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1 APROXIMAÇÕES ENTRE FUTEBOL, POLÍTICA E ESTÉTICA: OS CARTUNS DO PASQUIM E A COPA DO MUNDO DE 1978 ERNESTO SOBOCINSKI MARCZAL * Em 1978, incontáveis aficionados pelo futebol ansiavam pela realização de mais uma Copa do Mundo. Naquele ano o torneio quadrienal de seleções organizado pela FIFA 1 se desenrolou em território sul-americano, mais especificamente na Argentina. Contudo, o evento não foi notabilizado somente pelo mérito da disputa esportiva, mas particularmente pelos enlaces políticos que circundaram a competição no cenário de sua realização. Tal como diversos vizinhos do cone-sul, o país sede da Copa convivia com um governo militar arbitrário, notadamente violento, acusado por diversas organizações internacionais de perseguir, aprisionar, torturar e executar milhares de cidadãos (NOVARO, PALERMO, 2007). Desde 1976 o país platino encontrava-se sob o comando de uma junta militar formada pelo almirante Emílio Eduardo Massera, o brigadeiro Orlando Ramón Agosti e o general Jorge Rafael Videla, este último ocupando também a cadeira de presidente (NOVARO, PALERMO, 2007). É precisamente no momento em que o autointitulado Processo de Reorganização Nacional verificava o ápice de seu projeto repressor, com a eliminação quase completa dos poucos focos de resistência minimamente organizados no interior do país, que ocorreria a Copa do Mundo de futebol. Embora a escolha da Argentina como sede da competição tenha ocorrido anos antes da eclosão do golpe de estado (GILBERT, VITAGLIANO, 1998: p. 11; AGOSTINO, 2002: p. 174) que alçou os militares ao poder, o mundial fulgurava como uma oportunidade inédita para exaltar o país no cenário internacional. Mais do que a eventual conquista caseira do título, o reconhecimento de uma organização competente do evento, com forte apoio popular e sem contestações internas flagrantes, serviria para demostrar a capacidade de realização argentina sob a nova administração. Contando com a ampla cobertura midiática global, tanto quanto propagandear o país, a concretização bem sucedida da Copa poderia contribuir para demover, ao menos parcialmente, as acusações internacionais direcionadas aos excessos autoritários do Processo (NOVARO, PALERMO, 2007: p. 202-208). * Aluno do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná. Bolsista REUNI de Assistência ao Ensino. Integrante do Núcleo de Estudos Futebol e Sociedade – NEFS. 1 Federação Internacional de Futebol Associado.

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APROXIMAÇÕES ENTRE FUTEBOL, POLÍTICA E ESTÉTICA: OS CARTUNS DO PASQUIM E A COPA DO MUNDO DE 1978

ERNESTO SOBOCINSKI MARCZAL∗

Em 1978, incontáveis aficionados pelo futebol ansiavam pela realização de mais uma

Copa do Mundo. Naquele ano o torneio quadrienal de seleções organizado pela FIFA1 se

desenrolou em território sul-americano, mais especificamente na Argentina. Contudo, o

evento não foi notabilizado somente pelo mérito da disputa esportiva, mas particularmente

pelos enlaces políticos que circundaram a competição no cenário de sua realização.

Tal como diversos vizinhos do cone-sul, o país sede da Copa convivia com um

governo militar arbitrário, notadamente violento, acusado por diversas organizações

internacionais de perseguir, aprisionar, torturar e executar milhares de cidadãos (NOVARO,

PALERMO, 2007). Desde 1976 o país platino encontrava-se sob o comando de uma junta

militar formada pelo almirante Emílio Eduardo Massera, o brigadeiro Orlando Ramón Agosti

e o general Jorge Rafael Videla, este último ocupando também a cadeira de presidente

(NOVARO, PALERMO, 2007). É precisamente no momento em que o autointitulado

Processo de Reorganização Nacional verificava o ápice de seu projeto repressor, com a

eliminação quase completa dos poucos focos de resistência minimamente organizados no

interior do país, que ocorreria a Copa do Mundo de futebol.

Embora a escolha da Argentina como sede da competição tenha ocorrido anos antes da

eclosão do golpe de estado (GILBERT, VITAGLIANO, 1998: p. 11; AGOSTINO, 2002: p.

174) que alçou os militares ao poder, o mundial fulgurava como uma oportunidade inédita

para exaltar o país no cenário internacional. Mais do que a eventual conquista caseira do

título, o reconhecimento de uma organização competente do evento, com forte apoio popular

e sem contestações internas flagrantes, serviria para demostrar a capacidade de realização

argentina sob a nova administração. Contando com a ampla cobertura midiática global, tanto

quanto propagandear o país, a concretização bem sucedida da Copa poderia contribuir para

demover, ao menos parcialmente, as acusações internacionais direcionadas aos excessos

autoritários do Processo (NOVARO, PALERMO, 2007: p. 202-208).

∗ Aluno do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná. Bolsista REUNI de Assistência ao Ensino. Integrante do Núcleo de Estudos Futebol e Sociedade – NEFS. 1 Federação Internacional de Futebol Associado.

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Paralelamente às possibilidades vislumbradas pelo regime, a realização do mundial em

território argentino proporcionava uma maior visibilidade para manifestações contestatórias,

especialmente no exterior, onde a temática encontrava novo fôlego junto aos veículos de

comunicação e ao público.

Sincronicamente às tensões verificadas na Argentina, o Brasil também perpassava por

um hiato autoritário em seu modelo administrativo republicano. Desde março de 1964

vigorava no país uma ditadura militar, cujo ápice repressivo havia alcançado seus limites no

início dos anos 1970. Porém, no instante em que os embates futebolísticos se desenrolavam

nos estádios argentinos, a conjuntura política vivenciada no Brasil já apresentava contornos

bastante distintos daqueles verificados no começo da década.

Naquele instante desdobrava-se o final da administração do general Ernesto Geisel e

discutia-se a definição de seu sucessor, o general João Batista Figueiredo. Diferentemente do

contexto vigente alguns anos antes, Geisel rascunhava o processo de abertura política, no qual

acenava com o recuo do aparato repressivo, a atenuação à ação censória e, principalmente,

com o debate em torno da famigerada lei da Anistia2 (QUEIROZ, 2008, p. 219). A ditadura

militar brasileira provava o aumento das críticas, sobretudo por parte dos órgãos de imprensa,

que reverberavam o eco público de movimentos contestatórios ao regime e experimentava a

possibilidade de adotar uma postura oposicionista mais evidente.

Neste contexto específico, as leituras sobre a competição no país vizinho não passaram

incólumes. A própria participação do selecionado brasileiro no mundial da Argentina, frente à

ampla significância cultural que o futebol desfrutava em ambos os países, fornecia o

embasamento para a formulação de leituras políticas críticas do(s) regime(s) através da

metáfora esportiva.

Ao transpor a perspectiva de análise para além de barreiras limítrofes como a esfera

esportiva ou o espaço de realização do torneio, percebe-se a extensa gama de possibilidades

analíticas e interpretativas de suas dimensões históricas, culturais e políticas. Com base nesta

percepção, este artigo busca analisar algumas das leituras políticas produzidas sobre o

2 Apesar de muito reivindicada, a lei da anistia só foi lançada em agosto de 1979. A conturbada medida permitia o retorno de exilados, libertava prisioneiros políticos e absolvia os crimes tanto de militantes da luta armada quanto de agentes do regime acusados de tortura (ALVES, 2005: p. 320-321).

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mundial naquele momento a partir da produção de um veículo de mídia impressa em especial,

o hebdomadário alternativo Pasquim.

Contudo, mesmo no interior do semanário, restringiremos nossas reflexões sobre uma

produção ainda mais específica: a arte gráfica do periódico, particularmente, os inúmeros

cartuns publicados no momento. Para os cartunistas do periódico o mundial de 1978, em suas

múltiplas correlações, não serviu apenas como motivo de inspiração artística, mas também se

transformou em ensejo para profusão de críticas políticas aos cenários brasileiro e argentino.

Os cartuns como objetos visuais intencionais

No livro Arte e Ilusão, E. H. Gombrich (1986) põe em questão o dilema da apreciação

da arte pictórica na crítica e na história da arte como imitação da natureza, ou, em outros

termos, como a forma de reprodução e captação do mundo visível. Valendo-se de um longo

exame da produção imagética e dos debates em torno da percepção e compreensão da arte, o

autor não só refuta prontamente esta percepção restritiva inicial, como defronta as nuances da

inteligibilidade da arte sob o viés da representação.

No decorrer do trabalho, o estudioso austríaco evidencia a diversidade de elementos

que envolvem tanto o processo criativo quanto a maneira pela qual as imagens são concebidas

e interpretadas, seja por seus artífices ou por seus observadores. Flertando com a psicologia,

Gombrich assinala que o processo de interpretação da arte, bem como a produção de um

efeito de ilusão, está associado à compreensão de códigos simbólicos específicos,

eminentemente conceituais, que permeiam a própria subjetividade dos indivíduos na

elaboração de um determinado entendimento do mundo visível (GOMBRICH, 1986).

Embora tais percepções possam parecer, sob um olhar descompromissado, distantes

dos cartuns veiculados no Pasquim, elas apresentam algumas considerações importantes para

a construção de uma análise admissível destas imagens. Afinal, os desenhos veiculados no

alternativo constituem, cada qual à sua maneira, um caminho de leitura do cenário verificado

por seus autores no período. Mesmo tratando-se de uma expressão simbólica em um contexto

circunscrito (GOMBRICH, 1999: p. 127), o cartum, tal como um quadro, também explora as

subjetividades inerentes à representação do mundo visível. Emaranha-se nos códigos

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presentes nas mentes de seus autores e intérpretes, interferindo na forma como estes

compreendem e dão forma aos dilemas à sua volta.

Analisar os cartuns produzidos sobre o mundial de 1978 não significa somente

debruçar-se sobre o conteúdo destes desenhos, focando naquilo que eles teriam a dizer sobre

este acontecimento histórico. Consiste também em mergulhar nos mecanismos únicos de

interpretação imagética concebidos, simultaneamente, na criação e formatação destes e nas

suas possibilidades de produção de sentido. Tanto quanto falar do mundial ou de suas

correlações sociais, políticas e culturais em si, os cartuns discursam também sobre as

maneiras com que os indivíduos construíram seu entendimento e conferiram sentido,

particular, a estes eventos.

Michael Baxandall (2006), ao debater os desafios metodológicos na elaboração da

crítica de arte, também evidencia como a exploração e percepção visual estão atreladas aos

conceitos articulados mentalmente pelo observador. Tais articulações interferem diretamente

no exercício de descrição do objeto artístico. A impressão construída é manifesta por meio da

linguagem que, de acordo com o autor, configura uma “ferramenta de generalizações”

(BAXANDALL, 2006: p. 34), visto que sua enunciação se estrutura a partir de conceitos já

constituídos mentalmente. Assim, a elaboração da explicação de um quadro apresenta

primeiro uma reflexão sobre aquilo que o intérprete pensa a respeito dele, ocupando-se apenas

em um segundo plano da explanação da imagem propriamente dita (BAXANDALL, 2006: p.

37). Nas palavras do pesquisador galês,

Quando queremos explicar um quadro, no sentido de revelar suas causas históricas,

o que de fato explicamos não é tanto o quadro em si quanto uma representação que

temos dele mediada por uma descrição parcialmente interpretativa.

[...] Uma descrição, por ser um ato de linguagem, é feita de palavras e conceitos.

Por isso, a descrição é menos uma representação do que se vê no quadro, do que

uma representação do que pensamos ter visto nele. Em outras palavras a descrição

é uma relação entre o quadro e os conceitos. (BAXANDALL, 2006: p. 43-44)

O apreço pela leitura de que a análise contida na descrição remete primeiramente às

representações e interpretações construídas a partir das impressões subjetivas do indivíduo

destaca, principalmente, a consideração implícita de que a produção artística não contém

somente a história do processo de trabalho do autor, mas engloba a experiência sensorial de

sua recepção pelo espectador. Afinal, como destaca o próprio Baxandall, é o efeito do quadro

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em si que desperta o interesse do observador (BAXANDALL, 2006: p. 38), de modo que não

podemos desconsiderar que o impacto desta imagem, o efeito de sentido que produz no

indivíduo, acaba por se tornar, mesmo não intencionalmente, o objeto primeiro das

considerações tecidas sobre o observado.

Embora Baxandall reporte-se principalmente aos quadros, os cartuns também passam

por um processo de análise semelhante em sua apreciação crítica. Como destaca Gombrich

(1999), o cartunista, ao tratar de eventos concernentes à história ou política, utiliza a

linguagem visual de modo simplificar a absorção de abstrações da linguagem, tornando-as

mais tangíveis ao observador (p. 128). Contudo, a participação do espectador se torna

essencial no processo de compreensão e interpretação da obra. Somente se o espectador

conhece os códigos simbólicos necessários ele se torna capaz de decifrar a imagem

apresentada sob o prisma pretendido pelo autor (GOMBRICH, 1986: p. 155). Este mesmo

processo permeia o entendimento do cartum, que só viabiliza seu pleno potencial

comunicativo na medida em que dialoga com o espectador atento à linguagem do periódico. A

interpretação dos cartuns, inclusive os presentes neste artigo, depende também do diálogo

estabelecido com o espectador que formula a análise. Somente se este intérprete reconhece os

códigos concernentes à produção, inclusive as relações que estabelece com o contexto ao qual

se refere e ao espaço em que encontra seu suporte, no caso, as páginas do semanário, se torna

possível à apreensão do sentido e a formulação de uma interpretação coerente. De uma forma

mais direta, só se torna plausível a investigação crítica dos cartuns em vista da Copa na

medida em que se consegue reconhecer as referências estabelecidas, diretamente ou não, ao

evento em questão.

Aproximando-se de outra parte do trabalho de Baxandall, os cartuns produzidos no

Pasquim podem ser entendidos como objetos intencionais. Isto é, não configuram apenas o

vestígio documental de uma atividade, mas o resultado final de uma ação artesanal e

intelectual (BAXANDALL, 2006: p. 47). Tal como outras produções artísticas, compõe um

artefato histórico que se apresenta como uma resolução concreta de um determinado problema

enfrentado por seu autor. Para Baxandall (2006), a compreensão deste objeto demanda o

esforço paralelo de reconstituição dos encargos e circunstâncias específicas que motivaram e

permearam a produção do objeto tal como é (p.48). Para ele, tanto o autor quanto o artefato

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produzido detêm um propósito, uma qualidade intencional que os caracteriza e que o

historiador da arte deve tentar apurar. Como o próprio estudioso definiu, “a intenção é a

peculiaridade que as coisas têm de se inclinar para o futuro” (BAXANDALL, 2006: p. 81).

Ainda assim, é importante destacar que por mais que a investigação se esforce ela não

é capaz de refazer a experiência interna do autor. Tal exercício de reconstrução estará sempre

limitado ao conceitualizável de acordo com os diferentes modos de perceber e sentir.

Elementos que só conseguem ser captados a partir de uma investigação relacional entre o

objeto, os fatores atrelados ao processo de produção e a definição de intenção

(BAXANDALL, 2006: p. 80-81).

É nesse sentido que exploramos, mesmo que brevemente algumas das peculiaridades

do Pasquim como periódico em seu contexto de circulação. De acordo com o estudo

elaborado por Braga (1991), em 1978 o Pasquim experimentava os momentos finais de sua

fase liberal3. Na classificação elaborada pelo autor, esta fase se estendeu entre abril de 1975,

momento em que o alternativo deixou de enfrentar a censura prévia em sua redação, até o

final de 1978, quando o alternativo intensifica seu combate político à ditadura diante das

pressões civis que permeiam a defesa pela liberdade de imprensa, a cessação do AI-5 e a

futura implantação da Lei da Anistia (BRAGA, 1991: p. 65-83).

Durante o período privilegiado neste artigo, estas reinvindicações democráticas

constituem temas recorrentes do semanário, espalhando-se pelos artigos, entrevistas e também

na arte visual em geral – cartuns, ilustrações fotografias, etc. A produção focando o futebol, a

seleção e o mundial da Argentina não ficou alheia a este panorama. Ao contrário, firmou um

diálogo direto e permanente com os debates políticos e sociais entranhados no semanário.

Nesta fase, o hebdomadário enriqueceu e diversificou consideravelmente seu quadro

de cartunistas. Além dos veteranos Henfil, Ziraldo, Jaguar, Claudius e Fortuna – personagens

quase umbilicalmente associados ao semanário no período –, o semanário abriu espaço para

arte de Edgar Vasques, Caulos, Agner, Manoel Vianna, Claudio Paiva, Mariano, Marco, Nani,

Duayer, entre muitos outros talentos (BRAGA, 1991: p. 71).

Tais artistas gráficos desfrutavam de liberdade autoral para escolher não só os assuntos

que iriam abordar, mas o ângulo e a postura crítica a serem adotados. O desenho não era

3 O pesquisador divide a trajetória do Pasquim em seis fases distintas distribuídas entre a fundação do jornal em junho de 1969 até dezembro de 1982, arco final de sua pesquisa.

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encomendado pelos editores. A única exigência, algo inerente à charge, era a sua atualidade

temática imediata. Como bem assinala Braga, o cartum configurava “uma espécie de editorial,

independente e personalizado” (BRAGA, 1991, p. 159).

Outro aspecto a ser destacado é a correlação entre a imagem do cartum e o diálogo

com o texto escrito, apresentado em múltiplas formas. Embora a arte gráfica desempenhasse

papel preponderante, não raramente a palavra escrita, fosse sob a forma de legendas ou

diálogos em balões, assumia papel fundamental na construção de sentido. Texto e desenho se

complementam na constituição da obra do cartunista do Pasquim.

Com base nestas considerações, na sequencia propomos um exercício de análise dos

cartuns sobre o mundial em perspectiva de seus aspectos políticos e estéticos.

Excertos de relação entre estética e política nos cartuns do Pasquim

Embora o futebol estivesse longe de figurar como um argumento estranho ao Pasquim

– desde os primeiros números em 1969 foi presença recorrentemente –, a proximidade de um

evento como a Copa do Mundo intensificou a atenção designada a modalidade esportiva nas

páginas do semanário. Nos meses de maio, junho e julho, instante em que se desenrolava a

competição, o futebol ganhou evidência singular, principalmente se consideradas as

preocupações políticas do alternativo naquele momento. Comparado com outras

circunstâncias, o enfoque sobre o mundial adquiriu representatividade quantitativa ainda

maior.

Diversos aspectos relacionados ao evento foram contemplados em artigos e

comentários, específicos ou não, de diferentes jornalistas e colaboradores. Os cartunistas não

deixariam por menos, de modo que o futebol foi abordado em tirinhas, charges e ilustrações

em vários exemplares do semanário. Por exemplo: só no breve intervalo recortado para este

texto, o futebol foi motivo destacado na arte da capa de quatro edições subsequentes,

respectivamente os números 465, 466, 467 e 468.

As temáticas sobre as quais os cartunistas investiram foram igualmente variadas. Os

cartuns pasquinianos tomaram o futebol sob diferentes prismas, ocupando-se da seleção

brasileira e seus integrantes, dos dirigentes da CBF e do mundial em si. Também se

debruçaram sobre a importância concedida ao futebol no país, atentando para sua estreita

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relação com a população como elemento de forte conotação cultural. Contudo, foram para as

possibilidades relacionais da temática futebolística, sobretudo como forma metafórica de

crítica política e social, que os cartuns demonstraram maior apreço.

Como artefato artístico intencional, contendo uma preocupação estética evidente, é,

principalmente, no esforço relacional que reside parte da força de manifestação política dos

cartuns do Pasquim. Neste ponto, nos aproximamos das considerações do pensador Jacques

Rancière. O estudioso argelino, ao longo de diversas obras, discute as aproximações entre

estética e política, como estão atreladas a percepção sensível dos indivíduos e como se

manifestam na esfera da arte.

Para Rancière (2011a) a política não consiste, primariamente, no exercício do poder ou

na luta pelo poder (p.33). Ela é antes a atividade que (re)configura constantemente os marcos

sensíveis, elaborados a partir de um espaço específico de experiências, no seio dos quais se

definem objetos de interesse comuns e dependentes de uma decisão comum dos sujeitos

(RANCIÈRE, 2011a: p. 33). Ela atua na permanente redefinição do espaço e tempo dos

indivíduos, de suas formas de ser, de ver e de dizer, de sua participação na vida pública ou

privada (RANCIÈRE, 2011b: p. 62). Esta ação perene de redistribuição dos lugares, das

identidades, do visível e do invisível, da palavra e do silêncio, constituiu aquilo que o autor

denomina como partilha do sensível (RANCIÈRE, 2005), uma ação política fundamental.

La política consiste en reconfigurar el reparto de lo sensible que define lo común de

la comunidad, en introducir sujetos y objetos nuevos, en volver visible aquello que

no lo era y hacer que sean entendidos como hablantes aquellos que no lo eran

percibidos más que como animales ruidosos. (RANCIÈRE, 2011a: p. 35)

É precisamente no tocante à gestão das sensibilidades que arte e política se aproximam

de modo mais efetivo. O domínio destas relações sensoriais concerne a estética, pois é através

dos sentidos que tomamos contato com o sensível. No caso da produção artística gráfica, este

processo se desenvolve principalmente por meio da visualidade. Deste modo, a arte não se

torna política, em primeiro lugar, pelas mensagens e sentimentos busca transmitir sobre o

mundo. Tampouco a razão elementar consiste nas formas como representa a sociedade, seus

conflitos e as diferentes identidades. Ela se torna política, principalmente, pela maneira como

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lida com o sensível, pelo modo como opera um recorte material e simbólico, designando um

novo arranjo do espaço e do tempo (RANCIÈRE, 2011a: p. 33).

A partir desta percepção, buscamos, na sequencia da análise, pincelar alguns exemplos

em que estas duas dimensões de tratamento do sensível, a política e a estética, se fazem

presentes no material gráfico concebido e divulgado nas páginas do semanário. Neste ponto

optamos, dentro das várias possibilidades, em abordar algumas charges do semanário que se

direcionaram especificamente sobre a Copa como forma de criticar a ditadura argentina. De

modo geral, a maior parte dos cartuns problematizando o país sede se voltou para a

condenação do seu aparato autoritário e repressor, focando especialmente o desrespeito aos

direitos humanos, sempre que possível, reforçando o grande número de mortos atribuído a

ação repressiva da ditadura local.

Na edição 465 o semanário publicou um artigo de duas páginas referindo-se ao evento.

O título era sintomático: “No me tortures, por favor”4. Como um complemento, um pequeno

parêntese continha a seguinte explicação: “do pequeno vocabulário inglês-espanhol

distribuído ao turista da Inglaterra que vai a Copa, contendo frases básicas para um melhor

entendimento com os argentinos”. O artigo era assinado pelo jornalista brasileiro, erradicado

na França, Ricardo Acciaris, e contava com uma rápida introdução de Ziraldo.

A redação, bastante séria, discorria sobre as atividades do Comitê de Boicote ao

Mundial da Argentina – COBA – e as ações de sua campanha contra a realização da Copa sob

o governo militar5 (GILBERT, VITAGLIANO, 1998: p. 50; SEBRELLI, 2005: p. 191). No

decorrer do texto, o autor aborda diversos protestos direcionados à ditadura processista,

destaca as pressões exercidas sobre as autoridades argentinas por organizações no exterior e

repercute as acusações de violação aos direitos humanos, relatando as altas estimativas de

presos, mortos e desaparecidos.

4 No me tortures, por favor. Pasquim, Rio de Janeiro, n 465, p. 16-17, maio 1978. 5 O COBA (Comité de Boycott du Mundial de Football en Argentine) foi um dos movimento mais conhecidos na oposição perpetrada internacionalmente contra o Processo de Reorganização Nacional durante este período. Tomou forma na França, a partir da ideia lançada pelo pintor e escritor Marek Halter, em artigo publicado no jornal Le Monde. Não tardou para que a proposta ganhasse força, sendo rapidamente encampada por personagens e organizações de luta pelos direitos humanos e / ou engajados em perspectivas políticas de esquerda, espalhando-se logo por outros países europeus.

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Figura 1 – No me tortures, por favor.

Junto com o artigo escrito, a matéria veicula uma série de produções gráficas de

artistas e cartunistas europeus vinculados ao comitê, as quais, nas palavras de Ziraldo, iam

“contra este fantástico ópio do povo, cujo barato nós não conseguimos nos livrar”6. Alguns

trabalhos utilizaram-se dos símbolos do mundial, principalmente do emblema (figura 2) e do

mascote, Gauchito (figura 3). Os demais tomaram emprestadas outras referências ao mundo

esportivo para demarcar sua postura crítica (figura 4).

Figura 2 – No me tortures, por favor II

6 No me tortures, por favor. Pasquim, Rio de Janeiro, n 465, p. 16-17, maio 1978.

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Figura 3 – No me tortures, por favor III

O boicote foi tematizado, sobretudo nos cartazes, que se utilizaram da reconfiguração

do brasão da competição. A violência das prisões, tortura e execuções foi temática de outra

série de cartuns. As denúncias reportadas no artigo estão expostas através da visualidade dos

diferentes materiais gráficos. Mesmo sem figurarem como uma produção dos cartunistas da

casa ou de um de seus colaboradores regulares, a simples reprodução destas imagens pelo

semanário demonstra sua simpatia, e concordância com aquilo que expõe. Os idealizadores do

Pasquim acabam por exercer, de um modo intermediário, o papel de espectadores ao

selecionar e organizar as imagens de acordo com seus próprios filtros sensíveis, políticos e

estéticos, acabando por conceder-lhes uma interpretação, que se materializa na página do

jornal (figura 1). No caso destes desenhos, originalmente veiculados em outros espaços, é o

próprio reordenamento feito pelo alternativo, o local e cenário específico em que foram

publicados, que lhes remonta a um sentido político intencional.

As temáticas abordadas nesta matéria também se fizeram presentes em outros cartuns

em edições subsequentes do hebdomadário. Nas Dicas do número 468 duas charges

problematizavam a violência do governo militar argentino. Na página 7, por exemplo, Claudio

Paiva reproduziu um gesto peculiar no universo do futebol, o minuto de silêncio7 (figura 5).

Normalmente utilizado como forma de homenagem, o minuto de silêncio corresponde a um

gesto simbólico, onde o árbitro, os jogadores e demais presentes no estádio se manteriam

quietos e parados por um breve instante de tempo. O ato em questão corresponde a uma forma

de homenagem pública, comumente utilizada em solidariedade ao falecimento de algum

7 Dicas. Pasquim, Rio de Janeiro, n. 468, jun. 1978. p. 7.

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personagem, ligado ou não ao universo esportivo. Sem dúvida, esta ação curiosa detém uma

carga política e afetiva própria ainda pouco explorada, principalmente se tomarmos o futebol

como espetáculo publicamente partilhado.

Figura 4 – No me tortures, por favor

No desenho, o cartunista retratou os jogadores e o juiz no meio de campo, postados

com os braços para trás e os olhos cerrados, em uma postura solene. Aos seus pés estava a

bola, no centro do gramado.

O artista rompe a solenidade do ato através de uma fala, que remonta ao cochicho de

um dos jogadores: “a nossa sorte é que não vão dar um minuto de silêncio para cada um dos

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15 mil argentinos desaparecidos!”. O texto, claramente marcado pela ironia, exerce uma

função de sentido preponderante neste cartum. Além de tornar a situação representada mais

inidentificável ao citar textualmente o minuto de silêncio, tornando mais evidente a intenção

de representação visual impressa pelo autor na obra, é ele que atribui ao cartum o efeito de

sátira política. Não há uma referência visual notória que remeta à argentina, ao mundial ou

aos apregoados desaparecidos. Sem a fala o desenho poderia aludir uma partida de futebol

qualquer, sobretudo sob o olhar de um espectador descontextualizado.

Figura 5 – Minuto de silêncio.

O trabalho sobre a linguagem implícita ao minuto de silêncio também carrega uma

série de possiblidades sensíveis de interpretação do cartum. Ao demorarmos nosso olhar

sobre a obra, podemos, ingenuamente, questionar se haverá alguma menção a estes

desaparecidos durante o mundial. Se não há perspectiva de conceder um minuto de silêncio a

cada desaparecido, pode-se imaginar que exista a possibilidade de um único ato semelhante a

este ser direcionado a todos eles? Reconhecendo as referências ao regime, parece que uma

resposta restritiva se torna a opção mais óbvia.

Na página seguinte, de número 8, outro cartum abordaria a relação entre os abusos da

ditadura argentina e a Copa do Mundo. A charge de Marcon8 (figura 6) apresenta um desenho

subdividido em duas partes. Na primeira, acima, retrata a festa em um estádio de futebol logo

após o acontecimento de um gol. Concedendo uma maior identificação da localidade onde se

passava o jogo, várias bandeiras com o emblema da Copa de 1978 são agitadas ao fundo –

8 Dicas. Pasquim, Rio de Janeiro, n. 468, jun. 1978. p. 7.

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inclusive pelo próprio árbitro da partida. Na segunda parte, abaixo, estabelece um corte

horizontal do campo, mostrando uma série de corpos enterrados sob o gramado.

Diferenciando-se do exemplo anterior, a linguagem empregada é puramente visual. Não há

necessidade do texto para construção do sentido. Os códigos visuais empregados são

facilmente reconhecíveis. O contraste entre a situação apresentada nos dois planos é

prontamente exposta através da alternância entre uma tonalidade mais clara ou escura

predominante (GOMBRICH, 1999: p. 141-142).

Figura 6 – Marcon

Novamente os desaparecidos do regime argentino são tematizados, com a implicação

de suas prováveis mortes. Contudo para além da acusação e recriminação da violência

processista, o que salta aos olhos é o descaso ou desconhecimento dos personagens com

relação àquilo que se encontra sob os seus pés. Como se mostraria recorrente nas páginas do

alternativo9, estabelece-se uma crítica à alienação passional do futebol e seu uso político pela

ditadura argentina como forma de encobrir e desviar a atenção de seus crimes.

Embora tenhamos nos detido a uma rápida observação de alguns dos cartuns

veiculados nas páginas do Pasquim sobre a Copa de 1978, focalizando a crítica ao regime

ditatorial argentino, eles evidenciam alguns aspectos importantes quanto as possibilidades de

locução política a partir do futebol. Nos poucos exemplos examinados, tanto na produção

estrangeira atrelada ao COBA, quanto naqueles resultantes do trabalho dos cartunistas do

9 Devido as restrições de espaço inerentes a este texto, optou-se por não abordar outras produções gráficas do semanário tematizando o futebol e o mundial de 1978. Ainda assim, é interessante salientar que diversos cartuns problematizariam a popularidade do futebol no país; sua percepção com símbolo cultural singular e representativo da nacionalidade; e como metáfora para explorar o conturbado cenário sócio-político vivenciado no Brasil durante aquele momento.

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próprio semanário, a apreciação concedida ao futebol na figura do mundial se desenvolveu

como forma de crítica a sua apropriação política, exaltando a sua apreciação como forma de

alienação instrumentalizada pela ditadura processista. Assim, em um primeiro momento,

podemos incorrer na compreensão limítrofe desses cartuns, entendo-os somente como a

exasperação de uma determianda leitura sobre a modalidade esportiva já arraigada no espaço

social.

Nesses termos, uma consideração importante deve ser feita. Se o cartum, tal como um

quadro ou outra produção visual pictórica, possui a interpretação de sua intencionalidade

atrelada ao olhar do espectador, a simples discussão do futebol a partir de uma tematização

política lhe confere novos significados possíveis. Rancière argumenta que a política e a

estética são produtoras de dissenso, isto é, perturbam os diversos regimes de sensibilidade

comuns aos indivíduos (RANCIÈRE, 2011b, p. 61). Embora as imagens contenham uma

intenção ética por parte do semanário, sua apreciação também se move em sentido estético ao

problematizar o esporte sob o espectro de suas interpelações com o político. Assim, alterar as

formas de sensibilidade do futebol e da Copa do Mundo, ultrapassando as leituras esportivas

já estabelecidas, é também uma forma de politizá-lo para além da percepção restritiva da

alienação.

Ao se utilizar de símbolos próprios do universo esportivo / futebolístico, como o

mascote e o emblema do mundial, os cartunistas concedem-lhes novos significados, e

tencionam a percepção dos espectadores capazes de reconhece-los, de maneira a atribuir-lhes

novos e distintos sentidos. Deste modo, o tratamento direcionado sobre o futebol e a Copa da

Argentina, mesmo quando retratada como instrumento de manipulação política, assume novas

formas de percepção, principalmente uma tônica de crítica ao cenário político vigente no país

platino. Ao lidar com a experiência estética do espectador, o cartum transgrede as formas de

interpretação política previamente estabelecidas. O futebol, como elemento cultural de amplo

reconhecimento, se torna lugar de manifestações político-públicas diversas, inclusive na

oposição e questionamento do cenário político vigente.

Em consonância com tais constatações, a desinibição do periódico em denunciar a

ditadura argentina através do mundial enfatiza um aspecto importante em relação ao próprio

posicionamento do semanário dentro do contexto político brasileiro no momento. Embora

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ainda haja restrições flagrantes nas manifestações sobre a ditadura militar local, o mesmo não

parece se aplicar na abordagem do regime argentino. Paradoxalmente, a denúncia dos abusos

autoritários do Processo de Reorganização Nacional parecem desfrutar de relativa liberdade,

mesmo diante de suas similitudes, inclusive como instrumento crítico, com o quadro

brasileiro.

O debate político não esteve presente somente nos conteúdos das charges, quadrinhos

e ilustrações, mas nos diferentes caminhos que seus autores se valeram para alterar a

sensibilidade dos espectadores através do impacto visual. As múltiplas formas como os

cartuns se debruçaram sobre o mundial indicam a postura política de seus idealizadores,

tornando as suas obras em provocadoras de dissensos, justamente a superfície onde arte e

política tomam contato como formas de reconfigurar a experiência sensível comum

(RANCIÈRE, 2011b, p. 65), sobretudo do leitor / intérprete do semanário. A utilização de

variados artifícios por parte de cada cartunista remete a diferentes tentativas de construir

novas sensibilidades narrativas na percepção dos cartuns.

Deste modo, a despeito de lidar com distintas técnicas de confecção e formas diversas

representação das temáticas abordadas, o sentido de crítica política, seja ao futebol, a Copa do

Mundo, as ditaduras, ou a própria politização da sociedade, permanece como foco central das

imagens analisadas. Entretanto, a proeminência de uma intenção política inicial não garante

que o sentido desejado seja incorporado pelo leitor. Afinal, a própria abundância da

experiência estética permite a eclosão de percepções diversas por parte do espectador. O jogo

interpretativo faz parte do processo. Retomando as palavras de Rancière, “uma arte crítica é

uma arte que sabe que seu efeito político passa pela distância estética. Sabe que este efeito

não pode ser garantido, que suporta sempre uma parte indecidível” (RANCIÈRE, 2011b, p.

84). Sem dúvida, esta polissemia indeterminável se faz notar na arte gráfica do Pasquim sobre

a controversa Copa do Mundo de 1978.

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