silveira - principios do direito ambiental

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Atualidades acerca dos princípios do Direito Ambiental

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  • 1PRINCPIOS DO

    DIREITO AMBIENTAL

    atualidades

  • 2FUNDAO UNIVERSIDADE

    DE CAXIAS DO SUL

    Presidente:

    Roque Maria Bocchese Grazziotin

    Vice-Presidente:

    Orlando Antonio Marin

    UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

    Reitor:

    Prof. Isidoro Zorzi

    Vice-Reitor:

    Prof. Jos Carlos Kche

    Pr-Reitor Acadmico:

    Prof. Evaldo Antonio Kuiava

    Coordenador da Educs:

    Renato Henrichs

    CONSELHO EDITORIAL DA EDUCS

    Adir Ubaldo Rech (UCS)

    Gilberto Henrique Chissini (UCS)

    Israel Jacob Rabin Baumvol (UCS)

    Jayme Paviani (UCS)

    Jos Carlos Kche (UCS) presidente

    Jos Mauro Madi (UCS)

    Luiz Carlos Bombassaro (UFRGS)

    Paulo Fernando Pinto Barcellos (UCS)

  • 3PRINCPIOS DO

    DIREITO AMBIENTAL

    atualidades

    EDUCS

    Clvis Eduardo Malinverni da Silveira(Organizador)

  • 4 Editora da Universidade de Caxias do SulRua Francisco Getlio Vargas, 1130 CEP 95070-560 Caxias do Sul RS BrasilOu: Caixa Postal 1352 CEP 95020-970 Caxias do Sul RS BrasilTelefone / Telefax: (54) 3218 2100 Ramais: 2197 e 2281 DDR: (54) 3218 2197www.ucs.br E-mail: [email protected]

    Reviso: Izabete Polidoro Lima

    Editorao: Trao Diferencial

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)Universidade de Caxias do Sul

    UCS BICE Processamento Tcnico

    P957 Princpios do direito ambiental [recurso eletrnico] : atualidades / org. ClvisEduardo Malinverni da Silveira Dados eletrnico Caxias do Sul, RS:

    Educs, 2012......................................................................249 p.; 21 cm.

    Apresenta bibliografiaISBN 978-85-7061-683-8Modo de acesso: World Wide Web.

    1. Direito ambiental Brasil. I. Silveira, Clvis Eduardo Malinverni da,1979-.

    CDU 2. ed.: 349.6(81)(0.034.1)

    ndice para o catlogo sistemtico:

    Catalogao na fonte elaborada pelo bibliotecrioMarcelo Votto Teixeira CRB 10/1974

    Direitos reservados :

    1. Direito ambiental Brasil 349.6(81)(0.034.1)

    EDUCS

    c dos organizadores

  • 5Apresentao / 7

    PRINCPIOS ESTRUTURANTES DO DIREITO AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTOSUSTENTVEL

    O princpio do desenvolvimento sustentvel na poltica nacional deresduos slidos / 9

    Kamila Guimares De Moraes

    PRECAUO E NVEL ELEVADO DE PROTEO ECOLGICAA livre circulao de organismos geneticamente modificados e as clusulasde salvaguarda: dois casos analisados sob a perspectiva do princpio daprecauo na unio europeia / 41

    Bruno MouraMatheus Almeida Caetano

    PRECAUO, DIREITO FUNDAMENTAL AO AMBIENTE E EQUIDADE INTERGERACIONALDesenvolvimento das nanotecnologias, precauo e o direito ao meioambiente ecologicamente equilibrado / 77

    Arton Guilherme Berger FilhoWilson Engelmann

    PROIBIO DO RETROCESSO ECOLGICOO direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibradonos 20 anos da constituicao brasileira: uma anlise da clusula da proibiodo retrocesso ecolgico a partir de casos concretos / 99

    Carolina Medeiros BahiaFbio Fernandes Maia

    PRESERVADOR-RECEBEDORPrincpio do preservador-recebedor: contribuies para a consolidaode um novo princpio de direito ambiental a partir do sistema depagamento por servios ambientais / 125

    Alexandre Altmann

    Sumrio

  • 6SOLIDARIEDADE E DIREITO FUNDAMENTAL AO AMBIENTEO direito suprapositivo de gustav radbruch representado pelo princpioda solidariedade no contexto ambiental / 163

    Pavlova Perizzollo Leonardelli

    SUBSIDIARIDADE

    Aplicabilidade do princpio da subsidiariedade na proteo ambientaldos recursos hdricos quanto destinao do lixo industrial / 181

    Christiane Helosa Kalb

    PREVENO E PRECAUOPrincpio da precauo no direito ambiental: a utilizao de transgnicosna agricultura brasileira / 199

    Natlia Silveira Canedo.Pedro Felippe Tayer Neto

    DIREITO FUNDAMENTAL AO AMBIENTE E ESTADO SOCIOAMBIENTAL DE DIREITOAlgumas consideraes acerca do direito fundamental ao meio ambientesadio e ecologicamente equilibrado no contexto do estado democrtico esocioambiental de direito / 225

    Luclia Simioni Machado

  • 7Apresentao

    Diz-se dos principios de Direito Ambiental, expressos ou implcitosnos textos legais, que tm por finalidade cristalizar valores e orientar acompreenso desta disciplina jurdica, auxiliar na interpretao das normasao suprimir lacunas e solver antinomias, conferir logicidade ao sistema deproteo do patrimnio ecolgico e servir como inspirao para a atividadeadministrativa, legislativa e judicial.

    O estgio hodierno da cultura jurdica tende a transformar os princpiosestruturantes em verdadeiros campos de batalha, no plano terico/acadmico e no plano jurisprudencial. A soluo de questes complexase/ou controversas pauta-se, com grande frequncia, na aplicao dosprincpios estruturantes, em meio ao discurso contemporneo da incertezae da linguagem do risco,bem como em razo das cartersticas do bem a sertutelado e do feixe de interesses e relaes jurdicas que sobre ele incidem.

    A presente obra compila textos acadmicos redigidos por mestres/doutores e, sobretudo, por mestrandos/doutorandos, pesquisadores emDireito Ambiental que problematizam a incidncia dos princpios emtemticas ecolgicas especficas, objeto de pesquisas em andamento. Sotratadas questes atuais sobre osentido jurdico destes princpios, seja emregistro disgnstico ou prognstico, em torno de uma considervel variedadede temas.

    A fim de resguardar e sublinhar a transversalidade dos temas optou-sepor no dividir a obra em partes ou blocos de assuntos. Para orientar oleitor, o ttulo de cada captulo precedido pelo enunciado dos princpiosque sero ali abordados, o qual serve tambm como indicador de conexesposssveis entre os textos e entre as temticas. Ademais, a compilao nofoi orientada por nenhuma proposta ideolgica bem definida, o que tornapossvel encontrar escritos bastante diversificados e at contrapostos. Oque constituiria um defeito em outro contexto, aqui se justifica, j que opropsito o de coligir atualidades.

  • 8Uma forma interessante de ler estes trabalhos observar a tensoentre o discurso acadmico e a eficcia jurisdicional dos enunciados empauta, no sentido de colocar em evidncia aquilo que se pode deles esperar:at que ponto justificvel conceb-los como parmetros concretos dedeciso, como metas viveis, ou to somente como slogans. Espera-se que,dentro do seu alcance, os trabalhos a seguir ajudem a esclarecer algo arespeito do significado atual da principiologia jusambientalista, e que sirvamcomo material de reflexo crtica aos estudiosos da matria.

    Clvis Eduardo Malinverni da SilveiraDoutor e Mestre em Direito pela Universidade

    Federal de Santa Catarina (UFSC) e Professor nos cursosde mestrado e graduao da Universidade de Caxias do Sul (UCS).

  • 9Sumrio: Introduo. Estado de Direito Ambiental e seusprincpios estruturantes. A teoria do desenvolvimentosustentvel. Juridicizao da noo de sustentabilidade noordenamento nacional: o princpio do desenvolvimentosustentvel na Poltica Nacional de Resduos Slidos.Consideraes Finais. Referncias.

    Introduo

    A atual crise ambiental vivida, evidenciada principalmente a partirda segunda metade do sculo XX, incitou o surgimento de novos direitosfundamentais, capazes de tutelar o direito ao meio ambiente sadio e qualidade de vida, os chamados direitos de terceira dimenso. Com estesdireitos, surgiu um novo ideal de Estado de Direito, o Estado de DireitoAmbiental, cujos princpios estruturantes acompanharam, da mesma forma,essas novas demandas sociais.

    Destarte, a constatao da falncia do modelo de desenvolvimentoda modernidade ocidental, tida como principal causadora dessa criseambiental, fez surgir, da mesma forma, a teoria do desenvolvimentosustentvel, posta como possibilidade de superao do paradigma moderno.Nesse sentido, a categoria do desenvolvimento sustentvel, ao ser

    * Artigo apresentado e publicado na IX Jornada Luso-Brasileira de Direito do Ambiente,ocorrida de 29 a 31 de outubro de 2012, na Faculdade de Direito da Universidade de SoPaulo.1 Mestranda em Direito, Estado e Sociedade, linha de pesquisa Direito, Meio Ambiente eEcologia Poltica, pelo Programa de Ps-graduao em Direito da Universidade Federal deSanta Catarina (PPGD/UFSC). Membro do Grupo de Pesquisa Direito Ambiental naSociedade de Risco (GPDA), do CNPq. Advogada. Email: [email protected].

    O PRINCPIO DO DESENVOLVIMENTOSUSTENTVEL NA POLTICA

    NACIONAL DE RESDUOS SLIDOS*

    Kamila Guimares de Moraes1

    PRINCPIOS ESTRUTURANTES DO DIREITO AMBIENTALE DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL

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    juridicizada, tornou-se um dos princpios estruturantes deste novo Estadode Direito.

    Diante disso, o presente estudo pretende analisar este princpioestruturante do Estado de Direito Ambiental, demonstrando a suaatualidade, importncia e pertinncia. Para tanto, iniciar-se- este trabalho,com uma anlise sobre o surgimento e caractersticas do Estado de DireitoAmbiental como um ideal a ser alcanado.

    Em um segundo momento, buscar-se- compreender os caminhospercorridos pela teoria do desenvolvimento sustentvel no contextointernacional, bem como nas cincias econmicas, enfatizando suas crticase possibilidades de aperfeioamento.

    Por fim, far-se- uma anlise da categoria do desenvolvimentosustentvel dentro do contexto jurdico, com intuito de dar-lhe contornosmais claros e classific-lo como um verdadeiro princpio estruturante doEstado de Direito Ambiental. Buscar-se- a sua identificao naConstituio Federal de 1988 e em algumas legislaes infraconstitucionaisat chegar-se Lei da Poltica Nacional de Resduos Slidos, a qualclassificou-o expressamente como um princpio, utilizando-o comofundamento terico em outros pontos do texto normativo, o quedemonstrar a sua atualidade e importncia para uma efetiva proteo domeio ambiente como um todo.

    1. Estado de Direito Ambiental e seus princpios estruturantes

    Como bem destaca Giddens, a histria da humanidade marcadapor evidentes descontinuidades, isto , no traduz um desenvolvimentolinear, lgico e homogneo em perfeita consonncia com as inerentespluralidade e diversidade humanas.2 Portanto, essa dinmica existente nasestruturas sociais ao longo dos tempos justifica as transformaes ocorridasno meio em que se encontram, nas preocupaes ticas, bem como nasnormas que a regulam.3 Em decorrncia disto, tem-se que, desde aconstituio dos Estados-nao, muitas foram as modificaes ocorridasnas sociedades ocidentais at chegar-se no atual modelo de Estado de

    2GIDDENS, Anthony. As conseqncias da modernidade. So Paulo: Unesp, 1991.p. 10.3 CARVALHO, Dlton Winter. Dano ambiental futuro: a responsabilizao civil pelorisco ambiental. Rio de Janeiro:Forense Universitria, 2008, p. 50.

  • 11

    Direito, motivo pelo qual, faz-se necessria uma breve digreo histricapara que melhor se compreenda o tema ora proposta.

    Nesse sentido, tem-se que por volta do sculo XVIII, principalmenteaps a chamada Revoluo Industrial, surge um novo perodo histrico- a modernidade que, sob uma fundao social burguesa, passou apropagar novos valores, trazendo consigo a promessa de progresso,crescimento econmico e bem-estar social por meio do desenvolvimentotcnico-cientfico.4 Ocorre que, como bem assevera Ferreira, odesenvolvimento proposto por esta nova sociedade tratado numa aceporedutora, postando-se como sinnimo de crescimento econmico.5Odiscurso desenvolvimentista e a ideologia consumista deste perodolegitimaram, ento, a apropriao desmedida dos recursos ambientais, oque resultou, sculos mais tarde, na culminao de uma verdadeira criseambiental generalizada.

    Destarte, tal crise, que se intensificou a partir da segunda metade dosculo XX, fez com que os limites do desenvolvimento capitalista passassema ser confrontados. Se antes os riscos e danos ambientais eram aceitoscomo imprescindveis ao progresso, a partir daqui j no podem sersimplesmente percebidos como aspectos benignos e inevitveis do processode modernizao, vez que ultrapassam os padres de segurana pela suacomplexidade e, tambm, imperceptibilidade.6

    Com efeito, o questionamento dos padres modernos, onde h ausnciade regulao tica da tecno-cincia, monoplio de informaes econcentrao de decises polticas nas mos de especialistas, revela,tambm, o imprio da irresponsabilidade organizada, desenvolvida paramaquiar a inadequao das esferas poltica, cientfica e jurdica noenfrentamento dos riscos atuais, eis que tais esferas passaram a atuarsimbolicamente para o estabelecimento de um aparente estado denormalidade e segurana ambiental, fato que evidencia a falncia domodelo capitalista.7

    4 FERREIRA, Heline Sivini. Desvendando os organismos transgnicos: as interfernciasda sociedade de risco no Estado de Direito Ambiental Brasileiro. Rio de Janeiro: ForenseUniversitria, 2010. p. 7.5 Ibidem. p. 8.6 FERREIRA, Heline Sivini. Desvendando os organismos transgnicos: as interfernciasda sociedade de risco no Estado de Direito Ambiental Brasileiro. Rio de Janeiro: ForenseUniversitria, 2010. p. 19.7BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade.So Paulo: Editora34, 2010. p. 28.

  • 12

    Assim, a insegurana gerada pela evidenciao da perda de controledos riscos ambientais gerados, principalmente, na segunda modernidade,propiciou o surgimento de uma conflituosidade social intensa, referente necessidade de reformulao dos princpios fundamentais que dosustentao ao Estado de Direito, para que este pudesse acompanhar asmutaes sociais, de forma a propiciar solues para minimizar, se nopara reverter o processo de degradao e explorao desmedida, ofertandoa devida proteo ao meio ambiente e criando uma nova dimenso dedireitos.8

    Dessa forma, entendendo-se o fato de que cada poca reproduz suasprprias prticas jurdicas especficas, vinculada s relaes sociais e snecessidades humanas9, assim como ocorrera em outros momentoshistricos, surgiu aqui a necessidade de reformulao dos pilaressustentculos do Estado de Direito ticos e jurdicos para incorporarnovos pressupostos mais adequados nova realidade. O Estado de Direito,portanto, no uma obra acabada, mas um processo de constanteatualizao e aperfeioamento, uma representao ativa que, ao incorporarnovos elementos modifica a sua prpria estrutura e racionalidade.10

    Sobre o tema, Wolkmer assevera que as necessidades, os problemas eos conflitos emergentes de uma sociedade engendram novas formas dedireitos que desafiam e pem em dificuldade a dogmtica jurdicatradicional e, acrescenta-se, a perspectiva tica dominante, impondo-se aconstruo de um novo Estado.11 Importante observar, conquanto, quetoda reforma estatal sempre guarda estreita relao com a teoria dimensionaldos direitos fundamentais. Ento, os direitos de primeira dimenso,

    8 LEITE, Jos Rubens Morato; AYALA, Patryck de Arajo. Novas tendncias epossibilidades do Direito Ambiental no Brasil. In: WOLKMER, Antonio Carlos; LEITE,Jos Rubens Morato (Org.). Os novos direitos no Brasil: natureza e perspectivas: umaviso bsica das novas conflituosidades jurdicas. So Paulo: Saraiva, 2003. p. 183.9 WOLKMER, Antonio Carlos. Introduo aos fundamentos de uma teoria geral dosnovos direitos. In: WOLKMER, Antonio Carlos; LEITE, Jos Rubens Morato (Org.).Os novos direitos no Brasil: natureza e perspectivas: uma viso bsica das novasconflituosidades jurdicas. So Paulo: Saraiva, 2003. p. 0110 FERREIRA, Heline Sivini. Desvendando os organismos transgnicos: asinterferncias da sociedade de risco no Estado de Direito Ambiental Brasileiro. Riode Janeiro: Forense Universitria, 2010. p. 121.11 WOLKMER, Antonio Carlos. Introduo aos fundamentos de uma teoria geral dosnovos direitos. In: WOLKMER, Antonio Carlos; LEITE, Jos Rubens Morato (Org.).Os novos direitos no Brasil: natureza e perspectivas: uma viso bsica das novasconflituosidades jurdicas So Paulo: Saraiva, 2003. p. 3.

  • 13

    considerados como os direitos individuais vinculados liberdade, igualdade, propriedade, segurana e resistncia s diversas formas deopresso12, ou seja, direitos negativos, de marcado cunho individualista,de defesa contra o Estado, esto diretamente ligados formao do EstadoDemocrtico de Direito ou Estado Liberal de Direito.13

    J os direitos de segunda dimenso, fundados no princpio daigualdade, tm alcance positivo, vez que impem ao Estado a concessode garantias a todos os indivduos - como o direito sade e educao,por exemplo. Estes direitos possibilitaram o surgimento do Estado do Bem-Estar Social ou Estado Social de Direito.14 No buscam, portanto, aliberdade perante o Estado, mas sim a liberdade por intermdio doEstado.15

    Ainda neste processo reformulativo, com base no princpio dasolidariedade, surgiram os direitos de terceira dimenso. O pontodiferenciador destes direitos est na sua titularidade, uma vez que dizemrespeito proteo de categorias ou grupos e no mais ao homem individual.Ento, so direitos de terceira dimenso os metaindividuais, direitoscoletivos e difusos e direitos de solidariedade, como os relacionados paz, autodeterminao dos povos, ao meio ambiente sadio, qualidade devida, etc., fundamentadores, portanto, do Estado de Direito Ambiental.16

    Desse modo, o Estado de Direito Ambiental, assim como os demaisEstados antecessores, surge com a incorporao de uma nova dimenso dedireitos fundamentais ao sistema. Todavia, importante grifar que este novoEstado no se desvincula dos direitos fundamentais j conquistados, motivopelo qual se impe como mais apropriada a utilizao do termo dimenso,em substituio aos termos geraes, eras ou fases, porquanto estes direitos

    12 Ibidem. p. 07.13 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livrariado Advogado, 2003. p. 51.14 WOLKMER, Antonio Carlos. Introduo aos fundamentos de uma teoria geral dosnovos direitos. In: WOLKMER, Antonio Carlos; LEITE, Jos Rubens Morato (Org.).Os novos direitos no Brasil: natureza e perspectivas: uma viso bsica das novasconflituosidades jurdicas So Paulo: Saraiva, 2003. p. 07-09.15 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livrariado Advogado, 2003. p. 52.16 WOLKMER, Antonio Carlos. Introduo aos fundamentos de uma teoria geral dosnovos direitos. In: WOLKMER, Antonio Carlos; LEITE, Jos Rubens Morato (Org.).Os novos direitos no Brasil: natureza e perspectivas: uma viso bsica das novasconflituosidades jurdicas So Paulo: Saraiva, 2003. p. 10-13.

  • 14

    no so substitudos ou alterados de tempos em tempos, mas resultamnum processo de complementaridade permanente, de conjugao econformao de funes e interesses.17

    O Estado de Direito Ambiental, segundo Leite e Ferreira, um institutomarcado por abstratividade e de grande abrangncia, vez que, alm deestar inserido numa anlise jurdica, tem incidncia necessria nos mbitossocial e poltico.18Entretanto, tais caractersticas no devem significar ainexistncia de importncia nesta discusso, mas, pelo contrrio, adefinio dos pressupostos de um Estado de Direito do Ambiente servecomo meta ou parmetro a ser atingido, trazendo a tona uma srie dediscusses que otimizam processos de realizao de aproximao do Estadoficto.19

    Nesse sentido, Canotilho, ao denominar este modelo como EstadoConstitucional Ecolgico, conceitua-o afirmando que, alm de ser e deverser um Estado de Direito democrtico e social, deve tambm ser um Estadoregido por princpios ecolgicos20 e estabelecedor de novos paradigmasorientadores sociais. Portanto, para a instituio deste novo Estado precisoque haja uma transformao no s dos modos de produo, mas, acimade tudo, da relao paradigmtica com a natureza, do modo de se pensaro mundo.21

    No que concerne edificao do Estado de Direito Ambiental, ouEstado Constitucional Ecolgico, Canotilho identifica alguns pressupostosessenciais para este processo, como: a adoo de uma concepo integradado meio ambiente, que aponta para a necessidade de uma proteo global

    17 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livrariado Advogado, 2003. p. 50.18 LEITE, Jos Rubens Morato; FERREIRA, Maria Leonor P.C. Ferreira. As novas funesdo Direito Administrativo em face do Estado de Direito Ambiental. In: CARLIN, VolneiIvo (Org.).Grandes temas de Direito Administrativo: homenagem ao Professor PauloHenrique Blasi Florianpolis: Conceito Editorial; Millennium Editora, 2009. p. 435.19 Ibidem. p. 437.20 CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. Estado Constitucional Ecolgico e DemocraciaSustentada. In: FERREIRA, Heline Sivini; LEITE, Jos Rubens Morato (Org.). Estadode Direito Ambiental: tendncia: aspectos constitucionais e diagnsticos Rio de Janeiro:Forence Universitria, 2004. p. 03.21 LEITE, Jos Rubens Morato; AYALA, Patryck de Arajo. Novas tendncias epossibilidades do Direito Ambiental no Brasil. In: WOLKMER, Antonio Carlos; LEITE,Jos Rubens Morato (Org.). Os novos direitos no Brasil: natureza e perspectivas: umaviso bsica das novas conflituosidades jurdicas. So Paulo: Saraiva, 2003. p. 185.

  • 15

    e sistmica que no se reduza defesa isolada dos componentes ambientais;a institucionalizao dos deveres fundamentais ambientais, que, aps aeuforia em torno da subjetivao do direito ao ambiente, surge emdecorrncia da exigncia da participao ativa do cidado na defesa eproteo do meio ambiente, evidenciando-se que esta no deve ser umatarefa apenas estatal; e o agir integrativo da administrao, que abre aoscidados participao nos procedimentos e processos ambientalmenterelevantes, por meio de consultas pblicas e da democratizao dainformao.22

    Assim, considerando-se que so as disposies constitucionais queexprimem os valores e postulados bsicos de uma sociedade complexa,como as atuais, conclui-se que a construo do Estado de Direito Ambientalpassa, necessariamente, pela promulgao de uma Constituio ecolgica.Neste contexto, o estabelecimento de uma nova relao paradigmticacom omeio ambiente constitui o ponto de partida para esta edificao,23 eo status que uma Constituio confere ao ambiente pode denotar ou nomaior proximidade do Estado em relao realidade propugnada peloconceito de Estado de Direito Ambiental, haja vista que o aspecto jurdico de fundamental importncia para a configurao e para a solidificaode estruturas efetivas, no mbito do Estado e da sociedade, que visem proteo do ambiente e de seus elementos.24

    Feitas tais consideraes, Ferreira aponta que ao versar deliberadamentesobre o meio ambiente em captulo especfico dedicado ao tema CaptuloVI do Ttulo VIII a Constituio Federal de 1988 inseriu os pressupostosmencionados por Canotilho para a instituio do Estado ConstitucionalEcolgico, como a concepo integrada do meio ambiente, o deverfundamental de proteo ambiental e o agir integrativo da administraoe, portanto, acabou por formalizar a aproximao jurdica entre o Estadode Direito brasileiro e a abordagem ambiental pretendida pelo Estado de

    22 CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. Estado Constitucional Ecolgico e DemocraciaSustentada. In: FERREIRA, Heline Sivini; LEITE, Jos Rubens Morato (Org.). Estadode Direito Ambiental: tendncia: aspectos constitucionais e diagnsticos. Rio de Janeiro:Forence Universitria, 2004. p. 08-13.23 Ibidem. p. 12.24 LEITE, Jos Rubens Morato; FERREIRA, Maria Leonor P.C. Ferreira. As novas funesdo Direito Administrativo em face do Estado de Direito Ambiental. In: CARLIN, VolneiIvo (Org.).Grandes temas de Direito Administrativo: homenagem ao Professor PauloHenrique Blasi Florianpolis: Conceito Editorial; Millennium Editora, 2009. p. 439.

  • 16

    Direito Ambiental, fato este que demonstra a instituio deste novo Estadono mbito nacional, o que no significa, entretanto, a sua efetivao nomundo ftico25, que dever ser buscado por meio de aes estatais e sociais.

    Destarte, com este processo de constitucionalizao do ambientecoincidiu o surgimento e consolidao do Direito Ambiental, comodisciplina jurdica, j que, como bem assevera Herman Benjamin, aecologizao da Constituio no cria tardia de um lento e gradualamadurecimento do Direito Ambiental, [...], muito ao contrrio, o meioambiente ingressa no universo constitucional em pleno perodo deformao do Direito Ambiental.26

    Assim, ante esta rpida ascenso da matria ambiental ao patamarconstitucional, mesmo passados mais de 20 anos da ecologizao daConstituio (CF/88), O Direito Ambiental, agora com certo grau deautonomia, ainda insuficientemente explorado em seu contedo e campode atuao, o que prejudica o seu correto entendimento pelos aplicadoresdo direito e, at, inviabiliza, em certos momentos, a realizao de seusobjetivos.27 Dessa forma, torna-se fundamental o estudo e profundoconhecimento dos fundamentos dorsais do Direito Ambiental, seusprincpios estruturantes, a fim de se efetivar, corretamente, a norma posta.Sobre esta questo, Herman Benjamin leciona:

    Em pases conhecidos por prestarem obedincia norma ordinriae ignorarem ou desprezarem a norma constitucional (como oBrasil), mais relevante ainda essa busca dos fundamentos remotosdo Direito Ambiental, pouco importando que ele, na superfcie,transmita uma falsa aparncia de consistncia e consolidao.Evidentemente, a diligncia e a configurao tericas devemcomear e terminar pela norma constitucional, pois no papelda Constituio confirmar, em juzo posterior, o Direito

    25 FERREIRA, Heline Sivini. Desvendando os organismos transgnicos: asinterferncias da sociedade de risco no Estado de Direito Ambiental Brasileiro. Riode Janeiro: Forense Universitria, 2010. p. 164.26 BENJAMIN, Antonio Herman. Constitucionalizao do ambiente e ecologizao daConstituio brasileira. In: CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes; LEITE, Jos RubensMorato. Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. So Paulo: Saraiva, 2010. p. 84.27 BENJAMIN, Antonio Herman. Constitucionalizao do ambiente e ecologizao daConstituio brasileira. In: CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes; LEITE, Jos RubensMorato. Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. So Paulo: Saraiva, 2010. p. 85.

  • 17

    Ambiental aplicado (e, infelizmente, amide mal-aplicado), masdeterminar, de forma preambular, seus rumos e at existncia.28

    Nesse sentido, como j analisado anteriormente, tem-se que os direitosde terceira dimenso, fundadores do Estado de Direito Ambiental, surgemcomo resposta crise do modelo de modernidade, tendo suas bases,principalmente, fundadas no princpio da solidariedade ou fraternidade.Portanto, nas palavras de Fensterseifer:

    O princpio da solidariedade renasce como Fnix das cinzasjurdicas da Revoluo Francesa para transformar-se no novo marcojurdico-constitucional do Estado Sociambiental de Direitocontemporneo. No compasso das promessas no cumpridas damodernidade, os princpios da liberdade e da igualdade, como osmarcos normativos, respectivamente, do Estado Liberal e doEstado Social (de Direito), no deram conta sozinhos decontemplar uma vida digna e saudvel a todos os integrantes dacomunidade humana, deixando para os juristas contemporneosuma obra normativa ainda inacabada.29

    Segundo o autor, este princpio, fundador do Estado de DireitoAmbiental,deve ser levado em considerao em suas trs linhas de aplicao:a solidariedade intrageracional, que dispe a ideia de solidariedade entrecidados de diferentes naes, pois, frente conexo existente entre todosos ecossistemas mundiais, suas aes prejudiciais ao ambiente traro efeitospara alm das fronteiras dos seus prprios territrios30; a solidariedadeintergeracional, a qual atenta ao dever das geraes presentes de salvaguardarcondies ambientais favorveis ao desenvolvimento da vida para as geraesfuturas31 e, por fim, a solidariedade interespcies, que concebe umasolidariedade entre todas as coisas vivas, na forma de uma comunidadeentre a terra, as plantas, os animais no-humanos e os seres humanos.32

    28 Ibidem. p. 85.29 FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteo do ambiente: a dimensoecolgica da dignidade humana no marco jurdico constitucional do estado socioambientalde direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008. p. 111.30 FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteo do ambiente: a dimensoecolgica da dignidade humana no marco jurdico constitucional do estado socioambientalde direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008. p. 117.31 Ibidem. p. 118.32 Ibidem. p. 120.

  • 18

    Outros importantes princpios que estruturam o Direito Ambientalso o princpio da precauo e da atuao preventiva. Segundo Leite, oprincpio da precauo determina que sempre que houver perigo daocorrncia de dano grave ou irreversvel ao ambiente e seus elementos, aausncia de certeza cientfica absoluta no dever ser utilizada como razopara se adiar a adoo de medidas eficazes, a fim de impedir a ao danosa,aplicando-se, portanto, a mxima do in dbio pro ambiente.33 J no queconcerne atuao preventiva, esta exige que os perigos comprovadossejam eliminados, portanto, o que os diferencia o momento de aplicao,o primeiro precauo - antes do estabelecimento de um nexo causalcom evidncia absoluta e o segundo preveno aps este momento.34

    O princpio da responsabilizao tambm surge como importanteprincpio do Direito Ambiental, o qual dispe sobre a penalizao daqueleque ameace ou efetivamente lese o meio ambiente e seus elementos35. E,apesar da existncia de interpretaes menos restritivas36, considera-se esteprincpio como uma complementaridade aos de cunho preventivo latosensu, uma vez que de nada adiantaria aes preventivas se os eventuaisresponsveis por possveis danos no fossem compelidos a responder porseus atos, isto , sem a responsabilizao ps-dano ou ameaa, as imposiespreventivas perderiam sua eficcia em ltima instncia.37

    No se poderia, tambm, deixar de mencionar os princpios dopoluidor-pagador e do usurio-pagador, da participao, cidadania,democracia e cooperao ambiental, e da proibio do retrocesso ambiental.

    33 LEITE, Jos Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivoextrapatrimonial. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 46.34 Ibidem. p. 47.35 Importante destacar aqui a possibilidade, pelo ordenamento jurdico brasileiro, da trpliceresponsabilizao ambiental civil, penal e administrativa -, prevista no 3 do art. 225 daCF/88.36 Neste sentido: JONAS, Hans. O princpio responsabilidade: ensaio de uma tica para acivilizao tecnolgica Rio de Janeiro: Contraponto: Ed, PUC-Rio, 2006. p. 167 - houtra noo de responsabilidade que no concerne ao clculo do que foi feito ex post facto,mas determinao do que se tem a fazer; uma noo em virtude da qual eu me sintoresponsvel, em primeiro lugar, no por minha conduta e suas conseqncias, mas peloobjeto que reivindica meu agir.37LEITE, Jos Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivoextrapatrimonial. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 54.

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    Destarte, percebe-se que, dentre os princpios estruturantes acimareferidos, o princpio fundador do Estado de Direito Ambiental, dasolidariedade, tem intima relao com o princpio do desenvolvimentosustentvel, vez que, com base na ideia de equidade entre geraes, buscauma responsabilidade ambiental de longa durao ou sustentvel. Noentanto, o princpio do desenvolvimento sustentvel mostra-se mais amploe mais complexo que o princpio da solidariedade e, por isso, com ele nose confunde. Ademais, como se ver no ltimo item deste trabalho, a suacondio de princpio jurdico, vem sendo questionada, devido a grandemaleabilidade de sua conceituao, o que dificulta a sua vinculao.

    Contudo, diante da inegabilidade da sua importncia e da atualidadeda discusso a respeito do conceito de desenvolvimento sustentvel, buscar-se-, no prximo tpico, estudar o surgimento e a evoluo deste conceito,para, no ltimo item do presente artigo, analis-lo como um princpio nombito jurdico nacional, demonstrando sua atualidade ante a suavalorizao e destaque pela Poltica Nacional de Resduos Slidos.

    2 A teoria do desenvolvimento sustentvel

    Como visto, o modelo de desenvolvimento capitalista das sociedadesmodernas ocidentais, fundado no ideal utpico do crescimento infinito,levou a ecloso de uma verdadeira crise ambiental, pois, dentre outrasconsequencias, acarretou desde a superexplorao dos recursos naturais,renovveis e no-renovveis, at a superproduo de resduos slidos, jque estimula a substituio dos bens de consumo a uma velocidade e comuma frequncia cada vez maiores, ultrapassando, assim, os limites naturaisde recomposio e resilincia.

    Contudo, nada disso levado em considerao pela lgica da economiaclssica, que trata tais consequncias como efeitos colaterais donecessrio crescimento econmico. Isso ocorre porque, segundo Leff, talracionalidade econmica desterrou a natureza da esfera da produo,gerando processos de destruio ecolgica e degradao ambiental queforam aparecendo como externalidades do sistema econmico.38 Comovisto, a crise ambiental acarretada por esta lgica, evidenciou airracionalidade ecolgica dos padres dominantes de produo e consumo

    38LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriao social da natureza. Rio deJaneiro: Civilizao Brasileira, 2006. p. 134.

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    e marcou os limites do crescimento econmico, o que fez surgir, ento, ointeresse terico e poltico em valorizar a natureza com o propsito deinternalizar as externalidades negativas ambientais do processo dedesenvolvimento.

    Desse debate emergem as estratgias do ecodesenvolvimento,promovendo novos estilos de desenvolvimento, fundados nascondies e potencialidades dos ecossistemas e no manejoprudente dos recursos (Sachs, 1982). A economia se v imersaem um sistema fsico-biolgico mais amplo que a contm econdiciona (Passet, 1979, Naredo, 1987). Dali haveria de surgira economia ecolgica como um novo paradigma que procuraintegrar o processo econmico dinmica populacional e aocomportamento dos ecossistemas (Constanza et al, 1989).39

    Destarte, a conscincia sobre a problemtica ambiental comeou a seexpandir a partir dos anos 1970, e a Conferncia das Naes Unidas sobreo Meio Ambiente Humano, celebrada em Estocolmo, em 1972, teve papelimportante para tanto. Foi aps este evento, no ano de 1973, que MauriceStrong formulou pela primeira vez o conceito de ecodesenvolvimento,como um estilo de desenvolvimento adaptado s reas rurais de TerceiroMundo, baseado na utilizao criteriosa dos recursos locais semcomprometer os recursos da natureza40. Verifica-se que tal definioenfatiza a necessidade de uma gesto mais racional dos ecossistemas, coma valorizao do conhecimento e da ao das comunidades locais.

    Ignacy Sachs, no mesmo ano, ampliou a conceituao dada por Strong,aplicando-o, tambm, aos espaos urbanos. Alm disso, o conceito deecodesenvolvimento passou a ser direcionado para o planejamentoparticipativo de estratgias plurais de interveno, de preferncia adaptadas

    39 LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriao social da natureza. Rio deJaneiro: Civilizao Brasileira, 2006. p. 134.40 LAYRARGUES, Philippe Pomier. Do ecodesenvolvimento ao desenvolvimentosustentvel: evoluo de um conceito?, 1997 ApudFERREIRA, Heline Sivini. Dodesenvolvimento ao desenvolvimento sustentvel: um dos desafios lanados ao estado dedireito ambiental. In: LEITE, Jos Rubens Morato; FERREIRA, Heline Sivini;CAETANO, Matheus Almeida (Org.). Repensando o Estado de Direito Ambiental.Florianpolis: FUNJAB, 2012.p. 132.

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    s conjunturas socioculturais e ambientais locais, tendo como base asolidariedade entre as geraes presentes e futuras.41

    Entretanto, nos anos 1980, as estratgias do ecodesenvolvimento forampaulatinamente sendo substitudas pelo discurso do desenvolvimentosustentvel, amplamente difundido com a publicao do Nosso futurocomum, tambm conhecido como Relatrio Brundtland,42 que definiudesenvolvimento sustentvel como aquele capaz de garantir que asnecessidades da presente gerao sejam supridas, sem, contudo,comprometer a capacidade de as geraes futuras terem as suas necessidadestambm atendidas.43

    Dessa forma, com o fortalecimento da teoria do desenvolvimentosustentvel, em 1992, a Conferncia das Naes Unidas sobre o MeioAmbiente, celebrada no Rio de Janeiro (Eco92), elaborou e aprovou, dentreoutros documentos, um programa global, conhecido como Agenda 21,para dar institucionalidade e legitimidade s polticas do desenvolvimentosustentvel.44 Este documento, apesar de no ter fora vinculante, possuirelevante valor poltico e se caracteriza como uma verdadeira declaraode intenes de amplitude mundial. Ademais, por meio da Agenda 21foram desenvolvidos programas de ao para serem internalizados nosdiversos pases participantes, dentre eles o Brasil, visando solucionar osproblemas ambientais.45

    Assim, no obstante ao fato do conceito de desenvolvimento sustentvel,como uma ideia geral de uso sustentvel de recursos naturais, poder seridentificado em tratados internacionais que remontam dcada de 40 dosculo XX, foi apenas com a publicao do Nosso Futuro Comum -

    41FERREIRA, Heline Sivini. Do desenvolvimento ao desenvolvimento sustentvel: umdos desafios lanados ao estado de direito ambiental. In: LEITE, Jos Rubens Morato;FERREIRA, Heline Sivini; CAETANO, Matheus Almeida (Org.). Repensando o Estadode Direito Ambiental. Florianpolis: FUNJAB, 2012. p. 132.42LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriao social da natureza. Rio deJaneiro: Civilizao Brasileira, 2006. p. 136-137.43COMISSO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO.Nosso Futuro Comum. Rio de Janeiro: FGV, 1991.p. 9.44LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriao social da natureza. Rio deJaneiro: Civilizao Brasileira, 2006.p. 138.45SPNOLA, Ana Luiza S. Consumo sustentvel: o alto custo ambiental dos produtosque consumimos. Revistade Direito Ambiental. So Paulo: Revista dos Tribunais. Ano6, n. 24, out./dez, 2001. p. 2010.

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    Relatrio Brundtland , em 1987, que este conceito tornou-se poltico,foi amplamente divulgado e passou a ser diretamente referenciado eminmeros documentos internacionais,46 convertendo-se no referentediscursivo que organizou os sentidos divergentes (econmico e ecolgico)em torno da construo de sociedades sustentveis.47

    Ademais, como visto anteriormente, a Conferncia do Rio de Janeirode 1992, tambm influenciou, de maneira significativa, na difuso desteconceito, tendo feito remio ao desenvolvimento, consumo e produosustentveis em diversos momentos dos documentos elaborados noencontro, inclusive na Agenda 21.48 Dessa forma, foi se prefigurando umaestratgia discursiva para dissolver as contradies entre meio ambiente edesenvolvimento.49

    Aps a RIO92 muitos foram os instrumentos legais internacionaisque versaram sobre o desenvolvimento sustentvel, todos eles sempreseguindo o mesmo parmetro do Relatrio Bruntland, isto , fundadosnos pilares da economia, da sociedade e dos recursos naturais. Dentreestes documentos internacionais, Schrijver destaca a Conveno paraCooperao na Proteo e no Desenvolvimento Sustentvel do AmbienteMarinho e das Zonas Costeiras do Nordeste do Pacfico, a qual, segundo oautor, contm, em seu artigo 3, a definio melhor elaborada dedesenvolvimento sustentvel50, qual seja:

    O processo de mudana progressiva da qualidade de vida dosseres humanos, que situa este fator como a central e primordialmeta do desenvolvimento, que pode ser traduzido em crescimentoeconmico com equidade social e transformaes dos mtodos

    46 SCHRIJVER, Nico. The Evolution of Sustainable Development in InternationalLaw: Inception, Meaning and Status. Carnegieplein: Hague Academy of InternationalLaw, 2008. p. 102-104.47LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriao social da natureza. Rio deJaneiro: Civilizao Brasileira, 2006. p. 137.48SCHRIJVER, Nico. The Evolution of Sustainable Development in InternationalLaw: Inception, Meaning and Status. Carnegieplein: Hague Academy of InternationalLaw, 2008. p. 104.49LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriao social da natureza. Rio deJaneiro: Civilizao Brasileira, 2006. p. 138.50SCHRIJVER, Nico. The Evolution of Sustainable Development in InternationalLaw: Inception, Meaning and Status. Carnegieplein: Hague Academy of InternationalLaw, 2008. p. 113-114.

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    de produo e das tendncias de consumo, tudo sustentado peloequilbrio ecolgico e pelo suporte vital regional. Este processo implicano respeito etnia regional, nacional e local e diversidade cultural,bem como na completa participao das pessoas para uma coexistnciapacfica e em harmonia com a natureza, sem prejudic-la e garantindoa qualidade de vida para as futuras geraes.51

    Verifica-se que tal Conveno ampliou o conceito de desenvolvimentosustentvel, que, alm dos pilares econmico, social e ambiental, passou aenglobar outras variveis, como as questes tnicas, as culturais, os mtodosde produo e as tendncias de consumo. Nesse sentido, verifica-se que odiscurso do desenvolvimento sustentvel procura estabelecer um terrenocomum para uma poltica de consenso capaz de integrar os diferentesinteresses de pases, povos e classes sociais que plasmem o campo conflitivoda apropriao da natureza52. E a prpria expresso, ao aliar conceitosdistintos (desenvolvimento e sustentvel), polissmica, sendo esta acaracterstica de impreciso que a mantm universalmente aceita.53

    Ocorre que, como bem destaca Leff, o discurso do desenvolvimentosustentvel afirma o propsito de tornar sustentvel o crescimentoeconmico atravs dos mecanismos do mercado, atribuindo valoreseconmicos e direitos de propriedade aos recursos e servios ambientais,contudo, no demonstra de forma clara como e at que ponto o sistemaeconmico capaz de incorporar as condies ecolgicas e sociais(sustentabilidade, equidade, justia, democracia) atravs da capitalizaoda natureza. Assim, segundo o autor, nesse processo de construo doconceito de desenvolvimento sustentvel, tal discurso acabou sendo

    51 No original: the process f progressive change in the quality of life of human beings,which places it as the centre and primordial subject of development, by means of economicgrowth with social equity and the transformation of methods of production andconsumption patterns, and which is sustained in the ecological balance and vital supportof the region. This process implies respect for regional, national and local ethnic and culturaldiversity, and the full participation of people in peaceful co-existence and in harmonywith nature, without prejudice to and ensuring the quality of life of future generations.52LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriao social da natureza. Rio deJaneiro: Civilizao Brasileira, 2006. p. 137.53MONTIBELLER-FILHO, Gilberto. O mito do desenvolvimento sustentvel: meioambiente e custos sociais no moderno sistema produtor de mercadorias. Florianpolis:UFSC, 2008. p. 60.

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    difundido e vulgarizado at se tornar parte do discurso oficial e dalinguagem comum.54

    Alm do mimetismo retrico gerado, no se logrou engendrarum sentido conceitual e praxeolgico capaz de unificar as vias detransio para a sustentabilidade. As contradies no apenas sefazem manifestas na falta de rigor do discurso, mas tambm emsua colocao em prtica, quando surgem os dissensos em tornodo discurso do desenvolvimento sustentado/sustentvel e osdiferentes sentidos que este conceito adota em relao aos interessescontrapostos pela apropriao da natureza.55

    Com essa apropriao, o conceito de desenvolvimento sustentvel trabalhado sob a perspectiva de uma sustentabilidade conhecida comofraca, teoria econmica que defende que a natureza jamais constituir umobstculo expanso, pois, cedo ou tarde, qualquer elemento da biosferaque se mostrar limitante ao processo produtivo acabar substitudo, devidoa novas combinaes entre seus trs elementos fundamentais: trabalhosocial, capital produzido e recursos naturais. Isso porque o progressocientfico e tecnolgico sempre conseguir introduzir as necessriasalteraes que substituam a eventual escassez, ou comprometimento, doterceiro fator.56

    Sob essa perspectiva, no haveria qualquer incompatibilidade entrecrescimento econmico e preservao do meio ambiente, j que tomacomo suficiente para sustentabilidade a regra de que cada gerao legue seguinte o somatrio dos trs tipos de capital o propriamente dito, onatural/ecolgico e o humano/social -, considerando-os totalmenteintercambiveis ou intersubstituveis, o que chamado de capital totalconstante.57 Em outras palavras, para a sustentabilidade fraca o que preciso garantir s futuras geraes a capacidade produzir, o que acaba

    54LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriao social da natureza. Rio deJaneiro: Civilizao Brasileira, 2006. p. 137.55 Ibidem. p. 138.56 VEIGA, Jos Eli da.Meio Ambiente & Desenvolvimento. So Paulo: Senac So Paulo,2009. p. 59.57VEIGA, Jos Eli da; CECHIN, Andrei D. Introduo. In: VEIGA, Jos Eli da (Org.).Economia socioambiental. So Paulo: Senac So Paulo, 2009. p. 22.

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    reduzindo/igualando o conceito de desenvolvimento sustentvel ao decrescimento econmico.58

    Assim, a rotulao de sustentvel ao desenvolvimento acabou sendoindevidamente apropriada como justificao para continuidade docrescimento econmico, agora sustentvel, e as consequncias ambientaisda advindas continuam sendo tratadas como efeitos colaterais tolerveis,j que necessrio compatibilizar-se os pilares do desenvolvimentosustentvel.

    Neste ponto retoma-se a noo de colateralidade, anteriormentemencionada. Essa adjetivao aos efeitos decorrentes dos padres deproduo e consumo da sociedade contempornea no foi escolhida poracaso por Bauman, j que, segundo o autor, o discurso da colateralidadeleva justificao das aes prejudiciais, buscando eximi-las de punio/responsabilizao com base na ausncia de intencionalidade. Assim, a formapela qual as narrativas dominantes, ou que aspiram dominao, traam alinha que separa a ao intencional das consequncias imprevistas dessamesma ao tambm uma grande tacada na promoo de interesseseconmicos.59

    No entanto, imprevisto no significa necessariamente impossvelde prever, assim como, no-intencional no significa impossvel decalcular ou impossvel de evitar intencionalmente.60 Ou seja, as baixascolaterais do atual modelo de desenvolvimento, sempre acompanhadaspelo discurso de excludente de responsabilidade da colateralidade, podemsim ser previstas, assim como podem ser evitadas. Contudo, para tanto, necessrio que se altere o paradigma sobre qual se funda a sociedade. Noser possvel modificar o modelo de desenvolvimento enquanto estiver-sefundado no paradigma do crescimento infinito.

    Nesse sentido, faz-se necessria a construo de uma novaracionalidade, baseada no potencial produtivo dos ecossistemas e naapropriao cultural da natureza. Isso oferece novos caminhos geraode formas diversificadas de produo sustentvel, deslindando-se domercado como lei suprema do mundo globalizado. Trata-se da

    58 VEIGA, Jos Eli da.Meio Ambiente & Desenvolvimento. So Paulo: Senac So Paulo,2009. p. 60.59 BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformao das pessoas em mercadoria.Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 149-152.

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    desconstruo da racionalidade econmica e da construo de novosterritrios de vida.61

    A sustentabilidade, desenvolvida neste novo tipo de economia eracionalidade, est enraizada em bases ecolgicas, em identidades culturaise em territrios de vida, desdobra-se no espao social, onde os atores sociaisexercem seu poder de controle da degradao ambiental e mobilizampotenciais ambientais em projetos autogerenciados para satisfazer asnecessidades e aspiraes que a economia do consumo no pode cumprir.62

    Assim, em contraposio ao desenvolvimento sustentvel baseado naperspectiva de uma sustentabilidade fraca, surgiu uma nova perspectiva,da sustentabilidade forte, encabeada pelos economistas ecolgicos, a qualno acredita na possibilidade de troca/substituio entre os fatores deproduo capital/humano/natural -, destacando a obrigatoriedade deque pelo menos os servios do capital natural sejam mantidos constantes,buscando, tambm, precific-los.63 Destarte, diferentemente da teoria dostrs pilares da viso fraca, a teoria da sustentabilidade forte prope que osrecursos naturais sejam o fundamento que d base a dois pilares, daeconomia e da sociedade, os quais sustentam o legado para as futurasgeraes. Conforme Veiga, os defensores desta teoria

    Entendem que o critrio de justia intergeraes no deve ser amanuteno do capita total, mas sim sua parte no-reprodutvel,que chamam de capital natural. E por no ignorarem que grandeparte desse capital natural exaurvel, propem que os danosambientais provocados por certas atividades sejam de algumaforma compensados por outras.64

    60 Ibidem. p. 150.61LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriao social da natureza. Rio deJaneiro: Civilizao Brasileira, 2006. p. 157.62 LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriao social da natureza. Rio deJaneiro: Civilizao Brasileira, 2006. p. 157.63 VEIGA, Jos Eli da; CECHIN, Andrei D. Introduo. In: VEIGA, Jos Eli da (Org.).Economia socioambiental. So Paulo: Senac So Paulo, 2009. p. 22.64 VEIGA, Jos Eli da.Meio Ambiente & Desenvolvimento. So Paulo: Senac So Paulo,2009. p. 61.

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    H, ainda, uma terceira teoria de sustentabilidade, denominada debiofsica, que no aceita a economia como um sistema autnomo,compreendo-a como um subsistema dependente do ecossistema, submetido segunda lei da termodinmica,65 e segundo a qual a transformao deenergia e materiais no permite a sua volta ao estado anterior, pois semprehaver dissipao de energia, que sai de um estado de baixa entropia(ordem) para um estado de alta entropia (desordem), no retomando suaforma original.66

    Destarte, nesta viso, a sustentabilidade s possvel com aminimizao dos fluxos de energia e matria que atravessam o subsistemada economia e com a desvinculao dos avanos sociais qualitativos dosaumentos quantitativos do produto e do consumo.67 Em outras palavras,essa teoria defende o fim do crescimento, no do desenvolvimento, o quesignifica apenas uma evoluo qualitativa e no quantitativa, buscando-seo que Herman E. Daly chama de Steady-state ou estado estacionrio68.

    Feitos estes esclarecimentos a respeito do caminho percorrido pelateoria do desenvolvimento sustentvel no contexto internacional, bemcomo na rea da economia ambiental, buscar-se-, no prximo item,delimitar a categoria do desenvolvimento sustentvel no campo jurdico.

    3 Juridicizao da noo de sustentabilidade no ordenamentonacional: o princpio do desenvolvimento sustentvel na PolticaNacional de Resduos Slidos

    Como visto, o conceito de desenvolvimento sustentvel, nos termosem que definido pelos documentos internacionais, tendo o ambiente, aeconomia e a sociedade como trs pilares de sustentao, extremamenteaberto e impreciso, pois busca aliar categorias distintas em um nico

    65VEIGA, Jos Eli da; CECHIN, Andrei D. Introduo. In: VEIGA, Jos Eli da (Org.).Economia socioambiental. So Paulo: Senac So Paulo, 2009. p. 22.66DENARDIN, Valdir Frigo; SULZBACH, Mayra Taiza. Capital natural na perspectivada economia. Disponvel em: http://www.anppas.org.br/encontro_anual/encontro1/gt/recursos_hidricos/Valdir%20Frigo%20Denardin.pdf. Acesso em: 05/10/2012.67VEIGA, Jos Eli da; CECHIN, Andrei D. Introduo. In: VEIGA, Jos Eli da (Org.).Economia socioambiental. So Paulo: Senac So Paulo, 2009. p. 22.68 Sobre o assunto ver: DALY, Herman E. Steady-state and growth concepts for the nextcentury.

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    sentido. Observou-se, ademais, que j h construes tericas nas cinciaseconmicas para superar este conceito de desenvolvimento sustentvel,no intuito de alcanar-se uma verdadeira sustentabilidade, que nosubjulgue os recursos naturais em favor da economia, como ocorre naprtica atualmente.

    Assim, diante desta indefinio e ineficcia na proteo do meioambiente do conceito de desenvolvimento sustentvel, tambm na reajurdica muitos autores vem se debruando sobre a temtica para tentardar-lhe contornos mais claros e objetivos, tambm com o objetivo de utilizareste conceito efetivamente e eficazmente em favor do meio ambiente.

    Nesse sentido, Morato Leite e Caetano, defendem que odesenvolvimento sustentvel, nos termos em que identificado nosdocumentos internacionais supra mencionados, fundados, segundo osautores, em uma sustentabilidade fraca, aproxima-se mais de umaorientao poltica do que de um princpio jurdico propriamente dito,eis que a amplificada maleabilidade de seu contedo o torna no vinculvel.Portanto, defendem que no h, em verdade, um princpio dodesenvolvimento sustentvel, e, caso o consideremos como um princpio,ele precisaria estar pautado na ideia de uma verdadeira sustentabilidade,em um sentido forte e, assim, no fugiria aos contedos e premissas dosprincpios da precauo e da equidade intergeracional (ou solidariedadeintergeracional), ambos reitores do Estado de Direito Ambiental, capazesde conferir um contedo material ao desenvolvimento sustentvel.69

    Sobre esta temtica, Canotilho reconhece a dificuldade em se delimitaro contedo jurdico do desenvolvimento sustentvel, afirmando que, antesde tudo, deve-se distinguir a sustentabilidade em sentido amplo dasustentabilidade em sentido restrito ou ecolgico. A primeira delasprocura captar os trs pilares do desenvolvimento sustentvel ecolgico,econmico e social -, sendo que no contexto internacional institucionalizada como um quadro de direo poltica.70

    69 LEITE, Jos Rubens Morato; CAETANO, Matheus Almeida. Aproximaes Sustentabilidade Material no Estado de Direito Ambiental Brasileiro. In: LEITE, JosRubens Morato; FERREIRA, Heline Sivini; CAETANO, Matheus Almeida (Org.).Repensando o Estado de Direito Ambiental. Florianpolis: FUNJAB, 2012. p. 165-167.70 CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. O princpio da sustentabilidade como princpioestruturante do Direito Constitucional. Tkhne - Revista de Estudos Politcnicos.Barcelos(PO): IPCA, vol. VIII, n 13, 2010. p. 9.

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    J a sustentabilidade em sentido estrito seria a perspectiva ecolgicadestes trs pilares abarcados pela noo latu sensu, a qual aponta para aproteo/manuteno a longo prazo de recursos naturais atravs doplanejamento, economia e obrigaes de condutas e de resultados. Asustentabilidade em sentido restrito, ento, traria regras mais objetivas econcretas para sua implementao em favor do meio ambiente. Assim, deforma mais analtica, o autor defende que esta sustentabilidade deve impor:

    (1) que a taxa de consumo de recursos renovveis no pode sermaior que a sua taxa de regenerao;

    (2) que os recursos no renovveis devem ser utilizados em termosde poupana ecologicamente racional, de forma que as futurasgeraes possam tambm, futuramente, dispor destes (princpioda eficincia, princpio da substituio tecnolgica, etc.);

    (3) que os volumes de poluio no possam ultrapassar quantitativae qualitativamente a capacidade de regenerao dos meios fsicose ambientais;

    (4) que a medida temporal das agresses humanas esteja numarelao equilibrada com o processo de renovao temporal;

    (5) que as ingerncias nucleares na natureza devem primeiroevitar-se e, a ttulo subsidirio, compensar-se e restituir-se.71

    No mbito interno/estadual, Canotilho trata a sustentabilidade comoum dos princpios estruturantes do Estado Constitucional, que, como todosos outros princpios, seria aberto, carecido de concretizao conformadorae que no transportaria solues prontas, vivendo de ponderaes e dedecises problemticas. Contudo, para guiar a ponderao na aplicaodeste princpio, de forma a se propiciar um Estado de Direito Ambiental,o autor traz alguns outros princpios, como a responsabilidade de longadurao, o princpio da solidariedade entre geraes e o princpio do riscoambiental proporcional, este ltimo englobando os princpios daproporcionalidade dos riscos, da proteo dinmica do direito ao ambientee da obrigatoriedade da precauo.72

    71 Ibidem. p. 9.72 Ibidem.

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    Apesar de toda a complexidade e dificuldade de se dar um contedojurdico a este princpio, Canotilho faz a delimitao do imperativocategrico que, segundo o autor, estaria na gnese do princpio dasustentabilidade, nos seguintes termos:

    os humanos devem organizar os seus comportamentos e acesde forma a no viverem: (i) custa da natureza; (ii) custa deoutros seres humanos; (iii) custa de outras naes; (iiii) custade outras geraes. Em termos mais jurdico-polticos, dir-se-que o princpio da sustentabilidade transporta trs dimensesbsicas: (1) a sustentabilidade interestatal, impondo a equidadeentre pases pobres e pases ricos; (2) a sustentabilidade geracionalque aponta para a equidade entre diferentes grupos etrios damesma gerao (exemplo: jovem e velho); e (3) a sustentabilidadeintergeracional impositiva da equidade entre pessoas vivas nopresente e pessoas que nascero no futuro.73

    Destarte, no Brasil, Canotilho defende que a dimenso jurdico-constitucional do princpio da sustentabilidade foi densificado pelaConstituio Federal de 1988, que, em seu captulo dedicado ao meioambiente, consagrou o direito e o dever de defender e preservar o meioambiente para as presentes e futuras geraes, de preservar e reestruturaros processos ecolgicos essenciais, de preservar a diversidade e a integridadedo patrimnio gentico, de proteger a fauna e a flora, e de promover aeducao ambiental.74

    Nessa mesma esteira, Staczuk e Ferreira defendem que, por meio deuma anlise sistmica do texto constitucional brasileiro, possvel afirmarque o fundamento maior do Estado de Direito Ambiental estaria contidojustamente no princpio da sustentabilidade, visto como um comandonormativo reitor,75 ou, nas palavras de Canotilho, um conceito federador

    73 CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. O princpio da sustentabilidade como princpioestruturante do Direito Constitucional. Tkhne - Revista de Estudos Politcnicos.Barcelos(PO): IPCA, vol. VIII, n 13, 2010. p. 8-9.74 Ibidem. p. 8.75 STACZUK, Bruno Laskowski; FERREIRA, Heline Sivini. A dimenso social do Estadode Direito Ambiental. In: LEITE, Jos Rubens Morato; FERREIRA, Heline Sivini;CAETANO, Matheus Almeida (Org.). Repensando o Estado de Direito Ambiental.Florianpolis: FUNJAB, 2012. p. 103.

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    que, progressivamente, vem definindo as condies e pressupostos jurdicosdo contexto da evoluo sustentvel.76 Dessa forma, defendem que esteprincpio encontra guarida na CF/88, no disposto pelos artigos 225, caput;170, caput e incisos, j que impe balizas ecossocializantes atividadeeconmica; e no art. 3, que prev a solidariedade (intra e intergeracional)como elemento indispensvel construo social.77

    Entretanto, segundo Milar, o princpio do desenvolvimentosustentvel foi introduzido no ordenamento jurdico nacional j em 1980,com a Lei n 6.803, a qual estabeleceu as diretrizes bsicas para ozoneamento industrial nas reas crticas de poluio. Alm disso, afirmaque pode-se identificar tal princpio, tambm, na Lei da Poltica Nacionaldo Meio Ambiente, Lei n 6.938/81, notadamente em seus artigos 2,caput c/c inciso I; e 4, inciso I.78 A Lei n 12.187/09, que instituiu aPoltica Nacional sobre Mudana Climtica outro exemplo de legislaoinfraconstitucional que destacou o princpio do desenvolvimento sustentvelem diversos pontos de seu texto.79

    Seguindo-se nessa anlise legislativa, verifica-se que a Lei n 12.305/10, Lei da Poltica Nacional de Resduos Slidos (PNRS) explicitou entreseus princpios, objetivos, instrumentos e diretrizes a importncia eatualidade do princpio do desenvolvimento sustentvel, concedendo aele o status de princpio no inciso IV do seu artigo 6. Embora se trate dainstituio de uma poltica voltada gesto dos resduos slidos, de formacoerente a PNRS mostra uma viso holstica e sistmica de talproblemtica80, ao tratar da questo englobando as variveis ambiental,

    76 CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. O princpio da sustentabilidade como princpioestruturante do Direito Constitucional. Tkhne - Revista de Estudos Politcnicos.Barcelos(PO): IPCA, vol. VIII, n 13, 2010. p. 9.77 STACZUK, Bruno Laskowski; FERREIRA, Heline Sivini. A dimenso social do Estadode Direito Ambiental. In: LEITE, Jos Rubens Morato; FERREIRA, Heline Sivini;CAETANO, Matheus Almeida (Org.). Repensando o Estado de Direito Ambiental.Florianpolis: FUNJAB, 2012. p. 105-106.78 MILAR, dis. Princpio fundamentais do direito do ambiente. In:Revista Justitia,vols. 181/184, jan/dez 1998. p. 5. Disponvel em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/31982-37487-1-PB.pdf. Acesso em: 12/10/2012.79 BRASIL, Lei n 12.187 de 29 de dezembro de 2009. Dispe sobre a Poltica Nacionalsobre Mudanas Climticas. Disponvel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12187.htm. Acesso em: 12/10/2012.80 BRASIL, Lei n 12.305 de 02 de agosto de 2010. Dispe sobre a Poltica Nacional deResduos Slidos. Art. 6o, inciso III. Disponvel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12305.htm. Acesso em: 12/10/2012.

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    social, cultural, economica, tecnolgica e de sade pblica, deixando clara,tambm, a necessidade do estabelecimento de um modelo desustentabilidade no intuito de modificar os padres de produo e consumopraticados.81 Ademais, em decorrncia direta do princpio dodesenvolvimento sustentvel, a PNRS dispe, como alguns dos seusobjetivos, o estmulo adoo de padres sustentveis de produo econsumo de bens e servios (art. 7, III), a prioridade, nas aquisies econtrataes governamentais, para bens servios e obras que consideremcritrios compatveis com padres de consumo social e ambientalmentesustentveis (art. 7, XI, b), o incentivo ao desenvolvimento de sistemasde gesto ambiental e empresarial voltados para a melhoria dos processosprodutivos e ao reaproveitamento dos resduos slidos, includos arecuperao e o aproveitamento energtico (art. 7, XIV), e o estmulo rotulagem e ao consumo sustentvel.

    Como se pode observar, todos esses objetivos abrangem a ideia depadres sustentveis de produo e consumo, que, segundo o inciso XIIIdo art. 3 da Lei n 12.305/10, so a produo e consumo de bens eservios de forma a atender as necessidades das atuais geraes e permitirmelhores condies de vida, sem comprometer a qualidade ambiental e oatendimento das necessidades das geraes futuras, definio esta, muitoprxima do conceito de desenvolvimento sustentvel dado pelo RelatrioBrundtland, que, como visto, muito criticado por sua abstratividade. Dequalquer forma, percebe-se que este conceito mais amplo composto porduas categorias mais concretas que precisam ser entendidas separadamente,quais sejam: (i) o consumo sustentvel, ligado ideia de padro de consumosustentvel; e (ii) a ecoeficincia, abrangida pelo conceito de padro deproduo sustentvel.

    81 Art. 7 So objetivos da Poltica Nacional de Resduos Slidos:II no gerao, reduo, reutilizao, reciclagem e tratamento dos resduos slidos, bemcomo disposio final ambientalmente adequada dos rejeitos;III - estmulo adoo de padres sustentveis de produo e consumo de bens e servios;IV - adoo, desenvolvimento e aprimoramento de tecnologias limpas como forma deminimizar impactos ambientais;XIII - estmulo implementao da avaliao do ciclo de vida do produto;XV - estmulo rotulagem ambiental e ao consumo sustentvel.Art. 9o Na gesto e gerenciamento de resduos slidos, deve ser observada a seguinte ordemde prioridade: no gerao, reduo, reutilizao, reciclagem, tratamento dos resduos slidose disposio final ambientalmente adequada dos rejeitos.

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    Sobre o padro de consumo, Lemos82 destaca que pode ser divido emduas espcies: padro de entropia83 fisiolgica, resultante da interaonatural do homem com o meio ambiente, e padro de entropia patolgica,relacionada com o atual estilo de vida consumista descrito no segundoitem deste trabalho. Assim, para termos um padro de consumo sustentvel,devemos buscar o padro de entropia fisiolgica.

    Contudo, importante destacar que consumo sustentvel no podeser confundido com consumo verde. Consumo verde aquele em que,alm das variveis preo/qualidade, inclui, na escolha da compra, a varivelambiental, de forma que, por meio dele, os consumidores, por suas aesindividuais, optam por comprarem produtos que consideram menosimpactantes ao meio ambiente.84 No entanto, segundo Portilho, o simplesacesso a conhecimentos relacionados questo ambiental no leva a estilosde vida e prticas ambientalmente sustentveis, j que outras variveis,como o acesso aos recursos ambientais pelas diversas classes econmicas,tambm influenciam nos resultados a serem obtidos.

    Alm disso, a perspectiva do consumo verde deixaria de enfocaraspectos como a reduo do consumo, a descartabilidade e aobsolescncia planejada, enfatizando, ao contrrio, a reciclagem,o uso de tecnologias limpas, a reduo do desperdcio e oincremento de um mercado verde.85

    Assim, reconhecidos os limites e armadilhas da estratgia do consumoverde, surgiram propostas que, no descartando as aes visadas por este,deram maior nfase, contudo, a aes coletivas e mudanas polticas e

    82 LEMOS, Patrcia Faga Iglecias. Consumo sustentvel e Desmaterializao no mbito doDireito Brasileiro. Revista CEDOUA, Coimbra: CEDOUA, n 29, ano XV, 2012. p. 30.83 Segundo Lemos, a entropia representa a energia que no pode mais ser usada por nenhumelemento de um sistema; a energia perdida, geralmente sob a forma de calor. Pode serinterpretada como uma medida do grau de desordem de um sistema. Ibidem, p. 30.84 PORTILHO, Ftima. Consumo verde, consumo sustentvel e a ambientalizaodos consumidores. In: Anais do 2 Encontro da ANPPAS: GT, Agricultura, Riscos eConflitos Ambientais, 2004. p. 4. Disponvel em: http://www.anppas.org.br/encontro_anual/encontro2/GT/GT05/f%E1tima_portilho.pdf. Acesso em: 04/10/2012.85 PORTILHO, Ftima. Consumo verde, consumo sustentvel e a ambientalizaodos consumidores. In: Anais do 2 Encontro da ANPPAS: GT, Agricultura, Riscos eConflitos Ambientais, 2004. p. 5-6. Disponvel em: http://www.anppas.org.br/encontro_anual/encontro2/GT/GT05/f%E1tima_portilho.pdf. Acesso em: 04/10/2012.

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    institucionais, como, por exemplo, a proposta do consumo sustentvel.Nesta seara, se com o consumo verde, o consumidor aparecia como oprincipal agente de transformao, com a perspectiva do consumosustentvel, essa questo se torna mais complexa, pois a ideia de umconsumo sustentvel, apesar de no exclu-las, no se resume a mudanascomportamentais de consumidores individuais ou mudanas de designem produtos e servios de forma a torn-los mais verdes, comportando,tambm, mudanas mais profundas, notadamente a reduo do consumo.86

    No que concerne ao conceito de padro de produo sustentvel, oPrograma das Naes Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) traz aseguinte definio:

    fornecimento de servios e produtos que atendam s necessidadesbsicas, proporcionando uma melhor qualidade de vida enquantominimizam o uso dos recursos naturais e materiais txicos comotambm a produo de resduos e a emisso de poluentes nociclo de vida do servio ou do produto, tendo em vista nocolocar em risco as necessidades das futuras geraes.87

    Destarte, percebe-se que o conceito de produo sustentvel estintimamente ligado ideia de ecoeficincia, classificada, no inciso V doart. 6, como um princpio da PNRS, definido como:

    a compatibilizao entre o fornecimento, a preos competitivos,de bens e servios qualificados que satisfaam as necessidadeshumanas e tragam qualidade de vida e a reduo do impactoambiental e do consumo de recursos naturais a um nvel, nomnimo, equivalente capacidade de sustentao estimada doplaneta.88

    86 Ibidem. p. 7.87LEMOS, Patrcia Faga Iglecias. Consumo sustentvel e Desmaterializao no mbito doDireito Brasileiro. Revista CEDOUA, Coimbra: CEDOUA, n 29, ano XV, 2012. p. 32.88BRASIL, Lei n 12.305 de 02 de agosto de 2010. Dispe sobre a Poltica Nacional deResduos Slidos. Art. 6o, inciso V. Disponvel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12305.htm. Acesso em: 12/10/2012.

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    Ou seja, para que uma produo possa ser considerada comosustentvel preciso que prime pela ecoeficincia, produzindo bens eservios para satisfao das necessidades humanas em bases socioambientais,objetivando a reduo da utilizao de recursos naturais, a diminuio dapoluio e descarte de resduos slidos, a otimizao do uso de recursosenergticos, a utilizao de tecnologias limpas, a projeo de produtosduradouros e com materiais de baixo impacto ambiental, enfim, precisoque produza com respeito dignidade humana, social e ao meio ambiente.

    Assim, diante dessas breves consideraes, verifica-se a importncia eatualidade do princpio do desenvolvimento sustentvel, que, emboraabarque sentidos divergentes, abrindo espao para a sua utilizao de formapervertida, se fundado na ideia de uma verdadeira sustentabilidadeambiental, pode sim servir para a efetiva proteo dos recursos naturaisem favor das presentes e futuras geraes.

    Consideraes Finais

    Viu-se, no presente trabalho, que os valores inseridos pelo modelo dedesenvolvimento moderno acabaram por legitimar a apropriao desmedidados recursos ambientais, gerando, sculos mais tarde, uma verdadeira criseambiental. Tal crise fez com que os padres modernos passassem, ento, aser questionados, propiciando a demanda por uma reformulao dosprincpios fundamentais que do sustentao ao Estado de Direito. Assim,aps o Estado Liberal de Direito e o Estado Social de Direito, fundadosnos direitos de primeira e segunda dimenso, respectivamente, surge oEstado de Direito Ambiental, lastreado nos direitos de terceira dimenso,como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

    Destarte, constatou-se que para que melhor se compreenda estaproposta de novo Estado de Direito preciso que se estude os princpiosque o estruturam, dentre eles o princpio do desenvolvimento sustentvel,intimamente ligado ao princpio fundador do Estado de Direito Ambiental,o princpio da solidariedade. Nesse sentido, observou-se que a teoria dodesenvolvimento sustentvel, assim como o Estado de Direito Ambiental,surgiu com a evidenciao da falncia do modelo de desenvolvimentoproposto pela modernidade com a ecloso da crise ambiental vivida.

    Analisando-se a teoria do desenvolvimento sustentvel, destacou-seque, no contexto internacional, apesar de j existirem referncias estaideia desde a dcada de 1940, foi apenas com a publicao do Relatrio

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    Nosso Futuro Comum que este conceito se tornou poltico e foiamplamente difundido. Ocorre que, como demonstrado, o conceito dedesenvolvimento sustentvel, delimitado em trs pilates de sustentao econmico, social e ambiental -, mostrou-se insuficiente para concederuma efetiva proteo ao meio ambiente, vez que os demais pilares, naprtica, acabam se sobrepondo ao pilar ambiental, representando umasustentabilidade fraca.

    Constatado isto, verificou-se que novas teorias surgiram no intuito desuperar este modelo de sustentabilidade fraca, dentre elas a teoria dasustentabilidade forte e da biofsica, ambas em busca de uma verdadeirasustentabilidade ambiental.

    Compreendida a evoluo do conceito de desenvolvimento sustentvel,analisou-se, ento, a juridicizao deste conceito no ordenamento jurdiconacional, levando-se em considerao a necessidade de adotar-se umaverdadeira sustentabilidade ambiental. Nesse sentido, observou-se que aideia de desenvolvimento sustentvel foi densificada pela ConstituioFederal de 1988 e em muitas outras normas infraconstitucionais, como aPoltica Nacional de Resduos Slidos, podendo, ento, ser consideradacomo um princpio estruturante do Estado de Direito Ambiental.

    Identificado em diversos pontos do texto da Lei da Poltica Nacionalde Resduos Slidos, o princpio do desenvolvimento sustentvel tornoutal poltica abrangente e sistmica, evidenciando sua pertinncia eatualidade como princpio estruturante deste novo Estado de Direito embusca da proteo do meio ambiente para as presentes e futuras geraes.

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    _______, Lei n 12.305 de 02 de agosto de 2010. Dispe sobre a Poltica Nacional

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    de Resduos Slidos. Art. 6o, inciso III. Disponvel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12305.htm. Acesso em: 12/10/2012.

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    A LIVRE CIRCULAO DE ORGANISMOSGENETICAMENTE MODIFICADOS

    E AS CLUSULAS DE SALVAGUARDA:

    DOIS CASOS ANALISADOS SOB APERSPECTIVA DO PRINCPIO DA

    PRECAUO NA UNIO EUROPEIA

    Bruno Moura*

    Matheus Almeida Caetano**

    PRECAUO E NVEL ELEVADO DE PROTEO ECOLGICA

    * Doutorando na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC) e Mestre emDireito Penal na mesma instituio. Advogado e professor universitrio. E-mail do autor:[email protected]**Doutorando na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC) e Mestre emDireito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Advogado, professoruniversitrio e membro do Grupo de Pesquisa Direito Ambiental e Ecologia Poltica naSociedade de Risco (GPDA). E-mail do autor: [email protected]

    Sumrio: Introduo. Notas tericas preliminares. A incertezacientfica. O princpio da precauo. Os organismosgeneticamente modificados. Oprimeiro caso: Land Obersterreiche Repblica da ustria vs. Comisso das ComunidadesEuropeias. Base jurdica, factualidade relevante e questesjurdico-ambientais suscitadas. Argumentos das partes eapreciao do Tribunal Europeu. Valorao. O segundo caso:Comisso das Comunidades Europeias vs.Repblica da Polnia.Base jurdica, factualidade relevante e questes jurdico-ambientais suscitadas. Argumentos das partes e apreciao doTribunal Europeu. Valorao. Consideraes Finais. Referncias.

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    *** Siglas e abreviaturas utilizadas neste ensaio: AMMA (Academia Americana de MedicinaAmbiental),Autoridade Europeia para a Segurana dos Alimentos AESA (European AviationSafety Agency), BAT (Best available technology) = MTD (melhor tecnologia/informao cientficadisponvel), CE (Comunidade Europeia), DNA (cido desoxirribonucleico), NEPE (princpiodo nvel elevado de proteo ecolgica), RJUA (Revista Jurdica do Urbanismo e do Ambiente),RDCE (Revista de Derecho Comunitario Europeo), OGMs (organismos geneticamentemodificados), OMS (Organizao Mundial da Sade), TCE (Tratado da Comunidade Europeia),TFUE (Tratado de Funcionamento da Unio Europeia), TJCE (Tribunal de Justia da UnioEuropeia), Tratado de Lisboa = o Tratado da Unio Europeia (TUE) + o de Funcionamento daUnio Europeia (TFUE).1 Informativo: GIL-DELGADO, Mara de los Reyes Corripio; FERNNDEZ DEZ, Maradel Carmen. La moderna biotecnologa en la regulacin comunitria sobre seguridad alimentariay bioseguridad. In: RDCE 19 (2004), p.951-952.2 Os primeiros cultivos transgnicos (tomate enriquecido pelo gene Bacillus thuringiensis)ocorreram nos EUA em 1992. As sementes geneticamente modificadas comearam a sercomercializadas na segunda metade dos anos 90. Em 1996, 1.7 milho de hectares foramcultivados com OGMs (milho, algodo e soja). Em 2001 a rea cultivada j alcanava 52,6milhes de hectares, em 13 pases. Em 2006 atingiu os 100 milhes de hectares em 22 pases eem 2008 chegou marca de 125 milhes de hectares em 25 pases. EUA, Canad, Argentina,Autrlia, China e frica do Sul aparecem como os maiores produtores mundiais. Sobre isto:CASELLA, ssima Farhat Jorge. A implementao do Princpio da Precauo pela UnioEuropia no comrcio internacional de OGMs: uma anlise do posicionamento da OMC.Dissertao de Mestrado. Coimbra: Universidade de Coimbra, 2009, p. 50.3 Os quais chegam inclusive destruio dos campos de cultivo. Sobre isso ver: BERMEJOGARCA, Romualdo; SNCHEZ DE MUNIIN, Laura San Martn. El comercio deproductos transgnicos en la Comunidad Europea. Comentario a la sentencia del Tribunal deJusticia de 21 de marzo de 2000, Greenpeace.In: RDCE 8 (2000), p.523.4 ARAGO, Maria Alexandra de Sousa. O princpio do nvel elevado de proteo ecolgica:resduos, fluxos de materiais e justia ecolgica. Tese de Doutoramento em cincias jurdico-polticas. Coimbra: Universidade de Coimbra, 2004, p. 247-248.

    Introduo***

    A biotecnologia (especialmente a biotecnologia agroalimentar) aparececomo um dos setores tecnolgicos com maior projeo no desenvolvimentoeconmico da Unio Europeia.1 A crescente2 criao e liberao deorganismos geneticamente modificados (OGMs) atravs da tcnica do DNArecombinante desperta esperanas e receios na sociedade global. Proliferaminformaes desencontradas, muitas derivadas de abordagens apressadas ecarentes da necessria base cientfica, e principalmente pautadas por umanociva parcialidade nas avaliaes. Desse modo, preconceito, precipitao,ausncia de imparcialidade e exagero so elementos presentes na valoraodessa nova tecnologia, no por acaso, a liberao de OGMs no ambiente uma das principais causas dos movimentos ecoterroristas3 e um dos temaspreferidos dos mass media.4

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    O desenvolvimento do mercado globalizado, a incerteza cientfica, oprincpio da precauo e certas consideraes tico-religiosas so aspectosnecessariamente envolvidos pela complexa discusso sobre os OGMs.Brevitatis causa, o presente estudo se destinar a anlise de dois acrdosdo Tribunal de Justia das Comunidades Europeias5, na qual essas questesso de algum modo tematizadas.

    Notas tericas preliminares

    Para uma adequada compreenso da problemtica e da soluo doscasos apontados adiante, ser indispensvel um prvio e breveenquadramento terico de algumas ideias fortes atinentes ao paradigmada incerteza cientfica (1.1) na sociedade do risco, bem como ao princpioda precauo (1.2) e aos riscos ambientais e ticos derivados da liberaodos OGMs no mercado (1.3). Assim, desenvolve-se abaixo o primeiro dostrs ndulos temticos envolvidos com os (salutares compreenso dos)dois acrdos do Tribunal de Justia das Comunidades Europeias, objetosde anlise do presente ensaio.

    A incerteza cientfica

    A sociedade contempornea assemelha-se a uma caixa de pandoraou a um vulco civilizatrio pelo constante envolvimento com umcrescente e aleatrio processo de liberao de novos riscos que redundamno retorno da insegurana em suas dimenses cognitiva e normativa. Essesnovos riscos emergem enquanto instncias emissoras de incertezas e setornam o elemento (des)estruturante da sociedade, convocando o repensarsobre os mecanismos de distribuio de responsabilidade.6 Per definitionem,a cincia sempre enfrentou a incerteza, o anseio pelo descobrir o certo/incerto precisamente a mola propulsora do pesquisar cientfico: fosse acerteza um atributo ontolgico do saber e uma vez descoberta determinada

    5 Hoje denominado Tribunal de Justia da Unio Europeia, nos termos do Tratado deLisboa (art. 19 do TUE e arts. 251 e ss. do TFUE).6 Sobre tudo isso ver: BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo. Hacia una nueva modernidad.Traduccin de Jorge Navarro et. al. Barcelona-Buenos Aires: Paids, 1998, p.15 e ss.;TELES DE MENEZES, Paulo Roberto Brasil. O Direito do ambiente na era do risco:perspectivas de mudana sob a tica emancipatria. In: Lusada 1/2 (2002), p.585-592.

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    verdade, desnecessrio seria prosseguir em novas investigaes nasinmeras reas do conhecimento.7

    A cincia moderna pautou-se por um mtodo analtico baseado nadecomposio do objeto e na consequente fragmentao do conhecimento.Neste contexto, o saber cientfico firmava verdades a partir de quatroprincpios bsicos,8 a saber:da ordem (conhecer o passado para prever ofuturo), da separao (distanciamento entre sujeito e objeto, elogio daneutralidade valorativa do sujeito, diviso da cincia em disciplinas isoladase instrumentalizao da natureza9), da reduo (conhecimento das unidadesou partes permitiria o conhecimento do respectivo conjunto ou todo) edavalidade absoluta da lgica clssica (exasperao dos mtodos indutivo ededutivo).10 Entretanto, o prprio evoluir da cincia tratou de quebrar

    7 A tradio da Idade Mdia no permitiu o desenvolvimento cientfico, estimulado apenascom o Renascimento. Sobre a mudana de paradigma da Idade Mdia para a Idade Modernaver: DEUS, Jorge Dias de. Da crtica da cincia negao da cincia. Lisboa: Gradiva,2003, p. 21: [...] a modernizao das sociedades e da cincia d-se com a substituio dosvalores correspondentes s normas sociais aceites e integradas na tradio por valores deeficincia e competncia, por regras tcnicas ligadas ao prtica. Enquanto nos velhosmitos, bem como para as vises religiosa e metafsica, se buscava resposta s questescentrais para a existncia individual e coletiva dos homens, questes de vida e da morte,com a nova racionalidade nascente o que se busca a definio de objetivos tecnicamenterealizveis e de estratgias de sucesso.8Esta ilao, bem como esses princpios apontados foram levantados por Edgar Morin, verem: MORIN, Edgar. Os desafios da complexidade. In: MORIN, Edgar. A religao dossaberes: o desafio do sculo XXI, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2002, p.559-567.9 Sobre este ltimo aspecto, cabe lembrar que [...] total a separao entre a natureza e oser humano. A natureza to-s extenso e movimento; passiva, eterna e reversvel,mecanismos cujos elementos se podem desmontar e depois relacionar sob a forma de leis;no tem qualquer outra qualidade ou dignidade que nos impea de desvendar os seusmistrios, desvendamento que no contemplativo, mas antes ativo, j que visa conhecera natureza para a dominar e controlar inSANTOS, Boaventura de Sousa. A crtica darazo indolente: para um novo senso comum: a cincia, o direito e a poltica na transioparadigmtica. 5 edio. So Paulo: Cortez, 2005, p. 62. O mtodo cientfico da pocainstrumentalizava a natureza e tinha os seguintes caracteres: [...] o sistema da naturezapodia ser dividido em componentes isolados quase estveis, e os objetos de estudo podiamser separados do sujeito que os estudava. Disso resultaram uma cincia dividida em disciplinas(a base do sistema universitrio) e o mito de uma cincia neutra, livre de valores, quelegitima os especialistas in FUNTOWICZ, Silvio; MARCHI, Bruna De. Cincia ps-normal, complexidade reflexiva e sustentabilidade. In: LEFF, Enrique. A complexidadeambiental. So Paulo: Cortez, 2003, p.69.10 Sobre esses princpios ver: MORIN, Edgar. Os desafios da complexidade. In: IDEM. Areligao dos saberes: o desafio do sculo XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002,p.559-567.

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    estes dogmas do racionalismo iluminista e desmascarar o mito dainfalibilidade do conhecimento humano: o princpio da ordem foiquestionado pelo paradigma da incerteza, resgatado atravs da substituiodas leis deterministas por relaes de probabililidade estatstica no mbitoda fsica quntica e da termodinmica;11 o princpio da separaodesmoronou diante do reconhecimento da relao reciprocamenteconstitutiva entre sujeito e objeto, do carter valorativo da cincia, desaberes transdisciplinares e da dimenso axiolgica no-funcional danatureza12; o princpio da reduo tende a ser superado pelo seu inverso,no sentido de que o todo que determina o comportamento das partes;13

    o princpio da validade absoluta da lgica clssica cede espao aoreconhecimento do potencial construtivo do paradoxo.14

    Um aspecto merece especial destaque neste contexto. O princpio daincerteza (formulado pelo fsico Heisenberg) deixa bem claro que no possvel conhecer o que realmente se passa no mundo da natureza. Esteretorno da instabilidade e do caos quer significar que os cientistas nuncapodem lidar com a verdade, no sentido de uma correspondncia precisaentre a descrio e o fenmeno descrito.15 Logo, preciso aprender anavegar em um oceano de incertezas em meio a arquiplagos de certeza16.Em outros termos: ns no conhecemos. Ns s podemos dar palpites.17

    11 Sobre isso ver: PRIGOGINE, Ilya. O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza.Traduo de Roberto Leal Ferreira. So Paulo: UNESP, 1996, p.31-32, onde se destacaque os conceitos fundamentais da fsica [...] esto ligados a noes como a instabilidade eo caos [...]. A considerao desses conceitos leva a uma