sÉrgio pereira dos santos “podemos entrar” ou
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SÉRGIO PEREIRA DOS SANTOS
“PODEMOS ENTRAR” OU “VAMOS ENTRAR”?: AS RELAÇÕES ENTRE PROGRAMA ESCOLA ABERTA E INSTITUIÇÕES
RELIGIOSAS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação, na linha de pesquisa História, Sociedade, Cultura e Políticas Educacionais. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Luiza Mitiko Yshiguro Camacho.
Vitória/ES 2008
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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Santos, Sérgio Pereira dos, 1977- S237p “Podemos entrar” ou “vamos entrar”? : as relações entre Programa
Escola Aberta e instituições religiosas / Sérgio Pereira dos Santos. – 2008.
247 f. : il. Orientadora: Luiza Mitiko Yshiguro Camacho. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito Santo,
Centro de Educação. 1. Programa Escola Aberta. 2. Instituições religiosas e eclesiásticas.
I. Camacho, Luiza Mitiko Yshiguro. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Educação. III. Título.
CDU: 37
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SÉRGIO PEREIRA DOS SANTOS
“PODEMOS ENTRAR” OU “VAMOS ENTRAR”?: AS RELAÇÕES ENTRE PROGRAMA ESCOLA ABERTA E INSTITUIÇÕES
RELIGIOSAS Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação na linha de pesquisa História, Sociedade, Cultura e Políticas Educacionais.
Aprovada em 03 de março de 2008.
COMISSÃO EXAMINADORA _________________________________________ Profª. Drª. Luiza Mitiko Yshiguro Camacho
Universidade Federal do Espírito Santo - UFES Orientadora
_________________________________________ Prof. Dr. Paulo César Rodrigues Carrano Universidade Federal Fluminense - UFF _________________________________________ Prof. Dr. Thimoteo Camacho
Universidade Federal do Espírito Santo - UFES _________________________________________ Profª. Drª. Regina Helena Silva Simões
Universidade Federal do Espírito Santo - UFES
_________________________________________ Profª. Drª. Vania Carvalho de Araújo
Universidade Federal do Espírito Santo - UFES
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Ao meu jovem irmão, José Carlos, (in memoriam), pelo seu grande exemplo de vida, pelo altruísmo e pela esperança de uma sociedade mais justa e igualitária.
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AGRADECIMENTOS
Neste momento de agradecimentos pela realização de um sonho considero oportuno
rememorar uma assertiva clássica de um dos maiores líderes na luta contra o
racismo e a desigualdade social do mundo, Martin Luther King: Eu também sou
vítima de sonhos adiados, de esperanças dilaceradas, mas, apesar disso, eu ainda
tenho um sonho.
Agradeço à minha família, em especial à minha mãe, Maria Pereira, ao meu pai,
João Sarmento, e ao meu tio, João Miguel, que apesar de todos os percalços
sociais, políticos e econômicos, que tiveram de enfrentar para a minha formação,
nunca deixaram os sonhos se ofuscarem, esmorecerem e/ou desaparecerem, pois
sempre me apoiaram e acreditaram no meu potencial.
Agradeço à minha amiga, orientadora e professora, Dr.ª Luiza Mitiko Yshiguro
Camacho, que me ajudou a caminhar pelas trilhas da pesquisa e da vida. Admiro-a
por sua competência profissional, pelo senso de justiça e de esperança por um
mundo melhor, pelo grande empenho e dedicação à profissão docente e à pesquisa
acadêmica. Além da colaboração nesta pesquisa, ajudou-me de forma respeitosa e
carinhosa a continuar a ser um sujeito que pensa e luta por uma nova realidade
menos dura e sem desigualdade social, a ser um sujeito que respeita o outro na sua
totalidade existencial. Com ela aprendi que por detrás de um pesquisador há sempre
um ser humano que sente dores, que sorri, que chora, que sonha, que se entristece,
que transforma, que se decepciona, que se indigna, que cai e se levanta e que,
principalmente, luta!
À minha companheira, Rosalina, que também me fez ver os outros lados da vida.
Nos momentos mais difíceis do mestrado, ela esteve presente, incentivando-me,
opinando e compreendendo os meus dilemas. Obrigado pelos diálogos
efervescentes, pelas análises férteis e por sempre falar que as “impossibilidades”
arquitetadas e forjadas são sempre possíveis.
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A Pollyana do Santos, que me ensinou a ser jovem mesmo eu sendo jovem. Com
ela aprendo muito!
Aos cantores Tom Zé, Chico Buarque, Zé Geraldo, do 14 BIS, Bryan Adams e Tracy
Chapman, que, no intervalo de uma transcrição ou de uma escrita do texto, foram os
meus companheiros nos vários momentos solitários.
Aos meus colegas da linha de pesquisa História, Sociedade, Cultura e Políticas
Educacionais, André Pirola, Charlini Contarato, Daniel Barboza, Marcos Gonçalves,
Maria das Dores, Marluce Simões e Pollyana dos Santos, que foram
importantíssimos para o alargamento da amizade e para o aprendizado acadêmico.
A todos os amigos e amigas que construí ao longo da minha vida, pois com eles
aprendi a ser mais coletivo, menos individual e a conhecer mais as artimanhas, as
belezas, as intempéries e as utopias que a vida nos pode proporcionar.
Aos colegas da Turma 20 do Mestrado em Educação da Ufes, pelos momentos de
aprendizado, pelo diálogo, pela discussão teórica e pelas brincadeiras sábias e
construtivas.
À diretora da Escola Rosa Linda, que mostrou sua grande sensibilidade através da
atenção, do carinho e da confiança com que abriu as portas da Instituição para que
eu tivesse acesso a todos os espaços, dados e pessoas. Isso foi fundamental para a
realização desta pesquisa, visto que em momento nenhum foi colocado algum
empecilho que impossibilitasse o desenvolvimento desta pesquisa.
Aos professores, coordenadoras, pedagogas e estagiárias da escola, que foram
muitos atenciosos e compreensivos para comigo e para o bom andamento da
pesquisa. Aos jovens alunos que me fizeram pensar e viver a juventude com outro
olhar, que me ensinaram a analisar a escola também a partir deles. A todos os
funcionários da Escola, incluídos aqui os da secretaria, os vigilantes, as
merendeiras, as cozinheiras e as auxiliares de serviços gerais, que me receberam
com muita atenção, respeito e carinho.
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À equipe do P.E.A. da Escola Rosa Linda, oficineiras, coordenadora, supervisora,
interlocutora municipal e usuários, pela atenção, pelo carinho, pelo respeito e pelo
bolo que fizeram para comemorar o meu aniversário.
Aos pastores e líderes de jovens das Igrejas, pela atenção e compreensão.
Aos ex-integrantes da Escola Experimental Aberta de 1986, que me atenderam com
toda a atenção e emprestaram as fotografias da época.
Ao professor Thimoteo Camacho, pela sua força e sabedoria e pelo ensinamento de
que uma nova sociedade é possível, de que Marx está mais vivo do que nunca e de
que sempre é possível sonhar e realizar o impossível.
À professora Regina Simões, que sempre me incentivou a caminhar pelo mundo da
pesquisa, de quem tive o prazer de ser aluno na graduação e na iniciação científica,
e que me fez ver que o mestrado era possível.
À professora Vania Carvalho, pelas ricas contribuições no processo dessa pesquisa.
Ao professor Hiran Pinel, pela sua alegria e pelas valiosíssimas informações acerca
da Escola Experimental Aberta, que funcionou em 1986, no Espírito Santo.
A todos os professores e funcionários do PPGE.
À CAPES, que me concedeu uma bolsa para a realização deste trabalho,
possibilitando dedicação total aos estudos e ao desenvolvimento da pesquisa no
País.
À minha amiga Úrsula Cândida Rola, pela assistência na realização do grupo focal
com os sujeitos do P.E.A. E ao meu amigo Allan Menegassi Zocolotto, pela
assistência na realização do grupo focal com os sujeitos da Escola Rosa Linda,
assim como pela transcrição da entrevista grupal.
A Martha e a Maria de Lourdes que se dedicaram na correção gramatical deste
trabalho.
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Ao Lenílson, da Gráfica da Ufes, pela atenção e consideração no processo da
encardenação final da dissertação.
Ao meu amigo Zé Luiz, da Imprimais, pela força, compreensão e amizade que
consegui e que desenvolvemos ao logo do mestrado.
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Chegou o fim de semana... Se alguém quiser confusão, não vem! Não é comigo, não! É isso que a gente quer, eu quero é diversão... Sem violência, fim de semana é diversão! Fim de semana na moral, tranqüilidade... é isso que a gente quer!
(Banda Nocaute)
[A religião] é uma concepção fantástica do ser humano na medida em que o ser humano não possui nenhuma realidade verdadeira. Por conseguinte, a luta contra a religião é indiretamente uma luta contra aquele mundo cujo aroma espiritual é a religião. O sofrimento religioso é ao mesmo tempo uma expressão do sofrimento real e um protesto contra o sofrimento real. A religião é o gemido da criatura oprimida, o modo de sentir de um mundo sem coração e a alma de circunstâncias destituídas de alma. É o ópio do povo.
(Karl Marx)
Se o mundo deve conter um espaço público, não pode ser construído apenas para uma geração e planejado somente para os que estão vivos; deve transcender a duração da vida de homens mortais. Sem essa transcendência para uma potencial imortalidade terrena, nenhuma política, no sentido restrito do termo, nenhum mundo comum e nenhuma esfera pública são possíveis. [...] O mundo comum é aquilo que adentramos ao nascer e que deixamos para trás quando morremos. Transcende a duração de nossa vida tanto no passado quanto no futuro: preexistia à nossa chegada e sobreviverá à nossa breve permanência.
(Hannah Arendt)
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RESUMO
Este estudo analisa o Programa Escola Aberta (P.E.A.) de uma escola da Rede
Municipal de Ensino de Vitória/ES. Desenvolve-se no decorrer das atividades do
P.E.A., aos sábados e domingos, assim como durante as atividades escolares
regulares da semana. Propõe-se observar a relação entre o P.E.A. e escola regular,
entre os objetivos do Programa e as práticas que acontecem na dinâmica da escola,
bem como as formas de utilização do espaço escolar pelos interessados,
principalmente por instituições religiosas. Realiza estudos sobre juventude, políticas
públicas de juventude, em decorrência de elas integrarem o escopo do P.E.A., visto
tratar-se de uma ação governamental voltada principalmente para jovens em
situação de vulnerabilidade social. Analisa também as questões da religião e dos
espaços públicos e privados, ou seja, o porquê de instituições religiosas atuarem em
concomitância com as atividades do P.E.A., utilizando o mesmo espaço. Utiliza
abordagens metodológicas qualitativas e quantitativas e, como instrumento de coleta
de dados, a observação participante, entrevistas semi-estruturadas, questionários,
grupos focais e fotografias. O presente estudo evidencia uma desconexão entre o
Programa e as atividades da escola. Constata que os objetivos plurais e
democráticos esboçados na proposta do P.E.A. se desvinculam na efetivação do
processo, pois há ações específicas de instituições religiosas que terminam por
provocar processos excludentes, discriminatórios, alienantes e conservadores. Isso
leva ao desvirtuamento de uma política de juventude, pois as demandas juvenis são
descartadas. Conclui que a escola regular se mostra “aberta” devido às suas ações
democráticas, como a de se “abrir” para os moradores, inclusive para quaisquer
instituições religiosas, enquanto o Programa Escola Aberta tende a se fechar ao
abrir para as Igrejas que acabam privatizando um espaço público.
Palavras-chave: Programa Escola Aberta. Instituições religiosas. Espaços público e
privado.
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ABSTRACT
This study analyzes the Open School Program (P.E.A.) of a Municipal school in
Vitória/ES. It develops itself in the activities of P.E.A., on Saturdays and Sundays, as
well as during the regular school activities of the week. It intends to observe the
relationship between the P.E.A. and the regular school, amongst the objectives of the
Program and the practices that happen in the dynamics of the school, as well as the
forms of using the school space by the interested parties, mainly by religious
institutions. It performs studies with the youth, youth's public policy due to they
integrate the scope of P.E.A., being the government action aiming mainly youths in
social vulnerability situation. It also analyzes the religion subjects and the public and
private spaces, in other words, the reason of religious institutions act in
concomitance with the activities of P.E.A., using the same space. It uses qualitative
and quantitative methodological approaches and the instrument of data collection,
the participant observation, semi-structured interviews, questionnaires, focal groups
and pictures. The present study evidences a disconnection between the Program
and the activities of the school. It verifies that the plural and democratic objectives
sketched in the proposal of P.E.A divested in the accomplishment of the process,
because there are specific actions of religious institutions that end up provoking
excluding processes, discriminatory, alienating and conservative process. That takes
to the misunderstanding of the youth policy, because the juvenile demands are
discarded. It concludes that the regular school shows itself “open” because of its
democratic actions, as to open itself to the residents, also for any religious
institutions, while the “Open School Program” tends to close when opening to
Churches that end up privatizing the public space.
Key-Words: Open School Programs. Religious Institutions. Public and Private
spaces.
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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..................................................................................................... p. 15 CAPÍTULO 1 CAMINHOS METODOLÓGICOS ........................................................................ p. 20 1.1 DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA .......................................................... p. 20 CAPÍTULO 2 REFERENCIAL DE ANÁLISE ............................................................................. p. 28 2.1 “QUE JUVENTUDE É ESSA”? ....................................................................... p. 28 2.1.1 JUVENTUDES E ESCOLA .......................................................................... p. 32 2.1.2 JUVENTUDES, TEMPO LIVRE E LAZER .................................................. p. 35 2.2 POLÍTICAS PÚBLICAS DE JUVENTUDE ..................................................... p. 38 2.3 COMO ANDA A RELIGIÃO? .......................................................................... p. 43 2.3.1 JUVENTUDES E RELIGIÕES: CAMINHOS E DESENCONTROS ............. p. 52 2.4 A CONSTITUIÇÃO DO SOCIAL NO ESPAÇO PÚBLICO E NO ESPAÇO PRIVADO ............................................................................................................. p. 59 CAPÍTULO 3 POR DENTRO DO ESPAÇO DA INVESTIGAÇÃO ............................................ p. 66 3.1 O ENTORNO DA ESCOLA ROSA LINDA: O BAIRRO MARIA ORTIZ ...........p. 66 3.2 ESTAMOS ENTRANDO: A ESCOLA ROSA LINDA....................................... p. 76 CAPÍTULO 4 O PROGRAMA ESCOLA ABERTA: DA PROPOSTA À REALIDADE .............................................................................................................................. p. 96 4.1 O PROGRAMA ESCOLA ABERTA ................................................................ p. 96 4.2 POR DENTRO E POR FORA DO PROGRAMA ESCOLA ABERTA DA ESCOLA ROSA LINDA ........................................................................................................ p. 99 CAPÍTULO 5 AS RELAÇÕES ENTRE O PROGRAMA ESCOLA ABERTA E AS INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS ..................................................................................................... p. 116 5.1 A DISPUTA POR ESPAÇO E A AUSÊNCIA DE “NÓS”: O EVENTO DA IGREJA BATISTA NO DIA DAS ATIVIDADES DO PROGRAMA ESCOLA ABERTA DA ESCOLA ROSA LINDA ...................................................................................... p. 116 5.1.1 “PODEMOS ENTRAR?”: A INSERÇÃO DA IGREJA BATISTA E DE JOVENS RELIGIOSOS NAS ATIVIDADES DO PROGRAMA ESCOLA ABERTA DA ESCOLA ROSA LINDA ...................................................................................................... p. 123 5.2 A IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS E O SEU GRUPO DE JOVENS
............................................................................................................................. p. 136
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5.2.1 “ESTAMOS LIBERADOS!”: A INSERÇÃO E AS ESTRATÉGIAS DO GRUPO DE JOVENS DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS NO PROGRAMA ESCOLA ABERTA DA ESCOLA ROSA LINDA ................................................. p. 142 5.3 A IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA E O SEU CLUBE DE DESBRAVADORES ........................................................................................... p. 151 5.3.1 “ESTAMOS AUTORIZADOS!”: A INSERÇÃO E AS ESTRATÉGIAS DO CLUBE DE DESBRAVADORES NO PROGRAMA ESCOLA ABERTA DA ESCOLA ROSA LINDA ................................................................................................................. p. 161 5.3.2 “ESTOU NO ESCOLA ABERTA?” AS ATIVIDADES DO CLUBÃO NO PROGRAMA ESCOLA ABERTA DA ESCOLA ROSA LINDA ........................... p. 171 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ p. 175 7 REFERÊNCIAS ............................................................................................... p. 179 8 APÊNDICES.................................................................................................... p. 189 APÊNDICE 1 – Roteiro de Observação........................................................... p. 189 APÊNDICE 2 – Questionários .......................................................................... p. 190 Alunos da Escola Rosa Linda ............................................................................. p. 190 Professores da Escola Rosa Linda .................................................................... p. 191 APÊNDICE 3 – Roteiro de Entrevistas Coordenadora da Unidade Local do Escola Aberta ........................................... p. 192 Interlocutora Municipal do Programa Escola Aberta .......................................... p. 193 Coordenadora do Programa Escola Aberta da Escola Rosa Linda ................... p. 194 Professora Comunitária do Programa Escola Aberta Escola Rosa Linda ............................................................................................................................. p. 195 Oficineiros do Programa Escola Aberta da Escola Rosa Linda ......................... p. 196 Diretora da Escola Rosa Linda ........................................................................... p. 197 Coordenadora da Escola Rosa Linda ................................................................. p. 198 Vigilante da Escola Rosa Linda .......................................................................... p. 199 Diretora da Escola Experimental Aberta da década de 1980 ............................ p. 200 Ex-aluno da Escola Experimental Aberta da década de 1980 ........................... p. 201 Pastor da Igreja Universal do Reino de Deus .................................................... p. 202 Líder de Jovens da Igreja Universal do Reino de Deus ..................................... p. 203 Pastor da Igreja Adventista do Sétimo Dia ......................................................... p. 204 Diretoras do Clube de Desbravadores da Igreja Adventista do Sétimo Dia ....... p. 205 Pastor da Igreja Batista ...................................................................................... p. 206 Coordenadora de Execução do Luar da Igreja Batista ...................................... p. 207 Líder Comunitária do Bairro Maria Ortiz ............................................................. p. 208 Moradora do Bairro Maria Ortiz .......................................................................... p. 209
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Crianças do Programa Escola Aberta da Escola Rosa Linda no dia do evento Luar da Igreja Batista .................................................................................................. p. 210 APÊNDICE 4 – Roteiro de Grupo Focal .......................................................... p. 211 Alunos da Escola Rosa Linda ............................................................................. p. 211 Usuários do Programa Escola Aberta da Escola Rosa Linda ............................ p. 212 APÊNDICE 5 – Texto sobre a Escola Experimental Aberta .......................... p. 213 9 ANEXOS ......................................................................................................... p. 219 ANEXO 1 Portaria E nº 2.226 da Escola Experimental Aberta de 1986 ............................. p. 219 ANEXO 2 Resolução C/D/FNDE Nº 052 do Programa Escola Aberta ............................... p. 220 ANEXO 3 Termo de Adesão do Programa Escola Aberta – Diretora ................................. p. 223 ANEXO 4 Cadastro do Coordenador-Interlocutor do Programa Escola Aberta ................. p. 224 ANEXO 5 Termo de Compromisso para o financiamento do Programa Escola Aberta ..... p. 225 ANEXO 6 Termo de Responsabilidade da Igreja Batista .................................................... p. 226 ANEXO 7 Proposta de Organização do “Luar” da Igreja Batista ........................................ p. 228 ANEXO 8 Portaria nº 020/2005 sobre a concessão das Escolas Municipais de Vitória/ES............................................................................................................. p. 233 ANEXO 9 Manuais das Classes Regulares do Clube de Desbravadores .......................... p. 237 ANEXO 10 Ofício de Solicitação da Escola Rosa Linda pela Igreja Adventista ................... p. 243 ANEXO 11 Termo de Responsabilidade da Igreja Adventista de concessão da escola ...... p. 244 ANEXO 12 Relatório de Registro Semanal do Supervisor do P.E.A .................................... p. 246 ANEXO 13 Relatório de Registro Semana do Coordenador Escolar do P.E.A .................... p. 247
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INTRODUÇÃO
Quando se abre uma escola, fecha-se uma prisão.
(Vitor Hugo)
O Mapa da Violência 20061 indica que o Brasil é o primeiro país do mundo em
homicídios por armas de fogo entre jovens de 15 a 24 anos, com uma taxa de 43,1
mortes por 100 mil habitantes no ano 2000. Dados como esses mostram que os
jovens, principalmente os pobres, ocupam na sociedade um “não-lugar”, que apenas
é visível pelo “risco” e pela “ameaça” provocados no contexto da sociedade
(SPOSITO; SILVA; SOUZA, 2006).
Muitas pesquisas da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a
Cultura (UNESCO) também, ao mesmo tempo em que indicam que os jovens são
mais vítimas do que agentes da violência, ou que estão mais vulneráveis às ações
de perigo nos finais de semana, propõem, através deles próprios, atividades e ações
que supram a ausência de espaços e oportunidades de ações culturais, sociais e de
lazer.
Nesse sentido, o Programa Escola Aberta (P.E.A.) surge como uma maneira de lidar
com problemas de ordem estrutural e social, como, por exemplo, a violência. Mas,
ao mesmo tempo, ele se configura num mecanismo de se estreitar as relações entre
a escola e os moradores do bairro a ela circunscrito e de possibilitar espaços,
equipamentos de lazer e cultura, principalmente para os jovens que não têm
nenhum ou têm pouco acesso a isso. Nesse sentido, o Programa atinge de forma
mais evidente os jovens pobres, destituídos de direitos e de serviços básicos, o que
indica uma grande ausência do Poder Público na efetivação e garantia de direitos
fundamentais de existência.
A forma como o objeto de estudo foi escolhido é justificada pelas nossas reflexões e
vivências educacionais e sociais como estudante e educador. Desse modo,
concordamos com Demo (2001) quando diz que, ao ser ator social, o pesquisador é
1 Ver Folha de S. Paulo, 17/11/2006.
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fenômeno político na pesquisa, traduzindo, sobretudo, tanto os interesses que
mobilizam os confrontos, quanto aqueles aos quais serve. Isso pressupõe pensar a
pesquisa sempre como fenômeno político, mas nunca se desfazendo do todo, por
mais que seja contida por sofisticação técnica e se “mascare de neutra”. Assim, o
pesquisador, ressalta o autor, não se restringe apenas àquele acumulador de dados
mensurados, mas diz respeito principalmente a quem nunca se isenta nem desiste
de questionar a realidade social, considerando que qualquer conhecimento é apenas
“recorte”.
O presente estudo também tem como justificativa o fato relevante de que ele
proporcionará a problematização de um programa de governo que tem pouca
avaliação sobre a interferência social, por ser uma ação política relativamente nova,
iniciada com seu atual formato em 2004, e por alargar a discussão sobre programas
desse mote de forma a desnaturalizar conceitos, teorias e práticas sociais rumo a
uma perspectiva analítica que propicia uma compreensão desafiadora que abarque
as dimensões estruturais da sociedade na qual o assunto é tratado. Possivelmente,
o estudo, colocado como desafio sobre o P.E.A. de uma escola do município de
Vitória/ES, possibilitará o levantamento de pistas para se repensar as políticas
sociais dos órgãos responsáveis por esse Programa, ao evidenciar propostas que
ultrapassem as dificuldades diante das problemáticas sociais que abrange.
Outra razão que justifica a análise do P.E.A. são alguns indicativos de pesquisa2 da
UNESCO. De acordo com Abramovay e Rua (2002), quando a UNESCO analisa o
programa Abrindo Espaços: Educação e Cultura para a Paz, criado por ela, tenta
compreender as violências que envolvem os jovens brasileiros, seja como vítimas,
seja como agentes diretos desses fenômenos. A Instituição constata um aumento no
número de agressões e de criminalidade entre os jovens, principalmente nos finais
de semana, quando os próprios jovens alegam a ausência de opções de espaços e
a falta de oportunidade de participar em atividades culturais e sociais.
2 Sobre pesquisas da Unesco acerca de aberturas de escolas nos finais de semana ver Abramovay (et all, 2001) e Abramovay & Rua (2002).
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Assim, como resposta a esse problema social, a Instituição sugere, aponta e justifica
a abertura3 das escolas nos finais de semana, baseando-se na redução do número
de mortes violentas de jovens nos bairros onde as instituições escolares ficam
abertas aos sábados e domingos, propiciando para eles atividades esportivas,
artísticas e culturais e a construção de uma Cultura de Paz. Isso possibilitaria
também uma aproximação e envolvimento dos moradores do bairro, da família e dos
jovens com a instituição. Sobre a proposta de abertura das escolas nos finais de
semana, temos: A UNESCO advoga uma estratégia pelo fomento de um Programa Nacional de Abertura das Escolas nos finais de semana e a disponibilização de espaços alternativos que possam atrair os jovens, colaborando para a reversão do quadro de violência e construção de espaços de cidadania. Tal estratégia nasce da observação da UNESCO de experiências bem sucedidas nos Estados Unidos, França, Espanha e outros países com desenho similar e onde o trabalho com jovens nas dimensões artísticas, culturais e esportivas constituíram excelente forma de prevenção da violência (UNESCO apud ABRAMOVAY et all. 2001, p. 22, grifos nossos).
Almeida (2005), ao considerar a justificativa da UNESCO supracitada, indica uma
outra que a complementa, a qual seria a constituição do vínculo da escola e seus
educadores com os jovens que participam e freqüentam a instituição nos finais de
semana, criando dessa forma uma possibilidade de humanização das relações
cotidianas e de efetivação da melhoria da qualidade social da educação.
Desse modo, o presente estudo tenta ressaltar a importância social do tema e da
discussão, já que o P.E.A. busca, de certa forma, lidar com problemas sociais, como
a violência, constituindo assim formas de se pensar até que ponto essa iniciativa
pode enfrentá-los.
A idéia de Vitor Hugo transcrita acima está um pouco presente na concepção de
programas como o P.E.A. Além de considerar a importância da escola na sociedade
como uma instituição social promotora de processos democráticos, cidadãos e
transformadores, tal concepção reconhece uma idéia muito presente na sociedade
3 Sobre experiências de aberturas de escolas nos finais de semana ramificadas do programa Abrindo Espaços: Educação e Cultura para a Paz, têm-se o Projeto Escola de Paz no Rio de Janeiro (RJ), de parceria da UNESCO com o Estado do RJ; o Programa Abrindo Espaços no Mato Grosso; e o Programa Escola Aberta, em Pernambuco, Espírito Santo e outros estados (ABRAMOVAY; RUA, 2002).
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de ver a escola como espaço eminente de controle, de “ocultação” ou fugas de
responsabilidades e de problemas sociais amplos que ultrapassam a alçada dessa
instituição.
Esta pesquisa teve como objetivos iniciais: analisar a relação entre o P.E.A. e a
escola regular; relacionar os objetivos do P.E.A. com as práticas que acontecem na
dinâmica do Programa na escola; analisar as formas de utilização do espaço escolar
pelos interessados. Entretanto, a pesquisa de campo indicou para a necessidade de
um olhar especial e aprofundado para a utilização do espaço escolar pelas
instituições religiosas.
Desse modo, esta dissertação contém cinco capítulos, além da Introdução e das
Referências.
No primeiro capítulo, constam os caminhos metodológicos percorridos na pesquisa.
É nele que há a definição dos sujeitos pesquisados e a explicação dos métodos e
técnicas de pesquisa utilizadas.
No segundo capítulo, apresentamos o espaço onde a pesquisa aconteceu, a Escola
Rosa Linda e o Bairro Maria Ortiz, local em que essa instituição escolar está
inserida. Estabelecemos uma estreita relação entre as características físicas e
estruturais do Bairro, da escola e de seus sujeitos, com a tomada de decisão de
implantação do P.E.A. na localidade e na instituição educacional.
No terceiro capítulo, mostramos os caminhos e as categorias teóricas relacionadas
ao entendimento do P.E.A. Dentre eles, discutiremos o entendimento das
concepções de juventude, das políticas públicas de juventude, dos espaços públicos
e privados e do fenômeno da religião, visto também que esta foi uma peculiaridade
na dinâmica das atividades do P.E.A. da Escola Rosa Linda.
No quarto capítulo, apresentamos o P.E.A. por meio de seus objetivos e metas no
contexto da sociedade brasileira. Nesse momento, fazemos menção a uma das
primeiras experiências brasileiras de se “abrir” a escola no Brasil, que foi a Escola
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Experimental Aberta do ano de 1986, que aconteceu especificamente em Vitória,
capital do estado do Espírito Santo.
Já no quinto e último capítulo, apresentamos e discutimos a dinâmica do P.E.A. na
Escola Rosa Linda, através de suas atividades, traços, especificidades e os seus
subterfúgios. A partir daí, analisamos o tipo de relação que se estabelece entre o
Programa, a organização e a dinâmica da escola regular. Fazemos também, nesse
capítulo, a análise das ações de diferentes igrejas evangélicas com os participantes
do P.E.A., entre elas a Igreja Batista, a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e
a Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD). Assim optamos por evidenciar e dar
primazia na análise da utilização paralela do P.E.A. pelas igrejas, já que foi uma
realidade muito vivida no quotidiano das atividades desse Programa na Escola Rosa
Linda. Nisso, a análise da inserção de instituições religiosas dentro das atividades
do P.E.A. necessitou da discussão do sentido do público, dos espaços democráticos
e plurais existentes na sociedade e do sentido de uma concepção educativa que
supere relações excludentes, limitadoras e usurpadora dos direitos do cidadão.
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CAPÍTULO 1
CAMINHOS METODOLÓGICOS
1.1 DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA
O estudo desenvolvido teve como característica principal a pesquisa de cunho
qualitativo. No entanto, utilizamos, no decorrer da investigação, dados estatísticos,
por meio de instrumentos da pesquisa quantitativa. Assim, consideramos as duas
abordagens de pesquisa, a qualitativa e quantitativa, como complementares e não
como dicotômicas. Escolhemos como foco principal a pesquisa qualitativa em
decorrência da necessidade de se perceber a realidade social, política e escolar dos
jovens a partir deles próprios e dos seus familiares, dos professores, e dos
coordenadores do P.E.A de uma escola de ensino fundamental do município de
Vitória/ES. Nesse sentido, a abordagem qualitativa em pesquisa preenche uma
lacuna deixada pelos métodos quantitativos, não sendo estes menos importantes, ao
captar e perceber, no âmago e na essência, o universo de significados das ações e
inferências humanas (MINAYO, 2000).
Richardson (1999, p. 80) delineia:
Os estudos que empregam uma metodologia qualitativa podem descrever a complexidade de determinado problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais, contribuir no processo de mudança de determinado grupo e possibilitar, em maior nível de profundidade, o entendimento das particularidades do comportamento dos indivíduos.
Uma abordagem qualitativa pressupõe a necessidade de utilização de instrumentos
de pesquisa que permitam compreender as concepções educativas instituídas e
instituintes; a explicitação de demandas e necessidades juvenis perante a escola e a
relação desta com os jovens no que se refere ao atendimento ou não dessa
instituição às peculiaridades juvenis; a explicitação das ineficiências das ações do
Estado, a partir do cotidiano dos jovens na escola; a evidenciação, a partir também
dos jovens, de propostas macroestruturais para atender suas demandas. Nesse
sentido, a abordagem qualitativa possibilita uma ampla compreensão do real, em
21
sua dimensão macro ou micro. Por isso, justifica-se a importância dessa perspectiva
de pesquisa na análise e entendimento do presente estudo.
A instituição proposta para a análise do P.E.A. foi uma unidade escolar da Rede
Municipal de Ensino da cidade de Vitória/ES, situada no Bairro Maria Ortiz.
Escolhemos essa escola pelo fato de localizar-se numa região periférica, onde o
fenômeno da violência e do uso de drogas também é evidenciado. Por ser um bairro
popular, será de extrema relevância perceber as perspectivas, necessidades e
demandas dos jovens de modo que possamos ou não articulá-las com a proposta e
objetivos do P.E.A. Escolhemos também essa escola pelo fato de ser uma das
primeiras4 a ofertar o P.E.A. no município de Vitória/ES, portanto já tinha uma
pequena experiência quanto ao desenvolvimento das atividades.
O período da pesquisa in locus foi de janeiro de 2007 a maio de 2007. Três visitas
foram feitas após esse período para coletar alguns dados de documentos de que a
análise necessitou.
A pesquisa ocorreu durante a semana, nas atividades da escola regular, e durante o
final de semana, na ocorrência e no decorrer das oficinas do P.E.A.5 Desse modo,
os instrumentos de pesquisa, além de terem sido aplicados nos dias em que
aconteceram as atividades do P.E.A., sábados e domingos, foram também aplicados
no decorrer das atividades escolares regulares da Escola Rosa Linda, durante a
semana, de segunda a sexta-feira, no turno matutino, das 7h às 11h30min. No
entanto, quando ocorriam eventos no turno vespertino, ou até no noturno, estivemos
presente, como nas aulas de Inglês e nas reuniões de pais, que ocorriam no período
da tarde, também nas aulas de basquete e na inauguração da biblioteca, que
aconteciam no noturno.
4 A proposta inicial do P.E.A., em 2004, era atingir as capitais que apresentassem altos índices de violência e de “vulnerabilidade social”, e, a partir disso, direcionar o projeto a bairro que apresentasse tais características. Mas, no decorrer dos anos, em alguns estados brasileiros, o P.E.A. passou a atingir cidades que não são capitais. 5 Ao longo da pesquisa, não conceberemos a escola e o P.E.A. como paralelos ou desconexos, no sentido de que um está relacionado ao outro, já que o Programa está dentro da escola, e a escola está dentro do Programa, mesmo que as ações, as concepções e práticas institucionais e/ou dos sujeitos suscitam uma dicotomia entre ambos.
22
O ato de a pesquisa ter sido feita tanto durante a semana quanto aos sábados e
domingos, mesmo considerando que o nosso objeto de estudo acontecia apenas
nos finais de semana, foi de extrema relevância e pertinência, para se ter uma visão
geral e minuciosa do P.E.A. na dinâmica da escola, assim como para perceber e
compreender o tipo de relação que a escola estabelecia com o Programa. Nossa
presença diária e constante na escola, como pesquisador, gerava estranhamentos
dos sujeitos:
“Você só falta trazer o colchão e dormir aqui”6; “Você de novo aqui”7; “Você dormiu na escola ontem?”8; “Esse menino foi contratado pela minha tia para me vigiar; ele não ‘sai do meu pé’, até aqui ele está!”9
A pesquisa consistiu de três fases com a aplicação de instrumentos de pesquisa que
se complementaram efetivamente. Primeiramente, foi realizada a observação
participante (APÊNDICE 1) juntamente com registros fotográficos10 esporádicos;
depois aplicaram-se os questionários semi-abertos, as entrevistas semi-estruturadas
e os grupos focais; finalizando, foi feita a análise dos dados coletados e a
elaboração da dissertação.
A observação participante foi muito importante para a compreensão do objeto de
estudo, uma vez que proporcionou um contato maior com os sujeitos envolvidos no
P.E.A. e na escola, de modo a evidenciar as particularidades, as minúcias, os
gestos, as vozes, os símbolos de modo mais integral e constante. Para Richardson
(1999, p. 217), a observação participante tem como relevância o fato de que
[…] o observador não é apenas um espectador do fato que está sendo estudado, ele se coloca na posição e ao nível dos outros elementos
6 Fala (retirada das anotações das observações) de uma aluna da 7ª série da escola, participante do projeto de basquete da sexta-feira à noite, que estava presente nas atividades do P.E.A. no sábado, dia 10/3/2007. 7 Fala (retirada das anotações das observações) de um aluno da 8ª série presente nas atividades do P.E.A. no domingo, dia 18/3/2007. 8 Fala (retirada das anotações das observações) de um aluno da 7ª série que participa das atividades do projeto de basquete na escola, na terça-feira à noite, dia 17/4/2007. 9 Fala (retirada das anotações das observações) de uma aluna da 7ª série que nos encontrou no dia em que estávamos fazendo observação da estrutura e organização do Bairro na tarde de sexta-feira do dia 20/4/2007. 10 Utilizamos à fotografia como um mecanismo que nos auxiliaria ao longo do desenvolvimento desta pesquisa para ser mais uma ferramenta de análise. Sendo assim não a consideramos como uma técnica de pesquisa, apesar de ser muito importante para a compreensão de uma dada realidade.
23
humanos que compõem o fenômeno a ser observado. […] Este tipo de observação é recomendado especialmente para estudos de grupos e comunidades. O observador participante tem mais condições de compreender os hábitos, atitudes, interesses, relações pessoais e características da vida diária da comunidade do que o observador não participante.
No decorrer da semana, foram observados os seguintes eventos, espaços e/ou
documentos da/na escola: entrada e saída dos alunos; salas de aula da (6ª, 7ª e 8ª
séries); recreio; reuniões de pais; quadra de esportes; refeitório; laboratório de
informática; secretaria da escola; biblioteca; aulas de basquete; sala dos professores
na hora do recreio; sala da coordenação; sala das pedagogas; aulas de Inglês no
turno vespertino da turma da 8.ª; comemorações da escola (o Grito de Carnaval, a
Páscoa, o Dia da Mulher, entre outras); inauguração da biblioteca; reuniões de
formação continuada de professores; reuniões do Conselho de Escola; eleição do
conselho de escola, censo escolar; projeto político pedagógico (PPP) e outros
documentos. Priorizamos, quanto às observações nas salas de aula, as turmas da 8ª
série na quais ficamos por três meses, porque os sujeitos manifestavam
comportamentos mais juvenis. No mês restante, as observações foram mistas: uma
parte na 6ª e a outra na 7ª série.
Já durante as atividades do P.E.A., foram priorizadas todas as oficinas e dinâmicas
do Programa. Isso incluía as atividades que ocorriam no refeitório, nas salas, no
pátio, nas quadras e em outros locais. Para além das atividades do P.E.A. que
ocorriam na escola, foram também acompanhados eventos e/ou reuniões
relacionados a esse Programa, promovidos pelo Departamento do P.E.A. da
Prefeitura Municipal de Vitória/ES. Alguns exemplos de eventos acompanhados por
nós foram o I Seminário Regional do P.E.A. do ES – Planejamento Estratégico, que
aconteceu nos dias 3 e 4 de março de 2007, e as reuniões direcionadas para
oficineiros e professor comunitário e outros sujeitos do P.E.A. Deu-se também, no
decorrer da pesquisa, atenção aos noticiários e documentos divulgados, seja pela
mídia, seja pelos órgãos responsáveis pelo Programa.
No decorrer das atividades semanais da escola regular, quanto aos acontecimentos
do P.E.A., aos sábados e domingos, investigamos e coletamos também dados
relativos ao Bairro. Foram necessárias várias caminhadas e fotografias para
conhecê-lo, bem como anotações sobre a estrutura física, cultural, esportiva,
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comercial, religiosa, social, artística do Bairro. Essa coleta de dados foi feita também
através de pesquisa documental e bibliográfica e de conversas informais com
moradores alunos e não alunos da Escola Rosa Linda. De forma semi-estruturada,
foram feitas duas entrevistas, uma com a líder comunitária do Bairro Maria Ortiz e a
outra com uma moradora dessa localidade.
Foram aplicados 42 questionários semi-abertos, por amostragem, aos professores e
à equipe técnica da escola para verificar o conhecimento desses sujeitos sobre o
P.E.A., como também a participação ou não deles nesse Programa. Quanto aos
alunos de 5ª a 8ª séries do turno matutino, foram aplicados, na totalidade, 210
questionários para investigar a participação ou não deles no P.E.A, assim como as
razões de tais situações.
A entrevista semi-estruturada (APÊNDICE 3) é um instrumento de pesquisa que
contém perguntas fechadas e abertas, estas menos direcionadas, para que o
entrevistado fale livremente sobre o tema proposto. Esse instrumento de pesquisa é
importante para uma compreensão ampla e profunda do objeto de estudo, pois seu
conteúdo possibilita, de acordo com Pais (1993, p. 82), confrontar diferenças,
similaridades e graus de consistências entre os vários indicadores selecionados,
considerando que “[...] o ‘entre-vistado” acaba sempre sendo visto por entre névoas
encobridoras do que pretendemos entrever”.
Para esse autor, a entrevista pressupõe ir até ao desconhecido, ao “não visto” ou
apenas ao “entrevisto”. Este constitui-se no que é visto de forma imperfeita, o
“malvisado” ou circunscrito apenas no que pode ser “previsto” ou “pressentido”. O
autor pondera, acerca desse instrumento de pesquisa, que os conteúdos dele
oriundos não explicitarão a realidade completa dos sujeitos, a maneira pela qual eles
a constroem, porque muitas vezes é ocultada e encoberta. No entanto, Pais (1993,
p. 83) evidencia que “[...] um dos objectivos da análise de conteúdo é justamente o
de des-cobrir, des-ocultar essa ‘realidade’ através de complexos processos de
reconstrução a partir da ‘matéria-prima’ informativa que as entrevistas constituem”.
Assim, as entrevistas individuais e grupais (grupos focais) foram aplicadas aos
sujeitos da escola como outro mecanismo complementador da compreensão do
25
objeto de estudo, juntamente com a observação participante, os questionários e as
fotografias. Uma das entrevistas individuais foi aplicada à diretora da Escola Rosa
Linda e outra a uma das coordenadoras do turno matutino da Instituição. Quanto aos
sujeitos integrantes ou participantes do P.E.A., ou seja, usuários, oficineiras,
coordenadora do P.E.A., professora comunitária, interlocutora municipal do P.E.A. e
Coordenadora Estadual da Unidade Local do Escola Aberta (ULE), foram aplicadas
entrevistas individuais semi-estruturadas.
Para conhecermos um pouco da história da primeira experiência da abertura de
escolas no estado do Espírito Santo, como a Escola Experimental Aberta de 1986
(APÊNDICE 5), foi aplicada uma entrevista semi-estruturada à então diretora dessa
experiência, como também a um ex-participante dessa iniciativa estadual.
Após cem dias de “saída” do locus da pesquisa e já efetivada a análise das
observações e das entrevistas transcritas, houve necessidade de voltar ao campo. A
inserção de igrejas evangélicas foi uma situação que envolveu as ações observadas
e analisadas a partir da dinâmica das atividades do P.E.A. da Escola Rosa Linda.
Assim, três Igrejas foram objetos de estudo, a saber: a Igreja Batista, a Igreja
Adventista do Sétimo Dia e a Igreja Universal do Reino de Deus.
Antes da volta ao campo, já tínhamos realizado entrevistas individuais com uma das
líderes de jovens da Igreja Universal e duas com as diretoras do Clube de
Desbravadores “Cordilheira dos Anjos”, da Igreja Adventista do Sétimo Dia. A volta
ao campo foi necessária para a realização de entrevistas individuais com os
pastores das três Igrejas, como também com a integrante do ministério de
administração da Igreja Batista, que foi, no dia da ocorrência do Luar11 na escola, a
coordenadora de execução desse evento. Antes das entrevistas com os pastores,
assistimos aos cultos de cada instituição religiosa. Como veremos mais adiante, o
pastor da Igreja Universal, à qual pertence o grupo de jovens que participam das
atividades do P.E.A. da Escola Rosa Linda, não foi entrevistado devido à estrutura
11 O Luar (Louvor, Unção e Arte) foi o evento organizado pela Igreja Batista do bairro vizinho ao Maria Ortiz, na Escola Rosa Linda, no dia das atividades do P.E.A. Ele compreendia a realização do Seminário de Capacitação à Adoração, que incluía oficinas de instrumentos musicais, danças e cultos evangélicos, entre outras atividades.
26
hierárquica e vertical dessa Igreja. No seu lugar, foi entrevistado o pastor do Templo
Central.
Quanto aos grupos focais, foram realizados dois: um composto por jovens
matriculados na escola regular e outro por jovens usuários que freqüentam o P.E.A.
e participam esporadicamente das atividades promovidas pelo Programa.
Kitzinger apud Gatti (2005) explica que o grupo focal foi mencionado primeiramente
como técnica de pesquisa de marketing na década de 1920 e utilizado por R. Merton
nos anos de 1950, para analisar a relação das pessoas com a propaganda de
guerra. De acordo com a autora, nos anos de 1970 a 1980 foi muito comum a
utilização de grupos de discussão como fonte de informação em áreas muito
específicas, como na comunicação, na avaliação de materiais diversos e de
serviços, em estudos sobre recepção de programas de TV, de filmes, ou em
processos de pesquisa-ação. No entanto essa técnica não se desenvolveu de modo
sistemático por muito tempo nas Ciências Sociais em geral, embora se utilizassem
grupos focais para levantamento de “nichos” de pesquisa. O uso do grupo focal
como modo sistemático veio de fato ocorrer próximo ao final do século XX, com a
redescoberta desse instrumento de pesquisa no início da década de 1980, uma vez
que cresceu a preocupação de se adaptar essa técnica ao uso na investigação
cientifica.
Para Gatti (2005), o grupo focal constitui-se numa entrevista em grupo, que pode ser
composto de seis a dez integrantes por afinidades ou características comuns. É um
tipo de entrevista que busca captar as percepções, os comportamentos e atitudes
dos sujeitos. Ele engendra a possibilidade de uma diversidade de opiniões e não o
consenso e a homogeneização dos comportamentos dos sujeitos. Esse instrumento
de pesquisa tem como vantagem suscitar respostas de forma livre e aberta,
provocar discordâncias de pontos de vista acerca de assuntos emblemáticos que em
questionários fechados ou em entrevistas individuais não apareceriam, como
também gerar a compreensão de “idéias partilhadas” pelos sujeitos no quotidiano e
do modo pelo qual esses sujeitos sofrem influência um dos outros. Assim, o grupo
focal constitui um importante instrumento de pesquisa.
27
Os grupos focais com os jovens usuários do P.E.A. foram mistos. Um compôs-se de
sete jovens alunos da escola (quatro mulheres e três homens). Já o outro grupo
focal foi formado por seis usuários do P.E.A. (três homens e três mulheres). Para a
realização dos dois grupos focais foi necessário o trabalho de dois assistentes de
pesquisa, com vistas a acompanhar todo o processo, de forma a captar detalhes,
minúcias, gestos, vozes e outras interações que o moderador não conseguiria
absorver e captar.
Os critérios de escolha adotados em relação aos jovens usuários justificam-se por
serem eles os principais “alvos” do Programa, porque eram eles que podiam
descrever, por si mesmos, as percepções e experiências advindas da participação
no P.E.A., como também falar acerca do nível de participação deles nas
deliberações do Programa. Quanto aos jovens alunos da Escola, a escolha foi
respaldada por serem eles os sujeitos que podiam evidenciar o tipo de relação que
se estabelece entre a organização da escola regular e o P.E.A., fornecer pistas
sobre a articulação ou não de suas demandas e necessidades com as atividades
oferecidas pelo Programa, e dar a conhecer o nível da participação deles na
deliberação das oficinas e atividades desenvolvidas aos sábados e domingos na
Escola.
As fotografias foram tiradas no decorrer das observações tanto da dinâmica dos
acontecimentos da escola regular durante a semana, quanto das atividades
desenvolvidas no P.E.A. aos sábados e domingos. Também foram utilizadas
fotografias pesquisadas em arquivos pessoais de sujeitos que participaram do
Programa Escola Experimental Aberta de 1986, como sendo uma das primeiras
experiências similares ao P.E.A. atual no estado do Espírito Santo.
28
CAPÍTULO 2
REFERENCIAL DE ANÁLISE
2.1 “QUE JUVENTUDE É ESSA”?12
Se você é jovem ainda [...]. Amanhã velho será [...]. Não diga não à vida que te espera. Pra festejar a alegria de viver. Pra agradecer a luz do teu caminho. E você vai tudo isso entender. (Ricardo Chaves) O trem da juventude é veloz. Quando foi olhar já passou. (Paralamas do Sucesso). Hei, mãe, eu tenho uma guitarra elétrica. Durante muito tempo, isso foi tudo o que eu queria ter [...] Nessa terra de gigantes. Que trocam vidas por diamantes. A juventude é uma banda numa propaganda de refrigerantes. (Humberto Gessinger).
Os programas semelhantes ao do P.E.A., por serem iniciativas de governo voltadas
especificamente aos jovens, requerem uma análise da categoria juventude, tanto
para se ter uma ampliação compreensiva do mesmo, como para se entender como
os jovens são percebidos na concepção do referido Programa.
O conceito do período da vida denominado juventude não é estático, homogêneo e
generalizante, quando se tenta delinear dialeticamente a sua compreensão.
Segundo Dayrell (2005), é difícil engendrar uma noção de juventude que abarque a
heterogeneidade e a complexidade do real. Camacho (2000), ao enfatizar que a
história mundial indica a inexistência de uma concepção unívoca de juventude,
portanto, que há juventudes, aponta que as juventudes se diferenciam no decorrer
da história e até na imersão em um mesmo período histórico. Assim, “[...] o que
existem são histórias de juventude e, sobretudo, jovens inseridos em uma teia de
relações sociais específicas e vinculadas a contextos e momentos históricos
distintos” (CAMACHO, 2000, p. 23-24).
Nessa perspectiva, entender a categoria juventude é compreender que esse termo é
complexo e tem como subjacência uma diversidade interpretativa (PAIS, 1993; 12 Desabafo encontrado no áudio da música de 1968, intitulada “É proibido proibir”, composta e cantada por Caetano Velozo no período da Ditadura Militar no Brasil. Esse trecho não está contido na letra oficial do cantor. Essa parte da música foi forjada em meio a vaias na eliminatória paulista do Festival Internacional da Canção, no final da década de 1960. Como título, ele aqui denota a variabilidade e complexidade do conceito de juventude.
29
MARGULIS, 1996; SPOSITO, 2003; CAMACHO, 2000; CARRANO, 2003;
DAYRELL, 2005; PEREGRINO, 2005a; LEÃO, 2005; LIRIO, 2004; CAVALCANTI,
2005).
Acerca de diversos contornos e implicações sociais e históricas na compreensão da
categoria juventude, Margulis aponta:
A juventude não se apresenta somente como modalidade social e cultural dependente da idade, da classe social ou da geração. No nosso tempo a juventude também se apresenta como signo, e em tal qualidade condiciona uma quantidade de atividades produtivas, ligadas com o corpo e com a imagem, que comercializam a juvenilização; novas mercadorias relacionadas com a prolongação no tempo do atrativo e da legitimidade arraigados numa determinada imagem juvenil (MARGULIS, apud CAMACHO, 2000, p. 24).
Nessa perspectiva, a discussão concernente à juventude sempre se tem tornado
complexa e inquietante. Portanto, cabe ressaltar que há limitações na concepção de
juventude, pois essa palavra é carregada de certas evocações e significados que
podem levar a cair em algumas ciladas ou labirintos atinentes à sua interpretação,
ao não se considerar a heterogeneidade social e as diversas modalidades peculiares
da condição de ser jovem (MARGULIS, 1996).
Segundo o autor, juventude é uma concepção variável, uma construção histórica e
social e não simplesmente uma questão etária. Desse modo, a cada época ou
tempo histórico engendram-se e possibilitam-se perspectivas ou formas de ser
jovem. E isso recai na concepção de que existem variadas maneiras de experienciar
e viver as juventudes, situações que dependerão das condições específicas ou
peculiares do jovem, por exemplo, a condição de classe, de gênero, de geração e de
etnia.
Es necesario, [...], acompañar la referencia a la juventud con la multiplicidad de situaciones sociales en que esta etapa de la vida se desenvuelve, presentar los marcos sociales históricamente desarrollados que condicionan las distintas maneras de ser joven (MARGULIS, 1996, p. 14-15).
30
Camacho (2000) enfatiza ainda que a juventude deve ser apreendida na sua
diversidade e para além de sua aparente unidade, no sentido de que há diferentes
juventudes e diferentes maneiras de entendê-las.
De acordo com Pais (1993), a Sociologia da Juventude tem variado em duas
perspectivas ou correntes teóricas da categoria juventude. Ele classifica a primeira
de como corrente geracional, compreendida a priori como “fase de vida” que ressalta
o aspecto unitário e mais uniforme ou homogêneo da juventude, que vê a cultura
juvenil atrelada a uma geração demarcada naquilo que se refere às faixas etárias.
Essa corrente integra as teorias sobre as gerações e a socialização. “Para esta
corrente em qualquer sociedade há várias culturas (dominantes e dominadas) que
se desenvolvem no quadro de um sistema dominante de valores” (PAIS, 1993, p.
38). A outra corrente é a classista, que concebe a juventude como um conjunto que
integra a sociedade diversa por causa das origens diferentes de classes sociais.
Pais (1993, p. 48) assevera:
Para a corrente classista, as culturas juvenis são sempre culturas de classes, isto é, sempre entendidas como produto de relações antagônicas de classe. Daí que as culturas juvenis sejam por essa corrente apresentadas como “culturas de resistência”, isto é, culturas negociadas no quadro de um contexto cultural determinado por relações de classe. Por outras palavras, as culturas juvenis seriam sempre “soluções de classe” a problemas compartilhados por jovens de determinada classe social.
A noção de juventudes não seria uma verdade absoluta, universal, natural ou uma
descrição exata e unitária, mas, sim, uma construção social atrelada a um
determinado contexto (PAIS, 1993; QUAPPER, 2001; BOURDIEU, 1983).
Para Bourdieu (1983), a questão etária dos jovens torna-se um dado biológico
socialmente manipulado e manipulável que, ao considerar o segmento juvenil ou
como uma unidade social, ou como grupo constituído, favorecido por interesses
comuns, já caracterizaria uma manipulação evidente ao relacionar esses interesses
a uma idade definida em termos biológicos.
Esse mesmo autor releva uma iminente ameaça que os jovens representariam aos
mais velhos, como símbolos de um vindouro que reterão cada vez mais a
31
significância social atribuída tradicionalmente aos adultos. Isso culminaria num
conflito de gerações que se daria na divisão dos poderes. Assim, [...] “quando o
‘sentido dos limites’ se perde, vê-se aparecer os conflitos a respeito dos limites de
idade, dos limites entre as idades, que têm como objeto de disputa a transmissão do
poder e dos privilégios entre as gerações” (BOURDIEU, 1983, p. 121).
Para reiterar a assertiva de Bourdieu (1983), que considera a juventude como
construção social e algo manipulado e manipulável, expomos as idéias do chileno
Quapper (2001) acerca de concepções latino-americanas de juventude, de modo a
contextualizá-las para entender como se foram modificando conceitualmente. O
autor expõe quatro versões sobre juventude: a) a juventude é concebida como uma
etapa da vida que caracterizaria duas definições: uma etapa distinta das outras do
ciclo de vida humano, como a infância, a fase adulta e a velhice, e uma etapa de
preparação dos jovens para ingressar no mundo adulto; b) a juventude é classificada
como grupo social que considera, principalmente, o parâmetro da faixa etária; c) a
juventude relaciona-se com certo conjunto de atitudes diante da vida, caracterizado
como um estado mental, de saúde vital e de alegria, assim como se refere a um
espírito empreendedor e jovial ou a algo que se conquistará no futuro, contemplando
o que ele denomina de “matriz adultocêntrica”; d) a juventude é concebida como
geração futura, fase de transição em que os jovens terão que assumir mais adiante
o papel dos adultos para que se possibilitem as reproduções sociais.
Essas versões, entre outras13, vão integrando, segundo o autor, os diversos
discursos sociais, científico, religioso, político, do quotidiano, e com isso denotam a
compreensão da juventude, cujas características se aproximam da heterogeneidade,
diversidade, instabilidade e assimetria, ao contrário de uma concepção juvenil
adstrita a preceitos de unidade, indivisibilidade, uniformidade e invariabilidade.
Nas várias vertentes e direções pelas quais o termo juventude pode enveredar, fica
implícito o entendimento de que pode ser uma vertente ideológica, histórica, política
e até corporativa. Em diferentes tempos ou em diferentes contextos históricos, a
13 Uma concepção muito corrente, principalmente nas configurações de políticas públicas de juventude, é conceber o jovem como problema social. Atualmente sofisticaram o temo denominando-o de risco social ou vulnerabilidade social.
32
juventude pode ser interpretada, em linhas gerais, como período inserido entre a
infância e a vida adulta; estilo de vida caracterizado pela contestação às normas e
regras sociais ou marcado pela rebeldia; correia de transmissão da ideologia do
mercado – “nicho de mercado” –, o qual direciona para os jovens estilos de vida, de
moda, de necessidades e desejos, ou, então, formas de representações sociais, etc.
Pode às vezes se interpretada, ainda, como o ecletismo dessas características
isoladas.
Peregrino (2005a) reitera que os estudos sobre juventude divergem quanto a
conceitualizações do termo e que alguns autores até afirmam que há uma certa
inutilidade em se direcionar fatalisticamente uma definição para esse fenômeno. A
autora flexibiliza um pouco a questão ao afirmar que, “[...] se este período, condição
ou forma de vida aproxima os jovens, há também elementos que os afastam. E eles
se afastam, fundamentalmente, a partir das inúmeras e múltiplas maneiras com que
vivem e expressam sua juventude” (PEREGRINO, 2005a, p. 1).
Assim, no referencial de análise da categoria juventude, torna-se mister uma
perspectiva de compreensão crítica, analítica e sociológica do fenômeno referido,
por ser amplo, não generalista e por considerar todos os determinantes da
sociedade.
2.1.1 JUVENTUDES E ESCOLA
Eu acredito é na rapaziada, que segue em frente e segura o rojão. Eu ponho fé é na fé da moçada, que não foge da fera e enfrenta o leão. Eu vou à luta com essa juventude, que não corre da raia a troco de nada. Eu vou no bloco dessa mocidade, que não tá na saudade e constrói a manhã desejada. (Gonzaguinha)
A análise das categorias juventude e escola diante do P.E.A. possibilitará um
alargamento discursivo sobre esses dois fenômenos. Se analiticamente, em linhas
gerais, não se pode dizer que a escola é apenas um espaço de reproduzir a
ideologia dominante, como já mencionado anteriormente, também não se pode
desconsiderar que nela perpassam, preponderantemente, na atualidade educacional
33
brasileira, princípios eminentemente neoliberais e positivistas, que enfatizam a
disciplinarização e o individualismo.
Dayrell (2006) aponta uma perspectiva que analisa a escola como um espaço
sociocultural na vertente da cultura e, sob um olhar mais denso, que considera o
dinamismo do quotidiano vivenciado pela diversidade, que é o ser humano em suas
diversas demarcações. Essa escola o caracterizará, segundo o autor, como “seres
humanos concretos”, “sujeitos sociais” e “sujeitos históricos”. Portanto, compreender
a escola nessa perspectiva significa [...] “resgatar o papel dos sujeitos na trama
social que a constitui, enquanto instituição” (DAYRELL, 2006, p. 136).
O Programa Escola Aberta, a priori, suscita uma tentativa analítica de se aperceber,
a distância ou não, da articulação entre as finalidades da instituição escolar na
atualidade e as demandas e necessidades dos jovens.
A experiência do Projeto Parceiros do Futuro, implantado pela Secretaria do Estado
de São Paulo, criado para combater a violência e a depredação escolar, tem o
objetivo de envolver os moradores, que circunscrevem ou são adjacentes a escola,
em atividades culturais, educativas e recreativas. Esse projeto tem algumas
aproximações propositivas semelhantes às do Escola Aberta. Por isso já se podem
extrair algumas aproximações analíticas sobre políticas dessa natureza. O
pesquisador Reinaldo Tadeu Boscolo Pacheco, que analisa a proposta do governo
paulista, ressalta:
O programa não é em si um erro, mas ele possui equívocos em sua concepção: a escola é vista como um tapa-buracos para a inexistência de espaços que respondam às demandas de lazer e cultura nos bairros de periferia, além de propagar a idéia de que vale tudo para tirar os jovens no mundo do crime. (Pacheco apud SOUZA, 2003, p. 76)
Assim, percebe-se que as necessidades juvenis e os problemas da juventude que
interferem de alguma forma na sociedade são questões que atravessam
efetivamente a estrutura social. Por isso, os problemas ou as necessidades dos
jovens não serão resolvidos ou considerados apenas com políticas paliativas e de
pouca abrangência social. Por esse prisma, fazendo uma crítica às políticas públicas
da juventude, Leão (2005, p. 72) enfatiza:
34
Há uma permanência que parece já ter se tornado uma tradição no campo das políticas públicas de juventude: os jovens são convocados a participarem de atividades que são realizadas num quadro de grande precariedade em termos de estrutura, condições materiais e de recursos humanos. Repete-se a fórmula de prevenir a ociosidade através de programas ocupacionais.
Em vista disso, quando se tem uma concepção de escola – seja os educadores, seja
as políticas educacionais – como um “tapa-buracos”, há verdadeiramente nisso
desconexões entre os objetivos da escola e as perspectivas da juventude. Sendo
assim, uma “[...] perversa conexão simbólica entre distintas institucionalidades nos
leva a pensar nas práticas e nos processos transnacionais de incomunicabilidade
entre os jovens e as instituições escolares” (CARRANO; PEREGRINO, 2003, p. 17).
Peregrino (2005a) alerta para a impossibilidade de entendermos o jovem na sua
totalidade ou integralidade apenas na sua condição de aluno. Assim, como entender
a escola sem uma compreensão profunda da sua relação com os sujeitos que fazem
parte dela, cujas demandas muitas vezes não são consideradas nos objetivos e
finalidades da instituição escolar? Desse modo, “[...] abrir mão da compreensão
desta relação (juventude/escola) pode significar a impossibilidade de entendermos,
de maneira mais ampla, os processos de socialização que vêm marcando nossa
sociedade” (PEREGRINO, 2005, p. 3).
Camacho (2004) analisa como a escola identifica seus educandos, se como jovens,
se como crianças ou alunos. Além disso, examina o tratamento que essa instituição
confere aos sujeitos que a compõem. A autora chega à conclusão de que perpassa
pela escola um “processo de inadequação” no seu lidar com seus alunos ao não
considerá-los como jovens, o que emperra o processo específico e articulador de
identificação dos alunos com a escola. Isso desencadeia um não-diálogo entre os
jovens alunos e os educadores. Sendo assim, a integralidade constitutiva do ser
jovem é negligenciada pela escola em detrimento da condição meramente
acadêmica e escolarizada inerente ao ser aluno. Portanto, na escola, o jovem não
expressa sua juventude, pois esta passa por invisível.
O locus desta pesquisa consiste na problematização do funcionamento da lógica
dessa desconexão e as conseqüências da incoerência ou desarticulação entre o ser
35
jovem e a socialização peculiar da instituição escolar. Portanto, é partindo dessa
perspectiva que se analisarão as aproximações ou distanciamentos dos objetivos da
escola com relação às demandas juvenis, a partir da pesquisa do P.E.A. no
município de Vitória/ES.
2.1.2 JUVENTUDES, TEMPO LIVRE E LAZER
A priori, torna-se importante discutir, de forma sucinta, como se foram concebendo
social e historicamente, o tempo livre e o lazer na sociedade. Para Chaui (1999), nas
sociedades escravistas antigas, como a grega e a romana, e na tradição judaico-
cristã, o trabalho era concebido como desonra e degradação humana, como castigo
divino, e não como uma atividade cuja principal virtude seria o livre-arbítrio humano.
Nas sociedades grega e romana, os poetas e filósofos proclamavam o ócio14 como
valor imprescindível para a vida livre e feliz; para o cultivo do espírito, que incluía
dedicação às letras, às artes e às ciências; para o cuidado com o vigor e a beleza do
corpo através da ginástica, da dança e da arte militar; assim como para o exercício
nobre da política. Nessa representação do ócio como algo positivo, o trabalho tornar-
se-ia punição e castigo e era incumbência apenas dos escravos; assim a desonra
cairia sobre os ombros dos homens livres pobres.
Expressões como “cabeça vazia, oficina do diabo” (ditado popular), “a rua é a escola
de todos os vícios e crimes” (Benjamin Constant), “todos os vícios do homem
começam com a vagabundagem da criança” (Vitor Hugo) originam-se, de certa
forma, ideologicamente, no imaginário social, e remete-se a matizes pejorativos ao
tempo livre e aos sujeitos e espaços em que esse tempo acontece.
A idéia associativa entre ociosidade e vício e o trabalho como virtude são
perspectivas que se conformam e se atrelam ao ascetismo e à valorização do
trabalho que foram os sustentáculos da Reforma Protestante no século XVI,
perfazendo, assim, a condição básica para o advento e a constituição da 14 A palavra ócio origina-se do grego, e significa skholé, significando os atos de cessar e parar, ou a condição e o estado de isenção de atividade produtiva ou de ter tempo individual (MASCARENHAS, 2006).
36
racionalidade capitalista. Essa racionalidade tacharia ou condenaria para sempre as
virtudes e as qualidades do ócio e da preguiça, anteriormente valorizadas. Aqui, no
Brasil, forjou-se uma “ética do trabalho” alicerçada em conotações próprias da nossa
tradição escravocrata e marcada profundamente pelas mazelas e desigualdades
sociais. Assim, a condenação do ócio e da preguiça integra uma ideologia que
estereotipa e estigmatiza as etnias e os desprovidos das condições materiais
básicas de existência: O laço que ata preguiça e pecado é um nó invisível que prende imagens sociais de escárnio, condenação e medo. É assim que aparecem para os brasileiros brancos as figuras do índio preguiçoso e do negro indolente, construídas no final do século XIX, quando o capitalismo exigiu a abolição da escravatura e substituiu a mão-de-obra escrava pela do imigrante europeu, chamado trabalhador livre [...]. É ainda a mesma imagem que aparece na construção, feita por Monteiro Lobato no início deste século, do Jeca Tatu, o caipira ocioso devorado pelos vermes, enquanto a plantação é devorada pelas saúvas. Nesse imaginário, “a preguiça é a mãe de todos os vícios” e nela vêm inscrever-se, hoje, o nordestino preguiçoso, a criança de rua vadia [...], o mendigo – “jovem, forte, saudável, que devia estar trabalhando em vez de vadiar”. É ela, enfim, que força o trabalhador desempregado a sentir-se humilhado, culpado e um pária social (CHAUI, 1999, p. 10).
Pillati e Rugiski (2007, p. 6) esboçam uma classificação acerca das atividades do
tempo livre em que são divididas em cinco esferas assim representadas: 1. trabalho privado e administração familiar: a essa categoria pertencem as atividades relacionadas aos cuidados com a família e também as atitudes tomadas em relação à provisão da casa. Essas tarefas dificilmente podem ser chamadas de lazer; 2. repouso: atividades como dormir, tricotar, futilidades da casa e o não fazer nada em particular; 3. provimento das necessidades fisiológicas: necessidades como comer, beber, dormir, bem como defecar e fazer amor. Algumas das atividades das esferas 2 e 3 podem ser consideradas como lazer, quando não feitas de forma rotineira; 4. sociabilidade: atividades como passear em um clube, um bar, um restaurante, "jogar conversa fora" com os vizinhos, ou mesmo estar com outras pessoas sem fazer nada demais, como um fim em si mesmo; 5. a categoria das atividades miméticas ou jogo: as atividades desse tipo são atividades de tempo livre que possuem caráter de lazer, quer se tome parte nelas como ator ou como espectador.
Nessa classificação, os autores propõem distinguir lazer de tempo livre, pois “[...]
uma boa parcela do nosso tempo livre não pode ser considerada como lazer”
(PILLATI; RUGISKI, 2007, p. 6).
A partir do exposto sobre tempo livre, da idéia e consideração de que há juventudes
em decorrência da variabilidade histórico-social e das especificidades sociais
37
juvenis, tem-se que considerar também que, para compreender o sentido do tempo
livre e do lazer para a juventude, é primordial levar em consideração a diversidade
interpretativa e existencial dos jovens. De acordo Brenner, Carrano e Dayrell (2005),
é de extrema importância à investigação científica acerca da dinâmica da ocupação
do tempo livre pelos jovens compreender o próprio tempo da juventude nas
sociedades. Para esses autores, é corrente no senso comum conceber de forma
equivocada a juventude como uma realidade homogênea no que concerne ao tempo
livre e ao lazer.
Numa concepção de juventude como problema social, principalmente em relação
aos jovens das periferias urbanas, o tempo livre juvenil é concebido majoritariamente
como uma fonte de perigo. Para Franch (2002), esse tempo livre é visto, para esses
jovens específicos, com um tom moralizante, em que se considera a ocupação como
um momento de carência, alienação, ameaça e ócio, em contraposição às atividades
tradicionalmente institucionalizadas, como a escolar, a familiar, a religiosa e a do
trabalho, que condizem, ideologicamente, com a honradez, a cidadania e com os
homens e mulheres de paz.
Na contramão dessa tendência moralizante e institucionalizadora da ocupação do
tempo livre e dos momentos de lazer pelos jovens, é preciso que estes construam
suas próprias normas, ritos, expressões culturais e peculiaridades que os
diferenciem do mundo adulto. É preciso relevar o lazer como “tempo sociológico”,
que torna a liberdade de escolha juvenil como chave mestra na constituição da
juventude, no sentido de superar a efetivação e a vivência desse tempo como
cumprimento das exigências dos interesses hegemônicos de classes constituídos
pela ideologia dominante. É mister abrir e descobrir o campo potencial de
construção de identidades pessoais e coletivas dos jovens, cujas potencialidades
humanas realçadas exercem e medeiam um efetivo ingresso nas relações sociais,
como possibilidades de liberdade e experimentação das juventudes (BRENNER;
CARRANO; DAYRELL, 2005); (CARRANO, 2003).
38
2.2 POLÍTICAS PÚBLICAS DE JUVENTUDE
Segundo Faleiros (1987), a complexidade e a problemática da política social ocupam
atualmente uma estratégia fundamental na etapa do capitalismo monopolista de
Estado, em decorrência do papel deste em proteger e suportar o capitalismo
monopolista tanto nos países hegemônicos quanto nos dependentes. À medida que
o capitalismo foi se transformando e se desenvolvendo, ele sempre mobilizou, de
certa forma, as ações do Estado. Portanto, ao buscar entender o momento e o
movimento atual do estágio de uma política pública, em especial a vinculada à
juventude, deve-se tentar compreender a relação do Estado com o Sistema
Capitalista.
Sobre o Estado, parece importante concebê-lo como sendo a expressão político-institucional por excelência das relações dominantes de uma sociedade. Trata-se, ao mesmo tempo, de um agente de articulação e de unificação entre as nações. Ambos os aspectos, tanto a dominação como a articulação e a unificação, pressupõem a delegação dos mais altos níveis de autoridade e a legitimidade ao Estado, no sentido de que este possa exercer a força necessária, seja mediante coerção, coação ou repressão, para garantir a reprodução dessa sociedade, ou seja, das relações de dominação vigentes (ABAD, 2003, p. 13).
As políticas sociais de corte neoliberal apresentam um caráter transitório, fazem
prevalecer a privatização e a descentralização, dependem de recursos externos,
substituem o caráter universal pela focalização das políticas, desconsiderando os
direitos fundantes da cidadania.
Rua (1998), ao considerar que as sociedades modernas se diferenciam quanto aos
interesses de seus membros, estabelece proposta de conceber as políticas públicas
como conjunto de decisões e ações, cuja meta é a resolução de problemas políticos.
Nesse sentido, essas ações e decisões circunscrevem a atividade política, que é o
conjunto de procedimentos formais e informais entrelaçados por relações de poder,
cujo destino é lidar com os conflitos estabelecidos nos bens públicos de forma
pacífica. Portanto, as políticas públicas, ao se constituírem como respostas, trazem
em sua origem demandas oriundas dos atores políticos ou sociais, com interesses
diretos ou indiretos, que se articulam ou se integram no sistema político ou na
agenda governamental.
39
Para a autora, quando não se efetiva a inclusão das demandas dos atores políticos,
o que há são “estados de coisas” corporificados em situações relativamente
prolongadas de insatisfação ou perigo e injustiça, que atingem grupos da sociedade
sem, no entanto, provocar alguma mobilização política na composição da agenda
governamental. Sendo assim, a autora elenca algumas condições direcionadoras
das políticas públicas por meio da “formação da agenda” governamental, que se
constituem em sua primeira fase.
Para que um estado de coisas se transforme em problema político e passe a figurar como item prioritário na agenda governamental, é necessário que apresente pelo menos uma das seguintes características: mobilize ação política de grandes ou pequenos grupos ou de atores individuais estrategicamente situados; constitua uma situação de crise, calamidade ou catástrofe; constitua uma situação de oportunidade para atores politicamente relevantes (RUA, 1998, p. 733).
Assim, ao ingressarem no âmbito da agenda governamental, portanto saindo do
“estado de coisas”, as políticas públicas, inicia-se uma nova fase, a da “formulação”.
Aqui há a definição e a escolha das alternativas para resolver os problemas
políticos. Tanto a decisão quanto a escolha são definidas necessariamente por
critérios de ordem política, e é nesse processo que os atores expõem suas
predileções e artifícios de poder numa disputa acirrada em que há conflitos e
acordos correlatos aos seus específicos interesses (RUA, 1998).
Nesse sentido, no processo de elaboração das políticas públicas, muitas das
deliberações relacionadas a alguma definição das políticas, não são tomadas,
portanto, as políticas, há que se tomar certas decisões para que tais políticas “saiam
do papel” e sejam “implementadas”, e isso pressupõe ações efetivas. A
implementação das políticas não acontece de forma linear e estanque, mas como
“decisões em processo”, que pressupõem uma fase “avaliativa”. Assim, essa
concepção torna-se um “[...] processo [...] dotado de acentuada complexidade, e que
articula o sistema político em suas várias dimensões com a realidade concreta das
práticas políticas e sociais dos diversos interessados” (RUA, 1998, p. 733).
Rua (1998, p. 740,) ao analisar as políticas públicas no Brasil, identifica cinco
regularidades que as marcam. A primeira é a fragmentação, pois, mesmo que as
demandas sociais impliquem alguma articulação entre diferentes agências setoriais,
40
o que há são “linhas rígidas” que demarcam certas áreas de atuação dessas
agências. A segunda é a competição interburocrática, em que as políticas são
“fragmentadas em áreas de controle de cada agência”. Já a terceira é a
descontinuidade administrativa, visto que a mudança de dirigentes provoca um
redirecionamento das políticas ou programas advindo dos interesses, convicções e
predileções políticas em voga. A quarta é o fato de as decisões e/ou ações políticas
serem pensadas mais pelas ofertas do que pelas demandas, pressupondo assim
instrumentos avaliativos inadequados e mecanismos de controle incipientes ou
inexistentes. Isso expressa padrões de autoritarismo e centralização constituidores
de nossa formação histórica. Já a quinta regularidade é a “clivagem” entre a
formulação/decisão e a implementação das políticas brasileiras. Essa clivagem
tende a uma centralização, a uma diminuição da autonomia das agências
implementadoras, a uma escassa adaptabilidade das políticas implantadas, como
também a uma fragilidade das agências efetivadoras das políticas.
No Brasil, enfatiza Rua (1998), são raras as políticas públicas que abarcam as
especificidades das demandas da juventude. Assim, ao considerar que as políticas
direcionadas aos jovens permanecem circunscritas à efetivação de políticas gerais
para um público amplo, em que os jovens competem por um espaço de
atendimento, as demandas para o segmento juvenil limitam-se a um “estado de
coisas”, não se efetivando de fato em problemas políticos.
De acordo com Sposito (2003a), não há um usufruto no nosso País de políticas
sociais de caráter universal direcionadas aos jovens, asseguradora de direitos
básicos, como a educação e o trabalho, oriundos da modernidade, na qual já se
vivem, de forma antagônica, maneiras de sociabilidade e de constituição de
subjetividades no contexto da globalização em que as sociedades atualmente se
encontram. Por outro lado, a autora ressalta que já se observa no Brasil um campo
de iniciativas emergentes e inovadoras de deliberações de ações cujos alvos são os
jovens. Assim, é engendrado um quadro fértil de práticas diversas por meio de
caminhos democráticos e participativos importantes oriundos de uma tradição de
lutas sociais e de organização social.
Quando se pensam e se analisam políticas públicas de juventude, há que se
analisar os atores que as demandam, não considerando apenas os recortes de
41
classe ou outros movimentos dos quais os jovens são representantes, mas também
os “recortes geracionais” que nos dirão se será o próprio jovem o demandatário das
políticas, ou se serão os adultos pela via institucional. Assim, compreender as
políticas de juventude pressupõe analisar o modo de interação entre a sociedade
civil e o Estado no processo de constituição, implantação e avaliação dessas
políticas nesse processo (SPOSITO, 2003a).
Castro (2004) destaca três complicadores conceituais no processo de elaboração
das políticas públicas de juventude. O primeiro seria uma política de juventude que
abarcaria tanto a unicidade quanto a diversidade juvenil na contemplação de
distintas ações sociais dos jovens. Aqui o jovem tem que ser concebido como ator
de identidade própria para além de uma fase transitória pressuposta de um vir-a-ser.
O segundo seria a idéia de política para a juventude, de total responsabilidade do
Estado devido à desvantagem do jovem no contexto de uma sociedade de mercado,
uma vez que ele deve gozar do seu tempo com estudo, lazer, diversão, e investir em
sua autonomia e no capital crítico-social. Já o terceiro seria a idéia de políticas com
a juventude, pressuposta da participação direta dos jovens nos processos
decisórios, de formulação e de acompanhamento das políticas de juventude.
Para além de compreender determinadas políticas públicas de juventude, tem-se
que levar em consideração que a concepção de juventude ancora nas ações
políticas atravessadas por relações de poder. Nessa direção, Abad (2003a), ao
analisar as políticas públicas de juventude, estabelece uma diferenciação entre a
condição juvenil e a situação juvenil. A primeira seria a maneira como a sociedade
dá significado a esse ciclo de vida; já a situação juvenil seriam os diversos caminhos
experienciados pela condição juvenil, como, por exemplo, a de classe, a de gênero,
a de etnia. Essas duas dimensões transformam-se em “campos de disputas”, visto
que a condição juvenil gera perspectivas de juventude ramificadas em concepções
dominantes originadas de hierarquias econômicas, culturais e etárias, que embasam
as ações políticas que tendem a desconsiderar a diversificação da situação juvenil.
Ao analisar a evolução histórica das políticas de juventude na América Latina, Abad
(2003a) destaca que ela foi condicionada por problemas relacionados a processos
excludentes dos jovens da sociedade e pelos desafios e dilemas de facilitação na
transição e integração ao mundo adulto. O autor periodiza quatro modelos
42
diferenciados de políticas de juventude, resguardando a variedade de enfoques, a
diversidade regional e as características institucionais dos países latino-americanos.
No período de 1950 a 1980, prevaleceu um enfoque na ampliação da educação e no
uso do tempo livre do jovem. Nas décadas entre 1970 e 1985, destacou-se o
controle social de segmentos de jovens mobilizados. Entre 1985 e 2000, destacou-
se o enfrentamento da pobreza e a prevenção do delito. Entre 1990 e 2000, as
políticas públicas de juventude enfatizaram a inserção de jovens excluídos no
trabalho.
Bango (2003) classifica quatro tendências de políticas de juventude na América
Latina, que representam mudanças nos pressupostos embasadores das ações
dessas políticas ao longo dos anos.
A primeira é a incorporação dos jovens nos processos de modernização. Essa
tendência enfatiza um certo investimento em educação para os jovens a partir das
ações do Estado. Há uma ênfase nos aspectos quantitativos, com um grande
acesso dos jovens à educação. No entanto, essa perspectiva, oculta uma falsa idéia
de que a educação possibilitaria uma ascensão social, quando, na realidade,
possibilita uma fraca qualidade educacional, principalmente para as camadas
populares, em diferente de uma boa educação oferecida às camadas médias e altas.
A segunda tendência enfoca o controle social. Segundo o autor, esse enfoque
evidenciou-se nas décadas de 1960 e 1970, quando os conflitos eclodiram durante o
período militar. No entanto, houve uma formação do movimento juvenil de
contestação à ordem vigente e de mobilização por uma transformação social,
influenciado por outros países, e, consequentemente, um esforço em paralisar esses
movimentos reivindicatórios. “A pauta dominante é o controle de mobilização, sua
supressão e repreensão” (BANGO, 2003, p. 43).
A terceira enfoca o jovem como problema. Aqui os segmentos juvenis são
considerados, na configuração das políticas públicas, como setores excluídos
socialmente. São os que apresentam condutas tidas como delinqüentes e os
principais agentes promotores da insegurança social e cidadã. Isso favorece um
estereótipo social da juventude como problema.
43
A quarta trata do jovem como capital humano. Diz respeito à ênfase e à
preocupação com a entrada do jovem no mercado de trabalho na década de 1990.
Consiste na idéia de que ele tem um potencial em conhecimento; portanto é uma
“peça-chave” para o desenvolvimento econômico almejado após a “década perdida”.
Neste estudo, parte-se da idéia de que o jovem deve ser considerado como sujeito
de direitos. Assim, as peculiaridades inerentes ao ser jovem e às juventudes devem
constituir-se e ser concretizadas como direitos que se corporificam e que devem ser
contemplados pelo Estado, o que vai para além de medidas sazonais, dispersas ou
meramente prescritivas. Portanto, deve abarcar todas as condições materiais
objetivas da existência dos jovens, como a cultura, a educação, a arte, o direito
político, entre outras. Mas essas possibilidades devem ser fortalecidas,
consideradas e efetivadas pelo poder público, representado pela figura do Estado. E
esse reconhecimento dos diretos juvenis deve estar correlacionado às
peculiaridades que circunscrevem a existência do jovem no mundo.
Nesse sentido, concordamos com Sposito (2003a) quando destaca que, a partir do
momento em que assumimos a condição juvenil como fonte de pluralidade e de
sujeitos que vivenciam a juventude por rotas e trajetos experienciais diversos,
reconheceremos necessariamente que as políticas públicas de juventude
caminharão e se constituirão em trajetórias também diferenciadas. Assim, elas “[...]
poderão ser de inclusão, afirmativas de identidades e de formas de expressão
voltadas para o presente, ou de integração na vida adulta, mas o que as unifica deve
ser a sua inserção no campo de luta pelos direitos e de construção da democracia”
(SPOSITO, 2003a, p. 73).
2.3 COMO ANDA A RELIGIÃO?
Desde o primeiro Censo sobre religião no País datado de 1940, o catolicismo aos
poucos vem perdendo sua hegemonia e monopólio no contexto da religiosidade
44
brasileira. De acordo com os dados15 do IBGE, em 1940, o catolicismo apresentou
um percentual de 95,2%; em 1950, de 93,7%; em 1960, de 93,1%; em 1970, de
91,1%; em 1980, de 89,2%; em 1991, de 83,3%; e já no Censo 2000, de 73,8%.
Pierucci (2007), ao explicar os ligeiros declínios dos números de católicos no Brasil,
indica-nos fatores históricos. De acordo com historiadores, na década de 1960 a
Igreja Católica organizava suas comunidades eclesiais de base de forma
semelhante às pentecostais, de maneira que construíam pequenas igrejas com uma
estrutura mais comunitária e aconchegante, em função do pequeno número de fiéis
que a congregavam. Na concomitância disso, na década de 1970 foram criadas as
igrejas neopentecostais, que vieram a mudar essa estrutura até então instaurada.
Isso se tornou uma das grandes razões da queda crescente do catolicismo.
A partir desse período, foram criadas a Igreja Universal do Reino de Deus (1977,
RJ), a Igreja Internacional da Graça de Deus (1980, RJ), a Igreja Renascer em Cristo
(1986, SP), a Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra (1976, GO), entre outras. O
surgimento dessas igrejas alicerçou-se em estratégias da mídia eletrônica e nos
eventos de massa, como reuniões em grandes estádios de futebol, em cinemas, e
na compra de grandes salões e estabelecimentos para as suas instalações. Além
disso, o neopentecostalismo trouxe outras mudanças no perfil das religiões
brasileiras, como o grande número de seguidores exibidos principalmente em
programas televisivos, o espírito empreendedor dos pastores que trabalham muitas
horas por dia e a semana toda, o aumento da racionalidade e a eficácia empresarial,
o que contribuiu para que se tornassem “igrejas de resultados”. Sendo assim, “[...] a
Igreja Católica tem hoje, no Brasil, concorrentes religiosos muito mais aparelhados e
preparados do que antes para converter católicos” (PIERUCCI apud CIÊNCIA HOJE,
2007, p.2).
15 Percebemos que vários pesquisadores da religião, ao se utilizarem dos mesmos dados estatísticos do IBGE ao longo dos anos, apresentam pequenas variações nas percentagens, seja pelos arredondamentos seja pelas generalizações dos percentuais, que é decorrente da forma como eles disponibilizam os dados nas pesquisas.
45
TABELA 1 - RELIGIÕES DO BRASIL DE 1940 A 2000, EM PORCENTAGEM Religião 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000
Católicos 95,2 93,7 93,1 91,1 89,2 83,3 73,8 Evangélicos 2,6 3,4 4,0 5,8 6,6 9,0 15,4 Outras Religiões 1,9 2,4 2,4 2,3 2,5 2,9 3,5
Sem Religião 0,2 0,5 0,5 0,8 1,6 4,8 7,3
TOTAL (*) 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% (*) Não inclui religião não declarada e não determinada. Fonte: IBGE, Censos demográficos, apud Pierucci (2004a).
Segundo Pierucci (2006), os brasileiros tendem mais a fazer de si uma imagem de
uma nação multicultural, etnicamente heterogênea, hibridizada, portanto, pluralizada,
o que é interessante, porque se isentam de pensar tão-somente num “país católico”
em razão da força da visibilidade da intensa concorrência religiosa instalada no
Brasil nos últimos anos. No entanto, o autor ressalta e pondera que, em grande
parte, esse pluralismo é advindo das Igrejas Cristãs, principalmente das
pentecostais, criadas no País ou vindas do exterior. Isso significa: “[...] mais que um
país católico, o Brasil parece se tornar cada vez mais um país cristão. [...] o recuo do
catolicismo em território brasileiro não significa nem implica o recuo do cristianismo”
(PIERUCCI, 2006, p.303). Pierucci sustenta esse argumento, afirmando que a maior
parte dos brasileiros que abandonam a Igreja Católica adere a alguma outra
denominação oriunda do cristianismo. Assim, não se dá um salto grande quanto a
uma visão de mundo quando o ex-católico se filia a uma igreja pentecostal, portanto,
cristã. Ou seja, a expansão do evangelho pentecostal no Brasil significa
efetivamente uma ação de “recristianizar” os católicos desistentes ou desapontados
com a Igreja à qual pertenciam.
Nesse sentido, o Brasil, apesar da queda do catolicismo nos últimos censos,
continua ainda um país fortemente cristão. A Igreja Católica, mesmo com o seu
declínio, é ainda a denominação cristã majoritária e culturalmente hegemônica do
País, abarcando ¾ da população brasileira adulta, ou seja, 75%. Há também um
considerável crescimento vegetativo sobre a reprodução biológica das famílias
católicas, o que aumenta o número de adeptos do catolicismo. Também, o
catolicismo tende a perder fiéis apenas para outras denominações cristãs. Uma
outra questão é o fato do crescimento do protestantismo, os históricos e os
46
pentecostais, que apresentaram no Censo 2000 um contingente nacional de 15,6%
de evangélicos (PIERUCCI, 2007; PEIREUCCI, 2006a).
De acordo com Pierucci (2006) o mosaico religioso brasileiro nos indica que ainda
somos o país do Cristo Redentor. Essa assertiva é originada da idéia de que temos
no Brasil um percentual próximo de 90% de cristãos, considerando os dados do
último Censo 2000 do IBGE, que indica 73,8% de católicos e 15,4% de evangélicos.
No entanto, de acordo com Pierucci (2003, 2006, 2007a), mesmo considerando que
no Brasil há uma diversidade grande de religiões para além das tradicionais cristãs,
vemos que elas não são bem representadas quantitativamente, como a católica e as
evangélicas.
Assim, ao observarmos e analisarmos o comportamento das chamadas “outras
religiões” ao longo das décadas, evidenciado nos censos, constataremos a desigual
e a ínfima representatividade destas no conjunto das religiões no Brasil. O
crescimento delas é muito lento: vai de 1,9% em 1940, chega a 2,4% em 1950, a
2,4% em 1960, a 2,3% em 1970, a 2,5% em 1980, a 2,9% em 1991, e, finalmente, a
3,5% no ano 2000. Nesse sentido, onde se encontra a “bela”, a “fabulosa” e a
“badalada” diversidade religiosa brasileira? (PIERUCCI, 2004). Desse modo Pierucci
assevera: [...] a variedade de religiões neste Brasil, no fundo no fundo, é muito rala, apertada, bem mais rarefeita e menos resistente aos grandes empreendimentos religiosos pós-estatais do que a gente normalmente imagina ou acha que consegue enxergar (2006a, p. 50). Há, sim, muita liberdade religiosa no Brasil, mas o peso do cristianismo ainda sufoca as outras crenças. [...] Que bela diversidade religiosa é essa nossa, na qual as religiões não-cristãs não somam mais do que 3,5% da população? É uma auto-ilusão que alimentamos. Podemos de fato ter gente de todas as cores e etnias, mas temos que calibrar melhor, diante do espelho censitário, essa auto-imagem de uma formidável diversidade religiosa. [...] O brasileiro olha para si com olhos de multiculturalismo imaginado, irreal, exagerado (PIERUCCI apud CIÊNCIA HOJE, 2007, p. 2).
As fortes afirmações e legitimações na nossa sociedade sobre uma efetiva
diversidade religiosa brasileira, para Pierucci (2006a), alicerçam-se numa “auto-
ilusão” ou num “efeito demonstração” alimentadores de uma falsa idéia do conjunto
do mosaico religioso brasileiro. Ambos são mecanismos que criam “efeitos hiper-
reais”, produzindo aquilo que não é realidade, uma realidade manipulada como se
47
fosse real. Um exemplo: além da falsa diversidade religiosa brasileira no que tange a
uma proporcionalidade equilibrada entre as religiões, temos também um grande
engodo representado por ações das igrejas neopentecostais, que se utilizam da
mídia televisiva para passarem a imagem de que são instituições enormes, com
centenas de milhares de fiéis, mas que na realidade são bem menores (PIERUCCI,
2003).
Para Pierucci (2003, p. 78-79), isso é decorrente do fato de as fontes das
denominações religiosas serem “(des) informadas”, pois há “fabricação de números”.
Em se tratando do rebanho religioso, os líderes das instituições religiosas sofrem de
“mitomania do tipo megalomania” porque forjam uma “[...] superestimação numérica
do tamanho de seus rebanhos”. Isso acontece porque as denominações religiosas
costumam “jogar desejosamente com as estatísticas”, quando em alto e um bom tom
os seus arautos asseveram e se gabam: “Somos muitos milhões”. E isso, destaca o
autor, é muito comum em períodos eleitorais, quando as igrejas barganham alianças
partidárias e apoios eleitorais com os políticos.
Os evangélicos no Brasil, com 26.184.941 de adeptos, abarcam 15,6% da totalidade
da população religiosa, considerando que são os pentecostais e os neopentecostais
os maiores responsáveis pelo seu efervescente crescimento no País. O termo
“evangélico”, na América Latina, designa as igrejas cristãs originadas ou
descendentes da Reforma Protestante, que ocorreu na Europa do século XVI. “No
Brasil o termo evangélico é genérico para todos os protestantes; aqui, evangélico é
sinônimo de protestante” (PIERUCCI, 2006, p. 303). Essa reforma, liderada pelo
teólogo alemão Martinho Lutero, veio para romper com o catolicismo, enfatizando e
pregando um cristianismo primitivo. Coloca a fé como o único elemento fundamental
de acesso à salvação do indivíduo; condena a degradação moral do clero e a venda
de indulgências pela Igreja. As 95 teses de Lutero criticam os dogmas, preceitos e
práticas proselitistas da Igreja Católica, então vigentes e são consideradas como
heresias por esta Igreja. (PIERUCCI, 2006)
Os evangélicos dividem-se em três grandes vertentes, a saber: o protestantismo
histórico ou de missão, o pentecostalismo e o neopentecostalismo.
48
De acordo com Pierucci (2006), o protestantismo histórico ou de missão é uma
corrente que circunscreve as igrejas clássicas surgidas com a reforma de Lutero. Ele
representa, no Brasil, 26% do total de evangélicos (PIERUCCI, 2006, 2004).
Destacam-se nessa vertente as seguintes Igrejas Cristãs:
• Igreja Batista; • Igreja Luterana; • Igreja Presbiteriana; • Igreja Metodista; • Igreja Congregacional; • Igreja Menonita; • Igreja Anglicana; • Igreja Exército da Salvação, dentre outras.
A maior parte dos protestantes históricos ou de missão encontra-se em sua maioria,
no Sul do País. Em geral, de acordo com o Censo do IBGE de 2000, apresentam
renda e escolaridade muito superiores às da média brasileira, têm um perfil de renda
entre seis e vinte salários mínimos, assim como níveis de escolaridade que se
distribuem entre o ensino médio, a graduação e a pós-graduação. Em sua maioria,
são urbanos, têm um perfil majoritário de mulheres, uma proporção maior de
brancos, de adultos e de idosos e menor jovens (MARIANO, 2004; JACOB et al,
2004; PIERUCCI, 2007).
O pentecostalismo surgiu em 1906 em Chicago, nos Estados Unidos como grupo
autônomo originado de um movimento intitulado holiness (santidade),
majoritariamente metodista (MARIANO, 2004).
De acordo com Pierucci (2006) o movimento pentecostal divide-se em duas
correntes. O pentecostalismo clássico é a primeira corrente. Abrange o período de
1910 a 1950, indo desde sua implantação no País, com a fundação da Congregação
Cristã no Brasil e da Assembléia de Deus, à sua difusão pela territorialidade
brasileira. Essas Igrejas defendem o anticatolicismo e enfatizam a crença no Espírito
Santo. O pentecostalismo autônomo, a segunda corrente, surgiu na década de 1950
com a chegada de missionários norte-americanos da International Church of the
Foursquare Gospel. Em São Paulo, eles criaram a Cruzada Nacional de
Evangelização, centrados na cura divina, iniciando também, através do rádio, a
49
evangelização das massas, de forma a contribuir de forma extraordinária e muito
significativa para a expansão do pentecostalismo no Brasil. Desse modo,
englobando as duas vertentes do pentecostalismo, enquadram-se as seguintes
igrejas:
• Igreja Congregacional Cristã do Brasil; • Igreja Assembléia de Deus; • Igreja do Evangelho Quadrangular; • Igreja O Brasil para Cristo; • Igreja Deus é Amor; • Igreja Maranata; • Igreja Casa da Benção; • Igreja Porta Estreita Caminho do Céu; • Igreja Herdeiros de Sião; • Igreja Templo de Cristo; • Igreja Voz do Trovão; • Igreja Cristã Evangélica; • Igreja Armadura de Deus, entre outras.
O Brasil é o maior país pentecostal do mundo. Além disso, é o grupo de igrejas
cristãs que mais cresce atualmente no Brasil. De acordo com Mariano (2004), essas
denominações foram beneficiadas e souberam aproveitar bastante do contexto
socioeconômico, cultural, político e religioso do último quarto de século. Acerca
disso, convém ressaltar a agudização das crises social e econômica, o
recrudescimento da violência e da criminalidade, o crescimento do desemprego, o
declínio constante do catolicismo, a liberdade religiosa calcada na Constituição de
1988, o pluralismo religioso, a abertura política e a redemocratização do Brasil, o
grande investimento e a rápida difusão dos meios de comunicação de massa.
Entre as igrejas pentecostais, há as neopentecostais. O neopentecostalismo é
formado por grupos autônomos que “extrapolam” os princípios e tradições das
igrejas pentecostais clássicas. Tem origem no pentecostalismo, pois incorpora
concepções e práticas dele, como a relação íntima dos fiéis com o Espírito Santo e a
carga emotiva e forte nos cultos. Foi o desenvolvimento da Teologia da
Prosperidade na década de 1970 que deu origem a essa vertente. Dentre as
neopentecostais, podemos destacar:
50
• Igreja Universal do Reino de Deus; • Igreja Internacional da Graça de Deus; • Igreja Nova Vida; • Igreja Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra; • Igreja Renascer em Cristo; • Igreja Mundial do Poder de Deus; • Igreja Novo Destino; • Igreja Tabernáculo Evangélico de Jesus; • Igreja Maná; • Igreja Jesus Freaks; • Igreja Bola de Neve, entre outras.
As igrejas pentecostais, incluindo as neopentecostais, de acordo com dados do
Censo 2000, apresentam, em sua maioria, renda e escolaridade inferior à média da
população brasileira. Eles recebem até três salários mínimos e, em geral, ocupam
empregos domésticos, precários e modestos, numa proporcionalidade bem acima da
média nacional. No que se refere à cor, a maioria é negra e parda, numa proporção
superior à média nacional. Eles são integrados mais por crianças e mulheres do que
por adultos (MARIANO, 2004; JACOB et al, 2004; PIERUCCI, 2007;).
No Brasil, além da Igreja Católica e das Igrejas Evangélicas, há também as
intituladas “outras religiões”, religiões “não cristãs” ou “neocristãs”. Elas
representam, de acordo com o Censo 2000, 3,5 % da população (PIERUCCI, 2006).
Segundo Pierucci (2006), essas religiões estão fora do campo das igrejas ou
denominações cristãs. O autor também diz que, em nosso País, há uma infinidade
de denominações religiosas, que, no entanto, são pouco representadas no conjunto
total das religiões brasileiras. Dentre elas podemos destacar as religiões mediúnicas,
como o Espiritismo Kardecista, difundido bastante nas classes médias urbanas e
escolarizadas, e as religiões afro-brasileiras16, ou “religiões dos orixás”, como a
Umbanda e o Candomblé. De acordo com Pierucci (2004, 2006, 2006a), a
Umbanda, nos últimos censos, está em declínio no Brasil: em 1991, apresentou
432.001 seguidores, e, em 2000, 541.518, uma perda superior a cem mil adeptos. Já
o Candomblé apresenta um crescimento superior a trinta mil seguidores: de
106.957, em 1991, passa para 139.329 adeptos em 2000. Uma das razões para tal é
a avançada evangélica e o sincretismo religioso existente no Brasil, já que muitas
16 A partir de 1991, o IBGE separou, dentro das religiões afro-brasileiras, o Candomblé da Umbanda.
51
pessoas ligadas a outras denominações cristãs, principalmente, não se declaram
adeptos das religiões afro-brasileiras.
As religiões não cristãs que têm uma importância cultural mais do que representativa
no que se refere aos números nos censos são: o Hinduísmo, o Judaísmo, o
Islamismo, o Budismo, o Xintoísmo, entre outras. Para Pierucci (2006), há outras
“Igrejas não cristãs” difíceis de ser classificadas, mesmo quando elas utilizam em
seus nomes termos da religião cristã, como é o caso da Igreja Ciência Cristã. Além
dessa, podemos integrar como igrejas não cristãs a Igreja Adventista do Sétimo
Dia17, as Testemunhas de Jeová, a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos
Dias (os Mórmons), a Legião da Boa Vontade (LBV). De acordo com o autor
mencionado, essas igrejas ou seitas, à primeira vista, parecem ser protestantes, no
entanto, em razão de não pertencerem à linhagem de igrejas da Reforma
Protestante, os estudiosos geralmente não as classificam como tal, mas, sim, como
neocristãs.
Um grupo que está em constante ascensão no mosaico da religião no Brasil são os
chamados “sem religião”. Estes, de acordo com Pierucci (2004a), são os
“desencaixados de qualquer religião”, desfiliados e desligados de qualquer
autoridade socialmente constituída; são pessoas que não se submetem a uma
autoridade religiosa. Entre eles estão os ateus, os agnósticos e os religiosos sem
religião. Os agnósticos, por acreditarem que certas questões, como a existência de
Deus, está longe do entendimento humano; são extremamente céticos quanto à
existência de uma autoridade divina; eles “[...] não acreditam nem deixam de
acreditar em Deus” (RODRIGUES, 2007, p. 68). Os ateus negam qualquer
existência de alguma divindade e dispensam justificações divinas para a existência
da vida. Já os religiosos sem religião têm crenças, mas não estão vinculados a
instituições religiosas.
17 Não há um consenso entre os autores, a própria instituição religiosa e os institutos de pesquisa quanto à classificação da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Alguns autores, como Pierucci (2006), Gaarder, Hellern e Notaker (2006) e a própria Igreja a classificam como neocristã, paracristã, Igreja paralela à Reforma, ou de Cristianismo de Fronteira, em razão de ela não pertencer à linhagem da Reforma Protestante, ou por ter sido criada paralela a esta. Já o IBGE e Jacob et al (2004), entre outros autores, classificam-na dentro do Protestantismo Histórico ou de Missão. Mesmo diante desse impasse classificativo, ficaremos com a posição dos primeiros autores e da instituição religiosa quanto à classificação da referida Igreja.
52
No Censo do IBGE de 1940, esse grupo apresentou um percentual ínfimo de 0,2%
no conjunto do mosaico religioso brasileiro, mas já no Censo de 2000 esse
percentual subiu para 7,3%, culminando num aumento da ordem de 52% em
cinqüenta anos (NOVAES, 2006). O estado do Rio de Janeiro, no conjunto do Brasil,
concentra o maior número dos sem religião, com um percentual de 15,5%,
significando uma queda do catolicismo nesse estado, que apresenta a menor taxa
do País, com 57,1% de católicos. Isso foi gerado também pela escalada galopante
dos evangélicos na população fluminense.
Uma grande novidade, para Pierucci (2006, 2006a), que não havia na tradição
religiosa brasileira, é a presença de igrejas alicerçadas na chamada Teologia da
Prosperidade18. Essa perspectiva utilizada pelas pentecostais e, principalmente,
pelas neopentecostais, como a Igreja Universal, enfatiza explicitamente na questão
do dinheiro, prometendo melhorias de vida neste mundo para o aqui e o agora, ao
contrário da tradição religiosa milenarista, baseada em princípios e em promessas
para o milênio, para o futuro.
2.3.1 JUVENTUDES E RELIGIÕES: CAMINHOS E DESENCONTROS
A relação entre juventude e religião, pelo andar dos acontecimentos e das
transformações que a sociedade brasileira viveu no último século e que vive no
limiar do século XXI, evidencia-se como delicada e complexa, a priori, por dois
importantes fatores que se confluem entre si. O primeiro considera, conforme acima
salientado, a diversidade de concepção e vivência da juventude abarcando os seus
vários condicionantes. O segundo ressalta as profundas transformações que se
estão tecendo no campo religioso da sociedade brasileira.
Ao se basear no sociólogo italiano Enzo Pance, Novaes (2006) destaca que, em
tempos de globalização, a concepção de religião como fonte distribuidora de
imagens no mundo está em processo de crise, principalmente com o fenômeno
18 De acordo com Mariano (2003), a doutrina da Teologia da Prosperidade foi criada na década de 1950 pelo americano Oral Roberts. Este, para bancar os crescentes custos de seus programas na TV, começou a pregar a doutrina da prosperidade, prometendo uma “vida abundante” e um efetivo “retorno financeiro” aos seus ofertantes. O autor mencionado, ao se basear em Hadden e Shupe, destaca que a origem e a expansão dessa doutrina está relacionada, em grande medida, à expansão do televangelismo americano.
53
chamado de desinstitucionalização religiosa. Isso pressupõe considerar que as
religiões não são mais as principais fontes produtoras de sentido de geração a
geração pelas autoridades religiosas reconhecidas para tal, como outrora, o que
poderia culminar numa compreensão de que haveria, nos mecanismos de
reprodução simbólica, um estado de falência que levaria ao fim das religiões. No
entanto, argumenta a autora, simultâneo a esse processo de crise, há uma intensa
presença das religiões no cenário público, como também nas biografias concretas
de milhões de pessoas que procuram buscar um sentido religioso fora, dentro e à
margem de sua religião de origem, como confirmam a mídia e as pesquisas
acadêmicas.
Esse universo aparentemente contraditório transita na experiência dos jovens com a
religião. Porque, por um lado, os jovens estão vivendo num contexto de
“desaparecimento de fronteiras simbólicas rígidas” entre campo religioso e campo
mágico, entre cosmologias religiosas, e entre religião e novas crenças seculares e
pararreligiosas, visto que estão menos submetidos a autoridades religiosas
tradicionais. Por outro, porque eles também estão tendo contato com mensagens
relacionadas à ética que inclui a paz no mundo, a defesa do ecossistema, dos
direitos humanos, entre outras, propagadas tanto pelas grandes religiões mundiais
históricas, E essas mensagens evidenciam um processo de secularização interna
em que há um espírito mundial, não santo, das religiões que fazem pacto com os
sinais do tempo, com o mundo (NOVAES, 2006).
Para Novaes (2004, 2005, 2006) e Rodrigues (2007), num contexto da existência de
um mundo religioso plural e competitivo, os sujeitos estão vivendo formas diferentes
de lidar com a religião. Assim, os grupos e indivíduos aderem à religião devido a
uma reinvenção das tradições, assim como outros se juntam a ela devido a
rearranjos provisórios entre ritos e crenças, com ou sem vínculos institucionais,
possibilitando assim uma grande modalidade sincrética. Sobre isso, as autoras
salientam que as pesquisas atualmente registram novas combinações entre crenças
e práticas mediúnicas e o intitulado universo nova era, em que se vê, por exemplo,
uma loja de produtos afro-brasileiros vendendo mercadorias esotéricas ou vice-
versa. Hoje os jovens marcam, em seus corpos e vestuários, símbolos da
54
cosmologia afro-brasileira e esotérica assim como usufruem da literatura kardecista,
dando vazão a uma visibilidade pública de suas religiosidades.
São comuns também, na relação dos jovens com as denominações religiosas,
situações em que, mesmo quando eles se declaram católicos, não abdicam de
freqüentar os terreiros ou centros espíritas. Bastante detectado nas pesquisas, esse
fenômeno pode significar tanto uma estratégia de legitimação ou apresentação
social diante dos preconceitos sofridos pelos praticantes das religiões afro-
brasileiras ao longo da história, quanto um “duplo pertencimento religioso”,
possibilitando desse modo um trânsito entre duas instituições religiosas, no caso o
Catolicismo e o Candomblé, ou a Umbanda. Nesse sentido, há um hiato entre as
práticas efetivas dos fiéis e as doutrinas oficiais, que nos faz pensar que os jovens
recriam suas formas de relacionamento com a religião, produzindo uma relação
intensa com o sagrado, dentro e fora de instituições religiosas de origem. Essas são
situações de vida possibilitadoras de produção de identidades coletivas
extremamente significativas e influenciadores na existência dos jovens
(RODRIGUES, 2007).
No Brasil, isso sofre grande influência pelo declínio da hegemonia do Catolicismo,
assim como pelas conseqüências da globalização, em que a circulação intensa das
crenças religiosas em diversos espaços, cujas formas de apropriação e
reapropriação ocorrem de diferentes maneiras e ritmos, ancoradas às formas
discrepantes de acesso às novas e velhas tecnologias da informação. O processo
de globalização, entre outras características, gerou um desenraizamento religioso e
cultural, produzindo um grande efeito para a geração da década de 1970, no que
tange à relação com a religião.
De acordo com Novaes (2004, 2006), a incerteza perante o futuro profissional,
considerando-se um mercado excludente e restritivo, como também o medo de uma
morte violenta são razões para a intensificação da busca de recursos sobrenaturais,
pelos jovens, tanto para dar sentido à vida, quanto para lidar com as intempéries da
inserção social. Essa busca não se isentar das relações consumistas, individualistas,
alienantes e modistas, nem também pode desconsiderar a afirmação da ética, da
paz, da ecologia e do pertencimento religioso como espaço de agregação social.
55
Assim, essa geração está mais suscetível a uma vivência de novas escolhas
religiosas ou do trânsito religioso com novas combinações sincréticas, a uma
libertação das religiões de origem e a uma efetiva escolha individual com a produção
de sínteses pessoais sem vínculos institucionais, ou seja, “ser religioso sem religião”
(NOVAES, 2006). Desse modo, considerando-se as desigualdades sociais e
diferenças culturais, são os jovens que têm maiores chances de mobilizar e atualizar
os novos sentidos da religião na sociedade, na medida em que “[...] exploram as
várias possibilidades, fazem novos arranjos e dão nova visibilidade à religião,
ressemantizando-a sem pudores e ocultações” (NOVAES, 2006, p. 137).
Para Rodrigues (2007), a viabilidade desse trânsito que os jovens tendem
atualmente a fazer entre as religiões decorre também do fato de haver uma “adesão
mais fluida” e “vínculos mais tênues” com as instituições religiosas. Eles são
provocados seja pela abertura ao novo, seja pela busca de respostas às angústias e
dúvidas existenciais, seja pela liberdade perante as exigências incompreensíveis ou
pelos incômodos quanto às atitudes inadequadas de líderes religiosos que
percebem. Assim, definidos como os “buscadores do sagrado”, há jovens que, num
curto período de tempo, passaram por várias experiências religiosas. Isso reafirma a
idéia de que a religião é um campo efetivo de experimentação e de escolhas para os
jovens, mesmo considerando que suas decisões não sejam definitivas e/ou
irreversíveis.
Nesse sentido, há que se considerar que a religião se torna mais um espaço de
sociabilidade e de conhecimento para os jovens, e que às vezes estes se
aproximam das instituições religiosas, através de grupos também de jovens, por
certas razões, tais como fazer amigos, conhecer outras pessoas ou buscar
companheiros para relações afetivas. É também a partir do contato com algumas
religiões que muitos jovens têm acesso a lazer ou oportunidades para tal, como, por
exemplo, passeios, acampamentos, viagens, espetáculos religiosos de música,
dança, teatro. Entretanto, isso pode ter um efeito contrário, quando os jovens têm
acesso a grupos religiosos juvenis que se fecham em si mesmos, impossibilitando
tanto o contato ou convívio com o entorno social, quanto o uso do tempo livre em
instâncias de sociabilidade juvenil disponíveis em outros espaços e tempos da
sociedade (RODRIGUES, 2007).
56
Se já destacamos que houve uma considerável transformação no mosaico da
religião do Brasil no que se refere à população em geral, os dados censitários da
conjugação entre juventude e religião não ficam aquém das modificações de grande
monta que ocorreram no escopo da religiosidade brasileira nos últimos censos. De
acordo com o Censo do IBGE de 2000, a faixa etária compreendida entre 15 a 24
anos apresenta as mesmas modificações observadas em relação à religião, no
conjunto da população em geral, com pequenas diferenças. Entre os jovens, a a
Igreja Católica representa um universo de 73,6%, o mesmo percentual percebido na
população em geral. Os jovens evangélicos, com um ritmo de crescimento um pouco
menor do que o da população geral, contemplam-se com 14,2%. Destes, 10,2%
pertencem às denominações pentecostais e 3,9% às denominações tradicionais ou
protestantes históricos. Já os denominados sem religião, incluindo ateus e
agnósticos, detêm 9,3%, percentagem que se apresenta com um crescimento de
25% no conjunto da população brasileira, que tem 7,4%. Sobre esse considerado
incremento dos chamados sem religião, temos: [....] se é verdade que hoje e ontem há jovens de diferentes religiões, há jovens que se definem como ateus e agnósticos, certamente em nenhuma outra época houve tantos jovens que se identificassem com a alternativa acreditar em Deus, mas não ter religião. Não por acaso, atualmente esta última alternativa se tornou obrigatória nas pesquisas sobre religião (NOVAES, 2006, p. 142).
Rodrigues (2007) e Novaes (2006, 2004, 2005) ressaltam que o aumento dos sem
religião não representa um crescimento mais acentuado em relação ao ateísmo
entre os jovens, pois algumas pesquisas19 captaram que a maioria dos que estão
desvinculados de instituições religiosas tem alguma crença, se aproxima do sagrado
e experiencia o místico sem identificação religiosa. Isso pode significar tanto um
intervalo de experimentação de diversas escolhas e adesões religiosas, quanto um
novo caminho de fé sem vínculo com alguma instituição religiosa. Portanto, “[...]
definir-se como sem religião pode expressar tanto momento de um processo, um
estado provisório, quanto significar uma escolha religiosa, um ponto de chegada”
(NOVAES, 2006, p. 158).
19 Ver a pesquisa Perfil da Juventude Brasileira, do Projeto Juventude/Instituto Cidadania, encontrada em www.projetojuventude.org.br e (NOVAES, 2005), ou a pesquisa Jovens do Rio (NOVAES; MELLO, 2002).
57
Há a hipótese de que a geração atual de jovens vive um tempo de enfraquecimento
tanto da partilha dos sentimentos de pertencimento católico, quanto de obrigação
social de ser católico, e isso se torna mola propulsora para aumentar os
denominados sem religião, “[...] sem deixar de freqüentar os centros espíritas, da
umbanda e do candomblé” (NOVAES, 2006, p. 142).
Outra situação relativa às mudanças ocorridas nas pesquisas sobre juventude e
religião é a que se refere à diminuição da influência da família na definição da
escolha da religião dos filhos, fenômeno denominado transferência intergeracional
da religião. Conforme a pesquisa Jovens do Rio, desenvolvida por Novaes e Mello
(2002), há uma percentagem de 50% de jovens entrevistados que sofreram a
influência da família na escolha da religião. A outra metade é influenciada por
motivos pessoais, por amigos ou por agentes religiosos. Isso realmente significa
uma possibilidade maior de trânsito entre as religiões de forma precoce entre os
jovens. Pierucci (2007a) explica-nos que a diminuição da influência dos pais em
relação à escolha da religião dos filhos está ligada à perda da força das tradições e
a um clima de liberdade religiosa que o Brasil atravessa, possibilitando assim um
processo de “desfiliação das religiões” dos pais.
Para um sociólogo como eu isso significa um fenômeno absolutamente extraordinário, que é o fenômeno ligado àquilo que a gente chama na Sociologia de processo de modernização que tem a ver com a perda de forças das tradições. Então, antigamente você era muito mais ligado nas tradições, os seus laços eram tradicionais. Hoje as pessoas estão muito mais abertas às novidades. Então, os mais jovens e os filhos ficam mais liberados para se desfiliar, digamos assim, das religiões dos pais. Mas isso é interessante também porque isso mostra que hoje no Brasil se respira um clima grande de liberdade religiosa. A possibilidade de mudar de religião já é uma coisa feita como normal. E isso é uma coisa do final do século XX, não era assim antes.20
No entanto, a possibilidade sincrética oriunda do enfraquecimento da influência dos
pais na deliberação das religiões dos filhos é mais viável entre os adeptos da Igreja
católica do que entre os evangélicos, incluídos aqui os históricos e os pentecostais.
Por haver uma grande assiduidade destes em suas igrejas, os evangélicos reiteram
os seus pertencimentos em suas “redes de irmãos”, o que repercute na adesão e na
reafirmação da identidade de “ser evangélico”, não viabilizando, portanto, uma 20 Entrevista concedida em 8/9/20007 pelo sociólogo Antônio Flávio Pierucci, da USP, à SESCTV, no Programa Filhos, cuja temática era Ensino Religioso. Transcrição nossa.
58
mobilidade entre outras religiões. Sobre isso, a pesquisa Perfil da Juventude
Brasileira21 mostra que 100% dos evangélicos freqüentam apenas ritos ligados à
suas instituições, enquanto em torno de 10% de católicos aceitam a participação em
outros atos religiosos, como os da Umbanda, do Candomblé, do Espiritismo
Kardecista e até mesmo dos cultos evangélicos, pentecostais ou não. Isso tende a
aumentar, devido ao incremento constante dos evangélicos no mosaico da
religiosidade brasileira, conforme o Censo 2000, impossibilitando assim um efetivo
crescimento do sincretismo religioso no Brasil. Hoje com a entrada das igrejas protestantes e a divisão das igrejas protestantes, há uma idéia de que o seguidor de uma igreja protestante, um evangélico, ele tem uma religião só. Já o católico tem uma possibilidade maior de freqüentar outras religiões, sobretudo as religiões espíritas, as religiões afro-brasileiras; há uma curiosidade com as religiões orientais: Seicho-no-iê22, a Igreja Messiânica. Então o catolicismo, eu não vou dizer a Igreja Católica, mas o católico é mais receptível a essa possibilidade de transitar por outras religiões, mais receptível do que o protestante, do que o evangélico. [...] Se crescem os evangélicos, você vai ter uma proporção maior da população afirmando uma religião só: eu só sigo uma religião e não freqüento outra religião, não pratico coisas ligadas às outras religiões. É uma coisa mais exclusivista23 (PIERUCCI, 2007, p. 1).
Diante disso, percebemos que a religião é uma instância social que os jovens têm
contato direto ou não e isso repercute, não de forma definitiva, nas suas existências
e na produção de suas subjetividades, significando diferentes rumos e referenciais
de se experienciar as juventudes num contexto social gerador de várias
possibilidades de contato ou não com o sagrado. Mais adiante, veremos como a
religião está presente no P.E.A. da Escola Rosa Linda, considerando a lógica e os
interesses embasadores de tal demarcação num programa inserido num espaço
público.
21 Essa pesquisa (NOVAES, 2005) ouviu 3.501 jovens de 15 a 24 anos, abarcando uma diversidade geográfica e diferenças de renda do Brasil. 22 Seicho-no-iê é uma igreja de origem japonesa de cunho monoteísta, que enfatiza o não-sectarismo religioso, as práticas de gratidão à família e a Deus, e o poder da palavra positiva que influencia na formação de um destino feliz. Surgiu em 1930, no Japão, e foi fundada por Masaharu Taniguchi (1893–1985), que incorpora elementos da ciência, do Cristianismo, do Budismo e do Xintoísmo (PIERUCCI, 2006). 23 Entrevista à SESCTV, em 8/9/2007. Transcrição nossa.
59
2.4 A CONSTITUIÇÃO DO SOCIAL NO ESPAÇO PÚBLICO E NO ESPAÇO
PRIVADO
Para pensar nas delineações, na configuração, na estrutura e na maneira como o
P.E.A. acontece nas escolas brasileiras, considerando a diversidade dos sujeitos e a
multiplicidade que ambos vivenciam suas vidas nessas instituições, torna-se
pertinente e relevante a discussão das esferas do espaço público e do espaço
privado. A contribuição da filósofa e cientista política alemã Hannah Arendt (1906-
1975) é de extrema importância para a tentativa de compreensão dessas duas
esferas.
Para Arendt (1993), a vida humana pressupõe uma teia de relações num mundo,
que, direta ou indiretamente, testemunha a presença de outros seres humanos. A
ação só pode ser pensada dentro das sociedades de homens, visto que “[...] todas
as atividades humanas são condicionadas pelo fato de que os homens vivem
juntos”. (ARENDT, 1993, p. 31)
A totalidade desses negócios humanos – no contexto do século XX através de
acontecimentos marcantes como os envolvidos na Segunda Guerra Mundial, a
morte de seis milhões de judeus e o terror nazista – sofreu um processo de
“fragilização” em que os critérios que distinguiam os homens, o bem e o mal, a
mentira e a verdade foram subvertidos e aniquilados. A modernidade foi marcada
por um período em que os homens tiveram de lidar com os dilemas da convivência
humana, resultantes dessa época, sem as garantias dos fundamentos que outrora
eram fundantes nas relações humanas, como a religião e a tradição (TELLES, 1990,
1999). Assim,
[...] se ambas perderam sua credibilidade no mundo moderno, isso acarretou ao mesmo tempo, no dizer de Hannah Arendt, a perda da autoridade que o passado tinha para os homens e na qual estes se apoiaram, sempre, para se guiar entre as coisas inevitavelmente instáveis e mutantes do mundo (TELLES, 1999, p. 30).
Com a perda desses critérios do passado, sustentáculos e alicerces do ser humano,
as definições de homem passaram a depender diretamente da “contingência da
convivência humana”, assim como da capacidade de os homens engendrarem suas
60
“referências partilhadas” de um senso comum. Esses critérios passaram a ser
forjados nas relações e experiências que os homens constroem na realidade do
mundo. Com isso, há entre eles uma comunicação e a efetivação da pluralidade
humana a partir da constituição da opinião e do julgamento (TELLES, 1990, 1999).
Arendt (2004) diz-nos que o mundo será humano apenas quando for “objeto de
diálogo”, no sentido de haver possibilidade de debate entre os sujeitos, por mais que
as coisas possam nos tocar, emocionar e estimular. O diálogo proporciona a “esfera
do comunicável”, que traz consigo um princípio de discriminação de critérios de
relevância, importância e pertinência, que constrói as fronteiras de um “público
universal”. Essas fronteiras originaram e fomentam todas as vozes e opiniões
suscetíveis e capazes de julgamento (TELLES, 1990, 1999).
A noção de espaço público do pensamento de Hannah Arendt é oriunda da
interpretação e análise que ela faz do regime totalitário. Para ela, além de o mundo
moderno perder os critérios de referência dos homens, o mesmo foi acompanhado
pela ausência de sentido do espaço público, por ser marcado pela despolitização da
sociedade, pela indiferença às questões públicas, pelo individualismo, pela
competição, pela atomização e pela instrumentalização do mundo. Exemplo disso foi
a situação dos judeus, considerados os párias da sociedade, e de todas as pessoas
que na Alemanha viveram sob os auspícios do “anel de ferro” do regime totalitário,
assim como dos apátridas, que perderam, antes e depois da II Guerra Mundial, o
direito de cidadania (TELLES 1990, 1999).
Para Arendt (1993), o termo público exprime dois fenômenos que são estreitamente
relacionados, mas que também não são idênticos.
Em primeiro lugar, tudo o que se publiciza ou que vem a público, assim como o que
tem maior abrangência ou divulgação possível, pode ser visto e ouvido por todos. A
aparência, o que pode ser visto e ouvido por todos, é o que constitui a realidade.
Nesse sentido, “[...] a presença de outros que vêem o que vemos e ouvem o que
ouvimos garante-nos a realidade do mundo e de nós mesmos” (ARENDT, 1993, p.
60). Sendo assim, a nossa percepção da realidade é dependente dessa aparência e
da existência de uma esfera pública em que as coisas também podem surgir da
61
obscuridade de uma existência resguardada, oriunda do espaço privado. Entretanto,
para a autora, há muitas coisas que não agüentam “[...] a luz implacável e crua da
constante presença de outros no mundo público”, (ARENDT, 1993, p. 61), porque só
é tolerado o que é relevante, o que pode ser visto e ouvido; o que não pode ser visto
e ouvido torna-se irrelevante, o que é adstrito ao âmbito privado.
É preciso ressalvar que Hannah Arendt não confere uma conotação e um sentido
necessariamente negativo à vida privada. Ela demarca que esse âmbito tem um
lugar específico no mundo e protege contra a “luz forte da publicidade” do espaço
público. Portanto, em seu pensamento não há uma desqualificação da esfera
privada. Seu intento é definir as fronteiras entre as formas peculiares da existência
humana no social, do público e do privado, em que ambas se encaixam em duas
experiências distintas de viver a realidade (TELLES 1990, 1999).
Em segundo lugar, Arendt (1993) diz que o termo público representa um “mundo
comum” a todos, indiferentemente do lugar em que caibamos nele. Esse mundo
comum relaciona-se a um “artefato humano”, às produções humanas realizadas nas
relações entre os homens. Assim, “[...] conviver no mundo significa essencialmente
ter um mundo de coisas interposto entre os que nele habitam em comum” (ARENDT,
1993, p. 62), no sentido de que o mundo representa uma ação mediadora que
simultaneamente separa e estreita as relações entre os homens.
Portanto, a esfera pública como mundo comum possibilita uma relação recíproca
entre um e outro, na perspectiva de se evitarem choques nessa relação, situação
que requer a não-consideração do outro. Então, esse mundo comum, considerando
a existência de uma esfera pública, é engendrado numa ação diversa e
compartilhada de valores e significações, não consensual, respaldada na pluralidade
da ação e do discurso (palavra), que possibilita uma articulação/relação dos homens
num horizonte comum evidenciador e legitimador de uma interlocução viável. Sendo
assim, a ação da palavra inerente à peculiaridade individual de cada ser humano é
uma fertilidade que impregna a diferença e a pluralidade humanas que são
engendradas e desenvolvidas nas relações sociais. É esse mundo comum, por
ocorrer numa esfera pública, que realça a visibilidade, a liberdade, a realização, a
62
honra e, principalmente, a legitimação da existência e da excelência humanas
(ARENDT, 1993)
A perspectiva de direito, para Arendt, muito aquém de pertencer à esfera das
necessidades e demandas individuais, abrange uma sociabilidade política em que os
direitos só podem existir na sua efetivação concreta de realização. Como ponto
primordial de seu pensamento, ter direitos requer um pertencimento a uma rede
política em que as ações e opiniões peculiares de cada sujeito se encaixam na
direção dos “negócios humanos”, para além de uma concessão de direitos atrelados
a hierarquias, a ideologias e estereótipos construídos hegemonicamente por uma
lógica societária, como, por exemplo, uma perspectiva de direitos adstrita à condição
de classe, de raça ou de origem. Assim, a constituição de direitos ou a ascensão a
eles é concretizada e terá resultados a partir da ação humana desenvolvida num
mundo compartilhado em prol desses direitos e não derivados do controle de um
Deus nem da natureza individual do homem (TELLES, 1990, 1999)..
No entanto, Arendt (1989) chama a atenção para a perda fundamental dos direitos
em que se pressupõe a manifestação na privação de um lugar no mundo que
possibilite a opinião/expressão significativa e a ação pertinente. Ao dizer que os
direitos dos cidadãos são mais fundamentais que a liberdade e a justiça, coloca que
eles (os direitos) estão ausentes nas seguintes situações: quando não existir mais a
possibilidade de o homem pertencer à rede política onde nasceu; quando não se
inserir nela pela sua livre escolha; quando numa determinada circunstância receber
um tratamento independente do que ele faça ou deixe de fazer. Nisso se
concretizam a privação dos direitos dos homens e a expulsão destes da
humanidade.
O homem pode perder todos os chamados Direitos do Homem sem perder a sua qualidade essencial de homem, sua dignidade. Só a perda da própria comunidade é que o expulsa da humanidade (p. 331). [...] Só uma comunidade completamente organizada, a perda do lar e da condição política de um homem pode equivaler à sua expulsão da humanidade (ARENDT, 1989, p. 330).
Assim, mesmo que o mundo comum seja constituído por “[...] um terreno comum a
todos”, os sujeitos vivenciadores desse mundo ocupam nele diferentes lugares, na
63
perspectiva de que o lugar de um não coincide com o de outro, “[...] da mesma forma
como dois objetos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço” (ARENDT, 1993, p.
67). Isso é possível, embora os sujeitos no mundo comum estejam todos
interessados no mesmo objeto. Portanto, o importante na constituição desse mundo
comum é que todos vêem e ouvem de diferentes ângulos e perspectivas, porque há
possibilidades reais, a partir das relações humanas no espaço público, de todos
serem vistos e ouvidos por outros “na multidão de espectadores”.
Somente quando as coisas podem ser vistas por muitas pessoas, numa variedade de aspectos, sem mudar de identidade, de sorte que, os que estão à sua volta sabem que vêem o mesmo na mais completa diversidade, pode a realidade do mundo manifestar-se de maneira real e fidedigna (ARENDT, 1993, p. 67).
No entanto, quando se consegue discernir a mesma identidade do objeto e a
natureza humana, prossegue a destruição do mundo comum, que precede a
destituição da pluralidade humana peculiar a esse mundo. Para tal, de acordo com
Arendt, isso pode ocorrer na condição de uma espécie de “isolamento radical”, em
que não pode haver concordância entre os homens, numa correlata relação a uma
sociedade tirânica, assim como numa condição de “sociedade de massas” ou
“histeria em massa”, em que todos se comportam de maneira súbita como se
pertencessem a uma única família, no sentido de que cada um manipulará e
prolongará a perspectiva do vizinho. Uma outra conseqüência da ausência do
espaço público é a perda da igualdade e, portanto, dos direitos, que apenas se
concretizam e se constroem pela liberdade pública (ARENDT, 1993).
Arendt (1993), ao considerar o termo “privado” na sua originalidade como privação,
indica que uma vida humana vivida em sua privacidade – proteção daquilo que é
íntimo – pressupõe a destituição das coisas essenciais à existência humana:
privação de uma realidade possibilitadora da visibilidade de ser visto e ouvido por
outros; privação da realização de algo permanente para além da própria vida;
privação de uma relação “objetiva” com os outros, que ouvem e que falam, que são
vistos e ouvidos, em decorrência de se ligarem e se separarem pela via de um
mundo comum, constituidor de uma realidade vivida compartilhadamente. Arendt
ressalta que essa privação das relações objetivas com os outros e da realidade,
engendrada pelos indivíduos no contexto da sociedade moderna, produziu o
64
fenômeno da “massa da solidão”, que assume a forma mais extremada e mais “anti-
humana” de uma ausência de esfera pública.
De acordo com Arendt (1993), a “privação da privatividade”, em que o indivíduo se
priva de algo e até das mais altas capacidades humanas, requer a não-consideração
do outro, no sentido de que este é constituído efetivamente na sua ausência. O
espaço privado atrela-se ao mundo subjetivo, é aversivo e alheio ao mundo das
coisas e dos homens. Sendo assim, o homem não é reconhecido, ou é visto como
se não existisse no estado de privação constituidor da esfera privada. Nessa
situação, não importa o que ele faça, pois isto será visto como algo indiferente, sem
importância, e não influenciará na relação com o outro, e o que é relevante para
esse homem será destituído de interesse dos outros. Por isso, “[...] para esse
indivíduo, o outro pouco importa e pouco conta, sua existência ou não existência não
faz a menor diferença. Equivale a experiência de indivíduos que tornaram supérfluos
no mundo” (ARENDT, 1993, p. 48).
Enfim, é uma negação do outro em que este, além de não ser reconhecido e
considerado num mundo comum, respaldado pela pluralidade da ação e da palavra,
também não terá a possibilidade de pertencimento real de viver esse mundo comum,
pois o mesmo ou é ignorado ou está arruinado (ARENDT, 1993).
Na privatividade do espaço privado, diz-nos Arendt (1993), o que envolve a
dimensão particular de uma pessoa apresenta-se como uma parede protetora ou
“refúgio” contra o mundo público comum, gerando a negação completa da realidade
da esfera pública e o impedimento da publicidade e visibilidade desta. Nesse
sentido, a propriedade privada oriunda de um espaço privado constitui-se como local
privilegiado de resguardar a “sombra” do que deve ser ocultado contra a
evidenciação e publicização do mundo comum. Esse local “[...] é só nosso, no qual
podemos nos esconder”. (ARENDT, 1993, p. 81)
A esfera da vida privada distingue-se da esfera da vida pública primeiramente
porque esta “[...] é tão consistentemente baseada na lei da igualdade como a esfera
privada é baseada na lei da distinção e da diferenciação universal” (ARENDT, 1989,
p. 335), depois, porque a esfera privada pertence ao âmbito da família, a
65
“comunidade natural do lar”, das atividades propícias à manutenção da vida, através
do labor; que adviria da necessidade que era a principal atividade do lar. Já a esfera
pública demarca o âmbito da política, a polis, relacionada às atividades inseridas no
“mundo comum”, que abrange a liberdade localizada no social. Portanto, há uma
liberdade pública como maneira de sociabilidade política que efetiva o
reconhecimento do direito do outro à ação e à opinião (TELLES, 1990, 1999).
Nessas circunstâncias, o pensamento arendtiano, Arendt (2003), ressalta que
quando o mundo comum a todos é transfigurado por um contexto objetivado que
negligencia a referência ao outro, possibilita a desconsideração do “artefato
humano” como medida de valor, ao ser invadido por uma lógica instrumental em que
não há nem fronteiras nem limites. Nisso não há possibilidade de efetivação do
mundo comum, pressuposto de relações humanas compartilhadas e valoradas pela
potencialização e pelo reconhecimento da visibilidade e validade dos sujeitos nos
espaços da esfera pública.
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CAPÍTULO 3
POR DENTRO DO ESPAÇO DA INVESTIGAÇÃO
3.1 O ENTORNO DA ESCOLA ROSA LINDA: O BAIRRO MARIA ORTIZ
Um bairro ou uma escola não se encontram em suas localidades como se fossem
eremitas isolados de um contexto maior que os estrutura e influencia em sua
formação e configuração. Nesse sentido, o bairro e a escola, objetos desta pesquisa,
são entrelaçados pela situação política, econômica, social e cultural da conjuntura
que os constituíram e os constituem.
A Escola Rosa Linda faz parte do Bairro Maria Ortiz, situado no município de
Vitória/ES, numa área de 556.004 m², cuja população é de 11.559 habitantes, dos
quais 6.040 (52,25%) são mulheres e 5.519 (47,75%) são homens. Configura-se
assim como o quarto bairro mais populoso da capital capixaba, num universo de 83
bairros. A sua densidade populacional é de 3,52 pop/ha. No que se refere aos
jovens, o Bairro Maria Ortiz tem 3.735 na faixa etária de 15 a 29 anos, totalizando
assim um percentual de 32,31% dessa população (IBGE, 2007).
O Bairro integra, entre as sete regiões administrativas do município de Vitória/ES, a
Região VI, intitulada de Continental, que abarca uma população de 83.092
habitantes, abrangendo os seguintes bairros:24 Aeroporto, Antônio Honório, Bairro
República, Boa Vista, Goiabeiras, Jabour, Jardim Camburi, Jardim da Penha, Maria
Ortiz, Mata da Praia, Morada de Camburi, Pontal de Camburi, Segurança do Lar e
Sólon Borges.
O Bairro Maria Ortiz localiza-se na parte noroeste de Vitória/ES e faz limite, ao sul,
com os bairros Antônio Honório e Jabour, a leste, com a Avenida Castro de Matos
que desemboca na Avenida Fernado Ferrari (BR101/Norte), ao norte e a oeste, com
a linha de alta tensão que circunscreve a Reserva do Manguezal Lamerão (CRAVO,
1995). Está na região que abrange o Aeoroporto, a Universidade Federal do Espírito
Santo e a Praia de Camburi. Nesse Bairro é que são produzidas as panelas de
24 Nessa região, é evidente uma conjugação entre os bairros, cujos limites territoriais quase não são visivelmente percebidos.
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barro, utilizadas na preparação da moqueca capixaba, cuja tradição ultrapassa 400
anos.
Mapa 1: Região Continental – VI Fonte: Vitória On-line, 2007
O Bairro Maria Ortiz originou-se no início da década de 1970. Entretanto, foi
reconhecido legalmente apenas em 1º de dezembro de 1976, através da Lei nº
2.660, sancionada por Setembrino Idwaldo Netto Pelissari, o então prefeito municipal
de Vitória/ES (CRAVO, 1995). Nessa época, o projeto de lei de legalização do nome
do Bairro justificou-se pela importância histórica e lendária de Maria Ortiz.25
Em sua formação, o Bairro caracterizou-se como eminentemente de migrantes, que
vieram do interior do Estado em busca de melhores condições de vida e de emprego
na Capital. Como isso não ocorreu, as famílias interioranas acabaram ocupando os
mangues e/ou morros da periferia da Grande Vitória26 (CRAVO, 1995).
De acordo com Moreira e Perrone (2007), o Espírito Santo, na década de 1970,
principalmente em Vitória, gerou toda uma conjuntura provocadora de um intenso
25 Heroína capixaba que em 1624 expulsou os holandeses que invadiram a baía de Vitória/ES. Ela organizou com outras mulheres uma resistência contra esses inimigos ao expulsá-los com caldeirões de água fervendo, pedras, paus, brasas e dejetos. Em 15 de outubro de 1924, foi construída, no centro da cidade de Vitória/ES, uma escadaria que, em sua homenagem, recebeu o nome de Escadaria Maria Ortiz. A Escadaria liga a Praça Oito à Cidade Alta. 26 Grande Vitória designa a Região Metropolitana do Espírito Santo, criada em 1995 com a finalidade de correlacionar e buscar soluções administrativas públicas para lidar com os problemas comuns aos seguintes municípios: Vitória, Vila Velha, Cariacica, Viana, Guarapari e Fundão. Para planejar o desenvolvimento urbano conjugado dos municípios da Grande Vitória foi criada a Companhia de Melhoramento e do Desenvolvimento Urbano (COMDUSA). (MOREIRA; PERRONE, 2007).
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êxodo rural para a capital capixaba. Nessa época, vivia-se o Período Militar
Brasileiro, contexto em que se instauraram, em terras espírito-santenses, Grandes
Projetos Industriais. Isso foi possível mediante uma política de mecanismos de
financiamentos pela via de incentivos e isenções fiscais, que contribuía para atrair
investimentos de empresas nacionais, estatais, de capitais privados e
multinacionais. Houve ainda uma transferência de capitais do setor agrícola para o
comércio e a indústria. A partir daí, o Estado dinamizou-se economicamente com a
ampliação da malha portuária e a instauração de grandes empresas, como a
Companhia Siderúrgica de Tubarão, a Aracruz Celulose e a Samarco.
Se, por um lado, foram geradas condições para o progresso e o desenvolvimento,
por outro, fomentou-se concomitantemente a desigualdade social com o surgimento
de bolsões de pobreza, o desemprego estrutural, o aumento da criminalidade, a
destruição e poluição do meio ambiente, entre outras. Portanto, confluiu nesse
período a ascensão da metropolização da Grande Vitória com um desenvolvimento
de grande monta, juntamente com uma política social excludente e aligeirada que
culminou no aprofundamento dos problemas sociais (MOREIRA; PERRONE, 2007).
O Bairro Maria Ortiz originou-se numa faixa de terra desocupada, perto do mangue,
onde a Prefeitura Municipal de Vitória (PMV) lançava o lixo, ação que se estendeu
até o manguezal. Essa área era denominada pelos moradores de “Lixão de
Goiabeiras”. A população era composta basicamente de “catadores de lixo”, que
tiravam sua subsistência da coleta e da comercialização desses dejetos. Isso
acarretava, nas décadas de 1970 e 1980, situações subumanas para os moradores
do Bairro, onde crianças e adultos viviam na mais absoluta miséria e eram vítimas
constantes de doenças causadas principalmente pela convivência com o lixão.
Nesse período, os lotes nas áreas de mangue foram urbanizados pela PMV. O
Bairro passou por um processo de urbanização que compreendeu obras de
pavimentação e drenagem, construção de praças, posto de saúde e escolas. Havia,
no entanto, um grande problema: nos limites do manguezal, as famílias ocupavam
as palafitas sob os fios de alta tensão da Espírito Santo Centrais Elétricas S. A
(ESCELSA), ver Foto 1. Quanto a isso, a imprensa capixaba alertava a sociedade
sobre o perigo que essas famílias corriam, o que levou a PMV, na década de 1980,
a implantar uma política de desocupação da área. Assim, o mangue foi aterrado e
69
foram construídas 294 casas populares para as quais as famílias foram transferidas.
Hoje essa área é conhecida como Residencial Maria Ortiz. No entanto, permanece
ainda no bairro um problema antigo, que é a transformação da orla do mangue em
depósito do lixo (CRAVO, 1995).
Foto 1: Torre de alta tensão e o mangue aos fundos, no Bairro Maria Ortiz.
Sobre a atual situação do lixo no Bairro, percebe-se que o problema permanece e
precisa ser resolvido, requerendo um trabalho de conscientização:
“Aqui nós já tivemos uma época em que os moradores da rua da Escola X27 colocavam lixo exatamente no portão de entrada da escola, e aí a escola se mobilizou e fez um trabalho, né? quer dizer, é um trabalho que precisa ser feito de conscientização, de mudança de cultura e que também precisa contar com a intervenção do poder público, porque às vezes é preciso estabelecer procedimentos também rigorosos para que o morador passe a colocar o lixo no lugar devido, né?” (Moradora28 do Bairro Maria Ortiz, 47 anos)
Sobre a atual situação socioeconômica dos moradores do Bairro, percebe-se ainda
a permanência da desigualdade social, conseqüência dessa história.
“Eu acho que hoje, né? é um bairro que você tem, diferentemente do início dele, que era caracterizado por uma pobreza muito grande, né? um grande número de pessoas com uma renda, né? bastante baixa, né? na faixa etária aí, de um a três salários mínimos. Mas também tem uma classe média. Então é um bairro que tem hoje, né? essa composição de classe média e de pessoas mais pobres”. (Moradora do Bairro Maria Ortiz, 47 anos)
27 Refere-se à outra escola de ensino fundamental do Bairro Maria Ortiz. 28 Esta moradora também integra a equipe da Secretaria de Educação do município de Vitória e trabalhou, em anos anteriores, na Escola Rosa Linda.
70
De acordo com essa moradora, já se encontra em tramitação na PMV um projeto29,
incluído no Orçamento Participativo (OP), de urbanização do local para a construção
de restaurantes, praças, quiosques, área de lazer, como quadras de esporte,
ciclovias e playground.
No Bairro há vários estabelecimentos comerciais, dentre os quais cinco lojinhas de
roupas, quatorze bares, uma casa noturna de bingo, duas lanchonetes de
hambúrgueres, duas mercearias, quatro lojas de materiais de construção, um local
de venda de móveis usados, quatro salões de cabeleireiro, dois lava-jatos, um
açougue, três locais de vendas de cosméticos em domicílio, uma serigrafia, uma
financiadora de motos, três padarias, duas eletrônicas, uma casa de jogos
eletrônicos, duas oficinas, uma loja de estofados, quatro locais de venda de gás,
duas sorveterias, uma loja de divisórias, uma farmácia, uma mercearia de verduras,
um pequeno restaurante, uma relojoaria, uma loja de manutenção e venda de
acessórios de informática, uma fábrica de material de segurança e uma financeira de
empréstimo.
No que se refere às instituições religiosas30, o Bairro Maria Ortiz apresenta: um
Centro Espírita, duas Igrejas Católicas, duas Igrejas Maranatas, seis Igrejas
Assembléias de Deus31, uma Igreja Deus é Amor, uma Igreja Cristã Evangélica, uma
Igreja Pentecostal Porta Estreita Caminho do Céu, uma Igreja Pentecostal Herdeiros
de Sião, uma Igreja Pentecostal Templo de Cristo, uma Igreja Pentecostal Voz do
Trovão, uma Igreja Pentecostal Armadura de Deus, uma Igreja do Evangelho
Quadrangular, uma Igreja Internacional da Graça de Deus, uma Igreja Nova Vida e
uma Igreja Comunidade Evangélica do Espírito Santo.
Uma questão que chama atenção, o que será verificado mais à frente quando
falarmos da inserção de instituições religiosas nas atividades do P.E.A. da Escola
29 O projeto foi aprovado em 10 de novembro de 2007, através de uma ordem de serviço assinada pelo prefeito municipal João Coser, que legalizou o início das obras. O recurso para a urbanização do Bairro é de 2,6 milhões, para serem investidos na urbanização de uma área de 18.961 m² de extensão. As obras estão previstas para serem entregues no período de um ano, portanto em 2008 (VITÓRIA ON-LINE, 2007). 30 Como será verificado mais à frente, não constam na lista a Igreja Adventista do Sétimo Dia, a Igreja Batista e a Igreja Universal do Reino de Deus, por não pertencerem ao Bairro onde ocorreu a pesquisa. No entanto, elas foram mencionadas nesta nota porque serão objetos de estudo, já que de alguma forma elas participam das atividades do P.E.A. ou já participaram na concomitância deste. 31 Observou-se que a distância entre cada Igreja Assembléia de Deus do Bairro pesquisado não chega a 800m.
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Rosa Linda, é o grande número de Igrejas, principalmente evangélicas. Isso pode
ser compreendido em razão de o Bairro ser periférico, além de apresentar
características como baixa escolaridade, baixo nível socioeconômico, alto índice de
mulheres e crianças32, o que explica a tendência das Igrejas evangélicas,
protestantes históricas, pentecostais ou neopentecostais de se proliferarem nessas
localidades. Desse modo, essas Igrejas aportam-se e atrelam-se a essas estratégias
com os seus princípios proselitistas de salvação terrena, prosperidade e cura de
todos os problemas e males sociais em nível espiritual ou material. Há também a
questão da dissidência entre pastores ou entre os fiéis e a Igreja, cuja culminância
pode resultar na criação33 da própria instituição ou denominação religiosa, seja pelo
fiel, seja pelo pastor dissidente (PIERUCCI, 2007; MARIANO, 2004).
Há também um considerável número de bares nas redondezas da Escola e do
Bairro. Uma moradora, numa conversa informal, disse que, normalmente, o local
onde se instaura uma nova Igreja ou era um bar, ou uma padaria.
O Bairro Maria Ortiz tem 3.280 domicílios. Desses, 805 são domicílios particulares
alugados, ou seja, 24,54% do total (IBGE, 2007). Em conseqüência disso, uma das
principais demandas dos moradores do Bairro é a questão habitacional, pois há
muitas pessoas que pagam aluguel.
Além da Escola Rosa Linda, há também outra instituição de ensino fundamental, um
Centro Educacional Infantil, uma unidade de saúde, um posto do Batalhão da Polícia
Militar Interativa, uma unidade da Rede de Telecentros de Informações e Negócios
Casa Vitória34, um Centro de Vivência da 3ª Idade, um CAJUN35 e a CAOCA36.
32 De acordo com dados do IBGE, o Bairro Maria Ortiz, com uma população total de 11.559 habitantes, apresenta 2.967 pessoas na faixa etária de 0 a 14 anos, que constituem um percentual de 25,67% da população geral (IBGE, 2007). 33 Em interessante crônica intitulada No Céu, Veríssimo (2007) relata a história de um ateu que chega ao céu e é indagado por uma representante divina sobre sua religião, visto que seria indicado para o céu apenas quem tivesse uma religião na Terra. O ateu, para conseguir tal feito, viu-se na situação de inventar, naquele instante, para fugir do Inferno, uma denominação religiosa, a Univitalista da União Vital com Jesus. Desse modo, o autor faz uma critica salutar a aberturas incontroláveis de Igrejas: “No Brasil aparece uma igreja nova todos os dias” (VERÍSSIMO, 2007, p. 3). 34 Essa unidade possibilita que os moradores do Bairro Maria Ortiz tenham acesso a cursos de computadores e à Internet de forma gratuita. Ele originou-se das reivindicações dos moradores do Bairro através do OP 2006/07, à Prefeitura Municipal. Foi inaugurado este ano, 2007, pela Prefeitura Municipal de Vitória/ES. Ele localiza-se sede da Associação de Moradores.
72
A escola localiza-se na avenida principal do bairro, cujo trânsito é muito intenso e
dinâmico. É nessa localidade que aos sábados, das 6 às 13:00 horas, acontece a
feira de verduras,37 motivo para não acontecer as atividades do P.E.A. nas manhãs
de sábado.
Foto 2: Feira de Verduras do Bairro Maria Ortiz.
A Associação de Moradores do Bairro Maria Ortiz foi criada em outubro de 1981.
Tem registro em cartório, sede própria, estatuto, atas de posse e regimento interno
que legalizam e normatizam sua estrutura e seu funcionamento (CRAVO, 1995).
Sobre a situação atual da Associação de Moradores, sua líder comenta:
“Nós temos hoje uma associação de moradores que estava totalmente depredada. Hoje nós conseguimos resgatá-la, né? hoje está assim maravilhosa, né? Ela ficou mais de doze anos sendo usada por uns e outros em beneficio próprio, né? então, isso assim, a comunidade caiu em descrédito, entendeu? pelo fato é... de quem estava à frente do movimento, não tinha nenhuma ação voltada para a comunidade. Então, assim, a comunidade realmente não acreditou na associação, não acredita! A gente tem... vai fazer dois anos que nós estamos na frente do movimento. E é assim, aos poucos a gente vê que a comunidade está tendo uma outra visão, de que é Associação”. (Líder Comunitária, 42 anos)
35 CAJUN significa Projeto Caminhando Juntos. É concebido pelo Governo Federal e implementado pela Prefeitura Municipal de Vitória/ES. O objetivo dele é ser um espaço de interação para crianças e adolescentes de baixa renda de Vitória/ES (VITÓRIA ON-LINE, 2007a). 36 CAOCA significa Casa de Acolhimento e Orientação a Crianças e Adolescentes. É uma entidade da Igreja Católica que presta atendimento sócioeducativo a crianças e adolescentes de 7 a 17 anos, assim como a seus familiares, em situação de “vulnerabilidade social”. Nessa instituição, há assistência educacional, social, espiritual, cultural e artística. Ela vive de doações e da ação de voluntários. A maioria das oficineiras do P.E.A da Escola Rosa Linda originou-se desta instituição onde também ministravam cursos (VITÓRIA ON-LINE, 2007b). 37 Após quatro meses da saída do campo de pesquisa, foi constatado que a feira de verduras mudou-se para outra localidade devido à reivindicação dos moradores do Bairro à Associação de Moradores, devido aos transtornos que ela gerava naquela localidade.
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O Bairro praticamente não tem área de lazer e recreação. Sobre isso a líder
comunitária disse: “Nós não temos lazer no Bairro, nós não temos”. Perto da escola
há um campo de futebol muito utilizado pelos moradores de Maria Ortiz. No entanto,
ele pertence ao Bairro Jabour. O único local do Bairro Maria Ortiz de se praticar
esporte é um campo de futebol, para cuja utilização é cobrada uma taxa de R$
80,00. “Nós temos um campo de futebol que tem uma problemática grave porque alguém [risos] se apropriou do espaço e cobra para que os times joguem ali, e é o único campo. Sempre foi assim, né? E agora parece que está havendo até uma movimentação junto à prefeitura para ver se altera essa realidade. E tem um outro campo aqui que já pega o Bairro do Jabour. São esses dois campos esportivos assim para futebol, né?” (Moradora do Bairro Maria Ortiz, 47 anos)
No Bairro há um grupo de hip hop formado por jovens. O grupo não tem sede
própria. Funciona atrás do mangue, numa casa cedida por um morador como local
onde se fazem os ensaios e onde se guardam os instrumentos musicais. Os jovens
do hip hop apresentam-se em pracinhas, em festas e em outras ocasiões. No ano de
2007, houve uma apresentação deles na festa da Associação de Moradores.
Os moradores freqüentam muito uma área de lazer chamada Interativa, localizada
no Bairro Antônio Honório. Ela é conhecida popularmente como “Interativa” devido
ao Posto da Polícia Militar Interativa, que se localiza no interior desse espaço de
lazer. Oficialmente chama-se Área de Lazer “Durval Cornélio de Souza”. Foi
inaugurada em setembro 1997 pela PMV, mas já funcionava havia mais de vinte
anos, de acordo com alguns moradores. Nessa localidade há uma quadra de futebol,
uma minipracinha, um campo de bocha, de bola de pau, mesas com desenhos de
tabuleiros para jogos de dama e xadrez e aparelhos de playground. Sobre a
Interativa, um freqüentador disse: “Pô! Lá é manero! Lugar único aqui no bairro pra
você ir, pra se divertir” (Jovem aluno da 8ª série, 15 anos – Grupo focal de alunos).
No período da manhã, ela é um espaço de distração aonde as mães levam os filhos
para brincar; já nos finais de semana, à noite, torna-se, como disse um aluno da 8ª
série na hora do recreio, “o point da galera”. Nela também há uma feirinha, onde se
vendem comidas típicas, artesanatos e onde há um pula-pula. Sobre a dinâmica da
vivência desse espaço de lazer, vale destacar:
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Aqui, de manhã, as mães trazem os seus filhos para estar brincando; já à noite a diversão é para toda a família: os pais ficam nas barraquinhas apreciando o artesanato, apreciando a comida, enquanto os filhos ficam brincando.38
A Interativa também se caracteriza como um espaço de sociabilidade, de construção
de amizades, de relações afetivas, de diversão e de alegria para os moradores dos
bairros vizinhos, principalmente dos jovens moradores de Maria Ortiz e dos alunos
da Escola Rosa Linda. Uma jovem aluna dessa escola disse sobre a Interativa:
“Tudo de bom e tudo de ruim! Acho que a Interativa é o único lugar que tem. Tem que ir lá. A gente sabe que lá a gente vai encontrar tudo que a gente quer encontrar. A gente vai encontrar a galera que a gente quer. A gente sabe que lá, se a gente quiser, por exemplo, ah! sei lá! Se a gente quiser beijar na boca, a gente sabe que lá a gente vai poder beijar na boca. Se a gente quiser encontrar amizade, se tá a fim de falar com os amigos, se quiser comer, cê, vai lá Se quiser brincar na areia, cê vai lá. Se cê quiser... qualquer coisa que cê quiser, se cê quiser jogar bola lá tem lugar pra você jogar. O que cê quiser fazer lá naquela Interativa lá, cê vai?...” (Jovem aluna da 7ª série, 13 anos – Grupo focal de alunos).
Por ser um bairro que “tem algumas necessidades, principalmente na área cultural,
na área esportiva”, e poucas áreas de lazer, a rua aparece e se transforma em local
privilegiado de se trocar aprendizagens, saberes, fazer amizade entre vizinhos e
moradores do Bairro e de outros.
“... é um bairro que, de modo geral, as pessoas ainda têm hábitos de ficar na rua né? as crianças ainda brincam. Então tem certa tranqüilidade, tem vizinhança, tem essa coisa, é... mais comunitária”. (Moradora do Bairro Maria Ortiz, 47 anos)
Há uma contradição, como veremos adiante, na fala das pessoas envolvidas direta
ou indiretamente nas atividades do P.E.A.: defende-se a importância desse
Programa como meio de evitar a permanência dos jovens e crianças nas ruas, uma
vez que a rua é concebida como fonte de perigo e de ameaça para os sujeitos.
Durante a coleta de dados, na fala dos sujeitos da pesquisa, entre os quais alunos,
moradores e participantes do P.E.A., assim como no noticiário dos jornais, ficou
muito clara a ocorrência de violência no Bairro. A Região Continental que abrange o
Bairro Maria Ortiz apresentou, no período de 2002 a 2003, 50,5% de homicídios
38 Fala de um jovem morador do Bairro Maria Ortiz. In: PROGRAMA ES COMUNIDADES. Eu Amo Meu Bairro Maria Ortiz. Vitória: Rede Gazeta, CEDOC-ME, 2006. (Transcrição nossa)
75
(51mortes) e 8,9% de suicídios (15 mortes) em relação à população geral dessa
localidade (NEPREV/UFES, 2007, apud A GAZETA, 2007). “... lá tem muita morte, agressão, estupramento. Direto tem um porradeiro lá... lá perto da casa dele, já teve quebrão39 lá”. (Jovem aluno, 14 anos – Grupo focal de alunos) “Olha, eu acho que a violência daqui está muito diretamente associada às drogas e ao álcool. A gente de vez em quando fica sabendo né? de um assassinato, normalmente jovem ou normalmente adulto já entrando na velhice porque bebeu muito, chegou irritado em casa, se aborreceu por algum motivo e vai tentar resolver dessa forma, né? quer dizer, perde o controle e a gente acha que isso está associado mesmo ao álcool. Então tem sim alguma violência”. (Moradora do Bairro Maria Ortiz, 47 anos)
Outro problema do Bairro, de acordo com a líder comunitária, é a gravidez precoce
das jovens, o que gerou um movimento da Associação para a criação de um comitê
de prevenção desse problema.
Acerca do Maria Ortiz, constatamos que o Bairro integra alguns requisitos básicos
para a implantação do P.E.A.: é um Bairro periférico de classe popular, tem
incidências consideráveis de violência e criminalidade, pouco ou nenhum espaço de
cultura, esporte e lazer e um considerável percentual de jovens (32,31%) que
precisariam evidentemente usufruir dessas condições. Ou seja, o Bairro apresenta
características que remontam à idéia de uma escassa rede de estrutura social que
requer eficientes ações via políticas públicas gerais e também específicas para a
juventude, porquanto apenas com a instauração do P.E.A. fica-se muito aquém de
uma condizente cobertura total para os problemas sociais da localidade.
39 “Quebrão” significa brigas em que as pessoas se enrolam e entrelaçam no chão.
76
3.2 ESTAMOS ENTRANDO: A ESCOLA ROSA LINDA
A escola tem a cara de quem dirige, a escola tem a cara de quem trabalha, a escola tem a cara de quem recebe. A escola tem a cara que nós damos a ela. É uma escola forte que se faz forte pelo seu grupo. (Diretora, 51 anos)
Pra mim, essa escola não é boa nem ruim. Se fosse boa demais ia ser chato, se fosse ruim, também não ia ser bom. Pra mim é mais ou menos. (Jovem aluno da 8ª série)
A Escola Rosa Linda foi inaugurada em 6 de janeiro de 1969 e iniciou seus trabalhos
em março desse mesmo ano. O ato de criação da Escola ocorreu em 04 de
setembro de 1970, através da Lei nº 4.922. O ato de aprovação, estabelecido pelo
Conselho Estadual de Educação (CEE), ancora-se na Resolução nº 41/75.
A partir do ano de 1969, a Escola trocou várias vezes de nome. Sediou-se por duas
vezes em locais diferentes até a sua atual localização, que ocorreu em 5 de
novembro de 1993, quando inaugurada pelo então prefeito municipal de Vitória,
Paulo Hartung.
É uma instituição de Ensino Fundamental (1ª a 8ª série) que pertence à Rede
Municipal de Ensino da Prefeitura de Vitória/ES. Funciona em dois turnos, com um
total de 815 alunos matriculados40, sendo 417 no turno matutino e 398 no vespertino.
No ano de 2007, a Escola disponibilizou 26 turmas, totalizando uma média de 31,2
alunos por sala. As aulas da disciplina Língua Inglesa acontecem no turno inverso
àquele em que o aluno está matriculado.
Apesar de a escola ter uma boa média de alunos por sala, no sentido de não ter
muitos discentes por turma, os professores, principalmente os das 7ª séries, com
uma média de 38 alunos por turma, reclamavam das salas cheias, alegando que
isso dificultava o bom andamento de uma educação de qualidade.
40 Dados referentes ao início do 1º bimestre de 2007, portanto, não inclui o número de alunos evadidos e/ou transferidos.
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TABELA 2 - MÉDIA DE ALUNO POR TURMA EM CADA SÉRIE
Série Nº de alunos Nº de turmas Média aluno/turma 1ª 77 3 25,6 2ª 83 3 27,6 3ª 102 3 34 4ª 150 5 30 5ª 92 3 30,6 6ª 105 3 35 7ª 114 3 38 8ª 92 3 30,6
TOTAL 815 26 31,3 Fonte: Secretaria da Escola Rosa Linda, 2007.
A Escola ocupa um espaço total de 2.563,56 m², com uma área construída de 1.528,
54 m². Tem dois pavimentos, o térreo e o andar superior, e quinze salas de aulas.
Tem também sala da direção, sala da coordenação, sala de professores, sala da
secretaria, laboratório de informática, duas salas de artes, biblioteca, auditório,
cozinha, pátio coberto, duas quadras de esporte (uma com cobertura e outra sem),
despensa de merenda, sanitários masculinos e femininos para alunos, sanitários
masculinos e femininos para professores, sanitários masculinos e femininos para
funcionários, sala de arquivo, depósito de material para desuso, xerografia,
almoxarifado para material didático, depósito de materiais diversos, área de serviço,
sala para os materiais de Educação Física e sala de recursos para atendimento
especializado.
Foto 3: A Escola Rosa Linda via Satélite Fonte: Google Earth. Acessado em 24/10/2007.
78
A Escola conta com 44 professores, dos quais 22 têm graduação, 19 tem pós-
graduação lato sensu e três, pós-graduação stricto sensu, mestrado. Um destes três
está cursando o doutorado. Sobre a percepção da escola no que tange à
qualificação dos professores, uma jovem comentou:
“Acho que é uma escola boa; com certeza é... Temos professores qualificados, mesmo que eles sejam chatos às vezes, mas... são, sim, qualificados. E acho que uma escola não precisa ser... a escola perfeita, sabe?! Porque quem quer aprender, cara, aprende, sabe? Professor tá ali pra ensinar”. (Jovem aluna da 7ª série, 14 anos – Grupo focal de alunos)
A Tabela 3 mostra como se distribuem os funcionários da escola.
TABELA 3: FUNCIONÁRIOS DA ESCOLA ROSA LINDA
CARGO QUANTIDADE Professor 44 Coordenador 4 Pedagogo 4 Diretora 1 ASG (Auxiliar de Serviços Gerais) 9 Merendeiras 4 Estagiários 8 Técnicos Administrativos/Secretaria 6 Bibliotecários 2 Xerografa 1 Vigilantes 7 TOTAL 90 Fonte: Secretaria da Escola Rosa Linda, 2007.
Os ASGs, os encarregados da limpeza da escola e os vigilantes são funcionários
terceirizados. No decorrer da observação participante, observamos que os
funcionários da limpeza, quando acontece alguma comemoração ou uma situação
em que todos da escola estão mais próximos, ficam mais retraídos e/ou meio
isolados. Sobre esta questão, a diretora da Escola Rosa Linda falou:
“É uma relação às vezes difícil. São pessoas da limpeza, e às vezes a gente vê como é que eles se sentem assim, se sentem oprimidos, né? Quer dizer, aquela coisa da opressão estar dentro do próprio oprimido, né? E é muito difícil, por exemplo, quando tem uma comemoração na escola, a gente chama todo mundo, mas eles ficam lá no canto deles, não querem ir, não querem se misturar. Às vezes a gente tem que ir lá na área para estar buscando eles, estar buscando mesmo para participar junto com a gente. E
79
aí eu faço questão de ir, sentar junto com eles para eles verem que somos todos... Então, sempre, na minha conversa com eles, eu coloco que todo mundo aqui tem a sua importância, né?”. (Diretora, 51 anos)
No que se refere ao perfil do trabalho da diretora, como mostra um pouco a situação
acima, percebemos uma ênfase maior na questão pedagógica e nas relações e
situações coletivas que acontecem no interior da escola, do que propriamente no
trabalho burocrático e administrativo que também integra a função do diretor. Sobre
a sua forma de trabalhar, a diretora relatou:
“Eu sinto que eu ajo mais na parte pedagógica, até porque esse é o meu perfil. Você vê que eu estou lá, eu ajudo na entrada, eu ajudo na hora do recreio, eu ajudo na saída. Eu estou na reunião com pais. Estou nos conselhos de classe, eu estou em reuniões com os professores. Então o meu perfil é mais pedagógico. Mas eu não posso negar essa parte que para mim é chata, que é a parte burocrática que tem. E não tem como não ter, né? Então é... eu acho que eu trabalho nos dois, sendo que o meu perfil é muito mais pedagógico. Eu estou muito perto dos professores, dos alunos, você vê que a minha sala aqui está sempre cheia de alunos, que vêm conversar, que vêm falar. Estou sempre na coordenação. Então estou muito junto com o pessoal, é pedagógico”. (Diretora, 51 anos)
Assim, relações sociais escolares mais estreitas, ações pedagógicas que se
direcionam ao enfrentamento dos dilemas educacionais, visão ampliada de um
trabalho administrativo para além da sala da direção correlacionam-se com formas
de trabalho na instituição escolar ampliando as percepções e ações da dinâmica da
escola, cujo objetivo é uma educação calcada em princípios democráticos e
participativos.
Conhecer a escola mais de perto significa colocar uma lente de aumento na dinâmica das relações que constituem seu dia-a-dia, apreendendo as forças que a impulsionam ou que a retêm, identificando as estruturas de poder e os modos de organização do trabalho escolar, analisando a dinâmica de cada sujeito nesse complexo interacional (ANDRÉ apud VEIGA, 2000, p. 199).
Os vigilantes trabalham em duplas, sendo uma durante o dia e outra à noite. Quanto
à função delegada pela Empresa de Segurança, no que concerne ao uso da arma
de fogo, um dos vigilantes falou:
“Aqui na escola a gente usa camuflada né? dentro da roupa, para não demonstrar, não causar mal, né? mas em momento algum a empresa orienta para usar de qualquer maneira, só na última instância mesmo.” (Vigilante, 45 anos)
80
No que tange à maneira como os vigilantes trabalham na escola, observamos uma
preocupação acentuada com a questão da proteção do aparato físico da escola em
detrimento das relações humanas entre os sujeitos que trabalham na instituição.
Essa ênfase na questão patrimonial da instituição escolar interfere, por exemplo, na
forma como os alunos interagem com os vigilantes, em que se observam pequenas
relações de conflitos.
“O nosso serviço aqui na escola é patrimonial, é patrimônio, está entendendo? Que a gente não deve estar se envolvendo com alunos, né? Tipo assim é, barrar alunos, não é nossa função, está entendendo? pegar aluno pelo braço para levar à coordenação não é nossa função. Eu converso o essencial para não haver uma ligação de... porque a gente conversa e tenta se aproximar, mas eles confundem e querem ultrapassar o limite. É... querem sair mais cedo, é... querem pedir o guarda para ir comprar sorvete para eles, picolé, e aí é excessivamente, aí o guarda não deixa! Aí eles mandam tomar no cu, chamam de Zé Buceta, diz que a gente está pisando na bola. Quer dizer, você também não pode tratar mal, mas também não pode estar muito envolvido com aluno”. (Vigilante, 45 anos)
Ouvindo o outro lado, uma aluna disse:
“Eu acho que os guardinhas... têm uns que são ignorantes mesmo! E não é só com os alunos não cara, é com os pais também. Minha mãe já veio aqui uma vez... o guardinha tratou mal. Agora o A, eu acho que o A é o melhor cara... o guardinha daqui... ele é o único que conversa com a gente... porque o guardinha não é um cara que é uma estátua, tem que ficar lá: - “Não vai sair! Não vai sair! Não vai sair!” Pô! o cara tem que cumprir o papel dele, mas tem que interagir também com a gente, sabe?! Tem que ser gente boa com a gente”. (Jovem aluna da 7ª série, 14 anos – Grupo focal de alunos)
Essa fala remete-nos para uma concepção de escola em que as relações entre os
sujeitos que ali atuam possam solidificar-se em ações solidárias, pressupostos da
consideração pelo outro, que carrega consigo diferenças e marcas sociais. A
presença de vigilantes nas escolas aparece como uma forma quase exclusiva de
proteção do patrimônio da escola de forma que, às vezes, as dimensões relacionais
entre os eles e os sujeitos integrantes da instituição escolar ficam em segundo
plano. Portanto, o “patrimônio” deve ser a premissa principal da função desse cargo
nas instituições escolares, na visão de quem os encaminha. Quando a jovem fala
que o vigilante tem que interagir com os discentes, chama-nos a atenção para o fato
de que a escola é um espaço fértil onde devem germinar não só relações escolares
81
mais amigáveis e solidárias, mas também uma sociedade não controladora,
autoritária e cerceadora.
A escola tem uma boa estrutura física, assim como uma considerável quantidade de
materiais permanentes, de boa qualidade, possibilitando assim um bom andamento
e boas condições de trabalho para todos os que a utilizam. A Tabela 4 traz uma
relação e quantidade de materiais permanentes da Escola Rosa Linda.
TABELA 4 – MATERIAIS PERMANENTES DA ESCOLA ROSA LINDA
O Laboratório de Informática da Escola funciona com 21 computadores conectados
à Internet. Dispõe de uma professora que orienta os alunos e professores quando
estes utilizam esse espaço. No que se refere ao seu funcionamento, há
especificidades. Os alunos geralmente utilizam-no quando o professor de
determinada disciplina quer trabalhar uma atividade específica.
Durante as observações do quotidiano da escola, eram constantes as falas dos
alunos sobre suas vidas, suas vivências nas suas casas, nas ruas e nos locais que
freqüentavam. A partir daí, indiretamente, pudemos perceber um pouco o perfil
socioeconômico dos alunos da Escola Rosa Linda. Eles sempre comentavam o que
EQUIPAMENTO QUANTIDADEVídeo Cassete 7 Televisão 7 DVD 3 Data Show 1 Retroprojetor 1 Impressora 5 Máquina Copiadora 1 Mimeógrafo Duplicador a Álcool 1 Fax 1 Ventilador 30 Aparelho de som 7 Máquina Fotográfica 1 Filmadora 1 Bebedouro 9 Computador 26 Antena Parabólica Analógica 1 Fonte: Censo Escolar da Escola Rosa Linda, MEC, Maio, 2006
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tinham feito nos finais de semana e no período da tarde, depois que chegavam da
escola. Muitos falavam das viagens que fizeram ou que iriam fazer para outro
estado, e alguns até para outro país. Falavam do celular novo que tinham comprado,
do vídeo game da moda, do computador mais potente, da roupa de marca que
tinham ganho, do boné de marca, etc. A razão da viagem dos pais para o exterior
era a busca por trabalho e melhores condições de vida. De modo geral, os alunos
eram de classes populares, embora houvesse alguns de classes médias, o que não
era a maioria. Uma pesquisa realizada41 pela escola aponta a renda familiar dos
discentes, Tabela 5:
TABELA 5 – RENDA FAMILIAR DOS ALUNOS DA ESCOLA ROSA LINDA
Renda % Até 1 salário mínimo 26,1 De 1 a 3 salários mínimos 50,0 Acima de 3 salários mínimos 21,6 Não citaram 2,3 Total 100 Fonte: Escola Rosa Linda
No que tange à situação de residência, há 59,1% com residência própria, 40,3% que
não têm residência própria e 0,6% não responderam. E, em relação à percentagem
de bens e/ou utensílios das famílias, Tabela 6, temos o seguinte:
TABELA 6 – UTENSÍLIOS DAS FAMÍLIAS DOS ALUNOS DA ESCOLA ROSA LINDA
Itens % Carro 26,1 Telefone 72,1 Computador 36,4 TV 97,1 DVD 81,8 Vídeo Game 32,9 MP3 34,0 Não Responderam 1,1 Fonte: Escola Rosa Linda
41 Essa pesquisa foi realizada pela Escola Rosa Linda em julho de 2007, com a aplicação de questionários aos pais e/ou responsáveis dos alunos sobre a instituição escolar. O objetivo era caracterizar o perfil da escola para a organização e reelaboração do Projeto Político-Pedagógico.
83
Nesse sentido, sobre o perfil socioeconômico dos alunos, a diretora informa: “Aqui é classe média, poucos aqui..., nós temos alunos pobres42, com dificuldades, nós temos, mas eu acho que não chega a dez por cento. Aqui nós temos alunos que viajam, que vão a Portugal nas férias, os pais que trabalham na Itália, em Portugal, nos Estados Unidos. Né? nós temos vários alunos aqui que têm essa tendência. É classe média para média mesmo, eu acho que nem classe média baixa não, é classe média, média mesmo ali, entendeu? Agora temos aquelas exceções de pessoas mesmo. Noutro dia desses fui na casa de uma menina de primeira a quarta série, mora ali na beira do mangue, a água quase entrando dentro de casa, o barraquinho caindo. Então a gente também tem esses casos aqui, tá? mas são poucos, são muito poucos”. (Diretora, 51 anos)
No que tange à freqüência da família na escola, apuramos que 73% de pais e/ou
mães sempre estão presentes, 18% só vão quando solicitados, 9% apenas às
vezes. Durante a pesquisa, percebemos a presença de muitos pais e mães na
entrada, na cerimônia do Hino Nacional às quintas-feiras, na saída e em algumas
comemorações que ocorriam na escola, assim como nas reuniões para as quais
eram convidados. Sobre a presença de pais e mães na escola, a diretora
argumenta:
“Eu já ouvi alguém falar assim: A escola que não tem muito problema os pais não vão muito. Realmente é verdade. Os pais vêm pouco aqui, eles vêm muito assim, para trazer aluno, pegar aluno, tá? quando você chama para alguma reunião vêm alguns, mas são poucos, tá? mas eu acho que deveriam estar mais dentro da escola. Eu acho que a escola ainda oferece resistência à presença de pais dentro da escola. Porque eu acho que os professores, principalmente, os que acham... não é sentir-se vigiados, mas eles acham que os pais, isso eu vejo, eu percebo isso, a presença de pais na escola tem que ser naquelas datas é..., reuniões de pais é... como é que se diz? plantão de pais, porque sempre acontece depois do Conselho”. (Diretora , 51 anos)
Sendo assim, a família sempre está na escola, seja para acompanhar os filhos no
traslado da casa à instituição, seja por ocasião de algum evento. Ainda há pouca
participação da família em processos deliberativos da escola, assim como no
acompanhamento mais incisivo em relação ao andamento da vida escolar dos filhos.
E essa resistência dos professores em relação à presença dos pais tende a dificultar
a efetivação de uma relação mais estreita entre escola e família. Nesse sentido, para
42 A Escola Rosa Linda participa de alguns programas federais, como o Bolsa Família, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e do Programa de Promoção à Saúde Sexual e Reprodutiva do Ministério da Saúde, de acordo com o Censo Escolar 2006.
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Enguita (2004), atualmente há uma desconexão entre a família e a instituição
escolar, em razão da qual as possibilidades e funcionalidades de ambas se
distanciam. Isso supõe um deslocamento da família para a escola, em primeiro lugar, das funções de custódia e, em segundo lugar, da socialização em sua forma mais elementar. Por outro lado, a família já não aceita com facilidade uma posição de subordinação obsequiosa perante os professores, o que gera um terceiro problema: o de quem controla quem (ENGUITA, 2004, p. 62).
Uma situação constante na Escola Rosa Linda é a ocorrência do grupo de estudos
dos professores e da equipe técnica, às sextas-feiras, dia em que os alunos são
liberados 50 minutos antes, ou seja, nesse dia só há quatro aulas. Durante o
processo da pesquisa, participamos de muitos grupos de estudos, onde se falou de
vários assuntos e se discutiram textos. Nesses momentos, as pedagogas, a diretora
e os professores sempre se mostravam atentos, responsáveis e disponíveis para
discutir e socializar os dilemas, problemas, pontos positivos e caminhos possíveis de
se pensar e experienciar a prática pedagógica da escola. Sobre isso, uma das
coordenadoras do matutino comenta:
“Olha, nós temos uma equipe muito boa, a equipe é unida. E eu gosto muito do ambiente de trabalho da equipe, eu acho que isso tudo faz com que a gente né, se sinta né, é?... gratificante. A equipe é boa. E a questão da direção, eu acho que é muito importante. A nossa diretora é bastante envolvida e tudo o que acontece com o CTA43 ela dá um apoio muito grande para nós, enquanto CTA”. (Coordenadora da Escola, 31 anos)
Apesar de existirem problemas, como em qualquer outra instituição educativa, e
situações que provocam um trabalho mais setorizado, a escola pesquisada
demonstrou valorizar muito o trabalho coletivo. Sobre isso, uma moradora do Bairro,
que já foi pedagoga da Escola diz:
“Eu trabalhei na escola por um tempo como pedagoga, né? É uma escola que busca trabalhar com o coletivo, né? comprometer o coletivo. Sempre houve uma preocupação naquela escola de se pensar o acompanhamento da criança”. (Moradora do bairro Maria Ortiz, 47 anos)
Sobre a caracterização e a importância do grupo para o bom andamento da escola,
a diretora esclarece:
43 CTA significa Corpo Técnico-Administrativo.
85
“É uma escola forte, que se faz forte pelo seu grupo. Nós temos um grupo aqui que eu digo, assim, que é um grupo base, né? Tem gente aqui está nesta escola desde 1993 ou até antes, quando foi em outro endereço, tá? Então esse grupo antigo, que eu considero como base, é muito importante para a escola, mesmo que tem rotatividade de muitas pessoas que entra e sai. Mas o grupo que já está aqui está sempre se renovando em leituras, né, no PPP da escola, sempre renovando, avaliando. Esse grupo é muito importante, porque ele acolhe, ele recebe as pessoas que estão aqui. Então eu considero como base da escola. É uma escola forte porque tem esse grupo muito forte, também aqui dentro, tá?”. (Diretora, 51 anos)
Uma questão que está sendo muita discutida é o processo de reelaboração do
Projeto Político-Pedagógico (PPP) da escola. A coordenadora escolar diz que o
momento do grupo de estudos na escola é importante, porque é “onde a gente pode
estar revendo certas atitudes, né? e até estudando novos assuntos, coisas que
estão aí para a nossa realidade enquanto profissionais da educação”. O processo de
reconstrução do PPP está pressupondo muitos debates, reuniões e discussões,
principalmente nos encontros de formação continuada para os profissionais da
escola. Para tal foi desenvolvida uma pesquisa44 na escola, durante o ano de 2006,
com pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo, juntamente com a
equipe técnica e professores da Instituição para problematizar as possibilidades e os
limites da escola. O desdobramento dessa pesquisa culminou nas “Diretrizes para
Implementação do PPP da Escola Rosa Linda” (2007).
As Diretrizes consideram a instituição escolar para além de um fim em si mesmo. Ela
tem que estar a serviço dos moradores que circunscrevem a escola, ajudando na
preparação do aluno para a sua inserção no mundo em que vive, de modo que ele
possa interpretar e pensar a realidade, possibilitando assim a construção de projetos
em relação ao conjunto da sociedade. A proposta pedagógica da escola
fundamenta-se numa metodologia participativa, cujo conhecimento é ramificado de
um processo de construção pelo aluno em que eles são sujeitos ativos da
aprendizagem, sob a orientação dos professores.
Nesse sentido, a escola é percebida como integrante do todo social, uma vez que
agir dentro dela requer também ações em prol da transformação social. Para isso, 44 Ver CARVALHO, Janete M. A epistemologia da prática docente nos processos de ensino, de pesquisa e de formação continuada do/no cotidiano escolar do ensino fundamental. Vitória: UFES, 2007.
86
considera o envolvimento de todos os sujeitos desse processo na construção
coletiva de uma educação calcada em princípios e concepções relativas ao presente
e ao futuro do homem e da sociedade. Como meta educativa, a Escola Rosa Linda
considera “[...] a integração entre educação e cultura, escola e comunidade [...], a
democratização das relações de poder na escola, uma aprendizagem ativa e
criadora produzida numa perspectiva de integração interdisciplinar e transdisciplinar
e a formação permanente dos educadores” (DIRETRIZES, 2007, p. 2).
Esta unidade escolar adota a dinâmica das salas-ambiente, situação em que cada
disciplina tem uma sala específica. Acontece em oito salas, nas turmas de 3ª e 4ª
séries, como também nas de 5ª a 8ª séries. Quando termina uma aula, os alunos
trocam de sala para assistir a outra disciplina. No entanto, das oito salas, Português,
Matemática, Ciências, História, Geografia, Artes, Inglês e de Informática, apenas as
salas de Inglês e de Informática têm características de salas-ambiente, equipadas
com materiais e instrumentos específicos de cada área.
As Diretrizes (2007) chamam atenção para esse aspecto no sentido de recomendar
uma melhor adaptação de todas as salas-ambiente. Ainda se mantêm as carteiras
uma atrás da outra, com exceção da sala de Artes, onde há mesas grandes para
grupos. Já as salas de Matemática e de Português ficam muito aquém do que se
poderia considerar uma sala-ambiente. Durante as trocas, há um pequeno tumulto,
de certa forma decorrente do pouco espaço, um pequeno corredor, mas sem
grandes transtornos, pois os alunos e professores já se acostumaram com a nova
rotina e não há muita perda de tempo nas transições entre as aulas. Sobre a
situação das salas-ambiente, a coordenadora da escola pondera e faz uma crítica:
Mas eu acho que valeria muito mais a pena se as salas realmente fossem ambiente, tivessem um ambiente mais agradável para o aluno, né? Que funcionasse mesmo, enquanto sala-ambiente. Um espaço adequado, né, o profissional, no caso, de Geografia, um espaço voltado para as questões de Geografia, né? O professor trabalhar aquela sala voltada para a disciplina, para a área, no caso, específica, né. (Coordenadora da Escola, 31 anos)
Assim, essa questão de que se está de fato vivenciando ou não na escola a
dinâmica das salas-ambiente foi muito discutida em vários grupos de estudo,
durante os quais os professores e pedagogas, juntamente com a diretora,
87
problematizaram a situação. Na problematização, discutiram a metragem das salas,
os instrumentos específicos de cada disciplina, a interdisciplinaridade entre os
saberes, a dinâmica das trocas, a dificuldades dos alunos e dos professores em se
adaptar à nova realidade, entre outras questões.
A cantina da escola fica a cargo dos alunos da 8ª série, que se prontificam em
vender bolos, salgados, sucos ou refrigerantes, na maioria das vezes produzidos por
eles mesmos, visando a arrecadar fundos para incrementar a renda da formatura, no
final de ano. Toda a verba que conseguem é administrada, geralmente, por alunos
representantes da turma, juntamente com um professor responsável.
No recreio, há uma dinâmica específica. Os alunos de 1 ª a 4ª séries começam mais
cedo, para não haver tumultos com os alunos maiores. E sobre o movimento do
recreio, a diretora confessa: “é o ponto frágil da nossa escola”, pois o espaço se
torna pequeno devido à quantidade de alunos. Quando há muitas crianças juntas, às
vezes algumas se machucam na interação com os maiores. Desse modo, segundo
ela, todo ano se cria um projeto para lidar com essa questão. No ano da pesquisa,
estava funcionando a brinquedoteca, um projeto orientado por uma pedagoga e uma
coordenadora, com o auxilio de duas estagiárias, que trabalhavam com os alunos de
1 ª a 4ª séries. Os brinquedos eram alternativos, feitos na maioria das vezes com
sucata, como papelão, tampinha, garrafas pets e outros materiais.
Algo que chamou atenção foi o fato de a diretora estar presente na hora do recreio,
diariamente, orientando, conversando, disciplinando e, às vezes, até participando
das brincadeiras dos alunos.
Observamos que durante o recreio, há uma grande interação entre os alunos,
professores e equipe técnica da escola. Eles tendem a acompanhar algumas
atividades que ocorrem durante o recreio e a participar delas. Os alunos da 8ª e 7ª
séries geralmente levam CDs de funk ou pagode para serem passados no aparelho
de som da escola. Nessa dinâmica, muitos discentes de outras séries, inclusive as
crianças de 1ª a 4ª séries e às vezes professores, subiam no palco para dançar, rir,
cantar. E, quando isso acontecia, chamavam a atenção das outras pessoas que
estavam meio dispersas pelo pátio, momento em que estas se aproximava do palco
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para prestigiar as situações de descontração e alegria na escola. O conteúdo das
letras dos CDs (geralmente de cantores como Perla e Mc Frank) denota a mulher
numa relação de submissão, de machismo, perante o homem. Muitas vezes ela é
mencionada como “cachorra”. Sobre essa questão, a coordenadora teve uma
conversa com os alunos:
“Eles trouxeram uma letra de funk. Aí, depois a gente analisou e conversou com eles também e mostrou, né? a letra, o que convém e o que não convém. É... são palavras... chamando para... menosprezando a mulher, né? enquanto mulher cachorra, esse tipo de coisa, é... que envolve a moral mesmo, né? Então nós passamos para eles isso, analisamos, e hoje eles já trouxeram outros”. (Coordenadora da Escola, 31 anos)
A escola promove várias comemorações e/ou atividades para além das disciplinas
acadêmicas. Promove O Grito de Carnaval, a Semana da Família, a Semana da
Páscoa, a Festa Junina com a participação de alunos e moradores do Bairro da
Escola, a Semana do Dia das Mulheres, o torneio interclasses, entre outras (Ver
Foto 4).
Foto 4: Grito de Carnaval na Escola Rosa Linda
Por exemplo, acerca da importância do torneio interclasse:
“No torneio interclasse, eles aprendem a questão da disciplina, de respeitar o outro mesmo né? Então eu acho que essas atividades, principalmente as voltadas assim para a Educação Física, né? onde tem muito contato com o corpo, com o toque, tem muito a questão do ganhar e do perder, de saber perder, de saber ganhar, de não menosprezar o adversário”. (Diretora, 51 anos)
89
Nesse sentido, percebemos uma vivacidade e interatividade extremamente rica no
interior do quotidiano escolar, onde há uma grande e intensa participação dos seus
sujeitos no processo educativo e uma perspectiva educativa que, além de não se
restringir a um processo de ensino-aprendizagem circunscrito apenas às quatros
paredes da sala de aula, concebe a possibilidade de que vários espaços e
atividades engendrem e efetivem o processo criativo e lúdico do saber e das
interações sociais (SANTOS, 2006).
Nesta escola, há um projeto de basquetebol oriundo da parceria da Federação
Capixaba de Basquetebol com a PMV, ver Foto 5, cujo objetivo é a inserção social
de crianças e jovens pela via da prática esportiva, ou seja, o projeto se “foca no
trabalho preventivo junto ao seu público alvo, possibilitando [...] o afastamento de
algumas mazelas de nossa sociedade”. Funciona na quadra poliesportiva da escola
nas segundas, terças e sextas-feiras, das 17h40min às 20h40min. O professor de
basquete é um atleta da Federação. Há duas turmas, uma de rapazes e outra de
moças. Durante as observações constatamos que a maioria dos adeptos do projeto
são alunos e alunas da escola, situação contrária à do público participante do
P.E.A., como veremos adiante, que são moradores, não alunos da escola ou de
outros bairros e municípios.
Foto 5: Projeto de Basquetebol na Escola Rosa Linda
No decorrer da pesquisa, constatamos que os alunos gostam de ir à escola e a
consideram uma boa instituição de ensino. Sobre a Instituição, um jovem aluno da 8ª
série fala:
90
“É uma escola boa. Não é uma escola... tipo assim, essas escolas umó baderna, umó bagunça, que vão lá pra zoa todo mundo, todo mundo zoa... Tem cada coisa no seu lugar, tem hora de você brincar, a hora de você estudar... é isso”. (14 anos – Grupo focal de alunos)
Os pais demonstraram ter um grau considerável de satisfação em relação à escola.
De acordo com a pesquisa, 35,4% dos pais e/ou responsáveis consideram a escola
ótima, 50,6% acham-na boa, 11,8%, regular, 1,7% pensa que a escola é ruim e
apenas 0,5% não respondeu.
Outra questão também constatada no decorrer da coleta de dados foi em relação
aos atritos, principalmente entre as jovens, cujo motivo corrente eram os namorados.
Geralmente aconteciam durante a saída da escola, mas a “preparação” ou os
motivos das brigas aconteciam fora do recinto da escola. Quando ocorriam, alunos e
alunas aglomeravam-se para observar a confusão, e isso tumultuava a rua45 por
alguns minutos, o que obrigava os motoristas dos carros a parar, evitando assim
acidentes. Sobre essa situação a diretora fala:
“Nós temos alunos que saem e as discussões começam lá no sábado e no domingo, ali nessa ruazinha da galeria, aqui atrás, que tem ali, tipo, né? o pessoal vai, passeia. Começam as briguinhas ali e às vezes elas vêm estourar aqui dentro da escola na hora da saída. Meninas, a gente vê muitas meninas brigando, as meninas brigam, estão brigando mais que os rapazes. As meninas, eu já tinha lido sobre isso, elas não brigam propriamente dentro da escola, elas brigam na hora da saída, brigam muito. Aqui dentro não acontece, porque aqui a gente... então não acontece. Então lá fora acontece. Então, essa violência entre eles eu acho que é um dos maiores problemas que a escola enfrenta, tá? é um problema!” (Diretora, 51 anos)
No decorrer das observações do quotidiano escolar, percebemos que a equipe
técnica tentava lidar com as diversas situações, principalmente as de cunho
pedagógico, discutindo, problematizando e construindo propostas de intervenção
para as situações, em que muitas vezes os alunos ouviam e eram ouvidos nas
discussões. Sendo assim, destacamos dois eventos que nos remetem a essa
questão.
45 Em relação à rua principal do bairro onde se encontra a escola, as Diretrizes (2007) do PPP apontam uma sugestão de mudança do portão de entrada da escola por ser uma via de trânsito muito movimentado.
91
O primeiro evento foi acerca de uma camisa (Figura 1) que as meninas da 7ª série
fizeram para participar dos jogos interclasses. No projeto, havia um coelhinho na
camisa, o mesmo da Revista Playboy, com uma frase em que fazia uma crítica aos
meninos chamados de playboys. Isso porque as meninas gostavam de funk, com
letras, algumas das quais também criticavam os playboys. Quando chegaram à
gráfica, trocaram a frase, mas mantiveram a crítica. A nova frase dizia o seguinte: “É
tudo nosso, e o que não for nóis toma e se reagir nóis quebra”. Percebemos nessa
frase, mesmo com matiz de violência, uma representação da realidade vivida pelas
alunas, moradoras de um bairro em que esse fenômeno é corrente. Quanto à
mudança, apenas uma aluna não gostou, alegando: “Prefiro meninos playboys do
que os funkeiros maconheiros”. No entanto, ficou decidido que seria essa a frase.
Abaixo segue o modelo da camisa (Figura 1).
Figura 1: Camisa de crítica aos meninos playboys. Fonte: Aluna da 7ª Série. As alunas chegaram a comentar com a diretora da escola sobre a produção da
camisa, mas não falaram sobre o conteúdo que colocariam nela. Esse processo foi
rápido. Quando elas chegaram à escola com a camisa, foi o maior comentário entre
os alunos e entre os professores. A diretora, de certa forma, não viu a camisa “com
bons olhos”, mas sentou com as alunas para saber o motivo da mensagem que elas
estavam tentando passar. Nessa conversa, ela tentou colocar o seu ponto de vista,
mas reconheceu que era uma forma de expressão delas e falou que o processo de
criação de uma camisa se tornava um momento de experienciar práticas
democráticas como um grande desafio. Em decorrência disso, não “podou” o
processo criativo das alunas, mesmo sendo contrário a um princípio educativo, ao
92
não proibir o uso da camisa, como ocorreu numa situação46 similar analisada por
Santos (2006). “O fazer a camisa na verdade é demonstrar é... uma fala, aquilo ali é uma voz, né? Eles estão dando uma mensagem ali de alguma forma, tá? Eu não sou contra, não, mas, por exemplo, a questão do coelhinho, que eu particularmente não colocaria, mas eu também não falei para eles: Não coloquem! Eu só perguntei a eles: - Qual é a relação do coelhinho da Playboy com vocês? Tem que ter uma relação. Eu acho que quando eles criam, na verdade, é... todo o movimento deles, eu considero como um desafio e como uma prática de democracia, porque eles discutem entre si para decidir qual vai ser o desenho, e dá briga e dá inimizade, mas eu falo: é um desafio, democracia é isso. Vocês querem a camisa, cada um pensa de uma forma, mas tem que chegar num consenso, não pode fazer uma camisa para cada um, então tem que chegar num consenso”. (Diretora, 51 anos) “Ás vezes dá uns problemas, né? porque a gente quer fazer de um jeito e a escola às vezes acha ruim, só que a gente não tá nem aí não! A gente faz assim mesmo. É igual... sempre entrando na parada do jovem, a gente gosta de pular obstáculos também, sabe? É bom, cara, a gente... pô! tem que enfrentar os nossos gostos também, e a escola muitas vezes proíbe isso”. (Jovem aluna da 7ª Série, 13 anos. Grupo focal de alunos)
Outro episódio refere-se ao fato de os alunos, na hora do recreio, em aula vaga ou
nas aulas de Educação Física, tentarem sair da escola para comprar o “creminhu”,
um sorvete de iogurte, ver Figura 2, que era a nova mania e a “febre” do momento
no bairro47, ou também, às vezes, pedirem aos vigilantes, a algum familiar, aos
alunos do vespertino que faziam Inglês na parte da manhã, ou a outra pessoa para
comprar.
Figura 2: O Creminho
46 Santos (2006) analisa a produção de camisas por alunos do ensino fundamental de duas escolas do estado do Espírito Santo, uma pública e outra particular. Os alunos das duas escolas fizeram camisas com estampas representando a escola como uma prisão. Nesses dois contextos houve a proibição das camisas por parte da equipe pedagógica com a ausência de diálogo. 47 No Bairro Maria Ortiz, há mais de dez pontos de vendas de Creminhu, principalmente nas casas das pessoas.
93
A equipe da escola percebeu que essas “fugas” poderiam causar problemas. Em
decorrência disso, para tentar lidar com a situação, decidiu trazer o “creminhu” para
dentro da escola.
Apesar de a escola, de certa forma, ter “resolvido” o problema da saída dos alunos
durante o horário de aula, ao trazer o “creminhu” para dentro da escola, conforme
constatamos, criou uma situação problemática, pois transpôs a dimensão privada
para a circunscrição do espaço público da escola. À primeira vista, pode parecer que
esta era uma questão isenta de grandes problemas. No entanto, ao trazer o
comércio, ao facilitar a geração de renda no interior da escola, subverteu-se a lógica
de uma instituição pública. Além disso, a questão econômica também traz em seu
bojo processos excludentes para aqueles que não podem comprar ou consumir.
Em relação ao perfil religioso dos pais ou responsáveis, encontramos uma
percentagem de 92,9% de adeptos de alguma religião e 7,1% sem nenhuma
vinculação religiosa. A tabela 7, abaixo, traz os percentuais dos que se declararam
vinculados a alguma religião, distribuídos por instituições religiosas.
TABELA 7: RELIGIÃO DOS PAIS DOS ALUNOS DA ESCOLA ROSA LINDA
Igrejas % Igreja Católica 53,0 Igrejas Evangélicas48 26,9 Igreja Batista 3,6 Igreja Maranata 3,0 Igreja Universal 0,6 Igreja Deus é Amor 0,6 Igreja Luterana 0,6 As Testemunhas de Jeová 0,6 Umbanda 0,6 Não Responderam 10,5 TOTAL 100 Fonte: Escola Rosa Linda
48 O termo “evangélica” foi evidenciado porque os pais ou responsáveis identificam apenas a sua igreja como evangélica, e não pela denominação específica da igreja. Mas tem-se que considerar, ao relacionar as igrejas mencionadas na tabela, que a Igreja Batista, a Maranata, a Universal, a Deus é Amor e a Luterana também são consideradas evangélicas, como protestantes históricas, pentecostais ou neopentecostais. Sendo assim, a Tabela 7 evidencia um percentual de 35,3% de evangélicos declarados. A Igreja as Testemunhas de Jeová é classificada ou como igreja “paralela à Reforma”, igreja “paracristã”, ou ainda igreja “neocristã”, portanto não é evangélica. Já a Umbanda enquadra-se nas chamadas religiões mediúnicas.
94
A Tabela 7 aponta algo interessante: apesar de o bairro ter apenas duas igrejas
católicas, mais da metade dos informantes, ou seja, 53%, declararam-se católicos.
A influência das denominações religiosas49 nas relações entre os alunos era muito
forte. Na escola, durante a semana, a questão religiosa explicitava-se tanto nas
relações entre os seus sujeitos, quanto, de alguma maneira, na realização de algum
evento promovido por ela, como a comemoração do dia da Páscoa. Nesse dia,
alunos e professores leram e ouviram mensagens religiosas. Uma das formas de
explicitação do religioso na escola, foi a confecção e a exposição de cartazes, cujo
dizer de um deles foi: “Luz, verdade, vida, fecundidade, morte e ressurreição”.
Numa outra dimensão, evidenciamos duas situações em que a dimensão religiosa
perpassava nas relações cotidianas ocorridas durante as aulas.
A primeira foi mais corrente. Na disciplina de Ciências o professor, antes de iniciar a
aula, pedia aos alunos para se postarem porque era o momento de agradecer ao
“Grande Espírito”. Nesse momento o professor cronometrava no relógio um minuto e
levantava o braço tanto para iniciar como para terminar o momento de
agradecimento, e ficava observando os alunos, mesmo disfarçadamente. Quase
todos abaixavam a cabeça para agradecer ao Grande Espírito. Com o tempo,
percebemos que esse momento era uma maneira de controlar os alunos,
principalmente quando a turma estava “agitada”. Mas eles mostravam resistências
quando ocorria esse evento, muitos ficavam cochichando com o colega do lado,
rindo, inquietos.
Já a segunda aconteceu na aula de Educação Física, com alunos da 6ª série.
Estava acontecendo um jogo misto de handebol entre as alunas e os alunos. Eram
três times. O time que ainda não estava jogando esperava o término do jogo que
estava ocorrendo na quadra para poder também participar. Por isso, o time que não
estava jogando mostrava-se um pouco disperso. Nesse momento, três jovens, duas
49 Uma situação observada que merece destaque foi vivenciada por um aluno cujo nome era Lúcifer. No dia 7/2/2007, a professora da 7ª série fez a chamada e os alunos zombaram do nome do colega, falando que o diabo estava na sala. A professora chamou a atenção da turma quanto a isso, e recomendou ao aluno que trocasse de nome para que não fosse mais alvo de gozação ou zombaria de alguém.
95
meninas e um menino, começaram a discutir sobre religião. As jovens eram da Igreja
Assembléia de Deus e o jovem declarou-se sem religião. Ele era visto pelos amigos
como o rebelde da turma, no sentido pejorativo, pois contestava tudo, e por isso era
mal visto. Ele era branco, tinha 14 anos e trabalhava num shopping center.
A discussão começou quando o jovem comentou com um colega sobre a quantidade
de igrejas que existiam no Bairro, dizendo que devia haver alguma coisa de estranho
nesse “aumento exagerado”. Falava que não ia a nenhuma porque os pastores só
ficavam pedindo dinheiro. As jovens não gostaram do que ouviram, entraram na
conversa e começaram a discutir com ele, momento em que o outro jovem se
afastou. As jovens falavam que o menino está equivocado e defendiam o dízimo
citando Malaquias 3:10: "Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja
mantimento na minha casa, e depois fazei prova de mim". Nisso o jovem ficou
irritado e, numa espécie de revide, disse: “Hoje há duas formas de se ficar rico:
traficar drogas e montar uma igreja”. A partir daí as jovens ficaram com raiva,
xingaram o menino e se afastaram, deixando-o falando sozinho.
A respeito das duas situações descritas, concordamos com a idéia de Rodrigues
(2007) de que a experiência religiosa provoca alguns impactos na vida social dos
jovens, seja na escola, seja na rua, seja na família, no que se refere à adoção de
determinados valores e práticas religiosas. Outra questão oriunda desses
acontecimentos é a demarcação de espaços constituidores de uma identidade
religiosa, que são lugares de assimetria, de disputa e de luta pelo poder e pelo
prestígio em relação à religião a que se pertence ou não. Como na escola, de
maneira geral, se encontram adeptos de religiões diversas, há uma tendência de se
alargarem as relações de poder e de conflito entre os sujeitos que convivem ou
lidam com as instituições religiosas.
96
CAPÍTULO 4
O PROGRAMA ESCOLA ABERTA: DA PROPOSTA À REALIDADE
4.1 O PROGRAMA ESCOLA ABERTA O estado do Espírito Santo, especificamente na cidade de Vitória, teve, no ano de
1986, uma experiência similar ao atual P.E.A. do Governo Federal, iniciado no Brasil
em 2004. O Programa intitulava-se Escola Experimental de 1º Grau Escola Aberta50.
Foi criado pela Secretaria de Estado da Educação e Cultura através da Portaria E nº
2.226, de 7 de março de 1986, publicada em 11 de março de 1986, na página 7 do
Diário Oficial do Espírito Santo (ANEXO 1). O objetivo principal desta iniciativa
institucional era atender os meninos e meninas de rua em situação de “risco social”.
A Escola Experimental Aberta de 1986 apresentava algumas aproximações e
diferenciações quando comparada com o P.E.A. atual. Como relações próximas
entre os dois Programas, podemos dizer que ambos tinham uma forte relação de
sociabilidade, flexibilidade quanto à entrada no Programa, relação com uma
instituição religiosa, atividades recreativas e culturais, iniciativas de Governo, além
do objetivo de lidar com problemas sociais. Já quanto a diferenças, existia na Escola
Experimental Aberta alimentação, ensino de disciplinas acadêmicas, acontecia
atividades durante a semana, diferentemente do P.E.A., cujas atividades ocorriam
apenas nos sábados e domingos, não havia alimentação e apenas oficinas variadas
era, trabalhadas.
O P.E.A. foi legitimado oficialmente no Brasil pela Resolução C/D/FNDE nº 052, de
25 de outubro de 2004, (ANEXO 2), que dispõe sobre sua criação. A Resolução
esclarece que a criação do Programa se dá,
[...] considerando a importância de se ampliar o escopo das atividades da escola para promover a melhoria da qualidade da educação no país; considerando a importância de se promover maior diálogo, cooperação e participação entre os alunos, pais e equipes de profissionais que atuam nas escolas; considerando a necessidade de redução da violência e da vulnerabilidade socioeconômica nas comunidades escolares (FNDE, 2006, p. 1).
50 Ver detalhes sobre a Escola Experimental Aberta de 1986 no Espírito Santo em APÊNDICE 5.
97
Esse Programa é originou-se da parceria do Governo Federal Brasileiro –
representado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) – com
a UNESCO, com a finalidade de “[...] transformar as escolas públicas, nos finais de
semana, em espaços alternativos de aprendizagem, lazer e cidadania, com a oferta
de oficinas e atividades” (BRASIL, 2005, p. 1).
As atividades e oficinas oferecidas pelo P.E.A. compreendem: teatro, dança, música
(percussão, violão, etc.), coral, artesanato (diversos), oficinas de reciclagem, pintura,
desenho, artes plásticas, futebol masculino e feminino, basquete, vôlei, handebol,
outros esportes (como tênis de mesa, skate), jogos de salão (dama, xadrez, entre
outros), capoeira, artes marciais, cursos de informática, reforço de aprendizado,
consertos domésticos e automotores, costura, modelagem, bordado, crochê, oficinas
de boneco e tapeçaria, cursos de cabeleireiro, vídeo e fotografia, religião, feirinha de
materiais novos e usados, culinária, teatro de bonecos, plantas medicinais,
meditação, oficina de circo e de incentivo à leitura (GUIMARÃES; CORDEIRO,
2006).
O P.E.A tem como origem e ramificação as experiências acumuladas pela UNESCO,
a partir de 2000, com a implantação de outro programa denominado Abrindo
Espaços: Educação e Cultura para a Paz, que tinha como perspectiva diminuir a
exclusão social e construir uma nova escola para o século XXI. Segundo o Art. 2º, inciso IV da Resolução supracitada, a UNESCO tem as seguintes funções no
desenvolvimento do programa:
[...] a) realizar a gestão técnica, administrativa e financeira do Programa; b) disponibilizar capacitação de recursos humanos envolvidos no Programa; c) avaliar os resultados do Programa; e d) elaborar relatórios de acompanhamento financeiro (ANEXO 2).
O P.E.A. é fomentado atualmente em mais de 1.200 escolas51 das redes públicas
estaduais e municipais de educação básica brasileira. Está sendo implantado nas
capitais que apresentam os maiores índices de violência. O P.E.A. articula-se com
diversos ministérios do Governo Brasileiro: Ministério da Educação; Ministério do
51 Acerca do Termo de Adesão da escola responsável – Diretor da escola no P.E.A. ver, ANEXO 3. Acerca do Cadastro do Coordenador-Interlocutor, ver ANEXO 4.
98
Trabalho; Ministério do Esporte e Ministério da Cultura. Para o ano de 2006, havia a
proposta do FNDE/MEC, que dispunha de 24 milhões de reais para o Programa52.
Ao falar da proposta do Programa em análise, o então diretor da Unesco no Brasil,
Jorge Werthein, comenta:
Considerando o acervo teórico conceitual da UNESCO, e fazendo eco à preocupação nacional com a juventude e com a violência, a UNESCO apresenta uma proposta aparentemente simples, mas de complexa engenharia: abertura das escolas nos finais de semana, com atividades para jovens, em lugares de concentração de população pior situada na escala de distribuição de riquezas. Mas com tal gesto são muitos os espaços que se pretende abrir (WERTHEIN, apud CASTRO et al., 2001, p. 526).
O P.E.A. tem no interior de seus objetivos, ao abrir as escolas públicas nos finais de
semana, uma maneira de enfrentamento do fenômeno da violência na sociedade
brasileira, até porque as cidades que foram e estão sendo pioneiras na implantação
desse Programa são os municípios que apresentam os maiores índices de violência
do País.
Segundo estatísticas53, principalmente aquelas divulgadas pela UNESCO no Brasil,
são os jovens os principais agentes ou vítimas da violência54. Segundo uma pré-
avaliação do P.E.A. nos Estados de Pernambuco e do Rio de Janeiro, aliás, os dois
estados brasileiros que apresentam, juntamente com o Espírito Santo, altas taxas de
criminalidade, as instituições escolares que aderiram ao projeto desde o seu início,
2004, contabilizaram uma diminuição de 60% nessas taxas e as que aderiram este
ano, 2006, apresentaram um índice de diminuição de 30% (GUIMARÃES;
CORDEIRO, 2006). No entanto, mesmo com os resultados positivos dessa
pesquisa, reconhece-se pertinente e importante um estudo aprofundado do P.E.A.
Com isso, o Governo encontrou na escola uma possibilidade de enfrentar problemas
macroestruturais como a violência e as desigualdades sociais, que atingem (e
52 Sobre o documento que trata do Termo de Compromisso para o financiamento do P.E.A., ver ANEXO 5. 53 Ver Waiselfisz (2002) e Revista Cidadã (2004). 54 Em relação à questão de que os jovens são vítimas ou agentes da violência, Sposito (2003, p. 23) pondera: “é preciso ressaltar que os segmentos juvenis da sociedade brasileira, embora apareçam quase sempre como protagonistas, são muito mais vítimas do que responsáveis” (grifos da autora).
99
reflete) todas as dimensões sociais. Um documento oficial da UNESCO (NOLETO,
2004. p. 12) evidencia e legitima esse intento governamental:
Mais que um ato de abertura dos portões da escola à comunidade, pretende-se a construção de uma cultura de paz, o combate a desigualdades, a iniqüidades e à probabilidade de estar exposto a violências de várias ordens, o que implica construir paradigmas além de projetos de extensão escolar.
O P.E.A. torna-se emblemático como um processo analítico de pesquisa, na medida
em que possibilita compreender que o contexto e a configuração da estrutura social
brasileira, marcados historicamente pela lógica capitalista, interferem decisivamente
na escola, na juventude e na violência. Assim, considerar esse viés é uma tentativa
de entender a ideologia que perpassa esse programa e, também, uma maneira de
se compreender como organismos governamentais e instituições públicas tomam
decisões acerca do enfrentamento do fenômeno violência e como essas decisões
interferem na dinâmica da sociedade brasileira.
4.2 POR DENTRO E POR FORA DO PROGRAMA ESCOLA ABERTA DA ESCOLA ROSA LINDA
“Acho que tem que abrir mesmo, porque tem muita resistência ainda, né? Porque, na verdade, a escola regular é a Escola Aberta, né? não são duas escolas, é uma, né? mas, como a gente fala, como a gente vivencia o programa, parece que são duas”. (Representante do MEC no Espírito Santo, coordenadora da Unidade Local do P.E.A., 36 anos)
O P.E.A. da Escola Rosa Linda começou a funcionar a partir do segundo semestre
de 2004, mas a assinatura do Termo de Compromisso de Financiamento do referido
programa data de 5 de abril de 2004. Na Escola, o Programa funciona aos sábados,
de 13 às 18 horas, e aos domingos, das 8 às 12 horas55 e das 13 às 18 horas.
O P.E.A. oferece as seguintes oficinas nesses respectivos horários (Tabela 8):
55 Quando dão 12 horas, os guardas fecham todos os portões da escola. Em vista disso, o horário não foi informado como se funcionasse das 8 às 18 horas.
100
TABELA 8 – OFICINAS DO P.E.A. DA ESCOLA ROSA LINDA
OFICINÀS DIA HORÁRIO Bolsa em Tecido Sábado das 13 às 18 horas Pintura e Molde Vazado Sábado e Domingo das 14 às 17 horas Biscuit Sábado das 13 às 18 horas Violão Domingo das 14 às 18 horas Flauta e Teclado Domingo das 13 às 18 horas Voleibol Domingo das 12 às 18 horas Informática Domingo das 14 às 18 horas Teatro Domingo das 14 às 17 horas Dança Sábado das 14 às 17 horas
O P.E.A., em sua estrutura nas secretarias estaduais e municipais de educação, tem
quatro funções fundamentais, que são exercidas por um Coordenador Estadual da
Unidade Local do Escola Aberta, um Interlocutor Municipal, Coordenadores
Temáticos (Cultural, Esportivo e Pedagógico) e Supervisores. A primeira função
consiste em
“fazer a articulação das secretarias que o programa atende, manter esse canal aberto de, comunicação do MEC para as secretarias e das secretarias para o MEC, É... fazer articulação com os outros parceiros do Mec aqui no Estado, especialmente o Escola que Protege e o Conexão de Saberes e também o Ministério dos Esportes, e o tempo inteiro monitorar como que o programa se materializa no ES, como é que as escolas recebem o programa”. (Coordenadora da U.L.E, 36 anos)
O Interlocutor Municipal do P.E.A. é um funcionário da Secretaria de Educação e é o
responsável pelo suporte necessário ao desenvolvimento das atividades no Estado
ou nos municípios. Ele apresenta, entre muitas, as seguintes atribuições:
[...] participar de reuniões, de seminários temáticos comuns, realizados pelas secretarias ou em parceria com algum órgão ou entidade de apoio ao Programa; encaminhar a documentação pertinente: termo de adesão, relação das escolas nas quais o programa será implantado, fichas cadastrais, planos e trabalho, relatórios; planejar e organizar, em conjunto com os coordenadores temáticos, supervisores e coordenadores escolares as ações de implementação e expansão do Programa, etc. (MANUAL OPERACIONAL DO P.E.A., 2005, p. 7).
Os Coordenadores Temáticos são designados pelas secretarias estaduais e
municipais de educação e são responsáveis pela organização das atividades de
integração e articulação entre as escolas favorecidas pelo Programa. Os
101
supervisores56 são os designados para “inspecionar” e “monitorar” as escolas nos
finais de semana no decorrer das atividades do P.E.A., de modo a verificar e
controlar se as atividades previstas para o funcionamento estão efetivamente sendo
executadas.
Já no nível da escola, o P.E.A. tem o Diretor Escolar, o Coordenador Escolar, o
Professor Comunitário e os Oficineiros. O diretor escolar é o responsável pela
assinatura do Termo de Adesão da escola (ANEXO 3) e pela indicação do
coordenador do P.E.A. O coordenador do P.E.A.57 é designado para fazer a relação
entre o Programa, a escola e os moradores do entorno da escola. O cargo de
professor comunitário deve ser ocupado por um professor ou especialista efetivo da
escola escolhido pelo diretor, considerando o perfil de liderança. A função dele é
proporcionar a articulação e aproximação entre a escola e os moradores e/ou
familiares por meio das atividades do P.E.A. Cabe-lhe estreitar “[...] os elos entre os
aspectos da educação formal e informal da escola participante, aproximando as
atividades realizadas nos finais de semanas daquelas de educação regular
desenvolvidas durante a semana”. (MANUAL OPERACIONAL DO P.E.A., 2005, p. 9)
Já aos oficineiros compete desenvolver atividades e ações culturais, esportivas, de
lazer, saúde coletiva, qualificação profissional, entre outras. Eles podem ser
ressarcidos ou voluntários. O primeiro cumpre uma carga horária de 8 horas por final
de semana.
Quanto aos formulários ou registro de relatórios disponibilizados para os sujeitos que
atuam na estrutura do P.E.A., (ANEXOS 12 e 13), percebemos um matiz
extremamente controlador, utilitarista, pragmático e de hierarquia em relação tanto
ao âmbito da instituição escolar, quanto aos sujeitos que participam das atividades
desse Programa. E isso justifica que, no decorrer da dinâmica do P.E.A. da Escola
Rosa Linda, por exemplo, a coordenadora correntemente solicite, tanto ao usuário
quanto ao simples transeunte na escola o nome, a idade, a localidade, e se
estudavam ou não na escola. Geralmente os transeuntes, os que só passavam na
56 Sobre os relatórios de registro do supervisor, ver, ANEXO 12. Há uma proporção média de um supervisor para cada cinco escolas que têm o P.E.A., de preferência um professor da rede de ensino. 57 Sobre os relatórios de registro do coordenador escolar, ver ANEXO 13.
102
escola por algum outro motivo que não a participação nas oficinas, ficavam meio
constrangidos diante de um “bombardeio” de perguntas.
A maioria dos oficineiros do P.E.A. são oriundos da CAOCA e do CAJUM onde
desenvolviam ou desenvolvem atividades. A coordenadora do P.E.A. da Escola
Rosa Linda não é moradora do bairro onde fica situada a escola, mas, sim, de um
vizinho deste, o Sólon Borges.
Com exceção das oficinas de teatro e de dança, todas as demais funcionaram sem
interrupção durante a pesquisa. Elas ocorreram apenas em duas semanas58 e eram
as oficinas que mais atraíam os jovens à escola. Quando houve a interrupção, “os
jovens sumiram”59. Os oficineiros dessas duas oficinas, também jovens, eram os
únicos não beneficiados com a bolsa de ajuda de custos concedida para alguns
deles.
A oficina de vôlei acontecia na quadra; a de instrumentos musicais, nas salas de
aulas; a de teatro e dança, no pátio da escola; a de informática, no laboratório
escolar; e as de pintura e molde vazado, biscuit e bolsa de tecido, no refeitório da
escola, visto que era um espaço amplo para acomodar tais oficinas.
Aos sábados e aos domingos à tarde, não ocorriam oficinas, mas havia sempre
“atividades livres”, em que os usuários, principalmente crianças, muitas crianças,
jogavam futebol e, algumas vezes, basquetebol, na quadra, tudo de forma
improvisada. Essas atividades eram as que mais atraíam, já que delas participava o
maior número de pessoas, ver Foto 6.
58 No Manual Operacional do P.E.A. (2005), as oficinas esporádicas ganham o nome de “oficinas de curta duração”. 59 Fala de um jovem usuário das atividades do P.E.A, em 29/4/2007, quando menciona a ausência de jovens na escola nos finais de semana.
103
Foto 6: “Atividades livres” na quadra.
Os dados originados da aplicação dos questionários revelaram-nos a relação dos
sujeitos da Instituição Escolar com o P.E.A., seja os alunos, os professores, seja a
equipe técnica da Escola Rosa Linda.
Foram aplicados 210 questionários para os alunos de 5ª a 8ª séries do turno
matutino, com um êxito de 100% da coleta dos matriculados. Desse total, 109 eram
do sexo masculino e 101, do feminino. Constatamos que 28% (58 alunos) já haviam
participado das atividades do P.E.A., enquanto 72% (152 alunos) nunca haviam
participaram desse programa (Gráfico 1). Dos 58 alunos participantes do P.E.A.,
40% (23) eram do sexo masculino, e 60% (35), do sexo feminino (Gráfico 2). Já
entre os alunos não-participantes do P.E.A., verificamos que dos 152 que nunca
haviam ido à escola nos finais de semana para participar de tal Programa, 47% (71
alunos) eram do sexo masculino e 53% (81 alunas), do sexo feminino (Gráfico 3). Gráfico 1: Percentagem de Alunos da Escola Participantes e Não-Participantes do P.E.A.
28%
72%
ParticipantesNão-participantes
104
Gráfico 2: Percentagem de Alunos da Escola Participantes do P.E.A. por sexo.
Gráfico 3: Percentagem de Alunos da Escola Não-Participantes do P.E.A. por sexo.
Para corroborar com a constatação acima, de que apenas 28% dos alunos da escola
pesquisada freqüentavam as atividades do P.E.A., temos a seguinte fala:
“Oh, a maioria das pessoas que freqüentam a Escola Aberta são mais pessoas da comunidade..., da escola mesmo, a gente tem uma “quantidade boa”, mas a gente tem maior da comunidade”. (Coordenadora do P.E.A., 53 anos)
O percentual que mostra que a maioria dos participantes do P.E.A. era do sexo
feminino 60%, pode ser explicado pelo fato de a maior parte das modalidades de
atividades ofertadas na Escola Rosa Linda, como as oficinas de biscuit, corte e
costura (bolsa em tecido), molde vazado e pintura, e dança60, ser praticada
geralmente61 por mulheres.
60 Nas poucas vezes da ocorrência dessa oficina, com exceção do oficineiro, todos os participantes eram do sexo feminino. 61 Durante a pesquisa, só houve um caso de uma pessoa do sexo masculino ter participado numa dessas atividades. Foi um visitante que estava a serviço da Prefeitura de Vitória e aproveitou o tempo que estava na escola para fazer a oficina de biscuit. Durante esse tempo, ele chamou atenção das participantes, que lhe deram o maior apoio, não o discriminando.
40%
60%
Masc.ParticipantesFem.Participantes
47%
53%
Masc. Não-ParticipantesFem. Não-Participantes
105
Após responderem sobre sua participação ou não nas atividades do P.E.A., os
alunos também poderiam escrever sobre as razões tanto da participação quanto da
não-participação nas atividades da escola nos finais de semana. Era uma questão
aberta, por isso nas respostas foi verificado mais de um motivo para isso.
A Tabela 9 resume as razões indicadas pelos 58 alunos da Escola Rosa Linda que
participaram das atividades do P.E.A.
TABELA 9 – RAZÕES DA PARTICIPAÇÃO DOS ALUNOS DA ESCOLA NO P.E.A.
Por que participam do P.E.A.? Quantidade Percentagem Oportunidade para aprender 16 27,6% É divertido/legal/interessante 14 24,1% Gosta 9 15,5% Ocupar o tempo 9 15,5% Jogar Basquete 8 13,8% Já participou e não volta mais 5 8,6% Já participou e não gostou 3 5,1% Curiosidade 1 1,7% Praticar esportes 1 1,7% Aulas gratuitas 1 1,7% É bom para as crianças 1 1,7% Convite de amigo 1 1,7% Gosta dos oficineiros 1 1,7% Distração 1 1,7% Aprender para tocar na igreja 1 1,7% Gosta dos cursos/oficinas 1 1,7% Bom para o futuro 1 1,7% Realizar um sonho (cantar) 1 1,7% Sair da rua 1 1,7%
Sobre as razões, os alunos e alunas dizem:
“Eu já participei e gostei muito e eu acho que é uma oportunidade muito grande, chance para podermos aprender coisas novas”. (Aluna da 5ª série, 11 anos) “Eu acho que é interessante ter alguma atividade para fazer nos domingos”. (Aluna da 7ª série, 13 anos) “Eu vou na Escola Aberta porque eu fico sem fazer nada no domingo e queria ocupar meu tempo com alguma coisa”. (Aluna da 7ª série, 14 anos) “Participei porque gosto muito de basquete e é muito bom ter uma quadra aberta no final de semana”. (Aluno da 7ª série, 12 anos)
106
As razões para irem ao P.E.A. apontadas acima, como "oportunidade", "chance para
aprender", "gostar de basquete", "ocupar o tempo", "é interessante/agrada/gosta",
ancoram-se nos anseios e necessidades dos jovens no sentido de que ir à escola é
um desejo ligado às suas vontades e iniciativas próprias, independentemente de lá
gostarem ou não das atividades ofertadas.
Cinco pessoas falaram que já participaram das atividades do P.E.A. da Escola Rosa
Linda, mas não voltarão mais, e três falaram que já participaram do P.E.A. mas não
gostaram das atividades.
“Eu participei porque eu achei que seria legal se eu aprendesse mais sobre informática, mas eu me arrependi, porque a professora só ensinava porcaria que eu já sabia, agora nunca mais volto aqui!” (Aluno da 8ª série, 14 anos) “Já participei e não gostei, não têm regras, são muitos desorganizados, os outros vem e destrói, e a escola não faz nada”. É ruim D +”. (Aluno da 8ª série, 15 anos)
Acima temos duas razões, complementares, de pessoas que já foram ao P.E.A.,
mas que não voltarão, seja porque “só se ensinava porcaria”, seja porque não havia
regras e havia desorganização. A primeira está ligada, como veremos abaixo, à
questão de que as atividades ofertadas no Programa, pelo menos na escola
pesquisada, não atendiam as necessidades e demandas dos jovens, alunos ou não.
Já a segunda atrela-se a um não-conhecimento do aluno quanto à dinâmica do
P.E.A., devido, de certa forma, à pouca interação da escola com o Programa, no que
se refere à forma de funcionamento dele durante a semana, como constataremos
também quando os alunos disserem as razões de não virem ao P.E.A.
Formando um outro bloco, havia os alunos que mencionaram uma vez as seguintes
razões de sua participação no P.E.A.: “curiosidade”, “praticar esportes”, “aulas
gratuitas”, “é bom para as crianças”, “convite de amigo”, “gosta dos oficineiros”,
“distração”, “aprender para tocar na igreja”, “gosta dos cursos/oficinas”, “bom para o
futuro”, “realizar um sonho (cantar)”, “sair da rua”. Sobre uma dessas razões, a aluna
diz: “Gosto de cantar, por isso participei; meu maior sonho é cantar, amo cantar!” (Aluna da 8ª série, 14 anos)
107
Assim, percebemos que a maioria dessas razões está atrelada às necessidades
juvenis desses alunos, seja pelas relações de amizade, pelo divertimento dessas
atividades, seja pelas possibilidades de realização pessoal e profissional. No
entanto, está evidenciado que essas razões foram mencionadas por uma quantidade
ínfima de alunos, talvez pela pouca participação de alunos da escola nas atividades
do P.E.A. aos finais de semana, o que significa tanto o não-cumprimento das
demandas juvenis, quanto a desconexão da escola com o Programa, como veremos
mais adiante.
Dos 210 alunos que responderam ao questionário, 152 não participavam do P.E.A. A
Tabela 10 exibe as razões da não-participação dos alunos da escola no P.E.A.
Tabela 10 – RAZÕES DA NÃO PARTICIPAÇÃO DOS ALUNOS DA ESCOLA NO P.E.A.
Por que não participam do P.E.A.? Quantidade Percentagem Outros afazeres/muito ocupado/ Não tem tempo
78 51,3%
Não tem interesse, atividades não agradam
70 46,0%
Não sabia, mas gostaria de participar 28 18,4% Passeio/Viagem 24 15,8% Família 19 12,5% Igreja 14 9,2% Prefere dormir/descansar 14 9,2% Prefere ficar/divertir em casa 12 7,9% Mora longe 11 7,2% Já passa a semana toda na escola 8 5,3% Computador 7 4,6% Estudos 5 3,3% Praia 4 2,6% Outros afazeres, mas gostaria de participar
4 2,6%
Não tem oportunidade 3 2,0% Preguiça 2 1,3% Amigos 2 1,3% Prefere ficar na rua 1 0,66% Os pais não deixam, mas quer participar
1 0,66%
Ficar livre 1 0,66% Não gosta de fazer nada 1 0,66% Fazer lanche 1 0,66%
As opções, como não ter tempo, estar muito ocupado, viajar, estar com a família, ir à
igreja, ficar no computador, ir à praia, compõem, de certa forma, um rol de
demandas e/ou possibilidades dos alunos de vivenciar o final de semana de outras
formas por eles consideradas como prioritárias.
108
Outros motivos de não ir ao P.E.A., como achar as atividades não interessantes, não
saber da existência do Programa, mas querer participar, preferir ficar em casa,
descansando ou dormindo, ou já passar a semana toda na escola, se
complementam entre si e estão relacionadas a três fatores: a) a desconexão da
Escola com o P.E.A.; b) a falta de divulgação do P.E.A. na Escola; c) os tipos de
atividades não identificados com os interesses dos jovens e crianças e o baixo grau
de participação dos usuários nas escolhas das atividades.
a) A desconexão da Escola com o P.E.A.:
De fato, uma das razões que podem explicar a quantidade de alunos que não
conheciam as atividades do P.E.A. da Escola Rosa Linda ou que nunca participaram
delas é o tipo de relação estabelecida entre a Escola e o Programa. Sobre essa
relação, a professora comunitária do P.E.A., que é uma das secretárias da Escola, a
coordenadora de 5ª a 8ª séries do turno matutino e uma aluna da 8ª série dizem:
“Mas a relação entre o Programa Escola Aberta e a Escola não tem. Tem quando, por exemplo, vai ter uma festinha, uma comemoração na escola, aí a diretora chama, o pessoal chama, né? fala para a coordenadora [do P.E.A.] para chamar os oficineiros para eles exporem os seus trabalhos né? para... se quiser vender também vende né? que aí vai divulgando, mas só quando tem essas festas. Não tem relação. Só para jogar assim um “pepino”: - Ah! eu não sei o que é isso, é do Escola Aberta? Manda a Maria62. Vê só!” (Professora comunitária do P.E.A., 26 anos) “Nós temos algumas dúvidas, né? como funciona? Que tipo de oficinas? É... são oferecidas para a comunidade. Então eu acho que a escola, enquanto escola, já que é Escola Aberta, eu acho que a escola tem que estar a par disso, né? Acho que falta interesse nosso”. (Coordenadora da Escola, 31 anos) “Realmente se quisessem que os alunos participassem, eles fariam mais, chamavam atenção dos alunos, aproximando os alunos, perguntando... é... falando tudo que vai ter, tipo assim, uma certa aproximação com os alunos. Eles falam que é Escola Aberta, tá! Nem sabe se tem, se vai ter, se não tem, chega aqui o pessoal tudo parado, pelo menos eu já vi, muitas vezes!” (Aluna da 8ª série, 14 anos – Grupo focal de Alunos)
Outro fator relacionado a essa visível desconexão entre a dinâmica da Escola e o
P.E.A., considerando que a maioria dos discentes são moradores do Bairro e que
uma das concepções desse Programa é provocar uma aproximação com os
moradores circunscritos à Escola, é também o nível de articulação das deliberações 62 Nome fictício. Aqui a professora comunitária refere-se a si mesma.
109
do P.E.A. com a Associação de Moradores do Bairro Maria Ortiz. Sobre isso, ao ser
questionada quanto ao grau de participação da Associação nas deliberações do
P.E.A., a líder comunitária conta: “...está muito a desejar, porque a gente não sabe de nada, entendeu? A gente não é convidada para nada. A gente não participa, você não tem como acompanhar e nem como opinar, entendeu? Então, pelo menos nenhum membro da diretoria foi convidado a participar de qualquer coisa do Escola Aberta. Quem é a coordenadora? Eu não conheço, não sei, não conheço, nunca me foi apresentada, nunca se envolveu com a comunidade, então fica difícil de falar qualquer coisa, porque relação, acho que nenhuma. Olha eu acho, em relação ao Escola Aberta... é uma idéia maravilhosa, mas eu acho que tem que ser melhorado, a comunidade tem que estar mais envolvida, né? para realmente funcionar. Olha, pelo menos conhecer o que tem, o que que é voltado para mim, o que é voltado para você, o quê que o meu filho poderia estar usufruindo, né? de que forma que eu poderia estar ajudando também. É envolver realmente, por exemplo, a Associação, de repente pode estar contribuindo de alguma forma, ela pode estar ajudando a divulgar, né? o que existe na escola, pode estar referendando em outros momentos né? nas assembléias de bairro, né? em algumas reuniões, né? Eu acho que está faltando isso aí na Escola Aberta (Líder comunitária do Bairro Maria Ortiz, 42 anos, grifos nossos).
O fato, já mencionado nesta pesquisa, de que a coordenadora do P.E.A. não mora
no Bairro, ou a questão de que as atividades e oficineiros foram originados de uma
estrutura já pronta de outras organizações do Bairro indica-nos que não houve um
processo de discussão e deliberação coletivas sobre as atividades e a dinâmica do
P.E.A. em que vários sujeitos pudessem participar. E aqui há uma desarticulação
entre a efetivação do Programa e as demandas dos sujeitos jovens, como apontado
por Rua (1998) e Sposito (2003), de forma que as políticas ou propostas
direcionadas aos jovens se organizam sem ações universais.
Nesse sentido, isso, de forma simultânea, acarreta essa desconexão entre a
dinâmica do P.E.A. com a Escola, com o Bairro e com os anseios dos alunos e
moradores.
b) Falta de divulgação do P.E.A. na Escola:
Outro fator, conjugado, gerador da desconexão refere-se à falta ou não de algum
tipo de divulgação sobre o P.E.A. tanto na Escola quanto no seu entorno. “Na escola, a gente fala, às vezes, através do microfone, as coisas que tem, né? A gente tem lá na frente, foi tirado até pouco tempo, como é que
110
se diz? um folder não, como é o nome disto aí, a faixa que agora está lá no refeitório, tá? E lá na frente a gente tem um cavalete com as oficinas que a gente renova, está para renovar agora para ver quais são as oficinas que vão continuar, que saíram, né? esse tipo de coisa assim. E através mesmo, a gente tem os panfletinhos desse tipo aqui também [pega uns que estavam em sua mesa] que a gente distribui para os alunos, tá?” (Diretora da Escola, 51 anos, grifos nossos) “Bom, é complicado você divulgar uma coisa que você não..., não está tão a par, mas, quando a Escola Aberta, né? os profissionais e as equipes, né? os membros né, eles vêm e passam para a gente e sempre é aceito né, quando eles estão presentes, é feito o trabalho, mas eu acho que deveria estar mais unido assim com a escola, e esses profissionais também, do Escola Aberta, né?”. (Coordenadora da Escola, 31 anos) “a comunicação com a escola, né? praticamente não existe, né? E falta essa coisa, a comunicação, essa divulgação, que, de repente, se os pais conseguissem, soubessem melhor do que se trata, viriam mais também, né”. (Professora comunitária do P.E.A., 26 anos) “Acho que eu já ouvi falar, sim, só que eu acho que é mal divulgado. Não tem divulgação! Até que fala: - “O que seria das Casas Bahia se não fosse a divulgação?!” Sabe? Então, não tem divulgação! Não tem mesmo, cara, eu não sei... eu sei que tem Escola Aberta, mas não sei que oficina que tem, não sei quem é que dá a oficina, que eu acho que é importante saber, mas não sei!” (Aluna da 6ª série, 13 anos – Grupo de alunos) “Deveria ter uma divulgação maior, porque aqui no nosso bairro eu não vejo”. (Usuária do P.E.A., 17 anos – Grupo focal de usuários)
Pelos depoimentos, com exceção da fala da diretora, percebemos que uma das
razões da não-articulação do P.E.A. com a Escola é a falta de divulgação. No início
da pesquisa, a interlocução central do P.E.A. do município de Vitória tinha enviado
dois grandes banners desse Programa à Escola. Eles permaneceram no armário
dos pertences do P.E.A. por mais de dois meses. Após esse prazo, um foi colocado
no refeitório da Escola, e o outro, depois de algum tempo, foi deixado encostado na
mesa na sala da diretora. Na fala acima, quando diz: “Como é o nome disto aí”, ela
aponta para o banner que já estava havia mais de um mês em sua sala.
Acima constatamos uma desarticulação entre a Escola e o Programa; uma falta de
divulgação das atividades de final de semana na escola regular. Mas, quando muitos
afirmam que não foram informados sobre o P.E.A., percebemos que eles querem
conhecer o Programa e dele participar. E aqui nos remetemos à fala da aluna que
menciona as Casas Bahia para passar a idéia de que a divulgação seria a “alma do
negócio”. Nisso há o pressuposto de que conhecer o que é e o que acontece no
P.E.A. é algo relevante para quem quiser usufruir do Programa.
111
No bairro da escola, praticamente não existia nada mencionando as atividades do
P.E.A. da Escola Rosa Linda. Um fato curioso foi observado em Maria Ortiz: nos
postes das ruas havia cartazes do P.E.A. de outras escolas e de bairros
relativamente distantes da escola pesquisada. Nesses cartazes, existia a descrição,
o dia, os horários e as oficinas oferecidas pelas escolas que estavam anunciando.
Das poucas ou raras ações pontuais sobre o P.E.A. durante a semana, ocorreu uma,
no dia da votação do Conselho de Escola, com a participação de todos os
segmentos da Instituição, juntamente com os pais e mães dos alunos, mas que foi
dificultada no momento de ser efetivada. Eis a ação e o modo como ocorreu: “Na biblioteca teve eleição do conselho, quando eu fui pedir para deixar os panfletinhos do Escola Aberta lá, para os pais que viessem votar, né? Está votando, está sentado ali na mesa, né? o pai chega até a mesa. Custa entregar um panfletinho?! Eu pedi a Esther63 para entregar, ela fez um escarcéu danado e falou que aquilo não é função dela, que aquilo não tinha ali [risos]. Aí a Marianita,64 a bibliotecária, aceitou: - Não, Esther, não tem nada a ver, o que que custa entregar um panfleto? E quis saber o que que eu era, quis saber quem viu, quem mandou fazer aquilo. Enfim, a diretora tinha mandado porque, senão, não ia fazer” (Professora comunitária do P.E.A., 26 anos).
Pela questão acima, percebemos mais um indicativo de que, na escola pesquisada,
além de haver um grande desconhecimento sobre o P.E.A. pelos sujeitos que a
compõem, há também uma efetiva resistência de aproximação dele dentro da
organização e dinâmica da estrutura escolar.
Na reunião de pais, ocorrida em 9 de março de 2007, a diretora falou para os
presentes sobre a oficina de informática, que seria oferecida no final de semana na
Escola através do P.E.A.
Durante o período da pesquisa, no decorrer das observações nas salas da 6ª, 7ª e
8ª séries, de segunda a sexta-feira, com exceção dos coordenadores do Projeto A
cidade que mora em mim65, nem a equipe do P.E.A. nem a da Escola foram às salas
mencionar ou falar algo sobre o programa objeto desta pesquisa.
63 Nome fictício para a bibliotecária da escola. 64 Nome fictício para a outra bibliotecária da escola. 65 Projeto desenvolvido pelo “Pólo de Arte na Escola”, juntamente com a UFES, cuja realização teve o apoio da Prefeitura Municipal de Vitória/ES. Ele pressupunha o desenvolvimento de oficinas de artes que despertariam nos participantes a criatividade e a “expressão”, dentro das atividades do P.E.A.,
112
Nos encontros de formação de professores que acontecem todas as sextas-feiras, o
P.E.A. foi mencionado em duas reuniões, durante a pesquisa: uma em 13 de abril de
2007, um dia após o início da aplicação dos questionários aos professores e à
equipe técnica da Escola; outra, que ocorreu na semana seguinte, que evidenciou
uma grande curiosidade dos professores e pedagogas e não só uma enorme
vontade de conhecer o Programa, mas também de ajudar, de certa forma, a
desenvolvê-lo na Escola.
c) Os tipos de atividades não identificados com os interesses dos jovens e crianças
e o baixo grau de participação dos usuários nas escolhas das atividades:
Outras duas razões conjugadas às anteriores e motivadoras da pouca participação
dos jovens alunos nas atividades do P.E.A. são as que se referem aos tipos de
atividades e ao nível de participação desses sujeitos na escolha das oficinas. Nesse
sentido, temos a opinião dos alunos quanto às atividades ofertadas:
“Eles falam que é bom, mas pra mim é ruim. Cheguei aqui, ficar lá desenhando, desenhando não sei que lá, não sei que lá, até umas meio-dia, prefiro tá em casa!” (Aluno da 8ª série, 14 anos – Grupo focal de alunos). “Só vou vim quando tiver mais animação. Pô! parece até aqueles filmes de baile dançante. É muito desanimado, cara! Chega aqui, não chama atenção!” (Aluna da 7ª série, 13 anos – Grupo focal de alunos, grifos nossos “Olha, a gente vem pra cá fazer o que eles querem, obrigado, né?” (Aluno da 8ª série, 14 anos – Grupo focal de alunos) “Se você botar um professor de handball, de futsal aí, no segundo dia vai ter cinqüenta alunos aí. Por quê? Porque todo mundo gosta de esporte, sacô? Mas pular corda, peteca... ficar bordando... ninguém vai nisso, cara!” (Aluna da 7ª série, 13 anos – Grupo focal de alunos) “O final de semana são os únicos dias que a gente não tem nada pra fazer e que a gente pode se divertir. A gente vai vim pra escola pra ouvir o cara falar de uma coisa que não tem sentido pra gente! Aprender a bordar, aprender a fazer coisa que... como?” (Aluna da 6ª série, 13 anos – Grupo focal de alunos) “Se valesse a pena mesmo vim na Escola Aberta, com certeza, todo mundo acordaria cedo pra poder vim. Mas como é uma coisa assim que quase não chama atenção de ninguém, ninguém gosta, eu acho que
para um público específico de 7 a 14 anos. No primeiro dia da ocorrência desse evento, constatamos que, dos 80 participantes, de acordo com a lista de uma das coordenadoras do projeto, 79 eram da Escola Rosa Linda.
113
preferem ficar em casa, ficar fazendo o que quer, né?” (Aluna da 8ª série, 14 anos – Grupo focal de alunos, grifos nossos).
Quando os jovens demonstram percepções adversas sobre as atividades do P.E.A.,
temos a indicação de que eles nem de longe foram ouvidos ou participaram das
deliberações acerca desse Programa aos finais de semana na escola. Essa aversão
demonstra que os jovens têm perspectivas, gostos, escolhas, opinião, decisão e
autonomia própria para demarcar ou definir as suas demandas, necessidades e
possibilidades de existência.
Nesse sentido, a não-articulação das atividades do P.E.A. com as predileções dos
jovens alunos está diretamente ligada à não consideração e a não legitimação da
participação desses sujeitos nas escolhas e deliberações das oficinas desse
Programa. E isso explica também a pouca participação de jovens, que é o público
alvo do referido Programa, nas atividades deste na Escola Rosa Linda.
Sobre a posição da instituição escolar ou da equipe do P.E.A. para não ouvir o que
os usuários querem, temos as seguintes argumentações: “Porque eles não levam a sério o que o jovem pensa”. (Aluna da 7ª série, 13 anos – Grupo focal de alunos) “Ouvir é difícil. Difícil mesmo! Às vezes eles preferem achar que eles adivinham, eles preferem. Mas eu, particularmente, só vou começar a vim na Escola Aberta quando eles começarem a ouvir mais a gente”. (Aluna da 6ª série, 13 anos – Grupo focal de alunos) “Eu acho que eles não ouvem a gente porque eles acham que o direito é só deles. A gente são jovens, eles pensam que a gente são crianças, mas, se eles ouvissem a gente, ia ter muita opinião boa de cada um”. (Aluno da 8ª série, 14 anos – Grupo focal de alunos)
O fato de não haver atividades atrativas para os jovens alunos e, somado a isso a
não-consideração da opinião e das demandas juvenis desconfiguram totalmente os
mecanismos efetivos de participação e emancipação dos jovens na perspectiva de
considerá-los como sujeitos de direitos. E isso pressupõe evidentemente relações de
conotação arbitrária, recheadas de poder tanto das instituições incumbidas do
Programa quanto dos sujeitos que organizam e estruturam a escola de maneira
geral, visto que “eles não ouvem a gente porque eles acham que o direito é só
deles”. E aqui fica reforçada a idéia do aluno de que “eles não levam a sério o que o
114
jovem pensa”. Além de eles não levarem a sério, às vezes, em muitas ocasiões, nem
ouvem o que os jovens têm a dizer.
Quanto aos professores e à equipe técnica da escola (diretora, pedagogas e
coordenadoras de turno), temos os seguintes dados: dos 27 profissionais da escola,
78% (21) nunca participaram das atividades do P.E.A., e 22% (6) já tiveram alguma
participação nesse Programa aos finais de semana (Gráfico 4).
Gráfico 4: Total de professores e Equipe Técnica no P.E.A
Entre as razões colocadas pelos professores e equipe técnica da Escola acerca da
participação ou não nas atividades do P.E.A. aos finais de semana, temos:
“Sim, oficina de bonecas. A idealização do curso partiu de mim. Achei importante e proveitoso para a escola, pois a proposta da confecção das bonecas seria para a utilização desse material na hora do recreio”. (Professora, 46 anos - Questionário) “Não. Não me interesso pelo Programa. É mais uma função social que “jogam” para a escola ser responsável”. (Professora, 37 anos - Questionário) “Não, porque uso os finais de semana para visitar parentes, ir à igreja, descansar, lazer, estudar, assistir TV, filmes, pôr o papo em dia com meu esposo. Quem sabe quando eu aposentar poderei freqüentar a ‘Escola Aberta?’” (Professora, 51 anos - Questionário) “Continuo atribuindo a receptividade, ao empenho da direção que, no caso da Escola [Escola Rosa Linda], parece ter o Programa como meta pessoal. Não acho que o Programa mobiliza diretamente os professores. Parece uma outra escola dentro do mesmo espaço”. (Professora, 35 anos - Questionário)
“Eu lembro que, na época, quando surgiu o papel do professor comunitário, como eu fiz, né? convidando quem quer ser professor comunitário, pedindo alguém, pedi inclusive aos professores que moram aqui na esquina. Seria mais fácil estar aqui sábado e domingo, né? Ninguém quis, né? ninguém
22%
78%
Profs. e Equipe TécnicaParticipantes do P.E.A
Profs. e Equipe TécnicaNão-Participantes doP.E.A
115
pegou, mesmo os que moram aqui perto. Então não vêm, não participam... porque sábado e domingo professor não vêm aqui. Eles querem ficar com a família, é o tempo que eles têm para ficarem com a família”. (Diretora da Escola, 51 anos - Entrevista)
Nas falas acima temos duas questões que se articulam entre si. Os professores ou a
equipe técnica não têm muito envolvimento com o P.E.A., seja pelas demandas
pessoais dos finais de semana, como ir à igreja, estar com a família, passear, seja
por considerar o P.E.A. como uma espécie de apêndice da Escola na perspectiva de
que são coisas diferentes ou paralelas. Nesse sentido, temos algumas razões para
essa desconexão: “Primeiro é que não têm diálogo com as coisas que acontecem na escola nos dias de semana, né? Quem define tudo na escola é a escola. Então esse é um grande paradigma. A comunidade nunca esteve dentro da escola, para definir currículo, para definir professor, não define nada, na verdade, né? Então, quer dizer, a escola nunca foi da comunidade, sempre foi da escola, do Governo, né? dos governos, dos diversos governos, políticos e tudo mais. Então para mim é meio óbvio que a gente tenha no imaginário e também na operacionalização separadas essas escolas como se fossem duas. Então a gente vê tanto o pessoal do Escola Aberta como o pessoal dos dias de semana trabalhando nessa concepção que são duas escolas. Então são duas escolas que de fato se materializam em duas, mas na verdade é uma só. Mas no imaginário de como as pessoas vivem a escola, tanto a de semana quanto a de final [de semana] é como se fossem duas”. (Representante do MEC no Espírito Santo, Coordenadora da ULE, 36 anos)
Mesmo considerando as práticas e concepções democráticas que atravessam as
relações pedagógicas e sociais na Escola Rosa Linda, é preciso reconhecer que
ainda há uma ínfima receptividade e aproveitamento do P.E.A. na referida escola no
entendimento de que ainda está muito aquém de uma aproximação mais forte entre
todos os sujeitos integrantes da instituição escolar. Sendo assim, as atividades do
P.E.A. da Escola Rosa Linda sofrem reflexos de uma evidente falta de correlação da
estrutura do Programa com a da escola, refletindo uma baixa participação e
envolvimento de todos os sujeitos componentes da Escola.
116
CAPÍTULO 5
AS RELAÇÕES ENTRE O PROGRAMA ESCOLA ABERTA E AS INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS
5.1 A DISPUTA POR ESPAÇO E A AUSÊNCIA DE “NÓS”: O EVENTO DA IGREJA
BATISTA NO DIA DAS ATIVIDADES DO PROGRAMA ESCOLA ABERTA DA
ESCOLA ROSA LINDA
... a gente ficou lá tentando falar com a moça, se ela deixava a gente entrar. Aí o pessoal da Igreja sempre interrompia falando que aquela hora
era deles. (Usuário do P.E.A.) ... o risco de viver sem ter que pertencer.
(Cláudio Venturini / Vermelho / Alvin L.)
... a presença de outros que vêem o que vemos e ouvem o que ouvimos garante-nos a realidade do mundo e de nós mesmos. (Hannah Arendt)
Numa tarde ensolarada, no limiar do mês de março de 2007, chegamos ao bairro da
Escola, que revela a manutenção da rotina dos corriqueiros e perplexos finais de
semana de uma cidade grande. Na rua que dá acesso à Escola, estava acontecendo
a feira de verduras e legumes,66 prestes a terminar, que acontece todos os sábados,
das 6 às 13h.67
Quando chegamos ao portão da escola, tínhamos em mente que presenciaríamos e
confirmaríamos a dinâmica das mesmas atividades e sujeitos do P.E.A. da Escola
Rosa Linda, como nos dias e nas semanas anteriores. No entanto, de inopino e num
piscar de olhos, a nossa pseudocerteza “caiu por terra”. De repente, quando
tentamos entrar na escola, deparamo-nos com uma faixa enorme, com letras
grandes e coloridas, chamando atenção tanto de quem passava pela escola, quanto
de quem tentava entrar nela. Essa faixa fazia referencia ao “Luar: Louvor, Unção e
Arte: Seminário de Capacitação à Adoração”. Este evento, promovido na Escola 66 Após quatro meses da minha saída do campo de pesquisa, voltei à escola para pegar um documento e constatei que a feira de verduras não funcionava mais na rua da escola, pois houvera um movimento reivindicatório dos moradores do Bairro para que ocorresse a mudança, devido aos transtornos que ela provocava na avenida principal do Bairro Maria Ortiz. 67 De acordo com a coordenadora do P.E.A. da Escola Rosa Linda e da diretora, no matutino de sábado não ocorriam às atividades do P.E.A., precisamente por causa da feira de verduras e legumes do Bairro.
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Rosa Linda pela Igreja Batista68 do bairro vizinho ao Maria Ortiz, ocorreu em 16 e 17
de março de 2007, a partir das 19h30min.69 de sexta-feira, conforme fôlder abaixo.
Segundo o Termo de Responsabilidade, (ANEXO 6), assinado pela diretora da
Escola e por um representante da Igreja, a Escola poderia ser utilizada pelo pessoal
da denominação religiosa a partir das 18 horas do dia 16 até às 22 horas, e, no dia
17, das 7 às 23 horas. No entanto, em concordância com um dos representantes da
Igreja, a intenção deles era solicitar a Escola mais cedo, por causa dos preparativos
do evento. Mas isso não foi possível, porque a sexta-feira do dia 17 era dia letivo e
as aulas terminariam às 17h50min. Contudo, nesse dia, as aulas de basquete para
os moradores do Bairro, a maioria são alunos e alunas da Escola, foram canceladas,
em decorrência do evento da Igreja, de acordo com um dos alunos, que estava nas
atividades do P.E.A. O basquete começaria às 17h40min. E iria até às 20h40min.
Fôlder do Evento da Igreja Batista, o “Luar” Fonte: Igreja Batista do bairro vizinho ao Maria Ortiz. (Adaptado, não constam as partes que identificam a escola, a igreja, o bairro e os pastores e/ou preletores das oficinas do Luar).
Na Proposta de Organização do Luar (ANEXO 7), constam justificativas e objetivos
desse evento:
68 A Igreja Batista é classificada dentro das denominações religiosas protestantes históricas ou de missão. 69 Esta hora refere-se ao folder do evento, mas, no Termo de Responsabilidade, (ANEXO 6), que atesta a concessão da escola, consta a partir das 18h de sexta-feira, que presumimos ser o tempo de preparação do espaço e dos materiais da igreja.
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Reunir os músicos evangélicos [da redondeza], a fim de que possuam mais uma oportunidade de capacitação musical e incentivo na busca da excelência. [...] Olhando por uma visão macro os frutos desta programação, não serão apenas aqueles que podemos identificar diretamente como a capacitação técnica das pessoas que estarão participando das oficinas e a Adoração nos cultos, mas também queremos chamar atenção para os frutos indiretos, em que podemos citar, pelo menos: a oportunidade de servir para todos que estiverem interessados em aprender um pouco mais sobre o serviço proposto por Cristo, a prática da intercessão por determinado objetivo, a movimentação dos líderes colocando todas as habilidades e dons a serviço do Rei, enfim, aquela movimentação gostosa que observamos na igreja quando existem iniciativas como esta. Visando acompanhar a visão de nossa igreja – Ganhar e Integrar – estaremos utilizando como ferramentas: Adoração [...]; Comunhão [...]; Ensino [...]; Serviço [...]; e Missão (ANEXO 7, grifos nossos).
Em consonância à proposta acima de relacionar atividades de cunho técnico-
instrumental, como musicais, a um processo fomentador dos objetivos da Igreja
como, por exemplo, “servir ao Senhor”, a coordenadora70 do Luar explicita tanto a
“estratégia” de alcance desse processo como a forma como é alimentado quando se
fazem eventos dessa natureza. Portanto, para ela: “O objetivo era eles aprender os instrumentos, lógico que a música que nós estaríamos ensinando seriam músicas de adoração, lógico, né? que nós temos uma sede e fala: - Olha, esse instrumento pode ser usado para louvar o Senhor, o nosso Deus, daí a escolha é da pessoa, né? Nós estávamos capacitando para que, se ela quiser louvar a Deus bem, se ela não quiser tocar na igreja dela, tudo bem também, não tem problema. Depois nós demos os endereços de todas as igrejas que estavam participando. E aí ele escolhia se quisesse a mais próxima da casa dele, né? só mesmo para dar um direcionamento. Nós dávamos a título de informação mesmo. Então, nesse quesito, nós alcançamos o nosso objetivo. Porque a nossa intenção lá era adorar a Deus, fazer o evento, mas também agregar alguma coisa à comunidade através do projeto. Então, quando a gente fala agregar as pessoas é ensiná-las mesmo às vezes a ganhar dinheiro de outra forma, às vezes se informar melhor, a ter mais caráter, a se tornarem pessoas melhores, independente de ser crente ou não. A instituição escola poderia utilizar a força da Igreja e vice-versa por uma sociedade melhor” (Coordenadora de execução do Luar, 29 anos, grifos nossos).
As intenções e propostas de atividades religiosas como as supracitadas vão para
além de um mero altruísmo por parte das Igrejas de propor ou favorecer o acesso à
aprendizagem de instrumentos ou de dança para as pessoas de bairros ou para
quem quer que seja, pois o conteúdo da fala da coordenadora leva-nos a pensar
isso, no sentido de considerar que o Luar evidentemente se configurou como uma
maneira direta ou não de difundir a existência da Igreja promotora do evento para os 70 A coordenadora de execução do Luar exerce, na Igreja Batista do seu bairro, a função de líder dos ministérios e líder do ministério da administração.
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participantes. Também se transformou principalmente num caminho mais fácil de
atração e conquista de mais fiéis para a Instituição. Dizemos, de maneira indireta,
pois a coordenadora aponta que a lista das Igrejas dada por ela para os
participantes do Luar era apenas “a título de informação”; e, de maneira direta,
porque no seu depoimento ela fala em “dar um direcionamento”, quando se referia à
escolha das Igrejas, que poderiam ser perto da própria casa ou onde desejassem.
No que concerne à maneira de “atrair”, “agregar”, “ganhar” e “integrar” mais fiéis, que
se configura como estratégia da Igreja, percebe-se nesse sentido a adoção de meios
atrativos e alegres: por algumas oficinas, por formas de ganhar proventos, cursos
vocacionais, conselhos moralizantes, entre outros. Quem não é membro da Igreja,
de outra religião ou não tem nenhuma religião tende a se afastar em relação à
“rigidez” das Igrejas, principalmente as mais conservadoras. Nesse sentido e
concernente a isso, a coordenadora do Luar e o pastor da Igreja comentam:
“É difícil você levar uma pessoa que não professa nenhuma religião a um evento que está sendo organizado por uma, porque eles têm a idéia que... lá só vai ser falado de religião, e não foi! É uma coisa sobre instrumentos, sobre dança de maneira ampla, geral”. (Coordenadora de Execução do Luar, 29 anos) “As pessoas acham às vezes que a igreja é um grupo fechado de pessoas, que só os membros estão ali, mas na verdade não é. A igreja, ela é aberta para a comunidade, porque às vezes nós é que falhamos um pouco no sentido de fazer com que as pessoas compreendam isso”. (Pastor da Igreja Batista, 39 anos)
Portanto, a ação e percepção adversas das pessoas quanto a algumas religiões
podem ser atribuídas à maneira como as Igrejas lida com a situação. Nessa
perspectiva, a instituição religiosa tem que procurar caminhos alternativos no sentido
de desfazer a aversão que algumas pessoas têm para com ela para que possa
conquistar e atrair mais fiéis para ela.
Outra questão é que parece que essas intenções da Igreja, por serem meio
camufladas e dispersas, se apresentam como o reverso de sua constituição, no
sentido de que, por exemplo, se a partir do Luar alguém passasse a ser fiel da Igreja
promotora do evento, isso deveria ser visto como algo evidentemente oriundo de um
desejo individual da pessoa que fez essa escolha, e não da ação ideológica e ativa
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da Igreja que suscita e “desperta”, por várias formas, o desejo de inserção das
pessoas para aderirem ao seu credo.
Quanto à situação de algum participante do Luar, não membro da Igreja promotora
do evento, ter-se tornado ou não membro da instituição religiosa a partir de sua
participação nesse evento, o pastor diz:
“Em todos os eventos que a gente faz sempre tem alguém que se desperta, que conhece o grupo, que se ambienta e acaba às vezes permanecendo, mas nesse caso específico [o Luar], eu não sei, porque o nosso foco não era isso, nós não estávamos preocupados com isso. Então nós não fizemos listas de ninguém, não fizemos cadastros de ninguém em relação a isso. Mas com certeza todos os eventos que se faz ou as pessoas passam a participar da nossa igreja ou er uma igreja próxima, porque, às vezes, ela se desperta”. (Pastor da Igreja Batista, 39 anos, grifos nossos).
Na fala acima, o pastor pondera que o foco do Luar não era atrair fiéis para a sua
Igreja, ele evidencia que, mesmo em outras situações, as pessoas “despertam” para
a necessidade de participar dos cultos. Mas isso só é viável pela ação ou promoção
de algo pela Igreja. Ou seja, se não houver uma algum tipo de ação, mais difícil
ficará para as pessoas de terem uma relação mais estreita com as igrejas,
freqüentarem uma outra, assim como menos fiéis esta terá.
No Termo de Responsabilidade, havia a previsão de participação de 150 pessoas.
Mas nas nossas observações constatamos a presença de 50 a 60 participantes no
Luar. A coordenadora de execução do Luar alega: “... nós tivemos a participação mais ou menos de 10%, só de não crentes e 90% eram crentes de outra religião, em torno de 30 participantes [inscritos]. Muito abaixo do que esperávamos”. (Coordenadora de Execução do Luar, 29 anos)
A coordenadora do P.E.A. tem uma outra versão, quanto ao número de
participantes, no seu caderno de controle:
“A escola foi “aberta” para várias oficinas de artesanatos, dança e teatro, patrocinados pela Igreja Batista. A quadra foi ocupada com oficinas de dança e o pátio interno para oficinas de teatro, mais ou menos 55 pessoas, e o auditório, em média de 50 pessoas, total de 130 pessoas na escola, 70% mulheres”. (Anotações do caderno da Coordenadora do P.E.A. da Escola Rosa Linda, grifos nossos).
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A coordenadora do P.E.A. chegou a esse número porque qualquer pessoa que
entrasse na escola, fosse para participar diretamente ou não das atividades, ou
apenas para olhar, ela rapidamente solicitava o nome e o lugar de moradia. Mais à
frente, entenderemos o porquê da diminuição de participantes no dia daquele
evento, já que o P.E.A. da Escola Rosa Linda tem uma média constante de
participantes, assim como a presença permanente de “caras marcadas”, ou seja,
sempre os mesmos participantes.
Como atividades do Luar constavam cultos com vários preletores (pastores) da
Igreja Batista, promotora do evento, e de outras Igrejas, assim como palestras,
recitais, oficinas de bateria, violão, guitarra, teclado, contrabaixo, percussão,
sonorização, teatro, técnica vocal (canto) e street dance.
Apesar de ser um evento promovido por uma Igreja, as oficinas de certa forma eram
também “abertas” às pessoas que não tinham qualquer vínculo religioso com a
instituição promotora. No entanto, a pessoa interessada em participar também teria
que efetuar o pagamento de R$ 10,00 pela inscrição, de acordo com o fôlder.
Conforme a Figura 3 abaixo, a inscrição pressupunha, no ato do pagamento, o
preenchimento de uma ficha em que constaria o nome, a data de nascimento, a
Igreja que a pessoa fizesse parte, o endereço residencial, o telefone e o e-mail do
inscrito, assim como a escolha das oficinas e a indicação do tamanho da camisa
comemorativa do evento, que era diferenciada de acordo com o sexo do inscrito.
Ficha de Inscrição do “Luar”
Figura 3: Ficha de Inscrição do Luar. Fonte: Coordenadora de execução do Luar da Igreja Batista. (Adaptada, não constam partes que identificam a Igreja e o bairro desta).
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Quanto à razão da “abertura” do Luar às pessoas que não eram da Igreja Batista,
desde que pagassem, e como isso aconteceu, a coordenadora de execução e o
pastor da referida Igreja esclarecem: “É independente da religião, porque, quando você ensina violão, você pode ensinar para tocar qualquer coisa, né? até como hobby, até como lazer, porque, numa população carente, isso faz a diferença! Porque às vezes [a pessoa] não tem a oportunidade de freqüentar uma aula de algum instrumento e a Igreja Batista tem essas oficinas de graça, né? para a comunidade, a um preço muito irrisório. Então [o] convite [era] para crente quanto para não crente” (Coordenadora de Execução do Luar, 29 anos, grifos nossos). “Porque o objetivo era a capacitação na área da música e despertar a pessoa para a questão de que os talentos que você recebe e que você tem devem ser utilizados para a adoração. Então eu acho que todo mundo deve ouvir isso, né? Então não é só as pessoas que muitas vezes estão comprometidas com a igreja” (Pastor da Igreja Batista, 39 anos, grifos nossos).
A Igreja divulgou o evento nas adjacências da escola semanas antes. Quanto a isso,
a coordenadora de execução do Luar fala: “colocamos bicicletas para rodar, site e
cartazes”. As inscrições foram feitas primeiramente na igreja, em datas anteriores
aos dias do evento, como também na sexta-feira à noite. No dia seguinte, as
barracas das inscrições ainda estavam no pátio externo ao portão central.
No sábado, havia barraquinhas da Igreja vendendo refrigerantes, sanduíches,
salgadinhos, camisetas do Luar e CDs dos cantores que se apresentaram. Havia um
verdadeiro comércio nas dependências do espaço público da Escola Rosa Linda. As
vendas realizadas constituem-se em problema, porque ferem a legislação. É
contravenção utilizar o espaço público escolar para além do que concerne a Portaria
Municipal de Vitória/ES, nº 20/2005 (ANEXO 8), que, em seu art. 4º, estabelece:
“Fica vedada à utilização dos espaços escolares para os eventos de caráter
particular e/ou com fins lucrativos”.
Além da verba arrecadada das vendas, o evento recebeu o apoio e patrocínio de
pequenas empresas adjacentes ao bairro da Igreja, assim como da PMV e de alguns
políticos.
Após o pequeno susto, percebemos algo fora da rotina habitual, parecendo que as
atividades do P.E.A. já tinham começado, pois havia um grande movimento na parte
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interna da escola. Não se reconheciam pessoas, as que conseguíamos ver, que
estavam lá dentro.
5.1.1 “PODEMOS ENTRAR?”: A INSERÇÃO DA IGREJA BATISTA E DE JOVENS
RELIGIOSOS NAS ATIVIDADES DO PROGRAMA ESCOLA ABERTA DA ESCOLA
ROSA LINDA
A nossa igreja não tem esse nome não, mas também é uma igreja aberta, né? [risos], tem lá o espaço aberto da escola, mas a igreja também é um espaço aberto, e muitas vezes as pessoas nem sabe disso (Pastor da Igreja Batista).
Assim, tempo vem, tempo vai, os usuários do P.E.A., principalmente as crianças e
as oficineiras, – no sábado não há oficineiro homem, – começam a chegar. Pelas
suas expressões deixam perceber que também elas acham que está acontecendo
algo fora do habitual na escola. As oficineiras, com a camisa do Programa, sentam e
começam a olhar para dentro da escola meio desconfiadas e assustadas. Já as
crianças – a maioria delas chegam descalças, sem camisa, com bola na mão, com
cabelo arrepiado, umas com a camisa na cabeça, gritando, correndo, pulando –
começam a ir à quadra da escola, que fica no segundo portão intermediário, que
tende a ficar apenas encostado. De repente, algumas delas voltam correndo meio
revoltadas, umas xingando, outras de “cara fechada”, bravas e descontentes. Elas
esclarecem que o guarda as expulsara porque a quadra, estava “reservada” à Igreja
Batista.
“Foi ruim por causa que eles não deixaram a gente usar a escola, eles falaram que tinha o negócio da igreja. Aí eu passei por aqui pelo canto da barraca [da igreja] e, quando eu cheguei na quadra, o guardinha saiu lá... falando que não ia ter Escola Aberta por causa do negócio da igreja e mandou a gente sair. Aí o menino começou a xingar, ele ia jogar bola na quadra com a gente, aí ele começou a xingar. A gente vem para se divertir, aí não pode! Não deixaram a gente nem beber água. Foi ruim, né? Por causa que a gente veio para se divertir, né. Por causa que as ruas é perigosas, né?” (Usuário do P.E.A. e aluno da escola, 11 anos, grifos nossos).
Sobre a questão de não deixarem os participantes do P.E.A. entrarem na escola,
uma usuária, com um tom de desabafo e resistência, falou sobre o grupo da Igreja:
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“... não queriam deixar não. Acharam que a escola é só deles! A escola não é deles, a escola é da co-mu-ni-da-de, da co-mu-ni-da-de, né?” (Usuária do P.E.A., 50 anos, grifos nossos)
No dia do Luar, a esfera pública, possibilitadora da relação social em que o outro é
visto e ouvido, não foi efetivada e viável, visto que não se pôde beber água, entrar
na quadra, culminando assim em violência verbal por parte das crianças como forma
de legitimação da existência delas. Por outro lado, a Escola, do ponto de vista do
grupo do Luar, foi percebida e vivida como espaço privado que aprisiona os homens
nas suas subjetividades da própria existência (ARENDT, 1993). E isso está na fala
da usuária do P.E.A., quando chama atenção para o fato de que a escola é da
“comunidade”, o que significa que não há demarcação de um espaço particular
pressuposto de hierarquias e de diferenciações que excluem a existência do outro.
Uma das oficineiras relata: “Eles disseram que a escola tinha fornecido o espaço para a igreja e que não poderiam deixar a gente entrar. Até aí eu concordei com eles, porque, se a escola tinha fornecido mesmo o espaço para eles, até aquele ponto eu achei que a escola... foi errado para conosco da Escola Aberta de não comunicar e fazer até a nós viéssemos aqui à toa. Aí depois chegou a professora de biscuit e os alunos foram chegando e a gente barrado lá fora [ironia]. Começamos a discutir sobre o assunto, porque nós não ficamos satisfeitos porque realmente eu não fiquei satisfeita, porque eu acho que foi um descaso muito grande para com a gente. E eu achava assim que deveriam ter comunicado que não ir ter aula. E com o atraso da chegada da coordenadora [ironia] aí complicou mais ainda, porque só foi chegando mais alunos, professores, e todo mundo debatendo e debatendo que está errado, que está errado, querendo ir embora!” (Oficineira de bolsa de tecido, 47 anos, grifos nossos).
Essa situação configurou-se como problemática, mesmo se for considerado, como
veremos mais à frente, que a não-comunicação por parte da Escola quanto à
existência do Luar foi no sentido de que, na instituição escolar, “cabe todo mundo”,
portanto ninguém precisaria ser comunicado, nem o grupo do P.E.A., nem o da
Igreja. No entanto, o fato de os dois eventos terem características e conotações
intencionais diferenciadas e demarcadas – por exemplo, um cobrava para se ter
acesso às oficinas e outro não – gerou situações relacionais de desconforto.
Diferentes intenções propiciaram relações não recíprocas e fomentadoras de atritos
em que o direito do outro foi negado. E isso se verificou na ação de “barrar” a
entrada do grupo do P.E.A. pelos guardas e representantes do Luar, na discussão e
no debate dos dois grupos por espaço na escola (objetivos diversos), no “descaso”
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para com o pessoal do P.E.A.; na não-comunicação por parte da escola para ao
grupo do P.E.A., sobre o evento da Igreja. Portanto, ao basearmos em Arendt
(1993), consideramos que, nessa situação, não vigorou a existência de um mundo
comum na via de um espaço público engendrado numa ação direta e compartilhada
de valores e significações, que requer a consideração da pluralidade, da ação e da
palavra. Se houve uma pluralidade da ação e da palavra no embate entre os dois
grupos, não foi no sentido de englobar a existência de ambos, mas, sim, de
desconsiderá-los, eliminando assim a visibilidade humana, a liberdade do ser e a
realização existencial num contexto de relação social. Portanto, tem que haver “[...]
pluralidade dos pontos de vista que confere certeza ao que existe, sem que essa
certeza se desdobre numa identidade que anularia as diferenças sob o signo de uma
única opinião” (TELLES, 1999, p. 43).
Outro motivo de indignação das oficineiras, além do impedimento da entrada na
Escola, foi a exigência de reposição do dia não trabalhado. “Fiquei com muita raiva, sabe por quê? Porque, se a gente não trabalhar, a gente tem que repor o dia e a gente veio pra trabalhar e, se a gente não tivesse trabalhado, a gente teria que repor outro dia, com uma coisa que a gente nem sabia, né? que ia ter [o Luar]”. (Oficineira de Biscuit, 53 anos)
Sendo assim, por não ter ocorrido um processo de consideração do outro, de
respeito e de compartilhamento de idéias, no sentido de avisar os dois grupos
quanto ao evento de ambos, houve mais uma vez a desconsideração das intenções
e ações da oficineiras. Porque, além de não poderem dar as oficinas, teriam também
que repor o dia, numa situação em que estavam presentes na escola e que não
foram avisadas sobre a ocorrência do Luar.
O conflito criado entre os dois grupos, o do P.E.A. e o do Luar, pela demarcação do
espaço escolar, não gerou um processo compreensivo entre os sujeitos de
estreitamento de um mundo comum facilitador e construtor de sentidos formadores
da realidade, que se faz no reconhecimento do outro perante o outro, pois o pessoal
do P.E.A. defendia o seu espaço rotineiro, independentemente do que estava
ocorrendo na Escola, assim como ao grupo do Luar não interessava saber se existia
o P.E.A., uma vez que a estrutura toda do evento da igreja já estava montada, e,
portanto, o espaço naquele momento era dele, não importando muito se em todo
126
sábado havia as atividades do P.E.A. Em contraposição a isso, o pensamento
arendtiano nos evidencia que a compreensão é uma capacidade de reconciliação
com o mundo e de encontrar sentidos para os acontecimentos da realidade para
além de uma aceitação passiva e domesticação dos mesmos. Portanto,
compreender um acontecimento significa examiná-lo e não negar a sua existência
(ARENDT, 1993).
À medida que o tempo foi passando, o clima foi ficando mais tenso. A situação
piorou quando as oficineiras e os usuários do P.E.A., inclusive as crianças,
começaram a discutir e reclamar tanto com um dos vigilantes quanto com o
responsável pela programação da Igreja, acerca dos direitos deles de entrar na
escola. O representante da Igreja naquele momento disse que só poderia decidir
algo quando a responsável oficial pelo evento da Igreja chegasse. Uma das
oficineiras e uma criança comentaram:
“...quando eu levei a mão no portão pra abrir e entrar, ele [o vigilante] falou que não poderia entrar, mas eu falei, mas eu vou!”. (Oficineira de biscuit, 53 anos) “Iááá! a escola não é Escola Aberta?” (Criança usuária do P.E.A., 10 anos)
Já dois usuários do P.E.A. disseram:
“Pô, a gente chegou aí ó ... querendo usar a quadra. Aí o pessoal da igreja não queria deixar a gente entrar falando que o espaço naquela hora era deles, não podia, não estavam deixando a gente entrar lá, só ficavam prendendo, só! E a gente falava que o Escola Aberta deixava a gente jogar todo sábado sim! Aí eles falaram lá que o espaço naquela hora era da igreja e que a gente não podia entrar. Mas nós não gostamos porque o espaço era nosso, porque é o Escola Aberta, que sempre deixa, porque naquele dia não ia deixar?!” (Usuário do P.E.A. e aluno da 7ª série da Escola Rosa Linda, 14 anos, grifos nossos)
“A gente chegou, não podia entrar, não podia beber água, não podia ir na quadra. Aí quando a gente chegava lá na quadra eles tiravam a gente de lá à força, tipo assim, mandando! Ah! falando assim: - “Ah! não pode hoje brincar lá na quadra por causa que a escola hoje está dando espaço para a igreja”, não sei o quê, aí ficou falando um monte de coisa lá, mas ninguém queria sair da quadra! Os guardas falavam: “Ei, sai daí, porque hoje não pode brincar aqui não”, tipo mandando! A maioria ficou xingando”. (Usuária do P.E.A. e aluna da escola, 10 anos, grifos nossos)
No dia do Luar, o mundo comum se desfez quando houve os atritos gerados pela
não entrada dos sujeitos do P.E.A. na escola, pois a presença e objetivos desse
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grupo na instituição escolar não foram reconhecidos pelo grupo do Luar. Da mesma
forma, a presença e objetivos dos participantes do P.E.A. no Luar na Escola não
foram ouvidos e vistos. Isso foi viável porque, evidentemente, as demarcações
heterogêneas, privatistas e subjetivistas dos objetivos de ambos foram marcantes
para que eles “brigassem” pelos espaços da Escola. Na referida situação, não foi
efetivada uma vida política pressuposta de uma produção da igualdade pela via de
uma organização em que os sujeitos agem sobre o mundo comum com o intento de
mudá-lo e transformá-lo com os seus iguais e somente com estes (ARENDT, 1989).
Constatamos que os dois grupos, mesmo que de formas diferentes, tinham o direito
de usufruir dos espaços da escola, fosse pela via de um programa federal, fosse
pelo consentimento já instaurado entre a escola e os participantes, através do ofício,
ancorado na Portaria Municipal nº 20/2005.
A tarde foi passando sem que o impasse fosse superado, até que a coordenadora
do P.E.A. solicitou à líder da Igreja que liberasse sua entrada na Escola para utilizar
o telefone do orelhão e telefonar para a diretora. A coordenadora do P.E.A. disse à
diretora pelo telefone:
“A escola está tomada por causa da Igreja”. (Coordenadora do P.E.A., 53 anos)
Em entrevista posterior com a diretora, ela esclareceu:
“Ela ligou para mim dizendo: - “Eles [o pessoal da igreja] falaram que a Escola Aberta não podia entrar porque eles tomaram a escola toda. A gente não pode entrar porque o Escola Aberta não tem espaço, porque a escola está tomada pela igreja”; Eu falei: não! Eles não têm a escola toda, eles têm cinco salas embaixo, o auditório, o refeitório e o pátio. Na escola cabe todo mundo. A Escola Aberta vai funcionar sim, eu só cedi o espaço da parte de baixo, daria perfeitamente para a Escola Aberta trabalhar junto. Tem mais salas lá em cima!” (Diretora da Escola, 51 anos, grifos nossos)
A partir dessa situação, a diretora pediu por telefone que o pessoal da Igreja
liberasse à entrada na Escola para o grupo do P.E.A., para este ocupasse as salas
do andar superior que, de acordo com o ofício, estariam todas vazias. A diretora
também pediu para conversar com um dos guardas, que estava com o ofício na
mão, para que ele liberasse também a entrada dos integrantes do P.E.A.:
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“Falei tudo por telefone, falei com o guarda, falei com o pessoal do Escola Aberta, a coordenadora, e falei com a pessoa encarregada do evento da igreja e ‘resolveu’”. (Diretora da Escola, 51 anos)
A intervenção da diretora no impasse dos dois grupos dava a entender que iria
diminuir o clima “tenso”. Os vigilantes aceitaram tranqüilamente, pois estavam
cumprindo ordens, mas o pessoal da Igreja, mesmo aceitando a priori, demonstrou
um certo incômodo em suas falas e ações. Mais à frente entenderemos o motivo de
tal desconforto.
Então, poderíamos dizer que naquele momento a escola estaria verdadeiramente
“aberta” para todos. Sendo assim, como pesquisador, pudemos entrar, pois
estávamos acompanhando todo o impasse no lado de fora da Escola, juntamente
com o pessoal do P.E.A. e a representante da Igreja, que desde quando chegou,
não “arredou o pé” do portão, e mantinha um ar de soberania que transmitia: “Este
espaço é nosso!” Mas a interferência da diretora para decidir a quem iria “pertencer”
o espaço naquela situação, se seria o pessoal da Igreja, ou do P.E.A., ou os dois,
legitima a ausência de um mundo comum, mesmo considerando que este seja um
“terreno comum” a todos, em que os sujeitos ocupam diferentes lugares no sentido
de que o lugar de um não ultrapassa o do outro, mas que ambos direcionam um
objeto comum (ARENDT, 1993), enfim, mesmo entendendo que o impasse dos dois
grupos pelo espaço representasse a ocupação de diferentes lugares num terreno
comum, o que o desconfiguraria por suas diferentes perspectivas o uso do espaço
da escola. Essa é uma situação delicada numa esfera pública, pois os sujeitos
tenderiam a demarcar mundos diferentes, concretizando visões, olhares, ações e
práticas que eliminariam a pluralidade, a diversidade e a versatilidade pressupostas
de um mundo comum.
O pessoal do P.E.A. subiu em direção às salas superiores. Novamente ficaram
chocados ao encontrar algumas dessas salas praticamente ocupadas por muitos
equipamentos de som e/ou materiais do grupo da Igreja, mesmo considerando que o
ofício ressalvava que eram “reservadas” à Igreja somente as salas do térreo da
escola e não as do andar superior. A Coordenadora do Luar explicou-se: “Houve até um pequeno conflito de espaço, porque eles [o grupo do P.E.A.] já estavam acostumados a utilizar aquele espaço e nós estávamos
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num espaço que eles já estavam acostumados a usar. Aí, quando eu cheguei, eu procurei resolver o mais rápido possível para que ambas as partes pudessem fazer o evento. Eles precisavam exatamente daquela sala de teclado. Nós tiramos as coisas da sala [do andar superior] que eles precisavam e colocamos em outro lugar, juntamos duas oficinas e deixamos eles fazerem as atividades deles”. (Coordenadora de execução do Luar, 29 anos, grifos nossos)
Sobre isso a diretora da escola disse que a igreja
“queria a escola a toda. Mas isso não estava no ofício, não estava! Então desde aí ela errou, ela tinha que seguir o que estava no ofício, tá, ela tinha que seguir!” (Diretora da Escola, 51 anos)
Também, em decorrência disso, uma oficineira do P.E.A. ressaltou:
“Aí tivemos que esperar, aí atrasou mais ainda, a Igreja desocupar a sala para depois a gente tomar a posse das salas para começar as aulas”. (Oficineira de bolsa de tecido, 47 anos)
Como só havia duas salas vazias, a coordenadora do P.E.A. juntou-se duas
atividades, a de biscuit e a de molde vazado, numa sala, e a oficina de bolsa de
tecido, em outra. Nesse dia só ocorreram essas três oficinas. As atividades de
recreação, de teatro, e as de esporte livre na quadra, como futebol, basquete, não
aconteceram, com exceção das tentativas das crianças de burlar o impedimento de
entrar na quadra para praticar as atividades livres. Sobre esses dilemas vividos
nesse dia, a oficineira de biscuit contextualizou:
“Ó... entrou na minha aula só os que estavam ali na hora que chegou, depois veio mais gente, mas não entrou porque viu que tinha coisa de igreja aqui, e aí não veio. Você chega, tá tendo um evento de igreja, como é que ele vai entrar se ele veio para o Escola Aberta? Ele vai embora, claro e evidente, ora! Nesse dia, as atividades foram bem poucas, mal acomodadas e a gente teve que subir. Eu tenho senhoras bem de idade e sentou naquelas cadeiras bem baixas e ficaram reclamando muito e não foi muito legal, não! A gente está acostumada a trabalhar aqui embaixo no refeitório, um espaço grande, né? elas ficam mais bem acomodadas com mesas mais altas, né? para a pessoa poder trabalhar e, lá em cima, umas mesas muito baixas e cadeiras muito baixas e todo mundo reclamou! E nós reclamamos para a coordenadora [do P.E.A.], mas ela nem sabia também. Eu reclamei com a diretora que estava muito ruim lá em cima, falei mesmo com a diretora: - Tá muito ruim aqui, eu quero o meu cantinho! [risos] E ela falou que era só aquele dia”. (Oficineira de Biscuit, 53 anos, grifos nossos)
Outros episódios referentes à disputa por espaços continuaram a acontecer naquele
dia. Por exemplo: a) as crianças que queriam usar a quadra para jogos e
brincadeiras foram impedidas, porque ela já estava ocupada por uma oficina de
130
Street Dance, de cunho evangélico, promovida pelo Luar aos inscritos, ou seja, aos
pagantes; b) os participantes do P.E.A. que se encaminhavam a alguma oficina do
Luar eram barrados com alegação de que não haviam pago.
Numa outra situação concernente à cobrança, um menino sem camisa, com bola na
mão, descalço, cena muito comum no P.E.A. da Escola Rosa Linda, de forma
perspicaz e meio confuso indagou a um representante da Igreja na porta da sala de
uma oficina do Luar: “Iááá! agora a Escola Aberta cobra?”
Os acontecimentos até aqui descritos e analisados levam-nos a entender que
realmente não era viável a simultaneidade das atividades do Luar com as do P.E.A.,
mesmo com a idéia interessante e democrática da diretora de que na escola
caberiam todos. Isso ficou representado quando ocorreram as seguintes situações: o
reconhecimento da coordenadora do Luar quanto à delimitação e o pertencimento
do espaço do P.E.A. na escola, mesmo quando o grupo da Igreja o ocupa
oficialmente; a existência de um conflito por espaços entre os dois grupos, em que a
oficineira fala que quer o seu ”cantinho” de volta; a diminuição do número de
participantes e atividades; a “fuga” de participantes do P.E.A. porque “era coisa de
Igreja”; o desconforto das oficineiras nas oficinas; a ocupação a mais de salas por
parte do grupo do Luar, que culminou numa ação de ocupação total da escola.
A concomitância dos dois eventos foi complicada, porque, mesmo com oficinas de
certa forma semelhantes, os objetivos de ambos tinham perspectivas diferentes e,
quando isso se evidenciou, gerou ações e palavras que, além de demarcar os dois
eventos, construíram artifícios de eliminar um em prol da relevância do outro, de
forma a manter alguma hierarquia entre eles. E isto adveio da ocorrência de
processos oriundos de uma necessidade peculiar à esfera privada, referente ao
mundo subjetivo que elimina a abrangência do mundo comum e alimenta demandas
privatistas que não reconhecem os sujeitos e seus pertencimentos num mundo
compartilhado de valores e significados. No dia do Luar, diferente dos outros dias do
P.E.A., as oficineiras e usuários deste Programa não vivenciaram o direito de acesso
a um local público, mas tiveram que “tomar posse” de um espaço que a priori já era
deles. Portanto, a contribuição teórica arendtiana esclarece-nos que é inviável a
constituição de uma esfera pública a partir de intenções e interesses privados. O
131
espaço público não se correlaciona a um ordenamento institucional em si, pois sua
existência atrela-se aos sujeitos que nele se reconhecem e lhe dão significado e
validade (ARENDT, 1993).
A cobrança de R$ 10,00 para a participação no Luar foi uma das situações
demarcatórias de conflito entre alguns participantes do P.E.A. e os organizadores do
evento da Igreja, mesmo depois de a diretora da Escola, pelo telefone, ter autorizado
a ocorrência concomitante dos dois eventos. O não-pagamento da inscrição
acarretou exclusão e desigualdade contra as crianças nas salas das oficinas do
Luar. Essa exclusão constituiu-se também numa violência, pois os sujeitos não
foram reconhecidos por suas peculiares ações e palavras, a menos que pagassem
para ser visibilizados como participantes de um evento que, mesmo com metas
particulares, ocorreu num espaço público. Portanto, de acordo com Arendt (1993),
quando se muda a configuração do espaço público para a perspectiva do espaço
privado, os sujeitos que antes estavam na companhia uns dos outros, agora
encaminham-se para uma colisão em que a relação de reciprocidade se desfaz,
assim como para uma experiência em que não se vive mais num mundo comum
compartilhado por todos e todas.
Quanto ao conhecimento ou não dessa cobrança, a diretora da Escola Rosa Linda, a
coordenadora e a usuária do P.E.A. dizem: “Eu não sabia disso, não. Isso não veio no ofício, que eu medi pelo ofício. O folder veio depois. Eu fiquei sabendo disso depois, dessa cobrança de R$ 10, 00 que eles estavam cobrando para as pessoas entrar. Mas, quer dizer, a igreja pegou a escola para fazer um evento e ainda cobrou para entrar nesse evento. Aí eu acho que é diferente! Eu teria conversado com o rapaz, com a pessoa responsável e com certeza não teria acontecido. Eu não deixaria porque é uma espécie de comércio dentro da escola, tá? Se eu soubesse, né? não deixaria, porque é fundo, né? requer dinheiro”. (Diretora da Escola, 51 anos, grifos nossos).
“Em termos de cobrança, a gente não tem nada a ver com isso, porque isso aí foi uma cobrança que foi feita dentro da igreja lá, a gente não sabia, isso é uma coisa totalmente particular. Então a nossa Escola Aberta é totalmente diferente. As oficinas deles eram diferentes das nossas totalmente, não tinha nada a ver com o Escola Aberta. Era uma coisa particular”. (Coordenadora do P.E.A., 53 anos, grifos nossos). “Isso é sacanagem! Eu achei errado, ilegal! Cobrar por que? se a escola não é deles!? A escola é nossa, é pública, eu pago imposto, eles é que tinham que pagar para entrar, não eu! Dez reais foi caro, eu acho, com a
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comunidade aqui, que é uma comunidade carente”. (Usuária do P.E.A., 50 anos, grifos nossos).
Não se pode perder de vista que essa situação gerou processos excludentes e de
violência, pois, a partir daí, a idéia da diretora de que na Escola seria possível a
simultaneidade dos dois eventos, porque nela cabia todo mundo, caiu por terra e se
pulverizou num espaço que segrega. Então, já que não cabe mais todo mundo,
porque há uma demarcação de ordem econômica, o mundo comum desmancha-se
e dá vazão à esfera privada, em que não há relações compartilhadas de sentidos e
valores comuns entre os sujeitos, mas, sim, relações baseadas em necessidades
particularistas e pressupostas da privação de uma relação objetiva com os outros
que ouvem e que falam, que são vistos e são ouvidos ao se desvincularem de um
mundo comum possibilitador de uma vida compartilhada e de relações coletivas em
que são permitidas as aparições e visibilidades dos sujeitos (ARENDT, 1993).
Por volta das quinze horas, a diretora apareceu na escola71.
“Eles nem me chamaram aqui, eles ligaram para mim, eu passei pela minha espontânea vontade, porque eu achei que eu deveria vir para ver como as coisas estavam, né? Mas, por exemplo, quando eles ligaram para mim eu estava num almoço em Vila Velha, na churrascaria, eu tinha um compromisso social, particular, pessoal, né? eu estava lá”. (Diretora da Escola, 51 anos)
A ida da diretora à escola no dia do Luar denota de certa forma uma preocupação
dela quanto aos impasses ocorridos na Instituição pela concomitância dos dois
eventos, mesmo considerando que ninguém a tinha chamado na escola. E uma
outra questão trazida pela ida dela, confirmado nas observações, foi admitir que a
professora comunitária tinha esquecido de avisar o pessoal do P.E.A. sobre o evento
da Igreja. Aqui temos mais uma verificação da desconexão entre o Programa e a
Escola, porque a função de professor comunitário, que deve ser desempenhada por
um funcionário efetivo da instituição, é de participar diretamente de tudo o que
acontece na escola para articular com o Programa e vice-versa.
A respeito da falta de comunicação entre a diretora e a coordenadora do P.E.A.
quanto à ocorrência do Luar, esta disse que não houve grandes complicadores, pois
71 Essa foi a primeira e única vez que a diretora esteve nas atividades do P.E.A. em todo o período da pesquisa, independentemente de seu objetivo na escola ou no P.E.A . durante o final de semana.
133
“... não foi um impacto tão grande da diretora não ter comunicado, porque ela sabia que o espaço é grande e daria para dividir, só que o pessoal da igreja não entendeu e pensou que fosse todo o espaço ocupado para ela”. (Coordenadora do P.E.A., 53 anos)
Já uma oficineira do P.E.A. da escola tem uma outra interpretação: “Faltou comunicação e respeito! Porque a escola em si... enquanto diretora ela tem que nos respeitar. A gente é remunerada? É, mas a gente larga a casa da gente para vir para cá, então se não vai acontecer, tem que ser avisado antes. A mesma coisa ela. Ela tem a escola dela aqui, ela é a diretora, se algum dia a prefeitura fechar isso aqui não tem como ligar para ela vir aqui e se ela sair da casa dela e chegar aqui e ver a escola fechada, ela também não ficará satisfeita!!! Não é porque a gente não é remunerada que tem que tratar a gente de qualquer jeito. É, a gente tem que respeitá-los, mas eles também têm que nos respeitar, né?” (Oficineira de bolsa de tecido, 47 anos, grifos nossos).
Amparados na Portaria nº 20/2005 (ANEXO 8), os integrantes da Igreja Batista
conseguiram a concessão do espaço escolar, primeiramente por intermédio de uma
fiel da Igreja, que estudava na escola e que fazia parte do Conselho Escolar.
Essa Portaria da Secretaria Municipal de Educação de Vitória/ES foi aprovada em
30 de maio de 2005. Ampara-se no paradigma de uma escola cidadã que promova
processos de integração e ações compartilhadas entre as famílias e dos moradores
do entorno da escola; numa política de democratização que promova a
descentralização política do poder, possibilitando aos destinatários do serviço
educacional uma participação efetiva no que concerne aos propósitos educativo-
sociais; numa consideração acerca da autonomia das escolas municipais nas quais
os Conselhos de Escola são espaços soberanos nas decisões.
Essa Portaria foi engendrada com a premissa de legitimação de processos
democráticos no interior da escola pública, expandindo essas relações aos
moradores do Bairro, aos movimentos sociais e aos grupos e instituições
circunscritos à escola. Trata-se de uma possibilidade de reconhecer os sujeitos
como capazes de interação pública e democrática num espaço universal como a
escola. Essa Portaria vai ao encontro dos preceitos da Constituição Federal do
Brasil de 1988, que traz em seu bojo a idéia da construção partilhada e negociada
da coisa pública, num processo de legalidade que facilita uma conciliação entre
cidadania e democracia (PAOLI; TELLES, 2000).
134
A diretora mostrava-se bastante ciente do teor dessa Portaria: “A escola é muito requisitada, né? para essa questão de... além do Programa Escola Aberta tem uma lei também que favorece aos moradores requisitarem a escola, né? para eventos tá? Não pode ser eventos que visem é... como é que se diz, que visem dinheiro, né?, não pode ser nesse sentido não, nem eventos de ordem pessoal, tipo: - Ah eu queria fazer a festa de quinze anos da minha filha na escola, pode?72 Não, não posso ceder a escola para isso. Mas posso ceder, por exemplo, o auditório para uma reunião da comunidade como acontece muito, reunião de pais, reuniões, enfim, né?” (Diretora da Escola, 51 anos, grifos nossos)
Instituição/Grupo Caráter do Evento Sindiupes Ensaio de Congo
Igreja Adventista do Sétimo Dia Confraternização dos Desbravadores Igreja Adventista do Sétimo Dia73 Atividades dos Desbravadores no P.E.A.
Caoca Ensaio do Coral Assembléia de Deus de Nanuque/MG XIV Congresso da Mocidade
Igreja Católica Encontro de Recém-Casados Padaria Dois Irmãos Jogos Comemorativos da Padaria
Prefeitura de Vitória/ES Programa Agente Jovem Equipe de Saúde do Bairro Jabour Reunião das Lideranças Comunitárias
Federação Capixaba de Basquetebol Basquete Comunitário Centro Comunitário Sólon Borges Basquetebol
Secretaria de Esporte de Vitória/ES Jogos Comunitários 2006 Igreja Católica Formação de Casais
Bairro Maria Ortiz Ensaio da “Quadrilha Arara Azul” Associação de Moradores Goiabeiras Fórum/Cajun e Semas
5º Encontro Nacional do Movimento de Fé e Política
Movimento Nacional de Fé e Política/ES
Associação de Moradores Mudança de Local da Igreja Prefeitura de Vitória/ES Concurso Público
Quadro 1: Cessão da Escola Rosa Linda
O evento do Luar no mesmo dia da ocorrência das atividades do P.E.A. faz-nos
pensar no que isso representou para a situação de uma escola pública. Pela
demarcação do evento, “é da Igreja”, e mesmo sendo aberto a quem não era
membro da instituição religiosa, e considerando também a restrição ao acesso às
oficinas por falta de pagamento da inscrição, tanto no momento da entrada dos
integrantes do P.E.A. quanto depois da “autorização” da diretora para tal, em
momento algum possibilitou a vivência de um “mundo comum”, porque, no decorrer
72 A diretora nos dá exemplos de fatos que ocorreram na escola por solicitação deste espaço para eventos de ordem particular: “Teve uma mãe uma vez que veio me pedir para fazer a festa de quinze anos da filha aqui, eu neguei e expliquei para ela porque que neguei. Teve uma funcionária que me pediu para fazer a festa de um ano do filho aqui, neguei e expliquei porque que neguei”. (Diretora da Escola, 51 anos, grifos nossos) 73 A cessão do espaço da escola para a Igreja Adventista distingue-se da forma como é feita para outras instituições, visto que a concessão para ela é anual e desde 2005 a Igreja renova o termo de compromisso com a instituição escolar para as atividades do Clube de Desbravadores, aos domingos, quando também acontecem as atividades do P.E.A., como veremos mais adiante.
135
das horas, pelos vários acontecimentos descritos acima, persistiu um clima de
animosidade entre as pessoas dos dois grupos. Partindo-se do pensamento
arendtiano de que o público pode ser visto e ouvido por todos, constituindo assim a
realidade objetiva, a ocorrência do Luar não possibilitou a existência de uma esfera
pública, porque houve demarcação do que podia ser relevante e tolerado, do que
podia ser visto e do que podia ser ouvido.
Por um lado, isso evidentemente concretizou o mundo privado, pois o grupo do Luar
não suportou a luz forte e implacável da presença dos participantes do P.E.A. junto
com as oficinas musicais, o que abarcaria a efetivação do mundo público. Por outro,
a luta dos participantes do P.E.A. pelo espaço e a tentativa de serem vistos e
ouvidos, pelo caminho das resistências e dos conflitos demarcavam e
representavam também tanto a efetivação da esfera privada como a ausência do
mundo comum na esfera pública, já que a priori esse mundo comum era inexistente.
Os participantes do P.E.A. percebem e vivenciam as atividades do Programa como
possibilidade de todos participarem, independente de raça, classe, religião, gênero,
ou de cultura.
Sendo assim, a Escola não foi aberta porque houve limitações, impedimentos,
exclusões, violências, subjetividades enclausuradas, negação de direitos,
desistências, negação do outro, estranhamento do outro, desconsideração do outro,
não-usufruto por inteiro de um espaço público, eliminação das diferenças e
demarcação das diferenças para hierarquizar.
Os acontecimentos supracitados chamam a atenção para o verdadeiro sentido do
que é público. A Portaria nº 20/2005 foi um ganho de extrema importância porque
conferiu à sociedade condições de beneficiar-se de maneira mais direta. No entanto,
devemos ficar alertas e cuidadosos para que essa lei não deságüe na contramão de
seus objetivos, como a democracia, a participação, a cidadania, a escola
democrática e, acima de tudo, pública. Não se questionou acima o fato de uma
igreja ter solicitado o espaço da escola, até porque a portaria resguarda essa tal
possibilidade; questionou-se, sim, a forma como tudo aconteceu, juntamente com
um Programa que tem uma proposta pública e democrática como o P.E.A., cuja
intenção é abranger a todos, sem pagamento de valor algum.
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A escola pública tem que ser laica, democrática, gratuita, e seus processos
cotidianos devem ser efetivados por possibilidades de reconhecimento e de
visibilidade das existências dos sujeitos, representando, assim, a constituição de um
mundo comum, gerador de relações compartilhadas de sentidos e significados.
O acontecimento do Luar, mesmo considerando que foi um evento pontual, não foi a
única participação de Igreja na Escola Rosa Linda durante os finais de semana.
Conforme veremos abaixo, duas outras instituições, agora de maneira “fixa”,
exercem atividades específicas e direcionadas não só para seus jovens adeptos,
mas também para quem as desejar, inclusive para os participantes do P.E.A.
Uma outra denominação religiosa é a Igreja Adventista do Sétimo Dia, do bairro
vizinho ao Maria Ortiz, que utiliza o espaço da Escola Rosa Linda, pela perspectiva
de uma inserção oficial e permanente no Programa, através do Clube de
Desbravadores. E há ainda outra, que atua não de forma oficial, mas “amigável” e
permanentemente: é a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), também vizinha
ao bairro da escola, que desenvolve um trabalho com jovens durante as atividades
do P.E.A. da Escola Rosa Linda.
5.2 A IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS E O SEU GRUPO DE JOVENS
A IURD foi fundada em 9 de julho de 1977, na zona norte da cidade do Rio de
Janeiro, especificamente no Bairro da Abolição, onde funcionava uma funerária. No
entanto, antes desse acontecimento, houve outros atos preliminares da criação e
fundação da IURD. Um de seus fundadores, Edir Bezerra Macedo, nasceu em 18 de
fevereiro de 1945, na cidade Rio das Flores, no estado do Rio de Janeiro. Ex-
funcionário de uma casa lotérica do Rio de Janeiro, católico e freqüentador da
Umbanda, Macedo, por influência da irmã, tornou-se evangélico aos dezoito anos,
ao ingressar na Igreja Nova Vida, religião de que foi adepto de 1963 até 1975. A
partir de 1975, descontente com o elitismo desta denominação, deixou a Igreja Nova
Vida e fundou com outros pastores A Cruzada do Caminho Eterno, que se chamaria
mais tarde de Casa da Benção. E em 1977 sai dessa igreja para fundar a IURD,
137
juntamente com seu cunhado, capixaba de Muniz Freire, Romildo Ribeiro Soares,
que, no início, era o líder da nova instituição. Com o dinamismo de Macedo, Soares
desligou-se da IURD para fundar a Igreja Internacional da Graça de Deus74.
Antes da fundação da Igreja na ex-funerária, Edir Macedo começou a pregar
sozinho, num coreto de uma praça do subúrbio carioca, Jardim do Méier, no Bairro
Abolição. Mais tarde, Macedo chegou a comprar alguns minutos por dia numa
emissora de rádio para expandir sua doutrina.
Tavolaro e Lemos (2007), em recente biografia sobre o líder da IURD, intitulada O
Bispo: a história revelada de Edir Macedo, contam sobre esse “tempo de vacas
magras”: Naquela época, Edir Macedo saía de casa, todos os sábados, com um teclado simples, um microfone, uma caixa de som e uma Bíblia. Era o suficiente. Chegava no final da tarde no Jardim do Méier, subúrbio carioca, subia os sete degraus do coreto no centro do bairro e começava a pregar. Discursava sob o pequeno telhado pontiagudo, sustentado por doze ripas de madeiras. Juntava sempre um pequeno grupo de pessoas, normalmente curiosos que passavam pelo local arborizado. Pouco a pouco, alguns voltavam nos sábados seguintes, atraídos pelas palavras de Macedo. O público nunca era dos maiores. E também não fazia idéia do significado daqueles momentos. Nascia uma das maiores igrejas evangélicas do país (TAVOLARO; LEMOS, 2007, p. 109).
A IURD, inserida no neopentecostalismo, é a vertente pentecostal que mais cresce
no país nos últimos anos, em termos numéricos e institucionais, atuando
acentuadamente nos campos religioso, político e midiático. Acerca do crescimento
da IURD ao longo de seus trinta anos de existência, Mariano (2004) conta que, em
1987, com dez anos de existência, a IURD já contava com 356 templos em 18
estados do Brasil. No período de 1980 a 1989, apresentou um crescimento de
2.600% em número. Em relação à sua concentração em termos territoriais, a IURD,
em seu início, concentrou-se nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, de São
Paulo e de Salvador, expandindo-se depois para outras capitais e cidades grandes e
médias. Na década de 1990, atingiu todos os estados brasileiros, logrando uma taxa
de crescimento anual de 25,7%, com 269 mil fiéis.
74 De acordo com Mariano (2003a), a Igreja Internacional da Graça de Deus tem no Brasil cerca de 900 templos, cuja expansão é resultado, em parte, de um grande proselitismo nos meios de comunicação de massa, principalmente na televisão. E, no exterior, a referida Igreja está nos Estados Unidos, no México e no Japão.
138
No Censo 2000 do IBGE, a IURD contabilizou 2.101.88775 de adeptos em todo o
País. Desses, 1.993.488 (94,84%) pertenciam à área urbana, e 108.399 (5,16%)
integravam a área rural. No total geral, 38,07% são homens e 61,93% são mulheres.
Essa igreja representa 11, 93% dos evangélicos do País. No estado do Espírito
Santo constam 18.568 fiéis, dos quais 2.250 estão na capital, Vitória. A Universal
tem mais de 4.700 mil templos e mais de 15 mil pastores espalhados pelo Brasil
(MARIANO, 2004). A IURD também atingiu o exterior, em mais de cem países da
Europa, da Ásia e do Continente Americano. Os seus adeptos, em sua maioria,
pertencem aos estratos mais pobres da população, os menos escolarizados e as
mulheres. Ela gera 22 mil empregos diretos.
De acordo com Mariano (1996, 2003, 2004), ao se constituir num verdadeiro império
empresarial, midiático e econômico, a IURD aplicou seu dinheiro, oriundo dos
dízimos e ofertas de seus fiéis, em “[...] várias empresas no Brasil, algumas de
grande porte, entre as quais sobressaem as do setor midiático76” (MARIANO, 2003,
p. 238). A IURD possui a Rede Record com 63 emissoras77 (21 delas são próprias);
a TV Mulher; o portal www.arcauniversal.com.br; o Jornal Folha Universal, com
tiragens semanais superiores a 1,5 milhão; a Gráfica Universal; a Editora Universal
Produções; a Ediminas S/A (editora do jornal secular Hoje em Dia); a gravadora Line
Records; a Uni Line (empresa de processamento de dados); a construtora Unitec; a
corretora de seguras Uni Corretora; a Cremo Empreendimentos, entre outras.
No exterior, como em Portugal, Argentina, Moçambique e África do Sul, a IURD
possui emissoras de rádio e tevê e duas instituições financeiras, a Invest Holding e a
Cable Invest, instaladas em paraísos fiscais do Reino Unido, a primeira nas Ilhas
Cayman e a segunda em Jersey. Quem administra parte desse complexo de
empresa é a LM Consultoria Empresarial e Participação. Assim, de um início
extremamente modesto à construção de um “império religioso” ou de uma
75 Quanto ao número de fiéis da IURD, há controvérsias entre os dados disponibilizados do Censo 2000 do IBGE e os das fontes religiosas da referida instituição, pois, no site da IURD, consta que ela tem 8 milhões de fiéis (In: http://www.igrejauniversal.org.br/). Segundo Pierucci (2003), isso é decorrente dos interesses envolvidos nessas igrejas quando ideologicamente os seus arautos aumentam os seus rebanhos. 76 Foi inaugurada, em 28 de setembro de 2007, a Record News, o segundo canal de TV aberta de propriedade do bispo Edir Macedo. 77 A IURD é a instituição religiosa do Brasil que mais investiu na aquisição de emissoras de televisão, mas ela evangeliza mais pela via radiofônica (MARIANO, 2004).
139
“multinacional do neopentecostalismo”, a estrutura organizacional da IURD destoa
do começo e do desenvolvimento das outras Igrejas.
Um dos princípios responsáveis pelo “sucesso” da IURD é a corrente teológica
intitulada de Teologia da Prosperidade, cujo ideal, de acordo com Mariano (2003,
2004), se baseia na idéia de que, além de liberto do pecado original através do
sacrifício de Cristo, o fiel adquiriu os seguintes direitos na vida terrena: à saúde
física perfeita, à vida abundante, à prosperidade material e ao escapamento das
artimanhas e do sofrimento do diabo, dos problemas familiares, afetivos, amorosos e
de sociabilidade.
A IURD, entre outras alternativas de frentes de ação de sua estrutura religiosa, tem
também uma infinidade de propostas e projetos para a juventude, considerando, é
claro, o vínculo religioso. Acerca dos projetos e programas oferecidos aos jovens
pela IURD, um de seus pastores diz:
“É realizado um trabalho específico com os jovens, inclusive é o trabalho intitulado “Projeto Força Jovem Brasil”. Até o fim do ano passado, mais de 300 mil jovens faziam parte desse trabalho no Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, todos os Estados do Brasil. Desenvolvem um trabalho com o jovem, que é o Projeto Força Jovem Brasil78. E, dentro desse trabalho, nós temos um projeto chamado, né? Projeto Se Liga Dezesseis, que tem o objetivo de levar o jovem sobre a questão de documentos, né? por exemplo, o jovem, ele atinge os dezesseis anos, às vezes ele não tem o CPF, ele não tem carteira de trabalho, não tem título de eleitor, têm pessoas que não têm nem certidão de nascimento, não tem nenhuma documentação. Trabalhamos com palestras de motivação pessoal para que o jovem venha a acreditar em si mesmo, que ele venha lutar para alcançar os objetivos. Trabalhamos também ajudando e dando apoio espiritual para jovens que sofrem problemas com drogas, com tóxicos, apoiamos assim de forma intensa, com o trabalho nos esportes, inclusive, em vários estados, temos pessoas que carregam títulos. dentro do estado do Espírito Santo, por exemplo, nós temos mais de noventa localidades, né? que são considerados pontos de recepção onde nós recebemos os jovens, pontos onde são realizadas as reuniões do “Juventude Universal”, os encontros com os jovens e incentivamos todos os líderes e todos os responsáveis por
78 A IURD no que se refere aos programas ou projetos para jovens integra também o SOS Jovem que “é um núcleo de atendimento on-line com homens e mulheres que se colocam à disposição para auxiliar aqueles que precisam de ajuda. Os frutos deste trabalho crescem a cada dia, mas o número de almas que clamam por ajuda não pára de crescer”. In: www.juves.com.br. No nível da assistência social com a participação de jovens há no ES o Coopera Jovem que “é uma equipe que tem a finalidade somente de montar projetos para que nós possamos visitar instituições, creches, asilos, não existem uma instituição definida, é aberto, de acordo com a situação, de acordo com o momento. A gente procura uma instituição e ver qual a necessidade da instituição, e dentro daquele trabalho procuramos ajudar aquela instituição”. (Pastor da IURD, 25 anos)
140
essas localidades, é... a realizar o futebol, o vôlei, o basquete e valorizar o esporte”. (Pastor da IURD, 25 anos)
O grupo de jovens da IURD é composto por aqueles que têm ou já tiveram
problemas com drogas, com a família e outros.
“Quem somos nós? [risos] Nós somos um grupo de jovens que é formado por jovens principalmente problemáticos, que têm problemas com a família, com drogas e vários tipos de problemas. Então, somos um grupo preparado para ajudar esses jovens, orientar no que eles precisam, ser amigos desses jovens, dar uma força a eles aprenderem a ser independentes, para lutar contra a situação deles”. (Coordenadora de jovens da IURD e participante do P.E.A., 21 anos, grifos nossos) “O ser humano tem três partes na vida dele, que é a parte espiritual, que é parte que ele precisa de Deus, isso ele recebe na Igreja, é orientação bíblica, acompanhamento espiritual, incentivos. Tem a parte da alma, referente ao amor, então ele precisa de amor do próximo, da pessoa que está dentro da Igreja, que está em casa, da família, ele precisa desse amor. [...] E vem a parte física, e a parte física precisa de saúde. Esporte é saúde, é por isso que o Juventude Universal apóia o esporte. Então, qual o objetivo? Nós queremos atingir os três aspectos, a parte espiritual, é... a parte da alma, e queremos atingir a parte física também, para que o jovem seja beneficiado através do esporte”. (Pastor da IURD, 25 anos, grifos) nossos
Em relação à maneira como a IURD lida com pessoas com vários problemas, um
dos pastores, além de falar sobre isso, ilustra uma situação real: “Nós temos muitos casos de jovens aí que estavam destruídos, né? como nós temos no Juventude Universal. Não é uma dezena, não são centenas, mas são milhares e dezenas de milhares, centenas de milhares de casos de jovens que eram do tráfico. No último programa que nós gravamos na TV, nós conversamos com uma moça chamada Margarida79, que ela era traficante, era uma moça e aos dezesseis anos traficava drogas, era usuária de drogas, chegou a ser ameaçada de morte pelo chefe da boca, e através do trabalho do Juventude Universal, está totalmente ressocializada, tem emprego, se dá bem com a família e está livre das drogas, pratica esportes, gosta de música. É uma jovem feliz, sorridente, livre das drogas, que recebeu um incentivo quando chegou no Juventude Universal. Então, o jovem precisa de apoio. O nosso País precisa de Deus, o jovem precisa de Deus, e todos os jovens precisam de Deus e precisam de muito apoio, incentivo”. (Pastor da IURD, 25 anos)
Temos acima a idéia de que a sociedade não deu conta dos problemas que
atravessam a vida dos jovens e a Igreja tem uma efetiva “resolução” para lidar com
tais situações. A Igreja, então, utiliza-se do proselitismo para lidar com os problemas
que os jovens vivem. De acordo com Mariano (2004), as Igrejas neopentecostais
79 Nome fictício.
141
revelam-se dentre as pentecostais, como as que mais se acomodam na sociedade
abrangente quanto a seus valores, práticas e interesses80, possibilitando assim
ações que legitimam o status quo. Essas Igrejas, em seus cultos, promovem
“verdadeiros milagres”, através da
oferta especializada de serviços mágico-religiosos, de cunho terapêutico e traumatúrgico, centrados em promessas de concessão divina de prosperidade material, cura física e emocional e de resolução de problemas familiares, afetivos, amorosos e de sociabilidade. Oferta sob medida para atender a demandas de quem crê que pode se dar bem nesta vida e neste mundo recorrendo a instituições intermediárias de forças sobrenaturais (MARIANO, 2004, p. 124).
Quando perguntado sobre o perfil socioeconômico das pessoas que participam dos
grupos de jovens da IURD, o pastor ressalta como relevante a inclusão de todos os
jovens, independente da classe social a que eles pertençam:
“Nós recebemos jovens que às vezes moram no morro, que passam por um aperto muito grande. Nós recebemos jovens que estão fazendo faculdade, muitos jovens que fazem faculdade participam desse trabalho, jovens de classe baixa, de classe média, classe alta, nós temos um leque de opções para poder encaixar o jovem tudo naquilo que ele gosta. É... queremos que jovens tanto de grande condição financeira como de baixa renda... Enfim, a classe baixa, a classe média e a classe alta entendem que eles têm o direito de ser felizes. Porque, às vezes, a pessoa de baixa renda, ela pensa: - Não posso ser feliz porque eu não tenho condição financeira; e enquanto existem pessoas que têm uma grande condição financeira e não são felizes”. (Pastor da IURD, 25 anos)
A perspectiva da IURD de abranger ricos e pobres insere-se no que Novaes (2006)
ressalta quando, diz que as pesquisas revelam que há no Brasil pentecostalismos
para jovens de todas as classes e gostos, e que, para tal, é preciso desvencilhar-se
de respostas fáceis que de forma automática equacionam pobreza, pentecostalismo
e baixa escolaridade. No entanto, assevera a autora que é preciso, de uma forma
menos mecânica, questionar em que medida o acesso a bens culturais, relacionado
às desigualdades sociais e econômicas, atinge as escolhas no universo religioso?
80 No entanto, talvez isso possa parecer como um simulacro social para que as Igrejas se legitimem socialmente. Por exemplo, há no Congresso Nacional a chamada “bancada evangélica”, como também os vários acordos feitos em época de eleição, ou a espécie de formação de um império midiático que legitima, de certa forma, seus interesses, desejos e ideologias dentro dos meios de comunicação de massa. Portanto, não há nada de neutralidade ou desvinculação entre política e religião; talvez os níveis de aproximação dessas duas dimensões possam ser diferenciados entre as Igrejas, mas não pressupõem a ausência desse atrelamento.
142
5.2.1 “ESTAMOS LIBERADOS!”: A INSERÇÃO E AS ESTRATÉGIAS DO GRUPO
DE JOVENS DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS NO PROGRAMA
ESCOLA ABERTA DA ESCOLA ROSA LINDA
O domingo é o dia em que ocorre a maior freqüência de participantes nas atividades
do P.E.A. da Escola Rosa Linda. E é nesse dia que as Igrejas, e a IURD é uma
delas, através de seus jovens, participam.
O grupo de jovens da IURD, o “Juventude Universal”, inserido no P.E.A. da Escola
Rosa Linda, é liderado por duas jovens mulheres, uma negra e uma branca: uma é a
líder81 e a outra é a coordenadora. O grupo oscila entre dez a treze pessoas, mas
havia dias, quando eles convidavam outras pessoas, em que tinham mais
participantes. Boa parte do grupo era formada por homens jovens, principalmente
negros. Eles e elas, principalmente as suas líderes, iam com a camisa do grupo de
jovens da Igreja. Os jovens que não iam com a camisa do grupo, ou já vinham sem
camisa de casa ou tiravam-na para jogar.
A principal atividade de que eles participavam e de que gostavam muito era o
voleibol. A maior parte das partidas de vôlei acontecia na quadra anexa à principal
da Escola Rosa Linda. Geralmente, no início das partidas, eles brincavam apenas
entre si, mas, com o passar do tempo e com o estreitamento dos vínculos afetivos e
de amizade, os jovens da IURD começaram a se entrosar não apenas com os outros
participantes do P.E.A., mas também e principalmente com os jovens da Igreja
Adventista do bairro vizinho, que conheceremos mais adiante. Sobre a participação
geral do Juventude Universal nas atividades do P.E.A. temos: “Ocorre muito de jovens do Juventude Universal de vários pontos do estado do Espírito Santo, quem sabe até do Brasil, de procurar escolas que funcionam no domingo para utilizar a quadra para a realização de esporte e outras atividades. Inclusive há alguns dias82 atrás nós tivemos procurando uma escola próxima daqui, da sede principal para poder marcar, porém o espaço ele é tão bem disputado!83 O Escola Aberta é bem valorizado, é uma
81 A líder do Juventude Universal não quis conceder a entrevista para a pesquisa, mas indicou a coordenadora do grupo, que está abaixo dela na hierarquia. 82 A entrevista com o pastor da IURD foi feita em 5 de setembro de 2007. 83 Quanto à questão do P.E.A. ser um espaço muito disputado, a Interlocutora Municipal do programa dá um exemplo de como acontece essa disputa em outra escola relacionada às instituições religiosas, visto que “tem tempo para todas as Igrejas, todas as Igrejas do bairro tem um tempo na quadra e levam os jovens para fazer um jogo. Agora, se cada Igreja tem um tempo para a utilização
143
disputa grande, então às vezes fica complicado até para conseguir um determinado horário para se usar a quadra esportiva e tudo mais”. (Pastor da IURD, 25 anos, grifos nossos)
Acerca da relação entre os membros do Juventude Universal com os jovens que não
são da Igreja, participantes do P.E.A. ou membro de outra Igreja, o pastor diz: “Acho que é uma coisa supersadia, não vejo nenhum problema, porque os jovens da Igreja vão interagir com pessoas novas, com pessoas diferentes. É interessante porque é muito legal! O Juventude Universal chegou num determinado ambiente onde é o Escola Aberta e digamos que lá ele irá encontrar jovens de uma outra denominação. É interessante haver esse tipo de encontro, porque eles estão se encontrando para realizar esportes, para realizar alguma coisa que é saudável, que tenha saúde”. (Pastor da IURD, 25 anos)
Contrário à idéia de fechamento e de demarcação do “eu sou evangélico”, pelo
menos num primeiro momento, percebemos que é interessante para a Igreja a
aproximação do seu grupo com outros e com pessoas desvinculadas da Instituição,
pois isso pode ser uma forma consistente de aproximação e busca de mais
participantes para o seu grupo. Se houvesse, por exemplo, nas atividades do P.E.A.,
a demarcação explícita e a separação de quem é ou não evangélico, talvez ficasse
mais difícil o processo de persuasão e de atração de mais jovens tanto para o grupo,
quanto para a instituição religiosa. Portanto, a partir de uma forma de sociabilidade
entre os jovens, da Igreja ou não, torna-se relevante a aproximação entre os que
não são com os que são do grupo de jovens da IURD.
Os jovens do grupo da IURD chegavam sempre depois das três horas, visto que, na
parte da manhã de domingo, na maioria das vezes eles iam para o culto. Mas em
alguns dias eles iam à igreja após as atividades no P.E.A., que terminavam
impreterivelmente às 18 horas. Quando ocorria essa inversão de acontecer o culto
no domingo à tarde, a coordenadora do grupo, antes de iniciar as atividades de
vôlei, falava: “A reunião é às seis horas, não vão esquecer, não! Quero ver todo mundo lá! E se faltar eu vou brigar! Não vão em casa tomar banho não, vão direto para a igreja!” (Coordenadora de jovens da Universal e participante do P.E.A., 21 anos)
da quadra, todas as Igrejas são atendidas, nenhuma Igreja... cada Igreja tem um horário e tem uma pessoa que é responsável por aquele grupo que vai lá.”
144
Essa frase sempre era dita quando eles traziam jovens pela primeira vez para fazer
esportes nas atividades do P.E.A., visto que os mais antigos do grupo já sabiam
dessa obrigação.
A inserção do Juventude Universal nas atividades do P.E.A. tinha também como
ação, alicerçada na ideologia da IURD, trabalhar com a questão do comportamento.
Por exemplo, quando acontecia de algum integrante do grupo xingar durante as
atividades, esse assunto era contextualizado e discutido nas reuniões da Igreja a
partir dos preceitos bíblicos. “Nesse caso, nós vamos para a igreja, marcamos uma reunião na igreja e passamos o que o jovem realmente precisa. Aprendem muitas coisas. Aprendem a ter um relacionamento bom com a família, um comportamento com as pessoas no dia-a-dia e várias outras coisas que o jovem realmente precisa, o jovem que tem problema precisa” (Coordenadora de jovens da Universal e participante do P.E.A., 21 anos)
O Juventude Universal não tem nenhum vínculo formal nem com a escola, quanto
com o P.E.A. no que se refere à parte administrativa central do Programa do
município de Vitória/ES. É uma relação mais baseada num “acordo de boca” entre a
coordenadora do P.E.A. e as líderes do grupo de jovens da IURD, portanto são
“liberados”. “É... eu creio o seguinte, não foi oficializado uma parceria ainda entre o Projeto Força Jovem Brasil e o Escola Aberta. Nós participamos do Escola Aberta assim, de uma forma indireta, não foi definido: - Ah, o Projeto Força Jovem Brasil está unido com o Escola Aberta, não. Até então nós estamos utilizando o espaço do Escola Aberta, né? em alguns casos, não é com grande freqüência em todos os lugares, mas, de uma certa forma, de uma forma indireta, o Projeto Força Jovem Brasil é integrante do projeto, participam. Nós valorizamos muito, inclusive em Raios de Sol84, como você teve a oportunidade de acompanhar. Uma das líderes do Juventude Universal lá criou um determinado relacionamento com a escola, para visitar a escola e, nessa escola, o jovem da igreja participa do Escola Aberta. É um espaço aberto, ele vai lá, visita, pratica esporte e tudo mais, porque o Juventude Universal incentiva o esporte. Como nós não temos pontos ainda, espaços de esportes grandes espalhados por todo o País ainda, aberto em todo canto, então é interessante nós utilizarmos desse projeto para apoiar os nossos jovens”. (Pastor da IURD, 25 anos, grifos nossos)
A ausência de uma formalidade que concretize o vínculo entre a IURD e parte
central de coordenação do P.E.A. da capital capixaba ou a escola não inviabiliza a
84 Nome fictício. Nesse momento, o pastor da IURD citou o nome do bairro vizinho ao Maria Ortiz onde está localizada uma das igrejas da Universal do Reino de Deus.
145
efetivação dos objetivos específicos de trabalho do grupo de jovens da Igreja. A falta
de espaço de esportes da IURD, no qual pudesse desenvolver os seus projetos com
suas respectivas ideologias, não descartava a efetivação de suas demandas dentro
do espaço público da escola onde ocorriam as atividades do P.E.A., já que, segundo
as próprias palavras do pastor, seria “interessante nós utilizarmos desse projeto [do
P.E.A.] para apoiar os nossos jovens”.
Ao falar da relevância do P.E.A. para o grupo de jovens da IURD, a coordenadora,
que atua no P.E.A. e o pastor dizem: “Olha, a Escola Aberta ela é importante não só para o grupo da Igreja como para os outros grupos, porque antes eu saía procurando em outras escolas, mas não encontrei essa oportunidade. Assim, é uma necessidade para a gente se reunir com esse grupo, porque não pode ser só na igreja, porque o jovem ele quer diversão, ele não quer só ficar na igreja. Entendeu? Então essa foi uma oportunidade muito grande, por isso a gente escolhemos o Escola Aberta. O Programa Escola Aberta contribui bastante em abrindo o espaço para a gente ajudar esses jovens também. Ela é aberta, porque temos privacidade para fazer o que planejarmos sem quem impeça. Por exemplo, se quisermos fazer uma reunião só a gente, vamos ter essa oportunidade sem que outras pessoas possam impedir. Ajuda bastante!” (Coordenadora de jovens da IURD e participante do P.E.A., 21 anos, grifos nossos) “O Programa Escola Aberta é apoiado pelo Juventude Universal. Para nós é interessante. O nosso objetivo é ajudar os jovens e encaramos assim: chegamos no Escola Aberta, tem vários jovens? Então, está ali o Juventude Universal no meio. Onde tem jovem, lá está o Juventude Universal. Então, às vezes ocorre, nesse meio tempo, onde está rolando o futebol, está rolando alguma atividade, de alguns dos nossos jovens comentarem e convidarem a fazerem parte do Projeto Força Jovem Brasil”. (Pastor da IURD, 25 anos, grifos nossos)
Está aqui a idéia da dimensão particular das intenções da Igreja, possibilitando,
assim, de acordo com Arendt (1993), a desconfiguração da dimensão do mundo
comum e do espaço compartilhado adstrito ao espaço público, partindo da idéia de
que nem todo mundo tende a ser filiado à igreja referida.
A partir da fala do pastor, também percebemos que o apoio do Juventude Universal
ao P.E.A. era extremamente estrategista, porque os jovens do referido grupo não
vão às atividades do P.E.A. apenas para se divertir como qualquer outro
participante. Assim, O P.E.A. torna-se algo estratégico para a Igreja, pois é um
espaço onde há muitos jovens; até porque é um programa cujo público alvo são os
jovens, e, nesse sentido, o grupo da Igreja, com seus objetivos traçados e definidos,
146
chega até a escola para efetivá-los através de seus trabalhos de aproximação com
os jovens não pertencente a seus quadros de membros.
A IURD, para fazer crescer o número de adeptos do Juventude Universal, utiliza-se
de alguns artifícios ou estratégias de aproximação e “atração” desses jovens para o
grupo, portanto, para a Igreja. O pastor fala sobre as maneiras pelas quais a IURD
atrai e convence os jovens para o Juventude Universal e para a Igreja:
“Nós temos aqui no estado do Espírito Santo um site. Uma das formas de irmos até os jovens é através do site que é: www.juves.com.br. Nós criamos um site de entretenimento que oferece opções como jogos, trilles de cinemas, clips musicais, é... nacionais e internacionais e fala também um pouquinho sobre o Juventude Universal. Temos um espaço onde o jovem manda um e-mail, contando um pouco da história dele, anota o telefone, vamos até ele através de um programa de rádio também que nós temos na 90.1 FM, que é o Programa Freqüência Jovem, que é um programa bem animado, bem agitado que é realizado aos sábados das quatro às cinco horas da tarde. E também chegamos até ele através do programa de televisão, que até então tem sido realizado na Rede de TV do Espírito Santo, no sábado, de meio-dia a uma hora da tarde. E também temos a forma que é o contato pessoal, né? onde o jovem que faz parte do Juventude Universal, que voluntariamente participa do nosso trabalho, vai junto conosco participar, nós vamos às ruas, convidar as pessoas, os jovens que está passando, o transeunte, é... falamos do trabalho dentro das escolas, porque o jovem que faz parte do Juventude Universal também estuda. Então, dentro da escola, ele conversa com os amigos dele, ele ajuda a espalhar a notícia, ele leva o prospecto, ele leva panfleto, nós subimos, vamos nas comunidades carentes, pedimos para que os jovens que fazem parte do trabalho que estudam numa faculdade que falem na faculdade e de pouco em pouco vai sendo falado. O trabalho que acaba surtindo mais efeito não é exatamente o do site, não é exatamente o da TV ou o do Rádio, mas exatamente este trabalho que é realizado: uma pessoa convidando a outra, e dessa forma nós conseguimos já atingir muitos jovens”. (Pastor da IURD, 25 anos, grifos nossos)
Pierucci (2007), em conferência na 59ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para
o Progresso da Ciência (SPBC) em julho, no Pará, discutiu a temática dos “novos
números sobre as religiões no Brasil”. Para explicar o ligeiro declínio do catolicismo
e o incremento considerável das igrejas evangélicas nos últimos anos,
principalmente das pentecostais e neopentecostais, na sociedade brasileira, utiliza-
se de um exemplo. Segundo esse autor, alguns anos atrás, numa sociedade
majoritariamente católica em que havia uma espécie de “monopólio” do
catolicismo,85 os padres geralmente esperavam os fiéis nas igrejas, não havia um
movimento forte de ir até as pessoas para que estas freqüentassem as 85 De acordo com Pierucci (2004, 2004a), no Brasil, em 1940, havia 95,2% de adeptos da religião católica.
147
denominações. Mas, nos últimos anos, no Brasil, com o crescimento dos
evangélicos, com mais liberdade religiosa e com a efetivação da chamada
“concorrência religiosa”, há vários movimentos de conquista de fiéis no sentido de ir
diretamente ao encontro e à busca deles. Sendo assim, para o referido autor, os
evangélicos são verdadeiros “militantes” em busca de novos fiéis. Nós vivemos no Brasil [...] hoje um clima de concorrência religiosa. Pegando um pouco a metáfora do mercado. Houve um tempo que esse mercado era monopolizado por uma religião só, [...] e hoje ele é um mercado concorrencial. Então é inevitável hoje que você seja assediado por pessoas de outras religiões que querem fazer..., que querem ganhar você para a religião dela, batem na sua casa, te dão folhetos, chamam você, convidam você e às vezes até por telefone (PIERUCCI, 2007a, transcrição nossa, grifos nossos).
Portanto, a Igreja, como outras instituições sociais, integra-se a um dos aparelhos
ideológicos do Estado, cujas ações tendem a consistir em reproduzir e perpetuar os
interesses e ideologias dominantes, com o intuito de manter o status quo.
(ALTHUSSER, 1983)
Declarações feitas pela coordenadora de jovens da IURD apontam que os jovens
que não são da Igreja têm vários motivos que os movem ou não para a Juventude
Universal e para a IURD, assim como para os que já estão inseridos no grupo,
configurando-se assim uma maneira de manter os jovens nele. E há uma variedade
de atrações ou de aproximações disponibilizadas pela IURD para atender todos os
“perfis” e “tipos” de jovens, para “ganhá-los”. E a “atração” acontece por várias
razões, entre elas, pelos laços de amizade que culminam em formas de
convencimento para ingresso no grupo; pela “salvação” dos sofrimentos; pelo
resgate do jovem à realidade; pela disponibilização de maneiras de “viver”, de
“comportar-se” e de “agir” na vida; pelas reuniões de evangelização e pelas
“concentrações” que “resolverão” os problemas sociais, familiares e outros dos
jovens; pela comparação entre problemas dos jovens que não são da igreja com as
experiências86 de jovens que estão no grupo e sofreram e conseguiram a vitória
sobre os dilemas da vida; pelas formas de entretenimento (shows, teatros, gincanas,
músicas agitadas); pelos novos tipos de linguagens; e pelas atividades esportivas. 86 Em relação à vitória e ao sucesso do fiel como relato de experiência para quem está em situação difícil, Mariano (2004) diz que a IURD, diferentemente das outras igrejas, nos programas de rádio e TV, principalmente os da madrugada, se distancia dos sermões ou preleções teológicas, para realçar o poder transformador de Deus na vida das pessoas, ao exibir os seus “testemunhos propagandísticos” de curas, milagres, bênçãos divinas e intervenções de todas as espécies.
148
Em decorrência, “[...] expressando vínculos institucionais ou apenas crenças mais
difusas, nos últimos anos, a linguagem religiosa se faz presente em muitas
expressões juvenis na área da arte e cultura” (NOVAES, 2004, p. 328).
Para Rodrigues (2007), essa fase da vida, a juventude, estimula as denominações
religiosas a acionarem estratégias para atrair e os jovens e concretizar uma efetiva
renovação de seus quadros para que a Igreja continue existindo e se legitimando
socialmente.
Entre essas estratégias está a atualização de suas mensagens, com a utilização de uma linguagem contemporânea, a flexibilização de exigências no campo do comportamento, a promoção de grandes concentrações, shows, músicas, a incorporação de estilos musicais associados às culturas juvenis, como o Rock e o Hip Hop, por exemplo. Há inclusive toda uma produção voltada para a juventude ou mesmo produzida pelos próprios jovens (RODRIGUES, 20007, p. 73).
Continuando com Rodrigues (2007), apesar de essas formas atrativas das Igrejas
possibilitarem ações pelas quais os jovens se interessem, há algo, no entanto, que
não muda, que são as concepções religiosas: o papel conservador e ideológico das
instituições religiosas mantém-se estruturado na organização das Igrejas. Ou seja,
muda-se a roupa, mas o corpo é o mesmo.
Sobre o porquê de o grupo de jovens da IURD começar suas atividades com lazer,
esporte ou diversão, os integrantes da Instituição apontam:
“Porque os jovens preferem diversão. Porque igual, como posso dizer? Os jovens que não são da igreja têm uma visão um pouco fechada, eles não conhecem o que é a Igreja. Eles acham que a Igreja é só ficar lendo Bíblia, é ficar preso ali. Então não, a gente passa para ele o que que é ser um jovem crente, um jovem de Deus”. (Coordenadora de jovens da IURD e participante do P.E.A., 21 anos, grifos nossos) “O jovem que está aqui ocupado com esporte agora ele não vai estar ocupado com o crime. Tem até um ditado que diz que “mente vazia é oficina do diabo”, né? Então, não queremos que o jovem fica ocioso. Através do esporte ele vai começar uma atividade, e ali você vai descobrir que jovens têm talentos, ali você vai manter os jovens distantes de más companhias, distantes do tráfico”. (Pastor da IURD, 25 anos)
A partir das falas acima, além de as formas atrativas “seduzirem” os jovens para
entrar no grupo da IURD, elas também diferenciam um jovem “crente” do “não
crente” no sentido de separar o jovem que é da Igreja e o que não é. São táticas de
149
tirar o jovem da “ociosidade” e de distanciá-lo do tráfico. E isso configura a idéia de
ocupar o tempo livre do jovem na tentativa de livrá-lo das carências e dos perigos
sociais, da ameaça e do ócio. Sendo assim, a inserção do jovem numa igreja seria
uma maneira ideológica de lidar com os dilemas que ele atravessa. (FRANCH, 2002)
Nesse sentido, seria uma maneira de considerar que a inserção dos jovens nos
grupos religiosos, como o da IURD, intensificaria as relações entre eles e tornar-se-
ia uma possibilidade de se praticar cultura e esportes. No entanto, por ser uma igreja
pentecostal, com seus dogmas específicos, isso tende a limitar tanto outros
processos de sociabilidade juvenil, quanto o trânsito religioso do jovem por outras
religiões, já que, por ser evangélico, isso é quase inviável e por ser, também, como
qualquer denominação religiosa, baseada em princípios bastante definidos que não
consideram a multiplicidade de possibilidades existenciais de várias realidades de
jovens. (PIERUCCI, 2007a)
Depois de já inserido no Juventude Universal, a IURD, através de seus agentes,
disponibiliza uma proposta de vida contrária àquela que o jovem vivia antes da sua
inserção no grupo religioso. E isso inclui a promessa de uma vida melhor desde que
o jovem, de alguma forma, se esforce para lograr tal intento.
“A partir do momento que o jovem vem participar do Juventude Universal, nós passamos para ele uma visão que de costume não se recebe fora da igreja, né? No caso, a visão seria em relação à orientação. Nós passamos a explicar para o jovem que até o impossível pode acontecer através da fé, só que muitos pensam que fé é apenas acreditar em Deus e não tomar nenhum tipo de atitude. Nós passamos a mostrar para o jovem que se ele acreditar em Deus e começar a tomar as atitudes positivas, Deus pode fazer com que portas venham a se abrir e ele comece a alcançar os resultados positivos. Começamos a ensinar que ele tem que acreditar no futuro, que ele pode ser bem sucedido financeiramente, que ele tem que fazer um curso, que ele pode ser bem visto. Ensinamos ele a tomar cuidado com as más amizades, com as más companhias que ele pode se dar mal, falamos para ele que é o futuro do nosso País, ele é o futuro do nosso País”. (Pastor da IURD, 25 anos, grifos nossos)
Quando o jovem entra no grupo de jovens da IURD, portanto, na Igreja, são
prometidas a ele várias oportunidades que mudarão a sua vida por completo e para
“melhor”, e vão atender aquelas demandas que a sociedade e a sua família não
deram conta de satisfazer. Temos aqui a idéia de que a fé resolverá todos os
problemas da vida do jovem, desde que este “tome atitudes positivas”, e uma delas
150
é seguir os ensinamentos transmitidos nesse grupo, portanto, a ideologia da
instituição. Ele terá sucesso profissional, financeiro, será “liberto” de “más
companhias”, já que começará a conviver com pessoas de bem, pois são de uma
rede de irmãos, numa espécie de “fechamento”. Os jovens também serão
concebidos também como um “vir-a-ser”, já que são o “futuro do País”.
Há um imaginário construído socialmente acerca do “ser evangélico”. Em recente
reportagem em A Tribuna, um jornal capixaba, foi divulgado um convênio feito entre
empresas de plano de saúde e Igrejas evangélicas. As empresas alegam, através de
dados de pesquisas feitas em hospitais, que esse convênio é vantajoso para elas,
pois os evangélicos são “bem vistos” socialmente, pois, geralmente, não fumam, não
bebem87, não usam drogas, não freqüentam “baladas”, dormem cedo, têm menos
incidência de doenças, são menos vulneráveis ao perigo, são os que menos sofrem
acidentes de trânsito.
Ser evangélico torna-se um “status social” porque os evangélicos já “estão
preparados e sabem viver nesse mundo”88. E o jovem que não é “está perdido no
mundo”, e precisa se encontrar, e uma das formas é valer-se dos caminhos que lhe
são propostos pela Igreja. Se os jovens “perdidos” entrarem para o Juventude
Universal e seguirem todas as regras, automaticamente serão portadores de um
“bom status social”, pois ostentarão outra imagem; seus problemas anteriores, que
lhe conferiam uma imagem ruim, serão apagados de suas vidas. Sendo assim, “[...]
a religião torna-se um fator de escolha em uma sociedade que enfatiza inúmeras
possibilidades de escolhas, mas reduz acessos e oportunidades” (NOVAES, 2004,
p. 328).
O esporte é uma das formas de “atração” dos jovens ao Juventude Universal, já que
eles “se amarram” em atividades esportivas. No entanto, quando é para surtir efeito,
esse subterfúgio não viabiliza a estratégia da Igreja de aproximação aos
fundamentos e princípios religiosos, pois alguns jovens tendem a resistir à
abordagem espiritual; interessam-se apenas pelas atividades físicas, dificultando
87 De acordo com pesquisa do World Christian Database e Pew Forum, 72% dos pentecostais brasileiros acham que nunca se deve beber álcool. 88 Palavras da coordenadora da IURD participante do P.E.A.
151
assim os intentos ideológicos da Igreja e do Juventude Universal. Segundo a
coordenadora de jovens, “eles vão, conhecem; a partir daí alguns ficam, alguns não”.
Na opinião dela, eles não gostam da parte espiritual, porque pretendem que se faça
apenas o que eles querem, e isso para a Igreja não é bom, nem é bem visto. Na
perspectiva dos jovens como sujeitos de direitos, as instituições religiosas não são
espaços propícios para estes expressarem todas as suas demandas e
necessidades, visto que em algumas delas eles se “esbarram” com os princípios
proselitistas das denominações religiosas.
O pastor reforça o desejo de um vínculo formal entre a IURD e o P.E.A.:
“... nós temos o desejo de formar uma parceria sim com o Escola Aberta, existe esse grande desejo sim. [Para] ampliar forças para ambas as partes. Porque o objetivo de ambos é ajudar o jovem, o jovem é o futuro do nosso país. Então o nosso objetivo na... acredito que tanto o do Escola Aberta quanto o do Força Jovem Brasil é melhorar o futuro do nosso País e o jovem é o futuro do nosso País, unir forças para mexer com o futuro”. (Pastor da IURD, 25 anos, grifos nossos)
A fala do pastor levanta questões que nos fazem problematizar o que significaria: a
“parceria” entre as duas partes; a “ampliação de forças” para ambas as partes dentro
de um programa que, de certa forma, já tem uma espécie de “controle” sobre os
jovens; a união de forças para “mexer” com jovens, “o futuro do País”. Assim,
partindo da idéia de que a IURD é uma instituição religiosa e social que tem
objetivos, padrões e estratégias fortemente estruturadas, portanto, com vínculos
específicos e particulares, inferimos que isso entraria em choque com os princípios
de uma escola pública, diversa, democrática, laica e participativa, já que estes não
seriam considerados em virtude da efetivação e concessão de prerrogativas para as
denominações religiosas com seus princípios conservadores e limitantes.
5.3 A IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA E O SEU CLUBE DE
DESBRAVADORES
A Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) integra-se às igrejas classificadas dentro
do Cristianismo de Fronteira, das Igrejas Neocristãs, das Igrejas Paracristãs ou,
ainda, das Igrejas Paralelas à Reforma. A IASD tem aproximadamente 12 milhões
de fiéis no mundo. De acordo com os dados do IBGE de 2000, no Brasil, ela tem
152
1.209.842 membros. No estado do Espírito Santo, conta com 41.153 e, no município
de Vitória, com 2.380 adeptos.
A origem da Igreja Adventista tem a ver com a história de um agricultor chamado
William Miller (1782-1849), que se converteu à Igreja Batista e começou a estudar
intensamente a Bíblia e a Concordância de Cruden e acabou concluindo que a
profecia de Daniel 8,14 refere-se ao fim do mundo, pressuposto da volta de Jesus.
Ao utilizar o principio profético dia-ano (cf. Nm 14:34, Ez 4,7), chegou à idéia de que
as "2.300 tardes e manhãs” encontradas nessas menções começaram em 457 a.C e
cumpriram-se em 1843 e março de 1844. Assim, visto que o fato não ocorreu, gera-
se um retorno aos estudos e uma compreensão mais afinada da questão. Entre os
estudiosos, estão compreendidos o capitão aposentado Joseph Bates e o casal
Thiago White e Ellen White. Estes constataram que a profecia não tratava da volta
de Cristo, mas de eventos celestiais descritos no livro de Hebreus.
A partir daí vários acontecimentos desenvolveram a história e os princípios da Igreja
Adventista. Joseph Bates convenceu-se sobre a guarda do sábado como o sétimo
dia sagrado, através de contato com Rachel Oakes, Batista do Sétimo Dia. Ele
também organizou, a partir de 1846, conferências sabatistas em New Hampshire.
Ellen White, em 1844, teve sua primeira visão. Ela escreveu, durante seu ministério,
de 1844 a 1915, cerca de 100.000 páginas e também teve 2.000 sonhos e visões.
O nome da IASD surgiu na década de 1860, de forma simultânea nos Estados
Unidos e na Europa, através do Movimento do Millerita89. Apesar de o nome
Adventista ter sido escolhido em 1860, foi apenas em 21 de maio de 1863 que sua
denominação foi oficialmente reconhecida. Nessa época, o movimento compunha-se
de aproximadamente 125 igrejas e 3.500 membros.
O termo “adventista” é oriundo da promessa da vinda do Messias, que disse: “Virei
outra vez”, de forma que seu povo seja levado para outro lar. Já o termo “sétimo dia" 89 O Movimento Millerita, ocorrido precisamente no ano de 1844, século XIX, é um conjunto de idéias religiosas derivadas dos ensinamentos de Willian Miller. Este, juntamente com outros religiosos de várias denominações, chegou à conclusao de que Jesus Cristo voltaria à Terra em outubro de 1844, ocasião da Expiação do povo Judeu. Após alguns anos, passou a anunciar o Segundo Advento de Cristo, de forma a causar a expectativa de 100 mil pessoas quanto à próxima volta do Messias. (OLIVEIRA FILHO, 2004)
153
refere-se à crença dos fiéis de que Deus ordenara que o descanso santificado seria
o sábado. “O principal objetivo da Igreja é preparar o povo para a volta de Jesus, por isso que o nome da nossa igreja é Adventista, porque aguarda o advento de Cristo. Então, essa igreja surgiu com a proposta de preparar pessoas para a chegada de Jesus aqui na terra, que, segundo nós cremos, pelas profecias bíblicas, não está longe, está perto, porque as profecias indicam que realmente ele está chegando”. (Pastor da Adventista, 41 anos)
De acordo com Oliveira Filho (2004), nos fins do Império e início da República no
Brasil começaram a se estabelecer núcleos adventistas em várias regiões brasileiras
difundidos por propagandas, via impressos. Os núcleos chegavam das colônias de
imigrantes alemães e austríacos nos estados de Santa Catarina, São Paulo e
Espírito Santo90. Ocorreram também, nessa ocasião, muitos batismos no estado
catarinense.
Desde que iniciaram suas atividades no Brasil, os adventistas preocuparam-se com
os serviços médicos, visto que esta seria uma das formas mais efetivas para a
“pregação da Volta de Cristo”. Sendo assim, foram criados inúmeros hospitais e
clínicas e pontos de atendimento às populações indígenas91 e às populações
ribeirinhas do São Francisco, Araguaia e Amazonas, por meio de lanchas médico-
missionárias (OLIVEIRA FILHO, 2004).
Os adventistas intitulam o seu proselitismo de “trabalho de evangelização”. Para
(Oliveira Filho, 2004), uma das maneiras de a Igreja Adventista “ganhar novas
almas” é através da Colportagem92, um dos meios eficientes para tal. Outro recurso
com essa mesma intenção é o do evangelismo pregado pelos meios de
comunicação de massa, o qual se iniciou em 1950, quando o pastor Roberto M.
90 No Espírito Santo, uma das primeiras cidades a ter o contato com os princípios da Igreja Adventista foi o município de Santa Maria de Jetibá, localizado na Região Serrana do Estado. 91 De acordo com Oliveira Filho (2004), desde 1928 os adventistas mantêm contato com os índios Carajás do Rio Araguaia. 92 Colportagem é um trabalho de adeptos de uma fé que apresentam os devidos regimes de saúde ou levam conhecimentos de um ser superior, através da literatura religiosa, para as pessoas com quem estabelecem contato. No caso da Igreja Adventista, utiliza-se a colportagem para divulgar suas mensagens bíblicas e de saúde, disponibilizando, por exemplo, materiais de livros e revistas sobre esses assuntos, de porta em porta, nas escolas, nas empresas, etc. (OLIVEIRA FILHO, 2004).
154
Rabello criou o programa radiofônico A Voz da Profecia,93 inspirado num programa
similar americano (OLIVEIRA FILHO, 2004).
A Igreja Adventista empreende também um trabalho com música sacra. Em muitas
de suas escolas, desenvolvem-se vários projetos musicais com vários coros,
conjuntos e cantores os quais realizam trabalhos para além dos evangelísticos. A
referida Igreja também divulga os seus princípios proselitistas de forma ampliada, de
modo a atingir muitas pessoas ao mesmo tempo através, da Redes de Rádio FM e
AM Novo Tempo e da TV Novo Tempo. Também oferece cursos por
correspondência relacionados ao seu proselitismo, como A Voz da Profecia, Está
Escrito e Escola Rádio.
A Adventista é proprietária de 56 editoras espalhadas pelo mundo, com um
destaque para a Editora Casa Publicadora Brasileira, instalada no Brasil,
considerada a terceira maior do mundo. Essas editoras são responsáveis pelas
publicações de livros e revistas da Instituição.
A IASD possui atualmente 28 Crenças Fundamentais que podem ser assim
resumidas: a Igreja como comunidade una e visível dos crentes; a crença na Bíblia,
no pecado, na Trindade, no conflito entre Cristo e Satanás, na vida humana, na
morte e ressurreição de Cristo, na justificação pela fé, na escolha de Deus por um
povo remanescente para testificar o Evangelho, na reforma da saúde, nas práticas
do batismo por imersão e da Santa Ceia, na continuidade dos dons espirituais,
sobretudo o da profecia; a validade dos Dez Mandamentos de Deus; a vinda
próxima de Cristo, a ressurreição dos mortos, o Juízo Final e uma nova Terra. A
Adventista também apregoa a abstnência ao álcool e ao fumo, assim como a crença
de que a fé é a forma primeira da salvação e demarcação do papel da Lei e da
Graça de Deus na vida cristã. (OLIVEIRA FILHO, 2004); (GRAMUNT, 2001)
A Igreja Adventista tem um trabalho amplo e constante de assistência social,
representado pela Agência de Desenvolvimento em Recursos Assistenciais (ADRA)
e pela RECOLTA como os principais projetos da instituição. 93 O programa A Voz da Profecia irradiava-se em português, alemão e japonês em aproximadamente 300 emissoras na década de 1970. No estado de São Paulo atingiu uma marca de 72 emissoras (OLIVEIRA FILHO, 2004).
155
“E nós temos um trabalho permanente que é feito pelas Igrejas Adventistas que é o trabalho da ADRA, a Agência de Desenvolvimento em Recursos Assistenciais. Atende também a população carente, inclusive nós temos uma clínica rodante, né? que ali vai um odontólogo, um médico, nessas populações carentes e ali presta-se, então, assistência de saúde para essas pessoas, né? verificando pressão, é... extraindo dentes, obturando dentes, fazendo aplicação de flúor. Quando, por exemplo, ocorre uma grande catástrofe a nível mundial, como aquele Tsunâmi que houve lá na Ásia, é... a ADRA estava lá presente, levando alimentos, água potável. Nós saímos uma vez por ano para fazer um trabalho que chamamos de RECOLTA, de ir às pessoas que não são da Igreja Adventista e mostrar para elas a proposta da Igreja e de ajudar essas pessoas, as pessoas mais carentes. E essas pessoas então fazem doações em dinheiro, nós emitimos recibos das doações maiores e esse bolo que é montado aí então é revertido então para a clínica rodante e para outros projetos sociais, como o abrigo de população de rua que nós temos ali no Bairro Santo Antônio, na frente da Rodoviária de Vitória. Esse abrigo de população de rua, ele tem carros que circulam nas cidades, onde é... achando-se alguma pessoa que esteja na rua, mendigos ou uma pessoa que esteja por ali, é... eles são abordados e então é feita uma rápida entrevista com eles, oferecendo a eles a possibilidade deles irem para esse nosso abrigo de população de rua, que é da Igreja Adventista, em parceria com a Prefeitura de Vitória. A RECOLTA não deixa de ser espiritual, por quê? Nós tentamos recuperar esse lado espiritual da pessoa oferecendo culto de manhã e, à noite, o estudo da palavra de Deus através de cursos da Bíblia para aqueles que querem, os que não querem; eles ficam à vontade, eles não são obrigados a estudar, não é? Mas aqueles que querem participam e... eventualmente alguns até vêm a se tornar adventistas do sétimo dia, não é? Quando assim o desejam, está certo? Então a Igreja restaura, resgata esta espiritualidade que foi perdida neles”. (Pastor da Adventista, 41 anos, grifos nossos)
De forma mais pontual e imediatista, a Igreja tem um trabalho de mutirão que
recolhe alimentos, roupas, calçados, brinquedos para serem distribuídos na época
de Natal aos de baixa renda. A Igreja considera essa atividade como um projeto
social.
Quem administra e é proprientária dos bens imóveis e organiza a arrecadação do
dízimo da Igreja Adventista, num determinado estado ou em parte dele, é uma
Associação que se estrutrua como organização da Igreja numa determinada região.
O dinheiro oriundo da arrecadação de dízimos e ofertas é direcionado para o
pagamento de pastores e demais funcionários do campo, e parte dele é destinado
aos projetos de evangelização.
A Igreja Adventista faz um trabalho específico com os jovens:
“Com certeza, a Igreja tem uma Sociedade J.A (Juventude Adventista), que, inclusive, no dia 15 de setembro, vai completar cem anos de oficializada. Essa Sociedade J.A ela visa integrar o jovem da igreja com todos os planos da Igreja, não é?, com todos os departamentos da Igreja e
156
tornar a juventude da Igreja produtiva para a igreja, porque algumas igrejas elas é... colocam o jovem de lado e deixam que as pessoas de mais idade façam o trabalho, não confiam que o jovem possa tomar a frente, assumir alguma coisa. A Igreja Adventista do Sétimo Dia foi fundada por jovens, não é? Thiago Write, um dos fundadores, ele tinha vinte e um anos de idade quando tornou-se pregador, John Andrius, outro fundador da Igreja, tinha quatorze anos de idade quando tornou-se um pregador. Então é... Ellen Write, que é outra fundadora da igreja, tinha dezessete anos quando começou o seu ministério. Então foram os jovens que começaram a avançar as estacas para essa Igreja, claro, os jovens espirituais que estavam preocupados com o crescimento espiritual do povo de Deus”. (Pastor da Adventista, 41 anos)
A IASD oficializou a criação do departamento do Clube de Desbravadores em 1950.
De acordo com o site94 e Gramunt (2001), os desbravadores se encontram em mais
de 160 países e em 90.000 sedes, integrando assim mais de dois milhões de
participantes. O Clube é composto, em sua maioria, por meninos e meninas com
idade entre 10 e 15 anos, de diferentes classes sociais, sexo, raça ou religião.
É um clube que não visa o lucro. De acordo com Gramunt (2001), os desbravadores
não têm interesses políticos, respeitam as autoridades civis e militares e estão
sempre prontos a servir, assim que necessário, a sociedade. Respaldam suas ações
no amor a Deus e à Pátria e empenham-se em angariar muitos amigos, utilizando
para tal capacidades mentais, físicas, sociais e espirituais. Os seus membros
reúnem-se uma vez por semana para aprender a desenvolver talentos e
potencialidades, percepções e o gosto pela natureza. Assim, admitem: “[...] como
desbravadores, amamos e conservamos a natureza que nos rodeia. Aprendemos
como conviver com ela sem machucá-la, e estamos prestes a defendê-la”
(GRAMUNT, 2001, p.14). Para isso, eles desenvolvem atividades ao ar livre, fazem
acampamentos, escaladas, caminhadas e explorações em matas e cavernas,
cozinham ao ar livre e aprendem a arte de produzir fogo sem fósforo. Através da
“ordem unida”, que são marchas com passos ensaiados acompanhados de coros
rimados, os desbravadores demonstram suas “habilidades para a disciplina”. Eles
também desenvolvem a criatividade suscitada pelas artes marciais.
Os membros dos desbravadores abominam o uso do fumo, do álcool e de outras
drogas. Entre eles há uma ênfase no trabalho em equipe de modo a serem úteis às
seus grupos de membros. Nesse sentido, visitam asilos, hospitais, orfanatos ou 94 O site está disponível em: http://www.desbravadores.org.br/institucional/index.php.
157
arrecadam alimentos para doar a quem necessita. Desenvolvem “ações de socorro”,
destinadas à ajuda em situações de calamidades, e também em campanhas
comunitárias.
O Clube de Desbravadores tem uma estrutura material e humana, pressupondo,
assim, pessoas envolvidas direta ou indiretamente com o programa do Clube. Por
não ser autônomo e por estar diretamente vinculado aos princípios e dogmas da
IASD, é esta instituição que delibera acerca de seus cargos diretivos. A estrutura
administrativa do Clube é composta pelos seguintes cargos: diretor-geral, diretores
associados (um para os meninos e outro para as meninas), capelão, secretário e
tesoureiro. Há também a função do conselheiro, que é escolhido pela diretoria do
Clube.
Figura 4: Bandeira do Clube de Desbravadores
De acordo com Gramunt (2001), os desbravadores têm vários caminhos e ações a
serem empreendidas para serem considerados verdadeiros membros do Clube: são
os “ideais”. Entre estes, há o cumprimento da “Lei do Desbravador”, que integra oito
mandamentos a serem seguidos. São eles: realizar a devoção matinal, que é um
contato com Deus através de oração ou de uma aproximação com a natureza;
cumprir as responsabilidades e compromissos do desbravador, como servir a pátria,
a Deus e ao próximo; cuidar do corpo; manter a consciência limpa ao ser honesto,
evitar as más companhias, rejeitar conversas inúteis, maus pensamentos ou revistas
e programas que não edifiquem o caráter do desbravador; ser cortês e obediente
com o próximo; andar com reverência na casa de Deus; ter sempre um cântico no
coração; e ir aonde Deus mandar e compartilhar a fé com o semelhante. Os ideais
do Clube estão reunidos no Quadro 2.
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Voto do Desbravador “Pela Graça de Deus, serei puro, bondoso e leal, guardarei a ‘Lei do Desbravador’; Serei servo de Deus e um amigo de todos”.
Alvo do Desbravador “A mensagem do advento a todo o mundo em minha geração: como desbravadores, temos o privilégio de conhecer a Cristo e a sua mensagem, e é o nosso dever compartilhá-la com nossos semelhantes”.
Lema do Desbravador “O amor de Cristo me constrange: o amor é o elo que une a todos os desbravadores, e é baseado nesse amor que nos comprometeremos ante Deus e o mundo a cumprir com o nosso alvo”.
Objetivo do Desbravador “Salvar do pecado e guiar no serviço: como desbravadores devemos sentir a mesma compaixão que Jesus sentiu por todos nós. É por isso que levar a mensagem de salvação não somente é comunicar senão também ensinar como viver uma vida melhor”.
Juramento à Bíblia “Prometo a fidelidade à Bíblia, à sua mensagem de um Salvador crucificado, ressurreto e prestes a vir, doador de vida e liberdade aos que nEle crêem: reconheço publicamente que a Bíblia é o meio pelo qual Deus me fala e orienta. É nela onde conheço qual é a vontade de Deus para minha vida”.
Quadro 2: Ideais do Clube de Desbravadores Fonte: (GRAMUNT, 2001, p. 18-19) Para desenvolver suas capacidades físicas, mentais, sociais e espirituais de maneira
equilibrada e em consonância e harmonia com as idades dos desbravadores, o
Clube estrutura-se em Classes Regulares (ANEXO 9), Classes Avançadas e pelas
“Especialidades” que são elaboradas por instrutores especializados.
Cada classe exige que o desbravador coloque em prática os conhecimentos
adquiridos no Clube. Os requisitos de cada classe são agrupados, considerando-se
as diferentes idades. Os desbravadores são motivados a mudar de classe a cada
ano. E, quando há mudança de classe, os desbravadores são condecorados com
um botão específico, de cor diferente, representando assim a nova classe. Para
participar das classes regulares, o desbravador tem que ser membro ativo do clube
no qual está inserido (Quadro 3).
Quadro 3: Classes Regulares Fonte: (GRAMUNT, 2001, p.26)
Classe Regular Botões Idade Amigo Azul 10 anos Companheiro Vermelho 11 anos Pesquisador Verde 12 anos Pioneiro Cinza 13 anos Excursionista Bordo 14 anos Guia Amarelo 15 anos
159
Segundo Gramunt (2001), o jovem, quando completa quinze anos, deve ter
concluído a Classe Regular de Guia e a Classe Avançada de Guia de Exploração,
pois “[...] estará em condições de deixar as fileiras do Clube de Desbravadores para
unir-se ao clube de Líderes”. (GRAMUNT, 2001, p. 26).
“Ele tem um exercício. Quando tiver dez anos, ele pega um cartão e ele tem que investir naquela classe, aonde outro cartão de doze, treze até os quinze. Quando chega aos dezesseis ele já faz um cartão de líder. Ele tem que se virar e investir em ser líder, porque não pode ter no Clube pessoas com mais dessa idade que não esteja investindo em nada. A gente até pega, a gente até aceita, mas tem que estudar, porque, se não estudar, não tem como ficar”. (Diretora associada do Clube de Desbravadores “Cordilheira dos Anjos” e Oficineira de Vôlei do P.E.A., 27 anos, grifos nossos)
Assim, cada desbravador tem um Registro de Classe específico e relacionado à
classe regular em que se encontra. No interior dele, há várias tópicos de atividades
direcionadas, como as seguintes “atividades gerais”: I – “a descoberta espiritual”; II –
“servindo a outros”; III – “desenvolvendo amizade”; IV – “saúde e aptidão física”; V –
“desenvolvendo organização e liderança”; VI – “estudo da natureza”; VII – “arte de
acampar”; e VIII – “enriquecendo seu estilo de vida”. E, após esses oito tópicos a
serem seguidos em cada classe regular, há as classes avançadas específicas de
cada botão ou classe regular (ANEXO 9).
De acordo com Gramunt (2001), há mais de 250 especialidades que o desbravador
pode fazer e ensinar aos outros, divididas em nove áreas, que são as seguintes: 1)
Atividades Missionárias (contar histórias cristãs, asseio e cortesia cristã); 2) Artes e
Habilidades Manuais (bordado em cruz, fotografia); 3) Atividades Profissionais
(datilografia, eletricidade); 4) Habilidades Domésticas (arte culinária, panificação); 5)
Estudos da Natureza (animais, astronomia); 6) Atividades Agrícolas (jardinagem e
horticultura); 7) Atividades Recreativas (arte de acampar, ciclismo, vida silvestre); 8)
Ciências e Saúde (primeiros socorros e resgate básico); 9) Especialidades
Regionais (telecartofilia e skate) (GRAMUNT, 2001).
Sobre o perfil do jovem que participa das atividades do Clube de Desbravadores
Cordilheiras dos Anjos (CDCA), o pastor assevera:
160
“São jovens que gostam de aventura, né? eles gostam de sair do corriqueiro, do trivial é... eles gostam também de estarem sentados dentro da igreja, aqui nos bancos, ouvindo um sermão, mas eles querem uma coisa a mais, uma coisa diferente, então de estarem na beira de um rio, de estarem ali, esticando uma corda, ali, para atravessar um rio, né? aprender a nadar, aprender isso, eles têm essa necessidade, não é? Então o Clube oferece isso a eles, não deixando também de oferecer o lado espiritual, que é muito importante. Então, eles andam simultaneamente o lado físico, social, mental e espiritual, ok?”. (Pastor95 da Adventista, 41 anos)
Para manter o “espírito” sempre alegre, os desbravadores vivenciam um clima de
descontração e uma das formas é entoar gritos de guerra em algumas de suas
atividades, pois cada desbravador, em cada lugar que vá, tem que marcar a sua
diferença. Assim, o grito de guerra reflete o carisma da unidade e desperta atenção
e respeito das outras (GRAMUNT, 2001). Eis alguns:
Panteras
Não somos perigosas e sim charmosas. Nosso lema é a pureza pra ter muita beleza.
Pregando o amor de Cristo nos corações. Somos as panteras e seremos campeões.
Pit Bull
Pra vencer! Custa raça, força e vibração. E isto só alcança quem tem nome de campeão.
Pra um acampamento precisa de bambu. Pra ser campeão tem que ser Pit Bull.
Nesse sentido, percebemos que o Clube de Desbravadores tem uma estrutura
organizativa, educativa, espiritual e religiosa demarcada para trabalhar e lidar com
os seus jovens muito semelhante à dos Escoteiros e aos moldes da formação militar.
Há uma estreita relação entre os princípios desse Clube com os da Igreja
Adventista, portanto, princípios cristãos. Assim, veremos abaixo como essa
organização se dará dentro da estrutura do P.E.A., cuja perspectiva e princípios
organizacionais, pedagógicos e filosóficos destoam consideravelmente em relação
aos dos desbravadores.
95 O Pastor da Igreja Adventista entrevistado tem 17 anos de pastorado, é casado, tem 41 anos, dois filhos. Possui curso de Teologia pela Saltiane/BA, lidera seis igrejas em Vitória/ES, inclusive a igreja vizinha ao Bairro Maria Ortiz, em cuja localidade já trabalha há um ano e meio.
161
5.3.1 “ESTAMOS AUTORIZADOS!”: A INSERÇÃO E AS ESTRATÉGIAS DO CLUBE
DE DESBRAVADORES NO PROGRAMA ESCOLA ABERTA DA ESCOLA ROSA
LINDA
As atividades do CDCA, financiado96 e organizado pela IASD, aconteciam
simultaneamente às atividades do P.E.A. da Escola Rosa Linda, todos domingos,
das 14 às 17 horas, mas havia dias em que eles ficavam até as 18 horas, já que a
coordenadora do P.E.A. “sempre deixava passar mais”, falou a diretora-geral do
CDCA. De acordo com o ofício de solicitação da escola, o CDCA reservara o espaço
para trinta pessoas. Quanto à “natureza do evento” do Clube, refere-se às reuniões
dos Desbravadores. Eles começaram suas atividades no P.E.A. precisamente em 16
de fevereiro de 2005, de acordo com o primeiro termo de responsabilidade assumido
entre a Escola e a Igreja.
Diferentemente do que ocorre com o Juventude Universal, a relação ou vínculo do
Clube de Desbravadores com a Escola é formal, visto que a Igreja, através desse
Clube, insere-o oficialmente na Escola durante as atividades do P.E.A., todos os
anos97. Cada ofício e termo de compromisso (ANEXO 10 e 11) têm validade anual, o
que requer uma renovação a cada doze meses. E a diretora da Escola Rosa Linda
informa: “tem uma Igreja Adventista aí que pede muito”. Portanto, estão
“autorizados”.
A “autorização” respalda-se na Portaria SEME/GAB nº 20/2005, que disponibiliza ou
concede o espaço escolar aos moradores do bairro e/ou adjacências. No ofício,
encaminhado pela Igreja à Escola, consta a solicitação da “liberação das quadras”,
de banheiros e bebedouros e de uma sala de aula. No entanto, a princípio, entre a
solicitação do espaço escolar pela Igreja e a Portaria alicerçadora da concessão do
espaço, há um incoerência, já que o § 1º da Portaria ressalva que só é permitida a
concessão da Escola para “utilização dos espaços físicos escolares por parte de
96 A IASD do bairro vizinho ao Maria Ortiz gasta 5% de seu orçamento nas atividades do CDCA. Esse valor foi divulgado durante o culto noturno da igreja em 2 de setembro de 2007, quando o pastor expôs no data show a percentagem de verba de cada departamento da Igreja. A entrevista com o pastor da IASD fora realizada após o culto, uma vez que fôramos convidados para participar dele. 97 Na Secretaria da Escola Rosa Linda constam três Termos de Responsabilidade de autorização de concessão do seu espaço para o Clube de Desbravadores da IASD do bairro vizinho ao Maria Ortiz. Referem-se aos anos de 2005, 2006 e 2007. Ver um dos termos no ANEXO 11.
162
terceiros, em dias e horários não letivos ou previstos para funcionamento de outras
atividades escolares”.
Sendo assim, já que as atividades do P.E.A. iniciaram a partir de outubro de 2004,98
uma vez que também são atividades que pertencem ao escopo educativo da
Instituição, assim como é um programa gerenciado pelo Departamento de Ensino
Fundamental da Rede Municipal de Educação do Município de Vitória/ES, não era
para ocorrer essa concessão do ponto de vista legal. Essa sobreposição, como
veremos mais adiante, gerou algumas relações que demarcaram o estabelecimento
de ações específicas, privadas, subjetivas e geradoras de conflitos e de interesses
ideológicos por parte da instituição religiosa no interior das atividades do P.E.A.
Durante as atividades do P.E.A., o Clube de Desbravadores era organizado e
coordenado por duas pessoas da Igreja: uma era a diretora-geral e a outra, a
diretora associada. Esta última, além de ser membro da Igreja e do Clube, era
também a oficineira de vôlei das atividades do P.E.A. da Escola Rosa Linda. O
grupo compunha-se de 10 a 13 membros, mas havia dia que iam de 5 a 8 pessoas.
A maioria delas usava uniformes do clube, com lenços e insígnias.
O Clube de Desbravadores, na maioria das vezes, reunia-se, na quadra anexa à
principal. Quando as atividades ocorriam na sala, o conteúdo das aulas se restringia
mais aos ensinamentos da Bíblia. Eles tinham vários rituais. Entre eles, o mais
usado era a “ordem unida”, em função da qual os membros do clube perfilavam e
marchavam, fazendo gestos e falando ou cantando um jogral relacionado aos
passos da marcha e à Bíblia. Num outro ritual, os adeptos do Clube reuniam-se
numa roda na qual circulava uma bola. No momento em que a bola parava, a
pessoa que permanecia com ela teria que falar o nome de um apóstolo da Bíblia do
Velho e/ou do Novo Testamento. Já os outros teriam que guardar os nomes de
todos os discípulos até então falados, para que continuassem a citá-los quando a
bola parasse novamente na mão de um deles. Durante essas atividades, muitos
usuários do P.E.A. sentavam em volta ou permaneciam em pé para acompanhar as
98 A data de assinatura do Termo de Compromisso de Financiamento do P.E.A. da Escola Rosa Linda refere-se exatamente a 5 de março de 2004.
163
atividades do Clube de Desbravadores. Havia muita curiosidade por partes das
pessoas que circulavam na Escola no que se refere aos desbravadores, o que se
confirma na fala da diretora associada: “por curiosidade já perguntavam: o que eles
fazem? Por que eles fazem isso? Para que serve?” (Diretora associada do CDCA)
Foto 7: Ordem Unida 1 do CDCA Foto 8: Ordem Unida 2 do CDCA
O CDCA funcionava regularmente no Cajun, cujo espaço para as atividades,
segundo a coordenadora, era muito pequeno. A concessão do espaço escolar feita
pela diretora da Escola Rosa Linda possibilitou uma melhor comodidade, tanto para
as atividades do clube, quanto para o acesso dos desbravadores.
“... Porque é um espaço maior. O Cajun era muito pequeno, ali na escola é maior, a gente poderia até estar utilizando na hora das brincadeiras, poderia usar bola, essas coisas assim, que lá no Cajun não tinha condições e graças a Deus a diretora é muito boa, ela é muito legal, ela sempre está renovando com a gente, sempre deixando”. (Diretora-geral do CDCA e participante do P.E.A., 32 anos)
Mas, para além da alegação de falta de um espaço amplo que abarcasse os
interesses das atividades desse clube, veremos que essa alegação pressupunha
outros objetivos para estar nas atividades do P.E.A. da Escola Rosa Linda.
“A gente precisa de um espaço, entendeu? E ali a gente vê que tem crianças. Porque tem crianças que não são de denominação nenhuma, e é uma forma de a gente pregar a mensagem. A gente dá a diversão, mas também fala sobre a palavra de Deus. É um espaço bom, a gente precisaria de um espaço, porque, se não tivesse a escola, não teria onde se reunir, entendeu? Então, a escola foi uma opção da gente”. (Diretora associada do CDCA e oficineira de Vôlei do P.E.A., 27 anos, grifos nossos)
Aqui já aparece uma pequena estratégia da IASD, através do Clube de
Desbravadores, de relacionar diversão ou entretenimento com seus dogmas, para
164
“atrair” mais adeptos para o seu “rebanho”, (RODRIGUES, 2007), aproveitando o
espaço da Escola Rosa Linda como “o local ideal” para eles, como constataremos
também mais à frente.
As atividades desenvolvidas pela IASD integradas pelas ações do Clube de
Desbravadores abarcam três dimensões, a saber: a física, a mental e a espiritual.
Para além das dimensões do físico, do espiritual, do mental, o CDCA tem outras
formas, recomendadas pela Igreja, de atrair mais adeptos tanto para o Clube, quanto
para a instituição religiosa. É o que o pastor denomina de “testemunho”, forma, que,
além de legitimar os princípios da Igreja e do Clube, demarca também a identidade
do ser “desbravador”:
“A questão do testemunho, ela ocorre desse portão para fora, o testemunho eu dou, justamente é onde eu vivo, onde eu resido, na escola onde eu estou etc. E esses desbravadores, eles são convidados a dar o seu testemunho onde quer que estejam. Então, eles, estando ali na escola, no dia em que há outras pessoas ali, né? na Escola Aberta, por exemplo, eles podem tranqüilamente, pela sua maneira de brincar, de ser, de participar, eles podem dar um bom testemunho do nome de Jesus e trazer outras pessoas para participarem do clube também. As pessoas podem se sentir despertadas, né? ao verem ali aqueles jovens participando de atividades, podem se sentir despertadas e perguntar: - Para que serve aquilo? Veja bem, principalmente numa quadra de futebol, dentro daquelas quatro linhas, às vezes a pessoa revela quem realmente ela é. Às vezes uma pessoa que se demonstra calma e tal e num lance ali mais quente, mais acalorado, às vezes é tentada a xingar, a querer até brigar muitas vezes, não é? Então a gente adverte a eles que é ali que a gente tem que dar o testemunho da gente. Às vezes, se for necessário você abaixar a cabeça, agüentar calado, engolir seco, faça isso, faça isso! Porque é justamente aí que você demonstra que você é uma pessoa diferente, uma pessoa que não está propensa à briga, a desavença, a xingar, a brigar, nada disso!” (Pastor da IASD, 41 anos, grifos nossos)
O “testemunho”, forma similar da “experiência” utilizada pelos jovens da Igreja
Universal do Reino de Deus, caracteriza-se pela forma como o desbravador se
comporta (dimensão mental), cuja prática deve ser colocada como exemplo para
todos os que estão presentes para, principalmente, chamar atenção das pessoas
que não são do Clube, com a finalidade de atraí-las.
Além das dimensões e do testemunho, há também outra “estratégia de atração”,
como a “abordagem individual”, que é feita pelos desbravadores com os que ainda
não são membros do Clube e/ou da Igreja.
165
“Essa abordagem é feita mais pelos próprios desbravadores de uma maneira individual, convidando, por exemplo, um vizinho, um menino lá, que esteja lá meio jogado, quem sabe?: - Olha, tem um clube lá na minha igreja, você não gostaria de conhecer, etc.? Então, tem que ser feita uma abordagem mais individualizada, cada desbravador olhar alguém, convidar para vir para o Clube, para ver se gosta, e incentivar para que permaneça”. (Pastor da IASD, 41 anos, grifos nossos)
A partir da fala do pastor, constatamos que a “abordagem individual” tem uma
seqüência a ser seguida pelo desbravador que fará tal aproximação. Num primeiro
ato, ele tem que fazer a “observação”: observar, por exemplo, um “menino jogado”; o
segundo ato é o “convite” de experimentação para ver se gosta do Clube: “Gostaria
de conhecer um clube da minha igreja?”; o terceiro ato é o “incentivo”: caso o jovem
ou a criança goste, tem que incentivá-los para que permaneçam no clube.
Sobre as relações entre os usuários do P.E.A. e os membros do CDCA: “Eu acho bom, o relacionamento é bom. Esse tempo que a gente está lá junto também está sendo legal. Porque, quando acaba a nossa reunião, a gente chama eles para jogar e a gente joga junto e acaba até conhecendo mais, conhecendo assim, tendo amizade entre eles. É... conhecendo novas pessoas. De repente, através do Escola Aberta, vêm até mais pessoas pro clube”. (Diretora-geral do CDCA e participante do P.E.A., 32 anos, grifos nossos).
As dimensões acima citadas – principalmente a física, que engloba os esportes e as
brincadeiras – os testemunhos e a abordagem individual realmente podem surtir
efeitos no cotidiano das relações que se estabelecem nas ações do CDCA no P.E.A.
da Escola Rosa Linda, “Olha, aconteceu, sim, só que por pouco tempo, né? [risos]. Porque eles olham muito o Clube dos Desbravadores como um meio de brincadeira e o clube ele é, tem a parte física, mental e a parte espiritual. Já aconteceu, já, teve um adolescentinho que sentiu vontade, aí foi onde que eu desconfiei que foi por causa da brincadeira, e eu pedi que ele visitasse mais vezes e ele fez parte até uns dois meses, aí... depois, eu acho que ele desistiu porque era no horário em que ele estava fazendo outra oficina do Escola Aberta. Ele desistiu. Então a maioria das pessoas que vão para o Escola Aberta, eles olham o Clube dos Desbravadores na parte física, que é a brincadeira”. (Diretora-geral do CDCA e participante do P.E.A., 32 anos, grifos nossos).
O fato de os jovens e as crianças perceberem o Clube apenas como promovedor de
“brincadeiras” pressupõe duas questões: a primeira é que a “parte física”, que inclui
a brincadeira, encanta as crianças e os jovens de modo que os atrai para o Clube; a
segunda, porque esses sujeitos desconhecem a priori a estrutura organizativa e
166
ideológica da Instituição, cujo pressuposto requer que as dimensões favorecidas
pelo clube, que nada mais são do que degraus de acesso aos princípios da Igreja,
só surtem efeito caso ocorram de forma concomitante. Portanto, essas dimensões
são conjugadas e atravessadas já que, uma “puxa a outra”.
No que tange à entrada no CDCA, se é restrito ou aberto, temos:
“Quem não é da Igreja também é convidado a participar, sabendo que nós temos um percentual dos de dentro da Igreja e dos de fora. Há um percentual que deve ser observado, de trinta por cento, isto é, para cada é... três que não são da Igreja, sete devem ser da Igreja. Porque, para o Clube não perder a sua identidade, não é? A liderança dita, é claro, o que vai ser feito, como vai ser feito e ..., mas ter é... um percentual pelo menos setenta por cento no Clube assegura que essas orientações vão ser cumpridas do jeito que elas estão sendo passadas pela liderança, então, para não perder a filosofia do Clube”. (Pastor IASD, 41 anos)
Por que há essa “brecha” para ser ao mesmo tempo membro do clube e não ser fiel
da igreja, pelo menos inicialmente? E quais motivos perpassam nessa iniciativa de
interesse para a Igreja? Acerca dessas questões, o pastor esclarece:
“Essas pessoas vêm para o Clube de Desbravadores e acabavam vendo que a Igreja não olha só o lado espiritual, ela olha também o lado social, não é? E elas acabam, pelo lado social, se interessando pelo lado espiritual também, e aí acabam fazendo os cursos bíblicos. [...] E acabaram estudando a Bíblia e agora querem ser adventistas. Então o Clube de Desbravadores é uma fonte ganhadora de novas almas para a Igreja”. (Pastor da IASD, 41 anos, grifos nossos)
A Igreja utiliza o lado social como subterfúgio para chegar à dimensão espiritual que
é o principal objetivo das instituições religiosas. Esse é o momento-chave de
conversão do jovem ou da criança, transformando-os em membros dos
desbravadores, através dos cursos bíblicos. Além do social, os lados físico, mental
ou espiritual são dimensões que a Igreja trabalha dentro do CDCA, e, para esse
Clube constituir-se numa “fonte ganhadora de novas almas para a igreja” ou num
“trampolim” para tal, há que considerar o P.E.A. como um locus e uma “fonte
profícua de captação” dessas novas almas. Ou seja, engendram-se “estratégias de
busca” de novos membros tanto para o Clube quanto para a Igreja, e utilizam-se
locais estratégicos para essa captação, sendo que a Escola, através do P.E.A., é
mais um deles.
167
As ações dos desbravadores durante as atividades do P.E.A. não se restringem às
relações de amizade, pressupondo também algumas pequenas relações de “disputa
pelo espaço” da quadra. Sobre a dinâmica das atividades do Clube na Escola,
principalmente na quadra, a diretora-geral dos desbravadores comenta:
“De imediato assim ficou meio estranho, porque o Clube não é que é restrito, mas nós temos um momento assim que tem que estar mais unido, e é a hora em que chegam pessoas, aí a gente acaba dispersando. Eu não estou tendo dificuldade porque a Maria99 dá uma mãozinha. Quando eu vejo que o pessoal está ocupando muita a quadra, aí eu peço a ela para chamar, mas lá é muito grande tem espaço para todo mundo. Tem pessoas que vão lá para brincar à toa. Aí pega a bola, fica chutando. Aí, de certa forma, atrapalha um pouco, mas eles usam a quadra de fora quando eu estou usando a de dentro. Aí eles ficam brincando ali fora e a gente faz a atividade ali dentro, dos desbravadores”. (Diretora-geral do CDCA e participante do P.E.A., 32 anos, grifos nossos)
O fato de “chegarem pessoas” para participar das atividades do P.E.A. não é bem
visto por ela, como se precisasse de exclusividade na ocupação dos espaços da
escola. Segundo ela, “a gente acaba dispersando”, ou porque “tem que estar mais
unido”. Outra questão, os participantes do P.E.A. não podem “ocupar muito a
quadra”, porque atrapalham os integrantes do Clube que sempre pedem à
coordenadora do programa para dar uma “mãozinha” quanto a essa ocupação.
Quando os jovens “brincam à toa” ou ficam “chutando a bola”, atrapalham as
atividades dos desbravadores, significando assim que eles querem privacidade e
certo privilégio em relação ao espaço escolar. Em desvantagem na circunscrição de
um espaço público, os usuários do P.E.A. não são vistos nem ouvidos num mundo
compartilhado de valores e perspectivas, visto que o contexto vivido por eles
evidencia conotações de uma vivência de uma esfera privada num espaço público
como a escola. (ARENDT, 1993)
Os usuários do P.E.A. não podem brincar ou jogar de forma mais livre, visto que
simultaneamente ocorre algo específico do Clube. A partir daí cria-se um impasse
entre as duas partes pela “disputa da quadra”. E isso sempre acontecia,
principalmente quando ocorria o Clubão.100
99 Nome fictício. Nesse momento, a diretora dos Desbravadores cita o nome da coordenadora do P.E.A. 100 O Clubão será abordado mais à frente.
168
“Eu gostaria de dizer que, quando está rolando vôlei, as crianças estão jogando futebol junto. É uma disputa pela quadra [em coro]. Que nem eu estava comentando com ele, tinha que ter um horário de vôlei e o horário do futebol, sacô? Esse negócio de...: por que a mulher da Igreja tem mais tempo ali e ela tem que mandar? Eu acho isso daí errado! O horário tem que ser concordado com a Coordenadora, né? Que nem eu estava falando com ela e aí ela falou assim: - Não, esse horário aí é da Igreja e dos escoteiros da Igreja deles e tal. Aí eu falei assim: - Pô! é o horário do dia todo?101 Todo o domingo e dia todo? Não tem como o dia todo e todo o domingo, porque você não vai acordar cedo para jogar bola. Mas eu vou procurar saber para reivindicar, lógico!” (Jovem usuário do P.E.A. e participante do Programa Juventude Cidadã, 20 anos - Grupo focal de usuários, grifos nossos)
A inserção dos Desbravadores durante as atividades do P.E.A. da Escola Rosa
Linda, mesmo respaldada de forma legal num Termo de Responsabilidade entre a
Escola e a Igreja, não ocorre de maneira consensual e isenta de conflitos, porquanto
os integrantes do CDCA, a priori, se encontram na Escola pela identidade de ser
desbravador da Igreja e pela legitimação de um documento que autoriza uma certa
prerrogativa, e não como usuários do P.E.A., como qualquer outro cidadão que está
na Escola. Assim, a “disputa pela quadra” pressupõe uma certa competição, já que
os “horários não foram concordados” para que todos pudessem usá-la. Quem
sempre saía ganhando eram os membros dos Desbravadores que, em muitas das
suas falas, mencionavam a questão do ofício como maneira de diferenciação,
culminando assim numa espécie de “prerrogativa forçada”.
A capacidade de julgamento do jovem não foi considerada quando reclamou à
diretora do Programa sobre um certo privilégio do CDCA quanto ao uso da quadra, e
não recebeu um retorno positivo no sentido de que todos pudessem ter os mesmos
direitos de vivenciar um mundo comum no interior da esfera pública. O ato do jovem
de chamar a atenção da coordenadora do Programa, quanto a processos desiguais
de vivência de um espaço público, evidencia sua ação política de julgamento,
peculiar à sua condição humana geradora de relações interativas pela via da
comunicação entre os sujeitos, ampliando assim o confronto de diferentes ações e
perspectivas (ARENDT, 1993). 101 O termo de compromisso resguarda a utilização da escola pelo CDCA apenas na parte da tarde, a partir das 14 horas. Como os participantes da oficina de vôlei são, em sua maioria, do Clube, inclusive a oficineira, por isso o jovem fez menção ao fato de que os membros do Clube ocupam a Escola o dia todo, pois ele também às vezes participava do P.E.A. na parte da manhã para cumprir a sua carga horária do Programa Juventude Cidadã. Também porque nos dias que ocorria o “Clubão”, os Desbravadores permaneciam na Escola, praticamente, o dia todo.
169
A coordenadora do P.E.A., quanto à questão do impasse e da disputa pela quadra
entre os membros do CDCA e os usuários do P.E.A., assevera:
“Ó, essas igrejas, principalmente a Igreja Adventista, ela já ocupava a escola há muito tempo com o ofício como comunidade, porque a Escola, mesmo antes de ser Escola Aberta, a Escola trabalhava muito com a comunidade. Então a comunidade sempre tem privilégios nesta escola. Eu acho sensacional, porque isso aí traz muito benefício para os jovens. Eu acho assim, porque eles estão levando cultura para os jovens, aí eu acho muito bom”. (Coordenadora do P.E.A., 53 anos, grifos nossos)
Quando geralmente os jovens iam reclamar com a coordenadora do P.E.A., ela
alegava várias vezes que o espaço era do “pessoal da Igreja”, e que, portanto, eles
tinham o “direito” de ocupar os espaços da quadra. Uma questão que motivava essa
fala da coordenadora era a quantidade de jovens que vinha quando ocorria o
“Clubão”. Era o dia em que a Escola ficava “lotada”, e eles ficavam ali praticamente
o dia todo. Era nesse momento que ela quantificava e nomeava, em seu caderno, as
pessoas que estavam na escola. Uma expressão que sempre utilizava para justificar
a ocupação da quadra era: “é da comunidade”.
No entanto, uma prerrogativa resguardada por um Termo de Responsabilidade de
concessão do espaço escolar mal interpretado, já que não se respeitou à utilização
da escola pelos sujeitos do P.E.A. no momento da concessão, além de ter
inviabilizado a potencialização da capacidade política de julgamento daquele jovem,
acarretou relações de conflitos (ARENDT, 1993). E isso foi possível, em razão de os
Desbravadores vivenciarem a dimensão da esfera privada no interior do espaço
público. Por outro lado, a ressalva do § 1º da Portaria nº 20/2005, que diz respeito
ao não-uso da escola por terceiros em dias em que ocorrem atividades escolares,
não foi levada em consideração no ato de concessão do espaço escolar para o
CDCA. Nesse sentido, o fato de o jovem reclamar que a líder dos Desbravadores,
além de ter direito a mais tempo na quadra, ainda tem o poder de deliberar sobre o
seu uso, chama-nos a atenção acerca de uma deturpação da concepção e da
vivência de um mundo comum gerador de um espaço compartilhado potencializador
do outro dentro da circunscrição da esfera pública (ARENDT, 1993).
170
Ao mesmo tempo, a capacidade de julgamento do jovem foi colocada em xeque,
porque sua explicitação do que realmente estava acontecendo não foi considerada
nem pelos membros do Clube, nem pela coordenadora do P.E.A. Percebemos
também, na manifestação do jovem, uma tentativa de reivindicação de seus direitos
como um sujeito político que interpreta os fatos no sentido de todos e do coletivo, e
não de restrição a apenas uma perspectiva particular ou pessoal (ARENDT, 1993).
Para isso, ele acrescenta que os horários têm que ser “concordados”, e para tal iria
“procurar saber para reivindicar”.
Desse modo, o apelo do jovem à reivindicação do direito de utilizar a quadra
aproxima-nos da idéia de Telles (1994), segunda a qual, quando se considera a
dinâmica societária, os direitos condizem com o modo como as relações sociais se
estabelecem e se estruturam. E isso, não desconsiderando o aparato institucional da
lei, requer pensá-los para além das garantias legais e das instituições.
Nesse sentido, não basta que, por exemplo, apenas estejam inscritas na
Constituição Federal de 1988 a garantia dos direitos de todas as dimensões da vida,
mas que tais direitos se efetivem nas relações sociais. Assim, a partir do momento
em que os direitos são estabelecidos, eles constituem formas de sociabilidade
orientadas pelo reconhecimento do outro como sujeito de “interesses válidos” de
“valores pertinentes” e de “demandas legítimas” (TELLES, 1994, p. 91-92). Quando
a reivindicação do jovem foi descartada, porque o direito de utilização do espaço da
quadra “pertencia” ao Clube da Igreja, seus valores atinentes a um sujeito político
foram impertinentes, suas demandas ilegítimas e seus interesses inválidos. A dimensão de possuir um Termo de Compromisso que garanta um privilégio
diferenciador de utilização do espaço da quadra significa, não apenas para o jovem
usuário do P.E.A. supracitado, mas também para os outros, a ausência de uma
“negociação possível”, a não-circulação de diversos valores, a não-formação de
opiniões, a incapacidade da articulação de argumentos, a não-convivência
democrática com as diferenças e a incapacidade de discernimento entre o justo e o
injusto.
171
5.3.2 “ESTOU NO ESCOLA ABERTA102?” AS ATIVIDADES DO CLUBÃO NO
PROGRAMA ESCOLA ABERTA DA ESCOLA ROSA LINDA
Observamos, no dia 29 de abril de 2007, a ocorrência de um evento de grande
importância para o Clube de Desbravadores. Era o chamado, entre os seus
membros, de “Clubão”. De acordo com a coordenadora geral do CDCA, o “Clubão
são vários clubes juntos, ... existe acampamentos, existe outras reuniões extras”. Cada estado da Federação tem suas regiões. O estado do Espírito Santo tem oito
regiões, cada região engloba vários Clubes de Desbravadores. O CDCA pertence à
1ª região circunscrita ao município de Vitória/ES, que integra seis clubes localizados
nos seguintes bairros da capital capixaba: Itararé, Grande Goiabeiras103, São Pedro,
Resistência, Centro e Beira Mar. Portanto, num dos dias em que ocorreu o Clubão,
estavam presentes quatro clubes da primeira região e alguns pais. Os Clubes eram
os seguintes: Clube de Desbravadores Flores Silvestres, Clube de Desbravadores
Cordilheira dos Anjos, Clube de Desbravadores Pássaro Silvestre e Clube de
Desbravadores Raios do Sol. Havia aproximadamente 80 pessoas.
Nesse dia, todos os clubes estavam com seus respectivos uniformes que
demarcavam a especificidade de cada clube de desbravador, assim como suas
bandeiras, barracas, lenços, insígnias e outros utensílios. As atividades que
ocorriam no Clubão geralmente eram de entretenimento, de recreação e momentos
religiosos no início e no término do encontro. Como acontecia na parte da manhã e
se estendia até as 15 horas, aproximadamente, havia muitas atividades, como
futebol, basquete, amarras e nós, gincanas, competição de montar e desarmar
barracas, teste de gula (disputa de quem comia mais biscoitos ou bombons), gritos
de guerra, entre outras. A maior parte das atividades ocorria na quadra.
“Ah, cria mais um clima de amizade porque cada um tem a sua Igreja que é em bairros diferentes. Então, nem todo mundo se conhece. Então, o
102 Fala de um usuário do P.E.A. num dos dias em que ocorreu o Clubão, atividades do Clube de Desbravadores da IASD. Essa fala surgiu num momento em que ele não estava entendendo nada do que estava acontecendo na Escola, pois também não podia participar das atividades do P.E.A. em razão do fato de não pertencer a um dos clubes de desbravadores que estavam na Escola para participarem do Clubão. 103 Grande Goiabeiras refere-se a vários bairros conjugados do município de Vitória, inclusive o Maria Ortiz e o bairro onde está instalada a Igreja Adventista do Sétimo Dia.
172
Clubão é uma forma da gente se conhecer, ver quantos irmãos a gente tem, mas que a gente não conhece, porque, por ser da mesma denominação, mas de igrejas diferentes e devido ao bairro, bairros diferentes”. (Diretora associada do CDCA e oficineira de Vôlei do P.E.A., 27 anos)
Foto 9: Orientações no dia do Clubão Foto 10: Momento de Oração no Clubão
Uma semana antes da ocorrência do primeiro Clubão, a oficineira de vôlei, paga
pelo P.E.A., e que é a diretora associada do CDCA, informou-nos de que no próximo
domingo não precisaríamos ir à escola porque não haveria a oficina de vôlei.
Contrariando-a, no domingo seguinte chegamos à escola aproximadamente às
7h30min, e, quando deram 8h10min, começaram a chegar muitas pessoas. Quando
a oficineira percebeu nossa presença, demonstrou contrariedade em sua expressão
e no tratamento que nos dispensou a partir dali.
Nesse dia, ela não ofereceu a oficina de vôlei. Alguns jovens e crianças que sempre
estão na escola no final de semana chegaram à quadra com bolas nas mãos para a
oficina, mas não puderam brincar junto com os clubes, pois, de acordo com o
coordenador-geral da 1ª região, “o Clubão é restrito apenas aos membros dos
desbravadores”. Assim, as crianças e os jovens permaneceram no lado de fora da
quadra com as mãos no alambrado, ou chutando a bola entre os que não estavam
participando do Clubão.
Os que permaneceram fora da quadra, dirigiram-se à oficineira de vôlei e ela
informou que não haveria a oficina por causa do Clubão. Eles ficaram chateados e
sempre replicaram que a “Escola Aberta é ‘aberta’” e que poderiam, sim, brincar na
quadra. Daí dispersaram-se um pouco, e alguns voltaram para casa. Diante da
impossibilidade estabelecida, eles mostravam certa resistência pela não-chance de
usufruir dos espaços “públicos” da escola.
173
Mais uma vez constatamos que o mundo compartilhado de valores e significados
possibilitados no interior de um espaço público não foi vivenciado pelas crianças que
ficaram no alambrado da quadra sem poderem participar das atividades do P.E.A. e
do Clubão, pois elas foram impossibilitadas de “ver e ouvir os outros e privadas de
ser vistas e ouvidas por eles”, ou seja, foi-lhes negada a sua própria existência
(ARENDT, 1993, p. 67).
A situação das crianças de não poderem utilizar a quadra nem participar juntamente
nas atividades do Clubão, nos evidencia a confluência de um suposto direito de
participar das atividades num espaço público com processos de desigualdade e de
discriminação que atravessam as relações sociais na limitação da esfera privada
(ARENDT, 1993). E o direito de viver e experienciar um espaço compartilhado nas
atividades do P.E.A., em uma esfera pública, ficou submetido e alicerçou-se
necessariamente ao vínculo de um clube ligado a uma instituição religiosa cujos
interesses nem todos os participantes do P.E.A. comungavam e do qual não eram
integrantes. E isso contrariava o seguinte princípio do P.E.A.:
“Para participar e entrar no Programa Escola Aberta não precisa estar calçado, não precisa estar limpo, você não precisa estar com o cabelo cortado, não precisa ir de uniforme, você precisa ir à escola!” (Representante do MEC no ES, coordenadora da ULE, 36 anos)
Pertencer ao Clube ou compartilhar das mesmas concepções era o pivô e a
instância demarcadora da presença, da existência e da condição tanto do direito de
viver o espaço público, de “todos”, assim como da potencialização da visibilidade
existencial dos sujeitos que não foram vistos nem ouvidos (ARENDT, 1993). Quando
as crianças e os jovens participantes do P.E.A. não puderam compartilhar das
mesmas experiências que os jovens do Clube de Desbravadores estavam
praticando, instauraram-se os mecanismos de exclusão, de discriminação, de
preconceito e de violência, considerando-se que a esfera pública não é geradora de
processos de eliminação da existência alheia.
Levando-se em conta a secularidade e a laicidade do Estado Brasileiro104, ações e
experiências desse mote vão de encontro à Constituição Federal de 1988, que em
seu artigo 5º e inciso VIII diz: “Ninguém será privado de direitos por motivo de crença 104 Sobre a laicidade do Estado Brasileiro, ver o Art. 19 da Constituição Federal do Brasil de 1988.
174
religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de
obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada
em lei”. Nesse sentido, num contexto em que se confundem idéias de direitos com
privilégios, de direitos legítimos com corporativismos, assim como de práticas de
favoritismos com critérios públicos igualitários, engendram-se relações humanas
onde se impossibilitam espaços públicos compartilhados de valores e perspectivas e
de efetivação da consideração das diferenças como algo vivo e enriquecedor, onde
todos podem ouvir e falar sem demarcações de pertencimento a uma classe, etnia,
igreja ou clube.
175
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS A inserção nas atividades da Escola Regular como também nas do Programa Escola
Aberta aos sábados e domingos permitiu-nos perceber os tipos de relações
estabelecidas entre as duas dinâmicas. Nesse sentido, constatamos que, entre o
Programa Escola Aberta e a Escola Regular, há um processo constante de se fechar
e de se abrir. Não há, pois, uma dimensão estanque no sentido de que o que é
fechado sempre será fechado, ou de que o que é aberto sempre será aberto, apesar
de haver situações em que o aberto e o fechado possam parecer intransponíveis.
A Escola Rosa Linda, mesmo pela sua estruturação com disciplinas, controles,
regras, como qualquer instituição escolar, demonstra e produz processos relacionais
que a evidencia como uma instituição disposta a lidar com os seus dilemas. Na sua
dinâmica interna, há processos e ações democráticas no seu quotidiano que
transformam o espaço da escola num ambiente alegre, vívido e de esperança. Há
também uma preocupação da equipe técnica escolar, professores e alunos em lidar
com problemas na perspectiva do desenvolvimento de um trabalho coletivo e
colaborativo. A Escola Rosa Linda também se demonstra como democrática porque
se abre aos familiares, aos moradores, aos alunos e instituições adjacentes ou não à
escola. E, nessa questão, ela se abre também a qualquer instituição religiosa.
“Ah o pessoal fala: - Mas a igreja não deveria reivindicar [o espaço da escola] porque a escola é laica. Eu falei: Não! Ela é laica não no sentido de negar, eu acho que ela é laica no sentido de ceder; eu cedo para a Igreja Adventista quando pede, como eu cederia também para o Centro Espírita se me pedir. Eu gostaria muito que o Centro Espírita ali me pedisse a escola para algum evento. Mas eles não pedem. Mas, se um dia pedirem, eu vou ceder, porque eu cedo para a Batista, eu cedo para a Adventista, eu cedo para um grupo religioso que vem lá de Nanuque105, que vem dormir, eu cedo as salas para dormir, o auditório, então eu cedo! A escola é da comunidade, né? Então está aí para isso mesmo, tá?” (Diretora da Escola, 51 anos)
Essa iniciativa da diretora de abrir a escola aos moradores, instituições e às próprias
Igrejas também se respalda na Portaria Municipal de Vitória/ES, nº 20/2005, que
permite a concessão do espaço da instituição escolar às pessoas ou instituições. No
105 Ela se refere ao XIV Congresso da Mocidade da Assembléia de Deus de Nanuque/Alojamento 2006, que ocorreu nas dependências da Escola Rosa Linda.
176
entanto, verificamos que essa prerrogativa legal pode desviar-se de sua intenção e
legalização. Ou seja, a escola, ao se abrir às instituições e pessoas, o que já é um
grande avanço, pode, por exemplo, como vimos, transformar-se em instrumento em
prol de interesses e intenções particularistas, de modo que uns serão beneficiados e
outros não. No evento do Luar, por exemplo, o grupo do P.E.A. não sabia da
existência do evento da Igreja, assim como o pessoal da Igreja não sabia da
ocorrência do P.E.A. Tal situação impossibilitou aos sujeitos do P.E.A. vivenciar um
mundo comum gerador de espaços compartilhados de valores e significados,
situação na qual a equipe do P.E.A. e os seus usuários, para se legitimarem como
“sujeito de direitos”, tiveram de usar ações de violência verbal, resistindo aos
condicionantes do pagamento da inscrição de R$ 10,00, para participarem das
atividades do espaço público da escola.
A Escola Rosa Linda lida muito bem com várias situações que a envolve, mas pouco
se relaciona com o P.E.A., pois há uma clara desconexão entre o processo
organizativo da escola com o Programa ou vice-versa. Verificamos que há pouca
participação dos alunos, dos professores e da equipe técnica da escola regular na
organização e decisões do P.E.A., como também fraco envolvimento dos moradores
do Bairro com o referido Programa, com exceção, como já se disse nesta
dissertação, das igrejas do mesmo. E um dos fatores dessa desconexão é a pouca
divulgação na escola e no Bairro sobre o Programa e a ausência de participação dos
alunos no processo deliberativo das atividades propostas. Assim, o P.E.A. é visto e
vivido como algo paralelo à escola, ou como “mais uma função social que ‘jogam’
para a escola ser responsável”, como diz uma professora da Escola Rosa Linda.
Nesse sentido, para as outras dimensões da sociedade e até da educação, a Escola
Rosa Linda se preocupa e tem uma atenção especial, mas quanto ao P.E.A. ela
tende a limitá-lo.
Já o P.E.A., tem essa característica porque não tem, pelo menos teoricamente, a
rigidez de horários e de regras, deixando a escola “aberta” o dia todo nos finais de
semana. Entra quem tem interesse. Entretanto, por várias razões, ele, em alguns
momentos, se “fecha” mesmo sendo “aberto”. Uma primeira indicação de que o
P.E.A se torna fechado, é o fato de que suas atividades não foram definidas pelas
demandas dos alunos da escola, moradores e jovens do Bairro, uma vez que a
177
maior parte das oficinas do Programa já era desenvolvida em outra instituição.
Nesse aspecto, o P.E.A. se fecha para o seu público, principalmente para os jovens,
desconsiderando a idéia de jovem como sujeito de direitos e de participação.
O P.E.A., como vimos, atende as ações das Igrejas, no entanto, isso o limita a partir
do momento em que estas direcionam seus objetivos estritamente utilitários e
proselitistas dentro da estrutura de um Programa cuja Proposta Pedagógica se
respalda na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que considera a escola
como “[...] espaço sócio-político, o ambiente adequado para a transformação da
convivência em prática de direitos, onde cada um se valorize e respeite o outro”
(PROPOSTA PEDAGÓGICA do P.E.A., 2007, p. 5). Assim, o P.E.A. se torna um
pouco limitado porque as instituições religiosas trazem seus objetivos particulares
para um espaço escolar que deveria dar primazia ao sentido do público, do plural, do
diverso, do laico e do democrático. E isso é viável e efetivado quando a inserção das
denominações religiosas, via o P.E.A., possibilita a transformação do espaço público
da escola numa esfera privada limitadora de experiências participativas,
acolhedoras, igualitárias e solidárias.
Assim, o P.E.A. se distancia de seus objetivos quando cede lugar às ações
comandadas pelas Igrejas. Nessa situação, os objetivos do P.E.A. são desvirtuados
em decorrência da existência e da efetivação de objetivos específicos e direcionados
das instituições religiosas.
A partir do momento em que as Igrejas transportam seus objetivos para dentro da
escola pública, um espaço de todos, como vimos, há a presença de choques tanto
em relação às concepções dos dois públicos, o do P.E.A. e o da Igreja, quanto em
relação à vivência das duas experiências na escola. Aqui há a “invasão” do particular
no espaço público, como vimos nas ações das três Igrejas nas atividades do P.E.A.,
atrelada tanto à dimensão proselitista, através da “invasão” das Igrejas em espaços
públicos, quanto à transposição da esfera privada para a pública. Há também a
dimensão da alienação efetivada pelas ações das Igrejas, já que historicamente
essas instituições, subjugadas principalmente às dimensões divinas e/ou do
sagrado, não têm como meta os processos de transformação de contextos de
dominação, exploração e do status quo.
178
O P.E.A. também é evidenciado como medida compensatória para suprir demandas
sociais oriundas de outros segmentos da sociedade que não conseguiram resolvê-
las. Nessa perspectiva, há que se pensar em políticas públicas efetivas, voltadas
não apenas para a juventude, mas para toda a população brasileira, em atenção a
suas necessidades e condições materiais, que historicamente lhe tem sido negada
em virtude de interesses corporativos, classistas e hegemônicos que se alicerçam
na exploração da classe trabalhadora, políticas que se direcionem para as questões
sociais, educacionais, de saúde, de cultura, de habitação, entre outras.
Há um reconhecimento neste trabalho de que houve um recorte do P.E.A.,
focalizando apenas um aspecto das relações desse Programa, ou seja, o das
instituições religiosas. Reconhecemos que o P.E.A. não se restringe
necessariamente a esse aspecto, pois há outras escolas com muitas e diversas
realidades, envolvidas também com esse Programa, merecendo dessa forma outras
pesquisas e estudos que possam verificar outras dimensões e sentidos dessa
iniciativa governamental.
Ao se considerar a importância do P.E.A. como iniciativa governamental direcionada
aos jovens, há que se repensar a maneira como ele se efetiva nas circunscrições
dos espaços públicos das escolas brasileiras, assim como em que medida esse
Programa de fato está atendendo as demandas, as vozes e as mãos das
juventudes, considerando-as como agentes primeiras de decisões acerca de
medidas e políticas relacionadas a elas. Além disso, há que se rever também em
que sentido o P.E.A está preservando as dimensões da alteridade, do mundo
comum, da democracia, da diversidade, da multiculturalidade, da laicidade e da
participação coletiva dos sujeitos que o compõe.
179
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APÊNDICE 1 – ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE
A – Bairro da Escola 1. Configuração do bairro da escola
• Histórico; • Características gerais; • Estabelecimentos e espaços de lazer; • Formas de uso dos espaços do bairro por jovens durante a semana.
B – Escola durante a semana: 2ª a 6ª feiras 1. Configuração da escola
• Funcionamento da escola; • Estrutura física da escola; • Projeto Político-Pedagógico da instituição escolar; • Atividades acadêmicas, esportivas, culturais, artísticas, etc.; • Relação aluno-aluno; • Relações entre os jovens-alunos e a equipe técnica escolar; • Manifestações juvenis; • Manifestações de violência; • Formas de divulgação do P.E.A. na escola; • Relação dos alunos da escola com o P.E.A.; • Relação dos professores com P.E.A.; • Relação da equipe técnica escolar com a equipe do P.E.A.; • Relação da professora comunitária do P.E.A. com a escola.
2. Formação Continuada da Escola Rosa Linda • Relação do projeto da escola com o P.E.A.
C – Programa Escola Aberta: sábado e domingo Sobre o P.E.A. da Escola Rosa Linda
• Funcionamento do P.E.A.; • Espaços das oficinas; • Perfil etário e localidade dos usuários; • Presença ou não de alunos da Escola Rosa Linda; • Presença ou não de professores da Escola Rosa Linda; • Presença ou não da equipe escolar da Escola Rosa Linda; • Presença ou não da Diretora da Escola Rosa Linda; • Relação entre os jovens usuários; • Relação entre os jovens usuários e os espaços do P.E.A.; • Relação entre os oficineiros e os jovens usuários; • Relação entre a coordenadora do P.E.A. e os usuários; • Relação dos vigilantes com os usuários do P.E.A.; • Relação dos moradores do bairro com o P.E.A.; • Manifestações juvenis; • Manifestações da violência; • Situação do bairro durante as atividades do P.E.A.
190
APÊNDICE 2 – QUESTIONÁRIO PARA OS ALUNOS DA ESCOLA ROSA LINDA Sexo:_________________________ Idade:_________________________ Série: ( ) 5ª série ( ) 6ª série ( ) 7ª série ( ) 8ª série Já participou de alguma atividade do Programa Escola Aberta da sua escola? ( ) Sim ( ) Não. Se sim ou se não, por quê? ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
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APÊNDICE 2 – QUESTIONÁRIO PARA PROFESSORES E EQUIPE TÉCNICA DA ESCOLA ROSA LINDA Sexo: Idade: No caso de professor, indique a disciplina: _________________________ Formação Acadêmica:____________________________________________ Vínculo Funcional: _________________ Contrato/Dt: ( ) Efetivo: ( ) Série de Atuação: 1ª a 4ª ( ) 5ª a 8ª( ) Data: 1) Escreva sobre o Programa Escola Aberta (P.E.A.): __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 2) Já participou ou acompanhou alguma atividade do Programa Escola Aberta na escola em que trabalha? Se sim, em qual? Se não, por quê? _______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
192
APÊNDICE 3 – ROTEIRO DE ENTREVISTAS COORDENADORA DA UNIDADE LOCAL DO PROGRAMA ESCOLA ABERTA
Data da entrevista: / / . Sexo: Idade: Estado Civil: Filhos: Formação Acadêmica: Profissão: Cargo: Religião: Residência/Bairro: Cidade: 1) Fale sobre sua vida profissional. 2) O que é o Programa Escola Aberta (P.E.A.)? a) Quais os objetivos. b) Pontos positivos do P.E.A. c) Pontos negativos do P.E.A. 3) O que é a Unidade Local Escola Aberta (U.L.E.)? 4) Caracterize suas atividades como coordenadora estadual do P.E.A. 5) O P.E.A. é necessário para o ES? Por quê? 6) Há alguma proposta no sentido de expandir o programa para o interior do Estado? Se sim, como? Se não, por quê? 7) Como se dá a relação entre a U.L.E. e o departamento do P.E.A. do município de Vitória/ES? Quais as principais demandas desse município? 8) Qual requisito para ser oficineiro? Ele é considerado um professor? b) No quotidiano das atividades do P.E.A. há clareza quanto a isso? 9) Todas as pessoas envolvidas com as atividades do P.E.A. são ressarcidas ou são voluntárias? Comente. 10) O que pensa do voluntariado para o andamento das atividades do P.E.A.? 11) Há alguma parceria no P.E.A.? Se sim, como ocorre? Se não, por quê? 12) Há participação de igrejas nas atividades do P.E.A. do município de Vitória/ES? Se sim, como acontece? Se não, por quê? O que pensa sobre isso? 13) Há divulgação do P.E.A.? Se sim, como ocorre? Se não, por quê? 14) Há processos de formação para as pessoas envolvidas com o P.E.A.? Se sim, como? Se não, por quê? 15) Qual o papel da escola regular no tocante ao andamento do P.E.A.? 16) Há alimentação para os participantes durante as atividades do P.E.A.? Por quê? 17) Quanto aos vigilantes das escolas, é direcionada alguma recomendação a eles quanto ao andamento das atividades do P.E.A.? 18) Como você vê a participação dos jovens no P.E.A.? 19) O P.E.A. é mais direcionado para os jovens. O que pensa sobre isso? 20) Já ocorreram ou ocorrem manifestações da violência durante as atividades do P.E.A. nas escolas que têm o programa? Se sim, como e por quê? Se não, por quê? 21) Como as situações de violência são lidadas. 22) Como você vê a relação da violência com a implantação do P.E.A. no Estado do ES? 23) Espaço aberto para as considerações finais.
193
APÊNDICE 3 – ROTEIRO DE ENTREVISTAS INTERLOCUTORA DO PROGRAMA ESCOLA ABERTA DA ESCOLA ROSA LINDA
Data da entrevista: / / . Sexo: Idade: Estado Civil: Filhos: Formação Acadêmica: Profissão: Cargo: Religião: Residência/Bairro: Cidade: 1) Relate sua vida profissional. 2) O que é o Programa Escola Aberta (P.E.A.)? a) Objetivos; b) A quem interessa; c) Pontos positivos e negativos do P.E.A. 3) Caracterize suas atividades como interlocutora do P.E.A. 4) Quais as principais demandas no departamento do P.E.A.? 5) Forneça alguns dados sobre o P.E.A. no município de Vitória/ES: a) número de escolas que tem o programa; b) critério de escolha da escola; c) verba destinada ao programa. 6) O P.E.A. é necessário para o município de Vitória/ES? Por quê? 7) Como se dá a relação entre o departamento do P.E.A. do município de Vitória/ES e a representação do programa no ES, a Unidade Local do Programa Escola Aberta (U.L.E.)? 8) Como ocorre a escolha: a) dos oficineiros; b) e das oficinas. 9) Há critérios para a escolha dos oficineiros? Se sim ou se não, por quê? 10) Todas as pessoas envolvidas com as atividades do P.E.A. são ressarcidas ou voluntárias? Quais os critérios para ser voluntário ou remunerado? 11) O que pensa do voluntariado para o andamento das atividades do P.E.A.? 12) Há alguma participação dos moradores dos bairros no processo de concretização do P.E.A. de cada escola? Se sim, como? E por quê? Se não, por quê? 13) Há divulgação do P.E.A.? Se sim, como ocorre? Se não, por quê? 14) Há processos de formação para as pessoas envolvidas com o P.E.A.? Se sim, como? Se não, por quê? 15) Como você percebe a relação do P.E.A. com a escola regular? 16) O programa fornece alimentação? Se sim ou se não, por quê? 17) Quanto aos vigilantes das escolas, é direcionada alguma recomendação a eles quanto ao andamento das atividades do P.E.A.? 18) Há encontros de discussão e/ou de avaliação sobre o P.E.A.? Comente. 19) Há participação de igrejas nas atividades do P.E.A. do município de Vitória/ES? Se sim, como acontece? Se não, por quê? 20) Comente a situação do P.E.A. da Escola Rosa Linda? 21) O que você entende por juventude? 22) O P.E.A. é mais direcionado para os jovens. O que pensa sobre isso? 23) Como você vê a participação dos jovens do bairro e da escola no P.E.A.? 24) Como você vê a relação da violência com implantação do P.E.A. no município de Vitória/ES? Houve diminuição ou ela aumentou? 25) Espaço aberto para as considerações finais.
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APÊNDICE 3 – ROTEIRO DE ENTREVISTAS COORDENADORA DO PROGRAMA ESCOLA ABERTA DA ESCOLA ROSA LINDA
Data da entrevista: / / . Sexo: Idade: Estado Civil: Filhos: Formação Acadêmica: Profissão: Religião: Residência/Bairro: Cidade: 1) Comente sobre o Programa Escola Aberta (P.E.A.). a) Quais os objetivos? 2) Em que ano você entrou no P.E.A.? 3) Descreva sobre sua carga horária e funções nas atividades do P.E.A.? 4) Você já teve ou tem alguma relação com alguma instituição social? Se sim, qual? 5) Enquanto coordenadora do P.E.A. como é sua relação com: a) o bairro da escola; b) a professora comunitária; c) as oficineiras do P.E.A.; d) os usuários do P.E.A.; e) a interlocutora geral do P.E.A. do município de Vitória/ES; f) e os vigilantes da escola; 6) Como é a relação dos vigilantes com os usuários do P.E.A.? 7) Quais critérios de escolha são definidores na implantação de determinada oficina no P.E.A.? 8) Quem participa da escolha das oficinas? 9) Os jovens participam dessa escolha? Se sim ou se não, por quê? 10) Você é voluntário ou recebe alguma remuneração? Se for voluntário, como vê essa questão? Se recebe, qual é o valor da remuneração? E o que pensa sobre o provento recebido? 11) Já ocorreram ou ocorrem manifestações de violência durante as atividades do P.E.A.? Se sim, quais e por quê? Se não, por quê? 12) Fale sobre os materiais, equipamentos e espaços do P.E.A. na escola? 13) O P.E.A. fornece alimentação? Por quê? 14) Qual é a relação do P.E.A. com a escola regular? 15) O que você entende por juventude? 16) Como você vê a participação dos jovens nas atividades do P.E.A.? 17) Há formas de divulgação do P.E.A. na escola? E no bairro? Se sim, como? Se não, por quê? 18) Há participação de alguma igreja nas atividades do P.E.A.? Como acontece? O que você pensa sobre isso? 19) Em março, a escola cedeu seu espaço, no final de semana, para uma igreja do bairro. Comente o caso. Você sabia antecipadamente do ocorrido? Como você, enquanto coordenadora do P.E.A., lidou com a situação? 20) Houve, de acordo com o folder do evento promovido pela igreja, a cobrança de R$ 10,00 para quem quisesse participar das atividades promovidas por ela. Você sabia? O que pensa sobre esse ocorrido? 21) Como ocorreram as atividades do P.E.A., nesse dia, junto ao evento da igreja? 22) No dia desse evento específico, você ligou para a diretora da escola. Por quê? 23) Quando a diretora chegou à escola o que ocorreu? 24) Espaço aberto para as considerações finais.
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APÊNDICE 3 – ROTEIRO DE ENTREVISTAS PROFESSORA COMUNITÁRIA DO PROGRAMA ESCOLA ABERTA DA ESCOLA ROSA LINDA
Data da entrevista: / / . Sexo: Idade: Estado Civil: Filhos: Formação Acadêmica: Profissão: Religião: Residência/Bairro: Cidade: 1) Comente sobre o Programa Escola Aberta (P.E.A.). a) O que é? b) Seus objetivos. c) A quem interessa? 2) Em que ano você entrou no P.E.A.? 3) Qual a sua carga horária? 4) Quais são as suas funções no P.E.A.? 5) Você já teve ou tem alguma relação com alguma instituição? Se sim, qual? 6) Você participa na elaboração das oficinas? Se sim, como? Se não, por quê? 7) O que pensa das oficinas oferecidas pelo P.E.A. da escola em que trabalha? 8) Enquanto professora comunitária do P.E.A., como é sua relação com:
• O bairro da escola; • A diretora da escola; • Os oficineiros; • Os usuários; • A interlocutora geral do P.E.A. do município de Vitória/ES; • Os vigilantes da escola.
9) O que você pensa sobre os encontros de discussão e/ou de avaliação promovidos pela coordenação geral do P.E.A. no município de Vitória/ES? 10) Como é a sua participação nos encontros de discussão e/ou de avaliação do P.E.A. no município de Vitória/ES? 11) Quais são suas maiores dificuldades enquanto professora comunitária do P.E.A. da Escola Rosa Linda? 12) Você é voluntário ou recebe alguma remuneração? Se recebe, quanto? E o que pensa sobre o provento recebido? 13) Como você vê a questão dos materiais e equipamentos do P.E.A. da Escola Rosa Linda ? 14) Como você percebe a relação do P.E.A. com a Escola Rosa Linda? Qual o seu papel nessa relação? 15) Durante a semana na Escola Rosa Linda, é feito alguma ação do P.E.A.? Se sim, qual? E por quê? Se não, por quê? 16) O P.E.A. é mais direcionado para os jovens. O que pensa sobre isso? 17) Como você vê a participação dos jovens da escola e do bairro no P.E.A.? 18) Há formas de divulgação do P.E.A. na escola? E no bairro? Se sim ou se não, por quê? 19) Espaço aberto para as considerações finais.
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APÊNDICE 3 – ROTEIRO DE ENTREVISTAS OFICINEIRAS DO PROGRAMA ESCOLA ABERTA DA ESCOLA ROSA LINDA
Data da entrevista: / / . Sexo: Idade: Estado Civil: Filhos: Formação Acadêmica: Profissão: Religião: Residência/Bairro: Cidade: 1) Comente sobre o Programa Escola Aberta (P.E.A.). 2) Caracterize seu trabalho enquanto oficineira. 3) Pontos positivos do P.E.A. 4) Pontos negativos do P.E.A. 5) Como você percebe a relação do P.E.A. com a escola regular? 6) Como é a sua relação, enquanto oficineira, com os usuários? 7) Como é a sua relação, enquanto oficineira, com os vigilantes. 8) É remunerada ou voluntária? Comente. Se for voluntária, por que faz este trabalho? 9) Há alimentação para os participantes durante as atividades do P.E.A.? O que pensa sobre isso? 10) Sente-se realizada com o trabalho que faz? Se sim ou se não, por quê? 11) Em março, a escola cedeu seu espaço, no final de semana, para uma igreja do bairro. Comente o caso. 12) Houve, de acordo com o folder do evento promovido pela a igreja, a cobrança de R$ 10,00 para quem quisesse participar das atividades promovidas por ela. Você sabia deste fato? O que pensa sobre o ocorrido? 13) Como ocorreram as atividades do P.E.A., nesse dia, junto ao evento da igreja? 14) Com a ocorrência do LUAR houve alguma mudança da rotina das atividades do P.E.A.? 15) Espaço aberto para as considerações finais.
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APÊNDICE 3 – ROTEIRO DE ENTREVISTAS DIRETORA DA ESCOLA ROSA LINDA
Data da entrevista: / / . Sexo: Idade: Estado Civil: Filhos: Formação Acadêmica: Religião: Residência/Bairro: Cidade: 1) Caracterize suas atividades na escola enquanto diretora. 2) Qual sua percepção sobre a escola que administra. 3) Como é sua relação com: a) os professores; b) os vigilantes da escola; c) alunos; d) os ASGs e funcionários administrativos; e) os alunos; f) e a família dos alunos. 4) Caracterize a família dos alunos? 5) Como se estabelece a relação entre a família e a escola? 6) Quais atividades recreativas a escola promove durante o ano? a) Que relação se estabelece entre essas atividades e as aprendizagens dos alunos? 7) Pontos positivos e negativos da escola. 8) Os alunos de 5ª a 8ª séries produzem modelos de camisas. Comente. 9) Comente sobre o Programa Escola Aberta (P.E.A.) da Escola Rosa Linda. 10) O que é e o que não é disponibilizado no que tange ao espaço físico e equipamentos da escola para a realização das atividades do P.E.A.? 11) Quanto à questão da verba do P.E.A., como ela é gerida? 12) Comente sua experiência quando foi professora comunitária do P.E.A.? 13) Qual sua relação com: a) a coordenadora do P.E.A.? b) a professora comunitária do P.E.A.? 14) O que você pensa sobre os encontros de discussão e/ou avaliação promovidos pela coordenação geral do P.E.A. no município de Vitória? 15) Quanto ao funcionamento do P.E.A é direcionada alguma recomendação aos vigilantes da escola? Se sim, quais? Se não por quê? 16) Como você percebe a relação do P.E.A. com a escola regular? 17) É feito algum trabalho com a equipe pedagógica, professores e alunos da escola acerca do P.E.A.? 18) O que entende por juventude? 19) Como você vê a participação dos jovens no P.E.A.? 20) Há divulgação do P.E.A. na escola? E no bairro? Se sim ou se não, por quê? 21) Há parceria da escola com outras instituições? Se sim, quais e como ocorre? Se não, por quê? 22) A escola cede o seu espaço físico para os moradores do bairro? Se sim, por quê? Para quem? Para quais atividades? Se não, por quê? 23) Em março, a escola cedeu seu espaço, no final de semana, para uma igreja do bairro. Como se deu o processo de concessão do espaço? Comente o caso. 24) Houve, de acordo com o folder do evento promovido pela a igreja, a cobrança de R$ 10,00 para quem quisesse participar das atividades promovidas por ela. Você sabia? O que pensa sobre esse ocorrido? 25) Durante as atividades da Igreja e do P.E.A. nesse dia específico, a sua presença foi solicitada? Por quê? 26) Espaço aberto para as considerações finais.
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APÊNDICE 3 – ROTEIRO DE ENTREVISTAS COORDENADORA DA ESCOLA ROSA LINDA
Data da entrevista: / / . Sexo: Idade: Estado Civil: Filhos: Formação Acadêmica: Profissão: Religião: Residência/Bairro: Cidade: 1) Relate sua vida profissional. 2) Descreva suas atividades na escola enquanto coordenadora. 3) Qual sua percepção sobre a escola? 4) Fale sobre os alunos da Escola Rosa Linda de um modo geral. 5) Como percebe a relação professor-aluno? 6) Como é a relação entre as famílias dos alunos e a coordenação da escola? 7) Quais os principais motivos que mais trazem as famílias à escola? 8) Quais os principais problemas que ocorrem na escola? Como esta lida com eles? 9) Principais pontos positivos da escola? 10) Enquanto coordenadora, como é sua relação com os vigilantes? É direcionada alguma recomendação a eles? 11) Comente sobre o Programa Escola Aberta de maneira geral e sobre o que se realiza na escola em que trabalha. 12) A dinâmica da escola mudou depois da implantação do P.E.A.? 13) Na escola regular é feito algum trabalho específico sobre o P.E.A. com alunos e professores? Por quê? 14) Como percebe a relação do P.E.A. com a escola regular? 15) Você, enquanto coordenadora da escola, tem algum contato com a equipe do P.E.A.? 16) O P.E.A. é mais direcionado para os jovens. O que pensa sobre isso? 17) Já ocorreram ou ocorrem manifestações de violência durante as atividades do P.E.A.? Se sim, quais e por quê? Se não, por quê? 18) Quando ocorre violência, como a escola lida com a questão? 19) Espaço aberto para as considerações finais.
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APÊNDICE 3 – ROTEIRO DE ENTREVISTAS VIGILANTE DA ESCOLA ROSA LINDA
Data da entrevista: / / . Sexo: Idade: Estado Civil: Filhos: Formação Acadêmica: Profissão: Religião: Residência/Bairro: Cidade: 1) Fala da sua experiência profissional. 2) Fala das suas atividades que realiza na escola. 3) Relate sua impressão sobre a Escola Rosa Linda. 4) Comente sobre o bairro da escola. 5) Relate sua impressão sobre os alunos da Escola Rosa Linda. Como é a sua relação com eles? 6) Comente seu relacionamento, enquanto profissional de segurança, com: a) os jovens do bairro; b) com os familiares dos alunos; c) com os moradores do bairro da escola. 7) Quais as principais recomendações encaminhadas pela empresa em que trabalha no que se refere à escola de um modo geral? 8) Há reuniões e/ou recomendações da diretora quanto ao modo de você trabalhar na escola? Se sim, quais? Se não, por quê? 9) Já houve alguma situação na escola em que você não soube lidar com ela? 10) A escola já teve ou têm problemas de violência? 11) Quando há casos de violência na escola, qual o procedimento adotado por você para lidar com a situação? 12) Qual a recomendação da empresa e da direção da escola quanto ao uso ou não da arma de fogo durante as atividades da escola? 13) Quais as dificuldades, para sua profissão, na Escola Rosa Linda? 14) Fale sobre o Programa Escola Aberta (P.E.A.). 15) Quanto a esse programa, há alguma recomendação da diretora da escola ou da empresa em que trabalha? Por quê? 16) Você já participou de alguma palestra ou reunião especificamente dedicada ao P.E.A.? Se sim ou se não, por quê? 17) Como você vê sua rotina de trabalho durante a escola regular e no decorrer das atividades do P.E.A.? Há diferenças, semelhanças? Por quê? 18) Quanto ao P.E.A., quais as dificuldades que você encontra na sua rotina de trabalho? 19) Durante as atividades do P.E.A., o que os usuários do programa podem ou não fazer? Por quê? 20) Comente quanto à questão dos portões durante as atividades do P.E.A. nos finais de semana. 21) O que você pensa sobre os jovens do bairro que participam do P.E.A. na escola em que trabalha? 22) Espaço aberto para as considerações finais.
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APÊNDICE 3 – ROTEIRO DE ENTREVISTAS DIRETORA DA ESCOLA EXPERIMENTAL ABERTA DA DÉCADA DE 1980
Data da entrevista: / / .
Sexo: Idade: Estado Civil: Filhos: Formação Acadêmica: Profissão: Religião: Residência/Bairro: Cidade: 1) Comente sobre a Escola Experimental Aberta da década de 1980? 2) Qual o objetivo do Programa? 3) Como funcionava a proposta? 4) Quem era atendido? 5) O Programa estava vinculado a quem? 6) Qual a duração do Programa? 7) Como vocês percebiam a vivência dos meninos e meninas de rua na Escola Experimental Aberta? 8) O Programa era vinculado a alguma instituição religiosa? Por quê? 9) O Programa tinha alguma relação com a escola regular? 10) Esse Programa tinha alimentação? Por quê? 11) Há diferenças ou semelhanças entre esse Programa e o P.E.A. ? 12) Espaço aberto para as considerações finais.
201
APÊNDICE 3 – ROTEIRO DE ENTREVISTAS EX-ALUNO DA ESCOLA EXPERIMENTAL ABERTA DA DÉCADA DE 1980
1) Fale sobre o Programa Escola Experimental Aberta de 1986. 2) Quais atividades vocês faziam nesse Programa? 3) Esse Programa tinha alimentação? Por quê? 4) Qual o perfil dos participantes [professores e alunos] da Escola Experimental Aberta? 5) Como era a relação entre os alunos da Escola Experimental Aberta? 6) Como era a relação dos alunos com os professores da Escola Experimental Aberta? 7) Como você percebia a Escola Experimental Aberta? 8) O que você mais gostava de fazer na Escola Experimental Aberta? Por quê? 9) Por que acabou o Programa? 10) O Programa contava com a participação de alguma igreja? 11) Espaço aberto para as considerações finais.
202
APÊNDICE 3 – ROTEIRO DE ENTREVISTAS PASTOR DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS
Data da entrevista: / / . Sexo: Idade: Filhos: Estado Civil: Formação Acadêmica: Profissão: Nome de sua igreja: Religião: Tempo de Pastorado: Residência/Bairro: Cidade: 1) Comente sobre sua trajetória de pastor. 2) Principais objetivos da Igreja Universal do Reino de Deus. 3) Fale sobre a Igreja Universal do Reino de Deus que pastora. 4) A Igreja, em que pastora, tem algum trabalho específico com os jovens? Se sim, qual e por quê? Se não, por quê? 5) Fale sobre o Grupo de Jovens da Igreja Universal do Reino de Deus. a) Qual o perfil desses jovens? b) Há critérios de acesso a esse grupo? Se sim ou se não, por quê? 6) Fale sobre o P.E.A. 7) Como os fiéis da igreja tiveram acesso ao P.E.A. da Escola Rosa Linda? 8) O que há de interessante no P.E.A. para o Grupo de Jovens da Igreja Universal do Reino de Deus? 9) No desenvolvimento das atividades do P.E.A. da Escola Rosa Linda é desenvolvido algum trabalho específico com os jovens da Igreja Universal do Reino de Deus? Se sim ou se não, por quê? 10) É desenvolvido algum trabalho específico com os participantes do P.E.A. que não são fiéis? Se sim ou se não, por quê? 11) Já ocorreu de algum participante do P.E.A. se tornar membro da igreja? Como? 12) Qual a importância do P.E.A. para a Igreja Universal do Reino de Deus? 13) Como a equipe administrativa da igreja ficou sabendo da existência do P.E.A. na Escola Rosa Linda? 14) O que entende por juventude? 15) Ser jovem da igreja e não ser, têm diferenças? Se sim ou se não, por quê? 16) Espaço aberto para as considerações finais.
203
APÊNDICE 3 – ROTEIRO DE ENTREVISTAS LÍDER DE JOVENS DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS
Data da entrevista: / / .
Sexo: Idade: Formação Acadêmica: Profissão: Religião: Residência/Bairro: Cidade: 1) Fale sobre o Programa Escola Aberta (P.E.A.). 2) Durante as atividades do P.E.A. no domingo ocorrem simultaneamente as atividades do Grupo de Jovens da Igreja Universal do Reino de Deus. a) Comente sobre o grupo de jovens. b) Quais são seus objetivos? c) Quando surgiu? d) Quantos participantes têm em média? f) Quais os tipos de atividades que desenvolvem? 3) Como foi o contato do Grupo de Jovens da Igreja Universal do Reino de Deus com a Escola Rosa Linda para participarem das atividades do P.E.A.? 4) Como surgiu a idéia de reunir os jovens da Igreja Universal do Reino de Deus durante as atividades do P.E.A.? 5) Como ocorrem as atividades do grupo de jovens da Igreja Universal do Reino de Deus junto às atividades do P.E.A.? 6) Como é a relação entre vocês [o grupo da igreja] e os usuários do P.E.A.? 7) Já ocorreu de algum participante do P.E.A. se tornar participante ou membro do grupo de jovens da Igreja Universal do Reino de Deus? 8) Há critérios para se tornar participante ou membro do grupo de jovens da Igreja Universal do Reino de Deus? Se sim ou se não, por quê? 9) Qual a avaliação que faz, enquanto coordenadora de jovens da Igreja Universal do Reino de Deus, sobre as atividades que vocês desenvolvem no P.E.A. da Escola Rosa Linda? 10) Qual a importância do P.E.A. para o grupo de jovens da Igreja Universal do Reino de Deus? Por quê? 11) Espaço aberto para as considerações finais.
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APÊNDICE 3 – ROTEIRO DE ENTREVISTAS PASTOR DA IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA
Data da entrevista: / / .
Sexo: Idade: Filhos: Estado Civil: Formação Acadêmica: Profissão: Nome de sua igreja: Religião: Tempo de Pastorado: Residência/Bairro: Cidade: 1) Comente sobre sua trajetória de pastor. 2) Principais objetivos da Igreja Adventista do Sétimo Dia. 3) Fale sobre a Igreja Adventista do Sétimo Dia que pastora. 4) A igreja, em que pastora, tem algum trabalho específico com os jovens? Se sim, qual e por quê? Se não, por quê? 5) A igreja, em que pastora, tem alguma ligação com a Escola Rosa Linda? Se sim, qual e por quê? Se não, por quê? 6) Percebi que no desenvolvimento das atividades do P.E.A. da Escola Rosa Linda havia muitos jovens e crianças da igreja. Eles são do Clube dos Desbravadores. a) O que é o Clube de Desbravadores Cordilheira dos Anjos? b) Qual o perfil desses jovens? c) Há critérios de acesso a esse grupo? Se sim quais e por quê? Se não, por quê? 7) Como o Clube de Desbravadores Cordilheira dos Anjos teve o contato com a Escola Rosa Linda? Por quê? 8) Como os fiéis da igreja tiveram acesso ao P.E.A. da Escola Rosa Linda? 9) O que sabe sobre o P.E.A. 10) Já ocorreu de algum participante do P.E.A. se tornar membro da igreja? Como? 11) Qual a importância do P.E.A. para o Clube dos Desbravadores Cordilheira dos Anjos e/ou para a igreja? 12) O que entende por juventude? 13) Ser jovem da igreja e não ser, tem diferenças? Se sim ou se não, por quê? 14) Espaço aberto para as considerações finais.
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APÊNDICE 3 – ROTEIRO DE ENTREVISTAS DIRETORAS DO CLUBE DE DESBRAVADORES
Data da entrevista: / / .
Sexo: Idade: Formação Acadêmica: Profissão: Religião: Residência/Bairro: Cidade: 1) Comente sobre o Programa Escola Aberta (P.E.A.). a) Objetivos. b) Finalidades. 2) Durante as atividades do P.E.A. no domingo ocorrem simultaneamente as atividades do Clube de Desbravadores Cordilheira dos Anjos. a) O que são os Desbravadores? b) Quais são os seus objetivos? c) Quais são as atividades que desenvolvem? d) Quantos participantes têm em média? 3) Como surgiu a idéia de fazer as atividades do Clube de Desbravadores junto às atividades do P.E.A. da Escola Rosa Linda? 4) Como ocorrem as atividades do Clube de Desbravadores com as atividades do P.E.A.? 5) Como é a relação entre os participantes do Clube de Desbravadores e os participantes do P.E.A.? 6) Os participantes do Clube de Desbravadores já sofreram alguma forma de preconceito ou de discriminação durante as atividades do P.E.A.? 7) Já ocorreu de algum participante do Clube de Desbravadores ser participante ativo do P.E.A. ou o contrário, alguém do P.E.A. ter se tornado membro ativo do Clube de Desbravadores? 8) Qual a sua avaliação, enquanto Diretora do Clube de Desbravadores, sobre as atividades do grupo durante o P.E.A.? 9) Comente o dia em que aconteceu o “Clubão” durante as atividades do P.E.A na Escola Rosa Linda. 10) Espaço aberto para as considerações finais.
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APÊNDICE 3 – ROTEIRO DE ENTREVISTAS PASTOR DA IGREJA BATISTA
Data da entrevista: / / . Sexo: Idade: Filhos: Estado Civil: Formação Acadêmica: Profissão: Nome de sua igreja: Religião: Tempo de Pastorado: Residência/Bairro: Cidade: 1) Comente sobre sua trajetória de pastor. 2) Principais objetivos da Igreja Batista. 3) Fale sobre a igreja que pastora. 4) A igreja, em que pastora, tem algum trabalho específico com os jovens? Sem sim quais e por quê? Se não, por quê? 5) Em março deste ano, 2007, a Igreja solicitou o espaço da Escola Rosa Linda para a realização do LUAR: Seminário de Capacitação à Adoração. a) Qual o objetivo do evento? b) Como foi o processo de organização do evento? c) Como aconteceu o evento? d) De acordo com o folder, cobrou-se R$ 10,00. Qual a razão da cobrança? 6) Como foi o processo de concessão do espaço da escola? 7) Houve gravação de DVD? Se sim, para qual finalidade? Está à venda? Se não, por quê? 8) Qual a avaliação que faz do evento? 9) Vocês sabiam que nos finais de semana acontece constantemente o P.E.A. na Escola Rosa Linda? 10) Espaço aberto para as considerações finais.
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APÊNDICE 3 – ROTEIRO DE ENTREVISTAS COORDENADORA DE EXECUÇÃO DO LUAR DA IGREJA BATISTA
Data da entrevista: / / .
Sexo: Idade: Filhos: Estado Civil: Formação Acadêmica: Profissão: Nome de sua igreja: Religião: Tempo de Igreja: Residência/Bairro: Cidade: 1) Comente sobre sua trajetória de membro na Igreja Batista. 2) Em março deste ano, 2007, a igreja solicitou o espaço da Escola Rosa Linda para a realização do LUAR: Seminário de Capacitação à Adoração. a) Qual o objetivo do evento. b) Como foi o processo de organização do evento? c) De acordo com o folder do evento cobrou-se R$ 10,00. Qual a razão? 3) Como foi o processo de concessão do espaço da escola? 4) Como aconteceu o evento? 5) Houve gravação de DVD? Se sim, para qual finalidade? Está à venda? Se não, por quê? 6) Qual a avaliação que faz do evento? 7) Vocês sabiam que nos finais de semana acontece constantemente o P.E.A. na Escola Rosa Linda? Se sim, como ficaram sabendo? Se não, por quê? 8) Espaço aberto para as considerações finais.
208
APÊNDICE 3 – ROTEIRO DE ENTREVISTAS LÍDER COMUNITÁRIA DO BAIRRO MARIA ORTIZ
Data da entrevista: / / .
Sexo: Idade: Estado Civil: Filhos: Formação Acadêmica: Profissão: Religião: Residência/Bairro: Cidade: 1) Fale sobre sua experiência enquanto líder comunitária no bairro. 2) Como é o bairro? a) suas demandas; b) seus problemas; c) seus pontos positivos. 3) Há manifestações de violência no bairro? 4) Enquanto líder comunitária do bairro, qual sua relação com a Escola Rosa Linda? 5) Como é a relação da Escola Rosa Linda com o bairro? 6) Comente sobre o Programa Escola Aberta. 7) Como você vê o P.E.A. da Escola Rosa Linda? 8) Os moradores do bairro têm alguma participação na elaboração e concretização das atividades do P.E.A.? Se sim ou se não, por quê? 9) Como é a relação da coordenadora do P.E.A. da Escola Rosa Linda com as lideranças do bairro? 10) Caracterize um pouco os jovens do bairro? a) O que os jovens fazem no bairro? 11) Como você vê a participação dos jovens do bairro no P.E.A.? 12) Quais os espaços de lazer do bairro? 13) Como é as relações de vizinhança no bairro. 14) Espaço aberto para as considerações finais.
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APÊNDICE 3 – ROTEIRO DE ENTREVISTAS MORADORA DO BAIRRO MARIA ORTIZ
Data da entrevista: / / .
Sexo: Idade: Estado Civil: Filhos: Formação Acadêmica: Profissão: Religião: Residência/Bairro: Cidade: 1) Enquanto moradora, caracterize o bairro. 2) Quais os principais problemas do bairro? 3) Aspectos positivos do bairro. 4) Quais as principais demandas e necessidades do bairro? 5) Quais os espaços de lazer que o bairro oferece? 6) Comente sobre a Escola Rosa Linda. 7) Comente sobre o Programa Escola Aberta (P.E.A.). 8) Já participou ou acompanhou alguma atividade do Programa Escola Aberta na escola do seu bairro? Se sim, em qual e por quê? Se não, por quê? 9) O que você pensa do P.E.A. no seu bairro? É importante? Se sim ou se não, por quê? 10) Há uma lei municipal de Vitória/ES que possibilita a abertura do espaço da escola para a comunidade, independentemente das atividades do P.E.A. Como você vê isso? 11) O P.E.A. é mais direcionado para os jovens. O que pensa sobre esta questão. 12) Como você vê a participação dos jovens do bairro e da escola no P.E.A.? 13) No bairro tem violência? 14) Como o P.E.A. pode lidar com o problema da violência? 15) Qual a importância do P.E.A. para o conjunto das escolas brasileiras? 16) Espaço aberto para as considerações finais.
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APÊNDICE 3 – ROTEIRO DE ENTREVISTAS CRIANÇAS DO PROGRAMA ESCOLA ABERTA DA ESCOLA ROSA LINDA NO DIA DO EVENTO “LUAR” DA IGREJA BATISTA Data: Sexo: Idade: Religião: Residência/Bairro: Cidade: 1) Fale sobre o Programa Escola Aberta (P.E.A.). 2) Pontos negativos do P.E.A. 3) Pontos positivos do P.E.A. 4) Em março, a escola cedeu seu espaço, no final de semana, para a realização do Luar, evento da Igreja Batista. Comente o caso. 5) Como o grupo da Igreja reagiu quando os participantes do P.E.A. começaram a chegar ou a querer entrar na Escola Rosa Linda? 6) Como você e seus colegas, enquanto participantes do P.E.A. se comportaram ao verem que na escola estava ocorrendo outras atividades? 7) Como ocorreram as atividades do P.E.A. nesse dia junto ao evento da igreja, o Luar? 8) Espaço aberto para as considerações finais.
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APÊNDICE 4 – ROTEIRO DE GRUPO FOCAL GRUPO FOCAL COM OS ALUNOS DA ESCOLA REGULAR QUE PARTICIPAM OU NÃO DO PROGRAMA ESCOLA ABERTA
Data da entrevista: / / . Nº de participantes: Sexo: Idade: Série: Religião: Residência/Bairro: Cidade: 1) Apresentações: a) Se fosse para definir em uma palavra ou coisa: quem é você? Por quê? b) Com quem mora? c) Como é sua relação com a família? d) Tem namorado? e) Para quem tem namorado: como a família lida com a questão? f) Para quem não tem: como é não ter? 2) O que é ser jovem? 3) Ser jovem é bom? Ruim? Por quê? 4) Ser criança é diferente de ser jovem? Por quê? 5) Durante a semana, quando não estão na escola, o que fazem? 6) Para vocês, para que serve a escola? 7) O que pensam da escola em que estudam? 8) Vocês gostam de ir à escola? Por quê? 9) Para vocês, o que falta na escola? 10) O que pensam dos professores da escola na qual estudam? 11) O que pensam das camisas que podem fazer durante o ano na escola? 12) O que pensam do diretor da Escola Rosa Linda? 13) O que pensam dos vigilantes da escola? 14) O que pensam das coordenadoras da escola? 15) Como é a relação entre vocês na escola? 16) Já ouviram falar do P.E.A. que tem na escola? Comentem. 17) Já participaram do P.E.A.? Por quê? 18) Para vocês, há diferenças entre a escola regular e o P.E.A.? (Mesmo para quem nunca participou do programa). Quais diferenças? 19) Geralmente, o que fazem nos finais de semana? 20) Vocês freqüentam os espaços do bairro? Se sim, quais e por quê? Se não, por quê? 21) O que tem de lazer no bairro? 22) Para vocês o que falta no bairro? 23) Na escola tem violência? Se sim, quais e por quê? Se não, por quê? 24) No bairro tem violência? Quais? 25) Espaço aberto para as considerações finais.
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APÊNDICE 4 – ROTEIRO DE GRUPO FOCAL GRUPO FOCAL PARA OS USUÁRIOS DO PROGRAMA ESCOLA ABERTA
Data da entrevista: / / . Nº de participantes: Sexo: Idade: Série: Religião: Residência/Bairro: Cidade: 1) Apresentações: a) Se fosse para definir em uma palavra ou coisa: quem é você? Por quê? b) Com quem mora? c) Como é sua relação com a família? d) Tem namorado? e) Para quem tem namorado: como a família lida com a questão? f) Para quem não tem: como é não ter? 2) O que é ser jovem? É bom? Ruim? Por quê? 3) Ser criança é diferente de ser jovem? Por quê? 4) Falem sobre o Programa Escola Aberta que tem na Escola Rosa Linda? a) Por que participam? b) O que fazem no P.E.A.? c) Sua vida mudou depois que entrou no P.E.A.? Se sim, como? Se não, por quê? d) Como são vistos pelos moradores do bairro, depois do ingresso no P.E.A.? 5) Como ficaram sabendo do P.E.A. da Escola Rosa Linda? a) Há alguma divulgação do P.E.A. no Bairro Maria Ortiz? 6) Quando não estão no P.EA, o que fazem? 7) Pontos positivos do P.E.A. 8) Pontos negativos do P.E.A. 9) O que pensam das atividades do P.E.A.: espaços, quadras, salas, instrumentos, equipamentos, etc.? 10) Como não tem alimentação durante as atividades do P.E.A., quando ficam muito tempo na escola, o que fazem para se alimentar? 11) Como é a relação de vocês com a coordenadora do P.E.A da Escola Rosa Linda? 12) Como é a relação de vocês com as oficineiras? 13) Como é a relação entre vocês, usuários do P.E.A.? 14) Como é a relação de vocês com os vigilantes durante as atividades do P.E.A.? Como eles são? 15) O que pode ou não fazer durante as atividades do P.E.A.? Por quê? 16) A escola realmente é aberta? Por quê? 17) Para vocês, há diferenças entre a escola regular e o P.E.A.? 18) Vocês freqüentam os espaços do bairro? Se sim ou se não, por quê? 19) O que tem de lazer no bairro? b) Para vocês, o que falta no bairro? 20) No bairro tem violência? 21) Durante as atividades do P.E.A. há violências? Por quê? 22) Espaço aberto para as considerações finais.