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SÉRIES WORKING PAPER BNDES/ANPEC PROGRAMA DE FOMENTO À PESQUISA EM DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO - PDE INSERÇÃO DO BRASIL NO FLUXO DE INVESTIMENTOS EM CARTEIRA E CRESCIMENTO ECONÔMICO Roberto Meurer 1 Working Paper nº 11 Disponível em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/Apoio_Financeiro/Ap oio_a_estudos_e_pesquisas/PDE/index.html BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL Avenida República do Chile, 100 – Centro 20031-917 - Rio de Janeiro, RJ ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS CENTROS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA Rua Tiradentes, 17 – Ingá 24210-510 - Niterói, RJ Junho/2010 Esse paper foi financiado com recursos do Fundo de Estruturação de Projetos (FEP) do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Por meio desse fundo o BNDES financia, na modalidade não-reembolsável, a execução de pesquisas científicas, sempre consoante ao seu objetivo de fomento a projetos de pesquisa voltados para a ampliação do conhecimento científico sobre o processo de desenvolvimento econômico e social. Para maiores informações sobre essa modalidade de financiamento, acesse o site http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/Apoio_Financeiro/Programas _e_Fundos/fep.html . O conteúdo do paper é de exclusiva responsabilidade do(s) autor(es), não refletindo necessariamente, a opinião do BNDES e/ou da ANPEC. 1 O artigo foi escrito enquanto o autor realizava estágio de pós-doutorado na UCLA Anderson School of Management, com apoio da Capes.

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SÉRIES WORKING PAPER BNDES/ANPEC

PROGRAMA DE FOMENTO À PESQUISA EM DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO - PDE

INSERÇÃO DO BRASIL NO FLUXO DE INVESTIMENTOS EM CARTEIRA E CRESCIMENTO ECONÔMICO

Roberto Meurer1

Working Paper nº 11 Disponível em:

http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/Apoio_Financeiro/Apoio_a_estudos_e_pesquisas/PDE/index.html

BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL Avenida República do Chile, 100 – Centro

20031-917 - Rio de Janeiro, RJ

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS CENTROS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA Rua Tiradentes, 17 – Ingá

24210-510 - Niterói, RJ

Junho/2010

Esse paper foi financiado com recursos do Fundo de Estruturação de Projetos (FEP) do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Por meio desse fundo o BNDES financia, na modalidade não-reembolsável, a execução de pesquisas científicas, sempre consoante ao seu objetivo de fomento a projetos de pesquisa voltados para a ampliação do conhecimento científico sobre o processo de desenvolvimento econômico e social. Para maiores informações sobre essa modalidade de financiamento, acesse o site http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/Apoio_Financeiro/Programas_e_Fundos/fep.html.

O conteúdo do paper é de exclusiva responsabilidade do(s) autor(es), não refletindo necessariamente, a opinião do BNDES e/ou da ANPEC.

1 O artigo foi escrito enquanto o autor realizava estágio de pós-doutorado na UCLA Anderson School of Management, com apoio da Capes.

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Título do Artigo: Inserção do Brasil no Fluxo de Investimentos em Carteira e Crescimento Econômico Autor: Roberto Meurer Série Working Paper BNDES/ANPEC No. 11 Junho/2010

RESUMO Os fluxos de investimentos externos em carteira (IEC) para o Brasil aumentaram nas últimas décadas, acompanhando as modificações ocorridas no sistema financeiro mundial. Entre 1995 e 2009 o IEC representou 66% do investimento externo direto, o que mostra a importância de sua análise. Neste artigo são analisadas as relações entre fluxos de IEC para o Brasil e PIB, investimento e variáveis financeiras para o período 1995 a 2009, utilizando dados trimestrais, através de modelos ARDL (auto-regressivos e de defasagens distribuídas). Os resultados mostram relação positiva entre os fluxos negociados no país e o PIB. Os fluxos para ações e renda fixa negociados no país ajudam a prever o comportamento do investimento. O investimento auxilia a prever os fluxos, com o sinal positivo, indicando que as expectativas associadas ao investimento são acompanhadas pelos investidores externos. Há aumento dos fluxos agregados quando ocorre apreciação da moeda brasileira, o que não aparece para os fluxos desagregados. Taxa de juros mais baixa está associada a entradas de IEC. Os resultados sugerem a extensão da pesquisa para freqüências de dados mais elevadas, identificação de determinantes de fluxos específicos e dos canais de transmissão dos efeitos reais.

Palavras-Chave: Palavras Chave: Investimento de portfólio, crescimento econômico, investimento, balanço de pagamentos, taxa de câmbio real

ABSTRACT

Foreign portfolio investment (FPI) flows have grown substantially in recent decades. Brazil contributes to these flows, in both the fixed income and equity markets. From 1995 to 2009, FPI represented 66% of the Foreign Direct Investment in Brazil, which shows the importance of these flows for the Brazilian economy. In this paper the FPI to Brazil is analyzed in relation to GDP growth, domestic investment, and financial variables. Quarterly data from 1995 to 2009 are employed. Relationships between the variables were tested through ARDL (autoregressive and distributed lags) models. Results show a positive relation between flows related to securities traded in the country and GDP. Equity and fixed income traded in the country help to explain gross fixed capital formation behavior, with a positive sign, meaning expectations that affect investment are followed by foreign investors. Aggregate flows increase when the Brazilian currency appreciates, a pattern that doesn’t show up in disaggregate flows. Inflows are related to local currency appreciation. There is also a higher inflow when the local interest rate is lower. Results suggest that the research should be extended to higher frequency data, determinants of specific flows and the transmission channels for the real effect of FPI flows’ real effects.

Keywords: Portfolio investment, economic growth, investment, balance of payments, real exchange rate Roberto Meurer Departamento de Economia - UFSC CSE – Campus Universitário – UFSC Florianópolis (SC) 48-3721-9385 [email protected]

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INSERÇÃO DO BRASIL NO FLUXO DE INVESTIMENTOS EM CARTEIRA E

CRESCIMENTO ECONÔMICO

1. Introdução A teoria neoclássica tradicional explica os fluxos internacionais de capitais como decorrência de diferenças no produto marginal do capital em diferentes locais. Em busca de remuneração maior, os capitais se deslocariam para os locais em que seu estoque relativo fosse menor e, por conseqüência, teriam produtividade marginal e rendimentos maiores. Isto significaria a existência de fluxos de capitais para os países menos desenvolvidos, até o ponto em que as produtividades e remunerações se igualassem, eliminando a possibilidade de arbitragem.

Empiricamente, entretanto, esta explicação teórica não tem aderência total à realidade (LUCAS, 1990; HALL e JONES, 1999). Isto quer dizer que os fluxos de capitais não ocorrem ou os efeitos dos fluxos são diferentes do esperado pela teoria e, portanto, explicação e interpretação do movimento de capitais têm de ir além das diferenças de produtividade do capital.

Investimento direto externo (IDE) e investimento externo em carteira (IEC) são tradicionalmente utilizados por economias em desenvolvimento (menos desenvolvidas, emergentes) para financiar os seus déficits em transações correntes. A partir da década de 1990, com a liberalização financeira ao redor do mundo, o endividamento tradicional, através de contratos de dívida, foi substituído pela emissão de títulos. Por outro lado, nas últimas décadas também foram comuns as transferências de países emergentes para países desenvolvidos, aqueles financiando os déficits em transações correntes destes. Isto significa o inverso do esperado fluxo de recursos dos países desenvolvidos para países com menor intensidade de capital.

Há concordância na literatura para os efeitos benéficos do IDE nos países receptores, mas nem tanto para o IEC, por causa da vinculação direta do IDE com formação de capital (DURHAM, 2004). Estimativas econométricas dos efeitos reais do IEC não são muito comuns para o investimento em ações (DURHAM, 2004). Como o IEC em ações é mais estudado do que o investimento em títulos de renda fixa, os efeitos reais destes tendem a ser ainda menos analisados. Este artigo entra nesta lacuna para o caso brasileiro.

Os países emergentes e em desenvolvimento têm movimentado elevados volumes de IEC. Como ilustração, em 2007 esses países receberam US$ 88 bilhões, e em 2008, remeteram US$ 85 bilhões, em termos líquidos (WEO, 2009). Estes fluxos são menores que os de IDE, mas a sua maior volatilidade é maior.

No caso do Brasil o volume de IEC líquido observado a partir da abertura da economia para investimentos externos passou de valores próximos de zero até 1990 para picos de entrada próximos de US$ 50 bilhões em 2007 e 2009 e saídas superiores a US$ 5 bilhões em 2002 e 2004, os únicos anos com saída líquida a partir de 1991. Para o período 1991 a 2009 a média do fluxo foi de entrada de 13,4 bilhões de dólares. Estes valores representam 45% do saldo total da conta financeira no período 1992 a 2009. Em comparação com o IED, o fluxo em carteira correspondeu, em média, a 89% de seu valor entre 1995 e 2009. Estes valores seriam ainda maiores se considerado o período a partir de 1991, distorcidos pela entrada líquida de capitais e investimento direto próximas de zero no início da década de 1990. Considerando o somatório dos fluxos do

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período de 1995 a 2009 o fluxo líquido de investimento em carteira correspondeu a 66% do fluxo líquido de investimento direto.

Considerando o mercado financeiro internacional, a presença do Brasil é importante, embora tenha declinado em termos relativos. Na década de 1990 o Brasil chegou a representar mais de 2% do estoque total de títulos de dívida no mercado mundial, fração que se reduziu para 0,3% de um estoque de 27 trilhões de dólares em 2009. No caso do mercado de ações, o Brasil chegou a representar 10% do total de emissão anunciadas em 2007. No período 1995-2008 a média foi de 1,8% do total de emissões anunciadas, que corresponde a US$ 8,4 bilhões, volume não desprezível para as contas externas no país.

Esta participação do país no mercado financeiro internacional a partir da década de 1990 é conseqüência do maior grau de abertura em relação ao resto do mundo, no comércio de bens e serviços e na movimentação de capitais e suas remunerações. O estoque de investimento estrangeiro em carteira no Brasil, passivo do país, era de US$ 151,7 bilhões em 2001, atingiu 509,6 ao final de 2007 e reduziu-se a US$ 288 bilhões ao final de 2008. Estes números ilustram os volumes envolvidos e a oscilação dos valores, resultantes de fluxos, alterações nos preços dos títulos e na taxa de câmbio. O efeito da crise financeira é difícil de ignorar, pois reduziu em quase 45% o valor do estoque de títulos brasileiros em poder de estrangeiros. Por outro lado, a posição ativa do Brasil, o investimento brasileiro em carteira no exterior ainda é baixo. O estoque no final de 2008 é de US$ 21,3 bilhões no final de 2008, saindo de US$ 6,4 bilhões no final de 2001.

Esta mudança da inserção da economia brasileira no mercado financeiro internacional é influenciada por fatores domésticos e externos, além das mudanças estruturais no sistema financeiro internacional, que mostram um aumento generalizado da importância do IEC. Estas mudanças de magnitude tornam relevante o tema deste artigo.

Os resultados do artigo poderão ser úteis na elaboração de cenários para a evolução da economia brasileira considerando comportamentos alternativos para o fluxo de IEC. A importância dos resultados decorre dos impactos diretos e indiretos dos fluxos no comportamento da economia. Se há uma concordância generalizada sobre o efeito benéfico do IDE sobre o comportamento da economia, é necessário verificar se o IEC é complementar, substituto ou independente do IDE. Isto é interessante para a análise de políticas em relação ao IEC. Em outras palavras, a questão é relevante para a decisão de obter volumes adicionais de financiamento via IEC e a diversificação ou não da origem de financiamento externo. Como a volatilidade dos fluxos de IEC é mais alta, o risco de uma estratégia de crescimento baseada na atração de IEC também seria mais elevado, mas o efeito dessa volatilidade pode ser maior ou menor, por causa da possibilidade de ganhos decorrentes da diversificação de fontes de financiamento, possível em caso de correlação menor que um entre os fluxos de IEC e IED.

O lado negativo do IEC seria a ocorrência de fugas de capital e dos efeitos negativos decorrentes. A possibilidade de crises externas decorre das dificuldades de obter financiamento que, por conseqüência, levam à necessidade de reversão dos déficits em transações correntes e redução do crescimento da economia com custos elevados, especialmente na América Latina (EDWARDS, 2008a). A utilização de políticas econômicas que reduzam a probabilidade de sua ocorrência é interessante, para o que é necessário o conhecimento dos condicionantes dos fluxos de investimento, inclusive de IEC, que se estuda neste trabalho.

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Dependendo do regime cambial, os fluxos de recursos podem influenciar a taxa de câmbio, o que também torna importante a análise desses fluxos. No caso de um regime de câmbio fixo ou semi-fixo os fluxos de recursos podem determinar se a taxa de câmbio praticada é sustentável e estimular ou desestimular ataques especulativos. No caso de regime de câmbio flutuante o volume de entradas ou saídas líquidas de recursos pode influenciar a própria taxa de câmbio. Caso os fluxos de IEC sejam mais voláteis do que os demais, isto pode tornar mais intensas as pressões sobre o câmbio fixo ou aumentar a volatilidade do câmbio flutuante, com conseqüências no desempenho macroeconômico, nas finanças públicas e para o setor privado.

Estes efeitos dos fluxos de IEC, que podem amortecer ou ampliar os efeitos dos demais fluxos, podem, portanto, ter influência sobre o crescimento econômico. Isto pode ocorrer através dos efeitos da taxa de câmbio ou do funcionamento do sistema financeiro. A taxa de câmbio tem efeito sobre os preços relativos de produtos comercializáveis e não comercializáveis e, através da demanda por estes produtos, pode influenciar o crescimento da economia, pelo menos no curto prazo. O efeito através do sistema financeiro pode ocorrer diretamente através da concessão de financiamentos com funding internacional, pela venda de títulos a compradores externos e utilização desses recursos para investimentos, ou indiretamente, pelo aumento da eficiência do sistema financeiro decorrente da maior participação de investidores externos e melhorias institucionais.

Considerando a ocorrência de fluxos internacionais de capitais, sob a forma de IED e IEC, e suas inter-relações com os fundamentos da economia, a questão que se coloca é decorrente do aumento da participação dos fluxos de investimentos de carteira no total. Os fluxos de investimento em carteira influenciam as taxas de crescimento da economia? Quais os fluxos que têm maior impacto sobre o desempenho macroeconômico e quais os canais para a sua ação? Considerando a discussão anterior, o objetivo deste artigo é verificar o impacto dos fluxos de investimentos estrangeiros de carteira sobre as taxas de crescimento da economia brasileira. Para isto será verificada a inter-relação do cenário macroeconômico interno e externo com o fluxo de IEC, analisada a substitutibilidade ou complementaridade entre os fluxos de IEC e IED e o efeito dos volumes e oscilações do IEC sobre investimento e crescimento da economia.

A importância desta análise pode ser ilustrada pela relação que os fluxos apresentam com os fundamentos da economia, mesmo que haja afastamento no curto prazo. A análise do investidor é uma análise de risco e retorno, e os retornos dependem da geração de fluxos de rendimento para remunerar os capitais. Isto vincula os fluxos ao desempenho e expectativas de comportamento da economia, o que por sua vez se relaciona com as políticas econômicas.

O trabalho está estruturado em cinco seções, incluindo esta introdução. Na seção 2 é efetuada a revisão da literatura, que trata da relação entre fluxos de investimentos de portfólio com o balanço de pagamentos, a liberalização financeira, os efeitos sobre o sistema financeiro e as conseqüências da volatilidade dos fluxos. Na seção 3 são mostrados os dados e sua estatística descritiva. Os resultados econométricos e sua análise estão na seção 4. As principais conclusões são apresentadas na seção 5.

Os resultados obtidos no artigo mostram que o IEC pode ser uma interessante forma de financiamento para o país, por ser complementar ao IDE, dada a correlação próxima a zero entre as duas formas de investimento. Os fluxos têm relação com as variáveis reais,

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crescimento do PIB e variação do investimento, além de serem influenciadas pelas variáveis financeiras. Uma relação muito clara é com a taxa de câmbio e com os mercados de capitais, o que torna importante o comportamento desses fluxos para o desempenho macroeconômico.

2. Revisão da literatura A literatura sobre os efeitos dos fluxos de IEC envolve a discussão mais geral sobre a importância e efeitos dos fluxos de capital e discussões específicas ao IEC. Dentro do IEC, ainda há uma maior concentração da literatura nos fluxos de participação acionária (equity), em comparação aos fluxos de renda fixa. As características dos fluxos de IEC são exploradas e comparadas com o IED, considerado mais seguro. O IEC, cujos fluxos são mais instáveis, apresenta aspectos benéficos para a economia, mas a imposição de restrições ao seu fluxo não é descartada.

No caso do investimento externo de carteira (IEC) pode ser questionado o efeito sobre o crescimento econômico, porque os movimentos de entrada e saída de recursos podem ocorrer sem que haja mudanças na estrutura produtiva das economias receptoras, por se tratar de aplicações em títulos, cuja negociação não necessariamente se relaciona com o lado real da economia. Adicionalmente há o argumento de que os fluxos de IEC são voláteis, tornando o crescimento econômico interno dependente dos mercados financeiros internacionais. A maior integração da economia de um país aos mercados financeiros internacionais pode, por um lado, facilitar a obtenção de financiamento externo em período de disponibilidade de recursos, mas, por outro, torna o país mais exposto nos momentos de crise (GRIFFITH-JONES e OCAMPO, 2009).

Para organizar a discussão sobre a importância do IEC e sua relação com o desempenho da economia, esta seção é dividida em quatro subseções. Na primeira é discutida a literatura sobre a relação entre fluxos de capital, balanço de pagamentos e crescimento econômico. Na subseção 2.2 é discutida a liberalização financeira. Apesar de os fluxos financeiros serem atualmente muito mais livres do que há algumas décadas, esta discussão é relevante porque são corriqueiras as sugestões de controle ou entraves aos fluxos de capitais. A melhoria gerada pelos fluxos de investimento em carteira no sistema financeiro do país é um dos argumentos em defesa da liberdade dos fluxos e de sua utilização para investimento externo. Esta literatura é revisada na subseção 2.3. O principal argumento contra a abertura da conta de capitais de portfólio é a volatilidade desses fluxos, que pode tornar o país vulnerável em caso de reversão dos fluxos. Isto é discutido na subseção 2.4. Os fatores domésticos (pull) e externos (push) que influenciam os fluxos de investimento em carteira são analisados na seção 2.5.

Uma questão de política econômica implícita nesta discussão é que uma vez definido que o país vai utilizar financiamento externo em sua estratégia de crescimento, inclusive IEC, quanto melhor for o acesso a esses recursos, melhor o resultado para o país. Esta discussão não é trivial, porque tem de se considerar que, afora o resultado imediato das identidades macroeconômicas básicas de que o excesso de gastos em relação à produção doméstica tem de ser compensado com financiamento externo há uma questão intertemporal a ser considerada. O déficit em transações correntes que tem de ser financiado significa uma alteração nos passivos do país, que gerará um fluxo de remunerações no futuro, ou seja, a entrada de recursos agora gerará despesa no futuro, que não será consumida domesticamente. Por isto as decisões e políticas de financiamento externo são importantes para a trajetória da economia ao longo do tempo.

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2.1 Fluxos de capitais, balanço de pagamentos e crescimento

A relação entre o saldo de transações correntes e a entrada de capitais tende a ser simétrica ao longo do tempo. A diferença entre os saldos de transações correntes e da entrada de capitais é variação de reservas internacionais. No caso de déficit em conta corrente sem a correspondente entrada de capitais as reservas internacionais estariam diminuindo, o que levaria ao esgotamento das reservas com a continuidade do processo. No caso de acumulação sistemática de reservas tem de se considerar os custos da acumulação, em relação ao benefício de redução da vulnerabilidade externa e perda de produto em caso de ocorrência de um sudden stop. Os custos são fiscais, por causa da necessidade de esterilização da emissão de moeda doméstica decorrente da compra de moeda externa, e custos de oportunidade da utilização desses recursos em comparação à sua rentabilidade (CAVALCANTI E VONBUN, 2008). Por outro lado, regime cambial e termos de troca influenciam a probabilidade de crises de balanço de pagamentos.

Seja qual for a forma de obtenção dos recursos, IED, dívida tradicional ou IEC, o fornecedor de recursos estará fazendo um cálculo de rentabilidade esperada sobre o investimento e do risco envolvido. Estes cálculos envolvem incertezas, por causa de alterações no cenário econômico específico do país destinatário e da economia mundial. Isto corresponde, na literatura de finanças, ao risco sistêmico e específico ou idiossincrático, para a economia mundial e do país, respectivamente. Considerando a economia global, o risco específico variará entre países e em cada país entre diferentes ativos financeiros e ativos reais, o que quer dizer que as características poderão ser sensivelmente diferentes dentro do IEC e IED agregados. Isto significa que além de considerar o risco de cada país é necessário avaliar o risco associado à economia global, relacionado ao ciclo econômico e oscilações de todo o mercado financeiro mundial. As oscilações globais da economia e dos mercados financeiros, por outro lado, terão efeitos diferentes sobre IEC e IED.

Um argumento presente na discussão sobre financiamento através de IEC ou IDE é a irreversibilidade do IDE. A idéia é que uma vez efetuado o investimento em um ativo real ele só retornará ao país de origem através dos rendimentos gerados. Esta é uma questão empírica, porque depende de restrições a empréstimos e remessas ao exterior. Tomar empréstimos no país receptor com a garantia do investimento efetuado e remeter os recursos ao país de origem seria um caso em que o investimento pode ser revertido.

Ocorrendo os fluxos de capitais, no longo prazo tem de haver correspondência entre os retornos do investimento e o valor intrínseco desses investimentos, mesmo que haja um afastamento temporário entre eles. Em termos econômicos, tem de haver geração de renda para remunerar o investimento, o que quer dizer que não é possível a remuneração do ativo aumentar ou diminuir indefinidamente em relação ao preço desse ativo. A remuneração do investimento, o fluxo de pagamentos ao detentor do ativo, depende da geração de renda por esse ativo. No limite a remuneração dos ativos não pode ultrapassar o PIB, e tem de ser levada em conta a sua composição e a distribuição funcional da renda. Mesmo que a remuneração do ativo seja obtida indiretamente, através de remunerações por participações acionárias, títulos, empréstimos ou derivativos, em última instância tem de haver demanda e produção de produtos que gerem essa remuneração. No caso de ativos financeiros, medidas comuns de rentabilidade utilizadas no mercado financeiro, como taxas de retorno ou a relação Preço/Lucro, mostram a relação entre o fluxo de remuneração e o preço do ativo. Mesmo

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que o preço dos ativos se descole dos fundamentos do rendimento gerado pela sua utilização, ao longo do tempo deverá ocorrer a compatibilização entre o fluxo de rendimentos e o preço, através da arbitragem entre ativos, substitutos entre si em maior ou menor grau.

Os capitais que ingressam no país através de IEC podem ter variados destinos: títulos de renda variável, especialmente ações, negociadas no país ou fora; títulos de renda fixa, negociados no país ou fora, públicos ou privados. Como estes fluxos são financeiros, a possibilidade de transferências desses recursos entre aplicações e sua drenagem através do mercado cambial é muito provável, ou seja, a primeira transação não encerra o efeito econômico do fluxo. Isto pode ser ilustrado através de mecanismos utilizados para fugir aos controles de capital quando estes existem, como detalhado por EDWARDS (1999b) para o caso do Chile. Os efeitos econômicos do IEC podem ir além do fluxo específico, com efeitos em toda a economia.

No caso de títulos privados, os recursos poderiam ser utilizados como funding para a expansão da capacidade produtiva, no caso de emissões primárias de títulos de renda fixa ou ações, embora isso não seja a regra. No caso de títulos públicos a receita pode financiar o déficit público, o qual poderia ser gerado por dispêndio do governo, em infra-estrutura, por exemplo, com efeito direto na atividade econômica. O governo também poderia utilizar os recursos para acumular reservas, o que pode reduzir a vulnerabilidade externa, reduzindo o custo de capital, o que também tem efeitos reais. Estes efeitos ocorrem com o sinal trocado no caso de saída de capitais.

Os efeitos reais dos fluxos de IEC podem depender da “capacidade de absorção” dos países hospedeiros, de transformar esses fluxos em crescimento do produto real (DURHAM, 2004). Isto depende das condições específicas através das quais o investimento pode ampliar o crescimento, como as instituições, que incluem sistema legal e o cumprimento de contratos. O efeito da entrada de IEC, associado à capacidade de absorção desses recursos, vai depender da capacidade do mercado, que tende a observar um aumento do preço das ações, de transformar essa entrada de recursos em aumento do investimento privado. O canal para isso é a redução do custo de capital para as empresas, decorrente da elevação do preço das ações.

A relação entre fluxos de capitais e crescimento não é vista somente do ponto de vista positivo. KRUGMAN (1993), por exemplo, afirma que ver o funcionamento dos mercados financeiros internacionais como promotores do desenvolvimento é exagerado. Argumentos para isso são os fluxos de capital relativamente baixos, dadas as diferenças de produtividade marginal, a ausência de convergência nos preços dos fatores de produção e o pequeno peso atribuído ao capital na contabilidade do crescimento. Esta conclusão, entretanto, não exclui a ocorrência de benefícios recíprocos na integração financeira.

Uma maneira direta de ocorrer efeito dos fluxos seria através de estímulos à demanda. No caso de mercado primário de ações, caso os recursos fossem utilizados para investimentos, a procura pelos bens de capital estimularia a sua produção aumentando o produto. O efeito poderia ser indireto, com a maior liquidez das ações no mercado secundário estimulando o mercado primário, investimento, demanda e produção. Similar seria o efeito do funding para operações de crédito, que estimulariam a demanda, tanto de bens de capital como de bens de consumo.

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O efeito dos fluxos de IEC, como de fluxos financeiros em geral, pode ocorrer através da taxa de câmbio. Sendo um preço relativo fundamental, alterações na taxa de câmbio podem modificar os preços domésticos em relação aos preços internacionais, o que pode levar a alterações na demanda pela produção doméstica. Este deslocamento da demanda, e da produção por conseqüência, se dará nos produtos comercializáveis, que podem se tornar mais (menos) competitivos em caso de depreciação (apreciação) da moeda doméstica. Este efeito dos fluxos sobre o câmbio dependerá da própria sensibilidade da taxa de câmbio aos fluxos e do grau de rigidez dos preços. Quanto mais rapidamente os preços internos se ajustarem, mais rápido será o alinhamento da taxa de câmbio com o seu equilíbrio de longo prazo.

Duas qualificações são necessárias sobre os efeitos da taxa de câmbio. Um primeiro aspecto é que os efeitos das alterações na taxa de câmbio originadas por fluxos financeiros podem não se restringir à produção corrente. Como o custo do investimento, influenciado pelo custo de bens de capital importados, é influenciado pela taxa de câmbio, maior ou menor investimento corrente gerado pela taxa de câmbio terá impacto sobre a produção futura, por influenciar a geração de capacidade produtiva, que pode ser utilizada para produção no futuro.

O segundo aspecto é que caso os fluxos de capitais sejam muito voláteis a taxa de câmbio também tenderá a ser volátil em regimes cambiais flutuantes ou com limitada capacidade de intervenção estatal nesse mercado. A volatilidade no câmbio, por outro lado, pode ter efeitos sobre decisões de consumo e investimento, com efeitos sobre a demanda agregada e sobre a produção, ou seja, tem efeitos reais, gerados pelos fluxos de capital. 2.2 Liberalização financeira

O IEC passa a ter importância no cenário internacional com a progressiva liberalização dos mercados e as inovações financeiras, que tornaram o mercado de títulos maior e mais amplo. As operações com títulos de renda fixa substituíram grande parte das operações de empréstimos e financiamentos tradicionais efetuados pelos bancos, substituídos pela emissão de títulos. Em outras palavras, a intermediação financeira efetuada pelos bancos deu lugar à relação direta entre os tomadores de recursos e fornecedores de recursos, através da emissão de títulos, processo conhecido como desintermediação financeira. O maior mercado para os títulos levou a uma ampliação dos processos de securitização de ativos, permitindo às empresas utilizar fluxos de receitas futuras como garantia para a emissão de títulos, uma alternativa de endividamento. Para o fornecedor dos recursos, por outro lado, o fato de estar adquirindo um título tem a vantagem de existir mercado secundário para esses títulos, ao contrário da baixa negociabilidade dos empréstimos e financiamentos tradicionais.

Como conseqüência da abertura financeira em todo o mundo e da abertura comercial nos países em desenvolvimento, uma discussão importante é sobre a liberalização da economia e seus efeitos. Há um relativo consenso de que a liberalização financeira deva ocorrer após consolidada a abertura comercial considerando a influência da abertura sobre o crescimento econômico e a maior exposição da economia aos acontecimentos do mercado financeiro internacional (EDWARDS, 2008b). Os ganhos da abertura comercial poderiam ser estendidos para os fluxos de capitais. Adicionalmente, a abertura financeira tende a gerar atração de capitais e apreciação da moeda local, o que pode causar danos ao setor produtivo e ao crescimento econômico do país (EDWARDS,

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1999a). Com a abertura comercial consolidada e uma maior exposição ao comércio internacional o efeito da apreciação da moeda seria mais facilmente absorvido na economia. Por outro lado, as reformas que levam à redução dos déficits fiscal e externo e à adoção do câmbio flexível reduzem a probabilidade de crises de balanço de pagamentos (EDWARDS, 2008b). Os benefícios da abertura da conta de capital podem ser externalidades positivas e transferências de tecnologia. O custo está associado a crises financeiras, ciclos de expansão e retração e volatilidade do investimento estrangeiro, cujo efeito negativo se daria sob a forma de volatilidade da taxa de crescimento da economia (DURHAM, 2003).

O quão livres devem ser os fluxos de capitais entre os países não está resolvido, como ilustrado em OSTRY et al. (2010) em que o controle de capitas é considerado justificado em situações em que a economia esteja operando próximo da capacidade instalada, a moeda não esteja excessivamente depreciada, o nível das reservas internacionais esteja adequado e os fluxos sejam considerados transitórios, juntamente com política macroeconômica e prudencial.

No processo de globalização financeira ocorreram a liberalização dos fluxos financeiros e a possibilidade de atuação de instituições estrangeiras nos mercados domésticos. Estes processos podem trazer benefícios que levem a um melhor funcionamento do sistema financeiro, que pode também sofrer efeitos da abertura comercial (MISHKIN, 2007). A maior competição por parte de produtores externos faz com que as firmas domésticas tenham reduzido o seu fluxo de caixa, obrigando-as a obter financiamento externo ao invés de somente reinvestir lucros, levando-as a apoiar mudanças institucionais que possibilitem redução na assimetria de informação, o que estimula o crescimento econômico. Além disso, o sistema financeiro se torna maior e com mais competição com a entrada de instituições estrangeiras. Um efeito direto decorreria da entrada de instituições estrangeiras, obrigando as domésticas a se tornarem mais eficientes para competir com as estrangeiras. Adicionalmente, as instituições estrangeiras trazem as suas melhores práticas. As mudanças na regulação prudencial, que acompanham a abertura, e que se aplicam também às instituições domésticas, melhoram a estrutura de todo o sistema financeiro, para além da maior disponibilidade de recursos.

Esta visão otimista, entretanto, não é observada de maneira simples na realidade, o que é evidenciado pela ocorrência de crises financeiras, que podem ocorrer por causa de problemas de gestão da liberalização. Por exemplo, os bancos podem ter incorrido em riscos excessivos para ganhar mercado, gerando seleção adversa em sua carteira, ou sem a adequada capacidade para monitorar os tomadores de empréstimos. Os bancos também podem ter contado com a rede de proteção estatal para o sistema financeiro, um caso de risco moral. Isto pode ocorrer quando os mecanismos de regulação não estavam adequados à liberalização, que ocorreu sem as precondições para isso. O colapso do funcionamento do sistema financeiro, com o fechamento de bancos, acentua o problema de assimetria de informação porque o conhecimento que o banco fechado tinha sobre os clientes é perdido (MISHKIN, 2007). Também podem ocorrer problemas de agente-principal, com os políticos defendendo os interesses de grupos empresariais e não permitindo aos supervisores exercer o seu papel de proteger os contribuintes.

O efeito benéfico do IEC em ações também poderia se manifestar através do aumento da poupança, melhor alocação de recursos e conseqüente crescimento econômico (ERRUNZA, 2001). Através do mecanismo de preços, compartilhamento de riscos e

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disseminação de informações o mercado de ações poderia auxiliar na melhoria da alocação de recursos. Isto ocorreria através de instituições e instrumentos especializados que possibilitariam aumento da liquidez no mercado e maior facilidade na diversificação de oportunidades, com aumento da taxa de poupança, aumento da produtividade do capital diretamente e por maior acesso a tecnologia. No funcionamento do mercado as empresas utilizariam ações e empréstimos em sua estrutura de capital, para reduzir os problemas de agência, no caso de empréstimos, e compartilhar risco, no caso de ações. Isto seria possível com a maior capacidade de endividamento quando a empresa emite mais ações, o que mostra a complementaridade de dívida e ações no mercado financeiro, o que explica o desenvolvimento conjunto de mercados de capitais e outras instituições do mercado financeiro (DEMIRGÜÇ-KUNT e LEVINE, 1996). O efeito do mercado de ações sobre a taxa de poupança pode ser ambíguo, dependendo de parâmetros do modelo adotado (OBSTFELD, 1994), mas um possível efeito negativo não foi encontrado em estudo empírico (LEVINE e ZERVOS, 1998)

A liberalização financeira é importante para a melhoria da alocação de recursos porque os mercados domésticos somente poderiam se beneficiar do menor custo de capital no exterior caso os mercados não sejam segmentados, o que implica, além da remoção das barreiras legais, na criação de mecanismos institucionais que possibilitem a redução da assimetria de informação entre os investidores locais e estrangeiros (ERRUNZA, 2001). Esta situação é ilustrada em termos práticos pela listagem de ações em mais de um país, como ocorre com os ADRs (American Deposistary Receipts) e GDRs (Global Depositary Receipts). 2.3 Efeitos do IEC sobre o sistema financeiro

A discussão sobre a relação entre desenvolvimento financeiro e desenvolvimento econômico mostra que os dois andam juntos, com indícios fortes de causalidade do sistema financeiro para crescimento (LEVINE, 2005). Um sistema financeiro mais desenvolvido, seja baseado em crédito, seja baseado em mercado, é importante para possibilitar a remoção de barreiras ao financiamento externo das firmas. Isto significa que a operação do sistema financeiro, ao possibilitar a melhor alocação de recursos, permite maior crescimento econômico.

A entrada de capitais para a bolsa de valores pode auxiliar no aumento da eficiência do mercado secundário de ações, o que poderia estimular o mercado primário e possibilitar maior investimento produtivo. Outro canal de influência da entrada de recursos para investimentos em ações é o aumento da base de acionistas, que levaria a um aumento do preço das ações e redução do custo de capital para as empresas (MERTON 1987; CLARK e BERKO, 1997). A liberalização dos mercados de capitais contribui para esse processo (HENRY, 2000), mas a continuidade dos fluxos dependerá dos fundamentos da economia. A redução do custo de capital teria efeito benéfico sobre a formação bruta de capital fixo. Entretanto, a evidência empírica recente é de que recursos de emissão de títulos pelas empresas brasileiras não são utilizados de imediato para investimentos produtivos (SANT’ANNA, 2008).

O financiamento externo de uma economia pode ter diferentes proporções de IDE e IEC. Um motivo para a importância do IDE é ele suprir a necessidade de obtenção de ativos intangíveis, como capital humano e organizacional ou tecnologia, que não podem ser desapropriados como outros ativos e fluxos financeiros (ALBUQUERQUE, 2003). Isto afeta o custo do investimento em países que tenham restrição financeira. O prêmio de

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inadimplência seria menor para o IDE e maior para o IEC, conseqüência da restrição externa, associada ao desempenho macroeconômico e da estrutura institucional. Isto poderia gerar um incentivo para a remoção da restrição macroeconômica externa e a melhoria institucional. Uma manifestação empírica disto é a relação negativa entre a participação dos fluxos de IDE nos fluxos privados totais e a classificação de risco, mostrando a maior sensibilidade dos demais fundos à classificação de risco em comparação com o IDE (ALBUQUERQUE, 2003).

O IEC pode ter efeito indireto sobre produto ou investimento da economia através de operações do sistema financeiro, porque os recursos que ingressam podem ser transferidos através de operações no mercado financeiro. Os recursos que uma empresa ou o governo deixam de usar por conseguirem financiamento via IEC podem ser utilizados por outro demandante, gerando um efeito líquido expansionista.

É possível que ocorra influência recíproca entre IEC e IDE. As firmas poderiam seguir investidores de portfólio ou o inverso, dependendo de quem tiver mais informação sobre o desempenho futuro da economia receptora dos recursos. As firmas poderiam seguir os gestores de investimento de portfólio considerando que estes conseguem informações e influenciam os preços de maneira rápida, gerando informação útil para investidores diretos. Por outro lado, o investimento direto pode revelar informação sobre os fundamentos da economia que não estão disponíveis para os gestores de portfólios. Estes não seriam os primeiros a detectar oportunidades de investimento. Testando essas hipóteses para fluxos de investimento externo entre a Alemanha e os outros seis países do G-7 (Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido), DE SANTIS e EHLING (2007) mostram que o IDE não reage à informação gerada pelo IEC em ações, mas o IDE influencia o IEC em ações. Este resultado mostra a importância dos fundamentos econômicos, no caso representados pelo IDE, sobre o comportamento do fluxo de IEC em ações.

A possibilidade de haver diferença entre o comportamento de IDE e IEC em ações, com o IDE tendo a propriedade e o controle e o IEC apenas a propriedade do investimento feito no país hospedeiro, é explorada em um modelo formal em GOLDSTEIN e RAZIN (2006). O investidor de IDE é mais bem informado, mas tem o custo de adquirir o conhecimento sobre a economia. A melhor informação gera um maior valor no mercado de capitais. Por outro lado, o IDE tem menor liquidez, o que implica um valor menor do que o implícito nos fundamentos caso tenha de ser liquidado antes do prazo de maturação do investimento. Isto ocorre porque o investidor de portfólio não sabe se o IDE está sendo liquidado por necessidade de liquidez ou por retorno inferior ao previsto, ou seja, ocorre informação assimétrica. O investidor, portanto, tem um trade-off entre eficiência e liquidez. Como resultado os investidores com mais necessidade de liquidez escolhem IEC, enquanto investidores com menor necessidade de liquidez escolhem IDE, ou seja, quanto maior a necessidade de liquidez do investidor, maior a preferência por investimentos de portfólio, que podem ser vendidos sem perda, embora com retorno menor. Este modelo explica fatos estilizados como a menor volatilidade do IDE em comparação com o IEC ou a maior possibilidade de desinvestimento em joint-ventures comparativamente a investimentos de propriedade exclusiva. Novamente se destaca o efeito da informação assimétrica, gerando externalidades no funcionamento da economia, como no caso da negociação de ativos por preço diferente de seu valor fundamental.

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A existência de informação assimétrica pode ocorrer tanto no investimento em ações quanto em renda fixa. O IEC pode também conter informação para agentes do mercado doméstico, funcionando como mecanismo adicional de monitoramento, o que pode aumentar a disposição dos agentes domésticos em conceder financiamentos, dado que há um agente adicional, o investidor estrangeiro, a estar avaliando os projetos e os monitorando.

A presença de investidores de IEC no mercado faz com que aumente a demanda por informações exatas, no tempo adequado e padronizadas, o que pode induzir a melhoria de toda a estrutura do mercado doméstico, pela necessidade de adaptação dos agentes locais e com alterações nas regulamentações (ERRUNZA, 2001). A utilização de IEC pode ser complementar a outras formas de financiamento, como ocorre no mercado doméstico. LEVINE e ZERVOS (1998) mostram que liquidez no mercado de ações e o desenvolvimento do sistema bancário, medido pela relação entre empréstimos ao setor privado e PIB, estão positivamente correlacionados com crescimento econômico, acumulação de capital e aumentos de produtividade correntes e futuros. Também pela operação do sistema financeiro percebe-se que existe uma relação entre os fluxos e políticas econômicas e regulatórias que possibilitem a operação adequada dos mercados, com impacto macroeconômico, através da maior ou menor atração de fluxos e custo do capital. 2.4 Volatilidade dos fluxos e seus efeitos

Do ponto de vista macroeconômico o grande questionamento sobre a utilização de IEC é a volatilidade dos seus fluxos, o que está relacionado com a volatilidade de retornos e das expectativas dos investidores, no nível microeconômico.

A maior parte da literatura considera que o IDE é menos volátil que o IEC. Nos países em desenvolvimento o IDE é maior que o IEC. Um dos motivos para isso seria o fato de os contratos financeiros terem mecanismos imperfeitos que obriguem a seu cumprimento, ou seja, há limitações institucionais. Isto é ilustrado pelo fato de que em períodos de crise o IDE diminui menos ou não entra em colapso, comparativamente ao que acontece com as outras formas de financiamento (ALBUQUERQUE, 2003).

No caso dos investimentos externos, especialmente IEC, é necessário considerar a possibilidade de ocorrerem bolhas especulativas, em que o preço dos ativos descola do valor intrínseco ou fundamental (FROOT e OBSTFELD, 1991). Por outro lado, certamente não há a muitas vezes teoricamente suposta mobilidade perfeita de capitais, em decorrência de diferenças de tributação, custos de transação e do home bias (FRENCH e POTERBA, 1991), pelo qual os ativos domésticos são favorecidos em relação ao que seria uma diversificação internacional ótima de carteira. Em termos empíricos, pelo menos para países desenvolvidos, as carteiras de ações no exterior têm um turn-over maior do que as carteiras domésticas, o que é incompatível com a explicação de custos de transação mais elevados em carteiras externas (TESAR e WERNER, 1995; LILJEBLOM e LÖFLUND, 2005)

Os custos decorrentes de uma paralisação da entrada de capitais estrangeiros são discutidos na literatura sobre sudden stops (CALVO, 2003) e current account reversals (EDWARDS, 2008b). A intuição econômica para os efeitos negativos do sudden stop, que está relacionado à necessidade de reversão do saldo de transações correntes, é a necessidade de reduzir a absorção interna, uma vez que o financiamento para o excesso

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de gasto em relação à produção doméstica foi repentinamente reduzido. Por isso o menor influxo de capitais reduz a demanda não só por produtos importados, como também os nacionais que utilizam os importados como insumo, considerando a elevação do custo de produção pelo ajuste da taxa de câmbio ou barreiras à importação, ou pela utilização de produtos domésticos substitutos menos competitivos. Os custos da ocorrência de crises externas estão associados à inserção internacional das economias, com maior abertura comercial reduzindo os custos, mas com a característica de que o custo de reversão do saldo da conta corrente é maior que o custo de sudden stop (EDWARDS, 2008b).

O efeito de sudden stops parece ser mais imediato, enquanto a reversão de déficits em transações correntes é mais lenta (EDWARDS, 2007). Utilizando como definição de sudden stop uma redução da entrada de capitais em no mínimo 5% do PIB de um ano para o outro, e de reversão de saldo de conta corrente uma redução do déficit correspondente a no mínimo 4% do PIB em um ano, com dados em painel, EDWARDS (2007) encontrou que o custo da reversão de conta corrente é de 4% do PIB, efeito que é maior em países latino-americanos.

Uma visão comum é de que os fluxos de carteira são indesejáveis, porque a sua volatilidade teria efeitos negativos sobre a economia, através da instabilidade nos fluxos que servem como fontes de financiamento e pelos seus efeitos na taxa de câmbio, cuja maior volatilidade dificultaria o cálculo econômico tanto para os envolvidos no comércio exterior quanto em IED, por alterar os preços relativos das exportações e importações e dos investimentos.

A maior volatilidade do preço dos ativos financeiros em comparação com os ativos reais, que pode ter sua analogia com IEC e IED, também é influenciada pela ocorrência de sobre-reação do mercado, que reage em excesso às informações relevantes recentes em detrimento dos fundamentos de longo prazo (DE BONDT e THALER, 1990).

Existe a possibilidade de o IEC ser estabilizador, se a entrada de investimentos ocorrer em momentos de queda dos preços dos ativos. Considerando o investidor em carteira como o especulador da teoria de finanças, o efeito de sua presença no mercado seria de estabilização, sendo necessário verificar a influência de uma maior correlação com os mercados internacionais (BEKAERT e HARVEY, 2000). Por outro lado, o IEC pode ser uma alternativa de financiamento. Com base na teoria de finanças, a diversificação pode levar à redução do risco, dependendo das variâncias dos fluxos e de sua correlação. É necessário verificar empiricamente se as variâncias específicas dos segmentos do IEC em comparação com o IED podem reduzir o efeito da maior correlação com os mercados financeiros internacionais.

A volatilidade dos fluxos é, de certa forma, inevitável, por causa da freqüente revisão de expectativas, afetando fluxos de curto prazo quando há mudanças nas expectativas de curto prazo, o mesmo acontecendo com expectativas e fluxos de longo prazo (ERRUNZA, 2001). Por outro lado, a liberalização dos mercados financeiros não alterou significativamente a volatilidade dos retornos, embora tenha aumentado a taxa de crescimento (ERRUNZA, 2001).

Os possíveis efeitos negativos da volatilidade sobre os fluxos são estudados na literatura. LEVINE e ZERVOS (1998) não encontraram relação significativa entre crescimento econômico, acumulação de capital e produtividade e a volatilidade dos retornos. Os efeitos benéficos da mobilidade de capital, entretanto, só ocorrerão se não forem

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anulados pelas crises financeiras, o que não exclui o controle temporário de entradas de recursos (FISCHER, 1999).

Como já discutido anteriormente, não pode se deixar de considerar o efeito da volatilidade dos fluxos sobre a taxa de câmbio ou sobre a sustentabilidade de regimes de câmbio administrado, que também pode ter efeitos sobre a produção. 2.5 IEC e fatores externos e domésticos (push and pull factors)

O comportamento dos fluxos traz em seu contexto uma série de discussões teóricas que têm de ser consideradas, como os pull e push factors (HOTI, 2004), que afetam a maior ou menor influência da economia e das políticas econômicas locais sobre os fluxos. A possibilidade de os fluxos de IEC serem estabilizadores ou desestabilizadores do fluxo total de investimento, influenciando o saldo de transações correntes, pode ser decorrente de os investidores terem um comportamento de positive feedback ou negative feedback, ou seja, acompanham a tendência do mercado de destino ou tentam aproveitar os movimentos contrários (FROOT, O’CONNELL e SEASHOLES, 2001; CUTLER, POTERBA e SUMMERS, 1990). Como existe a possibilidade de vários resultados do impacto do IEC sobre os mercados específicos de que participam e sobre investimento e crescimento da economia, é necessário testar essas hipóteses. Para o caso brasileiro, por exemplo, a participação estrangeira tem forte influência no desempenho do mercado de ações (MEURER, 2006).

Os fluxos de recursos entre países resultam de decisões de investimento influenciadas por fatores que atraem estes fluxos para o país de destino (pull factors) e fatores que induzem a saída de recursos do país de origem (push factors). A taxa de juros dos Estados Unidos é o principal fator externo a influenciar os fluxos (FERNANDEZ-ARIAS, 1996), especialmente no caso de bônus, embora tanto os fatores globais como os locais tenham efeito (TAYLOR e SARNO, 1997). Os fatores globais incluem a taxa de juros, retornos no mercado de ações, além do “humor do mercado”. Este último foi utilizado em BAEK (2006), através de um índice de apetite por risco, montado a partir da correlação de postos entre o retorno em excesso de um mercado e sua volatilidade, com efeito significativo sobre entradas e saídas de fluxos na Ásia, mas não na América Latina. Entre os fatores de atração são incluídos crescimento econômico, resultado da conta corrente, inflação, volatilidade da taxa de câmbio, classificação de risco e variáveis institucionais. Não se pode deixar de considerar que alterações nos fluxos de capital podem estar relacionadas com outros fatores que influenciam a economia global e sua relação com os países emergentes, como o preço das commodities e as remessas internacionais (GRIFFITH-JONES e OCAMPO, 2009), que também têm de ser observados. A existência de assimetria de informação entre IEC e investidores internos poderia ser um dos fatores a explicar o efeito desses fatores sobre os fluxos.

A inserção internacional da economia brasileira no mercado de recursos que são transferidos através de investimentos de carteira pode, por conseqüência, ser influenciada pelo comportamento de uma série de variáveis macroeconômicas, dependendo do canal através do qual irão se manifestar. Isto pode ser ilustrado, por exemplo, com o caso de o ajuste envolver uma maior ou menor variação da taxa de câmbio, o que depende, entre outros fatores, da sensibilidade do saldo de transações correntes à taxa de câmbio. Há também efeitos secundários, dada a influência sobre a taxa de câmbio e outros preços relativos, que influenciarão a demanda e a produção e, portanto, o crescimento da economia e distribuição do produto. Os fundamentos fiscais

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também são afetados no caso comum de os fluxos gerarem intervenções esterilizadas no mercado cambial (EDWARDS, 1999a).

Um aspecto analítico adicional é separar renda fixa de renda variável, porque os determinantes de seu comportamento e sua volatilidade são diferentes, o que também pode gerar efeitos distintos sobre as variáveis que influenciarão o crescimento econômico, o que inclui a demanda externa, interna e a própria reação da política econômica. A própria inter-relação entre fluxo de recursos, taxa de câmbio, taxa de juros e crescimento torna interessante analisar a causalidade entre estas variáveis. Isto pode influenciar, por exemplo, a escolha de regime cambial ou as variáveis a serem incluídas na função de reação do Banco Central, para além de hiato do produto e inflação, como a taxa de câmbio ou reservas internacionais.

Uma questão interessante sobre os fluxos de IEC é levantada por GOOPTU (1994). Como os países são diferentes entre si, os fluxos para eles são complementares ou substitutos? Em outras palavras, quando um país atrai recursos está aumentando o volume total ou reduzindo os fluxos para outros países. Analisando países da Ásia e América Latina, GOOPTU (1994) conclui que há competição entre os países, o que gera incentivo para que os países que pretendem atrair os fluxos adotem políticas que sejam atraentes para os investidores externos, em regulação e indicadores macroeconômicos.

Esta discussão teórica mostrou que é possível a ocorrência de efeitos reais dos fluxos de investimento em carteira através de vários canais. Na próxima seção é verificada a precedência entre fluxos e variáveis reais e entre os fluxos e variáveis financeiras. Não há como, no atual estágio de pesquisa, testar canais de transmissão específicos, embora os resultados sugiram algumas relações causais teoricamente interessantes e consistentes.

3. Contexto, dados e estatística descritiva Em períodos recentes ocorreu rápida expansão dos volumes de investimento de carteira. Entre 1995 e 2008 o valor médio do influxo anual de Investimento Externo em Carteira (IEC) no Brasil foi de US$ 11,3 bilhões, em dólares constantes de 2008, o que não é desprezível em termos de impacto macroeconômico. Como estes investimentos não têm relação direta com a estrutura física de produção, fica mais fácil a aquisição e a venda dos ativos, pela existência de mercados secundários, tornando esses fluxos potencialmente mais voláteis. Isto pode ser ilustrado pela possibilidade de ocorrência de saldos negativos em IEC, o que é muito mais improvável no caso do IED, no caso de países com menor estoque relativo de capital. No caso do Brasil, por exemplo, ao longo dos últimos 30 anos ocorreram 11 anos com saldos negativos no fluxo de IEC, enquanto ocorreu somente um saldo negativo em IED, a despeito da maior internacionalização das empresas brasileiras (CORRÊA e LIMA, 2009). A evolução do sistema financeiro em direção a uma maior desintermediação, com o aumento da importância dos títulos, facilitou este processo.

Os dados históricos da economia brasileira mostram uma forte relação entre o déficit em transações correntes e os investimentos da economia, medidos pela formação bruta de capital fixo, como pode ser observado no Gráfico 1. Como os investimentos asseguram a capacidade de expansão da produção na economia, há uma relação indireta entre o resultado das transações correntes e o crescimento econômico, que pode ser defasada no tempo, o que terá de ser considerado nas estimativas econométricas. A correlação entre o

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saldo de transações correntes e a formação bruta de capital fixo foi de 0,6 para o período 1947-2008, confirmando a observação de que há maior crescimento econômico quando há déficit em transações correntes. Esta constatação torna interessante a análise de como é financiado o déficit em transações correntes e as conseqüências dos fluxos financeiros.

Gráfico 1

-8-7-6-5-4-3-2-10123

10,0

15,0

20,0

25,0

BRASIL: FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL FIXO (eixo esquerdo) eTRANSAÇÕES CORRENTES (eixo direito) - % DO PIB

Tx Invest.= FBKF/PIB TC/PIB

Fonte: Ipeadata

A literatura considera importantes as variáveis institucionais para explicar os fluxos de capitais (DE SANTIS e LÜHRMANN, 2009; ALFARO, KALEMLI-OZCAN e VOLOSOVYCH, 2008). Como neste artigo se está procurando a relação entre os fluxos e o crescimento econômico, considera-se que as variáveis institucionais estão refletidas nos comportamentos dos fluxos e nas demais variáveis econômicas reais e financeiras consideradas.

Os dados de fluxos utilizados neste trabalho são os fluxos líquidos, a diferença entre entradas e saídas, porque a utilização apenas de fluxos de entradas ou saídas teria de supor que houvesse uma relação constante entre entradas e saídas, o que não é plausível, sendo comuns situações em que entradas são maiores que saídas assim como saídas maiores que entradas.

A tabela 1 descreve os dados utilizados. Explicitando os conceitos do balanço de pagamentos, os fluxos são separados em Investimento em Carteira (IC), em que a contrapartida do fluxo financeiro é um título, em contraposição ao Investimento Direto (ID), em que o investimento de não-residente envolve o controle da empresa. IC é o resultado da soma do fluxo de investidores estrangeiros no país (IEC), o que significa passivo emitido por residente no Brasil, com o investimento brasileiro em carteira (IBC), quando residentes do Brasil adquirem títulos emitidos por não-residentes. Os fluxos de IEC são divididos em fluxos para ações (equity) e renda fixa, IECE e IECRF, respectivamente. Os fluxos de IECE e IECRF podem ser originados por negócios realizados dentro do país, IECENP e IECRFNP, ou fora, IECENF e IECRFNF. Os dados utilizados são trimestrais, entre 1995 e 2009. Para este período todas as séries utilizadas estão disponíveis. Do ponto de vista econômico este período é interessante por não ser afetado pela ocorrência de fluxos de investimento em carteira não voluntários, como os

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ocorridos nas décadas de 1980 e 1990, com a crise da dívida externa, cuja renegociação foi concluída em 1994. O total dos fluxos de investimento na primeira metade da década de 1990 foi muito baixo, reflexo da instabilidade macroeconômica.

Tabela 1 - Dados utilizados – séries trimestrais – 1995 a 2009 Variável Descrição Fonte Observações IC Investimento em Carteira – Líquido Banco Central do

Brasil Em bilhões de dólares constantes do último trimestre de 2009, utilizando o CPI dos Estados Unidos

ID Investimento Direto – Líquido Banco Central do Brasil

Em bilhões de dólares constantes do último trimestre de 2009, utilizando o CPI dos Estados Unidos

IECE Investimento Estrangeiro em Carteira Ações (Equity)

Banco Central do Brasil

Em bilhões de dólares constantes do último trimestre de 2009, utilizando o CPI dos Estados Unidos

IECENP Investimento Estrangeiro em Carteira Ações (Equity) – Negociados no país

Banco Central do Brasil

Em bilhões de dólares constantes do último trimestre de 2009, utilizando o CPI dos Estados Unidos

IECENF Investimento Estrangeiro em Carteira Ações (Equity) – Negociados no exterior

Banco Central do Brasil

Em bilhões de dólares constantes do último trimestre de 2009, utilizando o CPI dos Estados Unidos

IECRF Investimento Estrangeiro em Carteira Renda Fixa

Banco Central do Brasil

Em bilhões de dólares constantes do último trimestre de 2009, utilizando o CPI dos Estados Unidos

IECRFNP Investimento Estrangeiro em Carteira – Renda Fixa – Negociados no país

Banco Central do Brasil

Em bilhões dólares constantes do último trimestre de 2009, utilizando o CPI dos Estados Unidos

IECRFNF Investimento Estrangeiro em Carteira – Renda Fixa – Negociados no Exterior

Banco Central do Brasil

Em bilhões de dólares constantes do último trimestre de 2009, utilizando o CPI dos Estados Unidos

LPIB Logaritmo do índice do PIB real Ipeadata Logaritmo do Índice base média de 1995 = 100, dessazonalizado

DLPIB Primeira diferença de LPIB LINV Logaritmo do índice de

investimento Ipeadata Logaritmo do Índice base média de 1995

= 100, dessazonalizado DLINV Primeira diferença de LINV LCER Logaritmo da taxa de câmbio

efetiva real (IPCA) Banco Central do Brasil

Logaritmo do índice base junho de 1994 = 100

DLCER Primeira diferença de DLCER SELIC Taxa Selic Banco Central do

Brasil Média das taxas efetivas mensais, em percentual

RISK Spread do EMBI+ do Brasil em relação aos títulos do Tesouro dos Estados Unidos

Datastream Spread em pontos base (100 pontos base = 1%). Média das taxas diárias

DRISK Primeira diferença de RISK MSCIW Índice Morgan Stanley Capital

International – World MSCI Índice do mercado de ações para os

países, desenvolvidos, incluindo dividendos, fim do período

RMSCIW Retorno do MSCIW Em percentual T6M Taxa do título de seis meses do

Tesouro dos Estados Unidos Federal Reserve de St. Louis (FRED)

Média das taxas mensais, em percentual

DT6M Primeira diferença de T6M T10R Taxa do título de 10 anos do

Tesouro dos Estados Unidos Federal Reserve de St. Louis (FRED)

Média das taxas mensais, em percentual

DT10R Primeira diferença de T10R

A Figura 1 mostra os gráficos das séries de fluxos. As séries que foram tratadas em logaritmos na análise econométrica estão expressas em sua forma original nos gráficos, para que se possa ter noção das grandezas envolvendo essas variáveis. Algumas características são perceptíveis no comportamento das séries e são importantes para explicar os resultados econométricos e as estatísticas descritivas. IC e IEC têm comportamentos próximos, conseqüência do pequeno volume de investimento brasileiro em carteira, ou seja, o Brasil é muito mais emissor do que comprador de títulos em

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relação ao resto do mundo. Os agregados de IC e IEC apresentam valores positivos e negativos, o que dificilmente ocorre com ID e IECENF. No caso do ID isto é resultado da característica de importador de capital do Brasil. É interessante notar que apesar de o ID apresentar fluxos positivos, a redução desses fluxos não é exceção, o que tem de ser considerado em uma estratégia de crescimento que utilize financiamento externo. O IECENF é positivo porque somente o cancelamento de depositary receipts (DRs) poderia tornar o resultado negativo, através da recompra dos papéis. Isto explica também as grandes oscilações nos valores, porque dependem de decisões de empresas específicas de listarem suas ações no mercado externo. Em períodos recentes o aumento dos fluxos, positivos e negativos, de IECE é decorrente principalmente de negócios efetuados dentro do país. No caso dos fluxos de renda fixa também há um aumento do volume de negócios dentro do país, associado à maior atratividade do mercado brasileiro e à isenção de imposto sobre os rendimentos para investidores não residentes a partir de 2006. O fluxo de IECRFNF é predominantemente negativo, especialmente na última década em que ocorre uma mudança estrutural no endividamento externo, com a liquidação de grande parte da dívida.

Figura 1 – Brasil - Fluxos de Investimentos – 1995 a 2009 (em US$ bilhões de 2009 – dados trimestrais)

-20

-10

0

10

20

30

96 98 00 02 04 06 08

IC

-20

-10

0

10

20

30

96 98 00 02 04 06 08

IEC

-10

0

10

20

30

96 98 00 02 04 06 08

IECE

-10

-5

0

5

10

15

20

96 98 00 02 04 06 08

IECENP

-1

0

1

2

3

4

5

96 98 00 02 04 06 08

IECENF

-12

-8

-4

0

4

8

12

96 98 00 02 04 06 08

IECRF

-10

-5

0

5

10

96 98 00 02 04 06 08

IECRFNP

-12

-8

-4

0

4

8

12

96 98 00 02 04 06 08

IECRFNF

-20

-10

0

10

20

96 98 00 02 04 06 08

ID

A figura 2 mostra as séries das variáveis reais e financeiras que são utilizadas para explicar a relação entre fluxos e crescimento econômico. Chama à atenção a estagnação do índice de investimento até aproximadamente a primeira metade da década de 2000, enquanto o PIB apresenta uma tendência mais clara de crescimento. Grandes oscilações são observadas nas variáveis financeiras, o que certamente afeta os fluxos e o desempenho macroeconômico do país.

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Figura 2 – Variáveis reais e financeiras – 1995 a 2009

(dados trimestrais)

90

100

110

120

130

140

150

96 98 00 02 04 06 08

PIB

80

100

120

140

160

180

96 98 00 02 04 06 08

INV

60

80

100

120

140

160

180

96 98 00 02 04 06 08

CER

0

10

20

30

40

50

60

70

96 98 00 02 04 06 08

SELIC

0

400

800

1,200

1,600

2,000

96 98 00 02 04 06 08

RISK

1,000

2,000

3,000

4,000

5,000

6,000

96 98 00 02 04 06 08

MSCIW

0

1

2

3

4

5

6

7

96 98 00 02 04 06 08

T6M

2

3

4

5

6

7

8

96 98 00 02 04 06 08

T10Y

Para a estatística descritiva e a análise econométrica as séries são utilizadas na forma como descritas na tabela 1.

A tabela 2 mostra as estatísticas descritivas das séries. Como era esperado o coeficiente de variação, relação entre desvio-padrão e média da variável, dos fluxos de investimento em carteira é mais elevado que o do investimento direto. Nenhum dos fluxos desagregados tem coeficiente de variação inferior ao do ID. As diferenças entre os fluxos são grandes. O coeficiente de variação mais alto é o do fluxo de IECRFNF, o que é explicado pelos elevados valores que ocorrem quando são amortizados ou liquidados títulos em volumes elevados, como no caso dos títulos da dívida externa. O fato de a maior parte dos títulos da dívida externa pública, renegociada na primeira metade da década de 1990, ter sido liquidada no período em análise explica esse comportamento. O menor coeficiente de variação é o do IECENF, o que é explicado pela ausência de valores negativos nesta série, porque não são comuns ocorrências de reversão de listagem de ações no exterior.

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Tabela 2 – Estatísticas Descritivas das Variáveis IC IEC IECE IECENP IECENF IECRF IECRFNP IECRFNF ID PIB INV CER SELIC RISK MSCIW RMSCIW T10Y T6M Média 3,47 3,48 1,90 1,15 0,75 1,58 0,83 0,75 5,22 118,64 112,31 99,57 21,74 658,36 3055,61 2,00 4,99 3,70 Máximo 27,39 23,44 19,79 15,05 4,74 11,58 9,38 10,23 16,41 149,12 161,96 162,88 69,12 1884,64 5010,07 21,22 7,48 6,33 Mínimo -16,17 -17,97 -8,85 -8,85 -0,21 -10,10 -7,98 -11,38 -14,51 98,64 92,23 67,24 8,65 149,81 1555,59 -21,65 2,74 0,16 DP 7,42 7,25 4,09 3,96 0,99 4,74 2,63 4,05 4,53 15,07 16,29 25,01 11,42 386,43 875,89 9,15 1,06 1,94 Coef. Var. 2,14 2,08 2,15 3,43 1,32 3,00 3,17 5,38 0,87 0,13 0,15 0,25 0,53 0,59 0,29 4,57 0,21 0,52 Trimestres com fluxo positivo

42 43 48 37 52 39 32 34 58

Tabela 3 – Coeficientes de correlação entre as variáveis IEC IECE IECENP IECENF IECRF IECRFNP IECRFNF ID DLINV DLPIB DLCER SELIC DRISK RMSCIW DT6M DT10Y IEC 1 IECE 0.761* 1 IECENP 0.708* 0.971* 1 IECENF 0.075 -0.072 -0.308** 1 IECRF 0.888* 0.379* 0.324** 0.158 1 IECRFNP 0.560* 0.395** 0.380* -0.011 0.519* 1 IECRFNF 0.679* 0.189 0.134 0.191 0.835* -0.036 1 ID -0.055 -0.160 -0.222*** 0.291** 0.034 -0.053 0.073 1 DLINV 0.429* 0.364* 0.316** 0.132 0.355* 0.440* 0.132 -0.129 1 DLPIB 0.236*** 0.268** 0.250*** 0.026 0.146 0.321** -0.035 -0.143 0.687* 1 DLCER -0.490* -0.365* -0.348* -0.001 -0.440* -0.197 -0.388* 0.158 -0.193 -0.209 1 SELIC -0.055 -0.155 -0.131 -0.069 0.032 -0.353* 0.264** -0.130 -0.381* -0.388* 0.111 1 DRISK -0.400* -0.317** -0.323** 0.085 -0.346* -0.156 -0.304** 0.122 -0.004 -0.028 0.572* 0.026 1 RMSCIW 0.435* 0.437* 0.463* -0.191 0.312** 0.128 0.283** -0.059 0.117 0.062 -0.366* 0.195 -0.444* 1 DT6M 0.028 0.070 0.038 0.122 -0.010 -0.142 0.080 -0.108 0.271** 0.248*** -0.279** 0.043 -0.161 0.284** 1 DT10Y 0.087 0.222*** 0.213 -0.005 -0.032 0.090 -0.096 0.145 0.275 0.303** -0.232*** -0.235*** -0.338* 0.321** 0.488* 1 *, ** e *** significam estatisticamente significantes a 1%, 5% e 10%, respectivamente.

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A tabela 3 apresenta os coeficientes de correlação entre as variáveis. Há uma forte correlação entre os fluxos e a taxa de câmbio, que só não é significativa para IECENF e IECRFNP. Estes resultados indicam a importância da relação entre os fluxos e taxas de câmbio, que pode ter impacto nas variáveis reais. Como a correlação não informa qual a direção da causalidade, isto terá de ser verificado através das estimativas de modelos ARDL (autoregressive and distributed lags). O coeficiente de correlação entre taxa de câmbio e risco é de 0,572, estatisticamente significante a 1%. Fatores macroeconômicos e políticos locais e globais devem estar influenciando estas duas variáveis simultaneamente, refletindo fatores conjunturais e estruturais da economia do país e mundial. Entre os fluxos, a correlação próxima de zero para o agregado do investimento em carteira e próxima de zero e negativa para os demais fluxos, à exceção do IECENF, indica que ID e IC podem ser fontes alternativas de financiamento externo, funcionando como diversificação de origem de recursos.

4. Resultados e análise A tabela 4 mostra os resultados dos testes de raiz unitária. É importante verificar a estacionariedade da série para evitar a ocorrência de resultados econométricos espúrios pela presença de tendências comuns às séries. As séries dos fluxos de capitais são estacionárias, à exceção de IECRFNP. As séries dos logaritmos dos índices das taxas de câmbio, do PIB e do investimento são estacionárias em primeiras diferenças. As séries da taxa de juros dos títulos de 6 meses e 10 anos e o risco medido pelo spread do EMBI+ do Brasil são estacionários em primeira diferença. A série do índice MSCIW não é estacionária, mas a série dos retornos em percentual do MSCIW é estacionária. A taxa Selic é estacionária.

Tabela 4 - Resultados dos testes ADF – 1995:1 a 2009:4

Variável t-ADF Prob Defasagens ID -4.988 0.0001 0 IECE -4.695 0.0003 3 IECENP -4.804 0.0001 3 IECENF -5.001 0.0001 0 IECRF -7.717 0.0000 0 IECRFNP -1.843 0.3566 0 IECRFNF -3.578 0.0091 1 LPIB 0.840 0.9940 0 DLPIB -7.842 0.0000 0 LINV -0.429 0.8968 2 DLINV -6.925 0.0000 1 LCER -1.333 0.6088 0 DLCER -6.338 0.0000 0 SELIC -6.010 0.0000 3 LMSCIW -2.100 0.2453 0 RMSCIW -6.613 0.0000 0 RISK -1.879 0.3399 0 DRISK -6.574 0.0000 0 T10Y -2.217 0.2026 0 DT10Y -6.144 0.0000 3 T6M -1.793 0.3806 1 DT6M -4.323 0.0010 0 Obs.: Testes incluem intercepto

Dos resultados dos testes de raiz unitária merece atenção a não estacionariedade da série IECRFNP, ao contrário das demais séries de fluxo. A inspeção visual do gráfico da série

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(Figura 1) mostra a ocorrência de quebra estrutural da série em 2006:1, motivada pela isenção de imposto sobre os rendimentos obtidos por investidores estrangeiros em aplicações de renda fixa no Brasil. O fato de uma série apresentar médias diferentes antes e após a quebra estrutural leva à aceitação da hipótese nula de existência de raiz unitária, quando na realidade pode se ter uma série estacionária com mudança na média. Seguindo PERRON (1989, 1990) a série foi testada considerando a mudança na média em 2006:1, rejeitando-se a hipótese nula de presença de raiz unitária. Também foi seguida a idéia presente em PERRON (1989) de estimar regressões separadas para os dois períodos, 1995:1 a 2005:1 e 2006:1 a 2009:4. Nas duas regressões é rejeitada a hipótese de que o coeficiente auto-regressivo de primeira ordem seja igual a 1 através de um teste de Wald. Como o teste ADF já havia indicado, para a amostra integral não é possível rejeitar a hipótese nula de que o coeficiente auto-regressivo seja igual a 1. Com estes resultados é possível considerar que também a série IECRFNP é estacionária, com uma quebra em 2006.1.

As inter-relações entre as variáveis de fluxo de investimento, crescimento e financeiras são complexas, porque não há clareza sobre a exogeneidade entre elas, a não ser quando se trata de variáveis definidas no mercado mundial, considerando o Brasil um país pequeno no mercado financeiro internacional. Uma maneira de tratar esta questão seria através de testes de causalidade de Granger. Entretanto, como o resultado dos testes de causalidade de Granger é sensível ao número de defasagens, a estratégia adotada foi de estimar modelos auto-regressivos e com defasagens distribuídas (ARDL) bivariados, incluindo a variável distribuída contemporânea. Com isto também se consegue verificar o sinal da relação entre as variáveis. Para a escolha das defasagens foram utilizados dois critérios. Um foi estimar os ARDLs com oito defasagens, o que, com dados trimestrais significa dois anos, tempo considerado suficiente para que as variáveis reais também possam reagir às alterações em variáveis financeiras, caso haja relação entre elas. A desvantagem deste procedimento é uma possível sobre-parametrização do modelo, com inclusão de defasagens não significativas e perda de graus de liberdade. O segundo foi estimar o modelo com a defasagem ótima determinada a partir dos critérios FPE, AIC, SBC e HQ para um máximo de oito defasagens no VAR com as duas variáveis. No caso de resultados contraditórios entre os critérios foi escolhida a maior defasagem, para permitir um possível ajuste das variáveis reais. Para as duas situações o resultado mostrado é a equação de longo prazo, ou seja, quando as variáveis teriam atingido o seu estado estacionário, sendo iguais no período atual e nas defasagens.

O modelo estimado é:

tktktktktt exxyyy +++++++= −−− γγββα ...... 011

Na equação de longo prazo uxy ++= θδ o coeficiente que expressa a relação entre x e y é

dado por ∑

−= k

k

1

0

1 β

γθ , o que significa considerar que as variáveis y e x estejam em estado

estacionário, ou seja, tenham valores iguais ao longo do tempo. Nos resultados a seguir é apresentada a estimativa para θ e a respectiva estatística t e a probabilidade de rejeição da hipótese nula de que θ seja igual a zero.

Os resultados são apresentados em três blocos: o primeiro com as relações entre fluxos de investimento em carteira e investimento e PIB; o segundo com as relações entre os diferentes tipos de fluxos e; o terceiro com as relações entre os fluxos e as variáveis financeiras de câmbio, taxa de juros interna e externa, risco país e retorno do mercado de ações mundial.

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4.1 Fluxos e variáveis reais

Na tabela 5 são apresentados os resultados para os coeficientes da equação estática de longo prazo para a relação entre os fluxos de investimento e variações do PIB e do investimento. Os resultados são apresentados tanto para os fluxos agregados quanto para os desagregados, para verificar a possibilidade de relação entre as variáveis reais e o volume de fluxos e ao tipo de fluxos.

Os resultados para as relações entre os fluxos e a variação do PIB não são passíveis de interpretações claras e diretas, o que é esperado considerando que se está estimando um modelo bivariado, enquanto tanto a variação do PIB quanto os fluxos devem estar sendo influenciados por vários outros fatores. Um aspecto especialmente complicado para a análise direta do comportamento do PIB em relação aos fluxos de investimento em carteira é o fato de o PIB ser resultado de agregação de diferentes segmentos de produtos ou rendimento gerado. A alternativa de se analisar o resultado sobre o investimento pode ter resultados mais perceptíveis, porque possivelmente o efeito seja mais direto.

Das 34 equações estimadas a relação entre o fluxo e o PIB é estatisticamente significante em 9. Das 18 relações estimadas com base na defasagem ótima, quatro são estatisticamente significativas. Isto mostra que não há uma mudança relevante entre resultados estatisticamente significantes obtidos para as estimativas com a defasagem máxima de oito trimestres e as definidas com base em critério estatístico.

A relação mais consistente obtida é a influência positiva recíproca entre PIB e IECRFNP, para oito defasagens e para efeito contemporâneo. O fato de o comportamento do PIB afetar o fluxo de IECRFNP pode estar relacionado com o fato de produto maior estar associado à capacidade de pagamento futura dos títulos. Ao longo de dois anos uma alteração de um ponto percentual no crescimento do PIB estaria associada ao influxo de US$ 5 bilhões, enquanto o efeito contemporâneo seria de US$ 0,66 bilhão. A relação inversa, de IECRFNP influenciar o PIB, poderia ser explicada pela possibilidade de a entrada de capitais estar associada com expansão da demanda, que estimularia a produção. Uma entrada de US$ 1 bilhão estaria associada a uma alteração de 0,15 ponto percentual no PIB por trimestre ao longo de dois anos. O mesmo raciocínio pode ser aplicado para as relações contemporâneas. A informação sobre o desempenho do PIB não está disponível contemporaneamente, mas indicadores coincidentes de freqüência mais elevada poderiam ser utilizados como previsores para o PIB, além de existir a possibilidade de não ocorrer erro sistemático na previsão do PIB por parte dos agentes. Por outro lado as decisões de produção teriam de ter incorporado a expectativa de ocorrência dos fluxos. O crescimento do PIB também influencia positivamente o fluxo de ações negociado no país. A relação é de que uma mudança de um ponto percentual na taxa de crescimento do PIB está associada com 3,8 bilhões de dólares de influxo. Mas, este argumento é enfraquecido porque este não é um movimento generalizado para todos os fluxos, embora haja diferenças claras entre fluxos gerados por negociações dentro e fora do país. Os fluxos negociados no país podem reagir mais rapidamente e em qualquer direção, tanto entradas quanto saídas. O fluxo de ações fora do país será negativo só em caso de cancelamento de registro ou recompra, o que praticamente não ocorre no período. Isto pode ser ilustrado pelo fato de que nos oito trimestres em que o fluxo é negativo o valor máximo da saída é US$ 210 milhões. Outro aspecto que pode influenciar este resultado é que a emissão de títulos de renda fixa no exterior tem uma defasagem entre a decisão e a ocorrência do correspondente fluxo positivo, enquanto o fluxo negativo tende a ocorrer na época do vencimento dos títulos e não de acordo com o ambiente no mercado financeiro.

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O fluxo de entrada de recursos através de ações negociadas fora do país, IECENF, tem efeito negativo na variação do crescimento, DLPIB, de meio ponto percentual para um influxo de US$ 1 bilhão. O mesmo efeito negativo aparece para o fluxo de renda fixa negociada fora do país. Este resultado necessita de uma análise mais detalhada, procurando identificar se há um padrão para os períodos em que ocorrem maiores emissões. É importante notar que a relação entre o volume total de investimento direto e a variação da taxa de crescimento do PIB também é negativa, embora seja próxima de zero e contemporaneamente não estatisticamente significante.

Tabela 5 – Relações entre fluxos de capitais e crescimento do PIB e Investimento Variável

Dependente Variável

independente Defasagens Coeficiente t probabilidade

DLPIB IEC 6 -0,0000736119 -0.213 0.832 IEC DLPIB 6 307,013 0.900 0.372

DLPIB IECE 7 0.00103496 1.01 0.316 IECE DLPIB 7 189.644 1.52 0.133

DLPIB IECENP 8 0.000906411 1.30 0.199 IECENP DLPIB 8 378.622 1.94 0.057 DLPIB IECENF 8 -0.00597325 -2.26 0.028 DLPIB IECENF 1 -0.00182385 -0.670 0.506

IECENF DLPIB 1 6.61004 0.389 0.699 DLPIB IECRF 6 -0.000270138 -0.565 0.575 IECRF DLPIB 6 478.278 1.10 0.278 DLPIB IECRFNP 8 0.00104935 2.18 0.034 DLPIB IECRFNP 0 0.00154745 2.56 0.013

IECRFNP DLPIB 8 501,638 1.72 0.091 IECRFNP DLPIB 0 66.6628 2.56 0.013

DLPIB IECRFNF 8 -0.000892219 -2.50 0.015 DLPIB IECRFNF 6 -0.000754866 -1.75 0.086

IECRFNF DLPIB 6 946.0 0.425 0.673 DLPIB ID 8 -0.000725960 -2.43 0.018 DLPIB ID 1 -0.000555987 -1.20 0.236

ID DLPIB 1 -81,9052 -0.927 0.358 DLINV IEC 2 0.00378537 3.35 0.001

IEC DLINV 2 59.2043 1.62 0.110 DLINV IECE 8 0.00708656 2.61 0.011 DLINV IECE 4 0.00986693 3.50 0.001 IECE DLINV 8 82.4149 3.07 0.003 IECE DLINV 4 44.7087 5.59 0.000

DLINV IECENP 8 0.00797477 4.74 0.000 DLINV IECENP 4 0.00906411 5.64 0.000

IECENP DLINV 8 85.5322 2.45 0.017 IECENP DLINV 4 42.3314 2.79 0.007 DLINV IECENF 8 -0.0259932 -2.57 0.013 DLINV IECENF 1 -0.0106772 -0.826 0.412

IECENF DLINV 1 6.44573 1.31 0.195 DLINV IECRF 2 0.00365627 2.08 0.042 IECRF DLINV 2 44.8248 1.74 0.088 DLINV IECRFNP 8 0.00430839 2.35 0.023 DLINV IECRFNP 3 0.00457687 1.98 0.053

IECRFNP DLINV 8 135.555 2.13 0.038 IECRFNP DLINV 3 87.0733 2.19 0.033

DLINV IECRFNF 2 0.00100268 0.502 0.617 IECRFNF DLINV 2 11.0364 0.334 0.740

DLINV ID 8 -0.00268184 -3.02 0.004 DLINV ID 6 -0.00289624 -2.56 0.013

ID DLINV 6 74.3646 0.324 0.747

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Analisando os resultados para as relações entre os fluxos e a variável variação do investimento o número de relações estatisticamente significantes é 20. Destas, nove são resultantes das estimativas com oito defasagens e 11 das estimativas com as defasagens ótimas definidas através dos critérios FPE, AIC, SC e HQ. As relações entre IECE e IECENP e variação do investimento têm resultados muito próximos e estatisticamente significantes. Isto é decorrência de o volume dos fluxos associados a negociações de ações dentro do país ser superior ao do negociado fora do país. Como já discutido, isto é conseqüência de as operações de compra e venda de ações efetivadas no país por não residentes terem impacto no balanço de pagamentos, enquanto as compras e vendas de mercado secundário no exterior não têm. No fluxo de IECENF somente aparecerão as operações de lançamento ou nova emissão de DRs. Existe uma relação positiva recíproca entre DLINV e IECE e IECENP, tanto com oito defasagens quanto com quatro defasagens. Considerando quatro defasagens, um fluxo de US$ 1 bilhão está associado a uma variação de 0,9 ponto percentual no investimento. Inversamente, a variação de um ponto percentual no investimento está associado a um fluxo de um pouco menos de US$ 500 milhões. A explicação para estes resultados é possível de duas formas, não excludentes. O aumento do investimento pode estar sendo financiado através do mercado de ações. Mesmo que os fluxos de IECENP incluam ou sejam em sua maioria destinados ao mercado secundário, este pode estar influenciando de maneira positiva as emissões do mercado primário e provendo funding para o investimento empresarial. A segunda possibilidade é que as variações nos investimentos e os fluxos estejam ambos reagindo ao mesmo tipo de expectativas sobre o desempenho da economia. Expectativas positivas em relação ao desempenho futuro da economia, por exemplo, poderiam estar gerando tanto o aumento do investimento como a entrada de fluxos. Perspectivas pessimistas levariam à redução de investimentos e saída de recursos, que poderiam reforçar o outro canal, tornando menos atrativas as emissões primárias. O mesmo padrão de comportamento aparece para os fluxos de renda fixa negociados no país (IECRFNP), com a mesma linha de raciocínio explicativo, pois os fluxos poderiam ser utilizados como funding para investimentos ou as expectativas positivas (negativas) estarem associadas à maior (menor) capacidade de pagamento dos títulos de renda fixa por parte dos emissores domésticos. Para o fluxo agregado de investimento externo em renda fixa a relação positiva é significativa com duas defasagens. A magnitude do efeito é menor do que o efeito dos fluxos para negociação no país. Uma explicação para isso é a ocorrência de muitos fluxos negativos de IECRNF no período em análise, tanto por oscilações conjunturais da economia brasileira e mundial, quanto pela mudança estrutural ocorrida na economia brasileira de redução do endividamento externo líquido, alterações no perfil do endividamento externo e redução da vulnerabilidade externa. Um resultado intrigante é a relação negativa de ID sobre DLINV, similar à observada entre ID e DLPIB, e que sugere um aprofundamento da análise.

A relação clara entre os fluxos destinados a negócios no país em comparação a negócios fora do país pode estar relacionada, além da questão de mercado primário e liquidações, já discutida, com o papel do Estado neste mercado. Os fluxos de IECENF são pequenos em comparação com os fluxos totais de IECE, enquanto os volumes médios de IECRFNP e IECRFNF são muito próximos, embora haja uma migração de fluxos negociados fora do país para fluxos negociados dentro do país, especialmente a partir de 2006. 4.2 Fluxos e variáveis financeiras

Na tabela 6 são mostrados os resultados para os modelos estimados para as relações entre os fluxos de investimentos e as variáveis financeiras DLCER, SELIC, DRISK, RMSCIW, DT6M e DT10Y. As estimativas foram feitas para os fluxos desagregados IECENP, IECENF, IECRFNP e IECRFNF, para verificar se e como as variáveis financeiras afetam os fluxos e

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vice-versa. Para a variável de câmbio, entretanto, foram testadas também as séries de fluxos agregados, por causa da possibilidade de ser o conjunto dos fluxos e não os fluxos individuais que estejam influenciando ou sendo influenciados pelo câmbio. Das 110 estimativas efetuadas 25 apresentaram resultados estatisticamente significantes ao nível de 10%. Destas 25 somente seis o foram com a defasagem de 8 trimestres. Cinco destas seis coincidem com resultados estatisticamente significantes para a defasagem ótima escolhida de acordo com os critérios de seleção de modelos. Este resultado, diferente do observado para as relações entre fluxos e variáveis reais e para as relações entre fluxos, está de acordo com o esperado para fluxos de investimento de portfólio, que podem se ajustar rapidamente, e variáveis financeiras, que refletem preços que não têm a rigidez das variáveis reais.

Das variáveis testadas, taxa de câmbio e taxa de juros interna são as que têm a maior possibilidade de serem influenciadas pelos fluxos, por serem variáveis relacionadas diretamente com a economia brasileira. Obviamente câmbio e juros têm uma série de outras variáveis domésticas que as influenciam. Estas variáveis, entretanto, têm uma característica de pull-factors, por estarem relacionadas com o comportamento presente e expectativas em relação ao desempenho futuro da economia. O risco, além de refletir características da economia do país, sendo um pull-factor, também é influenciado por fatores externos, como aversão global ao risco. Neste sentido é também um push-factor. As variáveis de retorno do mercado mundial de ações e juros externos claramente são push-factors.

Caso o câmbio seja um pull-factor, espera-se que o seu comportamento antecipe o dos fluxos. Os resultados apresentados na tabela 6 indicam que dos oito fluxos analisados a taxa de câmbio antecipa o comportamento de três, considerando as defasagens ótimas, menores. As três se referem a fluxos em um maior nível de agregação, IC, IEC e IECRF. Os três resultados são consistentes, mostrando um efeito negativo, uma redução de um ponto percentual na variação cambial, apreciação da moeda brasileira, está associada a um aumento de US$ 0,5 bilhão no fluxo de IC e IEC e de US$ 0,25 bilhão em IECRF. Estes resultados podem indicar que o câmbio afeta o conjunto dos fluxos, mas a influência não foi detectada nos fluxos desagregados. O efeito dos fluxos sobre a taxa de câmbio é estatisticamente significante em quatro das relações estimadas, com IEC, IECE, IECENP e IECRF. Os resultados são coerentes, mostrando coeficientes negativos entre -0,004 para IEC e -0,01 para IECENP. Tomando como exemplo o fluxo para ações negociadas no país, um acréscimo no fluxo de US$ 1 bilhão está associado a uma alteração de um ponto percentual na variação cambial, apreciação da moeda brasileira neste caso. É interessante observar que o efeito é mais alto para o fluxo de ações negociado no país, o que é coerente com o fato de estas operações implicarem transação no mercado cambial, o que não acontece necessariamente com as operações fora do país, especialmente as envolvendo dívida pública.

A relação entre taxa Selic e fluxos é significativa em cinco das oito estimativas. A taxa Selic contemporânea e defasada influencia o comportamento do fluxo de IECENP e IECRFNP. Nas duas estimativas a relação é negativa, -0,087 para IECENP e -0,19 para IECRFNP. A interpretação para os coeficientes é de que uma elevação de um ponto percentual na taxa Selic está associada a uma redução de fluxos de US$ 87 milhões para IECENP e 190 milhões para IECRFNP. Os mesmos fluxos antecipam o comportamento da taxa Selic, com a mesma relação negativa, mas com coeficientes mais elevados: fluxos de entrada (saída) de US$ 1 bilhão estão associados a quedas (elevações) de 1,93 e 2,12 ponto percentual na taxa Selic para IECENP e IECRFNP, respectivamente. Estes resultados são interessantes porque mostram a importância dos pull-factors para as negociações no mercado doméstico, cujas expectativas podem estar sendo captadas pela taxa Selic, mas não têm relação tão clara com a emissão de títulos no exterior. No caso do câmbio semi-fixo praticado no Brasil em pequena

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parte da amostra aqui utilizada os fluxos podem ter forçado a autoridade monetária a alterar a taxa de juros para evitar maiores pressões na taxa de câmbio, enquanto no período de câmbio flutuante as expectativas devem ter sido o determinante. Os fluxos de renda fixa do exterior também antecipam o comportamento da taxa de câmbio, mas o coeficiente é positivo, 1,59. Uma explicação para este movimento é a substituição de endividamento interno, mais caro com a possibilidade de elevação da taxa Selic, por endividamento externo, não influenciado por todas as variáveis domésticas que explicam a taxa Selic. O fato de taxas de juros mais baixas estarem associados a maiores entradas de capital tem de considerar também que, mesmo quando a taxa Selic está baixa em relação a seu histórico, é alta em comparação com as taxas internacionais, o que pode influenciar as decisões de alocação de recursos.

O risco, medido pelo EMBI+, tem seu comportamento antecipado somente pelo IECENF. A relação é positiva, um aumento de aproximadamente US$ 1 bilhão no fluxo está relacionado com aumento de 100 pontos base no spread medido pelo EMBI+ para o Brasil. O risco antecipa somente o comportamento do IECRFNF, que tem uma relação negativa, uma redução (aumento) de 100 pontos base no spread do EMBI+ está associado com ingresso (saída) de US$ 1,8 bilhão. Enquanto o resultado de maior ingresso com menor risco é intuitivo, a associação positiva entre fluxos de emissão de ações com aumento de risco não é tão clara. Uma possibilidade é que muitas emissões tenham ocorrido nos momentos de otimismo anteriores à elevação do risco. Após as emissões o risco aumenta, os emissores já aproveitaram o melhor momento e gera-se a relação negativa. Esta possibilidade necessita de pesquisa com o comportamento de emissões específicas para ser verificada. Além disso, o risco não reage somente ao que ocorre no país, mas também ao restante dos países emergentes. Por isso o risco é tanto um pull factor, por reagir a questões específicas do país, quanto um push factor, por não ser independente do restante dos mercados emergentes.

O retorno do mercado mundial de ações, RMSCIW, antecipa o comportamento somente do IECRFNF, com coeficiente positivo. O fluxo de ações negociadas fora do país antecipa o comportamento do retorno do mercado mundial, com relação inversa. Um aumento de US$ 1 bilhão neste fluxo está associado a um retorno negativo de 4,76% no MSCIW. Um resultado interessante é a antecipação do comportamento do retorno do MSCIW pelo IECRFNP (negativo) e pelo IECRFNF (positivo), possivelmente associados com a modificação no perfil da emissão de títulos de dívida negociados dentro e fora do país. Modificações na aversão ao risco para outras classes de ativos influenciadas pelo retorno do mercado de ações também podem estar influenciando os fluxos. Estes resultados podem indicar tentativas dos emissores de títulos de emitir ou liquidar os títulos de acordo com a situação do mercado internacional, porque obviamente não há como o fluxo de recursos para o Brasil influenciar o retorno do mercado mundial de ações que, entretanto, é um importante push factor (BAEK, 2006; GRIFFIN, NARDARI e STULZ, 2004).

Um importante push factor para os fluxos é dado pelo custo de oportunidade. Foram consideradas as taxas de juros do título do Tesouro dos Estados Unidos de seis meses e de 10 anos como medida do custo de oportunidade. São utilizadas taxas para prazos diferentes porque existe a possibilidade de os horizontes de planejamento dos investidores serem diferentes. Não há relação estatisticamente significante entre os fluxos e a alterações na taxa de juros de seis meses. Para a taxa de juros de 10 anos somente é significativa a antecipação do comportamento dos juros pelo IECENF. Não se consegue perceber um padrão de comportamento, portanto. Este resultado é interessante porque não é detectada influência do custo de oportunidade sobre o fluxo na freqüência de dados utilizada que, entretanto, pode aparecer em dados de freqüência mais elevada.

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Os resultados aqui discutidos parecem indicar que a taxa de câmbio e Selic são medidas de risco. Depreciação da moeda brasileira e taxa Selic elevada estão associadas com redução dos fluxos de IEC. Juros e câmbio podem estar refletindo, portanto, as expectativas em relação ao comportamento futuro da economia e, por conseqüência, da capacidade de remunerar os investimentos, pagar títulos no vencimento ou retornar recursos de ações. Estes resultados reforçam a importância da estabilidade macroeconômica, porque a necessidade de elevar juros ou a ocorrência de depreciações da moeda levam à redução de fluxos, que podem prejudicar a capacidade de expansão da economia.

Tabela 6 - Relação entre fluxos e variáveis financeiras Variável

Dependente Variável

independente Defasagens Coeficiente t probabilidade

IEC DLCER 1 -52.3545 -2.70 0.009 DLCER IEC 1 -0.00402214 -1.86 0.067 IECE DLCER 1 -22.9271 -1.65 0.104

DLCER IECE 1 -0.00784802 -2.06 0.044 IECENP DLCER 8 -36.4364 -2.13 0.038 IECENP DLCER 1 -17.1734 -1.41 0.164 DLCER IECENP 1 -0.00962143 -2.61 0.011 IECENF DLCER 1 -4.09884 -1.29 0.201 DLCER IECENF 8 0.0721080 4.44 0.000 DLCER IECENF 1 0.0299474 1.59 0.117 IECRF DLCER 0 -25.8665 -3.77 0.000 DLCER IECRF 0 -0.00760023 -3.77 0.000

IECRFNP DLCER 3 -34.1839 -1.45 0.154 DLCER IECRFNP 3 -0.00425746 -0.925 0.359

IECRFNF DLCER 2 -25.7717 -1.19 0.238 DLCER IECRFNF 2 -0.000340382 -0.0746 0.941 IECENP SELIC 4 -0.0873202 -1.96 0.055 SELIC IECENP 4 -1.93429 -1.76 0.084

IECENF SELIC 3 -0.0102460 -0.428 0.670 SELIC IECENF 3 8.11821 1.57 0.122

IECRFNP SELIC 8 -0.251387 -2.59 0.013 IECRFNP SELIC 3 -0.189783 -2.03 0.047

SELIC IECRFNP 8 -3.10254 -2.35 0.023 SELIC IECRFNP 3 -2.11733 -2.29 0.026

IECRFNF SELIC 4 0.108591 1.26 0.211 SELIC IECRFNF 8 2.27440 2.99 0.004 SELIC IECRFNF 4 1.59440 2.67 0.010

IECENP DRISK 1 -0.00645525 -1.10 0.277 DRISK IECENP 1 -11.0516 -1.14 0.260

IECENF DRISK 1 -0.000364880 -0.297 0.768 DRISK IECENF 8 108.683 3.71 0.001 DRISK IECENF 1 96.6382 2.35 0.022

IECRFNP DRISK 3 -0.0151423 -0.934 0.355 DRISK IECRFNP 3 7.25082 0.568 0.572

IECRFNF DRISK 2 -0.0187048 -1.82 0.074 DRISK IECRFNF 2 1.54100 0.177 0.860

IECENP RMSCIW 7 0.151143 0.483 0.631 RMSCIW IECENP 7 0.0327640 0.0244 0.981 IECENF RMSCIW 1 0.0164298 0.598 0.552 RMSCIW IECENF 1 -4.76161 -2.49 0.016 IECRFNP RMSCIW 3 2.53881 0.355 0.724 RMSCIW IECRFNP 3 -1.24160 -1.79 0.078 IECRFNF RMSCIW 0 0.124561 2.23 0.029 RMSCIW IECRFNF 0 0.636266 2.23 0.029 IECENP DT6M 4 0.331272 0.267 0.791 DT6M IECENP 4 0.00681273 0.0784 0.938

IECENF DT6M 6 0.476927 0.545 0.588 DT6M IECENF 6 -0.192839 -0.700 0.487

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IECRFNP DT6M 4 7.00766 0.797 0.429

DT6M IECRFNP 4 -0.0913694 -1.59 0.118 IECRFNF DT6M 1 1.09192 0.757 0.452

DT6M IECRFNF 1 -0.00148478 -0.0371 0.971 IECENP DT10Y 8 18.8914 0.818 0.417 DT10Y IECENP 8 -0.0240860 -0.926 0.358

IECENF DT10Y 2 0.476552 0.517 0.607 DT10Y IECENF 2 -0.205203 -2.98 0.004

IECRFNP DT10Y 5 44.1093 0.668 0.507 DT10Y IECRFNP 5 -0.0162978 -0.922 0.361

IECRFNP DT10Y 4 1.62986 0.263 0.793 DT10Y IECRFNP 4 -0.00852496 -0.614 0.541

Um aspecto importante para a análise da relação entre os fluxos de investimento em carteira e as variáveis financeiras é que as alterações de fluxos ou sua influência nas variáveis financeiras é mais rápida do que é possível detectar com a freqüência trimestral, o que talvez possa aparecer com a utilização de dados com freqüência mais elevada. 4.3 Relações entre fluxos

Dos resultados apresentados na tabela 7, 11 de um total de 36 relações estimadas são estatisticamente significantes, sendo seis com oito defasagens e cinco com defasagens menores. O IECENF antecipa o comportamento do IECENP, mas a relação entre esses fluxos é negativa, o que pode indicar que os dois mercados são substitutos, pois um aumento do fluxo para ações negociadas no exterior reduz o fluxo para ações negociadas no país. O coeficiente é -3,9 considerando 8 defasagens e de -1,4 para quatro defasagens. Por outro lado, a relação inversa não é estatisticamente significante, o fluxo para ações negociadas no país não antecipa o comportamento do fluxo de ações negociadas fora. Como os riscos de conversibilidade e cambial para negociações dentro e fora do país são diferentes, isto pode estar ocasionando esta possibilidade de substituição de fluxos.

Os negócios realizados dentro do país são complementares, os fluxos renda fixa negociados dentro do país antecipam o comportamento do fluxo para ações negociados dentro do país, os coeficientes são de 0,68 para oito e 0,59 para seis defasagens. O fluxo de ações, por outro lado, não antecipa o comportamento do fluxo para renda fixa. Estes resultados distintos podem indicar que a tomada de decisão e percepção de risco entre os participantes desses mercados não são idênticos, embora haja fatores comuns que afetam ambos os fluxos.

Um resultado que não tem explicação clara é a relação negativa entre IECRFNF e IECENP, embora seja plausível atribuir este fato às mudanças da inserção do Brasil no mercado financeiro mundial, com a perda de importância dos títulos da dívida como fonte de recursos na última década, em decorrência do pagamento da dívida externa pública, e o aumento da importância e fluxos líquidos positivos para o mercado de ações doméstico. O comportamento do fluxo de IECRFNF antecipa o comportamento de IECENF. Isto deve ser resultado de efeitos da conjuntura do mercado financeiro internacional sobre decisões de lançamento de títulos e ações no mercado internacional. O processo para o lançamento de títulos de renda fixa pode ser mais rápido que o lançamento de ações, justificando o fato de o IECRFNF antecipar o comportamento do IECENF quando consideradas oito defasagens. Isto é plausível especialmente considerando a participação do governo na emissão de títulos de renda fixa, processo mais rápido que o lançamento de DRs que exige processos burocráticos internos e no país de destino. O fluxo de IECRFNF antecipa o comportamento de IECRFNP, com influência negativa. Novamente, o mais provável é que as mudanças estruturais da dívida externa brasileira ao longo do período estejam influenciando os resultados. A menor disponibilidade relativa de papéis brasileiros no exterior leva os investidores a buscar esses papéis no mercado doméstico, à medida que foi sendo liquidada a dívida pública.

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O fluxo de IECENP antecipa o comportamento do ID e a relação é negativa. Uma possibilidade é que os investidores estrangeiros primeiramente comprem (vendam) ações no mercado para depois adquirirem (venderem) o controle da empresa. O ID antecipa o comportamento do IECENF e vice-versa. A relação entre os dois fluxos é positiva, o que pode estar relacionado com reação comum às mesmas expectativas em relação aos fundamentos da economia ou a relações entre os mercados de DR e de controle de empresas domésticas ou de investimentos em empresas domésticas por não residentes. Percebe-se que há uma relativa independência entre os fluxos de ID e os fluxos de IEC com os dados em freqüência trimestral, o que pode ser um indicativo interessante de existência de diversificação de origem de financiamento entre estes tipos de fluxos.

Tabela 7 - Relações entre os fluxos de investimento Variável

Dependente Variável

independente Defasagens Coeficiente t probabilidade

IECENP IECENF 8 -3.92750 -1.90 0.063 IECENP IECENF 4 -1.38803 -1.76 0.085 IECENF IECENP 4 0.119253 0.588 0.559 IECENP IECRFNP 8 0.680538 3.16 0.003 IECENP IECRFNP 6 0.586448 3.97 0.000

IECRFNP IECENP 6 0.902688 1.13 0.265 IECENP IECRFNF 8 -0.593469 -1.79 0.078

IECRFNF IECENP 8 -5.80277 -0.490 0.626 IECENP ID 6 -0.298360 -3.21 0.002

ID IECENP 6 1.79535 0.424 0.673 IECENF IECRFNP 3 0.0130124 0.115 0.909

IECRFNP IECENF 3 -2.55074 -1.32 0.192 IECENF IECRFNF 8 0.120220 2.38 0.021 IECENF IECRFNF 0 0.0361016 1.14 0.260

IECRFNF IECENF 0 0.604720 1.14 0.260 IECENF ID 8 0.115712 3.79 0.000 IECENF ID 1 3.41699 3.30 0.002

ID IECENF 1 0.0770728 2.05 0.045 IECRFNP IECRFNF 8 -0.547356 -1.78 0.081 IECRFNP IECRFNF 2 -0.300254 -1.24 0.221 IECRFNF IECRFNP 2 -0.184790 -0.389 0.699 IECRFNP ID 1 -0.128815 -0.946 0.348

ID IECRFNP 1 0.139808 0.325 0.746 IECRFNF ID 8 9.92867 0.200 0.842

ID IECRFNF 8 1.01152 0.867 0.389

Os resultados mostrados mostram que existe relação entre fluxos e variáveis reais e entre fluxos e variáveis financeiras. Isto indica que os fluxos podem estar influenciando as variáveis financeiras, as quais influenciam as variáveis reais. Um canal plausível para isto seria através do efeito dos fluxos sobre a taxa de câmbio, que poderia afetar as PIB e investimento. A moeda brasileira depreciada pode estimular a produção doméstica, dada a mudança de preços relativos, aumentando a competitividade da produção local. Por outro lado, o investimento, através da importação de máquinas e equipamentos, é prejudicado com a moeda depreciada, o que pode influenciar a capacidade de produção futura. Esta ligação pode também estar relacionada com a taxa de juros, por causa da influência dos custos financeiros sobre a avaliação de viabilidade de projetos de investimento. Com a estrutura a termo da taxa de juros as alterações na taxa de curto prazo também podem afetar a taxa de longo prazo. A taxa de juros de curto prazo, cujo objetivo primordial é o controle da inflação, acaba tendo impacto nas decisões de investimento. Estas alternativas mostram as possibilidades de se expandir a

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pesquisa para avaliar os possíveis mecanismos de transmissão entre os fluxos e variáveis reais.

5. Conclusão Os resultados encontrados neste artigo estão longe de esgotar o tema, como evidenciado ao longo da exposição dos resultados encontrados. O caso brasileiro encaixa-se em vários aspectos específicos explorados pela literatura, o que é condizente com a complexidade dos efeitos dos fluxos sobre as variáveis reais.

Um primeiro ponto a se considerar é que os fluxos de investimento em carteira têm um papel importante no financiamento dos déficits em conta-corrente do Brasil e, nos últimos anos, para a acumulação de reservas internacionais. Isto fica evidente na evolução dos fluxos de investimento em carteira e de investimento direto. A estratégia de redução da vulnerabilidade externa através do aumento das reservas internacionais e a ocorrência de déficits em transações correntes mostram que o país conta com a entrada de fluxos de investimento externo em sua gestão macroeconômica. Neste sentido os fluxos de IEC são importantes, considerando as características do atual sistema financeiro internacional, muito baseado em títulos.

A percepção de que o investimento em carteira é mais volátil corresponde à realidade, tanto para fluxos agregados quanto para fluxos em maior nível de desagregação, como indicam as medidas de desvio-padrão e coeficiente de variação dos fluxos. Como a correlação entre os fluxos de ID e IEC é baixa, a utilização de ID e ICE como fonte de financiamento externo complementares é viável, com conseqüências de política econômica.

Primeiramente, adoção de políticas que tornem atraentes os títulos do país para investidores externos passa a ser importante. Por um lado, estas políticas tendem a tornar menos voláteis os fluxos, retomando-se o a questão de que ao longo do tempo os fundamentos econômicos deverão ser compatíveis com os fluxos de entrada de recursos e de sua remuneração. Por outro, tem de se considerar que a decisão de investimento é baseada em avaliação de risco e retorno. A conseqüência disso é que a redução consistente do risco percebido pelo investidor, que no longo prazo refletirá os fundamentos econômicos, permitirá uma redução do retorno. Este, na ótica do emissor, é o custo dos recursos, de financiamento externo no caso do governo e custo de capital no caso do setor privado. No caso do governo o custo mais baixo pode ter duas conseqüências. Caso a redução de custo financeiro seja compensada por aumento de outros gastos, ocorre o benefício doméstico gerado por esses gastos ao invés da remuneração de investidores não-residentes, o que gera aumento da demanda doméstica, estimulando a produção. Se estes gastos forem direcionados a investimento os benefícios podem se estender ao longo do tempo. Caso a redução de despesas com juros não seja acompanhada de aumento de gastos do governo isto gerará redução do endividamento público, redução de risco da dívida pública e queda da taxa de juros paga pelo governo que, pela arbitragem nos mercados financeiros, poderá se estender ao resto da economia, estimulando investimento e consumo, ou seja, propiciando crescimento econômico.

A segunda questão de política econômica que se coloca é a imposição de controles sobre os fluxos de IEC. Como discutido na revisão de literatura, há um consenso de que restrições, se aplicadas, devem ser impostas na entrada dos recursos. A imposição de restrições à saída de recursos significa que há a possibilidade de não se conseguir retirar os recursos do país, o que aumenta a rentabilidade exigida pelo investidor, aumentando os custos dos emissores, com efeitos sobre a capacidade de investimento da economia doméstica. Por isso, a eventual utilização de controles de capital tem de ocorrer na entrada dos recursos, porque as barreiras

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serão incluídas nos cálculos de retorno esperado, não inviabilizando a entrada de recursos por aspectos subjetivos como a possibilidade de imposição de controles à saída de capitais.

A utilização de algum tipo de controle sobre a entrada de recursos parece ser justificada com base nos resultados obtidos, por causa da relação entre fluxos e câmbio. Uma entrada de recursos muito acentuada leva a uma apreciação da moeda doméstica, prejudicando os produtores domésticos, apesar da melhoria do investimento através da importação de máquinas e equipamentos. Além do efeito do nível da taxa de câmbio, uma oscilação exagerada dos fluxos terá efeito de aumentar a variabilidade da taxa de câmbio, dificultando o cálculo econômico e as decisões de investimento. Portanto, há justificativa para a adoção de controles de capital caso os influxos sejam transitórios e a situação macroeconômica do país esteja equilibrada.

A utilização de controles de entrada de capitais, entretanto, tem de ser qualificada. Os resultados mostraram uma vinculação entre o comportamento do risco e do câmbio. Como o câmbio reage, em curto prazo, a mudanças no risco, é necessário separar o componente de risco da taxa de câmbio do seu comportamento estrutural, que inclui passivo externo e taxa de crescimento potencial da economia. A necessidade de manter a taxa de câmbio próxima de sua taxa fundamental, embora não seja trivial a sua definição, é necessária por causa das limitações macroeconômicas à intervenção nos fluxos e no mercado cambial.

Tanto fatores domésticos quanto externos são importantes para explicar o comportamento dos fluxos. Os resultados para as variáveis domésticas estão de acordo com a literatura (BAEK, 2006), os fluxos têm impacto no PIB e em câmbio. O comportamento dos fatores atratores de IEC pode estar sendo capturado pelo risco, que influencia os preços dos ativos. Neste aspecto tem de se considerar que o risco é diferente para ativos negociados dentro e fora do país, mesmo que os emissores sejam os mesmos. Apesar disso, ao longo do tempo o risco incorpora o desempenho atual e as expectativas em relação aos fundamentos da economia.

As diferenças encontradas para fluxos agregados e fluxos específicos mostraram que o IEC não é homogêneo, o que implica procurar as especificidades de comportamento dos fluxos desagregados. A reação dos diferentes segmentos às alterações nos fundamentos econômicos deve ser diferente, ao mesmo tempo em que variáveis domésticas sofrem efeito de fluxos específicos e do agregado. Como ilustração, um fluxo específico pode ter efeitos microeconômicos em setores da economia, enquanto o agregado influencia a taxa de câmbio, por exemplo.

Isto coloca uma questão adicional que é a utilização de fluxos externos, por um lado, como financiamento do déficit de conta corrente, uma análise agregada e, por outro lado, a avaliação dos efeitos microeconômicos gerados pelos fluxos. Este último é o caso muito discutido na literatura do efeito dos fluxos sobre o sistema financeiro, não apenas sob o ponto de vista de funding para operações, como também do efeito na competição e sob o aspecto institucional.

Um caminho para a continuidade da pesquisa é verificar os canais pelos quais ocorrem os efeitos dos fluxos, o que inclui utilizar diferentes freqüências de dados e outras variáveis. Exemplos destas extensões seriam a utilização de dados mensais e inclusão da variância das variáveis na análise. Questões relevantes podem ser complementaridade dos mercados de ações e dívida, considerando os benefícios de diversificação e capacidade de endividamento, em um contexto de informação assimétrica e com existência de problemas de agente-principal, seus efeitos sobre o sistema financeiro e a análise do comportamento das firmas neste contexto.

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