simpósio nacional de história - snh2011.anpuh.org · modernizar a estrutura física da cidade e...

10
Associação Nacional de História – ANPUH XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA - 2007 “A arte de embelezar as cidades”: O uso da eletricidade na construção de novas paisagens Alenuska Andrade * Resumo: A cidade do Natal nos anos 1920 experimentou um processo de modernização que edificou paisagens e estimulou novas formas de viver na cidade. Segundo essa noção de progresso, a natureza dentro da cidade devia ser ordenada, construíram-se passeios públicos, praças e planos urbanísticos foram elaborados conforme modelos importados. Tais ações tinham o intuito de fazer emergir novas paisagens na cidade – salubres, belas e iluminadas. Este estudo busca analisar como o uso da eletricidade, e dos equipamentos que dela dependiam, contribuiu para introduzir em Natal um embelezamento que seguia os valores estimados entre os séc. XIX e XX. Postes de iluminação, bondes e relógios, receberam elementos aplicados à arte de embelezar os espaços urbanos. A associação entre técnica e estética propiciou aos habitantes da cidade novas formas de fruição da paisagem. Palavras-chaves: Eletricidade – Cidade – Progresso. Abstract: The city of Natal around years 1920 tried a modernization process that built landscapes and it stimulated new forms of living in the city. In these progress idea, the nature inside of the city it should be ordered, was build public spaces of amusement for people and urbanistic plans were elaborated according to imported models. Those actions had an objective construct new landscape in the city – salubrious, beautiful and illuminated. This study to analyze as the use of the electricity and of the equipments that depended it contributions to introduce in Natal an embellishment that followed the estimated values among the 19 th century and 20 th century. Illumination posts, trolleys and clocks, received applied elements to the art from beautifying the urban spaces. The association between technique and aesthetics propitiated the inhabitants of the city new forms of fruition of the landscape. Keywords: Electricity – City – Progress. “É o humor de quem olha que dá forma à cidade” (CALVINO, 1990: 64). Desde o século XIX os viajantes ao passarem por Natal observavam uma cidade em devir Um estrangeiro que, por acaso, venha a desembarcar nesse ponto, chegando nesta costa do Brasil, teria uma opinião desagradável do estado da população nesse país, porque, se lugares como esse são chamados de cidades, como seriam as vilas e aldeias? Esse julgamento não havia de ser fundamentado e certo porque muitas aldeias, no Brasil mesmo, ultrapassam esta cidade, o predicamento não lhe foi dado Mestranda do Programa de Pós-graduação em História e Espaços da UFRN.

Upload: truongxuyen

Post on 11-Dec-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Associação Nacional de História – ANPUH

XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA - 2007

“A arte de embelezar as cidades”: O uso da eletricidade na construção de novas paisagens

Alenuska Andrade∗

Resumo: A cidade do Natal nos anos 1920 experimentou um processo de modernização que edificou paisagens e estimulou novas formas de viver na cidade. Segundo essa noção de progresso, a natureza dentro da cidade devia ser ordenada, construíram-se passeios públicos, praças e planos urbanísticos foram elaborados conforme modelos importados. Tais ações tinham o intuito de fazer emergir novas paisagens na cidade – salubres, belas e iluminadas. Este estudo busca analisar como o uso da eletricidade, e dos equipamentos que dela dependiam, contribuiu para introduzir em Natal um embelezamento que seguia os valores estimados entre os séc. XIX e XX. Postes de iluminação, bondes e relógios, receberam elementos aplicados à arte de embelezar os espaços urbanos. A associação entre técnica e estética propiciou aos habitantes da cidade novas formas de fruição da paisagem.Palavras-chaves: Eletricidade – Cidade – Progresso.

Abstract: The city of Natal around years 1920 tried a modernization process that built landscapes and it stimulated new forms of living in the city. In these progress idea, the nature inside of the city it should be ordered, was build public spaces of amusement for people and urbanistic plans were elaborated according to imported models. Those actions had an objective construct new landscape in the city – salubrious, beautiful and illuminated. This study to analyze as the use of the electricity and of the equipments that depended it contributions to introduce in Natal an embellishment that followed the estimated values among the 19th century and 20th century. Illumination posts, trolleys and clocks, received applied elements to the art from beautifying the urban spaces. The association between technique and aesthetics propitiated the inhabitants of the city new forms of fruition of the landscape.Keywords: Electricity – City – Progress.

“É o humor de quem olha que dá forma à cidade” (CALVINO, 1990: 64).

Desde o século XIX os viajantes ao passarem por Natal observavam uma cidade

em devir

Um estrangeiro que, por acaso, venha a desembarcar nesse ponto, chegando nesta costa do Brasil, teria uma opinião desagradável do estado da população nesse país, porque, se lugares como esse são chamados de cidades, como seriam as vilas e aldeias? Esse julgamento não havia de ser fundamentado e certo porque muitas aldeias, no Brasil mesmo, ultrapassam esta cidade, o predicamento não lhe foi dado

Mestranda do Programa de Pós-graduação em História e Espaços da UFRN.

pelo que é, ou pelo que haja sido, mas na expectativa do que venha a ser1 para o futuro (KOSTER, 2003:119 ).

George Dantas cita outros olhares, ou relatos, como o dos naturalistas Spix e

Martius, os quais entre 1817 e 1820 registram que “a cidade de Natal, é a mais insignificante

entre as cidades da costa norte do Brasil (‘Cidade – não há tal’, dizem os vizinhos)”. Para

Dantas interessa a forma como estes relatos foram apropriados na historiografia, e como

ajudaram a legitimar os anseios de modernização urbana das elites locais, com intuito de

edificar novas paisagens, em oposição às herdadas do período colonial. Neste sentido, cabe o

uso da expressão “desconstrução da cidade colonial” para explicar os melhoramentos que

visavam modernizar a estrutura física da cidade e, principalmente, visavam o abandono de

“um conjunto de significados” como “Atraso, ignorância, indolência, insalubridade, falta de

ordem”, temas recorrentes nos discursos sobre o espaço colonial brasileiro (DANTAS, 2004:

61-62).

Natal foi um lugar que já nasceu cidade em fins do século XVI (CASCUDO,

1999: 50), mas que chega ao século XX constituída por apenas dois bairros – Cidade Alta e

Ribeira. O resto era apenas “expectativa do que venha a ser”.

A cidade se reconstrói a partir dos desejos e dos atos humanos. Igualmente sua

forma é imposta pelos anseios e invenções dos homens, produtores e consumidores do espaço. As

elites dirigentes estão entre os produtores do espaço, para estes “há a projeção de uma ‘cidade que se

quer’, imaginada e desejada, sobre a cidade que se tem” (PESAVENTO, 1995: 283). Concretizada ou

não, a “cidade do desejo” simboliza as concepções de quem a projetou, de quem a sonhou.

As elites políticas, econômicas e intelectuais das primeiras décadas do século XX

em Natal foram agentes “produtores de espaço”, produziram uma “cidade do desejo”.

Esse período marca o princípio de ações sistematizadas do Estado na produção do

espaço urbano. Tais ações, influenciadas pelos princípios higienistas vigentes à época

promoveram melhoramentos pontuais e a criação de normas e prescrições legais que visavam

modernizar a estrutura física da cidade e ainda incentivar novas práticas, novos usos dos

espaços.

Entre meados do século XIX e início do XX disseminousse a idéia de progresso

civilizatório, baseado na crença de que o avanço da ciência e da tecnologia possibilitaria o

triunfo da modernidade (HOBSBAWM, 1988).

O progresso era apoiado em um substrato material, marcado pelo aumento da

produção de bens e equipamentos, desenvolvimento das indústrias, utilização de novas fontes

de energia (gás, eletricidade), além do crescimento da população residente nas cidades. 1 Grifo nosso.

2ANPUH – XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – São Leopoldo, 2007.

Transformações que produzem as bases para o desenvolvimento da sociedade capitalista.

Como afirma Hobsbawm no final do XIX “a economia muda de marcha”, aumenta seu ritmo

de produção e anuncia eventos que se manifestarão com intensidade no século XX.

(HOBSBAWM, 1988).

As mudanças estruturais da sociedade tinham que se refletir no espaço urbano. A

cidade de Paris, radicalmente reformada pelas ações empreendidas por Haussmann, entre

1853 e 1870, inaugura um novo ideal de modernidade urbanística (que dá ênfase a construção

de grandes vias e a circulação) e torna-se modelo desse ideal (ORTIZ, 1991).

Segundo essa noção de progresso, a natureza dentro da cidade devia ser ordenada,

construíram-se passeios públicos, praças, balaustradas e planos urbanísticos foram elaborados

conforme modelos importados. Um conjunto de mudanças que tinham o intuito de fazer

emergir novas paisagens na cidade – salubres, belas e iluminadas.

Paisagens que exibissem os novos tempos, que possibilitassem um modo de vida

moderno. Pesavento diz que o “progresso era algo possível de ser verificado: máquinas novas,

inovadores processos, inventos surpreendentes modificavam o mundo” (1997: 15).

Este estudo busca analisar como o uso da eletricidade, e por sua vez dos

equipamentos que dela dependiam, contribuiu para introduzir na capital do Rio Grande do

Norte um embelezamento que seguia os valores que vigoraram entre os séculos XIX e XX.

Construindo novas paisagens

Em 1901 foi proposto o primeiro projeto2 de urbanização da cidade de Natal, o de

construção do bairro Cidade Nova, cujo próprio nome é representativo dos desejos das elites

governantes de negação da cidade existente, e da expectativa de Natal como uma cidade do

futuro:

O Governo Municipal comprehendeu as vantagens e futuro grandioso da Cidade Nova, como bairro desta capital destinado a ser o nucleo da grande cidade que, neste seculo será Natal, talvez uma das maiores do Brasil, uma das cidades importantes do mundo.

(...)

O governo municipal está seriamente empenhado nesse problema patriotico da construcção de uma cidade que seja o futuro padrão da gloria norte riograndense (A REPUBLICA, 1902: 1).

Foi grande a repercussão na impressa local a proposta desse bairro, são muitas as

matérias que tratam do assunto nos principais jornais do período, o A República (órgão oficial

do governo do estado) e O Diário de Natal (jornal oposicionista). Estes travaram um

confronto em torno da construção do novo bairro, que pode ser percebido como reflexo de

2 Elaborado pelo técnico agrimensor Antônio Polidrelli, esse Plano deu origem aos atuais bairros de Petrópolis e Tirol.

3ANPUH – XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – São Leopoldo, 2007.

uma luta de interesses e forças políticas na disputa pelo poder. Contudo, cumpre neste texto

entender como o desejo de modernização da cidade divulgado na impressa local ajudou a

embelezar o cenário urbano. Nesse sentido, cabe observar que a proposta do novo bairro

atendia aos anseios das elites locais de construir e reformular a cidade, tendo em vista os

ideais estéticos do início do século XX, os quais eram fundamentados na relação saúde e

beleza3 – característica do urbanismo influenciado pelos paradigmas higienistas no início do

século. Nos jornais da época é comum encontrar a associação saúde e beleza:

A belleza, diz è como o talento um dote que a arte aperfeiçoa; e a primeira condição da belleza é a saude (...) Traça então um quadro para fazer resaltar o contraste do corpo são e do corpo enfermo; mostra como no primeiro há luzx, cor, brilho, vida. No segundo indolencia, alquebramento. Refere-se á hygiene, como poderoso elemento de belleza, e quando diz "hygiene, tem em mente apenas as leis fortes que nos foram legados pelos antigos" (NETO, 1906: 2).

Para alcançar o embelezamento e a higienização, a elite política local elaborou leis

e medidas disciplinares dos hábitos da população4, de modo a enquadrar a cidade nos padrões

que estavam sendo dotados por outras capitais brasileiras. Como por exemplo, o Rio de

Janeiro, cujo espaço urbano foi remodelado na administração prefeito Pereira de Passos

(1901-1904)5.

Natal chega aos anos 1920 ainda com os princípios higienistas continuando a

direcionar as intervenções, as elites locais continuaram a rogar a necessidade de equipar os

espaços e investir em novos serviços urbanos. Nesse período, devido a sua posição

geográfica, Natal é elevada a um patamar de destaque na aviação brasileira e internacional –

daí porque Natal foi chamada de “Caes da Europa”6:

Natal é uma cidade que vem se embellesando á medida que o seu progresso commercial, industrial e cultural se alarga, se engrandece e vae ecoar nos rincões mais afastados do paiz. Caes da Europa - para onde convergem todos os enthusiasmos, todas as maiores manifestações de trabalho humano nessa época de aviões e eletricidade - foco irradiador das maiores ideaes liberaes que revolucionam o mundo - capital do feminismo e metropole dos aeroplanos - cidade - vida, cidade movimento - não seria admissivel que Natal não assimilasse a vertigem dynâmica que impulsiona o globo para maiores e mais formidaveis conquistas (O URBANISMO natalense, 1928:1 – Grifos nosso).

3 Acerca da relação saúde e beleza ver capítulo 5 de: ARRAIS, Raimundo P. A., O pântano e o riacho, 2001. 4 Relacionar higiene e educação foi uma tarefa realizada por muitos pesquisadores que se debruçaram sob a temática da construção da cidade moderna brasileira e, em especial, a importância da atuação dos médicos, engenheiros e educadores nesse processo. Ver HERSCHMANN, Micael M., PEREIRA, Carlos A. M. A Invenção do Brasil Moderno: Medicina, Educação e Engenharia nos anos 20-30. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.5 Sobre os casos da modernização de Porto Alegre e Rio de Janeiro ver PESAVENTO, S. J. O imaginário da Cidade: visões literárias do urbano: Paris, Rio de Janeiro, Porto Alegre. Porto Alegre: EDUFRGS, 1999. E sobre a cidade de Recife ver ARRAIS, R. Recife, Culturas e Confrontos: As camadas urbanas na campanha salvanista de 1911. Natal: EDUFRN, 1998. 6 Leia-se: DANTAS, George. Natal “caes da Europa”: o Plano Geral de Sistematização no contexto da modernização da cidade (1929-30). Monografia (Graduação em Arquitetura e Urbanismo) – DARQ, CT, UFRN, 1998.

4ANPUH – XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – São Leopoldo, 2007.

No Brasil os anos 1920 são marcados por uma intensificação das discussões sobre

a modernização das cidades. Nicolau Sevcenko analisa os “frementes” anos 20 como

momento onde “a cidade viraria ela mesma a fonte e o foco da criação cultural, se tornando

um tema dominante explícita ou tacitamente, para as várias artes” (SEVCENKO, 1992: 18).

Neste contexto se insere a administração municipal do engenheiro Omar O’Grady

(1924-1930). Período de intensificação das obras de saneamento, drenagem, abertura e

pavimentação de ruas, reforma da rede de água, projetos de arborização como o da Praça

Pedro Velho. A continuação da matéria intitulada “O urbanismo natalense” ressalta essa

intensificação:

Assim vão nascendo e se refazendo as ruas de Natal. As suas largas e arejadas avenidas são um lindo e maravilhoso esforço de trabalho constructor. O prefeito Omar O'Grady, é, de facto, um dirigente activo e operoso, que comprehende o sentido modernista dos grandes centros urbanos. E Natal deve a Omar O'Grady a impressão consoladora de vida nova, de rythmos fecundos e promissores que a capital potyguar offerece aos viajantes que transitam em nosso porto (...), Natal há de progredir, há de engrandecer-se, há de ser a legitima capital do Nordeste e da potyguarania (A REPUBLICA , 1928: 1).

Pedro Lima afirma que na década de 1920 “Natal viveu uma espécie de belle

époque, com ações públicas voltadas para a educação, atividades artísticas e culturais. Junto

com a ordenação física da cidade” (2006: 112). Neste momento, a ordenação física e a

expansão da cidade necessitavam ser organizados. Era, portanto de um plano urbanístico que

a cidade carecia:

O plano de construção para as cidades e villas, o 'city planning' dos americanos, marcha de par como progresso de arquitectura domestica e com o progresso de todas as coisas. Cada um se convence que não deve interessar na casa sem que se interesse tambem nas ruas e na cidade. (...) A epoca automobilistica inicia uma grande epoca de transformação nos centros de população do paiz, pela maior perfeição outorgada ao transporte e às relações humanas em geral. (...) Não se reclama apenas canalizações apropriadas, systema adequado de distribuição de aguas, de banhos, de luz, de eletricidade. Não; tudo isso já constitue quase que um dever das municipalidades em face dos progressos modernos. Quer se mais ainda: o ar puro, a campina, arvores pelo menos, alcatifas de verdura, flores no inverno como no calor magico da primavera (DANTAS, Christovam, 1923: 01).

Intervenções pontuais não eram suficientes para promover o progresso, só a

elaboração de planos urbanísticos poderia direcionar e controlar a expansão da cidade,

promover a adaptação do espaço ao transporte automobilístico e garantir a ordenação da

natureza, para desse modo assegurar o verdadeiro embelezamento da cidade. Por isso o título

da matéria era “A arte de embelezar as cidades”7.

O olhar depende de luz: o belo depende de luz

7 Em 1929, fins do governo de Omar O’Grady é elaborado o Plano Geral de Sistematização de Natal, pelo arquiteto Giacomo Palumbo.

5ANPUH – XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – São Leopoldo, 2007.

As exposições universais que aconteceram na passagem do século XIX para o XX

são representativas do ideário de construção da civilização moderna. A cidade tinha de ser

dotada dos avanços tecnológicos; as áreas centrais ganhavam destaque e a cidade assumia a

obrigação de atestar o progresso, de educar pelo exemplo da salubridade, da ordem, como

também se tornava o centro produtor de riquezas e centro de produção artística das

vanguardas.

A energia elétrica foi a grande atração das Exposições Universais do final do

século XIX, por exemplo, a Exposição de Paris de 1881 foi conhecida também como

Exposição Internacional da Eletricidade. As exposições tinham o objetivo de expor e exaltar

tudo que representasse o moderno. Assim, foi “efetivo o interesse da eletricidade como

‘moderna’ fonte de energia”. Afinal, “esta nova fonte de energia representou uma versão

‘moderna’ de ciência, capaz de produzir efeitos que ‘anteriormente’ eram associados à magia”

(ROCHA, 1997:5).

Nas “passagens”, espaço de contemplação, do consumo e do “flâneur”, enfim, a

iluminação tinha papel de destaque no palco de modernidade do século XIX que era a cidade,

“cenário onde pela primeira vez se pode apreciar a iluminação a gás” (BENJAMIM, 1984:

06). Assim, a iluminação fez parte do espetáculo da modernidade das cidades, como um

elemento a ser a apreciado por aquele que passeia e deleitasse com as paisagens.

Na Natal das três primeiras décadas do séc. XX essa noção de progresso

implicava em construir um meio urbano livre das epidemias e dentro dos princípios de

salubridade, como também promover o embelezamento e uma maior dinâmica urbana,

introduzindo serviços urbanos de transporte (bonde elétrico) e iluminação – introduzida em

1911. Neste contexto, os serviços elétricos atuaram também como ornamentos nos espaços de

passeio público.

6ANPUH – XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – São Leopoldo, 2007.

Imagem 1: Praça André de Albuquerque. Fonte: DANTAS, 1998.

Postes de iluminação, bondes e relógios que usavam a eletricidade como força

motriz, recebiam elementos estéticos e compunham o cenário dos passeios, jardins e avenidas.

Ou seja, contribuíam ao aformoseamento da cidade.

Peter Hall ocupa-se do movimento “city beautiful” e afirma que este “teve suas

origens oitocentistas nos bulevares e passeios públicos das grandes capitais européias”,

citando como exemplos clássicos a reconstrução de Paris empreendida por Haussmann e a

construção coetânea da Viena Ringstrasse (1995: 207).

Seguindo a tendência nacional de usar os modelos urbanísticos da reforma de

Paris como referência, fazia-se preeminente a construção de jardins e passeios públicos em

Natal, sobre a construção desses espaços Arrais afirma que “os jardins, espaços públicos

dotados de arborização, bancos, chafarizes e pequenas edificações como kiosques japoneses

ou pagodes chineses (tributos prestados ao espírito cosmopolita do fim de século), estátuas e

monumentos, proporcionavam aos moradores um ambiente público aprazível para passeios e

deleite artístico com as exibições das bandas de música” (2007:10).

Ainda de acordo com este autor, para que o jardim “desempenhasse plenamente

sua função, proporcionando um local de passeio” ele “necessitava de um complemento

indispensável: o meio de iluminação que fascinara o século, proporcionado pela energia

elétrica” (ARRAIS, 2007: 07).

7ANPUH – XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – São Leopoldo, 2007.

Imagem 2: Avenida Tavares de Lyra, década de 1910. Fonte: DANTAS, 1998.

Jardins, praças, novas avenidas e passeios públicos, a cidade ganha espaços que

anunciavam o progresso. Barros reflete sobre a idéia da cidade como um artefato,“o maior

artefato produzido pelo homem” (2007: 21), e assim a “cidade deve muito de seu poderoso

impacto no imaginário social ao atributo de poder ser contemplada” (2007: 22).

Os espaços públicos da cidade do Natal, no início do século XX, estavam à espera

que o olhar contemplativo dos homens buscasse seus adornos, como os inseridos aos postes

de iluminação da Avenida Tavares de Lyra (imagem 2).

A cidade “como uma obra de arte” que “inclui dentro de si muitos e muitos

objetos e produtos artísticos, (...) na sua inteireza” é “como um objeto artístico por ela

mesma” (BARROS, 2007: 27). A iluminação pública, relógios movidos à eletricidade, e

letreiros iluminados faziam parte desses “muitos e muitos objetos” de que fala Barros. Arrais

diz ainda que “espalhada nos jardins e nas avenidas, a iluminação elétrica era o inegável sinal

do progresso, (...) e foi apresentada aos moradores da cidade suspensa nos receptáculos

forjados na leveza do art nouveau presos aos postes alinhados ao longo das avenidas, num

enlaçamento entre adorno artístico e progresso técnico” (ARRAIS, 2007: 07).

De fato, em matérias do jornal A Republica sobre o projeto de embelezamento da

Avenida Atlântica, “com passeios amplos e muros balaustrados - beneficiando uma

panorâmica de Natal" (O GOVERNO do municipio,1925: 2), a iluminação aparece como um

dos elementos necessários, junto ao calçamento e balaustradas.

O uso contínuo da luz artificial representou uma mudança na imagem da cidade.

À noite, como num passe de mágica, uma cidade distinta e sedutora surgia. O que imprime na

8ANPUH – XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – São Leopoldo, 2007.

arquitetura da época novas perspectivas, representadas na busca da transparência, com o

intuito de unir a iluminação do interior das construções à luz externa, fazendo as construções

brilharem, efeito possível a partir da utilização do vidro outro grande invento da modernidade

(DETHIER & GUIHEUX, 1994: 50). O uso de novos materiais, como o ferro e o vidro, nas

construções exaltavam o grau de progresso da mente humana e da sociedade (PESAVENTO,

1997: 74).

Considerações Finais

Assente em bases do final do séc. XIX, a cidade passou a ser vista também como

lugar de exibição burguês, independente da atividade, trabalho ou passeio. Pegar o bonde

elétrico e percorrer as ruas proporcionava o deleite das paisagens urbanas. É no urbano que se

vive à modernidade e os espaços são construídos para permitir a apreciação dos novos

inventos da humanidade (máquinas e produtos).

As novas tecnologias eram caras mercadorias, por isso para consolidar o desejo de

progredir, de viver conforme o modo de agir moderno, o urbano se torna palco do espetáculo

da modernidade e para tanto, tinha de ser belo.

O estudo da cidade do Natal nas três primeiras décadas do século XX evidencia

uma valorização da eletricidade, enquanto invenção moderna, capaz de embelezar os espaços.

Estética e técnica proporcionavam funcionalidade em um ritmo dinâmico e veloz.

Fontes:

A REPÚBLICA. N. 121, ANO XXXVII, 30/05/1925, p. 1.

DANTAS, Christovam. Impressões da America - A arte de embelezar as cidades. A

Republica, n. 196, ano XXXV, 12/07/1923.

GOVERNO do Município. A República. n. 113, ano XXXVII, 21/05/1925.

NETO, Coelho. A arte de ser bella. Diario de Natal, n. 3076, ano XV. 20/11/1906.

O URBANISMO Natalense. A República, 28/07/1928, n. 167.

Bibliografia:

ARRAIS, R. O mundo avança!: os caminhos do Progresso na cidade do Natal no início do

século XX. In: BUENO, Almir (Org.). Revisitando a história do Rio Grande do Norte.

Natal-RN: EDUFRN, 2007. (No prelo)

9ANPUH – XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – São Leopoldo, 2007.

BARROS, J. D’A. Cidade e História. Petrópolis-RJ: Vozes, 2007.

BENJAMIM, W. Paris, capital do século XIX. Espaços & Debates: revista de estudos

regionais e urbanos. São Paulo, ano 4, n. 11, 1984.

CALVINO, I. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

CASCUDO, L. da C. História da cidade de Natal. 3. ed. Natal: RN Econômico, 1999.

DANTAS, G. Linhas convulsas e tortuosas retificações: transformações urbanas em natal

nos anos 1920. Dissertação. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/USP, São Carlos/SP,

2004.

DETHIER, J., GUIHEUX, A. Visiones Urbanas: Europa 1987 – 1993: La ciudad del artistas:

La ciudad del arquitetos. Madrid: Centre de Cultura Contemporània de Barcelona, 1994.

HALL, P. Cidades do Amanhã: uma história intelectual do planejamento e do projeto

urbanos no século XX. São Paulo: Editora Perspectiva S.A., 1995.

HOBSBAWM, E. J. A era dos impérios: 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

KOSTER, H. Viagens ao Nordeste do Brasil. 12. ed. Fortaleza: ABC Editora, 2003.

LIMA, P. Luís da Câmara Cascudo e a questão urbana em Natal. Natal: EDUFRN, 2006.

PESAVENTO, S. J. Muito além do espaço: por uma história cultural do urbano. Estudos

Históricos. Rio de Janeiro, v. 8, n. 16, 1995.

ROCHA, A. A sedução da luz: Eletrificação e imaginário no Rio de Janeiro da Belle Èpoque.

Revista de História Regional. v. 2. n. 2. 1997. (http://www.rhr.uepg.br/v2n2/amara.htm).

10ANPUH – XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – São Leopoldo, 2007.