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Page 1: Simpósio Nacional de História - snh2011.anpuh.org · A historiografia tradicional sobre o Mato Grosso. 1 colonial cristalizou no imaginário regional a visão de uma região onde

Associação Nacional de História – ANPUH

XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA - 2007

O que se planta e o que se colhe no termo do ato Grosso, fronteira oeste do império português (1748 – 1790)

Masília Aparecida da Silva Gomes*

Resumo: Este estudo analisa a produção de alimentos no termo do Mato Grosso entre os anos de 1748 à 1790. Privilegiamos o ano de 1748, como marco inicial por se tratar do ano da criação da capitania do Mato Grosso e Cuiabá, e 1790, como recorte final, por marcar o início de uma grave crise de abastecimento na capitania de Mato Grosso. Centralizamos nossas análises em Vila Bela, vila capital e seus arredores.A documentação utilizada integra os acervos documentais pertencentes ao Arquivo Público do Estado de Mato Grosso – APMT, e a Casa Barão de Melgaço – CBM. Procuramos evidenciar que a expansão portuguesa no Vale do Guaporé iniciada a partir da descoberta de metais preciosos, se deu concomitantemente à formação de outras paisagens, das quais, a agrária, com a produção de alimentos e o desenvolvimento de atividades extrativas e criatórias, teve importância fundamental.

Palavras-chave: fronteira; abastecimento; Mato Grosso. Abstract: This study analyzes the production of victuals in the termo of Mato Grosso among the years of 1748 and 1790. We privileged the year of 1748 as initial point of research for treating of the year of the creation of the Captaincy of Mato Grosso and Cuiabá, and the year of 1790, about final point, for marking the beginning of a serious crisis of provisioning in this captaincy. We concentrated our analyses on Vila Bela, the Capital, and your neighborhoods. The used sources integrate the collections belonging to the Arquivo Público do Estado de Mato Grosso (APMT), and the Casa Barão de Melgaço (CBM). We show the Portuguese expansion in Vale do Guaporé what started from the discovery of precious metals, and grew up concomitant to the formation of other activities, like the agrarian, with the production of victuals and the development of mining and the cattle-raising, that had great importance.

Key-words: border; provisioning; Mato Grosso.

A historiografia tradicional sobre o Mato Grosso1 colonial cristalizou no

imaginário regional a visão de uma região onde as atividades de extração mineral - ouro e

diamantes - predominaram exclusivamente. A imagem criada por tal visão histórica era a de

minas repletas de pessoas vindas de diferentes regiões, que para sobreviverem dependiam de

1* Aluna do Programa de Pós-graduação em História - Mestrado da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT/ICHS – Sob a orientação da Profª. Drª. Leny Caselli Anzai - Bolsista CAPES. Criada em 1748, a capitania de Mato Grosso era composta por dois distritos ou termos, o do Mato Grosso e do Cuiabá, limitava-se com a capitania do Grão-Pará ao norte, com as capitanias de Goiás e São Paulo ao sul, e a oeste, com as possessões de Espanha (Chiquitos, Moxos e Paraguai), compreendia os atuais estados de Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

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víveres importados via monções2, pois na região nada se produzia. No entanto, estudos

históricos recentes e fontes documentais ainda pouco exploradas como os “Anais de Vila

Bela”, nos permitem reconhecer, que concomitantemente à paisagem das minas se configurou

uma paisagem rural com áreas voltadas para a produção de alimentos.

A documentação consultada indica a utilização de mão de obra escrava em ambas

as atividades e não somente na mineração.Logo a imagem de paisagem unívoca construída

pela historiografia tradicional e consolidada no tempo e no senso comum, silencia a formação

de outras paisagens que se constituíram pari passu com a paisagem mineira. Pois, se por um

lado a atividade da mineração abriu novas frentes de expansão, por outro fica evidente que as

atividades comerciais e agrícolas caminharam juntas com esta, dando-lhe sustentação e

assegurando o sucesso da colonização e expansão portuguesa no Vale do Guaporé.

Com a descoberta de ouro às margens do rio Galera, afluente do Guaporé em

1734, um grande contingente de pessoas se deslocou para região do Vale do Guaporé em

busca de riquezas. “Segundo os cronistas, só de Cuiabá partiram em 1737 mais de 1500

pessoas, em monção de setenta canoas. Muitas outras vieram de Goiás, São Paulo e Minas”

(CANAVARROS, 2004:190). Nas paragens onde se descobriu ouro formaram-se núcleos de

povoamento, dando origem aos primeiros arraiais, assim se formaram: São Francisco Xavier,

Sant’Anna, Ouro fino, Bromado, Nossa Senhora do Pilar, entre outros. O período de formação

desses arraiais, ou seja, os primeiros seis anos de ocupação não índia corresponde à primeira

fase da expansão portuguesa na região, e teve como característica certa mobilidade

(LUCÍDIO,2004: 6-7).

Contudo, um deslocamento intenso de pessoas para uma nova região de

exploração implica na montagem de todo um aparato mínimo de sobrevivência desses novos

habitantes. Nesse sentido, a produção de alimentos na região tornou-se uma premissa. A

documentação consultada nos fornece fortes indícios que essa produção alimentícia iniciou-se

concomitantemente à descoberta dos primeiros veios auríferos. A título de exemplo, no ano

de 1736 ficou registrada nos Anais de Vila Bela uma passagem sobre os preços dos alimentos

praticados naquele ano no termo do Mato Grosso3 de onde se depreende a seguinte afirmação:

“valia um alqueire de milho seis oitavas , produto das roças e plantas do mesmo descoberto”

(AMADO & ANZAI, 2001: 42). Em outra passagem o cronista José Gonçalves da Fonseca

ao analisar a qualidade dos moradores do Mato Grosso em suas Notícias da Situação do Mato

2 Havia duas rotas monçoeiras pelas quais, era possível se chegar a Mato Grosso nesse momento, as monções do sul via Araritaguaba – Cuiabá e as monções do norte pela rota Amazonas- Madeira- Momoré- Guaporé praticada a partir de 1749. 3 A palavra termo é aqui utilizada como sinônimo de distrito (ROSA & JESUS, 2003).

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Grosso nos relata que, de “mil e cem escravos que haviam matriculados na capitação”,

somente seiscentos se poderiam “empregar nas faisqueiras e lavras” pois, o resto seria

ocupado “em lavouras de mantimentos; cujas fazendas se acham estabelecidas na planície em

circunferência da chapada, entre esta e o Sararé” (FONSECA, 2001:16). Portanto, de mil e

cem escravos matriculados apenas 54.6% eram destinados a extração de minerais os outros

45.4% seriam ocupados na lavoura de mantimentos o que demonstra a importância que as

atividades agrícolas tiveram nesse processo de expansão.

1 – Potencialidades alimentares no termo do Mato Grosso na segunda metade

do século XVIII.

Desde os primórdios da ocupação portuguesa no Vale do Guaporé em 1734, que a

preocupação com a produção e comercialização de alimentos foi uma constante. Já nos

primeiros anos de ocupação dessa região alguns produtos que compunham a dieta das pessoas

que para lá se deslocaram começaram a ser produzidos, como o milho, o feijão, o arroz e a

mandioca. Também iniciaram a criação de animais de pequeno porte como galinhas e porcos.

No entanto, a produção era ainda incipiente e muitos alimentos tinham que vir do Cuiabá,

percorrendo longas distâncias, o que dificultava o transporte em grande quantidade. Assim, a

baixa produtividade e a dificuldade no transporte contribuíam para a elevação dos preços dos

alimentos.

A documentação deixa evidente que os produtos que compunham a dieta dos

moradores do novo descoberto, tais como: milho, feijão, toucinho, galinha, aguardente de

cana, sal, carne de vaca e porco, entre outros, eram muitos caros nos primeiros tempos da

ocupação, o que limitava sua aquisição.

Em 1758, vinte quatro anos após o início da ocupação no vale do Guaporé , já no

governo do primeiro governador e capitão general Antônio Rolim de Moura, a situação da

produção de alimentos em Vila Bela e na região ofereceu indícios de considerável melhora,

como nos informa os Anais de Vila Bela:

A cultura das terras se vai também aumentando e melhorando,

utilizando-se o mesmo passo os lavradores da liberal produção que delas recebem.

Já nos prédios circunvizinhos da vila e nos da mesma, há frutas de várias espécies,

como são: figos, uvas, laranjas, limas, limões, além das bananas, mamões,

ananases, melancias e outras que, em bastante quantidade, principiaram a haver

logo depois da criação da Vila. E de mais de estar dependentes da cultura há

muitas outras que naturalmente produz a terra(AMADO & ANZAI, 2006: 70).

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Os Anais de Vila Bela também nos informam que em 1758:

se fabricou algum açúcar nos engenhos desta vila e seu distrito, e se

vendeu por preço muito acomodado, tendo na bondade pouca diferença do que vem

de fora. Nas terras de rio abaixo se colhe cacau, que o sertão espontaneamente

produz, de que se faz suficiente chocolate e, para composição deste, também as

matas deste continente produzem bastante baunilha. Os campos circunvizinhos

desta vila se vão cobrindo de gado (...), há também um princípio de rebanho de

ovelhas (AMADO & ANZAI, 2006:70).

Assim, nos finais da década de 50, a produção alimentar no termo do Mato Grosso

foi aos poucos se tornando “independente de outras povoações e colônias mais antigas”.

Entretanto, se nos anos cinqüenta os recursos alimentares em Vila Bela começaram a

apresentar indicativos de considerável crescimento, e de queda nos preços; na década seguinte

a produção sofreu uma considerável queda. Isso porque a década de sessenta foi marcada por

freqüentes instabilidades políticas na região, que resultaram em conflito armado entre

portugueses e espanhóis, como o de 1763.

Embora o conflito militar tenha sido breve, o clima de instabilidade política nessa

fronteia fez com que se aumentasse o contingente militar no termo do Mato Grosso, com a

chegada de militares do Cuiabá, de Goiás e do Pará. Além disso, as freqüentes secas que

ocorreram nesta década também contribuíram para a queda na produção de víveres em Vila

Bela e seu distrito, o que se tornou motivo de preocupação para o capitão general Luís Pinto

Souza Coutinho, que em 1769 ordenou aos seus subordinados que fizessem um levantamento

completo da situação da capitania.

O objetivo era conhecer melhor as reais condições da capitania e suas

potencialidades econômicas, para daí montar um plano de ação que auxiliasse na recuperação

e crescimento da capitania, e consequentemente aumentasse sua capacidade de produção de

alimentos. No ano seguinte os efeitos dessas medidas já foram sentidos na vila capital e seu

termo, como nos relata os Anais de Vila Bela

A agricultura tem florescido neste ano e no passado com vantagem, tanto no distrito desta Capital como em todas as partes da Capitania, (...), com o fundamento que se tem dado a mesma agricultura baratearão consideravelmente todos os gêneros, à proporção do que valiam. Pois, comprando a público no princípio deste ano, a farinha duas oitavas, o feijão a três, chegou a vender-se, no fim dele, um e outro gênero por menos uma oitava do seu valor primordial. E se tem experimentado tal abundância destes gêneros que já quase se acha independente de qualquer subsistência precária(AMADO & ANZAI, 2006: 169).

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Três anos depois em 1773, já no governo de Luís de Albuquerque a preocupação

com a produção agrícola e com a distribuição de comestíveis para a população é esboçada, e o

capitão general recomenda à câmara da vila que:

aplicasse todo o cuidado em promover e facilitar a agricultura, como tão indispensável para a subsistência da república e como objeto por muitas vezes recomendado por Sua Majestade; e que, igualmente, vigiassem atentamente sobre os oficiais mecânicos e mais pessoas que dão comestíveis ao povo, a fim de conter uns e outros dentro dos limites de um regimento prudente bem econômico (AMADO & ANZAI, 2006: 189).

Ao que tudo indica Luís de Albuquerque deu continuidade às medidas tomadas

por seu antecessor para fomentar e florescer a agricultura, seguindo de perto as

recomendações deixadas por Luís Pinto com vistas a fomentar a agricultura (Instruções aos

capitães Generais,2001,p.42-43). Esse fato certamente foi decisivo para aumentar a

capacidade da capitania de cultivar alimentos. Nos anos subseqüentes a 1773, a documentação

consultada indica que a produção de alimentos em Vila Bela e seu termo floresceu, garantindo

aos seus moradores certa estabilidade de preços e de abastecimento alimentar durante o final

da década de 1770.

As dificuldades enfrentadas pelos moradores do Mato Grosso no início da

ocupação, no que diz respeito ao abastecimento alimentar e seus preços excessivos foram aos

poucos sendo superadas. Ao raiar dos anos de 1780, isto é, quarenta e seis anos depois da

descoberta de metais preciosos no Vale do Guaporé, Vila Bela e seu termo já apresentavam

uma boa capacidade de produção e abastecimento alimentar.

A década de 1780 foi um período importante para a definição e demarcação de

limites nas terras americanas, foi justamente nestes anos que a capitania de Mato Grosso

recebeu a visita do grupo de estudiosos que integravam a “Terceira Partida” (comissão

demarcadora de limites)4, criada em 1778 após a assinatura do Tratado de Santo Ildefonso,

essa comissão era composta pelos astrônomos José de Lacerda e Almeida, Antônio P. da Silva

Pontes e do engenheiro e comandante da expedição Ricardo Franco, enviados do coroa

portuguesa para fazer um levantamento astronômico e cartográfico das terras da capitania de

Mato Grosso com o objetivo de se definir os limites entre os impérios luso e castelhano na

América.

4 A primeira composição da Terceira Partida esteve em Mato Grosso no ano de 1754, chegando à foz do Jaurú, onde colocou em 4 de fevereiro o marco de mármore trazido da Europa. A segunda composição da Terceira Partida foi criada em 1778, após o Tratado de Santo Ildefonso, percorrendo as terras da capitania de Mato Grosso entre os anos de 1781 a 1790.

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A expedição demarcadora chegou em Vila Bela em 28 de fevereiro de 1782. Em

seu diário o capitão da expedição Ricardo Franco de Almeida Serra nos oferece uma

digressão sobre os recursos alimentares disponíveis em Vila Bela trinta anos após sua

fundação:

É esta vila abundante nas coisas mais necessárias para a vida e própria produção do país, como são carnes frescas de vaca e porco, galinhas, patos, peixes, arroz, feijão, milho, farinha de mandioca, açúcar, aguardente de cana, laranjas, melancias, e algumas uvas, figos e melões, fora frutas do país, e várias hortaliças, cuja abundante cultura (SERRA, 1857: 427).

O relato de Ricardo Franco dá a idéia de uma vila bem provida de alimentos

necessários à manutenção da ração diária de seus habitantes. Percebe-se ainda que dentre os

produtos citados pelo demarcador vários são de outras regiões do mundo como melancias,

uvas e figos que provavelmente chegaram à capitania no processo de colonização. Embora o

capitão demarcador não denomine as frutas da terra, as mais encontradas eram cacau, ananás

e baunilha.

Por todos os lugares que passaram na capitania os demarcadores nos deixaram

relatos de alimentos encontrados, assim cotejando seus diários com os Anais de Vila Bela

pudemos rastrear e identificar boa parte dos alimentos disponíveis na vila capital e seu termo

na década de 1780, e que certamente foram importantes na construção da base alimentar da

sociedade que se formou nessa região de fronteira num momento importante de disputa e

definição de limites entre Portugal e Espanha.

Nas roças eram cultivados gêneros como arroz, feijão, milho, mandioca, cana-de-

açúcar, batata, carás, dentre outros. Da mandioca se fabricava, em engenhos d’água a farinha,

alimento básico de índios, escravos e moradores pobres da Vila Bela e do termo do Mato

Grosso. Fabricava-se também o açúcar.

Nos sítios e fazendas próximos às vilas desenvolviam-se atividades criatórias

como a de galinhas, bois, porcos, patos, cavalos utilizados nos transportes de cargas, e até

cães, utilizados em caçadas. Vale ressaltar que na capitania também entravam animais como

gado, muares e até jumenta, vindos das missões espanholas de Moxos e Chiquitos. No ano de

1784 Lacerda e Almeida em uma de suas diligências pelos rios do termo escreveu ao capitão

general lhe pedindo que “lhe fizesse a mercê de lhe mandar vir de uma dessas missões

espanholas uma jumenta com cria pequena”. O demarcador justificou seu pedido dizendo que

devido aos efeitos do mercúrio vinha sofrendo com problemas de tremedeiras nas mãos, e que

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o leite de jumenta com cria recente era um excelente antídoto para esses males (APMT, 1784:

defesa:nº.96) .

Nas hortas plantavam-se cebolas, couve, repolho, quiabo, abóbora, favas, dentre

outros. Nos quintais e pomares encontravam-se frutas como limões, laranjas, melancias,

mangabas, bananas; algumas uvas, melões e figos, além das frutas naturais da terra como o

cacau, o ananás e a baunilha. A mata fornecia a caça, como cervos, perdizes, antas, patos,

entre outros e uma infinidade de aves.

Um dos grandes problemas no abastecimento alimentar em Vila bela e seu termo

em toda a segunda metade do século XVIII era o sal, ingrediente importante na salga de

carnes e peixes, e até mesmo na dieta aplicada aos doentes, e que era escasso na capitania

nesse período. Este produto chegava à capitania via “monções do norte”, e também pelas

monções de povoado. No entanto, por ser um produto escasso, chegava à capitania com valor

muito alto, o que acabava por restringir seu consumo a pequenas porções, embora fosse

gênero de primeira necessidade.

Pelas monções do norte e do sul chegavam à capitania produtos enviados da corte,

tais como farinha de trigo, manteiga, queijo da Holanda, sardinha, azeitonas, presuntos,

bacalhau, chocolate, paios, salsichões. Vinham também bebidas como licores, vinhos e

aguardente, além de vinagre, azeite, mostarda, sal, chá, da pimenta - da- índia, canela e café.

Assim como produtos cultivados em outras regiões da América portuguesa como o café. Vale

lembrar que o café neste período não era popular como nos dias atuais, seu uso estava restrito

a uma pequena camada social.

A maioria dos produtos que chegavam a capitania enviados do reino entrava na

dieta alimentar do capitão general Luís de Albuquerque e dos demarcadores de limites, ou

seja, eram alimentos caros, a que somente a população abastada tinha acesso. Entretanto, na

alimentação dos demarcadores entravam também produtos produzidos na América portuguesa

como: farinha de milho e mandioca, arroz, feijão, milho, toucinho, e café.

Os dados expostos acima evidenciam uma hierarquia alimentar em Vila Bela e seu

termo, pois enquanto na dieta alimentar da população mais pobre os alimentos básicos eram

farinha, feijão e toucinho, complementados com recursos oriundos da mata e dos rios,

advindos de atividades como a caça, a pesca e a coleta de frutos da terra; a população mais

abastada composta em sua maioria de funcionários reais dispunha além dos alimentos

cultivados na terra, de alimentos finos e caros que vinham do reino.

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Pela importância que a produção de alimentos desempenhou no processo de

expansão e consolidação de fronteiras, optamos por analisar o modo pelo qual os moradores

do termo do Mato Grosso se organizaram para produzir e colher seus alimentos, situando

nossos estudos em um dado espaço e momento historicamente determinados. Desse modo,

acreditamos será possível conhecer um pouco da nova paisagem que se configurou no Vale do

Guaporé durante toda a segunda metade do século XVIII, assim como analisar a sua

importância no processo de colonização, expansão e consolidação da fronteira oeste do

Império português.

Bibliografia

Documentos manuscritos

APMT. Lata 1784 A, Defesa, nº 96. Correspondência de Francisco José de Lacerda e Almeida a Luiz de Albuquerque .

Documentos impressos

AMADO, Janaína; ANZAI, Leny Caselli. Anais de Vila Bela 1734-1789. Cuiabá. EdUFMT,

2006. Coleção documentos preciosos.

FONSECA, José Gonçalves da. Notícias da Situação de Mato Grosso e Cuiabá. Cuiabá.

Instituto Histórico e Geográfico do Estado de Mato Grosso.2001.

Instruções aos capitães generais. Cuiabá. Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso.

2001.

LACERDA E ALMEIDA, Francisco José de. Diários de Viagem. São Paulo: Imprensa Nacional, 1841.

PONTES, Antônio Pires da Silva. Diário de Viagem. Vila Bela 1/09/1781. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Rios Guaporé e Paraguai: primeiras fronteiras definitivas do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca Reprográfica Xerox, 1985.

SERRA, Ricardo Franco de Almeida. Diário do Rio Madeira. Viagem que a expedição

destinada à Demarcação de Limites fez do Rio Negro até Vila Bela, capital do governo de

Mato Grosso. Vila Bela 20/ 08/1790. In: REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO E

GEOGRÁFICO BRASILEIRO. Tomo XX, 1857.

Livros

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CANAVARROS,Otávio. O poder metropolitano em Cuiabá (1727 – 1752). Cuiabá.

EdUFMT. 2004.

LUCÍDIO, João Antônio Botelho. A Vila Bela e a ocupação portuguesa do Guaporé no

século XVIII. Cuiabá: GOVERNO DO ESTADO DE MATO GROSSO, 2004. Projeto

Fronteira Ocidental: arqueologia e história – Vila Bela da Santíssima Trindade. Paginação

irregular.

ROSA, Carlos Alberto & JESUS, Nauk Maria de. (orgs.). A terra da conquista: história de Mato Grosso colonial. Cuiabá: Adriana, 2003.

ANPUH – XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – São Leopoldo, 2007. 9