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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS CAMPUS I PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE LINGUAGENS PATRÍCIA VILELA DA SILVA SER LEITOR NA ROÇA: HISTÓRIAS DE LEITURAS NA CAATINGA DO MOURA SALVADOR - BA 2009

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS I

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE LINGUAGENS

PATRÍCIA VILELA DA SILVA

SER LEITOR NA ROÇA: HISTÓRIAS DE LEITURAS NA

CAATINGA DO MOURA

SALVADOR - BA

2009

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PATRÍCIA VILELA DA SILVA

SER LEITOR NA ROÇA: HISTÓRIAS DE LEITURAS NA

CAATINGA DO MOURA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudo de Linguagens da Universidade do Estado da Bahia, Campus I, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Estudo de Linguagens.

Orientador: Prof Dr. Sílvio Roberto dos Santos Oliveira.

Co-orientadora: Prof Dra. Verbena Maria Rocha Cordeiro.

SALVADOR – BA

2009

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Ficha Catalográfica Elaborada pelo Bibliotecário:

João Paulo Santos de Sousa CRB-5/1463

111111Silva, Patrícia Vilela da.

S586s Ser leitor na roça: histórias de leituras na Caatinga do Mou- ra. / Patrícia Vilela da Silva.

Jacobina, 2009.

125f.

Dissertação (conclusão do curso de pós-graduação Strictu Senso / Mestrado em Estudo de Linguagens) Universidade do Estado da Bahia, UNEB, 2009.

1111111

1. Leitura. 2. História de leitura. 3. Constituição do leitor. I. Título.

CDD – 372.4

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PATRÍCIA VILELA DA SILVA

SER LEITOR NA ROÇA: HISTÓRIAS DE LEITURAS NA

CAATINGA DO MOURA

DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE

COMISSÃO JULGADORA

__________________________________________________________ Prof. Dr. Sílvio Roberto dos Santos Oliveira

Doutorado em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP

___________________________________________________________ Profª. Dra Maria Helena da Rocha Besnosik

Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo - USP

___________________________________________________________ Profª. Dra Márcia Rios da Silva

Doutora em Letras e Linguistica pela Universidade Federal da Bahia - UFBA

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A Deus,

Meu guia, quando me sinto perdida;

Meu consolador, em meio à angústia e dor;

Meu baluarte, quando fraca e insegura estou;

Meu abrigo, mesmo no deserto, nunca me deixa só;

Meu Senhor, a quem seja a honra e glória eternamente.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus dois filhos, presentes de Deus na minha vida: Meu primogênito Filipe, cujo carinho e compreensão me deixam sobremodo orgulhosa de ser mãe; e Talita, minha eterna menina, cuja meiguice, ternura e travessuras me fazem pensar que a vida pode ser levemente vivida; A Neemias, meu amado marido, pelo apoio e, principalmente, por tudo o que viveremos juntos; À minha mãe Sônia, sinônimo de alegria e diversão, por simplesmente ser como é; Ao meu pai Lourivaldo, exemplo de caráter, dignidade e honra, pelo que me ensinou a ser; A Neuza e Shirley pela hospitalidade, confiando-me as chaves do seu apartamento e recebendo-me de modo tão carinhoso; À Banca Examinadora, profª Márcia Rios e profª Maria Helena Besnosik, pela disposição, orientação e incentivo no momento da qualificação, ajudando-me a redimensionar o trabalho; Ao professor Sílvio, meu orientador, pela compreensão quando mais precisei; Aos meus colegas do Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias – DCHT –Campus XVI da Uneb, pela credibilidade, confiança e respeito conquistados durante os 08 anos em que trabalhamos juntos. Em especial, Dayse, Cenilza e Rubinha, pelo que compartilhamos; A Denise, minha colega e amiga, pelas horas de confissão e confiança; A Claudia Feistauer, pela amizade, companheirismo e cumplicidade; Aos meus colegas do PPGEL, turma 2007, por tudo o que me ensinaram; Aos meus amigos dos almoços de domingo: Juci e Tito, Patrícia e Missinho, Elena e Ivanilton, Vânia e Paulo Cefas, Rossfran e Paulo Sérgio, pelos momentos de descontração em que pudemos compartilhar não só as refeições, como também os sonhos e emoções, durante os últimos 05 anos; Aos professores e funcionários do PPGEL, pelas trocas e aprendizagens. Às professoras alunas do Programa Rede Uneb 2000 de Jacobina, a D. Marota, D. Licinha e Sr. Reinaldo que, através de suas histórias de vida e de leitura, tornaram possível este trabalho.

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A história vivida pela multidão de leitores está presente,

no direito ou no avesso do texto. Porque cada um, no

silêncio ou na algazarra de suas leituras, torna literários

alguns dos textos com que se encontra na vida. Às vezes o

gesto individual coincide com o gesto oficial de literarizar

um texto. Outras vezes não coincide. E cada um que

decida a qual gesto _ se o próprio se o alheio _ vai ser fiel

e solidário!

(LAJOLO, 2001, p.48)

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RESUMO

Este trabalho investiga as histórias de leitura de professores e de sujeitos com

baixo nível de escolaridade, moradores da Caatinga do Moura, comunidade

rural pertencente ao município de Jacobina–Bahia, vinculadas não apenas à

escolarização, mas também às familiares, religiosas e midiáticas. Para isso,

recorro às contribuições teóricas da História Cultural, especialmente os estudos

relacionados à História da Leitura, que considera a leitura como prática cultural

historicamente estabelecida, representada por autores como Abreu (2001;

2002; 2003ª; 2003b; 2006), Chartier (1990; 1995; 1999; 2001; 2002ª; 2002b;

2003, 2005), Manguel (2001), entre outros. Esta pesquisa é de natureza

qualitativa e toma a narrativa oral como objeto de investigação. Os dados

analisados apontam a diversidade de objetos e maneiras de leitura, legitimadas

ou não, que contribuem para a constituição de sujeitos leitores na roça,

considerando as condições sócio-histórico-culturais que constantemente os

desafiam

Palavras-chave: leitura - história de leitura - constituição do leitor

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ABSTRACT

This work investigates the histories of reading of teachers and subjects with low

education, living in Caatinga do Moura, a rural community belonging to the city

of Jacobina, Bahia, bound not only to education but also to family, religious and

media. To do this, I use the theoretical contributions of Cultural History,

especially studies related to the History of Reading, which makes reading as

cultural practice historically established, represented by authors such as Abreu

(2001, 2002, 2003 ª, 2003b, 2006), Chartier (1990 , 1995, 1999, 2001, 2002 ª,

2002b, 2003, 2005), Manguel (2001), among others. This research is qualitative

in nature and adopts the oral narrative as the object of research. The analyzed

data show the diversity of objects and ways of reading, legitimate or not, that

contribute to the formation of readers in the countryside, considering the socio-

historical conditions and cultural that constantly challenge them.

Key-words: reading - history of reading - constitution of the reader

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................12

1. ITINERÁRIOS DA PESQUISA E ANDANÇAS PELO SERTÃO .................21

1.1 Trajetórias da pesquisa.........................................................................21

1.2 Um retrato da Caatinga: figuras e personagens.................................26

1.2.1 Percorrendo os espaços de leitura.................................................30

2. MEMÓRIAS DE LEITURAS: DO LUGAR ONDE MORO...........................36

2.1 As histórias de vidas rememoradas....................................................37

2.2 No contexto da educação no Brasil.....................................................41

2.3 Os livros de leitura.................................................................................49

2.4 Escola versus roça ou escola e roça...................................................52

2.5 O leitor: um livro personificado............................................................56

2.6 Os materiais de leitura..........................................................................60

2.7 Ser leitor em condições adversas........................................................63

2.8 Sob a era tecnológica............................................................................66

3. DE SOL A SOL: HISTÓRIAS DE LEITURAS DE PROFESSORES..........69

3.1 Histórias de vida, histórias de leitoras................................................70

3.2 Do ABC ao saber ler: as primeiras leituras.........................................73

3.3 O percurso do leitor: entre livros herdados e procurados................76

3.4 Leitura ao pé de ouvido: herança guardada na memória..................78

3.5 A autonomia do leitor: sobre o que ler................................................81

3.6 O leitor sob suspeita.............................................................................84

3.7 Os inoperantes poderes da escola......................................................88

3.8 Mediadores e espaços de leitura.........................................................94

3.9 À procura de leitores na Caatinga.......................................................97

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................102

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REFERÊNCIAS.........................................................................................106

ANEXOS

ANEXO A – Relação de teses e dissertações relacionadas a história de

leitura (1999-2009)

ANEXO B – Questionário aplicado aos professores

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INTRODUÇÃO

A Nova História Cultural, cujos estudos emergem entre as décadas de 1920 e

1950, propõe uma ruptura ao modo de se produzir história, apontando uma

nova forma de se considerar e interpretar os fatos históricos, voltando-se para

o estudo das pessoas comuns, seus hábitos, costumes, crenças, mentalidades.

Tal perspectiva fez surgir uma variedade de objetos, possibilitando o diálogo

com diversas áreas do conhecimento, como a História, a Antropologia, a

Sociologia, a Ciência Política e a Literatura. Assim, surgiram temas como a

morte, a loucura, o medo, a infância, a mulher, a leitura, entre outros, que

passaram a ser entendidos como uma “construção cultural”, variando no tempo

e no espaço (BURKE, 1992).

É desse contexto que surge o interesse pelo estudo da leitura enquanto prática

cultural e não apenas escolarizada, desencadeando uma série de questões

que visam investigar como a leitura se constitui e não apenas quantificar o que

se lê, mas interrogar onde, por que, quando e como leem. Para isso, não

bastavam apenas os documentos oficiais, deveriam examinar uma variedade

maior de evidências, sendo elas visuais ou orais. A narrativa, o depoimento, a

entrevista, o livro, o diário, as memórias, passaram a ser objeto de

investigação, além de diversos espaços, como a escola, a biblioteca, os

arquivos, as bancas de revistas, as livrarias, as cafeterias etc., com o intuito de

responder aos questionamentos que tomavam agora o homem comum como

sujeito da pesquisa.

Mobilizados por essas novas perspectivas, pesquisadores pretendem, a partir

de então, conhecer os leitores pela suas histórias de leitura, pelas experiências

vividas ao longo do tempo nas relações com os textos e com os outros. Através

de depoimentos, relatos, estudos de vida e de leitura buscam imagens e

representações construídas socialmente pelos sujeitos. Muitos trabalhos

voltam-se às práticas sociais de leitura ligadas a determinadas comunidades de

leitores, de outras épocas e de outros lugares. Questões relacionadas à

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formação do gosto, suas motivações e as circunstâncias em que o sujeito-leitor

se constitui no cotidiano.

Autores como Robert Darnton1 e Roger Chartier2, ambos ligados à história

cultural, propõem estratégias e possibilidades de se estudar a história da

leitura, partindo do pressuposto de que a leitura é uma prática cultural,

reconhecendo a pluralidade de leitores, modos e objetos.

Darnton (1992, p.200), afirma que “a leitura possui uma história” declaração

que é seguida da indagação sobre como recuperá-la. Com base em estudos

realizados por diversos pesquisadores, o autor aponta algumas tendências por

eles adotadas, reconhecendo que a história do livro contribuiu com a história

externa da leitura, na medida em que respondeu às indagações relacionadas a

questões do tipo “quem”, “o que”, “onde” e “quando”, entretanto, os modos e os

motivos ainda representam os maiores silêncios da história da leitura.

Chartier (2002b) apresenta três eixos que tornariam possível realizar um

projeto de investigação da história da leitura: 1) análise de textos literários ou

não, canônicos ou esquecidos, buscando perceber os objetivos e motivações

que levaram à leitura; 2) a história dos livros e de todos os objetos e formas

que realizam a circulação da escrita; 3) estudo das práticas que, de maneiras

diversas, se apoderam desses objetos e formas, produzindo usos e

significações diferentes

Todas essas possibilidades eclodem numa multiplicidade de situações antes

desconhecidas, revelando traços culturais ainda pouco explorados, como a

diversidade de objetos e do público leitor, a recepção das obras, as práticas de

leitura, os mecanismos de produção e distribuição de um texto e a permanente

mudança de interesses do leitor.

1Pesquisador ligado à história cultural, especialista em história da França no século XVIII, e que tem

desenvolvido reflexões e pesquisas sobre a história da leitura. 2 Roger Chartier encontra-se entre os grandes historiadores da atualidade, sendo seus escritos

reconhecidos em diferentes países do mundo. Em sua extensa obra, o tema da leitura emerge como

central.

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Evidencia-se, assim, a história de leitura como possibilidade de reconhecer e

legitimar diversas formas de leituras que têm sido consideradas inválidas à

medida que permite ao sujeito falar sobre suas experiências leitoras,

valorizando o papel do sujeito comum na história, ressignificando a narração e

incorporando a oralidade como fonte de pesquisa.

Neste sentido, ao tomar a história de leitura como o eixo de análise e

discussão, este trabalho consiste em investigar como moradores do distrito de

Caatinga do Moura, comunidade rural pertencente ao município de Jacobina –

Bahia, se constituíram leitores. Interessa-me saber os modos de apropriação

do texto escrito, sejam eles legitimados ou não, as relações com os diversos

materiais a que tiveram acesso, os diferentes espaços e mediadores de leitura.

Para isso, considero os aspectos históricos e sociais na análise das diversas

experiências desses sujeitos com a leitura, acumuladas desde a infância,

sejam elas escolares, familiares, religiosas ou midiáticas, que vão

determinando o leitor, reconhecendo as representações coletivas e singulares

evidenciadas nas suas histórias de vida e de leitura.

Vale salientar que é a relação que tiveram com a escola, a quem é atribuída a

função de formar leitores, que define os participantes desta pesquisa, sendo,

pois, instituídos dois grupos: o primeiro, formado por por 03(três) pessoas de

escolarização incompleta e, o segundo, composto por 05 (cinco) professoras

cursando licenciatura plena em pedagogia.

Desse modo, considerando que “a escola é uma das instituições capitais na

implementação de um cânon literário” (REIS, 2008, p.05), interessa-me

também perceber a aproximação desses sujeitos participantes da pesquisa

com as obras canônicas, a fim de verificar em que medida as experiências de

leitura dos dois grupos definidos neste trabalho relacionam-se a textos

considerados legítimos ou não legítimos.

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Na literatura, segundo Cairo, os questionamentos trazidos pelos estudos

culturais podem ser percebidos a partir dos anos de 19803, quando se voltam

para a expressão das vozes que ficaram à margem do cânone hegemônico da

história da literatura brasileira. Assim, rejeitam-se as grandes obras e autores,

uma vez que são considerados instrumentos a favor dos interesses

dominantes. Período marcado pelo multiculturalismo,

[...] em que se busca revitalizar o cânone através da inclusão

de textos que expressam as vozes dos deixados à margem em

função da etnia, gênero, sexualidade, condição sócio-

econômica ou por outro tipo de sanção ideológica e

conseqüente exclusão daqueles que não mais respondem ao

horizonte de expectativas do presente (CAIRO, 2004, p.71).

O multiculturalismo crítico evidencia as contradições socioculturais, visando à

eliminação das fronteiras entre a arte erudita e a arte popular, à diluição dos

critérios tradicionais de definição da estética e à valorização da

intertextualidade, fazendo vir à tona as diferenças e as ausências de muitas

vozes que foram caladas pelas metanarrativas da modernidade. Há, pois, um

descentramento; não um núcleo central, mas vários núcleos, valorizam-se os

grupos marginais, as minorias, silenciadas pelos cânones, que passam a

questionar suas posições em relação ao poder exercido na sociedade.

Nesse ínterim, passaram a receber a atenção dos estudiosos não apenas as

obras que fazem parte do cânone literário, mas todas as formas de produção

escrita antes marginalizadas como os jornais, as histórias em quadrinhos, a

literatura de cordel, os romances, os mitos, os contos populares, a literatura

3 Nesse período, o autor mostra que são produzidas obras que propõem novas discussões na literatura,

como: 1) Os pobres na literatura brasileira (1983) , de Roberto Schwarz, na qual o autor provoca uma

revisão nos critérios de seleção e obras constantes no cânone da literatura brasileira; 2) Tal Brasil, qual

romance? (1984), de Flora Süssekind, texto que contribui para a discussão do cânone ao explicitar que a

construção de uma história literária se faz com o ocultamento de diferenças e descontinuidades. Roberto

Reis contesta a hegemonia do cânone publicando a obra Preguiça pastosa – repensando o cânone

brasileiro, o que traria à tona os discursos da diferença.

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infantil, os textos religiosos, os livros didáticos e instrucionais, entre outros,

tornam-se objeto de investigação, deixando de ser considerados indignos.

Desse modo, devo concordar com Márcia Abreu (2001) ao afirmar que

enquanto considerarmos legítimos um único modo de ler e um único objeto de

leitura manteremos nosso estado de “ignorância” quanto às inúmeras práticas

sociais de leitura existentes em nosso país, especialmente em comunidades

rurais ou em centros urbanos de pequeno porte, onde se imagina não haver

qualquer forma de acesso à leitura, uma vez que os discursos se reduzem a

revelar as carências de bibliotecas, livrarias e de hábitos de leitura nessas

regiões, levando à constatação de que, simplesmente, não há leitores.

De outro modo, os sujeitos cujas histórias de vida foram construídas em

regiões suburbanas, em áreas rurais como a Caatinga do Moura, sem nenhum

contato com bibliotecas ou obras literárias consagradas, seriam considerados

não leitores, evidenciando, assim, o discurso da falta. Aqueles que não

conseguem acompanhar a ideia de progresso, apresentando-se como leitor

eficiente, crítico, competente - conceito construído dentro da lógica da

modernidade ocidental que valoriza o conhecimento científico - torna-se

apenas um leitor primário, ainda que possua uma experiência de leitura

extremamente rica relacionada à tradição oral: contos, causos, cantigas,

parlendas, textos religiosos, folclóricos, uma vez que são considerados

“resquícios de eras primitivas”.

No Brasil, têm sido acentuadas as investigações voltadas para a história de

leitura, como assinala Chartier na apresentação que faz à obra Álbum de

leitura, de Lílian Lacerda, tomando como base o I Congresso de História da

Leitura e do Livro, organizado pela Associação de Leitura do Brasil, em 1998.

Nesse campo, é relevante a iniciativa de professores pesquisadores do Instituto

de Estudos da Linguagem, da Universidade de Campinas – UNICAMP que

desde 1992 vêm desenvolvendo o Projeto Memória de Leitura, agregando

principalmente trabalhos que direcionam seu foco de pesquisa para o século

XIX, revelando, dessa forma, números estatísticos e valores de materiais de

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leitura, a escrita, publicação e republicação e tradução de livros diversos, peças

de teatro, prefácios, bem como dados relativos a lançamentos de jornais e

revistas, relativos também à criação, fusão e fechamento de editoras, dentre

outros. Segundo a professora Marisa Lajolo (2002), coordenadora do projeto,

uma das finalidades do projeto é “contribuir para o avanço da reflexão teórica

sobre leitura, bem como para o conhecimento de seu percurso histórico no

Brasil” e “para a formação profissional dos parceiros e atores de uma política

cultural e educacional comprometida com a democratização da leitura como

condição essencial para a qualificação do processo educacional brasileira

como um todo” (p.95). Assim, o projeto tem sido referência para a proliferação

de pesquisas que tematizam a memória da leitura em todo o país.

Além disso, basta uma rápida consulta aos Anais do 16º COLE para

constatarmos o significativo número de trabalhos que têm sido realizados em

todas as regiões do Brasil tomando a leitura e a história como campos de

estudos, concentrando-se em torno de temas como a História da escola, do

impresso e da leitura; Imprensa e educação; Leitura, escola, história: questões

de historiografia; Escola e práticas de leitura e escrita de professores; Escola,

leitura e escrita; História da escola, do impresso e da leitura; Escola e práticas

de leitura e escrita de professores. Dessa forma, de norte a sul revelam-se

novos leitores, maneiras de ler e condições de leitura, contribuindo para o

banco de dados referentes à história de leitura.

Ao analisar o banco de teses e dissertações disponibilizado pela CAPES

através do portal periódicos, encontrei 36(trinta e seis) trabalhos realizados em

diversos programas de pós-graduação do país no período compreendido entre

1998 e 2008, cuja discussão estaria relacionada a história da leitura4. Desses,

22(vinte dois) em nível de mestrado e 14 (catorze) em nível de doutorado.

Foi possível identificar em 18(dezoito) desses trabalhos, o que corresponde à

metade do total analisado, uma preocupação com a história de leitura do

4 Para chegar a esses trabalhos, realizei a pesquisa no portal da capes, disponível em

http://servicos.capes.gov.br/capesdw/. No campo assunto, digitei o termo história de leitura, buscando a

expressão exata. Do resultado apresentado, selecionei os trabalhos a partir da leitura dos resumos e das

palavras-chave disponibilizadas. Ver em ANEXO A a relação das teses e dissertações encontradas.

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professor, em especial daqueles que atuam nas séries iniciais ou com o ensino

de língua portuguesa, voltando-se principalmente para a perspectiva do ensino

da leitura. É importante destacar que em relação ao lugar onde atuam esses

profissionais, apenas um aborda o professor na zona rural5;

Os demais tomam sujeitos e objetos diversos em suas investigações. Pude

constatar que 05(cinco) relacionam-se às histórias de leituras de alunos, em

diferentes graus de ensino; 03(três) voltam-se para o tema mulheres leitoras;

02(dois) analisam histórias de leitura de idosos e 01(um) de jovens; a

investigação relacionada a bibliotecas aparece em 03(três) trabalhos. Além de

pesquisas a respeito de histórias de leituras de pessoas encarceradas,

pessoas surdas e jornalistas.

Esses dados apontam para o fato de que, apesar da proliferação de trabalhos

sobre a história da leitura no Brasil, ainda são bastante incipientes os que se

interessam por investigar como se constituem os sujeitos leitores que moram

em comunidades rurais, o que justifica a relevância desta pesquisa.

Para cumprir tal propósito, faço opção metodológica pela análise de natureza

qualitativa, envolvendo procedimentos de compreensão e interpretação dos

dados obtidos.

Situa-se na perspectiva da história oral e toma a história de vida, por meio do

relato oral e escrito, como fonte de pesquisa, pois metodologias de cunho

autobiográfico possibilitam descrever e entender o leitor.

Entendo, pois, que os relatos autobiográficos se constituem a metodologia mais

adequada, uma vez que se caracteriza como uma prática capaz de valorizar as

vivências e experiências que foram sendo adquiridas ao longo da vida,

possibilitando lidar com diferentes memórias e subjetividades.

5 Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de Educação da

Universidade de São Paulo – USP, por Maria Helena da Rocha Besnosik, intitulada Encontros de leitura:

uma experiência partilhada com professores de zona rural da Bahia, no ano 2002.

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É notável a produção de trabalhos que adotam essa perspectiva e que buscam

romper os métodos convencionais de investigação, caracterizando-se como um

novo modo de se fazer ciência, em que a subjetividade se torna constitutiva

das novas formulações teóricas, em diversos campos de estudo.

Além disso, falar sobre sua própria experiência como leitor permite ao sujeito

exercitar sua reflexão, revisão e avaliação dos processos vivenciados ao longo

de sua trajetória de vida. Revela a versão criada por ele mesmo, sua

interpretação diante dos fatos vividos e construídos pela sua memória, que é

sempre uma reconstrução, em que o passado é evocado de um lugar do

presente, marcado por determinada posição social.

Utilizo como instrumento de pesquisa questionário6, aplicado no primeiro

momento da investigação e a entrevista semi-estruturada, visto que se constitui

um recurso indispensável na história oral e possibilita que outras perguntas

possam vir à tona, conforme os interesses do pesquisador.

Dos estudos e análises realizadas a respeito das narrativas que revelam as

histórias de leituras de professores e sujeitos de escolarização incompleta, foi

possível organizar este trabalho em três capítulos.

No primeiro, inicialmente, apresento a trajetória desta pesquisa, os diversos

embates e pressupostos teóricos que foram contribuindo para o enriquecimento

deste trabalho, os rumos que foram sendo tomados, bem como as hesitações,

dúvidas e reformulações, além do detalhamento das fontes e instrumentos de

pesquisa utilizados durante a coleta e análise de dados. Na seqüência, faço

uma descrição do local da pesquisa, suas condições socioeconômicas, os

espaços destinados às atividades culturais no distrito e na sede do município,

como as bibliotecas, buscando compreender em que medida tais elementos

contribuem para garantir a promoção de leitores.

O segundo capítulo revela as histórias de leituras dos sujeitos de escolarização

incompleta, considerando os aspectos históricos e culturais que influenciam no

6 Ver em ANEXO B – Questionário aplicado às professoras.

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processo de constituição desses leitores. Analiso, desse modo, as diversas

experiências com a leitura, em espaços formais ou informais de educação, os

materiais de leitura, as condições favoráveis ou não ao desenvolvimento das

práticas de leitura, as representações sociais da leitura naquela comunidade e

as condições a que foram submetidos os leitores na roça.

Em seguida, no terceiro capítulo, trago a descrição e análise das histórias de

leituras das professoras, assinalando os materiais de leitura a que têm acesso,

os modos como leem, as dificuldades e estratégias utilizadas para se tornarem

leitoras, as relações existentes entre a escola e a determinação do material de

leitura, as questões da autonomia do sujeito leitor, as obrigações profissionais

diante do ato de ler, a relação com a família, com vizinhos e amigos,

intermediada pelas representações da leitura e imposições de determinados

textos.

Por fim, os dados analisados apontam para a diversidade de modos, espaços e

objetos de leitura a que os sujeitos têm acesso, a despeito das dificuldades que

lhes são impostas, quer sejam por fatores sociais, econômicos e culturais.

Revelam estratégias e conquistas nem sempre bem sucedidas no processo de

constituição de leitores, mas que representam indícios para uma reflexão sobre

a leitura e os leitores do nosso país.

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1 ITINERÁRIOS DA PESQUISA E ANDANÇAS PELO SERTÃO

O narrador conta o que ele extrai da experiência - sua própria ou aquela contada

por outros. E, de volta, ele a torna experiência daqueles que ouvem a sua história.

Walter Benjamin

Neste capítulo pretendo, inicialmente, trazer um pouco do meu percurso

acadêmico, fundamental à construção desta dissertação, sobre como foram

sendo definidos os objetos de investigação, os interesses e os métodos de

análise, resultado do diálogo com diferentes pessoas que, a todo o momento,

nos transformam, nos instigam e nos fazem prosseguir.

Em seguida, como fruto das andanças pelo sertão, intenciono retratar as

condições que contribuem ou não para a formação do sujeito leitor, analisando

os aspectos organizacionais do distrito e do município de Jacobina, uma vez

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que aquele depende deste não apenas economicamente, como também das

atividades socioculturais que influenciam o modo de vida da população de

Caatinga do Moura.

1.1 Trajetórias da pesquisa

Esta foi mobilizada, inicialmente, a partir de minha experiência como professora

docente no Programa de Formação de Professores Rede Uneb 2000, no

município de Jacobina, onde ministrei no ano 2006 os componentes

curriculares Oficina de Leitura e Produção Textual e Língua Portuguesa.

O Programa foi implantado em 1998 pela Universidade do Estado da Bahia

(Uneb), em cumprimento à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional7

(LDB) que determinou a obrigatoriedade de formação superior para professores

do ensino fundamental após constatar que havia um elevado índice de

professores de formação de nível médio nas redes públicas de ensino. A

UNEB, com o intuito de promover a esses professores o Curso de Licenciatura

Plena em Pedagogia com habilitação em Educação Infantil e Séries Iniciais.

Para isso, firma convênio com os municípios baianos8 interessados e oferece

100 vagas aos seus professores. Os cursos, reconhecidos pelo MEC, possuem

uma carga horária de 3.379 horas que são cumpridas em seis semestres.

No município de Jacobina, teve início no ano de 2006, funcionando nos turnos

vespertino e noturno. Dentre os professores-alunos selecionados, grande parte

reside em comunidades rurais9, cujo acesso a materiais de leitura é escasso,

uma vez que não possuem bibliotecas, livrarias e espaços destinados à leitura.

7 Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.

8 O Programa já atendeu 173 municípios que se localizam nas regiões de abrangência da UNEB.

9 Encontramos no programa, professores-alunos oriundos dos distritos do Junco, Paraíso, Itapeipu, Itaitu,

Lages, Caatinga do Moura, Cachoeira Grande, Jenipapo e Pau Ferro.

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Desse modo, impulsionada pela questão sobre como se forma o leitor nessas

comunidades, resolvi elaborar o projeto de pesquisa intitulado Rememorando a

leitura no cotidiano escolar: uma aproximação da vida pessoal à profissional,

que pretendia investigar a correlação existente entre as práticas de leituras

enraizadas em contextos e histórias individuais dos professores-alunos desse

curso e a construção da sua práxis pedagógica.

A pesquisa pretendia concentrar sua investigação em apenas duas dentre as

oito comunidades rurais representadas no programa. Desse modo, para

proceder à seleção, foi necessário traçar um mapa a respeito do local onde

residem e trabalham os professores-alunos do Programa Rede Uneb de

Jacobina. Estabelecendo como critério a facilidade ou dificuldade de acesso à

cidade, que poderia ser um dos pontos a serem analisados, cheguei aos

distritos do Paraíso e da Caatinga do Moura, por ser este o mais distante e,

aquele, o mais próximo.

Procedi, portanto, à aplicação de um questionário10 que constava de questões

objetivas e questões abertas, organizadas em torno das seguintes categorias:

identificação, formação, primeiras leituras, leitura e escola e formação do leitor.

Pretendia, assim, obter alguns dados necessários ao andamento da pesquisa,

os quais foram analisados fazendo-se o cruzamento de modo descritivo-

analítico e constam no segundo capítulo desta dissertação. Dessa fase,

participaram do trabalho 13 (treze) sujeitos colaboradores, representantes dos

distritos supracitados.

Dos dados coletados, constatei que os professores residentes no Paraíso tem

naturalidade em outros municípios, o que impossibilitaria discutir a relação

entre história individual e história coletiva, o que me levou a definir como lócus

da pesquisa apenas o distrito de Caatinga do Moura.

No entanto, influenciada pelos estudos realizados no mestrado e com as

contribuições de colegas e professores, principalmente no cumprimento dos

Seminários nas Linhas de Pesquisa, quando tive a oportunidade de ouvir e

10

. Ver em ANEXO B.

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falar sobre as propostas de trabalho, a pesquisa foi sendo repensada, tomando

novas formas e se distanciando daquele primeiro propósito.

Foram fundamentais os estudos realizados nas disciplinas, dentre as quais,

destaco: Literatura e História, que possibilitou uma aproximação com as

vertentes teóricas da História Cultural; Sociologia da Leitura, cujas discussões

fundamentam e justificam este trabalho, visto que a leitura é tida como uma

prática cultural; e Literatura e Identidade Cultural que problematizou o

monoculturismo, trazendo as questões de diferença e hibridismo na construção

da identidade.

Foram também importantes os estudos sobre a Abordagem (Auto)biográfica e

Formação de Leitores, realizados no Programa de Pós-graduação em

Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da Bahia, cuja

ementa propunha “discutir as categorias teórico-metodológicas da abordagem

auto-biográfica em relação às histórias de vida e de leitura e suas implicações

para a formação de educadores-leitores”. Esses embates me aproximaram um

pouco mais do novo campo que tem ganhado fôlego no nosso país.

Desse modo, o trabalho foi sendo enriquecido e reelaborado. As descobertas

advindas das leituras realizadas nas disciplinas supracitadas têm suas origens

nas discussões trazidas pelos Estudos Culturais, o que me inquietou a ponto

de redefinir os objetivos traçados.

Decidi, então, que o trabalho consistiria em examinar a história de leitura da

comunidade rural de Caatinga do Moura, tomando como corpus da pesquisa 05

(cinco) professores em formação e 03 (três) pessoas com escolarização

incompleta, sendo apenas 01 (um) do sexo masculino, todos naturais daquele

lugar, com o propósito de contribuir para melhor compreensão a respeito da

constituição dos leitores em nosso país, uma vez que dadas as diferenças

socioculturais, são também variadas as condições de acesso ao material

escrito. Nessa perspectiva, a partir da história de leitura, é possível conhecer a

memória coletiva de uma comunidade rural, da qual fazem parte os envolvidos.

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A segunda etapa proposta foi realizada no primeiro semestre de 2008 e

consistiu em coletar, inicialmente por meio da entrevista individual semi-

estruturada, os dados que me possibilitassem traçar a história de leitura das

professoras, com gravação de voz. Para isso, elaborei um roteiro contendo as

seguintes categorias: as primeiras leituras, leitura e escola, atividades de leitura

em espaço não formal de educação, a família e a formação do leitor, os

mediadores de leitura e o sujeito leitor na atualidade. As entrevistas eram

previamente marcadas e ocorriam sempre no final da tarde, em Jacobina,

quando as professoras terminavam suas atividades na universidade, visto que

diariamente se deslocavam para as aulas do Programa Rede Uneb. Nesse

período, foram realizados 02(dois) encontros com cada professora.

Apesar do roteiro, era permitindo aos entrevistados falar livremente sobre suas

memórias de leitura, pois, como assinala Marie Christine Josso (2004, p.18) é

preciso deixar clara a importância de se trabalhar com o relato oral, uma vez

que “a memória não funciona num ápice, é necessário criar condições que

facilitem a rememorização da sua história”.

Desse modo, no primeiro encontro pedi que esclarecessem e ampliassem

algumas informações trazidas por elas nos questionários aplicados. Aproveitei

para esclarecer o propósito do trabalho e incentivá-las a pensar sobre as suas

histórias de leitura. Para isso, fiz a leitura do texto Memória de livros de João

Ubaldo Ribeiro e suscitei reflexões a respeito dos mediadores de leitura, dos

textos proibidos, dos lugares de leitura e dos tipos de textos lidos por cada

uma.

Já o segundo encontro pretendia estabelecer uma relação mais próxima com o

sujeito-leitor nos dias atuais, sobre as condições de leitura que lhes são

apresentadas em suas casas, na comunidade e no trabalho. Foram reveladas

as preferências e os modos de leitura. Também foi solicitada uma avaliação

sobre as práticas de leitura na Caatinga, a fim de compreender o próprio

conceito que elas tem sobre o que é ser leitor.

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Ao proceder às primeiras análises sobre os dados apontados por elas, senti

necessidade de recorrer às depoentes para obter outras informações a respeito

da comunidade, o que me levou a mais um encontro individual, desta vez em

suas casas.

Das entrevistas, foi possível traçar a história de leitura das professoras,

analisando os dados de forma interpretativa a fim de compor o segundo

capítulo deste trabalho, no qual apresentamos o que há de comum e de

singular nas trajetórias de vida e suas relações com a leitura e a diversidade de

textos a que tem acesso, sejam eles legítimos ou não.

Após contatos com as professoras, foi possível chegar aos colaboradores

desta pesquisa que possuem escolarização incompleta. Por indicação delas,

foram sugeridos os nomes de três importantes personagens para compor o

trabalho de investigação, considerando a sua naturalidade e representação na

comunidade.

Por intermédio das professoras, foi feito o primeiro contato a fim de verificar a

possibilidade de realização da entrevista com esses três sujeitos que

colaboram com a pesquisa. Dessa forma, me dirigi ao distrito por algumas

vezes e procedi com a coleta de dados, resultando na gravação dos relatos a

serem analisados no terceiro capítulo.

A cada dia realizei a entrevista com um dos participantes, os depoimentos das

mulheres foram coletados em suas residências, e do homem na feira livre de

Jacobina, onde trabalha, para isso utilizei um gravador e fita cassete. Nesse

momento, os entrevistados ficaram à vontade para falar a respeito da relação

que tiveram com o texto escrito na escola, em casa e na comunidade, desde a

infância até os dias atuais.

1.2 Um retrato da Caatinga: figuras e personagens

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É imprescindível ao leitor deste trabalho conhecer as características da

Caatinga do Moura, distrito pertencente ao município de Jacobina-Ba, lócus da

minha pesquisa de campo. Saber onde está localizado, como vivem os seus

moradores, como estão organizadas suas atividades econômicas e culturais,

de que forma se relaciona seu povo é importante para a compreensão das

relações estabelecidas com a cultura letrada, dos ideais compartilhados e das

dificuldades superadas naquele distrito.

O município de Jacobina, além do distrito de Caatinga do Moura, compreende

ainda outros cinco: Itaipu, Itapeipu, Junco, Paraíso e Lages do Batata. Tem

uma área de 2.320 km2 e fica situado na região do Piemonte da Chapada

Diamantina, na região noroeste do estado da Bahia, a 330 km de Salvador,

capital do estado. Sua população é de 76.463, sendo aproximadamente 55 mil

na sede e 19 mil no interior (IBGE, 2009). Conhecida como Cidade do Ouro,

resultado da descoberta das minas que atraíram viajantes no século XVII, a

cidade possui um rico patrimônio histórico-cultural, além de uma beleza natural

evidenciada nas áreas serranas. Sua base econômica é a mineração, a

agricultura, o comércio e a pecuária.

A Caatinga do Moura tem como principal fonte de renda a agricultura, que se

baseia na produção do alho, sisal, feijão e banana, com a qual produz os seus

doces. Assim, a sua população depende economicamente do que é colhido e

vendido no período da colheita, o que não se diferencia de outras regiões de

economia agrária do nosso país.

Com uma população de cerca de cinco mil habitantes, o distrito está dividido

em cinco comunidades que foram sendo organizadas ao longo de uma extensa

área que recebe o nome de Caatinga do Moura, representando os bairros do

povoado. São eles: Lagoa, Caatinga do Moura, considerada sede, Roçado,

Boa Vista e Olhos D’agua.

É na sede que funcionam as principais atividades do povoado. O comércio

situa-se em torno da praça e oferece farmácia, supermercado, padaria,

lanchonete e uma lan house (centro de acesso pago). Além disso, encontram-

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se o posto de saúde, uma agência do correio, o colégio, a escola e as igrejas

evangélicas e católicas.

Vale atentar para o fato de que, ao lado dos espaços que oferecem produtos e

serviços considerados essenciais ao ser humano, está a lan house que oferece

a possibilidade de acesso às tecnologias da informação. O que parece

evidenciar que esse recurso tem se tornando indispensável ao homem

moderno, com a ideia de promover a inclusão digital, alcançando não apenas o

espaço urbano, como também o rural.

Entretanto, a indisponibilidade da rede é um dos principais fatores que

impossibilitam a inclusão digital. A pesquisa sobre o uso das tecnologias da

informação e da comunicação no Brasil 200811 constatou que os centros de

acesso pago são os locais mais utilizados para ter acesso à internet no Brasil,

especialmente na zona rural, onde 58% das pessoas utilizam esses espaços e

apenas 26% informaram acessar em sua casa (BRASIL, 2009). Desse modo,

fica evidente a importância da lan house nas comunidades rurais, visto que

possibilita a inclusão digital.

Na Caatinga, além de acesso à internet, oferecem-se serviços de digitação,

cópia de documentos e impressão. Conta com 12 máquinas e o acesso se faz

pela conexão via-rádio. A clientela é constituída majoritariamente por jovens,

em especial do sexo masculino, onde circulam diariamente com o propósito de

realizar pesquisas escolares, salas de bate-papo e Orkut, principalmente.

Assim, a lan house é também um espaço comunitário, visto que, de certo

modo, recebe diariamente pessoas da comunidade, de modo rotativo,

promovendo uma rede de troca de saberes e de ideias, de modo online ou não.

No entanto, vale ressaltar que continuam excluídas as pessoas mais idosas e

as mulheres, que não são alcançadas pelos projetos de inclusão digital.

11

Esta é a quarta edição da pesquisa que pretende mapear a posse e o uso das TICs no Brasil, focando as

seguintes dimensões: os usuários, os domicílios e as empresas. A pesquisa é conduzida pelo Centro de

Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação – CETIC.br e organizada pelo

Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), disponível em http://www.cetic.br/.

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É certo que o número de usuários de internet tem aumentado

significativamente. No Brasil, segundo aponta a pesquisa supracitada, em

2008, atingimos 54 milhões de usuários de Internet. O equipamento está

presente em 25% dos domicílios brasileiros. Desse percentual, 28% estão nas

cidades e 8% na área rural. Com relação ao acesso à Internet, enquanto 20%

dos domicílios urbanos estão conectados à rede, a posse de uma conexão está

presente em 4% dos lares da área rural (BRASIL, 2009). Atualmente os

equipamentos que possibilitam o acesso à rede, na Caatinga do Moura, já

estão instalados em 08(oito) casas.

Quanto às atividades culturais, as principais giram em torno da Festa do Bom

Jesus da Glória12, realizada anualmente no dia 06 de agosto, a qual envolve a

população católica e se caracteriza pela lavagem das escadarias da igreja, que

fica situada na sede. No evento, participa com danças, na programação

religiosa, um grupo de senhoras que se caracterizam de baianas,

acompanhadas da fanfarra do colégio que se prepara o ano inteiro para este

grande dia. É também nesse período que ocorre um leilão com produtos

doados pela comunidade. Para os seus moradores, este é o período mais

significativo para a comunidade, pois representa o momento em que todos se

tornam organizadores da própria festividade que já é tradicional no distrito.

Na área da educação, o Colégio Municipal César Rabello Borges é o único da

localidade e agrega os alunos da Educação infantil ao Ensino Médio de todo o

distrito. Inaugurado em 1989, antes oferecia apenas as séries iniciais de

ensino, cabendo aos estudantes interessados em dar continuidade ao seu

processo de escolarização deslocar-se para Jacobina, implicando, muitas

vezes, em morar em casa de parentes ou de conhecidos. Oferece hoje os

cursos de Ensino Fundamental onde estudam 554 alunos e a Educação de

Jovens e Adultos – EJA- nos níveis I, II, III, IV e V com 110 alunos. O Ensino

Médio possui 368, com o antigo curso de Formação Geral e Modalidade

Normal. Dos seus 30 professores, 28 professores já concluíram ou estão

12

A festa é tradição no distrito desde 1938 quando o Pe. José Carneiro celebrou a primeira missa em

honra ao Bom Jesus. No ano de 1986 foi construída e inaugurada a Igreja Matriz onde anualmente os fiéis

se reúnem para entoar cânticos, orações e hinos de adoração.

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cursando o ensino superior, o que representa um número bastante expressivo

para um comunidade rural.

A estrutura física do colégio oferece, além dos espaços fundamentais ao

funcionamento de uma escola, um laboratório de informática com 08 (oito)

máquinas com acesso à internet, o qual foi recentemente instalado, cujos

professores estão sendo treinados para o uso das máquinas. Existe também

uma biblioteca, a respeito da qual tratarei posteriormente ainda neste capítulo,

que não só funciona como espaço de leitura, como também possibilita o

empréstimo de materiais de leitura.

Em cada um dos bairros existe também uma escola em que ocorre a formação

inicial de ensino, perfazendo um número total de 186(cento e oitenta e seis)13

alunos. Na sua caracterização física, só existem os espaços da sala de aula

onde ficam os livros arrumados em estantes, uma vez que não há sala de

leitura. Dentre os professores que trabalham nessas escolas, apenas três não

concluíram o curso de magistério, sendo considerados, portanto, professores-

leigos.

De acordo com o Censo Demográfico de 200014, em Jacobina constata-se um

índice de 21,8% de analfabetos, sendo que 16,5% localizam-se na área urbana

e, na área rural, o número é o dobro, chegando a 33,6%. Como ocorre com as

comunidades rurais, a Caatinga possui um alto índice de analfabetismo e

apresenta um quadro de precariedade em relação à educação que não se

difere muito daqueles encontrados em outras regiões da Bahia, especialmente

quando localizadas no sertão, que, em muitos aspectos, são por vezes

esquecidas.

13

Dados fornecidos pela Secretaria Municipal de Educação do município de Jacobina, referente ao 2008. 14

Indicadores do Censo Demográfico de 2000 e Índice de Desenvolvimento da Educação Básica 2005

por Município, Bahia 2000/2006. Fornecido pelo site

http://www.sec.ba.gov.br/estatistica/indicadores.htm.

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1.2.1 Percorrendo os espaços de leitura

Recentemente, foi divulgada a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil15 que

revela um agravamento no campo da leitura em cidades com até dez mil

habitantes, sendo a sua população caracterizada como os que menos leem

(revistas, 46%; livros, 37%); b) os que menos gostam de ler (59%, chegando a

76%, entre os mais idosos); c) os que menos dizem escolher livros e indicam

autores; d) os que menos freqüentam bibliotecas (83%); e) os que menos têm

acesso à internet; e) os que menos compram livros (71%), mesmo os didáticos

(85%). Tais dados poderiam nos levar a afirmar que não é possível formar-se

leitor na comunidade da Caatinga do Moura, distrito que possui apenas cerca

de cinco mil habitantes.

Se, além disso, considerarmos também que na Caatinga não existem bancas

de revista ou livrarias onde seja possível adquirir o material impresso, seria

possível dizer, então, que o acesso ao material de leitura é escasso e que

haveria uma precariedade em relação à leitura e, consequentemente, à

determinação de não-leitores? Como se caracterizam os espaços destinados à

prática de leitura dos seus moradores?

Para responder a esse questionamento, com o intuito de dar maior visibilidade

às relações estabelecidas entre os leitores e suas histórias de leitura, acredito

ser necessário investigar os espaços destinados à prática da leitura existentes

não apenas na Caatinga do Moura, como na sede do município de Jacobina,

buscando entender as condições de acesso ao texto escrito oferecidas aos

seus moradores, num contexto sociocultural mais amplo.

15

O período de campo da pesquisa foi entre 29/11 a 14/12/2007 e atendeu todo o território nacional.

Caracteriza-se como uma pesquisa quantitativa de opinião com aplicação de questionário e tem como

objetivo diagnosticar e medir o comportamento leitor da população, especialmente com relação aos livros,

e levantar junto aos entrevistados suas opiniões relacionadas à leitura. A metodologia utilizada foi

desenvolvida pelo Centro Regional de Fomento ao Livro na América Latina e no Caribe (Cerlalc), da

Unesco, e pela Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI). Disponibilizado pelo Instituto Pró-

livro, através do site: http://www.prolivro.org.br

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Desse modo, a fim de investigar seu acervo, organização e condições de

acesso ao material de leitura, trago alguns dados a respeito da biblioteca

pública municipal de Jacobina16, e da biblioteca escolar da Caatinga do Moura.

Consultar o acervo da Biblioteca Municipal de Jacobina Afonso Costa17 pode

nos revelar uma boa diversidade de suportes textuais como jornais, revistas,

livros e acesso ao texto digital. Dentre os 6073 livros catalogados18, 1085 são

classificados como literários. Desses exemplares, encontramos clássicos da

literatura mundial, de consagrados autores como Victor Hugo, Gustave

Flaubert, Dante Alighieri, William Shakespeare, Miguel de Cervantes, Luís Vaz

de Camões, clássicos da literatura nacional como Machado de Assis, Carlos

Drummond de Andrade, José de Alencar, ao lado de autores conhecidos

apenas no âmbito da própria região, como Agnaldo Marcelino Gomes, Aloísio

Sales Queiros, Doracy Araújo Lemos, entre outros, que produzem poesias,

literatura de cordel, contos e romances.

De acordo com a secretária, a compra de novos exemplares é feita

esporadicamente e a indicação de títulos a serem adquiridos leva em conta a

procura do público e o conhecimento que os funcionários possuem a respeito

do que seria um bom material de leitura ou não. Segundo ela, Harry Potter, por

exemplo, tem sido muito procurado pelo público juvenil, o que poderia

representar uma boa aquisição.

Dessa forma, poderíamos dizer que os critérios de seleção das obras

oferecidas não seguem os tradicionais conceitos de “qualidades literárias” da

obra ou de autores renomados? Talvez o fato de considerar as preferências do

público revele certa flexibilidade quanto ao material de leitura a ser adquirido

16

Vale ressaltar que a biblioteca municipal de Jacobina aparece na entrevista realizada com as professoras, como espaço utilizado para realização de pesquisa escolar e como agenciadora do empréstimo de obras literárias, visto que cursaram o ensino médio naquela cidade; sendo também citada por uma das colaboradoras que possuem escolarização incompleta como espaço de leitura. 17

A biblioteca foi registrada no Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas – SNBP, como parte do projeto Biblioteca livre, promovido pelo Ministério da Cultura com a finalidade de, através da modalidade de software livre promover a inclusão digital. Para isso, oferece serviços on-line, como a consulta ao catálogo. 18

Na dissertação de Denise Dias de Carvalho Sousa, intitulada Do Caixote à prateleira: um olhar investigativo sobre mulheres leitoras do curso de letras, consta um acervo de 14 mil títulos. No entanto, nos referimos aos títulos catalogados e disponíveis para consulta.

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(se é que isso é possível) ou, ainda, é provável que seja apenas um sintoma da

falta de experiência dos administradores daquela instituição.

Tendo sido inaugurada em 1976, o acervo passou a ser constituído por obras

doadas, característica mantida ainda hoje, uma vez que raramente a

administração pública se empenha em adquirir títulos novos. Recentemente,

alguns bibliotecários visitaram aquele espaço e retiraram livros, especialmente

livros didáticos e enciclopédias, que, segundo a secretária, não cumpriam mais

o seu propósito, obsoletos, apenas ocupando os espaços vazios das

prateleiras. Transitam ali alunos do ensino fundamental e médio, especialmente

oriundos de escolas públicas, quase sempre para realizar pesquisas de caráter

escolar, atendendo às solicitações dos professores.

A biblioteca funciona no primeiro piso do Centro Cultural Edmundo Isidoro dos

Santos, centro da cidade, e está dividida em dois espaços. O primeiro contém

obras que podem ser emprestadas, podendo o leitor transitar por entre as

prateleiras e manusear o material desejado. Encontramos naquele espaço,

além de livros da literatura nacional e estrangeira, obras religiosas, de artes,

esportes e filosóficas e também um acervo de obras em Braille19. O segundo

destina-se exclusivamente à pesquisa, quase sempre escolar, cabendo ao

funcionário identificar o material necessário aos anseios do leitor. Nas

prateleiras, diversas enciclopédias, atlas, dicionários e livros didáticos que

parecem cumprir bem a função de dar informações ao leitor.

As revistas ficam agrupadas em uma estante de fácil acesso, podendo ser

utilizadas por qualquer leitor. Por possuírem assinatura das revistas Veja,

Superinteressante e Nova Escola, é possível encontrarmos diversos

exemplares que recebem tratamento diferenciado, há um maior cuidado

inclusive quanto à organização nas prateleiras, em relação a outros títulos de

diferentes gêneros, dentre eles informática, religião e ciências, os quais são

todos doados pela população.

19

Publicado pela Fundação Dorina Nowell para cegos.

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Conta ainda com a assinatura do Jornal A Tarde e Jornal Correio da Bahia, de

circulação em todo o estado, e dos jornais locais como Jornal A Semana e

Jornal Primeira Página, os quais ficam à disposição do leitor.

É importante destacar que funciona também no espaço da biblioteca o

infocentro que, atualmente, disponibiliza 12 máquinas para a população, onde

podem ser realizadas pesquisas e lidos diversos materiais de leitura por meio

do suporte digital.

Os dados apontados pela pesquisa Retratos da Leitura no Brasil20, já

mencionada neste trabalho, revelam o uso da biblioteca pública estritamente

relacionado às atividades escolares, sendo mais frequente nas faixas etárias

de 05 a 17 anos, período referente à escolarização, quando utilizam aquele

espaço com o intuito de pesquisar e estudar. Tais características parecem

visíveis na Biblioteca Municipal Afonso Costa, conforme informações fornecidas

pelos funcionários.

Assim, apesar de oferecer alguma diversidade, de acordo com a funcionária

responsável pelo atendimento ao público, a consulta é, quase sempre, em

livros didáticos e enciclopédias, para realização de pesquisas solicitadas pelos

professores, principalmente na área de filosofia e biologia. Quanto ao

empréstimo de livros, é importante perceber que, além das obras de literatura

nacional relacionadas às escolas literárias, como o Romantismo e o

Realismo/Naturalismo, há um número considerável de romances nacionais e

estrangeiros como os dos autores Paulo Coelho e Sidney Sheldon que são

levados para leitura.

O outro espaço de leitura fica localizado na Caatinga do Moura. Trata-se da

biblioteca do Colégio Municipal Dr. César Augusto Rabello Borges que dispõe

de 1200 exemplares entre livros de literatura e enciclopédias.

Investigando as obras disponíveis, é notória a preponderância de títulos que

fazem parte da Coleção Literatura em Minha Casa, vinculados ao Programa

20

CUNHA, Maria Antonieta da. Acesso da leitura no Brasil; considerações a partir da pesquisa. IN:

Retratos da leitura no Brasil. Instituto pró-livro, Brasil, 2008, p.14.

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Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), do Fundo Nacional de Desenvolvimento

da Educação (FNDE/MEC) que têm sido distribuídos nas escolas desde o ano

2002. A coleção é composta por 05 (cinco) volumes, sendo uma obra da poesia

ou antologia poética, um conto ou antologia de contos, uma novela e uma peça

teatral, todos brasileiros, e um clássico da literatura universal traduzido ou

adaptado. Alexandre Dumas, Antoine Falland, Carlo Collodi, Ernest

Hemingway, Homero, Lewis Carroll, Oscar Wilde, Robert Louis Stevenson,

João Ubaldo Ribeiro, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Lygia Bojunga, Pedro

Bandeira, Vinícius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Machado de

Assis, Sylvia Orthof, Cecília Meireles, Maria Clara Machado, entre outros

autores nacionais e estrangeiros, considerados grandes nomes da Literatura

mundial fazem parte da relação de obras enviadas através do programa. O

interessante é que a proposta seria de garantir aos alunos se apropriarem

desses livros, levando-os para casa e tornando acessível à sua família,

entretanto, encontramos os exemplares nas prateleiras da biblioteca, o que não

deixa de enriquecer o seu acervo, uma vez que não é frequente a compra de

materiais de leitura para abastecer as bibliotecas.

Além das obras da Coleção Literatura em Minha Casa, podemos encontrar

enciclopédias, dicionários, livros didáticos, revistas informativas e alguns livros

classificados como universitários, dos quais poderíamos citar Memória e

sociedade – lembranças de velhos de Ecléa Bosi, Raízes do Brasil de Sérgio

Buarque de Holanda, Os Bestilizados e A formação das almas de José Murilo

de Carvalho, Diários índios de Darcy Ribeiro, entre outros.

Talvez fosse possível afirmarmos que existe uma variedade de materiais de

leitura, títulos e autores naquela biblioteca escolar, mas caberia questionar se o

que está sendo oferecido aos alunos e professores é suficiente para atender

aos seus interesses como leitores. De acordo com a funcionária da biblioteca, é

muito comum ouvir reclamações de que não há muitas opções de títulos.

Segundo o diretor dessa unidade de ensino, os alunos e os professores têm

livre acesso a todo o acervo. Entretanto, uma das professoras colaboradoras

desta pesquisa afirma que a biblioteca esteve trancada durante alguns meses,

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por não possuir funcionários, sendo aberta apenas para retirar algum material

solicitado pelo professor para trabalhar em sala de aula. Somente no segundo

semestre deste ano em curso, foi cedida uma funcionária, selecionada por

meio de concurso público que, inicialmente, deveria atender no posto de saúde,

para atuar como bibliotecária do colégio.

Nesse espaço, que funciona nos turnos matutino e vespertino, é possível

realizar atividades de leitura e retirar obras para serem lidas em casa.

Analisando o livro de controle de obras emprestadas no mês de agosto,

constatamos um número de aproximadamente 160 (cento e sessenta)

empréstimos, especialmente realizados por alunos da 5ª à 7ª série do ensino

fundamental. Considerando o número de estudantes do ensino fundamental,

seria possível afirmar que haveria um percentual de aproximadamente 30%

dos alunos que teriam lido alguma obra durante o mês de agosto. Dentre essas

obras, destacam-se os contos infantis como os mais solicitados entre os

alunos. Não encontrei no controle de livros emprestados nenhuma solicitação

feita pelos professores, apenas por alunos, impossibilitando, assim, identificar

suas preferências por gêneros e autores.

Ao examinar o papel das bibliotecas no Brasil, discutindo suas virtudes e

problemas bem como o processo de formação de acervos, Regina Zilberman

(2004, p.194) chama atenção para o fato de que uma biblioteca pública

defende os interesses do coletivo e deveria se apresentar “como um lugar de

consulta e estudo; como um centro de cultura e difusão do saber, nacional e

internacional e um espaço de realização pessoal, pelo qual temos apreço e ao

qual retornamos”. Assim, ainda que não tenha me debruçado numa

investigação sobre o modo como funcionam a biblioteca municipal de Jacobina

e a biblioteca escolar para o público que as frequentam, é possível afirmar que

a limitação do acervo, o estado de conservação das obras e a própria estrutura

física desses espaços são desfavoráveis ao cumprimento desses requisitos,

que se encontram distantes não apenas dos moradores da Caatinga como

também para a maioria da população brasileira, pois, como mostra a autora ao

tomar como exemplo a biblioteca pública de Nova York, para nós pode

representar ainda um ideal inatingível.

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CAPÍTULO 2: Memórias de leituras: do lugar onde moro

Da minha aldeia vejo quanto da

terra se pode ver no universo

Por isso a minha aldeia é tão

grande como outra terra qualquer,

Porque eu sou do tamanho do que

vejo

E não do tamanho da minha altura

...

Fernando Pessoa

O pequeno conjunto de sujeitos que participaram desta etapa do trabalho foi

constituído por 02(duas) mulheres e 01(um) homem e se caracteriza como um

grupo natural daquela comunidade cujo processo de escolarização não passou

dos primeiros anos do ensino fundamental, sendo, portanto, considerado

incompleto. Procuro, pois, analisar suas histórias de vida e de leitura, coletadas

por meio de relatos orais, evidenciando o processo de apropriação do código

escrito, os materiais e os diferentes modos de leitura, as condições

socioculturais que influenciam o processo de constituição do sujeito-leitor e as

conquistas dos leitores na Caatinga do Moura.

Utilizo o nome real dos participantes, uma vez que se tornaram co-autores do

conhecimento construído, colaborando diretamente na produção deste

trabalho. Não obstante, foi o desejo manifestado por eles durante a coleta dos

dados de serem identificados publicamente que me levou a tal decisão. Desse

modo, por meio das experiências vividas por cada um, considerando suas

especificidades, busco uma referência histórico-cultural da leitura naquela

comunidade.

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2.1 As histórias de vidas rememoradas

Nascidos entre as décadas de 1920 e 1940, todos os colaboradores tiveram

grande parte de suas experiências vivenciada na Caatinga, onde residem

desde a infância. No entanto, ainda que tenham desfrutado de condições sócio-

histórico-culturais semelhantes, que caracterizam a comunidade, os modos de

interação bem como de apropriação dos valores e saberes são singulares e

vão influenciando no processo de constituição do leitor.

Assim, apresento a seguir algumas das especificidades de cada um dos

sujeitos investigados (D. Marota, D. Licinha e Sr. Reinaldo), outros aspectos,

entretanto, podem ser identificados na análise dos dados revelados neste

capítulo do trabalho.

1 - D. Marota é a mais velha do grupo, tem 84(oitenta e quatro) anos. Viúva, já

é bisavó. Seu nome é Laurize, mas conta que ao nascer, era um bebê tão

grande que a parteira exclamou: “Ó marotona, é muito forte”. Desde então, é

como tem sido chamada.

Iniciou seus estudos aos 08 (oito) anos de idades, quando foi matriculada em

uma escola pública na Caatinga do Moura, cujas aulas eram ministradas por

um professor conhecido por Sr. Domingos e funcionavam em um dos cômodos

de uma residência, onde frequentou apenas alguns meses. Com uma infância

marcada pela orfandade, precisou passar um período de sua vida com os tios,

em outras cidades. Viveu em Cipó e em Itabuna, onde frequentou uma escola

por cerca de um ano. Por isso, sua relação com o espaço escolar vai ocorrer

em diferentes lugares, onde foi desenvolvendo a prática da leitura e escrita.

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Quando retornou à Caatinga já tinha 13(treze) anos, nesse período a escola

não mais fazia sentido para ela, pois já era capaz de fazer a leitura. Cabia-lhe

realizar as atividades na roça, onde desde cedo aprendera a cuidar da terra

para garantir a sua sobrevivência e da sua família.

Com minha vó nós ia (sic) pra roça limpar alho, limpar feijão, arroz, tirar os matos. Aí quando casei fiquei na mesma vida. Fazia o doce de banana pra ajudar a criar os filhos. Fazia esse doce de banana, vendia (D. Marota).

Tem 04(quatro) filhos, dos quais se orgulha em dizer que todos completaram a

formação de ensino médio:

Todos os meus filhos aprenderam a ler, todos formados. Tem um que leciona no colégio. Tem a mãe da Lívia que tirou a 8ª série aqui [Caatinga] e se formou em Jacobina. Tem uma outra que mora em São Mateus, é formada. E tem uma que é enfermeira no Teixeira [Hospital de Jacobina] (D. Marota).

D. Marota mora apenas com uma das netas na Lagoa da Caatinga do Moura,

em uma modesta casa que, dentre os recursos de comunicação, dispõe de

uma aparelho de televisão e telefone. Desfruta da companhia de algumas

filhas e outros netos que residem no mesmo povoado, exercendo seu papel de

matriarca, aconselhando-os, corrigindo-os e ajudando-os.

É católica e participa de algumas atividades religiosas realizadas no povoado.

Está sempre presente nas reuniões comunitárias e, frequentemente, é

convidada a participar de eventos escolares, contando um pouco das histórias

que conhece.

2 - D. Licinha é viúva, aposentada e, com seus 79 (setenta e nove) anos,

desfruta da companhia dos filhos e netos. Do grupo, foi a que frequentou a

escola por um período maior, estudando até o 7º ano do ensino básico, numa

escola particular no povoado da Caatinga. Ainda hoje lamenta o fato de não ter

tido a oportunidade de completar os seus estudos, devido a dificuldades

financeiras. Apenas sua mãe era analfabeta, mas uma grande incentivadora na

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sua jornada escolar. Sobre as estratégias utilizadas para driblar o desafio de

estar na escola, ela conta que:

A gente não conhecia nem um caderno na escola. Eu mesma não conhecia, não vou mentir. Comprava daquelas folhas, que ainda hoje tem. Aí minha mãe cortava, costurava e a gente botava um papelãozinho assim para fazer o caderno. (...). Tinta comprava. Vendia o mercado. Aonde que meu pai podia comprar um tinteiro pra me dar? Nem eu nem meu irmão. A gente comprava era numa venda que tinha ali, de dona Adélia Mesquita, que vendia um mercado, como anil. Aí a gente envolvia com vinagre, pra não borrar, as letras não sair aberta, cansei de fazer. E botava no tinteiro dos outros alunos, que os pais era mais (...). Me dava o vaso seco, eu botava. As canetas. Era um trenzão comprido assim. Comprava só os bico, o bocal. Aí a gente colocava, começava a escrever. Quando ela engarranchava, não prestava mais. Saía a letra borrada, aí a gente comprava outra (D. Licinha).

Apesar das adversidades, podia desfrutar dos romances comprados,

inicialmente, por seu pai e, posteriormente, por seu marido, nas feiras de

Jacobina.

Sobre sua relação com a leitura, D. Licinha confessa que sempre gostou de ler

e, ainda hoje, tem expectativas em relação à prática da leitura, o que para ela

está associada à escolarização:

Gostava de ler. Eu ainda hoje gosto de estudar. Eu só não estou estudando aqui de noite mais porque aqui não tem aula de idoso, mas se eu morasse em Jacobina eu estava na melhor idade estudando (D. Licinha).

Orgulha-se do fato de ver seus netos ingressar na universidade e esforça-se

para garantir-lhes a continuidade dos seus estudos, atuando efetivamente nas

etapas por eles galgadas, conforme a seguinte declaração:

Eu tenho um neto que está numa faculdade em Jacobina. É particular. Ele tem 21 anos. É meu neto. Eu botei o ano passado, ele perdeu. Aí eu joguei numa particular esse ano. Ele passou, ele fez o vestibular (D. Licinha).

Demonstra conhecimento a respeito da história da comunidade, especialmente

da vida religiosa do seu povo. Participa ativamente das missas e atividades

promovidas pela igreja católica. É uma das baianas da Festa do Bom Jesus da

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Glória e está sempre presente nas festas religiosas realizadas em Jacobina, de

onde recolhe folhetos com sermões, cânticos e programações de cerimônias

para realizar suas leituras.

3 - Sr. Reinaldo é o mais novo deste grupo e o único homem que participa

como colaborador deste trabalho. Mora em casa própria, no Roçado da

Caatinga do Moura, possui um aparelho de televisão, DVD player e micro

system.

Aos 61 (sessenta e um) anos é casado, pai de dois filhos. Desses, um concluiu

o ensino médio e já possui uma família; o outro ainda estuda e o ajuda no

trabalho.

Demonstra preocupação em garantir a escolarização aos seus filhos,

diferentemente do que acontecera a ele, uma vez que não teve a oportunidade

de dar continuidade aos seus estudos, em função da necessidade de trabalhar.

Sobre isso, confessa que:

Desde quando eu me entendi, comecei a criar família, eu não quis criar filho como fui criado, trabalhando como doido, não. Eu botei todos pra aprender. Mário hoje tá sabido, pouco, mas tá. O outro esse ano que entra já se forma. E eu botando força pra adiantar ainda mais as coisas pra eles, o que eu puder, estou pronto pra ajudar (Sr. Reinaldo).

Filho de pais analfabetos, estudou 02(dois) anos numa escola pública que

funcionava no povoado. Assim como seus irmãos, aprendeu a ler, escrever e

fazer contas com a ajuda de uma irmã mais velha. Entretanto, segundo ele,

não dispõe de tempo para realizar leituras, devido à sua jornada de trabalho,

que não lhe permite parar para ler, conforme relato:

Em casa até para me achar dá trabalho. Eu saio de manhã e chego de noite. Ainda hoje mesmo eu estou aqui [Jacobina], eu saí 1h da madrugada pra aqui, quando for 10h, 11h eu saio, quando eu chegar em casa vou descarregar. Desço pra roça pra ver se alguém fez alguma coisa, algum trabalho por lá. Amanhã vou pra uma grota que eu tenho por cá. Aí quando eu chego meu filho já ta carregando pra ir para Várzea Nova de madrugada de novo (Sr. Reinaldo).

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Trabalha com o abastecimento de alimentos nas feiras dos municípios

circunvizinhos, especialmente da banana, que é fartamente cultivada na

Caatinga, transportando cargas em seu caminhão. É produtor rural desde a sua

infância, aprendeu com os pais a realizar o trabalho da roça, na pecuária e

agricultura, de onde retira o seu sustento, o que é para ele motivo de orgulho,

pois acredita que foi o que de melhor conquistou na vida.

2.2 No contexto da educação no Brasil

Protagonistas das histórias de leituras da comunidade de Caatinga do Moura,

os sujeitos colaboradores desta pesquisa vivenciaram um período em que se

tentava galgar os primeiros passos no plano da educação popular no Brasil

cujo acesso à instituição formal de educação era bastante restrito. Em 1930,

quando se criou o Ministério da Educação e Saúde Pública, apenas 30% da

população em idade escolar estava matriculada nas escolas21.

O início do século XX é marcado por grandes movimentos políticos no Brasil e

a educação torna-se ponto de pauta de diversas discussões travadas por

educadores do Movimento Renovador da Educação, a Escola Nova,

destacando-se nomes como Anísio Teixeira, Lourenço Filho e Fernando de

Azevedo que, em 1932, lançam ao público o Manifesto dos Pioneiros da Escola

Nova em defesa da educação pública:

Na hierarchia (sic) dos problemas nacionaes (sic), nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caracter (sic) econômico lhe podem despeitar a primazia nos planos de reconstrução nacional. [...] A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação (sic) são outros tantos principeos (sic) em que se assenta a escola unificada e que decorrem tanto da subordinação à finalidade biológica da educação de todos os fins particulares e parciaes (sic) (de classes, grupos ou crenças), como de reconhecimento do direito

21

Informações obtidas a partir da consulta ao vídeo Programa TVESCOLA “A história e os caminhos

da gestão escolar”, 2002.

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biológico que cada ser humano tem à educação. (Programa TVESCOLA “A história e os caminhos da gestão escolar”, 2002)

A importância da educação e a defesa do ensino público, obrigatório e laico

tornaram-se o discurso da sociedade que atendia a uma nova forma de

organização, mobilizada pelo crescimento industrial e pela explosão

demográfica na zona urbana.

Em artigos assinados por um colaborador do Jornal O Lidador22, encontramos

as mesmas ideias vigentes no Manifesto, de que a educação regenera e dá

honra ao homem, sendo a alfabetização a solução de todos os problemas

sociais, pois, do contrário, seria considerado sujeito ignorante, reduzido à

condição de um ser qualquer, contribuindo para o atraso do país. Assim, é

evidente o ideal de progresso da nação brasileira a ser conquistada por meio

da educação, conforme podemos evidenciar em alguns trechos extraídos do

periódico:

Negar lições ao ignorante é renegar o progresso. [...] Instruir é negar o caos da conciência (sic) humana, constelando-a de ideas (sic) puras e ideais excelsos. É dar à criatura a conciencia (sic) de si mesma. É despertá-la do letargo que a nivelaria, quase (sic), à irracionalidade dos outros animais. (Instruir. Jornal O Lidador, 10 de novembro de 1933. Anno 01 nº 10, p.01)

O Brasil, que marcha na vanguarda das grandes nações, dos povos civilisados (sic); [...] O Brasil, finalmente, que é grande na sua estrutura física e elevado na sua posição entre os demais paizes (sic) do mundo, resente-se (sic), ainda, sobremodo, da alfabetização dos seus filhos [...] Doloroso é ver-se o sertanejo trabalhador, honesto, valoroso, heróico mesmo na luta pela vida, a carregar o pesado fardo de sua ignorância completa [...] O analfabetismo é um grande mal, o maior dos males, podemos afirmar! (Jornal O Lidador, 13 de outubro de 1933, n. 06, p. 01)

Apesar dos discursos em favor da educação pública, os números revelam um

quadro desanimador quanto ao acesso à instituição escolar. Em artigo

22

O jornal O Lidador circulava em Jacobina na década de 1930. É um acervo pertencente à família

Barberino. Em 2004, foi digitalizado pelo Núcleo de Estudos Orais, Memória e Iconografia, do DCH –

Campus IV, da Universidade do Estado da Bahia, como parte do projeto Acervos e Fontes para História

de Jacobina e região.

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intitulado Mais escolas!, o Sr. Antonio Souza, colaborador do periódico,

apresenta dados referentes ao ano de 1930, extraídos, segundo ele, do

Anuário Estatístico da Bahia, os quais apontam o município de Jacobina com

percentual de menos de 1% da população matriculada em escolas, ocupando o

último lugar na média de matrículas em relação aos municípios circunvizinhos,

conforme podemos verificar:

Matrícula População

Queimadas 668 30 000

Mundo Novo 672 32 000

Bomfim 1214 30 000

Morro do Chapéo 878 36 000

Campo Formoso 538 45 000

Serrinha 535 35 000

Joazeiro 682 29 000

Riachão do Jacuípe 600 23 000

Jacobina 446 49 000

(Jornal O Lidador. 19 de janeiro de 1934. p. 01)

Como se vê, os ideais de progresso condicionados à educação não

conseguiam resolver a enorme carência de escolas que havia na região,

deixando muitos excluídos do processo de escolarização. A esses, restava

apenas carregar o estigma que lhe era imposto de sujeito inábil, estúpido e

subdesenvolvido, acentuando a desigualdade social. Havia uma preocupação

com a formação do homem urbano e compromisso com a industrialização, a

escola era tida como instrumento de renovação e progresso.

Mediante as dificuldades de acesso à escola e o alto índice de analfabetismo,

os nossos colaboradores ratificam o que temos abordado até então, quando

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falam da comunidade da Caatinga do Moura no período em que tiveram o

primeiro contato com a leitura no seu processo de escolarização.

Minha filha, naquela época, escola era difícil. A leitura que eu aprendi foi pequena, foi pouquinha. Eu saí no 2º ano, então foi leitura muito pouca. Pra hoje, a leitura de hoje, eu posso dizer que só sei assinar o nome (Sr. Reinaldo).

Aqui na Caatinga tinha um analfabetismo horroroso, mas tinha alguém que sabia, viu? Porque nessa época eram poucas pessoas que se dedicavam botar os filhos na escola. Antes de mim, os mais velhos do que eu (...) eram poucas pessoas que sabiam (D. Marota).

Além das questões de escassez de unidades de ensino, havia uma resistência

entre algumas famílias em relação à funcionalidade da alfabetização,

especialmente das meninas, uma vez que aprender a ler e escrever poderia

representar uma ameaça ao pudor das jovens, tornando-se de difícil controle,

principalmente porque muitos pais eram analfabetos. Sobre isso, D. Licinha,

mostra-se indignada ao relatar a experiência vivenciada por algumas mulheres,

inclusive sua mãe, que foram privadas do processo de alfabetização:

Tinha um dizer: eu não vou botar meu filho na escola pra aprender a ler, pra escrever pra namorado. Nisso ficou analfabeto. Minha mãe mesmo não sabia. Ela dizia: “Minha filha, fiquei sem aprender leitura. Minha mãe mais meu pai dizia a mim que não ia botar a gente não porque quando ficar mocinha vai escrever pra namorado”. Naquele tempo atrás, não botava a menina na escola pra não escrever pra namorado. Já pensou? (D. Licinha).

Outra questão diz respeito à própria condição de funcionamento da escola

pública, em espaços improvisados, com poucos recursos didáticos e com

professores despreparados e sem qualquer compromisso, o que colaborava

para o seu descrédito, conforme relato a seguir:

Então, pai, naquele sacrifício todo, botou a gente pra estudar. A gente estudando, era o dia todo, mas a professora não se interessava pelos alunos, de maneira nenhuma. Ela deixava a gente à toa, ia namorar. Às 10 horas era a hora do recreio, quando entrava, já era meio-dia. Se desse lição bem, se não desse, bem também. E aí, na parte da tarde, a gente ia de novo.[...] Dava a lição. Se acertou, bem, se não acertou, a gente tornava voltar pra trás. [...] Nessa altura, pai foi

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desgostando que a gente não tava aprendendo nada (Sr. Reinaldo).

O projeto da escola pública, mobilizado pelos ideais de modernidade, de

transformação de um Brasil atrasado por meio da educação que devia ‘civilizar’

o seu povo, legitimando saberes científicos, parecia fracassar em meio às

péssimas condições de ensino oferecidas às camadas populares: o aluno não

conseguia aprender e a escola não promovia a aprendizagem.

Ao descrever as formas de organização da rede escolar no Brasil, durante a

Primeira República, o professor Paschoal Lemme23, fala das escolas que

funcionavam nas comunidades rurais, afirmando que:

Em todo vasto interior do país havia precárias escolinhas rurais, em cuja maioria trabalhavam professores sem qualquer formação profissional, que atendiam as populações dispersas em imersas áreas: eram as substitutas das antigas aulas, instituídas pelas reformas pombalinas, após a expulsão dos jesuítas, em 1763 (apud GHIRALDELLI Jr., 2001, p.27).

Semelhantemente, ao discutir as relações existentes entre o saber e o poder

nas escolas públicas brasileiras, ao longo da história, Leopoldo Comitti afirma

que:

(...) no final do século XIX e início do XX, a oferta de cursos primários às populações rurais, com a utilização de professores leigos, e a pequena quantidade de escolas secundárias em centros maiores, com professores qualificados, atesta uma política educacional voltada para a formação de leitores/eleitores passivos e a manutenção de uma elite por meio da capacidade da produção textual. (2003, p.147)

Assim, na história da educação brasileira, parece que a escola pública,

especialmente oferecida às populações rurais, está fadada ao descaso e

fracasso. Desse modo, muitos pais, apesar de terem a opção de matricular

seus filhos na instituição pública, se esforçavam para oferecer a aprendizagem

da leitura e escrita, colocando seus filhos nas escolas particulares que

funcionavam em residências, quando algum familiar vindo da cidade, muitas

23

Foi professor no ensino público e atuou na ala esquerda do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova

de 1932.

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vezes com escolarização incompleta, resolvia ministrar aulas ou, ainda, na

igreja, por iniciativa dos responsáveis pela paróquia. Dos nossos depoentes,

apenas Sr. Reinaldo não frequentou a escola particular, o que, segundo ele,

dificultou seu desempenho em relação às atividades escolares.

Era comum também contratar professores particulares para atender às

necessidades das famílias que possuíam melhores condições financeiras,

geralmente os fazendeiros da região que queriam garantir uma boa educação

escolar aos seus filhos. Esses professores, muitas vezes, percorriam

quilômetros, pois vinham da cidade, e se sujeitavam a passar meses na casa

dos contratantes para ensinar as primeiras letras às crianças. Segundo

Manguel (2001), tal prática já ocorria na Idade Média, quando o ensino se

iniciava em casa, seguido da contratação de professores como tutores

particulares Na análise feita por Sr. Reinaldo, essa era a forma eficiente de se

aprender, mas não era possível a todos:

O pai de Dr. Adelço trouxe uma professora chamada Maria Gama daqui de baixo para ensinar lá, a família dele dentro de casa. Exclusivamente pra ensinar os filhos dele dentro de casa. Mas quem ia pras aulas [na escola estadual] não aprendia, só aprendia quem tinha condições de botar uma professora pra ensinar dentro de casa. [...] Muita gente lá [Caatinga] só aprendeu porque compadre Conrado ajuntou mais o povo de Manoel do Ouro e botaram a professora Celeste pra ensinar as famílias de quem tinha condições e aquelas famílias pobres tinham de apelar pra professora [da escola pública]. A professora não se interessava, então os pais sabiam disso, aqueles pais mais sabidos que tinham condições, então traziam uma professora daqui [Jacobina] botava dentro de casa, pagava por conta própria e ela ia ensinar. [...] Nosso pais, muito pobres, não tinham condições nem de fazer a feira, que dirá de botar uma pessoa dentro de casa pra pagar (Sr. Reinaldo).

Evidencia-se, assim, o poder econômico determinando quem deveria aprender

ou não. Aos que podiam garantir a instrução de seus filhos, geralmente os

grandes fazendeiros da região, era possível montar sua própria escola

particular, que atendesse com exclusividade às necessidades das crianças de

sua família, as quais, quase sempre, estavam destinadas a se tornarem

doutores. Aos demais, restava mesmo esperar que, entre um intervalo de aula

e outro, a leitura fosse fruindo nas escolas públicas.

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Havia ainda a possibilidade de contar com os irmãos, parentes ou vizinhos que

já dominavam o código escrito e podiam auxiliar na aprendizagem das

primeiras letras. Nesse caso, em situações de educação informal, realizavam-

se atividades de leitura e escrita fazendo uso dos recursos disponíveis, que

quase sempre se caracterizavam como textos de cunho religioso.

Sr. Reinaldo atribuiu à sua irmã mais velha, e não à escola, o fato de ele e seus

irmãos terem aprendido a ler, escrever e a fazer contas. Coube a ela, sob a luz

do candeeiro, promover atividades que favorecessem a aprendizagem não

adquirida durante os dois anos de escolarização.

Eu aprendi, agradeço a uma irmã que botou a gente de castigo e aí ficou ensinando umas contas, umas palavras, umas coisas, uns negócios assim em casa. Porque ela, quando foi a época dela, foi criada mais em Jacobina. Depois, quando ela fez o 5º ano foi pra Caatinga e aí era mais sabida. O que a professora sabia ela sabia também e sempre ela interessava pelos irmãos. [...] Toda a noite um candeeiro aceso e ela castigando. Ela mandou eu fazer um bocado de dever, umas besteiras, e eu não acertava fazer, aí ela começou de baixo de novo. Os outros [os irmãos] aprenderam um pouco também (Sr. Reinaldo).

Era comum àqueles que já haviam passado pelos primeiros anos de

escolarização assumir o papel de professor, sendo solidários aos que não

conseguiam ainda se tornar alfabetizados, improvisando aulas e espaços com

o intuito de garantir a aprendizagem da leitura e escrita em especial.

D. Licinha viveu a experiência de, espontaneamente, ministrar aulas em sua

própria casa a alguns rapazes que, por trabalharem, não podiam frequentar a

escola nos turnos matutino e vespertino, o que significava para eles a exclusão

do processo de escolarização. Sobre isso, a depoente relata:

Eu ainda ensinei um dia de noite pra uns meninos, lá na minha casa. Abri uma aula que chamava noturna. Eles me davam o gás, que não tinha luz, usava era gás, e eu ensinava a eles (D. Licinha).

A dificuldade econômica, mais cedo ou mais tarde, se tornava um empecilho à

vida escolar das crianças mais pobres. Aqueles que conseguiam cursar os

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primeiros anos de escolarização nas escolas particulares eram, a partir do 5º

ano, obrigados a continuar seus estudos na cidade, uma vez que não havia o

curso, na época, chamado ginasial, o que significava, para muitos, parar de

estudar. Foi o que aconteceu com uma de nossas colaboradoras, conforme

relato:

Eu li, minha filha, que hoje em dia eu não estou comendo porque meus pais não podiam me jogar em Jacobina porque não tinha colégio [em Caatinga do Moura]. Era ganhador de dia em roça, ganhava 5 mil réis, que agora tá no valor de 5 reais. Como é que ele comprava um livro desse pra mim estudar? Aí eu estudei até essa série. Aí me tiraram da aula. Não tinha mais série da aula pra mim que ela só ensinava até a 7ª. Aí me botaram na roça [...] Não pude ir pra Jacobina estudar, meus pais não pode. Eu fui pra roça plantar alho, limpar alho, semear feijão, semear arroz (D. Licinha).

A depoente lamenta, por diversas vezes, não ter tido a oportunidade de dar

continuidade aos seus estudos por dificuldades financeiras, o que, segundo

ela, poderia ter lhe proporcionado melhores condições de vida. Assim, restou-

lhe apenas a opção de realizar as atividades no campo.

D. Licinha estudou na escola da professora Geovanina, a qual resolveu

ministrar aulas particulares na casa de sua irmã, na Lagoa da Caatinga do

Moura. Segundo ela, funcionavam duas turmas, mas o critério de divisão

estava baseado no sexo: meninos em uma classe e meninas em outra. Declara

que havia um extremo rigor para garantir que os grupos não se misturassem,

inclusive, durante o recreio, era permitido a estas brincar no quintal e, àqueles,

na rua. Portanto, o sistema de ensino não estava organizado em séries, pois

havia crianças de idade e níveis diferentes, constituindo-se numa classe de

ensino multisseriada. Ao descrever a rotina da sala de aula, a depoente revela

a estratégia metodológica utilizada pela professora para atender às diferentes

necessidades da turma:

Um estudava aquela lição pela manhã, o que estava naquela série. Tinha que decorar ela [a lição] para onze e pouca ela tomar a lição. [...] Só aqueles alunos que já tinham aquela série que já pegavam os livros maiores. Que tinha uns que ainda não tavam nessa série. [...] Uns iam lendo a cartilha, que ainda não

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sabiam ler, e os outros já liam os livros maiores. E ela [a professora] ia tomando a lição. Era assim (D. Licinha).

Também denominadas unidocentes, pois funcionam com um só professor que

atende no mesmo espaço e tempo a alunos das quatro primeiras séries do

fundamental, a despeito das diferentes idades, níveis de aprendizagem e

escolaridade, as classes multisseriadas têm sido consideradas ineficientes,

desestruturadas, de segunda categoria, uma vez que os professores são, em

sua maioria, leigos, despreparados, e não são oferecidos recursos

pedagógicos que garantam um ensino de qualidade.

Sobre isso, o ex-coordenador do projeto Escola Ativa24, Fernando Piza (apud

ENSINO, 2008) concluiu que “as multisseriadas são as unidades de ensino

mais pobres do País”, ratificando o quadro de precariedade existente nessas

escolas. Nesse sentido, Sr. Reinaldo, ao denunciar o descaso da escola

pública por ele freqüentada no seu processo inicial de escolarização, revela

algumas das dificuldades de funcionamento enfrentadas pela comunidade

escolar, como número excessivo de alunos e a prática pedagógica

assistemática:

Mas, pela professora mesmo, a gente não aprendia não. Inclusive era uma professora pra mais de cinqüenta alunos e tinha aluno de todo tamanho. Aluno que já era pra estar se formando no ginásio ainda tava na cartilha, que só estudava até o 5º ano [na escola multisseriada]. Quem estudava até 5º ano era formado (Sr. Reinaldo).

O multisseriamento caracteriza o ensino rural ao longo da história da educação

brasileira. Esse modelo de ensino ainda hoje é adotado por todos os países da

Europa, além do Canadá e Estados Unidos, sendo muito bem conceituadas.

No Brasil, entretanto, desde o início do século XX quando se instituiu a escola

organizada por série, por influência de educadores americanos, a escola

multisseriada tem sido sinônimo de atraso, decadência do sistema educacional,

justificado pelos índices alarmantes que revelam o baixo desempenho dos seus

24

A Escola Ativa é uma proposta pedagógica voltada para as classes multisseriadas, adotada no Brasil

desde 1998 com o intuito de melhorar a qualidade de ensino, diminuindo o índice de evasão e repetência

dos alunos das escolas rurais das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Disponível em:

http://www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2001/cms/cmstxt3.htm

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alunos. Ainda assim, no ano 2003, 81 mil escolas tinham classes

multisseriadas segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais (INEP), do Ministério da Educação (MEC), sendo que o Estado

da Bahia detém o número maior dessas escolas, em torno de 14 mil escolas,

correspondendo a um número de aproximadamente 370 mil alunos.

2.3 Os livros de leitura

Segundo livro de leitura intermediária. Li um pouco daquele Felisberto Carvalho. Li um pouco também daquele Erasmo Braga. Não conseguia ler o final do livro, mas de todos eu lia um pedaço. (D. Marota).

A gente lia livro. Livro 1º, 2º. Era em livro. Os pais da gente que compravam. Livro Felisberto Carvalho, primeiro livro. Segundo, Erasmo Braga. Eram os números dos livros. Eu li, minha filha, gostava de ler (D. Licinha).

D. Marota inicia o seu relato apontando os livros lidos durante o seu período de

escolarização, ocorrido na década de 1940. Semelhantemente, D. Licinha

apresenta tais obras como fontes de leitura no seu processo de decifração da

escrita. É nítida, para elas, a lembrança dos nomes dos autores Felisberto de

Carvalho25 e Erasmo Braga26, os quais produziam livros especialmente para o

treinamento da leitura, conhecidos como livros de leitura.

25

Felisberto de Carvalho foi um dos mais conhecidos autores de livros didáticos no período que

compreendeu o final do séc. XIX e início do séc. XX. Publicou, além dos livros de leitura, estudos sobre a

gramática, exercícios gramaticais e de redação. Suas obras atingiram diversas regiões do país sendo

reeditadas numerosas vezes por quase um século, sucesso atribuído, em parte, ao uso farto das ilustrações 26

Erasmo de Carvalho Braga foi pastor presbiteriano (1877-1932), escritor, poliglota, tradutor. Um dos

fundadores do jornal O Puritano e membro da Academia Paulista de Letras. Produziu um conjunto de

livros de leitura para as primeiras séries da escola primária, alcançando diversos estados brasileiros,

inclusive o interior da Bahia. Com sua primeira edição lançada em 1909, a Série Braga, como ficou

conhecido o seu trabalho, foi publicada por mais de 40 anos e chegou a mais de cem edições. Cf.

informações disponíveis em www.erasmobraga.com.br/a-escola/biografia-erasmo-braga.

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A partir da segunda metade do século XIX e nas primeiras décadas do séc. XX

os livros de leitura, ao lado dos paleógrafos27, eram amplamente utilizados no

ensino primário e considerados inovadores naquela época, possuíam algumas

ilustrações em cores. Esses livros traziam lições cujos conteúdos referiam-se a

diversas áreas do conhecimento. Até que nas décadas de 1950 e 1960 vão

sendo substituídos por obras didáticas que, além dos textos, continham

exercícios de gramática e vocabulário e atividades de redação, fazendo

desaparecer o livro de leitura (BATISTA, 2008).

Composto por uma antologia de textos, quase sempre do próprio autor, os

livros de leitura de séries graduadas eram produzidos com o propósito de

atingir um público infantil e escolar, destinado, portanto, às séries iniciais da

educação básica, servindo como material de leitura para alunos e professores.

Apresentavam, pois, diferentes graus de instrução, compreendendo do 1º ao 5º

livro, incluindo a alfabetização. Entretanto, em geral, ler até o 3º livro já era

suficiente para atender às demandas sociais daquele período.

D. Licinha, que estudou até o sétimo ano, descreve como eram os livros de

leitura, revelando as estratégias utilizadas pela professora para possibilitar o

acesso, uso e controle desse material:

Agora eu li, eu estudei até a sétima série. Mas os livros altos, grandes, ela que já arrumava aos alunos. Não vê o livro de cartório, era dessa altura. [...] Ela quem tinha e dava aos alunos. [...] Esses livros ficavam na escola. Era dela, esses altos, era dela mesmo. Eram dois livros que ela tinha (D. Licinha).

Ao falar sobre o material de leitura utilizado na escola, D. Marota lembra-se que

os livros de leitura eram ilustrados e tinham a capa colorida e também

continham muitas histórias. E, apesar do pouco tempo de escolarização, alguns

dos textos lidos foram por ela memorizados, conforme podemos constatar no

seu depoimento:

27

Os paleógrafos eram livros destinados ao ensino da leitura de textos manuscritos, contendo diferentes

modelos de caligrafias.

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Os livros tinham muitas histórias, tinha umas historinhas de uma vovó. Essa era da Cartilha das Mães, que era da vó e o netinho. Então o netinho chegava, dizia à avó: Vovó, por que não tem dente e anda rezando só e treme como os doentes quando[...]? Vovó, por que é triste seu rosto, tão trêmula a sua voz? Vovó, qual é o seu desgosto, por que não ri com nós? Vovó, por que é branco o seu cabelo e [...] um bordão? Vovó, por que como gelo é tão fria as suas mãos? Então, ela respondeu a ele: Meu neto, que és meu encanto, tu acabas de nascer. Eu tenho vivido tanto que estou farta de viver. Os anos que vão passando vão nos matando sem dó. Só tu consegues falar da alegria do sol Esse era do leitura intermediária, essa história (D. Marota).

No texto narrado pela depoente, encontramos como características o fato de

ser curto e possuir rimas, o que garantiria a sua memorização mais facilmente.

Os personagens fazem parte de um contexto familiar, um dos temas

recorrentes nos textos escolares, garantindo o diálogo entre a avó e o neto.

Quanto à fonte de origem do texto, não há precisão se seria do livro de leitura

intermediária, nesse caso, de autoria de um dos dois autores, já citados por

ela, ou da Cartilha das Mães28, que aparece como outra fonte de leitura do

processo de formação de D. Marota.

Os textos, portanto, produzidos como material de leitura no processo de

escolarização, apresentavam temáticas que colaboravam para a manutenção

da ordem, de modo a instaurar comportamentos tidos como aceitáveis pela

sociedade vigente. A respeito disso, de acordo com o trabalho de Corsetti e

Garcia (2008), os textos da Série Braga revelam uma nítida preocupação com

a estrutura familiar, a defesa pelo trabalho e pelo respeito à propriedade

privada, a preocupação com os hábitos de higiene pessoal, os cuidados com o

corpo e orientações sobre como garantir a hierarquia social. À educação é

atribuído o papel de difundir todos esses valores, assumindo, assim, relevância

social, o que contribuía para a defesa de que a escola era indispensável à

formação do indivíduo, pois o tornaria um ser lapidado.

28

Arnaldo de Oliveira Barreto publicou a primeira edição da Cartilha das Mães em 1896, denominado por

ele como método analítico-sintético, baseando-se nas novas discussões que surgiam entre os educadores a

respeito dos métodos de alfabetização.

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55

É importante ressaltar que cabia aos pais adquirir o material de leitura para as

instruções escolares, os quais eram indicados pelos professores, conforme

atesta uma das depoentes:

Os livros primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto, ela dava a nota. Os pais da gente era quem comprava (D. Licinha)

Na região de Jacobina, entre as décadas de 1930 e 1940, a venda dos livros

de leitura era divulgada por meio do Jornal O Lidador, cuja sede funcionava

como uma papelaria, conforme podemos atestar por meio de um anúncio que

se repetia por várias edições do periódico:

Segundo e Terceiro livros de Felisberto de Carvalho. Acaba de receber a papelaria do ‘O Lidador’, vendendo-os pelo preço de catálogo (Jornal O Lidador, 04 de junho de 1937, p. 5).

Dessa forma, os livros de leitura de Feliberto de Carvalho, ao lado de Erasmo

Braga, dentre outros autores, eram amplamente difundidos e, certamente,

utilizados nos diversos espaços formais que existiam por ali, incluindo as

escolas da comunidade da Caatinga do Moura. Essas obras foram garantindo a

iniciação e o treinamento do ato de ler no início do séc. XX.

2.4 Escola versus roça ou escola e roça

Ao lado do número insuficiente de escolas para suprir as necessidades da

população existiam as questões de ordem social que acentuavam ainda mais o

analfabetismo. Parece que a crença de que o domínio da leitura e da escrita

seria garantia de sucesso, conforme criação da nossa sociedade e presente no

discurso da própria comunidade escolar, não era suficiente para atender às

expectativas dos alunos ou dos seus pais, visto que não garantia o sustento de

sua família, voltando-se, portanto, para o trabalho da roça e abandonando a

escola, conforme depoimentos abaixo:

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O povo não se dedicava a estar lendo nada para os outros, só se dedicava à roça, trabalhar. (D. Marota).

Naquele tempo muita gente era analfabeta, que os pais botavam era pra roça. Não botava na escola, não podia. (D. Licinha).

A professora dava aula dentro de uma igreja de crente, adventista. [...] e aí ela ficou ensinando a turma, já outro grupo grande. Eu já estava na roça trabalhando, pouco interesse tive mais. Fiquei dentro de casa (Sr. Reinaldo).

Muitas famílias optavam por manter as crianças em atividades mais rentáveis

do que a escola, onde nada se produzia. Neste caso, o trabalho no campo

tornava-se prioridade, o que poderia representar uma das principais causas de

impossibilidade de o indivíduo frequentar a escola.

Apesar disso, a ideia de que as crianças deveriam frequentar uma escola era

tão propagada por toda a comunidade que muitos pais aderiam a ela, ainda

que não entendessem muito bem o sentido disso, mas por ouvirem dizer que

isso era algo bom e necessário ao indivíduo. É o que revela um dos depoentes:

Minha loucura era pra lutar com aquilo que pai me criou de pequeno, lutando com carneiro, bode, gado, animal. A gente nunca pensava que meus pais não sabia ler. Nem pai, nem mãe. Nunca a gente pensava que amanhã, depois, podia viver da

leitura. Achava que podia viver da roça, da leitura não. [...] Nem

pai da gente sabia nada, nem a mãe da gente sabia nada, botava a gente na escola porque ouvia os outros falar que escola era bom. (Sr. Reinaldo).

Ser alfabetizado, ter acesso ao mundo letrado, era o primeiro passo para deixar

a condição, acentuada pela escola, de sujeito ignorante, despreparado. Dessa

forma, para Sr. Reinaldo, o fato de seus pais possuírem conhecimentos úteis e

indispensáveis às tarefas e necessidades diárias o levava a acreditar que eles

fossem alfabetizados, apesar de nunca tê-los visto na condição de leitores ou

escritores. Tratava-se de um acúmulo de saberes diferentes que tinham grande

valor naquela comunidade, a ponto de serem vistos pelos seus filhos como

modelos de sujeitos letrados, pois acreditavam que os mesmos estariam,

indubitavelmente, preparados para realizar as tarefas consideradas por eles

indispensáveis.

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A escola, então, para Sr. Reinaldo, apenas consistia em um espaço a ser

freqüentado obrigatoriamente, mas não possibilitava ao indivíduo grandes

expectativas. Viver da roça era algo certo, isso ele já podia atestar, pois sua

família dependia unicamente do que se produzia no campo, mas viver da

leitura não era algo possível para ele, uma vez que não vivenciava tal

realidade.

É assim que, quando questionado se costumava ler na infância, o depoente

revela que as atividades realizadas por ele, fora do espaço escolar, foram, na

sua história de vida, muito mais significativas:

Não, não tinha tempo de nada. Era cantando goiaba na roça, era capinando terra, era amarrando carneiro na roça, era cortando linha, era juntando os animais pra pai, que pai era tropeiro. Fui criado como, eu não cheguei a conhecer, mas o povo fala, negócio de cativeiro. A gente trabalhava como doido e foi o que eu aprendi e é o que eu to agradecendo hoje em dia (Sr. Reinaldo).

As atividades realizadas na roça, com a agricultura e pecuária, foram se

constituindo num acervo de saberes que jamais foram apreciados pela escola,

de onde pouco ele aprendera, mas que garantiram a Sr. Reinaldo a preparação

para a sua vida, sendo consideradas de inigualável importância, apesar de

reconhecer que o trabalho era, por demais, pesado.

Ocorre que os interesses e conhecimentos do homem da roça divergem do que

a escola e o professor valorizam e sabem, como acentua o sociólogo José

Martins de Souza (2008). Para ele, o grande problema não está no fato de

terem conhecimentos diferentes, é até importante que isso exista, caso

contrário, não haveria o que se ensinar, mas está no fato de o professor não

colocar-se pronto a ouvir a comunidade rural, sua cultura, seus saberes, pois:

A ideologia do educador, no campo, é via de regra a ideologia que considera a cultura, os costumes, o saber da população que ele quer educar como cultura primitiva de povos ignorantes, formas incivilizadas de conhecer a vida e interpretar o mundo. Não raro, o educador é o grande responsável por abrir um amplo abismo cultural entre as gerações do mundo rural. (SOUZA, 2008)

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Apesar de terem surgido no fim do século XIX as primeiras propostas de

educação rural, só foi nas primeiras metades do século seguinte,

especialmente a partir da década de 1930, que foram criados programas

relevantes para as populações do campo. Entretanto,

A educação rural no Brasil, por motivos socioculturais, sempre foi relegada a planos inferiores, e teve por retaguarda ideológica o elitismo acentuado do processo educacional aqui instalado pelos jesuítas e a interpretação político-ideológica da oligarquia agrária, conhecida popularmente na expressão: “gente da roça não carece de estudos. Isso é coisa de gente da cidade” (anônimo) (LEITE, 2002, p. 14).

Desse modo, é inegável que não apenas a falta da escola como também a

existência de uma escola rural cujas características revelam problemas de

estrutura física, escassez de material e professores despreparados têm sido

um dos principais fatores de migração para a cidade, levando famílias a

buscarem melhores condições de educação para seus filhos, conforme acentua

o sociólogo, pois, para ele “a escola rural seria mais um espaço para alfabetizar

do que para educar” (SOUZA, 2008).

No embate das questões socioculturais, nas primeiras décadas do século XX,

já era possível, na região de Jacobina, acompanhar as discussões a respeito

da função e estrutura da escola rural, defendendo, por vezes, um programa e

materiais didáticos específicos para atender às necessidades do trabalhador

rural, conforme encontramos num artigo intitulado Alfabetismo e urbanismo, em

que o autor compara o sistema educacional brasileiro ao da França, trazendo à

tona as questões relacionadas à educação rural.

É que a escola alfabetiza e geralmente furta, ao campo, um trabalhador. Aprendendo a ler, o jovem agricultor começa a alimentar novos sonhos, que povoam sua imaginação. E a cidade com seu cortejo de seduções, entra nos seus planos, atraindo-o insistentemente. Também, na França, a escola é o elemento de urbanisação (sic) porque lá, como aqui, não existe o tipo da escola adequada ao campo com professor rigorosamente especialisado (sic), programa e livros destinados ao ensino rural etc. [...] Aqui, o movimento tem que ser outro:em favor da instrução e da escola rural autentica que ajude o trabalhador a fixar-se ao solo (sic).(Jornal O Lidador. Alfabetismo e Urbanismo. 9 de janeiro de 1938,n. 219, p. 04)

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59

Nesse caso, a preocupação em relação à escola residia no fato de que esta

deveria estar preparada para garantir a fixação do homem no campo,

adequando o seu programa de forma que atendesse às necessidades da vida

rural, mantendo-o distante da cidade, evitando, assim, a perda do trabalhador

rural. A ideia é de que o acesso à cultura letrada provocaria no sujeito uma

expectativa que não poderia ser correspondida na roça, pois esta representava

um espaço deprimente, atrasado. Assim, ele seria impulsionado a desejar

desfrutar dos bens do mundo moderno proporcionado pela cidade.

Entretanto, hoje, já é considerada antiquada e ultrapassada a preocupação de

manter o homem no campo. Possibilitar o acesso à modernidade, alterando a

ideia de que o rural representa o atraso econômico e social é, segundo Souza

(2008), um dos ideais da reforma agrária. O campo tem sofrido um processo de

revalorização, em função das ações e projetos que têm sido difundidos29. Em

contraposição, a cidade tem sido apresentada como lugar inadequado para se

viver, o que implicaria na necessidade de uma ressocialização do educador.

2.5 O leitor: um livro personificado

O livro não esquecido, memorizado, ganha outras dimensões. Pelo fato de ser

de difícil acesso, D. Marota soube tão bem guardar na memória as histórias

lidas há mais de sessenta anos e ser promotora de novos leitores, ser ela

mesma o próprio livro, pois, segundo Manguel (2006, p. 75), “ao recordar o

texto, ao trazer à mente um livro que um dia teve nas mãos, esse leitor pode

tornar-se o livro, no qual ele e os outros podem ler”. É o que podemos atestar

na declaração da depoente ao relatar como ocorria o processo de ler,

memorizar e contar histórias:

29

O autor aponta como exemplo do Movimento dos trabalhadores rurais Sem Terra – MST e das ações

impulsionadas pelas igrejas como da Pastoral da Terra.

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Eu mesma lia e gravei essas coisas [...] Eu contava pra bastante gente quando eu lia essas histórias. Para as amigas. Às vezes quando eu lia histórias de romances eu contava e as pessoas gostavam de ouvir. Das mais novas até a minha idade ou mais velha do que eu gostava de assistir (D. Marota).

Por meio da memorização, foi possível relembrar as histórias lidas, uma vez

que os livros não lhe pertenciam e, portanto, permaneciam pouco tempo em

suas mãos. De modo semelhante, Manguel (2006, p.75-76) narra o que

acontecera a Jean Racine, estudante aos dezoito anos na abadia de Port-

Royal des Champs, em 1658, quando encontrou um antigo romance grego e

que, após ser surpreendido por duas vezes, e lhe ser cerceado o direito de ler

tal obra, o jovem resolve decorar o romance inteiro, o que lhe garantiria

consultar o texto quando desejasse, pois estava arquivado em sua própria

memória.

Era-lhe possível possuir o texto mesmo sem tê-lo. Fazendo uso da memória,

tais histórias ainda podem ser ouvidas por D. Marota. Nesse sentido, é

relevante apresentar a experiência vivenciada por Manguel quando, ao ser

estimulado a decorar poemas em alemão a fim de melhorar sua pronúncia, o

autor confessa ao seu professor que não compreendia a utilidade daquela

tarefa, ao que este lhe respondera “eles lhe farão companhia um dia em que

você não tiver livros para ler” (2006, p. 82). Essa lição foi aprendida pela nossa

colaboradora.

Além disso, é relevante assinalar o papel assumido por D. Marota na sua

comunidade, de tornar-se contadora das histórias lidas, as quais nem sempre

eram acessíveis aos demais. Sendo assim, tornou-se promotora de novos

leitores e referência naquela localidade. Segundo ela, além de seus filhos,

netos, sobrinhos e vizinhos, tem sido convidada para contar as histórias de

Cancão de Fogo30 nas reuniões da Associação da Comunidade e nas escolas:

Às vezes, a gente estava assim num lugar, tinha palestra, não é? Então, um dizia uma coisa, outro dizia outra e aí chegava ao ponto de eu contar essas histórias (D. Marota).

30

A vida de Cancão de Fogo e seu testamento é uma das obras de Leandro Gomes de Barros (1865-

1918), importante escritor da literatura de cordel no Brasil, produzindo cerca de seiscentos títulos.

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61

Tomando como base o material recolhido pelo Programa de Estudo e Pesquisa

da Literatura Popular31, a professora Edil Silva Costa, ao falar da tradição oral

na Bahia, assinala o valor que a oralidade recebe em comunidades onde a

modalidade escrita não assume a principal forma de comunicação. Destaca

ainda o desempenho de narradores como D. Marota, com baixo nível de

escolaridade. Segundo ela, foram registrados

(...) inúmeros casos de narradores analfabetos ou semi-analfabetos, e o que se tem observado é que suas narrações costumam ser mais ricas do que os textos fornecidos por pessoas de escolaridade superior, normalmente preocupadas em se expressar de acordo com a língua padrão e que, mesmo inconscientemente, tendem a censurar e, consequentemente, reduzir os textos (COSTA, 1998, p.40).

Sobre o suporte textual de onde aprendia as histórias, a depoente afirma que

não ficavam vestígios, uma vez que o acesso ao livro ocorria por intermédio de

um primo que sempre trazia essas novidades e, além disso, não havia na sua

casa nenhum material de leitura, sendo ela a única leitora. Ler, portanto,

dependia exclusivamente da disponibilidade de livros fornecidos por ele, o qual

costumava comprar nas feiras em Jacobina uns livrinhos que continham

histórias de romances. Diz ela:

Eram essas histórias de romances bestas, de namorados, essas besteiras assim. Eu lia nos romances. Eu sei um pouco das histórias. Esses livros assim [risos].

A depoente confessa que, após ter sido seduzida pela ilustração da capa, se

tornou leitora compulsiva dessa literatura.

Na verdade, os livros referidos eram literatura de cordel, que, segundo D.

Marota, “os nortistas de Pernambuco traziam e vendiam por preços baixos”,

consistindo no material de leitura mais acessível à população, o que

31

O Programa de Estudo e Pesquisa da Literatura Popular – PEPLP- tem sido desenvolvido por estudantes e pesquisadores da Universidade Federal da Bahia, desde 1984, com o objetivo de recolher, estudar e divulgar a produção poética oral popular baiana por meio de pesquisa de enfoque etnográfico

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possibilitava o seu consumo. Ela mesma afirma que teve acesso a vários

exemplares, ainda hoje retidos na sua memória, como Coração de luto32

Também D. Licinha teve acesso a essa literatura. Nesse caso, eram adquiridos

por seu pai quando ia a Jacobina e, mesmo depois de casada, o seu marido

continuou comprando alguns exemplares. Segundo ela, os romances ficavam

guardados em um caixãozinho de madeira, mas, após serem emprestados, não

foram devolvidos, razão pela qual ela não os possui hoje. Dentre as histórias,

lembra-se de A Chegada de Lampião no inferno33, História da donzela

Teodora34 e da História da princesa da Pedra Fina35.

Eu sabia tudinho, eu dizia tudo aqui na mente. Tinha um do Mundo de perna pra cima. Decorava tudo. Depois, quando chegou a idade, eu esqueci (D. Licinha).

É interessante atestar que, para D. Licinha, a memorização não parece ter sido

tão necessária, pois ela possuía o livro, o que significava que poderia consultá-

lo quando desejasse, ao contrário de D. Marota. Assim, no caso daquela, os

livros foram perdidos e as histórias esquecidas.

É, pois, inegável a função sociocultural dessa literatura, perpetuando os

saberes do povo e aguçando a imaginação dos leitores por meio de suas

histórias, o que representou, para muitas comunidades, a única possibilidade

de desfrutar dos prazeres da arte literária.

O cordel tem sido impresso no Brasil desde o final do século XIX, ganhando

prestígio entre a população a partir da década de 1920 e alcançando tiragem

expressiva na década de 1950. Assim, por várias décadas, em algumas

32

Literatura de cordel, de autoria de Firmino Soares da Silva, que destaca a importância da aprendizagem da leitura, habilidade considerada capaz de conferir dignidade ao indivíduo. 33

Obra de José Pacheco da Rocha (1890 - 1954), cordelista pernambucano, considerado um dos mais

satíricos e picarescos de todos os poetas populares. A chegada de Lampião no inferno teve grande

repercussão e alcançou um número considerável de exemplares vendidos. 34

Obra de Leandro Gomes de Barros (Pombal-PB, 1865; Recife-PE, 1918). Tendo publicado cerca de

600 obras, é considerado o mais lido de todos os escritores populares. História da Donzela Teodora teve

grande aceitação, foi considerado um dos clássicos da literatura de folhetos, de larga circulação tanto no

Brasil como em Portugal. 35

Há duas versões em cordel desse título. Uma delas é atribuída a João Martins de Atahyde (1880-1959),

paraibano, era não apenas autor como editor da literatura de cordel, sendo acusado de adulterar várias

obras de escritores, especialmente de Leandro, com quem trabalhou.

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comunidades, constituiu-se a única fonte de acesso à escrita, apesar de ser

considerada pela sociedade culta uma literatura inferior, portanto,

marginalizada pela população elitizada. Segundo o professor Américo Pellegrini

Filho36 (2009), esse gênero passou a ser valorizado no Brasil e a despertar o

interesse de estudiosos depois da publicação de um artigo de Orígenes Lessa,

em 1955, e, posteriormente, o de um estudioso francês Raymond Cantel,

publicado em 1969. Desde então, tem sido prolífera a produção de trabalhos

que tomam as produções de poetas populares para estudar a cultura brasileira.

2.6 Os materiais de leitura

Nos lares brasileiros que se declaram católicos é comum a circulação de textos

como o Catecismo37, Cartilhas de oração38, Via Sacra39, trazidos das missas e

eventos realizados pela igreja. Esse material pode representar até mesmo o

único suporte textual disponível aos membros de uma família, conforme relata

D. Licinha ao falar sobre o que era lido na sua casa durante a sua infância:

Tinha lição de catecismo, eu lia. Cartilha de oração. Sexta feira santa, Semana Santa. Minha mãe, que era muito católica, dizia:”Vamos, minha filha, hoje é dia de sentimento, hoje é a semana, é a quaresma que a gente tem que rezar a oração”. E eu, menina besta, naquela época, os pais da gente diziam e a gente fazia. [...] Tocava a ler de novo (risos) Catecismo, Cartilha, Via Sacra (D. Licinha).

Ao ser questionada sobre os materiais de leitura disponíveis em sua casa,

atualmente, a entrevistada apresenta textos diversos, todos religiosos,

afirmando que os mesmos constituem “uma ruma de coisas trazidas de

36

Professor de Patrimônio natural, cultural e folclore na escola de Comunicações e Artes na

Universidade de São Paulo. 37

No catecismo são reveladas as doutrinas da igreja católica, destacando os pontos de fé, dogmas e

preceitos morais, fundamentadas em textos bíblicos, com o intuito de orientar a vida do católico fiel. 38

Compêndio de orações cuja função é difundir o cristianismo, tornando as rezas conhecidas e repetidas

entre os fiéis. 39

De origem católica, a Via Sacra é uma oração lida pelos fiéis especialmente no período da Quaresma,

pois lembra o caminho percorrido por Jesus rumo à crucificação.

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Jacobina”, adquiridas nas atividades realizadas pela igreja católica das quais

ela participa. Além dos folhetos religiosos, a depoente não faz referência a

nenhum outro suporte textual, exceto a bíblia, que fica sempre aberta e exposta

logo na entrada de sua casa.

Eu leio folheto da igreja, das igrejas lá da Matriz que eu vou pra missa do Divino Espírito Santo. Eu não perco Divino Espírito Santo em Jacobina, não, que a minha filha mora lá. Eu sou católica, mulher. Eu adoro ler. [...] Tudo é folheto que eu vou pra missa lá [Jacobina], não perco. Dia de Santo Antonio, o padroeiro. Aí tudo é leitura de lá (D. Licinha).

É interessante destacar a aproximação existente entre as religiões cristãs e as

atividades de leitura. Segundo Fischer (2006, p.56), foi por meio da exaltação

judaica à palavra escrita que o cristianismo se firmou. Além disso, o autor

destaca o fato de que o ato da leitura dos textos sagrados representa parte da

cerimônia religiosa, seja por meio da leitura da Bíblia, da leitura de orações e

de cânticos. Dessa forma, poderíamos dizer que os sujeitos considerados

cristãos, que participam das atividades promovidas pela igreja, possuem,

inevitavelmente, experiências de leituras.

Legitimados pela igreja e, consequentemente, pela sociedade, os textos

religiosos alcançam as mais diversas comunidades, assumindo uma dupla

função: de catequizar e de alfabetizar as populações. A leitura desses textos é

considerada algo sagrado, trata-se da ‘Palavra de Deus’, portanto, obrigatória

no seio familiar, sendo, pois, dotada de autoridade. Nesse sentido, divulgam-se

os preceitos da fé católica, ressaltando valores e comportamentos defendidos

por ela.

O livro de catecismo, por exemplo, era um importante aliado da escola e

resultava também numa atividade de leitura. Ao lado de outros saberes que

eram ensinados, além de ler e escrever, como as operações matemáticas, a

história do Brasil e alguns aspectos da geografia, aprender sobre os preceitos

católicos tornava-se mais um propósito escolar, claramente evidenciado,

conforme relato apresentado por Sr. Reinaldo ao falar do conteúdo estudado

durante as aulas:

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Ela (a professora) botava aritmética, geografia e a tabuada e um livro de catecismo, que a gente fazia a Primeira Comunhão, ainda hoje eu sei do que dizia. [...] Aquele negócio de 7 de setembro. Era assim (Sr. Reinaldo).

Também no depoimento de D. Licinha é possível verificar a importância

atribuída ao catecismo como recurso pedagógico, ao lado de outros tipos de

textos destinados exclusivamente ao uso escolar. Diz ela:

Lia pra eles. Eu dava lição pra eles. Dava lição de tabuada, dava de catecismo. Eu já li ortografia, história do Brasil (D. Licinha).

É, pois, inegável que os textos religiosos foram relevantes no processo de

alfabetização de muitos indivíduos que não podiam contar com materiais

didáticos diversificados, uma vez que estes eram escassos e de custos

elevados para muitos, especialmente da população que morava em regiões

distantes dos centros urbanos.

O professor Joel Rufino dos Santos (1999,p.90) ao falar sobre como se

apaixonou por livros, declara ter sido a bíblia responsável pela sua

alfabetização, a qual, segundo ele, continha histórias, textos fabulosos,

diferentemente das cartilhas onde apenas aprendera a juntar as sílabas.

Ao destacar a influência exercida por sua irmã durante o seu processo de

escolarização, Sr. Reinaldo mostra que a bíblia usada por ela, além de

representar uma importante fonte para se exercitar as atividades de leitura e

escuta, em espaços informais de educação, como na igreja ou em casa, não

deixava de ser utilizada para orientar a conduta das crianças.

Ela [sua irmã] tinha a bíblia e ela lia pra gente ver. Não era escritura de propriedade, era escritura pra pessoa acreditar no que Deus deixou feito e no que vai acontecer ainda. Aí ela ensinava a nós: “Ó meus fio, não beba, não jogue, não fume, que a bíblia é contra essas coisas. Porque quem bebe é sem respeito, quem joga é sem consideração e quem fuma ataca o pulmão”. Ela explicava pra nós. Então, ao menos eu, fiquei nessa vida assim: não bebo, não jogo, não fumo (Sr. Reinaldo).

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Manguel (2006, p.322-323), ao trazer situações vivenciadas ao longo da

história, não apenas do mundo ocidental, revela diversos tipos de leitores, a

exemplo dos pais, cônjuges ou governantes, os quais são caracterizados por

ele como autoritários, fanáticos ou estóicos. Estes se preocupam em dirimir os

possíveis perigos existentes em determinados textos, livrando os futuros

leitores de se contaminarem com as más obras, exercendo, assim, o papel de

censores, que tentam limitar as influências exercidas pelas leituras. O autor

acrescenta que tais indivíduos “podem reinterpretar livros para torná-los úteis

apenas a eles mesmos, para justificar seus direitos autocráticos”. Assim, cabe

aos seus subordinados acatar as ordens ou transgredi-las, buscando sua

autonomia.

Entretanto, esse caráter moralista, prescritivo, não se restringe aos textos

religiosos. Podemos encontrar nos textos literários produzidos para o

treinamento escolar, entre as últimas décadas do século XIX e até meados do

século XX, a finalidade de inculcar determinados comportamentos e atitudes

considerados desejáveis pela sociedade. A literatura cumpria fins muito mais

prescritivos, estando a serviço da escola para formar ‘bons’ cidadãos.

2.7 Ser leitor em condições adversas

Saber decifrar o código escrito constitui-se condição primordial e indispensável

à constituição do sujeito-leitor, mas não suficiente para garantir a prática efetiva

da leitura, é necessário também que se tenha acesso a diversos tipos e

suportes textuais, às livrarias e bibliotecas, de modo que as atividades de

leitura e escrita tenham uma função social real e se tornem, além de uma

necessidade, uma atividade prazerosa.

Sobre isso, Magda Soares (2000, p.59), ao discutir as condições para o

letramento, apresenta algumas situações que testificam a necessidade de se

disponibilizar material de leitura, como a que acontecera na campanha do

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Mobral40, cuja ausência de demandas de leitura e escrita levou pessoas

alfabetizadas a um estado de “desalfabetização”41, ao contrário do que ocorrera

em Cuba, em que, além de realizar uma campanha de alfabetização, garantiu

material de leitura a toda a população em qualquer povoado,

independentemente de sua localização ou tamanho, tornando o povo cubano

alfabetizado e letrado.

Ao declarar-se não-leitor, apesar de ter sido alfabetizado, Sr Reinaldo toma

como premissa o fato de não fazer uso da leitura no seu cotidiano, afirmando,

por exemplo, que nunca possuiu livro algum. A cartilha escolar e o livro de

catequese foram os únicos lidos por ele durante toda a sua vida, quando ainda

era criança. Segundo o depoente, ainda hoje, não circulam em sua casa outros

suportes textuais como revistas ou jornais.

Considerando as condições que lhe foram impostas, desde o seu período de

escolarização, de privação ou dificuldade de acesso a esse material,

poderíamos afirmar que as atividades de leitura não se constituem reais e

necessárias ao depoente. Entretanto, em situações e espaços favoráveis, a

leitura parece se tornar uma atividade possível, conforme o seguinte relato, em

que ele narra algumas experiências com textos:

Às vezes, revista assim. Como essa semana eu estava na auto-escola tomando curso, enquanto o professor chega, a gente apanha, fica ali lendo. Quando tá no banco, às vezes a gente tem algum compromisso ali na Caixa. Tem os papel pra a gente não ficar parado de tudo, os papel tá ali, a gente pega e fica olhando (Sr Reinaldo).

Na verdade, a própria ação de ler é construída culturalmente, em situações em

que se idealiza um possível leitor, como na sala de espera de um banco ou de

uma empresa em que se oferecem folhetos e revistas para entreter o cliente.

Neste palco, surge um leitor. Diríamos que um leitor eventual que responde às

expectativas impostas socialmente para aquele lugar, naquele momento.

40

O MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização - foi instituído no Brasil em 1967, com a Lei

5379, vigorando até 1985, e propunha a alfabetização funcional de jovens e adultos, dando

prosseguimento às campanhas iniciadas por Lourenço Filho. 41

Expressão utilizada pela autora.

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Seria ingênuo acreditar que basta ensinar a ler e oferecer um livro ao sujeito e

este terá se constituído leitor, uma vez que determinados tipos de textos e

suportes textuais apresentam desafios ao sujeito que o impedem de efetivar o

ato de ler, conforme constatamos no depoimento a seguir:

Eu sei que eles [os filhos] trazem o caderno grande, eu não entendo, não adianta. Eu sei que eles estão fazendo o protocolo deles, eu não. Tanto faz eles me dizer: pai é água, como é peixe. Pra mim é tudo uma coisa só: ta nadando (Sr. Reinaldo)

Ao falar dos cadernos de seus filhos, Sr. Reinaldo aponta um tipo de leitura que

para ele não tem sentido. Fora do seu contexto, o que se produz ou se registra

no cotidiano escolar é, por vezes, esvaziado de significado. Afirma Zilberman

(1982, p.52) que “desvinculado de seu objeto, o ato de leitura torna-se

intransitivo e inexplicável, a não ser que se apele a categorias tomadas de

empréstimo de outros setores da vida social”. Trata-se, quase sempre, de

textos fragmentados, em que a relação entre o processo de leitura e escrita e a

percepção de que tal atividade pode ser valorosa ou prazerosa vai se tornando

inexistente.

Tomando os critérios assinalados por Luiz Percival Leme Brito (2003, p.80),

considerados por ele necessários à construção das informações de um texto,

os quais seriam: 1) o lugar de produção; 2) o espaço de circulação e 3) a

inserção social dos sujeitos que a recebem, é possível explicar a dificuldade

relatada pelo depoente quanto ao entendimento do que lê, pois o texto levado

por seus filhos nos cadernos é produzido na escola, de onde não intenta sair, e

restringe-se à leitura do aluno e do professor (quando o faz).

Semelhantemente, D. Licinha ao falar dos livros que circulam na sua casa, na

atualidade, revela a sua dificuldade de se aproximar desse material, uma vez

que são por ela totalmente desconhecidos e vazios de significados, ainda que

lhe sejam acessíveis.

Esses livros desses estudantes agora que eu não sei a lição. [...] Eu tenho um neto que é guarda. Aí exigiram uns livros. Aí ele pegou no Centro Cultural para ele estudar. Agora mesmo

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eu tenho outra neta que vai se formar esse ano em dezembro. Ela já está estudando nesses livros, mas ela tem que pegar no Centro Cultural. Eu via esses livros lá [em Jacobina] quando eu ia lá, uns livros grandões, mas eu mesmo nunca peguei pra olhar o que era aquilo, nunca olhei (D. Licinha).

Assim, saber ler e ter o suporte textual não são suficientes para que se efetive

a prática da leitura, outros desafios se apresentam ao leitor, como o domínio de

estruturas e de conhecimentos lingüísticos necessários à compreensão do

texto, problema advindo da precariedade do seu processo de escolarização.

É o que atestam os dados apontados pela pesquisa Retratos da leitura no

Brasil quando mostra, dentre outras, as seguintes dificuldades de leitura

reveladas pelos entrevistados: leem muito devagar (17%); não compreendem o

que leem (7%); não têm paciência para ler (11%); não têm concentração (7%).

Para a professora Maria Antonieta da Cunha:

Todos esses problemas dizem respeito a habilidades que são formadas no processo educacional. Esses dados somam 42% do universo pesquisado. Para superar essas dificuldades, seria necessário um esforço significativo por parte do poder público na formação e aperfeiçoamento de professores de língua portuguesa e mediadores de leitura (2008, p.13)

Não é o que revelam os discursos oficiais elaborados ao defenderem que ler é

uma questão de hábito ou gosto, atribuindo unicamente ao indivíduo a

responsabilidade pela sua formação, desconsiderando, assim, as condições

que lhe são apresentadas, por vezes desfavoráveis à prática da leitura. No

entanto, é inegável ser necessária uma ação mobilizada pelo desejo ou

interesse, o que não pode ser exercida pelo outro. Ao verificar que, na referida

pesquisa, a leitura ocupa o 5º(quinto) lugar na ocupação livre dos

entrevistados, Cunha comenta:

Há uma grande, enorme fatia da população que não conhece os materiais de leitura, ou conhece muito mal. Há um claríssimo problema de acesso aos materiais de leitura, especialmente ao livro. Mesmo tendo-os por perto, falta a descoberta, a volta na chave que faz a súbita ligação e torna o sujeito capturado para a leitura. Ele não descobriu a senha. (2008, p.12)

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Ser leitor pode se revelar uma tarefa desafiadora, visto que não se restringe à

simples decodificação de textos, é necessário que se descubra o seu sentido

em meio a condições adversas, tornando sua prática real e necessária.

2.8 Sob a era tecnológica

Ao falar sobre o processo de migração da zona rural para a cidade, José de

Souza Martins chama a atenção para o fato de que estudiosos como José Eli

da Veiga42 e José Graziano da Silva43 têm constatado a necessidade de

reinterpretação dos dados censitários, uma vez que revelam uma diminuição

do processo migratório nesse sentido. O sociólogo conclui que,

“aparentemente, o rural se transforma e se revigora ao mesmo tempo” (2008,

p.01).

Assim, as características de ruralidade vão se modificando, ganhando novos

contornos a partir das apropriações e intersecções com espaços considerados

urbanos, onde, a priori, o desenvolvimento tecnológico predomina nas

principais formas de trabalho e atividades sociais. Nesse sentido, a Caatinga

do Moura se transforma:

As pessoas hoje na Caatinga mudaram muito. Mudou, mudou. Ave Maria. A gente não pode mentir tem que falar a verdade. Hoje a leitura lá desenvolveu muito, ta entendendo? Eu mesmo não me sinto muito descabriado porque já estou velho, mas se eu ainda fosse novo eu ia pra escola de novo. Sabe por quê? A gente ainda fica meio descabriado dos outros saberem e a gente não. É triste. Não é coisa boa não, de forma nenhuma (Sr Reinaldo).

42

Professor titular do departamento de economia, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP), pesquisador associado do “Capability and Sustainability Centre” da Universidade de Cambridge. 43

Atualmente é Professor Titular do Instituto de economia da Universidade Estadual de

Campinas.

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Na visão de Sr Reinaldo, houve uma melhoria em relação ao desenvolvimento

da leitura e de acesso ao conhecimento no distrito de Caatinga do Moura. Um

dos critérios utilizados por ele para constatar tal mudança deve-se ao fato de

as pessoas terem acesso às tecnologias da informação:

É tanto que é poucas casas hoje lá [na Caatinga] que não existe um computador dentro de casa (Sr Reinaldo).

Ao mesmo tempo em que revela certo orgulho por reconhecer que novas

formas de produção do conhecimento têm sido apropriadas por uma parte da

população, Sr. Reinaldo manifesta um sentimento de depreciação em relação

ao seu saber, declarando-se, assim, inferior na sua comunidade e, de certo

modo, analfabeto por não dominar, nem ter acesso às tecnologias da

informação, visto que “a implantação de toda tecnologia cria uma situação de

instabilidade e insegurança para aqueles que ainda não têm acesso aos seus

benefícios” (PAIS, 2002, p. 101). Desenvolve-se, pois, uma reação paradoxal

de medo e fascinação diante das novas possibilidades e desafios que são

impostos ao sujeito.

Ao discutir as formas de produção na contemporaneidade, Chartier considera a

revolução da representação eletrônica dos textos como possibilidade de se

concretizar os ideais do Iluminismo de que cada pessoa pudesse, por meio do

intercâmbio do texto escrito, exercer a crítica, atribuída, no século XVIII, ao

invento de Gutemberg44. Segundo o autor, tal ideal só seria possível de se

imaginar com esta nova invenção, visto que permite um intercâmbio universal,

pois “cada um pode, como sábio, expressar suas ideias, suas proposições,

suas críticas, e, como leitor, receber e exercer julgamento sobre as

proposições dos outros” (2001, p.72). Entretanto, chama a atenção para o fato

de que as distâncias podem ser aumentadas:

(...) entre os que manejam o novo tipo de comunicação e os que estão de fora, seja no âmbito de uma sociedade particular (por isso eu disse que talvez os analfabetos do futuro sejam os que fiquem de fora das formas eletrônicas de produção,

44

Refere-se aqui à invenção da imprensa, baseada na composição dos caracteres móveis e na impressão

com prensa, que possibilitou ao Ocidente a multiplicação de textos e sua produção a custos mais baixos,

tornando-os mais acessíveis à população.

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transmissão e apropriação dos textos), ou no do mundo em seu conjunto. Vemos, pois, que as distâncias não se reduzem, elas aumentam com a difusão desse novo tipo de técnica (Idem, p.72).

Desse modo, evidencia-se na comunidade um distanciamento entre os sujeitos,

imposto pela era da informática, que vai definir diferentes leitores. Temos, por

um lado, uma nova forma de texto, o eletrônico, que se apresenta à nova

geração e, por outro, o sujeito que não tem acesso a este suporte textual e, por

isso, se caracterizaria como não-leitor.

3 DE SOL A SOL: HISTÓRIAS DE LEITURAS DE PROFESSORES

É bom ter muitas personas,

colecioná-las, costurar

algumas, recolhê-las à

medida que avançamos na

vida. Quando vamos

envelhecendo cada vez mais,

com uma coleção dessas à

nossa disposição,

descobrimos que podemos

ser qualquer coisa, a

qualquer hora que

desejemos.

Clarissa Pinkola

Na trajetória de vida de cada um de nós, são muitas as situações que nos

envolvem e nos modificam. As histórias de leitura são determinadas por todas

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essas situações: a família, os amigos, os vizinhos, a escola e a universidade

são alguns dos elementos que exercem sobre nós determinadas influências, as

quais se transformam em experiências que vão sendo costuradas em nossas

vidas.

Neste capítulo, pretendo investigar as diversas situações experimentadas pelas

professoras durante o processo de se tornarem leitoras, os tipos de textos

lidos, as leituras proibidas e desejadas, os mediadores de leitura, as escolhas e

as obrigações durante o processo de escolarização, as leituras religiosas, as

leituras compartilhadas, enfim, as diversas condições a que foram submetidas

nas suas histórias de vida.

Faço a opção por substituir seus nomes reais por nomes fictícios, embora não

tenha havido qualquer tipo de exigência durante as entrevistas que implicasse

em tal decisão. Entretanto, considerando sua profissão, a fim de evitar qualquer

tipo de constrangimento em seu ambiente de trabalho, decidi, juntamente com

as professoras, mantê-las no anonimato.

3.1 Histórias de vida, histórias de leitoras

As 05 (cinco) professoras que colaboraram com esta pesquisa vivem na

Caatinga do Moura desde a infância e compartilham das mesmas condições

oferecidas naquele distrito. São provenientes de classe social baixa e

trabalham apenas como professoras da rede municipal de educação, cujo piso

salarial não ultrapassa o valor mínimo estipulado.

São mulheres de faixa etária entre 25 e 45 anos, nascidas, portanto, nas

décadas de 1960, 1970 e 1980. Todas estudaram nas escolas da comunidade,

sempre em instituições públicas, e cursaram o antigo curso de magistério na

cidade de Jacobina, no Colégio Estadual Deocleciano Barbosa de Castro.

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Apenas (01) uma delas concluiu o ensino médio no final da década de 1980, as

demais concluíram na década de 1990.

Apesar de suas peculiaridades, possuem características que em muito as

aproximam. Dessa forma, julgo importante apresentar um pouco de suas

histórias de vida, buscando as singularidades e a coletividade.

1- Márcia é casada e tem dois filhos. Mora no Roçado de Caatinga do Moura,

onde também trabalha na escola Maria de Lourdes Almeida Grassi, a mesma

em que cursou seus primeiros anos de escolarização. Ela conta que essa

escola, no período em que estudava, era multisseriada funcionando as classes

de 1ª a 4ª séries. Estudou também numa escola paroquial que tinha o nome do

seu idealizador, Padre Alfredo Hassler, dirigido por duas irmãs católicas que

mantinham absoluta vigilância sobre a conduta dos alunos, com determinações

bastante rigorosas. Essa escola funcionava no mesmo espaço onde era

celebrada a missa aos domingos, oferecendo-se aulas para a comunidade

durante a semana. Lembra-se bem que era adotada uma coleção de livros

didáticos, intitulada Mundo Mágico. Os pais interessados, ou que podiam arcar

com as despesas, assinavam a lista de pedido dos livros, comprometendo-se a

comprá-los assim que o livro encomendado chegasse à livraria Lápis de Ouro45

e que se limitava à distribuição de livros didáticos, encomendados pelas

escolas da região. Sendo assim, nem todos possuíam o livro em sala de aula,

tornando-se privilégio de poucos.

Para cursar o ensino médio, precisou morar na casa de seus tios, em Jacobina.

Foi, segundo ela, um período de adaptação a um novo estilo de vida, pois, até

então, morava com sua avó que exercia sobre ela um rigoroso controle, com

determinadas regras em casa, diferente dessa nova situação em que era

obrigada a realizar seus estudos na biblioteca municipal devido ao volume do

som que era constantemente ligado. Concluiu o curso de magistério em 1994,

retornando para a Caatinga do Moura.

45

Papelaria e livraria existente em Jacobina entre as décadas de 1970 a 1990.

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2- Elza também é casada e tem dois filhos. Trabalha com a educação infantil

na Escola Alice Áurea Pereira que fica no centro da Caatinga do Moura, onde

também cursou as primeiras séries de escolarização, que funcionava com

multisseriamento de 1ª e 2ª séries. Seus pais eram analfabetos e sofriam

muitas privações devido a dificuldades financeiras. Segundo ela, o livro didático

utilizado na escola precisava ser comprado, pois não havia distribuição gratuita

e, como seus pais não podiam comprar, dependia sempre do empréstimo dos

colegas. Para realizar o ensino médio em Jacobina se deslocava todos os dias

de ônibus, percorrendo quase 100 km diariamente, concluindo o curso no ano

2000. Esse período representa para ela um momento difícil em que precisa se

adaptar a um novo espaço escolar, formado por um grupo totalmente

desconhecido por ela. É evangélica e participa das atividades de sua igreja,

ministrando aulas a crianças na escola bíblica que acontece aos domingos.

3- Lúcia é solteira e a mais nova de todas. Estudou no Colégio José Antonio

de Carvalho, que hoje é o Colégio Municipal Dr. César Borges, onde também

trabalha ministrando aulas a uma turma de 2º ano do ensino fundamental. Tem

boas lembranças da escola, pois representava para ela uma extensão de sua

casa, visto que sua mãe era professora e ela sempre transitava pelos espaços

da unidade escolar. Cursou o ensino médio no mesmo período que Elza,

dividindo com ela o percurso referente e concluindo o magistério também no

ano 2000. Sua avó, mãe e tias estão sempre envolvidas com as atividades

culturais realizadas na Caatinga, organizando apresentações na comunidade e

participando ativamente da festa religiosa do Bom Jesus da Glória.

4- Áurea é casada e tem uma filha. Estudou as primeiras séries na Escola

Alice Áurea Pereira e depois no Colégio José Antonio de Carvalho, onde hoje é

professora das séries iniciais do ensino fundamental. Concluiu o magistério em

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1997, em condições semelhantes às de Elza e Lúcia, apesar de nunca ter

desejado ser professora. Pretendia estudar em outra cidade, onde mora uma

de suas tias, e fazer outro curso, de preferência na área de saúde, mas foi

obrigada a desistir dos planos. Morou muito tempo com seus avôs que eram

donos de uma farmácia, a única do distrito. Sua mãe e tias eram professoras e

sua avó era escrivã.

5- Cláudia é solteira e a mais velha deste grupo de colaboradores, com mais

de 40 anos de idade. Concluiu o ensino fundamental em 1982, na Caatinga, e

conta que já iniciou seus primeiros anos de estudo sabendo o ABC. Cursou os

primeiros anos em escola multisseriada, dividindo as poucas carteiras

escolares com os colegas, os quais tinham diferentes idades e níveis de

aprendizagem. Seus pais eram analfabetos e sempre foram trabalhadores

rurais, cuidando das terras dos fazendeiros e recebendo pagamento mediante

o dia de serviço prestado. Sua família sempre foi numerosa, sendo ela a

segunda dos nove filhos de seus pais. Atualmente, trabalha nas séries iniciais

da Escola Arlene Dias Rocha Marques, que fica localizada na Lagoa da

Caatinga do Moura, onde mora com sua irmã e sobrinhos. Concluiu o ensino

médio em 1988, deslocando-se diariamente para Jacobina, assim como as

demais.

As experiências vivenciadas por todas essas professoras, como alunas ou no

exercício de sua profissão se imbricam em diversas situações, tendo estudado

em escolas que apresentavam condições de ensino semelhantes. Chama-nos

a atenção para o fato de que todas, com exceção de Cláudia, trabalham hoje

nas mesmas escolas onde foram alunas.

3.2 Do ABC ao saber ler: as primeiras leituras

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O processo de aquisição da língua escrita de todas as depoentes deu-se

exclusivamente por meio da Carta do Abc e/ou da Cartilha, servindo como

material preparatório para a leitura, ou ainda, como um livro de leitura, se o

conceito sobre o que é ler se limitar ao simples processo de decifrar letras e

sons.

Em estudo feito a respeito dos materiais de leitura utilizados nas escolas

primárias brasileiras, na segunda metade do século XIX, Carlos Humberto

Alves Correia (2008) constata que, somente a partir da década de 50, as

cartilhas, cartas de abc e os catecismos foram adotados pela escola,

constituindo-se os principais recursos utilizados para formar leitores. A

produção ou tradução desse material, em sua maioria, era feita por autores

portugueses. Até então, só era possível contar com textos de natureza religiosa

ou legal, bem como textos manuscritos.

Ao falar sobre a utilização das cartas de ABC, o autor ressalta a relevância e

perpetuação desse material nas escolas brasileiras. Segundo ele:

As cartas de abc firmaram uma tradição na história da escola primária brasileira. Mesmo sendo um utensílio vinculado a um dos mais tradicionais métodos de alfabetização (método sintético), resistiu as inovações promovidas por partidários de outros métodos de alfabetização e continuou sendo editado até os anos 50 do século XX (CORREIA, 2008).

Quando descrevem o seu processo de alfabetização, as depoentes revelam os

materiais e procedimentos realizados na escola para se aprender a ler, os

quais, corroborando com as considerações de Correia, se restringiam à carta

de abc e à cartilha, ainda hoje encontradas e utilizadas por professores, apesar

das críticas que tem recebido, decorrentes de diversos estudos.

Primeiro tinha que aprender as letras que ficavam na carta do abc, repetir cada uma, às vezes era cantada. Depois, quando já sabia, a gente aprendia na cartilha, com as sílabas e as palavras. Igual a que a gente ainda vê nas escolas (Cláudia).

Eu me lembro que tinha que soletrar as letras e as sílabas. A professora copiava no quadro e a gente ia soletrando. Até as palavras eram soletradas (Márcia).

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O método utilizado para alfabetizar era predominantemente a soletração, uma

das formas do método sintético, que se restringia ao deciframento de letras,

enfatizando a combinação entre os grafemas e fonemas: inicia-se com as

letras, em seguida, as sílabas, para depois chegar às palavras soltas, não

havendo, portanto, nenhuma preocupação com o seu significado.

O processo de deciframento das letras ocorria não apenas na instituição

escolar, muitas vezes, a cartilha ou a carta do ABC eram apresentadas por

meio de um membro da família ou um vizinho, conforme relata Cláudia, a qual

confessa que tal aprendizagem ocorrera por intermédio do seu irmão mais

velho, em sua própria casa. Diz ela:

(...) tudo o que ele aprendia na escola, quando chegava em casa, ele passava pra mim, então, quando foi a época de estudar na escola, não precisei ir pro ABC, fui direto pra cartilha (Cláudia).

Ao fazer uma análise a respeito da cartilha e a formação do leitor, o professor

Luiz Carlos Cagliari (2009, p.22) afirma que, inicialmente, esse material era

preparado para a aprendizagem da leitura em casa, sendo composto por um

grupo de letras e sílabas, organizado em forma de tabela, o que tornava esse

processo bastante simples. Depois da vinculação da alfabetização à escola,

após a Revolução Francesa, a cartilha foi sendo modificada, os grupos de

letras separados por categorias, estabelecendo o cumprimento de

determinadas etapas e o controle rigoroso do professor. Posteriormente, foram

sendo acrescidos pequenos textos e exercícios que se restringiam ao

treinamento das palavras já aprendidas.

Dietzsch (2009, p.07) chama a atenção para o fato de que as cartilhas editadas

num período compreendido entre 1916 e 1940 e que foram utilizadas pelas

escolas até a década de 70, basicamente, não sofreram alterações nos textos,

apesar de todos os acontecimentos políticos e educacionais, especialmente no

campo da linguagem, que marcaram a história do país. Mesmo nas cartilhas

produzidas a partir de 1948, as alterações consistiam apenas em substituir

algumas palavras-chave, alheia, portanto, às mudanças que se faziam na

sociedade.

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As primeiras leituras das professoras colaboradoras deste trabalho foram,

portanto, promovidas por meio das cartilhas, com seus textos fragmentados,

pobres e, muitas vezes, incoerentes que, na perspectiva da lingüística textual,

apresentam uma concepção de texto escrito que pode não favorecer 46 o

processo de tornar-se leitor e produtor de textos, uma vez que a ênfase está na

relação grafema/fonema, sobre isso Cagliari afirma que “a cartilha salva a

ortografia, mas destrói o texto” (apud MASSINI-CAGLIARI, 2001, p.82).

As cartilhas têm sido alvo de críticas não apenas por especialistas da área de

linguagem, como também por diferentes leitores que vivenciaram o seu

processo de alfabetização submetido às bazófias e princípios divulgados nos

textos. É desse modo que o escritor Graciliano Ramos expressa, em suas

memórias, percepções a respeito da sua experiência com as primeiras leituras,

pois, conforme Dietzsch:

Longe de desvendar belezas e prenunciar liberdade, nas memórias de Graciliano, as letras da cartilha traduziram aborrecimentos e se transformaram em amarras que escravizavam a mão em penosos exercícios, subjugavam o corpo pela palmatória e entorpeciam a mente com o vazio de seus aforismos e adivinhações (2009, p.02).

No depoimento das professoras, não encontrei expressões que denotassem

insatisfação ou contestação sobre o método e material a que foram submetidas

durante a aprendizagem das primeiras letras ou palavras, como o fez

Graciliano. É possível que tal silenciamento deva-se ao fato de que, em suas

práticas pedagógicas ainda testemunhem ou até mesmo reproduzam situações

que se assemelham às vivenciadas por elas na infância, como resultado da

multiplicidade de teorias, métodos e fórmulas que têm sido apresentadas ao

professor nos últimos anos, levando-o a dúvidas e inseguranças sobre o que

seria melhor ou mais adequado durante o processo de alfabetização.

3.3 O percurso do leitor: entre livros herdados e procurados

46

Sobre os elementos lingüísticos nas cartilhas, ver o livro O texto na alfabetização, de MASSINI-

CAGLIARI, publicado pela editora Mercado de letras

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Ser filha de professora ou ter pais analfabetos. As professoras envolvidas neste

trabalho foram submetidas a uma dessas duas condições de caráter

sociocultural, o que vai influenciar a sua relação com o texto escrito.

No primeiro caso, havia garantia de acesso a determinados materiais de leitura,

uma vez que circulavam em suas casas livros didáticos, revistas pedagógicas,

dicionários, enciclopédias e algumas obras literárias. É o que atestam as

depoentes quando dizem:

Minha mãe era professora primária, então lá em casa a gente tinha contato direto com livros, desde os contos da carochinha até gibis, jornais também (Lúcia).

Eu lia jornal, literatura infantil e revista. [...] minha mãe e minhas tias eram professoras e eu sempre via textos (Áurea).

Áurea também descreve a casa de seu avô, onde morou por algum tempo,

como um espaço favorável à prática da leitura, pois além de conter um armário

cheio de livros, era comum encontrar seu avô lendo um jornal ou folheando

uma enciclopédia ou dicionário. Além disso, como sua avó era escrivã, as

atividades que envolvem o texto se tornavam frequentes.

Meu avô todo o dia lia, todo o dia. Lia pra passar o tempo, pra ficar informado (Áurea).

Lúcia e Áurea não têm como desafio buscar material de leitura, uma vez que,

sendo filhas de professoras, o texto aparece como herança familiar, pois

exercer essa profissão representa para a comunidade ocupar uma posição

social de prestígio, uma vez que passa a ser considerado o detentor do saber e

aquele que tem acesso ao material capaz de qualificar o sujeito como portador

da cultura escrita.

Entretanto, ter o livro ou qualquer outro suporte de leitura não é garantia de ser

leitor, pois, concordando com Hansen (2005, p.20) “ter livro não significa ler

livros, especialmente em lugares onde o livro funciona como crachá” Para

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Lúcia, por exemplo, ainda que em sua casa pudesse contar com revistas e

alguns tipos de livros, coube a ela, que se julgava interessada, por iniciativa

própria, realizar suas primeiras leituras, uma vez que ninguém lia para ela, pois

sua mãe nunca tinha tempo já que, sendo professora com carga horária de 40h

semanais, nunca estava em casa para orientá-la.

Ao discutir os dados apontados pela pesquisa Retratos da leitura no Brasil, a

respeito das práticas familiares de leitura, a professora Maria Antonieta da

Cunha destaca que:

Nos lares dos não-leitores, 55% nunca viram os pais lendo. Se considerarmos que a maior influência para a formação da leitura vem dos pais (principalmente das mães). No entanto, dado o quadro de que os pais dos entrevistados não têm instrução alguma (23 %), cursaram até a 4ª série do ensino fundamental (23%) ou têm fundamental incompleto (15%), enquanto as mães sem qualquer escolaridade são 26%, 22% fizeram até a 4ª série e 16% têm fundamental incompleto, torna-se muito difícil a inculcação pela família do valor da leitura (CUNHA, 2008, p.13).

É claro que os dados apresentados pela pesquisa possibilitam pensar no papel

que a família exerce no processo de constituição dos leitores. Assim, se

considerarmos o grau de instrução e o fato de que a maior influência para a

formação do leitor vem principalmente da mãe, dois fatores seriam favoráveis a

Lúcia e Áurea, pois além de alfabetizadas, suas progenitoras exerciam o

magistério, sendo, portanto, portadoras de textos. Entretanto, penso que não

deve ser determinante para nos levar a antever quem é ou não é leitor, mas,

sim, entender que para aquelas, cujos pais eram analfabetos, o desafio se

torna ainda maior.

Desse modo, no segundo caso, ser filha de pais analfabetos pode implicar na

compreensão do ato de ler muito mais como uma conquista, uma vez que o

texto escrito não tem na família o seu lugar assegurado. Foi essa a experiência

vivida por Elza, Márcia e Cláudia, que precisaram recorrer à casa de vizinhos e

parentes, à igreja, ou se limitar ao material oferecido pela escola para ter

acesso a determinados tipos de texto. Sobre isso nos mostram os

depoimentos:

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O cordel era na casa de minha tia. Tinha um primo que gostava muito. Aí sempre que ele ia nas feiras, ele trazia. Eu via e achava interessante o livrinho, então eu lia e ás vezes levava pra ler em casa Elza).

Tinha uma professora que era minha vizinha, e aí eu tinha acesso a alguns livros didáticos e revistas. (...) porque ela tinha duas filhas. Como eu tinha a mesma idade, eu lia aquelas revistinhas em quadrinhos (Cláudia).

Exatamente por ter uma professora como vizinha, foi possível a Cláudia se

apropriar de determinados gêneros textuais, enriquecendo sua prática leitora.

Assim, a procura por outros espaços e leitores parece ser uma tentativa de

suprir a ausência existente nos seus lares.

3.4 Leitura ao pé de ouvido: herança guardada na memória

Nas sociedades letradas, ouvir histórias representa uma das atividades que

impulsionam a constituição do leitor. As experiências vividas pelas professoras,

durante a infância, envolvem situações em que os causos, as lendas, as

histórias de assombração, de rei e rainha, histórias das famílias povoam a

imaginação e possibilitam dialogar com diferentes temporalidades e crendices.

Todas as professoras afirmam que ouvir história representava um momento

agradável. Das figuras masculinas, somente Lúcia aponta o avô como contador

de história, não cabendo ao pai essa função. Pode-se perceber que o lugar da

contação de história é preponderantemente das mulheres. Cabe, quase

sempre, à mãe, à avó e à tia contar histórias para acalmar a criança, para

distraí-la ou fazê-la dormir. Todas as professoras registram pelo menos uma

dessas personagens no papel de contadoras.

A imagem da mulher como contadora de histórias tem sido observada em

vários trabalhos de histórias de leituras, a exemplo da pesquisa de Lílian

Lacerda, quando propõe em sua obra Álbum de Leitura identificar as situações

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de leitura e os objetos lidos descritos nas autobiografias de mulheres

brasileiras nascidas entre meados do séc. XIX e o início do séc. XX.

Lúcia lembra-se muito que suas avós, sempre que reuniam os netos, não

perdiam a oportunidade de contar as histórias guardadas na memória. Mesmo

sendo sua avó paterna analfabeta, conclui ter sido rico o repertório que lhe era

apresentado, especialmente recheado de figuras imaginárias.

Os contos de fadas, as fábulas, causos de assombração e histórias bíblicas

foram citados como tipos de textos mais frequentes nas contações de histórias.

É o que confirma o seguinte depoimento:

Elas falavam de histórias locais e de outros textos que conheciam. Contavam lendas, causos, histórias da própria comunidade [...] relatando a questão de como era o espaço que nós moramos hoje. Causos de Lampião, Maria Bonita, relacionados ao Cangaço que eles ouviam e passavam pra gente (Lúcia).

Elza diz se lembrar muito bem de casos que eram contados pelas amigas de

sua mãe que freqüentavam a sua casa e que ela, por curiosidade, ouvia. É

interessante a observação feita de que não havia ninguém que lhe contasse

história, mas lembra-se de que sabia e repetia por diversas vezes a história de

Chapeuzinho Vermelho, ainda que a sua memória não consiga recuperar quem

assumiu o papel de lhe contar essa história, talvez tenha sido uma de suas

irmãs, ou alguma vizinha, tem certeza de que não foi sua mãe, pois, segundo

ela, nunca tinha tempo para isso.

E assim, muitas vezes por detrás da porta, ou às escondidas, na escuta de

histórias destinadas aos adultos, vai-se constituindo o sujeito leitor. Pois,

conforme L’Abbate (apud MORAES, 2001) “essa vivência experienciada

através da oralidade _ matéria prima do contador de histórias – é que vai

possibilitar, nesse mundo moderno de vozes e escritas solitárias, o fascínio

pela efervescência não só da leitura, mas da escrita/ texto/literatura”. Então,

podemos afirmar que ouvir as histórias contadas pelos seus pais, avós e tios foi

fundamental na constituição do sujeito leitor, uma vez que o conduziu a um

exercício de imaginação e fantasia.

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O recurso da oralidade é ainda muito utilizado especialmente na propagação

da cultura popular. A memória funciona como importante aliada na difusão das

vivências da comunidade, das histórias experimentadas.

Nesse sentido, Rettenmaier (2004, p.195) acentua a necessidade de

aceitarmos que “os exercícios da leitura passam, também por vias informais,

pelo percurso da oralidade”. Afirma o autor que consideramos desprestigiados

os conhecimentos adquiridos por determinados grupos porque têm suas

origens na modalidade oral, uma vez que é a escrita que detém poder na

sociedade.

Também Manguel (2006, p. 143) revela como a escrita adquire para algumas

comunidades “o valor de talismã”, ao relatar como no Norte da França os

contadores de histórias das aldeias utilizam o livro apenas para imprimir certa

autoridade, fingindo estar realizando a leitura do texto, ainda que o segurem de

cabeça para baixo. É, portanto, a soberania da escrita que pode ser

evidenciada especialmente nas sociedades ocidentais.

Merecem atenção as considerações de Rettenmaier, quando reforça a

importância de valorizarmos as contribuições das culturas populares e

folclóricas introduzindo suas histórias, conhecimentos e crendices no palco das

discussões acadêmicas, pois, segundo o autor,

Malgrado um senso de leitura mais abrangente, pluralizado pela diversidade cultural e conquistado há pouco tempo, embora ainda não completamente reconhecido, permanecemos sempre no limiar de uma atitude destruidora. Somos, habitualmente, direcionados para um comportamento que deprecie o que vem da ‘rua’ e o que vem de um passado anterior à racionalidade letrada (2004, p. 195)

Assim, ouvir e contar histórias representa muito mais do que uma atividade

para passar o tempo ou para divertir. Trata-se de valorizar a cultura de uma

comunidade, suas identidades, suas histórias, constituindo novos leitores.

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3.5 A autonomia do leitor: sobre o que ler

Cada sujeito, nas suas relações com livros, textos e outros leitores, vai

selecionando e realizando suas escolhas, determinando o que lhe agrada ou

não. Suas preferências são muitas vezes motivadas por emoções ou

necessidades. Quando questionadas sobre os textos que mais gostam de ler,

as professoras recorrem, portanto, a esses dois condicionantes. É assim que

vão surgindo nas suas narrativas obras e autores:

Eu gosto desses livros que lhe informam alguma coisa, que lhe ajudam quando você está com depressão, essas coisas. De Augusto Cury mesmo, eu li (Áurea).

Eu sempre gosto de ler reportagem sobre espiritismo. Eu tenho [livro] de Zíbia Gasparetto, de Augusto Cury. [...] E também até hoje eu gosto muito de ler aquelas revistinhas de horóscopo. Agora que o tempo está pouco, mas todo o mês eu tinha que comprar uma (Cláudia).

A leitura de obras de auto-ajuda é apontada pelas professoras como uma

prática frequente em suas trajetórias de vida, atendendo a uma necessidade de

suprir suas carências emocionais. Esses livros têm sido adquiridos e passam a

compor o seu próprio acervo. No entanto, esse tipo de leitura não é bem aceito

pela comunidade “letrada”, sendo considerada uma subliteratura. Em entrevista

concedida à revista eletrônica Weblivros a respeito da “boa” literatura, o

jornalista Manuel da Costa Pinto47 declarou que:

Livros de auto-ajuda não são literatura. São uma manifestação de histeria coletiva sobre um suporte de papel. Não é diferente do lixo televisivo. Não é literatura. Infelizmente, a alta cultura é um domínio restrito. (...) a produção contemporânea tem um público restrito e só terá mais leitores num futuro remoto. Daqui a cem anos, Paulo Coelho estará completamente esquecido e Raduan Nassar será um pouco mais lido (2008).

47

Jornalista, mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP e colunista da Folha de S.Paulo.

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A rejeição de determinados textos, mesmo antes de eles serem lidos, é fruto da

visão preconceituosa não só de críticos literários, como também de leitores,

baseando-se em diversos fatores, tais como: gênero literário; grupo social a

que pertencem e/ou representa; formação acadêmica; grupo étnico, entre

outros. Trata-se de uma forma de manter o status social de um grupo

prestigiado que tem o poder de hierarquizar e determinar o que pode ou não

ser lido. Dessa forma, não se admite gostar de livros de auto-ajuda, best-

sellers, gibis, novelas sentimentais, folhetos ou outros tipos de textos

considerados inferiores em relação à supremacia do “bom” livro literário.

No seu livro Literatura brasileira hoje, publicado pela Publifolha, da série Folha

Explica – Literatura, com a primeira edição em 2004, Costa Pinto propõe um

cânone que, por se tratar de uma eleição edificada com base nas preferências

do autor ou historicamente construída, não poderia mostrar outro resultado que

não o ligado ao favorecimento de autores e obras de determinadas regiões do

Brasil. A região Sudeste aparece no topo da lista, além disso, as obras eleitas

enquadram-se em apenas dois gêneros _ prosa e poesia_ ficando de fora o

teatro, a biografia e o ensaio; outra evidência da exclusão diz respeito ao

pequeno número de mulheres e representantes de certos grupos étnicos.

O uso da palavra cânone, de origem grega “kanon” que significava uma

espécie de vara com funções de medida, tornou-se generalizado a partir do

séc. IV quando a igreja elegeu uma série de livros considerados como a

verdade sobre a fé cristã, denominando apócrifos os livros rejeitados. O termo

posteriormente passou a ser utilizado pela literatura, sendo associado às

expressões “clássicos” e/ou “obras primas”, consistindo, portanto, na seleção

de obras e autores tidos como “geniais”, determinando o que é legítimo e

marginal, consentido ou proibido, impondo critérios de medidas.

A constituição de um cânone literário brasileiro teve como modelo os

parâmetros europeus: inicialmente, com a colonização, era determinado pela

metrópole portuguesa para, em seguida, sofrer forte influência da cultura

francesa. A partir do século XIX, entretanto, esteve relacionada à necessidade

de construir a identidade cultural da nação, perpetuando-se pelo século XX. A

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ideia de dependência de uma cultura europeia vista como melhor e mais forte

era frequentemente revelada e comparada à nossa cultura, a esse respeito,

mostra Silviano Santiago (apud SOUZA, 2002, p. 50) a posição de Joaquim

Nabuco48 que caracteriza a realidade brasileira como carente de uma tradição

e vista como inferior.

A escola passou a funcionar como importante instrumento de fixação e

transmissão de cânones. Assistimos, ainda hoje, à imposição de obras

obrigatórias a serem lidas como únicas fontes de representação da literatura,

que se repetem ano após ano, apesar da explosão do mercado editorial, desde

a década de 80, revelando novos autores e obras. Sendo assim, têm sido

deixados de fora muitos textos com qualidade, devido a questões exógenas à

literatura, como a política, a etnia, o sexismo, o colonialismo, entre outros.

Se os critérios utilizados para determinar o cânone literário respeitassem o

“gosto” do público, por exemplo, Paulo Coelho49, citado pelo jornalista Costa

Pinho, entraria na lista dos escritores consagrados na literatura brasileira

contemporânea, uma vez que tem vendido milhões de obras conseguindo

satisfazer o leitor que busca entretenimento; há aqui uma oposição entre crítica

e público. O escritor, apesar das inúmeras críticas que tem recebido, alcançou

popularidade e no ano de 2002 foi aceito na Academia Brasileira de Letras.

Tais críticas alegam problemas de escrita com a norma culta e a existência de

conteúdo espiritual, o que faz com que suas obras sejam consideradas como

literatura esotérica de auto-ajuda, e avaliadas como de valor menor. Caso

contrário, suas obras seriam “devoradas” por estudantes que concorrem aos

vestibulares e que, por isso, são obrigados a ler determinados textos literários

e, sem dúvida, seria ponto de discussão nas universidades, como objeto de

produção cultural amplamente disseminado.

48

Joaquim Nabuco (1849-1910) foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Foi um

político, historiador, diplomata, jurista e jornalista brasileiro. Lutou veementemente contra a escravidão e

fundou em 1878 a Sociedade Antiescravidão Brasileira. 49

O escritor ocupa a posição no ranking dos mais vendidos no mundo, alcançando, até hoje, 92 milhões

de livros em cerca de 160 países, suas obras já foram traduzidas para 66 idiomas e, em língua portuguesa,

é o autor que mais vende obras em todos os tempos, ultrapassando Jorge Amado. Consulta feita em 22 de

novembro de 2007. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Coelho.

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A determinação de boas ou más obras tem, pois, um caráter subjetivo e, quase

sempre, arbitrário. O próprio conceito de literatura pode variar. Sobre isso,

afirma Terry Eagleton que “qualquer coisa pode ser literatura, e qualquer coisa

que é considerada literatura, inalterável e inquestionavelmente – Shakespeare,

por exemplo – pode deixar de sê-lo” (EAGLETON, 1997, p.11). Sendo assim,

um texto não nasce literário, nem tampouco canônico, nem tem que ser sempre

canônico ou não-canônico, uma vez que é determinado por critérios históricos

e sociais, o que nos leva a acreditar que as obras de Paulo Coelho, por

exemplo, um dia poderão compor o cânone literário.

Na Caatinga, não apenas Paulo Coelho como também Augusto Cury, Zíbia

Gasparetto têm o seu lugar garantido nas histórias de leituras das professoras.

Nas entrevistas, identificamos 04(quatro) leitoras desses autores, cujas obras

foram adquiridas por meio de empréstimos ou compra.

As revistas de cunho pedagógico são referência para todas as professoras. O

fato de a profissão exigir a atualização a respeito de temas voltados à

educação faz com que busquem nesse material o apoio de que necessitam. As

propostas didáticas são o assunto mais procurado, uma vez que, estando num

curso de Licenciatura em Pedagogia, as exigências em torno da prática

pedagógica, em realizar um trabalho diferente em sala de aula são muito

maiores. Todas as depoentes possuem assinatura de alguma revista

pedagógica. Dentre elas, destaca-se a revista Nova Escola, que tem se tornado

referência de leitura entre os professores de ensino fundamental, talvez pelo

baixo custo e facilidade de acesso, dessa forma, poderíamos dizer que tem

ganhado popularidade na comunidade escolar. Foram citadas também as

revistas Pátio, Mundo Jovem e Revista do Professor de Educação Infantil.

Afirmam que leem com frequencia, principalmente com o propósito de

encontrar orientações para a sua prática em sala de aula.

3.6 O leitor sob suspeita

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Márcia e Elza apontam os contos e os romances como leituras desejadas,

revelando a dificuldade de acesso a esse material, pois, tendo pais

analfabetos, dificilmente eram encontrados textos em suas casas. Além disso,

a leitura de romances representava para algumas famílias uma ameaça à

ordem familiar, podendo desvirtuar as moças. Sobre isso, o trabalho de Paiva

(2002, p. 411) mostra que no Brasil essa preocupação era muito acentuada

pela igreja católica, no início do século XX, que se esforçava em garantir a

censura à leitura, especialmente de romances. Havia, portanto, um absoluto

controle das leituras consumidas pelas mulheres, tidas como frágeis e

inocentes.

Então, paralelamente ao processo de fazer-se leitor, vai sendo definido o

sujeito infrator, uma vez que é levado a romper as proibições, realizando suas

leituras mais secretas. É nesse contexto que entram em cena os partícipes, os

quais fornecem os suportes necessários à ampliação das possibilidades de

leitura, quase sempre representados pelos colegas, vizinhos ou parentes. Tal

situação foi vivenciada por 02 (duas) das 05 (cinco) professoras, conforme

suas narrativas:

Eu tive acesso a outros materiais, letras de músicas que eu gostava. Na época era proibido em casa porque era música do mundo [...]. Tinha um grupo, uma bandinha que eu gostava, os meus colegas me davam a letra [da música] e eu levava pra casa escondido. (Márcia)

(...) na verdade esses romances românticos, minha mãe, por não ter conhecimento do tipo de texto, proibia. E as revistas também, as fotonovelas, mas eu lia assim mesmo escondido. Minha vizinha me emprestava. (Cláudia)

É dessa forma que a diversidade chega às mãos dos leitores, transpondo as

barreiras impostas pela família. É interessante perceber que as famílias

estabelecem seu próprio cânone, tendo como critério de seleção suas crenças,

valores e interesses. Ainda que, em alguns casos, permaneçam alheios ao que

os grupos hegemônicos determinam, agem da mesma forma. Assim, podemos

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dizer que a Bíblia e o livro didático integram o cânone familiar daqueles

professores.

Entretanto, apesar do controle rigoroso à leitura de determinadas obras, é

indiscutível o grande sucesso alcançado pelos romances destinados ao público

feminino. As coleções de bolso do tipo Sabrina, Júlia e Bianca, da Editora Nova

Cultura, fazem parte das histórias de leituras de muitas mulheres. Na

entrevista, 03 (três) professoras revelaram ter tido acesso a esses textos no

período da juventude, sendo adquiridos por meio de empréstimos.

Para Cláudia, a leitura dessas obras foi bastante significativa no período da

adolescência e juventude, pois sempre gostou de romances. No caso dessa

série, por possuir um conteúdo envolvendo sempre um relacionamento

amoroso, movido por uma grande paixão, satisfazia as suas aspirações de

leitora.

No entanto, não encontramos consenso na avaliação feita a respeito dessas

obras. Para Márcia, que confessou ter lido alguns trechos de um dos

exemplares de Sabrina, a linguagem é muito banal e lhe causava certo

desconforto, o que a levou a desistir da sua leitura, devolvendo rapidamente a

uma de suas amigas, de quem havia tomado por empréstimo.

Surgidos na década de 1980, segundo El Far (2006, p. 48), anualmente são

vendidos dois milhões de exemplares e atingem especialmente o público

feminino de idade entre 20 e 50 anos. Esses volumes, de preço baixo, tornam-

se acessíveis às camadas populares, ainda que, segundo a autora, atinjam, em

geral, a classe média. É, portanto, possível encontrá-los nas histórias das

professoras da Caatinga, mesmo que desencadeando comportamentos

diferentes, permearam suas experiências leitoras.

Mas não apenas a leitura dos romances depreendia atenção das famílias.

Quando o texto trazia algum conteúdo julgado “inadequado”, era rapidamente

censurado. Muitas vezes, sob o pretexto de que “ainda era cedo para ler sobre

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essas coisas”. Vejamos o que revela Áurea sobre o momento em que escolheu

um livro para ler na prateleira da casa de sua avó:

Eles [pais e avós] não proibiam. Só os jornais quando vinham aquelas notícias de policial [página policial] muito forte [o conteúdo das matérias]. Tinha um livro de sexo também (...) Eu só peguei pra ler e no momento ela me tomou. Parece que o nome era Sexo e Sexualidade, que meu tio gostava de ler.

As tarefas escolares obrigam o leitor a consultar determinadas obras e autores,

o que evidencia o papel da escola na disseminação de um cânone para o qual

está a serviço, o que não parece ser algo prazeroso. No entanto, quando tem à

sua disposição obras diversas e lhe é dada a oportunidade de escolher, o leitor

revela os seus gostos, libertando-se da imposição e satisfazendo os seus

desejos. A esse respeito, é pertinente o depoimento de duas das professoras:

Eu levava os livros de José de Alencar porque os professores indicavam. No início, achava a capa bonita, chamava a atenção, era verde. Depois eu passei a descobrir outro mundo por trás dos livros. Eu li todas as obras de Paulo Coelho que tinha lá [biblioteca] Diário de um mago, o Alquimista, Brida e outros. Eu li também um de Shakespearre, eu não me lembro (Márcia).

Eu li A Moreninha, Vidas Secas, O Cortiço (...). Naquela época [ensino médio] eu não achava interessante foi por obrigação porque naquela época a gente não tinha o hábito e quando você não tem o hábito da leitura, dificilmente você vai entender o texto. A linguagem era muito difícil, eles são muito difíceis mesmo e a prova era mais difícil ainda (Cláudia).

Vemos, assim, que as leituras das obras solicitadas pela escola não têm muito

sentido, são apenas requisitos para o cumprimento de um conteúdo escolar,

alheio aos interesses e desejos das alunas, que veem como difícil e nada

fascinante, ao contrário do que ocorre com as obras escolhidas por elas.

Assim, é evidente que os critérios utilizados para determinar o cânone literário

não levam em conta o gosto do público, cabe apenas a um grupo constituído

por críticos literários, jornalistas, historiadores e o público letrado designar o

que legitima uma obra. Neste caso, fica evidente o que afirma o teórico John

Guillory (apud VIEIRA, 2003, p. 97) “o não-canônico não quer dizer aquilo que

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não emerge ou não aparece, mas algo que, dentro de certo contexto de leitura,

significa exclusão”. De outra forma, sem dúvida, o cânone literário sofreria um

processo de ebulição, sendo a cada instante repensado, pois assim agem os

leitores.

É sob a égide da exclusão e silenciamento que vai se constituindo o leitor na

sociedade brasileira, particularmente interessa-nos discutir como isso acontecia

no interior baiano em relação à determinação e prática da leitura.

3.7 Os inoperantes poderes da escola

Há, pois, diferentes estratégias para condicionar, controlar ou reprimir os

leitores, as quais são utilizadas por diferentes instituições, dentre elas, a

imprensa, a família, a escola e a igreja. Todas elas funcionam como poderosos

veículos determinados a exercer sobre o sujeito uma autoridade que não

considera a pluralidade, mas sim a visão monolítica com base nas suas

próprias escolhas.

Segundo Roberto Reis (2008, p.05) “a escola é uma das instituições capitais na

implementação de um cânon literário”. Ela legitima e reproduz eficazmente as

obras escolhidas. Tal constatação pode ser evidenciada desde as séries

iniciais de ensino, em que o livro didático representava o único material de

leitura a que os professores tinham acesso durante seu processo de

escolarização. Como atestam em seus depoimentos:

Na escola era só o livro didático (Cláudia).

Era só o livro didático e o jornal. Usava o jornal para recortar, trabalhar assim a colar as palavras (Áurea).

Nós não tínhamos bibliotecas. As leituras eram mais de livros didáticos. Às vezes, solicitava alguma pesquisa de enciclopédia (Lúcia).

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O fato de vivermos em uma sociedade de cultura letrada, que se organiza em

torno do texto escrito, apresentado por meio de diversos suportes, tipologias e

gêneros, podendo ser facilmente encontrado e utilizado com diversas funções,

já seria suficiente para se contestar o uso exclusivo do livro didático no espaço

escolar. Além disso, a própria seleção de textos que fazem parte desse suporte

não leva em conta os interesses dos alunos, revelando uma imposição que tem

como base a tradição escolar, são textos com fins estritamente didáticos,

servindo apenas para ensinar.

Ao analisar a literatura no livro didático, Soares (2003, p.17-18) evidencia a

predominância dos textos narrativos e poemas, deixando-se de fora muitas

outras tipologias e gêneros como o diário, a biografia, o gênero epistolar, as

memórias, o teatro. Além disso, os autores e obras selecionados que compõem

o livro didático são sempre aqueles amplamente conhecidos no cenário da

literatura infantil, como Vinícius de Moraes, Ruth Rocha, Elias José, Ana Maria

Machado, Ziraldo, entre outros, os quais aparecem repetidamente. Para a

autora, o problema é que diante da diversidade de textos que são produzidos, a

escola limita o conhecimento àqueles por ela selecionados, tidos como únicos

representantes da cultura letrada. Exerce, portanto, a função de direcionar,

limitar e reduzir as fontes de leitura.

É inegável que, em uma comunidade onde não há bibliotecas ou espaços

destinados à leitura, o livro escolar cumpre importante papel de disseminar

práticas de leitura. Batista (1998) argumenta que mesmo sendo considerado

um livro menor, efêmero, manipulado por usuários, mas não por leitores, o livro

didático se constitui como principal fonte de acesso à cultura escrita e sua

utilização é mais intensiva quando as populações escolares têm menor acesso

a bens econômicos e sociais. Segundo o autor, o livro pode ocupar na família o

único material de leitura, transpondo o espaço escolar, uma vez que ele é

levado da escola para casa e tem sido instrumento de inserção no mundo da

escrita para muitos docentes e discentes do nosso país.

Neste trabalho, fica claro como o livro escolar é considerado objeto de

prestígio. Todas as professoras atribuem a condição de serem leitoras a esse

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material. Não apenas usavam o livro, como também liam. Algumas delas

lembram-se inclusive de histórias lidas e de como lhes foi possível imaginar

lugares e personagens diferentes; animais que falavam ou objetos inventados.

Portanto, o livro didático é o texto legitimado, aceito por todos, uma vez que

está atrelado a uma instituição que ocupa na sociedade o status de detentora

do saber – a escola. Na experiência vivenciada pelas professoras durante o

seu processo de escolarização, qualquer outro suporte que chegasse à sala de

aula exercia o papel de subalternidade ao livro, como o jornal, que servia

apenas para recortar letras.

Assim, ao livro é atribuído um caráter de superioridade, mantendo uma enorme

distância dos demais suportes textuais, há uma verdadeira mitificação do

objeto livro. Segundo Rettenmaier (2004, p.189-190) tal posição guarda relação

com a história oficial do nosso país, quando se tentou implementar um projeto

nacional cuja finalidade era civilizar e calar uma comunidade ágrafa,

depositando no livro o que seria considerado legítimo saber. Afirma o autor que

essa condição fez resultar a noção de ausência de leitura no Brasil, que

predomina ainda hoje, pois não torna legítimos aqueles que leem outros textos,

e não apenas livros literários, os quais não pertencem ao Índex de obras

consagradas, muito menos se reconhece a oralidade como fonte de leitura.

No depoimento de Márcia, ao falar sobre o controle exercido por sua avó

quanto ao material de leitura que circulava em sua casa, é evidente a

permissão para a leitura de livros que eram indicados pela escola. Isso pode

ser constatado na sua fala, ao declarar que: “Tonico e Carniça50 eu lia na

presença dela porque a professora tinha indicado”. Há uma espécie de acordo

incondicional entre o que a escola prescreve, sendo tido como bom e

importante, e o que a família aceita.

Também na escola determina-se uma única forma possível de se ler. A

modalidade oral, por exemplo, que seria a forma visível e, portanto, mais fácil

50

Obra de José Rezende Filho e Assis Brasil, publicado pela editora Ática, faz parte da coleção Vaga-

Lume e foi amplamente difundido nas escolas nas décadas de 1970 e 1980.

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de ser controlada, avaliada, é largamente utilizada na relação que as

depoentes tiveram em seu processo de constituir-se leitor no espaço escolar.

Ler em voz alta deixou de ser uma prática comum pelos leitores ocidentais

durante a Idade Média , representando uma das revoluções da leitura,

passando do oral para o visual, o que possibilitou ao leitor ler mais

rapidamente. É importante assinalar que, conforme Chartier (2002a, p.23), nas

sociedades ocidentais hoje, são consideradas iletradas as pessoas que só

conseguem entender um texto quando o leem em voz alta. Desse modo, a

escola ainda prioriza atividades de leitura que não se constituem práticas

sociais efetivas.

No questionário aplicado, todas assinalaram a leitura em voz alta como prática

garantida na escola, aliada à correção, crítica e punição. Dessa forma,

revelava-se uma atitude agressiva sobre o outro, ao qual não era permitido

“errar”.

Hébrard (2005, p.37), ao discutir o caráter pedagógico da leitura, aponta o fato

de que pesquisadores já mostraram que “ na escola, não é a leitura que se

adquire, mas são maneiras de ler que aí se revelam”. Sendo assim, ainda que

determine procedimentos de leitura, a escola não garante a sua aprendizagem,

pois “para a sociologia das práticas culturais, a leitura é uma arte de fazer que

se herda mais do que se aprende”. É, pois, uma prática social e não apenas

escolarizada.

Alguns depoimentos das professoras retratam a tentativa de a escola que se

esforçava por ensinar os alunos a se tornarem leitores:

Era aquela leitura. Cada um decorava, tinha que saber ler. [...] tinha que ler certinho, tinha que aprender mesmo pra chegar na escola e ler certinho. [...] Se não acertasse vinha o castigo (Cláudia).

Na escola era assim, tradicional. A professora que lia e a gente acompanhava (Áurea).

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O professor solicitava que nós fizéssemos a leitura silenciosa e, consequentemente, logo depois a gente tinha que fazer leitura oral, socializar a leitura pros colegas. Então era mais, na escola, o texto didático (Lúcia).

É dessa forma que nos questionários aplicados na primeira fase da pesquisa, a

escola é avaliada por 04 (quatro) professoras como instituição que pouco

influenciou a formação leitora das professoras, servindo apenas como espaço

para treinamento do ato de ler. Apenas Cláudia afirma ter sido boa a influência

dessa instituição, entretanto, ao ser indagada sobre algum texto lido durante ali

que a mobilizasse à prática da leitura, a mesma declara não ter havido

nenhum.

Diferentemente do que ocorreu no quesito anterior, a escola é agora avaliada

positivamente, já que apenas uma declara que não gostava de ler na escola,

pois, como ela mesma declara, “a metodologia usada pela professora deixava-

me constrangida diante dos colegas da classe, pois a mesma fazia crítica à

leitura se os alunos gaguejavam ou tinham dificuldade”. Vemos aqui que a

própria condição de ser professora obriga as depoentes a declarar que

gostavam de ler na escola, ainda que as situações não fossem favoráveis ao

prazer. É o que ocorre com Lúcia ao tentar justificar sua resposta, declarando

que “gostava, porém, às vezes sentia-me constrangida, com medo de errar,

gaguejar e a professora me reprimir e os colegas rirem de mim”.

Como instituição que está a serviço de um único saber, na escola não há lugar

para a pluralidade de gostos, opiniões e sentidos. É, pois, a instituição perfeita

para servir ao cânone: excluindo o que não foi considerado adequado,

deixando de fora textos, obras e autores, como assinala Roberto Reis. “a

escola é uma das instituições capitais na implementação de um cânon literário”.

Ela funciona, portanto, como uma agência que patrocina determinadas obras e

formas de ler.

Assim, quando já cursavam o Ensino Médio, foi que as professoras se

aproximaram de obras e autores consagrados, impulsionadas pela

necessidade de cumprimento de um programa de ensino de literatura.

Concordamos, portanto, com Paulo Franchetti ao afirmar que “o que se ensina

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na escola é a história dos estilos de época”. Dessa forma, as depoentes

revelam que as obras lidas nesse período estão relacionadas às escolas

literárias estudadas: A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, O Guarani,

de José de Alencar, A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães – para se

discutir o Romantismo; Dom Casmurro, de Machado de Assis, O cortiço, de

Aluisio Azevedo – referentes ao Realismo/Naturalismo; e Vidas Secas, de

Graciliano Ramos – para o Modernismo.

Segundo Franchetti (2008), os argumentos utilizados para sustentar a

imposição da leitura dessas obras podem ser facilmente contestados. A ideia

de que tais leituras instruem de maneira prazerosa, por exemplo, é contrariada

pelo que dizem os próprios alunos. Constatamos isso no depoimento das

professoras ao relatarem o que acharam das obras lidas:

Eu achei difícil a linguagem. Li no Ensino Médio porque o colégio pediu. Eu não gostei porque eu não entendi (Áurea).

Na época foi por obrigação. Naquela época, para mim, não foi interessante (Cláudia).

Entretanto, em oposição ao que ocorria no espaço da sala de aula, em que

havia uma única fonte de leitura, a escola serve de cenário para garantir a

veiculação de outros tipos de textos, intercambiados pelos alunos, ainda que

na subalternidade. As depoentes atestam que, nas relações com os colegas,

tinham acesso a revistas de horóscopos, gibis, poemas, crônicas. Dentre esses

diversos materiais, a leitura de horóscopos parece ser uma atividade comum

naquela localidade, uma vez que aparece na fala de 03 das 05 professoras.

Investigando a educação popular no Brasil, Setton (2008) mostra que segundo

o Instituto Verificador de Informações, em 2001, 14.132.700 revistas circularam

em todo o território nacional. Dessas, 1.750.041 dizem respeito ao universo

cultural feminino (moda, horóscopo, trabalhos manuais, culinária etc),

ocupando o primeiro lugar nas vendas, atendendo inclusive às classes

populares. Esses dados não costumam ser analisados quando erroneamente

se revela que no nosso país não existem leitores, uma vez que o conceito de

leitor não considera a leitura de revistas especialmente relacionadas aos

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interesses femininos, público acusado de consumir “tolices” e “vulgaridades”

que não contribuem para o conhecimento cultural.

Portanto, a leitura daquelas professoras não se restringia ao que era

determinado pela escola, mas era alargado no espaço da escola: pelos pátios e

corredores, fora da sala de aula. As revistas parecem ter seu lugar garantido na

história de leitura das professoras:

A maioria dos vizinhos não tinha literatura, o que mais circulava era revistinha de horóscopo. Elas eram doadas, muitas, por isso que eu digo que eram doadas. (Márcia)

Eu gostava daquelas revistas de moda, que tinha modelos de roupa e que tinha também algumas coisas sobre maquiagem, cabelo. Quando minha mãe comprava, eu ficava folheando várias vezes. (Áurea)

Na minha adolescência eu lia umas revistas, que eram assim (...) como se fosse uns quadrinhos, só que tinha uma história romântica, que a gente [...] e lia todinha. (Cláudia)

São diversos os impressos que chegam às mãos das professoras. A

determinação de um sujeito leitor ou não leitor não pode ser analisada somente

na perspectiva dos textos literários. Concordamos com Chartier (2001, p.126)

quando argumenta que “há muitas práticas de leitura que não são

necessariamente práticas cultas, ou profissionais ou legítimas; (...) há muitos

textos, livros ou impressos que não se definem a partir de um conteúdo

filosófico, literário ou científico, e que estas práticas se apropriam da cultura

textual impressa disponível nas bancas de jornais, revistas e textos úteis”. É

com esse propósito que investigamos as histórias de leituras das professoras.

3.8 Mediadores e espaços de leitura

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A professora Vera Aguiar (1996, p. 25), ao analisar a obra de Arnold Hauser51,

conclui ser possível dizer que “quanto maior for o contato do sujeito com todas

essas instâncias de interferência tanto maior serão suas chances de se tornar

leitor”. Sendo assim, assumem esse papel de mediadores diferentes situações

e pessoas que participam das experiências e práticas de leitura, desde a

família, vizinhos, professores em determinados contextos socioculturais, os

quais podem contribuir para o processo de ruptura e (trans)formação do ato de

ler. Essas relações e experiências impulsionam a formação do leitor.

A casa dos vizinhos era representada muitas vezes como um lugar que

favorecia o acesso ao material de leitura, especialmente quando era proibida

em sua casa a leitura de certos textos ou quando representava o único acervo

disponível. Nesse caso, tornava-se um espaço de formar leitores, promovendo

trocas e descobertas, como ocorreu com as seguintes depoentes:

Eu lia na casa das minhas colegas. A gente combinava, aí lá havia troca de livros, a gente trocava e lá mesmo lia (Cláudia).

A minha vizinha recebia revista de moda, de horóscopo. Lá eu podia ler, só não podia levar para casa. [...] Tinha uma revista de fotonovela. Era um romance de uma moça e um rapaz que era casado. Foi aí que eu passei a gostar de ler (Márcia)

Muitas vezes é construído um espaço onde os personagens saltam das

páginas dos livros e das revistas e ocupam um papel quase real na vida dos

leitores, onde a fantasia e a realidade se cruzam e favorecem ao leitor

experimentar o deleite da leitura. Cláudia relata que havia na casa de sua

vizinha um quarto em que as paredes estavam sempre repletas de figuras

retiradas das fotonovelas; aquele ambiente possibilitava recontar e criar novas

histórias de amor e imaginar-se vivendo um grande romance. Também Lúcia

fazia uso dos catálogos e folhetos para imaginar uma história e contar aos seus

irmãos, criando personagens e ações.

Na ausência de uma biblioteca, de outros textos na escola, os leitores recorrem

a lugares inusitados que fornecem materiais de leitura. O leitor lança-se como

51

Arnold Hauser foi escritor e historiador da arte nascido na Hungria em 1892. Dentre suas obras,

destacam-se A História Social da Arte e A Sociologia da Arte.

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um pesquisador a fim de obter novas possibilidades de praticar o ato de ler.

Lúcia lembra-se do correio e do posto telefônico como agenciadores dessa

atividade:

No caso, como era uma comunidade porque eu lembro que tinha um correio. Às vezes a gente ia lá pegava uma revista, até aqueles informativos mesmo que vinham no correio. Eu sempre tinha curiosidade de pegar pra ler.[...] No posto telefônico também, que antigamente não tinha telefone residencial. Concentravam, assim, várias revistas e eu tinha curiosidade de estar sempre pegando pra folhear (Lúcia).

Também sobre esses diversos espaços que podem servir de cenário para a

leitura, Orlinda Carrijo Melo (2007) revela, em sua pesquisa sobre a cidade de

Goiânia, diferentes lugares que se tornaram espaços informais de leitura, como

bares, hotéis, farmácias, entre outros. Nesses locais, reuniam-se ali artistas,

escritores, jornalistas, estudantes e professores para divulgar notícias,

músicas, poesias listas de livros recém chegados à cidade, além de realizar

trocas de obras literárias e materiais de leitura. É assim que lugares inusitados

podem ser transformados pelos leitores em espaços de leitura.

Assim, não apenas no livro, o leitor encontra nas revistas, folhetos, e catálogos

objetos de leitura para informar, instruir ou até mesmo garantir a diversão. Tais

pistas fornecidas sobre formas de acesso de uso e circulação são importantes

para discussão sobre os números que determinam os leitores no nosso país52.

A igreja representa na comunidade um importante espaço de acesso a textos

religiosos. Até mesmo o processo de alfabetização está, muitas vezes,

impulsionado pela religião, pois era importante saber ler para decifrar as

Sagradas Escrituras e cumprir os mandamentos. Márcia, em um de seus

depoimentos sobre quem são os leitores da Caatinga do Moura, conclui que “

os idosos que leem são evangélicos, os demais não leem de jeito nenhum”.

A esse respeito, Fischer (2006, p. 37) ao tratar da difusão da escrita na história

da humanidade, declara ter sido a religião um dos principais motores da

alfabetização, tendo dominado a leitura por mais de mil anos na Europa

52

Sobre isso, é importante o trabalho de Márcia Abreu intitulado Os números da cultura do Brasil.

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Ocidental e, em outras regiões, ainda é preponderante, a exemplo das nações

islâmicas. Duas professoras falam sobre essa relação com a igreja:

Na adolescência [...] eu participava do grupo de jovens na igreja. Então sempre era requisitado para eu fazer leituras na igreja, textos bíblicos, também participava de cursos, a gente lia, debatia temas. Então isso também foi uma motivação grande (Lúcia).

Eu lia espontaneamente, porque a gente ia pra igreja e forneciam uns livrinhos que deveriam ser lidos todos os dias. No sábado, na igreja, relembravam as histórias que eram lidas (Márcia).

Os textos religiosos, em alguns casos, eram o único material permitido para

leitura em determinadas famílias. Todas as professoras declaram ter tido

acesso a esse tipo de texto durante a sua formação, na infância e na

atualidade. A leitura da bíblia oralmente representava também o momento em

que se reunia a família e se exercitava a escuta, tendo um mediador, quase

sempre papel exercido por um adulto, o detentor da palavra escrita e capaz de

decifrá-la. É o que relata Márcia:

(...) a minha tia lia todas as noites um trecho da bíblia pra gente. Sentávamos todos ao redor de um fogão a lenha. Ela lia e nós ouvíamos. (Márcia)

Entretanto, quando ocupa a única possibilidade de leitura, o texto religioso,

associado a privações e castigos, já não parece tão atrativo assim, e acaba

desencadeando leituras contrabandeadas. É ainda Márcia quem narra as

proibições impostas por sua avó, a qual “por ser adventista [...] era muito rígida”

e ainda “ quando eu levava letras de músicas, minha avó nem sabia ler, mas

percebia que era mundana e rasgava e queimava”. A leitura de outros textos

representava uma ameaça, uma vez que não podia ser controlada, pois o ato

de ler silenciosamente permite ao leitor selecionar o que deseja, resultando,

muitas vezes, em rompimentos às normas impostas socialmente. Sobre isso,

atesta Culler (1999), ao discutir as formas de leitura no século XVI, que “um

leitor solitário representava uma ameaça muito maior do que um orador em

praça pública, o qual seria facilmente identificável e controlado”.

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3.9 À procura de leitores na Caatinga

Questionadas a respeito da existência de leitores na Caatinga do Moura, as

professoras revelaram diferentes opiniões. Não fica muito claro para algumas

delas o que seria um leitor, prevalece a ideia de que apenas pode ser leitor

aqueles que têm acesso a determinados tipos de textos, especialmente do

livro, o que leva à descrença de que existem leitores na comunidade. Sobre

isso, afirma uma das depoentes:

É difícil alguém dizer aqui eu vou em Jacobina e vou comprar um livro por espontânea vontade pra mim (sic) ler. As pessoas aqui [na Caatinga] só leem na escola mesmo. Tem que estudar

pra ter acesso aos livros na escola (Cláudia).

Encontramos aqui a ideia de que é a escola a única instituição promotora da

leitura e do material de leitura. Cláudia não considera as diversas estratégias

utilizadas pelo sujeito para ter acesso a diferentes materiais de leitura e se

tornar leitor. Para ela, o fato de ter acesso a textos religiosos, como a bíblia,

folhetos, cânticos, tomar emprestado romances, gibis, ler revistas diversas,

catálogos disponíveis em diferentes espaços, dentre outras situações, parece

não ser suficiente para qualificá-la na categoria de leitores.

Márcia procura analisar a situação considerando o grau de escolaridade e o

alto índice de analfabetos na comunidade, fazendo uma avaliação em relação à

existência de leitores na Caatinga, atribuindo à escola o maior destaque como

espaço destinado à leitura, pois, segundo ela:

Há leitores. São poucos. A maioria só fez a 1ª e 2ª série. Os idosos que leem são evangélicos, os demais não leem de jeito nenhum. Os adolescentes leem textos informativos da escola. Na escola tem poucos livros e a biblioteca está fechada por falta de funcionário (Márcia).

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Entretanto, Lúcia, ainda que tenha revelado hesitação na sua resposta,

especialmente ao afirmar que as pessoas da Caatinga se inserem na categoria

de leitores, o que poderia parecer para ela uma análise pretensiosa do lugar

onde mora, revelando certa “ousadia”, uma vez que pressupõe um novo

conceito do que é ser leitor. Ela tem consciência disso, pois apresenta uma

visão diferente a esse respeito, que vale a pena transcrevê-la na íntegra:

Eu acho que a pessoas lá [Caatinga do Moura] leem (risos). O que eu percebo lá na comunidade é que existe sim um interesse pela leitura. E esse interesse pelo tipo de texto varia de acordo com a idade, com a faixa etária das pessoas. No caso, as pessoas com mais idade se interessam mais em ler textos bíblicos. Os jovens são mais ligados à questão da leitura de textos na internet. Os adolescentes direcionam a leitura na questão de poemas, textos mais emotivos. As crianças também, mesmo algumas não se apropriando do código escrito, fazem leituras de imagens, de ilustrações [...] Então, a prática de leitura, apesar de não ser assim [...] não morar numa cidade, não ser bem desenvolvida, as pessoas têm sim muito interesse pela leitura. (Lúcia)

A avaliação feita pela professora revela-se extremamente amadurecida, fruto

de uma participação ativa nas atividades do distrito, uma vez que tem suas

origens ali. Consegue retratar muito bem a diferença de interesses entre as

gerações e procede a um julgamento que considera tais discrepâncias. Ela

também apresenta uma análise a respeito do comportamento dos não-leitores,

pois afirma haver na comunidade um sentimento “visível” de tristeza e

frustração entre as pessoas analfabetas, devido às condições que lhes foram

oferecidas, uma vez que morando numa comunidade rural, os pais não podiam

deixá-los estudar, pois precisavam trabalhar duramente na roça e que essa

qualidade de não saber ler leva os indivíduos a revelar uma grande

preocupação com a aprendizagem de seus filhos e netos, motivando-os a se

tornarem leitores.

Ser leitor na roça pressupõe, então, lutar contra as duras condições

econômicas, de organização social, que implicam em condicionar o homem do

campo a atividades que exigem dele apenas o esforço físico, como se isso já

fosse suficiente para cumprir o papel que lhe fora dado. Ser forte, declaração

de Euclides da Cunha que já rendeu inúmeras discussões, seria enfrentar as

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injustas e perversas condições que lhe foram impostas. Assim, negam-lhe o

direito de conhecer o mundo da escrita, usufruir de diferentes ideias, sonhos,

imaginações, de se deleitar com diferentes sentimentos que, por vezes, nos

fazem rir ou chorar, nos irritam e nos acalmam, nos impulsionam e nos fazem

recuar, de transpor o tempo e de tomar outros rumos.

Apesar disso, formam-se leitores na relação com os outros, através da escuta,

por meio de outros suportes, além do livro, jornal ou periódico, uma vez que

conforme Henri-Jean Martin “o livro não exerce mais o poder que teve, não é

mais o mestre de nossos raciocínios ou de nossos sentimentos em face dos

novos meios de informação e de comunicação dos quais dispomos doravante”

(apud CHARTIER, 2003, p. 29), assim, também o rádio, a televisão e o

computador vão contribuindo para a constituição do leitor. Ainda que não

reconheçam ou que se julguem inferiores por não disporem das obras

legitimadas pela sociedade letrada, é possível ser leitor na roça.

Perguntar às professoras sobre a sua condição de leitor hoje, em que lhe é

atribuída a função de formar leitores, pode implicar na antecipação de uma

única resposta esperada: de que professor é sempre leitor. Além disso, é

importante ressaltar que as mesmas estão concluindo um curso de licenciatura

em pedagogia, o que agrava ainda mais o seu compromisso com a leitura. É o

que acentua Lúcia quando afirma ser leitora, pois “enquanto professor tem que

ser grande pesquisador [...] e pelo crescimento interior, pela própria

necessidade minha mesma”.

Quando questionadas sobre o espaço que a leitura ocupa na vida das

professoras atualmente, 03(três) assinalaram a opção a maior parte do tempo,

pois estão constantemente lendo textos indicados pelos professores na

faculdade, revistas de cunho pedagógico e os livros didáticos que utilizam nas

escolas em que trabalham, entre outros materiais de leitura.

Entretanto, as outras 02(duas) apresentam situações diferentes a esse

respeito. Para Lúcia, a leitura ocupa na sua vida boa parte das horas vagas e,

segundo Márcia, não tem tempo para ler. Neste caso, o conceito do que é

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leitura apresenta variações: entende-se como o ato de ler toda a forma de

material escrito ou ler apenas determinados livros literários.

Dentre os materiais de leitura que possuem, além dos livros didáticos,

dicionários e textos informativos, é possível encontrar uma grande quantidade

de obras destinadas ao público infanto-juvenil, as quais fazem parte da coleção

Literatura em minha casa e que são adquiridos pelas professoras para compor

suas estantes de livros. Além disso, encontramos algumas obras da literatura

brasileira relacionadas às escolas literárias, que foram adquiridas durante o

período em que cursavam o ensino médio, das quais se destacam: Dom

Casmurro de Machado de Assis, Iracema de José de Alencar, A normalista de

Adolfo Caminha, Triste fim de Policarpo Quaresma de Lima Barreto, Inocência

de Visconde de Taunay, O cortiço de Aluísio Azevedo.

Outras obras estão estritamente relacionadas ao curso de licenciatura em

pedagogia, adquiridas para cumprir determinados requisitos acadêmicos, a

exemplo de Pedagogia da autonomia, de Paulo Freire, Preconceito lingüístico,

de Marcos Bagno, Como facilitar a leitura, de Lúcia Fulgêncio e Yara Liberato,

Alfabetizar e letrar, de Marlene de Carvalho.

Nos questionários, as formas declaradas de acesso aos textos são bastante

diversificadas, desde o empréstimo, consulta a bibliotecas públicas, por meio

da internet e compra de livros e revistas. Declara Lúcia que:

Na escola que leciono hoje tem biblioteca. Apesar de não ser uma biblioteca muito diversificada, com muitas obras, mas tem bons materiais. Sempre que eu preciso complementar um estudo, uma pesquisa, eu vou até a biblioteca. Eu também consigo textos na própria internet, com colegas também, quando eles têm, me emprestam (Lúcia).

Além disso, não apenas a escola e a universidade, espaços formais de

educação, como também a igreja, a sua casa e mesmo o carro, transporte

utilizado durante o itinerário que percorrem diariamente para cursar a

licenciatura em Jacobina, tornam-se espaços de leitura.

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É interessante notar que, durante as entrevistas, quando questionadas sobre o

uso da internet, apenas Lúcia, que é a mais nova do grupo, afirmou ter acesso

ao computador para pesquisar e realizar leituras, as demais garantiram que

ainda é bastante restrita a condição de leitor navegador, uma vez que ainda

está sendo instalado o laboratório de informática no colégio onde trabalham e,

apesar de existir uma lan house no distrito, ainda estão aprendendo a lidar com

as novas tecnologias.

Vivemos hoje um novo momento na história da leitura com o advento da

internet, o que implica na mudança de paradigma entre autor-texto-leitor, bem

como o surgimento de novos gêneros textuais, exigindo outra postura do

sujeito-leitor, pois ao lado dos textos impressos surge “um texto móvel,

caleidoscópico, que apresenta suas facetas, gira, dobra-se e desdobra-se à

vontade frente ao leitor” (LEVY, 1999, p.56). Esse cenário exige uma nova

postura, uma vez que interfere no comportamento e no modo de vida das

pessoas.

Para Stuart Hall (2003) não há, nas sociedades modernas, identidades fixas

como ocorria com o sujeito do iluminismo, elas são móveis e estão em

processo de construção, visto que as mudanças são cada vez mais rápidas e

constantes, pois, com as novas tecnologias de comunicação, as práticas

sociais são constantemente reexaminadas.

Assim, um novo sujeito se constrói no interior da Caatinga do Moura, que vai se

conectando com o mundo e, ainda que esteja ensaiando os primeiros súditos

da era virtual, já produz novas atitudes e práticas intelectuais que Chartier

(2003, p.42) chama de co-autoria, visto que é possível produzir um novo texto

utilizando alguns comandos como copiar, colar, indexar, anotar, formatar, entre

outros. Além disso, qualquer leitor pode ser alcançado pelo texto, em qualquer

lugar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Concordando com Márcia Abreu (2003b), percorrer o interior dos lares

brasileiros pode nos revelar uma realidade diferente daquela que nos

apresentam os institutos de pesquisa sobre quem são os leitores no nosso

país. Neste caso, adentrei numa comunidade rural, buscando pistas e indícios

que contribuíssem para a compreensão sobre o que é ser leitor na roça.

Ao analisar as histórias de leituras na Caatinga do Moura, este trabalho revelou

dados que evidenciam as conjunturas sociais, históricas, políticas e culturais

que influenciam na constituição dos sujeitos-leitores. Sendo assim, não houve

preocupação em quantificar leitores e obras, muito menos pretendeu limitar-se

a uma simples descrição dos objetos de leitura.

Ao longo da pesquisa, foram apresentadas importantes informações a respeito

das condições de acesso ao texto, da concepção de leitura e de leitor

assumidas pela escola e que influenciam no seu próprio relacionamento com o

texto, as dificuldades e desafios a que foram submetidos, marcados muitas

vezes pelas condições econômicas que, por si só, impõem limites ao leitor.

Mostrou também as frustrações diante das impossibilidades de acesso a outros

textos e outras leituras.

Os dados coletados trouxeram possibilidades de análises que superaram as

minhas expectativas, pois à medida que os sujeitos narravam suas histórias,

novas informações vinham à mente, desencadeando novos olhares e

discussões.

Ainda que não tenha sido o propósito deste trabalho elaborar um panorama

histórico sobre a história de leitura na Caatinga do Moura, as investigações nos

conduziram a um percurso referente a oito décadas, visto que há relatos de

experiências de leitura vivenciadas por sujeitos nascidos a partir da década de

1920, revelando aspectos da história da leitura não apenas neste distrito, como

também no Brasil, de ontem e de hoje. O leitor na Caatinga do Moura ora

revela suas peculiaridades, ora se define com características comuns a

diversos leitores brasileiros que são subordinados a situações semelhantes na

relação com textos.

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Ser leitor na roça em muitos aspectos se aproxima da condição de ser leitor

nas áreas periféricas da cidade. Fatores como a escassez de material e a

ausência de espaços especializados destinados à prática de leitura são

encontrados em ambas as realidades, o que desafia os seus moradores a

enfrentar as condições que lhes são impostas e constituir-se leitor.

O sujeito que teve seu processo iniciado por uma escola que mal funcionava,

contando com recursos escassos e professores despreparados para iniciá-los

na prática da leitura precisa enfrentar a própria condição a que são destinados:

não ser leitor. Ler o bê-a-bá, textos sem sentido, enfadonhos, sofrer repressão,

castigos; decorar; repetir. Infringir para ler ou ser submisso às seleções

realizadas pela escola, pela igreja e também pela família.

Outro aspecto importante evidenciado no trabalho está na intervenção dos

mediadores no processo de constituição dos leitores. Apresentar uma obra,

oferecer um texto ou ainda ler para o outro pode contribuir para a definição de

gostos, despertando interesses e desejos de ser, ele mesmo, um leitor. Sendo

assim, seria correto afirmar que aquele que transita entre diversos gêneros e

tipos de textos teria mais possibilidades de conhecer, analisar e eleger os

textos que atendem aos seus interesses. Significa, portanto, a garantia de

liberdade ao leitor, que pode adotar algumas estratégias que atendam aos seus

anseios, mas também preterir outras. Dentre elas, é possível que haja obras

que pertencem ao cânone literário.

Os livros didáticos e textos religiosos marcaram a trajetória de todos os

entrevistados. É importante destacar que esses textos marcaram e ainda

marcam a história de leitura da maioria dos brasileiros. Em alguns casos, a

obrigatoriedade e rigorosidade foram associadas ao medo e dissabor,

afugentando os leitores que recorreram a outros textos. Para outros, o fato de

terem se submetido a essas práticas significa privilégio e orgulho, uma vez que

nem todos os seus contemporâneos aprenderam a ler e escrever e, portanto,

não tiveram possibilidade de, sequer, experimentar essas leituras.

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Apesar de citada por algumas professoras depoentes, a literatura de cordel não

ocupa espaço preponderante em suas histórias de leitura, diferentemente do

que ocorrera a D. Marota e D. Licinha. Esse gênero parece ter influenciado a

geração mais antiga, entre as décadas de 1940 e 1950, talvez pelo fato de ter

sido o tipo de texto mais acessível, tanto em relação à linguagem como em

relação à aquisição, cujos exemplares podiam ser facilmente encontrados nas

feiras livres da cidade.

Para a geração mais nova, a diversidade é possível e real, a exemplo de obras

destinadas ao público infantil, como fábulas e contos de fadas, fotonovelas,

romances, gibis, clássicos da literatura brasileira, literatura de auto-ajuda,

revistas de diversos gêneros, enciclopédias, dentre outros. Sem dúvida, a

difusão e acesso a esses tipos de textos foi acentuada, além disso, o grau de

escolaridade e a própria condição de ser professor dá ao sujeito possibilidades

de se inserir num universo mais amplo de autores e obras.

Numa perspectiva que privilegia determinadas obras vinculadas ao cânone

literário, D. Marota, Sr. Reinaldo e D. Licinha não seriam considerados leitores,

uma vez que jamais leram obras que se caracterizam como legítimas. As

leituras de literatura de cordel ou de livros escolares e religiosos não autorizam

esses sujeitos a serem considerados leitores, pois como afirma Zilberman

(1999, p. 39) tal condição só seria alcançada se garantida a “assiduidade a

uma instituição determinada – a literatura”, ou melhor, a considerada boa

literatura.

Se adotada essa perspectiva como única possibilidade de se definir o leitor,

significa anular a própria ação desses sujeitos, uma vez que a leitura de tais

textos constituiu suas histórias de vida bem como as representações sociais e

culturais da sua comunidade. Nesse sentido, é importante a constatação de

Pierre Bourdieu (2005, p.251) quando afirma que “atualmente, onde há uma

ortodoxia, um monopólio da leitura legítima, um monopólio absoluto, não há

mais leitura e frequentemente nem mesmo leitores”.

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A escola não representa o único espaço favorável ao leitor, mas é apresentado

como o principal, está sempre associado a esse fim. Para os depoentes, falar

de leitura significa, quase sempre, falar de leitura escolar, por entenderem que

só é possível ser leitor na escola. No entanto, muitas vezes, ela serve como

cenário em que circulam textos nem sempre autorizados por essa instituição

nem pela família. Outros lugares vão sendo revelados como espaços

favoráveis à prática da leitura, como a casa dos vizinhos, a igreja e locais

inusitados, como o correio e a agência telefônica.

Sendo assim, esta dissertação não pretendeu apresentar um modelo de leitor,

mas apontar para possibilidades de se constituírem diversos leitores, com

determinados interesses e finalidades nem sempre comuns, em função das

condições que são oferecidas aos sujeitos e os variados modos e tipos de

textos que vão sendo experimentados por eles nas suas trajetórias de vida.

Com base nessa diversidade e multiplicidade de textos, leitores e leituras,

acredito ser possível ao leitor transitar entre o científico e o popular,

reconhecendo e valorizando diferentes saberes e temporalidades. Dessa

forma, o sujeito que teve na sua história de leitura uma relação com textos que

estão fora dos cânones literários, teria a sua experiência de leitura legitimada

pela sociedade.

Constitui-se, portanto, na inserção das histórias de leituras na Caatinga do

Moura nos quadros da história da leitura brasileira, possibilitando ampliar o

banco de dados com material relativo às práticas culturais da leitura e à

compreensão sócio-histórica dessas práticas.

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PINTO, Manuel da Costa. Entrevista com o jornalista Manuel da Costa Pinto. Disponível em: http://www.weblivros.com.br/entrevista/entrevista-com-o-jornalista-manuel-da-costa-pinto-11.html. Acesso em 22 nov. 2007.

RETTENMAIER, Miguel. Cultura escrita e identidade(s): difíceis contornos. In: MAIER, Miguel et al (org). Leitura, identidade e patrimônio cultural. Passo Fundo: UPF, 2004.

RIBEIRO, João Ubaldo. Um brasileiro em Berlim. Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 1995.

SANCHES NETO, Miguel. Herdando uma biblioteca. Editora Record: Rio de Janeiro, 2004.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Conhecimento prudente para uma vida docente: um discurso sobre as ciências revisitado. São Paulo: Cortez, 2004.

SANTOS, Joel Rufino dos. Como me apaixonei por livros. In: PRADO, Jason; CONDINI, Paulo (orgs) A formação do leitor: pontos de vista. Rio de janeiro: Argus, 1999.

SETTON, Maria da Graça Jacintho. A educação popular no Brasil: a cultura de massa. Disponível em http://www.bocc.ubi.pt/pag/setton-maria-educacao-popular-brasil.pdf. Acesso em 05 de julho de 2008.

SILVA, Lilian Lopes Martin da Silva (Org). Entre leitores; alunos, professores. Campinas, SP: Komedi: Arte Escrita, 2001.

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117

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte:

Autêntica, 2000.

___. A escolarização da literatura infantil e juvenil. In: EVANGELISTA, Aracy Alves Martins; BRANDÃO, Heliana Maria Brina; MACHADO, Maria Zélia Versiani (orgs.). A escolarização da leitura literária: o jogo do livro infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

VIEIRA, Nelson H. Hibridismo e alteridade: estratégias para repensar a história literária. In: MOREIRA, Maria Eunice (org.). Teoria da literatura: teorias, temas e autores. Porto Alegre; Mercado Aberto, 2003.

YUNES, Eliana. Leitura como experiência. In: YUNES, Eliana; OSWALD, Maria Luisa (orgs). A experiência da leitura. São Paulo: Edições Loyola, 2003.

ZILBERMAN, Regina. A leitura na escola: leitura em crise na escola. Porto

Alegre: Mercado Alegre, 1982.

___. Estética da recepção e história da literatura. São Paulo: Ática, 1989.

___. Leitura literária e outras leituras. In: BATISTA, Antonio Augusto; GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. Leitura: práticas, impressos, letramentos. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

___.Biblioteca:escolhas e acervos. Revista da FAEEBA/ Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação I – v.13, n.21 (jan./jun., 2004) – Salvador: UNEB, 2004

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ANEXOS

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ANEXO A

Relação de teses e dissertações relacionadas a história de leitura (1999-

2009)

Teses (1998-2008)

ANA LUIZA MARTINS CAMARGO DE OLIVEIRA. REVISTAS EM REVISTA: IMPRENSA E PRÁTICAS CULTURAIS EM TEMPOS DE REPÚBLICA. 1890-1920. 01/02/1998

1v. 465p. Doutorado. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - HISTÓRIA SOCIAL

Orientador(es): MARIA LUIZA TUCCI CARNEIRO

Biblioteca Depositaria: CAPH - CENTRO DE APOIO A PESQUISA EM HISTORIA

Palavras - chave:

Imprensa; História da Leitura; História da Cultura; Revistas

ANA ALCÍDIA DE ARAÚJO MORAES. HISTÓRIA DE LEITURA EM NARRATIVA DE

PROFESSORES: UMA ALTERNATIVA DE FORMAÇÃO. 01/03/1999

1v. 276p. Doutorado. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS - EDUCAÇÃO

Orientador(es): Ezequiel Theodoro da Silva Biblioteca Depositaria: Biblioteca Comunitária da

UFSCar

Palavras - chave:

leitura; formação de professores; narrativas de formação

ANA LÚCIA GUEDES PINTO. REMEMORANDO TRAJETÓRIAS DA PROFESSORA-ALFABETIZADORA: A LEITURA COMO PRÁTICA CONSTITUTIVA DE SUA IDENTIDADE E FORMAÇÃO PROFISSIONAIS.. 01/07/2000

1v. 276p. Doutorado. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS - EDUCAÇÃO Orientador(es): Ezequiel Theodoro da Silva Biblioteca Depositaria: Biblioteca Comunitária da UFSCar

Palavras - chave:

FORMACAO DE PROFESSORES;LEITURA;MEMORIA

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MARIA CATARINA CURY. MEMÓRIAS DE LEITURA DE PROFESSORAS PRIMÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO: UM HISTÓRIA DE LEITURA CONTADA POR PROFESSORAS.. 01/08/2001

1v. 220p. Doutorado. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE

Orientador(es): LUIZ CARLOS BARREIRA

Biblioteca Depositaria: Bibliotéca Central da PUCSP

MARIA HELENA DA ROCHA BESNOSIK. ENCONTROS DE LEITURA: UMA EXPERIÊNCIA PARTILHADA COM PROFESSORES DE ZONA RURAL DA BAHIA. 01/11/2002

1v. 168p. Doutorado. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - EDUCAÇÃO

Orientador(es): Mary Julia Martins Dietzsch

Biblioteca Depositaria: FEUSP

Palavras - chave:

leitura, literatura, formação de professores, tradição oral

HELEN DE CASTRO SILVA. A BIBLIOTECA DA FAZENDA PINHAL E O UNIVERSO DE LEITURA NA PASSAGEM DO SÉCULO XIX PARA O SÉCULO XX. 01/08/2002

1v. 306p. Doutorado. UNIVERSIDADE EST.PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO/ARARAQUARA - LETRAS (ESTUDOS LITERÁRIOS)

Orientador(es): Sidney Barbosa

Biblioteca Depositaria: UNESP Palavras - chave:

Brasil - história - século XIX; política - elite; leitura

GLÁUCIA MARIA PIATO TARDELLI. 'HISTÓRIAS DE LEITURA DE PROFESSORES: A CONVIVÊNCIA ENTRE DIFERENTES CÂNONES DE LEITURA.'. 01/02/2003

1v. 307p. Doutorado. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS - LINGÜÍSTICA APLICADA

Orientador(es): RAQUEL SALEK FIAD

Biblioteca Depositaria: Biblioteca Central

Palavras - chave:

Leitura; Histórias de Vida; Ensino de Língua Portuguesa.

FABIANE VERARDI BURLAMAQUE. MULHERES EM TRÊS GERAÇÕES: HISTÓRIAS DE VIDA, INTINERÁRIOS DE LEITURA. 01/01/2004

2v. 535p. Doutorado. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL - LINGÜÍSTICA E LETRAS

Orientador(es): Regina Zilberman

Biblioteca Depositaria: Biblioteca Central Irmão José Otão Palavras - chave:

história da literatura, práticas de leitura, leitoras, leitu

MÁRCIA MARIA DA SILVA BARREIROS LEITE. ENTRE A TINTA E O PAPEL: MEMÓRIAS DE LEITURAS E ESCRITAS FEMININAS NA BAHIA (1870-1920).. 01/06/2004

1v. 200p. Doutorado. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - HISTÓRIA

Orientador(es): MARIA ODILA LEITE DA SILVA DIAS

Biblioteca Depositaria: PUCSP

Palavras - chave:

História, Gênero, Leitura, Escrita

ANA LÚCIA DE CAMPOS ALMEIDA. LEITURAS: CONSTITUTIVAS DA(S) IDENTIDADE(S) E DA AÇÃO DOS PROFESSORES.. 01/07/2005

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1v. 205p. Doutorado. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS - LINGÜÍSTICA APLICADA

Orientador(es): ANGELA DEL CARMEN BUSTOS R DE KLEIMAN

Biblioteca Depositaria: Biblioteca Central

Palavras - chave:

leitura; identidade; professor;

ALICE YOKO HORIKAWA. MODOS DE LER DOS PROFESSORES EM CONTEXTO DE UMA PRÁTICA DE LEITURA DE FORMAÇÃO CONTINUADA: UMA ANÁLISE ENUNCIATIVA.. 01/11/2006

1v. 256p. Doutorado. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - LINGÜÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM

Orientador(es): Maria Cecilia Camargo Magalhães

Biblioteca Depositaria: PUC-SP

Palavras - chave:

Professor crítico-reflexivo, Modos de leitura, Enunciação

SELMA MARTINES PERES. PRÁTICAS DE LEITURA DE PROFESSORAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL: NARRATIVAS DE PROFESSORAS - CATALÃO - GO. 01/10/2006

1v. 150p. Doutorado. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS - EDUCAÇÃO

Orientador(es): Anete Abramowicz

Biblioteca Depositaria: Biblioteca Comunitária da UFSCar

Palavras - chave:

Práticas de leitura; narrativas de professoras

ANA LÚCIA GOMES DA SILVA. EDUCAÇÃO CARCERÁRIA: (DES)ENCANTOS, (DES)CRENÇAS E OS(DES)VELAMENTOS DAS HISTÓRIAS DE LEITURA NO CÁRCERE, ENTRE DITOS, SILÊNCIOS E SUBENTENDIDOS.. 01/12/2007

1v. 216p. Doutorado. UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA - EDUCAÇÃO

Orientador(es): Tereza Cristina Pereira Carvalho Fagundes

Biblioteca Depositaria: Biblioteca da FACED e Biblioteca Central da UFBA

Palavras - chave:

Educação carcerária; Memoriais; Histórias de vida/leitura;

HELOÍSA ANDREIA VICENTE DE MATOS. HISTÓRIAS DE LEITURA: A CONSTITUIÇÃO DE SUJEITOS SURDOS COMO LEITORES.. 01/02/2007

1v. 286p. Doutorado. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS - EDUCAÇÃO

Orientador(es): Sérgio Antônio da Silva Leite

Biblioteca Depositaria: Biblioteca Central

Palavras - chave:

Leitura; Surdez; Letramento

ENI NEVES DA SILVA RODRIGUES. IMPRESSÕES EM PRETO E BRANCO: HISTÓRIA DA LEITURA EM MATO GROSSO NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX.. 01/04/2008

1v. 263p. Doutorado. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS - TEORIA E HISTÓRIA LITERÁRIA

Orientador(es): Márcia Azevedo de Abreu

Biblioteca Depositaria: Biblioteca Central

Palavras - chave:

Solitura; História, Séc. XIX; Literatura Brasileira

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Dissertações (1998-2008)

ELISABETE PIMENTEL. SUJEITOS LEITORES, SUJEITOS AUTORES: INDÍCIOS DE

HISTÓRIAS DE LEITURAS NA PRODUÇÃO DE TEXTOS ESCOLARES.. 01/08/1998

1v. 95p. Mestrado. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS - LINGÜÍSTICA

Orientador(es): João Wanderley Geraldi Biblioteca Depositaria: Biblioteca Central da Unicamp

Palavras - chave: 1-LEITURA;2-ESCRITA;3-ENSINO

MARIA FATIMA ÁVILA BETENCOURT. HISTÓRIAS DE LEITURA DE PROFESSORES..

01/11/1999

1v. 162p. Mestrado. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL -

LINGÜÍSTICA E LETRAS Orientador(es): Paulo Ricardo Becker Biblioteca Depositaria:

Biblioteca Central Irmão José Otão

Palavras - chave:

Leitura; Leitor; Professor

MAILSA CARLA PINTO PASSOS. "A LEITURA COMO PRÁTICA COTIDIANA - HISTÓRIAS

DE LEITURA DE EDUCADORES POPULARES.". 01/03/1999

1v. 131p. Mestrado. UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - EDUCAÇÃO

Orientador(es): Nilda Guimarães Alves Biblioteca Depositaria: Universidade do Estado do Rio

de Janeiro

Palavras - chave:

Leitura, Cotidiano

VIVIAN BATISTA DA SILVA. HISTÓRIA DE LEITURAS PARA PROFESSORES: UM

ESTUDO DA PRODUÇÃO E CIRCULAÇÃO DE SABERES ESPECIALIZADOS NOS

"MANUAIS PEDAGÓGICOS" BRASILEIROS (1930-1971). 01/10/2001

1v. 243p. Mestrado. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - EDUCAÇÃO Orientador(es): Denice

Barbara Catani Biblioteca Depositaria: FEUSP

Palavras - chave:

cultura profissional do professor, manuais pedagógicos

MARIA CECÍLIA DE MELO SILVA. LEITURAS DE PROFESSORAS: SUAS HISTÓRIAS E PRÁTICAS. 01/03/2001

1v. 112p. Mestrado. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS - EDUCAÇÃO

Orientador(es): Anete Abramowicz

Biblioteca Depositaria: Biblioteca Comunitária da UFSCar

Palavras - chave:

Leitura; linguagem; formação de professores

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123

CATARINA MAITE MACEDO BARBOZA. A FORMAÇÃO DO GOSTO PELA LEITURA

LITERÁRIA E AS HISTÓRIAS DE LEITURA DE ALUNOS DO ENSINO MÉDIO DO CEFET-

RS. 01/02/2002

1v. 299p. Mestrado. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL -

LINGÜÍSTICA E LETRAS Orientador(es): Alice Therezinha Campos Moreira Biblioteca

Depositaria: Biblioteca Central Irmão José Otão

Palavras - chave:

Formção do leitor; Alunos leitores; Histórias de leitura

RAFAEL PERUZZO JARDIM. A TRAVESSIA DO LEITOR: LEITURA E MEMÓRIA NAS VOZES DE ALUNAS ADULTAS. 01/03/2002

1v. 124p. Mestrado. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL - EDUCAÇÃO

Orientador(es): REGINA MARIA VARINI MUTTI

Biblioteca Depositaria: BIBLIOTECA SETORIAL DE EDUCAÇÃO

Palavras - chave:

LEITURA ALUNOS ADULTOS

SILVIA APARECIDA JOSÉ E SILVA. LEITURAS DA BIBLIOTECA PÚBLICA DE SANTA

BÁRBARA D'OESTE. 01/02/2003

1v. 136p. Mestrado. UNIVERSIDADE EST.PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA

FILHO/ARARAQUARA - ESTUDOS LITERÁRIOS Orientador(es): Sidney Barbosa Biblioteca

Depositaria: UNESP

Palavras - chave:

história da leitura, leitor, biblioteca pública

ROSEMAR EURICO COENGA. PELAS VEREDAS DA MEMÓRIA: REVISITANDO AS

HISTÓRIAS DE LEITURA DE PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA NO ENSINO

MÉDIO.. 01/02/2003

1v. 172p. Mestrado. UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO - EDUCAÇÃO

Orientador(es): Maria Inês Pagliarini Cox Biblioteca Depositaria: Biblioteca Central da UFMT e

Biblioteca Setorial do IE

Palavras - chave:

Histórias de Leitura - História de Vida - Formação Docente.

ROSIMEIRE SIMÕES DE LIMA. HISTÓRIAS DE PRÁTICAS DE LEITURA DE

PROFESSORES: O ESTUDO DE TRÊS CASOS DE PROFESSORAS-LEITORAS. 01/10/2004

1v. 115p. Mestrado. UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS - EDUCAÇÃO Orientador(es):

Eliane Teresinha Peres Biblioteca Depositaria: Biblioteca Setorial das Ciências Sociais

Palavras - chave: Hist. da vida de profes.; leit.de profes.; leit. e educ. CLAUDETE MARIA GALVÃO DE LIMA. HISTÓRIA DE LEITURA DE PROFESSORES E

SUAS AULAS DE LITERATURA: RELAÇÕES POSSÍVEIS.. 01/09/2004

1v. 136p. Mestrado. UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO - EDUCAÇÃO

Orientador(es): Ivone Martins de Oliveira Biblioteca Depositaria: Biblioteca do INEP

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124

Palavras - chave:

literatura; letras

DANIELA DUARTE ILHESCA. HISTÓRIAS DE LEITURA: CONVERSAS ENTRELAÇADAS.

01/04/2005

1v. 156p. Mestrado. UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL - EDUCAÇÃO Orientador(es):

LODENIR BECKER KARNOPP Biblioteca Depositaria: Martinho Lutero

Palavras - chave:

leitura, acadêmicos, escola, histórias de leitura.

ANAIR VALÊNIA MARTINS DIAS. “A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO-PROFESSOR-LEITOR

PELA SUA HISTÓRIA DE LEITURA”.. 01/03/2005

1v. 207p. Mestrado. UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA - LINGÜÍSTICA

Orientador(es): ERNESTO SÉRGIO BERTOLDO Biblioteca Depositaria: Biblioteca da UFU

Palavras - chave:

Ling. Aplicada; A.D.; Leitura; História de Leitura;

ANA LÚCIA GOMES DA SILVA. HISTÓRIAS DE LEITURAS NA TERCEIRA IDADE:

MEMÓRIAS INDIVIDUAIS E COLETIVAS. 01/04/2005

v. 184p. Mestrado. UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA - EDUCAÇÃO Orientador(es):

MARY DE ANDRADE ARAPIRACA Biblioteca Depositaria: Biblioteca Central da UFBA e

Biblioteca Anisio Teixeira

Palavras - chave:

leitura, discurso, terceira idade, memórias, narrativas

FÁBIO ROBSON MASSALLI. LEITURA LITERÁRIA E A FORMAÇÃO DO JORNALISTA. HISTÓRIAS DE LEITURAS DE PROFISSIONAIS E ESTUDANTES DE JORNALISMO DA REGIÃO NOROESTE DO PARANÁ. 01/03/2005

1v. 198p. Mestrado. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ - LETRAS Orientador(es):

VERA TEIXEIRA DE AGUIAR Biblioteca Depositaria: BIBLIOTECA CENTRAL DA UEM

Palavras - chave:

FORMAÇÃO DO LEITOR; FORMAÇÃO DO JORNALISTA; LEITURA.

SILVANA MARIA DE JESUS VETTER. EXPERIÊNCIAS DE LEITURA DE PESSOAS IDOSAS: UMA MEMÓRIA. 01/01/2006

3v. 146p. Mestrado. UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO - EDUCAÇÃO

Orientador(es): Diomar das Graças Motta

Biblioteca Depositaria: Biblioteca Setorial de Pós-Graduação em Ciências Sociais

Palavras - chave:

Leitura. Memória. UNITI/UFMA

EGLE CARILLO DE FARIA. HISTÓRIAS DE LEITURA, CONCEPÇÕES E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE PROFESSORES.. 01/12/2006

1v. 264p. Mestrado. UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO - EDUCAÇÃO

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Orientador(es): Ana Arlinda de Oliveira

Biblioteca Depositaria: Biblioteca Central da UFMT e Biblioteca Setorial do IE/UFMT

Palavras - chave:

Leitura. Histórias de leitura. Professor-leitor.Aluno-leitor

MARIA DO SOCORRO L. MARQUES FRANÇA. O PROFESSOR E A LEITURA: HISTÓRIAS DE FORMAÇÃO. 01/09/2007

1v. 191p. Mestrado. UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ - EDUCAÇÃO

Orientador(es): Maria Socorro Lucena Lima

Biblioteca Depositaria: UECE Palavras - chave:

Leitura, formação leitora, professores

ROZELI FRASCA BUENO ALVES. JOVENS LEITORES E LEITURAS: UM ESTUDO DE SUAS TRAJETÓRIAS. 01/08/2008

1v. 106p. Mestrado. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - EDUCAÇÃO (PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO)

Orientador(es): SÉRGIO VASCONCELOS DE LUNA

Biblioteca Depositaria: PUC/SP

Palavras - chave:

Leitura, Histórias de Leitura, Formação de Leitores

LEONARDO MONTES LOPES. BIBLIOTECA PÚBLICA MUNICIPAL ROSULINO CAMPOS: MEMÓRIA, HISTÓRIA E LEITURA. 01/10/2008

1v. 134p. Mestrado. UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS - EDUCAÇÃO

Orientador(es): ORLINDA MARIA DE FÁTIMA CARRIJO MELO

Biblioteca Depositaria: CENTRAL DA UFG

Palavras - chave:

biblioteca; memória; história; leitura.

LEIDINALVA AMORIM SANTANA DAS MERCÊS. HISTÓRIAS CRUZADAS: LEITURAS DE MULHERES NEGRAS DA EJA. 01/12/2008

1v. 131p. Mestrado. UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE

Orientador(es): VERBENA MARIA ROCHA CORDEIRO

Biblioteca Depositaria: Biblioteca Luiz Henrique Dias Tavares

Palavras - chave:

leitura,literatura,leitora,história leitura,livro,biblioteca

DENISE DIAS DE CARVALHO SOUSA. DO CAIXOTE À PRATELEIRA: UM OLHAR INVESTIGATIVO SOBRE AS MULHERES-LEITORAS DO CURSO DE LETRAS. 01/04/2008

1v. 166p. Mestrado. UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - ESTUDO DE LINGUAGENS

Orientador(es): VERBENA MARIA ROCHA CORDEIRO

Biblioteca Depositaria: BIBLIOTECA CENTRAL DA UNEB

Palavras - chave:

leitura,literatura,leitora,história leitura,livro,biblioteca

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ANEXO B

Questionário aplicado aos professores

QUESTIONÁRIO

Querido professor(a),

Este questionário conta com algumas questões, relativas à história de leitura de professores e

faz parte da pesquisa que desenvolvemos no Programa de Pós-graduação em Estudos de

Linguagem da UNEB. Solicitamos sua colaboração em respondê-las. Se houver mais

observações a fazer, por favor, inclua no verso da folha. Para as questões objetivas, você

poderá assinalar mais de uma opção. Obrigada por sua participação.

I - IDENTIFICAÇÃO

1- Nome: _______________________________________________________ 2- Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino 3- - Sua idade (em anos) está na faixa de:

( )18 a 25 anos ( )26 a 30 anos ( )31 a 35 anos ( ) 36 a 40 anos ( )mais de 40 anos

4- Naturalidade_____________________________________________________ 5- Local onde morou durante a infância__________________________________ 6- Local onde reside atualmente________________________________________ 7- Estado civil: ( ) solteiro ( ) casado ( ) divorciado ( ) viúvo ( ) Outro -

Especifique____________________________________ 8- Você exerce a docência em que níveis de ensino? Educação infantil ( ) Ensino fundamental-Séries iniciais

( )Ensino fundamental- Séries finais ( )Ensino médio

( )Educação especial

9- Exerce outra atividade profissional? ( )Sim Qual(is)?______________________________________________________________

( ) Não

II – FORMAÇÃO

Ensino Fundamental:

1- Tipo de instituição que cursou: ( ) Pública ( ) Particular ( ) Pública e Particular

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2- Local onde cursou:_____________________________________________________ 3- Ano de conclusão: _________________________________________________

Ensino Médio:

1- Tipo de instituição que cursou: ( ) Pública ( ) Particular( ) Pública e Particular 2- Local onde cursou:_____________________________________________________ 3- Ano de conclusão: _____________________________________________________

III – PRIMEIRAS LEITURAS

1- Onde se deu o seu primeiro contato com o material escrito? (...) em sua casa (...)em casa de parentes ( )em casa de amigos (...)

na escola, quando começou a freqüentá-la (...) Outro - Especifique___________________

(...) Não lembra

2- Quem possibilitou o primeiro contato com a leitura ( ) Mãe ( ) Pai ( ) Escola ( ) Irmãos ( ) Parentes ( ) Amigos ( ) Iniciativa própria

( ) Não lembra ( ) Outro -Especifique_________________________________________

3- Quando foi seu primeiro contato com a leitura? ( ) Infância ( ) Adolescência ( ) Fase Adulta

4- Em que lugares você tinha acesso à leitura? ( ) em casa (...)na escola ( )na casa de vizinhos ( ) na casa de

familiares ( )na biblioteca ( ) em bancas de revistas ( ) na casa de amigos ( ) na igreja

(...)Outros.Especifique_______________________________________________________

5- De que maneira você tinha acesso aos textos?

( ) Biblioteca paterna/familiar ( ) Biblioteca pública ( ) Biblioteca particular

( ) Comprando ( ) Ganhando ( ) Xerocopiando

( ) Emprestado: ( ) de familiares ( ) de amigos ( ) de vizinhos ( ) de professores

( ) Outros – Especifique _________________________________________________

6- Que tipos de textos circulavam em sua casa?

( ) Conto de fadas ( ) Gibis ( ) Romances ( ) Literatura infantil brasileira ( ) Fábulas (

) Revistas variadas ( ) Jornais( ) Enciclopédias ( ) Livros didáticos (...) Jornais

(...) Literatura de cordel ( )Documentos (...) Textos instrucionais :receitas, mapas, bulas

de receitas ( ) Dicionários ( ) Livros religiosos ( ) Poesias ( ) Letras de música

(...) Catálogos (...) Folhetos ( ) Nenhum ( ) Não lembra

( )Outros. Quais?______________________________________

7- Dos tipos de textos assinalados acima, quais os que você lia? __________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

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8- Alguém lia para você? (...) Sim. Especifique_________________________________________________________

(...) Não

9- Havia algum tipo de leitura proibida? ( )Sim.Qual (is)?___________________________________________________________

( ) Não

10- Havia algum tipo de leitura desejada, à qual você não tinha acesso? ( )Sim. Especifique _________________________________________________________

( )Não

11- Gostava de ouvir histórias? ( ) Sim ( ) Não

Justifique__________________________________________________________________

12- Quem contava as histórias? ( ) Mãe ( ) Pai ( ) Avó ( ) Avô ( ) Tios ( ) Irmãos ( ) Parentes ( ) Amigos

( ) Professor ( ) Vizinhos ( ) Não lhe contavam histórias ( ) Outros -

Especifique________________________________________________________

13- Que tipos de histórias eram contadas?

( ) Contos de fadas ( ) Fábulas ( ) Histórias familiares ( ) Histórias sobrenaturais

( ..)Histórias bíblicas( ) Lendas ( ) Causos ( )Mitologia ( ) Histórias da Carochinha(

) Literatura infanto-juvenil ( ) Não lembra ( )Nenhuma

( ) Outras - Especifique__________________________________________________

14- Quais as histórias que mais gostava de ouvir?

( ) Contos de fadas ( ) Fábulas ( ) Histórias familiares ( ) Histórias sobrenaturais

( ..)Histórias bíblicas( ) Lendas ( ) Causos ( )Mitologia ( ) Histórias da Carochinha

( ) Literatura infanto-juvenil ( ) Não lembra ( )Nenhuma

( ) Outras - Especifique______________________________________________________

IV- LEITURA E ESCOLA

1- A que tipos de textos você tinha acesso na escola?

( ) Literatura brasileira clássica ( ) Literatura infantil brasileira

( ) Literatura juvenil brasileira ( ) Romance estrangeiro ( ) Romance policial

( ) Romance de aventura ( ) Gibis ( ) Auto-ajuda ( ) Livros espíritas ( ) Revistas

variadas ( ) Receitas culinárias ( ) Almanaques ( ) Jornais ( ) Enciclopédias ( ) Livros

didáticos ( ) Dicionários ( ) Textos bíblicos ( ) Poesias ( ) Contos ( ) Crônicas ( )

Reportagens ( ) Horóscopo ( ) Biografias ( ) Política ( ) Artes ( ) Artigos científicos (

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) Fofocas ( ) Fábulas ( ) Letras de música ( ) Fotonovelas ( ) Propagandas ( )

Fotografias( ) Nenhum ( ) Outros. Especifique___________________

2- Havia momentos de leitura na escola? ( ) Sim ( ) Não

3- Caso a resposta anterior tenha sido positiva, como era feita a leitura?

( ) O professor lia para os alunos ( ) Os alunos liam em voz alta ( )Os alunos liam

silenciosamente ( ) Professor e alunos liam juntos ( ) O

professor lia e os alunos repetiam ( )Outros. Especifique:

________________________________________________________________

4- Havia textos que circulavam apenas entre os alunos? ( )Sim. Quais? ______________________________________________________

( ) Não

5- Quais eram os espaços de leitura na escola?

( ) Sala de aula ( )Sala de leitura ( ) Biblioteca ( )Pátio escolar ( ) Não havia

espaço de leitura ( ) Outros . Especifique: __________________________

6- Você gostava de ler na escola? ( ) Sim ( ) Não

Justifique a resposta assinalada:

___________________________________________________________________________

_____________________________________________________________

7- Houve algum (ns) texto(s) lido(s) na escola que o mobilizou à prática da leitura? ( )Sim.Qual(is)_____________________________________________________

( )Não

8- Como você avalia a influência da escola na sua formação de leitor? ( ) excelente ( ) boa ( ) regular ( ) péssima

Justifique a opção assinalada: __________________________________________

V – FORMAÇÃO DO LEITOR

1- Qual o espaço que a leitura ocupa em sua vida atualmente? ( ) A maior parte do tempo ( ) Boa parte das horas vagas

( ) Menor do que há alguns anos ( ) Maior do que há alguns anos

( ) Quase não leio ( ) Não tenho tempo para ler

( ) Outro - Especifique_______________________________________________

2- Como tem acesso aos textos hoje? ( ) Biblioteca paterna/familiar ( ) Biblioteca pública ( ) Biblioteca particular

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( ) Internet ( ) Comprando ( ) Ganhando ( ) Xerocopiando

( ) Emprestado: ( ) de familiares ( ) de amigos ( ) de vizinhos ( ) de professores

( ) Outros – Especifique : ____________________________________________________

3- Que tipos de textos você possui em sua casa hoje?

( ) Literatura brasileira clássica ( ) Literatura infantil brasileira

( ) Literatura juvenil brasileira ( ) Romance estrangeiro ( ) Romance policial

( ) Literatura de Cordel ( ) Romance de aventura ( ) Gibis ( ) Auto-ajuda ( ) Livros

espíritas ( ) Revistas variadas ( ) Receitas culinárias ( ) Almanaques ( ) Jornais

( ) Enciclopédias ( ) Livros didáticos ( ) Dicionários ( ) Textos bíblicos

( ) Poesias ( .) Contos ( ) Crônicas ( ) Reportagens ( ) Horóscopo ( ) Biografias

( ) Política ( ) Artes ( ) Artigos científicos ( ) Fofocas ( ) Fábulas

( ) Letras de música ( ) Fotonovelas ( ) Propagandas ( ) Fotografias( ) Nenhum

( ) Outros – Especifique: ____________________________________________________

4- Há algum tipo de texto que você gostaria de ter acesso?

( ) Sim. Qual (is)___________________________________________________________

( ) Não

Justifique a resposta anterior:

__________________________________________________

_________________________________________________________________________

5- Onde você lê frequentemente?

( ) Em casa( ) Na escola ( ) No carro ( ) Na rua ( ) Na biblioteca (

) Na Faculdade ( )Na feira ( ) Na igreja ( )Nas associações ( ) Não tem lido

( ) Outros. Especifique: ____________________________________________________

6- Quando você lê, qual é a finalidade?

( )Para passar o tempo ( ) Para cumprir as obrigações ( ) Para se

manter informado ( ) Para se divertir ( ) Para realizar atividades ( ) Outros.

Especifique: __________________________________________________________

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