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OS SIMPÓSIOS DA EDITORIAL A CÁRITAS DE BRAGA NA UNIVERSIDADE CATÓLICA Cáritas Editorial Po N.º 00 | NOVEMBRO 2015

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A Cáritas Arquidiocesana de Braga na Universidade Católica

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OS SIMPÓSIOS DA EDITORIAL

A CÁRITASDE BRAGANA UNIVERSIDADE CATÓLICA

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PortuguesaCaritas´

N.º 00 | NOVEMBRO 2015

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EDITORIAL CÁRITAS

Praça Pasteur, nº 11 - 2.º, Esq.1000-238 [email protected]. +351 218 454 220, fax. +351 218 454 221

ÍNDICECÁRITAS DE BRAGA E UNIVERSIDADE CATÓLICA À VOLTA DOS LIVROS 4

A ALIANÇA DO PENSAR E DO FAZER,D. Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz de Braga 6

CRISTÃOS PENSADORES DO SOCIAL,João Duque, Universidade Católica 9

JEAN-YVEZ CALVEZ,João Duque, Universidade Católica 10

ENTREVISTA A JOSÉ CARLOS MIRANDA 15

ENTREVISTA A ANTÓNIO MORÃO 17

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A ALIANÇA DO PENSAR E DO FAZER

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CÁRITAS DE BRAGAE UNIVERSIDADECATÓLICAÀ VOLTA DOS LIVROS

Um conjunto de quatro obras da Editorial Cáritas foi apresentado, na passada semana, no Auditório de Ciências Sociais da Universidade Católica de Braga. Uma iniciativa que juntou a Cáritas Portuguesa, a Cáritas Arquidiocesana de Braga e a Universidade Católica. João Duque, Diretor do Centro Regional de Braga da Universidade Católica, a importância desta aliança entre duas instituições ao nível do “pensar” e do “fazer”: “esta aliança com a Universidade é uma boa iniciativa da Cáritas. O assunto precisa de ser pensado também ao nível universitário”. João Duque explica a forma como estas duas dimensões se cruzam no contexto da Universidade Católica de Braga: “a Cáritas tem uma dimensão teológica porque é uma atividade da Igreja e, portanto, tem de ser pensada aí e isso já começou na Faculdade de Teologia há mais tempo, a teologia a pensar a dimensão social e, por outro lado, a Cáritas, como instituição a pensar a Teologia. Depois, noutra dimensão, sobretudo na intervenção social, que a UCP privilegia, são áreas que têm de ser pensadas academicamente

não só quanto à sua realização pragmática, como ´técnicas de intervenção’, mas também em relação à sua fundamentação. A aliança com uma Instituição que está no terreno e tem a sua prática própria parece-me muito benéfica, são interesses e objetivos muito comuns e, por isso, só faz todo o sentido trabalharmos em comum”.Neste contexto e perante um auditório, essencialmente académico, Eugénio Fonseca, presidente da Cáritas Portuguesa, destacou a importância dos jovens que se preparam para serem atores da ação social tomarem conhecimento das linhas de pensamento dos principais autores que estudaram os temas da Doutrina Social e do Pensamento Social Cristão.“Estas sessões de apresentação dos títulos publicados pela Editorial Cáritas são parte de uma estratégia que ultrapassa a questão comercial”, sublinhou. Eugénio Fonseca, explicando que ”este é um esforço de revolucionar aquilo que a partir do pensamento dos autores possa ser o contributo que dos participantes para cada tema.” “Queremos que, para além das

pessoas poderem ficar com o livro na mão, possam também ter uma reflexão inicial que lhe permita olhar para a obra não apenas como um instrumento de reflexão e pensamento mas como uma forma de melhorar a sua ação presente ou futura, no que ao social diz respeito”“Colocando a dimensão social lado a lado com a dimensão da teologia e da filosofia, a Editorial Cáritas promove o aprofundamento daquilo que são efetivamente as nossa preocupações”, explica Eugénio Fonseca, destacando a importância desta ligação da Cáritas ao meio universitário. “A Cáritas não é só partilha de bens materiais, tem de o fazer, sem dúvida, em primeira linha, zelando pelo cumprimento dos direitos humanos, mas tem também de ser agente de transformação social e estas sessões criam condições para isso, contribuindo para a mudança de um modelo social que já nos revelou as suas fragilidades.”A Editorial Cáritas é um trabalho desenvolvido pela Cáritas Portuguesa, tem como objetivo a publicação de obras consideradas fundamentais e que servem de pilar para a ação que se concretiza

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A ALIANÇA DO PENSAR E DO FAZER

CÁRITAS DE BRAGAE UNIVERSIDADECATÓLICAÀ VOLTA DOS LIVROS

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diariamente. Isto mesmo foi testemunhado nesta manhã, por Eva Ferreira, da Cáritas Arquidiocesana de Braga, “conhecimento da realidade e das práticas de intervenção é fundamental para alcançar uma ação de proximidade”, que é o objetivo da Cáritas na resposta diária à vida das pessoas e isto, esta expressão do “Amor ao Próximo”, não pode ser feita sem que as duas – conhecimento teórico e prática da realidade - andem de mão dada. O Amor ao Próximo, alimenta-se do conhecimento.”Presente no encerramento deste encontro, D. Jorge

Ortiga, sublinhou a importância dos agentes sociais da Igreja “pensarem o agir” evitando o erro de se “brincar à caridadezinha”. Reconhecendo que nem sempre é fácil conciliar o pensar e o agir: “muitas vezes os agentes ligados à pastoral social colocam a tónica do pensamento no abstracto”. Para D. Jorge Ortiga é importante inverter esta situação e, aqui, revela-se muito importante o papel da Editorial Cáritas: “esta espécie de aliança entre a Faculdade e a Cáritas é essencial nos tempos que correm”.

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A ALIANÇA DO PENSAR E DO FAZERD. JORGE ORTIGA, ARCEBISPO PRIMAZ DE BRAGA

Editorial Cáritas: Esteve recentemente na apresentação de alguns livros da Editorial Caritas na Universidade Católica em Braga. Falou-se nesse contexto de uma aliança entre o fazer e o pensar. Como é que vê esta aliança? d. JorgE ortiga: Ninguém ignora que a sociedade actual se deixa movimentar pura e simplesmente por aquelas ideias do espontâneo, do imediato, muitas vezes do irreflectido. Permite-se que o emotivo venha ao de cima de modo quase intempestivo, não permitindo uma intervenção verdadeiramente reflectida. Por isso eu creio que é imperioso hoje mais do que nunca fazer uma aliança entre aquilo que nós teremos de fazer, no caso concreto no domínio social, mas também naquilo que devemos pensar. Aliás estou profundamente convencido que só um pensamento

“Precisamos de ter voluntários e não só voluntários, porque hápessoas também que trabalham para a Cáritas,mas devidamente qualificados.”

bem estruturado e consequentemente também um trabalho para que isso aconteça através de diversos meios, portanto pensar bem a realidade social que nos permitirá também depois agir de um modo adequado e não apenas respondendo com respostas imediatas, mas numa intervenção toda ela mais estruturada. E daí que esta aliança, disse-o naquela altura, é fundamental. É fundamental na área do social, como é fundamental em qualquer outra área da pastoral, mas no social hoje mais do que nunca.É imperioso conhecer profundamente os problemas, porque só conhecendo os problemas conseguiremos chegar às causas desses problemas e naturalmente não nos resignaremos a um assistencialismo, a ir ao encontro de uma situação concreta, mas depois o problema continua por resolver, e só deste modo iremos construindo naturalmente uma sociedade diferente. Aliás os papas nomeadamente São João Paulo II, ou Bento XVI e agora o papa Francisco falam muitas vezes desta crise, deste momento da crise no qual nós nos encontramos e dizem que esta crise não é meramente económica, mas é uma crise sinal de uma alteração de uma civilização ou

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A ALIANÇA DO PENSAR E DO FAZER

de uma cultura. Estamos perante uma nova cultura, uma nova civilização. Daí a importância de conhecer esta nova cultura, esta nova civilização, para fazer com que a acção social da igreja seja centralmente muito mais objectiva e consequentemente mais realista e que seja factor de ultrapassar os diversos problemas que hoje existem. EC: A Cáritas Portuguesa é uma das instituições que está no terreno justamente com essa perspectivas da proximidade aos mais desfavorecidos. Qual é o papel que a editorial Cáritas pode ter na formação de agentes sociais que actuam nas paróquias a nível do voluntariado, mas também a nível dos profissionais nas áreas de intervenção social?

JO: Esse já é um outro sector. Evidentemente que a Cáritas e toda a dimensão social ou sócio-caritativa da igreja, é interpretada normalmente por voluntários. O voluntário, como a palavra em si mesma diz, está cheio de boa vontade, mas hoje nós não iremos muito longe só com boas vontades. A boa vontade necessita de ser também formada e preparada, se bem que temos também na dimensão social, nomeadamente nos centros sociais paroquiais - estou a fugir à Cáritas, pelo desculpa por isso- nós temos também profissionais, digamos assim, a trabalhar. Mas seja como for, olhando para a Cáritas , mais concretamente onde efectivamente o voluntariado emerge, mesmo no voluntariado e naqueles e naquelas que

trabalham todos os dias para a Cáritas, esta formação é qualquer coisa de imprescindível. Sem a formação, não conseguiremos como atrás referia, chegar à causa dos problemas e responder adequadamente a esses problemas. Portanto, uma aposta na formação para todos os agentes da pastoral social é imperioso, e é um trabalho de igreja que a Cáritas tem realizado no sentido de publicar alguns livros abordando temáticas muito concretas para essa mesma formação. Bastaria que os nossos agentes da pastoral social pegassem nesses livros, reflectissem sobre eles individualmente e depois também em grupo para que, olhando para aquilo que o pensar nos diz depois, sendo agentes de proximidade, encontrassem as respostas mais oportunas para aquele lugar, aquele momento onde se encontram. EC: Ou seja, valoriza o papel da Editorial Cáritas na formação, no investimento que está a fazer também na cultura dos agentes de acção social? JO: Precisamos de ter voluntários e não só voluntários, porque há pessoas também que trabalham para a Cáritas, mas devidamente qualificados. Qualificados para que não vivamos de um amadorismo, não façamos as coisas de qualquer modo e de qualquer maneira, mas apostemos numa realidade que também é importante, que é um certo profissionalismo. O papa Bento XVI na Deus Caritas Est” diz que não chega o profissionalismo, que é necessária mais a formação

do coração, mas meso aí, nessa área de formar o coração também é necessário trabalhar e também é necessário fazer com que o nosso próprio coração, a nossa sensibilidade, a nossa capacidade de ver, de discernir os problemas, também possa ser devidamente formada. Eu creio que a Cáritas, e muito bem, tem trabalhado nisso, é um trabalho que alguns dizem que não pertenceria muito à Cáritas porque a Cáritas deveria ser apenas uma resposta às necessidades, às emergências, mas pessoalmente não concordo. Acho que quem entra bem na linha da caridade, tem de ter a formação adequada para poder também responder de uma maneira mais actualizada, digamos assim. EC: Dos títulos já editados e disponíveis no catálogo da Editorial Cáritas, qual é que destacaria….. JO: São muitos e neste momento, de facto, acho que têm sido bem seleccionados, tem sido bem escolhidos, convém que a edição Cáritas esteja atenta ao que hoje vai saindo, vai saindo em Portugal, mas também no estrangeiro, se for necessário que patrocinem estas edições de outros livros de autores portugueses com conhecimento da nossa realidade muito concreta, mas ao mesmo tempo que olhe também para o panorama mundial, uma vez que esta realidade da globalização não faz com que os nossos problemas sejam assim tão característicos que nos impeçam de nos vermos naquilo que um pensador, sei lá de outro país, possam efectivamente

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ajudar-nos a fazer. Portanto creio que os livros até agora editados têm sido bem seleccionados, importa continuar a estar atentos no sentido de traduções ou então também no sentido mesmo de primeiras edições a partir dos nosso pensadores, dos nossos trabalhadores, de teses que se possam fazer às vezes de pessoas com experiência muito concreta no terreno, tudo isso eu creio que será muito útil, devidamente ponderado. Evidentemente que a Cáritas não poderá ter o estatuto de uma quase só editora, terá que ponderar, terá que reflectir, mas não ter receio de publicar, não ter receio de colocar ao serviço da igreja em Portugal, e particularmente, como dizíamos atrás, olhar para os operadores de acção social da igreja. EC: Que livros falta publicar em português e que deixaria como sugestão à Editorial Cáritas? Tem algum presente? JO: Neste momento confesso que não me recordo de nada, não vejo, não estou a ver assim concretamente. Já referi atrás que importa estar atento e ver, mas no nosso contexto universitário hoje já temos vários, sei lá, estudantes ou até mesmo sem fazer doutoramento há outras coisas que são muito bem feitas, acho que isso é que era preciso ter uma certa perspicácia, para ver o que é que se vai dizendo e o que é que se vai publicando na Universidade Católica que tem a faculdade das ciências sociais e noutras áreas, ver o que é que poderá, naturalmente, sair, porque aí está a actualidade.

E depois também atenta ao panorama internacional, ver quais são, digamos, os problemas, sei lá, que tipo de exemplo hoje qualquer coisa que possa ser uma melhor compreensão desta última encíclica do papa “Laudato SI” sobre a ecologia e alguns dos aspectos dessa mesma ecologia, porque o papa fala, no que me aprece ser o núcleo central da encíclica, de uma ecologia integral, eu acho que aqui há vectores que poderão efectivamente, ser, quem sabe, um apontamento, uma indicação sobre aquilo que a Cáritas poderá escolher a nível nacional e também a nível internacional.

EC: Neste contexto e neste esforço que a Cáritas está fazer, que outros parceiros se podem envolver nesta dinâmica para bem dos mais pobres?

JO: Para bem de todos eu já fui, quase que inadvertidamente, para além de falar da Cáritas, falei por exemplo dos centros sociais e centros sociais paroquiais, das IPSS da igreja, mas há muitas outras realidades do quanto faz parte a pastoral social. Basta-nos olhar para a pastoral da saúde, o que é que isto implica, olhar para a questão das prisões, das cadeias . Depois olhar para esta dimensão sócio caritativa nas paróquias, a questão da justiça e paz, é uma área também muito própria, muito especifica, a questão das etnias, dos pequenos grupos, das minorias, da questão da migração. Há um conjunto de factores que naturalmente, mesmo na comissão episcopal estão integrados nessa

mesma comissão com sectores e com responsabilidades diferentes, mas que deveríamos agir também em comum. Não sei se a palavra é exacta, digamos, não permitir que seja apenas uma pessoa a fazer aquilo, mas que se interprete aquilo como um trabalho, digamos, de todos, e a Cáritas, uma vez que tem esta possibilidade, poderá no campo concreto não só da acção, eu acho que a acção tem que ser sempre uma acção de relação com os outros, mas depois também nesta linha da edição poderá ser também um caminho a sugerir e que a Cáritas veja o que é que fará falta, e estará a trabalhar não apenas para a Cáritas mas para a acção social da igreja, uma vez que a Cáritas deve ser um pouco uma espécie de rosto visível do bispo e no bispo têm de estar todas as outras experiências que existem no território, para sectorialmente cada um responder, mas articular depois numa unidade, e portanto esta dimensão de estar atento àquilo que outros sectores da comissão social vão dizendo e vão também sugerindo, eu penso que é muito importante.

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A ALIANÇA DO PENSAR E DO FAZER

Editorial Cáritas: Faz sentido este envolvimento da Cáritas, enquanto Instituição de Solidariedade, nesta dimensão do Pensar?

João duquE: Esta aliança com a universidade acho que é uma boa iniciativa da Cáritas. O assunto precisa de ser pensado também ao nível universitário. Ao nível da Universidade Católica, concretamente, em duas dimensões, por um lado, uma dimensão mais teológica e a Cáritas tem sempre um fundamento teológico, de alguma maneira, e é uma atividade da Igreja e, portanto, tem de ser pensada aí.

EC: É uma relação que se esgota na Teologia?

Jd: É uma relação que começou no contexto da Faculdade de

Teologia há mais tempo com outras iniciativas e parece-me que isso é natural, a teologia a pensar a dimensão do social e não só, portanto, a dimensão da caridade e, por outro lado, a Cáritas enquanto instituição também, em relação à teologia, a pensar os seus fundamentos. Depois, há a componente de ajudar também a Faculdade a pensar nisso noutras áreas principalmente as áreas de intervenção social.

EC: Quer outras áreas poderão beneficiar desta relação Universidade Católica/Cáritas?

Jd: As áreas sociais são áreas que, em geral, todos os seus núcleos têm privilegiado, concretamente em Braga assentamos concretamente nessas áreas, seja a assistência social, seja a psicologia, que

são vocacionadas para a intervenção social e são áreas que têm de ser pensadas academicamente não só quanto à sua realização pragmática e de técnicas de intervenção, mas também quanto à sua fundamentação sobretudo no contexto de Universidade Católica. A intervenção social tem sempre um fundamento caritativos, quer queiramos quer não, pelo menos na nossa europa ocidental, portanto que a própria universidade encontre fundamentos teóricos firmes para a sua atividade nestas áreas de ensino orientadas para a intervenção social. A relação com uma Instituição que está no terreno, que tem a sua prática própria parece-me muito benéfico ainda para mais sendo duas Instituições da Igreja com interesses e objetivos bastante comuns.

CRISTÃOSPENSADORESDO SOCIALJOÃO DUQUE, UNIVERSIDADE CATÓLICA

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JEAN-YVEZCALVEZ

Jean-Yvez Calvez é uma das personalidades que ocupa um lugar central na galeria dos pensadores cristãos do século XX. Nascido em 1927, a sua presença enquadra-se integralmente no grande ciclo de teólogos que deram forma e substância à identidade da Igreja católica no período subsequente ao Concílio Vaticano II, ocupando um lugar cimeiro no que diz respeito ao pensamento social cristão que decorre dos grandes textos aprovados na assembleia conciliar e que marcará a relação e o diálogo da Igreja com o mundo e com a cultura das últimas décadas do século findo. Compreender o pensamento deste homem, formado no rigor e pelas exigências científicas que a sua vocação jesuítica bem documenta, exige da nossa parte lançar um olhar, mesmo que ténue, sobre os grandes problemas que a nossa sociedade enfrentou na segunda metade do séc. XX, de entre os quais se destaca um novo olhar sobre o mundo social, a abertura às questões da cultura e do diálogo com outras correntes de pensamento e, simultaneamente,

JOÃO DUQUE UNIVERSIDADE CATÓLICA

O aparecimento desta obra abriu um novo horizonte no diálogo entre o pensamento cristão e as correntes do pensamento marxista que então imperavam um pouco por todo o lado.

suscitava bastante perplexidade. Apesar disso, este texto criou um novo enquadramento no âmbito daquilo que podemos chamar de ‘filosofia social’ e ainda hoje continua a ser uma obra de referência. Após concluir todo o percurso de formação na ‘Companhia’, Jean-Yves Calvez iniciou a sua carreira académica como docente da área de filosofia social em Chantilly, passando a partir de 1965 a lecionar no Instituto de Estudos Sociais do Instituto Católico de Paris, onde se ocupou de áreas que convergiam para o estudo e análise social e política dos movimentos sociais da época, designadamente sobre o marxismo, corrente que então ocupava o centro das discussões e dos interesses dos ‘bem pensantes’ de algumas das mais prestigiadas instituições de ensino e de cultura no espaço europeu. Estudar os princípios e os fundamentos dessa ideologia, a partir de dentro da própria Igreja, era uma tarefa que se impunha e se fazia sentir, cada vez mais necessário, para que fosse possível estabelecer um diálogo sério com a cultura dominante da época. Foi

uma atenção redobrada às tensões entre blocos políticos e geoestratégicos em confronto no continente europeu.Ordenado sacerdote em 1957, já antes, em 1956, Jean-Yves Calvez havia surpreendido a sociedade do tempo, com um gesto audacioso, ao publicar a sua famosa obra O Pensamento de Karl Marx, o que o levou a ser convidado e a estar presente em debates e encontros culturais em muitos países, incluindo os da ‘Cortina de Ferro’.

Este ‘abrir portas’ não foi pacífico, pois o autor passou também a ser olhado com alguma desconfiança e tido como um ‘pensador de esquerda’, qualificativo que hoje diz pouco ou nada, mas que na altura

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isso que Jean-Yves Calvez fez com grande sucesso, estudando também o contributo dos grandes autores cristãos que marcam a presença do pensamento cristão neste quadro histórico do tempo. Sem pôr de lado os seus empenhos académicos, Jean Yves Calvez foi rapidamente chamado a desempenhar funções de direcção e coordenação no âmbito da Companhia de Jesus, quer como Provincial (1967), quer em Roma, a partir de 1971, como Assistente do Superior Geral, Pedro Arrupe, tendo aí desenvolvido uma grande actividade que se pode constatar na forma como a Companhia se compromete com as causas da ‘justiça e da paz’. ‘Fé e Justiça’ foi uma das tónicas que marca e define a presença do P. Jean-Yves Calvez em Roma por um longo período, trazendo para o seio da Instituição aquilo que fora a sua longa paixão como homem de cultura e de Igreja. É neste contexto que se enquadra a obra que a Editorial Cáritas publica e que nos aproxima do pensamento deste autor, tornando assim presente no espaço da língua portuguesa um texto que continua a ser fundamental para aquilo que poderemos chamar ‘de filosofia social e política cristã’. Tomando como base do seu estudo cinco grandes pensadores cristãos do séc. XX – Jacques Maritain, Emmanuel Mounier, Gaston Fessard, Pierre Teilhard de Chardin, Henry de Lubac – Jean-Yves Calvez faz um percurso por algumas das figuras mais representativas do pensamento francês do século passado, personagens estas que tiveram

um papel importantíssimo e fundamental na cultura francesa da época, além do contributo que deram para a abertura da Igreja às questões sociais do seu tempo. Sobre a temática da obra, e como o próprio autor diz no Prólogo, “espero ter um dia a ocasião de publicar o que recolhi acerca dos períodos subsequentes à Segunda Guerra e ao Concílio Vaticano II… e o que diz respeito à fase entre as duas guerras. Começo com esta última época, tendo o sentimento de nela encontrar uma matéria particularmente rica. Por isso, durante algum tempo, pensei em dar a este livro o título de Grandes figuras do pensamento social cristão”. Esta citação situa-nos no âmago deste trabalho e confere-lhe uma mais-valia que também queremos destacar. De facto, este estudo não pretende apresentar-nos o

que era (ou seria) o pensamento ‘oficial’ da Igreja da época. Bem pelo contrário, Jean-Yves Calvez pretende abrir portas e rasgar horizontes que permitam um diálogo mais abrangente, um diálogo que se alargue para além daquilo que era o ‘campo’ do pensamento cristão, já que é nesse diálogo que começam a delinear-se as grandes linhas do Concílio Vaticano II.Ler esta obra é tomar consciência de uma realidade que sempre deve presidir à acção e à actividade dos crentes no mundo: a sua missão não se esgota no viver a doutrina que é proposta; cabe-lhes também abrir horizontes que vão para além da doutrina, uma vez que o pensamento cristão nem sempre se confina ao tempo e às marcas de uma época. A urgência de um pensamento sempre renovado e atento aos ‘sinais dos tempos’

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é, certamente, um dos grandes contributos que os crentes podem e devem dar como testemunho da sua identidade cristã e do seu compromisso com o Evangelho. Este desafio não foi rejeitado por Jean-Yves Calvez. O seu compromisso social com a história e a cultura do seu tempo, fundamentado no pensamento dos autores aqui estudados, confere a este texto uma actualidade renovada e faz dele um notável instrumento em ordem à análise social e política da nossa época. É esta capacidade que Jean-Yves Calvez mostra em não confundir ‘doutrina’ com pensamento, não se limitando ao trabalho de análise, mas também deixando propostas e abrindo horizontes que faz deste texto um marco assinalável. Retomando o pensamento dos grandes autores referidos, ele mostra como o pensamento ultrapassa os limites da realidade e abre pistas à acção que pode mudar a história. Agir a partir de um ‘pensamento’ bem consolidado e sólido empresta à acção uma outra dimensão. Isso faz parte da mensagem cristã cuja finalidade é o exercício da justiça e da caridade cristãs sem, no entanto, esquecer que o seu verdadeiro limite é a transformação da História. Por isso, a obra de Jean-Yves Calvez é também ela um marco profético no tempo cujo alcance só agora conseguimos vislumbrar. Uma palavra breve para felicitar a Editorial Cáritas pela publicação deste trabalho. Não é uma obra que se destine a enriquecer uma colectânea; pelo contrário, o seu mérito é o de enriquecer

os leitores, mormente todos aqueles que se interessam e se sentem envolvidos, no exercício da sua identidade cristã, pelas causas da justiça e da harmonia entre os homens. Procurar dar uma formação sólida e consistente a todos aqueles que fazem da Cáritas o espaço desse exercício de cidadania cristã é uma prioridade e este livro pode ser um bom instrumento para alcançar um tal desiderato.

Autor: Jean-Yves Calvez, jesuíta francês (1927-2010), filósofo e teólogo, muito ligado à área da ética política e social. Estudou de modo especial os movimentos sociais católicos do séc. XX, assim como muitos pensadores que influenciaram esses movimentos. Teve muito impacto o seu estudo sobre o pensamento de Karl Marx, que surpreendeu o mundo católico de então.

Livro: O livro teve origem em aulas dadas na Faculdade de Ciências Sociais e Económicas do Instituto Católico de Paris sobre as grandes correntes do pensamento social cristão. Dessas aulas, apenas se abordam aqui os anos 20 e 30 do séc. XX (entre guerras).É abordado o pensamento social de alguns autores católicos franceses (mesmo que no final, em apêndice, se toquem outros) dessa época. Na elaboração do pensamento, esses autores falam em nome próprio, mesmo que, quanto à doutrina de fundo, acolham a posição da Igreja. A perspetiva de abordagem concentra-se no vínculo explícito

e refletido entre as posições sociais e políticas com a fé. Nesse sentido, pode dizer que se trata da abordagem de diversas teologias políticas (mesmo que nem todos os pensadores abordados sejam teólogos de profissão).Os autores escolhidos são: Jacques Maritain (filósofo); Emmanuel Mounier (filósofo); Gaston Fessard (teólogo e filósofo); Teillard de Chardin (cientista, filósofo e teólogo) e Henri de Lubac (teólogo) – quase todos jesuítas.O estudo é antecedido de um capítulo muito significativo: a apresentação da perspetiva da Action Française, nomeadamente do seu mentor Charles Mauras, sobre a relação entre política e fé, com a sua incidência sobre a relação entre Igreja e Estado. Este capítulo é importante porque as posições seguintes vão construir-se por reação a esta posição. Muito genericamente, Maurras considera que a política é algo natural, abordável cientificamente, e que tem como campo de atuação a organização das relações humanas, baseadas nas diferenças entre os humanos. Esta política natural é, por isso, claramente anti-democrática, pois assenta nas desigualdades, e nada tem a ver com os campos da ética ou da religião. Embora Maurras se assuma agnóstico e até neopagão, a influência das suas ideias sobre os círculos católicos foi grande. Por um lado, porque se reagia assim à Revolução e ao ideal democrático, considerados por muitos, inimigos da Igreja. Por outro lado, porque se justifica uma não intromissão mútua entre

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religião e política, possibilitando assim o exercício livre e autónomo da cada uma, o que não era evidente na sequência dos ideais da Revolução francesa.Por evidentes razões, o pensamento de Maurras e da Action Française não foi aceite pela Igreja de Roma, vindo a ser explicitamente condenado em 1926. O núcleo da condenação era a não aceitação da separação absoluta entre política e fé, mesmo que em determinadas circunstâncias se possam aceitar legítimas autonomias. Dessa condenação resultou uma perseguição aos católicos que se identificassem com o movimento. Nem todos acolheram a indicação. Mas alguns líderes, sobretudo no campo do pensamento, não só acolheram a condenação como repensaram a fundo a sua posição, elaborando, assim, as bases de um outro modo de pensamento sócio-político católico.Foi o caso do conhecido filósofo Jacques Maritain. Embora inicialmente tenha sido adepto da Action Française, distanciou-se, defendendo uma perspetiva mais integradora da relação entre fé e política. Partindo do primado do espiritual, considera que nenhum âmbito da atuação, pessoal ou social, pode esquivar-se a esse primado. Isso não significa que não haja legítima autonomia das diversas áreas, nomeadamente da política. Mas essa autonomia não invalida que o cristianismo tenha obrigação de transformar o mundo, em todos os seus aspectos, e por isso também no âmbito da política. Assim, não se trata de defender uma

política especificamente cristã, ou que possa haver estruturas que possam corresponder à realização do Reino de Deus na terra, mas sim que a fé deve ser fértil na humanização das estruturas, segundo as perspetivas do humanismo cristão. Esse humanismo corresponde a uma visão ao mesmo tempo comunitária e personalista da organização política. Opõe-se, pois, ao liberalismo individualista e ao estatismo totalitário ou coletivista. O sistema que melhor se adequa a esses princípios parece ser a democracia. Nesta altura, Maritain já estava muito distante das ideias anti-democráticas de Maurras.Emmanuel Mounier, conhecido pelo seu pensamento personalista, não tem uma perspetiva tão integradora como Maritain. Segundo ele, é certo que os cristãos se devem empenhar mais pelas questões terrenas, mas não devem misturar diretamente os valores cristãos com questões políticas. É defensor, por isso, de uma influências indireta. Mesmo que as realizações terrenas sejam importantes, ele considera que a vida da Igreja e a vida da fé são transcendentes às suas realizações históricas. Mas a intenção de Mounier não é separa-las, senão distingui-las claramente. No contexto desta distinção é que ele apresenta o núcleo das suas ideias políticas, tendencialmente socialistas: abolição da condição operária; defesa de uma economia organizada, com base no valor da pessoa; socialização sem estatização; primado do trabalho sobre o capital;

abolição das classes, primado da responsabilidade pessoal sobre a do aparelho anónimo. Quanto à legitimidade do poder, de características democráticas, ela encontra-se exclusivamente nas pessoas. Não nas pessoas enquanto indivíduos isolados, mas nas pessoas enquanto organicamente constituintes de uma comunidade. Porque a função da sociedade, enquanto comunidade, é precisamente salvaguardar e realizar o valor da pessoa humana.A importância dos dinamismos comunitários, enquanto relação dialética de pessoas, ou de pessoas e estruturas, é salientada especialmente por Gaston Fessard. É na construção da paz social que este dinamismo dialético melhor se verifica, implicando mesmo algum processo conflituoso. Assim são os processos sociais – mesmo que a finalidade da dialéctica (conflituosa) não seja ela própria mas a paz final, que por ela se atinge. Esse fim é representado pelo bem comum, que é o único que justifica, também, o exercício do poder, que pode mesmo implicar alguma violência. O bem comum, enquanto princípio e fim de toda a dialéctica, encontra a sua realização plena no amor, através do qual a nossa orientação para o outro é apenas comandada pelo próprio outro, enquanto pessoa única. Só assim o bem comum respeita o bem da pessoa, não se reduzindo ao bem coletivo e coletivisticamente controlado.Pierre Teillard de Chardin, conhecido pela sua teoria científica e filosófica, muito

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próxima da visão evolucionista do mundo, integra a visão da sociedade e da sua organização política precisamente nessa visão global, propriamente metafísica. A realidade está em permanente processo de aperfeiçoamento, mesmo através das relações dialéticas que lhe são intrínsecas. Nesse processo, a socialização é personalização e a personalização é socialização. Assim, os humanos serão cada vez mais humanos, na medida em que cada vez mais desenvolvem a sua dimensão social. Porque, em realidade, tudo está relacionado com tudo. Assim, os processos sociais personalizantes são passos no caminho evolutivo do universo, ruma à realização plena na comunhão universal. Não há, em última instância, nenhuma diferença entre a realização mundana e a realização crente deste processo, pois tudo conflui para a cristificação do universo, seja por que meios for.Henri de Lubac, um dos maiores teólogos do séc. XX, desenvolve uma doutrina social diretamente a partir da fé cristã. E fá-lo, antes de tudo, na medida em que salienta a lógica essencialmente social da nossa fé. O cristianismo – e de modo mais claro, o catolicismo – é essencialmente social, não só pelo modo comunitário como se vive, mas também pelo modo como se transmite, numa rede de ligações sociais que constituem a tradição. E a dimensão social aplica-se a cada um dos dogmas cristãos: criação, redenção, igreja, sacramentos. O pecado é precisamente a contradição desta unidade da humanidade, a ruptura do social

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para fazer valer o individual. A salvação está na superação desse individualismo. Mas esta dimensão social não é coletivismo. Cada pessoa representa a totalidade da humanidade, em si mesma e devido ao leque das suas relações.Esta dimensão social da fé cristã realiza-se historicamente. Não há cristianismo sem história real. Por isso, a fé social realiza-se concretamente em diversas formas, consoante os tempos. Não estão definidas realizações perfeitas. Mas há traves orientadoras. Por uma lado, a unidade dos humanos nunca pode significar uniformidade ou monismo total, pois levaria a pessoa a sucumbir ao anonimato geral; por outro lado, o individualismo absoluto não permite compreender

verdadeiramente o sentido da vida humana, que se constrói em relação social. As estruturas corretas são as que respeitam a pessoa, mas articulando-a na sua dimensão social. Esta construção personalista do social é muito importante, sobretudo na fase de ascensão dos coletivismos nacionalistas ou ideológicos.Esta filosofia da indissociabilidade do pessoal e do social poderá ser vista como o principal contributo destes pensadores. Será a base da doutrina social da Igreja. E continua a ser a base do desafio atual da relação entre fé e política, ou entre fé e dinamismos sócio-culturais, em geral – nomeadamente frente à cultura global, ou à cultura do consume e mediática ou da rede.

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A ALIANÇA DO PENSAR E DO FAZER

No âmbito do encontro promovido, em Braga, pela Universidade Católica, Cáritas Diocesana de Braga e Cáritas Portuguesa o professor José Carlos Miranda foi convidado a apresentar a obra “O Amor que transforma o Mundo – Teologia da Caridade”, de René Coste, editada em português pela Editorial Cáritas.Professor da Faculdade de Ciências Sociais da UCP de Braga onde leciona, entre outras, as disciplinas de Antropologia, Ética Social, Cristianismo e Cultura, José Carlos Miranda, destacou desta obra a “recuperação do conceito essencial de caridade com a realização da imagem de Deus na vida pessoa e na vida social que começa na família e depois se alarga às estruturas económicas e às estruturas políticas. De algum modo é isto que pode dar sentido aos atos de caridade que o século XIV pôs sob suspeita por encarar a sociedade humana como uma sociedade mecânica e por não ligar ao homem em concreto. O cristianismo dá sobretudo valor

à pessoa em concreto e, portanto, não pode “queimar” o pobre A ou o pobre B ao advento da revolução. A revolução existe para o pobre e não o pobre para a revolução.”Referindo-se a René Coste, o autor da obra, o professor da Universidade Católica reconhece e sublinha “a sua capacidade de conseguir ver isso” e de “insistir em falar de caridade quando ela é posta debaixo do tapete porque seria uma forma de adiar a correção das injustiças num nível macrossocial.”Sobre a atualidade da obra é indiscutível a sua pertinência “sobretudo porque cada capítulo funciona muito livre em relação aos outros. O livro é muito volumoso, mas torna-lo acessível em pequenos capítulos é muito proveitoso.” Olhando à ação e missão da Cáritas, enquanto organização da Igreja Católica, José Carlos Miranda relembra que esta ação como promotora de pensamento e de difusão de conteúdos no âmbito da ação social, “é muito

ENTREVISTA AJOSÉ CARLOS MIRANDA“O AMOR QUE TRANSFORMA O MUNDO – TEOLOGIA DA CARIDADE”, RENÉ COSTE

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positivo porque significa pensar aquilo que se faz e ao pensar aquilo que se faz não se cometem tantos erros e sobretudo não se cai, ou pode evitar-se, pensando na raiz teológica daquilo que a Cáritas faz talvez se mantenha aquela diferença especifica que é o amor da pessoa concreta que nos desseguirá de qualquer ONG e, nesse sentido, a Cáritas não se pode, de facto, limitar a fazer.“Licenciado em Filosofia e Humanidades Clássicas, pela Universidade católica de Braga, e em teologia, pela Universidade Gregoriana, Roma, foi Assistente do Centro de Estudos Clássicos da UCP (1996-1998),

A tese do seu doutoramento lançou o olhar sobre o confronto e interação dos modelos sociopolíticos da Antiguidade e do Cristianismo. Desde 2004, é Professor da Faculdade de Ciências Sociais da UCP (Braga) onde leciona, entre outras, as disciplinas de Antropologia, Ética Social, Cristianismo e Cultura. É também responsável pelo módulo de História das Religiões nos mundos Clássico e Lusófono, no âmbito do Doutoramento em Estudos da Religião.

TEOLOGIA SOCIAL

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A ALIANÇA DO PENSAR E DO FAZER

Editorial Cáritas: Há quanto tempo trabalha como tradutor?

antónio Mourão: Como tradutor já trabalho, num ritmo mais ou menos regular, há mais de 40 anos. Apesar de muito presente e quase objecto de obsessão, a tradução foi sempre para mim uma actividade lateral, mas importante. A minha profissão nuclear foi a de professor (no Ensino Secundário e também na Universidade – UCP), durante várias décadas. Encarei o acto de traduzir de dois modos: primeiro, como esforço e meio de formação pessoal; por isso, gostei sempre de diversificar os autores (com o seu pensamento e o seu estilo). E eles já formam uma bela equipa: Aristóteles, Tomás de Aquino, David Hume, I. Kant, G. F. Hegel, J. G. Fichte, L. Feuerbach, K. Marx, W. Dilthey, J. H. Newman, F. Nietzsche, Max Weber, G. Simmel, S. Freud, Edmund Husserl, A. N. Whitehead, M. Heidegger, Th. Adorno, J. Habermas, P. Ricoeur, Dietrich Bonhoeffer. Ultimamente acrescentei à lista os nomes de Aby Warburg, Martin Buber, Hans. U. von Balthasar e Hans Belting, além de bastantes outros menos conhecidos.

Depois, vi a tradução também como empenhamento e intervenção cultural. Foi-me possível, em conspiração com editores inteligentes e abertos, criar, entre 1982 e 2006, colecções de textos filosóficos ou de ciências humanas, que encontraram ressonância entre nós.

EC: Que obras/autores são mais difíceis?

aM: Talvez não haja autores nem obras fáceis no campo do pensamento. Da literatura não falo porque, quando muito, só traduzi fragmentos esparsos, nunca obras inteiras. Alguns autores serão, porventura, muito mais acessíveis do que outros, terão melhor estilo, maior clareza. Mas é arriscada a decisão de traduzir. Entre os que acima nomeei senti uma dificuldade especial com Hegel, Husserl, Adorno e sobretudo com Max Weber. Mas nunca recuei perante a dificuldade, se deveras senti que tinha capacidade para levar a cabo a tarefa.

EC: Será a tradução uma forma de recriar uma obra?

aM: Hoje, os estudos ou a teoria da tradução – disciplina

nova - realçam o aspecto da recriação’, da reinvenção – o que antes não acontecia. No fundo, trata-se de pensar a mensagem do texto original em função do marco interpretativo da língua de chegada e do seu respectivo contexto linguístico-cultural; trata-se, pois, de uma produção linguística nova. Nos textos importantes com que lido procuro ‘esculpir’ a linguagem, cingir-me como uma lapa ao autor, mas “melhorar”, se puder, o seu estilo, aumentar a sua elegância, olhar à sua concisão, sem nada lhe roubar.

EC: Que faz de uma tradução uma boa tradução? E que cuidados se hão-de ter?

aM: Perante o texto de partida deve existir o máximo respeito, uma fidelidade total. Importa dizer apenas o que o texto refere, tudo o que nele se contém, nada inserir que nele não se encontre e do modo como lá está, sem desfigurações, sem interpolações, sem resumos, sem circunlóquios. Trata-se, pois, de prezar a sua forma, os seus pressupostos culturais e históricos. Podem aqui surgir muitos problemas, mas não é este o lugar para deles se falar,

ENTREVISTA AANTÓNIO MORÃOTRADUTOR DA EDITORIAL CÁRITAS

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porque são muito complexos.Quanto à língua de chegada – onde muitas traduções habitualmente fraquejam – requer-se o ‘amor’ por ela, o seu domínio perfeito, a propriedade dos termos, a coerência, e sobretudo a música da linguagem. Há que evitar anacronismos, empréstimos excessivos ou estrangeirismos desnecessários. E, claro, é necessário acautelar-se das palavras ‘afins’, sobretudo nas línguas latinas, ou seja, do “traduzir a olho”, que engendra

muitos erros. A tradução exige constantemente a “dúvida metódica”, hiperbólica, por vezes com rasgos algo “neuróticos”!!!

EC: De que forma o tradutor se relaciona com o autor do texto? Como reage no primeiro encontro com a obra?

aM: O tradutor não precisa necessariamente de “alinhar” com os autores, mas os que são grandes acabam sempre por tanger em nós cordas secretas.

E nas divergências reais com eles aprende-se o respeito, por vezes, a cumplicidade. Os grandes textos, como as grandes obras de arte, assim refere algures T. Adorno, são estranhos e inesgotáveis; a sua hermenêutica é, pois, inexaurível; a tradução depara com essa estranheza, luta com a sua ontologia singular, tenta difundir a luz que deles irradia, mas quase sempre refractada, porque embate na alteridade do texto, sem nunca chegar à identidade com ele.