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A CULTURA NEOTROPICAL Marcos Pereira Magalhães Museu Paraense Emílio Goeldi CCH/Arqueologia RESUMO: o conhecimento sobre a ocupação humana da Amazônia tem revelado uma história com mais de 11.000 anos de desenvolvimento. Mas são as grandes culturas nativas, imediatamente anteriores à conquista européia, que despertam as maiores curiosidades e também as maiores polêmicas. Essas polêmicas, em geral, partem de diferentes perspectivas teóricas, às vezes até mesmo antagônicas. Entretanto, além das tradicionais perspectivas neo-evolucionistas, do relativismo cultural e das recentes neo-darwinistas, é possível elaborar uma mais consistente, ao desenvolvermos uma idéia mais moderna de civilização, que estaria na base de formação e desenvolvimento dessas culturas. PALAVRAS-CHAVE: diversidade cultural; organização social; Amazônia. ABSTRACT: Our knowledge of Amazonian prehistory reveals that this region has been occupied for over 11,000 years. In spite of this fact, overemphasis has been given to the more evident indigenous societies which were present and flourishing on the eve of European colonization. These societies have piqued more curiosity and polemic discussions than the Amazonian groups which preceded them. Nevertheless, today new questions have been raised beyond the current issues presently being discussed, namely, the socio-cultural and political complexity reached by these societies. As such, new themes are being elaborated, such as: how did these societies originate and did their development comprise only one or a multitude of civilizations? KEY WORDS: Cultural diversity; social organization; Amazon. INTRODUÇÃO Este artigo tem por objetivo apresentar, em termos teóricos, a idéia de Cultura Neotropical, que é o resultado da interpretação de evidências arqueológicas concretas, cujos dados já foram anteriormente publicados (i). O assunto em pauta visa expor as entranhas do conhecimento produzido a partir de pesquisas objetivas, de modo a torná-lo suficientemente visível para ser compreendido e analisado. Consequentemente, a construção teórica a ser abordada não é mera peça de ficção arqueológica. Ela foi fruto de análises diversas em torno de objetos de estudo provenientes da cultura material de sociedades de caçadores-coletores, especialmente de vestígios encontrados em Carajás (PA). Por conta disso, a observação de campo, complementada por análises laboratoriais, foi fundamental.

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A CULTURA NEOTROPICAL

Marcos Pereira Magalhães

Museu Paraense Emílio Goeldi CCH/Arqueologia

RESUMO: o conhecimento sobre a ocupação humana da Amazônia tem revelado uma

história com mais de 11.000 anos de desenvolvimento. Mas são as grandes culturas nativas,

imediatamente anteriores à conquista européia, que despertam as maiores curiosidades e

também as maiores polêmicas. Essas polêmicas, em geral, partem de diferentes

perspectivas teóricas, às vezes até mesmo antagônicas. Entretanto, além das tradicionais

perspectivas neo-evolucionistas, do relativismo cultural e das recentes neo-darwinistas, é

possível elaborar uma mais consistente, ao desenvolvermos uma idéia mais moderna de

civilização, que estaria na base de formação e desenvolvimento dessas culturas.

PALAVRAS-CHAVE: diversidade cultural; organização social; Amazônia.

ABSTRACT: Our knowledge of Amazonian prehistory reveals that this region has been

occupied for over 11,000 years. In spite of this fact, overemphasis has been given to the

more evident indigenous societies which were present and flourishing on the eve of

European colonization. These societies have piqued more curiosity and polemic discussions

than the Amazonian groups which preceded them. Nevertheless, today new questions have

been raised beyond the current issues presently being discussed, namely, the socio-cultural

and political complexity reached by these societies. As such, new themes are being

elaborated, such as: how did these societies originate and did their development comprise

only one or a multitude of civilizations?

KEY WORDS: Cultural diversity; social organization; Amazon.

INTRODUÇÃO

Este artigo tem por objetivo apresentar, em termos teóricos, a idéia de Cultura

Neotropical, que é o resultado da interpretação de evidências arqueológicas concretas,

cujos dados já foram anteriormente publicados (i). O assunto em pauta visa expor as

entranhas do conhecimento produzido a partir de pesquisas objetivas, de modo a torná-lo

suficientemente visível para ser compreendido e analisado. Consequentemente, a

construção teórica a ser abordada não é mera peça de ficção arqueológica. Ela foi fruto de

análises diversas em torno de objetos de estudo provenientes da cultura material de

sociedades de caçadores-coletores, especialmente de vestígios encontrados em Carajás

(PA). Por conta disso, a observação de campo, complementada por análises laboratoriais,

foi fundamental.

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Como resultado das observações arqueológicas realizadas, parto da hipótese de que

a antigüidade holocênica da presença humana na Amazônia, cientificamente consolidada

desde a década de 1990 (ii) também vem ao encontro da idéia de que teria existido uma

longa duração na formação histórica e sociocultural indígena, cuja complexidade mais tarde

alcançada foi fruto de experiências locais milenares e da reorganização sucessiva, mas não

linear, de técnicas e práticas culturais originais.

Com isto quer-se dizer que muito antes das sociedades horticultoras, forrageiras ou

não e agricultoras se instalarem nas terras baixas Amazônicas, estas já haviam sido

percorridas e exploradas por caçadores-coletores nômades, milhares de anos antes, os

quais, lançando mão de observações refinadas sobre o ambiente, desenvolveram técnicas e

relações sociais regionalmente adequadas. Foi a maneira pela qual eles organizaram suas

relações sociais nos ambientes nos quais viviam e exploravam, que traçou o rumo

sociocultural subseqüente. E foram essas sociedades originais, tropicais, de economia não

especializada e de grande mobilidade social e mais nenhuma outra, que criaram as

condições necessárias para o surgimento de diferentes sociedades bem mais complexas e

diversas (culturalmente distintas), que as sucederam no tempo e no espaço.

Desse modo, a variabilidade na organização social das comunidades complexas

evoluiu a partir do conjunto de comunidades regionais tropicais, com pouca variação

organizacional. Com isto quero deixar claro, desde o início, que o termo neotropical a ser

empregado nada tem a ver com aquele definido pela biogeografia. Aqui ele se refere,

apenas, a uma fase posterior à evolução sociocultural das sociedades tropicais amazônicas.

Para formular essa afirmação em toda a sua essência foi considerado o conhecimento

produzido por diferentes saberes, que extrapolam aqueles elaborados pela antropologia e

inclusive pela história. Porém, foram privilegiados alguns elementos teóricos próprios da

história, sem que, no entanto, houvesse qualquer esforço para explicitá-los com

exclusividade. Na verdade, mais do que a busca de um discurso holístico, buscou-se a

narrativa de um pensamento integrado, onde os aspectos analíticos são considerados

subconjuntos específicos, mas também componentes de um conjunto global amplo, mas

não infinito. Isto compreende mais uma teia de ‘historicidades’ do que propriamente uma

rede. Por sua vez, a malha desta teia foi recortada conforme certas características próprias

do conjunto global. A narrativa dela derivada foi previamente esboçada e apontada,

conscientemente, para uma finalidade valorativa construída a partir das experiências

particulares (sociais, culturais e políticas) nela constantes.

Para tanto foram considerados:

1) aspectos de ordem filosófica, cuja base principal é a compreensão de que o todo é um

múltiplo componencial, composto de múltiplos de múltiplos, de múltiplos. Esta base formata:

a idéia de que a compreensão do todo antecede a compreensão das partes e que estas,

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uma vez compreendidas, interferem na compreensão do todo. Ou seja, o homem sempre

possui uma noção geral do mundo em que vive e, ao alterar as partes que o compõe acaba

por alterar o próprio mundo e com isto a si mesmo. Assim, segundo Benedito Nunes (iii),

“antes de se apresentarem como seres determinados, mesmo as coisas chamadas naturais

ou artificiais, são, antes de tudo, entes disponíveis, instrumentais, no mundo circundante”.

Em resumo, repetindo Spengler, a coisa-que-é só sucede à coisa-que-está-sendo. Além

disto, compreende-se que o estilhaçamento do tempo histórico em temporalidades

heterogêneas não nega a história global, mas a classifica em diferentes especiações

regionais compostas de sub-unidades familiares que se distinguem das demais histórias

globais do planeta (iv). Ou seja, a presença do homem no planeta compôs uma miríade de

histórias globais possuidoras de intensidades, sentidos e durações espaço-temporais

próprias.

2) aspectos de ordem evolucionária: como os processos de desenvolvimento – os

mecanismos complexos pelos quais um organismo cresce até atingir a plenitude de sua

forma e tamanho – que abrem uma janela para a evolução anatômica de uma espécie. Ou

seja, essa idéia de desenvolvimento evolucionário, que atualmente biólogos especialistas

em origens de organismos vivos chamam de “evo-devo”, quando transplantada para o

estudo da evolução social humana afirma que a natureza e o grau de complexidade de uma

dada sociedade têm origem na reorganização de módulos subseqüentes e intermitentes de

certas experiências particulares. Estudos recentes confirmam: o padrão de toda identidade é

persistente, mas a sua estrutura material e/ou mental permanece constantemente em

mudança (v). Outros estudos sobre a evolução da mentalidade afirmam também que o

conhecimento não se efetua graças à acumulação pura e simples. Ele (o conhecimento) se

efetua pela conexão modular de experiências específicas representando etapas de níveis

característicos (vi). Cada etapa exige a reorganização de um conjunto particular de

conexões modulares provenientes de experiências previamente adquiridas que, na verdade,

por apresentarem níveis de conexão variáreis e até irregulares, é melhor caracterizada

como componencial.

Portanto, tanto a filosofia e a história, bem como a moderna teoria da evolução,

oferecem argumentos que podem mudar completamente as tradicionais interpretações

sobre a ocupação pré-histórica da Amazônia.

Até aqui, especialmente no senso comum, as idéias tradicionais sobre evolução

social, como sendo lineares e sem relativismo cultural, é que têm prevalecido na

interpretação sobre a ocupação humana na Amazônia. Ainda que os evolucionistas atuais

tenham dado a volta por cima, colocando o relativismo cultural na berlinda (vii) ao

reintroduzirem o tempo no espaço, a crítica ao senso comum permanece válida, já que sua

perspectiva continua repercutindo nas interpretações arqueológicas.

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Esse senso deriva de anseios epistêmicos que caíram nas graças do saber popular.

Ele tem origem na intenção intelectiva remanescente do século XX, de inserir o homem

antigo da Amazônia na evolução humana mundial, quando buscaram ligação com a ordem

artificialmente estabelecida a partir de modelos evolucionistas lineares. Como complemento

ao modelo europeu, o modelo de maior sucesso para o Novo Mundo foi inicialmente

formulado nos idos do século XIX por Teylor e Morgan. Mais tarde, entre as décadas de

1950 e 1960, Julian Steward, Morton Fried, Marshall Sahlins, Leslie White e Elman Service

retomam esse modelo que será conhecido como evolucionismo cultural. Ele será

incorporado pela arqueologia das Américas através da Escola Histórico-Cultural, aplicada no

Brasil no decurso do PRONAPA/PRONAPABA, que foram programas de pesquisas

arqueológicas coordenados por Betty Meggers. Segundo Service (viii), as sociedades se

classificariam por meio de uma ordem cronologicamente estabelecida, através de bandos,

tribos, chefias e estados. A este esquema, a arqueologia americana incorporou o paleoíndio.

A principal diferença, segundo Trigger (ix), entre o evolucionismo unilinear do século

XIX e o neo-evolucionismo do século XX é o determinismo de ordem ecológica, demográfica

ou tecnológica defendido por este último. Funcionando como uma força essencialmente

conservadora dos padrões culturais, o evolucionismo cultural não reconhece mudanças

promovidas por indivíduos, mas apresenta uma abordagem ecológica determinista e

multilinear, baseada no difusionismo cultural (X).

Ainda assim, mesmo que na história da antropologia a noção de complexidade para

explicar a evolução universal das sociedades humanas parta do mais simples para o mais

complexo e distribua a unidade do gênero humano por etapas distintas de evolução, a

noção de relativismo cultural foi se impondo, progressivamente, como instrumento

fundamental para a perspectiva antropológica (xi). Deste modo foi possível perceber que

sociedades de economia e tecnologia aparentemente simples poderiam apresentar grande

complexidade em outros domínios; que todas as sociedades apresentam invariáveis

ocorrendo desde aquelas tidas como primitivas, até aquelas consideradas modelos de

civilização; que, além disto, essas invariáveis apresentam formas e organizações

particulares que não podem ser distribuídas em escalas sucessivas, mas sim paralelas; que

a cultura não se revela pelo estudo de cada um de seus elementos de comunicação vistos

separadamente, porém quando neles são apreendidos os seus códigos e sistemas de

contextualização (xii). Enfim, que natureza e cultura não se excluem, pois, como mostrou o

estruturalismo, a cultura é uma produção da natureza e não a sua negação.

A desconstrução do centralismo histórico, a partir da crítica à história universal linear

e da antropologia eurocentrada, dilatou o território das ciências sociais a ponto de abrir as

portas para múltiplas e heterogêneas temporalidades. Porém, segundo Dosse (xiii), a

fragmentação do tempo histórico privilegiou fenômenos repetíveis, a longa duração, as

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permanências e o descentramento do homem, permitindo o triunfo de um estruturalismo

anti-humano e de uma história desconstrutora da totalidade. Na perspectiva estruturalista de

Lévi-Strauss (xiv) não há totalidade histórica, mas uma pluralidade de histórias não ligadas a

um tema central, na qual elas só podem ser parciais. Nesta perspectiva não há sucessão de

etapas, estágios que seguem um rumo final melhor. Ainda segundo Dosse, a longa duração

proposta por Braudel reorganizou as estruturas em esquemas históricos que identificavam

manifestações de comportamento imutáveis, recuperando assim a totalidade histórica,

porém, eliminando o fato e o acontecimento. Entretanto, os acontecimentos são

individuações históricas particularizadas onde a mudança incessante está implícita, pois os

mesmos são componentes variáveis de um mesmo conjunto unitário transformando-se por

conta da própria variabilidade desses acontecimentos.

O mérito do estruturalismo e da idéia de longa duração foi o descolamento do

homem e da história do ponto de vista ocidental. O homem europeu, sua evolução e sua

história deixam de ser os modelos aos quais todos deveriam se espelhar e procurar um nível

(sempre inferior) em sua escala de progresso. O homem europeu e seus produtos passaram

a ser apenas mais uma variável da evolução humana. Entretanto, a negação do total e a

busca de uma invariância comportamental universal encerraram o sucesso da crítica ao

evolucionismo social do século XX inicial. Ora, ocorre que existem diversos centros

possíveis. Mas esses diferentes centros possuem duração, intensidade e sentido com

ritmos, características e velocidades diversas não excludentes, pois sempre são

componentes de um conjunto mais amplo e global, mas nunca universal; que tudo se repete,

mas apenas na diferença; que se a cultura está na natureza e a natureza é diversificada,

logo a cultura varia no tempo e no espaço; por fim, que esses centros, por sua vez, são

componentes atratores de uma teia global formada por um conjunto composto de muitos

outros subconjuntos, ocupando posições espaço-temporais distintas.

A idéia de teia se distingue da de rede. Uma rede é composta de reduzido número de

sistemas centrais aos quais toda a malha está conectada. Assim, a pane ou a destruição de

um desses centros compromete a rede como um todo. Isto acontece tanto nas redes

históricas, nas artificiais como nas naturais. Por exemplo: a conquista de Roma significou a

queda do Império Romano; a pane num computador central paralisa todos os sistemas a ele

conectados; doenças cardíacas não comprometem apenas o sistema circulatório, mas o

funcionamento do corpo como um todo. Mas numa teia os centros estão espalhados pela

malha numa quantidade bem maior. Por exemplo: a conquista de Roma significou apenas a

queda do Império Ocidental, mas sua vertente Oriental continuou através de Constantinopla;

a pane em um computador de um conjunto de computadores associados compromete

apenas os sistemas a ele relacionados; já as doenças cardíacas afetam apenas a

permanência do indivíduo, cuja continuidade é garantida, por outro lado, pela sua

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capacidade reprodutiva atingir o auge, geralmente, antes das doenças do coração se

manifestarem. O que se observa, então, é que na história, na natureza e no mundo dos

artifícios, a resistência será maior quanto maior for a quantidade de centros de confluência

aos quais os sistemas podem se conectar. Isto implica que num mesmo espaço global, as

conexões se estabelecerem através de diferentes trajetórias.

De fato, para o homem, existem muitas trajetórias possíveis, já que a diversidade na

organização humana é maior do que as categorias evolutivas. É o lugar que atribui às

experiências sociais o princípio de realidade histórica, relativizando o seu sentido,

integrando-as num conjunto de vida enquanto lhes atribui efetividade histórica. E, num

determinado lugar, as experiências não derivam de ações ou técnicas isoladas. O efeito da

idade de uma delas é sempre condicionado pelo das outras. Experiências particulares são

manejadas por grupos sociais portadores de experiências socioculturais diversas e se dão

sobre um território que é, ele próprio, em sua constituição material, diverso, do ponto de

vista experimental. É dessa maneira que se constitui uma espécie de tempo histórico do

lugar (xv). Por outro lado, o conjunto dos territórios, ou seja, de lugares culturais

estrategicamente ocupados, se organizam numa região, que é o espaço global para todos

esses lugares.

Sensíveis a isto, hoje, a maioria dos arqueólogos já tem consciência da notável

diversidade das sociedades antigas e entre eles tem surgindo um crescente interesse por

um melhor entendimento da multiplicidade de configurações históricas que elas assumiram.

Entretanto, é preciso ir além e buscar os pontos de conexão que as posicionam numa teia

global, onde elas podem ser identificadas como um conjunto genérico particular, mas

relacionadas, por sua vez, com outros conjuntos regionais.

Estudos diversos têm mostrado que bem antes das sociedades agricultoras, os

homens construíram diferenças sociais através de formas de exclusão e da formação de

hierarquias sociopolíticas, mesmo nas etapas que antecederam a domesticação de plantas

(xvi). Com isto, idéias de sedentarismo, desigualdade social, trabalho especializado, trocas a

longas distâncias, arte elaborada, sepultamentos diferenciados, entre outras,

tradicionalmente atribuídas à dicotomia entre caçadores-coletores x agricultores perdeu

significado no estudo do desenvolvimento das sociedades humanas. Por outro lado, a idéia

de que apenas mudanças econômicas são capazes de alterar fundamentalmente a

organização social e política das sociedades vem sendo profundamente questionada (xvii).

Há diversos fatores das mais variadas ordens (social, política, religiosa, etc.), que podem

reorganizar completamente uma sociedade. E foi justamente quando as antigas sociedades

de caçadores-coletores amazônicos reorganizam suas práticas e costumes em prol de

outras mais conscientes e voltadas para uma vida com bases territoriais sedentárias, que a

diversidade cultural se multiplicou, permitindo a sua pluralidade histórica.

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Consequentemente, como todas as mudanças se deram em espaços geográficos

compostos por conjuntos naturais e históricos particulares, o processo de diferenciação

social não foi um processo passivo, e outros agentes de mudança precisam ser levados em

conta. Outros fatores, além do ambiente e da subsistência, tais como desequilíbrio nas

relações de poder e alterações na visão de mundo, devem ser considerados. A mudança

social provocada pelo clima, pelo ambiente, ou pelas condições externas particulares, são

variáveis causais que podem ser tidas como remotas e indiretas. Porém, mais que isto, são

variáveis componenciais de um conjunto mais amplo. Na verdade, são subconjuntos

compostos por outros conjuntos menores de ações e técnicas sociais que se interpenetram

no tempo e no espaço. Os seus limites não são definidos por seqüências lineares

particularizadas (o que implicaria na aceitação de um número indefinido de linhas paralelas),

com durações definidas ao sabor de cortes aleatórios quaisquer. Mas, pelos pontos de

mutação que determinado conjunto de elementos componenciais apresentam, de modo a

diferenciá-lo de outros conjuntos espaços-territoriais e/ou históricos distintos.

Segundo essa perspectiva, há fortes indícios sugerindo que conjuntos de sociedades

de caçadores-coletores, tais como as de Carajás, podem ter reunido, ao longo dos tempos,

condições particulares para desenvolver formas mais diversas e complexas de organização

regional, perfeitamente inteiradas aos ecossistemas amazônicos. De certo modo pode-se

reconhecer que as causas ambientais, tecnológicas ou demográficas são dependentes de

relações sociais. Estas, por sua vez, implicam em um processo de longa duração de

amadurecimento da consciência, que por motivos diversos associados, desencadeiam uma

mudança global expressiva não só na organização social, como também na política e na

visão de mundo. Assim, o crescimento populacional, por exemplo, mais que uma variável

causal, pode ser tido como o resultado da reorganização econômica e política da sociedade

em determinado território. Do mesmo modo, a pressão demográfica pode ser entendida

como conseqüência de um conjunto de causas diversas, mas convergentes, entre as quais

se somariam mudanças particulares, porém não necessariamente dominantes, nas relações

de produção (xviii).

Tudo indica, portanto, que os costumes e sistemas das populações indígenas

agricultoras, nada mais seriam do que a reorganização espacial das ações e técnicas

derivadas de práticas experimentadas e aperfeiçoadas ao longo de centenas e centenas de

anos, por antigos caçadores-coletores de floresta tropical. Mas aqui, o que se está

entendendo como cultura tropical não é a cultura de floresta tropical que Lowie definiu e

Meggers e Lathrap adotaram e até certo ponto aperfeiçoaram (xix). Para alguns desses

autores, além da cultura de floresta tropical não possuir traços arquitetônicos e nem

refinamentos metalúrgicos, resignava-se com o cultivo de raízes e tubérculos, a pesca e a

manufatura da cerâmica e traria implícita a idéia de difusão por meio de movimentações

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populacionais, dentro de um ambiente opressor e determinístico. Já a Cultura Tropical, de

maior antigüidade, está relacionada a sociedades de caçadores-coletores que,

inteirativamente, alteravam e/ou adaptavam localmente, experiências espaciais universais,

as quais mais tarde viriam a fazer parte do arcabouço cultural de sociedades agricultoras

posteriores, mas sem qualquer imperativo de movimentos difusionistas e/ou restrições

causais determinísticas. Isto inclui, além do desenvolvimento tecnológico da produção de

cerâmica e o processamento de raízes e tubérculos, uma territorialidade baseada no

desenvolvimento de relações sociais e geopolíticas particulares. Nesse quadro de

desenvolvimento regional, as influências externas eram filtradas e adaptadas a um sistema

típico da Amazônia, que a população ancestral nativa há muito já havia consagrado como

importante meio de sustentabilidade, através de práticas e técnicas econômicas,

socioculturais e políticas locais.

A CULTURA TROPICAL

Se a questão da antigüidade humana na Amazônia tivesse sido apresentada há

apenas dez anos, apesar de todas as evidências acumuladas até então, ela seria

completamente desprovida de fundamento teórico. Isto porque a idéia de uma ocupação

precoce do homem na Amazônia, até a década de 1990, ainda era considerada, no mínimo,

de comprovação difícil. Sem dúvida, duas das premissas que justificavam esta afirmação

era a dificuldade de acesso aos locais prováveis de ocorrência e a dúvida sobre quais locais

seriam esses. Entretanto, apesar de Simões já ter apresentado indícios da existência de

caçadores-coletores na Amazônia desde os anos de 1970, até a década seguinte era

bastante comum a idéia apresentada por Schmitz de que os “recursos para a sobrevivência

humana parecem mais ligados ao cerrado que à caatinga e à mata”. (xx)

De fato, continuava predominando uma das idéias caras ao determinismo ecológico

e importante entre os pressupostos básicos do PRONAPABA (xxi), de que a ocupação

humana da Amazônia fora bastante breve, esparsa e móvel; que caçadores-coletores mais

antigos, “paleoíndios” migrantes do norte, por serem adaptados à caça de grande porte de

áreas temperadas abertas, nunca teriam se fixado ou se adaptado à floresta quente e úmida

amazônica; que caçadores-coletores tardios e mais sedentários, seriam provenientes de

outras áreas periféricas, mas não teriam logrado sucesso na exploração dos supostos

parcos recursos disponíveis, amargando uma estagnação sociocultural prolongada.

Além de toda esta visão pessimista, os sítios cerâmicos resultantes das atividades de

antigos agricultores, seguiam exercendo uma atração muito grande sobre os pesquisadores.

Tanto que as primeiras pesquisas de Roosevelt (xxii) na Amazônia brasileira foram no Teso

dos Bichos, em Marajó, motivada pela necessidade de buscar elementos comprobatórios

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que justificassem suas críticas à teoria dominante de então, construída exclusivamente

sobre esses sítios.

Somente com as descobertas dos sítios no rio Jamarí, na bacia do Alto Madeira

(RO), da Gruta do Gavião na serra de Carajás e, posteriormente, da Caverna da Pedra

Pintada em Monte Alegre, ambas no Pará, que teve início, enfim, o estudo e ou a busca

sistemática de evidências de caçadores-coletores na Amazônia brasileira. Entretanto, o

avanço tem sido lento. Pesquisas mais completas só foram realizadas nos citados locais,

sendo que em Carajás (PA), quinze sítios foram localizados e desses, até o momento,

somente quatro foram bem estudados: a Gruta do Gavião, a Gruta do Pequiá (com 9.000

anos AP.), a Gruta do Rato e a Gruta da Guarita.

Esse quadro, evidentemente bastante incompleto, parece que não mudará tão cedo,

haja vista o interesse renovado pelos sítios dos agricultores que agora são estudados sob

uma nova ótica teórica. Assim é que estudos sobre antigas aldeias no Xingú, no Rio Negro,

no Marajó e de cemitérios em Maracá retomam com força total o interesse pelas sociedades

ceramistas com organização sociopolítica complexa (xxiii).

Porém, apesar do estudo incipiente e fragmentado disponível atualmente, já temos a

certeza de que a Amazônia foi habitada por caçadores-coletores não especializados, no

mínimo, desde o final do Pleistoceno, talvez uns 12.000 anos atrás.

Mas como isto teria acontecido? Quais processos históricos foram desencadeados,

para que grupos de caçadores-coletores adaptados aos recursos de savana (xxiv) tivessem,

em primeiro lugar, dado origem à sociedades de caçadores-coletores de floresta tropical e,

posteriormente, evoluído para sociedades relativamente sedentárias e algumas altamente

complexas, que dominaram a Amazônia até a chegada do colonizador português?

Pode-se mostrar como isto aconteceu respondendo algumas questões: 1) Esses

caçadores-coletores até agora identificados, seriam os descendentes dos primeiros homens

que chegaram à Amazônia? Ou teriam sido precedidos por uma outra população,

pleistocênica, com biótipo e hábitos diferenciados? E a paisagem por eles explorada,

comporia um meio ambiente diferente do que conhecemos hoje? As práticas e costumes

tradicionais das populações agricultoras posteriores teriam sido o resultado da evolução das

experiências dessas populações milenarmente ancestrais, ou teriam sido fruto de influências

difusionistas mais complexas e dominantes? Eles, ou algumas sociedades deles teriam se

organizado sócio-culturalmente, num grau de complexidade maior do que aquele atribuído,

tradicionalmente, às sociedades de caçadores-coletores?

Em relação à primeira questão, pelas evidências existentes ainda não é possível

afirmarmos com certeza quais das duas hipóteses em voga é a verdadeira. Segundo o

modelo dos dois componentes biológicos, uma afirma que as populações “pré-históricas”

pertenceriam a uma onda migratória de uma ou várias linhagens mongolóides originárias do

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nordeste asiático (xxv); a outra, de que ocorreram processos de pelo menos duas migrações

diferentes, nas quais as mongolóides teriam sido precedidas por uma população do final do

Pleistoceno não mongolizada, proveniente do sudeste asiático, similar à que ocupou a

Austrália no Pleistoceno superior e cujas origens mais remotas podem ser achadas no

continente africano (xxvi). Esta última teoria, bem mais recente, implica também em

tentarmos entender como a população mongolóide teria substituído a negróide: pela

escassez dos recursos naturais explorados pelos primeiros (megafauna)? Por um processo

de mongolização da população original? Pela absorção genética feita por uma população

mongolóide maior? Por conflitos inter-raciais? Pelo desenvolvimento de estratégias mais

eficientes de exploração dos recursos da nova realidade ambiental que se formava? Um

pouco de tudo isto? Enfim, muita coisa ainda precisa ser explicada.

Porém, independente de qualquer uma das hipóteses apresentadas acima, a

verdade é que os caçadores-coletores dos sítios até aqui conhecidos na Amazônia, já

estavam perfeitamente adaptados à floresta tropical e apresentavam hábitos que parecem

ter sofrido aperfeiçoamentos mais tarde elaborados por sociedades agricultoras.

Os primeiros homens que conquistaram a Amazônia teriam chegado através das

áreas abertas, representadas especialmente pelos cerrados que cobriam seus baixos

chapadões, em pleno Pleistoceno Superior. Na ocasião, o clima na Amazônia era menos

úmido e menos quente. Com o aumento da umidade e do calor, as florestas retomam parte

do espaço ocupado por cerrados e outros ecossistemas. Isto representou, por exemplo, o

confinamento dos cerrados nas áreas onde o solo era mais pobre em nutrientes. Por isto, as

paisagens amazônicas onde hoje encontramos o sistema de cerrado ou elementos típicos

do mesmo, indicam que elas, além de originais, não teriam sofrido modificações

significativas em suas características fundamentais, nem mesmo durante as oscilações

climáticas registradas entre o final do Pleistoceno e início do Holoceno.

Paralelamente aos corredores pleistocênicos de cerrado dos baixos chapadões

amazônicos, a floresta também já estava instalada nas áreas de maior umidade, como nas

margens dos rios e nas áreas de solo mais rico em nutrientes. Assim, essas florestas

também constituíam paisagens originais que, com o advento das condições mais úmidas e

favoráveis do Holoceno, se expandiram sobre as coberturas vegetais típicas de climas mais

secos. Isto ocorreu, sobretudo, naquelas áreas onde o solo era favorável, mas sobre os

quais até então predominavam coberturas de cerrado.

Deste modo, seria justamente nessas paisagens de/ou com elementos de serrado

que encontraríamos os sítios arqueológicos mais antigos da Amazônia, por elas terem sido

a referência e o caminho natural dos seus primeiros habitantes. E não por coincidência, as

datações mais antigas para a presença humana na Amazônia são justamente provenientes

de áreas onde existem elementos de cerrado. E nelas estão incluídas as datações dos sítios

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em grutas de Carajás (9.000 AP), localizados nas bordas dos platôs cobertos por uma

vegetação de canga, onde sobressaem espécimes de cerrado e de caatinga, e da Caverna

da Pedra Pintada (11.300 AP), no Baixo Amazonas, em cujo local também predomina uma

vegetação de características semelhantes ao cerrado.

Isto não quer dizer que não haveria áreas florestadas ou com outro ecossistema,

ocupadas pelo homem. As pesquisas de Miller (xxvii) no vale do Jamari (ocupado quase que

continuamente desde 8.000 AP. até o contato com o europeu) e as de Roosevelt (xxviii), em

Taperinha comprovam isto (xxvix). Porém, essas ocupações, provavelmente seriam em

menor escala. Por outro lado, como essas paisagens foram mais sensíveis às mudanças

climáticas (xxx) e podem apresentar um quadro de ocupação mais contínua (xxxi),

obviamente que os impactos sofridos foram muito grandes, dificultando a identificação delas

hoje. De todo modo, é mais plausível supor que as áreas de savana oferecessem maiores

atrativos no período inicial da ocupação humana na Amazônia. Já as áreas de florestas do

Holoceno Inferior, com vanguardas humanas, além de limitadas, estavam sujeitas às

alterações impostas pelas oscilações climáticas e também pelas oscilações do nível do mar.

A estabilidade climática, porém, muda a situação. A expansão das florestas, inclusive

sobre antigas áreas de cerrado, favorecidas pela maior umidade do ar acaba por “ilhar” as

paisagens de cerrado, tal como ocorre em Carajás, forçando o homem a sair do isolamento

e penetrar e explorar a floresta. Deste modo, foram aqueles que obtiveram sucesso neste

empreendimento, que forjaram as características fundamentais das futuras culturas

amazônicas.

Chegou-se a esta conclusão porque: 1º- estudos diversos demonstram que o

Pleistoceno Superior, caracterizado pelo último estágio glacial, trouxe sensíveis

modificações no quadro paisagístico da Amazônia; 2º- essas modificações implicaram a

inversão das formas tradicionais de paisagens, refletidas notadamente no quadro vegetal e

na biomassa animal; 3º - essa inversão, por sua vez, criou as condições para o

delineamento do quadro atual; 4º- paralelamente, uma grande leva migratória de homens

chega na região junto com essas transformações; 5º- essa população desenvolve suas

ações e técnicas socioculturais juntamente com a consolidação da paisagem regional. Por

tudo isto, podemos afirmar que, desde 12.000 anos atrás, a Amazônia já teria sido

conquistada por grupos humanos organizados em sociedades de caçadores-coletores, que

exploravam seus diferentes nichos e, em especial, os de floresta, interferindo nela quanto

mais o clima se estabilizava, a conhecia e dependia de seus recursos.

Em Carajás (PA), na Gruta do Gavião que foi ocupada entre 8.000 e 4.000 (AP) e na

Gruta do Pequiá ocupada desde 9.000 A.P., por exemplo, isto ficou bastante evidente,

especialmente por conta da presença de plantas (Manihot sp, Duck, Couepia, Copaibera,

Hymenaea e Astrocaryum sp) que podem ter sido, de algum modo, manejadas (xxxii).

12

Portanto, o conhecimento sobre os recursos tropicais já estava sendo forjado há milhares de

anos, provavelmente desde a chegada do homem no início do Holoceno. A paisagem

explorada por essas populações de caçadores-coletores do Holoceno inicial, enfim, teria

sido tropical e não se diferenciaria muito daquela que conhecemos hoje, exceto pela maior

extensão das áreas cobertas de cerrado que foram, paulatinamente, sendo substituídas por

florestas.

Os fortes indícios de que os costumes e sistemas das populações indígenas

agricultoras, nada mais seriam do que a resposta regional de práticas experimentadas e

aperfeiçoadas ao longo de centenas de anos por antigos caçadores-coletores de floresta

tropical, implica a consideração de que a formação histórica de nossa História Anterior

resultou num Processo Civilizador de longa duração. A idéia de que, evolutivamente falando,

o ponto do destino é tão importante quanto o ponto de partida, força a revisão do atual

paradigma, resultado da leitura linear da história mundial, que tem gerado seqüências

muitas vezes absurdas e regularmente provisórias a respeito da antiguidade histórica sul

americana. Fato estabelecido porque a preocupação não é com a gênese dos

acontecimentos, mas com o evento preciso que deu início aos processos progressivos de

um acontecimento supostamente único e universal. Acontece que a arqueologia tem

mostrado que não há começo absoluto, que os acontecimentos só podem ser observados

na duração e que na longa duração, os acontecimentos tomam sentidos e graus de

intensidade social diversos. Assim, a idéia de aculturação através do difusionismo cunhada

ainda no século XIX, hoje é apenas um item bastante subalterno diante das potências

regionais de especiação cultural.

Na concepção tradicional, entretanto, o uso repetido dos modelos neo-evolucionistas

deixou marcas profundas na arqueologia e os arqueólogos acostumaram-se com a

discussão da natureza dos seus sistemas de classificação. Com isto, o conceito de

paleoíndio na Amazônia seria apenas o marco da presença do paleoíndio norte-americano

na nova realidade da floresta úmida. Mas, com o que se sabe hoje, sobre a evolução

humana nas florestas úmidas e sobre a antigüidade da presença humana na América do

Sul, esta hipótese não encontra respaldo nas evidências identificadas. Na verdade, a

definição para paleoíndio utilizada como conceito na arqueologia brasileira data de 1980,

quando foi definido um conjunto de terminologias o qual pudesse ser claramente

empregado. Porém, a definição desenvolvida era muito superficial e em síntese utilizava “o

conceito de paleoíndio simplesmente para caracterizar as culturas antigas que vão

provavelmente até uma primeira mudança climática maior depois que o Pleistoceno já se

apagou” (xxxiii). Assim, mais por força de hábito e ausência de um outro conceito

consistente, é que continuam a empregar este termo.

13

Ao propor uma perspectiva histórica na evolução sociocultural do homem na

Amazônia, é perfeitamente possível identificar o período em que diversas sociedades -

independentemente do nível de organização social e do aparato material particular que

tenham tido - empreenderam um processo civilizador de longa duração (xxxiv). Mas para

compreender isso temos que entender que o espaço é a ordem das coexistências possíveis;

que o espaço regional é composto por territórios socialmente explorados, que por sua vez é

composto de lugares diversamente ocupados. É no espaço que os acontecimentos se

globalizam. Entretanto, são nos seus diferentes lugares, organizados em diferentes

territórios, onde os sistemas sucessivos do acontecer social distinguem diferentes períodos,

sejam passados ou presentes: o eixo das sucessões. Em cada lugar, o tempo das diversas

ações e dos diversos atores e a maneira como utilizam o tempo social não são os mesmos.

No viver comum de cada instante, os eventos não são sucessivos, mas concomitantes: o

eixo das coexistências. Portanto, no espaço regional, se as temporalidades não são as

mesmas para as suas diversas sociedades elas, todavia, se dão de modo simultâneo (xxxv).

Além disto, cada tempo próprio de um evento tem um sentido, uma intensidade e uma

duração (xxxvi). E é na duração onde as coisas se originam e cujo tempo só pode ser

apreendido no presente.

Não obstante, se por um lado não há nenhum espaço onde a construção do tempo

seja idêntica para todos, é a simultaneidade das diversas temporalidades dos

acontecimentos sociais sobre uma determinada área geográfica que constitui o domínio de

um espaço regional. Por isto podemos dizer que a sucessão dos acontecimentos é abstrata

e que a simultaneidade generalizada dos acontecimentos é o tempo concreto da vida real de

todos. Citando Milton Santos, “o espaço é que reúne a todos, com suas múltiplas

possibilidades, que são possibilidades diferentes de uso dos seus territórios relacionadas

com possibilidades diferentes de uso do tempo” (xxxvii).

O espaço é um conjunto, mas um conjunto regional paralelo, ou seja, do mesmo

modo que há o espaço geográfico tropical amazônico, há o espaço antártico, andino e etc.

Os territórios são seus subconjuntos. Esses territórios, particularizados, são cultural, política

e socialmente definidos pela inteiração histórica do homem com a natureza dos seus

diversos lugares componentes. Ou seja, os subconjuntos dos territórios são os lugares onde

o tempo histórico é construído. Portanto, a territorialidade é definida pelas relações sociais e

históricas do homem em determinado conjunto de lugares (sítios) por ele ocupado. Assim,

no conjunto espaço, se há territórios paralelos – portanto - há histórias paralelas. Mas sendo

o espaço geográfico o universo onde essas histórias se dão, além de coexistentes, elas se

influenciam. Deste modo, no conjunto espacial total elas compartilham uma mesma noção

comum subjacente.

14

Até aqui falamos da simultaneidade generalizada dos acontecimentos no plano

horizontal do espaço. Entretanto, não podemos conceber o espaço sem o tempo. Nem

mesmo como coisas conectadas, mas paralelas, como apresentamos até agora. Espaço e

tempo são uma só e mesma coisa. Ao entendermos o conjunto espaço como um total de

lugares, onde cada qual tem o seu próprio tempo, entendemos que o tempo de um espaço

total, por sua vez, é um total de eventos temporalmente distintos.

Acontece que no espaço a história é construída na horizontal, mas no tempo ela é

transformada na vertical (ao longo da sucessão temporal). Portanto, temos dois vetores

espaço-temporais que se cruzam: um horizontal e outro vertical. O ponto de intercessão

vetorial, o zero que divide o anterior e o posterior (o passado/presente/futuro mais o

espaço/lugar/território), é o tempo do observador que só é concebível no presente de um

determinado local historicamente compreendido. Assim, se no plano horizontal, a

simultaneidade generalizada dos acontecimentos ocorre no mesmo vetor espaço-temporal,

consequentemente, no vetor vertical do espaço-tempo, todos os acontecimentos também

serão generalizadamente simultâneos. Ou seja, todos os eventos históricos particulares não

só são simultâneos no espaço como também o são no tempo. Como o observador só pode

perceber o tempo a partir do lugar e como esse lugar só poder ser territorialmente

vivenciado no seu presente histórico, é no presente que o devir e o porvir coexistem e

particularizam os acontecimentos históricos, que assumem sentidos, intensidades e

durações próprias. Temos daí que, no campo territorial dos acontecimentos históricos,

sincronia e diacronia socioculturais são ritmos diferentes do mesmo evento.

O nosso senso comum induz-nos a acreditar que a natureza é tridimensional. Mas no

início do século passado foi demonstrado que a natureza é tetradimensional. Ou seja, que

além de altura, largura e comprimento, havia uma outra dimensão: a temporal. A relatividade

geral condicionou essa temporalidade à existência de um referencial. O tempo, para ser,

tinha que ser relativo a alguma coisa. Para tanto, são necessários, no mínimo, dois corpos

referenciais para termos a percepção da tetradimensionalidade da natureza. Durante muito

tempo a mentalidade ótica das sociedades modernas dificultou a compreensão da

tetradimensionalidade da natureza. Até recentemente era comum ouvirmos dizer que a

quarta dimensão era simplesmente o tempo e que, portanto, não poderia ser representado e

nem visualizado. Problema talvez causado por esquecerem que na relatividade geral, tempo

não se separa de espaço. Ou seja, o tempo é definido pela posição do corpo no espaço.

Assim, as quatro dimensões são: a altura, a largura, o comprimento e a posição do corpo no

espaço. As quatro dimensões, não só são mensuráveis como visualmente representáveis.

Isto ocorre porque a natureza do espaço é o tempo; a natureza do tempo é o espaço.

Portanto, a posição relativa de uma sociedade no espaço é a sua existência histórica

no tempo. O território não é apenas o espaço onde as relações sociais se dão, é também o

15

espaço onde a história se realiza e se diferencia, simultaneamente. Na Amazônia, o espaço

regional é um mosaico de territórios cujos artefatos culturais, além de fluírem de um para o

outro, se particularizaram conforme os lugares onde se estabeleceram. Daí se poder dizer

que a gênese das sociedades amazônicas antigas deu-se quando práticas, costumes e

técnicas regionais diversas convergiram para uma mesma noção comum subjacente,

compartilhada espaço-temporalmente, segundo a organização dos lugares em territórios

sociais culturalmente definidos. Assim, os caçadores-coletores amazônicos podem ser

identificados como formadores de um processo civilizador, já que a integração territorial

deles (tanto econômica, quanto social, política e cultural) foi coletiva e compartilhada através

de ações e técnicas comuns desenvolvidas conforme a exploração dos recursos da floresta

tropical que, consequentemente, em boa parte, é fruto da ação histórica deles.

Mas, antes de avançarmos sobre este assunto, vamos retornar à representação

temporal, aprofundando o seu entendimento. Dizia que o tempo é definido pela posição do

corpo no espaço. Vamos agora imaginar esse corpo como sendo um conjunto composto por

subconjuntos. Imaginemos que cada subconjunto ocupa, dentro do conjunto, uma posição

particular. Imaginemos também, que sendo os subconjuntos componentes de um mesmo

conjunto, que eles compartilham uma mesma rede de conexão. E que nesta rede, eles são

muito mais análogos do que, necessariamente, semelhantes entre si. Para completar,

vamos supor que apesar de fazerem parte da mesma rede, existem alguns subconjuntos

redundantes, os quais estão conectados apenas com alguns dos outros subconjuntos.

Assim, dentro de um conjunto existem subconjuntos que se conectam entre si, mas também

existem aqueles que apresentam restrições conectivas.

Isso pode ocorrer porque o espaço entre um território e outro é o espaço global onde

ocorrerem os contatos e as trocas diversas, que exercem maior ou menor influência

conforme a receptividade de cada um dos grupos sociais envolvidos. É a importação de

elementos significantes de artefatos culturais externos, próprios de um determinado território

ou lugar, introduzidos em um outro determinado território ou lugar de um mesmo espaço

regional ou não, que gera redundância. Ou seja, esses elementos absorvidos serão, em

princípio, culturalmente redundantes.

Ou ainda, populações provenientes do espaço exterior, que são absorvidas

culturalmente em determinado território, trarão artefatos culturais que poderão resistir ao

padrão dominante, permanecendo imutáveis no seu âmbito particular. Mais tarde, esses

artefatos poderão ser absorvidos inter-culturalmente e então serem admitidos no padrão

dominante, que poderá ou não sofrer mudanças por isto. Portanto, tanto os artefatos

absorvidos perifericamente, quanto aqueles trazidos por novos contingentes populacionais

admitidos pelo padrão cultural dominante, poderão permanecer como elementos

redundantes, sejam eles atitudes, atividades, experiências ou sentimentos. Mas a

16

redundância pode surgir no interior da própria sociedade, por razões de ordem histórica,

econômica, política etc. Esses elementos redundantes, por sua vez, não só podem interligar

diferentes espaços culturais, como inclusive podem transformar, completamente, o sentido,

a duração e a intensidade do padrão até então dominante em um subconjunto local ou

mesmo regional, por sua vez composto por diferentes territórios socioculturais.

Pode-se afirmar, em síntese, que o processo civilizador na Amazônia teve início

quando o homem, de origem mongolóide, interage com a floresta úmida, produzindo

práticas e costumes sociais específicos ao longo de muitos séculos de exploração e manejo

dos recursos naturais. Ora, este processo civilizador envolve grupos sociais distintos, em

tempos e espaços diferentes, cujos contatos em diferentes graus de inteiração resultaram

na absorção de traços redundantes, que mais tarde não só se tornaram dominantes, como

inclusive caracterizaram a noção comum da cultura regional. A sua evolução foi

heterogênea e não linear, não só no espaço, como também no tempo. O início desse

acontecimento pode ter partido de grupos humanos que aqui chegaram ainda no

Pleistoceno, mas já em pleno Holoceno, muitos grupos poderiam estar apenas

engatinhando na sua tropicalização.

A este período histórico dominado pelos caçadores-coletores mongolóides, que

viviam interativamente com os recursos de floresta e rios, vamos chamar de Cultura

Tropical. Ele envolve experiências práticas e sensíveis (como a manipulação antropogênica

do ambiente) primariamente dominadas pela experiência cognitiva, mas que de longe

supera o período anterior. Neste período anterior, pré-tropical, as experiências limitavam-se

à satisfação das necessidades relacionadas à subsistência e estavam submetidas aos

fenômenos da natureza, tal como teria sido vivenciado pelas populações pleistocênicas, não

mongolóides e/ou não tropicais. À medida que as relações socioculturais interagiram com

certos tipos de experiências, como a caça e a coleta generalizada (não especializada) de

produtos tropicais, os grupos humanos foram capazes de abstrair e organizar novos padrões

afetivos, sensoriais e técnicos, com reflexo direto sobre suas práticas e costumes (xxxviii).

Na verdade, esse processo civilizador rompe radicalmente com as tradições anteriores e

aponta o caminho para o sucesso definitivo das atividades humanas junto à floresta tropical

amazônica.

Ao inteirar-se com a floresta o homem co-evolui com ela e garante a continuidade de

ambos. Essa co-evolução é cumulativa e componencial. Não é progressiva, visto ocorrer

através das diversas práticas humanas (sociais, políticas, econômicas, técnicas, etc.) de

modo sincrônico, mas também diacrônico, pois os seres individuais, sociais e seus artefatos

apresentam tempos e velocidades específicas. Com o tempo, o ambiente natural veio a se

tornar antropicamente familiar, porém com histórias técnicas específicas. Isto ocorreu

17

porque os grupos sociais ocuparam lugares e territórios particulares, onde suas relações

socioculturais se individuaram no tempo e no espaço familiar de suas vivências.

Cada uma das práticas humanas é componencial, isto é, implica em um conjunto de

componentes específicos que necessita de amadurecimento consciente antes de interagir

com os componentes das outras práticas. A cumulação se dá a nível componencial (de

conexões modulares variáveis), mas é a inteiração das práticas e/ou dos usos que

caracterizam certa experiência com as demais experiências práticas e sensíveis, que altera

as relações sociais, políticas, econômicas, técnicas e etc. A capacidade na experiência

técnica de produzir determinado artefato de uso específico, por exemplo, pode preceder no

espaço e no tempo qualquer alteração nas ações sociais. Ou seja, a introdução de novas

tecnologias, não implica, necessariamente, em novas práticas sociais, pois elas podem

permanecer redundantes durante bastante tempo. Entretanto, quando determinada ação

específica é cognitivamente conectada com todo ou por parte significativa do conjunto das

experiências – e é social, política e economicamente conscientizada - as mudanças podem

ser rápidas e profundas.

Assim, quando por fatores diversos, certo conjunto de experiências práticas e

sensíveis, acumulado modularmente pelos caçadores-coletores tropicais, é dominado

conectivamente pela experiência cognitiva deles, eles alcançam um ponto crítico de

mutação que acaba por reorganizar todas as relações socioculturais anteriores. Isto os leva

a um processo de institucionalização de hábitos e costumes há muito tempo adquiridos, mas

que ainda eram marginais. Foi assim que os caçadores-coletores tropicais reorganizaram

suas velhas experiências, em relações tribais intensas, com agricultura e definição de novas

estruturas sociais, culturais e políticas. Com isto fizeram surgir um outro período histórico,

com um processo civilizador diferente e mais sofisticado, que vamos chamar de Cultura

Neotropical.

A CULTURA NEOTROPICAL

A gênese das sociedades antigas da Amazônia, enfim, ocorreu na floresta tropical e

teve início com populações de caçadores-coletores de origem mongolóide, provavelmente

há mais de 12.000 anos atrás. Esta gênese constituiu um acontecimento histórico de longa

duração. Quando os caçadores-coletores se tornaram suficientemente conhecedores dos

recursos e dos limites da floresta, cujos ecossistemas, com os quais interagiam,

manipulavam antropogenicamente, eles superam suas origens ao fizeram florescer

sociedades agrícolas complexas, com relações interétnicas e políticas, talvez únicas no

mundo.

18

Ao falarmos deste período, porém, entramos numa seara há muito estudada e

discutida pela arqueologia brasileira e sul-americana em geral. As discussões mais

prolíferas e que predominaram durante as últimas cinco décadas do século XX, apesar de

apresentarem alguns pontos até contraditórios entre si, têm uma mesma base teórica

desenvolvida a partir da antropologia ecológica e evolucionista norte-americana. Por conta

disto, tradicionalmente é aceito que o florescimento das sociedades agricultoras na

Amazônia teria surgido, mais ou menos entre 3.000 e 5.000 anos atrás (xxxix). Contudo, é

até possível que algumas delas tenham ocorrido bem antes disto (xl). De todo modo, elas

foram distribuídas segundo dois níveis de complexidade socioculturais relacionados à

evolução geral dessas sociedades. O primeiro seria aquele relacionado ao Formativo, tal

como proposto por Meggers em 1962, com sociedades horticultoras de raízes, organizadas

em aldeias sedentárias, mas com populações pequenas e sem maiores vínculos políticos

entre si, que se estabelecem de modo generalizado nas terras baixas. O segundo, mais

recente, e tal como proposto por Roosevelt, seria formado por sociedades complexas

formadas a partir de populações que ocupavam, preferencialmente, as margens dos

grandes rios e das várzeas em particular. Essas sociedades eram compostas por grandes

populações divididas em diversas aldeias politicamente relacionadas, ocupando extensos

territórios estrategicamente coordenados.

Segundo o esquema proposto pelo PRONAPA, tanto o primeiro quanto o segundo

nível foram divididos em Tradições, por sua vez subdivididas em Sub-Tradições e Fases. As

Tradições são uma seqüência de estilos ou de culturas que se desenvolvem no tempo,

partindo uns dos outros, formando uma continuidade cronológica. Já as Fases

correspondem a qualquer padrão da cultura material, relacionado no tempo e no espaço,

num ou mais sítios. Cronologicamente, essas divisões e sub-divisões seguem o esquema do

tempo linear baseado no quadro intercontinental proposto pelo neo-evolucionismo. Contudo,

o esquema das Tradições também tem incongruências técnicas. Por exemplo, ele não é

capaz de correlacionar os elementos materiais e as técnicas com persistência temporal

identificadas, nem com a etnologia, nem com padrões de desenvolvimento particulares. Este

esquema ainda desconhece a natureza do espaço e não considera a territorialidade e o

lugar como diferenças espaciais complementares.

Como efeito colateral observável, as Tradições acabam por correlacionar,

espacialmente, todas as fases numa seqüência cronológica sucessiva, como se todas as

fases, regionalmente distribuídas, fossem, necessariamente, derivadas umas das outras; e

como se todos os sujeitos, em qualquer região particular, desenvolvessem os mesmos

meios para satisfazerem suas diferentes necessidades históricas e afetivas. Daí a idéia de

que o Formativo está, cronológica e evolutivamente, num estágio inferior ao Complexo. Mas,

para serem inseridas no Complexo, as evidências arqueológicas devem apresentar um

19

determinado padrão que desconhece variáveis geo-econômicas e políticas. Assim, variáveis

de exploração ecossistêmicas estratégicas, muitas vezes são relacionadas a Fases e/ou a

Tradições do Formativo, quando na verdade podem fazer parte da rede de subsistência

desenvolvida por uma mesma sociedade do chamado nível Complexo. Fato observado,

principalmente, na dicotomia estabelecida entre as evidências observadas nas terras firmes

e nas várzeas. Por outro lado, a cultura material de formações socioculturais independentes

desenvolvidas a partir de experiências territoriais particulares, que apresentam certas

noções comuns por compartilharem uma mesma ancestralidade e uma mesma vivência

espacial geográfica, pode ser tida apenas como uma Fase diferente, entre as tantas

sucessivamente possíveis de uma única e determinada Tradição. Para completar, muitas

vezes, sociedades que apresentam características socioculturais particulares e

diferenciadas entre si são agrupadas numa mesma seqüência evolutiva quando, na

verdade, são unidades culturais com processos históricos particulares.

No entanto, o elo mais frágil deste esquema está na sua própria base. Ou seja, as

Tradições são definidas por fases que, por sua vez, são estabelecidas por tipos definidos

pela análise estatística da cerâmica. O problema é que as variáveis tipológicas oscilam

conforme as variáveis definidas para a análise. Essas variáveis não são infinitas (em geral

variam conforme os traços intencionalmente privilegiados no tratamento de superfície e ou

no antiplástico da cerâmica), mas são amplas o suficiente para acomodar a análise de

melhor resultado, às Fases e às Tradições já definidas. Neste caso, a essência do problema

não está no método quantitativo em si, porém, em superestimar os seus resultados que,

bastante limitados, de modo algum deveriam servir de base única para a definição de Fases,

Tradições e muito menos de culturas.

Muitas vezes ainda, as análises definem Fases que não podem, mesmo

considerando a manipulação das variáveis, ser encaixadas nas Tradições conhecidas.

Quando se repetem em outros conjuntos de amostragem criam uma Sub-Tradição, quando

isto não é possível criam uma Fase independente. Porém, qualquer que seja a saída, ela

sempre busca seu espaço na seqüência cronológica evolutiva estabelecida pelas Tradições

fixadas entre o Formativo e o Complexo. Ocorre que este esquema acaba por confundir

seus termos classificatórios, com culturas arqueológicas e estas mais como entidades reais

(como se existisse, de fato, por exemplo, uma tradição Tupiguaraní, uma tradição Policroma

e etc.) do que como conceitos analíticos. Entretanto, se este esquema privilegia processos

de difusão e migração, por outro lado ignora particularidades culturais, sociais e políticas.

Foi baseado no esquema acima que os diversos padrões arqueológicos da

Amazônia foram organizados cultural e cronologicamente. Inicialmente, como horizontes-

estilos Hachurado zonado, Borda Incisa, Policroma e Inciso Ponteado (xli); posteriormente o

termo horizonte-estilo (continuidade espacial de traços culturais de rápida dispersão) foi

20

substituído por Tradição (continuidade temporal ou sucessão regional de fases

relacionadas). A essas Tradições, mais tarde foram incorporadas outras, como a

Tupiguarani e a Barrancóide, por exemplo. Mas, este esquema, conforme aumentava o seu

sucesso entre os arqueólogos, com forte e duradoura influência sobre suas perspectivas

teóricas e metodológicas, despertava muitas discussões e ressalvas culminando com o

fulminante petardo crítico lançado por Anna Roosevelt em 1991 (xlii).

Todos os pontos mais sensíveis do esquema foram avassaladoramente criticados

por Roosevelt, tais como o determinismo ecológico e a idéia conseqüente da limitação dos

recursos ambientais amazônicos para o desenvolvimento de sociedades complexas; a idéia

de que as tecnologias observadas (a manufatura da cerâmica, especialmente) e o cultivo de

plantas foram introduzidos na região a partir de difusões culturais provenientes dos Andes e

da Mesoamérica; a superestimação das fontes etnológicas contemporâneas e a

subestimação das fontes etnohistóricas e dos registros empíricos da própria arqueologia;

finalmente, a artificialidade dos resultados obtidos por seus métodos de escavação e

análises, que ignoravam todos os registros biológicos (restos orgânicos) por acaso

existentes.

As principais assertivas dessas críticas foram as hipóteses de que as antigas

sociedades amazônicas apresentavam evidências de adaptações culturais locais às

características do meio-ambiente (que, por outro lado, mantinha a ecologia humana em

evidência); que os estilos artísticos, a subsistência e a tecnologia encontradas nas

sociedades mais complexas teriam raízes em sociedades amazônicas mais antigas; que as

teorias derivadas da biologia evolutiva, que explicam o surgimento do progresso no registro

paleontológico podem ser aplicáveis à Amazônia; e que a intensificação da agricultura, com

o aumento populacional aliado à introdução de novos métodos de produção, justificavam a

grande densidade humana que habitava as áreas de várzea, em tempos imediatamente

anteriores à conquista européia.

Porém, ao apresentar argumentos sobre a complexidade alcançada pelas

sociedades tribais Amazônicas, que teriam atingido níveis avançados de “cacicado”,

Roosevelt (xliii) inverte os papéis e superestima as fontes etnohistóricas e os registros

empíricos disponibilizados pela arqueologia, enquanto subestima as fontes etnológicas

contemporâneas. Aí ela desfila uma série de especulações (algumas hoje refutadas e outras

não confirmadas pela arqueologia) a respeito de estratificações sociais; cidades

administrativas cercadas por cidades de moradias sedentárias; chefes senhores de terra;

guerras para conquista de territórios e escravos; cultivos intensivos de milho, feijão e outros

cereais; produção em larga escala de produtos luxuriantes; centros especializados não

igualitários; e a oposição entre várzea e terra firme e entre mandioca e milho, determinadas:

21

primeiro, por uma suposta diferença do potencial agrícola entre ambas as áreas; segundo,

pela suposta diferença quantitativa e qualitativa desses cultivos.

Não obstante a falta de evidência para algumas de suas suposições, o fato é que o

sucesso das críticas de Roosevelt foi significativo e desde então a arqueologia da Amazônia

não foi mais a mesma. E a diferença principal não foi traçada pela mudança de perspectiva,

que muitas vezes mostra mais semelhanças entre si do que diferenças. O interessante é

que embora tenha havido um grande progresso, especialmente metodológico, com

praticamente o abandono dos procedimentos aplicados pelo PRONAPABA e a ascensão de

procedimentos positivistas mais vigorosos inspirados na new archaeology, na verdade, por

não ter havido qualquer mudança de paradigma, o que restou foi um grande hiato teórico.

Esta diferença pode ser notada nas sínteses atuais sobre a arqueologia da Amazônia.

Antes havia um escopo filosófico e teórico facilmente identificáveis nessas sínteses,

fossem elas plausíveis ou não com a realidade observada. Hoje, ainda que se note um

maior cuidado com a observação da realidade, essa observação regularmente é pontual e

particularmente sem compromisso com uma visão mais ampla e profunda que vá além das

premissas técnicas empregadas. Pelo contrário, muitos insistem na negação da

necessidade de uma teoria geral, em defesa de casos ou seqüências que sejam apenas

bem entendidas através de estudos arqueológicos detalhados. Quando muito temos apenas

a cuidadosa narração histórica da evolução do pensamento sobre a arqueologia amazônica.

O desenvolvimento do pensamento, no entanto, até parece ter ficado paralisado nas

discussões sobre a existência ou não de cacicados e ou de urbanização na Amazônia. Ao

que tudo indica, neste início do século XXI continua prevalecendo a concepção pós-

moderna que prega o fim dos grandes sistemas de pensamento que subordinam, organizam

e explicam as narrativas, e permitem distinguir o discurso, muito diferente, das diversas

perspectivas de uma disciplina. A conseqüência disso tudo, é a incapacidade dos saberes

derivados das narrativas teóricas, sem identidade filosófica, se relacionarem com o tempo e

com a história, reproduzindo apenas um presente perpétuo no qual os signos se dissociam

de sua função de referir o mundo real. Talvez isto seja um subproduto do evolucionismo

que, para alguns autores, teria descredenciado a filosofia nos assuntos sobre a natureza

humana. Equívoco mantido pelos neo-darwinistas e positivistas de plantão. De qualquer

modo, foi o estruturalismo que fundamentou tais argumentos, especialmente quando

historiadores como Braudel buscaram a imobilidade do tempo histórico, e filósofos como

Foucault fragmentaram a realidade quase ao infinito, desconstruindo o sentido da história

numa multiplicidade aleatória de sentidos (xliv).

Enquanto isto, resistentemente, os horizontes culturais ainda são referência

significativa para quem estuda a cerâmica arqueológica produzida por populações anteriores

à conquista européia. Paralelamente, há uma tendência à mudança do status de certos

22

conceitos, como por exemplo, o de Fase, ao referir-se a coleções ceramistas

arqueologicamente contextualizadas. Como, por exemplo, abandonar a idéia mais geral e

imprecisa de uma Tradição Policroma para realçar apenas uma de suas Fases, como a

Marajoara. Deste modo ela ganha em particularidade e em liberdade para ser

correlacionada àquelas que as antecederam e ou sucederam localmente, buscando, assim,

uma melhor precisão na identificação da cultura que as produziu e na compreensão da

evolução dos processos históricos aí envolvidos. Neste sentido, hoje são comuns

referências à Fase Marajoara, à Cultura Tapajós ou Santarém, todas famosas pela riqueza

estilística de suas cerâmicas ritualísticas, sem a conotação de uma idéia de Tradição por

trás delas.

Além disso, há a criação de seqüências cronológicas hipotéticas, segundo o método

da análise modal, baseada na lingüística descritiva, que concebe os modos cerâmicos como

unidades mínimas, análogas aos fonemas. Proposta esta que apesar de recentemente

recuperada, foi originalmente aplicada na Amazônia por Lathrap, que por sua vez se

inspirara em definições estabelecidas por Rouse em 1960 (xlv). Porém, os tipos obtidos da

análise modal e impostos à coleção, tal como para a tipologia quantitativa, também são

produtos artificiais organizados em escalas lineares. O propósito, como não poderia deixar

de ser, visa o agrupamento, cronologicamente definido, de atributos significativos. Assim,

essa metodologia tem por objetivo a percepção e a inserção de diferenças micro-estilísticas

nos tipos definidos ou unidades já existentes. Daí que ela não se diferencia em essência da

idéia de fase e acaba por assumir o mesmo problema, que é a insuficiência de ambas para

a narração histórica. A particularização dos acontecimentos, entretanto, não pode condenar

o sentimento de globalidade. Pois a sociedade não nasce do homem: por mais longe que se

retroceda na história, é ele que nasce em uma sociedade já constituída.

Assim, por um lado existe a intenção deliberada de ordenar todas as variáveis

humanas dentro de um esquema ordenado de progressão sucessiva. Por outro, existe a

contrapartida de dispersar essas variáveis entre possibilidades paralelas que só se

encontram no infinito. Mas, ao se constatar que o homem tem raízes, uma genealogia, uma

memória étnica e que sua consciência é posterior à sua proveniência, então deve-se

reconhecer que o seu produto é um bem patrimonial que extrapola as especificidades que

ele expressa (xlvi). Ou seja, o todo é constituído de partes, mas um todo nunca é “o todo”,

porém um fragmento de um todo muito maior. Enfim, o todo é um múltiplo, composto de

múltiplos de múltiplos de múltiplos. Portanto, não é porque as antigas teorias não

conseguem explicar a realidade existente além desses fragmentos, que vamos ignorar a

capacidade conectiva que a construção das grandes narrativas tem para entendermos a

história. Essa história não é meramente global. Deve-se entender que o regional também é

um espaço do universal, mas que se subdivide em territórios particulares agrupados num

23

conjunto maior, para cuja construção histórica todos contribuem. Ou seja, da perspectiva do

espaço regional, não só temos o particular, como também o sentido global compartilhado.

Atualmente, as pesquisas estão se consolidando no estudo da organização social e

política das grandes “culturas pré-históricas”. Isto implica o esforço para se compreender

qual era o grau de complexidade social que elas teriam alcançado; o tamanho real de suas

populações e seus sistemas de subsistência; os sistemas de organização das atividades

econômicas; as relações políticas desenvolvidas e o grau de influência delas sobre a

organização da sociedade. Essas pesquisas têm confirmado que, apesar de certos aspectos

permanecerem obscuros, as sociedades Neotropicais realmente eram bastante complexas,

tinham um sistema sociopolítico sofisticado e exerceram influência cultural para além da

região amazônica.

Denise Schaan (xlvii), em seus estudos ainda em curso sobre a Cultura Marajoara,

isto é, sobre a chamada Fase Marajoara da Tradição Policroma, parte do princípio de que

ela, tal como proposto por Roosevelt, era constituída por sociedades controladas por

cacicados rivais. Essas sociedades manteriam alianças entre si em situações especiais,

principalmente, religiosas, ou quando uma delas se impunha culturalmente sobre as outras.

Considerando que o Marajó é uma ilha, essa hipótese também se baseia na teoria da

circunscrição territorial, proposta por Robert Carneiro em 1961 (xlviii), segundo a qual

sociedades que vivem em territórios limitados ou circunscritos (como são as ilhas) podem

desenvolver padrões sofisticados de convivência. As conclusões de Schaan se baseiam no

fato de que essa Cultura era socialmente complexa, mas segundo certos parâmetros

propostos pelas teorias cultural-evolucionistas de desenvolvimento cultural, como chefia

hereditária e formação de elites religiosas e políticas, entretanto, versus heterotopias

sociais. Só que, neste caso, a heterotopia era justamente quando ocorria aliança.

Entretanto, em Foucault (xlix), do qual se extraiu a definição do uso atual do termo,

apesar da heterotopia cumprir no espaço social a função de criar uma realidade

compensatória organizada segundo uma ordem meticulosa e fechada, também cumpre a

função de criar a possibilidade do surgimento de sociedades alternativas, que colocam em

cheque as relações do biopoder (da vontade de poder instintiva ou natural, sem interferência

cultural). Ora, as alianças políticas marajoaras ainda que ocasionais, eram apenas uma das

expressões, em um nível mais integrado, das próprias relações políticas do biopoder (chefia

hereditária, elites religiosas e políticas), que já ocorreriam, segundo Schaan, entre

sociedades rivais. Desse modo, as alianças até poderiam ser uma exceção regional, porém,

dentro das relações humanas, é justamente o previsível, o esperado. Contudo, como

Schaan mesma observa, antes do advento dessas alianças políticas, a ilha do Marajó foi

habitada por sociedades de diferentes etnias e costumes, mas que mantinham contatos

através de uma extensa rede de trocas. E é a esse mesmo padrão ao qual as sociedades

24

complexas marajoaras retornam após a decadência política dos “cacicados”. Ou seja,

apesar das relações políticas do biopoder sempre levarem o homem a voltar-se a um antes-

de-si-mesmo, tal como imposto pelas suas funções instintivas inerentes, a cultura é capaz

de criar situações que não existiam antes e que levam o homem ao depois-de-si-mesmo.

No entanto, as especulações sobre a hegemonia de chefias hereditárias de ordem

religiosa, cuja ascensão cultural ocorria quando eram celebradas alianças políticas no

Marajó, não apresentam nenhuma evidência concreta e objetiva. A complexidade

sociocultural observada nas sociedades marajoaras, muito pelo contrário, sugerem outros

modos de organização sociocultural, onde a colaboração em nome de uma poderosa

tradição cultural voltada para os ritos religiosos exercia uma importante influência na

agregação regional. Isto não quer dizer que não existissem chefes, mas esses chefes não

teriam o poder que a própria tradição religiosa congregava, porque a heterotopia social

(contra o biopoder) era a regra de controle do poder (controle que, por não ser de exceção,

nem mesmo pode ser considerado uma heterotopia regional). Mesmo na ausência de uma

chefia forte, as relações culturais permitiam com que as diferentes sociedades, apesar de

manterem suas especificidades étnicas, lingüísticas e simbólicas, compartilhassem, com

intensidade, um mesmo padrão cultural regional.

Pesquisas anteriores efetuadas por Henckenberger (l) têm confirmado que, apesar

de certos aspectos ainda obscuros, algumas sociedades como as do Alto Xingu, também

eram bastante complexas, tinham um sistema sociopolítico sofisticado e exerceram

influência cultural para além da região amazônica.

Lançando um olhar estruturalista com preocupações holísticas sobre dados

arqueológicos, etnológicos e lingüísticos, Henckenberger encontrou evidências de

persistência no modo de organização política de sociedades xinguanas modernas, com mais

de mil anos de desenvolvimento cultural in situ. Além disso, essa organização, hoje bastante

simplificada em relação ao seu passado antigo, teria comportado uma densa população,

com dezenas de milhares de pessoas, relativamente fixadas em povoados grandes e

permanentes e largamente distribuídas por boa parte da bacia do Alto Xingu. Ele estudou a

complexidade das estruturas sociais e inclusive de construções de terra em grande escala,

cujo plano arquitetural foi erguido em toda a sua grandeza justamente no seu passado

remoto, poucos séculos antes do contato com o colonizador euro-brasileiro.

O grande mérito de Heckenberger foi ter encontrado no Alto Xingu, apesar das

descontinuidades existentes entre o passado e o presente, a continuidade histórica de

estruturas básicas cambiantes de longa duração. Desse modo, ele reconheceu um esquema

cultural durável com processos singulares de desenvolvimento histórico regional, paralelo

aos grandes processos mundiais conhecidos. Ao realizar isso, ele também rompe,

25

definitivamente, com o até então resistente esquema evolucionista e linear da formação

sociocultural do homem na Amazônia.

Mostrando a conexão entre as evidências arqueológicas e as evidências etnológicas

observadas nas atuais aldeias dos Aruak no Alto Xingu _ periferia meridional da Amazônia _

cuja dispersão original, centenas de anos antes, teria sido proveniente da Mesoamérica, ele

correlaciona a cultura ceramista deles com a “Tradição Barrancóide”, também de larga

distribuição continental e, por sua vez, originária das Antilhas. Com organização social e

política particulares, os Aruak se distinguiriam assim, dos povos tupi-guarani, jê e karibe,

todos, por sua vez, também com suas formações históricas particulares paralelas e com

maior ou menor mútua influência, conforme a distância espaço-temporal de cada uma delas

com os núcleos regionais originais das demais.

Porém, nessa perspectiva, os processos históricos de cada uma dessas tradições

culturais, apresentados como paralelos, teriam o grau de elementos culturais mutuamente

compartilhados, apenas conforme a distância espacial existente entre eles. Assim, esses

processos seriam sistemas modelares essencialmente divergentes, nem diacrônicos e nem

civilizacionais, talvez determináveis e mecanicamente previsíveis, porém irreais. Ou seja,

traços comuns na organização social do espaço e das relações de poder, por exemplo, não

seriam pontos de conexão de uma rede civilizadora mais ampla, contudo influências mútuas

conforme a proximidade regional entre essas diferentes tradições, com a tradição mais

poderosa do momento. Além disso, a busca de uma origem primeira (Tradição Barrancóide

mesoamericana) compromete a própria phýsis (natureza) Aruak, já que a filia a um esquema

sabidamente inconsistente.

Ao apresentar o sedentarismo, a regionalidade e a hierarquia social como

características culturais com formatação histórica de longa duração própria dos Aruak do

Alto Xingu, Heckenberger enfatiza uma organização política, que embora óbvia, já que a sua

base é o biopoder, tem claras referências para uma suposta supremacia étnica e cultural. E

a estrutura da organização política se basearia em relações de poder com status sociais

diferenciados.

Entretanto, como ele mesmo observa, esses traços, desenvolvidos conforme as

experiências particulares, também podem ser observados em grupos não-Aruak, por toda a

Amazônia, desde a sua antiguidade. Ele cita textualmente (página 33), inclusive, como um

dos fatores do sedentarismo xinguano a manutenção de uma orientação econômica e

ecológica básica, fundada no cultivo “relativamente” intensivo da mandioca e na pesca, ao

longo de uma seqüência cultural inteira a qual, não obstante, pode ser universalizada para

todas as sociedades amazônicas.

Ele observa ainda, que no Alto Xingu, a hierarquia social não se cristalizou de modo

explícito em classes sociais rigidamente estratificadas. Pelo contrário, ele afirma que haveria

26

forças sociais centrífugas reorientando as relações de poder. Diz na página 107, que a

“distribuição de poder, ou as disputas em torno deste, não eram uma mera hierarquia, mas

uma hierarquia de centros de poder alternativos e muitas vezes em competição, dispostos

de diversas maneiras de acordo com as condições.” O fato é que Heckenberger afirma ter

se baseado nos conceitos de poder de Foucault. Mas, os conceitos de poder de Foucault,

apesar de categorizá-lo como divergente, elimina a figura do Estado. Isto leva Heckenberger

à contradição ao relativizar, excessivamente, a experiência xinguana dos Aruak.

Contradições à parte, Heckenberger nos permite observar que essas relações de poder

representam duas forças antagônicas em acomodação, uma convergente e outra

divergente, uma centrífuga e outra centrípeta, que bloqueia o fortalecimento de um

“governo”, mas mantém o equilíbrio do “Estado”.

Por tudo isto, podemos compreender essa hierarquia como uma diferenciação

qualitativa e não como uma ordenação quantitativa, crescente ou decrescente dos poderes.

É este tipo de estado da situação histórico-social que encontramos nas sociedades

amazônicas. Segundo Foucault, os poderes também se realizam pelo controle das

populações, por um bio-poder que age sobre a espécie humana, que avalia o conjunto

segundo a manutenção da sua existência. Deste modo, a gerência do corpo social seria,

segundo esta perspectiva, fruto de um tipo de poder determinado e exercido ao nível da

espécie, diretamente ligado ao nascimento, à mortalidade, ao nível de vida e à sua duração.

O “bio-poder”, o “controle”, os “dispositivos de segurança” então, estariam nas origens da

organização do espaço social. Mas o bio-poder de Foucault refere-se apenas à política do

corpo, ou seja, à ação do corpo orgânico individual sobre o corpo inorgânico social.

Entretanto, levando este conceito para uma perspectiva mais profunda, observamos que o

bio-poder não se manifesta apenas pela expressão física sensual, porém, sutilmente, ao

nível dos instintos também. Isto quer dizer haver de fato, um bio-poder inerente,

manifestando-se nas pessoas, independente da sua intenção consciente. A vontade de

poder e de domínio, tal qual acontece com inúmeros animais gregários, enfim, é instintiva.

Para Weber (li), por outro lado, havia a emergência, vez ou outra, de lideranças

carismáticas. Porém, a capacidade de interferência dos líderes carismáticos sobre a

comunidade só ocorreria em situações revolucionárias. Dentro desse mesmo viés, mais

tarde, Foucault desenvolveria argumento semelhante através da idéia de formações sociais

heterotópicas nas sociedades modernas. Mas na Amazônia encontramos uma série de

exemplos que indicam que a liderança carismática seria uma relação de poder muito comum

e independente de situações sociais revolucionárias. Existe mais do que suficiente número

de evidências para acreditarmos que o movimento migratório dos Tupi-guaranís, além de

não ser de diáspora, não era nem de exceção, nem excepcional (lii). Na Amazônia foi muito

27

comum a interferência de forças conscientes que se contrapunham aos poderes tradicionais,

mesmo àqueles alinhados a uma chefia hereditária.

Associado ao bio-poder temos as redes de poderes (a quem ninguém escapa, mas

também não domina), as lideranças carismáticas versus as lideranças tradicionais e do

poder de diferenciação qualitativa como um conjunto de submúltiplos, os quais caracterizam

os modos de ser dos poderes nas sociedades amazônicas. As hierarquias, então, para

melhor nos aproximarmos do que parecia realmente acontecer, não era uma ordem social

escalonada, orientada para uma centralização do poder. Era, pelo contrário, a organização

dos poderes segundo a sua qualidade, orientada para várias direções socialmente

valorizadas.

Toda sociedade organizada possui um estado da situação que extrapola as suas

manifestações, quer pessoais ou coletivas. Segundo Badiou (liii) esse estado é, antes de

mais nada, o múltiplo de todos os submúltiplos da sociedade. Nele o poder pode se

manifestar através das relações sociais, dos mais diversos modos, mas nenhum deles pode

conter a situação coletiva em si mesmo. A situação coletiva excede a soma de suas próprias

diversidades componenciais. Por exemplo: o Estado excede os poderes, seja individual, seja

institucional, porque ele não é o resultado da simples soma desses poderes, mas o conjunto

intrincado disto tudo e muito mais.

Foram os marxistas que primeiro perceberam com clareza que Estado e governo são

coisas distintas. Até então, especialmente antes da ascensão capitalista e na monarquia em

especial, Estado e governo eram tidos como uma só e mesma coisa. Os marxistas,

entretanto, diziam que o Estado sempre era o Estado da classe dominante. Mas Badiou

corrige mostrando que o Estado só exerce sua dominação segundo uma lei que qualifica

uma por uma todas as suas composições estruturais componentes, previamente

conhecidas. Porém, antes disto, o Estado ao mesmo tempo em que está absolutamente

ligado à representação histórico-social, também está separado dela. Na verdade, o Estado é

a garantia de que a sociedade é o resultado de todas as suas partes componentes, e não da

consideração de indivíduos ou mesmo de organizações institucionais ou de classe. É a

garantia de que o indivíduo não apenas pertence à sociedade, mas é aquele que está

incluído nela.

Há o estado da situação (liv) associado ao bio-poder, em que nem os indivíduos nem

as instituições têm consciência da sua existência, de modo que as estruturas de

funcionamento da sociedade é a própria estrutura da existência do Estado. Esse estado da

situação se manifesta nas sociedades que não possuem poder dominante organizado e

estratificado, emanando a partir de um centro irradiador. Ou seja, manifesta-se onde

nenhuma das suas partes componentes consegue, de um modo ou de outro, exercer o

monopólio do poder. Isto não quer dizer que não possa haver, em seu interior, uma

28

hierarquia de poderes, mas entendendo que ela só pode ser tida como uma diferenciação

qualitativa de poderes diversamente orientados.

Concomitantemente, podemos inferir que certos traços da complexidade social

podem ser definidos antes de suas relações serem claramente conscientes e desenvolvidas

a partir de experiências práticas e sensíveis, cognitivamente dominadas. Isto é, mesmo na

ausência de um domínio cognitivo ou institucional legal, ações e objetos sociais complexos

podem existir significantemente. A existência da potência universal – ou estatal – é originária

ou a priori. Já a existência em situação de coisas particulares é a posteriori, ou

experimentada.

Pesquisas etnohistóricas mostram que no sistema das relações das sociedades

amazônicas ocorreu a emergência de formações históricas paralelas e que a construção das

relações políticas e econômicas mantinha práticas cooperativas e familiares que também

aconteciam regularmente fora dos grupos lingüísticos. Nações multiétnicas se formaram

pela força dessas práticas, que entre os Caribe e os Tupi, por exemplo, foram tão

fundamentais, que não se registra qualquer terminologia diferenciando níveis de intercâmbio

entre os grupos étnicos distintos que se relacionavam com eles. Não obstante, existir entre

os Tupi o termo apropriado para definir estrangeiros, relacionado apenas àqueles com os

quais não possuíam qualquer laço político ou comercial.

Os graus escalonados de hierarquia, por acaso existentes dentro do próprio grupo ou

mesmo fora dele, na sociedade inter-étnica, eram severamente atenuados por práticas

cooperativas, nem mais nem menos, porque isto era necessário para o sucesso da

exploração econômica biodiversificada e descontínua que mantinham e da manutenção do

estado da situação histórico-social que construíam.

Tal como podemos interpretar nas evidências arqueológicas juntamente com as

evidências etnológicas, a organização humana no espaço amazônico da-se em diferentes

escalas. Em primeiro lugar, existe um território, composto por sítios particulares. Esse

território será tanto menor quanto mais sedentária for a sociedade. O fluxo de informação

(social, cultural, técnica e etc.) circula através desse território. Mas no território existem

áreas vazias, onde circulam não só as informações inerentes àquele território, bem como

aquelas provenientes de territórios vizinhos, de onde as redundâncias são importadas. Em

segundo lugar, esses vazios são fragmentos do espaço regional global, onde todos os

diferentes fluxos históricos e seus agentes se encontram.

Sabemos que na Amazônia por mais sedentária que seja uma sociedade, ela

apresenta fluxos migratórios de diversas motivações. Essas migrações podem até ser

completas, mas o mais comum é que sejam o resultado de pequenas fragmentações

internas de origem sócio-estrutural. O fato é que esses fluxos muitas vezes empurram seus

agentes para fora de suas áreas familiares, onde então cruzam com novas experiências,

29

sobre as quais influenciam e sofrem influência. Esses fluxos são divergentes e

convergentes, de modo que experiência adquirida é experiência transmitida. Experiência

essa que se repete de modo diferente no sítio receptor, onde pode se fixar ou não, se

popularizar ou não, mas sempre segundo o olhar condicionado dos agentes internos. Assim,

os territórios vão se caracterizando, segundo a ação histórica dos sujeitos no lugar.

Relatos etno-históricos e pesquisas de Meggers, Lathrap, dos pesquisadores do

PRONAPABA e outros, propõem, por outro lado, que grandes migrações foram levadas a

cabo pelos antigos povos amazônicos. Meggers e o PRONAPABA tentaram encontrar as

razões para isso através da ecologia. Principalmente com estudos sobre as influências das

mudanças climáticas nas populações adaptadas à floresta tropical. Há inúmeros trabalhos

sobre o tema, que vão desde às macro-mudanças do Quaternário até aos efeitos regionais

do El Niño. Esses trabalhos tentam mostrar que muitas das grandes migrações coletivas

identificadas em determinadas épocas estão associadas a mudanças ecológicas de grande

intensidade. Para Lathrap (lv), ao contrário, as migrações estariam relacionadas às pressões

populacionais nas áreas de várzea, que concentrariam a maior parte dos recursos

disponíveis. Mais recentemente, Heckenberger vem sugerindo que, pelo menos no Alto

Xingu, a motivação das migrações seria uma diáspora religiosa. Interpretação essa um tanto

o quanto retrô, já que foi assim que os jesuítas quinhentistas interpretaram as migrações

tupi-guaranís, que estariam em busca da terra sem males.

Entretanto, esses estudos não explicam porque, mesmo sem alterações climáticas

significativas, e em diversas outras áreas férteis, de várzeas de rios secundários ou não,

sem qualquer evidência de pressão populacional ou social, as evidências de migração

permanecem (sejam arqueológicas, etno-históricas ou até mesmo históricas). As origens

desse costume podem ser até climáticas (tropicais) e econômicas, mas ele foi tão bem

incorporado às relações socioculturais amazônicas, que permaneceu e se institucionalizou

mesmo depois da estabilização do clima e da ausência de pressões econômicas e sociais

heterotópicas significativas. O fato é que, tais costumes migratórios, estavam

ontologicamente enraizados na cosmologia das sociedades humanas, que experimentaram

o sentido da história na Amazônia. Eles, enfim, não eram fruto de revoluções ou conflitos

sociais, mas resultado da própria organização política dessas sociedades.

Os poderes tradicionais regionais _ todavia fracos e controlados, durante séculos,

por lideranças carismáticas mantenedoras de costumes migratórios relacionados à

exploração dos recursos naturais e de organizações sociais centrífugas _ só após o contato

com o homem europeu, teriam encontrado razões históricas e culturais para a valoração de

hierarquias (lvi) sedentárias e de migrações de sobrevivência, em virtude das perseguições

dos conquistadores de além mar. Porém, no estado normal de existência das sociedades

30

Amazônicas, as crises de centrifugação do poder eram relações sociais comuns e não

heterotópicas.

Voltando às questões políticas propostas por Heckenberger, quanto à interpretação

de que as estruturas de terra, em formatos geométricos e estradas cardinalmente

orientadas, relacionadas a uma praça central, encontradas no Alto Xingu, fossem estruturas

voltadas para a defesa, pode-se sobrepor uma outra, também plausível. Schaan tem

concluído em seus estudos sobre os tesos de Marajó e a cultura material neles encontrada,

que vários aspectos culturais eram usados como instrumentos de comunicação social, para

a manutenção de normas consagradas pelos diversos costumes estruturais da sociedade.

Outros estudos levados por Pereira (lvii) permitem-nos concluir que esses

instrumentos comunicativos podem ter tido uma origem bastante antiga. Eles teriam se

transformado segundo saltos promovidos pela cumulação cognitiva componencial alcançada

por diversas culturas, que inicialmente se expressavam nas representações rupestres,

através de gravações e pinturas deixadas por inúmeros povos. Em algumas das

representações rupestres mais antigas, pode ser observada, inclusive, tal como nos antigos

e nos modernos aruak, uma preocupação com alinhamentos astronômicos, talvez para a

maior precisão da informação a ser transmitida. Posteriormente, cada vez mais, as

sociedades neotropicais foram se expressando através da sofisticação de sua cultura

material, fosse ela instrumental ou estrutural.

De modo geral, o que podemos notar nos estudos arqueológicos atuais, é que cada

uma dessas sociedades, agrupadas como diferentes tradições, de fato parecem apresentar

características culturais próprias, mas compartilhando uma mesma noção comum

subjacente, porém bastante mais significativa do que aquela atribuída por Heckenberger. Os

elementos dessa noção comum, portanto, extrapolam os limites topográficos e, inclusive, os

limites territoriais impostos entre os domínios da terra firme e da várzea (entre outros), já

que eles se encontram no espaço-tempo muito mais amplo e longo da coexistência regional.

Nisto, ficam incluídos elementos espaço-temporais antes nunca considerados, mas

importantes não só para a definição geopolítica, como para as relações comerciais e os

meios de exploração das reservas dos recursos naturais. Assim, várzeas, zonas costeiras,

terras firmes das planícies ou altas, seus diferentes nichos ecológicos e todas as técnicas

associadas, faziam parte dos domínios universalmente explorados pelo homem amazônico

antigo.

As táticas de exploração de cada domínio e as técnicas daí derivadas, entretanto,

implicavam em estratégias diferenciadas e ao mesmo tempo semelhantes para as diversas

sociedades nelas instaladas que, complementarmente, mantinham uma produção

interdependente. Isto tinha reflexo sobre a organização sociopolítica dessas sociedades, a

qual era essencialmente descontínua. Ademais, independentemente do grau de

31

complexidade cultural que possuíam, essas sociedades apresentavam relações sociais

comuns, regionalmente compartilhadas, que extrapolavam os processos históricos

particulares de cada uma delas. Assim, fossem no Marajó, no Alto Xingu, no Alto Amazonas,

ao longo das várzeas, em terras altas ou terras baixas, mil anos antes ou mil anos depois,

até a invasão européia, os processos históricos das sociedades amazônicas convergiam

para um mesmo atrator civilizador, que as identificavam mais entre si, do que com qualquer

outra sociedade fora da Amazônia.

Com isso quer se dizer, que podemos substituir no todo, a incongruência técnica

embutida na idéia de Tradição e suas Fases, não apenas por uma outra seriação histórica,

em que fases podem ser entendidas como Culturas, como inclusive, essas Culturas podem

ser inseridas numa rede histórica regional mais ampla, entendida como um processo

civilizador com diferentes temporalidades históricas.

É por conta disto que se propõe a Cultura Neotropical como uma temporalidade

histórica de longa duração, que se caracteriza como um processo civilizador de larga escala

regional. A Cultura Neotropical, resultado de experiências levadas a cabo ao longo de

milhares de anos, configura-se nas sociedades que já possuíam uma agricultura

desenvolvida, tinham aldeias relativamente sedentárias, relações culturais e políticas

regional e interregionalmente formalizadas. Mas, isto tudo, dentro de um padrão social

particular, que embora fosse hierarquicamente organizado, não era estratificado e nem

possuía um centro de poder regulador ou que defendesse geopolíticas expansionistas.

Sobretudo, o processo civilizador da Cultura Neotropical, em nenhum momento do

desenvolvimento das sociedades a ele vinculadas, criou qualquer mecanismo de controle

econômico, territorial ou político, tal como se observa, desde as origens, entre os Incas,

Maias, Astecas, e em diversas outras sociedades norte-americanas, africanas, asiáticas ou

ocidentais.

De fato, a Cultura Neotropical, não sendo homogênea e nem identificada com um

costume ou uma etnia particular e ainda caracterizando-se como diversificada e

socioculturalmente descontínua, pode ser entendida como uma civilização por possuir várias

características que, além de serem subjacentes, convergem para uma mesma noção

comum compartilhada. Entretanto, o que está sendo entendido como civilização é parte

daquilo que Huntington (lviii) define como “o mais alto grupamento de pessoas e o mais

amplo nível de identidade cultural...”. Ela (a civilização) possui partes diferentes que se

relacionam umas com as outras e com o conjunto delas, podendo compor-se de diversas

etnias e/ou nações. Assim, segundo Melko (lix), essas etnias ou nações guardarão mais

relação entre si do que com etnias e nações fora da sua civilização.

Portanto, está se identificando civilização como cultura num sentido plural e espacial.

Ou seja, na visão de Braudel, ela é um espaço, uma área cultural, uma coletânea de

32

características e fenômenos culturais. Ou ainda, segundo Wallerstein, civilização é uma

concatenação especial de visão do mundo, de costumes, de estruturas e de culturas, que

forma alguma espécie de totalidade histórica, coexistindo com outras variedades desse

fenômeno (lx).

Uma civilização pode ser composta por diferentes etnias que se integram como uma

entidade cultural mais ampla dentro de um espaço geográfico comum compartilhado. Uma

civilização não tem fronteiras políticas definidas, mas possui um sentido e uma condição

limite natural. Ela também evolui, interage e é duradoura. Sua essência única e particular é

a sua longa continuidade histórica nos lugares próprios de sua existência, onde ela tem a

sua própria phýsis. Isto é, uma natureza plena de informação, organização e sentido, cuja

intensidade cultural formou-se ao curso de uma longa duração localizada. Em síntese, as

civilizações identificam-se com uma noção comum cultural e são delimitadas por um espaço

geográfico amplo e um sentido histórico longo e profundo.

Porém, por serem entidades com diversos padrões socioculturais, as civilizações

podem ser constituídas por diversas unidades sociopolíticas com níveis e estruturas

diferentes. Por isto que a Cultura Neotropical define-se como uma civilização, visto

compreender culturas, etnias e relações sociopolíticas originais que convergem para uma

mesma noção comum subjacente, com sentidos, densidades, durações e diversidade

territorial própria: possui espaços próprios diversos, mas paralelos e tempos históricos

simultâneos, mas não sintônicos. A especificidade civilizadora da Cultura Neotropical, à luz

da interpretação dos dados arqueológicos, caracteriza-se pelas relações socioculturais

predominantemente descentralizadas; pelos modos de exploração cooperativo dos recursos

naturais, pelas suas relações inter-étnicas e diversos outros traços constantes na cultura

material, tais como aqueles identificados na cerâmica ritualística produzida por diversos

povos amazônicos.

Não há, contudo, consenso sobre quando e como as civilizações se formariam.

Geralmente, o início delas é associado à urbanização, ou então, ao domínio da agricultura.

Mas nem mesmo isto é verdade. Na Amazônia, a domesticação de plantas precedeu a

Cultura Neotropical, que não se despontou como uma civilização urbana clássica, por conta

do modo como as concentrações populacionais e as relações de poder nelas inscritas

evoluíram. A evolução do comportamento social dos grupos humanos tropicais pré-

agricultores da Amazônia desenvolveu uma comunicação que descartava a necessidade de

controle. Daí não ter surgido princípios legais ou comunicação escrita nas relações sociais e

de poder dos povos Neotropicais. E essa é a característica fundamental, que a define com o

uma civilização original.

CONCLUSÃO

33

Sabemos que a organização sociopolítica humana não é uma escala de melhoria

que culmina no “Estado”. Ela é um “processo” contínuo e compartimentado de interações

diversas para milhares de sociedades correlatas, cada uma construindo e seguindo seu

próprio caminho histórico. Isto pode ser comprovado nas pesquisas de Heckenberger,

Schaan e outros. São, porém, os grupos humanos precedentes que traçam os rumos

históricos que sociedades posteriores reorganizarão, segundo as experiências sensíveis e

as práticas vivenciadas. Sendo assim, se na Amazônia tivessem surgido sociedades

urbanas com políticas centralizadoras fortes, a evolução da comunicação social necessária,

teria se desenvolvido desde recuada idade e fatalmente culminado num sistema de

linguagem controladora, onde as leis ou os mitos seriam mais importantes do que as

tradições e os tabus.

Entretanto, diferente do que acontece nos Andes, na América Central e na América

do Norte, na Amazônia jamais foi identificado qualquer sistema de linguagem cuja

comunicação representasse a vontade de controle em larga ou mesmo em média escala.

Por deficiência cultural, étnica ou dificuldade na adaptação humana à floresta tropical? Não!

Muito pelo contrário. Justamente por terem logrado sucesso em tudo isto, é que as

sociedades amazônicas foram capazes de desenvolver relações socioculturais únicas e

perfeitamente integradas ao mundo onde viveram.

Por serem o resultado de experiências desenvolvidas por populações precedentes

há milhares de anos, foram as próprias sociedades de caçadores-coletores que

desenvolveram a agricultura e as relações políticas (divergentes, mas não estratificadas)

que mais tarde foram herdadas e aperfeiçoadas pelas sociedades agricultoras, fossem elas

nativas ou migrantes. Foram os caçadores-coletores precedentes, que fixaram no seu

inconsciente toda prática, toda experiência sensível, todo potencial histórico para operar a

mudança que mais tarde viria acontecer. Como, independente de clima e tecnologia, a

agricultura intensiva parece estar na base das sociedades complexas da Amazônia, os seus

efeitos já estavam sendo produzidos muito antes de serem coletivamente dominados pelos

agricultores, uma vez que a experiência sensível advinda com a prática da domesticação de

plantas precedeu em dezenas de séculos, a sua plena consciência.

Quando, entre sete e cinco mil anos atrás, fatores climáticos e históricos favoreceram

a implantação da agricultura, quase todas as sociedades amazônicas já tinham acumulado

experiência ambiental suficiente para desenvolvê-la, segundo as características das

sociedades envolvidas, em qualquer lugar que fosse possível. Foram fatores dispersos, mas

convergentes, que ao conectarem os diversos componentes experimentais adquiridos ao

longo de milhares de anos, que reorganizaram as antigas práticas numa nova ordem social.

Deste modo, a Cultura Neotropical teria surgido, sincronicamente, ao longo de alguns

34

poucos milhares de anos, em quase toda região, após a reorganização conectiva de

experiências anteriores componencialmente acumuladas.

É a Cultura Tropical que fundamenta as sociedades agrícolas indígenas posteriores

aos caçadores-coletores tropicais. Os padrões e comportamentos sociais Neotropicais já

eram potencialmente virtuais muitos milhares de anos antes de se constituírem

efetivamente, posto suas sementes terem sido semeadas pelas relações práticas das

sociedades de caçadores-coletores tropicais, os primeiros a conhecerem plenamente os

ecossistemas da região e a desenvolverem os modos adequados de sua exploração.

Obviamente que nem todas as sociedades experimentaram relações de mudança

significativas na mesma intensidade, já que a simultaneidade entre elas, tal como já vimos,

não era, necessariamente, sintônica. Mas a intensidade das experiências sensíveis

generalizadas, vivenciadas em maior ou menor grau pelas diversas sociedades amazônicas,

caracterizou, subjacentemente, o padrão civilizador da Cultura Neotropical. Essas

sociedades variaram segundo a formação histórica e a inteiração do homem com os lugares

onde elas se materializaram, quando então floresceram sociedades agrícolas com áreas

organizadas descontinuamente e arquitetadas sobre bases cosmológicas subjetivas.

Foi a chegada de um novo contigente populacional (europeu), com hábitos,

costumes e práticas socioculturais completamente inadequados à floresta tropical, mas com

interesses comerciais e técnicas e métodos poderosos, capazes de substituir o natural

selvagem pela eficiência de artifícios normativos, que interrompeu a evolução da civilização

neotropical.

NOTAS

(i) MAGALHÃES, Marcos P. A Phýsis da Origem: o sentido da história na Amazônia. Belém,

Ed. do Museu Paraense Emílio Goeldi, 2005.

(ii) ROOSEVELT, A. Determinismo ecológico na interpretação do desenvolvimento social

indígena na Amazônia. In: Neves, W. (org.) Origens, adaptações e diversidade biológica do

homem nativo da Amazônia. Belém, Coleção Emilie Snethlage, Museu Paraense Emílio

Goeldi. Pg,. 103 a142. 1981; em Arqueologia da Amazônia. In: CUNHA, M. C. da. (org.)

História dos Índios do Brasil. São Paulo: Ed. da Universidade São Paulo, 1992; e em

Amazonian Anthropology: Strategy for a New Synthesis. In: Amazonian Indians from

prehistory to the Present: anthropological perspectives. Tucson: University of Arizona Press,

1994. Pp 1-29; MILLER, Eurico et al. Arqueologia nos empreendimentos hidroelétricos da

Eletronorte: resultados preliminares. Brasília: Eletronorte, 1992; MAGALHÃES, Marcos P. O

tempo arqueológico. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi. Coleção Eduardo Galvão,

1993.

35

(iii) NUNES, Benedito. Hermenêutica e Poesia: o Pensamento Poético. Belo Horizonte:

Editora da UFMG, 2000.

(iv) DOSSE, F. A História à Prova do Tempo: da história em migalhas ao resgate do sentido.

Tradução: Ivone Castilho Benedetti, São Paulo. Editora UNESP, 1999.

(v) HOLLAND, J. Sistemas Complexos Adaptativos e Algoritmos Genéticos. In:

NUSSENZVEIG, H. M. (Org.) Complexidade e Caos. Rio de Janeiro. Editora

UFRJ/COPEA.1999.

(vi) MITHEN, S. A Pré-História da Mente. Tradução: Laura Cardelline Barbosa de Oliveira.

São Paulo. Ed. UNESP. 2002.

(vii) FOLEY, R. Os Humanos Antes da Humanidade: uma perspectiva evolucionista.

Tradução: Patrícia Zimbres. São Paulo. Ed. UNESP. 2003.

(viii) SERVICE, E.R.. Os Caçadores. Tradução: Álvaro Cabral. Rio de Janeiro, Zahar.1971.

(ix) TRIGGER, B. T. A History of Archaeological Thougth. Cambridge, Cambridge University

Press. 1995.

(x) STEWARD, J. H. Review of “The Evolution of Culture”by L. White. American

Anthropologist. 1960, 62: 144-148.

(xi) VELHO, G. 1999. Sociedades Moderno-Contemporâneas: uma perspectiva

antropológica. In: NUSSENZVEIG, H. M. (Org.) Complexidade e Caos. Rio de Janeiro.

Editora UFRJ/COPEA.

(xii) HODDER, Y. Reading the Past: current approachs to interpretation in Archaeology.

(second edition). Cambridge. Cambridge University, 1991.

(xiii) DOSSE, F. Ibidem.

(xiv) LÉVI_STRAUSS, C. Antropologia Estrutural II, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro. 1976. (xv) MILTON SANTOS. A Natureza do Espaço. São Paulo, EDUSP, 2002.

(xvi) ANDRADE LIMA, T. Em busca dos frutos do mar: os pescadores/coletores do litoral

centro-meridional brasileiro. Revista USP, Dossiê Antes de Cabral: Arqueologia Brasileira,

vol. II São Paulo, Universidade de São Paulo, 2000, pp 270-327.

(xvii) FLANAGAN, J. C. Hierarchy in Simple “Egalitarian” Societies. Annual Review of

Anthropology, 18:245-66. 1989; PRICE, T. D & BROWN, J. A. Complex Hunter-Gatherers:

Retrospect and Prospect. In T. D. Price. & J. A. Brown (eds.). Prehistoric Hunter-Gatherers:

the Emergence of Cultural Complexity. New York, Academic Press. 1985: 6; KELLY, R. L.

Sedentism, Sociopolitical Inequality, and Resource Fluctuations. In S. A. Gregg (ed.),

Between Band and States. Occasional Papers 9, Center for Archaeological Investigations,

Carbondale, Southern Illinois University, pp 135-58. 1991; ARNOLD, J. E. 1996.

Organizational transformation: power and labor among complex hunter-gatherers and other

36

Intermediate Societies. In J. Arnold (ed.) Emergent Complexity: the Evolution of

Intermediate Societies. Ann Arbor, International Monographs in Prehistory. 1996.

(xviii) CREAMER, W. Developing Complexity in the American Southwest: a Model for the Rio

Grande Valley. In J. Arnold (ed.), Emergent Complexity: The Evolution of Intermediate

Societies. Ann Arbor, International Monographs in Prehistory, pp 91-106. 1996.

(xix) LOWIE, R. The Tropical Forest Tribes: an introduction. In: STWARD, J. (ed) Handbook

of South American Indians, v. 3, New York, Cooper Publishers Inc, pp. 1-56, 1963;

MEGGERS, B. The archaeology of the Amazon Basin. In: STEWARD, J. (ed) Handbook of

South American Indians, v. 3, New York, Cooper Publishers Inc, pp. 149-166, 1963 e em

Archaeological and Ethnographic Evidence Compatible with the Model of Forest

Fragmentation. In: GHILLEAN PRANCE. Biological Diversification in the Tropics. New York:

ed. Columbia University Press, Pp: 483-496.1982; LATHRAP, D. “The tropical lowlands of

South America”. In: Actas y Memorias. XXXIV Cong. Inter. Americanistas. Lima, 4:13-23.

1972.

(xx) SIMÕES, Mário F. Nota sobre duas pontas-de-projétil da Bacia do Tapajós. Belém,

Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, Nova Série, Antrop. No 62, janeiro de1976;

SCHMITZ, P. I. Caçadores-Coletores da Pré-História do Brasil. São Leopoldo, Instituto

Anchietano de Pesquisa/UNISINOS. 1984: p.3.

(xxi) PRONAPABA (Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas na bacia Amazônica)

foi uma expansão do PRONAPA (Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas) iniciado

em 1965 e concluído em 1970, que reuniu pesquisadores de diversos Estados do Brasil.

Teve patrocínio do Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico e da

Smithsonian Institution, contando com o aval da, então, SPHAN (Secretaria do Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional). Coordenado no Brasil por Mário Simões do Museu Goeldi, o

Programa tinha a coordenação geral de Betty Meggers.

(xxvii)

(xxii) ROOSEVELT, A. Determinismo ecológico na interpretação do desenvolvimento social

indígena na Amazônia. In: Neves, W. (org.) Origens, adaptações e diversidade biológica do

homem nativo da Amazônia. Belém, Coleção Emilie Snethlage, Museu Paraense Emílio

Goeldi. Pg,. 103 a142. 1991.

(xxiii) HECKENBERGER, M. Estrutura histórica e transformação: a cultura xinguana na

longue durée, 1000-2000 D.C. In: HECKENBERGER, M. & FRACHETTO, B. (Orgs.) Os

povos do Alto-Xingu: história e cultura. Rio de janeiro, Editora da UFRJ, 2001; NEVES, E. G.

Indigenous historical trajectories in the upper Rio Negro Basin. In COLIN, M.; BARRETO, C.

& NEVES, E. G. (orgs). Unknown Amazon. London, The British Museum Press, 2001;

SCHANN, Denise P. A Linguagem Iconográfica da Cerâmica Marajoara. Porto Alegre:

EDIPUCRS, 1997 e em Into the labyrinths of Marajoara potters: status and cultural identity in

37

Prehistoric Amazônia. In COLIN, M.; BARRETO, C. & NEVES, E. (orgs). Unknown Amazon.

London, The British Museum Press, 2001; GUAPINDAIA, Vera. Encountering the ancestor:

the Maracá Urns. In COLIN, M.; BARRETO, C. & NEVES, E. (orgs). Unknown Amazon.

London, The British Museum Press, 2001. Respectivamente.

(xxiv) BARBOSA, Altair Sales. Andarilhos da Claridade: os primeiros habitantes do cerrado.

Goiânia, Universidade católica de Goiás. 2002.

(xxv) NEVES, W. A.; POWELL, J. et al. Afinidades biológicas extra-continentales de los dos

esqueletos más antiguos de América: implicaciones para el poblamiento del Nuevo Mundo.

Antropologia Física Latinoamericana. 2, T.22. 1999;NEVES, W. & BLUM, M. The buhl burial:

a comment on Green et al. In American Antiquity, 65(1), 2000, pp. 191-193.

(xxvi) NEVES, W.; POWEL, J.F.; OZELINS, E.G. Modern Human Origens as seen from the

Peripheries. Journal of human Evolution. 1999, 37:129-133.

(xxvii) MILLER, Eurico et al. Arqueologia nos empreendimentos hidroelétricos da Eletronorte:

resultados preliminares. Brasília: Eletronorte, 1992.

(xxviii) ROOSEVELT, A. O Povoamento das Américas: o Panorama Brasileiro. In:

TENÓRIO, M. Cristina. Pré-história da Terra Brasilis. Rio de janeiro, Ed. UFRJ, 1999.

(xxix) Miller (1992: 221) faz referências indiretas (estratigráficas) sobre o possível ambiente

que os sítios por ele identificados como “paleoindígenas” (complexo cultural Periquitos)

ocupariam, como sendo de savana arbórea e matas ciliares abertas.

(xxx) BARBOSA, Altair Sales. Andarilhos da Claridade: os primeiros habitantes do cerrado.

Goiânia, Universidade católica de Goiás. 2002.

(xxxi) ROOSEVELT,A., MACHADO,C.L., MICHAB,M., MERCIER,N., SILVEIRA,M.I.,

HANDERSON,A., SILVA,J., RESSE,D.S. Paleo-Indian Cave Dwellers in the Amazon: the

Peopling of the Americas. Science. 1996, vol. 272 (19 April), p. 373-384.

(xxxii) SILVEIRA, Maura I. da. Estudos sobre estratégias de subsistência de caçadores-

coletores pré-históricos do sítio Gruta do Gavião, Carajás/PA. Dissertação de Mestrado,

Universidade de São Paulo (USP), 1995; MAGALHÃES, Marcos P. A Phýsis da Origem: o

sentido da história na Amazônia. Belém, Ed. do Museu Paraense Emílio Goeldi, 2005.

(xxxiii) BARBOSA, Ibidem: 220.

(xxxiv) Entende-se como civilização grupos sociais que se identificam com uma noção

comum cultural distribuída regionalmente, mas compartilhando diferentemente os territórios

delimitados por um espaço geográfico e um sentido histórico comum. Entretanto, na

civilização, a idéia de padrões culturais, políticos, materiais e religiosos não é suficiente para

defini-la, quando estes são apresentados isoladamente. Ou seja, civilização é um conjunto

de comunidades territorialmente organizadas, onde seus sistemas socioculturais particulares

compõem um quadro único sobre o qual a história se dá. Deste modo, uma comunidade

histórica regionalmente isolada não constitui uma civilização.

38

(xxxv) MILTON SANTOS, ibidem.

(xxxvi) MAGALHÃES, Marcos P. O tempo arqueológico. Belém: Museu Paraense Emílio

Goeldi. Coleção Eduardo Galvão, 1993.

(xxxvii) MILTON SANTOS, idem: 160.

(xxxviii) Convém observar que a economia não especializada foi uma prática bastante

comum entre as diversas sociedades de caçadores-coletores espalhadas pelo mundo, e que

é essa prática que melhor favorece o conhecimento do mundo, pois é a que permite a

observação mais geral da natureza. Mas isto não implica, necessariamente, em um estágio,

já que os modos e as vivências culturais só resultam na construção da história se elas forem

partes de um conjunto com o qual interagem territorial e temporalmente.

(xxxix) LATHRAP, D. Our Father the Cayman, Our Mother the Gourd: Spinden Revisited or a

Unitary Model for the Emergence of Agriculture in the New World. In: Origins of Agriculture,

C. Reed, ed. The Hgue: Mouton, Pp. 713-751. 1977; MEGGERS, B. Archaeological and

Ethnographic Evidence Compatible with the Model of Forest Fragmentation. In: GHILLEAN

PRANCE. Biological Diversification in the Tropics. New York: ed. Columbia University Press,

Pp: 483-496.1982; ROOSEVELT, A. Determinismo ecológico na interpretação do

desenvolvimento social indígena na Amazônia. In: Neves, W. (org.) Origens, adaptações e

diversidade biológica do homem nativo da Amazônia. Belém, Coleção Emilie Snethlage,

Museu Paraense Emílio Goeldi. Pg,. 103 a142. 1991.

(xl) Há datações para cerâmica que alcançam até 8.000 AP. (ROOSEVELT, 1994), mas

como não existe relação necessária entre ela e a agricultura, a correlação entre ambas só

pode ser feita quando é identificado um objeto obviamente relacionado com o

processamento de plantas.

(xli) MEGGERS, B & EVANS, C. An experimental formulation of Horizon Styles in the

Tropical Forest of South America. In: LOTHROP, S. (ed.) Essays in Pre-Columbian Art and

Archaeology. Cambridge, Mass, Harvad University Press, pp. 372-388. 1961.

(xlii) PALMATARY, H.C. The archaeology of the lower Tapajós Valley, Brazil. Transactions of

the American Philosophical Society, n.s., 50(3). 1960; LATHRAP, D. “The tropical lowlands

of South America”. In: Actas y Memorias. XXXIV Cong. Inter. Americanistas. Lima, 4:13-23.

1972; BROCHADO, J.P. An Ecological Model of the Spread of Pottery and Agriculture into

Eastern South America. Doctoral thesis. Champaign, University of Illinois at Urbana. 1984;

ROOSEVELT, A. Determinismo ecológico na interpretação do desenvolvimento social

indígena na Amazônia. In: Neves, W. (org.) Origens, adaptações e diversidade biológica do

homem nativo da Amazônia. Belém, Coleção Emilie Snethlage, Museu Paraense Emílio

Goeldi. Pg,. 103 a142. 1991.

(xliii) ROOSEVELT, A. Arqueologia da Amazônia. In: CUNHA, M. C. da. (org.) História dos

Índios do Brasil. São Paulo: Ed. da Universidade São Paulo, 1992 e em Amazonian

39

Anthropology: Strategy for a New Synthesis. In: Amazonian Indians from prehistory to the

Present: anthropological perspectives. Tucson: University of Arizona Press, 1994. Pp 1-29.

(xliv) DOSSE, ibidem.

(xlv) LATHRAP, D. “The tropical lowlands of South America”. In: Actas y Memorias. XXXIV

Cong. Inter. Americanistas. Lima, 4:13-23. 1972.

(xlvi) FINKIELKRAUT, A. A Derrota do Pensamento. Tradução: Mônica Campos de Almeida.

Rio de janeiro, Ed. Paz e Terra, 1988.

(xlvii) SCHANN, Denise P. “The Camutins Chiefdom: Rise and Development of Social

Complexity on Marajó Island, Brazilian Amazon". Tese de Doutorado, Universidade de

Pittsburgh, 2004.

(xlviii) CARNEIRO, R. Slash-and-burn cultivation among the Kuikuru and its implicaions for

cultural development in the Amazon basin. In: WILBERT, J., ed. The evolution of horticultural

systems in native South América, causes and consequences: a symposium. Antropológica,

Caracas, Supplement Publication, (2): 46-7, 1961.

(xlix) FOUCAULT, M. Of Other Places. Diacritics, v.16, n. 1, Spring, 1986, p. 22-27.

(l) HECKENBERGER, M. Estrutura histórica e transformação: a cultura xinguana na longue

durée, 1000-2000 D.C. In: HECKENBERGER, M. & FRACHETTO, B. (Orgs.) Os povos do

Alto-Xingu: história e cultura. Rio de janeiro, Editora da UFRJ, 2001, p. 23.

(li) WEBER, Max. Economia e sociedade. Tradução: Regis Barbosa e Karen Barbosa.

Brasília: UnB. Vol. 1, 1994.

(lii) CASTRO, E.V. de. A Inconstância da Alma Selvagem e Outros Ensaios de Antropologia.

São Paulo: Cosac & Naify. 2002; PORRO, A. História Indígena do Alto e Médio Amazonas:

séculos XVI e XVIII. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1992.

(liii) BADIOU, A. O Ser e o Evento. Tradução: Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro.

Editora UFRJ/Jorge Zahar Editor, 1996.

(liv) Estado da situação, segundo Badiou, é a realidade objetiva vivenciada pela sociedade

(BADIOU, 1996).

(lv) LATHRAP, ibidem.

(lvi) O termo hierarquia neste texto está sendo empregado como qualquer corpo graduado e

escalonado de pessoas e/ou relações, na medida em que refletem diferenças de poder,

autoridade ou prestígio. A hierarquia é um tipo de ordem social onde as relações humanas

são determinadas pelo grau de autoridade exercida por um grupo sobre o outro. Dicionário

de Ciências Sociais, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1986.

(lvii) PEREIRA, Edithe. Testimony in stone: rock art in the Amazon. In COLIN, M.;

BARRETO, C. & NEVES, E. (orgs). Unknown Amazon. London, The British Museum Press,

2001.

40

(lviii) HUNTINGTON, Samuel P. O choque de civilizações e a recomposição da ordem

mundial. Tradução: Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 1997.

(lvix) Apud HUNTINGTON, ibidem.

(lx) Apud HUNTINGTON, idem.