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914 SERVIÇO SOCIAL E A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA NO CONSELHO DE PROFISSÃO Rosangela Aparecida de Souza Costa Andrean Resumo: O artigo tem por objetivo apresentar a construção do Conselho de Profissão no Serviço Social e sua organização política, entendendo que no decorrer dos anos a estrutura do Conjunto Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e Conselho Regional de Serviço Social (CRESS) vem se modificando, aproximando-se das demandas do Assistente Social. A realização dos estudos foi possível por meio de pesquisa bibliográfica e documental. Palavras-Chave: Serviço Social; Organização Política; Conselho de Profissão. Introdução Esse artigo foi elaborado para o XII Seminário de Pesquisa em Ciências Humanas (SEPECH), como primeira aproximação com o tema de minha dissertação (Organização Política dos Assistentes Sociais na Seccional Londrina/PR). Esse tema é importante para ajudar a refletir sobre o processo histórico da profissão e identificar as formas de organização da categoria na utilização de um espaço institucionalizado. O artigo procura discutir a construção do Conselho de Profissão no Serviço Social e sua organização política, entendendo que no decorrer dos anos a estrutura do Conjunto Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e Conselho Regional de Serviço Social (CRESS) vem se modificando, aproximando-se das demandas do Assistente Social. Desta forma, entendo que a profissão conseguiu ampliar as atividades do Conselho de Profissão. Porém, trata-se de um processo em contínua mudança. Os profissionais também estão submetidos às vicissitudes da sociedade brasileira. Assim, o Serviço Social é impactado por tais mudanças, nas quais se verificam avanços e retrocessos. Para a elaboração do artigo, realizamos pesquisa bibliográfica e junto aos documentos do Conselho Federal de Serviço Social, artigos, livros teses e dissertações Mestranda do Programa de Serviço Social e Política Social da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

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SERVIÇO SOCIAL E A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA NO CONSELHO DE

PROFISSÃO

Rosangela Aparecida de Souza Costa Andrean

Resumo: O artigo tem por objetivo apresentar a construção do Conselho de Profissão

no Serviço Social e sua organização política, entendendo que no decorrer dos anos a

estrutura do Conjunto Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e Conselho

Regional de Serviço Social (CRESS) vem se modificando, aproximando-se das

demandas do Assistente Social. A realização dos estudos foi possível por meio de

pesquisa bibliográfica e documental.

Palavras-Chave: Serviço Social; Organização Política; Conselho de Profissão.

Introdução

Esse artigo foi elaborado para o XII Seminário de Pesquisa em Ciências

Humanas (SEPECH), como primeira aproximação com o tema de minha dissertação

(Organização Política dos Assistentes Sociais na Seccional Londrina/PR). Esse tema é

importante para ajudar a refletir sobre o processo histórico da profissão e identificar as

formas de organização da categoria na utilização de um espaço institucionalizado.

O artigo procura discutir a construção do Conselho de Profissão no Serviço

Social e sua organização política, entendendo que no decorrer dos anos a estrutura do

Conjunto Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e Conselho Regional de Serviço

Social (CRESS) vem se modificando, aproximando-se das demandas do Assistente

Social. Desta forma, entendo que a profissão conseguiu ampliar as atividades do

Conselho de Profissão. Porém, trata-se de um processo em contínua mudança. Os

profissionais também estão submetidos às vicissitudes da sociedade brasileira. Assim, o

Serviço Social é impactado por tais mudanças, nas quais se verificam avanços e

retrocessos.

Para a elaboração do artigo, realizamos pesquisa bibliográfica e junto aos

documentos do Conselho Federal de Serviço Social, artigos, livros teses e dissertações

Mestranda do Programa de Serviço Social e Política Social da Universidade Estadual de Londrina

(UEL).

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com o objetivo de entender como se dá a construção da organização política no referido

Conselho de Profissão.

Serviço Social: contexto histórico

Durante a Primeira República (1889-1930), o país passou a vivenciar um novo

modo de produção, que substituiu o sistema escravista. Neste novo modo, o trabalhador

passou a vender sua força de trabalho em troca de salário. Outro ponto a assinalar foi a

imigração de trabalhadores europeus, com duas funções: substituição do trabalhador

negro e a aplicação da eugenia1. A mudança do modo de produção sem um

planejamento trouxe sequelas sociais e, com isso, a visibilidade da questão social, na

qual o trabalhador não ganha o suficiente para manter a produção e reprodução do

sistema. Também gera um alto índice de trabalhadores no exército de reserva. Com isso,

o trabalhador acaba vivenciando a miserabilidade, que foi percebida pelas elites como

falta de moral, de ordem pública e promiscuidade.

Essas duas classes (classe trabalhadora e burguesia) criaram meios para o

enfrentamento da questão social: os trabalhadores organizaram-se em sindicatos,

visando a luta por melhores condições de trabalho, bem como a luta por cidadania

social2 (proteção social). As elites utilizaram a Igreja Católica para criar mecanismos de

enfrentamento aos pontos que “incomodavam”. Já o Estado brasileiro teve que pensar

novas formas de atendimento a essa população, para além da repressão policial.

A Primeira República aprovou uma nova Constituição em 1891, a qual

estabeleceu a divisão entre a Igreja Católica e o Estado. Estabeleceu os municípios

como instituição administrativa do Estado no lugar das paróquias. A emissão de

certidões de casamento, nascimento, entre outros, passaram para a esfera de

responsabilidade do Estado, representado pelos municípios. Também houve a defesa do

Estado laico, com a separação do Estado e da Igreja, incluindo a educação. A Igreja

1 Termo criado em 1883 por Francis Galton. Seu projeto pretendia comprovar que a capacidade

intelectual era hereditária, justificando a exclusão dos negros, imigrantes asiáticos e deficientes de todos

os tipos. Ver: SCHWARZ, Lília M. O espetáculo das raças: Cientistas, Instituições e questão racial

no Brasil – 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. 2 Termo utilizado por Iamamoto e Carvalho. Ver: IAMAMOTO, Marilda; CARVALHO, Raul de.

Relações sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 17.ed.

São Paulo: Cortez; Lima, Peru: CELATS, 2005. p. 126.

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Católica entendeu tal processo como perda de poder, procurando alternativas para

demonstrar a sua importância política ao novo sistema de governo, organizando o

Movimento Católico Leigo, que teve duas formas de intervenção: mobilizar uma

intelectualidade cristã e a Ação Cristã.

Segundo Iamamoto e Carvalho (2005), uma elite intelectual católica foi

mobilizada através da revista A Ordem (criada em 1921) e do Centro Dom Vital (criado

em 1922). O objetivo era enfrentar as correntes de pensamento que a Igreja considerava

nefastas, a saber: o anticlericalismo, o positivismo e a laicidade das instituições

republicanas. A revista e o centro, ambos de caráter conservador, também objetivavam

estabelecer uma ponte entre a hierarquia da Igreja e os católicos. (IAMAMOTO;

CARVALHO, 2005, p. 144). A segunda forma de intervenção foi a Ação Cristã,

construída a partir da Doutrina Social da Igreja, que durante a Primeira República ficou

apenas noquestionamento das condições de trabalho das mulheres e crianças, da moral,

da desagregaçãofamiliar e da promiscuidade da classe trabalhadora, sem, no entanto,

interferir nestas condições. A Ação Cristã foi desenvolvida no Movimento de 1930,

considerado um novo momento na organização católica, em que passam a desenvolver

ações na comunidade (IAMAMOTO; CARVALHO, 2005, p. 147).

Foi no interior desta sociedade que a classe trabalhadora lutou por acesso à

proteção social, mas enfrentou uma realidade extremamente excludente. As elites

nacionais contaram com o apoio da Igreja, como sempre, para a manutenção da moral e

da ordem social, uma vez que se entendeu ser necessário o enquadramento da

população. O Estado surgiu como mediador: ele fez concessões visando manter a ordem

social, ao mesmo tempo em que aplicou uma legislação excludente, usando, não raras

vezes, a repressão como instrumento de controle e coerção. Foi nesta conjuntura política

e social que o Serviço Social surgiu na cena nacional. As primeiras Assistentes Sociais

foram graduadas na década de 1930. Desde o inicio da profissão, identifico que a

categoria organizou-se politicamente, a fim de responder às demanda apresentadas.

Abordo, a seguir, os Conselhos de Profissão (em geral) e o Conselho de Profissão dos

Assistentes Sociais (em particular), local privilegiado para a organização política da

categoria, bem como da defesa da profissão.

Conselhos de Profissão

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O Estado brasileiro, na década de 1930, passou a intervir e controlar o

exercício profissional, como forma de enquadramento de diversas profissões ditas

liberais. Ao assumir o controle das relações de trabalho e de exercício profissional, o

Estado controlou também a ordem política e social. Para Costa e Valente (2008), os

Conselhos Profissionais são autarquias com personalidade jurídica de direito público,

ligados à União. Os autores esclarecem que as entidades de fiscalização profissional, no

exercício do poder de polícia, deviam zelar pela preservação de dois aspectos essenciais,

a ética e a habilitação técnica adequada para o exercício profissional. Nítida, pois, a

enorme responsabilidade social que os Conselhos Profissionais possuíam. É importante

lembrar que durante o mesmo período (década de 1930), o Estado brasileiro também

passou a controlar os trabalhadores fabris, oferendo garantias através da Consolidação

das Leis Trabalhistas (CLT) e controlando os sindicatos. O controle estatal recaiu sobre

os profissionais liberais, através do reconhecimento da profissão e da instituição do

Conselho Profissional e a sua fiscalização.

A Constituição Federal de 1988 (CF/88) também tratou sobre o Conselho de

Profissão, na qual afirma que é função exclusiva do Estado legislar e fiscalizar o

exercício profissional, gerando assim um conflito com os órgãos de fiscalização. Cortês

(s/d) faz a defesa da importância dos Conselhos de Profissão e assinala que organizar o

exercício profissional é zelar pelo interesse coletivo e não individual, assegurando que o

exercício profissional seja feito por pessoas qualificadas e habilitadas. Para a autora, a

fiscalização é realizada por profissional da mesma área e quando ocorre algum equívoco

profissional, cabe ao Conselho fiscalizar e, se necessário, abrir processo ético-

disciplinar. Também afirma que os Conselhos de Profissão são importantes para a

sociedade, constituindo-se ferramentas para fortalecer a democracia. Para isso, é

necessário que se divulgue o seu trabalho para a sociedade, a fim de “ampliar sua

participação na proposição e execução de políticas públicas”. Nessa perspectiva, Costa e

Valente (2008, p.12), afirmam que a atividade de regular e fiscalizar o exercício

profissional é legitimada quando se tem em vista o interesse social. A atividade

profissional “deve ser protegida contra os riscos gerados pela prática profissional

indevida”, e não como uma ação corporativista.

Conforme visto, os Conselhos de Profissão surgem como instrumentos de

controle do Estado sobre os trabalhadores liberais e sobre sua atividade profissional. A

CF/88 estabeleceu um impasse: quem deve fiscalizar o exercício profissional, o Estado

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ou os Conselhos? Apresento a seguir como se deu o processo de formação do Conselho

de Profissão no Serviço Social, resultado da organização política de uma categoria

profissional.

Conselho de Profissão no Serviço Social: a organização política da categoria

O Serviço Social surgiu no Brasil na contradição entre o capital e o trabalho,

atendendo a uma demanda das elites nacionais e com apoio da Igreja Católica. Trato, a

seguir, do processo de formação do Conselho de Profissão no Serviço Social, enquanto

reflexo da organização política da categoria. Entendo que a organização politica é

histórica, coletiva e tem uma finalidade, o que inclui também disputa de poder.

Identifico abaixo dois momentos distintos no processo de construção do Conselho em

questão. O primeiro momento situa-se entre o surgimento da profissão (década de 1930)

até a década de 1980, quando começou a aproximação da profissão com a teoria crítica.

Iamamoto (2005) assinala que a primeira turma de Serviço Social foi graduada

em 1936 e sua intervenção foi orientada pela influência conservadora da moral

religiosa. Guedes (2016) trata da análise dos códigos de ética da profissão, assinalando

que da década de 1930 até meados de década de 1940, a forma de intervenção dos

profissionais “[...] ressaltavam a necessária orientação doutrinária em conformidade

com as recomendações da Igreja Católica. Expressavam, portanto, a filiação a uma das

vertentes do pensamento conservador [...]” (GUEDES, 2016). No contexto de

conservadorismo na construção da profissão, Silva (2003) assinala que o Serviço Social

sempre se preocupou com uma formação teórica que oferecesse condições para que o

trabalho tivesse um reconhecimento de cunho profissional e que não fosse confundido

como voluntarismo.

O ano de 1945, graças à influência teórica estadunidense, caracterizou-se como

um período de aproximação com uma nova metodologia de intervenção, com tendências

teóricas inspiradas em traços do positivismo-funcionalismo, ainda alinhada com o

conservadorismo. Entendo aqui que a ação conservadora dos profissionais do Serviço

Social era, naquele momento, o único horizonte visível; não existiam outras formas de

mediação naquele período. Esse conservadorismo só será questionado na aproximação

com a teoria crítica, a partir da década de 1980.

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Outro ponto que me chamou a atenção foram as diversas formas de

organização política das Assistentes Sociais, no período de 1936 a 1960, utilizando

várias associações e participações em congressos e elaboraram o primeiro Código de

Ética em 1947. Nesse período, também ocorreu a aprovação da lei de regulamentação

da profissão, em 1958.

Quadro 1: dos Movimentos do Serviço Social de 1936-19623

Ano Ação

1936 1ª turma formada no Brasil

1936 Associação Brasileira de Assistente Social (ABAS)

1938 Conselho Nacional de Serviço Social – CNSS com o decreto-lei nº. 525

de 1/07/1938

1945 I Congresso Pan-americano de Serviço Social no Chile

1946 Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social4 (ABESS)

1947 Aprovado na ABAS o 1º Código de Ética da profissão

1947 I Congresso Brasileiro de Serviço Social no Brasil

1947 II Congresso Pan-Americano de Serviço Social no Brasil

1954 Associação Profissional de Assistente Social (APAS)

1957 Lei que Regulamenta a Profissão nº. 3.255/1958

1957 Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviço Social

(CBCISS)

1961 II Congresso Brasileiro de Serviço Social

1962 Aprovado o Decreto n º 994/1962, que instituiu o Conselho Federal de

Assistentes Sociais (CFAS), os Conselhos Regionais de Assistentes

Sociais (CRAS) e as Delegacias Seccionais

Fonte: Autora

Todos esses movimentos indicam a construção de uma diretriz política da

profissão, que responde a uma necessidade da sociedade. Outro fato importante é

aconstrução do Código de Ética5da profissão, o que demonstra como a interpretação do

que deve normatizar e orientar a ação profissional sofre mudanças durante o tempo,

apresentando respostas ao capitalismo. Guedes, sobre os Códigos de Ética

compreendidos entre 1947-1965, assinala:

3 Quadro elaborado para a confecção de um artigo para a disciplina do Mestrado “Serviço Social:

movimento histórico e tendências teórico-metodológicas” do Programa de Pós Graduação em Serviço

Social e Política Social. 4 Em 1996, passa a ser a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS). 5 O Código de Ética da profissão passou por alterações: 1965, 1975, 1986 e 1993.

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Nesses códigos, a associação de princípios e deveres dos assistentes

sociais à defesa da dignidade humana concorre para a interpretação da

liberdade, categoria central para ética, desvinculada da materialidade e

historicidade que a caracteriza. Fundamentar a interpretação da

liberdade no princípio neotomista da inteligibilidade humana,

associada ao princípio instrumental da autodeterminação, revela-se

como adesão ao marco conservador que tributa aos indivíduos a

necessária adaptação à ordem social, interpretada como natural e

passível, apenas, de reajustes e reformas em defesa de um ideário

desconectado da construção cotidiana do ser social [...] (GUEDES,

2016 p.39).

Entendo que a construção do que virá a ser o Conjunto CFESS/CRESS

constitui um locus privilegiado da organização das/os profissionais de Serviço Social.

De certa forma, o conjunto CFESS/CRESS legitima o exercício profissional e a

existência da profissão. Existiam outras instituições nas quais a categoria organizou-se.

Porém, o Conjunto CFESS/CRESS, a ABEPSS6 e aENESSO7 destacaram-se. A seguir,

apresento um breve histórico sobre a construção do conjunto CFESS/CRESS.

As décadas de 1950 e 1960 apresentaram uma nova conjuntura política e

social. Foi o período em que vivenciamos o governo Juscelino Kubitschek (1956-1961),

momento de reestruturação do capitalismo interno, no qual a temática

“desenvolvimentista” dominou no plano ideológico, com alguns setores industriais

recebendo atenção “especial”. A construção da nova capital Federal e os incentivos ao

grande capital (tão bem caracterizados pelo chamado “Plano de Metas”) deixariam ao

país uma pesada conta social e econômica. Para o Serviço Social, o início da década de

1960 foi marcado pela aprovação do Decreto nº 994/1962, o qual instituiu o Conselho

Federal de Assistentes Sociais (CFAS) e os Conselhos Regionais de Assistentes Sociais

(CRAS). Ficou definido que cada CRAS teria o seu território definido de acordo com o

número de profissionais, ou seja, com a presença de quinhentos profissionais atuando na

respectiva área. Naquele período, foram criados dez CRAS no Brasil, perfazendo um

total de cinco mil profissionais atuantes (LEMOS, 2013). Em meados da mesma década,

ocorreu a aproximação do Serviço Social com a América Latina e com a Teologia da

Libertação, o que favoreceu a reflexão sobre os saberes e atuação das/os profissionais.

Netto (2005) aponta que o final da década de 1960 foi propício para um

tensionamento entre o Estado burguês e a classe trabalhadora na América Latina. Houve

6Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS). 7 Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social (ENESSO).

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uma reorganização nos movimentos, em segmentos específicos: mulheres, crianças,

dentre outros. Foi um período de apresentação de novas culturas sociais. Tal contexto de

efervescência mobilizou os/as Assistentes Sociais da América Latina, algo que viria a

ser chamado de Movimento de Reconceituação. Para Netto (2005), tratou-se de um

movimento de ruptura com o conservadorismo, o qual apresentou avanços e

descaminhos.

Da aproximação entre os Assistentes Sociais latino-americanos, através de

conhecimentos da Teologia da Libertação, começou-se a questionar o trabalho

profissional, seu papel na sociedade e sua formação. E também a construir novas

organizações8, superando as que já eram conservadoras e dirigidas por organismo

supranacionais. Esses questionamentos ajudaram a construir novas formas de atuaçãoe

aressignificar seu papel na sociedade, na tentativa de superar o conservadorismo na

profissão. Porém, essa ressignificação não teve,evidentemente, o apoio do capital, o que

acabou gerando uma contradição entre a formação crítica e as exigências do mercado de

trabalho.

Segundo Netto (2005) o Movimento de Reconceituação contou com a

participação de uma parcela dos Assistentes Sociais, na qual houve uma divisão em dois

grupos, o que não favoreceu a superação do conservadorismo na profissão. Verificou-se

a criação de uma formação mais crítica no Serviço Social, com uma nova cultura

profissional. Favoreceu a construção de uma dimensão política mais clara, já que as

organizações conservadoras defendem instituições “sem partido”. Fenômeno presente

nos dias atuais, o conservadorismo é expresso por não raros profissionais do Serviço

Social, algo que demanda reflexões e ações.

Na Reconceituação houve também descaminhos. O profissional do Serviço

Social não tinha o hábito de participação em movimentos e isso gerou uma dupla

identidade na profissão: de um lado, Assistentes Sociais que apoiavam uma visão mais

crítica e que iriam construir o hábito da participação em movimentos sociais, sindicatos

e partidos políticos; e de outro, profissionais que não seguiam essa linha (Santos, 1982).

Algo que ainda persiste. A literatura tecnicista ainda está presente no cotidiano dos

Assistentes Sociais. As Políticas Públicas estabelecem “cartilhas de orientação” e

“normativas” aceitas sem questionamentos por parte dos profissionais.

8 E também construiu novas organizações, com a Associação Latino Americana de Escola de Trabalho

Social (ALETS).

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Ainda na década de 1960, a atuação do Conselho Federal de Assistente Social

(CFAS) e dos Conselhos Regionais de Assistente Social (CRAS) seguia a diretriz do

momento histórico. Apenas executava-se a fiscalização e a cobrança da anuidade.

Dificuldades foram verificadas no ato de fiscalizar, o que levou ao I Encontro

Nacional, realizado em 1966 do Conjunto CFAS/CRAS. O objetivo do encontro foi o

aprimoramento do exercício da fiscalização, o que se desdobrou na criação de uma

comissão, a qual realizou um estudo acerca das atribuições profissionais. Esse estudo

foi o instrumento para a primeira normativa interna, a Resolução CFAS nº. 3/1968, que

orientava a fiscalização profissional (GONÇALVES, 2016, p. 69).

A categoria teve um momento de construção política diferente com o

Movimento da Reconceituação, marcando a aproximação com a América Latina e

desenvolvendo novas formas de pensar a intervenção profissional. Netto (2005) aponta

que o Movimento de Reconceituação teve sua temporalidade (1965-1975) e que foi

interrompido pelo processo ditatorial que varreu a América Latina no período. Netto

(2011) identificou três vertentes a partir da Reconceituação: reatualização do

conservadorismo; modernizadora; e a intenção de ruptura. Essas três vertentes

constituíram-se na expressão política e técnica dos Assistentes Sociais.

Durante o período de 1962-1970, a hegemonia do conjunto era mais

conservadora, restando ao grupo progressista criar outros espaços de participação e de

luta. Em 1973, no III Congresso de Assistente Social (1979), o Congresso da Virada

como ficou conhecido, houve conflito quando a legitimidade e a mesa de condução do

evento foram tomadas em nome da representatividade dos profissionais. Todas essas

ações fizeram com que a categoria se organizasse para disputar o direcionamento

político dos CFAS e dos CRAS (GONÇALVES, 2016).

A partir do Congresso da Virada, identifico um segundo momento no processo

de construção do Conselho de Profissão no Serviço Social, no qual ocorreu uma disputa

de poder para a implementação de um projeto de profissão. Segundo Gonçalves (2016),

o final da década de 1970 e a década de 1980 foi um período caracterizado por muitas

articulações entre o Serviço Social e a estrutura dos sindicatos. Em 1978, ocorreu o I

Encontro Nacional de Entidades Sindicais de Assistentes Sociais. Em 1979 foi a vez

do II Encontro Nacional de Entidades Sindicais de Assistentes Sociais, surgindo

também a Comissão Executiva de Entidades Sindicais de Serviço Social (CENAS9). Em

9 Também estava liga a Associação Profissional de Assistente Social (APAS).

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1983, instituiu-se a Associação Nacional dos Assistentes Sociais (ANAS), vinculada à

Central Única dos Trabalhadores (CUT). A ANAS conseguiu estabelecer vinte e oito

unidades no país, cujo objetivo “[...] era a organização política profissional, a

democracia e a articulação das entidades sindicais com a América Latina”, sua

organização era autônoma e “[...] prezou pela participação dos Assistentes Sociais de

base, através de planos de gestão local, estadual e nacional que contou com a

representação de profissionais de todo o país nos fóruns democráticos”.

(GONÇALVES, 2016, p. 63).

Em contrapartida, o CFAS era um órgão vinculado ao Estado e extremamente

centralizador. Também apresentara mudanças, através de sua gestão, como a instituição

do cargo de Agente Fiscal, a contratação de profissionais Assistentes sociais para fazer a

fiscalização e a criação da Comissão de Orientação e Fiscalização (COFI), o que

possibilitou um maior conhecimento da realidade do profissional. A Resolução CFAS

nº. 135/1980 incorporou, além da fiscalização da profissão, a defesa da qualidade dos

serviços oferecidos aos usuários (CFESS, 2007, p. 12). As mudanças foram graduais

nas ações do CFAS/CRAS, tais como: a primeira eleição direta para o CFAS foi em

1987; o rompimento com a “[...] supervisão ministerial do Estado, o que transformou o

conselho num órgão ‘especial com autonomia financeira e administrativa’ sendo

supervisionada pelo Tribunal de Contas da União (TCU)”, dentre outras alterações

(GONÇALVES, 2016, p. 69-71).

Na década de 1990, diante do quadro de neoliberalismo, o Serviço Social optou

por não ter sindicato e definiu que as filiações aos sindicatos fossem efetuadas por ramo

de atividade. Com isso, a ANAS foi extinta em 1993. Em tal contexto, a CENAS

organizou-se para as disputas do CFAS edos CRAS, uma disputa entre os grupos

conservadores e a ala mais crítica do Serviço Social. (GONÇALVES, 2016, p.67). Em

1993, ocorreu a revogação da Lei n° 3.255/1957, substituída pela Lei nº. 8.662/1993,

que alterou o nome do Conselho Federal de AssistentesSociais (CFAS) e dos Conselhos

Regionais de Assistentes Sociais (CRAS) para, respectivamente, ConselhoFederal de

Serviço Social (CFESS) e Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS).

O CFESS não está subordinado à administração pública, mas tem a

responsabilidade de fazer a prestação de contas no Tribunal de Contas da União (TCU).

A sede administrativa (própria) fica na Capital Federal do país. Sua diretoria é eleita a

cada três anos. É de responsabilidade do CFESS (atividade precípua) orientar,

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disciplinar, normatizar, fiscalizar e defender o exercício da profissão, além de assessorar

os CRESSs, dentre outras atividades.

Para viabilizar a aproximação com a categoria, cada estado da Federação (em

sua capital) e o Distrito Federal terá um CRESS, com uma diretoria similar na

composição e com eleição a cada três anos. Possui autonomia administrativa e

financeira, porém não pode desvincular-se do CFESS. Os CRESS podem decidir sobre

sua área de jurisdição e a implantação da Delegacia Seccional deve ser homologada no

CFESS. A Delegacia Seccional está subordinada ao CRESS de referência. Trata-se de

uma unidade administrativa que tem por objetivo “oferecer melhores condições de

comunicação, fiscalização e orientação ao Assistente Social”. A legislação recomenda

avaliar se a arrecadação do CRESS é suficiente para a manutenção das atividades.

Com referência à gestão dos conselheiros no Conjunto CFESS/CRESS, cabe

ressaltar que tal atividade, em qualquer instância, não é remunerada, tratando-se de uma

ação com caráter de militância política na defesa da profissão, primando pela qualidade

dos serviços prestados aos usuários e pela defesa e respeito aos interesses coletivos da

categoria.

A década de 1990 foi marcada por conflitos e enfrentamentos. A CF/88

acabara de ser promulgada, na qual estava garantida a construção de umaproteção

social. No entanto, a implementação dessa política ocorreu justamente com a entrada do

chamadoneoliberalismo no país, o que atrasou a aplicação das conquistas da CF/88. A

“flexibilização” (eufemismo para uma nova etapa da exploração capitalista contra os

trabalhadores) dos contratos de trabalho, da legislação trabalhista e das remunerações

atingiu também a vida profissional dos Assistentes Sociais. Nessa conjuntura, a

categoria construiu um projeto profissional inovador e crítico, com fundamentos

retirados da tradição marxista, apoiados em valores e princípios humanistas e nas

especificidades do país. Tal projeto adquiriu materialidade no conjunto das

regulamentações profissionais: o Código de Ética do Assistente Social (1993), a Lei de

Regulamentação da Profissão (1993) e as Diretrizes Curriculares norteadoras da

formação acadêmica. O Projeto Ético e Político (PEP) do Serviço Social, que orienta o

exercício e a formação profissionais, foi resultado de um processo histórico de

construção coletiva, sob a direção das entidades nacionais da categoria (CFESS/CRESS,

ABEPSS e ENESSO). Ressalto que o Código de Ética deixa claro a garantia ao

pluralismo e o respeito às correntes profissionais democráticas existentes e suas

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expressões teóricas, bem como o compromisso com o constante aprimoramento

intelectual. Na década de 1990, o conjunto CFESS/CRESS e outras entidades10 da

categoria promoveram debates sobre a ética profissional, verificados em dois seminários

sobre o tema e no VII Congresso Brasileiro de Assistente Social (CBAS).

Sobre o PEP, Barata e Braz (2009) assinalam que é uma construção histórica

da profissão desde 1970 e que sua consolidação ocorreu na década de 1990, período de

maturidade da profissão e da política organizativa da categoria. Tal maturidade foi

possível mediante a produção de conhecimento (pós-graduação) e os fóruns

deliberativos construídos através das entidades profissionais.

O novo milênio traz ao mundo do trabalho novas transformações. Nicolau

Sevcenko (2005) observa a ocorrência da Revolução da Microeletrônica. Todos os

avanços tecnológicos dessa fase visam ampliar o lucro, utilizando uma quantidade

reduzida de mão-de-obra. Para Sevcenko, a Revolução da Microeletrônica, que

prossegue até os nossos dias, é um período caracterizado pela aceleração contínua e

precipitada, algo que entorpece ossentidos humanos e aliena. Tais mudanças são

marcadas pelo signo da imprevisibilidade.

Segundo Teixeira e Braz (2009), no inicio dos anos 2000 no Serviço Social,

apontaram que ocorreram dois processos simultâneos: “[...]

a continuidade do processo de consolidação do projeto ético‐

político e as ameaças que sofre diante das políticas neoliberais que repercutem n

o seio da categoria sob a forma de um neoconservadorismo profissional”. Além

do neoliberalismo, as dificuldades apresentadas no campo ideocultural e teórico

assinalam a impossibilidade de se superar a ordem do capital, o que contribui para com

a manutenção da classe dominante. No Brasil, em 2002, ocorreu a vitória do Partido dos

Trabalhadores (PT) para a Presidência da República. O PT aceitou o “jogo politico” e a

política de “alianças”. Por um lado, ofereceu à população em vulnerabilidade social

algumas políticas públicas, efetivando um tímido programa de transferência de renda;

por outro lado, a ordem do capital não foi sequer arranhada (setores da elite ampliaram

significativamente seus lucros, caso do setor bancário).

Foi nesse momento que o conjunto CFESS/CRESS passou a discutir a Política

de Fiscalização Nacional (PFN), que é “[...] um instrumento político fundamental para a

garantia da unidade orgânica entre CRESS e CFESS para avançar na defesa e

10 ABEPSS, ANAS.

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valorização da profissão. Suas dimensões devem ser articuladas e referenciar o

planejamento de ações realizadas nesta direção” (CFESS, 2007). Suas dimensões são:

Afirmativa de Princípios, que é uma “estratégia para fortalecimento do projeto ético-

politico profissional e da organização política da categoria em defesa dos direitos, das

políticas públicas e da democracia [...] luta por condições de trabalho condignas e

qualidade dos serviços prestados”. Normativa e Disciplinadora,a qual deve permitir

uma “[...] aproximação das particularidades sócio-institucionais, instituir bases e

parâmetros normativos-jurídicos reguladores do exercício profissional [...]”. É nesse

eixo que se aplica a fiscalização, seguindo a legislação profissional; A terceira dimensão

é a Política-Pedagógica,que tem por finalidade a “[...] adoção de procedimentos

técnico-politico de orientação e politização dos assistentes sociais e usuários dos

serviços relativos às políticas sociais, instituições e sociedade em geral acerca dos

princípios e compromisso ético-políticos do Serviço Social [...]” (CFESS, 2007).

A PFN foi aprovada em 2007 e sua aplicação está sendo utilizada. Na década

de 2010, a discussão no Conjunto teve como destaque a forma de organização em

núcleos dentro da jurisdição do CRESS, denominados Núcleos do Conselho Regional

de Serviço Social (NUCRESS), que tem por finalidade a aproximação com os territórios

e também a unificação dos formulários de fiscalização em nível nacional.

Considerações finais

A partir das ações apontadas acima e da construção coletiva utilizada pelo

Conjunto CFESS/CRESS e outras entidades da profissão, percebe-se aorganização

política da categoria, algo que denota um constante processo em movimento e

elaboração.

Entendo a organização política através da construção das relações sociais.

Assim, “[...] a necessidade que gera a ação coletiva, a consciência que orienta a

organização política e a vontade de mobilizar para a proteção/construção coletiva”

(RAMOS, 2005, p. 304). Nessa perspectiva, compreendo que um desejo individual

agrupado em um coletivo gera a construção de um determinado grupo com uma

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finalidade. A sociedade é construída por vários grupos com diversas finalidades; a

forma a qual cada grupo irá conquistar adeptos e ter suas ideias defendidas é o que se

identifica como política, entendida como a arte de compatibilizar interesses. Assim,

organização política pode ser apreendida como um “[...] processo histórico, humano,

intencional e criador, capaz de possibilitar uma reflexão crítica sobre a realidade, que se

concretiza em múltiplas esferas da vida cotidiana, em diversos níveis, influindo nas

esferas públicas e privadas” (RAMOS, 2005, p.305). A partir de tal postulado,

identifiquei dois movimentos relativos à organização política dos Assistentes Sociais: o

primeiro, situado na construção da profissão, de caráter conservador; o segundo, a partir

da década de 1990, com a construção do Projeto Ético Político da profissão, ancorado

na teoria marxista.

Reconstruindo a trajetória histórica da formação do Conjunto CFESS/CRESS,

é possível identificar de que forma a categoria organizou-se, utilizando o referido

conjunto para a defesa da profissão e para a construção de respostas frente às demandas

apresentadas.

No atual momento, temos uma forma de organização política dentro do

Conjunto CFESS/CRESS que ultrapassa a fiscalização na perspectiva da dimensão

Política Pedagógica, que é o papel precípuo do conjunto. Ainda podemos observar uma

metodologia próxima da ANAS, através de planos de gestão local, estadual e nacional,

que conta com a representação de profissionais de todo o país nos fóruns democráticos

em todas as instâncias: NUCRESS, Seccional, CRESS e o CFESS.

O fórum máximo de deliberação é o Encontro Nacional. Nele estão os

representantes da gestão dos CRESS (Seccional e NUCRESS) e do CFESS, os

Assistentes Sociais de base que foram eleitos nas assembleias de cada jurisdição do

CRESS, os trabalhadores do Conjunto CFESS/CRESS, além de representantes da

ABEPSS e ENESSO. É nessa arena que se apresenta as dificuldades vivenciadas pela

categoria e se constrói as direções a seguir. As demandas são apresentadas nos

seguintes eixos: orientação/fiscalização profissional; comunicação; ética/direitos

humanos; seguridade social; formação/relações internacionais e

administrativo/financeiro.

O Encontro Nacional é precedido pelos encontros descentralizados (que

ocorrem por região no país), pelo Encontro Estadual, além de outras atividades, como a

fiscalização e eventos realizados (Seminários, Fórum, Café com Cultura, as diversas

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Comissões de Trabalho, Grupo de Trabalho, Congresso Estadual de Assistente Social, a

participação de representantes nos conselhos de políticas públicas e conselhos de

direitos, reuniões com a categoria e as atividades desenvolvidas pelas Seccionais e

NUCRESS). Dessas ações são construídas as pautas, que obedecem aos princípios do

Código de Ética.

Entendo que esse espaço, institucionalizado com um único objetivo de

fiscalizar, foi ampliado para atender as demandas da categoria. Fortalecendo-se o

espaço de organização política da profissão fortalece-se igualmente a implantação do

Projeto Ético Político. Avanços precisam ainda ocorrer, uma vez que o espaço do

Conselho de Profissão é uma autarquia ligada à União. É necessário, assim, pensar a

descentralização da instituição.

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