer os castigos reservados aos culpados. Pior ainda, as confiscações podem fazer o homem de bem um criminoso, pois o levam ao crime, reduzindo - o à indigência e ao desespero.

Da infâmia

A infâmia é um sinal da desaprovação pública, que priva o culpado da consideração, da confiança que a sociedade tinha nele e dessa espécie de fraternidade que une os cidadãos de um mesmo país.

As penas infamantes devem ser raras, porque o emprego demasiado freqüente do poder da opinião enfraquece a força da própria opinião.

Da publicidade e da presteza das penas

Quanto mais rápido for a aplicação da pena e mais de perto seguir o delito, tanto mais justa e útil ela será. A rapidez do julgamento é justa ainda porque a perda da liberdade sendo já uma pena, esta só deve preceder a condenação na escrita medida que a necessidade o exige.

Entre vários povos, punem - se os crimes pouco consideráveis com a prisão ou com a escravidão num país distante, isto é, manda - se o culpado levar um exemplo inútil a uma sociedade que ele não ofendeu.

 Da inevitabilidade das penas e das graças

O homem treme à idéia dos menores males, quando vê a impossibilidade de evitá - los; ao passo que a esperança, doce filha do céu, que tantas vezes nos proporciona todos os bens, afasta sempre a idéia dos tormentos mais cruéis, por pouco que ela seja sustentada pelo exemplo da impunidade.

 Dos asilos

Em toda a extensão de um Estado político, não deve haver nenhum lugar fora do alcance da lei. A força destas deve seguir o cidadão por toda a parte, como a sombra segue o corpo. Vê-se na história de todos os povos que os asilos foram a fonte de grandes revoluções nos Estados e nas opiniões humanas.

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 Do uso de pôr a cabeça a prêmio

Será vantajoso para a sociedade pôr a prêmio a cabeça de um criminoso, armar cada cidadão de um punhal e fazer assim outros tantos carrascos? Se o criminoso ainda está no país cujas leis violou, o governo que põe sua cabeça a prêmio revela fraqueza. Quando a sociedade tem força para defender - se não compra o socorro de outrem.

As nações só serão felizes quando a sã moral estiver estreitamente ligada à política. Mas, leis que recompensam a traição, que acendem entre os cidadãos uma guerra clandestina, que excitam suspeitas recíprocas, opor - se - ão sempre a essa união tão necessária da política e da moral.

Da proporção entre os crimes e as penas

O interesse de todos não é somente que se cometam poucos crimes, mas ainda que os delitos mais funestos à sociedade sejam os mais raros. Os meios que a legislação emprega para impedir os crimes devem, pois, ser mais fortes à medida que o delito é mais contrário ao bem público e pode tornar-se mais comum. Deve, pois haver uma proporção entre os delitos e as penas.

Bastará que o legislador sábio estabeleça divisões principais na distribuição das penas aplicadas aos delitos e que, sobretudo, não aplique os menores castigos aos maiores crimes.

 Da medida dos delitos

Observamos que a verdadeira medida dos delitos é o dano causado à sociedade. A grandeza do crime não depende da intenção de quem o comete, como erroneamente o julgaram alguns: porque a intenção do acusado depende das impressões causadas pelos objetos presentes e das disposições precedentes da alma. Esses sentimentos variam em todos os homens e no mesmo indivíduo, com a rápida sucessão das idéias, das paixões e das circunstâncias.

 DIVISÃO DOS DELITOS

 Há crimes que tendem diretamente à destruição da sociedade ou dos que a representam. Outros atingem o cidadão em sua vida, nos seus bens ou em sua honra. Outros, finalmente, são atos contrários ao que a lei prescreve ou proíbe, tendo em vista o bem público.

 Dos crimes de lesa - majestade

Os crimes de lesa - majestade foram postos na classe dos grandes crimes, porque são funestos à sociedade. Toda espécie de delito é nociva à sociedade; mas nem todos os delitos tendem imediatamente a destuí - la.

DOS ATENTADOS CONTRA A SEGURANÇA DOS PARTICULARES E PRINCIPALMETE DAS VIOLÊNCIAS 

Depois dos crimes que atingem a sociedade, ou o soberano que a representa, vêm os atentados contra a segurança dos particulares. Como essa segurança é a finalidade de todas as sociedades humanas, não se pode deixar de punir com as penas mais graves aquele que a viole.

Os atentados contra a vida e a liberdade dos cidadãos estão no número dos grandes crimes.

As penas das pessoas de mais alta linhagem devem ser as mesmas que as do último dos cidadãos.

DAS INJÚRIAS 

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As injúrias pessoais, contrárias à honra, isto é, a essa justa porção de estima que todo homem tem o direito de esperar dos seus concidadãos, devem ser punidos pela infâmia.

Na extrema liberdade política, como na extrema dependência, as idéias de honra desaparecem ou confundem-se com outras idéias.

A honra só é, pois, um princípio fundamental nas monarquias temperadas, onde o despotismo do senhor é limitado pelas leis.

 Dos duelos

A honra que não é senão a necessidade da estima pública deu nascimento aos combatentes particulares, que só puderam estabelecer - se na desordem das más leis.

Não é inútil falar que o melhor meio de impedir o duelo é punir o agressor, isto é aquele que deu oportunidade ao duelo e declarar inocente aquele que se viu constrangido a defender a própria honra.

Do roubo

Um roubo cometido sem violência só deveria ser punido com uma pena pecuniária. Ë justo que quem rouba o bem de outrem seja despojado do seu, mas se o roubo é o crime da miséria e do desespero, se esse delito só é cometido por essa classe de homens infortunados, as penas pecuniárias multiplicarão os roubos.

Se o roubo é acompanhado de violência, é justo ajuntar à servidão as penas corporais.

 Do contrabando

O contrabando é um verdadeiro delito, que ofende o soberano e a nação, mas cuja pena não deveria ser infamante, porque a opinião pública não empresta nenhuma infâmia a essa espécie de delito.

O contrabando é um delito gerado pelas próprias leis, porque, quanto mais se aumenta os tributos, tanto maior é a vantagem do contrabandista, a prisão de um contrabandista não deve ser a do assassino ou a do ladrão, e sem dúvida, o castigo mais conveniente ao gênero do delito seria aplicar a utilidade do fisco a servidão e o trabalho daquele que pretendeu fraudar - lhe os direitos.

 Das falências

A boa fé dos contratos obrigam o legislador a dar recurso aos credores sobre a pessoa dos seus devedores, quando essa abrem falência, mas o falido de boa fé, que pode provar evidentemente aos seus juizes que a malícia de outrem, as perdas dos seus correspondentes, o despojaram dos seus bens, deve ser tratado com menor rigor.

Seria fácil ao legislador previdente impedir a maior parte das falências fraudulentas e remediar a desgraça do homem esforçado que falta aos seus compromissos sem ser culpado.

 Dos delitos que perturbam a tranqüilidade pública

As arruaças e o tumulto de pessoas que se batem na vida pública, destinada ao comércio e à passagem dos cidadãos, e os discursos fanáticos que excitam facilmente as paixões de uma populaça curiosa e que ganham grande força com a multidão dos ouvintes e sobretudo um certo entusiasmo obscuro e misterioso, com poder bem maior sobre o espírito do povo do que a tranqüila razão, cuja linguagem a multidão não entende.

Vejamos que não deve haver exceção à regra geral de que os cidadãos devem saber o que precisam fazer para serem culpados, e o que precisam evitar para serem inocentes.

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 Da ociosidade

Essa espécie de ociosidade pode mesmo tornar - se vantajosa, à medida que a sociedade aumenta e que o governo deixa aos cidadãos mais liberdade.

DO SUICÍDIO E DOS EMIGRANTES

O suicídio é um delito que parece não poder ser submetido a nenhuma pena propriamente dita, pois essa pena só poderia recair sobre um corpo insensível e sem vida, ou sobre inocentes.

A lei que prende os cidadãos ao seu país é inútil e injusta, e o mesmo juízo deve ser feito sobre a que pune o suicídio.

O fato do crime recair sobre a família inocente, não irá deter a mão do infeliz determinado a morrer.

Uma lei que tentasse tirar aos cidadãos a liberdade de abandonar seu país, seria uma lei inútil, o emigrante que leva tudo o que possui não deixa nada sobre que as leis possam fazer cair a pena com que o ameaçam, tentará punir o fugitivo com o confisco dos bens que ele deixa? Tornaria esse meio ilusório. Enfim a proibição de sair de um país só faz aumentar, em que o habita, o desejo de abandoná - lo.

 DE CERTOS DELITOS DIFÍCEIS DE CONSTATAR

 Cometem-se na sociedade certos delitos que são bastante freqüentes, mas difíceis de provar. Tais são o adultério, a pederastia, o infanticídio.

A fidelidade conjugal é sempre mais segura à proporção que os casamentos são mais numerosos e mais livres.

A pederastia, que as leis punem com tanta severidade e contra a qual se empregam tão facilmente essas torturas atrozes que triunfam da própria inocência, é menos o efeito das necessidades do homem isolado e livre do que o desvio das paixões do homem escravo que vive em sociedade.

O infanticídio é ainda o resultado quase inevitável da cruel alternativa da infâmia de um lado e do outro a morte de um ser incapaz de sentir a perda da vida: como não havia de preferir esse último partido, que a rouba à vergonha, à miséria, juntamente com o desgraçado filhinho ?

O melhor meio de prevenir essa espécie de delito seria proteger com leis eficazes a fraqueza e a infelicidade contra essa espécie de tirania, que só se levanta contra os vícios que não se podem cobrir com o manto da virtude.

De uma espécie particular de delito

Vejamos que certas crenças religiosas, entre as quais só podem achar diferenças sutis, obscuras e muito acima da capacidade humana, podem conturbar e perturbar a tranqüilidade pública, a menos que somente uma seja autorizada e todas as outra proscrita.

 Das falsas idéias de utilidade

As falsas idéias que os legisladores fizeram da utilidade são uma das fontes mais fecundas de erros e injustiças, é ter ainda falsas idéias de utilidade sacrificar mil vantagens reais ao temor de uma desvantagem imaginária ou pouco importante. Enfim, também podem chamar - se falsas idéias de utilidade as que separam o bem geral dos interesses particulares, sacrificando as coisas às palavras.

Do espírito de família

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O espírito da família é outra fonte geral de injustiças na legislação. Suponha - se uma nação composta de cem mil homens, distribuídos em vinte mil famílias de cinco pessoas cada uma, inclusive o chefe que a representa, se a associação é feita por famílias, haveria vinte mil cidadãos e oitenta mil escravos, se é feita por indivíduos, haveria cem mil cidadãos livres.

 Do espírito do fisco

Nesse sistema, quem se confessasse culpado se reconhecia, pela própria confissão, devedor do fisco, e, como era esse o fim de todos os processos criminais, toda a arte do juiz consistia em obter essa confissão da maneira mais favorável aos interesses do fisco.

DOS MEIOS DE PREVENIR CRIMES

É melhor prevenir os crimes do que ter de puni - los, e todo legislador sábio deve procurar antes o mal do que repará-lo, pois uma boa legislação não é senão a arte de proporcionar aos homens o maior bem - estar possível e preservá-los de todos os sofrimentos que se lhes possam causar, segundo o cálculo dos bens e dos males desta vida.

Quereis prevenir os crimes? Fazei leis simples e claras, e esteja a nação interia pronta a amar-se para defedê-las , sem que a minoria de que falamos se preocupe constantemente em destruí-las.

O cidadão dotado de uma alma sensível verifica que, sob boas leis, só perdeu a funesta liberdade de praticar o mal, e é forçado a bendizer o trono e o soberano que só o ocupa para proteger.

Outro meio de prevenir os delitos é afastar do santuário das leis a própria sombra da corrupção, interessando os magistrados em conservar em toda a sua pureza o depósito que a nação lhes confia.

Enfim, o meio mais seguro, mas ao mesmo tempo mais difícil de tornar os homens menos inclinados a praticar o mal, é aperfeiçoar a educação.