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27 R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 13, n. 52, p. 27-44, out./dez. 2015 Serviços públicos de água e esgotamento sanitário: o subsídio direto como mecanismo de universalização Andréa Costa de Vasconcelos Bacharel em Direito pela Universidade São Judas Tadeu. Aluna da Escola de Formação da Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP) em 2011. Advogada. Fernando S. Marcato Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Direito Público Comparado “master recherche” 2 na Universidade Panthéon-Sorbonne (Paris I). Professor do Curso de Graduação em Direito da FGV Direito – SP. Resumo: O presente artigo trata da implementação de política de subsídio direto à população de baixa renda como alternativa viável de fomento apto a tornar sustentáveis os serviços de saneamento básico em regiões com baixo índice de abastecimento de água potável e de esgotamento sanitário e com alto índice de inadimplência dos usuários que não têm condições de arcar com as contas de água e de esgoto. Palavras-chave: Lei Nacional de Saneamento Básico. Subsídio direto. População de baixa renda. Sumário: 1 Introdução – 2 Estímulo aos consumidores de baixa renda para acesso aos serviços de saneamento: entendimento do problema – 3 O uso de incentivos financeiros na provisão de infraestrutura social: subsídio direto – 4 O dever de concessão da política de subsídio direto somente aos usuários na área de abrangência do prestador dos serviços – 5 Políticas de sucesso implementadas no setor de saneamento: experiência nacional e internacional – 6 Considerações finais – Referências 1 Introdução A Lei Federal nº 11.445, de 5.1.2007, também conhecida como Lei Nacional de Saneamento Básico (LNSB), instituiu um novo marco regulatório 1 para o setor de saneamento, 2 estabelecendo diretrizes nacionais para o saneamento básico, incluindo princípios de regulação que criam incentivos econômicos, eficiência e produtividade. 1 Antes da LNSB, o setor de saneamento básico era regido pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (Planasa), estruturado em uma lógica que fortalecia os operadores públicos estaduais e uma ação mais centralizada. Nesse sentido, a Lei nº 6.528, de maio de 1978, atribuiu ao Ministério do Interior a responsabilidade pela fixação das condições de operação de serviços públicos de saneamento básico, dentro do Plano Nacional de Saneamento. A esse ministério caberia estabelecer normas gerais de tarifação, coordenar, orientar e fiscalizar a execução de serviços de saneamento e assegurar a assistência financeira, quando necessária. 2 De acordo com o que dispõe o art. 3º da Lei nº 11.445/2007, o setor de saneamento básico abrange um conjunto de serviços, infraestruturas e instalações operacionais voltadas aos serviços públicos de abaste- cimento de água potável; esgotamento sanitário; limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo de águas pluviais urbanas.

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Page 1: Serviços públicos de água e esgotamento sanitário: o subsídio direto como mecanismo de universalização

27R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 13, n. 52, p. 27-44, out./dez. 2015

Serviços públicos de água e esgotamento sanitário: o subsídio direto como mecanismo de universalização

Andréa Costa de VasconcelosBacharel em Direito pela Universidade São Judas Tadeu. Aluna da Escola de Formação da Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP) em 2011. Advogada.

Fernando S. MarcatoBacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Direito Público Comparado “master recherche” 2 na Universidade Panthéon-Sorbonne (Paris I). Professor do Curso de Graduação em Direito da FGV Direito – SP.

Resumo: O presente artigo trata da implementação de política de subsídio direto à população de baixa renda como alternativa viável de fomento apto a tornar sustentáveis os serviços de saneamento básico em regiões com baixo índice de abastecimento de água potável e de esgotamento sanitário e com alto índice de inadimplência dos usuários que não têm condições de arcar com as contas de água e de esgoto.

Palavras-chave: Lei Nacional de Saneamento Básico. Subsídio direto. População de baixa renda.

Sumário: 1 Introdução – 2 Estímulo aos consumidores de baixa renda para acesso aos serviços de saneamento: entendimento do problema – 3 O uso de incentivos financeiros na provisão de infraestrutura social: subsídio direto – 4 O dever de concessão da política de subsídio direto somente aos usuários na área de abrangência do prestador dos serviços – 5 Políticas de sucesso implementadas no setor de saneamento: experiência nacional e internacional – 6 Considerações finais – Referências

1 Introdução

A Lei Federal nº 11.445, de 5.1.2007, também conhecida como Lei Nacional

de Saneamento Básico (LNSB), instituiu um novo marco regulatório1 para o setor de

saneamento,2 estabelecendo diretrizes nacionais para o saneamento básico, incluindo

princípios de regulação que criam incentivos econômicos, eficiência e produtividade.

1 Antes da LNSB, o setor de saneamento básico era regido pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (Planasa), estruturado em uma lógica que fortalecia os operadores públicos estaduais e uma ação mais centralizada. Nesse sentido, a Lei nº 6.528, de maio de 1978, atribuiu ao Ministério do Interior a responsabilidade pela fixação das condições de operação de serviços públicos de saneamento básico, dentro do Plano Nacional de Saneamento. A esse ministério caberia estabelecer normas gerais de tarifação, coordenar, orientar e fiscalizar a execução de serviços de saneamento e assegurar a assistência financeira, quando necessária.

2 De acordo com o que dispõe o art. 3º da Lei nº 11.445/2007, o setor de saneamento básico abrange um conjunto de serviços, infraestruturas e instalações operacionais voltadas aos serviços públicos de abaste-cimento de água potável; esgotamento sanitário; limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo de águas pluviais urbanas.

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ANDRÉA COSTA DE VASCONCELOS, FERNANDO S. MARCATO

Embora a LNSB tenha instituído uma nova ordem regulatória para o setor,

trazendo diretrizes gerais para estabelecimento de normas técnicas que garantam

a exigência de transparência e os padrões de qualidade dos serviços, bem como

estruturas jurídicas e garantias que permitam maior estabilidade para os investimentos

e financiamentos do setor, inúmeros ainda são os problemas do setor, razão pela

qual a universalização do saneamento básico no Brasil ainda está distante.

No que se refere aos serviços de abastecimento de água potável e de esgotamento

sanitário, o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS)3 publicou

recentemente o diagnóstico dos dados coletados em 2013,4 no qual se verifica que

na média do país o índice urbano de atendimento de abastecimentos de água potável

é de 93%, ao passo que a média da coleta de esgoto na região urbana é de 56,3%.

Dos esgotos coletados, somente 69,4% recebem tratamento.

Observando-se índices médios segundo as cinco regiões geográficas brasileiras,

percebe-se que a região norte do país, embora abrigue a maior rede hidrográfica do

mundo, é a região que mais sofre com o abastecimento de água. Os indicadores para

essa região são de 62,4% para abastecimento de água potável e 8,2% de coleta de

esgoto.

Um dos principais fatores que contribuem para o baixo índice supramencionado

está relacionado às estratégias para tornar os serviços públicos prestados autos-

sus tentáveis. Isto é, uma das maiores dificuldades do gestor público consiste em

en contrar uma solução que garanta a sustentabilidade econômico-financeira dos

ser viços prestados vis-à-vis a baixa capacidade de pagamento de grande parte dos

usuários.

Como se apresentará adiante, uma possível solução para o fortalecimento do

setor de forma autossustentável é a utilização de subsídios.

Este artigo é composto por seis seções, incluindo esta introdução. A seção 2

apresenta o problema causado pela tarifa dos serviços de abastecimento de água

potável e de esgotamento sanitário que, por um lado, não é suficiente para cobrir

os custos do prestador dos serviços e, por outro, não estimula o acesso regular e

contínuo dos serviços à população de baixa renda. A seção 3 apresenta os benefícios

de uma política de subsídios diretos. A seção 4, por sua vez, apresenta os motivos

pelos quais a política de subsídio deve ser aplicada somente na área de abrangência

da empresa prestadora dos serviços públicos de abastecimento de água potável e de

esgotamento sanitário.

3 O SNIS é um importante sistema de informações do setor de saneamento básico do Governo Federal existente desde 1996 que auxilia o planejamento, a gestão e a execução de políticas públicas no setor. O banco de dados do sistema é alimentado com informações e indicadores sobre os serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário e manejo de resíduos sólidos.

4 O diagnóstico completo do SNIS 2013 pode ser acessado no site do Ministério das Cidades – SNIS (Disponível em: <http://www.snis.gov.br/diagnostico-agua-e-esgotos/diagnostico-ae-2013>. Acesso em: 1º nov. 2015).

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SERVIçOS PúBLICOS DE áGUA E ESGOTAMENTO SANITáRIO: O SUBSíDIO DIRETO COMO MECANISMO DE UNIVERSALIZAçãO...

A seção 5 apresenta os casos de sucesso na provisão de política de subsídios

na infraestrutura social. Serão apresentados casos nacionais e internacionais. Por

fim, a seção 6 faz uma síntese dos principais pontos abordados no artigo.

2 Estímulo aos consumidores de baixa renda para acesso aos serviços de saneamento: entendimento do problema

No setor de saneamento básico não faz sentido, economicamente, tampouco

geograficamente, ter duas empresas executando os serviços públicos de abastecimento

de água potável e de esgotamento sanitário para os mesmos usuários. Seria oneroso

demais contar com uma duplicação das infraestruturas necessárias para a prestação

desses serviços, especialmente as redes de abastecimento de água e de coleta e

transporte de esgoto.

É da natureza desses serviços a assunção de elevados custos fixos para a

reali zação de investimentos indivisíveis e de larga escala, para a sua instalação e

fun cionamento. Em razão das características desse setor, a atividade produtiva dos

serviços públicos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário apresenta

econo mias de escala e escopo, as quais justificam que as demandas de saneamento

sejam satisfeitas a custos mais baixos por um agente monopolista do que por agentes

concorrentes.5

Se o mercado fosse dividido em certos números de partes, com quantidades

menores de serviços prestados por cada uma das empresas concorrentes, isso

ocorreria a maiores custos totais médios em cada uma das empresas concorrentes,

custos superiores aos custos totais médios de um monopolista. É justamente essa

diferença de custo médio que justifica que apenas uma empresa seja autorizada a

funcionar no mercado de serviços de saneamento no âmbito de determinado território.

É sabido que as tarifas cobradas no fornecimento desses serviços devem ser

suficientes para cobrir os custos da empresa prestadora dos serviços, garantir novos

investimentos e manutenção adequada, além de assegurar que toda a população

seja atendida, inclusive as famílias de baixa renda, que, porventura, não tenham

condições de pagar pela disponibilidade e uso dos serviços.

Para que isso ocorra, vários ajustes na tarifa são necessários. Normalmente,

a empresa prestadora dos serviços se utiliza de dois mecanismos. O primeiro diz

respeito a uma estrutura tarifária de preços crescentes segundo a maior quantidade

no consumo de água. Esse mecanismo faz com que os consumidores que utilizam

mais água paguem uma tarifa maior, por consequência, os que consomem menos

pagam uma tarifa menor.

5 A esse respeito ver VARIAN, H. R. Microeconomic analysis. Nova York: Norton & Company, 1992.

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O segundo fator que influencia, por vezes, na definição da tarifa a ser cobrada

do usuário do sistema é o subsídio cruzado entre as localidades nas prestações

dos serviços. A ideia do subsídio cruzado é ajudar os usuários de localidades que

não estariam em condições de pagar pelos serviços às tarifas efetivas da empresa

prestadora dos serviços. Com isso, cobra-se uma tarifa média mais baixa em uma

localidade cujos usuários não têm condições de suportar a tarifa integral e aumenta-

se a tarifa média em outras localidades, nas quais as tarifas cobradas podem gerar

um excedente de receita capaz de cobrir o que foi oferecido no subsídio cruzado.

Entretanto, a presença desses benefícios pela população de baixa renda, por

vezes, não é capaz, por si só, de estimular o acesso regular e contínuo aos serviços

de abastecimento de água potável e de esgotamento sanitário regular.

A conjugação dessas falhas possibilita, por um lado, o inadimplemento por parte

da parcela de usuários de baixa renda e, por outro lado, a perda de arrecadação das

receitas da empresa prestadora. Logo, a redução de receitas tem por consequência

a diminuição dos investimentos necessários para a melhoria e universalização dos

serviços públicos prestados.

Diante desse panorama, é necessário estudar meios para que os usuários de

baixa renda sejam estimulados a permanecerem com o acesso regular e contínuo

dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, bem como a

pagarem pela utilização desses serviços. Com isso, será garantido maior fluxo de

recursos para que a prestadora dos mencionados serviços possa fazer frente aos

inves timentos necessários para a universalização dos serviços, com ênfase para

a expansão da disponibilidade das redes de água e de esgoto, por meio de um

programa de subsídio direto.

3 O uso de incentivos financeiros na provisão de infraestrutura social: subsídio direto

A legislação brasileira, especialmente a LNSB, no seu art. 3º, VII, conceitua

subsídio como instrumento econômico de política social para garantir a universalização

do acesso ao saneamento básico, especialmente para populações e localidades de

baixa renda.

Na literatura econômica, os subsídios também se apresentam como instru-

mentos de política econômica que podem ser empregados pelos governos com a fina-

lidade de ajustar o funcionamento das economias setoriais, obtendo-se um resultado

econômico ou social esperado (MOREIRA, 1998).

Em termos práticos, os subsídios tanto na literatura econômica quanto na LNSB

são benefícios disponibilizados às pessoas ou às empresas, com o objetivo de reduzir

os custos de determinado serviço público prestado.

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SERVIçOS PúBLICOS DE áGUA E ESGOTAMENTO SANITáRIO: O SUBSíDIO DIRETO COMO MECANISMO DE UNIVERSALIZAçãO...

Com relação ao financiamento de infraestrutura, ainda que determinadas

atividades sejam assumidas pela iniciativa privada, é notável a utilização de subsídio,

como leciona Garcia (1995), in verbis:

[m]esmo com o setor privado assumindo a execução de projetos em alguns setores de infra-estrutura – notadamente energia, telecomunicações e transporte – o setor público não pode deixar de exercer algumas funções, como a regulação e o provimento de subsídios em alguns setores como em estradas vicinais, água e esgoto e transporte urbano.

Trata-se de verdadeira atividade de fomento, por meio da qual o Governo procura

incentivar o comportamento dos particulares, oferecendo-lhes estímulos.

A regulação dos subsídios na LNSB é disciplinada, principalmente, pelo art. 31,

segundo o qual os subsídios dividem-se em várias categorias:

– Quanto ao destinatário: diretos, se dirigidos a usuários determinados, ou indi-

retos, se dirigidos ao prestador do serviço.

– Quanto à origem: tarifários, quando o subsídio fizer parte da estrutura tarifária,

ou fiscais, quando o subsídio for pago por meio da alocação de recursos

orçamentários, inclusive subvenções.

– Quanto à abrangência: internos, quando limitados ao âmbito geográfico de um

titular do serviço público, ou entre localidades, quando se estenderem pelo

território de mais de um ente político, no caso de prestação regionalizada.

No subsídio indireto o Governo subsidia a oferta, mantendo-se as tarifas da

prestadora dos serviços abaixo dos custos do serviço prestado, conforme quadro 1, a

seguir. Ao contrário do que acontece no subsídio direto, em que o Governo consegue

identificar cada um dos beneficiários, no subsídio indireto o benefício é realizado

indiscriminadamente. Dito de outra forma, o subsídio indireto é um modelo utilizado

para o Governo ajustar o funcionamento do serviço prestado em razão de um déficit

tarifário.

Esse tipo de subsídio foi muito utilizado em alguns períodos da década de 70

e 80 no Brasil, sob a égide do Planasa. Segundo Souza (2008), foi uma estratégia

adotada em razão de que as tarifas dos serviços de abastecimento de água potável

e de esgotamento sanitário eram controladas pelo Governo Central e utilizadas como

instrumento de política monetária. Como as empresas estatais não conseguiam

cobrir seus custos por meio da arrecadação tarifária, o Estado por meio de recursos

orçamentários próprios supria essas deficiências.

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quadro 1 – Subsídio indireto

Fonte: Elaboração própria.

O subsídio direto, por sua vez, está vinculado à demanda. Em regra, a definição

da estrutura tarifária de serviços públicos de abastecimento de água e de esgotamento

sanitário adota como parâmetro o custo real da produção e a sua margem de

remuneração do capital para estabelecimento das tarifas. Todavia, a cobrança pelo

preço real dos serviços pode excluir parcelas da população de baixa renda. Diante

disso, cabe ao Governo, segundo a sua conveniência e oportunidade, definir uma

política de subsídio direto, realizando a transferência dos recursos com a finalidade

cobrirem a parte das contas dos usuários que não têm condições de suportá-la.

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quadro 2 – Subsídio direto

Fonte: Elaboração própria.

No modelo de subsídio direto, a prestadora dos serviços públicos de abaste-

cimento de água e de esgotamento sanitário aplica uma tarifa economicamente

adequada e o Governo se ocupa em definir determinados critérios que garantam

a identificação de usuários mais necessitados. Com isso, assegura-se que essas

pessoas tenham acesso regular às redes de abastecimento de água e de esgotamento

sanitário, bem como que a prestadora dos serviços aufira receitas suficientes para

viabilizar a universalização dos serviços.

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3.1 Os benefícios de uma política de subsídio direto

A LNSB, em seu art. 31, definiu que os subsídios são instrumentos econômicos

de política social utilizados para garantir a universalização do acesso ao saneamento,

especialmente nas localidades e às pessoas considerados de baixa renda.

Nesse sentido, segundo a referida lei, a premissa para se estabelecer um

programa de subsídio é que o benefício deve alcançar tanto os usuários quantos

as localidades que não tenham capacidade de pagamento ou escala econômica

adequada para cobrir os custos totais dos serviços.

Diante desse raciocínio, a estruturação de uma política de subsídios diretos

mostra-se conveniente e oportuna por (i) reduzir o volume total de subsídios des-

tinados à empresa prestadora dos serviços públicos; (ii) privilegiar tratamento

isonômico àqueles que recebem o benefício; (iii) possibilitar a diminuição do índice de

inadimplemento da população de baixa renda que, nos termos já expostos, representa

a maior parcela dos inadimplentes; (iv) garantir fluxo de caixa para a prestadora dos

serviços públicos de abastecimento de água potável e de esgotamento sanitário para

novos investimentos e melhorias no setor, especialmente para a universalização dos

serviços; e (v) gerar externalidades positivas ao meio ambiente e à sociedade, em

geral. Adiante será detalhada cada uma das eficiências.

3.1.1 Redução do volume total de subsídios destinados à prestadora dos serviços públicos

Como já detalhado, no modelo de subsídio indireto, o Governo subsidia a oferta

(do prestador dos serviços, em razão de que o valor da tarifa não é suficiente para

cobrir os seus custos).

No modelo de subsídio direto, o incentivo está relacionado à demanda, razão

pela qual a LNSB expressamente determina que na implantação dessa política

deve-se identificar, por meio de critérios objetivos, os usuários que não possuem

condição econômica suficiente para cobrir os custos totais dos serviços ofertados

pela prestadora.

Tendo em vista, pois, que o benefício é concedido a determinada parcela da

população para que possa arcar com as obrigações de liquidação junto à prestadora e

não a esta última, automaticamente diminui-se o volume total de subsídios destinado

ao setor, vez que o Governo deixará de fazer aportes financeiros em razão de um

déficit tarifário.

3.1.2 Tratamento isonômico dos beneficiários da política

à luz do princípio da isonomia consagrado em diversas passagens da

Constituição Federal (CF), esse modelo confere um tratamento adequado aos usuários

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de baixa renda, na medida em que esses usuários apresentam uma desequiparação

econômica com relação aos demais do sistema.

A partir do princípio da isonomia, insculpido em vários dispositivos constitucionais

(por exemplo, o caput do art. 5º da CF), deve-se tratar o que é essencialmente igual de

forma igual, e desigual aquilo que na sua essência é desigual. Nesse sentido leciona

Nery Júnior (1999): “Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente

os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades”.

A contrario sensu, partindo do pressuposto de que no modelo de subsídio indireto

o benefício é concedido à prestadora dos serviços de forma que ela possa cobrir todos

os seus custos e praticar uma tarifa indiscriminada mais baixa, do ponto de vista da

igualdade, esse modelo, para o caso sob análise, não se apresenta adequado, dado

que toda a população pagaria por uma tarifa menor, inclusive aqueles que não neces-

sitam, em razão da sua posição econômica ser satisfatoriamente superior.

3.1.3 Diminuição do índice de inadimplência da população de baixa renda

Como já exposto, a política de subsídio tem por objetivo prestar auxílio à popu-

lação que se encontra em situação econômica desigual comparada com outra parcela

da população. Trata-se, portanto, de intervenção do Estado com fins sociais.

A atividade de fomento estatal no setor de saneamento é inquestionável, pois

é sabido que o acesso à água é condição essencial para a manutenção da vida dos

cidadãos.

Portanto, o Governo, ao conceder um benefício a uma população que não pode

pagar a conta dos serviços de abastecimento de água potável, está assegurando que

essas pessoas tenham acesso a um dos serviços públicos mais básicos e essenciais,

além de garantir a diminuição da inadimplência dessas pessoas.

Além do já mencionado ganho social, há ainda um ganho econômico, que é a

diminuição do risco de inadimplência, seja para a família que vai receber o benefício,

seja para o prestador do serviço que efetivamente receberá pelo serviço prestado.

3.1.4 Garantia do fluxo de caixa para a prestadora dos serviços investir no setor

A literatura há tempos tem evidenciado que os melhores prestadores de

serviços de saneamento são justamente aqueles que conseguem manter o equilíbrio

econômico-financeiro dos seus investimentos e custos totais de operação dos

serviços a partir das tarifas pagas pelos consumidores (KELMAN, 2003).

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Nesse sentido, uma política de subsídio direto ao usuário é capaz de, ao mesmo tempo, agilizar o desenvolvimento do setor, melhorar os serviços prestados e atender à demanda de universalização, e o motivo é simples.

Na medida em que o Governo garante um subsídio à população de baixa renda, garante-se o efetivo pagamento do serviço prestado e tarifado, que, por sua vez, garante ao prestador a manutenção do seu fluxo de caixa. A diminuição de inadim-plência dos serviços prestados e faturados gera receita para que o prestador possa viabilizar projetos de melhorias e ampliação no sistema.

3.1.5 Externalidades positivas ao meio ambiente e à sociedade

As externalidades positivas ao meio ambiente também são outro fator a ser considerado na eficiência do modelo. A política de subsídio direto no setor de sanea-mento também é essencial para auxiliar na implantação e melhoria de estações de tratamento de esgoto.

A atuação do Estado na promoção do bem-estar socioambiental coletivo é um dever assegurado pelo art. 23, inc. VI, da CF.6 Nesse sentido, subsidiar a imple-mentação de sistemas de tratamento de esgotos em localidades de reconhecidas limitações orçamentárias é fundamental para assegurar condições de sustentabilidade socioambiental, além de garantir a redução dos gastos de saúde pública e da mortalidade infantil. Um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) também corrobora com esse benefício: mostra que para cada R$1 investido em saneamento se economizam R$4 com gastos de saúde.7

Como já exposto, o sistema de subsídio é um mecanismo em que se concede um benefício a populações de baixa renda, garantindo que esses usuários permaneçam interligados ao sistema, bem como que possam, de forma efetiva, pagar pelos serviços prestados. O pagamento, por sua vez, garante ao mesmo tempo o ressarcimento dos custos dos serviços e o montante necessário para novos investimentos em melhoria e universalização dos serviços de saneamento básico.

Isso não é tudo, na medida em que se concede um subsídio direto à população de baixa renda está se incutindo nessa população uma cultura de pagamento, preservando o bem-estar social e o fortalecimento da cidadania na medida em que o cidadão beneficiado não será isento do pagamento pela prestação dos serviços públicos de abastecimento de água potável e de esgotamento sanitário ao contrário, o que se pretende é justamente garantir que o cidadão possa pagar pelo serviço

público consumido.

6 “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas”.

7 TRATA BRASIL. Saneamento: Cada R$1 investido em saneamento gera economia de R$4 na área de saúde – Altos estudos/online. Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br/saneamento-cada-r-1-investido-em-saneamento-gera-economia-de-r-4-na-area-de-saude-altos-estudos-online>. Acesso em: 1º nov. 2015.

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4 O dever de concessão da política de subsídio direto somente aos usuários na área de abrangência do prestador dos serviços

questão central no estabelecimento de uma política de subsídio direto diz

respeito à seleção dos beneficiários do programa. A política de subsídios do presente

artigo tem por fundamento a Lei Federal nº 11.445/2007 e o seu regulamento (Decreto

Federal nº 7.217/2010), razão pela qual deve estar aderente à lógica tangenciada

por esses diplomas normativos.

A análise da seleção dos beneficiários dessa política deve ser iniciada pelo

art. 45 da Lei Federal nº 11.445/2007, litteris:

[R]essalvadas as disposições em contrário das normas do titular, da enti dade de regulação e de meio ambiente, toda edificação permanente urbana será conectada às redes públicas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário disponíveis e sujeita ao pagamento das tarifas e de outros preços públicos decorrentes da conexão e do uso desses serviços.

No mesmo sentido, o Regulamento da LNSB prevê que “toda edificação per-

manente urbana será conectada à rede pública de abastecimento de água disponível”

(v. caput do art. 6º), excetuados os casos previstos nas normas do titular, da entidade

de regulação e de meio ambiente, havendo, inclusive, a possibilidade de fixação de

prazo para que o usuário se conecte à rede pública (§2º desse dispositivo), bem

como de eventuais sanções caso não o execute no prazo previsto, consoante as

previsões na legislação do titular (§3º desse dispositivo).

Observa-se que os dispositivos mencionados apresentam um conceito comum,

qual seja a “edificação permanente urbana”, que, nos termos do inc. XXVI do art.

2º do Decreto Federal nº 7.217/2010, é a “construção de caráter não transitório,

destinada a abrigar atividade humana”.

Com efeito, a regra é que toda “construção de caráter não transitório, destinada

a abrigar atividade humana” deverá ser conectada às redes públicas de abastecimento

de água e de esgotamento sanitário quando disponíveis, excetuando-se, apenas, os

casos em que há disposição em contrário das normas do titular, da entidade de

regulação e de meio ambiente.

Percebe-se, pois, que a conexão da edificação permanente é a condição sine

qua non para que o operador dos serviços possa prestar os serviços públicos de

saneamento básico à LNSB.

Todo prestador dos serviços de saneamento deve ser remunerado pelos serviços

prestados. Essa remuneração deve observar a sustentabilidade econômico-financeira

dos serviços públicos mencionados, mediante remuneração que permita recuperação

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dos custos dos serviços.8 A sustentabilidade da tarifa de saneamento é um dos

princípios assegurados pela PNSB, mais especificamente no inc. II do art. 2º.

Para que o sistema de saneamento seja sustentável, a LNSB criou três meca-

nismos para a composição de uma tarifa sustentável no art. 11, inc. IV, dentre os

quais incluiu a política de subsídios na alínea “c” do mencionado inciso.

A lógica de que a sustentabilidade da tarifa dos serviços públicos de saneamento

básico, ainda mais em se tratando de cidadãos de baixa renda, somente será possível

se observadas as condições impostas pelo art. 11, inc. IV da LNSB é corroborada

pelo parágrafo único do art. 46 do Decreto Federal nº 7.217/2010, que determina

a ampliação do acesso dos cidadãos e localidades de baixa renda aos serviços e

a geração de recursos necessários para realização dos investimentos, visando o

cumprimento das metas e objetivos do planejamento do prestador dos serviços.

Importante mencionar que o parágrafo único do art. 46 do mencionado diploma

normativo expressamente prevê a possibilidade da utilização de subsídio tarifário

para os usuários e localidades que não tenham capacidade de pagamento.

Percebe-se, pois, que a lógica da política de subsídios implementada pelo

legislador na LNSB e no seu regulamento está intimamente relacionada à remuneração

dos serviços prestados. A política de subsídios é, na verdade, uma das condições de

sustentabilidade e equilíbrio econômico-financeiro para que o concessionário possa

garantir a prestação dos serviços à população de baixa renda.

Logo, a implementação de uma política de subsídio nos moldes da Lei Federal

nº 11.445/2007 só faz sentido se ela for concedida na área de abrangência do pres-

tador dos serviços de abastecimento de água potável e de esgotamento sanitário e,

principalmente, para aqueles usuários que conectarem suas edificações permanentes

urbanas às redes públicas de abastecimento de água e de esgoto disponíveis.

A lógica dessa política pública difere-se de outras já implementadas por outras

leis. Se fizermos um paralelo com a política pública criada por meio da promulgação

da Lei Federal nº 10.836/2004 – o Programa Bolsa Família –,9 por exemplo, verifica-

se que a razão tangenciada pela citada lei visa assegurar a transferência direta

de renda do Governo Federal à população em situação de extrema pobreza para

assegurar o mínimo de dignidade e cidadania e, por consequência, os direitos sociais

estabelecidos pela CF.

Nesse sentido é a exposição de motivos da Medida Provisória nº 132/2003,

posteriormente convertida na mencionada Lei Federal nº 10.836/2006, in verbis:

8 Nesse sentido é o que determina o art. 45 do Decreto Federal nº 7.217/2010.9 O Programa Bolsa Família é o maior programa de transferência de renda direta hoje existente no mundo e

destaca-se pelo universo de beneficiados em todo o país. Em 2006 atingiu sua meta original de 11,2 milhões de famílias.

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Um dos principais desafios da sociedade brasileira no geral, e para o Governo Federal em particular, é o combate à fome e à pobreza, de forma a garantir aos brasileiros o pleno exercício da cidadania e de seus direitos. Nesse contexto, tem se consolidado o consenso sobre a im por tância de programas de transferência de renda para famílias em situação de extrema pobreza ou de pobreza, não somente para melhorar concretamente seu nível de renda, mas também para ampliar o aceso a políticas universais, em especial as de educação, saúde e de alimentação.

Não são todos os direitos sociais que o Programa Bolsa Família visa assegurar,

mas aqueles que o legislador entendeu serem necessários para o mínimo de

subsistência de parcela da população que se encontra em situação de extrema

pobreza. Nesse sentido, o programa articula três dimensões: 1) alívio imediato da

pobreza, por meio da transferência direta de renda à família; 2) reforço aos direitos

sociais básicos nas áreas de saúde e educação, contribuindo para o rompimento

do ciclo da pobreza entre gerações; 3) coordenação de programas complementares,

como programas de geração de trabalho e renda, de alfabetização de adultos, de

fornecimento de registro civil e demais documentos.

Sabe-se que o Estado brasileiro tem dentre os seus objetivos fundamentais,

declarados constitucionalmente, a erradicação da pobreza e da marginalização e

redução das desigualdades sociais e regionais.10

Assim, a partir de um panorama em que há desequiparação econômica latente

entre a população brasileira, o Governo Federal ocupou-se em instituir um programa

a nível nacional no qual se pudesse destinar apoio financeiro às famílias de extrema

pobreza, por meio da transferência de renda, para atingir os mencionados objetivos

constitucionais, diminuindo, assim, o abismo que separa as diversas realidades

brasileiras.

Além dos necessários objetivos intrínsecos a um programa como o Bolsa Família

– como combater a pobreza e a desigualdade, a inclusão imediata desse enorme

contingente de pessoas constitui um instrumento de combate à crise econômica,

atenuando a insuficiência de demanda agregada, tanto em regiões menos dinâmicas

do interior quanto nas periferias das grandes cidades.11

Reitera-se, por oportuno, que os objetivos da política do Programa Bolsa Família,

utilizado como exemplo, diferem-se dos objetivos da política de subsídios contem-

plada pela LNSB.

Na primeira, isso é, no Programa Bolsa Família, o objetivo é transferir renda à

população de baixa renda para garantir o mínimo de dignidade e subsistência a toda

10 O art. 3º da CF determina expressamente que “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: [...] III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

11 A esse respeito, recomenda-se a leitura atenta dos arts. 1º e 2º da Lei Federal nº 10.836/2004.

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população extremamente pobre. Frise-se, o efeito desse programa é a redução ou a prevenção da pobreza.

Já os subsídios previstos na LNSB têm por fundamento a garantia da susten-tabilidade e do equilíbrio econômico-financeiro dos investimentos e dos custos totais de operação dos serviços prestados pela concessionária dentro de determinada localidade.

5 Políticas de sucesso implementadas no setor de saneamento: experiência nacional e internacional

Este capítulo destaca experiências exemplares, no plano nacional e internacional, quanto ao emprego de uma política de subsídio direto no setor de saneamento.

No plano brasileiro, dois são os exemplos: (i) o Programa Se Liga na Rede, implantado pelo Governo de São Paulo em conjunto com a Sabesp; e (ii) o programa de subsídio implantado pelo município de Araraquara. O município de Araraquara encontra-se no estado de São Paulo e se destaca em relação à universalização do acesso aos serviços de saneamento básico em decorrência da implementação das mencionas políticas de subsídios.

No plano internacional, o Chile apresenta alto acesso aos serviços públicos de saneamento básico graças ao emprego da política de subsídio direto.

5.1 Experiência internacional: Chile

O Chile tem despontado no cenário internacional como exemplo de país emer-gente que tem conseguido um dos resultados mais avançados da América Latina, no que concerne à universalização dos serviços de saneamento básico para a sua população. O desempenho positivo do país mereceu, inclusive, destaque em publicação do Banco Mundial em 2006, no relatório de desenvolvimento humano.

Segundo Souza (2008), até o final da década de 1980 a responsabilidade pela prestação dos serviços públicos no país era das companhias estatais. O sistema tarifário era definido por meio de decreto e, por vezes, era definido abaixo dos valores necessários para assegurar o equilíbrio econômico-financeiro das prestadoras.

Havia um subsídio cruzado, por meio do qual até determinado consumo a tarifa era mais baixa e a partir daí a tarifa era mais alta. Todavia, as potencialidades estavam se esgotando devido à limitação imposta pela própria estrutura, na qual as funções de regulação, fiscalização e execução estavam juntas.

Diante desse cenário, uma série de mudanças foi implementada, a começar pela nova organização do Estado. Uma das mais notáveis mudanças foi a definição do regime de concessões para a prestação dos serviços, o que garantiu que diversas estatais fossem privatizadas. Com a privatização, o Governo chileno utilizou parcela

dos recursos para subsidiar diretamente o sistema.

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Com a adoção da política de subsídio direto, coube ao Governo chileno, por meio

de análise das condições socioeconômicas dos beneficiados, definir o critério para a

escolha dos beneficiados. Os subsídios são pagos diretamente à empresa prestadora

dos serviços, a qual repassava o subsídio para o beneficiário mediante desconto na

conta de água. A tarifa subsidiada limitava-se ao volume de quinze metros cúbicos de

água consumida por mês. Dentro desse volume, o subsídio não poderia ser inferior a

40% nem superior a 75% do valor das contas cobradas dos usuários.

Os critérios definidos pelo Governo para a concessão do subsídio direto são:

(i) comprovação de baixa renda; (ii) estar totalmente inadimplente com a empresa

prestadora dos serviços de saneamento; e (iii) solicitar o benefício por escrito ao

Governo. O prazo de duração da política de concessão do benefício não pode ser

superior a três anos.

O que é interessante notar é que após a restruturação do setor e, principalmente,

devido à implementação da política de subsídio, as empresas de saneamento

tornaram-se bem gerenciadas e a qualidade dos serviços prestados atingiu níveis

superiores à de qualquer outro país da América Latina (ECLAC, 1998).

5.2 Experiência nacional: Governo de São Paulo – Programa Se Liga na Rede

O Governo do Estado de São Paulo, em parceria com a Sabesp, instituiu política

de subsídio direto, que tem por objetivo incentivar famílias de baixa renda a ligarem

seus imóveis à rede de esgoto, aumentando a eficiência da prestadora dos serviços

de esgotamento sanitário – Sabesp, a qual poderá dar o devido tratamento ao esgoto

coletado, ampliando os investimentos em coleta e tratamento de esgoto. Esse

programa foi instituído por meio da Lei Municipal nº 14.687, de 2.1.2012.

O programa denominado Se Liga na Rede é adotado nos casos em que

a residência da família de baixa renda fica em uma rua que já tem rede coletora

disponível, mas a família não tem condições de fazer a reforma interna necessária

à ligação do imóvel à rede. Nesse sentido, com a assinatura do termo de adesão, o

imóvel é fotografado e a obra é agendada e executada.

O custo médio de uma obra para conectar a residência de uma família à rede de

esgoto é, em média, de R$1.820, sendo, pois, um impeditivo para quem tem renda

familiar de até 3 salários mínimos. É justamente esse o critério utilizado pela Sabesp

para decidir quem tem o direito de acesso ao benefício.

Importante mencionar que o programa tem abrangência em 25 municípios

operados pela Sabesp e que o investimento é de R$349,5 milhões, sendo 80%

custeados pelo Governo do Estado de São Paulo, por meio dos créditos relativos aos

dividendos ou juros sobre capital próprio devidos pela Sabesp, os quais constarão no

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orçamento do estado em conta apropriada e 20% pela Sabesp, segundo o art. 4º, da

mencionada Lei Municipal nº 14.687/2012, que criou o programa.

O programa de subsídios possui tempo determinado de implantação de oito

anos, devendo a Sabesp alcançar metas anuais de ligações.

Como se vê, por se tratar de subsídio e não de política de transferência de

renda condicionada, o benefício é oferecido apenas aos usuários do sistema Sabesp

e não ao restante da população do estado de São Paulo.

5.3 Experiência nacional: município de Araraquara

O município de Araraquara possui cerca de 200 mil habitantes e tem sua economia

fortemente vinculada ao setor agroindustrial. Tem elevado grau de urbanização

(95,82%) e PIB per capita de 11.340 reais/ano, e os serviços de saneamento básico

são prestados pelo Departamento de água e Esgoto – DAEE desde a década de 60.

Os indicadores relacionados ao setor de saneamento são extremamente posi-

tivos. Em 2001, o município já contava com 100% de abastecimento de água potável

e 100% de coleta de esgoto. E, em 2003, o município já contava também com 99,57%

de tratamento de esgotos coletados.12

Apesar de ótimos indicadores, o município de Araraquara possui cerca de

10% de seus domicílios com renda per capita de até 1/2 salário mínimo. Dessa

forma, questiona-se qual foi a estratégia adotada pelo município para universalizar os

serviços de saneamento básico em um lapso temporal relativamente baixo, tendo em

vista que um número considerável da sua população pode ser considerado de baixa

renda.

A resposta para esse questionamento pode ser construída a partir das

informações compiladas por Souza (2008), que identificou a utilização de subsídios

diretos pelo município para a universalização dos serviços de saneamento básico.

Segundo Lima (2008 apud SOUZA, 2008):

[A] obtenção de 100% de tratamento dos esgotos municipais origina-se de uma estratégia que o município utilizou para captar recursos necessários à construção de seu sistema de tratamentos de esgotos. Basicamente, esta estratégia estava ancorada no estabelecimento de equiparação da tarifa de esgoto à tarifa de água, cobrados de todos os usuários a partir de 1997. Junto a esta equiparação de tarifas houve ainda no mesmo período, uma majoração tarifária das contas de água e de esgotos cujos objetivos explícitos eram a composição de um fundo municipal para o financiamento da construção das estações de tratamento de esgotos. Passadas a fase previstas e construídas as ETEs,

12 Atualmente, a população do município de Araraquara possui 97,42% de cobertura de água e 97,18% de esgotamento sanitário. Do total do esgoto coletado 99,77% são tratados.

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os valores referentes às contas de água e esgotos no município tiveram seus preços reordenados, o que ocorreu em 2000 quando novamente a tarifa de esgotos voltou a ser equivalente a 80% da tarifa de água.

E com relação à população de baixa renda, qual foi a estratégia adotada pelo município de Araraquara? Continua o autor supramencionado:

[F]oi criado um Fundo Social do DAEE, cuja finalidade era oferecer condições para que os usuários cuja situação econômico-financeira não permitisse acesso aos serviços, conseguissem usufruir deste serviço essencial. Desta forma, o Fundo Social do DAEE de Araraquara, dentro de alguns parâmetros previamente estabelecidos, concede o benefício de quitação dos débitos para famílias de baixa renda. Os recursos que mantém este fundo são originados das multas cobradas das contas em atraso referentes aos serviços prestados pelo DAEE.

Verifica-se, portanto, que o município de Araraquara, por meio de uma política de subsídio direto à população de baixa renda, alcançou a universalização dos serviços de abastecimento de água potável e de esgotamento sanitário.

6 Considerações finais

O presente artigo apresentou diretrizes para a implementação de uma política de subsídio direto como alternativa viável de fomento a estimular o acesso regular e contínuo dos serviços de saneamento prestados pelas empresas de serviços públicos de abastecimento de água potável e de esgotamento sanitário e, por consequência, o adimplemento das contas de água e de esgoto pelos usuários de baixa renda. Ao mesmo tempo em que a política estimula a regularização dos usuários de baixa renda, facilita os investimentos para a melhoria e universalização dos serviços prestados.

Inúmeras são as eficiências de uma política de subsídios diretos: (i) a redução do volume total de recursos destinados ao prestador dos serviços; (ii) o tratamento isonômico entre os usuários dos serviços; (iii) a possibilidade de diminuição do índice de inadimplemento da população de baixa renda que, nos termos já expostos, representa a maior parcela dos inadimplentes; (iv) a garantia do fluxo de caixa para a prestadora dos serviços públicos de abastecimento de água potável e de esgotamento sanitário para novos investimentos e melhorias no setor, especialmente para a universalização dos serviços; e (v) as externalidades positivas ao meio ambiente.

No que tange à abrangência da política de concessão dos subsídios, o benefício deve ser destinado somente aos usuários de baixa renda conectados ao sistema do prestador dos serviços de forma que ela não desvirtue a lógica implementada pela LNS, que, repise-se, trata-se de mecanismo para garantir a sustentabilidade do sistema tarifário daquele que presta os serviços de abastecimento de água potável e

de esgotamento sanitário.

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ANDRÉA COSTA DE VASCONCELOS, FERNANDO S. MARCATO

Water and sewage public services: direct subsidies as a means for universalization

Abstract: This article discusses the implementation of direct subsidy policy for the low-income population as to development a viable alternative to make sustainable water and sewage services in areas with low water supply rate and sewage and high incidence of delinquency users who cannot afford to pay for water and sewer bills.

Keywords: National Sanitation Law. Direct subsidy policy. Low-income population.

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

VASCONCELOS, Andréa Costa de; MARCATO, Fernando S. Serviços públicos de água e esgotamento sanitário: o subsídio direto como mecanismo de universalização. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 13, n. 52, p. 27-44, out./dez. 2015.

Recebido em: 21.11.2015

Aprovado em: 12.12.2015