roÇa, uma marca registrada: o processo de …

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LIDIANE NUNES DA SILVEIRA ROÇA, UMA MARCA REGISTRADA: O PROCESSO DE VALORIZAÇÃO DO RURAL NA SOCIEDADE BRASILEIRA Tese apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural, para obtenção do título de Doctor Scientiae. VIÇOSA MINAS GERAIS- BRASIL 2015

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LIDIANE NUNES DA SILVEIRA

ROCcedilA UMA MARCA REGISTRADA O PROCESSO DE VALORIZACcedilAtildeO DO RURAL NA SOCIEDADE BRASILEIRA

Tese apresentada agrave Universidade Federal de Viccedilosa como parte das exigecircncias do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Extensatildeo Rural para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doctor Scientiae

VICcedilOSA MINAS GERAIS- BRASIL

2015

ii

Aos meus pais Joatildeo e Maria

e ao meu companheiro Leacutelis

fontes de inspiraccedilatildeo

apoio e partilha da vida

iii

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo agrave Universidade Federal de Viccedilosa especificamente ao Programa de

Poacutes-graduaccedilatildeo em Extensatildeo Rural do Departamento de Economia Rural pela

oportunidade de cursar o Doutorado e estendo meus cumprimentos a todo o corpo

docente e aos teacutecnicos administrativos que tornam o curso possiacutevel Agrave Coordenaccedilatildeo de

Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior (CAPES) pela concessatildeo de bolsa de

estudos que subsidiaram o desenvolvimento da pesquisa Ao Instituto Federal de Minas

Gerais Campus Ouro Preto pela concessatildeo de Licenccedila para Capacitaccedilatildeo que

possibilitou melhores condiccedilotildees para a dedicaccedilatildeo ao desenvolvimento da pesquisa e ao

cumprimento das exigecircncias do Programa em tempo haacutebil

Na UFV agradeccedilo imensamente agrave Professora Ana Louise pelo entusiasmo com

o qual conduz nossas pesquisas nos inspirando e motivando com sua dedicaccedilatildeo

disponibilidade e solicitude Agradeccedilo pela seguranccedila nos meus momentos de duacutevida

pela compreensatildeo relativa agraves condiccedilotildees de vida e pelas vaacuterias oportunidades de

aprendizado conquistas e aperfeiccediloamento que nos concedeu dentro e fora do Grupo de

Estudos Rurais Agriculturas e Ruralidades (GERAR) E pela confianccedila no meu

trabalho pela sintonia e escolhas certeiras e pela orientaccedilatildeo precisa Aos Professores

Douglas Mansur e Rennan Lanna pela coorientaccedilatildeo por transmitirem apoio e confianccedila

nas decisotildees tomadas ampliando as possibilidades da pesquisa pela disponibilidade agrave

leitura criacutetica do texto e pela participaccedilatildeo nos momentos formais de avaliaccedilatildeo do

trabalho contribuindo para a pesquisa com seriedade e ao mesmo tempo leveza Ao

Professor Leonardo Civale que de forma muito soliacutecita e entusiaacutestica aceitou

contribuir com a leitura do trabalho em vaacuterios momentos despertando-nos para novas

facetas da pesquisa Ao Professor Luciano Rodrigues que aceitou prontamente

contribuir com o trabalho participando da banca de defesa e cujas colaboraccedilotildees foram

muito pertinentes Agrave Professora Neide Almeida que foi interlocutora indireta desse

trabalho ao longo de todo esse tempo agradeccedilo agraves leituras e contribuiccedilotildees Agradeccedilo a

todos os professores e professoras do Programa que contribuiacuteram direta ou

indiretamente para a minha formaccedilatildeo e para o bom desenvolvimento desta pesquisa No

DER agradeccedilo ainda agrave Carminha Romildo Cassiana Helena Brilhante Margarida D

iv

Maria Otto e Russo que sempre nos atenderam com carinho e presteza no cotidiano

acadecircmico

Na UFV devo tambeacutem meus agradecimentos aos componentes antigos e novos

do GERAR espaccedilo de aprendizado partilha apoio crescimento e amizade Agradeccedilo

ao Gustavo Braga pela oportunidade de aprendizado no curso de Metodologia

Quantitativa agrave Vanessa Barros pelo treinamento com o Alceste e agrave Paula Fernandes

pelo trabalho de acompanhamento e traduccedilatildeo da obra de Placide Rambaud Agradeccedilo

especialmente agrave Vanessa amiga para toda a vida Aos amigos e amigas do Programa

com os quais aprendi e me diverti muito agradeccedilo o apoio o incentivo a troca a

partilha das anguacutestias e das conquistas ao longo desses anos Sorte a todos noacutes

Agradeccedilo na UFMG agrave Professora Deborah Lima por me acompanhar mais

uma vez na minha trajetoacuteria acadecircmica pela disponibilidade em participar do exame de

qualificaccedilatildeo pelas contribuiccedilotildees preciosas ao meu trabalho Na UFOP agradeccedilo agrave

Professora Marisa Singulano pela solicitude em aceitar contribuir com o debate do

seminaacuterio e pela leitura do trabalho pelo carinho e compreensatildeo com as vicissitudes dos

momentos finais da tese Ao Professor Frederico Tavares pela gentileza em aceitar ao

convite para participar da banca de defesa suas leituras comentaacuterios e contribuiccedilotildees

acrescentaram um novo olhar ao trabalho

No IFMG agradeccedilo aos meus amigos professores e agraves minhas amigas

professoras da Coordenadoria de Aacuterea de Ciecircncias Sociais e da Coordenadoria de Aacuterea

de Histoacuteria primeiramente pela concessatildeo da Licenccedila Capacitaccedilatildeo mas sobretudo

pelo incentivo apoio parcerias e compreensatildeo nos momentos de ausecircncia Agradeccedilo

em especial ao Professor Guilherme Leonel e agrave Professora Alessandra Tostes pelo

apoio e compreensatildeo nas vaacuterias trocas de turmashoraacuteriosconteuacutedos que num primeiro

momento antes da Licenccedila Capacitaccedilatildeo foram fundamentais para que eu pudesse

cursar as disciplinas Ao Professor Rios e agrave Professora Paula pela descontraccedilatildeo nos

momentos finais de redaccedilatildeo da tese e agrave Professora Venuacutencia pela torcida e incentivo

Aos alunos e alunas que acompanharam o iniacutecio do doutorado com admiraccedilatildeo e

entusiasmo meus agradecimentos

Em Gonccedilalves natildeo tenho palavras para agradecer a recepccedilatildeo carinhosa a

paciecircncia e o acolhimento da Vera Ribeiro e da equipe da Secretaria de Turismo

Ivonete e Kleacuteber assim como o apoio logiacutestico o incentivo e paciecircncia de Roberto

v

Torrubia mediadores das entrevistas e cicerones nas visitas aos bairros rurais e

estabelecimentos da cidade Em nome destes agradeccedilo a todos e todas que me

receberam na cidade que aceitaram participar da pesquisa e compartilhar comigo suas

histoacuterias e a paixatildeo pela roccedila Gonccedilalves eacute definitivamente um lugar incriacutevel as

pessoas e suas histoacuterias fascinantes

No Mercado Central agradeccedilo a colaboraccedilatildeo e presteza do superintendente Luiz

Carlos Braga e da assessora Claacuteudia Neres que permitiram a realizaccedilatildeo da pesquisa no

Mercado de forma tatildeo soliacutecita Tambeacutem agradeccedilo a todos os trabalhadores e

frequentadores do Mercado que participaram da pesquisa cedendo parte do seu precioso

tempo de trabalho ou de lazer para responder aos questionaacuterios Vocecircs fazem do

Mercado esse lugar de tradiccedilatildeo e ldquorefuacutegio nostaacutelgicordquo

Essa pesquisa tambeacutem foi possiacutevel graccedilas a vaacuterios colaboradores agradeccedilo pelas

revisotildees feitas pela Elodia Lebourg pela Anastaacutezia Ladeira e Joseacute Dioniacutesio Ladeira

pela traduccedilatildeo da Liacutevia Quinquiolo a consultoria dos mapas concedida pelo Professor

Marcos Viniacutecius Sanches Abreu e pela cessatildeo das fotografias e ilustraccedilatildeo pelo Roberto

Torrubia Agrave colaboraccedilatildeo da estudante de graduaccedilatildeo em Economia Domeacutestica e bolsista

do Programa de Educaccedilatildeo Tutorial da UFV Danielle Batista durante a pesquisa das

marcas pela internet e organizaccedilatildeo dos dados

Por fim agradeccedilo aos incentivadores de todos os minutos sem os quais natildeo

haveria forccedilas possiacuteveis para desenvolver esse trabalho Ao meu pai Joatildeo Monteiro

pelo incentivo e esforccedilo para que eu chegasse ateacute aqui pelas oraccedilotildees pela admiraccedilatildeo e

pelas fotografias solicitadas Agrave minha matildee Maria pelas oraccedilotildees que iluminaram minhas

escolhas nos momentos de duacutevida me fortaleceram nos momentos desgastantes e

renovaram a minha feacute pela paciecircncia e pela compreensatildeo da minha ausecircncia Ao Leacutelis

natildeo tenho palavras para agradecer a maneira como compartilhou comigo o longo e

doloroso caminho de realizaccedilatildeo deste trabalho Agradeccedilo a partilha da paixatildeo pelas

coisas da roccedila do trabalho domeacutestico da crenccedila e da praacutetica por uma vida melhor do

apoio na pesquisa de campo do amor carinho e paciecircncia no dia a dia da ajuda com os

macetes no computador e dos trabalhos e leituras em conjunto Agradeccedilo agrave Marilda

Maia pelo incentivo pelas oraccedilotildees e pelo carinho acolhedor e a toda a famiacutelia Maia e

Brito pela acolhida e apoio Agradeccedilo agrave Efigecircnia em Viccedilosa e agrave Valquiacuteria em Ouro

Preto pelo trabalho domeacutestico Agradeccedilo aos meus amigos e agraves minhas amigas e aos

vi

familiares pela torcida pela irreverecircncia e acima de tudo por compreenderem a minha

ausecircncia Agradeccedilo a Deus por ter chegado ateacute aqui

vii

SUMAacuteRIO

LISTA DE FIGURAS viii

LISTA DE GRAacuteFICOS xii

LISTA DE QUADROS XIII

LISTA DE TABELAS XIV

LISTA DE ABREVIATURAS XV

RESUMO XVII

ABSTRACT XIX

INTRODUCcedilAtildeO 1

CONTEXTUALIZACcedilAtildeO DA PESQUISA 1

NO CAMINHO DA ROCcedilA PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS 6

APRESENTACcedilAtildeO DOS CAPIacuteTULOS 8

1 USOS E SIGNIFICADOS DO TERMO ROCcedilA NO BRASIL 11

11 USOS E SIGNIFICADOS DO TERMO ROCcedilA NA FORMACcedilAtildeO SOacuteCIO-HISTOacuteRICA DO BRASIL 11

12 USOS E SIGNIFICADOS DO TERMO ROCcedilA NOS ESTUDOS SOBRE O CAMPESINATO NO BRASIL 22

13 USOS E SIGNIFICADOS DO TERMO ROCcedilA EM TEXTOS CONTEMPORAcircNEOS 35

14 USOS E SIGNIFICADOS DO TERMO ROCcedilA EM TEXTOS NAtildeO ACADEcircMICOS 40

15 A CATEGORIA ROCcedilA FACE Agrave PROBLEMAacuteTICA CONCEITUAL RELATIVA AO RURAL 45

16 SIacuteNTESE DOS USOS E SIGNIFICADOS DA CATEGORIA ROCcedilA FACE AgraveS PERSPECTIVAS SOBRE O RURAL NO

BRASIL 67

2 ROCcedilA UMA MARCA REGISTRADA A PRODUCcedilAtildeO A CIRCULACcedilAtildeO E O CONSUMO DE PRODUTOS E SERVICcedilOS ldquoDA ROCcedilArdquo 69

21 A ROCcedilA VAI AO MERCADO UMA INTERPRETACcedilAtildeO A PARTIR DA ANTROPOLOGIA DO CONSUMO 69

22 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS E ANAacuteLISE DESCRITIVA DE MARCAS DE PRODUTOS E SERVICcedilOS

COM O TERMO ROCcedilA NO BRASIL 72

23 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS E ANAacuteLISE DE CONTEUacuteDO DE MARCAS DE PRODUTOS E SERVICcedilOS

COM O TERMO ROCcedilA NO BRASIL 89

24 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS E ANAacuteLISE DAS ENTREVISTAS E APLICACcedilAtildeO DE QUESTIONAacuteRIOS

103

3 O MERCADO CENTRAL O CANTINHO DA ROCcedilA NA CAPITAL MINEIRA 130

31 O MERCADO E A NOVA CAPITAL 130

32 A OBSERVACcedilAtildeO PARTICIPANTE E A APLICACcedilAtildeO DE QUESTIONAacuteRIOS NO MERCADO CENTRAL 136

33 O MERCADO CENTRAL E SEUS PARES DE OPOSTOS A CIDADELAacute FORA A ROCcedilAAQUI DENTRO 146

34 AS CATEGORIAS ROCcedilA NO MERCADO CENTRAL 163

4 O FESTIVAL DE GASTRONOMIA E CULTURA DA ROCcedilA DE GONCcedilALVES ldquoAQUI A ROCcedilA Eacute A RAINHArdquo 169

41 A CIDADE DE GONCcedilALVES 169

42 A OBSERVACcedilAtildeO PARTICIPANTE AS ENTREVISTAS E OS ldquoBASTIDORESrdquo DO FESTIVAL 182

43 O 4ordm FESTIVAL DE GASTRONOMIA E CULTURA DA ROCcedilA DE GONCcedilALVES 197

viii

44 AS CATEGORIAS ROCcedilA EM GONCcedilALVES 218

5 O QUE SIGNIFICA ROCcedilA AFINAL 238

51 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS E ANAacuteLISE DAS RESPOSTAS DAS ENTREVISTAS E QUESTIONAacuteRIOS

COM O USO DO SOFTWARE ALCESTE 239

52 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS E ANAacuteLISE DAS RESPOSTAS DAS ENTREVISTAS E QUESTIONAacuteRIOS

COM O USO DO SOFTWARE NVIVO 248

53 SIacuteNTESE DOS RESULTADOS SOBRE OS SIGNIFICADOS DO TERMO ROCcedilA COM O USO DO ALCESTE E DO

NVIVO 258

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 261

REFEREcircNCIAS 266

APEcircNDICES 288

APEcircNDICE A ndash TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ndash PRODUTORES 288

APEcircNDICE B ndash TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ndash CONSUMIDORES 290

APEcircNDICE C ndash TERMO DE AUTORIZACcedilAtildeO DE USO DE IMAGEM 292

APEcircNDICE D ndash ROTEIRO DE ENTREVISTA AOS PRODUTORESDISTRIBUIDORES 293

APEcircNDICE E ndash QUESTIONAacuteRIO SEMIESTRUTURADO ndash PRODUTORES E DISTRIBUIDORES 295

APEcircNDICE F ndash QUESTIONAacuteRIO SEMIESTRUTURADO ndash CONSUMIDORES 299

ix

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 ndash Roccedila de mandioca 17

FIGURA 2 ndash Roccedila de milho 18

FIGURA 3 ndash Roccedila de feijatildeo 18

FIGURA 4 ndash Caracteriacutesticas da roccedila na formaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do Brasil Colocircnia 22

FIGURA 5 ndash Bairros rurais em Gonccedilalves-MG 25

FIGURA 6 ndash Caracteriacutesticas da roccedila no Brasil Contemporacircneo 40

FIGURA 7 ndash Mapa dos municiacutepiosEstados com produtos e serviccedilos com a marca roccedila no Brasil por regiatildeo 2014 82

FIGURA 8 ndash Evoluccedilatildeo das caracteriacutesticas histoacutericas do campo no Brasil e dos usos e significados da marca roccedila (1960-2015) 103

FIGURA 9 ndash Verduras no Mercado Central 114

FIGURA 10 ndash Frutas no Mercado Central 114

FIGURA 11 ndash ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo Gonccedilalves-MG 114

FIGURA 12 ndash Queijo artesanal no Mercado Central 115

FIGURA 13 ndash Cachaccedilas no Mercado Central 115

FIGURA 14 ndash Doces no Mercado Central 115

FIGURA 15 ndash Quitandas no Festival de Gonccedilalves-MG 117

FIGURA 16 ndash Artesanato e cestaria em Gonccedilalves-MG 118

FIGURA 17 ndash Utensiacutelios em aacutegata no Mercado Central 118

FIGURA 18 ndash Panelas de cobre no Mercado Central 118

FIGURA 19 ndash Gamelas no Mercado Central 119

FIGURA 20 ndash ldquoCasinha da roccedilardquo no Mercado Central 119

FIGURA 21 ndash Localizaccedilatildeo de Belo Horizonte-MG 131

FIGURA 22 ndash Fachada do Mercado Central 133

FIGURA 23 ndash Produto com marca ldquoRoccedilardquo no Mercado Central 137

FIGURA 24 ndash Restaurante ldquoCozinha da Roccedilardquo no centro de Belo Horizonte-MG 138 FIGURA 25 ndash Canecas em aacutegata 140

FIGURA 26 ndash Doces embalados no tecido de chita 140

FIGURA 27 ndash Peacutes de boi 141

FIGURA 28 ndash Berrantes 141

FIGURA 29 ndash Gaiolas 141

FIGURA 30 ndash Corredor de artesanato tecelagem e cestaria 142

FIGURA 31 ndash Panelas de barro 142

FIGURA 32 ndash Panelas de pedra 142

FIGURA 33 ndash Queijo cabacinha defumado 144

FIGURA 34 ndash Corredor no Mercado Central 147

FIGURA 35 ndash Queijos 148

FIGURA 36 ndash Utensiacutelios domeacutesticos 148

x

FIGURA 37 ndash Flores e pimentas 148

FIGURA 38 ndash Interior do restaurante 165

FIGURA 39 ndash Lavabo do restaurante 166

FIGURA 40 ndash Detalhe da arquitetura do restaurante 166

FIGURA 41 ndash Fachada do ldquoRoccedila Capitalrdquo no Mercado Central 168

FIGURA 42 ndash Localizaccedilatildeo de Gonccedilalves-MG 170

FIGURA 43 ndash Vista panoracircmica da cidade de Gonccedilalves-MG 171

FIGURA 44 ndash Vista do Bairro dos Remeacutedios 172

FIGURA 45 ndash Cachoeira do Simatildeo no Bairro Retiro 172

FIGURA 46 ndash Igreja de Nossa Senhora das Dores centro de Gonccedilalves-MG 173 FIGURA 47 ndash Localizaccedilatildeo de Gonccedilalves na APA Fernatildeo Dias 176

FIGURA 48 ndash Carro de boi 181

FIGURA 49 ndash Boneca decorativa na loja ldquoDireto da Roccedilardquo rodoviaacuteria de Itajubaacute-MG 184

FIGURA 50 ndash Boneco decorativo na loja ldquoDireto da Roccedilardquo rodoviaacuteria de Itajubaacute-MG 184

FIGURA 51 ndash Wifi Zone na praccedila de Gonccedilalves-MG 186

FIGURA 52 ndash Mapa ilustrado de Gonccedilalves-MG 189

FIGURA 53 ndash Pedra Chanfrada no Bairro Terra Fria 192

FIGURA 54 ndash Restaurante Trecircs Irmatildes no Bairro Rural do Juncal 193

FIGURA 55 ndash Prato do Restaurante Ao Peacute da Pedra 193

FIGURA 56 ndash Restaurante da Vilma no Bairro dos Venacircncios 194

FIGURA 57 ndash Feira ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo 195

FIGURA 58 ndash ldquoCafeacute na Roccedilardquo na Feira ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo 196

FIGURA 59 ndash Interior do ldquoCafeacute na Roccedilardquo 196

FIGURA 60 ndash ldquoParquinho da Roccedilardquo na Feira ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo 196 FIGURA 61 ndash Mesas e stands no 4o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila 202

FIGURA 62 ndash Salatildeo de festas do Clube Recreativo de Gonccedilalves-MG 202 FIGURA 63 ndash Stand de Slow Food ldquoConviacutevio Terras Altas do Sapucaiacuterdquo 203 FIGURA 64 ndash Oficina de queijos de ovelha e cervejas artesanais ndash 203

FIGURA 65 ndash Cartaz de divulgaccedilatildeo do 1o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila 205

FIGURA 66 ndash Cartaz de divulgaccedilatildeo do 2o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila 205

FIGURA 67 ndash Guia Gastronocircmico do 3o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila 206

FIGURA 68 ndash Cartaz de divulgaccedilatildeo do 4o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila 206

FIGURA 69 ndash Fornalha e fogatildeo a lenha 209

FIGURA 70 ndash Broa de pau-a-pique 210

FIGURA 71 ndash Quituteiras Dona Dita Aline e Cida 210

FIGURA 72 ndash Tear 211

FIGURA 73 ndash Artesanato em palha de milho 211

xi

FIGURA 74 ndash Sela e balaios 212

FIGURA 75 ndash Carro de boi e milho 212

FIGURA 76 ndash Raacutedio antigo 212

FIGURA 77 ndash Armaacuterio decorativo 213

FIGURA 78 ndash Detalhe decorativo 213

FIGURA 79 ndash Detalhe decorativo 214

FIGURA 80 ndash Dupla Campo Belo e Companheiro e Catireiros da Mantiqueira 215

FIGURA 81 ndash Desfile de Carros de Boi 215

FIGURA 82 ndash Igreja de Nossa Senhora dos Remeacutedios no Bairro Rural dos Remeacutedios 222

FIGURA 83 ndash Dendograma da classificaccedilatildeo hieraacuterquica descendente do corpus 241

FIGURA 84 ndash Anaacutelise Fatorial de Correspondecircncia em Coordenadas 242

FIGURA 85 ndash Mapa da aacutervore de codificaccedilatildeo 257

FIGURA 86 ndash Dendograma da anaacutelise de cluster dos noacutes 258

xii

LISTA DE GRAacuteFICOS

GRAacuteFICO 1 ndash Evoluccedilatildeo das solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila 79

GRAacuteFICO 2 ndash Tipos de produtos com solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila no Brasil no INPI 84

GRAacuteFICO 3 ndash Evoluccedilatildeo dos produtos e serviccedilos com solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila no Brasil no INPI 87

GRAacuteFICO 4 ndash Tipos de serviccedilos com solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila 88

GRAacuteFICO 5 ndash Quantidade de marcas em cada categoria por deacutecadas 101

GRAacuteFICO 6 ndash Residecircncia dos produtoresdistribuidores respondentes 107 GRAacuteFICO 7 ndash Profissatildeo dos produtoresdistribuidores respondentes 108

GRAacuteFICO 8 ndash Funccedilatildeo exercida no estabelecimento pelos produtoresdistribuidores respondentes 108

GRAacuteFICO 9 ndash Escolaridade dos produtoresdistribuidores respondentes 109

GRAacuteFICO 10 ndash Faixa etaacuteria dos produtoresdistribuidores respondentes 109

GRAacuteFICO 11 ndash Residecircncia dos consumidores respondentes 110

GRAacuteFICO 12 ndash Faixa etaacuteria dos consumidores respondentes 110

GRAacuteFICO 13 ndash Escolaridade dos consumidores respondentes 111

GRAacuteFICO 14 ndash Profissatildeo dos consumidores respondentes 111

GRAacuteFICO 15 ndash Origem dos consumidores respondentes 112

GRAacuteFICO 16 ndash Origem dos pais dos consumidores respondentes 112

GRAacuteFICO 17 ndash Profissotildees dos pais dos consumidores respondentes 113

GRAacuteFICO 18 ndash Subcategorias e atributos 256

xiii

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 ndash Caracteriacutesticas da roccedila no Brasil Colocircnia e no campesinato no Brasil Repuacuteblica 34

QUADRO 2 ndash Classificaccedilotildees Nacional e de Nice dos produtos e serviccedilos com a marca roccedila com processo de registro no INPI 75

QUADRO 3 ndash Reagrupamento das categorias de produtos e serviccedilos com a marca roccedila com processo de registro no INPI a partir das Classificaccedilotildees Nacional e de Nice 77

QUADRO 4 ndash Categorias da anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica 97

QUADRO 5 ndash Categorias dos significados dos produtosserviccedilos com a marca roccedila segundo os produtoresdistribuidores 120

QUADRO 6 ndash Categorias dos significados dos produtosserviccedilos com a marca roccedila segundo os consumidores 122

QUADRO 7 ndash Comparaccedilatildeo das categorias de significados 128

QUADRO 8 ndash Siacutentese das categorias de significado roccedila no Mercado Central 168

QUADRO 9 ndash Menu do 4o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila 207

QUADRO 10 ndash Variaacuteveis e coacutedigos da linha de comando do corpus 240

QUADRO 11 ndash Siacutentese das classes de significados e variaacuteveis 247

xiv

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 ndash Quantidade de solicitaccedilotildees de registro de marca com o termo roccedila no INPI no Brasil por deacutecadas 78

TABELA 2 ndash Quantidade de produtos e serviccedilos com a marca roccedila por unidades da federaccedilatildeo no Brasil identificadas na internet 83

TABELA 3 ndash Evoluccedilatildeo dos tipos de produtos e serviccedilos com solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila no Brasil no INPI 85

TABELA 4 ndash Evoluccedilatildeo dos produtos e serviccedilos com solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila no Brasil no INPI 86

TABELA 5 ndash Frequecircncia das marcas mais recorrentes com a palavra roccedila ao longo das deacutecadas 90

TABELA 6 ndash Categorias das marcas com o nome roccedila 99

TABELA 7 ndash Quantidade de referecircncias agraves categorias de significados de roccedila 252

TABELA 8 ndash Categorias de significados de roccedila para consumidores e produtores 253

TABELA 9 ndash Categorias de significados de roccedila por cidades 254

TABELA 10 ndash Subcategorias de significados de roccedila 256

xv

LISTA DE ABREVIATURAS

ALCESTE ndash Analyse Lexicale par Contexte drsquoun Ensemble de Segments de Texte

ANVAR ndash Agecircncia Nacional Francesa de Valorizaccedilatildeo agrave Pesquisa

APA ndash Aacuterea de Proteccedilatildeo Ambiental

BELOTUR ndash Empresa Municipal de Turismo

BH ndash Belo Horizonte

CAIrsquos ndash Complexos Agroindustriais

CEASA ndash Central de Abastecimento de Minas Gerais

CNRS ndash Centro Nacional Francecircs de Pesquisa Cientiacutefica

CNS ndash Conselho Nacional de Sauacutede

COMTUR ndash Conselho Municipal de Turismo

DO ndash Denominaccedilatildeo de Origem

ECO 92 ndash Conferecircncia das Naccedilotildees Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento

ECOCERT ndash Organismo de Controle e Certificaccedilatildeo

EMATER ndash Empresa Mineira de Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural

EPTV ndash Emissoras Pioneiras de Televisatildeo

EUA ndash Estados Unidos da Ameacuterica

IBD ndash Instituto Biodinacircmico

IBGE ndash Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IBPT ndash Instituto Nacional de Planejamento Tributaacuterio

IDH ndash Iacutendice de Desenvolvimento Humano

IG ndash Indicaccedilatildeo Geograacutefica

IMA ndash Instituto Mineiro Agropecuaacuterio

INMETRO ndash Instituto Nacional de Metrologia Normalizaccedilatildeo e Qualidade Industrial

INPI ndash Instituto Nacional de Propriedade Industrial

IP ndash Indicaccedilatildeo de Procedecircncia

IRPP ndash Induacutestria Rural de Pequeno Porte

MAPA ndash Ministeacuterio da Agricultura Pecuaacuteria e Abastecimento

MDA ndash Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio

MPB ndash Muacutesica Popular Brasileira

xvi

MST ndash Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

OCDE ndash Organizaccedilatildeo para Cooperaccedilatildeo do Desenvolvimento Econocircmico

ORNAS ndash Ocupaccedilotildees Rurais Natildeo Agriacutecolas

PAC ndash Poliacutetica Agriacutecola Comum

PIB ndash Produto Interno Bruto

PNAD ndash Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios

PNATER ndash Programa Nacional de Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural

PRONAF ndash Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

QGIS ndash Quantum Gis (Geographic Information System)

SBT ndash Sistema Brasileiro de Televisatildeo

SIRGAS ndash Sistema de Referecircncia Geocecircntrico para as Ameacutericas

SPSS ndash Statistical Package for Social Sciences

TV ndash Televisatildeo

UCE ndash Unidade de Contexto Elementar

UCI ndash Unidade de Contexto Inicial

xvii

RESUMO

SILVEIRA Lidiane Nunes da D Sc Universidade Federal de Viccedilosa novembro de 2015 Roccedila uma marca registrada o processo de valorizaccedilatildeo do rural na sociedade brasileira Orientadora Ana Louise de Carvalho Fiuacuteza Coorientadores Douglas Mansur da Silva e Rennan Lanna Martins Mafra Esta pesquisa analisou os usos e significados do termo roccedila expressos nas marcas de

produtos e serviccedilos no mercado brasileiro entre os anos de 1960 e 2014 Partiu-se da

premissa de que roccedila eacute um termo de uso nativo relativo e relacional que a depender do

contexto social pode carrear uma valoraccedilatildeo simboacutelica positiva ou estigmatizada para

classificar pessoas e bens na perspectiva da antropologia do consumo Teve-se como

pressuposto que os usos e os significados atribuiacutedos ao termo roccedila no Brasil poderiam

revelar mudanccedilas e permanecircncias acerca da representaccedilatildeo do ldquocampordquo enquanto espaccedilo

fiacutesico e do ldquoruralrdquo enquanto modo de vida indicando implicitamente a dinamicidade

da relaccedilatildeo campo-cidade e rural-urbano em meio agraves transformaccedilotildees socioeconocircmicas do

Brasil Estabeleceu-se como hipoacuteteses de trabalho que o uso da categoria roccedila entre

atores de diferentes contextos sociais ateacute meados dos anos 1980 acentuava as

tradicionais assimetrias historicamente instituiacutedas na sociedade brasileira Apoacutes os anos

1980 o uso dessa categoria nas marcas de produtos e de serviccedilos apontaria para a

flexibilizaccedilatildeo das fronteiras demarcatoacuterias das hierarquias sociais ao criar

identificadores fluidos em relaccedilatildeo agraves posiccedilotildees sociais de consumidores e produtores A

valoraccedilatildeo positiva do termo roccedila na sociedade brasileira se relacionaria tanto a fatores

externos como a emergecircncia de discursos voltados agrave conservaccedilatildeo ambiental e a

revalorizaccedilatildeo do rural como alternativa de vida agraves condiccedilotildees sociais da modernidade

tardia e do poacutes-produtivismo quanto a fatores internos como as conquistas advindas

das poliacuteticas sociais posteriores ao periacuteodo da redemocratizaccedilatildeo brasileira A pesquisa

analisou uma amostra de 325 marcas com solicitaccedilatildeo de registro com a palavra roccedila no

Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) no periacuteodo entre 1965 e 2014 Esta

amostra foi analisada utilizando-se estatiacutestica descritiva e anaacutelise de conteuacutedo de

frequecircncia leacutexico-sintaacutetica e categoacuterica Realizou-se tambeacutem trabalho de campo

aplicando-se 70 questionaacuterios semiestruturados e entrevistas a produtores distribuidores

e consumidores de produtos e serviccedilos com a marca roccedila no Mercado Central de Belo

Horizonte e no 4ordm Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila na cidade de Gonccedilalves

xviii

em Minas Gerais Estes dados foram analisados por meio de estatiacutestica descritiva

anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica com a utilizaccedilatildeo do software NVivo e anaacutelise estatiacutestica

textual com auxiacutelio do software Alceste A anaacutelise de conteuacutedo das marcas corroborou

a hipoacutetese de que a categoria roccedila apontaria para uma revalorizaccedilatildeo do rural sendo

utilizada para se distinguir dos produtos e serviccedilos industrializados massificados

indiferenciados destacando a sua procedecircncia ou origem Na perspectiva dos

produtores distribuidores e consumidores os produtos com a marca roccedila foram

classificados positivamente como naturais e artesanais em detrimento dos produtos

industrializados A classificaccedilatildeo desses produtos e serviccedilos pelos entrevistados envolvia

os ideais de natureza bem como o imaginaacuterio romacircntico-nostaacutelgico e tradicional

Constatou-se uma permanecircncia no uso histoacuterico do termo roccedila como sinocircnimo de

lavoura campo e rural mas a atribuiccedilatildeo de novos significados como romacircnticos

nostaacutelgicos e com referecircncias agrave natureza que confirmam uma tendecircncia de valorizaccedilatildeo

do rural em curso Comprovou-se tambeacutem o caraacuteter relativo e relacional do termo roccedila

considerado como lavoura campo e rural para os entrevistados residentes no campo e

como natureza interior e cidade pequena para os respondentes metropolitanos

xix

ABSTRACT

SILVEIRA Lidiane Nunes DSc Universidade Federal de Viccedilosa November 2015 Roccedila a registered trademark the rural appreciation process in Brazilian society Advisor Ana Louise de Carvalho Fiuacuteza Co-Advisors Douglas Mansur da Silva and Rennan Lanna Martins Mafra

This research analyzed the uses and meanings of the term roccedila expressed in trademarks

of products and services in the Brazilian market between 1960 and 2014 Started from

the premise that roccedila is a native terms of use relative and relational that depending on

social context can generate a positive symbolic value or stigmatized to classify people

and goods based on Anthropology of Consumption It had as presupposition that the

uses and meanings attributed to the term roccedila in Brazil could reveal changes and stays

on the representation of the ldquofieldrdquo while physical space and ldquoruralrdquo as a way of life

indicating implicitly the dynamics of country side-town and rural-urban relationship

among the socio-economic transformations in Brazil It was established as a working

hypothesis that the use of roccedila category between actors from different social contexts

until the mid-1980s accentuated the traditional asymmetries historically instituted in

Brazilian society After the 1980s the use of this category in trademarks of products

and services this fact should point to flexibility of the frontier demarcation in social

hierarchies as they create identifiers fluids in relation to social position of consumers

and producers The positive evaluation of the term roccedila in Brazilian society would relate

both to external factors such as the emergence of speeches aimed at environmental

conservation and upgrading of the rural as an alternative life to the social conditions of

late modernity and post-productivism as the internal factors such as the achievements

resulting from subsequent social policies to the period of Brazilian redemocratisation

The research analyzed a sample of 325brands with registration request with the word

roccedila the National Institute of Industrial Property (INPI) in the period between 1965 and

2014 This sample was analyzed using descriptive statistics and analysis of frequency

content lexical-syntactic and categorical Also held fieldwork applying 70 semi-

structured questionnaires and interviews with producers distributors and consumers of

products and services to the roccedila brand in the Central Market of Belo Horizonte and 4th

Food Festival and Culture from the Roccedila in the city Gonccedilalves in Minas Gerais These

data were analyzed using descriptive statistics categorical content analysis using NVivo

xx

software and textual statistical analysis using the Alceste software The content analysis

of the marks corroborated the hypothesis that roccedila category would point to a revaluation

of the rural and have been used to distinguish the goods and industrial services mass

market undifferentiated highlighting their origin or source From the perspective of

producers distributors and consumers products with the roccedila brand were rated

positively as natural and hand made at the expense of manufactured products The

classification of these products and services by interviewees involved the ideals of

nature as well as the romantic nostalgic and traditional imaginary It was found a stay

in the historical use of the term roccedila as synonymous with agriculture countryside and

rural but the allocation of new meanings as romantic nostalgic and with references to

nature that confirm a rural on going appreciation trend It also demonstrated the relative

and relational character of the term roccedila regarded as farming countryside and rural

residents to interviewees in the field and how nature country town and small town to

the metropolitan respondents

1

INTRODUCcedilAtildeO

Contextualizaccedilatildeo da pesquisa

Embora o termo roccedila jaacute tenha sido estudado em diversos trabalhos realizados no

Brasil o enfoque analiacutetico geralmente adotado voltava-se para o seu significado como

espaccedilo de cultivo Nesta tese procurou-se analisar os significados associados ao termo

roccedila em marcas de produtos e serviccedilos bem como em eventos culturais Observaccedilotildees

assistemaacuteticas serviram para a elaboraccedilatildeo da premissa de que a depender do contexto

social no qual se usa o termo roccedila o seu acionamento pode carrear uma valorizaccedilatildeo

simboacutelica positiva ou estigmatizada e marginalizada Esta pesquisa analisou portanto o

termo roccedila como uma categoria de uso nativo operada simbolicamente entre os grupos

sociais em seus diferentes contextos de forma relativa e relacional (LIMA 1999) para

classificar pessoas e bens (BOURDIEU 2013)

Objetivou-se de forma especiacutefica nesta tese compreender os usos e

significados do termo roccedila expressos nos enunciados de marcas de produtos e serviccedilos

disponiacuteveis no mercado brasileiro da deacutecada de 1960 ateacute 2014 Propocircs-se como

hipoacutetese de pesquisa que as transformaccedilotildees socioeconocircmicas ocorridas na relaccedilatildeo entre

o campo e a cidade neste periacuteodo de aproximadamente meio seacuteculo se evidenciam no

cotidiano dos brasileiros atraveacutes do uso que fazem do termo roccedila Segundo Kageyama

(2008) pode-se observar a partir dos anos 1990 uma proximidade maior na dinacircmica

envolvendo as relaccedilotildees entre o campo e a cidade principalmente nos pequenos e

meacutedios municiacutepios em funccedilatildeo do aprofundamento da industrializaccedilatildeo difusa que os

alcanccedila Neste periacuteodo as Ocupaccedilotildees Rurais Natildeo Agriacutecolas (ORNAS) se

desenvolveram no campo acompanhadas do processo de expansatildeo da monetarizaccedilatildeo

das sociedades rurais que se aprofundou atraveacutes da remuneraccedilatildeo salarial do trabalho

agriacutecola que passou a ser mais fiscalizado bem como do acesso agrave aposentadoria rural e

aos programas sociais do governo como o Bolsa Famiacutelia Todos estes fatores apontam

para a configuraccedilatildeo de uma relaccedilatildeo mais estreita entre citadinos e rurais Aleacutem disso as

preocupaccedilotildees ambientais impulsionam novas funcionalidades atribuiacutedas ao campo

2

mediante o culto agrave natureza agrave valorizaccedilatildeo de uma vida alternativa saudaacutevel e

sustentaacutevel

Essas mudanccedilas tecircm como reflexos praacuteticos transformaccedilotildees demograacuteficas

ocupacionais e de renda tanto para as populaccedilotildees originariamente rurais quanto para as

neorrurais Entre os rurais destacam-se as novas ocupaccedilotildees no campo em setores de

serviccedilos por exemplo como caseiros das casas de campo dos citadinos como

funcionaacuterios ou proprietaacuterios de pousadas hoteacuteis fazenda restaurantes serviccedilos

turiacutesticos dentre tantas outras Jaacute os neorrurais ao se mudarem para o campo em busca

de uma vida sossegada e saudaacutevel em contato com a natureza iniciam novos

empreendimentos abrindo oportunidades de emprego no setor de turismo rural de

turismo ecoloacutegico ou mesmo na produccedilatildeo agriacutecola e agroindustrial voltada para

mercados de nicho diversificando a economia rural

Mas esta proximidade entre citadinos e rurais tambeacutem pode ser observada nas

cidades seja nos pequenos municiacutepios ou nas grandes metroacutepoles por meio da induacutestria

cultural vinculada ao estilo country Este fenocircmeno pode ser observado no mercado da

muacutesica sertaneja da moda texana nas grandes festas de rodeio em exposiccedilotildees

agropecuaacuterias restaurantes temaacuteticos dentre outros fenocircmenos voltados para a

revalorizaccedilatildeo daquilo que eacute considerado simples ruacutestico autecircntico natural como o

consumo de produtos artesanais com caracteriacutesticas locais minimamente processados

ou de produtos orgacircnicos agroecoloacutegicos encontrados nas feiras onde se compra

diretamente do produtor rural A busca por maior proximidade ao campo por parte dos

citadinos se faz ainda por meio de experiecircncias voltadas para a realizaccedilatildeo de mudanccedilas

na arquitetura e na gastronomia ao resgatar elementos materiais e simboacutelicos antigos

como o fogatildeo a lenha ou a fornalha na ldquocozinha caipira gourmetrdquo Tais manifestaccedilotildees se

voltam para uma tentativa de reviver se apropriar e ou reelaborar velhas receitas que

lembram a comida da avoacute a casa na roccedila as feacuterias no siacutetio que remetem agraves

experiecircncias do passado A busca pelo caminho da roccedila a ressignificaccedilatildeo das origens

rurais o culto agrave nostalgia revelam um desgaste do modelo de sociedade poacutes-fordista

hipermodernizada Todos estes fenocircmenos a depender do contexto e da experiecircncia

podem significar tanto um afastamento da sociedade de consumo como por outro lado

apenas uma fuga momentacircnea da mesma com duraccedilatildeo datada um fim de semana ou

alguns dias de feacuterias Enfim investigar como o uso da palavra roccedila na circulaccedilatildeo de

3

bens e serviccedilos no Brasil pode revelar esses complexos aspectos do rural nos uacuteltimos

anos eacute o que se propotildee nessa tese1

A emergecircncia a partir da segunda metade do seacuteculo XX de um mercado de

produtos e serviccedilos com a marca roccedila no Brasil torna-se ainda mais emblemaacutetico

quando se observa historicamente os usos e significados do termo roccedila neste paiacutes No

Brasil Colocircnia o termo roccedila estava vinculado agrave formaccedilatildeo de lavouras ao longo das

trilhas abertas para descobrimentos rumo ao interior do paiacutes visando garantir os

provimentos dos desbravadores que se aventuravam na conquista de novos espaccedilos A

categoria roccedila nessa eacutepoca tambeacutem era empregada para designar a produccedilatildeo de

gecircneros alimentiacutecios agraves margens das grandes lavouras monocultoras para garantir os

viacuteveres para a famiacutelia dos senhores e dos trabalhadores O uso do termo roccedila referia-se

ainda agrave produccedilatildeo agriacutecola desenvolvida por trabalhadores livres e suas famiacutelias nas

zonas perifeacutericas agraves cidades para o abastecimento destas

Assim nos primeiros seacuteculos da colonizaccedilatildeo brasileira as roccedilas se referiam aos

espaccedilos de cultivos em grandes extensotildees de terra e a agricultura era praticada de forma

itinerante Mas ao longo destes seacuteculos de colonialismo as transformaccedilotildees dos ciclos

produtivos o crescimento da populaccedilatildeo especialmente de uma classe de trabalhadores

livres pauperizada e uma maior sedentarizaccedilatildeo nos espaccedilos jaacute domesticados foi dando

lugar ao uso da palavra roccedila para se referir agrave lavoura de autoconsumo das famiacutelias

agricultoras mas em espaccedilos de terra cada vez menores Eacute assim que no Brasil Impeacuterio

cuja estrutura fundiaacuteria foi entatildeo marcada pela Lei de Terras de 1850 a alienaccedilatildeo a

heranccedila e a sucessatildeo da terra fragmentaram o terreno Aos poucos o termo roccedila foi

sendo cada vez mais associado a essa pequena lavoura de famiacutelias camponesas

instaladas em pequenas propriedades de forma marginalizada em relaccedilatildeo agraves grandes

produccedilotildees e agraves cidades

A consolidaccedilatildeo dessa estrutura fundiaacuteria no Brasil Repuacuteblica especialmente ateacute

a primeira metade do seacuteculo XX marca o uso da categoria roccedila natildeo soacute para se referir a

essa pequena produccedilatildeo agriacutecola marginalizada agrave cidade mas tambeacutem a uma

hierarquizaccedilatildeo dos processos agraacuterios e agriacutecolas Essa hierarquia caracteriza-se tanto

pelas famiacutelias agricultoras que cultivam as roccedilas em regimes de posse arrendamento ou

1 Vaacuterias pesquisas chamaram a atenccedilatildeo para este processo de ressignificaccedilatildeo do rural tambeacutem no Brasil dentre elas Alem (1996) Allonso (2012) Carneiro (1998) De Paula (1999) Eacuteboli (2005) Oliveira L (2003) Oliveira A (2009) Silva J (1997) entre outros Elas seratildeo discutidas mais detalhadamente ao longo deste trabalho

4

parceria com os grandes proprietaacuterios quanto pela relaccedilatildeo desigual que foi se formando

entre o campo e a cidade Foi nessa eacutepoca que surgiram expressotildees como ldquojeca da

roccedilardquo e a palavra aqui estudada ateacute onde foi possiacutevel averiguar comeccedilou a ser utilizada

para estigmatizar marginalizar classificar pessoas e bens com o estereoacutetipo negativo do

atraso do subdesenvolvimento da ausecircncia de direitos e da carecircncia de serviccedilos Atesta

esse processo a figura do personagem de Monteiro Lobato Jeca Tatu presente no

imaginaacuterio rural do Brasil Na segunda metade do seacuteculo XX ateacute os anos 1980 a

categoria roccedila seguiu sendo utilizada como um marcador social da diferenccedila reforccedilada

pelos novos arranjos produtivos no campo como a modernizaccedilatildeo conservadora os

conflitos deflagrados pelas lutas pelo direito dos trabalhadores rurais a expansatildeo urbana

e o ecircxodo rural aprofundando ainda mais as desigualdades entre a agricultura

empresarial e a familiar entre o campo e a cidade

A amplitude dos significados do termo roccedila jaacute havia se destacado para a

pesquisadora durante a execuccedilatildeo de uma pesquisa realizada em 2005 na regiatildeo do

Centro-Oeste de Minas Gerais que teve como objetivo estudar as relaccedilotildees de

sociabilidade e trabalho entre boias-frias ou ldquoapanhadores de cafeacuterdquo no municiacutepio de

Piumhi (SILVEIRA 2005) Em um dado momento das entrevistas notou-se que os

ldquoapanhadores de cafeacuterdquo utilizavam o termo roccedila para descrever a sua infacircncia o seu

modo de vida os seus gostos e a sua cultura Falavam de roccedila como um espaccedilo de vida

como o seu lugar Roccedila nas falas dos ldquoapanhadoresrdquo abarcava o ldquocampordquo como

espaccedilo fiacutesico mas tambeacutem os aspectos culturais caracteriacutesticos do rural enquanto modo

de vida ldquoEu nasci e me criei na roccedilardquo ldquoEstudei soacute ateacute o terceiro ano Na roccedila era difiacutecil

estudarrdquo ldquoNas roccedilas nossas de primeiro soacute tinha carro de boi Hoje vocecirc natildeo acha

mais boiada de carrordquo Num segundo momento em 2007 durante a realizaccedilatildeo de outra

pesquisa na mesma regiatildeo entrevistando agricultores e tambeacutem citadinos constatou-se

novamente o uso do termo roccedila como espaccedilo fiacutesico no qual se vive e como modo de

vida (SILVEIRA 2008) Mediante estas duas pesquisas emergiu um contraste de

significados atribuiacutedos agrave roccedila pelos habitantes e trabalhadores do campo entrevistados

nas referidas pesquisas e o significado atribuiacutedo agrave roccedila nos textos acadecircmicos no Brasil

nos quais roccedila se refere agrave lavoura Foi justamente a partir da percepccedilatildeo desse jogo

ambiacuteguo que envolve o uso e os significados da expressatildeo roccedila no Brasil ora utilizado

para discriminar ora para exaltar que surgiu a motivaccedilatildeo para esta pesquisa Assim

este estudo se propocircs a analisar roccedila como categoria nativa buscando apreender nova

5

nuance sobre o ldquocampordquo enquanto espaccedilo fiacutesico e sobre o ldquoruralrdquo enquanto modo de

vida ao menos em Minas Gerais local de desenvolvimento da pesquisa (ENDLICH

2010)

A partir desse objetivo atribuiacutedo agrave investigaccedilatildeo vislumbrou-se a possibilidade

de buscar analisar esses diversos usos e significados do termo roccedila no Brasil

considerando para tanto o seu uso no mercado de produtos e serviccedilos em funccedilatildeo de

sua crescente disseminaccedilatildeo A hipoacutetese a ser investigada nesta pesquisa eacute a de que o

uso e os significados atribuiacutedos ao termo roccedila no Brasil poderiam revelar mudanccedilas e

permanecircncias acerca do ldquocampordquo concebido enquanto espaccedilo fiacutesico e do ldquoruralrdquo

enquanto modo de vida indicando implicitamente a dinamicidade da relaccedilatildeo campo-

cidade e rural-urbano em meio agraves transformaccedilotildees socioeconocircmicas do Brasil

Em inuacutemeros contextos sociais como na induacutestria cultural ou no mercado de

produtos e serviccedilos eacute possiacutevel notar os diferentes usos do vocaacutebulo roccedila Estes sugerem

a ocorrecircncia de um imaginaacuterio sobre o campo e o rural com conotaccedilotildees associadas agrave

tradiccedilatildeo agrave natureza ao romantismo e agrave nostalgia Devido agraves limitaccedilotildees que um trabalho

dessa envergadura imporia fez-se necessaacuterio eleger um objeto especiacutefico de

investigaccedilatildeo dentre os diversos campos de significaccedilatildeo relativos ao termo roccedila na

sociedade brasileira Optou-se portanto por se realizar a pesquisa no campo das marcas

de produtos e serviccedilos que utilizam a expressatildeo roccedila no Brasil desde os anos 1960 A

escolha se deu em funccedilatildeo das marcas de produtos e serviccedilos que utilizam o termo roccedila

expressarem um processo socialmente vivido de ressignificaccedilatildeo do campo e do rural no

Brasil

O marco teoacuterico utilizado nesta pesquisa permitiu a elaboraccedilatildeo de trecircs hipoacuteteses

acerca dos significados do termo roccedila nos diferentes contextos da sociedade brasileira

1) o uso da categoria roccedila entre atores de diferentes posiccedilotildees e contextos sociais ateacute

meados dos anos 1980 acentuava as tradicionais assimetrias historicamente instituiacutedas

na sociedade brasileira cumprindo a funccedilatildeo demarcatoacuteria de reproduzir as relaccedilotildees

vividas em tempos preteacuteritos 2) o uso da categoria roccedila apoacutes os anos 1980 nas marcas

de produtos e de serviccedilos flexibiliza as fronteiras demarcatoacuterias das hierarquias sociais

amenizando as diferenccedilas instituiacutedas na sociedade brasileira ao criar identificadores

fluidos em relaccedilatildeo agraves posiccedilotildees sociais de consumidores e produtores bem como ao

transvestir o campo e o rural com a imagem espetacularizada de um campo-urbanizado

revelando novos usos e sentidos para o rural na cultura brasileira 3) esse arrefecimento

6

do uso da categoria roccedila para demarcar assimetrias sociais na sociedade brasileira

relaciona-se tanto a fatores externos quanto a internos Dentre os fatores externos

destacam-se entre outros a emergecircncia de discursos movimentos e poliacuteticas voltadas agrave

sustentabilidade e agrave conservaccedilatildeo ambiental e a identificaccedilatildeo de um papel preponderante

do campo nessa empreitada e aos processos de revalorizaccedilatildeo do rural como alternativa

de vida agraves condiccedilotildees sociais da modernidade tardia e do poacutes-fordismo Quanto aos

fatores internos destacam-se aqueles ligados ao contexto de redemocratizaccedilatildeo brasileira

poacutes-1988 caracterizado pelas conquistas sociais das camadas mais pobres inclusive no

campo com a universalizaccedilatildeo da aposentadoria rural e as poliacuteticas sociais de

transferecircncia de renda como o Bolsa Famiacutelia e de creacutedito e financiamento como o

Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) o Programa

de Aquisiccedilatildeo de Alimentos e os processos de assentamento rural da Reforma Agraacuteria

Propotildee-se portanto nesta pesquisa investigar os usos e significados que envolvem a

palavra roccedila em marcas de produtos e serviccedilos no Brasil da deacutecada 1960 ateacute 2014

No caminho da roccedila procedimentos metodoloacutegicos

A busca da diversidade de sentidos do termo roccedila e seu uso nas marcas de

produtos e serviccedilos implicou na execuccedilatildeo de trecircs procedimentos metodoloacutegicos que

permitiram uma triangulaccedilatildeo de dados para a anaacutelise Essa triangulaccedilatildeo foi possiacutevel

analisando-se os dados secundaacuterios com base na estatiacutestica descritiva e na anaacutelise de

conteuacutedo realizando-se uma categorizaccedilatildeo dos dados primaacuterios tambeacutem com base na

anaacutelise de conteuacutedo e efetuando-se uma descriccedilatildeo etnograacutefica a partir da observaccedilatildeo

participante Enquanto a anaacutelise de dados secundaacuterios permitiu constatar a ocorrecircncia do

fenocircmeno estudado e identificar sua tendecircncia dentro de uma perspectiva histoacuterica a

anaacutelise dos dados primaacuterios possibilitou a compreensatildeo de alguns significados inerentes

ao fenocircmeno

O primeiro procedimento consistiu no levantamento de dados secundaacuterios que

revelassem a existecircncia de marcas de produtos e serviccedilos com o termo roccedila no Brasil

no periacuteodo compreendido entre 1960 e 2014 no Instituto Nacional de Propriedade

Industrial (INPI) oacutergatildeo ligado ao Ministeacuterio do Desenvolvimento Induacutestria e Comeacutercio

7

Exterior e responsaacutevel entre outras competecircncias pela concessatildeo do registro de marcas

no Brasil A amostra coletada continha 325 marcas com o termo roccedila que foram

analisadas utilizando-se a estatiacutestica descritiva com auxiacutelio do software Microsoft

Excel e a anaacutelise de conteuacutedo de frequecircncia leacutexico-sintaacutetica e categoacuterica seguindo-se

as orientaccedilotildees de Bardin (1977) Essa amostra de produtos e serviccedilos com solicitaccedilatildeo de

registro de marcas com o termo roccedila no INPI tambeacutem foi investigada em sites blogs e

fanpages na internet onde foram identificadas 162 delas Essa uacuteltima amostragem

permitiu construir um mapeamento da distribuiccedilatildeo espacial dessas marcas nos

municiacutepios Estados e regiotildees brasileiras a partir da composiccedilatildeo de um mapa no

software Quantum Gis (QGis) utilizando-se para isso o banco de dados de camadas

vetoriais ou shapefiles ldquoLimitesrdquo da Base Cartograacutefica Vetorial do Brasil (BASE

[2007]) conforme o Sistema de Referecircncia Geocecircntrico para as Ameacutericas (SIRGAS)

ambos disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE)

O segundo procedimento consistiu na aplicaccedilatildeo de 70 questionaacuterios

semiestruturados e entrevistas a produtores distribuidores e consumidores de produtos e

serviccedilos com a marca roccedila no Brasil alguns selecionados a partir da amostra de dados

secundaacuterios entre aqueles que se dispuseram a participar da pesquisa Os questionaacuterios

foram aplicados a alguns produtoresdistribuidores via e-mail utilizando-se um

formulaacuterio eletrocircnico a distribuidores e consumidores no Mercado Central de Belo

Horizonte e a produtores e consumidores participantes do Festival de Gastronomia e

Cultura da Roccedila na cidade de Gonccedilalves ambas em Minas Gerais Os dados coletados

nos questionaacuterios e entrevistas foram analisados por meio de estatiacutestica descritiva

anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica com base nas orientaccedilotildees de Bardin (1977) anaacutelise

estatiacutestica textual com auxiacutelio do software Alceste e codificaccedilatildeo com o uso do

software NVivo O terceiro procedimento realizado concomitantemente agrave aplicaccedilatildeo de

questionaacuterios e entrevistas referiu-se agrave observaccedilatildeo participante em dois loacutecus de

circulaccedilatildeo de bens com a marca roccedila no 4ordm Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila

da cidade de Gonccedilalves e no Mercado Central de Belo Horizonte entre os meses de

setembro e novembro de 2014 Estes eventos foram selecionados para se realizar a

observaccedilatildeo participante e a aplicaccedilatildeo de entrevistas eou questionaacuterios a partir de alguns

criteacuterios ambos caracterizaram-se pela ampla circulaccedilatildeo de consumidores eou

frequentadores destes espaccedilos potencialmente motivados pelo consumo de serviccedilos e

produtos da roccedila Gonccedilalves ateacute entatildeo tem desenvolvido sua vocaccedilatildeo turiacutestica em

8

torno da cultura rural e da categoria roccedila e possuiacutea vaacuterios estabelecimentos na cidade e

no campo que utilizavam o termo roccedila no seu nome O Mercado Central tambeacutem

possuiacutea alguns estabelecimentos com o vocaacutebulo roccedila em seu nome aleacutem de ser

apontado por alguns autores que o estudaram como um lugar dentro da capital

mineira que seria identificado pelos seus frequentadores como um refuacutegio nostaacutelgico

que lembra a roccedila Adicionalmente o Mercado Central reunia uma seacuterie de

estabelecimentos que comercializam entre outros produtos oriundos do campo entre

alimentos bebidas artesanatos e utilidades domeacutesticas Os demais criteacuterios que

nortearam a escolha destes eventosespaccedilos para a pesquisa de campo seratildeo

apresentados detalhadamente nos capiacutetulos 3 e 4 que tratam respectivamente dos

procedimentos metodoloacutegicos e da descriccedilatildeo dos dados relativos agrave pesquisa no Mercado

Central de Belo Horizonte e no 4ordm Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila de

Gonccedilalves

Os resultados dos trecircs procedimentos metodoloacutegicos juntamente com a

descriccedilatildeo detalhada destes procedimentos seratildeo apresentados ao longo dos capiacutetulos

desta tese refletindo o desenvolvimento de cada etapa da pesquisa A disposiccedilatildeo dos

capiacutetulos e seu conteuacutedo seratildeo explicitados a seguir

Apresentaccedilatildeo dos capiacutetulos

No primeiro capiacutetulo desta tese desenvolveu-se uma revisatildeo bibliograacutefica com o

intuito de identificar de que forma o vocaacutebulo roccedila foi empregado no Brasil numa

perspectiva histoacuterica em diferentes esferas discursivas Nesse sentido apresenta-se

alguns usos e significados da categoria roccedila identificados em alguns textos do

pensamento social brasileiro relativo agrave formaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do Brasil Em seguida

apresenta-se como o termo roccedila foi abordado dentro dos estudos sobre o campesinato no

Brasil Numa perspectiva mais contemporacircnea expotildee-se em duas frentes os usos e

significados do termo roccedila em textos recentes tanto na academia quanto em outras

vertentes natildeo acadecircmicas como na literatura na muacutesica e na induacutestria cultural Nesses

uacuteltimos textos jaacute se aponta para algumas possibilidades de exploraccedilatildeo dos significados

da categoria roccedila como marca de produtos e serviccedilos no Brasil que emergiu de forma

9

mais contundente nas uacuteltimas trecircs deacutecadas Encerra-se esse primeiro capiacutetulo fazendo-se

um esforccedilo reflexivo no intuito de se pensar as possiacuteveis conexotildees entre os usos e

significados da categoria roccedila com as atuais configuraccedilotildees do campo e do rural

buscando-se compreender de que maneira as mudanccedilas e permanecircncias no sentido do

termo podem expressar as dinacircmicas do campo no Brasil

No segundo capiacutetulo apresenta-se uma reflexatildeo sobre o uso do vocaacutebulo roccedila no

mercado de bens e serviccedilos no Brasil desde os anos 1960 como marca Para tanto

parte-se de algumas questotildees propostas por autores claacutessicos da Antropologia do

Consumo refletindo-se sobre suas possibilidades de interpretaccedilatildeo do tema em questatildeo

em consonacircncia com algumas abordagens sobre gecircneros do discurso inserindo-se a

discussatildeo desta pesquisa no campo das relaccedilotildees entre consumo e comunicaccedilatildeo Apoacutes

uma exposiccedilatildeo detalhada dos procedimentos metodoloacutegicos adotados para a coleta dos

dados secundaacuterios relativos agraves marcas de produtos e serviccedilos com o termo roccedila

discute-se os resultados agrave luz das hipoacuteteses e perspectivas teoacutericas apontadas no

primeiro capiacutetulo Confronta-se tambeacutem os resultados obtidos pela estatiacutestica descritiva

e pela anaacutelise de conteuacutedo das marcas com a categorizaccedilatildeo das respostas dadas pelos

produtores distribuidores e consumidores de bens e serviccedilos da roccedila refletindo-se sobre

os usos e significados que a circulaccedilatildeo desses bens promove entre esses agentes

No terceiro capiacutetulo faz-se uma exposiccedilatildeo do processo de circulaccedilatildeo de bens da

roccedila no Mercado Central de Belo Horizonte refletindo como se empregam os

significados do termo roccedila em plena metroacutepole por meio da troca destes bens No

Mercado foi possiacutevel buscar alguns apontamentos para a reflexatildeo sobre qual o lugar da

roccedila no modo de vida urbano e moderno e perceber como o consumo pode revelar o que

se pensa sobre esse modo de vida Ou seja a marca roccedila eacute boa para comprar mas

tambeacutem eacute ldquoboa para pensarrdquo

O quarto capiacutetulo constitui-se de uma descriccedilatildeo do 4ordm Festival de Gastronomia e

Cultura da Roccedila do municiacutepio de Gonccedilalves localizado no sul de Minas Gerais

refletindo-se sobre como os agentes e instituiccedilotildees dessa cidade construiacuteram seu capital

turiacutestico em torno da ideia de roccedila Na cidade e no festival eacute possiacutevel perceber como se

veiculam diferentes significados do termo roccedila onde seu caraacuteter relativo e relacional eacute

mais expressivo dada a diversidade social do lugar constituiacuteda por agricultores

familiares convencionais agricultores familiares pluriativos (donos de restaurantes e

pousadas) agricultores orgacircnicos neorrurais cidadatildeos em geral e turistas Embora o

10

estudo do Mercado em Belo Horizonte e do Festival em Gonccedilalves natildeo tenha sido

realizado com a pretensatildeo de efetuar comparaccedilotildees eacute possiacutevel perceber alguns

contrapontos nos usos e significados da categoria roccedila nos dois eventos o que reforccedila o

recorte relativo e relacional desta categoria

Esses contrapontos ficaram ainda mais evidentes nos resultados obtidos por

meio da anaacutelise do corpus das entrevistas e questotildees abertas dos questionaacuterios com o

uso do software de anaacutelise estatiacutestica de dados textuais o Alceste e com o software de

codificaccedilatildeo NVivo A anaacutelise revelou categorias de significados para a palavra roccedila

diferenciadas entre consumidores e produtores no Mercado Central e no Festival de

Gastronomia e Cultura da Roccedila Os resultados possibilitaram verificar e corroborar as

hipoacuteteses que balizaram essa pesquisa e foram confrontados com as inferecircncias

elaboradas a partir das anaacutelises dos capiacutetulos anteriores A partir dessas respostas foi

possiacutevel indicar os principais usos e significados do termo roccedila no Brasil e sua relaccedilatildeo

com o rural apresentados nas consideraccedilotildees finais dessa tese em conjunto com uma

reflexatildeo sobre os limites e possibilidades que a pesquisa apresentou

11

1 USOS E SIGNIFICADOS DO TERMO ROCcedilA NO BRASIL

Como roccedila eacute expressa nos diferentes discursos do cotidiano Na literatura na

muacutesica na publicidade no entretenimento na academia Teraacute o vocaacutebulo roccedila nesses

espaccedilos discursivos os mesmos usos e sentidos Se roccedila eacute uma palavra ldquopolissecircmica e

escorregadiardquo (SANTOS 2006 p 92) cuja variaccedilatildeo estaacute especialmente condicionada

aos diferentes contextos e grupos sociais que a empregam como se sugere nesta

pesquisa qual seria o alcance dessa variedade semacircntica Quais os seus limites Para

responder a algumas dessas questotildees e mapear as mudanccedilas e permanecircncias na histoacuteria

do uso e do significado de roccedila no Brasil se apresenta neste capiacutetulo uma breve

reflexatildeo do termo roccedila em diferentes fontes bibliograacuteficas No campo do discurso

acadecircmico se verificou a etimologia da palavra roccedila dando ecircnfase especialmente aos

seus usos e significados na formaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do Brasil Para tanto analisou-se

textos de cronistas viajantes e autores claacutessicos do pensamento social brasileiro

Tambeacutem foram examinados os empregos do termo roccedila e seu derivado roccedilado nos

textos que estudaram o campesinato brasileiro Analisou-se ainda os trabalhos mais

recentes em termos dos usos e significados da palavra roccedila E por fim foram

observados os sentidos deste vocaacutebulo em outros segmentos discursivos aleacutem do

cientiacutefico passando por alguns textos da literatura por composiccedilotildees musicais peccedilas

publicitaacuterias e midiaacuteticas chegando ateacute o mercado de produtos e serviccedilos com a marca

roccedila no Brasil diante do qual se buscou compreender de que forma a circulaccedilatildeo de bens

se apropriaria desse enunciado culturalmente construiacutedo e lhe ressignificaria

11 Usos e significados do termo roccedila na formaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do Brasil

O estudo de Oliveira M (2012) embora de publicaccedilatildeo recente trata de uma

caracterizaccedilatildeo histoacuterica da roccedila como uma categoria tipoloacutegica de ocupaccedilatildeo espacial de

produccedilatildeo e construccedilatildeo da paisagem desde a colonizaccedilatildeo do Brasil O autor se refere

especialmente agraves formaccedilotildees coloniais na Bahia e no restante do litoral nordestino bem

como nas aacutereas de atuaccedilatildeo jesuiacutetica em Satildeo Paulo e parte da regiatildeo das entradas ateacute a

12

situaccedilatildeo contemporacircnea tomando como exemplo a Amazocircnia Oliveira M (2012)

constroacutei uma definiccedilatildeo do que seria a roccedila contrapondo-a agraves chaacutecaras e casas de campo

destinadas ao lazer Nesse sentido o autor ressalta que as roccedilas eram consideradas

unidades dedicadas ldquouacutenica e exclusivamente agrave produccedilatildeordquo e natildeo agraves praacuteticas de lazer

Assim na sua perspectiva a roccedila estaria ligada agrave produccedilatildeo de mantimentos em

oposiccedilatildeo agrave urbe e situada em grandes propriedades (OLIVEIRA M 2012 p 756) No

periacuteodo colonial segundo Oliveira M (2012) as roccedilas aleacutem de pertencerem

geralmente agraves grandes propriedades tambeacutem podiam ser encontradas em terras

devolutas e eram conduzidas por matildeo de obra familiar de agregados e ou escravos e a

sua principal funccedilatildeo seria o abastecimento de nuacutecleos urbanos proacuteximos e rurais

Segundo o mesmo autor as roccedilas ainda hoje cumpririam essa funccedilatildeo em ldquoregiotildees

menos populosas do paiacutesrdquo (OLIVEIRA M 2012 p 758) Destaca o autor que as

roccedilas tambeacutem eram encontradas nos ldquoaldeamentos indiacutegenas agraves margens do latifuacutendio

monocultor dos cursos hiacutedricos e das estradas e em assentamentos de quilombos e

mocambos aleacutem de trilhar os caminhos dos desbravadores dos sertotildees e das florestasrdquo

(OLIVEIRA M 2012 p 760)

Em geral na bibliografia sobre o Brasil Colocircnia consultada por Oliveira M

(2012) as roccedilas eram consideradas propriedades ruacutesticas localizadas nos campos e

forneciam especialmente a mandioca e a farinha dela derivada Mas o autor cita

tambeacutem o cultivo de ldquoalgodatildeo amendoim anil arroz cafeacute cana-de-accediluacutecar feijatildeo

pimenta milho tabaco urucumrdquo e ldquodiversas frutasrdquo como ldquobananas e laranjasrdquo aleacutem

de ldquolegumesrdquo (OLIVEIRA M 2012 p 758) Entre os textos dos cronistas e viajantes

consultados Oliveira M (2012) cita as indicaccedilotildees de Sousa (1587) ressaltando que as

roccedilas no Brasil deveriam ser entendidas em comparaccedilatildeo aos ldquocasais almuinhas

herdades ou quintas ruacutesticas em Portugalrdquo2 (SOUSA 1587 p 757) Consultando-se a

2 De acordo com os verbetes do Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa (2009) almuinha ou almainha ou almoinha eacute um quintal cercado uma quinta suburbana Casal refere-se a um povoado pequeno lugarejo pequena propriedade pequena gleba cercada fora do foro ou pelos arredores mas nunca anexa agrave habitaccedilatildeo do seu proprietaacuterio Herdade eacute uma propriedade rural de dimensotildees consideraacuteveis fazenda quinta e sinocircnimo de siacutetio A quinta eacute uma propriedade rural com moradia terreno proacuteprio para a agricultura pomar de laranjeiras conjunto de casas de diversos proprietaacuterios e pertencentes a uma freguesia Roccedila eacute descrita como accedilatildeo ou efeito de roccedilar roccediladura terreno em que se faz a roccedilada terreno com muito mato mato crescido geralmente em terreno acidentado terreno de lavoura grande ou pequeno sementeira cultivada entre o mato ou em terreno de roccedilada pequena propriedade agriacutecola onde se cultivam frutas hortaliccedilas e alguns cereais regiatildeo aleacutem dos limites das cidades na qual se praticam em maior ou menor escala atividades agriacutecolas e pecuaacuterias a zona rural ou campordquo A etimologia da palavra segundo o mesmo dicionaacuterio eacute um regressivo do verbo roccedilar que designa o ato de romper ou seja limpar um campo de mato e ervas

13

proacutepria obra de Sousa (1587) senhor de engenho e ldquoproprietaacuterio de roccedilasrdquo segundo

Varnhagen (1851) percebe-se como na formaccedilatildeo do Brasil Colocircnia nos quinhentos

roccedila estava atrelada agrave produccedilatildeo de mantimentos Ao longo de todo o seu tratado

especialmente descrevendo os modos de vida na Bahia de entatildeo Sousa (1587)

menciona os pares ldquoroccedilas e lavourasrdquo ldquoroccedilas e fazendasrdquo ldquoroccedilas e canaviaisrdquo ldquoroccedilas e

quintaisrdquo ldquoroccedilas e aacutervoresrdquo ldquoroccedilas e granjeariasrdquo ldquoroccedilas e aldeias matos e camposrdquo e

ldquoroccedilasrdquo num emprego largo e inespeciacutefico Sousa (1587) tambeacutem faz menccedilatildeo agraves roccedilas

dos iacutendios e especificamente agraves roccedilas dos iacutendios com canas-de-accediluacutecar plantadas assim

como fala das canas da roccedila

Mas o discurso central de Sousa (1587) sobre o termo aqui estudado estaacute

relacionado agrave expressatildeo ldquoroccedila de mantimentordquo De acordo com a sua descriccedilatildeo nas

roccedilas se lavravam muitos mantimentos frutas e hortaliccedilas Sua exposiccedilatildeo das ocupaccedilotildees

nas terras da Bahia fala das granjearias de roccedilas de mantimentos com criaccedilotildees de vacas

porcos e canaviais O mantimento fruto das roccedilas ao qual Sousa (1587) se refere

compotildee-se majoritariamente do que ele denomina como mantimento natural ou seja a

mandioca (chamada de farinha de pau ou farinha de patildeo em Portugal) elemento nativo

cultivado pelos indiacutegenas e adotado pelos colonizadores substituindo o trigo e o patildeo

Aleacutem da mandioca Sousa (1587) elenca uma longa lista de tubeacuterculos cereais legumes

e leguminosas que compunham as roccedilas de mantimentos das terras brasileiras batata

caraacutes mangaraacutes taiaacutes milho de Guineacute ou ubatim (zaburro em Portugal) favas feijotildees

aboacuteboras-de-quaresma ou jerimum amendoim pimentas Quanto agraves frutas o autor cita

caju banana mamatildeo mangaba ingaacute cajaacute pequi bacuripari umbu sapucaia jenipapo

macugecirc piquiaacute guti ubucaba mondururu mandiba cambuiacute curuanha araccedilaacute araticu

pinho abajeru amaitim apeacute murici cupiuacuteba maccedilarandiba mucuri cambucaacute

maracujaacute ananaacutes Sousa (1587) emprega ainda o vocaacutebulo roccedila para se referir ao

trabalho desenvolvido nas lavouras notaacutevel nas expressotildees fazer roccedila roccedilar trabalhar

nas roccedilas Mas o emprego do termo roccedila natildeo se limitava agrave ideia da lavoura jaacute que este

autor tambeacutem faz referecircncias agraves casas das roccedilas

Nos textos claacutessicos de alguns autores do pensamento social brasileiro como

Candido (2010) Holanda (1994 1995) e Ribeiro (2006) roccedila aparece atrelada agrave cultura

caipira desenvolvida no interior do Estado de Satildeo Paulo sul de Minas Gerais e do Rio

Janeiro parte de Goiaacutes Mato Grosso e Paranaacute Nesse contexto ldquoroccedilardquo aparece formada

pelo pequeno agricultor autocircnomo e sua famiacutelia nuclear e tambeacutem relacionada ao

14

movimento das bandeiras de conquista de novos espaccedilos e do estabelecimento de

plantaccedilotildees ao longo desses caminhos formando nuacutecleos de provisatildeo de alimentos agraves

minas

Embora Ribeiro (2006) mencione a produccedilatildeo de roccedilas de subsistecircncia por todos

os tipos socioculturais crioulos caboclos gauacutechos sertanejos ou caipiras a sua

vinculaccedilatildeo a esses dois uacuteltimos tipos eacute notaacutevel Segundo o autor nos engenhos

accedilucareiros do Nordeste brasileiro no periacuteodo colonial entre o tipo social por ele

identificado como crioulo havia o haacutebito de se designar um ldquofeitorrdquo para cuidar das

roccedilas dentro dos engenhos Mas tambeacutem cita o lavrador que cultivava sua roccedila com a

famiacutelia dentro desse subsistema (RIBEIRO 2006 p 257 260) Entre a populaccedilatildeo por

ele designada de cabocla na regiatildeo amazocircnica tambeacutem havia o costume de produccedilatildeo

de roccedilados para a subsistecircncia especialmente do cultivo de mandioca e milho

(RIBEIRO 2006 p 284) Da mesma maneira o autor afirma que nos nuacutecleos

formados nos currais de criaccedilatildeo de gado do ldquoBrasil Sertanejordquo eram plantados roccedilados

para aprovisionar a famiacutelia do vaqueiro que tambeacutem contava com algumas vacas

leiteiras Esses roccedilados tambeacutem garantiam sustento para o gado que se alimentava das

palhas que sobravam das colheitas feitas pelos lavradores embora nas aacutereas de

pastoreio abundante e extensivo as roccedilas fossem cercadas Mas o autor tambeacutem destaca

que essas roccedilas de lavradores e vaqueiros sertanejos eram precaacuterias assim como suas

moradias devido agrave situaccedilatildeo de agregado das fazendas que lhes traziam inseguranccedila e

uma trajetoacuteria marcada pela transitoriedade e nomadismo (RIBEIRO 2006 p 309 312

313 327) De acordo com Ribeiro (2006 p 377) os gauacutechos arregimentados por

paulistas e curitibanos que se instalaram nos campos do Sul para se dedicar agrave criaccedilatildeo de

gado faziam roccedilados de mandioca milho e aboacutebora e fabricavam farinha aleacutem de

campearem o gado criarem cavalos e muares e amansarem bois de serviccedilo

Quanto agrave relaccedilatildeo entre o caipira e a roccedila no texto de Ribeiro (2006) ela aparece

em pelo menos trecircs frentes distintas O autor relata que se formavam roccedilas junto com

ranchos improvisados nas bandeiras paulistas em busca da identificaccedilatildeo de regiotildees para

a mineraccedilatildeo e tambeacutem na tomada de missotildees jesuiacuteticas no Sul para o aprisionamento de

indiacutegenas catequisados para o trabalho compulsoacuterio (RIBEIRO 2006 p 332) De

acordo com o antropoacutelogo nas regiotildees onde se desenvolveu a mineraccedilatildeo por conta do

aglomerado demograacutefico urbano e de uma matildeo de obra livre entre negros e mulatos

alforriados e brancos pobres formou-se uma agricultura comercial que fornecia queijo

15

rapadura toucinho e carne mantimentos em geral cujas roccedilas eram desenvolvidas

suspeitava ele em regime de parceria Tambeacutem assinala que aos escravos das lavras era

permitido desenvolver suas roccedilas (RIBEIRO 2006 p 339 342)

Segundo Ribeiro (2006 p 344-345) posteriormente com a decadecircncia da

mineraccedilatildeo alguns dos proacuteprios mineradores negociantes artesatildeos e empregados foram

ocupando novamente o campo e se tornando roceiros produzindo para a proacutepria

subsistecircncia Da mesma forma muitos dos bandeirantes paulistas que se assentavam em

terras distantes ou mesmo aqueles que voltavam para a sua gente segundo este autor

(2006 p 333-334) tornaram-se criadores de gado e lavradores produzindo para o seu

proacuteprio consumo numa divisatildeo de tarefas os homens roccedilavam caccedilavam e guerreavam

e as mulheres cuidavam da roccedila do plantio da colheita do preparo dos alimentos e do

cuidado das crianccedilas

Eacute nesse contexto de esgotamento da mineraccedilatildeo e da economia mercantil a ele

vinculada que Ribeiro (2006) identifica uma dispersatildeo e uma nova sedentarizaccedilatildeo dos

paulistas no espaccedilo que denomina de ldquoaacuterea cultural caipirardquo que abrange uma vasta aacuterea

do Centro-Sul desde a costa do Espiacuterito Santo e Rio de Janeiro passando por Minas

Gerais Satildeo Paulo Paranaacute ateacute o Mato Grosso Consolida-se nessa regiatildeo de acordo

com o mesmo uma exploraccedilatildeo agriacutecola itinerante que derruba as matas e as queimam

para formar os roccedilados teacutecnica de origem tupi que caracterizou largamente o cultivo do

caipira e mesmo de um campesinato mais recente Esse processo apontado por Ribeiro

(2006 p 346) foi posteriormente suplantando pela plantaccedilatildeo de pastagens para o

desenvolvimento da pecuaacuteria visando abastecer os crescentes mercados urbanos que

demandavam o consumo de carne marginalizando e se apropriando da roccedila caipira

Mas antes dessa transformaccedilatildeo a organizaccedilatildeo social dos caipiras foi marcada pela

formaccedilatildeo dos bairros rurais que uniam vizinhos e familiares pelo sentimento de

localidade e pela participaccedilatildeo coletiva (mutiratildeo) para o lazer e o trabalho especialmente

a derrubada de matas e formaccedilatildeo dos roccedilados (RIBEIRO 2006 p 347) Nesse sentido

pode-se afirmar que a roccedila funcionava como um dos elementos que estruturavam a vida

rural caipira a partir da qual se constituiacuteram os bairros rurais

Para Ribeiro (2006 p 28) o haacutebito de cultivar roccedilas identificado nessas

formaccedilotildees socioculturais que originaram a cultura brasileira foi herdado da matriz tupi

Para o autor o povo tupi na eacutepoca da colonizaccedilatildeo do Brasil pelos portugueses iniciava

sua proacutepria revoluccedilatildeo agriacutecola desenvolvendo teacutecnicas de domesticaccedilatildeo de plantas para

16

o mantimento de seus roccedilados cujo exemplo mais conhecido e difundido hoje no

Brasil seria o caso da mandioca Aleacutem dela o autor ressalta que os povos tupis tambeacutem

cultivavam ldquo[] o milho a batata-doce o caraacute o feijatildeo o amendoim o tabaco a

aboacutebora o urucu o algodatildeo o carauaacute cuias e cabaccedilas as pimentas o abacaxi o

mamatildeo a erva-mate o guaranaacute entre muitas outras plantas [] o caju o pequi etcrdquo

(RIBEIRO 2006 p 28) A teacutecnica era a mesma relatada para os lavradores do periacuteodo

colonial derrubada das aacutervores com machado e queima do terreno Vecirc-se essa teacutecnica e

esses cultivos sendo mencionados por outros autores na discussatildeo adiante

A provisatildeo garantida pelas roccedilas plantadas ao longo das expediccedilotildees ao interior

do Brasil tambeacutem foram ressaltadas no estudo de Candido (2010) como ilustra a

passagem que cita o Regimento de Dom Rodrigo de Castel-Blanco que diz em seus 1ordm

e 8ordm paraacutegrafos

1ordm Toda pessoa de qualquer qualidade que seja que for ao sertatildeo a descobrimentos seraacute obrigado a levar milho e feijatildeo e mandioca para poder fazer plantas e deixaacute-las plantadas porque com esta diligecircncia se poderaacute penetrar os sertotildees que sem isso eacute impossiacutevel 8ordm Mandaraacute semear as roccedilas que jaacute ficam as terras beneficiadas de milho feijatildeo e aboacutebora (CANDIDO 2010 p 60-61)

No trabalho de Candido (2010 p 61) tambeacutem fica evidente o povoamento da

roccedila colocada em contraposiccedilatildeo agrave cidade como na passagem do Conde de Assumar

datada de 1717 sobre os arredores da cidade de Satildeo Paulo

Saiu a Sua Exa a ver a cidade que estaacute situada em um plano e poderaacute ter ateacute quatrocentas casas a maior parte teacuterreas mas muita falta de gente porque a maior parte dos moradores vivem fora dela em umas quintas a que chamam roccedilas as quais natildeo constam de outras plantas que de milho farinha de patildeo [mandioca] e feijatildeo e algumas frutas da terra que tudo isto vem a ser o seu quotidiano sustento dos paulistas natildeo comendo carne senatildeo em alguns dias do ano e quando datildeo algum banquete ou fazem alguma festa sempre vem agrave mesa o feijatildeo com toucinho que se pode supor que eacute o arroz dos Europeus

Essas informaccedilotildees satildeo complementadas ainda pela citaccedilatildeo que Candido (2010

p 62) faz de Antonil a respeito da existecircncia das roccedilas no caminho das Minas

[] haacute aqui roccedilas de milho aboacuteboras e feijatildeo que satildeo as lavouras feitas pelos descobridores das minas e por outros que por aiacute querem

17

voltar E soacute disto constam aquelas e outras roccedilas nos caminhos das minas e quando muito tem mais algumas batatas

Candido (2010 p 62) destaca que ldquoo feijatildeo o milho e a mandioca plantas

indiacutegenas constituem pois o que se poderia chamar triacircngulo baacutesico da alimentaccedilatildeo

caipira alterado mais tarde com a substituiccedilatildeo da uacuteltima pelo arrozrdquo Essa afirmaccedilatildeo eacute

interessante uma vez que se pode encontrar entre os camponeses em Minas Gerais

ainda hoje um sistema proacuteprio de classificaccedilatildeo no qual roccedila eacute milho e feijatildeo enquanto

o cultivo de outras espeacutecies como o arroz ou o cafeacute natildeo eacute considerado como roccedila mas

como plantaccedilatildeo e lavoura respectivamente (SILVEIRA 2008) Ou seja para alguns

camponeses mineiros roccedila seria uma antonomaacutesia para plantaccedilotildees de milho e feijatildeo

como jaacute foi destacado por Heredia (1979) e Garcia Juacutenior (1983) em Pernambuco No

trabalho de Candido (2010 p 66) encontra-se uma referecircncia parecida de que para os

caipiras a mandioca era por antonomaacutesia o mantimento e o milho a roccedila As

seguintes imagens ilustram ldquoroccedilasrdquo na visatildeo dos camponeses de Minas Gerais ou seja

roccedilas de mandioca milho e feijatildeo

FIGURA 1 ndash Roccedila de mandioca

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

18

FIGURA 2 ndash Roccedila de milho

Fonte Joatildeo Monteiro da Silveira

FIGURA 3 ndash Roccedila de feijatildeo

Fonte Joatildeo Monteiro da Silveira

Relevante notar que ao longo de seu trabalho Candido (2010) se refere aos

caipiras do interior paulista como roceiros e utiliza o termo roccedila para se referir tanto agraves

lavouras quanto ao local como sinocircnimo de campo ou rural quando fala das ldquopessoas

da roccedilardquo do ldquohomem da roccedilardquo ou da ldquogente da roccedilardquo (CANDIDO 2010 p 22 47 48

49 68 74 129 134 142 149 154 162 199 201 204) Para este autor a cultura

caipira marcada pela organizaccedilatildeo social em bairros e pela economia de subsistecircncia ou

seja caracterizada pelo ajuste ao meio era formada pelos sitiantes posseiros e

agregados Destarte Candido (2010) assume a existecircncia de uma estratificaccedilatildeo social na

cultura rural paulista falando especialmente do periacuteodo poacutes-ciclo bandeirante no seacuteculo

XVIII dividindo de um lado os proprietaacuterios de fazendas de cana gado e mais tarde

de cafeacute e de outro os sitiantes Entretanto o autor destaca que os fazendeiros

participam da cultura caipira em termos de seus costumes fala e rusticidade embora

nem sempre possam ser considerados dela integrantes Nesse sentido Candido (2010)

19

considera que tanto os fazendeiros quanto os sitiantes e mesmo os posseiros tecircm uma

origem em comum nos mesmos troncos familiares tendo feito parte dos ldquosiacutetios de roccedilardquo

que segundo ele seriam territorialmente avantajados e sem uma niacutetida distinccedilatildeo entre a

grande e a pequena propriedade

A expressatildeo siacutetios de roccedila eacute recorrentemente empregada por Holanda (1994

1995) especialmente nos seus estudos sobre Satildeo Paulo colonial A referecircncia de

Holanda (1994) aos siacutetios de roccedila aparece muitas vezes em contraste coma vila a

cidade ou as sedes urbanas em geral sendo o siacutetio da roccedila o espaccedilo no campo onde se

produz os mantimentos Nesse sentido o autor tambeacutem faz alusatildeo agrave ldquoroccedilardquo tanto como

ldquoespaccedilo ruralrdquo quanto como ldquoespaccedilo de produccedilatildeordquo usando inclusive a expressatildeo ldquoroccedila

de mantimentosrdquo jaacute consagrada por Sousa (1587) O contraste do uso do vocaacutebulo roccedila

em oposiccedilatildeo agrave cidade fica claro quando Holanda (1994 p 90) reproduz um trecho de

Frei Vicente do Salvador

[] cidade esquisita de casas sem moradores pois os proprietaacuterios passavam mais tempo em suas roccedilas rurais soacute acudindo no tempo das festas A populaccedilatildeo urbana constava de mecacircnicos que exerciam seus ofiacutecios de mercadores de oficiais de justiccedila de fazenda de guerra obrigados agrave residecircncia

O trecho se refere agrave cidade de Salvador no seacuteculo XVI e Holanda (1994 p 90)

ressalta como no Brasil Colocircnia a elite habitava o campo e frequentava as cidades

apenas em ocasiotildees especiais O contraste do povoamento do campo em relaccedilatildeo agrave

cidade jaacute foi notado num trecho anterior quando Candido (2010) cita uma passagem do

Conde de Assumar sobre Satildeo Paulo no seacuteculo XVIII ressaltando como a populaccedilatildeo

vivia de forma maciccedila nas roccedilas e natildeo na cidade embora nesta houvesse um

aglomerado de casas

Assim como no trabalho de Candido (2010) Holanda (1994 1995) se refere ao

agricultor e agrave populaccedilatildeo que vive no campo no periacuteodo colonial como roceiros

expressatildeo que vai se tornando escassa no vocabulaacuterio acadecircmico sobre estudos rurais no

Brasil como se veraacute adiante Holanda (1995 p 187) se refere ao uso da farinha oriunda

ldquodos milhos da roccedila de expediccedilatildeordquo como mantimento obrigatoacuterio nas expediccedilotildees no

seacuteculo XVIII juntamente com o feijatildeo e o toucinho de porco sugerindo a existecircncia de

roccedilas de produccedilatildeo de mantimentos destinadas agrave provisatildeo daqueles que partiam agraves

20

entradas Por outro lado o autor tambeacutem menciona os ldquosiacutetios de roccedilardquo como um

assentamento dos paulistas que se sedentarizam em contraste agraves bandeiras

Jaacute na obra de Freyre (2003) as menccedilotildees agrave roccedila satildeo sempre feitas com a

conotaccedilatildeo de lavoura agraves vezes chamando-a de roccedilado relacionadas aos controles de

pragas aos problemas com ataque de lagartas e ao trabalho de roccedilar o mato Apenas

numa ou noutra reproduccedilatildeo de trechos de cronistas e viajantes do Brasil colonial Freyre

(2003) em notas de rodapeacute alude agraves ldquoroccedilas de mantimentordquo ou agrave ldquoroccedila como espaccedilo

ruralrdquo num sentido mais amplo Da mesma forma Prado Juacutenior (2011) refere-se agrave roccedila

especialmente em termos das praacuteticas agriacutecolas limpeza da aacuterea agricultaacutevel por meio

da roccedilada e da queima bem como faz referecircncia agrave lavoura de subsistecircncia que segundo

ele teria dado origem a uma forma particular de exploraccedilatildeo agriacutecola destinada agrave

produccedilatildeo de gecircneros alimentares diferenciada do que denomina de grande lavoura Para

o autor essa agricultura de subsistecircncia poderia incluir uma grande propriedade que

neste aspecto assemelhava-se agrave grande lavoura ldquoateacute a insignificante roccedila chaacutecara ou

siacutetio onde natildeo haacute escravos ou assalariados e onde o proprietaacuterio ou simples ocupante da

terra eacute ao mesmo tempo o trabalhadorrdquo (PRADO JUacuteNIOR 2011 p 162) No acircmbito

das grandes lavouras o desenvolvimento das roccedilas para o provimento da subsistecircncia

era feito pelos escravos no dia da semana considerado ldquolivrerdquo geralmente o domingo

Nas fazendas de gado do sertatildeo conforme o autor tambeacutem era costume que os

trabalhadores ajudantes escravos ou assalariados chamados de ldquofaacutebricasrdquo se

ocupassem das roccedilas de subsistecircncia Em fins do seacuteculo XVII e iniacutecio do XVIII alvaraacutes

ordenavam aos lavradores de cana e aos proprietaacuterios de embarcaccedilotildees de traacutefico de

escravos que plantassem roccedilas de mandioca para a subsistecircncia destes (PRADO

JUacuteNIOR 2011 p 167 200)

A partir das fontes verificadas corrobora-se com a caracterizaccedilatildeo da categoria

roccedila criada por Oliveira M (2012) e citada no iniacutecio deste capiacutetulo Nesse sentido

conclui-se que o termo ldquoroccedilardquo durante o Brasil Colocircnia denominava um espaccedilo

eminentemente dedicado agrave produccedilatildeo (e natildeo ao lazer e fruiccedilatildeo embora haacute indicaccedilotildees da

existecircncia de uma vida social intensa) especialmente de gecircneros alimentiacutecios os

mantimentos destinados ao autoconsumo (tambeacutem citado como subsistecircncia) e ao

abastecimento local Como um desdobramento dessas condiccedilotildees detalha-se que os

gecircneros alimentiacutecios principais eram a mandioca em primeiro lugar aleacutem do milho

feijatildeo aboacuteboras e uma variaccedilatildeo de outros gecircneros como as pimentas batatas caraacute

21

amendoim algumas frutas como mamatildeo abacaxi e banana aleacutem do algodatildeo e do

tabaco entre outros A matildeo de obra que se dedicava a essa produccedilatildeo era composta

desde os proacuteprios escravos da monocultura ou da mineraccedilatildeo ateacute a classe intermediaacuteria

de homens livres que compunha a populaccedilatildeo colonial brasileira como feitores

agregados vaqueiros ou seja homens brancos pobres ou negros e mulatos alforriados

As roccedilas garantiam portanto o sustento dos trabalhadores que deveriam prover a si

mesmos e agrave sua famiacutelia bem como abastecia o sistema local seja o engenho ou as

cidades vizinhas sendo a sua localizaccedilatildeo perifeacuterica agraves vilas e sedes urbanas

Mas as roccedilas tambeacutem eram plantadas ao longo das trilhas abertas pelas

expediccedilotildees ao interior do Brasil seja para descobrimentos ou para a captura de grupos

indiacutegenas para o trabalho escravo Assim da mesma forma que a roccedila promovia a

mobilidade tambeacutem garantia o assentamento das populaccedilotildees e o processo de

sedentarismo As roccedilas a partir da derrubada das matas da incineraccedilatildeo do terreno e do

cultivo de plantas nativas como a mandioca apontam para a apropriaccedilatildeo das teacutecnicas

indiacutegenas pelos colonizadores num processo de adaptaccedilatildeo ao meio facilitando suas

entradas a posse e a dominaccedilatildeo do espaccedilo O uso da teacutecnica das roccedilas foi sendo

reproduzido pelas populaccedilotildees descendentes principalmente de brancos e iacutendios em

especial os posseiros e agricultores que juntamente com suas famiacutelias foram

desenvolvendo uma agricultura itinerante de autoconsumo dentro da aacuterea de cultura

caipira

Por tudo que foi descrito supotildee-se que no Brasil Colocircnia a roccedila muitas vezes

funcionou como um dos elementos que constituiacuteram a vida rural brasileira garantindo

natildeo somente o abastecimento e a reproduccedilatildeo da populaccedilatildeo local mas tambeacutem o

desenvolvimento dos proacuteprios empreendimentos sejam as bandeiras o engenho os

currais e as minas o trabalho e a cultura da sociedade rural Nesse sentido acredita-se

que aleacutem das referecircncias dos autores aqui citados que usavam o termo roccedila como

sinocircnimo de vida rural a constataccedilatildeo da importacircncia das roccedilas na estruturaccedilatildeo da vida

colonial brasileira tambeacutem permite tal inferecircncia Apresenta-se a seguir a

representaccedilatildeo em forma de diagrama das principais caracteriacutesticas da categoria roccedila na

literatura consultada que trata da formaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do Brasil Colocircnia

22

FIGURA 4 ndash Caracteriacutesticas da roccedila na formaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do Brasil Colocircnia

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

12 Usos e significados do termo roccedila nos estudos sobre o campesinato no

Brasil

No item anterior analisou-se a forma como o termo roccedila foi retratado na

literatura que trata da formaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do Brasil Colocircnia Neste item apresenta-

se uma anaacutelise acerca do significado do termo roccedila nos estudos sobre o campesinato no

Brasil Roccedila eacute uma categoria que pode ser identificada como fundamental nos estudos

sobre o campesinato brasileiro O termo roccedila tem sido pensado e utilizado tanto para

descrever quanto para explicar a vida e o conceito de camponecircs Nos estudos do

campesinato a roccedila ou o roccedilado eacute descrita de maneira detalhada o que contribui natildeo

soacute para compreender a evoluccedilatildeo dos usos e significados deste vocaacutebulo no periacuteodo poacutes-

colonial brasileiro como tambeacutem possibilita uma anaacutelise microssocioloacutegica no acircmbito

da pequena produccedilatildeo agricultora familiar de autoconsumo

Teacutecnica indiacutegena bullDerrubada do mato e queimada bullCultivo de mandioca milho feijatildeo aboacutebora bullProcesso itinerante

Produccedilatildeo bullGecircneros alimentiacutecios mandioca milho feijatildeo aboacutebora bullMatildeo de obra escravos homens livres (brancos pobres ou negros alforriados) agregados e parceiros

Consumo bullAutoconsumo ou subsistecircncia bullAbastecimento local (engenho curral de gado minas cidades vizinhas)

Empreendimento

bullExpediccedilotildees de descobrimentos bullBandeiras bullAgricultura marginal ao engenho currais de gado minas bullBairro rural caipira bullPequena produccedilatildeo familiar

Elemento estruturante da

vida rural

bullRoceiros bullCasas da roccedila bullGente da roccedila bullPovoamento na roccedila bullRoccedila versus cidadevilavida urbana bullSinocircnimo de rural

23

Queiroz (1973) chama a atenccedilatildeo para o fato de que o campo era retratado como

estando ocupado por dois segmentos os grandes fazendeiros e os trabalhadores rurais

escravos ou natildeo A autora entatildeo notabiliza a existecircncia de uma camada social

intermediaacuteria que natildeo seria nem fazendeira nem trabalhadora sem terras formada pelos

sitiantes a qual designa como camponeses Natildeo se trataria portanto de um povo

isolado sendo o bairro rural prova da existecircncia desta sociedade rural Nesse sentido o

campesinato ou essa camada social intermediaacuteria corresponderia aos trabalhadores que

se dedicavam agraves roccedilas no Brasil Colocircnia conforme evidenciado na seccedilatildeo anterior

sendo portanto os descendentes desses grupos sociais (ou o que resultou de sua

reproduccedilatildeo aliado a outros fatores como a decadecircncia do engenho e da mineraccedilatildeo)

Queiroz (1973) caracteriza o campesinato como um grupo social subordinado

ora a um senhorio ora agrave sociedade urbana Quando se tratava de uma regiatildeo onde natildeo

havia grandes fazendas sendo os sitiantes os uacutenicos produtores estabelecia-se uma

hierarquia mais horizontalizada dividida com base nos grupos de agricultores que

possuiacuteam ferramentas de arado os quais eram considerados mais abastados em relaccedilatildeo

aos sitiantes que utilizavam apenas a matildeo de obra familiar que por sua vez estavam

sobrepostos aos trabalhadores sem terras Queiroz (1973) destaca a dependecircncia dos

sitiantes em relaccedilatildeo agrave cidade retratando a relaccedilatildeo de troca econocircmica dentro de um

contexto de subordinaccedilatildeo poliacutetica Embora a autora utilize o aspecto da subordinaccedilatildeo

poliacutetica para definir o camponecircs do ponto de vista econocircmico ela o caracteriza como

voltado para uma loacutegica de reproduccedilatildeo autocircnoma desenvolvendo praacuteticas produtivas

voltadas para o autoconsumo A categoria roccedila aparece na anaacutelise de Queiroz (1973 p

194) sobre o campesinato como o espaccedilo no qual se produz o cultivo

Nas pequenas empresas agraacuterias exploradas por unidades domeacutesticas a superfiacutecie cultivada de pequeno porte denominou-se sempre lsquoroccedilarsquo o pequeno empresaacuterio rural ndash roceiro ndash entregava-se agrave policultura em pequena escala auxiliado pela proacutepria famiacutelia e agraves vezes por um ou outro camarada remunerado

A roccedila tem um aspecto central na distinccedilatildeo que a autora faz entre ldquoas pequenas

empresas agraacuterias voltadas para a agricultura de subsistecircnciardquo e ldquoas pequenas empresas

agraacuterias voltadas para a comercializaccedilatildeo de seus produtosrdquo Na primeira a roccedila de

subsistecircncia eacute o foco central de dedicaccedilatildeo do trabalho da famiacutelia sendo a venda do

excedente da produccedilatildeo ou qualquer outra obtenccedilatildeo de fonte de renda apenas

24

complementar agravequela Na segunda categoria o foco do trabalho familiar eacute a plantaccedilatildeo

destinada ao comeacutercio e a roccedila seria apenas uma complementaccedilatildeo desta Nessa

tipologia Queiroz (1973) contrapotildee a ldquoroccedilardquo agrave ldquocultura comercialrdquo e evidencia a

heterogeneidade das empresas agriacutecolas do interior de Satildeo Paulo A autora a partir do

relato do funcionamento de uma fazenda do interior paulista no periacuteodo da

implementaccedilatildeo da poliacutetica de colonizaccedilatildeo do governo brasileiro na passagem do seacuteculo

XIX para o XX identifica as culturas comerciais nela existentes as lavouras de

amendoim milho e mandioca e como roccedila de subsistecircncia o arroz o feijatildeo a

batatinha a cebola a melancia a aboacutebora e as hortaliccedilas Neste aspecto a roccedila ainda eacute o

nuacutecleo de provisatildeo da famiacutelia mas deixa de secirc-lo para a comunidade no entorno

percebendo-se um processo maior de autonomizaccedilatildeo que nas eacutepocas anteriores e de

diversificaccedilatildeo dos processos agraacuterios e agriacutecolas

Nesse estudo de Queiroz (1973) a categoria roccedila eacute explicitada a partir de outras

esferas da vida camponesa ateacute entatildeo natildeo mencionadas pelos viajantes e cronistas do

Brasil Colocircnia A autora faz referecircncia agrave divisatildeo de trabalho por gecircnero que envolve a

categoria roccedila na famiacutelia camponesa ressaltando que nos processos de mutiratildeo os

homens se encarregavam das tarefas na roccedila e as mulheres na cozinha Poreacutem no

trabalho regular as mulheres trabalhavam na roccedila com os maridos embora essa

situaccedilatildeo fosse mais comum entre as mulheres mais velhas As mulheres mais jovens

eram destinadas na maioria das vezes ao trabalho domeacutestico enquanto os homens

assumiam o trabalho na roccedila Nas novas geraccedilotildees as mulheres somente trabalhavam na

roccedila ao lado de seus maridos nos casos de uma necessidade econocircmica mais acentuada

De forma mais geral destaca-se que no texto de Queiroz (1973) as expressotildees

ldquotrabalho da roccedilardquo ou ldquotrabalho na roccedilardquo aparecem vaacuterias vezes para designar o trabalho

exercido na lavoura agriacutecola Por vezes ela tambeacutem se refere a um ldquosistema de roccedilardquo

para designar uma particularidade do trabalho camponecircs que estaria estritamente ligado

ao ldquotrabalho de roccedilardquo ou seja ao cultivo agriacutecola Segundo Queiroz (1973) haveria

uma formaccedilatildeo hieraacuterquica da sociedade rural em torno da roccedila o que pode ser notado

de forma expliacutecita em relaccedilatildeo aos agricultores camponeses face agrave agricultura de

exportaccedilatildeo As Danccedilas de Satildeo Gonccedilalo em Santa Briacutegida na Bahia narradas pela

autora expressam em seus rituais esta hierarquia socialmente vivida na comunidade

Os fazendeiros e donos de armazeacutem ocupavam as posiccedilotildees privilegiadas seguidos pelos

donos de pequenas roccedilas que se sobrepunham agravequeles que natildeo possuiacuteam roccedila nenhuma

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Esse processo de hierarquizaccedilatildeo social em torno da roccedila ainda natildeo havia sido apontado

nos textos consultados sobre o Brasil Colocircnia e parecem estar relacionados a uma

estruturaccedilatildeo tardia dos processos agraacuterios e agriacutecolas no Brasil cujas consequecircncias

seratildeo posteriormente apontadas nesta pesquisa

No que diz respeito a esta relaccedilatildeo dos agricultores camponeses com a roccedila

Queiroz (1973) destaca que esta era formada em regiotildees ainda natildeo ldquoinvadidasrdquo pela

grande monocultura de exportaccedilatildeo nem pela agricultura comercial e a induacutestria Da

mesma forma a autora admite que a ocupaccedilatildeo das melhores terras pela grande

monocultura seria muitas vezes o motivo da decadecircncia de muitos camponeses cujas

roccedilas ficariam restritas agraves piores terras Apesar disso natildeo se pode deixar de destacar

que para a autora o sistema de cultivo camponecircs a roccedila se constituiria em uma das

condiccedilotildees de mobilidade dos bairros rurais Nesse sentido o processo itinerante que

caracteriza a teacutecnica da roccedila seria a estrateacutegia que possibilitaria a reproduccedilatildeo dessas

famiacutelias de agricultores Os roceiros de Queiroz (1973) satildeo tanto aqueles que trabalham

na roccedila quanto tambeacutem aqueles originaacuterios do campo sendo o termo utilizado para

caracterizar natildeo soacute um processo relacionado ao trabalho mas tambeacutem de identificaccedilatildeo

social A categoria roceiro empregada por Queiroz (1973) no entanto vai se tornando

menos recorrente nos estudos de campesinato posteriores ao dela

FIGURA 5 ndash Bairros rurais em Gonccedilalves-MG

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Na imagem acima visualiza-se uma placa de tracircnsito indicando o sentido para

alguns dos bairros rurais em Gonccedilalves Minas Gerais Destaca-se que este municiacutepio

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fica proacuteximo agrave Itajubaacute regiatildeo estudada por Moura (1978) seguindo a perspectiva dos

estudos de bairros de Queiroz (1973) Moura (1978) estudou os padrotildees de heranccedila e

parentesco na reproduccedilatildeo de uma aacuterea camponesa em Satildeo Joatildeo da Cristina na regiatildeo de

Itajubaacute no sul de Minas Gerais Em um capiacutetulo destinado agrave discussatildeo da produccedilatildeo

camponesa Moura (1978) distingue o siacutetio da fazenda num esquema de oposiccedilatildeo

construiacutedo pelos proacuteprios camponeses O sitiante era tido como aquele que tinha pouca

terra e ao mesmo tempo como um lavrador categoria profissional que o identificava

como cidadatildeo O fazendeiro ao contraacuterio era tido como o proprietaacuterio de grande

extensatildeo de terra a qual estava situada fora dos limites do bairro Moura (1978 p 16)

complementa a sua definiccedilatildeo de sitiante afirmando que ldquo[] o lsquositiantersquo trabalha na

lsquoroccedilarsquo com a ajuda dos filhos plantando fundamentalmente lsquopara o gastorsquo (ou lsquopara o

estocircmagorsquo)rdquo Tambeacutem neste estudo assim como no de Queiroz (1973) a relaccedilatildeo com a

roccedila reforccedila a identificaccedilatildeo dentro de uma estrutura hieraacuterquica

Moura (1978) ressalta ainda que dentro de uma mesma propriedade privada

podiam existir unidades econocircmicas independentes no seu interior as quais eram

caracterizadas pela ldquocasa e a roccedilardquo do pai e pela ldquocasa e a roccedilardquo do(s) filho(s) casado(s)

Cada unidade econocircmica entatildeo corresponderia a uma famiacutelia nuclear dividida entre

unidade de produccedilatildeo (roccedila) e unidade de consumo (casa) A roccedila aparecia entatildeo como

um nuacutecleo estruturante da famiacutelia assim como era um componente importante da vida

rural mais ampla como destacado anteriormente A oposiccedilatildeo entre casa (unidade de

consumo) e roccedila (unidade de produccedilatildeo) reproduz a oposiccedilatildeo entre atividades domeacutesticas

e atividades agriacutecolas numa divisatildeo do trabalho familiar apontada pela autora Caberia agrave

mulher o trabalho da ldquocasardquo e ao homem o da ldquoroccedilardquo Embora ambos fossem

classificados pelos sitiantes como ldquotrabalhordquo apenas o trabalho na roccedila era tido como

serviccedilo ldquopesadordquo Por outro lado o trabalho da mulher na roccedila quando permitido era

tratado como ldquoajudardquo e natildeo como ldquotrabalhordquo Essa divisatildeo do trabalho marcava tambeacutem

a reproduccedilatildeo social que direcionava a inserccedilatildeo dos filhos e filhas no trabalho da roccedila e

da casa respectivamente Segundo Moura (1978) as meninas se tornavam aos poucos

responsaacuteveis por tarefas domeacutesticas de acordo com sua faixa etaacuteria e os meninos

assumiam tambeacutem de acordo com a sua idade as tarefas na roccedila A roccedila tinha um

aspecto fundamental em relaccedilatildeo ao trabalho dos meninos pois a eles era entregue uma

ldquopequena roccedilardquo para ser cuidada de forma independente o que marcava um processo de

emancipaccedilatildeo do grupo familiar antes mesmo do casamento A roccedila era portanto uma

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passagem ritual dentro da famiacutelia camponesa tendo um papel estruturante no nuacutecleo

familiar camponecircs ao ser utilizada natildeo soacute na construccedilatildeo dos papeacuteis de gecircnero mas

tambeacutem na identificaccedilatildeo dos papeacuteis de cada geraccedilatildeo dentro do grupo domeacutestico

Garcia Juacutenior (1983) e Heredia (1979) tambeacutem estudaram o campesinato

especificamente aquele que se formou agrave margem da plantation na Zona da Mata

Pernambucana Assim como no trabalho de Moura (1978) Garcia Juacutenior (1983) e

Heredia (1979) consideraram a unidade domeacutestica como composta pela unidade de

produccedilatildeo o ldquoroccediladordquo e pela unidade de consumo a ldquocasardquo Entretanto para ambos o

roccedilado foi compreendido e descrito como um processo produtivo Os autores

dedicaram-se a descrever as tarefas e os ciclos desse sistema produtivo bem como os

seus produtos identificando que no campesinato da Zona da Mata Pernambucana os

principais produtos que definiam o roccedilado eram a mandioca o feijatildeo (ou fava) e o milho

ndash sendo que especialmente a mandioca era utilizada como sinocircnimo de roccedila Apesar da

mandioca do milho e do feijatildeo (ou fava) serem considerados os principais produtos do

roccedilado eles natildeo excluem a existecircncia de vaacuterios outros como algodatildeo caraacute inhame

vagem coentro maxixe alho pepino chuchu quiabo pimentatildeo alface tomate

jerimum repolho cenoura cebola abacaxi maracujaacute melancia e melatildeo (HEREDIA

1979)

O roccedilado eacute ainda subdividido em termos de produtos nas categorias de

ldquolavourardquo e de ldquoaacutervoresrdquo ou ldquopeacutes de paurdquo A diferenccedila eacute dada pelos cultivos temporaacuterios

e permanentes As lavouras permanentes aacutervores frutiacuteferas ou mesmo o cafeacute por

exemplo podem ser encontradas natildeo soacute no roccedilado (espaccedilo destinado ao cultivo) mas

tambeacutem no terreiro ou no quintal espaccedilo proacuteximo da casa de morada onde tambeacutem se

planta Mas satildeo as lavouras permanentes que definem o ldquosiacutetiordquo e delimitam as terras de

posse da famiacutelia Em decorrecircncia da sua existecircncia temporal a lavoura permanente de

alguma forma comprovaria a ligaccedilatildeo com o passado (GARCIA JUacuteNIOR 1983)

Segundo Garcia Juacutenior (1983) e Heredia (1979) a agricultura camponesa se

caracterizaria pela associaccedilatildeo ou sucessatildeo de cultivos no mesmo espaccedilo de terra Por

outro lado para Queiroz (1973) a sucessatildeo ou a rotatividade de culturas e roccedilas natildeo

impediria o caraacuteter itinerante das roccedilas camponesas

O processo de trabalho no roccedilado descrito por Garcia Juacutenior (1983) e Heredia

(1979) consiste nas etapas de ldquoroccedilar o matordquo ou seja retirar a vegetaccedilatildeo natural

utilizando foices machados e estrovengas Essa tarefa eacute geralmente realizada pelo

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homem pai de famiacutelia Posteriormente se junta toda a vegetaccedilatildeo que foi roccedilada num

processo denominado ldquocoivarardquo A coivara eacute entatildeo queimada e posteriormente limpa

ou seja as sobras satildeo retiradas Se ainda for necessaacuterio destoca-se ou seja retiram-se

os troncos ou tocos de vegetaccedilatildeo que restaram com a utilizaccedilatildeo de uma enxada Todas

essas atividades satildeo masculinas Com a terra limpa o plantio se inicia com os homens

abrindo as covas com a enxada e as mulheres eou as crianccedilas depositando as sementes

e fechando as covas com os peacutes A plantaccedilatildeo precisa ser mantida realizando-se

limpezas no mato que cresce entremeio agrave lavoura Esse processo de capina pode ser

feito pelas mulheres Jaacute a colheita eacute realizada pelos homens Algumas dessas etapas

correspondem agraves teacutecnicas de origem indiacutegena tiacutepicas do periacuteodo colonial

A divisatildeo das tarefas por gecircnero no campesinato jaacute anteriormente assinalada

por Moura (1978) e Queiroz (1973) eacute discutida de maneira mais detalhada por Garcia

Juacutenior (1983) e Heredia (1979) como demonstra Heredia (1979 p 77) na seguinte

passagem ldquoNatildeo haacute duacutevida de que o lugar que os diferentes membros ocupam dentro do

grupo domeacutestico estaacute estreitamente ligado agrave sua posiccedilatildeo com relaccedilatildeo agraves atividades que

desenvolvem no lsquoroccediladorsquo ou na lsquocasarsquordquo De acordo com essa autora a oposiccedilatildeo casa-

roccedilado aleacutem de refletir a divisatildeo do grupo domeacutestico em unidade de consumo e unidade

de produccedilatildeo expressa tambeacutem a oposiccedilatildeo entre o trabalho e o natildeo trabalho

relacionando-os ao homem e agrave mulher respectivamente O roccedilado eacute tido como tendo

preponderacircncia sobre a casa pois eacute a produccedilatildeo nele realizada que garante a

sobrevivecircncia do grupo domeacutestico seja por meio do seu consumo ou da compra de

gecircneros alimentiacutecios com a renda dela advinda Se o pai de famiacutelia eacute o responsaacutevel pelo

roccedilado ndash e este domina a casa ndash logo o grupo domeacutestico estaacute sob a autoridade paterna

As tarefas realizadas pelas mulheres no roccedilado satildeo especiacuteficas podendo assumir o

roccedilado somente em casos excepcionais como morte do pai de famiacutelia doenccedila ou

velhice Mesmo assim a mulher assume o roccedilado se natildeo houver um sucessor masculino

no grupo domeacutestico A preponderacircncia do pai (responsaacutevel pelo roccedilado) no grupo

domeacutestico se manifesta em diferentes ocasiotildees eacute ele quem decide sobre os cultivos e

seus manejos administra os recursos disponiacuteveis e faz todos os negoacutecios (arrendamento

de terras de trabalho para ldquobotar roccediladordquo venda de animais ou produtos do roccedilado

compra de gecircneros necessaacuterios agrave reproduccedilatildeo do grupo domeacutestico) No espaccedilo da casa a

proeminecircncia do pai garante a ele a prioridade para se servir nas refeiccedilotildees e para

consumir os produtos mais nobres no caso de escassez As melhores ferramentas de

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trabalho tambeacutem soacute podem ser usadas pelo pai passando ao domiacutenio dos filhos adultos

da mulher e dos filhos pequenos conforme o desgaste provocado pelo uso Como

destaca Heredia (1979) a enxada eacute o siacutembolo do trabalho no roccedilado

Conforme demonstra Heredia (1979) a constituiccedilatildeo das posiccedilotildees sociais dos

membros do grupo domeacutestico determinada pelo par de opostos casa-roccedilado pode ainda

ser compreendida pelo papel do ldquoroccediladinhordquo Trata-se de um roccedilado individual

pertencente agrave matildee de famiacutelia ou a cada filho separadamente No roccediladinho o cuidado eacute

individual e de responsabilidade do membro ao qual ele foi concedido Isto porque eacute o

pai quem concede uma parte da terra de trabalho ao filho ou agrave esposa para ldquobotaremrdquo o

seu roccediladinho Eacute tambeacutem o pai quem concede os insumos e ferramentas necessaacuterios ao

cultivo do roccediladinho quem determina o que seraacute cultivado (jaacute que eacute ele quem fornece as

sementes) e os dias da semana que o filho pode se dedicar agrave sua roccedila individual No

entanto a autora ressalta que os produtos adquiridos no roccediladinho podem ser vendidos e

a renda eacute aplicada para atender agraves necessidades individuais diferentemente do roccedilado

cujos resultados satildeo inteiramente destinados agraves satisfaccedilotildees do grupo como um todo seja

de forma direta ou indireta Por isso a dedicaccedilatildeo ao proacuteprio roccediladinho natildeo libera o filho

ou a esposa da obrigaccedilatildeo de ajudar no roccedilado familiar visto que eacute este que garante a

reproduccedilatildeo de todo o grupo domeacutestico Embora a princiacutepio o destino da produccedilatildeo do

roccediladinho seja individual ele pode ser apropriado pelo pai e utilizado na satisfaccedilatildeo das

necessidades familiares num caso de escassez ou de dificuldades em geral Apesar de

ser uma forma de individualizaccedilatildeo ao proporcionar a cada membro do grupo

domeacutestico a satisfaccedilatildeo das necessidades privadas o roccediladinho tambeacutem eacute ao mesmo

tempo um reforccedilo do pertencimento ao grupo familiar jaacute que soacute pode ter um roccediladinho

aquele eacute membro do grupo domeacutestico

Tambeacutem Woortmann e Woortmann (1997) dedicam-se a uma etnografia do

trabalho na lavoura camponesa a partir da pesquisa com sitiantes sergipanos Os autores

propotildeem pensar o trabalho como um ldquosaber-fazerrdquo ou seja a compreender natildeo soacute o

trabalho como teacutecnica mas como cultura apreendendo todo o aparato de ideias que o

antecede Como o trabalho camponecircs eacute realizado no roccedilado a etnografia de Woortmann

e Woortmann (1997) permite compreender de maneira mais profunda e numa

perspectiva simboacutelica o sentido de roccedila para os camponeses se comparado agraves outras

etnografias aqui discutidas

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Woortmann e Woortmann (1997) descrevem o ldquosiacutetio camponecircsrdquo como o lugar

do trabalho por excelecircncia composto na regiatildeo estudada pelo ldquomatordquo ldquocapoeirardquo

ldquochatildeo de roccedilardquo eou ldquomalhadardquo ldquopastordquo ldquocasa de farinhardquo ldquocasardquo e ldquoquintalrdquo Os

autores fazem uma descriccedilatildeo extremamente detalhada desses componentes que satildeo natildeo

soacute espaccedilos do siacutetio mas tambeacutem etapas do processo de trabalho agriacutecola No entanto o

ldquochatildeo de roccedilardquo e a ldquomalhadardquo mais do que isso satildeo por si soacute modelos de processos

produtivos sistemas agriacutecolas pois o modelo de ldquochatildeo de roccedilardquo mais antigo demanda

um pousio de longos anos (sistema extensivo) enquanto a ldquomalhadardquo eacute um recente

sistema de cultivo de caraacuteter intensivo Havia geralmente um processo no qual apoacutes a

derrubada do mato a terra era transformada em terra de trabalho ou seja em chatildeo de

roccedila Este poderia ser substituiacutedo pela malhada ou pelo pasto ou simplesmente pelo

pousio Como o chatildeo de roccedila era a primeira etapa de plantaccedilatildeo que se seguia agrave

domesticaccedilatildeo da natureza geralmente o solo era mais rico em nutrientes e podia ser

explorado sem a necessidade de correccedilatildeo Apoacutes vaacuterios cultivos quando a terra do chatildeo

de roccedila comeccedilava a dar sinais de esgotamento ela era entatildeo descansada ou destinada ao

pasto ou agrave malhada (forma de cultivo intensivo) o que poderia ocorrer com ou sem o

descanso Entretanto os autores notaram que historicamente o sistema agriacutecola de

chatildeo de roccedila tinha sido preterido em detrimento do modelo da malhada Nota-se

especificamente nesse estudo uma contraposiccedilatildeo aos autores que escreveram sobre o

periacuteodo colonial em que a roccedila ainda era marcada por um processo de exploraccedilatildeo

itinerante Ainda que haja um revezamento da roccedila no campesinato sergipano estudado

por Woortmann e Woortmann (1997) percebe-se um processo sedentaacuterio de produccedilatildeo

Assim como ressaltado pelos pesquisadores discutidos anteriormente

Woortmann e Woortmann (1997) tambeacutem demonstraram que o chatildeo de roccedila aleacutem de

produzir o cultivo tambeacutem era um espaccedilo de aprendizado do trabalho agriacutecola pelos

jovens sitiantes como revela a seguinte passagem ldquoO chatildeo de roccedila portanto natildeo

produz apenas agricultura mas tambeacutem agricultores na medida em que eacute um lsquocampo de

treinamentorsquo para futuros sitiantesrdquo (WOORTMANN WOORTMANN 1997 p 70)

Segundo os autores este espaccedilo de aprendizado correspondia ao roccediladinho descrito por

Garcia Juacutenior (1983) e Heredia (1979) a respeito do campesinato pernambucano Nesse

sentido a descriccedilatildeo do aprendizado do trabalho pelos filhos dos camponeses de

Woortmann e Woortmann (1997) se mostra bastante parecida com aquela relatada por

Heredia (1979) e Garcia Juacutenior (1983) e por isso natildeo seraacute reproduzida aqui

31

Woortamann e Woortmann (1997) tambeacutem identificaram que a roccedila era uma

antonomaacutesia para milho e feijatildeo embora fossem encontradas nela outros produtos de

cultivo Tambeacutem identificaram o processo de consorciamento (associaccedilatildeo) dos cultivos

bem como as aacutervores frutiacuteferas (lavoura permanente aacutervore ou peacute de pau) geralmente

no espaccedilo do quintal referido no campesinato pernambucano como terreiro

Interessante notar uma significaccedilatildeo dada pelos autores a um dos sistemas de

consorciamento que denominam de ldquomicro ecossistema da roccedilardquo Destaca-se ainda

como contribuiccedilotildees desses autores o aspecto cultural e simboacutelico que Woortmann e

Woortmann (1997) atribuiacuteram agrave roccedila

Para sitiantes ou caboclos como tambeacutem para os Ilongot como mostra Renato Rosaldo a leitura das roccedilas eacute uma forma de construccedilatildeo do tempo cada roccedila eacute a expressatildeo de um periacuteodo O conjunto das roccedilas eacute a histoacuteria do grupo Mas a leitura da roccedila e do espaccedilo onde ela se faz tem ainda outro sentido histoacuterico ela eacute tal como no Meacutexico a leitura da subordinaccedilatildeo Para os camponeses mexicanos ao nobre e depois ao branco para os sitiantes aos proprietaacuterios Para os sitiantes a roccedila sempre expressa o trabalho e este o domiacutenio sobre a terra (WOORTMANN WOORTMANN 1997 p 149)

Nesta passagem pode-se perceber que a roccedila natildeo expressa somente um fator de

produccedilatildeo e a garantia de sobrevivecircncia do grupo domeacutestico mas ela eacute constitutiva do

proacuteprio grupo Acreditava-se que a roccedila constituiacutea o grupo domeacutestico natildeo somente

enquanto meio para a sua reproduccedilatildeo social mas tambeacutem como capaz de construir

simbolicamente esse grupo por meio da memoacuteria Essa afirmaccedilatildeo tambeacutem pode ser

compreendida quando Woortmann e Woortmann (1997) ao descreverem a divisatildeo do

trabalho familiar por gecircnero referem-se ao trabalho na roccedila como um ldquoprocesso

construtor de gecircnerordquo

Em um trabalho mais recente Brandatildeo (2009) dedicou-se parcialmente a uma

descriccedilatildeo do papel da roccedila no campesinato goiano O autor introduz uma nova leitura de

pares de opostos sobre a roccedila ao afirmar que para os camponeses ela revelaria o

confronto entre o ldquotempo antigordquo e os ldquodias de hojerdquo aleacutem de revelar uma relaccedilatildeo

vertical e horizontal ou seja esse confronto remete-se agrave questatildeo agraacuteria e agrave relaccedilatildeo

entre os proprietaacuterios como revelam as expressotildees ldquoroccedilas do fazendeirordquo e ldquoroccedilas de

meiardquo ldquoroccedila granderdquo e ldquoroccedila virgemrdquo O autor destaca tambeacutem a existecircncia das ldquoroccedilas

de tocordquo ou seja pequenas lavouras sazonais abertas em terras cultivaacuteveis sobre

espaccedilos de matas derrubadas Eram assim chamadas pois natildeo eram feitas destocas

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derrubavam-se as matas queimavam-se os galhos e troncos de aacutervores (tocos) Nas

pequenas roccedilas de toco eram produzidos o arroz o milho e o feijatildeo O trabalho na roccedila

foi descrito pelos entrevistados como ldquotocar roccedilardquo Brandatildeo (2009) em uma nota de

rodapeacute que poderia passar despercebida reproduz a fala de uma camponesa que relata

ldquoter nascido e se criado na roccedilardquo usando roccedila para designar o lugar e a cultura em que

se vive

A descriccedilatildeo da categoria roccedila ou roccedilado nos estudos sobre o campesinato no

Brasil permite uma anaacutelise mais acurada da roccedila numa perspectiva microssocioloacutegica

cuja unidade de anaacutelise eacute a famiacutelia camponesa No que tange ao que foi descrito como

roccedila no Brasil Colocircnia a roccedila camponesa continuou com um espaccedilo eminentemente de

produccedilatildeo particularmente de gecircneros alimentiacutecios representados pela triacuteade mandioca

milho e feijatildeo muitas vezes sendo referidos como antonomaacutesia de roccedila embora

estivessem presentes outros produtos tambeacutem

As mudanccedilas ou nuances identificadas relacionam-se ao fato de a roccedila

camponesa continuar garantindo o sustento familiar mas deixando de ter um papel

preponderante no abastecimento local do seu entorno tornando-se ao que parece

isolada ou pelo menos marginalizada Outro aspecto a se considerar eacute a maneira como

a roccedila estrutura a vida camponesa determinando os papeis de gecircnero e geraccedilatildeo dentro

do grupo domeacutestico Esses papeacuteis centrados no patriarcalismo revelam um processo de

hierarquizaccedilatildeo social interna na famiacutelia camponesa Mas a hierarquia social tambeacutem

comeccedila a ser exposta em relaccedilatildeo agrave comunidade externa agrave famiacutelia camponesa tanto no

que concerne agrave produccedilatildeo (autoconsumo versus comercializaccedilatildeo) quanto em relaccedilatildeo agrave

estrutura fundiaacuteria e agrave posse da terra Possivelmente esse dado relativo ao tamanho da

propriedade agrave sua funccedilatildeo ao tipo de matildeo de obra empregado e agrave propriedade ou agrave posse

do terreno tenha se consolidado e se evidenciado a partir da Lei de Terras de 1850 que

instituiu o acesso agrave terra a partir da sua alienaccedilatildeo deslegitimando os processos de

ocupaccedilatildeo da mesma ateacute entatildeo recorrentes na histoacuteria brasileira Eacute provaacutevel que estas

questotildees estejam tambeacutem no cerne da ideia de subordinaccedilatildeo que autores como Queiroz

(1973) ressaltam como condiccedilatildeo camponesa estando relacionada aos sistemas de

posse parceria e trabalho agregado nas grandes fazendas Embora as roccedilas marginais agraves

lavouras monocultoras jaacute fossem realidade no Brasil Colocircnia e a instabilidade da

situaccedilatildeo dos roceiros jaacute tivesse sido relatada pelos autores consultados a subordinaccedilatildeo

do roceiro a um senhorio parece tomar outras dimensotildees a partir da propriedade da

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terra em 1850 Por outro lado a roccedila ganha outras conotaccedilotildees simboacutelicas relacionadas

natildeo soacute ao ciclo de vida da famiacutelia como no caso dos membros masculinos com os

rituais de passagem da infacircncia a vida adulta mas tambeacutem de histoacuteria memoacuteria e

posse da terra

Nota-se ainda a importacircncia das roccedilas nos bairros rurais Entretanto as suas

caracteriacutesticas de agricultura itinerante parecem oscilar com situaccedilotildees de uma

exploraccedilatildeo agriacutecola mais permanente que reaproveita o espaccedilo utilizado da roccedila com

produccedilotildees rotativas e consorciamento Os estudos do campesinato tambeacutem permitem

compreender por meio das descriccedilotildees de etapas do processo produtivo e sua relaccedilatildeo

com a pecuaacuteria por exemplo a roccedila como um sistema agriacutecola Para sintetizar essas

comparaccedilotildees representa-se no diagrama abaixo as mudanccedilas e permanecircncias dos

sentidos e usos de roccedila no Brasil Colocircnia e no campesinato

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QUADRO 1 ndash Caracteriacutesticas da roccedila no Brasil Colocircnia e no campesinato no Brasil Repuacuteblica

BRASIL COLOcircNIA CAMPESINATO Empreendimento

Expediccedilotildees de descobrimentos Bandeiras Agricultura marginal ao engenho currais de

gado minas Bairro rural caipira Pequena produccedilatildeo familiar

Empreendimento Pequena produccedilatildeo familiar

(camponecircs colono ou sitiante) Bairro rural caipira

Produccedilatildeo Gecircneros alimentiacutecios mandioca milho

feijatildeo aboacutebora Matildeo de obra escravos homens livres

(brancos pobres ou negros alforriados) agregados e parceiros

Produccedilatildeo Gecircneros alimentiacutecios mandioca

milho feijatildeo Matildeo de obra famiacutelia camponesa

(proprietaacuterios posseiros agregados e parceiros)

Consumo Autoconsumo ou subsistecircncia Abastecimento local (engenho curral de

gado minas cidades vizinhas)

Consumo Preponderacircncia do autoconsumo ou

subsistecircncia Abastecimento local (fazenda

monocultura agregados e parceiros) ou comercializaccedilatildeo externa para cidades e vilas

Teacutecnica indiacutegena Derrubada do mato e queimada Cultivo de mandioca milho feijatildeo aboacutebora Processo itinerante

Teacutecnica indiacutegena Derrubada do mato coivara

capoeira chatildeo de roccedila malhada pastou ou pousio

Cultivo de mandioca milho e feijatildeo Processos itinerante e de

rotaccedilatildeoassociaccedilatildeodescanso Como um dos elementos estruturantes da

vida rural Roceiros Casas da roccedila Gente da roccedila Povoamento na roccedila Roccedila versus cidadevilavida urbana Sinocircnimo de rural

Estruturaccedilatildeo da famiacutelia camponesa Estruturaccedilatildeo interna hierarquia de

gecircnero e geraccedilatildeo Estruturaccedilatildeo externa hierarquia

social com base na possepropriedade da terra produccedilatildeo e consumo subordinaccedilatildeo social e poliacutetica

Identificadores e marcadores sociais Autonomizaccedilatildeo isolamento e

marginalizaccedilatildeo do campesinato

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

35

13 Usos e significados do termo roccedila em textos contemporacircneos

Nos estudos sobre o campesinato a roccedila serve para classificar os grupos rurais

em termos hieraacuterquicos uma vez que aqueles que estabelecem roccedilas satildeo em geral

pequenos produtores rurais familiares que produzem para autoconsumo As roccedilas satildeo

compostas por plantaccedilotildees de milho feijatildeo e mandioca que muitas vezes satildeo

designadas pelo vocaacutebulo roccedila embora outras espeacutecies tambeacutem possam ser nela

cultivadas Assim no campesinato roccedila eacute considerada como uma categoria central de

trabalho definidora da famiacutelia camponesa classificadora de sua situaccedilatildeo social no

campo Por meio da roccedila cumpre-se a funccedilatildeo de classificar as pessoas especialmente

por criteacuterios de gecircnero e geraccedilatildeo baseando-se nas funccedilotildees que cada membro familiar

nela exerce O processo produtivo a propriedade da terra as possibilidades de

mobilidade tambeacutem se relacionam estritamente com a roccedila como se pocircde perceber nos

estudos do campesinato

Mas seraacute que essas hierarquias sociais que passam a marcar a organizaccedilatildeo social

em torno da roccedila se reproduziriam em outros contextos O que diz a bibliografia

contemporacircnea a esse respeito Na Sociologia Rural o termo roccedila natildeo tem sido

utilizado de forma recorrente como uma categoria de pensamento que permite

compreender fenocircmenos da vida rural no Brasil Entretanto alguns textos se dedicaram

a essa discussatildeo ora utilizando roccedila como uma categoria central de anaacutelise ora como

variaacutevel ou pano de fundo para outras discussotildees Nesse sentido alguns dos textos

contemporacircneos aqui analisados que tratam do vocaacutebulo roccedila contribuiacuteram para se

verificar como os seus usos e sentidos se reproduziram ou foram ressignificados nos

uacuteltimos anos

Inicia-se esta perspectiva apresentando os argumentos de Oliveira M (2012 p

758) que se dedicou a discutir a categoria roccedila dentro da formaccedilatildeo rural brasileira O

autor afirma que nos textos por ele lidos sobre o assunto roccedila eacute tida como um

brasileirismo A palavra roccedila eacute de origem portuguesa (MARTINS J 2014) mas entre

os indiacutegenas brasileiros o haacutebito do cultivo de determinados alimentos especialmente a

mandioca foi logo adotado pelos colonizadores que denominaram tal praacutetica de roccedila

Segundo Oliveira M (2012 p 758-759) a roccedila eacute praticada no Brasil pelo ldquolavrador

ou roceirordquo que de acordo com ele tambeacutem eacute chamado de ldquocaipira capiau matuto

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tabareacuteu e vazanteirordquo O autor destaca o caraacuteter pejorativo com que esses termos satildeo

empregados em muitos contextos sociais com o intuito de inferiorizar o homem do

campo principalmente num processo de hierarquizaccedilatildeo em que a gente da cidade

estaria colocada em posiccedilatildeo de superioridade

Nesse sentido o estudo de Rios (2011) eacute particularmente interessante por trazer

o termo roccedila agrave tona relacionando-o a um expliacutecito processo de hierarquizaccedilatildeo da cultura

rural no Brasil A autora analisou recentemente no interior da Bahia como alunos e

alunas provenientes da roccedila construiacuteam representaccedilotildees de suas identidades e como as

praacuteticas discursivas escolares intervinham nesse saber Rios (2011) ressalta o choque

entre as histoacuterias de vida e as praacuteticas discursivas de seus alunos e alunas que viviam na

roccedila e as praacuteticas discursivas escolares e o processo etnocecircntrico e hieraacuterquico que

permeava essa relaccedilatildeo Para a autora

Para muitos alunos e alunas ndash inclusive para alguns oriundos da roccedila ndash ser da roccedila significa ser inferior ignorante ser de outro grupo possuir outra linguagem e acima de tudo ser diferente sendo esta semioacutetica da diferenccedila construiacuteda negativamente por meio da exclusatildeo e da marginalizaccedilatildeo fruto de todo um processo histoacuterico construiacutedo tambeacutem pela proacutepria instituiccedilatildeo escolar (RIOS 2011 p 14)

Rios (2011) ressalta ainda que na regiatildeo onde realizou seu estudo em Piemonte

da Chapada no interior da Bahia o uso do vocaacutebulo roccedila passa por uma

(des)construccedilatildeo histoacuterica do lugar da terra da negaccedilatildeo dos sujeitos de seus saberes e

linguagens A autora observou em diversas circunstacircncias nas pequenas cidades da

regiatildeo como o termo roccedila era tomado como um ldquonatildeo-lugarrdquo na perspectiva de Augeacute

(2004) Rios (2011) faz referecircncia aos estudos de Santos F (2006) ao assumir o termo

roccedila como uma categoria nativa que carregaria uma polissemia e uma construccedilatildeo

histoacutericaepistemoloacutegica no cotidiano dos alunos e alunas estudados(as)

Para Santos F (2006) na regiatildeo do Recocircncavo Sul da Bahia roccedila teria a

equivalecircncia de rural O autor ressalta que para realizar o seu estudo a respeito dos

alunos provenientes da roccedila precisou alccedilar esse termo ao status de categoria teoacuterica

Mas na falta de uma bibliografia que o legitimasse jaacute que aquelas disponiacuteveis segundo

ele negligenciavam as particularidades de ruralidades especiacuteficas Santos F (2006)

lanccedilou matildeo de uma pesquisa bibliograacutefica sobre a formaccedilatildeo histoacuterica do Recocircncavo

Baiano Nessa empreitada Santos F (2006) tambeacutem sistematizou a compreensatildeo da

populaccedilatildeo local sobre o lugar onde vivia e a maneira de se referir a ele como roccedila De

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acordo com este autor o processo histoacuterico de ocupaccedilatildeo das terras da regiatildeo pelos

colonizadores conferiu agrave roccedila ao longo do tempo uma conotaccedilatildeo depreciativa por se

tratar de pequenas propriedades cuja posse se deu por formas marginais e assimeacutetricas

em relaccedilatildeo ao grande proprietaacuterio Assim Santos F (2006) aplica essas categorias para

a estrutura agraacuteria do Recocircncavo Baiano

A distinccedilatildeo entre fazenda e roccedila parece tornar-se mais clara quando substantivada Fala-se em ldquofazenda de gadordquo ldquode cacaurdquo ldquode cafeacuterdquo (esta em menor importacircncia hoje mas muito forte no passado regional) mas natildeo se fala em ldquofazenda de mandiocardquo ldquode laranjardquo ldquode bananardquo ldquode feijatildeordquo ldquode melanciardquo ldquode amendoimrdquo estas satildeo roccedilas (SANTOS F 2006 p 87)

Nesse sentido Santos F (2006) assume a relaccedilatildeo entre roccedila e (os tipos de)

lavoura fazendo inclusive uma digressatildeo histoacuterica ao demonstrar a origem da palavra

na regiatildeo do Recocircncavo Baiano Poreacutem quando se trata do roccedilado (ato de derrubar

matas e preparar uma aacuterea para cultivo) Santos F (2006) destaca sua perspectiva

fundiaacuteria

Para sintetizar as discussotildees apresentadas anteriormente consideremos primeiramente que as pequenas lavouras de subsistecircncia que marcam a formaccedilatildeo histoacuterica do Recocircncavo explicam por que o termo roccedila eacute tatildeo utilizado nesta regiatildeo e em particular no municiacutepio de Amargosa Esta talvez seja a regiatildeo do Brasil onde este termo tem uso mais frequente A preponderacircncia de matas no Recocircncavo colonial fator que exigiu constantes (re)aberturas de roccedilados para o cultivo das lavouras nesta regiatildeo que foi durante seacuteculos o palco principal da colonizaccedilatildeo brasileira bem como a grande existecircncia de pequenas propriedades destinadas agrave agricultura de subsistecircncia (roccedilas) satildeo fatores que contribuiacuteram para a disseminaccedilatildeo da ldquoexpressatildeordquo roccedila na Bahia e mesmo no Nordeste onde por vezes o termo assume a equivalecircncia de ldquoruralrdquo Mas eacute preciso registrar que quando o termo assume o sinocircnimo de rural (ldquoEu moro na roccedilardquo ldquoEle foi para a roccedilardquo) natildeo se trata nestes casos de um rural qualquer de um rural geneacuterico A roccedila eacute um rural especiacutefico um rural retalhado em pequenas ou mesmo minuacutesculas propriedades destinadas agrave agricultura de subsistecircncia Propriedade lugar de trabalho de labuta onde em conjunto a famiacutelia lavra a terra e dali tira o seu sustento e ao mesmo tempo plantaccedilatildeo fruto da lavra da terra lavoura a roccedila eacute digamos o paradigma de uma forma de vida marginal que define as populaccedilotildees rurais empobrecidas do Recocircncavo excluiacutedas das benesses da modernidade que soacute chega agraves fazendas versatildeo atualizada dos antigos engenhos que outrora deram riqueza e fama ao Recocircncavo (SANTOS F 2006 p 92 grifo do autor)

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Santos F (2006) relata que inicialmente na histoacuteria da formaccedilatildeo agraacuteria do

Recocircncavo a roccedila era a aacuterea de terra destinada ao cultivo e agrave plantaccedilatildeo dela resultante

Entretanto segundo ele o processo histoacuterico de fragmentaccedilatildeo das propriedades em

domiacutenios cada vez menores fruto das heranccedilas e sucessotildees levaram agrave correspondecircncia

entre roccedila como aacuterea de cultivo e como pequena propriedade Daiacute que para as

populaccedilotildees rurais simples do Recocircncavo roccedila tem o significado de propriedade terreno

e tambeacutem tem o sentido de rural Conforme indica este autor percebe-se portanto um

processo de metoniacutemia em que roccedila tida como aacuterea da lavoura vai se tornando

sinocircnimo de rural Entretanto natildeo de um rural generalizado mas especiacutefico qual seja

da pequena propriedade natildeo tendo a mesma conotaccedilatildeo para se referir agrave fazenda ou ao

engenho Para Santos F (2006) inclusive o caraacuteter pejorativo que roccedila recebe nessa

regiatildeo estaria relacionado agrave sua submissatildeo agrave fazenda e ao engenho e ao status de uso e

natildeo de posse da terra sendo portanto uma categoria inferior em relaccedilatildeo agrave fazenda e ao

engenho

De forma divergente Martins J (2014) contrapotildee os vocaacutebulos roccedila e ldquotaperardquo

Segundo ele roccedila eacute uma palavra de origem portuguesa utilizada para designar terra

cultivada e ldquotaperardquo de origem nhengatu refere-se agrave terra que jaacute foi habitada cultivada

e encontra-se em pousio portanto em espera O que diferencia sua interpretaccedilatildeo da de

Santos F (2006) entretanto eacute a sua afirmaccedilatildeo de que roccedila faria parte tanto do

vocabulaacuterio dos ricos quanto dos pobres enquanto ldquotaperardquo compunha apenas o

vocabulaacuterio dos pobres (MARTINS J 2014 p 11) Provavelmente esta afirmaccedilatildeo de

Martins J (2014) tem a ver com a sua assertiva de que antes da Lei de Terras de 1850

no Brasil que instituiu a posse e a alienaccedilatildeo da terra fazenda era todo produto do

trabalho humano o que incluiacutea a terra cultivada ou seja a roccedila Fazenda ateacute entatildeo natildeo

teria a conotaccedilatildeo moderna de propriedade fundiaacuteria e mais ainda de latifuacutendio Era

cultivo e natildeo posse podendo portanto coincidir com roccedila

Assim na literatura recente que se produziu acerca do termo roccedila percebe-se a

sua referecircncia histoacuterica Na verdade os textos contemporacircneos corroboram com

algumas ideias apresentadas pela literatura mais antiga a respeito do termo roccedila

principalmente a sua constituiccedilatildeo a partir da abertura de matas para o plantio de

lavouras para o sustento Nota-se que num primeiro momento as roccedilas eram apenas a

lavoura fruto do trabalho e atendia indiscriminadamente agraves pequenas e grandes

propriedades os empreendimentos mais tiacutemidos e aqueles mais ambiciosos Mas o

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processo de estruturaccedilatildeo fundiaacuteria cuja Lei de Terras de 1850 eacute indicada como

mecanismo central parece ter conduzido o uso do termo roccedila cada vez mais em direccedilatildeo

agrave pequena propriedade de uso familiar sem posse formal voltada para o autoconsumo

estando agraves vezes agraves margens das grandes exploraccedilotildees agriacutecolas e das cidades

Concomitantemente os seus sentidos vatildeo ganhando conotaccedilotildees pejorativas e o seu uso

vai servindo para classificar as pessoas num processo de hierarquizaccedilatildeo social natildeo

somente no campo mas tambeacutem na cidade

Variavelmente entretanto destaca-se o trabalho recente de Carvalho e Sabino

(2013) que faz uso da categoria roccedila apresentando outra significaccedilatildeo deste termo

utilizado por grupos oriundos da camada meacutedia urbana da cidade do Rio de Janeiro

considerados por eles naturalistas ou seja adeptos da ldquoalimentaccedilatildeo natural vegan e

alimentaccedilatildeo vivordquo (CARVALHO SABINO 2013 p 15) Na visatildeo destes naturalistas

cariocas a roccedila eacute por eles classificada numa oposiccedilatildeo binaacuteria agrave cidade numa

perspectiva que os autores consideram neorromacircntica idiacutelica e ressacralizadora da

natureza Para estes consumidores de alimentos naturais o modo de vida no campo

traduzido por eles como roccedila eacute considerado puro saudaacutevel positivo e feliz em

contraposiccedilatildeo agrave cidade vista como suja impura negativa insalubre O alimento da

roccedila assim para estes grupos traduziria uma visatildeo de mundo e um estilo de consumo

praacuteticas alimentares e comensalidade adotadas em suas vidas cotidianas e consideradas

por eles como naturais No entanto os autores revelam uma postura criacutetica ao

perceberem a sacralizaccedilatildeo da cultura popular e da roccedila pelas camadas meacutedias urbanas

como um processo de legitimaccedilatildeo do discurso dominante de classe a respeito da poliacutetica

de sauacutede e nutricional Haveria para Carvalho e Sabino (2013) nesse sentido uma

romantizaccedilatildeo da pobreza do campo por parte da populaccedilatildeo urbana de classe meacutedia que

embora reverencie e siga algumas praacuteticas alimentares da roccedila natildeo se desvincularia

totalmente do seu modo de vida urbano Apesar do cunho criacutetico o trabalho de

Carvalho e Sabino (2013) eacute aquele que mais se aproxima dos novos significados do

termo roccedila entre alguns grupos sociais contemporacircneos que eacute objeto de estudo desta

tese

Embora nos textos sobre o periacuteodo colonial jaacute se sugira que o vocaacutebulo roccedila

tendia a ser usado para se referir ao campo e agrave cultura rural nos textos mais recentes

sobretudo no de Santos F (2006) e no de Rios (2011) roccedila aparece como sinocircnimo de

rural Entretanto os autores destacam que roccedila natildeo seria a metoniacutemia de um rural

40

generalizado mas de um rural popular camponecircs familiar tiacutepico da pequena

propriedade Assim a evoluccedilatildeo do termo roccedila conforme se representa no diagrama

seguinte teria sofrido uma sintetizaccedilatildeo nos uacuteltimos anos

FIGURA 6 ndash Caracteriacutesticas da roccedila no Brasil Contemporacircneo

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

14 Usos e significados do termo roccedila em textos natildeo acadecircmicos

De acordo com Paixatildeo (2006) no poema A roccedila Varella (1892) incorpora o

bucolismo (descriccedilatildeo da vida campestre e pastoril) e a esteacutetica romacircntica tratando a

roccedila como uma paisagem imaginaacuteria Em termos comparativos destaca-se como o

escritor Alves (2005) natural da cidade de Boa Esperanccedila no sudoeste de Minas

Gerais em seu livro dedica uma seccedilatildeo de suas crocircnicas intitulada A roccedila agraves memoacuterias

de sua infacircncia na roccedila A primeira crocircnica dessa seccedilatildeo tambeacutem se chama A roccedila e a

uacuteltima Adeus agrave roccedila A roccedila a que se refere Alves (2005) nessas crocircnicas eacute utilizada

como sinocircnimo de rural englobando o campo a lavoura mas tambeacutem uma cultura

proacutepria dos que vivem no campo O autor fala das casas dos quintais dos animais das

brincadeiras das crianccedilas dos sentimentos da relaccedilatildeo com quem vivia fora do campo

dos remeacutedios caseiros da organizaccedilatildeo da vida domeacutestica da dificuldade de acesso agrave

ROCcedilA =

SIacuteTIO CAMPO RURAL

Pequena propriedade (uso e natildeo

posse)

Lavoura

Produccedilatildeo para autoconsumo

Matildeo de obra familiar

41

informaccedilatildeo Ou seja o escritor descreve uma cultura um modo de vida que denota a

vivecircncia no campo traduzida por ele pelo termo roccedila

Guardadas as devidas proporccedilotildees esteacuteticas que natildeo vecircm ao caso neste trabalho

percebe-se uma possiacutevel diferenccedila de significaccedilatildeo do termo roccedila nas obras de Alves

(2005) e Varella (1892) O primeiro relata um cenaacuterio que existiu enquanto o segundo

cria uma representaccedilatildeo De acordo com Paixatildeo (2006) o poema de Varella (1892) faz

uma descriccedilatildeo generalista da paisagem rural de maneira decorativa e ornamental natildeo se

referindo a nenhum lugar especiacutefico o autor natildeo estaacute falando da proacutepria infacircncia

descrevendo o rural a partir de um ponto de vista subjetivo Para esse criacutetico literaacuterio

este seria um traccedilo que poderia identificar Varella (1892) com a esteacutetica do

individualismo romacircntico proacuteprio agrave cultura romacircntica vigente no Brasil no seacuteculo XIX

Destaca-se tambeacutem alguns textos narrativos que embora natildeo sejam

estritamente acadecircmicos foram construiacutedos com base em informaccedilotildees documentais

escritas e orais como no caso do livro Setuacutebal (2005) Neste texto a autora se dedica a

traccedilar aspectos da identidade cultural que constitui o caipira do interior paulista

valorizando a sua diferenccedila e tentando desconstruir estereoacutetipos histoacutericos acerca desse

tipo social A abordagem de Setuacutebal (2005 p 94) para configurar a cultura caipira

paulista eacute expressa nos seguintes elementos ldquoterra natureza e vida na roccedila

simplicidade no modo de ser e nos costumes linguajar caipira religiosidade

misticismo destino as diferentes dimensotildees do tempo as tradiccedilotildees as festas e o lazerrdquo

Nestas passagens Setuacutebal (2005) faz referecircncias agrave roccedila ligando-a

principalmente a um modo de vida proacuteprio em termos dos costumes da liacutengua da

religiosidade e das dimensotildees do tempo Nesse sentido pode-se inferir que ao tratar do

modo de vida caipira a autora constitua uma relaccedilatildeo entre este e a roccedila Em

complemento agraves suas visotildees a autora cita uma seacuterie de depoimentos de indiviacuteduos

entrevistados em cidades do interior do Estado de Satildeo Paulo cujas falas fazem menccedilatildeo

agrave roccedila vez por outra Nas expressotildees dos entrevistados por Setuacutebal (2005) a roccedila

aparece sempre como referecircncia ao lugar onde se nasceu e se foi ldquocriadordquo O lugar eacute um

elemento importante em suas falas que costumam fazer analogia entre a roccedila e o mato

o siacutetio o bairro e o interior Por outro lado para os entrevistados a roccedila enquanto lugar

com modo de vida tiacutepico daria origem a tipos sociais determinados que chamam de

roceiro agricultor caboclo homem do mato aleacutem da analogia mais comum entre ser

caipira e ser da roccedila utilizada quase como sinocircnimos ldquocaipira da roccedilardquo ldquocaipira satildeo

42

pessoas criadas na roccedilardquo e ldquovida de caipira na roccedilardquo (SETUacuteBAL 2005 p 89 90 96 e

100) Os depoimentos tambeacutem fazem alusatildeo ao trabalho na roccedila implicitamente agrave

lavoura e a uma linguagem proacutepria das pessoas da roccedila

Da mesma forma a jornalista Nepomuceno (1999) usa de dados documentais

orais e escritos para construir uma narrativa na qual traccedila uma trajetoacuteria da muacutesica

caipira e sertaneja no Brasil a partir da histoacuteria de vida de alguns de seus principais

compositores e cantores O sugestivo tiacutetulo de seu livro Muacutesica caipira da roccedila ao

rodeio jaacute sugere ao seu trabalho uma perspectiva histoacuterica Nesse sentido a roccedila eacute por

ela apresentada como um dos polos no caso a origem dessa perspectiva diacrocircnica

cujo oposto complementar seria o rodeio No texto de Nepomuceno (1999) a roccedila eacute

apresentada como o ldquoantigamenterdquo o espaccedilo rural de onde saiacuteram vaacuterios cantores e

compositores brasileiros rumo agrave ldquocidade granderdquo mas tambeacutem como um modo de vida

uma cultura bastante peculiar que em sua narrativa teria um tempo histoacuterico proacuteprio

Assim a roccedila seria o ldquoantigordquo e o ldquotradicionalrdquo em oposiccedilatildeo ao ldquomodernordquo ao

ldquoracionalrdquo e ao ldquotecnificadordquo associado ao rodeio O rodeio no texto da jornalista eacute

interpretado como uma metoniacutemia das festas de peatildeo das exposiccedilotildees agropecuaacuterias

elaboradas pela induacutestria cultural apresentando estreita relaccedilatildeo com o mercado de luxo

e fortuna do country e agribusiness conforme demonstram os trabalhos de Alem (1996)

e De Paula (1998 1999 2001) que seratildeo discutidos adiante Mas a oposiccedilatildeo roccedila

versus rodeio tambeacutem parece sugerir uma oposiccedilatildeo entre campo e ldquocidade granderdquo esta

uacuteltima tambeacutem aparecendo em contraste com outros pares utilizados pela autora como

fazenda e interior Assim Nepomuceno (1999) utiliza diferentes referecircncias como

sinocircnimas ou pelo menos correlatos como roccedila sertatildeo interior Destaca-se ainda em

seu texto como alguns sentimentos satildeo relacionados ao vocaacutebulo roccedila como paz

aconchego e nostalgia Como a autora usa a expressatildeo roccedila para se referir agrave origem da

muacutesica caipira mas tambeacutem de seus cantores e compositores ela tambeacutem se refere a ela

como a lavoura e o trabalho

Neste contexto vaacuterios compositores da muacutesica popular brasileira se dedicaram agrave

temaacutetica da roccedila em suas canccedilotildees para aleacutem daqueles relacionados ao gecircnero musical

ldquocaipirasertanejordquo para o qual a temaacutetica rural eacute recorrente (ALLONSO 2012

OLIVEIRA A 2009) Eacute possiacutevel encontrar canccedilotildees de gecircneros como o samba o rock

o reggae o baiatildeo que tambeacutem aludem agrave roccedila Artistas consagrados nesses gecircneros

musicais no Brasil jaacute compuseram ou interpretaram muacutesicas nas quais o vocaacutebulo roccedila

43

aparece como Cartola Luiz Gonzaga Gilberto Gil ou Martinho da Vila Algumas

muacutesicas se referem agrave roccedila a partir da construccedilatildeo de uma narrativa referente a um sujeito

que vive na cidade e almeja retornar agrave roccedila como na canccedilatildeo Vou pra roccedila de Luiz

Gonzaga e Zeacute Ferreira interpretada pelo primeiro ou na muacutesica homocircnima de Victor e

Leacuteo (composta por Victor) no reggae de Daniel Profeta Viver na roccedila o que confere

um tom idiacutelico e nostaacutelgico agrave narrativa Em outras canccedilotildees percebe-se uma esteacutetica

realista sobre a roccedila ao se referir a ela como lavoura como em Feriado na roccedila de

Cartola ou Madalena de Gilberto Gil e Isidoro A tradiccedilatildeo em termos de costumes de

um determinado grupo pode ser percebida em muacutesicas que tratam da cultura na roccedila

suas festas suas danccedilas as atividades da vida cotidiana como exemplificam as muacutesicas

Baile na roccedila e Festa na roccedila compostas por Tinoco e Nadir e interpretadas pela

claacutessica dupla de muacutesica caipira Tonico e Tinoco Notam-se tambeacutem algumas

referecircncias a uma moral e a um comportamento tiacutepico das pessoas da roccedila em muacutesicas

como Laacute na roccedila de Candeia e Alvarenga cantada por Martinho da Vila Caipira de

Joel Marques e Maracaiacute famosa nas vozes da dupla Chitatildeozinho amp Xororoacute ou Filho da

roccedila de Zeacute do Rancho interpretada por Zico e Zeca nas quais o ponto de vista pessoal e

o mote da moralidade denotam uma perspectiva romacircntica do compositor Nesses

contextos haacute narrativas musicais que questionam o estereoacutetipo negativo agraves vezes

atribuiacutedo ao indiviacuteduo identificado a uma cultura rural da roccedila bem como a exaltaccedilatildeo

de um ldquoruralismo idiacutelicordquo como no poema de Varella (1892) conforme a anaacutelise de

Paixatildeo (2006) Nessas muacutesicas o que se destaca aleacutem da diversidade de sentidos eacute o

uso do termo roccedila e natildeo ldquocampordquo ou mesmo ldquoruralrdquo para se referir a um lugar e a um

estilo de vida caracteriacutesticos

Se nos gecircneros artiacutesticos da cultura popular brasileira identificam-se um

conjunto de obras musicais ou literaacuterias que se refere agrave roccedila o mercado de produtos e

serviccedilos por meio das suas marcas tambeacutem contribui para a construccedilatildeo desses sentidos

diversos para o termo roccedila Eacute possiacutevel identificar uma seacuterie de produtos principalmente

alimentiacutecios que traz no roacutetulo a palavra roccedila Tais produtos podem ser agriacutecolas

agroindustriais ou industriais Feijatildeo da Roccedila Cachaccedila da Roccedila ou Pizza da Roccedila satildeo

exemplos dessas marcas O setor de entretenimento tambeacutem faz uso da marca roccedila

Restaurantes lanchonetes cafeterias pousadas hoteacuteis eventos de cultura e lazer

gastronomia e turismo que exploram o nome roccedila se constituem em alguns dos

exemplos de um conjunto consideraacutevel de estabelecimentos de prestaccedilatildeo de serviccedilos e

44

de comercializaccedilatildeo de produtos Embora muitos desses estabelecimentos possam estar

situados no campo dando a este uma nova funcionalidade aleacutem da produccedilatildeo agriacutecola

como bem explicam as discussotildees sobre o novo rural brasileiro (SILVA J 1997) ou a

nova ruralidade (CARNEIRO 1998) tambeacutem podem ser encontrados na cidade ou

mesmo em metroacutepoles

Aleacutem desse mercado de bens e serviccedilos haacute a induacutestria de entretenimento com

programas veiculados na televisatildeo e os eventos como rodeios exposiccedilotildees

agropecuaacuterias e festivais musicais que utilizam o termo roccedila como marca Algumas

afiliadas das principais emissoras de canal aberto da televisatildeo brasileira possuem

programas de entretenimento que veiculam o nome roccedila A emissora regional EPTV

afiliada agrave Rede Globo de Televisatildeo veicula um programa chamado Caminhos da Roccedila

10 anos a TV Cultura Vale do Accedilo em Minas Gerais apresenta o programa

Mineirinhos na Roccedila o Programa Cafeacute na Roccedila eacute produzido pela Tileoni Produccedilotildees e

exibido pelo canal TV Band Minas veiculado em Minas Gerais na TV aberta e em rede

nacional pela paraboacutelica Festa na Roccedila eacute exibido pelo canal regional TV Poccedilos da

Rede Minas e TV Cultura e para citar mais um entre outros o Cozinha da Roccedila do

programa Negoacutecios da Terra veiculado pela Rede Massa afiliada ao SBT Alguns

eventos musicais e de entretenimento tambeacutem apelam agrave roccedila em seus nomes a exemplo

dos festivais Roccedila lsquonrsquo Roll e tambeacutem o Roccedila in Rio Tanto os produtos que podem ser

consumidos e os serviccedilos acessados no contexto urbano que utilizam a marca roccedila

quanto os programas televisivos e os eventos de entretenimento citados levam a supor

um sentido estilizado ldquodesencaixadordquo de roccedila (GIDDENS 1991) Ou seja haveria um

distanciamento espaccedilo-temporal ao utilizar roccedila em contextos urbanizados industriais e

de modernidade tardia em relaccedilatildeo a todos os outros sentidos de roccedila aqui comentados

referentes agrave lavoura ao campo agrave cultura rural No miacutenimo nota-se uma possiacutevel

mistura entre sentidos romacircnticos tradicionais de apelo agrave memoacuteria naturalista com

aspectos modernos tecnoloacutegicos e mercadoloacutegicos

Os gecircneros artiacutesticos e publicitaacuterios aqui analisados permitem elucidar outros

usos e sentidos do termo roccedila que natildeo se resumem agravequeles jaacute registrados nos trabalhos

acadecircmicos brasileiros Pode-se observar que roccedila eacute agraves vezes utilizada como sinocircnimo

ou como forma de se referir ao campo e ao rural especialmente a partir de uma

perspectiva urbana sendo portanto relacional Nesse mesmo aspecto roccedila costuma

denotar nas peccedilas artiacutesticas aqui analisadas um comportamento tiacutepico um conjunto de

45

preceitos morais e um estilo de vida com matizes tradicionais muitas vezes

contrastados com o modo de vida urbano Nos discursos artiacutesticos especialmente

literaacuterios a roccedila eacute descrita a partir de uma esteacutetica bucoacutelica e romacircntica em que

elementos relacionados agrave infacircncia agrave nostalgia ao idiacutelico satildeo ressaltados por seus

autores bem como na muacutesica o retorno ao campo agrave roccedila seja tema recorrente

No mercado de produtos e serviccedilos percebe-se ao mesmo tempo um

desencaixe das aplicaccedilotildees originais do termo roccedila e um arrojo em seus usos e sentidos

que ganham novas referecircncias e identificadores no contexto de uma cultura urbana

capitalista poacutes-moderna e globalizada que reinventa o que se pode tomar por roccedila Este

fenocircmeno parece ser um indicativo que possibilita a proposiccedilatildeo de que o rural tem

passado por um processo de reinvenccedilatildeo em que alguns de seus elementos satildeo

revalorizados e valorados em determinados segmentos na vida contemporacircnea

especialmente naqueles ligados ao consumo cultural Nas paacuteginas seguintes se

examinaraacute algumas dinacircmicas desse processo de transformaccedilatildeo do imaginaacuterio do rural

no Brasil e sua relaccedilatildeo com a produccedilatildeo e o consumo cultural para em seguida

verificar-se em que medida o uso e os significados do vocaacutebulo roccedila no mercado de

bens e serviccedilos seria um operador simboacutelico dessas mudanccedilas

15 A categoria roccedila face agrave problemaacutetica conceitual relativa ao rural

Como pocircde ser notado nas paacuteginas anteriores os diversos usos e significados

que envolvem o emprego do vocaacutebulo roccedila em diferentes contextos sociais e ao longo

da formaccedilatildeo histoacuterica brasileira possuem aspectos ambiacuteguos de hierarquizaccedilatildeo e ao

mesmo tempo de ressignificaccedilatildeo valorativa Estes aspectos podem ser percebidos na

sua dimensatildeo simboacutelica por meio da muacutesica da literatura da gastronomia dos

programas de entretenimento do discurso cotidiano das camadas populares no campo e

na cidade da classificaccedilatildeo social de pessoas como ldquojecasrdquo atrasados ou como

nostaacutelgicos de um mundo que jaacute foi melhor Mas o uso da expressatildeo roccedila tambeacutem pode

revelar as transformaccedilotildees objetivas que ocorrem na relaccedilatildeo entre o campo e a cidade

seja na esfera da produccedilatildeo e do consumo de produtos tais como alimentos orgacircnicos

naturais agroindustriais produtos com apelo tradicional ou artesanal seja no consumo

46

de vestimentas mobiliaacuterio artesanato decoraccedilatildeo na esfera da geraccedilatildeo de renda e

ocupaccedilatildeo em atividades natildeo-agriacutecolas no campo no que se refere agraves atividades natildeo-

agriacutecolas com temaacutetica rural na cidade especialmente a partir dos anos 1980 periacuteodo

em que a emergecircncia de produtos e serviccedilos com a marca roccedila se expandiu

Observa-se assim que as mudanccedilas e permanecircncias que envolvem os usos e

significados da palavra roccedila no Brasil ao longo do tempo tecircm um paralelo com o

proacuteprio imaginaacuterio do rural natildeo soacute no Brasil mas tambeacutem em outros paiacuteses e outros

tempos histoacutericos Tanto os processos de inferiorizaccedilatildeo do rural como a sua mais

recente valorizaccedilatildeo estatildeo ligados agraves mudanccedilas referentes agrave relaccedilatildeo entre o campo e a

cidade Em termos conceituais as discussotildees sobre ldquocampo-cidaderdquo e ldquorural-urbanordquo

podem ser sintetizadas em cinco correntes teoacutericas fundamentais

1a perspectiva A dicotomia rural x urbano

Sorokin Zimmerman e Galpin (1986) contrapotildeem o rural e o urbano

estabelecendo como criteacuterio de diferenciaccedilatildeo desses espaccedilos a existecircncia ou ausecircncia de

alguns traccedilos tiacutepicos como a ocupaccedilatildeo da matildeo de obra da populaccedilatildeo as diferenccedilas

ambientais o tamanho das comunidades a densidade populacional a homogeneidade

ou heterogeneidade e a complexidade da estratificaccedilatildeo da mobilidade e da integraccedilatildeo

sociais A ocupaccedilatildeo da matildeo de obra era considerada o principal traccedilo que possibilitava a

diferenciaccedilatildeo entre estes espaccedilos para estes autores Para eles no campo a ocupaccedilatildeo da

matildeo de obra seria predominantemente agriacutecola em oposiccedilatildeo agrave cidade Este argumento eacute

atualmente contestado como um criteacuterio importante para definir o campo em virtude das

novas dinacircmicas produtivas e ocupacionais que caracterizariam as transformaccedilotildees no

campo contemporacircneo

Para Sorokin Zimmerman e Galpin (1986) no entanto a ocupaccedilatildeo agriacutecola eacute o

principal vetor que influenciaria as outras caracteriacutesticas O fato de os habitantes do

campo desenvolverem um trabalho agriacutecola os colocaria em contato direto com a

natureza diferenciando este espaccedilo da cidade O trabalho agriacutecola tambeacutem exigiria

comunidades menos populosas de maneira que os agricultores poderiam dispor de

maiores extensotildees de terra para cultivar Os autores tomavam ainda como criteacuterios

demarcatoacuterios entre o campo e a cidade o tamanho das comunidades consideradas

menores naquele a densidade populacional e a homogeneidade psicossocial das

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comunidades rurais Isto se deveria agrave suposta ocorrecircncia de uma reproduccedilatildeo e sucessatildeo

familiar dos agricultores no seu setor de ocupaccedilatildeo impedindo a inserccedilatildeo de indiviacuteduos

oriundos de outras classes ou regiotildees no trabalho agriacutecola Neste contexto os autores

tambeacutem afirmam que a estratificaccedilatildeo a diferenciaccedilatildeo social e as mobilidades social

ocupacional e espacial seriam mais proeminentes na cidade que no campo

2a perspectiva O continuum rural-urbano

A segunda perspectiva reuacutene autores que defendem a ideia de um continuum

entre o rural e o urbano e teria se originado a partir do estudo do campesinato como uma

part society feito por Redfield (1964) Este autor situa os camponeses numa escala

intermediaacuteria entre as sociedades primitivas (preacute-letradas ou folk) e as civilizadas O

autor destaca entretanto que a relaccedilatildeo entre a cidade e o campo seria instaacutevel jaacute que

haveria uma luta pelo ajustamento da ordem moral entre essas duas instacircncias Segundo

o autor

O conflito no niacutevel religioso ou eacutetico entre a cidade e o campo entre o homem da cidade e o camponecircs entre a mentalidade requintada e a mentalidade simples do habitante de um povoado ou do homem da tribo eacute tema antigo e familiar [] As relaccedilotildees entre a gente da cidade e a gente do campo formam uma grande separaccedilatildeo uma das principais fronteiras das relaccedilotildees humanas Esse fato observado pelo arqueoacutelogo eacute uma consequecircncia da revoluccedilatildeo urbana Existe agora a gente da cidade uma nova espeacutecie de gente ldquosem tradiccedilotildees sem religiatildeo inteiramente prosaica astuta improdutiva e que despreza profundamente o homem do campordquo [] Portanto existe na melhor das hipoacuteteses uma paz instaacutevel na fronteira moral entre a cidade e o campo O camponecircs conseguiu um ajustamento viaacutevel ele estaacute dentro da civilizaccedilatildeo mas vive desconfiado preferiria manter a cidade agrave distacircncia (REDFIELD 1964 p 56-57)

Nesse trecho jaacute se percebe um processo conflituoso de hierarquizaccedilatildeo entre o

rural e o urbano Solari (1979) constroacutei uma definiccedilatildeo do que seria a perspectiva de um

continuum entre o rural e o urbano

Elas partem no fundo da observaccedilatildeo de que entre o meio rural e o meio urbano existe uma gradaccedilatildeo infinita Em outras palavras estamos frente a um continuum Desde a habitaccedilatildeo rural isolada ateacute a grande cidade existem inuacutemeros escalotildees intermediaacuterios que vatildeo

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criando uma transiccedilatildeo insensiacutevel entre o meio rural propriamente dito e o meio urbano (SOLARI 1979 p 10)

Embora sua descriccedilatildeo seja mais orgacircnica Solari (1979) afirma que haveria uma

diferenccedila entre o homem rural das sociedades desenvolvidas e o homem rural das

sociedades tradicionais devido ao processo de urbanizaccedilatildeo da vida rural especialmente

no uso de implementos mecacircnicos e no fenocircmeno de dispersatildeo populacional para a

periferia das cidades Nestes termos o autor jaacute considera as novas dinacircmicas que

transformam o campo a partir da sua relaccedilatildeo com a cidade e com a industrializaccedilatildeo

3a perspectiva A urbanizaccedilatildeo do campo

A terceira perspectiva que trata da urbanizaccedilatildeo do campo de vertente francesa

tem como principal expoente Lefebvre (2008) O autor afirma que a cidade e o campo

foram marcados no passado por uma relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo Segundo Lefebvre (2008) a

urbanizaccedilatildeo da sociedade surgiu na cidade impulsionada pela industrializaccedilatildeo que

absorveu a produccedilatildeo agriacutecola a qual se converteu num setor da produccedilatildeo industrial

Esta seria para o autor uma das caracteriacutesticas do tecido urbano o conjunto das

manifestaccedilotildees do predomiacutenio da cidade sobre o campo Para Lefebvre (2008) essas

transformaccedilotildees no campo poderiam ser notadas tanto por meio de objetos como atraveacutes

do acesso a serviccedilos tais como o tratamento e o abastecimento de aacutegua o fornecimento

de eletricidade o uso do gaacutes a posse de automoacuteveis televisatildeo utensiacutelios de plaacutestico e

mobiliaacuterio moderno mas tambeacutem por um novo sistema de valores lazer moda

costumes seguranccedila previsatildeo do futuro racionalidade (LEFEBVRE 2001) Contudo

para Lefebvre (2001 p 19) no espraiamento do tecido urbano ainda persistiriam

ldquoilhotas e ilhas de ruralidade purardquo caracterizadas pela permanecircncia de camponeses

mal adaptados agrave existecircncia urbana Assim para o autor a relaccedilatildeo urbanidade-ruralidade

natildeo desapareceria ao contraacuterio se intensificaria

Assim como Lefebvre (2001 2008) Rambaud (1973) compreendia a

urbanizaccedilatildeo como um movimento complexo uma mudanccedila cultural generalizada um

vir a ser carregado da possibilidade de se tornar universal Rambaud (1973) valendo-se

da perspectiva da aculturaccedilatildeo analisou as consequecircncias da urbanizaccedilatildeo na sociedade

rural a partir de seu processo de diferenciaccedilatildeo de desenvolvimento e de dependecircncia

entre grupos sociais assimeacutetricos assim como os habitantes do village e da cidade Para

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o autor a contradiccedilatildeo faria parte do processo de urbanizaccedilatildeo da sociedade rural mas ele

se preocupava em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees em que o processo de urbanizaccedilatildeo poderia

incidir sobre a sociedade rural Para este socioacutelogo em sociedades rurais com o tecido

social mais coeso a possibilidade de integrar as influecircncias da cultura urbana em sua

organizaccedilatildeo social e espacial se daria por um direcionamento interno o qual se

manifestaria no ritmo das mudanccedilas e nas escolhas das inovaccedilotildees feitas por seus

habitantes Contudo em sociedades com pouca coesatildeo social o ritmo da aculturaccedilatildeo

poderia ser avassalador desfigurando e desintegrando a sociedade rural

Sobarzo (2010) seguindo a perspectiva lefebvriana defende que seria necessaacuterio

entender que campo e cidade seriam as formas o espaccedilo fiacutesico enquanto o urbano e o

rural seriam os conteuacutedos sociais os modos de vida De acordo com o autor a

sociedade urbana envolveria um modo de vida passiacutevel de superar as fronteiras fiacutesicas

entre cidade e campo transformando ambos e mudando tambeacutem a sua relaccedilatildeo Na

sociedade urbana as atividades desenvolvidas no campo utilizariam cada vez mais a

tecnologia e o emprego do conhecimento cientiacutefico possibilitando uma nova

organizaccedilatildeo territorial novos haacutebitos de vida e de consumo bem como novas relaccedilotildees

interpessoais Diminuiriam assim as diferenccedilas culturais de modos de vida e de

produccedilatildeo entre o campo e a cidade o que natildeo significaria na interpretaccedilatildeo que Sobarzo

(2010) faz de Lefebvre o fim do campo mas sim do modo de vida rural

4a perspectiva A recomposiccedilatildeo do rural

A quarta perspectiva defende o argumento da recomposiccedilatildeo do rural Expressatildeo

desta perspectiva eacute a concepccedilatildeo de Jean (1989) segundo a qual a ldquoruralidaderdquo moderna

estaria ancorada na recomposiccedilatildeo do rural sugerindo inclusive haver na

contemporaneidade uma supervalorizaccedilatildeo da vida rural citando como exemplo o

retorno agrave natureza e o neorruralismo Nesse sentido Bodson (1989) afirma que o rural

por vezes eacute utilizado para se referir a um paraiacuteso perdido a um mundo que natildeo existe

mais e acima de tudo para fazer um contraponto agrave sociedade atual Na mesma loacutegica

Bernard Kayser (1990) argumenta no sentido da recomposiccedilatildeo do rural trazendo como

evidecircncia para o seu argumento o crescimento demograacutefico no campo especialmente

por indiviacuteduos da terceira idade pela mobilidade promovida pelas migraccedilotildees

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pendulares comutaccedilotildees e pela existecircncia de coroas peri-urbanas e pelas diferenccedilas entre

os comportamentos rurais e urbanos

Barros (1989) argumenta que a reorganizaccedilatildeo territorial do espaccedilo agriacutecola em

ldquopluriativordquo e multifuncional recomporia o rural O autor defende que o fenocircmeno da

ldquorurbanizaccedilatildeordquo e dos ldquonovos ruraisrdquo conduziria a uma diversificaccedilatildeo do uso do espaccedilo

rural como lugar de lazer e natildeo mais somente como meio de produccedilatildeo Para Barros

(1989) a instalaccedilatildeo de faacutebricas e a ldquorurbanizaccedilatildeordquo (pulverizaccedilatildeo de cidades no meio

rural) modificariam o valor relativo do espaccedilo urbano e rural De acordo com ele a

atraccedilatildeo que as cidades exerciam como loacutecus da sociedade urbano-industrial teria

decrescido em favor da atraccedilatildeo do meio rural Antes visto com repulsa agora o campo

estaria sendo percebido como oferecendo formas de vida opostas agraves urbanas Barros

(1989) afirma que essas transformaccedilotildees conduziriam o campo a uma maior capacidade

de integraccedilatildeo com a cidade A ldquoruralidaderdquo e a cultura urbana seriam para ele

constitutivas do mesmo processo embora de diversas maneiras e diferentes

intensidades

Veiga (2004 2006) apesar de apontar para a urbanizaccedilatildeo do rural podendo

assim a princiacutepio parecer se enquadrar na terceira corrente propotildee na verdade a

emergecircncia de uma nova ruralidade engendrada pela urbanidade do rural a qual

exerceria assim maior poder de atraccedilatildeo dos espaccedilos rurais para os citadinos

revigorando o rural Veiga (2004) defende a ideia de que a globalizaccedilatildeo promoveria

diferentes respostas no meio rural uma de dimensatildeo econocircmica conduziria os espaccedilos

rurais mais isolados a uma maior marginalizaccedilatildeo enquanto outra ambiental valorizaria

o rural a partir da perspectiva da qualidade de vida e do bem-estar O nascimento dessa

nova ruralidade estaria atrelado agrave conservaccedilatildeo da biodiversidade ao aproveitamento

econocircmico da paisagem por meio do turismo e dos recursos renovaacuteveis em novas

matrizes energeacuteticas (VEIGA 2006)

Abramovay (2009) tambeacutem ressalta a emergecircncia da ruralidade buscando

exprimir o peso do meio rural na economia e na sociedade contemporacircneas evitando a

suposiccedilatildeo de que o rural teria se urbanizado O autor critica o fato de haver ldquo[] um

viacutecio de raciociacutenio na maneira como se definem as aacutereas rurais no Brasil o qual

contribuiria decisivamente para que estas aacutereas fossem assimiladas automaticamente a

atraso carecircncia de serviccedilos e falta de cidadaniardquo (p 21) Segundo o autor seria

importante considerar outros aspectos como a relaccedilatildeo com agrave natureza agrave importacircncia das

51

aacutereas natildeo-densamente povoadas e agrave dependecircncia do sistema urbano para definir o rural

Por isso aponta para a pertinecircncia do conceito de ruralidade uma vez que este

privilegiaria a dimensatildeo territorial e natildeo a setorial para definir as aacutereas rurais

5a perspectiva O rural como representaccedilatildeo

Na quinta corrente encontram-se os autores que interpretam o rural e o urbano

como representaccedilatildeo Carneiro (2012) em sua perspectiva se posiciona criticamente em

relaccedilatildeo agrave oposiccedilatildeo entre rural e urbano julgando que esta teria direcionado as anaacutelises

socioloacutegicas ao considerar o rural como atrasado Para a autora o rural natildeo estaria

imune agraves transformaccedilotildees da sociedade mais ampla apontando inclusive para

fenocircmenos como a ldquopluriatividaderdquo3 como expressatildeo da aproximaccedilatildeo entre campo e

cidade A autora destaca em sua anaacutelise a revalorizaccedilatildeo do mundo rural por parte dos

citadinos em termos de uma ldquoruralidade idiacutelicardquo (CARNEIRO 2012) A autora se

fundamenta na perspectiva de Mormont (1989) que ressalta que os processos de

definiccedilatildeo do rural seriam seletivos e privilegiariam alguns aspectos da realidade rural

opondo-os agrave cidade igualmente definida por caracteriacutesticas parciais Este uacuteltimo autor

acredita que algumas caracteriacutesticas do rural seriam interpretadas em funccedilatildeo de outros

sistemas valorativos ou seja ao se utilizar criteacuterios puramente teacutecnicos e econocircmicos o

rural pode ser visto como atrasado menos desenvolvido quiccedilaacute passiacutevel de desaparecer

agrave mercecirc de propostas de mudanccedilas envolvendo a difusatildeo teacutecnica a adoccedilatildeo de inovaccedilatildeo

a adaptaccedilatildeo social ao progresso Wanderley (2001) tambeacutem chama a atenccedilatildeo para a

mudanccedila de perspectiva sobre o rural no Brasil contemporacircneo conforme relata

A sociedade brasileira parece ter hoje um olhar novo sobre o meio rural Visto sempre como a fonte de problemas ndash desenraizamento miseacuteria isolamento currais eleitorais etc ndash surgem aqui e ali indiacutecios de que o meio rural eacute percebido igualmente como portador de ldquosoluccedilotildeesrdquo Esta percepccedilatildeo positiva crescente real ou imaginaacuteria encontra no meio rural alternativas para o problema do emprego (reivindicaccedilatildeo pela terra inclusive dos que dela haviam sido expulsos) para a melhoria da qualidade de vida atraveacutes de contatos mais diretos e intensos com a natureza de forma intermitente (turismo rural) ou permanente (residecircncia rural) e atraveacutes do aprofundamento

3 Por pluriatividade a autora entende a combinaccedilatildeo de atividades agriacutecolas com natildeo-agriacutecolas em regiotildees marcadas pelo dinamismo da economia e pela proximidade entre campo e cidade

52

de relaccedilotildees sociais mais pessoais tidas como predominantes entre os habitantes do campo (WANDERLEY 2001 p 31)

As mudanccedilas nas perspectivas do imaginaacuterio sobre o rural no Brasil agraves quais se

referem Carneiro (2012) e Wanderley (2001) podem ser percebidas de forma mais

detalhada sob diversos aspectos a partir do trabalho de alguns autores como o de

Oliveira L (2003) Essa pesquisadora destaca que a existecircncia de ambiguidades a

respeito do homem rural brasileiro jaacute estava presente nas obras de cronistas e viajantes

do seacuteculo XIX pelo paiacutes ldquoHavia como que uma oscilaccedilatildeo entre uma valorizaccedilatildeo

positiva que destacava a forccedila a autenticidade e a comunhatildeo com a natureza e uma

caracterizaccedilatildeo negativa cujo traccedilo principal era a preguiccedilardquo (OLIVEIRA L 2003 p

234) Da mesma forma a autora ressalta sobre a literatura ficcional que ldquoretomado em

meados do seacuteculo XIX o regionalismo fazia viver uma tensatildeo entre o idiacutelio romacircntico e

a representaccedilatildeo realista do homem do campo entre a nostalgia do passado e a denuacutencia

das miseacuterias do presenterdquo (OLIVEIRA L 2003 p 235) Citando Chiappini (1995) a

autora afirma que o regionalismo se desenvolveu em conflito com a modernizaccedilatildeo a

industrializaccedilatildeo e a urbanizaccedilatildeo sendo tambeacutem fruto destes

Assim como comenta Oliveira L (2003) o discurso sobre o rural no Brasil no

final do seacuteculo XIX e iniacutecio do XX oscilava entre uma visatildeo romacircntica e glorificada do

passado rural ao mesmo tempo em que titubeavam as denuacutencias das condiccedilotildees sociais

desiguais Mas a partir do ruralismo dos anos 1888-1920 ateacute o nacionalismo do Estado

Novo entre 1930 e 1940 no Brasil um projeto de construccedilatildeo de identidade nacional

calcado na figura romacircntica do homem do campo contribuiu para a legitimaccedilatildeo do

autoritarismo O ruralismo segundo Mendonccedila (1997) caracterizou-se como um

movimentoideologia poliacutetico(a) construiacutedo(a) por uma fraccedilatildeo natildeo hegemocircnica da

classe dominante de proprietaacuterios rurais que defendia o fortalecimento de uma

agricultura nacional diversificada e de um mercado interno organizando-se em

entidades de classe bastante ativas Durante o Estado Novo Beskow (2010) identificou

a elaboraccedilatildeo ideoloacutegica de uma nova identidade nacional e da tradiccedilatildeo cultural

brasileira que fundamentaram sua raiz no campo e no homem rural situando-os num

projeto de desenvolvimento econocircmico mas cujo fim uacuteltimo seria legitimar o regime

autoritaacuterio Nessa mesma eacutepoca entre os anos de 1910 a 1930 de acordo com Allonso

(2012) e Oliveira A (2009) duplas e grupos caipiras encenavam peccedilas teatrais que

53

retratavam o homem rural brasileiro com um apelo cocircmico para um puacuteblico de classe

meacutedia urbana especialmente no Rio de Janeiro De acordo com Oliveira L (2003)

No periacuteodo aacuteureo do raacutedio e do cinema caipira de Mazzaropi ainda se mantinha uma visatildeo ambiacutegua sobre o caipira sobre o Jeca ele era bobo e esperto ao mesmo tempo Sua fala mole aparentemente inocente esconderia uma malandragem particular (OLIVEIRA L 2003 p 254)

Nesse sentido Oliveira L (2003) reconstroacutei o percurso da cultura rural

destacando o sucesso da muacutesica caipira nos anos 1940 e 1950 bem como sua

marginalizaccedilatildeo a partir dos anos 1960 com a acentuaccedilatildeo do processo de modernizaccedilatildeo

brasileiro passando entatildeo a estar relegada ao segundo plano como ldquosendo muacutesica de

pobre do interiorano e do suburbano muacutesica de quintal de cozinhardquo (OLIVEIRA L

2003 p 255) Esse processo de marginalizaccedilatildeo do rural a partir de meados do seacuteculo

XX tambeacutem se repercutiu nas Ciecircncias Sociais conforme indica o estudo de Oliveira

L (2003) ao analisar as representaccedilotildees sobre o homem rural paulista elaboradas pela

historiografia e pela literatura Uma dessas representaccedilotildees centralizava-se na

marginalizaccedilatildeo e na inferiorizaccedilatildeo de tipos sociais rurais tais como o caipira ou o

caboclo refletindo a exclusatildeo do campesinato brasileiro e do homem rural pobre nos

estudos acadecircmicos

Segundo Oliveira L (2003) a postura da eacutepoca era a de que ldquo[] o mundo rural

ficava na coluna que significava atraso tradiccedilatildeo sobrevivecircncia Em contraposiccedilatildeo a ele

estaria o mundo urbano identificado com o progresso a modernidade o futurordquo

(OLIVEIRA L2003 p 237) Entretanto segundo a mesma autora no domiacutenio da

Sociologia tambeacutem teria havido uma ambiguidade ora exaltando-se a sabedoria do

homem rural ora expondo o seu atraso A autora afirma que a partir dos anos 1950

devido ao processo de modernizaccedilatildeo conservadora pelo qual passou o campo no Brasil

houve um interesse das Ciecircncias Sociais em estudar as suas dimensotildees de resistecircncia

diante dos processos de urbanizaccedilatildeo e de industrializaccedilatildeo Para a pesquisadora somente

com Franco (1969) o tema do caipira se inseriu no contexto da elite acadecircmica da

Universidade de Satildeo Paulo conseguindo trazer o tema do homem rural pobre caipira

para o debate da formaccedilatildeo social brasileira

A anaacutelise de Fressato (2009) sobre a representaccedilatildeo das praacuteticas culturais caipiras

nos filmes de Mazzaropi produzidos entre os anos 1950 e 1970 demonstra a relaccedilatildeo

ambiacutegua da cultura popular com a cultura dominante que oscilava entre a subordinaccedilatildeo

54

e a rebeldia contra a ordem instituiacuteda Seu personagem mais famoso o Jeca presente

expliacutecita ou implicitamente em todos os filmes teria evoluiacutedo de acordo com as

mudanccedilas da sociedade brasileira No iniacutecio ele seria inocente e ingecircnuo tornando-se

debochado e malicioso nos uacuteltimos enredos Defende a autora que a representaccedilatildeo do

Jeca preguiccediloso nos filmes de Mazzaropi dos anos 1950 revelou mais que um modelo

esteacutetico inspirado no personagem de Monteiro Lobato uma possiacutevel criacutetica ao modelo

nacional-desenvolvimentista em voga nessa eacutepoca no Brasil A preguiccedila de Jeca nos

filmes de Mazzaropi estaria se contrapondo ao discurso dominante da sociedade

burguesa racional de espiacuterito capitalista e valorizaccedilatildeo do trabalho Para Fressato (2009)

tal preguiccedila desmistificaria uma imagem de unidade social e apresentaria outras formas

de organizaccedilatildeo social que natildeo seriam consideradas politicamente corretas

Da mesma forma Fressato (2009) ressalta como os criacuteticos de cinema no Brasil

contemporacircneos de Mazzaropi avaliavam negativamente seus filmes comparando-os

principalmente agraves peliacuteculas da esteacutetica do Cinema Novo Muitas dessas criacuteticas ao

cinema de Mazzaropi eram direcionadas ao seu personagem caipira considerado de

mau gosto e excessivamente caricaturado Mas Fressato (2009) ressalta a mudanccedila nas

avaliaccedilotildees das produccedilotildees de Mazzaropi apoacutes sua morte e o extremo sucesso de puacuteblico

de seus filmes a despeito da natildeo aceitaccedilatildeo da criacutetica Este fato apontaria para uma

capacidade de Mazzaropi de gerar um sentimento de identidade e reconhecimento por

parte do puacuteblico citadino Principalmente os anos 1960 e 1970 marcaram no Brasil o

processo de ecircxodo rural e o crescimento da populaccedilatildeo urbana Muitos dos extratos

populacionais da periferia urbana eram de origem rural nessa eacutepoca o que pode ser

uma hipoacutetese para essa identificaccedilatildeo do puacuteblico de Mazzaropi com o personagem Jeca

apontada por Fressato (2009) Da mesma forma Martins J (1975) indica como

ouvintes da muacutesica sertaneja dos anos 1970 essa populaccedilatildeo proletaacuteria urbana residente

na periferia e de origem rural Segundo Allonso (2012) Martins J (1975) dirigiu aos

ouvintes e simpatizantes da muacutesica sertaneja as mesmas criacuteticas que esta recebeu por

parte de grupos dominantes da Muacutesica Popular Brasileira (MPB) principalmente sua

vinculaccedilatildeo ao conservadorismo Seus apreciadores seriam apontados como ldquoalienadosrdquo

viacutetimas da cultura de massa apartados de sua condiccedilatildeo ldquoraizrdquo ao se transformarem em

imigrantes e proletaacuterios urbanos (ALLONSO 2012)

Segundo Oliveira L (2003) com base em Santos J (1991) a partir da deacutecada

de 1980 foi se evidenciando um novo imaginaacuterio uma nova identidade para o mundo

55

rural Com o advento da urbanizaccedilatildeo e da industrializaccedilatildeo a muacutesica sertanejacountry e

o entretenimento passaram a ter um lugar importante na construccedilatildeo da imagem do rural

e no seu consumo pelos citadinos se consolidando como simulacro da tradiccedilatildeo rural

Para Oliveira L (2003) reproduzindo o argumento de Nepomuceno (1999) a muacutesica

sertaneja renasceu a partir dos anos 1980 com o otimismo trazido pelo crescimento do

agribusiness pela reelaboraccedilatildeo dos valores rurais e pelo destaque das cidades do

interior que passaram a ser percebidas pela boa infraestrutura em detrimento agrave crise das

grandes aglomeraccedilotildees urbanas

Segundo Oliveira L (2003) os jovens da classe meacutedia preferiam se fixar no

interior onde encontravam oportunidades de consumo estudo e emprego e

reelaboravam a cultura rural a partir de elementos simboacutelicos do country norte-

americano ao inveacutes de simplesmente aspirarem a padrotildees culturais da cidade ldquoEles se

permitiam casar a alma rural com o progresso e com a riqueza e natildeo mais a alma

ingecircnua com a pobrezardquo (NEPOMUCENO 1999 citado por OLIVEIRA L 2003 p

255) Para Oliveira L (2003) o coroamento desse processo foi o sucesso de novelas

exibidas em canais abertos na televisatildeo em rede nacional com temaacuteticas rurais como

Pantanal (1990) e A Histoacuteria de Ana Raio e Zeacute Trovatildeo (1991) na extinta Rede

Manchete e O Rei do Gado (1996) na Rede Globo Oliveira L (2003 p 256) conclui

que ldquoo agribusiness e o circuito de rodeio constituiacuteram o espaccedilo social para que o

caipira ou o atrasado de ontem se tornasse o globalizado de hojerdquo

Essas transformaccedilotildees recentes na agricultura e suas consequecircncias no rural como

um todo tiveram expressatildeo especialmente a partir da deacutecada de 1980 Autores como

Abramovay (1994) Kageyama (2008) e Pires (2004) destacam que as mudanccedilas no

mundo rural e na produccedilatildeo agriacutecola a partir dos anos 1980 relacionam-se com a crise na

agricultura e no modelo produtivista nos Estados Unidos na Europa e nos paiacuteses

emergentes motivada pelo super-abastacimento mundial e pela emergecircncia de uma

pauta ambientalista Assim como ocorrera uma reestruturaccedilatildeo produtiva no setor

industrial a niacutevel mundial nos anos 1970 a partir de quando se consolida um modelo

de produccedilatildeo poacutes-fordista (ANTUNES 1995 SENNET 1999) a agricultura a partir dos

anos 1980 tambeacutem sofreu uma flexibilizaccedilatildeo produtiva De acordo com Abramovay

(1994) o modelo fordista de produccedilatildeo agriacutecola foi repensado especialmente na Europa

a partir da Poliacutetica Agriacutecola Comum (PAC) de 1992 quando as praacuteticas efetuadas entre

os anos 1960 e 1980 fundamentadas nos paradigmas da Revoluccedilatildeo Verde passaram a

56

ser revistas diante das constataccedilotildees dos impactos ambientais inerentes a esse modelo

Para o autor a partir de entatildeo estabeleceu-se o que denomina de dualizaccedilatildeo da

agricultura concentrando-se por um lado a produccedilatildeo agriacutecola e por outro as praacuteticas

de desenvolvimento sustentaacutevel E a despeito de diversas interpretaccedilotildees o que se

identifica como um denominador comum eacute o fato de o rural natildeo ser mais sinocircnimo de

agriacutecola Haacute uma seacuterie de serviccedilos e novos arranjos produtivos no campo hoje como os

serviccedilos de conservaccedilatildeo ambiental o turismo e o desenvolvimento de uma agricultura

diversificada e localizada para um nicho de mercado concomitante agrave agricultura em

larga escala Como ressalta Pires (2004) outras dimensotildees do rural especialmente o

turismo rural a moradia e as questotildees ambientais ganham uma nova posiccedilatildeo O autor

tambeacutem salienta a transformaccedilatildeo das aacutereas rurais em aacutereas de consumo de bens e

serviccedilos especialmente por parte de determinados grupos sociais de classe meacutedia e da

elite de origem urbana que passam a valorizar o rural positivamente os neorrurais

Nessa esteira de mudanccedilas as novas dinacircmicas que emergiram no campo

brasileiro especialmente apoacutes os anos 1980 satildeo descritas por Silva J (2001) como

ldquonovo rural brasileirordquo e se constituiriam em atividades como a moderna agropecuaacuteria

produtora de commodities as atividades natildeo-agriacutecolas especialmente as ligadas agrave

moradia e ao lazer no meio rural as atividades de prestaccedilatildeo de serviccedilos bem como as

novas atividades agropecuaacuterias voltadas para nichos de mercado especiacuteficos aleacutem das

atividades relacionadas agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente Silva J (1997) tambeacutem aponta

a industrializaccedilatildeo da agricultura cuja principal expressatildeo seriam os complexos

agroindustriais (CAIrsquos) como manifestaccedilatildeo do transbordamento do mundo urbano para

as aacutereas rurais

No acircmbito da cultura Alem (1996) identifica a construccedilatildeo de uma rede

simboacutelica de um rural-country hegemocircnico e dominante especialmente nas regiotildees

onde a partir dos anos 1960 a modernizaccedilatildeo agriacutecola foi intensa correspondendo agraves

zonas pecuaristas do interior de Satildeo Paulo Minas Gerais Rio de Janeiro Goiaacutes e Mato

Grosso e algumas aacutereas da Regiatildeo Norte O autor demonstra como os rituais do

ruralismo brasileiro tecircm sido ressignificados pela accedilatildeo da elite ruralista hegemocircnica e

por meio da induacutestria cultural e do Estado utilizando-se siacutembolos caipirascountry Essa

reelaboraccedilatildeo ultrapassa significaccedilotildees meramente rurais e eacute reinventada a partir de

distinccedilotildees urbanas modernas e capitalizadas Nesse sentido reconstroacutei-se uma

percepccedilatildeo do rural que natildeo estaria mais ligada agrave rusticidade ao atraso e agrave simplicidade

57

a siacutembolos como o Jeca Tatu o caipira ou o sertanejo Esta nova ruralidade seria

referendada por meio da esteacutetica country revestida de siacutembolos do poder do capital e

da distinccedilatildeo triunfando sobre uma imagem do rural negativamente estereotipada Em

suas palavras

O Jeca Tatu reapareceu transformado eacute verdade Sadio e poderoso travestido em novos tipos sociais o empresaacuterio agriacutecola capitalizado e tecnificado o pecuarista de recorte texano o criador de cavalos de raccedila o poliacutetico lobista dos interesses ruralistas os empresaacuterios e profissionais liberais urbanos que investem em fazendas e siacutetios o agro-boy o cow-boy ou peatildeo de boiadeiro as duplas de muacutesica neo-sertaneja e muitos outros tipos sociais expressivos das novas representaccedilotildees ruralistas (ALEM 1996 p 25)

Alem (1996) afirma que essa rede caipirasertanejacountry se revestiria de um

caraacuteter popular e de massa que mascararia uma hierarquia social proacutepria da estrutura

social brasileira cuja oposiccedilatildeo caipiracitadino seria seu principal expoente Para ele

essa rede intencionaria diluir as desigualdades sociais e as diferenccedilas culturais embora

na praacutetica cotidiana as hierarquias e exclusotildees sociais sejam mantidas Diante dessas

constataccedilotildees De Paula (1998 1999 2001) estudou o estilo country no oeste paulista

afirmando que este introduziu o tema do rural no cenaacuterio e na sociabilidade urbanos A

autora (1998 2001) define o country como um padratildeo de sociabilidade um estilo de

vida que elabora o mundo rural e assim flexibiliza as fronteiras dicotocircmicas entre

campo e cidade jaacute que este padratildeo eacute produzido e consumido no espaccedilo urbano E

salienta que o country tambeacutem ldquoproduzrdquo o campo um campo que natildeo eacute soacute agriacutecola

De Paula (1998 2001) afirma que o country brasileiro seria uma reelaboraccedilatildeo do

country americano com tradiccedilotildees agraacuterias brasileiras e aspectos do mundo moderno

contemporacircneo Contudo natildeo se constituiria em uma simples coacutepia mas o assume

como um simulacro da experiecircncia da ruralidade que passa pela estetizaccedilatildeo do mundo

rural De Paula (1998 2001) argumenta que no Brasil o country estaria vinculado ao

processo de distinccedilatildeo sofisticaccedilatildeo e refinamento ao contraacuterio dos Estados Unidos

(EUA) onde o estilo remeteria agraves ideias de trabalho rusticidade e simplicidade4

Eacuteboli (2007) ao estudar os sentidos sociais construiacutedos e veiculados pelo

programa Globo Rural da Rede Globo a partir da deacutecada de 1980 identificou a

4 Este fato tambeacutem eacute constatado por Giuliani (1990) ao comparar os neorrurais franceses aos novos rurais brasileiros

58

construccedilatildeo de uma imagem urbanizada do rural que transforma o rural agriacutecola em um

rural natureza e da figura de um heroacutei do campo Esse processo se desenrola segundo a

autora por meio da urbanizaccedilatildeo e da domesticaccedilatildeo da natureza graccedilas agrave ciecircncia e agrave

teacutecnica atraindo um puacuteblico urbano telespectador do programa aleacutem de seus

anunciantes e do proacuteprio homem rural Para a autora ao veicular a imagem de um rural

natureza domesticado pela teacutecnica e urbanizado o programa torna-se capaz de dialogar

com grupos sociais distintos vinculados direta ou indiretamente ao rural ou mesmo

quase completamente apartados dessa realidade O trabalho de Eacuteboli (2007) encontra-se

numa mesma perspectiva que o de Silva G (2009) que buscou apreender um possiacutevel

imaginaacuterio rural dos leitores urbanos da revista impressa Globo Rural moradores da

cidade de Satildeo Paulo e o sonho miacutetico de possuir uma casa no campo A autora

identificou trecircs movimentos que conformaram o imaginaacuterio desses leitores ao sonharem

com a casa no campo o tempo presente em que se percebe uma criacutetica ao modelo

civilizatoacuterio urbano da metroacutepole um movimento de saudade em relaccedilatildeo a um passado

rural e a um mundo natural e um gesto direcionado ao futuro longe da cidade numa

casa de campo proacutexima agrave natureza Movimentos que para a autora se intercalam entre

memoacuteria e imaginaccedilatildeo e sobretudo compotildeem um pensamento miacutetico que para ela

pode expressar um fenocircmeno social

No campo do imaginaacuterio sobre o rural e suas transformaccedilotildees destaca-se o

trabalho de Raymond Williams (2011) sobre a Inglaterra na passagem da sociedade

medieval para a moderna e de Entrena-Duraacuten (2012) sobre a Espanha no seacuteculo XX

As mudanccedilas nas representaccedilotildees sociais sobre o rural destacadas por esses autores para

a Europa na consolidaccedilatildeo da sociedade moderna trazem algumas referecircncias para se

analisar o caso brasileiro no seacuteculo XX especialmente a partir dos anos 1960 e mais

intensamente a partir dos anos 1980 periacuteodo em que se analisa nesta pesquisa a

emergecircncia de produtos e serviccedilos com a marca roccedila no mercado brasileiro

Raymond Williams (2011) demonstrou como as representaccedilotildees sociais a respeito

do campo e da cidade foram se transformando historicamente na Inglaterra utilizando

para a sua anaacutelise a literatura inglesa de temaacutetica rural O que chamou a atenccedilatildeo deste

autor foi o fato de que mesmo apoacutes as transformaccedilotildees engendradas pela Revoluccedilatildeo

Industrial que levaram a Inglaterra a uma configuraccedilatildeo urbano-industrial a literatura

rural permaneceu sendo produzida e lida de forma expressiva inclusive ao longo do

seacuteculo XX Segundo o autor a busca por um passado rural na literatura inglesa teria

59

diferentes significados segundo as especificidades relacionadas a contextos sociais

determinados Assim agrave medida que foi se desenvolvendo na Inglaterra ao longo dos

seacuteculos XVI XVII e XVIII um capitalismo agraacuterio moderno racional e tecnificado

foi se construindo ao mesmo tempo uma idealizaccedilatildeo do campo e da vida rural

expressa na poesia bucoacutelica concomitante ao crescimento das grandes cidades e ao

desenvolvimento da cultura urbana e da industrializaccedilatildeo

De acordo com Williams (2011) as mudanccedilas do capitalismo agraacuterio e os

melhoramentos por ele trazidos tambeacutem impactaram na relaccedilatildeo do homem com a

natureza tanto em termos praacuteticos como esteacuteticos Do ponto de vista esteacutetico surgiu

uma separaccedilatildeo entre a produccedilatildeo e o consumo da natureza com a invenccedilatildeo da paisagem

Parques e jardins passaram a ser produzidos com novas proposiccedilotildees sobretudo

baseadas no controle racional Interagindo com observaccedilotildees de cunho mais social

aparece a partir dessa invenccedilatildeo da paisagem uma linguagem verde Segundo o autor

justamente quando se desenvolve esta nova fase de processos industriais e de

intervenccedilatildeo intensa na natureza surge na literatura uma concepccedilatildeo de culto da

natureza intacta inculta e pitoresca com o gosto pela contemplaccedilatildeo da paisagem o

turismo contemplativo da natureza os roteiros de viagens a lugares especiais O autor

reconhece certa continuidade da idealizaccedilatildeo de personagens humildes e do campo visto

como natureza local de refuacutegio e aliacutevio em relaccedilatildeo agrave sociedade urbana O

ldquomelhoramentordquo da natureza e a expropriaccedilatildeo do trabalho pelo capital eram

interpretados pelos poetas dessa fase como uma perda do meio natural Ainda segundo o

autor o que estaria sendo expresso nessa poesia na verdade seria o sentimento de

expropriaccedilatildeo e divisatildeo social que utilizava a metaacutefora da natureza e do paraiacuteso para se

referir a um espiacuterito comunitaacuterio que ficara para traacutes Seria portanto uma maneira de

falar sobre a humanidade a partir da natureza e criticar implicitamente a sociedade na

qual se vivia Para Williams (2011) este movimento representou o fim da poesia

bucoacutelica e seu choque com a realidade rural

Pode-se perceber portanto que Williams (2011) destaca como a descriccedilatildeo da

vida campestre e pastoril com suas dificuldades tensotildees e conflitos foi dando lugar a

uma visatildeo idealizada do campo transformado em paisagem para a contemplaccedilatildeo Os

conflitos sociais de classes cada vez mais intensos com a expropriaccedilatildeo da terra dos

camponeses e com o aparecimento de uma classe de arrendataacuterios e de trabalhadores

rurais natildeo foram retratados mas antes exaltou-se em tom bucoacutelico e saudosista a

60

beleza da natureza a abundacircncia e a fartura do campo e dos aristocratas rurais Os

poemas dessa eacutepoca tambeacutem contrastavam a moral do campo e da cidade O primeiro

era atrelado agraves ideias de virtude inocecircncia e simplicidade enquanto a cidade era tomada

como sinocircnimo de ganacircncia desonestidade e ambiccedilatildeo Percebe-se portanto um culto agrave

vida rural que natildeo era necessariamente fiel agraves condiccedilotildees socioeconocircmicas da realidade

mas construiacuteda com traccedilos de idealizaccedilatildeo e de nostalgia As mudanccedilas de atitudes e as

novas sensibilidades da sociedade moderna em relaccedilatildeo ao mundo natural na Inglaterra

entre 1500 e 1800 tambeacutem foram relatadas por Thomas (2010) A relaccedilatildeo entre o

homem e o mundo natural e a classificaccedilatildeo entre a natureza e a cultura relatadas pelo

autor revelam uma trajetoacuteria que se transforma de uma visatildeo antropocecircntrica na qual o

mundo natural estaacute sujeito ao homem ateacute a emergecircncia de novas condiccedilotildees e

sensibilidades em relaccedilatildeo agrave natureza destronando o ser humano (ALMEIDA 2011)

Embora segundo Almeida (2011) Thomas (2010) tenha identificado a mudanccedila na

visatildeo sobre a natureza a sociedade moderna ainda estaria marcada pelos dilemas entre a

conservaccedilatildeo ou o domiacutenio da natureza e a produccedilatildeo agriacutecolas entre o campo e a cidade

O movimento romacircntico tambeacutem foi abordado por Norbert Elias (2001) em seu

estudo a respeito da sociedade de corte durante o reinado de Luiacutes XIV na Franccedila O

autor analisa as transformaccedilotildees vividas pelos guerreiros que antes viviam no campo sob

uma economia de troca e com uma relativa autonomia sobre suas terras mas passaram a

viver na corte em um contexto urbano sob uma economia monetaacuteria e numa rede mais

complexa e integrada de interdependecircncia A nobreza de corte passou a ver nos seus

antecessores situados em uma camada social inferior os siacutembolos de uma vida mais

livre simples independente natural e melhor Um sentimento de nostalgia e melancolia

constituiria para o autor a visatildeo romacircntica da nobreza de corte em relaccedilatildeo ao campo e

a vida natural

Elias (2001) considera como traccedilos essenciais do romantismo o fato de seus

idealizadores verem o presente em degradaccedilatildeo quando comparado ao passado O futuro

por sua vez seria uma restauraccedilatildeo do passado idealizado concebido como podendo ser

melhor e mais puro Mas essa idealizaccedilatildeo do campo estaria localizada em uma

dimensatildeo oniacuterica jaacute que sua realizaccedilatildeo dependeria do rompimento com seu status quo

Isso significaria abrir matildeo da posiccedilatildeo de prestiacutegio social ocupada na corte e desobedecer

a uma rede de interdependecircncia Tal processo resultaria em suma em ldquodescerrdquo na

escala social de reconhecimento e prestiacutegio para uma camada inferior Por isso o sonho

61

e a idealizaccedilatildeo seriam uma forma do indiviacuteduo escapar momentaneamente da coerccedilatildeo

externa e interna sem precisar perder sua posiccedilatildeo social Assim a perspectiva do

romantismo seria idealizada superdimensionando os problemas do presente e

subestimando a dureza da vida no campo e do trabalho agriacutecola eou pastoril

Elias (2001) estabelece uma conexatildeo entre a romantizaccedilatildeo das sociedades

agraacuterias e de seus personagens tiacutepicos como os guerreiros pastores e camponeses com

a ocorrecircncia crescente do ecircxodo rural e a progressiva industrializaccedilatildeo e urbanizaccedilatildeo

Para ele as coerccedilotildees tiacutepicas da integraccedilatildeo social continuaram a se desenvolver na

Europa ao longo do seacuteculo XIX e se revelaram tambeacutem numa tradiccedilatildeo romacircntico-

burguesa da mesma forma como demonstrou Williams (2011) a respeito do bucolismo

O retorno agrave natureza segundo Elias (2001) tambeacutem teria encontrado formas natildeo

romacircnticas entre as camadas de elite bem como em outras camadas sociais por meio da

praacutetica de esportes e atividades de lazer no campo como escaladas trilhas viagens de

feacuterias ao litoral agraves montanhas ou ao campo Tais manifestaccedilotildees natildeo teriam contudo

conotaccedilatildeo nostaacutelgica

Por sua vez Entrena-Duraacuten (2012) destaca que ao longo do seacuteculo XX na

Espanha houve trecircs diferentes fases do imaginaacuterio coletivo sobre o meio rural Segundo

o autor a fase relativa agrave ldquomitificaccedilatildeo conservadorardquo teve lugar durante o regime

franquista entre 1940 e 1950 No contexto do desenvolvimentismo e da modernizaccedilatildeo

dos anos 1960 e 1970 observou-se um sentimento de menosprezo ao rural identificado

com o atraso sociocultural e o subdesenvolvimento econocircmico A partir dos anos 1980

percebeu-se entatildeo uma revalorizaccedilatildeo do rural fenocircmeno que acredita ser recorrente

em vaacuterias outras sociedades modernas defendendo a perspectiva de uma reinvenccedilatildeo do

rural e de sua mitificaccedilatildeo com um recorte neorruralista A volta ao rural para o autor

natildeo seria marcada por uma perspectiva de retorno agrave sociedade agraacuteria tradicional mas

antes por uma perspectiva orientada pela qualidade de vida e pelo desenvolvimento

sustentaacutevel As transformaccedilotildees do imaginaacuterio coletivo sobre o rural em direccedilatildeo agrave sua

revalorizaccedilatildeo estariam relacionadas agrave expansatildeo do turismo rural e agrave moradia no campo

dentre outras manifestaccedilotildees da expansatildeo das interligaccedilotildees entre citadinos e rurais

A mitificaccedilatildeo conservadora construiacuteda na Espanha durante o regime franquista

de acordo com Entrena-Duraacuten (2012) fundamentou-se no discurso do ideal de uma

sociedade rural tradicional como o paradigma da harmonia e da integraccedilatildeo social

corporativa que tinha como objetivo impliacutecito negar eou marginalizar os conflitos

62

sociais Tal ideologia segundo o autor fora inspirada em referecircncias culturais do

catolicismo tradicional e nas doutrinas falangistas que criaram uma mitificaccedilatildeo

idealizadora e bucoacutelica da agricultura considerada mais como um modo de vida

tradicional e moralmente superior ao urbano do que uma atividade econocircmica O

contexto social da eacutepoca era caracterizado por uma Espanha rural tradicional com a

maioria da populaccedilatildeo empregada no setor primaacuterio com trabalhadores e arrendataacuterios

especialmente na Regiatildeo Sul (ENTRENA-DURAacuteN 2012)

O segundo momento de transformaccedilotildees do imaginaacuterio sobre o rural na Espanha

teria sido em meados do seacuteculo XX no periacuteodo desenvolvimentista quando parte

consideraacutevel da populaccedilatildeo rural migrou para a cidade em busca de melhores condiccedilotildees

de vida Essas transformaccedilotildees se deram cada vez mais intensamente atraveacutes da adoccedilatildeo

de modelos cientiacuteficos e tecnoloacutegicos tiacutepicos da sociedade moderna em substituiccedilatildeo

aos haacutebitos e costumes tradicionais locais Isto se traduziu tambeacutem na adoccedilatildeo de uma

poliacutetica agraacuteria mais teacutecnica profissional e economicista resultando inclusive na

criaccedilatildeo do Serviccedilo de Extensatildeo Rural e no Instituto Nacional Agronocircmico nos moldes

desenvolvimentistas O resultado desta poliacutetica agraacuteria de acordo com o autor foi a

mecanizaccedilatildeo agriacutecola num contexto geral de industrializaccedilatildeo e modernizaccedilatildeo

tecnoloacutegica e a transferecircncia da forccedila de trabalho agriacutecola para os setores industriais e

de serviccedilos visiacutevel no fenocircmeno do ecircxodo rural O urbano constituiacutea a imagem do

progresso da civilizaccedilatildeo e do desenvolvimento em oposiccedilatildeo ao campo considerado

atrasado

O rural foi sendo concebido cada vez mais como um espaccedilo que concentrava a

produccedilatildeo agriacutecola modernizada Entretanto Entrena-Duraacuten (2012) ressalta que a

entrada da Espanha na entatildeo Comunidade Econocircmica Europeia e sua participaccedilatildeo na

Poliacutetica Agriacutecola Comum conduziram agrave reflexatildeo sobre o problema da superproduccedilatildeo e a

necessidade de se proporcionar o desenvolvimento sustentaacutevel no meio rural Esse

contexto histoacuterico marcou a transiccedilatildeo do periacuteodo desenvolvimentista para a fase da

revalorizaccedilatildeo do rural do ponto de vista socioeconocircmico e demograacutefico Tal

revalorizaccedilatildeo do rural caracterizou-se pela crise do paradigma urbano-industrial ao

mesmo tempo em que a agricultura perdeu seu peso como atividade primordial no

campo dando lugar ao desenvolvimento da pluriatividade e da multifuncionalidade De

acordo com Entrena-Duraacuten (2012) ao mesmo tempo foram se consolidando as

perspectivas de defesa do desenvolvimento territorial voltadas para as vocaccedilotildees

63

agriacutecolas e para o exerciacutecio do turismo do lazer e das atividades ligadas agrave nova

ruralidade marcadas pela venda e consumo do ecoloacutegico como no caso do setor

imobiliaacuterio

Nesse sentido a revalorizaccedilatildeo e a ressignificaccedilatildeo do rural na Espanha segundo

Entrena-Duraacuten (2012) ocorreria num contexto marcado por pressupostos poacutes-

produtivistas ou seja pela valorizaccedilatildeo do entorno ecoloacutegico do espaccedilo rural pela

praacutetica da agricultura natildeo produtivista pelo desenvolvimento sustentaacutevel e pela

valorizaccedilatildeo da qualidade de vida Para o autor o contexto mais marcante que envolve a

revalorizaccedilatildeo do rural relaciona-se agrave emergecircncia do turismo rural que contribui para o

desenvolvimento e a conservaccedilatildeo do patrimocircnio natural arquitetocircnico e especialmente

a valorizaccedilatildeo da cultura local marcada pelo uso da paisagem das acomodaccedilotildees e dos

utensiacutelios tradicionais tanto pela populaccedilatildeo local quanto pelos turistas e novos

residentes oriundos da cidade Entretanto o autor destaca que essa ressignificaccedilatildeo do

rural tem passado por uma construccedilatildeo social natildeo mais baseada somente na concepccedilatildeo

autaacuterquica local mas em termos de uma glocalizaccedilatildeo dos espaccedilos rurais Isto ocorre

justamente pela fixaccedilatildeo no campo de turistas ou novos residentes de origem urbana

que trazem consigo referecircncias do mundo urbano e contribuem para uma mitificaccedilatildeo do

meio rural que envolve imagens diversas complexas e agraves vezes contraditoacuterias entre a

populaccedilatildeo local os turistas e os neorrurais

Entrena-Duraacuten (2012) argumenta que as condiccedilotildees nas quais os turistas e

neorrurais vivenciam os modos de vida espaccedilos e lares tradicionais rurais satildeo

sucedacircneos ou simulacros edulcorados motivados pela busca do proacuteprio do autecircntico e

do artesanal O autor acredita que a mercantilizaccedilatildeo e o consumo das paisagens e do

modo de vida rural pelos turistas produz uma artificializaccedilatildeo ou mesmo uma imitaccedilatildeo

da autecircntica ruralidade Citando autores como Hobsbawm e Ranger (2000) entre outros

Entrena-Duraacuten (2012) afirma que se trata uma materializaccedilatildeo de tendecircncias de

reinventar o rural tradicional De acordo com o autor essa idealizaccedilatildeo do meio rural

por meio da construccedilatildeo de simulacros da autenticidade rural atende especialmente agraves

aspiraccedilotildees de uma camada urbana de sociedades modernas avanccediladas que busca no

exotismo na comunidade na autenticidade na natureza e na vida saudaacutevel suprir as

carecircncias da sociedade urbano-industrial globalmente preponderante de onde provecircm os

turistas e neorrurais

64

A busca pela tradiccedilatildeo pelo autecircntico assim como a valorizaccedilatildeo da natureza e

dos processos de produccedilatildeo artesanais e locais parecem conformar os processos de

produccedilatildeo circulaccedilatildeo e consumo de bens com a marca roccedila no Brasil A busca por

autenticidade por parte das marcas remeteria a um apelo agrave tradiccedilatildeo ao saber-fazer

artesanal presente na fabricaccedilatildeo do produto ou na prestaccedilatildeo do serviccedilo com pretensatildeo

de reviver dimensotildees relativas ao ldquojeito como era antesrdquo O sentimento de nostalgia e o

romantismo que parecem envolver a identificaccedilatildeo da marca roccedila com a tradiccedilatildeo

estariam relacionados agrave presenccedila de elementos maacutegicos da consciecircncia os quais se

expressam de acordo com Mannheim (1986) no tradicionalismo Por outro lado para

Lifschitz (2011) a criaccedilatildeo de tradiccedilotildees estaria relacionada com estrateacutegias poliacuteticas de

legitimaccedilatildeo de populaccedilotildees tradicionais como os quilombolas por ele estudados

envolvendo a disputa de valores entre os agentes da modernidade e os agentes do grupo

aleacutem de utilizarem meios de produccedilatildeo modernos na criaccedilatildeo da tradiccedilatildeo

O objeto de estudo desta pesquisa a marca roccedila parece partilhar de aspectos

apontados por Lifschitz (2011) a respeito do uso de teacutecnicas modernas na criaccedilatildeo de

elementos associados agrave tradiccedilatildeo pois se pressupotildee que estes elementos estejam

envolvidos na fabricaccedilatildeo dos produtos da roccedila ou na performance da oferta dos

serviccedilos Ressalta-se ainda que o autor demonstra como essas teacutecnicas modernas atuam

na tentativa de sacralizar e revestir de aura os elementos tradicionais Aqui como em

Mannheim (1986) nota-se a referecircncia aos aspectos maacutegicos que envolvem o conceito

de tradiccedilatildeo Lifschitz (2011) assume ainda que nas comunidades por ele estudadas

pocircde observar a disputa pela autenticidade de determinadas praacuteticas culturais A busca

pela autenticidade tambeacutem parece fazer parte do jogo de disputas para definir o que eacute

um produto ou serviccedilo da roccedila Essa disputa que orbita o mercado de bens da roccedila se

insere num processo que embora conflituoso revela a tentativa de rurais citadinos e

neorrurais partilharem um horizonte de significados socialmente construiacutedo Esse

processo de alguma forma estaacute relacionado com experiecircncias que tentam romper com

o atomismo individual a racionalidade instrumental autocentrada e subjetivada

caracteriacutesticas da vida moderna conforme ressalta Taylor (2011) segundo Beltrami

(2012) e Silveira Rocha e Cardoso (2013)

Em suma pode-se destacar que no Brasil desde a proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica ateacute

meados da deacutecada de 1950 a imagem do rural caracterizou-se pela valorizaccedilatildeo do

homem rural tido como modelo para a construccedilatildeo de uma identidade nacional com

65

uma visatildeo romacircntica de sua suposta inocecircncia simplicidade e honestidade Contudo

esse imaginaacuterio possui pitadas de ironia e comicidade revelando o homem rural como

preguiccediloso e desmotivado marginalizado do projeto de naccedilatildeo em vias de se urbanizar e

se industrializar Destaca-se nesse sentido o personagem Jeca Tatu de Monteiro

Lobato as peccedilas teatrais de duplas caipiras e a primeira fase dos filmes de Mazzaropi

representada pelo Jeca Esse periacuteodo desde a Repuacuteblica Velha ateacute o fim do Estado

Novo e iniacutecio da era nacional-desenvolvimentista correspondeu no que tange ao

autoritarismo poliacutetico e ao uso do homem rural no ideal nacional ao periacuteodo de

mitificaccedilatildeo conservadora apontado por Entrena-Duraacuten (2012) na Espanha guardadas as

devidas proporccedilotildees Uma das diferenccedilas mais marcantes nos dois casos eacute justamente a

ambiguidade discursiva sobre o rural no Brasil jaacute neste periacuteodo do iniacutecio do seacuteculo XX

quando o homem rural eacute ora modelo moral a ser seguido ora exemplo de

comportamento a ser estigmatizado

Em um segundo momento dos anos 1950 ateacute o final dos anos 1970 durante o

processo de urbanizaccedilatildeo e industrializaccedilatildeo mais intenso no Brasil aleacutem da

modernizaccedilatildeo agriacutecola acentuada eacute possiacutevel perceber novamente as posiccedilotildees ambiacuteguas

sobre o rural Primeiramente a indiferenccedila acadecircmica das Ciecircncias Sociais para com o

caipira que adiante se flexionaraacute na curiosidade sobre suas formas de resistecircncia agrave

urbanizaccedilatildeo e agrave industrializaccedilatildeo No cinema e na muacutesica passou-se a se refletir mais

ainda sobre a relaccedilatildeo entre os urbanos e os rurais especialmente pelo contexto de

ecircxodo rural e aglomeraccedilatildeo dessa populaccedilatildeo na periferia dos centros urbanos e no

trabalho proletaacuterio Assim o cinema de Mazzaropi conforme Fressato (2009) passou a

ironizar o citadino a partir da visatildeo do rural e a muacutesica antes caipira transformou seu

gecircnero em sertanejo com temas urbanos e modernos conforme destaca Oliveira (2009)

Mas eacute tambeacutem nessa eacutepoca que a muacutesica sertaneja passou a ser classificada como um

gecircnero inferior pela MPB como muacutesica cafona de caipira ou de uma massa urbana

alienada E o rural como um todo foi identificado ao atraso ao tradicional e

conservador em detrimento da cidade moderna e desenvolvida como destaca Oliveira

(2003) Essa mesma eacutepoca na Espanha foi classificada por Entrena-Duraacuten (2012)

como desenvolvimentista na qual se hierarquizou o urbano e o rural entre o avanccedilo e o

atraso respectivamente

O processo de valorizaccedilatildeo do rural apontado por Entrena-Duraacuten (2012) na

Espanha poacutes-produtivista poacutes anos 1980 seria marcado especialmente pelo

66

desenvolvimento do turismo rural e suas dinacircmicas inerentes neorrurais valorizaccedilatildeo da

qualidade de vida no campo criacutetica agrave agricultura produtivista e processos de

conservaccedilatildeo da natureza e dos aspectos de vida locais Os estudos analisados no Brasil

especialmente o de Eacuteboli (2007) e Silva G (2009) tambeacutem apontam para uma

valorizaccedilatildeo do rural a partir da criacutetica ao modelo civilizatoacuterio urbano e ao culto da

natureza Mas a valorizaccedilatildeo do rural a partir dos anos 1980 e 1990 no Brasil parece

natildeo passar somente pelo discurso do rural natureza e do rural idiacutelico da casa no campo

mas tambeacutem pela esteacutetica country ressignificada a partir das referecircncias culturais norte-

americanas (ALEM 1996 DE PAULA 1998 1999 2001 OLIVEIRA L 2003) E

embora revalorizem o rural reproduzindo alguns de seus aspectos culturais na cidade e

entre as camadas urbanas a esteacutetica country reproduz as antigas hierarquias sociais

dominantes no campo agora na cidade bem disfarccediladas numa suposta democracia de

acesso cultural agrave muacutesica sertaneja agraves festas de rodeio e agrave moda country conforme Alem

(1996) e De Paula (1998 2001) Eacute a revalorizaccedilatildeo do rural agrave moda brasileira com suas

ambiguidades e contradiccedilotildees

Sugere-se a partir da anaacutelise dessas obras sobre aspectos do rural brasileiro que

haacute a produccedilatildeo de um simulacro da tradiccedilatildeo rural nos moldes demonstrados por Entrena-

Duraacuten (2012) para o caso da Espanha no Brasil possivelmente recortado por uma

perspectiva nostaacutelgica e romacircntica conforme descreveu Elias (2001) trazendo a anaacutelise

para a contemporaneidade como forma de escapar pelo imaginaacuterio ou pelo turismo das

coerccedilotildees da sociedade moderna urbana e industrializada sem precisar abrir matildeo

efetivamente das suas condiccedilotildees de vida Esse simulacro se revela no consumo e

fruiccedilatildeo das muacutesicas sertanejas na adoccedilatildeo do estilo country no turismo rural na vida

neorrural no consumo de revistas ou na audiecircncia de programas de televisatildeo de

conteuacutedo rural e no sonho da casa no campo por exemplo Por outro lado as

hierarquias parecem se reproduzir especialmente quando se atenta para os trabalhos

mais recentes publicados apoacutes os anos 1990 Referimo-nos agrave disputa entre a muacutesica

sertaneja e a popular brasileira dentro do campo musical que conforme indicam

Allonso (2012) e Oliveira A (2009) tende a ser dominada pela segunda agraves

dificuldades de ajustamento dos alunos oriundos da roccedila do interior baiano ao discurso

escolar urbano conforme relata Rios (2011) agrave divisatildeo de classes que se estabelece na

cultura country e nos circuitos de rodeio sendo a primeira identificada a uma elite

dominante pelos autores Alem (1996) e De Paula (1998 1999 2001)

67

Essas reflexotildees nos levam a sugerir que no Brasil pelo menos ao longo do

seacuteculo XX constituiu-se um imaginaacuterio sobre o rural bastante complexo com contornos

ambiacuteguos e agraves vezes contraditoacuterios Elementos de idealizaccedilatildeo misturavam-se agraves

criacuteticas hierarquizaccedilotildees e dicotomias A partir dos anos 1990 essas contradiccedilotildees do

imaginaacuterio sobre o rural parecem ter se renovado ganhando novos elementos como a

cultura country e a valorizaccedilatildeo do rural como natureza Mas permaneceram as

diferenciaccedilotildees e os estereoacutetipos Acredita-se que a anaacutelise da categoria roccedila por meio

da produccedilatildeo o consumo de produtos e serviccedilos com essa marca desde os anos 1960 no

Brasil possa proporcionar um maior entendimento sobre como o imaginaacuterio acerca do

rural brasileiro se reconstroacutei nos discursos sobre a natureza a tradiccedilatildeo a autenticidade

a nostalgia e a distinccedilatildeo

16 Siacutentese dos usos e significados da categoria roccedila face agraves perspectivas

sobre o rural no Brasil

A revisatildeo de literatura a respeito dos usos e significados do termo roccedila no

Brasil e do imaginaacuterio sobre o rural neste paiacutes e tambeacutem em naccedilotildees europeias revelou

um conjunto de mudanccedilas que em siacutentese pode ser compreendido como a passagem de

um modelo dicotocircmico entre o campo e a cidade em que a vocaccedilatildeo agriacutecola do campo

acentuava a sua contradiccedilatildeo com a cidade No entanto a complexidade e a diversidade

que marcam a sociedade contemporacircnea apontam para uma aproximaccedilatildeo do modo de

vida das pessoas que vivem no campo em relaccedilatildeo aos citadinos Concomitantemente a

este fenocircmeno de diluiccedilatildeo dos contrastes entre os habitantes de ambos os espaccedilos tanto

o campo enquanto espaccedilo fiacutesico como o rural enquanto um modo de vida reinventado

passam a ser idealizados e valorizados como apontam Carneiro (2012) Entrena-Duraacuten

(2012) Jean (1989) Kayser (1990) Veiga (2004 2006) entre outros Estes autores

apontam para a emergecircncia de novos setores produtivos no campo para o surgimento de

novas ocupaccedilotildees e fontes de renda O campo passa a ser representado como um espaccedilo

de contemplaccedilatildeo fruiccedilatildeo e preservaccedilatildeo dos recursos naturais Esta faceta poacutes-

produtivista vinculada ao campo enquanto espaccedilo fiacutesico e ao rural enquanto modo de

vida parece ter tido o seu eco nos novos significados do vocaacutebulo roccedila Um dos campos

68

representativos dessa ressignificaccedilatildeo da categoria roccedila no Brasil seraacute analisado no

proacuteximo capiacutetulo

69

2 ROCcedilA UMA MARCA REGISTRADA A PRODUCcedilAtildeO A CIRCULACcedilAtildeO E O

CONSUMO DE PRODUTOS E SERVICcedilOS ldquoDA ROCcedilArdquo

21 A roccedila vai ao mercado uma interpretaccedilatildeo a partir da antropologia do

consumo

Novos usos e significados atribuiacutedos ao termo roccedila podem ser notados como foi

demonstrado anteriormente no imaginaacuterio expresso no cancioneiro popular em

algumas peccedilas literaacuterias e tambeacutem na induacutestria cultural do entretenimento e da

informaccedilatildeo Dentre esses diferentes contextos em que se expressam o uso do termo

roccedila optou-se por analisar nesta pesquisa o mercado de bens e serviccedilos que veiculam

este termo como marca ou que aludem a ele

Assim como o uso da expressatildeo roccedila na esfera da produccedilatildeo artiacutestica e da

induacutestria cultural parece ser um indicador da revalorizaccedilatildeo do campo enquanto espaccedilo

fiacutesico e do rural enquanto modo de vida no Brasil seu emprego no mercado tambeacutem

parece evidenciar esta faceta valorativa especialmente a partir de meados dos anos

1980 Mas a emergecircncia da circulaccedilatildeo de bens e serviccedilos que se autodefinem como da

roccedila tambeacutem sugere novos usos e significados aleacutem daqueles consagrados

historicamente no Brasil A tentativa de compreender esses novos usos e significados da

palavra roccedila no mercado brasileiro se justifica em termos da constataccedilatildeo da sua

expansatildeo poacutes anos 1960 mediada pelas trocas e pela possibilidade que o consumo

dispotildee na sociedade contemporacircnea de se reapropriar dos significados que a proacutepria

cultura produz (MILLER 1987 citado por DUARTE 2010) Assim sendo corrobora-se

com Anjos e Caldas (2014) quando afirmam que

Como eacute possiacutevel falar de uma nova ruralidade sem evocar os traccedilos que sustentam as representaccedilotildees sociais construiacutedas pelos consumidores supostamente aacutevidos por absorver a tradiccedilatildeo e o singular em detrimento do padronizado do convencional (ANJOS CALDAS 2014 p 52)

Nesse sentido analisar os usos e significados da expressatildeo roccedila na

contemporaneidade por meio do mercado permite observar de que maneira os mesmos

70

se institucionalizam ao ganhar um caraacuteter mais formal e racionalizado como marca de

um empreendimento por exemplo O movimento dos usos e significados de roccedila pode

ser pensado em termos de sua migraccedilatildeo de um gecircnero do discurso simples como aquele

relativo agrave comunicaccedilatildeo imediata como o diaacutelogo face a face para um gecircnero do

discurso complexo como aquele relativo agraves situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo vinculadas ao

conviacutevio cultural predominantemente escrito nomeadamente atraveacutes das marcas de

produtos e serviccedilos com o termo roccedila Para Bakhtin (2003) os gecircneros complexos

como por exemplo o artiacutestico o cientiacutefico o juriacutedico e o publicitaacuterio incorporam e

reelaboram os gecircneros simples fazendo com que percam seu viacutenculo direto com a

realidade concreta Assim o uso da expressatildeo roccedila que antes se restringia ao discurso

informal do cotidiano no campo das relaccedilotildees sociais constitutivas do mundo rural

brasileiro com os seus conteuacutedos e significados intriacutensecos eacute incorporado por outras

esferas comunicativas mais formais e complexas caracterizadas por um contexto

urbano e moderno dentre as quais se destaca aqui o mercado de bens e serviccedilos

Para Bakhtin (2003) os gecircneros do discurso enquanto tipos relativamente

estaacuteveis de enunciados satildeo marcados por estilos padronizados e estereotipados mas o

autor admite que esses estilos tambeacutem podem ser flexiacuteveis plaacutesticos e criativos

(RODRIGUES 2004) Daiacute a percepccedilatildeo de novos usos e significados para o termo roccedila

nos roacutetulos de produtos que agraves vezes natildeo tecircm uma ligaccedilatildeo imediata com o mundo

rural Isso eacute possiacutevel porque para Bakhtin (2003) a diversidade de gecircneros eacute

determinada pelas posiccedilotildees sociais contextos relaccedilotildees sociais entre os sujeitos da

situaccedilatildeo de comunicaccedilatildeo Assim a escolha das ldquopalavrasrdquo para compor um enunciado

natildeo eacute determinada pelo seu conteuacutedo leacutexico ou seja pelo seu significado ldquoneutrordquo

encontrado em um dicionaacuterio mas pelo seu uso tiacutepico em outros enunciados

relacionados ao do sujeito que fala Este fenocircmeno parece ocorrer no emprego do termo

roccedila como marca de produtos e serviccedilos

A categoria roccedila como trabalho na produccedilatildeo agriacutecola voltado para o

abastecimento das populaccedilotildees vinculado agrave pequena produccedilatildeo familiar e ao

autossustento eacute incorporada ao sofisticado campo do marketing e da publicidade Por

isso o campo eleito nesta pesquisa como objeto de anaacutelise do vocaacutebulo roccedila foi dentre

as vaacuterias possibilidades existentes o mercado de bens e serviccedilos com as suas marcas

Tal escolha se alicerccedilou nas observaccedilotildees de Douglas e Isherwood (2013) que afirmam

que o sentido dos bens reside na sua capacidade de transportar e comunicar seu

71

significado cultural Essa tambeacutem eacute a perspectiva de Sahlins (2003 p 177) para quem

ldquoo proacuteprio consumo eacute uma troca (de significados) um discurso ndash ao qual virtudes

praacuteticas lsquoutilidadesrsquo satildeo agregadas somente post factordquo Sahlins (2003) inspira-se em

Baudrillard (1972)

Assim como eacute verdade da comunicaccedilatildeo do discurso tambeacutem eacute verdade dos bens e produtos o consumo eacute troca [] Haacute uma produccedilatildeo social um sistema de troca de materiais diferenciados de um coacutedigo de significados e valores constituiacutedos (BAUDRILLARD 1972 citado por SAHLINS 2003 p 177)

O mercado de produtos e serviccedilos eacute considerado um campo de accedilatildeo cujos

processos de produccedilatildeo circulaccedilatildeo e consumo produzem significados e informam sobre

as relaccedilotildees sociais (BARBOSA L CAMPBELL 2006 DUARTE 2010) Neste

intento assume-se os bens como o fazem Douglas e Isherwood (2013) como sistemas

de categorias cuja funccedilatildeo eacute expressiva e simboacutelica permitindo captar os usos e

significados aqui pretendidos para o termo roccedila Natildeo se trata portanto de meros

objetos de consumo mas de coacutedigos que fazem parte de uma ordem cognitiva complexa

de categorias culturais e de relaccedilotildees entre elas que transmite distinccedilotildees Essas categorias

culturais de acordo com Sahlins (2003) podem ser manipuladas pela proacutepria

manipulaccedilatildeo dos bens uma vez que na sociedade ocidental burguesa a produccedilatildeo

material eacute o lugar dominante da produccedilatildeo simboacutelica

Analisar os significados do termo roccedila e de que forma eles expressam mudanccedilas

e permanecircncias relacionadas ao campo enquanto espaccedilo fiacutesico e ao rural enquanto

modo de vida no Brasil via a materialidade dos bens de consumo significa como

ressaltam Douglas e Isherwood (2013) tomar os objetos como a parte visiacutevel da cultura

nos quais se concretiza o intangiacutevel da ordem simboacutelica Para estes autores os objetos

ajudam na criaccedilatildeo de uma ordem cognitiva baseando-se em pressupostos e crenccedilas

culturais estabilizando e dando visibilidade agraves categorias culturais pela materialidade

Busca-se portanto neste capiacutetulo compreender o significado cultural sedimentado nos

bens (SAHLINS 2003)

A anaacutelise dos significados e usos do termo roccedila nas marcas de produtos e

serviccedilos permite ainda verificar uma das hipoacuteteses que guia este trabalho a qual

defende que este mercado que veicula a expressatildeo roccedila revela a flexibilizaccedilatildeo das

fronteiras demarcatoacuterias das hierarquias sociais historicamente instituiacutedas no Brasil por

72

meio de um processo que parece apontar para uma revalorizaccedilatildeo do rural Nesse

sentido o estudo dos bens e serviccedilos que se distinguem pela marca roccedila pode ser um

indiacutecio desse processo de valorizaccedilatildeo do rural brasileiro Segundo a perspectiva de

Baudrillard (1972) Douglas e Isherwood (2013) Sahlins (2003) no consumo estatildeo

subjacentes as construccedilotildees sociais de valor de dada sociedade Compartilha-se ainda da

perspectiva de Douglas e Isherwood (2013) de que o significado dos bens excede o seu

valor comercial o seu caraacuteter utilitaacuterio e a sua exibiccedilatildeo de status Para Sahlins (2003) a

circulaccedilatildeo de bens na sociedade ocidental comunica as suas ideias e categorias culturais

bem como revela os usos os significados e os valores que os sujeitos estabelecem com

os objetos apoacutes a sua aquisiccedilatildeo Segundo Sahlins (2003) portanto eacute o valor social que

estabelece o valor econocircmico ldquoEacute essa loacutegica simboacutelica que organiza a demanda O

valor social do fileacute ou da alcatra comparado com o da tripa ou liacutengua eacute o que

estabelece a diferenccedila em seu valor econocircmicordquo (SAHLINS 2003 p 176)

Assim se num primeiro momento a expansatildeo do mercado de bens e serviccedilos

com a marca roccedila parece sugerir um processo de agregaccedilatildeo de valor econocircmico

gerando ocupaccedilatildeo renda lucro e um nicho de mercado acredita-se que o escrutiacutenio dos

usos valores e significados envolvidos no processo de produccedilatildeo circulaccedilatildeo e consumo

de bens da roccedila revele um processo natildeo soacute de valoraccedilatildeo mas tambeacutem de valorizaccedilatildeo

do campo e do rural atraveacutes de bens associados aos mesmos evidenciando que os

valores sociais e natildeo soacute os utilitaacuterios fomentam a relaccedilatildeo entre os sujeitos e o mundo

dos bens Eacute nesse sentido que se desenvolvem as anaacutelises das marcas de produtos e

serviccedilos da roccedila nas paacuteginas seguintes

22 Procedimentos metodoloacutegicos e anaacutelise descritiva de marcas de produtos

e serviccedilos com o termo roccedila no Brasil

O primeiro passo para identificar o uso do termo roccedila na esfera dos bens no

Brasil consistiu na verificaccedilatildeo da existecircncia de produtos e serviccedilos que solicitaram o

registro da marca roccedila no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) do

Ministeacuterio da Induacutestria Comeacutercio e Desenvolvimento Exterior No Brasil a proteccedilatildeo agrave

propriedade industrial no geral existe desde 1809 tendo sido elaborada a partir da

73

vinda da Coroa Portuguesa em 1808 Mas a proteccedilatildeo agraves marcas foi especificamente

tratada em lei em 1875 por meio de uma representaccedilatildeo feita por Rui Barbosa conforme

descreve Massinelli (2014) Atualmente segundo esta autora a lei que trata do registro

de marcas e da Propriedade Industrial como um todo eacute a Lei nordm 9279 de 14 de maio

de 1996 e o oacutergatildeo responsaacutevel pela concessatildeo e garantia dos direitos de propriedade

intelectual para a induacutestria eacute o INPI Este oacutergatildeo eacute uma autarquia federal criada em

1970 e seus principais produtos satildeo o ldquoregistro de marcas desenhos industriais

indicaccedilotildees geograacuteficas programas de computador e topografias de circuitos as

concessotildees de patentes e as averbaccedilotildees de contratos de franquia e de transferecircncia de

tecnologiardquo (INPI 2015)

O sistema de registro de marcas no Brasil eacute feito por meio da solicitaccedilatildeo do

proacuteprio titular (ou por meio de um intermediaacuterio como uma agecircncia publicitaacuteria de

design ou por advogados) no INPI O depoacutesito do pedido de marcas eacute examinado pelo

INPI e soacute eacute concedido se este identificar que a marca atende agraves exigecircncias de registro e

se eacute uacutenica no seu ramo de atividade econocircmica natildeo podendo portanto ser repetida para

o mesmo produto ou serviccedilo As marcas podem ser protegidas em caraacuteter nominal

(apenas o seu nome) figurativo (siacutembolos e logotipo) e misto (ou seja ambos) O

procedimento conta com vaacuterias fases que o solicitante deve atender para ter sua marca

registrada Caso o registro seja concedido a marca eacute protegida por dez anos e sua

renovaccedilatildeo eacute possiacutevel No Brasil conforme destacam vaacuterios autores a propriedade da

marca eacute atributiva ou seja apenas por meio do seu registro legal (SILVA E 2014

TEIXEIRA 2007) A marca de acordo com o site do INPI eacute um sinal visual distintivo

que identifica o produto ou serviccedilo e o distingue em relaccedilatildeo aos outros e o certifica

quanto agrave sua conformidade com normas e especificaccedilotildees teacutecnicas (INPI 2014)

Realizou-se a consulta agrave base de dados do INPI no site wwwinpigovbr

visando identificar produtos e serviccedilos que tiveram seus registros solicitados com a

marca roccedila Esse processo foi possiacutevel porque o INPI informa aos solicitantes que antes

de fazer um pedido de registro de marca o interessado deve pesquisar se a marca que

pretende registrar estaacute disponiacutevel ou seja se o nome pretendido jaacute natildeo foi registrado

por outro titular o que impossibilitaria utilizaacute-la A consulta foi realizada no mecircs de

fevereiro de 2013 e sistematicamente atualizada ao longo dos anos de 2013 e 2014

Foram identificados 498 processos que solicitavam registro com a marca roccedila no

INPI Esses processos foram exportados em forma de planilha para o software Microsoft

74

Excel 2010 para que os dados pudessem ser processados A partir de entatildeo efetuou-se

alteraccedilotildees na planilha para atender aos objetivos desta pesquisa Excluiu-se nomes de

marcas com o radical roccedila mas que se tratavam de outras nomeaccedilotildees e retirou-se

tambeacutem as marcas repetidas que tinham seu processo de registro perpetrado pelo mesmo

titular para natildeo super-representar a amostra Entretanto em alguns casos natildeo foi

possiacutevel constatar se o registro havia sido feito pelo mesmo titular por isso ainda

aparecem muitas marcas repetidas com titulares aparentemente diferentes Apoacutes a

realizaccedilatildeo desses filtros restaram 325 produtos ou serviccedilos com a solicitaccedilatildeo de registro

com a marca roccedila no INPI que compuseram a amostra final

Efetuou-se a identificaccedilatildeo da classificaccedilatildeo das marcas de acordo com suas

caracteriacutesticas se produto ou serviccedilo efetuada pelo proacuteprio titular da marca segundo os

criteacuterios de normatizaccedilatildeo utilizados pelo INPI Os produtos e serviccedilos registrados no

INPI foram classificados pelos seus titulares com base nas ediccedilotildees 7ordf 8ordf 9ordf e 10ordf da

Classificaccedilatildeo Nacional e da Classificaccedilatildeo de Nice A descriccedilatildeo da classe de produtos e

serviccedilos a qual cada marca de roccedila pertencia citava por exemplo alimentos bebidas

casas de cultura lazer e entretenimento gastronomia comeacutercio de insumos agriacutecolas e

etc A tabela extraiacuteda do site do INPI continha ainda informaccedilotildees sobre a data e a

situaccedilatildeo do processo de registro (se registrado extinto ou arquivado)

O banco de dados construiacutedo a partir da coleta realizada no INPI foi analisado

buscando-se identificar a sua evoluccedilatildeo ao longo dos anos e a divisatildeo entre produtos e

serviccedilos A partir destes procedimentos foi possiacutevel estabelecer um confronto com as

hipoacuteteses delineadas Tambeacutem foram realizadas anaacutelises de conteuacutedo com base nos

princiacutepios orientados por Bardin (1977) visando identificar significados e padrotildees de

categorias de classificaccedilatildeo aleacutem de sua evoluccedilatildeo temporal

Constatou-se que as marcas coletadas eram de processos de registros no INPI

perpetrados de 1965 ateacute 2014 Considerou-se entatildeo estas cinco deacutecadas de registros

das marcas a fim de agrupaacute-las ao longo do tempo de 1965 a 1974 de 1975 e 1984 de

1985 a 1994 de 1995 a 2004 e de 2005 a 2014 Os recortes temporais permitiram

observar a evoluccedilatildeo da solicitaccedilatildeo de registros com a marca roccedila ao longo das cinco

deacutecadas bem como as mudanccedilas na frequecircncia da sua ocorrecircncia considerando-se os

produtos e serviccedilos

A anaacutelise descritiva contou ainda com a identificaccedilatildeo dos tipos de produtos e

serviccedilos com a marca roccedila a partir da Classificaccedilatildeo de Nice informada pelo proacuteprio

75

titular da marca Cada uma dessas categorias produtos e serviccedilos conteve tambeacutem suas

subdivisotildees a partir das discriminaccedilotildees de diferentes produtos e serviccedilos de acordo com

o sistema de normatizaccedilatildeo do INPI que classificou a natureza de cada objeto De acordo

com a Classificaccedilatildeo Nacional e a Classificaccedilatildeo de Nice os produtos e serviccedilos com a

marca roccedila foram identificados pelos titulares no processo de registro do INPI como

QUADRO 2 ndash Classificaccedilotildees Nacional e de Nice dos produtos e serviccedilos com a marca roccedila com processo de registro no INPI

Produtos Serviccedilos Armarinho Atividades culturais Artigos veterinaacuterios herbicidas fungicidas Cafeacute patildees pastelaria Bebida alcooacutelica Editora Beneficiamento Educaccedilatildeo formaccedilatildeo lazer atividades

desportivas e culturais Cafeacute Entretenimento e atividades culturais Cafeacute5 chaacute condimentos farinaacuteceos Fornecimento de comida e bebidas

acomodaccedilotildees temporaacuterias Carnes frutas e legumes em conserva secos e cozidos geleias doces compotas laticiacutenios ovos oacuteleos e gorduras comestiacuteveis

Jogos e brinquedos educaccedilatildeo formaccedilatildeo lazer atividades culturais

Carvatildeocombustiacutevel Lazer e atividades culturais Casa de veterinaacuteria adubos cutelaria Propaganda gestatildeo de negoacutecios funccedilotildees de

escritoacuterio Cereal Publicidade gestatildeo de negoacutecios comerciais

administraccedilatildeo comercial Faacutermacos fungicidas e herbicidas Restaurante Maacutequinas Restaurante alojamento temporaacuterio Maacutequinas e ferramentas agriacutecolas Telecomunicaccedilotildees Maacutequinas ferramentas mecacircnicas instrumentos agriacutecolas natildeo manuais

Telecomunicaccedilotildees e educaccedilatildeo formaccedilatildeo lazer atividades culturais

Moacuteveis e artigos de vaacuterios materiais Telecomunicaccedilotildees e entretenimento Produtos agriacutecolas frutas e verduras frescas animais plantas flores sementes e alimentaccedilatildeo para animais

Telecomunicaccedilotildees e entretenimento atividades culturais

Serviccedilos veterinaacuterios de agricultura horticultura e silvicultura

Telecomunicaccedilotildees e publicidade gestatildeo de negoacutecios comerciais administraccedilatildeo comercial

Tabaco artigos para fumantes foacutesforos Utensiacutelios domeacutesticos Vestuaacuterio calccedilados e chapelaria

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir do Banco de dados do INPI de 2014

5 Como pode ser observado algumas dessas categorias se repetem porque ao longo dos anos o sistema de Classificaccedilatildeo Nacional e de Classificaccedilatildeo de Nice foram sendo revisados e atualizados acrescentado um ou outro item agraves classificaccedilotildees jaacute existentes

76

Efetuou-se entatildeo um reagrupamento dessas classificaccedilotildees visando tornar essas

informaccedilotildees mais sinteacuteticas para a anaacutelise Na categoria produtos construiu-se o

reagrupamento alimentos bebidas utensiacutelios domeacutesticos beneficiamento bioquiacutemicos

maacutequinas vestuaacuterio mobiliaacuterio armarinho minerais e fumo A categoria serviccedilos foi

reorganizada nas seguintes subdivisotildees negoacutecios cultura gastronomia e turismo Apoacutes

esse reagrupamento chegou-se ao seguinte quadro

77

QUADRO 3 ndash Reagrupamento das categorias de produtos e serviccedilos com a marca roccedila com processo de registro no INPI a partir das Classificaccedilotildees Nacional e de Nice

ALIMENTOS Cafeacute chaacute condimento farinaacuteceos

Carnes frutas e legumes em conserva secos e cozidos geleias doces compotas laticiacutenios ovos oacuteleos e gorduras comestiacuteveis

Cereal Produtos agriacutecolas frutas e verduras frescas animais plantas flores sementes e alimentaccedilatildeo para animais

ARMARINHO Armarinho BEBIDAS Bebida alcooacutelica Cafeacute Cervejas aacutegua e

sucos de fruta

BENEFICIAMENTO Beneficiamento BIOQUIacuteMICOS Artigos veterinaacuterios

herbicidas fungicidas Casa de veterinaacuteria adubos cutelaria

Faacutermacos fungicidas e herbicida

Serviccedilos veterinaacuterios de agricultura horticultura e silvicultura

FUMO Tabaco artigos para fumantes foacutesforos

MAacuteQUINAS Maacutequinas Maacutequinas e ferramentas agriacutecolas

Maacutequinas ferramentas mecacircnicas instrumentos agriacutecolas natildeo manuais

MINERAIS Carvatildeocombustiacutevel MOBILIAacuteRIO Moacuteveis e artigos de

vaacuterios materiais

UTENSIacuteLIOS Moacuteveis e artigos de vaacuterios materiais

Utensiacutelios domeacutesticos

VESTUAacuteRIO Vestuaacuterio calccedilados e chapelaria

CULTURA Editora

Jogos e brinquedos telecomunicaccedilotildees e entretenimento educaccedilatildeo formaccedilatildeo lazer atividades desportivas e culturais

GASTRONOMIA Cafeacute patildees pastelaria

Fornecimento de comida e bebidas acomodaccedilotildees temporaacuterias

Restaurante

Restaurante alojamento temporaacuterio

NEGOacuteCIOS Propaganda gestatildeo de negoacutecios funccedilotildees de escritoacuterio

Publicidade gestatildeo de negoacutecios comerciais administraccedilatildeo comercial

Telecomunicaccedilotildees e publicidade gestatildeo de negoacutecios comerciais administraccedilatildeo comercial

TURISMO Fornecimento de comida e bebidas acomodaccedilotildees temporaacuterias

Restaurante alojamento temporaacuterio

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir do Banco de dados do INPI de 2014

Apoacutes essa reorganizaccedilatildeo das categorias de produtos e serviccedilos realizou-se as

anaacutelises descritiva das marcas roccedila Para cada deacutecada foram descritas a quantidade de

78

solicitaccedilotildees de registro de marcas com o termo roccedila o nuacutemero de produtos e serviccedilos

ou ambos e quais eram os tipos de produtos e de serviccedilos identificados

No Brasil entre os anos de 1965 e 2014 foram feitas 325 solicitaccedilotildees para

registro de marca com o termo roccedila no INPI Apesar de o INPI ter sido criado em 1970

haacute um pedido de registro de marca feito em 1965 com a palavra roccedila tratando-se

inclusive da proteccedilatildeo do nome do personagem Zeacute da Roccedila desenhado pelo cartunista

brasileiro Mauriacutecio de Souza A evoluccedilatildeo dos pedidos de registro de marca no Brasil

para o vocaacutebulo roccedila de acordo com os dados colhidos no INPI podem ser conferidos

na tabela a seguir

TABELA 1 ndash Quantidade de solicitaccedilotildees de registro de marca com o termo roccedila no INPI no Brasil por deacutecadas

DEacuteCADAS SOLICITACcedilOtildeES DE REGISTRO

1965-1974 2 06

1975-1984 5 15

1985-1994 36 111

1995-2004 111 342

2005-2014 171 526

TOTAL 325 1000

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir de dados coletados no site do INPI no endereccedilo eletrocircnico wwwinpigovbr

Nas duas primeiras deacutecadas analisadas entre 1965 e 1974 e de 1975 a 1984 o

nuacutemero de solicitaccedilotildees de registro para a marca roccedila foi bastante reduzido A partir de

meados da deacutecada de 1980 no entanto a quantidade de pedidos aumentou

gradativamente Destaca-se sobretudo que metade das solicitaccedilotildees feitas ao INPI para

o registro com a marca roccedila se concentrou nos uacuteltimos dez anos a partir de 2005

correspondendo a 526 do total Embora o aumento dos processos de registro de

marcas para produtos e serviccedilos da roccedila possa estar relacionado a um simples processo

de racionalizaccedilatildeo e institucionalizaccedilatildeo dos estabelecimentos comerciais e empresas no

Brasil no geral o que se pretende notabilizar com esses dados eacute o fato da categoria

roccedila figurar nesse processo de forma evolutiva conforme pode-se observar no graacutefico

abaixo

79

GRAacuteFICO 1 ndash Evoluccedilatildeo das solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir de dados coletados no site do INPI no endereccedilo eletrocircnico wwwinpigovbr

Diversos fatores podem estar relacionados ao aumento do registro de marcas De

acordo com Lluch (2013) a proliferaccedilatildeo das marcas estaacute associada agrave consolidaccedilatildeo das

grandes empresas modernas e no caso da Argentina por ela estudado seria um traccedilo

principal do proacuteprio desenvolvimento do capitalismo nesse paiacutes Para esta autora a

consolidaccedilatildeo de uma sociedade de consumo dominada pelas marcas estaacute associada agrave

ldquodifusatildeo de novos meacutetodos de vendas variaccedilotildees nos niacuteveis de renda e grau de

urbanizaccedilatildeordquo (LLUCH 2013) No caso do Brasil destaca-se o acelerado processo de

urbanizaccedilatildeo ocorrido especialmente entre 1950 e 1980 (devido especialmente agrave

migraccedilatildeo campo-cidade) e seu consequente incremento populacional ldquoexuberanterdquo

ainda em 2000 e 2010 apesar do decliacutenio no ritmo de crescimento absoluto conforme

ressaltam Brito e Pinho (2012)

Quanto agrave variaccedilatildeo do niacutevel de renda pesquisas recentes publicadas no ano de

2012 apontaram para a formaccedilatildeo de uma ldquonova classe meacutediardquo ou ldquonova classe Crdquo

graccedilas a abertura de cerca de 2 milhotildees e meio de novos postos de trabalho com

remuneraccedilatildeo de ateacute trecircs salaacuterios miacutenimos na primeira deacutecada do seacuteculo XXI no Brasil

(NEacuteRI 2012 POCHMANN 2012 citado por SOUZA J 2014) Esse incremento da

ocupaccedilatildeo e renda com aumento real do salaacuterio miacutenimo complementado pelas poliacuteticas

de transferecircncia de renda como o Bolsa Famiacutelia e a expansatildeo do microcreacutedito seriam

fatores apontados por esses autores como responsaacuteveis pela potencial mobilidade de

classe e inclusatildeo no mercado de bens e consumo Embora o proacuteprio Souza J (2014) se

contraponha aos argumentos de Neacuteri (2012) e Pochmann (2012) a respeito da

mobilidade de classe e do caraacuteter ldquoessencialmente economicistardquo de suas interpretaccedilotildees

2 5

36

111

171

0

20

40

60

80

100

120

140

160

180

1965-1974 1975-1984 1985-1994 1995-2004 2005-2014

SOLICITACcedilOtildeES DE REGISTRO COM A MARCA ROCcedilA

80

o autor natildeo nega o incremento nas faixas de renda do que denomina de classe

trabalhadora ou ldquobatalhadorardquo como tambeacutem natildeo nega o aumento de postos de trabalho

formais surgidos na uacuteltima deacutecada no Brasil

Segundo Guedes (2012) nos uacuteltimos trinta anos o INPI concedeu cerca de um

milhatildeo de registros e estima que tem recebido ainda cerca de 80 mil solicitaccedilotildees

anuais Apesar disso dados estatiacutesticos indicam que no Brasil apenas 15 das

empresas com registro na Junta Comercial solicitam o registro de marca no INPI como

afirma Copetti (2007 p 204) baseada em Correa (2001) Por outro lado Guedes (2012)

afirma que no ano de 2011 foram solicitados 150000 registros de marcas no Brasil

Neste mesmo ano foram feitos 18 pedidos de registro de marcas com a palavra roccedila o

que representa apenas 0012 do universo total de processos Dito isso ressalta-se que

essa amostra com marcas com o nome roccedila coletada no INPI natildeo eacute representativa haja

vista que a quantidade de estabelecimentos que veiculam a marca roccedila no Brasil sem

solicitar o seu registro eacute desconhecida O que importa observar por enquanto eacute

justamente a escolha pelos proprietaacuterios de usar o vocaacutebulo roccedila no naming

(GUEDES 2012) ou seja no processo de criaccedilatildeo de sua marca acreditando que esse

termo possui um apelo mercadoloacutegico para o puacuteblico consumidor de seu produto ou

serviccedilo com os seus consequentes benefiacutecios em termos de publicidade fidelizaccedilatildeo da

clientela lucro advindo de licenccedilas e franquias entre outros como um fenocircmeno em si

(COPETTI 2007 GUEDES 2012 SILVA E 2014)

Na pesquisa em questatildeo a fim de se ter contato com sua identidade visual para

aleacutem do nome da marca procedeu-se a uma busca no Google pelo seu logotipo e

marketing Foram feitas duas etapas distintas de pesquisa uma aleatoacuteria na qual se

buscava qualquer marca com o termo roccedila e outra dirigida na qual se procurava

especificamente as marcas contidas no banco de dados extraiacutedo do INPI A pesquisa

aleatoacuteria no Google com a marca roccedila foi realizada nos meses de janeiro fevereiro e

marccedilo de 2014 estando seus resultados portanto condicionados a esse periacuteodo

Importante frisar que ao se digitar um termo de pesquisa num site buscador na

internet os resultados retornados satildeo sugeridos entre outros criteacuterios tambeacutem com base

no rastreamento de pesquisas anteriores com o mesmo termo (GOOGLE 2015) Isso

significa que de alguma forma os resultados apresentados correspondem a sites blogs

e paacuteginas de redes sociais mais acessadas eou populares Nos sites coletou-se quando

existiam as seguintes informaccedilotildees nome da marca tipo de estabelecimento (produtos

81

ou serviccedilos e sua especificaccedilatildeo) o responsaacutevel o endereccedilo do site o telefone a cidade

e o estado Essas informaccedilotildees compuseram uma planilha com o total de 43 marcas Essa

planilha foi utilizada posteriormente como amostra para o envio de questionaacuterios aos

seus responsaacuteveis com questotildees concernentes aos objetivos da pesquisa

Num segundo momento realizou-se uma busca no Google pelas marcas roccedila do

banco de dados do INPI Esse processo foi realizado entre abril de 2014 e abril de 2015

sendo seus resultados portanto condicionados a esse periacuteodo Ao se identificar a paacutegina

de divulgaccedilatildeo de cada marca especiacutefica colhiam-se quando disponiacuteveis as

informaccedilotildees sobre o nome da marca o tipo de estabelecimento o responsaacutevel o

endereccedilo do site o endereccedilo eletrocircnico o telefone a cidade e o estado Foram

identificados no total 162 marcas considerando ambos os procedimentos de pesquisa

que incluiacuteram as 43 anteriores Esses dados formaram uma planilha que possibilitou a

visualizaccedilatildeo da distribuiccedilatildeo espacial dessas marcas no Brasil A partir dessa planilha

construiu-se um mapa do Brasil com a indicaccedilatildeo das cidades onde se encontrou a marca

roccedila O mapa foi construiacutedo no software Quantum Gis6 versatildeo 21 Pisa com a

utilizaccedilatildeo do banco de dados7 disponibilizado pelo portal de mapas do IBGE Esse

mapeamento possibilitou que este fenocircmeno pudesse ser percebido pelo seu

espraiamento espacial aleacutem do recorte temporal que a anaacutelise dos dados do INPI jaacute

havia propiciado

6 O Quantum Gis ou QGIS eacute um Sistema de Informaccedilatildeo Geograacutefica desenvolvido pela Open Source Geospatial Foundation (OSGeo) e licenciado como software livre pela GNU General Public License (QGISBRASIL 2015) 7 Foi utilizado o banco de dados ldquoLimitesrdquo da Base Cartograacutefica Vetorial do Brasil (BASE [2007]) disponibilizado pelo IBGE

82

FIGURA 7 ndash Mapa dos municiacutepiosEstados com produtos e serviccedilos com a marca roccedila no Brasil por regiatildeo 2014

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira no software QGIS 21 utilizando o banco de dados

ldquoLimitesrdquo da Base Cartograacutefica Vetorial do Brasil (BASE [2007]) disponibilizado pelo portal de mapas do IBGE no endereccedilo

ftpgeoftpibgegovbrmapeamento_sistematicobase_vetorial_continua_escala_250mil (Acesso em 02082015)

Este mapeamento revelou a ocorrecircncia de estabelecimentos que ofereciam algum

tipo de serviccedilo ou que vendiam produtos com a marca roccedila em todas as regiotildees do

Brasil Todavia se percebeu uma maior concentraccedilatildeo destas marcas na Regiatildeo Sudeste

Se o argumento de Lluch (2013) de que a proliferaccedilatildeo de marcas registradas estaacute

atrelada aos maiores graus de urbanizaccedilatildeo e aumentos dos niacuteveis de renda estaacute correto

a maior ocorrecircncia de marcas com o termo roccedila na Regiatildeo Sudeste do Brasil pode estar

relacionada com o fato de que esta regiatildeo se caracteriza pelos maiores niacuteveis de

urbanizaccedilatildeo (CENSO 2013) renda8 e de existecircncia de grandes empresas9

8 Fazendo-se uma meacutedia ao longo de 10 anos entre 2001 e 2011 do valor do rendimento meacutedio mensal da populaccedilatildeo acima de 10 anos segundo os dados das Seacuteries Histoacutericas e Estatiacutesticas do IBGE a Regiatildeo Sudeste tem a maior meacutedia seguida das regiotildees Sul e Centro-Oeste com meacutedias bem proacuteximas agravequela do Sudeste (PNAD 2015) 9 Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributaacuterio (2012) no ano de 2012 a Regiatildeo Sudeste concentrava 49 dos empreendimentos do paiacutes seguida pelo Nordeste e Sul com 19 cada um

83

Por outro lado esta amostra foi construiacuteda a partir da identificaccedilatildeo das marcas

em espaccedilos virtuais de divulgaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo ou seja pode existir um nuacutemero

muito maior de marcas de produtos e serviccedilos em outras regiotildees as quais natildeo foram

contabilizadas por natildeo aparecerem na internet Na tabela a seguir eacute possiacutevel observar a

ocorrecircncia de estabelecimentos que ofertam bens ou serviccedilos com a marca roccedila em

cada unidade da federaccedilatildeo a partir da amostra colhida na internet

TABELA 2 ndash Quantidade de produtos e serviccedilos com a marca roccedila por unidades da federaccedilatildeo no Brasil identificadas na internet

ESTADO QUANTIDADE DE MARCAS

Satildeo Paulo 44

Minas Gerais 35

Rio de Janeiro 19

Paranaacute 13

Espiacuterito Santo 12

Pernambuco 7

Bahia 5

Goiaacutes 5

Cearaacute 4

Distrito Federal 3

Santa Catarina 3

Rio Grande do Sul 3

Mato Grosso 2

Rio Grande do Norte 2

Amazonas 1

Mato Grosso do Sul 1

Paraacute 1

Paraiacuteba 1

Rondocircnia 1

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

Pode-se notar que os Estados onde a marca foi mais recorrente foram Satildeo Paulo

Minas Gerais Rio de Janeiro e Espiacuterito Santo Nesse sentido conforme pode ser

percebido naquele mapa parece haver um ciacuterculo concecircntrico cujo epicentro estaacute na

Regiatildeo Sudeste mas que vai se irradiando em espiral para a vizinhanccedila Centro-Oeste

Sul e a parte litoracircnea do Nordeste

O que a aacuterea de maior concentraccedilatildeo das marcas roccedila parece indicar eacute para aleacutem

dos iacutendices de urbanizaccedilatildeo renda e grandes empresas acima discutido uma heranccedila

cultural do uso da palavra roccedila para designar a produccedilatildeo de mantimentos que

84

abasteciam a populaccedilatildeo rural e urbana em tempos preteacuteritos Boa parte das regiotildees e

Estados com maior aglomeraccedilatildeo de produtos e serviccedilos com a marca roccedila coincide com

a regiatildeo sob a influecircncia da cultura caipira segundo Cacircndido (2010) e Ribeiro (2006)

com os espaccedilos mais antigos da colonizaccedilatildeo brasileira em seus diferentes ciclos

produtivos desde a Bahia e Pernambuco passando pela regiatildeo mineradora e de fluxo

bandeirante que irradiou traccedilos da cultura caipira ateacute a Regiatildeo Sul nos caminhos dos

tropeiros

Nestes contextos conforme assinalaram vaacuterios autores anteriormente discutidos

formavam-se as roccedilas nas estradas das expediccedilotildees nas margens dos rios das grandes

lavouras dos currais e minas nas franjas urbanas ou mesmo nas terras devolutas e

mais tarde nas pequenas propriedades familiares para garantir o abastecimento local

(CANDIDO 2010 HOLANDA 1994 1995 OLIVEIRA M 2012 RIBEIRO 2006)

O uso da palavra roccedila para se referir agrave produccedilatildeo de mantimentos pode ser notado

tambeacutem na categorizaccedilatildeo feita pelos titulares das marcas por ocasiatildeo da solicitaccedilatildeo de

registro no INPI entre produtos e serviccedilos A grande maioria das marcas roccedila com

pedido de registro no INPI ao longo dos anos eacute do setor de alimentos conforme eacute

possiacutevel se verificar no graacutefico que se segue

GRAacuteFICO 2 ndash Tipos de produtos com solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila no

Brasil no INPI

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir de dados coletados no site

do INPI no endereccedilo eletrocircnico wwwinpigovbr Aleacutem dos produtos alimentiacutecios com a marca roccedila sugerirem uma permanecircncia

em termos do uso desta palavra para designar a produccedilatildeo de mantimentos observou-se

que outros produtos tambeacutem utilizaram a marca roccedila tais como produtos do setor de

beneficiamento de alimentos de bebidas em especial a cachaccedila o vinho e os sucos

Alimentos 132

Bebidas 59

Utensiacutelios domeacutesticos

7

Beneficiamento 5

Outros 14

85

naturais o fumo e o carvatildeo vegetal (mineral) Todos estes produtos tinham a sua

produccedilatildeo associada agrave roccedila como lavoura ou mesmo agrave agroinduacutestria em termos de uma

praacutetica produtiva tiacutepica do campo

Mas tambeacutem os produtos relativos agraves utilidades domeacutesticas o vestuaacuterio o

mobiliaacuterio e o armarinho ao fazer uso da categoria roccedila no seu naming denotavam um

processo de significaccedilatildeo relativo agrave cultura rural aos modos de vida tiacutepicos do campo ao

empregar roccedila como sinocircnimo de rural Os bioquiacutemicos e maacutequinas em geral referiam-

se agrave produccedilatildeo e venda de herbicidas fungicidas insumos quiacutemicos para uso na

agricultura aleacutem de todo o maquinaacuterio ferramentas e implementos agriacutecolas A

participaccedilatildeo de cada tipo de produto no conjunto das marcas roccedila em processo de

registro de INPI pode ser visto na tabela abaixo

TABELA 3 ndash Evoluccedilatildeo dos tipos de produtos e serviccedilos com solicitaccedilotildees de registro

com a marca roccedila no Brasil no INPI

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir de dados coletados no site do INPI no endereccedilo eletrocircnico wwwinpigovbr

Os dados expressos nessa tabela coletados dos registros de marcas roccedila do INPI

permitem afirmar que o principal ramo de atividade que faz uso do termo roccedila como

marca eacute o referente aos alimentos e agraves bebidas Os processos de registro desses produtos

demonstraram uma tendecircncia de aumento gradativo nas uacuteltimas trecircs deacutecadas (1985-

Tipo 1965-1974

1975-1984

1985-1994

1995-2004

2005-2014

Produtos Alimentos 2 13 42 75 Bebidas 3 10 26 20 Utensiacutelios domeacutesticos 1 3 2 1 Beneficiamento 2 3 Bioquiacutemicos 1 3 Maacutequinas 1 1 1 Vestuaacuterio 2 Mobiliaacuterio 2 Armarinho 1 Minerais 1 Fumo 1 Total de produtos 0 6 32 75 104 Serviccedilos Negoacutecios 1 5 18 37 Cultura 1 1 4 17 15 Gastronomia 14 32 Turismo 2 4 Total de serviccedilos 2 1 9 51 88

86

2014) embora o setor de bebidas pareccedila ter se estabilizado nos dois uacuteltimos dececircnios

Os outros produtos apareceram de forma intermitente e em poucas quantidades mas

sugerem uma recorrecircncia tambeacutem a partir de 1985 Em termos da principal divisatildeo

operada pelo INPI signataacuterio da Classificaccedilatildeo de Nice entre produtos e serviccedilos a

evoluccedilatildeo cronoloacutegica da marca roccedila tambeacutem merece observaccedilatildeo

TABELA 4 ndash Evoluccedilatildeo dos produtos e serviccedilos com solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila no Brasil no INPI

TIPODEacuteCADAS 1965-1974 1975-1984 1985-1994 1995-2004 2005-2014

Produtos 1 4 26 63 90

Serviccedilos 1 1 9 4 72

Produtos e serviccedilos 1 44 9

TOTAL 2 5 36 111 171

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir de dados coletados no site do INPI no endereccedilo eletrocircnico wwwinpigovbr

Assim como jaacute foi destacado anteriormente as duas primeiras deacutecadas (1965-

1984) tiveram uma quantidade reduzida de pedidos de registro para a marca roccedila sendo

dois no primeiro dececircnio e cinco no segundo Assim os primeiros registros da marca

foram destinados tanto para produtos quanto para serviccedilos enquanto que nos anos

1970 jaacute parecem indicar uma maior predominacircncia dos produtos em detrimento dos

serviccedilos apesar da pequena quantidade Nesse sentido as tendecircncias permitem

possiacuteveis inferecircncias nas trecircs uacuteltimas deacutecadas a partir dos anos 1980 A deacutecada de

1985-1994 foi marcada por uma predominacircncia da oferta de marcas roccedila de produtos

em relaccedilatildeo aos serviccedilos especialmente de alimentos e bebidas como jaacute foi salientado

Na deacutecada seguinte entre 1995-2004 ocorreu uma mudanccedila e parte

consideraacutevel das marcas com o termo roccedila teve seu registro requerido declarando seu

setor de atividade concomitantemente como produto e serviccedilo Assim o titular poderia

proteger a marca para mais de um ramo de atividade Observando-se as classes o nome

da empresa e a descriccedilatildeo da marca pode-se inferir que nesse dececircnio muitos titulares

fizeram a requisiccedilatildeo de registro da marca roccedila natildeo soacute para o produto feijatildeo por

exemplo mas tambeacutem para o seu proacuteprio escritoacuterio de negoacutecios no caso de uma

distribuidora de alimentos supostamente Essa ampliaccedilatildeo da definiccedilatildeo do ramo de

atividade no caso da marca roccedila entre os anos de 1995 e 2004 tambeacutem pode estar

relacionada ao salto no nuacutemero de solicitaccedilotildees de registro da marca roccedila em relaccedilatildeo agrave

deacutecada anterior o que pode ter obrigado alguns titulares a tentar registrar a sua marca

87

em um outro setor no caso da mesma marca jaacute ter sido concedida a outro

estabelecimento no mesmo ramo de atividades Embora as causas dessa mudanccedila natildeo

estejam claras o aumento de serviccedilos (junto com os produtos) na deacutecada de 1995 foi

uma tendecircncia que se manteve entre 2005 e 2014 embora nesse uacuteltimo dececircnio os

titulares tenham requisitado o registro da marca roccedila separadamente para produtos ou

serviccedilos conforme eacute possiacutevel verificar no graacutefico abaixo

GRAacuteFICO 3 ndash Evoluccedilatildeo dos produtos e serviccedilos com solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila no Brasil no INPI

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir de dados coletados no site

do INPI no endereccedilo eletrocircnico wwwinpigovbr

Constata-se assim que o aumento dos serviccedilos que veiculam como marca o

termo roccedila no Brasil desde meados da deacutecada de 1990 pode indicar ao mesmo tempo

a difusatildeo de uma cultura de um tipo de representaccedilatildeo do rural na cidade a qual se torna

visiacutevel atraveacutes da oferta natildeo soacute de serviccedilos relacionados agrave produccedilatildeo agriacutecola mas

principalmente de restaurantes lanchonetes festivais programas televisivos de

entretenimento e eventos culturais no geral que promovem algum tipo de experiecircncia

rural Nesse sentido o que outros autores como Alem (1996) e De Paula (1998 1999

2001) jaacute traduziram por meio da esteacutetica country percebe-se tambeacutem sob o roacutetulo roccedila

a promoccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo do rural que autecircntica ou tradicional apropriada pela

induacutestria cultural ou natildeo reinventa e atualiza um rural que de repente natildeo eacute mais

sinocircnimo de brega de inferior de marginalizado mas se torna atrativo e atraente Por

outro lado o desenvolvimento do setor de serviccedilos com a marca roccedila nas duas uacuteltimas

deacutecadas tambeacutem pode ser expressatildeo das mudanccedilas no proacuteprio campo conforme

apontado por Abramovay (1994) Carneiro (1998 2012) Silva J (1997 2001)

1 1 9

4

72

1

44

9 1 4

26

63

90

1965-1974 1975-1984 1985-1994 1995-2004 2005-2014

SERVICcedilOS PRODUTOS E SERVICcedilOS PRODUTOS

88

Martins J (2014) Veiga (2004 2006) relacionados agrave sua multifuncionalidade que

superou a atividade agropecuaacuteria como ramo predominante e possibilitou a proliferaccedilatildeo

de novas ocupaccedilotildees e exploraccedilotildees relacionadas agrave conservaccedilatildeo ambiental ao lazer e

fruiccedilatildeo proporcionados pelo turismo rural e ecoturismo e pela proacutepria cultura rural Os

dados representados no graacutefico que se segue revelam os tipos de serviccedilos mais

recorrentes que utilizam a marca roccedila no Brasil

GRAacuteFICO 4 ndash Tipos de serviccedilos com solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila no Brasil no INPI

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir de dados coletados no site

do INPI no endereccedilo eletrocircnico wwwinpigovbr

Observando-se os dados do Graacutefico 4 e da Tabela 3 percebe-se que os negoacutecios

foram os serviccedilos predominantes entre as marcas roccedila Entretanto os outros ramos de

atividades declarados pelos titulares das marcas a gastronomia a cultura e o turismo

satildeo reveladores dos usos e signficados que o mercado de bens e serviccedilos fazem da

categoria roccedila Por meio deles se percebe a veiculaccedilatildeo da cultura rural atrelada ao termo

roccedila que promove o consumo e a experiecircncia principalmente da comida da roccedila mas

tambeacutem de sua muacutesica danccedilas religiosidade festas tiacutepicas e do meio ambiente que

com maior evidecircncia apoacutes os anos 1980 vem revestindo o rural de um novo significado

relacionado agrave natureza numa perspectiva romacircntica e idiacutelica conforme assinalam

Abramovay (1994) Anjos e Caldas (2014) Carneiro (2012) Eacuteboli (2007) Entrena-

Duraacuten (2012) entre outros

O crescimento de negoacutecios com a marca roccedila foi gradativo sobretudo a partir

da deacutecada de 1985 enquanto a cultura apresentou uma elevaccedilatildeo desta deacutecada para a

seguinte (1995) mas parece ter se estabilizado A gastronomia e o turismo ao contraacuterio

Negoacutecios 61

Cultura 38

Gastronomia 46

Turismo 6

89

soacute apareceram portando a marca roccedila a partir de 1995 mas principalmente a

gastronomia revelou um crescimento gradativo nesta uacuteltima deacutecada (2005) enquanto o

turismo cresceu mas seus nuacutemeros satildeo ainda pequenos Mais adiante o papel da

gastronomia na veiculaccedilatildeo da categoria roccedila seraacute discutido mais detidamente em

especial no capiacutetulo sobre o Festival Gastronocircmico realizado em Gonccedilalves-MG

O crescimento do setor de serviccedilos com a marca roccedila nos uacuteltimos vinte anos

suscita vaacuterias hipoacuteteses explicativas 1) Pode apontar para uma ressignificaccedilatildeo do rural

face ao processo de modernizaccedilatildeo do campo acompanhando a trajetoacuteria citadina Neste

caso o consumo do termo roccedila em marcas de produtos e serviccedilos apontaria inclusive

para uma extrapolaccedilatildeo do uso inicial do vocaacutebulo vinculado agrave produccedilatildeo de gecircneros

alimentiacutecios sugerindo uma abrangecircncia social muito mais ampla percebida por

exemplo no simulacro que uma festa rural na metroacutepole pode proporcionar 2) Pode

apontar ainda para um trocircpego processo de inclusatildeo dos ldquopobres povos do campordquo agrave

sociedade brasileira Alijados das conquistas sociais e econocircmicas pelo menos ateacute os

anos de 1980 agricultores familiares e integrantes dos movimentos sociais como o

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) entram na agenda poliacutetica

brasileira como atores sociais que despertam um misto de repulsa culpa e esperanccedila

3) Por fim pode-se pensar ainda que o consumo da cultura rural pode significar uma

criacutetica ao modelo de sociedade urbana e moderna e a reflexatildeo sobre outros modos de

vida possiacuteveis conforme argumentam Eacuteboli (2007) sobre a audiecircncia urbana do

programa televisivo Globo Rural e Silva G (2009) sobre os assinantes citadinos da

revista homocircnima Enfim todas estas trecircs hipoacuteteses podem se complementar expressar

nos coacutedigos culturais consumidos nos produtos e serviccedilos com a marca roccedila

No proacuteximo toacutepico apresentar-se-aacute a anaacutelise de conteuacutedo leacutexico-sintaacutetica e

categoacuterica que permitiraacute identificar os coacutedigos culturais que podem estar sendo

comunicados por meio da circulaccedilatildeo de bens e serviccedilos com o nome roccedila

23 Procedimentos metodoloacutegicos e anaacutelise de conteuacutedo de marcas de

produtos e serviccedilos com o termo roccedila no Brasil

Com o mesmo banco de dados coletado no INPI utilizou-se procedimentos de

anaacutelise de conteuacutedo definidos por Bardin (1977) como um

90

Conjunto de teacutecnicas de anaacutelises das comunicaccedilotildees visando obter por procedimentos sistemaacuteticos e objetivos de descriccedilatildeo do conteuacutedo das mensagens indicadores que permitam a inferecircncia de conhecimentos relativos agraves condiccedilotildees de produccedilatildeorecepccedilatildeo destas mensagens (BARDIN 1977 p 42)

Foram adotados trecircs procedimentos de anaacutelise de conteuacutedo segundo os

procedimentos descritos por Bardin (1977) 1) anaacutelise descritiva de frequecircncia das

ocorrecircncias das marcas 2) anaacutelise lexical e sintaacutetica e 3) anaacutelise categoacuterica ou temaacutetica

Efetuou-se primeiramente uma anaacutelise de frequecircncia das ocorrecircncias de cada marca

agrupando as repetidas e enumerando-as em ordem decrescente visando natildeo super-

representar as anaacutelises leacutexico-sintaacutetica e categoacuterica bem como facilitando esse

procedimento Identificou-se uma recorrecircncia das marcas mais utilizadas ao longo das

deacutecadas conforme eacute possiacutevel observar na tabela abaixo

TABELA 5 ndash Frequecircncia das marcas mais recorrentes com a palavra roccedila ao longo das deacutecadas

MARCA FREQUEcircNCIA POR DEacuteCADA

1965-1974 1975-1984 1985-1994 1995-2004 2005-2014

Da Roccedila 2 6 11 12

Cafeacute da Roccedila 3 9 10

Caminho da Roccedila 2 5 4

Caninha da Roccedila 1 2 2

Cantinho da Roccedila 4 3

Canto da Roccedila 4

Casa da Roccedila 3

Coisa da Roccedila ou Coisas da Roccedila 3 3

Deliacutecias da Roccedila 2 4

Feijatildeo da Roccedila 5

Produtos da Roccedila 4

Sabor da Roccedila ou Sabores da Roccedila 2 4 8

Tempero da Roccedila 4

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir de dados coletados no site do INPI no endereccedilo eletrocircnico wwwinpigovbr

Para a composiccedilatildeo desta tabela considerou-se os nomes de marcas com a palavra

roccedila que mais se repetiram e com titulares diferentes10 dentro de cada deacutecada e tambeacutem

10 Partiu-se do pressuposto que os titulares eram diferentes conforme constavam seus nomes (pessoas juriacutedicas ou fiacutesicas registradas como profissionais) nos processos como jaacute foi salientado anteriormente

91

em deacutecadas diferentes Aleacutem dessas havia um conjunto de marcas principalmente nas

trecircs uacuteltimas deacutecadas mas que foram desconsiderados aqui por figurarem apenas uma

vez ou por se repetirem somente no mesmo dececircnio Como pode ser notado a marca

mais frequente ao longo das deacutecadas foi ldquoDa Roccedilardquo tendo aparecido nas quatro

uacuteltimas deacutecadas e com relativa frequecircncia em cada uma delas Destaca-se ainda que

como o volume de solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila foi crescendo a cada

deacutecada a variedade dos nomes tambeacutem foi se diversificando ao mesmo tempo em que

as taxas de ocorrecircncia de uma mesma marca se intensificaram

Constatou-se assim que grande parte do mercado que veiculava o nome roccedila

era composto pelos produtos alimentiacutecios ou por bebidas como cafeacute feijatildeo e cachaccedila

Esse dado tambeacutem aponta para uma permanecircncia no uso do termo roccedila no Brasil ao

longo dos anos para se referir agrave produccedilatildeo de mantimentos conforme jaacute destacado

algumas vezes neste trabalho Por outro lado entre as marcas mais populares com o

nome roccedila figuram aquelas que fazem alusatildeo agraves caracteriacutesticas do bem material em

questatildeo ressaltando o sabor ou associando a mesma a espaccedilos intimistas como casa

canto cantinho ou caminho Esses significados seratildeo melhor discutidos adiante pois as

ferramentas de anaacutelise leacutexico-sintaacutetica e categoacuterica fornecem mais instrumentos para

essas reflexotildees Por ora cumpre apenas destacar que a marca mais utilizada ao longo

dos anos ldquoDa Roccedilardquo eacute justamente a mais sucinta que utiliza a categoria aqui estudada

como a sua principal distinccedilatildeo no mercado de produtos e serviccedilos

Posteriormente seguiu-se os procedimentos descritos por Bardin (1977) para a

realizaccedilatildeo da anaacutelise lexical sintaacutetica tomou-se como base as convenccedilotildees

primeiramente observando-se o nuacutemero total de palavras presentes chamadas pela

autora de ocorrecircncias e o nuacutemero total de palavras diferentes chamadas por ela de

vocaacutebulos Verificou-se ainda a relaccedilatildeo entre as ocorrecircncias e os vocaacutebulos visando

auferir o grau de riquezapobreza do vocabulaacuterio no repertoacuterio de marcas Em segundo

lugar procedeu-se agrave distinccedilatildeo das unidades de vocabulaacuterio identificando as palavras

plenas que satildeo as portadoras de sentido isto eacute quais dentre elas eram substantivos

adjetivos e verbos e as palavras instrumentos cuja funccedilatildeo era conectar ligar as

palavras plenas sendo estas artigos preposiccedilotildees pronomes adveacuterbios conjunccedilotildees e

etc conforme define Bardin (1977) Essas duas etapas foram aplicadas separadamente a

cada conjunto de deacutecadas de produtos e serviccedilos com a marca roccedila e os seus resultados

92

foram analisados integralmente em funccedilatildeo de natildeo ter havido discrepacircncias entre as

deacutecadas

Assim como a anaacutelise da frequecircncia a anaacutelise leacutexico-sintaacutetica das marcas com a

palavra roccedila tambeacutem revelou certo padratildeo ao longo das deacutecadas Ao se realizar a anaacutelise

leacutexico-sintaacutetica de todas as marcas em cada deacutecada pode-se comprovar a riqueza do

vocabulaacuterio marcada pela variedade das palavras que manteve-se relativamente estaacutevel

ao longo do tempo com uma pequena variaccedilatildeo devido ao aumento do volume das

marcas Assim ao se dividir o nuacutemero de palavras total pelo nuacutemero de palavras

diferentes de cada deacutecada considerando-se todas as marcas obteacutem-se as seguintes taxas

de diversidade do vocabulaacuterio na deacutecada de 1965-1974 de 15 na deacutecada de 1975-1984

de 18 na deacutecada de 1985-1994 de 279 na deacutecada de 1995-2004 de 287 e na uacuteltima

deacutecada de 2005-2014 de 280 Essa taxa do repertoacuterio do vocabulaacuterio eacute considerada de

baixa repeticcedilatildeo ou seja indica um vocabulaacuterio bastante variado para Bardin (1977)

Ressalta-se a riqueza do vocabulaacuterio das marcas roccedila considerando-se a especificidade

do conteuacutedo aqui tratado pois de acordo com Guedes (2012) o processo de criaccedilatildeo de

um nome para uma marca costuma ser dificultado pelo grande conjunto de marcas

parecidas jaacute existentes no mercado o que pode ocasionar certo padratildeo de similaridade

Por outro lado apesar da variedade do vocabulaacuterio identificada nestas marcas

observou-se um padratildeo uma estrutura comum na maior parte delas as marcas eram

formadas por uma meacutedia de trecircs palavras constituiacutedas por duas palavras plenas (com

significado) ligadas por uma palavra instrumento (conectora das palavras plenas entre

si) resultando na foacutermula

Substantivo + Adjetivo

ou

Substantivo + Locuccedilatildeo adjetiva (preposiccedilatildeo + substantivo)

Segundo Guedes (2012) alguns nomes de marcas satildeo selecionados pelas

empresas com o intuito de aludir agraves suas qualidades e atributos e satildeo para isso

formados por substantivos adjetivos ou a combinaccedilatildeo dos dois Nesse sentido parte das

marcas aqui estudadas eacute formada pela seguinte estrutura a palavra ldquoroccedilardquo ocupando a

93

funccedilatildeo de substantivo e um adjetivo caracterizando-a como no exemplo da marca

ldquoRoccedila Mineirardquo ou ainda pela marca ldquoRoccedila Verderdquo podendo essa foacutermula aparecer

por meio da junccedilatildeo do substantivo com o adjetivo criando-se uma uacutenica palavra um

neologismo como por exemplo ldquoRoccedilaboardquo ou ldquoRoccedilamaxrdquo Ou numa variaccedilatildeo desse

padratildeo em que ldquoroccedilardquo funciona como substantivo acrescentada de uma locuccedilatildeo

adjetiva como nos exemplos ldquoRoccedila de Minasrdquo ou ldquoRoccedila do Caipirardquo Mas o padratildeo

mais recorrente ao longo das deacutecadas para todas as marcas consideradas foi aquele

formado por um substantivo qualquer (geralmente caracterizado pelo produto ou

serviccedilo oferecido) acrescido da locuccedilatildeo adjetiva formada pela preposiccedilatildeo ldquodardquo (na

maioria das vezes mas tambeacutem aparece o ldquonardquo) e a palavra ldquoroccedilardquo que eacute um

substantivo funcionando como um adjetivo transformado pela morfologia como nos

exemplos ldquoCafeacute da Roccedilardquo ldquoFeijatildeo da Roccedilardquo ldquoPanela da Roccedilardquo ldquoSabor da Roccedilardquo

ldquoDeliacutecias da Roccedilardquo ldquoFesta na Roccedilardquo ldquoChick na Roccedilardquo entre outros

Autores dedicados aos estudos de marketing especialmente agraves discussotildees

concernentes agraves marcas como Kotler (2000) e Tavares (1998) citados por Guedes

(2012) afirmam que um ldquobomrdquo nome para marcas deve ser curto de faacutecil pronunciaccedilatildeo

compreensatildeo e memorizaccedilatildeo aleacutem de obviamente sua associaccedilatildeo aos significados

inerentes agrave cultura e de sugerir qualidades atributos e benefiacutecios do produto Nesse

sentido as marcas com o nome roccedila parecem seguir esse padratildeo ao se apresentarem

com um formato curto e de faacutecil pronuacutenciapercepccedilatildeomemorizaccedilatildeo

A identificaccedilatildeo dessa estrutura morfoloacutegica possibilitada pela anaacutelise leacutexico-

sintaacutetica permite sugerir algumas interpretaccedilotildees sobre o uso da palavra roccedila como

marcas de produtos e serviccedilos A primeira interpretaccedilatildeo que se depreende eacute que ao se

utilizar o substantivo concreto ldquoroccedilardquo numa locuccedilatildeo adjetiva ou seja qualificando

algum substantivo que veio antes dele como ldquocafeacuterdquo ldquofeijatildeordquo ldquopanelardquo transformando-

o num substantivo abstrato estaacute se supondo que ldquoroccedilardquo reveste-se de alguma

caracteriacutestica especial capaz de qualificar algum objeto tornando-o distinto Ora os

autores Copetti (2007) Guedes (2012) Massinelli (2014) Silva E (2014) e Teixeira

(2007) afirmam que uma marca registrada tem como funccedilatildeo principal tornar um bem ou

um serviccedilo distinto dos demais Nesse caso o operador da diferenccedila e da distinccedilatildeo eacute o

termo roccedila aquele que daacute significado ao objeto que se oferta ou se consome mesmo

quando jaacute se trata de um substantivo abstrato como ldquosaborrdquo ou ldquodeliacuteciardquo A segunda

questatildeo a se sublinhar diz respeito agrave recorrente utilizaccedilatildeo da preposiccedilatildeo ldquodardquo (formada

94

pela contraccedilatildeo da preposiccedilatildeo ldquoderdquo com o artigo definido ldquoardquo) que funciona nesse tipo

de construccedilatildeo morfoloacutegica para designar a procedecircncia a origem Ou seja a forma

mais padronizada utilizada nas marcas com a palavra roccedila eacute aquela em que a descriccedilatildeo

do produto ou serviccedilo indica a sua origem procedecircncia em termos de lugar vem da

roccedila ou feito na roccedila como nos exemplos citados acima ou ainda nestes ldquoProdutos da

Roccedilardquo ldquoMandioca da Roccedilardquo ldquoCarne da Roccedilardquo entre outros

Essas interpretaccedilotildees permitem pensar que haacute uma expectativa na ofertademanda

de produtos especialmente dos alimentos bebidas beneficiados ou da agroinduacutestria de

terem sido cultivados na lavoura na roccedila de onde foram colhidos e disponibilizados

diretamente para o consumo ou foram feitos de forma artesanal caseira familiar na

propriedade de uma famiacutelia agricultora de pequeno porte Ou seja parece permanecer

no imaginaacuterio a associaccedilatildeo entre roccedila e produccedilatildeo de mantimentos conforme descrita

pelos autores sobre o significado desta na formaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica e no campesinato

brasileiro Mas tambeacutem haacute um conjunto de produtos (como vestuaacuterio mobiliaacuterio

utensiacutelios domeacutesticos) e mais especialmente de serviccedilos (gastronocircmicos ou culturais)

que ao atrelarem sua origem agrave roccedila parecem sugerir a reproduccedilatildeo de um saber-fazer

tiacutepico de um modo de vida rural como nos exemplos ldquoQuitandinha da Roccedilardquo ldquoForroacute

da Roccedilardquo ldquoTradiccedilatildeo da Roccedilardquo ldquoArte da Roccedilardquo e ldquoCozinha da Roccedilardquo entre outros

Ambas as variaccedilotildees se resumem na marca mais frequente ao longo das deacutecadas

ldquoDa Roccedilardquo A palavra roccedila figurava nas marcas aqui estudadas para indicar a origem ou

o modo de fazer relativo a um modo de vida tiacutepico A categoria roccedila assinalava assim

um atributo geneacuterico e natildeo estava relacionada com os processos formais de Indicaccedilatildeo

Geograacutefica (IG) como Indicaccedilatildeo de Procedecircncia (IP) e Denominaccedilatildeo de Origem (DO)

que certificam atraveacutes de selos produtos ou serviccedilos com caracteriacutesticas atreladas ao

seu local de origem11 Mas a associaccedilatildeo que pode ser feita entre o nome roccedila e a origem

dos produtos e serviccedilos parece sugerir uma seacuterie de significados a respeito da

valorizaccedilatildeo do saber-fazer relacionado aos produtos agriacutecolas e tambeacutem a um conjunto

de comportamentos relativos ao modo de vida rural como a gastronomia e a cultura por

exemplo Para Santos J (2014) a populaccedilatildeo urbana tem se interessado por produtos

11 Segundo informaccedilotildees do Ministeacuterio da Agricultura Pecuaacuteria e Abastecimento (2015) disponibilizadas no seu site com o tiacutetulo Indicaccedilatildeo Geograacutefica ldquoo registro de Indicaccedilatildeo Geograacutefica (IG) eacute conferido a produtos ou serviccedilos que satildeo caracteriacutesticos do seu local de origem o que lhes atribui reputaccedilatildeo valor intriacutenseco e identidade proacutepria aleacutem de os distinguir em relaccedilatildeo aos seus similares disponiacuteveis no mercado Satildeo produtos que apresentam uma qualidade uacutenica em funccedilatildeo de recursos naturais como solo vegetaccedilatildeo clima e saber fazer (know-how ou savoir-faire)rdquo

95

alimentiacutecios que remetam ao rural ao natural e cuja origem possa ser identificada numa

contrapartida aos processos de industrializaccedilatildeo dos alimentos Para a autora alguns

instrumentos como a ldquoIndicaccedilatildeo Geograacuteficardquo e o ldquoRegistro de Bens Culturais de

Natureza Imaterialrdquo (patrimocircnio imaterial) tecircm sido utilizados para valorizar o que ela

denomina de produtos alimentares tradicionais Ainda que a roccedila natildeo seja considerada

em nenhum desses processos formais especiacuteficos sua associaccedilatildeo a alguns bens e

serviccedilos parece ser sintomaacutetica do mesmo fenocircmeno indicado por Santos J (2014) O

uso da palavra roccedila como marca de produtos e serviccedilos parece oferecer uma ideia sobre

a origem e inspirar a confianccedila na busca pela autenticidade entre os consumidores

conforme se veraacute adiante na discussatildeo dos resultados das entrevistas

De acordo com Guedes (2012 p 426) uma marca ldquodeve ser rica em

significados e valores pois eacute atraveacutes dela que a empresa promete e entrega ao cliente

um valor superior ao que o mercado oferecerdquo A autora ressalta ainda que a marca estaacute

ligada a ldquosentimentos emoccedilotildees e sensaccedilotildeesrdquo e deve soar ldquocomo muacutesica para os ouvidos

dos clientesrdquo e destaca que uma marca tambeacutem deve ser sempre ldquoatualrdquo (GUEDES

2012 p 421-422) Esses aspectos permitem pensar que o uso do nome roccedila na marca de

produtos e serviccedilos representa um conjunto de valores e significados para o criador da

marca que denota imagens e sentimentos positivos para o consumidor o que de

alguma forma corrobora com a hipoacutetese de que haveria uma flexibilizaccedilatildeo na fronteira

demarcatoacuteria das tradicionais assimetrias que envolvem o imaginaacuterio sobre o rural e a

sua evocaccedilatildeo por meio da palavra roccedila

Algumas variaccedilotildees da estrutura das marcas tambeacutem chamam a atenccedilatildeo mas

seratildeo tratadas nas discussotildees sobre a anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica que se segue

Quanto ao procedimento de anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica Bardin (1977 p 117) a

define como

A categorizaccedilatildeo eacute uma operaccedilatildeo de classificaccedilatildeo de elementos constitutivos de um conjunto por diferenciaccedilatildeo e seguidamente por reagrupamento segundo o gecircnero (analogia) com os criteacuterios previamente definidos As categorias satildeo rubricas ou classes as quais reuacutenem um grupo de elementos (unidades de registro no caso da anaacutelise de conteuacutedo) sob um tiacutetulo geneacuterico agrupamento esse efetuado em razatildeo dos caracteres comuns desses elementos

Para a anaacutelise categoacuterica ou temaacutetica utilizou-se como corpus o conjunto de

todas as marcas identificadas no INPI com o termo roccedila Esse corpus foi definido dentro

96

dos paracircmetros recomendados por Bardin (1977) relativos agrave exaustividade e agrave

representatividade da amostra Quanto a este ponto embora a amostragem tenha

considerado todas as marcas registradas natildeo se pode precisar em que medida as marcas

com o termo roccedila com solicitaccedilatildeo de registro no INPI representam o universo de marcas

com esse mesmo roacutetulo no Brasil a homogeneidade dos dados sendo todos da mesma

natureza e a pertinecircncia no sentido de suas caracteriacutesticas atenderem agrave proposta da

anaacutelise Apoacutes uma leitura flutuante com o objetivo de ler todas as marcas e capturar as

primeiras impressotildees relacionando-as agraves hipoacuteteses e aos apontamentos teoacutericos

identificou-se as unidades de registro que em geral satildeo formadas de uma a cinco

palavras numa meacutedia de trecircs palavras As marcas aqui podem ser pensadas como

temas por carregarem uma significaccedilatildeo como uma unidade proacutepria para a anaacutelise

Algumas marcas que satildeo compostas por tiacutetulo e subtiacutetulo foram observadas

integralmente As unidades de contexto consideradas foram a deacutecada a classificaccedilatildeo em

produto ou serviccedilo e suas subcategorias

Os criteacuterios que balizaram a criaccedilatildeo das classes de diferenciaccedilatildeo e

posteriormente das categorias seguiu o confronto dos dados empiacutericos revelados pela

proacutepria amostra de marcas com o termo roccedila a partir de uma leitura flutuante com as

questotildees teoacutericas e hipoacuteteses que guiaram esta pesquisa e que permitiram a construccedilatildeo

de inferecircncias Avaliou-se o conjunto das marcas com o termo roccedila de 1965 a 2014

separando-as em quatorze classes segundo suas caracteriacutesticas em comum e

posteriormente reagrupando-as num conjunto de oito categorias As classes de

caracteriacutesticas identificadas nas marcas foram 1) lavouracampo 2) produto

agriacutecolaagropecuaacuterio 3) agroinduacutestria 4) elementos materiais da cultura 5) elementos

simboacutelicos da cultura 6) cultura urbanaestrangeira 7) distinccedilatildeosofisticaccedilatildeo 8)

mercado 9) sentidosimaginaacuteriomemoacuteria 10) tradiccedilatildeoartesanalautecircnticooriginal 11)

naturalpuroverde 12) orgacircnico 13) mineiridade ou falar mineiro e 14)

caipiramatutocaboclo Estas classes foram reagrupadas nas seguintes categorias de

classificaccedilatildeo 1) roccedila como sinocircnimo de ldquocampordquo 2) roccedila como sinocircnimo de ldquoruralrdquo 3)

roccedila como ldquotradiccedilatildeordquo 4) roccedila como apologia agrave ldquonaturezardquo 5) roccedila ldquoromacircntico-

nostaacutelgicardquo 6) roccedila ldquoestilizadardquo 7) roccedila em referecircncia a ldquoMinas Geraisrdquo e 8) roccedila com

alusatildeo ao ldquocaipirardquo

Os criteacuterios que orientaram a categorizaccedilatildeo das marcas foram o leacutexico e o

expressivo O criteacuterio leacutexico buscou o sentido mais comum e o emparelhando dos

97

sinocircnimos e significados proacuteximos Jaacute o criteacuterio expressivo voltou-se para os diferentes

recursos linguiacutesticos com o objetivo de aguccedilar imagens ideias e sentidos no

consumidor Assim agraves vezes modifica-se nas marcas a grafia da palavra usa-se

palavras originaacuterias de outros idiomas giacuterias expressotildees coloquiais cacoetes e etc

Segundo Bardin (1977) para se realizar o processo de criaccedilatildeo de categorias e a sua

respectiva classificaccedilatildeo de unidades de registro deve-se observar a exclusatildeo muacutetua a

homogeneidade a pertinecircncia a objetividade e a fidelidade O reagrupamento das

quatorze classes dentro das oito categorias estaacute ilustrado no quadro abaixo

QUADRO 4 ndash Categorias da anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica Roccedila

sinocircnimo de campo

Roccedila sinocircnimo de rural

Roccedila como

tradiccedilatildeo

Roccedila como

apologia agrave

natureza

Roccedila romacircntico-nostaacutelgica

Roccedila estilizada

Roccedila em referecircncia a Minas Gerais

Roccedila com

alusatildeo ao

caipira Lavoura campo

Elementos materiais da cultura

Artesanal autecircntico original tradiccedilatildeo

Natural puro verde

Sentidos imaginaacuterio memoacuteria

Distinccedilatildeo sofisticaccedilatildeo

Mineiridade ou

expressotildees dos falares mineiros

Caipira

Produto agriacutecola

agropecuaacuterio

Elementos simboacutelicos da cultura

Orgacircnico Cultura urbana

estrangeira

Matuto

Agroinduacutestria Mercado Caboclo

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

Na definiccedilatildeo das classes que formaram a primeira categoria ldquoRoccedila como

sinocircnimo de campordquo considerou-se as referecircncias relativas ao produto em si ou ao

lugar de produccedilatildeo do gecircnero alimentiacutecio Dentro desta categoria foram incluiacutedas trecircs

classes A primeira foi a classe referente ao lugar de origem do produto como ldquoLaacute na

Roccedilardquo 2) a classe referente aos produtos agriacutecolas em si como ldquoMandioca da Roccedilardquo 3)

a classe referente aos produtos da agroinduacutestria processados tradicionalmente no campo

como ldquoQueijo da Roccedilardquo ldquoFarinha da Roccedilardquo ou ldquoCachaccedila da Roccedilardquo Jaacute na segunda

categoria ldquoRoccedila como sinocircnimo de ruralrdquo considerou-se as praacuteticas relativas ao modo

de vida rural Assim agrupou-se nessa classe as marcas que revelavam elementos da

cultura rural como ldquoPanela da Roccedilardquo e elementos simboacutelicos da cultura rural

especialmente aqueles ligados agrave cultura e agrave gastronomia como ldquoFesta na Roccedilardquo e ldquoPatildeo

de queijo da Roccedilardquo A terceira categoria foi denominada ldquoRoccedila romacircntico-nostaacutelgicardquo

Nela considerou-se as indicaccedilotildees dos trabalhos de Anjos e Caldas (2014) Carneiro

98

(2012) Entrena-Duraacuten (2012) Elias (2001) e Williams (2011) para se reunir as marcas

que se relacionassem aos sentidos como o paladar e o olfato e aos processos cognitivos

de imaginaccedilatildeo e de memoacuteria conforme indicou Silva G (2009) Assim foram

catalogadas nessa categoria marcas como ldquoSabor da Roccedilardquo ldquoCheiro da Roccedilardquo

ldquoRecanto da Roccedilardquo A quarta categoria foi denominada de ldquoRoccedila Estilizadardquo Nela

buscou-se abarcar as referecircncias sobre o country e a estilizaccedilatildeo da cultura rural no

Brasil (ALEM 1996 BOURDIEU 2013 DE PAULA 1998 1999 2001) Incluiu-se

assim nesta categoria as marcas que apontavam para o hibridismo entre a cultura rural

e a urbana atraveacutes da utilizaccedilatildeo de palavras de liacutenguas estrangeiras ou das referecircncias

agraves formas de mercado tipicamente urbanas e palavras que sugerissem a sofisticaccedilatildeo e a

distinccedilatildeo Assim foram elencadas nesta categoria marcas como ldquoCachorro Quente da

Roccedilardquo ldquoShopping da Roccedilardquo ldquoLa Fruit da Roccedilardquo ldquoVarejatildeo da Roccedilardquo e ldquoRoccedila Chicrdquo

As demais categorias foram definidas por meio da identificaccedilatildeo de palavras

expliacutecitas nas marcas que se referissem ao tema escolhido ou que lhe fossem correlatos

Assim a quinta categoria foi denominada de ldquoRoccedila como Tradiccedilatildeordquo considerando-se as

classes que tivessem as palavras ldquotradiccedilatildeordquo ldquoautecircnticordquo ldquooriginalrdquo ldquoartesanalrdquo com

base nas discussotildees de Mannheim (1986) Lifschitz (2011) e Taylor (2011) Nela foram

categorizadas marcas como ldquoTradiccedilatildeo da Roccedilardquo ldquoOriginal Palhas da Roccedilardquo ou

ldquoProdutos Artesanais GratildeoCafeacute da Roccedilardquo A sexta categoria foi denominada ldquoRoccedila

como apologia agrave naturezardquo sendo formada pelas classes que continham as palavras

ldquonaturalrdquo ldquoverderdquo ldquopurordquo ou ldquoorgacircnicordquo como nas marcas ldquoRoccedila Verderdquo ldquoRoccedila

Natural produtos orgacircnicosrdquo Essa categoria foi criada a partir das discussotildees de autores

como Abramovay (1994) Anjos e Caldas (2014) Eacuteboli (2007) e Thomas (2010) Na

seacutetima categoria adotou-se a referecircncia de ldquoRoccedila relacionada a Minas Geraisrdquo como

base nas revelaccedilotildees dos dados empiacutericos tendo sido consideradas na definiccedilatildeo da

mesma as discussotildees de Abdala (2007) Arruda (1999) e Vasconcellos (1981) Assim

elencou-se as classes que fizessem referecircncia a Minas Gerais ou ao atributo de ser

mineiro especialmente da comida mineira ou expressotildees que fossem identificadas com

o falar mineiro conforme explicam Gonccedilalves e Silva (2009) Rocha e Ramos (2010)

Assim foram identificadas marcas como ldquoRoccedila Mineirardquo ou ldquoCachaccedila da Roccedila Uairdquo

Por fim a oitava categoria tomou por base as discussotildees sobre a cultura caipira relatada

por Candido (2010) Ribeiro (2006) e Setuacutebal (2005) Considerou-se tambeacutem a

categoria ldquoRoccedila Caipirardquo que englobou classes que contivessem aleacutem da palavra

99

ldquocaipirardquo outras palavras relativas a tipos socioculturais brasileiros como ldquocaboclordquo e

ldquomatutordquo Os exemplos de marcas classificadas nessa categoria satildeo ldquoCaipira da Roccedilardquo

ldquoRoccedila do Caboclordquo e ldquoMatuto Cafeacute da Roccedilardquo A classificaccedilatildeo das marcas nessas

categorias resultou nos seguintes dados

TABELA 6 ndash Categorias das marcas com o nome roccedila ROCcedilA

COMO CAMPO

ROCcedilA COMO RURAL

ROCcedilA COMO

TRADICcedilAtildeO

ROCcedilA COMO

NATUREZA

ROCcedilA ROMAcircNTICO-NOSTAacuteLGICA

ROCcedilA ESTILIZADA

ROCcedilA REFEREcircNCIA

A MINAS GERAIS

ROCcedilA CAIPIRA

DEacuteCADAS QUANTIDADE DE MARCAS EM CADA CATEGORIA

1965-1974 2 - - - - - - -

1975-1984 3 1 - - - - - -

1985-1994 15 3 - 1 3 3

1995-2004 27 11 3 3 8 17 3 1

2005-2014 35 14 3 2 18 32 7 6

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir de dados coletados no site do INPI no endereccedilo eletrocircnico wwwinpigovbr

Como fica niacutetido na tabela acima nas duas primeiras deacutecadas com os pedidos

de registros de marcas com o nome roccedila bastante reduzidos as temaacuteticas giraram em

torno das ideias de roccedila como sinocircnimo de campo e de rural A diversidade temaacutetica

surge com o aumento do volume de solicitaccedilotildees de registro para a marca roccedila em

meados dos anos 1980 No dececircnio compreendido entre 1985-1994 aleacutem das marcas

que puderam ser classificadas nas categorias de roccedila como sinocircnimo de campo e rural

surgiram novos nomes que foram nesta anaacutelise identificados nas categorias ldquonaturezardquo

ldquoromacircntico-nostaacutelgicardquo e ldquoestilizadardquo Sublinha-se que foi exatamente nos anos 1980 e

no iniacutecio dos 1990 que emergiram os fenocircmenos de revalorizaccedilatildeo do rural a partir da

preocupaccedilatildeo com a sustentabilidade ambiental e de reestilizaccedilatildeo do rural a partir da

induacutestria cultural marcadamente a sociabilidade country os programas de

entretenimento de temaacutetica rural o auge do sucesso da muacutesica sertaneja e a expansatildeo

das festas de rodeios (ABRAMOVAY 1994 ALEM 1996 ALLONSO 2012 DE

PAULA 1998 1999 2001 EacuteBOLI 2007 OLIVEIRA L 2003 OLIVEIRA A 2009

SILVA G 2009 VEIGA 2004 2006) Nas duas uacuteltimas deacutecadas de 1995 a 2014 as

marcas mantiveram o padratildeo temaacutetico que permitiu que muitas delas pudessem nesta

anaacutelise ser agrupadas nas mesmas categorias que jaacute tinham figurado nos dececircnios

anteriores Devido ao volume de solicitaccedilotildees desse periacuteodo a diversidade tambeacutem se

100

ampliou e deparou-se com marcas que puderam ser associadas agraves categorias ldquotradiccedilatildeordquo

ldquoMinas Geraisrdquo e ldquocaipirardquo Ao contraacuterio da deacutecada anterior na qual as inovaccedilotildees

ficaram por conta da natureza e do romantismo por um lado e do moderno estilizado e

sofisticado por outro nos uacuteltimos periacuteodos analisados as novas ideias orbitam em

torno de perspectivas mais tradicionais do que seria a roccedila Essa perspectiva eacute expressa

na proacutepria categoria tradiccedilatildeo mas tambeacutem na alusatildeo a Minas Gerais agrave sua faceta rural

preteacuterita (ABDALA 2007 VASCONCELLOS 1981) e agrave figura dos tipos

socioculturais caracteriacutesticos da formaccedilatildeo do povo brasileiro especialmente o caipira

mas tambeacutem o caboclo

Poreacutem analisando-se a quantidade de marcas presentes em cada categoria ao

longo das deacutecadas tem-se algumas impressotildees diferentes sobre os usos e significados

do termo roccedila no mercado de bens e serviccedilos conforme demonstra o graacutefico seguinte

101

GRAacuteFICO 5 ndash Quantidade de marcas em cada categoria por deacutecadas

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir de dados coletados no site do INPI

no endereccedilo eletrocircnico wwwinpigovbr

O graacutefico revela que aleacutem das categorias campo e rural estarem presentes nas

cinco deacutecadas seu crescimento tem sido relativamente gradativo e constante Enquanto

as categorias natureza e tradiccedilatildeo tecircm se mantido no mesmo estado reduzido as

categorias romacircntico-nostaacutelgica e estilizada cresceram substantivamente sobretudo a

uacuteltima tendo ultrapassado todas as outras nesse uacuteltimo dececircnio com exceccedilatildeo da

categoria campo E as categorias caipira e Minas Gerais mais recentes tambeacutem

demonstram uma tendecircncia de crescimento embora seus nuacutemeros ainda sejam

pequenos

A diversidade de significados que compotildeem o uso do termo roccedila nos produtos e

serviccedilos na contemporaneidade parece sugerir um jogo de disputas em torno da

autenticidade enquanto compartilhamento de significados socialmente construiacutedos do

Campo (2)

Campo (3)

Campo (15)

Campo (27)

Campo (35)

Rural (1)

Rural (3)

Rural (11)

Rural (14)

Tradiccedilatildeo (3)

Tradiccedilatildeo (3)

Natureza (1)

Natureza (3)

Natureza (2)

Romacircntico-Nostaacutelgico (3)

Romacircntico-Nostaacutelgico (8)

Romacircntico-Nostaacutelgico (18)

Estilizada (3)

Estilizada (17)

Estilizada (32)

Minas Gerais (3)

Minas Gerais (7)

Caipira (1)

Caipira (6)

0 5 10 15 20 25 30 35 40

1965-1974

1975-1984

1985-1994

1995-2004

2005-2014

DEacute

CA

DA

S

102

que seria roccedila Essa disputa divide por um lado a reproduccedilatildeo de usos e significados

historicamente engendrados do termo roccedila como no sinocircnimo de campo e rural

especialmente no que se refere aos produtos alimentiacutecios e bebidas Por outro lado

nota-se a emergecircncia de novos significados para este termo subvertendo portanto as

visotildees cristalizadas em nome de um rural natureza idiacutelico nostaacutelgico e romacircntico Esta

visatildeo entretanto convive com uma apropriaccedilatildeo urbana industrial e sofisticada que

reinventa e estiliza o significado de roccedila E em contraposiccedilatildeo com este uacuteltimo

emergem significados de roccedila que buscam prestigiar elementos ligados agrave tradiccedilatildeo ao

ruacutestico ao local e ao regional expressos na ideia do caipira da tradiccedilatildeo e da

mineiridade

Esses diferentes usos e significados parecem coincidir com determinados

momentos histoacutericos caracteriacutesticos do rural no Brasil O periacuteodo compreendido entre as

deacutecadas de 1960 e 1980 no qual o campo era atrelado agrave produccedilatildeo agriacutecola

(ABRAMOVAY 1994 SILVA J 1997 2001) figura nas poucas solicitaccedilotildees de

registro de marca com a palavra roccedila a maioria de produtos entre estes alimentiacutecios e

significaccedilotildees relacionadas ao campo e ao rural A terceira deacutecada analisada entre

meados de 1980 e meados de 1990 parece ser um periacuteodo de transiccedilatildeo em que

aumentam os nuacutemeros de pedidos de registro para a marca roccedila tanto para produtos

quanto para serviccedilos em vaacuterios setores de atividades e surgem de forma tiacutemida mas

notaacutevel novos significados para o termo entre as marcas aludindo para questotildees da

natureza da nostalgia mas tambeacutem do rural estilizado e hibridizado com o urbano E

nas duas uacuteltimas deacutecadas o mercado de bens e serviccedilos com a marca roccedila parece de

alguma maneira refletir o estado da arte do rural hoje no Brasil Aumentaram

consideravelmente as requisiccedilotildees de registro com essa marca os serviccedilos

especialmente os negoacutecios a gastronomia e a cultura tornaram-se expressivos

revelando a multifuncionalidade do campo mas tambeacutem a presenccedila de uma cultura

rural na cidade aleacutem dos novos significados expressos em novos nomes apontarem para

uma revalorizaccedilatildeo das origens das raiacutezes aleacutem de traduzirem certa diversidade que

contempla o campo e a cidade Uma siacutentese dessa proposiccedilatildeo eacute demonstrada na seguinte

figura

103

FIGURA 8 ndash Evoluccedilatildeo das caracteriacutesticas histoacutericas do campo no Brasil e dos usos e significados da marca roccedila (1960-2015)

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

As interpretaccedilotildees aqui propostas a respeito dos significados culturais que

circulam por meio da produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e consumo de bens e serviccedilos com a marca

roccedila elaboradas a partir de uma anaacutelise descritiva e de conteuacutedo desta seratildeo

confrontadas com os significados construiacutedos pelos produtores distribuidores e

consumidores de produtos e serviccedilos com a marca roccedila nas paacuteginas seguintes

24 Procedimentos metodoloacutegicos e anaacutelise das entrevistas e aplicaccedilatildeo de

questionaacuterios

Aleacutem da captaccedilatildeo de dados secundaacuterios efetuou-se nesta pesquisa a busca dos

usos e significados que produtores distribuidores e consumidores de produtos e

serviccedilos com a marca roccedila atribuem a esses bens ao participarem desse circuito Para

tanto foram criados dois modelos de questionaacuterios semiestruturados um com perguntas

direcionadas aos produtores (proprietaacuterios responsaacuteveis ou titulares) e distribuidores

(vendedores) de bens com a marca roccedila e outro orientado aos consumidores dessas

marcas Tambeacutem foi elaborado um roteiro de perguntas para entrevista aberta para ser

utilizado com os produtores quando a situaccedilatildeo permitisse uma entrevista em

profundidade Tanto os questionaacuterios quanto o roteiro de entrevista tinham entre 15 a 19

bull Produccedilatildeo agriacutecola bull Poucas marcas

roccedila bull Marca roccedila

produtos alimentiacutecios

bull Significados da marca campo e rural

1960 a

1980

bull Dualizaccedilatildeo da agricultura

bull Aumento marcas roccedila

bull Produtos e serviccedilos

bull Manteacutem-se significados e surgem novos natureza nostalgia e estilizaccedilatildeo

1985 a

1995

bull Multifuncionalidade do

campo bull Revalorizaccedilatildeo do rural bull Aumento expressivo

marcas roccedila bull Aumento dos serviccedilos

(negoacutecios gastronomia e cultura)

bull Manteacutem-se significados anteriores e surgem novos tradiccedilatildeo caipira mineiridade

1995 a

2015

104

perguntas divididas em trecircs blocos perfil pessoal questotildees sobre produtos e serviccedilos

com a marca roccedila e questotildees sobre o termo roccedila12

Foram realizadas 16 entrevistas abertas e aplicados 54 questionaacuterios totalizando

70 abordagens Foram consultados 36 produtoresdistribuidores (16 deles concederam

as entrevistas abertas e 20 responderam ao questionaacuterio semiestruturado) e 34

consumidores que tambeacutem responderam ao questionaacuterio As entrevistas e questionaacuterios

foram aplicados em trecircs etapas 1) online 2) no Mercado Central de Belo Horizonte-

MG e 3) no municiacutepio de Gonccedilalves-MG antes e durante o 4ordm Festival de Gastronomia

e Cultura da Roccedila Foram 7 produtoresdistribuidores que responderam ao questionaacuterio

online 13 que responderam ao questionaacuterio no Mercado Central e 16 entrevistados em

Gonccedilalves Responderam ao questionaacuterio 15 consumidores no Mercado Central de Belo

Horizonte e 19 no Festival em Gonccedilalves

Inicialmente optou-se pela teacutecnica do e-surveying conforme explicitada por

Vasconcellos e Guedes (2007) que consiste no envio de questionaacuterios via internet seja

encaminhando o formulaacuterio para o e-mail do entrevistado seja disponibilizando-o numa

paacutegina da internet A escolha dessa teacutecnica baseou-se no fato de que os informantes-

chave desta pesquisa ou seja os responsaacuteveis por produtos e serviccedilos com a marca

roccedila identificados na internet localizavam-se em diferentes localidades de vaacuterios

Estados do paiacutes criando um obstaacuteculo em termos de exequibilidade da pesquisa O

questionaacuterio (formulaacuterio eletrocircnico) foi construiacutedo na ferramenta eletrocircnica Google

Docs13 e foi enviado ao e-mail dos proprietaacuteriosresponsaacuteveis pelos bens com marca

12 Os termos eacuteticos das entrevistas e aplicaccedilatildeo de questionaacuterios bem como da observaccedilatildeo participante foram submetidos agrave avaliaccedilatildeo do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da Universidade Federal de Viccedilosa de acordo com as recomendaccedilotildees da Resoluccedilatildeo do Conselho Nacional de Sauacutede CNS 4662012 e aprovado segundo o parecer consubstanciado no 579930 de 11 de abril de 2014 e parecer consubstanciado de emenda no 839592 de 13 de outubro de 2014 A aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios e a realizaccedilatildeo de entrevistas seguiram portanto as recomendaccedilotildees contidas nessa resoluccedilatildeo tendo sido explicado ao participante os objetivos da pesquisa os riscos e benefiacutecios que sua colaboraccedilatildeo acarretaria o uso dos dados e das imagens A concordacircncia com estes termos e o consentimento para a realizaccedilatildeo da entrevista ou aplicaccedilatildeo do questionaacuterio e a produccedilatildeo de fotografias e viacutedeos foram expressas pelos entrevistados assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (em duas vias uma para o pesquisador e outra para o entrevistado) e o Termo de Autorizaccedilatildeo de Uso de Imagem Esses documentos encontram-se no apecircndice desse trabalho para consulta 13 O Google Docs eacute uma ferramenta da empresa de serviccedilos de internet Google que permite a elaboraccedilatildeo de questionaacuterios eletrocircnicos O link ou endereccedilo eletrocircnico do questionaacuterio eacute enviado via e-mail para os respondentes que o acessam Eles podem nesse questionaacuterio escrever as respostas dissertativas em campos especiacuteficos ou clicar nas opccedilotildees de respostas objetivas Ao finalizar o questionaacuterio os dados das respostas ficam armazenados e soacute pode ter acesso a eles o pesquisador com sua senha proacutepria Esses dados satildeo depois exportados para um computador em softwares proacuteprios para processamento de dados como o Microsoft Excel ou o Statistic Package for Social Science (SPSS) Essa ferramenta possui a vantagem de ser raacutepida confiaacutevel gratuita e de faacutecil manuseio para o pesquisador e o entrevistado aleacutem

105

roccedila que constavam da primeira lista elaborada a partir da pesquisa aleatoacuteria feita na

internet que continha 44 indiviacuteduos O envio dos formulaacuterios eletrocircnicos a esta amostra

foi realizado durante os meses de abril e maio de 2014 Foram enviados 37

questionaacuterios para os indiviacuteduos dessa amostra entre aqueles que foram encontrados e

que concordaram em participar da pesquisa Os questionaacuterios ficaram disponiacuteveis para o

entrevistado responder durante cerca de um mecircs e meio e o tempo de retorno dos

respondentes foi de no maacuteximo uma semana Entretanto apenas 7 entrevistados

retornaram seus questionaacuterios respondidos ou seja 19 dos questionaacuterios Embora seja

uma taxa de retorno bastante baixa ela eacute previsiacutevel sendo inclusive considerada uma

das principais limitaccedilotildees da aplicaccedilatildeo de questionaacuterios online quando comparada aos

outros meacutetodos de aplicaccedilatildeo de acordo com Vasconcellos e Guedes (2007) Como

exemplo estes autores citam a pesquisa realizada por Weible e Wallace (1998) na qual

num universo amostral de 800 indiviacuteduos a taxa de retorno de questionaacuterios que foram

enviados por e-mail foi de 24

Com o objetivo de abordar diretamente produtores distribuidores e

consumidores de produtos com a marca roccedila mas que por motivos de exequibilidade

da pesquisa pudessem ser encontrados num mesmo espaccedilo optou-se por selecionar

dois eventos que reunissem essas caracteriacutesticas A partir da lista de produtos e serviccedilos

com a marca roccedila coletada na pesquisa realizada na internet selecionou-se um desses

eventos o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila realizado todos os anos na cidade

de Gonccedilalves em Minas Gerais Aleacutem de atender aos criteacuterios anteriores percebeu-se a

possibilidade de acesso a esse evento para a realizaccedilatildeo da pesquisa a partir do momento

em que a secretaacuteria municipal de Turismo de Gonccedilalves contatada para responder ao

questionaacuterio online descreveu as caracteriacutesticas desse festival e do municiacutepio de

Gonccedilalves revelando uma seacuterie de especificidades que permitiram identificaacute-lo como

uma unidade de anaacutelise bastante ilustrativa para essa pesquisa Entre outras

caracteriacutesticas que seratildeo discutidas detalhadamente no quarto capiacutetulo destaca-se que o

municiacutepio de Gonccedilalves possui uma populaccedilatildeo rural de 724 dos seus 4220

habitantes segundo os dados do Censo Demograacutefico de 2010 e Sinopse do Censo

Demograacutefico 2010 (IBGE 2013 2015) e tem se tornado um atrativo turiacutestico na regiatildeo

de possibilitar que o questionaacuterio seja elaborado conforme os criteacuterios do pesquisador Como desvantagem destaca-se a necessidade de que o respondente tenha acesso agrave internet e um domiacutenio baacutesico do seu uso e as panes eletrocircnicas

106

da Serra da Mantiqueira proacutexima agrave divisa dos Estados de Minas Gerais e Satildeo Paulo

Gonccedilalves possui um conjunto de restaurantes e pousadas estabelecidos no campo

alguns destes administrados pelos agricultores e suas famiacutelias num regime de trabalho

que pode ser considerado de pluriatividade e tambeacutem possuiacutea agrave eacutepoca pelo menos

cinco estabelecimentos com a marca roccedila Durante o contato com a secretaacuteria e pelas

suas respostas no questionaacuterio supocircs-se que a cidade curiosamente havia construiacutedo o

seu capital turiacutestico em torno do conceito de roccedila o que posteriormente se confirmou

no trabalho de campo conforme seraacute demonstrado no capiacutetulo sobre esse evento Por

fim um Festival em que se propotildee promover a gastronomia e a cultura da roccedila sugeriria

tratar-se de um epifenocircmeno do tema estudado tornando-se portanto objeto desta

anaacutelise As entrevistas e a aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios foram realizadas em Gonccedilalves

entre os meses de setembro e novembro de 2014 e as condiccedilotildees de sua realizaccedilatildeo seratildeo

apresentadas detalhadamente no capiacutetulo sobre o Festival

O outro evento selecionado para a pesquisa foi o Mercado Central de Belo

Horizonte em Minas Gerais O Mercado Central foi fundado em 1929 e fica localizado

na regiatildeo central do municiacutepio considerado um dos pontos turiacutesticos e comerciais mais

procurados na capital mineira O Mercado possui cerca de 400 lojas de varejo dos mais

diversos tipos de produtos alguns tiacutepicos do Estado e de outras regiotildees do paiacutes

(MERCADO CENTRAL 2015) entre produtos alimentiacutecios bebidas utensiacutelios e

artesanatos de variadas origens e alguns marcadamente rurais De acordo com

Filgueiras (2006) o Mercado Central natildeo seria somente um diversificado centro

comercial Ele possui segundo o autor valores siacutembolos envolve haacutebitos e costumes

que representariam uma identidade do rural e do urbano e por isso se tornou um espaccedilo

representativo da histoacuteria da cultura e do turismo de Minas Gerais O puacuteblico que

frequenta o Mercado Central eacute formado entre outros por donas de casa representantes

de pequenas empresas trabalhadores do comeacutercio proacuteximo estudantes famiacutelias e

obviamente turistas De acordo ainda com Filgueiras (2006 p 133) o Mercado eacute uma

representaccedilatildeo do imaginaacuterio dos consumidores belo-horizontinos que consideram que

nele as praacuteticas de comeacutercio ainda satildeo tradicionais e ldquoque parece da roccedilardquo por ser

antigo e por envolver relaccedilotildees de ldquorespeito confianccedila amizade aleacutem de oferecer

qualidade seguranccedila tranquilidade originalidade e divertimentordquo Estas caracteriacutesticas

balizaram a escolha do Mercado Central para a aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios mesmo ele

natildeo figurando na referida lista de bens e serviccedilos com a marca roccedila Ainda assim o

107

Mercado possui atualmente dois estabelecimentos com a marca roccedila Os questionaacuterios

foram aplicados no mecircs de outubro de 2014 e as condiccedilotildees de realizaccedilatildeo da pesquisa no

Mercado seratildeo apresentadas detalhadamente no terceiro capiacutetulo desta tese

Os produtores e distribuidores que responderam ao questionaacuterio online ao

impresso e aqueles que concederam entrevistas eram em sua maioria de Belo

Horizonte ou de Gonccedilalves em Minas Gerais (12 e 17 respectivamente) Os outros

respondentes eram de cidades do interior dos Estados de Minas Gerais Satildeo Paulo

Goiaacutes e Distrito Federal um da regiatildeo metropolitana de Vitoacuteria-ES e um de Fortaleza-

CE conforme pode ser visualizado no seguinte graacutefico

GRAacuteFICO 6 ndash Residecircncia dos produtoresdistribuidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

A maioria dos respondentes eacute composta por mulheres (21 entre os 36

entrevistados) e tem como profissatildeo a gestatildeo da empresa ou comeacutercio seguidas pelo

grupo que se declarou atendentebalconistavendedor(a)gerente O restante se dividiu

em aacutereas de atuaccedilatildeo como engenharia arquitetura artesanato artes plaacutesticas docecircncia

jornalismo e domeacutestica nas seguintes proporccedilotildees

Gonccedilalves 17

Belo Horizonte 12

Fortaleza 1

Itajubaacute 1

Poccedilos de Caldas 1

Rio Verde 1

Satildeo Luis do Paraitinga

1

Vila Velha 1

Zona Rural DF 1

108

GRAacuteFICO 7 ndash Profissatildeo dos produtoresdistribuidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

A funccedilatildeo exercida no estabelecimento era majoritariamente a de

proprietaacuterio(a) balconistavendedor(a) gerente e cozinheiro(a)chef O restante se

declarou produtor(a) rural ocupa cargo na gestatildeo puacuteblica municipal diretor(a)

editor(a) artesatildeo(atilde) ou natildeo informou distribuiccedilatildeo que pode ser observada no graacutefico

que se segue

GRAacuteFIC O 8 ndash Funccedilatildeo exercida no estabelecimento pelos produtoresdistribuidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

A faixa etaacuteria ficou relativamente bem distribuiacuteda entre os 20 e os 80 anos com

uma ocorrecircncia maior de produtoresdistribuidores com idade entre 50 e 60 anos A

maioria dos respondentes tinha Ensino Superior completo alguns tendo cursado poacutes-

0

2

4

6

8

10

12

012345678

109

graduaccedilatildeo seguida por aqueles que concluiacuteram o Ensino Meacutedio que possuiacuteam o Ensino

Fundamental incompleto e o Ensino Superior incompleto conforme revelam os graacuteficos

abaixo

GRAacuteFICO 9 ndash Escolaridade dos produtoresdistribuidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

GRAacuteFICO 10 ndash Faixa etaacuteria dos produtoresdistribuidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

Os consumidores abordados que responderam ao questionaacuterio no Mercado

Central e no Festival apresentaram-se igualmente distribuiacutedos entre homens e mulheres

sendo a maioria proveniente da regiatildeo metropolitana de Belo Horizonte e do interior de

Satildeo Paulo O restante estava distribuiacutedo nas capitais de Satildeo Paulo ou do Rio de Janeiro

no interior de Minas Gerais e um em Joatildeo Pessoa-PB conforme se destaca no graacutefico

abaixo

0123456789

0

2

4

6

8

10

12

20 a 30anos

30 a 40anos

40 a 50anos

50 a 60anos

60 a 70anos

70 a 80anos

Natildeoinformou

110

GRAacuteFICO 11 ndash Residecircncia dos consumidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

A maioria dos entrevistados tinha menos de 40 anos de idade e curso superior

completo A ocupaccedilatildeo mais comum foi a de profissional liberal Os Graacuteficos 12 13 e 14

destacam o perfil socioprofissional dos respondentes

GRAacuteFICO 12 ndash Faixa etaacuteria dos consumidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

Regiatildeo Metropolitana de Belo Horizonte

13

Interior de Satildeo Paulo

10

Interior de Minas Gerais

4

Satildeo Paulo 2

Satildeo PauloInterior de

Minas Gerais 2

Interior do Rio de Janeiro

1

Joatildeo Pessoa 1

Rio de Janeiro 1

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

20 a 30

anos

30 a 40

anos

40 a 50

anos

50 a 60

anos

60 a 70

anos

70 a 80

anos

111

GRAacuteFICO 13 ndash Escolaridade dos consumidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

GRAacuteFICO 14 ndash Profissatildeo dos consumidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

Indagou-se a este grupo de respondentes que teve o seu perfil socioprofissional

descrito anteriormente onde eles e a famiacutelia nuclear tinham vivido a maior parte da

vida se no campo ou na cidade e qual a profissatildeo dos pais A maioria destes informou

ter vivido a maior parte da vida na cidade assim como os seus pais Nos graacuteficos

abaixo eacute possiacutevel verificar a origem dos consumidores e de seus pais

Ensino Teacutecnico

1

Fundamental incompleto

1

Meacutedio completo

6

Poacutes-graduaccedilatildeo 9

Superior completo

16

Superior incompleto

1

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

112

GRAacuteFICO 15 ndash Origem dos consumidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

GRAacuteFICO 16 ndash Origem dos pais dos consumidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

Os consumidores declararam serem oriundos de famiacutelia de profissionais liberais

donas de casa comerciantes e professores(as) entre outras profissotildees Uma minoria

relatou ser descendente de agricultores que viveram a maior parte da vida no campo Ou

seja trata-se de um puacuteblico basicamente citadino mas que busca referecircncias rurais

como consumidor como encontrado no trabalho de Eacuteboli (2007) e Silva G (2009) O

leque das profissotildees dos pais dos consumidores pode ser visto no graacutefico abaixo

Campo 7

Cidade 22

Ambos 5

Campo 2

Cidade 27

Ambos 5

113

GRAacuteFICO 17 ndash Profissotildees dos pais dos consumidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

Assim como foi feito com as marcas de produtos e serviccedilos com o termo roccedila

tambeacutem se implementou uma anaacutelise de conteuacutedo temaacutetica ou categoacuterica analisando-se

separadamente as respostas dos produtores e distribuidores de bens com a marca roccedila

de um lado e dos consumidores de outro As unidades de contexto utilizadas nessa

anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica foram selecionadas no caso dos

produtoresdistribuidores a partir de questotildees sobre os motivos de escolha da marca

roccedila para os bens que comercializam seus significados quais caracteriacutesticas do produto

ou serviccedilo atribuiacuteam agrave ideia de roccedila e sua relevacircncia para o puacuteblico consumidor Nas

respostas dos consumidores selecionou-se para a anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica

unidades de contexto referentes agraves questotildees sobre o haacutebito de consumir

produtosserviccedilos da roccedila sua preferecircncia em relaccedilatildeo a outros seus diferenciais e

significados aleacutem do pedido para citar de que produtosserviccedilos se tratavam Destas

unidades de contexto avaliou-se as unidades de registro relevantes na fala dos

entrevistadosrespondentes que pudessem ser confrontadas com as categorias analiacuteticas

seguindo-se os mesmos criteacuterios utilizados para a anaacutelise das marcas anteriormente

discutida

Tanto os produtoresdistribuidores quanto os consumidores de todas as

localidades afirmaram produzir vender eou consumir como produtos da roccedila ou com

a marca roccedila queijos leite produtos naturaisorgacircnicos frutas legumes cereais e

verduras doces mel rapadura cachaccedila fubaacute farinha objetos de decoraccedilatildeo ou

artesanato carnes (bovina suiacutena aves carne de sol linguiccedila peixes) ovos caipiras

cogumelos bolosbiscoitosquitandas cafeacute aacutegua pura da mina fogatildeo a lenha e lenha

02468

101214

114

Tambeacutem foram citados a cana de accediluacutecar e seus derivados como o etanol o melado o

accediluacutecar mascavo ou ldquoaccedilucratildeordquo aleacutem das jaacute mencionadas rapadura e cachaccedila No ramo

dos hortifruacuteti os mais citados foram couve alface cebolinha aboacutebora chuchu feijatildeo

milho mandioca tomate banana laranja jabuticaba ervas chaacutes e temperos

FIGURA 9 ndash Verduras no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 10 ndash Frutas no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 11 ndash ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo Gonccedilalves-MG

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

115

FIGURA 12 ndash Queijo artesanal no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 13 ndash Cachaccedilas no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 14 ndash Doces no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Embora a pergunta se referisse ao consumo de produtos e serviccedilos os

consumidores citavam apenas os produtos excluindo os serviccedilos que poderiam estar

atrelados agrave marca roccedila seja no ramo da cultura da gastronomia ou do turismo por

exemplo Por outro lado alguns cozinheiros ou chefs tanto do municiacutepio de Gonccedilalves

participantes do Festival quanto de outras localidades descreviam a comida que

116

serviam nos seus restaurantes como ldquocomida da roccedilardquo Eles descreviam-na como aquela

composta por arroz feijatildeo mandioca batata legumes cozidos como a abobrinha o

quiabo o chuchu e a moranguinha mostarda canjiquinha polentaangu frango caipira

carne de porco ou de lata14 paccediloca de carne socada no pilatildeo15 carne de vaca ao molho

tutu de feijatildeo aleacutem do trio torresmo feijatildeo e couve O tempero para eles consistiria

apenas no uso do alho e sal e do cheiro verde (salsa e cebolinha) considerados aqueles

disponiacuteveis nos quintais ou hortas das casas no campo tanto no presente quanto

antigamente As caracteriacutesticas atribuiacutedas pelos cozinheiros ou chefs agrave comida da roccedila

estatildeo diretamente relacionadas ao que classificam como comida mineira tratando-as de

forma anaacuteloga Muitos desses pratos citados coincidem com aqueles descritos por

Abdala (2007) perfazendo o que considera como o ldquotradicionalrdquo e ldquotiacutepico mineirordquo

como os legumes cozidos a couve o torresmo o angu o tutu de feijatildeo e o feijatildeo

tropeiro a paccediloca de farinha com carne e as carnes de porco e frango bem como as

quitandas

Alguns cozinheiros e chefs de restaurantes cafeacutes e lanchonetes em Gonccedilalves

proprietaacuterios de estabelecimentos com a marca roccedila destacam o fato de utilizarem

como mateacuterias-primas dos seus pratos produtos orgacircnicos certificados ou pelo menos

cultivados por eles mesmos ou por agricultores locais sem a utilizaccedilatildeo de insumos

quiacutemicos (agrotoacutexicos) frescos ou minimamente processados conforme atesta o

seguinte relato de uma entrevistada

A gente soacute trabalha com ingredientes e receitas artesanais eacute tudo daqui da regiatildeo Por isso que eacute roccedila eacute o que Gonccedilalves produz Entatildeo o que a gente compra industrializado eacute o miacutenimo soacute o que natildeo eacute produzido na cidade farinha oacuteleo O resto todos os ingredientes satildeo daqui da cidade Satildeo da roccedila de Gonccedilalves Eacute totalmente artesanal A gente desenvolve os nossos produtos com a produccedilatildeo local a nossa salada eacute de um produtor local de orgacircnicos todos os temperos usados satildeo produzidos aqui no nosso quintal Noacutes natildeo podemos dizer que eacute tudo orgacircnico porque nem todos os produtores tecircm esse selo A palavra roccedila traz para o meu empreendimento a garantia eu acho para quem vem consumir de que eacute feito o mais natural possiacutevel o mais fresco possiacutevel o mais verdadeiro possiacutevel Entatildeo a gente tem um

14 A carne de lata ou carne na banha consiste no processo de fritar os pedaccedilos de carne suiacutena e conservaacute-los por alguns meses dentro de uma lata de alumiacutenio imersa na proacutepria banha ou gordura do porco Costumava ser uma praacutetica recorrente entre as famiacutelias camponesas no interior de Satildeo Paulo e Minas Gerais cujo exemplo eacute citado na obra de Antonio Candido (2010) 15 Espeacutecie de farofa feita com pedaccedilos de carne bovina

117

cardaacutepio sazonal vai de acordo com o que a natureza fornece (Proprietaacuteria de restaurante Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Nesta citaccedilatildeo roccedila aparece como um qualificativo de autecircntico daquilo que tem

identidade por ser local artesanal natural e por natildeo ser massificado industrializado

(DORIGON 2008 TAYLOR 2011 WILKINSON 2008) Tambeacutem satildeo relacionados

como produtos da roccedila pelos produtoresdistribuidores bolos broas e biscoitos

chamados de forma geneacuterica em Minas Gerais de quitandas ou quitutes Foram

citados especialmente ldquoa broa de fubaacute de milho o biscoito de forno agrave lenhardquo e ldquoo cafeacute

passado no coador e servido com um pedacinho de rapadurardquo Os produtores artesatildeos

em Gonccedilalves elencam tambeacutem os artesanatos especialmente as cestarias cujas

mateacuterias-primas consideram originaacuterias da roccedila como a palha do milho a fibra da

bananeira o bambu a taquara e a taboa No Mercado Central os distribuidores de

utensiacutelios domeacutesticos peccedilas de decoraccedilatildeo e artesanato assinalam como produtos da

roccedila as panelas de ferro gamelas utensiacutelios em aacutegata ldquoque lembram a avoacuterdquo tachos de

cobre moedores de cafeacute ldquoque lembram siacutetio e fazendardquo decoraccedilotildees para a aacuterea de

churrasqueira e fogatildeo a lenha peccedilas artesanais como por exemplo monjolos cabeccedilas

de boi casinhas da roccedila (espeacutecie de quadro de pequeno porte com montagens que

encenam uma casa rural)

FIGURA 15 ndash Quitandas no Festival de Gonccedilalves-MG

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

118

FIGURA 16 ndash Artesanato e cestaria em Gonccedilalves-MG

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 17 ndash Utensiacutelios em aacutegata no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 18 ndash Panelas de cobre no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

119

FIGURA 19 ndash Gamelas no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 20 ndash ldquoCasinha da roccedilardquo no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Conforme se pode perceber na pesquisa de campo a partir das declaraccedilotildees dos

entrevistadosrespondentes o universo de classificaccedilatildeo de produtos e serviccedilos foi

ampliado uma vez que natildeo se limitou apenas agrave questatildeo da marca roccedila mas tambeacutem aos

produtos considerados genericamente ldquoda roccedilardquo independentemente de ter essa marca

ou natildeo como havia sido inicialmente delineado nesta pesquisa Isto tem uma razatildeo na

perspectiva dos produtoresdistribuidores e consumidores que seraacute explicitada adiante

e se enquadra na discussatildeo a respeito do emergente mercado de produtos alimentares

tradicionais e artesanais (CRUZ MENASCHE 2011 SANTOS J 2014

WILKINSON MIOR 1999)

A aplicaccedilatildeo da anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica agraves respostas dos

produtoresdistribuidores de produtos e serviccedilos com a marca roccedila obedeceu aos

mesmos criteacuterios que orientaram a anaacutelise das marcas conforme jaacute se ressaltou ou seja

partiu-se dos apontamentos teoacutericos para a criaccedilatildeo das categorias classificatoacuterias No

entanto assim como se procedeu na anaacutelise das marcas a elaboraccedilatildeo das categorias

tambeacutem levou em consideraccedilatildeo as ocorrecircncias relativas aos dados empiacutericos Nesse

sentido confirmou-se a interpretaccedilatildeo construiacuteda neste trabalho sobre as marcas com o

120

termo roccedila a partir da anaacutelise de conteuacutedo com as respostas dos produtores

distribuidores e consumidores sobre os usos e significados deste termo nos bens e

serviccedilos Este pareamento permitiu perceber as mesmas tendecircncias entre as duas

anaacutelises com algumas nuances que seratildeo discutidas adiante Em geral as categorias se

repetiram conforme eacute possiacutevel notar nos Quadros 5 e 6 a seguir

QUADRO 5 ndash Categorias dos significados dos produtosserviccedilos com a marca roccedila segundo os produtoresdistribuidores

CAMPO

RURAL

NATUREZA

TRADICcedilAtildeO

ROMAcircNTICO-NOSTAacuteLGICA

MINAS GERAIS

aacuterea rural cultura natureza como funcionava antigamente

nostaacutelgico tiacutepico da alimentaccedilatildeo

mineira siacutetio modo de vida alimento sem

agrotoacutexico tiacutepico canto tranquilo arquitetura

das casas das antigas

fazendas mineiras

antiga fazenda

homem rural alimento sem quiacutemica

comida tiacutepica paz

lavoura cultura do sertatildeo

brasileiro

orgacircnico resgata a origem interiorana

aconchego

agronegoacutecio raiacutezes lembraremete agrave infacircncia

procedecircncia do interior

fartura lembraremete agrave fazenda

simplicidade lembraremete ao interior

ruacutestico lembraremete ao campo

sabor uacutenico lembraremete agrave tranquilidade do

interior

artesanalcaseiro lembraremete agraves feacuterias nas

casas das avoacutes

produccedilatildeo caseira versus

produccedilatildeo industrial

lembraremete agrave eacutepoca em que

morava na fazenda

produccedilatildeo manual

natildeo tem seloroacutetulo

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

121

As categorias das respostas dos produtoresdistribuidores a respeito dos

significados do termo roccedila nas marcas foram as mesmas inferidas para a anaacutelise de

conteuacutedo das marcas feitas anteriormente nos seguintes casos ldquoRoccedila como sinocircnimo

de campordquo ldquoRoccedila como sinocircnimo de ruralrdquo ldquoRoccedila como naturezardquo ldquoRoccedila como

tradiccedilatildeordquo ldquoRoccedila romacircntico-nostaacutelgicardquo e ldquoRoccedila como referecircncia agrave Minas Geraisrdquo As

categorias ldquoRoccedila estilizadardquo e ldquoRoccedila caipirardquo que figuraram no resultado da anaacutelise de

conteuacutedo das marcas natildeo foram identificadas nas respostas dos

produtoresdistribuidores As palavras consideradas para serem inclusas nas categorias

ldquocampordquo ldquoruralrdquo e ldquotradiccedilatildeordquo apresentaram uma maior diversidade que aquelas do

repertoacuterio das marcas A maior variedade do vocabulaacuterio deve-se ao fato de tratarem-se

no caso das entrevistas de gecircneros do discurso simples ou seja oral e complexo ou

escrito no caso das marcas conforme jaacute discutido com base em Bakhtin (2003)

Da mesma forma a anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica das respostas dos

consumidores considerou os aportes teoacutericos Poreacutem ao se considerar os dados

empiacutericos notaram-se alguns diferenciais e a emergecircncia de uma gama de significados

que levaram agrave constituiccedilatildeo de novas categorias embora algumas tenham se repetido

conforme ilustra o Quadro 6 abaixo

122

QUADRO 6 ndash Categorias dos significados dos produtosserviccedilos com a marca roccedila segundo os consumidores

NATUREZA TRADICcedilAtildeO ROMAcircNTICO-NOSTAacuteLGICA

LOCAL ORIGEM VALOR

natural eacute melhor que

industrializado

tradicional infacircncia ligaccedilatildeo com o loacutecus

geograacutefico

origem dar valor

menos conservantes

original gostoso produccedilatildeo local

procedecircncia valorizar o pequeno produtor

menos agrotoacutexicos

artesanal cultura local

interior valor que a famiacutelia deu ao

plantar e cuidar da terra

menos quiacutemicos

como foi feito artesanato com a

esteacutetica local

saber de onde vem o industrial natildeo se sabe

confianccedila

natildeo transgecircnico

manuseio sustentar a economia

local

qualidade

ser da terra feito agrave matildeo selo garantia e

rastreabilidade

na cidade grande eacute tudo

embalado

feito pelo proacuteprio

vendedor

informaccedilatildeo preccedilo e

alimento orgacircnico modo simples

e familiar de produzir

fresco confecccedilatildeo com esmero

versus industrial em larga escala

sauacutedesaudaacutevel saborsaboroso

qualidade de vida

puro

energia pura

vidavitalidade

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

Nota-se uma convergecircncia entre produtoresdistribuidores e consumidores ao

classificarem um produtoserviccedilo da roccedila a partir de atributos que os identificam agrave

tradiccedilatildeo ao aspecto natural e a uma visatildeo romacircntica e nostaacutelgica do que significam

esses produtos Entretanto percebeu-se algumas diferenccedilas na classificaccedilatildeo dos

123

produtosserviccedilos da roccedila entre os produtoresdistribuidores e os consumidores

Enquanto os primeiros costumavam justificar a escolha da marca roccedila para seu produto

ou serviccedilo devido ao fato de seu estabelecimento se localizar no campo os

consumidores tendiam a apontar como atributo desses produtos o fato de serem locais

em detrimento da sua identificaccedilatildeo rural O uso do termo local pelos consumidores pode

se referir ao produtoserviccedilo proveniente do campo mas tambeacutem pode se referir agrave

cidade de pequeno porte e vocaccedilatildeo rural ao interior ao regional e agrave identidade

comunitaacuteria De acordo com Lamine (2015) a perspectiva da relocalizaccedilatildeo tem sido

uma alternativa possiacutevel aos sistemas agroalimentares convencionais uma vez que seu

foco reside na relaccedilatildeo direta entre produtores e consumidores embora esta autora teccedila

uma criacutetica aos limites desse paradigma que seratildeo discutidos posteriormente

Os consumidores tambeacutem mencionaram dados que consideram levar em conta

na tomada de decisatildeo para consumir um produto da roccedila tais como preccedilo informaccedilotildees

qualidade confianccedila garantia selo e rastreabilidade Esses dados satildeo considerados

pelos consumidores no julgamento do valor que estatildeo dispostos a pagar pelo produto

principalmente pela forma como foi produzido em termos ambientais sociais e

econocircmicos tratando-se de um processo natildeo soacute de valoraccedilatildeo mas tambeacutem de

valorizaccedilatildeo e reconhecimento de determinadas praacuteticas produtivas nos termos do que

apontaram Baudrillard (1972) e Sahlins (2003) a respeito de como o valor social

determina o valor econocircmico dos bens E assim como jaacute havia sido constatado no caso

da anaacutelise leacutexico-sintaacutetica das marcas com o termo roccedila a origem eou procedecircncia dos

bens satildeo atributos estimados pelos consumidores e estatildeo para estes associados agrave

palavra roccedila e tambeacutem satildeo considerados em termos da valorizaccedilatildeo do que seraacute

consumido como apontou Santos (2014) Nesse sentido aleacutem das categorias ldquoRoccedila

como naturezardquo ldquoRoccedila como tradiccedilatildeordquo e ldquoRoccedila romacircntico-nostaacutelgicardquo jaacute identificadas

nas marcas e nas respostas dos produtoresdistribuidores entrevistados para as respostas

dos consumidores diante dos dados apresentados constituiu-se as categorias ldquoRoccedila

como sinocircnimo de localrdquo ldquoRoccedila como indicaccedilatildeo de origemrdquo e ldquoRoccedila como um valorrdquo

Os produtoresdistribuidores atribuiacuteram ao seu produto ou serviccedilo um roacutetulo

com o uso do termo roccedila referindo-se tambeacutem ao fato de seus estabelecimentos

estarem localizados num siacutetio fazenda no campo no interior ou vinculados agrave lavoura

Nesse caso demonstra-se a reproduccedilatildeo do sentido primaacuterio da palavra roccedila identificado

pelos estudos das Ciecircncias Sociais roccedila como sinocircnimo de lavoura e por metoniacutemia de

124

campo Mas o argumento mais utilizado pelos produtoresdistribuidores foi o de que seu

produto ou serviccedilo teria uma caracteriacutestica ligada ao que se considera como tradicional

revestido de imaginaacuterio e memoacuterias que ganham um tom nostaacutelgico e romacircntico Essa

dimensatildeo nostaacutelgica e romacircntica identificada nas analogias feitas pelos

produtoresdistribuidores em relaccedilatildeo agrave marca roccedila eacute encontrada nos apelos agrave memoacuteria

(pela proacutepria palavra nostalgia e pelas declaraccedilotildees de que roccedila remetelembra a infacircncia

a fazenda o campo o interior as feacuterias na casa das avoacutes) e tambeacutem agrave imaginaccedilatildeo (o

aconchego a tranquilidade e a paz) no sentido de que se projeta a possibilidade de viver

esses estados de espiacuterito no campo nos termos que foram discutidos por Silva (2009) a

respeito dos leitoresassinantes paulistanos da Revista Globo Rural

O apelo agrave tradiccedilatildeo ao saber-fazer artesanal presentes na fabricaccedilatildeo do produto

ou na prestaccedilatildeo do serviccedilo teria assim a pretensatildeo de reviver dimensotildees relativas ao

ldquojeito como era antesrdquo Nesse sentido percebe-se como a tradiccedilatildeo entendida aqui nos

termos de Karl Mannheim (1986) como uma tendecircncia dos indiviacuteduos ou grupos a se

apegar a velhas formas de vida sendo contraacuterio agraves mudanccedilas pode ser percebida na fala

dos produtores ao situarem a produccedilatildeo caseira ou artesanal num patamar hieraacuterquico

superior ao processo industrial Mannheim (1986) tambeacutem aponta para a presenccedila de

elementos maacutegicos da consciecircncia aos quais a tradiccedilatildeo estaria relacionada o que no

caso dos produtoresdistribuidores se expressa na visatildeo romacircntica e nostaacutelgica de que

os bens da roccedila teriam os atributos referentes agrave infacircncia ao campo agrave tranquilidade agraves

lembranccedilas da casa da avoacute ou da vida na fazenda Por outro lado pode-se perceber que

mesmo os produtos ou serviccedilos elaborados de forma industrializada eou sofisticada

tambeacutem eram classificados como tradicionais segundo criteacuterios proacuteprios o que

corrobora com a afirmaccedilatildeo de Lifschitz (2011) a respeito do uso de meios de produccedilatildeo

modernos para criar elementos tradicionais como uma estrateacutegia de resistecircncia poliacutetica

Esse comportamento ficou evidente e pode ser ilustrado pela forma como uma atendente

descreveu os criteacuterios para considerar uma cachaccedila como sendo da roccedila

Satildeo dois tipos de cachaccedila uma de pequena produccedilatildeo de alambique de cidade do interior considerada como cachaccedila da roccedila (artesanal) mas eacute selada e rotulada a outra eacute industrializada utiliza marketing eacute uma empresa grande e a cachaccedila pode ser encontrada em qualquer supermercado pois eacute de larga distribuiccedilatildeo As primeiras tecircm gostinho da cana satildeo armazenadas nos barris de madeiras como baacutelsamo carvalho e umburana Em Salinas-MG haacute mais de 200 alambiques de pequena produccedilatildeo (Atendente de cachaccedilaria do Mercado Central Belo Horizonte outubro de 2014)

125

A contraposiccedilatildeo feita pelos produtoresdistribuidores entre o tradicional e o

industrial passa tambeacutem pela designaccedilatildeo do ldquotiacutepicordquo das raiacutezes e do apelo agraves origens

que tecircm certa conexatildeo com as ideias por eles expressas a respeito do ldquotiacutepico mineirordquo e

da roccedila como uma cultura um modo de vida que representaria o ldquohomem ruralrdquo ou a

ldquocultura do sertatildeordquo Este modo de vida tiacutepico mineiro ou natildeo se pauta para estes

produtoresdistribuidores no saber-fazer que se relacionaria ao fato de estarem

localizados realmente no campo de produzirem em pequena escala com mateacuteria-prima

local com teacutecnicas antigas informadas por saberes populares sem uso de tecnologia

sem rotulagem Essas caracteriacutesticas satildeo traduzidas pela expressatildeo produccedilatildeo

artesanalcaseira que costumam ainda estar relacionadas agraves caracteriacutesticas naturais do

produto ou seja sem uso de insumos quiacutemicos

Assim como apontaram os produtoresdistribuidores os consumidores tambeacutem

sinalizaram como criteacuterio de identificaccedilatildeo de um produto ou serviccedilo da roccedila aqueles

oriundos da produccedilatildeo caseira ou artesanal sempre indicando como seu polo oposto a

produccedilatildeo industrial Nesse sentido uma expressatildeo natildeo esperada que sintetizasse essa

visatildeo foi o fato de principalmente os consumidores considerarem que o uso da marca

roccedila natildeo seria garantia de que o produto fosse realmente da roccedila de acordo com seus

proacuteprios criteacuterios de classificaccedilatildeo Essa visatildeo apareceu de diferentes formas dividindo

os consumidores entre aqueles que i) consideram a marca roccedila o marcador necessaacuterio

para indicar o produto que busca portanto auxiliando a sua identificaccedilatildeo ii) aqueles

que consideram que soacute o fato de existir a marca jaacute indicaria que o produto era resultado

de um processo industrial e portanto natildeo poderia ser classificado como da roccedila iii)

aqueles que natildeo consumiriam um produto com a marca roccedila mas consumiriam um

produto ldquodardquo roccedila e iv) aqueles que ateacute consumiriam um produto com a marca roccedila

mas avaliariam sua origem procedecircncia qualidade e o contexto local Boa parte dos

consumidores e ateacute mesmo alguns produtoresdistribuidores baseados nas preferecircncias

de seus consumidores declararam que para considerarem um produto como original da

roccedila ele natildeo deveria ser embalado rotulado eou ldquoseladordquo Esta era uma forma geneacuterica

dos entrevistados especialmente os consumidores expressarem a sua preferecircncia por

alimentos natildeo industrializados nem mesmo os minimamente processados Identificou-

se nesse caso um contraste entre as preferecircncias dos consumidores e as regulaccedilotildees do

mercado quanto a embalagens rotulagens registro de marcas selos certificaccedilotildees e

fiscalizaccedilatildeo dos oacutergatildeos competentes

126

No Brasil a embalagem e a rotulagem dos alimentos em geral possuem uma

seacuterie de regulamentaccedilotildees que satildeo definidas e fiscalizadas por diversos oacutergatildeos

governamentais tais como a Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria (ANVISA) por

meio da Resoluccedilatildeo RDC no 2592002 o Ministeacuterio da Sauacutede o Ministeacuterio da

Agricultura Pecuaacuteria e Abastecimento (MAPA) e o Instituto Nacional de Metrologia

Normalizaccedilatildeo e Qualidade Industrial (INMETRO) Foi entendido que o termo ldquoselordquo

conforme relatado pelos consumidores se trata de maneira geral de um tipo de

identificaccedilatildeo na embalagem ou roacutetulo que confere ao produto procedecircncia de origem

qualidade e ateacute mesmo certificaccedilatildeo no caso de um produto orgacircnico O MAPA

desenvolve uma seacuterie de accedilotildees atraveacutes de regulamentaccedilotildees especiacuteficas para cada tipo de

produto com o objetivo de garantir a legitimidade de informaccedilotildees sobre o produto e a

empresa e os padrotildees de certificaccedilatildeo orgacircnica e qualidade da mateacuteria-prima e produccedilatildeo

de acordo com padrotildees oficiais (MAPA 2015)

Acredita-se que os consumidores ao menos aqueles entrevistados nesta

pesquisa dominem minimamente informaccedilotildees a respeito dos padrotildees de inspeccedilatildeo e

qualidade que regem o processo industrial no Brasil e a legitimidade dos dados contidos

nos roacutetulos dos produtos Supotildee-se que sua negaccedilatildeo agraves marcas roacutetulos embalagens

ldquoselosrdquo e de forma intriacutenseca ao produto industrial preterindo-o no lugar do

caseiroartesanal tradicional e natural seja uma criacutetica agrave forma de vida na sociedade

moderna industrial e urbanizada comparando-a a um modo de vida mais simples puro

natural e bucoacutelico assim como relataram Eacuteboli (2007) Elias (2001) Silva (2009) e

Williams (2011) em diferentes contextos e sociedades Nesse sentido a principal

referecircncia dos consumidores a respeito dos produtos da roccedila eacute a sua associaccedilatildeo com a

natureza

A relaccedilatildeo que os consumidores fazem entre o produto da roccedila e a natureza

baseia-se numa contraposiccedilatildeo entre este e o produto industrializado Portanto a

concepccedilatildeo de um produto natural para os consumidores estaacute associada agraves suas

condiccedilotildees de produccedilatildeo ldquosem agrotoacutexicosrdquo ldquosem quiacutemicardquo ldquomenos conservantesrdquo

ldquoorgacircnicordquo ldquonatildeo eacute transgecircnicordquo Por isso as ideias de roccedila como natureza nas respostas

dos consumidores vinham diretamente atreladas agrave tradiccedilatildeo em termos da produccedilatildeo

ldquoartesanalrdquo ldquocaseirardquo ldquofeita agrave matildeordquo ldquoconfecccedilatildeo com esmero ao contraacuterio do

industrialrdquo ldquomodo simples e familiar de produzirrdquo daiacute sua associaccedilatildeo com o local e a

procedecircncia A preferecircncia demonstrada pelos consumidores por consumir um produto

127

ldquoda roccedilardquo em detrimento ao industrializado revela a sua associaccedilatildeo com ideais como

ldquopurordquo ldquovitalrdquo ldquoenergia purardquo ldquofrescordquo pautando-se natildeo soacute por uma preocupaccedilatildeo com

a sauacutede e a qualidade de vida e a conservaccedilatildeo ambiental mas fazendo mesmo um

contraponto agrave sociedade industrial ldquomelhor que o industrialrdquo ldquosabe de onde vem o

industrial natildeo se saberdquo Essas ideias entrelaccedilam-se agrave postura dos consumidores quanto agrave

ldquoconfianccedilardquo ldquooriginalidaderdquo ldquoqualidaderdquo e autenticidade que o produto da roccedila parece

despertar em suas consciecircncias o que determina seu processo de valoraccedilatildeo por meio do

consumo como uma forma de valorizar um determinado modo de vida e de produccedilatildeo

marcado pela ldquosimplicidaderdquo ldquopelo esmerordquo ldquopela forma familiarrdquo pelo ldquofeito agrave matildeordquo

pelo ldquocuidado com a terrardquo e pelo ldquovalor que a famiacutelia deu ao plantar e cuidar da terrardquo

Esses valores que a ldquoproacutepria famiacutelia deu ao plantarrdquo parecem ser transferidos para a

valor(iz)accedilatildeo do produto da roccedila pelo consumidor

Nesse sentido a forte associaccedilatildeo feita pelos consumidores entre o produto

alimentar da roccedila e a natureza encontra correspondecircncia no processo de triangulaccedilatildeo

proposto pelo paradigma dos sistemas agroalimentares territoriais de Lamine (2015)

que reconecta o alimento a agricultura e o meio ambiente O significado de roccedila parece

corresponder a essa triacuteade na visatildeo dos consumidores O que as respostas desses

consumidores traduzem portanto enquanto significado da roccedila eacute a percepccedilatildeo de um

rural natureza nos termos como o descreveram Anjos e Caldas (2014) e Eacuteboli (2007)

que adquire um novo valor a partir de suas novas funccedilotildees ligadas agrave conservaccedilatildeo

ambiental conforme indicam autores como Abramovay (1994) e Entrena-Duraacuten (2012)

engendrando novas dinacircmicas no campo e reinventando o imaginaacuterio de um rural

revalorizado Ao se confrontar as categorias de significados que resultaram da anaacutelise

de conteuacutedo categoacuterica ou temaacutetica sobre as marcas com o termo roccedila e as respostas dos

produtoresdistribuidores e consumidores dessa marca depara-se com o seguinte

quadro que revela a presenccedila dessa categoria e o grau de associaccedilatildeo com cada

significado para cada unidade estudada

128

QUADRO 7 ndash Comparaccedilatildeo das categorias de significados CAMPO RURAL NATUREZA TRADICcedilAtildeO ROMAcircNTICO-

NOSTAacuteLGICA

ROCcedilA

ESTILIZADA

MINAS

GERAIS

CAIPIRA

Marcas +++ ++ + + +++ +++ + +

Produtores

eou

distribuidores

+ + + +++ +++ +

Consumidores +++ +++ +

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

Desse quadro pode-se inferir que a anaacutelise dos significados das marcas de

produtos e serviccedilos com o nome roccedila revelou que a maior parte delas sugere uma

associaccedilatildeo com a ideia de que roccedila denotava campo no sentido de espaccedilo fiacutesico e

menos fortemente rural no sentido de modo de vida Se por um lado na marca

sugeria-se uma imagem romacircntica e nostaacutelgica por meio da palavra roccedila por outro

tambeacutem se indicava que natildeo era uma roccedila ldquoatrasadardquo ldquojecardquo ldquosubdesenvolvidardquo mas

moderna sofisticada urbanizada traduzida na ideia de uma ldquoroccedila estilizadardquo Entre os

produtores e distribuidores de bens e serviccedilos com a marca roccedila as ideias mais

associadas ao uso dessa palavra no seu ramo de atividades eram aleacutem de romantismo e

nostalgia tradiccedilatildeo especialmente no que tange a uma forma de produzir conforme o

jeito antigo artesanal Entre os consumidores de produtos e serviccedilos com a marca roccedila

ou simplesmente da roccedila os significados mais presentes tambeacutem remetiam agrave tradiccedilatildeo

enquanto modo artesanal e simples de se produzir mas principalmente de natureza

Ao confrontar os significados mais fortemente associados agrave palavra roccedila como

marca de produtos e serviccedilos nas trecircs esferas analisadas pode-se afirmar que o uso dessa

categoria materializada nos objetos de consumo transmitiu como significado

principalmente a origem destes resultado da produccedilatildeo agriacutecola feita no ldquocampordquo Mas

assim como assinala Santos F (2006) a palavra roccedila eacute sinocircnimo de rural mas natildeo de

qualquer rural Aqui tambeacutem ela denotou um produto feito pelos pequenos proprietaacuterios

e suas famiacutelias que produzem conforme um modo de vida que pode ser sintetizado

como ldquorural e tradicionalrdquo marcado pela produccedilatildeo em pequena escala sem uso de

tecnologias que resultam num produto ldquonaturalrdquo e numa relaccedilatildeo proacutepria com a

ldquonaturezardquo que por se diferir do modelo de vida contemporacircneo reveste-se de uma

imagem ldquoromacircntica e nostaacutelgicardquo E se a anaacutelise de indicou um conjunto de marcas que

mesclam a roccedila com o urbano o estrangeiro e a sofisticaccedilatildeo que se traduz como

129

ldquoestilizadardquo pode-se tambeacutem pensar de que maneira esse significado tambeacutem natildeo

sugere que preferir oferecer ou consumir um produto ou serviccedilo da roccedila ldquovindo do

campo natural tradicional e nostaacutelgicordquo denota um ldquoestilordquo recheado de valores

130

3 O MERCADO CENTRAL O CANTINHO DA ROCcedilA NA CAPITAL

MINEIRA

31 O mercado e a nova capital

Conforme jaacute foi exposto um dos loacutecus escolhido para a pesquisa de campo

onde se efetuou a observaccedilatildeo participante e a aplicaccedilatildeo de questionaacuterios a produtores

distribuidores e consumidores de produtos e serviccedilos com a marca roccedila foi o Mercado

Central tradicional mercado de alimentos bebidas e artesanato de Belo Horizonte em

Minas Gerais A histoacuteria do Mercado Central confunde-se com a histoacuteria desta capital

que foi construiacuteda de forma planejada no final do seacuteculo XIX O Mercado eacute hoje

considerado um dos siacutembolos de Belo Horizonte por isso seraacute feita uma breve

explanaccedilatildeo nas proacuteximas paacuteginas sobre a construccedilatildeo da capital mineira e como o

Mercado Central figura na histoacuteria da cidade delineando suas caracteriacutesticas

consideradas relevantes para esta pesquisa

Belo Horizonte capital do estado de Minas Gerais localiza-se na regiatildeo Central

e faz parte da Microrregiatildeo Metropolitana de acordo com as informaccedilotildees

disponibilizadas no site do Estado sob o tiacutetulo Regiotildees de Planejamento (MINAS

GERAIS 2015) composta por 34 municiacutepios conforme constava na seccedilatildeo Regiatildeo

Metropolitana de Belo Horizonte disponiacutevel no site da prefeitura (PREFEITURA

MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE 2015) A populaccedilatildeo de Belo Horizonte era de

2375151 habitantes em 2010 sendo totalmente urbana (IBGE 2015) e somada agrave

populaccedilatildeo da regiatildeo metropolitana perfaz um total de 5414701 residentes segundo as

informaccedilotildees da seccedilatildeo BH em nuacutemeros da paacutegina virtual da prefeitura (PREFEITURA

MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE 2015)

131

FIGURA 21 ndash Localizaccedilatildeo de Belo Horizonte-MG

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira no software QGIS 21 utilizando o banco de dados

ldquoLimitesrdquo da Base Cartograacutefica Vetorial do Brasil (BASE [2007]) disponibilizado pelo portal de mapas do IBGE no endereccedilo

ftpgeoftpibgegovbrmapeamento_sistematicobase_vetorial_continua_escala_250mil Acesso em 04 ago 2015

A cidade de Belo Horizonte foi criada em 1897 para ser a nova capital de Minas

Gerais que ateacute entatildeo se sediava na cidade histoacuterica de Vila Rica atual Ouro Preto A

transferecircncia da capital mineira passou a ser fortemente debatida a partir de 1890

impulsionada pela Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica em 1889 num contexto poliacutetico e

intelectual marcado pelo republicanismo e federalismo e pautado no discurso positivista

de ldquoordem e progressordquo ldquoliberdaderdquo ldquociecircnciardquo ldquomoralidaderdquo ldquohigienismordquo e

ldquoracionalidaderdquo numa tentativa de romper com o passado histoacuterico escravocrata

monarquista e arcaico (BRAGA 2010 FILGUEIRAS 2006)

Embora algumas justificativas de mudanccedila da capital mineira centravam-se nas

limitaccedilotildees impostas pela topografia e pela arquitetura de Ouro Preto que traziam

obstaacuteculos a obras de saneamento e expansatildeo urbana conforme Borsagli (2010) autores

como Braga (2010) Filgueiras (2006) e Souza e Chaves (2011) ressaltam as disputas

poliacuteticas e de poder que envolveram a transferecircncia do centro poliacutetico-administrativo de

Minas Gerais No seacuteculo XIX a vida econocircmica na regiatildeo de Ouro Preto havia passado

132

por uma readaptaccedilatildeo devido agrave decadecircncia da exploraccedilatildeo de ouro enquanto outras

regiotildees do Estado como a Zona da Mata e o Sul prosperavam por meio da produccedilatildeo

agriacutecola surgindo nesses espaccedilos lideranccedilas poliacuteticas que contrabalanccedilavam o poder

centralizado na capital Nesse sentido a distacircncia e as limitaccedilotildees de comunicaccedilatildeo e

transporte dificultavam a integraccedilatildeo e o intercacircmbio entre as regiotildees proacutesperas e o

centro poliacutetico administrativo mineiro motivando a proposta de mudanccedila da capital

pelo grupo que ficou conhecido como ldquomudancistasrdquo Num primeiro momento havia o

desejo de sediar a capital do Estado em cidades pertencentes agraves regiotildees da Zona da Mata

e Sul intenccedilatildeo que natildeo foi concretizada jaacute que o planejamento de mudanccedila da capital

apresentou como soluccedilatildeo a construccedilatildeo da nova sede no Arraial Curral Del Rey na

regiatildeo central do Estado (BRAGA 2010 FILGUEIRAS 2006 SOUZA CHAVES

2011) Aleacutem dessas motivaccedilotildees Braga (2010) aponta para a existecircncia jaacute nos fins do

seacuteculo XIX de um desejo de preservaccedilatildeo do patrimocircnio histoacuterico e cultural no Brasil

cujo foco inicial era Ouro Preto defendido principalmente pelos representantes do ldquonatildeo-

mudancismordquo ou seja pelo grupo que lutava contra a mudanccedila da capital de Ouro

Preto

A nova capital Belo Horizonte chamada na eacutepoca de Cidade de Minas foi

inaugurada em 1897 sendo a primeira capital planejada no Brasil De acordo com

Filgueiras (2006) o primeiro Mercado Municipal de Belo Horizonte foi construiacutedo em

1900 para suprir o abastecimento da cidade que ateacute entatildeo era feito pelas colocircnias

agriacutecolas que existiam nos arredores da capital pelo comeacutercio ambulante e pelas

mercearias da iniciativa privada de secos e molhados Apesar deste mercado ter sido

ampliado em 1913 para atender agrave demanda crescente devido ao aumento da populaccedilatildeo

em 1920 a cidade passou por uma crise de abastecimento o que gerou pressotildees

puacuteblicas pela garantia da oferta de produtos alimentiacutecios na cidade conforme aponta a

mesma autora Neste contexto em 1929 criou-se o novo Mercado no local onde se

encontra o atual Mercado Central visando resolver estes problemas de abastecimento

bem como as condiccedilotildees de ldquohigienerdquo e esteacutetica precarizadas no antigo mercado

Visando ainda incentivar uma maior ocupaccedilatildeo do centro da cidade o Mercado foi

estrategicamente construiacutedo na regiatildeo central num quarteiratildeo onde se localizava um

antigo campo de futebol proacuteximo agrave Praccedila Raul Soares entre as ruas Goitacazes

Curitiba Santa Catarina e Avenida Augusto de Lima o que lhe confere oito entradas

133

distintas tambeacutem possibilitadas pelo seu formato labiriacutentico (SARAIVA CARRIERI

SOARES 2014)

Na deacutecada de 1930 o novo Mercado Municipal ofertava no atacado e no varejo

frutas verduras carnes e laticiacutenios enquanto na deacutecada seguinte conforme ressalta

Filgueiras (2006) jaacute se destacava a sua diversificaccedilatildeo de produtos Nos anos 1950 o

mercado ainda era o principal centro de abastecimento de hortifrutigranjeiros no

atacado e no varejo da cidade mas jaacute apresentava uma dificuldade de atendimento agrave

demanda sempre ampliada em virtude do crescimento populacional exponencial Aleacutem

disso o Mercado jaacute refletia os problemas urbanos das grandes cidades na jovem Belo

Horizonte congestionamento nos arredores aglomeraccedilatildeo de ambulantes e vendedores

e problemas de infraestrutura e higiene (FILGUEIRAS 2006) A autora tambeacutem

destaca o fato de que nessa deacutecada foi inaugurado o primeiro supermercado da capital

Todos esses problemas levaram a prefeitura agrave decisatildeo de privatizar o Mercado

Municipal em 1964 O mercado foi comprado pelos proacuteprios comerciantes que nele

atuavam atraveacutes da formaccedilatildeo de uma cooperativa passando a se chamar desde entatildeo

Mercado Central Abastecimentos e Serviccedilos SC Belo Horizonte (ALVES 2012)

FIGURA 22 ndash Fachada do Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Em atendimento agraves exigecircncias da licitaccedilatildeo de venda do mercado pela prefeitura

a cooperativa realizou uma seacuterie de reformas neste entre 1967 e 1975 cujo maior

destaque eacute a sua cobertura perdendo seu aspecto de feira livre e tornando-se mais

parecido com um galpatildeo embora seu formato labiriacutentico tenha sido mantido

(FILGUEIRAS 2006) O Mercado continuou passando por reformas ao longo dos anos

e segundo Costa (2006) as melhorias agora satildeo direcionadas para a oferta de

134

seguranccedila comodidade acessibilidade logiacutestica administraccedilatildeo e sistemas de

comunicaccedilatildeo e divulgaccedilatildeo das suas accedilotildees institucionais

Para Filgueiras (2006) aleacutem da privatizaccedilatildeo e das transformaccedilotildees fiacutesicas foi

tambeacutem na deacutecada de 1960 que teria comeccedilado a se instituir um imaginaacuterio sobre o

Mercado Central como um ponto de encontro e um espaccedilo acolhedor que jaacute contrastava

com a agitaccedilatildeo da cidade Pois nas deacutecadas seguintes o Mercado Central passou a

conviverconcorrer com a abertura de novos supermercados e com a criaccedilatildeo da Central

de Abastecimento de Minas Gerais SA (CEASA) nos anos 1970 com o primeiro

shopping center e grandes redes de abastecimento (Carrefour Extra) nos anos 1980

aleacutem de competir com os comeacutercios varejistas dos bairros desde as primeiras deacutecadas de

sua existecircncia (FILGUEIRAS 2006) Estes desafios teriam levado o Mercado Central a

sobreviver ressignificando suas funccedilotildees tornou-se tambeacutem espaccedilo de encontro lazer

turismo e cultura na capital aleacutem de abastecimento alimentar encerrando portanto

valores culturais mineiros expressos nos alimentos na gastronomia e no artesanato

(AGUIAR 2012)

Assim para Filgueiras (2006) na deacutecada de 1990 e iniacutecio dos anos 2000 o

Mercado Central teria deixado de ser um protagonista comercial de Belo Horizonte e

teria em contrapartida se tornado um patrimocircnio um marco simboacutelico que representa

os valores a cultura e os aspectos simboacutelicos do mineiro e em especial do belo-

horizontino Para a autora em parte isto se deveu agrave accedilatildeo da Prefeitura de Belo

Horizonte que em ocasiatildeo das comemoraccedilotildees do centenaacuterio da cidade em 1997

promoveu a apropriaccedilatildeo do Mercado Central como ponto turiacutestico da cidade e espaccedilo

simboacutelico da memoacuteria e da cultura mineira e belo-horizontina Desde entatildeo o puacuteblico

do Mercado teria crescido exponencialmente da meacutedia de trecircs mil visitantes diaacuterios em

1998 para a meacutedia de 26 mil frequentadores diaacuterios em 200516 (FILGUEIRAS 2006)

Autores apontam desde entatildeo o Mercado Central como um espaccedilo que reserva

aspectos da cultura e da memoacuteria mineira mas tambeacutem de relaccedilotildees sociais tradicionais

marcadas pela informalidade pela descontraccedilatildeo pela sociabilidade e pelo acolhimento

reproduzindo modos de vida passados e que remetem ao rural e agrave roccedila (COSTA 2006

FILGUEIRAS 2006 NETTO 2012) Segundo Filgueiras (2006 p 114) o Mercado

teria elementos que ldquoassociados agrave memoacuteria e agrave cultura regional conferem-lhe tambeacutem

16 Segundo reportagem veiculada no jornal Hoje em Dia em 2012 a meacutedia de puacuteblico do Mercado Central era de 14 milhatildeo por mecircs o que daria uma meacutedia de 46500 visitantes diaacuterios (CORREcircA 2012)

135

um forte caraacuteter luacutedico transformando-o numa espeacutecie de museu que guarda vestiacutegios

ainda vivos do mundo rural e de outros tempos e modos de vidardquo A autora ressalta que

o Mercado se destaca natildeo soacute pela venda de produtos tradicionais mas tambeacutem pelas

relaccedilotildees sociais nele estabelecidas entre vendedores e consumidores e entre os proacuteprios

frequentadores que reproduziriam aspectos ldquode antigamenterdquo

Ainda hoje a localizaccedilatildeo central do Mercado e seu caraacuteter tradicional satildeo reconhecidos como os dois pilares de sustentaccedilatildeo da sua importacircncia para a cidade Suas caracteriacutesticas ldquopopularesrdquo ou ldquotiacutepicasrdquo natildeo se resumem agraves mercadorias mas estatildeo tambeacutem relacionadas a uma praacutetica de comeacutercio onde o reconhecimento do outro a informalidade e a conversa ainda estatildeo presentes Aleacutem disso eacute recorrente a associaccedilatildeo do Mercado com haacutebitos e costumes que lembram o mundo rural o cotidiano da roccedila [] (FILGUEIRAS 2006 p 105 grifo da autora)

Nesse sentido Filgueiras (2006) destaca que numa pesquisa realizada em 1999

pela Empresa Municipal de Turismo (BELOTUR) ligada agrave Secretaria de Cultura

Turismo e Esportes de Belo Horizonte o Mercado Central era o ponto turiacutestico mais

reconhecido pelos belo-horizontinos Alguns autores afirmam que o Mercado figura

como uma forma de se ldquorevisitar a cultura mineira seus queijos seus doces a

hospitalidade e a interioridade o sossego a devoccedilatildeo religiosa e o apego agraves tradiccedilotildeesrdquo

(SOARES et al 2007 p 5) No site do Governo do Estado de Minas destaca-se que

no Mercado os produtos mais procurados satildeo a goiabada a cachaccedila da roccedila e o famoso

queijo de Minas conforme a mateacuteria Mercado Central (MINAS GERAIS 2015)

Conforme se ressaltou no capiacutetulo anterior o queijo foi um dos bens mais lembrados

pelos entrevistados como um produto da roccedila O Mercado Central eacute um grande

distribuidor desse produto jaacute que Netto (2012) constatou em pesquisa realizada em

2009 a existecircncia de cerca de 30 queijarias que vendiam no varejo aproximadamente

18 toneladas do queijo artesanal mineiro por semana Trata-se dos queijos artesanais

feitos com leite cru elaborados por agricultores de base familiar vindos especialmente

das cidades mineiras de Araxaacute Satildeo Roque de Minas (Serra da Canastra) Serro e Serra

do Salitre

No contexto contemporacircneo de acordo com Alves (2012) o Mercado Central

possui mais de 400 lojas de diversos ramos varejistas consideradas como micro e

pequenas empresas que empregam 2200 pessoas das quais 197 seriam funcionaacuterios do

proacuteprio Mercado A oferta de produtos eacute diversificada alimentos ervas e produtos

136

naturais bebidas utensiacutelios domeacutesticos decoraccedilatildeo artesanato moacuteveis drogaria

animais de estimaccedilatildeo alimentaccedilatildeo entretenimento confecccedilatildeo dentre outros negoacutecios

(ALVES 2012)

De acordo com Filgueiras (2006) a grande maioria dos frequentadores do

Mercado eacute proveniente da proacutepria capital e quase metade o frequenta semanalmente A

autora ressalta que o puacuteblico que o visita nos dias uacuteteis da semana direciona-se

prioritariamente ao comeacutercio hortifrutigranjeiro e aos bares e restaurantes Nos finais de

semana ressalta o movimento nos bares e restaurantes e o aumento do puacuteblico elitizado

residente na Zona Sul aacuterea nobre de Belo Horizonte Embora os autores consultados

destaquem a diversidade do puacuteblico que frequenta o Mercado sendo esta inclusive

uma de suas caracteriacutesticas mais ressaltadas para valorizar seu caraacuteter acolhedor eacute

possiacutevel notar a presenccedila de um puacuteblico tambeacutem de renda meacutediaalta mesmo nos dias

uacuteteis da semana Nesse sentido Costa (2006) destaca como os preccedilos dos produtos

tendem a ser elevados em virtude da sua diversidade e qualidade natildeo oferecendo

portanto um perfil de mercado popular de forma generalizada De acordo com autores

como Filgueiras (2006) o puacuteblico tiacutepico do Mercado eacute composto por donas de casa

trabalhadores e comerciantes da regiatildeo central estudantes famiacutelias e personalidades

como poliacuteticos e intelectuais

Este eacute um perfil consensual a respeito do Mercado Central de Belo Horizonte

apresentado pelos autores que se dedicaram a estudaacute-lo e foi basicamente a realidade

identificada nesta pesquisa durante o trabalho de campo Em seguida no entanto seratildeo

apresentadas as peculiaridades referentes a esta pesquisa sobre a circulaccedilatildeo de bens com

a marca roccedila no Mercado Central

32 A observaccedilatildeo participante e a aplicaccedilatildeo de questionaacuterios no Mercado

Central

O Mercado Central foi escolhido para a aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios aos

consumidores e distribuidoresprodutores de produtos e serviccedilos da roccedila levando-se em

consideraccedilatildeo os apontamentos da literatura a respeito de como esse estabelecimento

dentre tantos outros disponiacuteveis eacute emblemaacutetico do consumo cultural das

representaccedilotildees do rural e da roccedila particularmente dentro das possibilidades de

137

realizaccedilatildeo da pesquisa Embora natildeo possuiacutesse muitos estabelecimentos com a marca

roccedila propriamente constatou-se a existecircncia de um mercado de produtos artesanais e

naturais eminentemente associados agrave roccedila pelos consumidores e distribuidores no

Mercado

FIGURA 23 ndash Produto com marca ldquoRoccedilardquo no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

O trabalho de campo revelou ainda de forma natildeo esperada um conjunto de

outros estabelecimentos no entorno do Mercado na regiatildeo central de Belo Horizonte

que utilizava a categoria roccedila como marca Em uma das visitas para a coleta de dados

no Mercado foi possiacutevel visualizar do ocircnibus as bancas de uma feira livre de verduras

com o nome ldquoDireto da Roccedilardquo numa rua da Aacuterea Hospitalar do Bairro Santa Efigecircnia

na regiatildeo central da cidade Da mesma forma na rodoviaacuteria de Belo Horizonte no

centro da capital no segundo piso onde se localizam vaacuterios postos e estabelecimentos

de serviccedilos encontra-se uma feira de produtos artesanais chamada ldquoArmazeacutem da Roccedilardquo

Os artigos agrave venda neste espaccedilo satildeo peccedilas de artesanato de ceracircmica madeira

tecelagem e produtos como doces mel licores e fitoteraacutepicos

Ambos ldquoDireto da Roccedilardquo e ldquoArmazeacutem da Roccedilardquo fazem parte de um programa

de poliacutetica social da Secretaria Municipal Adjunta de Seguranccedila Alimentar e

Nutricional da Prefeitura de Belo Horizonte que tem por objetivo facilitar o escoamento

da produccedilatildeo agriacutecola e agroindustrial de pequenos e meacutedios agricultores do interior de

Minas Gerais A iniciativa promove agrave populaccedilatildeo da cidade acesso a alimentos frescos e

saudaacuteveis produzidos com ldquoteacutecnicas ecologicamente sustentaacuteveisrdquo cuja qualidade eacute

monitorada pela secretaria a preccedilos menores Uma das caracteriacutesticas do programa eacute

eliminar os intermediaacuterios possibilitando a comercializaccedilatildeo direta entre produtores e

consumidores As barracas da feira ldquoDireto da Roccedilardquo estatildeo instaladas em ldquopontos

estrateacutegicosrdquo nos diferentes bairros da cidade e cada uma eacute assumida por um produtor

138

As bancas satildeo montadas em 21 endereccedilos em 5 regiotildees diferentes da cidade em

diversos dias da semana cujos locais podem ser conferidos na paacutegina virtual do

Programa Direto da Roccedila no site da prefeitura (PREFEITURA MUNICIPAL DE

BELO HORIZONTE 2015) Segundo reportagem no site Brasil de Fato (MAIS

2015) de abril de 2015 a Secretaria ainda pretenderia criar mais 30 pontos para o

programa ldquoDireto da Roccedilardquo Jaacute o ldquoArmazeacutem da Roccedilardquo dispotildee de duas lojas uma na

rodoviaacuteria jaacute mencionada e a outra no Bairro Satildeo Paulo proacutexima a um shopping

center na regiatildeo Nordeste da cidade Seus produtos satildeo provenientes de cidades

pequenas da mesorregiatildeo Metropolitana de Belo Horizonte como Satildeo Joaquim de

Bicas Itaguara Esmeraldas Ouro Preto e Paraopeba segundo informaccedilotildees do

atendente da loja da rodoviaacuteria

No Mercado Central uma das primeiras abordagens foi feita agrave recepcionista do

Posto de Informaccedilotildees Turiacutesticas da Belotur num balcatildeo localizado estrategicamente no

portatildeo 1 da Avenida Augusto de Lima entrada principal do Mercado Entre as

respostas do questionaacuterio e as informaccedilotildees uacuteteis agrave realizaccedilatildeo da observaccedilatildeo participante

a recepcionista informou a existecircncia de um restaurante self-service nos arredores do

Mercado chamado ldquoCozinha da Roccedilardquo Para aleacutem do Mercado Central loacutecus da

observaccedilatildeo participante e da aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios foi possiacutevel se deparar com

trecircs estabelecimentos que faziam alusatildeo agrave roccedila localizados na regiatildeo central de Belo

Horizonte espaccedilo de intensa circulaccedilatildeo de pessoas e concentraccedilatildeo de uma gama de

estabelecimentos comerciais e de serviccedilos

FIGURA 24 ndash Restaurante ldquoCozinha da Roccedilardquo no centro de Belo Horizonte-MG

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

A visita aos estabelecimentos no Mercado Central para aplicar os questionaacuterios

foi feita a partir das indicaccedilotildees da recepcionista de Turismo do Mercado de quais eram

os stands e produtos mais procurados pelos frequentadores como ldquoda roccedilardquo Baseou-se

139

tambeacutem numa lista preacutevia das lojas existentes no Mercado especialmente queijarias

hortifrutigranjeiros cachaccedilarias lojas de artesanato e utilidades domeacutesticas entre

outras Nessa ocasiatildeo aplicou-se os questionaacuterios a vendedores gerentes e proprietaacuterios

das lojas de comeacutercio de alimentos bebidas artesanatos ou utensiacutelios domeacutesticos

Responderam ao questionaacuterio os responsaacuteveis por trecircs queijarias uma cachaccedilaria dois

hortifruacutetis um comeacutercio de alimentos em geral (comercializam aleacutem de queijos doces

farinaacuteceos massas secos e molhados) e um de fubaacutes duas lojas de artesanato e

utensiacutelios domeacutesticos aleacutem do restaurante vizinho ao mercado com a marca roccedila e a

recepcionista do posto de informaccedilotildees turiacutesticas do Mercado somando 12

questionaacuterios Aleacutem destes responderam ao questionaacuterio 15

consumidoresfrequentadores do Mercado Central

Entre aqueles comerciantes que se recusaram a responder ao questionaacuterio as

principais justificativas dadas eram de que natildeo vendiam produtos da roccedila ou que

vendiam produtos artesanais mas natildeo da roccedila ou ainda que natildeo vendiam produtos

sem ldquoselordquo Essas recusas aconteceram em algumas queijarias e podem ter sido

motivadas pelo simples fato de natildeo utilizarem o termo roccedila na identificaccedilatildeo de seus

produtos apropriando-se de outros vocaacutebulos para isso como a palavra ldquoartesanalrdquo

Mas diante das respostas de outros comerciantes e dos proacuteprios consumidores jaacute

discutidas no capiacutetulo anterior nas quais muitas vezes os produtos da roccedila eram por

eles considerados justamente aqueles ldquosem selordquo ou ldquosem roacutetulordquo acredita-se que a

recusa a responder ao questionaacuterio tambeacutem pode ter sido motivada pelo receio quanto agrave

fiscalizaccedilatildeo da venda desses produtos

A abordagem aos consumidores para a aplicaccedilatildeo de questionaacuterios foi feita de

forma aleatoacuteria poreacutem em alguns corredores estrateacutegicos para identificar os indiviacuteduos

adequados aos objetivos da pesquisa Embora os estabelecimentos no Mercado Central

natildeo estivessem situados de forma setorizada deliberadamente havia alguns corredores

que concentravam mais lojas de um mesmo ramo que outros Assim inicialmente

algumas entrevistas foram feitas no corredor ldquoK21rdquo17 que fica numa das entradas do

Mercado entre os portotildees da Rua Padre Belchior e da Avenida Amazonas Neste haacute

uma concentraccedilatildeo de lojas que vendiam utilidades domeacutesticas artesanatos tecidos e

cestarias entre outros Nele era possiacutevel apreciar os visitantes observando de maneira

17 No site do Mercado Central eacute possiacutevel visualizar o mapa de seus corredores e a localizaccedilatildeo de suas lojas no endereccedilo httpmercadocentralcombrlojas Acesso em 09 set 2015

140

absorta as vitrines das lojas de artesanato que segundo alguns dos depoimentos

ldquolembram as coisas da roccedila a casa da avoacuterdquo Os olhares dos consumidores se

entretinham nessas vitrines diante dos tecidos de chita dos quadros de cozinhas da roccedila

em miniatura dos berrantes garrafas de peacutes de boi e de vaacuterios tipos de utensiacutelios

domeacutesticos como panelas de barro pedra ferro aacutegata gamelas e tachos de cobre

comumente utilizados no passado nas casas do campo Um desses consumidores que

concordou em participar da pesquisa declarou que visitava o Mercado Central toda

semana porque o fazia se lembrar da roccedila onde viveu quando crianccedila numa cidade do

interior Enquanto aguardava a filha em um compromisso no centro da cidade este

entrevistado disse que costumava ldquopassar o tempordquo no Mercado

FIGURA 25 ndash Canecas em aacutegata

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 26 ndash Doces embalados no tecido de chita

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

141

FIGURA 27 ndash Peacutes de boi

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 28 ndash Berrantes

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 29 ndash Gaiolas

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

142

FIGURA 30 ndash Corredor de artesanato tecelagem e cestaria

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 31 ndash Panelas de barro

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 32 ndash Panelas de pedra

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Assim como foi relatado no capiacutetulo anterior a proprietaacuteria de um desses

estabelecimentos que vendiam utilidades domeacutesticas no Mercado Central afirmou que

143

os consumidores buscavam estes utensiacutelios para utilizarem nas aacutereas de churrasqueira e

fogatildeo a lenha nas casas de campo siacutetio ou mesmo em cozinhas das casas e

apartamentos da cidade com decoraccedilatildeo inspirada na cultura rural Esta entrevistada

relatou que para os consumidores a aquisiccedilatildeo de tais artigos ldquolembravam a avoacute a vida

no siacutetio na fazendardquo Muitos consumidores que responderam ao questionaacuterio relataram

ter tido experiecircncias de passar as feacuterias durante a infacircncia na casa dos avoacutes tios ou

parentes ldquono siacutetiordquo ldquona fazendardquo ldquona roccedilardquo ldquono interiorrdquo Alguns em menor

frequecircncia declararam que eles ou os pais tinham morado ldquona roccedilardquo Essas

experiecircncias que os entrevistados identificaram com a roccedila teriam sido marcadas pela

cultura rural ldquobrincar com os porquinhos as galinhas e as vacasrdquo ldquocurral terra outro

sotaque outros diaacutelogos outro cotidianordquo e pareciam constituir uma memoacuteria repleta

de nostalgia e romantismo

Na infacircncia passava as feacuterias na roccedila satildeo as melhores lembranccedilas o curral o leite ao peacute da vaca o meu tio tinha um engenho Pisar no chatildeo comida feita na hora a gente era pobre de dinheiro mas rico de amor carinho e respeito (Aposentada Belo Horizonte outubro de 2014)

Nesse sentido parecia haver um conjunto de identificadores no Mercado

Central que era associado agrave roccedila pelos consumidores como se pode notar nas citaccedilotildees

ldquosomos da roccedilardquo ou ldquosomos caipirasrdquo quando abordados para participarem da pesquisa

ainda que seu local de residecircncia fosse definido como urbano em Belo Horizonte O

outro espaccedilo escolhido para a aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios aos consumidores dentro do

Mercado Central foi no corredor ldquoP10rdquo entre os corredores ldquoH15rdquo e ldquoI17rdquo situados na

aacuterea mais central do Mercado Tratava-se de um trecho de corredor com entrada para

apenas duas lojas facilitando os procedimentos de aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios por ter

uma aglomeraccedilatildeo menor de pessoas e menos ruiacutedos embora a circulaccedilatildeo de pessoas

fosse minimamente satisfatoacuteria para permitir as abordagens Aleacutem disso esse corredor

ficava numa esquina proacutexima a um conjunto de queijarias facilitando o contato com

consumidores atraiacutedos pelos produtos da roccedila Este eacute outro aspecto que permitiu a

identificaccedilatildeo dos consumidores com um conjunto de significados que relacionavam

com a roccedila a partir do consumo de um determinado produto o queijo artesanal mineiro

De acordo com um jovem proprietaacuterio de uma queijaria no Mercado quando

questionado se o uso da marca roccedila seria um diferencial do produto ele afirmou que

144

ldquoSim pois lembra a infacircncia o interior o pessoal mais velho faz essas referecircncias

quando veem o produto como por exemplo o queijo cabacinha que era produzido

antigamenterdquo

FIGURA 33 ndash Queijo cabacinha defumado

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Muitos dos consumidores que responderam ao questionaacuterio nesse corredor

carregavam uma sacola com um queijo e faziam questatildeo de mencionaacute-lo no decorrer da

pesquisa para ilustrar seus argumentos ldquoEstava comprando queijo da roccedila Compro

toda semana na mesma queijariardquo (Aposentado Belo Horizonte outubro de 2014)

Muitos consumidores durante a aplicaccedilatildeo do questionaacuterio costumavam justificar o que

tinham ido comprar no Mercado para elucidar a temaacutetica da pesquisa ldquoComprei um

mancebo18 e estou procurando jabuticabas mas natildeo encontrei Sinto falta da oferta de

alguns produtos como a rapadura batidardquo (Aposentada Belo Horizonte outubro de

2014) Outro consumidor entrevistado jaacute finalizada a aplicaccedilatildeo do questionaacuterio

retornou para contar que queria comprar figos mas natildeo estava conseguindo encontrar

nenhum ldquoigual aos da roccedilardquo19 conforme gostaria

A performance dos consumidores no Mercado Central apresentava-se numa

linha intermediaacuteria entre o supermercado e o shopping center natildeo era apressado e

objetivo como no primeiro nem tatildeo displicente como no segundo Nesse sentido

Costa (2006) estabelece uma diferenciaccedilatildeo entre o Mercado Central e as feiras livres e

shopping centers sublinhando que a peculiaridade do Mercado estaacute no fato de ser um 18 Em Minas Gerais usa-se o vocaacutebulo mancebo para se referir a uma pequena estrutura de madeira utilizada para apoiar o coador de cafeacute embaixo do qual se apoia o bule ou xiacutecara para amparar a bebida que escoa do coador Eacute um utensiacutelio domeacutestico que costumava ser muito usado nas casas no campo antigamente A entrevistada fez alusatildeo a ele como um produto tiacutepico da roccedila 19 Provavelmente o consumidor se referia aos figos colhidos ainda verdes utilizados para fazer compotas e doces em calda ldquocomo na roccedilardquo Ele supostamente soacute havia encontrado os figos maduros proacuteprio para o consumo in natura

145

estabelecimento privado onde as pessoas se comportam como no espaccedilo puacuteblico

sobretudo pela informalidade O comportamento dos consumidores sugeria a impressatildeo

de estarem a passeio caminhando sem pressa e observando as vitrines e balcotildees muitos

estavam acompanhados num pequeno grupo de duas ou trecircs pessoas O ritmo no

Mercado contrasta com o da cidade e assim o destaca Filgueiras (2006)

Entre suas quatro paredes nada mais haveria daquele cotidiano veloz mecacircnico anocircnimo e violento Ao cruzarem os portotildees de entrada as pessoas se despiram de sua armadura blaseacute tornando-se curiosas atentas aos pequenos detalhes dispostas ao reconhecimento agrave conversa agrave confraternizaccedilatildeo As pessoas natildeo teriam ali pressa Aliaacutes natildeo se deve ir ao Mercado com pressa A diversidade social supostamente atrai natildeo amedronta [] Ali as pessoas natildeo seriam as mesmas Ou ainda o Mercado seria outra cidade (FILGUEIRAS 2006 p 136 grifo da autora)

Havia tambeacutem aqueles que caminhavam sozinhos empurrando um carrinho de

compras com uma lista na matildeo Alguns se recusaram a responder ao questionaacuterio

alegando pressa e era possiacutevel perceber alguns caminhando a passos largos Alguns

autores como Filgueiras (2006) ressaltam que alguns frequentadores do Mercado

trabalham proacuteximos deste no centro e circulam ldquode passagemrdquo por ele na ida ou na

volta ao trabalho Esta autora inclusive destaca como o Mercado se tornou desde a

deacutecada de 1990 um espaccedilo de encontro e lazer para os belo-horizontinos que

frequentam seus bares e restaurantes seja no intervalo do trabalho para o almoccedilo ou ao

fim da tarde para um happy hour

Nos corredores onde havia bares a qualquer hora do dia podia-se cruzar com

grupos de pessoas em peacute em frente ao balcatildeo do bar conversando entusiasticamente

enquanto tomam uma cerveja e apreciam um petisco ou ldquotira-gostordquo Essa cena de lazer

e tempo livre nos dias uacuteteis da semana em horaacuterio comercial contrasta com o trabalho

dos seguranccedilas uniformizados e dos carregadores que passam empurrando carrinhos de

transporte e armazenamento de mercadorias pelos corredores que embora natildeo sejam

estreitos assim se tornam em virtude do aglomerado de pessoas Nesse contexto o

Mercado reflete um jogo entre o cotidiano e o extra cotidiano o ordinaacuterio e o

extraordinaacuterio (DAMATTA 1997) onde tempo de trabalho e tempo de lazer disputam

o espaccedilo e refletem numa mesma configuraccedilatildeo o modo de vida rural e urbano

conforme apontava Rambaud (1973) a respeito de como o tempo era administrado em

cada uma dessas culturas

146

Dentro do Mercado a experiecircncia em relaccedilatildeo ao tempo era sentida como

diferente daquela vivida ldquolaacute forardquo A cidade era vista como proporcionando a vivecircncia

de outra cultura urbana moderna Alguns autores como Filgueiras (2006) relatam o

funcionamento do Mercado Central em Belo Horizonte como um microcosmo um

espaccedilo de refuacutegio da cidade e de seu cotidiano que tambeacutem foi constatado nesta

pesquisa Nas paacuteginas seguintes tenta-se demonstrar como no Mercado os jogos destes

e de outros pares de opostos ficam evidentes

33 O Mercado Central e seus pares de opostos a cidadelaacute fora a roccedilaaqui

dentro

As entrevistas realizadas apontaram para um primeiro par de opostos

complementares capital versus interior que se repetiu ao longo da pesquisa no Mercado

e se confirmou posteriormente na anaacutelise dos dados pelos softwares Alceste e NVivo

que seraacute discutido no capiacutetulo 5 O depoimento de uma das consumidoras entrevistadas

residente em Belo Horizonte foi emblemaacutetico neste sentido Para ela o Mercado

Central lembrava o interior de modo que quando nele ingressava tinha a sensaccedilatildeo de

que havia deixado ldquoa cidade laacute forardquo e teria entrado ldquono interiorrdquo O uso da expressatildeo

ldquointeriorrdquo pela entrevistada remetia num primeiro plano genericamente agraves cidades de

pequeno porte do interior de Minas Gerais ou de qualquer outro Estado no Brasil de

cultura rural Por isso o Mercado contrastava com a cidade ldquolaacute forardquo em termos do

ritmo de circulaccedilatildeo das pessoas dos sons das cores das relaccedilotildees sociais possiacuteveis de se

estabelecer ali

Num segundo plano percebeu-se que a entrevistada tambeacutem usava o termo

ldquointeriorrdquo para se referir agraves memoacuterias passadas e agraves sensaccedilotildees de seguranccedila e proteccedilatildeo

que o Mercado lhe provocava Afirmava que laacute fora na cidade ficava ldquoa bagunccedilardquo e

dentro do Mercado ldquoa tranquilidaderdquo Esta entrevistada relatou que jaacute teria passado um

dia inteiro dentro do Mercado passeando por ele de forma distraiacuteda e que na

adolescecircncia costumava frequentaacute-lo com os amigos apoacutes a escola Essa declaraccedilatildeo

entre outras relatadas pelos consumidores revela como o Mercado eacute identificado por

muitos dos seus frequentadores com um ldquorefuacutegio nostaacutelgicordquo tal como se referiu

Filgueiras (2006) utilizando uma expressatildeo de Canclini (1997)

147

Os contrastes do seu ldquoclimardquo com o da cidade ocorreriam por conta natildeo soacute dos

objetos agrave venda jaacute citados e ilustrados nas paacuteginas anteriores mas tambeacutem pelas

experiecircncias sensoriais que o Mercado proporcionava Dentro do seu espaccedilo natildeo se

ouve o barulho do tracircnsito intenso do seu entorno no centro da cidade As lojas de

hortifruacuteti pimentas flores artesanatos utensiacutelios domeacutesticos aleacutem do tom terroso do

seu piso e dos tijolos de cobogoacute proporcionaram uma experiecircncia visual bastante

colorida que evidentemente contrasta com o visual das ruas nos arredores marcado

pelo concreto A experiecircncia olfativa dentro do Mercado tambeacutem eacute notaacutevel aromas

densos de especiarias e temperos perfumes das refeiccedilotildees preparadas nos bares e

restaurantes aleacutem do cheiro das raccedilotildees dos animais domeacutesticos de pequeno porte que

satildeo vendidos neste estabelecimento Aleacutem de ser possiacutevel degustar almoccedilo lanches e

petiscos nos seus bares e restaurantes tambeacutem pode-se experimentar frutas nos stands

de hortifruacutetis Destaca-se ainda conforme a passagem de Filgueiras (2006) acima as

formas de sociabilidade diferenciadas que podem ser ativadas dentro do Mercado

FIGURA 34 ndash Corredor no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

148

FIGURA 35 ndash Queijos

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 36 ndash Utensiacutelios domeacutesticos

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 37 ndash Flores e pimentas

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Nestes termos os respondentes do questionaacuterio tanto os consumidores quanto

os distribuidores costumavam associar a roccedila ao interior ou identificar os produtos da

roccedila como aqueles provenientes do interior Agrave exceccedilatildeo do proacuteprio Mercado Central natildeo

costumavam identificar a roccedila agrave cidade de Belo Horizonte a despeito de vaacuterios

estabelecimentos de serviccedilos localizados no centro jaacute mencionados que fazem

149

referecircncia agrave roccedila Apesar de habitualmente alguns belo-horizontinos descreverem a

cidade como uma ldquoroccedila granderdquo entre os respondentes dos questionaacuterios natildeo havia uma

percepccedilatildeo da cultura rural do modo de vida da roccedila relacionados agrave Belo Horizonte

Durante a aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios a expressatildeo utilizada por um consumidor

residente da cidade foi ldquoBH eacute uma roccedila grande Todo mundo se conhecerdquo Assim

como esse entrevistado os residentes da capital mineira costumam fazer essa associaccedilatildeo

entre Belo Horizonte e a roccedila exatamente para mencionar que haveria uma rede de

interconhecimento na cidade apesar do tamanho consideraacutevel de sua populaccedilatildeo20 Aleacutem

disso acredita-se que a existecircncia de estabelecimentos de produtos e serviccedilos da roccedila no

centro da cidade parece sugerir a presenccedila da roccedila como cultura em Belo Horizonte

Nesse sentido a proprietaacuteria do restaurante com a marca roccedila nas proximidades afirmou

que a manutenccedilatildeo do nome e do estilo do estabelecimento associado agrave roccedila era devido

agrave sua localizaccedilatildeo proacuteximo ao Minascentro e ao Mercado Central onde aflui um

conjunto de turistas e visitantes que eram atraiacutedos pelo serviccedilo gastronocircmico tiacutepico ldquoda

roccedilardquo em plena capital

Nesses termos a roccedila era o interior numa perspectiva relativa e relacional

conforme apontado na hipoacutetese desta pesquisa e contrastava com a realidade do modo

de vida urbano vivenciado na capital (LIMA 1999) Assim o ponto de vista eacute relativo

porque a roccedila era o ldquooutrordquo ldquooutro sotaque outro cotidiano outros diaacutelogosrdquo ldquoproacuteximo

agrave naturezardquo ldquoisoladardquo ldquono matordquo Objetivamente associavam a roccedila agraves pequenas

cidades do interior que julgavam possuir uma cultura rural e natildeo necessariamente agrave

vida no campo em si mesmo Formavam portanto um par capital versus interior que

pode encerrar as tradicionais relaccedilotildees assimeacutetricas de diferenciaccedilatildeo social discutidas no

primeiro capiacutetulo a respeito da categoria roccedila quando esta eacute utilizada para inferiorizar

contendo as ideias de atraso carecircncia e subdesenvolvimento que marcaram e ainda

marcam a perspectiva sobre o rural no Brasil e em outros paiacuteses tambeacutem (ENTRENA-

DURAacuteN 2012 OLIVEIRA 2003) Assim embora a forma como as populaccedilotildees

urbanas veem o rural possa estar mudando rumo a uma revalorizaccedilatildeo especialmente no

que tange agrave identificaccedilatildeo que fazem entre o campo a natureza e as possibilidades de

qualidade de vida que este pode proporcionar ndash e esta pesquisa tem constatado este

20 Supotildee-se que esse tipo de declaraccedilatildeo de que Belo Horizonte eacute uma ldquoroccedila granderdquo onde todos se conhecem seja mais comum na regiatildeo Centro-Sul aacuterea mais antiga tradicional e elitizada com residentes de renda meacutedia alta

150

processo ndash o perspectivismo binaacuterio entre capital versus interior cidade versus campo

parece ainda prevalecer De acordo com Allonso (2012) e Oliveira (2009) havia ateacute o

iniacutecio do seacuteculo XX uma dicotomia entre o litoral e o sertatildeo ou seja entre as grandes

cidades litoracircneas como Rio de Janeiro Salvador e Recife e todo o interior do Brasil

que englobava os diferentes tipos sociais e as diferentes culturas no amaacutelgama

sertatildeocaipira

Mas a contraposiccedilatildeo entre a capital e as pequenas cidades do interior feita pelos

entrevistados no Mercado toca num dilema ainda natildeo resolvido pelos pesquisadores

brasileiros acerca do status das pequenas cidades no debate entre o rural o urbano

Segundo Wanderley (2009) os pequenos municiacutepios permanecem agraves margens do

interesse dos pesquisadores e para preencher esta lacuna a autora desenvolve um

estudo a respeito dos pequenos municiacutepios do Estado de Pernambuco Na referida

pesquisa Wanderley (2009) considera como pequenos municiacutepios aqueles cuja

populaccedilatildeo urbana natildeo ultrapassa os 20000 habitantes Em termos analiacuteticos a autora

considera a trama social e espacial e a trajetoacuteria de desenvolvimento especiacuteficas dos

municiacutepios complementadas pelas dimensotildees como o exerciacutecio das funccedilotildees urbanas a

intensidade do processo de urbanizaccedilatildeo a presenccedila do mundo rural o modo de vida

dominante e a sociabilidade local (WANDERLEY 2009 p 317-318) A partir desses

criteacuterios a autora afirma que seria possiacutevel distinguir os municiacutepios entre

preponderantemente urbano preponderantemente rural ou intermediaacuterio

A criacutetica de Wanderley (2009) que encontra alguma correspondecircncia nas

perspectivas de Abramovay (2009) e Veiga (2003) seria de que nos pequenos

municiacutepios no Brasil com menos de 20 mil habitantes que em 1994 equivaliam a

726 dos municiacutepios no paiacutes vive a maior parte da populaccedilatildeo rural brasileira Veiga

(2003) ao simular no Brasil o criteacuterio adotado pela Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo do

Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) que considera urbana uma localidade com

densidade demograacutefica acima de 150 habkm2 constatou que apenas 411 dos 5507

municiacutepios brasileiros em 2000 poderiam ser considerados urbanos (VEIGA 2003 p

65) Abramovay (2009) por sua vez destaca que mais de 70 dos municiacutepios

brasileiros possuem uma comissatildeo de desenvolvimento rural e que parte dos municiacutepios

com maior iacutendice de desenvolvimento humano eacute eminentemente rural e critica o fato de

haver ldquo[] um viacutecio de raciociacutenio na maneira como se definem as aacutereas rurais no Brasil

o qual contribuiria decisivamente para que estas aacutereas fossem assimiladas

151

automaticamente a atraso carecircncia de serviccedilos e falta de cidadaniardquo (ABRAMOVAY

2009 p 21)

Os autores se referem ao Decreto-Lei no 311 de 1938 que define como cidade

todo municiacutepio que tenha uma sede administrativa Aleacutem disso segundo Veiga (2003)

eacute prerrogativa das Cacircmaras Municipais indicarem as delimitaccedilotildees urbanas e rurais das

cidades Segundo este autor a partir de 1991 o IBGE delineou uma tipologia para

definir as aacutereas urbanas e natildeo urbanas sendo trecircs categorias de aacutereas urbanas

(classificadas em urbanizadas natildeo-urbanizadas e urbanas isoladas) e quatro de aacutereas

rurais (classificadas em extensatildeo urbana povoado nuacutecleo e outros) No entanto

Abramovay (2009) argumenta que esta definiccedilatildeo do IBGE contribuiria para uma visatildeo

de ldquonatureza residualrdquo do rural uma vez que as aacutereas rurais seriam aquelas situadas fora

do urbano e natildeo em sua relaccedilatildeo com as cidades

Por outro lado as cidades pequenas e mesmo o campo natildeo estariam imunes agraves

transformaccedilotildees advindas da sociedade urbana considerando-se que esta envolveria um

modo de vida passiacutevel de superar as fronteiras fiacutesicas entre cidade e campo

transformando ambos e mudando tambeacutem a sua relaccedilatildeo (SOBARZO 2010) Para esta

autora na sociedade urbana as atividades desenvolvidas no campo utilizariam cada vez

mais a tecnologia e o emprego do conhecimento cientiacutefico possibilitando uma nova

organizaccedilatildeo territorial novos haacutebitos de vida e de consumo bem como novas relaccedilotildees

interpessoais Na interpretaccedilatildeo que Sobarzo (2010) faz de Lefebvre (2008) o campo e

suas atividades produtivas seriam assim transformados segundo as caracteriacutesticas da

sociedade urbana Diminuiriam as diferenccedilas culturais de modos de vida e de produccedilatildeo

entre campo e cidade o que natildeo significaria entretanto que o campo deixaria de existir

Percebe-se portanto que as perspectivas dos entrevistados a respeito do que

seria o interior a sua vinculaccedilatildeo agrave roccedila e sua contraposiccedilatildeo agrave cidadecapital insere-se

num debate teoacuterico que possui muitas facetas a respeito de como o rural e o urbano

como modos de vida se transformam se entrelaccedilam e se deslocam entre os campos e as

cidades ambos tambeacutem muito diversos em estruturas e funccedilotildees

Por outro lado os consumidores que identificavam o interior associado agrave roccedila

com o Mercado Central o viam como uma ilha dentro da capital a qual podiam

adentrar donde se pode perceber o caraacuteter relativo do termo roccedila E a alusatildeo agrave

subjetividade que a palavra interior tambeacutem denotava era descrita pelos entrevistados

nos estados de espiacuterito que utilizavam para expor o que era a roccedila e o que o consumo de

152

seus produtos proporcionava aconchego paz tranquilidade e sossego Embora a

referecircncia agrave nostalgia como significado para o termo roccedila tenha aparecido pouco nas

abordagens feitas no Mercado Central eacute possiacutevel identificaacute-la por meio das alusotildees a

tais estados de espiacuterito bem como nas menccedilotildees agrave memoacuteria jaacute comentadas

anteriormente Estes significados que os entrevistados atribuem agrave roccedila podem ser

interpretados em termos de uma construccedilatildeo nostaacutelgica conforme a descreve Silva

(2009) Para esta autora o sonho miacutetico dos leitores da Revista Globo Rural residentes

em Satildeo Paulo de possuir uma casa no campo se compunha de trecircs movimentos a

criacutetica ao presente e ao modelo de sociedade no qual viviam o apelo agrave memoacuteria e agraves

lembranccedilas de um passado idiacutelico e por fim a projeccedilatildeo de um futuro diferente a partir

da aquisiccedilatildeo de uma casa no campo

Assim como Filgueiras (2006) identificou o Mercado Central como um ldquorefuacutegio

nostaacutelgicordquo para os moradores de Belo Horizonte pode-se ver no sonho da casa no

campo e no consumo da Revista Globo Rural destacados por Silva (2009) a mesma

fuga real ou imaginaacuteria da vivecircncia urbana para outro tipo de experiecircncia vinculada a

um modo de vida rural Nesse sentido Elias (2001) ressalta como o romantismo

construiacutedo em torno da vida no campo da natureza e de um passado idealizado tem

conexatildeo com o processo de ecircxodo rural urbanizaccedilatildeo e industrializaccedilatildeo das sociedades

Segundo Martins (2000 p 6) ldquo[] o rural pode subsistir como visatildeo de mundo como

nostalgia criativa e auto defensiva como moralidade em ambientes moralmente

degradados das grandes cidades como criatividade e estrateacutegia de vida []rdquo Conforme

se verificaraacute no capiacutetulo 5 deste trabalho esta visatildeo romacircntica do que seja a roccedila

associada agrave natureza e agraves cidades pequenas do interior foi constatada mais intensamente

entre os participantes da pesquisa oriundos de Belo Horizonte e tambeacutem da capital de

Satildeo Paulo

No capiacutetulo 1 pocircde-se perceber como as populaccedilotildees urbanas tendem a construir

uma imagem idiacutelica e romantizada do rural em diferentes contextos sociais e tempos

histoacutericos distintos como o demonstraram aleacutem de Elias (2001) Carneiro (2012) para

quem a revalorizaccedilatildeo do rural por parte dos citadinos seria interpretada em termos de

uma ldquoruralidade idiacutelicardquo Oliveira (2003) no caso brasileiro e Williams (2011) no caso

inglecircs Anjos e Caldas (2014) tambeacutem exaltam como a revalorizaccedilatildeo do rural nesse

novo milecircnio se reflete nas mudanccedilas das representaccedilotildees sociais do rural cujas duas

153

ldquoideias-forccedilardquo que a expressam satildeo o idiacutelio rural e o rural como sinocircnimo de natureza

Nas palavras dos autores

O rural idyll eacute indubitavelmente uma das imagens que mais sobressaem numa representaccedilatildeo social que emerge no acircmago de uma sociedade marcada pelo que se convencionou chamar de poacutes-produtivismo e pelo peso crescente assumido pelos valores poacutes-materialistas Nesse contexto o rural eacute hodiernamente retratado dentro de uma visatildeo romacircntica como um retiro idiacutelico que exprime a densidade dos valores simboacutelicos que leva impliacutecita esta noccedilatildeo Eacute o lugar ldquorefuacutegio da modernidaderdquo e manifestaccedilatildeo expliacutecita de atavismos despertados em amplos setores de uma sociedade que anseia o (re)encontro com o tradicional o autecircntico o exoacutetico o singular (ANJOS CALDAS 2014 p 63-64 grifo dos autores)

Da mesma forma como os autores asseveram que o rural tem se constituiacutedo

como um lugar de ldquorefuacutegio da modernidaderdquo paralelamente num contexto objetivo e

microssocioloacutegico o Mercado Central se constitui num ldquorefuacutegio nostaacutelgicordquo um

microcosmo da roccedila para os moradores da capital mineira conforme apontou Filgueiras

(2006) e se constatou nesta pesquisa Os dois outros fenocircmenos apontados por Anjos e

Caldas (2014) quais sejam o consumo de produtos agroalimentares tradicionais e

autecircnticos chamados por eles de ldquosinais distintivos de mercadordquo e a identificaccedilatildeo do

rural como sinocircnimo de natureza tambeacutem apareceram nas respostas dos entrevistados no

Mercado Central na mesma loacutegica de oposiccedilatildeo agrave sociedade urbana Ora a natureza

aparecia isolada em associaccedilatildeo agrave roccedila ora compunha a triacuteade produtos

naturaisartesanaiscaseiros que eram diretamente contrapostos aos produtos

industrializados

A associaccedilatildeo entre o campo e a natureza tem sido gestada de maneira peculiar na

sociedade moderna especialmente a partir do desenvolvimento do capitalismo agraacuterio e

da consolidaccedilatildeo da vida urbana-industrial Thomas (2010) e Williams (2011)

demonstraram o delineamento dessa relaccedilatildeo entre campo e natureza para o caso da

Europa e em especial da Inglaterra num periacuteodo marcado pela transiccedilatildeo da era feudal

agrave moderna desde os anos 1500 ateacute o iniacutecio dos anos 1900 se considerarmos as duas

obras em conjunto Estes autores demonstraram como uma nova sensibilidade em

relaccedilatildeo ao mundo natural foi se desenvolvendo na Inglaterra agrave medida que se

avanccedilavam no campo as teacutecnicas racionais modernas No seacuteculo XVIII segundo

Williams (2011) o desenvolvimento desse capitalismo agraacuterio teve como

correspondecircncia uma ideologia do melhoramento da transformaccedilatildeo e da organizaccedilatildeo da

154

terra O campo que se cultuava nessa eacutepoca natildeo era aquele identificado com o aacuterduo

trabalho agriacutecola das famiacutelias rurais mas um campo transformado em paisagem para a

contemplaccedilatildeo visto como natureza local de refuacutegio e aliacutevio em relaccedilatildeo agrave sociedade

urbana um campo portanto idealizado Williams (2011) destaca como os

melhoramentos trazidos pelo capitalismo agraacuterio tambeacutem impactaram a relaccedilatildeo do

homem com a natureza de forma praacutetica e esteacutetica com efeito na invenccedilatildeo da paisagem

cujos iacutecones se traduziam nos parques e jardins e no desenvolvimento das teacutecnicas de

paisagismo O interesse voltava-se para o campo domesticado tanto no caso da

agricultura tecnificada quanto da paisagem ambos dominados e organizados pelo

homem em termos cientiacuteficos e racionais No Brasil Eacuteboli (2007) retrata como o campo

eacute representado na induacutestria do entretenimento no caso no programa de televisatildeo Globo

Rural sob uma perspectiva que denominou de ldquorural naturezardquo que segundo ela deu

lugar ao ldquorural agriacutecolardquo a despeito do programa ser elaborado a princiacutepio para o

puacuteblico de agricultores Para a autora o sucesso do programa com o puacuteblico urbano natildeo

agriacutecola deve-se agrave apresentaccedilatildeo do campo e da natureza domesticados pela teacutecnica

palataacuteveis agrave esteacutetica e agrave contemplaccedilatildeo tiacutepicas da classe meacutedia urbana

De acordo com Williams (2011) a natureza selvagem e indocircmita natildeo fazia parte

deste processo com exceccedilatildeo da literatura que exultava a beleza da natureza intocada e

pura A natureza dominada pelos processos teacutecnicos passa a ser objeto de interesse de

turistas e cientistas Thomas (2010) ressalta como o desenvolvimento da Botacircnica e da

Zoologia transformaram as formas de classificaccedilatildeo dos animais e plantas o que

contribuiu entre outros elementos para a mudanccedila na relaccedilatildeo entre o homem e o

mundo natural Nessa perspectiva comeccedilaram a emergir noccedilotildees de indulgecircncia pelos

animais e praacuteticas como o vegetarianismo na sociedade europeia moderna Mas estas

novas sensibilidades com os animais e plantas entram em contradiccedilatildeo com o

desenvolvimento de uma economia essencialmente materialista que explora os recursos

naturais dominando e transformando a natureza de uma forma sem precedentes de

acordo com Thomas (2010)

Nesse sentido embora a sensibilidade com a natureza e a sua associaccedilatildeo ao

campo tenham sido desenvolvidas concomitante agrave constituiccedilatildeo da sociedade moderna

somente nos meados dos anos 1970 a 1990 ocorreram mudanccedilas efetivas na Europa em

relaccedilatildeo agraves funccedilotildees do campo na conservaccedilatildeo da biodiversidade Alguns autores como

Abramovay (1994) e Anjos e Caldas (2014) atribuem essa nova vocaccedilatildeo do campo

155

relacionada agrave natureza agraves mudanccedilas implementadas na Poliacutetica Agriacutecola Comum (PAC)

na Europa entre os anos 1970 e 1990 que estabeleceram praacuteticas de desenvolvimento

rural centradas na conservaccedilatildeo ambiental no turismo rural no lazer e na valorizaccedilatildeo

dos modos de vida e praacutetica locais dos rurais

Conforme Anjos e Caldas (2014) baseados nos estudos de Gray (2000) a PAC

no final dos anos 1950 e iniacutecio de 1960 centrava-se completamente na agricultura

visando garantir sua eficiecircncia e produtividade de forma protecionista tentando superar

a escassez de alimentos vivenciada no periacuteodo da Segunda Guerra Mundial Nas

deacutecadas posteriores contudo como consequecircncia das praacuteticas adotadas os paiacuteses

europeus depararam-se com o problema da superproduccedilatildeo de alimentos cujo

crescimento natildeo foi acompanhado pela demanda dos mercados consumidores Esse

excedente estava diretamente atrelado ao incremento produtivo garantido pela adoccedilatildeo

das tecnologias garantidas pela Revoluccedilatildeo Verde Aleacutem disso comeccedilaram a serem

constatados os impactos ambientais causados por este modelo de agricultura situaccedilatildeo

que foi exposta pelo Relatoacuterio Bruntdland publicado em 1987 e que segundo

Abramovay (1994) teve efeitos praacuteticos na poliacutetica agriacutecola dos paiacuteses de capitalismo

avanccedilado

A partir do final dos anos 1980 e iniacutecio de 1990 segundo os autores consultados

as poliacuteticas da PAC passaram a desvincular agricultura e campo e a propor iniciativas de

desenvolvimento rural que giravam em torno da conservaccedilatildeo ambiental do

reconhecimento da cultura rural local e da garantia de renda combatendo a pobreza rural

das famiacutelias agricultoras (ABRAMOVAY 1994 ANJOS CALDAS 2014) Assim a

representaccedilatildeo do rural e suas praacuteticas poliacuteticas correlatas deslocaram a visatildeo sobre o

campo do eixo da produccedilatildeo e passaram a considerar as suas possibilidades enquanto

espaccedilo de consumo Para Anjos e Caldas (2014) essas transformaccedilotildees corresponderiam

tambeacutem ao enfoque territorial que teria sido valorizado em detrimento ao setorial

Neste contexto o Brasil sediou a Conferecircncia das Naccedilotildees Unidas sobre o Meio

Ambiente e Desenvolvimento na cidade do Rio de Janeiro-RJ em 1992 a ECO-92 que

deu prosseguimento agraves propostas do Relatoacuterio Bruntdland Entretanto de acordo com

Lamine (2012) as iniciativas para o desenvolvimento rural sustentaacutevel especialmente

na forma de poliacuteticas puacuteblicas se consolidaram de forma institucional neste paiacutes nos

anos 2000 por meio da criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (MDA) e do

PRONAF Em seguida novas medidas foram criadas voltadas para a agricultura

156

alternativa agrave convencional pelo reconhecimento oficial do cultivo e comercializaccedilatildeo da

agricultura orgacircnica em 2003 por meio da Lei no 10831 e mais recentemente em

2010 pela constituiccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural

(PNATER) em forma de Decreto-Lei no 12188 fundamentada numa perspectiva

agroecoloacutegica Destaca-se ainda os investimentos em ensino e pesquisa sobre

agroecologia especialmente com a formaccedilatildeo de Programas de Poacutes-graduaccedilatildeo em

universidades puacuteblicas conforme argumenta Lamine (2012)

Mas segundo Lamine (2012) apesar da institucionalizaccedilatildeo dos modelos de

agricultura alternativa ndash sobretudo o modelo agroecoloacutegico ndash ocorrer no Brasil

somente nos anos 2000 eles jaacute vinham sendo implementados por movimentos sociais

que os defendiam como via para a produccedilatildeo familiar numa accedilatildeo contra hegemocircnica agrave

modernizaccedilatildeo agriacutecola dos anos anteriores implementada no contexto da ditadura

militar brasileira A autora cita o caso da agroecologia brasileira pelo fato desta articular

a triangulaccedilatildeo entre agricultura alimentaccedilatildeo e meio ambiente que destaca como

fundamentais na perspectiva que propotildee qual seja de sistemas agroalimentares

territoriais Nesse sentido os entrevistados no Mercado Central ao articularem a

categoria roccedila com a perspectiva da natureza mediada pela figura emblemaacutetica do

produto da roccedila como um produto naturalartesanalcaseiro parecem associaacute-los agraves

praacuteticas da agricultura sustentaacutevel Os entrevistados associam esse modelo de

agricultura aos pequenos agricultores de base familiar que possibilitariam a oferta de

um alimento ldquosaudaacutevelrdquo ldquopurordquo e ldquovitalrdquo que lhes garante qualidade de vida e sabor

Mencionam ainda a confianccedila na forma como os alimentos foram cultivados ldquosem

agrotoacutexicosrdquo ldquonatildeo transgecircnicordquo ou feitos ldquode forma manualrdquo ldquocom carinhordquo gerada

pela possibilidade de identificar sua origem ldquosaber de onde vem o industrial natildeo se

saberdquo tudo isso traduzido na expressatildeo roccedila Nota-se em suas declaraccedilotildees uma visatildeo

sobre o campo como um espaccedilo privilegiado do ambiente natural e enquanto tal

adequado agraves praacuteticas ambientais conservacionistas Essa visatildeo tambeacutem parece passar

pela importacircncia que a alimentaccedilatildeo ocupa na adoccedilatildeo de um modo de vida considerado

saudaacutevel pelas classes meacutedias e altas urbanas

Assim conforme jaacute foi salientado no capiacutetulo anterior um dos pares de opostos

relativo aos produtos e serviccedilos da roccedila mais frequente nas respostas dos consumidores

e distribuidores no Mercado Central era do produto naturalartesanalcaseiro versus

produto industrial Os entrevistados identificavam esse produto naturalartesanalcaseiro

157

como um produto da roccedila da mesma forma que Dorigon (2008) relata a associaccedilatildeo feita

pelos consumidores entre os produtos alimentares tradicionais e os ldquoprodutos coloniaisrdquo

na regiatildeo Oeste do Estado de Santa Catarina e assim como Menasche (2010) menciona

a relaccedilatildeo entre o produto natural e o produto rural no Rio Grande do Sul Desta forma

o rural parece ter se tornado um atributo de valorizaccedilatildeo positiva para identificar os

produtos alimentares tradicionais ou produtos locais no Brasil (CRUZ MENASCHE

2011 NEUGEBAUER 2014 SANTOS J 2014)

Tais produtos alimentares tradicionais compotildeem um nicho de mercado que tem

se ampliado e que abarca desde frutas verduras leguminosas e cereais cultivados com

teacutecnicas de agricultura sustentaacutevel ateacute os bens historicamente processados pelas

agroinduacutestrias de pequenos agricultores familiares para o autoconsumo englobando

queijos doces geleias compotas conservas cachaccedila vinhos licores rapadura melado

accediluacutecar mascavo massas bolos patildees biscoitos e carnes embutidas entre outros Nesse

sentido os termos ldquoprodutos da roccedilardquo ou ldquoprodutos coloniaisrdquo seriam apenas variaccedilotildees

regionais no Sudeste Bahia Goiaacutes e Paranaacute no caso do primeiro e Santa Catarina e

Rio Grande do Sul no segundo de um mercado de produtos alimentares tradicionais

conforme designaccedilatildeo de Santos J(2014) ou produtos locaisprodutos da terra conforme

Cruz e Menasche (2011) Essa valorizaccedilatildeo dos produtos rurais tidos como naturais

tradicionais e artesanais no Brasil seguiria uma tendecircncia jaacute constatada na Europa

conforme relata Santos J (2014)

Segundo Aguilar Criado Anjos e Caldas (2011) elementos como paisagens arquitetura festas e gastronomia se tornam pilares que sustentam o novo arranjo do desenvolvimento rural principalmente na Europa a partir do qual estaacute se desenvolvendo uma nova marca a do produto rural cuja importacircncia reside em suscitar elementos como tradiccedilatildeo histoacuteria e natureza (SANTOS 2014 p 24)

Nesse sentido Cruz e Menasche (2011) apoiadas em Goodman (2003)

atribuem a emergecircncia dessa valorizaccedilatildeo de produtos rurais naturais e artesanais na

Europa a dois fatores O primeiro jaacute apresentado nos paraacutegrafos anteriores seria fruto

do redirecionamento da poliacutetica agriacutecola antes produtivista e setorial para a

multifuncionalidade e o desenvolvimento rural A segunda estaria atrelada agraves crises

relacionadas a episoacutedios de contaminaccedilatildeo de alimentos na induacutestria agroalimentar entre

os anos 1980 e 1990 como a ldquovaca louca na Inglaterra colza na Espanha dioxinas na

Beacutelgica e galinhas no Brasil entre outrosrdquo exemplificados por Santos J (2014 p 20)

158

Estes eventos teriam gerado desconfianccedila e prudecircncia nos consumidores quanto aos

produtos agroindustriais produzidos em larga escala aleacutem do conhecimento dos

impactos ambientais e das mudanccedilas das caracteriacutesticas organoleacutepticas dos alimentos

(SANTOS J 2014)

Tais acontecimentos teriam contribuiacutedo para fomentar uma ldquoansiedade urbana

contemporacircnea frente aos alimentosrdquo de acordo com Cruz e Menasche (2011)

Neugebauer (2014) e Santos (2014) baseadas no princiacutepio da incorporaccedilatildeo de Fischler

(1993) A contrapartida de tal sentimento seria portanto a busca por alimentos

considerados saudaacuteveis puros naturais artesanais e caseiros associados agraves praacuteticas

tradicionais de produccedilatildeo e processamento que possuem forte viacutenculo com a histoacuteria a

cultura e o territoacuterio e em muitos casos com o rural Assim Neugebauer (2014)

citando o estudo de Cristoacutevatildeo (2002) a respeito do caso portuguecircs destaca o que este

chamou de ldquonovas procurasrdquo relacionadas a um sentimento de nostalgia que acomete as

populaccedilotildees urbanas direcionando-as em busca de modos de vida natildeo urbanos

considerados de raiz autecircnticos originais Da mesma forma Menasche (2010 p 207)

cita Eizner (1995) para o caso francecircs a respeito da busca por ldquoimagens de sabores

perdidosrdquo Como consequecircncia dessas mudanccedilas destaca-se a oferta crescente de

alimentos produzidos com base na agricultura orgacircnica a valorizaccedilatildeo de produtos locais

e as iniciativas de comeacutercio justo conforme constata-se na seguinte afirmaccedilatildeo

Goodman (2003) [] considera que o atual momento histoacuterico indica deslocamento da padronizaccedilatildeo e da loacutegica de produccedilatildeo de mercadorias em massa em direccedilatildeo agrave qualidade alicerccedilada em confianccedila tradiccedilatildeo com base no local em produtos ecoloacutegicos e novas formas de organizaccedilatildeo econocircmica (CRUZ MENASCHE 2011 p 98)

Estas autoras ressaltam ainda que motivaccedilotildees puramente individuais tambeacutem

podem estar no cerne do consumo de produtos naturaisartesanaiscaseiros como a

preocupaccedilatildeo com a sauacutede e a fruiccedilatildeo de acordo com o estudo de Barbosa (2009) Neste

caso a preocupaccedilatildeo com a sauacutede natildeo se limitaria aos ideais de bem-estar medicalizaccedilatildeo

e longevidade mas tambeacutem com a esteacutetica do corpo assim como a fruiccedilatildeo se

relacionaria agrave possibilidade de consumir algo exclusivo e estilizado Mas os ideais

individuais podem de acordo com Cruz e Menasche (2011) se aglutinarem em accedilotildees

coletivas que impactam na politizaccedilatildeo do consumo assim como na rastreabilidade dos

produtos Exemplos dessas mudanccedilas satildeo o comeacutercio justo e os produtos eacuteticos e

159

ecoloacutegicos no caso da politizaccedilatildeo e de origem e trajetoacuteria na cadeia produtiva em

termos da rastreabilidade (BARBOSA L 2009 citado por CRUZ MENASCHE

2011)

No caso dos produtos da roccedila aqui estudados e das descriccedilotildees que lhe foram

feitas por consumidores e distribuidores no Mercado Central a sua peculiaridade

residiria no fato jaacute relativamente explorado no capiacutetulo anterior de que estes o

consideravam como aquele produto ldquosem embalagemrdquo ldquosem roacutetulordquo sintetizado

especialmente na expressatildeo mais frequente ldquosem selordquo Este produto da roccedila sem selo

era apontado como o par oposto ao produto industrial num jogo de disputa de sentidos

que Lifschitz (1995) atribui ao padratildeo alimentar ldquoalternativordquo constituiacutedo por grupos

vegetarianos macrobioacuteticos entre outros Nesse jogo opera a negaccedilatildeo do seu oposto o

padratildeo alimentar industrial assim como opotildee a marca agrave identificaccedilatildeo da origem Nesse

sentido a marca distintivo do produto que eacute visualizado por meio da embalagem e seu

roacutetulo parece ser negada por ter seu sentido associado ao processo industrial e seria um

dos elementos que corromperiam o seu atributo artesanalcaseiro Denotativo dessa

visatildeo conforme foi visto no capiacutetulo anterior eacute a declaraccedilatildeo de alguns consumidores

entrevistados de que natildeo consumiriam um produto que portasse a marca roccedila porque

em sua concepccedilatildeo o fato de ser embalado ter roacutetulo e marca registrada jaacute o remeteria a

um processo urbano e industrial

A ecircnfase de muitos consumidores e distribuidores no Mercado Central sobre o

fato de um produto da roccedila para ser considerado original e autecircntico natildeo seria

embaladorotuladoselado insere os bens que veiculam o termo roccedila aqui estudados no

mercado informal de produtos tradicionais conforme indicam Dorigon (2008 2010)

Santos J (2014) Wilkinson (2008) e Wilkinson e Mior (1999)

Contudo eacute importante destacar a diferenccedila entre o setor informal e o ilegal

conforme Wilkinson e Mior (1999) uma vez que o uacuteltimo envolve a produccedilatildeo e

circulaccedilatildeo de produtos proibidos enquanto o primeiro abarca os bens cujos processos

de produccedilatildeo natildeo se enquadram nos padrotildees de regulaccedilatildeo vigentes Os autores definem o

mercado informal como o conjunto de atividades que natildeo adotam as normas e

regulamentaccedilotildees que prevalecem num determinado momento no setor em que operam

Os principais descumprimentos da norma relacionam-se agraves questotildees trabalhistas agraves

instalaccedilotildees onde se produz e agraves teacutecnicas sanitaacuterias Wilkinson e Mior (1999) afirmam

que para alguns autores a informalidade tanto pode estar relacionada agrave pobreza quanto

160

ser uma reaccedilatildeo criativa agraves burocracias estatais Destacam que o setor informal

ldquoconfunde-serdquo com as meacutedias e pequenas agroinduacutestrias nas quais se enquadram os

produtos alimentares tradicionais em que operam os atores tradicionais pouco

capitalizados

No caso da cadeia produtiva leiteira no Brasil os autores Wilkinson e Mior

(1999) afirmam que se tratava de uma atividade tradicional que a partir das

regulamentaccedilotildees do setor pelo Estado entre 1980 e 1990 passou a ter o atributo de

informal Nesse sentido Santos J (2014) comenta como a legislaccedilatildeo exige o

cumprimento das mesmas normas de produtores muito diferentes especialmente em

termos de escala e objetivos da produccedilatildeo No caso dos produtores de queijo artesanal

mineiro produzido no Serro a autora identificou produtores que faziam por dia cinco

quilos de queijo e aqueles que produziam mais de cem quilos diaacuterios deste derivado

laacutecteo

Por outro lado os autores consultados apontam para a importacircncia do setor

informal da agroinduacutestria especialmente a partir dos anos 1990 Para Wilkinson e Mior

(1999 p 31) nas cadeias de consumo popular o setor informal ocupa 40 da oferta de

leite 50 da carne bovina e de 10 a 20 das carnes brancas Santos (2014) afirma

que em Minas Gerais estima-se que haja 30 mil produtores de queijo segundo dados

fornecidos pela Empresa Mineira de Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural (EMATER)

Destes segundo esta autora apenas 305 estavam cadastrados no Instituto Mineiro de

Agropecuaacuteria (IMA) responsaacutevel pela concessatildeo do selo de fiscalizaccedilatildeo estadual A

autora cita ainda duas pesquisas realizadas no Rio Grande do Sul onde se constatou na

primeira numa amostra de 50 agroinduacutestrias que 604 delas tinham alguma

pendecircncia no serviccedilo de inspeccedilatildeo sanitaacuteria (OLIVEIRA PREZOTTO VOIGT 2002

citado por SANTOS 2014) Na segunda pesquisa com uma amostra de 106

empreendimentos familiares 72 operavam informalmente no que tange agraves normas

sanitaacuterias (PELLEGRINI GAZZOLA 2008 citado por SANTOS 2014) Dorigon

(2008) cita ainda um estudo realizado em Santa Catarina por Oliveira Schmidt e

Schmidt (1999) que constatou que das 1116 Induacutestrias Rurais de Pequeno Porte (IRPP

conforme nomenclatura utilizada pelos autores) 79 delas estavam organizadas

informalmente

Wilkinson e Mior (1999) entretanto identificam a importacircncia das

agroinduacutestrias para a produccedilatildeo familiar que tem encontrado desde os anos 1990 uma

161

estrateacutegia de reinserccedilatildeo no mercado por meio da produccedilatildeo artesanal voltada para nichos

que pagariam por estes bens preccedilos-precircmios Segundo os autores esses produtos

artesanais tecircm substituiacutedo nos empreendimentos familiares a produccedilatildeo de commodities

que eram produzidas na cadeia agroindustrial de integraccedilatildeo contratual vigente desde os

anos 1960 Poreacutem a partir dos anos 1990 esta cadeia produtiva estaria passando por

uma reestruturaccedilatildeo que estaria excluindo os pequenos produtores via concentraccedilatildeo e

especializaccedilatildeo De acordo com Wilkinson e Mior (1999) essa reestruturaccedilatildeo estaria

relacionada agraves mudanccedilas nos padrotildees de competitividade causadas por vaacuterios fatores

entre eles a ldquoliberalizaccedilatildeo desregulamentaccedilatildeo e integraccedilatildeo regionalrdquo que teriam

motivado uma maior tecnificaccedilatildeo controle da qualidade das mateacuterias-primas aumento

da escala e sofisticaccedilatildeo nos padrotildees de demanda (WILKINSON MIOR 1999 p 30)

Estes autores citam como exemplo as mudanccedilas na cadeia produtiva do leite nos anos

1990 e Dorigon (2008) exemplifica o caso da suinocultura no Oeste de Santa Catarina

As dificuldades de acesso e manutenccedilatildeo das pequenas produccedilotildees familiares nos

mercados agriacutecolas convencionais as mudanccedilas nos padrotildees de consumo alimentar e as

criacuteticas ao modelo de agricultura dominante e seus impactos ambientais propiciaram a

inserccedilatildeo destas em novos mercados apoacutes os anos 1990 de acordo com Wilkinson

(2008) Estes novos mercados satildeo tanto aqueles de nicho notadamente os de produccedilatildeo

orgacircnica quanto mercados solidaacuterios artesanais e de produtos de qualidades especiais

A inserccedilatildeo dos produtores familiares nesses mercados tem sido possiacutevel segundo os

autores devido agrave persistecircncia dos mercados locais de proximidade e ao reconhecimento

da reputaccedilatildeo de seus produtos nessas redes de proximidade Associado a isso pelos

fatores apontados acima os aspectos tradicionais da pequena produccedilatildeo tecircm se

transformado em valores de mercado conforme atestam estes pesquisadores

Nesse sentido Wilkinson (2008) ressalta que na Ameacuterica Latina haacute uma

importante associaccedilatildeo positiva entre a agroinduacutestria rural e os valores atribuiacutedos agrave

ldquocomida caseirardquo e aos alimentos ldquosem aditivosrdquo mais que os atributos de ldquoqualidades

superioresrdquo e territoacuterios comuns na Franccedila e na Itaacutelia por exemplo Estes valores

atribuiacutedos pelo mercado agrave pequena produccedilatildeo agriacutecola na Ameacuterica Latina segundo o

autor estariam apoiados em outros valores como a produccedilatildeo artesanal a proteccedilatildeo

ambiental (no caso dos orgacircnicos) e social pela sua base familiar Alguns desses

valores foram constatados nas respostas dos consumidores e distribuidores no Mercado

Central associados agrave sua concepccedilatildeo sobre os produtos da roccedila

162

Pelo que foi exposto ateacute o momento pode-se inferir que os produtos e serviccedilos

que se vinculam agrave categoria roccedila seja informalmente ou por meio da marca fazem parte

desse novo mercado apontado pelos autores No caso da categoria roccedila este mercado se

constitui em torno da produccedilatildeo e consumo de produtos agriacutecolas por meio de teacutecnicas

de agricultura sustentaacuteveis de produtos agroindustriais tradicionalmente feitos de

maneira caseira e artesanal pelas famiacutelias agricultoras pela gastronomia de comida da

roccedila tambeacutem chamada de caseira ou mineira e por alguns produtos que podem ser

considerados especiais em virtudes de seus marcadores histoacutericos culturais e

territoriais Embora natildeo se tenha identificado nesta pesquisa a formaccedilatildeo de redes de

comeacutercio justo ou solidaacuterio envolvendo os produtos da roccedila constatou-se certa

disponibilidade entre alguns consumidores para se pagar preccedilos-precircmio a estes

produtos

Deve-se ressalvar entretanto que o mercado de produtos e serviccedilos com o termo

roccedila tem se demonstrado nesta pesquisa bastante difuso havendo algumas iniciativas

coletivas seja por meio de movimentos sociais ou poliacuteticas puacuteblicas de inserccedilatildeo no

mercado sem haver contudo nenhum tipo de regulamentaccedilatildeo do que seja um produto

da roccedila Isto possui algumas implicaccedilotildees por um lado o mercado informal eacute

caracterizado conforme Wilkinson e Mior (1999) pela ausecircncia ou natildeo cumprimento

de normas e regulamentos e esta tem sido a tocircnica dos produtos alimentares artesanais e

pode-se afirmar com base no que foi exposto anteriormente que eacute exatamente o que o

caracteriza enquanto tal inclusive segundo a classificaccedilatildeo de seus agentes de mercado

Nesse sentido uma vasta gama de produtos e serviccedilos inclusive industriais se apropria

do termo roccedila especialmente na iniciativa privada e isto pocircde ser percebido nas

solicitaccedilotildees de registro de marcas no INPI dificultando as inferecircncias a respeito do que

seja esse mercado embora os dados desta pesquisa tenham permitido ateacute o momento

fazer algumas siacutenteses propositivas para a caracterizaccedilatildeo desse mercado Por outro lado

tentativas de regulamentaccedilatildeo de produtos e serviccedilos com o termo roccedila podem implicar

em processos de concentraccedilatildeo e exclusatildeo de pequenos e meacutedios estabelecimentos que

veiculam este termo conforme alertam Dorigon (2008) e Santos (2014) para os casos

dos produtos coloniais em Santa Catarina e para os queijos artesanais em Minas Gerais

e no Rio Grande do Sul

Tendo sido feitas essas ressalvas acredita-se que o mercado de produtos e

serviccedilos com o termo roccedila tem expressado nesta pesquisa parte do panorama que

163

envolve os sistemas agroalimentares especialmente na valorizaccedilatildeo da sustentabilidade e

da tradiccedilatildeo assim como as facetas do desenvolvimento rural no Brasil voltadas para

um campo que natildeo se define somente pela agricultura mas tambeacutem pelas atividades

natildeo-agriacutecolas Aleacutem disso o uso do termo roccedila nos produtos e serviccedilos tem permitido

ateacute aqui vislumbrar algumas interfaces das relaccedilotildees entre os modos de vida urbano e

rural especialmente a partir de suas profundas transformaccedilotildees no Brasil e no exterior a

partir dos anos 1980 Ateacute o momento esses dados tecircm apontado para uma revalorizaccedilatildeo

do rural especialmente no que tange agrave sua vocaccedilatildeo sustentaacutevel identificada na

agricultura alternativa ao modelo convencional produtivista e na oferta de serviccedilos de

lazer e turismo bem como uma alternativa ao modo de vida urbano por meio de

segundas moradias ou dos neorrurais As verificaccedilotildees feitas ateacute aqui tecircm indicado que o

termo roccedila tem sido uma categoria-chave que embora polissecircmica tem permitido

compreender algumas facetas desse novo rural brasileiro

34 As categorias roccedila no Mercado Central

Neste capiacutetulo foi realizado um esforccedilo para apresentar os aspectos relacionados

aos usos e significados da categoria roccedila na circulaccedilatildeo de bens e serviccedilos no Mercado

Central de Belo Horizonte A interpretaccedilatildeo aqui apresentada a respeito de como os

signos referentes agrave roccedila se revelaram no Mercado e no centro da cidade agrave sua volta

basearam-se nas apreensotildees possiacuteveis da observaccedilatildeo participante e da aplicaccedilatildeo de

questionaacuterios aos produtores distribuidores e consumidores de produtos e serviccedilos da

roccedila ou com a marca roccedila no Mercado Central Nesse sentido no capiacutetulo 5 seratildeo

apresentados os mesmos dados a respeito dos usos e significados do termo roccedila poreacutem

submetidos a uma anaacutelise mais apurada por meio da Anaacutelise Estatiacutestica Textual e de

Categorizaccedilatildeo

Por meio da descriccedilatildeo que se efetivou neste capiacutetulo pode-se verificar como as

categorias de significados em torno do vocaacutebulo roccedila construiacutedas nos capiacutetulos

anteriores resultado do confronto entre os aportes teoacutericos e os dados empiacutericos

coletados sobre as solicitaccedilotildees de registro de marcas com o termo roccedila no INPI se

aplicam aos usos e significados de roccedila identificados no Mercado

164

Inicialmente pode-se perceber que o pressuposto de que a categoria roccedila eacute

relativa e relacional se evidenciou na forma como os produtores distribuidores e

consumidores no Mercado identificavam a roccedila Nesse sentido a roccedila era o ldquooutrordquo

expresso sobretudo como o interior ou as pequenas cidades aleacutem das alusotildees ao

isolamento e ao mato o que demonstra seu caraacuteter relacional Essas percepccedilotildees eram

construiacutedas no esquema de pares de opostos que contrapunham a capital ao interior

referido como roccedila Embora os entrevistados estivessem cercados de estabelecimentos e

produtos com apelo agrave roccedila no centro da capital natildeo costumavam associar esta agrave ideia

de roccedila salvo algumas exceccedilotildees Mas a categoria tambeacutem era usada de forma relativa

ao identificarem o proacuteprio Mercado Central como um espaccedilo onde podiam acessar a

cultura tiacutepica das pequenas cidades do interior na sua concepccedilatildeo por meio de produtos

alimentares artesanais ou naturais ndash identificados como da roccedila ndash de utensiacutelios

domeacutesticos e artesanato e das proacuteprias sociabilidades ali estabelecidas O Mercado era

portanto o cantinho da roccedila na capital levando-se em consideraccedilatildeo a associaccedilatildeo que

faziam entre roccedila e cidades pequenas do interior

Em termos das categorias de significado nota-se portanto que os entrevistados

natildeo associavam a roccedila agrave cultura rural ou ao campo de forma direta Ao inveacutes disso

vinculavam-na ao interior agraves cidades pequenas Essa percepccedilatildeo de uma cultura tiacutepica de

pequenas cidades que classificavam como da roccedila era carregada de romantismo e

nostalgia jaacute que a performance possibilitada ao se frequentar o Mercado Central estava

carregada de subjetividades com memoacuterias da infacircncia e idealizaccedilotildees de um passado e

um modo de vida idiacutelico Aleacutem disso a roccedila como natureza foi bastante evidenciada

especialmente na forma como classificam os produtos da roccedila como artesanais

caseiros puros e naturais conforme se discutiu na seccedilatildeo anterior A oferta e o consumo

destes produtos e serviccedilos considerados artesanais caseiros e tradicionais tinham um

forte viacutenculo com a visatildeo da roccedila como tradiccedilatildeo embora tenha havido poucas

referecircncias a essa palavra enquanto tal Pode-se afirmar no entanto que a tradiccedilatildeo eacute um

discurso frequentemente mobilizado pela gestatildeo do Mercado Central e pela gestatildeo

puacuteblica de Belo Horizonte e do Estado de Minas Gerais como emblemaacutetico das culturas

belo-horizontina e mineira da histoacuteria e identidade do povo mineiro conforme se

verificou na literatura sobre o Mercado Nesse sentido a ideia de tradiccedilatildeo e cultura

mineira tiacutepica desse Estado eacute apropriada e institucionalizada pelo Mercado Central

Nesse contexto houve vaacuterias menccedilotildees agrave roccedila como sinocircnimo da cultura mineira talvez

165

pela interaccedilatildeo entre o gecircnero do discurso complexo no sentido dado a este por Bakhtin

(2003) constituiacutedo pelos enunciados oficiais do Mercado e da gestatildeo puacuteblica local e o

gecircnero do discurso simples principalmente dos agentes que trabalhavam no Mercado e

compartilhavam com a instituiccedilatildeo tal visatildeo Alguns dos produtores ou distribuidores

entrevistados associavam a roccedila agrave cultura mineira enquanto outros justificavam tal

associaccedilatildeo ao fato de uma possiacutevel migraccedilatildeo campo-cidade em Minas Gerais que

levavam os consumidores a identificar a roccedila com o seu passado ldquono interiorrdquo ou no

campo Assim no primeiro caso a proprietaacuteria de um restaurante afirmou que a roccedila

significava ldquoA cultura mineira o alimento o acolhimento a comida caseira o fogatildeo a

lenha cozinhar com calmardquo (Proprietaacuteria de restaurante Belo Horizonte outubro de

2014) Esta declaraccedilatildeo da entrevistada estaacute em consonacircncia com a perspectiva de

Morais (2004) para quem o discurso sobre a mineiridade envolve tambeacutem o sentimento

de nostalgia relativo a situaccedilotildees familiares expressos por meio da gastronomia e a

ldquoarterdquo que a envolve desde os ingredientes que compotildeem os pratos a sua disposiccedilatildeo e o

ambiente no qual a comida eacute saboreada marcado pela comunhatildeo em volta do fogatildeo E

afirmava que a arquitetura do restaurante ldquolembrava um casaratildeo mineirordquo conforme

pode ser notado nas seguintes imagens

FIGURA 38 ndash Interior do restaurante

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

166

FIGURA 39 ndash Lavabo do restaurante

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 40 ndash Detalhe da arquitetura do restaurante

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

No segundo caso os entrevistados faziam afirmaccedilotildees como ldquoO mineiro eacute ligado

agrave roccedila jaacute viveu conhece gosta de coisas que o lembram do tempo que viveu com a

famiacutelia e os pais na roccedilardquo (Proprietaacuterio de loja de utilidades domeacutesticas Belo

Horizonte outubro de 2014) ou ainda ldquoMinas tem um peacute na roccedila as pessoas veem do

interior para a cidade grande e depois querem voltarrdquo (Proprietaacuteria de loja de utilidades

domeacutesticas Belo Horizonte outubro de 2014) Ambas as declaraccedilotildees foram feitas por

proprietaacuterios de lojas de artesanato e utensiacutelios domeacutesticos onde segundo eles os

consumidores procuravam por estes objetos-siacutembolos que ldquolembravam a roccedilardquo

Conforme jaacute se elucidou no capiacutetulo anterior autores como Abdala (2006

2007) Arruda (1999) e Morais (2004) ao refletirem sobre o sentido do termo

mineiridade buscam elucidar os elementos que ligam a cultura do Estado e sua relaccedilatildeo

com o modo de vida rural Para Arruda (1999) a mineiridade enquanto estilo de vida

167

em termos de praacuteticas e comportamentos do mineiro foi forjada em dois contextos

histoacutericos distintos o primeiro situado no apogeu da mineraccedilatildeo no seacuteculo XVIII o

segundo teria surgido para a autora apoacutes o decliacutenio da base mineradora iniciando o que

chamou de ldquoruralizaccedilatildeordquo da economia nos seacuteculos XIX e XX Para Arruda (1999) esta

ldquoruralizaccedilatildeordquo seria responsaacutevel pelo enraizamento dos aspectos sociais e culturais em

Minas Gerais Assim como Arruda (1999) Abdala (2006) tambeacutem destaca estes dois

periacuteodos histoacutericos que no caso de sua pesquisa teriam sido a origem e a composiccedilatildeo

da culinaacuteria tiacutepica mineira Segundo esta autora se naquele primeiro momento a

tradiccedilatildeo culinaacuteria mineira foi marcada pela escassez de alimentos em funccedilatildeo da

ocupaccedilatildeo da matildeo-de-obra na mineraccedilatildeo e das maacutes condiccedilotildees da estrada num segundo

momento a maior disponibilidade de alimentos teria possibilitado novos haacutebitos

alimentares novas receitas e novos preparos de alimentos que teriam determinado em

consequecircncia a caracterizaccedilatildeo dos mineiros como hospitaleiros O periacuteodo da

ldquoruralizaccedilatildeordquo para Abdala (2006) marcou a concentraccedilatildeo da vida econocircmica poliacutetica e

social da regiatildeo nas fazendas Nesse caso ao equiparar roccedila e mineiridade os

entrevistados estariam de alguma forma aludindo agrave vida no campo aos modos de vida

rural que teriam marcado boa parte da populaccedilatildeo mineira entre os seacuteculos XIX e iniacutecio

do XX ainda que de maneira natildeo deliberada

Quanto agraves outras categorias de significaccedilatildeo da roccedila caipira e da roccedila estilizada

estas natildeo foram citadas durante a aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios A primeira

considerando-se o que foi constatado na anaacutelise das marcas com o termo roccedila

apresentada no capiacutetulo anterior seria ainda de uso recente enquanto gecircnero do discurso

complexo ou seja apropriada de maneira formal pelo marketing e pelo mundo dos

negoacutecios embora jaacute fosse utilizada no campo do discurso simples para descriminar

produtos como ovos e galinhas ldquoovos caipirasrdquo e ldquogalinha caipirardquo Nesse sentido o

termo caipira como correlato da roccedila em produtos e serviccedilos natildeo foi imediatamente

mencionado pelos entrevistados Por outro lado pode-se refletir a respeito do estigma

que tal termo expressa historicamente no Brasil conforme se expocircs no capiacutetulo 1 a

respeito dos processos de diferenciaccedilatildeo social entre o rural e o urbano

Quanto agrave roccedila estilizada se ela natildeo foi percebida pelos entrevistados ela pocircde

ser notada em alguns aspectos no Mercado Central Ela se expressou nos usos que os

consumidores davam aos objetos e alimentos da roccedila comprados para decorar cozinhas

urbanas de arquitetura intencionalmente ruacutestica para cozinhar pratos especiais ou

168

mesmo por meio do preccedilo que se paga numa cachaccedila que mesmo sendo artesanal da

roccedila por isso mesmo possui alto valor no mercado ou em algum elemento decorativo

com valor agregado Aleacutem disso a ressignificaccedilatildeo da roccedila em elementos urbanos

esteacuteticos e sofisticados pode ser percebida nas imagens do restaurante ilustradas nas

paacuteginas anteriores ou do estabelecimento com o sugestivo nome de ldquoRoccedila Capitalrdquo

FIGURA 41 ndash Fachada do ldquoRoccedila Capitalrdquo no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

O quadro abaixo sintetiza a percepccedilatildeo durante a observaccedilatildeo participante no

Mercado Central das referecircncias dos entrevistadosrespondentes agraves categorias de

significado do termo roccedila e as expressotildees correlatas que algumas vezes substituiacuteram o

uso das categorias aqui sugeridas

QUADRO 8 ndash Siacutentese das categorias de significado roccedila no Mercado Central Campo Rural Natureza Romacircntico Tradiccedilatildeo Minas Gerais Caipira Estilizada

- - + + - + - - Interior e cidades

pequenas Produtos

caseiros e artesanais

Ovos caipira eou

galinha caipira

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

169

4 O FESTIVAL DE GASTRONOMIA E CULTURA DA ROCcedilA DE GONCcedilALVES ldquoAQUI A ROCcedilA Eacute A RAINHArdquo

41 A cidade de Gonccedilalves

A cidade de Gonccedilalves estaacute localizada no sul do Estado de Minas Gerais na

mesorregiatildeo Sul e Sudoeste na microrregiatildeo de Pouso Alegre conforme descrito na

seccedilatildeo Mesorregiotildees e Microrregiotildees do site do Estado (MINAS GERAIS 2015)

fazendo divisa com os municiacutepios mineiros de Paraisoacutepolis Sapucaiacute-Mirim e

Camanducaia e com o municiacutepio paulista de Satildeo Bento do Sapucaiacute Gonccedilalves

portanto se situa na divisa entre os Estados de Minas Gerais e Satildeo Paulo na Serra da

Mantiqueira localizada numa regiatildeo turiacutestica cujos polos principais satildeo a cidade de

Campos do Jordatildeo o distrito de Monte Verde (pertencente ao municiacutepio de

Camanducaia) o Circuito das Malhas e Circuito das Aacuteguas (BARBOSA R 2014

PINTO 2014 PREFEITURA MUNICIPAL DE GONCcedilALVES 2015)

170

FIGURA 42 ndash Localizaccedilatildeo de Gonccedilalves-MG

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira no software QGIS 21 utilizando o banco de dados

ldquoLimitesrdquo da Base Cartograacutefica Vetorial do Brasil (BASE [2007]) disponibilizado pelo portal de mapas do IBGE no endereccedilo

ftpgeoftpibgegovbrmapeamento_sistematicobase_vetorial_continua_escala_250mil Acesso em 12 ago 2015

171

FIGURA 43 ndash Vista panoracircmica da cidade de Gonccedilalves-MG

Fonte Roberto Torrubia

O municiacutepio tinha uma populaccedilatildeo de 4220 habitantes em 2010 sendo que

724 vivem no campo (IBGE 2015) A aacuterea territorial eacute de 1897 km2 com relevo

acidentado 80 montanhoso com altitudes entre 949 e 1970 metros de acordo com

Barbosa R (2014) banhada pelo Rio Capivari pertencente agrave Bacia do Rio Sapucaiacute-

Mirim o que possibilita a formaccedilatildeo de vaacuterias cachoeiras e picos que fazem parte dos

atrativos turiacutesticos da cidade (PINTO 2014) O clima eacute tropical de altitude e a

vegetaccedilatildeo eacute remanescente de Mata Atlacircntica mas com grande presenccedila do pinheiro do

Paranaacute (Araucaacuteria angustifolia) o que a caracteriza como Floresta Ombroacutefila Mista de

acordo com Aun (2012) e tambeacutem se configura como atrativo turiacutestico no inverno pelo

ldquoclima de montanhardquo que proporciona ao visitante

172

FIGURA 44 ndash Vista do Bairro dos Remeacutedios

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 45 ndash Cachoeira do Simatildeo no Bairro Retiro

Fonte Roberto Torrubia

O municiacutepio de Gonccedilalves eacute relativamente recente tendo sido instalado em 1ordm de

marccedilo de 1963 apoacutes sua emancipaccedilatildeo da cidade de Paraisoacutepolis ocorrida em 30 de

dezembro de 1962 por meio da Lei Estadual no 2764 (PINTO 2014) Este autor a

partir de suas pesquisas documentais afirma que a localidade de Gonccedilalves teria se

formado no final do seacuteculo XIX e iniacutecio do XX devido a uma promessa religiosa feita

por Policarpo Teixeira Almeida Queiroz Juacutenior de doar seis alqueires de terra da

Fazenda do Rio Manso na divisa entre os Estados de Satildeo Paulo e Minas Gerais de sua

propriedade para a construccedilatildeo de uma Capela a Nossa Senhora das Dores caso fosse

curado de uma doenccedila que lhe acometera por volta do ano de 1878 A capela teria sido

erguida de taipa e sapeacute de acordo com Pinto (2014) mas devido agraves disputas por

heranccedila ela teria sido transferida por volta do ano de 1897 para as margens do Rio

Capivari onde hoje se situa a Igreja Matriz de Nossa Senhora das Dores da cidade de

Gonccedilalves Neste terreno agrave eacutepoca residiam trecircs irmatildeos de sobrenome Gonccedilalves

trabalhadores rurais pobres de origem cafuza A partir de entatildeo a capela teria sido

173

mencionada como Capela das Dores dos Gonccedilalves (PINTO 2014) O nome de

Gonccedilalves denominaria o povoado que foi elevado agrave categoria de distrito no ano de

1902 (BARBOSA R 2014) A heranccedila do nome permanece no municiacutepio e para Pinto

(2014) a promessa religiosa e a construccedilatildeo da capela ecoam como um discurso

fundador da cidade de Gonccedilalves e fundamentam um discurso religioso que se associa agrave

identidade desta

FIGURA 46 ndash Igreja de Nossa Senhora das Dores centro de Gonccedilalves-MG

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

De acordo com Barbosa R (2014) e Pinto (2014) Gonccedilalves eacute um municiacutepio

ldquotipicamente ruralrdquo que foi caracterizado por uma ldquoeconomia essencialmente agraacuteriardquo

ateacute meados dos anos 1980 A partir de 1990 e mais intensamente a partir de 2005

emergiram uma seacuterie de atividades do setor de turismo que transformaram as condiccedilotildees

socioeconocircmicas da cidade Assim segundo Pinto (2014) ateacute os anos 1980 a

agropecuaacuteria foi a principal atividade econocircmica da cidade cuja produccedilatildeo era destinada

principalmente ao autoconsumo das famiacutelias produtoras Este autor afirma que

historicamente a cidade produz milho feijatildeo cenoura e mais recentemente aleacutem

destes batata banana e hortifruacuteti O autor tambeacutem cita a agricultura orgacircnica

desenvolvida nos uacuteltimos anos e destaca a produccedilatildeo de artesanato com a fibra da

bananeira e de geleias e doces com as frutas Pinto (2014) tambeacutem ressalta a produccedilatildeo

de pecuaacuteria leiteira suiacutenos aves truta mel tijolos cachaccedila e moacuteveis artesanais Este

autor sublinha ainda que as propriedades agropecuaacuterias satildeo de pequeno e meacutedio porte

174

Ao se verificar esses dados no Censo Agropecuaacuterio de 2006 disponibilizado pelo IBGE

observa-se que o municiacutepio de Gonccedilalves possuiacutea agravequela eacutepoca no total 255 unidades

de estabelecimentos agropecuaacuterios ocupando 6046 hectares (CENSO 2006a 2006b)

Dividindo-se a aacuterea total ocupada pelos estabelecimentos agropecuaacuterios pelo nuacutemero de

unidades obteacutem-se uma aacuterea meacutedia de 2370 hectares menor que o moacutedulo fiscal do

municiacutepio estabelecido em 30 hectares (CANAL DO PRODUTOR 2015)

De acordo com Barbosa R (2014) ateacute o ano de 1980 a agricultura praticada no

campo de Gonccedilalves ocupava os topos de morros encostas e ateacute mesmo a beira de rios

e ribeirotildees e aleacutem do autoconsumo o excedente era comercializado na aacuterea urbana de

Gonccedilalves Paraisoacutepolis e Satildeo Bento do Sapucaiacute Essas cidades tambeacutem recebiam a

produccedilatildeo de leite de Gonccedilalves em seus laticiacutenios e cooperativas Segundo este mesmo

autor a deacutecada de 1980 em Gonccedilalves foi marcada por um processo de compra e

arrendamento de terras por grandes produtores das cidades de Maria da Feacute e Cambuiacute

tambeacutem no sul de Minas para a plantaccedilatildeo de batata e cenoura adotando um modelo

convencional de agricultura com a utilizaccedilatildeo de agrotoacutexicos degradaccedilatildeo ambiental e

aumento dos niacuteveis de produtividade no curto prazo de acordo com o estudo de

Kurebayashi (2002 citado por BARBOSA R 2014) Esse periacuteodo eacute bastante citado

pelos agricultores entrevistados nesta pesquisa como uma condiccedilatildeo em que enfrentaram

duras jornadas de trabalho e pouca recompensa financeira conforme declarou a

proprietaacuteria de um restaurante no campo do Bairro Rural Terra Fria ldquoA gente plantava

tinha lavoura de cenoura lavoura de pecircssego aiacute depois foi preciso abandonar Natildeo dava

preccedilo mais natildeo tinha condiccedilatildeo mais E por causa daqui ter muita montanha nada se

mexia com trator era tudo braccedilal era tudo no braccedilordquo

Entretanto entre os anos de 1980 e 1990 essa situaccedilatildeo foi se modificando e a

atividade agropecuaacuteria convencional foi sendo substituiacuteda pela atividade turiacutestica e pela

agricultura orgacircnica especialmente na regiatildeo mais alta da cidade conforme atesta a fala

de um proprietaacuterio de restaurante residente na sede municipal

Antes o povo vivia de roccedila de milho e feijatildeo mas pouco porque a terra aqui eacute montanhosa Entatildeo surgiu a cenoura porque na eacutepoca haacute trinta ou quarenta anos atraacutes cenoura soacute produzia nesse chatildeo aqui em Gonccedilalves no municiacutepio de Camanducaia e Maria da Feacute Vinha caminhatildeo da Bahia para buscar cenoura aqui na eacutepoca Depois de uns doze anos pra caacute que foi abrindo pra turista foram jogando pra escanteio as lavouras A cidade transformou principalmente a aacuterea rural Eu que sou daqui agraves vezes passo trecircs ou quatro meses sem ir para esse lado da Terra Fria a gente fica assustado de ver as

175

construccedilotildees como mudou Entatildeo hoje da cidade pra cima no sentido da Terra Fria 90 95 do povo trabalha de caseiro a mulher toma conta da casa e o rapaz toma conta da propriedade O povo hoje da aacuterea rural vive tranquilo aqui soacute natildeo tem serviccedilo quem natildeo quer trabalhar (Proprietaacuterio de restaurante Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Enquanto Pinto (2014) assinala como causa provaacutevel dos fracassos da

agricultura no municiacutepio as sucessivas crises econocircmicas dos anos 1980 Aun (2012) e

Barbosa R (2014) apoiado em Kurebayashi (2002) apontam como um dos fatores

importantes para o decliacutenio do cultivo convencional de batata e cenoura a criaccedilatildeo da

Aacuterea de Proteccedilatildeo Ambiental Fernatildeo Dias (APA Fernatildeo Dias) no ano de 1997 A APA

Fernatildeo Dias eacute uma unidade de conservaccedilatildeo de uso sustentaacutevel que segundo Barbosa R

(2014) impotildee limites ao uso e ocupaccedilatildeo do solo com restriccedilatildeo ao pastoreio intensivo e

proibiccedilatildeo de uso de agrotoacutexicos e biocidas (KUREBAYASHI 2002 citado por

BARSOSA 2014) e da exploraccedilatildeo madeireira (AUN 2012) Segundo estes autores o

territoacuterio do municiacutepio de Gonccedilalves estaacute totalmente dentro dos limites da APA Fernatildeo

Dias que foi criada para compensar o impacto ambiental causado pela duplicaccedilatildeo da

rodovia BR-381 Fernatildeo Dias (AUN 2012) Para Barbosa R (2014) a criaccedilatildeo desta

APA foi um dos fatores responsaacuteveis pela modificaccedilatildeo da paisagem rural do municiacutepio

pelas limitaccedilotildees que passou a impor agrave degradaccedilatildeo ambiental O autor constata a partir

das informaccedilotildees dos moradores da cidade que a aacuterea coberta por mata atualmente jaacute

seria bem maior que haacute 30 anos

176

FIGURA 47 ndash Localizaccedilatildeo de Gonccedilalves na APA Fernatildeo Dias

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira no software QGIS 21 utilizando o banco de dados

ldquoLimitesrdquo da Base Cartograacutefica Vetorial do Brasil (BASE [2007]) disponibilizado pelo portal de mapas do IBGE no endereccedilo

ftpgeoftpibgegovbrmapeamento_sistematicobase_vetorial_continua_escala_250mil Acesso em 12 ago 2015

Kurebayashi (2002 citado por BARBOSA 2014) e Aun (2012) apontam como

alternativas para a ocupaccedilatildeo e a geraccedilatildeo de renda a partir das proibiccedilotildees e restriccedilotildees agrave

agropecuaacuteria e silvicultura convencionais o desenvolvimento da agricultura orgacircnica e

biodinacircmica e do turismo sustentaacutevel Assim descreve Kurebayashi hoje residente em

Gonccedilalves

O que eacute melhor ambientalmente Vocecirc tem que viabilizar o desenvolvimento das pessoas vocecirc natildeo pode coibir e falar ldquoNatildeo vocecirc natildeo cresce mais entatildeo preservardquo E o turismo eacute um parceiro se vocecirc tiver poliacuteticas puacuteblicas se vocecirc tiver um controle sobre isso Ele eacute um parceiro porque ele traz dinheiro vivo as pessoas veem querem ver o que vocecirc sabe fazer ele natildeo quer que vocecirc mude ele quer que vocecirc seja quem vocecirc eacute E a questatildeo do meio ambiente para uma cidade como Gonccedilalves que estaacute inteirinha dentro de uma APA o cara natildeo precisa fazer um uso intensivo da terra vocecirc natildeo pode usar toda a terra porque tem o rio trinta metros cinquenta metros da nascente mas eu posso fazer uma casinha aqui eu alugo essa casinha eu vendo ovo para o hoacutespede jaacute vendo no preccedilo de consumidor eacute diferente eu vendo queijinho eu vendo uma goiabada Esse visitante

177

taacute me deixando dinheiro vivo na hora eu natildeo vou esperar seis meses pra receber entatildeo eu posso ficar mais tranquilo com a minha plantaccedilatildeo aqui Se alguma coisa der errado eu tenho um pano de fundo aiacute eu faccedilo comida o turista vem comer a minha comida aiacute ele gosta da minha comida gosta do meu cafeacute da manhatilde (Proprietaacuteria de estabelecimento de produtos alimentiacutecios Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Neste contexto a partir dos anos 2000 emergiu em Gonccedilalves um conjunto de

agricultores que iniciaram as praacuteticas de agricultura de base ecoloacutegica na parte alta da

cidade onde antes havia o exerciacutecio da agropecuaacuteria convencional Hoje o conjunto

mais expressivo dessa agricultura de base ecoloacutegica eacute o grupo ldquoOrgacircnicos da

Mantiqueirardquo uma empresa de ldquoSociedade Comercial por Quotas de Responsabilidade

Limitadardquo formada por 10 produtores que se uniram para obter a certificaccedilatildeo orgacircnica

coletiva e facilitar o processo de comercializaccedilatildeo dos produtos (AUN 2012)

Inicialmente o grupo era certificado pelo Instituto Biodinacircmico (IBD) atualmente pelo

ECOCERT e eacute responsaacutevel pela venda de cerca de cem cestas para Satildeo Paulo aleacutem de

cerca de 5 ou 6 empresas que compram no atacado e pela comercializaccedilatildeo no varejo na

proacutepria cidade especialmente para os turistas e neorrurais durante a feira semanal

(AUN 2012) Aleacutem do ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo haacute outros agricultores orgacircnicos

certificados que trabalham de forma autocircnoma e aqueles que praticam agricultura com

base ecoloacutegica poreacutem sem a certificaccedilatildeo incluindo aqueles que o fazem para o

autoconsumo

Na outra via destaca-se o desenvolvimento do turismo em Gonccedilalves desde

meados de 1990 e mais densamente em meados de 2005 que se apresenta como uma

alternativa de emprego e renda para os agricultores e para a cidade como um todo

modificando as condiccedilotildees de vida conforme ressalta Barbosa R (2014)

A atividade turiacutestica modificou a vida no municiacutepio gerando emprego e renda evitando o ecircxodo da populaccedilatildeo e modificando o panorama da zona rural onde vive a maior parte da populaccedilatildeo gonccedilalvense Comeccedilando na deacutecada de 1990 e acelerando-se a partir da primeira metade do seacuteculo XXI notadamente a partir da pavimentaccedilatildeo da estrada de acesso em 2005 comeccedilaram a ser abertas pousadas restaurantes comeacutercio de moacuteveis ruacutesticos e artesanais lojas de roupas e artesanato empoacuterios gastronocircmicos empresas de fabricaccedilatildeo de conservas e geleias escritoacuterios de arquitetura e engenharia e receptivos de turismo denotando a formaccedilatildeo de uma Aglomeraccedilatildeo Produtiva Local de Turismo A formaccedilatildeo de uma estrutura local de governanccedila de turismo a partir da criaccedilatildeo de uma Diretoria Municipal de Turismo do Conselho Municipal de Turismo e do surgimento de

178

uma associaccedilatildeo de empresaacuterios intitulada Associaccedilatildeo Proacute-Turismo de Gonccedilalves ndash SERRACcedilAtildeO possibilita o desenvolvimento de um Arranjo Produtivo Local de Turismo (BARBOSA R 2014 p 98-99)

De acordo com a pesquisa de Barbosa R (2014) a primeira pousada foi criada

na cidade em 1995 e somente em 1999 foram criadas mais seis Entre 2000 e 2005

foram inauguradas 12 pousadas e de 2005 ateacute 2011 foram 13 perfazendo um total de

32 estabelecimentos desse tipo aleacutem de 60 chaleacutes e casas de aluguel A maioria das

pousadas 27 delas se situa na aacuterea rural da cidade e 20 pertencem a proprietaacuterios

oriundos principalmente de Satildeo Paulo embora alguns residam em Gonccedilalves

Interessante observar que a expansatildeo da rede hoteleira em Gonccedilalves foi mais

expressiva a partir de 2005 justamente quando ocorreu a pavimentaccedilatildeo da principal

rodovia de acesso a cidade a MG-173 como destacou Barbosa R (2014) Esse fato eacute

recorrente na fala dos moradores como um grande marco que impulsionou o turismo e

diminuiu uma espeacutecie de ldquoisolamentordquo na qual vivia a cidade Nesse sentido o impulso

inicial das atividades turiacutesticas parece ter sido feito por turistas oriundos

especialmente da capital paulista e do Vale do Paraiacuteba que compraram terrenos no

campo de Gonccedilalves para a construccedilatildeo de casas de veraneio de aluguel e pousadas

Muitos agricultores jaacute sofrendo as primeiras consequecircncias do decliacutenio das lavouras de

batata e cenoura venderam parte de suas terras a esses entrantes Obviamente a

especulaccedilatildeo imobiliaacuteria e o aumento do preccedilo da terra eacute uma realidade desde entatildeo na

cidade especialmente na parte ldquoaltardquo regiatildeo montanhosa de temperatura amena e

coberta pelos pinheiros do Paranaacute por isso a mais valorizada do ponto de vista do

turismo

Aleacutem das pousadas Barbosa R (2014) lista 38 estabelecimentos de

alimentaccedilatildeo dos quais 16 estatildeo na aacuterea rural duas agecircncias receptivas de turismo que

oferecem as atividades de ecoturismo e turismo de aventura trecircs estabelecimentos para

equitaccedilatildeo e um de lazer e entretenimento aleacutem de uma gama de estabelecimentos de

produtos e serviccedilos que atendem aos turistas e moradores como lojas de artesanato de

vestuaacuterio empoacuterios ateliecircs e serviccedilos de massagem Este autor afirma que o Plano

Municipal de Desenvolvimento Sustentaacutevel de Gonccedilalves 20092010 definiu trecircs tipos

de turismo praticados na cidade o Turismo Rural o Ecoturismo e o Turismo de

Aventura

Avaliando a relaccedilatildeo entre o turismo e o desenvolvimento local os dados

apresentados por Barbosa R (2014) revelam as transformaccedilotildees sociais e econocircmicas

179

proporcionadas pelas mudanccedilas das atividades agropecuaacuterias para o turismo entre os

anos 2000 e 2010 Um dos primeiros impactos revelados pelo autor eacute o crescimento

populacional desde os anos 1991 enquanto nos anos anteriores desde 1970 a cidade

registrava um ecircxodo da ordem de 17 de seus habitantes Inclusive registrou-se o

crescimento da populaccedilatildeo rural entre 1991 e 2000 O Iacutendice de Desenvolvimento

Humano (IDH) Municipal elevou-se em 1899 entre 2000 e 2010 (de 0574 para

0683) iacutendice de elevaccedilatildeo acima dos niacuteveis estadual e nacional conforme constatado

por Barbosa R (2014) Seu estudo revela que a renda meacutedia per capita cresceu 3039

no mesmo periacuteodo embora seja menor que os valores estadual e nacional e diminuiacuteram

os iacutendices de pobreza extrema e de desigualdade social O autor ressalta que a taxa de

desocupaccedilatildeo da populaccedilatildeo economicamente ativa diminuiu embora muitos estejam

ocupados no mercado informal Jaacute as taxas de ocupaccedilatildeo por setor de atividade e a

participaccedilatildeo de cada um destes no Produto Interno Bruto (PIB) Municipal estudados

por Barbosa R (2014) revelam as transformaccedilotildees pelas quais passaram a cidade de

Gonccedilalves nos uacuteltimos anos de uma economia agriacutecola para outra centrada no turismo

ainda que seus dados comparem apenas os anos de 2000 e 2010 Nesse sentido o

conjunto de pessoas ocupado na agropecuaacuteria passou de 4170 em 2000 para

3680 em 2010 enquanto no setor de serviccedilos essa taxa cresceu de 2480 para

3508 O PIB municipal cresceu 17630 no periacuteodo descontada a inflaccedilatildeo e os

serviccedilos seriam responsaacuteveis por 68 do PIB em 2010 (era de 62 em 2000) enquanto

a agricultura contribuiu com 2115 (era de 29 em 2000) (BARBOSA R 2014) Tais

mudanccedilas evidenciadas por este autor em Gonccedilalves na uacuteltima deacutecada parecem

corroborar o fenocircmeno apontado por Kageyama (2004) do desenvolvimento de uma

intersetorialidade nas pequenas cidades (e mesmo no campo) que contribui para

constituir nesses espaccedilos uma camada de classe meacutedia Essa nova dinacircmica tambeacutem

estaria relacionada de acordo com Kageyama (2004) agrave acessibilidade dos habitantes

das metroacutepoles agraves pequenas cidades vistas por estes como opccedilatildeo de lazer descanso e

proximidade da natureza fato que parece se aplicar ao caso de Gonccedilalves

especialmente devido agrave sua proximidade a cidades como Satildeo Paulo e Satildeo Joseacute dos

Campos por exemplo

Observa-se portanto que o decliacutenio da agricultura convencional a criaccedilatildeo da

aacuterea de proteccedilatildeo ambiental a conversatildeo de alguns produtores agrave agricultura de base

ecoloacutegica e a emergecircncia das atividades turiacutesticas se constituiacuteram em um marco

180

divisoacuterio na histoacuteria recente do municiacutepio de Gonccedilalves na passagem da deacutecada de

1980 para a de 1990 dando origem a uma nova configuraccedilatildeo socioeconocircmica e espacial

agrave cidade a partir dos anos 2000 Essas mudanccedilas refletem num microcosmo as

transformaccedilotildees que tecircm caraterizado o campo numa perspectiva macro conforme

discutidas por Abramovay (1994) Entrena-Duran (2012) Silva J (1997 2001) Pires

(2004) entre outros Estes autores apontam para o esgotamento do modelo agriacutecola

produtivista em vaacuterias partes do mundo por volta dos anos 1980 motivados pela crise

de superabastecimento e pelos paulatinos questionamentos em torno dos problemas

ambientais O cenaacuterio posterior eacute composto pelas novas funccedilotildees do campo na sociedade

poacutes-fordista especialmente aquelas ligadas agrave conservaccedilatildeo ambiental e ao lazer turismo

e moradia como experiecircncias para citadinos e algumas vezes como opccedilotildees de vida

Essas transformaccedilotildees poderiam sugerir ldquoo fim do ruralrdquo em Gonccedilalves ou

soarem como uma perspectiva evolucionista de superaccedilatildeo de uma etapa agriacutecola Mas o

que se destaca neste municiacutepio e se revelou como um objeto de estudo relevante para

esta pesquisa eacute a forma como esse rural sobrevive e eacute reinventado na cultura nos

siacutembolos no modo de vida nos produtos e serviccedilos ofertados na cidade Estes parecem

ser ldquoo carro cheferdquo do turismo rural na cidade que oferta aos visitantes a roccedila como um

bem um valor um capital turiacutestico Assim bem o descreve a Diretora de Turismo da

cidade ao responder ao questionaacuterio sobre o uso da palavra roccedila como marca

Porque dois terccedilos da populaccedilatildeo de nossa cidade moram na zona rural os restaurantes mais procurados tambeacutem ficam na roccedila Gostamos de moda de viola cavalo carro de bois carne na banha torresmo frango caipira biscoito assado no forno de barro fogatildeo de lenha e nossos visitantes tambeacutem gostam pois Gonccedilalves eacute uma cidade que vive em primeiro lugar do turismo e em segundo da plantaccedilatildeo de banana [Roccedila] significa simplicidade com qualidade em tudo que fazemos Nossa comida eacute muito saborosa gostamos de receber todos na cozinha e ningueacutem passa por nossa casa sem entrar para um cafezinho e uma boa conversa Nosso povo gosta de ldquoprosearrdquo como dizem os mais antigos Temos orgulho de morar na roccedila pois temos qualidade de vida verduras frescas sem agrotoacutexicos ovos colhidos assim que a galinha anuncia a postura leite tirado todos os dias carne dos porcos que criamos E compartilhamos com nossos visitantes esta vida ldquoRoccedilardquo eacute sinocircnimo de fartura sabores uacutenicos produtos sem agrotoacutexicos A uniatildeo de tudo isso em meio agrave natureza torna o nome ldquoRoccedilardquo um sinocircnimo de renovaccedilatildeo de energias para quem vive nas grandes cidades (Diretora de Turismo Gonccedilalves-MG abril de 2014)

181

Essa perspectiva de que a roccedila figura como um atrativo turiacutestico em Gonccedilalves

tambeacutem eacute atestada por uma proprietaacuteria de um restaurante nesta cidade que inclusive

utiliza o termo roccedila no nome de seu estabelecimento ao ser indagada sobre o que o uso

desse termo como marca significava

O que significa roccedila para noacutes Roccedila deixou de ser soacute o nome de um canteiro de plantas e verduras e a palavra passou a ter um conceito cultural Eacute um modo de vida Eacute onde a gente estaacute E Gonccedilalves hoje eacute uma cidade que tem exatamente isso o que atrai as pessoas aqui A cultura da roccedila Noacutes natildeo temos lojas maravilhosas natildeo temos um comeacutercio natildeo temos shopping Temos atrativos naturais mas natildeo eacute bem isso que as pessoas vecircm buscar Tem uma parte do puacuteblico que vem atraacutes de cachoeiras mas um pouco o que as pessoas procuram satildeo produtores locais Aquela pessoa que trocou a vida que tinha como empresaacuterio como executivo por fazer queijos e hoje vive de fazer queijos Eacute uma mudanccedila cultural Eacute a busca da roccedila eacute a busca das raiacutezes E hoje o turismo de Gonccedilalves vive dessa cultura da cultura da roccedila que eacute o que a gente vende eacute o que a gente vive Tem elementos antigos que satildeo usados ainda aqui hoje por exemplo os carros de boi as pessoas usam para puxar milho Eacute como se o tempo tivesse parado neste lugar E hoje eacute isso que atrai as pessoas Agora por exemplo muitos dos donos desses carros hoje vivem de outras coisas vendem terras natildeo vivem mais de puxar o carro mas preserva aquilo como uma cultura para os filhos para os netos (Proprietaacuteria de restaurante Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

FIGURA 48 ndash Carro de boi

Fonte Roberto Torrubia

Alguns desses aspectos revelam indiacutecios do que se identificou como uma roccedila

ligada agrave tradiccedilatildeo ao campo e sua produccedilatildeo agriacutecola bem como a uma cultura rural

especiacutefica Mas tambeacutem eacute possiacutevel perceber como em Gonccedilalves outros significados

de roccedila satildeo reelaborados como a roccedila ldquoestilizadardquo presente nos pratos reinventados e

restaurantes sofisticados nos serviccedilos de recorte urbano e naqueles inspirados em

culturas estrangeiras nos nomes dos estabelecimentos que brincam com as palavras e as

182

origens Nota-se ainda associaccedilotildees entre roccedila e natureza sem fugir aos aspectos de

nostalgia e romantismo Esses usos e significados do termo roccedila no Festival de

Gastronomia e Cultura da Roccedila bem como na vida cotidiana dos habitantes de

Gonccedilalves e de quem a frequenta fundamentaram a escolha daquele evento como

objeto de anaacutelise desta pesquisa e seratildeo apresentados ao longo deste capiacutetulo

42 A observaccedilatildeo participante as entrevistas e os ldquobastidoresrdquo do Festival

Em Gonccedilalves foram realizadas trecircs visitas A primeira entre os dias 23 de

setembro e 1ordm de outubro de 2014 consistiu numa fase exploratoacuteria em que foi feito

contato pessoal com a diretora de Turismo e sua equipe que forneceram as informaccedilotildees

demandadas sobre a cidade e o Festival aleacutem de terem sido mediadores das entrevistas

Durante essa primeira estadia foram realizadas as 16 entrevistas abertas com os

produtores e distribuidores de produtos e serviccedilos da roccedila especialmente aqueles que

participam diretamente do Festival Nessa ocasiatildeo foram entrevistados nove

proprietaacuterios de comeacutercio de alimentos e de restaurantes ou cozinheiroschefs que

participam ou jaacute participaram de alguma ediccedilatildeo do Festival (dois deles com restaurantes

com a marca roccedila) trecircs proprietaacuterios de estabelecimentos com a marca roccedila a ex-

diretora de turismo e dois conselheiros do Conselho Municipal de Turismo que foram

responsaacuteveis pela criaccedilatildeo do Festival agrave eacutepoca e uma proprietaacuteria de pousada

Durante esse periacuteodo de dez dias de estadia foi possiacutevel tambeacutem acompanhar os

preparativos para o Festival Agrave sugestatildeo da diretora de Turismo acompanhou-se o

fotoacutegrafo e a equipe do Departamento Municipal de Turismo e Cultura nas visitas aos

restaurantes e estabelecimentos para a criaccedilatildeo das fotografias dos pratos que seriam

servidos na quarta ediccedilatildeo do Festival para a ediccedilatildeo do guia gastronocircmico Assim teve-

se a oportunidade de visitar a maioria dos restaurantes ou estabelecimentos participantes

desta ediccedilatildeo do Festival conhecer os pratos que seriam servidos a histoacuteria dos

participantes e seu envolvimento com o turismo em Gonccedilalves bem como realizar as

entrevistas Contou-se com a mediaccedilatildeo do fotoacutegrafo na maior parte dos casos que jaacute

conhecia a maioria dos envolvidos no Festival fazendo as devidas apresentaccedilotildees e

tambeacutem da proacutepria diretora do Departamento de Turismo e de servidores deste Aleacutem

183

disso participar dos bastidores da organizaccedilatildeo do Festival nesta ocasiatildeo possibilitou

observar o processo de composiccedilatildeo do cenaacuterio para as fotografias podendo-se

apreender alguns aspectos dos significados da categoria roccedila em Gonccedilalves e que eram

expressos no Festival Retornou-se agrave Gonccedilalves para acompanhar o Festival nos dias 31

de outubro 1ordm 2 7 8 e 9 de novembro de 2014 ou seja em dois finais de semana

seguidos com atraccedilotildees divididas entre as sextas os saacutebados e os domingos No Festival

realizou-se a observaccedilatildeo e a aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios aos

consumidoresfrequentadores durante estes dois finais de semana

Na primeira visita a Gonccedilalves em setembro de 2014 foi possiacutevel vivenciar

uma experiecircncia parecida com aquela descrita sobre o Mercado Central de Belo

Horizonte o apelo agrave roccedila estava por todo o caminho ateacute se chegar ao campo objeto de

estudo Ao longo da estrada com destino agrave Gonccedilalves partindo-se de Belo Horizonte

na rodovia BR-381 ndash Fernatildeo Dias sobretudo entre as cidades mineiras de Lavras e Trecircs

Coraccedilotildees notou-se uma seacuterie de estabelecimentos comerciais agrave beira da estrada que

anunciavam a venda de ldquoprodutos da roccedilardquo ou tinham roccedila no seu nome Tratavam-se

de lanchonetes restaurantes e mercados geneacutericos As placas no geral indicavam

ldquoprodutos da roccedilardquo e algumas mais especiacuteficas revelavam a oferta dos seguintes

produtos frango caipira doces queijos comida caseira cafeacute moiacutedo na hora linguiccedila

ldquopinga da roccedilardquo licor de pequi costela assada panela de pedra pimenta arroz doce

coalhada salaminho ldquodeliacutecias do milhordquo ldquomel purordquo ldquomanteiga caseirardquo ldquocafeacute da

roccedilardquo e ldquocafeacute da roccedila moiacutedo na horardquo Notou-se tambeacutem as placas do Restaurante

ldquoTrem da Roccedilardquo I e II tratando-se evidentemente do mesmo estabelecimento

localizado em dois lugares diferentes que tambeacutem anunciava a venda de doces queijos

curau pamonha almoccedilo caseiro e tapetes de couro Em algumas dessas placas as

descriccedilotildees aludiam aos ldquoprodutos da roccedilardquo mas tambeacutem a ldquoprodutos mineirosrdquo ou a

ldquorestaurante mineirordquo Chegando-se agrave rodoviaacuteria da cidade de Itajubaacute onde se tomaria

outra conduccedilatildeo rumo agrave Gonccedilalves deparou-se com a loja ldquoDireto da Roccedilardquo Tratava-se

de uma parceria entre a EMATER e a Prefeitura que disponibilizava numa loja da

rodoviaacuteria a venda de produtos agriacutecolas ou da agroinduacutestria das famiacutelias agricultoras

da regiatildeo Nela vendem-se biscoitos geleias queijos iogurte coalhada banana ovos

conservas bolos artesanatos doces panos de prato crochecircs telhas pintadas

184

FIGURA 49 ndash Boneca decorativa na loja ldquoDireto da Roccedilardquo rodoviaacuteria de Itajubaacute-MG

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 50 ndash Boneco decorativo na loja ldquoDireto da Roccedilardquo rodoviaacuteria de Itajubaacute-MG

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

A estrada entre Itajubaacute e Gonccedilalves eacute ladeada por siacutetios e fazendas Apoacutes o

municiacutepio de Paraisoacutepolis toma-se a estrada em direccedilatildeo a Gonccedilalves onde numa

planiacutecie comeccedilam a surgir os siacutetios e bairros rurais que compotildeem sua configuraccedilatildeo

socioespacial especialmente o Lambari Sobe-se entatildeo a Serra e comeccedilam a aparecer

na paisagem as araucaacuterias e rochas (Pedra do Cruzeiro) e os primeiros indiacutecios do setor

de turismo receptivo de turismo siacutetios com produccedilatildeo orgacircnica lojas de artesanato e

produtos alimentares e as primeiras placas indicando hoteacuteis e pousadas rurais

185

A cidade na sede urbana onde vivem aproximadamente 1100 dos seus 4220

habitantes (IBGE 2013) tem uma paisagem tiacutepica das pequenas cidades do interior de

Minas Gerais uma Igreja Catoacutelica na praccedila central com jardins e bancos uma

predominacircncia de casas em detrimento de preacutedios ruas calccediladas de blocos que

circundam esta praccedila As particularidades de Gonccedilalves vatildeo se revelando aos poucos a

serra ao seu redor onde se avista gado pastando por um lado e por outro a floresta de

pinheiros Pelas ruas circulam cavalos e charretes conduzidos por senhores com chapeacuteu

que aparentam retornar do campo Com menos frequecircncia eacute possiacutevel presenciar tratores

e ateacute mesmo carros de boi passando pela cidade ndash fato recorrentemente comentado pelos

moradores e visitantes que o ressaltam como uma preciosidade histoacuterica mais rara de se

ver em outras cidades Na hora da missa o alto-falante da Igreja executa muacutesicas

religiosas possiacuteveis de se ouvir por quase toda parte da cidade assim como tambeacutem eacute

usado para fazer anuacutencios comunicando o falecimento de algueacutem por exemplo

Tambeacutem eacute possiacutevel ouvir a muacutesica vinda dos ensaios da Lira Nossa Senhora das Dores

Durante os dias uacuteteis da semana vecirc-se circulando apenas os moradores da

cidade sendo menos frequente a presenccedila de turistas Nesse sentido o comeacutercio local

cujos clientes principais satildeo os residentes da cidade funciona normalmente nos dias

uacuteteis enquanto os estabelecimentos voltados ao turismo ficam fechados especialmente

nos primeiros dias uacuteteis da semana A experiecircncia do tempo que se pode vivenciar

durante os dias uacuteteis da semana em Gonccedilalves especialmente nos dias comuns do

calendaacuterio turiacutestico ou festivo quando natildeo haacute eventos especiais eacute bastante particular Eacute

possiacutevel perceber no cotidiano dos locais que a execuccedilatildeo das tarefas natildeo parece ser

marcada pela acircnsia nem pelo compromisso com um horaacuterio rigidamente governado

Ainda assim observa-se um funcionamento aparentemente normal natildeo se percebendo

negligecircncias Um exemplo nesse sentido eacute a ldquoTerccedila Folgadardquo quando numa terccedila-

feira alguns amigos se reuacutenem para cavalgar pelo campo de Gonccedilalves durante o dia

todo apreciando a paisagem e a equitaccedilatildeo parando apenas para almoccedilar geralmente em

algum restaurante dos bairros rurais e para degustar algum aperitivo e tocar

instrumentos

Esse passeio eacute realizado uma vez ao mecircs sempre numa terccedila-feira Segundo um

de seus participantes e entusiastas um agricultor orgacircnico natural de Gonccedilalves o

objetivo da ldquoTerccedila Folgadardquo eacute aleacutem de promover a confraternizaccedilatildeo e a ludicidade

justamente subverter os padrotildees que organizam o cotidiano na sociedade moderna

186

dividindo o tempo de trabalho e o tempo de lazer caracteriacutesticos da cultura urbana

conforme bem o descreve Rambaud (1973) A ideia de ldquodesacelerarrdquo o modo de vida

que caracteriza a ldquoTerccedilardquo tambeacutem eacute citada num dos textos de apresentaccedilatildeo dos guias

gastronocircmicos do Festival

Poreacutem um passeio mais atento pela cidade revela traccedilos de outros modos de

vida em Gonccedilalves Na praccedila principal em frente agrave referida Igreja observa-se uma

placa indicando ser um espaccedilo de Wifi Zone ou seja haacute sinal de rede sem fio de internet

de acesso livre e gratuito aos cidadatildeos e visitantes naquela aacuterea

FIGURA 51 ndash Wifi Zone na praccedila de Gonccedilalves-MG

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Entre as casas residenciais e o comeacutercio tiacutepico tambeacutem se identificam

restaurantes pizzarias bistrocircs bares cafeacutes casas de chaacute padarias lanchonetes

empoacuterios ateliecircs lojas de decoraccedilatildeo espaccedilos de terapias corporais e massagens

receptivos de turismo de aventura e ecoturismo Estes estabelecimentos possuem

aspectos de distinccedilatildeo e sofisticaccedilatildeo na sua decoraccedilatildeo e adaptaccedilotildees na arquitetura (tiacutepica

da cidade) reaproveitando suas caracteriacutesticas simples e acolhedoras nos produtos e

serviccedilos ofertados nos apelos da identidade visual na performance dos atendentes e

em alguns casos nos preccedilos

Nos finais de semana a diversidade social de Gonccedilalves eacute ressaltada pela

chegada dos visitantes e dos moradores de segunda residecircncia De acordo com a diretora

de Turismo e alguns proprietaacuterios de restaurantes entrevistados os visitantes dividem-se

entre os turistas que passam todo o final de semana ou uma semana toda no caso da

alta temporada e os chamados excursionistas que vindos de cidades proacuteximas agrave

Gonccedilalves como Pouso Alegre Poccedilos de Caldas e Itajubaacute no sul de Minas e Satildeo Joseacute

dos Campos no Vale do Paraiacuteba Paulista passam o dia na cidade almoccedilam passeiam e

187

retornam para seu local de origem no final do dia Haacute ainda aqueles que possuem casas

de veraneio em Gonccedilalves mas residem em outros municiacutepios sobretudo na capital

paulista e afluem para a cidade nos finais de semana acompanhados de familiares e

amigos Alguns entrevistados afirmaram que no inverno eacute comum a visita de casais

jovens que identificam na cidade as condiccedilotildees para uma viagem romacircntica enquanto

nos meses mais quentes satildeo mais comuns as famiacutelias com filhos Haacute um conjunto de

visitantes que aluga casas e chaleacutes para a estadia enquanto outros se hospedam nas

pousadas especialmente no campo

O fluxo de visitantes nos finais de semana transforma o ritmo e o tempo na

cidade muitos restaurantes bistrocircs lojas e ateliecircs ficam abertos pelas ruas trafegam

motocicletas e veiacuteculos proacuteprios para trilhas modelos de traccedilatildeo 4x4 aleacutem de carros de

luxo A transformaccedilatildeo da dinacircmica da cidade entre os dias uacuteteis da semana e os finais

de semana ou feriados foi comentada por um entrevistado natural e residente em

Gonccedilalves ldquoA cidade aqui eacute gostosa Aqui soacute perde o estilo roccedila no fim de semana ou

feriado prolongado Aiacute eacute um carro atraacutes do outro gente buzinando na rua pra pedir

passagem Mas assim dia de semana eacute gostoso tranquilo tranquilordquo Segundo a antiga

e a atual diretora de Turismo do municiacutepio seria difiacutecil precisar a quantidade de

visitantes que circulam pela cidade especialmente devido agravequeles de segunda residecircncia

que possuem casas no campo natildeo sendo possiacutevel registrar seus deslocamentos como

atesta o seguinte relato

Mas eu acredito que nos feriados maiores Reveillon Carnaval Corpus Christi a cidade dobra de populaccedilatildeo pra natildeo dizer que triplica Porque o movimento daqui natildeo eacute por exemplo como em Campos [do Jordatildeo] ou Monte Verde que vocecirc chega na zona urbana no centro comercial e vecirc aquele grande movimento Aqui o centro fica cheio o que natildeo eacute difiacutecil porque ele eacute pequenininho soacute que o movimento maior eacute no rural eacute na roccedila O que a gente sempre percebe por exemplo laacute na pousada eacute o movimento na estrada natildeo para mas vocecirc natildeo consegue mensurar (Ex-diretora de Turismo Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Assim a observaccedilatildeo tambeacutem permite perceber que o movimento de pessoas que

se vecirc na cidade natildeo traduz nitidamente aquele que acontece no campo Essa suspeita

torna-se mais aguccedilada ao se visitar a feira de produtos orgacircnicos organizada pela

empresa ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo jaacute mencionada anteriormente A feira ocorre aos

saacutebados pela manhatilde num galpatildeo numa rua agrave saiacuteda da cidade rumo aos bairros rurais

188

considerados como aqueles que concentram a maior parte das atividades turiacutesticas Na

feira assiste-se ao fluxo de turistas e moradores de segunda residecircncia vindos da

direccedilatildeo dos bairros rurais para onde retornam diretamente apoacutes as compras Uma

comerciante entrevistada afirmou nesse sentido que a feira de orgacircnicos podia

funcionar como um ldquotermocircmetrordquo sobre o movimento de turistas nos finais de semana

ou seja como uma estimativa da quantidade de visitantes que a cidade recebe em

determinado momento jaacute que seria um ponto de atraccedilatildeo destes

O conhecimento dos bairros rurais foi possiacutevel graccedilas ao acompanhamento da

equipe do Departamento de Turismo e do fotoacutegrafo na produccedilatildeo das imagens feitas para

o Guia Gastronocircmico do Festival Acompanhou-se a equipe durante trecircs dias de visita

aos restaurantes lanchonetes empoacuterios e agricultores participantes da quarta ediccedilatildeo do

Festival distribuiacutedos entre os bairros rurais e o centro na sede urbana da cidade Foi

possiacutevel observar a paisagem conhecer a nova organizaccedilatildeo socioespacial dos bairros a

partir da expansatildeo do turismo bem como conhecer e conversar com os atores sociais

que compotildeem a diversidade social de Gonccedilalves

A cidade possui aleacutem da sede urbana mais de 20 bairros rurais onde se

concentram 724 da sua populaccedilatildeo entre os agricultores naturais do municiacutepio e os

neorrurais Os bairros distribuem-se espacialmente entre o que costumam chamar de

ldquoparte altardquo e ldquoparte baixardquo da cidade que corresponde aos planos mais altos nas

encostas da serra onde tambeacutem se localiza a sede urbana no primeiro caso e agrave planiacutecie

na base da serra no segundo Esses detalhes podem ser observados no seguinte mapa

ilustrado elaborado por Roberto Torrubia

189

FIGURA 52 ndash Mapa ilustrado de Gonccedilalves-MG

Fonte Roberto Torrubia

190

No primeiro dia visitou-se conforme a programaccedilatildeo do Departamento de

Turismo para a elaboraccedilatildeo das fotos alguns restaurantes e bares localizados no centro

da cidade e outros nos bairros rurais ldquode baixordquo especialmente no Bairro Lambari e

Trecircs Barras Conforme jaacute se ressaltou nesses bairros rurais ainda predominam as

atividades agriacutecolas especialmente o cultivo de bananas havendo menor incidecircncia das

atividades turiacutesticas Como se trata de uma aacuterea mais plana e com a paisagem agriacutecola

por vezes predominando sobre a paisagem natural a exploraccedilatildeo do espaccedilo para lazer

turismo e fruiccedilatildeo eacute mais limitada O nuacutemero de casas de veraneio ou para aluguel para

os turistas tambeacutem eacute menor em comparaccedilatildeo agrave ldquoparte altardquo da cidade Contudo haacute bares

comeacutercios de alimentos agriacutecolas orgacircnicos e agroindustriais de artesanato receptivo

de turismo pizzaria e pousadas nesta regiatildeo tambeacutem Alguns desses bares inclusive

visitados para a produccedilatildeo fotograacutefica situam-se agrave margem das estradas vicinais dos

bairros rurais e atendem majoritariamente agraves necessidades da populaccedilatildeo local mas

tambeacutem recebem um afluxo de turistas

Tais estabelecimentos reproduzem os aspectos das ldquovendasrdquo tambeacutem

conhecidas como mercearias ou empoacuterios tiacutepicos do campo em tempos passados

Vendem-se secos e molhados e presta-se o serviccedilo de bar com a venda de bebidas e

ldquopetiscosrdquo ndash alguns inclusive foram os pratos do Festival porccedilatildeo de linguiccedila de porco

caseira com farinha de milho panquecas ndash com o tradicional balcatildeo de atendimento

onde se sentam os clientes aleacutem de se acomodaram em mesas ou bancos na porta A

pizzaria e a agroinduacutestria orgacircnica visitadas satildeo estabelecidas no proacuteprio siacutetio dos

proprietaacuterios em espaccedilos que satildeo a extensatildeo de suas casas Em ambos combinam-se a

produccedilatildeo agriacutecola familiar e as atividades voltada agrave recepccedilatildeo dos turistas para prestaccedilatildeo

de serviccedilo no caso do restaurantepizzaria e para a venda de produtos no caso de

geleias orgacircnicas certificadas Enquanto a famiacutelia proprietaacuteria da pizzaria eacute natural de

Gonccedilalves e vivia no campo da produccedilatildeo agriacutecola familiar a agroinduacutestria de geleia eacute

de propriedade de uma famiacutelia de nova residecircncia tendo morado a maior parte da vida

em Satildeo Paulo e ido para Gonccedilalves apoacutes a aposentadoria No caso das ldquovendasrdquo haacute uma

predominacircncia de frequentadores moradores dos proacuteprios bairros rurais ou daqueles da

proximidade mas tambeacutem se identifica a visita de turistas

Durante a composiccedilatildeo do cenaacuterio para a foto com o prato que seria colocado agrave

venda no Festival por cada estabelecimento foi possiacutevel observar de que forma o grupo

191

envolvido classificava os elementos que fariam parte da imagem relativa ao que seria

ldquoda roccedilardquo ou natildeo

Assim utilizava-se os objetos disponiacuteveis na casa ou estabelecimento que jaacute

faziam parte da decoraccedilatildeo do ambiente ou eram de uso domeacutestico Dessa forma onde

havia fogatildeo a lenha de alvenaria dispunha-se o prato sobre sua cauda de forma que no

segundo plano da fotografia aparecessem as labaredas Tambeacutem se privilegiava

quando o prato era disposto nas mesas ou balcotildees uma toalha de chita ou de algodatildeo

cobrindo-a compondo a base do prato assim como um suporte de prato tecido com a

folha de bananeira Utilizava-se tambeacutem conforme a disponibilidade dos utensiacutelios o

bule e xiacutecara em aacutegata porque de outro material como alumiacutenio ldquoeacute muito moderno

natildeo combinardquo Tambeacutem se utilizava para compor a fotografia um pequeno carro de boi

em artesanato de madeira

Como o tema da quarta ediccedilatildeo do Festival era o milho em algumas ocasiotildees ele

tambeacutem compunha o segundo plano das fotografias agraves vezes o milho em espiga e as

palhas secas outras vezes os gratildeos crus em uma concha (comumente usada em

armazeacutens para pegar cereais a granel) cozido ou o fubaacute numa vasilha de ceracircmica No

restaurante do centro da cidade o cenaacuterio escolhido para captar as imagens foi o jardim

do estabelecimento privilegiando-se o uso de mesa de madeira e prato de ceracircmica para

compor a fotografia Na pastelaria no centro da cidade o que poderia parecer um tiacutepico

estabelecimento urbano revela suas nuances com a roccedila como o tema do Festival era o

milho o recheio do pastel era o curau Enquanto os clientes eram atendidos na

pastelaria o filho do proprietaacuterio tocava uma viola para o deleite dos frequentadores

No trajeto que se percorria pelas estradas ateacute os bairros rurais ou nos proacuteprios

estabelecimentos os comentaacuterios sobre o cenaacuterio que tinham como mote a temaacutetica da

pesquisa a roccedila eram feitos para ilustrar e demonstrar o que entendiam sobre o termo

as galinhas soltas pelo quintal das casas o bezerro o chiqueiro e seu cheiro

caracteriacutestico eram ldquocoisas de roccedilardquo Assim como o ldquovaral de linguiccedilardquo teacutecnica de

defumaccedilatildeo da linguiccedila caseira que depois de produzida ldquodescansardquo ou ldquocurardquo

pendurada num varal sobre o fogatildeo a lenha para defumar num quarto fechado Esta

inclusive foi uma das atraccedilotildees de uma das ldquovendasrdquo do bairro que foram apresentadas

no trabalho de campo como ldquocoisa da roccedilardquo

No segundo dia visitou-se restaurantes na parte ldquoaltardquo de Gonccedilalves

especialmente nos bairros rurais Satildeo Sebastiatildeo das Trecircs Orelhas Terra Fria e Juncal

192

aleacutem de ter-se retornado a outro bar no Bairro Lambari na parte ldquobaixardquo da cidade No

Bairro Satildeo Sebastiatildeo das Trecircs Orelhas tambeacutem caracterizado pelas atividades turiacutesticas

o objeto da fotografia foram os patildees integrais orgacircnicos de um empoacuterio Enquanto o

Juncal possui uma paisagem formada por siacutetios lembrando bastante um campo

tradicional embora seja muito arborizado a Terra Fria eacute um dos bairros rurais bastante

explorados pelo setor turiacutestico devido agrave sua altitude agrave presenccedila de cachoeiras picos

rochosos e florestas de araucaacuterias Dois restaurantes visitados nesse dia no Bairro Terra

Fria se caracterizavam como siacutetios de agricultores familiares que devido agrave proximidade

de suas terras e sua residecircncia agraves rochas a ldquoPedra do Fornordquo e a ldquoPedra Chanfradardquo

tornaram-se importantes pontos de atraccedilatildeo turiacutestica As famiacutelias que antes viviam da

produccedilatildeo agriacutecola construiacuteram restaurantes anexos agraves suas casas e passaram a ofertar

aos visitantes ldquocomida caseirardquo feita e servida no fogatildeo a lenha caracterizada

principalmente pela carne de lata o tutu de feijatildeo e a couve No Bairro do Juncal

visitou-se um restaurante que poderia ser caracterizado como uma ldquonova geraccedilatildeordquo dos

restaurantes da roccedila de Gonccedilalves trecircs irmatildes jovens originaacuterias de pequenas famiacutelias

agricultoras do proacuteprio bairro investiram seus conhecimentos sobre a cozinha da roccedila

recebida da famiacutelia e abriram o restaurante

FIGURA 53 ndash Pedra Chanfrada no Bairro Terra Fria vista do Restaurante Ao Peacute da Pedra

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

193

FIGURA 54 ndash Restaurante Trecircs Irmatildes no Bairro Rural do Juncal

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

A composiccedilatildeo das fotografias nesses restaurantes tambeacutem privilegiou o uso do

fogatildeo a lenha como segundo plano depositando-se o prato em sua cauda ou a mesa de

madeira agrave mostra ou como fundo a toalha de algodatildeo quadriculada e a toalhinha

confeccionada em crochecirc Os efeitos decorativos eram aqueles que estivessem ao

alcance das matildeos um galho de flor de pereira uma galinha drsquoangola artesanal

FIGURA 55 ndash Prato do Restaurante Ao Peacute da Pedra

Fonte Roberto Torrubia

194

No terceiro dia e uacuteltimo dia que se acompanhou a equipe21 visitou-se o Bairro

dos Venacircncios um bairro tradicionalmente conhecido e visitado pelos turistas devido agraves

suas casas antigas de taipa e pilatildeo construiacutedas haacute mais de um seacuteculo mas que tambeacutem

se caracteriza pela moradia dos antigos agricultores familiares dentre os quais alguns

tambeacutem se dedicam agraves atividades turiacutesticas Neste dia tambeacutem se conheceu no Bairro

Rural Dona Luciana um dos siacutetios que desenvolvem a agricultura orgacircnica vinculada agrave

empresa ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo assim como dois restaurantes e uma lanchonete

do centro da cidade O restaurante do campo caracteriza-se tambeacutem por uma famiacutelia de

agricultores que construiu o restaurante anexo agrave sua residecircncia e serve aos consumidores

a ldquocomida caseirardquo feita e servida no fogatildeo a lenha

FIGURA 56 ndash Restaurante da Vilma no Bairro dos Venacircncios

Fonte Roberto Torrubia

Nos restaurantes e na lanchonete da cidade percebeu-se a ressignificaccedilatildeo das

caracteriacutesticas da ldquocomida da roccedilardquo utilizando-se os mesmos ingredientes tiacutepicos

embora natildeo se possa negligenciar que o uso do milho presente em todos os pratos era o

alimento tema daquela ediccedilatildeo do festival Ao mesmo tempo utilizava-se algumas

teacutecnicas proacuteprias da alta gastronomia ou com elementos tiacutepicos de uma cozinha mais

urbana moderna ou globalizada Ainda assim na composiccedilatildeo de uma das fotos

apareceu no segundo plano a mesa de madeira a palha e o milho cozido aleacutem da

farinha

Dos restaurantes bares e estabelecimentos de produtos alimentares que natildeo

foram visitados juntamente com a equipe fotograacutefica mas cujas imagens figuram no

21 A equipe formada pelo fotoacutegrafo e um servidor do Departamento de Turismo continuou realizando as fotografias no quarto dia mas natildeo foi possiacutevel acompanhaacute-los devido agraves entrevistas jaacute agendadas para este dia

195

Guia Gastronocircmico do Festival observou-se que algumas seguiam esse mesmo padratildeo

na composiccedilatildeo dos elementos ldquoque lembram a roccedilardquo a mesa em madeira os pratos e

vasilhas de ceracircmica a palha de milho Alguns poreacutem focavam apenas na imagem do

prato sem elementos figurativos enquanto outros denotam uma perspectiva mais

sofisticada com a decoraccedilatildeo do restaurante ao fundo e o acompanhamento de taccedilas de

vinho por exemplo

No saacutebado pela manhatilde conforme jaacute foi relatado ocorria a feira de produtos

orgacircnicos que foi visitada para observaccedilatildeo e entrevistas A feira era composta pelos

produtores certificados que participavam da empresa ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo mas

tambeacutem abrigava outros vendedores de produtos agroindustriais de produccedilatildeo ecoloacutegica

como geleias antepastos mel e artesanato em geral Quanto aos orgacircnicos no dia

visitado estavam disponiacuteveis agrave venda folhas morango rabanete beterraba cenoura

gengibre ervas Quanto aos outros produtos tratavam-se de patildees geleias patecircs

orgacircnicos artesanatos como patchwork e sabonetes queijo e mel orgacircnicos e doces A

feira ocorria em um galpatildeo agraves margens do rio num local cercado pela paisagem natural

na saiacuteda da cidade As mesas e balcotildees satildeo enfeitadas com toalhas de chita e a parede do

barracatildeo com cestaria

FIGURA 57 ndash Feira ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Ao lado funcionava o Cafeacute na Roccedila num antigo estaacutebulo onde os

frequentadores da feira podiam se socializar tomar um cafeacute ou suco e degustar bolos e

tortas feitos com ingredientes orgacircnicos ou naturais Aleacutem de uma cozinha moderna

(que parece ter sido construiacuteda seguindo os padrotildees sanitaacuterios vigentes) o restante da

decoraccedilatildeo eacute ruacutestica composta de uma fornalha mesas e bancos de madeira enfeites

como cabeccedila de boi e cabaccedilas aleacutem de algumas poltronas feitas de pneus reciclados

196

FIGURA 58 ndash ldquoCafeacute na Roccedilardquo na Feira ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 59 ndash Interior do ldquoCafeacute na Roccedilardquo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Em frente ao cafeacute no jardim foi construiacutedo um parquinho infantil com

brinquedos e balanccedilos feitos tambeacutem de pneus reciclados que inclusive estavam agrave

venda para os clientes que podiam contatar o artesatildeo que os fazia O nome do

playground era ldquoParquinho da Roccedilardquo Durante a feira tambeacutem ficava disponiacutevel agrave

demanda dos frequentadores um espaccedilo para a realizaccedilatildeo de massagens

FIGURA 60 ndash ldquoParquinho da Roccedilardquo na Feira ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

197

Ao longo dessa primeira estadia em Gonccedilalves aleacutem de outras entrevistas

realizadas tambeacutem se acompanhou em alguns momentos a preparaccedilatildeo da

infraestrutura para a realizaccedilatildeo do Festival Este tem sido realizado no Clube Recreativo

no centro da cidade Enquanto na primeira ediccedilatildeo ele foi realizado no espaccedilo aberto do

clube de acordo com as entrevistas nos dois eventos seguintes o Festival foi realizado

na rua em frente ao Clube tendo sido montado uma estrutura de tendas para isso Nesta

quarta ediccedilatildeo que se acompanhou a Prefeitura realizou reformas e ampliou o espaccedilo

de circulaccedilatildeo na aacuterea aberta do clube possibilitando a realizaccedilatildeo do Festival neste

ambiente As outras visitas seguintes foram feitas na ocasiatildeo do Festival para observaacute-lo

e aplicar os questionaacuterios aos frequentadoresconsumidores e os detalhes da observaccedilatildeo

seratildeo descritos a seguir

43 O 4ordm Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila de Gonccedilalves

O Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila em Gonccedilalves eacute realizado desde

2011 anualmente de maneira que foi possiacutevel acompanhar a sua quarta ediccedilatildeo no ano

de 2014 O Festival eacute realizado geralmente entre a segunda quinzena de outubro e a

primeira semana de novembro natildeo havendo uma data fixa contudo De acordo com

alguns dos responsaacuteveis pela criaccedilatildeo do Festival em 2011 que foram entrevistados para

esta pesquisa entre eles a antiga diretora de Turismo um membro do Conselho

Municipal de Turismo (COMTUR) e um voluntaacuterio da organizaccedilatildeo o Festival teria sido

criado para atrair o puacuteblico na eacutepoca de baixa temporada turiacutestica de Gonccedilalves Aleacutem

disso jaacute se vislumbrava na antiga gestatildeo de turismo da cidade a organizaccedilatildeo de um

evento nos moldes dos jaacute consagrados festivais de gastronomia que na visatildeo da ex-

diretora entrevistada estariam se expandindo nos uacuteltimos anos22 Aleacutem disso um dos

objetivos da criaccedilatildeo do Festival era um mecanismo entre outros de valorizaccedilatildeo da

cultura local especialmente dando visibilidade aos restaurantes da roccedila e agrave sua comida

tiacutepica conforme atestam os depoimentos das entrevistadas

22 No site da Secretaacuteria de Turismo e Cultura do Governo do Estado de Minas Gerais o Calendaacuterio de Eventos Turiacutesticos do Estado contabilizou 85 eventos no ano de 2013 (MINAS GERAIS 2013)

198

E aiacute eu comecei a conversar muito com [a proprietaacuteria de uma pousada e o chef de um restaurante] e ele sempre falando que a gente tinha que fazer alguma coisa E dentro das reuniotildees do COMTUR do Conselho Municipal de Turismo a gente comeccedilou a discutir entatildeo resolvemos vamos fazer um evento de gastronomia Mas quando essa ideia foi ser levada pra frente a primeira coisa que a gente falou foi que a gente queria um festival de gastronomia diferente do que jaacute existia Porque a gente queria fazer uma coisa voltada pra nossa cultura pra fortalecer os restaurantes locais [] E tanto eacute que o foco nosso na eacutepoca principalmente no primeiro festival foi fortalecer estes restaurantes foi tentar encontrar formas estruturas para melhorar o que eles jaacute tinham pra otimizar e pra fazer valer a pena que eles viessem pra cidade Entatildeo a gente comeccedilou a perceber que o retorno maior que eles ganham no festival natildeo era financeiro eacute o que vem depois A gente conseguiu principalmente no primeiro festival vaacuterias miacutedias Globo Rural TV Globo Rural Revista EPTV Sul de Minas (Ex-diretora de Turismo Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Entatildeo quando a gente pensou no Festival de Gastronomia eu pensei assim gastronomia dentro do turismo o turismo gastronocircmico eacute o mais legal de todos [O turista voltado para a gastronomia] eacute um cara consciente eacute um cara que viaja entatildeo ele valoriza ele viaja pra conhecer ele natildeo viaja pra encontrar o que ele jaacute espera ele quer conhecer o que vocecirc sabe fazer E ele eacute um elemento cultural que fortalece e valoriza a cultura local [] Entatildeo quando a gente pensou no Festival de Gastronomia a gente fez discussotildees dentro do COMTUR um dos posicionamentos do COMTUR naquela eacutepoca da gestatildeo natildeo era soacute meu era da gestatildeo era ldquoBom o que a gente pode fazer Nosso trabalho pode ser de fortalecimento de valoraccedilatildeo do que eacute roccedilardquo Porque as pessoas precisam saber que isso eacute rico eacute baacuterbaro eacute lindo e ela [pessoa da roccedila] poder ganhar dinheiro com aquilo (Ex-conselheira do COMTUR Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Nesse sentido o modelo de Festival construiacutedo a partir das reuniotildees do

COMTUR com a colaboraccedilatildeo dos proprietaacuterioschefscozinheiros dos restaurantes e

estabelecimentos participantes diferia-se de alguns eventos tiacutepicos na opiniatildeo das

entrevistadas Segundo elas o Festival de Gonccedilalves natildeo seria um concurso que

promoveria a concorrecircncia do melhor prato ao contraacuterio os restaurantes e demais

estabelecimentos apenas exporiam e venderiam seus preparos Outro criteacuterio

estabelecido foi o de que somente os restaurantes de Gonccedilalves participariam evitando-

se a participaccedilatildeo de restaurantes e chefs de outras cidades ou Estados como acontece

em festivais gastronocircmicos tiacutepicos que promovem a eleiccedilatildeo de melhor

pratochefrestaurante Assim a elaboraccedilatildeo do Festival visaria valorizar a cultura e a

199

gastronomia da roccedila bem como priorizar a participaccedilatildeo dos restaurantes em Gonccedilalves

considerados ldquoda roccedilardquo mas cuja adesatildeo estaria aberta a todos os estabelecimentos da

cidade localizados no centro urbano ou pertencentes a proprietaacuterios residentes fora do

municiacutepio No entanto a temaacutetica tendia a ser respeitada pelos restaurantes mais

requintados que satildeo convidados a elaborar pratos simples com seu ldquotoque especialrdquo

Outra caracteriacutestica observada foi a de que os pratos de todos os restaurantes deveriam

ser ofertados a um preccedilo padronizado durante o Festival que na quarta ediccedilatildeo foi de

R$ 1300 devendo cada estabelecimento elaboraacute-lo em termos de ingredientes e

tamanho da porccedilatildeo adequados ao valor cobrado Mas na sede do proacuteprio restaurante o

preccedilo do prato seria livre podendo-se inclusive incrementar o serviccedilo com entrada

sobremesa bebidas e logo agregando valor

O estabelecimento e a obediecircncia a tais regras do Festival teriam tido como

efeito segundo as entrevistadas tanto a garantia da participaccedilatildeo da populaccedilatildeo da cidade

entre o puacuteblico consumidor quanto a promoccedilatildeo da sociabilidade entre os chefs e

cozinheiros dos diferentes restaurantes que no cotidiano natildeo costumavam ter a

oportunidade de frequentar os estabelecimentos dos colegas ainda que fossem parentes

e residissem perto segundo relatou a ex-diretora Assim as entrevistadas comentaram

ter presenciado as trocas de pratos entre os cozinheiros e chefs a troca de informaccedilotildees

bem como parentes vizinhos e familiares que iam ao Festival prestigiar o restaurante

dos entes Foi possiacutevel presenciar algumas dessas situaccedilotildees durante a observaccedilatildeo do

Festival quando os chefs e cozinheiros propunham trocar seus pratos para degustaccedilatildeo

Os chefs e cozinheiros incorporavam assim traccedilos da cultura camponesa relativos ao

dar e retribuir vinculando-os a um circuito de reciprocidades semelhantes agravequele da

vida em comunidade Este caraacuteter familiar e os laccedilos de solidariedade que se

estabeleciam no Festival tanto entre os responsaacuteveis pelos estabelecimentos como

entre os parceiros ou entre o puacuteblico que os frequentava dava ao evento segundo as

entrevistadas o ambiente da vida em vizinhanccedila Nestes relatos as contradiccedilotildees e

conflitos quase natildeo eram comentados

Soacute aconteceu depois que a gente fez o Festival de Gastronomia de a pessoa de um restaurante comer a comida de outro restaurante aqui porque e agraves vezes eacute ateacute parente no momento que estatildeo trabalhando [natildeo podem ir ao restaurante do outro] e no dia seguinte ningueacutem taacute trabalhando e aiacute natildeo daacute pra se conhecer E essa foi a [oportunidade] Ah trocava prato ldquoAh olha meu pratordquo ldquoAh depois eu mando o meurdquo troca troca se experimentou o [prato] de todo mundo sabe

200

Todo mundo vai laacute ldquoAh eu vim comer o seu pratordquo sabe Conheceu trocou aprenderam trocaram informaccedilotildees por isso que o Festival tambeacutem nunca teve caracteriacutestica de concurso e isso era uma coisa que noacutes deixamos claro natildeo pode ser concurso natildeo vamos concorrer um com o outro vamos valorizar Um dia se quiser ter um concurso [] que nem esses modelos que tem por aiacute mas natildeo eacute esse o momento o momento eacute de valoraccedilatildeo Qualquer que seja o que eu faccedilo o que vocecirc faz tem que ser valorizado (Ex-conselheira do COMTUR Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Outro aspecto relacionado agrave sociabilidade ressaltado pelos entrevistados estava

relacionado agrave sua proacutepria organizaccedilatildeo As limitaccedilotildees impostas pelo orccedilamento puacuteblico

disponiacutevel para a organizaccedilatildeo do Festival teriam sido superadas com o uso da

criatividade inovaccedilatildeo e o capital social construiacutedo entre os participantes do Festival As

famiacutelias amigos e voluntaacuterios colaboravam com alguns aspectos relativos agrave

infraestrutura apoio e decoraccedilatildeo da festa improvisando o uso de materiais disponiacuteveis

o que por um lado dava a conotaccedilatildeo desenhada para o mesmo de aparentar

simplicidade como uma forma de remeter agraves caracteriacutesticas das ldquocoisas da roccedilardquo

Tambeacutem se percebeu o acionamento do capital social por meio do suporte de

instituiccedilotildees e empresas que apoiavam o Festival em troca de publicidade ou da

oportunidade de participar da festa As mesas e bancos utilizados na quarta ediccedilatildeo do

Festival por exemplo foram emprestadas pela Paroacutequia e pelo carpinteiro de uma

cidade vizinha No uacuteltimo domingo do Festival o carpinteiro e sua esposa foram ao

evento para participar e degustar os pratos O fato do Festival se constituir em uma

atraccedilatildeo turiacutestica de Gonccedilalves parecia despertar nos colaboradores o desejo de

participar ativamente do Festival pelo prestiacutegio mas tambeacutem pela satisfaccedilatildeo em

frequentar a cidade Assim relata a ex-diretora de Turismo

E realmente olha o primeiro festival foi muito mais coraccedilatildeo do que profissatildeo Eu falo que a gente tava num momento do COMTUR muito abenccediloado o conselho era muito unido todo mundo arregaccedilou as mangas literalmente e deixou os afazeres de lado [] E tudo assim eram voluntaacuterios eram pessoas que deixavam as coisas e iam [ajudar] Ateacute a estrutura do primeiro ano a gente natildeo tinha muitos recursos a gente natildeo tinha nem ideia do puacuteblico entatildeo a gente foi fazendo e as coisas foram acontecendo meio que naturalmente a gente fala que quando a gente estaacute com boa intenccedilatildeo as coisas caminham para o lado do bem para o caminho certo E foi um sucesso neacute [] E envolveu a famiacutelia todo mundo vinha e ajudava decorava as barracas a gente fazia plaquinhas E por mais que a gente tente planejar as coisas ficam pra uacuteltima hora tem que ir atraacutes de ldquonatildeo sei o quecircrdquo mas eu

201

acho que eles receberam muito bem a ideia 95 dos restaurantes que eram da roccedila participaram que era o grande objetivo nosso E eu acho que pra eles foi uma motivaccedilatildeo foi um resgate da autoestima que agraves vezes fica meio escondida por conta do corre corre do dia a dia [] E o festival a gente sempre teve a preocupaccedilatildeo de fazer um ambiente e fazer valores que fossem acessiacuteveis para o pessoal da cidade Entatildeo no domingo era uma deliacutecia porque a gente via que muitas donas de casa natildeo faziam o almoccedilo elas iam almoccedilar no festival em famiacutelia Porque a gente sempre partia do pressuposto de que pra cidade ser boa pro turista antes ela tem que ser muito boa pros moradores [] Entatildeo como os restaurantes eram daqui e na cidade todo mundo eacute parente a gente percebia que as pessoas iam pra prestigiar porque a comadre estava laacute porque a avoacute estava participando (Ex-diretora de Turismo Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

O aspecto participativo na elaboraccedilatildeo do Festival foi destacado pelas

entrevistadas natildeo somente a respeito da montagem da infraestrutura do evento mas

tambeacutem durante a idealizaccedilatildeo da primeira festividade bem como nas discussotildees sobre

as ediccedilotildees seguintes Os debates se davam no acircmbito das reuniotildees do COMTUR com a

participaccedilatildeo dos responsaacuteveis pelos estabelecimentos partiacutecipes de cada ediccedilatildeo e havia

certo orgulho em ressaltar a atuaccedilatildeo dos restaurantes da roccedila nesse processo que de

outra forma devido agraves dificuldades de transporte comunicaccedilatildeo e cultura poliacutetica

poderiam ter ficado alijados da inclusatildeo na organizaccedilatildeo do Festival Nas palavras da ex-

diretora de Turismo

Os donos desses restaurantes da roccedila foram com a gente pra Satildeo Paulo eles participavam das reuniotildees eles davam opiniatildeo Entatildeo o Festival foi construiacutedo por eles por todo mundo natildeo foi um projeto que o COMTUR ldquopegourdquo e fez A gente [COMTUR] direcionou mas a construccedilatildeo mesmo foi coletiva eu acho que foi por isso que a gente conseguiu realmente manter essa identidade e reforccedilar (Ex-diretora de Turismo Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

A quarta ediccedilatildeo do Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila de Gonccedilalves foi

realizada em dois finais de semana A programaccedilatildeo foi desenvolvida em uma praccedila de

alimentaccedilatildeo nomeada de ldquoPraccedila dos Sabores e Saberesrdquo Cada restaurante participante

ocupava um stand composto pelo fogatildeo mesa e um armaacuterio decorado onde ofertavam

a comida Alguns jaacute a traziam pronta ou preacute-preparada do seu proacuteprio restaurante

outros a cozinhavam neste espaccedilo As mesas para acomodaccedilatildeo dos frequentadores

estavam dispostas no centro da praccedila de alimentaccedilatildeo As mesas e os bancos eram

202

extensos coletivos induzindo os consumidores a partilharem as mesas de forma a

promover a sociabilidade a conversa e o conviacutevio

FIGURA 61 ndash Mesas e stands no 4o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Na ediccedilatildeo que se acompanhou a praccedila de alimentaccedilatildeo foi montada numa aacuterea

aberta que foi coberta com tendas de um lado do salatildeo de festas do Clube Recreativo

onde havia uma porta independente para a entrada do outro lado tambeacutem uma aacuterea

semiaberta com porta de entrada independente disponibilizaram-se os stands de

artesanato de produtos alimentares processados como geleias bolos patildees e de

divulgaccedilatildeo do Slow Food ldquoConviacutevio Terras Altas do Sapucaiacuterdquo No centro ficava o salatildeo

de festas onde acontecia a maior parte das apresentaccedilotildees culturais e que podia ser

acessado por ambos os lados graccedilas agraves suas portas laterais As aacutereas abertas tambeacutem se

comunicavam por um corredor atraacutes do salatildeo onde ficava o caixa do Festival

FIGURA 62 ndash Salatildeo de festas do Clube Recreativo de Gonccedilalves-MG

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

203

FIGURA 63 ndash Stand de Slow Food ldquoConviacutevio Terras Altas do Sapucaiacuterdquo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

A programaccedilatildeo cultural foi composta por apresentaccedilotildees musicais que

privilegiavam os artistas regionais ou locais tocando preferencialmente MPB muacutesica

caipira de viola mas tambeacutem muacutesica sertaneja e forroacute especialmente agrave noite quando o

puacuteblico se dispunha a danccedilar Ofertavam-se ainda oficinas workshops palestras e dias

de campo que variavam conforme a ediccedilatildeo da festa Na quarta versatildeo houve oficina de

gastronomia de fusatildeo com queijos de ovelha e cervejas artesanais e na segunda ediccedilatildeo

conforme material de divulgaccedilatildeo consultado aleacutem desta mesma oficina houve outras

de vinho coqueteacuteis melado iogurte caseiro bolos biscoitos broas receitas sem adiccedilatildeo

de accediluacutecar artesanato com fibra de bananeira entre outras As palestras na segunda

ediccedilatildeo (cujo folder com a programaccedilatildeo foi consultado) versavam sobre temas como

turismo rural agroecologia desenvolvimento rural sustentaacutevel composiccedilatildeo nutricional

de gastronomia de raiz e dia de campo nos siacutetios de agricultura orgacircnica certificada

FIGURA 64 ndash Oficina de queijos de ovelha e cervejas artesanais ndash Gastronomia de fusatildeo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

204

Algumas apresentaccedilotildees que fizeram parte da programaccedilatildeo cultural davam

visibilidade a aspectos tradicionais da cultura local como a apresentaccedilatildeo da Congada

Satildeo Benedito o Desfile de Carros de Boi e os proacuteprios grupos musicais jaacute mencionados

com artistas locais ou de cidades vizinhas Algumas apresentaccedilotildees tambeacutem estavam

ligadas aos programas sociais e culturais desenvolvidos pela gestatildeo municipal com

apresentaccedilotildees musicais infantis como a Lira Infantil e o Grupo Infantil de Flauta da

escola municipal do Grupo de Melhor Idade IONG ou a exposiccedilatildeo de artesanato do

projeto de inclusatildeo de pessoas com necessidades especiais o PINGO

Segundo os relatos nas ediccedilotildees anteriores do Festival realizava-se um preacute-

lanccedilamento no ldquoEspaccedilo Minas Geraisrdquo em Satildeo Paulo-SP um centro de referecircncia de

negoacutecios e promoccedilatildeo do turismo e da cultura mineiros (PROGRAMA DE TURISMO

DE NEGOacuteCIOS E EVENTOS DE BELO HORIZONTE 2015) na Avenida Paulista

quando se apresentava agrave imprensa e a formadores de opiniatildeo o evento visando sua

divulgaccedilatildeo na miacutedia Tambeacutem se costumava realizar no primeiro dia do evento de cada

ediccedilatildeo a sexta-feira agrave noite uma celebraccedilatildeo privada de cortesia destinada a

convidados ilustres colaboradores do Festival e tambeacutem a imprensa e formadores de

opiniatildeo Na quarta ediccedilatildeo natildeo houve o preacute-lanccedilamento em Satildeo Paulo nem o evento para

convidados sendo o primeiro dia a sexta-feira aberto ao puacuteblico para a

comercializaccedilatildeo dos pratos

A primeira ediccedilatildeo do Festival natildeo teve uma temaacutetica especiacutefica centrando-se

apenas no nome do evento Na segunda ediccedilatildeo o tema foi ldquoA comida da vovoacuterdquo Nos

dois uacuteltimos anos o Festival privilegiou temaacuteticas relativas aos produtos agriacutecolas

tiacutepicos da regiatildeo ou da cultura rural utilizados como mateacuteria-prima na cozinha da roccedila

Assim em 2013 o tema foi ldquoUai noacutes temos banana tameacutemrdquo num jogo de linguagem

que utilizou uma expressatildeo de interjeiccedilatildeo tiacutepica do falar mineiro ldquouairdquo e uma paraacutefrase

da composiccedilatildeo musical ldquoYes noacutes temos bananardquo de Braguinha famosa na voz da

cantora brasileira Carmem Miranda O logotipo dessa ediccedilatildeo tambeacutem se apropriou da

bandeira de Minas Gerais de forma que ao redor de um triacircngulo amarelo cujas cores

remetem agrave fruta distribuem-se os trechos da frase em cada lado do poliacutegono de maneira

que a palavra ldquotameacutemrdquo (corruptela de ldquotambeacutemrdquo) ficasse em sua base em alusatildeo agrave

mesma posiccedilatildeo da palavra tamen na bandeira do Estado A escolha do tema privilegiou

uma das maiores produccedilotildees agriacutecolas do municiacutepio na atualidade a banana que

tambeacutem se constituiacutea em objeto de celebraccedilatildeo em Gonccedilalves no mecircs de janeiro No ano

205

de 2014 o tema escolhido foi ldquoSabores do Milho da Roccedilardquo Nestas duas uacuteltimas

ediccedilotildees portanto os restaurantes deveriam elaborar os seus pratos utilizando esses

ingredientes na sua composiccedilatildeo respectivamente

FIGURA 65 ndash Cartaz de divulgaccedilatildeo do 1o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila

Fonte Departamento de Turismo e Cultura de Gonccedilalves e COMTUR

FIGURA 66 ndash Cartaz de divulgaccedilatildeo do 2o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila

Fonte Departamento de Turismo e Cultura de Gonccedilalves e COMTUR

206

FIGURA 67 ndash Guia Gastronocircmico do 3o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila

Fonte Departamento de Turismo e Cultura de Gonccedilalves e COMTUR

Diagramaccedilatildeo ilustraccedilatildeo e fotografia Roberto Torrubia

FIGURA 68 ndash Cartaz de divulgaccedilatildeo do 4o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila

Fonte Departamento de Turismo e Cultura de Gonccedilalves e COMTUR

No quadro que se segue eacute possiacutevel ver um resumo do cardaacutepio ofertado na 4ordf

ediccedilatildeo do Festival com os seus respectivos chefs e restaurantes

207

QUADRO 9 ndash Menu do 4o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila PRATO DESCRICcedilAtildeO RESTAURANTE LOCAL CHEFCOZINHEIRO

Paccediloca de pilatildeo agrave mineira

Paccediloca de pilatildeo arroz tutu de feijatildeo lombo

torresmo polenta frita linguiccedila

Ao Peacute da Pedra Bairro Rural Terra Fria

Eni Ribeiro e Sandra Ribeiro

Carne de lata com polenta

Carne de lata tutu de feijatildeo arroz e polenta

Restaurante da Vilma

Bairro Rural dos

Venacircncios

Vilma Rosa

Janelim de Mio Bolinho de milho recheado de queijo

canastra e milho verde acompanhada de batida de milho com cachaccedila

Janelas com Tramela

Centro Seacutergio Mota Flaacutevia Silva e Elaine Tobias

Mil folhas de polenta caipira com ragu de rabada com

ora-pro-noacutebis

Polenta ragu de rabada e ora-pro-noacutebis

Noacute de Pinho Bairro Rural Retiro

Caio Dias

Espaguete caseiro ao molho de milho

Espaguete caseiro com creme de milho verde e cestinha de parmesatildeo

com milho fresco

Rosa Madeira Centro Yoshikazu Awata e Adriana Souza

Nhoque de milho Nhoque de farinha de milho com molho de

queijo meia cura

Cozinha do COMTUR

- Luiz Fernando Boacnin

Milheirinho com queijo

Arroz feijatildeo couve torresmo angu com queijo carne de lata

Restaurante Trecircs Irmatildes

Bairro Rural do Juncal

Viviane Tatiane e Cristiane

Trem Batildeo Bolinho de milho farofa de milho arroz feijatildeo

pernil

Restaurante Zeacute Oviacutedeo

Bairro Rural Terra Fria

Gloacuteria de Paula

Bem Mineiro Arroz tutu de feijatildeo couve refogada costela

de porco e ovo frito

Restaurante e Pizzaria

Varandinha

Bairro Rural Lambari

Greuza

Tico Tico no Fubaacute Bolo cremoso de fubaacute com sorvete de creme ou milho verde e calda de

geleia de erva doce

A Senhora das Especiarias

Centro Fernanda Kurebayashi

Fuzaquinha Caipira

Broinha de fubaacute gratinada com queijo meia cura creme de milho verde e frango desfiado com

ervas aromaacuteticas

Forneria da Roccedila Centro Elenira Arakilian

Tempuraacute Daki Tempuraacute com milho e legumes molho chutney de cebola picante com

shoyo

Bar Libertas Patildeo e Circo

Centro Dani Lima Fernanda Kurebayashi e Luiz

Quirerinha Quirerinha com carne suiacutena ou vegetariana lombo assado no bafo com arroz branco ou agrave grega salada de feijatildeo fradinho e creme de

milho

Lanchonete e Restaurante Carlatildeo

Lanches II

Centro Carlos Silva

Panquecas Panqueca de frango com milho de lombo molho e

queijo de pizza ou panqueca doce

Bar do Zezeacute Bairro Rural Lambari

Isabela Torres

Pastel de curau Pastel de curau de truta Pastelaria do Maneacute Centro Maneacute Salete Gisele e

208

defumada ou de camaratildeo Samuel Geleias Geleias molhos

temperos queijo iogurte doce de leite broa de milho cremosa patildeo de queijo e produtos in

natura

Siacutetio Trecircs Barras Bairro Rural Trecircs Barras

Maria Joseacute Andrade

Linguiccedila Caseira Porccedilotildees de linguiccedila de porco caseira com farinha

de milho

Venda do Ditatildeo Bairro Rural Atraacutes da Pedra

Maria Helena

Fonte Elaborado e adaptado por Lidiane Nunes da Silveira com base no Guia Gastronocircmico do 4ordm Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila (projetado pelo Departamento de Turismo e Cultura de

Gonccedilalves COMTUR com diagramaccedilatildeo ilustraccedilatildeo e fotografias de Roberto Torrubia)

Em linhas gerais os pratos servidos nesta ediccedilatildeo do Festival poderiam ser

classificados em trecircs grupos No primeiro se enquadravam os pratos dos ldquorestaurantes

da roccedilardquo que serviam variaccedilotildees do que se podia considerar como a comida ldquotiacutepicardquo e

ldquotradicionalrdquo mineira nos moldes descritos por Abdala (2007) Primeiramente porque a

autora constatou que a partir dos anos 1980 o que era considerado o prato tiacutepico e

tradicional em Minas passou a ser elaborado nas casas apenas em finais de semana ou

ocasiotildees festivas estando relativamente ausentes nas rotinas alimentares domeacutesticas

Isto em decorrecircncia 1) do aumento do nuacutemero de mulheres no mercado de trabalho 2)

porque teria havido segundo Abdala (2007) um deslocamento desse cardaacutepio tiacutepico e

tradicional mineiro das casas do mundo privado para o mundo puacuteblico dos

restaurantes Alguns pratos tiacutepicos do periacuteodo colonial se encontravam representados no

menu do Festival tutu de feijatildeo couve torresmo angu farofa paccediloca de farinha com

carne lombo ou pernil assados e canjiquinha (quirerinha) de milho com carne de porco

O arroz a carne de vaca e as quitandas como o patildeo de queijo e a broa de fubaacute

provenientes do uso do leite queijo e ovos tambeacutem faziam parte segundo Abdala

(2007) do tiacutepico e tradicional mineiro embora tenham sido incorporados aos padrotildees

alimentares no seacuteculo XIX quando se tornaram mais abundantes

Nesse caso as quitandas e os lanches servidos no Festival fariam parte de um

segundo grupo identificado nos pratos do menu Eles eram servidos por empoacuterios que

fabricavam suas proacuteprias geleias na cidade permitindo combinaccedilotildees tradicionais como

a broa ou bolo de fubaacute ou milho e o patildeo de queijo com uma geleia de sabores variados

Estes empoacuterios tambeacutem expunham seus produtos para a comercializaccedilatildeo nos stands

durante o Festival e costumavam ser um atrativo do turismo gastronocircmico na cidade A

oferta de bolos biscoitos patildees de queijo broas e roscas chamados no Festival de

209

ldquoquitutesrdquo tambeacutem eram disponibilizadas pelas ldquoquituteirasrdquo tradicionais que viviam

nos bairros rurais e vendiam tais produtos rotineiramente Entre estes quitutes a

populaccedilatildeo local destacava a broa de pau-a-pique feita de fubaacute de milho e accediluacutecar e

assada na folha de bananeira em forno de barro como a quitanda tiacutepica da regiatildeo No

cotidiano os quitutes costumavam ser assados em fornos de barro caracteriacutestica

ressaltada pelos moradores como especiais e tradicionais No Festival a organizaccedilatildeo

buscou representar esse cotidiano tendo construiacutedo jaacute na primeira ediccedilatildeo do Festival

em 2011 uma fornalha e um fogatildeo a lenha na aacuterea externa das dependecircncias do Clube

para serem utilizados pelas quituteiras durante o evento As quituteiras vinham de suas

residecircncias nos bairros rurais especialmente Dona Dita (do Sertatildeo do Cantagalo e

apontada pelos moradores da cidade e organizadores do evento como uma das

quitandeiras mais tradicionais de Gonccedilalves) e preparavam biscoitos e patildees de queijo agraves

vistas dos frequentadores que assistiam ao processo como uma atraccedilatildeo cultural do

Festival Os quitutes eram assados na fornalha e consumidosvendidos ainda quentes

assim que retirados do forno Todo o processo de aquecimento da fornalha de assar e

retirar os quitutes era assistido pelos frequentadores do Festival Alguns quitutes eram

preparados em casa e vendidos no Festival pelas quituteiras embora uma delas

preparasse o cafeacute na hora utilizando o fogatildeo a lenha Algumas tambeacutem vendiam

produtos da confeitaria moderna como pudins e bombons degustados como

sobremesas pelos comensais

FIGURA 69 ndash Fornalha e fogatildeo a lenha

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

210

FIGURA 70 ndash Broa de pau-a-pique

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 71 ndash Quituteiras Dona Dita Aline e Cida

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Havia tambeacutem os pratos natildeo tiacutepicos que utilizavam teacutecnicas proacuteprias da

cozinha contemporacircnea ou receitas inspiradas na gastronomia de outros paiacuteses

especialmente as massas Ainda assim a temaacutetica do Festival centrada no milho

direcionava os restaurantes e bares ao uso do ingrediente ldquotiacutepicordquo mineiro assim como

se percebia a reelaboraccedilatildeo de outros ingredientes tradicionais ainda que natildeo fossem

obrigatoacuterios ou re-atualizaccedilotildees de teacutecnicas inspiradas na cozinha mineira da roccedila Por

outro lado foi curioso observar como os pratos considerados como da roccedila e tiacutepicos

mineiros eram tambeacutem uma variaccedilatildeo regional cultural e histoacuterica do prato mais

comumente consumido pelos brasileiros no cotidiano ou seja o arroz o feijatildeo e a

carne Segundo a pesquisa sobre os haacutebitos alimentares feita por Barbosa (2007) o

arroz com feijatildeo que se identifica como uma comida que faz parte da rotina dos

brasileiros entraria menos frequentemente nas refeiccedilotildees de finais de semana ou nas

ocasiotildees festivas No Festival o arroz com feijatildeo eram celebrados e degustados como

pratos identitaacuterios assim como os pratos tipicamente mineiros Nesse caso obviamente

211

a forma de preparo diferia a comida da roccedila da comida de rotina jaacute que o feijatildeo destes

restaurantes geralmente era o ldquotuturdquo e a carne ldquode latardquo apresentados como tendo

processos de cocccedilatildeo especiais Estes pratos tiacutepicos remetiam os consumidores agraves ideias

de frescor carinho no preparo de memoacuteria e nostalgia que a comida caseira mineira e

da roccedila lhes despertava

A exposiccedilatildeo do artesanato agrave venda no Festival tambeacutem fazia uso da

performance tecendo-se num tear manual durante o evento Aleacutem da tecelagem crocheacute

e patchwork vaacuterios expositores tinham agrave venda pinturas esculturas artesanato em

palha de milho e fibra de bananeira habituais na regiatildeo aleacutem de cabaccedilas e

reaproveitamento de materiais como garrafas plaacutesticos e caixas de foacutesforo Algumas

peccedilas artesanais foram utilizadas como elemento decorativo aleacutem de outros

instrumentos tiacutepicos do trabalho no campo o carro de boi a sela o balaio a lata de

leite produtos como o milho crioulo e objetos da cultura rural como raacutedios antigos

FIGURA 72 ndash Tear

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 73 ndash Artesanato em palha de milho

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

212

FIGURA 74 ndash Sela e balaios

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 75 ndash Carro de boi e milho

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 76 ndash Raacutedio antigo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

213

Como jaacute foi comentado anteriormente cada stand de restaurante tambeacutem fazia

sua decoraccedilatildeo normalmente remetendo aos elementos decorativos de seu

estabelecimento Segundo a ex-diretora de Turismo o uacutenico aparato decorativo sugerido

para todos os stands era o armaacuterio que poderia ser ornamentado livremente Por fim a

identidade visual possibilitada respectivamente pelo logotipo do Festival e da ediccedilatildeo

integravam o ambiente por meio de banners brochuras de programaccedilatildeo e os cartazes

que identificavam os estabelecimentos e seu cardaacutepio

FIGURA 77 ndash Armaacuterio decorativo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 78 ndash Detalhe decorativo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

214

FIGURA 79 ndash Detalhe decorativo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

As apresentaccedilotildees culturais conforme jaacute se destacou anteriormente procuravam

privilegiar a muacutesica brasileira especialmente o que os entrevistados organizadores do

Festival consideravam como muacutesica de raiz ou seja muacutesica caipira de viola e artistas

regionais As apresentaccedilotildees ocorriam nas noites das sextas-feiras nas tardes e noites dos

saacutebados e nas tardes dos domingos de Festival Nas noites de sexta-feira da 4a ediccedilatildeo

apresentaram-se o ldquoGrupo de Viola Alma Caipirardquo e a ldquoMusicaterapia de Aloiacutesio

Beckerrdquo que eram tidos pelos organizadores como apresentaccedilotildees dentro de um

formato contemporacircneo e de raiz assim como os shows das tardes dos saacutebados e

domingos que contaram com a ldquoBanda Legacyrdquo ldquoAna Juacutelia Voz e Violatildeordquo a dupla

ldquoCampo Belo e Companheirordquo e ldquoCatireiros da Mantiqueirardquo grupo ldquoFarofa Mineirardquo

coral ldquoLinda Juventuderdquo Nas noites de saacutebado os shows tinham caraacuteter mais popular e

danccedilante com apresentaccedilotildees do ldquoForroacute do Marcatildeordquo ldquoLucas Barros amp Vitalrdquo ldquoTiatildeo amp

Paulinho e Bandardquo Aconteceram ainda apresentaccedilotildees musicais realizadas pelas

crianccedilas ldquoLira Infantilrdquo e pelos idosos ldquoOrquestra de Panelasrdquo executada pelo Grupo

da Terceira Idade IONG No domingo de encerramento do Festival aconteceu o Desfile

de Carros de Boi com cerca de 25 carros de Gonccedilalves e cidades da regiatildeo

215

FIGURA 80 ndash Dupla Campo Belo e Companheiro e Catireiros da Mantiqueira

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 81 ndash Desfile de Carros de Boi

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Na estimativa dos organizadores cerca de cinco mil pessoas visitaram o Festival

nos dois finais de semana na ediccedilatildeo de 2014 (COSTA 2014) Os consumidores que

responderam ao questionaacuterio no primeiro final de semana eram a maioria da capital

de Satildeo Paulo enquanto que no segundo os frequentadores declararam ter vindo de

cidades mais proacuteximas como Satildeo Joseacute dos Campos no Estado de Satildeo Paulo Pouso

Alegre e Paraisoacutepolis no Estado de Minas Gerais A circulaccedilatildeo de frequentadores e

consumidores variava ao longo do dia sendo mais intensa a partir do horaacuterio do

almoccedilo apoacutes o meio-dia diminuindo ao final da tarde e aumentando novamente agrave noite

Aparentemente o puacuteblico diurno caracterizava-se por uma maioria de turistas enquanto

agrave noite havia uma maior concentraccedilatildeo da populaccedilatildeo local Tambeacutem parecia haver

algumas diferenccedilas na apreciaccedilatildeo das atraccedilotildees a maioria do puacuteblico que prestigiava as

apresentaccedilotildees culturais especialmente agrave noite era formada pelos moradores de

216

Gonccedilalves enquanto os atrativos gastronocircmicos aleacutem de serem apreciados pelos

residentes contavam com o consumo por parte dos turistas e moradores de segunda

residecircncia

Nesse sentido enquanto as expressotildees culturais musicais pareceram ter

despertado processos identificadores na populaccedilatildeo local a gastronomia pareceu ter

maior apelo entre os turistas funcionando como um marcador social da diferenccedila De

acordo Bourdieu (2013) a alimentaccedilatildeo se constitui num campo onde se pode operar os

mecanismos de gosto e apreciaccedilatildeo de forma a construir distinccedilotildees de classe Collaccedilo

(2013) tambeacutem destaca como o proacuteprio conceito de gastronomia tende a ser atrelado agraves

noccedilotildees de ldquobom gostordquo distinccedilatildeo e processo civilizatoacuterio tal como o apontou Elias

(1993 2011) Todavia o que interessa observar eacute que estas noccedilotildees de refinamento e

distinccedilatildeo satildeo recodificadas socialmente mediante um processo de valorizaccedilatildeo do

campo e do rural que satildeo invocados para ressignificar a tradiccedilatildeo as praacuteticas culinaacuterias

da cozinha regional a natureza e os alimentos que remetem ao consumo dos tempos de

outrora Collaccedilo (2013) destaca como a partir dos anos 1980 esta valorizaccedilatildeo das

culturas alimentares regionais se acentua Elas passam a ser pensadas em termos de

localidade contrapondo-se agrave perspectiva de ameaccedila agrave dissoluccedilatildeo de suas caracteriacutesticas

particulares mediante os processos de globalizaccedilatildeo A autora destaca como para

Johnston e Baumann (2009) o consumo de comidas populares tambeacutem teria se tornado

um processo de distinccedilatildeo

Consumir o popular tambeacutem eacute parte do que se considera gastronomia pois realccedila o conviacutevio com a diversidade valor em alta no mundo contemporacircneo e revela uma habilidade de lidar com o diferente Mas neste ponto seria interessante retomar a discussatildeo anterior na verdade este consumo da diferenccedila perpetua e manteacutem as fronteiras sob controle uma vez que eacute um consumo delimitado esporaacutedico exoacutetico e de certa maneira descontextualizado da loacutegica que organiza determinada cozinha No fundo seria um controle da diferenccedila mantida em seu lugar e valorizada no discurso da gastronomia (COLLACcedilO 2013 p 212)

Ou seja a valorizaccedilatildeo das cozinhas regionais na gastronomia e pelos seus

adictos seria perpassada por ambiguidades Ao mesmo tempo em que promove a

experiecircncia da alteridade tambeacutem aciona os marcadores sociais da diferenccedila Dias

(2009) embora em texto jornaliacutestico que natildeo aponte as evidecircncias do argumento

tambeacutem ressalta como a valorizaccedilatildeo dos produtos tradicionais ao inveacutes de referendar a

217

histoacuteria a tradiccedilatildeo e o territoacuterio aleacutem dos valores de sustentabilidade proteccedilatildeo da

biodiversidade e justa remuneraccedilatildeo de pequenos produtores pode servir como um

processo de distinccedilatildeo social Por outro lado Collaccedilo (2013) tambeacutem sugere que o

interesse pela gastronomia por parte de amadores e apreciadores pode estar relacionado

a uma acircnsia de afirmaccedilatildeo e reconhecimento da individualidade diante da fragmentaccedilatildeo

da vida contemporacircnea o que poderia ser percebido na identificaccedilatildeo com a culinaacuteria

tradicional de raiz pela busca de uma origem Esse processo de busca de

identificadores por meio da gastronomia tambeacutem pode estar relacionado com certas

tendecircncias na culinaacuteria contemporacircnea que apontam para os processos afetivos

relacionados agrave comida como o Comfort Food e o Soul Food conforme apontam

Lauand e Chasseraux (2012) Estas satildeo perspectivas que refletem sobre o mecanismo

que a comida tem de novamente promover a nostalgia os apelos sentimentais e da

memoacuteria especialmente de uma infacircncia feliz mesmo que idealizada Tais experiecircncias

alimentares estariam invariavelmente ligadas agrave ldquocomida da vovoacuterdquo agrave ldquocomida de matildeerdquo agrave

vida domeacutestica e familiar

Da mesma forma movimentos como o Slow Food tecircm arregimentado seguidores

e proposto reflexotildees a respeito das escolhas alimentares privilegiando os alimentos

locais guiando-se pela triacuteade de princiacutepios do alimento bom com ecircnfase no sabor e no

prazer de comer limpo incentivando o consumo de alimentos cultivados sem

agrotoacutexicos e sem riscos ambientais e justo beneficiando a remuneraccedilatildeo adequada

especialmente aos pequenos produtores bem como o custo razoaacutevel aos

consumidores23 Nesse sentido a gastronomia parece refletir algumas mudanccedilas tiacutepicas

da sociedade poacutes-fordista da mesma forma que elas tecircm sido aqui identificadas em

termos dos usos e significados da categoria roccedila

Essas mudanccedilas que apoacutes 1970 acentuam as configuraccedilotildees sociais em torno do

consumo deslocando o eixo da produccedilatildeo podem se refletir tambeacutem no campo do

consumo de alimentos Por um lado a necessidade de se produzir novas formas de

distinccedilatildeo social por meio dos haacutebitos alimentares pode ter insuflado nas camadas da

elite urbana o interesse pelos produtos caseiros artesanais e tradicionais valorizando

culinaacuterias simples em detrimento ao refinado como forma de se diferenciar da ascensatildeo

da classe meacutedia que passam a fazer parte de forma mais ampla da sociedade de

23 Informaccedilotildees disponiacuteveis no material impresso de divulgaccedilatildeo do Slow Food distribuiacutedo durante o Festival pela representante do Conviacutevio Terras Altas do Sapucaiacute

218

consumo como indicam Neacuteri (2012) e Pochmann (2012) Esses processos de

diferenciaccedilatildeo ao lado das questotildees de classe tambeacutem se fundam no comportamento

tiacutepico de espaccedilos com altos graus de urbanizaccedilatildeo como a regiatildeo metropolitana de Satildeo

Paulo origem da maior parte dos turistas e moradores de segunda residecircncia em

Gonccedilalves

Por outro lado o apelo a uma culinaacuteria simples de raiz como a da comida da

roccedila pode estar ligado a este mesmo processo de urbanizaccedilatildeo que no Brasil se deu de

forma acelerada entre os anos 1950 e 1980 de acordo com Brito e Pinho (2012)

especialmente devido agrave migraccedilatildeo campo-cidade o que faz com que o imaginaacuterio rural

seja ainda muito presente em geraccedilotildees de migrantes e seus descendentes nos grandes

centros urbanos Pode-se destacar ainda que as mudanccedilas no campo do consumo que

se constituem como caracteriacutesticas da sociedade poacutes anos 1970 (MILLER 1987

PORTILHO 2005) e aqui sublinha-se a gastronomia e os haacutebitos alimentares em geral

parecem estar permeadas de ambiguidades se pode haver uma re-atualizaccedilatildeo do

processo de distinccedilatildeo em curso tambeacutem parece haver um processo de politizaccedilatildeo e

ambientalizaccedilatildeo do consumo nos termos propostos por Portilho (2005) e que pode ser

percebido na temaacutetica aqui estudada por meio da associaccedilatildeo entre roccedila e natureza pelo

consumo de produtos naturais e em Gonccedilalves pelo espaccedilo conquistado pela

agricultura orgacircnica e movimentos como o Slow Food Na proacutexima seccedilatildeo seratildeo

examinadas as relaccedilotildees entre os significados da categoria roccedila em Gonccedilalves e a

diversidade de grupos sociais que compotildeem o campo deste municiacutepio

44 As categorias roccedila em Gonccedilalves

Nos guias gastronocircmicos da 3ordf e 4ordf ediccedilotildees do Festival de Gastronomia e Cultura

da Roccedila de Gonccedilalves o texto de apresentaccedilatildeo fazia referecircncia agrave roccedila como ldquoa rainhardquo

numa alusatildeo ao poema de Manuel Bandeira Vou me embora pra Pasaacutergada conforme

pode ser visto no trecho a seguir

Bem vindo a Gonccedilalves aqui vocecirc eacute amigo do Rei Mas que rei eacute esse Eacute mais uma rainha a Roccedila Na roccedila tudo eacute diferente o leite vem da vaca o ovo da galinha a batata daacute no tempo certo e a banana soacute vai granar no tempo dela Tempo esse sim o rei O tempo eacute no final o

219

mais importante da vida Entatildeo quando aqui chegar fique tranquilo que ganharaacute tempo de vida a comida eacute boa as matas satildeo verdes as cachoeiras lindas Afora isso muacutesica e poesia por todo lado e essa gente simples e simpaacutetica que se chama mineiro (PREFEITURA MUNICIPAL DE GONCcedilALVES 2014)24

Conforme jaacute foi ressaltado no iniacutecio deste capiacutetulo e na introduccedilatildeo deste

trabalho em Gonccedilalves havia a percepccedilatildeo de alguns agentes da gestatildeo de turismo e

patrimocircnio bem como de alguns indiviacuteduos da iniciativa privada de que a roccedila eacute um

capital turiacutestico no municiacutepio que se revela como um atrativo para o visitante e eacute

explorada na sua publicidade agraves vezes de forma expliacutecita como bem o representa o

Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila Mas na vivecircncia cotidiana conforme se

pocircde notar por meio da observaccedilatildeo participante a categoria roccedila tambeacutem eacute veiculada a

todo momento fazendo parte portanto natildeo soacute do gecircnero do discurso complexo

relacionado aos mecanismos oficiais e institucionais de divulgaccedilatildeo do turismo local

mas tambeacutem do gecircnero do discurso simples nos enunciados produzidos na interaccedilatildeo

verbal cotidiana dos residentes (BAKHTIN 2003)

Para compreender os usos e significados da categoria roccedila em Gonccedilalves eacute

preciso observar a diversidade social local e identificar a quais grupos sociais os

entrevistados pertencem Os entrevistados podem ser classificados basicamente em trecircs

grupos indiviacuteduos naturais de Gonccedilalves que viveram a maior parte da vida no

municiacutepio seja no campo ou na cidade no qual se inclui a maioria dos proprietaacuterios de

restaurantes da roccedila Um segundo grupo eacute formado por pessoas naturais de Gonccedilalves

mas que passaram parte dos uacuteltimos anos vivendo em outro municiacutepio para estudar ou

trabalhar mas retornaram agrave cidade e nela vivem e trabalham No terceiro grupo como

se pode supor enquadram-se os indiviacuteduos naturais de outros municiacutepios que passaram

parte de suas vidas em outras cidades notadamente em sociedades mais urbanizadas

que Gonccedilalves mas escolheram se mudar e viver nesta cidade Estes grupos seratildeo

denominados aqui de ldquoantigos residentesrdquo ldquoregressosrdquo e ldquonovos residentesrdquo

respectivamente Destaca-se contudo que os termos antigos ou novos residentes natildeo se

referem ao tempo de moradia dos indiviacuteduos em Gonccedilalves que pode ser relativamente

longo nos dois casos mas agrave origem deles onde nasceram foram socializados as

profissotildees que adotavam Tambeacutem se enfatiza que essa categorizaccedilatildeo visa apenas a

24 Natildeo haacute referecircncia do autor do texto

220

facilitar o entendimento as condiccedilotildees reais de vida dos sujeitos entrevistados satildeo mais

complexas Portanto os criteacuterios para caracterizaacute-los aqui satildeo as escolhas de partir ou

ir para Gonccedilalves Apesar dos ldquonovos residentesrdquo se enquadrarem tambeacutem nas

configuraccedilotildees sociais que autores como Giuliani (1990) e Entrena-Duraacuten (2012)

identificam como neorrurais optou-se aqui por natildeo utilizar tal conceito para defini-los

uma vez que suas inserccedilotildees em Gonccedilalves eram muito diversas Alguns atuavam na

agricultura jaacute outros desenvolviam atividades natildeo-agriacutecolas Em comum tinham o fato

de terem escolhido morar no campo

Feitas tais observaccedilotildees destaca-se que em Gonccedilalves foi possiacutevel identificar

todas as categorias relativas aos usos e significados do termo roccedila jaacute descritas no

capiacutetulo 2 Enquanto algumas categorias foram notadas de forma mais contundente e se

apresentavam mais densamente no discurso da populaccedilatildeo de Gonccedilalves outras eram

menos niacutetidas mas efetivas Assim destaca-se que com base na observaccedilatildeo participante

e nas entrevistas aos residentes em geral em Gonccedilalves a categoria roccedila era bastante

associada ao ldquocampordquo e ao ldquoruralrdquo bem como agravequilo que poderia ser considerado seu

extremo oposto ou seja a roccedila ldquoestilizadardquo categoria esta bastante negligenciada na

maioria das entrevistas e questionaacuterios aplicados tanto em Belo Horizonte quanto em

Gonccedilalves Associada agrave roccedila como sinocircnimo de ldquoruralrdquo apareceram ainda que menos

frequentemente a alusatildeo agrave ldquotradiccedilatildeordquo agrave ldquoMinas Geraisrdquo e agrave cultura ldquocaipirardquo bem como

uma forma de se referir a elas a depender do caso ldquoromacircnticardquo e ldquonostaacutelgicardquo E

embora a questatildeo da ldquonaturezardquo fosse evidente em Gonccedilalves a sua associaccedilatildeo com a

categoria roccedila era menos oacutebvia o que natildeo significa que natildeo fosse perceptiacutevel aos olhos

dos entrevistados

O uso do termo roccedila como sinocircnimo de ldquocampordquo foi notado em Gonccedilalves

tanto na sua organizaccedilatildeo socioespacial quanto no discurso dos moradores do municiacutepio

Conforme jaacute se salientou nas paacuteginas anteriores 724 (IBGE 2015) da populaccedilatildeo de

Gonccedilalves vivia no campo distribuiacutedos em mais de vinte bairros rurais Neles as

famiacutelias rurais distribuiacuteam-se nos siacutetios de suas propriedades relativamente proacuteximos

A diretora de Turismo afirmou que alguns bairros carregavam o sobrenome das famiacutelias

que ocupavam tal espaccedilo originariamente como por exemplo o Bairro dos Venacircncios

ou o Bairro dos Neves mas tambeacutem havia relatos de famiacutelias proprietaacuterias de um bairro

inteiro embora este natildeo carregasse o sobrenome da famiacutelia como relata uma

entrevistada ldquoMeu pai nasceu num bairro aqui quando desce a serra no Bairro Trecircs

221

Barras eacute o segundo bairro Eu nasci e criei ali E a minha matildee no Sertatildeo do Cantagalo

o meu avocirc era dono daquilo tudo laacuterdquo (Proprietaacuteria de pousada Gonccedilalves setembro de

2014)

Embora natildeo se tenha tido a oportunidade de aprofundar a investigaccedilatildeo sobre a

vida social nos bairros rurais destaca-se que uma das caracteriacutesticas marcantes a este

respeito que pocircde ser notada foram as festas religiosas catoacutelicas em homenagem aos

santos padroeiros de cada bairro que marcavam um calendaacuterio de eventos da cidade

Estas festas eram especialmente prestigiadas pela populaccedilatildeo local mas tambeacutem

pareciam atrair alguns turistas sobretudo aqueles que possuiacuteam propriedades nestes

bairros aqui denominados de segundos residentes mas que em Gonccedilalves eram

chamados genericamente de turistas pela populaccedilatildeo local No relato abaixo eacute possiacutevel

compreender alguns detalhes das festas nos bairros rurais

Eacute festa na Igreja [] Faz leilatildeo tem o bingo leitoa frango assado e os brindes que o povo daacute pra festa entatildeo tem bingo toda noite [] Tem missa procissatildeo muacutesica de artista regional mais eacute o sertanejo eacute a viola [] Todos os bairros tecircm festa acho que satildeo 23 Tem a igreja o padroeiro e trecircs dias de festa na aacuterea rural De maio a setembro eacute festa toda semana Ali nos Remeacutedios tem a festa do Remeacutedio a festa do Satildeo Joaquim e do Satildeo Sebastiatildeo que eacute no asfalto embaixo Logo mais agrave frente tem a festa do Satildeo Laacutezaro e laacute na Barra tem outra festa de Nossa Senhora quatro festas soacute ali Depois tem no [Bairro] Atraacutes da Pedra Ribeiratildeozinho nos Piquiras Satildeo sete festas soacute nesse pedaccedilo aiacute Depois tem no Mundo Novo tem no Cantagalo tem no Satildeo Sebastiatildeo Venacircncios Terra Fria e Campestre Satildeo quatro festas aqui pra cima Tem um uacutenico lado que soacute tem uma festa que eacute a festa do Satildeo Joatildeo Os turistas que tecircm propriedade nessas aacutereas rurais frequentam gostam de festa Aqui no Bairro dos Venacircncios na primeira segunda-feira de agosto eacute a festa eacute a festa que tem mais gente faz o triacuteduo faz novena e quermesse Eacute muita leitoa assada frango assado e cachaccedila Todo ano tem um casal que eacute o festeiro que organiza essas festividades (Proprietaacuterio de restaurante Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

222

FIGURA 82 ndash Igreja de Nossa Senhora dos Remeacutedios no Bairro Rural dos Remeacutedios

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Os bairros nesse sentido reproduziam os laccedilos de parentesco reciprocidade e

sociabilidade no campo constituindo-se em micro organizaccedilotildees sociais que tendiam a

recompensar as perspectivas de isolamento que costumavam ser apontadas como

caracteriacutesticas do campesinato brasileiro historicamente Pocircde-se notar portanto a

persistecircncia de tais bairros rurais em termos demograacuteficos sobretudo bastante

expressivos Estes pareciam corresponder agraves configuraccedilotildees dos bairros rurais descritos

por Queiroz (1973) Moura (1978) e Candido (2010) a respeito do campesinato

brasileiro especialmente na regiatildeo de cultura caipira nas terras paulistas apontados por

Moura (1978) para o caso de Minas Gerais numa regiatildeo proacutexima a Gonccedilalves no

municiacutepio de Itajubaacute Destaca-se a dinacircmica desses bairros rurais hoje em Gonccedilalves

uma vez que todos os ldquonovos residentesrdquo entrevistados e alguns dos ldquoregressosrdquo

moravam no campo nesses bairros aleacutem da pesquisa de Barbosa R (2014) ter

demonstrado que apoacutes um periacuteodo de queda da populaccedilatildeo rural em Gonccedilalves entre os

anos de 1970 a 1990 ela teria voltado a crescer ateacute os anos 2000 e se mantido

praticamente estaacutevel ateacute 2010 (BARBOSA R 2014 p 77)

A roccedila era tomada ainda como sinocircnimo de ldquolavourardquo especialmente entre os

ldquoantigos residentesrdquo que viviam no campo e se dedicavam agrave agricultura e hoje satildeo

proprietaacuterios de restaurantes eou pousadas na sua propriedade Entretanto estes se

referiam agrave roccedila em diferentes sentidos entre eles como um sinocircnimo de campo e mais

amplamente de rural num processo de metoniacutemia em que roccedila como lavoura se

transformava no espaccedilo e em toda a organizaccedilatildeo social que a abrigava Entre a

populaccedilatildeo de ldquoantigos residentesrdquo que natildeo vivia no campo alguns tendiam a usar o

termo roccedila para se referir agrave lavoura especialmente entre aqueles cujas atividades

223

profissionais natildeo estavam diretamente ligadas ao turismo mas agrave prestaccedilatildeo de serviccedilos

na sede urbana ou mesmo agrave agricultura orgacircnica Entre estes era comum a referecircncia ao

fato de que as roccedilas ldquonatildeo existem maisrdquo ou de que os agricultores tecircm se dedicado mais

agraves atividades turiacutesticas em detrimento agraves roccedilas Tais percepccedilotildees se referiam

obviamente agrave raacutepida conversatildeo de atividades pela qual passou Gonccedilalves e seus

campocircnios diminuindo a participaccedilatildeo da agricultura nas atividades econocircmicas da

cidade e aumentando o setor turiacutestico conforme tambeacutem destacou o estudo de Barbosa

R (2014) Tais transformaccedilotildees trouxeram mudanccedilas visiacuteveis agrave dinacircmica do campo e da

cidade do municiacutepio de Gonccedilalves mas tambeacutem ao modo de vida de muitos residentes

nos bairros rurais conforme seraacute visto adiante

Uma das entrevistadas que se enquadrava no grupo de ldquoantigos residentesrdquo que

vivia na cidade relatou seu passado no campo e o trabalho da famiacutelia dedicado agrave

agricultura Nesse relato estabeleceu uma diferenciaccedilatildeo entre roccedila agricultura e

lavoura Enquanto a primeira era o espaccedilo de cultivo de milho feijatildeo e arroz as duas

uacuteltimas se referiam especialmente agraves plantaccedilotildees de cenoura e batata tiacutepica na regiatildeo

no passado conforme jaacute se destacou em outro momento Enquanto a roccedila era cultivada

para o autoconsumo a lavoura de cenoura e batata era produzida para a comercializaccedilatildeo

sendo no caso da sua famiacutelia feita em terra arrendada Esse relato coaduna com as

discussotildees teoacutericas a respeito da roccedila nas teorias do campesinato discutidas no primeiro

capiacutetulo tanto em termos das espeacutecies cultivadas quanto ao destino a elas dado assim

como pela oposiccedilatildeo entre a roccedila e a lavoura (MOURA 1978 WOORTMANN

WOORTMANN 1997)

Outro aspecto que merece ser ressaltado a respeito da categoria roccedila como

sinocircnimo de campo em Gonccedilalves foi o fato de os residentes ldquonovosrdquo ldquoantigosrdquo ou

ldquoregressosrdquo dos bairros rurais ou da sede urbana se referirem ao seu siacutetio sua

residecircncia seu bairro rural ou ao campo propriamente dito como roccedila Expressotildees

como ldquosou nascido e criado na roccedilardquo ldquomoro na roccedilardquo ldquoaqui na roccedilardquo ldquoviver na roccedilardquo

ldquoo povo da roccedilardquo ouvidas recorrentemente em Gonccedilalves permitiram constatar o uso

do termo roccedila como sinocircnimo de ldquocampordquo De maneira complementar a roccedila era

utilizada como sinocircnimo de ldquoruralrdquo e desta vez ela englobava natildeo soacute a vivecircncia no

campo o trabalho na lavoura mas a cidade como um todo Muitos aspectos materiais

ou simboacutelicos ligados agrave cultura rural foram evidenciados no Festival e jaacute comentados

anteriormente como tiacutepicos do rural Estes elementos iam desde a produccedilatildeo das

224

imagens dos pratos para o Guia passando pela gastronomia pelas apresentaccedilotildees

culturais ateacute a decoraccedilatildeo do evento sejam eles ferramentas de trabalho ou utensiacutelios

domeacutesticos

Mas um aspecto mais sutil do rural e que recebeu destaque principalmente nas

entrevistas concedidas pelos ldquonovos residentesrdquo foi a sociabilidade e a constituiccedilatildeo de

relaccedilotildees sociais mais sedimentadas Os entrevistados ldquonovos residentesrdquo destacaram

como a hospitalidade e as relaccedilotildees de interconhecimento faziam de Gonccedilalves um local

especial para ser escolhido para viver e que davam ao municiacutepio esse aspecto de roccedila

Algumas entrevistadas ldquonovas residentesrdquo mencionaram o fato de viverem sozinhas em

suas casas no campo mas natildeo se sentirem solitaacuterias pela possibilidade de visitar as

pessoas e serem recebidas ldquocom um cafezinho uma broa quentinhardquo mesmo sem se

conhecerem Nestes depoimentos o modo de vida ldquomais simplesrdquo tambeacutem foi apontado

como um valor positivo especialmente pelo fato de natildeo ter que se preocupar com a

aparecircncia para ser identificado e reconhecido nas redes de relaccedilotildees Esse fato foi

comentado por algumas mulheres ldquonovas residentesrdquo que viveram em cidades como a

capital de Satildeo Paulo ou Satildeo Joseacute dos Campos-SP que viam na vida simples da roccedila

uma vantagem em natildeo ter que se preocupar em adequar a imagem pessoal a um padratildeo

esteacutetico rigidamente estabelecido nas sociedades urbanas modernas a manicure a

escova no cabelo a maquiagem o salto alto

O aspecto da humildade tambeacutem foi ressaltado por uma ldquoantiga residenterdquo que

vivia no campo proprietaacuteria de um restaurante como um atributo ldquodo povo da roccedilardquo

que natildeo teria mudado apesar de toda a modernidade que agora fazia parte ldquoda roccedilardquo

Nesse sentido os ldquoantigos residentesrdquo proprietaacuterios de restaurantes no campo foram

unacircnimes em ressaltar as transformaccedilotildees proporcionadas pela oportunidade de ocupaccedilatildeo

e renda gerada pelo turismo no campo de Gonccedilalves A mesma entrevistada que

mencionou a humildade do povo da roccedila tambeacutem ressaltou como o atendimento aos

frequentadores do restaurante de origem urbana teria contribuiacutedo para sua desenvoltura

e o aprendizado em lidar com os serviccedilos de atendimento assim como de seus colegas

Vaacuterios desses proprietaacuterios de restaurantes tambeacutem comentaram como o acesso a uma

renda possibilitava que as pessoas da cidade e da regiatildeo pudessem frequentar os

restaurantes e excursionar pelos pontos turiacutesticos de Gonccedilalves Assim relatou uma

entrevistada ldquoEacute mais o turismo neacute E hoje praticamente 90 do pessoal da regiatildeo vive

do turismo Aqui mesmo a gente tem um pessoal vizinhos deve ter umas dez casas

225

todo mundo trabalha para o turista entatildeo todo mundo estaacute empregado pelo pessoal de

forardquo (Proprietaacuteria de restaurante Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Outros entrevistados tambeacutem destacaram como o aumento da oferta de serviccedilos

na cidade introduziu principalmente nos jovens a oportunidade da escolha e da

projeccedilatildeo de vida sem que para isso fosse preciso abandonar o municiacutepio

definitivamente

Eu costumo falar que dentro de dez anos a cidade de Gonccedilalves se transformou totalmente Mas o que eu acho mais bacana eacute que ela se transformou ela trouxe qualidade de vida para os moradores principalmente ela trouxe uma perspectiva e uma expectativa muito melhor porque hoje as pessoas as crianccedilas que moram na zona rural tecircm condiccedilotildees de sonhar e de concretizar aquilo Elas conseguem estudar elas conseguem ter uma profissatildeo moram fora ou voltam a morar aqui por opccedilatildeo (Ex-diretora de Turismo Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Barbosa R (2014) jaacute havia identificado em seu estudo o aumento da renda e da

ocupaccedilatildeo (embora em muitos casos informal) na populaccedilatildeo de Gonccedilalves e a

diminuiccedilatildeo da pobreza extrema e da desigualdade social apoacutes o ano 2000 Este autor

tambeacutem menciona como a venda de terrenos pelos agricultores aos ldquonovos residentesrdquo

ou moradores de segunda residecircncia teria possibilitado mais um acesso vantajoso agrave

renda nos uacuteltimos anos Este fato tambeacutem foi mencionado por alguns entrevistados

relatado como um negoacutecio que teria proporcionado melhorias na condiccedilatildeo de vida e na

propriedade rural especialmente se se considerasse a elevaccedilatildeo do preccedilo da terra na aacuterea

turiacutestica mais valorizada De acordo com a diretora de Turismo o acesso de muitos

agricultores jaacute idosos agrave aposentadoria rural tambeacutem teria mudado suas condiccedilotildees de

trabalho uma vez que puderam adquirir por meio da compra muitos dos itens que

antes eram plantados para garantir o autoconsumo aleacutem de adquirirem insumos e

implementos que facilitariam o trabalho agropecuaacuterio Exemplifica como muitos

agricultores trocaram a produccedilatildeo de leite pela bananicultura a compra do milho antes

plantado para alimentar os cavalos o uso deste animal de transporte e do proacuteprio carro

de boi como hobby e natildeo mais para o trabalho aacuterduo

Eu me lembro do compadre dizer que depois que ele parou de trabalhar com vaca parou de tirar leite e resolveu fazer plantaccedilatildeo de banana ele tem mais qualidade de vida porque ele natildeo precisa trabalhar saacutebado domingo acordar tatildeo cedo hoje ele consegue

226

programar a vida dele (Diretora de Turismo Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Algumas dessas mudanccedilas sentidas principalmente pelos ldquoantigos residentesrdquo

foram comentadas durante uma confraternizaccedilatildeo apoacutes uma sessatildeo de fotografia num

dos bares dos bairros rurais A equipe do Departamento de Turismo e a famiacutelia rural

teceram comparaccedilotildees entre as utilidades domeacutesticas de ldquoantigamenterdquo e os

eletrodomeacutesticos ldquomodernosrdquo e como a substituiccedilatildeo de um pelo outro acarretou

mudanccedilas no modo de vida cotidiano As conclusotildees apontaram para a conveniecircncia de

se viver na tranquilidade e sossego do campo mas com o conforto ldquoda cidaderdquo

Referiam-se principalmente ao acesso a serviccedilos baacutesicos como a energia eleacutetrica e aos

eletrodomeacutesticos o que rendeu um comentaacuterio anedoacutetico que sintetizava as novas

representaccedilotildees sobre o campo no Brasil uma servidora municipal do Departamento de

Turismo contou que as crianccedilas na escola costumam desenhar a casa no campo

atualmente substituindo a habitual chamineacute e sua fumaccedila por uma antena de TV por

assinatura a Sky

As comparaccedilotildees entre o tradicional e o moderno o antigo e o atual que

permeavam e permeiam a vida rural renderam algumas percepccedilotildees a respeito do que

seria a roccedila ldquotradicionalrdquo mas tambeacutem alguns comentaacuterios carregados de ldquonostalgiardquo

No centro da discussatildeo a respeito da ldquotradiccedilatildeordquo estava o fogatildeo a lenha da mesma

maneira que sua importacircncia como representaccedilatildeo social do rural jaacute havia sido notada

nas fotografias dos pratos preparadas para o Guia Gastronocircmico mencionada

anteriormente Assim comentou-se a respeito de alguns alimentos e teacutecnicas de cocccedilatildeo

que eram desenvolvidas ldquoantigamenterdquo para a conservaccedilatildeo dos alimentos devido agrave

ausecircncia de geladeira forno micro-ondas ou mesmo o fogatildeo a gaacutes que permitissem

procedimentos considerados por eles mais faacuteceis de manejar O fogatildeo a lenha possuiacutea

centralidade pela possibilidade de defumar e ldquocurarrdquo alguns alimentos como a linguiccedila

ou a carne de porco e de assar bolos mesmo com a ausecircncia do forno que segundo os

relatos natildeo eram comuns nos ldquoantigosrdquo fogotildees a lenha Assim desenvolvia-se a teacutecnica

de assar o bolo numa panelinha na boca do fogatildeo cuja tampa era coberta com brasa

Por outro lado a teacutecnica de defumaccedilatildeo da linguiccedila caseira ainda eacute desenvolvida pelos

proprietaacuterios do bar que a comercializam tendo sido um dos pratos servidos nesta

ediccedilatildeo do Festival

227

A analogia entre a categoria roccedila e ldquoMinas Geraisrdquo jaacute foi destacada quanto agraves

caracteriacutesticas da comida tanto neste capiacutetulo quanto no capiacutetulo 3 No entanto natildeo se

pode deixar de reforccedilar a associaccedilatildeo entre a comida mineira a comida caseira e a

comida da roccedila estabelecida sobretudo pelas cozinheiras ou chefs dos restaurantes em

Gonccedilalves Jaacute se detalhou as caracteriacutesticas dessa comida mineira anteriormente e natildeo

seraacute necessaacuterio repeti-lo neste momento Mas a associaccedilatildeo entre roccedila e cultura mineira

ia aleacutem da comida sendo apontada em Gonccedilalves com algumas particularidades A

primeira delas foi que a cultura mineira era pensada ressaltada e valorizada como um

atrativo turiacutestico sobretudo em relaccedilatildeo a Satildeo Paulo Aleacutem de a cidade estar muito

proacutexima ao Estado paulista tendo como um dos seus polos de influecircncia municiacutepios

como Campos do Jordatildeo Satildeo Joseacute dos Campos e a proacutepria capital do Estado de Satildeo

Paulo os entrevistados foram unacircnimes em afirmar que a grande maioria dos turistas

era proveniente desses locais Assim o contraponto ficava por conta da comparaccedilatildeo

entre o modo de vida em uma cidade de pequeno porte ou mesmo rural como

Gonccedilalves e em um grande centro urbano

Mas a comparaccedilatildeo tambeacutem ficava por conta dos realces agraves caracteriacutesticas do que

se convencionou chamar de ldquomineiridaderdquo como a hospitalidade e a simplicidade Em

Gonccedilalves os limites de tais caracteriacutesticas do que seria essa cultura mineira

especialmente vivenciada no campo ou nas pequenas cidades do interior se imiscuiacuteam

no que poderia se chamar de cultura rural ou ainda do que se tem proposto ateacute aqui de

roccedila Em segundo lugar sublinha-se que a caracteriacutestica do ldquoser mineirordquo era mais

notada pelo ponto de vista dos ldquonovos residentesrdquo especialmente vindos de Satildeo Paulo

como revela o seguinte depoimento

[] mas eu acho isso um valor Se algueacutem falar que eu sou da roccedila ndash eu jaacute ldquomineireirdquo o suficiente neacute ndash porque pra mim Minas eacute roccedila Do triacircngulo que eacute Rio Satildeo Paulo e Minas [] os dois Rio e Satildeo Paulo satildeo muito ligados ao urbano Minas eacute o interior eacute pra dentro natildeo tem praia natildeo tem litoral ele eacute roccedila Mas eacute muito legal ser roccedila [] mas por isso que tem que ter o valor em si natildeo vamos nos transformar numa Finlacircndia neacute Finlacircndia brasileira Suiacuteccedila brasileira Gente Noacutes somos roccedila noacutes somos mineiros isso eacute um valor Vamos ser Minas Venha para Minas Minas eacute isso aqui oh (Proprietaacuteria de estabelecimento de produtos alimentiacutecios Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Nesse depoimento a sinoniacutemia era entre Minas Gerais roccedila e rural aleacutem das

referecircncias ao interior e ldquopra dentrordquo A identificaccedilatildeo entre Minas Gerais e a

228

ldquoruralizaccedilatildeordquo jaacute foi discutida num outro momento segundo Abdala (2006) e

Vasconcellos (1981) mas conveacutem ainda destacar uma percepccedilatildeo jaacute notada entre os

respondentes em Belo Horizonte a respeito do interior Aqui como laacute o interior

utilizado no discurso dos entrevistados fazia menccedilatildeo natildeo soacute agrave caracteriacutestica espacial em

contraponto ao litoral por exemplo mas tambeacutem agrave subjetividade e agrave introspecccedilatildeo

complementado pela expressatildeo ldquopra dentrordquo

Por outro lado a associaccedilatildeo entre a categoria roccedila e a cultura mineira tambeacutem

era comentada fazendo-se menccedilotildees agrave categoria ldquocaipirardquo particularmente tambeacutem a

partir do ponto de vista dos ldquonovos residentesrdquo O termo ldquocaipirardquo nesse sentido

tambeacutem era utilizado para se ressaltar a simplicidade e a hospitalidade destacando-se

portanto como um valor sem a conotaccedilatildeo pejorativa com que o vocaacutebulo poderia ser

usado Curiosamente tais ldquonovos residentesrdquo que ressaltavam essa caracteriacutestica para o

termo roccedila eram de Satildeo Paulo Estado na concepccedilatildeo de Ribeiro (2006) e Candido

(2010) onde teria sido gestada a cultura caipira Nesse caso a percepccedilatildeo da cultura da

roccedila enquanto uma cultura caipira natildeo oporia Minas Gerais e Satildeo Paulo embora ainda

permita a contraposiccedilatildeo desta cultura ao modo de vida tiacutepico da capital paulista ou dos

grandes centros urbanos

Assim como jaacute foi ressaltado anteriormente alguns aspectos da roccedila como

sinocircnimo de ldquoruralrdquo eram evidenciados em Gonccedilalves em consonacircncia com a discussatildeo

da ldquotradiccedilatildeordquo do autecircntico cuja imagem aleacutem do carro de boi orgulhosamente

apontado pela populaccedilatildeo local como uma atraccedilatildeo turiacutestica era o fogatildeo a lenha e os

sentidos que evocava sendo inclusive o elemento central dos restaurantes da roccedila

onde se fazia e se servia a comida Nesse sentido uma das ex-conselheiras de Turismo

ressalta como a cultura da roccedila permeava a gastronomia e assim era considerada na

elaboraccedilatildeo do Festival o modo de fazer seus utensiacutelios e ingredientes Os restaurantes

da roccedila eram assim incentivados a reproduzir o modo de fazer tiacutepico cotidiano os

ingredientes do quintal o fogatildeo a lenha a panela de ferro a colher de pau Outro

aspecto ressaltado durante a observaccedilatildeo participante e que de alguma forma se

confunde entre o ldquoruralrdquo e o ldquotradicionalrdquo por ser um hiacutebrido entre representaccedilotildees

trabalho rural e modo de vida seriam as galinhas soltas pelo quintal os bezerros a

ordenha das vacas e a criaccedilatildeo de porcos aleacutem de animais de estimaccedilatildeo como gatos e

cachorros Este uacuteltimo aspecto era revelado de forma difundida mas ressaltado

especialmente pelos ldquonovos residentesrdquo e ldquoregressosrdquo Estes narravam o cuidado com os

229

animais como uma forma de destacar sua opccedilatildeo pela mudanccedila de vida e a vida na roccedila

como sendo a eleita

Eacute mudar mesmo a vida ter uma vida mais simples uma vida mais tranquila sabe Hoje eu tenho galinha tenho pintinho tenho galo a minha vida hoje eacute assim eu acordo tenho que pocircr quirera pra galinha eu converso com os meus galos entendeu [risos] eacute uma deliacutecia (Proprietaacuteria de loja de decoraccedilatildeoartesanato Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Eu moro ali Crio galinha pintinho agora tem porco tenho gato tenho cachorro Meu pai tem vaca tem cavalo tem bezerro Entatildeo a gente vive uma vida bem roccedila mesmo bem gostoso (Proprietaacuteria de loja de artesanato Gonccedilalves setembro de 2014) Aiacute eu fui morar a um quilocircmetro e meio pertiacutessimo daacute pra vir a peacute mas eacute o suficiente do outro lado do morro pra eu ficar tranquila E eu moro numa chacrinha entatildeo tem cachorro no quintal gato plantei as aacutervores todas entatildeo agraves vezes eu preciso ficar em casa quieta um pouco andar no quintal ver plantas e tal sabe uma coisa assim (Proprietaacuteria de estabelecimento de produto alimentiacutecio Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Enquanto a ldquonostalgiardquo foi identificada principalmente relacionada agrave ldquotradiccedilatildeordquo

na visatildeo dos ldquoantigos residentesrdquo o ldquoromantismordquo tendia a permear o discurso dos

ldquonovos residentesrdquo a respeito das condiccedilotildees de vida tiacutepicas da cultura ldquoruralrdquo

especialmente a sociabilidade a simplicidade o interconhecimento e a relaccedilatildeo mais

proacutexima agrave ldquonaturezardquo Esta categoria tambeacutem compunha os aspectos da roccedila em

Gonccedilalves mas foi menos acionada nos discursos dos entrevistados Obviamente a

ldquonaturezardquo era exaltada quanto aos atrativos naturais disponiacuteveis agrave apreciaccedilatildeo turiacutestica

como as cachoeiras e picos e mais genericamente a fauna a flora e o clima frio e se

traduzia nas atividades turiacutesticas ali desenvolvidas como o ecoturismo o turismo de

aventura e o birdwatching Em certa medida tambeacutem era ao ambiente natural que se

referiam os entrevistados quando associavam a roccedila agrave ldquotranquilidaderdquo ldquopazrdquo ldquosossegordquo

embora tais atributos tambeacutem fossem utilizados para contrapor o modo de vida em

Gonccedilalves agraves vicissitudes da vida urbana como a violecircncia o tracircnsito a poluiccedilatildeo o

barulho e o estresse O desenvolvimento da agricultura orgacircnica e a constituiccedilatildeo da

Aacuterea de Proteccedilatildeo Ambiental Fernatildeo Dias englobando todo o territoacuterio de Gonccedilalves e

induzindo as mudanccedilas no modelo agropecuaacuterio ateacute entatildeo desenvolvido certamente tecircm

ampliado o discurso a respeito da ldquonaturezardquo entre os moradores e frequentadores de

Gonccedilalves Nesse sentido muitos percebiam a roccedila como a oportunidade de consumir

230

alimentos frescos saudaacuteveis sendo possiacutevel dominar a informaccedilatildeo natildeo soacute sobre sua

origem mas tambeacutem conhecer como eram cultivados experimentando efetivamente o

encurtamento da cadeia produtiva seja plantando para o autoconsumo seja comprando

diretamente do produtor na feira seja visitando a propriedade de agricultura orgacircnica

para colher pessoalmente os alimentos Estes fatos tambeacutem puderam ser notados no

texto de apresentaccedilatildeo do Guia Gastronocircmico que reafirmava que o ldquoo ovo vem da

galinhardquo e o ldquoleite da vacardquo reestabelecendo formas de conviacutevio na relaccedilatildeo entre o

homem e a natureza notaacuteveis nas declaraccedilotildees de alguns entrevistados sobre ldquoacordar

com os passarinhos cantandordquo e ldquotomar aacutegua da minardquo

Conforme jaacute se elucidou no iniacutecio desta seccedilatildeo as categorias de usos e

significados do termo roccedila mais evidentes em Gonccedilalves foram o ldquocampordquo o ldquoruralrdquo e

a roccedila ldquoestilizadardquo embora todas as outras categorias tambeacutem tenham sido

identificadas com maior ou menor intensidade Por parte de alguns

produtoresdistribuidores ldquonovos residentesrdquo em Gonccedilalves havia o reconhecimento

de terem desenvolvido a oferta de produtos e ou serviccedilos que embora tivessem tido

uma inspiraccedilatildeo na cultura da roccedila possuiacuteam um conceito esteacutetico eou funcional de

inspiraccedilatildeo urbana e moderna Isso se daria por um lado obviamente pela proacutepria

cultura do proprietaacuterio do estabelecimento que vindo de uma vivecircncia urbana trazia

esses aspectos para o serviccedilo ou produto ofertado mas tambeacutem por haver uma

compreensatildeo a respeito de algumas preferecircncias do puacuteblico consumidor formado

majoritariamente pelos turistas de renda alta originaacuterios da capital de Satildeo Paulo

Embora natildeo se tenha evidecircncias objetivas para comprovar o componente de

classe entre os consumidores de produtos e serviccedilos da roccedila tanto entre os turistas de

Gonccedilalves quanto entre os frequentadores do Mercado Central todos os produtores e

distribuidores entrevistados ou que responderam aos questionaacuterios inclusive online

apontaram de forma majoritaacuteria para o puacuteblico de alta renda como sua principal

clientela Nesse sentido se os produtos e serviccedilos da roccedila podem ser identificados aos

produtos artesanais e alimentares tradicionais relatados por Wilkinson e Mior (1999)

estes autores indicam que estes produtos se enquadram em mercados de nicho dentro

dos quais recebem um preccedilo-precircmio Os entrevistados tambeacutem apontaram o acesso da

classe meacutedia a estes produtos sem caracterizaacute-la contudo como seu principal puacuteblico

consumidor Nesse sentido destacavam a participaccedilatildeo da classe meacutedia nesse mercado

231

consumidor pela via da ascensatildeo e das novas oportunidades de consumo conforme as

discussotildees de Neacuteri (2012) e Pochmann (2012) jaacute comentadas anteriormente

Nesse ensejo ressalta-se que para alguns dos produtoresdistribuidores ldquonovos

residentesrdquo em Gonccedilalves seus produtos ou serviccedilos ofertados eram assumidamente

ldquoestilizadosrdquo entendendo-se tal atributo no sentido apontado por Bourdieu (2013) de

que haveria uma prevalecircncia da esteacutetica da forma da apreciaccedilatildeo e da fruiccedilatildeo em

detrimento ao conteuacutedo e funccedilatildeo em que o componente do ldquogostordquo evidenciaria o

processo de distinccedilatildeo A ldquoestilizaccedilatildeordquo dos produtos e serviccedilos era sugerida por meio de

diferentes expressotildees como ldquosofisticaccedilatildeordquo e glamour conforme os seguintes relatos

ldquoEu quero ter um produto elaborado que vocecirc possa usar na roccedila [] com cara de roccedila

mas com um glamour a maisrdquo (ldquoNova residenterdquo proprietaacuteria de loja de decoraccedilatildeo) que

versa sobre os seus produtos e adiante sobre o serviccedilo do restaurante

A minha comida eu chamo de rural eacute uma comida da roccedila mas uma comida um pouco mais sofisticada Entatildeo eu uso vinhos umas coisas assim [] Entatildeo eu procuro eu soacute natildeo uso frango caipira mas tudo que eles usam eacute a abobrinha por exemplo eu procuro fazer do jeito deles mas com um toque meu Eu pego os ingredientes que eles usam e dou uma modificada aprimoro um pouco mais (Proprietaacuteria de restaurantechef Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

A ressignificaccedilatildeo da roccedila daquilo que pode ser identificado como ldquoruralrdquo e

ldquotradicionalrdquo era bastante evidente em Gonccedilalves e pode ser constatada pela descriccedilatildeo

do cenaacuterio urbano e dos serviccedilos especialmente ofertados ao setor de turismo A

reelaboraccedilatildeo dos significados de roccedila se por um lado pode ser interpretada como um

processo de apropriaccedilatildeo cultural industrial que poderia massificar e padronizar tem na

verdade como resultado produtos e serviccedilos com muacuteltiplas referecircncias que vatildeo desde

o tradicional e tiacutepico agraves vezes artesanal e por isso raro e exclusivo ao natural versado

no discurso ambiental passando pela fronteira do globalizado como bem o descreveu

uma entrevistada

Quando eu falo que Gonccedilalves eacute um desafio e Gonccedilalves eacute uma questatildeo bem particular eacute porque em Gonccedilalves a gente vivencia a roccedila e eacute claro com essa expressatildeo do verde do harmonioso sim Em relaccedilatildeo ao povo existe a simplicidade existe isso mas existe uma dinacircmica sabe Em Gonccedilalves a gente natildeo separa muito esse meio eu acho que existe uma integraccedilatildeo Se vocecirc vai buscar na cidade a cidade tem a expressatildeo da roccedila se vocecirc vem buscar no meio rural o

232

meio rural tem a expressatildeo da roccedila Entatildeo Gonccedilalves tem um encontro com tudo isso que eu coloquei mais uma autonomia uma abertura de visatildeo e de um grande encontro com o que vem de fora Entatildeo eu acho que existe em Gonccedilalves uma roccedila ldquoantenadardquo ldquoAntenadardquo no sentido de que estaacute mais ligada mais conectada com o urbano um pouco Eacute uma roccedila diferenciada Com todas as caracteriacutesticas mas com um a mais com uma visatildeo a mais por participar de um movimento diferente a roccedila eacute mesclada todo mundo que veio do meio urbano estaacute no meio rural o meio rural vai para o urbano volta entatildeo existe uma troca muito grande eacute um lugar diferenciado (Artesatilde Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

A articulaccedilatildeo entre o local e o global jaacute referenciada por Entrena-Duraacuten (2012)

a respeito das transformaccedilotildees do imaginaacuterio rural na Espanha pode ser percebida em

Gonccedilalves por meio da categoria roccedila nos seus usos e significados mais expressivos o

ldquocampordquo o ldquoruralrdquo e o ldquoestilizadordquo A valorizaccedilatildeo da vida simples da natureza e do

rural seria nesse caso um contraponto agrave perspectiva do aclamado estilo country no

Brasil que segundo Alem (1996) e De Paula (1998 1999 e 2001) seriam marcados

pela ldquoestilizaccedilatildeordquo do rural por meio da constituiccedilatildeo de uma rede simboacutelica do rural pela

elite dominante e pelos mecanismos de distinccedilatildeo e estetizaccedilatildeo do rural ao contraacuterio do

country americano onde os princiacutepios norteadores estariam no trabalho e na

simplicidade A roccedila nesse sentido parece ter sucedido ao discurso dominante da

esteacutetica country brasileira cujo auge pode-se identificar nos anos 1990 embora seja

consolidado e ainda reine no circuito campo-cidade identificado pelos autores A

categoria roccedila ao que tudo indica conquanto possa se expressar como um simulacro da

realidade rural estetizada e ldquoestilizadardquo tambeacutem articula noccedilotildees vinculadas a uma

tradiccedilatildeo do rural identificada com a agricultura camponesa por um lado ao mesmo

tempo em que serve de ponte para o discurso ambiental e sua preocupaccedilatildeo com a

natureza

Mas tambeacutem haacute que se notar que o jogo entre o local e o global expresso na

roccedila ldquoestilizadardquo tambeacutem ocorre por meio de um processo de diferenciaccedilatildeo social a

partir de uma possiacutevel ldquogentrificaccedilatildeo do ruralrdquo (BATALLER 2012) em curso em

Gonccedilalves como em vaacuterios outros lugares no campo no Brasil e em outros paiacuteses que

introduzem na perspectiva local a noccedilatildeo do ldquogostordquo e portanto da distinccedilatildeo por meio

da oferta de serviccedilos especializados e direcionados para estratos de classe Os proacuteprios

fatores indutores dessa mudanccedila em Gonccedilalves como o turismo o lazer e as

preocupaccedilotildees ambientais se constituiacuteam em discursos construiacutedos a partir de uma

233

perspectiva urbana e burguesa como bem o assinalou Rambaud (1973) para o caso

francecircs

Assim a categoria da roccedila ldquoestilizadardquo como marca de produtos e serviccedilos no

Brasil com uma tendecircncia crescente identificada na pesquisa de solicitaccedilotildees de registro

no INPI apoacutes os anos 1990 ou representada em diferentes estabelecimentos localizados

em Gonccedilalves pode ser um indiacutecio de um simulacro do real (ENTRENA-DURAacuteN

2012) de um simples processo de ldquodesencaixerdquo (GIDDENS 1991) ou mais um caso de

apropriaccedilatildeo da autenticidade das culturas locais pela induacutestria cultural Mas tambeacutem

parece refletir processos mais complexos relacionados com a fragmentaccedilatildeo dos

contextos sociais a produccedilatildeo de identificadores fluidos e descentrados articulando

aspectos de tradiccedilatildeo e localidade produccedilatildeo artesanal e familiar e ldquogentrificaccedilatildeo ruralrdquo

por outro Reflete ao mesmo tempo a busca por raiacutezes origem e autenticidade o

cruzamento de fronteiras sociais demarcatoacuterias e a reelaboraccedilatildeo de novas distinccedilotildees

junto a novas possibilidades de modos de vida mais simples para uns com

oportunidades de ocupaccedilatildeo e renda para outros

Outro aspecto evidenciado pelas entrevistas realizadas em Gonccedilalves relaciona-

se diretamente agraves hipoacuteteses que orientaram esta pesquisa Alguns depoimentos

mencionaram como num passado ainda recente os entrevistados naturais de Gonccedilalves

identificavam no termo roccedila um uso pejorativo que tinha como intuito inferiorizaacute-los

havendo inclusive um processo de identificaccedilatildeo e incorporaccedilatildeo desse processo de

diferenciaccedilatildeo Entretanto esses entrevistados tambeacutem apontam para um processo de

reversatildeo no uso e significado do termo a partir das transformaccedilotildees pelas quais passou a

cidade e o campo de Gonccedilalves e o imaginaacuterio que teria tambeacutem se modificado a partir

de identificaccedilatildeo de novos valores em curso Algumas das entrevistadas que declararam

ter vivido tais experiecircncias satildeo ldquoregressasrdquo ou seja residiram em outras cidades

Estados e paiacuteses para estudar ou trabalhar mas retornaram agrave Gonccedilalves e se

estabeleceram em novas ocupaccedilotildees no municiacutepio Outra entrevistada caracterizou-se

como ldquoantiga residenterdquo mas relata tais mudanccedilas a partir das novas oportunidades que

se abriram a ela e agrave famiacutelia com o turismo rural

Basicamente as declaraccedilotildees dessas entrevistas mencionavam a vergonha em

ldquoser da roccedilardquo ou ldquoser de Gonccedilalvesrdquo que teria dado lugar nos uacuteltimos anos ao

ldquoorgulhordquo das ldquocoisas da roccedilardquo e de pertencer agravequele local tendo-o escolhido como um

234

lugar para viver ao contraacuterio das decisotildees tomadas anos atraacutes de migrar Alguns desses

relatos podem ser conferidos a seguir

Era um preconceito na verdade Se vocecirc morasse na roccedila vocecirc era um caipira era um ningueacutem E hoje natildeo hoje essa histoacuteria estaacute mudando Principalmente as pessoas de Satildeo Paulo que moram em preacutedios luxuosos trabalham em empresas eles vecircm para o nosso lugar que eacute simples humilde eles se sentem no lugar mais lindo do mundo Como o nosso lugar eacute valorizado neacute Pedem pra deixar a natureza mais ruacutestico a comida tambeacutem feijatildeozinho com couve torresminho carne de lata Entatildeo a forma que a gente foi criada aqui a gente trouxe para o restaurante entendeu O que a gente comia quando a vovoacute fazia a mamatildee A gente cresceu nessa vida entatildeo vamos apresentar como a gente foi criada E o pessoal ama a comidinha Eacute simples humilde mas as pessoas se deliciam na comida (Proprietaacuteria de restaurante Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Eu me lembro perfeitamente quando a cidade era totalmente rural vivia da agricultura e da pecuaacuteria A gente natildeo tinha opccedilatildeo de comeacutercio praticamente nenhuma [] quando a gente falava roccedila antigamente a gente via como uma coisa pejorativa [] Quando a gente ia estudar em Paraisoacutepolis num coleacutegio particular os alunos de Gonccedilalves sempre tinham boas notas mas era ldquoo pessoal da roccedilardquo porque na eacutepoca era estrada de terra natildeo tinha celular natildeo tinha internet Entatildeo era assim bem limitado [] Entatildeo eu acho que a cidade mudou do dia pra noite mas manteve essa identidade rural essa identidade da roccedila Hoje eu vejo que pra minha geraccedilatildeo e pras geraccedilotildees mais antigas eacute motivo de orgulho falar que vocecirc mora em Gonccedilalves que a sua cultura eacute da roccedila e que vocecirc gosta de andar a cavalo nos finais de semana que vocecirc comia comida soacute de fogatildeo a lenha [] Entatildeo dentro de dez quinze anos Gonccedilalves se transformou mas natildeo perdeu a identidade eu acho que na verdade fortaleceu essa identidade rural porque ela era vista apenas como uma coisa pejorativa e hoje natildeo hoje ela eacute motivo de orgulho pra todo mundo neacute falar que eacute nascido e criado na roccedila (Ex-diretora de Turismo Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Ainda que essas declaraccedilotildees expliacutecitas sobre as mudanccedilas no campo valorativo

em torno do termo roccedila e do que ele representava e representa natildeo tenham sido tatildeo

frequentes a opccedilatildeo por morar em Gonccedilalves no campo fazia parte da histoacuteria da

maioria dos entrevistados Os ldquoregressosrdquo mencionavam a opccedilatildeo de recomeccedilar a vida

em Gonccedilalves juntamente com a famiacutelia que ainda residia ali apoacutes experiecircncias mais

ou menos longas de viver em outros lugares para estudar trabalhar ou mesmo constituir

um nuacutecleo familiar Entre os ldquonovos residentesrdquo a mudanccedila para o campo em

Gonccedilalves representava natildeo soacute outro lugar para viver e trabalhar mas a ruptura com um

235

modo de vida urbano e moderno e a reconstruccedilatildeo de novos laccedilos sociais e o

aprendizado de outro modo de vida considerado por eles como simples calcado em

outros princiacutepios Tais casos tornaram-se bastante elucidativos da proposiccedilatildeo de um

processo de revalorizaccedilatildeo do rural sob algumas facetas representado pelas

ressignificaccedilotildees que adquire o termo roccedila nas uacuteltimas duas deacutecadas pelo menos

Entre os ldquonovos residentesrdquo a histoacuteria que permeava a decisatildeo de abandonar a

carreira profissional os laccedilos sociais e a vida material constituiacuteda na capital de Satildeo

Paulo e se mudar para o campo de Gonccedilalves e reconstruir as condiccedilotildees de vida com

um novo projeto de vida calcado em valores diferentes e em outro modelo de sociedade

era muito parecida Os ldquonovos residentesrdquo entrevistados tinham um perfil similar numa

faixa etaacuteria entre os quarenta e os sessenta anos de idade viveram praticamente a vida

toda na capital de Satildeo Paulo onde constituiacuteram famiacutelia e se dedicaram a carreiras em

profissotildees natildeo agriacutecolas Muitos relataram uma histoacuteria parecida de estarem viajando a

passeio por cidades da regiatildeo de Gonccedilalves terem ido a esta cidade apenas para

conhecer almoccedilar num restaurante numa passagem raacutepida mas terem se encantado e se

sentirem tocados pelo modo de vida e pelo lugar de tal forma que jaacute saiacuteram de laacute com

uma casa alugada para passar finais de semana e temporadas Apoacutes um ou dois anos de

temporadas de feacuterias feriados e fins de semana em Gonccedilalves mudaram-se

definitivamente de cidade de profissatildeo e de modo de vida

Outros ldquonovos residentesrdquo jaacute conheciam Gonccedilalves costumavam visitar ou

tinham viacutenculos sociais com amigos e parentes e decidiram se mudar para laacute apoacutes o

encerramento de um ciclo de vida como a aposentadoria a conclusatildeo de um curso a

mudanccedila de emprego ou transformaccedilotildees na vida pessoal como a separaccedilatildeo de um

casamento ou a partida de um filho por exemplo Nesse sentido a mudanccedila de

ocupaccedilatildeo profissional eacute providenciada aproveitando-se o arranjo produtivo local como

a agricultura orgacircnica o turismo a gastronomia o artesanato ou o comeacutercio de apoio ao

turismo A expansatildeo do turismo em Gonccedilalves na uacuteltima deacutecada tambeacutem abriu novos

postos de trabalho em setores bastante especializados como a gastronomia por

exemplo tendo se tornado tambeacutem um atrativo para jovens profissionais que se dirigem

agrave cidade motivados pelas oportunidades de emprego

Essa revalorizaccedilatildeo da roccedila observada em Gonccedilalves passa por uma criacutetica ao

modelo de civilizaccedilatildeo urbana da metroacutepole especialmente entre os ldquonovos residentesrdquo

vindos da capital de Satildeo Paulo conforme constatou Silva G (2009) Estes ldquonovos

236

residentesrdquo em Gonccedilalves destacaram o jogo de valores que envolve o julgamento de

familiares e amigos a respeito de sua mudanccedila de vida Enquanto alguns criticariam a

mudanccedila de vida sob o espectro da coragem em viver sob um novo modo de vida

outros revelariam um desejo de vivenciar esta transformaccedilatildeo na proacutepria vida Segundo

uma entrevistada estas questotildees morais tambeacutem satildeo percebidas entre os turistas e

clientes que deixam entrever as reflexotildees a respeito do modelo de sociedade que se

escolhe viver conforme os seguintes relatos

Esse puacuteblico de niacutevel de renda ldquoArdquo que mora em Satildeo Paulo em Campinas enfim eles natildeo aguentam mais Eles vecircm em busca dessa vida de roccedila por incriacutevel que pareccedila eles necessitam ir para Nova Iorque necessitam ir para Miami necessitam ter o carro top de linha mas eu acho que no fundo sabe Entatildeo eu vejo que esse puacuteblico sente falta dessa vida simples da roccedila porque eacute uma vida muito simples eacute muito simples Eu percebo isso todo mundo fala assim pra mim ldquoNossa como vocecirc eacute corajosa vocecirc largou tudo em Satildeo Paulordquo ldquoLarguei tudo em Satildeo Paulo Natildeo volto pra Satildeo Paulordquo ldquoNossa que vontaderdquo Entatildeo por mais que a pessoa ela sente falta dessa vida mais simples Eu percebo isso tanto em restaurantes quanto na loja (Proprietaacuteria de loja de decoraccedilatildeo Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

As reflexotildees que os ldquonovos residentesrdquo propotildeem a respeito da comparaccedilatildeo entre

os modos de vida rural e urbano tendiam a ser traduzidas pela expressatildeo simplicidade

cuja imagem siacutembolo se ligava agrave hospitalidade na forma de receber as visitas pela casa

aberta sem cerimocircnias pela oferta de um cafeacute e um lanche e pela perspectiva de se

sentar agrave mesa e conversar As seguintes passagens ilustram essas representaccedilotildees

Eu gosto desse fato de ter a casa que pode chegar qualquer pessoa se sentar e tomar um cafeacute sabe [] Eu percebo isso eu vou pra Satildeo Paulo encontrar com algum amigo eu tenho que ligar marcar deixar tudo agendado natildeo daacute pra improvisar nada Na roccedila daacute Na roccedila vocecirc chega vai ter um cafeacute pra vocecirc com broa com queijo (Proprietaacuteria de estabelecimento de produtos alimentares Gonccedilalves-MG setembro de 2014) Roccedila Simplicidade total Eacute aconchego sabe As pessoas da roccedila te acolhem sabe Eacute aconchego Agraves vezes eu pego o meu carro e vou passear para o outro lado dali e eu vejo umas casas muito antigas eu adoro entrar tomar um cafeacute ldquoentra vem tomar um cafeacute a gente fez uma broardquo Eacute bem isso como eu nasci e cresci em Satildeo Paulo natildeo tem isso em Satildeo Paulo Entatildeo eu acho que a roccedila eacute isso eacute simplicidade eacute aconchego eacute acolhedor eacute amor eacute amor Vocecirc natildeo vecirc

237

esse amor em Satildeo Paulo natildeo vecirc na cidade grande (Proprietaacuteria de loja de decoraccedilatildeo Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

A simplicidade com uma conotaccedilatildeo positiva foi uma representaccedilatildeo acionada

em relaccedilatildeo ao modo de vida proacuteprio do rural como uma imagem que definiria o que era

roccedila para alguns entrevistadosrespondentes No proacuteximo capiacutetulo os usos e

significados do termo roccedila seratildeo examinados de forma mais detida a partir da

submissatildeo dos dados colhidos em campo no Mercado Central de Belo Horizonte e em

Gonccedilalves e no seu Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila agrave anaacutelise estatiacutestica

textual com o uso do software Alceste e agrave codificaccedilatildeo com o uso do software NVivo

238

5 O QUE SIGNIFICA ROCcedilA AFINAL

Este trabalho se propocircs a investigar os usos e significados do termo roccedila no

Brasil e para isso empreendeu-se uma anaacutelise histoacuterica das formas como o vocaacutebulo

tem sido usado em diferentes contextos sociais O exame de alguns trabalhos

acadecircmicos e de textos claacutessicos do pensamento social brasileiro demonstrou a

aplicaccedilatildeo da categoria roccedila ao longo da formaccedilatildeo histoacuterica brasileira para se referir agrave

produccedilatildeo de alimentos voltada para o abastecimento local especialmente de espeacutecies

como o milho o feijatildeo e a mandioca A roccedila apresentava-se entatildeo associada agrave lavoura

de pequena produccedilatildeo voltada para o autoconsumo e o suprimento de comunidades

locais Neste sentido roccedila aparecia atrelada agraves pequenas propriedades e ao trabalho

familiar de agricultores e camponeses

Com a expansatildeo do mercado de bens e serviccedilos a partir de 1960 e mais

intensamente a partir de 1980 o termo roccedila passou a ser utilizado como marca Este

fenocircmeno foi analisado nesta pesquisa para se buscar identificar indiacutecios a respeito da

reproduccedilatildeo dos seus usos e sentidos pregressos ou a sua provaacutevel ressignificaccedilatildeo do

vocaacutebulo Tal ressignificaccedilatildeo conforme a hipoacutetese de investigaccedilatildeo passaria por uma

inversatildeo de valores a respeito dos usos e significados do termo roccedila que antes

denotavam processos de diferenciaccedilatildeo social especialmente entre as culturas urbana e

rural e que nas uacuteltimas duas a trecircs deacutecadas ganhou sinais de uma valorizaccedilatildeo

Ateacute o momento analisou-se assim os usos e significados da categoria roccedila no

mercado de bens e serviccedilos dando ecircnfase aos processos simboacutelicos atribuiacutedos agraves marcas

pelos seus produtores distribuidores e consumidores Pocircde-se evidenciar tambeacutem um

conjunto de nuances que permeava os espaccedilos de produccedilatildeo circulaccedilatildeo e consumo de

produtos serviccedilos e significados da roccedila a partir dos eventos escolhidos para a anaacutelise

o Mercado Central em Belo Horizonte e o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila

em Gonccedilalves Nas paacuteginas seguintes a anaacutelise se voltaraacute de forma mais detida para os

significados da categoria roccedila a partir das declaraccedilotildees dos setenta indiviacuteduos abordados

nas entrevistas e na aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios a produtores distribuidores e

consumidores no Mercado Central de Belo Horizonte no 4ordm Festival de Gastronomia e

Cultura da Roccedila de Gonccedilalves e online Para auxiliar na sintetizaccedilatildeo e inferecircncia desses

significados utilizou-se dois softwares de anaacutelise de dados qualitativos o Alceste e o

NVivo por meio das teacutecnicas de anaacutelise estatiacutestica textual e codificaccedilatildeo

239

51 Procedimentos metodoloacutegicos e anaacutelise das respostas das entrevistas e

questionaacuterios com o uso do software Alceste

Utilizou-se o software Alceste (Analyse Lexicale par Contexte drsquoun Ensemble de

Segments de Texte25) para analisar as respostas dos entrevistados e respondentes do

questionaacuterio sobre a pergunta ldquoO que significa roccedila para vocecircrdquo O Alceste auxilia na

ldquobusca da intencionalidade comunicativa e da organizaccedilatildeo cultural e social dos

significados advindos da linguagem e da comunicaccedilatildeo socialrdquo segundo Saraiva et al

(2011) demonstrando-se portanto uma ferramenta uacutetil na tentativa de atender aos

objetivos propostos nesta pesquisa De acordo com Saraiva et al (2011) o Alceste eacute um

software comercial concebido por Reinert (1993) desenvolvido pela IMAGE numa

parceria entre o CNRS (Centro Nacional Francecircs de Pesquisa Cientiacutefica) e a ANVAR

(Agecircncia Nacional Francesa de Valorizaccedilatildeo agrave Pesquisa)

Baseado em metodologias de anaacutelise de conteuacutedo o Alceste efetua uma

classificaccedilatildeo estatiacutestica dos enunciados simples dos textos por meio da distribuiccedilatildeo do

vocabulaacuterio Conforme descreve o proacuteprio manual de utilizaccedilatildeo do software o Alceste

quantifica o texto e extrai suas estruturas mais significativas baseado no fato de que

segundo o seu desenvolvedor a distribuiccedilatildeo das palavras em um texto natildeo ocorreria de

forma aleatoacuteria (IMAGE 1998) A anaacutelise do corpus textual feita pelo Alceste eacute

realizada em quatro etapas De acordo com a descriccedilatildeo de Saraiva et al (2011 p 73-

74) na primeira etapa o programa faz uma leitura do texto e calcula o dicionaacuterio ou

seja faz uma indexaccedilatildeo do vocabulaacuterio agrupando-o de acordo com os seus radicais

transformando-o em formas reduzidas e calculando a sua frequecircncia Apoacutes esse

reconhecimento do que ele denomina de unidades de contexto iniciais (UCI) o

programa fragmenta o texto em segmentos de tamanho similar que satildeo as unidades de

contexto elementares (UCE) A segunda etapa consiste na classificaccedilatildeo hieraacuterquica

descendente em que as UCErsquos satildeo divididas em classes de acordo com a frequecircncia do

vocabulaacuterio das formas reduzidas atraveacutes do teste do ldquoquiquadradordquo Em seguida o

programa apresenta a descriccedilatildeo das classes de UCErsquos escolhidas permitindo identificar

seu vocabulaacuterio e as variaacuteveis separadas pela anaacutelise fatorial de correspondecircncia Por

fim apresenta as UCErsquos mais representativas de cada classe e permite que os dados 25 Anaacutelise Lexical Contextual de um Conjunto de Segmentos de Texto

240

sejam exportados por meio de um relatoacuterio A significacircncia estatiacutestica das palavras

dentro das classes eacute medida pelo qui-quadrado (X2) ao niacutevel de significacircncia de 5 de

acordo com Saraiva et al (2011) A classificaccedilatildeo hieraacuterquica descendente eacute apresentada

num graacutefico em formato de dendograma

O corpus submetido agrave anaacutelise do Alceste neste trabalho foi composto pelas

respostas de todos os interlocutores agrave questatildeo ldquoO que significa roccedila para vocecircrdquo Como

se tratavam de setenta respondentes foi considerada a resposta de cada um para esta

pergunta perfazendo no corpus o total de setenta unidades de contexto inicial (UCI)26

As variaacuteveis utilizadas na linha de comando para cada resposta ou cada unidade de

contexto inicial foram nuacutemero do questionaacuterio a condiccedilatildeo se produtordistribuidor ou

consumidor o local onde ocorreu a entrevista (Belo Horizonte Gonccedilalves ou outra

cidade) o sexo a escolaridade a idade onde o entrevistado vivia (no campo na cidade

em ambos ou natildeo informado) conforme pode ser visualizado no seguinte quadro

QUADRO 10 ndash Variaacuteveis e coacutedigos da linha de comando do corpus

VARIAacuteVEL COacuteDIGOS

Q = nuacutemero do

questionaacuterio

01 a 70

C = condiccedilatildeo Proprietaacuterio = 01 Consumidor = 02

L = local Belo Horizonte = 01 Gonccedilalves = 02 Outra = 03

S = sexo Masculino = 01 Feminino = 02

I = idade 20 a 30 anos = 01 30 a 40 anos = 02 40 a 50 anos = 03

50 a 60 anos = 04 60 a 70 anos = 05 70 a 80 anos = 06

acima de 80 anos = 07

E = escolaridade Analfabeto = 01 Ensino Fundamental Incompleto = 02

Ensino Fundamental Completo = 03 Ensino Meacutedio Incompleto = 04

Ensino Meacutedio Completo = 05 Ensino Superior Incompleto = 06

Ensino Superior Completo = 07 Poacutes-graduaccedilatildeo = 08

V = onde viveu a

maior parte da vida

Campo = 01 Cidade = 02 Ambos = 03 Natildeo informado = 04

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

26 A formaccedilatildeo do corpus seguiu as orientaccedilotildees referentes ao seu formato espaccedilamento pontuaccedilotildees e acentuaccedilotildees e uso do vocabulaacuterio (IMAGE 1998)

241

A anaacutelise efetuada por meio do Alceste apresentou como resultado a divisatildeo do

corpus em 97 unidades de contexto elementares (UCE) formadas por 673 palavras

diferentes que reduzidas aos seus radicais resultaram em 60 palavras analisaacuteveis Estas

palavras ocorreram 20 vezes nas 97 UCErsquos o que significa uma meacutedia 537 palavras

analisadas por UCE A anaacutelise reteve 73 do total das UCErsquos do corpus (ou seja

analisou 71 das 97 UCErsquos) que foram classificadas em quatro classes que podem ser

vistas na figura abaixo

Fonte Extraiacutedo do resultado da anaacutelise feita por meio do Alceste por Lidiane Nunes da Silveira

A divisatildeo do corpus em classes ocorreu numa primeira descriminaccedilatildeo entre a

Classe 1 de um lado e as outras classes de outro Esse outro agrupamento de classes

caracterizou-se pela divisatildeo por um lado da Classe 2 e a subdivisatildeo do outro lado

entre as Classes 3 e 4 Isto significa que as atribuiccedilotildees de significado agrave roccedila relacionadas

agrave natureza e romantismo tendem a estar menos associadas agraves outras atribuiccedilotildees de

sentidos que apareceram mais correlacionadas entre si Ou seja na anaacutelise fatorial de

correspondecircncia entre o vocabulaacuterio e as variaacuteveis de cada classe a variacircncia das

Classe 2 17 UCE

24

Classe 3 17 UCE

24

Classe 4 22 UCE

31

Classe 1 15 UCE

21

Interior e Cidades Pequenas

Lavoura Cultura rural Natureza e

Romantismo Palavra Atributo

X2 Palavra Atributo

X2 Palavra Atributo

X2 Palavra Atributo

X2

Pequena 049 Terra 053 Gente 039 NaturalNatureza 059 Cidade 042 Comer 037 Criado 034 Paz 053 Interior 036 Poder 036 Roccedila 034 Produto 046 Rural 036 Plantar 030 Vida 034 Lugar 032 Trabalho 036 Pessoa 032 Galinha 031 Sauacutede 026 Casa 028 Ligada 029 Aconchego 026 Tirar 029 GostoGostar 021 Canto 029 Cafeacute 017 Roccedila 022 Simplicidade 017

FIGURA 83 ndash Dendograma da classificaccedilatildeo hieraacuterquica descendente do corpus

242

variaacuteveis das Classes 2 3 e 4 tendeu a estar mais proacutexima que aquela da Classe 1 o que

pode ser constatado na imagem da Anaacutelise fatorial de correspondecircncia em coordenadas

FIGURA 84 ndash Anaacutelise Fatorial de Correspondecircncia em Coordenadas

Fonte Extraiacutedo do resultado da anaacutelise feita por meio

do Alceste por Lidiane Nunes da Silveira

A Classe 1 ficou composta por 15 UCErsquos que corresponderam a 21 do total de

UCErsquos analisado Esta classe foi intitulada ldquoNatureza e Romantismordquo com base nas

palavras com maior coeficiente de associaccedilatildeo ldquonaturalnaturezardquo ldquoprodutordquo ldquolugarrdquo e

ldquosauacutederdquo e as palavras ldquopazrdquo e ldquoaconchegordquo identificadas com a discussatildeo sobre o

romantismo e a nostalgia que perfazem as representaccedilotildees sobre roccedila discutidas com

base nos aportes teoacutericos Nessa classe de significados percebeu-se que diante da

indagaccedilatildeo do que significava roccedila os entrevistadosrespondentes associaram-na a um

lugar caracterizado pela natureza onde se podia vivenciar sensaccedilotildees como paz

tranquilidade e aconchego e consumir produtos naturais promovendo a sauacutede e o bem-

estar Algumas expressotildees natildeo foram capturadas na anaacutelise mas fazem parte das

representaccedilotildees agrupadas nessa classe relacionadas agrave visatildeo da natureza e da roccedila como

243

um lugar de ar puro e fresco onde era possiacutevel aleacutem da sauacutede encontrar o equiliacutebrio a

serenidade a reflexatildeo a verdade o limpo e a vida Os interlocutores tambeacutem

descreveram a roccedila como o espaccedilo onde se produzia alimentos naturais saudaacuteveis

limpos mas tambeacutem caseiros manuais contrapostos aos produtos industrializados

aleacutem de terem mais sabor e serem mais gostosos Algumas expressotildees desses

significados puderam ser identificadas nas seguintes UCErsquos ldquoaconchego e naturezardquo

ldquoproduto natural caseiro com saborrdquo ldquonatureza ar fresco alimentos saudaacuteveis e vida

saudaacutevelrdquo

Observando-se as variaacuteveis descritivas que caracterizam os

entrevistadosrespondentes percebeu-se que as respostas agrupadas nessa classe foram

produzidas fundamentalmente pelos consumidores especialmente no Mercado Central

em Belo Horizonte embora os produtoresdistribuidores desta cidade bem como os

consumidores no Festival em Gonccedilalves tambeacutem participem dessa classe em menor

proporccedilatildeo Os resultados dessa anaacutelise permitem inferir que em linhas gerais os

consumidores sobretudo em Belo Horizonte associavam a roccedila agrave natureza ao

romantismo e agrave nostalgia para utilizar-se das categorias de significados propostas nesta

pesquisa Nesse sentido pode-se entender que por um lado o processo de significaccedilatildeo

da categoria roccedila pelos consumidores no Mercado Central estava de alguma forma

condicionado pela perspectiva do consumo que orientava a sua accedilatildeo no contexto da

pesquisa centrando o discurso na questatildeo do consumo de produtos alimentares naturais

eou tradicionais considerados artesanais e caseiros e diferenciados dos industriais Mas

natildeo se pode desconsiderar que autores como Anjos e Caldas (2014) Eacuteboli (2007) Elias

(2001) Silva G (2009) Thomas (2010) e Williams (2011) associam os processos de

romantizaccedilatildeo do rural e a perspectiva do ldquorural naturezardquo agraves populaccedilotildees que vivem em

contextos mais urbanizados modernos e industrializados o que corresponde agrave condiccedilatildeo

dos interlocutores de Belo Horizonte

As Classes 2 e 3 apresentaram a mesma quantidade de UCErsquos 17 cada uma o

que corresponde a 24 cada do total de UCErsquos analisadas no corpus A Classe 2 foi

denominada ldquoInterior e cidades pequenasrdquo com base nas palavras de maior coeficiente

de associaccedilatildeo ldquopequenardquo ldquocidaderdquo ldquointeriorrdquo ldquoruralrdquo aleacutem da categoria ldquotrabalhordquo

Essas ideias se inserem no universo de debate sobre o que define os conceitos de rural e

urbano tambeacutem apontados na discussatildeo teoacuterica apresentada nesta pesquisa As

respostas dos interlocutores agrupadas nessa classe tendiam a identificar roccedila com o

244

interior com as cidades de pequeno porte e o trabalho rural Algumas expressotildees de

UCErsquos que ilustravam essa perspectiva na visatildeo dos interlocutores estavam

relacionadas agrave roccedila significar ldquoo interior as cidades pequenas a regiatildeo de Minas

Geraisrdquo ou ainda ldquoroccedila eacute sinocircnimo de interior natildeo necessariamente fazenda ou

trabalho na roccedila mas teve uma criaccedilatildeo uma cultura da roccedila do interiorrdquo

Assim como jaacute foi discutido no capiacutetulo 3 a perspectiva do interior e a

caracterizaccedilatildeo das cidades de pequeno porte ainda tecircm recebido pouca atenccedilatildeo das

pesquisas que se dedicam a estudar o rural e o urbano ao menos no Brasil Os trabalhos

de Veiga (2003) e Wanderley (2009) satildeo uma das poucas exceccedilotildees a esta regra O que

se constata na avaliaccedilatildeo das falas contidas nessa classe eacute uma associaccedilatildeo entre uma

cultura proacutepria ldquoda roccedilardquo relacionada agrave ldquocriaccedilatildeordquo como socializaccedilatildeo dos indiviacuteduos

que vivem no campo na perspectiva dos respondentes Mas na interpretaccedilatildeo dos

entrevistadosrespondentes a ldquocultura da roccedilardquo no entanto se estenderia agraves cidades

ldquopequenasrdquo ldquodo interiorrdquo reproduzindo uma visatildeo que na perspectiva teoacuterica poderia

ser compreendida a partir da diferenciaccedilatildeo entre campo e rural cidade e urbano

conforme Endlich (2010) Rambaud (1973) Lefebvre (2001 2008) e Sobarzo (2010)

Para esses autores o urbano e o rural seriam modos de vida que embora originaacuterios em

um determinado espaccedilo a partir da relaccedilatildeo entre sociedade e ambiente natildeo se

restringiriam a ele podendo se ampliar e se reproduzir em diferentes contextos no

campo ou na cidade Nesse sentido as cidades de pequeno porte poderiam se evidenciar

por uma cultura de recorte rural interpretada aqui pelos entrevistadosrespondentes

como uma cultura da roccedila

Mas natildeo se pode tambeacutem negligenciar um aspecto jaacute destacado no capiacutetulo 3 a

respeito da possibilidade de que a roccedila atribuiacuteda ao interior e agraves pequenas cidades seja

identificada a um processo de inferiorizaccedilatildeo social reproduzindo-se facetas do histoacuterico

imaginaacuterio sobre o rural no Brasil conforme apresentado no capiacutetulo 1 ao fazer uma

associaccedilatildeo entre a roccedila num contexto pejorativo e as pequenas cidades do interior

Embora natildeo se tenha percebido nas entrevistas e respostas do questionaacuterio nenhuma

alusatildeo expliacutecita ao uso do termo roccedila num contexto pejorativo a associaccedilatildeo entre a

cultura rural e o interior se faz presente ainda que tenha perdido abrandado ou

eliminado o estereoacutetipo negativo Essa possibilidade pode ainda ser considerada pelo

fato de que o grupo caracteriacutestico cujas UCErsquos constituiacuteram a Classe 2 era composto

majoritariamente pelos belo-horizontinos especialmente os produtoresdistribuidores

245

do Mercado Central O segundo grupo ainda que menos numeroso que tambeacutem

associou a roccedila ao interior e agraves pequenas cidades constituiacutea-se por

consumidoresfrequentadores do Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila de

Gonccedilalves Importante destacar que conforme pode ser confirmado no Graacutefico 11

Residecircncia dos consumidores respondentes do capiacutetulo 2 a maioria dos consumidores

que respondeu ao questionaacuterio em Gonccedilalves era do interior de Satildeo Paulo mas de

cidades de grande porte como Satildeo Joseacute dos Campos Osasco e Barueri e tambeacutem das

capitais daquele Estado e do Rio de Janeiro Assim a constataccedilatildeo de que entre os

respondentes abordados no Mercado Central de Belo Horizonte haveria uma

estruturaccedilatildeo do significado de roccedila a partir de pares de opostos complementares

notadamente o binocircmio ldquointerior versus capitalrdquo se confirma nesta anaacutelise

A Classe 3 foi nomeada como ldquoLavourardquo com base nas palavras terra comer e

plantar e estavam associadas ao consumo e produccedilatildeo de alimentos cujo aporte teoacuterico

se encontra na relaccedilatildeo entre roccedila e produccedilatildeo de mantimentos ao longo da formaccedilatildeo

soacutecio histoacuterica brasileira As principais expressotildees que conformaram o conjunto de

ideias norteadoras dessa classe dizem respeito agrave possibilidade da ldquopessoardquo ter uma

ldquocasardquo e nela num ldquocantinhordquo uma ldquoroccedilardquo o que propiciaria a oportunidade de se

ldquoplantarrdquo na ldquoterrardquo e ldquopoderrdquo ldquotirarrdquo dela as ldquocoisasrdquo para se ldquocomerrdquo Como eacute possiacutevel

perceber a visatildeo que se estrutura nessa classe reproduz aquele significado histoacuterico

identificado no estudo dos cronistas e no pensamento social brasileiro sobre o Brasil

Colocircnia de que as roccedilas tinham como objetivo a produccedilatildeo de mantimentos que

pudessem prover o suprimento das populaccedilotildees tanto no campo agraves margens dos

sistemas produtivos principais como o accediluacutecar a pecuaacuteria ou mesmo a mineraccedilatildeo bem

como o abastecimento de vilas e cidades (OLIVEIRA M 2012)

Poreacutem se a raiz da percepccedilatildeo do que significava roccedila nessa classe estava na

produccedilatildeo de alimentos haacute um aspecto central nessas falas que parece se referir agrave

autonomia relacionada ao processo de ldquopoder tirar da terra as coisas e comecirc-lasrdquo

sugerindo a produccedilatildeo para o autoconsumo Nesses termos a roccedila se refere tanto agrave

lavoura camponesa quanto inclui os grupos neorrurais A roccedila como lavoura nos

estudos sobre o campesinato funcionava como um espaccedilo que ordenava a organizaccedilatildeo

social da famiacutelia produtora e sua possibilidade de ldquosubsistecircnciardquo Entre os neorrurais a

roccedila fazia parte da opccedilatildeo por uma mudanccedila de vida que consistia na troca de uma vida

urbana e de profissotildees natildeo agriacutecolas por uma vida no campo muitas vezes

246

desenvolvendo ocupaccedilotildees agriacutecolas Essa mudanccedila se estabelecia agraves vezes norteada

por ideais e discursos calcados na ambientalizaccedilatildeo e na politizaccedilatildeo do consumo

Algumas UCErsquos podem ser ilustrativas dessas interpretaccedilotildees como ldquoRoccedila pra mim eacute

vocecirc poder tirar o maacuteximo que vocecirc puder da terra Eu nunca fui de roccedila sempre fui

urbano Vocecirc plantar cuidar colher e comer o que vocecirc plantou isso eacute a roccedilardquo

Analisando-se as variaacuteveis descritivas dos respondentes notou-se que o grupo que

construiu essas imagens sobre a roccedila como lavoura e como possibilidade de produzir e

consumir alimentos era formado por produtores de Gonccedilalves A maioria dos

produtores entrevistada em Gonccedilalves conforme se descreveu no capiacutetulo anterior vive

no campo e desenvolve a produccedilatildeo agriacutecola ainda que pequena e voltada para o

autoconsumo aliada ao trabalho no setor de serviccedilos sobretudo na gastronomia e no

turismo

A Classe 4 foi aquela com maior nuacutemero de UCErsquos analisadas no conjunto do

corpus foram 22 delas correspondendo a 31 do total Esta classe foi designada como

ldquoCultura Ruralrdquo considerando-se as palavras que lhe pertencem ldquogenterdquo ldquocriadordquo

ldquoroccedilardquo ldquovidardquo ldquoligadordquo ldquogostordquo ou ldquogostarrdquo e ldquosimplicidaderdquo Embora a Classe 4 tenha

retido a maior parte das UCErsquos analisadas no corpus pode-se afirmar que as quatro

classes tecircm uma participaccedilatildeo equacircnime no conjunto do texto Os enunciados dos

entrevistados que produziram as UCErsquos dessa classe pode ser incluiacuteda no debate teoacuterico

a respeito dos conceitos de rural e urbano que tambeacutem subsidiaram a identificaccedilatildeo da

Classe 2 Estes enunciados expressavam aspectos relativos agrave histoacuteria de vida e

identificaccedilatildeo reproduzindo ideias como ldquoEu fui criado na roccedila a roccedila eacute a vida da

genterdquo constituindo-se como sujeitos que possuiriam legitimidade para falar ldquode

dentrordquo da sua proacutepria cultura sugerindo um discurso de pertencimento

Por vezes as declaraccedilotildees versavam sobre aspectos emotivos a respeito da roccedila

enquanto espaccedilo e cultura mas apesar do cunho sentimental dizer que ldquogostavardquo da

roccedila continha uma dimensatildeo de escolha por um modo de vida denotando um processo

classificatoacuterio em que a hierarquia de valores apontava para a roccedila como positiva As

representaccedilotildees produzidas sobre a roccedila a partir de alguns entrevistados citadinos

revelaram uma percepccedilatildeo de que a roccedila indicava sobretudo um modo de vida

caracterizado pela ldquosimplicidaderdquo e pela modeacutestia cuja imagem siacutembolo produzida por

esses entrevistadosrespondentes era a possibilidade de se chegar agrave casa de um amigo

vizinho ou ateacute mesmo de um desconhecido sem avisar e ainda ser convidado para

247

entrar tomar um ldquocafeacuterdquo e comer uma ldquobroa quentinha com queijordquo conforme discutido

no final do capiacutetulo anterior Outra expressatildeo indicativa da interpretaccedilatildeo da roccedila como

uma vida simples era a representaccedilatildeo das galinhas no quintal Algumas UCErsquos eram

ilustrativas dessas representaccedilotildees ldquoRoccedila eacute onde tem plantaccedilatildeo eacute onde as pessoas criam

a sua galinha fazem o seu cafeacute com aquele cheirinho gostoso fogatildeo a lenhardquo ldquoRoccedila eacute

um lugar tranquilo sossegado a gente eacute nascida e criada aqui na roccedila entatildeo eacute tudo

Roccedila pra mim eacute a vidardquo O grupo de entrevistados que esteve relacionado com as

representaccedilotildees produzidas nessa classe foi aquele formado pelos

produtoresdistribuidores da cidade de Gonccedilalves logo que vivem no campo No

quadro que se segue sintetiza-se os significados da categoria roccedila para os grupos de

entrevistadosrespondentes da pesquisa

QUADRO 11 ndash Siacutentese das classes de significados e variaacuteveis Belo Horizonte Gonccedilalves

Produtoresdistribuidores

- Interior e cidades pequenas - Natureza e romantismo

- Cultura rural - Lavoura

Consumidores - Natureza e romantismo

- Interior e cidades pequenas - Natureza e romantismo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Percebe-se portanto que os produtoresdistribuidores de Gonccedilalves

caracterizados por viverem no campo apresentaram uma tendecircncia a definir roccedila como

lavoura local de produccedilatildeo e consumo de alimentos e como uma cultura proacutepria com a

qual se identificavam Os outros respondentes produtores e consumidores de Belo

Horizonte e consumidores de Gonccedilalves estes uacuteltimos majoritariamente vindos da

capital de Satildeo Paulo definiram roccedila a partir de representaccedilotildees romacircnticas associadas agrave

natureza Os produtoresdistribuidores de Belo Horizonte e os consumidores de

Gonccedilalves este composto por um puacuteblico vindo da metroacutepole paulista tambeacutem tiveram

uma convergecircncia ao identificar a roccedila ao interior e agraves cidades pequenas

O que essas declaraccedilotildees permitem inferir ateacute o momento eacute a diferenccedila entre o

processo de significaccedilatildeo do termo roccedila por grupos sociais em contextos distintos Para

as camadas metropolitanas que vivem em cidades como Belo Horizonte e Satildeo Paulo a

roccedila significava o interior as cidades pequenas e a natureza romantizada nostaacutelgica

248

Para os grupos que viviam no campo em um contexto social considerado ainda muito

ruralizado como Gonccedilalves a roccedila significava a lavoura o trabalho na terra ligado ao

plantar colher e consumir o fruto do trabalho Enfim roccedila aparecia para este grupo

associada a um modo de vida rural Esses dados confirmam a premissa que orientou este

trabalho de roccedila como uma categoria relativa e relacional cujos usos e significados

variam conforme o contexto e a diversidade social em que o termo eacute empregado Assim

quanto mais proacuteximo ao campo e agrave cultura rural a categoria roccedila no contexto estudado

era empregada no seu sentido literal historicamente construiacutedo no Brasil em torno da

lavoura de produccedilatildeo de mantimentos para as famiacutelias agricultoras Quanto mais se

afastava do campo rumo agraves cidades metropolitanas a roccedila passava por um processo de

metoniacutemia passando a designar natildeo soacute a lavoura o campo e o rural mas tambeacutem as

cidades pequenas e o interior A representaccedilatildeo do significado de roccedila para os grupos

urbanos tendia a estar relacionada agrave natureza Em seguida seratildeo apresentados os

resultados sobre os significados do termo roccedila a partir da anaacutelise de codificaccedilatildeo por

meio do software NVivo

52 Procedimentos metodoloacutegicos e anaacutelise das respostas das entrevistas e

questionaacuterios com o uso do software NVivo

A significaccedilatildeo do termo roccedila a partir das respostas dos

entrevistadosrespondentes foi analisada ainda por meio da utilizaccedilatildeo do software QSR

NVivo versatildeo 10 Esse sistema informacional eacute produzido pela empresa Qualitative

Solutions and Research Pty Ltd atual QSR International e foi desenvolvido segundo

Lage (2011) pelos pesquisadores Lyn e Tom Richards em 1981 quando teriam criado

o precursor do NVivo o NUDIST na Universidade de La Trobe em Melbourne na

Austraacutelia (GUIZZO KRZIMINSKI OLIVEIRA 2003) O NVivo eacute um software de

anaacutelise de dados qualitativos natildeo numeacutericos e natildeo estruturados conforme sugere o

nome por extenso da sigla NUDIST Non-numerical Unstructured Data Indexing

Searching and Theorizing Em 2006 de acordo com Lage (2011) o NUDIST foi

definitivamente substituiacutedo pelo NVivo versatildeo 7

249

A principal caracteriacutestica desse programa informacional eacute permitir trabalhar com

dados textuais como documentos atas artigos transcriccedilatildeo de entrevistas e de grupos

focais diaacuterios de campos e etc O software atua na estruturaccedilatildeo das informaccedilotildees

possibilitando codificaacute-las recuperaacute-las e armazenaacute-las De acordo com Teixeira (2009

p 28-29) ldquoa codificaccedilatildeo implica a criaccedilatildeo de coacutedigos ou categorias nas quais satildeo

armazenados iacutendices de referecircncia (indexadores) agraves porccedilotildees do material empiacuterico

utilizado na anaacuteliserdquo Segundo o mesmo autor a codificaccedilatildeo eacute um processo de

indexaccedilatildeo enquanto os coacutedigos estatildeo vinculados agraves categorias que satildeo ldquo[] dimensotildees

de anaacutelise ligadas aos problemas e interesses de pesquisardquo (TEIXERIA 2009 p 29)

Com o NVivo eacute possiacutevel selecionar trechos dos textos das transcriccedilotildees de entrevistas

por exemplo e codificaacute-los marcando-os com um determinado ldquonoacuterdquo ou seja um

coacutedigo ligado a uma categoria de anaacutelise A definiccedilatildeo dos ldquonoacutesrdquo ou categorias pode ser

feita a priori com base nas hipoacuteteses e no marco teoacuterico da pesquisa assim como pode

ser atribuiacuteda ao longo da anaacutelise agrave medida que se efetua a leitura do texto e se identifica

ideias e representaccedilotildees recorrentes

Outra peculiaridade do NVivo destacada por Teixeira (2009) eacute a possibilidade

de aplicar ldquoatributosrdquo agraves fontes da informaccedilatildeo Os ldquoatributosrdquo satildeo as variaacuteveis

sociodemograacuteficas que caracterizam os indiviacuteduos ou organizaccedilotildees que compotildeem a

unidade de anaacutelise da pesquisa Nesse contexto os indiviacuteduos ou organizaccedilotildees satildeo

atribuiacutedos como ldquocasosrdquo e satildeo definidos seus ldquoatributosrdquo como idade sexo profissatildeo

entre outros por meio da ldquoclassificaccedilatildeordquo Eacute possiacutevel portanto criar diferentes caminhos

de anaacutelise em que se pode relacionar os ldquonoacutesrdquo enquanto categorias de anaacutelises agraves

determinadas variaacuteveis sociodemograacuteficas dos interlocutores da pesquisa ou seja aos

ldquoatributosrdquo O software trabalha com a estrutura de projetos e as trecircs dimensotildees baacutesicas

deste aplicativo satildeo aleacutem das ldquofontesrdquo os ldquonoacutesrdquo ou codificaccedilatildeo as ldquoclassificaccedilotildeesrdquo e

ldquoatributosrdquo dos ldquocasosrdquo Quando se utiliza essas ferramentas o NVivo permite realizar

cruzamentos entre os ldquonoacutesrdquo e os ldquoatributosrdquo gerando matrizes de codificaccedilatildeo que podem

ser exportadas posteriormente em forma de planilhas de dados graacuteficos assim como

anaacutelises de cluster e aacutervore de codificaccedilatildeo

Outro destaque das funcionalidades do NVivo de acordo com Lage (2011) e

Teixeira (2009) eacute que a partir de 2008 a versatildeo 8 do software permitiu que se

trabalhasse desde entatildeo natildeo soacute com dados textuais mas tambeacutem com sons imagens e

viacutedeos Com a versatildeo 10 que foi utilizada nessa pesquisa eacute possiacutevel ainda capturar

250

dados de miacutedias sociais como Facebook Twitter e Youtube aleacutem de poder explorar

textos em formato PDF trabalhar em grupo hospedar em servidores utilizar

informaccedilotildees armazenadas em outros bancos de dados graccedilas a sua interface com outros

aplicativos (LAGES 2011)

Neste trabalho utilizou-se o NVivo para analisar as respostas dos 70

questionaacuteriosentrevistas a respeito do que significava roccedila para os produtores

distribuidores e consumidores participantes da pesquisa Assim a transcriccedilatildeo das

entrevistas completas e as respostas dos questionaacuterios foram importadas no formato de

texto para o NVivo Foram examinados os trechos completos da resposta de cada um agrave

pergunta ldquoO que significa roccedila para vocecircrdquo e foram entatildeo codificados nos ldquonoacutesrdquo

previamente elaborados Logo cada questionaacuterio ou entrevista correspondeu a uma

fonte totalizando setenta itens

Os ldquonoacutesrdquo foram criados baseados nas categorias jaacute elaboradas nas anaacutelises

anteriores nesta pesquisa Ou seja por meio da anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica utilizada

no capiacutetulo 2 para classificar as marcas de produtos e serviccedilos com o termo roccedila havia

se estabelecido oito categorias baseadas nas evidecircncias empiacutericas e nas proposiccedilotildees

teoacutericas Satildeo elas roccedila como sinocircnimo de ldquocampordquo roccedila como sinocircnimo de ldquoruralrdquo

roccedila como ldquotradiccedilatildeordquo roccedila ldquoromacircntico-nostaacutelgicardquo roccedila como analogia agrave ldquonaturezardquo

roccedila ldquoestilizadardquo roccedila em referecircncia a ldquoMinas Geraisrdquo e roccedila ldquocaipirardquo Cada uma

dessas categorias foi indexada como um ldquonoacuterdquo com sua respectiva definiccedilatildeo Poreacutem

apoacutes uma ldquoleitura flutuanterdquo das respostas sobre o significado de roccedila que seriam

classificadas percebeu-se pelas evidecircncias empiacutericas a necessidade de incluir ldquosub-

noacutesrdquo relacionados agraves subcategorias que tambeacutem tinham sido definidas na anaacutelise de

conteuacutedo categoacuterica das marcas com o termo roccedila no capiacutetulo 2

Assim dentro do ldquonoacuterdquo ldquocampordquo acrescentou-se os ldquosub-noacutesrdquo ldquolavourardquo

ldquoprodutordquo ldquotrabalhordquo ldquoagricultura familiarrdquo ldquoisolamentordquo e ldquobaixa densidade

demograacuteficardquo Pode-se verificar que os termos lavoura e produto satildeo os mesmos das

subcategorias utilizadas no capiacutetulo 2 enquanto os outros foram acrescentados a partir

da anaacutelise das respostas sobre o significado de roccedila no NVivo Seguiu-se o

procedimento de constituiccedilatildeo mista da anaacutelise de conteuacutedo ou seja definindo-se as

categorias a priori a partir das proposiccedilotildees teoacutericas mas tambeacutem acrescentando-se

temaacuteticas evidenciadas pelos dados empiacutericos

251

Assim tambeacutem foram elaborados os ldquosub-noacutesrdquo ldquoelementos materiais da culturardquo

ldquoelementos simboacutelicos da culturardquo ldquosimplicidaderdquo e ldquopouca infraestruturardquo dentro do

ldquonoacuterdquo ldquoruralrdquo As duas primeiras subcategorias jaacute pertenciam agravequela categoria as duas

uacuteltimas foram incorporadas neste momento da anaacutelise Por fim adotou-se tambeacutem o

ldquosub-noacuterdquo ldquoprodutos caseiros e artesanaisrdquo dentro do ldquonoacuterdquo ldquotradiccedilatildeordquo com base nas

respostas dos entrevistadosrespondentes a respeito dos produtos e serviccedilos com a marca

roccedila investigados e categorizados tambeacutem no capiacutetulo 2 Com base ainda nessas

categorias de respostas sobre a produccedilatildeo a distribuiccedilatildeo e o consumo de produtos da

roccedila considerou-se as demais categorias que haviam sido reveladas na pesquisa

criando-se os ldquonoacutesrdquo ldquoorigemrdquo ldquovalorrdquo e ldquolocalrdquo Considerando-se ainda os resultados do

Alceste e a observaccedilatildeo participante no Mercado Central de Belo Horizonte acrescentou-

se finalmente o ldquonoacuterdquo ldquointerior e ou cidades pequenasrdquo

O intuito de considerar todas as categorias que emergiram ao longo da pesquisa

foi o de possibilitar um trabalho de classificaccedilatildeo amplo que pudesse ser confrontado

com os resultados obtidos pelo Alceste Enquanto este software processa os dados

organizados pelo pesquisador orientado pelo conjunto de variaacuteveis tambeacutem definido

pelo pesquisador gerando uma classificaccedilatildeo autocircnoma a partir da anaacutelise fatorial de

correspondecircncia o procedimento adotado no NVivo nesta pesquisa baseou-se no

processo de categorizaccedilatildeo implementado pelo proacuteprio pesquisador Assim criteacuterios de

objetividade conduccedilatildeo e controle do processo de anaacutelise da categorizaccedilatildeo dos dados

puderam ser submetidos a exames com diferentes graus de autonomia por parte do

pesquisador

Apoacutes a leitura de cada trecho das respostas sobre o significado de roccedila a

passagem foi codificada no ldquonoacuterdquo que se avaliou como correspondente Importante

destacar que ao contraacuterio dos outros procedimentos efetuados natildeo se trabalhou com o

criteacuterio de exclusatildeo muacutetua de cada categoria Isto eacute alguns trechos por serem mais

objetivos foram classificados em uma uacutenica categoria enquanto outros mais

complexos por conterem vaacuterias oraccedilotildees com ideias alusivas a mais de uma categoria de

significado foram associados a mais de um ldquonoacuterdquo Assim no total de setenta itens que

correspondem a uma resposta de cada entrevistadorespondente poderia haver mais de

uma referecircncia de indexaccedilatildeo de maneira que o nuacutemero total de referecircncias a cada ldquonoacuterdquo

eacute maior que o nuacutemero total de itens ou seja maior que setenta

252

Cada fonte de entrevistadorespondente por sua vez foi classificado como um

ldquonoacute de casordquo tarefa que permite ao pesquisador no NVivo designar valores de atributos

para cada respondente Assim foram acrescentados os atributos cidade cujos valores

eram Belo Horizonte Gonccedilalves e outras cidades condiccedilatildeo se produtor ou consumidor

e forma de residecircncia em Gonccedilalves se ldquoantigo residenterdquo ldquonovo residenterdquo ou

ldquoregressordquo Para cada respondente (ldquofonterdquo) foi definido seu correspondente valor para

cada um desses trecircs atributos

Finalizados os procedimentos de codificaccedilatildeo e classificaccedilatildeo criou-se com os

resultados algumas matrizes de codificaccedilatildeo e seus respectivos graacuteficos aleacutem de se ter

gerado uma anaacutelise de cluster que verificava a similaridade da codificaccedilatildeo dos ldquonoacutesrdquo e

um mapa da aacutervore com os resultados da codificaccedilatildeo As matrizes de codificaccedilatildeo

criadas cruzavam os ldquonoacutesrdquo aos ldquoatributosrdquo em conjunto e separados O processo de

codificaccedilatildeo das respostas a respeito do que significava roccedila para os

entrevistadosrespondentes teve como resultado uma maior alusatildeo ao termo com uma

visatildeo romacircntico-nostaacutelgica seguida por uma percepccedilatildeo da roccedila como natureza como

sinocircnimo de rural e de campo A quantidade de referecircncias encontradas para cada

categoria de significado para a roccedila pode ser visualizada na tabela abaixo

TABELA 7 ndash Quantidade de referecircncias agraves categorias de significados de roccedila

NOacuteS REFEREcircNCIAS

Romacircntico-nostaacutelgica 25 Natureza 21 Rural 15 Campo 13 Interior eou cidades pequenas 6 Origem 5 Minas Gerais 4 Valor 3 Caipira 2 Tradiccedilatildeo 2 Estilizada 0 Local 0

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Observando-se a Tabela 7 pode-se perceber que as categorias ldquointeriorrdquo

ldquoorigemrdquo ldquoMinas Geraisrdquo ldquovalorrdquo ldquocaipirardquo e ldquotradiccedilatildeordquo tambeacutem foram mencionadas

poreacutem com uma menor frequecircncia Natildeo houve alusotildees agrave roccedila ldquoestilizadardquo ou agrave

perspectiva ldquolocalrdquo Essa classificaccedilatildeo permite inferir o uso da categoria roccedila como

253

sinocircnimo de campo enquanto espaccedilo fiacutesico e de rural como modo de vida aleacutem de

evidenciar que as imagens e significados que a palavra desperta entre os produtores

distribuidores e consumidores estavam relacionadas agrave natureza e a sentimentos

memoacuterias e imaginaacuterios de cunho romacircntico e nostaacutelgico

Apesar das matrizes de codificaccedilatildeo terem analisado a relaccedilatildeo entre a codificaccedilatildeo

das categorias (ldquonoacutesrdquo) e dos atributos separadamente pode-se apontar que entre as

quatro principais categorias com exceccedilatildeo da categoria ldquoruralrdquo natildeo houve diferenccedilas

relevantes entre as respostas dos produtores e consumidores de Belo Horizonte e

Gonccedilalves A categoria roccedila como sinocircnimo de ldquoruralrdquo foi mais recorrente entre os

produtoresdistribuidores de Gonccedilalves que no restante dos grupos aleacutem da categoria

romacircntico-nostaacutelgica tambeacutem ter se destacado nesta cidade no geral conforme pode ser

conferido nas duas tabelas seguintes que mostram os resultados das matrizes de

codificaccedilatildeo

TABELA 8 ndash Categorias de significados de roccedila para consumidores e produtores

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Nessa Tabela 8 pode-se constatar que as categorias mais comentadas ldquocampordquo

ldquonaturezardquo e ldquoromacircntico-nostaacutelgicardquo natildeo apresentaram grandes variaccedilotildees na quantidade

de referecircncias entre consumidores e produtores enquanto a categoria ldquoruralrdquo foi mais

presente na fala dos produtores Destaca-se aleacutem disso com base nesta tabela que as

categorias ldquocaipirardquo ldquoMinas Geraisrdquo e ldquovalorrdquo tambeacutem foram mais citadas nas

representaccedilotildees dos produtores a respeito do que eacute a roccedila Na Tabela 9 a seguir eacute

possiacutevel examinar as referecircncias agraves categorias segundo as cidades Belo Horizonte

CATEGORIAS CONSUMIDORES PRODUTORES

Caipira 0 2 Campo 7 6 Estilizada 0 0 Interior eou cidades pequenas 2 4 Local 0 0 Minas Gerais 0 4 Natureza 11 10 Origem 3 2 Romacircntico-nostaacutelgica 12 13 Rural 2 13 Tradiccedilatildeo 1 1 Valor 0 3

254

Gonccedilalves e outras englobando o local de residecircncia dos produtores que responderam

ao questionaacuterio online

TABELA 9 ndash Categorias de significados de roccedila por cidades

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Nota-se pois na Tabela 9 que das quatro categorias mais citadas ldquocampordquo

como sinocircnimo de espaccedilo fiacutesico e ldquonaturezardquo foram mencionadas em Belo Horizonte e

Gonccedilalves praticamente com a mesma frequecircncia enquanto a visatildeo ldquoromacircntico-

nostaacutelgicardquo da roccedila como um ldquomodo de vida ruralrdquo apareceu mais presente em

Gonccedilalves Assim como se averiguou nos resultados do Alceste o significado de roccedila

como ldquocidade pequena ou interiorrdquo ocorreu em Belo Horizonte A ideia de que roccedila faz

parte da cultura ldquomineirardquo tambeacutem foi mais comum nesta cidade enquanto que a

percepccedilatildeo de que roccedila estaacute ligada agrave cultura ldquocaipirardquo ou de que eacute um ldquovalorrdquo em si foi

destacada em Gonccedilalves

Sintetizando os resultados da matriz de codificaccedilatildeo dos ldquonoacutesrdquo e ldquoatributosrdquo

sugere-se que os produtores da cidade de Gonccedilalves tenderam a definir a roccedila como

uma cultura proacutepria do ldquoruralrdquo e tambeacutem foram o grupo que a percebeu como um

ldquovalorrdquo em si ou como a tiacutepica cultura ldquocaipirardquo Os produtoresdistribuidores em Belo

Horizonte por sua vez descreviam a roccedila como uma cultura tiacutepica de ldquoMinas Geraisrdquo e

das ldquocidades de pequeno porterdquo bem como do ldquointeriorrdquo de modo geral A referecircncia agrave

roccedila como sinocircnimo de ldquocampordquo e de ldquonaturezardquo foi declarada de maneira mais

generalizada por produtores e consumidores de ambas as cidades Jaacute as representaccedilotildees

CATEGORIAS BELO HORIZONTE

GONCcedilALVES OUTRAS CIDADES

Caipira 0 2 0 Campo 6 5 2 Estilizada 0 0 0 Interior eou cidades pequenas 6 0 0 Local 0 0 0 Minas Gerais 3 1 0 Natureza 9 10 2 Origem 2 3 0 Romacircntico-nostaacutelgica 7 16 2 Rural 4 9 2 Tradiccedilatildeo 0 1 1 Valor 0 3 0

255

em torno da roccedila inspiradas por uma perspectiva ldquoromacircntico-nostaacutelgicardquo foram mais

notadas entre produtores e consumidores de Gonccedilalves

Entre os produtores de Gonccedilalves a representaccedilatildeo da roccedila como sinocircnimo de

ldquomodo de vida ruralrdquo foi equacircnime entre os ldquoantigosrdquo e ldquonovos residentesrdquo e os

ldquoregressosrdquo No entanto enquanto os produtores naturais de Gonccedilalves que sempre

viveram no campo tendem a associar a roccedila a uma visatildeo ldquoromacircntico-nostaacutelgicardquo os

ldquonovos residentesrdquo e ldquoregressosrdquo que tiveram a experiecircncia de viver em outras cidades

estavam entre o grupo que mais relacionou a roccedila agrave ldquonaturezardquo Os ldquoregressosrdquo pela

posiccedilatildeo intermediaacuteria entre os dois grupos tambeacutem tinham uma representaccedilatildeo da roccedila

como sinocircnimo de ldquocampordquo juntamente com os ldquoantigos residentesrdquo que nele vivem

Poreacutem uma observaccedilatildeo mais detida das subcategorias que constituiacuteram os ldquosub-

noacutesrdquo da codificaccedilatildeo realizada no NVivo possibilitaram a verificaccedilatildeo de algumas nuances

que merecem ser comentadas A ldquolavourardquo como espaccedilo onde se planta e se colhe e o

cuidado com a terra foi a expressatildeo mais usada para definir a roccedila dentre as categorias

elaboradas como ldquosub-noacutesrdquo Em seguida apareceu a ideia da ldquosimplicidaderdquo como uma

traduccedilatildeo do que significava roccedila para os entrevistadosrespondentes Em seguida o

ldquosub-noacuterdquo mais recorrente estava relacionado agrave ldquoproduccedilatildeo artesanal caseirardquo

subcategoria vinculada agrave ideia de ldquotradiccedilatildeordquo As outras sub-categorias identificadas

tambeacutem se relacionavam agrave ldquolavourardquo como o ldquoproduto agriacutecolardquo e o ldquotrabalho ruralrdquo

com especial destaque para o fato dos entrevistadosrespondentes vincularem a

ldquolavourardquo o ldquotrabalho ruralrdquo e a ldquoproduccedilatildeo de alimentosrdquo ao modo de vida de

ldquoagricultores familiaresrdquo camponeses ou pequenos proprietaacuterios produtores familiares

ressaltando que a roccedila se relacionava agrave famiacutelia que trabalhava e vivia da terra

Algumas subcategorias estavam norteadas por criteacuterios teacutecnicos que costumam

ser adotados em metodologias ou por perspectivas teoacutericas de definiccedilatildeo do rural e do

urbano que no caso dos respondentes consideravam como roccedila os ldquoespaccedilos isoladosrdquo

a ldquobaixa densidade demograacuteficardquo e a ldquopouca infraestruturardquo (ABRAMOVAY 2009

SOROKIN ZIMMERMANN GALPIN 1986 VEIGA 2003) Tambeacutem foram citados

aspectos relacionados aos ldquoelementos materiais e simboacutelicos da cultura ruralrdquo A

quantidade de referecircncias a cada subcategoria (ldquosub-noacuterdquo) estaacute sintetizada na tabela que

se segue

256

TABELA 10 ndash Subcategorias de significados de roccedila SUB-NOacuteS REFEREcircNCIAS

Lavoura 12

Simplicidade 9

Produccedilatildeo caseira e artesanal 8

Produto agriacutecola 7

Trabalho rural 6

Agricultura familiar ou camponesa

5

Isolamento 4

Elementos materiais da cultura 3

Elementos simboacutelicos da cultura 3

Baixa densidade 2

Pouca infraestrutura 1

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

A anaacutelise da relaccedilatildeo entre os ldquosub-noacutesrdquo e os ldquoatributosrdquo em uma matriz de

codificaccedilatildeo cujos resultados podem ser observados no graacutefico abaixo revela algumas

caracteriacutesticas jaacute detectadas pela anaacutelise feita no Alceste

GRAacuteFICO 18 ndash Subcategorias e atributos

Fonte Extraiacutedo do resultado da anaacutelise feita por meio do NVivo por Lidiane Nunes da Silveira

Agricultura familiar Baixa densidade

Isolamento Lavoura Produto

Trabalho Elementos materiais da cultura Elementos simboacutelicos da cultura

Pouca infraestrutura Simplicidade

Produccedilatildeo caseira e artesanal

Legenda

257

A principal delas eacute que a percepccedilatildeo da roccedila vinculada agrave lavoura ao trabalho e

aos produtos da agricultura familiar aliada com a simplicidade eacute mais recorrente entre

os participantes da pesquisa em Gonccedilalves o que corrobora com os achados na anaacutelise

do Alceste em que o trabalho na lavoura para a produccedilatildeo e consumo de alimentos

juntamente a uma cultura rural proacutepria fundamentada na simplicidade tambeacutem eram

foram atribuiacutedos aos respondentes desta cidade Destaca-se tambeacutem que a subcategoria

ldquoproduccedilatildeo artesanal e caseirardquo foi evidenciada pelos respondentes em Belo Horizonte

O mapa da aacutervore de codificaccedilatildeo representado na figura a seguir permite uma

visualizaccedilatildeo integral do espectro das ldquocategoriasrdquo e ldquosubcategoriasrdquo de significados do

termo roccedila segundo as respostas dos produtores distribuidores e consumidores no

Mercado Central de Belo Horizonte e no 4ordm Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila

de Gonccedilalves a partir da codificaccedilatildeo com o uso do NVivo Os quadros com as maiores

dimensotildees representam os significados mais citados e as frequecircncias menores satildeo

traduzidas pelos quadros menores A paleta de cores tambeacutem denota a quantidade de

referecircncias a cada significado Os quadros verdes representam os significados que foram

mais mencionados seguidos pelas cores amarela e laranja os tons avermelhados

simbolizam as categorias menos citadas As ldquosubcategoriasrdquo ou ldquosub-noacutesrdquo estatildeo

contidos nas categorias ou ldquonoacutesrdquo agraves quais estatildeo vinculados

FIGURA 85 ndash Mapa da aacutervore de codificaccedilatildeo

Fonte Extraiacutedo do resultado da anaacutelise feita por meio do NVivo por Lidiane Nunes da Silveira

Aleacutem das subcategorias algumas inferecircncias gerais podem ser feitas ao se

comparar os resultados da busca de significados para a palavra roccedila com a utilizaccedilatildeo do

Alceste e do NVivo e seratildeo apresentadas nas paacuteginas adiante

258

53 Siacutentese dos resultados sobre os significados do termo roccedila com o uso do

Alceste e do NVivo

Para se comparar os resultados sobre os significados de roccedila obtidos por meio

das anaacutelises no Alceste e no NVivo deve-se antes ressalvar algumas questotildees Aleacutem de

se tratarem de teacutecnicas de pesquisa e procedimentos diferentes no caso aqui estudado

faz-se necessaacuterio elucidar duas divergecircncias que tiveram efeitos nos resultados A

primeira eacute o fato de que nos resultados no Alceste considerou-se as categorias

ldquonaturalrdquo e ldquoromacircnticardquo no mesmo conjunto de significados ou seja o software

detectou uma correlaccedilatildeo entre elas na fala dos respondentes No procedimento realizado

no NVivo as categorias ldquonaturalrdquo e ldquoromacircnticardquo foram definidas como ldquocategoriasnoacutesrdquo

separados e a codificaccedilatildeo das respostas dos participantes da pesquisa tambeacutem foi feita

separadamente Isto teve certo efeito no resultado quando comparados os dados frutos

da anaacutelise entre o Alceste e o NVivo Entretanto realizada anaacutelise de cluster sobre o

procedimento de codificaccedilatildeo dos significados de roccedila no NVivo pocircde-se perceber

tambeacutem que havia uma proximidade entre as categorias ldquonaturezardquo e ldquoromantismordquo nos

discursos das fontes codificadas devido agraves similaridades das caracteriacutesticas

selecionadas conforme pode-se conferir no dendograma abaixo

FIGURA 86 ndash Dendograma da anaacutelise de cluster dos noacutes

Fonte Extraiacutedo do resultado da anaacutelise feita por meio

do NVivo por Lidiane Nunes da Silveira

As principais categorias de anaacutelise destacadas nos dois procedimentos ldquocampordquo

e ldquoruralrdquo ldquonaturezardquo e ldquoromantismordquo revelaram similaridade durante o processo de

259

codificaccedilatildeo segundo a anaacutelise de cluster Deve-se ressalvar ainda que as variaacuteveis

sociodemograacuteficas levadas em consideraccedilatildeo nos dois procedimentos para a discussatildeo

dos resultados a cidade e a condiccedilatildeo dos respondentes se produtor ou consumidor

foram observadas separadamente nos resultados da anaacutelise do NVivo e em conjunto no

caso do Alceste Apesar dessas discrepacircncias percebeu-se uma convergecircncia nos

resultados que permitem construir algumas inferecircncias

Assim por meio destas anaacutelises constatou-se como os principais significados

de roccedila 1) a ldquolavourardquo associada agrave produccedilatildeo e ao consumo de alimentos fruto do

trabalho da agricultura familiar especialmente entre os produtores de Gonccedilalves 2)

como sinocircnimo de ldquocampordquo em ambas as cidades com certa predominacircncia em

Gonccedilalves 3) agrave cultura ldquoruralrdquo mais presente nas respostas dos produtores de

Gonccedilalves evidenciada como um modo de vida proacuteprio marcado pela ldquosimplicidaderdquo

4) como sinocircnimo de ldquointerior e cidades pequenasrdquo mais enfaticamente entre os

produtoresdistribuidores de Belo Horizonte 5) como expressatildeo de ldquonaturezardquo e

ldquoromantismordquo perspectiva manifestada pelos consumidores em geral de ambas as

cidades com predominacircncia do ldquoromantismordquo em Gonccedilalves

Outros significados tambeacutem aparecem citados na anaacutelise do NVivo poreacutem com

frequecircncia menos relevante como ldquoMinas Geraisrdquo ldquotradiccedilatildeordquo ldquocaipirardquo para as

categorias identificadas desde a anaacutelise de conteuacutedo feita nas marcas de produtos e

serviccedilos com o termo roccedila assim como ldquoprodutos caseiros ou artesanaisrdquo ldquoorigemrdquo

ldquovalorrdquo categorias mencionadas por produtores e consumidores como significados dos

bens e serviccedilos considerados da roccedila Por outro lado as categorias roccedila ldquoestilizadardquo e

ldquolocalrdquo que foram identificadas respectivamente como significado de marcas de

produtos e serviccedilos da roccedila e como significados destes para os consumidores natildeo foram

evidenciadas no exame dos significados de roccedila feito nas anaacutelises com uso do Alceste e

do NVivo

A avaliaccedilatildeo aqui impetrada permitiu responder a alguns objetivos e corroborar

as hipoacuteteses investigativas deste trabalho Primeiramente evidenciou-se o uso do termo

roccedila como sinocircnimo de ldquocampordquo e ldquoruralrdquo conforme os pressupostos da pesquisa ao

menos entre os sujeitos participantes da pesquisa provenientes de Minas Gerais e Satildeo

Paulo Nesse sentido confirmou-se uma permanecircncia no uso da palavra roccedila

historicamente vinculada no Brasil agrave lavoura de produccedilatildeo de mantimentos em

pequenas propriedades de terra trabalhada por grupos de agricultores familiares nas

260

suas mais diferentes configuraccedilotildees e destinada ao autoconsumo ou ao abastecimento de

comunidades locais

Entretanto confirmou-se as mudanccedilas nos seus significados que apresentavam a

tendecircncia de serem valorizados positivamente o que ficou expresso principalmente nos

discursos sobre a natureza evocada pela palavra roccedila assim como numa visatildeo

romacircntico-nostaacutelgica a respeito da vida rural confirmando pois a principal hipoacutetese de

trabalho Verificou-se por fim a pertinecircncia da premissa de que a categoria roccedila eacute um

operador simboacutelico relativo e relacional jaacute que seus usos e significados podem se

cambiar historicamente e principalmente a depender do contexto social em que eacute

empregado Essa caracteriacutestica ficou niacutetida nos diferentes usos e significaccedilotildees atribuiacutedos

agrave roccedila pelos habitantes do campo de Gonccedilalves e pelos citadinos moradores de

metroacutepoles como Belo Horizonte e Satildeo Paulo Como denominador comum as visotildees

romacircnticas sobre a vida rural como um modo de vida alternativo ao esgotamento da

vida urbana na metroacutepole

261

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A pesquisa apresentada nesta tese permitiu constatar o uso do termo roccedila como

sinocircnimo de ldquocampordquo no sentido de espaccedilo fiacutesico e de ldquoruralrdquo como modo de vida

(ENDLICH 2010 SOBARZO 2010) Roccedila apareceu entatildeo na sua acepccedilatildeo histoacuterica

relacionada ao trabalho na lavoura nas pequenas propriedades produtoras de alimentos

voltados para o autoconsumo e o abastecimento local conforme evidenciado por

Oliveira (2012) Entretanto este trabalho identificou novos significados para o vocaacutebulo

roccedila que permitiram confirmar a hipoacutetese de que haveria uma tendecircncia em ressignificaacute-

lo positivamente especialmente por meio de uma associaccedilatildeo entre a roccedila e a ldquonaturezardquo

e uma perspectiva ldquoromacircnticardquo ldquonostaacutelgicardquo e ldquoidiacutelicardquo de revalorizaccedilatildeo destas

(ANJOS CALDAS 2014 EacuteBOLI 2007 ELIAS 2001 ENTRENA-DURAacuteN 2012

THOMAS 2010 WILLIAMS 2011) Destaca-se portanto certa permanecircncia nos usos

da categoria roccedila mas mudanccedilas notaacuteveis nas suas significaccedilotildees ao menos nas regiotildees

e mercados estudados nesta pesquisa Os achados da pesquisa tambeacutem evidenciaram o

caraacuteter relativo e relacional (LIMA 1999) do termo roccedila uma vez que os grupos que

moravam no campo de Gonccedilalves tendiam a definir a roccedila como lavoura campo e rural

enquanto os grupos urbanos metropolitanos de Belo Horizonte e Satildeo Paulo associavam

ldquoroccedilardquo agraves cidades pequenas e ao interior bem como agrave natureza

Estes aspectos puderam ser compreendidos por meio da anaacutelise do mercado de

bens e serviccedilos que utilizavam o termo roccedila como marca no contexto dos processos de

solicitaccedilatildeo de registro de marcas no INPI caracterizado pela predominacircncia de produtos

alimentares desde meados dos anos 1960 e com uma tendecircncia de crescimento apoacutes os

anos 1990 pelos serviccedilos com destaque para a gastronomia A escolha da categoria

roccedila como marca destes produtos e serviccedilos denota seu caraacuteter valorativo positivo A

expansatildeo do seu uso apoacutes os anos 1980 e a sua intensificaccedilatildeo nos uacuteltimos dez anos satildeo

ainda mais reveladores desse processo de revalorizaccedilatildeo de muitas esferas do rural de

modo geral e da categoria roccedila em especiacutefico Os anos apoacutes a ditadura militar no

Brasil marcam um periacuteodo em que as minorias sociais ganham visibilidade na

sociedade brasileira A utilizaccedilatildeo da marca roccedila em produtos e serviccedilos aponta para uma

valoraccedilatildeo positiva dos modos de vida e do espaccedilo outrora visto como hierarquicamente

inferior Em uma sociedade poacutes-ditadura idealmente voltada para o respeito agrave

262

diversidade e a ampliaccedilatildeo dos direitos agrave cidadania inclusive das pessoas que vivem no

campo natildeo poderia o consumo da marca roccedila ser revelador do reconhecimento das

autecircnticas raiacutezes ligadas ao modo de vida caipira brasileiro

Observou-se nesta pesquisa que aleacutem do campo valorativo o uso do termo

roccedila como marca seria um indicativo de origem e procedecircncia dos produtos Na

perspectiva de produtores distribuidores e consumidores os produtos da roccedila eram

classificados positivamente como naturais e artesanais em detrimento aos produtos

industrializados A classificaccedilatildeo desses produtos e serviccedilos pelos entrevistados envolvia

os ideais de ldquonaturezardquo ldquoromacircntico-nostaacutelgicordquo e ldquotradicionalrdquo conforme a proposiccedilatildeo

inicial da pesquisa Tambeacutem foram constatados outros significados do vocaacutebulo roccedila

assim como aqueles atribuiacutedos aos produtos e serviccedilos que o veiculavam Aleacutem das

categorias de significados jaacute mencionadas nos paraacutegrafos anteriores identificou-se uma

tendecircncia a associar roccedila agrave cultura do Estado de Minas Gerais agrave cultura caipira Os

entrevistadosrespondentes atribuiacuteram aos produtos e serviccedilos com o termo roccedila a

caracteriacutestica de estarem associados ao seu local de origem refletindo a produccedilatildeo a

cultura a esteacutetica local o que agraves vezes justificava a aquisiccedilatildeo de certo bem visando

contribuir e valorizar a comunidade local Por fim destaca-se que o valor positivo

tambeacutem foi mencionado como um atributo da roccedila no sentido moral assim como a

valoraccedilatildeo no sentido econocircmico de seus produtos e serviccedilos Em termos morais a

simplicidade apareceu como um atributo do modo de vida rural vinculado agrave roccedila e

utilizado em termos comparativos como criacutetica ao modelo de civilizaccedilatildeo urbana da

metroacutepole assim como jaacute havia destacado Silva G (2009)

As mudanccedilas mais expressivas nos significados do termo roccedila coincidiram com

as transformaccedilotildees no campo ocorridas a partir dos anos 1980 marcadas pelos

questionamentos do produtivismo na agricultura pelas preocupaccedilotildees ambientais e pela

exploraccedilatildeo do campo como espaccedilo de consumo por meio do turismo do lazer e da

segunda moradia (ABRAMOVAY 1994 ANJOS CALDAS 2014) Algumas dessas

mudanccedilas tiveram ressonacircncia no proacuteprio mercado de produtos e serviccedilos considerados

da roccedila tanto por serem considerados como artesanais e naturais quanto pela

emergecircncia da gastronomia do entretenimento e mais timidamente do turismo apoacutes os

anos 1990 associados a esta marca Nesse sentido ressalta-se como as culturas urbana e

rural rompem as fronteiras da cidade e do campo enquanto espaccedilos fiacutesicos

possibilitando novas identificaccedilotildees e praacuteticas sociais em novas configuraccedilotildees de tempo

263

e espaccedilo que tambeacutem satildeo traduzidas nos novos usos do termo roccedila (ALEM 1996 DE

PAULA 1998 1999 2001 ENDLICH 2010)

Nesse sentido a pesquisa tambeacutem evidenciou a expansatildeo de um mercado de

produtos alimentares tradicionais artesanais de recorte local natildeo industrializados que

tecircm sido denominados pelos mais variados termos inclusive regionais que expressam

algumas mudanccedilas e tendecircncias no consumo contemporacircneo (BARBOSA L 2009

PORTILHO 2005) Embora pertenccedila a um nicho de mercado haacute uma tendecircncia em

valorizar as produccedilotildees de pequena escala produzidas com praacuteticas sustentaacuteveis em

preservar teacutecnicas de processamento de alimentos artesanais familiares tradicionais

fortemente vinculados a territoacuterios histoacuterias e culturas determinadas conforme tambeacutem

revelaram os estudos de Cruz e Menasche (2011) Dorigon (2008 2010) Santos J

(2014) e Wilkinson (2008) Parte desse mercado foi observado no Mercado Central de

Belo Horizonte na demanda pelo queijo artesanal mineiro ou pela cachaccedila artesanal

por exemplo Assim como as possibilidades de ocupaccedilatildeo e geraccedilatildeo de renda que as

transformaccedilotildees rumo agrave valorizaccedilatildeo do rural demonstraram ser possiacuteveis a partir do

trabalho de campo realizado em Gonccedilalves como a gastronomia local a agricultura

orgacircnica e o turismo rural por exemplo

Por outro lado se a diversidade do mercado que utiliza o termo roccedila como marca

eacute um indiacutecio da revalorizaccedilatildeo do rural a sua apropriaccedilatildeo em distintas esferas de

mercado e por grandes cadeias agroindustriais pode ter vaacuterios efeitos indesejaacuteveis como

a desestruturaccedilatildeo de um possiacutevel mercado de produtos artesanais de qualidades

especiais excluindo pequenos produtores descaracterizando teacutecnicas tradicionais e

subvertendo as referecircncias dos consumidores Em contrapartida iniciativas de

regulamentaccedilatildeo desse mercado tambeacutem contecircm seus riscos sejam relacionados aos

processos produtivos agrave comercializaccedilatildeo ou ao reconhecimento identitaacuterio podendo

resultar tambeacutem na exclusatildeo de pequenos produtores e distribuidores na perda de

teacutecnicas tradicionais e nas mudanccedilas de haacutebitos dos consumidores prejudicando a

demanda conforme alertaram os trabalhos de Dorigon (2008) Neugebauer (2014) e

Santos J (2014)

A pesquisa tornou evidente portanto o vocaacutebulo roccedila como uma categoria que

permite elucidar vaacuterias facetas dos estudos sobre o rural no Brasil ainda pouco

exploradas Nesse sentido o trabalho que se realizou natildeo pretendeu abarcar todas as

possibilidades de investigaccedilatildeo que o termo roccedila pode apresentar admitindo-se

264

portanto suas limitaccedilotildees diante de uma gama de abordagens possiacuteveis Considera-se

assim como alguns dos entraves desta pesquisa natildeo ter sido possiacutevel verificar o alcance

do uso do termo roccedila como sinocircnimo de campo e rural nas outras regiotildees do territoacuterio

brasileiro tendo ficado o trabalho de campo restrito ao Estado de Minas Gerais ainda

que os dados secundaacuterios obtidos no INPI revelem a recorrecircncia da marca em outras

regiotildees Como desdobramento dessa limitaccedilatildeo sugere-se a pertinecircncia de verificar os

usos e significados do termo roccedila em outros contextos sociais agrave luz da perspectiva da

hierarquizaccedilatildeo socialrevalorizaccedilatildeo permitindo generalizar os achados nesta pesquisa

Portanto recomenda-se a iniciativa de pesquisas futuras que possam investigar os usos e

significados do termo roccedila em outras regiotildees brasileiras seja por meio de abordagens

qualitativas que descrevam os distintos processos culturais seja por meio de surveys

com amostras representativas que permitam generalizaccedilotildees dos resultados encontrados

nesta pesquisa ou ainda um aprofundamento em pesquisa histoacuterica investigando-se a

etimologia e a polissemia do termo roccedila Sugere-se especialmente examinar as relaccedilotildees

entre os usos e significados do termo roccedila e suas relaccedilotildees com as representaccedilotildees a

respeito de Minas Gerais verificando suas vinculaccedilotildees agraves ideias de ldquoruralizaccedilatildeordquo da

cultura mineira e ao proacuteprio conceito de ldquomineiridaderdquo (ARRUDA 1999

VASCONCELLOS 1981) assim como as afinidades entre os sentidos de roccedila e a

cultura caipira (RIBEIRO 2006 CANDIDO 2010) conforme os indiacutecios revelados

nesta pesquisa

Apesar de tais limitaccedilotildees espera-se que esta pesquisa possa contribuir na

Antropologia Rural e na Sociologia Rural com um novo campo investigativo sobre o

rural brasileiro relacionado ao uso de categorias de pensamento como o termo roccedila

Espera-se tambeacutem no campo da Extensatildeo Rural que a pesquisa possa colaborar com a

elaboraccedilatildeo de mecanismos e estrateacutegias de reconhecimento e valorizaccedilatildeo do rural e com

o desenvolvimento e aperfeiccediloamento de saberes e teacutecnicas que resultem em novas

oportunidades de ocupaccedilatildeo e renda para as famiacutelias rurais ou urbanas que vivem no

campo gerando expectativas de desenvolvimento profissional e de cidadania para os

jovens A tiacutetulo de exemplo o campo da agricultura sustentaacutevel de forma mais

especiacutefica e da agricultura familiar de modo geral dos produtos alimentares

tradicionais e artesanais no turismo rural temaacutetico identificados nessa pesquisa

associados ao termo roccedila valorizados e valorados por um nicho de mercado formado

265

por consumidores das camadas urbanas atraiacutedos pelas imagens e sensaccedilotildees de

nostalgia romantismo e apreciaccedilatildeo da simplicidade que essa categoria pode suscitar

266

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MARTINS Joseacute de Souza Muacutesica sertaneja a dissimulaccedilatildeo na linguagem dos humilhados In MARTINS Joseacute de Souza Capitalismo e tradicionalismo estudos sobre as contradiccedilotildees da sociedade agraacuteria no Brasil Satildeo Paulo Pioneira 1975 p 103-161 ______ Introduccedilatildeo as coisas no lugar In MARTINS Joseacute de Souza Introduccedilatildeo Criacutetica agrave Sociologia Rural 2ordf ed Satildeo Paulo Editora HUCITEC 1986 p 11-38 (Coleccedilatildeo Estudos Rurais) ______ O futuro da sociologia rural e sua contribuiccedilatildeo para a qualidade de vida rural Estudos Sociedade e Agricultura Rio de Janeiro n 15 p 5-12 out 2000 ______ A crise do imaginaacuterio rural brasileiro da roccedila agrave tapera Revista de Extensatildeo e Estudos Rurais Viccedilosa v 3 n 1 p 7-23 2014 MASSINELLI Ana Gabriela Sanchez Marcas uma anaacutelise histoacuterica e conceitual do instituto Jusnavegandi set 2014 Disponiacutevel em httpjuscombrartigos32122marcas-uma-analise-historica-e-conceitual-do-instituto Acesso em 06 ago 2015 MENASCHE Renata Campo e cidade comida e imaginaacuterio Ruris Campinas v 3 n 2 p 195-218 fev 2010 MENDONCcedilA Socircnia Regina O ruralismo brasileiro Satildeo Paulo HUCITEC 1997 MERCADO CENTRAL Histoacuteria Disponiacutevel em httpwwwmercadocentralcombrpaginahistorico Acesso em 21 maio 2015 MILLER Daniel Material culture and mass consumption Oxford Basil Blackwell 1987 MINAS GERAIS Lei no 2764 de 30 de dezembro de 1962 que conteacutem a divisatildeo administrativa do Estado de Minas Gerais Minas Gerais Diaacuterio do Executivo Belo Horizonte MG 31 dez 1962 col 3 p 1 Disponiacutevel em lt httpwwwalmggovbrconsultelegislacaocompletacompletahtmltipo=LEIampnum=2764ampcomp=ampano=1962 Acesso em 12 dez 2015 ______ Secretaria de Turismo e Cultura Calendaacuterio de Eventos Turiacutesticos de Minas Gerais 2013 Disponiacutevel em httpwwwturismomggovbrimagesstoriescalendario-de-eventos-2013pdf Acesso em 12 out 2015

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______ Conheccedila Minas Regiotildees de Planejamento Disponiacutevel em httpswwwmggovbrgovernomgportalcgovernomgconheca-minasgeografia5671-regioes-de-planejamento69548-as-regioes-de-planejamento51465044 Acesso em 08 set 2015 ______ Conheccedila Minas Mercado Central Disponiacutevel em httpswwwmggovbrgovernomgportalcgovernomgconheca-minas5663-turismo55180-mercado-central51465240 Acesso em 09 maio 2015 ______ Conheccedila Minas Mesorregiotildees e Microrregiotildees Disponiacutevel em httpswwwmggovbrgovernomgportalcgovernomgconheca-minasgeografia5669-localizacao-geografica69547-mesorregioes-e-microrregioes-ibge51465044 Acesso 12 ago 2015 MORAIS Luciana Patriacutecia Culinaacuteria tiacutepica e identidade regional a expressatildeo dos processos de construccedilatildeo reproduccedilatildeo e reinvenccedilatildeo da mineiridade em livros e restaurante de comida mineira 2004 155 f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) ndash Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte MORMONT Marc Vers une redeacutefinition du rural Recherches Sociologiques Louvain v XX n 3 p 331-350 1989 MOURA Margarida Maria Os herdeiros da terra parentesco e heranccedila numa aacuterea rural Satildeo Paulo Editora Hucitec 1978 NEPOMUCENO Rosa Muacutesica caipira da roccedila ao rodeio 1ordf ed Satildeo Paulo Ed 34 1999 NEacuteRI Marcelo A nova classe meacutedia o lado brilhante da nova base da piracircmide Satildeo Paulo Editora Saraiva 2012 NETTO Marcos Mergarejo O Mercado Central de Belo Horizonte entre queijos e sabores Revista Geograficidade Niteroacutei n 1 v 2 p 53-67 2012 NEUGEBAUER Danielle No supermercado ldquoo segredo eacute o carinhordquo um estudo sobre consumo a partir do rural caseiro e natural em embalagens de alimentos 2014 119 f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncias Sociais) ndash Universidade Federal de Pelotas Pelotas

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OLIVEIRA Allan de Paula Miguilim foi pra cidade ser cantor uma antropologia da muacutesica sertaneja 2009 352 f Tese (Doutorado em Antropologia) ndash Universidade Federal de Santa Catarina Florianoacutepolis OLIVEIRA Joatildeo Augusto Vieira de SCHMIDT Vanice Dolores Basso SCHMIDT Wilson Avaliaccedilatildeo do potencial da agroinduacutestria rural de pequeno porte (IRPP) em Santa Catarina Florianoacutepolis CEPAGRO 1999 OLIVEIRA Joatildeo Augusto Vieira de PREZOTTO Leomar Luiz VOIGT Luciano Diagnoacutestico e potencial das agroinduacutestrias familiares do Estado do Rio Grande do Sul Florianoacutepolis 2002 (Trabalho natildeo publicado) OLIVEIRA Luacutecia Lippi Do caipira picando fumo a Chitatildeozinho e Xororoacute ou da roccedila ao rodeio Revista USP Satildeo Paulo n 59 p 232-257 setnov 2003 OLIVEIRA Marcelo Almeida As roccedilas brasileiras do periacuteodo colonial agrave atualidade caracterizaccedilatildeo histoacuterica e formal de uma categoria tipoloacutegica Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 28 n 48 p 755-780 juldez 2012 Disponiacutevel em httpwwwscielobrscielophppid=S0104-87752012000200013ampscript=sci_abstractamptlng=es Acesso em 19 jun 2015 PAIXAtildeO Alexandro Henrique A roccedila pitoresca de Fagundes Varella In LUCENA Ceacutelia Toledo GUSMAtildeO Neusa Maria Mendes de (orgs) Discutindo identidades Satildeo Paulo HumanitasCERU 2006 p 193-203 PELEGRINI Gelson GAZZOLA Maacutercio A agroinduacutestria familiar no Rio Grande do Sul limites e potencialidades a sua reproduccedilatildeo social Frederico Westphalen Ed URI 2008 PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICIacuteLIO ndash PNAD Seacuteries Histoacutericas e Estatiacutesticas Valor do rendimento meacutedio mensal da populaccedilatildeo de 10 anos ou mais de idade - Grandes Regiotildees e Regiotildees Metropolitanas ndash Periacuteodo 2001-2011 Disponiacutevel em httpseriesestatisticasibgegovbrseriesaspxno=7ampop=0ampvcodigo=PD346ampt=valor-rendimento-medio-mensal-populacao-10P1 Acesso em 04 ago 2015 PINTO Joatildeo Paulo Identidade de Gonccedilalves construccedilatildeo e deslocamento Dissertaccedilatildeo 2014 87 f (Mestrado em Ciecircncias da Linguagem) ndash Universidade do Vale do Sapucaiacute Pouso Alegre

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PIRES Andreacute Um sentido dentre outros possiacuteveis o rural como representaccedilatildeo In CAMPANHOLA Clayton SILVA Joseacute Graziano O novo rural brasileiro novas ruralidades e urbanizaccedilatildeo v 7 Brasiacutelia Embrapa Informaccedilatildeo Tecnoloacutegica 2004 p 149-174 POCHMANN Maacutercio Nova classe meacutedia O trabalho na base da piracircmide social brasileira Satildeo Paulo Boitempo 2012 PORTILHO Faacutetima Consumo sustentaacutevel limites e possibilidades de ambientalizaccedilatildeo e politizaccedilatildeo das praacuteticas de consumo Cadernos Ebapebr Ediccedilatildeo Temaacutetica 2005 Disponiacutevel em httpwwwscielobrpdfcebapev3n3v3n3a05 Acesso em 26 out 2015 PRADO JUacuteNIOR Caio Formaccedilatildeo do Brasil contemporacircneo colocircnia Satildeo Paulo Companhia das Letras 2011 PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE Gestatildeo Compartilhada Regiatildeo Metropolitana de Belo Horizonte Disponiacutevel em httpgestaocompartilhadapbhgovbrestrutura-territorialregiao-metropolitana-de-belo-horizonte Acesso em 08 set 2015 ______ Gestatildeo Compartilhada BH em nuacutemeros Disponiacutevel em httpgestaocompartilhadapbhgovbrbh-em-numeros Acesso em 08 set 2015 ______ Endereccedilos Programa Direto da Roccedila Disponiacutevel em httpportalpbhpbhgovbrpbhecpcomunidadedoevento=portletamppIdPlc=ecpTaxonomiaMenuPortalampapp=enderecosamptax=17377amplang=pt_BRamppg=6300amptaxp=0amp Acesso em 09 set 2015 PREFEITURA MUNICIPAL DE GONCcedilALVES Secretaria de Turismo de Gonccedilalves Conselho Municipal de Turismo 4ordm Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila Guia Gastronocircmico 2014 ______ Apresentaccedilatildeo do Municiacutepio Disponiacutevel em httpportalgoncalvesmggovbrMateria_especifica16603Apresentacao-do-Municipio Acesso em 02 set 2015 PROGRAMA DE TURISMO DE NEGOacuteCIOS E EVENTOS DE BELO HORIZONTE Espaccedilo Minas Gerais Disponiacutevel em httpwwwturismodenegociosbhcombrindexphpoption=com_contentampview=articleampid=48ampItemid=48 Acesso em 12 dez 2015

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SANTOS Jaqueline Sgarbi Dilemas e desafios na valorizaccedilatildeo de produtos alimentares no Brasil um estudo a partir do Queijo do Serro em Minas Gerais e do Queijo Serrano no Rio Grande do Sul 2014 260 f Tese (Doutorado em Sistemas de Produccedilatildeo Agriacutecola Familiar) ndash Universidade Federal de Pelotas Pelotas SANTOS Joseacute Vicente Tavares dos Criacutetica da Sociologia Rural e a construccedilatildeo de uma outra Sociologia dos Processos Sociais Agraacuterios Ciecircncias Sociais Hoje Satildeo Paulo p 3-51 1991 SARAIVA Evelyn Ruacutebia de Albuquerque COUTINHO Maria da Penha Lima e MIRANDA Rosane de Sousa O emprego do software Alceste e o desvendar do mundo lexical em pesquisa documental In COUTINHO Maria da Penha Lima SARAIVA Evelyn Ruacutebia de Albuquerque (orgs) Meacutetodos de pesquisa em psicologia social perspectivas qualitativas e quantitativas Joatildeo Pessoa Ed Universitaacuteria 2011 p 67-92 SARAIVA Luiz Alex Silva CARRIERI Alexandre de Paacutedua SOARES Ari de Souza Territorialidade e identidade nas organizaccedilotildees o caso do Mercado Central de Belo Horizonte Revista de Administraccedilatildeo Mackenzie Satildeo Paulo n 15 v 2 p 97-126 marabr 2014 SENNETT Richard A corrosatildeo do caraacuteter consequecircncias pessoais do trabalho no novo capitalismo Rio de Janeiro Record 1999 SETUacuteBAL Maria Alice Vivecircncias caipiras pluralidade cultura e diferentes temporalidades na terra paulista Satildeo Paulo CenpecImprensa Oficial do Estado de Satildeo Paulo 2005 Disponiacutevel em httpwwwimprensaoficialcombrPortalIOdownloadpdfprojetossociaisvivencias_caipiraspdf Acesso em 14 abr 2012 SILVA Eduardo Hermes Barbosa Registro de marcas no Brasil registro de marcas ainda eacute pouco difundido no Brasil Jusnavegandi jul 2014 Disponiacutevel em httpjuscombrartigos30485registro-de-marcas-no-brasil Acesso em 15 ago 2015 SILVA Gislene O sonho da casa no campo jornalismo e imaginaacuterio de leitores urbanos Florianoacutepolis Insular 2009 SILVA Joseacute Graziano da O novo rural brasileiro Nova Economia Belo Horizonte n 7 v 1 p 43-81 mai 1997

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______ Velhos e novos mitos do rural brasileiro Estudos Avanccedilados Dossiecirc Desenvolvimento Rural Satildeo Paulo v 15 n 43 p 37-50 set-dez 2001 SILVEIRA Carlos Frederico Gurgel Calvet ROCHA Felippe Augusto da Cruz CARDOSO Rafael Esteves A eacutetica da autenticidade na concepccedilatildeo multiculturalista de Charles Taylor Lex Humana Petroacutepolis v 4 n 2 p 17-34 2013 SILVEIRA Lidiane Nunes Os apanhadores de cafeacute no Alto Satildeo Francisco 2005 64 f Monografia (Graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais) ndash Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte ______ O Pacircntano do Cururu trabalho ocupaccedilatildeo e conflitos de terra 2008 113 f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Extensatildeo Rural) ndash Universidade Federal de Viccedilosa Viccedilosa

SINOPSE DO CENSO DEMOGRAacuteFICO 2010 MINAS GERAIS Tabela 21 - Populaccedilatildeo residente total urbana total e urbana na sede municipal em nuacutemeros absolutos e relativos com indicaccedilatildeo da aacuterea total e densidade demograacutefica segundo as Unidades da Federaccedilatildeo e os municiacutepios ndash 2010 Disponiacutevel em httpwwwcenso2010ibgegovbrsinopseindexphpuf=31 Acesso em 13 maio 2015

SOARES Ari de Souza PETITO Fernanda Centamori LIMA Gusttavo Ceacutesar Oliveira CARRIERI Alexandre de Paacutedua Sinestesia poeacutetica e cultura organizacional desvendando as estrateacutegias coletivas do Mercado Central de Belo Horizonte In XXXI Encontro da Anpad Rio de Janeiro 2007 p 1-13 SOBARZO Oscar O urbano e o rural em Henri Lefebvre In SPOSITO Maria Encarnaccedilatildeo Beltratildeo WHITACKER Arthur Magon (orgs) Cidade e campo relaccedilotildees e contradiccedilotildees entre urbano e rural 2ordf ed Satildeo Paulo Editora Expressatildeo Popular 2010 p 53-64 SOLARI Aldo O objeto da sociologia rural In SZMERCSAacuteNYI Tamaacutes QUEDA Oriowaldo (orgs) Vida rural e mudanccedila social leituras baacutesicas de sociologia rural 3ordf ed Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 1979 p 3-14 SOROKIN Pitirim ZIMMERMAN Carlo GALPIN Charles Diferenccedilas fundamentais entre o mundo rural o e o urbano In MARTINS Joseacute de Souza Introduccedilatildeo Criacutetica agrave Sociologia Rural 2ordf ed Satildeo Paulo Editora HUCITEC 1986 p 198-224 (Coleccedilatildeo Estudos Rurais)

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SOUSA Gabriel Soares Tratado Descritivo do Brasil em 1587 Disponiacutevel em httpwwwdominiopublicogovbrpesquisaDetalheObraFormdoselect_action=ampco_obra=38095 Acesso em 12 jun 2015 SOUZA Elizete Maria CHAVES Elaine De Ouro Preto a Belo Horizonte seguindo os passos da histoacuteria para compreender a formaccedilatildeo do falar belo-horizontino Revista Alpha Patos de Minas n 12 p 54-67 nov 2011 SOUZA Jesseacute A cegueira do debate brasileiro sobre as classes sociais Interesse Nacional ano 7 n 27 p 35-57 outdez 2014 Disponiacutevel em httpinteressenacionaluolcombrindexphpedicoes-revistaa-cegueira-do-debate-brasileiro-sobre-as-classes-sociais Acesso em 12 ago 2015 TAVARES Mauro Calixta A forccedila da marca como construir e manter marcas fortes Satildeo Paulo Ed Harbra 1998 TAYLOR Charles A eacutetica da autenticidade Satildeo Paulo Eacute Realizaccedilotildees 2011 TEIXEIRA Alex Niche A produccedilatildeo televisiva do crime violento na modernidade tardia 2009 240 f Tese (Doutorado em Sociologia) ndash Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre TEIXEIRA Diogo Dias O registro de marcas no Brasil informaccedilotildees gerais acerca do procedimento de registro de marca no Brasil Jusnavegandi mai 2007 Disponiacutevel em httpwwwdireitonetcombrartigosexibir3445O-registro-de-marcas-no-Brasil Acesso em 14 ago 2015 THOMAS Keith O homem e o mundo natural mudanccedilas de atitudes em relaccedilatildeo agraves plantas e aos animais (1500-1800) Satildeo Paulo Companhia das Letras 2010 VARELLA Luiz Nicolaacuteo Fagundes Obras completas Rio de Janeiro Livraria Garnier 1892 2 v Disponiacutevel em httpwwwbrasilianauspbrbbdhandle191801815310page1mode1up Acesso em 27 set 2013 VARNHAGEN Francisco Adolfo Ao Instituto Histoacuterico do Brasil 1851 In SOUSA Gabriel Soares Tratado Descritivo do Brasil em 1587 Disponiacutevel em httpwwwdominiopublicogovbrpesquisaDetalheObraFormdoselect_action=ampco_obra=38095 Acesso em 12 jun 2015

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VASCONCELLOS Liliana GUEDES Luiacutes Fernando Ascenccedilatildeo E-surveys vantagens e limitaccedilotildees dos questionaacuterios eletrocircnicos via internet no contexto da pesquisa cientiacutefica Apresentaccedilatildeo realizada na X SEMEAD FEA-USP 2007 Disponiacutevel em httpwwweadfeauspbrSemead10semeadsistemaresultadotrabalhosPDF420pdf Acesso em 01 jun 2014 VASCONCELLOS Sylvio de Mineiridade ensaio de caracterizaccedilatildeo Satildeo Paulo Abril 1981 VEIGA Joseacute Eli Cidades imaginaacuterias o Brasil eacute menos urbano do que se calcula 2ordf ed Campinas Autores Associados 2003 ______ Destinos da ruralidade no processo de globalizaccedilatildeo Estudos Avanccedilados Satildeo Paulo n 18 v 51 p 51-67 2004 ______ Nascimento de outra ruralidade Estudos Avanccedilados Satildeo Paulo n 20 v 57 p 333-353 2006 WANDERLEY Maria de Nazareth Baudel A ruralidade no Brasil moderno por um pacto social pelo desenvolvimento rural In GIARRACA Norma (org) iquestUna nueva ruralidad en Ameacuterica Latina Buenos Aires CLACSO 2001 p 31-44 Disponiacutevel em httpbibliotecavirtualclacsoorgararlibrosruralwanderleypdf Acesso em 06 out 2015 ______ Urbanizaccedilatildeo e ruralidade relaccedilotildees entre a pequena cidade e o mundo rural Estudo preliminar sobre os pequenos municiacutepios em Pernambuco In WANDERLEY Maria de Nazareth Baudel O mundo rural como um espaccedilo de vida reflexotildees sobre a propriedade da terra agricultura familiar e ruralidade Porto Alegre Editora da UFRGS 2009 p 311-328 WEIBLE Rick WALLACE John Cyber research the impact of the internet on data collection Marketing Research Chicago v 10 n 3 p 19-24 fall 1998 WILKINSON John MIOR Luiz Carlos Setor informal produccedilatildeo familiar e pequena agroinduacutestria interfaces Estudos sociedade e agricultura Rio de Janeiro v 13 p 29-45 out 1999 WILKINSON John Mercados redes e valores o novo mundo da agricultura familiar Porto Alegre Editora da UFRGS 2008

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WILLIAMS Raymond O campo e a cidade na histoacuteria e na literatura Satildeo Paulo Companhia das Letras 2011 WOORTMANN Ellen WOORTMANN Klaas O trabalho da terra a loacutegica e a simboacutelica da lavoura camponesa Brasiacutelia Editora Universidade de Brasiacutelia 1997

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APEcircNDICES

Apecircndice A ndash Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ndash Produtores

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ndash TCLE

IDENTIFICACcedilAtildeO DO PROJETO DE PESQUISA TIacuteTULO DO PROJETO Roccedila uma marca registrada o processo de valoraccedilatildeo do rural na sociedade brasileira Coordenadora da pesquisa (pesquisadora responsaacutevel) Nome Ana Louise de Carvalho Fiuacuteza Departamento Economia Rural Equipe de pesquisa Nome Lidiane Nunes da Silveira Departamento Economia Rural IDENTIFICACcedilAtildeO DO SUJEITO DA PESQUISA (VOLUNTAacuteRIO) Nome EmpresaEstabelecimento comercial Vocecirc estaacute sendo convidado(a) a participar da pesquisa chamada Roccedila uma marca registrada o processo de valoraccedilatildeo do rural na sociedade brasileira Todas as informaccedilotildees necessaacuterias sobre a pesquisa encontram-se relacionadas abaixo Em caso de duacutevidas favor esclarececirc-las antes da assinatura do presente Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ndash TCLE Este trabalho eacute de responsabilidade da professora Ana Louise de Carvalho Fiuacuteza do Departamento Economia Rural e da estudante de doutorado Lidiane Nunes da Silveira do mesmo departamento A pesquisa tem por objetivo compreender os diferentes usos e significados do termo ldquoroccedilardquo na sociedade brasileira Mais especificamente esta pesquisa estaacute analisando esses significados de ldquoroccedilardquo como marca de produtos e serviccedilos registrados ou que tiveram processos de solicitaccedilatildeo de registro de marcas no Instituto Nacional de Propriedade Industrial entre os anos de 1982 e 2012 Para chegarmos aos dados precisamos que o(a) senhor(a) responda a algumas perguntas relacionadas agrave sua trajetoacuteria pessoal agrave sua relaccedilatildeo com a roccedila e algumas questotildees sobre a marca de seu produto ou serviccedilo principalmente Os dados que o(a) senhor(a) informar na entrevista poderatildeo ser utilizados em pesquisas futuras Ao aceitar responder a este questionaacuterio o(a) senhor(a) poderaacute expor a sua marca e o seu produto ou serviccedilo ao conhecimento da concorrecircncia bem como poderaacute expor suas estrateacutegias de marketing aos concorrentes e ao puacuteblico consumidor Tambeacutem gostariacuteamos de informaacute-lo que as anaacutelises fruto desta pesquisa poderatildeo chegar a conclusotildees diferentes daquelas a respeito dos significados

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usos e motivaccedilotildees que o(a) senhor(a) acredita que envolvem o termo roccedila ou mesmo a sua marca Ressaltamos ainda que as respostas eou dados gerados a partir de seu preenchimento do questionaacuterio poderatildeo ser expostas ainda que sua identidade pessoal seja mantida em sigilo Ao responder a este questionaacuterio o(a) senhor(a) estaraacute contribuindo para a divulgaccedilatildeo de seu setor de produtos ou serviccedilos ao puacuteblico consumidor A sua participaccedilatildeo nesta pesquisa poderaacute proporcionar a valorizaccedilatildeo da criatividade de sua estrateacutegia de marketing ou o reconhecimento de sua experiecircncia cultural e a oportunidade para o(a) senhor(a) expressar aspectos de sua experiecircncia de vida e de trabalho A participaccedilatildeo nesta pesquisa respondendo a este questionaacuterio natildeo implicaraacute em nenhuma despesa bem como em nenhum benefiacutecio financeiro ou publicitaacuterio para (o)a senhor(a) ou a sua empresaestabelecimento comercial ou seja a sua participaccedilatildeo eacute voluntaacuteria A sua identidade pessoal seraacute preservada na divulgaccedilatildeo da pesquisa mas as suas respostas seratildeo analisadas e tornadas puacuteblicas O(a) senhor(a) poderaacute desistir de responder ao questionaacuterio ou solicitar que suas respostas natildeo sejam analisadas e publicadas a qualquer momento da pesquisa Declaro que fui informado(a) dos objetivos do estudo Roccedila uma marca registrada o processo de valoraccedilatildeo do rural na sociedade brasileira de maneira clara e detalhada e esclareci as minhas duacutevidas Estou informado de que a qualquer momento poderei solicitar novas informaccedilotildees e modificar minha decisatildeo de participar deste estudo Tambeacutem fui informado(a) que em caso de discordacircncia com procedimentos ou irregularidade de natureza eacutetica posso buscar auxiacutelio junto ao Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Viccedilosa ndash CEPUFV no seguinte endereccedilo e contatos

Preacutedio Arthur Bernardes sala 04 campus da Universidade Federal de Viccedilosa (UFV)

Viccedilosa Minas Gerais Telefone (31) 3899-2492

e-mail cepufvbr Site wwwcepufvbr

_____________ ___ ________ de 2014 ________________________________ ____________________________ Pesquisador responsaacutevel pelo projeto Participante da pesquisa

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Apecircndice B ndash Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ndash Consumidores

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ndash TCLE

IDENTIFICACcedilAtildeO DO PROJETO DE PESQUISA TIacuteTULO DO PROJETO Roccedila uma marca registrada o processo de valoraccedilatildeo do rural na sociedade brasileira Coordenadora da pesquisa (pesquisadora responsaacutevel) Nome Ana Louise de Carvalho Fiuacuteza Departamento Economia Rural Equipe de pesquisa Nome Lidiane Nunes da Silveira Departamento Economia Rural

IDENTIFICACcedilAtildeO DO SUJEITO DA PESQUISA (VOLUNTAacuteRIO) Nome Vocecirc estaacute sendo convidado(a) a participar da pesquisa Roccedila uma marca registrada o processo de valoraccedilatildeo do rural na sociedade brasileira Todas as informaccedilotildees necessaacuterias sobre a pesquisa encontram-se relacionadas abaixo Em caso de duacutevidas favor esclarececirc-las antes da assinatura do presente Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ndash TCLE A pesquisa tem por objetivo compreender os diferentes usos e significados do termo ldquoroccedilardquo na sociedade brasileira Mais especificamente esta pesquisa estaacute analisando os significados de ldquoroccedilardquo como marca de produtos e serviccedilos desde os anos 1980 no Brasil Para chegarmos aos dados precisamos que o(a) senhor(a) responda a algumas perguntas relacionadas agrave sua trajetoacuteria pessoal agrave sua relaccedilatildeo com a roccedila e algumas questotildees sobre o consumo de produtos ou serviccedilos com a marca roccedila Ao aceitar responder a este questionaacuterio o(a) senhor(a) poderaacute expor dados pessoais seus e de seus familiares assim como expor opiniotildees criacuteticas e preferecircncias em relaccedilatildeo ao consumo de determinados produtos ou serviccedilos A sua identidade pessoal seraacute preservada na divulgaccedilatildeo da pesquisa mas as suas respostas seratildeo analisadas e tornadas puacuteblicas e tambeacutem poderatildeo ser utilizadas em pesquisas futuras Tambeacutem gostariacuteamos de informaacute-lo(a) que os resultados desta pesquisa poderatildeo chegar a conclusotildees diferentes daqueles usos significados e motivaccedilotildees que o(a) senhor(a) acredita que envolvem o termo roccedila A sua participaccedilatildeo nesta pesquisa poderaacute contribuir para a divulgaccedilatildeo de um setor de produtos ou serviccedilos ao puacuteblico consumidor proporcionar a valorizaccedilatildeo ou reconhecimento de sua experiecircncia cultural e a oportunidade para o(a) senhor(a) expressar aspectos de sua experiecircncia de vida A participaccedilatildeo nesta pesquisa respondendo a este questionaacuterio natildeo implicaraacute em nenhuma despesa bem como em nenhum benefiacutecio financeiro para o(a) senhor(a) ou seja a sua participaccedilatildeo eacute voluntaacuteria assim como natildeo implicaraacute em nenhum benefiacutecio financeiro ou publicitaacuterio para qualquer empresa estabelecimento comercial ou organizaccedilatildeo de eventos com a

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marca roccedila ou qualquer outra marca O(a) senhor(a) poderaacute desistir de responder ao questionaacuterio ou solicitar que suas respostas natildeo sejam analisadas e publicadas a qualquer momento da pesquisa Declaro que fui informado(a) dos objetivos do estudo Roccedila uma marca registrada o processo de valoraccedilatildeo do rural na sociedade brasileira de maneira clara e detalhada e esclareci as minhas duacutevidas Estou informado de que a qualquer momento poderei solicitar novas informaccedilotildees e modificar minha decisatildeo de participar deste estudo Tambeacutem fui informado(a) que em caso de discordacircncia com procedimentos ou irregularidade de natureza eacutetica posso buscar auxiacutelio junto ao Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Viccedilosa ndash CEPUFV no seguinte endereccedilo e contatos

Preacutedio Arthur Bernardes sala 04 campus da Universidade Federal de Viccedilosa (UFV)

Viccedilosa Minas Gerais Telefone (31) 3899-2492

e-mail cepufvbr Site wwwcepufvbr

_____________ ___ ________ de 2014 ________________________________ _________________________________ Pesquisador responsaacutevel pelo projeto Participante da pesquisa

292

Apecircndice C ndash Termo de Autorizaccedilatildeo de Uso de Imagem

TERMO DE AUTORIZACcedilAtildeO DE USO DE IMAGEM Eu _______________________________________ depois de conhecer e entender os

objetivos procedimentos metodoloacutegicos riscos e benefiacutecios da pesquisa bem como de

estar ciente da necessidade do uso de imagens AUTORIZO atraveacutes do presente termo

as pesquisadoras (Lidiane Nunes da Silveira [pesquisadora] e profa Ana Louise de

Carvalho Fiuacuteza [orientadora]) do projeto de pesquisa intitulado ldquoRoccedila uma marca

registrada o processo de valoraccedilatildeo do rural na sociedade brasileirardquo a realizar as fotos e

filmagens que se faccedilam necessaacuterias sem quaisquer ocircnus financeiros a nenhuma das

partes

Ao mesmo tempo libero a utilizaccedilatildeo destas fotos (seus respectivos negativos) e

filmagens para fins cientiacuteficos e de estudos (livros artigos teses slides e

transparecircncias) em favor das pesquisadoras da pesquisa acima especificadas

obedecendo ao que estaacute previsto nas leis que resguardam os direitos das crianccedilas e

adolescentes (Estatuto da Crianccedila e do Adolescente ndash ECA Lei nordm 8069 1990) dos

idosos (Estatuto do Idoso Lei nordm 107412003) e das pessoas com deficiecircncia (Decreto

nordm 32981999 alterado pelo Decreto nordm 52962004)

______________ ____ de __________ de 2014

_______________________________ Pesquisadora responsaacutevel pelo projeto

_______________________________ Entrevistado(a) ou responsaacutevel pelo

estabelecimento fotografadofilmado

293

Apecircndice D ndash Roteiro de entrevista aos produtoresdistribuidores

ROTEIRO DE PERGUNTAS PARA ENTREVISTA ABERTA COM TITULARES DE MARCAS DE PRODUTOS E SERVICcedilOS COM O TERMO

ROCcedilA PERFIL PESSOAL 1 ndash Qual eacute a sua profissatildeo 2 ndash Qual a funccedilatildeo o(a) senhor(a) exerce na empresacomeacutercio de produto ou serviccedilo com a marca roccedila 3 ndash Qual eacute a sua escolaridade 4 ndash Qual eacute a sua idade QUESTOtildeES SOBRE A MARCA DO PRODUTO OU SERVICcedilO 5 ndash Por que o(a) senhor(a) escolheu a marca (falar o nome da marca) para o seu produtoestabelecimento 6 ndash O que a marca (falar o nome da marca) significa (Caso natildeo tenha mencionado na resposta anterior ou para exploraacute-la melhor) 7 ndash Qual a principal caracteriacutestica do seu produtoserviccedilo que o(a) senhor(a) relaciona com a ideia de roccedila (Caso natildeo tenha mencionado na resposta anterior ou para exploraacute-la melhor) 8 ndash O(A) senhor(a) considera que a marca roccedila torna o seu produto diferencial em relaccedilatildeo aos outros do mesmo segmento de mercado Por quecirc 9 ndash Quem eacute o principal puacuteblico consumidor do seu produto ou serviccedilo 10 ndash O(A) senhor(a) acredita que o uso do termo ldquoroccedilardquo tem alguma relevacircncia para o puacuteblico consumidor Por quecirc QUESTOtildeES SOBRE A ROCcedilA 11 ndash O que significa roccedila para vocecirc (Caso natildeo tenha desenvolvido essa argumentaccedilatildeo na resposta da pergunta anterior ou para exploraacute-la melhor) 12 ndash O(A) senhor(a) jaacute teve algum tipo de experiecircncia na roccedila Se teve fale-me sobre essa experiecircncia Se natildeo teve teria ou natildeo uma experiecircncia e por quecirc 13 ndash Onde sua famiacutelia viveu a maior parte da vida no campo ou cidade

294

14 ndash Qual era a profissatildeo dos seus pais (Caso o entrevistado natildeo tenha mencionado na resposta da pergunta anterior) 15 ndash Onde o(a) senhor(a) morou a maior parte da sua vida no campo ou na cidade (Caso o entrevistado natildeo tenha mencionado nas respostas das perguntas 14 e 15) 16 ndash Onde o(a) senhor(a) mora atualmente O lugar onde vocecirc mora eacute campo ou cidade (Caso natildeo tenha indicado claramente se se trata de campo ou cidade) 17 ndash O que o(a) senhor(a) acha da cidade 18 ndash O que o(a) senhor(a) acha do campo 19 ndash Se pudesse resumir roccedila em uma uacutenica palavra qual seria

295

Apecircndice E ndash Questionaacuterio semiestruturado ndash Produtores e distribuidores

QUESTIONAacuteRIO SEMIESTRUTURADO APLICADO AOS PRODUTORES E DISTRIBUIDORES DE PRODUTOS E SERVICcedilOS COM O TERMO ROCcedilA

PERFIL PESSOAL 1 ndash Qual eacute a sua profissatildeo ______________________________________________________________________ 2 ndash Qual funccedilatildeo o(a) senhor(a) exerce na empresaestabelecimento comercial de produto ou serviccedilo com a marca roccedila ______________________________________________________________________ 3 ndash Qual eacute a sua escolaridade ( ) Natildeo estudou ( ) Fundamental incompleto ( ) Fundamental completo ( ) Ensino Meacutedio incompleto ( ) Ensino Meacutedio completo ( ) Superior incompleto ( ) Superior completo ( ) Poacutes-graduaccedilatildeo 4 ndash Qual eacute a sua idade ( ) Menos de 20 anos ( ) 20 a 30 anos ( ) 30 a 40 anos ( ) 40 a 50 anos ( ) 50 a 60 anos ( ) 60 a 70 anos ( ) 70 a 80 anos ( ) Acima de 80 anos

296

QUESTOtildeES SOBRE A MARCA DO PRODUTO OU SERVICcedilO 5 ndash Por que o(a) senhor(a) escolheu a marca com a palavra roccedila para o seu produtoestabelecimento __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 6 ndash O que essa marca significa __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 7 ndash Qual a principal caracteriacutestica do seu produtoserviccedilo que o(a) senhor(a) relaciona com a ideia de roccedila __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 8 ndash O(a) senhor(a) considera que a marca roccedila torna o seu produto diferencial em relaccedilatildeo aos outros do mesmo segmento de mercado ( ) Sim ( ) Parcialmente ( ) Natildeo Por quecirc __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 9 ndash Quem eacute o principal puacuteblico consumidor do seu produto ou serviccedilo Marque quantas opccedilotildees forem necessaacuterias ( ) Populaccedilatildeo rural ( ) Populaccedilatildeo urbana ( ) Homens ( ) Mulheres ( ) Crianccedilas ( ) Jovens ( ) Adultos ( ) Melhor idade ( ) Populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo ( ) Populaccedilatildeo de meacutedio poder aquisitivo

297

( ) Populaccedilatildeo de alto poder aquisitivo 10 ndash O(a) senhor(a) acredita que o uso do termo roccedila tem alguma relevacircncia para o puacuteblico consumidor ( ) Sim ( ) Parcialmente ( ) Natildeo Por quecirc __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ QUESTOtildeES SOBRE A ROCcedilA 11 ndash O que significa roccedila para o(a) senhor(a) __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 12 ndash Se pudesse resumir roccedila em uma uacutenica palavra qual seria ______________________________________________________________________ 13 ndash Onde sua famiacutelia viveu a maior parte da vida ( ) No campo ou zona rural ( ) Na cidade ou zona urbana 14 ndash Qual era a profissatildeo dos seus pais ______________________________________________________________________ 15 ndash Onde o(a) senhor(a) morou a maior parte de sua vida ( ) No campo ou zona rural ( ) Na cidade ou zona urbana 16 ndash Onde o(a) senhor(a) mora atualmente ______________________________________________________________________

298

17 ndash O lugar onde vocecirc mora eacute campo ou cidade ( ) Campo ou zona rural ( ) Cidade ou zona urbana

299

Apecircndice F ndash Questionaacuterio semiestruturado ndash Consumidores

QUESTIONAacuteRIO SEMIESTRUTURADO APLICADO AOS CONSUMIDORES DE PRODUTOS E SERVICcedilOS COM O TERMO ROCcedilA

PERFIL PESSOAL Nome ________________________________________________________________ 1 ndash Qual eacute a sua idade ( ) Menos de 20 anos ( ) 20 a 30 anos ( ) 30 a 40 anos ( ) 40 a 50 anos ( ) 50 a 60 anos ( ) 60 a 70 anos ( ) 70 a 80 anos ( ) Acima de 80 anos 2 ndash Qual eacute a sua escolaridade ( ) Natildeo estudou ( ) Fundamental incompleto ( ) Fundamental completo ( ) Ensino Meacutedio incompleto ( ) Ensino Meacutedio completo ( ) Superior incompleto ( ) Superior completo ( ) Poacutes-graduaccedilatildeo 3 ndash Qual eacute a sua profissatildeo ______________________________________________________________________ 4 ndash Onde reside ______________________________________________________________________ 5 ndash Onde o(a) senhor(a) morou a maior parte da sua vida no campo ou na cidade ( ) No campo ( ) Na cidade

300

( ) Em ambos 6 ndash Onde sua famiacutelia viveu a maior parte da vida no campo ou cidade ( ) No campo ( ) Na cidade ( ) Em ambos 7 ndash Qual era a profissatildeo dos seus pais ______________________________________________________________________ QUESTOtildeES SOBRE A ROCcedilA 8 ndash O que o(a) senhor(a) acha da cidade __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

9 ndash O que o(a) senhor(a) acha do campo __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 10 ndash O que eacute roccedila para o(a) senhor(a) __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 11 ndash O(A) senhor(a) jaacute teve algum tipo de experiecircncia na roccedila Se teve fale-me sobre essa experiecircncia Se natildeo teve teria ou natildeo uma experiecircncia e por quecirc __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 12 ndash Se pudesse resumir roccedila em uma uacutenica palavra qual seria ______________________________________________________________________

301

QUESTOtildeES SOBRE O CONSUMO DE PRODUTO OU SERVICcedilO COM A MARCA ROCcedilA 13 ndash O(A) senhor(a) jaacute consumiu um produto ou serviccedilo que tinha a marca ldquoroccedilardquo ou que era da ldquoroccedilardquo ( ) Sim Exemplos __________________________________________________________________ ( ) Natildeo 14 ndash Diante da oferta de dois produtos ou serviccedilos semelhantes um com a marca ldquoroccedilardquo e outro de outra marca qual seria sua escolha Por quecirc __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 15 ndash O que um produto ou serviccedilo com a marca ldquoroccedilardquo significa para o(a) senhor(a) __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

ii

Aos meus pais Joatildeo e Maria

e ao meu companheiro Leacutelis

fontes de inspiraccedilatildeo

apoio e partilha da vida

iii

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo agrave Universidade Federal de Viccedilosa especificamente ao Programa de

Poacutes-graduaccedilatildeo em Extensatildeo Rural do Departamento de Economia Rural pela

oportunidade de cursar o Doutorado e estendo meus cumprimentos a todo o corpo

docente e aos teacutecnicos administrativos que tornam o curso possiacutevel Agrave Coordenaccedilatildeo de

Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior (CAPES) pela concessatildeo de bolsa de

estudos que subsidiaram o desenvolvimento da pesquisa Ao Instituto Federal de Minas

Gerais Campus Ouro Preto pela concessatildeo de Licenccedila para Capacitaccedilatildeo que

possibilitou melhores condiccedilotildees para a dedicaccedilatildeo ao desenvolvimento da pesquisa e ao

cumprimento das exigecircncias do Programa em tempo haacutebil

Na UFV agradeccedilo imensamente agrave Professora Ana Louise pelo entusiasmo com

o qual conduz nossas pesquisas nos inspirando e motivando com sua dedicaccedilatildeo

disponibilidade e solicitude Agradeccedilo pela seguranccedila nos meus momentos de duacutevida

pela compreensatildeo relativa agraves condiccedilotildees de vida e pelas vaacuterias oportunidades de

aprendizado conquistas e aperfeiccediloamento que nos concedeu dentro e fora do Grupo de

Estudos Rurais Agriculturas e Ruralidades (GERAR) E pela confianccedila no meu

trabalho pela sintonia e escolhas certeiras e pela orientaccedilatildeo precisa Aos Professores

Douglas Mansur e Rennan Lanna pela coorientaccedilatildeo por transmitirem apoio e confianccedila

nas decisotildees tomadas ampliando as possibilidades da pesquisa pela disponibilidade agrave

leitura criacutetica do texto e pela participaccedilatildeo nos momentos formais de avaliaccedilatildeo do

trabalho contribuindo para a pesquisa com seriedade e ao mesmo tempo leveza Ao

Professor Leonardo Civale que de forma muito soliacutecita e entusiaacutestica aceitou

contribuir com a leitura do trabalho em vaacuterios momentos despertando-nos para novas

facetas da pesquisa Ao Professor Luciano Rodrigues que aceitou prontamente

contribuir com o trabalho participando da banca de defesa e cujas colaboraccedilotildees foram

muito pertinentes Agrave Professora Neide Almeida que foi interlocutora indireta desse

trabalho ao longo de todo esse tempo agradeccedilo agraves leituras e contribuiccedilotildees Agradeccedilo a

todos os professores e professoras do Programa que contribuiacuteram direta ou

indiretamente para a minha formaccedilatildeo e para o bom desenvolvimento desta pesquisa No

DER agradeccedilo ainda agrave Carminha Romildo Cassiana Helena Brilhante Margarida D

iv

Maria Otto e Russo que sempre nos atenderam com carinho e presteza no cotidiano

acadecircmico

Na UFV devo tambeacutem meus agradecimentos aos componentes antigos e novos

do GERAR espaccedilo de aprendizado partilha apoio crescimento e amizade Agradeccedilo

ao Gustavo Braga pela oportunidade de aprendizado no curso de Metodologia

Quantitativa agrave Vanessa Barros pelo treinamento com o Alceste e agrave Paula Fernandes

pelo trabalho de acompanhamento e traduccedilatildeo da obra de Placide Rambaud Agradeccedilo

especialmente agrave Vanessa amiga para toda a vida Aos amigos e amigas do Programa

com os quais aprendi e me diverti muito agradeccedilo o apoio o incentivo a troca a

partilha das anguacutestias e das conquistas ao longo desses anos Sorte a todos noacutes

Agradeccedilo na UFMG agrave Professora Deborah Lima por me acompanhar mais

uma vez na minha trajetoacuteria acadecircmica pela disponibilidade em participar do exame de

qualificaccedilatildeo pelas contribuiccedilotildees preciosas ao meu trabalho Na UFOP agradeccedilo agrave

Professora Marisa Singulano pela solicitude em aceitar contribuir com o debate do

seminaacuterio e pela leitura do trabalho pelo carinho e compreensatildeo com as vicissitudes dos

momentos finais da tese Ao Professor Frederico Tavares pela gentileza em aceitar ao

convite para participar da banca de defesa suas leituras comentaacuterios e contribuiccedilotildees

acrescentaram um novo olhar ao trabalho

No IFMG agradeccedilo aos meus amigos professores e agraves minhas amigas

professoras da Coordenadoria de Aacuterea de Ciecircncias Sociais e da Coordenadoria de Aacuterea

de Histoacuteria primeiramente pela concessatildeo da Licenccedila Capacitaccedilatildeo mas sobretudo

pelo incentivo apoio parcerias e compreensatildeo nos momentos de ausecircncia Agradeccedilo

em especial ao Professor Guilherme Leonel e agrave Professora Alessandra Tostes pelo

apoio e compreensatildeo nas vaacuterias trocas de turmashoraacuteriosconteuacutedos que num primeiro

momento antes da Licenccedila Capacitaccedilatildeo foram fundamentais para que eu pudesse

cursar as disciplinas Ao Professor Rios e agrave Professora Paula pela descontraccedilatildeo nos

momentos finais de redaccedilatildeo da tese e agrave Professora Venuacutencia pela torcida e incentivo

Aos alunos e alunas que acompanharam o iniacutecio do doutorado com admiraccedilatildeo e

entusiasmo meus agradecimentos

Em Gonccedilalves natildeo tenho palavras para agradecer a recepccedilatildeo carinhosa a

paciecircncia e o acolhimento da Vera Ribeiro e da equipe da Secretaria de Turismo

Ivonete e Kleacuteber assim como o apoio logiacutestico o incentivo e paciecircncia de Roberto

v

Torrubia mediadores das entrevistas e cicerones nas visitas aos bairros rurais e

estabelecimentos da cidade Em nome destes agradeccedilo a todos e todas que me

receberam na cidade que aceitaram participar da pesquisa e compartilhar comigo suas

histoacuterias e a paixatildeo pela roccedila Gonccedilalves eacute definitivamente um lugar incriacutevel as

pessoas e suas histoacuterias fascinantes

No Mercado Central agradeccedilo a colaboraccedilatildeo e presteza do superintendente Luiz

Carlos Braga e da assessora Claacuteudia Neres que permitiram a realizaccedilatildeo da pesquisa no

Mercado de forma tatildeo soliacutecita Tambeacutem agradeccedilo a todos os trabalhadores e

frequentadores do Mercado que participaram da pesquisa cedendo parte do seu precioso

tempo de trabalho ou de lazer para responder aos questionaacuterios Vocecircs fazem do

Mercado esse lugar de tradiccedilatildeo e ldquorefuacutegio nostaacutelgicordquo

Essa pesquisa tambeacutem foi possiacutevel graccedilas a vaacuterios colaboradores agradeccedilo pelas

revisotildees feitas pela Elodia Lebourg pela Anastaacutezia Ladeira e Joseacute Dioniacutesio Ladeira

pela traduccedilatildeo da Liacutevia Quinquiolo a consultoria dos mapas concedida pelo Professor

Marcos Viniacutecius Sanches Abreu e pela cessatildeo das fotografias e ilustraccedilatildeo pelo Roberto

Torrubia Agrave colaboraccedilatildeo da estudante de graduaccedilatildeo em Economia Domeacutestica e bolsista

do Programa de Educaccedilatildeo Tutorial da UFV Danielle Batista durante a pesquisa das

marcas pela internet e organizaccedilatildeo dos dados

Por fim agradeccedilo aos incentivadores de todos os minutos sem os quais natildeo

haveria forccedilas possiacuteveis para desenvolver esse trabalho Ao meu pai Joatildeo Monteiro

pelo incentivo e esforccedilo para que eu chegasse ateacute aqui pelas oraccedilotildees pela admiraccedilatildeo e

pelas fotografias solicitadas Agrave minha matildee Maria pelas oraccedilotildees que iluminaram minhas

escolhas nos momentos de duacutevida me fortaleceram nos momentos desgastantes e

renovaram a minha feacute pela paciecircncia e pela compreensatildeo da minha ausecircncia Ao Leacutelis

natildeo tenho palavras para agradecer a maneira como compartilhou comigo o longo e

doloroso caminho de realizaccedilatildeo deste trabalho Agradeccedilo a partilha da paixatildeo pelas

coisas da roccedila do trabalho domeacutestico da crenccedila e da praacutetica por uma vida melhor do

apoio na pesquisa de campo do amor carinho e paciecircncia no dia a dia da ajuda com os

macetes no computador e dos trabalhos e leituras em conjunto Agradeccedilo agrave Marilda

Maia pelo incentivo pelas oraccedilotildees e pelo carinho acolhedor e a toda a famiacutelia Maia e

Brito pela acolhida e apoio Agradeccedilo agrave Efigecircnia em Viccedilosa e agrave Valquiacuteria em Ouro

Preto pelo trabalho domeacutestico Agradeccedilo aos meus amigos e agraves minhas amigas e aos

vi

familiares pela torcida pela irreverecircncia e acima de tudo por compreenderem a minha

ausecircncia Agradeccedilo a Deus por ter chegado ateacute aqui

vii

SUMAacuteRIO

LISTA DE FIGURAS viii

LISTA DE GRAacuteFICOS xii

LISTA DE QUADROS XIII

LISTA DE TABELAS XIV

LISTA DE ABREVIATURAS XV

RESUMO XVII

ABSTRACT XIX

INTRODUCcedilAtildeO 1

CONTEXTUALIZACcedilAtildeO DA PESQUISA 1

NO CAMINHO DA ROCcedilA PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS 6

APRESENTACcedilAtildeO DOS CAPIacuteTULOS 8

1 USOS E SIGNIFICADOS DO TERMO ROCcedilA NO BRASIL 11

11 USOS E SIGNIFICADOS DO TERMO ROCcedilA NA FORMACcedilAtildeO SOacuteCIO-HISTOacuteRICA DO BRASIL 11

12 USOS E SIGNIFICADOS DO TERMO ROCcedilA NOS ESTUDOS SOBRE O CAMPESINATO NO BRASIL 22

13 USOS E SIGNIFICADOS DO TERMO ROCcedilA EM TEXTOS CONTEMPORAcircNEOS 35

14 USOS E SIGNIFICADOS DO TERMO ROCcedilA EM TEXTOS NAtildeO ACADEcircMICOS 40

15 A CATEGORIA ROCcedilA FACE Agrave PROBLEMAacuteTICA CONCEITUAL RELATIVA AO RURAL 45

16 SIacuteNTESE DOS USOS E SIGNIFICADOS DA CATEGORIA ROCcedilA FACE AgraveS PERSPECTIVAS SOBRE O RURAL NO

BRASIL 67

2 ROCcedilA UMA MARCA REGISTRADA A PRODUCcedilAtildeO A CIRCULACcedilAtildeO E O CONSUMO DE PRODUTOS E SERVICcedilOS ldquoDA ROCcedilArdquo 69

21 A ROCcedilA VAI AO MERCADO UMA INTERPRETACcedilAtildeO A PARTIR DA ANTROPOLOGIA DO CONSUMO 69

22 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS E ANAacuteLISE DESCRITIVA DE MARCAS DE PRODUTOS E SERVICcedilOS

COM O TERMO ROCcedilA NO BRASIL 72

23 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS E ANAacuteLISE DE CONTEUacuteDO DE MARCAS DE PRODUTOS E SERVICcedilOS

COM O TERMO ROCcedilA NO BRASIL 89

24 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS E ANAacuteLISE DAS ENTREVISTAS E APLICACcedilAtildeO DE QUESTIONAacuteRIOS

103

3 O MERCADO CENTRAL O CANTINHO DA ROCcedilA NA CAPITAL MINEIRA 130

31 O MERCADO E A NOVA CAPITAL 130

32 A OBSERVACcedilAtildeO PARTICIPANTE E A APLICACcedilAtildeO DE QUESTIONAacuteRIOS NO MERCADO CENTRAL 136

33 O MERCADO CENTRAL E SEUS PARES DE OPOSTOS A CIDADELAacute FORA A ROCcedilAAQUI DENTRO 146

34 AS CATEGORIAS ROCcedilA NO MERCADO CENTRAL 163

4 O FESTIVAL DE GASTRONOMIA E CULTURA DA ROCcedilA DE GONCcedilALVES ldquoAQUI A ROCcedilA Eacute A RAINHArdquo 169

41 A CIDADE DE GONCcedilALVES 169

42 A OBSERVACcedilAtildeO PARTICIPANTE AS ENTREVISTAS E OS ldquoBASTIDORESrdquo DO FESTIVAL 182

43 O 4ordm FESTIVAL DE GASTRONOMIA E CULTURA DA ROCcedilA DE GONCcedilALVES 197

viii

44 AS CATEGORIAS ROCcedilA EM GONCcedilALVES 218

5 O QUE SIGNIFICA ROCcedilA AFINAL 238

51 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS E ANAacuteLISE DAS RESPOSTAS DAS ENTREVISTAS E QUESTIONAacuteRIOS

COM O USO DO SOFTWARE ALCESTE 239

52 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS E ANAacuteLISE DAS RESPOSTAS DAS ENTREVISTAS E QUESTIONAacuteRIOS

COM O USO DO SOFTWARE NVIVO 248

53 SIacuteNTESE DOS RESULTADOS SOBRE OS SIGNIFICADOS DO TERMO ROCcedilA COM O USO DO ALCESTE E DO

NVIVO 258

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 261

REFEREcircNCIAS 266

APEcircNDICES 288

APEcircNDICE A ndash TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ndash PRODUTORES 288

APEcircNDICE B ndash TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ndash CONSUMIDORES 290

APEcircNDICE C ndash TERMO DE AUTORIZACcedilAtildeO DE USO DE IMAGEM 292

APEcircNDICE D ndash ROTEIRO DE ENTREVISTA AOS PRODUTORESDISTRIBUIDORES 293

APEcircNDICE E ndash QUESTIONAacuteRIO SEMIESTRUTURADO ndash PRODUTORES E DISTRIBUIDORES 295

APEcircNDICE F ndash QUESTIONAacuteRIO SEMIESTRUTURADO ndash CONSUMIDORES 299

ix

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 ndash Roccedila de mandioca 17

FIGURA 2 ndash Roccedila de milho 18

FIGURA 3 ndash Roccedila de feijatildeo 18

FIGURA 4 ndash Caracteriacutesticas da roccedila na formaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do Brasil Colocircnia 22

FIGURA 5 ndash Bairros rurais em Gonccedilalves-MG 25

FIGURA 6 ndash Caracteriacutesticas da roccedila no Brasil Contemporacircneo 40

FIGURA 7 ndash Mapa dos municiacutepiosEstados com produtos e serviccedilos com a marca roccedila no Brasil por regiatildeo 2014 82

FIGURA 8 ndash Evoluccedilatildeo das caracteriacutesticas histoacutericas do campo no Brasil e dos usos e significados da marca roccedila (1960-2015) 103

FIGURA 9 ndash Verduras no Mercado Central 114

FIGURA 10 ndash Frutas no Mercado Central 114

FIGURA 11 ndash ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo Gonccedilalves-MG 114

FIGURA 12 ndash Queijo artesanal no Mercado Central 115

FIGURA 13 ndash Cachaccedilas no Mercado Central 115

FIGURA 14 ndash Doces no Mercado Central 115

FIGURA 15 ndash Quitandas no Festival de Gonccedilalves-MG 117

FIGURA 16 ndash Artesanato e cestaria em Gonccedilalves-MG 118

FIGURA 17 ndash Utensiacutelios em aacutegata no Mercado Central 118

FIGURA 18 ndash Panelas de cobre no Mercado Central 118

FIGURA 19 ndash Gamelas no Mercado Central 119

FIGURA 20 ndash ldquoCasinha da roccedilardquo no Mercado Central 119

FIGURA 21 ndash Localizaccedilatildeo de Belo Horizonte-MG 131

FIGURA 22 ndash Fachada do Mercado Central 133

FIGURA 23 ndash Produto com marca ldquoRoccedilardquo no Mercado Central 137

FIGURA 24 ndash Restaurante ldquoCozinha da Roccedilardquo no centro de Belo Horizonte-MG 138 FIGURA 25 ndash Canecas em aacutegata 140

FIGURA 26 ndash Doces embalados no tecido de chita 140

FIGURA 27 ndash Peacutes de boi 141

FIGURA 28 ndash Berrantes 141

FIGURA 29 ndash Gaiolas 141

FIGURA 30 ndash Corredor de artesanato tecelagem e cestaria 142

FIGURA 31 ndash Panelas de barro 142

FIGURA 32 ndash Panelas de pedra 142

FIGURA 33 ndash Queijo cabacinha defumado 144

FIGURA 34 ndash Corredor no Mercado Central 147

FIGURA 35 ndash Queijos 148

FIGURA 36 ndash Utensiacutelios domeacutesticos 148

x

FIGURA 37 ndash Flores e pimentas 148

FIGURA 38 ndash Interior do restaurante 165

FIGURA 39 ndash Lavabo do restaurante 166

FIGURA 40 ndash Detalhe da arquitetura do restaurante 166

FIGURA 41 ndash Fachada do ldquoRoccedila Capitalrdquo no Mercado Central 168

FIGURA 42 ndash Localizaccedilatildeo de Gonccedilalves-MG 170

FIGURA 43 ndash Vista panoracircmica da cidade de Gonccedilalves-MG 171

FIGURA 44 ndash Vista do Bairro dos Remeacutedios 172

FIGURA 45 ndash Cachoeira do Simatildeo no Bairro Retiro 172

FIGURA 46 ndash Igreja de Nossa Senhora das Dores centro de Gonccedilalves-MG 173 FIGURA 47 ndash Localizaccedilatildeo de Gonccedilalves na APA Fernatildeo Dias 176

FIGURA 48 ndash Carro de boi 181

FIGURA 49 ndash Boneca decorativa na loja ldquoDireto da Roccedilardquo rodoviaacuteria de Itajubaacute-MG 184

FIGURA 50 ndash Boneco decorativo na loja ldquoDireto da Roccedilardquo rodoviaacuteria de Itajubaacute-MG 184

FIGURA 51 ndash Wifi Zone na praccedila de Gonccedilalves-MG 186

FIGURA 52 ndash Mapa ilustrado de Gonccedilalves-MG 189

FIGURA 53 ndash Pedra Chanfrada no Bairro Terra Fria 192

FIGURA 54 ndash Restaurante Trecircs Irmatildes no Bairro Rural do Juncal 193

FIGURA 55 ndash Prato do Restaurante Ao Peacute da Pedra 193

FIGURA 56 ndash Restaurante da Vilma no Bairro dos Venacircncios 194

FIGURA 57 ndash Feira ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo 195

FIGURA 58 ndash ldquoCafeacute na Roccedilardquo na Feira ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo 196

FIGURA 59 ndash Interior do ldquoCafeacute na Roccedilardquo 196

FIGURA 60 ndash ldquoParquinho da Roccedilardquo na Feira ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo 196 FIGURA 61 ndash Mesas e stands no 4o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila 202

FIGURA 62 ndash Salatildeo de festas do Clube Recreativo de Gonccedilalves-MG 202 FIGURA 63 ndash Stand de Slow Food ldquoConviacutevio Terras Altas do Sapucaiacuterdquo 203 FIGURA 64 ndash Oficina de queijos de ovelha e cervejas artesanais ndash 203

FIGURA 65 ndash Cartaz de divulgaccedilatildeo do 1o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila 205

FIGURA 66 ndash Cartaz de divulgaccedilatildeo do 2o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila 205

FIGURA 67 ndash Guia Gastronocircmico do 3o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila 206

FIGURA 68 ndash Cartaz de divulgaccedilatildeo do 4o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila 206

FIGURA 69 ndash Fornalha e fogatildeo a lenha 209

FIGURA 70 ndash Broa de pau-a-pique 210

FIGURA 71 ndash Quituteiras Dona Dita Aline e Cida 210

FIGURA 72 ndash Tear 211

FIGURA 73 ndash Artesanato em palha de milho 211

xi

FIGURA 74 ndash Sela e balaios 212

FIGURA 75 ndash Carro de boi e milho 212

FIGURA 76 ndash Raacutedio antigo 212

FIGURA 77 ndash Armaacuterio decorativo 213

FIGURA 78 ndash Detalhe decorativo 213

FIGURA 79 ndash Detalhe decorativo 214

FIGURA 80 ndash Dupla Campo Belo e Companheiro e Catireiros da Mantiqueira 215

FIGURA 81 ndash Desfile de Carros de Boi 215

FIGURA 82 ndash Igreja de Nossa Senhora dos Remeacutedios no Bairro Rural dos Remeacutedios 222

FIGURA 83 ndash Dendograma da classificaccedilatildeo hieraacuterquica descendente do corpus 241

FIGURA 84 ndash Anaacutelise Fatorial de Correspondecircncia em Coordenadas 242

FIGURA 85 ndash Mapa da aacutervore de codificaccedilatildeo 257

FIGURA 86 ndash Dendograma da anaacutelise de cluster dos noacutes 258

xii

LISTA DE GRAacuteFICOS

GRAacuteFICO 1 ndash Evoluccedilatildeo das solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila 79

GRAacuteFICO 2 ndash Tipos de produtos com solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila no Brasil no INPI 84

GRAacuteFICO 3 ndash Evoluccedilatildeo dos produtos e serviccedilos com solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila no Brasil no INPI 87

GRAacuteFICO 4 ndash Tipos de serviccedilos com solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila 88

GRAacuteFICO 5 ndash Quantidade de marcas em cada categoria por deacutecadas 101

GRAacuteFICO 6 ndash Residecircncia dos produtoresdistribuidores respondentes 107 GRAacuteFICO 7 ndash Profissatildeo dos produtoresdistribuidores respondentes 108

GRAacuteFICO 8 ndash Funccedilatildeo exercida no estabelecimento pelos produtoresdistribuidores respondentes 108

GRAacuteFICO 9 ndash Escolaridade dos produtoresdistribuidores respondentes 109

GRAacuteFICO 10 ndash Faixa etaacuteria dos produtoresdistribuidores respondentes 109

GRAacuteFICO 11 ndash Residecircncia dos consumidores respondentes 110

GRAacuteFICO 12 ndash Faixa etaacuteria dos consumidores respondentes 110

GRAacuteFICO 13 ndash Escolaridade dos consumidores respondentes 111

GRAacuteFICO 14 ndash Profissatildeo dos consumidores respondentes 111

GRAacuteFICO 15 ndash Origem dos consumidores respondentes 112

GRAacuteFICO 16 ndash Origem dos pais dos consumidores respondentes 112

GRAacuteFICO 17 ndash Profissotildees dos pais dos consumidores respondentes 113

GRAacuteFICO 18 ndash Subcategorias e atributos 256

xiii

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 ndash Caracteriacutesticas da roccedila no Brasil Colocircnia e no campesinato no Brasil Repuacuteblica 34

QUADRO 2 ndash Classificaccedilotildees Nacional e de Nice dos produtos e serviccedilos com a marca roccedila com processo de registro no INPI 75

QUADRO 3 ndash Reagrupamento das categorias de produtos e serviccedilos com a marca roccedila com processo de registro no INPI a partir das Classificaccedilotildees Nacional e de Nice 77

QUADRO 4 ndash Categorias da anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica 97

QUADRO 5 ndash Categorias dos significados dos produtosserviccedilos com a marca roccedila segundo os produtoresdistribuidores 120

QUADRO 6 ndash Categorias dos significados dos produtosserviccedilos com a marca roccedila segundo os consumidores 122

QUADRO 7 ndash Comparaccedilatildeo das categorias de significados 128

QUADRO 8 ndash Siacutentese das categorias de significado roccedila no Mercado Central 168

QUADRO 9 ndash Menu do 4o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila 207

QUADRO 10 ndash Variaacuteveis e coacutedigos da linha de comando do corpus 240

QUADRO 11 ndash Siacutentese das classes de significados e variaacuteveis 247

xiv

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 ndash Quantidade de solicitaccedilotildees de registro de marca com o termo roccedila no INPI no Brasil por deacutecadas 78

TABELA 2 ndash Quantidade de produtos e serviccedilos com a marca roccedila por unidades da federaccedilatildeo no Brasil identificadas na internet 83

TABELA 3 ndash Evoluccedilatildeo dos tipos de produtos e serviccedilos com solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila no Brasil no INPI 85

TABELA 4 ndash Evoluccedilatildeo dos produtos e serviccedilos com solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila no Brasil no INPI 86

TABELA 5 ndash Frequecircncia das marcas mais recorrentes com a palavra roccedila ao longo das deacutecadas 90

TABELA 6 ndash Categorias das marcas com o nome roccedila 99

TABELA 7 ndash Quantidade de referecircncias agraves categorias de significados de roccedila 252

TABELA 8 ndash Categorias de significados de roccedila para consumidores e produtores 253

TABELA 9 ndash Categorias de significados de roccedila por cidades 254

TABELA 10 ndash Subcategorias de significados de roccedila 256

xv

LISTA DE ABREVIATURAS

ALCESTE ndash Analyse Lexicale par Contexte drsquoun Ensemble de Segments de Texte

ANVAR ndash Agecircncia Nacional Francesa de Valorizaccedilatildeo agrave Pesquisa

APA ndash Aacuterea de Proteccedilatildeo Ambiental

BELOTUR ndash Empresa Municipal de Turismo

BH ndash Belo Horizonte

CAIrsquos ndash Complexos Agroindustriais

CEASA ndash Central de Abastecimento de Minas Gerais

CNRS ndash Centro Nacional Francecircs de Pesquisa Cientiacutefica

CNS ndash Conselho Nacional de Sauacutede

COMTUR ndash Conselho Municipal de Turismo

DO ndash Denominaccedilatildeo de Origem

ECO 92 ndash Conferecircncia das Naccedilotildees Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento

ECOCERT ndash Organismo de Controle e Certificaccedilatildeo

EMATER ndash Empresa Mineira de Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural

EPTV ndash Emissoras Pioneiras de Televisatildeo

EUA ndash Estados Unidos da Ameacuterica

IBD ndash Instituto Biodinacircmico

IBGE ndash Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IBPT ndash Instituto Nacional de Planejamento Tributaacuterio

IDH ndash Iacutendice de Desenvolvimento Humano

IG ndash Indicaccedilatildeo Geograacutefica

IMA ndash Instituto Mineiro Agropecuaacuterio

INMETRO ndash Instituto Nacional de Metrologia Normalizaccedilatildeo e Qualidade Industrial

INPI ndash Instituto Nacional de Propriedade Industrial

IP ndash Indicaccedilatildeo de Procedecircncia

IRPP ndash Induacutestria Rural de Pequeno Porte

MAPA ndash Ministeacuterio da Agricultura Pecuaacuteria e Abastecimento

MDA ndash Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio

MPB ndash Muacutesica Popular Brasileira

xvi

MST ndash Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

OCDE ndash Organizaccedilatildeo para Cooperaccedilatildeo do Desenvolvimento Econocircmico

ORNAS ndash Ocupaccedilotildees Rurais Natildeo Agriacutecolas

PAC ndash Poliacutetica Agriacutecola Comum

PIB ndash Produto Interno Bruto

PNAD ndash Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios

PNATER ndash Programa Nacional de Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural

PRONAF ndash Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

QGIS ndash Quantum Gis (Geographic Information System)

SBT ndash Sistema Brasileiro de Televisatildeo

SIRGAS ndash Sistema de Referecircncia Geocecircntrico para as Ameacutericas

SPSS ndash Statistical Package for Social Sciences

TV ndash Televisatildeo

UCE ndash Unidade de Contexto Elementar

UCI ndash Unidade de Contexto Inicial

xvii

RESUMO

SILVEIRA Lidiane Nunes da D Sc Universidade Federal de Viccedilosa novembro de 2015 Roccedila uma marca registrada o processo de valorizaccedilatildeo do rural na sociedade brasileira Orientadora Ana Louise de Carvalho Fiuacuteza Coorientadores Douglas Mansur da Silva e Rennan Lanna Martins Mafra Esta pesquisa analisou os usos e significados do termo roccedila expressos nas marcas de

produtos e serviccedilos no mercado brasileiro entre os anos de 1960 e 2014 Partiu-se da

premissa de que roccedila eacute um termo de uso nativo relativo e relacional que a depender do

contexto social pode carrear uma valoraccedilatildeo simboacutelica positiva ou estigmatizada para

classificar pessoas e bens na perspectiva da antropologia do consumo Teve-se como

pressuposto que os usos e os significados atribuiacutedos ao termo roccedila no Brasil poderiam

revelar mudanccedilas e permanecircncias acerca da representaccedilatildeo do ldquocampordquo enquanto espaccedilo

fiacutesico e do ldquoruralrdquo enquanto modo de vida indicando implicitamente a dinamicidade

da relaccedilatildeo campo-cidade e rural-urbano em meio agraves transformaccedilotildees socioeconocircmicas do

Brasil Estabeleceu-se como hipoacuteteses de trabalho que o uso da categoria roccedila entre

atores de diferentes contextos sociais ateacute meados dos anos 1980 acentuava as

tradicionais assimetrias historicamente instituiacutedas na sociedade brasileira Apoacutes os anos

1980 o uso dessa categoria nas marcas de produtos e de serviccedilos apontaria para a

flexibilizaccedilatildeo das fronteiras demarcatoacuterias das hierarquias sociais ao criar

identificadores fluidos em relaccedilatildeo agraves posiccedilotildees sociais de consumidores e produtores A

valoraccedilatildeo positiva do termo roccedila na sociedade brasileira se relacionaria tanto a fatores

externos como a emergecircncia de discursos voltados agrave conservaccedilatildeo ambiental e a

revalorizaccedilatildeo do rural como alternativa de vida agraves condiccedilotildees sociais da modernidade

tardia e do poacutes-produtivismo quanto a fatores internos como as conquistas advindas

das poliacuteticas sociais posteriores ao periacuteodo da redemocratizaccedilatildeo brasileira A pesquisa

analisou uma amostra de 325 marcas com solicitaccedilatildeo de registro com a palavra roccedila no

Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) no periacuteodo entre 1965 e 2014 Esta

amostra foi analisada utilizando-se estatiacutestica descritiva e anaacutelise de conteuacutedo de

frequecircncia leacutexico-sintaacutetica e categoacuterica Realizou-se tambeacutem trabalho de campo

aplicando-se 70 questionaacuterios semiestruturados e entrevistas a produtores distribuidores

e consumidores de produtos e serviccedilos com a marca roccedila no Mercado Central de Belo

Horizonte e no 4ordm Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila na cidade de Gonccedilalves

xviii

em Minas Gerais Estes dados foram analisados por meio de estatiacutestica descritiva

anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica com a utilizaccedilatildeo do software NVivo e anaacutelise estatiacutestica

textual com auxiacutelio do software Alceste A anaacutelise de conteuacutedo das marcas corroborou

a hipoacutetese de que a categoria roccedila apontaria para uma revalorizaccedilatildeo do rural sendo

utilizada para se distinguir dos produtos e serviccedilos industrializados massificados

indiferenciados destacando a sua procedecircncia ou origem Na perspectiva dos

produtores distribuidores e consumidores os produtos com a marca roccedila foram

classificados positivamente como naturais e artesanais em detrimento dos produtos

industrializados A classificaccedilatildeo desses produtos e serviccedilos pelos entrevistados envolvia

os ideais de natureza bem como o imaginaacuterio romacircntico-nostaacutelgico e tradicional

Constatou-se uma permanecircncia no uso histoacuterico do termo roccedila como sinocircnimo de

lavoura campo e rural mas a atribuiccedilatildeo de novos significados como romacircnticos

nostaacutelgicos e com referecircncias agrave natureza que confirmam uma tendecircncia de valorizaccedilatildeo

do rural em curso Comprovou-se tambeacutem o caraacuteter relativo e relacional do termo roccedila

considerado como lavoura campo e rural para os entrevistados residentes no campo e

como natureza interior e cidade pequena para os respondentes metropolitanos

xix

ABSTRACT

SILVEIRA Lidiane Nunes DSc Universidade Federal de Viccedilosa November 2015 Roccedila a registered trademark the rural appreciation process in Brazilian society Advisor Ana Louise de Carvalho Fiuacuteza Co-Advisors Douglas Mansur da Silva and Rennan Lanna Martins Mafra

This research analyzed the uses and meanings of the term roccedila expressed in trademarks

of products and services in the Brazilian market between 1960 and 2014 Started from

the premise that roccedila is a native terms of use relative and relational that depending on

social context can generate a positive symbolic value or stigmatized to classify people

and goods based on Anthropology of Consumption It had as presupposition that the

uses and meanings attributed to the term roccedila in Brazil could reveal changes and stays

on the representation of the ldquofieldrdquo while physical space and ldquoruralrdquo as a way of life

indicating implicitly the dynamics of country side-town and rural-urban relationship

among the socio-economic transformations in Brazil It was established as a working

hypothesis that the use of roccedila category between actors from different social contexts

until the mid-1980s accentuated the traditional asymmetries historically instituted in

Brazilian society After the 1980s the use of this category in trademarks of products

and services this fact should point to flexibility of the frontier demarcation in social

hierarchies as they create identifiers fluids in relation to social position of consumers

and producers The positive evaluation of the term roccedila in Brazilian society would relate

both to external factors such as the emergence of speeches aimed at environmental

conservation and upgrading of the rural as an alternative life to the social conditions of

late modernity and post-productivism as the internal factors such as the achievements

resulting from subsequent social policies to the period of Brazilian redemocratisation

The research analyzed a sample of 325brands with registration request with the word

roccedila the National Institute of Industrial Property (INPI) in the period between 1965 and

2014 This sample was analyzed using descriptive statistics and analysis of frequency

content lexical-syntactic and categorical Also held fieldwork applying 70 semi-

structured questionnaires and interviews with producers distributors and consumers of

products and services to the roccedila brand in the Central Market of Belo Horizonte and 4th

Food Festival and Culture from the Roccedila in the city Gonccedilalves in Minas Gerais These

data were analyzed using descriptive statistics categorical content analysis using NVivo

xx

software and textual statistical analysis using the Alceste software The content analysis

of the marks corroborated the hypothesis that roccedila category would point to a revaluation

of the rural and have been used to distinguish the goods and industrial services mass

market undifferentiated highlighting their origin or source From the perspective of

producers distributors and consumers products with the roccedila brand were rated

positively as natural and hand made at the expense of manufactured products The

classification of these products and services by interviewees involved the ideals of

nature as well as the romantic nostalgic and traditional imaginary It was found a stay

in the historical use of the term roccedila as synonymous with agriculture countryside and

rural but the allocation of new meanings as romantic nostalgic and with references to

nature that confirm a rural on going appreciation trend It also demonstrated the relative

and relational character of the term roccedila regarded as farming countryside and rural

residents to interviewees in the field and how nature country town and small town to

the metropolitan respondents

1

INTRODUCcedilAtildeO

Contextualizaccedilatildeo da pesquisa

Embora o termo roccedila jaacute tenha sido estudado em diversos trabalhos realizados no

Brasil o enfoque analiacutetico geralmente adotado voltava-se para o seu significado como

espaccedilo de cultivo Nesta tese procurou-se analisar os significados associados ao termo

roccedila em marcas de produtos e serviccedilos bem como em eventos culturais Observaccedilotildees

assistemaacuteticas serviram para a elaboraccedilatildeo da premissa de que a depender do contexto

social no qual se usa o termo roccedila o seu acionamento pode carrear uma valorizaccedilatildeo

simboacutelica positiva ou estigmatizada e marginalizada Esta pesquisa analisou portanto o

termo roccedila como uma categoria de uso nativo operada simbolicamente entre os grupos

sociais em seus diferentes contextos de forma relativa e relacional (LIMA 1999) para

classificar pessoas e bens (BOURDIEU 2013)

Objetivou-se de forma especiacutefica nesta tese compreender os usos e

significados do termo roccedila expressos nos enunciados de marcas de produtos e serviccedilos

disponiacuteveis no mercado brasileiro da deacutecada de 1960 ateacute 2014 Propocircs-se como

hipoacutetese de pesquisa que as transformaccedilotildees socioeconocircmicas ocorridas na relaccedilatildeo entre

o campo e a cidade neste periacuteodo de aproximadamente meio seacuteculo se evidenciam no

cotidiano dos brasileiros atraveacutes do uso que fazem do termo roccedila Segundo Kageyama

(2008) pode-se observar a partir dos anos 1990 uma proximidade maior na dinacircmica

envolvendo as relaccedilotildees entre o campo e a cidade principalmente nos pequenos e

meacutedios municiacutepios em funccedilatildeo do aprofundamento da industrializaccedilatildeo difusa que os

alcanccedila Neste periacuteodo as Ocupaccedilotildees Rurais Natildeo Agriacutecolas (ORNAS) se

desenvolveram no campo acompanhadas do processo de expansatildeo da monetarizaccedilatildeo

das sociedades rurais que se aprofundou atraveacutes da remuneraccedilatildeo salarial do trabalho

agriacutecola que passou a ser mais fiscalizado bem como do acesso agrave aposentadoria rural e

aos programas sociais do governo como o Bolsa Famiacutelia Todos estes fatores apontam

para a configuraccedilatildeo de uma relaccedilatildeo mais estreita entre citadinos e rurais Aleacutem disso as

preocupaccedilotildees ambientais impulsionam novas funcionalidades atribuiacutedas ao campo

2

mediante o culto agrave natureza agrave valorizaccedilatildeo de uma vida alternativa saudaacutevel e

sustentaacutevel

Essas mudanccedilas tecircm como reflexos praacuteticos transformaccedilotildees demograacuteficas

ocupacionais e de renda tanto para as populaccedilotildees originariamente rurais quanto para as

neorrurais Entre os rurais destacam-se as novas ocupaccedilotildees no campo em setores de

serviccedilos por exemplo como caseiros das casas de campo dos citadinos como

funcionaacuterios ou proprietaacuterios de pousadas hoteacuteis fazenda restaurantes serviccedilos

turiacutesticos dentre tantas outras Jaacute os neorrurais ao se mudarem para o campo em busca

de uma vida sossegada e saudaacutevel em contato com a natureza iniciam novos

empreendimentos abrindo oportunidades de emprego no setor de turismo rural de

turismo ecoloacutegico ou mesmo na produccedilatildeo agriacutecola e agroindustrial voltada para

mercados de nicho diversificando a economia rural

Mas esta proximidade entre citadinos e rurais tambeacutem pode ser observada nas

cidades seja nos pequenos municiacutepios ou nas grandes metroacutepoles por meio da induacutestria

cultural vinculada ao estilo country Este fenocircmeno pode ser observado no mercado da

muacutesica sertaneja da moda texana nas grandes festas de rodeio em exposiccedilotildees

agropecuaacuterias restaurantes temaacuteticos dentre outros fenocircmenos voltados para a

revalorizaccedilatildeo daquilo que eacute considerado simples ruacutestico autecircntico natural como o

consumo de produtos artesanais com caracteriacutesticas locais minimamente processados

ou de produtos orgacircnicos agroecoloacutegicos encontrados nas feiras onde se compra

diretamente do produtor rural A busca por maior proximidade ao campo por parte dos

citadinos se faz ainda por meio de experiecircncias voltadas para a realizaccedilatildeo de mudanccedilas

na arquitetura e na gastronomia ao resgatar elementos materiais e simboacutelicos antigos

como o fogatildeo a lenha ou a fornalha na ldquocozinha caipira gourmetrdquo Tais manifestaccedilotildees se

voltam para uma tentativa de reviver se apropriar e ou reelaborar velhas receitas que

lembram a comida da avoacute a casa na roccedila as feacuterias no siacutetio que remetem agraves

experiecircncias do passado A busca pelo caminho da roccedila a ressignificaccedilatildeo das origens

rurais o culto agrave nostalgia revelam um desgaste do modelo de sociedade poacutes-fordista

hipermodernizada Todos estes fenocircmenos a depender do contexto e da experiecircncia

podem significar tanto um afastamento da sociedade de consumo como por outro lado

apenas uma fuga momentacircnea da mesma com duraccedilatildeo datada um fim de semana ou

alguns dias de feacuterias Enfim investigar como o uso da palavra roccedila na circulaccedilatildeo de

3

bens e serviccedilos no Brasil pode revelar esses complexos aspectos do rural nos uacuteltimos

anos eacute o que se propotildee nessa tese1

A emergecircncia a partir da segunda metade do seacuteculo XX de um mercado de

produtos e serviccedilos com a marca roccedila no Brasil torna-se ainda mais emblemaacutetico

quando se observa historicamente os usos e significados do termo roccedila neste paiacutes No

Brasil Colocircnia o termo roccedila estava vinculado agrave formaccedilatildeo de lavouras ao longo das

trilhas abertas para descobrimentos rumo ao interior do paiacutes visando garantir os

provimentos dos desbravadores que se aventuravam na conquista de novos espaccedilos A

categoria roccedila nessa eacutepoca tambeacutem era empregada para designar a produccedilatildeo de

gecircneros alimentiacutecios agraves margens das grandes lavouras monocultoras para garantir os

viacuteveres para a famiacutelia dos senhores e dos trabalhadores O uso do termo roccedila referia-se

ainda agrave produccedilatildeo agriacutecola desenvolvida por trabalhadores livres e suas famiacutelias nas

zonas perifeacutericas agraves cidades para o abastecimento destas

Assim nos primeiros seacuteculos da colonizaccedilatildeo brasileira as roccedilas se referiam aos

espaccedilos de cultivos em grandes extensotildees de terra e a agricultura era praticada de forma

itinerante Mas ao longo destes seacuteculos de colonialismo as transformaccedilotildees dos ciclos

produtivos o crescimento da populaccedilatildeo especialmente de uma classe de trabalhadores

livres pauperizada e uma maior sedentarizaccedilatildeo nos espaccedilos jaacute domesticados foi dando

lugar ao uso da palavra roccedila para se referir agrave lavoura de autoconsumo das famiacutelias

agricultoras mas em espaccedilos de terra cada vez menores Eacute assim que no Brasil Impeacuterio

cuja estrutura fundiaacuteria foi entatildeo marcada pela Lei de Terras de 1850 a alienaccedilatildeo a

heranccedila e a sucessatildeo da terra fragmentaram o terreno Aos poucos o termo roccedila foi

sendo cada vez mais associado a essa pequena lavoura de famiacutelias camponesas

instaladas em pequenas propriedades de forma marginalizada em relaccedilatildeo agraves grandes

produccedilotildees e agraves cidades

A consolidaccedilatildeo dessa estrutura fundiaacuteria no Brasil Repuacuteblica especialmente ateacute

a primeira metade do seacuteculo XX marca o uso da categoria roccedila natildeo soacute para se referir a

essa pequena produccedilatildeo agriacutecola marginalizada agrave cidade mas tambeacutem a uma

hierarquizaccedilatildeo dos processos agraacuterios e agriacutecolas Essa hierarquia caracteriza-se tanto

pelas famiacutelias agricultoras que cultivam as roccedilas em regimes de posse arrendamento ou

1 Vaacuterias pesquisas chamaram a atenccedilatildeo para este processo de ressignificaccedilatildeo do rural tambeacutem no Brasil dentre elas Alem (1996) Allonso (2012) Carneiro (1998) De Paula (1999) Eacuteboli (2005) Oliveira L (2003) Oliveira A (2009) Silva J (1997) entre outros Elas seratildeo discutidas mais detalhadamente ao longo deste trabalho

4

parceria com os grandes proprietaacuterios quanto pela relaccedilatildeo desigual que foi se formando

entre o campo e a cidade Foi nessa eacutepoca que surgiram expressotildees como ldquojeca da

roccedilardquo e a palavra aqui estudada ateacute onde foi possiacutevel averiguar comeccedilou a ser utilizada

para estigmatizar marginalizar classificar pessoas e bens com o estereoacutetipo negativo do

atraso do subdesenvolvimento da ausecircncia de direitos e da carecircncia de serviccedilos Atesta

esse processo a figura do personagem de Monteiro Lobato Jeca Tatu presente no

imaginaacuterio rural do Brasil Na segunda metade do seacuteculo XX ateacute os anos 1980 a

categoria roccedila seguiu sendo utilizada como um marcador social da diferenccedila reforccedilada

pelos novos arranjos produtivos no campo como a modernizaccedilatildeo conservadora os

conflitos deflagrados pelas lutas pelo direito dos trabalhadores rurais a expansatildeo urbana

e o ecircxodo rural aprofundando ainda mais as desigualdades entre a agricultura

empresarial e a familiar entre o campo e a cidade

A amplitude dos significados do termo roccedila jaacute havia se destacado para a

pesquisadora durante a execuccedilatildeo de uma pesquisa realizada em 2005 na regiatildeo do

Centro-Oeste de Minas Gerais que teve como objetivo estudar as relaccedilotildees de

sociabilidade e trabalho entre boias-frias ou ldquoapanhadores de cafeacuterdquo no municiacutepio de

Piumhi (SILVEIRA 2005) Em um dado momento das entrevistas notou-se que os

ldquoapanhadores de cafeacuterdquo utilizavam o termo roccedila para descrever a sua infacircncia o seu

modo de vida os seus gostos e a sua cultura Falavam de roccedila como um espaccedilo de vida

como o seu lugar Roccedila nas falas dos ldquoapanhadoresrdquo abarcava o ldquocampordquo como

espaccedilo fiacutesico mas tambeacutem os aspectos culturais caracteriacutesticos do rural enquanto modo

de vida ldquoEu nasci e me criei na roccedilardquo ldquoEstudei soacute ateacute o terceiro ano Na roccedila era difiacutecil

estudarrdquo ldquoNas roccedilas nossas de primeiro soacute tinha carro de boi Hoje vocecirc natildeo acha

mais boiada de carrordquo Num segundo momento em 2007 durante a realizaccedilatildeo de outra

pesquisa na mesma regiatildeo entrevistando agricultores e tambeacutem citadinos constatou-se

novamente o uso do termo roccedila como espaccedilo fiacutesico no qual se vive e como modo de

vida (SILVEIRA 2008) Mediante estas duas pesquisas emergiu um contraste de

significados atribuiacutedos agrave roccedila pelos habitantes e trabalhadores do campo entrevistados

nas referidas pesquisas e o significado atribuiacutedo agrave roccedila nos textos acadecircmicos no Brasil

nos quais roccedila se refere agrave lavoura Foi justamente a partir da percepccedilatildeo desse jogo

ambiacuteguo que envolve o uso e os significados da expressatildeo roccedila no Brasil ora utilizado

para discriminar ora para exaltar que surgiu a motivaccedilatildeo para esta pesquisa Assim

este estudo se propocircs a analisar roccedila como categoria nativa buscando apreender nova

5

nuance sobre o ldquocampordquo enquanto espaccedilo fiacutesico e sobre o ldquoruralrdquo enquanto modo de

vida ao menos em Minas Gerais local de desenvolvimento da pesquisa (ENDLICH

2010)

A partir desse objetivo atribuiacutedo agrave investigaccedilatildeo vislumbrou-se a possibilidade

de buscar analisar esses diversos usos e significados do termo roccedila no Brasil

considerando para tanto o seu uso no mercado de produtos e serviccedilos em funccedilatildeo de

sua crescente disseminaccedilatildeo A hipoacutetese a ser investigada nesta pesquisa eacute a de que o

uso e os significados atribuiacutedos ao termo roccedila no Brasil poderiam revelar mudanccedilas e

permanecircncias acerca do ldquocampordquo concebido enquanto espaccedilo fiacutesico e do ldquoruralrdquo

enquanto modo de vida indicando implicitamente a dinamicidade da relaccedilatildeo campo-

cidade e rural-urbano em meio agraves transformaccedilotildees socioeconocircmicas do Brasil

Em inuacutemeros contextos sociais como na induacutestria cultural ou no mercado de

produtos e serviccedilos eacute possiacutevel notar os diferentes usos do vocaacutebulo roccedila Estes sugerem

a ocorrecircncia de um imaginaacuterio sobre o campo e o rural com conotaccedilotildees associadas agrave

tradiccedilatildeo agrave natureza ao romantismo e agrave nostalgia Devido agraves limitaccedilotildees que um trabalho

dessa envergadura imporia fez-se necessaacuterio eleger um objeto especiacutefico de

investigaccedilatildeo dentre os diversos campos de significaccedilatildeo relativos ao termo roccedila na

sociedade brasileira Optou-se portanto por se realizar a pesquisa no campo das marcas

de produtos e serviccedilos que utilizam a expressatildeo roccedila no Brasil desde os anos 1960 A

escolha se deu em funccedilatildeo das marcas de produtos e serviccedilos que utilizam o termo roccedila

expressarem um processo socialmente vivido de ressignificaccedilatildeo do campo e do rural no

Brasil

O marco teoacuterico utilizado nesta pesquisa permitiu a elaboraccedilatildeo de trecircs hipoacuteteses

acerca dos significados do termo roccedila nos diferentes contextos da sociedade brasileira

1) o uso da categoria roccedila entre atores de diferentes posiccedilotildees e contextos sociais ateacute

meados dos anos 1980 acentuava as tradicionais assimetrias historicamente instituiacutedas

na sociedade brasileira cumprindo a funccedilatildeo demarcatoacuteria de reproduzir as relaccedilotildees

vividas em tempos preteacuteritos 2) o uso da categoria roccedila apoacutes os anos 1980 nas marcas

de produtos e de serviccedilos flexibiliza as fronteiras demarcatoacuterias das hierarquias sociais

amenizando as diferenccedilas instituiacutedas na sociedade brasileira ao criar identificadores

fluidos em relaccedilatildeo agraves posiccedilotildees sociais de consumidores e produtores bem como ao

transvestir o campo e o rural com a imagem espetacularizada de um campo-urbanizado

revelando novos usos e sentidos para o rural na cultura brasileira 3) esse arrefecimento

6

do uso da categoria roccedila para demarcar assimetrias sociais na sociedade brasileira

relaciona-se tanto a fatores externos quanto a internos Dentre os fatores externos

destacam-se entre outros a emergecircncia de discursos movimentos e poliacuteticas voltadas agrave

sustentabilidade e agrave conservaccedilatildeo ambiental e a identificaccedilatildeo de um papel preponderante

do campo nessa empreitada e aos processos de revalorizaccedilatildeo do rural como alternativa

de vida agraves condiccedilotildees sociais da modernidade tardia e do poacutes-fordismo Quanto aos

fatores internos destacam-se aqueles ligados ao contexto de redemocratizaccedilatildeo brasileira

poacutes-1988 caracterizado pelas conquistas sociais das camadas mais pobres inclusive no

campo com a universalizaccedilatildeo da aposentadoria rural e as poliacuteticas sociais de

transferecircncia de renda como o Bolsa Famiacutelia e de creacutedito e financiamento como o

Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) o Programa

de Aquisiccedilatildeo de Alimentos e os processos de assentamento rural da Reforma Agraacuteria

Propotildee-se portanto nesta pesquisa investigar os usos e significados que envolvem a

palavra roccedila em marcas de produtos e serviccedilos no Brasil da deacutecada 1960 ateacute 2014

No caminho da roccedila procedimentos metodoloacutegicos

A busca da diversidade de sentidos do termo roccedila e seu uso nas marcas de

produtos e serviccedilos implicou na execuccedilatildeo de trecircs procedimentos metodoloacutegicos que

permitiram uma triangulaccedilatildeo de dados para a anaacutelise Essa triangulaccedilatildeo foi possiacutevel

analisando-se os dados secundaacuterios com base na estatiacutestica descritiva e na anaacutelise de

conteuacutedo realizando-se uma categorizaccedilatildeo dos dados primaacuterios tambeacutem com base na

anaacutelise de conteuacutedo e efetuando-se uma descriccedilatildeo etnograacutefica a partir da observaccedilatildeo

participante Enquanto a anaacutelise de dados secundaacuterios permitiu constatar a ocorrecircncia do

fenocircmeno estudado e identificar sua tendecircncia dentro de uma perspectiva histoacuterica a

anaacutelise dos dados primaacuterios possibilitou a compreensatildeo de alguns significados inerentes

ao fenocircmeno

O primeiro procedimento consistiu no levantamento de dados secundaacuterios que

revelassem a existecircncia de marcas de produtos e serviccedilos com o termo roccedila no Brasil

no periacuteodo compreendido entre 1960 e 2014 no Instituto Nacional de Propriedade

Industrial (INPI) oacutergatildeo ligado ao Ministeacuterio do Desenvolvimento Induacutestria e Comeacutercio

7

Exterior e responsaacutevel entre outras competecircncias pela concessatildeo do registro de marcas

no Brasil A amostra coletada continha 325 marcas com o termo roccedila que foram

analisadas utilizando-se a estatiacutestica descritiva com auxiacutelio do software Microsoft

Excel e a anaacutelise de conteuacutedo de frequecircncia leacutexico-sintaacutetica e categoacuterica seguindo-se

as orientaccedilotildees de Bardin (1977) Essa amostra de produtos e serviccedilos com solicitaccedilatildeo de

registro de marcas com o termo roccedila no INPI tambeacutem foi investigada em sites blogs e

fanpages na internet onde foram identificadas 162 delas Essa uacuteltima amostragem

permitiu construir um mapeamento da distribuiccedilatildeo espacial dessas marcas nos

municiacutepios Estados e regiotildees brasileiras a partir da composiccedilatildeo de um mapa no

software Quantum Gis (QGis) utilizando-se para isso o banco de dados de camadas

vetoriais ou shapefiles ldquoLimitesrdquo da Base Cartograacutefica Vetorial do Brasil (BASE

[2007]) conforme o Sistema de Referecircncia Geocecircntrico para as Ameacutericas (SIRGAS)

ambos disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE)

O segundo procedimento consistiu na aplicaccedilatildeo de 70 questionaacuterios

semiestruturados e entrevistas a produtores distribuidores e consumidores de produtos e

serviccedilos com a marca roccedila no Brasil alguns selecionados a partir da amostra de dados

secundaacuterios entre aqueles que se dispuseram a participar da pesquisa Os questionaacuterios

foram aplicados a alguns produtoresdistribuidores via e-mail utilizando-se um

formulaacuterio eletrocircnico a distribuidores e consumidores no Mercado Central de Belo

Horizonte e a produtores e consumidores participantes do Festival de Gastronomia e

Cultura da Roccedila na cidade de Gonccedilalves ambas em Minas Gerais Os dados coletados

nos questionaacuterios e entrevistas foram analisados por meio de estatiacutestica descritiva

anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica com base nas orientaccedilotildees de Bardin (1977) anaacutelise

estatiacutestica textual com auxiacutelio do software Alceste e codificaccedilatildeo com o uso do

software NVivo O terceiro procedimento realizado concomitantemente agrave aplicaccedilatildeo de

questionaacuterios e entrevistas referiu-se agrave observaccedilatildeo participante em dois loacutecus de

circulaccedilatildeo de bens com a marca roccedila no 4ordm Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila

da cidade de Gonccedilalves e no Mercado Central de Belo Horizonte entre os meses de

setembro e novembro de 2014 Estes eventos foram selecionados para se realizar a

observaccedilatildeo participante e a aplicaccedilatildeo de entrevistas eou questionaacuterios a partir de alguns

criteacuterios ambos caracterizaram-se pela ampla circulaccedilatildeo de consumidores eou

frequentadores destes espaccedilos potencialmente motivados pelo consumo de serviccedilos e

produtos da roccedila Gonccedilalves ateacute entatildeo tem desenvolvido sua vocaccedilatildeo turiacutestica em

8

torno da cultura rural e da categoria roccedila e possuiacutea vaacuterios estabelecimentos na cidade e

no campo que utilizavam o termo roccedila no seu nome O Mercado Central tambeacutem

possuiacutea alguns estabelecimentos com o vocaacutebulo roccedila em seu nome aleacutem de ser

apontado por alguns autores que o estudaram como um lugar dentro da capital

mineira que seria identificado pelos seus frequentadores como um refuacutegio nostaacutelgico

que lembra a roccedila Adicionalmente o Mercado Central reunia uma seacuterie de

estabelecimentos que comercializam entre outros produtos oriundos do campo entre

alimentos bebidas artesanatos e utilidades domeacutesticas Os demais criteacuterios que

nortearam a escolha destes eventosespaccedilos para a pesquisa de campo seratildeo

apresentados detalhadamente nos capiacutetulos 3 e 4 que tratam respectivamente dos

procedimentos metodoloacutegicos e da descriccedilatildeo dos dados relativos agrave pesquisa no Mercado

Central de Belo Horizonte e no 4ordm Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila de

Gonccedilalves

Os resultados dos trecircs procedimentos metodoloacutegicos juntamente com a

descriccedilatildeo detalhada destes procedimentos seratildeo apresentados ao longo dos capiacutetulos

desta tese refletindo o desenvolvimento de cada etapa da pesquisa A disposiccedilatildeo dos

capiacutetulos e seu conteuacutedo seratildeo explicitados a seguir

Apresentaccedilatildeo dos capiacutetulos

No primeiro capiacutetulo desta tese desenvolveu-se uma revisatildeo bibliograacutefica com o

intuito de identificar de que forma o vocaacutebulo roccedila foi empregado no Brasil numa

perspectiva histoacuterica em diferentes esferas discursivas Nesse sentido apresenta-se

alguns usos e significados da categoria roccedila identificados em alguns textos do

pensamento social brasileiro relativo agrave formaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do Brasil Em seguida

apresenta-se como o termo roccedila foi abordado dentro dos estudos sobre o campesinato no

Brasil Numa perspectiva mais contemporacircnea expotildee-se em duas frentes os usos e

significados do termo roccedila em textos recentes tanto na academia quanto em outras

vertentes natildeo acadecircmicas como na literatura na muacutesica e na induacutestria cultural Nesses

uacuteltimos textos jaacute se aponta para algumas possibilidades de exploraccedilatildeo dos significados

da categoria roccedila como marca de produtos e serviccedilos no Brasil que emergiu de forma

9

mais contundente nas uacuteltimas trecircs deacutecadas Encerra-se esse primeiro capiacutetulo fazendo-se

um esforccedilo reflexivo no intuito de se pensar as possiacuteveis conexotildees entre os usos e

significados da categoria roccedila com as atuais configuraccedilotildees do campo e do rural

buscando-se compreender de que maneira as mudanccedilas e permanecircncias no sentido do

termo podem expressar as dinacircmicas do campo no Brasil

No segundo capiacutetulo apresenta-se uma reflexatildeo sobre o uso do vocaacutebulo roccedila no

mercado de bens e serviccedilos no Brasil desde os anos 1960 como marca Para tanto

parte-se de algumas questotildees propostas por autores claacutessicos da Antropologia do

Consumo refletindo-se sobre suas possibilidades de interpretaccedilatildeo do tema em questatildeo

em consonacircncia com algumas abordagens sobre gecircneros do discurso inserindo-se a

discussatildeo desta pesquisa no campo das relaccedilotildees entre consumo e comunicaccedilatildeo Apoacutes

uma exposiccedilatildeo detalhada dos procedimentos metodoloacutegicos adotados para a coleta dos

dados secundaacuterios relativos agraves marcas de produtos e serviccedilos com o termo roccedila

discute-se os resultados agrave luz das hipoacuteteses e perspectivas teoacutericas apontadas no

primeiro capiacutetulo Confronta-se tambeacutem os resultados obtidos pela estatiacutestica descritiva

e pela anaacutelise de conteuacutedo das marcas com a categorizaccedilatildeo das respostas dadas pelos

produtores distribuidores e consumidores de bens e serviccedilos da roccedila refletindo-se sobre

os usos e significados que a circulaccedilatildeo desses bens promove entre esses agentes

No terceiro capiacutetulo faz-se uma exposiccedilatildeo do processo de circulaccedilatildeo de bens da

roccedila no Mercado Central de Belo Horizonte refletindo como se empregam os

significados do termo roccedila em plena metroacutepole por meio da troca destes bens No

Mercado foi possiacutevel buscar alguns apontamentos para a reflexatildeo sobre qual o lugar da

roccedila no modo de vida urbano e moderno e perceber como o consumo pode revelar o que

se pensa sobre esse modo de vida Ou seja a marca roccedila eacute boa para comprar mas

tambeacutem eacute ldquoboa para pensarrdquo

O quarto capiacutetulo constitui-se de uma descriccedilatildeo do 4ordm Festival de Gastronomia e

Cultura da Roccedila do municiacutepio de Gonccedilalves localizado no sul de Minas Gerais

refletindo-se sobre como os agentes e instituiccedilotildees dessa cidade construiacuteram seu capital

turiacutestico em torno da ideia de roccedila Na cidade e no festival eacute possiacutevel perceber como se

veiculam diferentes significados do termo roccedila onde seu caraacuteter relativo e relacional eacute

mais expressivo dada a diversidade social do lugar constituiacuteda por agricultores

familiares convencionais agricultores familiares pluriativos (donos de restaurantes e

pousadas) agricultores orgacircnicos neorrurais cidadatildeos em geral e turistas Embora o

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estudo do Mercado em Belo Horizonte e do Festival em Gonccedilalves natildeo tenha sido

realizado com a pretensatildeo de efetuar comparaccedilotildees eacute possiacutevel perceber alguns

contrapontos nos usos e significados da categoria roccedila nos dois eventos o que reforccedila o

recorte relativo e relacional desta categoria

Esses contrapontos ficaram ainda mais evidentes nos resultados obtidos por

meio da anaacutelise do corpus das entrevistas e questotildees abertas dos questionaacuterios com o

uso do software de anaacutelise estatiacutestica de dados textuais o Alceste e com o software de

codificaccedilatildeo NVivo A anaacutelise revelou categorias de significados para a palavra roccedila

diferenciadas entre consumidores e produtores no Mercado Central e no Festival de

Gastronomia e Cultura da Roccedila Os resultados possibilitaram verificar e corroborar as

hipoacuteteses que balizaram essa pesquisa e foram confrontados com as inferecircncias

elaboradas a partir das anaacutelises dos capiacutetulos anteriores A partir dessas respostas foi

possiacutevel indicar os principais usos e significados do termo roccedila no Brasil e sua relaccedilatildeo

com o rural apresentados nas consideraccedilotildees finais dessa tese em conjunto com uma

reflexatildeo sobre os limites e possibilidades que a pesquisa apresentou

11

1 USOS E SIGNIFICADOS DO TERMO ROCcedilA NO BRASIL

Como roccedila eacute expressa nos diferentes discursos do cotidiano Na literatura na

muacutesica na publicidade no entretenimento na academia Teraacute o vocaacutebulo roccedila nesses

espaccedilos discursivos os mesmos usos e sentidos Se roccedila eacute uma palavra ldquopolissecircmica e

escorregadiardquo (SANTOS 2006 p 92) cuja variaccedilatildeo estaacute especialmente condicionada

aos diferentes contextos e grupos sociais que a empregam como se sugere nesta

pesquisa qual seria o alcance dessa variedade semacircntica Quais os seus limites Para

responder a algumas dessas questotildees e mapear as mudanccedilas e permanecircncias na histoacuteria

do uso e do significado de roccedila no Brasil se apresenta neste capiacutetulo uma breve

reflexatildeo do termo roccedila em diferentes fontes bibliograacuteficas No campo do discurso

acadecircmico se verificou a etimologia da palavra roccedila dando ecircnfase especialmente aos

seus usos e significados na formaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do Brasil Para tanto analisou-se

textos de cronistas viajantes e autores claacutessicos do pensamento social brasileiro

Tambeacutem foram examinados os empregos do termo roccedila e seu derivado roccedilado nos

textos que estudaram o campesinato brasileiro Analisou-se ainda os trabalhos mais

recentes em termos dos usos e significados da palavra roccedila E por fim foram

observados os sentidos deste vocaacutebulo em outros segmentos discursivos aleacutem do

cientiacutefico passando por alguns textos da literatura por composiccedilotildees musicais peccedilas

publicitaacuterias e midiaacuteticas chegando ateacute o mercado de produtos e serviccedilos com a marca

roccedila no Brasil diante do qual se buscou compreender de que forma a circulaccedilatildeo de bens

se apropriaria desse enunciado culturalmente construiacutedo e lhe ressignificaria

11 Usos e significados do termo roccedila na formaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do Brasil

O estudo de Oliveira M (2012) embora de publicaccedilatildeo recente trata de uma

caracterizaccedilatildeo histoacuterica da roccedila como uma categoria tipoloacutegica de ocupaccedilatildeo espacial de

produccedilatildeo e construccedilatildeo da paisagem desde a colonizaccedilatildeo do Brasil O autor se refere

especialmente agraves formaccedilotildees coloniais na Bahia e no restante do litoral nordestino bem

como nas aacutereas de atuaccedilatildeo jesuiacutetica em Satildeo Paulo e parte da regiatildeo das entradas ateacute a

12

situaccedilatildeo contemporacircnea tomando como exemplo a Amazocircnia Oliveira M (2012)

constroacutei uma definiccedilatildeo do que seria a roccedila contrapondo-a agraves chaacutecaras e casas de campo

destinadas ao lazer Nesse sentido o autor ressalta que as roccedilas eram consideradas

unidades dedicadas ldquouacutenica e exclusivamente agrave produccedilatildeordquo e natildeo agraves praacuteticas de lazer

Assim na sua perspectiva a roccedila estaria ligada agrave produccedilatildeo de mantimentos em

oposiccedilatildeo agrave urbe e situada em grandes propriedades (OLIVEIRA M 2012 p 756) No

periacuteodo colonial segundo Oliveira M (2012) as roccedilas aleacutem de pertencerem

geralmente agraves grandes propriedades tambeacutem podiam ser encontradas em terras

devolutas e eram conduzidas por matildeo de obra familiar de agregados e ou escravos e a

sua principal funccedilatildeo seria o abastecimento de nuacutecleos urbanos proacuteximos e rurais

Segundo o mesmo autor as roccedilas ainda hoje cumpririam essa funccedilatildeo em ldquoregiotildees

menos populosas do paiacutesrdquo (OLIVEIRA M 2012 p 758) Destaca o autor que as

roccedilas tambeacutem eram encontradas nos ldquoaldeamentos indiacutegenas agraves margens do latifuacutendio

monocultor dos cursos hiacutedricos e das estradas e em assentamentos de quilombos e

mocambos aleacutem de trilhar os caminhos dos desbravadores dos sertotildees e das florestasrdquo

(OLIVEIRA M 2012 p 760)

Em geral na bibliografia sobre o Brasil Colocircnia consultada por Oliveira M

(2012) as roccedilas eram consideradas propriedades ruacutesticas localizadas nos campos e

forneciam especialmente a mandioca e a farinha dela derivada Mas o autor cita

tambeacutem o cultivo de ldquoalgodatildeo amendoim anil arroz cafeacute cana-de-accediluacutecar feijatildeo

pimenta milho tabaco urucumrdquo e ldquodiversas frutasrdquo como ldquobananas e laranjasrdquo aleacutem

de ldquolegumesrdquo (OLIVEIRA M 2012 p 758) Entre os textos dos cronistas e viajantes

consultados Oliveira M (2012) cita as indicaccedilotildees de Sousa (1587) ressaltando que as

roccedilas no Brasil deveriam ser entendidas em comparaccedilatildeo aos ldquocasais almuinhas

herdades ou quintas ruacutesticas em Portugalrdquo2 (SOUSA 1587 p 757) Consultando-se a

2 De acordo com os verbetes do Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa (2009) almuinha ou almainha ou almoinha eacute um quintal cercado uma quinta suburbana Casal refere-se a um povoado pequeno lugarejo pequena propriedade pequena gleba cercada fora do foro ou pelos arredores mas nunca anexa agrave habitaccedilatildeo do seu proprietaacuterio Herdade eacute uma propriedade rural de dimensotildees consideraacuteveis fazenda quinta e sinocircnimo de siacutetio A quinta eacute uma propriedade rural com moradia terreno proacuteprio para a agricultura pomar de laranjeiras conjunto de casas de diversos proprietaacuterios e pertencentes a uma freguesia Roccedila eacute descrita como accedilatildeo ou efeito de roccedilar roccediladura terreno em que se faz a roccedilada terreno com muito mato mato crescido geralmente em terreno acidentado terreno de lavoura grande ou pequeno sementeira cultivada entre o mato ou em terreno de roccedilada pequena propriedade agriacutecola onde se cultivam frutas hortaliccedilas e alguns cereais regiatildeo aleacutem dos limites das cidades na qual se praticam em maior ou menor escala atividades agriacutecolas e pecuaacuterias a zona rural ou campordquo A etimologia da palavra segundo o mesmo dicionaacuterio eacute um regressivo do verbo roccedilar que designa o ato de romper ou seja limpar um campo de mato e ervas

13

proacutepria obra de Sousa (1587) senhor de engenho e ldquoproprietaacuterio de roccedilasrdquo segundo

Varnhagen (1851) percebe-se como na formaccedilatildeo do Brasil Colocircnia nos quinhentos

roccedila estava atrelada agrave produccedilatildeo de mantimentos Ao longo de todo o seu tratado

especialmente descrevendo os modos de vida na Bahia de entatildeo Sousa (1587)

menciona os pares ldquoroccedilas e lavourasrdquo ldquoroccedilas e fazendasrdquo ldquoroccedilas e canaviaisrdquo ldquoroccedilas e

quintaisrdquo ldquoroccedilas e aacutervoresrdquo ldquoroccedilas e granjeariasrdquo ldquoroccedilas e aldeias matos e camposrdquo e

ldquoroccedilasrdquo num emprego largo e inespeciacutefico Sousa (1587) tambeacutem faz menccedilatildeo agraves roccedilas

dos iacutendios e especificamente agraves roccedilas dos iacutendios com canas-de-accediluacutecar plantadas assim

como fala das canas da roccedila

Mas o discurso central de Sousa (1587) sobre o termo aqui estudado estaacute

relacionado agrave expressatildeo ldquoroccedila de mantimentordquo De acordo com a sua descriccedilatildeo nas

roccedilas se lavravam muitos mantimentos frutas e hortaliccedilas Sua exposiccedilatildeo das ocupaccedilotildees

nas terras da Bahia fala das granjearias de roccedilas de mantimentos com criaccedilotildees de vacas

porcos e canaviais O mantimento fruto das roccedilas ao qual Sousa (1587) se refere

compotildee-se majoritariamente do que ele denomina como mantimento natural ou seja a

mandioca (chamada de farinha de pau ou farinha de patildeo em Portugal) elemento nativo

cultivado pelos indiacutegenas e adotado pelos colonizadores substituindo o trigo e o patildeo

Aleacutem da mandioca Sousa (1587) elenca uma longa lista de tubeacuterculos cereais legumes

e leguminosas que compunham as roccedilas de mantimentos das terras brasileiras batata

caraacutes mangaraacutes taiaacutes milho de Guineacute ou ubatim (zaburro em Portugal) favas feijotildees

aboacuteboras-de-quaresma ou jerimum amendoim pimentas Quanto agraves frutas o autor cita

caju banana mamatildeo mangaba ingaacute cajaacute pequi bacuripari umbu sapucaia jenipapo

macugecirc piquiaacute guti ubucaba mondururu mandiba cambuiacute curuanha araccedilaacute araticu

pinho abajeru amaitim apeacute murici cupiuacuteba maccedilarandiba mucuri cambucaacute

maracujaacute ananaacutes Sousa (1587) emprega ainda o vocaacutebulo roccedila para se referir ao

trabalho desenvolvido nas lavouras notaacutevel nas expressotildees fazer roccedila roccedilar trabalhar

nas roccedilas Mas o emprego do termo roccedila natildeo se limitava agrave ideia da lavoura jaacute que este

autor tambeacutem faz referecircncias agraves casas das roccedilas

Nos textos claacutessicos de alguns autores do pensamento social brasileiro como

Candido (2010) Holanda (1994 1995) e Ribeiro (2006) roccedila aparece atrelada agrave cultura

caipira desenvolvida no interior do Estado de Satildeo Paulo sul de Minas Gerais e do Rio

Janeiro parte de Goiaacutes Mato Grosso e Paranaacute Nesse contexto ldquoroccedilardquo aparece formada

pelo pequeno agricultor autocircnomo e sua famiacutelia nuclear e tambeacutem relacionada ao

14

movimento das bandeiras de conquista de novos espaccedilos e do estabelecimento de

plantaccedilotildees ao longo desses caminhos formando nuacutecleos de provisatildeo de alimentos agraves

minas

Embora Ribeiro (2006) mencione a produccedilatildeo de roccedilas de subsistecircncia por todos

os tipos socioculturais crioulos caboclos gauacutechos sertanejos ou caipiras a sua

vinculaccedilatildeo a esses dois uacuteltimos tipos eacute notaacutevel Segundo o autor nos engenhos

accedilucareiros do Nordeste brasileiro no periacuteodo colonial entre o tipo social por ele

identificado como crioulo havia o haacutebito de se designar um ldquofeitorrdquo para cuidar das

roccedilas dentro dos engenhos Mas tambeacutem cita o lavrador que cultivava sua roccedila com a

famiacutelia dentro desse subsistema (RIBEIRO 2006 p 257 260) Entre a populaccedilatildeo por

ele designada de cabocla na regiatildeo amazocircnica tambeacutem havia o costume de produccedilatildeo

de roccedilados para a subsistecircncia especialmente do cultivo de mandioca e milho

(RIBEIRO 2006 p 284) Da mesma maneira o autor afirma que nos nuacutecleos

formados nos currais de criaccedilatildeo de gado do ldquoBrasil Sertanejordquo eram plantados roccedilados

para aprovisionar a famiacutelia do vaqueiro que tambeacutem contava com algumas vacas

leiteiras Esses roccedilados tambeacutem garantiam sustento para o gado que se alimentava das

palhas que sobravam das colheitas feitas pelos lavradores embora nas aacutereas de

pastoreio abundante e extensivo as roccedilas fossem cercadas Mas o autor tambeacutem destaca

que essas roccedilas de lavradores e vaqueiros sertanejos eram precaacuterias assim como suas

moradias devido agrave situaccedilatildeo de agregado das fazendas que lhes traziam inseguranccedila e

uma trajetoacuteria marcada pela transitoriedade e nomadismo (RIBEIRO 2006 p 309 312

313 327) De acordo com Ribeiro (2006 p 377) os gauacutechos arregimentados por

paulistas e curitibanos que se instalaram nos campos do Sul para se dedicar agrave criaccedilatildeo de

gado faziam roccedilados de mandioca milho e aboacutebora e fabricavam farinha aleacutem de

campearem o gado criarem cavalos e muares e amansarem bois de serviccedilo

Quanto agrave relaccedilatildeo entre o caipira e a roccedila no texto de Ribeiro (2006) ela aparece

em pelo menos trecircs frentes distintas O autor relata que se formavam roccedilas junto com

ranchos improvisados nas bandeiras paulistas em busca da identificaccedilatildeo de regiotildees para

a mineraccedilatildeo e tambeacutem na tomada de missotildees jesuiacuteticas no Sul para o aprisionamento de

indiacutegenas catequisados para o trabalho compulsoacuterio (RIBEIRO 2006 p 332) De

acordo com o antropoacutelogo nas regiotildees onde se desenvolveu a mineraccedilatildeo por conta do

aglomerado demograacutefico urbano e de uma matildeo de obra livre entre negros e mulatos

alforriados e brancos pobres formou-se uma agricultura comercial que fornecia queijo

15

rapadura toucinho e carne mantimentos em geral cujas roccedilas eram desenvolvidas

suspeitava ele em regime de parceria Tambeacutem assinala que aos escravos das lavras era

permitido desenvolver suas roccedilas (RIBEIRO 2006 p 339 342)

Segundo Ribeiro (2006 p 344-345) posteriormente com a decadecircncia da

mineraccedilatildeo alguns dos proacuteprios mineradores negociantes artesatildeos e empregados foram

ocupando novamente o campo e se tornando roceiros produzindo para a proacutepria

subsistecircncia Da mesma forma muitos dos bandeirantes paulistas que se assentavam em

terras distantes ou mesmo aqueles que voltavam para a sua gente segundo este autor

(2006 p 333-334) tornaram-se criadores de gado e lavradores produzindo para o seu

proacuteprio consumo numa divisatildeo de tarefas os homens roccedilavam caccedilavam e guerreavam

e as mulheres cuidavam da roccedila do plantio da colheita do preparo dos alimentos e do

cuidado das crianccedilas

Eacute nesse contexto de esgotamento da mineraccedilatildeo e da economia mercantil a ele

vinculada que Ribeiro (2006) identifica uma dispersatildeo e uma nova sedentarizaccedilatildeo dos

paulistas no espaccedilo que denomina de ldquoaacuterea cultural caipirardquo que abrange uma vasta aacuterea

do Centro-Sul desde a costa do Espiacuterito Santo e Rio de Janeiro passando por Minas

Gerais Satildeo Paulo Paranaacute ateacute o Mato Grosso Consolida-se nessa regiatildeo de acordo

com o mesmo uma exploraccedilatildeo agriacutecola itinerante que derruba as matas e as queimam

para formar os roccedilados teacutecnica de origem tupi que caracterizou largamente o cultivo do

caipira e mesmo de um campesinato mais recente Esse processo apontado por Ribeiro

(2006 p 346) foi posteriormente suplantando pela plantaccedilatildeo de pastagens para o

desenvolvimento da pecuaacuteria visando abastecer os crescentes mercados urbanos que

demandavam o consumo de carne marginalizando e se apropriando da roccedila caipira

Mas antes dessa transformaccedilatildeo a organizaccedilatildeo social dos caipiras foi marcada pela

formaccedilatildeo dos bairros rurais que uniam vizinhos e familiares pelo sentimento de

localidade e pela participaccedilatildeo coletiva (mutiratildeo) para o lazer e o trabalho especialmente

a derrubada de matas e formaccedilatildeo dos roccedilados (RIBEIRO 2006 p 347) Nesse sentido

pode-se afirmar que a roccedila funcionava como um dos elementos que estruturavam a vida

rural caipira a partir da qual se constituiacuteram os bairros rurais

Para Ribeiro (2006 p 28) o haacutebito de cultivar roccedilas identificado nessas

formaccedilotildees socioculturais que originaram a cultura brasileira foi herdado da matriz tupi

Para o autor o povo tupi na eacutepoca da colonizaccedilatildeo do Brasil pelos portugueses iniciava

sua proacutepria revoluccedilatildeo agriacutecola desenvolvendo teacutecnicas de domesticaccedilatildeo de plantas para

16

o mantimento de seus roccedilados cujo exemplo mais conhecido e difundido hoje no

Brasil seria o caso da mandioca Aleacutem dela o autor ressalta que os povos tupis tambeacutem

cultivavam ldquo[] o milho a batata-doce o caraacute o feijatildeo o amendoim o tabaco a

aboacutebora o urucu o algodatildeo o carauaacute cuias e cabaccedilas as pimentas o abacaxi o

mamatildeo a erva-mate o guaranaacute entre muitas outras plantas [] o caju o pequi etcrdquo

(RIBEIRO 2006 p 28) A teacutecnica era a mesma relatada para os lavradores do periacuteodo

colonial derrubada das aacutervores com machado e queima do terreno Vecirc-se essa teacutecnica e

esses cultivos sendo mencionados por outros autores na discussatildeo adiante

A provisatildeo garantida pelas roccedilas plantadas ao longo das expediccedilotildees ao interior

do Brasil tambeacutem foram ressaltadas no estudo de Candido (2010) como ilustra a

passagem que cita o Regimento de Dom Rodrigo de Castel-Blanco que diz em seus 1ordm

e 8ordm paraacutegrafos

1ordm Toda pessoa de qualquer qualidade que seja que for ao sertatildeo a descobrimentos seraacute obrigado a levar milho e feijatildeo e mandioca para poder fazer plantas e deixaacute-las plantadas porque com esta diligecircncia se poderaacute penetrar os sertotildees que sem isso eacute impossiacutevel 8ordm Mandaraacute semear as roccedilas que jaacute ficam as terras beneficiadas de milho feijatildeo e aboacutebora (CANDIDO 2010 p 60-61)

No trabalho de Candido (2010 p 61) tambeacutem fica evidente o povoamento da

roccedila colocada em contraposiccedilatildeo agrave cidade como na passagem do Conde de Assumar

datada de 1717 sobre os arredores da cidade de Satildeo Paulo

Saiu a Sua Exa a ver a cidade que estaacute situada em um plano e poderaacute ter ateacute quatrocentas casas a maior parte teacuterreas mas muita falta de gente porque a maior parte dos moradores vivem fora dela em umas quintas a que chamam roccedilas as quais natildeo constam de outras plantas que de milho farinha de patildeo [mandioca] e feijatildeo e algumas frutas da terra que tudo isto vem a ser o seu quotidiano sustento dos paulistas natildeo comendo carne senatildeo em alguns dias do ano e quando datildeo algum banquete ou fazem alguma festa sempre vem agrave mesa o feijatildeo com toucinho que se pode supor que eacute o arroz dos Europeus

Essas informaccedilotildees satildeo complementadas ainda pela citaccedilatildeo que Candido (2010

p 62) faz de Antonil a respeito da existecircncia das roccedilas no caminho das Minas

[] haacute aqui roccedilas de milho aboacuteboras e feijatildeo que satildeo as lavouras feitas pelos descobridores das minas e por outros que por aiacute querem

17

voltar E soacute disto constam aquelas e outras roccedilas nos caminhos das minas e quando muito tem mais algumas batatas

Candido (2010 p 62) destaca que ldquoo feijatildeo o milho e a mandioca plantas

indiacutegenas constituem pois o que se poderia chamar triacircngulo baacutesico da alimentaccedilatildeo

caipira alterado mais tarde com a substituiccedilatildeo da uacuteltima pelo arrozrdquo Essa afirmaccedilatildeo eacute

interessante uma vez que se pode encontrar entre os camponeses em Minas Gerais

ainda hoje um sistema proacuteprio de classificaccedilatildeo no qual roccedila eacute milho e feijatildeo enquanto

o cultivo de outras espeacutecies como o arroz ou o cafeacute natildeo eacute considerado como roccedila mas

como plantaccedilatildeo e lavoura respectivamente (SILVEIRA 2008) Ou seja para alguns

camponeses mineiros roccedila seria uma antonomaacutesia para plantaccedilotildees de milho e feijatildeo

como jaacute foi destacado por Heredia (1979) e Garcia Juacutenior (1983) em Pernambuco No

trabalho de Candido (2010 p 66) encontra-se uma referecircncia parecida de que para os

caipiras a mandioca era por antonomaacutesia o mantimento e o milho a roccedila As

seguintes imagens ilustram ldquoroccedilasrdquo na visatildeo dos camponeses de Minas Gerais ou seja

roccedilas de mandioca milho e feijatildeo

FIGURA 1 ndash Roccedila de mandioca

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

18

FIGURA 2 ndash Roccedila de milho

Fonte Joatildeo Monteiro da Silveira

FIGURA 3 ndash Roccedila de feijatildeo

Fonte Joatildeo Monteiro da Silveira

Relevante notar que ao longo de seu trabalho Candido (2010) se refere aos

caipiras do interior paulista como roceiros e utiliza o termo roccedila para se referir tanto agraves

lavouras quanto ao local como sinocircnimo de campo ou rural quando fala das ldquopessoas

da roccedilardquo do ldquohomem da roccedilardquo ou da ldquogente da roccedilardquo (CANDIDO 2010 p 22 47 48

49 68 74 129 134 142 149 154 162 199 201 204) Para este autor a cultura

caipira marcada pela organizaccedilatildeo social em bairros e pela economia de subsistecircncia ou

seja caracterizada pelo ajuste ao meio era formada pelos sitiantes posseiros e

agregados Destarte Candido (2010) assume a existecircncia de uma estratificaccedilatildeo social na

cultura rural paulista falando especialmente do periacuteodo poacutes-ciclo bandeirante no seacuteculo

XVIII dividindo de um lado os proprietaacuterios de fazendas de cana gado e mais tarde

de cafeacute e de outro os sitiantes Entretanto o autor destaca que os fazendeiros

participam da cultura caipira em termos de seus costumes fala e rusticidade embora

nem sempre possam ser considerados dela integrantes Nesse sentido Candido (2010)

19

considera que tanto os fazendeiros quanto os sitiantes e mesmo os posseiros tecircm uma

origem em comum nos mesmos troncos familiares tendo feito parte dos ldquosiacutetios de roccedilardquo

que segundo ele seriam territorialmente avantajados e sem uma niacutetida distinccedilatildeo entre a

grande e a pequena propriedade

A expressatildeo siacutetios de roccedila eacute recorrentemente empregada por Holanda (1994

1995) especialmente nos seus estudos sobre Satildeo Paulo colonial A referecircncia de

Holanda (1994) aos siacutetios de roccedila aparece muitas vezes em contraste coma vila a

cidade ou as sedes urbanas em geral sendo o siacutetio da roccedila o espaccedilo no campo onde se

produz os mantimentos Nesse sentido o autor tambeacutem faz alusatildeo agrave ldquoroccedilardquo tanto como

ldquoespaccedilo ruralrdquo quanto como ldquoespaccedilo de produccedilatildeordquo usando inclusive a expressatildeo ldquoroccedila

de mantimentosrdquo jaacute consagrada por Sousa (1587) O contraste do uso do vocaacutebulo roccedila

em oposiccedilatildeo agrave cidade fica claro quando Holanda (1994 p 90) reproduz um trecho de

Frei Vicente do Salvador

[] cidade esquisita de casas sem moradores pois os proprietaacuterios passavam mais tempo em suas roccedilas rurais soacute acudindo no tempo das festas A populaccedilatildeo urbana constava de mecacircnicos que exerciam seus ofiacutecios de mercadores de oficiais de justiccedila de fazenda de guerra obrigados agrave residecircncia

O trecho se refere agrave cidade de Salvador no seacuteculo XVI e Holanda (1994 p 90)

ressalta como no Brasil Colocircnia a elite habitava o campo e frequentava as cidades

apenas em ocasiotildees especiais O contraste do povoamento do campo em relaccedilatildeo agrave

cidade jaacute foi notado num trecho anterior quando Candido (2010) cita uma passagem do

Conde de Assumar sobre Satildeo Paulo no seacuteculo XVIII ressaltando como a populaccedilatildeo

vivia de forma maciccedila nas roccedilas e natildeo na cidade embora nesta houvesse um

aglomerado de casas

Assim como no trabalho de Candido (2010) Holanda (1994 1995) se refere ao

agricultor e agrave populaccedilatildeo que vive no campo no periacuteodo colonial como roceiros

expressatildeo que vai se tornando escassa no vocabulaacuterio acadecircmico sobre estudos rurais no

Brasil como se veraacute adiante Holanda (1995 p 187) se refere ao uso da farinha oriunda

ldquodos milhos da roccedila de expediccedilatildeordquo como mantimento obrigatoacuterio nas expediccedilotildees no

seacuteculo XVIII juntamente com o feijatildeo e o toucinho de porco sugerindo a existecircncia de

roccedilas de produccedilatildeo de mantimentos destinadas agrave provisatildeo daqueles que partiam agraves

20

entradas Por outro lado o autor tambeacutem menciona os ldquosiacutetios de roccedilardquo como um

assentamento dos paulistas que se sedentarizam em contraste agraves bandeiras

Jaacute na obra de Freyre (2003) as menccedilotildees agrave roccedila satildeo sempre feitas com a

conotaccedilatildeo de lavoura agraves vezes chamando-a de roccedilado relacionadas aos controles de

pragas aos problemas com ataque de lagartas e ao trabalho de roccedilar o mato Apenas

numa ou noutra reproduccedilatildeo de trechos de cronistas e viajantes do Brasil colonial Freyre

(2003) em notas de rodapeacute alude agraves ldquoroccedilas de mantimentordquo ou agrave ldquoroccedila como espaccedilo

ruralrdquo num sentido mais amplo Da mesma forma Prado Juacutenior (2011) refere-se agrave roccedila

especialmente em termos das praacuteticas agriacutecolas limpeza da aacuterea agricultaacutevel por meio

da roccedilada e da queima bem como faz referecircncia agrave lavoura de subsistecircncia que segundo

ele teria dado origem a uma forma particular de exploraccedilatildeo agriacutecola destinada agrave

produccedilatildeo de gecircneros alimentares diferenciada do que denomina de grande lavoura Para

o autor essa agricultura de subsistecircncia poderia incluir uma grande propriedade que

neste aspecto assemelhava-se agrave grande lavoura ldquoateacute a insignificante roccedila chaacutecara ou

siacutetio onde natildeo haacute escravos ou assalariados e onde o proprietaacuterio ou simples ocupante da

terra eacute ao mesmo tempo o trabalhadorrdquo (PRADO JUacuteNIOR 2011 p 162) No acircmbito

das grandes lavouras o desenvolvimento das roccedilas para o provimento da subsistecircncia

era feito pelos escravos no dia da semana considerado ldquolivrerdquo geralmente o domingo

Nas fazendas de gado do sertatildeo conforme o autor tambeacutem era costume que os

trabalhadores ajudantes escravos ou assalariados chamados de ldquofaacutebricasrdquo se

ocupassem das roccedilas de subsistecircncia Em fins do seacuteculo XVII e iniacutecio do XVIII alvaraacutes

ordenavam aos lavradores de cana e aos proprietaacuterios de embarcaccedilotildees de traacutefico de

escravos que plantassem roccedilas de mandioca para a subsistecircncia destes (PRADO

JUacuteNIOR 2011 p 167 200)

A partir das fontes verificadas corrobora-se com a caracterizaccedilatildeo da categoria

roccedila criada por Oliveira M (2012) e citada no iniacutecio deste capiacutetulo Nesse sentido

conclui-se que o termo ldquoroccedilardquo durante o Brasil Colocircnia denominava um espaccedilo

eminentemente dedicado agrave produccedilatildeo (e natildeo ao lazer e fruiccedilatildeo embora haacute indicaccedilotildees da

existecircncia de uma vida social intensa) especialmente de gecircneros alimentiacutecios os

mantimentos destinados ao autoconsumo (tambeacutem citado como subsistecircncia) e ao

abastecimento local Como um desdobramento dessas condiccedilotildees detalha-se que os

gecircneros alimentiacutecios principais eram a mandioca em primeiro lugar aleacutem do milho

feijatildeo aboacuteboras e uma variaccedilatildeo de outros gecircneros como as pimentas batatas caraacute

21

amendoim algumas frutas como mamatildeo abacaxi e banana aleacutem do algodatildeo e do

tabaco entre outros A matildeo de obra que se dedicava a essa produccedilatildeo era composta

desde os proacuteprios escravos da monocultura ou da mineraccedilatildeo ateacute a classe intermediaacuteria

de homens livres que compunha a populaccedilatildeo colonial brasileira como feitores

agregados vaqueiros ou seja homens brancos pobres ou negros e mulatos alforriados

As roccedilas garantiam portanto o sustento dos trabalhadores que deveriam prover a si

mesmos e agrave sua famiacutelia bem como abastecia o sistema local seja o engenho ou as

cidades vizinhas sendo a sua localizaccedilatildeo perifeacuterica agraves vilas e sedes urbanas

Mas as roccedilas tambeacutem eram plantadas ao longo das trilhas abertas pelas

expediccedilotildees ao interior do Brasil seja para descobrimentos ou para a captura de grupos

indiacutegenas para o trabalho escravo Assim da mesma forma que a roccedila promovia a

mobilidade tambeacutem garantia o assentamento das populaccedilotildees e o processo de

sedentarismo As roccedilas a partir da derrubada das matas da incineraccedilatildeo do terreno e do

cultivo de plantas nativas como a mandioca apontam para a apropriaccedilatildeo das teacutecnicas

indiacutegenas pelos colonizadores num processo de adaptaccedilatildeo ao meio facilitando suas

entradas a posse e a dominaccedilatildeo do espaccedilo O uso da teacutecnica das roccedilas foi sendo

reproduzido pelas populaccedilotildees descendentes principalmente de brancos e iacutendios em

especial os posseiros e agricultores que juntamente com suas famiacutelias foram

desenvolvendo uma agricultura itinerante de autoconsumo dentro da aacuterea de cultura

caipira

Por tudo que foi descrito supotildee-se que no Brasil Colocircnia a roccedila muitas vezes

funcionou como um dos elementos que constituiacuteram a vida rural brasileira garantindo

natildeo somente o abastecimento e a reproduccedilatildeo da populaccedilatildeo local mas tambeacutem o

desenvolvimento dos proacuteprios empreendimentos sejam as bandeiras o engenho os

currais e as minas o trabalho e a cultura da sociedade rural Nesse sentido acredita-se

que aleacutem das referecircncias dos autores aqui citados que usavam o termo roccedila como

sinocircnimo de vida rural a constataccedilatildeo da importacircncia das roccedilas na estruturaccedilatildeo da vida

colonial brasileira tambeacutem permite tal inferecircncia Apresenta-se a seguir a

representaccedilatildeo em forma de diagrama das principais caracteriacutesticas da categoria roccedila na

literatura consultada que trata da formaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do Brasil Colocircnia

22

FIGURA 4 ndash Caracteriacutesticas da roccedila na formaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do Brasil Colocircnia

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

12 Usos e significados do termo roccedila nos estudos sobre o campesinato no

Brasil

No item anterior analisou-se a forma como o termo roccedila foi retratado na

literatura que trata da formaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do Brasil Colocircnia Neste item apresenta-

se uma anaacutelise acerca do significado do termo roccedila nos estudos sobre o campesinato no

Brasil Roccedila eacute uma categoria que pode ser identificada como fundamental nos estudos

sobre o campesinato brasileiro O termo roccedila tem sido pensado e utilizado tanto para

descrever quanto para explicar a vida e o conceito de camponecircs Nos estudos do

campesinato a roccedila ou o roccedilado eacute descrita de maneira detalhada o que contribui natildeo

soacute para compreender a evoluccedilatildeo dos usos e significados deste vocaacutebulo no periacuteodo poacutes-

colonial brasileiro como tambeacutem possibilita uma anaacutelise microssocioloacutegica no acircmbito

da pequena produccedilatildeo agricultora familiar de autoconsumo

Teacutecnica indiacutegena bullDerrubada do mato e queimada bullCultivo de mandioca milho feijatildeo aboacutebora bullProcesso itinerante

Produccedilatildeo bullGecircneros alimentiacutecios mandioca milho feijatildeo aboacutebora bullMatildeo de obra escravos homens livres (brancos pobres ou negros alforriados) agregados e parceiros

Consumo bullAutoconsumo ou subsistecircncia bullAbastecimento local (engenho curral de gado minas cidades vizinhas)

Empreendimento

bullExpediccedilotildees de descobrimentos bullBandeiras bullAgricultura marginal ao engenho currais de gado minas bullBairro rural caipira bullPequena produccedilatildeo familiar

Elemento estruturante da

vida rural

bullRoceiros bullCasas da roccedila bullGente da roccedila bullPovoamento na roccedila bullRoccedila versus cidadevilavida urbana bullSinocircnimo de rural

23

Queiroz (1973) chama a atenccedilatildeo para o fato de que o campo era retratado como

estando ocupado por dois segmentos os grandes fazendeiros e os trabalhadores rurais

escravos ou natildeo A autora entatildeo notabiliza a existecircncia de uma camada social

intermediaacuteria que natildeo seria nem fazendeira nem trabalhadora sem terras formada pelos

sitiantes a qual designa como camponeses Natildeo se trataria portanto de um povo

isolado sendo o bairro rural prova da existecircncia desta sociedade rural Nesse sentido o

campesinato ou essa camada social intermediaacuteria corresponderia aos trabalhadores que

se dedicavam agraves roccedilas no Brasil Colocircnia conforme evidenciado na seccedilatildeo anterior

sendo portanto os descendentes desses grupos sociais (ou o que resultou de sua

reproduccedilatildeo aliado a outros fatores como a decadecircncia do engenho e da mineraccedilatildeo)

Queiroz (1973) caracteriza o campesinato como um grupo social subordinado

ora a um senhorio ora agrave sociedade urbana Quando se tratava de uma regiatildeo onde natildeo

havia grandes fazendas sendo os sitiantes os uacutenicos produtores estabelecia-se uma

hierarquia mais horizontalizada dividida com base nos grupos de agricultores que

possuiacuteam ferramentas de arado os quais eram considerados mais abastados em relaccedilatildeo

aos sitiantes que utilizavam apenas a matildeo de obra familiar que por sua vez estavam

sobrepostos aos trabalhadores sem terras Queiroz (1973) destaca a dependecircncia dos

sitiantes em relaccedilatildeo agrave cidade retratando a relaccedilatildeo de troca econocircmica dentro de um

contexto de subordinaccedilatildeo poliacutetica Embora a autora utilize o aspecto da subordinaccedilatildeo

poliacutetica para definir o camponecircs do ponto de vista econocircmico ela o caracteriza como

voltado para uma loacutegica de reproduccedilatildeo autocircnoma desenvolvendo praacuteticas produtivas

voltadas para o autoconsumo A categoria roccedila aparece na anaacutelise de Queiroz (1973 p

194) sobre o campesinato como o espaccedilo no qual se produz o cultivo

Nas pequenas empresas agraacuterias exploradas por unidades domeacutesticas a superfiacutecie cultivada de pequeno porte denominou-se sempre lsquoroccedilarsquo o pequeno empresaacuterio rural ndash roceiro ndash entregava-se agrave policultura em pequena escala auxiliado pela proacutepria famiacutelia e agraves vezes por um ou outro camarada remunerado

A roccedila tem um aspecto central na distinccedilatildeo que a autora faz entre ldquoas pequenas

empresas agraacuterias voltadas para a agricultura de subsistecircnciardquo e ldquoas pequenas empresas

agraacuterias voltadas para a comercializaccedilatildeo de seus produtosrdquo Na primeira a roccedila de

subsistecircncia eacute o foco central de dedicaccedilatildeo do trabalho da famiacutelia sendo a venda do

excedente da produccedilatildeo ou qualquer outra obtenccedilatildeo de fonte de renda apenas

24

complementar agravequela Na segunda categoria o foco do trabalho familiar eacute a plantaccedilatildeo

destinada ao comeacutercio e a roccedila seria apenas uma complementaccedilatildeo desta Nessa

tipologia Queiroz (1973) contrapotildee a ldquoroccedilardquo agrave ldquocultura comercialrdquo e evidencia a

heterogeneidade das empresas agriacutecolas do interior de Satildeo Paulo A autora a partir do

relato do funcionamento de uma fazenda do interior paulista no periacuteodo da

implementaccedilatildeo da poliacutetica de colonizaccedilatildeo do governo brasileiro na passagem do seacuteculo

XIX para o XX identifica as culturas comerciais nela existentes as lavouras de

amendoim milho e mandioca e como roccedila de subsistecircncia o arroz o feijatildeo a

batatinha a cebola a melancia a aboacutebora e as hortaliccedilas Neste aspecto a roccedila ainda eacute o

nuacutecleo de provisatildeo da famiacutelia mas deixa de secirc-lo para a comunidade no entorno

percebendo-se um processo maior de autonomizaccedilatildeo que nas eacutepocas anteriores e de

diversificaccedilatildeo dos processos agraacuterios e agriacutecolas

Nesse estudo de Queiroz (1973) a categoria roccedila eacute explicitada a partir de outras

esferas da vida camponesa ateacute entatildeo natildeo mencionadas pelos viajantes e cronistas do

Brasil Colocircnia A autora faz referecircncia agrave divisatildeo de trabalho por gecircnero que envolve a

categoria roccedila na famiacutelia camponesa ressaltando que nos processos de mutiratildeo os

homens se encarregavam das tarefas na roccedila e as mulheres na cozinha Poreacutem no

trabalho regular as mulheres trabalhavam na roccedila com os maridos embora essa

situaccedilatildeo fosse mais comum entre as mulheres mais velhas As mulheres mais jovens

eram destinadas na maioria das vezes ao trabalho domeacutestico enquanto os homens

assumiam o trabalho na roccedila Nas novas geraccedilotildees as mulheres somente trabalhavam na

roccedila ao lado de seus maridos nos casos de uma necessidade econocircmica mais acentuada

De forma mais geral destaca-se que no texto de Queiroz (1973) as expressotildees

ldquotrabalho da roccedilardquo ou ldquotrabalho na roccedilardquo aparecem vaacuterias vezes para designar o trabalho

exercido na lavoura agriacutecola Por vezes ela tambeacutem se refere a um ldquosistema de roccedilardquo

para designar uma particularidade do trabalho camponecircs que estaria estritamente ligado

ao ldquotrabalho de roccedilardquo ou seja ao cultivo agriacutecola Segundo Queiroz (1973) haveria

uma formaccedilatildeo hieraacuterquica da sociedade rural em torno da roccedila o que pode ser notado

de forma expliacutecita em relaccedilatildeo aos agricultores camponeses face agrave agricultura de

exportaccedilatildeo As Danccedilas de Satildeo Gonccedilalo em Santa Briacutegida na Bahia narradas pela

autora expressam em seus rituais esta hierarquia socialmente vivida na comunidade

Os fazendeiros e donos de armazeacutem ocupavam as posiccedilotildees privilegiadas seguidos pelos

donos de pequenas roccedilas que se sobrepunham agravequeles que natildeo possuiacuteam roccedila nenhuma

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Esse processo de hierarquizaccedilatildeo social em torno da roccedila ainda natildeo havia sido apontado

nos textos consultados sobre o Brasil Colocircnia e parecem estar relacionados a uma

estruturaccedilatildeo tardia dos processos agraacuterios e agriacutecolas no Brasil cujas consequecircncias

seratildeo posteriormente apontadas nesta pesquisa

No que diz respeito a esta relaccedilatildeo dos agricultores camponeses com a roccedila

Queiroz (1973) destaca que esta era formada em regiotildees ainda natildeo ldquoinvadidasrdquo pela

grande monocultura de exportaccedilatildeo nem pela agricultura comercial e a induacutestria Da

mesma forma a autora admite que a ocupaccedilatildeo das melhores terras pela grande

monocultura seria muitas vezes o motivo da decadecircncia de muitos camponeses cujas

roccedilas ficariam restritas agraves piores terras Apesar disso natildeo se pode deixar de destacar

que para a autora o sistema de cultivo camponecircs a roccedila se constituiria em uma das

condiccedilotildees de mobilidade dos bairros rurais Nesse sentido o processo itinerante que

caracteriza a teacutecnica da roccedila seria a estrateacutegia que possibilitaria a reproduccedilatildeo dessas

famiacutelias de agricultores Os roceiros de Queiroz (1973) satildeo tanto aqueles que trabalham

na roccedila quanto tambeacutem aqueles originaacuterios do campo sendo o termo utilizado para

caracterizar natildeo soacute um processo relacionado ao trabalho mas tambeacutem de identificaccedilatildeo

social A categoria roceiro empregada por Queiroz (1973) no entanto vai se tornando

menos recorrente nos estudos de campesinato posteriores ao dela

FIGURA 5 ndash Bairros rurais em Gonccedilalves-MG

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Na imagem acima visualiza-se uma placa de tracircnsito indicando o sentido para

alguns dos bairros rurais em Gonccedilalves Minas Gerais Destaca-se que este municiacutepio

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fica proacuteximo agrave Itajubaacute regiatildeo estudada por Moura (1978) seguindo a perspectiva dos

estudos de bairros de Queiroz (1973) Moura (1978) estudou os padrotildees de heranccedila e

parentesco na reproduccedilatildeo de uma aacuterea camponesa em Satildeo Joatildeo da Cristina na regiatildeo de

Itajubaacute no sul de Minas Gerais Em um capiacutetulo destinado agrave discussatildeo da produccedilatildeo

camponesa Moura (1978) distingue o siacutetio da fazenda num esquema de oposiccedilatildeo

construiacutedo pelos proacuteprios camponeses O sitiante era tido como aquele que tinha pouca

terra e ao mesmo tempo como um lavrador categoria profissional que o identificava

como cidadatildeo O fazendeiro ao contraacuterio era tido como o proprietaacuterio de grande

extensatildeo de terra a qual estava situada fora dos limites do bairro Moura (1978 p 16)

complementa a sua definiccedilatildeo de sitiante afirmando que ldquo[] o lsquositiantersquo trabalha na

lsquoroccedilarsquo com a ajuda dos filhos plantando fundamentalmente lsquopara o gastorsquo (ou lsquopara o

estocircmagorsquo)rdquo Tambeacutem neste estudo assim como no de Queiroz (1973) a relaccedilatildeo com a

roccedila reforccedila a identificaccedilatildeo dentro de uma estrutura hieraacuterquica

Moura (1978) ressalta ainda que dentro de uma mesma propriedade privada

podiam existir unidades econocircmicas independentes no seu interior as quais eram

caracterizadas pela ldquocasa e a roccedilardquo do pai e pela ldquocasa e a roccedilardquo do(s) filho(s) casado(s)

Cada unidade econocircmica entatildeo corresponderia a uma famiacutelia nuclear dividida entre

unidade de produccedilatildeo (roccedila) e unidade de consumo (casa) A roccedila aparecia entatildeo como

um nuacutecleo estruturante da famiacutelia assim como era um componente importante da vida

rural mais ampla como destacado anteriormente A oposiccedilatildeo entre casa (unidade de

consumo) e roccedila (unidade de produccedilatildeo) reproduz a oposiccedilatildeo entre atividades domeacutesticas

e atividades agriacutecolas numa divisatildeo do trabalho familiar apontada pela autora Caberia agrave

mulher o trabalho da ldquocasardquo e ao homem o da ldquoroccedilardquo Embora ambos fossem

classificados pelos sitiantes como ldquotrabalhordquo apenas o trabalho na roccedila era tido como

serviccedilo ldquopesadordquo Por outro lado o trabalho da mulher na roccedila quando permitido era

tratado como ldquoajudardquo e natildeo como ldquotrabalhordquo Essa divisatildeo do trabalho marcava tambeacutem

a reproduccedilatildeo social que direcionava a inserccedilatildeo dos filhos e filhas no trabalho da roccedila e

da casa respectivamente Segundo Moura (1978) as meninas se tornavam aos poucos

responsaacuteveis por tarefas domeacutesticas de acordo com sua faixa etaacuteria e os meninos

assumiam tambeacutem de acordo com a sua idade as tarefas na roccedila A roccedila tinha um

aspecto fundamental em relaccedilatildeo ao trabalho dos meninos pois a eles era entregue uma

ldquopequena roccedilardquo para ser cuidada de forma independente o que marcava um processo de

emancipaccedilatildeo do grupo familiar antes mesmo do casamento A roccedila era portanto uma

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passagem ritual dentro da famiacutelia camponesa tendo um papel estruturante no nuacutecleo

familiar camponecircs ao ser utilizada natildeo soacute na construccedilatildeo dos papeacuteis de gecircnero mas

tambeacutem na identificaccedilatildeo dos papeacuteis de cada geraccedilatildeo dentro do grupo domeacutestico

Garcia Juacutenior (1983) e Heredia (1979) tambeacutem estudaram o campesinato

especificamente aquele que se formou agrave margem da plantation na Zona da Mata

Pernambucana Assim como no trabalho de Moura (1978) Garcia Juacutenior (1983) e

Heredia (1979) consideraram a unidade domeacutestica como composta pela unidade de

produccedilatildeo o ldquoroccediladordquo e pela unidade de consumo a ldquocasardquo Entretanto para ambos o

roccedilado foi compreendido e descrito como um processo produtivo Os autores

dedicaram-se a descrever as tarefas e os ciclos desse sistema produtivo bem como os

seus produtos identificando que no campesinato da Zona da Mata Pernambucana os

principais produtos que definiam o roccedilado eram a mandioca o feijatildeo (ou fava) e o milho

ndash sendo que especialmente a mandioca era utilizada como sinocircnimo de roccedila Apesar da

mandioca do milho e do feijatildeo (ou fava) serem considerados os principais produtos do

roccedilado eles natildeo excluem a existecircncia de vaacuterios outros como algodatildeo caraacute inhame

vagem coentro maxixe alho pepino chuchu quiabo pimentatildeo alface tomate

jerimum repolho cenoura cebola abacaxi maracujaacute melancia e melatildeo (HEREDIA

1979)

O roccedilado eacute ainda subdividido em termos de produtos nas categorias de

ldquolavourardquo e de ldquoaacutervoresrdquo ou ldquopeacutes de paurdquo A diferenccedila eacute dada pelos cultivos temporaacuterios

e permanentes As lavouras permanentes aacutervores frutiacuteferas ou mesmo o cafeacute por

exemplo podem ser encontradas natildeo soacute no roccedilado (espaccedilo destinado ao cultivo) mas

tambeacutem no terreiro ou no quintal espaccedilo proacuteximo da casa de morada onde tambeacutem se

planta Mas satildeo as lavouras permanentes que definem o ldquosiacutetiordquo e delimitam as terras de

posse da famiacutelia Em decorrecircncia da sua existecircncia temporal a lavoura permanente de

alguma forma comprovaria a ligaccedilatildeo com o passado (GARCIA JUacuteNIOR 1983)

Segundo Garcia Juacutenior (1983) e Heredia (1979) a agricultura camponesa se

caracterizaria pela associaccedilatildeo ou sucessatildeo de cultivos no mesmo espaccedilo de terra Por

outro lado para Queiroz (1973) a sucessatildeo ou a rotatividade de culturas e roccedilas natildeo

impediria o caraacuteter itinerante das roccedilas camponesas

O processo de trabalho no roccedilado descrito por Garcia Juacutenior (1983) e Heredia

(1979) consiste nas etapas de ldquoroccedilar o matordquo ou seja retirar a vegetaccedilatildeo natural

utilizando foices machados e estrovengas Essa tarefa eacute geralmente realizada pelo

28

homem pai de famiacutelia Posteriormente se junta toda a vegetaccedilatildeo que foi roccedilada num

processo denominado ldquocoivarardquo A coivara eacute entatildeo queimada e posteriormente limpa

ou seja as sobras satildeo retiradas Se ainda for necessaacuterio destoca-se ou seja retiram-se

os troncos ou tocos de vegetaccedilatildeo que restaram com a utilizaccedilatildeo de uma enxada Todas

essas atividades satildeo masculinas Com a terra limpa o plantio se inicia com os homens

abrindo as covas com a enxada e as mulheres eou as crianccedilas depositando as sementes

e fechando as covas com os peacutes A plantaccedilatildeo precisa ser mantida realizando-se

limpezas no mato que cresce entremeio agrave lavoura Esse processo de capina pode ser

feito pelas mulheres Jaacute a colheita eacute realizada pelos homens Algumas dessas etapas

correspondem agraves teacutecnicas de origem indiacutegena tiacutepicas do periacuteodo colonial

A divisatildeo das tarefas por gecircnero no campesinato jaacute anteriormente assinalada

por Moura (1978) e Queiroz (1973) eacute discutida de maneira mais detalhada por Garcia

Juacutenior (1983) e Heredia (1979) como demonstra Heredia (1979 p 77) na seguinte

passagem ldquoNatildeo haacute duacutevida de que o lugar que os diferentes membros ocupam dentro do

grupo domeacutestico estaacute estreitamente ligado agrave sua posiccedilatildeo com relaccedilatildeo agraves atividades que

desenvolvem no lsquoroccediladorsquo ou na lsquocasarsquordquo De acordo com essa autora a oposiccedilatildeo casa-

roccedilado aleacutem de refletir a divisatildeo do grupo domeacutestico em unidade de consumo e unidade

de produccedilatildeo expressa tambeacutem a oposiccedilatildeo entre o trabalho e o natildeo trabalho

relacionando-os ao homem e agrave mulher respectivamente O roccedilado eacute tido como tendo

preponderacircncia sobre a casa pois eacute a produccedilatildeo nele realizada que garante a

sobrevivecircncia do grupo domeacutestico seja por meio do seu consumo ou da compra de

gecircneros alimentiacutecios com a renda dela advinda Se o pai de famiacutelia eacute o responsaacutevel pelo

roccedilado ndash e este domina a casa ndash logo o grupo domeacutestico estaacute sob a autoridade paterna

As tarefas realizadas pelas mulheres no roccedilado satildeo especiacuteficas podendo assumir o

roccedilado somente em casos excepcionais como morte do pai de famiacutelia doenccedila ou

velhice Mesmo assim a mulher assume o roccedilado se natildeo houver um sucessor masculino

no grupo domeacutestico A preponderacircncia do pai (responsaacutevel pelo roccedilado) no grupo

domeacutestico se manifesta em diferentes ocasiotildees eacute ele quem decide sobre os cultivos e

seus manejos administra os recursos disponiacuteveis e faz todos os negoacutecios (arrendamento

de terras de trabalho para ldquobotar roccediladordquo venda de animais ou produtos do roccedilado

compra de gecircneros necessaacuterios agrave reproduccedilatildeo do grupo domeacutestico) No espaccedilo da casa a

proeminecircncia do pai garante a ele a prioridade para se servir nas refeiccedilotildees e para

consumir os produtos mais nobres no caso de escassez As melhores ferramentas de

29

trabalho tambeacutem soacute podem ser usadas pelo pai passando ao domiacutenio dos filhos adultos

da mulher e dos filhos pequenos conforme o desgaste provocado pelo uso Como

destaca Heredia (1979) a enxada eacute o siacutembolo do trabalho no roccedilado

Conforme demonstra Heredia (1979) a constituiccedilatildeo das posiccedilotildees sociais dos

membros do grupo domeacutestico determinada pelo par de opostos casa-roccedilado pode ainda

ser compreendida pelo papel do ldquoroccediladinhordquo Trata-se de um roccedilado individual

pertencente agrave matildee de famiacutelia ou a cada filho separadamente No roccediladinho o cuidado eacute

individual e de responsabilidade do membro ao qual ele foi concedido Isto porque eacute o

pai quem concede uma parte da terra de trabalho ao filho ou agrave esposa para ldquobotaremrdquo o

seu roccediladinho Eacute tambeacutem o pai quem concede os insumos e ferramentas necessaacuterios ao

cultivo do roccediladinho quem determina o que seraacute cultivado (jaacute que eacute ele quem fornece as

sementes) e os dias da semana que o filho pode se dedicar agrave sua roccedila individual No

entanto a autora ressalta que os produtos adquiridos no roccediladinho podem ser vendidos e

a renda eacute aplicada para atender agraves necessidades individuais diferentemente do roccedilado

cujos resultados satildeo inteiramente destinados agraves satisfaccedilotildees do grupo como um todo seja

de forma direta ou indireta Por isso a dedicaccedilatildeo ao proacuteprio roccediladinho natildeo libera o filho

ou a esposa da obrigaccedilatildeo de ajudar no roccedilado familiar visto que eacute este que garante a

reproduccedilatildeo de todo o grupo domeacutestico Embora a princiacutepio o destino da produccedilatildeo do

roccediladinho seja individual ele pode ser apropriado pelo pai e utilizado na satisfaccedilatildeo das

necessidades familiares num caso de escassez ou de dificuldades em geral Apesar de

ser uma forma de individualizaccedilatildeo ao proporcionar a cada membro do grupo

domeacutestico a satisfaccedilatildeo das necessidades privadas o roccediladinho tambeacutem eacute ao mesmo

tempo um reforccedilo do pertencimento ao grupo familiar jaacute que soacute pode ter um roccediladinho

aquele eacute membro do grupo domeacutestico

Tambeacutem Woortmann e Woortmann (1997) dedicam-se a uma etnografia do

trabalho na lavoura camponesa a partir da pesquisa com sitiantes sergipanos Os autores

propotildeem pensar o trabalho como um ldquosaber-fazerrdquo ou seja a compreender natildeo soacute o

trabalho como teacutecnica mas como cultura apreendendo todo o aparato de ideias que o

antecede Como o trabalho camponecircs eacute realizado no roccedilado a etnografia de Woortmann

e Woortmann (1997) permite compreender de maneira mais profunda e numa

perspectiva simboacutelica o sentido de roccedila para os camponeses se comparado agraves outras

etnografias aqui discutidas

30

Woortmann e Woortmann (1997) descrevem o ldquosiacutetio camponecircsrdquo como o lugar

do trabalho por excelecircncia composto na regiatildeo estudada pelo ldquomatordquo ldquocapoeirardquo

ldquochatildeo de roccedilardquo eou ldquomalhadardquo ldquopastordquo ldquocasa de farinhardquo ldquocasardquo e ldquoquintalrdquo Os

autores fazem uma descriccedilatildeo extremamente detalhada desses componentes que satildeo natildeo

soacute espaccedilos do siacutetio mas tambeacutem etapas do processo de trabalho agriacutecola No entanto o

ldquochatildeo de roccedilardquo e a ldquomalhadardquo mais do que isso satildeo por si soacute modelos de processos

produtivos sistemas agriacutecolas pois o modelo de ldquochatildeo de roccedilardquo mais antigo demanda

um pousio de longos anos (sistema extensivo) enquanto a ldquomalhadardquo eacute um recente

sistema de cultivo de caraacuteter intensivo Havia geralmente um processo no qual apoacutes a

derrubada do mato a terra era transformada em terra de trabalho ou seja em chatildeo de

roccedila Este poderia ser substituiacutedo pela malhada ou pelo pasto ou simplesmente pelo

pousio Como o chatildeo de roccedila era a primeira etapa de plantaccedilatildeo que se seguia agrave

domesticaccedilatildeo da natureza geralmente o solo era mais rico em nutrientes e podia ser

explorado sem a necessidade de correccedilatildeo Apoacutes vaacuterios cultivos quando a terra do chatildeo

de roccedila comeccedilava a dar sinais de esgotamento ela era entatildeo descansada ou destinada ao

pasto ou agrave malhada (forma de cultivo intensivo) o que poderia ocorrer com ou sem o

descanso Entretanto os autores notaram que historicamente o sistema agriacutecola de

chatildeo de roccedila tinha sido preterido em detrimento do modelo da malhada Nota-se

especificamente nesse estudo uma contraposiccedilatildeo aos autores que escreveram sobre o

periacuteodo colonial em que a roccedila ainda era marcada por um processo de exploraccedilatildeo

itinerante Ainda que haja um revezamento da roccedila no campesinato sergipano estudado

por Woortmann e Woortmann (1997) percebe-se um processo sedentaacuterio de produccedilatildeo

Assim como ressaltado pelos pesquisadores discutidos anteriormente

Woortmann e Woortmann (1997) tambeacutem demonstraram que o chatildeo de roccedila aleacutem de

produzir o cultivo tambeacutem era um espaccedilo de aprendizado do trabalho agriacutecola pelos

jovens sitiantes como revela a seguinte passagem ldquoO chatildeo de roccedila portanto natildeo

produz apenas agricultura mas tambeacutem agricultores na medida em que eacute um lsquocampo de

treinamentorsquo para futuros sitiantesrdquo (WOORTMANN WOORTMANN 1997 p 70)

Segundo os autores este espaccedilo de aprendizado correspondia ao roccediladinho descrito por

Garcia Juacutenior (1983) e Heredia (1979) a respeito do campesinato pernambucano Nesse

sentido a descriccedilatildeo do aprendizado do trabalho pelos filhos dos camponeses de

Woortmann e Woortmann (1997) se mostra bastante parecida com aquela relatada por

Heredia (1979) e Garcia Juacutenior (1983) e por isso natildeo seraacute reproduzida aqui

31

Woortamann e Woortmann (1997) tambeacutem identificaram que a roccedila era uma

antonomaacutesia para milho e feijatildeo embora fossem encontradas nela outros produtos de

cultivo Tambeacutem identificaram o processo de consorciamento (associaccedilatildeo) dos cultivos

bem como as aacutervores frutiacuteferas (lavoura permanente aacutervore ou peacute de pau) geralmente

no espaccedilo do quintal referido no campesinato pernambucano como terreiro

Interessante notar uma significaccedilatildeo dada pelos autores a um dos sistemas de

consorciamento que denominam de ldquomicro ecossistema da roccedilardquo Destaca-se ainda

como contribuiccedilotildees desses autores o aspecto cultural e simboacutelico que Woortmann e

Woortmann (1997) atribuiacuteram agrave roccedila

Para sitiantes ou caboclos como tambeacutem para os Ilongot como mostra Renato Rosaldo a leitura das roccedilas eacute uma forma de construccedilatildeo do tempo cada roccedila eacute a expressatildeo de um periacuteodo O conjunto das roccedilas eacute a histoacuteria do grupo Mas a leitura da roccedila e do espaccedilo onde ela se faz tem ainda outro sentido histoacuterico ela eacute tal como no Meacutexico a leitura da subordinaccedilatildeo Para os camponeses mexicanos ao nobre e depois ao branco para os sitiantes aos proprietaacuterios Para os sitiantes a roccedila sempre expressa o trabalho e este o domiacutenio sobre a terra (WOORTMANN WOORTMANN 1997 p 149)

Nesta passagem pode-se perceber que a roccedila natildeo expressa somente um fator de

produccedilatildeo e a garantia de sobrevivecircncia do grupo domeacutestico mas ela eacute constitutiva do

proacuteprio grupo Acreditava-se que a roccedila constituiacutea o grupo domeacutestico natildeo somente

enquanto meio para a sua reproduccedilatildeo social mas tambeacutem como capaz de construir

simbolicamente esse grupo por meio da memoacuteria Essa afirmaccedilatildeo tambeacutem pode ser

compreendida quando Woortmann e Woortmann (1997) ao descreverem a divisatildeo do

trabalho familiar por gecircnero referem-se ao trabalho na roccedila como um ldquoprocesso

construtor de gecircnerordquo

Em um trabalho mais recente Brandatildeo (2009) dedicou-se parcialmente a uma

descriccedilatildeo do papel da roccedila no campesinato goiano O autor introduz uma nova leitura de

pares de opostos sobre a roccedila ao afirmar que para os camponeses ela revelaria o

confronto entre o ldquotempo antigordquo e os ldquodias de hojerdquo aleacutem de revelar uma relaccedilatildeo

vertical e horizontal ou seja esse confronto remete-se agrave questatildeo agraacuteria e agrave relaccedilatildeo

entre os proprietaacuterios como revelam as expressotildees ldquoroccedilas do fazendeirordquo e ldquoroccedilas de

meiardquo ldquoroccedila granderdquo e ldquoroccedila virgemrdquo O autor destaca tambeacutem a existecircncia das ldquoroccedilas

de tocordquo ou seja pequenas lavouras sazonais abertas em terras cultivaacuteveis sobre

espaccedilos de matas derrubadas Eram assim chamadas pois natildeo eram feitas destocas

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derrubavam-se as matas queimavam-se os galhos e troncos de aacutervores (tocos) Nas

pequenas roccedilas de toco eram produzidos o arroz o milho e o feijatildeo O trabalho na roccedila

foi descrito pelos entrevistados como ldquotocar roccedilardquo Brandatildeo (2009) em uma nota de

rodapeacute que poderia passar despercebida reproduz a fala de uma camponesa que relata

ldquoter nascido e se criado na roccedilardquo usando roccedila para designar o lugar e a cultura em que

se vive

A descriccedilatildeo da categoria roccedila ou roccedilado nos estudos sobre o campesinato no

Brasil permite uma anaacutelise mais acurada da roccedila numa perspectiva microssocioloacutegica

cuja unidade de anaacutelise eacute a famiacutelia camponesa No que tange ao que foi descrito como

roccedila no Brasil Colocircnia a roccedila camponesa continuou com um espaccedilo eminentemente de

produccedilatildeo particularmente de gecircneros alimentiacutecios representados pela triacuteade mandioca

milho e feijatildeo muitas vezes sendo referidos como antonomaacutesia de roccedila embora

estivessem presentes outros produtos tambeacutem

As mudanccedilas ou nuances identificadas relacionam-se ao fato de a roccedila

camponesa continuar garantindo o sustento familiar mas deixando de ter um papel

preponderante no abastecimento local do seu entorno tornando-se ao que parece

isolada ou pelo menos marginalizada Outro aspecto a se considerar eacute a maneira como

a roccedila estrutura a vida camponesa determinando os papeis de gecircnero e geraccedilatildeo dentro

do grupo domeacutestico Esses papeacuteis centrados no patriarcalismo revelam um processo de

hierarquizaccedilatildeo social interna na famiacutelia camponesa Mas a hierarquia social tambeacutem

comeccedila a ser exposta em relaccedilatildeo agrave comunidade externa agrave famiacutelia camponesa tanto no

que concerne agrave produccedilatildeo (autoconsumo versus comercializaccedilatildeo) quanto em relaccedilatildeo agrave

estrutura fundiaacuteria e agrave posse da terra Possivelmente esse dado relativo ao tamanho da

propriedade agrave sua funccedilatildeo ao tipo de matildeo de obra empregado e agrave propriedade ou agrave posse

do terreno tenha se consolidado e se evidenciado a partir da Lei de Terras de 1850 que

instituiu o acesso agrave terra a partir da sua alienaccedilatildeo deslegitimando os processos de

ocupaccedilatildeo da mesma ateacute entatildeo recorrentes na histoacuteria brasileira Eacute provaacutevel que estas

questotildees estejam tambeacutem no cerne da ideia de subordinaccedilatildeo que autores como Queiroz

(1973) ressaltam como condiccedilatildeo camponesa estando relacionada aos sistemas de

posse parceria e trabalho agregado nas grandes fazendas Embora as roccedilas marginais agraves

lavouras monocultoras jaacute fossem realidade no Brasil Colocircnia e a instabilidade da

situaccedilatildeo dos roceiros jaacute tivesse sido relatada pelos autores consultados a subordinaccedilatildeo

do roceiro a um senhorio parece tomar outras dimensotildees a partir da propriedade da

33

terra em 1850 Por outro lado a roccedila ganha outras conotaccedilotildees simboacutelicas relacionadas

natildeo soacute ao ciclo de vida da famiacutelia como no caso dos membros masculinos com os

rituais de passagem da infacircncia a vida adulta mas tambeacutem de histoacuteria memoacuteria e

posse da terra

Nota-se ainda a importacircncia das roccedilas nos bairros rurais Entretanto as suas

caracteriacutesticas de agricultura itinerante parecem oscilar com situaccedilotildees de uma

exploraccedilatildeo agriacutecola mais permanente que reaproveita o espaccedilo utilizado da roccedila com

produccedilotildees rotativas e consorciamento Os estudos do campesinato tambeacutem permitem

compreender por meio das descriccedilotildees de etapas do processo produtivo e sua relaccedilatildeo

com a pecuaacuteria por exemplo a roccedila como um sistema agriacutecola Para sintetizar essas

comparaccedilotildees representa-se no diagrama abaixo as mudanccedilas e permanecircncias dos

sentidos e usos de roccedila no Brasil Colocircnia e no campesinato

34

QUADRO 1 ndash Caracteriacutesticas da roccedila no Brasil Colocircnia e no campesinato no Brasil Repuacuteblica

BRASIL COLOcircNIA CAMPESINATO Empreendimento

Expediccedilotildees de descobrimentos Bandeiras Agricultura marginal ao engenho currais de

gado minas Bairro rural caipira Pequena produccedilatildeo familiar

Empreendimento Pequena produccedilatildeo familiar

(camponecircs colono ou sitiante) Bairro rural caipira

Produccedilatildeo Gecircneros alimentiacutecios mandioca milho

feijatildeo aboacutebora Matildeo de obra escravos homens livres

(brancos pobres ou negros alforriados) agregados e parceiros

Produccedilatildeo Gecircneros alimentiacutecios mandioca

milho feijatildeo Matildeo de obra famiacutelia camponesa

(proprietaacuterios posseiros agregados e parceiros)

Consumo Autoconsumo ou subsistecircncia Abastecimento local (engenho curral de

gado minas cidades vizinhas)

Consumo Preponderacircncia do autoconsumo ou

subsistecircncia Abastecimento local (fazenda

monocultura agregados e parceiros) ou comercializaccedilatildeo externa para cidades e vilas

Teacutecnica indiacutegena Derrubada do mato e queimada Cultivo de mandioca milho feijatildeo aboacutebora Processo itinerante

Teacutecnica indiacutegena Derrubada do mato coivara

capoeira chatildeo de roccedila malhada pastou ou pousio

Cultivo de mandioca milho e feijatildeo Processos itinerante e de

rotaccedilatildeoassociaccedilatildeodescanso Como um dos elementos estruturantes da

vida rural Roceiros Casas da roccedila Gente da roccedila Povoamento na roccedila Roccedila versus cidadevilavida urbana Sinocircnimo de rural

Estruturaccedilatildeo da famiacutelia camponesa Estruturaccedilatildeo interna hierarquia de

gecircnero e geraccedilatildeo Estruturaccedilatildeo externa hierarquia

social com base na possepropriedade da terra produccedilatildeo e consumo subordinaccedilatildeo social e poliacutetica

Identificadores e marcadores sociais Autonomizaccedilatildeo isolamento e

marginalizaccedilatildeo do campesinato

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

35

13 Usos e significados do termo roccedila em textos contemporacircneos

Nos estudos sobre o campesinato a roccedila serve para classificar os grupos rurais

em termos hieraacuterquicos uma vez que aqueles que estabelecem roccedilas satildeo em geral

pequenos produtores rurais familiares que produzem para autoconsumo As roccedilas satildeo

compostas por plantaccedilotildees de milho feijatildeo e mandioca que muitas vezes satildeo

designadas pelo vocaacutebulo roccedila embora outras espeacutecies tambeacutem possam ser nela

cultivadas Assim no campesinato roccedila eacute considerada como uma categoria central de

trabalho definidora da famiacutelia camponesa classificadora de sua situaccedilatildeo social no

campo Por meio da roccedila cumpre-se a funccedilatildeo de classificar as pessoas especialmente

por criteacuterios de gecircnero e geraccedilatildeo baseando-se nas funccedilotildees que cada membro familiar

nela exerce O processo produtivo a propriedade da terra as possibilidades de

mobilidade tambeacutem se relacionam estritamente com a roccedila como se pocircde perceber nos

estudos do campesinato

Mas seraacute que essas hierarquias sociais que passam a marcar a organizaccedilatildeo social

em torno da roccedila se reproduziriam em outros contextos O que diz a bibliografia

contemporacircnea a esse respeito Na Sociologia Rural o termo roccedila natildeo tem sido

utilizado de forma recorrente como uma categoria de pensamento que permite

compreender fenocircmenos da vida rural no Brasil Entretanto alguns textos se dedicaram

a essa discussatildeo ora utilizando roccedila como uma categoria central de anaacutelise ora como

variaacutevel ou pano de fundo para outras discussotildees Nesse sentido alguns dos textos

contemporacircneos aqui analisados que tratam do vocaacutebulo roccedila contribuiacuteram para se

verificar como os seus usos e sentidos se reproduziram ou foram ressignificados nos

uacuteltimos anos

Inicia-se esta perspectiva apresentando os argumentos de Oliveira M (2012 p

758) que se dedicou a discutir a categoria roccedila dentro da formaccedilatildeo rural brasileira O

autor afirma que nos textos por ele lidos sobre o assunto roccedila eacute tida como um

brasileirismo A palavra roccedila eacute de origem portuguesa (MARTINS J 2014) mas entre

os indiacutegenas brasileiros o haacutebito do cultivo de determinados alimentos especialmente a

mandioca foi logo adotado pelos colonizadores que denominaram tal praacutetica de roccedila

Segundo Oliveira M (2012 p 758-759) a roccedila eacute praticada no Brasil pelo ldquolavrador

ou roceirordquo que de acordo com ele tambeacutem eacute chamado de ldquocaipira capiau matuto

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tabareacuteu e vazanteirordquo O autor destaca o caraacuteter pejorativo com que esses termos satildeo

empregados em muitos contextos sociais com o intuito de inferiorizar o homem do

campo principalmente num processo de hierarquizaccedilatildeo em que a gente da cidade

estaria colocada em posiccedilatildeo de superioridade

Nesse sentido o estudo de Rios (2011) eacute particularmente interessante por trazer

o termo roccedila agrave tona relacionando-o a um expliacutecito processo de hierarquizaccedilatildeo da cultura

rural no Brasil A autora analisou recentemente no interior da Bahia como alunos e

alunas provenientes da roccedila construiacuteam representaccedilotildees de suas identidades e como as

praacuteticas discursivas escolares intervinham nesse saber Rios (2011) ressalta o choque

entre as histoacuterias de vida e as praacuteticas discursivas de seus alunos e alunas que viviam na

roccedila e as praacuteticas discursivas escolares e o processo etnocecircntrico e hieraacuterquico que

permeava essa relaccedilatildeo Para a autora

Para muitos alunos e alunas ndash inclusive para alguns oriundos da roccedila ndash ser da roccedila significa ser inferior ignorante ser de outro grupo possuir outra linguagem e acima de tudo ser diferente sendo esta semioacutetica da diferenccedila construiacuteda negativamente por meio da exclusatildeo e da marginalizaccedilatildeo fruto de todo um processo histoacuterico construiacutedo tambeacutem pela proacutepria instituiccedilatildeo escolar (RIOS 2011 p 14)

Rios (2011) ressalta ainda que na regiatildeo onde realizou seu estudo em Piemonte

da Chapada no interior da Bahia o uso do vocaacutebulo roccedila passa por uma

(des)construccedilatildeo histoacuterica do lugar da terra da negaccedilatildeo dos sujeitos de seus saberes e

linguagens A autora observou em diversas circunstacircncias nas pequenas cidades da

regiatildeo como o termo roccedila era tomado como um ldquonatildeo-lugarrdquo na perspectiva de Augeacute

(2004) Rios (2011) faz referecircncia aos estudos de Santos F (2006) ao assumir o termo

roccedila como uma categoria nativa que carregaria uma polissemia e uma construccedilatildeo

histoacutericaepistemoloacutegica no cotidiano dos alunos e alunas estudados(as)

Para Santos F (2006) na regiatildeo do Recocircncavo Sul da Bahia roccedila teria a

equivalecircncia de rural O autor ressalta que para realizar o seu estudo a respeito dos

alunos provenientes da roccedila precisou alccedilar esse termo ao status de categoria teoacuterica

Mas na falta de uma bibliografia que o legitimasse jaacute que aquelas disponiacuteveis segundo

ele negligenciavam as particularidades de ruralidades especiacuteficas Santos F (2006)

lanccedilou matildeo de uma pesquisa bibliograacutefica sobre a formaccedilatildeo histoacuterica do Recocircncavo

Baiano Nessa empreitada Santos F (2006) tambeacutem sistematizou a compreensatildeo da

populaccedilatildeo local sobre o lugar onde vivia e a maneira de se referir a ele como roccedila De

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acordo com este autor o processo histoacuterico de ocupaccedilatildeo das terras da regiatildeo pelos

colonizadores conferiu agrave roccedila ao longo do tempo uma conotaccedilatildeo depreciativa por se

tratar de pequenas propriedades cuja posse se deu por formas marginais e assimeacutetricas

em relaccedilatildeo ao grande proprietaacuterio Assim Santos F (2006) aplica essas categorias para

a estrutura agraacuteria do Recocircncavo Baiano

A distinccedilatildeo entre fazenda e roccedila parece tornar-se mais clara quando substantivada Fala-se em ldquofazenda de gadordquo ldquode cacaurdquo ldquode cafeacuterdquo (esta em menor importacircncia hoje mas muito forte no passado regional) mas natildeo se fala em ldquofazenda de mandiocardquo ldquode laranjardquo ldquode bananardquo ldquode feijatildeordquo ldquode melanciardquo ldquode amendoimrdquo estas satildeo roccedilas (SANTOS F 2006 p 87)

Nesse sentido Santos F (2006) assume a relaccedilatildeo entre roccedila e (os tipos de)

lavoura fazendo inclusive uma digressatildeo histoacuterica ao demonstrar a origem da palavra

na regiatildeo do Recocircncavo Baiano Poreacutem quando se trata do roccedilado (ato de derrubar

matas e preparar uma aacuterea para cultivo) Santos F (2006) destaca sua perspectiva

fundiaacuteria

Para sintetizar as discussotildees apresentadas anteriormente consideremos primeiramente que as pequenas lavouras de subsistecircncia que marcam a formaccedilatildeo histoacuterica do Recocircncavo explicam por que o termo roccedila eacute tatildeo utilizado nesta regiatildeo e em particular no municiacutepio de Amargosa Esta talvez seja a regiatildeo do Brasil onde este termo tem uso mais frequente A preponderacircncia de matas no Recocircncavo colonial fator que exigiu constantes (re)aberturas de roccedilados para o cultivo das lavouras nesta regiatildeo que foi durante seacuteculos o palco principal da colonizaccedilatildeo brasileira bem como a grande existecircncia de pequenas propriedades destinadas agrave agricultura de subsistecircncia (roccedilas) satildeo fatores que contribuiacuteram para a disseminaccedilatildeo da ldquoexpressatildeordquo roccedila na Bahia e mesmo no Nordeste onde por vezes o termo assume a equivalecircncia de ldquoruralrdquo Mas eacute preciso registrar que quando o termo assume o sinocircnimo de rural (ldquoEu moro na roccedilardquo ldquoEle foi para a roccedilardquo) natildeo se trata nestes casos de um rural qualquer de um rural geneacuterico A roccedila eacute um rural especiacutefico um rural retalhado em pequenas ou mesmo minuacutesculas propriedades destinadas agrave agricultura de subsistecircncia Propriedade lugar de trabalho de labuta onde em conjunto a famiacutelia lavra a terra e dali tira o seu sustento e ao mesmo tempo plantaccedilatildeo fruto da lavra da terra lavoura a roccedila eacute digamos o paradigma de uma forma de vida marginal que define as populaccedilotildees rurais empobrecidas do Recocircncavo excluiacutedas das benesses da modernidade que soacute chega agraves fazendas versatildeo atualizada dos antigos engenhos que outrora deram riqueza e fama ao Recocircncavo (SANTOS F 2006 p 92 grifo do autor)

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Santos F (2006) relata que inicialmente na histoacuteria da formaccedilatildeo agraacuteria do

Recocircncavo a roccedila era a aacuterea de terra destinada ao cultivo e agrave plantaccedilatildeo dela resultante

Entretanto segundo ele o processo histoacuterico de fragmentaccedilatildeo das propriedades em

domiacutenios cada vez menores fruto das heranccedilas e sucessotildees levaram agrave correspondecircncia

entre roccedila como aacuterea de cultivo e como pequena propriedade Daiacute que para as

populaccedilotildees rurais simples do Recocircncavo roccedila tem o significado de propriedade terreno

e tambeacutem tem o sentido de rural Conforme indica este autor percebe-se portanto um

processo de metoniacutemia em que roccedila tida como aacuterea da lavoura vai se tornando

sinocircnimo de rural Entretanto natildeo de um rural generalizado mas especiacutefico qual seja

da pequena propriedade natildeo tendo a mesma conotaccedilatildeo para se referir agrave fazenda ou ao

engenho Para Santos F (2006) inclusive o caraacuteter pejorativo que roccedila recebe nessa

regiatildeo estaria relacionado agrave sua submissatildeo agrave fazenda e ao engenho e ao status de uso e

natildeo de posse da terra sendo portanto uma categoria inferior em relaccedilatildeo agrave fazenda e ao

engenho

De forma divergente Martins J (2014) contrapotildee os vocaacutebulos roccedila e ldquotaperardquo

Segundo ele roccedila eacute uma palavra de origem portuguesa utilizada para designar terra

cultivada e ldquotaperardquo de origem nhengatu refere-se agrave terra que jaacute foi habitada cultivada

e encontra-se em pousio portanto em espera O que diferencia sua interpretaccedilatildeo da de

Santos F (2006) entretanto eacute a sua afirmaccedilatildeo de que roccedila faria parte tanto do

vocabulaacuterio dos ricos quanto dos pobres enquanto ldquotaperardquo compunha apenas o

vocabulaacuterio dos pobres (MARTINS J 2014 p 11) Provavelmente esta afirmaccedilatildeo de

Martins J (2014) tem a ver com a sua assertiva de que antes da Lei de Terras de 1850

no Brasil que instituiu a posse e a alienaccedilatildeo da terra fazenda era todo produto do

trabalho humano o que incluiacutea a terra cultivada ou seja a roccedila Fazenda ateacute entatildeo natildeo

teria a conotaccedilatildeo moderna de propriedade fundiaacuteria e mais ainda de latifuacutendio Era

cultivo e natildeo posse podendo portanto coincidir com roccedila

Assim na literatura recente que se produziu acerca do termo roccedila percebe-se a

sua referecircncia histoacuterica Na verdade os textos contemporacircneos corroboram com

algumas ideias apresentadas pela literatura mais antiga a respeito do termo roccedila

principalmente a sua constituiccedilatildeo a partir da abertura de matas para o plantio de

lavouras para o sustento Nota-se que num primeiro momento as roccedilas eram apenas a

lavoura fruto do trabalho e atendia indiscriminadamente agraves pequenas e grandes

propriedades os empreendimentos mais tiacutemidos e aqueles mais ambiciosos Mas o

39

processo de estruturaccedilatildeo fundiaacuteria cuja Lei de Terras de 1850 eacute indicada como

mecanismo central parece ter conduzido o uso do termo roccedila cada vez mais em direccedilatildeo

agrave pequena propriedade de uso familiar sem posse formal voltada para o autoconsumo

estando agraves vezes agraves margens das grandes exploraccedilotildees agriacutecolas e das cidades

Concomitantemente os seus sentidos vatildeo ganhando conotaccedilotildees pejorativas e o seu uso

vai servindo para classificar as pessoas num processo de hierarquizaccedilatildeo social natildeo

somente no campo mas tambeacutem na cidade

Variavelmente entretanto destaca-se o trabalho recente de Carvalho e Sabino

(2013) que faz uso da categoria roccedila apresentando outra significaccedilatildeo deste termo

utilizado por grupos oriundos da camada meacutedia urbana da cidade do Rio de Janeiro

considerados por eles naturalistas ou seja adeptos da ldquoalimentaccedilatildeo natural vegan e

alimentaccedilatildeo vivordquo (CARVALHO SABINO 2013 p 15) Na visatildeo destes naturalistas

cariocas a roccedila eacute por eles classificada numa oposiccedilatildeo binaacuteria agrave cidade numa

perspectiva que os autores consideram neorromacircntica idiacutelica e ressacralizadora da

natureza Para estes consumidores de alimentos naturais o modo de vida no campo

traduzido por eles como roccedila eacute considerado puro saudaacutevel positivo e feliz em

contraposiccedilatildeo agrave cidade vista como suja impura negativa insalubre O alimento da

roccedila assim para estes grupos traduziria uma visatildeo de mundo e um estilo de consumo

praacuteticas alimentares e comensalidade adotadas em suas vidas cotidianas e consideradas

por eles como naturais No entanto os autores revelam uma postura criacutetica ao

perceberem a sacralizaccedilatildeo da cultura popular e da roccedila pelas camadas meacutedias urbanas

como um processo de legitimaccedilatildeo do discurso dominante de classe a respeito da poliacutetica

de sauacutede e nutricional Haveria para Carvalho e Sabino (2013) nesse sentido uma

romantizaccedilatildeo da pobreza do campo por parte da populaccedilatildeo urbana de classe meacutedia que

embora reverencie e siga algumas praacuteticas alimentares da roccedila natildeo se desvincularia

totalmente do seu modo de vida urbano Apesar do cunho criacutetico o trabalho de

Carvalho e Sabino (2013) eacute aquele que mais se aproxima dos novos significados do

termo roccedila entre alguns grupos sociais contemporacircneos que eacute objeto de estudo desta

tese

Embora nos textos sobre o periacuteodo colonial jaacute se sugira que o vocaacutebulo roccedila

tendia a ser usado para se referir ao campo e agrave cultura rural nos textos mais recentes

sobretudo no de Santos F (2006) e no de Rios (2011) roccedila aparece como sinocircnimo de

rural Entretanto os autores destacam que roccedila natildeo seria a metoniacutemia de um rural

40

generalizado mas de um rural popular camponecircs familiar tiacutepico da pequena

propriedade Assim a evoluccedilatildeo do termo roccedila conforme se representa no diagrama

seguinte teria sofrido uma sintetizaccedilatildeo nos uacuteltimos anos

FIGURA 6 ndash Caracteriacutesticas da roccedila no Brasil Contemporacircneo

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

14 Usos e significados do termo roccedila em textos natildeo acadecircmicos

De acordo com Paixatildeo (2006) no poema A roccedila Varella (1892) incorpora o

bucolismo (descriccedilatildeo da vida campestre e pastoril) e a esteacutetica romacircntica tratando a

roccedila como uma paisagem imaginaacuteria Em termos comparativos destaca-se como o

escritor Alves (2005) natural da cidade de Boa Esperanccedila no sudoeste de Minas

Gerais em seu livro dedica uma seccedilatildeo de suas crocircnicas intitulada A roccedila agraves memoacuterias

de sua infacircncia na roccedila A primeira crocircnica dessa seccedilatildeo tambeacutem se chama A roccedila e a

uacuteltima Adeus agrave roccedila A roccedila a que se refere Alves (2005) nessas crocircnicas eacute utilizada

como sinocircnimo de rural englobando o campo a lavoura mas tambeacutem uma cultura

proacutepria dos que vivem no campo O autor fala das casas dos quintais dos animais das

brincadeiras das crianccedilas dos sentimentos da relaccedilatildeo com quem vivia fora do campo

dos remeacutedios caseiros da organizaccedilatildeo da vida domeacutestica da dificuldade de acesso agrave

ROCcedilA =

SIacuteTIO CAMPO RURAL

Pequena propriedade (uso e natildeo

posse)

Lavoura

Produccedilatildeo para autoconsumo

Matildeo de obra familiar

41

informaccedilatildeo Ou seja o escritor descreve uma cultura um modo de vida que denota a

vivecircncia no campo traduzida por ele pelo termo roccedila

Guardadas as devidas proporccedilotildees esteacuteticas que natildeo vecircm ao caso neste trabalho

percebe-se uma possiacutevel diferenccedila de significaccedilatildeo do termo roccedila nas obras de Alves

(2005) e Varella (1892) O primeiro relata um cenaacuterio que existiu enquanto o segundo

cria uma representaccedilatildeo De acordo com Paixatildeo (2006) o poema de Varella (1892) faz

uma descriccedilatildeo generalista da paisagem rural de maneira decorativa e ornamental natildeo se

referindo a nenhum lugar especiacutefico o autor natildeo estaacute falando da proacutepria infacircncia

descrevendo o rural a partir de um ponto de vista subjetivo Para esse criacutetico literaacuterio

este seria um traccedilo que poderia identificar Varella (1892) com a esteacutetica do

individualismo romacircntico proacuteprio agrave cultura romacircntica vigente no Brasil no seacuteculo XIX

Destaca-se tambeacutem alguns textos narrativos que embora natildeo sejam

estritamente acadecircmicos foram construiacutedos com base em informaccedilotildees documentais

escritas e orais como no caso do livro Setuacutebal (2005) Neste texto a autora se dedica a

traccedilar aspectos da identidade cultural que constitui o caipira do interior paulista

valorizando a sua diferenccedila e tentando desconstruir estereoacutetipos histoacutericos acerca desse

tipo social A abordagem de Setuacutebal (2005 p 94) para configurar a cultura caipira

paulista eacute expressa nos seguintes elementos ldquoterra natureza e vida na roccedila

simplicidade no modo de ser e nos costumes linguajar caipira religiosidade

misticismo destino as diferentes dimensotildees do tempo as tradiccedilotildees as festas e o lazerrdquo

Nestas passagens Setuacutebal (2005) faz referecircncias agrave roccedila ligando-a

principalmente a um modo de vida proacuteprio em termos dos costumes da liacutengua da

religiosidade e das dimensotildees do tempo Nesse sentido pode-se inferir que ao tratar do

modo de vida caipira a autora constitua uma relaccedilatildeo entre este e a roccedila Em

complemento agraves suas visotildees a autora cita uma seacuterie de depoimentos de indiviacuteduos

entrevistados em cidades do interior do Estado de Satildeo Paulo cujas falas fazem menccedilatildeo

agrave roccedila vez por outra Nas expressotildees dos entrevistados por Setuacutebal (2005) a roccedila

aparece sempre como referecircncia ao lugar onde se nasceu e se foi ldquocriadordquo O lugar eacute um

elemento importante em suas falas que costumam fazer analogia entre a roccedila e o mato

o siacutetio o bairro e o interior Por outro lado para os entrevistados a roccedila enquanto lugar

com modo de vida tiacutepico daria origem a tipos sociais determinados que chamam de

roceiro agricultor caboclo homem do mato aleacutem da analogia mais comum entre ser

caipira e ser da roccedila utilizada quase como sinocircnimos ldquocaipira da roccedilardquo ldquocaipira satildeo

42

pessoas criadas na roccedilardquo e ldquovida de caipira na roccedilardquo (SETUacuteBAL 2005 p 89 90 96 e

100) Os depoimentos tambeacutem fazem alusatildeo ao trabalho na roccedila implicitamente agrave

lavoura e a uma linguagem proacutepria das pessoas da roccedila

Da mesma forma a jornalista Nepomuceno (1999) usa de dados documentais

orais e escritos para construir uma narrativa na qual traccedila uma trajetoacuteria da muacutesica

caipira e sertaneja no Brasil a partir da histoacuteria de vida de alguns de seus principais

compositores e cantores O sugestivo tiacutetulo de seu livro Muacutesica caipira da roccedila ao

rodeio jaacute sugere ao seu trabalho uma perspectiva histoacuterica Nesse sentido a roccedila eacute por

ela apresentada como um dos polos no caso a origem dessa perspectiva diacrocircnica

cujo oposto complementar seria o rodeio No texto de Nepomuceno (1999) a roccedila eacute

apresentada como o ldquoantigamenterdquo o espaccedilo rural de onde saiacuteram vaacuterios cantores e

compositores brasileiros rumo agrave ldquocidade granderdquo mas tambeacutem como um modo de vida

uma cultura bastante peculiar que em sua narrativa teria um tempo histoacuterico proacuteprio

Assim a roccedila seria o ldquoantigordquo e o ldquotradicionalrdquo em oposiccedilatildeo ao ldquomodernordquo ao

ldquoracionalrdquo e ao ldquotecnificadordquo associado ao rodeio O rodeio no texto da jornalista eacute

interpretado como uma metoniacutemia das festas de peatildeo das exposiccedilotildees agropecuaacuterias

elaboradas pela induacutestria cultural apresentando estreita relaccedilatildeo com o mercado de luxo

e fortuna do country e agribusiness conforme demonstram os trabalhos de Alem (1996)

e De Paula (1998 1999 2001) que seratildeo discutidos adiante Mas a oposiccedilatildeo roccedila

versus rodeio tambeacutem parece sugerir uma oposiccedilatildeo entre campo e ldquocidade granderdquo esta

uacuteltima tambeacutem aparecendo em contraste com outros pares utilizados pela autora como

fazenda e interior Assim Nepomuceno (1999) utiliza diferentes referecircncias como

sinocircnimas ou pelo menos correlatos como roccedila sertatildeo interior Destaca-se ainda em

seu texto como alguns sentimentos satildeo relacionados ao vocaacutebulo roccedila como paz

aconchego e nostalgia Como a autora usa a expressatildeo roccedila para se referir agrave origem da

muacutesica caipira mas tambeacutem de seus cantores e compositores ela tambeacutem se refere a ela

como a lavoura e o trabalho

Neste contexto vaacuterios compositores da muacutesica popular brasileira se dedicaram agrave

temaacutetica da roccedila em suas canccedilotildees para aleacutem daqueles relacionados ao gecircnero musical

ldquocaipirasertanejordquo para o qual a temaacutetica rural eacute recorrente (ALLONSO 2012

OLIVEIRA A 2009) Eacute possiacutevel encontrar canccedilotildees de gecircneros como o samba o rock

o reggae o baiatildeo que tambeacutem aludem agrave roccedila Artistas consagrados nesses gecircneros

musicais no Brasil jaacute compuseram ou interpretaram muacutesicas nas quais o vocaacutebulo roccedila

43

aparece como Cartola Luiz Gonzaga Gilberto Gil ou Martinho da Vila Algumas

muacutesicas se referem agrave roccedila a partir da construccedilatildeo de uma narrativa referente a um sujeito

que vive na cidade e almeja retornar agrave roccedila como na canccedilatildeo Vou pra roccedila de Luiz

Gonzaga e Zeacute Ferreira interpretada pelo primeiro ou na muacutesica homocircnima de Victor e

Leacuteo (composta por Victor) no reggae de Daniel Profeta Viver na roccedila o que confere

um tom idiacutelico e nostaacutelgico agrave narrativa Em outras canccedilotildees percebe-se uma esteacutetica

realista sobre a roccedila ao se referir a ela como lavoura como em Feriado na roccedila de

Cartola ou Madalena de Gilberto Gil e Isidoro A tradiccedilatildeo em termos de costumes de

um determinado grupo pode ser percebida em muacutesicas que tratam da cultura na roccedila

suas festas suas danccedilas as atividades da vida cotidiana como exemplificam as muacutesicas

Baile na roccedila e Festa na roccedila compostas por Tinoco e Nadir e interpretadas pela

claacutessica dupla de muacutesica caipira Tonico e Tinoco Notam-se tambeacutem algumas

referecircncias a uma moral e a um comportamento tiacutepico das pessoas da roccedila em muacutesicas

como Laacute na roccedila de Candeia e Alvarenga cantada por Martinho da Vila Caipira de

Joel Marques e Maracaiacute famosa nas vozes da dupla Chitatildeozinho amp Xororoacute ou Filho da

roccedila de Zeacute do Rancho interpretada por Zico e Zeca nas quais o ponto de vista pessoal e

o mote da moralidade denotam uma perspectiva romacircntica do compositor Nesses

contextos haacute narrativas musicais que questionam o estereoacutetipo negativo agraves vezes

atribuiacutedo ao indiviacuteduo identificado a uma cultura rural da roccedila bem como a exaltaccedilatildeo

de um ldquoruralismo idiacutelicordquo como no poema de Varella (1892) conforme a anaacutelise de

Paixatildeo (2006) Nessas muacutesicas o que se destaca aleacutem da diversidade de sentidos eacute o

uso do termo roccedila e natildeo ldquocampordquo ou mesmo ldquoruralrdquo para se referir a um lugar e a um

estilo de vida caracteriacutesticos

Se nos gecircneros artiacutesticos da cultura popular brasileira identificam-se um

conjunto de obras musicais ou literaacuterias que se refere agrave roccedila o mercado de produtos e

serviccedilos por meio das suas marcas tambeacutem contribui para a construccedilatildeo desses sentidos

diversos para o termo roccedila Eacute possiacutevel identificar uma seacuterie de produtos principalmente

alimentiacutecios que traz no roacutetulo a palavra roccedila Tais produtos podem ser agriacutecolas

agroindustriais ou industriais Feijatildeo da Roccedila Cachaccedila da Roccedila ou Pizza da Roccedila satildeo

exemplos dessas marcas O setor de entretenimento tambeacutem faz uso da marca roccedila

Restaurantes lanchonetes cafeterias pousadas hoteacuteis eventos de cultura e lazer

gastronomia e turismo que exploram o nome roccedila se constituem em alguns dos

exemplos de um conjunto consideraacutevel de estabelecimentos de prestaccedilatildeo de serviccedilos e

44

de comercializaccedilatildeo de produtos Embora muitos desses estabelecimentos possam estar

situados no campo dando a este uma nova funcionalidade aleacutem da produccedilatildeo agriacutecola

como bem explicam as discussotildees sobre o novo rural brasileiro (SILVA J 1997) ou a

nova ruralidade (CARNEIRO 1998) tambeacutem podem ser encontrados na cidade ou

mesmo em metroacutepoles

Aleacutem desse mercado de bens e serviccedilos haacute a induacutestria de entretenimento com

programas veiculados na televisatildeo e os eventos como rodeios exposiccedilotildees

agropecuaacuterias e festivais musicais que utilizam o termo roccedila como marca Algumas

afiliadas das principais emissoras de canal aberto da televisatildeo brasileira possuem

programas de entretenimento que veiculam o nome roccedila A emissora regional EPTV

afiliada agrave Rede Globo de Televisatildeo veicula um programa chamado Caminhos da Roccedila

10 anos a TV Cultura Vale do Accedilo em Minas Gerais apresenta o programa

Mineirinhos na Roccedila o Programa Cafeacute na Roccedila eacute produzido pela Tileoni Produccedilotildees e

exibido pelo canal TV Band Minas veiculado em Minas Gerais na TV aberta e em rede

nacional pela paraboacutelica Festa na Roccedila eacute exibido pelo canal regional TV Poccedilos da

Rede Minas e TV Cultura e para citar mais um entre outros o Cozinha da Roccedila do

programa Negoacutecios da Terra veiculado pela Rede Massa afiliada ao SBT Alguns

eventos musicais e de entretenimento tambeacutem apelam agrave roccedila em seus nomes a exemplo

dos festivais Roccedila lsquonrsquo Roll e tambeacutem o Roccedila in Rio Tanto os produtos que podem ser

consumidos e os serviccedilos acessados no contexto urbano que utilizam a marca roccedila

quanto os programas televisivos e os eventos de entretenimento citados levam a supor

um sentido estilizado ldquodesencaixadordquo de roccedila (GIDDENS 1991) Ou seja haveria um

distanciamento espaccedilo-temporal ao utilizar roccedila em contextos urbanizados industriais e

de modernidade tardia em relaccedilatildeo a todos os outros sentidos de roccedila aqui comentados

referentes agrave lavoura ao campo agrave cultura rural No miacutenimo nota-se uma possiacutevel

mistura entre sentidos romacircnticos tradicionais de apelo agrave memoacuteria naturalista com

aspectos modernos tecnoloacutegicos e mercadoloacutegicos

Os gecircneros artiacutesticos e publicitaacuterios aqui analisados permitem elucidar outros

usos e sentidos do termo roccedila que natildeo se resumem agravequeles jaacute registrados nos trabalhos

acadecircmicos brasileiros Pode-se observar que roccedila eacute agraves vezes utilizada como sinocircnimo

ou como forma de se referir ao campo e ao rural especialmente a partir de uma

perspectiva urbana sendo portanto relacional Nesse mesmo aspecto roccedila costuma

denotar nas peccedilas artiacutesticas aqui analisadas um comportamento tiacutepico um conjunto de

45

preceitos morais e um estilo de vida com matizes tradicionais muitas vezes

contrastados com o modo de vida urbano Nos discursos artiacutesticos especialmente

literaacuterios a roccedila eacute descrita a partir de uma esteacutetica bucoacutelica e romacircntica em que

elementos relacionados agrave infacircncia agrave nostalgia ao idiacutelico satildeo ressaltados por seus

autores bem como na muacutesica o retorno ao campo agrave roccedila seja tema recorrente

No mercado de produtos e serviccedilos percebe-se ao mesmo tempo um

desencaixe das aplicaccedilotildees originais do termo roccedila e um arrojo em seus usos e sentidos

que ganham novas referecircncias e identificadores no contexto de uma cultura urbana

capitalista poacutes-moderna e globalizada que reinventa o que se pode tomar por roccedila Este

fenocircmeno parece ser um indicativo que possibilita a proposiccedilatildeo de que o rural tem

passado por um processo de reinvenccedilatildeo em que alguns de seus elementos satildeo

revalorizados e valorados em determinados segmentos na vida contemporacircnea

especialmente naqueles ligados ao consumo cultural Nas paacuteginas seguintes se

examinaraacute algumas dinacircmicas desse processo de transformaccedilatildeo do imaginaacuterio do rural

no Brasil e sua relaccedilatildeo com a produccedilatildeo e o consumo cultural para em seguida

verificar-se em que medida o uso e os significados do vocaacutebulo roccedila no mercado de

bens e serviccedilos seria um operador simboacutelico dessas mudanccedilas

15 A categoria roccedila face agrave problemaacutetica conceitual relativa ao rural

Como pocircde ser notado nas paacuteginas anteriores os diversos usos e significados

que envolvem o emprego do vocaacutebulo roccedila em diferentes contextos sociais e ao longo

da formaccedilatildeo histoacuterica brasileira possuem aspectos ambiacuteguos de hierarquizaccedilatildeo e ao

mesmo tempo de ressignificaccedilatildeo valorativa Estes aspectos podem ser percebidos na

sua dimensatildeo simboacutelica por meio da muacutesica da literatura da gastronomia dos

programas de entretenimento do discurso cotidiano das camadas populares no campo e

na cidade da classificaccedilatildeo social de pessoas como ldquojecasrdquo atrasados ou como

nostaacutelgicos de um mundo que jaacute foi melhor Mas o uso da expressatildeo roccedila tambeacutem pode

revelar as transformaccedilotildees objetivas que ocorrem na relaccedilatildeo entre o campo e a cidade

seja na esfera da produccedilatildeo e do consumo de produtos tais como alimentos orgacircnicos

naturais agroindustriais produtos com apelo tradicional ou artesanal seja no consumo

46

de vestimentas mobiliaacuterio artesanato decoraccedilatildeo na esfera da geraccedilatildeo de renda e

ocupaccedilatildeo em atividades natildeo-agriacutecolas no campo no que se refere agraves atividades natildeo-

agriacutecolas com temaacutetica rural na cidade especialmente a partir dos anos 1980 periacuteodo

em que a emergecircncia de produtos e serviccedilos com a marca roccedila se expandiu

Observa-se assim que as mudanccedilas e permanecircncias que envolvem os usos e

significados da palavra roccedila no Brasil ao longo do tempo tecircm um paralelo com o

proacuteprio imaginaacuterio do rural natildeo soacute no Brasil mas tambeacutem em outros paiacuteses e outros

tempos histoacutericos Tanto os processos de inferiorizaccedilatildeo do rural como a sua mais

recente valorizaccedilatildeo estatildeo ligados agraves mudanccedilas referentes agrave relaccedilatildeo entre o campo e a

cidade Em termos conceituais as discussotildees sobre ldquocampo-cidaderdquo e ldquorural-urbanordquo

podem ser sintetizadas em cinco correntes teoacutericas fundamentais

1a perspectiva A dicotomia rural x urbano

Sorokin Zimmerman e Galpin (1986) contrapotildeem o rural e o urbano

estabelecendo como criteacuterio de diferenciaccedilatildeo desses espaccedilos a existecircncia ou ausecircncia de

alguns traccedilos tiacutepicos como a ocupaccedilatildeo da matildeo de obra da populaccedilatildeo as diferenccedilas

ambientais o tamanho das comunidades a densidade populacional a homogeneidade

ou heterogeneidade e a complexidade da estratificaccedilatildeo da mobilidade e da integraccedilatildeo

sociais A ocupaccedilatildeo da matildeo de obra era considerada o principal traccedilo que possibilitava a

diferenciaccedilatildeo entre estes espaccedilos para estes autores Para eles no campo a ocupaccedilatildeo da

matildeo de obra seria predominantemente agriacutecola em oposiccedilatildeo agrave cidade Este argumento eacute

atualmente contestado como um criteacuterio importante para definir o campo em virtude das

novas dinacircmicas produtivas e ocupacionais que caracterizariam as transformaccedilotildees no

campo contemporacircneo

Para Sorokin Zimmerman e Galpin (1986) no entanto a ocupaccedilatildeo agriacutecola eacute o

principal vetor que influenciaria as outras caracteriacutesticas O fato de os habitantes do

campo desenvolverem um trabalho agriacutecola os colocaria em contato direto com a

natureza diferenciando este espaccedilo da cidade O trabalho agriacutecola tambeacutem exigiria

comunidades menos populosas de maneira que os agricultores poderiam dispor de

maiores extensotildees de terra para cultivar Os autores tomavam ainda como criteacuterios

demarcatoacuterios entre o campo e a cidade o tamanho das comunidades consideradas

menores naquele a densidade populacional e a homogeneidade psicossocial das

47

comunidades rurais Isto se deveria agrave suposta ocorrecircncia de uma reproduccedilatildeo e sucessatildeo

familiar dos agricultores no seu setor de ocupaccedilatildeo impedindo a inserccedilatildeo de indiviacuteduos

oriundos de outras classes ou regiotildees no trabalho agriacutecola Neste contexto os autores

tambeacutem afirmam que a estratificaccedilatildeo a diferenciaccedilatildeo social e as mobilidades social

ocupacional e espacial seriam mais proeminentes na cidade que no campo

2a perspectiva O continuum rural-urbano

A segunda perspectiva reuacutene autores que defendem a ideia de um continuum

entre o rural e o urbano e teria se originado a partir do estudo do campesinato como uma

part society feito por Redfield (1964) Este autor situa os camponeses numa escala

intermediaacuteria entre as sociedades primitivas (preacute-letradas ou folk) e as civilizadas O

autor destaca entretanto que a relaccedilatildeo entre a cidade e o campo seria instaacutevel jaacute que

haveria uma luta pelo ajustamento da ordem moral entre essas duas instacircncias Segundo

o autor

O conflito no niacutevel religioso ou eacutetico entre a cidade e o campo entre o homem da cidade e o camponecircs entre a mentalidade requintada e a mentalidade simples do habitante de um povoado ou do homem da tribo eacute tema antigo e familiar [] As relaccedilotildees entre a gente da cidade e a gente do campo formam uma grande separaccedilatildeo uma das principais fronteiras das relaccedilotildees humanas Esse fato observado pelo arqueoacutelogo eacute uma consequecircncia da revoluccedilatildeo urbana Existe agora a gente da cidade uma nova espeacutecie de gente ldquosem tradiccedilotildees sem religiatildeo inteiramente prosaica astuta improdutiva e que despreza profundamente o homem do campordquo [] Portanto existe na melhor das hipoacuteteses uma paz instaacutevel na fronteira moral entre a cidade e o campo O camponecircs conseguiu um ajustamento viaacutevel ele estaacute dentro da civilizaccedilatildeo mas vive desconfiado preferiria manter a cidade agrave distacircncia (REDFIELD 1964 p 56-57)

Nesse trecho jaacute se percebe um processo conflituoso de hierarquizaccedilatildeo entre o

rural e o urbano Solari (1979) constroacutei uma definiccedilatildeo do que seria a perspectiva de um

continuum entre o rural e o urbano

Elas partem no fundo da observaccedilatildeo de que entre o meio rural e o meio urbano existe uma gradaccedilatildeo infinita Em outras palavras estamos frente a um continuum Desde a habitaccedilatildeo rural isolada ateacute a grande cidade existem inuacutemeros escalotildees intermediaacuterios que vatildeo

48

criando uma transiccedilatildeo insensiacutevel entre o meio rural propriamente dito e o meio urbano (SOLARI 1979 p 10)

Embora sua descriccedilatildeo seja mais orgacircnica Solari (1979) afirma que haveria uma

diferenccedila entre o homem rural das sociedades desenvolvidas e o homem rural das

sociedades tradicionais devido ao processo de urbanizaccedilatildeo da vida rural especialmente

no uso de implementos mecacircnicos e no fenocircmeno de dispersatildeo populacional para a

periferia das cidades Nestes termos o autor jaacute considera as novas dinacircmicas que

transformam o campo a partir da sua relaccedilatildeo com a cidade e com a industrializaccedilatildeo

3a perspectiva A urbanizaccedilatildeo do campo

A terceira perspectiva que trata da urbanizaccedilatildeo do campo de vertente francesa

tem como principal expoente Lefebvre (2008) O autor afirma que a cidade e o campo

foram marcados no passado por uma relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo Segundo Lefebvre (2008) a

urbanizaccedilatildeo da sociedade surgiu na cidade impulsionada pela industrializaccedilatildeo que

absorveu a produccedilatildeo agriacutecola a qual se converteu num setor da produccedilatildeo industrial

Esta seria para o autor uma das caracteriacutesticas do tecido urbano o conjunto das

manifestaccedilotildees do predomiacutenio da cidade sobre o campo Para Lefebvre (2008) essas

transformaccedilotildees no campo poderiam ser notadas tanto por meio de objetos como atraveacutes

do acesso a serviccedilos tais como o tratamento e o abastecimento de aacutegua o fornecimento

de eletricidade o uso do gaacutes a posse de automoacuteveis televisatildeo utensiacutelios de plaacutestico e

mobiliaacuterio moderno mas tambeacutem por um novo sistema de valores lazer moda

costumes seguranccedila previsatildeo do futuro racionalidade (LEFEBVRE 2001) Contudo

para Lefebvre (2001 p 19) no espraiamento do tecido urbano ainda persistiriam

ldquoilhotas e ilhas de ruralidade purardquo caracterizadas pela permanecircncia de camponeses

mal adaptados agrave existecircncia urbana Assim para o autor a relaccedilatildeo urbanidade-ruralidade

natildeo desapareceria ao contraacuterio se intensificaria

Assim como Lefebvre (2001 2008) Rambaud (1973) compreendia a

urbanizaccedilatildeo como um movimento complexo uma mudanccedila cultural generalizada um

vir a ser carregado da possibilidade de se tornar universal Rambaud (1973) valendo-se

da perspectiva da aculturaccedilatildeo analisou as consequecircncias da urbanizaccedilatildeo na sociedade

rural a partir de seu processo de diferenciaccedilatildeo de desenvolvimento e de dependecircncia

entre grupos sociais assimeacutetricos assim como os habitantes do village e da cidade Para

49

o autor a contradiccedilatildeo faria parte do processo de urbanizaccedilatildeo da sociedade rural mas ele

se preocupava em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees em que o processo de urbanizaccedilatildeo poderia

incidir sobre a sociedade rural Para este socioacutelogo em sociedades rurais com o tecido

social mais coeso a possibilidade de integrar as influecircncias da cultura urbana em sua

organizaccedilatildeo social e espacial se daria por um direcionamento interno o qual se

manifestaria no ritmo das mudanccedilas e nas escolhas das inovaccedilotildees feitas por seus

habitantes Contudo em sociedades com pouca coesatildeo social o ritmo da aculturaccedilatildeo

poderia ser avassalador desfigurando e desintegrando a sociedade rural

Sobarzo (2010) seguindo a perspectiva lefebvriana defende que seria necessaacuterio

entender que campo e cidade seriam as formas o espaccedilo fiacutesico enquanto o urbano e o

rural seriam os conteuacutedos sociais os modos de vida De acordo com o autor a

sociedade urbana envolveria um modo de vida passiacutevel de superar as fronteiras fiacutesicas

entre cidade e campo transformando ambos e mudando tambeacutem a sua relaccedilatildeo Na

sociedade urbana as atividades desenvolvidas no campo utilizariam cada vez mais a

tecnologia e o emprego do conhecimento cientiacutefico possibilitando uma nova

organizaccedilatildeo territorial novos haacutebitos de vida e de consumo bem como novas relaccedilotildees

interpessoais Diminuiriam assim as diferenccedilas culturais de modos de vida e de

produccedilatildeo entre o campo e a cidade o que natildeo significaria na interpretaccedilatildeo que Sobarzo

(2010) faz de Lefebvre o fim do campo mas sim do modo de vida rural

4a perspectiva A recomposiccedilatildeo do rural

A quarta perspectiva defende o argumento da recomposiccedilatildeo do rural Expressatildeo

desta perspectiva eacute a concepccedilatildeo de Jean (1989) segundo a qual a ldquoruralidaderdquo moderna

estaria ancorada na recomposiccedilatildeo do rural sugerindo inclusive haver na

contemporaneidade uma supervalorizaccedilatildeo da vida rural citando como exemplo o

retorno agrave natureza e o neorruralismo Nesse sentido Bodson (1989) afirma que o rural

por vezes eacute utilizado para se referir a um paraiacuteso perdido a um mundo que natildeo existe

mais e acima de tudo para fazer um contraponto agrave sociedade atual Na mesma loacutegica

Bernard Kayser (1990) argumenta no sentido da recomposiccedilatildeo do rural trazendo como

evidecircncia para o seu argumento o crescimento demograacutefico no campo especialmente

por indiviacuteduos da terceira idade pela mobilidade promovida pelas migraccedilotildees

50

pendulares comutaccedilotildees e pela existecircncia de coroas peri-urbanas e pelas diferenccedilas entre

os comportamentos rurais e urbanos

Barros (1989) argumenta que a reorganizaccedilatildeo territorial do espaccedilo agriacutecola em

ldquopluriativordquo e multifuncional recomporia o rural O autor defende que o fenocircmeno da

ldquorurbanizaccedilatildeordquo e dos ldquonovos ruraisrdquo conduziria a uma diversificaccedilatildeo do uso do espaccedilo

rural como lugar de lazer e natildeo mais somente como meio de produccedilatildeo Para Barros

(1989) a instalaccedilatildeo de faacutebricas e a ldquorurbanizaccedilatildeordquo (pulverizaccedilatildeo de cidades no meio

rural) modificariam o valor relativo do espaccedilo urbano e rural De acordo com ele a

atraccedilatildeo que as cidades exerciam como loacutecus da sociedade urbano-industrial teria

decrescido em favor da atraccedilatildeo do meio rural Antes visto com repulsa agora o campo

estaria sendo percebido como oferecendo formas de vida opostas agraves urbanas Barros

(1989) afirma que essas transformaccedilotildees conduziriam o campo a uma maior capacidade

de integraccedilatildeo com a cidade A ldquoruralidaderdquo e a cultura urbana seriam para ele

constitutivas do mesmo processo embora de diversas maneiras e diferentes

intensidades

Veiga (2004 2006) apesar de apontar para a urbanizaccedilatildeo do rural podendo

assim a princiacutepio parecer se enquadrar na terceira corrente propotildee na verdade a

emergecircncia de uma nova ruralidade engendrada pela urbanidade do rural a qual

exerceria assim maior poder de atraccedilatildeo dos espaccedilos rurais para os citadinos

revigorando o rural Veiga (2004) defende a ideia de que a globalizaccedilatildeo promoveria

diferentes respostas no meio rural uma de dimensatildeo econocircmica conduziria os espaccedilos

rurais mais isolados a uma maior marginalizaccedilatildeo enquanto outra ambiental valorizaria

o rural a partir da perspectiva da qualidade de vida e do bem-estar O nascimento dessa

nova ruralidade estaria atrelado agrave conservaccedilatildeo da biodiversidade ao aproveitamento

econocircmico da paisagem por meio do turismo e dos recursos renovaacuteveis em novas

matrizes energeacuteticas (VEIGA 2006)

Abramovay (2009) tambeacutem ressalta a emergecircncia da ruralidade buscando

exprimir o peso do meio rural na economia e na sociedade contemporacircneas evitando a

suposiccedilatildeo de que o rural teria se urbanizado O autor critica o fato de haver ldquo[] um

viacutecio de raciociacutenio na maneira como se definem as aacutereas rurais no Brasil o qual

contribuiria decisivamente para que estas aacutereas fossem assimiladas automaticamente a

atraso carecircncia de serviccedilos e falta de cidadaniardquo (p 21) Segundo o autor seria

importante considerar outros aspectos como a relaccedilatildeo com agrave natureza agrave importacircncia das

51

aacutereas natildeo-densamente povoadas e agrave dependecircncia do sistema urbano para definir o rural

Por isso aponta para a pertinecircncia do conceito de ruralidade uma vez que este

privilegiaria a dimensatildeo territorial e natildeo a setorial para definir as aacutereas rurais

5a perspectiva O rural como representaccedilatildeo

Na quinta corrente encontram-se os autores que interpretam o rural e o urbano

como representaccedilatildeo Carneiro (2012) em sua perspectiva se posiciona criticamente em

relaccedilatildeo agrave oposiccedilatildeo entre rural e urbano julgando que esta teria direcionado as anaacutelises

socioloacutegicas ao considerar o rural como atrasado Para a autora o rural natildeo estaria

imune agraves transformaccedilotildees da sociedade mais ampla apontando inclusive para

fenocircmenos como a ldquopluriatividaderdquo3 como expressatildeo da aproximaccedilatildeo entre campo e

cidade A autora destaca em sua anaacutelise a revalorizaccedilatildeo do mundo rural por parte dos

citadinos em termos de uma ldquoruralidade idiacutelicardquo (CARNEIRO 2012) A autora se

fundamenta na perspectiva de Mormont (1989) que ressalta que os processos de

definiccedilatildeo do rural seriam seletivos e privilegiariam alguns aspectos da realidade rural

opondo-os agrave cidade igualmente definida por caracteriacutesticas parciais Este uacuteltimo autor

acredita que algumas caracteriacutesticas do rural seriam interpretadas em funccedilatildeo de outros

sistemas valorativos ou seja ao se utilizar criteacuterios puramente teacutecnicos e econocircmicos o

rural pode ser visto como atrasado menos desenvolvido quiccedilaacute passiacutevel de desaparecer

agrave mercecirc de propostas de mudanccedilas envolvendo a difusatildeo teacutecnica a adoccedilatildeo de inovaccedilatildeo

a adaptaccedilatildeo social ao progresso Wanderley (2001) tambeacutem chama a atenccedilatildeo para a

mudanccedila de perspectiva sobre o rural no Brasil contemporacircneo conforme relata

A sociedade brasileira parece ter hoje um olhar novo sobre o meio rural Visto sempre como a fonte de problemas ndash desenraizamento miseacuteria isolamento currais eleitorais etc ndash surgem aqui e ali indiacutecios de que o meio rural eacute percebido igualmente como portador de ldquosoluccedilotildeesrdquo Esta percepccedilatildeo positiva crescente real ou imaginaacuteria encontra no meio rural alternativas para o problema do emprego (reivindicaccedilatildeo pela terra inclusive dos que dela haviam sido expulsos) para a melhoria da qualidade de vida atraveacutes de contatos mais diretos e intensos com a natureza de forma intermitente (turismo rural) ou permanente (residecircncia rural) e atraveacutes do aprofundamento

3 Por pluriatividade a autora entende a combinaccedilatildeo de atividades agriacutecolas com natildeo-agriacutecolas em regiotildees marcadas pelo dinamismo da economia e pela proximidade entre campo e cidade

52

de relaccedilotildees sociais mais pessoais tidas como predominantes entre os habitantes do campo (WANDERLEY 2001 p 31)

As mudanccedilas nas perspectivas do imaginaacuterio sobre o rural no Brasil agraves quais se

referem Carneiro (2012) e Wanderley (2001) podem ser percebidas de forma mais

detalhada sob diversos aspectos a partir do trabalho de alguns autores como o de

Oliveira L (2003) Essa pesquisadora destaca que a existecircncia de ambiguidades a

respeito do homem rural brasileiro jaacute estava presente nas obras de cronistas e viajantes

do seacuteculo XIX pelo paiacutes ldquoHavia como que uma oscilaccedilatildeo entre uma valorizaccedilatildeo

positiva que destacava a forccedila a autenticidade e a comunhatildeo com a natureza e uma

caracterizaccedilatildeo negativa cujo traccedilo principal era a preguiccedilardquo (OLIVEIRA L 2003 p

234) Da mesma forma a autora ressalta sobre a literatura ficcional que ldquoretomado em

meados do seacuteculo XIX o regionalismo fazia viver uma tensatildeo entre o idiacutelio romacircntico e

a representaccedilatildeo realista do homem do campo entre a nostalgia do passado e a denuacutencia

das miseacuterias do presenterdquo (OLIVEIRA L 2003 p 235) Citando Chiappini (1995) a

autora afirma que o regionalismo se desenvolveu em conflito com a modernizaccedilatildeo a

industrializaccedilatildeo e a urbanizaccedilatildeo sendo tambeacutem fruto destes

Assim como comenta Oliveira L (2003) o discurso sobre o rural no Brasil no

final do seacuteculo XIX e iniacutecio do XX oscilava entre uma visatildeo romacircntica e glorificada do

passado rural ao mesmo tempo em que titubeavam as denuacutencias das condiccedilotildees sociais

desiguais Mas a partir do ruralismo dos anos 1888-1920 ateacute o nacionalismo do Estado

Novo entre 1930 e 1940 no Brasil um projeto de construccedilatildeo de identidade nacional

calcado na figura romacircntica do homem do campo contribuiu para a legitimaccedilatildeo do

autoritarismo O ruralismo segundo Mendonccedila (1997) caracterizou-se como um

movimentoideologia poliacutetico(a) construiacutedo(a) por uma fraccedilatildeo natildeo hegemocircnica da

classe dominante de proprietaacuterios rurais que defendia o fortalecimento de uma

agricultura nacional diversificada e de um mercado interno organizando-se em

entidades de classe bastante ativas Durante o Estado Novo Beskow (2010) identificou

a elaboraccedilatildeo ideoloacutegica de uma nova identidade nacional e da tradiccedilatildeo cultural

brasileira que fundamentaram sua raiz no campo e no homem rural situando-os num

projeto de desenvolvimento econocircmico mas cujo fim uacuteltimo seria legitimar o regime

autoritaacuterio Nessa mesma eacutepoca entre os anos de 1910 a 1930 de acordo com Allonso

(2012) e Oliveira A (2009) duplas e grupos caipiras encenavam peccedilas teatrais que

53

retratavam o homem rural brasileiro com um apelo cocircmico para um puacuteblico de classe

meacutedia urbana especialmente no Rio de Janeiro De acordo com Oliveira L (2003)

No periacuteodo aacuteureo do raacutedio e do cinema caipira de Mazzaropi ainda se mantinha uma visatildeo ambiacutegua sobre o caipira sobre o Jeca ele era bobo e esperto ao mesmo tempo Sua fala mole aparentemente inocente esconderia uma malandragem particular (OLIVEIRA L 2003 p 254)

Nesse sentido Oliveira L (2003) reconstroacutei o percurso da cultura rural

destacando o sucesso da muacutesica caipira nos anos 1940 e 1950 bem como sua

marginalizaccedilatildeo a partir dos anos 1960 com a acentuaccedilatildeo do processo de modernizaccedilatildeo

brasileiro passando entatildeo a estar relegada ao segundo plano como ldquosendo muacutesica de

pobre do interiorano e do suburbano muacutesica de quintal de cozinhardquo (OLIVEIRA L

2003 p 255) Esse processo de marginalizaccedilatildeo do rural a partir de meados do seacuteculo

XX tambeacutem se repercutiu nas Ciecircncias Sociais conforme indica o estudo de Oliveira

L (2003) ao analisar as representaccedilotildees sobre o homem rural paulista elaboradas pela

historiografia e pela literatura Uma dessas representaccedilotildees centralizava-se na

marginalizaccedilatildeo e na inferiorizaccedilatildeo de tipos sociais rurais tais como o caipira ou o

caboclo refletindo a exclusatildeo do campesinato brasileiro e do homem rural pobre nos

estudos acadecircmicos

Segundo Oliveira L (2003) a postura da eacutepoca era a de que ldquo[] o mundo rural

ficava na coluna que significava atraso tradiccedilatildeo sobrevivecircncia Em contraposiccedilatildeo a ele

estaria o mundo urbano identificado com o progresso a modernidade o futurordquo

(OLIVEIRA L2003 p 237) Entretanto segundo a mesma autora no domiacutenio da

Sociologia tambeacutem teria havido uma ambiguidade ora exaltando-se a sabedoria do

homem rural ora expondo o seu atraso A autora afirma que a partir dos anos 1950

devido ao processo de modernizaccedilatildeo conservadora pelo qual passou o campo no Brasil

houve um interesse das Ciecircncias Sociais em estudar as suas dimensotildees de resistecircncia

diante dos processos de urbanizaccedilatildeo e de industrializaccedilatildeo Para a pesquisadora somente

com Franco (1969) o tema do caipira se inseriu no contexto da elite acadecircmica da

Universidade de Satildeo Paulo conseguindo trazer o tema do homem rural pobre caipira

para o debate da formaccedilatildeo social brasileira

A anaacutelise de Fressato (2009) sobre a representaccedilatildeo das praacuteticas culturais caipiras

nos filmes de Mazzaropi produzidos entre os anos 1950 e 1970 demonstra a relaccedilatildeo

ambiacutegua da cultura popular com a cultura dominante que oscilava entre a subordinaccedilatildeo

54

e a rebeldia contra a ordem instituiacuteda Seu personagem mais famoso o Jeca presente

expliacutecita ou implicitamente em todos os filmes teria evoluiacutedo de acordo com as

mudanccedilas da sociedade brasileira No iniacutecio ele seria inocente e ingecircnuo tornando-se

debochado e malicioso nos uacuteltimos enredos Defende a autora que a representaccedilatildeo do

Jeca preguiccediloso nos filmes de Mazzaropi dos anos 1950 revelou mais que um modelo

esteacutetico inspirado no personagem de Monteiro Lobato uma possiacutevel criacutetica ao modelo

nacional-desenvolvimentista em voga nessa eacutepoca no Brasil A preguiccedila de Jeca nos

filmes de Mazzaropi estaria se contrapondo ao discurso dominante da sociedade

burguesa racional de espiacuterito capitalista e valorizaccedilatildeo do trabalho Para Fressato (2009)

tal preguiccedila desmistificaria uma imagem de unidade social e apresentaria outras formas

de organizaccedilatildeo social que natildeo seriam consideradas politicamente corretas

Da mesma forma Fressato (2009) ressalta como os criacuteticos de cinema no Brasil

contemporacircneos de Mazzaropi avaliavam negativamente seus filmes comparando-os

principalmente agraves peliacuteculas da esteacutetica do Cinema Novo Muitas dessas criacuteticas ao

cinema de Mazzaropi eram direcionadas ao seu personagem caipira considerado de

mau gosto e excessivamente caricaturado Mas Fressato (2009) ressalta a mudanccedila nas

avaliaccedilotildees das produccedilotildees de Mazzaropi apoacutes sua morte e o extremo sucesso de puacuteblico

de seus filmes a despeito da natildeo aceitaccedilatildeo da criacutetica Este fato apontaria para uma

capacidade de Mazzaropi de gerar um sentimento de identidade e reconhecimento por

parte do puacuteblico citadino Principalmente os anos 1960 e 1970 marcaram no Brasil o

processo de ecircxodo rural e o crescimento da populaccedilatildeo urbana Muitos dos extratos

populacionais da periferia urbana eram de origem rural nessa eacutepoca o que pode ser

uma hipoacutetese para essa identificaccedilatildeo do puacuteblico de Mazzaropi com o personagem Jeca

apontada por Fressato (2009) Da mesma forma Martins J (1975) indica como

ouvintes da muacutesica sertaneja dos anos 1970 essa populaccedilatildeo proletaacuteria urbana residente

na periferia e de origem rural Segundo Allonso (2012) Martins J (1975) dirigiu aos

ouvintes e simpatizantes da muacutesica sertaneja as mesmas criacuteticas que esta recebeu por

parte de grupos dominantes da Muacutesica Popular Brasileira (MPB) principalmente sua

vinculaccedilatildeo ao conservadorismo Seus apreciadores seriam apontados como ldquoalienadosrdquo

viacutetimas da cultura de massa apartados de sua condiccedilatildeo ldquoraizrdquo ao se transformarem em

imigrantes e proletaacuterios urbanos (ALLONSO 2012)

Segundo Oliveira L (2003) com base em Santos J (1991) a partir da deacutecada

de 1980 foi se evidenciando um novo imaginaacuterio uma nova identidade para o mundo

55

rural Com o advento da urbanizaccedilatildeo e da industrializaccedilatildeo a muacutesica sertanejacountry e

o entretenimento passaram a ter um lugar importante na construccedilatildeo da imagem do rural

e no seu consumo pelos citadinos se consolidando como simulacro da tradiccedilatildeo rural

Para Oliveira L (2003) reproduzindo o argumento de Nepomuceno (1999) a muacutesica

sertaneja renasceu a partir dos anos 1980 com o otimismo trazido pelo crescimento do

agribusiness pela reelaboraccedilatildeo dos valores rurais e pelo destaque das cidades do

interior que passaram a ser percebidas pela boa infraestrutura em detrimento agrave crise das

grandes aglomeraccedilotildees urbanas

Segundo Oliveira L (2003) os jovens da classe meacutedia preferiam se fixar no

interior onde encontravam oportunidades de consumo estudo e emprego e

reelaboravam a cultura rural a partir de elementos simboacutelicos do country norte-

americano ao inveacutes de simplesmente aspirarem a padrotildees culturais da cidade ldquoEles se

permitiam casar a alma rural com o progresso e com a riqueza e natildeo mais a alma

ingecircnua com a pobrezardquo (NEPOMUCENO 1999 citado por OLIVEIRA L 2003 p

255) Para Oliveira L (2003) o coroamento desse processo foi o sucesso de novelas

exibidas em canais abertos na televisatildeo em rede nacional com temaacuteticas rurais como

Pantanal (1990) e A Histoacuteria de Ana Raio e Zeacute Trovatildeo (1991) na extinta Rede

Manchete e O Rei do Gado (1996) na Rede Globo Oliveira L (2003 p 256) conclui

que ldquoo agribusiness e o circuito de rodeio constituiacuteram o espaccedilo social para que o

caipira ou o atrasado de ontem se tornasse o globalizado de hojerdquo

Essas transformaccedilotildees recentes na agricultura e suas consequecircncias no rural como

um todo tiveram expressatildeo especialmente a partir da deacutecada de 1980 Autores como

Abramovay (1994) Kageyama (2008) e Pires (2004) destacam que as mudanccedilas no

mundo rural e na produccedilatildeo agriacutecola a partir dos anos 1980 relacionam-se com a crise na

agricultura e no modelo produtivista nos Estados Unidos na Europa e nos paiacuteses

emergentes motivada pelo super-abastacimento mundial e pela emergecircncia de uma

pauta ambientalista Assim como ocorrera uma reestruturaccedilatildeo produtiva no setor

industrial a niacutevel mundial nos anos 1970 a partir de quando se consolida um modelo

de produccedilatildeo poacutes-fordista (ANTUNES 1995 SENNET 1999) a agricultura a partir dos

anos 1980 tambeacutem sofreu uma flexibilizaccedilatildeo produtiva De acordo com Abramovay

(1994) o modelo fordista de produccedilatildeo agriacutecola foi repensado especialmente na Europa

a partir da Poliacutetica Agriacutecola Comum (PAC) de 1992 quando as praacuteticas efetuadas entre

os anos 1960 e 1980 fundamentadas nos paradigmas da Revoluccedilatildeo Verde passaram a

56

ser revistas diante das constataccedilotildees dos impactos ambientais inerentes a esse modelo

Para o autor a partir de entatildeo estabeleceu-se o que denomina de dualizaccedilatildeo da

agricultura concentrando-se por um lado a produccedilatildeo agriacutecola e por outro as praacuteticas

de desenvolvimento sustentaacutevel E a despeito de diversas interpretaccedilotildees o que se

identifica como um denominador comum eacute o fato de o rural natildeo ser mais sinocircnimo de

agriacutecola Haacute uma seacuterie de serviccedilos e novos arranjos produtivos no campo hoje como os

serviccedilos de conservaccedilatildeo ambiental o turismo e o desenvolvimento de uma agricultura

diversificada e localizada para um nicho de mercado concomitante agrave agricultura em

larga escala Como ressalta Pires (2004) outras dimensotildees do rural especialmente o

turismo rural a moradia e as questotildees ambientais ganham uma nova posiccedilatildeo O autor

tambeacutem salienta a transformaccedilatildeo das aacutereas rurais em aacutereas de consumo de bens e

serviccedilos especialmente por parte de determinados grupos sociais de classe meacutedia e da

elite de origem urbana que passam a valorizar o rural positivamente os neorrurais

Nessa esteira de mudanccedilas as novas dinacircmicas que emergiram no campo

brasileiro especialmente apoacutes os anos 1980 satildeo descritas por Silva J (2001) como

ldquonovo rural brasileirordquo e se constituiriam em atividades como a moderna agropecuaacuteria

produtora de commodities as atividades natildeo-agriacutecolas especialmente as ligadas agrave

moradia e ao lazer no meio rural as atividades de prestaccedilatildeo de serviccedilos bem como as

novas atividades agropecuaacuterias voltadas para nichos de mercado especiacuteficos aleacutem das

atividades relacionadas agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente Silva J (1997) tambeacutem aponta

a industrializaccedilatildeo da agricultura cuja principal expressatildeo seriam os complexos

agroindustriais (CAIrsquos) como manifestaccedilatildeo do transbordamento do mundo urbano para

as aacutereas rurais

No acircmbito da cultura Alem (1996) identifica a construccedilatildeo de uma rede

simboacutelica de um rural-country hegemocircnico e dominante especialmente nas regiotildees

onde a partir dos anos 1960 a modernizaccedilatildeo agriacutecola foi intensa correspondendo agraves

zonas pecuaristas do interior de Satildeo Paulo Minas Gerais Rio de Janeiro Goiaacutes e Mato

Grosso e algumas aacutereas da Regiatildeo Norte O autor demonstra como os rituais do

ruralismo brasileiro tecircm sido ressignificados pela accedilatildeo da elite ruralista hegemocircnica e

por meio da induacutestria cultural e do Estado utilizando-se siacutembolos caipirascountry Essa

reelaboraccedilatildeo ultrapassa significaccedilotildees meramente rurais e eacute reinventada a partir de

distinccedilotildees urbanas modernas e capitalizadas Nesse sentido reconstroacutei-se uma

percepccedilatildeo do rural que natildeo estaria mais ligada agrave rusticidade ao atraso e agrave simplicidade

57

a siacutembolos como o Jeca Tatu o caipira ou o sertanejo Esta nova ruralidade seria

referendada por meio da esteacutetica country revestida de siacutembolos do poder do capital e

da distinccedilatildeo triunfando sobre uma imagem do rural negativamente estereotipada Em

suas palavras

O Jeca Tatu reapareceu transformado eacute verdade Sadio e poderoso travestido em novos tipos sociais o empresaacuterio agriacutecola capitalizado e tecnificado o pecuarista de recorte texano o criador de cavalos de raccedila o poliacutetico lobista dos interesses ruralistas os empresaacuterios e profissionais liberais urbanos que investem em fazendas e siacutetios o agro-boy o cow-boy ou peatildeo de boiadeiro as duplas de muacutesica neo-sertaneja e muitos outros tipos sociais expressivos das novas representaccedilotildees ruralistas (ALEM 1996 p 25)

Alem (1996) afirma que essa rede caipirasertanejacountry se revestiria de um

caraacuteter popular e de massa que mascararia uma hierarquia social proacutepria da estrutura

social brasileira cuja oposiccedilatildeo caipiracitadino seria seu principal expoente Para ele

essa rede intencionaria diluir as desigualdades sociais e as diferenccedilas culturais embora

na praacutetica cotidiana as hierarquias e exclusotildees sociais sejam mantidas Diante dessas

constataccedilotildees De Paula (1998 1999 2001) estudou o estilo country no oeste paulista

afirmando que este introduziu o tema do rural no cenaacuterio e na sociabilidade urbanos A

autora (1998 2001) define o country como um padratildeo de sociabilidade um estilo de

vida que elabora o mundo rural e assim flexibiliza as fronteiras dicotocircmicas entre

campo e cidade jaacute que este padratildeo eacute produzido e consumido no espaccedilo urbano E

salienta que o country tambeacutem ldquoproduzrdquo o campo um campo que natildeo eacute soacute agriacutecola

De Paula (1998 2001) afirma que o country brasileiro seria uma reelaboraccedilatildeo do

country americano com tradiccedilotildees agraacuterias brasileiras e aspectos do mundo moderno

contemporacircneo Contudo natildeo se constituiria em uma simples coacutepia mas o assume

como um simulacro da experiecircncia da ruralidade que passa pela estetizaccedilatildeo do mundo

rural De Paula (1998 2001) argumenta que no Brasil o country estaria vinculado ao

processo de distinccedilatildeo sofisticaccedilatildeo e refinamento ao contraacuterio dos Estados Unidos

(EUA) onde o estilo remeteria agraves ideias de trabalho rusticidade e simplicidade4

Eacuteboli (2007) ao estudar os sentidos sociais construiacutedos e veiculados pelo

programa Globo Rural da Rede Globo a partir da deacutecada de 1980 identificou a

4 Este fato tambeacutem eacute constatado por Giuliani (1990) ao comparar os neorrurais franceses aos novos rurais brasileiros

58

construccedilatildeo de uma imagem urbanizada do rural que transforma o rural agriacutecola em um

rural natureza e da figura de um heroacutei do campo Esse processo se desenrola segundo a

autora por meio da urbanizaccedilatildeo e da domesticaccedilatildeo da natureza graccedilas agrave ciecircncia e agrave

teacutecnica atraindo um puacuteblico urbano telespectador do programa aleacutem de seus

anunciantes e do proacuteprio homem rural Para a autora ao veicular a imagem de um rural

natureza domesticado pela teacutecnica e urbanizado o programa torna-se capaz de dialogar

com grupos sociais distintos vinculados direta ou indiretamente ao rural ou mesmo

quase completamente apartados dessa realidade O trabalho de Eacuteboli (2007) encontra-se

numa mesma perspectiva que o de Silva G (2009) que buscou apreender um possiacutevel

imaginaacuterio rural dos leitores urbanos da revista impressa Globo Rural moradores da

cidade de Satildeo Paulo e o sonho miacutetico de possuir uma casa no campo A autora

identificou trecircs movimentos que conformaram o imaginaacuterio desses leitores ao sonharem

com a casa no campo o tempo presente em que se percebe uma criacutetica ao modelo

civilizatoacuterio urbano da metroacutepole um movimento de saudade em relaccedilatildeo a um passado

rural e a um mundo natural e um gesto direcionado ao futuro longe da cidade numa

casa de campo proacutexima agrave natureza Movimentos que para a autora se intercalam entre

memoacuteria e imaginaccedilatildeo e sobretudo compotildeem um pensamento miacutetico que para ela

pode expressar um fenocircmeno social

No campo do imaginaacuterio sobre o rural e suas transformaccedilotildees destaca-se o

trabalho de Raymond Williams (2011) sobre a Inglaterra na passagem da sociedade

medieval para a moderna e de Entrena-Duraacuten (2012) sobre a Espanha no seacuteculo XX

As mudanccedilas nas representaccedilotildees sociais sobre o rural destacadas por esses autores para

a Europa na consolidaccedilatildeo da sociedade moderna trazem algumas referecircncias para se

analisar o caso brasileiro no seacuteculo XX especialmente a partir dos anos 1960 e mais

intensamente a partir dos anos 1980 periacuteodo em que se analisa nesta pesquisa a

emergecircncia de produtos e serviccedilos com a marca roccedila no mercado brasileiro

Raymond Williams (2011) demonstrou como as representaccedilotildees sociais a respeito

do campo e da cidade foram se transformando historicamente na Inglaterra utilizando

para a sua anaacutelise a literatura inglesa de temaacutetica rural O que chamou a atenccedilatildeo deste

autor foi o fato de que mesmo apoacutes as transformaccedilotildees engendradas pela Revoluccedilatildeo

Industrial que levaram a Inglaterra a uma configuraccedilatildeo urbano-industrial a literatura

rural permaneceu sendo produzida e lida de forma expressiva inclusive ao longo do

seacuteculo XX Segundo o autor a busca por um passado rural na literatura inglesa teria

59

diferentes significados segundo as especificidades relacionadas a contextos sociais

determinados Assim agrave medida que foi se desenvolvendo na Inglaterra ao longo dos

seacuteculos XVI XVII e XVIII um capitalismo agraacuterio moderno racional e tecnificado

foi se construindo ao mesmo tempo uma idealizaccedilatildeo do campo e da vida rural

expressa na poesia bucoacutelica concomitante ao crescimento das grandes cidades e ao

desenvolvimento da cultura urbana e da industrializaccedilatildeo

De acordo com Williams (2011) as mudanccedilas do capitalismo agraacuterio e os

melhoramentos por ele trazidos tambeacutem impactaram na relaccedilatildeo do homem com a

natureza tanto em termos praacuteticos como esteacuteticos Do ponto de vista esteacutetico surgiu

uma separaccedilatildeo entre a produccedilatildeo e o consumo da natureza com a invenccedilatildeo da paisagem

Parques e jardins passaram a ser produzidos com novas proposiccedilotildees sobretudo

baseadas no controle racional Interagindo com observaccedilotildees de cunho mais social

aparece a partir dessa invenccedilatildeo da paisagem uma linguagem verde Segundo o autor

justamente quando se desenvolve esta nova fase de processos industriais e de

intervenccedilatildeo intensa na natureza surge na literatura uma concepccedilatildeo de culto da

natureza intacta inculta e pitoresca com o gosto pela contemplaccedilatildeo da paisagem o

turismo contemplativo da natureza os roteiros de viagens a lugares especiais O autor

reconhece certa continuidade da idealizaccedilatildeo de personagens humildes e do campo visto

como natureza local de refuacutegio e aliacutevio em relaccedilatildeo agrave sociedade urbana O

ldquomelhoramentordquo da natureza e a expropriaccedilatildeo do trabalho pelo capital eram

interpretados pelos poetas dessa fase como uma perda do meio natural Ainda segundo o

autor o que estaria sendo expresso nessa poesia na verdade seria o sentimento de

expropriaccedilatildeo e divisatildeo social que utilizava a metaacutefora da natureza e do paraiacuteso para se

referir a um espiacuterito comunitaacuterio que ficara para traacutes Seria portanto uma maneira de

falar sobre a humanidade a partir da natureza e criticar implicitamente a sociedade na

qual se vivia Para Williams (2011) este movimento representou o fim da poesia

bucoacutelica e seu choque com a realidade rural

Pode-se perceber portanto que Williams (2011) destaca como a descriccedilatildeo da

vida campestre e pastoril com suas dificuldades tensotildees e conflitos foi dando lugar a

uma visatildeo idealizada do campo transformado em paisagem para a contemplaccedilatildeo Os

conflitos sociais de classes cada vez mais intensos com a expropriaccedilatildeo da terra dos

camponeses e com o aparecimento de uma classe de arrendataacuterios e de trabalhadores

rurais natildeo foram retratados mas antes exaltou-se em tom bucoacutelico e saudosista a

60

beleza da natureza a abundacircncia e a fartura do campo e dos aristocratas rurais Os

poemas dessa eacutepoca tambeacutem contrastavam a moral do campo e da cidade O primeiro

era atrelado agraves ideias de virtude inocecircncia e simplicidade enquanto a cidade era tomada

como sinocircnimo de ganacircncia desonestidade e ambiccedilatildeo Percebe-se portanto um culto agrave

vida rural que natildeo era necessariamente fiel agraves condiccedilotildees socioeconocircmicas da realidade

mas construiacuteda com traccedilos de idealizaccedilatildeo e de nostalgia As mudanccedilas de atitudes e as

novas sensibilidades da sociedade moderna em relaccedilatildeo ao mundo natural na Inglaterra

entre 1500 e 1800 tambeacutem foram relatadas por Thomas (2010) A relaccedilatildeo entre o

homem e o mundo natural e a classificaccedilatildeo entre a natureza e a cultura relatadas pelo

autor revelam uma trajetoacuteria que se transforma de uma visatildeo antropocecircntrica na qual o

mundo natural estaacute sujeito ao homem ateacute a emergecircncia de novas condiccedilotildees e

sensibilidades em relaccedilatildeo agrave natureza destronando o ser humano (ALMEIDA 2011)

Embora segundo Almeida (2011) Thomas (2010) tenha identificado a mudanccedila na

visatildeo sobre a natureza a sociedade moderna ainda estaria marcada pelos dilemas entre a

conservaccedilatildeo ou o domiacutenio da natureza e a produccedilatildeo agriacutecolas entre o campo e a cidade

O movimento romacircntico tambeacutem foi abordado por Norbert Elias (2001) em seu

estudo a respeito da sociedade de corte durante o reinado de Luiacutes XIV na Franccedila O

autor analisa as transformaccedilotildees vividas pelos guerreiros que antes viviam no campo sob

uma economia de troca e com uma relativa autonomia sobre suas terras mas passaram a

viver na corte em um contexto urbano sob uma economia monetaacuteria e numa rede mais

complexa e integrada de interdependecircncia A nobreza de corte passou a ver nos seus

antecessores situados em uma camada social inferior os siacutembolos de uma vida mais

livre simples independente natural e melhor Um sentimento de nostalgia e melancolia

constituiria para o autor a visatildeo romacircntica da nobreza de corte em relaccedilatildeo ao campo e

a vida natural

Elias (2001) considera como traccedilos essenciais do romantismo o fato de seus

idealizadores verem o presente em degradaccedilatildeo quando comparado ao passado O futuro

por sua vez seria uma restauraccedilatildeo do passado idealizado concebido como podendo ser

melhor e mais puro Mas essa idealizaccedilatildeo do campo estaria localizada em uma

dimensatildeo oniacuterica jaacute que sua realizaccedilatildeo dependeria do rompimento com seu status quo

Isso significaria abrir matildeo da posiccedilatildeo de prestiacutegio social ocupada na corte e desobedecer

a uma rede de interdependecircncia Tal processo resultaria em suma em ldquodescerrdquo na

escala social de reconhecimento e prestiacutegio para uma camada inferior Por isso o sonho

61

e a idealizaccedilatildeo seriam uma forma do indiviacuteduo escapar momentaneamente da coerccedilatildeo

externa e interna sem precisar perder sua posiccedilatildeo social Assim a perspectiva do

romantismo seria idealizada superdimensionando os problemas do presente e

subestimando a dureza da vida no campo e do trabalho agriacutecola eou pastoril

Elias (2001) estabelece uma conexatildeo entre a romantizaccedilatildeo das sociedades

agraacuterias e de seus personagens tiacutepicos como os guerreiros pastores e camponeses com

a ocorrecircncia crescente do ecircxodo rural e a progressiva industrializaccedilatildeo e urbanizaccedilatildeo

Para ele as coerccedilotildees tiacutepicas da integraccedilatildeo social continuaram a se desenvolver na

Europa ao longo do seacuteculo XIX e se revelaram tambeacutem numa tradiccedilatildeo romacircntico-

burguesa da mesma forma como demonstrou Williams (2011) a respeito do bucolismo

O retorno agrave natureza segundo Elias (2001) tambeacutem teria encontrado formas natildeo

romacircnticas entre as camadas de elite bem como em outras camadas sociais por meio da

praacutetica de esportes e atividades de lazer no campo como escaladas trilhas viagens de

feacuterias ao litoral agraves montanhas ou ao campo Tais manifestaccedilotildees natildeo teriam contudo

conotaccedilatildeo nostaacutelgica

Por sua vez Entrena-Duraacuten (2012) destaca que ao longo do seacuteculo XX na

Espanha houve trecircs diferentes fases do imaginaacuterio coletivo sobre o meio rural Segundo

o autor a fase relativa agrave ldquomitificaccedilatildeo conservadorardquo teve lugar durante o regime

franquista entre 1940 e 1950 No contexto do desenvolvimentismo e da modernizaccedilatildeo

dos anos 1960 e 1970 observou-se um sentimento de menosprezo ao rural identificado

com o atraso sociocultural e o subdesenvolvimento econocircmico A partir dos anos 1980

percebeu-se entatildeo uma revalorizaccedilatildeo do rural fenocircmeno que acredita ser recorrente

em vaacuterias outras sociedades modernas defendendo a perspectiva de uma reinvenccedilatildeo do

rural e de sua mitificaccedilatildeo com um recorte neorruralista A volta ao rural para o autor

natildeo seria marcada por uma perspectiva de retorno agrave sociedade agraacuteria tradicional mas

antes por uma perspectiva orientada pela qualidade de vida e pelo desenvolvimento

sustentaacutevel As transformaccedilotildees do imaginaacuterio coletivo sobre o rural em direccedilatildeo agrave sua

revalorizaccedilatildeo estariam relacionadas agrave expansatildeo do turismo rural e agrave moradia no campo

dentre outras manifestaccedilotildees da expansatildeo das interligaccedilotildees entre citadinos e rurais

A mitificaccedilatildeo conservadora construiacuteda na Espanha durante o regime franquista

de acordo com Entrena-Duraacuten (2012) fundamentou-se no discurso do ideal de uma

sociedade rural tradicional como o paradigma da harmonia e da integraccedilatildeo social

corporativa que tinha como objetivo impliacutecito negar eou marginalizar os conflitos

62

sociais Tal ideologia segundo o autor fora inspirada em referecircncias culturais do

catolicismo tradicional e nas doutrinas falangistas que criaram uma mitificaccedilatildeo

idealizadora e bucoacutelica da agricultura considerada mais como um modo de vida

tradicional e moralmente superior ao urbano do que uma atividade econocircmica O

contexto social da eacutepoca era caracterizado por uma Espanha rural tradicional com a

maioria da populaccedilatildeo empregada no setor primaacuterio com trabalhadores e arrendataacuterios

especialmente na Regiatildeo Sul (ENTRENA-DURAacuteN 2012)

O segundo momento de transformaccedilotildees do imaginaacuterio sobre o rural na Espanha

teria sido em meados do seacuteculo XX no periacuteodo desenvolvimentista quando parte

consideraacutevel da populaccedilatildeo rural migrou para a cidade em busca de melhores condiccedilotildees

de vida Essas transformaccedilotildees se deram cada vez mais intensamente atraveacutes da adoccedilatildeo

de modelos cientiacuteficos e tecnoloacutegicos tiacutepicos da sociedade moderna em substituiccedilatildeo

aos haacutebitos e costumes tradicionais locais Isto se traduziu tambeacutem na adoccedilatildeo de uma

poliacutetica agraacuteria mais teacutecnica profissional e economicista resultando inclusive na

criaccedilatildeo do Serviccedilo de Extensatildeo Rural e no Instituto Nacional Agronocircmico nos moldes

desenvolvimentistas O resultado desta poliacutetica agraacuteria de acordo com o autor foi a

mecanizaccedilatildeo agriacutecola num contexto geral de industrializaccedilatildeo e modernizaccedilatildeo

tecnoloacutegica e a transferecircncia da forccedila de trabalho agriacutecola para os setores industriais e

de serviccedilos visiacutevel no fenocircmeno do ecircxodo rural O urbano constituiacutea a imagem do

progresso da civilizaccedilatildeo e do desenvolvimento em oposiccedilatildeo ao campo considerado

atrasado

O rural foi sendo concebido cada vez mais como um espaccedilo que concentrava a

produccedilatildeo agriacutecola modernizada Entretanto Entrena-Duraacuten (2012) ressalta que a

entrada da Espanha na entatildeo Comunidade Econocircmica Europeia e sua participaccedilatildeo na

Poliacutetica Agriacutecola Comum conduziram agrave reflexatildeo sobre o problema da superproduccedilatildeo e a

necessidade de se proporcionar o desenvolvimento sustentaacutevel no meio rural Esse

contexto histoacuterico marcou a transiccedilatildeo do periacuteodo desenvolvimentista para a fase da

revalorizaccedilatildeo do rural do ponto de vista socioeconocircmico e demograacutefico Tal

revalorizaccedilatildeo do rural caracterizou-se pela crise do paradigma urbano-industrial ao

mesmo tempo em que a agricultura perdeu seu peso como atividade primordial no

campo dando lugar ao desenvolvimento da pluriatividade e da multifuncionalidade De

acordo com Entrena-Duraacuten (2012) ao mesmo tempo foram se consolidando as

perspectivas de defesa do desenvolvimento territorial voltadas para as vocaccedilotildees

63

agriacutecolas e para o exerciacutecio do turismo do lazer e das atividades ligadas agrave nova

ruralidade marcadas pela venda e consumo do ecoloacutegico como no caso do setor

imobiliaacuterio

Nesse sentido a revalorizaccedilatildeo e a ressignificaccedilatildeo do rural na Espanha segundo

Entrena-Duraacuten (2012) ocorreria num contexto marcado por pressupostos poacutes-

produtivistas ou seja pela valorizaccedilatildeo do entorno ecoloacutegico do espaccedilo rural pela

praacutetica da agricultura natildeo produtivista pelo desenvolvimento sustentaacutevel e pela

valorizaccedilatildeo da qualidade de vida Para o autor o contexto mais marcante que envolve a

revalorizaccedilatildeo do rural relaciona-se agrave emergecircncia do turismo rural que contribui para o

desenvolvimento e a conservaccedilatildeo do patrimocircnio natural arquitetocircnico e especialmente

a valorizaccedilatildeo da cultura local marcada pelo uso da paisagem das acomodaccedilotildees e dos

utensiacutelios tradicionais tanto pela populaccedilatildeo local quanto pelos turistas e novos

residentes oriundos da cidade Entretanto o autor destaca que essa ressignificaccedilatildeo do

rural tem passado por uma construccedilatildeo social natildeo mais baseada somente na concepccedilatildeo

autaacuterquica local mas em termos de uma glocalizaccedilatildeo dos espaccedilos rurais Isto ocorre

justamente pela fixaccedilatildeo no campo de turistas ou novos residentes de origem urbana

que trazem consigo referecircncias do mundo urbano e contribuem para uma mitificaccedilatildeo do

meio rural que envolve imagens diversas complexas e agraves vezes contraditoacuterias entre a

populaccedilatildeo local os turistas e os neorrurais

Entrena-Duraacuten (2012) argumenta que as condiccedilotildees nas quais os turistas e

neorrurais vivenciam os modos de vida espaccedilos e lares tradicionais rurais satildeo

sucedacircneos ou simulacros edulcorados motivados pela busca do proacuteprio do autecircntico e

do artesanal O autor acredita que a mercantilizaccedilatildeo e o consumo das paisagens e do

modo de vida rural pelos turistas produz uma artificializaccedilatildeo ou mesmo uma imitaccedilatildeo

da autecircntica ruralidade Citando autores como Hobsbawm e Ranger (2000) entre outros

Entrena-Duraacuten (2012) afirma que se trata uma materializaccedilatildeo de tendecircncias de

reinventar o rural tradicional De acordo com o autor essa idealizaccedilatildeo do meio rural

por meio da construccedilatildeo de simulacros da autenticidade rural atende especialmente agraves

aspiraccedilotildees de uma camada urbana de sociedades modernas avanccediladas que busca no

exotismo na comunidade na autenticidade na natureza e na vida saudaacutevel suprir as

carecircncias da sociedade urbano-industrial globalmente preponderante de onde provecircm os

turistas e neorrurais

64

A busca pela tradiccedilatildeo pelo autecircntico assim como a valorizaccedilatildeo da natureza e

dos processos de produccedilatildeo artesanais e locais parecem conformar os processos de

produccedilatildeo circulaccedilatildeo e consumo de bens com a marca roccedila no Brasil A busca por

autenticidade por parte das marcas remeteria a um apelo agrave tradiccedilatildeo ao saber-fazer

artesanal presente na fabricaccedilatildeo do produto ou na prestaccedilatildeo do serviccedilo com pretensatildeo

de reviver dimensotildees relativas ao ldquojeito como era antesrdquo O sentimento de nostalgia e o

romantismo que parecem envolver a identificaccedilatildeo da marca roccedila com a tradiccedilatildeo

estariam relacionados agrave presenccedila de elementos maacutegicos da consciecircncia os quais se

expressam de acordo com Mannheim (1986) no tradicionalismo Por outro lado para

Lifschitz (2011) a criaccedilatildeo de tradiccedilotildees estaria relacionada com estrateacutegias poliacuteticas de

legitimaccedilatildeo de populaccedilotildees tradicionais como os quilombolas por ele estudados

envolvendo a disputa de valores entre os agentes da modernidade e os agentes do grupo

aleacutem de utilizarem meios de produccedilatildeo modernos na criaccedilatildeo da tradiccedilatildeo

O objeto de estudo desta pesquisa a marca roccedila parece partilhar de aspectos

apontados por Lifschitz (2011) a respeito do uso de teacutecnicas modernas na criaccedilatildeo de

elementos associados agrave tradiccedilatildeo pois se pressupotildee que estes elementos estejam

envolvidos na fabricaccedilatildeo dos produtos da roccedila ou na performance da oferta dos

serviccedilos Ressalta-se ainda que o autor demonstra como essas teacutecnicas modernas atuam

na tentativa de sacralizar e revestir de aura os elementos tradicionais Aqui como em

Mannheim (1986) nota-se a referecircncia aos aspectos maacutegicos que envolvem o conceito

de tradiccedilatildeo Lifschitz (2011) assume ainda que nas comunidades por ele estudadas

pocircde observar a disputa pela autenticidade de determinadas praacuteticas culturais A busca

pela autenticidade tambeacutem parece fazer parte do jogo de disputas para definir o que eacute

um produto ou serviccedilo da roccedila Essa disputa que orbita o mercado de bens da roccedila se

insere num processo que embora conflituoso revela a tentativa de rurais citadinos e

neorrurais partilharem um horizonte de significados socialmente construiacutedo Esse

processo de alguma forma estaacute relacionado com experiecircncias que tentam romper com

o atomismo individual a racionalidade instrumental autocentrada e subjetivada

caracteriacutesticas da vida moderna conforme ressalta Taylor (2011) segundo Beltrami

(2012) e Silveira Rocha e Cardoso (2013)

Em suma pode-se destacar que no Brasil desde a proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica ateacute

meados da deacutecada de 1950 a imagem do rural caracterizou-se pela valorizaccedilatildeo do

homem rural tido como modelo para a construccedilatildeo de uma identidade nacional com

65

uma visatildeo romacircntica de sua suposta inocecircncia simplicidade e honestidade Contudo

esse imaginaacuterio possui pitadas de ironia e comicidade revelando o homem rural como

preguiccediloso e desmotivado marginalizado do projeto de naccedilatildeo em vias de se urbanizar e

se industrializar Destaca-se nesse sentido o personagem Jeca Tatu de Monteiro

Lobato as peccedilas teatrais de duplas caipiras e a primeira fase dos filmes de Mazzaropi

representada pelo Jeca Esse periacuteodo desde a Repuacuteblica Velha ateacute o fim do Estado

Novo e iniacutecio da era nacional-desenvolvimentista correspondeu no que tange ao

autoritarismo poliacutetico e ao uso do homem rural no ideal nacional ao periacuteodo de

mitificaccedilatildeo conservadora apontado por Entrena-Duraacuten (2012) na Espanha guardadas as

devidas proporccedilotildees Uma das diferenccedilas mais marcantes nos dois casos eacute justamente a

ambiguidade discursiva sobre o rural no Brasil jaacute neste periacuteodo do iniacutecio do seacuteculo XX

quando o homem rural eacute ora modelo moral a ser seguido ora exemplo de

comportamento a ser estigmatizado

Em um segundo momento dos anos 1950 ateacute o final dos anos 1970 durante o

processo de urbanizaccedilatildeo e industrializaccedilatildeo mais intenso no Brasil aleacutem da

modernizaccedilatildeo agriacutecola acentuada eacute possiacutevel perceber novamente as posiccedilotildees ambiacuteguas

sobre o rural Primeiramente a indiferenccedila acadecircmica das Ciecircncias Sociais para com o

caipira que adiante se flexionaraacute na curiosidade sobre suas formas de resistecircncia agrave

urbanizaccedilatildeo e agrave industrializaccedilatildeo No cinema e na muacutesica passou-se a se refletir mais

ainda sobre a relaccedilatildeo entre os urbanos e os rurais especialmente pelo contexto de

ecircxodo rural e aglomeraccedilatildeo dessa populaccedilatildeo na periferia dos centros urbanos e no

trabalho proletaacuterio Assim o cinema de Mazzaropi conforme Fressato (2009) passou a

ironizar o citadino a partir da visatildeo do rural e a muacutesica antes caipira transformou seu

gecircnero em sertanejo com temas urbanos e modernos conforme destaca Oliveira (2009)

Mas eacute tambeacutem nessa eacutepoca que a muacutesica sertaneja passou a ser classificada como um

gecircnero inferior pela MPB como muacutesica cafona de caipira ou de uma massa urbana

alienada E o rural como um todo foi identificado ao atraso ao tradicional e

conservador em detrimento da cidade moderna e desenvolvida como destaca Oliveira

(2003) Essa mesma eacutepoca na Espanha foi classificada por Entrena-Duraacuten (2012)

como desenvolvimentista na qual se hierarquizou o urbano e o rural entre o avanccedilo e o

atraso respectivamente

O processo de valorizaccedilatildeo do rural apontado por Entrena-Duraacuten (2012) na

Espanha poacutes-produtivista poacutes anos 1980 seria marcado especialmente pelo

66

desenvolvimento do turismo rural e suas dinacircmicas inerentes neorrurais valorizaccedilatildeo da

qualidade de vida no campo criacutetica agrave agricultura produtivista e processos de

conservaccedilatildeo da natureza e dos aspectos de vida locais Os estudos analisados no Brasil

especialmente o de Eacuteboli (2007) e Silva G (2009) tambeacutem apontam para uma

valorizaccedilatildeo do rural a partir da criacutetica ao modelo civilizatoacuterio urbano e ao culto da

natureza Mas a valorizaccedilatildeo do rural a partir dos anos 1980 e 1990 no Brasil parece

natildeo passar somente pelo discurso do rural natureza e do rural idiacutelico da casa no campo

mas tambeacutem pela esteacutetica country ressignificada a partir das referecircncias culturais norte-

americanas (ALEM 1996 DE PAULA 1998 1999 2001 OLIVEIRA L 2003) E

embora revalorizem o rural reproduzindo alguns de seus aspectos culturais na cidade e

entre as camadas urbanas a esteacutetica country reproduz as antigas hierarquias sociais

dominantes no campo agora na cidade bem disfarccediladas numa suposta democracia de

acesso cultural agrave muacutesica sertaneja agraves festas de rodeio e agrave moda country conforme Alem

(1996) e De Paula (1998 2001) Eacute a revalorizaccedilatildeo do rural agrave moda brasileira com suas

ambiguidades e contradiccedilotildees

Sugere-se a partir da anaacutelise dessas obras sobre aspectos do rural brasileiro que

haacute a produccedilatildeo de um simulacro da tradiccedilatildeo rural nos moldes demonstrados por Entrena-

Duraacuten (2012) para o caso da Espanha no Brasil possivelmente recortado por uma

perspectiva nostaacutelgica e romacircntica conforme descreveu Elias (2001) trazendo a anaacutelise

para a contemporaneidade como forma de escapar pelo imaginaacuterio ou pelo turismo das

coerccedilotildees da sociedade moderna urbana e industrializada sem precisar abrir matildeo

efetivamente das suas condiccedilotildees de vida Esse simulacro se revela no consumo e

fruiccedilatildeo das muacutesicas sertanejas na adoccedilatildeo do estilo country no turismo rural na vida

neorrural no consumo de revistas ou na audiecircncia de programas de televisatildeo de

conteuacutedo rural e no sonho da casa no campo por exemplo Por outro lado as

hierarquias parecem se reproduzir especialmente quando se atenta para os trabalhos

mais recentes publicados apoacutes os anos 1990 Referimo-nos agrave disputa entre a muacutesica

sertaneja e a popular brasileira dentro do campo musical que conforme indicam

Allonso (2012) e Oliveira A (2009) tende a ser dominada pela segunda agraves

dificuldades de ajustamento dos alunos oriundos da roccedila do interior baiano ao discurso

escolar urbano conforme relata Rios (2011) agrave divisatildeo de classes que se estabelece na

cultura country e nos circuitos de rodeio sendo a primeira identificada a uma elite

dominante pelos autores Alem (1996) e De Paula (1998 1999 2001)

67

Essas reflexotildees nos levam a sugerir que no Brasil pelo menos ao longo do

seacuteculo XX constituiu-se um imaginaacuterio sobre o rural bastante complexo com contornos

ambiacuteguos e agraves vezes contraditoacuterios Elementos de idealizaccedilatildeo misturavam-se agraves

criacuteticas hierarquizaccedilotildees e dicotomias A partir dos anos 1990 essas contradiccedilotildees do

imaginaacuterio sobre o rural parecem ter se renovado ganhando novos elementos como a

cultura country e a valorizaccedilatildeo do rural como natureza Mas permaneceram as

diferenciaccedilotildees e os estereoacutetipos Acredita-se que a anaacutelise da categoria roccedila por meio

da produccedilatildeo o consumo de produtos e serviccedilos com essa marca desde os anos 1960 no

Brasil possa proporcionar um maior entendimento sobre como o imaginaacuterio acerca do

rural brasileiro se reconstroacutei nos discursos sobre a natureza a tradiccedilatildeo a autenticidade

a nostalgia e a distinccedilatildeo

16 Siacutentese dos usos e significados da categoria roccedila face agraves perspectivas

sobre o rural no Brasil

A revisatildeo de literatura a respeito dos usos e significados do termo roccedila no

Brasil e do imaginaacuterio sobre o rural neste paiacutes e tambeacutem em naccedilotildees europeias revelou

um conjunto de mudanccedilas que em siacutentese pode ser compreendido como a passagem de

um modelo dicotocircmico entre o campo e a cidade em que a vocaccedilatildeo agriacutecola do campo

acentuava a sua contradiccedilatildeo com a cidade No entanto a complexidade e a diversidade

que marcam a sociedade contemporacircnea apontam para uma aproximaccedilatildeo do modo de

vida das pessoas que vivem no campo em relaccedilatildeo aos citadinos Concomitantemente a

este fenocircmeno de diluiccedilatildeo dos contrastes entre os habitantes de ambos os espaccedilos tanto

o campo enquanto espaccedilo fiacutesico como o rural enquanto um modo de vida reinventado

passam a ser idealizados e valorizados como apontam Carneiro (2012) Entrena-Duraacuten

(2012) Jean (1989) Kayser (1990) Veiga (2004 2006) entre outros Estes autores

apontam para a emergecircncia de novos setores produtivos no campo para o surgimento de

novas ocupaccedilotildees e fontes de renda O campo passa a ser representado como um espaccedilo

de contemplaccedilatildeo fruiccedilatildeo e preservaccedilatildeo dos recursos naturais Esta faceta poacutes-

produtivista vinculada ao campo enquanto espaccedilo fiacutesico e ao rural enquanto modo de

vida parece ter tido o seu eco nos novos significados do vocaacutebulo roccedila Um dos campos

68

representativos dessa ressignificaccedilatildeo da categoria roccedila no Brasil seraacute analisado no

proacuteximo capiacutetulo

69

2 ROCcedilA UMA MARCA REGISTRADA A PRODUCcedilAtildeO A CIRCULACcedilAtildeO E O

CONSUMO DE PRODUTOS E SERVICcedilOS ldquoDA ROCcedilArdquo

21 A roccedila vai ao mercado uma interpretaccedilatildeo a partir da antropologia do

consumo

Novos usos e significados atribuiacutedos ao termo roccedila podem ser notados como foi

demonstrado anteriormente no imaginaacuterio expresso no cancioneiro popular em

algumas peccedilas literaacuterias e tambeacutem na induacutestria cultural do entretenimento e da

informaccedilatildeo Dentre esses diferentes contextos em que se expressam o uso do termo

roccedila optou-se por analisar nesta pesquisa o mercado de bens e serviccedilos que veiculam

este termo como marca ou que aludem a ele

Assim como o uso da expressatildeo roccedila na esfera da produccedilatildeo artiacutestica e da

induacutestria cultural parece ser um indicador da revalorizaccedilatildeo do campo enquanto espaccedilo

fiacutesico e do rural enquanto modo de vida no Brasil seu emprego no mercado tambeacutem

parece evidenciar esta faceta valorativa especialmente a partir de meados dos anos

1980 Mas a emergecircncia da circulaccedilatildeo de bens e serviccedilos que se autodefinem como da

roccedila tambeacutem sugere novos usos e significados aleacutem daqueles consagrados

historicamente no Brasil A tentativa de compreender esses novos usos e significados da

palavra roccedila no mercado brasileiro se justifica em termos da constataccedilatildeo da sua

expansatildeo poacutes anos 1960 mediada pelas trocas e pela possibilidade que o consumo

dispotildee na sociedade contemporacircnea de se reapropriar dos significados que a proacutepria

cultura produz (MILLER 1987 citado por DUARTE 2010) Assim sendo corrobora-se

com Anjos e Caldas (2014) quando afirmam que

Como eacute possiacutevel falar de uma nova ruralidade sem evocar os traccedilos que sustentam as representaccedilotildees sociais construiacutedas pelos consumidores supostamente aacutevidos por absorver a tradiccedilatildeo e o singular em detrimento do padronizado do convencional (ANJOS CALDAS 2014 p 52)

Nesse sentido analisar os usos e significados da expressatildeo roccedila na

contemporaneidade por meio do mercado permite observar de que maneira os mesmos

70

se institucionalizam ao ganhar um caraacuteter mais formal e racionalizado como marca de

um empreendimento por exemplo O movimento dos usos e significados de roccedila pode

ser pensado em termos de sua migraccedilatildeo de um gecircnero do discurso simples como aquele

relativo agrave comunicaccedilatildeo imediata como o diaacutelogo face a face para um gecircnero do

discurso complexo como aquele relativo agraves situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo vinculadas ao

conviacutevio cultural predominantemente escrito nomeadamente atraveacutes das marcas de

produtos e serviccedilos com o termo roccedila Para Bakhtin (2003) os gecircneros complexos

como por exemplo o artiacutestico o cientiacutefico o juriacutedico e o publicitaacuterio incorporam e

reelaboram os gecircneros simples fazendo com que percam seu viacutenculo direto com a

realidade concreta Assim o uso da expressatildeo roccedila que antes se restringia ao discurso

informal do cotidiano no campo das relaccedilotildees sociais constitutivas do mundo rural

brasileiro com os seus conteuacutedos e significados intriacutensecos eacute incorporado por outras

esferas comunicativas mais formais e complexas caracterizadas por um contexto

urbano e moderno dentre as quais se destaca aqui o mercado de bens e serviccedilos

Para Bakhtin (2003) os gecircneros do discurso enquanto tipos relativamente

estaacuteveis de enunciados satildeo marcados por estilos padronizados e estereotipados mas o

autor admite que esses estilos tambeacutem podem ser flexiacuteveis plaacutesticos e criativos

(RODRIGUES 2004) Daiacute a percepccedilatildeo de novos usos e significados para o termo roccedila

nos roacutetulos de produtos que agraves vezes natildeo tecircm uma ligaccedilatildeo imediata com o mundo

rural Isso eacute possiacutevel porque para Bakhtin (2003) a diversidade de gecircneros eacute

determinada pelas posiccedilotildees sociais contextos relaccedilotildees sociais entre os sujeitos da

situaccedilatildeo de comunicaccedilatildeo Assim a escolha das ldquopalavrasrdquo para compor um enunciado

natildeo eacute determinada pelo seu conteuacutedo leacutexico ou seja pelo seu significado ldquoneutrordquo

encontrado em um dicionaacuterio mas pelo seu uso tiacutepico em outros enunciados

relacionados ao do sujeito que fala Este fenocircmeno parece ocorrer no emprego do termo

roccedila como marca de produtos e serviccedilos

A categoria roccedila como trabalho na produccedilatildeo agriacutecola voltado para o

abastecimento das populaccedilotildees vinculado agrave pequena produccedilatildeo familiar e ao

autossustento eacute incorporada ao sofisticado campo do marketing e da publicidade Por

isso o campo eleito nesta pesquisa como objeto de anaacutelise do vocaacutebulo roccedila foi dentre

as vaacuterias possibilidades existentes o mercado de bens e serviccedilos com as suas marcas

Tal escolha se alicerccedilou nas observaccedilotildees de Douglas e Isherwood (2013) que afirmam

que o sentido dos bens reside na sua capacidade de transportar e comunicar seu

71

significado cultural Essa tambeacutem eacute a perspectiva de Sahlins (2003 p 177) para quem

ldquoo proacuteprio consumo eacute uma troca (de significados) um discurso ndash ao qual virtudes

praacuteticas lsquoutilidadesrsquo satildeo agregadas somente post factordquo Sahlins (2003) inspira-se em

Baudrillard (1972)

Assim como eacute verdade da comunicaccedilatildeo do discurso tambeacutem eacute verdade dos bens e produtos o consumo eacute troca [] Haacute uma produccedilatildeo social um sistema de troca de materiais diferenciados de um coacutedigo de significados e valores constituiacutedos (BAUDRILLARD 1972 citado por SAHLINS 2003 p 177)

O mercado de produtos e serviccedilos eacute considerado um campo de accedilatildeo cujos

processos de produccedilatildeo circulaccedilatildeo e consumo produzem significados e informam sobre

as relaccedilotildees sociais (BARBOSA L CAMPBELL 2006 DUARTE 2010) Neste

intento assume-se os bens como o fazem Douglas e Isherwood (2013) como sistemas

de categorias cuja funccedilatildeo eacute expressiva e simboacutelica permitindo captar os usos e

significados aqui pretendidos para o termo roccedila Natildeo se trata portanto de meros

objetos de consumo mas de coacutedigos que fazem parte de uma ordem cognitiva complexa

de categorias culturais e de relaccedilotildees entre elas que transmite distinccedilotildees Essas categorias

culturais de acordo com Sahlins (2003) podem ser manipuladas pela proacutepria

manipulaccedilatildeo dos bens uma vez que na sociedade ocidental burguesa a produccedilatildeo

material eacute o lugar dominante da produccedilatildeo simboacutelica

Analisar os significados do termo roccedila e de que forma eles expressam mudanccedilas

e permanecircncias relacionadas ao campo enquanto espaccedilo fiacutesico e ao rural enquanto

modo de vida no Brasil via a materialidade dos bens de consumo significa como

ressaltam Douglas e Isherwood (2013) tomar os objetos como a parte visiacutevel da cultura

nos quais se concretiza o intangiacutevel da ordem simboacutelica Para estes autores os objetos

ajudam na criaccedilatildeo de uma ordem cognitiva baseando-se em pressupostos e crenccedilas

culturais estabilizando e dando visibilidade agraves categorias culturais pela materialidade

Busca-se portanto neste capiacutetulo compreender o significado cultural sedimentado nos

bens (SAHLINS 2003)

A anaacutelise dos significados e usos do termo roccedila nas marcas de produtos e

serviccedilos permite ainda verificar uma das hipoacuteteses que guia este trabalho a qual

defende que este mercado que veicula a expressatildeo roccedila revela a flexibilizaccedilatildeo das

fronteiras demarcatoacuterias das hierarquias sociais historicamente instituiacutedas no Brasil por

72

meio de um processo que parece apontar para uma revalorizaccedilatildeo do rural Nesse

sentido o estudo dos bens e serviccedilos que se distinguem pela marca roccedila pode ser um

indiacutecio desse processo de valorizaccedilatildeo do rural brasileiro Segundo a perspectiva de

Baudrillard (1972) Douglas e Isherwood (2013) Sahlins (2003) no consumo estatildeo

subjacentes as construccedilotildees sociais de valor de dada sociedade Compartilha-se ainda da

perspectiva de Douglas e Isherwood (2013) de que o significado dos bens excede o seu

valor comercial o seu caraacuteter utilitaacuterio e a sua exibiccedilatildeo de status Para Sahlins (2003) a

circulaccedilatildeo de bens na sociedade ocidental comunica as suas ideias e categorias culturais

bem como revela os usos os significados e os valores que os sujeitos estabelecem com

os objetos apoacutes a sua aquisiccedilatildeo Segundo Sahlins (2003) portanto eacute o valor social que

estabelece o valor econocircmico ldquoEacute essa loacutegica simboacutelica que organiza a demanda O

valor social do fileacute ou da alcatra comparado com o da tripa ou liacutengua eacute o que

estabelece a diferenccedila em seu valor econocircmicordquo (SAHLINS 2003 p 176)

Assim se num primeiro momento a expansatildeo do mercado de bens e serviccedilos

com a marca roccedila parece sugerir um processo de agregaccedilatildeo de valor econocircmico

gerando ocupaccedilatildeo renda lucro e um nicho de mercado acredita-se que o escrutiacutenio dos

usos valores e significados envolvidos no processo de produccedilatildeo circulaccedilatildeo e consumo

de bens da roccedila revele um processo natildeo soacute de valoraccedilatildeo mas tambeacutem de valorizaccedilatildeo

do campo e do rural atraveacutes de bens associados aos mesmos evidenciando que os

valores sociais e natildeo soacute os utilitaacuterios fomentam a relaccedilatildeo entre os sujeitos e o mundo

dos bens Eacute nesse sentido que se desenvolvem as anaacutelises das marcas de produtos e

serviccedilos da roccedila nas paacuteginas seguintes

22 Procedimentos metodoloacutegicos e anaacutelise descritiva de marcas de produtos

e serviccedilos com o termo roccedila no Brasil

O primeiro passo para identificar o uso do termo roccedila na esfera dos bens no

Brasil consistiu na verificaccedilatildeo da existecircncia de produtos e serviccedilos que solicitaram o

registro da marca roccedila no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) do

Ministeacuterio da Induacutestria Comeacutercio e Desenvolvimento Exterior No Brasil a proteccedilatildeo agrave

propriedade industrial no geral existe desde 1809 tendo sido elaborada a partir da

73

vinda da Coroa Portuguesa em 1808 Mas a proteccedilatildeo agraves marcas foi especificamente

tratada em lei em 1875 por meio de uma representaccedilatildeo feita por Rui Barbosa conforme

descreve Massinelli (2014) Atualmente segundo esta autora a lei que trata do registro

de marcas e da Propriedade Industrial como um todo eacute a Lei nordm 9279 de 14 de maio

de 1996 e o oacutergatildeo responsaacutevel pela concessatildeo e garantia dos direitos de propriedade

intelectual para a induacutestria eacute o INPI Este oacutergatildeo eacute uma autarquia federal criada em

1970 e seus principais produtos satildeo o ldquoregistro de marcas desenhos industriais

indicaccedilotildees geograacuteficas programas de computador e topografias de circuitos as

concessotildees de patentes e as averbaccedilotildees de contratos de franquia e de transferecircncia de

tecnologiardquo (INPI 2015)

O sistema de registro de marcas no Brasil eacute feito por meio da solicitaccedilatildeo do

proacuteprio titular (ou por meio de um intermediaacuterio como uma agecircncia publicitaacuteria de

design ou por advogados) no INPI O depoacutesito do pedido de marcas eacute examinado pelo

INPI e soacute eacute concedido se este identificar que a marca atende agraves exigecircncias de registro e

se eacute uacutenica no seu ramo de atividade econocircmica natildeo podendo portanto ser repetida para

o mesmo produto ou serviccedilo As marcas podem ser protegidas em caraacuteter nominal

(apenas o seu nome) figurativo (siacutembolos e logotipo) e misto (ou seja ambos) O

procedimento conta com vaacuterias fases que o solicitante deve atender para ter sua marca

registrada Caso o registro seja concedido a marca eacute protegida por dez anos e sua

renovaccedilatildeo eacute possiacutevel No Brasil conforme destacam vaacuterios autores a propriedade da

marca eacute atributiva ou seja apenas por meio do seu registro legal (SILVA E 2014

TEIXEIRA 2007) A marca de acordo com o site do INPI eacute um sinal visual distintivo

que identifica o produto ou serviccedilo e o distingue em relaccedilatildeo aos outros e o certifica

quanto agrave sua conformidade com normas e especificaccedilotildees teacutecnicas (INPI 2014)

Realizou-se a consulta agrave base de dados do INPI no site wwwinpigovbr

visando identificar produtos e serviccedilos que tiveram seus registros solicitados com a

marca roccedila Esse processo foi possiacutevel porque o INPI informa aos solicitantes que antes

de fazer um pedido de registro de marca o interessado deve pesquisar se a marca que

pretende registrar estaacute disponiacutevel ou seja se o nome pretendido jaacute natildeo foi registrado

por outro titular o que impossibilitaria utilizaacute-la A consulta foi realizada no mecircs de

fevereiro de 2013 e sistematicamente atualizada ao longo dos anos de 2013 e 2014

Foram identificados 498 processos que solicitavam registro com a marca roccedila no

INPI Esses processos foram exportados em forma de planilha para o software Microsoft

74

Excel 2010 para que os dados pudessem ser processados A partir de entatildeo efetuou-se

alteraccedilotildees na planilha para atender aos objetivos desta pesquisa Excluiu-se nomes de

marcas com o radical roccedila mas que se tratavam de outras nomeaccedilotildees e retirou-se

tambeacutem as marcas repetidas que tinham seu processo de registro perpetrado pelo mesmo

titular para natildeo super-representar a amostra Entretanto em alguns casos natildeo foi

possiacutevel constatar se o registro havia sido feito pelo mesmo titular por isso ainda

aparecem muitas marcas repetidas com titulares aparentemente diferentes Apoacutes a

realizaccedilatildeo desses filtros restaram 325 produtos ou serviccedilos com a solicitaccedilatildeo de registro

com a marca roccedila no INPI que compuseram a amostra final

Efetuou-se a identificaccedilatildeo da classificaccedilatildeo das marcas de acordo com suas

caracteriacutesticas se produto ou serviccedilo efetuada pelo proacuteprio titular da marca segundo os

criteacuterios de normatizaccedilatildeo utilizados pelo INPI Os produtos e serviccedilos registrados no

INPI foram classificados pelos seus titulares com base nas ediccedilotildees 7ordf 8ordf 9ordf e 10ordf da

Classificaccedilatildeo Nacional e da Classificaccedilatildeo de Nice A descriccedilatildeo da classe de produtos e

serviccedilos a qual cada marca de roccedila pertencia citava por exemplo alimentos bebidas

casas de cultura lazer e entretenimento gastronomia comeacutercio de insumos agriacutecolas e

etc A tabela extraiacuteda do site do INPI continha ainda informaccedilotildees sobre a data e a

situaccedilatildeo do processo de registro (se registrado extinto ou arquivado)

O banco de dados construiacutedo a partir da coleta realizada no INPI foi analisado

buscando-se identificar a sua evoluccedilatildeo ao longo dos anos e a divisatildeo entre produtos e

serviccedilos A partir destes procedimentos foi possiacutevel estabelecer um confronto com as

hipoacuteteses delineadas Tambeacutem foram realizadas anaacutelises de conteuacutedo com base nos

princiacutepios orientados por Bardin (1977) visando identificar significados e padrotildees de

categorias de classificaccedilatildeo aleacutem de sua evoluccedilatildeo temporal

Constatou-se que as marcas coletadas eram de processos de registros no INPI

perpetrados de 1965 ateacute 2014 Considerou-se entatildeo estas cinco deacutecadas de registros

das marcas a fim de agrupaacute-las ao longo do tempo de 1965 a 1974 de 1975 e 1984 de

1985 a 1994 de 1995 a 2004 e de 2005 a 2014 Os recortes temporais permitiram

observar a evoluccedilatildeo da solicitaccedilatildeo de registros com a marca roccedila ao longo das cinco

deacutecadas bem como as mudanccedilas na frequecircncia da sua ocorrecircncia considerando-se os

produtos e serviccedilos

A anaacutelise descritiva contou ainda com a identificaccedilatildeo dos tipos de produtos e

serviccedilos com a marca roccedila a partir da Classificaccedilatildeo de Nice informada pelo proacuteprio

75

titular da marca Cada uma dessas categorias produtos e serviccedilos conteve tambeacutem suas

subdivisotildees a partir das discriminaccedilotildees de diferentes produtos e serviccedilos de acordo com

o sistema de normatizaccedilatildeo do INPI que classificou a natureza de cada objeto De acordo

com a Classificaccedilatildeo Nacional e a Classificaccedilatildeo de Nice os produtos e serviccedilos com a

marca roccedila foram identificados pelos titulares no processo de registro do INPI como

QUADRO 2 ndash Classificaccedilotildees Nacional e de Nice dos produtos e serviccedilos com a marca roccedila com processo de registro no INPI

Produtos Serviccedilos Armarinho Atividades culturais Artigos veterinaacuterios herbicidas fungicidas Cafeacute patildees pastelaria Bebida alcooacutelica Editora Beneficiamento Educaccedilatildeo formaccedilatildeo lazer atividades

desportivas e culturais Cafeacute Entretenimento e atividades culturais Cafeacute5 chaacute condimentos farinaacuteceos Fornecimento de comida e bebidas

acomodaccedilotildees temporaacuterias Carnes frutas e legumes em conserva secos e cozidos geleias doces compotas laticiacutenios ovos oacuteleos e gorduras comestiacuteveis

Jogos e brinquedos educaccedilatildeo formaccedilatildeo lazer atividades culturais

Carvatildeocombustiacutevel Lazer e atividades culturais Casa de veterinaacuteria adubos cutelaria Propaganda gestatildeo de negoacutecios funccedilotildees de

escritoacuterio Cereal Publicidade gestatildeo de negoacutecios comerciais

administraccedilatildeo comercial Faacutermacos fungicidas e herbicidas Restaurante Maacutequinas Restaurante alojamento temporaacuterio Maacutequinas e ferramentas agriacutecolas Telecomunicaccedilotildees Maacutequinas ferramentas mecacircnicas instrumentos agriacutecolas natildeo manuais

Telecomunicaccedilotildees e educaccedilatildeo formaccedilatildeo lazer atividades culturais

Moacuteveis e artigos de vaacuterios materiais Telecomunicaccedilotildees e entretenimento Produtos agriacutecolas frutas e verduras frescas animais plantas flores sementes e alimentaccedilatildeo para animais

Telecomunicaccedilotildees e entretenimento atividades culturais

Serviccedilos veterinaacuterios de agricultura horticultura e silvicultura

Telecomunicaccedilotildees e publicidade gestatildeo de negoacutecios comerciais administraccedilatildeo comercial

Tabaco artigos para fumantes foacutesforos Utensiacutelios domeacutesticos Vestuaacuterio calccedilados e chapelaria

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir do Banco de dados do INPI de 2014

5 Como pode ser observado algumas dessas categorias se repetem porque ao longo dos anos o sistema de Classificaccedilatildeo Nacional e de Classificaccedilatildeo de Nice foram sendo revisados e atualizados acrescentado um ou outro item agraves classificaccedilotildees jaacute existentes

76

Efetuou-se entatildeo um reagrupamento dessas classificaccedilotildees visando tornar essas

informaccedilotildees mais sinteacuteticas para a anaacutelise Na categoria produtos construiu-se o

reagrupamento alimentos bebidas utensiacutelios domeacutesticos beneficiamento bioquiacutemicos

maacutequinas vestuaacuterio mobiliaacuterio armarinho minerais e fumo A categoria serviccedilos foi

reorganizada nas seguintes subdivisotildees negoacutecios cultura gastronomia e turismo Apoacutes

esse reagrupamento chegou-se ao seguinte quadro

77

QUADRO 3 ndash Reagrupamento das categorias de produtos e serviccedilos com a marca roccedila com processo de registro no INPI a partir das Classificaccedilotildees Nacional e de Nice

ALIMENTOS Cafeacute chaacute condimento farinaacuteceos

Carnes frutas e legumes em conserva secos e cozidos geleias doces compotas laticiacutenios ovos oacuteleos e gorduras comestiacuteveis

Cereal Produtos agriacutecolas frutas e verduras frescas animais plantas flores sementes e alimentaccedilatildeo para animais

ARMARINHO Armarinho BEBIDAS Bebida alcooacutelica Cafeacute Cervejas aacutegua e

sucos de fruta

BENEFICIAMENTO Beneficiamento BIOQUIacuteMICOS Artigos veterinaacuterios

herbicidas fungicidas Casa de veterinaacuteria adubos cutelaria

Faacutermacos fungicidas e herbicida

Serviccedilos veterinaacuterios de agricultura horticultura e silvicultura

FUMO Tabaco artigos para fumantes foacutesforos

MAacuteQUINAS Maacutequinas Maacutequinas e ferramentas agriacutecolas

Maacutequinas ferramentas mecacircnicas instrumentos agriacutecolas natildeo manuais

MINERAIS Carvatildeocombustiacutevel MOBILIAacuteRIO Moacuteveis e artigos de

vaacuterios materiais

UTENSIacuteLIOS Moacuteveis e artigos de vaacuterios materiais

Utensiacutelios domeacutesticos

VESTUAacuteRIO Vestuaacuterio calccedilados e chapelaria

CULTURA Editora

Jogos e brinquedos telecomunicaccedilotildees e entretenimento educaccedilatildeo formaccedilatildeo lazer atividades desportivas e culturais

GASTRONOMIA Cafeacute patildees pastelaria

Fornecimento de comida e bebidas acomodaccedilotildees temporaacuterias

Restaurante

Restaurante alojamento temporaacuterio

NEGOacuteCIOS Propaganda gestatildeo de negoacutecios funccedilotildees de escritoacuterio

Publicidade gestatildeo de negoacutecios comerciais administraccedilatildeo comercial

Telecomunicaccedilotildees e publicidade gestatildeo de negoacutecios comerciais administraccedilatildeo comercial

TURISMO Fornecimento de comida e bebidas acomodaccedilotildees temporaacuterias

Restaurante alojamento temporaacuterio

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir do Banco de dados do INPI de 2014

Apoacutes essa reorganizaccedilatildeo das categorias de produtos e serviccedilos realizou-se as

anaacutelises descritiva das marcas roccedila Para cada deacutecada foram descritas a quantidade de

78

solicitaccedilotildees de registro de marcas com o termo roccedila o nuacutemero de produtos e serviccedilos

ou ambos e quais eram os tipos de produtos e de serviccedilos identificados

No Brasil entre os anos de 1965 e 2014 foram feitas 325 solicitaccedilotildees para

registro de marca com o termo roccedila no INPI Apesar de o INPI ter sido criado em 1970

haacute um pedido de registro de marca feito em 1965 com a palavra roccedila tratando-se

inclusive da proteccedilatildeo do nome do personagem Zeacute da Roccedila desenhado pelo cartunista

brasileiro Mauriacutecio de Souza A evoluccedilatildeo dos pedidos de registro de marca no Brasil

para o vocaacutebulo roccedila de acordo com os dados colhidos no INPI podem ser conferidos

na tabela a seguir

TABELA 1 ndash Quantidade de solicitaccedilotildees de registro de marca com o termo roccedila no INPI no Brasil por deacutecadas

DEacuteCADAS SOLICITACcedilOtildeES DE REGISTRO

1965-1974 2 06

1975-1984 5 15

1985-1994 36 111

1995-2004 111 342

2005-2014 171 526

TOTAL 325 1000

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir de dados coletados no site do INPI no endereccedilo eletrocircnico wwwinpigovbr

Nas duas primeiras deacutecadas analisadas entre 1965 e 1974 e de 1975 a 1984 o

nuacutemero de solicitaccedilotildees de registro para a marca roccedila foi bastante reduzido A partir de

meados da deacutecada de 1980 no entanto a quantidade de pedidos aumentou

gradativamente Destaca-se sobretudo que metade das solicitaccedilotildees feitas ao INPI para

o registro com a marca roccedila se concentrou nos uacuteltimos dez anos a partir de 2005

correspondendo a 526 do total Embora o aumento dos processos de registro de

marcas para produtos e serviccedilos da roccedila possa estar relacionado a um simples processo

de racionalizaccedilatildeo e institucionalizaccedilatildeo dos estabelecimentos comerciais e empresas no

Brasil no geral o que se pretende notabilizar com esses dados eacute o fato da categoria

roccedila figurar nesse processo de forma evolutiva conforme pode-se observar no graacutefico

abaixo

79

GRAacuteFICO 1 ndash Evoluccedilatildeo das solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir de dados coletados no site do INPI no endereccedilo eletrocircnico wwwinpigovbr

Diversos fatores podem estar relacionados ao aumento do registro de marcas De

acordo com Lluch (2013) a proliferaccedilatildeo das marcas estaacute associada agrave consolidaccedilatildeo das

grandes empresas modernas e no caso da Argentina por ela estudado seria um traccedilo

principal do proacuteprio desenvolvimento do capitalismo nesse paiacutes Para esta autora a

consolidaccedilatildeo de uma sociedade de consumo dominada pelas marcas estaacute associada agrave

ldquodifusatildeo de novos meacutetodos de vendas variaccedilotildees nos niacuteveis de renda e grau de

urbanizaccedilatildeordquo (LLUCH 2013) No caso do Brasil destaca-se o acelerado processo de

urbanizaccedilatildeo ocorrido especialmente entre 1950 e 1980 (devido especialmente agrave

migraccedilatildeo campo-cidade) e seu consequente incremento populacional ldquoexuberanterdquo

ainda em 2000 e 2010 apesar do decliacutenio no ritmo de crescimento absoluto conforme

ressaltam Brito e Pinho (2012)

Quanto agrave variaccedilatildeo do niacutevel de renda pesquisas recentes publicadas no ano de

2012 apontaram para a formaccedilatildeo de uma ldquonova classe meacutediardquo ou ldquonova classe Crdquo

graccedilas a abertura de cerca de 2 milhotildees e meio de novos postos de trabalho com

remuneraccedilatildeo de ateacute trecircs salaacuterios miacutenimos na primeira deacutecada do seacuteculo XXI no Brasil

(NEacuteRI 2012 POCHMANN 2012 citado por SOUZA J 2014) Esse incremento da

ocupaccedilatildeo e renda com aumento real do salaacuterio miacutenimo complementado pelas poliacuteticas

de transferecircncia de renda como o Bolsa Famiacutelia e a expansatildeo do microcreacutedito seriam

fatores apontados por esses autores como responsaacuteveis pela potencial mobilidade de

classe e inclusatildeo no mercado de bens e consumo Embora o proacuteprio Souza J (2014) se

contraponha aos argumentos de Neacuteri (2012) e Pochmann (2012) a respeito da

mobilidade de classe e do caraacuteter ldquoessencialmente economicistardquo de suas interpretaccedilotildees

2 5

36

111

171

0

20

40

60

80

100

120

140

160

180

1965-1974 1975-1984 1985-1994 1995-2004 2005-2014

SOLICITACcedilOtildeES DE REGISTRO COM A MARCA ROCcedilA

80

o autor natildeo nega o incremento nas faixas de renda do que denomina de classe

trabalhadora ou ldquobatalhadorardquo como tambeacutem natildeo nega o aumento de postos de trabalho

formais surgidos na uacuteltima deacutecada no Brasil

Segundo Guedes (2012) nos uacuteltimos trinta anos o INPI concedeu cerca de um

milhatildeo de registros e estima que tem recebido ainda cerca de 80 mil solicitaccedilotildees

anuais Apesar disso dados estatiacutesticos indicam que no Brasil apenas 15 das

empresas com registro na Junta Comercial solicitam o registro de marca no INPI como

afirma Copetti (2007 p 204) baseada em Correa (2001) Por outro lado Guedes (2012)

afirma que no ano de 2011 foram solicitados 150000 registros de marcas no Brasil

Neste mesmo ano foram feitos 18 pedidos de registro de marcas com a palavra roccedila o

que representa apenas 0012 do universo total de processos Dito isso ressalta-se que

essa amostra com marcas com o nome roccedila coletada no INPI natildeo eacute representativa haja

vista que a quantidade de estabelecimentos que veiculam a marca roccedila no Brasil sem

solicitar o seu registro eacute desconhecida O que importa observar por enquanto eacute

justamente a escolha pelos proprietaacuterios de usar o vocaacutebulo roccedila no naming

(GUEDES 2012) ou seja no processo de criaccedilatildeo de sua marca acreditando que esse

termo possui um apelo mercadoloacutegico para o puacuteblico consumidor de seu produto ou

serviccedilo com os seus consequentes benefiacutecios em termos de publicidade fidelizaccedilatildeo da

clientela lucro advindo de licenccedilas e franquias entre outros como um fenocircmeno em si

(COPETTI 2007 GUEDES 2012 SILVA E 2014)

Na pesquisa em questatildeo a fim de se ter contato com sua identidade visual para

aleacutem do nome da marca procedeu-se a uma busca no Google pelo seu logotipo e

marketing Foram feitas duas etapas distintas de pesquisa uma aleatoacuteria na qual se

buscava qualquer marca com o termo roccedila e outra dirigida na qual se procurava

especificamente as marcas contidas no banco de dados extraiacutedo do INPI A pesquisa

aleatoacuteria no Google com a marca roccedila foi realizada nos meses de janeiro fevereiro e

marccedilo de 2014 estando seus resultados portanto condicionados a esse periacuteodo

Importante frisar que ao se digitar um termo de pesquisa num site buscador na

internet os resultados retornados satildeo sugeridos entre outros criteacuterios tambeacutem com base

no rastreamento de pesquisas anteriores com o mesmo termo (GOOGLE 2015) Isso

significa que de alguma forma os resultados apresentados correspondem a sites blogs

e paacuteginas de redes sociais mais acessadas eou populares Nos sites coletou-se quando

existiam as seguintes informaccedilotildees nome da marca tipo de estabelecimento (produtos

81

ou serviccedilos e sua especificaccedilatildeo) o responsaacutevel o endereccedilo do site o telefone a cidade

e o estado Essas informaccedilotildees compuseram uma planilha com o total de 43 marcas Essa

planilha foi utilizada posteriormente como amostra para o envio de questionaacuterios aos

seus responsaacuteveis com questotildees concernentes aos objetivos da pesquisa

Num segundo momento realizou-se uma busca no Google pelas marcas roccedila do

banco de dados do INPI Esse processo foi realizado entre abril de 2014 e abril de 2015

sendo seus resultados portanto condicionados a esse periacuteodo Ao se identificar a paacutegina

de divulgaccedilatildeo de cada marca especiacutefica colhiam-se quando disponiacuteveis as

informaccedilotildees sobre o nome da marca o tipo de estabelecimento o responsaacutevel o

endereccedilo do site o endereccedilo eletrocircnico o telefone a cidade e o estado Foram

identificados no total 162 marcas considerando ambos os procedimentos de pesquisa

que incluiacuteram as 43 anteriores Esses dados formaram uma planilha que possibilitou a

visualizaccedilatildeo da distribuiccedilatildeo espacial dessas marcas no Brasil A partir dessa planilha

construiu-se um mapa do Brasil com a indicaccedilatildeo das cidades onde se encontrou a marca

roccedila O mapa foi construiacutedo no software Quantum Gis6 versatildeo 21 Pisa com a

utilizaccedilatildeo do banco de dados7 disponibilizado pelo portal de mapas do IBGE Esse

mapeamento possibilitou que este fenocircmeno pudesse ser percebido pelo seu

espraiamento espacial aleacutem do recorte temporal que a anaacutelise dos dados do INPI jaacute

havia propiciado

6 O Quantum Gis ou QGIS eacute um Sistema de Informaccedilatildeo Geograacutefica desenvolvido pela Open Source Geospatial Foundation (OSGeo) e licenciado como software livre pela GNU General Public License (QGISBRASIL 2015) 7 Foi utilizado o banco de dados ldquoLimitesrdquo da Base Cartograacutefica Vetorial do Brasil (BASE [2007]) disponibilizado pelo IBGE

82

FIGURA 7 ndash Mapa dos municiacutepiosEstados com produtos e serviccedilos com a marca roccedila no Brasil por regiatildeo 2014

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira no software QGIS 21 utilizando o banco de dados

ldquoLimitesrdquo da Base Cartograacutefica Vetorial do Brasil (BASE [2007]) disponibilizado pelo portal de mapas do IBGE no endereccedilo

ftpgeoftpibgegovbrmapeamento_sistematicobase_vetorial_continua_escala_250mil (Acesso em 02082015)

Este mapeamento revelou a ocorrecircncia de estabelecimentos que ofereciam algum

tipo de serviccedilo ou que vendiam produtos com a marca roccedila em todas as regiotildees do

Brasil Todavia se percebeu uma maior concentraccedilatildeo destas marcas na Regiatildeo Sudeste

Se o argumento de Lluch (2013) de que a proliferaccedilatildeo de marcas registradas estaacute

atrelada aos maiores graus de urbanizaccedilatildeo e aumentos dos niacuteveis de renda estaacute correto

a maior ocorrecircncia de marcas com o termo roccedila na Regiatildeo Sudeste do Brasil pode estar

relacionada com o fato de que esta regiatildeo se caracteriza pelos maiores niacuteveis de

urbanizaccedilatildeo (CENSO 2013) renda8 e de existecircncia de grandes empresas9

8 Fazendo-se uma meacutedia ao longo de 10 anos entre 2001 e 2011 do valor do rendimento meacutedio mensal da populaccedilatildeo acima de 10 anos segundo os dados das Seacuteries Histoacutericas e Estatiacutesticas do IBGE a Regiatildeo Sudeste tem a maior meacutedia seguida das regiotildees Sul e Centro-Oeste com meacutedias bem proacuteximas agravequela do Sudeste (PNAD 2015) 9 Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributaacuterio (2012) no ano de 2012 a Regiatildeo Sudeste concentrava 49 dos empreendimentos do paiacutes seguida pelo Nordeste e Sul com 19 cada um

83

Por outro lado esta amostra foi construiacuteda a partir da identificaccedilatildeo das marcas

em espaccedilos virtuais de divulgaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo ou seja pode existir um nuacutemero

muito maior de marcas de produtos e serviccedilos em outras regiotildees as quais natildeo foram

contabilizadas por natildeo aparecerem na internet Na tabela a seguir eacute possiacutevel observar a

ocorrecircncia de estabelecimentos que ofertam bens ou serviccedilos com a marca roccedila em

cada unidade da federaccedilatildeo a partir da amostra colhida na internet

TABELA 2 ndash Quantidade de produtos e serviccedilos com a marca roccedila por unidades da federaccedilatildeo no Brasil identificadas na internet

ESTADO QUANTIDADE DE MARCAS

Satildeo Paulo 44

Minas Gerais 35

Rio de Janeiro 19

Paranaacute 13

Espiacuterito Santo 12

Pernambuco 7

Bahia 5

Goiaacutes 5

Cearaacute 4

Distrito Federal 3

Santa Catarina 3

Rio Grande do Sul 3

Mato Grosso 2

Rio Grande do Norte 2

Amazonas 1

Mato Grosso do Sul 1

Paraacute 1

Paraiacuteba 1

Rondocircnia 1

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

Pode-se notar que os Estados onde a marca foi mais recorrente foram Satildeo Paulo

Minas Gerais Rio de Janeiro e Espiacuterito Santo Nesse sentido conforme pode ser

percebido naquele mapa parece haver um ciacuterculo concecircntrico cujo epicentro estaacute na

Regiatildeo Sudeste mas que vai se irradiando em espiral para a vizinhanccedila Centro-Oeste

Sul e a parte litoracircnea do Nordeste

O que a aacuterea de maior concentraccedilatildeo das marcas roccedila parece indicar eacute para aleacutem

dos iacutendices de urbanizaccedilatildeo renda e grandes empresas acima discutido uma heranccedila

cultural do uso da palavra roccedila para designar a produccedilatildeo de mantimentos que

84

abasteciam a populaccedilatildeo rural e urbana em tempos preteacuteritos Boa parte das regiotildees e

Estados com maior aglomeraccedilatildeo de produtos e serviccedilos com a marca roccedila coincide com

a regiatildeo sob a influecircncia da cultura caipira segundo Cacircndido (2010) e Ribeiro (2006)

com os espaccedilos mais antigos da colonizaccedilatildeo brasileira em seus diferentes ciclos

produtivos desde a Bahia e Pernambuco passando pela regiatildeo mineradora e de fluxo

bandeirante que irradiou traccedilos da cultura caipira ateacute a Regiatildeo Sul nos caminhos dos

tropeiros

Nestes contextos conforme assinalaram vaacuterios autores anteriormente discutidos

formavam-se as roccedilas nas estradas das expediccedilotildees nas margens dos rios das grandes

lavouras dos currais e minas nas franjas urbanas ou mesmo nas terras devolutas e

mais tarde nas pequenas propriedades familiares para garantir o abastecimento local

(CANDIDO 2010 HOLANDA 1994 1995 OLIVEIRA M 2012 RIBEIRO 2006)

O uso da palavra roccedila para se referir agrave produccedilatildeo de mantimentos pode ser notado

tambeacutem na categorizaccedilatildeo feita pelos titulares das marcas por ocasiatildeo da solicitaccedilatildeo de

registro no INPI entre produtos e serviccedilos A grande maioria das marcas roccedila com

pedido de registro no INPI ao longo dos anos eacute do setor de alimentos conforme eacute

possiacutevel se verificar no graacutefico que se segue

GRAacuteFICO 2 ndash Tipos de produtos com solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila no

Brasil no INPI

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir de dados coletados no site

do INPI no endereccedilo eletrocircnico wwwinpigovbr Aleacutem dos produtos alimentiacutecios com a marca roccedila sugerirem uma permanecircncia

em termos do uso desta palavra para designar a produccedilatildeo de mantimentos observou-se

que outros produtos tambeacutem utilizaram a marca roccedila tais como produtos do setor de

beneficiamento de alimentos de bebidas em especial a cachaccedila o vinho e os sucos

Alimentos 132

Bebidas 59

Utensiacutelios domeacutesticos

7

Beneficiamento 5

Outros 14

85

naturais o fumo e o carvatildeo vegetal (mineral) Todos estes produtos tinham a sua

produccedilatildeo associada agrave roccedila como lavoura ou mesmo agrave agroinduacutestria em termos de uma

praacutetica produtiva tiacutepica do campo

Mas tambeacutem os produtos relativos agraves utilidades domeacutesticas o vestuaacuterio o

mobiliaacuterio e o armarinho ao fazer uso da categoria roccedila no seu naming denotavam um

processo de significaccedilatildeo relativo agrave cultura rural aos modos de vida tiacutepicos do campo ao

empregar roccedila como sinocircnimo de rural Os bioquiacutemicos e maacutequinas em geral referiam-

se agrave produccedilatildeo e venda de herbicidas fungicidas insumos quiacutemicos para uso na

agricultura aleacutem de todo o maquinaacuterio ferramentas e implementos agriacutecolas A

participaccedilatildeo de cada tipo de produto no conjunto das marcas roccedila em processo de

registro de INPI pode ser visto na tabela abaixo

TABELA 3 ndash Evoluccedilatildeo dos tipos de produtos e serviccedilos com solicitaccedilotildees de registro

com a marca roccedila no Brasil no INPI

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir de dados coletados no site do INPI no endereccedilo eletrocircnico wwwinpigovbr

Os dados expressos nessa tabela coletados dos registros de marcas roccedila do INPI

permitem afirmar que o principal ramo de atividade que faz uso do termo roccedila como

marca eacute o referente aos alimentos e agraves bebidas Os processos de registro desses produtos

demonstraram uma tendecircncia de aumento gradativo nas uacuteltimas trecircs deacutecadas (1985-

Tipo 1965-1974

1975-1984

1985-1994

1995-2004

2005-2014

Produtos Alimentos 2 13 42 75 Bebidas 3 10 26 20 Utensiacutelios domeacutesticos 1 3 2 1 Beneficiamento 2 3 Bioquiacutemicos 1 3 Maacutequinas 1 1 1 Vestuaacuterio 2 Mobiliaacuterio 2 Armarinho 1 Minerais 1 Fumo 1 Total de produtos 0 6 32 75 104 Serviccedilos Negoacutecios 1 5 18 37 Cultura 1 1 4 17 15 Gastronomia 14 32 Turismo 2 4 Total de serviccedilos 2 1 9 51 88

86

2014) embora o setor de bebidas pareccedila ter se estabilizado nos dois uacuteltimos dececircnios

Os outros produtos apareceram de forma intermitente e em poucas quantidades mas

sugerem uma recorrecircncia tambeacutem a partir de 1985 Em termos da principal divisatildeo

operada pelo INPI signataacuterio da Classificaccedilatildeo de Nice entre produtos e serviccedilos a

evoluccedilatildeo cronoloacutegica da marca roccedila tambeacutem merece observaccedilatildeo

TABELA 4 ndash Evoluccedilatildeo dos produtos e serviccedilos com solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila no Brasil no INPI

TIPODEacuteCADAS 1965-1974 1975-1984 1985-1994 1995-2004 2005-2014

Produtos 1 4 26 63 90

Serviccedilos 1 1 9 4 72

Produtos e serviccedilos 1 44 9

TOTAL 2 5 36 111 171

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir de dados coletados no site do INPI no endereccedilo eletrocircnico wwwinpigovbr

Assim como jaacute foi destacado anteriormente as duas primeiras deacutecadas (1965-

1984) tiveram uma quantidade reduzida de pedidos de registro para a marca roccedila sendo

dois no primeiro dececircnio e cinco no segundo Assim os primeiros registros da marca

foram destinados tanto para produtos quanto para serviccedilos enquanto que nos anos

1970 jaacute parecem indicar uma maior predominacircncia dos produtos em detrimento dos

serviccedilos apesar da pequena quantidade Nesse sentido as tendecircncias permitem

possiacuteveis inferecircncias nas trecircs uacuteltimas deacutecadas a partir dos anos 1980 A deacutecada de

1985-1994 foi marcada por uma predominacircncia da oferta de marcas roccedila de produtos

em relaccedilatildeo aos serviccedilos especialmente de alimentos e bebidas como jaacute foi salientado

Na deacutecada seguinte entre 1995-2004 ocorreu uma mudanccedila e parte

consideraacutevel das marcas com o termo roccedila teve seu registro requerido declarando seu

setor de atividade concomitantemente como produto e serviccedilo Assim o titular poderia

proteger a marca para mais de um ramo de atividade Observando-se as classes o nome

da empresa e a descriccedilatildeo da marca pode-se inferir que nesse dececircnio muitos titulares

fizeram a requisiccedilatildeo de registro da marca roccedila natildeo soacute para o produto feijatildeo por

exemplo mas tambeacutem para o seu proacuteprio escritoacuterio de negoacutecios no caso de uma

distribuidora de alimentos supostamente Essa ampliaccedilatildeo da definiccedilatildeo do ramo de

atividade no caso da marca roccedila entre os anos de 1995 e 2004 tambeacutem pode estar

relacionada ao salto no nuacutemero de solicitaccedilotildees de registro da marca roccedila em relaccedilatildeo agrave

deacutecada anterior o que pode ter obrigado alguns titulares a tentar registrar a sua marca

87

em um outro setor no caso da mesma marca jaacute ter sido concedida a outro

estabelecimento no mesmo ramo de atividades Embora as causas dessa mudanccedila natildeo

estejam claras o aumento de serviccedilos (junto com os produtos) na deacutecada de 1995 foi

uma tendecircncia que se manteve entre 2005 e 2014 embora nesse uacuteltimo dececircnio os

titulares tenham requisitado o registro da marca roccedila separadamente para produtos ou

serviccedilos conforme eacute possiacutevel verificar no graacutefico abaixo

GRAacuteFICO 3 ndash Evoluccedilatildeo dos produtos e serviccedilos com solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila no Brasil no INPI

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir de dados coletados no site

do INPI no endereccedilo eletrocircnico wwwinpigovbr

Constata-se assim que o aumento dos serviccedilos que veiculam como marca o

termo roccedila no Brasil desde meados da deacutecada de 1990 pode indicar ao mesmo tempo

a difusatildeo de uma cultura de um tipo de representaccedilatildeo do rural na cidade a qual se torna

visiacutevel atraveacutes da oferta natildeo soacute de serviccedilos relacionados agrave produccedilatildeo agriacutecola mas

principalmente de restaurantes lanchonetes festivais programas televisivos de

entretenimento e eventos culturais no geral que promovem algum tipo de experiecircncia

rural Nesse sentido o que outros autores como Alem (1996) e De Paula (1998 1999

2001) jaacute traduziram por meio da esteacutetica country percebe-se tambeacutem sob o roacutetulo roccedila

a promoccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo do rural que autecircntica ou tradicional apropriada pela

induacutestria cultural ou natildeo reinventa e atualiza um rural que de repente natildeo eacute mais

sinocircnimo de brega de inferior de marginalizado mas se torna atrativo e atraente Por

outro lado o desenvolvimento do setor de serviccedilos com a marca roccedila nas duas uacuteltimas

deacutecadas tambeacutem pode ser expressatildeo das mudanccedilas no proacuteprio campo conforme

apontado por Abramovay (1994) Carneiro (1998 2012) Silva J (1997 2001)

1 1 9

4

72

1

44

9 1 4

26

63

90

1965-1974 1975-1984 1985-1994 1995-2004 2005-2014

SERVICcedilOS PRODUTOS E SERVICcedilOS PRODUTOS

88

Martins J (2014) Veiga (2004 2006) relacionados agrave sua multifuncionalidade que

superou a atividade agropecuaacuteria como ramo predominante e possibilitou a proliferaccedilatildeo

de novas ocupaccedilotildees e exploraccedilotildees relacionadas agrave conservaccedilatildeo ambiental ao lazer e

fruiccedilatildeo proporcionados pelo turismo rural e ecoturismo e pela proacutepria cultura rural Os

dados representados no graacutefico que se segue revelam os tipos de serviccedilos mais

recorrentes que utilizam a marca roccedila no Brasil

GRAacuteFICO 4 ndash Tipos de serviccedilos com solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila no Brasil no INPI

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir de dados coletados no site

do INPI no endereccedilo eletrocircnico wwwinpigovbr

Observando-se os dados do Graacutefico 4 e da Tabela 3 percebe-se que os negoacutecios

foram os serviccedilos predominantes entre as marcas roccedila Entretanto os outros ramos de

atividades declarados pelos titulares das marcas a gastronomia a cultura e o turismo

satildeo reveladores dos usos e signficados que o mercado de bens e serviccedilos fazem da

categoria roccedila Por meio deles se percebe a veiculaccedilatildeo da cultura rural atrelada ao termo

roccedila que promove o consumo e a experiecircncia principalmente da comida da roccedila mas

tambeacutem de sua muacutesica danccedilas religiosidade festas tiacutepicas e do meio ambiente que

com maior evidecircncia apoacutes os anos 1980 vem revestindo o rural de um novo significado

relacionado agrave natureza numa perspectiva romacircntica e idiacutelica conforme assinalam

Abramovay (1994) Anjos e Caldas (2014) Carneiro (2012) Eacuteboli (2007) Entrena-

Duraacuten (2012) entre outros

O crescimento de negoacutecios com a marca roccedila foi gradativo sobretudo a partir

da deacutecada de 1985 enquanto a cultura apresentou uma elevaccedilatildeo desta deacutecada para a

seguinte (1995) mas parece ter se estabilizado A gastronomia e o turismo ao contraacuterio

Negoacutecios 61

Cultura 38

Gastronomia 46

Turismo 6

89

soacute apareceram portando a marca roccedila a partir de 1995 mas principalmente a

gastronomia revelou um crescimento gradativo nesta uacuteltima deacutecada (2005) enquanto o

turismo cresceu mas seus nuacutemeros satildeo ainda pequenos Mais adiante o papel da

gastronomia na veiculaccedilatildeo da categoria roccedila seraacute discutido mais detidamente em

especial no capiacutetulo sobre o Festival Gastronocircmico realizado em Gonccedilalves-MG

O crescimento do setor de serviccedilos com a marca roccedila nos uacuteltimos vinte anos

suscita vaacuterias hipoacuteteses explicativas 1) Pode apontar para uma ressignificaccedilatildeo do rural

face ao processo de modernizaccedilatildeo do campo acompanhando a trajetoacuteria citadina Neste

caso o consumo do termo roccedila em marcas de produtos e serviccedilos apontaria inclusive

para uma extrapolaccedilatildeo do uso inicial do vocaacutebulo vinculado agrave produccedilatildeo de gecircneros

alimentiacutecios sugerindo uma abrangecircncia social muito mais ampla percebida por

exemplo no simulacro que uma festa rural na metroacutepole pode proporcionar 2) Pode

apontar ainda para um trocircpego processo de inclusatildeo dos ldquopobres povos do campordquo agrave

sociedade brasileira Alijados das conquistas sociais e econocircmicas pelo menos ateacute os

anos de 1980 agricultores familiares e integrantes dos movimentos sociais como o

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) entram na agenda poliacutetica

brasileira como atores sociais que despertam um misto de repulsa culpa e esperanccedila

3) Por fim pode-se pensar ainda que o consumo da cultura rural pode significar uma

criacutetica ao modelo de sociedade urbana e moderna e a reflexatildeo sobre outros modos de

vida possiacuteveis conforme argumentam Eacuteboli (2007) sobre a audiecircncia urbana do

programa televisivo Globo Rural e Silva G (2009) sobre os assinantes citadinos da

revista homocircnima Enfim todas estas trecircs hipoacuteteses podem se complementar expressar

nos coacutedigos culturais consumidos nos produtos e serviccedilos com a marca roccedila

No proacuteximo toacutepico apresentar-se-aacute a anaacutelise de conteuacutedo leacutexico-sintaacutetica e

categoacuterica que permitiraacute identificar os coacutedigos culturais que podem estar sendo

comunicados por meio da circulaccedilatildeo de bens e serviccedilos com o nome roccedila

23 Procedimentos metodoloacutegicos e anaacutelise de conteuacutedo de marcas de

produtos e serviccedilos com o termo roccedila no Brasil

Com o mesmo banco de dados coletado no INPI utilizou-se procedimentos de

anaacutelise de conteuacutedo definidos por Bardin (1977) como um

90

Conjunto de teacutecnicas de anaacutelises das comunicaccedilotildees visando obter por procedimentos sistemaacuteticos e objetivos de descriccedilatildeo do conteuacutedo das mensagens indicadores que permitam a inferecircncia de conhecimentos relativos agraves condiccedilotildees de produccedilatildeorecepccedilatildeo destas mensagens (BARDIN 1977 p 42)

Foram adotados trecircs procedimentos de anaacutelise de conteuacutedo segundo os

procedimentos descritos por Bardin (1977) 1) anaacutelise descritiva de frequecircncia das

ocorrecircncias das marcas 2) anaacutelise lexical e sintaacutetica e 3) anaacutelise categoacuterica ou temaacutetica

Efetuou-se primeiramente uma anaacutelise de frequecircncia das ocorrecircncias de cada marca

agrupando as repetidas e enumerando-as em ordem decrescente visando natildeo super-

representar as anaacutelises leacutexico-sintaacutetica e categoacuterica bem como facilitando esse

procedimento Identificou-se uma recorrecircncia das marcas mais utilizadas ao longo das

deacutecadas conforme eacute possiacutevel observar na tabela abaixo

TABELA 5 ndash Frequecircncia das marcas mais recorrentes com a palavra roccedila ao longo das deacutecadas

MARCA FREQUEcircNCIA POR DEacuteCADA

1965-1974 1975-1984 1985-1994 1995-2004 2005-2014

Da Roccedila 2 6 11 12

Cafeacute da Roccedila 3 9 10

Caminho da Roccedila 2 5 4

Caninha da Roccedila 1 2 2

Cantinho da Roccedila 4 3

Canto da Roccedila 4

Casa da Roccedila 3

Coisa da Roccedila ou Coisas da Roccedila 3 3

Deliacutecias da Roccedila 2 4

Feijatildeo da Roccedila 5

Produtos da Roccedila 4

Sabor da Roccedila ou Sabores da Roccedila 2 4 8

Tempero da Roccedila 4

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir de dados coletados no site do INPI no endereccedilo eletrocircnico wwwinpigovbr

Para a composiccedilatildeo desta tabela considerou-se os nomes de marcas com a palavra

roccedila que mais se repetiram e com titulares diferentes10 dentro de cada deacutecada e tambeacutem

10 Partiu-se do pressuposto que os titulares eram diferentes conforme constavam seus nomes (pessoas juriacutedicas ou fiacutesicas registradas como profissionais) nos processos como jaacute foi salientado anteriormente

91

em deacutecadas diferentes Aleacutem dessas havia um conjunto de marcas principalmente nas

trecircs uacuteltimas deacutecadas mas que foram desconsiderados aqui por figurarem apenas uma

vez ou por se repetirem somente no mesmo dececircnio Como pode ser notado a marca

mais frequente ao longo das deacutecadas foi ldquoDa Roccedilardquo tendo aparecido nas quatro

uacuteltimas deacutecadas e com relativa frequecircncia em cada uma delas Destaca-se ainda que

como o volume de solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila foi crescendo a cada

deacutecada a variedade dos nomes tambeacutem foi se diversificando ao mesmo tempo em que

as taxas de ocorrecircncia de uma mesma marca se intensificaram

Constatou-se assim que grande parte do mercado que veiculava o nome roccedila

era composto pelos produtos alimentiacutecios ou por bebidas como cafeacute feijatildeo e cachaccedila

Esse dado tambeacutem aponta para uma permanecircncia no uso do termo roccedila no Brasil ao

longo dos anos para se referir agrave produccedilatildeo de mantimentos conforme jaacute destacado

algumas vezes neste trabalho Por outro lado entre as marcas mais populares com o

nome roccedila figuram aquelas que fazem alusatildeo agraves caracteriacutesticas do bem material em

questatildeo ressaltando o sabor ou associando a mesma a espaccedilos intimistas como casa

canto cantinho ou caminho Esses significados seratildeo melhor discutidos adiante pois as

ferramentas de anaacutelise leacutexico-sintaacutetica e categoacuterica fornecem mais instrumentos para

essas reflexotildees Por ora cumpre apenas destacar que a marca mais utilizada ao longo

dos anos ldquoDa Roccedilardquo eacute justamente a mais sucinta que utiliza a categoria aqui estudada

como a sua principal distinccedilatildeo no mercado de produtos e serviccedilos

Posteriormente seguiu-se os procedimentos descritos por Bardin (1977) para a

realizaccedilatildeo da anaacutelise lexical sintaacutetica tomou-se como base as convenccedilotildees

primeiramente observando-se o nuacutemero total de palavras presentes chamadas pela

autora de ocorrecircncias e o nuacutemero total de palavras diferentes chamadas por ela de

vocaacutebulos Verificou-se ainda a relaccedilatildeo entre as ocorrecircncias e os vocaacutebulos visando

auferir o grau de riquezapobreza do vocabulaacuterio no repertoacuterio de marcas Em segundo

lugar procedeu-se agrave distinccedilatildeo das unidades de vocabulaacuterio identificando as palavras

plenas que satildeo as portadoras de sentido isto eacute quais dentre elas eram substantivos

adjetivos e verbos e as palavras instrumentos cuja funccedilatildeo era conectar ligar as

palavras plenas sendo estas artigos preposiccedilotildees pronomes adveacuterbios conjunccedilotildees e

etc conforme define Bardin (1977) Essas duas etapas foram aplicadas separadamente a

cada conjunto de deacutecadas de produtos e serviccedilos com a marca roccedila e os seus resultados

92

foram analisados integralmente em funccedilatildeo de natildeo ter havido discrepacircncias entre as

deacutecadas

Assim como a anaacutelise da frequecircncia a anaacutelise leacutexico-sintaacutetica das marcas com a

palavra roccedila tambeacutem revelou certo padratildeo ao longo das deacutecadas Ao se realizar a anaacutelise

leacutexico-sintaacutetica de todas as marcas em cada deacutecada pode-se comprovar a riqueza do

vocabulaacuterio marcada pela variedade das palavras que manteve-se relativamente estaacutevel

ao longo do tempo com uma pequena variaccedilatildeo devido ao aumento do volume das

marcas Assim ao se dividir o nuacutemero de palavras total pelo nuacutemero de palavras

diferentes de cada deacutecada considerando-se todas as marcas obteacutem-se as seguintes taxas

de diversidade do vocabulaacuterio na deacutecada de 1965-1974 de 15 na deacutecada de 1975-1984

de 18 na deacutecada de 1985-1994 de 279 na deacutecada de 1995-2004 de 287 e na uacuteltima

deacutecada de 2005-2014 de 280 Essa taxa do repertoacuterio do vocabulaacuterio eacute considerada de

baixa repeticcedilatildeo ou seja indica um vocabulaacuterio bastante variado para Bardin (1977)

Ressalta-se a riqueza do vocabulaacuterio das marcas roccedila considerando-se a especificidade

do conteuacutedo aqui tratado pois de acordo com Guedes (2012) o processo de criaccedilatildeo de

um nome para uma marca costuma ser dificultado pelo grande conjunto de marcas

parecidas jaacute existentes no mercado o que pode ocasionar certo padratildeo de similaridade

Por outro lado apesar da variedade do vocabulaacuterio identificada nestas marcas

observou-se um padratildeo uma estrutura comum na maior parte delas as marcas eram

formadas por uma meacutedia de trecircs palavras constituiacutedas por duas palavras plenas (com

significado) ligadas por uma palavra instrumento (conectora das palavras plenas entre

si) resultando na foacutermula

Substantivo + Adjetivo

ou

Substantivo + Locuccedilatildeo adjetiva (preposiccedilatildeo + substantivo)

Segundo Guedes (2012) alguns nomes de marcas satildeo selecionados pelas

empresas com o intuito de aludir agraves suas qualidades e atributos e satildeo para isso

formados por substantivos adjetivos ou a combinaccedilatildeo dos dois Nesse sentido parte das

marcas aqui estudadas eacute formada pela seguinte estrutura a palavra ldquoroccedilardquo ocupando a

93

funccedilatildeo de substantivo e um adjetivo caracterizando-a como no exemplo da marca

ldquoRoccedila Mineirardquo ou ainda pela marca ldquoRoccedila Verderdquo podendo essa foacutermula aparecer

por meio da junccedilatildeo do substantivo com o adjetivo criando-se uma uacutenica palavra um

neologismo como por exemplo ldquoRoccedilaboardquo ou ldquoRoccedilamaxrdquo Ou numa variaccedilatildeo desse

padratildeo em que ldquoroccedilardquo funciona como substantivo acrescentada de uma locuccedilatildeo

adjetiva como nos exemplos ldquoRoccedila de Minasrdquo ou ldquoRoccedila do Caipirardquo Mas o padratildeo

mais recorrente ao longo das deacutecadas para todas as marcas consideradas foi aquele

formado por um substantivo qualquer (geralmente caracterizado pelo produto ou

serviccedilo oferecido) acrescido da locuccedilatildeo adjetiva formada pela preposiccedilatildeo ldquodardquo (na

maioria das vezes mas tambeacutem aparece o ldquonardquo) e a palavra ldquoroccedilardquo que eacute um

substantivo funcionando como um adjetivo transformado pela morfologia como nos

exemplos ldquoCafeacute da Roccedilardquo ldquoFeijatildeo da Roccedilardquo ldquoPanela da Roccedilardquo ldquoSabor da Roccedilardquo

ldquoDeliacutecias da Roccedilardquo ldquoFesta na Roccedilardquo ldquoChick na Roccedilardquo entre outros

Autores dedicados aos estudos de marketing especialmente agraves discussotildees

concernentes agraves marcas como Kotler (2000) e Tavares (1998) citados por Guedes

(2012) afirmam que um ldquobomrdquo nome para marcas deve ser curto de faacutecil pronunciaccedilatildeo

compreensatildeo e memorizaccedilatildeo aleacutem de obviamente sua associaccedilatildeo aos significados

inerentes agrave cultura e de sugerir qualidades atributos e benefiacutecios do produto Nesse

sentido as marcas com o nome roccedila parecem seguir esse padratildeo ao se apresentarem

com um formato curto e de faacutecil pronuacutenciapercepccedilatildeomemorizaccedilatildeo

A identificaccedilatildeo dessa estrutura morfoloacutegica possibilitada pela anaacutelise leacutexico-

sintaacutetica permite sugerir algumas interpretaccedilotildees sobre o uso da palavra roccedila como

marcas de produtos e serviccedilos A primeira interpretaccedilatildeo que se depreende eacute que ao se

utilizar o substantivo concreto ldquoroccedilardquo numa locuccedilatildeo adjetiva ou seja qualificando

algum substantivo que veio antes dele como ldquocafeacuterdquo ldquofeijatildeordquo ldquopanelardquo transformando-

o num substantivo abstrato estaacute se supondo que ldquoroccedilardquo reveste-se de alguma

caracteriacutestica especial capaz de qualificar algum objeto tornando-o distinto Ora os

autores Copetti (2007) Guedes (2012) Massinelli (2014) Silva E (2014) e Teixeira

(2007) afirmam que uma marca registrada tem como funccedilatildeo principal tornar um bem ou

um serviccedilo distinto dos demais Nesse caso o operador da diferenccedila e da distinccedilatildeo eacute o

termo roccedila aquele que daacute significado ao objeto que se oferta ou se consome mesmo

quando jaacute se trata de um substantivo abstrato como ldquosaborrdquo ou ldquodeliacuteciardquo A segunda

questatildeo a se sublinhar diz respeito agrave recorrente utilizaccedilatildeo da preposiccedilatildeo ldquodardquo (formada

94

pela contraccedilatildeo da preposiccedilatildeo ldquoderdquo com o artigo definido ldquoardquo) que funciona nesse tipo

de construccedilatildeo morfoloacutegica para designar a procedecircncia a origem Ou seja a forma

mais padronizada utilizada nas marcas com a palavra roccedila eacute aquela em que a descriccedilatildeo

do produto ou serviccedilo indica a sua origem procedecircncia em termos de lugar vem da

roccedila ou feito na roccedila como nos exemplos citados acima ou ainda nestes ldquoProdutos da

Roccedilardquo ldquoMandioca da Roccedilardquo ldquoCarne da Roccedilardquo entre outros

Essas interpretaccedilotildees permitem pensar que haacute uma expectativa na ofertademanda

de produtos especialmente dos alimentos bebidas beneficiados ou da agroinduacutestria de

terem sido cultivados na lavoura na roccedila de onde foram colhidos e disponibilizados

diretamente para o consumo ou foram feitos de forma artesanal caseira familiar na

propriedade de uma famiacutelia agricultora de pequeno porte Ou seja parece permanecer

no imaginaacuterio a associaccedilatildeo entre roccedila e produccedilatildeo de mantimentos conforme descrita

pelos autores sobre o significado desta na formaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica e no campesinato

brasileiro Mas tambeacutem haacute um conjunto de produtos (como vestuaacuterio mobiliaacuterio

utensiacutelios domeacutesticos) e mais especialmente de serviccedilos (gastronocircmicos ou culturais)

que ao atrelarem sua origem agrave roccedila parecem sugerir a reproduccedilatildeo de um saber-fazer

tiacutepico de um modo de vida rural como nos exemplos ldquoQuitandinha da Roccedilardquo ldquoForroacute

da Roccedilardquo ldquoTradiccedilatildeo da Roccedilardquo ldquoArte da Roccedilardquo e ldquoCozinha da Roccedilardquo entre outros

Ambas as variaccedilotildees se resumem na marca mais frequente ao longo das deacutecadas

ldquoDa Roccedilardquo A palavra roccedila figurava nas marcas aqui estudadas para indicar a origem ou

o modo de fazer relativo a um modo de vida tiacutepico A categoria roccedila assinalava assim

um atributo geneacuterico e natildeo estava relacionada com os processos formais de Indicaccedilatildeo

Geograacutefica (IG) como Indicaccedilatildeo de Procedecircncia (IP) e Denominaccedilatildeo de Origem (DO)

que certificam atraveacutes de selos produtos ou serviccedilos com caracteriacutesticas atreladas ao

seu local de origem11 Mas a associaccedilatildeo que pode ser feita entre o nome roccedila e a origem

dos produtos e serviccedilos parece sugerir uma seacuterie de significados a respeito da

valorizaccedilatildeo do saber-fazer relacionado aos produtos agriacutecolas e tambeacutem a um conjunto

de comportamentos relativos ao modo de vida rural como a gastronomia e a cultura por

exemplo Para Santos J (2014) a populaccedilatildeo urbana tem se interessado por produtos

11 Segundo informaccedilotildees do Ministeacuterio da Agricultura Pecuaacuteria e Abastecimento (2015) disponibilizadas no seu site com o tiacutetulo Indicaccedilatildeo Geograacutefica ldquoo registro de Indicaccedilatildeo Geograacutefica (IG) eacute conferido a produtos ou serviccedilos que satildeo caracteriacutesticos do seu local de origem o que lhes atribui reputaccedilatildeo valor intriacutenseco e identidade proacutepria aleacutem de os distinguir em relaccedilatildeo aos seus similares disponiacuteveis no mercado Satildeo produtos que apresentam uma qualidade uacutenica em funccedilatildeo de recursos naturais como solo vegetaccedilatildeo clima e saber fazer (know-how ou savoir-faire)rdquo

95

alimentiacutecios que remetam ao rural ao natural e cuja origem possa ser identificada numa

contrapartida aos processos de industrializaccedilatildeo dos alimentos Para a autora alguns

instrumentos como a ldquoIndicaccedilatildeo Geograacuteficardquo e o ldquoRegistro de Bens Culturais de

Natureza Imaterialrdquo (patrimocircnio imaterial) tecircm sido utilizados para valorizar o que ela

denomina de produtos alimentares tradicionais Ainda que a roccedila natildeo seja considerada

em nenhum desses processos formais especiacuteficos sua associaccedilatildeo a alguns bens e

serviccedilos parece ser sintomaacutetica do mesmo fenocircmeno indicado por Santos J (2014) O

uso da palavra roccedila como marca de produtos e serviccedilos parece oferecer uma ideia sobre

a origem e inspirar a confianccedila na busca pela autenticidade entre os consumidores

conforme se veraacute adiante na discussatildeo dos resultados das entrevistas

De acordo com Guedes (2012 p 426) uma marca ldquodeve ser rica em

significados e valores pois eacute atraveacutes dela que a empresa promete e entrega ao cliente

um valor superior ao que o mercado oferecerdquo A autora ressalta ainda que a marca estaacute

ligada a ldquosentimentos emoccedilotildees e sensaccedilotildeesrdquo e deve soar ldquocomo muacutesica para os ouvidos

dos clientesrdquo e destaca que uma marca tambeacutem deve ser sempre ldquoatualrdquo (GUEDES

2012 p 421-422) Esses aspectos permitem pensar que o uso do nome roccedila na marca de

produtos e serviccedilos representa um conjunto de valores e significados para o criador da

marca que denota imagens e sentimentos positivos para o consumidor o que de

alguma forma corrobora com a hipoacutetese de que haveria uma flexibilizaccedilatildeo na fronteira

demarcatoacuteria das tradicionais assimetrias que envolvem o imaginaacuterio sobre o rural e a

sua evocaccedilatildeo por meio da palavra roccedila

Algumas variaccedilotildees da estrutura das marcas tambeacutem chamam a atenccedilatildeo mas

seratildeo tratadas nas discussotildees sobre a anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica que se segue

Quanto ao procedimento de anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica Bardin (1977 p 117) a

define como

A categorizaccedilatildeo eacute uma operaccedilatildeo de classificaccedilatildeo de elementos constitutivos de um conjunto por diferenciaccedilatildeo e seguidamente por reagrupamento segundo o gecircnero (analogia) com os criteacuterios previamente definidos As categorias satildeo rubricas ou classes as quais reuacutenem um grupo de elementos (unidades de registro no caso da anaacutelise de conteuacutedo) sob um tiacutetulo geneacuterico agrupamento esse efetuado em razatildeo dos caracteres comuns desses elementos

Para a anaacutelise categoacuterica ou temaacutetica utilizou-se como corpus o conjunto de

todas as marcas identificadas no INPI com o termo roccedila Esse corpus foi definido dentro

96

dos paracircmetros recomendados por Bardin (1977) relativos agrave exaustividade e agrave

representatividade da amostra Quanto a este ponto embora a amostragem tenha

considerado todas as marcas registradas natildeo se pode precisar em que medida as marcas

com o termo roccedila com solicitaccedilatildeo de registro no INPI representam o universo de marcas

com esse mesmo roacutetulo no Brasil a homogeneidade dos dados sendo todos da mesma

natureza e a pertinecircncia no sentido de suas caracteriacutesticas atenderem agrave proposta da

anaacutelise Apoacutes uma leitura flutuante com o objetivo de ler todas as marcas e capturar as

primeiras impressotildees relacionando-as agraves hipoacuteteses e aos apontamentos teoacutericos

identificou-se as unidades de registro que em geral satildeo formadas de uma a cinco

palavras numa meacutedia de trecircs palavras As marcas aqui podem ser pensadas como

temas por carregarem uma significaccedilatildeo como uma unidade proacutepria para a anaacutelise

Algumas marcas que satildeo compostas por tiacutetulo e subtiacutetulo foram observadas

integralmente As unidades de contexto consideradas foram a deacutecada a classificaccedilatildeo em

produto ou serviccedilo e suas subcategorias

Os criteacuterios que balizaram a criaccedilatildeo das classes de diferenciaccedilatildeo e

posteriormente das categorias seguiu o confronto dos dados empiacutericos revelados pela

proacutepria amostra de marcas com o termo roccedila a partir de uma leitura flutuante com as

questotildees teoacutericas e hipoacuteteses que guiaram esta pesquisa e que permitiram a construccedilatildeo

de inferecircncias Avaliou-se o conjunto das marcas com o termo roccedila de 1965 a 2014

separando-as em quatorze classes segundo suas caracteriacutesticas em comum e

posteriormente reagrupando-as num conjunto de oito categorias As classes de

caracteriacutesticas identificadas nas marcas foram 1) lavouracampo 2) produto

agriacutecolaagropecuaacuterio 3) agroinduacutestria 4) elementos materiais da cultura 5) elementos

simboacutelicos da cultura 6) cultura urbanaestrangeira 7) distinccedilatildeosofisticaccedilatildeo 8)

mercado 9) sentidosimaginaacuteriomemoacuteria 10) tradiccedilatildeoartesanalautecircnticooriginal 11)

naturalpuroverde 12) orgacircnico 13) mineiridade ou falar mineiro e 14)

caipiramatutocaboclo Estas classes foram reagrupadas nas seguintes categorias de

classificaccedilatildeo 1) roccedila como sinocircnimo de ldquocampordquo 2) roccedila como sinocircnimo de ldquoruralrdquo 3)

roccedila como ldquotradiccedilatildeordquo 4) roccedila como apologia agrave ldquonaturezardquo 5) roccedila ldquoromacircntico-

nostaacutelgicardquo 6) roccedila ldquoestilizadardquo 7) roccedila em referecircncia a ldquoMinas Geraisrdquo e 8) roccedila com

alusatildeo ao ldquocaipirardquo

Os criteacuterios que orientaram a categorizaccedilatildeo das marcas foram o leacutexico e o

expressivo O criteacuterio leacutexico buscou o sentido mais comum e o emparelhando dos

97

sinocircnimos e significados proacuteximos Jaacute o criteacuterio expressivo voltou-se para os diferentes

recursos linguiacutesticos com o objetivo de aguccedilar imagens ideias e sentidos no

consumidor Assim agraves vezes modifica-se nas marcas a grafia da palavra usa-se

palavras originaacuterias de outros idiomas giacuterias expressotildees coloquiais cacoetes e etc

Segundo Bardin (1977) para se realizar o processo de criaccedilatildeo de categorias e a sua

respectiva classificaccedilatildeo de unidades de registro deve-se observar a exclusatildeo muacutetua a

homogeneidade a pertinecircncia a objetividade e a fidelidade O reagrupamento das

quatorze classes dentro das oito categorias estaacute ilustrado no quadro abaixo

QUADRO 4 ndash Categorias da anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica Roccedila

sinocircnimo de campo

Roccedila sinocircnimo de rural

Roccedila como

tradiccedilatildeo

Roccedila como

apologia agrave

natureza

Roccedila romacircntico-nostaacutelgica

Roccedila estilizada

Roccedila em referecircncia a Minas Gerais

Roccedila com

alusatildeo ao

caipira Lavoura campo

Elementos materiais da cultura

Artesanal autecircntico original tradiccedilatildeo

Natural puro verde

Sentidos imaginaacuterio memoacuteria

Distinccedilatildeo sofisticaccedilatildeo

Mineiridade ou

expressotildees dos falares mineiros

Caipira

Produto agriacutecola

agropecuaacuterio

Elementos simboacutelicos da cultura

Orgacircnico Cultura urbana

estrangeira

Matuto

Agroinduacutestria Mercado Caboclo

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

Na definiccedilatildeo das classes que formaram a primeira categoria ldquoRoccedila como

sinocircnimo de campordquo considerou-se as referecircncias relativas ao produto em si ou ao

lugar de produccedilatildeo do gecircnero alimentiacutecio Dentro desta categoria foram incluiacutedas trecircs

classes A primeira foi a classe referente ao lugar de origem do produto como ldquoLaacute na

Roccedilardquo 2) a classe referente aos produtos agriacutecolas em si como ldquoMandioca da Roccedilardquo 3)

a classe referente aos produtos da agroinduacutestria processados tradicionalmente no campo

como ldquoQueijo da Roccedilardquo ldquoFarinha da Roccedilardquo ou ldquoCachaccedila da Roccedilardquo Jaacute na segunda

categoria ldquoRoccedila como sinocircnimo de ruralrdquo considerou-se as praacuteticas relativas ao modo

de vida rural Assim agrupou-se nessa classe as marcas que revelavam elementos da

cultura rural como ldquoPanela da Roccedilardquo e elementos simboacutelicos da cultura rural

especialmente aqueles ligados agrave cultura e agrave gastronomia como ldquoFesta na Roccedilardquo e ldquoPatildeo

de queijo da Roccedilardquo A terceira categoria foi denominada ldquoRoccedila romacircntico-nostaacutelgicardquo

Nela considerou-se as indicaccedilotildees dos trabalhos de Anjos e Caldas (2014) Carneiro

98

(2012) Entrena-Duraacuten (2012) Elias (2001) e Williams (2011) para se reunir as marcas

que se relacionassem aos sentidos como o paladar e o olfato e aos processos cognitivos

de imaginaccedilatildeo e de memoacuteria conforme indicou Silva G (2009) Assim foram

catalogadas nessa categoria marcas como ldquoSabor da Roccedilardquo ldquoCheiro da Roccedilardquo

ldquoRecanto da Roccedilardquo A quarta categoria foi denominada de ldquoRoccedila Estilizadardquo Nela

buscou-se abarcar as referecircncias sobre o country e a estilizaccedilatildeo da cultura rural no

Brasil (ALEM 1996 BOURDIEU 2013 DE PAULA 1998 1999 2001) Incluiu-se

assim nesta categoria as marcas que apontavam para o hibridismo entre a cultura rural

e a urbana atraveacutes da utilizaccedilatildeo de palavras de liacutenguas estrangeiras ou das referecircncias

agraves formas de mercado tipicamente urbanas e palavras que sugerissem a sofisticaccedilatildeo e a

distinccedilatildeo Assim foram elencadas nesta categoria marcas como ldquoCachorro Quente da

Roccedilardquo ldquoShopping da Roccedilardquo ldquoLa Fruit da Roccedilardquo ldquoVarejatildeo da Roccedilardquo e ldquoRoccedila Chicrdquo

As demais categorias foram definidas por meio da identificaccedilatildeo de palavras

expliacutecitas nas marcas que se referissem ao tema escolhido ou que lhe fossem correlatos

Assim a quinta categoria foi denominada de ldquoRoccedila como Tradiccedilatildeordquo considerando-se as

classes que tivessem as palavras ldquotradiccedilatildeordquo ldquoautecircnticordquo ldquooriginalrdquo ldquoartesanalrdquo com

base nas discussotildees de Mannheim (1986) Lifschitz (2011) e Taylor (2011) Nela foram

categorizadas marcas como ldquoTradiccedilatildeo da Roccedilardquo ldquoOriginal Palhas da Roccedilardquo ou

ldquoProdutos Artesanais GratildeoCafeacute da Roccedilardquo A sexta categoria foi denominada ldquoRoccedila

como apologia agrave naturezardquo sendo formada pelas classes que continham as palavras

ldquonaturalrdquo ldquoverderdquo ldquopurordquo ou ldquoorgacircnicordquo como nas marcas ldquoRoccedila Verderdquo ldquoRoccedila

Natural produtos orgacircnicosrdquo Essa categoria foi criada a partir das discussotildees de autores

como Abramovay (1994) Anjos e Caldas (2014) Eacuteboli (2007) e Thomas (2010) Na

seacutetima categoria adotou-se a referecircncia de ldquoRoccedila relacionada a Minas Geraisrdquo como

base nas revelaccedilotildees dos dados empiacutericos tendo sido consideradas na definiccedilatildeo da

mesma as discussotildees de Abdala (2007) Arruda (1999) e Vasconcellos (1981) Assim

elencou-se as classes que fizessem referecircncia a Minas Gerais ou ao atributo de ser

mineiro especialmente da comida mineira ou expressotildees que fossem identificadas com

o falar mineiro conforme explicam Gonccedilalves e Silva (2009) Rocha e Ramos (2010)

Assim foram identificadas marcas como ldquoRoccedila Mineirardquo ou ldquoCachaccedila da Roccedila Uairdquo

Por fim a oitava categoria tomou por base as discussotildees sobre a cultura caipira relatada

por Candido (2010) Ribeiro (2006) e Setuacutebal (2005) Considerou-se tambeacutem a

categoria ldquoRoccedila Caipirardquo que englobou classes que contivessem aleacutem da palavra

99

ldquocaipirardquo outras palavras relativas a tipos socioculturais brasileiros como ldquocaboclordquo e

ldquomatutordquo Os exemplos de marcas classificadas nessa categoria satildeo ldquoCaipira da Roccedilardquo

ldquoRoccedila do Caboclordquo e ldquoMatuto Cafeacute da Roccedilardquo A classificaccedilatildeo das marcas nessas

categorias resultou nos seguintes dados

TABELA 6 ndash Categorias das marcas com o nome roccedila ROCcedilA

COMO CAMPO

ROCcedilA COMO RURAL

ROCcedilA COMO

TRADICcedilAtildeO

ROCcedilA COMO

NATUREZA

ROCcedilA ROMAcircNTICO-NOSTAacuteLGICA

ROCcedilA ESTILIZADA

ROCcedilA REFEREcircNCIA

A MINAS GERAIS

ROCcedilA CAIPIRA

DEacuteCADAS QUANTIDADE DE MARCAS EM CADA CATEGORIA

1965-1974 2 - - - - - - -

1975-1984 3 1 - - - - - -

1985-1994 15 3 - 1 3 3

1995-2004 27 11 3 3 8 17 3 1

2005-2014 35 14 3 2 18 32 7 6

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir de dados coletados no site do INPI no endereccedilo eletrocircnico wwwinpigovbr

Como fica niacutetido na tabela acima nas duas primeiras deacutecadas com os pedidos

de registros de marcas com o nome roccedila bastante reduzidos as temaacuteticas giraram em

torno das ideias de roccedila como sinocircnimo de campo e de rural A diversidade temaacutetica

surge com o aumento do volume de solicitaccedilotildees de registro para a marca roccedila em

meados dos anos 1980 No dececircnio compreendido entre 1985-1994 aleacutem das marcas

que puderam ser classificadas nas categorias de roccedila como sinocircnimo de campo e rural

surgiram novos nomes que foram nesta anaacutelise identificados nas categorias ldquonaturezardquo

ldquoromacircntico-nostaacutelgicardquo e ldquoestilizadardquo Sublinha-se que foi exatamente nos anos 1980 e

no iniacutecio dos 1990 que emergiram os fenocircmenos de revalorizaccedilatildeo do rural a partir da

preocupaccedilatildeo com a sustentabilidade ambiental e de reestilizaccedilatildeo do rural a partir da

induacutestria cultural marcadamente a sociabilidade country os programas de

entretenimento de temaacutetica rural o auge do sucesso da muacutesica sertaneja e a expansatildeo

das festas de rodeios (ABRAMOVAY 1994 ALEM 1996 ALLONSO 2012 DE

PAULA 1998 1999 2001 EacuteBOLI 2007 OLIVEIRA L 2003 OLIVEIRA A 2009

SILVA G 2009 VEIGA 2004 2006) Nas duas uacuteltimas deacutecadas de 1995 a 2014 as

marcas mantiveram o padratildeo temaacutetico que permitiu que muitas delas pudessem nesta

anaacutelise ser agrupadas nas mesmas categorias que jaacute tinham figurado nos dececircnios

anteriores Devido ao volume de solicitaccedilotildees desse periacuteodo a diversidade tambeacutem se

100

ampliou e deparou-se com marcas que puderam ser associadas agraves categorias ldquotradiccedilatildeordquo

ldquoMinas Geraisrdquo e ldquocaipirardquo Ao contraacuterio da deacutecada anterior na qual as inovaccedilotildees

ficaram por conta da natureza e do romantismo por um lado e do moderno estilizado e

sofisticado por outro nos uacuteltimos periacuteodos analisados as novas ideias orbitam em

torno de perspectivas mais tradicionais do que seria a roccedila Essa perspectiva eacute expressa

na proacutepria categoria tradiccedilatildeo mas tambeacutem na alusatildeo a Minas Gerais agrave sua faceta rural

preteacuterita (ABDALA 2007 VASCONCELLOS 1981) e agrave figura dos tipos

socioculturais caracteriacutesticos da formaccedilatildeo do povo brasileiro especialmente o caipira

mas tambeacutem o caboclo

Poreacutem analisando-se a quantidade de marcas presentes em cada categoria ao

longo das deacutecadas tem-se algumas impressotildees diferentes sobre os usos e significados

do termo roccedila no mercado de bens e serviccedilos conforme demonstra o graacutefico seguinte

101

GRAacuteFICO 5 ndash Quantidade de marcas em cada categoria por deacutecadas

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir de dados coletados no site do INPI

no endereccedilo eletrocircnico wwwinpigovbr

O graacutefico revela que aleacutem das categorias campo e rural estarem presentes nas

cinco deacutecadas seu crescimento tem sido relativamente gradativo e constante Enquanto

as categorias natureza e tradiccedilatildeo tecircm se mantido no mesmo estado reduzido as

categorias romacircntico-nostaacutelgica e estilizada cresceram substantivamente sobretudo a

uacuteltima tendo ultrapassado todas as outras nesse uacuteltimo dececircnio com exceccedilatildeo da

categoria campo E as categorias caipira e Minas Gerais mais recentes tambeacutem

demonstram uma tendecircncia de crescimento embora seus nuacutemeros ainda sejam

pequenos

A diversidade de significados que compotildeem o uso do termo roccedila nos produtos e

serviccedilos na contemporaneidade parece sugerir um jogo de disputas em torno da

autenticidade enquanto compartilhamento de significados socialmente construiacutedos do

Campo (2)

Campo (3)

Campo (15)

Campo (27)

Campo (35)

Rural (1)

Rural (3)

Rural (11)

Rural (14)

Tradiccedilatildeo (3)

Tradiccedilatildeo (3)

Natureza (1)

Natureza (3)

Natureza (2)

Romacircntico-Nostaacutelgico (3)

Romacircntico-Nostaacutelgico (8)

Romacircntico-Nostaacutelgico (18)

Estilizada (3)

Estilizada (17)

Estilizada (32)

Minas Gerais (3)

Minas Gerais (7)

Caipira (1)

Caipira (6)

0 5 10 15 20 25 30 35 40

1965-1974

1975-1984

1985-1994

1995-2004

2005-2014

DEacute

CA

DA

S

102

que seria roccedila Essa disputa divide por um lado a reproduccedilatildeo de usos e significados

historicamente engendrados do termo roccedila como no sinocircnimo de campo e rural

especialmente no que se refere aos produtos alimentiacutecios e bebidas Por outro lado

nota-se a emergecircncia de novos significados para este termo subvertendo portanto as

visotildees cristalizadas em nome de um rural natureza idiacutelico nostaacutelgico e romacircntico Esta

visatildeo entretanto convive com uma apropriaccedilatildeo urbana industrial e sofisticada que

reinventa e estiliza o significado de roccedila E em contraposiccedilatildeo com este uacuteltimo

emergem significados de roccedila que buscam prestigiar elementos ligados agrave tradiccedilatildeo ao

ruacutestico ao local e ao regional expressos na ideia do caipira da tradiccedilatildeo e da

mineiridade

Esses diferentes usos e significados parecem coincidir com determinados

momentos histoacutericos caracteriacutesticos do rural no Brasil O periacuteodo compreendido entre as

deacutecadas de 1960 e 1980 no qual o campo era atrelado agrave produccedilatildeo agriacutecola

(ABRAMOVAY 1994 SILVA J 1997 2001) figura nas poucas solicitaccedilotildees de

registro de marca com a palavra roccedila a maioria de produtos entre estes alimentiacutecios e

significaccedilotildees relacionadas ao campo e ao rural A terceira deacutecada analisada entre

meados de 1980 e meados de 1990 parece ser um periacuteodo de transiccedilatildeo em que

aumentam os nuacutemeros de pedidos de registro para a marca roccedila tanto para produtos

quanto para serviccedilos em vaacuterios setores de atividades e surgem de forma tiacutemida mas

notaacutevel novos significados para o termo entre as marcas aludindo para questotildees da

natureza da nostalgia mas tambeacutem do rural estilizado e hibridizado com o urbano E

nas duas uacuteltimas deacutecadas o mercado de bens e serviccedilos com a marca roccedila parece de

alguma maneira refletir o estado da arte do rural hoje no Brasil Aumentaram

consideravelmente as requisiccedilotildees de registro com essa marca os serviccedilos

especialmente os negoacutecios a gastronomia e a cultura tornaram-se expressivos

revelando a multifuncionalidade do campo mas tambeacutem a presenccedila de uma cultura

rural na cidade aleacutem dos novos significados expressos em novos nomes apontarem para

uma revalorizaccedilatildeo das origens das raiacutezes aleacutem de traduzirem certa diversidade que

contempla o campo e a cidade Uma siacutentese dessa proposiccedilatildeo eacute demonstrada na seguinte

figura

103

FIGURA 8 ndash Evoluccedilatildeo das caracteriacutesticas histoacutericas do campo no Brasil e dos usos e significados da marca roccedila (1960-2015)

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

As interpretaccedilotildees aqui propostas a respeito dos significados culturais que

circulam por meio da produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e consumo de bens e serviccedilos com a marca

roccedila elaboradas a partir de uma anaacutelise descritiva e de conteuacutedo desta seratildeo

confrontadas com os significados construiacutedos pelos produtores distribuidores e

consumidores de produtos e serviccedilos com a marca roccedila nas paacuteginas seguintes

24 Procedimentos metodoloacutegicos e anaacutelise das entrevistas e aplicaccedilatildeo de

questionaacuterios

Aleacutem da captaccedilatildeo de dados secundaacuterios efetuou-se nesta pesquisa a busca dos

usos e significados que produtores distribuidores e consumidores de produtos e

serviccedilos com a marca roccedila atribuem a esses bens ao participarem desse circuito Para

tanto foram criados dois modelos de questionaacuterios semiestruturados um com perguntas

direcionadas aos produtores (proprietaacuterios responsaacuteveis ou titulares) e distribuidores

(vendedores) de bens com a marca roccedila e outro orientado aos consumidores dessas

marcas Tambeacutem foi elaborado um roteiro de perguntas para entrevista aberta para ser

utilizado com os produtores quando a situaccedilatildeo permitisse uma entrevista em

profundidade Tanto os questionaacuterios quanto o roteiro de entrevista tinham entre 15 a 19

bull Produccedilatildeo agriacutecola bull Poucas marcas

roccedila bull Marca roccedila

produtos alimentiacutecios

bull Significados da marca campo e rural

1960 a

1980

bull Dualizaccedilatildeo da agricultura

bull Aumento marcas roccedila

bull Produtos e serviccedilos

bull Manteacutem-se significados e surgem novos natureza nostalgia e estilizaccedilatildeo

1985 a

1995

bull Multifuncionalidade do

campo bull Revalorizaccedilatildeo do rural bull Aumento expressivo

marcas roccedila bull Aumento dos serviccedilos

(negoacutecios gastronomia e cultura)

bull Manteacutem-se significados anteriores e surgem novos tradiccedilatildeo caipira mineiridade

1995 a

2015

104

perguntas divididas em trecircs blocos perfil pessoal questotildees sobre produtos e serviccedilos

com a marca roccedila e questotildees sobre o termo roccedila12

Foram realizadas 16 entrevistas abertas e aplicados 54 questionaacuterios totalizando

70 abordagens Foram consultados 36 produtoresdistribuidores (16 deles concederam

as entrevistas abertas e 20 responderam ao questionaacuterio semiestruturado) e 34

consumidores que tambeacutem responderam ao questionaacuterio As entrevistas e questionaacuterios

foram aplicados em trecircs etapas 1) online 2) no Mercado Central de Belo Horizonte-

MG e 3) no municiacutepio de Gonccedilalves-MG antes e durante o 4ordm Festival de Gastronomia

e Cultura da Roccedila Foram 7 produtoresdistribuidores que responderam ao questionaacuterio

online 13 que responderam ao questionaacuterio no Mercado Central e 16 entrevistados em

Gonccedilalves Responderam ao questionaacuterio 15 consumidores no Mercado Central de Belo

Horizonte e 19 no Festival em Gonccedilalves

Inicialmente optou-se pela teacutecnica do e-surveying conforme explicitada por

Vasconcellos e Guedes (2007) que consiste no envio de questionaacuterios via internet seja

encaminhando o formulaacuterio para o e-mail do entrevistado seja disponibilizando-o numa

paacutegina da internet A escolha dessa teacutecnica baseou-se no fato de que os informantes-

chave desta pesquisa ou seja os responsaacuteveis por produtos e serviccedilos com a marca

roccedila identificados na internet localizavam-se em diferentes localidades de vaacuterios

Estados do paiacutes criando um obstaacuteculo em termos de exequibilidade da pesquisa O

questionaacuterio (formulaacuterio eletrocircnico) foi construiacutedo na ferramenta eletrocircnica Google

Docs13 e foi enviado ao e-mail dos proprietaacuteriosresponsaacuteveis pelos bens com marca

12 Os termos eacuteticos das entrevistas e aplicaccedilatildeo de questionaacuterios bem como da observaccedilatildeo participante foram submetidos agrave avaliaccedilatildeo do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da Universidade Federal de Viccedilosa de acordo com as recomendaccedilotildees da Resoluccedilatildeo do Conselho Nacional de Sauacutede CNS 4662012 e aprovado segundo o parecer consubstanciado no 579930 de 11 de abril de 2014 e parecer consubstanciado de emenda no 839592 de 13 de outubro de 2014 A aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios e a realizaccedilatildeo de entrevistas seguiram portanto as recomendaccedilotildees contidas nessa resoluccedilatildeo tendo sido explicado ao participante os objetivos da pesquisa os riscos e benefiacutecios que sua colaboraccedilatildeo acarretaria o uso dos dados e das imagens A concordacircncia com estes termos e o consentimento para a realizaccedilatildeo da entrevista ou aplicaccedilatildeo do questionaacuterio e a produccedilatildeo de fotografias e viacutedeos foram expressas pelos entrevistados assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (em duas vias uma para o pesquisador e outra para o entrevistado) e o Termo de Autorizaccedilatildeo de Uso de Imagem Esses documentos encontram-se no apecircndice desse trabalho para consulta 13 O Google Docs eacute uma ferramenta da empresa de serviccedilos de internet Google que permite a elaboraccedilatildeo de questionaacuterios eletrocircnicos O link ou endereccedilo eletrocircnico do questionaacuterio eacute enviado via e-mail para os respondentes que o acessam Eles podem nesse questionaacuterio escrever as respostas dissertativas em campos especiacuteficos ou clicar nas opccedilotildees de respostas objetivas Ao finalizar o questionaacuterio os dados das respostas ficam armazenados e soacute pode ter acesso a eles o pesquisador com sua senha proacutepria Esses dados satildeo depois exportados para um computador em softwares proacuteprios para processamento de dados como o Microsoft Excel ou o Statistic Package for Social Science (SPSS) Essa ferramenta possui a vantagem de ser raacutepida confiaacutevel gratuita e de faacutecil manuseio para o pesquisador e o entrevistado aleacutem

105

roccedila que constavam da primeira lista elaborada a partir da pesquisa aleatoacuteria feita na

internet que continha 44 indiviacuteduos O envio dos formulaacuterios eletrocircnicos a esta amostra

foi realizado durante os meses de abril e maio de 2014 Foram enviados 37

questionaacuterios para os indiviacuteduos dessa amostra entre aqueles que foram encontrados e

que concordaram em participar da pesquisa Os questionaacuterios ficaram disponiacuteveis para o

entrevistado responder durante cerca de um mecircs e meio e o tempo de retorno dos

respondentes foi de no maacuteximo uma semana Entretanto apenas 7 entrevistados

retornaram seus questionaacuterios respondidos ou seja 19 dos questionaacuterios Embora seja

uma taxa de retorno bastante baixa ela eacute previsiacutevel sendo inclusive considerada uma

das principais limitaccedilotildees da aplicaccedilatildeo de questionaacuterios online quando comparada aos

outros meacutetodos de aplicaccedilatildeo de acordo com Vasconcellos e Guedes (2007) Como

exemplo estes autores citam a pesquisa realizada por Weible e Wallace (1998) na qual

num universo amostral de 800 indiviacuteduos a taxa de retorno de questionaacuterios que foram

enviados por e-mail foi de 24

Com o objetivo de abordar diretamente produtores distribuidores e

consumidores de produtos com a marca roccedila mas que por motivos de exequibilidade

da pesquisa pudessem ser encontrados num mesmo espaccedilo optou-se por selecionar

dois eventos que reunissem essas caracteriacutesticas A partir da lista de produtos e serviccedilos

com a marca roccedila coletada na pesquisa realizada na internet selecionou-se um desses

eventos o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila realizado todos os anos na cidade

de Gonccedilalves em Minas Gerais Aleacutem de atender aos criteacuterios anteriores percebeu-se a

possibilidade de acesso a esse evento para a realizaccedilatildeo da pesquisa a partir do momento

em que a secretaacuteria municipal de Turismo de Gonccedilalves contatada para responder ao

questionaacuterio online descreveu as caracteriacutesticas desse festival e do municiacutepio de

Gonccedilalves revelando uma seacuterie de especificidades que permitiram identificaacute-lo como

uma unidade de anaacutelise bastante ilustrativa para essa pesquisa Entre outras

caracteriacutesticas que seratildeo discutidas detalhadamente no quarto capiacutetulo destaca-se que o

municiacutepio de Gonccedilalves possui uma populaccedilatildeo rural de 724 dos seus 4220

habitantes segundo os dados do Censo Demograacutefico de 2010 e Sinopse do Censo

Demograacutefico 2010 (IBGE 2013 2015) e tem se tornado um atrativo turiacutestico na regiatildeo

de possibilitar que o questionaacuterio seja elaborado conforme os criteacuterios do pesquisador Como desvantagem destaca-se a necessidade de que o respondente tenha acesso agrave internet e um domiacutenio baacutesico do seu uso e as panes eletrocircnicas

106

da Serra da Mantiqueira proacutexima agrave divisa dos Estados de Minas Gerais e Satildeo Paulo

Gonccedilalves possui um conjunto de restaurantes e pousadas estabelecidos no campo

alguns destes administrados pelos agricultores e suas famiacutelias num regime de trabalho

que pode ser considerado de pluriatividade e tambeacutem possuiacutea agrave eacutepoca pelo menos

cinco estabelecimentos com a marca roccedila Durante o contato com a secretaacuteria e pelas

suas respostas no questionaacuterio supocircs-se que a cidade curiosamente havia construiacutedo o

seu capital turiacutestico em torno do conceito de roccedila o que posteriormente se confirmou

no trabalho de campo conforme seraacute demonstrado no capiacutetulo sobre esse evento Por

fim um Festival em que se propotildee promover a gastronomia e a cultura da roccedila sugeriria

tratar-se de um epifenocircmeno do tema estudado tornando-se portanto objeto desta

anaacutelise As entrevistas e a aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios foram realizadas em Gonccedilalves

entre os meses de setembro e novembro de 2014 e as condiccedilotildees de sua realizaccedilatildeo seratildeo

apresentadas detalhadamente no capiacutetulo sobre o Festival

O outro evento selecionado para a pesquisa foi o Mercado Central de Belo

Horizonte em Minas Gerais O Mercado Central foi fundado em 1929 e fica localizado

na regiatildeo central do municiacutepio considerado um dos pontos turiacutesticos e comerciais mais

procurados na capital mineira O Mercado possui cerca de 400 lojas de varejo dos mais

diversos tipos de produtos alguns tiacutepicos do Estado e de outras regiotildees do paiacutes

(MERCADO CENTRAL 2015) entre produtos alimentiacutecios bebidas utensiacutelios e

artesanatos de variadas origens e alguns marcadamente rurais De acordo com

Filgueiras (2006) o Mercado Central natildeo seria somente um diversificado centro

comercial Ele possui segundo o autor valores siacutembolos envolve haacutebitos e costumes

que representariam uma identidade do rural e do urbano e por isso se tornou um espaccedilo

representativo da histoacuteria da cultura e do turismo de Minas Gerais O puacuteblico que

frequenta o Mercado Central eacute formado entre outros por donas de casa representantes

de pequenas empresas trabalhadores do comeacutercio proacuteximo estudantes famiacutelias e

obviamente turistas De acordo ainda com Filgueiras (2006 p 133) o Mercado eacute uma

representaccedilatildeo do imaginaacuterio dos consumidores belo-horizontinos que consideram que

nele as praacuteticas de comeacutercio ainda satildeo tradicionais e ldquoque parece da roccedilardquo por ser

antigo e por envolver relaccedilotildees de ldquorespeito confianccedila amizade aleacutem de oferecer

qualidade seguranccedila tranquilidade originalidade e divertimentordquo Estas caracteriacutesticas

balizaram a escolha do Mercado Central para a aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios mesmo ele

natildeo figurando na referida lista de bens e serviccedilos com a marca roccedila Ainda assim o

107

Mercado possui atualmente dois estabelecimentos com a marca roccedila Os questionaacuterios

foram aplicados no mecircs de outubro de 2014 e as condiccedilotildees de realizaccedilatildeo da pesquisa no

Mercado seratildeo apresentadas detalhadamente no terceiro capiacutetulo desta tese

Os produtores e distribuidores que responderam ao questionaacuterio online ao

impresso e aqueles que concederam entrevistas eram em sua maioria de Belo

Horizonte ou de Gonccedilalves em Minas Gerais (12 e 17 respectivamente) Os outros

respondentes eram de cidades do interior dos Estados de Minas Gerais Satildeo Paulo

Goiaacutes e Distrito Federal um da regiatildeo metropolitana de Vitoacuteria-ES e um de Fortaleza-

CE conforme pode ser visualizado no seguinte graacutefico

GRAacuteFICO 6 ndash Residecircncia dos produtoresdistribuidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

A maioria dos respondentes eacute composta por mulheres (21 entre os 36

entrevistados) e tem como profissatildeo a gestatildeo da empresa ou comeacutercio seguidas pelo

grupo que se declarou atendentebalconistavendedor(a)gerente O restante se dividiu

em aacutereas de atuaccedilatildeo como engenharia arquitetura artesanato artes plaacutesticas docecircncia

jornalismo e domeacutestica nas seguintes proporccedilotildees

Gonccedilalves 17

Belo Horizonte 12

Fortaleza 1

Itajubaacute 1

Poccedilos de Caldas 1

Rio Verde 1

Satildeo Luis do Paraitinga

1

Vila Velha 1

Zona Rural DF 1

108

GRAacuteFICO 7 ndash Profissatildeo dos produtoresdistribuidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

A funccedilatildeo exercida no estabelecimento era majoritariamente a de

proprietaacuterio(a) balconistavendedor(a) gerente e cozinheiro(a)chef O restante se

declarou produtor(a) rural ocupa cargo na gestatildeo puacuteblica municipal diretor(a)

editor(a) artesatildeo(atilde) ou natildeo informou distribuiccedilatildeo que pode ser observada no graacutefico

que se segue

GRAacuteFIC O 8 ndash Funccedilatildeo exercida no estabelecimento pelos produtoresdistribuidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

A faixa etaacuteria ficou relativamente bem distribuiacuteda entre os 20 e os 80 anos com

uma ocorrecircncia maior de produtoresdistribuidores com idade entre 50 e 60 anos A

maioria dos respondentes tinha Ensino Superior completo alguns tendo cursado poacutes-

0

2

4

6

8

10

12

012345678

109

graduaccedilatildeo seguida por aqueles que concluiacuteram o Ensino Meacutedio que possuiacuteam o Ensino

Fundamental incompleto e o Ensino Superior incompleto conforme revelam os graacuteficos

abaixo

GRAacuteFICO 9 ndash Escolaridade dos produtoresdistribuidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

GRAacuteFICO 10 ndash Faixa etaacuteria dos produtoresdistribuidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

Os consumidores abordados que responderam ao questionaacuterio no Mercado

Central e no Festival apresentaram-se igualmente distribuiacutedos entre homens e mulheres

sendo a maioria proveniente da regiatildeo metropolitana de Belo Horizonte e do interior de

Satildeo Paulo O restante estava distribuiacutedo nas capitais de Satildeo Paulo ou do Rio de Janeiro

no interior de Minas Gerais e um em Joatildeo Pessoa-PB conforme se destaca no graacutefico

abaixo

0123456789

0

2

4

6

8

10

12

20 a 30anos

30 a 40anos

40 a 50anos

50 a 60anos

60 a 70anos

70 a 80anos

Natildeoinformou

110

GRAacuteFICO 11 ndash Residecircncia dos consumidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

A maioria dos entrevistados tinha menos de 40 anos de idade e curso superior

completo A ocupaccedilatildeo mais comum foi a de profissional liberal Os Graacuteficos 12 13 e 14

destacam o perfil socioprofissional dos respondentes

GRAacuteFICO 12 ndash Faixa etaacuteria dos consumidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

Regiatildeo Metropolitana de Belo Horizonte

13

Interior de Satildeo Paulo

10

Interior de Minas Gerais

4

Satildeo Paulo 2

Satildeo PauloInterior de

Minas Gerais 2

Interior do Rio de Janeiro

1

Joatildeo Pessoa 1

Rio de Janeiro 1

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

20 a 30

anos

30 a 40

anos

40 a 50

anos

50 a 60

anos

60 a 70

anos

70 a 80

anos

111

GRAacuteFICO 13 ndash Escolaridade dos consumidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

GRAacuteFICO 14 ndash Profissatildeo dos consumidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

Indagou-se a este grupo de respondentes que teve o seu perfil socioprofissional

descrito anteriormente onde eles e a famiacutelia nuclear tinham vivido a maior parte da

vida se no campo ou na cidade e qual a profissatildeo dos pais A maioria destes informou

ter vivido a maior parte da vida na cidade assim como os seus pais Nos graacuteficos

abaixo eacute possiacutevel verificar a origem dos consumidores e de seus pais

Ensino Teacutecnico

1

Fundamental incompleto

1

Meacutedio completo

6

Poacutes-graduaccedilatildeo 9

Superior completo

16

Superior incompleto

1

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

112

GRAacuteFICO 15 ndash Origem dos consumidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

GRAacuteFICO 16 ndash Origem dos pais dos consumidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

Os consumidores declararam serem oriundos de famiacutelia de profissionais liberais

donas de casa comerciantes e professores(as) entre outras profissotildees Uma minoria

relatou ser descendente de agricultores que viveram a maior parte da vida no campo Ou

seja trata-se de um puacuteblico basicamente citadino mas que busca referecircncias rurais

como consumidor como encontrado no trabalho de Eacuteboli (2007) e Silva G (2009) O

leque das profissotildees dos pais dos consumidores pode ser visto no graacutefico abaixo

Campo 7

Cidade 22

Ambos 5

Campo 2

Cidade 27

Ambos 5

113

GRAacuteFICO 17 ndash Profissotildees dos pais dos consumidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

Assim como foi feito com as marcas de produtos e serviccedilos com o termo roccedila

tambeacutem se implementou uma anaacutelise de conteuacutedo temaacutetica ou categoacuterica analisando-se

separadamente as respostas dos produtores e distribuidores de bens com a marca roccedila

de um lado e dos consumidores de outro As unidades de contexto utilizadas nessa

anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica foram selecionadas no caso dos

produtoresdistribuidores a partir de questotildees sobre os motivos de escolha da marca

roccedila para os bens que comercializam seus significados quais caracteriacutesticas do produto

ou serviccedilo atribuiacuteam agrave ideia de roccedila e sua relevacircncia para o puacuteblico consumidor Nas

respostas dos consumidores selecionou-se para a anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica

unidades de contexto referentes agraves questotildees sobre o haacutebito de consumir

produtosserviccedilos da roccedila sua preferecircncia em relaccedilatildeo a outros seus diferenciais e

significados aleacutem do pedido para citar de que produtosserviccedilos se tratavam Destas

unidades de contexto avaliou-se as unidades de registro relevantes na fala dos

entrevistadosrespondentes que pudessem ser confrontadas com as categorias analiacuteticas

seguindo-se os mesmos criteacuterios utilizados para a anaacutelise das marcas anteriormente

discutida

Tanto os produtoresdistribuidores quanto os consumidores de todas as

localidades afirmaram produzir vender eou consumir como produtos da roccedila ou com

a marca roccedila queijos leite produtos naturaisorgacircnicos frutas legumes cereais e

verduras doces mel rapadura cachaccedila fubaacute farinha objetos de decoraccedilatildeo ou

artesanato carnes (bovina suiacutena aves carne de sol linguiccedila peixes) ovos caipiras

cogumelos bolosbiscoitosquitandas cafeacute aacutegua pura da mina fogatildeo a lenha e lenha

02468

101214

114

Tambeacutem foram citados a cana de accediluacutecar e seus derivados como o etanol o melado o

accediluacutecar mascavo ou ldquoaccedilucratildeordquo aleacutem das jaacute mencionadas rapadura e cachaccedila No ramo

dos hortifruacuteti os mais citados foram couve alface cebolinha aboacutebora chuchu feijatildeo

milho mandioca tomate banana laranja jabuticaba ervas chaacutes e temperos

FIGURA 9 ndash Verduras no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 10 ndash Frutas no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 11 ndash ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo Gonccedilalves-MG

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

115

FIGURA 12 ndash Queijo artesanal no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 13 ndash Cachaccedilas no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 14 ndash Doces no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Embora a pergunta se referisse ao consumo de produtos e serviccedilos os

consumidores citavam apenas os produtos excluindo os serviccedilos que poderiam estar

atrelados agrave marca roccedila seja no ramo da cultura da gastronomia ou do turismo por

exemplo Por outro lado alguns cozinheiros ou chefs tanto do municiacutepio de Gonccedilalves

participantes do Festival quanto de outras localidades descreviam a comida que

116

serviam nos seus restaurantes como ldquocomida da roccedilardquo Eles descreviam-na como aquela

composta por arroz feijatildeo mandioca batata legumes cozidos como a abobrinha o

quiabo o chuchu e a moranguinha mostarda canjiquinha polentaangu frango caipira

carne de porco ou de lata14 paccediloca de carne socada no pilatildeo15 carne de vaca ao molho

tutu de feijatildeo aleacutem do trio torresmo feijatildeo e couve O tempero para eles consistiria

apenas no uso do alho e sal e do cheiro verde (salsa e cebolinha) considerados aqueles

disponiacuteveis nos quintais ou hortas das casas no campo tanto no presente quanto

antigamente As caracteriacutesticas atribuiacutedas pelos cozinheiros ou chefs agrave comida da roccedila

estatildeo diretamente relacionadas ao que classificam como comida mineira tratando-as de

forma anaacuteloga Muitos desses pratos citados coincidem com aqueles descritos por

Abdala (2007) perfazendo o que considera como o ldquotradicionalrdquo e ldquotiacutepico mineirordquo

como os legumes cozidos a couve o torresmo o angu o tutu de feijatildeo e o feijatildeo

tropeiro a paccediloca de farinha com carne e as carnes de porco e frango bem como as

quitandas

Alguns cozinheiros e chefs de restaurantes cafeacutes e lanchonetes em Gonccedilalves

proprietaacuterios de estabelecimentos com a marca roccedila destacam o fato de utilizarem

como mateacuterias-primas dos seus pratos produtos orgacircnicos certificados ou pelo menos

cultivados por eles mesmos ou por agricultores locais sem a utilizaccedilatildeo de insumos

quiacutemicos (agrotoacutexicos) frescos ou minimamente processados conforme atesta o

seguinte relato de uma entrevistada

A gente soacute trabalha com ingredientes e receitas artesanais eacute tudo daqui da regiatildeo Por isso que eacute roccedila eacute o que Gonccedilalves produz Entatildeo o que a gente compra industrializado eacute o miacutenimo soacute o que natildeo eacute produzido na cidade farinha oacuteleo O resto todos os ingredientes satildeo daqui da cidade Satildeo da roccedila de Gonccedilalves Eacute totalmente artesanal A gente desenvolve os nossos produtos com a produccedilatildeo local a nossa salada eacute de um produtor local de orgacircnicos todos os temperos usados satildeo produzidos aqui no nosso quintal Noacutes natildeo podemos dizer que eacute tudo orgacircnico porque nem todos os produtores tecircm esse selo A palavra roccedila traz para o meu empreendimento a garantia eu acho para quem vem consumir de que eacute feito o mais natural possiacutevel o mais fresco possiacutevel o mais verdadeiro possiacutevel Entatildeo a gente tem um

14 A carne de lata ou carne na banha consiste no processo de fritar os pedaccedilos de carne suiacutena e conservaacute-los por alguns meses dentro de uma lata de alumiacutenio imersa na proacutepria banha ou gordura do porco Costumava ser uma praacutetica recorrente entre as famiacutelias camponesas no interior de Satildeo Paulo e Minas Gerais cujo exemplo eacute citado na obra de Antonio Candido (2010) 15 Espeacutecie de farofa feita com pedaccedilos de carne bovina

117

cardaacutepio sazonal vai de acordo com o que a natureza fornece (Proprietaacuteria de restaurante Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Nesta citaccedilatildeo roccedila aparece como um qualificativo de autecircntico daquilo que tem

identidade por ser local artesanal natural e por natildeo ser massificado industrializado

(DORIGON 2008 TAYLOR 2011 WILKINSON 2008) Tambeacutem satildeo relacionados

como produtos da roccedila pelos produtoresdistribuidores bolos broas e biscoitos

chamados de forma geneacuterica em Minas Gerais de quitandas ou quitutes Foram

citados especialmente ldquoa broa de fubaacute de milho o biscoito de forno agrave lenhardquo e ldquoo cafeacute

passado no coador e servido com um pedacinho de rapadurardquo Os produtores artesatildeos

em Gonccedilalves elencam tambeacutem os artesanatos especialmente as cestarias cujas

mateacuterias-primas consideram originaacuterias da roccedila como a palha do milho a fibra da

bananeira o bambu a taquara e a taboa No Mercado Central os distribuidores de

utensiacutelios domeacutesticos peccedilas de decoraccedilatildeo e artesanato assinalam como produtos da

roccedila as panelas de ferro gamelas utensiacutelios em aacutegata ldquoque lembram a avoacuterdquo tachos de

cobre moedores de cafeacute ldquoque lembram siacutetio e fazendardquo decoraccedilotildees para a aacuterea de

churrasqueira e fogatildeo a lenha peccedilas artesanais como por exemplo monjolos cabeccedilas

de boi casinhas da roccedila (espeacutecie de quadro de pequeno porte com montagens que

encenam uma casa rural)

FIGURA 15 ndash Quitandas no Festival de Gonccedilalves-MG

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

118

FIGURA 16 ndash Artesanato e cestaria em Gonccedilalves-MG

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 17 ndash Utensiacutelios em aacutegata no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 18 ndash Panelas de cobre no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

119

FIGURA 19 ndash Gamelas no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 20 ndash ldquoCasinha da roccedilardquo no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Conforme se pode perceber na pesquisa de campo a partir das declaraccedilotildees dos

entrevistadosrespondentes o universo de classificaccedilatildeo de produtos e serviccedilos foi

ampliado uma vez que natildeo se limitou apenas agrave questatildeo da marca roccedila mas tambeacutem aos

produtos considerados genericamente ldquoda roccedilardquo independentemente de ter essa marca

ou natildeo como havia sido inicialmente delineado nesta pesquisa Isto tem uma razatildeo na

perspectiva dos produtoresdistribuidores e consumidores que seraacute explicitada adiante

e se enquadra na discussatildeo a respeito do emergente mercado de produtos alimentares

tradicionais e artesanais (CRUZ MENASCHE 2011 SANTOS J 2014

WILKINSON MIOR 1999)

A aplicaccedilatildeo da anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica agraves respostas dos

produtoresdistribuidores de produtos e serviccedilos com a marca roccedila obedeceu aos

mesmos criteacuterios que orientaram a anaacutelise das marcas conforme jaacute se ressaltou ou seja

partiu-se dos apontamentos teoacutericos para a criaccedilatildeo das categorias classificatoacuterias No

entanto assim como se procedeu na anaacutelise das marcas a elaboraccedilatildeo das categorias

tambeacutem levou em consideraccedilatildeo as ocorrecircncias relativas aos dados empiacutericos Nesse

sentido confirmou-se a interpretaccedilatildeo construiacuteda neste trabalho sobre as marcas com o

120

termo roccedila a partir da anaacutelise de conteuacutedo com as respostas dos produtores

distribuidores e consumidores sobre os usos e significados deste termo nos bens e

serviccedilos Este pareamento permitiu perceber as mesmas tendecircncias entre as duas

anaacutelises com algumas nuances que seratildeo discutidas adiante Em geral as categorias se

repetiram conforme eacute possiacutevel notar nos Quadros 5 e 6 a seguir

QUADRO 5 ndash Categorias dos significados dos produtosserviccedilos com a marca roccedila segundo os produtoresdistribuidores

CAMPO

RURAL

NATUREZA

TRADICcedilAtildeO

ROMAcircNTICO-NOSTAacuteLGICA

MINAS GERAIS

aacuterea rural cultura natureza como funcionava antigamente

nostaacutelgico tiacutepico da alimentaccedilatildeo

mineira siacutetio modo de vida alimento sem

agrotoacutexico tiacutepico canto tranquilo arquitetura

das casas das antigas

fazendas mineiras

antiga fazenda

homem rural alimento sem quiacutemica

comida tiacutepica paz

lavoura cultura do sertatildeo

brasileiro

orgacircnico resgata a origem interiorana

aconchego

agronegoacutecio raiacutezes lembraremete agrave infacircncia

procedecircncia do interior

fartura lembraremete agrave fazenda

simplicidade lembraremete ao interior

ruacutestico lembraremete ao campo

sabor uacutenico lembraremete agrave tranquilidade do

interior

artesanalcaseiro lembraremete agraves feacuterias nas

casas das avoacutes

produccedilatildeo caseira versus

produccedilatildeo industrial

lembraremete agrave eacutepoca em que

morava na fazenda

produccedilatildeo manual

natildeo tem seloroacutetulo

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

121

As categorias das respostas dos produtoresdistribuidores a respeito dos

significados do termo roccedila nas marcas foram as mesmas inferidas para a anaacutelise de

conteuacutedo das marcas feitas anteriormente nos seguintes casos ldquoRoccedila como sinocircnimo

de campordquo ldquoRoccedila como sinocircnimo de ruralrdquo ldquoRoccedila como naturezardquo ldquoRoccedila como

tradiccedilatildeordquo ldquoRoccedila romacircntico-nostaacutelgicardquo e ldquoRoccedila como referecircncia agrave Minas Geraisrdquo As

categorias ldquoRoccedila estilizadardquo e ldquoRoccedila caipirardquo que figuraram no resultado da anaacutelise de

conteuacutedo das marcas natildeo foram identificadas nas respostas dos

produtoresdistribuidores As palavras consideradas para serem inclusas nas categorias

ldquocampordquo ldquoruralrdquo e ldquotradiccedilatildeordquo apresentaram uma maior diversidade que aquelas do

repertoacuterio das marcas A maior variedade do vocabulaacuterio deve-se ao fato de tratarem-se

no caso das entrevistas de gecircneros do discurso simples ou seja oral e complexo ou

escrito no caso das marcas conforme jaacute discutido com base em Bakhtin (2003)

Da mesma forma a anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica das respostas dos

consumidores considerou os aportes teoacutericos Poreacutem ao se considerar os dados

empiacutericos notaram-se alguns diferenciais e a emergecircncia de uma gama de significados

que levaram agrave constituiccedilatildeo de novas categorias embora algumas tenham se repetido

conforme ilustra o Quadro 6 abaixo

122

QUADRO 6 ndash Categorias dos significados dos produtosserviccedilos com a marca roccedila segundo os consumidores

NATUREZA TRADICcedilAtildeO ROMAcircNTICO-NOSTAacuteLGICA

LOCAL ORIGEM VALOR

natural eacute melhor que

industrializado

tradicional infacircncia ligaccedilatildeo com o loacutecus

geograacutefico

origem dar valor

menos conservantes

original gostoso produccedilatildeo local

procedecircncia valorizar o pequeno produtor

menos agrotoacutexicos

artesanal cultura local

interior valor que a famiacutelia deu ao

plantar e cuidar da terra

menos quiacutemicos

como foi feito artesanato com a

esteacutetica local

saber de onde vem o industrial natildeo se sabe

confianccedila

natildeo transgecircnico

manuseio sustentar a economia

local

qualidade

ser da terra feito agrave matildeo selo garantia e

rastreabilidade

na cidade grande eacute tudo

embalado

feito pelo proacuteprio

vendedor

informaccedilatildeo preccedilo e

alimento orgacircnico modo simples

e familiar de produzir

fresco confecccedilatildeo com esmero

versus industrial em larga escala

sauacutedesaudaacutevel saborsaboroso

qualidade de vida

puro

energia pura

vidavitalidade

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

Nota-se uma convergecircncia entre produtoresdistribuidores e consumidores ao

classificarem um produtoserviccedilo da roccedila a partir de atributos que os identificam agrave

tradiccedilatildeo ao aspecto natural e a uma visatildeo romacircntica e nostaacutelgica do que significam

esses produtos Entretanto percebeu-se algumas diferenccedilas na classificaccedilatildeo dos

123

produtosserviccedilos da roccedila entre os produtoresdistribuidores e os consumidores

Enquanto os primeiros costumavam justificar a escolha da marca roccedila para seu produto

ou serviccedilo devido ao fato de seu estabelecimento se localizar no campo os

consumidores tendiam a apontar como atributo desses produtos o fato de serem locais

em detrimento da sua identificaccedilatildeo rural O uso do termo local pelos consumidores pode

se referir ao produtoserviccedilo proveniente do campo mas tambeacutem pode se referir agrave

cidade de pequeno porte e vocaccedilatildeo rural ao interior ao regional e agrave identidade

comunitaacuteria De acordo com Lamine (2015) a perspectiva da relocalizaccedilatildeo tem sido

uma alternativa possiacutevel aos sistemas agroalimentares convencionais uma vez que seu

foco reside na relaccedilatildeo direta entre produtores e consumidores embora esta autora teccedila

uma criacutetica aos limites desse paradigma que seratildeo discutidos posteriormente

Os consumidores tambeacutem mencionaram dados que consideram levar em conta

na tomada de decisatildeo para consumir um produto da roccedila tais como preccedilo informaccedilotildees

qualidade confianccedila garantia selo e rastreabilidade Esses dados satildeo considerados

pelos consumidores no julgamento do valor que estatildeo dispostos a pagar pelo produto

principalmente pela forma como foi produzido em termos ambientais sociais e

econocircmicos tratando-se de um processo natildeo soacute de valoraccedilatildeo mas tambeacutem de

valorizaccedilatildeo e reconhecimento de determinadas praacuteticas produtivas nos termos do que

apontaram Baudrillard (1972) e Sahlins (2003) a respeito de como o valor social

determina o valor econocircmico dos bens E assim como jaacute havia sido constatado no caso

da anaacutelise leacutexico-sintaacutetica das marcas com o termo roccedila a origem eou procedecircncia dos

bens satildeo atributos estimados pelos consumidores e estatildeo para estes associados agrave

palavra roccedila e tambeacutem satildeo considerados em termos da valorizaccedilatildeo do que seraacute

consumido como apontou Santos (2014) Nesse sentido aleacutem das categorias ldquoRoccedila

como naturezardquo ldquoRoccedila como tradiccedilatildeordquo e ldquoRoccedila romacircntico-nostaacutelgicardquo jaacute identificadas

nas marcas e nas respostas dos produtoresdistribuidores entrevistados para as respostas

dos consumidores diante dos dados apresentados constituiu-se as categorias ldquoRoccedila

como sinocircnimo de localrdquo ldquoRoccedila como indicaccedilatildeo de origemrdquo e ldquoRoccedila como um valorrdquo

Os produtoresdistribuidores atribuiacuteram ao seu produto ou serviccedilo um roacutetulo

com o uso do termo roccedila referindo-se tambeacutem ao fato de seus estabelecimentos

estarem localizados num siacutetio fazenda no campo no interior ou vinculados agrave lavoura

Nesse caso demonstra-se a reproduccedilatildeo do sentido primaacuterio da palavra roccedila identificado

pelos estudos das Ciecircncias Sociais roccedila como sinocircnimo de lavoura e por metoniacutemia de

124

campo Mas o argumento mais utilizado pelos produtoresdistribuidores foi o de que seu

produto ou serviccedilo teria uma caracteriacutestica ligada ao que se considera como tradicional

revestido de imaginaacuterio e memoacuterias que ganham um tom nostaacutelgico e romacircntico Essa

dimensatildeo nostaacutelgica e romacircntica identificada nas analogias feitas pelos

produtoresdistribuidores em relaccedilatildeo agrave marca roccedila eacute encontrada nos apelos agrave memoacuteria

(pela proacutepria palavra nostalgia e pelas declaraccedilotildees de que roccedila remetelembra a infacircncia

a fazenda o campo o interior as feacuterias na casa das avoacutes) e tambeacutem agrave imaginaccedilatildeo (o

aconchego a tranquilidade e a paz) no sentido de que se projeta a possibilidade de viver

esses estados de espiacuterito no campo nos termos que foram discutidos por Silva (2009) a

respeito dos leitoresassinantes paulistanos da Revista Globo Rural

O apelo agrave tradiccedilatildeo ao saber-fazer artesanal presentes na fabricaccedilatildeo do produto

ou na prestaccedilatildeo do serviccedilo teria assim a pretensatildeo de reviver dimensotildees relativas ao

ldquojeito como era antesrdquo Nesse sentido percebe-se como a tradiccedilatildeo entendida aqui nos

termos de Karl Mannheim (1986) como uma tendecircncia dos indiviacuteduos ou grupos a se

apegar a velhas formas de vida sendo contraacuterio agraves mudanccedilas pode ser percebida na fala

dos produtores ao situarem a produccedilatildeo caseira ou artesanal num patamar hieraacuterquico

superior ao processo industrial Mannheim (1986) tambeacutem aponta para a presenccedila de

elementos maacutegicos da consciecircncia aos quais a tradiccedilatildeo estaria relacionada o que no

caso dos produtoresdistribuidores se expressa na visatildeo romacircntica e nostaacutelgica de que

os bens da roccedila teriam os atributos referentes agrave infacircncia ao campo agrave tranquilidade agraves

lembranccedilas da casa da avoacute ou da vida na fazenda Por outro lado pode-se perceber que

mesmo os produtos ou serviccedilos elaborados de forma industrializada eou sofisticada

tambeacutem eram classificados como tradicionais segundo criteacuterios proacuteprios o que

corrobora com a afirmaccedilatildeo de Lifschitz (2011) a respeito do uso de meios de produccedilatildeo

modernos para criar elementos tradicionais como uma estrateacutegia de resistecircncia poliacutetica

Esse comportamento ficou evidente e pode ser ilustrado pela forma como uma atendente

descreveu os criteacuterios para considerar uma cachaccedila como sendo da roccedila

Satildeo dois tipos de cachaccedila uma de pequena produccedilatildeo de alambique de cidade do interior considerada como cachaccedila da roccedila (artesanal) mas eacute selada e rotulada a outra eacute industrializada utiliza marketing eacute uma empresa grande e a cachaccedila pode ser encontrada em qualquer supermercado pois eacute de larga distribuiccedilatildeo As primeiras tecircm gostinho da cana satildeo armazenadas nos barris de madeiras como baacutelsamo carvalho e umburana Em Salinas-MG haacute mais de 200 alambiques de pequena produccedilatildeo (Atendente de cachaccedilaria do Mercado Central Belo Horizonte outubro de 2014)

125

A contraposiccedilatildeo feita pelos produtoresdistribuidores entre o tradicional e o

industrial passa tambeacutem pela designaccedilatildeo do ldquotiacutepicordquo das raiacutezes e do apelo agraves origens

que tecircm certa conexatildeo com as ideias por eles expressas a respeito do ldquotiacutepico mineirordquo e

da roccedila como uma cultura um modo de vida que representaria o ldquohomem ruralrdquo ou a

ldquocultura do sertatildeordquo Este modo de vida tiacutepico mineiro ou natildeo se pauta para estes

produtoresdistribuidores no saber-fazer que se relacionaria ao fato de estarem

localizados realmente no campo de produzirem em pequena escala com mateacuteria-prima

local com teacutecnicas antigas informadas por saberes populares sem uso de tecnologia

sem rotulagem Essas caracteriacutesticas satildeo traduzidas pela expressatildeo produccedilatildeo

artesanalcaseira que costumam ainda estar relacionadas agraves caracteriacutesticas naturais do

produto ou seja sem uso de insumos quiacutemicos

Assim como apontaram os produtoresdistribuidores os consumidores tambeacutem

sinalizaram como criteacuterio de identificaccedilatildeo de um produto ou serviccedilo da roccedila aqueles

oriundos da produccedilatildeo caseira ou artesanal sempre indicando como seu polo oposto a

produccedilatildeo industrial Nesse sentido uma expressatildeo natildeo esperada que sintetizasse essa

visatildeo foi o fato de principalmente os consumidores considerarem que o uso da marca

roccedila natildeo seria garantia de que o produto fosse realmente da roccedila de acordo com seus

proacuteprios criteacuterios de classificaccedilatildeo Essa visatildeo apareceu de diferentes formas dividindo

os consumidores entre aqueles que i) consideram a marca roccedila o marcador necessaacuterio

para indicar o produto que busca portanto auxiliando a sua identificaccedilatildeo ii) aqueles

que consideram que soacute o fato de existir a marca jaacute indicaria que o produto era resultado

de um processo industrial e portanto natildeo poderia ser classificado como da roccedila iii)

aqueles que natildeo consumiriam um produto com a marca roccedila mas consumiriam um

produto ldquodardquo roccedila e iv) aqueles que ateacute consumiriam um produto com a marca roccedila

mas avaliariam sua origem procedecircncia qualidade e o contexto local Boa parte dos

consumidores e ateacute mesmo alguns produtoresdistribuidores baseados nas preferecircncias

de seus consumidores declararam que para considerarem um produto como original da

roccedila ele natildeo deveria ser embalado rotulado eou ldquoseladordquo Esta era uma forma geneacuterica

dos entrevistados especialmente os consumidores expressarem a sua preferecircncia por

alimentos natildeo industrializados nem mesmo os minimamente processados Identificou-

se nesse caso um contraste entre as preferecircncias dos consumidores e as regulaccedilotildees do

mercado quanto a embalagens rotulagens registro de marcas selos certificaccedilotildees e

fiscalizaccedilatildeo dos oacutergatildeos competentes

126

No Brasil a embalagem e a rotulagem dos alimentos em geral possuem uma

seacuterie de regulamentaccedilotildees que satildeo definidas e fiscalizadas por diversos oacutergatildeos

governamentais tais como a Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria (ANVISA) por

meio da Resoluccedilatildeo RDC no 2592002 o Ministeacuterio da Sauacutede o Ministeacuterio da

Agricultura Pecuaacuteria e Abastecimento (MAPA) e o Instituto Nacional de Metrologia

Normalizaccedilatildeo e Qualidade Industrial (INMETRO) Foi entendido que o termo ldquoselordquo

conforme relatado pelos consumidores se trata de maneira geral de um tipo de

identificaccedilatildeo na embalagem ou roacutetulo que confere ao produto procedecircncia de origem

qualidade e ateacute mesmo certificaccedilatildeo no caso de um produto orgacircnico O MAPA

desenvolve uma seacuterie de accedilotildees atraveacutes de regulamentaccedilotildees especiacuteficas para cada tipo de

produto com o objetivo de garantir a legitimidade de informaccedilotildees sobre o produto e a

empresa e os padrotildees de certificaccedilatildeo orgacircnica e qualidade da mateacuteria-prima e produccedilatildeo

de acordo com padrotildees oficiais (MAPA 2015)

Acredita-se que os consumidores ao menos aqueles entrevistados nesta

pesquisa dominem minimamente informaccedilotildees a respeito dos padrotildees de inspeccedilatildeo e

qualidade que regem o processo industrial no Brasil e a legitimidade dos dados contidos

nos roacutetulos dos produtos Supotildee-se que sua negaccedilatildeo agraves marcas roacutetulos embalagens

ldquoselosrdquo e de forma intriacutenseca ao produto industrial preterindo-o no lugar do

caseiroartesanal tradicional e natural seja uma criacutetica agrave forma de vida na sociedade

moderna industrial e urbanizada comparando-a a um modo de vida mais simples puro

natural e bucoacutelico assim como relataram Eacuteboli (2007) Elias (2001) Silva (2009) e

Williams (2011) em diferentes contextos e sociedades Nesse sentido a principal

referecircncia dos consumidores a respeito dos produtos da roccedila eacute a sua associaccedilatildeo com a

natureza

A relaccedilatildeo que os consumidores fazem entre o produto da roccedila e a natureza

baseia-se numa contraposiccedilatildeo entre este e o produto industrializado Portanto a

concepccedilatildeo de um produto natural para os consumidores estaacute associada agraves suas

condiccedilotildees de produccedilatildeo ldquosem agrotoacutexicosrdquo ldquosem quiacutemicardquo ldquomenos conservantesrdquo

ldquoorgacircnicordquo ldquonatildeo eacute transgecircnicordquo Por isso as ideias de roccedila como natureza nas respostas

dos consumidores vinham diretamente atreladas agrave tradiccedilatildeo em termos da produccedilatildeo

ldquoartesanalrdquo ldquocaseirardquo ldquofeita agrave matildeordquo ldquoconfecccedilatildeo com esmero ao contraacuterio do

industrialrdquo ldquomodo simples e familiar de produzirrdquo daiacute sua associaccedilatildeo com o local e a

procedecircncia A preferecircncia demonstrada pelos consumidores por consumir um produto

127

ldquoda roccedilardquo em detrimento ao industrializado revela a sua associaccedilatildeo com ideais como

ldquopurordquo ldquovitalrdquo ldquoenergia purardquo ldquofrescordquo pautando-se natildeo soacute por uma preocupaccedilatildeo com

a sauacutede e a qualidade de vida e a conservaccedilatildeo ambiental mas fazendo mesmo um

contraponto agrave sociedade industrial ldquomelhor que o industrialrdquo ldquosabe de onde vem o

industrial natildeo se saberdquo Essas ideias entrelaccedilam-se agrave postura dos consumidores quanto agrave

ldquoconfianccedilardquo ldquooriginalidaderdquo ldquoqualidaderdquo e autenticidade que o produto da roccedila parece

despertar em suas consciecircncias o que determina seu processo de valoraccedilatildeo por meio do

consumo como uma forma de valorizar um determinado modo de vida e de produccedilatildeo

marcado pela ldquosimplicidaderdquo ldquopelo esmerordquo ldquopela forma familiarrdquo pelo ldquofeito agrave matildeordquo

pelo ldquocuidado com a terrardquo e pelo ldquovalor que a famiacutelia deu ao plantar e cuidar da terrardquo

Esses valores que a ldquoproacutepria famiacutelia deu ao plantarrdquo parecem ser transferidos para a

valor(iz)accedilatildeo do produto da roccedila pelo consumidor

Nesse sentido a forte associaccedilatildeo feita pelos consumidores entre o produto

alimentar da roccedila e a natureza encontra correspondecircncia no processo de triangulaccedilatildeo

proposto pelo paradigma dos sistemas agroalimentares territoriais de Lamine (2015)

que reconecta o alimento a agricultura e o meio ambiente O significado de roccedila parece

corresponder a essa triacuteade na visatildeo dos consumidores O que as respostas desses

consumidores traduzem portanto enquanto significado da roccedila eacute a percepccedilatildeo de um

rural natureza nos termos como o descreveram Anjos e Caldas (2014) e Eacuteboli (2007)

que adquire um novo valor a partir de suas novas funccedilotildees ligadas agrave conservaccedilatildeo

ambiental conforme indicam autores como Abramovay (1994) e Entrena-Duraacuten (2012)

engendrando novas dinacircmicas no campo e reinventando o imaginaacuterio de um rural

revalorizado Ao se confrontar as categorias de significados que resultaram da anaacutelise

de conteuacutedo categoacuterica ou temaacutetica sobre as marcas com o termo roccedila e as respostas dos

produtoresdistribuidores e consumidores dessa marca depara-se com o seguinte

quadro que revela a presenccedila dessa categoria e o grau de associaccedilatildeo com cada

significado para cada unidade estudada

128

QUADRO 7 ndash Comparaccedilatildeo das categorias de significados CAMPO RURAL NATUREZA TRADICcedilAtildeO ROMAcircNTICO-

NOSTAacuteLGICA

ROCcedilA

ESTILIZADA

MINAS

GERAIS

CAIPIRA

Marcas +++ ++ + + +++ +++ + +

Produtores

eou

distribuidores

+ + + +++ +++ +

Consumidores +++ +++ +

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

Desse quadro pode-se inferir que a anaacutelise dos significados das marcas de

produtos e serviccedilos com o nome roccedila revelou que a maior parte delas sugere uma

associaccedilatildeo com a ideia de que roccedila denotava campo no sentido de espaccedilo fiacutesico e

menos fortemente rural no sentido de modo de vida Se por um lado na marca

sugeria-se uma imagem romacircntica e nostaacutelgica por meio da palavra roccedila por outro

tambeacutem se indicava que natildeo era uma roccedila ldquoatrasadardquo ldquojecardquo ldquosubdesenvolvidardquo mas

moderna sofisticada urbanizada traduzida na ideia de uma ldquoroccedila estilizadardquo Entre os

produtores e distribuidores de bens e serviccedilos com a marca roccedila as ideias mais

associadas ao uso dessa palavra no seu ramo de atividades eram aleacutem de romantismo e

nostalgia tradiccedilatildeo especialmente no que tange a uma forma de produzir conforme o

jeito antigo artesanal Entre os consumidores de produtos e serviccedilos com a marca roccedila

ou simplesmente da roccedila os significados mais presentes tambeacutem remetiam agrave tradiccedilatildeo

enquanto modo artesanal e simples de se produzir mas principalmente de natureza

Ao confrontar os significados mais fortemente associados agrave palavra roccedila como

marca de produtos e serviccedilos nas trecircs esferas analisadas pode-se afirmar que o uso dessa

categoria materializada nos objetos de consumo transmitiu como significado

principalmente a origem destes resultado da produccedilatildeo agriacutecola feita no ldquocampordquo Mas

assim como assinala Santos F (2006) a palavra roccedila eacute sinocircnimo de rural mas natildeo de

qualquer rural Aqui tambeacutem ela denotou um produto feito pelos pequenos proprietaacuterios

e suas famiacutelias que produzem conforme um modo de vida que pode ser sintetizado

como ldquorural e tradicionalrdquo marcado pela produccedilatildeo em pequena escala sem uso de

tecnologias que resultam num produto ldquonaturalrdquo e numa relaccedilatildeo proacutepria com a

ldquonaturezardquo que por se diferir do modelo de vida contemporacircneo reveste-se de uma

imagem ldquoromacircntica e nostaacutelgicardquo E se a anaacutelise de indicou um conjunto de marcas que

mesclam a roccedila com o urbano o estrangeiro e a sofisticaccedilatildeo que se traduz como

129

ldquoestilizadardquo pode-se tambeacutem pensar de que maneira esse significado tambeacutem natildeo

sugere que preferir oferecer ou consumir um produto ou serviccedilo da roccedila ldquovindo do

campo natural tradicional e nostaacutelgicordquo denota um ldquoestilordquo recheado de valores

130

3 O MERCADO CENTRAL O CANTINHO DA ROCcedilA NA CAPITAL

MINEIRA

31 O mercado e a nova capital

Conforme jaacute foi exposto um dos loacutecus escolhido para a pesquisa de campo

onde se efetuou a observaccedilatildeo participante e a aplicaccedilatildeo de questionaacuterios a produtores

distribuidores e consumidores de produtos e serviccedilos com a marca roccedila foi o Mercado

Central tradicional mercado de alimentos bebidas e artesanato de Belo Horizonte em

Minas Gerais A histoacuteria do Mercado Central confunde-se com a histoacuteria desta capital

que foi construiacuteda de forma planejada no final do seacuteculo XIX O Mercado eacute hoje

considerado um dos siacutembolos de Belo Horizonte por isso seraacute feita uma breve

explanaccedilatildeo nas proacuteximas paacuteginas sobre a construccedilatildeo da capital mineira e como o

Mercado Central figura na histoacuteria da cidade delineando suas caracteriacutesticas

consideradas relevantes para esta pesquisa

Belo Horizonte capital do estado de Minas Gerais localiza-se na regiatildeo Central

e faz parte da Microrregiatildeo Metropolitana de acordo com as informaccedilotildees

disponibilizadas no site do Estado sob o tiacutetulo Regiotildees de Planejamento (MINAS

GERAIS 2015) composta por 34 municiacutepios conforme constava na seccedilatildeo Regiatildeo

Metropolitana de Belo Horizonte disponiacutevel no site da prefeitura (PREFEITURA

MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE 2015) A populaccedilatildeo de Belo Horizonte era de

2375151 habitantes em 2010 sendo totalmente urbana (IBGE 2015) e somada agrave

populaccedilatildeo da regiatildeo metropolitana perfaz um total de 5414701 residentes segundo as

informaccedilotildees da seccedilatildeo BH em nuacutemeros da paacutegina virtual da prefeitura (PREFEITURA

MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE 2015)

131

FIGURA 21 ndash Localizaccedilatildeo de Belo Horizonte-MG

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira no software QGIS 21 utilizando o banco de dados

ldquoLimitesrdquo da Base Cartograacutefica Vetorial do Brasil (BASE [2007]) disponibilizado pelo portal de mapas do IBGE no endereccedilo

ftpgeoftpibgegovbrmapeamento_sistematicobase_vetorial_continua_escala_250mil Acesso em 04 ago 2015

A cidade de Belo Horizonte foi criada em 1897 para ser a nova capital de Minas

Gerais que ateacute entatildeo se sediava na cidade histoacuterica de Vila Rica atual Ouro Preto A

transferecircncia da capital mineira passou a ser fortemente debatida a partir de 1890

impulsionada pela Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica em 1889 num contexto poliacutetico e

intelectual marcado pelo republicanismo e federalismo e pautado no discurso positivista

de ldquoordem e progressordquo ldquoliberdaderdquo ldquociecircnciardquo ldquomoralidaderdquo ldquohigienismordquo e

ldquoracionalidaderdquo numa tentativa de romper com o passado histoacuterico escravocrata

monarquista e arcaico (BRAGA 2010 FILGUEIRAS 2006)

Embora algumas justificativas de mudanccedila da capital mineira centravam-se nas

limitaccedilotildees impostas pela topografia e pela arquitetura de Ouro Preto que traziam

obstaacuteculos a obras de saneamento e expansatildeo urbana conforme Borsagli (2010) autores

como Braga (2010) Filgueiras (2006) e Souza e Chaves (2011) ressaltam as disputas

poliacuteticas e de poder que envolveram a transferecircncia do centro poliacutetico-administrativo de

Minas Gerais No seacuteculo XIX a vida econocircmica na regiatildeo de Ouro Preto havia passado

132

por uma readaptaccedilatildeo devido agrave decadecircncia da exploraccedilatildeo de ouro enquanto outras

regiotildees do Estado como a Zona da Mata e o Sul prosperavam por meio da produccedilatildeo

agriacutecola surgindo nesses espaccedilos lideranccedilas poliacuteticas que contrabalanccedilavam o poder

centralizado na capital Nesse sentido a distacircncia e as limitaccedilotildees de comunicaccedilatildeo e

transporte dificultavam a integraccedilatildeo e o intercacircmbio entre as regiotildees proacutesperas e o

centro poliacutetico administrativo mineiro motivando a proposta de mudanccedila da capital

pelo grupo que ficou conhecido como ldquomudancistasrdquo Num primeiro momento havia o

desejo de sediar a capital do Estado em cidades pertencentes agraves regiotildees da Zona da Mata

e Sul intenccedilatildeo que natildeo foi concretizada jaacute que o planejamento de mudanccedila da capital

apresentou como soluccedilatildeo a construccedilatildeo da nova sede no Arraial Curral Del Rey na

regiatildeo central do Estado (BRAGA 2010 FILGUEIRAS 2006 SOUZA CHAVES

2011) Aleacutem dessas motivaccedilotildees Braga (2010) aponta para a existecircncia jaacute nos fins do

seacuteculo XIX de um desejo de preservaccedilatildeo do patrimocircnio histoacuterico e cultural no Brasil

cujo foco inicial era Ouro Preto defendido principalmente pelos representantes do ldquonatildeo-

mudancismordquo ou seja pelo grupo que lutava contra a mudanccedila da capital de Ouro

Preto

A nova capital Belo Horizonte chamada na eacutepoca de Cidade de Minas foi

inaugurada em 1897 sendo a primeira capital planejada no Brasil De acordo com

Filgueiras (2006) o primeiro Mercado Municipal de Belo Horizonte foi construiacutedo em

1900 para suprir o abastecimento da cidade que ateacute entatildeo era feito pelas colocircnias

agriacutecolas que existiam nos arredores da capital pelo comeacutercio ambulante e pelas

mercearias da iniciativa privada de secos e molhados Apesar deste mercado ter sido

ampliado em 1913 para atender agrave demanda crescente devido ao aumento da populaccedilatildeo

em 1920 a cidade passou por uma crise de abastecimento o que gerou pressotildees

puacuteblicas pela garantia da oferta de produtos alimentiacutecios na cidade conforme aponta a

mesma autora Neste contexto em 1929 criou-se o novo Mercado no local onde se

encontra o atual Mercado Central visando resolver estes problemas de abastecimento

bem como as condiccedilotildees de ldquohigienerdquo e esteacutetica precarizadas no antigo mercado

Visando ainda incentivar uma maior ocupaccedilatildeo do centro da cidade o Mercado foi

estrategicamente construiacutedo na regiatildeo central num quarteiratildeo onde se localizava um

antigo campo de futebol proacuteximo agrave Praccedila Raul Soares entre as ruas Goitacazes

Curitiba Santa Catarina e Avenida Augusto de Lima o que lhe confere oito entradas

133

distintas tambeacutem possibilitadas pelo seu formato labiriacutentico (SARAIVA CARRIERI

SOARES 2014)

Na deacutecada de 1930 o novo Mercado Municipal ofertava no atacado e no varejo

frutas verduras carnes e laticiacutenios enquanto na deacutecada seguinte conforme ressalta

Filgueiras (2006) jaacute se destacava a sua diversificaccedilatildeo de produtos Nos anos 1950 o

mercado ainda era o principal centro de abastecimento de hortifrutigranjeiros no

atacado e no varejo da cidade mas jaacute apresentava uma dificuldade de atendimento agrave

demanda sempre ampliada em virtude do crescimento populacional exponencial Aleacutem

disso o Mercado jaacute refletia os problemas urbanos das grandes cidades na jovem Belo

Horizonte congestionamento nos arredores aglomeraccedilatildeo de ambulantes e vendedores

e problemas de infraestrutura e higiene (FILGUEIRAS 2006) A autora tambeacutem

destaca o fato de que nessa deacutecada foi inaugurado o primeiro supermercado da capital

Todos esses problemas levaram a prefeitura agrave decisatildeo de privatizar o Mercado

Municipal em 1964 O mercado foi comprado pelos proacuteprios comerciantes que nele

atuavam atraveacutes da formaccedilatildeo de uma cooperativa passando a se chamar desde entatildeo

Mercado Central Abastecimentos e Serviccedilos SC Belo Horizonte (ALVES 2012)

FIGURA 22 ndash Fachada do Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Em atendimento agraves exigecircncias da licitaccedilatildeo de venda do mercado pela prefeitura

a cooperativa realizou uma seacuterie de reformas neste entre 1967 e 1975 cujo maior

destaque eacute a sua cobertura perdendo seu aspecto de feira livre e tornando-se mais

parecido com um galpatildeo embora seu formato labiriacutentico tenha sido mantido

(FILGUEIRAS 2006) O Mercado continuou passando por reformas ao longo dos anos

e segundo Costa (2006) as melhorias agora satildeo direcionadas para a oferta de

134

seguranccedila comodidade acessibilidade logiacutestica administraccedilatildeo e sistemas de

comunicaccedilatildeo e divulgaccedilatildeo das suas accedilotildees institucionais

Para Filgueiras (2006) aleacutem da privatizaccedilatildeo e das transformaccedilotildees fiacutesicas foi

tambeacutem na deacutecada de 1960 que teria comeccedilado a se instituir um imaginaacuterio sobre o

Mercado Central como um ponto de encontro e um espaccedilo acolhedor que jaacute contrastava

com a agitaccedilatildeo da cidade Pois nas deacutecadas seguintes o Mercado Central passou a

conviverconcorrer com a abertura de novos supermercados e com a criaccedilatildeo da Central

de Abastecimento de Minas Gerais SA (CEASA) nos anos 1970 com o primeiro

shopping center e grandes redes de abastecimento (Carrefour Extra) nos anos 1980

aleacutem de competir com os comeacutercios varejistas dos bairros desde as primeiras deacutecadas de

sua existecircncia (FILGUEIRAS 2006) Estes desafios teriam levado o Mercado Central a

sobreviver ressignificando suas funccedilotildees tornou-se tambeacutem espaccedilo de encontro lazer

turismo e cultura na capital aleacutem de abastecimento alimentar encerrando portanto

valores culturais mineiros expressos nos alimentos na gastronomia e no artesanato

(AGUIAR 2012)

Assim para Filgueiras (2006) na deacutecada de 1990 e iniacutecio dos anos 2000 o

Mercado Central teria deixado de ser um protagonista comercial de Belo Horizonte e

teria em contrapartida se tornado um patrimocircnio um marco simboacutelico que representa

os valores a cultura e os aspectos simboacutelicos do mineiro e em especial do belo-

horizontino Para a autora em parte isto se deveu agrave accedilatildeo da Prefeitura de Belo

Horizonte que em ocasiatildeo das comemoraccedilotildees do centenaacuterio da cidade em 1997

promoveu a apropriaccedilatildeo do Mercado Central como ponto turiacutestico da cidade e espaccedilo

simboacutelico da memoacuteria e da cultura mineira e belo-horizontina Desde entatildeo o puacuteblico

do Mercado teria crescido exponencialmente da meacutedia de trecircs mil visitantes diaacuterios em

1998 para a meacutedia de 26 mil frequentadores diaacuterios em 200516 (FILGUEIRAS 2006)

Autores apontam desde entatildeo o Mercado Central como um espaccedilo que reserva

aspectos da cultura e da memoacuteria mineira mas tambeacutem de relaccedilotildees sociais tradicionais

marcadas pela informalidade pela descontraccedilatildeo pela sociabilidade e pelo acolhimento

reproduzindo modos de vida passados e que remetem ao rural e agrave roccedila (COSTA 2006

FILGUEIRAS 2006 NETTO 2012) Segundo Filgueiras (2006 p 114) o Mercado

teria elementos que ldquoassociados agrave memoacuteria e agrave cultura regional conferem-lhe tambeacutem

16 Segundo reportagem veiculada no jornal Hoje em Dia em 2012 a meacutedia de puacuteblico do Mercado Central era de 14 milhatildeo por mecircs o que daria uma meacutedia de 46500 visitantes diaacuterios (CORREcircA 2012)

135

um forte caraacuteter luacutedico transformando-o numa espeacutecie de museu que guarda vestiacutegios

ainda vivos do mundo rural e de outros tempos e modos de vidardquo A autora ressalta que

o Mercado se destaca natildeo soacute pela venda de produtos tradicionais mas tambeacutem pelas

relaccedilotildees sociais nele estabelecidas entre vendedores e consumidores e entre os proacuteprios

frequentadores que reproduziriam aspectos ldquode antigamenterdquo

Ainda hoje a localizaccedilatildeo central do Mercado e seu caraacuteter tradicional satildeo reconhecidos como os dois pilares de sustentaccedilatildeo da sua importacircncia para a cidade Suas caracteriacutesticas ldquopopularesrdquo ou ldquotiacutepicasrdquo natildeo se resumem agraves mercadorias mas estatildeo tambeacutem relacionadas a uma praacutetica de comeacutercio onde o reconhecimento do outro a informalidade e a conversa ainda estatildeo presentes Aleacutem disso eacute recorrente a associaccedilatildeo do Mercado com haacutebitos e costumes que lembram o mundo rural o cotidiano da roccedila [] (FILGUEIRAS 2006 p 105 grifo da autora)

Nesse sentido Filgueiras (2006) destaca que numa pesquisa realizada em 1999

pela Empresa Municipal de Turismo (BELOTUR) ligada agrave Secretaria de Cultura

Turismo e Esportes de Belo Horizonte o Mercado Central era o ponto turiacutestico mais

reconhecido pelos belo-horizontinos Alguns autores afirmam que o Mercado figura

como uma forma de se ldquorevisitar a cultura mineira seus queijos seus doces a

hospitalidade e a interioridade o sossego a devoccedilatildeo religiosa e o apego agraves tradiccedilotildeesrdquo

(SOARES et al 2007 p 5) No site do Governo do Estado de Minas destaca-se que

no Mercado os produtos mais procurados satildeo a goiabada a cachaccedila da roccedila e o famoso

queijo de Minas conforme a mateacuteria Mercado Central (MINAS GERAIS 2015)

Conforme se ressaltou no capiacutetulo anterior o queijo foi um dos bens mais lembrados

pelos entrevistados como um produto da roccedila O Mercado Central eacute um grande

distribuidor desse produto jaacute que Netto (2012) constatou em pesquisa realizada em

2009 a existecircncia de cerca de 30 queijarias que vendiam no varejo aproximadamente

18 toneladas do queijo artesanal mineiro por semana Trata-se dos queijos artesanais

feitos com leite cru elaborados por agricultores de base familiar vindos especialmente

das cidades mineiras de Araxaacute Satildeo Roque de Minas (Serra da Canastra) Serro e Serra

do Salitre

No contexto contemporacircneo de acordo com Alves (2012) o Mercado Central

possui mais de 400 lojas de diversos ramos varejistas consideradas como micro e

pequenas empresas que empregam 2200 pessoas das quais 197 seriam funcionaacuterios do

proacuteprio Mercado A oferta de produtos eacute diversificada alimentos ervas e produtos

136

naturais bebidas utensiacutelios domeacutesticos decoraccedilatildeo artesanato moacuteveis drogaria

animais de estimaccedilatildeo alimentaccedilatildeo entretenimento confecccedilatildeo dentre outros negoacutecios

(ALVES 2012)

De acordo com Filgueiras (2006) a grande maioria dos frequentadores do

Mercado eacute proveniente da proacutepria capital e quase metade o frequenta semanalmente A

autora ressalta que o puacuteblico que o visita nos dias uacuteteis da semana direciona-se

prioritariamente ao comeacutercio hortifrutigranjeiro e aos bares e restaurantes Nos finais de

semana ressalta o movimento nos bares e restaurantes e o aumento do puacuteblico elitizado

residente na Zona Sul aacuterea nobre de Belo Horizonte Embora os autores consultados

destaquem a diversidade do puacuteblico que frequenta o Mercado sendo esta inclusive

uma de suas caracteriacutesticas mais ressaltadas para valorizar seu caraacuteter acolhedor eacute

possiacutevel notar a presenccedila de um puacuteblico tambeacutem de renda meacutediaalta mesmo nos dias

uacuteteis da semana Nesse sentido Costa (2006) destaca como os preccedilos dos produtos

tendem a ser elevados em virtude da sua diversidade e qualidade natildeo oferecendo

portanto um perfil de mercado popular de forma generalizada De acordo com autores

como Filgueiras (2006) o puacuteblico tiacutepico do Mercado eacute composto por donas de casa

trabalhadores e comerciantes da regiatildeo central estudantes famiacutelias e personalidades

como poliacuteticos e intelectuais

Este eacute um perfil consensual a respeito do Mercado Central de Belo Horizonte

apresentado pelos autores que se dedicaram a estudaacute-lo e foi basicamente a realidade

identificada nesta pesquisa durante o trabalho de campo Em seguida no entanto seratildeo

apresentadas as peculiaridades referentes a esta pesquisa sobre a circulaccedilatildeo de bens com

a marca roccedila no Mercado Central

32 A observaccedilatildeo participante e a aplicaccedilatildeo de questionaacuterios no Mercado

Central

O Mercado Central foi escolhido para a aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios aos

consumidores e distribuidoresprodutores de produtos e serviccedilos da roccedila levando-se em

consideraccedilatildeo os apontamentos da literatura a respeito de como esse estabelecimento

dentre tantos outros disponiacuteveis eacute emblemaacutetico do consumo cultural das

representaccedilotildees do rural e da roccedila particularmente dentro das possibilidades de

137

realizaccedilatildeo da pesquisa Embora natildeo possuiacutesse muitos estabelecimentos com a marca

roccedila propriamente constatou-se a existecircncia de um mercado de produtos artesanais e

naturais eminentemente associados agrave roccedila pelos consumidores e distribuidores no

Mercado

FIGURA 23 ndash Produto com marca ldquoRoccedilardquo no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

O trabalho de campo revelou ainda de forma natildeo esperada um conjunto de

outros estabelecimentos no entorno do Mercado na regiatildeo central de Belo Horizonte

que utilizava a categoria roccedila como marca Em uma das visitas para a coleta de dados

no Mercado foi possiacutevel visualizar do ocircnibus as bancas de uma feira livre de verduras

com o nome ldquoDireto da Roccedilardquo numa rua da Aacuterea Hospitalar do Bairro Santa Efigecircnia

na regiatildeo central da cidade Da mesma forma na rodoviaacuteria de Belo Horizonte no

centro da capital no segundo piso onde se localizam vaacuterios postos e estabelecimentos

de serviccedilos encontra-se uma feira de produtos artesanais chamada ldquoArmazeacutem da Roccedilardquo

Os artigos agrave venda neste espaccedilo satildeo peccedilas de artesanato de ceracircmica madeira

tecelagem e produtos como doces mel licores e fitoteraacutepicos

Ambos ldquoDireto da Roccedilardquo e ldquoArmazeacutem da Roccedilardquo fazem parte de um programa

de poliacutetica social da Secretaria Municipal Adjunta de Seguranccedila Alimentar e

Nutricional da Prefeitura de Belo Horizonte que tem por objetivo facilitar o escoamento

da produccedilatildeo agriacutecola e agroindustrial de pequenos e meacutedios agricultores do interior de

Minas Gerais A iniciativa promove agrave populaccedilatildeo da cidade acesso a alimentos frescos e

saudaacuteveis produzidos com ldquoteacutecnicas ecologicamente sustentaacuteveisrdquo cuja qualidade eacute

monitorada pela secretaria a preccedilos menores Uma das caracteriacutesticas do programa eacute

eliminar os intermediaacuterios possibilitando a comercializaccedilatildeo direta entre produtores e

consumidores As barracas da feira ldquoDireto da Roccedilardquo estatildeo instaladas em ldquopontos

estrateacutegicosrdquo nos diferentes bairros da cidade e cada uma eacute assumida por um produtor

138

As bancas satildeo montadas em 21 endereccedilos em 5 regiotildees diferentes da cidade em

diversos dias da semana cujos locais podem ser conferidos na paacutegina virtual do

Programa Direto da Roccedila no site da prefeitura (PREFEITURA MUNICIPAL DE

BELO HORIZONTE 2015) Segundo reportagem no site Brasil de Fato (MAIS

2015) de abril de 2015 a Secretaria ainda pretenderia criar mais 30 pontos para o

programa ldquoDireto da Roccedilardquo Jaacute o ldquoArmazeacutem da Roccedilardquo dispotildee de duas lojas uma na

rodoviaacuteria jaacute mencionada e a outra no Bairro Satildeo Paulo proacutexima a um shopping

center na regiatildeo Nordeste da cidade Seus produtos satildeo provenientes de cidades

pequenas da mesorregiatildeo Metropolitana de Belo Horizonte como Satildeo Joaquim de

Bicas Itaguara Esmeraldas Ouro Preto e Paraopeba segundo informaccedilotildees do

atendente da loja da rodoviaacuteria

No Mercado Central uma das primeiras abordagens foi feita agrave recepcionista do

Posto de Informaccedilotildees Turiacutesticas da Belotur num balcatildeo localizado estrategicamente no

portatildeo 1 da Avenida Augusto de Lima entrada principal do Mercado Entre as

respostas do questionaacuterio e as informaccedilotildees uacuteteis agrave realizaccedilatildeo da observaccedilatildeo participante

a recepcionista informou a existecircncia de um restaurante self-service nos arredores do

Mercado chamado ldquoCozinha da Roccedilardquo Para aleacutem do Mercado Central loacutecus da

observaccedilatildeo participante e da aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios foi possiacutevel se deparar com

trecircs estabelecimentos que faziam alusatildeo agrave roccedila localizados na regiatildeo central de Belo

Horizonte espaccedilo de intensa circulaccedilatildeo de pessoas e concentraccedilatildeo de uma gama de

estabelecimentos comerciais e de serviccedilos

FIGURA 24 ndash Restaurante ldquoCozinha da Roccedilardquo no centro de Belo Horizonte-MG

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

A visita aos estabelecimentos no Mercado Central para aplicar os questionaacuterios

foi feita a partir das indicaccedilotildees da recepcionista de Turismo do Mercado de quais eram

os stands e produtos mais procurados pelos frequentadores como ldquoda roccedilardquo Baseou-se

139

tambeacutem numa lista preacutevia das lojas existentes no Mercado especialmente queijarias

hortifrutigranjeiros cachaccedilarias lojas de artesanato e utilidades domeacutesticas entre

outras Nessa ocasiatildeo aplicou-se os questionaacuterios a vendedores gerentes e proprietaacuterios

das lojas de comeacutercio de alimentos bebidas artesanatos ou utensiacutelios domeacutesticos

Responderam ao questionaacuterio os responsaacuteveis por trecircs queijarias uma cachaccedilaria dois

hortifruacutetis um comeacutercio de alimentos em geral (comercializam aleacutem de queijos doces

farinaacuteceos massas secos e molhados) e um de fubaacutes duas lojas de artesanato e

utensiacutelios domeacutesticos aleacutem do restaurante vizinho ao mercado com a marca roccedila e a

recepcionista do posto de informaccedilotildees turiacutesticas do Mercado somando 12

questionaacuterios Aleacutem destes responderam ao questionaacuterio 15

consumidoresfrequentadores do Mercado Central

Entre aqueles comerciantes que se recusaram a responder ao questionaacuterio as

principais justificativas dadas eram de que natildeo vendiam produtos da roccedila ou que

vendiam produtos artesanais mas natildeo da roccedila ou ainda que natildeo vendiam produtos

sem ldquoselordquo Essas recusas aconteceram em algumas queijarias e podem ter sido

motivadas pelo simples fato de natildeo utilizarem o termo roccedila na identificaccedilatildeo de seus

produtos apropriando-se de outros vocaacutebulos para isso como a palavra ldquoartesanalrdquo

Mas diante das respostas de outros comerciantes e dos proacuteprios consumidores jaacute

discutidas no capiacutetulo anterior nas quais muitas vezes os produtos da roccedila eram por

eles considerados justamente aqueles ldquosem selordquo ou ldquosem roacutetulordquo acredita-se que a

recusa a responder ao questionaacuterio tambeacutem pode ter sido motivada pelo receio quanto agrave

fiscalizaccedilatildeo da venda desses produtos

A abordagem aos consumidores para a aplicaccedilatildeo de questionaacuterios foi feita de

forma aleatoacuteria poreacutem em alguns corredores estrateacutegicos para identificar os indiviacuteduos

adequados aos objetivos da pesquisa Embora os estabelecimentos no Mercado Central

natildeo estivessem situados de forma setorizada deliberadamente havia alguns corredores

que concentravam mais lojas de um mesmo ramo que outros Assim inicialmente

algumas entrevistas foram feitas no corredor ldquoK21rdquo17 que fica numa das entradas do

Mercado entre os portotildees da Rua Padre Belchior e da Avenida Amazonas Neste haacute

uma concentraccedilatildeo de lojas que vendiam utilidades domeacutesticas artesanatos tecidos e

cestarias entre outros Nele era possiacutevel apreciar os visitantes observando de maneira

17 No site do Mercado Central eacute possiacutevel visualizar o mapa de seus corredores e a localizaccedilatildeo de suas lojas no endereccedilo httpmercadocentralcombrlojas Acesso em 09 set 2015

140

absorta as vitrines das lojas de artesanato que segundo alguns dos depoimentos

ldquolembram as coisas da roccedila a casa da avoacuterdquo Os olhares dos consumidores se

entretinham nessas vitrines diante dos tecidos de chita dos quadros de cozinhas da roccedila

em miniatura dos berrantes garrafas de peacutes de boi e de vaacuterios tipos de utensiacutelios

domeacutesticos como panelas de barro pedra ferro aacutegata gamelas e tachos de cobre

comumente utilizados no passado nas casas do campo Um desses consumidores que

concordou em participar da pesquisa declarou que visitava o Mercado Central toda

semana porque o fazia se lembrar da roccedila onde viveu quando crianccedila numa cidade do

interior Enquanto aguardava a filha em um compromisso no centro da cidade este

entrevistado disse que costumava ldquopassar o tempordquo no Mercado

FIGURA 25 ndash Canecas em aacutegata

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 26 ndash Doces embalados no tecido de chita

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

141

FIGURA 27 ndash Peacutes de boi

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 28 ndash Berrantes

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 29 ndash Gaiolas

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

142

FIGURA 30 ndash Corredor de artesanato tecelagem e cestaria

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 31 ndash Panelas de barro

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 32 ndash Panelas de pedra

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Assim como foi relatado no capiacutetulo anterior a proprietaacuteria de um desses

estabelecimentos que vendiam utilidades domeacutesticas no Mercado Central afirmou que

143

os consumidores buscavam estes utensiacutelios para utilizarem nas aacutereas de churrasqueira e

fogatildeo a lenha nas casas de campo siacutetio ou mesmo em cozinhas das casas e

apartamentos da cidade com decoraccedilatildeo inspirada na cultura rural Esta entrevistada

relatou que para os consumidores a aquisiccedilatildeo de tais artigos ldquolembravam a avoacute a vida

no siacutetio na fazendardquo Muitos consumidores que responderam ao questionaacuterio relataram

ter tido experiecircncias de passar as feacuterias durante a infacircncia na casa dos avoacutes tios ou

parentes ldquono siacutetiordquo ldquona fazendardquo ldquona roccedilardquo ldquono interiorrdquo Alguns em menor

frequecircncia declararam que eles ou os pais tinham morado ldquona roccedilardquo Essas

experiecircncias que os entrevistados identificaram com a roccedila teriam sido marcadas pela

cultura rural ldquobrincar com os porquinhos as galinhas e as vacasrdquo ldquocurral terra outro

sotaque outros diaacutelogos outro cotidianordquo e pareciam constituir uma memoacuteria repleta

de nostalgia e romantismo

Na infacircncia passava as feacuterias na roccedila satildeo as melhores lembranccedilas o curral o leite ao peacute da vaca o meu tio tinha um engenho Pisar no chatildeo comida feita na hora a gente era pobre de dinheiro mas rico de amor carinho e respeito (Aposentada Belo Horizonte outubro de 2014)

Nesse sentido parecia haver um conjunto de identificadores no Mercado

Central que era associado agrave roccedila pelos consumidores como se pode notar nas citaccedilotildees

ldquosomos da roccedilardquo ou ldquosomos caipirasrdquo quando abordados para participarem da pesquisa

ainda que seu local de residecircncia fosse definido como urbano em Belo Horizonte O

outro espaccedilo escolhido para a aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios aos consumidores dentro do

Mercado Central foi no corredor ldquoP10rdquo entre os corredores ldquoH15rdquo e ldquoI17rdquo situados na

aacuterea mais central do Mercado Tratava-se de um trecho de corredor com entrada para

apenas duas lojas facilitando os procedimentos de aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios por ter

uma aglomeraccedilatildeo menor de pessoas e menos ruiacutedos embora a circulaccedilatildeo de pessoas

fosse minimamente satisfatoacuteria para permitir as abordagens Aleacutem disso esse corredor

ficava numa esquina proacutexima a um conjunto de queijarias facilitando o contato com

consumidores atraiacutedos pelos produtos da roccedila Este eacute outro aspecto que permitiu a

identificaccedilatildeo dos consumidores com um conjunto de significados que relacionavam

com a roccedila a partir do consumo de um determinado produto o queijo artesanal mineiro

De acordo com um jovem proprietaacuterio de uma queijaria no Mercado quando

questionado se o uso da marca roccedila seria um diferencial do produto ele afirmou que

144

ldquoSim pois lembra a infacircncia o interior o pessoal mais velho faz essas referecircncias

quando veem o produto como por exemplo o queijo cabacinha que era produzido

antigamenterdquo

FIGURA 33 ndash Queijo cabacinha defumado

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Muitos dos consumidores que responderam ao questionaacuterio nesse corredor

carregavam uma sacola com um queijo e faziam questatildeo de mencionaacute-lo no decorrer da

pesquisa para ilustrar seus argumentos ldquoEstava comprando queijo da roccedila Compro

toda semana na mesma queijariardquo (Aposentado Belo Horizonte outubro de 2014)

Muitos consumidores durante a aplicaccedilatildeo do questionaacuterio costumavam justificar o que

tinham ido comprar no Mercado para elucidar a temaacutetica da pesquisa ldquoComprei um

mancebo18 e estou procurando jabuticabas mas natildeo encontrei Sinto falta da oferta de

alguns produtos como a rapadura batidardquo (Aposentada Belo Horizonte outubro de

2014) Outro consumidor entrevistado jaacute finalizada a aplicaccedilatildeo do questionaacuterio

retornou para contar que queria comprar figos mas natildeo estava conseguindo encontrar

nenhum ldquoigual aos da roccedilardquo19 conforme gostaria

A performance dos consumidores no Mercado Central apresentava-se numa

linha intermediaacuteria entre o supermercado e o shopping center natildeo era apressado e

objetivo como no primeiro nem tatildeo displicente como no segundo Nesse sentido

Costa (2006) estabelece uma diferenciaccedilatildeo entre o Mercado Central e as feiras livres e

shopping centers sublinhando que a peculiaridade do Mercado estaacute no fato de ser um 18 Em Minas Gerais usa-se o vocaacutebulo mancebo para se referir a uma pequena estrutura de madeira utilizada para apoiar o coador de cafeacute embaixo do qual se apoia o bule ou xiacutecara para amparar a bebida que escoa do coador Eacute um utensiacutelio domeacutestico que costumava ser muito usado nas casas no campo antigamente A entrevistada fez alusatildeo a ele como um produto tiacutepico da roccedila 19 Provavelmente o consumidor se referia aos figos colhidos ainda verdes utilizados para fazer compotas e doces em calda ldquocomo na roccedilardquo Ele supostamente soacute havia encontrado os figos maduros proacuteprio para o consumo in natura

145

estabelecimento privado onde as pessoas se comportam como no espaccedilo puacuteblico

sobretudo pela informalidade O comportamento dos consumidores sugeria a impressatildeo

de estarem a passeio caminhando sem pressa e observando as vitrines e balcotildees muitos

estavam acompanhados num pequeno grupo de duas ou trecircs pessoas O ritmo no

Mercado contrasta com o da cidade e assim o destaca Filgueiras (2006)

Entre suas quatro paredes nada mais haveria daquele cotidiano veloz mecacircnico anocircnimo e violento Ao cruzarem os portotildees de entrada as pessoas se despiram de sua armadura blaseacute tornando-se curiosas atentas aos pequenos detalhes dispostas ao reconhecimento agrave conversa agrave confraternizaccedilatildeo As pessoas natildeo teriam ali pressa Aliaacutes natildeo se deve ir ao Mercado com pressa A diversidade social supostamente atrai natildeo amedronta [] Ali as pessoas natildeo seriam as mesmas Ou ainda o Mercado seria outra cidade (FILGUEIRAS 2006 p 136 grifo da autora)

Havia tambeacutem aqueles que caminhavam sozinhos empurrando um carrinho de

compras com uma lista na matildeo Alguns se recusaram a responder ao questionaacuterio

alegando pressa e era possiacutevel perceber alguns caminhando a passos largos Alguns

autores como Filgueiras (2006) ressaltam que alguns frequentadores do Mercado

trabalham proacuteximos deste no centro e circulam ldquode passagemrdquo por ele na ida ou na

volta ao trabalho Esta autora inclusive destaca como o Mercado se tornou desde a

deacutecada de 1990 um espaccedilo de encontro e lazer para os belo-horizontinos que

frequentam seus bares e restaurantes seja no intervalo do trabalho para o almoccedilo ou ao

fim da tarde para um happy hour

Nos corredores onde havia bares a qualquer hora do dia podia-se cruzar com

grupos de pessoas em peacute em frente ao balcatildeo do bar conversando entusiasticamente

enquanto tomam uma cerveja e apreciam um petisco ou ldquotira-gostordquo Essa cena de lazer

e tempo livre nos dias uacuteteis da semana em horaacuterio comercial contrasta com o trabalho

dos seguranccedilas uniformizados e dos carregadores que passam empurrando carrinhos de

transporte e armazenamento de mercadorias pelos corredores que embora natildeo sejam

estreitos assim se tornam em virtude do aglomerado de pessoas Nesse contexto o

Mercado reflete um jogo entre o cotidiano e o extra cotidiano o ordinaacuterio e o

extraordinaacuterio (DAMATTA 1997) onde tempo de trabalho e tempo de lazer disputam

o espaccedilo e refletem numa mesma configuraccedilatildeo o modo de vida rural e urbano

conforme apontava Rambaud (1973) a respeito de como o tempo era administrado em

cada uma dessas culturas

146

Dentro do Mercado a experiecircncia em relaccedilatildeo ao tempo era sentida como

diferente daquela vivida ldquolaacute forardquo A cidade era vista como proporcionando a vivecircncia

de outra cultura urbana moderna Alguns autores como Filgueiras (2006) relatam o

funcionamento do Mercado Central em Belo Horizonte como um microcosmo um

espaccedilo de refuacutegio da cidade e de seu cotidiano que tambeacutem foi constatado nesta

pesquisa Nas paacuteginas seguintes tenta-se demonstrar como no Mercado os jogos destes

e de outros pares de opostos ficam evidentes

33 O Mercado Central e seus pares de opostos a cidadelaacute fora a roccedilaaqui

dentro

As entrevistas realizadas apontaram para um primeiro par de opostos

complementares capital versus interior que se repetiu ao longo da pesquisa no Mercado

e se confirmou posteriormente na anaacutelise dos dados pelos softwares Alceste e NVivo

que seraacute discutido no capiacutetulo 5 O depoimento de uma das consumidoras entrevistadas

residente em Belo Horizonte foi emblemaacutetico neste sentido Para ela o Mercado

Central lembrava o interior de modo que quando nele ingressava tinha a sensaccedilatildeo de

que havia deixado ldquoa cidade laacute forardquo e teria entrado ldquono interiorrdquo O uso da expressatildeo

ldquointeriorrdquo pela entrevistada remetia num primeiro plano genericamente agraves cidades de

pequeno porte do interior de Minas Gerais ou de qualquer outro Estado no Brasil de

cultura rural Por isso o Mercado contrastava com a cidade ldquolaacute forardquo em termos do

ritmo de circulaccedilatildeo das pessoas dos sons das cores das relaccedilotildees sociais possiacuteveis de se

estabelecer ali

Num segundo plano percebeu-se que a entrevistada tambeacutem usava o termo

ldquointeriorrdquo para se referir agraves memoacuterias passadas e agraves sensaccedilotildees de seguranccedila e proteccedilatildeo

que o Mercado lhe provocava Afirmava que laacute fora na cidade ficava ldquoa bagunccedilardquo e

dentro do Mercado ldquoa tranquilidaderdquo Esta entrevistada relatou que jaacute teria passado um

dia inteiro dentro do Mercado passeando por ele de forma distraiacuteda e que na

adolescecircncia costumava frequentaacute-lo com os amigos apoacutes a escola Essa declaraccedilatildeo

entre outras relatadas pelos consumidores revela como o Mercado eacute identificado por

muitos dos seus frequentadores com um ldquorefuacutegio nostaacutelgicordquo tal como se referiu

Filgueiras (2006) utilizando uma expressatildeo de Canclini (1997)

147

Os contrastes do seu ldquoclimardquo com o da cidade ocorreriam por conta natildeo soacute dos

objetos agrave venda jaacute citados e ilustrados nas paacuteginas anteriores mas tambeacutem pelas

experiecircncias sensoriais que o Mercado proporcionava Dentro do seu espaccedilo natildeo se

ouve o barulho do tracircnsito intenso do seu entorno no centro da cidade As lojas de

hortifruacuteti pimentas flores artesanatos utensiacutelios domeacutesticos aleacutem do tom terroso do

seu piso e dos tijolos de cobogoacute proporcionaram uma experiecircncia visual bastante

colorida que evidentemente contrasta com o visual das ruas nos arredores marcado

pelo concreto A experiecircncia olfativa dentro do Mercado tambeacutem eacute notaacutevel aromas

densos de especiarias e temperos perfumes das refeiccedilotildees preparadas nos bares e

restaurantes aleacutem do cheiro das raccedilotildees dos animais domeacutesticos de pequeno porte que

satildeo vendidos neste estabelecimento Aleacutem de ser possiacutevel degustar almoccedilo lanches e

petiscos nos seus bares e restaurantes tambeacutem pode-se experimentar frutas nos stands

de hortifruacutetis Destaca-se ainda conforme a passagem de Filgueiras (2006) acima as

formas de sociabilidade diferenciadas que podem ser ativadas dentro do Mercado

FIGURA 34 ndash Corredor no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

148

FIGURA 35 ndash Queijos

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 36 ndash Utensiacutelios domeacutesticos

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 37 ndash Flores e pimentas

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Nestes termos os respondentes do questionaacuterio tanto os consumidores quanto

os distribuidores costumavam associar a roccedila ao interior ou identificar os produtos da

roccedila como aqueles provenientes do interior Agrave exceccedilatildeo do proacuteprio Mercado Central natildeo

costumavam identificar a roccedila agrave cidade de Belo Horizonte a despeito de vaacuterios

estabelecimentos de serviccedilos localizados no centro jaacute mencionados que fazem

149

referecircncia agrave roccedila Apesar de habitualmente alguns belo-horizontinos descreverem a

cidade como uma ldquoroccedila granderdquo entre os respondentes dos questionaacuterios natildeo havia uma

percepccedilatildeo da cultura rural do modo de vida da roccedila relacionados agrave Belo Horizonte

Durante a aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios a expressatildeo utilizada por um consumidor

residente da cidade foi ldquoBH eacute uma roccedila grande Todo mundo se conhecerdquo Assim

como esse entrevistado os residentes da capital mineira costumam fazer essa associaccedilatildeo

entre Belo Horizonte e a roccedila exatamente para mencionar que haveria uma rede de

interconhecimento na cidade apesar do tamanho consideraacutevel de sua populaccedilatildeo20 Aleacutem

disso acredita-se que a existecircncia de estabelecimentos de produtos e serviccedilos da roccedila no

centro da cidade parece sugerir a presenccedila da roccedila como cultura em Belo Horizonte

Nesse sentido a proprietaacuteria do restaurante com a marca roccedila nas proximidades afirmou

que a manutenccedilatildeo do nome e do estilo do estabelecimento associado agrave roccedila era devido

agrave sua localizaccedilatildeo proacuteximo ao Minascentro e ao Mercado Central onde aflui um

conjunto de turistas e visitantes que eram atraiacutedos pelo serviccedilo gastronocircmico tiacutepico ldquoda

roccedilardquo em plena capital

Nesses termos a roccedila era o interior numa perspectiva relativa e relacional

conforme apontado na hipoacutetese desta pesquisa e contrastava com a realidade do modo

de vida urbano vivenciado na capital (LIMA 1999) Assim o ponto de vista eacute relativo

porque a roccedila era o ldquooutrordquo ldquooutro sotaque outro cotidiano outros diaacutelogosrdquo ldquoproacuteximo

agrave naturezardquo ldquoisoladardquo ldquono matordquo Objetivamente associavam a roccedila agraves pequenas

cidades do interior que julgavam possuir uma cultura rural e natildeo necessariamente agrave

vida no campo em si mesmo Formavam portanto um par capital versus interior que

pode encerrar as tradicionais relaccedilotildees assimeacutetricas de diferenciaccedilatildeo social discutidas no

primeiro capiacutetulo a respeito da categoria roccedila quando esta eacute utilizada para inferiorizar

contendo as ideias de atraso carecircncia e subdesenvolvimento que marcaram e ainda

marcam a perspectiva sobre o rural no Brasil e em outros paiacuteses tambeacutem (ENTRENA-

DURAacuteN 2012 OLIVEIRA 2003) Assim embora a forma como as populaccedilotildees

urbanas veem o rural possa estar mudando rumo a uma revalorizaccedilatildeo especialmente no

que tange agrave identificaccedilatildeo que fazem entre o campo a natureza e as possibilidades de

qualidade de vida que este pode proporcionar ndash e esta pesquisa tem constatado este

20 Supotildee-se que esse tipo de declaraccedilatildeo de que Belo Horizonte eacute uma ldquoroccedila granderdquo onde todos se conhecem seja mais comum na regiatildeo Centro-Sul aacuterea mais antiga tradicional e elitizada com residentes de renda meacutedia alta

150

processo ndash o perspectivismo binaacuterio entre capital versus interior cidade versus campo

parece ainda prevalecer De acordo com Allonso (2012) e Oliveira (2009) havia ateacute o

iniacutecio do seacuteculo XX uma dicotomia entre o litoral e o sertatildeo ou seja entre as grandes

cidades litoracircneas como Rio de Janeiro Salvador e Recife e todo o interior do Brasil

que englobava os diferentes tipos sociais e as diferentes culturas no amaacutelgama

sertatildeocaipira

Mas a contraposiccedilatildeo entre a capital e as pequenas cidades do interior feita pelos

entrevistados no Mercado toca num dilema ainda natildeo resolvido pelos pesquisadores

brasileiros acerca do status das pequenas cidades no debate entre o rural o urbano

Segundo Wanderley (2009) os pequenos municiacutepios permanecem agraves margens do

interesse dos pesquisadores e para preencher esta lacuna a autora desenvolve um

estudo a respeito dos pequenos municiacutepios do Estado de Pernambuco Na referida

pesquisa Wanderley (2009) considera como pequenos municiacutepios aqueles cuja

populaccedilatildeo urbana natildeo ultrapassa os 20000 habitantes Em termos analiacuteticos a autora

considera a trama social e espacial e a trajetoacuteria de desenvolvimento especiacuteficas dos

municiacutepios complementadas pelas dimensotildees como o exerciacutecio das funccedilotildees urbanas a

intensidade do processo de urbanizaccedilatildeo a presenccedila do mundo rural o modo de vida

dominante e a sociabilidade local (WANDERLEY 2009 p 317-318) A partir desses

criteacuterios a autora afirma que seria possiacutevel distinguir os municiacutepios entre

preponderantemente urbano preponderantemente rural ou intermediaacuterio

A criacutetica de Wanderley (2009) que encontra alguma correspondecircncia nas

perspectivas de Abramovay (2009) e Veiga (2003) seria de que nos pequenos

municiacutepios no Brasil com menos de 20 mil habitantes que em 1994 equivaliam a

726 dos municiacutepios no paiacutes vive a maior parte da populaccedilatildeo rural brasileira Veiga

(2003) ao simular no Brasil o criteacuterio adotado pela Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo do

Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) que considera urbana uma localidade com

densidade demograacutefica acima de 150 habkm2 constatou que apenas 411 dos 5507

municiacutepios brasileiros em 2000 poderiam ser considerados urbanos (VEIGA 2003 p

65) Abramovay (2009) por sua vez destaca que mais de 70 dos municiacutepios

brasileiros possuem uma comissatildeo de desenvolvimento rural e que parte dos municiacutepios

com maior iacutendice de desenvolvimento humano eacute eminentemente rural e critica o fato de

haver ldquo[] um viacutecio de raciociacutenio na maneira como se definem as aacutereas rurais no Brasil

o qual contribuiria decisivamente para que estas aacutereas fossem assimiladas

151

automaticamente a atraso carecircncia de serviccedilos e falta de cidadaniardquo (ABRAMOVAY

2009 p 21)

Os autores se referem ao Decreto-Lei no 311 de 1938 que define como cidade

todo municiacutepio que tenha uma sede administrativa Aleacutem disso segundo Veiga (2003)

eacute prerrogativa das Cacircmaras Municipais indicarem as delimitaccedilotildees urbanas e rurais das

cidades Segundo este autor a partir de 1991 o IBGE delineou uma tipologia para

definir as aacutereas urbanas e natildeo urbanas sendo trecircs categorias de aacutereas urbanas

(classificadas em urbanizadas natildeo-urbanizadas e urbanas isoladas) e quatro de aacutereas

rurais (classificadas em extensatildeo urbana povoado nuacutecleo e outros) No entanto

Abramovay (2009) argumenta que esta definiccedilatildeo do IBGE contribuiria para uma visatildeo

de ldquonatureza residualrdquo do rural uma vez que as aacutereas rurais seriam aquelas situadas fora

do urbano e natildeo em sua relaccedilatildeo com as cidades

Por outro lado as cidades pequenas e mesmo o campo natildeo estariam imunes agraves

transformaccedilotildees advindas da sociedade urbana considerando-se que esta envolveria um

modo de vida passiacutevel de superar as fronteiras fiacutesicas entre cidade e campo

transformando ambos e mudando tambeacutem a sua relaccedilatildeo (SOBARZO 2010) Para esta

autora na sociedade urbana as atividades desenvolvidas no campo utilizariam cada vez

mais a tecnologia e o emprego do conhecimento cientiacutefico possibilitando uma nova

organizaccedilatildeo territorial novos haacutebitos de vida e de consumo bem como novas relaccedilotildees

interpessoais Na interpretaccedilatildeo que Sobarzo (2010) faz de Lefebvre (2008) o campo e

suas atividades produtivas seriam assim transformados segundo as caracteriacutesticas da

sociedade urbana Diminuiriam as diferenccedilas culturais de modos de vida e de produccedilatildeo

entre campo e cidade o que natildeo significaria entretanto que o campo deixaria de existir

Percebe-se portanto que as perspectivas dos entrevistados a respeito do que

seria o interior a sua vinculaccedilatildeo agrave roccedila e sua contraposiccedilatildeo agrave cidadecapital insere-se

num debate teoacuterico que possui muitas facetas a respeito de como o rural e o urbano

como modos de vida se transformam se entrelaccedilam e se deslocam entre os campos e as

cidades ambos tambeacutem muito diversos em estruturas e funccedilotildees

Por outro lado os consumidores que identificavam o interior associado agrave roccedila

com o Mercado Central o viam como uma ilha dentro da capital a qual podiam

adentrar donde se pode perceber o caraacuteter relativo do termo roccedila E a alusatildeo agrave

subjetividade que a palavra interior tambeacutem denotava era descrita pelos entrevistados

nos estados de espiacuterito que utilizavam para expor o que era a roccedila e o que o consumo de

152

seus produtos proporcionava aconchego paz tranquilidade e sossego Embora a

referecircncia agrave nostalgia como significado para o termo roccedila tenha aparecido pouco nas

abordagens feitas no Mercado Central eacute possiacutevel identificaacute-la por meio das alusotildees a

tais estados de espiacuterito bem como nas menccedilotildees agrave memoacuteria jaacute comentadas

anteriormente Estes significados que os entrevistados atribuem agrave roccedila podem ser

interpretados em termos de uma construccedilatildeo nostaacutelgica conforme a descreve Silva

(2009) Para esta autora o sonho miacutetico dos leitores da Revista Globo Rural residentes

em Satildeo Paulo de possuir uma casa no campo se compunha de trecircs movimentos a

criacutetica ao presente e ao modelo de sociedade no qual viviam o apelo agrave memoacuteria e agraves

lembranccedilas de um passado idiacutelico e por fim a projeccedilatildeo de um futuro diferente a partir

da aquisiccedilatildeo de uma casa no campo

Assim como Filgueiras (2006) identificou o Mercado Central como um ldquorefuacutegio

nostaacutelgicordquo para os moradores de Belo Horizonte pode-se ver no sonho da casa no

campo e no consumo da Revista Globo Rural destacados por Silva (2009) a mesma

fuga real ou imaginaacuteria da vivecircncia urbana para outro tipo de experiecircncia vinculada a

um modo de vida rural Nesse sentido Elias (2001) ressalta como o romantismo

construiacutedo em torno da vida no campo da natureza e de um passado idealizado tem

conexatildeo com o processo de ecircxodo rural urbanizaccedilatildeo e industrializaccedilatildeo das sociedades

Segundo Martins (2000 p 6) ldquo[] o rural pode subsistir como visatildeo de mundo como

nostalgia criativa e auto defensiva como moralidade em ambientes moralmente

degradados das grandes cidades como criatividade e estrateacutegia de vida []rdquo Conforme

se verificaraacute no capiacutetulo 5 deste trabalho esta visatildeo romacircntica do que seja a roccedila

associada agrave natureza e agraves cidades pequenas do interior foi constatada mais intensamente

entre os participantes da pesquisa oriundos de Belo Horizonte e tambeacutem da capital de

Satildeo Paulo

No capiacutetulo 1 pocircde-se perceber como as populaccedilotildees urbanas tendem a construir

uma imagem idiacutelica e romantizada do rural em diferentes contextos sociais e tempos

histoacutericos distintos como o demonstraram aleacutem de Elias (2001) Carneiro (2012) para

quem a revalorizaccedilatildeo do rural por parte dos citadinos seria interpretada em termos de

uma ldquoruralidade idiacutelicardquo Oliveira (2003) no caso brasileiro e Williams (2011) no caso

inglecircs Anjos e Caldas (2014) tambeacutem exaltam como a revalorizaccedilatildeo do rural nesse

novo milecircnio se reflete nas mudanccedilas das representaccedilotildees sociais do rural cujas duas

153

ldquoideias-forccedilardquo que a expressam satildeo o idiacutelio rural e o rural como sinocircnimo de natureza

Nas palavras dos autores

O rural idyll eacute indubitavelmente uma das imagens que mais sobressaem numa representaccedilatildeo social que emerge no acircmago de uma sociedade marcada pelo que se convencionou chamar de poacutes-produtivismo e pelo peso crescente assumido pelos valores poacutes-materialistas Nesse contexto o rural eacute hodiernamente retratado dentro de uma visatildeo romacircntica como um retiro idiacutelico que exprime a densidade dos valores simboacutelicos que leva impliacutecita esta noccedilatildeo Eacute o lugar ldquorefuacutegio da modernidaderdquo e manifestaccedilatildeo expliacutecita de atavismos despertados em amplos setores de uma sociedade que anseia o (re)encontro com o tradicional o autecircntico o exoacutetico o singular (ANJOS CALDAS 2014 p 63-64 grifo dos autores)

Da mesma forma como os autores asseveram que o rural tem se constituiacutedo

como um lugar de ldquorefuacutegio da modernidaderdquo paralelamente num contexto objetivo e

microssocioloacutegico o Mercado Central se constitui num ldquorefuacutegio nostaacutelgicordquo um

microcosmo da roccedila para os moradores da capital mineira conforme apontou Filgueiras

(2006) e se constatou nesta pesquisa Os dois outros fenocircmenos apontados por Anjos e

Caldas (2014) quais sejam o consumo de produtos agroalimentares tradicionais e

autecircnticos chamados por eles de ldquosinais distintivos de mercadordquo e a identificaccedilatildeo do

rural como sinocircnimo de natureza tambeacutem apareceram nas respostas dos entrevistados no

Mercado Central na mesma loacutegica de oposiccedilatildeo agrave sociedade urbana Ora a natureza

aparecia isolada em associaccedilatildeo agrave roccedila ora compunha a triacuteade produtos

naturaisartesanaiscaseiros que eram diretamente contrapostos aos produtos

industrializados

A associaccedilatildeo entre o campo e a natureza tem sido gestada de maneira peculiar na

sociedade moderna especialmente a partir do desenvolvimento do capitalismo agraacuterio e

da consolidaccedilatildeo da vida urbana-industrial Thomas (2010) e Williams (2011)

demonstraram o delineamento dessa relaccedilatildeo entre campo e natureza para o caso da

Europa e em especial da Inglaterra num periacuteodo marcado pela transiccedilatildeo da era feudal

agrave moderna desde os anos 1500 ateacute o iniacutecio dos anos 1900 se considerarmos as duas

obras em conjunto Estes autores demonstraram como uma nova sensibilidade em

relaccedilatildeo ao mundo natural foi se desenvolvendo na Inglaterra agrave medida que se

avanccedilavam no campo as teacutecnicas racionais modernas No seacuteculo XVIII segundo

Williams (2011) o desenvolvimento desse capitalismo agraacuterio teve como

correspondecircncia uma ideologia do melhoramento da transformaccedilatildeo e da organizaccedilatildeo da

154

terra O campo que se cultuava nessa eacutepoca natildeo era aquele identificado com o aacuterduo

trabalho agriacutecola das famiacutelias rurais mas um campo transformado em paisagem para a

contemplaccedilatildeo visto como natureza local de refuacutegio e aliacutevio em relaccedilatildeo agrave sociedade

urbana um campo portanto idealizado Williams (2011) destaca como os

melhoramentos trazidos pelo capitalismo agraacuterio tambeacutem impactaram a relaccedilatildeo do

homem com a natureza de forma praacutetica e esteacutetica com efeito na invenccedilatildeo da paisagem

cujos iacutecones se traduziam nos parques e jardins e no desenvolvimento das teacutecnicas de

paisagismo O interesse voltava-se para o campo domesticado tanto no caso da

agricultura tecnificada quanto da paisagem ambos dominados e organizados pelo

homem em termos cientiacuteficos e racionais No Brasil Eacuteboli (2007) retrata como o campo

eacute representado na induacutestria do entretenimento no caso no programa de televisatildeo Globo

Rural sob uma perspectiva que denominou de ldquorural naturezardquo que segundo ela deu

lugar ao ldquorural agriacutecolardquo a despeito do programa ser elaborado a princiacutepio para o

puacuteblico de agricultores Para a autora o sucesso do programa com o puacuteblico urbano natildeo

agriacutecola deve-se agrave apresentaccedilatildeo do campo e da natureza domesticados pela teacutecnica

palataacuteveis agrave esteacutetica e agrave contemplaccedilatildeo tiacutepicas da classe meacutedia urbana

De acordo com Williams (2011) a natureza selvagem e indocircmita natildeo fazia parte

deste processo com exceccedilatildeo da literatura que exultava a beleza da natureza intocada e

pura A natureza dominada pelos processos teacutecnicos passa a ser objeto de interesse de

turistas e cientistas Thomas (2010) ressalta como o desenvolvimento da Botacircnica e da

Zoologia transformaram as formas de classificaccedilatildeo dos animais e plantas o que

contribuiu entre outros elementos para a mudanccedila na relaccedilatildeo entre o homem e o

mundo natural Nessa perspectiva comeccedilaram a emergir noccedilotildees de indulgecircncia pelos

animais e praacuteticas como o vegetarianismo na sociedade europeia moderna Mas estas

novas sensibilidades com os animais e plantas entram em contradiccedilatildeo com o

desenvolvimento de uma economia essencialmente materialista que explora os recursos

naturais dominando e transformando a natureza de uma forma sem precedentes de

acordo com Thomas (2010)

Nesse sentido embora a sensibilidade com a natureza e a sua associaccedilatildeo ao

campo tenham sido desenvolvidas concomitante agrave constituiccedilatildeo da sociedade moderna

somente nos meados dos anos 1970 a 1990 ocorreram mudanccedilas efetivas na Europa em

relaccedilatildeo agraves funccedilotildees do campo na conservaccedilatildeo da biodiversidade Alguns autores como

Abramovay (1994) e Anjos e Caldas (2014) atribuem essa nova vocaccedilatildeo do campo

155

relacionada agrave natureza agraves mudanccedilas implementadas na Poliacutetica Agriacutecola Comum (PAC)

na Europa entre os anos 1970 e 1990 que estabeleceram praacuteticas de desenvolvimento

rural centradas na conservaccedilatildeo ambiental no turismo rural no lazer e na valorizaccedilatildeo

dos modos de vida e praacutetica locais dos rurais

Conforme Anjos e Caldas (2014) baseados nos estudos de Gray (2000) a PAC

no final dos anos 1950 e iniacutecio de 1960 centrava-se completamente na agricultura

visando garantir sua eficiecircncia e produtividade de forma protecionista tentando superar

a escassez de alimentos vivenciada no periacuteodo da Segunda Guerra Mundial Nas

deacutecadas posteriores contudo como consequecircncia das praacuteticas adotadas os paiacuteses

europeus depararam-se com o problema da superproduccedilatildeo de alimentos cujo

crescimento natildeo foi acompanhado pela demanda dos mercados consumidores Esse

excedente estava diretamente atrelado ao incremento produtivo garantido pela adoccedilatildeo

das tecnologias garantidas pela Revoluccedilatildeo Verde Aleacutem disso comeccedilaram a serem

constatados os impactos ambientais causados por este modelo de agricultura situaccedilatildeo

que foi exposta pelo Relatoacuterio Bruntdland publicado em 1987 e que segundo

Abramovay (1994) teve efeitos praacuteticos na poliacutetica agriacutecola dos paiacuteses de capitalismo

avanccedilado

A partir do final dos anos 1980 e iniacutecio de 1990 segundo os autores consultados

as poliacuteticas da PAC passaram a desvincular agricultura e campo e a propor iniciativas de

desenvolvimento rural que giravam em torno da conservaccedilatildeo ambiental do

reconhecimento da cultura rural local e da garantia de renda combatendo a pobreza rural

das famiacutelias agricultoras (ABRAMOVAY 1994 ANJOS CALDAS 2014) Assim a

representaccedilatildeo do rural e suas praacuteticas poliacuteticas correlatas deslocaram a visatildeo sobre o

campo do eixo da produccedilatildeo e passaram a considerar as suas possibilidades enquanto

espaccedilo de consumo Para Anjos e Caldas (2014) essas transformaccedilotildees corresponderiam

tambeacutem ao enfoque territorial que teria sido valorizado em detrimento ao setorial

Neste contexto o Brasil sediou a Conferecircncia das Naccedilotildees Unidas sobre o Meio

Ambiente e Desenvolvimento na cidade do Rio de Janeiro-RJ em 1992 a ECO-92 que

deu prosseguimento agraves propostas do Relatoacuterio Bruntdland Entretanto de acordo com

Lamine (2012) as iniciativas para o desenvolvimento rural sustentaacutevel especialmente

na forma de poliacuteticas puacuteblicas se consolidaram de forma institucional neste paiacutes nos

anos 2000 por meio da criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (MDA) e do

PRONAF Em seguida novas medidas foram criadas voltadas para a agricultura

156

alternativa agrave convencional pelo reconhecimento oficial do cultivo e comercializaccedilatildeo da

agricultura orgacircnica em 2003 por meio da Lei no 10831 e mais recentemente em

2010 pela constituiccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural

(PNATER) em forma de Decreto-Lei no 12188 fundamentada numa perspectiva

agroecoloacutegica Destaca-se ainda os investimentos em ensino e pesquisa sobre

agroecologia especialmente com a formaccedilatildeo de Programas de Poacutes-graduaccedilatildeo em

universidades puacuteblicas conforme argumenta Lamine (2012)

Mas segundo Lamine (2012) apesar da institucionalizaccedilatildeo dos modelos de

agricultura alternativa ndash sobretudo o modelo agroecoloacutegico ndash ocorrer no Brasil

somente nos anos 2000 eles jaacute vinham sendo implementados por movimentos sociais

que os defendiam como via para a produccedilatildeo familiar numa accedilatildeo contra hegemocircnica agrave

modernizaccedilatildeo agriacutecola dos anos anteriores implementada no contexto da ditadura

militar brasileira A autora cita o caso da agroecologia brasileira pelo fato desta articular

a triangulaccedilatildeo entre agricultura alimentaccedilatildeo e meio ambiente que destaca como

fundamentais na perspectiva que propotildee qual seja de sistemas agroalimentares

territoriais Nesse sentido os entrevistados no Mercado Central ao articularem a

categoria roccedila com a perspectiva da natureza mediada pela figura emblemaacutetica do

produto da roccedila como um produto naturalartesanalcaseiro parecem associaacute-los agraves

praacuteticas da agricultura sustentaacutevel Os entrevistados associam esse modelo de

agricultura aos pequenos agricultores de base familiar que possibilitariam a oferta de

um alimento ldquosaudaacutevelrdquo ldquopurordquo e ldquovitalrdquo que lhes garante qualidade de vida e sabor

Mencionam ainda a confianccedila na forma como os alimentos foram cultivados ldquosem

agrotoacutexicosrdquo ldquonatildeo transgecircnicordquo ou feitos ldquode forma manualrdquo ldquocom carinhordquo gerada

pela possibilidade de identificar sua origem ldquosaber de onde vem o industrial natildeo se

saberdquo tudo isso traduzido na expressatildeo roccedila Nota-se em suas declaraccedilotildees uma visatildeo

sobre o campo como um espaccedilo privilegiado do ambiente natural e enquanto tal

adequado agraves praacuteticas ambientais conservacionistas Essa visatildeo tambeacutem parece passar

pela importacircncia que a alimentaccedilatildeo ocupa na adoccedilatildeo de um modo de vida considerado

saudaacutevel pelas classes meacutedias e altas urbanas

Assim conforme jaacute foi salientado no capiacutetulo anterior um dos pares de opostos

relativo aos produtos e serviccedilos da roccedila mais frequente nas respostas dos consumidores

e distribuidores no Mercado Central era do produto naturalartesanalcaseiro versus

produto industrial Os entrevistados identificavam esse produto naturalartesanalcaseiro

157

como um produto da roccedila da mesma forma que Dorigon (2008) relata a associaccedilatildeo feita

pelos consumidores entre os produtos alimentares tradicionais e os ldquoprodutos coloniaisrdquo

na regiatildeo Oeste do Estado de Santa Catarina e assim como Menasche (2010) menciona

a relaccedilatildeo entre o produto natural e o produto rural no Rio Grande do Sul Desta forma

o rural parece ter se tornado um atributo de valorizaccedilatildeo positiva para identificar os

produtos alimentares tradicionais ou produtos locais no Brasil (CRUZ MENASCHE

2011 NEUGEBAUER 2014 SANTOS J 2014)

Tais produtos alimentares tradicionais compotildeem um nicho de mercado que tem

se ampliado e que abarca desde frutas verduras leguminosas e cereais cultivados com

teacutecnicas de agricultura sustentaacutevel ateacute os bens historicamente processados pelas

agroinduacutestrias de pequenos agricultores familiares para o autoconsumo englobando

queijos doces geleias compotas conservas cachaccedila vinhos licores rapadura melado

accediluacutecar mascavo massas bolos patildees biscoitos e carnes embutidas entre outros Nesse

sentido os termos ldquoprodutos da roccedilardquo ou ldquoprodutos coloniaisrdquo seriam apenas variaccedilotildees

regionais no Sudeste Bahia Goiaacutes e Paranaacute no caso do primeiro e Santa Catarina e

Rio Grande do Sul no segundo de um mercado de produtos alimentares tradicionais

conforme designaccedilatildeo de Santos J(2014) ou produtos locaisprodutos da terra conforme

Cruz e Menasche (2011) Essa valorizaccedilatildeo dos produtos rurais tidos como naturais

tradicionais e artesanais no Brasil seguiria uma tendecircncia jaacute constatada na Europa

conforme relata Santos J (2014)

Segundo Aguilar Criado Anjos e Caldas (2011) elementos como paisagens arquitetura festas e gastronomia se tornam pilares que sustentam o novo arranjo do desenvolvimento rural principalmente na Europa a partir do qual estaacute se desenvolvendo uma nova marca a do produto rural cuja importacircncia reside em suscitar elementos como tradiccedilatildeo histoacuteria e natureza (SANTOS 2014 p 24)

Nesse sentido Cruz e Menasche (2011) apoiadas em Goodman (2003)

atribuem a emergecircncia dessa valorizaccedilatildeo de produtos rurais naturais e artesanais na

Europa a dois fatores O primeiro jaacute apresentado nos paraacutegrafos anteriores seria fruto

do redirecionamento da poliacutetica agriacutecola antes produtivista e setorial para a

multifuncionalidade e o desenvolvimento rural A segunda estaria atrelada agraves crises

relacionadas a episoacutedios de contaminaccedilatildeo de alimentos na induacutestria agroalimentar entre

os anos 1980 e 1990 como a ldquovaca louca na Inglaterra colza na Espanha dioxinas na

Beacutelgica e galinhas no Brasil entre outrosrdquo exemplificados por Santos J (2014 p 20)

158

Estes eventos teriam gerado desconfianccedila e prudecircncia nos consumidores quanto aos

produtos agroindustriais produzidos em larga escala aleacutem do conhecimento dos

impactos ambientais e das mudanccedilas das caracteriacutesticas organoleacutepticas dos alimentos

(SANTOS J 2014)

Tais acontecimentos teriam contribuiacutedo para fomentar uma ldquoansiedade urbana

contemporacircnea frente aos alimentosrdquo de acordo com Cruz e Menasche (2011)

Neugebauer (2014) e Santos (2014) baseadas no princiacutepio da incorporaccedilatildeo de Fischler

(1993) A contrapartida de tal sentimento seria portanto a busca por alimentos

considerados saudaacuteveis puros naturais artesanais e caseiros associados agraves praacuteticas

tradicionais de produccedilatildeo e processamento que possuem forte viacutenculo com a histoacuteria a

cultura e o territoacuterio e em muitos casos com o rural Assim Neugebauer (2014)

citando o estudo de Cristoacutevatildeo (2002) a respeito do caso portuguecircs destaca o que este

chamou de ldquonovas procurasrdquo relacionadas a um sentimento de nostalgia que acomete as

populaccedilotildees urbanas direcionando-as em busca de modos de vida natildeo urbanos

considerados de raiz autecircnticos originais Da mesma forma Menasche (2010 p 207)

cita Eizner (1995) para o caso francecircs a respeito da busca por ldquoimagens de sabores

perdidosrdquo Como consequecircncia dessas mudanccedilas destaca-se a oferta crescente de

alimentos produzidos com base na agricultura orgacircnica a valorizaccedilatildeo de produtos locais

e as iniciativas de comeacutercio justo conforme constata-se na seguinte afirmaccedilatildeo

Goodman (2003) [] considera que o atual momento histoacuterico indica deslocamento da padronizaccedilatildeo e da loacutegica de produccedilatildeo de mercadorias em massa em direccedilatildeo agrave qualidade alicerccedilada em confianccedila tradiccedilatildeo com base no local em produtos ecoloacutegicos e novas formas de organizaccedilatildeo econocircmica (CRUZ MENASCHE 2011 p 98)

Estas autoras ressaltam ainda que motivaccedilotildees puramente individuais tambeacutem

podem estar no cerne do consumo de produtos naturaisartesanaiscaseiros como a

preocupaccedilatildeo com a sauacutede e a fruiccedilatildeo de acordo com o estudo de Barbosa (2009) Neste

caso a preocupaccedilatildeo com a sauacutede natildeo se limitaria aos ideais de bem-estar medicalizaccedilatildeo

e longevidade mas tambeacutem com a esteacutetica do corpo assim como a fruiccedilatildeo se

relacionaria agrave possibilidade de consumir algo exclusivo e estilizado Mas os ideais

individuais podem de acordo com Cruz e Menasche (2011) se aglutinarem em accedilotildees

coletivas que impactam na politizaccedilatildeo do consumo assim como na rastreabilidade dos

produtos Exemplos dessas mudanccedilas satildeo o comeacutercio justo e os produtos eacuteticos e

159

ecoloacutegicos no caso da politizaccedilatildeo e de origem e trajetoacuteria na cadeia produtiva em

termos da rastreabilidade (BARBOSA L 2009 citado por CRUZ MENASCHE

2011)

No caso dos produtos da roccedila aqui estudados e das descriccedilotildees que lhe foram

feitas por consumidores e distribuidores no Mercado Central a sua peculiaridade

residiria no fato jaacute relativamente explorado no capiacutetulo anterior de que estes o

consideravam como aquele produto ldquosem embalagemrdquo ldquosem roacutetulordquo sintetizado

especialmente na expressatildeo mais frequente ldquosem selordquo Este produto da roccedila sem selo

era apontado como o par oposto ao produto industrial num jogo de disputa de sentidos

que Lifschitz (1995) atribui ao padratildeo alimentar ldquoalternativordquo constituiacutedo por grupos

vegetarianos macrobioacuteticos entre outros Nesse jogo opera a negaccedilatildeo do seu oposto o

padratildeo alimentar industrial assim como opotildee a marca agrave identificaccedilatildeo da origem Nesse

sentido a marca distintivo do produto que eacute visualizado por meio da embalagem e seu

roacutetulo parece ser negada por ter seu sentido associado ao processo industrial e seria um

dos elementos que corromperiam o seu atributo artesanalcaseiro Denotativo dessa

visatildeo conforme foi visto no capiacutetulo anterior eacute a declaraccedilatildeo de alguns consumidores

entrevistados de que natildeo consumiriam um produto que portasse a marca roccedila porque

em sua concepccedilatildeo o fato de ser embalado ter roacutetulo e marca registrada jaacute o remeteria a

um processo urbano e industrial

A ecircnfase de muitos consumidores e distribuidores no Mercado Central sobre o

fato de um produto da roccedila para ser considerado original e autecircntico natildeo seria

embaladorotuladoselado insere os bens que veiculam o termo roccedila aqui estudados no

mercado informal de produtos tradicionais conforme indicam Dorigon (2008 2010)

Santos J (2014) Wilkinson (2008) e Wilkinson e Mior (1999)

Contudo eacute importante destacar a diferenccedila entre o setor informal e o ilegal

conforme Wilkinson e Mior (1999) uma vez que o uacuteltimo envolve a produccedilatildeo e

circulaccedilatildeo de produtos proibidos enquanto o primeiro abarca os bens cujos processos

de produccedilatildeo natildeo se enquadram nos padrotildees de regulaccedilatildeo vigentes Os autores definem o

mercado informal como o conjunto de atividades que natildeo adotam as normas e

regulamentaccedilotildees que prevalecem num determinado momento no setor em que operam

Os principais descumprimentos da norma relacionam-se agraves questotildees trabalhistas agraves

instalaccedilotildees onde se produz e agraves teacutecnicas sanitaacuterias Wilkinson e Mior (1999) afirmam

que para alguns autores a informalidade tanto pode estar relacionada agrave pobreza quanto

160

ser uma reaccedilatildeo criativa agraves burocracias estatais Destacam que o setor informal

ldquoconfunde-serdquo com as meacutedias e pequenas agroinduacutestrias nas quais se enquadram os

produtos alimentares tradicionais em que operam os atores tradicionais pouco

capitalizados

No caso da cadeia produtiva leiteira no Brasil os autores Wilkinson e Mior

(1999) afirmam que se tratava de uma atividade tradicional que a partir das

regulamentaccedilotildees do setor pelo Estado entre 1980 e 1990 passou a ter o atributo de

informal Nesse sentido Santos J (2014) comenta como a legislaccedilatildeo exige o

cumprimento das mesmas normas de produtores muito diferentes especialmente em

termos de escala e objetivos da produccedilatildeo No caso dos produtores de queijo artesanal

mineiro produzido no Serro a autora identificou produtores que faziam por dia cinco

quilos de queijo e aqueles que produziam mais de cem quilos diaacuterios deste derivado

laacutecteo

Por outro lado os autores consultados apontam para a importacircncia do setor

informal da agroinduacutestria especialmente a partir dos anos 1990 Para Wilkinson e Mior

(1999 p 31) nas cadeias de consumo popular o setor informal ocupa 40 da oferta de

leite 50 da carne bovina e de 10 a 20 das carnes brancas Santos (2014) afirma

que em Minas Gerais estima-se que haja 30 mil produtores de queijo segundo dados

fornecidos pela Empresa Mineira de Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural (EMATER)

Destes segundo esta autora apenas 305 estavam cadastrados no Instituto Mineiro de

Agropecuaacuteria (IMA) responsaacutevel pela concessatildeo do selo de fiscalizaccedilatildeo estadual A

autora cita ainda duas pesquisas realizadas no Rio Grande do Sul onde se constatou na

primeira numa amostra de 50 agroinduacutestrias que 604 delas tinham alguma

pendecircncia no serviccedilo de inspeccedilatildeo sanitaacuteria (OLIVEIRA PREZOTTO VOIGT 2002

citado por SANTOS 2014) Na segunda pesquisa com uma amostra de 106

empreendimentos familiares 72 operavam informalmente no que tange agraves normas

sanitaacuterias (PELLEGRINI GAZZOLA 2008 citado por SANTOS 2014) Dorigon

(2008) cita ainda um estudo realizado em Santa Catarina por Oliveira Schmidt e

Schmidt (1999) que constatou que das 1116 Induacutestrias Rurais de Pequeno Porte (IRPP

conforme nomenclatura utilizada pelos autores) 79 delas estavam organizadas

informalmente

Wilkinson e Mior (1999) entretanto identificam a importacircncia das

agroinduacutestrias para a produccedilatildeo familiar que tem encontrado desde os anos 1990 uma

161

estrateacutegia de reinserccedilatildeo no mercado por meio da produccedilatildeo artesanal voltada para nichos

que pagariam por estes bens preccedilos-precircmios Segundo os autores esses produtos

artesanais tecircm substituiacutedo nos empreendimentos familiares a produccedilatildeo de commodities

que eram produzidas na cadeia agroindustrial de integraccedilatildeo contratual vigente desde os

anos 1960 Poreacutem a partir dos anos 1990 esta cadeia produtiva estaria passando por

uma reestruturaccedilatildeo que estaria excluindo os pequenos produtores via concentraccedilatildeo e

especializaccedilatildeo De acordo com Wilkinson e Mior (1999) essa reestruturaccedilatildeo estaria

relacionada agraves mudanccedilas nos padrotildees de competitividade causadas por vaacuterios fatores

entre eles a ldquoliberalizaccedilatildeo desregulamentaccedilatildeo e integraccedilatildeo regionalrdquo que teriam

motivado uma maior tecnificaccedilatildeo controle da qualidade das mateacuterias-primas aumento

da escala e sofisticaccedilatildeo nos padrotildees de demanda (WILKINSON MIOR 1999 p 30)

Estes autores citam como exemplo as mudanccedilas na cadeia produtiva do leite nos anos

1990 e Dorigon (2008) exemplifica o caso da suinocultura no Oeste de Santa Catarina

As dificuldades de acesso e manutenccedilatildeo das pequenas produccedilotildees familiares nos

mercados agriacutecolas convencionais as mudanccedilas nos padrotildees de consumo alimentar e as

criacuteticas ao modelo de agricultura dominante e seus impactos ambientais propiciaram a

inserccedilatildeo destas em novos mercados apoacutes os anos 1990 de acordo com Wilkinson

(2008) Estes novos mercados satildeo tanto aqueles de nicho notadamente os de produccedilatildeo

orgacircnica quanto mercados solidaacuterios artesanais e de produtos de qualidades especiais

A inserccedilatildeo dos produtores familiares nesses mercados tem sido possiacutevel segundo os

autores devido agrave persistecircncia dos mercados locais de proximidade e ao reconhecimento

da reputaccedilatildeo de seus produtos nessas redes de proximidade Associado a isso pelos

fatores apontados acima os aspectos tradicionais da pequena produccedilatildeo tecircm se

transformado em valores de mercado conforme atestam estes pesquisadores

Nesse sentido Wilkinson (2008) ressalta que na Ameacuterica Latina haacute uma

importante associaccedilatildeo positiva entre a agroinduacutestria rural e os valores atribuiacutedos agrave

ldquocomida caseirardquo e aos alimentos ldquosem aditivosrdquo mais que os atributos de ldquoqualidades

superioresrdquo e territoacuterios comuns na Franccedila e na Itaacutelia por exemplo Estes valores

atribuiacutedos pelo mercado agrave pequena produccedilatildeo agriacutecola na Ameacuterica Latina segundo o

autor estariam apoiados em outros valores como a produccedilatildeo artesanal a proteccedilatildeo

ambiental (no caso dos orgacircnicos) e social pela sua base familiar Alguns desses

valores foram constatados nas respostas dos consumidores e distribuidores no Mercado

Central associados agrave sua concepccedilatildeo sobre os produtos da roccedila

162

Pelo que foi exposto ateacute o momento pode-se inferir que os produtos e serviccedilos

que se vinculam agrave categoria roccedila seja informalmente ou por meio da marca fazem parte

desse novo mercado apontado pelos autores No caso da categoria roccedila este mercado se

constitui em torno da produccedilatildeo e consumo de produtos agriacutecolas por meio de teacutecnicas

de agricultura sustentaacuteveis de produtos agroindustriais tradicionalmente feitos de

maneira caseira e artesanal pelas famiacutelias agricultoras pela gastronomia de comida da

roccedila tambeacutem chamada de caseira ou mineira e por alguns produtos que podem ser

considerados especiais em virtudes de seus marcadores histoacutericos culturais e

territoriais Embora natildeo se tenha identificado nesta pesquisa a formaccedilatildeo de redes de

comeacutercio justo ou solidaacuterio envolvendo os produtos da roccedila constatou-se certa

disponibilidade entre alguns consumidores para se pagar preccedilos-precircmio a estes

produtos

Deve-se ressalvar entretanto que o mercado de produtos e serviccedilos com o termo

roccedila tem se demonstrado nesta pesquisa bastante difuso havendo algumas iniciativas

coletivas seja por meio de movimentos sociais ou poliacuteticas puacuteblicas de inserccedilatildeo no

mercado sem haver contudo nenhum tipo de regulamentaccedilatildeo do que seja um produto

da roccedila Isto possui algumas implicaccedilotildees por um lado o mercado informal eacute

caracterizado conforme Wilkinson e Mior (1999) pela ausecircncia ou natildeo cumprimento

de normas e regulamentos e esta tem sido a tocircnica dos produtos alimentares artesanais e

pode-se afirmar com base no que foi exposto anteriormente que eacute exatamente o que o

caracteriza enquanto tal inclusive segundo a classificaccedilatildeo de seus agentes de mercado

Nesse sentido uma vasta gama de produtos e serviccedilos inclusive industriais se apropria

do termo roccedila especialmente na iniciativa privada e isto pocircde ser percebido nas

solicitaccedilotildees de registro de marcas no INPI dificultando as inferecircncias a respeito do que

seja esse mercado embora os dados desta pesquisa tenham permitido ateacute o momento

fazer algumas siacutenteses propositivas para a caracterizaccedilatildeo desse mercado Por outro lado

tentativas de regulamentaccedilatildeo de produtos e serviccedilos com o termo roccedila podem implicar

em processos de concentraccedilatildeo e exclusatildeo de pequenos e meacutedios estabelecimentos que

veiculam este termo conforme alertam Dorigon (2008) e Santos (2014) para os casos

dos produtos coloniais em Santa Catarina e para os queijos artesanais em Minas Gerais

e no Rio Grande do Sul

Tendo sido feitas essas ressalvas acredita-se que o mercado de produtos e

serviccedilos com o termo roccedila tem expressado nesta pesquisa parte do panorama que

163

envolve os sistemas agroalimentares especialmente na valorizaccedilatildeo da sustentabilidade e

da tradiccedilatildeo assim como as facetas do desenvolvimento rural no Brasil voltadas para

um campo que natildeo se define somente pela agricultura mas tambeacutem pelas atividades

natildeo-agriacutecolas Aleacutem disso o uso do termo roccedila nos produtos e serviccedilos tem permitido

ateacute aqui vislumbrar algumas interfaces das relaccedilotildees entre os modos de vida urbano e

rural especialmente a partir de suas profundas transformaccedilotildees no Brasil e no exterior a

partir dos anos 1980 Ateacute o momento esses dados tecircm apontado para uma revalorizaccedilatildeo

do rural especialmente no que tange agrave sua vocaccedilatildeo sustentaacutevel identificada na

agricultura alternativa ao modelo convencional produtivista e na oferta de serviccedilos de

lazer e turismo bem como uma alternativa ao modo de vida urbano por meio de

segundas moradias ou dos neorrurais As verificaccedilotildees feitas ateacute aqui tecircm indicado que o

termo roccedila tem sido uma categoria-chave que embora polissecircmica tem permitido

compreender algumas facetas desse novo rural brasileiro

34 As categorias roccedila no Mercado Central

Neste capiacutetulo foi realizado um esforccedilo para apresentar os aspectos relacionados

aos usos e significados da categoria roccedila na circulaccedilatildeo de bens e serviccedilos no Mercado

Central de Belo Horizonte A interpretaccedilatildeo aqui apresentada a respeito de como os

signos referentes agrave roccedila se revelaram no Mercado e no centro da cidade agrave sua volta

basearam-se nas apreensotildees possiacuteveis da observaccedilatildeo participante e da aplicaccedilatildeo de

questionaacuterios aos produtores distribuidores e consumidores de produtos e serviccedilos da

roccedila ou com a marca roccedila no Mercado Central Nesse sentido no capiacutetulo 5 seratildeo

apresentados os mesmos dados a respeito dos usos e significados do termo roccedila poreacutem

submetidos a uma anaacutelise mais apurada por meio da Anaacutelise Estatiacutestica Textual e de

Categorizaccedilatildeo

Por meio da descriccedilatildeo que se efetivou neste capiacutetulo pode-se verificar como as

categorias de significados em torno do vocaacutebulo roccedila construiacutedas nos capiacutetulos

anteriores resultado do confronto entre os aportes teoacutericos e os dados empiacutericos

coletados sobre as solicitaccedilotildees de registro de marcas com o termo roccedila no INPI se

aplicam aos usos e significados de roccedila identificados no Mercado

164

Inicialmente pode-se perceber que o pressuposto de que a categoria roccedila eacute

relativa e relacional se evidenciou na forma como os produtores distribuidores e

consumidores no Mercado identificavam a roccedila Nesse sentido a roccedila era o ldquooutrordquo

expresso sobretudo como o interior ou as pequenas cidades aleacutem das alusotildees ao

isolamento e ao mato o que demonstra seu caraacuteter relacional Essas percepccedilotildees eram

construiacutedas no esquema de pares de opostos que contrapunham a capital ao interior

referido como roccedila Embora os entrevistados estivessem cercados de estabelecimentos e

produtos com apelo agrave roccedila no centro da capital natildeo costumavam associar esta agrave ideia

de roccedila salvo algumas exceccedilotildees Mas a categoria tambeacutem era usada de forma relativa

ao identificarem o proacuteprio Mercado Central como um espaccedilo onde podiam acessar a

cultura tiacutepica das pequenas cidades do interior na sua concepccedilatildeo por meio de produtos

alimentares artesanais ou naturais ndash identificados como da roccedila ndash de utensiacutelios

domeacutesticos e artesanato e das proacuteprias sociabilidades ali estabelecidas O Mercado era

portanto o cantinho da roccedila na capital levando-se em consideraccedilatildeo a associaccedilatildeo que

faziam entre roccedila e cidades pequenas do interior

Em termos das categorias de significado nota-se portanto que os entrevistados

natildeo associavam a roccedila agrave cultura rural ou ao campo de forma direta Ao inveacutes disso

vinculavam-na ao interior agraves cidades pequenas Essa percepccedilatildeo de uma cultura tiacutepica de

pequenas cidades que classificavam como da roccedila era carregada de romantismo e

nostalgia jaacute que a performance possibilitada ao se frequentar o Mercado Central estava

carregada de subjetividades com memoacuterias da infacircncia e idealizaccedilotildees de um passado e

um modo de vida idiacutelico Aleacutem disso a roccedila como natureza foi bastante evidenciada

especialmente na forma como classificam os produtos da roccedila como artesanais

caseiros puros e naturais conforme se discutiu na seccedilatildeo anterior A oferta e o consumo

destes produtos e serviccedilos considerados artesanais caseiros e tradicionais tinham um

forte viacutenculo com a visatildeo da roccedila como tradiccedilatildeo embora tenha havido poucas

referecircncias a essa palavra enquanto tal Pode-se afirmar no entanto que a tradiccedilatildeo eacute um

discurso frequentemente mobilizado pela gestatildeo do Mercado Central e pela gestatildeo

puacuteblica de Belo Horizonte e do Estado de Minas Gerais como emblemaacutetico das culturas

belo-horizontina e mineira da histoacuteria e identidade do povo mineiro conforme se

verificou na literatura sobre o Mercado Nesse sentido a ideia de tradiccedilatildeo e cultura

mineira tiacutepica desse Estado eacute apropriada e institucionalizada pelo Mercado Central

Nesse contexto houve vaacuterias menccedilotildees agrave roccedila como sinocircnimo da cultura mineira talvez

165

pela interaccedilatildeo entre o gecircnero do discurso complexo no sentido dado a este por Bakhtin

(2003) constituiacutedo pelos enunciados oficiais do Mercado e da gestatildeo puacuteblica local e o

gecircnero do discurso simples principalmente dos agentes que trabalhavam no Mercado e

compartilhavam com a instituiccedilatildeo tal visatildeo Alguns dos produtores ou distribuidores

entrevistados associavam a roccedila agrave cultura mineira enquanto outros justificavam tal

associaccedilatildeo ao fato de uma possiacutevel migraccedilatildeo campo-cidade em Minas Gerais que

levavam os consumidores a identificar a roccedila com o seu passado ldquono interiorrdquo ou no

campo Assim no primeiro caso a proprietaacuteria de um restaurante afirmou que a roccedila

significava ldquoA cultura mineira o alimento o acolhimento a comida caseira o fogatildeo a

lenha cozinhar com calmardquo (Proprietaacuteria de restaurante Belo Horizonte outubro de

2014) Esta declaraccedilatildeo da entrevistada estaacute em consonacircncia com a perspectiva de

Morais (2004) para quem o discurso sobre a mineiridade envolve tambeacutem o sentimento

de nostalgia relativo a situaccedilotildees familiares expressos por meio da gastronomia e a

ldquoarterdquo que a envolve desde os ingredientes que compotildeem os pratos a sua disposiccedilatildeo e o

ambiente no qual a comida eacute saboreada marcado pela comunhatildeo em volta do fogatildeo E

afirmava que a arquitetura do restaurante ldquolembrava um casaratildeo mineirordquo conforme

pode ser notado nas seguintes imagens

FIGURA 38 ndash Interior do restaurante

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

166

FIGURA 39 ndash Lavabo do restaurante

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 40 ndash Detalhe da arquitetura do restaurante

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

No segundo caso os entrevistados faziam afirmaccedilotildees como ldquoO mineiro eacute ligado

agrave roccedila jaacute viveu conhece gosta de coisas que o lembram do tempo que viveu com a

famiacutelia e os pais na roccedilardquo (Proprietaacuterio de loja de utilidades domeacutesticas Belo

Horizonte outubro de 2014) ou ainda ldquoMinas tem um peacute na roccedila as pessoas veem do

interior para a cidade grande e depois querem voltarrdquo (Proprietaacuteria de loja de utilidades

domeacutesticas Belo Horizonte outubro de 2014) Ambas as declaraccedilotildees foram feitas por

proprietaacuterios de lojas de artesanato e utensiacutelios domeacutesticos onde segundo eles os

consumidores procuravam por estes objetos-siacutembolos que ldquolembravam a roccedilardquo

Conforme jaacute se elucidou no capiacutetulo anterior autores como Abdala (2006

2007) Arruda (1999) e Morais (2004) ao refletirem sobre o sentido do termo

mineiridade buscam elucidar os elementos que ligam a cultura do Estado e sua relaccedilatildeo

com o modo de vida rural Para Arruda (1999) a mineiridade enquanto estilo de vida

167

em termos de praacuteticas e comportamentos do mineiro foi forjada em dois contextos

histoacutericos distintos o primeiro situado no apogeu da mineraccedilatildeo no seacuteculo XVIII o

segundo teria surgido para a autora apoacutes o decliacutenio da base mineradora iniciando o que

chamou de ldquoruralizaccedilatildeordquo da economia nos seacuteculos XIX e XX Para Arruda (1999) esta

ldquoruralizaccedilatildeordquo seria responsaacutevel pelo enraizamento dos aspectos sociais e culturais em

Minas Gerais Assim como Arruda (1999) Abdala (2006) tambeacutem destaca estes dois

periacuteodos histoacutericos que no caso de sua pesquisa teriam sido a origem e a composiccedilatildeo

da culinaacuteria tiacutepica mineira Segundo esta autora se naquele primeiro momento a

tradiccedilatildeo culinaacuteria mineira foi marcada pela escassez de alimentos em funccedilatildeo da

ocupaccedilatildeo da matildeo-de-obra na mineraccedilatildeo e das maacutes condiccedilotildees da estrada num segundo

momento a maior disponibilidade de alimentos teria possibilitado novos haacutebitos

alimentares novas receitas e novos preparos de alimentos que teriam determinado em

consequecircncia a caracterizaccedilatildeo dos mineiros como hospitaleiros O periacuteodo da

ldquoruralizaccedilatildeordquo para Abdala (2006) marcou a concentraccedilatildeo da vida econocircmica poliacutetica e

social da regiatildeo nas fazendas Nesse caso ao equiparar roccedila e mineiridade os

entrevistados estariam de alguma forma aludindo agrave vida no campo aos modos de vida

rural que teriam marcado boa parte da populaccedilatildeo mineira entre os seacuteculos XIX e iniacutecio

do XX ainda que de maneira natildeo deliberada

Quanto agraves outras categorias de significaccedilatildeo da roccedila caipira e da roccedila estilizada

estas natildeo foram citadas durante a aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios A primeira

considerando-se o que foi constatado na anaacutelise das marcas com o termo roccedila

apresentada no capiacutetulo anterior seria ainda de uso recente enquanto gecircnero do discurso

complexo ou seja apropriada de maneira formal pelo marketing e pelo mundo dos

negoacutecios embora jaacute fosse utilizada no campo do discurso simples para descriminar

produtos como ovos e galinhas ldquoovos caipirasrdquo e ldquogalinha caipirardquo Nesse sentido o

termo caipira como correlato da roccedila em produtos e serviccedilos natildeo foi imediatamente

mencionado pelos entrevistados Por outro lado pode-se refletir a respeito do estigma

que tal termo expressa historicamente no Brasil conforme se expocircs no capiacutetulo 1 a

respeito dos processos de diferenciaccedilatildeo social entre o rural e o urbano

Quanto agrave roccedila estilizada se ela natildeo foi percebida pelos entrevistados ela pocircde

ser notada em alguns aspectos no Mercado Central Ela se expressou nos usos que os

consumidores davam aos objetos e alimentos da roccedila comprados para decorar cozinhas

urbanas de arquitetura intencionalmente ruacutestica para cozinhar pratos especiais ou

168

mesmo por meio do preccedilo que se paga numa cachaccedila que mesmo sendo artesanal da

roccedila por isso mesmo possui alto valor no mercado ou em algum elemento decorativo

com valor agregado Aleacutem disso a ressignificaccedilatildeo da roccedila em elementos urbanos

esteacuteticos e sofisticados pode ser percebida nas imagens do restaurante ilustradas nas

paacuteginas anteriores ou do estabelecimento com o sugestivo nome de ldquoRoccedila Capitalrdquo

FIGURA 41 ndash Fachada do ldquoRoccedila Capitalrdquo no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

O quadro abaixo sintetiza a percepccedilatildeo durante a observaccedilatildeo participante no

Mercado Central das referecircncias dos entrevistadosrespondentes agraves categorias de

significado do termo roccedila e as expressotildees correlatas que algumas vezes substituiacuteram o

uso das categorias aqui sugeridas

QUADRO 8 ndash Siacutentese das categorias de significado roccedila no Mercado Central Campo Rural Natureza Romacircntico Tradiccedilatildeo Minas Gerais Caipira Estilizada

- - + + - + - - Interior e cidades

pequenas Produtos

caseiros e artesanais

Ovos caipira eou

galinha caipira

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

169

4 O FESTIVAL DE GASTRONOMIA E CULTURA DA ROCcedilA DE GONCcedilALVES ldquoAQUI A ROCcedilA Eacute A RAINHArdquo

41 A cidade de Gonccedilalves

A cidade de Gonccedilalves estaacute localizada no sul do Estado de Minas Gerais na

mesorregiatildeo Sul e Sudoeste na microrregiatildeo de Pouso Alegre conforme descrito na

seccedilatildeo Mesorregiotildees e Microrregiotildees do site do Estado (MINAS GERAIS 2015)

fazendo divisa com os municiacutepios mineiros de Paraisoacutepolis Sapucaiacute-Mirim e

Camanducaia e com o municiacutepio paulista de Satildeo Bento do Sapucaiacute Gonccedilalves

portanto se situa na divisa entre os Estados de Minas Gerais e Satildeo Paulo na Serra da

Mantiqueira localizada numa regiatildeo turiacutestica cujos polos principais satildeo a cidade de

Campos do Jordatildeo o distrito de Monte Verde (pertencente ao municiacutepio de

Camanducaia) o Circuito das Malhas e Circuito das Aacuteguas (BARBOSA R 2014

PINTO 2014 PREFEITURA MUNICIPAL DE GONCcedilALVES 2015)

170

FIGURA 42 ndash Localizaccedilatildeo de Gonccedilalves-MG

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira no software QGIS 21 utilizando o banco de dados

ldquoLimitesrdquo da Base Cartograacutefica Vetorial do Brasil (BASE [2007]) disponibilizado pelo portal de mapas do IBGE no endereccedilo

ftpgeoftpibgegovbrmapeamento_sistematicobase_vetorial_continua_escala_250mil Acesso em 12 ago 2015

171

FIGURA 43 ndash Vista panoracircmica da cidade de Gonccedilalves-MG

Fonte Roberto Torrubia

O municiacutepio tinha uma populaccedilatildeo de 4220 habitantes em 2010 sendo que

724 vivem no campo (IBGE 2015) A aacuterea territorial eacute de 1897 km2 com relevo

acidentado 80 montanhoso com altitudes entre 949 e 1970 metros de acordo com

Barbosa R (2014) banhada pelo Rio Capivari pertencente agrave Bacia do Rio Sapucaiacute-

Mirim o que possibilita a formaccedilatildeo de vaacuterias cachoeiras e picos que fazem parte dos

atrativos turiacutesticos da cidade (PINTO 2014) O clima eacute tropical de altitude e a

vegetaccedilatildeo eacute remanescente de Mata Atlacircntica mas com grande presenccedila do pinheiro do

Paranaacute (Araucaacuteria angustifolia) o que a caracteriza como Floresta Ombroacutefila Mista de

acordo com Aun (2012) e tambeacutem se configura como atrativo turiacutestico no inverno pelo

ldquoclima de montanhardquo que proporciona ao visitante

172

FIGURA 44 ndash Vista do Bairro dos Remeacutedios

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 45 ndash Cachoeira do Simatildeo no Bairro Retiro

Fonte Roberto Torrubia

O municiacutepio de Gonccedilalves eacute relativamente recente tendo sido instalado em 1ordm de

marccedilo de 1963 apoacutes sua emancipaccedilatildeo da cidade de Paraisoacutepolis ocorrida em 30 de

dezembro de 1962 por meio da Lei Estadual no 2764 (PINTO 2014) Este autor a

partir de suas pesquisas documentais afirma que a localidade de Gonccedilalves teria se

formado no final do seacuteculo XIX e iniacutecio do XX devido a uma promessa religiosa feita

por Policarpo Teixeira Almeida Queiroz Juacutenior de doar seis alqueires de terra da

Fazenda do Rio Manso na divisa entre os Estados de Satildeo Paulo e Minas Gerais de sua

propriedade para a construccedilatildeo de uma Capela a Nossa Senhora das Dores caso fosse

curado de uma doenccedila que lhe acometera por volta do ano de 1878 A capela teria sido

erguida de taipa e sapeacute de acordo com Pinto (2014) mas devido agraves disputas por

heranccedila ela teria sido transferida por volta do ano de 1897 para as margens do Rio

Capivari onde hoje se situa a Igreja Matriz de Nossa Senhora das Dores da cidade de

Gonccedilalves Neste terreno agrave eacutepoca residiam trecircs irmatildeos de sobrenome Gonccedilalves

trabalhadores rurais pobres de origem cafuza A partir de entatildeo a capela teria sido

173

mencionada como Capela das Dores dos Gonccedilalves (PINTO 2014) O nome de

Gonccedilalves denominaria o povoado que foi elevado agrave categoria de distrito no ano de

1902 (BARBOSA R 2014) A heranccedila do nome permanece no municiacutepio e para Pinto

(2014) a promessa religiosa e a construccedilatildeo da capela ecoam como um discurso

fundador da cidade de Gonccedilalves e fundamentam um discurso religioso que se associa agrave

identidade desta

FIGURA 46 ndash Igreja de Nossa Senhora das Dores centro de Gonccedilalves-MG

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

De acordo com Barbosa R (2014) e Pinto (2014) Gonccedilalves eacute um municiacutepio

ldquotipicamente ruralrdquo que foi caracterizado por uma ldquoeconomia essencialmente agraacuteriardquo

ateacute meados dos anos 1980 A partir de 1990 e mais intensamente a partir de 2005

emergiram uma seacuterie de atividades do setor de turismo que transformaram as condiccedilotildees

socioeconocircmicas da cidade Assim segundo Pinto (2014) ateacute os anos 1980 a

agropecuaacuteria foi a principal atividade econocircmica da cidade cuja produccedilatildeo era destinada

principalmente ao autoconsumo das famiacutelias produtoras Este autor afirma que

historicamente a cidade produz milho feijatildeo cenoura e mais recentemente aleacutem

destes batata banana e hortifruacuteti O autor tambeacutem cita a agricultura orgacircnica

desenvolvida nos uacuteltimos anos e destaca a produccedilatildeo de artesanato com a fibra da

bananeira e de geleias e doces com as frutas Pinto (2014) tambeacutem ressalta a produccedilatildeo

de pecuaacuteria leiteira suiacutenos aves truta mel tijolos cachaccedila e moacuteveis artesanais Este

autor sublinha ainda que as propriedades agropecuaacuterias satildeo de pequeno e meacutedio porte

174

Ao se verificar esses dados no Censo Agropecuaacuterio de 2006 disponibilizado pelo IBGE

observa-se que o municiacutepio de Gonccedilalves possuiacutea agravequela eacutepoca no total 255 unidades

de estabelecimentos agropecuaacuterios ocupando 6046 hectares (CENSO 2006a 2006b)

Dividindo-se a aacuterea total ocupada pelos estabelecimentos agropecuaacuterios pelo nuacutemero de

unidades obteacutem-se uma aacuterea meacutedia de 2370 hectares menor que o moacutedulo fiscal do

municiacutepio estabelecido em 30 hectares (CANAL DO PRODUTOR 2015)

De acordo com Barbosa R (2014) ateacute o ano de 1980 a agricultura praticada no

campo de Gonccedilalves ocupava os topos de morros encostas e ateacute mesmo a beira de rios

e ribeirotildees e aleacutem do autoconsumo o excedente era comercializado na aacuterea urbana de

Gonccedilalves Paraisoacutepolis e Satildeo Bento do Sapucaiacute Essas cidades tambeacutem recebiam a

produccedilatildeo de leite de Gonccedilalves em seus laticiacutenios e cooperativas Segundo este mesmo

autor a deacutecada de 1980 em Gonccedilalves foi marcada por um processo de compra e

arrendamento de terras por grandes produtores das cidades de Maria da Feacute e Cambuiacute

tambeacutem no sul de Minas para a plantaccedilatildeo de batata e cenoura adotando um modelo

convencional de agricultura com a utilizaccedilatildeo de agrotoacutexicos degradaccedilatildeo ambiental e

aumento dos niacuteveis de produtividade no curto prazo de acordo com o estudo de

Kurebayashi (2002 citado por BARBOSA R 2014) Esse periacuteodo eacute bastante citado

pelos agricultores entrevistados nesta pesquisa como uma condiccedilatildeo em que enfrentaram

duras jornadas de trabalho e pouca recompensa financeira conforme declarou a

proprietaacuteria de um restaurante no campo do Bairro Rural Terra Fria ldquoA gente plantava

tinha lavoura de cenoura lavoura de pecircssego aiacute depois foi preciso abandonar Natildeo dava

preccedilo mais natildeo tinha condiccedilatildeo mais E por causa daqui ter muita montanha nada se

mexia com trator era tudo braccedilal era tudo no braccedilordquo

Entretanto entre os anos de 1980 e 1990 essa situaccedilatildeo foi se modificando e a

atividade agropecuaacuteria convencional foi sendo substituiacuteda pela atividade turiacutestica e pela

agricultura orgacircnica especialmente na regiatildeo mais alta da cidade conforme atesta a fala

de um proprietaacuterio de restaurante residente na sede municipal

Antes o povo vivia de roccedila de milho e feijatildeo mas pouco porque a terra aqui eacute montanhosa Entatildeo surgiu a cenoura porque na eacutepoca haacute trinta ou quarenta anos atraacutes cenoura soacute produzia nesse chatildeo aqui em Gonccedilalves no municiacutepio de Camanducaia e Maria da Feacute Vinha caminhatildeo da Bahia para buscar cenoura aqui na eacutepoca Depois de uns doze anos pra caacute que foi abrindo pra turista foram jogando pra escanteio as lavouras A cidade transformou principalmente a aacuterea rural Eu que sou daqui agraves vezes passo trecircs ou quatro meses sem ir para esse lado da Terra Fria a gente fica assustado de ver as

175

construccedilotildees como mudou Entatildeo hoje da cidade pra cima no sentido da Terra Fria 90 95 do povo trabalha de caseiro a mulher toma conta da casa e o rapaz toma conta da propriedade O povo hoje da aacuterea rural vive tranquilo aqui soacute natildeo tem serviccedilo quem natildeo quer trabalhar (Proprietaacuterio de restaurante Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Enquanto Pinto (2014) assinala como causa provaacutevel dos fracassos da

agricultura no municiacutepio as sucessivas crises econocircmicas dos anos 1980 Aun (2012) e

Barbosa R (2014) apoiado em Kurebayashi (2002) apontam como um dos fatores

importantes para o decliacutenio do cultivo convencional de batata e cenoura a criaccedilatildeo da

Aacuterea de Proteccedilatildeo Ambiental Fernatildeo Dias (APA Fernatildeo Dias) no ano de 1997 A APA

Fernatildeo Dias eacute uma unidade de conservaccedilatildeo de uso sustentaacutevel que segundo Barbosa R

(2014) impotildee limites ao uso e ocupaccedilatildeo do solo com restriccedilatildeo ao pastoreio intensivo e

proibiccedilatildeo de uso de agrotoacutexicos e biocidas (KUREBAYASHI 2002 citado por

BARSOSA 2014) e da exploraccedilatildeo madeireira (AUN 2012) Segundo estes autores o

territoacuterio do municiacutepio de Gonccedilalves estaacute totalmente dentro dos limites da APA Fernatildeo

Dias que foi criada para compensar o impacto ambiental causado pela duplicaccedilatildeo da

rodovia BR-381 Fernatildeo Dias (AUN 2012) Para Barbosa R (2014) a criaccedilatildeo desta

APA foi um dos fatores responsaacuteveis pela modificaccedilatildeo da paisagem rural do municiacutepio

pelas limitaccedilotildees que passou a impor agrave degradaccedilatildeo ambiental O autor constata a partir

das informaccedilotildees dos moradores da cidade que a aacuterea coberta por mata atualmente jaacute

seria bem maior que haacute 30 anos

176

FIGURA 47 ndash Localizaccedilatildeo de Gonccedilalves na APA Fernatildeo Dias

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira no software QGIS 21 utilizando o banco de dados

ldquoLimitesrdquo da Base Cartograacutefica Vetorial do Brasil (BASE [2007]) disponibilizado pelo portal de mapas do IBGE no endereccedilo

ftpgeoftpibgegovbrmapeamento_sistematicobase_vetorial_continua_escala_250mil Acesso em 12 ago 2015

Kurebayashi (2002 citado por BARBOSA 2014) e Aun (2012) apontam como

alternativas para a ocupaccedilatildeo e a geraccedilatildeo de renda a partir das proibiccedilotildees e restriccedilotildees agrave

agropecuaacuteria e silvicultura convencionais o desenvolvimento da agricultura orgacircnica e

biodinacircmica e do turismo sustentaacutevel Assim descreve Kurebayashi hoje residente em

Gonccedilalves

O que eacute melhor ambientalmente Vocecirc tem que viabilizar o desenvolvimento das pessoas vocecirc natildeo pode coibir e falar ldquoNatildeo vocecirc natildeo cresce mais entatildeo preservardquo E o turismo eacute um parceiro se vocecirc tiver poliacuteticas puacuteblicas se vocecirc tiver um controle sobre isso Ele eacute um parceiro porque ele traz dinheiro vivo as pessoas veem querem ver o que vocecirc sabe fazer ele natildeo quer que vocecirc mude ele quer que vocecirc seja quem vocecirc eacute E a questatildeo do meio ambiente para uma cidade como Gonccedilalves que estaacute inteirinha dentro de uma APA o cara natildeo precisa fazer um uso intensivo da terra vocecirc natildeo pode usar toda a terra porque tem o rio trinta metros cinquenta metros da nascente mas eu posso fazer uma casinha aqui eu alugo essa casinha eu vendo ovo para o hoacutespede jaacute vendo no preccedilo de consumidor eacute diferente eu vendo queijinho eu vendo uma goiabada Esse visitante

177

taacute me deixando dinheiro vivo na hora eu natildeo vou esperar seis meses pra receber entatildeo eu posso ficar mais tranquilo com a minha plantaccedilatildeo aqui Se alguma coisa der errado eu tenho um pano de fundo aiacute eu faccedilo comida o turista vem comer a minha comida aiacute ele gosta da minha comida gosta do meu cafeacute da manhatilde (Proprietaacuteria de estabelecimento de produtos alimentiacutecios Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Neste contexto a partir dos anos 2000 emergiu em Gonccedilalves um conjunto de

agricultores que iniciaram as praacuteticas de agricultura de base ecoloacutegica na parte alta da

cidade onde antes havia o exerciacutecio da agropecuaacuteria convencional Hoje o conjunto

mais expressivo dessa agricultura de base ecoloacutegica eacute o grupo ldquoOrgacircnicos da

Mantiqueirardquo uma empresa de ldquoSociedade Comercial por Quotas de Responsabilidade

Limitadardquo formada por 10 produtores que se uniram para obter a certificaccedilatildeo orgacircnica

coletiva e facilitar o processo de comercializaccedilatildeo dos produtos (AUN 2012)

Inicialmente o grupo era certificado pelo Instituto Biodinacircmico (IBD) atualmente pelo

ECOCERT e eacute responsaacutevel pela venda de cerca de cem cestas para Satildeo Paulo aleacutem de

cerca de 5 ou 6 empresas que compram no atacado e pela comercializaccedilatildeo no varejo na

proacutepria cidade especialmente para os turistas e neorrurais durante a feira semanal

(AUN 2012) Aleacutem do ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo haacute outros agricultores orgacircnicos

certificados que trabalham de forma autocircnoma e aqueles que praticam agricultura com

base ecoloacutegica poreacutem sem a certificaccedilatildeo incluindo aqueles que o fazem para o

autoconsumo

Na outra via destaca-se o desenvolvimento do turismo em Gonccedilalves desde

meados de 1990 e mais densamente em meados de 2005 que se apresenta como uma

alternativa de emprego e renda para os agricultores e para a cidade como um todo

modificando as condiccedilotildees de vida conforme ressalta Barbosa R (2014)

A atividade turiacutestica modificou a vida no municiacutepio gerando emprego e renda evitando o ecircxodo da populaccedilatildeo e modificando o panorama da zona rural onde vive a maior parte da populaccedilatildeo gonccedilalvense Comeccedilando na deacutecada de 1990 e acelerando-se a partir da primeira metade do seacuteculo XXI notadamente a partir da pavimentaccedilatildeo da estrada de acesso em 2005 comeccedilaram a ser abertas pousadas restaurantes comeacutercio de moacuteveis ruacutesticos e artesanais lojas de roupas e artesanato empoacuterios gastronocircmicos empresas de fabricaccedilatildeo de conservas e geleias escritoacuterios de arquitetura e engenharia e receptivos de turismo denotando a formaccedilatildeo de uma Aglomeraccedilatildeo Produtiva Local de Turismo A formaccedilatildeo de uma estrutura local de governanccedila de turismo a partir da criaccedilatildeo de uma Diretoria Municipal de Turismo do Conselho Municipal de Turismo e do surgimento de

178

uma associaccedilatildeo de empresaacuterios intitulada Associaccedilatildeo Proacute-Turismo de Gonccedilalves ndash SERRACcedilAtildeO possibilita o desenvolvimento de um Arranjo Produtivo Local de Turismo (BARBOSA R 2014 p 98-99)

De acordo com a pesquisa de Barbosa R (2014) a primeira pousada foi criada

na cidade em 1995 e somente em 1999 foram criadas mais seis Entre 2000 e 2005

foram inauguradas 12 pousadas e de 2005 ateacute 2011 foram 13 perfazendo um total de

32 estabelecimentos desse tipo aleacutem de 60 chaleacutes e casas de aluguel A maioria das

pousadas 27 delas se situa na aacuterea rural da cidade e 20 pertencem a proprietaacuterios

oriundos principalmente de Satildeo Paulo embora alguns residam em Gonccedilalves

Interessante observar que a expansatildeo da rede hoteleira em Gonccedilalves foi mais

expressiva a partir de 2005 justamente quando ocorreu a pavimentaccedilatildeo da principal

rodovia de acesso a cidade a MG-173 como destacou Barbosa R (2014) Esse fato eacute

recorrente na fala dos moradores como um grande marco que impulsionou o turismo e

diminuiu uma espeacutecie de ldquoisolamentordquo na qual vivia a cidade Nesse sentido o impulso

inicial das atividades turiacutesticas parece ter sido feito por turistas oriundos

especialmente da capital paulista e do Vale do Paraiacuteba que compraram terrenos no

campo de Gonccedilalves para a construccedilatildeo de casas de veraneio de aluguel e pousadas

Muitos agricultores jaacute sofrendo as primeiras consequecircncias do decliacutenio das lavouras de

batata e cenoura venderam parte de suas terras a esses entrantes Obviamente a

especulaccedilatildeo imobiliaacuteria e o aumento do preccedilo da terra eacute uma realidade desde entatildeo na

cidade especialmente na parte ldquoaltardquo regiatildeo montanhosa de temperatura amena e

coberta pelos pinheiros do Paranaacute por isso a mais valorizada do ponto de vista do

turismo

Aleacutem das pousadas Barbosa R (2014) lista 38 estabelecimentos de

alimentaccedilatildeo dos quais 16 estatildeo na aacuterea rural duas agecircncias receptivas de turismo que

oferecem as atividades de ecoturismo e turismo de aventura trecircs estabelecimentos para

equitaccedilatildeo e um de lazer e entretenimento aleacutem de uma gama de estabelecimentos de

produtos e serviccedilos que atendem aos turistas e moradores como lojas de artesanato de

vestuaacuterio empoacuterios ateliecircs e serviccedilos de massagem Este autor afirma que o Plano

Municipal de Desenvolvimento Sustentaacutevel de Gonccedilalves 20092010 definiu trecircs tipos

de turismo praticados na cidade o Turismo Rural o Ecoturismo e o Turismo de

Aventura

Avaliando a relaccedilatildeo entre o turismo e o desenvolvimento local os dados

apresentados por Barbosa R (2014) revelam as transformaccedilotildees sociais e econocircmicas

179

proporcionadas pelas mudanccedilas das atividades agropecuaacuterias para o turismo entre os

anos 2000 e 2010 Um dos primeiros impactos revelados pelo autor eacute o crescimento

populacional desde os anos 1991 enquanto nos anos anteriores desde 1970 a cidade

registrava um ecircxodo da ordem de 17 de seus habitantes Inclusive registrou-se o

crescimento da populaccedilatildeo rural entre 1991 e 2000 O Iacutendice de Desenvolvimento

Humano (IDH) Municipal elevou-se em 1899 entre 2000 e 2010 (de 0574 para

0683) iacutendice de elevaccedilatildeo acima dos niacuteveis estadual e nacional conforme constatado

por Barbosa R (2014) Seu estudo revela que a renda meacutedia per capita cresceu 3039

no mesmo periacuteodo embora seja menor que os valores estadual e nacional e diminuiacuteram

os iacutendices de pobreza extrema e de desigualdade social O autor ressalta que a taxa de

desocupaccedilatildeo da populaccedilatildeo economicamente ativa diminuiu embora muitos estejam

ocupados no mercado informal Jaacute as taxas de ocupaccedilatildeo por setor de atividade e a

participaccedilatildeo de cada um destes no Produto Interno Bruto (PIB) Municipal estudados

por Barbosa R (2014) revelam as transformaccedilotildees pelas quais passaram a cidade de

Gonccedilalves nos uacuteltimos anos de uma economia agriacutecola para outra centrada no turismo

ainda que seus dados comparem apenas os anos de 2000 e 2010 Nesse sentido o

conjunto de pessoas ocupado na agropecuaacuteria passou de 4170 em 2000 para

3680 em 2010 enquanto no setor de serviccedilos essa taxa cresceu de 2480 para

3508 O PIB municipal cresceu 17630 no periacuteodo descontada a inflaccedilatildeo e os

serviccedilos seriam responsaacuteveis por 68 do PIB em 2010 (era de 62 em 2000) enquanto

a agricultura contribuiu com 2115 (era de 29 em 2000) (BARBOSA R 2014) Tais

mudanccedilas evidenciadas por este autor em Gonccedilalves na uacuteltima deacutecada parecem

corroborar o fenocircmeno apontado por Kageyama (2004) do desenvolvimento de uma

intersetorialidade nas pequenas cidades (e mesmo no campo) que contribui para

constituir nesses espaccedilos uma camada de classe meacutedia Essa nova dinacircmica tambeacutem

estaria relacionada de acordo com Kageyama (2004) agrave acessibilidade dos habitantes

das metroacutepoles agraves pequenas cidades vistas por estes como opccedilatildeo de lazer descanso e

proximidade da natureza fato que parece se aplicar ao caso de Gonccedilalves

especialmente devido agrave sua proximidade a cidades como Satildeo Paulo e Satildeo Joseacute dos

Campos por exemplo

Observa-se portanto que o decliacutenio da agricultura convencional a criaccedilatildeo da

aacuterea de proteccedilatildeo ambiental a conversatildeo de alguns produtores agrave agricultura de base

ecoloacutegica e a emergecircncia das atividades turiacutesticas se constituiacuteram em um marco

180

divisoacuterio na histoacuteria recente do municiacutepio de Gonccedilalves na passagem da deacutecada de

1980 para a de 1990 dando origem a uma nova configuraccedilatildeo socioeconocircmica e espacial

agrave cidade a partir dos anos 2000 Essas mudanccedilas refletem num microcosmo as

transformaccedilotildees que tecircm caraterizado o campo numa perspectiva macro conforme

discutidas por Abramovay (1994) Entrena-Duran (2012) Silva J (1997 2001) Pires

(2004) entre outros Estes autores apontam para o esgotamento do modelo agriacutecola

produtivista em vaacuterias partes do mundo por volta dos anos 1980 motivados pela crise

de superabastecimento e pelos paulatinos questionamentos em torno dos problemas

ambientais O cenaacuterio posterior eacute composto pelas novas funccedilotildees do campo na sociedade

poacutes-fordista especialmente aquelas ligadas agrave conservaccedilatildeo ambiental e ao lazer turismo

e moradia como experiecircncias para citadinos e algumas vezes como opccedilotildees de vida

Essas transformaccedilotildees poderiam sugerir ldquoo fim do ruralrdquo em Gonccedilalves ou

soarem como uma perspectiva evolucionista de superaccedilatildeo de uma etapa agriacutecola Mas o

que se destaca neste municiacutepio e se revelou como um objeto de estudo relevante para

esta pesquisa eacute a forma como esse rural sobrevive e eacute reinventado na cultura nos

siacutembolos no modo de vida nos produtos e serviccedilos ofertados na cidade Estes parecem

ser ldquoo carro cheferdquo do turismo rural na cidade que oferta aos visitantes a roccedila como um

bem um valor um capital turiacutestico Assim bem o descreve a Diretora de Turismo da

cidade ao responder ao questionaacuterio sobre o uso da palavra roccedila como marca

Porque dois terccedilos da populaccedilatildeo de nossa cidade moram na zona rural os restaurantes mais procurados tambeacutem ficam na roccedila Gostamos de moda de viola cavalo carro de bois carne na banha torresmo frango caipira biscoito assado no forno de barro fogatildeo de lenha e nossos visitantes tambeacutem gostam pois Gonccedilalves eacute uma cidade que vive em primeiro lugar do turismo e em segundo da plantaccedilatildeo de banana [Roccedila] significa simplicidade com qualidade em tudo que fazemos Nossa comida eacute muito saborosa gostamos de receber todos na cozinha e ningueacutem passa por nossa casa sem entrar para um cafezinho e uma boa conversa Nosso povo gosta de ldquoprosearrdquo como dizem os mais antigos Temos orgulho de morar na roccedila pois temos qualidade de vida verduras frescas sem agrotoacutexicos ovos colhidos assim que a galinha anuncia a postura leite tirado todos os dias carne dos porcos que criamos E compartilhamos com nossos visitantes esta vida ldquoRoccedilardquo eacute sinocircnimo de fartura sabores uacutenicos produtos sem agrotoacutexicos A uniatildeo de tudo isso em meio agrave natureza torna o nome ldquoRoccedilardquo um sinocircnimo de renovaccedilatildeo de energias para quem vive nas grandes cidades (Diretora de Turismo Gonccedilalves-MG abril de 2014)

181

Essa perspectiva de que a roccedila figura como um atrativo turiacutestico em Gonccedilalves

tambeacutem eacute atestada por uma proprietaacuteria de um restaurante nesta cidade que inclusive

utiliza o termo roccedila no nome de seu estabelecimento ao ser indagada sobre o que o uso

desse termo como marca significava

O que significa roccedila para noacutes Roccedila deixou de ser soacute o nome de um canteiro de plantas e verduras e a palavra passou a ter um conceito cultural Eacute um modo de vida Eacute onde a gente estaacute E Gonccedilalves hoje eacute uma cidade que tem exatamente isso o que atrai as pessoas aqui A cultura da roccedila Noacutes natildeo temos lojas maravilhosas natildeo temos um comeacutercio natildeo temos shopping Temos atrativos naturais mas natildeo eacute bem isso que as pessoas vecircm buscar Tem uma parte do puacuteblico que vem atraacutes de cachoeiras mas um pouco o que as pessoas procuram satildeo produtores locais Aquela pessoa que trocou a vida que tinha como empresaacuterio como executivo por fazer queijos e hoje vive de fazer queijos Eacute uma mudanccedila cultural Eacute a busca da roccedila eacute a busca das raiacutezes E hoje o turismo de Gonccedilalves vive dessa cultura da cultura da roccedila que eacute o que a gente vende eacute o que a gente vive Tem elementos antigos que satildeo usados ainda aqui hoje por exemplo os carros de boi as pessoas usam para puxar milho Eacute como se o tempo tivesse parado neste lugar E hoje eacute isso que atrai as pessoas Agora por exemplo muitos dos donos desses carros hoje vivem de outras coisas vendem terras natildeo vivem mais de puxar o carro mas preserva aquilo como uma cultura para os filhos para os netos (Proprietaacuteria de restaurante Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

FIGURA 48 ndash Carro de boi

Fonte Roberto Torrubia

Alguns desses aspectos revelam indiacutecios do que se identificou como uma roccedila

ligada agrave tradiccedilatildeo ao campo e sua produccedilatildeo agriacutecola bem como a uma cultura rural

especiacutefica Mas tambeacutem eacute possiacutevel perceber como em Gonccedilalves outros significados

de roccedila satildeo reelaborados como a roccedila ldquoestilizadardquo presente nos pratos reinventados e

restaurantes sofisticados nos serviccedilos de recorte urbano e naqueles inspirados em

culturas estrangeiras nos nomes dos estabelecimentos que brincam com as palavras e as

182

origens Nota-se ainda associaccedilotildees entre roccedila e natureza sem fugir aos aspectos de

nostalgia e romantismo Esses usos e significados do termo roccedila no Festival de

Gastronomia e Cultura da Roccedila bem como na vida cotidiana dos habitantes de

Gonccedilalves e de quem a frequenta fundamentaram a escolha daquele evento como

objeto de anaacutelise desta pesquisa e seratildeo apresentados ao longo deste capiacutetulo

42 A observaccedilatildeo participante as entrevistas e os ldquobastidoresrdquo do Festival

Em Gonccedilalves foram realizadas trecircs visitas A primeira entre os dias 23 de

setembro e 1ordm de outubro de 2014 consistiu numa fase exploratoacuteria em que foi feito

contato pessoal com a diretora de Turismo e sua equipe que forneceram as informaccedilotildees

demandadas sobre a cidade e o Festival aleacutem de terem sido mediadores das entrevistas

Durante essa primeira estadia foram realizadas as 16 entrevistas abertas com os

produtores e distribuidores de produtos e serviccedilos da roccedila especialmente aqueles que

participam diretamente do Festival Nessa ocasiatildeo foram entrevistados nove

proprietaacuterios de comeacutercio de alimentos e de restaurantes ou cozinheiroschefs que

participam ou jaacute participaram de alguma ediccedilatildeo do Festival (dois deles com restaurantes

com a marca roccedila) trecircs proprietaacuterios de estabelecimentos com a marca roccedila a ex-

diretora de turismo e dois conselheiros do Conselho Municipal de Turismo que foram

responsaacuteveis pela criaccedilatildeo do Festival agrave eacutepoca e uma proprietaacuteria de pousada

Durante esse periacuteodo de dez dias de estadia foi possiacutevel tambeacutem acompanhar os

preparativos para o Festival Agrave sugestatildeo da diretora de Turismo acompanhou-se o

fotoacutegrafo e a equipe do Departamento Municipal de Turismo e Cultura nas visitas aos

restaurantes e estabelecimentos para a criaccedilatildeo das fotografias dos pratos que seriam

servidos na quarta ediccedilatildeo do Festival para a ediccedilatildeo do guia gastronocircmico Assim teve-

se a oportunidade de visitar a maioria dos restaurantes ou estabelecimentos participantes

desta ediccedilatildeo do Festival conhecer os pratos que seriam servidos a histoacuteria dos

participantes e seu envolvimento com o turismo em Gonccedilalves bem como realizar as

entrevistas Contou-se com a mediaccedilatildeo do fotoacutegrafo na maior parte dos casos que jaacute

conhecia a maioria dos envolvidos no Festival fazendo as devidas apresentaccedilotildees e

tambeacutem da proacutepria diretora do Departamento de Turismo e de servidores deste Aleacutem

183

disso participar dos bastidores da organizaccedilatildeo do Festival nesta ocasiatildeo possibilitou

observar o processo de composiccedilatildeo do cenaacuterio para as fotografias podendo-se

apreender alguns aspectos dos significados da categoria roccedila em Gonccedilalves e que eram

expressos no Festival Retornou-se agrave Gonccedilalves para acompanhar o Festival nos dias 31

de outubro 1ordm 2 7 8 e 9 de novembro de 2014 ou seja em dois finais de semana

seguidos com atraccedilotildees divididas entre as sextas os saacutebados e os domingos No Festival

realizou-se a observaccedilatildeo e a aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios aos

consumidoresfrequentadores durante estes dois finais de semana

Na primeira visita a Gonccedilalves em setembro de 2014 foi possiacutevel vivenciar

uma experiecircncia parecida com aquela descrita sobre o Mercado Central de Belo

Horizonte o apelo agrave roccedila estava por todo o caminho ateacute se chegar ao campo objeto de

estudo Ao longo da estrada com destino agrave Gonccedilalves partindo-se de Belo Horizonte

na rodovia BR-381 ndash Fernatildeo Dias sobretudo entre as cidades mineiras de Lavras e Trecircs

Coraccedilotildees notou-se uma seacuterie de estabelecimentos comerciais agrave beira da estrada que

anunciavam a venda de ldquoprodutos da roccedilardquo ou tinham roccedila no seu nome Tratavam-se

de lanchonetes restaurantes e mercados geneacutericos As placas no geral indicavam

ldquoprodutos da roccedilardquo e algumas mais especiacuteficas revelavam a oferta dos seguintes

produtos frango caipira doces queijos comida caseira cafeacute moiacutedo na hora linguiccedila

ldquopinga da roccedilardquo licor de pequi costela assada panela de pedra pimenta arroz doce

coalhada salaminho ldquodeliacutecias do milhordquo ldquomel purordquo ldquomanteiga caseirardquo ldquocafeacute da

roccedilardquo e ldquocafeacute da roccedila moiacutedo na horardquo Notou-se tambeacutem as placas do Restaurante

ldquoTrem da Roccedilardquo I e II tratando-se evidentemente do mesmo estabelecimento

localizado em dois lugares diferentes que tambeacutem anunciava a venda de doces queijos

curau pamonha almoccedilo caseiro e tapetes de couro Em algumas dessas placas as

descriccedilotildees aludiam aos ldquoprodutos da roccedilardquo mas tambeacutem a ldquoprodutos mineirosrdquo ou a

ldquorestaurante mineirordquo Chegando-se agrave rodoviaacuteria da cidade de Itajubaacute onde se tomaria

outra conduccedilatildeo rumo agrave Gonccedilalves deparou-se com a loja ldquoDireto da Roccedilardquo Tratava-se

de uma parceria entre a EMATER e a Prefeitura que disponibilizava numa loja da

rodoviaacuteria a venda de produtos agriacutecolas ou da agroinduacutestria das famiacutelias agricultoras

da regiatildeo Nela vendem-se biscoitos geleias queijos iogurte coalhada banana ovos

conservas bolos artesanatos doces panos de prato crochecircs telhas pintadas

184

FIGURA 49 ndash Boneca decorativa na loja ldquoDireto da Roccedilardquo rodoviaacuteria de Itajubaacute-MG

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 50 ndash Boneco decorativo na loja ldquoDireto da Roccedilardquo rodoviaacuteria de Itajubaacute-MG

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

A estrada entre Itajubaacute e Gonccedilalves eacute ladeada por siacutetios e fazendas Apoacutes o

municiacutepio de Paraisoacutepolis toma-se a estrada em direccedilatildeo a Gonccedilalves onde numa

planiacutecie comeccedilam a surgir os siacutetios e bairros rurais que compotildeem sua configuraccedilatildeo

socioespacial especialmente o Lambari Sobe-se entatildeo a Serra e comeccedilam a aparecer

na paisagem as araucaacuterias e rochas (Pedra do Cruzeiro) e os primeiros indiacutecios do setor

de turismo receptivo de turismo siacutetios com produccedilatildeo orgacircnica lojas de artesanato e

produtos alimentares e as primeiras placas indicando hoteacuteis e pousadas rurais

185

A cidade na sede urbana onde vivem aproximadamente 1100 dos seus 4220

habitantes (IBGE 2013) tem uma paisagem tiacutepica das pequenas cidades do interior de

Minas Gerais uma Igreja Catoacutelica na praccedila central com jardins e bancos uma

predominacircncia de casas em detrimento de preacutedios ruas calccediladas de blocos que

circundam esta praccedila As particularidades de Gonccedilalves vatildeo se revelando aos poucos a

serra ao seu redor onde se avista gado pastando por um lado e por outro a floresta de

pinheiros Pelas ruas circulam cavalos e charretes conduzidos por senhores com chapeacuteu

que aparentam retornar do campo Com menos frequecircncia eacute possiacutevel presenciar tratores

e ateacute mesmo carros de boi passando pela cidade ndash fato recorrentemente comentado pelos

moradores e visitantes que o ressaltam como uma preciosidade histoacuterica mais rara de se

ver em outras cidades Na hora da missa o alto-falante da Igreja executa muacutesicas

religiosas possiacuteveis de se ouvir por quase toda parte da cidade assim como tambeacutem eacute

usado para fazer anuacutencios comunicando o falecimento de algueacutem por exemplo

Tambeacutem eacute possiacutevel ouvir a muacutesica vinda dos ensaios da Lira Nossa Senhora das Dores

Durante os dias uacuteteis da semana vecirc-se circulando apenas os moradores da

cidade sendo menos frequente a presenccedila de turistas Nesse sentido o comeacutercio local

cujos clientes principais satildeo os residentes da cidade funciona normalmente nos dias

uacuteteis enquanto os estabelecimentos voltados ao turismo ficam fechados especialmente

nos primeiros dias uacuteteis da semana A experiecircncia do tempo que se pode vivenciar

durante os dias uacuteteis da semana em Gonccedilalves especialmente nos dias comuns do

calendaacuterio turiacutestico ou festivo quando natildeo haacute eventos especiais eacute bastante particular Eacute

possiacutevel perceber no cotidiano dos locais que a execuccedilatildeo das tarefas natildeo parece ser

marcada pela acircnsia nem pelo compromisso com um horaacuterio rigidamente governado

Ainda assim observa-se um funcionamento aparentemente normal natildeo se percebendo

negligecircncias Um exemplo nesse sentido eacute a ldquoTerccedila Folgadardquo quando numa terccedila-

feira alguns amigos se reuacutenem para cavalgar pelo campo de Gonccedilalves durante o dia

todo apreciando a paisagem e a equitaccedilatildeo parando apenas para almoccedilar geralmente em

algum restaurante dos bairros rurais e para degustar algum aperitivo e tocar

instrumentos

Esse passeio eacute realizado uma vez ao mecircs sempre numa terccedila-feira Segundo um

de seus participantes e entusiastas um agricultor orgacircnico natural de Gonccedilalves o

objetivo da ldquoTerccedila Folgadardquo eacute aleacutem de promover a confraternizaccedilatildeo e a ludicidade

justamente subverter os padrotildees que organizam o cotidiano na sociedade moderna

186

dividindo o tempo de trabalho e o tempo de lazer caracteriacutesticos da cultura urbana

conforme bem o descreve Rambaud (1973) A ideia de ldquodesacelerarrdquo o modo de vida

que caracteriza a ldquoTerccedilardquo tambeacutem eacute citada num dos textos de apresentaccedilatildeo dos guias

gastronocircmicos do Festival

Poreacutem um passeio mais atento pela cidade revela traccedilos de outros modos de

vida em Gonccedilalves Na praccedila principal em frente agrave referida Igreja observa-se uma

placa indicando ser um espaccedilo de Wifi Zone ou seja haacute sinal de rede sem fio de internet

de acesso livre e gratuito aos cidadatildeos e visitantes naquela aacuterea

FIGURA 51 ndash Wifi Zone na praccedila de Gonccedilalves-MG

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Entre as casas residenciais e o comeacutercio tiacutepico tambeacutem se identificam

restaurantes pizzarias bistrocircs bares cafeacutes casas de chaacute padarias lanchonetes

empoacuterios ateliecircs lojas de decoraccedilatildeo espaccedilos de terapias corporais e massagens

receptivos de turismo de aventura e ecoturismo Estes estabelecimentos possuem

aspectos de distinccedilatildeo e sofisticaccedilatildeo na sua decoraccedilatildeo e adaptaccedilotildees na arquitetura (tiacutepica

da cidade) reaproveitando suas caracteriacutesticas simples e acolhedoras nos produtos e

serviccedilos ofertados nos apelos da identidade visual na performance dos atendentes e

em alguns casos nos preccedilos

Nos finais de semana a diversidade social de Gonccedilalves eacute ressaltada pela

chegada dos visitantes e dos moradores de segunda residecircncia De acordo com a diretora

de Turismo e alguns proprietaacuterios de restaurantes entrevistados os visitantes dividem-se

entre os turistas que passam todo o final de semana ou uma semana toda no caso da

alta temporada e os chamados excursionistas que vindos de cidades proacuteximas agrave

Gonccedilalves como Pouso Alegre Poccedilos de Caldas e Itajubaacute no sul de Minas e Satildeo Joseacute

dos Campos no Vale do Paraiacuteba Paulista passam o dia na cidade almoccedilam passeiam e

187

retornam para seu local de origem no final do dia Haacute ainda aqueles que possuem casas

de veraneio em Gonccedilalves mas residem em outros municiacutepios sobretudo na capital

paulista e afluem para a cidade nos finais de semana acompanhados de familiares e

amigos Alguns entrevistados afirmaram que no inverno eacute comum a visita de casais

jovens que identificam na cidade as condiccedilotildees para uma viagem romacircntica enquanto

nos meses mais quentes satildeo mais comuns as famiacutelias com filhos Haacute um conjunto de

visitantes que aluga casas e chaleacutes para a estadia enquanto outros se hospedam nas

pousadas especialmente no campo

O fluxo de visitantes nos finais de semana transforma o ritmo e o tempo na

cidade muitos restaurantes bistrocircs lojas e ateliecircs ficam abertos pelas ruas trafegam

motocicletas e veiacuteculos proacuteprios para trilhas modelos de traccedilatildeo 4x4 aleacutem de carros de

luxo A transformaccedilatildeo da dinacircmica da cidade entre os dias uacuteteis da semana e os finais

de semana ou feriados foi comentada por um entrevistado natural e residente em

Gonccedilalves ldquoA cidade aqui eacute gostosa Aqui soacute perde o estilo roccedila no fim de semana ou

feriado prolongado Aiacute eacute um carro atraacutes do outro gente buzinando na rua pra pedir

passagem Mas assim dia de semana eacute gostoso tranquilo tranquilordquo Segundo a antiga

e a atual diretora de Turismo do municiacutepio seria difiacutecil precisar a quantidade de

visitantes que circulam pela cidade especialmente devido agravequeles de segunda residecircncia

que possuem casas no campo natildeo sendo possiacutevel registrar seus deslocamentos como

atesta o seguinte relato

Mas eu acredito que nos feriados maiores Reveillon Carnaval Corpus Christi a cidade dobra de populaccedilatildeo pra natildeo dizer que triplica Porque o movimento daqui natildeo eacute por exemplo como em Campos [do Jordatildeo] ou Monte Verde que vocecirc chega na zona urbana no centro comercial e vecirc aquele grande movimento Aqui o centro fica cheio o que natildeo eacute difiacutecil porque ele eacute pequenininho soacute que o movimento maior eacute no rural eacute na roccedila O que a gente sempre percebe por exemplo laacute na pousada eacute o movimento na estrada natildeo para mas vocecirc natildeo consegue mensurar (Ex-diretora de Turismo Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Assim a observaccedilatildeo tambeacutem permite perceber que o movimento de pessoas que

se vecirc na cidade natildeo traduz nitidamente aquele que acontece no campo Essa suspeita

torna-se mais aguccedilada ao se visitar a feira de produtos orgacircnicos organizada pela

empresa ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo jaacute mencionada anteriormente A feira ocorre aos

saacutebados pela manhatilde num galpatildeo numa rua agrave saiacuteda da cidade rumo aos bairros rurais

188

considerados como aqueles que concentram a maior parte das atividades turiacutesticas Na

feira assiste-se ao fluxo de turistas e moradores de segunda residecircncia vindos da

direccedilatildeo dos bairros rurais para onde retornam diretamente apoacutes as compras Uma

comerciante entrevistada afirmou nesse sentido que a feira de orgacircnicos podia

funcionar como um ldquotermocircmetrordquo sobre o movimento de turistas nos finais de semana

ou seja como uma estimativa da quantidade de visitantes que a cidade recebe em

determinado momento jaacute que seria um ponto de atraccedilatildeo destes

O conhecimento dos bairros rurais foi possiacutevel graccedilas ao acompanhamento da

equipe do Departamento de Turismo e do fotoacutegrafo na produccedilatildeo das imagens feitas para

o Guia Gastronocircmico do Festival Acompanhou-se a equipe durante trecircs dias de visita

aos restaurantes lanchonetes empoacuterios e agricultores participantes da quarta ediccedilatildeo do

Festival distribuiacutedos entre os bairros rurais e o centro na sede urbana da cidade Foi

possiacutevel observar a paisagem conhecer a nova organizaccedilatildeo socioespacial dos bairros a

partir da expansatildeo do turismo bem como conhecer e conversar com os atores sociais

que compotildeem a diversidade social de Gonccedilalves

A cidade possui aleacutem da sede urbana mais de 20 bairros rurais onde se

concentram 724 da sua populaccedilatildeo entre os agricultores naturais do municiacutepio e os

neorrurais Os bairros distribuem-se espacialmente entre o que costumam chamar de

ldquoparte altardquo e ldquoparte baixardquo da cidade que corresponde aos planos mais altos nas

encostas da serra onde tambeacutem se localiza a sede urbana no primeiro caso e agrave planiacutecie

na base da serra no segundo Esses detalhes podem ser observados no seguinte mapa

ilustrado elaborado por Roberto Torrubia

189

FIGURA 52 ndash Mapa ilustrado de Gonccedilalves-MG

Fonte Roberto Torrubia

190

No primeiro dia visitou-se conforme a programaccedilatildeo do Departamento de

Turismo para a elaboraccedilatildeo das fotos alguns restaurantes e bares localizados no centro

da cidade e outros nos bairros rurais ldquode baixordquo especialmente no Bairro Lambari e

Trecircs Barras Conforme jaacute se ressaltou nesses bairros rurais ainda predominam as

atividades agriacutecolas especialmente o cultivo de bananas havendo menor incidecircncia das

atividades turiacutesticas Como se trata de uma aacuterea mais plana e com a paisagem agriacutecola

por vezes predominando sobre a paisagem natural a exploraccedilatildeo do espaccedilo para lazer

turismo e fruiccedilatildeo eacute mais limitada O nuacutemero de casas de veraneio ou para aluguel para

os turistas tambeacutem eacute menor em comparaccedilatildeo agrave ldquoparte altardquo da cidade Contudo haacute bares

comeacutercios de alimentos agriacutecolas orgacircnicos e agroindustriais de artesanato receptivo

de turismo pizzaria e pousadas nesta regiatildeo tambeacutem Alguns desses bares inclusive

visitados para a produccedilatildeo fotograacutefica situam-se agrave margem das estradas vicinais dos

bairros rurais e atendem majoritariamente agraves necessidades da populaccedilatildeo local mas

tambeacutem recebem um afluxo de turistas

Tais estabelecimentos reproduzem os aspectos das ldquovendasrdquo tambeacutem

conhecidas como mercearias ou empoacuterios tiacutepicos do campo em tempos passados

Vendem-se secos e molhados e presta-se o serviccedilo de bar com a venda de bebidas e

ldquopetiscosrdquo ndash alguns inclusive foram os pratos do Festival porccedilatildeo de linguiccedila de porco

caseira com farinha de milho panquecas ndash com o tradicional balcatildeo de atendimento

onde se sentam os clientes aleacutem de se acomodaram em mesas ou bancos na porta A

pizzaria e a agroinduacutestria orgacircnica visitadas satildeo estabelecidas no proacuteprio siacutetio dos

proprietaacuterios em espaccedilos que satildeo a extensatildeo de suas casas Em ambos combinam-se a

produccedilatildeo agriacutecola familiar e as atividades voltada agrave recepccedilatildeo dos turistas para prestaccedilatildeo

de serviccedilo no caso do restaurantepizzaria e para a venda de produtos no caso de

geleias orgacircnicas certificadas Enquanto a famiacutelia proprietaacuteria da pizzaria eacute natural de

Gonccedilalves e vivia no campo da produccedilatildeo agriacutecola familiar a agroinduacutestria de geleia eacute

de propriedade de uma famiacutelia de nova residecircncia tendo morado a maior parte da vida

em Satildeo Paulo e ido para Gonccedilalves apoacutes a aposentadoria No caso das ldquovendasrdquo haacute uma

predominacircncia de frequentadores moradores dos proacuteprios bairros rurais ou daqueles da

proximidade mas tambeacutem se identifica a visita de turistas

Durante a composiccedilatildeo do cenaacuterio para a foto com o prato que seria colocado agrave

venda no Festival por cada estabelecimento foi possiacutevel observar de que forma o grupo

191

envolvido classificava os elementos que fariam parte da imagem relativa ao que seria

ldquoda roccedilardquo ou natildeo

Assim utilizava-se os objetos disponiacuteveis na casa ou estabelecimento que jaacute

faziam parte da decoraccedilatildeo do ambiente ou eram de uso domeacutestico Dessa forma onde

havia fogatildeo a lenha de alvenaria dispunha-se o prato sobre sua cauda de forma que no

segundo plano da fotografia aparecessem as labaredas Tambeacutem se privilegiava

quando o prato era disposto nas mesas ou balcotildees uma toalha de chita ou de algodatildeo

cobrindo-a compondo a base do prato assim como um suporte de prato tecido com a

folha de bananeira Utilizava-se tambeacutem conforme a disponibilidade dos utensiacutelios o

bule e xiacutecara em aacutegata porque de outro material como alumiacutenio ldquoeacute muito moderno

natildeo combinardquo Tambeacutem se utilizava para compor a fotografia um pequeno carro de boi

em artesanato de madeira

Como o tema da quarta ediccedilatildeo do Festival era o milho em algumas ocasiotildees ele

tambeacutem compunha o segundo plano das fotografias agraves vezes o milho em espiga e as

palhas secas outras vezes os gratildeos crus em uma concha (comumente usada em

armazeacutens para pegar cereais a granel) cozido ou o fubaacute numa vasilha de ceracircmica No

restaurante do centro da cidade o cenaacuterio escolhido para captar as imagens foi o jardim

do estabelecimento privilegiando-se o uso de mesa de madeira e prato de ceracircmica para

compor a fotografia Na pastelaria no centro da cidade o que poderia parecer um tiacutepico

estabelecimento urbano revela suas nuances com a roccedila como o tema do Festival era o

milho o recheio do pastel era o curau Enquanto os clientes eram atendidos na

pastelaria o filho do proprietaacuterio tocava uma viola para o deleite dos frequentadores

No trajeto que se percorria pelas estradas ateacute os bairros rurais ou nos proacuteprios

estabelecimentos os comentaacuterios sobre o cenaacuterio que tinham como mote a temaacutetica da

pesquisa a roccedila eram feitos para ilustrar e demonstrar o que entendiam sobre o termo

as galinhas soltas pelo quintal das casas o bezerro o chiqueiro e seu cheiro

caracteriacutestico eram ldquocoisas de roccedilardquo Assim como o ldquovaral de linguiccedilardquo teacutecnica de

defumaccedilatildeo da linguiccedila caseira que depois de produzida ldquodescansardquo ou ldquocurardquo

pendurada num varal sobre o fogatildeo a lenha para defumar num quarto fechado Esta

inclusive foi uma das atraccedilotildees de uma das ldquovendasrdquo do bairro que foram apresentadas

no trabalho de campo como ldquocoisa da roccedilardquo

No segundo dia visitou-se restaurantes na parte ldquoaltardquo de Gonccedilalves

especialmente nos bairros rurais Satildeo Sebastiatildeo das Trecircs Orelhas Terra Fria e Juncal

192

aleacutem de ter-se retornado a outro bar no Bairro Lambari na parte ldquobaixardquo da cidade No

Bairro Satildeo Sebastiatildeo das Trecircs Orelhas tambeacutem caracterizado pelas atividades turiacutesticas

o objeto da fotografia foram os patildees integrais orgacircnicos de um empoacuterio Enquanto o

Juncal possui uma paisagem formada por siacutetios lembrando bastante um campo

tradicional embora seja muito arborizado a Terra Fria eacute um dos bairros rurais bastante

explorados pelo setor turiacutestico devido agrave sua altitude agrave presenccedila de cachoeiras picos

rochosos e florestas de araucaacuterias Dois restaurantes visitados nesse dia no Bairro Terra

Fria se caracterizavam como siacutetios de agricultores familiares que devido agrave proximidade

de suas terras e sua residecircncia agraves rochas a ldquoPedra do Fornordquo e a ldquoPedra Chanfradardquo

tornaram-se importantes pontos de atraccedilatildeo turiacutestica As famiacutelias que antes viviam da

produccedilatildeo agriacutecola construiacuteram restaurantes anexos agraves suas casas e passaram a ofertar

aos visitantes ldquocomida caseirardquo feita e servida no fogatildeo a lenha caracterizada

principalmente pela carne de lata o tutu de feijatildeo e a couve No Bairro do Juncal

visitou-se um restaurante que poderia ser caracterizado como uma ldquonova geraccedilatildeordquo dos

restaurantes da roccedila de Gonccedilalves trecircs irmatildes jovens originaacuterias de pequenas famiacutelias

agricultoras do proacuteprio bairro investiram seus conhecimentos sobre a cozinha da roccedila

recebida da famiacutelia e abriram o restaurante

FIGURA 53 ndash Pedra Chanfrada no Bairro Terra Fria vista do Restaurante Ao Peacute da Pedra

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

193

FIGURA 54 ndash Restaurante Trecircs Irmatildes no Bairro Rural do Juncal

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

A composiccedilatildeo das fotografias nesses restaurantes tambeacutem privilegiou o uso do

fogatildeo a lenha como segundo plano depositando-se o prato em sua cauda ou a mesa de

madeira agrave mostra ou como fundo a toalha de algodatildeo quadriculada e a toalhinha

confeccionada em crochecirc Os efeitos decorativos eram aqueles que estivessem ao

alcance das matildeos um galho de flor de pereira uma galinha drsquoangola artesanal

FIGURA 55 ndash Prato do Restaurante Ao Peacute da Pedra

Fonte Roberto Torrubia

194

No terceiro dia e uacuteltimo dia que se acompanhou a equipe21 visitou-se o Bairro

dos Venacircncios um bairro tradicionalmente conhecido e visitado pelos turistas devido agraves

suas casas antigas de taipa e pilatildeo construiacutedas haacute mais de um seacuteculo mas que tambeacutem

se caracteriza pela moradia dos antigos agricultores familiares dentre os quais alguns

tambeacutem se dedicam agraves atividades turiacutesticas Neste dia tambeacutem se conheceu no Bairro

Rural Dona Luciana um dos siacutetios que desenvolvem a agricultura orgacircnica vinculada agrave

empresa ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo assim como dois restaurantes e uma lanchonete

do centro da cidade O restaurante do campo caracteriza-se tambeacutem por uma famiacutelia de

agricultores que construiu o restaurante anexo agrave sua residecircncia e serve aos consumidores

a ldquocomida caseirardquo feita e servida no fogatildeo a lenha

FIGURA 56 ndash Restaurante da Vilma no Bairro dos Venacircncios

Fonte Roberto Torrubia

Nos restaurantes e na lanchonete da cidade percebeu-se a ressignificaccedilatildeo das

caracteriacutesticas da ldquocomida da roccedilardquo utilizando-se os mesmos ingredientes tiacutepicos

embora natildeo se possa negligenciar que o uso do milho presente em todos os pratos era o

alimento tema daquela ediccedilatildeo do festival Ao mesmo tempo utilizava-se algumas

teacutecnicas proacuteprias da alta gastronomia ou com elementos tiacutepicos de uma cozinha mais

urbana moderna ou globalizada Ainda assim na composiccedilatildeo de uma das fotos

apareceu no segundo plano a mesa de madeira a palha e o milho cozido aleacutem da

farinha

Dos restaurantes bares e estabelecimentos de produtos alimentares que natildeo

foram visitados juntamente com a equipe fotograacutefica mas cujas imagens figuram no

21 A equipe formada pelo fotoacutegrafo e um servidor do Departamento de Turismo continuou realizando as fotografias no quarto dia mas natildeo foi possiacutevel acompanhaacute-los devido agraves entrevistas jaacute agendadas para este dia

195

Guia Gastronocircmico do Festival observou-se que algumas seguiam esse mesmo padratildeo

na composiccedilatildeo dos elementos ldquoque lembram a roccedilardquo a mesa em madeira os pratos e

vasilhas de ceracircmica a palha de milho Alguns poreacutem focavam apenas na imagem do

prato sem elementos figurativos enquanto outros denotam uma perspectiva mais

sofisticada com a decoraccedilatildeo do restaurante ao fundo e o acompanhamento de taccedilas de

vinho por exemplo

No saacutebado pela manhatilde conforme jaacute foi relatado ocorria a feira de produtos

orgacircnicos que foi visitada para observaccedilatildeo e entrevistas A feira era composta pelos

produtores certificados que participavam da empresa ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo mas

tambeacutem abrigava outros vendedores de produtos agroindustriais de produccedilatildeo ecoloacutegica

como geleias antepastos mel e artesanato em geral Quanto aos orgacircnicos no dia

visitado estavam disponiacuteveis agrave venda folhas morango rabanete beterraba cenoura

gengibre ervas Quanto aos outros produtos tratavam-se de patildees geleias patecircs

orgacircnicos artesanatos como patchwork e sabonetes queijo e mel orgacircnicos e doces A

feira ocorria em um galpatildeo agraves margens do rio num local cercado pela paisagem natural

na saiacuteda da cidade As mesas e balcotildees satildeo enfeitadas com toalhas de chita e a parede do

barracatildeo com cestaria

FIGURA 57 ndash Feira ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Ao lado funcionava o Cafeacute na Roccedila num antigo estaacutebulo onde os

frequentadores da feira podiam se socializar tomar um cafeacute ou suco e degustar bolos e

tortas feitos com ingredientes orgacircnicos ou naturais Aleacutem de uma cozinha moderna

(que parece ter sido construiacuteda seguindo os padrotildees sanitaacuterios vigentes) o restante da

decoraccedilatildeo eacute ruacutestica composta de uma fornalha mesas e bancos de madeira enfeites

como cabeccedila de boi e cabaccedilas aleacutem de algumas poltronas feitas de pneus reciclados

196

FIGURA 58 ndash ldquoCafeacute na Roccedilardquo na Feira ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 59 ndash Interior do ldquoCafeacute na Roccedilardquo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Em frente ao cafeacute no jardim foi construiacutedo um parquinho infantil com

brinquedos e balanccedilos feitos tambeacutem de pneus reciclados que inclusive estavam agrave

venda para os clientes que podiam contatar o artesatildeo que os fazia O nome do

playground era ldquoParquinho da Roccedilardquo Durante a feira tambeacutem ficava disponiacutevel agrave

demanda dos frequentadores um espaccedilo para a realizaccedilatildeo de massagens

FIGURA 60 ndash ldquoParquinho da Roccedilardquo na Feira ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

197

Ao longo dessa primeira estadia em Gonccedilalves aleacutem de outras entrevistas

realizadas tambeacutem se acompanhou em alguns momentos a preparaccedilatildeo da

infraestrutura para a realizaccedilatildeo do Festival Este tem sido realizado no Clube Recreativo

no centro da cidade Enquanto na primeira ediccedilatildeo ele foi realizado no espaccedilo aberto do

clube de acordo com as entrevistas nos dois eventos seguintes o Festival foi realizado

na rua em frente ao Clube tendo sido montado uma estrutura de tendas para isso Nesta

quarta ediccedilatildeo que se acompanhou a Prefeitura realizou reformas e ampliou o espaccedilo

de circulaccedilatildeo na aacuterea aberta do clube possibilitando a realizaccedilatildeo do Festival neste

ambiente As outras visitas seguintes foram feitas na ocasiatildeo do Festival para observaacute-lo

e aplicar os questionaacuterios aos frequentadoresconsumidores e os detalhes da observaccedilatildeo

seratildeo descritos a seguir

43 O 4ordm Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila de Gonccedilalves

O Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila em Gonccedilalves eacute realizado desde

2011 anualmente de maneira que foi possiacutevel acompanhar a sua quarta ediccedilatildeo no ano

de 2014 O Festival eacute realizado geralmente entre a segunda quinzena de outubro e a

primeira semana de novembro natildeo havendo uma data fixa contudo De acordo com

alguns dos responsaacuteveis pela criaccedilatildeo do Festival em 2011 que foram entrevistados para

esta pesquisa entre eles a antiga diretora de Turismo um membro do Conselho

Municipal de Turismo (COMTUR) e um voluntaacuterio da organizaccedilatildeo o Festival teria sido

criado para atrair o puacuteblico na eacutepoca de baixa temporada turiacutestica de Gonccedilalves Aleacutem

disso jaacute se vislumbrava na antiga gestatildeo de turismo da cidade a organizaccedilatildeo de um

evento nos moldes dos jaacute consagrados festivais de gastronomia que na visatildeo da ex-

diretora entrevistada estariam se expandindo nos uacuteltimos anos22 Aleacutem disso um dos

objetivos da criaccedilatildeo do Festival era um mecanismo entre outros de valorizaccedilatildeo da

cultura local especialmente dando visibilidade aos restaurantes da roccedila e agrave sua comida

tiacutepica conforme atestam os depoimentos das entrevistadas

22 No site da Secretaacuteria de Turismo e Cultura do Governo do Estado de Minas Gerais o Calendaacuterio de Eventos Turiacutesticos do Estado contabilizou 85 eventos no ano de 2013 (MINAS GERAIS 2013)

198

E aiacute eu comecei a conversar muito com [a proprietaacuteria de uma pousada e o chef de um restaurante] e ele sempre falando que a gente tinha que fazer alguma coisa E dentro das reuniotildees do COMTUR do Conselho Municipal de Turismo a gente comeccedilou a discutir entatildeo resolvemos vamos fazer um evento de gastronomia Mas quando essa ideia foi ser levada pra frente a primeira coisa que a gente falou foi que a gente queria um festival de gastronomia diferente do que jaacute existia Porque a gente queria fazer uma coisa voltada pra nossa cultura pra fortalecer os restaurantes locais [] E tanto eacute que o foco nosso na eacutepoca principalmente no primeiro festival foi fortalecer estes restaurantes foi tentar encontrar formas estruturas para melhorar o que eles jaacute tinham pra otimizar e pra fazer valer a pena que eles viessem pra cidade Entatildeo a gente comeccedilou a perceber que o retorno maior que eles ganham no festival natildeo era financeiro eacute o que vem depois A gente conseguiu principalmente no primeiro festival vaacuterias miacutedias Globo Rural TV Globo Rural Revista EPTV Sul de Minas (Ex-diretora de Turismo Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Entatildeo quando a gente pensou no Festival de Gastronomia eu pensei assim gastronomia dentro do turismo o turismo gastronocircmico eacute o mais legal de todos [O turista voltado para a gastronomia] eacute um cara consciente eacute um cara que viaja entatildeo ele valoriza ele viaja pra conhecer ele natildeo viaja pra encontrar o que ele jaacute espera ele quer conhecer o que vocecirc sabe fazer E ele eacute um elemento cultural que fortalece e valoriza a cultura local [] Entatildeo quando a gente pensou no Festival de Gastronomia a gente fez discussotildees dentro do COMTUR um dos posicionamentos do COMTUR naquela eacutepoca da gestatildeo natildeo era soacute meu era da gestatildeo era ldquoBom o que a gente pode fazer Nosso trabalho pode ser de fortalecimento de valoraccedilatildeo do que eacute roccedilardquo Porque as pessoas precisam saber que isso eacute rico eacute baacuterbaro eacute lindo e ela [pessoa da roccedila] poder ganhar dinheiro com aquilo (Ex-conselheira do COMTUR Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Nesse sentido o modelo de Festival construiacutedo a partir das reuniotildees do

COMTUR com a colaboraccedilatildeo dos proprietaacuterioschefscozinheiros dos restaurantes e

estabelecimentos participantes diferia-se de alguns eventos tiacutepicos na opiniatildeo das

entrevistadas Segundo elas o Festival de Gonccedilalves natildeo seria um concurso que

promoveria a concorrecircncia do melhor prato ao contraacuterio os restaurantes e demais

estabelecimentos apenas exporiam e venderiam seus preparos Outro criteacuterio

estabelecido foi o de que somente os restaurantes de Gonccedilalves participariam evitando-

se a participaccedilatildeo de restaurantes e chefs de outras cidades ou Estados como acontece

em festivais gastronocircmicos tiacutepicos que promovem a eleiccedilatildeo de melhor

pratochefrestaurante Assim a elaboraccedilatildeo do Festival visaria valorizar a cultura e a

199

gastronomia da roccedila bem como priorizar a participaccedilatildeo dos restaurantes em Gonccedilalves

considerados ldquoda roccedilardquo mas cuja adesatildeo estaria aberta a todos os estabelecimentos da

cidade localizados no centro urbano ou pertencentes a proprietaacuterios residentes fora do

municiacutepio No entanto a temaacutetica tendia a ser respeitada pelos restaurantes mais

requintados que satildeo convidados a elaborar pratos simples com seu ldquotoque especialrdquo

Outra caracteriacutestica observada foi a de que os pratos de todos os restaurantes deveriam

ser ofertados a um preccedilo padronizado durante o Festival que na quarta ediccedilatildeo foi de

R$ 1300 devendo cada estabelecimento elaboraacute-lo em termos de ingredientes e

tamanho da porccedilatildeo adequados ao valor cobrado Mas na sede do proacuteprio restaurante o

preccedilo do prato seria livre podendo-se inclusive incrementar o serviccedilo com entrada

sobremesa bebidas e logo agregando valor

O estabelecimento e a obediecircncia a tais regras do Festival teriam tido como

efeito segundo as entrevistadas tanto a garantia da participaccedilatildeo da populaccedilatildeo da cidade

entre o puacuteblico consumidor quanto a promoccedilatildeo da sociabilidade entre os chefs e

cozinheiros dos diferentes restaurantes que no cotidiano natildeo costumavam ter a

oportunidade de frequentar os estabelecimentos dos colegas ainda que fossem parentes

e residissem perto segundo relatou a ex-diretora Assim as entrevistadas comentaram

ter presenciado as trocas de pratos entre os cozinheiros e chefs a troca de informaccedilotildees

bem como parentes vizinhos e familiares que iam ao Festival prestigiar o restaurante

dos entes Foi possiacutevel presenciar algumas dessas situaccedilotildees durante a observaccedilatildeo do

Festival quando os chefs e cozinheiros propunham trocar seus pratos para degustaccedilatildeo

Os chefs e cozinheiros incorporavam assim traccedilos da cultura camponesa relativos ao

dar e retribuir vinculando-os a um circuito de reciprocidades semelhantes agravequele da

vida em comunidade Este caraacuteter familiar e os laccedilos de solidariedade que se

estabeleciam no Festival tanto entre os responsaacuteveis pelos estabelecimentos como

entre os parceiros ou entre o puacuteblico que os frequentava dava ao evento segundo as

entrevistadas o ambiente da vida em vizinhanccedila Nestes relatos as contradiccedilotildees e

conflitos quase natildeo eram comentados

Soacute aconteceu depois que a gente fez o Festival de Gastronomia de a pessoa de um restaurante comer a comida de outro restaurante aqui porque e agraves vezes eacute ateacute parente no momento que estatildeo trabalhando [natildeo podem ir ao restaurante do outro] e no dia seguinte ningueacutem taacute trabalhando e aiacute natildeo daacute pra se conhecer E essa foi a [oportunidade] Ah trocava prato ldquoAh olha meu pratordquo ldquoAh depois eu mando o meurdquo troca troca se experimentou o [prato] de todo mundo sabe

200

Todo mundo vai laacute ldquoAh eu vim comer o seu pratordquo sabe Conheceu trocou aprenderam trocaram informaccedilotildees por isso que o Festival tambeacutem nunca teve caracteriacutestica de concurso e isso era uma coisa que noacutes deixamos claro natildeo pode ser concurso natildeo vamos concorrer um com o outro vamos valorizar Um dia se quiser ter um concurso [] que nem esses modelos que tem por aiacute mas natildeo eacute esse o momento o momento eacute de valoraccedilatildeo Qualquer que seja o que eu faccedilo o que vocecirc faz tem que ser valorizado (Ex-conselheira do COMTUR Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Outro aspecto relacionado agrave sociabilidade ressaltado pelos entrevistados estava

relacionado agrave sua proacutepria organizaccedilatildeo As limitaccedilotildees impostas pelo orccedilamento puacuteblico

disponiacutevel para a organizaccedilatildeo do Festival teriam sido superadas com o uso da

criatividade inovaccedilatildeo e o capital social construiacutedo entre os participantes do Festival As

famiacutelias amigos e voluntaacuterios colaboravam com alguns aspectos relativos agrave

infraestrutura apoio e decoraccedilatildeo da festa improvisando o uso de materiais disponiacuteveis

o que por um lado dava a conotaccedilatildeo desenhada para o mesmo de aparentar

simplicidade como uma forma de remeter agraves caracteriacutesticas das ldquocoisas da roccedilardquo

Tambeacutem se percebeu o acionamento do capital social por meio do suporte de

instituiccedilotildees e empresas que apoiavam o Festival em troca de publicidade ou da

oportunidade de participar da festa As mesas e bancos utilizados na quarta ediccedilatildeo do

Festival por exemplo foram emprestadas pela Paroacutequia e pelo carpinteiro de uma

cidade vizinha No uacuteltimo domingo do Festival o carpinteiro e sua esposa foram ao

evento para participar e degustar os pratos O fato do Festival se constituir em uma

atraccedilatildeo turiacutestica de Gonccedilalves parecia despertar nos colaboradores o desejo de

participar ativamente do Festival pelo prestiacutegio mas tambeacutem pela satisfaccedilatildeo em

frequentar a cidade Assim relata a ex-diretora de Turismo

E realmente olha o primeiro festival foi muito mais coraccedilatildeo do que profissatildeo Eu falo que a gente tava num momento do COMTUR muito abenccediloado o conselho era muito unido todo mundo arregaccedilou as mangas literalmente e deixou os afazeres de lado [] E tudo assim eram voluntaacuterios eram pessoas que deixavam as coisas e iam [ajudar] Ateacute a estrutura do primeiro ano a gente natildeo tinha muitos recursos a gente natildeo tinha nem ideia do puacuteblico entatildeo a gente foi fazendo e as coisas foram acontecendo meio que naturalmente a gente fala que quando a gente estaacute com boa intenccedilatildeo as coisas caminham para o lado do bem para o caminho certo E foi um sucesso neacute [] E envolveu a famiacutelia todo mundo vinha e ajudava decorava as barracas a gente fazia plaquinhas E por mais que a gente tente planejar as coisas ficam pra uacuteltima hora tem que ir atraacutes de ldquonatildeo sei o quecircrdquo mas eu

201

acho que eles receberam muito bem a ideia 95 dos restaurantes que eram da roccedila participaram que era o grande objetivo nosso E eu acho que pra eles foi uma motivaccedilatildeo foi um resgate da autoestima que agraves vezes fica meio escondida por conta do corre corre do dia a dia [] E o festival a gente sempre teve a preocupaccedilatildeo de fazer um ambiente e fazer valores que fossem acessiacuteveis para o pessoal da cidade Entatildeo no domingo era uma deliacutecia porque a gente via que muitas donas de casa natildeo faziam o almoccedilo elas iam almoccedilar no festival em famiacutelia Porque a gente sempre partia do pressuposto de que pra cidade ser boa pro turista antes ela tem que ser muito boa pros moradores [] Entatildeo como os restaurantes eram daqui e na cidade todo mundo eacute parente a gente percebia que as pessoas iam pra prestigiar porque a comadre estava laacute porque a avoacute estava participando (Ex-diretora de Turismo Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

O aspecto participativo na elaboraccedilatildeo do Festival foi destacado pelas

entrevistadas natildeo somente a respeito da montagem da infraestrutura do evento mas

tambeacutem durante a idealizaccedilatildeo da primeira festividade bem como nas discussotildees sobre

as ediccedilotildees seguintes Os debates se davam no acircmbito das reuniotildees do COMTUR com a

participaccedilatildeo dos responsaacuteveis pelos estabelecimentos partiacutecipes de cada ediccedilatildeo e havia

certo orgulho em ressaltar a atuaccedilatildeo dos restaurantes da roccedila nesse processo que de

outra forma devido agraves dificuldades de transporte comunicaccedilatildeo e cultura poliacutetica

poderiam ter ficado alijados da inclusatildeo na organizaccedilatildeo do Festival Nas palavras da ex-

diretora de Turismo

Os donos desses restaurantes da roccedila foram com a gente pra Satildeo Paulo eles participavam das reuniotildees eles davam opiniatildeo Entatildeo o Festival foi construiacutedo por eles por todo mundo natildeo foi um projeto que o COMTUR ldquopegourdquo e fez A gente [COMTUR] direcionou mas a construccedilatildeo mesmo foi coletiva eu acho que foi por isso que a gente conseguiu realmente manter essa identidade e reforccedilar (Ex-diretora de Turismo Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

A quarta ediccedilatildeo do Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila de Gonccedilalves foi

realizada em dois finais de semana A programaccedilatildeo foi desenvolvida em uma praccedila de

alimentaccedilatildeo nomeada de ldquoPraccedila dos Sabores e Saberesrdquo Cada restaurante participante

ocupava um stand composto pelo fogatildeo mesa e um armaacuterio decorado onde ofertavam

a comida Alguns jaacute a traziam pronta ou preacute-preparada do seu proacuteprio restaurante

outros a cozinhavam neste espaccedilo As mesas para acomodaccedilatildeo dos frequentadores

estavam dispostas no centro da praccedila de alimentaccedilatildeo As mesas e os bancos eram

202

extensos coletivos induzindo os consumidores a partilharem as mesas de forma a

promover a sociabilidade a conversa e o conviacutevio

FIGURA 61 ndash Mesas e stands no 4o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Na ediccedilatildeo que se acompanhou a praccedila de alimentaccedilatildeo foi montada numa aacuterea

aberta que foi coberta com tendas de um lado do salatildeo de festas do Clube Recreativo

onde havia uma porta independente para a entrada do outro lado tambeacutem uma aacuterea

semiaberta com porta de entrada independente disponibilizaram-se os stands de

artesanato de produtos alimentares processados como geleias bolos patildees e de

divulgaccedilatildeo do Slow Food ldquoConviacutevio Terras Altas do Sapucaiacuterdquo No centro ficava o salatildeo

de festas onde acontecia a maior parte das apresentaccedilotildees culturais e que podia ser

acessado por ambos os lados graccedilas agraves suas portas laterais As aacutereas abertas tambeacutem se

comunicavam por um corredor atraacutes do salatildeo onde ficava o caixa do Festival

FIGURA 62 ndash Salatildeo de festas do Clube Recreativo de Gonccedilalves-MG

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

203

FIGURA 63 ndash Stand de Slow Food ldquoConviacutevio Terras Altas do Sapucaiacuterdquo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

A programaccedilatildeo cultural foi composta por apresentaccedilotildees musicais que

privilegiavam os artistas regionais ou locais tocando preferencialmente MPB muacutesica

caipira de viola mas tambeacutem muacutesica sertaneja e forroacute especialmente agrave noite quando o

puacuteblico se dispunha a danccedilar Ofertavam-se ainda oficinas workshops palestras e dias

de campo que variavam conforme a ediccedilatildeo da festa Na quarta versatildeo houve oficina de

gastronomia de fusatildeo com queijos de ovelha e cervejas artesanais e na segunda ediccedilatildeo

conforme material de divulgaccedilatildeo consultado aleacutem desta mesma oficina houve outras

de vinho coqueteacuteis melado iogurte caseiro bolos biscoitos broas receitas sem adiccedilatildeo

de accediluacutecar artesanato com fibra de bananeira entre outras As palestras na segunda

ediccedilatildeo (cujo folder com a programaccedilatildeo foi consultado) versavam sobre temas como

turismo rural agroecologia desenvolvimento rural sustentaacutevel composiccedilatildeo nutricional

de gastronomia de raiz e dia de campo nos siacutetios de agricultura orgacircnica certificada

FIGURA 64 ndash Oficina de queijos de ovelha e cervejas artesanais ndash Gastronomia de fusatildeo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

204

Algumas apresentaccedilotildees que fizeram parte da programaccedilatildeo cultural davam

visibilidade a aspectos tradicionais da cultura local como a apresentaccedilatildeo da Congada

Satildeo Benedito o Desfile de Carros de Boi e os proacuteprios grupos musicais jaacute mencionados

com artistas locais ou de cidades vizinhas Algumas apresentaccedilotildees tambeacutem estavam

ligadas aos programas sociais e culturais desenvolvidos pela gestatildeo municipal com

apresentaccedilotildees musicais infantis como a Lira Infantil e o Grupo Infantil de Flauta da

escola municipal do Grupo de Melhor Idade IONG ou a exposiccedilatildeo de artesanato do

projeto de inclusatildeo de pessoas com necessidades especiais o PINGO

Segundo os relatos nas ediccedilotildees anteriores do Festival realizava-se um preacute-

lanccedilamento no ldquoEspaccedilo Minas Geraisrdquo em Satildeo Paulo-SP um centro de referecircncia de

negoacutecios e promoccedilatildeo do turismo e da cultura mineiros (PROGRAMA DE TURISMO

DE NEGOacuteCIOS E EVENTOS DE BELO HORIZONTE 2015) na Avenida Paulista

quando se apresentava agrave imprensa e a formadores de opiniatildeo o evento visando sua

divulgaccedilatildeo na miacutedia Tambeacutem se costumava realizar no primeiro dia do evento de cada

ediccedilatildeo a sexta-feira agrave noite uma celebraccedilatildeo privada de cortesia destinada a

convidados ilustres colaboradores do Festival e tambeacutem a imprensa e formadores de

opiniatildeo Na quarta ediccedilatildeo natildeo houve o preacute-lanccedilamento em Satildeo Paulo nem o evento para

convidados sendo o primeiro dia a sexta-feira aberto ao puacuteblico para a

comercializaccedilatildeo dos pratos

A primeira ediccedilatildeo do Festival natildeo teve uma temaacutetica especiacutefica centrando-se

apenas no nome do evento Na segunda ediccedilatildeo o tema foi ldquoA comida da vovoacuterdquo Nos

dois uacuteltimos anos o Festival privilegiou temaacuteticas relativas aos produtos agriacutecolas

tiacutepicos da regiatildeo ou da cultura rural utilizados como mateacuteria-prima na cozinha da roccedila

Assim em 2013 o tema foi ldquoUai noacutes temos banana tameacutemrdquo num jogo de linguagem

que utilizou uma expressatildeo de interjeiccedilatildeo tiacutepica do falar mineiro ldquouairdquo e uma paraacutefrase

da composiccedilatildeo musical ldquoYes noacutes temos bananardquo de Braguinha famosa na voz da

cantora brasileira Carmem Miranda O logotipo dessa ediccedilatildeo tambeacutem se apropriou da

bandeira de Minas Gerais de forma que ao redor de um triacircngulo amarelo cujas cores

remetem agrave fruta distribuem-se os trechos da frase em cada lado do poliacutegono de maneira

que a palavra ldquotameacutemrdquo (corruptela de ldquotambeacutemrdquo) ficasse em sua base em alusatildeo agrave

mesma posiccedilatildeo da palavra tamen na bandeira do Estado A escolha do tema privilegiou

uma das maiores produccedilotildees agriacutecolas do municiacutepio na atualidade a banana que

tambeacutem se constituiacutea em objeto de celebraccedilatildeo em Gonccedilalves no mecircs de janeiro No ano

205

de 2014 o tema escolhido foi ldquoSabores do Milho da Roccedilardquo Nestas duas uacuteltimas

ediccedilotildees portanto os restaurantes deveriam elaborar os seus pratos utilizando esses

ingredientes na sua composiccedilatildeo respectivamente

FIGURA 65 ndash Cartaz de divulgaccedilatildeo do 1o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila

Fonte Departamento de Turismo e Cultura de Gonccedilalves e COMTUR

FIGURA 66 ndash Cartaz de divulgaccedilatildeo do 2o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila

Fonte Departamento de Turismo e Cultura de Gonccedilalves e COMTUR

206

FIGURA 67 ndash Guia Gastronocircmico do 3o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila

Fonte Departamento de Turismo e Cultura de Gonccedilalves e COMTUR

Diagramaccedilatildeo ilustraccedilatildeo e fotografia Roberto Torrubia

FIGURA 68 ndash Cartaz de divulgaccedilatildeo do 4o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila

Fonte Departamento de Turismo e Cultura de Gonccedilalves e COMTUR

No quadro que se segue eacute possiacutevel ver um resumo do cardaacutepio ofertado na 4ordf

ediccedilatildeo do Festival com os seus respectivos chefs e restaurantes

207

QUADRO 9 ndash Menu do 4o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila PRATO DESCRICcedilAtildeO RESTAURANTE LOCAL CHEFCOZINHEIRO

Paccediloca de pilatildeo agrave mineira

Paccediloca de pilatildeo arroz tutu de feijatildeo lombo

torresmo polenta frita linguiccedila

Ao Peacute da Pedra Bairro Rural Terra Fria

Eni Ribeiro e Sandra Ribeiro

Carne de lata com polenta

Carne de lata tutu de feijatildeo arroz e polenta

Restaurante da Vilma

Bairro Rural dos

Venacircncios

Vilma Rosa

Janelim de Mio Bolinho de milho recheado de queijo

canastra e milho verde acompanhada de batida de milho com cachaccedila

Janelas com Tramela

Centro Seacutergio Mota Flaacutevia Silva e Elaine Tobias

Mil folhas de polenta caipira com ragu de rabada com

ora-pro-noacutebis

Polenta ragu de rabada e ora-pro-noacutebis

Noacute de Pinho Bairro Rural Retiro

Caio Dias

Espaguete caseiro ao molho de milho

Espaguete caseiro com creme de milho verde e cestinha de parmesatildeo

com milho fresco

Rosa Madeira Centro Yoshikazu Awata e Adriana Souza

Nhoque de milho Nhoque de farinha de milho com molho de

queijo meia cura

Cozinha do COMTUR

- Luiz Fernando Boacnin

Milheirinho com queijo

Arroz feijatildeo couve torresmo angu com queijo carne de lata

Restaurante Trecircs Irmatildes

Bairro Rural do Juncal

Viviane Tatiane e Cristiane

Trem Batildeo Bolinho de milho farofa de milho arroz feijatildeo

pernil

Restaurante Zeacute Oviacutedeo

Bairro Rural Terra Fria

Gloacuteria de Paula

Bem Mineiro Arroz tutu de feijatildeo couve refogada costela

de porco e ovo frito

Restaurante e Pizzaria

Varandinha

Bairro Rural Lambari

Greuza

Tico Tico no Fubaacute Bolo cremoso de fubaacute com sorvete de creme ou milho verde e calda de

geleia de erva doce

A Senhora das Especiarias

Centro Fernanda Kurebayashi

Fuzaquinha Caipira

Broinha de fubaacute gratinada com queijo meia cura creme de milho verde e frango desfiado com

ervas aromaacuteticas

Forneria da Roccedila Centro Elenira Arakilian

Tempuraacute Daki Tempuraacute com milho e legumes molho chutney de cebola picante com

shoyo

Bar Libertas Patildeo e Circo

Centro Dani Lima Fernanda Kurebayashi e Luiz

Quirerinha Quirerinha com carne suiacutena ou vegetariana lombo assado no bafo com arroz branco ou agrave grega salada de feijatildeo fradinho e creme de

milho

Lanchonete e Restaurante Carlatildeo

Lanches II

Centro Carlos Silva

Panquecas Panqueca de frango com milho de lombo molho e

queijo de pizza ou panqueca doce

Bar do Zezeacute Bairro Rural Lambari

Isabela Torres

Pastel de curau Pastel de curau de truta Pastelaria do Maneacute Centro Maneacute Salete Gisele e

208

defumada ou de camaratildeo Samuel Geleias Geleias molhos

temperos queijo iogurte doce de leite broa de milho cremosa patildeo de queijo e produtos in

natura

Siacutetio Trecircs Barras Bairro Rural Trecircs Barras

Maria Joseacute Andrade

Linguiccedila Caseira Porccedilotildees de linguiccedila de porco caseira com farinha

de milho

Venda do Ditatildeo Bairro Rural Atraacutes da Pedra

Maria Helena

Fonte Elaborado e adaptado por Lidiane Nunes da Silveira com base no Guia Gastronocircmico do 4ordm Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila (projetado pelo Departamento de Turismo e Cultura de

Gonccedilalves COMTUR com diagramaccedilatildeo ilustraccedilatildeo e fotografias de Roberto Torrubia)

Em linhas gerais os pratos servidos nesta ediccedilatildeo do Festival poderiam ser

classificados em trecircs grupos No primeiro se enquadravam os pratos dos ldquorestaurantes

da roccedilardquo que serviam variaccedilotildees do que se podia considerar como a comida ldquotiacutepicardquo e

ldquotradicionalrdquo mineira nos moldes descritos por Abdala (2007) Primeiramente porque a

autora constatou que a partir dos anos 1980 o que era considerado o prato tiacutepico e

tradicional em Minas passou a ser elaborado nas casas apenas em finais de semana ou

ocasiotildees festivas estando relativamente ausentes nas rotinas alimentares domeacutesticas

Isto em decorrecircncia 1) do aumento do nuacutemero de mulheres no mercado de trabalho 2)

porque teria havido segundo Abdala (2007) um deslocamento desse cardaacutepio tiacutepico e

tradicional mineiro das casas do mundo privado para o mundo puacuteblico dos

restaurantes Alguns pratos tiacutepicos do periacuteodo colonial se encontravam representados no

menu do Festival tutu de feijatildeo couve torresmo angu farofa paccediloca de farinha com

carne lombo ou pernil assados e canjiquinha (quirerinha) de milho com carne de porco

O arroz a carne de vaca e as quitandas como o patildeo de queijo e a broa de fubaacute

provenientes do uso do leite queijo e ovos tambeacutem faziam parte segundo Abdala

(2007) do tiacutepico e tradicional mineiro embora tenham sido incorporados aos padrotildees

alimentares no seacuteculo XIX quando se tornaram mais abundantes

Nesse caso as quitandas e os lanches servidos no Festival fariam parte de um

segundo grupo identificado nos pratos do menu Eles eram servidos por empoacuterios que

fabricavam suas proacuteprias geleias na cidade permitindo combinaccedilotildees tradicionais como

a broa ou bolo de fubaacute ou milho e o patildeo de queijo com uma geleia de sabores variados

Estes empoacuterios tambeacutem expunham seus produtos para a comercializaccedilatildeo nos stands

durante o Festival e costumavam ser um atrativo do turismo gastronocircmico na cidade A

oferta de bolos biscoitos patildees de queijo broas e roscas chamados no Festival de

209

ldquoquitutesrdquo tambeacutem eram disponibilizadas pelas ldquoquituteirasrdquo tradicionais que viviam

nos bairros rurais e vendiam tais produtos rotineiramente Entre estes quitutes a

populaccedilatildeo local destacava a broa de pau-a-pique feita de fubaacute de milho e accediluacutecar e

assada na folha de bananeira em forno de barro como a quitanda tiacutepica da regiatildeo No

cotidiano os quitutes costumavam ser assados em fornos de barro caracteriacutestica

ressaltada pelos moradores como especiais e tradicionais No Festival a organizaccedilatildeo

buscou representar esse cotidiano tendo construiacutedo jaacute na primeira ediccedilatildeo do Festival

em 2011 uma fornalha e um fogatildeo a lenha na aacuterea externa das dependecircncias do Clube

para serem utilizados pelas quituteiras durante o evento As quituteiras vinham de suas

residecircncias nos bairros rurais especialmente Dona Dita (do Sertatildeo do Cantagalo e

apontada pelos moradores da cidade e organizadores do evento como uma das

quitandeiras mais tradicionais de Gonccedilalves) e preparavam biscoitos e patildees de queijo agraves

vistas dos frequentadores que assistiam ao processo como uma atraccedilatildeo cultural do

Festival Os quitutes eram assados na fornalha e consumidosvendidos ainda quentes

assim que retirados do forno Todo o processo de aquecimento da fornalha de assar e

retirar os quitutes era assistido pelos frequentadores do Festival Alguns quitutes eram

preparados em casa e vendidos no Festival pelas quituteiras embora uma delas

preparasse o cafeacute na hora utilizando o fogatildeo a lenha Algumas tambeacutem vendiam

produtos da confeitaria moderna como pudins e bombons degustados como

sobremesas pelos comensais

FIGURA 69 ndash Fornalha e fogatildeo a lenha

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

210

FIGURA 70 ndash Broa de pau-a-pique

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 71 ndash Quituteiras Dona Dita Aline e Cida

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Havia tambeacutem os pratos natildeo tiacutepicos que utilizavam teacutecnicas proacuteprias da

cozinha contemporacircnea ou receitas inspiradas na gastronomia de outros paiacuteses

especialmente as massas Ainda assim a temaacutetica do Festival centrada no milho

direcionava os restaurantes e bares ao uso do ingrediente ldquotiacutepicordquo mineiro assim como

se percebia a reelaboraccedilatildeo de outros ingredientes tradicionais ainda que natildeo fossem

obrigatoacuterios ou re-atualizaccedilotildees de teacutecnicas inspiradas na cozinha mineira da roccedila Por

outro lado foi curioso observar como os pratos considerados como da roccedila e tiacutepicos

mineiros eram tambeacutem uma variaccedilatildeo regional cultural e histoacuterica do prato mais

comumente consumido pelos brasileiros no cotidiano ou seja o arroz o feijatildeo e a

carne Segundo a pesquisa sobre os haacutebitos alimentares feita por Barbosa (2007) o

arroz com feijatildeo que se identifica como uma comida que faz parte da rotina dos

brasileiros entraria menos frequentemente nas refeiccedilotildees de finais de semana ou nas

ocasiotildees festivas No Festival o arroz com feijatildeo eram celebrados e degustados como

pratos identitaacuterios assim como os pratos tipicamente mineiros Nesse caso obviamente

211

a forma de preparo diferia a comida da roccedila da comida de rotina jaacute que o feijatildeo destes

restaurantes geralmente era o ldquotuturdquo e a carne ldquode latardquo apresentados como tendo

processos de cocccedilatildeo especiais Estes pratos tiacutepicos remetiam os consumidores agraves ideias

de frescor carinho no preparo de memoacuteria e nostalgia que a comida caseira mineira e

da roccedila lhes despertava

A exposiccedilatildeo do artesanato agrave venda no Festival tambeacutem fazia uso da

performance tecendo-se num tear manual durante o evento Aleacutem da tecelagem crocheacute

e patchwork vaacuterios expositores tinham agrave venda pinturas esculturas artesanato em

palha de milho e fibra de bananeira habituais na regiatildeo aleacutem de cabaccedilas e

reaproveitamento de materiais como garrafas plaacutesticos e caixas de foacutesforo Algumas

peccedilas artesanais foram utilizadas como elemento decorativo aleacutem de outros

instrumentos tiacutepicos do trabalho no campo o carro de boi a sela o balaio a lata de

leite produtos como o milho crioulo e objetos da cultura rural como raacutedios antigos

FIGURA 72 ndash Tear

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 73 ndash Artesanato em palha de milho

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

212

FIGURA 74 ndash Sela e balaios

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 75 ndash Carro de boi e milho

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 76 ndash Raacutedio antigo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

213

Como jaacute foi comentado anteriormente cada stand de restaurante tambeacutem fazia

sua decoraccedilatildeo normalmente remetendo aos elementos decorativos de seu

estabelecimento Segundo a ex-diretora de Turismo o uacutenico aparato decorativo sugerido

para todos os stands era o armaacuterio que poderia ser ornamentado livremente Por fim a

identidade visual possibilitada respectivamente pelo logotipo do Festival e da ediccedilatildeo

integravam o ambiente por meio de banners brochuras de programaccedilatildeo e os cartazes

que identificavam os estabelecimentos e seu cardaacutepio

FIGURA 77 ndash Armaacuterio decorativo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 78 ndash Detalhe decorativo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

214

FIGURA 79 ndash Detalhe decorativo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

As apresentaccedilotildees culturais conforme jaacute se destacou anteriormente procuravam

privilegiar a muacutesica brasileira especialmente o que os entrevistados organizadores do

Festival consideravam como muacutesica de raiz ou seja muacutesica caipira de viola e artistas

regionais As apresentaccedilotildees ocorriam nas noites das sextas-feiras nas tardes e noites dos

saacutebados e nas tardes dos domingos de Festival Nas noites de sexta-feira da 4a ediccedilatildeo

apresentaram-se o ldquoGrupo de Viola Alma Caipirardquo e a ldquoMusicaterapia de Aloiacutesio

Beckerrdquo que eram tidos pelos organizadores como apresentaccedilotildees dentro de um

formato contemporacircneo e de raiz assim como os shows das tardes dos saacutebados e

domingos que contaram com a ldquoBanda Legacyrdquo ldquoAna Juacutelia Voz e Violatildeordquo a dupla

ldquoCampo Belo e Companheirordquo e ldquoCatireiros da Mantiqueirardquo grupo ldquoFarofa Mineirardquo

coral ldquoLinda Juventuderdquo Nas noites de saacutebado os shows tinham caraacuteter mais popular e

danccedilante com apresentaccedilotildees do ldquoForroacute do Marcatildeordquo ldquoLucas Barros amp Vitalrdquo ldquoTiatildeo amp

Paulinho e Bandardquo Aconteceram ainda apresentaccedilotildees musicais realizadas pelas

crianccedilas ldquoLira Infantilrdquo e pelos idosos ldquoOrquestra de Panelasrdquo executada pelo Grupo

da Terceira Idade IONG No domingo de encerramento do Festival aconteceu o Desfile

de Carros de Boi com cerca de 25 carros de Gonccedilalves e cidades da regiatildeo

215

FIGURA 80 ndash Dupla Campo Belo e Companheiro e Catireiros da Mantiqueira

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 81 ndash Desfile de Carros de Boi

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Na estimativa dos organizadores cerca de cinco mil pessoas visitaram o Festival

nos dois finais de semana na ediccedilatildeo de 2014 (COSTA 2014) Os consumidores que

responderam ao questionaacuterio no primeiro final de semana eram a maioria da capital

de Satildeo Paulo enquanto que no segundo os frequentadores declararam ter vindo de

cidades mais proacuteximas como Satildeo Joseacute dos Campos no Estado de Satildeo Paulo Pouso

Alegre e Paraisoacutepolis no Estado de Minas Gerais A circulaccedilatildeo de frequentadores e

consumidores variava ao longo do dia sendo mais intensa a partir do horaacuterio do

almoccedilo apoacutes o meio-dia diminuindo ao final da tarde e aumentando novamente agrave noite

Aparentemente o puacuteblico diurno caracterizava-se por uma maioria de turistas enquanto

agrave noite havia uma maior concentraccedilatildeo da populaccedilatildeo local Tambeacutem parecia haver

algumas diferenccedilas na apreciaccedilatildeo das atraccedilotildees a maioria do puacuteblico que prestigiava as

apresentaccedilotildees culturais especialmente agrave noite era formada pelos moradores de

216

Gonccedilalves enquanto os atrativos gastronocircmicos aleacutem de serem apreciados pelos

residentes contavam com o consumo por parte dos turistas e moradores de segunda

residecircncia

Nesse sentido enquanto as expressotildees culturais musicais pareceram ter

despertado processos identificadores na populaccedilatildeo local a gastronomia pareceu ter

maior apelo entre os turistas funcionando como um marcador social da diferenccedila De

acordo Bourdieu (2013) a alimentaccedilatildeo se constitui num campo onde se pode operar os

mecanismos de gosto e apreciaccedilatildeo de forma a construir distinccedilotildees de classe Collaccedilo

(2013) tambeacutem destaca como o proacuteprio conceito de gastronomia tende a ser atrelado agraves

noccedilotildees de ldquobom gostordquo distinccedilatildeo e processo civilizatoacuterio tal como o apontou Elias

(1993 2011) Todavia o que interessa observar eacute que estas noccedilotildees de refinamento e

distinccedilatildeo satildeo recodificadas socialmente mediante um processo de valorizaccedilatildeo do

campo e do rural que satildeo invocados para ressignificar a tradiccedilatildeo as praacuteticas culinaacuterias

da cozinha regional a natureza e os alimentos que remetem ao consumo dos tempos de

outrora Collaccedilo (2013) destaca como a partir dos anos 1980 esta valorizaccedilatildeo das

culturas alimentares regionais se acentua Elas passam a ser pensadas em termos de

localidade contrapondo-se agrave perspectiva de ameaccedila agrave dissoluccedilatildeo de suas caracteriacutesticas

particulares mediante os processos de globalizaccedilatildeo A autora destaca como para

Johnston e Baumann (2009) o consumo de comidas populares tambeacutem teria se tornado

um processo de distinccedilatildeo

Consumir o popular tambeacutem eacute parte do que se considera gastronomia pois realccedila o conviacutevio com a diversidade valor em alta no mundo contemporacircneo e revela uma habilidade de lidar com o diferente Mas neste ponto seria interessante retomar a discussatildeo anterior na verdade este consumo da diferenccedila perpetua e manteacutem as fronteiras sob controle uma vez que eacute um consumo delimitado esporaacutedico exoacutetico e de certa maneira descontextualizado da loacutegica que organiza determinada cozinha No fundo seria um controle da diferenccedila mantida em seu lugar e valorizada no discurso da gastronomia (COLLACcedilO 2013 p 212)

Ou seja a valorizaccedilatildeo das cozinhas regionais na gastronomia e pelos seus

adictos seria perpassada por ambiguidades Ao mesmo tempo em que promove a

experiecircncia da alteridade tambeacutem aciona os marcadores sociais da diferenccedila Dias

(2009) embora em texto jornaliacutestico que natildeo aponte as evidecircncias do argumento

tambeacutem ressalta como a valorizaccedilatildeo dos produtos tradicionais ao inveacutes de referendar a

217

histoacuteria a tradiccedilatildeo e o territoacuterio aleacutem dos valores de sustentabilidade proteccedilatildeo da

biodiversidade e justa remuneraccedilatildeo de pequenos produtores pode servir como um

processo de distinccedilatildeo social Por outro lado Collaccedilo (2013) tambeacutem sugere que o

interesse pela gastronomia por parte de amadores e apreciadores pode estar relacionado

a uma acircnsia de afirmaccedilatildeo e reconhecimento da individualidade diante da fragmentaccedilatildeo

da vida contemporacircnea o que poderia ser percebido na identificaccedilatildeo com a culinaacuteria

tradicional de raiz pela busca de uma origem Esse processo de busca de

identificadores por meio da gastronomia tambeacutem pode estar relacionado com certas

tendecircncias na culinaacuteria contemporacircnea que apontam para os processos afetivos

relacionados agrave comida como o Comfort Food e o Soul Food conforme apontam

Lauand e Chasseraux (2012) Estas satildeo perspectivas que refletem sobre o mecanismo

que a comida tem de novamente promover a nostalgia os apelos sentimentais e da

memoacuteria especialmente de uma infacircncia feliz mesmo que idealizada Tais experiecircncias

alimentares estariam invariavelmente ligadas agrave ldquocomida da vovoacuterdquo agrave ldquocomida de matildeerdquo agrave

vida domeacutestica e familiar

Da mesma forma movimentos como o Slow Food tecircm arregimentado seguidores

e proposto reflexotildees a respeito das escolhas alimentares privilegiando os alimentos

locais guiando-se pela triacuteade de princiacutepios do alimento bom com ecircnfase no sabor e no

prazer de comer limpo incentivando o consumo de alimentos cultivados sem

agrotoacutexicos e sem riscos ambientais e justo beneficiando a remuneraccedilatildeo adequada

especialmente aos pequenos produtores bem como o custo razoaacutevel aos

consumidores23 Nesse sentido a gastronomia parece refletir algumas mudanccedilas tiacutepicas

da sociedade poacutes-fordista da mesma forma que elas tecircm sido aqui identificadas em

termos dos usos e significados da categoria roccedila

Essas mudanccedilas que apoacutes 1970 acentuam as configuraccedilotildees sociais em torno do

consumo deslocando o eixo da produccedilatildeo podem se refletir tambeacutem no campo do

consumo de alimentos Por um lado a necessidade de se produzir novas formas de

distinccedilatildeo social por meio dos haacutebitos alimentares pode ter insuflado nas camadas da

elite urbana o interesse pelos produtos caseiros artesanais e tradicionais valorizando

culinaacuterias simples em detrimento ao refinado como forma de se diferenciar da ascensatildeo

da classe meacutedia que passam a fazer parte de forma mais ampla da sociedade de

23 Informaccedilotildees disponiacuteveis no material impresso de divulgaccedilatildeo do Slow Food distribuiacutedo durante o Festival pela representante do Conviacutevio Terras Altas do Sapucaiacute

218

consumo como indicam Neacuteri (2012) e Pochmann (2012) Esses processos de

diferenciaccedilatildeo ao lado das questotildees de classe tambeacutem se fundam no comportamento

tiacutepico de espaccedilos com altos graus de urbanizaccedilatildeo como a regiatildeo metropolitana de Satildeo

Paulo origem da maior parte dos turistas e moradores de segunda residecircncia em

Gonccedilalves

Por outro lado o apelo a uma culinaacuteria simples de raiz como a da comida da

roccedila pode estar ligado a este mesmo processo de urbanizaccedilatildeo que no Brasil se deu de

forma acelerada entre os anos 1950 e 1980 de acordo com Brito e Pinho (2012)

especialmente devido agrave migraccedilatildeo campo-cidade o que faz com que o imaginaacuterio rural

seja ainda muito presente em geraccedilotildees de migrantes e seus descendentes nos grandes

centros urbanos Pode-se destacar ainda que as mudanccedilas no campo do consumo que

se constituem como caracteriacutesticas da sociedade poacutes anos 1970 (MILLER 1987

PORTILHO 2005) e aqui sublinha-se a gastronomia e os haacutebitos alimentares em geral

parecem estar permeadas de ambiguidades se pode haver uma re-atualizaccedilatildeo do

processo de distinccedilatildeo em curso tambeacutem parece haver um processo de politizaccedilatildeo e

ambientalizaccedilatildeo do consumo nos termos propostos por Portilho (2005) e que pode ser

percebido na temaacutetica aqui estudada por meio da associaccedilatildeo entre roccedila e natureza pelo

consumo de produtos naturais e em Gonccedilalves pelo espaccedilo conquistado pela

agricultura orgacircnica e movimentos como o Slow Food Na proacutexima seccedilatildeo seratildeo

examinadas as relaccedilotildees entre os significados da categoria roccedila em Gonccedilalves e a

diversidade de grupos sociais que compotildeem o campo deste municiacutepio

44 As categorias roccedila em Gonccedilalves

Nos guias gastronocircmicos da 3ordf e 4ordf ediccedilotildees do Festival de Gastronomia e Cultura

da Roccedila de Gonccedilalves o texto de apresentaccedilatildeo fazia referecircncia agrave roccedila como ldquoa rainhardquo

numa alusatildeo ao poema de Manuel Bandeira Vou me embora pra Pasaacutergada conforme

pode ser visto no trecho a seguir

Bem vindo a Gonccedilalves aqui vocecirc eacute amigo do Rei Mas que rei eacute esse Eacute mais uma rainha a Roccedila Na roccedila tudo eacute diferente o leite vem da vaca o ovo da galinha a batata daacute no tempo certo e a banana soacute vai granar no tempo dela Tempo esse sim o rei O tempo eacute no final o

219

mais importante da vida Entatildeo quando aqui chegar fique tranquilo que ganharaacute tempo de vida a comida eacute boa as matas satildeo verdes as cachoeiras lindas Afora isso muacutesica e poesia por todo lado e essa gente simples e simpaacutetica que se chama mineiro (PREFEITURA MUNICIPAL DE GONCcedilALVES 2014)24

Conforme jaacute foi ressaltado no iniacutecio deste capiacutetulo e na introduccedilatildeo deste

trabalho em Gonccedilalves havia a percepccedilatildeo de alguns agentes da gestatildeo de turismo e

patrimocircnio bem como de alguns indiviacuteduos da iniciativa privada de que a roccedila eacute um

capital turiacutestico no municiacutepio que se revela como um atrativo para o visitante e eacute

explorada na sua publicidade agraves vezes de forma expliacutecita como bem o representa o

Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila Mas na vivecircncia cotidiana conforme se

pocircde notar por meio da observaccedilatildeo participante a categoria roccedila tambeacutem eacute veiculada a

todo momento fazendo parte portanto natildeo soacute do gecircnero do discurso complexo

relacionado aos mecanismos oficiais e institucionais de divulgaccedilatildeo do turismo local

mas tambeacutem do gecircnero do discurso simples nos enunciados produzidos na interaccedilatildeo

verbal cotidiana dos residentes (BAKHTIN 2003)

Para compreender os usos e significados da categoria roccedila em Gonccedilalves eacute

preciso observar a diversidade social local e identificar a quais grupos sociais os

entrevistados pertencem Os entrevistados podem ser classificados basicamente em trecircs

grupos indiviacuteduos naturais de Gonccedilalves que viveram a maior parte da vida no

municiacutepio seja no campo ou na cidade no qual se inclui a maioria dos proprietaacuterios de

restaurantes da roccedila Um segundo grupo eacute formado por pessoas naturais de Gonccedilalves

mas que passaram parte dos uacuteltimos anos vivendo em outro municiacutepio para estudar ou

trabalhar mas retornaram agrave cidade e nela vivem e trabalham No terceiro grupo como

se pode supor enquadram-se os indiviacuteduos naturais de outros municiacutepios que passaram

parte de suas vidas em outras cidades notadamente em sociedades mais urbanizadas

que Gonccedilalves mas escolheram se mudar e viver nesta cidade Estes grupos seratildeo

denominados aqui de ldquoantigos residentesrdquo ldquoregressosrdquo e ldquonovos residentesrdquo

respectivamente Destaca-se contudo que os termos antigos ou novos residentes natildeo se

referem ao tempo de moradia dos indiviacuteduos em Gonccedilalves que pode ser relativamente

longo nos dois casos mas agrave origem deles onde nasceram foram socializados as

profissotildees que adotavam Tambeacutem se enfatiza que essa categorizaccedilatildeo visa apenas a

24 Natildeo haacute referecircncia do autor do texto

220

facilitar o entendimento as condiccedilotildees reais de vida dos sujeitos entrevistados satildeo mais

complexas Portanto os criteacuterios para caracterizaacute-los aqui satildeo as escolhas de partir ou

ir para Gonccedilalves Apesar dos ldquonovos residentesrdquo se enquadrarem tambeacutem nas

configuraccedilotildees sociais que autores como Giuliani (1990) e Entrena-Duraacuten (2012)

identificam como neorrurais optou-se aqui por natildeo utilizar tal conceito para defini-los

uma vez que suas inserccedilotildees em Gonccedilalves eram muito diversas Alguns atuavam na

agricultura jaacute outros desenvolviam atividades natildeo-agriacutecolas Em comum tinham o fato

de terem escolhido morar no campo

Feitas tais observaccedilotildees destaca-se que em Gonccedilalves foi possiacutevel identificar

todas as categorias relativas aos usos e significados do termo roccedila jaacute descritas no

capiacutetulo 2 Enquanto algumas categorias foram notadas de forma mais contundente e se

apresentavam mais densamente no discurso da populaccedilatildeo de Gonccedilalves outras eram

menos niacutetidas mas efetivas Assim destaca-se que com base na observaccedilatildeo participante

e nas entrevistas aos residentes em geral em Gonccedilalves a categoria roccedila era bastante

associada ao ldquocampordquo e ao ldquoruralrdquo bem como agravequilo que poderia ser considerado seu

extremo oposto ou seja a roccedila ldquoestilizadardquo categoria esta bastante negligenciada na

maioria das entrevistas e questionaacuterios aplicados tanto em Belo Horizonte quanto em

Gonccedilalves Associada agrave roccedila como sinocircnimo de ldquoruralrdquo apareceram ainda que menos

frequentemente a alusatildeo agrave ldquotradiccedilatildeordquo agrave ldquoMinas Geraisrdquo e agrave cultura ldquocaipirardquo bem como

uma forma de se referir a elas a depender do caso ldquoromacircnticardquo e ldquonostaacutelgicardquo E

embora a questatildeo da ldquonaturezardquo fosse evidente em Gonccedilalves a sua associaccedilatildeo com a

categoria roccedila era menos oacutebvia o que natildeo significa que natildeo fosse perceptiacutevel aos olhos

dos entrevistados

O uso do termo roccedila como sinocircnimo de ldquocampordquo foi notado em Gonccedilalves

tanto na sua organizaccedilatildeo socioespacial quanto no discurso dos moradores do municiacutepio

Conforme jaacute se salientou nas paacuteginas anteriores 724 (IBGE 2015) da populaccedilatildeo de

Gonccedilalves vivia no campo distribuiacutedos em mais de vinte bairros rurais Neles as

famiacutelias rurais distribuiacuteam-se nos siacutetios de suas propriedades relativamente proacuteximos

A diretora de Turismo afirmou que alguns bairros carregavam o sobrenome das famiacutelias

que ocupavam tal espaccedilo originariamente como por exemplo o Bairro dos Venacircncios

ou o Bairro dos Neves mas tambeacutem havia relatos de famiacutelias proprietaacuterias de um bairro

inteiro embora este natildeo carregasse o sobrenome da famiacutelia como relata uma

entrevistada ldquoMeu pai nasceu num bairro aqui quando desce a serra no Bairro Trecircs

221

Barras eacute o segundo bairro Eu nasci e criei ali E a minha matildee no Sertatildeo do Cantagalo

o meu avocirc era dono daquilo tudo laacuterdquo (Proprietaacuteria de pousada Gonccedilalves setembro de

2014)

Embora natildeo se tenha tido a oportunidade de aprofundar a investigaccedilatildeo sobre a

vida social nos bairros rurais destaca-se que uma das caracteriacutesticas marcantes a este

respeito que pocircde ser notada foram as festas religiosas catoacutelicas em homenagem aos

santos padroeiros de cada bairro que marcavam um calendaacuterio de eventos da cidade

Estas festas eram especialmente prestigiadas pela populaccedilatildeo local mas tambeacutem

pareciam atrair alguns turistas sobretudo aqueles que possuiacuteam propriedades nestes

bairros aqui denominados de segundos residentes mas que em Gonccedilalves eram

chamados genericamente de turistas pela populaccedilatildeo local No relato abaixo eacute possiacutevel

compreender alguns detalhes das festas nos bairros rurais

Eacute festa na Igreja [] Faz leilatildeo tem o bingo leitoa frango assado e os brindes que o povo daacute pra festa entatildeo tem bingo toda noite [] Tem missa procissatildeo muacutesica de artista regional mais eacute o sertanejo eacute a viola [] Todos os bairros tecircm festa acho que satildeo 23 Tem a igreja o padroeiro e trecircs dias de festa na aacuterea rural De maio a setembro eacute festa toda semana Ali nos Remeacutedios tem a festa do Remeacutedio a festa do Satildeo Joaquim e do Satildeo Sebastiatildeo que eacute no asfalto embaixo Logo mais agrave frente tem a festa do Satildeo Laacutezaro e laacute na Barra tem outra festa de Nossa Senhora quatro festas soacute ali Depois tem no [Bairro] Atraacutes da Pedra Ribeiratildeozinho nos Piquiras Satildeo sete festas soacute nesse pedaccedilo aiacute Depois tem no Mundo Novo tem no Cantagalo tem no Satildeo Sebastiatildeo Venacircncios Terra Fria e Campestre Satildeo quatro festas aqui pra cima Tem um uacutenico lado que soacute tem uma festa que eacute a festa do Satildeo Joatildeo Os turistas que tecircm propriedade nessas aacutereas rurais frequentam gostam de festa Aqui no Bairro dos Venacircncios na primeira segunda-feira de agosto eacute a festa eacute a festa que tem mais gente faz o triacuteduo faz novena e quermesse Eacute muita leitoa assada frango assado e cachaccedila Todo ano tem um casal que eacute o festeiro que organiza essas festividades (Proprietaacuterio de restaurante Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

222

FIGURA 82 ndash Igreja de Nossa Senhora dos Remeacutedios no Bairro Rural dos Remeacutedios

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Os bairros nesse sentido reproduziam os laccedilos de parentesco reciprocidade e

sociabilidade no campo constituindo-se em micro organizaccedilotildees sociais que tendiam a

recompensar as perspectivas de isolamento que costumavam ser apontadas como

caracteriacutesticas do campesinato brasileiro historicamente Pocircde-se notar portanto a

persistecircncia de tais bairros rurais em termos demograacuteficos sobretudo bastante

expressivos Estes pareciam corresponder agraves configuraccedilotildees dos bairros rurais descritos

por Queiroz (1973) Moura (1978) e Candido (2010) a respeito do campesinato

brasileiro especialmente na regiatildeo de cultura caipira nas terras paulistas apontados por

Moura (1978) para o caso de Minas Gerais numa regiatildeo proacutexima a Gonccedilalves no

municiacutepio de Itajubaacute Destaca-se a dinacircmica desses bairros rurais hoje em Gonccedilalves

uma vez que todos os ldquonovos residentesrdquo entrevistados e alguns dos ldquoregressosrdquo

moravam no campo nesses bairros aleacutem da pesquisa de Barbosa R (2014) ter

demonstrado que apoacutes um periacuteodo de queda da populaccedilatildeo rural em Gonccedilalves entre os

anos de 1970 a 1990 ela teria voltado a crescer ateacute os anos 2000 e se mantido

praticamente estaacutevel ateacute 2010 (BARBOSA R 2014 p 77)

A roccedila era tomada ainda como sinocircnimo de ldquolavourardquo especialmente entre os

ldquoantigos residentesrdquo que viviam no campo e se dedicavam agrave agricultura e hoje satildeo

proprietaacuterios de restaurantes eou pousadas na sua propriedade Entretanto estes se

referiam agrave roccedila em diferentes sentidos entre eles como um sinocircnimo de campo e mais

amplamente de rural num processo de metoniacutemia em que roccedila como lavoura se

transformava no espaccedilo e em toda a organizaccedilatildeo social que a abrigava Entre a

populaccedilatildeo de ldquoantigos residentesrdquo que natildeo vivia no campo alguns tendiam a usar o

termo roccedila para se referir agrave lavoura especialmente entre aqueles cujas atividades

223

profissionais natildeo estavam diretamente ligadas ao turismo mas agrave prestaccedilatildeo de serviccedilos

na sede urbana ou mesmo agrave agricultura orgacircnica Entre estes era comum a referecircncia ao

fato de que as roccedilas ldquonatildeo existem maisrdquo ou de que os agricultores tecircm se dedicado mais

agraves atividades turiacutesticas em detrimento agraves roccedilas Tais percepccedilotildees se referiam

obviamente agrave raacutepida conversatildeo de atividades pela qual passou Gonccedilalves e seus

campocircnios diminuindo a participaccedilatildeo da agricultura nas atividades econocircmicas da

cidade e aumentando o setor turiacutestico conforme tambeacutem destacou o estudo de Barbosa

R (2014) Tais transformaccedilotildees trouxeram mudanccedilas visiacuteveis agrave dinacircmica do campo e da

cidade do municiacutepio de Gonccedilalves mas tambeacutem ao modo de vida de muitos residentes

nos bairros rurais conforme seraacute visto adiante

Uma das entrevistadas que se enquadrava no grupo de ldquoantigos residentesrdquo que

vivia na cidade relatou seu passado no campo e o trabalho da famiacutelia dedicado agrave

agricultura Nesse relato estabeleceu uma diferenciaccedilatildeo entre roccedila agricultura e

lavoura Enquanto a primeira era o espaccedilo de cultivo de milho feijatildeo e arroz as duas

uacuteltimas se referiam especialmente agraves plantaccedilotildees de cenoura e batata tiacutepica na regiatildeo

no passado conforme jaacute se destacou em outro momento Enquanto a roccedila era cultivada

para o autoconsumo a lavoura de cenoura e batata era produzida para a comercializaccedilatildeo

sendo no caso da sua famiacutelia feita em terra arrendada Esse relato coaduna com as

discussotildees teoacutericas a respeito da roccedila nas teorias do campesinato discutidas no primeiro

capiacutetulo tanto em termos das espeacutecies cultivadas quanto ao destino a elas dado assim

como pela oposiccedilatildeo entre a roccedila e a lavoura (MOURA 1978 WOORTMANN

WOORTMANN 1997)

Outro aspecto que merece ser ressaltado a respeito da categoria roccedila como

sinocircnimo de campo em Gonccedilalves foi o fato de os residentes ldquonovosrdquo ldquoantigosrdquo ou

ldquoregressosrdquo dos bairros rurais ou da sede urbana se referirem ao seu siacutetio sua

residecircncia seu bairro rural ou ao campo propriamente dito como roccedila Expressotildees

como ldquosou nascido e criado na roccedilardquo ldquomoro na roccedilardquo ldquoaqui na roccedilardquo ldquoviver na roccedilardquo

ldquoo povo da roccedilardquo ouvidas recorrentemente em Gonccedilalves permitiram constatar o uso

do termo roccedila como sinocircnimo de ldquocampordquo De maneira complementar a roccedila era

utilizada como sinocircnimo de ldquoruralrdquo e desta vez ela englobava natildeo soacute a vivecircncia no

campo o trabalho na lavoura mas a cidade como um todo Muitos aspectos materiais

ou simboacutelicos ligados agrave cultura rural foram evidenciados no Festival e jaacute comentados

anteriormente como tiacutepicos do rural Estes elementos iam desde a produccedilatildeo das

224

imagens dos pratos para o Guia passando pela gastronomia pelas apresentaccedilotildees

culturais ateacute a decoraccedilatildeo do evento sejam eles ferramentas de trabalho ou utensiacutelios

domeacutesticos

Mas um aspecto mais sutil do rural e que recebeu destaque principalmente nas

entrevistas concedidas pelos ldquonovos residentesrdquo foi a sociabilidade e a constituiccedilatildeo de

relaccedilotildees sociais mais sedimentadas Os entrevistados ldquonovos residentesrdquo destacaram

como a hospitalidade e as relaccedilotildees de interconhecimento faziam de Gonccedilalves um local

especial para ser escolhido para viver e que davam ao municiacutepio esse aspecto de roccedila

Algumas entrevistadas ldquonovas residentesrdquo mencionaram o fato de viverem sozinhas em

suas casas no campo mas natildeo se sentirem solitaacuterias pela possibilidade de visitar as

pessoas e serem recebidas ldquocom um cafezinho uma broa quentinhardquo mesmo sem se

conhecerem Nestes depoimentos o modo de vida ldquomais simplesrdquo tambeacutem foi apontado

como um valor positivo especialmente pelo fato de natildeo ter que se preocupar com a

aparecircncia para ser identificado e reconhecido nas redes de relaccedilotildees Esse fato foi

comentado por algumas mulheres ldquonovas residentesrdquo que viveram em cidades como a

capital de Satildeo Paulo ou Satildeo Joseacute dos Campos-SP que viam na vida simples da roccedila

uma vantagem em natildeo ter que se preocupar em adequar a imagem pessoal a um padratildeo

esteacutetico rigidamente estabelecido nas sociedades urbanas modernas a manicure a

escova no cabelo a maquiagem o salto alto

O aspecto da humildade tambeacutem foi ressaltado por uma ldquoantiga residenterdquo que

vivia no campo proprietaacuteria de um restaurante como um atributo ldquodo povo da roccedilardquo

que natildeo teria mudado apesar de toda a modernidade que agora fazia parte ldquoda roccedilardquo

Nesse sentido os ldquoantigos residentesrdquo proprietaacuterios de restaurantes no campo foram

unacircnimes em ressaltar as transformaccedilotildees proporcionadas pela oportunidade de ocupaccedilatildeo

e renda gerada pelo turismo no campo de Gonccedilalves A mesma entrevistada que

mencionou a humildade do povo da roccedila tambeacutem ressaltou como o atendimento aos

frequentadores do restaurante de origem urbana teria contribuiacutedo para sua desenvoltura

e o aprendizado em lidar com os serviccedilos de atendimento assim como de seus colegas

Vaacuterios desses proprietaacuterios de restaurantes tambeacutem comentaram como o acesso a uma

renda possibilitava que as pessoas da cidade e da regiatildeo pudessem frequentar os

restaurantes e excursionar pelos pontos turiacutesticos de Gonccedilalves Assim relatou uma

entrevistada ldquoEacute mais o turismo neacute E hoje praticamente 90 do pessoal da regiatildeo vive

do turismo Aqui mesmo a gente tem um pessoal vizinhos deve ter umas dez casas

225

todo mundo trabalha para o turista entatildeo todo mundo estaacute empregado pelo pessoal de

forardquo (Proprietaacuteria de restaurante Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Outros entrevistados tambeacutem destacaram como o aumento da oferta de serviccedilos

na cidade introduziu principalmente nos jovens a oportunidade da escolha e da

projeccedilatildeo de vida sem que para isso fosse preciso abandonar o municiacutepio

definitivamente

Eu costumo falar que dentro de dez anos a cidade de Gonccedilalves se transformou totalmente Mas o que eu acho mais bacana eacute que ela se transformou ela trouxe qualidade de vida para os moradores principalmente ela trouxe uma perspectiva e uma expectativa muito melhor porque hoje as pessoas as crianccedilas que moram na zona rural tecircm condiccedilotildees de sonhar e de concretizar aquilo Elas conseguem estudar elas conseguem ter uma profissatildeo moram fora ou voltam a morar aqui por opccedilatildeo (Ex-diretora de Turismo Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Barbosa R (2014) jaacute havia identificado em seu estudo o aumento da renda e da

ocupaccedilatildeo (embora em muitos casos informal) na populaccedilatildeo de Gonccedilalves e a

diminuiccedilatildeo da pobreza extrema e da desigualdade social apoacutes o ano 2000 Este autor

tambeacutem menciona como a venda de terrenos pelos agricultores aos ldquonovos residentesrdquo

ou moradores de segunda residecircncia teria possibilitado mais um acesso vantajoso agrave

renda nos uacuteltimos anos Este fato tambeacutem foi mencionado por alguns entrevistados

relatado como um negoacutecio que teria proporcionado melhorias na condiccedilatildeo de vida e na

propriedade rural especialmente se se considerasse a elevaccedilatildeo do preccedilo da terra na aacuterea

turiacutestica mais valorizada De acordo com a diretora de Turismo o acesso de muitos

agricultores jaacute idosos agrave aposentadoria rural tambeacutem teria mudado suas condiccedilotildees de

trabalho uma vez que puderam adquirir por meio da compra muitos dos itens que

antes eram plantados para garantir o autoconsumo aleacutem de adquirirem insumos e

implementos que facilitariam o trabalho agropecuaacuterio Exemplifica como muitos

agricultores trocaram a produccedilatildeo de leite pela bananicultura a compra do milho antes

plantado para alimentar os cavalos o uso deste animal de transporte e do proacuteprio carro

de boi como hobby e natildeo mais para o trabalho aacuterduo

Eu me lembro do compadre dizer que depois que ele parou de trabalhar com vaca parou de tirar leite e resolveu fazer plantaccedilatildeo de banana ele tem mais qualidade de vida porque ele natildeo precisa trabalhar saacutebado domingo acordar tatildeo cedo hoje ele consegue

226

programar a vida dele (Diretora de Turismo Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Algumas dessas mudanccedilas sentidas principalmente pelos ldquoantigos residentesrdquo

foram comentadas durante uma confraternizaccedilatildeo apoacutes uma sessatildeo de fotografia num

dos bares dos bairros rurais A equipe do Departamento de Turismo e a famiacutelia rural

teceram comparaccedilotildees entre as utilidades domeacutesticas de ldquoantigamenterdquo e os

eletrodomeacutesticos ldquomodernosrdquo e como a substituiccedilatildeo de um pelo outro acarretou

mudanccedilas no modo de vida cotidiano As conclusotildees apontaram para a conveniecircncia de

se viver na tranquilidade e sossego do campo mas com o conforto ldquoda cidaderdquo

Referiam-se principalmente ao acesso a serviccedilos baacutesicos como a energia eleacutetrica e aos

eletrodomeacutesticos o que rendeu um comentaacuterio anedoacutetico que sintetizava as novas

representaccedilotildees sobre o campo no Brasil uma servidora municipal do Departamento de

Turismo contou que as crianccedilas na escola costumam desenhar a casa no campo

atualmente substituindo a habitual chamineacute e sua fumaccedila por uma antena de TV por

assinatura a Sky

As comparaccedilotildees entre o tradicional e o moderno o antigo e o atual que

permeavam e permeiam a vida rural renderam algumas percepccedilotildees a respeito do que

seria a roccedila ldquotradicionalrdquo mas tambeacutem alguns comentaacuterios carregados de ldquonostalgiardquo

No centro da discussatildeo a respeito da ldquotradiccedilatildeordquo estava o fogatildeo a lenha da mesma

maneira que sua importacircncia como representaccedilatildeo social do rural jaacute havia sido notada

nas fotografias dos pratos preparadas para o Guia Gastronocircmico mencionada

anteriormente Assim comentou-se a respeito de alguns alimentos e teacutecnicas de cocccedilatildeo

que eram desenvolvidas ldquoantigamenterdquo para a conservaccedilatildeo dos alimentos devido agrave

ausecircncia de geladeira forno micro-ondas ou mesmo o fogatildeo a gaacutes que permitissem

procedimentos considerados por eles mais faacuteceis de manejar O fogatildeo a lenha possuiacutea

centralidade pela possibilidade de defumar e ldquocurarrdquo alguns alimentos como a linguiccedila

ou a carne de porco e de assar bolos mesmo com a ausecircncia do forno que segundo os

relatos natildeo eram comuns nos ldquoantigosrdquo fogotildees a lenha Assim desenvolvia-se a teacutecnica

de assar o bolo numa panelinha na boca do fogatildeo cuja tampa era coberta com brasa

Por outro lado a teacutecnica de defumaccedilatildeo da linguiccedila caseira ainda eacute desenvolvida pelos

proprietaacuterios do bar que a comercializam tendo sido um dos pratos servidos nesta

ediccedilatildeo do Festival

227

A analogia entre a categoria roccedila e ldquoMinas Geraisrdquo jaacute foi destacada quanto agraves

caracteriacutesticas da comida tanto neste capiacutetulo quanto no capiacutetulo 3 No entanto natildeo se

pode deixar de reforccedilar a associaccedilatildeo entre a comida mineira a comida caseira e a

comida da roccedila estabelecida sobretudo pelas cozinheiras ou chefs dos restaurantes em

Gonccedilalves Jaacute se detalhou as caracteriacutesticas dessa comida mineira anteriormente e natildeo

seraacute necessaacuterio repeti-lo neste momento Mas a associaccedilatildeo entre roccedila e cultura mineira

ia aleacutem da comida sendo apontada em Gonccedilalves com algumas particularidades A

primeira delas foi que a cultura mineira era pensada ressaltada e valorizada como um

atrativo turiacutestico sobretudo em relaccedilatildeo a Satildeo Paulo Aleacutem de a cidade estar muito

proacutexima ao Estado paulista tendo como um dos seus polos de influecircncia municiacutepios

como Campos do Jordatildeo Satildeo Joseacute dos Campos e a proacutepria capital do Estado de Satildeo

Paulo os entrevistados foram unacircnimes em afirmar que a grande maioria dos turistas

era proveniente desses locais Assim o contraponto ficava por conta da comparaccedilatildeo

entre o modo de vida em uma cidade de pequeno porte ou mesmo rural como

Gonccedilalves e em um grande centro urbano

Mas a comparaccedilatildeo tambeacutem ficava por conta dos realces agraves caracteriacutesticas do que

se convencionou chamar de ldquomineiridaderdquo como a hospitalidade e a simplicidade Em

Gonccedilalves os limites de tais caracteriacutesticas do que seria essa cultura mineira

especialmente vivenciada no campo ou nas pequenas cidades do interior se imiscuiacuteam

no que poderia se chamar de cultura rural ou ainda do que se tem proposto ateacute aqui de

roccedila Em segundo lugar sublinha-se que a caracteriacutestica do ldquoser mineirordquo era mais

notada pelo ponto de vista dos ldquonovos residentesrdquo especialmente vindos de Satildeo Paulo

como revela o seguinte depoimento

[] mas eu acho isso um valor Se algueacutem falar que eu sou da roccedila ndash eu jaacute ldquomineireirdquo o suficiente neacute ndash porque pra mim Minas eacute roccedila Do triacircngulo que eacute Rio Satildeo Paulo e Minas [] os dois Rio e Satildeo Paulo satildeo muito ligados ao urbano Minas eacute o interior eacute pra dentro natildeo tem praia natildeo tem litoral ele eacute roccedila Mas eacute muito legal ser roccedila [] mas por isso que tem que ter o valor em si natildeo vamos nos transformar numa Finlacircndia neacute Finlacircndia brasileira Suiacuteccedila brasileira Gente Noacutes somos roccedila noacutes somos mineiros isso eacute um valor Vamos ser Minas Venha para Minas Minas eacute isso aqui oh (Proprietaacuteria de estabelecimento de produtos alimentiacutecios Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Nesse depoimento a sinoniacutemia era entre Minas Gerais roccedila e rural aleacutem das

referecircncias ao interior e ldquopra dentrordquo A identificaccedilatildeo entre Minas Gerais e a

228

ldquoruralizaccedilatildeordquo jaacute foi discutida num outro momento segundo Abdala (2006) e

Vasconcellos (1981) mas conveacutem ainda destacar uma percepccedilatildeo jaacute notada entre os

respondentes em Belo Horizonte a respeito do interior Aqui como laacute o interior

utilizado no discurso dos entrevistados fazia menccedilatildeo natildeo soacute agrave caracteriacutestica espacial em

contraponto ao litoral por exemplo mas tambeacutem agrave subjetividade e agrave introspecccedilatildeo

complementado pela expressatildeo ldquopra dentrordquo

Por outro lado a associaccedilatildeo entre a categoria roccedila e a cultura mineira tambeacutem

era comentada fazendo-se menccedilotildees agrave categoria ldquocaipirardquo particularmente tambeacutem a

partir do ponto de vista dos ldquonovos residentesrdquo O termo ldquocaipirardquo nesse sentido

tambeacutem era utilizado para se ressaltar a simplicidade e a hospitalidade destacando-se

portanto como um valor sem a conotaccedilatildeo pejorativa com que o vocaacutebulo poderia ser

usado Curiosamente tais ldquonovos residentesrdquo que ressaltavam essa caracteriacutestica para o

termo roccedila eram de Satildeo Paulo Estado na concepccedilatildeo de Ribeiro (2006) e Candido

(2010) onde teria sido gestada a cultura caipira Nesse caso a percepccedilatildeo da cultura da

roccedila enquanto uma cultura caipira natildeo oporia Minas Gerais e Satildeo Paulo embora ainda

permita a contraposiccedilatildeo desta cultura ao modo de vida tiacutepico da capital paulista ou dos

grandes centros urbanos

Assim como jaacute foi ressaltado anteriormente alguns aspectos da roccedila como

sinocircnimo de ldquoruralrdquo eram evidenciados em Gonccedilalves em consonacircncia com a discussatildeo

da ldquotradiccedilatildeordquo do autecircntico cuja imagem aleacutem do carro de boi orgulhosamente

apontado pela populaccedilatildeo local como uma atraccedilatildeo turiacutestica era o fogatildeo a lenha e os

sentidos que evocava sendo inclusive o elemento central dos restaurantes da roccedila

onde se fazia e se servia a comida Nesse sentido uma das ex-conselheiras de Turismo

ressalta como a cultura da roccedila permeava a gastronomia e assim era considerada na

elaboraccedilatildeo do Festival o modo de fazer seus utensiacutelios e ingredientes Os restaurantes

da roccedila eram assim incentivados a reproduzir o modo de fazer tiacutepico cotidiano os

ingredientes do quintal o fogatildeo a lenha a panela de ferro a colher de pau Outro

aspecto ressaltado durante a observaccedilatildeo participante e que de alguma forma se

confunde entre o ldquoruralrdquo e o ldquotradicionalrdquo por ser um hiacutebrido entre representaccedilotildees

trabalho rural e modo de vida seriam as galinhas soltas pelo quintal os bezerros a

ordenha das vacas e a criaccedilatildeo de porcos aleacutem de animais de estimaccedilatildeo como gatos e

cachorros Este uacuteltimo aspecto era revelado de forma difundida mas ressaltado

especialmente pelos ldquonovos residentesrdquo e ldquoregressosrdquo Estes narravam o cuidado com os

229

animais como uma forma de destacar sua opccedilatildeo pela mudanccedila de vida e a vida na roccedila

como sendo a eleita

Eacute mudar mesmo a vida ter uma vida mais simples uma vida mais tranquila sabe Hoje eu tenho galinha tenho pintinho tenho galo a minha vida hoje eacute assim eu acordo tenho que pocircr quirera pra galinha eu converso com os meus galos entendeu [risos] eacute uma deliacutecia (Proprietaacuteria de loja de decoraccedilatildeoartesanato Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Eu moro ali Crio galinha pintinho agora tem porco tenho gato tenho cachorro Meu pai tem vaca tem cavalo tem bezerro Entatildeo a gente vive uma vida bem roccedila mesmo bem gostoso (Proprietaacuteria de loja de artesanato Gonccedilalves setembro de 2014) Aiacute eu fui morar a um quilocircmetro e meio pertiacutessimo daacute pra vir a peacute mas eacute o suficiente do outro lado do morro pra eu ficar tranquila E eu moro numa chacrinha entatildeo tem cachorro no quintal gato plantei as aacutervores todas entatildeo agraves vezes eu preciso ficar em casa quieta um pouco andar no quintal ver plantas e tal sabe uma coisa assim (Proprietaacuteria de estabelecimento de produto alimentiacutecio Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Enquanto a ldquonostalgiardquo foi identificada principalmente relacionada agrave ldquotradiccedilatildeordquo

na visatildeo dos ldquoantigos residentesrdquo o ldquoromantismordquo tendia a permear o discurso dos

ldquonovos residentesrdquo a respeito das condiccedilotildees de vida tiacutepicas da cultura ldquoruralrdquo

especialmente a sociabilidade a simplicidade o interconhecimento e a relaccedilatildeo mais

proacutexima agrave ldquonaturezardquo Esta categoria tambeacutem compunha os aspectos da roccedila em

Gonccedilalves mas foi menos acionada nos discursos dos entrevistados Obviamente a

ldquonaturezardquo era exaltada quanto aos atrativos naturais disponiacuteveis agrave apreciaccedilatildeo turiacutestica

como as cachoeiras e picos e mais genericamente a fauna a flora e o clima frio e se

traduzia nas atividades turiacutesticas ali desenvolvidas como o ecoturismo o turismo de

aventura e o birdwatching Em certa medida tambeacutem era ao ambiente natural que se

referiam os entrevistados quando associavam a roccedila agrave ldquotranquilidaderdquo ldquopazrdquo ldquosossegordquo

embora tais atributos tambeacutem fossem utilizados para contrapor o modo de vida em

Gonccedilalves agraves vicissitudes da vida urbana como a violecircncia o tracircnsito a poluiccedilatildeo o

barulho e o estresse O desenvolvimento da agricultura orgacircnica e a constituiccedilatildeo da

Aacuterea de Proteccedilatildeo Ambiental Fernatildeo Dias englobando todo o territoacuterio de Gonccedilalves e

induzindo as mudanccedilas no modelo agropecuaacuterio ateacute entatildeo desenvolvido certamente tecircm

ampliado o discurso a respeito da ldquonaturezardquo entre os moradores e frequentadores de

Gonccedilalves Nesse sentido muitos percebiam a roccedila como a oportunidade de consumir

230

alimentos frescos saudaacuteveis sendo possiacutevel dominar a informaccedilatildeo natildeo soacute sobre sua

origem mas tambeacutem conhecer como eram cultivados experimentando efetivamente o

encurtamento da cadeia produtiva seja plantando para o autoconsumo seja comprando

diretamente do produtor na feira seja visitando a propriedade de agricultura orgacircnica

para colher pessoalmente os alimentos Estes fatos tambeacutem puderam ser notados no

texto de apresentaccedilatildeo do Guia Gastronocircmico que reafirmava que o ldquoo ovo vem da

galinhardquo e o ldquoleite da vacardquo reestabelecendo formas de conviacutevio na relaccedilatildeo entre o

homem e a natureza notaacuteveis nas declaraccedilotildees de alguns entrevistados sobre ldquoacordar

com os passarinhos cantandordquo e ldquotomar aacutegua da minardquo

Conforme jaacute se elucidou no iniacutecio desta seccedilatildeo as categorias de usos e

significados do termo roccedila mais evidentes em Gonccedilalves foram o ldquocampordquo o ldquoruralrdquo e

a roccedila ldquoestilizadardquo embora todas as outras categorias tambeacutem tenham sido

identificadas com maior ou menor intensidade Por parte de alguns

produtoresdistribuidores ldquonovos residentesrdquo em Gonccedilalves havia o reconhecimento

de terem desenvolvido a oferta de produtos e ou serviccedilos que embora tivessem tido

uma inspiraccedilatildeo na cultura da roccedila possuiacuteam um conceito esteacutetico eou funcional de

inspiraccedilatildeo urbana e moderna Isso se daria por um lado obviamente pela proacutepria

cultura do proprietaacuterio do estabelecimento que vindo de uma vivecircncia urbana trazia

esses aspectos para o serviccedilo ou produto ofertado mas tambeacutem por haver uma

compreensatildeo a respeito de algumas preferecircncias do puacuteblico consumidor formado

majoritariamente pelos turistas de renda alta originaacuterios da capital de Satildeo Paulo

Embora natildeo se tenha evidecircncias objetivas para comprovar o componente de

classe entre os consumidores de produtos e serviccedilos da roccedila tanto entre os turistas de

Gonccedilalves quanto entre os frequentadores do Mercado Central todos os produtores e

distribuidores entrevistados ou que responderam aos questionaacuterios inclusive online

apontaram de forma majoritaacuteria para o puacuteblico de alta renda como sua principal

clientela Nesse sentido se os produtos e serviccedilos da roccedila podem ser identificados aos

produtos artesanais e alimentares tradicionais relatados por Wilkinson e Mior (1999)

estes autores indicam que estes produtos se enquadram em mercados de nicho dentro

dos quais recebem um preccedilo-precircmio Os entrevistados tambeacutem apontaram o acesso da

classe meacutedia a estes produtos sem caracterizaacute-la contudo como seu principal puacuteblico

consumidor Nesse sentido destacavam a participaccedilatildeo da classe meacutedia nesse mercado

231

consumidor pela via da ascensatildeo e das novas oportunidades de consumo conforme as

discussotildees de Neacuteri (2012) e Pochmann (2012) jaacute comentadas anteriormente

Nesse ensejo ressalta-se que para alguns dos produtoresdistribuidores ldquonovos

residentesrdquo em Gonccedilalves seus produtos ou serviccedilos ofertados eram assumidamente

ldquoestilizadosrdquo entendendo-se tal atributo no sentido apontado por Bourdieu (2013) de

que haveria uma prevalecircncia da esteacutetica da forma da apreciaccedilatildeo e da fruiccedilatildeo em

detrimento ao conteuacutedo e funccedilatildeo em que o componente do ldquogostordquo evidenciaria o

processo de distinccedilatildeo A ldquoestilizaccedilatildeordquo dos produtos e serviccedilos era sugerida por meio de

diferentes expressotildees como ldquosofisticaccedilatildeordquo e glamour conforme os seguintes relatos

ldquoEu quero ter um produto elaborado que vocecirc possa usar na roccedila [] com cara de roccedila

mas com um glamour a maisrdquo (ldquoNova residenterdquo proprietaacuteria de loja de decoraccedilatildeo) que

versa sobre os seus produtos e adiante sobre o serviccedilo do restaurante

A minha comida eu chamo de rural eacute uma comida da roccedila mas uma comida um pouco mais sofisticada Entatildeo eu uso vinhos umas coisas assim [] Entatildeo eu procuro eu soacute natildeo uso frango caipira mas tudo que eles usam eacute a abobrinha por exemplo eu procuro fazer do jeito deles mas com um toque meu Eu pego os ingredientes que eles usam e dou uma modificada aprimoro um pouco mais (Proprietaacuteria de restaurantechef Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

A ressignificaccedilatildeo da roccedila daquilo que pode ser identificado como ldquoruralrdquo e

ldquotradicionalrdquo era bastante evidente em Gonccedilalves e pode ser constatada pela descriccedilatildeo

do cenaacuterio urbano e dos serviccedilos especialmente ofertados ao setor de turismo A

reelaboraccedilatildeo dos significados de roccedila se por um lado pode ser interpretada como um

processo de apropriaccedilatildeo cultural industrial que poderia massificar e padronizar tem na

verdade como resultado produtos e serviccedilos com muacuteltiplas referecircncias que vatildeo desde

o tradicional e tiacutepico agraves vezes artesanal e por isso raro e exclusivo ao natural versado

no discurso ambiental passando pela fronteira do globalizado como bem o descreveu

uma entrevistada

Quando eu falo que Gonccedilalves eacute um desafio e Gonccedilalves eacute uma questatildeo bem particular eacute porque em Gonccedilalves a gente vivencia a roccedila e eacute claro com essa expressatildeo do verde do harmonioso sim Em relaccedilatildeo ao povo existe a simplicidade existe isso mas existe uma dinacircmica sabe Em Gonccedilalves a gente natildeo separa muito esse meio eu acho que existe uma integraccedilatildeo Se vocecirc vai buscar na cidade a cidade tem a expressatildeo da roccedila se vocecirc vem buscar no meio rural o

232

meio rural tem a expressatildeo da roccedila Entatildeo Gonccedilalves tem um encontro com tudo isso que eu coloquei mais uma autonomia uma abertura de visatildeo e de um grande encontro com o que vem de fora Entatildeo eu acho que existe em Gonccedilalves uma roccedila ldquoantenadardquo ldquoAntenadardquo no sentido de que estaacute mais ligada mais conectada com o urbano um pouco Eacute uma roccedila diferenciada Com todas as caracteriacutesticas mas com um a mais com uma visatildeo a mais por participar de um movimento diferente a roccedila eacute mesclada todo mundo que veio do meio urbano estaacute no meio rural o meio rural vai para o urbano volta entatildeo existe uma troca muito grande eacute um lugar diferenciado (Artesatilde Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

A articulaccedilatildeo entre o local e o global jaacute referenciada por Entrena-Duraacuten (2012)

a respeito das transformaccedilotildees do imaginaacuterio rural na Espanha pode ser percebida em

Gonccedilalves por meio da categoria roccedila nos seus usos e significados mais expressivos o

ldquocampordquo o ldquoruralrdquo e o ldquoestilizadordquo A valorizaccedilatildeo da vida simples da natureza e do

rural seria nesse caso um contraponto agrave perspectiva do aclamado estilo country no

Brasil que segundo Alem (1996) e De Paula (1998 1999 e 2001) seriam marcados

pela ldquoestilizaccedilatildeordquo do rural por meio da constituiccedilatildeo de uma rede simboacutelica do rural pela

elite dominante e pelos mecanismos de distinccedilatildeo e estetizaccedilatildeo do rural ao contraacuterio do

country americano onde os princiacutepios norteadores estariam no trabalho e na

simplicidade A roccedila nesse sentido parece ter sucedido ao discurso dominante da

esteacutetica country brasileira cujo auge pode-se identificar nos anos 1990 embora seja

consolidado e ainda reine no circuito campo-cidade identificado pelos autores A

categoria roccedila ao que tudo indica conquanto possa se expressar como um simulacro da

realidade rural estetizada e ldquoestilizadardquo tambeacutem articula noccedilotildees vinculadas a uma

tradiccedilatildeo do rural identificada com a agricultura camponesa por um lado ao mesmo

tempo em que serve de ponte para o discurso ambiental e sua preocupaccedilatildeo com a

natureza

Mas tambeacutem haacute que se notar que o jogo entre o local e o global expresso na

roccedila ldquoestilizadardquo tambeacutem ocorre por meio de um processo de diferenciaccedilatildeo social a

partir de uma possiacutevel ldquogentrificaccedilatildeo do ruralrdquo (BATALLER 2012) em curso em

Gonccedilalves como em vaacuterios outros lugares no campo no Brasil e em outros paiacuteses que

introduzem na perspectiva local a noccedilatildeo do ldquogostordquo e portanto da distinccedilatildeo por meio

da oferta de serviccedilos especializados e direcionados para estratos de classe Os proacuteprios

fatores indutores dessa mudanccedila em Gonccedilalves como o turismo o lazer e as

preocupaccedilotildees ambientais se constituiacuteam em discursos construiacutedos a partir de uma

233

perspectiva urbana e burguesa como bem o assinalou Rambaud (1973) para o caso

francecircs

Assim a categoria da roccedila ldquoestilizadardquo como marca de produtos e serviccedilos no

Brasil com uma tendecircncia crescente identificada na pesquisa de solicitaccedilotildees de registro

no INPI apoacutes os anos 1990 ou representada em diferentes estabelecimentos localizados

em Gonccedilalves pode ser um indiacutecio de um simulacro do real (ENTRENA-DURAacuteN

2012) de um simples processo de ldquodesencaixerdquo (GIDDENS 1991) ou mais um caso de

apropriaccedilatildeo da autenticidade das culturas locais pela induacutestria cultural Mas tambeacutem

parece refletir processos mais complexos relacionados com a fragmentaccedilatildeo dos

contextos sociais a produccedilatildeo de identificadores fluidos e descentrados articulando

aspectos de tradiccedilatildeo e localidade produccedilatildeo artesanal e familiar e ldquogentrificaccedilatildeo ruralrdquo

por outro Reflete ao mesmo tempo a busca por raiacutezes origem e autenticidade o

cruzamento de fronteiras sociais demarcatoacuterias e a reelaboraccedilatildeo de novas distinccedilotildees

junto a novas possibilidades de modos de vida mais simples para uns com

oportunidades de ocupaccedilatildeo e renda para outros

Outro aspecto evidenciado pelas entrevistas realizadas em Gonccedilalves relaciona-

se diretamente agraves hipoacuteteses que orientaram esta pesquisa Alguns depoimentos

mencionaram como num passado ainda recente os entrevistados naturais de Gonccedilalves

identificavam no termo roccedila um uso pejorativo que tinha como intuito inferiorizaacute-los

havendo inclusive um processo de identificaccedilatildeo e incorporaccedilatildeo desse processo de

diferenciaccedilatildeo Entretanto esses entrevistados tambeacutem apontam para um processo de

reversatildeo no uso e significado do termo a partir das transformaccedilotildees pelas quais passou a

cidade e o campo de Gonccedilalves e o imaginaacuterio que teria tambeacutem se modificado a partir

de identificaccedilatildeo de novos valores em curso Algumas das entrevistadas que declararam

ter vivido tais experiecircncias satildeo ldquoregressasrdquo ou seja residiram em outras cidades

Estados e paiacuteses para estudar ou trabalhar mas retornaram agrave Gonccedilalves e se

estabeleceram em novas ocupaccedilotildees no municiacutepio Outra entrevistada caracterizou-se

como ldquoantiga residenterdquo mas relata tais mudanccedilas a partir das novas oportunidades que

se abriram a ela e agrave famiacutelia com o turismo rural

Basicamente as declaraccedilotildees dessas entrevistas mencionavam a vergonha em

ldquoser da roccedilardquo ou ldquoser de Gonccedilalvesrdquo que teria dado lugar nos uacuteltimos anos ao

ldquoorgulhordquo das ldquocoisas da roccedilardquo e de pertencer agravequele local tendo-o escolhido como um

234

lugar para viver ao contraacuterio das decisotildees tomadas anos atraacutes de migrar Alguns desses

relatos podem ser conferidos a seguir

Era um preconceito na verdade Se vocecirc morasse na roccedila vocecirc era um caipira era um ningueacutem E hoje natildeo hoje essa histoacuteria estaacute mudando Principalmente as pessoas de Satildeo Paulo que moram em preacutedios luxuosos trabalham em empresas eles vecircm para o nosso lugar que eacute simples humilde eles se sentem no lugar mais lindo do mundo Como o nosso lugar eacute valorizado neacute Pedem pra deixar a natureza mais ruacutestico a comida tambeacutem feijatildeozinho com couve torresminho carne de lata Entatildeo a forma que a gente foi criada aqui a gente trouxe para o restaurante entendeu O que a gente comia quando a vovoacute fazia a mamatildee A gente cresceu nessa vida entatildeo vamos apresentar como a gente foi criada E o pessoal ama a comidinha Eacute simples humilde mas as pessoas se deliciam na comida (Proprietaacuteria de restaurante Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Eu me lembro perfeitamente quando a cidade era totalmente rural vivia da agricultura e da pecuaacuteria A gente natildeo tinha opccedilatildeo de comeacutercio praticamente nenhuma [] quando a gente falava roccedila antigamente a gente via como uma coisa pejorativa [] Quando a gente ia estudar em Paraisoacutepolis num coleacutegio particular os alunos de Gonccedilalves sempre tinham boas notas mas era ldquoo pessoal da roccedilardquo porque na eacutepoca era estrada de terra natildeo tinha celular natildeo tinha internet Entatildeo era assim bem limitado [] Entatildeo eu acho que a cidade mudou do dia pra noite mas manteve essa identidade rural essa identidade da roccedila Hoje eu vejo que pra minha geraccedilatildeo e pras geraccedilotildees mais antigas eacute motivo de orgulho falar que vocecirc mora em Gonccedilalves que a sua cultura eacute da roccedila e que vocecirc gosta de andar a cavalo nos finais de semana que vocecirc comia comida soacute de fogatildeo a lenha [] Entatildeo dentro de dez quinze anos Gonccedilalves se transformou mas natildeo perdeu a identidade eu acho que na verdade fortaleceu essa identidade rural porque ela era vista apenas como uma coisa pejorativa e hoje natildeo hoje ela eacute motivo de orgulho pra todo mundo neacute falar que eacute nascido e criado na roccedila (Ex-diretora de Turismo Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Ainda que essas declaraccedilotildees expliacutecitas sobre as mudanccedilas no campo valorativo

em torno do termo roccedila e do que ele representava e representa natildeo tenham sido tatildeo

frequentes a opccedilatildeo por morar em Gonccedilalves no campo fazia parte da histoacuteria da

maioria dos entrevistados Os ldquoregressosrdquo mencionavam a opccedilatildeo de recomeccedilar a vida

em Gonccedilalves juntamente com a famiacutelia que ainda residia ali apoacutes experiecircncias mais

ou menos longas de viver em outros lugares para estudar trabalhar ou mesmo constituir

um nuacutecleo familiar Entre os ldquonovos residentesrdquo a mudanccedila para o campo em

Gonccedilalves representava natildeo soacute outro lugar para viver e trabalhar mas a ruptura com um

235

modo de vida urbano e moderno e a reconstruccedilatildeo de novos laccedilos sociais e o

aprendizado de outro modo de vida considerado por eles como simples calcado em

outros princiacutepios Tais casos tornaram-se bastante elucidativos da proposiccedilatildeo de um

processo de revalorizaccedilatildeo do rural sob algumas facetas representado pelas

ressignificaccedilotildees que adquire o termo roccedila nas uacuteltimas duas deacutecadas pelo menos

Entre os ldquonovos residentesrdquo a histoacuteria que permeava a decisatildeo de abandonar a

carreira profissional os laccedilos sociais e a vida material constituiacuteda na capital de Satildeo

Paulo e se mudar para o campo de Gonccedilalves e reconstruir as condiccedilotildees de vida com

um novo projeto de vida calcado em valores diferentes e em outro modelo de sociedade

era muito parecida Os ldquonovos residentesrdquo entrevistados tinham um perfil similar numa

faixa etaacuteria entre os quarenta e os sessenta anos de idade viveram praticamente a vida

toda na capital de Satildeo Paulo onde constituiacuteram famiacutelia e se dedicaram a carreiras em

profissotildees natildeo agriacutecolas Muitos relataram uma histoacuteria parecida de estarem viajando a

passeio por cidades da regiatildeo de Gonccedilalves terem ido a esta cidade apenas para

conhecer almoccedilar num restaurante numa passagem raacutepida mas terem se encantado e se

sentirem tocados pelo modo de vida e pelo lugar de tal forma que jaacute saiacuteram de laacute com

uma casa alugada para passar finais de semana e temporadas Apoacutes um ou dois anos de

temporadas de feacuterias feriados e fins de semana em Gonccedilalves mudaram-se

definitivamente de cidade de profissatildeo e de modo de vida

Outros ldquonovos residentesrdquo jaacute conheciam Gonccedilalves costumavam visitar ou

tinham viacutenculos sociais com amigos e parentes e decidiram se mudar para laacute apoacutes o

encerramento de um ciclo de vida como a aposentadoria a conclusatildeo de um curso a

mudanccedila de emprego ou transformaccedilotildees na vida pessoal como a separaccedilatildeo de um

casamento ou a partida de um filho por exemplo Nesse sentido a mudanccedila de

ocupaccedilatildeo profissional eacute providenciada aproveitando-se o arranjo produtivo local como

a agricultura orgacircnica o turismo a gastronomia o artesanato ou o comeacutercio de apoio ao

turismo A expansatildeo do turismo em Gonccedilalves na uacuteltima deacutecada tambeacutem abriu novos

postos de trabalho em setores bastante especializados como a gastronomia por

exemplo tendo se tornado tambeacutem um atrativo para jovens profissionais que se dirigem

agrave cidade motivados pelas oportunidades de emprego

Essa revalorizaccedilatildeo da roccedila observada em Gonccedilalves passa por uma criacutetica ao

modelo de civilizaccedilatildeo urbana da metroacutepole especialmente entre os ldquonovos residentesrdquo

vindos da capital de Satildeo Paulo conforme constatou Silva G (2009) Estes ldquonovos

236

residentesrdquo em Gonccedilalves destacaram o jogo de valores que envolve o julgamento de

familiares e amigos a respeito de sua mudanccedila de vida Enquanto alguns criticariam a

mudanccedila de vida sob o espectro da coragem em viver sob um novo modo de vida

outros revelariam um desejo de vivenciar esta transformaccedilatildeo na proacutepria vida Segundo

uma entrevistada estas questotildees morais tambeacutem satildeo percebidas entre os turistas e

clientes que deixam entrever as reflexotildees a respeito do modelo de sociedade que se

escolhe viver conforme os seguintes relatos

Esse puacuteblico de niacutevel de renda ldquoArdquo que mora em Satildeo Paulo em Campinas enfim eles natildeo aguentam mais Eles vecircm em busca dessa vida de roccedila por incriacutevel que pareccedila eles necessitam ir para Nova Iorque necessitam ir para Miami necessitam ter o carro top de linha mas eu acho que no fundo sabe Entatildeo eu vejo que esse puacuteblico sente falta dessa vida simples da roccedila porque eacute uma vida muito simples eacute muito simples Eu percebo isso todo mundo fala assim pra mim ldquoNossa como vocecirc eacute corajosa vocecirc largou tudo em Satildeo Paulordquo ldquoLarguei tudo em Satildeo Paulo Natildeo volto pra Satildeo Paulordquo ldquoNossa que vontaderdquo Entatildeo por mais que a pessoa ela sente falta dessa vida mais simples Eu percebo isso tanto em restaurantes quanto na loja (Proprietaacuteria de loja de decoraccedilatildeo Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

As reflexotildees que os ldquonovos residentesrdquo propotildeem a respeito da comparaccedilatildeo entre

os modos de vida rural e urbano tendiam a ser traduzidas pela expressatildeo simplicidade

cuja imagem siacutembolo se ligava agrave hospitalidade na forma de receber as visitas pela casa

aberta sem cerimocircnias pela oferta de um cafeacute e um lanche e pela perspectiva de se

sentar agrave mesa e conversar As seguintes passagens ilustram essas representaccedilotildees

Eu gosto desse fato de ter a casa que pode chegar qualquer pessoa se sentar e tomar um cafeacute sabe [] Eu percebo isso eu vou pra Satildeo Paulo encontrar com algum amigo eu tenho que ligar marcar deixar tudo agendado natildeo daacute pra improvisar nada Na roccedila daacute Na roccedila vocecirc chega vai ter um cafeacute pra vocecirc com broa com queijo (Proprietaacuteria de estabelecimento de produtos alimentares Gonccedilalves-MG setembro de 2014) Roccedila Simplicidade total Eacute aconchego sabe As pessoas da roccedila te acolhem sabe Eacute aconchego Agraves vezes eu pego o meu carro e vou passear para o outro lado dali e eu vejo umas casas muito antigas eu adoro entrar tomar um cafeacute ldquoentra vem tomar um cafeacute a gente fez uma broardquo Eacute bem isso como eu nasci e cresci em Satildeo Paulo natildeo tem isso em Satildeo Paulo Entatildeo eu acho que a roccedila eacute isso eacute simplicidade eacute aconchego eacute acolhedor eacute amor eacute amor Vocecirc natildeo vecirc

237

esse amor em Satildeo Paulo natildeo vecirc na cidade grande (Proprietaacuteria de loja de decoraccedilatildeo Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

A simplicidade com uma conotaccedilatildeo positiva foi uma representaccedilatildeo acionada

em relaccedilatildeo ao modo de vida proacuteprio do rural como uma imagem que definiria o que era

roccedila para alguns entrevistadosrespondentes No proacuteximo capiacutetulo os usos e

significados do termo roccedila seratildeo examinados de forma mais detida a partir da

submissatildeo dos dados colhidos em campo no Mercado Central de Belo Horizonte e em

Gonccedilalves e no seu Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila agrave anaacutelise estatiacutestica

textual com o uso do software Alceste e agrave codificaccedilatildeo com o uso do software NVivo

238

5 O QUE SIGNIFICA ROCcedilA AFINAL

Este trabalho se propocircs a investigar os usos e significados do termo roccedila no

Brasil e para isso empreendeu-se uma anaacutelise histoacuterica das formas como o vocaacutebulo

tem sido usado em diferentes contextos sociais O exame de alguns trabalhos

acadecircmicos e de textos claacutessicos do pensamento social brasileiro demonstrou a

aplicaccedilatildeo da categoria roccedila ao longo da formaccedilatildeo histoacuterica brasileira para se referir agrave

produccedilatildeo de alimentos voltada para o abastecimento local especialmente de espeacutecies

como o milho o feijatildeo e a mandioca A roccedila apresentava-se entatildeo associada agrave lavoura

de pequena produccedilatildeo voltada para o autoconsumo e o suprimento de comunidades

locais Neste sentido roccedila aparecia atrelada agraves pequenas propriedades e ao trabalho

familiar de agricultores e camponeses

Com a expansatildeo do mercado de bens e serviccedilos a partir de 1960 e mais

intensamente a partir de 1980 o termo roccedila passou a ser utilizado como marca Este

fenocircmeno foi analisado nesta pesquisa para se buscar identificar indiacutecios a respeito da

reproduccedilatildeo dos seus usos e sentidos pregressos ou a sua provaacutevel ressignificaccedilatildeo do

vocaacutebulo Tal ressignificaccedilatildeo conforme a hipoacutetese de investigaccedilatildeo passaria por uma

inversatildeo de valores a respeito dos usos e significados do termo roccedila que antes

denotavam processos de diferenciaccedilatildeo social especialmente entre as culturas urbana e

rural e que nas uacuteltimas duas a trecircs deacutecadas ganhou sinais de uma valorizaccedilatildeo

Ateacute o momento analisou-se assim os usos e significados da categoria roccedila no

mercado de bens e serviccedilos dando ecircnfase aos processos simboacutelicos atribuiacutedos agraves marcas

pelos seus produtores distribuidores e consumidores Pocircde-se evidenciar tambeacutem um

conjunto de nuances que permeava os espaccedilos de produccedilatildeo circulaccedilatildeo e consumo de

produtos serviccedilos e significados da roccedila a partir dos eventos escolhidos para a anaacutelise

o Mercado Central em Belo Horizonte e o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila

em Gonccedilalves Nas paacuteginas seguintes a anaacutelise se voltaraacute de forma mais detida para os

significados da categoria roccedila a partir das declaraccedilotildees dos setenta indiviacuteduos abordados

nas entrevistas e na aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios a produtores distribuidores e

consumidores no Mercado Central de Belo Horizonte no 4ordm Festival de Gastronomia e

Cultura da Roccedila de Gonccedilalves e online Para auxiliar na sintetizaccedilatildeo e inferecircncia desses

significados utilizou-se dois softwares de anaacutelise de dados qualitativos o Alceste e o

NVivo por meio das teacutecnicas de anaacutelise estatiacutestica textual e codificaccedilatildeo

239

51 Procedimentos metodoloacutegicos e anaacutelise das respostas das entrevistas e

questionaacuterios com o uso do software Alceste

Utilizou-se o software Alceste (Analyse Lexicale par Contexte drsquoun Ensemble de

Segments de Texte25) para analisar as respostas dos entrevistados e respondentes do

questionaacuterio sobre a pergunta ldquoO que significa roccedila para vocecircrdquo O Alceste auxilia na

ldquobusca da intencionalidade comunicativa e da organizaccedilatildeo cultural e social dos

significados advindos da linguagem e da comunicaccedilatildeo socialrdquo segundo Saraiva et al

(2011) demonstrando-se portanto uma ferramenta uacutetil na tentativa de atender aos

objetivos propostos nesta pesquisa De acordo com Saraiva et al (2011) o Alceste eacute um

software comercial concebido por Reinert (1993) desenvolvido pela IMAGE numa

parceria entre o CNRS (Centro Nacional Francecircs de Pesquisa Cientiacutefica) e a ANVAR

(Agecircncia Nacional Francesa de Valorizaccedilatildeo agrave Pesquisa)

Baseado em metodologias de anaacutelise de conteuacutedo o Alceste efetua uma

classificaccedilatildeo estatiacutestica dos enunciados simples dos textos por meio da distribuiccedilatildeo do

vocabulaacuterio Conforme descreve o proacuteprio manual de utilizaccedilatildeo do software o Alceste

quantifica o texto e extrai suas estruturas mais significativas baseado no fato de que

segundo o seu desenvolvedor a distribuiccedilatildeo das palavras em um texto natildeo ocorreria de

forma aleatoacuteria (IMAGE 1998) A anaacutelise do corpus textual feita pelo Alceste eacute

realizada em quatro etapas De acordo com a descriccedilatildeo de Saraiva et al (2011 p 73-

74) na primeira etapa o programa faz uma leitura do texto e calcula o dicionaacuterio ou

seja faz uma indexaccedilatildeo do vocabulaacuterio agrupando-o de acordo com os seus radicais

transformando-o em formas reduzidas e calculando a sua frequecircncia Apoacutes esse

reconhecimento do que ele denomina de unidades de contexto iniciais (UCI) o

programa fragmenta o texto em segmentos de tamanho similar que satildeo as unidades de

contexto elementares (UCE) A segunda etapa consiste na classificaccedilatildeo hieraacuterquica

descendente em que as UCErsquos satildeo divididas em classes de acordo com a frequecircncia do

vocabulaacuterio das formas reduzidas atraveacutes do teste do ldquoquiquadradordquo Em seguida o

programa apresenta a descriccedilatildeo das classes de UCErsquos escolhidas permitindo identificar

seu vocabulaacuterio e as variaacuteveis separadas pela anaacutelise fatorial de correspondecircncia Por

fim apresenta as UCErsquos mais representativas de cada classe e permite que os dados 25 Anaacutelise Lexical Contextual de um Conjunto de Segmentos de Texto

240

sejam exportados por meio de um relatoacuterio A significacircncia estatiacutestica das palavras

dentro das classes eacute medida pelo qui-quadrado (X2) ao niacutevel de significacircncia de 5 de

acordo com Saraiva et al (2011) A classificaccedilatildeo hieraacuterquica descendente eacute apresentada

num graacutefico em formato de dendograma

O corpus submetido agrave anaacutelise do Alceste neste trabalho foi composto pelas

respostas de todos os interlocutores agrave questatildeo ldquoO que significa roccedila para vocecircrdquo Como

se tratavam de setenta respondentes foi considerada a resposta de cada um para esta

pergunta perfazendo no corpus o total de setenta unidades de contexto inicial (UCI)26

As variaacuteveis utilizadas na linha de comando para cada resposta ou cada unidade de

contexto inicial foram nuacutemero do questionaacuterio a condiccedilatildeo se produtordistribuidor ou

consumidor o local onde ocorreu a entrevista (Belo Horizonte Gonccedilalves ou outra

cidade) o sexo a escolaridade a idade onde o entrevistado vivia (no campo na cidade

em ambos ou natildeo informado) conforme pode ser visualizado no seguinte quadro

QUADRO 10 ndash Variaacuteveis e coacutedigos da linha de comando do corpus

VARIAacuteVEL COacuteDIGOS

Q = nuacutemero do

questionaacuterio

01 a 70

C = condiccedilatildeo Proprietaacuterio = 01 Consumidor = 02

L = local Belo Horizonte = 01 Gonccedilalves = 02 Outra = 03

S = sexo Masculino = 01 Feminino = 02

I = idade 20 a 30 anos = 01 30 a 40 anos = 02 40 a 50 anos = 03

50 a 60 anos = 04 60 a 70 anos = 05 70 a 80 anos = 06

acima de 80 anos = 07

E = escolaridade Analfabeto = 01 Ensino Fundamental Incompleto = 02

Ensino Fundamental Completo = 03 Ensino Meacutedio Incompleto = 04

Ensino Meacutedio Completo = 05 Ensino Superior Incompleto = 06

Ensino Superior Completo = 07 Poacutes-graduaccedilatildeo = 08

V = onde viveu a

maior parte da vida

Campo = 01 Cidade = 02 Ambos = 03 Natildeo informado = 04

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

26 A formaccedilatildeo do corpus seguiu as orientaccedilotildees referentes ao seu formato espaccedilamento pontuaccedilotildees e acentuaccedilotildees e uso do vocabulaacuterio (IMAGE 1998)

241

A anaacutelise efetuada por meio do Alceste apresentou como resultado a divisatildeo do

corpus em 97 unidades de contexto elementares (UCE) formadas por 673 palavras

diferentes que reduzidas aos seus radicais resultaram em 60 palavras analisaacuteveis Estas

palavras ocorreram 20 vezes nas 97 UCErsquos o que significa uma meacutedia 537 palavras

analisadas por UCE A anaacutelise reteve 73 do total das UCErsquos do corpus (ou seja

analisou 71 das 97 UCErsquos) que foram classificadas em quatro classes que podem ser

vistas na figura abaixo

Fonte Extraiacutedo do resultado da anaacutelise feita por meio do Alceste por Lidiane Nunes da Silveira

A divisatildeo do corpus em classes ocorreu numa primeira descriminaccedilatildeo entre a

Classe 1 de um lado e as outras classes de outro Esse outro agrupamento de classes

caracterizou-se pela divisatildeo por um lado da Classe 2 e a subdivisatildeo do outro lado

entre as Classes 3 e 4 Isto significa que as atribuiccedilotildees de significado agrave roccedila relacionadas

agrave natureza e romantismo tendem a estar menos associadas agraves outras atribuiccedilotildees de

sentidos que apareceram mais correlacionadas entre si Ou seja na anaacutelise fatorial de

correspondecircncia entre o vocabulaacuterio e as variaacuteveis de cada classe a variacircncia das

Classe 2 17 UCE

24

Classe 3 17 UCE

24

Classe 4 22 UCE

31

Classe 1 15 UCE

21

Interior e Cidades Pequenas

Lavoura Cultura rural Natureza e

Romantismo Palavra Atributo

X2 Palavra Atributo

X2 Palavra Atributo

X2 Palavra Atributo

X2

Pequena 049 Terra 053 Gente 039 NaturalNatureza 059 Cidade 042 Comer 037 Criado 034 Paz 053 Interior 036 Poder 036 Roccedila 034 Produto 046 Rural 036 Plantar 030 Vida 034 Lugar 032 Trabalho 036 Pessoa 032 Galinha 031 Sauacutede 026 Casa 028 Ligada 029 Aconchego 026 Tirar 029 GostoGostar 021 Canto 029 Cafeacute 017 Roccedila 022 Simplicidade 017

FIGURA 83 ndash Dendograma da classificaccedilatildeo hieraacuterquica descendente do corpus

242

variaacuteveis das Classes 2 3 e 4 tendeu a estar mais proacutexima que aquela da Classe 1 o que

pode ser constatado na imagem da Anaacutelise fatorial de correspondecircncia em coordenadas

FIGURA 84 ndash Anaacutelise Fatorial de Correspondecircncia em Coordenadas

Fonte Extraiacutedo do resultado da anaacutelise feita por meio

do Alceste por Lidiane Nunes da Silveira

A Classe 1 ficou composta por 15 UCErsquos que corresponderam a 21 do total de

UCErsquos analisado Esta classe foi intitulada ldquoNatureza e Romantismordquo com base nas

palavras com maior coeficiente de associaccedilatildeo ldquonaturalnaturezardquo ldquoprodutordquo ldquolugarrdquo e

ldquosauacutederdquo e as palavras ldquopazrdquo e ldquoaconchegordquo identificadas com a discussatildeo sobre o

romantismo e a nostalgia que perfazem as representaccedilotildees sobre roccedila discutidas com

base nos aportes teoacutericos Nessa classe de significados percebeu-se que diante da

indagaccedilatildeo do que significava roccedila os entrevistadosrespondentes associaram-na a um

lugar caracterizado pela natureza onde se podia vivenciar sensaccedilotildees como paz

tranquilidade e aconchego e consumir produtos naturais promovendo a sauacutede e o bem-

estar Algumas expressotildees natildeo foram capturadas na anaacutelise mas fazem parte das

representaccedilotildees agrupadas nessa classe relacionadas agrave visatildeo da natureza e da roccedila como

243

um lugar de ar puro e fresco onde era possiacutevel aleacutem da sauacutede encontrar o equiliacutebrio a

serenidade a reflexatildeo a verdade o limpo e a vida Os interlocutores tambeacutem

descreveram a roccedila como o espaccedilo onde se produzia alimentos naturais saudaacuteveis

limpos mas tambeacutem caseiros manuais contrapostos aos produtos industrializados

aleacutem de terem mais sabor e serem mais gostosos Algumas expressotildees desses

significados puderam ser identificadas nas seguintes UCErsquos ldquoaconchego e naturezardquo

ldquoproduto natural caseiro com saborrdquo ldquonatureza ar fresco alimentos saudaacuteveis e vida

saudaacutevelrdquo

Observando-se as variaacuteveis descritivas que caracterizam os

entrevistadosrespondentes percebeu-se que as respostas agrupadas nessa classe foram

produzidas fundamentalmente pelos consumidores especialmente no Mercado Central

em Belo Horizonte embora os produtoresdistribuidores desta cidade bem como os

consumidores no Festival em Gonccedilalves tambeacutem participem dessa classe em menor

proporccedilatildeo Os resultados dessa anaacutelise permitem inferir que em linhas gerais os

consumidores sobretudo em Belo Horizonte associavam a roccedila agrave natureza ao

romantismo e agrave nostalgia para utilizar-se das categorias de significados propostas nesta

pesquisa Nesse sentido pode-se entender que por um lado o processo de significaccedilatildeo

da categoria roccedila pelos consumidores no Mercado Central estava de alguma forma

condicionado pela perspectiva do consumo que orientava a sua accedilatildeo no contexto da

pesquisa centrando o discurso na questatildeo do consumo de produtos alimentares naturais

eou tradicionais considerados artesanais e caseiros e diferenciados dos industriais Mas

natildeo se pode desconsiderar que autores como Anjos e Caldas (2014) Eacuteboli (2007) Elias

(2001) Silva G (2009) Thomas (2010) e Williams (2011) associam os processos de

romantizaccedilatildeo do rural e a perspectiva do ldquorural naturezardquo agraves populaccedilotildees que vivem em

contextos mais urbanizados modernos e industrializados o que corresponde agrave condiccedilatildeo

dos interlocutores de Belo Horizonte

As Classes 2 e 3 apresentaram a mesma quantidade de UCErsquos 17 cada uma o

que corresponde a 24 cada do total de UCErsquos analisadas no corpus A Classe 2 foi

denominada ldquoInterior e cidades pequenasrdquo com base nas palavras de maior coeficiente

de associaccedilatildeo ldquopequenardquo ldquocidaderdquo ldquointeriorrdquo ldquoruralrdquo aleacutem da categoria ldquotrabalhordquo

Essas ideias se inserem no universo de debate sobre o que define os conceitos de rural e

urbano tambeacutem apontados na discussatildeo teoacuterica apresentada nesta pesquisa As

respostas dos interlocutores agrupadas nessa classe tendiam a identificar roccedila com o

244

interior com as cidades de pequeno porte e o trabalho rural Algumas expressotildees de

UCErsquos que ilustravam essa perspectiva na visatildeo dos interlocutores estavam

relacionadas agrave roccedila significar ldquoo interior as cidades pequenas a regiatildeo de Minas

Geraisrdquo ou ainda ldquoroccedila eacute sinocircnimo de interior natildeo necessariamente fazenda ou

trabalho na roccedila mas teve uma criaccedilatildeo uma cultura da roccedila do interiorrdquo

Assim como jaacute foi discutido no capiacutetulo 3 a perspectiva do interior e a

caracterizaccedilatildeo das cidades de pequeno porte ainda tecircm recebido pouca atenccedilatildeo das

pesquisas que se dedicam a estudar o rural e o urbano ao menos no Brasil Os trabalhos

de Veiga (2003) e Wanderley (2009) satildeo uma das poucas exceccedilotildees a esta regra O que

se constata na avaliaccedilatildeo das falas contidas nessa classe eacute uma associaccedilatildeo entre uma

cultura proacutepria ldquoda roccedilardquo relacionada agrave ldquocriaccedilatildeordquo como socializaccedilatildeo dos indiviacuteduos

que vivem no campo na perspectiva dos respondentes Mas na interpretaccedilatildeo dos

entrevistadosrespondentes a ldquocultura da roccedilardquo no entanto se estenderia agraves cidades

ldquopequenasrdquo ldquodo interiorrdquo reproduzindo uma visatildeo que na perspectiva teoacuterica poderia

ser compreendida a partir da diferenciaccedilatildeo entre campo e rural cidade e urbano

conforme Endlich (2010) Rambaud (1973) Lefebvre (2001 2008) e Sobarzo (2010)

Para esses autores o urbano e o rural seriam modos de vida que embora originaacuterios em

um determinado espaccedilo a partir da relaccedilatildeo entre sociedade e ambiente natildeo se

restringiriam a ele podendo se ampliar e se reproduzir em diferentes contextos no

campo ou na cidade Nesse sentido as cidades de pequeno porte poderiam se evidenciar

por uma cultura de recorte rural interpretada aqui pelos entrevistadosrespondentes

como uma cultura da roccedila

Mas natildeo se pode tambeacutem negligenciar um aspecto jaacute destacado no capiacutetulo 3 a

respeito da possibilidade de que a roccedila atribuiacuteda ao interior e agraves pequenas cidades seja

identificada a um processo de inferiorizaccedilatildeo social reproduzindo-se facetas do histoacuterico

imaginaacuterio sobre o rural no Brasil conforme apresentado no capiacutetulo 1 ao fazer uma

associaccedilatildeo entre a roccedila num contexto pejorativo e as pequenas cidades do interior

Embora natildeo se tenha percebido nas entrevistas e respostas do questionaacuterio nenhuma

alusatildeo expliacutecita ao uso do termo roccedila num contexto pejorativo a associaccedilatildeo entre a

cultura rural e o interior se faz presente ainda que tenha perdido abrandado ou

eliminado o estereoacutetipo negativo Essa possibilidade pode ainda ser considerada pelo

fato de que o grupo caracteriacutestico cujas UCErsquos constituiacuteram a Classe 2 era composto

majoritariamente pelos belo-horizontinos especialmente os produtoresdistribuidores

245

do Mercado Central O segundo grupo ainda que menos numeroso que tambeacutem

associou a roccedila ao interior e agraves pequenas cidades constituiacutea-se por

consumidoresfrequentadores do Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila de

Gonccedilalves Importante destacar que conforme pode ser confirmado no Graacutefico 11

Residecircncia dos consumidores respondentes do capiacutetulo 2 a maioria dos consumidores

que respondeu ao questionaacuterio em Gonccedilalves era do interior de Satildeo Paulo mas de

cidades de grande porte como Satildeo Joseacute dos Campos Osasco e Barueri e tambeacutem das

capitais daquele Estado e do Rio de Janeiro Assim a constataccedilatildeo de que entre os

respondentes abordados no Mercado Central de Belo Horizonte haveria uma

estruturaccedilatildeo do significado de roccedila a partir de pares de opostos complementares

notadamente o binocircmio ldquointerior versus capitalrdquo se confirma nesta anaacutelise

A Classe 3 foi nomeada como ldquoLavourardquo com base nas palavras terra comer e

plantar e estavam associadas ao consumo e produccedilatildeo de alimentos cujo aporte teoacuterico

se encontra na relaccedilatildeo entre roccedila e produccedilatildeo de mantimentos ao longo da formaccedilatildeo

soacutecio histoacuterica brasileira As principais expressotildees que conformaram o conjunto de

ideias norteadoras dessa classe dizem respeito agrave possibilidade da ldquopessoardquo ter uma

ldquocasardquo e nela num ldquocantinhordquo uma ldquoroccedilardquo o que propiciaria a oportunidade de se

ldquoplantarrdquo na ldquoterrardquo e ldquopoderrdquo ldquotirarrdquo dela as ldquocoisasrdquo para se ldquocomerrdquo Como eacute possiacutevel

perceber a visatildeo que se estrutura nessa classe reproduz aquele significado histoacuterico

identificado no estudo dos cronistas e no pensamento social brasileiro sobre o Brasil

Colocircnia de que as roccedilas tinham como objetivo a produccedilatildeo de mantimentos que

pudessem prover o suprimento das populaccedilotildees tanto no campo agraves margens dos

sistemas produtivos principais como o accediluacutecar a pecuaacuteria ou mesmo a mineraccedilatildeo bem

como o abastecimento de vilas e cidades (OLIVEIRA M 2012)

Poreacutem se a raiz da percepccedilatildeo do que significava roccedila nessa classe estava na

produccedilatildeo de alimentos haacute um aspecto central nessas falas que parece se referir agrave

autonomia relacionada ao processo de ldquopoder tirar da terra as coisas e comecirc-lasrdquo

sugerindo a produccedilatildeo para o autoconsumo Nesses termos a roccedila se refere tanto agrave

lavoura camponesa quanto inclui os grupos neorrurais A roccedila como lavoura nos

estudos sobre o campesinato funcionava como um espaccedilo que ordenava a organizaccedilatildeo

social da famiacutelia produtora e sua possibilidade de ldquosubsistecircnciardquo Entre os neorrurais a

roccedila fazia parte da opccedilatildeo por uma mudanccedila de vida que consistia na troca de uma vida

urbana e de profissotildees natildeo agriacutecolas por uma vida no campo muitas vezes

246

desenvolvendo ocupaccedilotildees agriacutecolas Essa mudanccedila se estabelecia agraves vezes norteada

por ideais e discursos calcados na ambientalizaccedilatildeo e na politizaccedilatildeo do consumo

Algumas UCErsquos podem ser ilustrativas dessas interpretaccedilotildees como ldquoRoccedila pra mim eacute

vocecirc poder tirar o maacuteximo que vocecirc puder da terra Eu nunca fui de roccedila sempre fui

urbano Vocecirc plantar cuidar colher e comer o que vocecirc plantou isso eacute a roccedilardquo

Analisando-se as variaacuteveis descritivas dos respondentes notou-se que o grupo que

construiu essas imagens sobre a roccedila como lavoura e como possibilidade de produzir e

consumir alimentos era formado por produtores de Gonccedilalves A maioria dos

produtores entrevistada em Gonccedilalves conforme se descreveu no capiacutetulo anterior vive

no campo e desenvolve a produccedilatildeo agriacutecola ainda que pequena e voltada para o

autoconsumo aliada ao trabalho no setor de serviccedilos sobretudo na gastronomia e no

turismo

A Classe 4 foi aquela com maior nuacutemero de UCErsquos analisadas no conjunto do

corpus foram 22 delas correspondendo a 31 do total Esta classe foi designada como

ldquoCultura Ruralrdquo considerando-se as palavras que lhe pertencem ldquogenterdquo ldquocriadordquo

ldquoroccedilardquo ldquovidardquo ldquoligadordquo ldquogostordquo ou ldquogostarrdquo e ldquosimplicidaderdquo Embora a Classe 4 tenha

retido a maior parte das UCErsquos analisadas no corpus pode-se afirmar que as quatro

classes tecircm uma participaccedilatildeo equacircnime no conjunto do texto Os enunciados dos

entrevistados que produziram as UCErsquos dessa classe pode ser incluiacuteda no debate teoacuterico

a respeito dos conceitos de rural e urbano que tambeacutem subsidiaram a identificaccedilatildeo da

Classe 2 Estes enunciados expressavam aspectos relativos agrave histoacuteria de vida e

identificaccedilatildeo reproduzindo ideias como ldquoEu fui criado na roccedila a roccedila eacute a vida da

genterdquo constituindo-se como sujeitos que possuiriam legitimidade para falar ldquode

dentrordquo da sua proacutepria cultura sugerindo um discurso de pertencimento

Por vezes as declaraccedilotildees versavam sobre aspectos emotivos a respeito da roccedila

enquanto espaccedilo e cultura mas apesar do cunho sentimental dizer que ldquogostavardquo da

roccedila continha uma dimensatildeo de escolha por um modo de vida denotando um processo

classificatoacuterio em que a hierarquia de valores apontava para a roccedila como positiva As

representaccedilotildees produzidas sobre a roccedila a partir de alguns entrevistados citadinos

revelaram uma percepccedilatildeo de que a roccedila indicava sobretudo um modo de vida

caracterizado pela ldquosimplicidaderdquo e pela modeacutestia cuja imagem siacutembolo produzida por

esses entrevistadosrespondentes era a possibilidade de se chegar agrave casa de um amigo

vizinho ou ateacute mesmo de um desconhecido sem avisar e ainda ser convidado para

247

entrar tomar um ldquocafeacuterdquo e comer uma ldquobroa quentinha com queijordquo conforme discutido

no final do capiacutetulo anterior Outra expressatildeo indicativa da interpretaccedilatildeo da roccedila como

uma vida simples era a representaccedilatildeo das galinhas no quintal Algumas UCErsquos eram

ilustrativas dessas representaccedilotildees ldquoRoccedila eacute onde tem plantaccedilatildeo eacute onde as pessoas criam

a sua galinha fazem o seu cafeacute com aquele cheirinho gostoso fogatildeo a lenhardquo ldquoRoccedila eacute

um lugar tranquilo sossegado a gente eacute nascida e criada aqui na roccedila entatildeo eacute tudo

Roccedila pra mim eacute a vidardquo O grupo de entrevistados que esteve relacionado com as

representaccedilotildees produzidas nessa classe foi aquele formado pelos

produtoresdistribuidores da cidade de Gonccedilalves logo que vivem no campo No

quadro que se segue sintetiza-se os significados da categoria roccedila para os grupos de

entrevistadosrespondentes da pesquisa

QUADRO 11 ndash Siacutentese das classes de significados e variaacuteveis Belo Horizonte Gonccedilalves

Produtoresdistribuidores

- Interior e cidades pequenas - Natureza e romantismo

- Cultura rural - Lavoura

Consumidores - Natureza e romantismo

- Interior e cidades pequenas - Natureza e romantismo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Percebe-se portanto que os produtoresdistribuidores de Gonccedilalves

caracterizados por viverem no campo apresentaram uma tendecircncia a definir roccedila como

lavoura local de produccedilatildeo e consumo de alimentos e como uma cultura proacutepria com a

qual se identificavam Os outros respondentes produtores e consumidores de Belo

Horizonte e consumidores de Gonccedilalves estes uacuteltimos majoritariamente vindos da

capital de Satildeo Paulo definiram roccedila a partir de representaccedilotildees romacircnticas associadas agrave

natureza Os produtoresdistribuidores de Belo Horizonte e os consumidores de

Gonccedilalves este composto por um puacuteblico vindo da metroacutepole paulista tambeacutem tiveram

uma convergecircncia ao identificar a roccedila ao interior e agraves cidades pequenas

O que essas declaraccedilotildees permitem inferir ateacute o momento eacute a diferenccedila entre o

processo de significaccedilatildeo do termo roccedila por grupos sociais em contextos distintos Para

as camadas metropolitanas que vivem em cidades como Belo Horizonte e Satildeo Paulo a

roccedila significava o interior as cidades pequenas e a natureza romantizada nostaacutelgica

248

Para os grupos que viviam no campo em um contexto social considerado ainda muito

ruralizado como Gonccedilalves a roccedila significava a lavoura o trabalho na terra ligado ao

plantar colher e consumir o fruto do trabalho Enfim roccedila aparecia para este grupo

associada a um modo de vida rural Esses dados confirmam a premissa que orientou este

trabalho de roccedila como uma categoria relativa e relacional cujos usos e significados

variam conforme o contexto e a diversidade social em que o termo eacute empregado Assim

quanto mais proacuteximo ao campo e agrave cultura rural a categoria roccedila no contexto estudado

era empregada no seu sentido literal historicamente construiacutedo no Brasil em torno da

lavoura de produccedilatildeo de mantimentos para as famiacutelias agricultoras Quanto mais se

afastava do campo rumo agraves cidades metropolitanas a roccedila passava por um processo de

metoniacutemia passando a designar natildeo soacute a lavoura o campo e o rural mas tambeacutem as

cidades pequenas e o interior A representaccedilatildeo do significado de roccedila para os grupos

urbanos tendia a estar relacionada agrave natureza Em seguida seratildeo apresentados os

resultados sobre os significados do termo roccedila a partir da anaacutelise de codificaccedilatildeo por

meio do software NVivo

52 Procedimentos metodoloacutegicos e anaacutelise das respostas das entrevistas e

questionaacuterios com o uso do software NVivo

A significaccedilatildeo do termo roccedila a partir das respostas dos

entrevistadosrespondentes foi analisada ainda por meio da utilizaccedilatildeo do software QSR

NVivo versatildeo 10 Esse sistema informacional eacute produzido pela empresa Qualitative

Solutions and Research Pty Ltd atual QSR International e foi desenvolvido segundo

Lage (2011) pelos pesquisadores Lyn e Tom Richards em 1981 quando teriam criado

o precursor do NVivo o NUDIST na Universidade de La Trobe em Melbourne na

Austraacutelia (GUIZZO KRZIMINSKI OLIVEIRA 2003) O NVivo eacute um software de

anaacutelise de dados qualitativos natildeo numeacutericos e natildeo estruturados conforme sugere o

nome por extenso da sigla NUDIST Non-numerical Unstructured Data Indexing

Searching and Theorizing Em 2006 de acordo com Lage (2011) o NUDIST foi

definitivamente substituiacutedo pelo NVivo versatildeo 7

249

A principal caracteriacutestica desse programa informacional eacute permitir trabalhar com

dados textuais como documentos atas artigos transcriccedilatildeo de entrevistas e de grupos

focais diaacuterios de campos e etc O software atua na estruturaccedilatildeo das informaccedilotildees

possibilitando codificaacute-las recuperaacute-las e armazenaacute-las De acordo com Teixeira (2009

p 28-29) ldquoa codificaccedilatildeo implica a criaccedilatildeo de coacutedigos ou categorias nas quais satildeo

armazenados iacutendices de referecircncia (indexadores) agraves porccedilotildees do material empiacuterico

utilizado na anaacuteliserdquo Segundo o mesmo autor a codificaccedilatildeo eacute um processo de

indexaccedilatildeo enquanto os coacutedigos estatildeo vinculados agraves categorias que satildeo ldquo[] dimensotildees

de anaacutelise ligadas aos problemas e interesses de pesquisardquo (TEIXERIA 2009 p 29)

Com o NVivo eacute possiacutevel selecionar trechos dos textos das transcriccedilotildees de entrevistas

por exemplo e codificaacute-los marcando-os com um determinado ldquonoacuterdquo ou seja um

coacutedigo ligado a uma categoria de anaacutelise A definiccedilatildeo dos ldquonoacutesrdquo ou categorias pode ser

feita a priori com base nas hipoacuteteses e no marco teoacuterico da pesquisa assim como pode

ser atribuiacuteda ao longo da anaacutelise agrave medida que se efetua a leitura do texto e se identifica

ideias e representaccedilotildees recorrentes

Outra peculiaridade do NVivo destacada por Teixeira (2009) eacute a possibilidade

de aplicar ldquoatributosrdquo agraves fontes da informaccedilatildeo Os ldquoatributosrdquo satildeo as variaacuteveis

sociodemograacuteficas que caracterizam os indiviacuteduos ou organizaccedilotildees que compotildeem a

unidade de anaacutelise da pesquisa Nesse contexto os indiviacuteduos ou organizaccedilotildees satildeo

atribuiacutedos como ldquocasosrdquo e satildeo definidos seus ldquoatributosrdquo como idade sexo profissatildeo

entre outros por meio da ldquoclassificaccedilatildeordquo Eacute possiacutevel portanto criar diferentes caminhos

de anaacutelise em que se pode relacionar os ldquonoacutesrdquo enquanto categorias de anaacutelises agraves

determinadas variaacuteveis sociodemograacuteficas dos interlocutores da pesquisa ou seja aos

ldquoatributosrdquo O software trabalha com a estrutura de projetos e as trecircs dimensotildees baacutesicas

deste aplicativo satildeo aleacutem das ldquofontesrdquo os ldquonoacutesrdquo ou codificaccedilatildeo as ldquoclassificaccedilotildeesrdquo e

ldquoatributosrdquo dos ldquocasosrdquo Quando se utiliza essas ferramentas o NVivo permite realizar

cruzamentos entre os ldquonoacutesrdquo e os ldquoatributosrdquo gerando matrizes de codificaccedilatildeo que podem

ser exportadas posteriormente em forma de planilhas de dados graacuteficos assim como

anaacutelises de cluster e aacutervore de codificaccedilatildeo

Outro destaque das funcionalidades do NVivo de acordo com Lage (2011) e

Teixeira (2009) eacute que a partir de 2008 a versatildeo 8 do software permitiu que se

trabalhasse desde entatildeo natildeo soacute com dados textuais mas tambeacutem com sons imagens e

viacutedeos Com a versatildeo 10 que foi utilizada nessa pesquisa eacute possiacutevel ainda capturar

250

dados de miacutedias sociais como Facebook Twitter e Youtube aleacutem de poder explorar

textos em formato PDF trabalhar em grupo hospedar em servidores utilizar

informaccedilotildees armazenadas em outros bancos de dados graccedilas a sua interface com outros

aplicativos (LAGES 2011)

Neste trabalho utilizou-se o NVivo para analisar as respostas dos 70

questionaacuteriosentrevistas a respeito do que significava roccedila para os produtores

distribuidores e consumidores participantes da pesquisa Assim a transcriccedilatildeo das

entrevistas completas e as respostas dos questionaacuterios foram importadas no formato de

texto para o NVivo Foram examinados os trechos completos da resposta de cada um agrave

pergunta ldquoO que significa roccedila para vocecircrdquo e foram entatildeo codificados nos ldquonoacutesrdquo

previamente elaborados Logo cada questionaacuterio ou entrevista correspondeu a uma

fonte totalizando setenta itens

Os ldquonoacutesrdquo foram criados baseados nas categorias jaacute elaboradas nas anaacutelises

anteriores nesta pesquisa Ou seja por meio da anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica utilizada

no capiacutetulo 2 para classificar as marcas de produtos e serviccedilos com o termo roccedila havia

se estabelecido oito categorias baseadas nas evidecircncias empiacutericas e nas proposiccedilotildees

teoacutericas Satildeo elas roccedila como sinocircnimo de ldquocampordquo roccedila como sinocircnimo de ldquoruralrdquo

roccedila como ldquotradiccedilatildeordquo roccedila ldquoromacircntico-nostaacutelgicardquo roccedila como analogia agrave ldquonaturezardquo

roccedila ldquoestilizadardquo roccedila em referecircncia a ldquoMinas Geraisrdquo e roccedila ldquocaipirardquo Cada uma

dessas categorias foi indexada como um ldquonoacuterdquo com sua respectiva definiccedilatildeo Poreacutem

apoacutes uma ldquoleitura flutuanterdquo das respostas sobre o significado de roccedila que seriam

classificadas percebeu-se pelas evidecircncias empiacutericas a necessidade de incluir ldquosub-

noacutesrdquo relacionados agraves subcategorias que tambeacutem tinham sido definidas na anaacutelise de

conteuacutedo categoacuterica das marcas com o termo roccedila no capiacutetulo 2

Assim dentro do ldquonoacuterdquo ldquocampordquo acrescentou-se os ldquosub-noacutesrdquo ldquolavourardquo

ldquoprodutordquo ldquotrabalhordquo ldquoagricultura familiarrdquo ldquoisolamentordquo e ldquobaixa densidade

demograacuteficardquo Pode-se verificar que os termos lavoura e produto satildeo os mesmos das

subcategorias utilizadas no capiacutetulo 2 enquanto os outros foram acrescentados a partir

da anaacutelise das respostas sobre o significado de roccedila no NVivo Seguiu-se o

procedimento de constituiccedilatildeo mista da anaacutelise de conteuacutedo ou seja definindo-se as

categorias a priori a partir das proposiccedilotildees teoacutericas mas tambeacutem acrescentando-se

temaacuteticas evidenciadas pelos dados empiacutericos

251

Assim tambeacutem foram elaborados os ldquosub-noacutesrdquo ldquoelementos materiais da culturardquo

ldquoelementos simboacutelicos da culturardquo ldquosimplicidaderdquo e ldquopouca infraestruturardquo dentro do

ldquonoacuterdquo ldquoruralrdquo As duas primeiras subcategorias jaacute pertenciam agravequela categoria as duas

uacuteltimas foram incorporadas neste momento da anaacutelise Por fim adotou-se tambeacutem o

ldquosub-noacuterdquo ldquoprodutos caseiros e artesanaisrdquo dentro do ldquonoacuterdquo ldquotradiccedilatildeordquo com base nas

respostas dos entrevistadosrespondentes a respeito dos produtos e serviccedilos com a marca

roccedila investigados e categorizados tambeacutem no capiacutetulo 2 Com base ainda nessas

categorias de respostas sobre a produccedilatildeo a distribuiccedilatildeo e o consumo de produtos da

roccedila considerou-se as demais categorias que haviam sido reveladas na pesquisa

criando-se os ldquonoacutesrdquo ldquoorigemrdquo ldquovalorrdquo e ldquolocalrdquo Considerando-se ainda os resultados do

Alceste e a observaccedilatildeo participante no Mercado Central de Belo Horizonte acrescentou-

se finalmente o ldquonoacuterdquo ldquointerior e ou cidades pequenasrdquo

O intuito de considerar todas as categorias que emergiram ao longo da pesquisa

foi o de possibilitar um trabalho de classificaccedilatildeo amplo que pudesse ser confrontado

com os resultados obtidos pelo Alceste Enquanto este software processa os dados

organizados pelo pesquisador orientado pelo conjunto de variaacuteveis tambeacutem definido

pelo pesquisador gerando uma classificaccedilatildeo autocircnoma a partir da anaacutelise fatorial de

correspondecircncia o procedimento adotado no NVivo nesta pesquisa baseou-se no

processo de categorizaccedilatildeo implementado pelo proacuteprio pesquisador Assim criteacuterios de

objetividade conduccedilatildeo e controle do processo de anaacutelise da categorizaccedilatildeo dos dados

puderam ser submetidos a exames com diferentes graus de autonomia por parte do

pesquisador

Apoacutes a leitura de cada trecho das respostas sobre o significado de roccedila a

passagem foi codificada no ldquonoacuterdquo que se avaliou como correspondente Importante

destacar que ao contraacuterio dos outros procedimentos efetuados natildeo se trabalhou com o

criteacuterio de exclusatildeo muacutetua de cada categoria Isto eacute alguns trechos por serem mais

objetivos foram classificados em uma uacutenica categoria enquanto outros mais

complexos por conterem vaacuterias oraccedilotildees com ideias alusivas a mais de uma categoria de

significado foram associados a mais de um ldquonoacuterdquo Assim no total de setenta itens que

correspondem a uma resposta de cada entrevistadorespondente poderia haver mais de

uma referecircncia de indexaccedilatildeo de maneira que o nuacutemero total de referecircncias a cada ldquonoacuterdquo

eacute maior que o nuacutemero total de itens ou seja maior que setenta

252

Cada fonte de entrevistadorespondente por sua vez foi classificado como um

ldquonoacute de casordquo tarefa que permite ao pesquisador no NVivo designar valores de atributos

para cada respondente Assim foram acrescentados os atributos cidade cujos valores

eram Belo Horizonte Gonccedilalves e outras cidades condiccedilatildeo se produtor ou consumidor

e forma de residecircncia em Gonccedilalves se ldquoantigo residenterdquo ldquonovo residenterdquo ou

ldquoregressordquo Para cada respondente (ldquofonterdquo) foi definido seu correspondente valor para

cada um desses trecircs atributos

Finalizados os procedimentos de codificaccedilatildeo e classificaccedilatildeo criou-se com os

resultados algumas matrizes de codificaccedilatildeo e seus respectivos graacuteficos aleacutem de se ter

gerado uma anaacutelise de cluster que verificava a similaridade da codificaccedilatildeo dos ldquonoacutesrdquo e

um mapa da aacutervore com os resultados da codificaccedilatildeo As matrizes de codificaccedilatildeo

criadas cruzavam os ldquonoacutesrdquo aos ldquoatributosrdquo em conjunto e separados O processo de

codificaccedilatildeo das respostas a respeito do que significava roccedila para os

entrevistadosrespondentes teve como resultado uma maior alusatildeo ao termo com uma

visatildeo romacircntico-nostaacutelgica seguida por uma percepccedilatildeo da roccedila como natureza como

sinocircnimo de rural e de campo A quantidade de referecircncias encontradas para cada

categoria de significado para a roccedila pode ser visualizada na tabela abaixo

TABELA 7 ndash Quantidade de referecircncias agraves categorias de significados de roccedila

NOacuteS REFEREcircNCIAS

Romacircntico-nostaacutelgica 25 Natureza 21 Rural 15 Campo 13 Interior eou cidades pequenas 6 Origem 5 Minas Gerais 4 Valor 3 Caipira 2 Tradiccedilatildeo 2 Estilizada 0 Local 0

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Observando-se a Tabela 7 pode-se perceber que as categorias ldquointeriorrdquo

ldquoorigemrdquo ldquoMinas Geraisrdquo ldquovalorrdquo ldquocaipirardquo e ldquotradiccedilatildeordquo tambeacutem foram mencionadas

poreacutem com uma menor frequecircncia Natildeo houve alusotildees agrave roccedila ldquoestilizadardquo ou agrave

perspectiva ldquolocalrdquo Essa classificaccedilatildeo permite inferir o uso da categoria roccedila como

253

sinocircnimo de campo enquanto espaccedilo fiacutesico e de rural como modo de vida aleacutem de

evidenciar que as imagens e significados que a palavra desperta entre os produtores

distribuidores e consumidores estavam relacionadas agrave natureza e a sentimentos

memoacuterias e imaginaacuterios de cunho romacircntico e nostaacutelgico

Apesar das matrizes de codificaccedilatildeo terem analisado a relaccedilatildeo entre a codificaccedilatildeo

das categorias (ldquonoacutesrdquo) e dos atributos separadamente pode-se apontar que entre as

quatro principais categorias com exceccedilatildeo da categoria ldquoruralrdquo natildeo houve diferenccedilas

relevantes entre as respostas dos produtores e consumidores de Belo Horizonte e

Gonccedilalves A categoria roccedila como sinocircnimo de ldquoruralrdquo foi mais recorrente entre os

produtoresdistribuidores de Gonccedilalves que no restante dos grupos aleacutem da categoria

romacircntico-nostaacutelgica tambeacutem ter se destacado nesta cidade no geral conforme pode ser

conferido nas duas tabelas seguintes que mostram os resultados das matrizes de

codificaccedilatildeo

TABELA 8 ndash Categorias de significados de roccedila para consumidores e produtores

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Nessa Tabela 8 pode-se constatar que as categorias mais comentadas ldquocampordquo

ldquonaturezardquo e ldquoromacircntico-nostaacutelgicardquo natildeo apresentaram grandes variaccedilotildees na quantidade

de referecircncias entre consumidores e produtores enquanto a categoria ldquoruralrdquo foi mais

presente na fala dos produtores Destaca-se aleacutem disso com base nesta tabela que as

categorias ldquocaipirardquo ldquoMinas Geraisrdquo e ldquovalorrdquo tambeacutem foram mais citadas nas

representaccedilotildees dos produtores a respeito do que eacute a roccedila Na Tabela 9 a seguir eacute

possiacutevel examinar as referecircncias agraves categorias segundo as cidades Belo Horizonte

CATEGORIAS CONSUMIDORES PRODUTORES

Caipira 0 2 Campo 7 6 Estilizada 0 0 Interior eou cidades pequenas 2 4 Local 0 0 Minas Gerais 0 4 Natureza 11 10 Origem 3 2 Romacircntico-nostaacutelgica 12 13 Rural 2 13 Tradiccedilatildeo 1 1 Valor 0 3

254

Gonccedilalves e outras englobando o local de residecircncia dos produtores que responderam

ao questionaacuterio online

TABELA 9 ndash Categorias de significados de roccedila por cidades

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Nota-se pois na Tabela 9 que das quatro categorias mais citadas ldquocampordquo

como sinocircnimo de espaccedilo fiacutesico e ldquonaturezardquo foram mencionadas em Belo Horizonte e

Gonccedilalves praticamente com a mesma frequecircncia enquanto a visatildeo ldquoromacircntico-

nostaacutelgicardquo da roccedila como um ldquomodo de vida ruralrdquo apareceu mais presente em

Gonccedilalves Assim como se averiguou nos resultados do Alceste o significado de roccedila

como ldquocidade pequena ou interiorrdquo ocorreu em Belo Horizonte A ideia de que roccedila faz

parte da cultura ldquomineirardquo tambeacutem foi mais comum nesta cidade enquanto que a

percepccedilatildeo de que roccedila estaacute ligada agrave cultura ldquocaipirardquo ou de que eacute um ldquovalorrdquo em si foi

destacada em Gonccedilalves

Sintetizando os resultados da matriz de codificaccedilatildeo dos ldquonoacutesrdquo e ldquoatributosrdquo

sugere-se que os produtores da cidade de Gonccedilalves tenderam a definir a roccedila como

uma cultura proacutepria do ldquoruralrdquo e tambeacutem foram o grupo que a percebeu como um

ldquovalorrdquo em si ou como a tiacutepica cultura ldquocaipirardquo Os produtoresdistribuidores em Belo

Horizonte por sua vez descreviam a roccedila como uma cultura tiacutepica de ldquoMinas Geraisrdquo e

das ldquocidades de pequeno porterdquo bem como do ldquointeriorrdquo de modo geral A referecircncia agrave

roccedila como sinocircnimo de ldquocampordquo e de ldquonaturezardquo foi declarada de maneira mais

generalizada por produtores e consumidores de ambas as cidades Jaacute as representaccedilotildees

CATEGORIAS BELO HORIZONTE

GONCcedilALVES OUTRAS CIDADES

Caipira 0 2 0 Campo 6 5 2 Estilizada 0 0 0 Interior eou cidades pequenas 6 0 0 Local 0 0 0 Minas Gerais 3 1 0 Natureza 9 10 2 Origem 2 3 0 Romacircntico-nostaacutelgica 7 16 2 Rural 4 9 2 Tradiccedilatildeo 0 1 1 Valor 0 3 0

255

em torno da roccedila inspiradas por uma perspectiva ldquoromacircntico-nostaacutelgicardquo foram mais

notadas entre produtores e consumidores de Gonccedilalves

Entre os produtores de Gonccedilalves a representaccedilatildeo da roccedila como sinocircnimo de

ldquomodo de vida ruralrdquo foi equacircnime entre os ldquoantigosrdquo e ldquonovos residentesrdquo e os

ldquoregressosrdquo No entanto enquanto os produtores naturais de Gonccedilalves que sempre

viveram no campo tendem a associar a roccedila a uma visatildeo ldquoromacircntico-nostaacutelgicardquo os

ldquonovos residentesrdquo e ldquoregressosrdquo que tiveram a experiecircncia de viver em outras cidades

estavam entre o grupo que mais relacionou a roccedila agrave ldquonaturezardquo Os ldquoregressosrdquo pela

posiccedilatildeo intermediaacuteria entre os dois grupos tambeacutem tinham uma representaccedilatildeo da roccedila

como sinocircnimo de ldquocampordquo juntamente com os ldquoantigos residentesrdquo que nele vivem

Poreacutem uma observaccedilatildeo mais detida das subcategorias que constituiacuteram os ldquosub-

noacutesrdquo da codificaccedilatildeo realizada no NVivo possibilitaram a verificaccedilatildeo de algumas nuances

que merecem ser comentadas A ldquolavourardquo como espaccedilo onde se planta e se colhe e o

cuidado com a terra foi a expressatildeo mais usada para definir a roccedila dentre as categorias

elaboradas como ldquosub-noacutesrdquo Em seguida apareceu a ideia da ldquosimplicidaderdquo como uma

traduccedilatildeo do que significava roccedila para os entrevistadosrespondentes Em seguida o

ldquosub-noacuterdquo mais recorrente estava relacionado agrave ldquoproduccedilatildeo artesanal caseirardquo

subcategoria vinculada agrave ideia de ldquotradiccedilatildeordquo As outras sub-categorias identificadas

tambeacutem se relacionavam agrave ldquolavourardquo como o ldquoproduto agriacutecolardquo e o ldquotrabalho ruralrdquo

com especial destaque para o fato dos entrevistadosrespondentes vincularem a

ldquolavourardquo o ldquotrabalho ruralrdquo e a ldquoproduccedilatildeo de alimentosrdquo ao modo de vida de

ldquoagricultores familiaresrdquo camponeses ou pequenos proprietaacuterios produtores familiares

ressaltando que a roccedila se relacionava agrave famiacutelia que trabalhava e vivia da terra

Algumas subcategorias estavam norteadas por criteacuterios teacutecnicos que costumam

ser adotados em metodologias ou por perspectivas teoacutericas de definiccedilatildeo do rural e do

urbano que no caso dos respondentes consideravam como roccedila os ldquoespaccedilos isoladosrdquo

a ldquobaixa densidade demograacuteficardquo e a ldquopouca infraestruturardquo (ABRAMOVAY 2009

SOROKIN ZIMMERMANN GALPIN 1986 VEIGA 2003) Tambeacutem foram citados

aspectos relacionados aos ldquoelementos materiais e simboacutelicos da cultura ruralrdquo A

quantidade de referecircncias a cada subcategoria (ldquosub-noacuterdquo) estaacute sintetizada na tabela que

se segue

256

TABELA 10 ndash Subcategorias de significados de roccedila SUB-NOacuteS REFEREcircNCIAS

Lavoura 12

Simplicidade 9

Produccedilatildeo caseira e artesanal 8

Produto agriacutecola 7

Trabalho rural 6

Agricultura familiar ou camponesa

5

Isolamento 4

Elementos materiais da cultura 3

Elementos simboacutelicos da cultura 3

Baixa densidade 2

Pouca infraestrutura 1

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

A anaacutelise da relaccedilatildeo entre os ldquosub-noacutesrdquo e os ldquoatributosrdquo em uma matriz de

codificaccedilatildeo cujos resultados podem ser observados no graacutefico abaixo revela algumas

caracteriacutesticas jaacute detectadas pela anaacutelise feita no Alceste

GRAacuteFICO 18 ndash Subcategorias e atributos

Fonte Extraiacutedo do resultado da anaacutelise feita por meio do NVivo por Lidiane Nunes da Silveira

Agricultura familiar Baixa densidade

Isolamento Lavoura Produto

Trabalho Elementos materiais da cultura Elementos simboacutelicos da cultura

Pouca infraestrutura Simplicidade

Produccedilatildeo caseira e artesanal

Legenda

257

A principal delas eacute que a percepccedilatildeo da roccedila vinculada agrave lavoura ao trabalho e

aos produtos da agricultura familiar aliada com a simplicidade eacute mais recorrente entre

os participantes da pesquisa em Gonccedilalves o que corrobora com os achados na anaacutelise

do Alceste em que o trabalho na lavoura para a produccedilatildeo e consumo de alimentos

juntamente a uma cultura rural proacutepria fundamentada na simplicidade tambeacutem eram

foram atribuiacutedos aos respondentes desta cidade Destaca-se tambeacutem que a subcategoria

ldquoproduccedilatildeo artesanal e caseirardquo foi evidenciada pelos respondentes em Belo Horizonte

O mapa da aacutervore de codificaccedilatildeo representado na figura a seguir permite uma

visualizaccedilatildeo integral do espectro das ldquocategoriasrdquo e ldquosubcategoriasrdquo de significados do

termo roccedila segundo as respostas dos produtores distribuidores e consumidores no

Mercado Central de Belo Horizonte e no 4ordm Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila

de Gonccedilalves a partir da codificaccedilatildeo com o uso do NVivo Os quadros com as maiores

dimensotildees representam os significados mais citados e as frequecircncias menores satildeo

traduzidas pelos quadros menores A paleta de cores tambeacutem denota a quantidade de

referecircncias a cada significado Os quadros verdes representam os significados que foram

mais mencionados seguidos pelas cores amarela e laranja os tons avermelhados

simbolizam as categorias menos citadas As ldquosubcategoriasrdquo ou ldquosub-noacutesrdquo estatildeo

contidos nas categorias ou ldquonoacutesrdquo agraves quais estatildeo vinculados

FIGURA 85 ndash Mapa da aacutervore de codificaccedilatildeo

Fonte Extraiacutedo do resultado da anaacutelise feita por meio do NVivo por Lidiane Nunes da Silveira

Aleacutem das subcategorias algumas inferecircncias gerais podem ser feitas ao se

comparar os resultados da busca de significados para a palavra roccedila com a utilizaccedilatildeo do

Alceste e do NVivo e seratildeo apresentadas nas paacuteginas adiante

258

53 Siacutentese dos resultados sobre os significados do termo roccedila com o uso do

Alceste e do NVivo

Para se comparar os resultados sobre os significados de roccedila obtidos por meio

das anaacutelises no Alceste e no NVivo deve-se antes ressalvar algumas questotildees Aleacutem de

se tratarem de teacutecnicas de pesquisa e procedimentos diferentes no caso aqui estudado

faz-se necessaacuterio elucidar duas divergecircncias que tiveram efeitos nos resultados A

primeira eacute o fato de que nos resultados no Alceste considerou-se as categorias

ldquonaturalrdquo e ldquoromacircnticardquo no mesmo conjunto de significados ou seja o software

detectou uma correlaccedilatildeo entre elas na fala dos respondentes No procedimento realizado

no NVivo as categorias ldquonaturalrdquo e ldquoromacircnticardquo foram definidas como ldquocategoriasnoacutesrdquo

separados e a codificaccedilatildeo das respostas dos participantes da pesquisa tambeacutem foi feita

separadamente Isto teve certo efeito no resultado quando comparados os dados frutos

da anaacutelise entre o Alceste e o NVivo Entretanto realizada anaacutelise de cluster sobre o

procedimento de codificaccedilatildeo dos significados de roccedila no NVivo pocircde-se perceber

tambeacutem que havia uma proximidade entre as categorias ldquonaturezardquo e ldquoromantismordquo nos

discursos das fontes codificadas devido agraves similaridades das caracteriacutesticas

selecionadas conforme pode-se conferir no dendograma abaixo

FIGURA 86 ndash Dendograma da anaacutelise de cluster dos noacutes

Fonte Extraiacutedo do resultado da anaacutelise feita por meio

do NVivo por Lidiane Nunes da Silveira

As principais categorias de anaacutelise destacadas nos dois procedimentos ldquocampordquo

e ldquoruralrdquo ldquonaturezardquo e ldquoromantismordquo revelaram similaridade durante o processo de

259

codificaccedilatildeo segundo a anaacutelise de cluster Deve-se ressalvar ainda que as variaacuteveis

sociodemograacuteficas levadas em consideraccedilatildeo nos dois procedimentos para a discussatildeo

dos resultados a cidade e a condiccedilatildeo dos respondentes se produtor ou consumidor

foram observadas separadamente nos resultados da anaacutelise do NVivo e em conjunto no

caso do Alceste Apesar dessas discrepacircncias percebeu-se uma convergecircncia nos

resultados que permitem construir algumas inferecircncias

Assim por meio destas anaacutelises constatou-se como os principais significados

de roccedila 1) a ldquolavourardquo associada agrave produccedilatildeo e ao consumo de alimentos fruto do

trabalho da agricultura familiar especialmente entre os produtores de Gonccedilalves 2)

como sinocircnimo de ldquocampordquo em ambas as cidades com certa predominacircncia em

Gonccedilalves 3) agrave cultura ldquoruralrdquo mais presente nas respostas dos produtores de

Gonccedilalves evidenciada como um modo de vida proacuteprio marcado pela ldquosimplicidaderdquo

4) como sinocircnimo de ldquointerior e cidades pequenasrdquo mais enfaticamente entre os

produtoresdistribuidores de Belo Horizonte 5) como expressatildeo de ldquonaturezardquo e

ldquoromantismordquo perspectiva manifestada pelos consumidores em geral de ambas as

cidades com predominacircncia do ldquoromantismordquo em Gonccedilalves

Outros significados tambeacutem aparecem citados na anaacutelise do NVivo poreacutem com

frequecircncia menos relevante como ldquoMinas Geraisrdquo ldquotradiccedilatildeordquo ldquocaipirardquo para as

categorias identificadas desde a anaacutelise de conteuacutedo feita nas marcas de produtos e

serviccedilos com o termo roccedila assim como ldquoprodutos caseiros ou artesanaisrdquo ldquoorigemrdquo

ldquovalorrdquo categorias mencionadas por produtores e consumidores como significados dos

bens e serviccedilos considerados da roccedila Por outro lado as categorias roccedila ldquoestilizadardquo e

ldquolocalrdquo que foram identificadas respectivamente como significado de marcas de

produtos e serviccedilos da roccedila e como significados destes para os consumidores natildeo foram

evidenciadas no exame dos significados de roccedila feito nas anaacutelises com uso do Alceste e

do NVivo

A avaliaccedilatildeo aqui impetrada permitiu responder a alguns objetivos e corroborar

as hipoacuteteses investigativas deste trabalho Primeiramente evidenciou-se o uso do termo

roccedila como sinocircnimo de ldquocampordquo e ldquoruralrdquo conforme os pressupostos da pesquisa ao

menos entre os sujeitos participantes da pesquisa provenientes de Minas Gerais e Satildeo

Paulo Nesse sentido confirmou-se uma permanecircncia no uso da palavra roccedila

historicamente vinculada no Brasil agrave lavoura de produccedilatildeo de mantimentos em

pequenas propriedades de terra trabalhada por grupos de agricultores familiares nas

260

suas mais diferentes configuraccedilotildees e destinada ao autoconsumo ou ao abastecimento de

comunidades locais

Entretanto confirmou-se as mudanccedilas nos seus significados que apresentavam a

tendecircncia de serem valorizados positivamente o que ficou expresso principalmente nos

discursos sobre a natureza evocada pela palavra roccedila assim como numa visatildeo

romacircntico-nostaacutelgica a respeito da vida rural confirmando pois a principal hipoacutetese de

trabalho Verificou-se por fim a pertinecircncia da premissa de que a categoria roccedila eacute um

operador simboacutelico relativo e relacional jaacute que seus usos e significados podem se

cambiar historicamente e principalmente a depender do contexto social em que eacute

empregado Essa caracteriacutestica ficou niacutetida nos diferentes usos e significaccedilotildees atribuiacutedos

agrave roccedila pelos habitantes do campo de Gonccedilalves e pelos citadinos moradores de

metroacutepoles como Belo Horizonte e Satildeo Paulo Como denominador comum as visotildees

romacircnticas sobre a vida rural como um modo de vida alternativo ao esgotamento da

vida urbana na metroacutepole

261

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A pesquisa apresentada nesta tese permitiu constatar o uso do termo roccedila como

sinocircnimo de ldquocampordquo no sentido de espaccedilo fiacutesico e de ldquoruralrdquo como modo de vida

(ENDLICH 2010 SOBARZO 2010) Roccedila apareceu entatildeo na sua acepccedilatildeo histoacuterica

relacionada ao trabalho na lavoura nas pequenas propriedades produtoras de alimentos

voltados para o autoconsumo e o abastecimento local conforme evidenciado por

Oliveira (2012) Entretanto este trabalho identificou novos significados para o vocaacutebulo

roccedila que permitiram confirmar a hipoacutetese de que haveria uma tendecircncia em ressignificaacute-

lo positivamente especialmente por meio de uma associaccedilatildeo entre a roccedila e a ldquonaturezardquo

e uma perspectiva ldquoromacircnticardquo ldquonostaacutelgicardquo e ldquoidiacutelicardquo de revalorizaccedilatildeo destas

(ANJOS CALDAS 2014 EacuteBOLI 2007 ELIAS 2001 ENTRENA-DURAacuteN 2012

THOMAS 2010 WILLIAMS 2011) Destaca-se portanto certa permanecircncia nos usos

da categoria roccedila mas mudanccedilas notaacuteveis nas suas significaccedilotildees ao menos nas regiotildees

e mercados estudados nesta pesquisa Os achados da pesquisa tambeacutem evidenciaram o

caraacuteter relativo e relacional (LIMA 1999) do termo roccedila uma vez que os grupos que

moravam no campo de Gonccedilalves tendiam a definir a roccedila como lavoura campo e rural

enquanto os grupos urbanos metropolitanos de Belo Horizonte e Satildeo Paulo associavam

ldquoroccedilardquo agraves cidades pequenas e ao interior bem como agrave natureza

Estes aspectos puderam ser compreendidos por meio da anaacutelise do mercado de

bens e serviccedilos que utilizavam o termo roccedila como marca no contexto dos processos de

solicitaccedilatildeo de registro de marcas no INPI caracterizado pela predominacircncia de produtos

alimentares desde meados dos anos 1960 e com uma tendecircncia de crescimento apoacutes os

anos 1990 pelos serviccedilos com destaque para a gastronomia A escolha da categoria

roccedila como marca destes produtos e serviccedilos denota seu caraacuteter valorativo positivo A

expansatildeo do seu uso apoacutes os anos 1980 e a sua intensificaccedilatildeo nos uacuteltimos dez anos satildeo

ainda mais reveladores desse processo de revalorizaccedilatildeo de muitas esferas do rural de

modo geral e da categoria roccedila em especiacutefico Os anos apoacutes a ditadura militar no

Brasil marcam um periacuteodo em que as minorias sociais ganham visibilidade na

sociedade brasileira A utilizaccedilatildeo da marca roccedila em produtos e serviccedilos aponta para uma

valoraccedilatildeo positiva dos modos de vida e do espaccedilo outrora visto como hierarquicamente

inferior Em uma sociedade poacutes-ditadura idealmente voltada para o respeito agrave

262

diversidade e a ampliaccedilatildeo dos direitos agrave cidadania inclusive das pessoas que vivem no

campo natildeo poderia o consumo da marca roccedila ser revelador do reconhecimento das

autecircnticas raiacutezes ligadas ao modo de vida caipira brasileiro

Observou-se nesta pesquisa que aleacutem do campo valorativo o uso do termo

roccedila como marca seria um indicativo de origem e procedecircncia dos produtos Na

perspectiva de produtores distribuidores e consumidores os produtos da roccedila eram

classificados positivamente como naturais e artesanais em detrimento aos produtos

industrializados A classificaccedilatildeo desses produtos e serviccedilos pelos entrevistados envolvia

os ideais de ldquonaturezardquo ldquoromacircntico-nostaacutelgicordquo e ldquotradicionalrdquo conforme a proposiccedilatildeo

inicial da pesquisa Tambeacutem foram constatados outros significados do vocaacutebulo roccedila

assim como aqueles atribuiacutedos aos produtos e serviccedilos que o veiculavam Aleacutem das

categorias de significados jaacute mencionadas nos paraacutegrafos anteriores identificou-se uma

tendecircncia a associar roccedila agrave cultura do Estado de Minas Gerais agrave cultura caipira Os

entrevistadosrespondentes atribuiacuteram aos produtos e serviccedilos com o termo roccedila a

caracteriacutestica de estarem associados ao seu local de origem refletindo a produccedilatildeo a

cultura a esteacutetica local o que agraves vezes justificava a aquisiccedilatildeo de certo bem visando

contribuir e valorizar a comunidade local Por fim destaca-se que o valor positivo

tambeacutem foi mencionado como um atributo da roccedila no sentido moral assim como a

valoraccedilatildeo no sentido econocircmico de seus produtos e serviccedilos Em termos morais a

simplicidade apareceu como um atributo do modo de vida rural vinculado agrave roccedila e

utilizado em termos comparativos como criacutetica ao modelo de civilizaccedilatildeo urbana da

metroacutepole assim como jaacute havia destacado Silva G (2009)

As mudanccedilas mais expressivas nos significados do termo roccedila coincidiram com

as transformaccedilotildees no campo ocorridas a partir dos anos 1980 marcadas pelos

questionamentos do produtivismo na agricultura pelas preocupaccedilotildees ambientais e pela

exploraccedilatildeo do campo como espaccedilo de consumo por meio do turismo do lazer e da

segunda moradia (ABRAMOVAY 1994 ANJOS CALDAS 2014) Algumas dessas

mudanccedilas tiveram ressonacircncia no proacuteprio mercado de produtos e serviccedilos considerados

da roccedila tanto por serem considerados como artesanais e naturais quanto pela

emergecircncia da gastronomia do entretenimento e mais timidamente do turismo apoacutes os

anos 1990 associados a esta marca Nesse sentido ressalta-se como as culturas urbana e

rural rompem as fronteiras da cidade e do campo enquanto espaccedilos fiacutesicos

possibilitando novas identificaccedilotildees e praacuteticas sociais em novas configuraccedilotildees de tempo

263

e espaccedilo que tambeacutem satildeo traduzidas nos novos usos do termo roccedila (ALEM 1996 DE

PAULA 1998 1999 2001 ENDLICH 2010)

Nesse sentido a pesquisa tambeacutem evidenciou a expansatildeo de um mercado de

produtos alimentares tradicionais artesanais de recorte local natildeo industrializados que

tecircm sido denominados pelos mais variados termos inclusive regionais que expressam

algumas mudanccedilas e tendecircncias no consumo contemporacircneo (BARBOSA L 2009

PORTILHO 2005) Embora pertenccedila a um nicho de mercado haacute uma tendecircncia em

valorizar as produccedilotildees de pequena escala produzidas com praacuteticas sustentaacuteveis em

preservar teacutecnicas de processamento de alimentos artesanais familiares tradicionais

fortemente vinculados a territoacuterios histoacuterias e culturas determinadas conforme tambeacutem

revelaram os estudos de Cruz e Menasche (2011) Dorigon (2008 2010) Santos J

(2014) e Wilkinson (2008) Parte desse mercado foi observado no Mercado Central de

Belo Horizonte na demanda pelo queijo artesanal mineiro ou pela cachaccedila artesanal

por exemplo Assim como as possibilidades de ocupaccedilatildeo e geraccedilatildeo de renda que as

transformaccedilotildees rumo agrave valorizaccedilatildeo do rural demonstraram ser possiacuteveis a partir do

trabalho de campo realizado em Gonccedilalves como a gastronomia local a agricultura

orgacircnica e o turismo rural por exemplo

Por outro lado se a diversidade do mercado que utiliza o termo roccedila como marca

eacute um indiacutecio da revalorizaccedilatildeo do rural a sua apropriaccedilatildeo em distintas esferas de

mercado e por grandes cadeias agroindustriais pode ter vaacuterios efeitos indesejaacuteveis como

a desestruturaccedilatildeo de um possiacutevel mercado de produtos artesanais de qualidades

especiais excluindo pequenos produtores descaracterizando teacutecnicas tradicionais e

subvertendo as referecircncias dos consumidores Em contrapartida iniciativas de

regulamentaccedilatildeo desse mercado tambeacutem contecircm seus riscos sejam relacionados aos

processos produtivos agrave comercializaccedilatildeo ou ao reconhecimento identitaacuterio podendo

resultar tambeacutem na exclusatildeo de pequenos produtores e distribuidores na perda de

teacutecnicas tradicionais e nas mudanccedilas de haacutebitos dos consumidores prejudicando a

demanda conforme alertaram os trabalhos de Dorigon (2008) Neugebauer (2014) e

Santos J (2014)

A pesquisa tornou evidente portanto o vocaacutebulo roccedila como uma categoria que

permite elucidar vaacuterias facetas dos estudos sobre o rural no Brasil ainda pouco

exploradas Nesse sentido o trabalho que se realizou natildeo pretendeu abarcar todas as

possibilidades de investigaccedilatildeo que o termo roccedila pode apresentar admitindo-se

264

portanto suas limitaccedilotildees diante de uma gama de abordagens possiacuteveis Considera-se

assim como alguns dos entraves desta pesquisa natildeo ter sido possiacutevel verificar o alcance

do uso do termo roccedila como sinocircnimo de campo e rural nas outras regiotildees do territoacuterio

brasileiro tendo ficado o trabalho de campo restrito ao Estado de Minas Gerais ainda

que os dados secundaacuterios obtidos no INPI revelem a recorrecircncia da marca em outras

regiotildees Como desdobramento dessa limitaccedilatildeo sugere-se a pertinecircncia de verificar os

usos e significados do termo roccedila em outros contextos sociais agrave luz da perspectiva da

hierarquizaccedilatildeo socialrevalorizaccedilatildeo permitindo generalizar os achados nesta pesquisa

Portanto recomenda-se a iniciativa de pesquisas futuras que possam investigar os usos e

significados do termo roccedila em outras regiotildees brasileiras seja por meio de abordagens

qualitativas que descrevam os distintos processos culturais seja por meio de surveys

com amostras representativas que permitam generalizaccedilotildees dos resultados encontrados

nesta pesquisa ou ainda um aprofundamento em pesquisa histoacuterica investigando-se a

etimologia e a polissemia do termo roccedila Sugere-se especialmente examinar as relaccedilotildees

entre os usos e significados do termo roccedila e suas relaccedilotildees com as representaccedilotildees a

respeito de Minas Gerais verificando suas vinculaccedilotildees agraves ideias de ldquoruralizaccedilatildeordquo da

cultura mineira e ao proacuteprio conceito de ldquomineiridaderdquo (ARRUDA 1999

VASCONCELLOS 1981) assim como as afinidades entre os sentidos de roccedila e a

cultura caipira (RIBEIRO 2006 CANDIDO 2010) conforme os indiacutecios revelados

nesta pesquisa

Apesar de tais limitaccedilotildees espera-se que esta pesquisa possa contribuir na

Antropologia Rural e na Sociologia Rural com um novo campo investigativo sobre o

rural brasileiro relacionado ao uso de categorias de pensamento como o termo roccedila

Espera-se tambeacutem no campo da Extensatildeo Rural que a pesquisa possa colaborar com a

elaboraccedilatildeo de mecanismos e estrateacutegias de reconhecimento e valorizaccedilatildeo do rural e com

o desenvolvimento e aperfeiccediloamento de saberes e teacutecnicas que resultem em novas

oportunidades de ocupaccedilatildeo e renda para as famiacutelias rurais ou urbanas que vivem no

campo gerando expectativas de desenvolvimento profissional e de cidadania para os

jovens A tiacutetulo de exemplo o campo da agricultura sustentaacutevel de forma mais

especiacutefica e da agricultura familiar de modo geral dos produtos alimentares

tradicionais e artesanais no turismo rural temaacutetico identificados nessa pesquisa

associados ao termo roccedila valorizados e valorados por um nicho de mercado formado

265

por consumidores das camadas urbanas atraiacutedos pelas imagens e sensaccedilotildees de

nostalgia romantismo e apreciaccedilatildeo da simplicidade que essa categoria pode suscitar

266

REFEREcircNCIAS

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SOARES Ari de Souza PETITO Fernanda Centamori LIMA Gusttavo Ceacutesar Oliveira CARRIERI Alexandre de Paacutedua Sinestesia poeacutetica e cultura organizacional desvendando as estrateacutegias coletivas do Mercado Central de Belo Horizonte In XXXI Encontro da Anpad Rio de Janeiro 2007 p 1-13 SOBARZO Oscar O urbano e o rural em Henri Lefebvre In SPOSITO Maria Encarnaccedilatildeo Beltratildeo WHITACKER Arthur Magon (orgs) Cidade e campo relaccedilotildees e contradiccedilotildees entre urbano e rural 2ordf ed Satildeo Paulo Editora Expressatildeo Popular 2010 p 53-64 SOLARI Aldo O objeto da sociologia rural In SZMERCSAacuteNYI Tamaacutes QUEDA Oriowaldo (orgs) Vida rural e mudanccedila social leituras baacutesicas de sociologia rural 3ordf ed Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 1979 p 3-14 SOROKIN Pitirim ZIMMERMAN Carlo GALPIN Charles Diferenccedilas fundamentais entre o mundo rural o e o urbano In MARTINS Joseacute de Souza Introduccedilatildeo Criacutetica agrave Sociologia Rural 2ordf ed Satildeo Paulo Editora HUCITEC 1986 p 198-224 (Coleccedilatildeo Estudos Rurais)

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SOUSA Gabriel Soares Tratado Descritivo do Brasil em 1587 Disponiacutevel em httpwwwdominiopublicogovbrpesquisaDetalheObraFormdoselect_action=ampco_obra=38095 Acesso em 12 jun 2015 SOUZA Elizete Maria CHAVES Elaine De Ouro Preto a Belo Horizonte seguindo os passos da histoacuteria para compreender a formaccedilatildeo do falar belo-horizontino Revista Alpha Patos de Minas n 12 p 54-67 nov 2011 SOUZA Jesseacute A cegueira do debate brasileiro sobre as classes sociais Interesse Nacional ano 7 n 27 p 35-57 outdez 2014 Disponiacutevel em httpinteressenacionaluolcombrindexphpedicoes-revistaa-cegueira-do-debate-brasileiro-sobre-as-classes-sociais Acesso em 12 ago 2015 TAVARES Mauro Calixta A forccedila da marca como construir e manter marcas fortes Satildeo Paulo Ed Harbra 1998 TAYLOR Charles A eacutetica da autenticidade Satildeo Paulo Eacute Realizaccedilotildees 2011 TEIXEIRA Alex Niche A produccedilatildeo televisiva do crime violento na modernidade tardia 2009 240 f Tese (Doutorado em Sociologia) ndash Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre TEIXEIRA Diogo Dias O registro de marcas no Brasil informaccedilotildees gerais acerca do procedimento de registro de marca no Brasil Jusnavegandi mai 2007 Disponiacutevel em httpwwwdireitonetcombrartigosexibir3445O-registro-de-marcas-no-Brasil Acesso em 14 ago 2015 THOMAS Keith O homem e o mundo natural mudanccedilas de atitudes em relaccedilatildeo agraves plantas e aos animais (1500-1800) Satildeo Paulo Companhia das Letras 2010 VARELLA Luiz Nicolaacuteo Fagundes Obras completas Rio de Janeiro Livraria Garnier 1892 2 v Disponiacutevel em httpwwwbrasilianauspbrbbdhandle191801815310page1mode1up Acesso em 27 set 2013 VARNHAGEN Francisco Adolfo Ao Instituto Histoacuterico do Brasil 1851 In SOUSA Gabriel Soares Tratado Descritivo do Brasil em 1587 Disponiacutevel em httpwwwdominiopublicogovbrpesquisaDetalheObraFormdoselect_action=ampco_obra=38095 Acesso em 12 jun 2015

286

VASCONCELLOS Liliana GUEDES Luiacutes Fernando Ascenccedilatildeo E-surveys vantagens e limitaccedilotildees dos questionaacuterios eletrocircnicos via internet no contexto da pesquisa cientiacutefica Apresentaccedilatildeo realizada na X SEMEAD FEA-USP 2007 Disponiacutevel em httpwwweadfeauspbrSemead10semeadsistemaresultadotrabalhosPDF420pdf Acesso em 01 jun 2014 VASCONCELLOS Sylvio de Mineiridade ensaio de caracterizaccedilatildeo Satildeo Paulo Abril 1981 VEIGA Joseacute Eli Cidades imaginaacuterias o Brasil eacute menos urbano do que se calcula 2ordf ed Campinas Autores Associados 2003 ______ Destinos da ruralidade no processo de globalizaccedilatildeo Estudos Avanccedilados Satildeo Paulo n 18 v 51 p 51-67 2004 ______ Nascimento de outra ruralidade Estudos Avanccedilados Satildeo Paulo n 20 v 57 p 333-353 2006 WANDERLEY Maria de Nazareth Baudel A ruralidade no Brasil moderno por um pacto social pelo desenvolvimento rural In GIARRACA Norma (org) iquestUna nueva ruralidad en Ameacuterica Latina Buenos Aires CLACSO 2001 p 31-44 Disponiacutevel em httpbibliotecavirtualclacsoorgararlibrosruralwanderleypdf Acesso em 06 out 2015 ______ Urbanizaccedilatildeo e ruralidade relaccedilotildees entre a pequena cidade e o mundo rural Estudo preliminar sobre os pequenos municiacutepios em Pernambuco In WANDERLEY Maria de Nazareth Baudel O mundo rural como um espaccedilo de vida reflexotildees sobre a propriedade da terra agricultura familiar e ruralidade Porto Alegre Editora da UFRGS 2009 p 311-328 WEIBLE Rick WALLACE John Cyber research the impact of the internet on data collection Marketing Research Chicago v 10 n 3 p 19-24 fall 1998 WILKINSON John MIOR Luiz Carlos Setor informal produccedilatildeo familiar e pequena agroinduacutestria interfaces Estudos sociedade e agricultura Rio de Janeiro v 13 p 29-45 out 1999 WILKINSON John Mercados redes e valores o novo mundo da agricultura familiar Porto Alegre Editora da UFRGS 2008

287

WILLIAMS Raymond O campo e a cidade na histoacuteria e na literatura Satildeo Paulo Companhia das Letras 2011 WOORTMANN Ellen WOORTMANN Klaas O trabalho da terra a loacutegica e a simboacutelica da lavoura camponesa Brasiacutelia Editora Universidade de Brasiacutelia 1997

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APEcircNDICES

Apecircndice A ndash Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ndash Produtores

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ndash TCLE

IDENTIFICACcedilAtildeO DO PROJETO DE PESQUISA TIacuteTULO DO PROJETO Roccedila uma marca registrada o processo de valoraccedilatildeo do rural na sociedade brasileira Coordenadora da pesquisa (pesquisadora responsaacutevel) Nome Ana Louise de Carvalho Fiuacuteza Departamento Economia Rural Equipe de pesquisa Nome Lidiane Nunes da Silveira Departamento Economia Rural IDENTIFICACcedilAtildeO DO SUJEITO DA PESQUISA (VOLUNTAacuteRIO) Nome EmpresaEstabelecimento comercial Vocecirc estaacute sendo convidado(a) a participar da pesquisa chamada Roccedila uma marca registrada o processo de valoraccedilatildeo do rural na sociedade brasileira Todas as informaccedilotildees necessaacuterias sobre a pesquisa encontram-se relacionadas abaixo Em caso de duacutevidas favor esclarececirc-las antes da assinatura do presente Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ndash TCLE Este trabalho eacute de responsabilidade da professora Ana Louise de Carvalho Fiuacuteza do Departamento Economia Rural e da estudante de doutorado Lidiane Nunes da Silveira do mesmo departamento A pesquisa tem por objetivo compreender os diferentes usos e significados do termo ldquoroccedilardquo na sociedade brasileira Mais especificamente esta pesquisa estaacute analisando esses significados de ldquoroccedilardquo como marca de produtos e serviccedilos registrados ou que tiveram processos de solicitaccedilatildeo de registro de marcas no Instituto Nacional de Propriedade Industrial entre os anos de 1982 e 2012 Para chegarmos aos dados precisamos que o(a) senhor(a) responda a algumas perguntas relacionadas agrave sua trajetoacuteria pessoal agrave sua relaccedilatildeo com a roccedila e algumas questotildees sobre a marca de seu produto ou serviccedilo principalmente Os dados que o(a) senhor(a) informar na entrevista poderatildeo ser utilizados em pesquisas futuras Ao aceitar responder a este questionaacuterio o(a) senhor(a) poderaacute expor a sua marca e o seu produto ou serviccedilo ao conhecimento da concorrecircncia bem como poderaacute expor suas estrateacutegias de marketing aos concorrentes e ao puacuteblico consumidor Tambeacutem gostariacuteamos de informaacute-lo que as anaacutelises fruto desta pesquisa poderatildeo chegar a conclusotildees diferentes daquelas a respeito dos significados

289

usos e motivaccedilotildees que o(a) senhor(a) acredita que envolvem o termo roccedila ou mesmo a sua marca Ressaltamos ainda que as respostas eou dados gerados a partir de seu preenchimento do questionaacuterio poderatildeo ser expostas ainda que sua identidade pessoal seja mantida em sigilo Ao responder a este questionaacuterio o(a) senhor(a) estaraacute contribuindo para a divulgaccedilatildeo de seu setor de produtos ou serviccedilos ao puacuteblico consumidor A sua participaccedilatildeo nesta pesquisa poderaacute proporcionar a valorizaccedilatildeo da criatividade de sua estrateacutegia de marketing ou o reconhecimento de sua experiecircncia cultural e a oportunidade para o(a) senhor(a) expressar aspectos de sua experiecircncia de vida e de trabalho A participaccedilatildeo nesta pesquisa respondendo a este questionaacuterio natildeo implicaraacute em nenhuma despesa bem como em nenhum benefiacutecio financeiro ou publicitaacuterio para (o)a senhor(a) ou a sua empresaestabelecimento comercial ou seja a sua participaccedilatildeo eacute voluntaacuteria A sua identidade pessoal seraacute preservada na divulgaccedilatildeo da pesquisa mas as suas respostas seratildeo analisadas e tornadas puacuteblicas O(a) senhor(a) poderaacute desistir de responder ao questionaacuterio ou solicitar que suas respostas natildeo sejam analisadas e publicadas a qualquer momento da pesquisa Declaro que fui informado(a) dos objetivos do estudo Roccedila uma marca registrada o processo de valoraccedilatildeo do rural na sociedade brasileira de maneira clara e detalhada e esclareci as minhas duacutevidas Estou informado de que a qualquer momento poderei solicitar novas informaccedilotildees e modificar minha decisatildeo de participar deste estudo Tambeacutem fui informado(a) que em caso de discordacircncia com procedimentos ou irregularidade de natureza eacutetica posso buscar auxiacutelio junto ao Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Viccedilosa ndash CEPUFV no seguinte endereccedilo e contatos

Preacutedio Arthur Bernardes sala 04 campus da Universidade Federal de Viccedilosa (UFV)

Viccedilosa Minas Gerais Telefone (31) 3899-2492

e-mail cepufvbr Site wwwcepufvbr

_____________ ___ ________ de 2014 ________________________________ ____________________________ Pesquisador responsaacutevel pelo projeto Participante da pesquisa

290

Apecircndice B ndash Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ndash Consumidores

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ndash TCLE

IDENTIFICACcedilAtildeO DO PROJETO DE PESQUISA TIacuteTULO DO PROJETO Roccedila uma marca registrada o processo de valoraccedilatildeo do rural na sociedade brasileira Coordenadora da pesquisa (pesquisadora responsaacutevel) Nome Ana Louise de Carvalho Fiuacuteza Departamento Economia Rural Equipe de pesquisa Nome Lidiane Nunes da Silveira Departamento Economia Rural

IDENTIFICACcedilAtildeO DO SUJEITO DA PESQUISA (VOLUNTAacuteRIO) Nome Vocecirc estaacute sendo convidado(a) a participar da pesquisa Roccedila uma marca registrada o processo de valoraccedilatildeo do rural na sociedade brasileira Todas as informaccedilotildees necessaacuterias sobre a pesquisa encontram-se relacionadas abaixo Em caso de duacutevidas favor esclarececirc-las antes da assinatura do presente Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ndash TCLE A pesquisa tem por objetivo compreender os diferentes usos e significados do termo ldquoroccedilardquo na sociedade brasileira Mais especificamente esta pesquisa estaacute analisando os significados de ldquoroccedilardquo como marca de produtos e serviccedilos desde os anos 1980 no Brasil Para chegarmos aos dados precisamos que o(a) senhor(a) responda a algumas perguntas relacionadas agrave sua trajetoacuteria pessoal agrave sua relaccedilatildeo com a roccedila e algumas questotildees sobre o consumo de produtos ou serviccedilos com a marca roccedila Ao aceitar responder a este questionaacuterio o(a) senhor(a) poderaacute expor dados pessoais seus e de seus familiares assim como expor opiniotildees criacuteticas e preferecircncias em relaccedilatildeo ao consumo de determinados produtos ou serviccedilos A sua identidade pessoal seraacute preservada na divulgaccedilatildeo da pesquisa mas as suas respostas seratildeo analisadas e tornadas puacuteblicas e tambeacutem poderatildeo ser utilizadas em pesquisas futuras Tambeacutem gostariacuteamos de informaacute-lo(a) que os resultados desta pesquisa poderatildeo chegar a conclusotildees diferentes daqueles usos significados e motivaccedilotildees que o(a) senhor(a) acredita que envolvem o termo roccedila A sua participaccedilatildeo nesta pesquisa poderaacute contribuir para a divulgaccedilatildeo de um setor de produtos ou serviccedilos ao puacuteblico consumidor proporcionar a valorizaccedilatildeo ou reconhecimento de sua experiecircncia cultural e a oportunidade para o(a) senhor(a) expressar aspectos de sua experiecircncia de vida A participaccedilatildeo nesta pesquisa respondendo a este questionaacuterio natildeo implicaraacute em nenhuma despesa bem como em nenhum benefiacutecio financeiro para o(a) senhor(a) ou seja a sua participaccedilatildeo eacute voluntaacuteria assim como natildeo implicaraacute em nenhum benefiacutecio financeiro ou publicitaacuterio para qualquer empresa estabelecimento comercial ou organizaccedilatildeo de eventos com a

291

marca roccedila ou qualquer outra marca O(a) senhor(a) poderaacute desistir de responder ao questionaacuterio ou solicitar que suas respostas natildeo sejam analisadas e publicadas a qualquer momento da pesquisa Declaro que fui informado(a) dos objetivos do estudo Roccedila uma marca registrada o processo de valoraccedilatildeo do rural na sociedade brasileira de maneira clara e detalhada e esclareci as minhas duacutevidas Estou informado de que a qualquer momento poderei solicitar novas informaccedilotildees e modificar minha decisatildeo de participar deste estudo Tambeacutem fui informado(a) que em caso de discordacircncia com procedimentos ou irregularidade de natureza eacutetica posso buscar auxiacutelio junto ao Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Viccedilosa ndash CEPUFV no seguinte endereccedilo e contatos

Preacutedio Arthur Bernardes sala 04 campus da Universidade Federal de Viccedilosa (UFV)

Viccedilosa Minas Gerais Telefone (31) 3899-2492

e-mail cepufvbr Site wwwcepufvbr

_____________ ___ ________ de 2014 ________________________________ _________________________________ Pesquisador responsaacutevel pelo projeto Participante da pesquisa

292

Apecircndice C ndash Termo de Autorizaccedilatildeo de Uso de Imagem

TERMO DE AUTORIZACcedilAtildeO DE USO DE IMAGEM Eu _______________________________________ depois de conhecer e entender os

objetivos procedimentos metodoloacutegicos riscos e benefiacutecios da pesquisa bem como de

estar ciente da necessidade do uso de imagens AUTORIZO atraveacutes do presente termo

as pesquisadoras (Lidiane Nunes da Silveira [pesquisadora] e profa Ana Louise de

Carvalho Fiuacuteza [orientadora]) do projeto de pesquisa intitulado ldquoRoccedila uma marca

registrada o processo de valoraccedilatildeo do rural na sociedade brasileirardquo a realizar as fotos e

filmagens que se faccedilam necessaacuterias sem quaisquer ocircnus financeiros a nenhuma das

partes

Ao mesmo tempo libero a utilizaccedilatildeo destas fotos (seus respectivos negativos) e

filmagens para fins cientiacuteficos e de estudos (livros artigos teses slides e

transparecircncias) em favor das pesquisadoras da pesquisa acima especificadas

obedecendo ao que estaacute previsto nas leis que resguardam os direitos das crianccedilas e

adolescentes (Estatuto da Crianccedila e do Adolescente ndash ECA Lei nordm 8069 1990) dos

idosos (Estatuto do Idoso Lei nordm 107412003) e das pessoas com deficiecircncia (Decreto

nordm 32981999 alterado pelo Decreto nordm 52962004)

______________ ____ de __________ de 2014

_______________________________ Pesquisadora responsaacutevel pelo projeto

_______________________________ Entrevistado(a) ou responsaacutevel pelo

estabelecimento fotografadofilmado

293

Apecircndice D ndash Roteiro de entrevista aos produtoresdistribuidores

ROTEIRO DE PERGUNTAS PARA ENTREVISTA ABERTA COM TITULARES DE MARCAS DE PRODUTOS E SERVICcedilOS COM O TERMO

ROCcedilA PERFIL PESSOAL 1 ndash Qual eacute a sua profissatildeo 2 ndash Qual a funccedilatildeo o(a) senhor(a) exerce na empresacomeacutercio de produto ou serviccedilo com a marca roccedila 3 ndash Qual eacute a sua escolaridade 4 ndash Qual eacute a sua idade QUESTOtildeES SOBRE A MARCA DO PRODUTO OU SERVICcedilO 5 ndash Por que o(a) senhor(a) escolheu a marca (falar o nome da marca) para o seu produtoestabelecimento 6 ndash O que a marca (falar o nome da marca) significa (Caso natildeo tenha mencionado na resposta anterior ou para exploraacute-la melhor) 7 ndash Qual a principal caracteriacutestica do seu produtoserviccedilo que o(a) senhor(a) relaciona com a ideia de roccedila (Caso natildeo tenha mencionado na resposta anterior ou para exploraacute-la melhor) 8 ndash O(A) senhor(a) considera que a marca roccedila torna o seu produto diferencial em relaccedilatildeo aos outros do mesmo segmento de mercado Por quecirc 9 ndash Quem eacute o principal puacuteblico consumidor do seu produto ou serviccedilo 10 ndash O(A) senhor(a) acredita que o uso do termo ldquoroccedilardquo tem alguma relevacircncia para o puacuteblico consumidor Por quecirc QUESTOtildeES SOBRE A ROCcedilA 11 ndash O que significa roccedila para vocecirc (Caso natildeo tenha desenvolvido essa argumentaccedilatildeo na resposta da pergunta anterior ou para exploraacute-la melhor) 12 ndash O(A) senhor(a) jaacute teve algum tipo de experiecircncia na roccedila Se teve fale-me sobre essa experiecircncia Se natildeo teve teria ou natildeo uma experiecircncia e por quecirc 13 ndash Onde sua famiacutelia viveu a maior parte da vida no campo ou cidade

294

14 ndash Qual era a profissatildeo dos seus pais (Caso o entrevistado natildeo tenha mencionado na resposta da pergunta anterior) 15 ndash Onde o(a) senhor(a) morou a maior parte da sua vida no campo ou na cidade (Caso o entrevistado natildeo tenha mencionado nas respostas das perguntas 14 e 15) 16 ndash Onde o(a) senhor(a) mora atualmente O lugar onde vocecirc mora eacute campo ou cidade (Caso natildeo tenha indicado claramente se se trata de campo ou cidade) 17 ndash O que o(a) senhor(a) acha da cidade 18 ndash O que o(a) senhor(a) acha do campo 19 ndash Se pudesse resumir roccedila em uma uacutenica palavra qual seria

295

Apecircndice E ndash Questionaacuterio semiestruturado ndash Produtores e distribuidores

QUESTIONAacuteRIO SEMIESTRUTURADO APLICADO AOS PRODUTORES E DISTRIBUIDORES DE PRODUTOS E SERVICcedilOS COM O TERMO ROCcedilA

PERFIL PESSOAL 1 ndash Qual eacute a sua profissatildeo ______________________________________________________________________ 2 ndash Qual funccedilatildeo o(a) senhor(a) exerce na empresaestabelecimento comercial de produto ou serviccedilo com a marca roccedila ______________________________________________________________________ 3 ndash Qual eacute a sua escolaridade ( ) Natildeo estudou ( ) Fundamental incompleto ( ) Fundamental completo ( ) Ensino Meacutedio incompleto ( ) Ensino Meacutedio completo ( ) Superior incompleto ( ) Superior completo ( ) Poacutes-graduaccedilatildeo 4 ndash Qual eacute a sua idade ( ) Menos de 20 anos ( ) 20 a 30 anos ( ) 30 a 40 anos ( ) 40 a 50 anos ( ) 50 a 60 anos ( ) 60 a 70 anos ( ) 70 a 80 anos ( ) Acima de 80 anos

296

QUESTOtildeES SOBRE A MARCA DO PRODUTO OU SERVICcedilO 5 ndash Por que o(a) senhor(a) escolheu a marca com a palavra roccedila para o seu produtoestabelecimento __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 6 ndash O que essa marca significa __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 7 ndash Qual a principal caracteriacutestica do seu produtoserviccedilo que o(a) senhor(a) relaciona com a ideia de roccedila __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 8 ndash O(a) senhor(a) considera que a marca roccedila torna o seu produto diferencial em relaccedilatildeo aos outros do mesmo segmento de mercado ( ) Sim ( ) Parcialmente ( ) Natildeo Por quecirc __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 9 ndash Quem eacute o principal puacuteblico consumidor do seu produto ou serviccedilo Marque quantas opccedilotildees forem necessaacuterias ( ) Populaccedilatildeo rural ( ) Populaccedilatildeo urbana ( ) Homens ( ) Mulheres ( ) Crianccedilas ( ) Jovens ( ) Adultos ( ) Melhor idade ( ) Populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo ( ) Populaccedilatildeo de meacutedio poder aquisitivo

297

( ) Populaccedilatildeo de alto poder aquisitivo 10 ndash O(a) senhor(a) acredita que o uso do termo roccedila tem alguma relevacircncia para o puacuteblico consumidor ( ) Sim ( ) Parcialmente ( ) Natildeo Por quecirc __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ QUESTOtildeES SOBRE A ROCcedilA 11 ndash O que significa roccedila para o(a) senhor(a) __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 12 ndash Se pudesse resumir roccedila em uma uacutenica palavra qual seria ______________________________________________________________________ 13 ndash Onde sua famiacutelia viveu a maior parte da vida ( ) No campo ou zona rural ( ) Na cidade ou zona urbana 14 ndash Qual era a profissatildeo dos seus pais ______________________________________________________________________ 15 ndash Onde o(a) senhor(a) morou a maior parte de sua vida ( ) No campo ou zona rural ( ) Na cidade ou zona urbana 16 ndash Onde o(a) senhor(a) mora atualmente ______________________________________________________________________

298

17 ndash O lugar onde vocecirc mora eacute campo ou cidade ( ) Campo ou zona rural ( ) Cidade ou zona urbana

299

Apecircndice F ndash Questionaacuterio semiestruturado ndash Consumidores

QUESTIONAacuteRIO SEMIESTRUTURADO APLICADO AOS CONSUMIDORES DE PRODUTOS E SERVICcedilOS COM O TERMO ROCcedilA

PERFIL PESSOAL Nome ________________________________________________________________ 1 ndash Qual eacute a sua idade ( ) Menos de 20 anos ( ) 20 a 30 anos ( ) 30 a 40 anos ( ) 40 a 50 anos ( ) 50 a 60 anos ( ) 60 a 70 anos ( ) 70 a 80 anos ( ) Acima de 80 anos 2 ndash Qual eacute a sua escolaridade ( ) Natildeo estudou ( ) Fundamental incompleto ( ) Fundamental completo ( ) Ensino Meacutedio incompleto ( ) Ensino Meacutedio completo ( ) Superior incompleto ( ) Superior completo ( ) Poacutes-graduaccedilatildeo 3 ndash Qual eacute a sua profissatildeo ______________________________________________________________________ 4 ndash Onde reside ______________________________________________________________________ 5 ndash Onde o(a) senhor(a) morou a maior parte da sua vida no campo ou na cidade ( ) No campo ( ) Na cidade

300

( ) Em ambos 6 ndash Onde sua famiacutelia viveu a maior parte da vida no campo ou cidade ( ) No campo ( ) Na cidade ( ) Em ambos 7 ndash Qual era a profissatildeo dos seus pais ______________________________________________________________________ QUESTOtildeES SOBRE A ROCcedilA 8 ndash O que o(a) senhor(a) acha da cidade __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

9 ndash O que o(a) senhor(a) acha do campo __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 10 ndash O que eacute roccedila para o(a) senhor(a) __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 11 ndash O(A) senhor(a) jaacute teve algum tipo de experiecircncia na roccedila Se teve fale-me sobre essa experiecircncia Se natildeo teve teria ou natildeo uma experiecircncia e por quecirc __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 12 ndash Se pudesse resumir roccedila em uma uacutenica palavra qual seria ______________________________________________________________________

301

QUESTOtildeES SOBRE O CONSUMO DE PRODUTO OU SERVICcedilO COM A MARCA ROCcedilA 13 ndash O(A) senhor(a) jaacute consumiu um produto ou serviccedilo que tinha a marca ldquoroccedilardquo ou que era da ldquoroccedilardquo ( ) Sim Exemplos __________________________________________________________________ ( ) Natildeo 14 ndash Diante da oferta de dois produtos ou serviccedilos semelhantes um com a marca ldquoroccedilardquo e outro de outra marca qual seria sua escolha Por quecirc __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 15 ndash O que um produto ou serviccedilo com a marca ldquoroccedilardquo significa para o(a) senhor(a) __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

iii

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo agrave Universidade Federal de Viccedilosa especificamente ao Programa de

Poacutes-graduaccedilatildeo em Extensatildeo Rural do Departamento de Economia Rural pela

oportunidade de cursar o Doutorado e estendo meus cumprimentos a todo o corpo

docente e aos teacutecnicos administrativos que tornam o curso possiacutevel Agrave Coordenaccedilatildeo de

Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior (CAPES) pela concessatildeo de bolsa de

estudos que subsidiaram o desenvolvimento da pesquisa Ao Instituto Federal de Minas

Gerais Campus Ouro Preto pela concessatildeo de Licenccedila para Capacitaccedilatildeo que

possibilitou melhores condiccedilotildees para a dedicaccedilatildeo ao desenvolvimento da pesquisa e ao

cumprimento das exigecircncias do Programa em tempo haacutebil

Na UFV agradeccedilo imensamente agrave Professora Ana Louise pelo entusiasmo com

o qual conduz nossas pesquisas nos inspirando e motivando com sua dedicaccedilatildeo

disponibilidade e solicitude Agradeccedilo pela seguranccedila nos meus momentos de duacutevida

pela compreensatildeo relativa agraves condiccedilotildees de vida e pelas vaacuterias oportunidades de

aprendizado conquistas e aperfeiccediloamento que nos concedeu dentro e fora do Grupo de

Estudos Rurais Agriculturas e Ruralidades (GERAR) E pela confianccedila no meu

trabalho pela sintonia e escolhas certeiras e pela orientaccedilatildeo precisa Aos Professores

Douglas Mansur e Rennan Lanna pela coorientaccedilatildeo por transmitirem apoio e confianccedila

nas decisotildees tomadas ampliando as possibilidades da pesquisa pela disponibilidade agrave

leitura criacutetica do texto e pela participaccedilatildeo nos momentos formais de avaliaccedilatildeo do

trabalho contribuindo para a pesquisa com seriedade e ao mesmo tempo leveza Ao

Professor Leonardo Civale que de forma muito soliacutecita e entusiaacutestica aceitou

contribuir com a leitura do trabalho em vaacuterios momentos despertando-nos para novas

facetas da pesquisa Ao Professor Luciano Rodrigues que aceitou prontamente

contribuir com o trabalho participando da banca de defesa e cujas colaboraccedilotildees foram

muito pertinentes Agrave Professora Neide Almeida que foi interlocutora indireta desse

trabalho ao longo de todo esse tempo agradeccedilo agraves leituras e contribuiccedilotildees Agradeccedilo a

todos os professores e professoras do Programa que contribuiacuteram direta ou

indiretamente para a minha formaccedilatildeo e para o bom desenvolvimento desta pesquisa No

DER agradeccedilo ainda agrave Carminha Romildo Cassiana Helena Brilhante Margarida D

iv

Maria Otto e Russo que sempre nos atenderam com carinho e presteza no cotidiano

acadecircmico

Na UFV devo tambeacutem meus agradecimentos aos componentes antigos e novos

do GERAR espaccedilo de aprendizado partilha apoio crescimento e amizade Agradeccedilo

ao Gustavo Braga pela oportunidade de aprendizado no curso de Metodologia

Quantitativa agrave Vanessa Barros pelo treinamento com o Alceste e agrave Paula Fernandes

pelo trabalho de acompanhamento e traduccedilatildeo da obra de Placide Rambaud Agradeccedilo

especialmente agrave Vanessa amiga para toda a vida Aos amigos e amigas do Programa

com os quais aprendi e me diverti muito agradeccedilo o apoio o incentivo a troca a

partilha das anguacutestias e das conquistas ao longo desses anos Sorte a todos noacutes

Agradeccedilo na UFMG agrave Professora Deborah Lima por me acompanhar mais

uma vez na minha trajetoacuteria acadecircmica pela disponibilidade em participar do exame de

qualificaccedilatildeo pelas contribuiccedilotildees preciosas ao meu trabalho Na UFOP agradeccedilo agrave

Professora Marisa Singulano pela solicitude em aceitar contribuir com o debate do

seminaacuterio e pela leitura do trabalho pelo carinho e compreensatildeo com as vicissitudes dos

momentos finais da tese Ao Professor Frederico Tavares pela gentileza em aceitar ao

convite para participar da banca de defesa suas leituras comentaacuterios e contribuiccedilotildees

acrescentaram um novo olhar ao trabalho

No IFMG agradeccedilo aos meus amigos professores e agraves minhas amigas

professoras da Coordenadoria de Aacuterea de Ciecircncias Sociais e da Coordenadoria de Aacuterea

de Histoacuteria primeiramente pela concessatildeo da Licenccedila Capacitaccedilatildeo mas sobretudo

pelo incentivo apoio parcerias e compreensatildeo nos momentos de ausecircncia Agradeccedilo

em especial ao Professor Guilherme Leonel e agrave Professora Alessandra Tostes pelo

apoio e compreensatildeo nas vaacuterias trocas de turmashoraacuteriosconteuacutedos que num primeiro

momento antes da Licenccedila Capacitaccedilatildeo foram fundamentais para que eu pudesse

cursar as disciplinas Ao Professor Rios e agrave Professora Paula pela descontraccedilatildeo nos

momentos finais de redaccedilatildeo da tese e agrave Professora Venuacutencia pela torcida e incentivo

Aos alunos e alunas que acompanharam o iniacutecio do doutorado com admiraccedilatildeo e

entusiasmo meus agradecimentos

Em Gonccedilalves natildeo tenho palavras para agradecer a recepccedilatildeo carinhosa a

paciecircncia e o acolhimento da Vera Ribeiro e da equipe da Secretaria de Turismo

Ivonete e Kleacuteber assim como o apoio logiacutestico o incentivo e paciecircncia de Roberto

v

Torrubia mediadores das entrevistas e cicerones nas visitas aos bairros rurais e

estabelecimentos da cidade Em nome destes agradeccedilo a todos e todas que me

receberam na cidade que aceitaram participar da pesquisa e compartilhar comigo suas

histoacuterias e a paixatildeo pela roccedila Gonccedilalves eacute definitivamente um lugar incriacutevel as

pessoas e suas histoacuterias fascinantes

No Mercado Central agradeccedilo a colaboraccedilatildeo e presteza do superintendente Luiz

Carlos Braga e da assessora Claacuteudia Neres que permitiram a realizaccedilatildeo da pesquisa no

Mercado de forma tatildeo soliacutecita Tambeacutem agradeccedilo a todos os trabalhadores e

frequentadores do Mercado que participaram da pesquisa cedendo parte do seu precioso

tempo de trabalho ou de lazer para responder aos questionaacuterios Vocecircs fazem do

Mercado esse lugar de tradiccedilatildeo e ldquorefuacutegio nostaacutelgicordquo

Essa pesquisa tambeacutem foi possiacutevel graccedilas a vaacuterios colaboradores agradeccedilo pelas

revisotildees feitas pela Elodia Lebourg pela Anastaacutezia Ladeira e Joseacute Dioniacutesio Ladeira

pela traduccedilatildeo da Liacutevia Quinquiolo a consultoria dos mapas concedida pelo Professor

Marcos Viniacutecius Sanches Abreu e pela cessatildeo das fotografias e ilustraccedilatildeo pelo Roberto

Torrubia Agrave colaboraccedilatildeo da estudante de graduaccedilatildeo em Economia Domeacutestica e bolsista

do Programa de Educaccedilatildeo Tutorial da UFV Danielle Batista durante a pesquisa das

marcas pela internet e organizaccedilatildeo dos dados

Por fim agradeccedilo aos incentivadores de todos os minutos sem os quais natildeo

haveria forccedilas possiacuteveis para desenvolver esse trabalho Ao meu pai Joatildeo Monteiro

pelo incentivo e esforccedilo para que eu chegasse ateacute aqui pelas oraccedilotildees pela admiraccedilatildeo e

pelas fotografias solicitadas Agrave minha matildee Maria pelas oraccedilotildees que iluminaram minhas

escolhas nos momentos de duacutevida me fortaleceram nos momentos desgastantes e

renovaram a minha feacute pela paciecircncia e pela compreensatildeo da minha ausecircncia Ao Leacutelis

natildeo tenho palavras para agradecer a maneira como compartilhou comigo o longo e

doloroso caminho de realizaccedilatildeo deste trabalho Agradeccedilo a partilha da paixatildeo pelas

coisas da roccedila do trabalho domeacutestico da crenccedila e da praacutetica por uma vida melhor do

apoio na pesquisa de campo do amor carinho e paciecircncia no dia a dia da ajuda com os

macetes no computador e dos trabalhos e leituras em conjunto Agradeccedilo agrave Marilda

Maia pelo incentivo pelas oraccedilotildees e pelo carinho acolhedor e a toda a famiacutelia Maia e

Brito pela acolhida e apoio Agradeccedilo agrave Efigecircnia em Viccedilosa e agrave Valquiacuteria em Ouro

Preto pelo trabalho domeacutestico Agradeccedilo aos meus amigos e agraves minhas amigas e aos

vi

familiares pela torcida pela irreverecircncia e acima de tudo por compreenderem a minha

ausecircncia Agradeccedilo a Deus por ter chegado ateacute aqui

vii

SUMAacuteRIO

LISTA DE FIGURAS viii

LISTA DE GRAacuteFICOS xii

LISTA DE QUADROS XIII

LISTA DE TABELAS XIV

LISTA DE ABREVIATURAS XV

RESUMO XVII

ABSTRACT XIX

INTRODUCcedilAtildeO 1

CONTEXTUALIZACcedilAtildeO DA PESQUISA 1

NO CAMINHO DA ROCcedilA PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS 6

APRESENTACcedilAtildeO DOS CAPIacuteTULOS 8

1 USOS E SIGNIFICADOS DO TERMO ROCcedilA NO BRASIL 11

11 USOS E SIGNIFICADOS DO TERMO ROCcedilA NA FORMACcedilAtildeO SOacuteCIO-HISTOacuteRICA DO BRASIL 11

12 USOS E SIGNIFICADOS DO TERMO ROCcedilA NOS ESTUDOS SOBRE O CAMPESINATO NO BRASIL 22

13 USOS E SIGNIFICADOS DO TERMO ROCcedilA EM TEXTOS CONTEMPORAcircNEOS 35

14 USOS E SIGNIFICADOS DO TERMO ROCcedilA EM TEXTOS NAtildeO ACADEcircMICOS 40

15 A CATEGORIA ROCcedilA FACE Agrave PROBLEMAacuteTICA CONCEITUAL RELATIVA AO RURAL 45

16 SIacuteNTESE DOS USOS E SIGNIFICADOS DA CATEGORIA ROCcedilA FACE AgraveS PERSPECTIVAS SOBRE O RURAL NO

BRASIL 67

2 ROCcedilA UMA MARCA REGISTRADA A PRODUCcedilAtildeO A CIRCULACcedilAtildeO E O CONSUMO DE PRODUTOS E SERVICcedilOS ldquoDA ROCcedilArdquo 69

21 A ROCcedilA VAI AO MERCADO UMA INTERPRETACcedilAtildeO A PARTIR DA ANTROPOLOGIA DO CONSUMO 69

22 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS E ANAacuteLISE DESCRITIVA DE MARCAS DE PRODUTOS E SERVICcedilOS

COM O TERMO ROCcedilA NO BRASIL 72

23 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS E ANAacuteLISE DE CONTEUacuteDO DE MARCAS DE PRODUTOS E SERVICcedilOS

COM O TERMO ROCcedilA NO BRASIL 89

24 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS E ANAacuteLISE DAS ENTREVISTAS E APLICACcedilAtildeO DE QUESTIONAacuteRIOS

103

3 O MERCADO CENTRAL O CANTINHO DA ROCcedilA NA CAPITAL MINEIRA 130

31 O MERCADO E A NOVA CAPITAL 130

32 A OBSERVACcedilAtildeO PARTICIPANTE E A APLICACcedilAtildeO DE QUESTIONAacuteRIOS NO MERCADO CENTRAL 136

33 O MERCADO CENTRAL E SEUS PARES DE OPOSTOS A CIDADELAacute FORA A ROCcedilAAQUI DENTRO 146

34 AS CATEGORIAS ROCcedilA NO MERCADO CENTRAL 163

4 O FESTIVAL DE GASTRONOMIA E CULTURA DA ROCcedilA DE GONCcedilALVES ldquoAQUI A ROCcedilA Eacute A RAINHArdquo 169

41 A CIDADE DE GONCcedilALVES 169

42 A OBSERVACcedilAtildeO PARTICIPANTE AS ENTREVISTAS E OS ldquoBASTIDORESrdquo DO FESTIVAL 182

43 O 4ordm FESTIVAL DE GASTRONOMIA E CULTURA DA ROCcedilA DE GONCcedilALVES 197

viii

44 AS CATEGORIAS ROCcedilA EM GONCcedilALVES 218

5 O QUE SIGNIFICA ROCcedilA AFINAL 238

51 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS E ANAacuteLISE DAS RESPOSTAS DAS ENTREVISTAS E QUESTIONAacuteRIOS

COM O USO DO SOFTWARE ALCESTE 239

52 PROCEDIMENTOS METODOLOacuteGICOS E ANAacuteLISE DAS RESPOSTAS DAS ENTREVISTAS E QUESTIONAacuteRIOS

COM O USO DO SOFTWARE NVIVO 248

53 SIacuteNTESE DOS RESULTADOS SOBRE OS SIGNIFICADOS DO TERMO ROCcedilA COM O USO DO ALCESTE E DO

NVIVO 258

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 261

REFEREcircNCIAS 266

APEcircNDICES 288

APEcircNDICE A ndash TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ndash PRODUTORES 288

APEcircNDICE B ndash TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ndash CONSUMIDORES 290

APEcircNDICE C ndash TERMO DE AUTORIZACcedilAtildeO DE USO DE IMAGEM 292

APEcircNDICE D ndash ROTEIRO DE ENTREVISTA AOS PRODUTORESDISTRIBUIDORES 293

APEcircNDICE E ndash QUESTIONAacuteRIO SEMIESTRUTURADO ndash PRODUTORES E DISTRIBUIDORES 295

APEcircNDICE F ndash QUESTIONAacuteRIO SEMIESTRUTURADO ndash CONSUMIDORES 299

ix

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 ndash Roccedila de mandioca 17

FIGURA 2 ndash Roccedila de milho 18

FIGURA 3 ndash Roccedila de feijatildeo 18

FIGURA 4 ndash Caracteriacutesticas da roccedila na formaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do Brasil Colocircnia 22

FIGURA 5 ndash Bairros rurais em Gonccedilalves-MG 25

FIGURA 6 ndash Caracteriacutesticas da roccedila no Brasil Contemporacircneo 40

FIGURA 7 ndash Mapa dos municiacutepiosEstados com produtos e serviccedilos com a marca roccedila no Brasil por regiatildeo 2014 82

FIGURA 8 ndash Evoluccedilatildeo das caracteriacutesticas histoacutericas do campo no Brasil e dos usos e significados da marca roccedila (1960-2015) 103

FIGURA 9 ndash Verduras no Mercado Central 114

FIGURA 10 ndash Frutas no Mercado Central 114

FIGURA 11 ndash ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo Gonccedilalves-MG 114

FIGURA 12 ndash Queijo artesanal no Mercado Central 115

FIGURA 13 ndash Cachaccedilas no Mercado Central 115

FIGURA 14 ndash Doces no Mercado Central 115

FIGURA 15 ndash Quitandas no Festival de Gonccedilalves-MG 117

FIGURA 16 ndash Artesanato e cestaria em Gonccedilalves-MG 118

FIGURA 17 ndash Utensiacutelios em aacutegata no Mercado Central 118

FIGURA 18 ndash Panelas de cobre no Mercado Central 118

FIGURA 19 ndash Gamelas no Mercado Central 119

FIGURA 20 ndash ldquoCasinha da roccedilardquo no Mercado Central 119

FIGURA 21 ndash Localizaccedilatildeo de Belo Horizonte-MG 131

FIGURA 22 ndash Fachada do Mercado Central 133

FIGURA 23 ndash Produto com marca ldquoRoccedilardquo no Mercado Central 137

FIGURA 24 ndash Restaurante ldquoCozinha da Roccedilardquo no centro de Belo Horizonte-MG 138 FIGURA 25 ndash Canecas em aacutegata 140

FIGURA 26 ndash Doces embalados no tecido de chita 140

FIGURA 27 ndash Peacutes de boi 141

FIGURA 28 ndash Berrantes 141

FIGURA 29 ndash Gaiolas 141

FIGURA 30 ndash Corredor de artesanato tecelagem e cestaria 142

FIGURA 31 ndash Panelas de barro 142

FIGURA 32 ndash Panelas de pedra 142

FIGURA 33 ndash Queijo cabacinha defumado 144

FIGURA 34 ndash Corredor no Mercado Central 147

FIGURA 35 ndash Queijos 148

FIGURA 36 ndash Utensiacutelios domeacutesticos 148

x

FIGURA 37 ndash Flores e pimentas 148

FIGURA 38 ndash Interior do restaurante 165

FIGURA 39 ndash Lavabo do restaurante 166

FIGURA 40 ndash Detalhe da arquitetura do restaurante 166

FIGURA 41 ndash Fachada do ldquoRoccedila Capitalrdquo no Mercado Central 168

FIGURA 42 ndash Localizaccedilatildeo de Gonccedilalves-MG 170

FIGURA 43 ndash Vista panoracircmica da cidade de Gonccedilalves-MG 171

FIGURA 44 ndash Vista do Bairro dos Remeacutedios 172

FIGURA 45 ndash Cachoeira do Simatildeo no Bairro Retiro 172

FIGURA 46 ndash Igreja de Nossa Senhora das Dores centro de Gonccedilalves-MG 173 FIGURA 47 ndash Localizaccedilatildeo de Gonccedilalves na APA Fernatildeo Dias 176

FIGURA 48 ndash Carro de boi 181

FIGURA 49 ndash Boneca decorativa na loja ldquoDireto da Roccedilardquo rodoviaacuteria de Itajubaacute-MG 184

FIGURA 50 ndash Boneco decorativo na loja ldquoDireto da Roccedilardquo rodoviaacuteria de Itajubaacute-MG 184

FIGURA 51 ndash Wifi Zone na praccedila de Gonccedilalves-MG 186

FIGURA 52 ndash Mapa ilustrado de Gonccedilalves-MG 189

FIGURA 53 ndash Pedra Chanfrada no Bairro Terra Fria 192

FIGURA 54 ndash Restaurante Trecircs Irmatildes no Bairro Rural do Juncal 193

FIGURA 55 ndash Prato do Restaurante Ao Peacute da Pedra 193

FIGURA 56 ndash Restaurante da Vilma no Bairro dos Venacircncios 194

FIGURA 57 ndash Feira ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo 195

FIGURA 58 ndash ldquoCafeacute na Roccedilardquo na Feira ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo 196

FIGURA 59 ndash Interior do ldquoCafeacute na Roccedilardquo 196

FIGURA 60 ndash ldquoParquinho da Roccedilardquo na Feira ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo 196 FIGURA 61 ndash Mesas e stands no 4o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila 202

FIGURA 62 ndash Salatildeo de festas do Clube Recreativo de Gonccedilalves-MG 202 FIGURA 63 ndash Stand de Slow Food ldquoConviacutevio Terras Altas do Sapucaiacuterdquo 203 FIGURA 64 ndash Oficina de queijos de ovelha e cervejas artesanais ndash 203

FIGURA 65 ndash Cartaz de divulgaccedilatildeo do 1o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila 205

FIGURA 66 ndash Cartaz de divulgaccedilatildeo do 2o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila 205

FIGURA 67 ndash Guia Gastronocircmico do 3o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila 206

FIGURA 68 ndash Cartaz de divulgaccedilatildeo do 4o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila 206

FIGURA 69 ndash Fornalha e fogatildeo a lenha 209

FIGURA 70 ndash Broa de pau-a-pique 210

FIGURA 71 ndash Quituteiras Dona Dita Aline e Cida 210

FIGURA 72 ndash Tear 211

FIGURA 73 ndash Artesanato em palha de milho 211

xi

FIGURA 74 ndash Sela e balaios 212

FIGURA 75 ndash Carro de boi e milho 212

FIGURA 76 ndash Raacutedio antigo 212

FIGURA 77 ndash Armaacuterio decorativo 213

FIGURA 78 ndash Detalhe decorativo 213

FIGURA 79 ndash Detalhe decorativo 214

FIGURA 80 ndash Dupla Campo Belo e Companheiro e Catireiros da Mantiqueira 215

FIGURA 81 ndash Desfile de Carros de Boi 215

FIGURA 82 ndash Igreja de Nossa Senhora dos Remeacutedios no Bairro Rural dos Remeacutedios 222

FIGURA 83 ndash Dendograma da classificaccedilatildeo hieraacuterquica descendente do corpus 241

FIGURA 84 ndash Anaacutelise Fatorial de Correspondecircncia em Coordenadas 242

FIGURA 85 ndash Mapa da aacutervore de codificaccedilatildeo 257

FIGURA 86 ndash Dendograma da anaacutelise de cluster dos noacutes 258

xii

LISTA DE GRAacuteFICOS

GRAacuteFICO 1 ndash Evoluccedilatildeo das solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila 79

GRAacuteFICO 2 ndash Tipos de produtos com solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila no Brasil no INPI 84

GRAacuteFICO 3 ndash Evoluccedilatildeo dos produtos e serviccedilos com solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila no Brasil no INPI 87

GRAacuteFICO 4 ndash Tipos de serviccedilos com solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila 88

GRAacuteFICO 5 ndash Quantidade de marcas em cada categoria por deacutecadas 101

GRAacuteFICO 6 ndash Residecircncia dos produtoresdistribuidores respondentes 107 GRAacuteFICO 7 ndash Profissatildeo dos produtoresdistribuidores respondentes 108

GRAacuteFICO 8 ndash Funccedilatildeo exercida no estabelecimento pelos produtoresdistribuidores respondentes 108

GRAacuteFICO 9 ndash Escolaridade dos produtoresdistribuidores respondentes 109

GRAacuteFICO 10 ndash Faixa etaacuteria dos produtoresdistribuidores respondentes 109

GRAacuteFICO 11 ndash Residecircncia dos consumidores respondentes 110

GRAacuteFICO 12 ndash Faixa etaacuteria dos consumidores respondentes 110

GRAacuteFICO 13 ndash Escolaridade dos consumidores respondentes 111

GRAacuteFICO 14 ndash Profissatildeo dos consumidores respondentes 111

GRAacuteFICO 15 ndash Origem dos consumidores respondentes 112

GRAacuteFICO 16 ndash Origem dos pais dos consumidores respondentes 112

GRAacuteFICO 17 ndash Profissotildees dos pais dos consumidores respondentes 113

GRAacuteFICO 18 ndash Subcategorias e atributos 256

xiii

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 ndash Caracteriacutesticas da roccedila no Brasil Colocircnia e no campesinato no Brasil Repuacuteblica 34

QUADRO 2 ndash Classificaccedilotildees Nacional e de Nice dos produtos e serviccedilos com a marca roccedila com processo de registro no INPI 75

QUADRO 3 ndash Reagrupamento das categorias de produtos e serviccedilos com a marca roccedila com processo de registro no INPI a partir das Classificaccedilotildees Nacional e de Nice 77

QUADRO 4 ndash Categorias da anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica 97

QUADRO 5 ndash Categorias dos significados dos produtosserviccedilos com a marca roccedila segundo os produtoresdistribuidores 120

QUADRO 6 ndash Categorias dos significados dos produtosserviccedilos com a marca roccedila segundo os consumidores 122

QUADRO 7 ndash Comparaccedilatildeo das categorias de significados 128

QUADRO 8 ndash Siacutentese das categorias de significado roccedila no Mercado Central 168

QUADRO 9 ndash Menu do 4o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila 207

QUADRO 10 ndash Variaacuteveis e coacutedigos da linha de comando do corpus 240

QUADRO 11 ndash Siacutentese das classes de significados e variaacuteveis 247

xiv

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 ndash Quantidade de solicitaccedilotildees de registro de marca com o termo roccedila no INPI no Brasil por deacutecadas 78

TABELA 2 ndash Quantidade de produtos e serviccedilos com a marca roccedila por unidades da federaccedilatildeo no Brasil identificadas na internet 83

TABELA 3 ndash Evoluccedilatildeo dos tipos de produtos e serviccedilos com solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila no Brasil no INPI 85

TABELA 4 ndash Evoluccedilatildeo dos produtos e serviccedilos com solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila no Brasil no INPI 86

TABELA 5 ndash Frequecircncia das marcas mais recorrentes com a palavra roccedila ao longo das deacutecadas 90

TABELA 6 ndash Categorias das marcas com o nome roccedila 99

TABELA 7 ndash Quantidade de referecircncias agraves categorias de significados de roccedila 252

TABELA 8 ndash Categorias de significados de roccedila para consumidores e produtores 253

TABELA 9 ndash Categorias de significados de roccedila por cidades 254

TABELA 10 ndash Subcategorias de significados de roccedila 256

xv

LISTA DE ABREVIATURAS

ALCESTE ndash Analyse Lexicale par Contexte drsquoun Ensemble de Segments de Texte

ANVAR ndash Agecircncia Nacional Francesa de Valorizaccedilatildeo agrave Pesquisa

APA ndash Aacuterea de Proteccedilatildeo Ambiental

BELOTUR ndash Empresa Municipal de Turismo

BH ndash Belo Horizonte

CAIrsquos ndash Complexos Agroindustriais

CEASA ndash Central de Abastecimento de Minas Gerais

CNRS ndash Centro Nacional Francecircs de Pesquisa Cientiacutefica

CNS ndash Conselho Nacional de Sauacutede

COMTUR ndash Conselho Municipal de Turismo

DO ndash Denominaccedilatildeo de Origem

ECO 92 ndash Conferecircncia das Naccedilotildees Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento

ECOCERT ndash Organismo de Controle e Certificaccedilatildeo

EMATER ndash Empresa Mineira de Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural

EPTV ndash Emissoras Pioneiras de Televisatildeo

EUA ndash Estados Unidos da Ameacuterica

IBD ndash Instituto Biodinacircmico

IBGE ndash Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IBPT ndash Instituto Nacional de Planejamento Tributaacuterio

IDH ndash Iacutendice de Desenvolvimento Humano

IG ndash Indicaccedilatildeo Geograacutefica

IMA ndash Instituto Mineiro Agropecuaacuterio

INMETRO ndash Instituto Nacional de Metrologia Normalizaccedilatildeo e Qualidade Industrial

INPI ndash Instituto Nacional de Propriedade Industrial

IP ndash Indicaccedilatildeo de Procedecircncia

IRPP ndash Induacutestria Rural de Pequeno Porte

MAPA ndash Ministeacuterio da Agricultura Pecuaacuteria e Abastecimento

MDA ndash Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio

MPB ndash Muacutesica Popular Brasileira

xvi

MST ndash Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

OCDE ndash Organizaccedilatildeo para Cooperaccedilatildeo do Desenvolvimento Econocircmico

ORNAS ndash Ocupaccedilotildees Rurais Natildeo Agriacutecolas

PAC ndash Poliacutetica Agriacutecola Comum

PIB ndash Produto Interno Bruto

PNAD ndash Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios

PNATER ndash Programa Nacional de Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural

PRONAF ndash Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

QGIS ndash Quantum Gis (Geographic Information System)

SBT ndash Sistema Brasileiro de Televisatildeo

SIRGAS ndash Sistema de Referecircncia Geocecircntrico para as Ameacutericas

SPSS ndash Statistical Package for Social Sciences

TV ndash Televisatildeo

UCE ndash Unidade de Contexto Elementar

UCI ndash Unidade de Contexto Inicial

xvii

RESUMO

SILVEIRA Lidiane Nunes da D Sc Universidade Federal de Viccedilosa novembro de 2015 Roccedila uma marca registrada o processo de valorizaccedilatildeo do rural na sociedade brasileira Orientadora Ana Louise de Carvalho Fiuacuteza Coorientadores Douglas Mansur da Silva e Rennan Lanna Martins Mafra Esta pesquisa analisou os usos e significados do termo roccedila expressos nas marcas de

produtos e serviccedilos no mercado brasileiro entre os anos de 1960 e 2014 Partiu-se da

premissa de que roccedila eacute um termo de uso nativo relativo e relacional que a depender do

contexto social pode carrear uma valoraccedilatildeo simboacutelica positiva ou estigmatizada para

classificar pessoas e bens na perspectiva da antropologia do consumo Teve-se como

pressuposto que os usos e os significados atribuiacutedos ao termo roccedila no Brasil poderiam

revelar mudanccedilas e permanecircncias acerca da representaccedilatildeo do ldquocampordquo enquanto espaccedilo

fiacutesico e do ldquoruralrdquo enquanto modo de vida indicando implicitamente a dinamicidade

da relaccedilatildeo campo-cidade e rural-urbano em meio agraves transformaccedilotildees socioeconocircmicas do

Brasil Estabeleceu-se como hipoacuteteses de trabalho que o uso da categoria roccedila entre

atores de diferentes contextos sociais ateacute meados dos anos 1980 acentuava as

tradicionais assimetrias historicamente instituiacutedas na sociedade brasileira Apoacutes os anos

1980 o uso dessa categoria nas marcas de produtos e de serviccedilos apontaria para a

flexibilizaccedilatildeo das fronteiras demarcatoacuterias das hierarquias sociais ao criar

identificadores fluidos em relaccedilatildeo agraves posiccedilotildees sociais de consumidores e produtores A

valoraccedilatildeo positiva do termo roccedila na sociedade brasileira se relacionaria tanto a fatores

externos como a emergecircncia de discursos voltados agrave conservaccedilatildeo ambiental e a

revalorizaccedilatildeo do rural como alternativa de vida agraves condiccedilotildees sociais da modernidade

tardia e do poacutes-produtivismo quanto a fatores internos como as conquistas advindas

das poliacuteticas sociais posteriores ao periacuteodo da redemocratizaccedilatildeo brasileira A pesquisa

analisou uma amostra de 325 marcas com solicitaccedilatildeo de registro com a palavra roccedila no

Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) no periacuteodo entre 1965 e 2014 Esta

amostra foi analisada utilizando-se estatiacutestica descritiva e anaacutelise de conteuacutedo de

frequecircncia leacutexico-sintaacutetica e categoacuterica Realizou-se tambeacutem trabalho de campo

aplicando-se 70 questionaacuterios semiestruturados e entrevistas a produtores distribuidores

e consumidores de produtos e serviccedilos com a marca roccedila no Mercado Central de Belo

Horizonte e no 4ordm Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila na cidade de Gonccedilalves

xviii

em Minas Gerais Estes dados foram analisados por meio de estatiacutestica descritiva

anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica com a utilizaccedilatildeo do software NVivo e anaacutelise estatiacutestica

textual com auxiacutelio do software Alceste A anaacutelise de conteuacutedo das marcas corroborou

a hipoacutetese de que a categoria roccedila apontaria para uma revalorizaccedilatildeo do rural sendo

utilizada para se distinguir dos produtos e serviccedilos industrializados massificados

indiferenciados destacando a sua procedecircncia ou origem Na perspectiva dos

produtores distribuidores e consumidores os produtos com a marca roccedila foram

classificados positivamente como naturais e artesanais em detrimento dos produtos

industrializados A classificaccedilatildeo desses produtos e serviccedilos pelos entrevistados envolvia

os ideais de natureza bem como o imaginaacuterio romacircntico-nostaacutelgico e tradicional

Constatou-se uma permanecircncia no uso histoacuterico do termo roccedila como sinocircnimo de

lavoura campo e rural mas a atribuiccedilatildeo de novos significados como romacircnticos

nostaacutelgicos e com referecircncias agrave natureza que confirmam uma tendecircncia de valorizaccedilatildeo

do rural em curso Comprovou-se tambeacutem o caraacuteter relativo e relacional do termo roccedila

considerado como lavoura campo e rural para os entrevistados residentes no campo e

como natureza interior e cidade pequena para os respondentes metropolitanos

xix

ABSTRACT

SILVEIRA Lidiane Nunes DSc Universidade Federal de Viccedilosa November 2015 Roccedila a registered trademark the rural appreciation process in Brazilian society Advisor Ana Louise de Carvalho Fiuacuteza Co-Advisors Douglas Mansur da Silva and Rennan Lanna Martins Mafra

This research analyzed the uses and meanings of the term roccedila expressed in trademarks

of products and services in the Brazilian market between 1960 and 2014 Started from

the premise that roccedila is a native terms of use relative and relational that depending on

social context can generate a positive symbolic value or stigmatized to classify people

and goods based on Anthropology of Consumption It had as presupposition that the

uses and meanings attributed to the term roccedila in Brazil could reveal changes and stays

on the representation of the ldquofieldrdquo while physical space and ldquoruralrdquo as a way of life

indicating implicitly the dynamics of country side-town and rural-urban relationship

among the socio-economic transformations in Brazil It was established as a working

hypothesis that the use of roccedila category between actors from different social contexts

until the mid-1980s accentuated the traditional asymmetries historically instituted in

Brazilian society After the 1980s the use of this category in trademarks of products

and services this fact should point to flexibility of the frontier demarcation in social

hierarchies as they create identifiers fluids in relation to social position of consumers

and producers The positive evaluation of the term roccedila in Brazilian society would relate

both to external factors such as the emergence of speeches aimed at environmental

conservation and upgrading of the rural as an alternative life to the social conditions of

late modernity and post-productivism as the internal factors such as the achievements

resulting from subsequent social policies to the period of Brazilian redemocratisation

The research analyzed a sample of 325brands with registration request with the word

roccedila the National Institute of Industrial Property (INPI) in the period between 1965 and

2014 This sample was analyzed using descriptive statistics and analysis of frequency

content lexical-syntactic and categorical Also held fieldwork applying 70 semi-

structured questionnaires and interviews with producers distributors and consumers of

products and services to the roccedila brand in the Central Market of Belo Horizonte and 4th

Food Festival and Culture from the Roccedila in the city Gonccedilalves in Minas Gerais These

data were analyzed using descriptive statistics categorical content analysis using NVivo

xx

software and textual statistical analysis using the Alceste software The content analysis

of the marks corroborated the hypothesis that roccedila category would point to a revaluation

of the rural and have been used to distinguish the goods and industrial services mass

market undifferentiated highlighting their origin or source From the perspective of

producers distributors and consumers products with the roccedila brand were rated

positively as natural and hand made at the expense of manufactured products The

classification of these products and services by interviewees involved the ideals of

nature as well as the romantic nostalgic and traditional imaginary It was found a stay

in the historical use of the term roccedila as synonymous with agriculture countryside and

rural but the allocation of new meanings as romantic nostalgic and with references to

nature that confirm a rural on going appreciation trend It also demonstrated the relative

and relational character of the term roccedila regarded as farming countryside and rural

residents to interviewees in the field and how nature country town and small town to

the metropolitan respondents

1

INTRODUCcedilAtildeO

Contextualizaccedilatildeo da pesquisa

Embora o termo roccedila jaacute tenha sido estudado em diversos trabalhos realizados no

Brasil o enfoque analiacutetico geralmente adotado voltava-se para o seu significado como

espaccedilo de cultivo Nesta tese procurou-se analisar os significados associados ao termo

roccedila em marcas de produtos e serviccedilos bem como em eventos culturais Observaccedilotildees

assistemaacuteticas serviram para a elaboraccedilatildeo da premissa de que a depender do contexto

social no qual se usa o termo roccedila o seu acionamento pode carrear uma valorizaccedilatildeo

simboacutelica positiva ou estigmatizada e marginalizada Esta pesquisa analisou portanto o

termo roccedila como uma categoria de uso nativo operada simbolicamente entre os grupos

sociais em seus diferentes contextos de forma relativa e relacional (LIMA 1999) para

classificar pessoas e bens (BOURDIEU 2013)

Objetivou-se de forma especiacutefica nesta tese compreender os usos e

significados do termo roccedila expressos nos enunciados de marcas de produtos e serviccedilos

disponiacuteveis no mercado brasileiro da deacutecada de 1960 ateacute 2014 Propocircs-se como

hipoacutetese de pesquisa que as transformaccedilotildees socioeconocircmicas ocorridas na relaccedilatildeo entre

o campo e a cidade neste periacuteodo de aproximadamente meio seacuteculo se evidenciam no

cotidiano dos brasileiros atraveacutes do uso que fazem do termo roccedila Segundo Kageyama

(2008) pode-se observar a partir dos anos 1990 uma proximidade maior na dinacircmica

envolvendo as relaccedilotildees entre o campo e a cidade principalmente nos pequenos e

meacutedios municiacutepios em funccedilatildeo do aprofundamento da industrializaccedilatildeo difusa que os

alcanccedila Neste periacuteodo as Ocupaccedilotildees Rurais Natildeo Agriacutecolas (ORNAS) se

desenvolveram no campo acompanhadas do processo de expansatildeo da monetarizaccedilatildeo

das sociedades rurais que se aprofundou atraveacutes da remuneraccedilatildeo salarial do trabalho

agriacutecola que passou a ser mais fiscalizado bem como do acesso agrave aposentadoria rural e

aos programas sociais do governo como o Bolsa Famiacutelia Todos estes fatores apontam

para a configuraccedilatildeo de uma relaccedilatildeo mais estreita entre citadinos e rurais Aleacutem disso as

preocupaccedilotildees ambientais impulsionam novas funcionalidades atribuiacutedas ao campo

2

mediante o culto agrave natureza agrave valorizaccedilatildeo de uma vida alternativa saudaacutevel e

sustentaacutevel

Essas mudanccedilas tecircm como reflexos praacuteticos transformaccedilotildees demograacuteficas

ocupacionais e de renda tanto para as populaccedilotildees originariamente rurais quanto para as

neorrurais Entre os rurais destacam-se as novas ocupaccedilotildees no campo em setores de

serviccedilos por exemplo como caseiros das casas de campo dos citadinos como

funcionaacuterios ou proprietaacuterios de pousadas hoteacuteis fazenda restaurantes serviccedilos

turiacutesticos dentre tantas outras Jaacute os neorrurais ao se mudarem para o campo em busca

de uma vida sossegada e saudaacutevel em contato com a natureza iniciam novos

empreendimentos abrindo oportunidades de emprego no setor de turismo rural de

turismo ecoloacutegico ou mesmo na produccedilatildeo agriacutecola e agroindustrial voltada para

mercados de nicho diversificando a economia rural

Mas esta proximidade entre citadinos e rurais tambeacutem pode ser observada nas

cidades seja nos pequenos municiacutepios ou nas grandes metroacutepoles por meio da induacutestria

cultural vinculada ao estilo country Este fenocircmeno pode ser observado no mercado da

muacutesica sertaneja da moda texana nas grandes festas de rodeio em exposiccedilotildees

agropecuaacuterias restaurantes temaacuteticos dentre outros fenocircmenos voltados para a

revalorizaccedilatildeo daquilo que eacute considerado simples ruacutestico autecircntico natural como o

consumo de produtos artesanais com caracteriacutesticas locais minimamente processados

ou de produtos orgacircnicos agroecoloacutegicos encontrados nas feiras onde se compra

diretamente do produtor rural A busca por maior proximidade ao campo por parte dos

citadinos se faz ainda por meio de experiecircncias voltadas para a realizaccedilatildeo de mudanccedilas

na arquitetura e na gastronomia ao resgatar elementos materiais e simboacutelicos antigos

como o fogatildeo a lenha ou a fornalha na ldquocozinha caipira gourmetrdquo Tais manifestaccedilotildees se

voltam para uma tentativa de reviver se apropriar e ou reelaborar velhas receitas que

lembram a comida da avoacute a casa na roccedila as feacuterias no siacutetio que remetem agraves

experiecircncias do passado A busca pelo caminho da roccedila a ressignificaccedilatildeo das origens

rurais o culto agrave nostalgia revelam um desgaste do modelo de sociedade poacutes-fordista

hipermodernizada Todos estes fenocircmenos a depender do contexto e da experiecircncia

podem significar tanto um afastamento da sociedade de consumo como por outro lado

apenas uma fuga momentacircnea da mesma com duraccedilatildeo datada um fim de semana ou

alguns dias de feacuterias Enfim investigar como o uso da palavra roccedila na circulaccedilatildeo de

3

bens e serviccedilos no Brasil pode revelar esses complexos aspectos do rural nos uacuteltimos

anos eacute o que se propotildee nessa tese1

A emergecircncia a partir da segunda metade do seacuteculo XX de um mercado de

produtos e serviccedilos com a marca roccedila no Brasil torna-se ainda mais emblemaacutetico

quando se observa historicamente os usos e significados do termo roccedila neste paiacutes No

Brasil Colocircnia o termo roccedila estava vinculado agrave formaccedilatildeo de lavouras ao longo das

trilhas abertas para descobrimentos rumo ao interior do paiacutes visando garantir os

provimentos dos desbravadores que se aventuravam na conquista de novos espaccedilos A

categoria roccedila nessa eacutepoca tambeacutem era empregada para designar a produccedilatildeo de

gecircneros alimentiacutecios agraves margens das grandes lavouras monocultoras para garantir os

viacuteveres para a famiacutelia dos senhores e dos trabalhadores O uso do termo roccedila referia-se

ainda agrave produccedilatildeo agriacutecola desenvolvida por trabalhadores livres e suas famiacutelias nas

zonas perifeacutericas agraves cidades para o abastecimento destas

Assim nos primeiros seacuteculos da colonizaccedilatildeo brasileira as roccedilas se referiam aos

espaccedilos de cultivos em grandes extensotildees de terra e a agricultura era praticada de forma

itinerante Mas ao longo destes seacuteculos de colonialismo as transformaccedilotildees dos ciclos

produtivos o crescimento da populaccedilatildeo especialmente de uma classe de trabalhadores

livres pauperizada e uma maior sedentarizaccedilatildeo nos espaccedilos jaacute domesticados foi dando

lugar ao uso da palavra roccedila para se referir agrave lavoura de autoconsumo das famiacutelias

agricultoras mas em espaccedilos de terra cada vez menores Eacute assim que no Brasil Impeacuterio

cuja estrutura fundiaacuteria foi entatildeo marcada pela Lei de Terras de 1850 a alienaccedilatildeo a

heranccedila e a sucessatildeo da terra fragmentaram o terreno Aos poucos o termo roccedila foi

sendo cada vez mais associado a essa pequena lavoura de famiacutelias camponesas

instaladas em pequenas propriedades de forma marginalizada em relaccedilatildeo agraves grandes

produccedilotildees e agraves cidades

A consolidaccedilatildeo dessa estrutura fundiaacuteria no Brasil Repuacuteblica especialmente ateacute

a primeira metade do seacuteculo XX marca o uso da categoria roccedila natildeo soacute para se referir a

essa pequena produccedilatildeo agriacutecola marginalizada agrave cidade mas tambeacutem a uma

hierarquizaccedilatildeo dos processos agraacuterios e agriacutecolas Essa hierarquia caracteriza-se tanto

pelas famiacutelias agricultoras que cultivam as roccedilas em regimes de posse arrendamento ou

1 Vaacuterias pesquisas chamaram a atenccedilatildeo para este processo de ressignificaccedilatildeo do rural tambeacutem no Brasil dentre elas Alem (1996) Allonso (2012) Carneiro (1998) De Paula (1999) Eacuteboli (2005) Oliveira L (2003) Oliveira A (2009) Silva J (1997) entre outros Elas seratildeo discutidas mais detalhadamente ao longo deste trabalho

4

parceria com os grandes proprietaacuterios quanto pela relaccedilatildeo desigual que foi se formando

entre o campo e a cidade Foi nessa eacutepoca que surgiram expressotildees como ldquojeca da

roccedilardquo e a palavra aqui estudada ateacute onde foi possiacutevel averiguar comeccedilou a ser utilizada

para estigmatizar marginalizar classificar pessoas e bens com o estereoacutetipo negativo do

atraso do subdesenvolvimento da ausecircncia de direitos e da carecircncia de serviccedilos Atesta

esse processo a figura do personagem de Monteiro Lobato Jeca Tatu presente no

imaginaacuterio rural do Brasil Na segunda metade do seacuteculo XX ateacute os anos 1980 a

categoria roccedila seguiu sendo utilizada como um marcador social da diferenccedila reforccedilada

pelos novos arranjos produtivos no campo como a modernizaccedilatildeo conservadora os

conflitos deflagrados pelas lutas pelo direito dos trabalhadores rurais a expansatildeo urbana

e o ecircxodo rural aprofundando ainda mais as desigualdades entre a agricultura

empresarial e a familiar entre o campo e a cidade

A amplitude dos significados do termo roccedila jaacute havia se destacado para a

pesquisadora durante a execuccedilatildeo de uma pesquisa realizada em 2005 na regiatildeo do

Centro-Oeste de Minas Gerais que teve como objetivo estudar as relaccedilotildees de

sociabilidade e trabalho entre boias-frias ou ldquoapanhadores de cafeacuterdquo no municiacutepio de

Piumhi (SILVEIRA 2005) Em um dado momento das entrevistas notou-se que os

ldquoapanhadores de cafeacuterdquo utilizavam o termo roccedila para descrever a sua infacircncia o seu

modo de vida os seus gostos e a sua cultura Falavam de roccedila como um espaccedilo de vida

como o seu lugar Roccedila nas falas dos ldquoapanhadoresrdquo abarcava o ldquocampordquo como

espaccedilo fiacutesico mas tambeacutem os aspectos culturais caracteriacutesticos do rural enquanto modo

de vida ldquoEu nasci e me criei na roccedilardquo ldquoEstudei soacute ateacute o terceiro ano Na roccedila era difiacutecil

estudarrdquo ldquoNas roccedilas nossas de primeiro soacute tinha carro de boi Hoje vocecirc natildeo acha

mais boiada de carrordquo Num segundo momento em 2007 durante a realizaccedilatildeo de outra

pesquisa na mesma regiatildeo entrevistando agricultores e tambeacutem citadinos constatou-se

novamente o uso do termo roccedila como espaccedilo fiacutesico no qual se vive e como modo de

vida (SILVEIRA 2008) Mediante estas duas pesquisas emergiu um contraste de

significados atribuiacutedos agrave roccedila pelos habitantes e trabalhadores do campo entrevistados

nas referidas pesquisas e o significado atribuiacutedo agrave roccedila nos textos acadecircmicos no Brasil

nos quais roccedila se refere agrave lavoura Foi justamente a partir da percepccedilatildeo desse jogo

ambiacuteguo que envolve o uso e os significados da expressatildeo roccedila no Brasil ora utilizado

para discriminar ora para exaltar que surgiu a motivaccedilatildeo para esta pesquisa Assim

este estudo se propocircs a analisar roccedila como categoria nativa buscando apreender nova

5

nuance sobre o ldquocampordquo enquanto espaccedilo fiacutesico e sobre o ldquoruralrdquo enquanto modo de

vida ao menos em Minas Gerais local de desenvolvimento da pesquisa (ENDLICH

2010)

A partir desse objetivo atribuiacutedo agrave investigaccedilatildeo vislumbrou-se a possibilidade

de buscar analisar esses diversos usos e significados do termo roccedila no Brasil

considerando para tanto o seu uso no mercado de produtos e serviccedilos em funccedilatildeo de

sua crescente disseminaccedilatildeo A hipoacutetese a ser investigada nesta pesquisa eacute a de que o

uso e os significados atribuiacutedos ao termo roccedila no Brasil poderiam revelar mudanccedilas e

permanecircncias acerca do ldquocampordquo concebido enquanto espaccedilo fiacutesico e do ldquoruralrdquo

enquanto modo de vida indicando implicitamente a dinamicidade da relaccedilatildeo campo-

cidade e rural-urbano em meio agraves transformaccedilotildees socioeconocircmicas do Brasil

Em inuacutemeros contextos sociais como na induacutestria cultural ou no mercado de

produtos e serviccedilos eacute possiacutevel notar os diferentes usos do vocaacutebulo roccedila Estes sugerem

a ocorrecircncia de um imaginaacuterio sobre o campo e o rural com conotaccedilotildees associadas agrave

tradiccedilatildeo agrave natureza ao romantismo e agrave nostalgia Devido agraves limitaccedilotildees que um trabalho

dessa envergadura imporia fez-se necessaacuterio eleger um objeto especiacutefico de

investigaccedilatildeo dentre os diversos campos de significaccedilatildeo relativos ao termo roccedila na

sociedade brasileira Optou-se portanto por se realizar a pesquisa no campo das marcas

de produtos e serviccedilos que utilizam a expressatildeo roccedila no Brasil desde os anos 1960 A

escolha se deu em funccedilatildeo das marcas de produtos e serviccedilos que utilizam o termo roccedila

expressarem um processo socialmente vivido de ressignificaccedilatildeo do campo e do rural no

Brasil

O marco teoacuterico utilizado nesta pesquisa permitiu a elaboraccedilatildeo de trecircs hipoacuteteses

acerca dos significados do termo roccedila nos diferentes contextos da sociedade brasileira

1) o uso da categoria roccedila entre atores de diferentes posiccedilotildees e contextos sociais ateacute

meados dos anos 1980 acentuava as tradicionais assimetrias historicamente instituiacutedas

na sociedade brasileira cumprindo a funccedilatildeo demarcatoacuteria de reproduzir as relaccedilotildees

vividas em tempos preteacuteritos 2) o uso da categoria roccedila apoacutes os anos 1980 nas marcas

de produtos e de serviccedilos flexibiliza as fronteiras demarcatoacuterias das hierarquias sociais

amenizando as diferenccedilas instituiacutedas na sociedade brasileira ao criar identificadores

fluidos em relaccedilatildeo agraves posiccedilotildees sociais de consumidores e produtores bem como ao

transvestir o campo e o rural com a imagem espetacularizada de um campo-urbanizado

revelando novos usos e sentidos para o rural na cultura brasileira 3) esse arrefecimento

6

do uso da categoria roccedila para demarcar assimetrias sociais na sociedade brasileira

relaciona-se tanto a fatores externos quanto a internos Dentre os fatores externos

destacam-se entre outros a emergecircncia de discursos movimentos e poliacuteticas voltadas agrave

sustentabilidade e agrave conservaccedilatildeo ambiental e a identificaccedilatildeo de um papel preponderante

do campo nessa empreitada e aos processos de revalorizaccedilatildeo do rural como alternativa

de vida agraves condiccedilotildees sociais da modernidade tardia e do poacutes-fordismo Quanto aos

fatores internos destacam-se aqueles ligados ao contexto de redemocratizaccedilatildeo brasileira

poacutes-1988 caracterizado pelas conquistas sociais das camadas mais pobres inclusive no

campo com a universalizaccedilatildeo da aposentadoria rural e as poliacuteticas sociais de

transferecircncia de renda como o Bolsa Famiacutelia e de creacutedito e financiamento como o

Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) o Programa

de Aquisiccedilatildeo de Alimentos e os processos de assentamento rural da Reforma Agraacuteria

Propotildee-se portanto nesta pesquisa investigar os usos e significados que envolvem a

palavra roccedila em marcas de produtos e serviccedilos no Brasil da deacutecada 1960 ateacute 2014

No caminho da roccedila procedimentos metodoloacutegicos

A busca da diversidade de sentidos do termo roccedila e seu uso nas marcas de

produtos e serviccedilos implicou na execuccedilatildeo de trecircs procedimentos metodoloacutegicos que

permitiram uma triangulaccedilatildeo de dados para a anaacutelise Essa triangulaccedilatildeo foi possiacutevel

analisando-se os dados secundaacuterios com base na estatiacutestica descritiva e na anaacutelise de

conteuacutedo realizando-se uma categorizaccedilatildeo dos dados primaacuterios tambeacutem com base na

anaacutelise de conteuacutedo e efetuando-se uma descriccedilatildeo etnograacutefica a partir da observaccedilatildeo

participante Enquanto a anaacutelise de dados secundaacuterios permitiu constatar a ocorrecircncia do

fenocircmeno estudado e identificar sua tendecircncia dentro de uma perspectiva histoacuterica a

anaacutelise dos dados primaacuterios possibilitou a compreensatildeo de alguns significados inerentes

ao fenocircmeno

O primeiro procedimento consistiu no levantamento de dados secundaacuterios que

revelassem a existecircncia de marcas de produtos e serviccedilos com o termo roccedila no Brasil

no periacuteodo compreendido entre 1960 e 2014 no Instituto Nacional de Propriedade

Industrial (INPI) oacutergatildeo ligado ao Ministeacuterio do Desenvolvimento Induacutestria e Comeacutercio

7

Exterior e responsaacutevel entre outras competecircncias pela concessatildeo do registro de marcas

no Brasil A amostra coletada continha 325 marcas com o termo roccedila que foram

analisadas utilizando-se a estatiacutestica descritiva com auxiacutelio do software Microsoft

Excel e a anaacutelise de conteuacutedo de frequecircncia leacutexico-sintaacutetica e categoacuterica seguindo-se

as orientaccedilotildees de Bardin (1977) Essa amostra de produtos e serviccedilos com solicitaccedilatildeo de

registro de marcas com o termo roccedila no INPI tambeacutem foi investigada em sites blogs e

fanpages na internet onde foram identificadas 162 delas Essa uacuteltima amostragem

permitiu construir um mapeamento da distribuiccedilatildeo espacial dessas marcas nos

municiacutepios Estados e regiotildees brasileiras a partir da composiccedilatildeo de um mapa no

software Quantum Gis (QGis) utilizando-se para isso o banco de dados de camadas

vetoriais ou shapefiles ldquoLimitesrdquo da Base Cartograacutefica Vetorial do Brasil (BASE

[2007]) conforme o Sistema de Referecircncia Geocecircntrico para as Ameacutericas (SIRGAS)

ambos disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE)

O segundo procedimento consistiu na aplicaccedilatildeo de 70 questionaacuterios

semiestruturados e entrevistas a produtores distribuidores e consumidores de produtos e

serviccedilos com a marca roccedila no Brasil alguns selecionados a partir da amostra de dados

secundaacuterios entre aqueles que se dispuseram a participar da pesquisa Os questionaacuterios

foram aplicados a alguns produtoresdistribuidores via e-mail utilizando-se um

formulaacuterio eletrocircnico a distribuidores e consumidores no Mercado Central de Belo

Horizonte e a produtores e consumidores participantes do Festival de Gastronomia e

Cultura da Roccedila na cidade de Gonccedilalves ambas em Minas Gerais Os dados coletados

nos questionaacuterios e entrevistas foram analisados por meio de estatiacutestica descritiva

anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica com base nas orientaccedilotildees de Bardin (1977) anaacutelise

estatiacutestica textual com auxiacutelio do software Alceste e codificaccedilatildeo com o uso do

software NVivo O terceiro procedimento realizado concomitantemente agrave aplicaccedilatildeo de

questionaacuterios e entrevistas referiu-se agrave observaccedilatildeo participante em dois loacutecus de

circulaccedilatildeo de bens com a marca roccedila no 4ordm Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila

da cidade de Gonccedilalves e no Mercado Central de Belo Horizonte entre os meses de

setembro e novembro de 2014 Estes eventos foram selecionados para se realizar a

observaccedilatildeo participante e a aplicaccedilatildeo de entrevistas eou questionaacuterios a partir de alguns

criteacuterios ambos caracterizaram-se pela ampla circulaccedilatildeo de consumidores eou

frequentadores destes espaccedilos potencialmente motivados pelo consumo de serviccedilos e

produtos da roccedila Gonccedilalves ateacute entatildeo tem desenvolvido sua vocaccedilatildeo turiacutestica em

8

torno da cultura rural e da categoria roccedila e possuiacutea vaacuterios estabelecimentos na cidade e

no campo que utilizavam o termo roccedila no seu nome O Mercado Central tambeacutem

possuiacutea alguns estabelecimentos com o vocaacutebulo roccedila em seu nome aleacutem de ser

apontado por alguns autores que o estudaram como um lugar dentro da capital

mineira que seria identificado pelos seus frequentadores como um refuacutegio nostaacutelgico

que lembra a roccedila Adicionalmente o Mercado Central reunia uma seacuterie de

estabelecimentos que comercializam entre outros produtos oriundos do campo entre

alimentos bebidas artesanatos e utilidades domeacutesticas Os demais criteacuterios que

nortearam a escolha destes eventosespaccedilos para a pesquisa de campo seratildeo

apresentados detalhadamente nos capiacutetulos 3 e 4 que tratam respectivamente dos

procedimentos metodoloacutegicos e da descriccedilatildeo dos dados relativos agrave pesquisa no Mercado

Central de Belo Horizonte e no 4ordm Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila de

Gonccedilalves

Os resultados dos trecircs procedimentos metodoloacutegicos juntamente com a

descriccedilatildeo detalhada destes procedimentos seratildeo apresentados ao longo dos capiacutetulos

desta tese refletindo o desenvolvimento de cada etapa da pesquisa A disposiccedilatildeo dos

capiacutetulos e seu conteuacutedo seratildeo explicitados a seguir

Apresentaccedilatildeo dos capiacutetulos

No primeiro capiacutetulo desta tese desenvolveu-se uma revisatildeo bibliograacutefica com o

intuito de identificar de que forma o vocaacutebulo roccedila foi empregado no Brasil numa

perspectiva histoacuterica em diferentes esferas discursivas Nesse sentido apresenta-se

alguns usos e significados da categoria roccedila identificados em alguns textos do

pensamento social brasileiro relativo agrave formaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do Brasil Em seguida

apresenta-se como o termo roccedila foi abordado dentro dos estudos sobre o campesinato no

Brasil Numa perspectiva mais contemporacircnea expotildee-se em duas frentes os usos e

significados do termo roccedila em textos recentes tanto na academia quanto em outras

vertentes natildeo acadecircmicas como na literatura na muacutesica e na induacutestria cultural Nesses

uacuteltimos textos jaacute se aponta para algumas possibilidades de exploraccedilatildeo dos significados

da categoria roccedila como marca de produtos e serviccedilos no Brasil que emergiu de forma

9

mais contundente nas uacuteltimas trecircs deacutecadas Encerra-se esse primeiro capiacutetulo fazendo-se

um esforccedilo reflexivo no intuito de se pensar as possiacuteveis conexotildees entre os usos e

significados da categoria roccedila com as atuais configuraccedilotildees do campo e do rural

buscando-se compreender de que maneira as mudanccedilas e permanecircncias no sentido do

termo podem expressar as dinacircmicas do campo no Brasil

No segundo capiacutetulo apresenta-se uma reflexatildeo sobre o uso do vocaacutebulo roccedila no

mercado de bens e serviccedilos no Brasil desde os anos 1960 como marca Para tanto

parte-se de algumas questotildees propostas por autores claacutessicos da Antropologia do

Consumo refletindo-se sobre suas possibilidades de interpretaccedilatildeo do tema em questatildeo

em consonacircncia com algumas abordagens sobre gecircneros do discurso inserindo-se a

discussatildeo desta pesquisa no campo das relaccedilotildees entre consumo e comunicaccedilatildeo Apoacutes

uma exposiccedilatildeo detalhada dos procedimentos metodoloacutegicos adotados para a coleta dos

dados secundaacuterios relativos agraves marcas de produtos e serviccedilos com o termo roccedila

discute-se os resultados agrave luz das hipoacuteteses e perspectivas teoacutericas apontadas no

primeiro capiacutetulo Confronta-se tambeacutem os resultados obtidos pela estatiacutestica descritiva

e pela anaacutelise de conteuacutedo das marcas com a categorizaccedilatildeo das respostas dadas pelos

produtores distribuidores e consumidores de bens e serviccedilos da roccedila refletindo-se sobre

os usos e significados que a circulaccedilatildeo desses bens promove entre esses agentes

No terceiro capiacutetulo faz-se uma exposiccedilatildeo do processo de circulaccedilatildeo de bens da

roccedila no Mercado Central de Belo Horizonte refletindo como se empregam os

significados do termo roccedila em plena metroacutepole por meio da troca destes bens No

Mercado foi possiacutevel buscar alguns apontamentos para a reflexatildeo sobre qual o lugar da

roccedila no modo de vida urbano e moderno e perceber como o consumo pode revelar o que

se pensa sobre esse modo de vida Ou seja a marca roccedila eacute boa para comprar mas

tambeacutem eacute ldquoboa para pensarrdquo

O quarto capiacutetulo constitui-se de uma descriccedilatildeo do 4ordm Festival de Gastronomia e

Cultura da Roccedila do municiacutepio de Gonccedilalves localizado no sul de Minas Gerais

refletindo-se sobre como os agentes e instituiccedilotildees dessa cidade construiacuteram seu capital

turiacutestico em torno da ideia de roccedila Na cidade e no festival eacute possiacutevel perceber como se

veiculam diferentes significados do termo roccedila onde seu caraacuteter relativo e relacional eacute

mais expressivo dada a diversidade social do lugar constituiacuteda por agricultores

familiares convencionais agricultores familiares pluriativos (donos de restaurantes e

pousadas) agricultores orgacircnicos neorrurais cidadatildeos em geral e turistas Embora o

10

estudo do Mercado em Belo Horizonte e do Festival em Gonccedilalves natildeo tenha sido

realizado com a pretensatildeo de efetuar comparaccedilotildees eacute possiacutevel perceber alguns

contrapontos nos usos e significados da categoria roccedila nos dois eventos o que reforccedila o

recorte relativo e relacional desta categoria

Esses contrapontos ficaram ainda mais evidentes nos resultados obtidos por

meio da anaacutelise do corpus das entrevistas e questotildees abertas dos questionaacuterios com o

uso do software de anaacutelise estatiacutestica de dados textuais o Alceste e com o software de

codificaccedilatildeo NVivo A anaacutelise revelou categorias de significados para a palavra roccedila

diferenciadas entre consumidores e produtores no Mercado Central e no Festival de

Gastronomia e Cultura da Roccedila Os resultados possibilitaram verificar e corroborar as

hipoacuteteses que balizaram essa pesquisa e foram confrontados com as inferecircncias

elaboradas a partir das anaacutelises dos capiacutetulos anteriores A partir dessas respostas foi

possiacutevel indicar os principais usos e significados do termo roccedila no Brasil e sua relaccedilatildeo

com o rural apresentados nas consideraccedilotildees finais dessa tese em conjunto com uma

reflexatildeo sobre os limites e possibilidades que a pesquisa apresentou

11

1 USOS E SIGNIFICADOS DO TERMO ROCcedilA NO BRASIL

Como roccedila eacute expressa nos diferentes discursos do cotidiano Na literatura na

muacutesica na publicidade no entretenimento na academia Teraacute o vocaacutebulo roccedila nesses

espaccedilos discursivos os mesmos usos e sentidos Se roccedila eacute uma palavra ldquopolissecircmica e

escorregadiardquo (SANTOS 2006 p 92) cuja variaccedilatildeo estaacute especialmente condicionada

aos diferentes contextos e grupos sociais que a empregam como se sugere nesta

pesquisa qual seria o alcance dessa variedade semacircntica Quais os seus limites Para

responder a algumas dessas questotildees e mapear as mudanccedilas e permanecircncias na histoacuteria

do uso e do significado de roccedila no Brasil se apresenta neste capiacutetulo uma breve

reflexatildeo do termo roccedila em diferentes fontes bibliograacuteficas No campo do discurso

acadecircmico se verificou a etimologia da palavra roccedila dando ecircnfase especialmente aos

seus usos e significados na formaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do Brasil Para tanto analisou-se

textos de cronistas viajantes e autores claacutessicos do pensamento social brasileiro

Tambeacutem foram examinados os empregos do termo roccedila e seu derivado roccedilado nos

textos que estudaram o campesinato brasileiro Analisou-se ainda os trabalhos mais

recentes em termos dos usos e significados da palavra roccedila E por fim foram

observados os sentidos deste vocaacutebulo em outros segmentos discursivos aleacutem do

cientiacutefico passando por alguns textos da literatura por composiccedilotildees musicais peccedilas

publicitaacuterias e midiaacuteticas chegando ateacute o mercado de produtos e serviccedilos com a marca

roccedila no Brasil diante do qual se buscou compreender de que forma a circulaccedilatildeo de bens

se apropriaria desse enunciado culturalmente construiacutedo e lhe ressignificaria

11 Usos e significados do termo roccedila na formaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do Brasil

O estudo de Oliveira M (2012) embora de publicaccedilatildeo recente trata de uma

caracterizaccedilatildeo histoacuterica da roccedila como uma categoria tipoloacutegica de ocupaccedilatildeo espacial de

produccedilatildeo e construccedilatildeo da paisagem desde a colonizaccedilatildeo do Brasil O autor se refere

especialmente agraves formaccedilotildees coloniais na Bahia e no restante do litoral nordestino bem

como nas aacutereas de atuaccedilatildeo jesuiacutetica em Satildeo Paulo e parte da regiatildeo das entradas ateacute a

12

situaccedilatildeo contemporacircnea tomando como exemplo a Amazocircnia Oliveira M (2012)

constroacutei uma definiccedilatildeo do que seria a roccedila contrapondo-a agraves chaacutecaras e casas de campo

destinadas ao lazer Nesse sentido o autor ressalta que as roccedilas eram consideradas

unidades dedicadas ldquouacutenica e exclusivamente agrave produccedilatildeordquo e natildeo agraves praacuteticas de lazer

Assim na sua perspectiva a roccedila estaria ligada agrave produccedilatildeo de mantimentos em

oposiccedilatildeo agrave urbe e situada em grandes propriedades (OLIVEIRA M 2012 p 756) No

periacuteodo colonial segundo Oliveira M (2012) as roccedilas aleacutem de pertencerem

geralmente agraves grandes propriedades tambeacutem podiam ser encontradas em terras

devolutas e eram conduzidas por matildeo de obra familiar de agregados e ou escravos e a

sua principal funccedilatildeo seria o abastecimento de nuacutecleos urbanos proacuteximos e rurais

Segundo o mesmo autor as roccedilas ainda hoje cumpririam essa funccedilatildeo em ldquoregiotildees

menos populosas do paiacutesrdquo (OLIVEIRA M 2012 p 758) Destaca o autor que as

roccedilas tambeacutem eram encontradas nos ldquoaldeamentos indiacutegenas agraves margens do latifuacutendio

monocultor dos cursos hiacutedricos e das estradas e em assentamentos de quilombos e

mocambos aleacutem de trilhar os caminhos dos desbravadores dos sertotildees e das florestasrdquo

(OLIVEIRA M 2012 p 760)

Em geral na bibliografia sobre o Brasil Colocircnia consultada por Oliveira M

(2012) as roccedilas eram consideradas propriedades ruacutesticas localizadas nos campos e

forneciam especialmente a mandioca e a farinha dela derivada Mas o autor cita

tambeacutem o cultivo de ldquoalgodatildeo amendoim anil arroz cafeacute cana-de-accediluacutecar feijatildeo

pimenta milho tabaco urucumrdquo e ldquodiversas frutasrdquo como ldquobananas e laranjasrdquo aleacutem

de ldquolegumesrdquo (OLIVEIRA M 2012 p 758) Entre os textos dos cronistas e viajantes

consultados Oliveira M (2012) cita as indicaccedilotildees de Sousa (1587) ressaltando que as

roccedilas no Brasil deveriam ser entendidas em comparaccedilatildeo aos ldquocasais almuinhas

herdades ou quintas ruacutesticas em Portugalrdquo2 (SOUSA 1587 p 757) Consultando-se a

2 De acordo com os verbetes do Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa (2009) almuinha ou almainha ou almoinha eacute um quintal cercado uma quinta suburbana Casal refere-se a um povoado pequeno lugarejo pequena propriedade pequena gleba cercada fora do foro ou pelos arredores mas nunca anexa agrave habitaccedilatildeo do seu proprietaacuterio Herdade eacute uma propriedade rural de dimensotildees consideraacuteveis fazenda quinta e sinocircnimo de siacutetio A quinta eacute uma propriedade rural com moradia terreno proacuteprio para a agricultura pomar de laranjeiras conjunto de casas de diversos proprietaacuterios e pertencentes a uma freguesia Roccedila eacute descrita como accedilatildeo ou efeito de roccedilar roccediladura terreno em que se faz a roccedilada terreno com muito mato mato crescido geralmente em terreno acidentado terreno de lavoura grande ou pequeno sementeira cultivada entre o mato ou em terreno de roccedilada pequena propriedade agriacutecola onde se cultivam frutas hortaliccedilas e alguns cereais regiatildeo aleacutem dos limites das cidades na qual se praticam em maior ou menor escala atividades agriacutecolas e pecuaacuterias a zona rural ou campordquo A etimologia da palavra segundo o mesmo dicionaacuterio eacute um regressivo do verbo roccedilar que designa o ato de romper ou seja limpar um campo de mato e ervas

13

proacutepria obra de Sousa (1587) senhor de engenho e ldquoproprietaacuterio de roccedilasrdquo segundo

Varnhagen (1851) percebe-se como na formaccedilatildeo do Brasil Colocircnia nos quinhentos

roccedila estava atrelada agrave produccedilatildeo de mantimentos Ao longo de todo o seu tratado

especialmente descrevendo os modos de vida na Bahia de entatildeo Sousa (1587)

menciona os pares ldquoroccedilas e lavourasrdquo ldquoroccedilas e fazendasrdquo ldquoroccedilas e canaviaisrdquo ldquoroccedilas e

quintaisrdquo ldquoroccedilas e aacutervoresrdquo ldquoroccedilas e granjeariasrdquo ldquoroccedilas e aldeias matos e camposrdquo e

ldquoroccedilasrdquo num emprego largo e inespeciacutefico Sousa (1587) tambeacutem faz menccedilatildeo agraves roccedilas

dos iacutendios e especificamente agraves roccedilas dos iacutendios com canas-de-accediluacutecar plantadas assim

como fala das canas da roccedila

Mas o discurso central de Sousa (1587) sobre o termo aqui estudado estaacute

relacionado agrave expressatildeo ldquoroccedila de mantimentordquo De acordo com a sua descriccedilatildeo nas

roccedilas se lavravam muitos mantimentos frutas e hortaliccedilas Sua exposiccedilatildeo das ocupaccedilotildees

nas terras da Bahia fala das granjearias de roccedilas de mantimentos com criaccedilotildees de vacas

porcos e canaviais O mantimento fruto das roccedilas ao qual Sousa (1587) se refere

compotildee-se majoritariamente do que ele denomina como mantimento natural ou seja a

mandioca (chamada de farinha de pau ou farinha de patildeo em Portugal) elemento nativo

cultivado pelos indiacutegenas e adotado pelos colonizadores substituindo o trigo e o patildeo

Aleacutem da mandioca Sousa (1587) elenca uma longa lista de tubeacuterculos cereais legumes

e leguminosas que compunham as roccedilas de mantimentos das terras brasileiras batata

caraacutes mangaraacutes taiaacutes milho de Guineacute ou ubatim (zaburro em Portugal) favas feijotildees

aboacuteboras-de-quaresma ou jerimum amendoim pimentas Quanto agraves frutas o autor cita

caju banana mamatildeo mangaba ingaacute cajaacute pequi bacuripari umbu sapucaia jenipapo

macugecirc piquiaacute guti ubucaba mondururu mandiba cambuiacute curuanha araccedilaacute araticu

pinho abajeru amaitim apeacute murici cupiuacuteba maccedilarandiba mucuri cambucaacute

maracujaacute ananaacutes Sousa (1587) emprega ainda o vocaacutebulo roccedila para se referir ao

trabalho desenvolvido nas lavouras notaacutevel nas expressotildees fazer roccedila roccedilar trabalhar

nas roccedilas Mas o emprego do termo roccedila natildeo se limitava agrave ideia da lavoura jaacute que este

autor tambeacutem faz referecircncias agraves casas das roccedilas

Nos textos claacutessicos de alguns autores do pensamento social brasileiro como

Candido (2010) Holanda (1994 1995) e Ribeiro (2006) roccedila aparece atrelada agrave cultura

caipira desenvolvida no interior do Estado de Satildeo Paulo sul de Minas Gerais e do Rio

Janeiro parte de Goiaacutes Mato Grosso e Paranaacute Nesse contexto ldquoroccedilardquo aparece formada

pelo pequeno agricultor autocircnomo e sua famiacutelia nuclear e tambeacutem relacionada ao

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movimento das bandeiras de conquista de novos espaccedilos e do estabelecimento de

plantaccedilotildees ao longo desses caminhos formando nuacutecleos de provisatildeo de alimentos agraves

minas

Embora Ribeiro (2006) mencione a produccedilatildeo de roccedilas de subsistecircncia por todos

os tipos socioculturais crioulos caboclos gauacutechos sertanejos ou caipiras a sua

vinculaccedilatildeo a esses dois uacuteltimos tipos eacute notaacutevel Segundo o autor nos engenhos

accedilucareiros do Nordeste brasileiro no periacuteodo colonial entre o tipo social por ele

identificado como crioulo havia o haacutebito de se designar um ldquofeitorrdquo para cuidar das

roccedilas dentro dos engenhos Mas tambeacutem cita o lavrador que cultivava sua roccedila com a

famiacutelia dentro desse subsistema (RIBEIRO 2006 p 257 260) Entre a populaccedilatildeo por

ele designada de cabocla na regiatildeo amazocircnica tambeacutem havia o costume de produccedilatildeo

de roccedilados para a subsistecircncia especialmente do cultivo de mandioca e milho

(RIBEIRO 2006 p 284) Da mesma maneira o autor afirma que nos nuacutecleos

formados nos currais de criaccedilatildeo de gado do ldquoBrasil Sertanejordquo eram plantados roccedilados

para aprovisionar a famiacutelia do vaqueiro que tambeacutem contava com algumas vacas

leiteiras Esses roccedilados tambeacutem garantiam sustento para o gado que se alimentava das

palhas que sobravam das colheitas feitas pelos lavradores embora nas aacutereas de

pastoreio abundante e extensivo as roccedilas fossem cercadas Mas o autor tambeacutem destaca

que essas roccedilas de lavradores e vaqueiros sertanejos eram precaacuterias assim como suas

moradias devido agrave situaccedilatildeo de agregado das fazendas que lhes traziam inseguranccedila e

uma trajetoacuteria marcada pela transitoriedade e nomadismo (RIBEIRO 2006 p 309 312

313 327) De acordo com Ribeiro (2006 p 377) os gauacutechos arregimentados por

paulistas e curitibanos que se instalaram nos campos do Sul para se dedicar agrave criaccedilatildeo de

gado faziam roccedilados de mandioca milho e aboacutebora e fabricavam farinha aleacutem de

campearem o gado criarem cavalos e muares e amansarem bois de serviccedilo

Quanto agrave relaccedilatildeo entre o caipira e a roccedila no texto de Ribeiro (2006) ela aparece

em pelo menos trecircs frentes distintas O autor relata que se formavam roccedilas junto com

ranchos improvisados nas bandeiras paulistas em busca da identificaccedilatildeo de regiotildees para

a mineraccedilatildeo e tambeacutem na tomada de missotildees jesuiacuteticas no Sul para o aprisionamento de

indiacutegenas catequisados para o trabalho compulsoacuterio (RIBEIRO 2006 p 332) De

acordo com o antropoacutelogo nas regiotildees onde se desenvolveu a mineraccedilatildeo por conta do

aglomerado demograacutefico urbano e de uma matildeo de obra livre entre negros e mulatos

alforriados e brancos pobres formou-se uma agricultura comercial que fornecia queijo

15

rapadura toucinho e carne mantimentos em geral cujas roccedilas eram desenvolvidas

suspeitava ele em regime de parceria Tambeacutem assinala que aos escravos das lavras era

permitido desenvolver suas roccedilas (RIBEIRO 2006 p 339 342)

Segundo Ribeiro (2006 p 344-345) posteriormente com a decadecircncia da

mineraccedilatildeo alguns dos proacuteprios mineradores negociantes artesatildeos e empregados foram

ocupando novamente o campo e se tornando roceiros produzindo para a proacutepria

subsistecircncia Da mesma forma muitos dos bandeirantes paulistas que se assentavam em

terras distantes ou mesmo aqueles que voltavam para a sua gente segundo este autor

(2006 p 333-334) tornaram-se criadores de gado e lavradores produzindo para o seu

proacuteprio consumo numa divisatildeo de tarefas os homens roccedilavam caccedilavam e guerreavam

e as mulheres cuidavam da roccedila do plantio da colheita do preparo dos alimentos e do

cuidado das crianccedilas

Eacute nesse contexto de esgotamento da mineraccedilatildeo e da economia mercantil a ele

vinculada que Ribeiro (2006) identifica uma dispersatildeo e uma nova sedentarizaccedilatildeo dos

paulistas no espaccedilo que denomina de ldquoaacuterea cultural caipirardquo que abrange uma vasta aacuterea

do Centro-Sul desde a costa do Espiacuterito Santo e Rio de Janeiro passando por Minas

Gerais Satildeo Paulo Paranaacute ateacute o Mato Grosso Consolida-se nessa regiatildeo de acordo

com o mesmo uma exploraccedilatildeo agriacutecola itinerante que derruba as matas e as queimam

para formar os roccedilados teacutecnica de origem tupi que caracterizou largamente o cultivo do

caipira e mesmo de um campesinato mais recente Esse processo apontado por Ribeiro

(2006 p 346) foi posteriormente suplantando pela plantaccedilatildeo de pastagens para o

desenvolvimento da pecuaacuteria visando abastecer os crescentes mercados urbanos que

demandavam o consumo de carne marginalizando e se apropriando da roccedila caipira

Mas antes dessa transformaccedilatildeo a organizaccedilatildeo social dos caipiras foi marcada pela

formaccedilatildeo dos bairros rurais que uniam vizinhos e familiares pelo sentimento de

localidade e pela participaccedilatildeo coletiva (mutiratildeo) para o lazer e o trabalho especialmente

a derrubada de matas e formaccedilatildeo dos roccedilados (RIBEIRO 2006 p 347) Nesse sentido

pode-se afirmar que a roccedila funcionava como um dos elementos que estruturavam a vida

rural caipira a partir da qual se constituiacuteram os bairros rurais

Para Ribeiro (2006 p 28) o haacutebito de cultivar roccedilas identificado nessas

formaccedilotildees socioculturais que originaram a cultura brasileira foi herdado da matriz tupi

Para o autor o povo tupi na eacutepoca da colonizaccedilatildeo do Brasil pelos portugueses iniciava

sua proacutepria revoluccedilatildeo agriacutecola desenvolvendo teacutecnicas de domesticaccedilatildeo de plantas para

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o mantimento de seus roccedilados cujo exemplo mais conhecido e difundido hoje no

Brasil seria o caso da mandioca Aleacutem dela o autor ressalta que os povos tupis tambeacutem

cultivavam ldquo[] o milho a batata-doce o caraacute o feijatildeo o amendoim o tabaco a

aboacutebora o urucu o algodatildeo o carauaacute cuias e cabaccedilas as pimentas o abacaxi o

mamatildeo a erva-mate o guaranaacute entre muitas outras plantas [] o caju o pequi etcrdquo

(RIBEIRO 2006 p 28) A teacutecnica era a mesma relatada para os lavradores do periacuteodo

colonial derrubada das aacutervores com machado e queima do terreno Vecirc-se essa teacutecnica e

esses cultivos sendo mencionados por outros autores na discussatildeo adiante

A provisatildeo garantida pelas roccedilas plantadas ao longo das expediccedilotildees ao interior

do Brasil tambeacutem foram ressaltadas no estudo de Candido (2010) como ilustra a

passagem que cita o Regimento de Dom Rodrigo de Castel-Blanco que diz em seus 1ordm

e 8ordm paraacutegrafos

1ordm Toda pessoa de qualquer qualidade que seja que for ao sertatildeo a descobrimentos seraacute obrigado a levar milho e feijatildeo e mandioca para poder fazer plantas e deixaacute-las plantadas porque com esta diligecircncia se poderaacute penetrar os sertotildees que sem isso eacute impossiacutevel 8ordm Mandaraacute semear as roccedilas que jaacute ficam as terras beneficiadas de milho feijatildeo e aboacutebora (CANDIDO 2010 p 60-61)

No trabalho de Candido (2010 p 61) tambeacutem fica evidente o povoamento da

roccedila colocada em contraposiccedilatildeo agrave cidade como na passagem do Conde de Assumar

datada de 1717 sobre os arredores da cidade de Satildeo Paulo

Saiu a Sua Exa a ver a cidade que estaacute situada em um plano e poderaacute ter ateacute quatrocentas casas a maior parte teacuterreas mas muita falta de gente porque a maior parte dos moradores vivem fora dela em umas quintas a que chamam roccedilas as quais natildeo constam de outras plantas que de milho farinha de patildeo [mandioca] e feijatildeo e algumas frutas da terra que tudo isto vem a ser o seu quotidiano sustento dos paulistas natildeo comendo carne senatildeo em alguns dias do ano e quando datildeo algum banquete ou fazem alguma festa sempre vem agrave mesa o feijatildeo com toucinho que se pode supor que eacute o arroz dos Europeus

Essas informaccedilotildees satildeo complementadas ainda pela citaccedilatildeo que Candido (2010

p 62) faz de Antonil a respeito da existecircncia das roccedilas no caminho das Minas

[] haacute aqui roccedilas de milho aboacuteboras e feijatildeo que satildeo as lavouras feitas pelos descobridores das minas e por outros que por aiacute querem

17

voltar E soacute disto constam aquelas e outras roccedilas nos caminhos das minas e quando muito tem mais algumas batatas

Candido (2010 p 62) destaca que ldquoo feijatildeo o milho e a mandioca plantas

indiacutegenas constituem pois o que se poderia chamar triacircngulo baacutesico da alimentaccedilatildeo

caipira alterado mais tarde com a substituiccedilatildeo da uacuteltima pelo arrozrdquo Essa afirmaccedilatildeo eacute

interessante uma vez que se pode encontrar entre os camponeses em Minas Gerais

ainda hoje um sistema proacuteprio de classificaccedilatildeo no qual roccedila eacute milho e feijatildeo enquanto

o cultivo de outras espeacutecies como o arroz ou o cafeacute natildeo eacute considerado como roccedila mas

como plantaccedilatildeo e lavoura respectivamente (SILVEIRA 2008) Ou seja para alguns

camponeses mineiros roccedila seria uma antonomaacutesia para plantaccedilotildees de milho e feijatildeo

como jaacute foi destacado por Heredia (1979) e Garcia Juacutenior (1983) em Pernambuco No

trabalho de Candido (2010 p 66) encontra-se uma referecircncia parecida de que para os

caipiras a mandioca era por antonomaacutesia o mantimento e o milho a roccedila As

seguintes imagens ilustram ldquoroccedilasrdquo na visatildeo dos camponeses de Minas Gerais ou seja

roccedilas de mandioca milho e feijatildeo

FIGURA 1 ndash Roccedila de mandioca

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

18

FIGURA 2 ndash Roccedila de milho

Fonte Joatildeo Monteiro da Silveira

FIGURA 3 ndash Roccedila de feijatildeo

Fonte Joatildeo Monteiro da Silveira

Relevante notar que ao longo de seu trabalho Candido (2010) se refere aos

caipiras do interior paulista como roceiros e utiliza o termo roccedila para se referir tanto agraves

lavouras quanto ao local como sinocircnimo de campo ou rural quando fala das ldquopessoas

da roccedilardquo do ldquohomem da roccedilardquo ou da ldquogente da roccedilardquo (CANDIDO 2010 p 22 47 48

49 68 74 129 134 142 149 154 162 199 201 204) Para este autor a cultura

caipira marcada pela organizaccedilatildeo social em bairros e pela economia de subsistecircncia ou

seja caracterizada pelo ajuste ao meio era formada pelos sitiantes posseiros e

agregados Destarte Candido (2010) assume a existecircncia de uma estratificaccedilatildeo social na

cultura rural paulista falando especialmente do periacuteodo poacutes-ciclo bandeirante no seacuteculo

XVIII dividindo de um lado os proprietaacuterios de fazendas de cana gado e mais tarde

de cafeacute e de outro os sitiantes Entretanto o autor destaca que os fazendeiros

participam da cultura caipira em termos de seus costumes fala e rusticidade embora

nem sempre possam ser considerados dela integrantes Nesse sentido Candido (2010)

19

considera que tanto os fazendeiros quanto os sitiantes e mesmo os posseiros tecircm uma

origem em comum nos mesmos troncos familiares tendo feito parte dos ldquosiacutetios de roccedilardquo

que segundo ele seriam territorialmente avantajados e sem uma niacutetida distinccedilatildeo entre a

grande e a pequena propriedade

A expressatildeo siacutetios de roccedila eacute recorrentemente empregada por Holanda (1994

1995) especialmente nos seus estudos sobre Satildeo Paulo colonial A referecircncia de

Holanda (1994) aos siacutetios de roccedila aparece muitas vezes em contraste coma vila a

cidade ou as sedes urbanas em geral sendo o siacutetio da roccedila o espaccedilo no campo onde se

produz os mantimentos Nesse sentido o autor tambeacutem faz alusatildeo agrave ldquoroccedilardquo tanto como

ldquoespaccedilo ruralrdquo quanto como ldquoespaccedilo de produccedilatildeordquo usando inclusive a expressatildeo ldquoroccedila

de mantimentosrdquo jaacute consagrada por Sousa (1587) O contraste do uso do vocaacutebulo roccedila

em oposiccedilatildeo agrave cidade fica claro quando Holanda (1994 p 90) reproduz um trecho de

Frei Vicente do Salvador

[] cidade esquisita de casas sem moradores pois os proprietaacuterios passavam mais tempo em suas roccedilas rurais soacute acudindo no tempo das festas A populaccedilatildeo urbana constava de mecacircnicos que exerciam seus ofiacutecios de mercadores de oficiais de justiccedila de fazenda de guerra obrigados agrave residecircncia

O trecho se refere agrave cidade de Salvador no seacuteculo XVI e Holanda (1994 p 90)

ressalta como no Brasil Colocircnia a elite habitava o campo e frequentava as cidades

apenas em ocasiotildees especiais O contraste do povoamento do campo em relaccedilatildeo agrave

cidade jaacute foi notado num trecho anterior quando Candido (2010) cita uma passagem do

Conde de Assumar sobre Satildeo Paulo no seacuteculo XVIII ressaltando como a populaccedilatildeo

vivia de forma maciccedila nas roccedilas e natildeo na cidade embora nesta houvesse um

aglomerado de casas

Assim como no trabalho de Candido (2010) Holanda (1994 1995) se refere ao

agricultor e agrave populaccedilatildeo que vive no campo no periacuteodo colonial como roceiros

expressatildeo que vai se tornando escassa no vocabulaacuterio acadecircmico sobre estudos rurais no

Brasil como se veraacute adiante Holanda (1995 p 187) se refere ao uso da farinha oriunda

ldquodos milhos da roccedila de expediccedilatildeordquo como mantimento obrigatoacuterio nas expediccedilotildees no

seacuteculo XVIII juntamente com o feijatildeo e o toucinho de porco sugerindo a existecircncia de

roccedilas de produccedilatildeo de mantimentos destinadas agrave provisatildeo daqueles que partiam agraves

20

entradas Por outro lado o autor tambeacutem menciona os ldquosiacutetios de roccedilardquo como um

assentamento dos paulistas que se sedentarizam em contraste agraves bandeiras

Jaacute na obra de Freyre (2003) as menccedilotildees agrave roccedila satildeo sempre feitas com a

conotaccedilatildeo de lavoura agraves vezes chamando-a de roccedilado relacionadas aos controles de

pragas aos problemas com ataque de lagartas e ao trabalho de roccedilar o mato Apenas

numa ou noutra reproduccedilatildeo de trechos de cronistas e viajantes do Brasil colonial Freyre

(2003) em notas de rodapeacute alude agraves ldquoroccedilas de mantimentordquo ou agrave ldquoroccedila como espaccedilo

ruralrdquo num sentido mais amplo Da mesma forma Prado Juacutenior (2011) refere-se agrave roccedila

especialmente em termos das praacuteticas agriacutecolas limpeza da aacuterea agricultaacutevel por meio

da roccedilada e da queima bem como faz referecircncia agrave lavoura de subsistecircncia que segundo

ele teria dado origem a uma forma particular de exploraccedilatildeo agriacutecola destinada agrave

produccedilatildeo de gecircneros alimentares diferenciada do que denomina de grande lavoura Para

o autor essa agricultura de subsistecircncia poderia incluir uma grande propriedade que

neste aspecto assemelhava-se agrave grande lavoura ldquoateacute a insignificante roccedila chaacutecara ou

siacutetio onde natildeo haacute escravos ou assalariados e onde o proprietaacuterio ou simples ocupante da

terra eacute ao mesmo tempo o trabalhadorrdquo (PRADO JUacuteNIOR 2011 p 162) No acircmbito

das grandes lavouras o desenvolvimento das roccedilas para o provimento da subsistecircncia

era feito pelos escravos no dia da semana considerado ldquolivrerdquo geralmente o domingo

Nas fazendas de gado do sertatildeo conforme o autor tambeacutem era costume que os

trabalhadores ajudantes escravos ou assalariados chamados de ldquofaacutebricasrdquo se

ocupassem das roccedilas de subsistecircncia Em fins do seacuteculo XVII e iniacutecio do XVIII alvaraacutes

ordenavam aos lavradores de cana e aos proprietaacuterios de embarcaccedilotildees de traacutefico de

escravos que plantassem roccedilas de mandioca para a subsistecircncia destes (PRADO

JUacuteNIOR 2011 p 167 200)

A partir das fontes verificadas corrobora-se com a caracterizaccedilatildeo da categoria

roccedila criada por Oliveira M (2012) e citada no iniacutecio deste capiacutetulo Nesse sentido

conclui-se que o termo ldquoroccedilardquo durante o Brasil Colocircnia denominava um espaccedilo

eminentemente dedicado agrave produccedilatildeo (e natildeo ao lazer e fruiccedilatildeo embora haacute indicaccedilotildees da

existecircncia de uma vida social intensa) especialmente de gecircneros alimentiacutecios os

mantimentos destinados ao autoconsumo (tambeacutem citado como subsistecircncia) e ao

abastecimento local Como um desdobramento dessas condiccedilotildees detalha-se que os

gecircneros alimentiacutecios principais eram a mandioca em primeiro lugar aleacutem do milho

feijatildeo aboacuteboras e uma variaccedilatildeo de outros gecircneros como as pimentas batatas caraacute

21

amendoim algumas frutas como mamatildeo abacaxi e banana aleacutem do algodatildeo e do

tabaco entre outros A matildeo de obra que se dedicava a essa produccedilatildeo era composta

desde os proacuteprios escravos da monocultura ou da mineraccedilatildeo ateacute a classe intermediaacuteria

de homens livres que compunha a populaccedilatildeo colonial brasileira como feitores

agregados vaqueiros ou seja homens brancos pobres ou negros e mulatos alforriados

As roccedilas garantiam portanto o sustento dos trabalhadores que deveriam prover a si

mesmos e agrave sua famiacutelia bem como abastecia o sistema local seja o engenho ou as

cidades vizinhas sendo a sua localizaccedilatildeo perifeacuterica agraves vilas e sedes urbanas

Mas as roccedilas tambeacutem eram plantadas ao longo das trilhas abertas pelas

expediccedilotildees ao interior do Brasil seja para descobrimentos ou para a captura de grupos

indiacutegenas para o trabalho escravo Assim da mesma forma que a roccedila promovia a

mobilidade tambeacutem garantia o assentamento das populaccedilotildees e o processo de

sedentarismo As roccedilas a partir da derrubada das matas da incineraccedilatildeo do terreno e do

cultivo de plantas nativas como a mandioca apontam para a apropriaccedilatildeo das teacutecnicas

indiacutegenas pelos colonizadores num processo de adaptaccedilatildeo ao meio facilitando suas

entradas a posse e a dominaccedilatildeo do espaccedilo O uso da teacutecnica das roccedilas foi sendo

reproduzido pelas populaccedilotildees descendentes principalmente de brancos e iacutendios em

especial os posseiros e agricultores que juntamente com suas famiacutelias foram

desenvolvendo uma agricultura itinerante de autoconsumo dentro da aacuterea de cultura

caipira

Por tudo que foi descrito supotildee-se que no Brasil Colocircnia a roccedila muitas vezes

funcionou como um dos elementos que constituiacuteram a vida rural brasileira garantindo

natildeo somente o abastecimento e a reproduccedilatildeo da populaccedilatildeo local mas tambeacutem o

desenvolvimento dos proacuteprios empreendimentos sejam as bandeiras o engenho os

currais e as minas o trabalho e a cultura da sociedade rural Nesse sentido acredita-se

que aleacutem das referecircncias dos autores aqui citados que usavam o termo roccedila como

sinocircnimo de vida rural a constataccedilatildeo da importacircncia das roccedilas na estruturaccedilatildeo da vida

colonial brasileira tambeacutem permite tal inferecircncia Apresenta-se a seguir a

representaccedilatildeo em forma de diagrama das principais caracteriacutesticas da categoria roccedila na

literatura consultada que trata da formaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do Brasil Colocircnia

22

FIGURA 4 ndash Caracteriacutesticas da roccedila na formaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do Brasil Colocircnia

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

12 Usos e significados do termo roccedila nos estudos sobre o campesinato no

Brasil

No item anterior analisou-se a forma como o termo roccedila foi retratado na

literatura que trata da formaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica do Brasil Colocircnia Neste item apresenta-

se uma anaacutelise acerca do significado do termo roccedila nos estudos sobre o campesinato no

Brasil Roccedila eacute uma categoria que pode ser identificada como fundamental nos estudos

sobre o campesinato brasileiro O termo roccedila tem sido pensado e utilizado tanto para

descrever quanto para explicar a vida e o conceito de camponecircs Nos estudos do

campesinato a roccedila ou o roccedilado eacute descrita de maneira detalhada o que contribui natildeo

soacute para compreender a evoluccedilatildeo dos usos e significados deste vocaacutebulo no periacuteodo poacutes-

colonial brasileiro como tambeacutem possibilita uma anaacutelise microssocioloacutegica no acircmbito

da pequena produccedilatildeo agricultora familiar de autoconsumo

Teacutecnica indiacutegena bullDerrubada do mato e queimada bullCultivo de mandioca milho feijatildeo aboacutebora bullProcesso itinerante

Produccedilatildeo bullGecircneros alimentiacutecios mandioca milho feijatildeo aboacutebora bullMatildeo de obra escravos homens livres (brancos pobres ou negros alforriados) agregados e parceiros

Consumo bullAutoconsumo ou subsistecircncia bullAbastecimento local (engenho curral de gado minas cidades vizinhas)

Empreendimento

bullExpediccedilotildees de descobrimentos bullBandeiras bullAgricultura marginal ao engenho currais de gado minas bullBairro rural caipira bullPequena produccedilatildeo familiar

Elemento estruturante da

vida rural

bullRoceiros bullCasas da roccedila bullGente da roccedila bullPovoamento na roccedila bullRoccedila versus cidadevilavida urbana bullSinocircnimo de rural

23

Queiroz (1973) chama a atenccedilatildeo para o fato de que o campo era retratado como

estando ocupado por dois segmentos os grandes fazendeiros e os trabalhadores rurais

escravos ou natildeo A autora entatildeo notabiliza a existecircncia de uma camada social

intermediaacuteria que natildeo seria nem fazendeira nem trabalhadora sem terras formada pelos

sitiantes a qual designa como camponeses Natildeo se trataria portanto de um povo

isolado sendo o bairro rural prova da existecircncia desta sociedade rural Nesse sentido o

campesinato ou essa camada social intermediaacuteria corresponderia aos trabalhadores que

se dedicavam agraves roccedilas no Brasil Colocircnia conforme evidenciado na seccedilatildeo anterior

sendo portanto os descendentes desses grupos sociais (ou o que resultou de sua

reproduccedilatildeo aliado a outros fatores como a decadecircncia do engenho e da mineraccedilatildeo)

Queiroz (1973) caracteriza o campesinato como um grupo social subordinado

ora a um senhorio ora agrave sociedade urbana Quando se tratava de uma regiatildeo onde natildeo

havia grandes fazendas sendo os sitiantes os uacutenicos produtores estabelecia-se uma

hierarquia mais horizontalizada dividida com base nos grupos de agricultores que

possuiacuteam ferramentas de arado os quais eram considerados mais abastados em relaccedilatildeo

aos sitiantes que utilizavam apenas a matildeo de obra familiar que por sua vez estavam

sobrepostos aos trabalhadores sem terras Queiroz (1973) destaca a dependecircncia dos

sitiantes em relaccedilatildeo agrave cidade retratando a relaccedilatildeo de troca econocircmica dentro de um

contexto de subordinaccedilatildeo poliacutetica Embora a autora utilize o aspecto da subordinaccedilatildeo

poliacutetica para definir o camponecircs do ponto de vista econocircmico ela o caracteriza como

voltado para uma loacutegica de reproduccedilatildeo autocircnoma desenvolvendo praacuteticas produtivas

voltadas para o autoconsumo A categoria roccedila aparece na anaacutelise de Queiroz (1973 p

194) sobre o campesinato como o espaccedilo no qual se produz o cultivo

Nas pequenas empresas agraacuterias exploradas por unidades domeacutesticas a superfiacutecie cultivada de pequeno porte denominou-se sempre lsquoroccedilarsquo o pequeno empresaacuterio rural ndash roceiro ndash entregava-se agrave policultura em pequena escala auxiliado pela proacutepria famiacutelia e agraves vezes por um ou outro camarada remunerado

A roccedila tem um aspecto central na distinccedilatildeo que a autora faz entre ldquoas pequenas

empresas agraacuterias voltadas para a agricultura de subsistecircnciardquo e ldquoas pequenas empresas

agraacuterias voltadas para a comercializaccedilatildeo de seus produtosrdquo Na primeira a roccedila de

subsistecircncia eacute o foco central de dedicaccedilatildeo do trabalho da famiacutelia sendo a venda do

excedente da produccedilatildeo ou qualquer outra obtenccedilatildeo de fonte de renda apenas

24

complementar agravequela Na segunda categoria o foco do trabalho familiar eacute a plantaccedilatildeo

destinada ao comeacutercio e a roccedila seria apenas uma complementaccedilatildeo desta Nessa

tipologia Queiroz (1973) contrapotildee a ldquoroccedilardquo agrave ldquocultura comercialrdquo e evidencia a

heterogeneidade das empresas agriacutecolas do interior de Satildeo Paulo A autora a partir do

relato do funcionamento de uma fazenda do interior paulista no periacuteodo da

implementaccedilatildeo da poliacutetica de colonizaccedilatildeo do governo brasileiro na passagem do seacuteculo

XIX para o XX identifica as culturas comerciais nela existentes as lavouras de

amendoim milho e mandioca e como roccedila de subsistecircncia o arroz o feijatildeo a

batatinha a cebola a melancia a aboacutebora e as hortaliccedilas Neste aspecto a roccedila ainda eacute o

nuacutecleo de provisatildeo da famiacutelia mas deixa de secirc-lo para a comunidade no entorno

percebendo-se um processo maior de autonomizaccedilatildeo que nas eacutepocas anteriores e de

diversificaccedilatildeo dos processos agraacuterios e agriacutecolas

Nesse estudo de Queiroz (1973) a categoria roccedila eacute explicitada a partir de outras

esferas da vida camponesa ateacute entatildeo natildeo mencionadas pelos viajantes e cronistas do

Brasil Colocircnia A autora faz referecircncia agrave divisatildeo de trabalho por gecircnero que envolve a

categoria roccedila na famiacutelia camponesa ressaltando que nos processos de mutiratildeo os

homens se encarregavam das tarefas na roccedila e as mulheres na cozinha Poreacutem no

trabalho regular as mulheres trabalhavam na roccedila com os maridos embora essa

situaccedilatildeo fosse mais comum entre as mulheres mais velhas As mulheres mais jovens

eram destinadas na maioria das vezes ao trabalho domeacutestico enquanto os homens

assumiam o trabalho na roccedila Nas novas geraccedilotildees as mulheres somente trabalhavam na

roccedila ao lado de seus maridos nos casos de uma necessidade econocircmica mais acentuada

De forma mais geral destaca-se que no texto de Queiroz (1973) as expressotildees

ldquotrabalho da roccedilardquo ou ldquotrabalho na roccedilardquo aparecem vaacuterias vezes para designar o trabalho

exercido na lavoura agriacutecola Por vezes ela tambeacutem se refere a um ldquosistema de roccedilardquo

para designar uma particularidade do trabalho camponecircs que estaria estritamente ligado

ao ldquotrabalho de roccedilardquo ou seja ao cultivo agriacutecola Segundo Queiroz (1973) haveria

uma formaccedilatildeo hieraacuterquica da sociedade rural em torno da roccedila o que pode ser notado

de forma expliacutecita em relaccedilatildeo aos agricultores camponeses face agrave agricultura de

exportaccedilatildeo As Danccedilas de Satildeo Gonccedilalo em Santa Briacutegida na Bahia narradas pela

autora expressam em seus rituais esta hierarquia socialmente vivida na comunidade

Os fazendeiros e donos de armazeacutem ocupavam as posiccedilotildees privilegiadas seguidos pelos

donos de pequenas roccedilas que se sobrepunham agravequeles que natildeo possuiacuteam roccedila nenhuma

25

Esse processo de hierarquizaccedilatildeo social em torno da roccedila ainda natildeo havia sido apontado

nos textos consultados sobre o Brasil Colocircnia e parecem estar relacionados a uma

estruturaccedilatildeo tardia dos processos agraacuterios e agriacutecolas no Brasil cujas consequecircncias

seratildeo posteriormente apontadas nesta pesquisa

No que diz respeito a esta relaccedilatildeo dos agricultores camponeses com a roccedila

Queiroz (1973) destaca que esta era formada em regiotildees ainda natildeo ldquoinvadidasrdquo pela

grande monocultura de exportaccedilatildeo nem pela agricultura comercial e a induacutestria Da

mesma forma a autora admite que a ocupaccedilatildeo das melhores terras pela grande

monocultura seria muitas vezes o motivo da decadecircncia de muitos camponeses cujas

roccedilas ficariam restritas agraves piores terras Apesar disso natildeo se pode deixar de destacar

que para a autora o sistema de cultivo camponecircs a roccedila se constituiria em uma das

condiccedilotildees de mobilidade dos bairros rurais Nesse sentido o processo itinerante que

caracteriza a teacutecnica da roccedila seria a estrateacutegia que possibilitaria a reproduccedilatildeo dessas

famiacutelias de agricultores Os roceiros de Queiroz (1973) satildeo tanto aqueles que trabalham

na roccedila quanto tambeacutem aqueles originaacuterios do campo sendo o termo utilizado para

caracterizar natildeo soacute um processo relacionado ao trabalho mas tambeacutem de identificaccedilatildeo

social A categoria roceiro empregada por Queiroz (1973) no entanto vai se tornando

menos recorrente nos estudos de campesinato posteriores ao dela

FIGURA 5 ndash Bairros rurais em Gonccedilalves-MG

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Na imagem acima visualiza-se uma placa de tracircnsito indicando o sentido para

alguns dos bairros rurais em Gonccedilalves Minas Gerais Destaca-se que este municiacutepio

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fica proacuteximo agrave Itajubaacute regiatildeo estudada por Moura (1978) seguindo a perspectiva dos

estudos de bairros de Queiroz (1973) Moura (1978) estudou os padrotildees de heranccedila e

parentesco na reproduccedilatildeo de uma aacuterea camponesa em Satildeo Joatildeo da Cristina na regiatildeo de

Itajubaacute no sul de Minas Gerais Em um capiacutetulo destinado agrave discussatildeo da produccedilatildeo

camponesa Moura (1978) distingue o siacutetio da fazenda num esquema de oposiccedilatildeo

construiacutedo pelos proacuteprios camponeses O sitiante era tido como aquele que tinha pouca

terra e ao mesmo tempo como um lavrador categoria profissional que o identificava

como cidadatildeo O fazendeiro ao contraacuterio era tido como o proprietaacuterio de grande

extensatildeo de terra a qual estava situada fora dos limites do bairro Moura (1978 p 16)

complementa a sua definiccedilatildeo de sitiante afirmando que ldquo[] o lsquositiantersquo trabalha na

lsquoroccedilarsquo com a ajuda dos filhos plantando fundamentalmente lsquopara o gastorsquo (ou lsquopara o

estocircmagorsquo)rdquo Tambeacutem neste estudo assim como no de Queiroz (1973) a relaccedilatildeo com a

roccedila reforccedila a identificaccedilatildeo dentro de uma estrutura hieraacuterquica

Moura (1978) ressalta ainda que dentro de uma mesma propriedade privada

podiam existir unidades econocircmicas independentes no seu interior as quais eram

caracterizadas pela ldquocasa e a roccedilardquo do pai e pela ldquocasa e a roccedilardquo do(s) filho(s) casado(s)

Cada unidade econocircmica entatildeo corresponderia a uma famiacutelia nuclear dividida entre

unidade de produccedilatildeo (roccedila) e unidade de consumo (casa) A roccedila aparecia entatildeo como

um nuacutecleo estruturante da famiacutelia assim como era um componente importante da vida

rural mais ampla como destacado anteriormente A oposiccedilatildeo entre casa (unidade de

consumo) e roccedila (unidade de produccedilatildeo) reproduz a oposiccedilatildeo entre atividades domeacutesticas

e atividades agriacutecolas numa divisatildeo do trabalho familiar apontada pela autora Caberia agrave

mulher o trabalho da ldquocasardquo e ao homem o da ldquoroccedilardquo Embora ambos fossem

classificados pelos sitiantes como ldquotrabalhordquo apenas o trabalho na roccedila era tido como

serviccedilo ldquopesadordquo Por outro lado o trabalho da mulher na roccedila quando permitido era

tratado como ldquoajudardquo e natildeo como ldquotrabalhordquo Essa divisatildeo do trabalho marcava tambeacutem

a reproduccedilatildeo social que direcionava a inserccedilatildeo dos filhos e filhas no trabalho da roccedila e

da casa respectivamente Segundo Moura (1978) as meninas se tornavam aos poucos

responsaacuteveis por tarefas domeacutesticas de acordo com sua faixa etaacuteria e os meninos

assumiam tambeacutem de acordo com a sua idade as tarefas na roccedila A roccedila tinha um

aspecto fundamental em relaccedilatildeo ao trabalho dos meninos pois a eles era entregue uma

ldquopequena roccedilardquo para ser cuidada de forma independente o que marcava um processo de

emancipaccedilatildeo do grupo familiar antes mesmo do casamento A roccedila era portanto uma

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passagem ritual dentro da famiacutelia camponesa tendo um papel estruturante no nuacutecleo

familiar camponecircs ao ser utilizada natildeo soacute na construccedilatildeo dos papeacuteis de gecircnero mas

tambeacutem na identificaccedilatildeo dos papeacuteis de cada geraccedilatildeo dentro do grupo domeacutestico

Garcia Juacutenior (1983) e Heredia (1979) tambeacutem estudaram o campesinato

especificamente aquele que se formou agrave margem da plantation na Zona da Mata

Pernambucana Assim como no trabalho de Moura (1978) Garcia Juacutenior (1983) e

Heredia (1979) consideraram a unidade domeacutestica como composta pela unidade de

produccedilatildeo o ldquoroccediladordquo e pela unidade de consumo a ldquocasardquo Entretanto para ambos o

roccedilado foi compreendido e descrito como um processo produtivo Os autores

dedicaram-se a descrever as tarefas e os ciclos desse sistema produtivo bem como os

seus produtos identificando que no campesinato da Zona da Mata Pernambucana os

principais produtos que definiam o roccedilado eram a mandioca o feijatildeo (ou fava) e o milho

ndash sendo que especialmente a mandioca era utilizada como sinocircnimo de roccedila Apesar da

mandioca do milho e do feijatildeo (ou fava) serem considerados os principais produtos do

roccedilado eles natildeo excluem a existecircncia de vaacuterios outros como algodatildeo caraacute inhame

vagem coentro maxixe alho pepino chuchu quiabo pimentatildeo alface tomate

jerimum repolho cenoura cebola abacaxi maracujaacute melancia e melatildeo (HEREDIA

1979)

O roccedilado eacute ainda subdividido em termos de produtos nas categorias de

ldquolavourardquo e de ldquoaacutervoresrdquo ou ldquopeacutes de paurdquo A diferenccedila eacute dada pelos cultivos temporaacuterios

e permanentes As lavouras permanentes aacutervores frutiacuteferas ou mesmo o cafeacute por

exemplo podem ser encontradas natildeo soacute no roccedilado (espaccedilo destinado ao cultivo) mas

tambeacutem no terreiro ou no quintal espaccedilo proacuteximo da casa de morada onde tambeacutem se

planta Mas satildeo as lavouras permanentes que definem o ldquosiacutetiordquo e delimitam as terras de

posse da famiacutelia Em decorrecircncia da sua existecircncia temporal a lavoura permanente de

alguma forma comprovaria a ligaccedilatildeo com o passado (GARCIA JUacuteNIOR 1983)

Segundo Garcia Juacutenior (1983) e Heredia (1979) a agricultura camponesa se

caracterizaria pela associaccedilatildeo ou sucessatildeo de cultivos no mesmo espaccedilo de terra Por

outro lado para Queiroz (1973) a sucessatildeo ou a rotatividade de culturas e roccedilas natildeo

impediria o caraacuteter itinerante das roccedilas camponesas

O processo de trabalho no roccedilado descrito por Garcia Juacutenior (1983) e Heredia

(1979) consiste nas etapas de ldquoroccedilar o matordquo ou seja retirar a vegetaccedilatildeo natural

utilizando foices machados e estrovengas Essa tarefa eacute geralmente realizada pelo

28

homem pai de famiacutelia Posteriormente se junta toda a vegetaccedilatildeo que foi roccedilada num

processo denominado ldquocoivarardquo A coivara eacute entatildeo queimada e posteriormente limpa

ou seja as sobras satildeo retiradas Se ainda for necessaacuterio destoca-se ou seja retiram-se

os troncos ou tocos de vegetaccedilatildeo que restaram com a utilizaccedilatildeo de uma enxada Todas

essas atividades satildeo masculinas Com a terra limpa o plantio se inicia com os homens

abrindo as covas com a enxada e as mulheres eou as crianccedilas depositando as sementes

e fechando as covas com os peacutes A plantaccedilatildeo precisa ser mantida realizando-se

limpezas no mato que cresce entremeio agrave lavoura Esse processo de capina pode ser

feito pelas mulheres Jaacute a colheita eacute realizada pelos homens Algumas dessas etapas

correspondem agraves teacutecnicas de origem indiacutegena tiacutepicas do periacuteodo colonial

A divisatildeo das tarefas por gecircnero no campesinato jaacute anteriormente assinalada

por Moura (1978) e Queiroz (1973) eacute discutida de maneira mais detalhada por Garcia

Juacutenior (1983) e Heredia (1979) como demonstra Heredia (1979 p 77) na seguinte

passagem ldquoNatildeo haacute duacutevida de que o lugar que os diferentes membros ocupam dentro do

grupo domeacutestico estaacute estreitamente ligado agrave sua posiccedilatildeo com relaccedilatildeo agraves atividades que

desenvolvem no lsquoroccediladorsquo ou na lsquocasarsquordquo De acordo com essa autora a oposiccedilatildeo casa-

roccedilado aleacutem de refletir a divisatildeo do grupo domeacutestico em unidade de consumo e unidade

de produccedilatildeo expressa tambeacutem a oposiccedilatildeo entre o trabalho e o natildeo trabalho

relacionando-os ao homem e agrave mulher respectivamente O roccedilado eacute tido como tendo

preponderacircncia sobre a casa pois eacute a produccedilatildeo nele realizada que garante a

sobrevivecircncia do grupo domeacutestico seja por meio do seu consumo ou da compra de

gecircneros alimentiacutecios com a renda dela advinda Se o pai de famiacutelia eacute o responsaacutevel pelo

roccedilado ndash e este domina a casa ndash logo o grupo domeacutestico estaacute sob a autoridade paterna

As tarefas realizadas pelas mulheres no roccedilado satildeo especiacuteficas podendo assumir o

roccedilado somente em casos excepcionais como morte do pai de famiacutelia doenccedila ou

velhice Mesmo assim a mulher assume o roccedilado se natildeo houver um sucessor masculino

no grupo domeacutestico A preponderacircncia do pai (responsaacutevel pelo roccedilado) no grupo

domeacutestico se manifesta em diferentes ocasiotildees eacute ele quem decide sobre os cultivos e

seus manejos administra os recursos disponiacuteveis e faz todos os negoacutecios (arrendamento

de terras de trabalho para ldquobotar roccediladordquo venda de animais ou produtos do roccedilado

compra de gecircneros necessaacuterios agrave reproduccedilatildeo do grupo domeacutestico) No espaccedilo da casa a

proeminecircncia do pai garante a ele a prioridade para se servir nas refeiccedilotildees e para

consumir os produtos mais nobres no caso de escassez As melhores ferramentas de

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trabalho tambeacutem soacute podem ser usadas pelo pai passando ao domiacutenio dos filhos adultos

da mulher e dos filhos pequenos conforme o desgaste provocado pelo uso Como

destaca Heredia (1979) a enxada eacute o siacutembolo do trabalho no roccedilado

Conforme demonstra Heredia (1979) a constituiccedilatildeo das posiccedilotildees sociais dos

membros do grupo domeacutestico determinada pelo par de opostos casa-roccedilado pode ainda

ser compreendida pelo papel do ldquoroccediladinhordquo Trata-se de um roccedilado individual

pertencente agrave matildee de famiacutelia ou a cada filho separadamente No roccediladinho o cuidado eacute

individual e de responsabilidade do membro ao qual ele foi concedido Isto porque eacute o

pai quem concede uma parte da terra de trabalho ao filho ou agrave esposa para ldquobotaremrdquo o

seu roccediladinho Eacute tambeacutem o pai quem concede os insumos e ferramentas necessaacuterios ao

cultivo do roccediladinho quem determina o que seraacute cultivado (jaacute que eacute ele quem fornece as

sementes) e os dias da semana que o filho pode se dedicar agrave sua roccedila individual No

entanto a autora ressalta que os produtos adquiridos no roccediladinho podem ser vendidos e

a renda eacute aplicada para atender agraves necessidades individuais diferentemente do roccedilado

cujos resultados satildeo inteiramente destinados agraves satisfaccedilotildees do grupo como um todo seja

de forma direta ou indireta Por isso a dedicaccedilatildeo ao proacuteprio roccediladinho natildeo libera o filho

ou a esposa da obrigaccedilatildeo de ajudar no roccedilado familiar visto que eacute este que garante a

reproduccedilatildeo de todo o grupo domeacutestico Embora a princiacutepio o destino da produccedilatildeo do

roccediladinho seja individual ele pode ser apropriado pelo pai e utilizado na satisfaccedilatildeo das

necessidades familiares num caso de escassez ou de dificuldades em geral Apesar de

ser uma forma de individualizaccedilatildeo ao proporcionar a cada membro do grupo

domeacutestico a satisfaccedilatildeo das necessidades privadas o roccediladinho tambeacutem eacute ao mesmo

tempo um reforccedilo do pertencimento ao grupo familiar jaacute que soacute pode ter um roccediladinho

aquele eacute membro do grupo domeacutestico

Tambeacutem Woortmann e Woortmann (1997) dedicam-se a uma etnografia do

trabalho na lavoura camponesa a partir da pesquisa com sitiantes sergipanos Os autores

propotildeem pensar o trabalho como um ldquosaber-fazerrdquo ou seja a compreender natildeo soacute o

trabalho como teacutecnica mas como cultura apreendendo todo o aparato de ideias que o

antecede Como o trabalho camponecircs eacute realizado no roccedilado a etnografia de Woortmann

e Woortmann (1997) permite compreender de maneira mais profunda e numa

perspectiva simboacutelica o sentido de roccedila para os camponeses se comparado agraves outras

etnografias aqui discutidas

30

Woortmann e Woortmann (1997) descrevem o ldquosiacutetio camponecircsrdquo como o lugar

do trabalho por excelecircncia composto na regiatildeo estudada pelo ldquomatordquo ldquocapoeirardquo

ldquochatildeo de roccedilardquo eou ldquomalhadardquo ldquopastordquo ldquocasa de farinhardquo ldquocasardquo e ldquoquintalrdquo Os

autores fazem uma descriccedilatildeo extremamente detalhada desses componentes que satildeo natildeo

soacute espaccedilos do siacutetio mas tambeacutem etapas do processo de trabalho agriacutecola No entanto o

ldquochatildeo de roccedilardquo e a ldquomalhadardquo mais do que isso satildeo por si soacute modelos de processos

produtivos sistemas agriacutecolas pois o modelo de ldquochatildeo de roccedilardquo mais antigo demanda

um pousio de longos anos (sistema extensivo) enquanto a ldquomalhadardquo eacute um recente

sistema de cultivo de caraacuteter intensivo Havia geralmente um processo no qual apoacutes a

derrubada do mato a terra era transformada em terra de trabalho ou seja em chatildeo de

roccedila Este poderia ser substituiacutedo pela malhada ou pelo pasto ou simplesmente pelo

pousio Como o chatildeo de roccedila era a primeira etapa de plantaccedilatildeo que se seguia agrave

domesticaccedilatildeo da natureza geralmente o solo era mais rico em nutrientes e podia ser

explorado sem a necessidade de correccedilatildeo Apoacutes vaacuterios cultivos quando a terra do chatildeo

de roccedila comeccedilava a dar sinais de esgotamento ela era entatildeo descansada ou destinada ao

pasto ou agrave malhada (forma de cultivo intensivo) o que poderia ocorrer com ou sem o

descanso Entretanto os autores notaram que historicamente o sistema agriacutecola de

chatildeo de roccedila tinha sido preterido em detrimento do modelo da malhada Nota-se

especificamente nesse estudo uma contraposiccedilatildeo aos autores que escreveram sobre o

periacuteodo colonial em que a roccedila ainda era marcada por um processo de exploraccedilatildeo

itinerante Ainda que haja um revezamento da roccedila no campesinato sergipano estudado

por Woortmann e Woortmann (1997) percebe-se um processo sedentaacuterio de produccedilatildeo

Assim como ressaltado pelos pesquisadores discutidos anteriormente

Woortmann e Woortmann (1997) tambeacutem demonstraram que o chatildeo de roccedila aleacutem de

produzir o cultivo tambeacutem era um espaccedilo de aprendizado do trabalho agriacutecola pelos

jovens sitiantes como revela a seguinte passagem ldquoO chatildeo de roccedila portanto natildeo

produz apenas agricultura mas tambeacutem agricultores na medida em que eacute um lsquocampo de

treinamentorsquo para futuros sitiantesrdquo (WOORTMANN WOORTMANN 1997 p 70)

Segundo os autores este espaccedilo de aprendizado correspondia ao roccediladinho descrito por

Garcia Juacutenior (1983) e Heredia (1979) a respeito do campesinato pernambucano Nesse

sentido a descriccedilatildeo do aprendizado do trabalho pelos filhos dos camponeses de

Woortmann e Woortmann (1997) se mostra bastante parecida com aquela relatada por

Heredia (1979) e Garcia Juacutenior (1983) e por isso natildeo seraacute reproduzida aqui

31

Woortamann e Woortmann (1997) tambeacutem identificaram que a roccedila era uma

antonomaacutesia para milho e feijatildeo embora fossem encontradas nela outros produtos de

cultivo Tambeacutem identificaram o processo de consorciamento (associaccedilatildeo) dos cultivos

bem como as aacutervores frutiacuteferas (lavoura permanente aacutervore ou peacute de pau) geralmente

no espaccedilo do quintal referido no campesinato pernambucano como terreiro

Interessante notar uma significaccedilatildeo dada pelos autores a um dos sistemas de

consorciamento que denominam de ldquomicro ecossistema da roccedilardquo Destaca-se ainda

como contribuiccedilotildees desses autores o aspecto cultural e simboacutelico que Woortmann e

Woortmann (1997) atribuiacuteram agrave roccedila

Para sitiantes ou caboclos como tambeacutem para os Ilongot como mostra Renato Rosaldo a leitura das roccedilas eacute uma forma de construccedilatildeo do tempo cada roccedila eacute a expressatildeo de um periacuteodo O conjunto das roccedilas eacute a histoacuteria do grupo Mas a leitura da roccedila e do espaccedilo onde ela se faz tem ainda outro sentido histoacuterico ela eacute tal como no Meacutexico a leitura da subordinaccedilatildeo Para os camponeses mexicanos ao nobre e depois ao branco para os sitiantes aos proprietaacuterios Para os sitiantes a roccedila sempre expressa o trabalho e este o domiacutenio sobre a terra (WOORTMANN WOORTMANN 1997 p 149)

Nesta passagem pode-se perceber que a roccedila natildeo expressa somente um fator de

produccedilatildeo e a garantia de sobrevivecircncia do grupo domeacutestico mas ela eacute constitutiva do

proacuteprio grupo Acreditava-se que a roccedila constituiacutea o grupo domeacutestico natildeo somente

enquanto meio para a sua reproduccedilatildeo social mas tambeacutem como capaz de construir

simbolicamente esse grupo por meio da memoacuteria Essa afirmaccedilatildeo tambeacutem pode ser

compreendida quando Woortmann e Woortmann (1997) ao descreverem a divisatildeo do

trabalho familiar por gecircnero referem-se ao trabalho na roccedila como um ldquoprocesso

construtor de gecircnerordquo

Em um trabalho mais recente Brandatildeo (2009) dedicou-se parcialmente a uma

descriccedilatildeo do papel da roccedila no campesinato goiano O autor introduz uma nova leitura de

pares de opostos sobre a roccedila ao afirmar que para os camponeses ela revelaria o

confronto entre o ldquotempo antigordquo e os ldquodias de hojerdquo aleacutem de revelar uma relaccedilatildeo

vertical e horizontal ou seja esse confronto remete-se agrave questatildeo agraacuteria e agrave relaccedilatildeo

entre os proprietaacuterios como revelam as expressotildees ldquoroccedilas do fazendeirordquo e ldquoroccedilas de

meiardquo ldquoroccedila granderdquo e ldquoroccedila virgemrdquo O autor destaca tambeacutem a existecircncia das ldquoroccedilas

de tocordquo ou seja pequenas lavouras sazonais abertas em terras cultivaacuteveis sobre

espaccedilos de matas derrubadas Eram assim chamadas pois natildeo eram feitas destocas

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derrubavam-se as matas queimavam-se os galhos e troncos de aacutervores (tocos) Nas

pequenas roccedilas de toco eram produzidos o arroz o milho e o feijatildeo O trabalho na roccedila

foi descrito pelos entrevistados como ldquotocar roccedilardquo Brandatildeo (2009) em uma nota de

rodapeacute que poderia passar despercebida reproduz a fala de uma camponesa que relata

ldquoter nascido e se criado na roccedilardquo usando roccedila para designar o lugar e a cultura em que

se vive

A descriccedilatildeo da categoria roccedila ou roccedilado nos estudos sobre o campesinato no

Brasil permite uma anaacutelise mais acurada da roccedila numa perspectiva microssocioloacutegica

cuja unidade de anaacutelise eacute a famiacutelia camponesa No que tange ao que foi descrito como

roccedila no Brasil Colocircnia a roccedila camponesa continuou com um espaccedilo eminentemente de

produccedilatildeo particularmente de gecircneros alimentiacutecios representados pela triacuteade mandioca

milho e feijatildeo muitas vezes sendo referidos como antonomaacutesia de roccedila embora

estivessem presentes outros produtos tambeacutem

As mudanccedilas ou nuances identificadas relacionam-se ao fato de a roccedila

camponesa continuar garantindo o sustento familiar mas deixando de ter um papel

preponderante no abastecimento local do seu entorno tornando-se ao que parece

isolada ou pelo menos marginalizada Outro aspecto a se considerar eacute a maneira como

a roccedila estrutura a vida camponesa determinando os papeis de gecircnero e geraccedilatildeo dentro

do grupo domeacutestico Esses papeacuteis centrados no patriarcalismo revelam um processo de

hierarquizaccedilatildeo social interna na famiacutelia camponesa Mas a hierarquia social tambeacutem

comeccedila a ser exposta em relaccedilatildeo agrave comunidade externa agrave famiacutelia camponesa tanto no

que concerne agrave produccedilatildeo (autoconsumo versus comercializaccedilatildeo) quanto em relaccedilatildeo agrave

estrutura fundiaacuteria e agrave posse da terra Possivelmente esse dado relativo ao tamanho da

propriedade agrave sua funccedilatildeo ao tipo de matildeo de obra empregado e agrave propriedade ou agrave posse

do terreno tenha se consolidado e se evidenciado a partir da Lei de Terras de 1850 que

instituiu o acesso agrave terra a partir da sua alienaccedilatildeo deslegitimando os processos de

ocupaccedilatildeo da mesma ateacute entatildeo recorrentes na histoacuteria brasileira Eacute provaacutevel que estas

questotildees estejam tambeacutem no cerne da ideia de subordinaccedilatildeo que autores como Queiroz

(1973) ressaltam como condiccedilatildeo camponesa estando relacionada aos sistemas de

posse parceria e trabalho agregado nas grandes fazendas Embora as roccedilas marginais agraves

lavouras monocultoras jaacute fossem realidade no Brasil Colocircnia e a instabilidade da

situaccedilatildeo dos roceiros jaacute tivesse sido relatada pelos autores consultados a subordinaccedilatildeo

do roceiro a um senhorio parece tomar outras dimensotildees a partir da propriedade da

33

terra em 1850 Por outro lado a roccedila ganha outras conotaccedilotildees simboacutelicas relacionadas

natildeo soacute ao ciclo de vida da famiacutelia como no caso dos membros masculinos com os

rituais de passagem da infacircncia a vida adulta mas tambeacutem de histoacuteria memoacuteria e

posse da terra

Nota-se ainda a importacircncia das roccedilas nos bairros rurais Entretanto as suas

caracteriacutesticas de agricultura itinerante parecem oscilar com situaccedilotildees de uma

exploraccedilatildeo agriacutecola mais permanente que reaproveita o espaccedilo utilizado da roccedila com

produccedilotildees rotativas e consorciamento Os estudos do campesinato tambeacutem permitem

compreender por meio das descriccedilotildees de etapas do processo produtivo e sua relaccedilatildeo

com a pecuaacuteria por exemplo a roccedila como um sistema agriacutecola Para sintetizar essas

comparaccedilotildees representa-se no diagrama abaixo as mudanccedilas e permanecircncias dos

sentidos e usos de roccedila no Brasil Colocircnia e no campesinato

34

QUADRO 1 ndash Caracteriacutesticas da roccedila no Brasil Colocircnia e no campesinato no Brasil Repuacuteblica

BRASIL COLOcircNIA CAMPESINATO Empreendimento

Expediccedilotildees de descobrimentos Bandeiras Agricultura marginal ao engenho currais de

gado minas Bairro rural caipira Pequena produccedilatildeo familiar

Empreendimento Pequena produccedilatildeo familiar

(camponecircs colono ou sitiante) Bairro rural caipira

Produccedilatildeo Gecircneros alimentiacutecios mandioca milho

feijatildeo aboacutebora Matildeo de obra escravos homens livres

(brancos pobres ou negros alforriados) agregados e parceiros

Produccedilatildeo Gecircneros alimentiacutecios mandioca

milho feijatildeo Matildeo de obra famiacutelia camponesa

(proprietaacuterios posseiros agregados e parceiros)

Consumo Autoconsumo ou subsistecircncia Abastecimento local (engenho curral de

gado minas cidades vizinhas)

Consumo Preponderacircncia do autoconsumo ou

subsistecircncia Abastecimento local (fazenda

monocultura agregados e parceiros) ou comercializaccedilatildeo externa para cidades e vilas

Teacutecnica indiacutegena Derrubada do mato e queimada Cultivo de mandioca milho feijatildeo aboacutebora Processo itinerante

Teacutecnica indiacutegena Derrubada do mato coivara

capoeira chatildeo de roccedila malhada pastou ou pousio

Cultivo de mandioca milho e feijatildeo Processos itinerante e de

rotaccedilatildeoassociaccedilatildeodescanso Como um dos elementos estruturantes da

vida rural Roceiros Casas da roccedila Gente da roccedila Povoamento na roccedila Roccedila versus cidadevilavida urbana Sinocircnimo de rural

Estruturaccedilatildeo da famiacutelia camponesa Estruturaccedilatildeo interna hierarquia de

gecircnero e geraccedilatildeo Estruturaccedilatildeo externa hierarquia

social com base na possepropriedade da terra produccedilatildeo e consumo subordinaccedilatildeo social e poliacutetica

Identificadores e marcadores sociais Autonomizaccedilatildeo isolamento e

marginalizaccedilatildeo do campesinato

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

35

13 Usos e significados do termo roccedila em textos contemporacircneos

Nos estudos sobre o campesinato a roccedila serve para classificar os grupos rurais

em termos hieraacuterquicos uma vez que aqueles que estabelecem roccedilas satildeo em geral

pequenos produtores rurais familiares que produzem para autoconsumo As roccedilas satildeo

compostas por plantaccedilotildees de milho feijatildeo e mandioca que muitas vezes satildeo

designadas pelo vocaacutebulo roccedila embora outras espeacutecies tambeacutem possam ser nela

cultivadas Assim no campesinato roccedila eacute considerada como uma categoria central de

trabalho definidora da famiacutelia camponesa classificadora de sua situaccedilatildeo social no

campo Por meio da roccedila cumpre-se a funccedilatildeo de classificar as pessoas especialmente

por criteacuterios de gecircnero e geraccedilatildeo baseando-se nas funccedilotildees que cada membro familiar

nela exerce O processo produtivo a propriedade da terra as possibilidades de

mobilidade tambeacutem se relacionam estritamente com a roccedila como se pocircde perceber nos

estudos do campesinato

Mas seraacute que essas hierarquias sociais que passam a marcar a organizaccedilatildeo social

em torno da roccedila se reproduziriam em outros contextos O que diz a bibliografia

contemporacircnea a esse respeito Na Sociologia Rural o termo roccedila natildeo tem sido

utilizado de forma recorrente como uma categoria de pensamento que permite

compreender fenocircmenos da vida rural no Brasil Entretanto alguns textos se dedicaram

a essa discussatildeo ora utilizando roccedila como uma categoria central de anaacutelise ora como

variaacutevel ou pano de fundo para outras discussotildees Nesse sentido alguns dos textos

contemporacircneos aqui analisados que tratam do vocaacutebulo roccedila contribuiacuteram para se

verificar como os seus usos e sentidos se reproduziram ou foram ressignificados nos

uacuteltimos anos

Inicia-se esta perspectiva apresentando os argumentos de Oliveira M (2012 p

758) que se dedicou a discutir a categoria roccedila dentro da formaccedilatildeo rural brasileira O

autor afirma que nos textos por ele lidos sobre o assunto roccedila eacute tida como um

brasileirismo A palavra roccedila eacute de origem portuguesa (MARTINS J 2014) mas entre

os indiacutegenas brasileiros o haacutebito do cultivo de determinados alimentos especialmente a

mandioca foi logo adotado pelos colonizadores que denominaram tal praacutetica de roccedila

Segundo Oliveira M (2012 p 758-759) a roccedila eacute praticada no Brasil pelo ldquolavrador

ou roceirordquo que de acordo com ele tambeacutem eacute chamado de ldquocaipira capiau matuto

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tabareacuteu e vazanteirordquo O autor destaca o caraacuteter pejorativo com que esses termos satildeo

empregados em muitos contextos sociais com o intuito de inferiorizar o homem do

campo principalmente num processo de hierarquizaccedilatildeo em que a gente da cidade

estaria colocada em posiccedilatildeo de superioridade

Nesse sentido o estudo de Rios (2011) eacute particularmente interessante por trazer

o termo roccedila agrave tona relacionando-o a um expliacutecito processo de hierarquizaccedilatildeo da cultura

rural no Brasil A autora analisou recentemente no interior da Bahia como alunos e

alunas provenientes da roccedila construiacuteam representaccedilotildees de suas identidades e como as

praacuteticas discursivas escolares intervinham nesse saber Rios (2011) ressalta o choque

entre as histoacuterias de vida e as praacuteticas discursivas de seus alunos e alunas que viviam na

roccedila e as praacuteticas discursivas escolares e o processo etnocecircntrico e hieraacuterquico que

permeava essa relaccedilatildeo Para a autora

Para muitos alunos e alunas ndash inclusive para alguns oriundos da roccedila ndash ser da roccedila significa ser inferior ignorante ser de outro grupo possuir outra linguagem e acima de tudo ser diferente sendo esta semioacutetica da diferenccedila construiacuteda negativamente por meio da exclusatildeo e da marginalizaccedilatildeo fruto de todo um processo histoacuterico construiacutedo tambeacutem pela proacutepria instituiccedilatildeo escolar (RIOS 2011 p 14)

Rios (2011) ressalta ainda que na regiatildeo onde realizou seu estudo em Piemonte

da Chapada no interior da Bahia o uso do vocaacutebulo roccedila passa por uma

(des)construccedilatildeo histoacuterica do lugar da terra da negaccedilatildeo dos sujeitos de seus saberes e

linguagens A autora observou em diversas circunstacircncias nas pequenas cidades da

regiatildeo como o termo roccedila era tomado como um ldquonatildeo-lugarrdquo na perspectiva de Augeacute

(2004) Rios (2011) faz referecircncia aos estudos de Santos F (2006) ao assumir o termo

roccedila como uma categoria nativa que carregaria uma polissemia e uma construccedilatildeo

histoacutericaepistemoloacutegica no cotidiano dos alunos e alunas estudados(as)

Para Santos F (2006) na regiatildeo do Recocircncavo Sul da Bahia roccedila teria a

equivalecircncia de rural O autor ressalta que para realizar o seu estudo a respeito dos

alunos provenientes da roccedila precisou alccedilar esse termo ao status de categoria teoacuterica

Mas na falta de uma bibliografia que o legitimasse jaacute que aquelas disponiacuteveis segundo

ele negligenciavam as particularidades de ruralidades especiacuteficas Santos F (2006)

lanccedilou matildeo de uma pesquisa bibliograacutefica sobre a formaccedilatildeo histoacuterica do Recocircncavo

Baiano Nessa empreitada Santos F (2006) tambeacutem sistematizou a compreensatildeo da

populaccedilatildeo local sobre o lugar onde vivia e a maneira de se referir a ele como roccedila De

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acordo com este autor o processo histoacuterico de ocupaccedilatildeo das terras da regiatildeo pelos

colonizadores conferiu agrave roccedila ao longo do tempo uma conotaccedilatildeo depreciativa por se

tratar de pequenas propriedades cuja posse se deu por formas marginais e assimeacutetricas

em relaccedilatildeo ao grande proprietaacuterio Assim Santos F (2006) aplica essas categorias para

a estrutura agraacuteria do Recocircncavo Baiano

A distinccedilatildeo entre fazenda e roccedila parece tornar-se mais clara quando substantivada Fala-se em ldquofazenda de gadordquo ldquode cacaurdquo ldquode cafeacuterdquo (esta em menor importacircncia hoje mas muito forte no passado regional) mas natildeo se fala em ldquofazenda de mandiocardquo ldquode laranjardquo ldquode bananardquo ldquode feijatildeordquo ldquode melanciardquo ldquode amendoimrdquo estas satildeo roccedilas (SANTOS F 2006 p 87)

Nesse sentido Santos F (2006) assume a relaccedilatildeo entre roccedila e (os tipos de)

lavoura fazendo inclusive uma digressatildeo histoacuterica ao demonstrar a origem da palavra

na regiatildeo do Recocircncavo Baiano Poreacutem quando se trata do roccedilado (ato de derrubar

matas e preparar uma aacuterea para cultivo) Santos F (2006) destaca sua perspectiva

fundiaacuteria

Para sintetizar as discussotildees apresentadas anteriormente consideremos primeiramente que as pequenas lavouras de subsistecircncia que marcam a formaccedilatildeo histoacuterica do Recocircncavo explicam por que o termo roccedila eacute tatildeo utilizado nesta regiatildeo e em particular no municiacutepio de Amargosa Esta talvez seja a regiatildeo do Brasil onde este termo tem uso mais frequente A preponderacircncia de matas no Recocircncavo colonial fator que exigiu constantes (re)aberturas de roccedilados para o cultivo das lavouras nesta regiatildeo que foi durante seacuteculos o palco principal da colonizaccedilatildeo brasileira bem como a grande existecircncia de pequenas propriedades destinadas agrave agricultura de subsistecircncia (roccedilas) satildeo fatores que contribuiacuteram para a disseminaccedilatildeo da ldquoexpressatildeordquo roccedila na Bahia e mesmo no Nordeste onde por vezes o termo assume a equivalecircncia de ldquoruralrdquo Mas eacute preciso registrar que quando o termo assume o sinocircnimo de rural (ldquoEu moro na roccedilardquo ldquoEle foi para a roccedilardquo) natildeo se trata nestes casos de um rural qualquer de um rural geneacuterico A roccedila eacute um rural especiacutefico um rural retalhado em pequenas ou mesmo minuacutesculas propriedades destinadas agrave agricultura de subsistecircncia Propriedade lugar de trabalho de labuta onde em conjunto a famiacutelia lavra a terra e dali tira o seu sustento e ao mesmo tempo plantaccedilatildeo fruto da lavra da terra lavoura a roccedila eacute digamos o paradigma de uma forma de vida marginal que define as populaccedilotildees rurais empobrecidas do Recocircncavo excluiacutedas das benesses da modernidade que soacute chega agraves fazendas versatildeo atualizada dos antigos engenhos que outrora deram riqueza e fama ao Recocircncavo (SANTOS F 2006 p 92 grifo do autor)

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Santos F (2006) relata que inicialmente na histoacuteria da formaccedilatildeo agraacuteria do

Recocircncavo a roccedila era a aacuterea de terra destinada ao cultivo e agrave plantaccedilatildeo dela resultante

Entretanto segundo ele o processo histoacuterico de fragmentaccedilatildeo das propriedades em

domiacutenios cada vez menores fruto das heranccedilas e sucessotildees levaram agrave correspondecircncia

entre roccedila como aacuterea de cultivo e como pequena propriedade Daiacute que para as

populaccedilotildees rurais simples do Recocircncavo roccedila tem o significado de propriedade terreno

e tambeacutem tem o sentido de rural Conforme indica este autor percebe-se portanto um

processo de metoniacutemia em que roccedila tida como aacuterea da lavoura vai se tornando

sinocircnimo de rural Entretanto natildeo de um rural generalizado mas especiacutefico qual seja

da pequena propriedade natildeo tendo a mesma conotaccedilatildeo para se referir agrave fazenda ou ao

engenho Para Santos F (2006) inclusive o caraacuteter pejorativo que roccedila recebe nessa

regiatildeo estaria relacionado agrave sua submissatildeo agrave fazenda e ao engenho e ao status de uso e

natildeo de posse da terra sendo portanto uma categoria inferior em relaccedilatildeo agrave fazenda e ao

engenho

De forma divergente Martins J (2014) contrapotildee os vocaacutebulos roccedila e ldquotaperardquo

Segundo ele roccedila eacute uma palavra de origem portuguesa utilizada para designar terra

cultivada e ldquotaperardquo de origem nhengatu refere-se agrave terra que jaacute foi habitada cultivada

e encontra-se em pousio portanto em espera O que diferencia sua interpretaccedilatildeo da de

Santos F (2006) entretanto eacute a sua afirmaccedilatildeo de que roccedila faria parte tanto do

vocabulaacuterio dos ricos quanto dos pobres enquanto ldquotaperardquo compunha apenas o

vocabulaacuterio dos pobres (MARTINS J 2014 p 11) Provavelmente esta afirmaccedilatildeo de

Martins J (2014) tem a ver com a sua assertiva de que antes da Lei de Terras de 1850

no Brasil que instituiu a posse e a alienaccedilatildeo da terra fazenda era todo produto do

trabalho humano o que incluiacutea a terra cultivada ou seja a roccedila Fazenda ateacute entatildeo natildeo

teria a conotaccedilatildeo moderna de propriedade fundiaacuteria e mais ainda de latifuacutendio Era

cultivo e natildeo posse podendo portanto coincidir com roccedila

Assim na literatura recente que se produziu acerca do termo roccedila percebe-se a

sua referecircncia histoacuterica Na verdade os textos contemporacircneos corroboram com

algumas ideias apresentadas pela literatura mais antiga a respeito do termo roccedila

principalmente a sua constituiccedilatildeo a partir da abertura de matas para o plantio de

lavouras para o sustento Nota-se que num primeiro momento as roccedilas eram apenas a

lavoura fruto do trabalho e atendia indiscriminadamente agraves pequenas e grandes

propriedades os empreendimentos mais tiacutemidos e aqueles mais ambiciosos Mas o

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processo de estruturaccedilatildeo fundiaacuteria cuja Lei de Terras de 1850 eacute indicada como

mecanismo central parece ter conduzido o uso do termo roccedila cada vez mais em direccedilatildeo

agrave pequena propriedade de uso familiar sem posse formal voltada para o autoconsumo

estando agraves vezes agraves margens das grandes exploraccedilotildees agriacutecolas e das cidades

Concomitantemente os seus sentidos vatildeo ganhando conotaccedilotildees pejorativas e o seu uso

vai servindo para classificar as pessoas num processo de hierarquizaccedilatildeo social natildeo

somente no campo mas tambeacutem na cidade

Variavelmente entretanto destaca-se o trabalho recente de Carvalho e Sabino

(2013) que faz uso da categoria roccedila apresentando outra significaccedilatildeo deste termo

utilizado por grupos oriundos da camada meacutedia urbana da cidade do Rio de Janeiro

considerados por eles naturalistas ou seja adeptos da ldquoalimentaccedilatildeo natural vegan e

alimentaccedilatildeo vivordquo (CARVALHO SABINO 2013 p 15) Na visatildeo destes naturalistas

cariocas a roccedila eacute por eles classificada numa oposiccedilatildeo binaacuteria agrave cidade numa

perspectiva que os autores consideram neorromacircntica idiacutelica e ressacralizadora da

natureza Para estes consumidores de alimentos naturais o modo de vida no campo

traduzido por eles como roccedila eacute considerado puro saudaacutevel positivo e feliz em

contraposiccedilatildeo agrave cidade vista como suja impura negativa insalubre O alimento da

roccedila assim para estes grupos traduziria uma visatildeo de mundo e um estilo de consumo

praacuteticas alimentares e comensalidade adotadas em suas vidas cotidianas e consideradas

por eles como naturais No entanto os autores revelam uma postura criacutetica ao

perceberem a sacralizaccedilatildeo da cultura popular e da roccedila pelas camadas meacutedias urbanas

como um processo de legitimaccedilatildeo do discurso dominante de classe a respeito da poliacutetica

de sauacutede e nutricional Haveria para Carvalho e Sabino (2013) nesse sentido uma

romantizaccedilatildeo da pobreza do campo por parte da populaccedilatildeo urbana de classe meacutedia que

embora reverencie e siga algumas praacuteticas alimentares da roccedila natildeo se desvincularia

totalmente do seu modo de vida urbano Apesar do cunho criacutetico o trabalho de

Carvalho e Sabino (2013) eacute aquele que mais se aproxima dos novos significados do

termo roccedila entre alguns grupos sociais contemporacircneos que eacute objeto de estudo desta

tese

Embora nos textos sobre o periacuteodo colonial jaacute se sugira que o vocaacutebulo roccedila

tendia a ser usado para se referir ao campo e agrave cultura rural nos textos mais recentes

sobretudo no de Santos F (2006) e no de Rios (2011) roccedila aparece como sinocircnimo de

rural Entretanto os autores destacam que roccedila natildeo seria a metoniacutemia de um rural

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generalizado mas de um rural popular camponecircs familiar tiacutepico da pequena

propriedade Assim a evoluccedilatildeo do termo roccedila conforme se representa no diagrama

seguinte teria sofrido uma sintetizaccedilatildeo nos uacuteltimos anos

FIGURA 6 ndash Caracteriacutesticas da roccedila no Brasil Contemporacircneo

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

14 Usos e significados do termo roccedila em textos natildeo acadecircmicos

De acordo com Paixatildeo (2006) no poema A roccedila Varella (1892) incorpora o

bucolismo (descriccedilatildeo da vida campestre e pastoril) e a esteacutetica romacircntica tratando a

roccedila como uma paisagem imaginaacuteria Em termos comparativos destaca-se como o

escritor Alves (2005) natural da cidade de Boa Esperanccedila no sudoeste de Minas

Gerais em seu livro dedica uma seccedilatildeo de suas crocircnicas intitulada A roccedila agraves memoacuterias

de sua infacircncia na roccedila A primeira crocircnica dessa seccedilatildeo tambeacutem se chama A roccedila e a

uacuteltima Adeus agrave roccedila A roccedila a que se refere Alves (2005) nessas crocircnicas eacute utilizada

como sinocircnimo de rural englobando o campo a lavoura mas tambeacutem uma cultura

proacutepria dos que vivem no campo O autor fala das casas dos quintais dos animais das

brincadeiras das crianccedilas dos sentimentos da relaccedilatildeo com quem vivia fora do campo

dos remeacutedios caseiros da organizaccedilatildeo da vida domeacutestica da dificuldade de acesso agrave

ROCcedilA =

SIacuteTIO CAMPO RURAL

Pequena propriedade (uso e natildeo

posse)

Lavoura

Produccedilatildeo para autoconsumo

Matildeo de obra familiar

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informaccedilatildeo Ou seja o escritor descreve uma cultura um modo de vida que denota a

vivecircncia no campo traduzida por ele pelo termo roccedila

Guardadas as devidas proporccedilotildees esteacuteticas que natildeo vecircm ao caso neste trabalho

percebe-se uma possiacutevel diferenccedila de significaccedilatildeo do termo roccedila nas obras de Alves

(2005) e Varella (1892) O primeiro relata um cenaacuterio que existiu enquanto o segundo

cria uma representaccedilatildeo De acordo com Paixatildeo (2006) o poema de Varella (1892) faz

uma descriccedilatildeo generalista da paisagem rural de maneira decorativa e ornamental natildeo se

referindo a nenhum lugar especiacutefico o autor natildeo estaacute falando da proacutepria infacircncia

descrevendo o rural a partir de um ponto de vista subjetivo Para esse criacutetico literaacuterio

este seria um traccedilo que poderia identificar Varella (1892) com a esteacutetica do

individualismo romacircntico proacuteprio agrave cultura romacircntica vigente no Brasil no seacuteculo XIX

Destaca-se tambeacutem alguns textos narrativos que embora natildeo sejam

estritamente acadecircmicos foram construiacutedos com base em informaccedilotildees documentais

escritas e orais como no caso do livro Setuacutebal (2005) Neste texto a autora se dedica a

traccedilar aspectos da identidade cultural que constitui o caipira do interior paulista

valorizando a sua diferenccedila e tentando desconstruir estereoacutetipos histoacutericos acerca desse

tipo social A abordagem de Setuacutebal (2005 p 94) para configurar a cultura caipira

paulista eacute expressa nos seguintes elementos ldquoterra natureza e vida na roccedila

simplicidade no modo de ser e nos costumes linguajar caipira religiosidade

misticismo destino as diferentes dimensotildees do tempo as tradiccedilotildees as festas e o lazerrdquo

Nestas passagens Setuacutebal (2005) faz referecircncias agrave roccedila ligando-a

principalmente a um modo de vida proacuteprio em termos dos costumes da liacutengua da

religiosidade e das dimensotildees do tempo Nesse sentido pode-se inferir que ao tratar do

modo de vida caipira a autora constitua uma relaccedilatildeo entre este e a roccedila Em

complemento agraves suas visotildees a autora cita uma seacuterie de depoimentos de indiviacuteduos

entrevistados em cidades do interior do Estado de Satildeo Paulo cujas falas fazem menccedilatildeo

agrave roccedila vez por outra Nas expressotildees dos entrevistados por Setuacutebal (2005) a roccedila

aparece sempre como referecircncia ao lugar onde se nasceu e se foi ldquocriadordquo O lugar eacute um

elemento importante em suas falas que costumam fazer analogia entre a roccedila e o mato

o siacutetio o bairro e o interior Por outro lado para os entrevistados a roccedila enquanto lugar

com modo de vida tiacutepico daria origem a tipos sociais determinados que chamam de

roceiro agricultor caboclo homem do mato aleacutem da analogia mais comum entre ser

caipira e ser da roccedila utilizada quase como sinocircnimos ldquocaipira da roccedilardquo ldquocaipira satildeo

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pessoas criadas na roccedilardquo e ldquovida de caipira na roccedilardquo (SETUacuteBAL 2005 p 89 90 96 e

100) Os depoimentos tambeacutem fazem alusatildeo ao trabalho na roccedila implicitamente agrave

lavoura e a uma linguagem proacutepria das pessoas da roccedila

Da mesma forma a jornalista Nepomuceno (1999) usa de dados documentais

orais e escritos para construir uma narrativa na qual traccedila uma trajetoacuteria da muacutesica

caipira e sertaneja no Brasil a partir da histoacuteria de vida de alguns de seus principais

compositores e cantores O sugestivo tiacutetulo de seu livro Muacutesica caipira da roccedila ao

rodeio jaacute sugere ao seu trabalho uma perspectiva histoacuterica Nesse sentido a roccedila eacute por

ela apresentada como um dos polos no caso a origem dessa perspectiva diacrocircnica

cujo oposto complementar seria o rodeio No texto de Nepomuceno (1999) a roccedila eacute

apresentada como o ldquoantigamenterdquo o espaccedilo rural de onde saiacuteram vaacuterios cantores e

compositores brasileiros rumo agrave ldquocidade granderdquo mas tambeacutem como um modo de vida

uma cultura bastante peculiar que em sua narrativa teria um tempo histoacuterico proacuteprio

Assim a roccedila seria o ldquoantigordquo e o ldquotradicionalrdquo em oposiccedilatildeo ao ldquomodernordquo ao

ldquoracionalrdquo e ao ldquotecnificadordquo associado ao rodeio O rodeio no texto da jornalista eacute

interpretado como uma metoniacutemia das festas de peatildeo das exposiccedilotildees agropecuaacuterias

elaboradas pela induacutestria cultural apresentando estreita relaccedilatildeo com o mercado de luxo

e fortuna do country e agribusiness conforme demonstram os trabalhos de Alem (1996)

e De Paula (1998 1999 2001) que seratildeo discutidos adiante Mas a oposiccedilatildeo roccedila

versus rodeio tambeacutem parece sugerir uma oposiccedilatildeo entre campo e ldquocidade granderdquo esta

uacuteltima tambeacutem aparecendo em contraste com outros pares utilizados pela autora como

fazenda e interior Assim Nepomuceno (1999) utiliza diferentes referecircncias como

sinocircnimas ou pelo menos correlatos como roccedila sertatildeo interior Destaca-se ainda em

seu texto como alguns sentimentos satildeo relacionados ao vocaacutebulo roccedila como paz

aconchego e nostalgia Como a autora usa a expressatildeo roccedila para se referir agrave origem da

muacutesica caipira mas tambeacutem de seus cantores e compositores ela tambeacutem se refere a ela

como a lavoura e o trabalho

Neste contexto vaacuterios compositores da muacutesica popular brasileira se dedicaram agrave

temaacutetica da roccedila em suas canccedilotildees para aleacutem daqueles relacionados ao gecircnero musical

ldquocaipirasertanejordquo para o qual a temaacutetica rural eacute recorrente (ALLONSO 2012

OLIVEIRA A 2009) Eacute possiacutevel encontrar canccedilotildees de gecircneros como o samba o rock

o reggae o baiatildeo que tambeacutem aludem agrave roccedila Artistas consagrados nesses gecircneros

musicais no Brasil jaacute compuseram ou interpretaram muacutesicas nas quais o vocaacutebulo roccedila

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aparece como Cartola Luiz Gonzaga Gilberto Gil ou Martinho da Vila Algumas

muacutesicas se referem agrave roccedila a partir da construccedilatildeo de uma narrativa referente a um sujeito

que vive na cidade e almeja retornar agrave roccedila como na canccedilatildeo Vou pra roccedila de Luiz

Gonzaga e Zeacute Ferreira interpretada pelo primeiro ou na muacutesica homocircnima de Victor e

Leacuteo (composta por Victor) no reggae de Daniel Profeta Viver na roccedila o que confere

um tom idiacutelico e nostaacutelgico agrave narrativa Em outras canccedilotildees percebe-se uma esteacutetica

realista sobre a roccedila ao se referir a ela como lavoura como em Feriado na roccedila de

Cartola ou Madalena de Gilberto Gil e Isidoro A tradiccedilatildeo em termos de costumes de

um determinado grupo pode ser percebida em muacutesicas que tratam da cultura na roccedila

suas festas suas danccedilas as atividades da vida cotidiana como exemplificam as muacutesicas

Baile na roccedila e Festa na roccedila compostas por Tinoco e Nadir e interpretadas pela

claacutessica dupla de muacutesica caipira Tonico e Tinoco Notam-se tambeacutem algumas

referecircncias a uma moral e a um comportamento tiacutepico das pessoas da roccedila em muacutesicas

como Laacute na roccedila de Candeia e Alvarenga cantada por Martinho da Vila Caipira de

Joel Marques e Maracaiacute famosa nas vozes da dupla Chitatildeozinho amp Xororoacute ou Filho da

roccedila de Zeacute do Rancho interpretada por Zico e Zeca nas quais o ponto de vista pessoal e

o mote da moralidade denotam uma perspectiva romacircntica do compositor Nesses

contextos haacute narrativas musicais que questionam o estereoacutetipo negativo agraves vezes

atribuiacutedo ao indiviacuteduo identificado a uma cultura rural da roccedila bem como a exaltaccedilatildeo

de um ldquoruralismo idiacutelicordquo como no poema de Varella (1892) conforme a anaacutelise de

Paixatildeo (2006) Nessas muacutesicas o que se destaca aleacutem da diversidade de sentidos eacute o

uso do termo roccedila e natildeo ldquocampordquo ou mesmo ldquoruralrdquo para se referir a um lugar e a um

estilo de vida caracteriacutesticos

Se nos gecircneros artiacutesticos da cultura popular brasileira identificam-se um

conjunto de obras musicais ou literaacuterias que se refere agrave roccedila o mercado de produtos e

serviccedilos por meio das suas marcas tambeacutem contribui para a construccedilatildeo desses sentidos

diversos para o termo roccedila Eacute possiacutevel identificar uma seacuterie de produtos principalmente

alimentiacutecios que traz no roacutetulo a palavra roccedila Tais produtos podem ser agriacutecolas

agroindustriais ou industriais Feijatildeo da Roccedila Cachaccedila da Roccedila ou Pizza da Roccedila satildeo

exemplos dessas marcas O setor de entretenimento tambeacutem faz uso da marca roccedila

Restaurantes lanchonetes cafeterias pousadas hoteacuteis eventos de cultura e lazer

gastronomia e turismo que exploram o nome roccedila se constituem em alguns dos

exemplos de um conjunto consideraacutevel de estabelecimentos de prestaccedilatildeo de serviccedilos e

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de comercializaccedilatildeo de produtos Embora muitos desses estabelecimentos possam estar

situados no campo dando a este uma nova funcionalidade aleacutem da produccedilatildeo agriacutecola

como bem explicam as discussotildees sobre o novo rural brasileiro (SILVA J 1997) ou a

nova ruralidade (CARNEIRO 1998) tambeacutem podem ser encontrados na cidade ou

mesmo em metroacutepoles

Aleacutem desse mercado de bens e serviccedilos haacute a induacutestria de entretenimento com

programas veiculados na televisatildeo e os eventos como rodeios exposiccedilotildees

agropecuaacuterias e festivais musicais que utilizam o termo roccedila como marca Algumas

afiliadas das principais emissoras de canal aberto da televisatildeo brasileira possuem

programas de entretenimento que veiculam o nome roccedila A emissora regional EPTV

afiliada agrave Rede Globo de Televisatildeo veicula um programa chamado Caminhos da Roccedila

10 anos a TV Cultura Vale do Accedilo em Minas Gerais apresenta o programa

Mineirinhos na Roccedila o Programa Cafeacute na Roccedila eacute produzido pela Tileoni Produccedilotildees e

exibido pelo canal TV Band Minas veiculado em Minas Gerais na TV aberta e em rede

nacional pela paraboacutelica Festa na Roccedila eacute exibido pelo canal regional TV Poccedilos da

Rede Minas e TV Cultura e para citar mais um entre outros o Cozinha da Roccedila do

programa Negoacutecios da Terra veiculado pela Rede Massa afiliada ao SBT Alguns

eventos musicais e de entretenimento tambeacutem apelam agrave roccedila em seus nomes a exemplo

dos festivais Roccedila lsquonrsquo Roll e tambeacutem o Roccedila in Rio Tanto os produtos que podem ser

consumidos e os serviccedilos acessados no contexto urbano que utilizam a marca roccedila

quanto os programas televisivos e os eventos de entretenimento citados levam a supor

um sentido estilizado ldquodesencaixadordquo de roccedila (GIDDENS 1991) Ou seja haveria um

distanciamento espaccedilo-temporal ao utilizar roccedila em contextos urbanizados industriais e

de modernidade tardia em relaccedilatildeo a todos os outros sentidos de roccedila aqui comentados

referentes agrave lavoura ao campo agrave cultura rural No miacutenimo nota-se uma possiacutevel

mistura entre sentidos romacircnticos tradicionais de apelo agrave memoacuteria naturalista com

aspectos modernos tecnoloacutegicos e mercadoloacutegicos

Os gecircneros artiacutesticos e publicitaacuterios aqui analisados permitem elucidar outros

usos e sentidos do termo roccedila que natildeo se resumem agravequeles jaacute registrados nos trabalhos

acadecircmicos brasileiros Pode-se observar que roccedila eacute agraves vezes utilizada como sinocircnimo

ou como forma de se referir ao campo e ao rural especialmente a partir de uma

perspectiva urbana sendo portanto relacional Nesse mesmo aspecto roccedila costuma

denotar nas peccedilas artiacutesticas aqui analisadas um comportamento tiacutepico um conjunto de

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preceitos morais e um estilo de vida com matizes tradicionais muitas vezes

contrastados com o modo de vida urbano Nos discursos artiacutesticos especialmente

literaacuterios a roccedila eacute descrita a partir de uma esteacutetica bucoacutelica e romacircntica em que

elementos relacionados agrave infacircncia agrave nostalgia ao idiacutelico satildeo ressaltados por seus

autores bem como na muacutesica o retorno ao campo agrave roccedila seja tema recorrente

No mercado de produtos e serviccedilos percebe-se ao mesmo tempo um

desencaixe das aplicaccedilotildees originais do termo roccedila e um arrojo em seus usos e sentidos

que ganham novas referecircncias e identificadores no contexto de uma cultura urbana

capitalista poacutes-moderna e globalizada que reinventa o que se pode tomar por roccedila Este

fenocircmeno parece ser um indicativo que possibilita a proposiccedilatildeo de que o rural tem

passado por um processo de reinvenccedilatildeo em que alguns de seus elementos satildeo

revalorizados e valorados em determinados segmentos na vida contemporacircnea

especialmente naqueles ligados ao consumo cultural Nas paacuteginas seguintes se

examinaraacute algumas dinacircmicas desse processo de transformaccedilatildeo do imaginaacuterio do rural

no Brasil e sua relaccedilatildeo com a produccedilatildeo e o consumo cultural para em seguida

verificar-se em que medida o uso e os significados do vocaacutebulo roccedila no mercado de

bens e serviccedilos seria um operador simboacutelico dessas mudanccedilas

15 A categoria roccedila face agrave problemaacutetica conceitual relativa ao rural

Como pocircde ser notado nas paacuteginas anteriores os diversos usos e significados

que envolvem o emprego do vocaacutebulo roccedila em diferentes contextos sociais e ao longo

da formaccedilatildeo histoacuterica brasileira possuem aspectos ambiacuteguos de hierarquizaccedilatildeo e ao

mesmo tempo de ressignificaccedilatildeo valorativa Estes aspectos podem ser percebidos na

sua dimensatildeo simboacutelica por meio da muacutesica da literatura da gastronomia dos

programas de entretenimento do discurso cotidiano das camadas populares no campo e

na cidade da classificaccedilatildeo social de pessoas como ldquojecasrdquo atrasados ou como

nostaacutelgicos de um mundo que jaacute foi melhor Mas o uso da expressatildeo roccedila tambeacutem pode

revelar as transformaccedilotildees objetivas que ocorrem na relaccedilatildeo entre o campo e a cidade

seja na esfera da produccedilatildeo e do consumo de produtos tais como alimentos orgacircnicos

naturais agroindustriais produtos com apelo tradicional ou artesanal seja no consumo

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de vestimentas mobiliaacuterio artesanato decoraccedilatildeo na esfera da geraccedilatildeo de renda e

ocupaccedilatildeo em atividades natildeo-agriacutecolas no campo no que se refere agraves atividades natildeo-

agriacutecolas com temaacutetica rural na cidade especialmente a partir dos anos 1980 periacuteodo

em que a emergecircncia de produtos e serviccedilos com a marca roccedila se expandiu

Observa-se assim que as mudanccedilas e permanecircncias que envolvem os usos e

significados da palavra roccedila no Brasil ao longo do tempo tecircm um paralelo com o

proacuteprio imaginaacuterio do rural natildeo soacute no Brasil mas tambeacutem em outros paiacuteses e outros

tempos histoacutericos Tanto os processos de inferiorizaccedilatildeo do rural como a sua mais

recente valorizaccedilatildeo estatildeo ligados agraves mudanccedilas referentes agrave relaccedilatildeo entre o campo e a

cidade Em termos conceituais as discussotildees sobre ldquocampo-cidaderdquo e ldquorural-urbanordquo

podem ser sintetizadas em cinco correntes teoacutericas fundamentais

1a perspectiva A dicotomia rural x urbano

Sorokin Zimmerman e Galpin (1986) contrapotildeem o rural e o urbano

estabelecendo como criteacuterio de diferenciaccedilatildeo desses espaccedilos a existecircncia ou ausecircncia de

alguns traccedilos tiacutepicos como a ocupaccedilatildeo da matildeo de obra da populaccedilatildeo as diferenccedilas

ambientais o tamanho das comunidades a densidade populacional a homogeneidade

ou heterogeneidade e a complexidade da estratificaccedilatildeo da mobilidade e da integraccedilatildeo

sociais A ocupaccedilatildeo da matildeo de obra era considerada o principal traccedilo que possibilitava a

diferenciaccedilatildeo entre estes espaccedilos para estes autores Para eles no campo a ocupaccedilatildeo da

matildeo de obra seria predominantemente agriacutecola em oposiccedilatildeo agrave cidade Este argumento eacute

atualmente contestado como um criteacuterio importante para definir o campo em virtude das

novas dinacircmicas produtivas e ocupacionais que caracterizariam as transformaccedilotildees no

campo contemporacircneo

Para Sorokin Zimmerman e Galpin (1986) no entanto a ocupaccedilatildeo agriacutecola eacute o

principal vetor que influenciaria as outras caracteriacutesticas O fato de os habitantes do

campo desenvolverem um trabalho agriacutecola os colocaria em contato direto com a

natureza diferenciando este espaccedilo da cidade O trabalho agriacutecola tambeacutem exigiria

comunidades menos populosas de maneira que os agricultores poderiam dispor de

maiores extensotildees de terra para cultivar Os autores tomavam ainda como criteacuterios

demarcatoacuterios entre o campo e a cidade o tamanho das comunidades consideradas

menores naquele a densidade populacional e a homogeneidade psicossocial das

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comunidades rurais Isto se deveria agrave suposta ocorrecircncia de uma reproduccedilatildeo e sucessatildeo

familiar dos agricultores no seu setor de ocupaccedilatildeo impedindo a inserccedilatildeo de indiviacuteduos

oriundos de outras classes ou regiotildees no trabalho agriacutecola Neste contexto os autores

tambeacutem afirmam que a estratificaccedilatildeo a diferenciaccedilatildeo social e as mobilidades social

ocupacional e espacial seriam mais proeminentes na cidade que no campo

2a perspectiva O continuum rural-urbano

A segunda perspectiva reuacutene autores que defendem a ideia de um continuum

entre o rural e o urbano e teria se originado a partir do estudo do campesinato como uma

part society feito por Redfield (1964) Este autor situa os camponeses numa escala

intermediaacuteria entre as sociedades primitivas (preacute-letradas ou folk) e as civilizadas O

autor destaca entretanto que a relaccedilatildeo entre a cidade e o campo seria instaacutevel jaacute que

haveria uma luta pelo ajustamento da ordem moral entre essas duas instacircncias Segundo

o autor

O conflito no niacutevel religioso ou eacutetico entre a cidade e o campo entre o homem da cidade e o camponecircs entre a mentalidade requintada e a mentalidade simples do habitante de um povoado ou do homem da tribo eacute tema antigo e familiar [] As relaccedilotildees entre a gente da cidade e a gente do campo formam uma grande separaccedilatildeo uma das principais fronteiras das relaccedilotildees humanas Esse fato observado pelo arqueoacutelogo eacute uma consequecircncia da revoluccedilatildeo urbana Existe agora a gente da cidade uma nova espeacutecie de gente ldquosem tradiccedilotildees sem religiatildeo inteiramente prosaica astuta improdutiva e que despreza profundamente o homem do campordquo [] Portanto existe na melhor das hipoacuteteses uma paz instaacutevel na fronteira moral entre a cidade e o campo O camponecircs conseguiu um ajustamento viaacutevel ele estaacute dentro da civilizaccedilatildeo mas vive desconfiado preferiria manter a cidade agrave distacircncia (REDFIELD 1964 p 56-57)

Nesse trecho jaacute se percebe um processo conflituoso de hierarquizaccedilatildeo entre o

rural e o urbano Solari (1979) constroacutei uma definiccedilatildeo do que seria a perspectiva de um

continuum entre o rural e o urbano

Elas partem no fundo da observaccedilatildeo de que entre o meio rural e o meio urbano existe uma gradaccedilatildeo infinita Em outras palavras estamos frente a um continuum Desde a habitaccedilatildeo rural isolada ateacute a grande cidade existem inuacutemeros escalotildees intermediaacuterios que vatildeo

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criando uma transiccedilatildeo insensiacutevel entre o meio rural propriamente dito e o meio urbano (SOLARI 1979 p 10)

Embora sua descriccedilatildeo seja mais orgacircnica Solari (1979) afirma que haveria uma

diferenccedila entre o homem rural das sociedades desenvolvidas e o homem rural das

sociedades tradicionais devido ao processo de urbanizaccedilatildeo da vida rural especialmente

no uso de implementos mecacircnicos e no fenocircmeno de dispersatildeo populacional para a

periferia das cidades Nestes termos o autor jaacute considera as novas dinacircmicas que

transformam o campo a partir da sua relaccedilatildeo com a cidade e com a industrializaccedilatildeo

3a perspectiva A urbanizaccedilatildeo do campo

A terceira perspectiva que trata da urbanizaccedilatildeo do campo de vertente francesa

tem como principal expoente Lefebvre (2008) O autor afirma que a cidade e o campo

foram marcados no passado por uma relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo Segundo Lefebvre (2008) a

urbanizaccedilatildeo da sociedade surgiu na cidade impulsionada pela industrializaccedilatildeo que

absorveu a produccedilatildeo agriacutecola a qual se converteu num setor da produccedilatildeo industrial

Esta seria para o autor uma das caracteriacutesticas do tecido urbano o conjunto das

manifestaccedilotildees do predomiacutenio da cidade sobre o campo Para Lefebvre (2008) essas

transformaccedilotildees no campo poderiam ser notadas tanto por meio de objetos como atraveacutes

do acesso a serviccedilos tais como o tratamento e o abastecimento de aacutegua o fornecimento

de eletricidade o uso do gaacutes a posse de automoacuteveis televisatildeo utensiacutelios de plaacutestico e

mobiliaacuterio moderno mas tambeacutem por um novo sistema de valores lazer moda

costumes seguranccedila previsatildeo do futuro racionalidade (LEFEBVRE 2001) Contudo

para Lefebvre (2001 p 19) no espraiamento do tecido urbano ainda persistiriam

ldquoilhotas e ilhas de ruralidade purardquo caracterizadas pela permanecircncia de camponeses

mal adaptados agrave existecircncia urbana Assim para o autor a relaccedilatildeo urbanidade-ruralidade

natildeo desapareceria ao contraacuterio se intensificaria

Assim como Lefebvre (2001 2008) Rambaud (1973) compreendia a

urbanizaccedilatildeo como um movimento complexo uma mudanccedila cultural generalizada um

vir a ser carregado da possibilidade de se tornar universal Rambaud (1973) valendo-se

da perspectiva da aculturaccedilatildeo analisou as consequecircncias da urbanizaccedilatildeo na sociedade

rural a partir de seu processo de diferenciaccedilatildeo de desenvolvimento e de dependecircncia

entre grupos sociais assimeacutetricos assim como os habitantes do village e da cidade Para

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o autor a contradiccedilatildeo faria parte do processo de urbanizaccedilatildeo da sociedade rural mas ele

se preocupava em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees em que o processo de urbanizaccedilatildeo poderia

incidir sobre a sociedade rural Para este socioacutelogo em sociedades rurais com o tecido

social mais coeso a possibilidade de integrar as influecircncias da cultura urbana em sua

organizaccedilatildeo social e espacial se daria por um direcionamento interno o qual se

manifestaria no ritmo das mudanccedilas e nas escolhas das inovaccedilotildees feitas por seus

habitantes Contudo em sociedades com pouca coesatildeo social o ritmo da aculturaccedilatildeo

poderia ser avassalador desfigurando e desintegrando a sociedade rural

Sobarzo (2010) seguindo a perspectiva lefebvriana defende que seria necessaacuterio

entender que campo e cidade seriam as formas o espaccedilo fiacutesico enquanto o urbano e o

rural seriam os conteuacutedos sociais os modos de vida De acordo com o autor a

sociedade urbana envolveria um modo de vida passiacutevel de superar as fronteiras fiacutesicas

entre cidade e campo transformando ambos e mudando tambeacutem a sua relaccedilatildeo Na

sociedade urbana as atividades desenvolvidas no campo utilizariam cada vez mais a

tecnologia e o emprego do conhecimento cientiacutefico possibilitando uma nova

organizaccedilatildeo territorial novos haacutebitos de vida e de consumo bem como novas relaccedilotildees

interpessoais Diminuiriam assim as diferenccedilas culturais de modos de vida e de

produccedilatildeo entre o campo e a cidade o que natildeo significaria na interpretaccedilatildeo que Sobarzo

(2010) faz de Lefebvre o fim do campo mas sim do modo de vida rural

4a perspectiva A recomposiccedilatildeo do rural

A quarta perspectiva defende o argumento da recomposiccedilatildeo do rural Expressatildeo

desta perspectiva eacute a concepccedilatildeo de Jean (1989) segundo a qual a ldquoruralidaderdquo moderna

estaria ancorada na recomposiccedilatildeo do rural sugerindo inclusive haver na

contemporaneidade uma supervalorizaccedilatildeo da vida rural citando como exemplo o

retorno agrave natureza e o neorruralismo Nesse sentido Bodson (1989) afirma que o rural

por vezes eacute utilizado para se referir a um paraiacuteso perdido a um mundo que natildeo existe

mais e acima de tudo para fazer um contraponto agrave sociedade atual Na mesma loacutegica

Bernard Kayser (1990) argumenta no sentido da recomposiccedilatildeo do rural trazendo como

evidecircncia para o seu argumento o crescimento demograacutefico no campo especialmente

por indiviacuteduos da terceira idade pela mobilidade promovida pelas migraccedilotildees

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pendulares comutaccedilotildees e pela existecircncia de coroas peri-urbanas e pelas diferenccedilas entre

os comportamentos rurais e urbanos

Barros (1989) argumenta que a reorganizaccedilatildeo territorial do espaccedilo agriacutecola em

ldquopluriativordquo e multifuncional recomporia o rural O autor defende que o fenocircmeno da

ldquorurbanizaccedilatildeordquo e dos ldquonovos ruraisrdquo conduziria a uma diversificaccedilatildeo do uso do espaccedilo

rural como lugar de lazer e natildeo mais somente como meio de produccedilatildeo Para Barros

(1989) a instalaccedilatildeo de faacutebricas e a ldquorurbanizaccedilatildeordquo (pulverizaccedilatildeo de cidades no meio

rural) modificariam o valor relativo do espaccedilo urbano e rural De acordo com ele a

atraccedilatildeo que as cidades exerciam como loacutecus da sociedade urbano-industrial teria

decrescido em favor da atraccedilatildeo do meio rural Antes visto com repulsa agora o campo

estaria sendo percebido como oferecendo formas de vida opostas agraves urbanas Barros

(1989) afirma que essas transformaccedilotildees conduziriam o campo a uma maior capacidade

de integraccedilatildeo com a cidade A ldquoruralidaderdquo e a cultura urbana seriam para ele

constitutivas do mesmo processo embora de diversas maneiras e diferentes

intensidades

Veiga (2004 2006) apesar de apontar para a urbanizaccedilatildeo do rural podendo

assim a princiacutepio parecer se enquadrar na terceira corrente propotildee na verdade a

emergecircncia de uma nova ruralidade engendrada pela urbanidade do rural a qual

exerceria assim maior poder de atraccedilatildeo dos espaccedilos rurais para os citadinos

revigorando o rural Veiga (2004) defende a ideia de que a globalizaccedilatildeo promoveria

diferentes respostas no meio rural uma de dimensatildeo econocircmica conduziria os espaccedilos

rurais mais isolados a uma maior marginalizaccedilatildeo enquanto outra ambiental valorizaria

o rural a partir da perspectiva da qualidade de vida e do bem-estar O nascimento dessa

nova ruralidade estaria atrelado agrave conservaccedilatildeo da biodiversidade ao aproveitamento

econocircmico da paisagem por meio do turismo e dos recursos renovaacuteveis em novas

matrizes energeacuteticas (VEIGA 2006)

Abramovay (2009) tambeacutem ressalta a emergecircncia da ruralidade buscando

exprimir o peso do meio rural na economia e na sociedade contemporacircneas evitando a

suposiccedilatildeo de que o rural teria se urbanizado O autor critica o fato de haver ldquo[] um

viacutecio de raciociacutenio na maneira como se definem as aacutereas rurais no Brasil o qual

contribuiria decisivamente para que estas aacutereas fossem assimiladas automaticamente a

atraso carecircncia de serviccedilos e falta de cidadaniardquo (p 21) Segundo o autor seria

importante considerar outros aspectos como a relaccedilatildeo com agrave natureza agrave importacircncia das

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aacutereas natildeo-densamente povoadas e agrave dependecircncia do sistema urbano para definir o rural

Por isso aponta para a pertinecircncia do conceito de ruralidade uma vez que este

privilegiaria a dimensatildeo territorial e natildeo a setorial para definir as aacutereas rurais

5a perspectiva O rural como representaccedilatildeo

Na quinta corrente encontram-se os autores que interpretam o rural e o urbano

como representaccedilatildeo Carneiro (2012) em sua perspectiva se posiciona criticamente em

relaccedilatildeo agrave oposiccedilatildeo entre rural e urbano julgando que esta teria direcionado as anaacutelises

socioloacutegicas ao considerar o rural como atrasado Para a autora o rural natildeo estaria

imune agraves transformaccedilotildees da sociedade mais ampla apontando inclusive para

fenocircmenos como a ldquopluriatividaderdquo3 como expressatildeo da aproximaccedilatildeo entre campo e

cidade A autora destaca em sua anaacutelise a revalorizaccedilatildeo do mundo rural por parte dos

citadinos em termos de uma ldquoruralidade idiacutelicardquo (CARNEIRO 2012) A autora se

fundamenta na perspectiva de Mormont (1989) que ressalta que os processos de

definiccedilatildeo do rural seriam seletivos e privilegiariam alguns aspectos da realidade rural

opondo-os agrave cidade igualmente definida por caracteriacutesticas parciais Este uacuteltimo autor

acredita que algumas caracteriacutesticas do rural seriam interpretadas em funccedilatildeo de outros

sistemas valorativos ou seja ao se utilizar criteacuterios puramente teacutecnicos e econocircmicos o

rural pode ser visto como atrasado menos desenvolvido quiccedilaacute passiacutevel de desaparecer

agrave mercecirc de propostas de mudanccedilas envolvendo a difusatildeo teacutecnica a adoccedilatildeo de inovaccedilatildeo

a adaptaccedilatildeo social ao progresso Wanderley (2001) tambeacutem chama a atenccedilatildeo para a

mudanccedila de perspectiva sobre o rural no Brasil contemporacircneo conforme relata

A sociedade brasileira parece ter hoje um olhar novo sobre o meio rural Visto sempre como a fonte de problemas ndash desenraizamento miseacuteria isolamento currais eleitorais etc ndash surgem aqui e ali indiacutecios de que o meio rural eacute percebido igualmente como portador de ldquosoluccedilotildeesrdquo Esta percepccedilatildeo positiva crescente real ou imaginaacuteria encontra no meio rural alternativas para o problema do emprego (reivindicaccedilatildeo pela terra inclusive dos que dela haviam sido expulsos) para a melhoria da qualidade de vida atraveacutes de contatos mais diretos e intensos com a natureza de forma intermitente (turismo rural) ou permanente (residecircncia rural) e atraveacutes do aprofundamento

3 Por pluriatividade a autora entende a combinaccedilatildeo de atividades agriacutecolas com natildeo-agriacutecolas em regiotildees marcadas pelo dinamismo da economia e pela proximidade entre campo e cidade

52

de relaccedilotildees sociais mais pessoais tidas como predominantes entre os habitantes do campo (WANDERLEY 2001 p 31)

As mudanccedilas nas perspectivas do imaginaacuterio sobre o rural no Brasil agraves quais se

referem Carneiro (2012) e Wanderley (2001) podem ser percebidas de forma mais

detalhada sob diversos aspectos a partir do trabalho de alguns autores como o de

Oliveira L (2003) Essa pesquisadora destaca que a existecircncia de ambiguidades a

respeito do homem rural brasileiro jaacute estava presente nas obras de cronistas e viajantes

do seacuteculo XIX pelo paiacutes ldquoHavia como que uma oscilaccedilatildeo entre uma valorizaccedilatildeo

positiva que destacava a forccedila a autenticidade e a comunhatildeo com a natureza e uma

caracterizaccedilatildeo negativa cujo traccedilo principal era a preguiccedilardquo (OLIVEIRA L 2003 p

234) Da mesma forma a autora ressalta sobre a literatura ficcional que ldquoretomado em

meados do seacuteculo XIX o regionalismo fazia viver uma tensatildeo entre o idiacutelio romacircntico e

a representaccedilatildeo realista do homem do campo entre a nostalgia do passado e a denuacutencia

das miseacuterias do presenterdquo (OLIVEIRA L 2003 p 235) Citando Chiappini (1995) a

autora afirma que o regionalismo se desenvolveu em conflito com a modernizaccedilatildeo a

industrializaccedilatildeo e a urbanizaccedilatildeo sendo tambeacutem fruto destes

Assim como comenta Oliveira L (2003) o discurso sobre o rural no Brasil no

final do seacuteculo XIX e iniacutecio do XX oscilava entre uma visatildeo romacircntica e glorificada do

passado rural ao mesmo tempo em que titubeavam as denuacutencias das condiccedilotildees sociais

desiguais Mas a partir do ruralismo dos anos 1888-1920 ateacute o nacionalismo do Estado

Novo entre 1930 e 1940 no Brasil um projeto de construccedilatildeo de identidade nacional

calcado na figura romacircntica do homem do campo contribuiu para a legitimaccedilatildeo do

autoritarismo O ruralismo segundo Mendonccedila (1997) caracterizou-se como um

movimentoideologia poliacutetico(a) construiacutedo(a) por uma fraccedilatildeo natildeo hegemocircnica da

classe dominante de proprietaacuterios rurais que defendia o fortalecimento de uma

agricultura nacional diversificada e de um mercado interno organizando-se em

entidades de classe bastante ativas Durante o Estado Novo Beskow (2010) identificou

a elaboraccedilatildeo ideoloacutegica de uma nova identidade nacional e da tradiccedilatildeo cultural

brasileira que fundamentaram sua raiz no campo e no homem rural situando-os num

projeto de desenvolvimento econocircmico mas cujo fim uacuteltimo seria legitimar o regime

autoritaacuterio Nessa mesma eacutepoca entre os anos de 1910 a 1930 de acordo com Allonso

(2012) e Oliveira A (2009) duplas e grupos caipiras encenavam peccedilas teatrais que

53

retratavam o homem rural brasileiro com um apelo cocircmico para um puacuteblico de classe

meacutedia urbana especialmente no Rio de Janeiro De acordo com Oliveira L (2003)

No periacuteodo aacuteureo do raacutedio e do cinema caipira de Mazzaropi ainda se mantinha uma visatildeo ambiacutegua sobre o caipira sobre o Jeca ele era bobo e esperto ao mesmo tempo Sua fala mole aparentemente inocente esconderia uma malandragem particular (OLIVEIRA L 2003 p 254)

Nesse sentido Oliveira L (2003) reconstroacutei o percurso da cultura rural

destacando o sucesso da muacutesica caipira nos anos 1940 e 1950 bem como sua

marginalizaccedilatildeo a partir dos anos 1960 com a acentuaccedilatildeo do processo de modernizaccedilatildeo

brasileiro passando entatildeo a estar relegada ao segundo plano como ldquosendo muacutesica de

pobre do interiorano e do suburbano muacutesica de quintal de cozinhardquo (OLIVEIRA L

2003 p 255) Esse processo de marginalizaccedilatildeo do rural a partir de meados do seacuteculo

XX tambeacutem se repercutiu nas Ciecircncias Sociais conforme indica o estudo de Oliveira

L (2003) ao analisar as representaccedilotildees sobre o homem rural paulista elaboradas pela

historiografia e pela literatura Uma dessas representaccedilotildees centralizava-se na

marginalizaccedilatildeo e na inferiorizaccedilatildeo de tipos sociais rurais tais como o caipira ou o

caboclo refletindo a exclusatildeo do campesinato brasileiro e do homem rural pobre nos

estudos acadecircmicos

Segundo Oliveira L (2003) a postura da eacutepoca era a de que ldquo[] o mundo rural

ficava na coluna que significava atraso tradiccedilatildeo sobrevivecircncia Em contraposiccedilatildeo a ele

estaria o mundo urbano identificado com o progresso a modernidade o futurordquo

(OLIVEIRA L2003 p 237) Entretanto segundo a mesma autora no domiacutenio da

Sociologia tambeacutem teria havido uma ambiguidade ora exaltando-se a sabedoria do

homem rural ora expondo o seu atraso A autora afirma que a partir dos anos 1950

devido ao processo de modernizaccedilatildeo conservadora pelo qual passou o campo no Brasil

houve um interesse das Ciecircncias Sociais em estudar as suas dimensotildees de resistecircncia

diante dos processos de urbanizaccedilatildeo e de industrializaccedilatildeo Para a pesquisadora somente

com Franco (1969) o tema do caipira se inseriu no contexto da elite acadecircmica da

Universidade de Satildeo Paulo conseguindo trazer o tema do homem rural pobre caipira

para o debate da formaccedilatildeo social brasileira

A anaacutelise de Fressato (2009) sobre a representaccedilatildeo das praacuteticas culturais caipiras

nos filmes de Mazzaropi produzidos entre os anos 1950 e 1970 demonstra a relaccedilatildeo

ambiacutegua da cultura popular com a cultura dominante que oscilava entre a subordinaccedilatildeo

54

e a rebeldia contra a ordem instituiacuteda Seu personagem mais famoso o Jeca presente

expliacutecita ou implicitamente em todos os filmes teria evoluiacutedo de acordo com as

mudanccedilas da sociedade brasileira No iniacutecio ele seria inocente e ingecircnuo tornando-se

debochado e malicioso nos uacuteltimos enredos Defende a autora que a representaccedilatildeo do

Jeca preguiccediloso nos filmes de Mazzaropi dos anos 1950 revelou mais que um modelo

esteacutetico inspirado no personagem de Monteiro Lobato uma possiacutevel criacutetica ao modelo

nacional-desenvolvimentista em voga nessa eacutepoca no Brasil A preguiccedila de Jeca nos

filmes de Mazzaropi estaria se contrapondo ao discurso dominante da sociedade

burguesa racional de espiacuterito capitalista e valorizaccedilatildeo do trabalho Para Fressato (2009)

tal preguiccedila desmistificaria uma imagem de unidade social e apresentaria outras formas

de organizaccedilatildeo social que natildeo seriam consideradas politicamente corretas

Da mesma forma Fressato (2009) ressalta como os criacuteticos de cinema no Brasil

contemporacircneos de Mazzaropi avaliavam negativamente seus filmes comparando-os

principalmente agraves peliacuteculas da esteacutetica do Cinema Novo Muitas dessas criacuteticas ao

cinema de Mazzaropi eram direcionadas ao seu personagem caipira considerado de

mau gosto e excessivamente caricaturado Mas Fressato (2009) ressalta a mudanccedila nas

avaliaccedilotildees das produccedilotildees de Mazzaropi apoacutes sua morte e o extremo sucesso de puacuteblico

de seus filmes a despeito da natildeo aceitaccedilatildeo da criacutetica Este fato apontaria para uma

capacidade de Mazzaropi de gerar um sentimento de identidade e reconhecimento por

parte do puacuteblico citadino Principalmente os anos 1960 e 1970 marcaram no Brasil o

processo de ecircxodo rural e o crescimento da populaccedilatildeo urbana Muitos dos extratos

populacionais da periferia urbana eram de origem rural nessa eacutepoca o que pode ser

uma hipoacutetese para essa identificaccedilatildeo do puacuteblico de Mazzaropi com o personagem Jeca

apontada por Fressato (2009) Da mesma forma Martins J (1975) indica como

ouvintes da muacutesica sertaneja dos anos 1970 essa populaccedilatildeo proletaacuteria urbana residente

na periferia e de origem rural Segundo Allonso (2012) Martins J (1975) dirigiu aos

ouvintes e simpatizantes da muacutesica sertaneja as mesmas criacuteticas que esta recebeu por

parte de grupos dominantes da Muacutesica Popular Brasileira (MPB) principalmente sua

vinculaccedilatildeo ao conservadorismo Seus apreciadores seriam apontados como ldquoalienadosrdquo

viacutetimas da cultura de massa apartados de sua condiccedilatildeo ldquoraizrdquo ao se transformarem em

imigrantes e proletaacuterios urbanos (ALLONSO 2012)

Segundo Oliveira L (2003) com base em Santos J (1991) a partir da deacutecada

de 1980 foi se evidenciando um novo imaginaacuterio uma nova identidade para o mundo

55

rural Com o advento da urbanizaccedilatildeo e da industrializaccedilatildeo a muacutesica sertanejacountry e

o entretenimento passaram a ter um lugar importante na construccedilatildeo da imagem do rural

e no seu consumo pelos citadinos se consolidando como simulacro da tradiccedilatildeo rural

Para Oliveira L (2003) reproduzindo o argumento de Nepomuceno (1999) a muacutesica

sertaneja renasceu a partir dos anos 1980 com o otimismo trazido pelo crescimento do

agribusiness pela reelaboraccedilatildeo dos valores rurais e pelo destaque das cidades do

interior que passaram a ser percebidas pela boa infraestrutura em detrimento agrave crise das

grandes aglomeraccedilotildees urbanas

Segundo Oliveira L (2003) os jovens da classe meacutedia preferiam se fixar no

interior onde encontravam oportunidades de consumo estudo e emprego e

reelaboravam a cultura rural a partir de elementos simboacutelicos do country norte-

americano ao inveacutes de simplesmente aspirarem a padrotildees culturais da cidade ldquoEles se

permitiam casar a alma rural com o progresso e com a riqueza e natildeo mais a alma

ingecircnua com a pobrezardquo (NEPOMUCENO 1999 citado por OLIVEIRA L 2003 p

255) Para Oliveira L (2003) o coroamento desse processo foi o sucesso de novelas

exibidas em canais abertos na televisatildeo em rede nacional com temaacuteticas rurais como

Pantanal (1990) e A Histoacuteria de Ana Raio e Zeacute Trovatildeo (1991) na extinta Rede

Manchete e O Rei do Gado (1996) na Rede Globo Oliveira L (2003 p 256) conclui

que ldquoo agribusiness e o circuito de rodeio constituiacuteram o espaccedilo social para que o

caipira ou o atrasado de ontem se tornasse o globalizado de hojerdquo

Essas transformaccedilotildees recentes na agricultura e suas consequecircncias no rural como

um todo tiveram expressatildeo especialmente a partir da deacutecada de 1980 Autores como

Abramovay (1994) Kageyama (2008) e Pires (2004) destacam que as mudanccedilas no

mundo rural e na produccedilatildeo agriacutecola a partir dos anos 1980 relacionam-se com a crise na

agricultura e no modelo produtivista nos Estados Unidos na Europa e nos paiacuteses

emergentes motivada pelo super-abastacimento mundial e pela emergecircncia de uma

pauta ambientalista Assim como ocorrera uma reestruturaccedilatildeo produtiva no setor

industrial a niacutevel mundial nos anos 1970 a partir de quando se consolida um modelo

de produccedilatildeo poacutes-fordista (ANTUNES 1995 SENNET 1999) a agricultura a partir dos

anos 1980 tambeacutem sofreu uma flexibilizaccedilatildeo produtiva De acordo com Abramovay

(1994) o modelo fordista de produccedilatildeo agriacutecola foi repensado especialmente na Europa

a partir da Poliacutetica Agriacutecola Comum (PAC) de 1992 quando as praacuteticas efetuadas entre

os anos 1960 e 1980 fundamentadas nos paradigmas da Revoluccedilatildeo Verde passaram a

56

ser revistas diante das constataccedilotildees dos impactos ambientais inerentes a esse modelo

Para o autor a partir de entatildeo estabeleceu-se o que denomina de dualizaccedilatildeo da

agricultura concentrando-se por um lado a produccedilatildeo agriacutecola e por outro as praacuteticas

de desenvolvimento sustentaacutevel E a despeito de diversas interpretaccedilotildees o que se

identifica como um denominador comum eacute o fato de o rural natildeo ser mais sinocircnimo de

agriacutecola Haacute uma seacuterie de serviccedilos e novos arranjos produtivos no campo hoje como os

serviccedilos de conservaccedilatildeo ambiental o turismo e o desenvolvimento de uma agricultura

diversificada e localizada para um nicho de mercado concomitante agrave agricultura em

larga escala Como ressalta Pires (2004) outras dimensotildees do rural especialmente o

turismo rural a moradia e as questotildees ambientais ganham uma nova posiccedilatildeo O autor

tambeacutem salienta a transformaccedilatildeo das aacutereas rurais em aacutereas de consumo de bens e

serviccedilos especialmente por parte de determinados grupos sociais de classe meacutedia e da

elite de origem urbana que passam a valorizar o rural positivamente os neorrurais

Nessa esteira de mudanccedilas as novas dinacircmicas que emergiram no campo

brasileiro especialmente apoacutes os anos 1980 satildeo descritas por Silva J (2001) como

ldquonovo rural brasileirordquo e se constituiriam em atividades como a moderna agropecuaacuteria

produtora de commodities as atividades natildeo-agriacutecolas especialmente as ligadas agrave

moradia e ao lazer no meio rural as atividades de prestaccedilatildeo de serviccedilos bem como as

novas atividades agropecuaacuterias voltadas para nichos de mercado especiacuteficos aleacutem das

atividades relacionadas agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente Silva J (1997) tambeacutem aponta

a industrializaccedilatildeo da agricultura cuja principal expressatildeo seriam os complexos

agroindustriais (CAIrsquos) como manifestaccedilatildeo do transbordamento do mundo urbano para

as aacutereas rurais

No acircmbito da cultura Alem (1996) identifica a construccedilatildeo de uma rede

simboacutelica de um rural-country hegemocircnico e dominante especialmente nas regiotildees

onde a partir dos anos 1960 a modernizaccedilatildeo agriacutecola foi intensa correspondendo agraves

zonas pecuaristas do interior de Satildeo Paulo Minas Gerais Rio de Janeiro Goiaacutes e Mato

Grosso e algumas aacutereas da Regiatildeo Norte O autor demonstra como os rituais do

ruralismo brasileiro tecircm sido ressignificados pela accedilatildeo da elite ruralista hegemocircnica e

por meio da induacutestria cultural e do Estado utilizando-se siacutembolos caipirascountry Essa

reelaboraccedilatildeo ultrapassa significaccedilotildees meramente rurais e eacute reinventada a partir de

distinccedilotildees urbanas modernas e capitalizadas Nesse sentido reconstroacutei-se uma

percepccedilatildeo do rural que natildeo estaria mais ligada agrave rusticidade ao atraso e agrave simplicidade

57

a siacutembolos como o Jeca Tatu o caipira ou o sertanejo Esta nova ruralidade seria

referendada por meio da esteacutetica country revestida de siacutembolos do poder do capital e

da distinccedilatildeo triunfando sobre uma imagem do rural negativamente estereotipada Em

suas palavras

O Jeca Tatu reapareceu transformado eacute verdade Sadio e poderoso travestido em novos tipos sociais o empresaacuterio agriacutecola capitalizado e tecnificado o pecuarista de recorte texano o criador de cavalos de raccedila o poliacutetico lobista dos interesses ruralistas os empresaacuterios e profissionais liberais urbanos que investem em fazendas e siacutetios o agro-boy o cow-boy ou peatildeo de boiadeiro as duplas de muacutesica neo-sertaneja e muitos outros tipos sociais expressivos das novas representaccedilotildees ruralistas (ALEM 1996 p 25)

Alem (1996) afirma que essa rede caipirasertanejacountry se revestiria de um

caraacuteter popular e de massa que mascararia uma hierarquia social proacutepria da estrutura

social brasileira cuja oposiccedilatildeo caipiracitadino seria seu principal expoente Para ele

essa rede intencionaria diluir as desigualdades sociais e as diferenccedilas culturais embora

na praacutetica cotidiana as hierarquias e exclusotildees sociais sejam mantidas Diante dessas

constataccedilotildees De Paula (1998 1999 2001) estudou o estilo country no oeste paulista

afirmando que este introduziu o tema do rural no cenaacuterio e na sociabilidade urbanos A

autora (1998 2001) define o country como um padratildeo de sociabilidade um estilo de

vida que elabora o mundo rural e assim flexibiliza as fronteiras dicotocircmicas entre

campo e cidade jaacute que este padratildeo eacute produzido e consumido no espaccedilo urbano E

salienta que o country tambeacutem ldquoproduzrdquo o campo um campo que natildeo eacute soacute agriacutecola

De Paula (1998 2001) afirma que o country brasileiro seria uma reelaboraccedilatildeo do

country americano com tradiccedilotildees agraacuterias brasileiras e aspectos do mundo moderno

contemporacircneo Contudo natildeo se constituiria em uma simples coacutepia mas o assume

como um simulacro da experiecircncia da ruralidade que passa pela estetizaccedilatildeo do mundo

rural De Paula (1998 2001) argumenta que no Brasil o country estaria vinculado ao

processo de distinccedilatildeo sofisticaccedilatildeo e refinamento ao contraacuterio dos Estados Unidos

(EUA) onde o estilo remeteria agraves ideias de trabalho rusticidade e simplicidade4

Eacuteboli (2007) ao estudar os sentidos sociais construiacutedos e veiculados pelo

programa Globo Rural da Rede Globo a partir da deacutecada de 1980 identificou a

4 Este fato tambeacutem eacute constatado por Giuliani (1990) ao comparar os neorrurais franceses aos novos rurais brasileiros

58

construccedilatildeo de uma imagem urbanizada do rural que transforma o rural agriacutecola em um

rural natureza e da figura de um heroacutei do campo Esse processo se desenrola segundo a

autora por meio da urbanizaccedilatildeo e da domesticaccedilatildeo da natureza graccedilas agrave ciecircncia e agrave

teacutecnica atraindo um puacuteblico urbano telespectador do programa aleacutem de seus

anunciantes e do proacuteprio homem rural Para a autora ao veicular a imagem de um rural

natureza domesticado pela teacutecnica e urbanizado o programa torna-se capaz de dialogar

com grupos sociais distintos vinculados direta ou indiretamente ao rural ou mesmo

quase completamente apartados dessa realidade O trabalho de Eacuteboli (2007) encontra-se

numa mesma perspectiva que o de Silva G (2009) que buscou apreender um possiacutevel

imaginaacuterio rural dos leitores urbanos da revista impressa Globo Rural moradores da

cidade de Satildeo Paulo e o sonho miacutetico de possuir uma casa no campo A autora

identificou trecircs movimentos que conformaram o imaginaacuterio desses leitores ao sonharem

com a casa no campo o tempo presente em que se percebe uma criacutetica ao modelo

civilizatoacuterio urbano da metroacutepole um movimento de saudade em relaccedilatildeo a um passado

rural e a um mundo natural e um gesto direcionado ao futuro longe da cidade numa

casa de campo proacutexima agrave natureza Movimentos que para a autora se intercalam entre

memoacuteria e imaginaccedilatildeo e sobretudo compotildeem um pensamento miacutetico que para ela

pode expressar um fenocircmeno social

No campo do imaginaacuterio sobre o rural e suas transformaccedilotildees destaca-se o

trabalho de Raymond Williams (2011) sobre a Inglaterra na passagem da sociedade

medieval para a moderna e de Entrena-Duraacuten (2012) sobre a Espanha no seacuteculo XX

As mudanccedilas nas representaccedilotildees sociais sobre o rural destacadas por esses autores para

a Europa na consolidaccedilatildeo da sociedade moderna trazem algumas referecircncias para se

analisar o caso brasileiro no seacuteculo XX especialmente a partir dos anos 1960 e mais

intensamente a partir dos anos 1980 periacuteodo em que se analisa nesta pesquisa a

emergecircncia de produtos e serviccedilos com a marca roccedila no mercado brasileiro

Raymond Williams (2011) demonstrou como as representaccedilotildees sociais a respeito

do campo e da cidade foram se transformando historicamente na Inglaterra utilizando

para a sua anaacutelise a literatura inglesa de temaacutetica rural O que chamou a atenccedilatildeo deste

autor foi o fato de que mesmo apoacutes as transformaccedilotildees engendradas pela Revoluccedilatildeo

Industrial que levaram a Inglaterra a uma configuraccedilatildeo urbano-industrial a literatura

rural permaneceu sendo produzida e lida de forma expressiva inclusive ao longo do

seacuteculo XX Segundo o autor a busca por um passado rural na literatura inglesa teria

59

diferentes significados segundo as especificidades relacionadas a contextos sociais

determinados Assim agrave medida que foi se desenvolvendo na Inglaterra ao longo dos

seacuteculos XVI XVII e XVIII um capitalismo agraacuterio moderno racional e tecnificado

foi se construindo ao mesmo tempo uma idealizaccedilatildeo do campo e da vida rural

expressa na poesia bucoacutelica concomitante ao crescimento das grandes cidades e ao

desenvolvimento da cultura urbana e da industrializaccedilatildeo

De acordo com Williams (2011) as mudanccedilas do capitalismo agraacuterio e os

melhoramentos por ele trazidos tambeacutem impactaram na relaccedilatildeo do homem com a

natureza tanto em termos praacuteticos como esteacuteticos Do ponto de vista esteacutetico surgiu

uma separaccedilatildeo entre a produccedilatildeo e o consumo da natureza com a invenccedilatildeo da paisagem

Parques e jardins passaram a ser produzidos com novas proposiccedilotildees sobretudo

baseadas no controle racional Interagindo com observaccedilotildees de cunho mais social

aparece a partir dessa invenccedilatildeo da paisagem uma linguagem verde Segundo o autor

justamente quando se desenvolve esta nova fase de processos industriais e de

intervenccedilatildeo intensa na natureza surge na literatura uma concepccedilatildeo de culto da

natureza intacta inculta e pitoresca com o gosto pela contemplaccedilatildeo da paisagem o

turismo contemplativo da natureza os roteiros de viagens a lugares especiais O autor

reconhece certa continuidade da idealizaccedilatildeo de personagens humildes e do campo visto

como natureza local de refuacutegio e aliacutevio em relaccedilatildeo agrave sociedade urbana O

ldquomelhoramentordquo da natureza e a expropriaccedilatildeo do trabalho pelo capital eram

interpretados pelos poetas dessa fase como uma perda do meio natural Ainda segundo o

autor o que estaria sendo expresso nessa poesia na verdade seria o sentimento de

expropriaccedilatildeo e divisatildeo social que utilizava a metaacutefora da natureza e do paraiacuteso para se

referir a um espiacuterito comunitaacuterio que ficara para traacutes Seria portanto uma maneira de

falar sobre a humanidade a partir da natureza e criticar implicitamente a sociedade na

qual se vivia Para Williams (2011) este movimento representou o fim da poesia

bucoacutelica e seu choque com a realidade rural

Pode-se perceber portanto que Williams (2011) destaca como a descriccedilatildeo da

vida campestre e pastoril com suas dificuldades tensotildees e conflitos foi dando lugar a

uma visatildeo idealizada do campo transformado em paisagem para a contemplaccedilatildeo Os

conflitos sociais de classes cada vez mais intensos com a expropriaccedilatildeo da terra dos

camponeses e com o aparecimento de uma classe de arrendataacuterios e de trabalhadores

rurais natildeo foram retratados mas antes exaltou-se em tom bucoacutelico e saudosista a

60

beleza da natureza a abundacircncia e a fartura do campo e dos aristocratas rurais Os

poemas dessa eacutepoca tambeacutem contrastavam a moral do campo e da cidade O primeiro

era atrelado agraves ideias de virtude inocecircncia e simplicidade enquanto a cidade era tomada

como sinocircnimo de ganacircncia desonestidade e ambiccedilatildeo Percebe-se portanto um culto agrave

vida rural que natildeo era necessariamente fiel agraves condiccedilotildees socioeconocircmicas da realidade

mas construiacuteda com traccedilos de idealizaccedilatildeo e de nostalgia As mudanccedilas de atitudes e as

novas sensibilidades da sociedade moderna em relaccedilatildeo ao mundo natural na Inglaterra

entre 1500 e 1800 tambeacutem foram relatadas por Thomas (2010) A relaccedilatildeo entre o

homem e o mundo natural e a classificaccedilatildeo entre a natureza e a cultura relatadas pelo

autor revelam uma trajetoacuteria que se transforma de uma visatildeo antropocecircntrica na qual o

mundo natural estaacute sujeito ao homem ateacute a emergecircncia de novas condiccedilotildees e

sensibilidades em relaccedilatildeo agrave natureza destronando o ser humano (ALMEIDA 2011)

Embora segundo Almeida (2011) Thomas (2010) tenha identificado a mudanccedila na

visatildeo sobre a natureza a sociedade moderna ainda estaria marcada pelos dilemas entre a

conservaccedilatildeo ou o domiacutenio da natureza e a produccedilatildeo agriacutecolas entre o campo e a cidade

O movimento romacircntico tambeacutem foi abordado por Norbert Elias (2001) em seu

estudo a respeito da sociedade de corte durante o reinado de Luiacutes XIV na Franccedila O

autor analisa as transformaccedilotildees vividas pelos guerreiros que antes viviam no campo sob

uma economia de troca e com uma relativa autonomia sobre suas terras mas passaram a

viver na corte em um contexto urbano sob uma economia monetaacuteria e numa rede mais

complexa e integrada de interdependecircncia A nobreza de corte passou a ver nos seus

antecessores situados em uma camada social inferior os siacutembolos de uma vida mais

livre simples independente natural e melhor Um sentimento de nostalgia e melancolia

constituiria para o autor a visatildeo romacircntica da nobreza de corte em relaccedilatildeo ao campo e

a vida natural

Elias (2001) considera como traccedilos essenciais do romantismo o fato de seus

idealizadores verem o presente em degradaccedilatildeo quando comparado ao passado O futuro

por sua vez seria uma restauraccedilatildeo do passado idealizado concebido como podendo ser

melhor e mais puro Mas essa idealizaccedilatildeo do campo estaria localizada em uma

dimensatildeo oniacuterica jaacute que sua realizaccedilatildeo dependeria do rompimento com seu status quo

Isso significaria abrir matildeo da posiccedilatildeo de prestiacutegio social ocupada na corte e desobedecer

a uma rede de interdependecircncia Tal processo resultaria em suma em ldquodescerrdquo na

escala social de reconhecimento e prestiacutegio para uma camada inferior Por isso o sonho

61

e a idealizaccedilatildeo seriam uma forma do indiviacuteduo escapar momentaneamente da coerccedilatildeo

externa e interna sem precisar perder sua posiccedilatildeo social Assim a perspectiva do

romantismo seria idealizada superdimensionando os problemas do presente e

subestimando a dureza da vida no campo e do trabalho agriacutecola eou pastoril

Elias (2001) estabelece uma conexatildeo entre a romantizaccedilatildeo das sociedades

agraacuterias e de seus personagens tiacutepicos como os guerreiros pastores e camponeses com

a ocorrecircncia crescente do ecircxodo rural e a progressiva industrializaccedilatildeo e urbanizaccedilatildeo

Para ele as coerccedilotildees tiacutepicas da integraccedilatildeo social continuaram a se desenvolver na

Europa ao longo do seacuteculo XIX e se revelaram tambeacutem numa tradiccedilatildeo romacircntico-

burguesa da mesma forma como demonstrou Williams (2011) a respeito do bucolismo

O retorno agrave natureza segundo Elias (2001) tambeacutem teria encontrado formas natildeo

romacircnticas entre as camadas de elite bem como em outras camadas sociais por meio da

praacutetica de esportes e atividades de lazer no campo como escaladas trilhas viagens de

feacuterias ao litoral agraves montanhas ou ao campo Tais manifestaccedilotildees natildeo teriam contudo

conotaccedilatildeo nostaacutelgica

Por sua vez Entrena-Duraacuten (2012) destaca que ao longo do seacuteculo XX na

Espanha houve trecircs diferentes fases do imaginaacuterio coletivo sobre o meio rural Segundo

o autor a fase relativa agrave ldquomitificaccedilatildeo conservadorardquo teve lugar durante o regime

franquista entre 1940 e 1950 No contexto do desenvolvimentismo e da modernizaccedilatildeo

dos anos 1960 e 1970 observou-se um sentimento de menosprezo ao rural identificado

com o atraso sociocultural e o subdesenvolvimento econocircmico A partir dos anos 1980

percebeu-se entatildeo uma revalorizaccedilatildeo do rural fenocircmeno que acredita ser recorrente

em vaacuterias outras sociedades modernas defendendo a perspectiva de uma reinvenccedilatildeo do

rural e de sua mitificaccedilatildeo com um recorte neorruralista A volta ao rural para o autor

natildeo seria marcada por uma perspectiva de retorno agrave sociedade agraacuteria tradicional mas

antes por uma perspectiva orientada pela qualidade de vida e pelo desenvolvimento

sustentaacutevel As transformaccedilotildees do imaginaacuterio coletivo sobre o rural em direccedilatildeo agrave sua

revalorizaccedilatildeo estariam relacionadas agrave expansatildeo do turismo rural e agrave moradia no campo

dentre outras manifestaccedilotildees da expansatildeo das interligaccedilotildees entre citadinos e rurais

A mitificaccedilatildeo conservadora construiacuteda na Espanha durante o regime franquista

de acordo com Entrena-Duraacuten (2012) fundamentou-se no discurso do ideal de uma

sociedade rural tradicional como o paradigma da harmonia e da integraccedilatildeo social

corporativa que tinha como objetivo impliacutecito negar eou marginalizar os conflitos

62

sociais Tal ideologia segundo o autor fora inspirada em referecircncias culturais do

catolicismo tradicional e nas doutrinas falangistas que criaram uma mitificaccedilatildeo

idealizadora e bucoacutelica da agricultura considerada mais como um modo de vida

tradicional e moralmente superior ao urbano do que uma atividade econocircmica O

contexto social da eacutepoca era caracterizado por uma Espanha rural tradicional com a

maioria da populaccedilatildeo empregada no setor primaacuterio com trabalhadores e arrendataacuterios

especialmente na Regiatildeo Sul (ENTRENA-DURAacuteN 2012)

O segundo momento de transformaccedilotildees do imaginaacuterio sobre o rural na Espanha

teria sido em meados do seacuteculo XX no periacuteodo desenvolvimentista quando parte

consideraacutevel da populaccedilatildeo rural migrou para a cidade em busca de melhores condiccedilotildees

de vida Essas transformaccedilotildees se deram cada vez mais intensamente atraveacutes da adoccedilatildeo

de modelos cientiacuteficos e tecnoloacutegicos tiacutepicos da sociedade moderna em substituiccedilatildeo

aos haacutebitos e costumes tradicionais locais Isto se traduziu tambeacutem na adoccedilatildeo de uma

poliacutetica agraacuteria mais teacutecnica profissional e economicista resultando inclusive na

criaccedilatildeo do Serviccedilo de Extensatildeo Rural e no Instituto Nacional Agronocircmico nos moldes

desenvolvimentistas O resultado desta poliacutetica agraacuteria de acordo com o autor foi a

mecanizaccedilatildeo agriacutecola num contexto geral de industrializaccedilatildeo e modernizaccedilatildeo

tecnoloacutegica e a transferecircncia da forccedila de trabalho agriacutecola para os setores industriais e

de serviccedilos visiacutevel no fenocircmeno do ecircxodo rural O urbano constituiacutea a imagem do

progresso da civilizaccedilatildeo e do desenvolvimento em oposiccedilatildeo ao campo considerado

atrasado

O rural foi sendo concebido cada vez mais como um espaccedilo que concentrava a

produccedilatildeo agriacutecola modernizada Entretanto Entrena-Duraacuten (2012) ressalta que a

entrada da Espanha na entatildeo Comunidade Econocircmica Europeia e sua participaccedilatildeo na

Poliacutetica Agriacutecola Comum conduziram agrave reflexatildeo sobre o problema da superproduccedilatildeo e a

necessidade de se proporcionar o desenvolvimento sustentaacutevel no meio rural Esse

contexto histoacuterico marcou a transiccedilatildeo do periacuteodo desenvolvimentista para a fase da

revalorizaccedilatildeo do rural do ponto de vista socioeconocircmico e demograacutefico Tal

revalorizaccedilatildeo do rural caracterizou-se pela crise do paradigma urbano-industrial ao

mesmo tempo em que a agricultura perdeu seu peso como atividade primordial no

campo dando lugar ao desenvolvimento da pluriatividade e da multifuncionalidade De

acordo com Entrena-Duraacuten (2012) ao mesmo tempo foram se consolidando as

perspectivas de defesa do desenvolvimento territorial voltadas para as vocaccedilotildees

63

agriacutecolas e para o exerciacutecio do turismo do lazer e das atividades ligadas agrave nova

ruralidade marcadas pela venda e consumo do ecoloacutegico como no caso do setor

imobiliaacuterio

Nesse sentido a revalorizaccedilatildeo e a ressignificaccedilatildeo do rural na Espanha segundo

Entrena-Duraacuten (2012) ocorreria num contexto marcado por pressupostos poacutes-

produtivistas ou seja pela valorizaccedilatildeo do entorno ecoloacutegico do espaccedilo rural pela

praacutetica da agricultura natildeo produtivista pelo desenvolvimento sustentaacutevel e pela

valorizaccedilatildeo da qualidade de vida Para o autor o contexto mais marcante que envolve a

revalorizaccedilatildeo do rural relaciona-se agrave emergecircncia do turismo rural que contribui para o

desenvolvimento e a conservaccedilatildeo do patrimocircnio natural arquitetocircnico e especialmente

a valorizaccedilatildeo da cultura local marcada pelo uso da paisagem das acomodaccedilotildees e dos

utensiacutelios tradicionais tanto pela populaccedilatildeo local quanto pelos turistas e novos

residentes oriundos da cidade Entretanto o autor destaca que essa ressignificaccedilatildeo do

rural tem passado por uma construccedilatildeo social natildeo mais baseada somente na concepccedilatildeo

autaacuterquica local mas em termos de uma glocalizaccedilatildeo dos espaccedilos rurais Isto ocorre

justamente pela fixaccedilatildeo no campo de turistas ou novos residentes de origem urbana

que trazem consigo referecircncias do mundo urbano e contribuem para uma mitificaccedilatildeo do

meio rural que envolve imagens diversas complexas e agraves vezes contraditoacuterias entre a

populaccedilatildeo local os turistas e os neorrurais

Entrena-Duraacuten (2012) argumenta que as condiccedilotildees nas quais os turistas e

neorrurais vivenciam os modos de vida espaccedilos e lares tradicionais rurais satildeo

sucedacircneos ou simulacros edulcorados motivados pela busca do proacuteprio do autecircntico e

do artesanal O autor acredita que a mercantilizaccedilatildeo e o consumo das paisagens e do

modo de vida rural pelos turistas produz uma artificializaccedilatildeo ou mesmo uma imitaccedilatildeo

da autecircntica ruralidade Citando autores como Hobsbawm e Ranger (2000) entre outros

Entrena-Duraacuten (2012) afirma que se trata uma materializaccedilatildeo de tendecircncias de

reinventar o rural tradicional De acordo com o autor essa idealizaccedilatildeo do meio rural

por meio da construccedilatildeo de simulacros da autenticidade rural atende especialmente agraves

aspiraccedilotildees de uma camada urbana de sociedades modernas avanccediladas que busca no

exotismo na comunidade na autenticidade na natureza e na vida saudaacutevel suprir as

carecircncias da sociedade urbano-industrial globalmente preponderante de onde provecircm os

turistas e neorrurais

64

A busca pela tradiccedilatildeo pelo autecircntico assim como a valorizaccedilatildeo da natureza e

dos processos de produccedilatildeo artesanais e locais parecem conformar os processos de

produccedilatildeo circulaccedilatildeo e consumo de bens com a marca roccedila no Brasil A busca por

autenticidade por parte das marcas remeteria a um apelo agrave tradiccedilatildeo ao saber-fazer

artesanal presente na fabricaccedilatildeo do produto ou na prestaccedilatildeo do serviccedilo com pretensatildeo

de reviver dimensotildees relativas ao ldquojeito como era antesrdquo O sentimento de nostalgia e o

romantismo que parecem envolver a identificaccedilatildeo da marca roccedila com a tradiccedilatildeo

estariam relacionados agrave presenccedila de elementos maacutegicos da consciecircncia os quais se

expressam de acordo com Mannheim (1986) no tradicionalismo Por outro lado para

Lifschitz (2011) a criaccedilatildeo de tradiccedilotildees estaria relacionada com estrateacutegias poliacuteticas de

legitimaccedilatildeo de populaccedilotildees tradicionais como os quilombolas por ele estudados

envolvendo a disputa de valores entre os agentes da modernidade e os agentes do grupo

aleacutem de utilizarem meios de produccedilatildeo modernos na criaccedilatildeo da tradiccedilatildeo

O objeto de estudo desta pesquisa a marca roccedila parece partilhar de aspectos

apontados por Lifschitz (2011) a respeito do uso de teacutecnicas modernas na criaccedilatildeo de

elementos associados agrave tradiccedilatildeo pois se pressupotildee que estes elementos estejam

envolvidos na fabricaccedilatildeo dos produtos da roccedila ou na performance da oferta dos

serviccedilos Ressalta-se ainda que o autor demonstra como essas teacutecnicas modernas atuam

na tentativa de sacralizar e revestir de aura os elementos tradicionais Aqui como em

Mannheim (1986) nota-se a referecircncia aos aspectos maacutegicos que envolvem o conceito

de tradiccedilatildeo Lifschitz (2011) assume ainda que nas comunidades por ele estudadas

pocircde observar a disputa pela autenticidade de determinadas praacuteticas culturais A busca

pela autenticidade tambeacutem parece fazer parte do jogo de disputas para definir o que eacute

um produto ou serviccedilo da roccedila Essa disputa que orbita o mercado de bens da roccedila se

insere num processo que embora conflituoso revela a tentativa de rurais citadinos e

neorrurais partilharem um horizonte de significados socialmente construiacutedo Esse

processo de alguma forma estaacute relacionado com experiecircncias que tentam romper com

o atomismo individual a racionalidade instrumental autocentrada e subjetivada

caracteriacutesticas da vida moderna conforme ressalta Taylor (2011) segundo Beltrami

(2012) e Silveira Rocha e Cardoso (2013)

Em suma pode-se destacar que no Brasil desde a proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica ateacute

meados da deacutecada de 1950 a imagem do rural caracterizou-se pela valorizaccedilatildeo do

homem rural tido como modelo para a construccedilatildeo de uma identidade nacional com

65

uma visatildeo romacircntica de sua suposta inocecircncia simplicidade e honestidade Contudo

esse imaginaacuterio possui pitadas de ironia e comicidade revelando o homem rural como

preguiccediloso e desmotivado marginalizado do projeto de naccedilatildeo em vias de se urbanizar e

se industrializar Destaca-se nesse sentido o personagem Jeca Tatu de Monteiro

Lobato as peccedilas teatrais de duplas caipiras e a primeira fase dos filmes de Mazzaropi

representada pelo Jeca Esse periacuteodo desde a Repuacuteblica Velha ateacute o fim do Estado

Novo e iniacutecio da era nacional-desenvolvimentista correspondeu no que tange ao

autoritarismo poliacutetico e ao uso do homem rural no ideal nacional ao periacuteodo de

mitificaccedilatildeo conservadora apontado por Entrena-Duraacuten (2012) na Espanha guardadas as

devidas proporccedilotildees Uma das diferenccedilas mais marcantes nos dois casos eacute justamente a

ambiguidade discursiva sobre o rural no Brasil jaacute neste periacuteodo do iniacutecio do seacuteculo XX

quando o homem rural eacute ora modelo moral a ser seguido ora exemplo de

comportamento a ser estigmatizado

Em um segundo momento dos anos 1950 ateacute o final dos anos 1970 durante o

processo de urbanizaccedilatildeo e industrializaccedilatildeo mais intenso no Brasil aleacutem da

modernizaccedilatildeo agriacutecola acentuada eacute possiacutevel perceber novamente as posiccedilotildees ambiacuteguas

sobre o rural Primeiramente a indiferenccedila acadecircmica das Ciecircncias Sociais para com o

caipira que adiante se flexionaraacute na curiosidade sobre suas formas de resistecircncia agrave

urbanizaccedilatildeo e agrave industrializaccedilatildeo No cinema e na muacutesica passou-se a se refletir mais

ainda sobre a relaccedilatildeo entre os urbanos e os rurais especialmente pelo contexto de

ecircxodo rural e aglomeraccedilatildeo dessa populaccedilatildeo na periferia dos centros urbanos e no

trabalho proletaacuterio Assim o cinema de Mazzaropi conforme Fressato (2009) passou a

ironizar o citadino a partir da visatildeo do rural e a muacutesica antes caipira transformou seu

gecircnero em sertanejo com temas urbanos e modernos conforme destaca Oliveira (2009)

Mas eacute tambeacutem nessa eacutepoca que a muacutesica sertaneja passou a ser classificada como um

gecircnero inferior pela MPB como muacutesica cafona de caipira ou de uma massa urbana

alienada E o rural como um todo foi identificado ao atraso ao tradicional e

conservador em detrimento da cidade moderna e desenvolvida como destaca Oliveira

(2003) Essa mesma eacutepoca na Espanha foi classificada por Entrena-Duraacuten (2012)

como desenvolvimentista na qual se hierarquizou o urbano e o rural entre o avanccedilo e o

atraso respectivamente

O processo de valorizaccedilatildeo do rural apontado por Entrena-Duraacuten (2012) na

Espanha poacutes-produtivista poacutes anos 1980 seria marcado especialmente pelo

66

desenvolvimento do turismo rural e suas dinacircmicas inerentes neorrurais valorizaccedilatildeo da

qualidade de vida no campo criacutetica agrave agricultura produtivista e processos de

conservaccedilatildeo da natureza e dos aspectos de vida locais Os estudos analisados no Brasil

especialmente o de Eacuteboli (2007) e Silva G (2009) tambeacutem apontam para uma

valorizaccedilatildeo do rural a partir da criacutetica ao modelo civilizatoacuterio urbano e ao culto da

natureza Mas a valorizaccedilatildeo do rural a partir dos anos 1980 e 1990 no Brasil parece

natildeo passar somente pelo discurso do rural natureza e do rural idiacutelico da casa no campo

mas tambeacutem pela esteacutetica country ressignificada a partir das referecircncias culturais norte-

americanas (ALEM 1996 DE PAULA 1998 1999 2001 OLIVEIRA L 2003) E

embora revalorizem o rural reproduzindo alguns de seus aspectos culturais na cidade e

entre as camadas urbanas a esteacutetica country reproduz as antigas hierarquias sociais

dominantes no campo agora na cidade bem disfarccediladas numa suposta democracia de

acesso cultural agrave muacutesica sertaneja agraves festas de rodeio e agrave moda country conforme Alem

(1996) e De Paula (1998 2001) Eacute a revalorizaccedilatildeo do rural agrave moda brasileira com suas

ambiguidades e contradiccedilotildees

Sugere-se a partir da anaacutelise dessas obras sobre aspectos do rural brasileiro que

haacute a produccedilatildeo de um simulacro da tradiccedilatildeo rural nos moldes demonstrados por Entrena-

Duraacuten (2012) para o caso da Espanha no Brasil possivelmente recortado por uma

perspectiva nostaacutelgica e romacircntica conforme descreveu Elias (2001) trazendo a anaacutelise

para a contemporaneidade como forma de escapar pelo imaginaacuterio ou pelo turismo das

coerccedilotildees da sociedade moderna urbana e industrializada sem precisar abrir matildeo

efetivamente das suas condiccedilotildees de vida Esse simulacro se revela no consumo e

fruiccedilatildeo das muacutesicas sertanejas na adoccedilatildeo do estilo country no turismo rural na vida

neorrural no consumo de revistas ou na audiecircncia de programas de televisatildeo de

conteuacutedo rural e no sonho da casa no campo por exemplo Por outro lado as

hierarquias parecem se reproduzir especialmente quando se atenta para os trabalhos

mais recentes publicados apoacutes os anos 1990 Referimo-nos agrave disputa entre a muacutesica

sertaneja e a popular brasileira dentro do campo musical que conforme indicam

Allonso (2012) e Oliveira A (2009) tende a ser dominada pela segunda agraves

dificuldades de ajustamento dos alunos oriundos da roccedila do interior baiano ao discurso

escolar urbano conforme relata Rios (2011) agrave divisatildeo de classes que se estabelece na

cultura country e nos circuitos de rodeio sendo a primeira identificada a uma elite

dominante pelos autores Alem (1996) e De Paula (1998 1999 2001)

67

Essas reflexotildees nos levam a sugerir que no Brasil pelo menos ao longo do

seacuteculo XX constituiu-se um imaginaacuterio sobre o rural bastante complexo com contornos

ambiacuteguos e agraves vezes contraditoacuterios Elementos de idealizaccedilatildeo misturavam-se agraves

criacuteticas hierarquizaccedilotildees e dicotomias A partir dos anos 1990 essas contradiccedilotildees do

imaginaacuterio sobre o rural parecem ter se renovado ganhando novos elementos como a

cultura country e a valorizaccedilatildeo do rural como natureza Mas permaneceram as

diferenciaccedilotildees e os estereoacutetipos Acredita-se que a anaacutelise da categoria roccedila por meio

da produccedilatildeo o consumo de produtos e serviccedilos com essa marca desde os anos 1960 no

Brasil possa proporcionar um maior entendimento sobre como o imaginaacuterio acerca do

rural brasileiro se reconstroacutei nos discursos sobre a natureza a tradiccedilatildeo a autenticidade

a nostalgia e a distinccedilatildeo

16 Siacutentese dos usos e significados da categoria roccedila face agraves perspectivas

sobre o rural no Brasil

A revisatildeo de literatura a respeito dos usos e significados do termo roccedila no

Brasil e do imaginaacuterio sobre o rural neste paiacutes e tambeacutem em naccedilotildees europeias revelou

um conjunto de mudanccedilas que em siacutentese pode ser compreendido como a passagem de

um modelo dicotocircmico entre o campo e a cidade em que a vocaccedilatildeo agriacutecola do campo

acentuava a sua contradiccedilatildeo com a cidade No entanto a complexidade e a diversidade

que marcam a sociedade contemporacircnea apontam para uma aproximaccedilatildeo do modo de

vida das pessoas que vivem no campo em relaccedilatildeo aos citadinos Concomitantemente a

este fenocircmeno de diluiccedilatildeo dos contrastes entre os habitantes de ambos os espaccedilos tanto

o campo enquanto espaccedilo fiacutesico como o rural enquanto um modo de vida reinventado

passam a ser idealizados e valorizados como apontam Carneiro (2012) Entrena-Duraacuten

(2012) Jean (1989) Kayser (1990) Veiga (2004 2006) entre outros Estes autores

apontam para a emergecircncia de novos setores produtivos no campo para o surgimento de

novas ocupaccedilotildees e fontes de renda O campo passa a ser representado como um espaccedilo

de contemplaccedilatildeo fruiccedilatildeo e preservaccedilatildeo dos recursos naturais Esta faceta poacutes-

produtivista vinculada ao campo enquanto espaccedilo fiacutesico e ao rural enquanto modo de

vida parece ter tido o seu eco nos novos significados do vocaacutebulo roccedila Um dos campos

68

representativos dessa ressignificaccedilatildeo da categoria roccedila no Brasil seraacute analisado no

proacuteximo capiacutetulo

69

2 ROCcedilA UMA MARCA REGISTRADA A PRODUCcedilAtildeO A CIRCULACcedilAtildeO E O

CONSUMO DE PRODUTOS E SERVICcedilOS ldquoDA ROCcedilArdquo

21 A roccedila vai ao mercado uma interpretaccedilatildeo a partir da antropologia do

consumo

Novos usos e significados atribuiacutedos ao termo roccedila podem ser notados como foi

demonstrado anteriormente no imaginaacuterio expresso no cancioneiro popular em

algumas peccedilas literaacuterias e tambeacutem na induacutestria cultural do entretenimento e da

informaccedilatildeo Dentre esses diferentes contextos em que se expressam o uso do termo

roccedila optou-se por analisar nesta pesquisa o mercado de bens e serviccedilos que veiculam

este termo como marca ou que aludem a ele

Assim como o uso da expressatildeo roccedila na esfera da produccedilatildeo artiacutestica e da

induacutestria cultural parece ser um indicador da revalorizaccedilatildeo do campo enquanto espaccedilo

fiacutesico e do rural enquanto modo de vida no Brasil seu emprego no mercado tambeacutem

parece evidenciar esta faceta valorativa especialmente a partir de meados dos anos

1980 Mas a emergecircncia da circulaccedilatildeo de bens e serviccedilos que se autodefinem como da

roccedila tambeacutem sugere novos usos e significados aleacutem daqueles consagrados

historicamente no Brasil A tentativa de compreender esses novos usos e significados da

palavra roccedila no mercado brasileiro se justifica em termos da constataccedilatildeo da sua

expansatildeo poacutes anos 1960 mediada pelas trocas e pela possibilidade que o consumo

dispotildee na sociedade contemporacircnea de se reapropriar dos significados que a proacutepria

cultura produz (MILLER 1987 citado por DUARTE 2010) Assim sendo corrobora-se

com Anjos e Caldas (2014) quando afirmam que

Como eacute possiacutevel falar de uma nova ruralidade sem evocar os traccedilos que sustentam as representaccedilotildees sociais construiacutedas pelos consumidores supostamente aacutevidos por absorver a tradiccedilatildeo e o singular em detrimento do padronizado do convencional (ANJOS CALDAS 2014 p 52)

Nesse sentido analisar os usos e significados da expressatildeo roccedila na

contemporaneidade por meio do mercado permite observar de que maneira os mesmos

70

se institucionalizam ao ganhar um caraacuteter mais formal e racionalizado como marca de

um empreendimento por exemplo O movimento dos usos e significados de roccedila pode

ser pensado em termos de sua migraccedilatildeo de um gecircnero do discurso simples como aquele

relativo agrave comunicaccedilatildeo imediata como o diaacutelogo face a face para um gecircnero do

discurso complexo como aquele relativo agraves situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo vinculadas ao

conviacutevio cultural predominantemente escrito nomeadamente atraveacutes das marcas de

produtos e serviccedilos com o termo roccedila Para Bakhtin (2003) os gecircneros complexos

como por exemplo o artiacutestico o cientiacutefico o juriacutedico e o publicitaacuterio incorporam e

reelaboram os gecircneros simples fazendo com que percam seu viacutenculo direto com a

realidade concreta Assim o uso da expressatildeo roccedila que antes se restringia ao discurso

informal do cotidiano no campo das relaccedilotildees sociais constitutivas do mundo rural

brasileiro com os seus conteuacutedos e significados intriacutensecos eacute incorporado por outras

esferas comunicativas mais formais e complexas caracterizadas por um contexto

urbano e moderno dentre as quais se destaca aqui o mercado de bens e serviccedilos

Para Bakhtin (2003) os gecircneros do discurso enquanto tipos relativamente

estaacuteveis de enunciados satildeo marcados por estilos padronizados e estereotipados mas o

autor admite que esses estilos tambeacutem podem ser flexiacuteveis plaacutesticos e criativos

(RODRIGUES 2004) Daiacute a percepccedilatildeo de novos usos e significados para o termo roccedila

nos roacutetulos de produtos que agraves vezes natildeo tecircm uma ligaccedilatildeo imediata com o mundo

rural Isso eacute possiacutevel porque para Bakhtin (2003) a diversidade de gecircneros eacute

determinada pelas posiccedilotildees sociais contextos relaccedilotildees sociais entre os sujeitos da

situaccedilatildeo de comunicaccedilatildeo Assim a escolha das ldquopalavrasrdquo para compor um enunciado

natildeo eacute determinada pelo seu conteuacutedo leacutexico ou seja pelo seu significado ldquoneutrordquo

encontrado em um dicionaacuterio mas pelo seu uso tiacutepico em outros enunciados

relacionados ao do sujeito que fala Este fenocircmeno parece ocorrer no emprego do termo

roccedila como marca de produtos e serviccedilos

A categoria roccedila como trabalho na produccedilatildeo agriacutecola voltado para o

abastecimento das populaccedilotildees vinculado agrave pequena produccedilatildeo familiar e ao

autossustento eacute incorporada ao sofisticado campo do marketing e da publicidade Por

isso o campo eleito nesta pesquisa como objeto de anaacutelise do vocaacutebulo roccedila foi dentre

as vaacuterias possibilidades existentes o mercado de bens e serviccedilos com as suas marcas

Tal escolha se alicerccedilou nas observaccedilotildees de Douglas e Isherwood (2013) que afirmam

que o sentido dos bens reside na sua capacidade de transportar e comunicar seu

71

significado cultural Essa tambeacutem eacute a perspectiva de Sahlins (2003 p 177) para quem

ldquoo proacuteprio consumo eacute uma troca (de significados) um discurso ndash ao qual virtudes

praacuteticas lsquoutilidadesrsquo satildeo agregadas somente post factordquo Sahlins (2003) inspira-se em

Baudrillard (1972)

Assim como eacute verdade da comunicaccedilatildeo do discurso tambeacutem eacute verdade dos bens e produtos o consumo eacute troca [] Haacute uma produccedilatildeo social um sistema de troca de materiais diferenciados de um coacutedigo de significados e valores constituiacutedos (BAUDRILLARD 1972 citado por SAHLINS 2003 p 177)

O mercado de produtos e serviccedilos eacute considerado um campo de accedilatildeo cujos

processos de produccedilatildeo circulaccedilatildeo e consumo produzem significados e informam sobre

as relaccedilotildees sociais (BARBOSA L CAMPBELL 2006 DUARTE 2010) Neste

intento assume-se os bens como o fazem Douglas e Isherwood (2013) como sistemas

de categorias cuja funccedilatildeo eacute expressiva e simboacutelica permitindo captar os usos e

significados aqui pretendidos para o termo roccedila Natildeo se trata portanto de meros

objetos de consumo mas de coacutedigos que fazem parte de uma ordem cognitiva complexa

de categorias culturais e de relaccedilotildees entre elas que transmite distinccedilotildees Essas categorias

culturais de acordo com Sahlins (2003) podem ser manipuladas pela proacutepria

manipulaccedilatildeo dos bens uma vez que na sociedade ocidental burguesa a produccedilatildeo

material eacute o lugar dominante da produccedilatildeo simboacutelica

Analisar os significados do termo roccedila e de que forma eles expressam mudanccedilas

e permanecircncias relacionadas ao campo enquanto espaccedilo fiacutesico e ao rural enquanto

modo de vida no Brasil via a materialidade dos bens de consumo significa como

ressaltam Douglas e Isherwood (2013) tomar os objetos como a parte visiacutevel da cultura

nos quais se concretiza o intangiacutevel da ordem simboacutelica Para estes autores os objetos

ajudam na criaccedilatildeo de uma ordem cognitiva baseando-se em pressupostos e crenccedilas

culturais estabilizando e dando visibilidade agraves categorias culturais pela materialidade

Busca-se portanto neste capiacutetulo compreender o significado cultural sedimentado nos

bens (SAHLINS 2003)

A anaacutelise dos significados e usos do termo roccedila nas marcas de produtos e

serviccedilos permite ainda verificar uma das hipoacuteteses que guia este trabalho a qual

defende que este mercado que veicula a expressatildeo roccedila revela a flexibilizaccedilatildeo das

fronteiras demarcatoacuterias das hierarquias sociais historicamente instituiacutedas no Brasil por

72

meio de um processo que parece apontar para uma revalorizaccedilatildeo do rural Nesse

sentido o estudo dos bens e serviccedilos que se distinguem pela marca roccedila pode ser um

indiacutecio desse processo de valorizaccedilatildeo do rural brasileiro Segundo a perspectiva de

Baudrillard (1972) Douglas e Isherwood (2013) Sahlins (2003) no consumo estatildeo

subjacentes as construccedilotildees sociais de valor de dada sociedade Compartilha-se ainda da

perspectiva de Douglas e Isherwood (2013) de que o significado dos bens excede o seu

valor comercial o seu caraacuteter utilitaacuterio e a sua exibiccedilatildeo de status Para Sahlins (2003) a

circulaccedilatildeo de bens na sociedade ocidental comunica as suas ideias e categorias culturais

bem como revela os usos os significados e os valores que os sujeitos estabelecem com

os objetos apoacutes a sua aquisiccedilatildeo Segundo Sahlins (2003) portanto eacute o valor social que

estabelece o valor econocircmico ldquoEacute essa loacutegica simboacutelica que organiza a demanda O

valor social do fileacute ou da alcatra comparado com o da tripa ou liacutengua eacute o que

estabelece a diferenccedila em seu valor econocircmicordquo (SAHLINS 2003 p 176)

Assim se num primeiro momento a expansatildeo do mercado de bens e serviccedilos

com a marca roccedila parece sugerir um processo de agregaccedilatildeo de valor econocircmico

gerando ocupaccedilatildeo renda lucro e um nicho de mercado acredita-se que o escrutiacutenio dos

usos valores e significados envolvidos no processo de produccedilatildeo circulaccedilatildeo e consumo

de bens da roccedila revele um processo natildeo soacute de valoraccedilatildeo mas tambeacutem de valorizaccedilatildeo

do campo e do rural atraveacutes de bens associados aos mesmos evidenciando que os

valores sociais e natildeo soacute os utilitaacuterios fomentam a relaccedilatildeo entre os sujeitos e o mundo

dos bens Eacute nesse sentido que se desenvolvem as anaacutelises das marcas de produtos e

serviccedilos da roccedila nas paacuteginas seguintes

22 Procedimentos metodoloacutegicos e anaacutelise descritiva de marcas de produtos

e serviccedilos com o termo roccedila no Brasil

O primeiro passo para identificar o uso do termo roccedila na esfera dos bens no

Brasil consistiu na verificaccedilatildeo da existecircncia de produtos e serviccedilos que solicitaram o

registro da marca roccedila no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) do

Ministeacuterio da Induacutestria Comeacutercio e Desenvolvimento Exterior No Brasil a proteccedilatildeo agrave

propriedade industrial no geral existe desde 1809 tendo sido elaborada a partir da

73

vinda da Coroa Portuguesa em 1808 Mas a proteccedilatildeo agraves marcas foi especificamente

tratada em lei em 1875 por meio de uma representaccedilatildeo feita por Rui Barbosa conforme

descreve Massinelli (2014) Atualmente segundo esta autora a lei que trata do registro

de marcas e da Propriedade Industrial como um todo eacute a Lei nordm 9279 de 14 de maio

de 1996 e o oacutergatildeo responsaacutevel pela concessatildeo e garantia dos direitos de propriedade

intelectual para a induacutestria eacute o INPI Este oacutergatildeo eacute uma autarquia federal criada em

1970 e seus principais produtos satildeo o ldquoregistro de marcas desenhos industriais

indicaccedilotildees geograacuteficas programas de computador e topografias de circuitos as

concessotildees de patentes e as averbaccedilotildees de contratos de franquia e de transferecircncia de

tecnologiardquo (INPI 2015)

O sistema de registro de marcas no Brasil eacute feito por meio da solicitaccedilatildeo do

proacuteprio titular (ou por meio de um intermediaacuterio como uma agecircncia publicitaacuteria de

design ou por advogados) no INPI O depoacutesito do pedido de marcas eacute examinado pelo

INPI e soacute eacute concedido se este identificar que a marca atende agraves exigecircncias de registro e

se eacute uacutenica no seu ramo de atividade econocircmica natildeo podendo portanto ser repetida para

o mesmo produto ou serviccedilo As marcas podem ser protegidas em caraacuteter nominal

(apenas o seu nome) figurativo (siacutembolos e logotipo) e misto (ou seja ambos) O

procedimento conta com vaacuterias fases que o solicitante deve atender para ter sua marca

registrada Caso o registro seja concedido a marca eacute protegida por dez anos e sua

renovaccedilatildeo eacute possiacutevel No Brasil conforme destacam vaacuterios autores a propriedade da

marca eacute atributiva ou seja apenas por meio do seu registro legal (SILVA E 2014

TEIXEIRA 2007) A marca de acordo com o site do INPI eacute um sinal visual distintivo

que identifica o produto ou serviccedilo e o distingue em relaccedilatildeo aos outros e o certifica

quanto agrave sua conformidade com normas e especificaccedilotildees teacutecnicas (INPI 2014)

Realizou-se a consulta agrave base de dados do INPI no site wwwinpigovbr

visando identificar produtos e serviccedilos que tiveram seus registros solicitados com a

marca roccedila Esse processo foi possiacutevel porque o INPI informa aos solicitantes que antes

de fazer um pedido de registro de marca o interessado deve pesquisar se a marca que

pretende registrar estaacute disponiacutevel ou seja se o nome pretendido jaacute natildeo foi registrado

por outro titular o que impossibilitaria utilizaacute-la A consulta foi realizada no mecircs de

fevereiro de 2013 e sistematicamente atualizada ao longo dos anos de 2013 e 2014

Foram identificados 498 processos que solicitavam registro com a marca roccedila no

INPI Esses processos foram exportados em forma de planilha para o software Microsoft

74

Excel 2010 para que os dados pudessem ser processados A partir de entatildeo efetuou-se

alteraccedilotildees na planilha para atender aos objetivos desta pesquisa Excluiu-se nomes de

marcas com o radical roccedila mas que se tratavam de outras nomeaccedilotildees e retirou-se

tambeacutem as marcas repetidas que tinham seu processo de registro perpetrado pelo mesmo

titular para natildeo super-representar a amostra Entretanto em alguns casos natildeo foi

possiacutevel constatar se o registro havia sido feito pelo mesmo titular por isso ainda

aparecem muitas marcas repetidas com titulares aparentemente diferentes Apoacutes a

realizaccedilatildeo desses filtros restaram 325 produtos ou serviccedilos com a solicitaccedilatildeo de registro

com a marca roccedila no INPI que compuseram a amostra final

Efetuou-se a identificaccedilatildeo da classificaccedilatildeo das marcas de acordo com suas

caracteriacutesticas se produto ou serviccedilo efetuada pelo proacuteprio titular da marca segundo os

criteacuterios de normatizaccedilatildeo utilizados pelo INPI Os produtos e serviccedilos registrados no

INPI foram classificados pelos seus titulares com base nas ediccedilotildees 7ordf 8ordf 9ordf e 10ordf da

Classificaccedilatildeo Nacional e da Classificaccedilatildeo de Nice A descriccedilatildeo da classe de produtos e

serviccedilos a qual cada marca de roccedila pertencia citava por exemplo alimentos bebidas

casas de cultura lazer e entretenimento gastronomia comeacutercio de insumos agriacutecolas e

etc A tabela extraiacuteda do site do INPI continha ainda informaccedilotildees sobre a data e a

situaccedilatildeo do processo de registro (se registrado extinto ou arquivado)

O banco de dados construiacutedo a partir da coleta realizada no INPI foi analisado

buscando-se identificar a sua evoluccedilatildeo ao longo dos anos e a divisatildeo entre produtos e

serviccedilos A partir destes procedimentos foi possiacutevel estabelecer um confronto com as

hipoacuteteses delineadas Tambeacutem foram realizadas anaacutelises de conteuacutedo com base nos

princiacutepios orientados por Bardin (1977) visando identificar significados e padrotildees de

categorias de classificaccedilatildeo aleacutem de sua evoluccedilatildeo temporal

Constatou-se que as marcas coletadas eram de processos de registros no INPI

perpetrados de 1965 ateacute 2014 Considerou-se entatildeo estas cinco deacutecadas de registros

das marcas a fim de agrupaacute-las ao longo do tempo de 1965 a 1974 de 1975 e 1984 de

1985 a 1994 de 1995 a 2004 e de 2005 a 2014 Os recortes temporais permitiram

observar a evoluccedilatildeo da solicitaccedilatildeo de registros com a marca roccedila ao longo das cinco

deacutecadas bem como as mudanccedilas na frequecircncia da sua ocorrecircncia considerando-se os

produtos e serviccedilos

A anaacutelise descritiva contou ainda com a identificaccedilatildeo dos tipos de produtos e

serviccedilos com a marca roccedila a partir da Classificaccedilatildeo de Nice informada pelo proacuteprio

75

titular da marca Cada uma dessas categorias produtos e serviccedilos conteve tambeacutem suas

subdivisotildees a partir das discriminaccedilotildees de diferentes produtos e serviccedilos de acordo com

o sistema de normatizaccedilatildeo do INPI que classificou a natureza de cada objeto De acordo

com a Classificaccedilatildeo Nacional e a Classificaccedilatildeo de Nice os produtos e serviccedilos com a

marca roccedila foram identificados pelos titulares no processo de registro do INPI como

QUADRO 2 ndash Classificaccedilotildees Nacional e de Nice dos produtos e serviccedilos com a marca roccedila com processo de registro no INPI

Produtos Serviccedilos Armarinho Atividades culturais Artigos veterinaacuterios herbicidas fungicidas Cafeacute patildees pastelaria Bebida alcooacutelica Editora Beneficiamento Educaccedilatildeo formaccedilatildeo lazer atividades

desportivas e culturais Cafeacute Entretenimento e atividades culturais Cafeacute5 chaacute condimentos farinaacuteceos Fornecimento de comida e bebidas

acomodaccedilotildees temporaacuterias Carnes frutas e legumes em conserva secos e cozidos geleias doces compotas laticiacutenios ovos oacuteleos e gorduras comestiacuteveis

Jogos e brinquedos educaccedilatildeo formaccedilatildeo lazer atividades culturais

Carvatildeocombustiacutevel Lazer e atividades culturais Casa de veterinaacuteria adubos cutelaria Propaganda gestatildeo de negoacutecios funccedilotildees de

escritoacuterio Cereal Publicidade gestatildeo de negoacutecios comerciais

administraccedilatildeo comercial Faacutermacos fungicidas e herbicidas Restaurante Maacutequinas Restaurante alojamento temporaacuterio Maacutequinas e ferramentas agriacutecolas Telecomunicaccedilotildees Maacutequinas ferramentas mecacircnicas instrumentos agriacutecolas natildeo manuais

Telecomunicaccedilotildees e educaccedilatildeo formaccedilatildeo lazer atividades culturais

Moacuteveis e artigos de vaacuterios materiais Telecomunicaccedilotildees e entretenimento Produtos agriacutecolas frutas e verduras frescas animais plantas flores sementes e alimentaccedilatildeo para animais

Telecomunicaccedilotildees e entretenimento atividades culturais

Serviccedilos veterinaacuterios de agricultura horticultura e silvicultura

Telecomunicaccedilotildees e publicidade gestatildeo de negoacutecios comerciais administraccedilatildeo comercial

Tabaco artigos para fumantes foacutesforos Utensiacutelios domeacutesticos Vestuaacuterio calccedilados e chapelaria

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir do Banco de dados do INPI de 2014

5 Como pode ser observado algumas dessas categorias se repetem porque ao longo dos anos o sistema de Classificaccedilatildeo Nacional e de Classificaccedilatildeo de Nice foram sendo revisados e atualizados acrescentado um ou outro item agraves classificaccedilotildees jaacute existentes

76

Efetuou-se entatildeo um reagrupamento dessas classificaccedilotildees visando tornar essas

informaccedilotildees mais sinteacuteticas para a anaacutelise Na categoria produtos construiu-se o

reagrupamento alimentos bebidas utensiacutelios domeacutesticos beneficiamento bioquiacutemicos

maacutequinas vestuaacuterio mobiliaacuterio armarinho minerais e fumo A categoria serviccedilos foi

reorganizada nas seguintes subdivisotildees negoacutecios cultura gastronomia e turismo Apoacutes

esse reagrupamento chegou-se ao seguinte quadro

77

QUADRO 3 ndash Reagrupamento das categorias de produtos e serviccedilos com a marca roccedila com processo de registro no INPI a partir das Classificaccedilotildees Nacional e de Nice

ALIMENTOS Cafeacute chaacute condimento farinaacuteceos

Carnes frutas e legumes em conserva secos e cozidos geleias doces compotas laticiacutenios ovos oacuteleos e gorduras comestiacuteveis

Cereal Produtos agriacutecolas frutas e verduras frescas animais plantas flores sementes e alimentaccedilatildeo para animais

ARMARINHO Armarinho BEBIDAS Bebida alcooacutelica Cafeacute Cervejas aacutegua e

sucos de fruta

BENEFICIAMENTO Beneficiamento BIOQUIacuteMICOS Artigos veterinaacuterios

herbicidas fungicidas Casa de veterinaacuteria adubos cutelaria

Faacutermacos fungicidas e herbicida

Serviccedilos veterinaacuterios de agricultura horticultura e silvicultura

FUMO Tabaco artigos para fumantes foacutesforos

MAacuteQUINAS Maacutequinas Maacutequinas e ferramentas agriacutecolas

Maacutequinas ferramentas mecacircnicas instrumentos agriacutecolas natildeo manuais

MINERAIS Carvatildeocombustiacutevel MOBILIAacuteRIO Moacuteveis e artigos de

vaacuterios materiais

UTENSIacuteLIOS Moacuteveis e artigos de vaacuterios materiais

Utensiacutelios domeacutesticos

VESTUAacuteRIO Vestuaacuterio calccedilados e chapelaria

CULTURA Editora

Jogos e brinquedos telecomunicaccedilotildees e entretenimento educaccedilatildeo formaccedilatildeo lazer atividades desportivas e culturais

GASTRONOMIA Cafeacute patildees pastelaria

Fornecimento de comida e bebidas acomodaccedilotildees temporaacuterias

Restaurante

Restaurante alojamento temporaacuterio

NEGOacuteCIOS Propaganda gestatildeo de negoacutecios funccedilotildees de escritoacuterio

Publicidade gestatildeo de negoacutecios comerciais administraccedilatildeo comercial

Telecomunicaccedilotildees e publicidade gestatildeo de negoacutecios comerciais administraccedilatildeo comercial

TURISMO Fornecimento de comida e bebidas acomodaccedilotildees temporaacuterias

Restaurante alojamento temporaacuterio

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir do Banco de dados do INPI de 2014

Apoacutes essa reorganizaccedilatildeo das categorias de produtos e serviccedilos realizou-se as

anaacutelises descritiva das marcas roccedila Para cada deacutecada foram descritas a quantidade de

78

solicitaccedilotildees de registro de marcas com o termo roccedila o nuacutemero de produtos e serviccedilos

ou ambos e quais eram os tipos de produtos e de serviccedilos identificados

No Brasil entre os anos de 1965 e 2014 foram feitas 325 solicitaccedilotildees para

registro de marca com o termo roccedila no INPI Apesar de o INPI ter sido criado em 1970

haacute um pedido de registro de marca feito em 1965 com a palavra roccedila tratando-se

inclusive da proteccedilatildeo do nome do personagem Zeacute da Roccedila desenhado pelo cartunista

brasileiro Mauriacutecio de Souza A evoluccedilatildeo dos pedidos de registro de marca no Brasil

para o vocaacutebulo roccedila de acordo com os dados colhidos no INPI podem ser conferidos

na tabela a seguir

TABELA 1 ndash Quantidade de solicitaccedilotildees de registro de marca com o termo roccedila no INPI no Brasil por deacutecadas

DEacuteCADAS SOLICITACcedilOtildeES DE REGISTRO

1965-1974 2 06

1975-1984 5 15

1985-1994 36 111

1995-2004 111 342

2005-2014 171 526

TOTAL 325 1000

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir de dados coletados no site do INPI no endereccedilo eletrocircnico wwwinpigovbr

Nas duas primeiras deacutecadas analisadas entre 1965 e 1974 e de 1975 a 1984 o

nuacutemero de solicitaccedilotildees de registro para a marca roccedila foi bastante reduzido A partir de

meados da deacutecada de 1980 no entanto a quantidade de pedidos aumentou

gradativamente Destaca-se sobretudo que metade das solicitaccedilotildees feitas ao INPI para

o registro com a marca roccedila se concentrou nos uacuteltimos dez anos a partir de 2005

correspondendo a 526 do total Embora o aumento dos processos de registro de

marcas para produtos e serviccedilos da roccedila possa estar relacionado a um simples processo

de racionalizaccedilatildeo e institucionalizaccedilatildeo dos estabelecimentos comerciais e empresas no

Brasil no geral o que se pretende notabilizar com esses dados eacute o fato da categoria

roccedila figurar nesse processo de forma evolutiva conforme pode-se observar no graacutefico

abaixo

79

GRAacuteFICO 1 ndash Evoluccedilatildeo das solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir de dados coletados no site do INPI no endereccedilo eletrocircnico wwwinpigovbr

Diversos fatores podem estar relacionados ao aumento do registro de marcas De

acordo com Lluch (2013) a proliferaccedilatildeo das marcas estaacute associada agrave consolidaccedilatildeo das

grandes empresas modernas e no caso da Argentina por ela estudado seria um traccedilo

principal do proacuteprio desenvolvimento do capitalismo nesse paiacutes Para esta autora a

consolidaccedilatildeo de uma sociedade de consumo dominada pelas marcas estaacute associada agrave

ldquodifusatildeo de novos meacutetodos de vendas variaccedilotildees nos niacuteveis de renda e grau de

urbanizaccedilatildeordquo (LLUCH 2013) No caso do Brasil destaca-se o acelerado processo de

urbanizaccedilatildeo ocorrido especialmente entre 1950 e 1980 (devido especialmente agrave

migraccedilatildeo campo-cidade) e seu consequente incremento populacional ldquoexuberanterdquo

ainda em 2000 e 2010 apesar do decliacutenio no ritmo de crescimento absoluto conforme

ressaltam Brito e Pinho (2012)

Quanto agrave variaccedilatildeo do niacutevel de renda pesquisas recentes publicadas no ano de

2012 apontaram para a formaccedilatildeo de uma ldquonova classe meacutediardquo ou ldquonova classe Crdquo

graccedilas a abertura de cerca de 2 milhotildees e meio de novos postos de trabalho com

remuneraccedilatildeo de ateacute trecircs salaacuterios miacutenimos na primeira deacutecada do seacuteculo XXI no Brasil

(NEacuteRI 2012 POCHMANN 2012 citado por SOUZA J 2014) Esse incremento da

ocupaccedilatildeo e renda com aumento real do salaacuterio miacutenimo complementado pelas poliacuteticas

de transferecircncia de renda como o Bolsa Famiacutelia e a expansatildeo do microcreacutedito seriam

fatores apontados por esses autores como responsaacuteveis pela potencial mobilidade de

classe e inclusatildeo no mercado de bens e consumo Embora o proacuteprio Souza J (2014) se

contraponha aos argumentos de Neacuteri (2012) e Pochmann (2012) a respeito da

mobilidade de classe e do caraacuteter ldquoessencialmente economicistardquo de suas interpretaccedilotildees

2 5

36

111

171

0

20

40

60

80

100

120

140

160

180

1965-1974 1975-1984 1985-1994 1995-2004 2005-2014

SOLICITACcedilOtildeES DE REGISTRO COM A MARCA ROCcedilA

80

o autor natildeo nega o incremento nas faixas de renda do que denomina de classe

trabalhadora ou ldquobatalhadorardquo como tambeacutem natildeo nega o aumento de postos de trabalho

formais surgidos na uacuteltima deacutecada no Brasil

Segundo Guedes (2012) nos uacuteltimos trinta anos o INPI concedeu cerca de um

milhatildeo de registros e estima que tem recebido ainda cerca de 80 mil solicitaccedilotildees

anuais Apesar disso dados estatiacutesticos indicam que no Brasil apenas 15 das

empresas com registro na Junta Comercial solicitam o registro de marca no INPI como

afirma Copetti (2007 p 204) baseada em Correa (2001) Por outro lado Guedes (2012)

afirma que no ano de 2011 foram solicitados 150000 registros de marcas no Brasil

Neste mesmo ano foram feitos 18 pedidos de registro de marcas com a palavra roccedila o

que representa apenas 0012 do universo total de processos Dito isso ressalta-se que

essa amostra com marcas com o nome roccedila coletada no INPI natildeo eacute representativa haja

vista que a quantidade de estabelecimentos que veiculam a marca roccedila no Brasil sem

solicitar o seu registro eacute desconhecida O que importa observar por enquanto eacute

justamente a escolha pelos proprietaacuterios de usar o vocaacutebulo roccedila no naming

(GUEDES 2012) ou seja no processo de criaccedilatildeo de sua marca acreditando que esse

termo possui um apelo mercadoloacutegico para o puacuteblico consumidor de seu produto ou

serviccedilo com os seus consequentes benefiacutecios em termos de publicidade fidelizaccedilatildeo da

clientela lucro advindo de licenccedilas e franquias entre outros como um fenocircmeno em si

(COPETTI 2007 GUEDES 2012 SILVA E 2014)

Na pesquisa em questatildeo a fim de se ter contato com sua identidade visual para

aleacutem do nome da marca procedeu-se a uma busca no Google pelo seu logotipo e

marketing Foram feitas duas etapas distintas de pesquisa uma aleatoacuteria na qual se

buscava qualquer marca com o termo roccedila e outra dirigida na qual se procurava

especificamente as marcas contidas no banco de dados extraiacutedo do INPI A pesquisa

aleatoacuteria no Google com a marca roccedila foi realizada nos meses de janeiro fevereiro e

marccedilo de 2014 estando seus resultados portanto condicionados a esse periacuteodo

Importante frisar que ao se digitar um termo de pesquisa num site buscador na

internet os resultados retornados satildeo sugeridos entre outros criteacuterios tambeacutem com base

no rastreamento de pesquisas anteriores com o mesmo termo (GOOGLE 2015) Isso

significa que de alguma forma os resultados apresentados correspondem a sites blogs

e paacuteginas de redes sociais mais acessadas eou populares Nos sites coletou-se quando

existiam as seguintes informaccedilotildees nome da marca tipo de estabelecimento (produtos

81

ou serviccedilos e sua especificaccedilatildeo) o responsaacutevel o endereccedilo do site o telefone a cidade

e o estado Essas informaccedilotildees compuseram uma planilha com o total de 43 marcas Essa

planilha foi utilizada posteriormente como amostra para o envio de questionaacuterios aos

seus responsaacuteveis com questotildees concernentes aos objetivos da pesquisa

Num segundo momento realizou-se uma busca no Google pelas marcas roccedila do

banco de dados do INPI Esse processo foi realizado entre abril de 2014 e abril de 2015

sendo seus resultados portanto condicionados a esse periacuteodo Ao se identificar a paacutegina

de divulgaccedilatildeo de cada marca especiacutefica colhiam-se quando disponiacuteveis as

informaccedilotildees sobre o nome da marca o tipo de estabelecimento o responsaacutevel o

endereccedilo do site o endereccedilo eletrocircnico o telefone a cidade e o estado Foram

identificados no total 162 marcas considerando ambos os procedimentos de pesquisa

que incluiacuteram as 43 anteriores Esses dados formaram uma planilha que possibilitou a

visualizaccedilatildeo da distribuiccedilatildeo espacial dessas marcas no Brasil A partir dessa planilha

construiu-se um mapa do Brasil com a indicaccedilatildeo das cidades onde se encontrou a marca

roccedila O mapa foi construiacutedo no software Quantum Gis6 versatildeo 21 Pisa com a

utilizaccedilatildeo do banco de dados7 disponibilizado pelo portal de mapas do IBGE Esse

mapeamento possibilitou que este fenocircmeno pudesse ser percebido pelo seu

espraiamento espacial aleacutem do recorte temporal que a anaacutelise dos dados do INPI jaacute

havia propiciado

6 O Quantum Gis ou QGIS eacute um Sistema de Informaccedilatildeo Geograacutefica desenvolvido pela Open Source Geospatial Foundation (OSGeo) e licenciado como software livre pela GNU General Public License (QGISBRASIL 2015) 7 Foi utilizado o banco de dados ldquoLimitesrdquo da Base Cartograacutefica Vetorial do Brasil (BASE [2007]) disponibilizado pelo IBGE

82

FIGURA 7 ndash Mapa dos municiacutepiosEstados com produtos e serviccedilos com a marca roccedila no Brasil por regiatildeo 2014

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira no software QGIS 21 utilizando o banco de dados

ldquoLimitesrdquo da Base Cartograacutefica Vetorial do Brasil (BASE [2007]) disponibilizado pelo portal de mapas do IBGE no endereccedilo

ftpgeoftpibgegovbrmapeamento_sistematicobase_vetorial_continua_escala_250mil (Acesso em 02082015)

Este mapeamento revelou a ocorrecircncia de estabelecimentos que ofereciam algum

tipo de serviccedilo ou que vendiam produtos com a marca roccedila em todas as regiotildees do

Brasil Todavia se percebeu uma maior concentraccedilatildeo destas marcas na Regiatildeo Sudeste

Se o argumento de Lluch (2013) de que a proliferaccedilatildeo de marcas registradas estaacute

atrelada aos maiores graus de urbanizaccedilatildeo e aumentos dos niacuteveis de renda estaacute correto

a maior ocorrecircncia de marcas com o termo roccedila na Regiatildeo Sudeste do Brasil pode estar

relacionada com o fato de que esta regiatildeo se caracteriza pelos maiores niacuteveis de

urbanizaccedilatildeo (CENSO 2013) renda8 e de existecircncia de grandes empresas9

8 Fazendo-se uma meacutedia ao longo de 10 anos entre 2001 e 2011 do valor do rendimento meacutedio mensal da populaccedilatildeo acima de 10 anos segundo os dados das Seacuteries Histoacutericas e Estatiacutesticas do IBGE a Regiatildeo Sudeste tem a maior meacutedia seguida das regiotildees Sul e Centro-Oeste com meacutedias bem proacuteximas agravequela do Sudeste (PNAD 2015) 9 Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributaacuterio (2012) no ano de 2012 a Regiatildeo Sudeste concentrava 49 dos empreendimentos do paiacutes seguida pelo Nordeste e Sul com 19 cada um

83

Por outro lado esta amostra foi construiacuteda a partir da identificaccedilatildeo das marcas

em espaccedilos virtuais de divulgaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo ou seja pode existir um nuacutemero

muito maior de marcas de produtos e serviccedilos em outras regiotildees as quais natildeo foram

contabilizadas por natildeo aparecerem na internet Na tabela a seguir eacute possiacutevel observar a

ocorrecircncia de estabelecimentos que ofertam bens ou serviccedilos com a marca roccedila em

cada unidade da federaccedilatildeo a partir da amostra colhida na internet

TABELA 2 ndash Quantidade de produtos e serviccedilos com a marca roccedila por unidades da federaccedilatildeo no Brasil identificadas na internet

ESTADO QUANTIDADE DE MARCAS

Satildeo Paulo 44

Minas Gerais 35

Rio de Janeiro 19

Paranaacute 13

Espiacuterito Santo 12

Pernambuco 7

Bahia 5

Goiaacutes 5

Cearaacute 4

Distrito Federal 3

Santa Catarina 3

Rio Grande do Sul 3

Mato Grosso 2

Rio Grande do Norte 2

Amazonas 1

Mato Grosso do Sul 1

Paraacute 1

Paraiacuteba 1

Rondocircnia 1

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

Pode-se notar que os Estados onde a marca foi mais recorrente foram Satildeo Paulo

Minas Gerais Rio de Janeiro e Espiacuterito Santo Nesse sentido conforme pode ser

percebido naquele mapa parece haver um ciacuterculo concecircntrico cujo epicentro estaacute na

Regiatildeo Sudeste mas que vai se irradiando em espiral para a vizinhanccedila Centro-Oeste

Sul e a parte litoracircnea do Nordeste

O que a aacuterea de maior concentraccedilatildeo das marcas roccedila parece indicar eacute para aleacutem

dos iacutendices de urbanizaccedilatildeo renda e grandes empresas acima discutido uma heranccedila

cultural do uso da palavra roccedila para designar a produccedilatildeo de mantimentos que

84

abasteciam a populaccedilatildeo rural e urbana em tempos preteacuteritos Boa parte das regiotildees e

Estados com maior aglomeraccedilatildeo de produtos e serviccedilos com a marca roccedila coincide com

a regiatildeo sob a influecircncia da cultura caipira segundo Cacircndido (2010) e Ribeiro (2006)

com os espaccedilos mais antigos da colonizaccedilatildeo brasileira em seus diferentes ciclos

produtivos desde a Bahia e Pernambuco passando pela regiatildeo mineradora e de fluxo

bandeirante que irradiou traccedilos da cultura caipira ateacute a Regiatildeo Sul nos caminhos dos

tropeiros

Nestes contextos conforme assinalaram vaacuterios autores anteriormente discutidos

formavam-se as roccedilas nas estradas das expediccedilotildees nas margens dos rios das grandes

lavouras dos currais e minas nas franjas urbanas ou mesmo nas terras devolutas e

mais tarde nas pequenas propriedades familiares para garantir o abastecimento local

(CANDIDO 2010 HOLANDA 1994 1995 OLIVEIRA M 2012 RIBEIRO 2006)

O uso da palavra roccedila para se referir agrave produccedilatildeo de mantimentos pode ser notado

tambeacutem na categorizaccedilatildeo feita pelos titulares das marcas por ocasiatildeo da solicitaccedilatildeo de

registro no INPI entre produtos e serviccedilos A grande maioria das marcas roccedila com

pedido de registro no INPI ao longo dos anos eacute do setor de alimentos conforme eacute

possiacutevel se verificar no graacutefico que se segue

GRAacuteFICO 2 ndash Tipos de produtos com solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila no

Brasil no INPI

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir de dados coletados no site

do INPI no endereccedilo eletrocircnico wwwinpigovbr Aleacutem dos produtos alimentiacutecios com a marca roccedila sugerirem uma permanecircncia

em termos do uso desta palavra para designar a produccedilatildeo de mantimentos observou-se

que outros produtos tambeacutem utilizaram a marca roccedila tais como produtos do setor de

beneficiamento de alimentos de bebidas em especial a cachaccedila o vinho e os sucos

Alimentos 132

Bebidas 59

Utensiacutelios domeacutesticos

7

Beneficiamento 5

Outros 14

85

naturais o fumo e o carvatildeo vegetal (mineral) Todos estes produtos tinham a sua

produccedilatildeo associada agrave roccedila como lavoura ou mesmo agrave agroinduacutestria em termos de uma

praacutetica produtiva tiacutepica do campo

Mas tambeacutem os produtos relativos agraves utilidades domeacutesticas o vestuaacuterio o

mobiliaacuterio e o armarinho ao fazer uso da categoria roccedila no seu naming denotavam um

processo de significaccedilatildeo relativo agrave cultura rural aos modos de vida tiacutepicos do campo ao

empregar roccedila como sinocircnimo de rural Os bioquiacutemicos e maacutequinas em geral referiam-

se agrave produccedilatildeo e venda de herbicidas fungicidas insumos quiacutemicos para uso na

agricultura aleacutem de todo o maquinaacuterio ferramentas e implementos agriacutecolas A

participaccedilatildeo de cada tipo de produto no conjunto das marcas roccedila em processo de

registro de INPI pode ser visto na tabela abaixo

TABELA 3 ndash Evoluccedilatildeo dos tipos de produtos e serviccedilos com solicitaccedilotildees de registro

com a marca roccedila no Brasil no INPI

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir de dados coletados no site do INPI no endereccedilo eletrocircnico wwwinpigovbr

Os dados expressos nessa tabela coletados dos registros de marcas roccedila do INPI

permitem afirmar que o principal ramo de atividade que faz uso do termo roccedila como

marca eacute o referente aos alimentos e agraves bebidas Os processos de registro desses produtos

demonstraram uma tendecircncia de aumento gradativo nas uacuteltimas trecircs deacutecadas (1985-

Tipo 1965-1974

1975-1984

1985-1994

1995-2004

2005-2014

Produtos Alimentos 2 13 42 75 Bebidas 3 10 26 20 Utensiacutelios domeacutesticos 1 3 2 1 Beneficiamento 2 3 Bioquiacutemicos 1 3 Maacutequinas 1 1 1 Vestuaacuterio 2 Mobiliaacuterio 2 Armarinho 1 Minerais 1 Fumo 1 Total de produtos 0 6 32 75 104 Serviccedilos Negoacutecios 1 5 18 37 Cultura 1 1 4 17 15 Gastronomia 14 32 Turismo 2 4 Total de serviccedilos 2 1 9 51 88

86

2014) embora o setor de bebidas pareccedila ter se estabilizado nos dois uacuteltimos dececircnios

Os outros produtos apareceram de forma intermitente e em poucas quantidades mas

sugerem uma recorrecircncia tambeacutem a partir de 1985 Em termos da principal divisatildeo

operada pelo INPI signataacuterio da Classificaccedilatildeo de Nice entre produtos e serviccedilos a

evoluccedilatildeo cronoloacutegica da marca roccedila tambeacutem merece observaccedilatildeo

TABELA 4 ndash Evoluccedilatildeo dos produtos e serviccedilos com solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila no Brasil no INPI

TIPODEacuteCADAS 1965-1974 1975-1984 1985-1994 1995-2004 2005-2014

Produtos 1 4 26 63 90

Serviccedilos 1 1 9 4 72

Produtos e serviccedilos 1 44 9

TOTAL 2 5 36 111 171

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir de dados coletados no site do INPI no endereccedilo eletrocircnico wwwinpigovbr

Assim como jaacute foi destacado anteriormente as duas primeiras deacutecadas (1965-

1984) tiveram uma quantidade reduzida de pedidos de registro para a marca roccedila sendo

dois no primeiro dececircnio e cinco no segundo Assim os primeiros registros da marca

foram destinados tanto para produtos quanto para serviccedilos enquanto que nos anos

1970 jaacute parecem indicar uma maior predominacircncia dos produtos em detrimento dos

serviccedilos apesar da pequena quantidade Nesse sentido as tendecircncias permitem

possiacuteveis inferecircncias nas trecircs uacuteltimas deacutecadas a partir dos anos 1980 A deacutecada de

1985-1994 foi marcada por uma predominacircncia da oferta de marcas roccedila de produtos

em relaccedilatildeo aos serviccedilos especialmente de alimentos e bebidas como jaacute foi salientado

Na deacutecada seguinte entre 1995-2004 ocorreu uma mudanccedila e parte

consideraacutevel das marcas com o termo roccedila teve seu registro requerido declarando seu

setor de atividade concomitantemente como produto e serviccedilo Assim o titular poderia

proteger a marca para mais de um ramo de atividade Observando-se as classes o nome

da empresa e a descriccedilatildeo da marca pode-se inferir que nesse dececircnio muitos titulares

fizeram a requisiccedilatildeo de registro da marca roccedila natildeo soacute para o produto feijatildeo por

exemplo mas tambeacutem para o seu proacuteprio escritoacuterio de negoacutecios no caso de uma

distribuidora de alimentos supostamente Essa ampliaccedilatildeo da definiccedilatildeo do ramo de

atividade no caso da marca roccedila entre os anos de 1995 e 2004 tambeacutem pode estar

relacionada ao salto no nuacutemero de solicitaccedilotildees de registro da marca roccedila em relaccedilatildeo agrave

deacutecada anterior o que pode ter obrigado alguns titulares a tentar registrar a sua marca

87

em um outro setor no caso da mesma marca jaacute ter sido concedida a outro

estabelecimento no mesmo ramo de atividades Embora as causas dessa mudanccedila natildeo

estejam claras o aumento de serviccedilos (junto com os produtos) na deacutecada de 1995 foi

uma tendecircncia que se manteve entre 2005 e 2014 embora nesse uacuteltimo dececircnio os

titulares tenham requisitado o registro da marca roccedila separadamente para produtos ou

serviccedilos conforme eacute possiacutevel verificar no graacutefico abaixo

GRAacuteFICO 3 ndash Evoluccedilatildeo dos produtos e serviccedilos com solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila no Brasil no INPI

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir de dados coletados no site

do INPI no endereccedilo eletrocircnico wwwinpigovbr

Constata-se assim que o aumento dos serviccedilos que veiculam como marca o

termo roccedila no Brasil desde meados da deacutecada de 1990 pode indicar ao mesmo tempo

a difusatildeo de uma cultura de um tipo de representaccedilatildeo do rural na cidade a qual se torna

visiacutevel atraveacutes da oferta natildeo soacute de serviccedilos relacionados agrave produccedilatildeo agriacutecola mas

principalmente de restaurantes lanchonetes festivais programas televisivos de

entretenimento e eventos culturais no geral que promovem algum tipo de experiecircncia

rural Nesse sentido o que outros autores como Alem (1996) e De Paula (1998 1999

2001) jaacute traduziram por meio da esteacutetica country percebe-se tambeacutem sob o roacutetulo roccedila

a promoccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo do rural que autecircntica ou tradicional apropriada pela

induacutestria cultural ou natildeo reinventa e atualiza um rural que de repente natildeo eacute mais

sinocircnimo de brega de inferior de marginalizado mas se torna atrativo e atraente Por

outro lado o desenvolvimento do setor de serviccedilos com a marca roccedila nas duas uacuteltimas

deacutecadas tambeacutem pode ser expressatildeo das mudanccedilas no proacuteprio campo conforme

apontado por Abramovay (1994) Carneiro (1998 2012) Silva J (1997 2001)

1 1 9

4

72

1

44

9 1 4

26

63

90

1965-1974 1975-1984 1985-1994 1995-2004 2005-2014

SERVICcedilOS PRODUTOS E SERVICcedilOS PRODUTOS

88

Martins J (2014) Veiga (2004 2006) relacionados agrave sua multifuncionalidade que

superou a atividade agropecuaacuteria como ramo predominante e possibilitou a proliferaccedilatildeo

de novas ocupaccedilotildees e exploraccedilotildees relacionadas agrave conservaccedilatildeo ambiental ao lazer e

fruiccedilatildeo proporcionados pelo turismo rural e ecoturismo e pela proacutepria cultura rural Os

dados representados no graacutefico que se segue revelam os tipos de serviccedilos mais

recorrentes que utilizam a marca roccedila no Brasil

GRAacuteFICO 4 ndash Tipos de serviccedilos com solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila no Brasil no INPI

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir de dados coletados no site

do INPI no endereccedilo eletrocircnico wwwinpigovbr

Observando-se os dados do Graacutefico 4 e da Tabela 3 percebe-se que os negoacutecios

foram os serviccedilos predominantes entre as marcas roccedila Entretanto os outros ramos de

atividades declarados pelos titulares das marcas a gastronomia a cultura e o turismo

satildeo reveladores dos usos e signficados que o mercado de bens e serviccedilos fazem da

categoria roccedila Por meio deles se percebe a veiculaccedilatildeo da cultura rural atrelada ao termo

roccedila que promove o consumo e a experiecircncia principalmente da comida da roccedila mas

tambeacutem de sua muacutesica danccedilas religiosidade festas tiacutepicas e do meio ambiente que

com maior evidecircncia apoacutes os anos 1980 vem revestindo o rural de um novo significado

relacionado agrave natureza numa perspectiva romacircntica e idiacutelica conforme assinalam

Abramovay (1994) Anjos e Caldas (2014) Carneiro (2012) Eacuteboli (2007) Entrena-

Duraacuten (2012) entre outros

O crescimento de negoacutecios com a marca roccedila foi gradativo sobretudo a partir

da deacutecada de 1985 enquanto a cultura apresentou uma elevaccedilatildeo desta deacutecada para a

seguinte (1995) mas parece ter se estabilizado A gastronomia e o turismo ao contraacuterio

Negoacutecios 61

Cultura 38

Gastronomia 46

Turismo 6

89

soacute apareceram portando a marca roccedila a partir de 1995 mas principalmente a

gastronomia revelou um crescimento gradativo nesta uacuteltima deacutecada (2005) enquanto o

turismo cresceu mas seus nuacutemeros satildeo ainda pequenos Mais adiante o papel da

gastronomia na veiculaccedilatildeo da categoria roccedila seraacute discutido mais detidamente em

especial no capiacutetulo sobre o Festival Gastronocircmico realizado em Gonccedilalves-MG

O crescimento do setor de serviccedilos com a marca roccedila nos uacuteltimos vinte anos

suscita vaacuterias hipoacuteteses explicativas 1) Pode apontar para uma ressignificaccedilatildeo do rural

face ao processo de modernizaccedilatildeo do campo acompanhando a trajetoacuteria citadina Neste

caso o consumo do termo roccedila em marcas de produtos e serviccedilos apontaria inclusive

para uma extrapolaccedilatildeo do uso inicial do vocaacutebulo vinculado agrave produccedilatildeo de gecircneros

alimentiacutecios sugerindo uma abrangecircncia social muito mais ampla percebida por

exemplo no simulacro que uma festa rural na metroacutepole pode proporcionar 2) Pode

apontar ainda para um trocircpego processo de inclusatildeo dos ldquopobres povos do campordquo agrave

sociedade brasileira Alijados das conquistas sociais e econocircmicas pelo menos ateacute os

anos de 1980 agricultores familiares e integrantes dos movimentos sociais como o

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) entram na agenda poliacutetica

brasileira como atores sociais que despertam um misto de repulsa culpa e esperanccedila

3) Por fim pode-se pensar ainda que o consumo da cultura rural pode significar uma

criacutetica ao modelo de sociedade urbana e moderna e a reflexatildeo sobre outros modos de

vida possiacuteveis conforme argumentam Eacuteboli (2007) sobre a audiecircncia urbana do

programa televisivo Globo Rural e Silva G (2009) sobre os assinantes citadinos da

revista homocircnima Enfim todas estas trecircs hipoacuteteses podem se complementar expressar

nos coacutedigos culturais consumidos nos produtos e serviccedilos com a marca roccedila

No proacuteximo toacutepico apresentar-se-aacute a anaacutelise de conteuacutedo leacutexico-sintaacutetica e

categoacuterica que permitiraacute identificar os coacutedigos culturais que podem estar sendo

comunicados por meio da circulaccedilatildeo de bens e serviccedilos com o nome roccedila

23 Procedimentos metodoloacutegicos e anaacutelise de conteuacutedo de marcas de

produtos e serviccedilos com o termo roccedila no Brasil

Com o mesmo banco de dados coletado no INPI utilizou-se procedimentos de

anaacutelise de conteuacutedo definidos por Bardin (1977) como um

90

Conjunto de teacutecnicas de anaacutelises das comunicaccedilotildees visando obter por procedimentos sistemaacuteticos e objetivos de descriccedilatildeo do conteuacutedo das mensagens indicadores que permitam a inferecircncia de conhecimentos relativos agraves condiccedilotildees de produccedilatildeorecepccedilatildeo destas mensagens (BARDIN 1977 p 42)

Foram adotados trecircs procedimentos de anaacutelise de conteuacutedo segundo os

procedimentos descritos por Bardin (1977) 1) anaacutelise descritiva de frequecircncia das

ocorrecircncias das marcas 2) anaacutelise lexical e sintaacutetica e 3) anaacutelise categoacuterica ou temaacutetica

Efetuou-se primeiramente uma anaacutelise de frequecircncia das ocorrecircncias de cada marca

agrupando as repetidas e enumerando-as em ordem decrescente visando natildeo super-

representar as anaacutelises leacutexico-sintaacutetica e categoacuterica bem como facilitando esse

procedimento Identificou-se uma recorrecircncia das marcas mais utilizadas ao longo das

deacutecadas conforme eacute possiacutevel observar na tabela abaixo

TABELA 5 ndash Frequecircncia das marcas mais recorrentes com a palavra roccedila ao longo das deacutecadas

MARCA FREQUEcircNCIA POR DEacuteCADA

1965-1974 1975-1984 1985-1994 1995-2004 2005-2014

Da Roccedila 2 6 11 12

Cafeacute da Roccedila 3 9 10

Caminho da Roccedila 2 5 4

Caninha da Roccedila 1 2 2

Cantinho da Roccedila 4 3

Canto da Roccedila 4

Casa da Roccedila 3

Coisa da Roccedila ou Coisas da Roccedila 3 3

Deliacutecias da Roccedila 2 4

Feijatildeo da Roccedila 5

Produtos da Roccedila 4

Sabor da Roccedila ou Sabores da Roccedila 2 4 8

Tempero da Roccedila 4

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir de dados coletados no site do INPI no endereccedilo eletrocircnico wwwinpigovbr

Para a composiccedilatildeo desta tabela considerou-se os nomes de marcas com a palavra

roccedila que mais se repetiram e com titulares diferentes10 dentro de cada deacutecada e tambeacutem

10 Partiu-se do pressuposto que os titulares eram diferentes conforme constavam seus nomes (pessoas juriacutedicas ou fiacutesicas registradas como profissionais) nos processos como jaacute foi salientado anteriormente

91

em deacutecadas diferentes Aleacutem dessas havia um conjunto de marcas principalmente nas

trecircs uacuteltimas deacutecadas mas que foram desconsiderados aqui por figurarem apenas uma

vez ou por se repetirem somente no mesmo dececircnio Como pode ser notado a marca

mais frequente ao longo das deacutecadas foi ldquoDa Roccedilardquo tendo aparecido nas quatro

uacuteltimas deacutecadas e com relativa frequecircncia em cada uma delas Destaca-se ainda que

como o volume de solicitaccedilotildees de registro com a marca roccedila foi crescendo a cada

deacutecada a variedade dos nomes tambeacutem foi se diversificando ao mesmo tempo em que

as taxas de ocorrecircncia de uma mesma marca se intensificaram

Constatou-se assim que grande parte do mercado que veiculava o nome roccedila

era composto pelos produtos alimentiacutecios ou por bebidas como cafeacute feijatildeo e cachaccedila

Esse dado tambeacutem aponta para uma permanecircncia no uso do termo roccedila no Brasil ao

longo dos anos para se referir agrave produccedilatildeo de mantimentos conforme jaacute destacado

algumas vezes neste trabalho Por outro lado entre as marcas mais populares com o

nome roccedila figuram aquelas que fazem alusatildeo agraves caracteriacutesticas do bem material em

questatildeo ressaltando o sabor ou associando a mesma a espaccedilos intimistas como casa

canto cantinho ou caminho Esses significados seratildeo melhor discutidos adiante pois as

ferramentas de anaacutelise leacutexico-sintaacutetica e categoacuterica fornecem mais instrumentos para

essas reflexotildees Por ora cumpre apenas destacar que a marca mais utilizada ao longo

dos anos ldquoDa Roccedilardquo eacute justamente a mais sucinta que utiliza a categoria aqui estudada

como a sua principal distinccedilatildeo no mercado de produtos e serviccedilos

Posteriormente seguiu-se os procedimentos descritos por Bardin (1977) para a

realizaccedilatildeo da anaacutelise lexical sintaacutetica tomou-se como base as convenccedilotildees

primeiramente observando-se o nuacutemero total de palavras presentes chamadas pela

autora de ocorrecircncias e o nuacutemero total de palavras diferentes chamadas por ela de

vocaacutebulos Verificou-se ainda a relaccedilatildeo entre as ocorrecircncias e os vocaacutebulos visando

auferir o grau de riquezapobreza do vocabulaacuterio no repertoacuterio de marcas Em segundo

lugar procedeu-se agrave distinccedilatildeo das unidades de vocabulaacuterio identificando as palavras

plenas que satildeo as portadoras de sentido isto eacute quais dentre elas eram substantivos

adjetivos e verbos e as palavras instrumentos cuja funccedilatildeo era conectar ligar as

palavras plenas sendo estas artigos preposiccedilotildees pronomes adveacuterbios conjunccedilotildees e

etc conforme define Bardin (1977) Essas duas etapas foram aplicadas separadamente a

cada conjunto de deacutecadas de produtos e serviccedilos com a marca roccedila e os seus resultados

92

foram analisados integralmente em funccedilatildeo de natildeo ter havido discrepacircncias entre as

deacutecadas

Assim como a anaacutelise da frequecircncia a anaacutelise leacutexico-sintaacutetica das marcas com a

palavra roccedila tambeacutem revelou certo padratildeo ao longo das deacutecadas Ao se realizar a anaacutelise

leacutexico-sintaacutetica de todas as marcas em cada deacutecada pode-se comprovar a riqueza do

vocabulaacuterio marcada pela variedade das palavras que manteve-se relativamente estaacutevel

ao longo do tempo com uma pequena variaccedilatildeo devido ao aumento do volume das

marcas Assim ao se dividir o nuacutemero de palavras total pelo nuacutemero de palavras

diferentes de cada deacutecada considerando-se todas as marcas obteacutem-se as seguintes taxas

de diversidade do vocabulaacuterio na deacutecada de 1965-1974 de 15 na deacutecada de 1975-1984

de 18 na deacutecada de 1985-1994 de 279 na deacutecada de 1995-2004 de 287 e na uacuteltima

deacutecada de 2005-2014 de 280 Essa taxa do repertoacuterio do vocabulaacuterio eacute considerada de

baixa repeticcedilatildeo ou seja indica um vocabulaacuterio bastante variado para Bardin (1977)

Ressalta-se a riqueza do vocabulaacuterio das marcas roccedila considerando-se a especificidade

do conteuacutedo aqui tratado pois de acordo com Guedes (2012) o processo de criaccedilatildeo de

um nome para uma marca costuma ser dificultado pelo grande conjunto de marcas

parecidas jaacute existentes no mercado o que pode ocasionar certo padratildeo de similaridade

Por outro lado apesar da variedade do vocabulaacuterio identificada nestas marcas

observou-se um padratildeo uma estrutura comum na maior parte delas as marcas eram

formadas por uma meacutedia de trecircs palavras constituiacutedas por duas palavras plenas (com

significado) ligadas por uma palavra instrumento (conectora das palavras plenas entre

si) resultando na foacutermula

Substantivo + Adjetivo

ou

Substantivo + Locuccedilatildeo adjetiva (preposiccedilatildeo + substantivo)

Segundo Guedes (2012) alguns nomes de marcas satildeo selecionados pelas

empresas com o intuito de aludir agraves suas qualidades e atributos e satildeo para isso

formados por substantivos adjetivos ou a combinaccedilatildeo dos dois Nesse sentido parte das

marcas aqui estudadas eacute formada pela seguinte estrutura a palavra ldquoroccedilardquo ocupando a

93

funccedilatildeo de substantivo e um adjetivo caracterizando-a como no exemplo da marca

ldquoRoccedila Mineirardquo ou ainda pela marca ldquoRoccedila Verderdquo podendo essa foacutermula aparecer

por meio da junccedilatildeo do substantivo com o adjetivo criando-se uma uacutenica palavra um

neologismo como por exemplo ldquoRoccedilaboardquo ou ldquoRoccedilamaxrdquo Ou numa variaccedilatildeo desse

padratildeo em que ldquoroccedilardquo funciona como substantivo acrescentada de uma locuccedilatildeo

adjetiva como nos exemplos ldquoRoccedila de Minasrdquo ou ldquoRoccedila do Caipirardquo Mas o padratildeo

mais recorrente ao longo das deacutecadas para todas as marcas consideradas foi aquele

formado por um substantivo qualquer (geralmente caracterizado pelo produto ou

serviccedilo oferecido) acrescido da locuccedilatildeo adjetiva formada pela preposiccedilatildeo ldquodardquo (na

maioria das vezes mas tambeacutem aparece o ldquonardquo) e a palavra ldquoroccedilardquo que eacute um

substantivo funcionando como um adjetivo transformado pela morfologia como nos

exemplos ldquoCafeacute da Roccedilardquo ldquoFeijatildeo da Roccedilardquo ldquoPanela da Roccedilardquo ldquoSabor da Roccedilardquo

ldquoDeliacutecias da Roccedilardquo ldquoFesta na Roccedilardquo ldquoChick na Roccedilardquo entre outros

Autores dedicados aos estudos de marketing especialmente agraves discussotildees

concernentes agraves marcas como Kotler (2000) e Tavares (1998) citados por Guedes

(2012) afirmam que um ldquobomrdquo nome para marcas deve ser curto de faacutecil pronunciaccedilatildeo

compreensatildeo e memorizaccedilatildeo aleacutem de obviamente sua associaccedilatildeo aos significados

inerentes agrave cultura e de sugerir qualidades atributos e benefiacutecios do produto Nesse

sentido as marcas com o nome roccedila parecem seguir esse padratildeo ao se apresentarem

com um formato curto e de faacutecil pronuacutenciapercepccedilatildeomemorizaccedilatildeo

A identificaccedilatildeo dessa estrutura morfoloacutegica possibilitada pela anaacutelise leacutexico-

sintaacutetica permite sugerir algumas interpretaccedilotildees sobre o uso da palavra roccedila como

marcas de produtos e serviccedilos A primeira interpretaccedilatildeo que se depreende eacute que ao se

utilizar o substantivo concreto ldquoroccedilardquo numa locuccedilatildeo adjetiva ou seja qualificando

algum substantivo que veio antes dele como ldquocafeacuterdquo ldquofeijatildeordquo ldquopanelardquo transformando-

o num substantivo abstrato estaacute se supondo que ldquoroccedilardquo reveste-se de alguma

caracteriacutestica especial capaz de qualificar algum objeto tornando-o distinto Ora os

autores Copetti (2007) Guedes (2012) Massinelli (2014) Silva E (2014) e Teixeira

(2007) afirmam que uma marca registrada tem como funccedilatildeo principal tornar um bem ou

um serviccedilo distinto dos demais Nesse caso o operador da diferenccedila e da distinccedilatildeo eacute o

termo roccedila aquele que daacute significado ao objeto que se oferta ou se consome mesmo

quando jaacute se trata de um substantivo abstrato como ldquosaborrdquo ou ldquodeliacuteciardquo A segunda

questatildeo a se sublinhar diz respeito agrave recorrente utilizaccedilatildeo da preposiccedilatildeo ldquodardquo (formada

94

pela contraccedilatildeo da preposiccedilatildeo ldquoderdquo com o artigo definido ldquoardquo) que funciona nesse tipo

de construccedilatildeo morfoloacutegica para designar a procedecircncia a origem Ou seja a forma

mais padronizada utilizada nas marcas com a palavra roccedila eacute aquela em que a descriccedilatildeo

do produto ou serviccedilo indica a sua origem procedecircncia em termos de lugar vem da

roccedila ou feito na roccedila como nos exemplos citados acima ou ainda nestes ldquoProdutos da

Roccedilardquo ldquoMandioca da Roccedilardquo ldquoCarne da Roccedilardquo entre outros

Essas interpretaccedilotildees permitem pensar que haacute uma expectativa na ofertademanda

de produtos especialmente dos alimentos bebidas beneficiados ou da agroinduacutestria de

terem sido cultivados na lavoura na roccedila de onde foram colhidos e disponibilizados

diretamente para o consumo ou foram feitos de forma artesanal caseira familiar na

propriedade de uma famiacutelia agricultora de pequeno porte Ou seja parece permanecer

no imaginaacuterio a associaccedilatildeo entre roccedila e produccedilatildeo de mantimentos conforme descrita

pelos autores sobre o significado desta na formaccedilatildeo soacutecio-histoacuterica e no campesinato

brasileiro Mas tambeacutem haacute um conjunto de produtos (como vestuaacuterio mobiliaacuterio

utensiacutelios domeacutesticos) e mais especialmente de serviccedilos (gastronocircmicos ou culturais)

que ao atrelarem sua origem agrave roccedila parecem sugerir a reproduccedilatildeo de um saber-fazer

tiacutepico de um modo de vida rural como nos exemplos ldquoQuitandinha da Roccedilardquo ldquoForroacute

da Roccedilardquo ldquoTradiccedilatildeo da Roccedilardquo ldquoArte da Roccedilardquo e ldquoCozinha da Roccedilardquo entre outros

Ambas as variaccedilotildees se resumem na marca mais frequente ao longo das deacutecadas

ldquoDa Roccedilardquo A palavra roccedila figurava nas marcas aqui estudadas para indicar a origem ou

o modo de fazer relativo a um modo de vida tiacutepico A categoria roccedila assinalava assim

um atributo geneacuterico e natildeo estava relacionada com os processos formais de Indicaccedilatildeo

Geograacutefica (IG) como Indicaccedilatildeo de Procedecircncia (IP) e Denominaccedilatildeo de Origem (DO)

que certificam atraveacutes de selos produtos ou serviccedilos com caracteriacutesticas atreladas ao

seu local de origem11 Mas a associaccedilatildeo que pode ser feita entre o nome roccedila e a origem

dos produtos e serviccedilos parece sugerir uma seacuterie de significados a respeito da

valorizaccedilatildeo do saber-fazer relacionado aos produtos agriacutecolas e tambeacutem a um conjunto

de comportamentos relativos ao modo de vida rural como a gastronomia e a cultura por

exemplo Para Santos J (2014) a populaccedilatildeo urbana tem se interessado por produtos

11 Segundo informaccedilotildees do Ministeacuterio da Agricultura Pecuaacuteria e Abastecimento (2015) disponibilizadas no seu site com o tiacutetulo Indicaccedilatildeo Geograacutefica ldquoo registro de Indicaccedilatildeo Geograacutefica (IG) eacute conferido a produtos ou serviccedilos que satildeo caracteriacutesticos do seu local de origem o que lhes atribui reputaccedilatildeo valor intriacutenseco e identidade proacutepria aleacutem de os distinguir em relaccedilatildeo aos seus similares disponiacuteveis no mercado Satildeo produtos que apresentam uma qualidade uacutenica em funccedilatildeo de recursos naturais como solo vegetaccedilatildeo clima e saber fazer (know-how ou savoir-faire)rdquo

95

alimentiacutecios que remetam ao rural ao natural e cuja origem possa ser identificada numa

contrapartida aos processos de industrializaccedilatildeo dos alimentos Para a autora alguns

instrumentos como a ldquoIndicaccedilatildeo Geograacuteficardquo e o ldquoRegistro de Bens Culturais de

Natureza Imaterialrdquo (patrimocircnio imaterial) tecircm sido utilizados para valorizar o que ela

denomina de produtos alimentares tradicionais Ainda que a roccedila natildeo seja considerada

em nenhum desses processos formais especiacuteficos sua associaccedilatildeo a alguns bens e

serviccedilos parece ser sintomaacutetica do mesmo fenocircmeno indicado por Santos J (2014) O

uso da palavra roccedila como marca de produtos e serviccedilos parece oferecer uma ideia sobre

a origem e inspirar a confianccedila na busca pela autenticidade entre os consumidores

conforme se veraacute adiante na discussatildeo dos resultados das entrevistas

De acordo com Guedes (2012 p 426) uma marca ldquodeve ser rica em

significados e valores pois eacute atraveacutes dela que a empresa promete e entrega ao cliente

um valor superior ao que o mercado oferecerdquo A autora ressalta ainda que a marca estaacute

ligada a ldquosentimentos emoccedilotildees e sensaccedilotildeesrdquo e deve soar ldquocomo muacutesica para os ouvidos

dos clientesrdquo e destaca que uma marca tambeacutem deve ser sempre ldquoatualrdquo (GUEDES

2012 p 421-422) Esses aspectos permitem pensar que o uso do nome roccedila na marca de

produtos e serviccedilos representa um conjunto de valores e significados para o criador da

marca que denota imagens e sentimentos positivos para o consumidor o que de

alguma forma corrobora com a hipoacutetese de que haveria uma flexibilizaccedilatildeo na fronteira

demarcatoacuteria das tradicionais assimetrias que envolvem o imaginaacuterio sobre o rural e a

sua evocaccedilatildeo por meio da palavra roccedila

Algumas variaccedilotildees da estrutura das marcas tambeacutem chamam a atenccedilatildeo mas

seratildeo tratadas nas discussotildees sobre a anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica que se segue

Quanto ao procedimento de anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica Bardin (1977 p 117) a

define como

A categorizaccedilatildeo eacute uma operaccedilatildeo de classificaccedilatildeo de elementos constitutivos de um conjunto por diferenciaccedilatildeo e seguidamente por reagrupamento segundo o gecircnero (analogia) com os criteacuterios previamente definidos As categorias satildeo rubricas ou classes as quais reuacutenem um grupo de elementos (unidades de registro no caso da anaacutelise de conteuacutedo) sob um tiacutetulo geneacuterico agrupamento esse efetuado em razatildeo dos caracteres comuns desses elementos

Para a anaacutelise categoacuterica ou temaacutetica utilizou-se como corpus o conjunto de

todas as marcas identificadas no INPI com o termo roccedila Esse corpus foi definido dentro

96

dos paracircmetros recomendados por Bardin (1977) relativos agrave exaustividade e agrave

representatividade da amostra Quanto a este ponto embora a amostragem tenha

considerado todas as marcas registradas natildeo se pode precisar em que medida as marcas

com o termo roccedila com solicitaccedilatildeo de registro no INPI representam o universo de marcas

com esse mesmo roacutetulo no Brasil a homogeneidade dos dados sendo todos da mesma

natureza e a pertinecircncia no sentido de suas caracteriacutesticas atenderem agrave proposta da

anaacutelise Apoacutes uma leitura flutuante com o objetivo de ler todas as marcas e capturar as

primeiras impressotildees relacionando-as agraves hipoacuteteses e aos apontamentos teoacutericos

identificou-se as unidades de registro que em geral satildeo formadas de uma a cinco

palavras numa meacutedia de trecircs palavras As marcas aqui podem ser pensadas como

temas por carregarem uma significaccedilatildeo como uma unidade proacutepria para a anaacutelise

Algumas marcas que satildeo compostas por tiacutetulo e subtiacutetulo foram observadas

integralmente As unidades de contexto consideradas foram a deacutecada a classificaccedilatildeo em

produto ou serviccedilo e suas subcategorias

Os criteacuterios que balizaram a criaccedilatildeo das classes de diferenciaccedilatildeo e

posteriormente das categorias seguiu o confronto dos dados empiacutericos revelados pela

proacutepria amostra de marcas com o termo roccedila a partir de uma leitura flutuante com as

questotildees teoacutericas e hipoacuteteses que guiaram esta pesquisa e que permitiram a construccedilatildeo

de inferecircncias Avaliou-se o conjunto das marcas com o termo roccedila de 1965 a 2014

separando-as em quatorze classes segundo suas caracteriacutesticas em comum e

posteriormente reagrupando-as num conjunto de oito categorias As classes de

caracteriacutesticas identificadas nas marcas foram 1) lavouracampo 2) produto

agriacutecolaagropecuaacuterio 3) agroinduacutestria 4) elementos materiais da cultura 5) elementos

simboacutelicos da cultura 6) cultura urbanaestrangeira 7) distinccedilatildeosofisticaccedilatildeo 8)

mercado 9) sentidosimaginaacuteriomemoacuteria 10) tradiccedilatildeoartesanalautecircnticooriginal 11)

naturalpuroverde 12) orgacircnico 13) mineiridade ou falar mineiro e 14)

caipiramatutocaboclo Estas classes foram reagrupadas nas seguintes categorias de

classificaccedilatildeo 1) roccedila como sinocircnimo de ldquocampordquo 2) roccedila como sinocircnimo de ldquoruralrdquo 3)

roccedila como ldquotradiccedilatildeordquo 4) roccedila como apologia agrave ldquonaturezardquo 5) roccedila ldquoromacircntico-

nostaacutelgicardquo 6) roccedila ldquoestilizadardquo 7) roccedila em referecircncia a ldquoMinas Geraisrdquo e 8) roccedila com

alusatildeo ao ldquocaipirardquo

Os criteacuterios que orientaram a categorizaccedilatildeo das marcas foram o leacutexico e o

expressivo O criteacuterio leacutexico buscou o sentido mais comum e o emparelhando dos

97

sinocircnimos e significados proacuteximos Jaacute o criteacuterio expressivo voltou-se para os diferentes

recursos linguiacutesticos com o objetivo de aguccedilar imagens ideias e sentidos no

consumidor Assim agraves vezes modifica-se nas marcas a grafia da palavra usa-se

palavras originaacuterias de outros idiomas giacuterias expressotildees coloquiais cacoetes e etc

Segundo Bardin (1977) para se realizar o processo de criaccedilatildeo de categorias e a sua

respectiva classificaccedilatildeo de unidades de registro deve-se observar a exclusatildeo muacutetua a

homogeneidade a pertinecircncia a objetividade e a fidelidade O reagrupamento das

quatorze classes dentro das oito categorias estaacute ilustrado no quadro abaixo

QUADRO 4 ndash Categorias da anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica Roccedila

sinocircnimo de campo

Roccedila sinocircnimo de rural

Roccedila como

tradiccedilatildeo

Roccedila como

apologia agrave

natureza

Roccedila romacircntico-nostaacutelgica

Roccedila estilizada

Roccedila em referecircncia a Minas Gerais

Roccedila com

alusatildeo ao

caipira Lavoura campo

Elementos materiais da cultura

Artesanal autecircntico original tradiccedilatildeo

Natural puro verde

Sentidos imaginaacuterio memoacuteria

Distinccedilatildeo sofisticaccedilatildeo

Mineiridade ou

expressotildees dos falares mineiros

Caipira

Produto agriacutecola

agropecuaacuterio

Elementos simboacutelicos da cultura

Orgacircnico Cultura urbana

estrangeira

Matuto

Agroinduacutestria Mercado Caboclo

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

Na definiccedilatildeo das classes que formaram a primeira categoria ldquoRoccedila como

sinocircnimo de campordquo considerou-se as referecircncias relativas ao produto em si ou ao

lugar de produccedilatildeo do gecircnero alimentiacutecio Dentro desta categoria foram incluiacutedas trecircs

classes A primeira foi a classe referente ao lugar de origem do produto como ldquoLaacute na

Roccedilardquo 2) a classe referente aos produtos agriacutecolas em si como ldquoMandioca da Roccedilardquo 3)

a classe referente aos produtos da agroinduacutestria processados tradicionalmente no campo

como ldquoQueijo da Roccedilardquo ldquoFarinha da Roccedilardquo ou ldquoCachaccedila da Roccedilardquo Jaacute na segunda

categoria ldquoRoccedila como sinocircnimo de ruralrdquo considerou-se as praacuteticas relativas ao modo

de vida rural Assim agrupou-se nessa classe as marcas que revelavam elementos da

cultura rural como ldquoPanela da Roccedilardquo e elementos simboacutelicos da cultura rural

especialmente aqueles ligados agrave cultura e agrave gastronomia como ldquoFesta na Roccedilardquo e ldquoPatildeo

de queijo da Roccedilardquo A terceira categoria foi denominada ldquoRoccedila romacircntico-nostaacutelgicardquo

Nela considerou-se as indicaccedilotildees dos trabalhos de Anjos e Caldas (2014) Carneiro

98

(2012) Entrena-Duraacuten (2012) Elias (2001) e Williams (2011) para se reunir as marcas

que se relacionassem aos sentidos como o paladar e o olfato e aos processos cognitivos

de imaginaccedilatildeo e de memoacuteria conforme indicou Silva G (2009) Assim foram

catalogadas nessa categoria marcas como ldquoSabor da Roccedilardquo ldquoCheiro da Roccedilardquo

ldquoRecanto da Roccedilardquo A quarta categoria foi denominada de ldquoRoccedila Estilizadardquo Nela

buscou-se abarcar as referecircncias sobre o country e a estilizaccedilatildeo da cultura rural no

Brasil (ALEM 1996 BOURDIEU 2013 DE PAULA 1998 1999 2001) Incluiu-se

assim nesta categoria as marcas que apontavam para o hibridismo entre a cultura rural

e a urbana atraveacutes da utilizaccedilatildeo de palavras de liacutenguas estrangeiras ou das referecircncias

agraves formas de mercado tipicamente urbanas e palavras que sugerissem a sofisticaccedilatildeo e a

distinccedilatildeo Assim foram elencadas nesta categoria marcas como ldquoCachorro Quente da

Roccedilardquo ldquoShopping da Roccedilardquo ldquoLa Fruit da Roccedilardquo ldquoVarejatildeo da Roccedilardquo e ldquoRoccedila Chicrdquo

As demais categorias foram definidas por meio da identificaccedilatildeo de palavras

expliacutecitas nas marcas que se referissem ao tema escolhido ou que lhe fossem correlatos

Assim a quinta categoria foi denominada de ldquoRoccedila como Tradiccedilatildeordquo considerando-se as

classes que tivessem as palavras ldquotradiccedilatildeordquo ldquoautecircnticordquo ldquooriginalrdquo ldquoartesanalrdquo com

base nas discussotildees de Mannheim (1986) Lifschitz (2011) e Taylor (2011) Nela foram

categorizadas marcas como ldquoTradiccedilatildeo da Roccedilardquo ldquoOriginal Palhas da Roccedilardquo ou

ldquoProdutos Artesanais GratildeoCafeacute da Roccedilardquo A sexta categoria foi denominada ldquoRoccedila

como apologia agrave naturezardquo sendo formada pelas classes que continham as palavras

ldquonaturalrdquo ldquoverderdquo ldquopurordquo ou ldquoorgacircnicordquo como nas marcas ldquoRoccedila Verderdquo ldquoRoccedila

Natural produtos orgacircnicosrdquo Essa categoria foi criada a partir das discussotildees de autores

como Abramovay (1994) Anjos e Caldas (2014) Eacuteboli (2007) e Thomas (2010) Na

seacutetima categoria adotou-se a referecircncia de ldquoRoccedila relacionada a Minas Geraisrdquo como

base nas revelaccedilotildees dos dados empiacutericos tendo sido consideradas na definiccedilatildeo da

mesma as discussotildees de Abdala (2007) Arruda (1999) e Vasconcellos (1981) Assim

elencou-se as classes que fizessem referecircncia a Minas Gerais ou ao atributo de ser

mineiro especialmente da comida mineira ou expressotildees que fossem identificadas com

o falar mineiro conforme explicam Gonccedilalves e Silva (2009) Rocha e Ramos (2010)

Assim foram identificadas marcas como ldquoRoccedila Mineirardquo ou ldquoCachaccedila da Roccedila Uairdquo

Por fim a oitava categoria tomou por base as discussotildees sobre a cultura caipira relatada

por Candido (2010) Ribeiro (2006) e Setuacutebal (2005) Considerou-se tambeacutem a

categoria ldquoRoccedila Caipirardquo que englobou classes que contivessem aleacutem da palavra

99

ldquocaipirardquo outras palavras relativas a tipos socioculturais brasileiros como ldquocaboclordquo e

ldquomatutordquo Os exemplos de marcas classificadas nessa categoria satildeo ldquoCaipira da Roccedilardquo

ldquoRoccedila do Caboclordquo e ldquoMatuto Cafeacute da Roccedilardquo A classificaccedilatildeo das marcas nessas

categorias resultou nos seguintes dados

TABELA 6 ndash Categorias das marcas com o nome roccedila ROCcedilA

COMO CAMPO

ROCcedilA COMO RURAL

ROCcedilA COMO

TRADICcedilAtildeO

ROCcedilA COMO

NATUREZA

ROCcedilA ROMAcircNTICO-NOSTAacuteLGICA

ROCcedilA ESTILIZADA

ROCcedilA REFEREcircNCIA

A MINAS GERAIS

ROCcedilA CAIPIRA

DEacuteCADAS QUANTIDADE DE MARCAS EM CADA CATEGORIA

1965-1974 2 - - - - - - -

1975-1984 3 1 - - - - - -

1985-1994 15 3 - 1 3 3

1995-2004 27 11 3 3 8 17 3 1

2005-2014 35 14 3 2 18 32 7 6

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir de dados coletados no site do INPI no endereccedilo eletrocircnico wwwinpigovbr

Como fica niacutetido na tabela acima nas duas primeiras deacutecadas com os pedidos

de registros de marcas com o nome roccedila bastante reduzidos as temaacuteticas giraram em

torno das ideias de roccedila como sinocircnimo de campo e de rural A diversidade temaacutetica

surge com o aumento do volume de solicitaccedilotildees de registro para a marca roccedila em

meados dos anos 1980 No dececircnio compreendido entre 1985-1994 aleacutem das marcas

que puderam ser classificadas nas categorias de roccedila como sinocircnimo de campo e rural

surgiram novos nomes que foram nesta anaacutelise identificados nas categorias ldquonaturezardquo

ldquoromacircntico-nostaacutelgicardquo e ldquoestilizadardquo Sublinha-se que foi exatamente nos anos 1980 e

no iniacutecio dos 1990 que emergiram os fenocircmenos de revalorizaccedilatildeo do rural a partir da

preocupaccedilatildeo com a sustentabilidade ambiental e de reestilizaccedilatildeo do rural a partir da

induacutestria cultural marcadamente a sociabilidade country os programas de

entretenimento de temaacutetica rural o auge do sucesso da muacutesica sertaneja e a expansatildeo

das festas de rodeios (ABRAMOVAY 1994 ALEM 1996 ALLONSO 2012 DE

PAULA 1998 1999 2001 EacuteBOLI 2007 OLIVEIRA L 2003 OLIVEIRA A 2009

SILVA G 2009 VEIGA 2004 2006) Nas duas uacuteltimas deacutecadas de 1995 a 2014 as

marcas mantiveram o padratildeo temaacutetico que permitiu que muitas delas pudessem nesta

anaacutelise ser agrupadas nas mesmas categorias que jaacute tinham figurado nos dececircnios

anteriores Devido ao volume de solicitaccedilotildees desse periacuteodo a diversidade tambeacutem se

100

ampliou e deparou-se com marcas que puderam ser associadas agraves categorias ldquotradiccedilatildeordquo

ldquoMinas Geraisrdquo e ldquocaipirardquo Ao contraacuterio da deacutecada anterior na qual as inovaccedilotildees

ficaram por conta da natureza e do romantismo por um lado e do moderno estilizado e

sofisticado por outro nos uacuteltimos periacuteodos analisados as novas ideias orbitam em

torno de perspectivas mais tradicionais do que seria a roccedila Essa perspectiva eacute expressa

na proacutepria categoria tradiccedilatildeo mas tambeacutem na alusatildeo a Minas Gerais agrave sua faceta rural

preteacuterita (ABDALA 2007 VASCONCELLOS 1981) e agrave figura dos tipos

socioculturais caracteriacutesticos da formaccedilatildeo do povo brasileiro especialmente o caipira

mas tambeacutem o caboclo

Poreacutem analisando-se a quantidade de marcas presentes em cada categoria ao

longo das deacutecadas tem-se algumas impressotildees diferentes sobre os usos e significados

do termo roccedila no mercado de bens e serviccedilos conforme demonstra o graacutefico seguinte

101

GRAacuteFICO 5 ndash Quantidade de marcas em cada categoria por deacutecadas

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira a partir de dados coletados no site do INPI

no endereccedilo eletrocircnico wwwinpigovbr

O graacutefico revela que aleacutem das categorias campo e rural estarem presentes nas

cinco deacutecadas seu crescimento tem sido relativamente gradativo e constante Enquanto

as categorias natureza e tradiccedilatildeo tecircm se mantido no mesmo estado reduzido as

categorias romacircntico-nostaacutelgica e estilizada cresceram substantivamente sobretudo a

uacuteltima tendo ultrapassado todas as outras nesse uacuteltimo dececircnio com exceccedilatildeo da

categoria campo E as categorias caipira e Minas Gerais mais recentes tambeacutem

demonstram uma tendecircncia de crescimento embora seus nuacutemeros ainda sejam

pequenos

A diversidade de significados que compotildeem o uso do termo roccedila nos produtos e

serviccedilos na contemporaneidade parece sugerir um jogo de disputas em torno da

autenticidade enquanto compartilhamento de significados socialmente construiacutedos do

Campo (2)

Campo (3)

Campo (15)

Campo (27)

Campo (35)

Rural (1)

Rural (3)

Rural (11)

Rural (14)

Tradiccedilatildeo (3)

Tradiccedilatildeo (3)

Natureza (1)

Natureza (3)

Natureza (2)

Romacircntico-Nostaacutelgico (3)

Romacircntico-Nostaacutelgico (8)

Romacircntico-Nostaacutelgico (18)

Estilizada (3)

Estilizada (17)

Estilizada (32)

Minas Gerais (3)

Minas Gerais (7)

Caipira (1)

Caipira (6)

0 5 10 15 20 25 30 35 40

1965-1974

1975-1984

1985-1994

1995-2004

2005-2014

DEacute

CA

DA

S

102

que seria roccedila Essa disputa divide por um lado a reproduccedilatildeo de usos e significados

historicamente engendrados do termo roccedila como no sinocircnimo de campo e rural

especialmente no que se refere aos produtos alimentiacutecios e bebidas Por outro lado

nota-se a emergecircncia de novos significados para este termo subvertendo portanto as

visotildees cristalizadas em nome de um rural natureza idiacutelico nostaacutelgico e romacircntico Esta

visatildeo entretanto convive com uma apropriaccedilatildeo urbana industrial e sofisticada que

reinventa e estiliza o significado de roccedila E em contraposiccedilatildeo com este uacuteltimo

emergem significados de roccedila que buscam prestigiar elementos ligados agrave tradiccedilatildeo ao

ruacutestico ao local e ao regional expressos na ideia do caipira da tradiccedilatildeo e da

mineiridade

Esses diferentes usos e significados parecem coincidir com determinados

momentos histoacutericos caracteriacutesticos do rural no Brasil O periacuteodo compreendido entre as

deacutecadas de 1960 e 1980 no qual o campo era atrelado agrave produccedilatildeo agriacutecola

(ABRAMOVAY 1994 SILVA J 1997 2001) figura nas poucas solicitaccedilotildees de

registro de marca com a palavra roccedila a maioria de produtos entre estes alimentiacutecios e

significaccedilotildees relacionadas ao campo e ao rural A terceira deacutecada analisada entre

meados de 1980 e meados de 1990 parece ser um periacuteodo de transiccedilatildeo em que

aumentam os nuacutemeros de pedidos de registro para a marca roccedila tanto para produtos

quanto para serviccedilos em vaacuterios setores de atividades e surgem de forma tiacutemida mas

notaacutevel novos significados para o termo entre as marcas aludindo para questotildees da

natureza da nostalgia mas tambeacutem do rural estilizado e hibridizado com o urbano E

nas duas uacuteltimas deacutecadas o mercado de bens e serviccedilos com a marca roccedila parece de

alguma maneira refletir o estado da arte do rural hoje no Brasil Aumentaram

consideravelmente as requisiccedilotildees de registro com essa marca os serviccedilos

especialmente os negoacutecios a gastronomia e a cultura tornaram-se expressivos

revelando a multifuncionalidade do campo mas tambeacutem a presenccedila de uma cultura

rural na cidade aleacutem dos novos significados expressos em novos nomes apontarem para

uma revalorizaccedilatildeo das origens das raiacutezes aleacutem de traduzirem certa diversidade que

contempla o campo e a cidade Uma siacutentese dessa proposiccedilatildeo eacute demonstrada na seguinte

figura

103

FIGURA 8 ndash Evoluccedilatildeo das caracteriacutesticas histoacutericas do campo no Brasil e dos usos e significados da marca roccedila (1960-2015)

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

As interpretaccedilotildees aqui propostas a respeito dos significados culturais que

circulam por meio da produccedilatildeo distribuiccedilatildeo e consumo de bens e serviccedilos com a marca

roccedila elaboradas a partir de uma anaacutelise descritiva e de conteuacutedo desta seratildeo

confrontadas com os significados construiacutedos pelos produtores distribuidores e

consumidores de produtos e serviccedilos com a marca roccedila nas paacuteginas seguintes

24 Procedimentos metodoloacutegicos e anaacutelise das entrevistas e aplicaccedilatildeo de

questionaacuterios

Aleacutem da captaccedilatildeo de dados secundaacuterios efetuou-se nesta pesquisa a busca dos

usos e significados que produtores distribuidores e consumidores de produtos e

serviccedilos com a marca roccedila atribuem a esses bens ao participarem desse circuito Para

tanto foram criados dois modelos de questionaacuterios semiestruturados um com perguntas

direcionadas aos produtores (proprietaacuterios responsaacuteveis ou titulares) e distribuidores

(vendedores) de bens com a marca roccedila e outro orientado aos consumidores dessas

marcas Tambeacutem foi elaborado um roteiro de perguntas para entrevista aberta para ser

utilizado com os produtores quando a situaccedilatildeo permitisse uma entrevista em

profundidade Tanto os questionaacuterios quanto o roteiro de entrevista tinham entre 15 a 19

bull Produccedilatildeo agriacutecola bull Poucas marcas

roccedila bull Marca roccedila

produtos alimentiacutecios

bull Significados da marca campo e rural

1960 a

1980

bull Dualizaccedilatildeo da agricultura

bull Aumento marcas roccedila

bull Produtos e serviccedilos

bull Manteacutem-se significados e surgem novos natureza nostalgia e estilizaccedilatildeo

1985 a

1995

bull Multifuncionalidade do

campo bull Revalorizaccedilatildeo do rural bull Aumento expressivo

marcas roccedila bull Aumento dos serviccedilos

(negoacutecios gastronomia e cultura)

bull Manteacutem-se significados anteriores e surgem novos tradiccedilatildeo caipira mineiridade

1995 a

2015

104

perguntas divididas em trecircs blocos perfil pessoal questotildees sobre produtos e serviccedilos

com a marca roccedila e questotildees sobre o termo roccedila12

Foram realizadas 16 entrevistas abertas e aplicados 54 questionaacuterios totalizando

70 abordagens Foram consultados 36 produtoresdistribuidores (16 deles concederam

as entrevistas abertas e 20 responderam ao questionaacuterio semiestruturado) e 34

consumidores que tambeacutem responderam ao questionaacuterio As entrevistas e questionaacuterios

foram aplicados em trecircs etapas 1) online 2) no Mercado Central de Belo Horizonte-

MG e 3) no municiacutepio de Gonccedilalves-MG antes e durante o 4ordm Festival de Gastronomia

e Cultura da Roccedila Foram 7 produtoresdistribuidores que responderam ao questionaacuterio

online 13 que responderam ao questionaacuterio no Mercado Central e 16 entrevistados em

Gonccedilalves Responderam ao questionaacuterio 15 consumidores no Mercado Central de Belo

Horizonte e 19 no Festival em Gonccedilalves

Inicialmente optou-se pela teacutecnica do e-surveying conforme explicitada por

Vasconcellos e Guedes (2007) que consiste no envio de questionaacuterios via internet seja

encaminhando o formulaacuterio para o e-mail do entrevistado seja disponibilizando-o numa

paacutegina da internet A escolha dessa teacutecnica baseou-se no fato de que os informantes-

chave desta pesquisa ou seja os responsaacuteveis por produtos e serviccedilos com a marca

roccedila identificados na internet localizavam-se em diferentes localidades de vaacuterios

Estados do paiacutes criando um obstaacuteculo em termos de exequibilidade da pesquisa O

questionaacuterio (formulaacuterio eletrocircnico) foi construiacutedo na ferramenta eletrocircnica Google

Docs13 e foi enviado ao e-mail dos proprietaacuteriosresponsaacuteveis pelos bens com marca

12 Os termos eacuteticos das entrevistas e aplicaccedilatildeo de questionaacuterios bem como da observaccedilatildeo participante foram submetidos agrave avaliaccedilatildeo do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da Universidade Federal de Viccedilosa de acordo com as recomendaccedilotildees da Resoluccedilatildeo do Conselho Nacional de Sauacutede CNS 4662012 e aprovado segundo o parecer consubstanciado no 579930 de 11 de abril de 2014 e parecer consubstanciado de emenda no 839592 de 13 de outubro de 2014 A aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios e a realizaccedilatildeo de entrevistas seguiram portanto as recomendaccedilotildees contidas nessa resoluccedilatildeo tendo sido explicado ao participante os objetivos da pesquisa os riscos e benefiacutecios que sua colaboraccedilatildeo acarretaria o uso dos dados e das imagens A concordacircncia com estes termos e o consentimento para a realizaccedilatildeo da entrevista ou aplicaccedilatildeo do questionaacuterio e a produccedilatildeo de fotografias e viacutedeos foram expressas pelos entrevistados assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (em duas vias uma para o pesquisador e outra para o entrevistado) e o Termo de Autorizaccedilatildeo de Uso de Imagem Esses documentos encontram-se no apecircndice desse trabalho para consulta 13 O Google Docs eacute uma ferramenta da empresa de serviccedilos de internet Google que permite a elaboraccedilatildeo de questionaacuterios eletrocircnicos O link ou endereccedilo eletrocircnico do questionaacuterio eacute enviado via e-mail para os respondentes que o acessam Eles podem nesse questionaacuterio escrever as respostas dissertativas em campos especiacuteficos ou clicar nas opccedilotildees de respostas objetivas Ao finalizar o questionaacuterio os dados das respostas ficam armazenados e soacute pode ter acesso a eles o pesquisador com sua senha proacutepria Esses dados satildeo depois exportados para um computador em softwares proacuteprios para processamento de dados como o Microsoft Excel ou o Statistic Package for Social Science (SPSS) Essa ferramenta possui a vantagem de ser raacutepida confiaacutevel gratuita e de faacutecil manuseio para o pesquisador e o entrevistado aleacutem

105

roccedila que constavam da primeira lista elaborada a partir da pesquisa aleatoacuteria feita na

internet que continha 44 indiviacuteduos O envio dos formulaacuterios eletrocircnicos a esta amostra

foi realizado durante os meses de abril e maio de 2014 Foram enviados 37

questionaacuterios para os indiviacuteduos dessa amostra entre aqueles que foram encontrados e

que concordaram em participar da pesquisa Os questionaacuterios ficaram disponiacuteveis para o

entrevistado responder durante cerca de um mecircs e meio e o tempo de retorno dos

respondentes foi de no maacuteximo uma semana Entretanto apenas 7 entrevistados

retornaram seus questionaacuterios respondidos ou seja 19 dos questionaacuterios Embora seja

uma taxa de retorno bastante baixa ela eacute previsiacutevel sendo inclusive considerada uma

das principais limitaccedilotildees da aplicaccedilatildeo de questionaacuterios online quando comparada aos

outros meacutetodos de aplicaccedilatildeo de acordo com Vasconcellos e Guedes (2007) Como

exemplo estes autores citam a pesquisa realizada por Weible e Wallace (1998) na qual

num universo amostral de 800 indiviacuteduos a taxa de retorno de questionaacuterios que foram

enviados por e-mail foi de 24

Com o objetivo de abordar diretamente produtores distribuidores e

consumidores de produtos com a marca roccedila mas que por motivos de exequibilidade

da pesquisa pudessem ser encontrados num mesmo espaccedilo optou-se por selecionar

dois eventos que reunissem essas caracteriacutesticas A partir da lista de produtos e serviccedilos

com a marca roccedila coletada na pesquisa realizada na internet selecionou-se um desses

eventos o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila realizado todos os anos na cidade

de Gonccedilalves em Minas Gerais Aleacutem de atender aos criteacuterios anteriores percebeu-se a

possibilidade de acesso a esse evento para a realizaccedilatildeo da pesquisa a partir do momento

em que a secretaacuteria municipal de Turismo de Gonccedilalves contatada para responder ao

questionaacuterio online descreveu as caracteriacutesticas desse festival e do municiacutepio de

Gonccedilalves revelando uma seacuterie de especificidades que permitiram identificaacute-lo como

uma unidade de anaacutelise bastante ilustrativa para essa pesquisa Entre outras

caracteriacutesticas que seratildeo discutidas detalhadamente no quarto capiacutetulo destaca-se que o

municiacutepio de Gonccedilalves possui uma populaccedilatildeo rural de 724 dos seus 4220

habitantes segundo os dados do Censo Demograacutefico de 2010 e Sinopse do Censo

Demograacutefico 2010 (IBGE 2013 2015) e tem se tornado um atrativo turiacutestico na regiatildeo

de possibilitar que o questionaacuterio seja elaborado conforme os criteacuterios do pesquisador Como desvantagem destaca-se a necessidade de que o respondente tenha acesso agrave internet e um domiacutenio baacutesico do seu uso e as panes eletrocircnicas

106

da Serra da Mantiqueira proacutexima agrave divisa dos Estados de Minas Gerais e Satildeo Paulo

Gonccedilalves possui um conjunto de restaurantes e pousadas estabelecidos no campo

alguns destes administrados pelos agricultores e suas famiacutelias num regime de trabalho

que pode ser considerado de pluriatividade e tambeacutem possuiacutea agrave eacutepoca pelo menos

cinco estabelecimentos com a marca roccedila Durante o contato com a secretaacuteria e pelas

suas respostas no questionaacuterio supocircs-se que a cidade curiosamente havia construiacutedo o

seu capital turiacutestico em torno do conceito de roccedila o que posteriormente se confirmou

no trabalho de campo conforme seraacute demonstrado no capiacutetulo sobre esse evento Por

fim um Festival em que se propotildee promover a gastronomia e a cultura da roccedila sugeriria

tratar-se de um epifenocircmeno do tema estudado tornando-se portanto objeto desta

anaacutelise As entrevistas e a aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios foram realizadas em Gonccedilalves

entre os meses de setembro e novembro de 2014 e as condiccedilotildees de sua realizaccedilatildeo seratildeo

apresentadas detalhadamente no capiacutetulo sobre o Festival

O outro evento selecionado para a pesquisa foi o Mercado Central de Belo

Horizonte em Minas Gerais O Mercado Central foi fundado em 1929 e fica localizado

na regiatildeo central do municiacutepio considerado um dos pontos turiacutesticos e comerciais mais

procurados na capital mineira O Mercado possui cerca de 400 lojas de varejo dos mais

diversos tipos de produtos alguns tiacutepicos do Estado e de outras regiotildees do paiacutes

(MERCADO CENTRAL 2015) entre produtos alimentiacutecios bebidas utensiacutelios e

artesanatos de variadas origens e alguns marcadamente rurais De acordo com

Filgueiras (2006) o Mercado Central natildeo seria somente um diversificado centro

comercial Ele possui segundo o autor valores siacutembolos envolve haacutebitos e costumes

que representariam uma identidade do rural e do urbano e por isso se tornou um espaccedilo

representativo da histoacuteria da cultura e do turismo de Minas Gerais O puacuteblico que

frequenta o Mercado Central eacute formado entre outros por donas de casa representantes

de pequenas empresas trabalhadores do comeacutercio proacuteximo estudantes famiacutelias e

obviamente turistas De acordo ainda com Filgueiras (2006 p 133) o Mercado eacute uma

representaccedilatildeo do imaginaacuterio dos consumidores belo-horizontinos que consideram que

nele as praacuteticas de comeacutercio ainda satildeo tradicionais e ldquoque parece da roccedilardquo por ser

antigo e por envolver relaccedilotildees de ldquorespeito confianccedila amizade aleacutem de oferecer

qualidade seguranccedila tranquilidade originalidade e divertimentordquo Estas caracteriacutesticas

balizaram a escolha do Mercado Central para a aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios mesmo ele

natildeo figurando na referida lista de bens e serviccedilos com a marca roccedila Ainda assim o

107

Mercado possui atualmente dois estabelecimentos com a marca roccedila Os questionaacuterios

foram aplicados no mecircs de outubro de 2014 e as condiccedilotildees de realizaccedilatildeo da pesquisa no

Mercado seratildeo apresentadas detalhadamente no terceiro capiacutetulo desta tese

Os produtores e distribuidores que responderam ao questionaacuterio online ao

impresso e aqueles que concederam entrevistas eram em sua maioria de Belo

Horizonte ou de Gonccedilalves em Minas Gerais (12 e 17 respectivamente) Os outros

respondentes eram de cidades do interior dos Estados de Minas Gerais Satildeo Paulo

Goiaacutes e Distrito Federal um da regiatildeo metropolitana de Vitoacuteria-ES e um de Fortaleza-

CE conforme pode ser visualizado no seguinte graacutefico

GRAacuteFICO 6 ndash Residecircncia dos produtoresdistribuidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

A maioria dos respondentes eacute composta por mulheres (21 entre os 36

entrevistados) e tem como profissatildeo a gestatildeo da empresa ou comeacutercio seguidas pelo

grupo que se declarou atendentebalconistavendedor(a)gerente O restante se dividiu

em aacutereas de atuaccedilatildeo como engenharia arquitetura artesanato artes plaacutesticas docecircncia

jornalismo e domeacutestica nas seguintes proporccedilotildees

Gonccedilalves 17

Belo Horizonte 12

Fortaleza 1

Itajubaacute 1

Poccedilos de Caldas 1

Rio Verde 1

Satildeo Luis do Paraitinga

1

Vila Velha 1

Zona Rural DF 1

108

GRAacuteFICO 7 ndash Profissatildeo dos produtoresdistribuidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

A funccedilatildeo exercida no estabelecimento era majoritariamente a de

proprietaacuterio(a) balconistavendedor(a) gerente e cozinheiro(a)chef O restante se

declarou produtor(a) rural ocupa cargo na gestatildeo puacuteblica municipal diretor(a)

editor(a) artesatildeo(atilde) ou natildeo informou distribuiccedilatildeo que pode ser observada no graacutefico

que se segue

GRAacuteFIC O 8 ndash Funccedilatildeo exercida no estabelecimento pelos produtoresdistribuidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

A faixa etaacuteria ficou relativamente bem distribuiacuteda entre os 20 e os 80 anos com

uma ocorrecircncia maior de produtoresdistribuidores com idade entre 50 e 60 anos A

maioria dos respondentes tinha Ensino Superior completo alguns tendo cursado poacutes-

0

2

4

6

8

10

12

012345678

109

graduaccedilatildeo seguida por aqueles que concluiacuteram o Ensino Meacutedio que possuiacuteam o Ensino

Fundamental incompleto e o Ensino Superior incompleto conforme revelam os graacuteficos

abaixo

GRAacuteFICO 9 ndash Escolaridade dos produtoresdistribuidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

GRAacuteFICO 10 ndash Faixa etaacuteria dos produtoresdistribuidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

Os consumidores abordados que responderam ao questionaacuterio no Mercado

Central e no Festival apresentaram-se igualmente distribuiacutedos entre homens e mulheres

sendo a maioria proveniente da regiatildeo metropolitana de Belo Horizonte e do interior de

Satildeo Paulo O restante estava distribuiacutedo nas capitais de Satildeo Paulo ou do Rio de Janeiro

no interior de Minas Gerais e um em Joatildeo Pessoa-PB conforme se destaca no graacutefico

abaixo

0123456789

0

2

4

6

8

10

12

20 a 30anos

30 a 40anos

40 a 50anos

50 a 60anos

60 a 70anos

70 a 80anos

Natildeoinformou

110

GRAacuteFICO 11 ndash Residecircncia dos consumidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

A maioria dos entrevistados tinha menos de 40 anos de idade e curso superior

completo A ocupaccedilatildeo mais comum foi a de profissional liberal Os Graacuteficos 12 13 e 14

destacam o perfil socioprofissional dos respondentes

GRAacuteFICO 12 ndash Faixa etaacuteria dos consumidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

Regiatildeo Metropolitana de Belo Horizonte

13

Interior de Satildeo Paulo

10

Interior de Minas Gerais

4

Satildeo Paulo 2

Satildeo PauloInterior de

Minas Gerais 2

Interior do Rio de Janeiro

1

Joatildeo Pessoa 1

Rio de Janeiro 1

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

20 a 30

anos

30 a 40

anos

40 a 50

anos

50 a 60

anos

60 a 70

anos

70 a 80

anos

111

GRAacuteFICO 13 ndash Escolaridade dos consumidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

GRAacuteFICO 14 ndash Profissatildeo dos consumidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

Indagou-se a este grupo de respondentes que teve o seu perfil socioprofissional

descrito anteriormente onde eles e a famiacutelia nuclear tinham vivido a maior parte da

vida se no campo ou na cidade e qual a profissatildeo dos pais A maioria destes informou

ter vivido a maior parte da vida na cidade assim como os seus pais Nos graacuteficos

abaixo eacute possiacutevel verificar a origem dos consumidores e de seus pais

Ensino Teacutecnico

1

Fundamental incompleto

1

Meacutedio completo

6

Poacutes-graduaccedilatildeo 9

Superior completo

16

Superior incompleto

1

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

112

GRAacuteFICO 15 ndash Origem dos consumidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

GRAacuteFICO 16 ndash Origem dos pais dos consumidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

Os consumidores declararam serem oriundos de famiacutelia de profissionais liberais

donas de casa comerciantes e professores(as) entre outras profissotildees Uma minoria

relatou ser descendente de agricultores que viveram a maior parte da vida no campo Ou

seja trata-se de um puacuteblico basicamente citadino mas que busca referecircncias rurais

como consumidor como encontrado no trabalho de Eacuteboli (2007) e Silva G (2009) O

leque das profissotildees dos pais dos consumidores pode ser visto no graacutefico abaixo

Campo 7

Cidade 22

Ambos 5

Campo 2

Cidade 27

Ambos 5

113

GRAacuteFICO 17 ndash Profissotildees dos pais dos consumidores respondentes

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

Assim como foi feito com as marcas de produtos e serviccedilos com o termo roccedila

tambeacutem se implementou uma anaacutelise de conteuacutedo temaacutetica ou categoacuterica analisando-se

separadamente as respostas dos produtores e distribuidores de bens com a marca roccedila

de um lado e dos consumidores de outro As unidades de contexto utilizadas nessa

anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica foram selecionadas no caso dos

produtoresdistribuidores a partir de questotildees sobre os motivos de escolha da marca

roccedila para os bens que comercializam seus significados quais caracteriacutesticas do produto

ou serviccedilo atribuiacuteam agrave ideia de roccedila e sua relevacircncia para o puacuteblico consumidor Nas

respostas dos consumidores selecionou-se para a anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica

unidades de contexto referentes agraves questotildees sobre o haacutebito de consumir

produtosserviccedilos da roccedila sua preferecircncia em relaccedilatildeo a outros seus diferenciais e

significados aleacutem do pedido para citar de que produtosserviccedilos se tratavam Destas

unidades de contexto avaliou-se as unidades de registro relevantes na fala dos

entrevistadosrespondentes que pudessem ser confrontadas com as categorias analiacuteticas

seguindo-se os mesmos criteacuterios utilizados para a anaacutelise das marcas anteriormente

discutida

Tanto os produtoresdistribuidores quanto os consumidores de todas as

localidades afirmaram produzir vender eou consumir como produtos da roccedila ou com

a marca roccedila queijos leite produtos naturaisorgacircnicos frutas legumes cereais e

verduras doces mel rapadura cachaccedila fubaacute farinha objetos de decoraccedilatildeo ou

artesanato carnes (bovina suiacutena aves carne de sol linguiccedila peixes) ovos caipiras

cogumelos bolosbiscoitosquitandas cafeacute aacutegua pura da mina fogatildeo a lenha e lenha

02468

101214

114

Tambeacutem foram citados a cana de accediluacutecar e seus derivados como o etanol o melado o

accediluacutecar mascavo ou ldquoaccedilucratildeordquo aleacutem das jaacute mencionadas rapadura e cachaccedila No ramo

dos hortifruacuteti os mais citados foram couve alface cebolinha aboacutebora chuchu feijatildeo

milho mandioca tomate banana laranja jabuticaba ervas chaacutes e temperos

FIGURA 9 ndash Verduras no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 10 ndash Frutas no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 11 ndash ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo Gonccedilalves-MG

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

115

FIGURA 12 ndash Queijo artesanal no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 13 ndash Cachaccedilas no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 14 ndash Doces no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Embora a pergunta se referisse ao consumo de produtos e serviccedilos os

consumidores citavam apenas os produtos excluindo os serviccedilos que poderiam estar

atrelados agrave marca roccedila seja no ramo da cultura da gastronomia ou do turismo por

exemplo Por outro lado alguns cozinheiros ou chefs tanto do municiacutepio de Gonccedilalves

participantes do Festival quanto de outras localidades descreviam a comida que

116

serviam nos seus restaurantes como ldquocomida da roccedilardquo Eles descreviam-na como aquela

composta por arroz feijatildeo mandioca batata legumes cozidos como a abobrinha o

quiabo o chuchu e a moranguinha mostarda canjiquinha polentaangu frango caipira

carne de porco ou de lata14 paccediloca de carne socada no pilatildeo15 carne de vaca ao molho

tutu de feijatildeo aleacutem do trio torresmo feijatildeo e couve O tempero para eles consistiria

apenas no uso do alho e sal e do cheiro verde (salsa e cebolinha) considerados aqueles

disponiacuteveis nos quintais ou hortas das casas no campo tanto no presente quanto

antigamente As caracteriacutesticas atribuiacutedas pelos cozinheiros ou chefs agrave comida da roccedila

estatildeo diretamente relacionadas ao que classificam como comida mineira tratando-as de

forma anaacuteloga Muitos desses pratos citados coincidem com aqueles descritos por

Abdala (2007) perfazendo o que considera como o ldquotradicionalrdquo e ldquotiacutepico mineirordquo

como os legumes cozidos a couve o torresmo o angu o tutu de feijatildeo e o feijatildeo

tropeiro a paccediloca de farinha com carne e as carnes de porco e frango bem como as

quitandas

Alguns cozinheiros e chefs de restaurantes cafeacutes e lanchonetes em Gonccedilalves

proprietaacuterios de estabelecimentos com a marca roccedila destacam o fato de utilizarem

como mateacuterias-primas dos seus pratos produtos orgacircnicos certificados ou pelo menos

cultivados por eles mesmos ou por agricultores locais sem a utilizaccedilatildeo de insumos

quiacutemicos (agrotoacutexicos) frescos ou minimamente processados conforme atesta o

seguinte relato de uma entrevistada

A gente soacute trabalha com ingredientes e receitas artesanais eacute tudo daqui da regiatildeo Por isso que eacute roccedila eacute o que Gonccedilalves produz Entatildeo o que a gente compra industrializado eacute o miacutenimo soacute o que natildeo eacute produzido na cidade farinha oacuteleo O resto todos os ingredientes satildeo daqui da cidade Satildeo da roccedila de Gonccedilalves Eacute totalmente artesanal A gente desenvolve os nossos produtos com a produccedilatildeo local a nossa salada eacute de um produtor local de orgacircnicos todos os temperos usados satildeo produzidos aqui no nosso quintal Noacutes natildeo podemos dizer que eacute tudo orgacircnico porque nem todos os produtores tecircm esse selo A palavra roccedila traz para o meu empreendimento a garantia eu acho para quem vem consumir de que eacute feito o mais natural possiacutevel o mais fresco possiacutevel o mais verdadeiro possiacutevel Entatildeo a gente tem um

14 A carne de lata ou carne na banha consiste no processo de fritar os pedaccedilos de carne suiacutena e conservaacute-los por alguns meses dentro de uma lata de alumiacutenio imersa na proacutepria banha ou gordura do porco Costumava ser uma praacutetica recorrente entre as famiacutelias camponesas no interior de Satildeo Paulo e Minas Gerais cujo exemplo eacute citado na obra de Antonio Candido (2010) 15 Espeacutecie de farofa feita com pedaccedilos de carne bovina

117

cardaacutepio sazonal vai de acordo com o que a natureza fornece (Proprietaacuteria de restaurante Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Nesta citaccedilatildeo roccedila aparece como um qualificativo de autecircntico daquilo que tem

identidade por ser local artesanal natural e por natildeo ser massificado industrializado

(DORIGON 2008 TAYLOR 2011 WILKINSON 2008) Tambeacutem satildeo relacionados

como produtos da roccedila pelos produtoresdistribuidores bolos broas e biscoitos

chamados de forma geneacuterica em Minas Gerais de quitandas ou quitutes Foram

citados especialmente ldquoa broa de fubaacute de milho o biscoito de forno agrave lenhardquo e ldquoo cafeacute

passado no coador e servido com um pedacinho de rapadurardquo Os produtores artesatildeos

em Gonccedilalves elencam tambeacutem os artesanatos especialmente as cestarias cujas

mateacuterias-primas consideram originaacuterias da roccedila como a palha do milho a fibra da

bananeira o bambu a taquara e a taboa No Mercado Central os distribuidores de

utensiacutelios domeacutesticos peccedilas de decoraccedilatildeo e artesanato assinalam como produtos da

roccedila as panelas de ferro gamelas utensiacutelios em aacutegata ldquoque lembram a avoacuterdquo tachos de

cobre moedores de cafeacute ldquoque lembram siacutetio e fazendardquo decoraccedilotildees para a aacuterea de

churrasqueira e fogatildeo a lenha peccedilas artesanais como por exemplo monjolos cabeccedilas

de boi casinhas da roccedila (espeacutecie de quadro de pequeno porte com montagens que

encenam uma casa rural)

FIGURA 15 ndash Quitandas no Festival de Gonccedilalves-MG

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

118

FIGURA 16 ndash Artesanato e cestaria em Gonccedilalves-MG

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 17 ndash Utensiacutelios em aacutegata no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 18 ndash Panelas de cobre no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

119

FIGURA 19 ndash Gamelas no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 20 ndash ldquoCasinha da roccedilardquo no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Conforme se pode perceber na pesquisa de campo a partir das declaraccedilotildees dos

entrevistadosrespondentes o universo de classificaccedilatildeo de produtos e serviccedilos foi

ampliado uma vez que natildeo se limitou apenas agrave questatildeo da marca roccedila mas tambeacutem aos

produtos considerados genericamente ldquoda roccedilardquo independentemente de ter essa marca

ou natildeo como havia sido inicialmente delineado nesta pesquisa Isto tem uma razatildeo na

perspectiva dos produtoresdistribuidores e consumidores que seraacute explicitada adiante

e se enquadra na discussatildeo a respeito do emergente mercado de produtos alimentares

tradicionais e artesanais (CRUZ MENASCHE 2011 SANTOS J 2014

WILKINSON MIOR 1999)

A aplicaccedilatildeo da anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica agraves respostas dos

produtoresdistribuidores de produtos e serviccedilos com a marca roccedila obedeceu aos

mesmos criteacuterios que orientaram a anaacutelise das marcas conforme jaacute se ressaltou ou seja

partiu-se dos apontamentos teoacutericos para a criaccedilatildeo das categorias classificatoacuterias No

entanto assim como se procedeu na anaacutelise das marcas a elaboraccedilatildeo das categorias

tambeacutem levou em consideraccedilatildeo as ocorrecircncias relativas aos dados empiacutericos Nesse

sentido confirmou-se a interpretaccedilatildeo construiacuteda neste trabalho sobre as marcas com o

120

termo roccedila a partir da anaacutelise de conteuacutedo com as respostas dos produtores

distribuidores e consumidores sobre os usos e significados deste termo nos bens e

serviccedilos Este pareamento permitiu perceber as mesmas tendecircncias entre as duas

anaacutelises com algumas nuances que seratildeo discutidas adiante Em geral as categorias se

repetiram conforme eacute possiacutevel notar nos Quadros 5 e 6 a seguir

QUADRO 5 ndash Categorias dos significados dos produtosserviccedilos com a marca roccedila segundo os produtoresdistribuidores

CAMPO

RURAL

NATUREZA

TRADICcedilAtildeO

ROMAcircNTICO-NOSTAacuteLGICA

MINAS GERAIS

aacuterea rural cultura natureza como funcionava antigamente

nostaacutelgico tiacutepico da alimentaccedilatildeo

mineira siacutetio modo de vida alimento sem

agrotoacutexico tiacutepico canto tranquilo arquitetura

das casas das antigas

fazendas mineiras

antiga fazenda

homem rural alimento sem quiacutemica

comida tiacutepica paz

lavoura cultura do sertatildeo

brasileiro

orgacircnico resgata a origem interiorana

aconchego

agronegoacutecio raiacutezes lembraremete agrave infacircncia

procedecircncia do interior

fartura lembraremete agrave fazenda

simplicidade lembraremete ao interior

ruacutestico lembraremete ao campo

sabor uacutenico lembraremete agrave tranquilidade do

interior

artesanalcaseiro lembraremete agraves feacuterias nas

casas das avoacutes

produccedilatildeo caseira versus

produccedilatildeo industrial

lembraremete agrave eacutepoca em que

morava na fazenda

produccedilatildeo manual

natildeo tem seloroacutetulo

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

121

As categorias das respostas dos produtoresdistribuidores a respeito dos

significados do termo roccedila nas marcas foram as mesmas inferidas para a anaacutelise de

conteuacutedo das marcas feitas anteriormente nos seguintes casos ldquoRoccedila como sinocircnimo

de campordquo ldquoRoccedila como sinocircnimo de ruralrdquo ldquoRoccedila como naturezardquo ldquoRoccedila como

tradiccedilatildeordquo ldquoRoccedila romacircntico-nostaacutelgicardquo e ldquoRoccedila como referecircncia agrave Minas Geraisrdquo As

categorias ldquoRoccedila estilizadardquo e ldquoRoccedila caipirardquo que figuraram no resultado da anaacutelise de

conteuacutedo das marcas natildeo foram identificadas nas respostas dos

produtoresdistribuidores As palavras consideradas para serem inclusas nas categorias

ldquocampordquo ldquoruralrdquo e ldquotradiccedilatildeordquo apresentaram uma maior diversidade que aquelas do

repertoacuterio das marcas A maior variedade do vocabulaacuterio deve-se ao fato de tratarem-se

no caso das entrevistas de gecircneros do discurso simples ou seja oral e complexo ou

escrito no caso das marcas conforme jaacute discutido com base em Bakhtin (2003)

Da mesma forma a anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica das respostas dos

consumidores considerou os aportes teoacutericos Poreacutem ao se considerar os dados

empiacutericos notaram-se alguns diferenciais e a emergecircncia de uma gama de significados

que levaram agrave constituiccedilatildeo de novas categorias embora algumas tenham se repetido

conforme ilustra o Quadro 6 abaixo

122

QUADRO 6 ndash Categorias dos significados dos produtosserviccedilos com a marca roccedila segundo os consumidores

NATUREZA TRADICcedilAtildeO ROMAcircNTICO-NOSTAacuteLGICA

LOCAL ORIGEM VALOR

natural eacute melhor que

industrializado

tradicional infacircncia ligaccedilatildeo com o loacutecus

geograacutefico

origem dar valor

menos conservantes

original gostoso produccedilatildeo local

procedecircncia valorizar o pequeno produtor

menos agrotoacutexicos

artesanal cultura local

interior valor que a famiacutelia deu ao

plantar e cuidar da terra

menos quiacutemicos

como foi feito artesanato com a

esteacutetica local

saber de onde vem o industrial natildeo se sabe

confianccedila

natildeo transgecircnico

manuseio sustentar a economia

local

qualidade

ser da terra feito agrave matildeo selo garantia e

rastreabilidade

na cidade grande eacute tudo

embalado

feito pelo proacuteprio

vendedor

informaccedilatildeo preccedilo e

alimento orgacircnico modo simples

e familiar de produzir

fresco confecccedilatildeo com esmero

versus industrial em larga escala

sauacutedesaudaacutevel saborsaboroso

qualidade de vida

puro

energia pura

vidavitalidade

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

Nota-se uma convergecircncia entre produtoresdistribuidores e consumidores ao

classificarem um produtoserviccedilo da roccedila a partir de atributos que os identificam agrave

tradiccedilatildeo ao aspecto natural e a uma visatildeo romacircntica e nostaacutelgica do que significam

esses produtos Entretanto percebeu-se algumas diferenccedilas na classificaccedilatildeo dos

123

produtosserviccedilos da roccedila entre os produtoresdistribuidores e os consumidores

Enquanto os primeiros costumavam justificar a escolha da marca roccedila para seu produto

ou serviccedilo devido ao fato de seu estabelecimento se localizar no campo os

consumidores tendiam a apontar como atributo desses produtos o fato de serem locais

em detrimento da sua identificaccedilatildeo rural O uso do termo local pelos consumidores pode

se referir ao produtoserviccedilo proveniente do campo mas tambeacutem pode se referir agrave

cidade de pequeno porte e vocaccedilatildeo rural ao interior ao regional e agrave identidade

comunitaacuteria De acordo com Lamine (2015) a perspectiva da relocalizaccedilatildeo tem sido

uma alternativa possiacutevel aos sistemas agroalimentares convencionais uma vez que seu

foco reside na relaccedilatildeo direta entre produtores e consumidores embora esta autora teccedila

uma criacutetica aos limites desse paradigma que seratildeo discutidos posteriormente

Os consumidores tambeacutem mencionaram dados que consideram levar em conta

na tomada de decisatildeo para consumir um produto da roccedila tais como preccedilo informaccedilotildees

qualidade confianccedila garantia selo e rastreabilidade Esses dados satildeo considerados

pelos consumidores no julgamento do valor que estatildeo dispostos a pagar pelo produto

principalmente pela forma como foi produzido em termos ambientais sociais e

econocircmicos tratando-se de um processo natildeo soacute de valoraccedilatildeo mas tambeacutem de

valorizaccedilatildeo e reconhecimento de determinadas praacuteticas produtivas nos termos do que

apontaram Baudrillard (1972) e Sahlins (2003) a respeito de como o valor social

determina o valor econocircmico dos bens E assim como jaacute havia sido constatado no caso

da anaacutelise leacutexico-sintaacutetica das marcas com o termo roccedila a origem eou procedecircncia dos

bens satildeo atributos estimados pelos consumidores e estatildeo para estes associados agrave

palavra roccedila e tambeacutem satildeo considerados em termos da valorizaccedilatildeo do que seraacute

consumido como apontou Santos (2014) Nesse sentido aleacutem das categorias ldquoRoccedila

como naturezardquo ldquoRoccedila como tradiccedilatildeordquo e ldquoRoccedila romacircntico-nostaacutelgicardquo jaacute identificadas

nas marcas e nas respostas dos produtoresdistribuidores entrevistados para as respostas

dos consumidores diante dos dados apresentados constituiu-se as categorias ldquoRoccedila

como sinocircnimo de localrdquo ldquoRoccedila como indicaccedilatildeo de origemrdquo e ldquoRoccedila como um valorrdquo

Os produtoresdistribuidores atribuiacuteram ao seu produto ou serviccedilo um roacutetulo

com o uso do termo roccedila referindo-se tambeacutem ao fato de seus estabelecimentos

estarem localizados num siacutetio fazenda no campo no interior ou vinculados agrave lavoura

Nesse caso demonstra-se a reproduccedilatildeo do sentido primaacuterio da palavra roccedila identificado

pelos estudos das Ciecircncias Sociais roccedila como sinocircnimo de lavoura e por metoniacutemia de

124

campo Mas o argumento mais utilizado pelos produtoresdistribuidores foi o de que seu

produto ou serviccedilo teria uma caracteriacutestica ligada ao que se considera como tradicional

revestido de imaginaacuterio e memoacuterias que ganham um tom nostaacutelgico e romacircntico Essa

dimensatildeo nostaacutelgica e romacircntica identificada nas analogias feitas pelos

produtoresdistribuidores em relaccedilatildeo agrave marca roccedila eacute encontrada nos apelos agrave memoacuteria

(pela proacutepria palavra nostalgia e pelas declaraccedilotildees de que roccedila remetelembra a infacircncia

a fazenda o campo o interior as feacuterias na casa das avoacutes) e tambeacutem agrave imaginaccedilatildeo (o

aconchego a tranquilidade e a paz) no sentido de que se projeta a possibilidade de viver

esses estados de espiacuterito no campo nos termos que foram discutidos por Silva (2009) a

respeito dos leitoresassinantes paulistanos da Revista Globo Rural

O apelo agrave tradiccedilatildeo ao saber-fazer artesanal presentes na fabricaccedilatildeo do produto

ou na prestaccedilatildeo do serviccedilo teria assim a pretensatildeo de reviver dimensotildees relativas ao

ldquojeito como era antesrdquo Nesse sentido percebe-se como a tradiccedilatildeo entendida aqui nos

termos de Karl Mannheim (1986) como uma tendecircncia dos indiviacuteduos ou grupos a se

apegar a velhas formas de vida sendo contraacuterio agraves mudanccedilas pode ser percebida na fala

dos produtores ao situarem a produccedilatildeo caseira ou artesanal num patamar hieraacuterquico

superior ao processo industrial Mannheim (1986) tambeacutem aponta para a presenccedila de

elementos maacutegicos da consciecircncia aos quais a tradiccedilatildeo estaria relacionada o que no

caso dos produtoresdistribuidores se expressa na visatildeo romacircntica e nostaacutelgica de que

os bens da roccedila teriam os atributos referentes agrave infacircncia ao campo agrave tranquilidade agraves

lembranccedilas da casa da avoacute ou da vida na fazenda Por outro lado pode-se perceber que

mesmo os produtos ou serviccedilos elaborados de forma industrializada eou sofisticada

tambeacutem eram classificados como tradicionais segundo criteacuterios proacuteprios o que

corrobora com a afirmaccedilatildeo de Lifschitz (2011) a respeito do uso de meios de produccedilatildeo

modernos para criar elementos tradicionais como uma estrateacutegia de resistecircncia poliacutetica

Esse comportamento ficou evidente e pode ser ilustrado pela forma como uma atendente

descreveu os criteacuterios para considerar uma cachaccedila como sendo da roccedila

Satildeo dois tipos de cachaccedila uma de pequena produccedilatildeo de alambique de cidade do interior considerada como cachaccedila da roccedila (artesanal) mas eacute selada e rotulada a outra eacute industrializada utiliza marketing eacute uma empresa grande e a cachaccedila pode ser encontrada em qualquer supermercado pois eacute de larga distribuiccedilatildeo As primeiras tecircm gostinho da cana satildeo armazenadas nos barris de madeiras como baacutelsamo carvalho e umburana Em Salinas-MG haacute mais de 200 alambiques de pequena produccedilatildeo (Atendente de cachaccedilaria do Mercado Central Belo Horizonte outubro de 2014)

125

A contraposiccedilatildeo feita pelos produtoresdistribuidores entre o tradicional e o

industrial passa tambeacutem pela designaccedilatildeo do ldquotiacutepicordquo das raiacutezes e do apelo agraves origens

que tecircm certa conexatildeo com as ideias por eles expressas a respeito do ldquotiacutepico mineirordquo e

da roccedila como uma cultura um modo de vida que representaria o ldquohomem ruralrdquo ou a

ldquocultura do sertatildeordquo Este modo de vida tiacutepico mineiro ou natildeo se pauta para estes

produtoresdistribuidores no saber-fazer que se relacionaria ao fato de estarem

localizados realmente no campo de produzirem em pequena escala com mateacuteria-prima

local com teacutecnicas antigas informadas por saberes populares sem uso de tecnologia

sem rotulagem Essas caracteriacutesticas satildeo traduzidas pela expressatildeo produccedilatildeo

artesanalcaseira que costumam ainda estar relacionadas agraves caracteriacutesticas naturais do

produto ou seja sem uso de insumos quiacutemicos

Assim como apontaram os produtoresdistribuidores os consumidores tambeacutem

sinalizaram como criteacuterio de identificaccedilatildeo de um produto ou serviccedilo da roccedila aqueles

oriundos da produccedilatildeo caseira ou artesanal sempre indicando como seu polo oposto a

produccedilatildeo industrial Nesse sentido uma expressatildeo natildeo esperada que sintetizasse essa

visatildeo foi o fato de principalmente os consumidores considerarem que o uso da marca

roccedila natildeo seria garantia de que o produto fosse realmente da roccedila de acordo com seus

proacuteprios criteacuterios de classificaccedilatildeo Essa visatildeo apareceu de diferentes formas dividindo

os consumidores entre aqueles que i) consideram a marca roccedila o marcador necessaacuterio

para indicar o produto que busca portanto auxiliando a sua identificaccedilatildeo ii) aqueles

que consideram que soacute o fato de existir a marca jaacute indicaria que o produto era resultado

de um processo industrial e portanto natildeo poderia ser classificado como da roccedila iii)

aqueles que natildeo consumiriam um produto com a marca roccedila mas consumiriam um

produto ldquodardquo roccedila e iv) aqueles que ateacute consumiriam um produto com a marca roccedila

mas avaliariam sua origem procedecircncia qualidade e o contexto local Boa parte dos

consumidores e ateacute mesmo alguns produtoresdistribuidores baseados nas preferecircncias

de seus consumidores declararam que para considerarem um produto como original da

roccedila ele natildeo deveria ser embalado rotulado eou ldquoseladordquo Esta era uma forma geneacuterica

dos entrevistados especialmente os consumidores expressarem a sua preferecircncia por

alimentos natildeo industrializados nem mesmo os minimamente processados Identificou-

se nesse caso um contraste entre as preferecircncias dos consumidores e as regulaccedilotildees do

mercado quanto a embalagens rotulagens registro de marcas selos certificaccedilotildees e

fiscalizaccedilatildeo dos oacutergatildeos competentes

126

No Brasil a embalagem e a rotulagem dos alimentos em geral possuem uma

seacuterie de regulamentaccedilotildees que satildeo definidas e fiscalizadas por diversos oacutergatildeos

governamentais tais como a Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria (ANVISA) por

meio da Resoluccedilatildeo RDC no 2592002 o Ministeacuterio da Sauacutede o Ministeacuterio da

Agricultura Pecuaacuteria e Abastecimento (MAPA) e o Instituto Nacional de Metrologia

Normalizaccedilatildeo e Qualidade Industrial (INMETRO) Foi entendido que o termo ldquoselordquo

conforme relatado pelos consumidores se trata de maneira geral de um tipo de

identificaccedilatildeo na embalagem ou roacutetulo que confere ao produto procedecircncia de origem

qualidade e ateacute mesmo certificaccedilatildeo no caso de um produto orgacircnico O MAPA

desenvolve uma seacuterie de accedilotildees atraveacutes de regulamentaccedilotildees especiacuteficas para cada tipo de

produto com o objetivo de garantir a legitimidade de informaccedilotildees sobre o produto e a

empresa e os padrotildees de certificaccedilatildeo orgacircnica e qualidade da mateacuteria-prima e produccedilatildeo

de acordo com padrotildees oficiais (MAPA 2015)

Acredita-se que os consumidores ao menos aqueles entrevistados nesta

pesquisa dominem minimamente informaccedilotildees a respeito dos padrotildees de inspeccedilatildeo e

qualidade que regem o processo industrial no Brasil e a legitimidade dos dados contidos

nos roacutetulos dos produtos Supotildee-se que sua negaccedilatildeo agraves marcas roacutetulos embalagens

ldquoselosrdquo e de forma intriacutenseca ao produto industrial preterindo-o no lugar do

caseiroartesanal tradicional e natural seja uma criacutetica agrave forma de vida na sociedade

moderna industrial e urbanizada comparando-a a um modo de vida mais simples puro

natural e bucoacutelico assim como relataram Eacuteboli (2007) Elias (2001) Silva (2009) e

Williams (2011) em diferentes contextos e sociedades Nesse sentido a principal

referecircncia dos consumidores a respeito dos produtos da roccedila eacute a sua associaccedilatildeo com a

natureza

A relaccedilatildeo que os consumidores fazem entre o produto da roccedila e a natureza

baseia-se numa contraposiccedilatildeo entre este e o produto industrializado Portanto a

concepccedilatildeo de um produto natural para os consumidores estaacute associada agraves suas

condiccedilotildees de produccedilatildeo ldquosem agrotoacutexicosrdquo ldquosem quiacutemicardquo ldquomenos conservantesrdquo

ldquoorgacircnicordquo ldquonatildeo eacute transgecircnicordquo Por isso as ideias de roccedila como natureza nas respostas

dos consumidores vinham diretamente atreladas agrave tradiccedilatildeo em termos da produccedilatildeo

ldquoartesanalrdquo ldquocaseirardquo ldquofeita agrave matildeordquo ldquoconfecccedilatildeo com esmero ao contraacuterio do

industrialrdquo ldquomodo simples e familiar de produzirrdquo daiacute sua associaccedilatildeo com o local e a

procedecircncia A preferecircncia demonstrada pelos consumidores por consumir um produto

127

ldquoda roccedilardquo em detrimento ao industrializado revela a sua associaccedilatildeo com ideais como

ldquopurordquo ldquovitalrdquo ldquoenergia purardquo ldquofrescordquo pautando-se natildeo soacute por uma preocupaccedilatildeo com

a sauacutede e a qualidade de vida e a conservaccedilatildeo ambiental mas fazendo mesmo um

contraponto agrave sociedade industrial ldquomelhor que o industrialrdquo ldquosabe de onde vem o

industrial natildeo se saberdquo Essas ideias entrelaccedilam-se agrave postura dos consumidores quanto agrave

ldquoconfianccedilardquo ldquooriginalidaderdquo ldquoqualidaderdquo e autenticidade que o produto da roccedila parece

despertar em suas consciecircncias o que determina seu processo de valoraccedilatildeo por meio do

consumo como uma forma de valorizar um determinado modo de vida e de produccedilatildeo

marcado pela ldquosimplicidaderdquo ldquopelo esmerordquo ldquopela forma familiarrdquo pelo ldquofeito agrave matildeordquo

pelo ldquocuidado com a terrardquo e pelo ldquovalor que a famiacutelia deu ao plantar e cuidar da terrardquo

Esses valores que a ldquoproacutepria famiacutelia deu ao plantarrdquo parecem ser transferidos para a

valor(iz)accedilatildeo do produto da roccedila pelo consumidor

Nesse sentido a forte associaccedilatildeo feita pelos consumidores entre o produto

alimentar da roccedila e a natureza encontra correspondecircncia no processo de triangulaccedilatildeo

proposto pelo paradigma dos sistemas agroalimentares territoriais de Lamine (2015)

que reconecta o alimento a agricultura e o meio ambiente O significado de roccedila parece

corresponder a essa triacuteade na visatildeo dos consumidores O que as respostas desses

consumidores traduzem portanto enquanto significado da roccedila eacute a percepccedilatildeo de um

rural natureza nos termos como o descreveram Anjos e Caldas (2014) e Eacuteboli (2007)

que adquire um novo valor a partir de suas novas funccedilotildees ligadas agrave conservaccedilatildeo

ambiental conforme indicam autores como Abramovay (1994) e Entrena-Duraacuten (2012)

engendrando novas dinacircmicas no campo e reinventando o imaginaacuterio de um rural

revalorizado Ao se confrontar as categorias de significados que resultaram da anaacutelise

de conteuacutedo categoacuterica ou temaacutetica sobre as marcas com o termo roccedila e as respostas dos

produtoresdistribuidores e consumidores dessa marca depara-se com o seguinte

quadro que revela a presenccedila dessa categoria e o grau de associaccedilatildeo com cada

significado para cada unidade estudada

128

QUADRO 7 ndash Comparaccedilatildeo das categorias de significados CAMPO RURAL NATUREZA TRADICcedilAtildeO ROMAcircNTICO-

NOSTAacuteLGICA

ROCcedilA

ESTILIZADA

MINAS

GERAIS

CAIPIRA

Marcas +++ ++ + + +++ +++ + +

Produtores

eou

distribuidores

+ + + +++ +++ +

Consumidores +++ +++ +

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

Desse quadro pode-se inferir que a anaacutelise dos significados das marcas de

produtos e serviccedilos com o nome roccedila revelou que a maior parte delas sugere uma

associaccedilatildeo com a ideia de que roccedila denotava campo no sentido de espaccedilo fiacutesico e

menos fortemente rural no sentido de modo de vida Se por um lado na marca

sugeria-se uma imagem romacircntica e nostaacutelgica por meio da palavra roccedila por outro

tambeacutem se indicava que natildeo era uma roccedila ldquoatrasadardquo ldquojecardquo ldquosubdesenvolvidardquo mas

moderna sofisticada urbanizada traduzida na ideia de uma ldquoroccedila estilizadardquo Entre os

produtores e distribuidores de bens e serviccedilos com a marca roccedila as ideias mais

associadas ao uso dessa palavra no seu ramo de atividades eram aleacutem de romantismo e

nostalgia tradiccedilatildeo especialmente no que tange a uma forma de produzir conforme o

jeito antigo artesanal Entre os consumidores de produtos e serviccedilos com a marca roccedila

ou simplesmente da roccedila os significados mais presentes tambeacutem remetiam agrave tradiccedilatildeo

enquanto modo artesanal e simples de se produzir mas principalmente de natureza

Ao confrontar os significados mais fortemente associados agrave palavra roccedila como

marca de produtos e serviccedilos nas trecircs esferas analisadas pode-se afirmar que o uso dessa

categoria materializada nos objetos de consumo transmitiu como significado

principalmente a origem destes resultado da produccedilatildeo agriacutecola feita no ldquocampordquo Mas

assim como assinala Santos F (2006) a palavra roccedila eacute sinocircnimo de rural mas natildeo de

qualquer rural Aqui tambeacutem ela denotou um produto feito pelos pequenos proprietaacuterios

e suas famiacutelias que produzem conforme um modo de vida que pode ser sintetizado

como ldquorural e tradicionalrdquo marcado pela produccedilatildeo em pequena escala sem uso de

tecnologias que resultam num produto ldquonaturalrdquo e numa relaccedilatildeo proacutepria com a

ldquonaturezardquo que por se diferir do modelo de vida contemporacircneo reveste-se de uma

imagem ldquoromacircntica e nostaacutelgicardquo E se a anaacutelise de indicou um conjunto de marcas que

mesclam a roccedila com o urbano o estrangeiro e a sofisticaccedilatildeo que se traduz como

129

ldquoestilizadardquo pode-se tambeacutem pensar de que maneira esse significado tambeacutem natildeo

sugere que preferir oferecer ou consumir um produto ou serviccedilo da roccedila ldquovindo do

campo natural tradicional e nostaacutelgicordquo denota um ldquoestilordquo recheado de valores

130

3 O MERCADO CENTRAL O CANTINHO DA ROCcedilA NA CAPITAL

MINEIRA

31 O mercado e a nova capital

Conforme jaacute foi exposto um dos loacutecus escolhido para a pesquisa de campo

onde se efetuou a observaccedilatildeo participante e a aplicaccedilatildeo de questionaacuterios a produtores

distribuidores e consumidores de produtos e serviccedilos com a marca roccedila foi o Mercado

Central tradicional mercado de alimentos bebidas e artesanato de Belo Horizonte em

Minas Gerais A histoacuteria do Mercado Central confunde-se com a histoacuteria desta capital

que foi construiacuteda de forma planejada no final do seacuteculo XIX O Mercado eacute hoje

considerado um dos siacutembolos de Belo Horizonte por isso seraacute feita uma breve

explanaccedilatildeo nas proacuteximas paacuteginas sobre a construccedilatildeo da capital mineira e como o

Mercado Central figura na histoacuteria da cidade delineando suas caracteriacutesticas

consideradas relevantes para esta pesquisa

Belo Horizonte capital do estado de Minas Gerais localiza-se na regiatildeo Central

e faz parte da Microrregiatildeo Metropolitana de acordo com as informaccedilotildees

disponibilizadas no site do Estado sob o tiacutetulo Regiotildees de Planejamento (MINAS

GERAIS 2015) composta por 34 municiacutepios conforme constava na seccedilatildeo Regiatildeo

Metropolitana de Belo Horizonte disponiacutevel no site da prefeitura (PREFEITURA

MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE 2015) A populaccedilatildeo de Belo Horizonte era de

2375151 habitantes em 2010 sendo totalmente urbana (IBGE 2015) e somada agrave

populaccedilatildeo da regiatildeo metropolitana perfaz um total de 5414701 residentes segundo as

informaccedilotildees da seccedilatildeo BH em nuacutemeros da paacutegina virtual da prefeitura (PREFEITURA

MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE 2015)

131

FIGURA 21 ndash Localizaccedilatildeo de Belo Horizonte-MG

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira no software QGIS 21 utilizando o banco de dados

ldquoLimitesrdquo da Base Cartograacutefica Vetorial do Brasil (BASE [2007]) disponibilizado pelo portal de mapas do IBGE no endereccedilo

ftpgeoftpibgegovbrmapeamento_sistematicobase_vetorial_continua_escala_250mil Acesso em 04 ago 2015

A cidade de Belo Horizonte foi criada em 1897 para ser a nova capital de Minas

Gerais que ateacute entatildeo se sediava na cidade histoacuterica de Vila Rica atual Ouro Preto A

transferecircncia da capital mineira passou a ser fortemente debatida a partir de 1890

impulsionada pela Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica em 1889 num contexto poliacutetico e

intelectual marcado pelo republicanismo e federalismo e pautado no discurso positivista

de ldquoordem e progressordquo ldquoliberdaderdquo ldquociecircnciardquo ldquomoralidaderdquo ldquohigienismordquo e

ldquoracionalidaderdquo numa tentativa de romper com o passado histoacuterico escravocrata

monarquista e arcaico (BRAGA 2010 FILGUEIRAS 2006)

Embora algumas justificativas de mudanccedila da capital mineira centravam-se nas

limitaccedilotildees impostas pela topografia e pela arquitetura de Ouro Preto que traziam

obstaacuteculos a obras de saneamento e expansatildeo urbana conforme Borsagli (2010) autores

como Braga (2010) Filgueiras (2006) e Souza e Chaves (2011) ressaltam as disputas

poliacuteticas e de poder que envolveram a transferecircncia do centro poliacutetico-administrativo de

Minas Gerais No seacuteculo XIX a vida econocircmica na regiatildeo de Ouro Preto havia passado

132

por uma readaptaccedilatildeo devido agrave decadecircncia da exploraccedilatildeo de ouro enquanto outras

regiotildees do Estado como a Zona da Mata e o Sul prosperavam por meio da produccedilatildeo

agriacutecola surgindo nesses espaccedilos lideranccedilas poliacuteticas que contrabalanccedilavam o poder

centralizado na capital Nesse sentido a distacircncia e as limitaccedilotildees de comunicaccedilatildeo e

transporte dificultavam a integraccedilatildeo e o intercacircmbio entre as regiotildees proacutesperas e o

centro poliacutetico administrativo mineiro motivando a proposta de mudanccedila da capital

pelo grupo que ficou conhecido como ldquomudancistasrdquo Num primeiro momento havia o

desejo de sediar a capital do Estado em cidades pertencentes agraves regiotildees da Zona da Mata

e Sul intenccedilatildeo que natildeo foi concretizada jaacute que o planejamento de mudanccedila da capital

apresentou como soluccedilatildeo a construccedilatildeo da nova sede no Arraial Curral Del Rey na

regiatildeo central do Estado (BRAGA 2010 FILGUEIRAS 2006 SOUZA CHAVES

2011) Aleacutem dessas motivaccedilotildees Braga (2010) aponta para a existecircncia jaacute nos fins do

seacuteculo XIX de um desejo de preservaccedilatildeo do patrimocircnio histoacuterico e cultural no Brasil

cujo foco inicial era Ouro Preto defendido principalmente pelos representantes do ldquonatildeo-

mudancismordquo ou seja pelo grupo que lutava contra a mudanccedila da capital de Ouro

Preto

A nova capital Belo Horizonte chamada na eacutepoca de Cidade de Minas foi

inaugurada em 1897 sendo a primeira capital planejada no Brasil De acordo com

Filgueiras (2006) o primeiro Mercado Municipal de Belo Horizonte foi construiacutedo em

1900 para suprir o abastecimento da cidade que ateacute entatildeo era feito pelas colocircnias

agriacutecolas que existiam nos arredores da capital pelo comeacutercio ambulante e pelas

mercearias da iniciativa privada de secos e molhados Apesar deste mercado ter sido

ampliado em 1913 para atender agrave demanda crescente devido ao aumento da populaccedilatildeo

em 1920 a cidade passou por uma crise de abastecimento o que gerou pressotildees

puacuteblicas pela garantia da oferta de produtos alimentiacutecios na cidade conforme aponta a

mesma autora Neste contexto em 1929 criou-se o novo Mercado no local onde se

encontra o atual Mercado Central visando resolver estes problemas de abastecimento

bem como as condiccedilotildees de ldquohigienerdquo e esteacutetica precarizadas no antigo mercado

Visando ainda incentivar uma maior ocupaccedilatildeo do centro da cidade o Mercado foi

estrategicamente construiacutedo na regiatildeo central num quarteiratildeo onde se localizava um

antigo campo de futebol proacuteximo agrave Praccedila Raul Soares entre as ruas Goitacazes

Curitiba Santa Catarina e Avenida Augusto de Lima o que lhe confere oito entradas

133

distintas tambeacutem possibilitadas pelo seu formato labiriacutentico (SARAIVA CARRIERI

SOARES 2014)

Na deacutecada de 1930 o novo Mercado Municipal ofertava no atacado e no varejo

frutas verduras carnes e laticiacutenios enquanto na deacutecada seguinte conforme ressalta

Filgueiras (2006) jaacute se destacava a sua diversificaccedilatildeo de produtos Nos anos 1950 o

mercado ainda era o principal centro de abastecimento de hortifrutigranjeiros no

atacado e no varejo da cidade mas jaacute apresentava uma dificuldade de atendimento agrave

demanda sempre ampliada em virtude do crescimento populacional exponencial Aleacutem

disso o Mercado jaacute refletia os problemas urbanos das grandes cidades na jovem Belo

Horizonte congestionamento nos arredores aglomeraccedilatildeo de ambulantes e vendedores

e problemas de infraestrutura e higiene (FILGUEIRAS 2006) A autora tambeacutem

destaca o fato de que nessa deacutecada foi inaugurado o primeiro supermercado da capital

Todos esses problemas levaram a prefeitura agrave decisatildeo de privatizar o Mercado

Municipal em 1964 O mercado foi comprado pelos proacuteprios comerciantes que nele

atuavam atraveacutes da formaccedilatildeo de uma cooperativa passando a se chamar desde entatildeo

Mercado Central Abastecimentos e Serviccedilos SC Belo Horizonte (ALVES 2012)

FIGURA 22 ndash Fachada do Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Em atendimento agraves exigecircncias da licitaccedilatildeo de venda do mercado pela prefeitura

a cooperativa realizou uma seacuterie de reformas neste entre 1967 e 1975 cujo maior

destaque eacute a sua cobertura perdendo seu aspecto de feira livre e tornando-se mais

parecido com um galpatildeo embora seu formato labiriacutentico tenha sido mantido

(FILGUEIRAS 2006) O Mercado continuou passando por reformas ao longo dos anos

e segundo Costa (2006) as melhorias agora satildeo direcionadas para a oferta de

134

seguranccedila comodidade acessibilidade logiacutestica administraccedilatildeo e sistemas de

comunicaccedilatildeo e divulgaccedilatildeo das suas accedilotildees institucionais

Para Filgueiras (2006) aleacutem da privatizaccedilatildeo e das transformaccedilotildees fiacutesicas foi

tambeacutem na deacutecada de 1960 que teria comeccedilado a se instituir um imaginaacuterio sobre o

Mercado Central como um ponto de encontro e um espaccedilo acolhedor que jaacute contrastava

com a agitaccedilatildeo da cidade Pois nas deacutecadas seguintes o Mercado Central passou a

conviverconcorrer com a abertura de novos supermercados e com a criaccedilatildeo da Central

de Abastecimento de Minas Gerais SA (CEASA) nos anos 1970 com o primeiro

shopping center e grandes redes de abastecimento (Carrefour Extra) nos anos 1980

aleacutem de competir com os comeacutercios varejistas dos bairros desde as primeiras deacutecadas de

sua existecircncia (FILGUEIRAS 2006) Estes desafios teriam levado o Mercado Central a

sobreviver ressignificando suas funccedilotildees tornou-se tambeacutem espaccedilo de encontro lazer

turismo e cultura na capital aleacutem de abastecimento alimentar encerrando portanto

valores culturais mineiros expressos nos alimentos na gastronomia e no artesanato

(AGUIAR 2012)

Assim para Filgueiras (2006) na deacutecada de 1990 e iniacutecio dos anos 2000 o

Mercado Central teria deixado de ser um protagonista comercial de Belo Horizonte e

teria em contrapartida se tornado um patrimocircnio um marco simboacutelico que representa

os valores a cultura e os aspectos simboacutelicos do mineiro e em especial do belo-

horizontino Para a autora em parte isto se deveu agrave accedilatildeo da Prefeitura de Belo

Horizonte que em ocasiatildeo das comemoraccedilotildees do centenaacuterio da cidade em 1997

promoveu a apropriaccedilatildeo do Mercado Central como ponto turiacutestico da cidade e espaccedilo

simboacutelico da memoacuteria e da cultura mineira e belo-horizontina Desde entatildeo o puacuteblico

do Mercado teria crescido exponencialmente da meacutedia de trecircs mil visitantes diaacuterios em

1998 para a meacutedia de 26 mil frequentadores diaacuterios em 200516 (FILGUEIRAS 2006)

Autores apontam desde entatildeo o Mercado Central como um espaccedilo que reserva

aspectos da cultura e da memoacuteria mineira mas tambeacutem de relaccedilotildees sociais tradicionais

marcadas pela informalidade pela descontraccedilatildeo pela sociabilidade e pelo acolhimento

reproduzindo modos de vida passados e que remetem ao rural e agrave roccedila (COSTA 2006

FILGUEIRAS 2006 NETTO 2012) Segundo Filgueiras (2006 p 114) o Mercado

teria elementos que ldquoassociados agrave memoacuteria e agrave cultura regional conferem-lhe tambeacutem

16 Segundo reportagem veiculada no jornal Hoje em Dia em 2012 a meacutedia de puacuteblico do Mercado Central era de 14 milhatildeo por mecircs o que daria uma meacutedia de 46500 visitantes diaacuterios (CORREcircA 2012)

135

um forte caraacuteter luacutedico transformando-o numa espeacutecie de museu que guarda vestiacutegios

ainda vivos do mundo rural e de outros tempos e modos de vidardquo A autora ressalta que

o Mercado se destaca natildeo soacute pela venda de produtos tradicionais mas tambeacutem pelas

relaccedilotildees sociais nele estabelecidas entre vendedores e consumidores e entre os proacuteprios

frequentadores que reproduziriam aspectos ldquode antigamenterdquo

Ainda hoje a localizaccedilatildeo central do Mercado e seu caraacuteter tradicional satildeo reconhecidos como os dois pilares de sustentaccedilatildeo da sua importacircncia para a cidade Suas caracteriacutesticas ldquopopularesrdquo ou ldquotiacutepicasrdquo natildeo se resumem agraves mercadorias mas estatildeo tambeacutem relacionadas a uma praacutetica de comeacutercio onde o reconhecimento do outro a informalidade e a conversa ainda estatildeo presentes Aleacutem disso eacute recorrente a associaccedilatildeo do Mercado com haacutebitos e costumes que lembram o mundo rural o cotidiano da roccedila [] (FILGUEIRAS 2006 p 105 grifo da autora)

Nesse sentido Filgueiras (2006) destaca que numa pesquisa realizada em 1999

pela Empresa Municipal de Turismo (BELOTUR) ligada agrave Secretaria de Cultura

Turismo e Esportes de Belo Horizonte o Mercado Central era o ponto turiacutestico mais

reconhecido pelos belo-horizontinos Alguns autores afirmam que o Mercado figura

como uma forma de se ldquorevisitar a cultura mineira seus queijos seus doces a

hospitalidade e a interioridade o sossego a devoccedilatildeo religiosa e o apego agraves tradiccedilotildeesrdquo

(SOARES et al 2007 p 5) No site do Governo do Estado de Minas destaca-se que

no Mercado os produtos mais procurados satildeo a goiabada a cachaccedila da roccedila e o famoso

queijo de Minas conforme a mateacuteria Mercado Central (MINAS GERAIS 2015)

Conforme se ressaltou no capiacutetulo anterior o queijo foi um dos bens mais lembrados

pelos entrevistados como um produto da roccedila O Mercado Central eacute um grande

distribuidor desse produto jaacute que Netto (2012) constatou em pesquisa realizada em

2009 a existecircncia de cerca de 30 queijarias que vendiam no varejo aproximadamente

18 toneladas do queijo artesanal mineiro por semana Trata-se dos queijos artesanais

feitos com leite cru elaborados por agricultores de base familiar vindos especialmente

das cidades mineiras de Araxaacute Satildeo Roque de Minas (Serra da Canastra) Serro e Serra

do Salitre

No contexto contemporacircneo de acordo com Alves (2012) o Mercado Central

possui mais de 400 lojas de diversos ramos varejistas consideradas como micro e

pequenas empresas que empregam 2200 pessoas das quais 197 seriam funcionaacuterios do

proacuteprio Mercado A oferta de produtos eacute diversificada alimentos ervas e produtos

136

naturais bebidas utensiacutelios domeacutesticos decoraccedilatildeo artesanato moacuteveis drogaria

animais de estimaccedilatildeo alimentaccedilatildeo entretenimento confecccedilatildeo dentre outros negoacutecios

(ALVES 2012)

De acordo com Filgueiras (2006) a grande maioria dos frequentadores do

Mercado eacute proveniente da proacutepria capital e quase metade o frequenta semanalmente A

autora ressalta que o puacuteblico que o visita nos dias uacuteteis da semana direciona-se

prioritariamente ao comeacutercio hortifrutigranjeiro e aos bares e restaurantes Nos finais de

semana ressalta o movimento nos bares e restaurantes e o aumento do puacuteblico elitizado

residente na Zona Sul aacuterea nobre de Belo Horizonte Embora os autores consultados

destaquem a diversidade do puacuteblico que frequenta o Mercado sendo esta inclusive

uma de suas caracteriacutesticas mais ressaltadas para valorizar seu caraacuteter acolhedor eacute

possiacutevel notar a presenccedila de um puacuteblico tambeacutem de renda meacutediaalta mesmo nos dias

uacuteteis da semana Nesse sentido Costa (2006) destaca como os preccedilos dos produtos

tendem a ser elevados em virtude da sua diversidade e qualidade natildeo oferecendo

portanto um perfil de mercado popular de forma generalizada De acordo com autores

como Filgueiras (2006) o puacuteblico tiacutepico do Mercado eacute composto por donas de casa

trabalhadores e comerciantes da regiatildeo central estudantes famiacutelias e personalidades

como poliacuteticos e intelectuais

Este eacute um perfil consensual a respeito do Mercado Central de Belo Horizonte

apresentado pelos autores que se dedicaram a estudaacute-lo e foi basicamente a realidade

identificada nesta pesquisa durante o trabalho de campo Em seguida no entanto seratildeo

apresentadas as peculiaridades referentes a esta pesquisa sobre a circulaccedilatildeo de bens com

a marca roccedila no Mercado Central

32 A observaccedilatildeo participante e a aplicaccedilatildeo de questionaacuterios no Mercado

Central

O Mercado Central foi escolhido para a aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios aos

consumidores e distribuidoresprodutores de produtos e serviccedilos da roccedila levando-se em

consideraccedilatildeo os apontamentos da literatura a respeito de como esse estabelecimento

dentre tantos outros disponiacuteveis eacute emblemaacutetico do consumo cultural das

representaccedilotildees do rural e da roccedila particularmente dentro das possibilidades de

137

realizaccedilatildeo da pesquisa Embora natildeo possuiacutesse muitos estabelecimentos com a marca

roccedila propriamente constatou-se a existecircncia de um mercado de produtos artesanais e

naturais eminentemente associados agrave roccedila pelos consumidores e distribuidores no

Mercado

FIGURA 23 ndash Produto com marca ldquoRoccedilardquo no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

O trabalho de campo revelou ainda de forma natildeo esperada um conjunto de

outros estabelecimentos no entorno do Mercado na regiatildeo central de Belo Horizonte

que utilizava a categoria roccedila como marca Em uma das visitas para a coleta de dados

no Mercado foi possiacutevel visualizar do ocircnibus as bancas de uma feira livre de verduras

com o nome ldquoDireto da Roccedilardquo numa rua da Aacuterea Hospitalar do Bairro Santa Efigecircnia

na regiatildeo central da cidade Da mesma forma na rodoviaacuteria de Belo Horizonte no

centro da capital no segundo piso onde se localizam vaacuterios postos e estabelecimentos

de serviccedilos encontra-se uma feira de produtos artesanais chamada ldquoArmazeacutem da Roccedilardquo

Os artigos agrave venda neste espaccedilo satildeo peccedilas de artesanato de ceracircmica madeira

tecelagem e produtos como doces mel licores e fitoteraacutepicos

Ambos ldquoDireto da Roccedilardquo e ldquoArmazeacutem da Roccedilardquo fazem parte de um programa

de poliacutetica social da Secretaria Municipal Adjunta de Seguranccedila Alimentar e

Nutricional da Prefeitura de Belo Horizonte que tem por objetivo facilitar o escoamento

da produccedilatildeo agriacutecola e agroindustrial de pequenos e meacutedios agricultores do interior de

Minas Gerais A iniciativa promove agrave populaccedilatildeo da cidade acesso a alimentos frescos e

saudaacuteveis produzidos com ldquoteacutecnicas ecologicamente sustentaacuteveisrdquo cuja qualidade eacute

monitorada pela secretaria a preccedilos menores Uma das caracteriacutesticas do programa eacute

eliminar os intermediaacuterios possibilitando a comercializaccedilatildeo direta entre produtores e

consumidores As barracas da feira ldquoDireto da Roccedilardquo estatildeo instaladas em ldquopontos

estrateacutegicosrdquo nos diferentes bairros da cidade e cada uma eacute assumida por um produtor

138

As bancas satildeo montadas em 21 endereccedilos em 5 regiotildees diferentes da cidade em

diversos dias da semana cujos locais podem ser conferidos na paacutegina virtual do

Programa Direto da Roccedila no site da prefeitura (PREFEITURA MUNICIPAL DE

BELO HORIZONTE 2015) Segundo reportagem no site Brasil de Fato (MAIS

2015) de abril de 2015 a Secretaria ainda pretenderia criar mais 30 pontos para o

programa ldquoDireto da Roccedilardquo Jaacute o ldquoArmazeacutem da Roccedilardquo dispotildee de duas lojas uma na

rodoviaacuteria jaacute mencionada e a outra no Bairro Satildeo Paulo proacutexima a um shopping

center na regiatildeo Nordeste da cidade Seus produtos satildeo provenientes de cidades

pequenas da mesorregiatildeo Metropolitana de Belo Horizonte como Satildeo Joaquim de

Bicas Itaguara Esmeraldas Ouro Preto e Paraopeba segundo informaccedilotildees do

atendente da loja da rodoviaacuteria

No Mercado Central uma das primeiras abordagens foi feita agrave recepcionista do

Posto de Informaccedilotildees Turiacutesticas da Belotur num balcatildeo localizado estrategicamente no

portatildeo 1 da Avenida Augusto de Lima entrada principal do Mercado Entre as

respostas do questionaacuterio e as informaccedilotildees uacuteteis agrave realizaccedilatildeo da observaccedilatildeo participante

a recepcionista informou a existecircncia de um restaurante self-service nos arredores do

Mercado chamado ldquoCozinha da Roccedilardquo Para aleacutem do Mercado Central loacutecus da

observaccedilatildeo participante e da aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios foi possiacutevel se deparar com

trecircs estabelecimentos que faziam alusatildeo agrave roccedila localizados na regiatildeo central de Belo

Horizonte espaccedilo de intensa circulaccedilatildeo de pessoas e concentraccedilatildeo de uma gama de

estabelecimentos comerciais e de serviccedilos

FIGURA 24 ndash Restaurante ldquoCozinha da Roccedilardquo no centro de Belo Horizonte-MG

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

A visita aos estabelecimentos no Mercado Central para aplicar os questionaacuterios

foi feita a partir das indicaccedilotildees da recepcionista de Turismo do Mercado de quais eram

os stands e produtos mais procurados pelos frequentadores como ldquoda roccedilardquo Baseou-se

139

tambeacutem numa lista preacutevia das lojas existentes no Mercado especialmente queijarias

hortifrutigranjeiros cachaccedilarias lojas de artesanato e utilidades domeacutesticas entre

outras Nessa ocasiatildeo aplicou-se os questionaacuterios a vendedores gerentes e proprietaacuterios

das lojas de comeacutercio de alimentos bebidas artesanatos ou utensiacutelios domeacutesticos

Responderam ao questionaacuterio os responsaacuteveis por trecircs queijarias uma cachaccedilaria dois

hortifruacutetis um comeacutercio de alimentos em geral (comercializam aleacutem de queijos doces

farinaacuteceos massas secos e molhados) e um de fubaacutes duas lojas de artesanato e

utensiacutelios domeacutesticos aleacutem do restaurante vizinho ao mercado com a marca roccedila e a

recepcionista do posto de informaccedilotildees turiacutesticas do Mercado somando 12

questionaacuterios Aleacutem destes responderam ao questionaacuterio 15

consumidoresfrequentadores do Mercado Central

Entre aqueles comerciantes que se recusaram a responder ao questionaacuterio as

principais justificativas dadas eram de que natildeo vendiam produtos da roccedila ou que

vendiam produtos artesanais mas natildeo da roccedila ou ainda que natildeo vendiam produtos

sem ldquoselordquo Essas recusas aconteceram em algumas queijarias e podem ter sido

motivadas pelo simples fato de natildeo utilizarem o termo roccedila na identificaccedilatildeo de seus

produtos apropriando-se de outros vocaacutebulos para isso como a palavra ldquoartesanalrdquo

Mas diante das respostas de outros comerciantes e dos proacuteprios consumidores jaacute

discutidas no capiacutetulo anterior nas quais muitas vezes os produtos da roccedila eram por

eles considerados justamente aqueles ldquosem selordquo ou ldquosem roacutetulordquo acredita-se que a

recusa a responder ao questionaacuterio tambeacutem pode ter sido motivada pelo receio quanto agrave

fiscalizaccedilatildeo da venda desses produtos

A abordagem aos consumidores para a aplicaccedilatildeo de questionaacuterios foi feita de

forma aleatoacuteria poreacutem em alguns corredores estrateacutegicos para identificar os indiviacuteduos

adequados aos objetivos da pesquisa Embora os estabelecimentos no Mercado Central

natildeo estivessem situados de forma setorizada deliberadamente havia alguns corredores

que concentravam mais lojas de um mesmo ramo que outros Assim inicialmente

algumas entrevistas foram feitas no corredor ldquoK21rdquo17 que fica numa das entradas do

Mercado entre os portotildees da Rua Padre Belchior e da Avenida Amazonas Neste haacute

uma concentraccedilatildeo de lojas que vendiam utilidades domeacutesticas artesanatos tecidos e

cestarias entre outros Nele era possiacutevel apreciar os visitantes observando de maneira

17 No site do Mercado Central eacute possiacutevel visualizar o mapa de seus corredores e a localizaccedilatildeo de suas lojas no endereccedilo httpmercadocentralcombrlojas Acesso em 09 set 2015

140

absorta as vitrines das lojas de artesanato que segundo alguns dos depoimentos

ldquolembram as coisas da roccedila a casa da avoacuterdquo Os olhares dos consumidores se

entretinham nessas vitrines diante dos tecidos de chita dos quadros de cozinhas da roccedila

em miniatura dos berrantes garrafas de peacutes de boi e de vaacuterios tipos de utensiacutelios

domeacutesticos como panelas de barro pedra ferro aacutegata gamelas e tachos de cobre

comumente utilizados no passado nas casas do campo Um desses consumidores que

concordou em participar da pesquisa declarou que visitava o Mercado Central toda

semana porque o fazia se lembrar da roccedila onde viveu quando crianccedila numa cidade do

interior Enquanto aguardava a filha em um compromisso no centro da cidade este

entrevistado disse que costumava ldquopassar o tempordquo no Mercado

FIGURA 25 ndash Canecas em aacutegata

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 26 ndash Doces embalados no tecido de chita

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

141

FIGURA 27 ndash Peacutes de boi

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 28 ndash Berrantes

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 29 ndash Gaiolas

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

142

FIGURA 30 ndash Corredor de artesanato tecelagem e cestaria

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 31 ndash Panelas de barro

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 32 ndash Panelas de pedra

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Assim como foi relatado no capiacutetulo anterior a proprietaacuteria de um desses

estabelecimentos que vendiam utilidades domeacutesticas no Mercado Central afirmou que

143

os consumidores buscavam estes utensiacutelios para utilizarem nas aacutereas de churrasqueira e

fogatildeo a lenha nas casas de campo siacutetio ou mesmo em cozinhas das casas e

apartamentos da cidade com decoraccedilatildeo inspirada na cultura rural Esta entrevistada

relatou que para os consumidores a aquisiccedilatildeo de tais artigos ldquolembravam a avoacute a vida

no siacutetio na fazendardquo Muitos consumidores que responderam ao questionaacuterio relataram

ter tido experiecircncias de passar as feacuterias durante a infacircncia na casa dos avoacutes tios ou

parentes ldquono siacutetiordquo ldquona fazendardquo ldquona roccedilardquo ldquono interiorrdquo Alguns em menor

frequecircncia declararam que eles ou os pais tinham morado ldquona roccedilardquo Essas

experiecircncias que os entrevistados identificaram com a roccedila teriam sido marcadas pela

cultura rural ldquobrincar com os porquinhos as galinhas e as vacasrdquo ldquocurral terra outro

sotaque outros diaacutelogos outro cotidianordquo e pareciam constituir uma memoacuteria repleta

de nostalgia e romantismo

Na infacircncia passava as feacuterias na roccedila satildeo as melhores lembranccedilas o curral o leite ao peacute da vaca o meu tio tinha um engenho Pisar no chatildeo comida feita na hora a gente era pobre de dinheiro mas rico de amor carinho e respeito (Aposentada Belo Horizonte outubro de 2014)

Nesse sentido parecia haver um conjunto de identificadores no Mercado

Central que era associado agrave roccedila pelos consumidores como se pode notar nas citaccedilotildees

ldquosomos da roccedilardquo ou ldquosomos caipirasrdquo quando abordados para participarem da pesquisa

ainda que seu local de residecircncia fosse definido como urbano em Belo Horizonte O

outro espaccedilo escolhido para a aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios aos consumidores dentro do

Mercado Central foi no corredor ldquoP10rdquo entre os corredores ldquoH15rdquo e ldquoI17rdquo situados na

aacuterea mais central do Mercado Tratava-se de um trecho de corredor com entrada para

apenas duas lojas facilitando os procedimentos de aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios por ter

uma aglomeraccedilatildeo menor de pessoas e menos ruiacutedos embora a circulaccedilatildeo de pessoas

fosse minimamente satisfatoacuteria para permitir as abordagens Aleacutem disso esse corredor

ficava numa esquina proacutexima a um conjunto de queijarias facilitando o contato com

consumidores atraiacutedos pelos produtos da roccedila Este eacute outro aspecto que permitiu a

identificaccedilatildeo dos consumidores com um conjunto de significados que relacionavam

com a roccedila a partir do consumo de um determinado produto o queijo artesanal mineiro

De acordo com um jovem proprietaacuterio de uma queijaria no Mercado quando

questionado se o uso da marca roccedila seria um diferencial do produto ele afirmou que

144

ldquoSim pois lembra a infacircncia o interior o pessoal mais velho faz essas referecircncias

quando veem o produto como por exemplo o queijo cabacinha que era produzido

antigamenterdquo

FIGURA 33 ndash Queijo cabacinha defumado

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Muitos dos consumidores que responderam ao questionaacuterio nesse corredor

carregavam uma sacola com um queijo e faziam questatildeo de mencionaacute-lo no decorrer da

pesquisa para ilustrar seus argumentos ldquoEstava comprando queijo da roccedila Compro

toda semana na mesma queijariardquo (Aposentado Belo Horizonte outubro de 2014)

Muitos consumidores durante a aplicaccedilatildeo do questionaacuterio costumavam justificar o que

tinham ido comprar no Mercado para elucidar a temaacutetica da pesquisa ldquoComprei um

mancebo18 e estou procurando jabuticabas mas natildeo encontrei Sinto falta da oferta de

alguns produtos como a rapadura batidardquo (Aposentada Belo Horizonte outubro de

2014) Outro consumidor entrevistado jaacute finalizada a aplicaccedilatildeo do questionaacuterio

retornou para contar que queria comprar figos mas natildeo estava conseguindo encontrar

nenhum ldquoigual aos da roccedilardquo19 conforme gostaria

A performance dos consumidores no Mercado Central apresentava-se numa

linha intermediaacuteria entre o supermercado e o shopping center natildeo era apressado e

objetivo como no primeiro nem tatildeo displicente como no segundo Nesse sentido

Costa (2006) estabelece uma diferenciaccedilatildeo entre o Mercado Central e as feiras livres e

shopping centers sublinhando que a peculiaridade do Mercado estaacute no fato de ser um 18 Em Minas Gerais usa-se o vocaacutebulo mancebo para se referir a uma pequena estrutura de madeira utilizada para apoiar o coador de cafeacute embaixo do qual se apoia o bule ou xiacutecara para amparar a bebida que escoa do coador Eacute um utensiacutelio domeacutestico que costumava ser muito usado nas casas no campo antigamente A entrevistada fez alusatildeo a ele como um produto tiacutepico da roccedila 19 Provavelmente o consumidor se referia aos figos colhidos ainda verdes utilizados para fazer compotas e doces em calda ldquocomo na roccedilardquo Ele supostamente soacute havia encontrado os figos maduros proacuteprio para o consumo in natura

145

estabelecimento privado onde as pessoas se comportam como no espaccedilo puacuteblico

sobretudo pela informalidade O comportamento dos consumidores sugeria a impressatildeo

de estarem a passeio caminhando sem pressa e observando as vitrines e balcotildees muitos

estavam acompanhados num pequeno grupo de duas ou trecircs pessoas O ritmo no

Mercado contrasta com o da cidade e assim o destaca Filgueiras (2006)

Entre suas quatro paredes nada mais haveria daquele cotidiano veloz mecacircnico anocircnimo e violento Ao cruzarem os portotildees de entrada as pessoas se despiram de sua armadura blaseacute tornando-se curiosas atentas aos pequenos detalhes dispostas ao reconhecimento agrave conversa agrave confraternizaccedilatildeo As pessoas natildeo teriam ali pressa Aliaacutes natildeo se deve ir ao Mercado com pressa A diversidade social supostamente atrai natildeo amedronta [] Ali as pessoas natildeo seriam as mesmas Ou ainda o Mercado seria outra cidade (FILGUEIRAS 2006 p 136 grifo da autora)

Havia tambeacutem aqueles que caminhavam sozinhos empurrando um carrinho de

compras com uma lista na matildeo Alguns se recusaram a responder ao questionaacuterio

alegando pressa e era possiacutevel perceber alguns caminhando a passos largos Alguns

autores como Filgueiras (2006) ressaltam que alguns frequentadores do Mercado

trabalham proacuteximos deste no centro e circulam ldquode passagemrdquo por ele na ida ou na

volta ao trabalho Esta autora inclusive destaca como o Mercado se tornou desde a

deacutecada de 1990 um espaccedilo de encontro e lazer para os belo-horizontinos que

frequentam seus bares e restaurantes seja no intervalo do trabalho para o almoccedilo ou ao

fim da tarde para um happy hour

Nos corredores onde havia bares a qualquer hora do dia podia-se cruzar com

grupos de pessoas em peacute em frente ao balcatildeo do bar conversando entusiasticamente

enquanto tomam uma cerveja e apreciam um petisco ou ldquotira-gostordquo Essa cena de lazer

e tempo livre nos dias uacuteteis da semana em horaacuterio comercial contrasta com o trabalho

dos seguranccedilas uniformizados e dos carregadores que passam empurrando carrinhos de

transporte e armazenamento de mercadorias pelos corredores que embora natildeo sejam

estreitos assim se tornam em virtude do aglomerado de pessoas Nesse contexto o

Mercado reflete um jogo entre o cotidiano e o extra cotidiano o ordinaacuterio e o

extraordinaacuterio (DAMATTA 1997) onde tempo de trabalho e tempo de lazer disputam

o espaccedilo e refletem numa mesma configuraccedilatildeo o modo de vida rural e urbano

conforme apontava Rambaud (1973) a respeito de como o tempo era administrado em

cada uma dessas culturas

146

Dentro do Mercado a experiecircncia em relaccedilatildeo ao tempo era sentida como

diferente daquela vivida ldquolaacute forardquo A cidade era vista como proporcionando a vivecircncia

de outra cultura urbana moderna Alguns autores como Filgueiras (2006) relatam o

funcionamento do Mercado Central em Belo Horizonte como um microcosmo um

espaccedilo de refuacutegio da cidade e de seu cotidiano que tambeacutem foi constatado nesta

pesquisa Nas paacuteginas seguintes tenta-se demonstrar como no Mercado os jogos destes

e de outros pares de opostos ficam evidentes

33 O Mercado Central e seus pares de opostos a cidadelaacute fora a roccedilaaqui

dentro

As entrevistas realizadas apontaram para um primeiro par de opostos

complementares capital versus interior que se repetiu ao longo da pesquisa no Mercado

e se confirmou posteriormente na anaacutelise dos dados pelos softwares Alceste e NVivo

que seraacute discutido no capiacutetulo 5 O depoimento de uma das consumidoras entrevistadas

residente em Belo Horizonte foi emblemaacutetico neste sentido Para ela o Mercado

Central lembrava o interior de modo que quando nele ingressava tinha a sensaccedilatildeo de

que havia deixado ldquoa cidade laacute forardquo e teria entrado ldquono interiorrdquo O uso da expressatildeo

ldquointeriorrdquo pela entrevistada remetia num primeiro plano genericamente agraves cidades de

pequeno porte do interior de Minas Gerais ou de qualquer outro Estado no Brasil de

cultura rural Por isso o Mercado contrastava com a cidade ldquolaacute forardquo em termos do

ritmo de circulaccedilatildeo das pessoas dos sons das cores das relaccedilotildees sociais possiacuteveis de se

estabelecer ali

Num segundo plano percebeu-se que a entrevistada tambeacutem usava o termo

ldquointeriorrdquo para se referir agraves memoacuterias passadas e agraves sensaccedilotildees de seguranccedila e proteccedilatildeo

que o Mercado lhe provocava Afirmava que laacute fora na cidade ficava ldquoa bagunccedilardquo e

dentro do Mercado ldquoa tranquilidaderdquo Esta entrevistada relatou que jaacute teria passado um

dia inteiro dentro do Mercado passeando por ele de forma distraiacuteda e que na

adolescecircncia costumava frequentaacute-lo com os amigos apoacutes a escola Essa declaraccedilatildeo

entre outras relatadas pelos consumidores revela como o Mercado eacute identificado por

muitos dos seus frequentadores com um ldquorefuacutegio nostaacutelgicordquo tal como se referiu

Filgueiras (2006) utilizando uma expressatildeo de Canclini (1997)

147

Os contrastes do seu ldquoclimardquo com o da cidade ocorreriam por conta natildeo soacute dos

objetos agrave venda jaacute citados e ilustrados nas paacuteginas anteriores mas tambeacutem pelas

experiecircncias sensoriais que o Mercado proporcionava Dentro do seu espaccedilo natildeo se

ouve o barulho do tracircnsito intenso do seu entorno no centro da cidade As lojas de

hortifruacuteti pimentas flores artesanatos utensiacutelios domeacutesticos aleacutem do tom terroso do

seu piso e dos tijolos de cobogoacute proporcionaram uma experiecircncia visual bastante

colorida que evidentemente contrasta com o visual das ruas nos arredores marcado

pelo concreto A experiecircncia olfativa dentro do Mercado tambeacutem eacute notaacutevel aromas

densos de especiarias e temperos perfumes das refeiccedilotildees preparadas nos bares e

restaurantes aleacutem do cheiro das raccedilotildees dos animais domeacutesticos de pequeno porte que

satildeo vendidos neste estabelecimento Aleacutem de ser possiacutevel degustar almoccedilo lanches e

petiscos nos seus bares e restaurantes tambeacutem pode-se experimentar frutas nos stands

de hortifruacutetis Destaca-se ainda conforme a passagem de Filgueiras (2006) acima as

formas de sociabilidade diferenciadas que podem ser ativadas dentro do Mercado

FIGURA 34 ndash Corredor no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

148

FIGURA 35 ndash Queijos

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 36 ndash Utensiacutelios domeacutesticos

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 37 ndash Flores e pimentas

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Nestes termos os respondentes do questionaacuterio tanto os consumidores quanto

os distribuidores costumavam associar a roccedila ao interior ou identificar os produtos da

roccedila como aqueles provenientes do interior Agrave exceccedilatildeo do proacuteprio Mercado Central natildeo

costumavam identificar a roccedila agrave cidade de Belo Horizonte a despeito de vaacuterios

estabelecimentos de serviccedilos localizados no centro jaacute mencionados que fazem

149

referecircncia agrave roccedila Apesar de habitualmente alguns belo-horizontinos descreverem a

cidade como uma ldquoroccedila granderdquo entre os respondentes dos questionaacuterios natildeo havia uma

percepccedilatildeo da cultura rural do modo de vida da roccedila relacionados agrave Belo Horizonte

Durante a aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios a expressatildeo utilizada por um consumidor

residente da cidade foi ldquoBH eacute uma roccedila grande Todo mundo se conhecerdquo Assim

como esse entrevistado os residentes da capital mineira costumam fazer essa associaccedilatildeo

entre Belo Horizonte e a roccedila exatamente para mencionar que haveria uma rede de

interconhecimento na cidade apesar do tamanho consideraacutevel de sua populaccedilatildeo20 Aleacutem

disso acredita-se que a existecircncia de estabelecimentos de produtos e serviccedilos da roccedila no

centro da cidade parece sugerir a presenccedila da roccedila como cultura em Belo Horizonte

Nesse sentido a proprietaacuteria do restaurante com a marca roccedila nas proximidades afirmou

que a manutenccedilatildeo do nome e do estilo do estabelecimento associado agrave roccedila era devido

agrave sua localizaccedilatildeo proacuteximo ao Minascentro e ao Mercado Central onde aflui um

conjunto de turistas e visitantes que eram atraiacutedos pelo serviccedilo gastronocircmico tiacutepico ldquoda

roccedilardquo em plena capital

Nesses termos a roccedila era o interior numa perspectiva relativa e relacional

conforme apontado na hipoacutetese desta pesquisa e contrastava com a realidade do modo

de vida urbano vivenciado na capital (LIMA 1999) Assim o ponto de vista eacute relativo

porque a roccedila era o ldquooutrordquo ldquooutro sotaque outro cotidiano outros diaacutelogosrdquo ldquoproacuteximo

agrave naturezardquo ldquoisoladardquo ldquono matordquo Objetivamente associavam a roccedila agraves pequenas

cidades do interior que julgavam possuir uma cultura rural e natildeo necessariamente agrave

vida no campo em si mesmo Formavam portanto um par capital versus interior que

pode encerrar as tradicionais relaccedilotildees assimeacutetricas de diferenciaccedilatildeo social discutidas no

primeiro capiacutetulo a respeito da categoria roccedila quando esta eacute utilizada para inferiorizar

contendo as ideias de atraso carecircncia e subdesenvolvimento que marcaram e ainda

marcam a perspectiva sobre o rural no Brasil e em outros paiacuteses tambeacutem (ENTRENA-

DURAacuteN 2012 OLIVEIRA 2003) Assim embora a forma como as populaccedilotildees

urbanas veem o rural possa estar mudando rumo a uma revalorizaccedilatildeo especialmente no

que tange agrave identificaccedilatildeo que fazem entre o campo a natureza e as possibilidades de

qualidade de vida que este pode proporcionar ndash e esta pesquisa tem constatado este

20 Supotildee-se que esse tipo de declaraccedilatildeo de que Belo Horizonte eacute uma ldquoroccedila granderdquo onde todos se conhecem seja mais comum na regiatildeo Centro-Sul aacuterea mais antiga tradicional e elitizada com residentes de renda meacutedia alta

150

processo ndash o perspectivismo binaacuterio entre capital versus interior cidade versus campo

parece ainda prevalecer De acordo com Allonso (2012) e Oliveira (2009) havia ateacute o

iniacutecio do seacuteculo XX uma dicotomia entre o litoral e o sertatildeo ou seja entre as grandes

cidades litoracircneas como Rio de Janeiro Salvador e Recife e todo o interior do Brasil

que englobava os diferentes tipos sociais e as diferentes culturas no amaacutelgama

sertatildeocaipira

Mas a contraposiccedilatildeo entre a capital e as pequenas cidades do interior feita pelos

entrevistados no Mercado toca num dilema ainda natildeo resolvido pelos pesquisadores

brasileiros acerca do status das pequenas cidades no debate entre o rural o urbano

Segundo Wanderley (2009) os pequenos municiacutepios permanecem agraves margens do

interesse dos pesquisadores e para preencher esta lacuna a autora desenvolve um

estudo a respeito dos pequenos municiacutepios do Estado de Pernambuco Na referida

pesquisa Wanderley (2009) considera como pequenos municiacutepios aqueles cuja

populaccedilatildeo urbana natildeo ultrapassa os 20000 habitantes Em termos analiacuteticos a autora

considera a trama social e espacial e a trajetoacuteria de desenvolvimento especiacuteficas dos

municiacutepios complementadas pelas dimensotildees como o exerciacutecio das funccedilotildees urbanas a

intensidade do processo de urbanizaccedilatildeo a presenccedila do mundo rural o modo de vida

dominante e a sociabilidade local (WANDERLEY 2009 p 317-318) A partir desses

criteacuterios a autora afirma que seria possiacutevel distinguir os municiacutepios entre

preponderantemente urbano preponderantemente rural ou intermediaacuterio

A criacutetica de Wanderley (2009) que encontra alguma correspondecircncia nas

perspectivas de Abramovay (2009) e Veiga (2003) seria de que nos pequenos

municiacutepios no Brasil com menos de 20 mil habitantes que em 1994 equivaliam a

726 dos municiacutepios no paiacutes vive a maior parte da populaccedilatildeo rural brasileira Veiga

(2003) ao simular no Brasil o criteacuterio adotado pela Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo do

Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) que considera urbana uma localidade com

densidade demograacutefica acima de 150 habkm2 constatou que apenas 411 dos 5507

municiacutepios brasileiros em 2000 poderiam ser considerados urbanos (VEIGA 2003 p

65) Abramovay (2009) por sua vez destaca que mais de 70 dos municiacutepios

brasileiros possuem uma comissatildeo de desenvolvimento rural e que parte dos municiacutepios

com maior iacutendice de desenvolvimento humano eacute eminentemente rural e critica o fato de

haver ldquo[] um viacutecio de raciociacutenio na maneira como se definem as aacutereas rurais no Brasil

o qual contribuiria decisivamente para que estas aacutereas fossem assimiladas

151

automaticamente a atraso carecircncia de serviccedilos e falta de cidadaniardquo (ABRAMOVAY

2009 p 21)

Os autores se referem ao Decreto-Lei no 311 de 1938 que define como cidade

todo municiacutepio que tenha uma sede administrativa Aleacutem disso segundo Veiga (2003)

eacute prerrogativa das Cacircmaras Municipais indicarem as delimitaccedilotildees urbanas e rurais das

cidades Segundo este autor a partir de 1991 o IBGE delineou uma tipologia para

definir as aacutereas urbanas e natildeo urbanas sendo trecircs categorias de aacutereas urbanas

(classificadas em urbanizadas natildeo-urbanizadas e urbanas isoladas) e quatro de aacutereas

rurais (classificadas em extensatildeo urbana povoado nuacutecleo e outros) No entanto

Abramovay (2009) argumenta que esta definiccedilatildeo do IBGE contribuiria para uma visatildeo

de ldquonatureza residualrdquo do rural uma vez que as aacutereas rurais seriam aquelas situadas fora

do urbano e natildeo em sua relaccedilatildeo com as cidades

Por outro lado as cidades pequenas e mesmo o campo natildeo estariam imunes agraves

transformaccedilotildees advindas da sociedade urbana considerando-se que esta envolveria um

modo de vida passiacutevel de superar as fronteiras fiacutesicas entre cidade e campo

transformando ambos e mudando tambeacutem a sua relaccedilatildeo (SOBARZO 2010) Para esta

autora na sociedade urbana as atividades desenvolvidas no campo utilizariam cada vez

mais a tecnologia e o emprego do conhecimento cientiacutefico possibilitando uma nova

organizaccedilatildeo territorial novos haacutebitos de vida e de consumo bem como novas relaccedilotildees

interpessoais Na interpretaccedilatildeo que Sobarzo (2010) faz de Lefebvre (2008) o campo e

suas atividades produtivas seriam assim transformados segundo as caracteriacutesticas da

sociedade urbana Diminuiriam as diferenccedilas culturais de modos de vida e de produccedilatildeo

entre campo e cidade o que natildeo significaria entretanto que o campo deixaria de existir

Percebe-se portanto que as perspectivas dos entrevistados a respeito do que

seria o interior a sua vinculaccedilatildeo agrave roccedila e sua contraposiccedilatildeo agrave cidadecapital insere-se

num debate teoacuterico que possui muitas facetas a respeito de como o rural e o urbano

como modos de vida se transformam se entrelaccedilam e se deslocam entre os campos e as

cidades ambos tambeacutem muito diversos em estruturas e funccedilotildees

Por outro lado os consumidores que identificavam o interior associado agrave roccedila

com o Mercado Central o viam como uma ilha dentro da capital a qual podiam

adentrar donde se pode perceber o caraacuteter relativo do termo roccedila E a alusatildeo agrave

subjetividade que a palavra interior tambeacutem denotava era descrita pelos entrevistados

nos estados de espiacuterito que utilizavam para expor o que era a roccedila e o que o consumo de

152

seus produtos proporcionava aconchego paz tranquilidade e sossego Embora a

referecircncia agrave nostalgia como significado para o termo roccedila tenha aparecido pouco nas

abordagens feitas no Mercado Central eacute possiacutevel identificaacute-la por meio das alusotildees a

tais estados de espiacuterito bem como nas menccedilotildees agrave memoacuteria jaacute comentadas

anteriormente Estes significados que os entrevistados atribuem agrave roccedila podem ser

interpretados em termos de uma construccedilatildeo nostaacutelgica conforme a descreve Silva

(2009) Para esta autora o sonho miacutetico dos leitores da Revista Globo Rural residentes

em Satildeo Paulo de possuir uma casa no campo se compunha de trecircs movimentos a

criacutetica ao presente e ao modelo de sociedade no qual viviam o apelo agrave memoacuteria e agraves

lembranccedilas de um passado idiacutelico e por fim a projeccedilatildeo de um futuro diferente a partir

da aquisiccedilatildeo de uma casa no campo

Assim como Filgueiras (2006) identificou o Mercado Central como um ldquorefuacutegio

nostaacutelgicordquo para os moradores de Belo Horizonte pode-se ver no sonho da casa no

campo e no consumo da Revista Globo Rural destacados por Silva (2009) a mesma

fuga real ou imaginaacuteria da vivecircncia urbana para outro tipo de experiecircncia vinculada a

um modo de vida rural Nesse sentido Elias (2001) ressalta como o romantismo

construiacutedo em torno da vida no campo da natureza e de um passado idealizado tem

conexatildeo com o processo de ecircxodo rural urbanizaccedilatildeo e industrializaccedilatildeo das sociedades

Segundo Martins (2000 p 6) ldquo[] o rural pode subsistir como visatildeo de mundo como

nostalgia criativa e auto defensiva como moralidade em ambientes moralmente

degradados das grandes cidades como criatividade e estrateacutegia de vida []rdquo Conforme

se verificaraacute no capiacutetulo 5 deste trabalho esta visatildeo romacircntica do que seja a roccedila

associada agrave natureza e agraves cidades pequenas do interior foi constatada mais intensamente

entre os participantes da pesquisa oriundos de Belo Horizonte e tambeacutem da capital de

Satildeo Paulo

No capiacutetulo 1 pocircde-se perceber como as populaccedilotildees urbanas tendem a construir

uma imagem idiacutelica e romantizada do rural em diferentes contextos sociais e tempos

histoacutericos distintos como o demonstraram aleacutem de Elias (2001) Carneiro (2012) para

quem a revalorizaccedilatildeo do rural por parte dos citadinos seria interpretada em termos de

uma ldquoruralidade idiacutelicardquo Oliveira (2003) no caso brasileiro e Williams (2011) no caso

inglecircs Anjos e Caldas (2014) tambeacutem exaltam como a revalorizaccedilatildeo do rural nesse

novo milecircnio se reflete nas mudanccedilas das representaccedilotildees sociais do rural cujas duas

153

ldquoideias-forccedilardquo que a expressam satildeo o idiacutelio rural e o rural como sinocircnimo de natureza

Nas palavras dos autores

O rural idyll eacute indubitavelmente uma das imagens que mais sobressaem numa representaccedilatildeo social que emerge no acircmago de uma sociedade marcada pelo que se convencionou chamar de poacutes-produtivismo e pelo peso crescente assumido pelos valores poacutes-materialistas Nesse contexto o rural eacute hodiernamente retratado dentro de uma visatildeo romacircntica como um retiro idiacutelico que exprime a densidade dos valores simboacutelicos que leva impliacutecita esta noccedilatildeo Eacute o lugar ldquorefuacutegio da modernidaderdquo e manifestaccedilatildeo expliacutecita de atavismos despertados em amplos setores de uma sociedade que anseia o (re)encontro com o tradicional o autecircntico o exoacutetico o singular (ANJOS CALDAS 2014 p 63-64 grifo dos autores)

Da mesma forma como os autores asseveram que o rural tem se constituiacutedo

como um lugar de ldquorefuacutegio da modernidaderdquo paralelamente num contexto objetivo e

microssocioloacutegico o Mercado Central se constitui num ldquorefuacutegio nostaacutelgicordquo um

microcosmo da roccedila para os moradores da capital mineira conforme apontou Filgueiras

(2006) e se constatou nesta pesquisa Os dois outros fenocircmenos apontados por Anjos e

Caldas (2014) quais sejam o consumo de produtos agroalimentares tradicionais e

autecircnticos chamados por eles de ldquosinais distintivos de mercadordquo e a identificaccedilatildeo do

rural como sinocircnimo de natureza tambeacutem apareceram nas respostas dos entrevistados no

Mercado Central na mesma loacutegica de oposiccedilatildeo agrave sociedade urbana Ora a natureza

aparecia isolada em associaccedilatildeo agrave roccedila ora compunha a triacuteade produtos

naturaisartesanaiscaseiros que eram diretamente contrapostos aos produtos

industrializados

A associaccedilatildeo entre o campo e a natureza tem sido gestada de maneira peculiar na

sociedade moderna especialmente a partir do desenvolvimento do capitalismo agraacuterio e

da consolidaccedilatildeo da vida urbana-industrial Thomas (2010) e Williams (2011)

demonstraram o delineamento dessa relaccedilatildeo entre campo e natureza para o caso da

Europa e em especial da Inglaterra num periacuteodo marcado pela transiccedilatildeo da era feudal

agrave moderna desde os anos 1500 ateacute o iniacutecio dos anos 1900 se considerarmos as duas

obras em conjunto Estes autores demonstraram como uma nova sensibilidade em

relaccedilatildeo ao mundo natural foi se desenvolvendo na Inglaterra agrave medida que se

avanccedilavam no campo as teacutecnicas racionais modernas No seacuteculo XVIII segundo

Williams (2011) o desenvolvimento desse capitalismo agraacuterio teve como

correspondecircncia uma ideologia do melhoramento da transformaccedilatildeo e da organizaccedilatildeo da

154

terra O campo que se cultuava nessa eacutepoca natildeo era aquele identificado com o aacuterduo

trabalho agriacutecola das famiacutelias rurais mas um campo transformado em paisagem para a

contemplaccedilatildeo visto como natureza local de refuacutegio e aliacutevio em relaccedilatildeo agrave sociedade

urbana um campo portanto idealizado Williams (2011) destaca como os

melhoramentos trazidos pelo capitalismo agraacuterio tambeacutem impactaram a relaccedilatildeo do

homem com a natureza de forma praacutetica e esteacutetica com efeito na invenccedilatildeo da paisagem

cujos iacutecones se traduziam nos parques e jardins e no desenvolvimento das teacutecnicas de

paisagismo O interesse voltava-se para o campo domesticado tanto no caso da

agricultura tecnificada quanto da paisagem ambos dominados e organizados pelo

homem em termos cientiacuteficos e racionais No Brasil Eacuteboli (2007) retrata como o campo

eacute representado na induacutestria do entretenimento no caso no programa de televisatildeo Globo

Rural sob uma perspectiva que denominou de ldquorural naturezardquo que segundo ela deu

lugar ao ldquorural agriacutecolardquo a despeito do programa ser elaborado a princiacutepio para o

puacuteblico de agricultores Para a autora o sucesso do programa com o puacuteblico urbano natildeo

agriacutecola deve-se agrave apresentaccedilatildeo do campo e da natureza domesticados pela teacutecnica

palataacuteveis agrave esteacutetica e agrave contemplaccedilatildeo tiacutepicas da classe meacutedia urbana

De acordo com Williams (2011) a natureza selvagem e indocircmita natildeo fazia parte

deste processo com exceccedilatildeo da literatura que exultava a beleza da natureza intocada e

pura A natureza dominada pelos processos teacutecnicos passa a ser objeto de interesse de

turistas e cientistas Thomas (2010) ressalta como o desenvolvimento da Botacircnica e da

Zoologia transformaram as formas de classificaccedilatildeo dos animais e plantas o que

contribuiu entre outros elementos para a mudanccedila na relaccedilatildeo entre o homem e o

mundo natural Nessa perspectiva comeccedilaram a emergir noccedilotildees de indulgecircncia pelos

animais e praacuteticas como o vegetarianismo na sociedade europeia moderna Mas estas

novas sensibilidades com os animais e plantas entram em contradiccedilatildeo com o

desenvolvimento de uma economia essencialmente materialista que explora os recursos

naturais dominando e transformando a natureza de uma forma sem precedentes de

acordo com Thomas (2010)

Nesse sentido embora a sensibilidade com a natureza e a sua associaccedilatildeo ao

campo tenham sido desenvolvidas concomitante agrave constituiccedilatildeo da sociedade moderna

somente nos meados dos anos 1970 a 1990 ocorreram mudanccedilas efetivas na Europa em

relaccedilatildeo agraves funccedilotildees do campo na conservaccedilatildeo da biodiversidade Alguns autores como

Abramovay (1994) e Anjos e Caldas (2014) atribuem essa nova vocaccedilatildeo do campo

155

relacionada agrave natureza agraves mudanccedilas implementadas na Poliacutetica Agriacutecola Comum (PAC)

na Europa entre os anos 1970 e 1990 que estabeleceram praacuteticas de desenvolvimento

rural centradas na conservaccedilatildeo ambiental no turismo rural no lazer e na valorizaccedilatildeo

dos modos de vida e praacutetica locais dos rurais

Conforme Anjos e Caldas (2014) baseados nos estudos de Gray (2000) a PAC

no final dos anos 1950 e iniacutecio de 1960 centrava-se completamente na agricultura

visando garantir sua eficiecircncia e produtividade de forma protecionista tentando superar

a escassez de alimentos vivenciada no periacuteodo da Segunda Guerra Mundial Nas

deacutecadas posteriores contudo como consequecircncia das praacuteticas adotadas os paiacuteses

europeus depararam-se com o problema da superproduccedilatildeo de alimentos cujo

crescimento natildeo foi acompanhado pela demanda dos mercados consumidores Esse

excedente estava diretamente atrelado ao incremento produtivo garantido pela adoccedilatildeo

das tecnologias garantidas pela Revoluccedilatildeo Verde Aleacutem disso comeccedilaram a serem

constatados os impactos ambientais causados por este modelo de agricultura situaccedilatildeo

que foi exposta pelo Relatoacuterio Bruntdland publicado em 1987 e que segundo

Abramovay (1994) teve efeitos praacuteticos na poliacutetica agriacutecola dos paiacuteses de capitalismo

avanccedilado

A partir do final dos anos 1980 e iniacutecio de 1990 segundo os autores consultados

as poliacuteticas da PAC passaram a desvincular agricultura e campo e a propor iniciativas de

desenvolvimento rural que giravam em torno da conservaccedilatildeo ambiental do

reconhecimento da cultura rural local e da garantia de renda combatendo a pobreza rural

das famiacutelias agricultoras (ABRAMOVAY 1994 ANJOS CALDAS 2014) Assim a

representaccedilatildeo do rural e suas praacuteticas poliacuteticas correlatas deslocaram a visatildeo sobre o

campo do eixo da produccedilatildeo e passaram a considerar as suas possibilidades enquanto

espaccedilo de consumo Para Anjos e Caldas (2014) essas transformaccedilotildees corresponderiam

tambeacutem ao enfoque territorial que teria sido valorizado em detrimento ao setorial

Neste contexto o Brasil sediou a Conferecircncia das Naccedilotildees Unidas sobre o Meio

Ambiente e Desenvolvimento na cidade do Rio de Janeiro-RJ em 1992 a ECO-92 que

deu prosseguimento agraves propostas do Relatoacuterio Bruntdland Entretanto de acordo com

Lamine (2012) as iniciativas para o desenvolvimento rural sustentaacutevel especialmente

na forma de poliacuteticas puacuteblicas se consolidaram de forma institucional neste paiacutes nos

anos 2000 por meio da criaccedilatildeo do Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio (MDA) e do

PRONAF Em seguida novas medidas foram criadas voltadas para a agricultura

156

alternativa agrave convencional pelo reconhecimento oficial do cultivo e comercializaccedilatildeo da

agricultura orgacircnica em 2003 por meio da Lei no 10831 e mais recentemente em

2010 pela constituiccedilatildeo da Poliacutetica Nacional de Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural

(PNATER) em forma de Decreto-Lei no 12188 fundamentada numa perspectiva

agroecoloacutegica Destaca-se ainda os investimentos em ensino e pesquisa sobre

agroecologia especialmente com a formaccedilatildeo de Programas de Poacutes-graduaccedilatildeo em

universidades puacuteblicas conforme argumenta Lamine (2012)

Mas segundo Lamine (2012) apesar da institucionalizaccedilatildeo dos modelos de

agricultura alternativa ndash sobretudo o modelo agroecoloacutegico ndash ocorrer no Brasil

somente nos anos 2000 eles jaacute vinham sendo implementados por movimentos sociais

que os defendiam como via para a produccedilatildeo familiar numa accedilatildeo contra hegemocircnica agrave

modernizaccedilatildeo agriacutecola dos anos anteriores implementada no contexto da ditadura

militar brasileira A autora cita o caso da agroecologia brasileira pelo fato desta articular

a triangulaccedilatildeo entre agricultura alimentaccedilatildeo e meio ambiente que destaca como

fundamentais na perspectiva que propotildee qual seja de sistemas agroalimentares

territoriais Nesse sentido os entrevistados no Mercado Central ao articularem a

categoria roccedila com a perspectiva da natureza mediada pela figura emblemaacutetica do

produto da roccedila como um produto naturalartesanalcaseiro parecem associaacute-los agraves

praacuteticas da agricultura sustentaacutevel Os entrevistados associam esse modelo de

agricultura aos pequenos agricultores de base familiar que possibilitariam a oferta de

um alimento ldquosaudaacutevelrdquo ldquopurordquo e ldquovitalrdquo que lhes garante qualidade de vida e sabor

Mencionam ainda a confianccedila na forma como os alimentos foram cultivados ldquosem

agrotoacutexicosrdquo ldquonatildeo transgecircnicordquo ou feitos ldquode forma manualrdquo ldquocom carinhordquo gerada

pela possibilidade de identificar sua origem ldquosaber de onde vem o industrial natildeo se

saberdquo tudo isso traduzido na expressatildeo roccedila Nota-se em suas declaraccedilotildees uma visatildeo

sobre o campo como um espaccedilo privilegiado do ambiente natural e enquanto tal

adequado agraves praacuteticas ambientais conservacionistas Essa visatildeo tambeacutem parece passar

pela importacircncia que a alimentaccedilatildeo ocupa na adoccedilatildeo de um modo de vida considerado

saudaacutevel pelas classes meacutedias e altas urbanas

Assim conforme jaacute foi salientado no capiacutetulo anterior um dos pares de opostos

relativo aos produtos e serviccedilos da roccedila mais frequente nas respostas dos consumidores

e distribuidores no Mercado Central era do produto naturalartesanalcaseiro versus

produto industrial Os entrevistados identificavam esse produto naturalartesanalcaseiro

157

como um produto da roccedila da mesma forma que Dorigon (2008) relata a associaccedilatildeo feita

pelos consumidores entre os produtos alimentares tradicionais e os ldquoprodutos coloniaisrdquo

na regiatildeo Oeste do Estado de Santa Catarina e assim como Menasche (2010) menciona

a relaccedilatildeo entre o produto natural e o produto rural no Rio Grande do Sul Desta forma

o rural parece ter se tornado um atributo de valorizaccedilatildeo positiva para identificar os

produtos alimentares tradicionais ou produtos locais no Brasil (CRUZ MENASCHE

2011 NEUGEBAUER 2014 SANTOS J 2014)

Tais produtos alimentares tradicionais compotildeem um nicho de mercado que tem

se ampliado e que abarca desde frutas verduras leguminosas e cereais cultivados com

teacutecnicas de agricultura sustentaacutevel ateacute os bens historicamente processados pelas

agroinduacutestrias de pequenos agricultores familiares para o autoconsumo englobando

queijos doces geleias compotas conservas cachaccedila vinhos licores rapadura melado

accediluacutecar mascavo massas bolos patildees biscoitos e carnes embutidas entre outros Nesse

sentido os termos ldquoprodutos da roccedilardquo ou ldquoprodutos coloniaisrdquo seriam apenas variaccedilotildees

regionais no Sudeste Bahia Goiaacutes e Paranaacute no caso do primeiro e Santa Catarina e

Rio Grande do Sul no segundo de um mercado de produtos alimentares tradicionais

conforme designaccedilatildeo de Santos J(2014) ou produtos locaisprodutos da terra conforme

Cruz e Menasche (2011) Essa valorizaccedilatildeo dos produtos rurais tidos como naturais

tradicionais e artesanais no Brasil seguiria uma tendecircncia jaacute constatada na Europa

conforme relata Santos J (2014)

Segundo Aguilar Criado Anjos e Caldas (2011) elementos como paisagens arquitetura festas e gastronomia se tornam pilares que sustentam o novo arranjo do desenvolvimento rural principalmente na Europa a partir do qual estaacute se desenvolvendo uma nova marca a do produto rural cuja importacircncia reside em suscitar elementos como tradiccedilatildeo histoacuteria e natureza (SANTOS 2014 p 24)

Nesse sentido Cruz e Menasche (2011) apoiadas em Goodman (2003)

atribuem a emergecircncia dessa valorizaccedilatildeo de produtos rurais naturais e artesanais na

Europa a dois fatores O primeiro jaacute apresentado nos paraacutegrafos anteriores seria fruto

do redirecionamento da poliacutetica agriacutecola antes produtivista e setorial para a

multifuncionalidade e o desenvolvimento rural A segunda estaria atrelada agraves crises

relacionadas a episoacutedios de contaminaccedilatildeo de alimentos na induacutestria agroalimentar entre

os anos 1980 e 1990 como a ldquovaca louca na Inglaterra colza na Espanha dioxinas na

Beacutelgica e galinhas no Brasil entre outrosrdquo exemplificados por Santos J (2014 p 20)

158

Estes eventos teriam gerado desconfianccedila e prudecircncia nos consumidores quanto aos

produtos agroindustriais produzidos em larga escala aleacutem do conhecimento dos

impactos ambientais e das mudanccedilas das caracteriacutesticas organoleacutepticas dos alimentos

(SANTOS J 2014)

Tais acontecimentos teriam contribuiacutedo para fomentar uma ldquoansiedade urbana

contemporacircnea frente aos alimentosrdquo de acordo com Cruz e Menasche (2011)

Neugebauer (2014) e Santos (2014) baseadas no princiacutepio da incorporaccedilatildeo de Fischler

(1993) A contrapartida de tal sentimento seria portanto a busca por alimentos

considerados saudaacuteveis puros naturais artesanais e caseiros associados agraves praacuteticas

tradicionais de produccedilatildeo e processamento que possuem forte viacutenculo com a histoacuteria a

cultura e o territoacuterio e em muitos casos com o rural Assim Neugebauer (2014)

citando o estudo de Cristoacutevatildeo (2002) a respeito do caso portuguecircs destaca o que este

chamou de ldquonovas procurasrdquo relacionadas a um sentimento de nostalgia que acomete as

populaccedilotildees urbanas direcionando-as em busca de modos de vida natildeo urbanos

considerados de raiz autecircnticos originais Da mesma forma Menasche (2010 p 207)

cita Eizner (1995) para o caso francecircs a respeito da busca por ldquoimagens de sabores

perdidosrdquo Como consequecircncia dessas mudanccedilas destaca-se a oferta crescente de

alimentos produzidos com base na agricultura orgacircnica a valorizaccedilatildeo de produtos locais

e as iniciativas de comeacutercio justo conforme constata-se na seguinte afirmaccedilatildeo

Goodman (2003) [] considera que o atual momento histoacuterico indica deslocamento da padronizaccedilatildeo e da loacutegica de produccedilatildeo de mercadorias em massa em direccedilatildeo agrave qualidade alicerccedilada em confianccedila tradiccedilatildeo com base no local em produtos ecoloacutegicos e novas formas de organizaccedilatildeo econocircmica (CRUZ MENASCHE 2011 p 98)

Estas autoras ressaltam ainda que motivaccedilotildees puramente individuais tambeacutem

podem estar no cerne do consumo de produtos naturaisartesanaiscaseiros como a

preocupaccedilatildeo com a sauacutede e a fruiccedilatildeo de acordo com o estudo de Barbosa (2009) Neste

caso a preocupaccedilatildeo com a sauacutede natildeo se limitaria aos ideais de bem-estar medicalizaccedilatildeo

e longevidade mas tambeacutem com a esteacutetica do corpo assim como a fruiccedilatildeo se

relacionaria agrave possibilidade de consumir algo exclusivo e estilizado Mas os ideais

individuais podem de acordo com Cruz e Menasche (2011) se aglutinarem em accedilotildees

coletivas que impactam na politizaccedilatildeo do consumo assim como na rastreabilidade dos

produtos Exemplos dessas mudanccedilas satildeo o comeacutercio justo e os produtos eacuteticos e

159

ecoloacutegicos no caso da politizaccedilatildeo e de origem e trajetoacuteria na cadeia produtiva em

termos da rastreabilidade (BARBOSA L 2009 citado por CRUZ MENASCHE

2011)

No caso dos produtos da roccedila aqui estudados e das descriccedilotildees que lhe foram

feitas por consumidores e distribuidores no Mercado Central a sua peculiaridade

residiria no fato jaacute relativamente explorado no capiacutetulo anterior de que estes o

consideravam como aquele produto ldquosem embalagemrdquo ldquosem roacutetulordquo sintetizado

especialmente na expressatildeo mais frequente ldquosem selordquo Este produto da roccedila sem selo

era apontado como o par oposto ao produto industrial num jogo de disputa de sentidos

que Lifschitz (1995) atribui ao padratildeo alimentar ldquoalternativordquo constituiacutedo por grupos

vegetarianos macrobioacuteticos entre outros Nesse jogo opera a negaccedilatildeo do seu oposto o

padratildeo alimentar industrial assim como opotildee a marca agrave identificaccedilatildeo da origem Nesse

sentido a marca distintivo do produto que eacute visualizado por meio da embalagem e seu

roacutetulo parece ser negada por ter seu sentido associado ao processo industrial e seria um

dos elementos que corromperiam o seu atributo artesanalcaseiro Denotativo dessa

visatildeo conforme foi visto no capiacutetulo anterior eacute a declaraccedilatildeo de alguns consumidores

entrevistados de que natildeo consumiriam um produto que portasse a marca roccedila porque

em sua concepccedilatildeo o fato de ser embalado ter roacutetulo e marca registrada jaacute o remeteria a

um processo urbano e industrial

A ecircnfase de muitos consumidores e distribuidores no Mercado Central sobre o

fato de um produto da roccedila para ser considerado original e autecircntico natildeo seria

embaladorotuladoselado insere os bens que veiculam o termo roccedila aqui estudados no

mercado informal de produtos tradicionais conforme indicam Dorigon (2008 2010)

Santos J (2014) Wilkinson (2008) e Wilkinson e Mior (1999)

Contudo eacute importante destacar a diferenccedila entre o setor informal e o ilegal

conforme Wilkinson e Mior (1999) uma vez que o uacuteltimo envolve a produccedilatildeo e

circulaccedilatildeo de produtos proibidos enquanto o primeiro abarca os bens cujos processos

de produccedilatildeo natildeo se enquadram nos padrotildees de regulaccedilatildeo vigentes Os autores definem o

mercado informal como o conjunto de atividades que natildeo adotam as normas e

regulamentaccedilotildees que prevalecem num determinado momento no setor em que operam

Os principais descumprimentos da norma relacionam-se agraves questotildees trabalhistas agraves

instalaccedilotildees onde se produz e agraves teacutecnicas sanitaacuterias Wilkinson e Mior (1999) afirmam

que para alguns autores a informalidade tanto pode estar relacionada agrave pobreza quanto

160

ser uma reaccedilatildeo criativa agraves burocracias estatais Destacam que o setor informal

ldquoconfunde-serdquo com as meacutedias e pequenas agroinduacutestrias nas quais se enquadram os

produtos alimentares tradicionais em que operam os atores tradicionais pouco

capitalizados

No caso da cadeia produtiva leiteira no Brasil os autores Wilkinson e Mior

(1999) afirmam que se tratava de uma atividade tradicional que a partir das

regulamentaccedilotildees do setor pelo Estado entre 1980 e 1990 passou a ter o atributo de

informal Nesse sentido Santos J (2014) comenta como a legislaccedilatildeo exige o

cumprimento das mesmas normas de produtores muito diferentes especialmente em

termos de escala e objetivos da produccedilatildeo No caso dos produtores de queijo artesanal

mineiro produzido no Serro a autora identificou produtores que faziam por dia cinco

quilos de queijo e aqueles que produziam mais de cem quilos diaacuterios deste derivado

laacutecteo

Por outro lado os autores consultados apontam para a importacircncia do setor

informal da agroinduacutestria especialmente a partir dos anos 1990 Para Wilkinson e Mior

(1999 p 31) nas cadeias de consumo popular o setor informal ocupa 40 da oferta de

leite 50 da carne bovina e de 10 a 20 das carnes brancas Santos (2014) afirma

que em Minas Gerais estima-se que haja 30 mil produtores de queijo segundo dados

fornecidos pela Empresa Mineira de Assistecircncia Teacutecnica e Extensatildeo Rural (EMATER)

Destes segundo esta autora apenas 305 estavam cadastrados no Instituto Mineiro de

Agropecuaacuteria (IMA) responsaacutevel pela concessatildeo do selo de fiscalizaccedilatildeo estadual A

autora cita ainda duas pesquisas realizadas no Rio Grande do Sul onde se constatou na

primeira numa amostra de 50 agroinduacutestrias que 604 delas tinham alguma

pendecircncia no serviccedilo de inspeccedilatildeo sanitaacuteria (OLIVEIRA PREZOTTO VOIGT 2002

citado por SANTOS 2014) Na segunda pesquisa com uma amostra de 106

empreendimentos familiares 72 operavam informalmente no que tange agraves normas

sanitaacuterias (PELLEGRINI GAZZOLA 2008 citado por SANTOS 2014) Dorigon

(2008) cita ainda um estudo realizado em Santa Catarina por Oliveira Schmidt e

Schmidt (1999) que constatou que das 1116 Induacutestrias Rurais de Pequeno Porte (IRPP

conforme nomenclatura utilizada pelos autores) 79 delas estavam organizadas

informalmente

Wilkinson e Mior (1999) entretanto identificam a importacircncia das

agroinduacutestrias para a produccedilatildeo familiar que tem encontrado desde os anos 1990 uma

161

estrateacutegia de reinserccedilatildeo no mercado por meio da produccedilatildeo artesanal voltada para nichos

que pagariam por estes bens preccedilos-precircmios Segundo os autores esses produtos

artesanais tecircm substituiacutedo nos empreendimentos familiares a produccedilatildeo de commodities

que eram produzidas na cadeia agroindustrial de integraccedilatildeo contratual vigente desde os

anos 1960 Poreacutem a partir dos anos 1990 esta cadeia produtiva estaria passando por

uma reestruturaccedilatildeo que estaria excluindo os pequenos produtores via concentraccedilatildeo e

especializaccedilatildeo De acordo com Wilkinson e Mior (1999) essa reestruturaccedilatildeo estaria

relacionada agraves mudanccedilas nos padrotildees de competitividade causadas por vaacuterios fatores

entre eles a ldquoliberalizaccedilatildeo desregulamentaccedilatildeo e integraccedilatildeo regionalrdquo que teriam

motivado uma maior tecnificaccedilatildeo controle da qualidade das mateacuterias-primas aumento

da escala e sofisticaccedilatildeo nos padrotildees de demanda (WILKINSON MIOR 1999 p 30)

Estes autores citam como exemplo as mudanccedilas na cadeia produtiva do leite nos anos

1990 e Dorigon (2008) exemplifica o caso da suinocultura no Oeste de Santa Catarina

As dificuldades de acesso e manutenccedilatildeo das pequenas produccedilotildees familiares nos

mercados agriacutecolas convencionais as mudanccedilas nos padrotildees de consumo alimentar e as

criacuteticas ao modelo de agricultura dominante e seus impactos ambientais propiciaram a

inserccedilatildeo destas em novos mercados apoacutes os anos 1990 de acordo com Wilkinson

(2008) Estes novos mercados satildeo tanto aqueles de nicho notadamente os de produccedilatildeo

orgacircnica quanto mercados solidaacuterios artesanais e de produtos de qualidades especiais

A inserccedilatildeo dos produtores familiares nesses mercados tem sido possiacutevel segundo os

autores devido agrave persistecircncia dos mercados locais de proximidade e ao reconhecimento

da reputaccedilatildeo de seus produtos nessas redes de proximidade Associado a isso pelos

fatores apontados acima os aspectos tradicionais da pequena produccedilatildeo tecircm se

transformado em valores de mercado conforme atestam estes pesquisadores

Nesse sentido Wilkinson (2008) ressalta que na Ameacuterica Latina haacute uma

importante associaccedilatildeo positiva entre a agroinduacutestria rural e os valores atribuiacutedos agrave

ldquocomida caseirardquo e aos alimentos ldquosem aditivosrdquo mais que os atributos de ldquoqualidades

superioresrdquo e territoacuterios comuns na Franccedila e na Itaacutelia por exemplo Estes valores

atribuiacutedos pelo mercado agrave pequena produccedilatildeo agriacutecola na Ameacuterica Latina segundo o

autor estariam apoiados em outros valores como a produccedilatildeo artesanal a proteccedilatildeo

ambiental (no caso dos orgacircnicos) e social pela sua base familiar Alguns desses

valores foram constatados nas respostas dos consumidores e distribuidores no Mercado

Central associados agrave sua concepccedilatildeo sobre os produtos da roccedila

162

Pelo que foi exposto ateacute o momento pode-se inferir que os produtos e serviccedilos

que se vinculam agrave categoria roccedila seja informalmente ou por meio da marca fazem parte

desse novo mercado apontado pelos autores No caso da categoria roccedila este mercado se

constitui em torno da produccedilatildeo e consumo de produtos agriacutecolas por meio de teacutecnicas

de agricultura sustentaacuteveis de produtos agroindustriais tradicionalmente feitos de

maneira caseira e artesanal pelas famiacutelias agricultoras pela gastronomia de comida da

roccedila tambeacutem chamada de caseira ou mineira e por alguns produtos que podem ser

considerados especiais em virtudes de seus marcadores histoacutericos culturais e

territoriais Embora natildeo se tenha identificado nesta pesquisa a formaccedilatildeo de redes de

comeacutercio justo ou solidaacuterio envolvendo os produtos da roccedila constatou-se certa

disponibilidade entre alguns consumidores para se pagar preccedilos-precircmio a estes

produtos

Deve-se ressalvar entretanto que o mercado de produtos e serviccedilos com o termo

roccedila tem se demonstrado nesta pesquisa bastante difuso havendo algumas iniciativas

coletivas seja por meio de movimentos sociais ou poliacuteticas puacuteblicas de inserccedilatildeo no

mercado sem haver contudo nenhum tipo de regulamentaccedilatildeo do que seja um produto

da roccedila Isto possui algumas implicaccedilotildees por um lado o mercado informal eacute

caracterizado conforme Wilkinson e Mior (1999) pela ausecircncia ou natildeo cumprimento

de normas e regulamentos e esta tem sido a tocircnica dos produtos alimentares artesanais e

pode-se afirmar com base no que foi exposto anteriormente que eacute exatamente o que o

caracteriza enquanto tal inclusive segundo a classificaccedilatildeo de seus agentes de mercado

Nesse sentido uma vasta gama de produtos e serviccedilos inclusive industriais se apropria

do termo roccedila especialmente na iniciativa privada e isto pocircde ser percebido nas

solicitaccedilotildees de registro de marcas no INPI dificultando as inferecircncias a respeito do que

seja esse mercado embora os dados desta pesquisa tenham permitido ateacute o momento

fazer algumas siacutenteses propositivas para a caracterizaccedilatildeo desse mercado Por outro lado

tentativas de regulamentaccedilatildeo de produtos e serviccedilos com o termo roccedila podem implicar

em processos de concentraccedilatildeo e exclusatildeo de pequenos e meacutedios estabelecimentos que

veiculam este termo conforme alertam Dorigon (2008) e Santos (2014) para os casos

dos produtos coloniais em Santa Catarina e para os queijos artesanais em Minas Gerais

e no Rio Grande do Sul

Tendo sido feitas essas ressalvas acredita-se que o mercado de produtos e

serviccedilos com o termo roccedila tem expressado nesta pesquisa parte do panorama que

163

envolve os sistemas agroalimentares especialmente na valorizaccedilatildeo da sustentabilidade e

da tradiccedilatildeo assim como as facetas do desenvolvimento rural no Brasil voltadas para

um campo que natildeo se define somente pela agricultura mas tambeacutem pelas atividades

natildeo-agriacutecolas Aleacutem disso o uso do termo roccedila nos produtos e serviccedilos tem permitido

ateacute aqui vislumbrar algumas interfaces das relaccedilotildees entre os modos de vida urbano e

rural especialmente a partir de suas profundas transformaccedilotildees no Brasil e no exterior a

partir dos anos 1980 Ateacute o momento esses dados tecircm apontado para uma revalorizaccedilatildeo

do rural especialmente no que tange agrave sua vocaccedilatildeo sustentaacutevel identificada na

agricultura alternativa ao modelo convencional produtivista e na oferta de serviccedilos de

lazer e turismo bem como uma alternativa ao modo de vida urbano por meio de

segundas moradias ou dos neorrurais As verificaccedilotildees feitas ateacute aqui tecircm indicado que o

termo roccedila tem sido uma categoria-chave que embora polissecircmica tem permitido

compreender algumas facetas desse novo rural brasileiro

34 As categorias roccedila no Mercado Central

Neste capiacutetulo foi realizado um esforccedilo para apresentar os aspectos relacionados

aos usos e significados da categoria roccedila na circulaccedilatildeo de bens e serviccedilos no Mercado

Central de Belo Horizonte A interpretaccedilatildeo aqui apresentada a respeito de como os

signos referentes agrave roccedila se revelaram no Mercado e no centro da cidade agrave sua volta

basearam-se nas apreensotildees possiacuteveis da observaccedilatildeo participante e da aplicaccedilatildeo de

questionaacuterios aos produtores distribuidores e consumidores de produtos e serviccedilos da

roccedila ou com a marca roccedila no Mercado Central Nesse sentido no capiacutetulo 5 seratildeo

apresentados os mesmos dados a respeito dos usos e significados do termo roccedila poreacutem

submetidos a uma anaacutelise mais apurada por meio da Anaacutelise Estatiacutestica Textual e de

Categorizaccedilatildeo

Por meio da descriccedilatildeo que se efetivou neste capiacutetulo pode-se verificar como as

categorias de significados em torno do vocaacutebulo roccedila construiacutedas nos capiacutetulos

anteriores resultado do confronto entre os aportes teoacutericos e os dados empiacutericos

coletados sobre as solicitaccedilotildees de registro de marcas com o termo roccedila no INPI se

aplicam aos usos e significados de roccedila identificados no Mercado

164

Inicialmente pode-se perceber que o pressuposto de que a categoria roccedila eacute

relativa e relacional se evidenciou na forma como os produtores distribuidores e

consumidores no Mercado identificavam a roccedila Nesse sentido a roccedila era o ldquooutrordquo

expresso sobretudo como o interior ou as pequenas cidades aleacutem das alusotildees ao

isolamento e ao mato o que demonstra seu caraacuteter relacional Essas percepccedilotildees eram

construiacutedas no esquema de pares de opostos que contrapunham a capital ao interior

referido como roccedila Embora os entrevistados estivessem cercados de estabelecimentos e

produtos com apelo agrave roccedila no centro da capital natildeo costumavam associar esta agrave ideia

de roccedila salvo algumas exceccedilotildees Mas a categoria tambeacutem era usada de forma relativa

ao identificarem o proacuteprio Mercado Central como um espaccedilo onde podiam acessar a

cultura tiacutepica das pequenas cidades do interior na sua concepccedilatildeo por meio de produtos

alimentares artesanais ou naturais ndash identificados como da roccedila ndash de utensiacutelios

domeacutesticos e artesanato e das proacuteprias sociabilidades ali estabelecidas O Mercado era

portanto o cantinho da roccedila na capital levando-se em consideraccedilatildeo a associaccedilatildeo que

faziam entre roccedila e cidades pequenas do interior

Em termos das categorias de significado nota-se portanto que os entrevistados

natildeo associavam a roccedila agrave cultura rural ou ao campo de forma direta Ao inveacutes disso

vinculavam-na ao interior agraves cidades pequenas Essa percepccedilatildeo de uma cultura tiacutepica de

pequenas cidades que classificavam como da roccedila era carregada de romantismo e

nostalgia jaacute que a performance possibilitada ao se frequentar o Mercado Central estava

carregada de subjetividades com memoacuterias da infacircncia e idealizaccedilotildees de um passado e

um modo de vida idiacutelico Aleacutem disso a roccedila como natureza foi bastante evidenciada

especialmente na forma como classificam os produtos da roccedila como artesanais

caseiros puros e naturais conforme se discutiu na seccedilatildeo anterior A oferta e o consumo

destes produtos e serviccedilos considerados artesanais caseiros e tradicionais tinham um

forte viacutenculo com a visatildeo da roccedila como tradiccedilatildeo embora tenha havido poucas

referecircncias a essa palavra enquanto tal Pode-se afirmar no entanto que a tradiccedilatildeo eacute um

discurso frequentemente mobilizado pela gestatildeo do Mercado Central e pela gestatildeo

puacuteblica de Belo Horizonte e do Estado de Minas Gerais como emblemaacutetico das culturas

belo-horizontina e mineira da histoacuteria e identidade do povo mineiro conforme se

verificou na literatura sobre o Mercado Nesse sentido a ideia de tradiccedilatildeo e cultura

mineira tiacutepica desse Estado eacute apropriada e institucionalizada pelo Mercado Central

Nesse contexto houve vaacuterias menccedilotildees agrave roccedila como sinocircnimo da cultura mineira talvez

165

pela interaccedilatildeo entre o gecircnero do discurso complexo no sentido dado a este por Bakhtin

(2003) constituiacutedo pelos enunciados oficiais do Mercado e da gestatildeo puacuteblica local e o

gecircnero do discurso simples principalmente dos agentes que trabalhavam no Mercado e

compartilhavam com a instituiccedilatildeo tal visatildeo Alguns dos produtores ou distribuidores

entrevistados associavam a roccedila agrave cultura mineira enquanto outros justificavam tal

associaccedilatildeo ao fato de uma possiacutevel migraccedilatildeo campo-cidade em Minas Gerais que

levavam os consumidores a identificar a roccedila com o seu passado ldquono interiorrdquo ou no

campo Assim no primeiro caso a proprietaacuteria de um restaurante afirmou que a roccedila

significava ldquoA cultura mineira o alimento o acolhimento a comida caseira o fogatildeo a

lenha cozinhar com calmardquo (Proprietaacuteria de restaurante Belo Horizonte outubro de

2014) Esta declaraccedilatildeo da entrevistada estaacute em consonacircncia com a perspectiva de

Morais (2004) para quem o discurso sobre a mineiridade envolve tambeacutem o sentimento

de nostalgia relativo a situaccedilotildees familiares expressos por meio da gastronomia e a

ldquoarterdquo que a envolve desde os ingredientes que compotildeem os pratos a sua disposiccedilatildeo e o

ambiente no qual a comida eacute saboreada marcado pela comunhatildeo em volta do fogatildeo E

afirmava que a arquitetura do restaurante ldquolembrava um casaratildeo mineirordquo conforme

pode ser notado nas seguintes imagens

FIGURA 38 ndash Interior do restaurante

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

166

FIGURA 39 ndash Lavabo do restaurante

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 40 ndash Detalhe da arquitetura do restaurante

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

No segundo caso os entrevistados faziam afirmaccedilotildees como ldquoO mineiro eacute ligado

agrave roccedila jaacute viveu conhece gosta de coisas que o lembram do tempo que viveu com a

famiacutelia e os pais na roccedilardquo (Proprietaacuterio de loja de utilidades domeacutesticas Belo

Horizonte outubro de 2014) ou ainda ldquoMinas tem um peacute na roccedila as pessoas veem do

interior para a cidade grande e depois querem voltarrdquo (Proprietaacuteria de loja de utilidades

domeacutesticas Belo Horizonte outubro de 2014) Ambas as declaraccedilotildees foram feitas por

proprietaacuterios de lojas de artesanato e utensiacutelios domeacutesticos onde segundo eles os

consumidores procuravam por estes objetos-siacutembolos que ldquolembravam a roccedilardquo

Conforme jaacute se elucidou no capiacutetulo anterior autores como Abdala (2006

2007) Arruda (1999) e Morais (2004) ao refletirem sobre o sentido do termo

mineiridade buscam elucidar os elementos que ligam a cultura do Estado e sua relaccedilatildeo

com o modo de vida rural Para Arruda (1999) a mineiridade enquanto estilo de vida

167

em termos de praacuteticas e comportamentos do mineiro foi forjada em dois contextos

histoacutericos distintos o primeiro situado no apogeu da mineraccedilatildeo no seacuteculo XVIII o

segundo teria surgido para a autora apoacutes o decliacutenio da base mineradora iniciando o que

chamou de ldquoruralizaccedilatildeordquo da economia nos seacuteculos XIX e XX Para Arruda (1999) esta

ldquoruralizaccedilatildeordquo seria responsaacutevel pelo enraizamento dos aspectos sociais e culturais em

Minas Gerais Assim como Arruda (1999) Abdala (2006) tambeacutem destaca estes dois

periacuteodos histoacutericos que no caso de sua pesquisa teriam sido a origem e a composiccedilatildeo

da culinaacuteria tiacutepica mineira Segundo esta autora se naquele primeiro momento a

tradiccedilatildeo culinaacuteria mineira foi marcada pela escassez de alimentos em funccedilatildeo da

ocupaccedilatildeo da matildeo-de-obra na mineraccedilatildeo e das maacutes condiccedilotildees da estrada num segundo

momento a maior disponibilidade de alimentos teria possibilitado novos haacutebitos

alimentares novas receitas e novos preparos de alimentos que teriam determinado em

consequecircncia a caracterizaccedilatildeo dos mineiros como hospitaleiros O periacuteodo da

ldquoruralizaccedilatildeordquo para Abdala (2006) marcou a concentraccedilatildeo da vida econocircmica poliacutetica e

social da regiatildeo nas fazendas Nesse caso ao equiparar roccedila e mineiridade os

entrevistados estariam de alguma forma aludindo agrave vida no campo aos modos de vida

rural que teriam marcado boa parte da populaccedilatildeo mineira entre os seacuteculos XIX e iniacutecio

do XX ainda que de maneira natildeo deliberada

Quanto agraves outras categorias de significaccedilatildeo da roccedila caipira e da roccedila estilizada

estas natildeo foram citadas durante a aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios A primeira

considerando-se o que foi constatado na anaacutelise das marcas com o termo roccedila

apresentada no capiacutetulo anterior seria ainda de uso recente enquanto gecircnero do discurso

complexo ou seja apropriada de maneira formal pelo marketing e pelo mundo dos

negoacutecios embora jaacute fosse utilizada no campo do discurso simples para descriminar

produtos como ovos e galinhas ldquoovos caipirasrdquo e ldquogalinha caipirardquo Nesse sentido o

termo caipira como correlato da roccedila em produtos e serviccedilos natildeo foi imediatamente

mencionado pelos entrevistados Por outro lado pode-se refletir a respeito do estigma

que tal termo expressa historicamente no Brasil conforme se expocircs no capiacutetulo 1 a

respeito dos processos de diferenciaccedilatildeo social entre o rural e o urbano

Quanto agrave roccedila estilizada se ela natildeo foi percebida pelos entrevistados ela pocircde

ser notada em alguns aspectos no Mercado Central Ela se expressou nos usos que os

consumidores davam aos objetos e alimentos da roccedila comprados para decorar cozinhas

urbanas de arquitetura intencionalmente ruacutestica para cozinhar pratos especiais ou

168

mesmo por meio do preccedilo que se paga numa cachaccedila que mesmo sendo artesanal da

roccedila por isso mesmo possui alto valor no mercado ou em algum elemento decorativo

com valor agregado Aleacutem disso a ressignificaccedilatildeo da roccedila em elementos urbanos

esteacuteticos e sofisticados pode ser percebida nas imagens do restaurante ilustradas nas

paacuteginas anteriores ou do estabelecimento com o sugestivo nome de ldquoRoccedila Capitalrdquo

FIGURA 41 ndash Fachada do ldquoRoccedila Capitalrdquo no Mercado Central

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

O quadro abaixo sintetiza a percepccedilatildeo durante a observaccedilatildeo participante no

Mercado Central das referecircncias dos entrevistadosrespondentes agraves categorias de

significado do termo roccedila e as expressotildees correlatas que algumas vezes substituiacuteram o

uso das categorias aqui sugeridas

QUADRO 8 ndash Siacutentese das categorias de significado roccedila no Mercado Central Campo Rural Natureza Romacircntico Tradiccedilatildeo Minas Gerais Caipira Estilizada

- - + + - + - - Interior e cidades

pequenas Produtos

caseiros e artesanais

Ovos caipira eou

galinha caipira

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

169

4 O FESTIVAL DE GASTRONOMIA E CULTURA DA ROCcedilA DE GONCcedilALVES ldquoAQUI A ROCcedilA Eacute A RAINHArdquo

41 A cidade de Gonccedilalves

A cidade de Gonccedilalves estaacute localizada no sul do Estado de Minas Gerais na

mesorregiatildeo Sul e Sudoeste na microrregiatildeo de Pouso Alegre conforme descrito na

seccedilatildeo Mesorregiotildees e Microrregiotildees do site do Estado (MINAS GERAIS 2015)

fazendo divisa com os municiacutepios mineiros de Paraisoacutepolis Sapucaiacute-Mirim e

Camanducaia e com o municiacutepio paulista de Satildeo Bento do Sapucaiacute Gonccedilalves

portanto se situa na divisa entre os Estados de Minas Gerais e Satildeo Paulo na Serra da

Mantiqueira localizada numa regiatildeo turiacutestica cujos polos principais satildeo a cidade de

Campos do Jordatildeo o distrito de Monte Verde (pertencente ao municiacutepio de

Camanducaia) o Circuito das Malhas e Circuito das Aacuteguas (BARBOSA R 2014

PINTO 2014 PREFEITURA MUNICIPAL DE GONCcedilALVES 2015)

170

FIGURA 42 ndash Localizaccedilatildeo de Gonccedilalves-MG

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira no software QGIS 21 utilizando o banco de dados

ldquoLimitesrdquo da Base Cartograacutefica Vetorial do Brasil (BASE [2007]) disponibilizado pelo portal de mapas do IBGE no endereccedilo

ftpgeoftpibgegovbrmapeamento_sistematicobase_vetorial_continua_escala_250mil Acesso em 12 ago 2015

171

FIGURA 43 ndash Vista panoracircmica da cidade de Gonccedilalves-MG

Fonte Roberto Torrubia

O municiacutepio tinha uma populaccedilatildeo de 4220 habitantes em 2010 sendo que

724 vivem no campo (IBGE 2015) A aacuterea territorial eacute de 1897 km2 com relevo

acidentado 80 montanhoso com altitudes entre 949 e 1970 metros de acordo com

Barbosa R (2014) banhada pelo Rio Capivari pertencente agrave Bacia do Rio Sapucaiacute-

Mirim o que possibilita a formaccedilatildeo de vaacuterias cachoeiras e picos que fazem parte dos

atrativos turiacutesticos da cidade (PINTO 2014) O clima eacute tropical de altitude e a

vegetaccedilatildeo eacute remanescente de Mata Atlacircntica mas com grande presenccedila do pinheiro do

Paranaacute (Araucaacuteria angustifolia) o que a caracteriza como Floresta Ombroacutefila Mista de

acordo com Aun (2012) e tambeacutem se configura como atrativo turiacutestico no inverno pelo

ldquoclima de montanhardquo que proporciona ao visitante

172

FIGURA 44 ndash Vista do Bairro dos Remeacutedios

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 45 ndash Cachoeira do Simatildeo no Bairro Retiro

Fonte Roberto Torrubia

O municiacutepio de Gonccedilalves eacute relativamente recente tendo sido instalado em 1ordm de

marccedilo de 1963 apoacutes sua emancipaccedilatildeo da cidade de Paraisoacutepolis ocorrida em 30 de

dezembro de 1962 por meio da Lei Estadual no 2764 (PINTO 2014) Este autor a

partir de suas pesquisas documentais afirma que a localidade de Gonccedilalves teria se

formado no final do seacuteculo XIX e iniacutecio do XX devido a uma promessa religiosa feita

por Policarpo Teixeira Almeida Queiroz Juacutenior de doar seis alqueires de terra da

Fazenda do Rio Manso na divisa entre os Estados de Satildeo Paulo e Minas Gerais de sua

propriedade para a construccedilatildeo de uma Capela a Nossa Senhora das Dores caso fosse

curado de uma doenccedila que lhe acometera por volta do ano de 1878 A capela teria sido

erguida de taipa e sapeacute de acordo com Pinto (2014) mas devido agraves disputas por

heranccedila ela teria sido transferida por volta do ano de 1897 para as margens do Rio

Capivari onde hoje se situa a Igreja Matriz de Nossa Senhora das Dores da cidade de

Gonccedilalves Neste terreno agrave eacutepoca residiam trecircs irmatildeos de sobrenome Gonccedilalves

trabalhadores rurais pobres de origem cafuza A partir de entatildeo a capela teria sido

173

mencionada como Capela das Dores dos Gonccedilalves (PINTO 2014) O nome de

Gonccedilalves denominaria o povoado que foi elevado agrave categoria de distrito no ano de

1902 (BARBOSA R 2014) A heranccedila do nome permanece no municiacutepio e para Pinto

(2014) a promessa religiosa e a construccedilatildeo da capela ecoam como um discurso

fundador da cidade de Gonccedilalves e fundamentam um discurso religioso que se associa agrave

identidade desta

FIGURA 46 ndash Igreja de Nossa Senhora das Dores centro de Gonccedilalves-MG

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

De acordo com Barbosa R (2014) e Pinto (2014) Gonccedilalves eacute um municiacutepio

ldquotipicamente ruralrdquo que foi caracterizado por uma ldquoeconomia essencialmente agraacuteriardquo

ateacute meados dos anos 1980 A partir de 1990 e mais intensamente a partir de 2005

emergiram uma seacuterie de atividades do setor de turismo que transformaram as condiccedilotildees

socioeconocircmicas da cidade Assim segundo Pinto (2014) ateacute os anos 1980 a

agropecuaacuteria foi a principal atividade econocircmica da cidade cuja produccedilatildeo era destinada

principalmente ao autoconsumo das famiacutelias produtoras Este autor afirma que

historicamente a cidade produz milho feijatildeo cenoura e mais recentemente aleacutem

destes batata banana e hortifruacuteti O autor tambeacutem cita a agricultura orgacircnica

desenvolvida nos uacuteltimos anos e destaca a produccedilatildeo de artesanato com a fibra da

bananeira e de geleias e doces com as frutas Pinto (2014) tambeacutem ressalta a produccedilatildeo

de pecuaacuteria leiteira suiacutenos aves truta mel tijolos cachaccedila e moacuteveis artesanais Este

autor sublinha ainda que as propriedades agropecuaacuterias satildeo de pequeno e meacutedio porte

174

Ao se verificar esses dados no Censo Agropecuaacuterio de 2006 disponibilizado pelo IBGE

observa-se que o municiacutepio de Gonccedilalves possuiacutea agravequela eacutepoca no total 255 unidades

de estabelecimentos agropecuaacuterios ocupando 6046 hectares (CENSO 2006a 2006b)

Dividindo-se a aacuterea total ocupada pelos estabelecimentos agropecuaacuterios pelo nuacutemero de

unidades obteacutem-se uma aacuterea meacutedia de 2370 hectares menor que o moacutedulo fiscal do

municiacutepio estabelecido em 30 hectares (CANAL DO PRODUTOR 2015)

De acordo com Barbosa R (2014) ateacute o ano de 1980 a agricultura praticada no

campo de Gonccedilalves ocupava os topos de morros encostas e ateacute mesmo a beira de rios

e ribeirotildees e aleacutem do autoconsumo o excedente era comercializado na aacuterea urbana de

Gonccedilalves Paraisoacutepolis e Satildeo Bento do Sapucaiacute Essas cidades tambeacutem recebiam a

produccedilatildeo de leite de Gonccedilalves em seus laticiacutenios e cooperativas Segundo este mesmo

autor a deacutecada de 1980 em Gonccedilalves foi marcada por um processo de compra e

arrendamento de terras por grandes produtores das cidades de Maria da Feacute e Cambuiacute

tambeacutem no sul de Minas para a plantaccedilatildeo de batata e cenoura adotando um modelo

convencional de agricultura com a utilizaccedilatildeo de agrotoacutexicos degradaccedilatildeo ambiental e

aumento dos niacuteveis de produtividade no curto prazo de acordo com o estudo de

Kurebayashi (2002 citado por BARBOSA R 2014) Esse periacuteodo eacute bastante citado

pelos agricultores entrevistados nesta pesquisa como uma condiccedilatildeo em que enfrentaram

duras jornadas de trabalho e pouca recompensa financeira conforme declarou a

proprietaacuteria de um restaurante no campo do Bairro Rural Terra Fria ldquoA gente plantava

tinha lavoura de cenoura lavoura de pecircssego aiacute depois foi preciso abandonar Natildeo dava

preccedilo mais natildeo tinha condiccedilatildeo mais E por causa daqui ter muita montanha nada se

mexia com trator era tudo braccedilal era tudo no braccedilordquo

Entretanto entre os anos de 1980 e 1990 essa situaccedilatildeo foi se modificando e a

atividade agropecuaacuteria convencional foi sendo substituiacuteda pela atividade turiacutestica e pela

agricultura orgacircnica especialmente na regiatildeo mais alta da cidade conforme atesta a fala

de um proprietaacuterio de restaurante residente na sede municipal

Antes o povo vivia de roccedila de milho e feijatildeo mas pouco porque a terra aqui eacute montanhosa Entatildeo surgiu a cenoura porque na eacutepoca haacute trinta ou quarenta anos atraacutes cenoura soacute produzia nesse chatildeo aqui em Gonccedilalves no municiacutepio de Camanducaia e Maria da Feacute Vinha caminhatildeo da Bahia para buscar cenoura aqui na eacutepoca Depois de uns doze anos pra caacute que foi abrindo pra turista foram jogando pra escanteio as lavouras A cidade transformou principalmente a aacuterea rural Eu que sou daqui agraves vezes passo trecircs ou quatro meses sem ir para esse lado da Terra Fria a gente fica assustado de ver as

175

construccedilotildees como mudou Entatildeo hoje da cidade pra cima no sentido da Terra Fria 90 95 do povo trabalha de caseiro a mulher toma conta da casa e o rapaz toma conta da propriedade O povo hoje da aacuterea rural vive tranquilo aqui soacute natildeo tem serviccedilo quem natildeo quer trabalhar (Proprietaacuterio de restaurante Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Enquanto Pinto (2014) assinala como causa provaacutevel dos fracassos da

agricultura no municiacutepio as sucessivas crises econocircmicas dos anos 1980 Aun (2012) e

Barbosa R (2014) apoiado em Kurebayashi (2002) apontam como um dos fatores

importantes para o decliacutenio do cultivo convencional de batata e cenoura a criaccedilatildeo da

Aacuterea de Proteccedilatildeo Ambiental Fernatildeo Dias (APA Fernatildeo Dias) no ano de 1997 A APA

Fernatildeo Dias eacute uma unidade de conservaccedilatildeo de uso sustentaacutevel que segundo Barbosa R

(2014) impotildee limites ao uso e ocupaccedilatildeo do solo com restriccedilatildeo ao pastoreio intensivo e

proibiccedilatildeo de uso de agrotoacutexicos e biocidas (KUREBAYASHI 2002 citado por

BARSOSA 2014) e da exploraccedilatildeo madeireira (AUN 2012) Segundo estes autores o

territoacuterio do municiacutepio de Gonccedilalves estaacute totalmente dentro dos limites da APA Fernatildeo

Dias que foi criada para compensar o impacto ambiental causado pela duplicaccedilatildeo da

rodovia BR-381 Fernatildeo Dias (AUN 2012) Para Barbosa R (2014) a criaccedilatildeo desta

APA foi um dos fatores responsaacuteveis pela modificaccedilatildeo da paisagem rural do municiacutepio

pelas limitaccedilotildees que passou a impor agrave degradaccedilatildeo ambiental O autor constata a partir

das informaccedilotildees dos moradores da cidade que a aacuterea coberta por mata atualmente jaacute

seria bem maior que haacute 30 anos

176

FIGURA 47 ndash Localizaccedilatildeo de Gonccedilalves na APA Fernatildeo Dias

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira no software QGIS 21 utilizando o banco de dados

ldquoLimitesrdquo da Base Cartograacutefica Vetorial do Brasil (BASE [2007]) disponibilizado pelo portal de mapas do IBGE no endereccedilo

ftpgeoftpibgegovbrmapeamento_sistematicobase_vetorial_continua_escala_250mil Acesso em 12 ago 2015

Kurebayashi (2002 citado por BARBOSA 2014) e Aun (2012) apontam como

alternativas para a ocupaccedilatildeo e a geraccedilatildeo de renda a partir das proibiccedilotildees e restriccedilotildees agrave

agropecuaacuteria e silvicultura convencionais o desenvolvimento da agricultura orgacircnica e

biodinacircmica e do turismo sustentaacutevel Assim descreve Kurebayashi hoje residente em

Gonccedilalves

O que eacute melhor ambientalmente Vocecirc tem que viabilizar o desenvolvimento das pessoas vocecirc natildeo pode coibir e falar ldquoNatildeo vocecirc natildeo cresce mais entatildeo preservardquo E o turismo eacute um parceiro se vocecirc tiver poliacuteticas puacuteblicas se vocecirc tiver um controle sobre isso Ele eacute um parceiro porque ele traz dinheiro vivo as pessoas veem querem ver o que vocecirc sabe fazer ele natildeo quer que vocecirc mude ele quer que vocecirc seja quem vocecirc eacute E a questatildeo do meio ambiente para uma cidade como Gonccedilalves que estaacute inteirinha dentro de uma APA o cara natildeo precisa fazer um uso intensivo da terra vocecirc natildeo pode usar toda a terra porque tem o rio trinta metros cinquenta metros da nascente mas eu posso fazer uma casinha aqui eu alugo essa casinha eu vendo ovo para o hoacutespede jaacute vendo no preccedilo de consumidor eacute diferente eu vendo queijinho eu vendo uma goiabada Esse visitante

177

taacute me deixando dinheiro vivo na hora eu natildeo vou esperar seis meses pra receber entatildeo eu posso ficar mais tranquilo com a minha plantaccedilatildeo aqui Se alguma coisa der errado eu tenho um pano de fundo aiacute eu faccedilo comida o turista vem comer a minha comida aiacute ele gosta da minha comida gosta do meu cafeacute da manhatilde (Proprietaacuteria de estabelecimento de produtos alimentiacutecios Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Neste contexto a partir dos anos 2000 emergiu em Gonccedilalves um conjunto de

agricultores que iniciaram as praacuteticas de agricultura de base ecoloacutegica na parte alta da

cidade onde antes havia o exerciacutecio da agropecuaacuteria convencional Hoje o conjunto

mais expressivo dessa agricultura de base ecoloacutegica eacute o grupo ldquoOrgacircnicos da

Mantiqueirardquo uma empresa de ldquoSociedade Comercial por Quotas de Responsabilidade

Limitadardquo formada por 10 produtores que se uniram para obter a certificaccedilatildeo orgacircnica

coletiva e facilitar o processo de comercializaccedilatildeo dos produtos (AUN 2012)

Inicialmente o grupo era certificado pelo Instituto Biodinacircmico (IBD) atualmente pelo

ECOCERT e eacute responsaacutevel pela venda de cerca de cem cestas para Satildeo Paulo aleacutem de

cerca de 5 ou 6 empresas que compram no atacado e pela comercializaccedilatildeo no varejo na

proacutepria cidade especialmente para os turistas e neorrurais durante a feira semanal

(AUN 2012) Aleacutem do ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo haacute outros agricultores orgacircnicos

certificados que trabalham de forma autocircnoma e aqueles que praticam agricultura com

base ecoloacutegica poreacutem sem a certificaccedilatildeo incluindo aqueles que o fazem para o

autoconsumo

Na outra via destaca-se o desenvolvimento do turismo em Gonccedilalves desde

meados de 1990 e mais densamente em meados de 2005 que se apresenta como uma

alternativa de emprego e renda para os agricultores e para a cidade como um todo

modificando as condiccedilotildees de vida conforme ressalta Barbosa R (2014)

A atividade turiacutestica modificou a vida no municiacutepio gerando emprego e renda evitando o ecircxodo da populaccedilatildeo e modificando o panorama da zona rural onde vive a maior parte da populaccedilatildeo gonccedilalvense Comeccedilando na deacutecada de 1990 e acelerando-se a partir da primeira metade do seacuteculo XXI notadamente a partir da pavimentaccedilatildeo da estrada de acesso em 2005 comeccedilaram a ser abertas pousadas restaurantes comeacutercio de moacuteveis ruacutesticos e artesanais lojas de roupas e artesanato empoacuterios gastronocircmicos empresas de fabricaccedilatildeo de conservas e geleias escritoacuterios de arquitetura e engenharia e receptivos de turismo denotando a formaccedilatildeo de uma Aglomeraccedilatildeo Produtiva Local de Turismo A formaccedilatildeo de uma estrutura local de governanccedila de turismo a partir da criaccedilatildeo de uma Diretoria Municipal de Turismo do Conselho Municipal de Turismo e do surgimento de

178

uma associaccedilatildeo de empresaacuterios intitulada Associaccedilatildeo Proacute-Turismo de Gonccedilalves ndash SERRACcedilAtildeO possibilita o desenvolvimento de um Arranjo Produtivo Local de Turismo (BARBOSA R 2014 p 98-99)

De acordo com a pesquisa de Barbosa R (2014) a primeira pousada foi criada

na cidade em 1995 e somente em 1999 foram criadas mais seis Entre 2000 e 2005

foram inauguradas 12 pousadas e de 2005 ateacute 2011 foram 13 perfazendo um total de

32 estabelecimentos desse tipo aleacutem de 60 chaleacutes e casas de aluguel A maioria das

pousadas 27 delas se situa na aacuterea rural da cidade e 20 pertencem a proprietaacuterios

oriundos principalmente de Satildeo Paulo embora alguns residam em Gonccedilalves

Interessante observar que a expansatildeo da rede hoteleira em Gonccedilalves foi mais

expressiva a partir de 2005 justamente quando ocorreu a pavimentaccedilatildeo da principal

rodovia de acesso a cidade a MG-173 como destacou Barbosa R (2014) Esse fato eacute

recorrente na fala dos moradores como um grande marco que impulsionou o turismo e

diminuiu uma espeacutecie de ldquoisolamentordquo na qual vivia a cidade Nesse sentido o impulso

inicial das atividades turiacutesticas parece ter sido feito por turistas oriundos

especialmente da capital paulista e do Vale do Paraiacuteba que compraram terrenos no

campo de Gonccedilalves para a construccedilatildeo de casas de veraneio de aluguel e pousadas

Muitos agricultores jaacute sofrendo as primeiras consequecircncias do decliacutenio das lavouras de

batata e cenoura venderam parte de suas terras a esses entrantes Obviamente a

especulaccedilatildeo imobiliaacuteria e o aumento do preccedilo da terra eacute uma realidade desde entatildeo na

cidade especialmente na parte ldquoaltardquo regiatildeo montanhosa de temperatura amena e

coberta pelos pinheiros do Paranaacute por isso a mais valorizada do ponto de vista do

turismo

Aleacutem das pousadas Barbosa R (2014) lista 38 estabelecimentos de

alimentaccedilatildeo dos quais 16 estatildeo na aacuterea rural duas agecircncias receptivas de turismo que

oferecem as atividades de ecoturismo e turismo de aventura trecircs estabelecimentos para

equitaccedilatildeo e um de lazer e entretenimento aleacutem de uma gama de estabelecimentos de

produtos e serviccedilos que atendem aos turistas e moradores como lojas de artesanato de

vestuaacuterio empoacuterios ateliecircs e serviccedilos de massagem Este autor afirma que o Plano

Municipal de Desenvolvimento Sustentaacutevel de Gonccedilalves 20092010 definiu trecircs tipos

de turismo praticados na cidade o Turismo Rural o Ecoturismo e o Turismo de

Aventura

Avaliando a relaccedilatildeo entre o turismo e o desenvolvimento local os dados

apresentados por Barbosa R (2014) revelam as transformaccedilotildees sociais e econocircmicas

179

proporcionadas pelas mudanccedilas das atividades agropecuaacuterias para o turismo entre os

anos 2000 e 2010 Um dos primeiros impactos revelados pelo autor eacute o crescimento

populacional desde os anos 1991 enquanto nos anos anteriores desde 1970 a cidade

registrava um ecircxodo da ordem de 17 de seus habitantes Inclusive registrou-se o

crescimento da populaccedilatildeo rural entre 1991 e 2000 O Iacutendice de Desenvolvimento

Humano (IDH) Municipal elevou-se em 1899 entre 2000 e 2010 (de 0574 para

0683) iacutendice de elevaccedilatildeo acima dos niacuteveis estadual e nacional conforme constatado

por Barbosa R (2014) Seu estudo revela que a renda meacutedia per capita cresceu 3039

no mesmo periacuteodo embora seja menor que os valores estadual e nacional e diminuiacuteram

os iacutendices de pobreza extrema e de desigualdade social O autor ressalta que a taxa de

desocupaccedilatildeo da populaccedilatildeo economicamente ativa diminuiu embora muitos estejam

ocupados no mercado informal Jaacute as taxas de ocupaccedilatildeo por setor de atividade e a

participaccedilatildeo de cada um destes no Produto Interno Bruto (PIB) Municipal estudados

por Barbosa R (2014) revelam as transformaccedilotildees pelas quais passaram a cidade de

Gonccedilalves nos uacuteltimos anos de uma economia agriacutecola para outra centrada no turismo

ainda que seus dados comparem apenas os anos de 2000 e 2010 Nesse sentido o

conjunto de pessoas ocupado na agropecuaacuteria passou de 4170 em 2000 para

3680 em 2010 enquanto no setor de serviccedilos essa taxa cresceu de 2480 para

3508 O PIB municipal cresceu 17630 no periacuteodo descontada a inflaccedilatildeo e os

serviccedilos seriam responsaacuteveis por 68 do PIB em 2010 (era de 62 em 2000) enquanto

a agricultura contribuiu com 2115 (era de 29 em 2000) (BARBOSA R 2014) Tais

mudanccedilas evidenciadas por este autor em Gonccedilalves na uacuteltima deacutecada parecem

corroborar o fenocircmeno apontado por Kageyama (2004) do desenvolvimento de uma

intersetorialidade nas pequenas cidades (e mesmo no campo) que contribui para

constituir nesses espaccedilos uma camada de classe meacutedia Essa nova dinacircmica tambeacutem

estaria relacionada de acordo com Kageyama (2004) agrave acessibilidade dos habitantes

das metroacutepoles agraves pequenas cidades vistas por estes como opccedilatildeo de lazer descanso e

proximidade da natureza fato que parece se aplicar ao caso de Gonccedilalves

especialmente devido agrave sua proximidade a cidades como Satildeo Paulo e Satildeo Joseacute dos

Campos por exemplo

Observa-se portanto que o decliacutenio da agricultura convencional a criaccedilatildeo da

aacuterea de proteccedilatildeo ambiental a conversatildeo de alguns produtores agrave agricultura de base

ecoloacutegica e a emergecircncia das atividades turiacutesticas se constituiacuteram em um marco

180

divisoacuterio na histoacuteria recente do municiacutepio de Gonccedilalves na passagem da deacutecada de

1980 para a de 1990 dando origem a uma nova configuraccedilatildeo socioeconocircmica e espacial

agrave cidade a partir dos anos 2000 Essas mudanccedilas refletem num microcosmo as

transformaccedilotildees que tecircm caraterizado o campo numa perspectiva macro conforme

discutidas por Abramovay (1994) Entrena-Duran (2012) Silva J (1997 2001) Pires

(2004) entre outros Estes autores apontam para o esgotamento do modelo agriacutecola

produtivista em vaacuterias partes do mundo por volta dos anos 1980 motivados pela crise

de superabastecimento e pelos paulatinos questionamentos em torno dos problemas

ambientais O cenaacuterio posterior eacute composto pelas novas funccedilotildees do campo na sociedade

poacutes-fordista especialmente aquelas ligadas agrave conservaccedilatildeo ambiental e ao lazer turismo

e moradia como experiecircncias para citadinos e algumas vezes como opccedilotildees de vida

Essas transformaccedilotildees poderiam sugerir ldquoo fim do ruralrdquo em Gonccedilalves ou

soarem como uma perspectiva evolucionista de superaccedilatildeo de uma etapa agriacutecola Mas o

que se destaca neste municiacutepio e se revelou como um objeto de estudo relevante para

esta pesquisa eacute a forma como esse rural sobrevive e eacute reinventado na cultura nos

siacutembolos no modo de vida nos produtos e serviccedilos ofertados na cidade Estes parecem

ser ldquoo carro cheferdquo do turismo rural na cidade que oferta aos visitantes a roccedila como um

bem um valor um capital turiacutestico Assim bem o descreve a Diretora de Turismo da

cidade ao responder ao questionaacuterio sobre o uso da palavra roccedila como marca

Porque dois terccedilos da populaccedilatildeo de nossa cidade moram na zona rural os restaurantes mais procurados tambeacutem ficam na roccedila Gostamos de moda de viola cavalo carro de bois carne na banha torresmo frango caipira biscoito assado no forno de barro fogatildeo de lenha e nossos visitantes tambeacutem gostam pois Gonccedilalves eacute uma cidade que vive em primeiro lugar do turismo e em segundo da plantaccedilatildeo de banana [Roccedila] significa simplicidade com qualidade em tudo que fazemos Nossa comida eacute muito saborosa gostamos de receber todos na cozinha e ningueacutem passa por nossa casa sem entrar para um cafezinho e uma boa conversa Nosso povo gosta de ldquoprosearrdquo como dizem os mais antigos Temos orgulho de morar na roccedila pois temos qualidade de vida verduras frescas sem agrotoacutexicos ovos colhidos assim que a galinha anuncia a postura leite tirado todos os dias carne dos porcos que criamos E compartilhamos com nossos visitantes esta vida ldquoRoccedilardquo eacute sinocircnimo de fartura sabores uacutenicos produtos sem agrotoacutexicos A uniatildeo de tudo isso em meio agrave natureza torna o nome ldquoRoccedilardquo um sinocircnimo de renovaccedilatildeo de energias para quem vive nas grandes cidades (Diretora de Turismo Gonccedilalves-MG abril de 2014)

181

Essa perspectiva de que a roccedila figura como um atrativo turiacutestico em Gonccedilalves

tambeacutem eacute atestada por uma proprietaacuteria de um restaurante nesta cidade que inclusive

utiliza o termo roccedila no nome de seu estabelecimento ao ser indagada sobre o que o uso

desse termo como marca significava

O que significa roccedila para noacutes Roccedila deixou de ser soacute o nome de um canteiro de plantas e verduras e a palavra passou a ter um conceito cultural Eacute um modo de vida Eacute onde a gente estaacute E Gonccedilalves hoje eacute uma cidade que tem exatamente isso o que atrai as pessoas aqui A cultura da roccedila Noacutes natildeo temos lojas maravilhosas natildeo temos um comeacutercio natildeo temos shopping Temos atrativos naturais mas natildeo eacute bem isso que as pessoas vecircm buscar Tem uma parte do puacuteblico que vem atraacutes de cachoeiras mas um pouco o que as pessoas procuram satildeo produtores locais Aquela pessoa que trocou a vida que tinha como empresaacuterio como executivo por fazer queijos e hoje vive de fazer queijos Eacute uma mudanccedila cultural Eacute a busca da roccedila eacute a busca das raiacutezes E hoje o turismo de Gonccedilalves vive dessa cultura da cultura da roccedila que eacute o que a gente vende eacute o que a gente vive Tem elementos antigos que satildeo usados ainda aqui hoje por exemplo os carros de boi as pessoas usam para puxar milho Eacute como se o tempo tivesse parado neste lugar E hoje eacute isso que atrai as pessoas Agora por exemplo muitos dos donos desses carros hoje vivem de outras coisas vendem terras natildeo vivem mais de puxar o carro mas preserva aquilo como uma cultura para os filhos para os netos (Proprietaacuteria de restaurante Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

FIGURA 48 ndash Carro de boi

Fonte Roberto Torrubia

Alguns desses aspectos revelam indiacutecios do que se identificou como uma roccedila

ligada agrave tradiccedilatildeo ao campo e sua produccedilatildeo agriacutecola bem como a uma cultura rural

especiacutefica Mas tambeacutem eacute possiacutevel perceber como em Gonccedilalves outros significados

de roccedila satildeo reelaborados como a roccedila ldquoestilizadardquo presente nos pratos reinventados e

restaurantes sofisticados nos serviccedilos de recorte urbano e naqueles inspirados em

culturas estrangeiras nos nomes dos estabelecimentos que brincam com as palavras e as

182

origens Nota-se ainda associaccedilotildees entre roccedila e natureza sem fugir aos aspectos de

nostalgia e romantismo Esses usos e significados do termo roccedila no Festival de

Gastronomia e Cultura da Roccedila bem como na vida cotidiana dos habitantes de

Gonccedilalves e de quem a frequenta fundamentaram a escolha daquele evento como

objeto de anaacutelise desta pesquisa e seratildeo apresentados ao longo deste capiacutetulo

42 A observaccedilatildeo participante as entrevistas e os ldquobastidoresrdquo do Festival

Em Gonccedilalves foram realizadas trecircs visitas A primeira entre os dias 23 de

setembro e 1ordm de outubro de 2014 consistiu numa fase exploratoacuteria em que foi feito

contato pessoal com a diretora de Turismo e sua equipe que forneceram as informaccedilotildees

demandadas sobre a cidade e o Festival aleacutem de terem sido mediadores das entrevistas

Durante essa primeira estadia foram realizadas as 16 entrevistas abertas com os

produtores e distribuidores de produtos e serviccedilos da roccedila especialmente aqueles que

participam diretamente do Festival Nessa ocasiatildeo foram entrevistados nove

proprietaacuterios de comeacutercio de alimentos e de restaurantes ou cozinheiroschefs que

participam ou jaacute participaram de alguma ediccedilatildeo do Festival (dois deles com restaurantes

com a marca roccedila) trecircs proprietaacuterios de estabelecimentos com a marca roccedila a ex-

diretora de turismo e dois conselheiros do Conselho Municipal de Turismo que foram

responsaacuteveis pela criaccedilatildeo do Festival agrave eacutepoca e uma proprietaacuteria de pousada

Durante esse periacuteodo de dez dias de estadia foi possiacutevel tambeacutem acompanhar os

preparativos para o Festival Agrave sugestatildeo da diretora de Turismo acompanhou-se o

fotoacutegrafo e a equipe do Departamento Municipal de Turismo e Cultura nas visitas aos

restaurantes e estabelecimentos para a criaccedilatildeo das fotografias dos pratos que seriam

servidos na quarta ediccedilatildeo do Festival para a ediccedilatildeo do guia gastronocircmico Assim teve-

se a oportunidade de visitar a maioria dos restaurantes ou estabelecimentos participantes

desta ediccedilatildeo do Festival conhecer os pratos que seriam servidos a histoacuteria dos

participantes e seu envolvimento com o turismo em Gonccedilalves bem como realizar as

entrevistas Contou-se com a mediaccedilatildeo do fotoacutegrafo na maior parte dos casos que jaacute

conhecia a maioria dos envolvidos no Festival fazendo as devidas apresentaccedilotildees e

tambeacutem da proacutepria diretora do Departamento de Turismo e de servidores deste Aleacutem

183

disso participar dos bastidores da organizaccedilatildeo do Festival nesta ocasiatildeo possibilitou

observar o processo de composiccedilatildeo do cenaacuterio para as fotografias podendo-se

apreender alguns aspectos dos significados da categoria roccedila em Gonccedilalves e que eram

expressos no Festival Retornou-se agrave Gonccedilalves para acompanhar o Festival nos dias 31

de outubro 1ordm 2 7 8 e 9 de novembro de 2014 ou seja em dois finais de semana

seguidos com atraccedilotildees divididas entre as sextas os saacutebados e os domingos No Festival

realizou-se a observaccedilatildeo e a aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios aos

consumidoresfrequentadores durante estes dois finais de semana

Na primeira visita a Gonccedilalves em setembro de 2014 foi possiacutevel vivenciar

uma experiecircncia parecida com aquela descrita sobre o Mercado Central de Belo

Horizonte o apelo agrave roccedila estava por todo o caminho ateacute se chegar ao campo objeto de

estudo Ao longo da estrada com destino agrave Gonccedilalves partindo-se de Belo Horizonte

na rodovia BR-381 ndash Fernatildeo Dias sobretudo entre as cidades mineiras de Lavras e Trecircs

Coraccedilotildees notou-se uma seacuterie de estabelecimentos comerciais agrave beira da estrada que

anunciavam a venda de ldquoprodutos da roccedilardquo ou tinham roccedila no seu nome Tratavam-se

de lanchonetes restaurantes e mercados geneacutericos As placas no geral indicavam

ldquoprodutos da roccedilardquo e algumas mais especiacuteficas revelavam a oferta dos seguintes

produtos frango caipira doces queijos comida caseira cafeacute moiacutedo na hora linguiccedila

ldquopinga da roccedilardquo licor de pequi costela assada panela de pedra pimenta arroz doce

coalhada salaminho ldquodeliacutecias do milhordquo ldquomel purordquo ldquomanteiga caseirardquo ldquocafeacute da

roccedilardquo e ldquocafeacute da roccedila moiacutedo na horardquo Notou-se tambeacutem as placas do Restaurante

ldquoTrem da Roccedilardquo I e II tratando-se evidentemente do mesmo estabelecimento

localizado em dois lugares diferentes que tambeacutem anunciava a venda de doces queijos

curau pamonha almoccedilo caseiro e tapetes de couro Em algumas dessas placas as

descriccedilotildees aludiam aos ldquoprodutos da roccedilardquo mas tambeacutem a ldquoprodutos mineirosrdquo ou a

ldquorestaurante mineirordquo Chegando-se agrave rodoviaacuteria da cidade de Itajubaacute onde se tomaria

outra conduccedilatildeo rumo agrave Gonccedilalves deparou-se com a loja ldquoDireto da Roccedilardquo Tratava-se

de uma parceria entre a EMATER e a Prefeitura que disponibilizava numa loja da

rodoviaacuteria a venda de produtos agriacutecolas ou da agroinduacutestria das famiacutelias agricultoras

da regiatildeo Nela vendem-se biscoitos geleias queijos iogurte coalhada banana ovos

conservas bolos artesanatos doces panos de prato crochecircs telhas pintadas

184

FIGURA 49 ndash Boneca decorativa na loja ldquoDireto da Roccedilardquo rodoviaacuteria de Itajubaacute-MG

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 50 ndash Boneco decorativo na loja ldquoDireto da Roccedilardquo rodoviaacuteria de Itajubaacute-MG

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

A estrada entre Itajubaacute e Gonccedilalves eacute ladeada por siacutetios e fazendas Apoacutes o

municiacutepio de Paraisoacutepolis toma-se a estrada em direccedilatildeo a Gonccedilalves onde numa

planiacutecie comeccedilam a surgir os siacutetios e bairros rurais que compotildeem sua configuraccedilatildeo

socioespacial especialmente o Lambari Sobe-se entatildeo a Serra e comeccedilam a aparecer

na paisagem as araucaacuterias e rochas (Pedra do Cruzeiro) e os primeiros indiacutecios do setor

de turismo receptivo de turismo siacutetios com produccedilatildeo orgacircnica lojas de artesanato e

produtos alimentares e as primeiras placas indicando hoteacuteis e pousadas rurais

185

A cidade na sede urbana onde vivem aproximadamente 1100 dos seus 4220

habitantes (IBGE 2013) tem uma paisagem tiacutepica das pequenas cidades do interior de

Minas Gerais uma Igreja Catoacutelica na praccedila central com jardins e bancos uma

predominacircncia de casas em detrimento de preacutedios ruas calccediladas de blocos que

circundam esta praccedila As particularidades de Gonccedilalves vatildeo se revelando aos poucos a

serra ao seu redor onde se avista gado pastando por um lado e por outro a floresta de

pinheiros Pelas ruas circulam cavalos e charretes conduzidos por senhores com chapeacuteu

que aparentam retornar do campo Com menos frequecircncia eacute possiacutevel presenciar tratores

e ateacute mesmo carros de boi passando pela cidade ndash fato recorrentemente comentado pelos

moradores e visitantes que o ressaltam como uma preciosidade histoacuterica mais rara de se

ver em outras cidades Na hora da missa o alto-falante da Igreja executa muacutesicas

religiosas possiacuteveis de se ouvir por quase toda parte da cidade assim como tambeacutem eacute

usado para fazer anuacutencios comunicando o falecimento de algueacutem por exemplo

Tambeacutem eacute possiacutevel ouvir a muacutesica vinda dos ensaios da Lira Nossa Senhora das Dores

Durante os dias uacuteteis da semana vecirc-se circulando apenas os moradores da

cidade sendo menos frequente a presenccedila de turistas Nesse sentido o comeacutercio local

cujos clientes principais satildeo os residentes da cidade funciona normalmente nos dias

uacuteteis enquanto os estabelecimentos voltados ao turismo ficam fechados especialmente

nos primeiros dias uacuteteis da semana A experiecircncia do tempo que se pode vivenciar

durante os dias uacuteteis da semana em Gonccedilalves especialmente nos dias comuns do

calendaacuterio turiacutestico ou festivo quando natildeo haacute eventos especiais eacute bastante particular Eacute

possiacutevel perceber no cotidiano dos locais que a execuccedilatildeo das tarefas natildeo parece ser

marcada pela acircnsia nem pelo compromisso com um horaacuterio rigidamente governado

Ainda assim observa-se um funcionamento aparentemente normal natildeo se percebendo

negligecircncias Um exemplo nesse sentido eacute a ldquoTerccedila Folgadardquo quando numa terccedila-

feira alguns amigos se reuacutenem para cavalgar pelo campo de Gonccedilalves durante o dia

todo apreciando a paisagem e a equitaccedilatildeo parando apenas para almoccedilar geralmente em

algum restaurante dos bairros rurais e para degustar algum aperitivo e tocar

instrumentos

Esse passeio eacute realizado uma vez ao mecircs sempre numa terccedila-feira Segundo um

de seus participantes e entusiastas um agricultor orgacircnico natural de Gonccedilalves o

objetivo da ldquoTerccedila Folgadardquo eacute aleacutem de promover a confraternizaccedilatildeo e a ludicidade

justamente subverter os padrotildees que organizam o cotidiano na sociedade moderna

186

dividindo o tempo de trabalho e o tempo de lazer caracteriacutesticos da cultura urbana

conforme bem o descreve Rambaud (1973) A ideia de ldquodesacelerarrdquo o modo de vida

que caracteriza a ldquoTerccedilardquo tambeacutem eacute citada num dos textos de apresentaccedilatildeo dos guias

gastronocircmicos do Festival

Poreacutem um passeio mais atento pela cidade revela traccedilos de outros modos de

vida em Gonccedilalves Na praccedila principal em frente agrave referida Igreja observa-se uma

placa indicando ser um espaccedilo de Wifi Zone ou seja haacute sinal de rede sem fio de internet

de acesso livre e gratuito aos cidadatildeos e visitantes naquela aacuterea

FIGURA 51 ndash Wifi Zone na praccedila de Gonccedilalves-MG

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Entre as casas residenciais e o comeacutercio tiacutepico tambeacutem se identificam

restaurantes pizzarias bistrocircs bares cafeacutes casas de chaacute padarias lanchonetes

empoacuterios ateliecircs lojas de decoraccedilatildeo espaccedilos de terapias corporais e massagens

receptivos de turismo de aventura e ecoturismo Estes estabelecimentos possuem

aspectos de distinccedilatildeo e sofisticaccedilatildeo na sua decoraccedilatildeo e adaptaccedilotildees na arquitetura (tiacutepica

da cidade) reaproveitando suas caracteriacutesticas simples e acolhedoras nos produtos e

serviccedilos ofertados nos apelos da identidade visual na performance dos atendentes e

em alguns casos nos preccedilos

Nos finais de semana a diversidade social de Gonccedilalves eacute ressaltada pela

chegada dos visitantes e dos moradores de segunda residecircncia De acordo com a diretora

de Turismo e alguns proprietaacuterios de restaurantes entrevistados os visitantes dividem-se

entre os turistas que passam todo o final de semana ou uma semana toda no caso da

alta temporada e os chamados excursionistas que vindos de cidades proacuteximas agrave

Gonccedilalves como Pouso Alegre Poccedilos de Caldas e Itajubaacute no sul de Minas e Satildeo Joseacute

dos Campos no Vale do Paraiacuteba Paulista passam o dia na cidade almoccedilam passeiam e

187

retornam para seu local de origem no final do dia Haacute ainda aqueles que possuem casas

de veraneio em Gonccedilalves mas residem em outros municiacutepios sobretudo na capital

paulista e afluem para a cidade nos finais de semana acompanhados de familiares e

amigos Alguns entrevistados afirmaram que no inverno eacute comum a visita de casais

jovens que identificam na cidade as condiccedilotildees para uma viagem romacircntica enquanto

nos meses mais quentes satildeo mais comuns as famiacutelias com filhos Haacute um conjunto de

visitantes que aluga casas e chaleacutes para a estadia enquanto outros se hospedam nas

pousadas especialmente no campo

O fluxo de visitantes nos finais de semana transforma o ritmo e o tempo na

cidade muitos restaurantes bistrocircs lojas e ateliecircs ficam abertos pelas ruas trafegam

motocicletas e veiacuteculos proacuteprios para trilhas modelos de traccedilatildeo 4x4 aleacutem de carros de

luxo A transformaccedilatildeo da dinacircmica da cidade entre os dias uacuteteis da semana e os finais

de semana ou feriados foi comentada por um entrevistado natural e residente em

Gonccedilalves ldquoA cidade aqui eacute gostosa Aqui soacute perde o estilo roccedila no fim de semana ou

feriado prolongado Aiacute eacute um carro atraacutes do outro gente buzinando na rua pra pedir

passagem Mas assim dia de semana eacute gostoso tranquilo tranquilordquo Segundo a antiga

e a atual diretora de Turismo do municiacutepio seria difiacutecil precisar a quantidade de

visitantes que circulam pela cidade especialmente devido agravequeles de segunda residecircncia

que possuem casas no campo natildeo sendo possiacutevel registrar seus deslocamentos como

atesta o seguinte relato

Mas eu acredito que nos feriados maiores Reveillon Carnaval Corpus Christi a cidade dobra de populaccedilatildeo pra natildeo dizer que triplica Porque o movimento daqui natildeo eacute por exemplo como em Campos [do Jordatildeo] ou Monte Verde que vocecirc chega na zona urbana no centro comercial e vecirc aquele grande movimento Aqui o centro fica cheio o que natildeo eacute difiacutecil porque ele eacute pequenininho soacute que o movimento maior eacute no rural eacute na roccedila O que a gente sempre percebe por exemplo laacute na pousada eacute o movimento na estrada natildeo para mas vocecirc natildeo consegue mensurar (Ex-diretora de Turismo Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Assim a observaccedilatildeo tambeacutem permite perceber que o movimento de pessoas que

se vecirc na cidade natildeo traduz nitidamente aquele que acontece no campo Essa suspeita

torna-se mais aguccedilada ao se visitar a feira de produtos orgacircnicos organizada pela

empresa ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo jaacute mencionada anteriormente A feira ocorre aos

saacutebados pela manhatilde num galpatildeo numa rua agrave saiacuteda da cidade rumo aos bairros rurais

188

considerados como aqueles que concentram a maior parte das atividades turiacutesticas Na

feira assiste-se ao fluxo de turistas e moradores de segunda residecircncia vindos da

direccedilatildeo dos bairros rurais para onde retornam diretamente apoacutes as compras Uma

comerciante entrevistada afirmou nesse sentido que a feira de orgacircnicos podia

funcionar como um ldquotermocircmetrordquo sobre o movimento de turistas nos finais de semana

ou seja como uma estimativa da quantidade de visitantes que a cidade recebe em

determinado momento jaacute que seria um ponto de atraccedilatildeo destes

O conhecimento dos bairros rurais foi possiacutevel graccedilas ao acompanhamento da

equipe do Departamento de Turismo e do fotoacutegrafo na produccedilatildeo das imagens feitas para

o Guia Gastronocircmico do Festival Acompanhou-se a equipe durante trecircs dias de visita

aos restaurantes lanchonetes empoacuterios e agricultores participantes da quarta ediccedilatildeo do

Festival distribuiacutedos entre os bairros rurais e o centro na sede urbana da cidade Foi

possiacutevel observar a paisagem conhecer a nova organizaccedilatildeo socioespacial dos bairros a

partir da expansatildeo do turismo bem como conhecer e conversar com os atores sociais

que compotildeem a diversidade social de Gonccedilalves

A cidade possui aleacutem da sede urbana mais de 20 bairros rurais onde se

concentram 724 da sua populaccedilatildeo entre os agricultores naturais do municiacutepio e os

neorrurais Os bairros distribuem-se espacialmente entre o que costumam chamar de

ldquoparte altardquo e ldquoparte baixardquo da cidade que corresponde aos planos mais altos nas

encostas da serra onde tambeacutem se localiza a sede urbana no primeiro caso e agrave planiacutecie

na base da serra no segundo Esses detalhes podem ser observados no seguinte mapa

ilustrado elaborado por Roberto Torrubia

189

FIGURA 52 ndash Mapa ilustrado de Gonccedilalves-MG

Fonte Roberto Torrubia

190

No primeiro dia visitou-se conforme a programaccedilatildeo do Departamento de

Turismo para a elaboraccedilatildeo das fotos alguns restaurantes e bares localizados no centro

da cidade e outros nos bairros rurais ldquode baixordquo especialmente no Bairro Lambari e

Trecircs Barras Conforme jaacute se ressaltou nesses bairros rurais ainda predominam as

atividades agriacutecolas especialmente o cultivo de bananas havendo menor incidecircncia das

atividades turiacutesticas Como se trata de uma aacuterea mais plana e com a paisagem agriacutecola

por vezes predominando sobre a paisagem natural a exploraccedilatildeo do espaccedilo para lazer

turismo e fruiccedilatildeo eacute mais limitada O nuacutemero de casas de veraneio ou para aluguel para

os turistas tambeacutem eacute menor em comparaccedilatildeo agrave ldquoparte altardquo da cidade Contudo haacute bares

comeacutercios de alimentos agriacutecolas orgacircnicos e agroindustriais de artesanato receptivo

de turismo pizzaria e pousadas nesta regiatildeo tambeacutem Alguns desses bares inclusive

visitados para a produccedilatildeo fotograacutefica situam-se agrave margem das estradas vicinais dos

bairros rurais e atendem majoritariamente agraves necessidades da populaccedilatildeo local mas

tambeacutem recebem um afluxo de turistas

Tais estabelecimentos reproduzem os aspectos das ldquovendasrdquo tambeacutem

conhecidas como mercearias ou empoacuterios tiacutepicos do campo em tempos passados

Vendem-se secos e molhados e presta-se o serviccedilo de bar com a venda de bebidas e

ldquopetiscosrdquo ndash alguns inclusive foram os pratos do Festival porccedilatildeo de linguiccedila de porco

caseira com farinha de milho panquecas ndash com o tradicional balcatildeo de atendimento

onde se sentam os clientes aleacutem de se acomodaram em mesas ou bancos na porta A

pizzaria e a agroinduacutestria orgacircnica visitadas satildeo estabelecidas no proacuteprio siacutetio dos

proprietaacuterios em espaccedilos que satildeo a extensatildeo de suas casas Em ambos combinam-se a

produccedilatildeo agriacutecola familiar e as atividades voltada agrave recepccedilatildeo dos turistas para prestaccedilatildeo

de serviccedilo no caso do restaurantepizzaria e para a venda de produtos no caso de

geleias orgacircnicas certificadas Enquanto a famiacutelia proprietaacuteria da pizzaria eacute natural de

Gonccedilalves e vivia no campo da produccedilatildeo agriacutecola familiar a agroinduacutestria de geleia eacute

de propriedade de uma famiacutelia de nova residecircncia tendo morado a maior parte da vida

em Satildeo Paulo e ido para Gonccedilalves apoacutes a aposentadoria No caso das ldquovendasrdquo haacute uma

predominacircncia de frequentadores moradores dos proacuteprios bairros rurais ou daqueles da

proximidade mas tambeacutem se identifica a visita de turistas

Durante a composiccedilatildeo do cenaacuterio para a foto com o prato que seria colocado agrave

venda no Festival por cada estabelecimento foi possiacutevel observar de que forma o grupo

191

envolvido classificava os elementos que fariam parte da imagem relativa ao que seria

ldquoda roccedilardquo ou natildeo

Assim utilizava-se os objetos disponiacuteveis na casa ou estabelecimento que jaacute

faziam parte da decoraccedilatildeo do ambiente ou eram de uso domeacutestico Dessa forma onde

havia fogatildeo a lenha de alvenaria dispunha-se o prato sobre sua cauda de forma que no

segundo plano da fotografia aparecessem as labaredas Tambeacutem se privilegiava

quando o prato era disposto nas mesas ou balcotildees uma toalha de chita ou de algodatildeo

cobrindo-a compondo a base do prato assim como um suporte de prato tecido com a

folha de bananeira Utilizava-se tambeacutem conforme a disponibilidade dos utensiacutelios o

bule e xiacutecara em aacutegata porque de outro material como alumiacutenio ldquoeacute muito moderno

natildeo combinardquo Tambeacutem se utilizava para compor a fotografia um pequeno carro de boi

em artesanato de madeira

Como o tema da quarta ediccedilatildeo do Festival era o milho em algumas ocasiotildees ele

tambeacutem compunha o segundo plano das fotografias agraves vezes o milho em espiga e as

palhas secas outras vezes os gratildeos crus em uma concha (comumente usada em

armazeacutens para pegar cereais a granel) cozido ou o fubaacute numa vasilha de ceracircmica No

restaurante do centro da cidade o cenaacuterio escolhido para captar as imagens foi o jardim

do estabelecimento privilegiando-se o uso de mesa de madeira e prato de ceracircmica para

compor a fotografia Na pastelaria no centro da cidade o que poderia parecer um tiacutepico

estabelecimento urbano revela suas nuances com a roccedila como o tema do Festival era o

milho o recheio do pastel era o curau Enquanto os clientes eram atendidos na

pastelaria o filho do proprietaacuterio tocava uma viola para o deleite dos frequentadores

No trajeto que se percorria pelas estradas ateacute os bairros rurais ou nos proacuteprios

estabelecimentos os comentaacuterios sobre o cenaacuterio que tinham como mote a temaacutetica da

pesquisa a roccedila eram feitos para ilustrar e demonstrar o que entendiam sobre o termo

as galinhas soltas pelo quintal das casas o bezerro o chiqueiro e seu cheiro

caracteriacutestico eram ldquocoisas de roccedilardquo Assim como o ldquovaral de linguiccedilardquo teacutecnica de

defumaccedilatildeo da linguiccedila caseira que depois de produzida ldquodescansardquo ou ldquocurardquo

pendurada num varal sobre o fogatildeo a lenha para defumar num quarto fechado Esta

inclusive foi uma das atraccedilotildees de uma das ldquovendasrdquo do bairro que foram apresentadas

no trabalho de campo como ldquocoisa da roccedilardquo

No segundo dia visitou-se restaurantes na parte ldquoaltardquo de Gonccedilalves

especialmente nos bairros rurais Satildeo Sebastiatildeo das Trecircs Orelhas Terra Fria e Juncal

192

aleacutem de ter-se retornado a outro bar no Bairro Lambari na parte ldquobaixardquo da cidade No

Bairro Satildeo Sebastiatildeo das Trecircs Orelhas tambeacutem caracterizado pelas atividades turiacutesticas

o objeto da fotografia foram os patildees integrais orgacircnicos de um empoacuterio Enquanto o

Juncal possui uma paisagem formada por siacutetios lembrando bastante um campo

tradicional embora seja muito arborizado a Terra Fria eacute um dos bairros rurais bastante

explorados pelo setor turiacutestico devido agrave sua altitude agrave presenccedila de cachoeiras picos

rochosos e florestas de araucaacuterias Dois restaurantes visitados nesse dia no Bairro Terra

Fria se caracterizavam como siacutetios de agricultores familiares que devido agrave proximidade

de suas terras e sua residecircncia agraves rochas a ldquoPedra do Fornordquo e a ldquoPedra Chanfradardquo

tornaram-se importantes pontos de atraccedilatildeo turiacutestica As famiacutelias que antes viviam da

produccedilatildeo agriacutecola construiacuteram restaurantes anexos agraves suas casas e passaram a ofertar

aos visitantes ldquocomida caseirardquo feita e servida no fogatildeo a lenha caracterizada

principalmente pela carne de lata o tutu de feijatildeo e a couve No Bairro do Juncal

visitou-se um restaurante que poderia ser caracterizado como uma ldquonova geraccedilatildeordquo dos

restaurantes da roccedila de Gonccedilalves trecircs irmatildes jovens originaacuterias de pequenas famiacutelias

agricultoras do proacuteprio bairro investiram seus conhecimentos sobre a cozinha da roccedila

recebida da famiacutelia e abriram o restaurante

FIGURA 53 ndash Pedra Chanfrada no Bairro Terra Fria vista do Restaurante Ao Peacute da Pedra

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

193

FIGURA 54 ndash Restaurante Trecircs Irmatildes no Bairro Rural do Juncal

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

A composiccedilatildeo das fotografias nesses restaurantes tambeacutem privilegiou o uso do

fogatildeo a lenha como segundo plano depositando-se o prato em sua cauda ou a mesa de

madeira agrave mostra ou como fundo a toalha de algodatildeo quadriculada e a toalhinha

confeccionada em crochecirc Os efeitos decorativos eram aqueles que estivessem ao

alcance das matildeos um galho de flor de pereira uma galinha drsquoangola artesanal

FIGURA 55 ndash Prato do Restaurante Ao Peacute da Pedra

Fonte Roberto Torrubia

194

No terceiro dia e uacuteltimo dia que se acompanhou a equipe21 visitou-se o Bairro

dos Venacircncios um bairro tradicionalmente conhecido e visitado pelos turistas devido agraves

suas casas antigas de taipa e pilatildeo construiacutedas haacute mais de um seacuteculo mas que tambeacutem

se caracteriza pela moradia dos antigos agricultores familiares dentre os quais alguns

tambeacutem se dedicam agraves atividades turiacutesticas Neste dia tambeacutem se conheceu no Bairro

Rural Dona Luciana um dos siacutetios que desenvolvem a agricultura orgacircnica vinculada agrave

empresa ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo assim como dois restaurantes e uma lanchonete

do centro da cidade O restaurante do campo caracteriza-se tambeacutem por uma famiacutelia de

agricultores que construiu o restaurante anexo agrave sua residecircncia e serve aos consumidores

a ldquocomida caseirardquo feita e servida no fogatildeo a lenha

FIGURA 56 ndash Restaurante da Vilma no Bairro dos Venacircncios

Fonte Roberto Torrubia

Nos restaurantes e na lanchonete da cidade percebeu-se a ressignificaccedilatildeo das

caracteriacutesticas da ldquocomida da roccedilardquo utilizando-se os mesmos ingredientes tiacutepicos

embora natildeo se possa negligenciar que o uso do milho presente em todos os pratos era o

alimento tema daquela ediccedilatildeo do festival Ao mesmo tempo utilizava-se algumas

teacutecnicas proacuteprias da alta gastronomia ou com elementos tiacutepicos de uma cozinha mais

urbana moderna ou globalizada Ainda assim na composiccedilatildeo de uma das fotos

apareceu no segundo plano a mesa de madeira a palha e o milho cozido aleacutem da

farinha

Dos restaurantes bares e estabelecimentos de produtos alimentares que natildeo

foram visitados juntamente com a equipe fotograacutefica mas cujas imagens figuram no

21 A equipe formada pelo fotoacutegrafo e um servidor do Departamento de Turismo continuou realizando as fotografias no quarto dia mas natildeo foi possiacutevel acompanhaacute-los devido agraves entrevistas jaacute agendadas para este dia

195

Guia Gastronocircmico do Festival observou-se que algumas seguiam esse mesmo padratildeo

na composiccedilatildeo dos elementos ldquoque lembram a roccedilardquo a mesa em madeira os pratos e

vasilhas de ceracircmica a palha de milho Alguns poreacutem focavam apenas na imagem do

prato sem elementos figurativos enquanto outros denotam uma perspectiva mais

sofisticada com a decoraccedilatildeo do restaurante ao fundo e o acompanhamento de taccedilas de

vinho por exemplo

No saacutebado pela manhatilde conforme jaacute foi relatado ocorria a feira de produtos

orgacircnicos que foi visitada para observaccedilatildeo e entrevistas A feira era composta pelos

produtores certificados que participavam da empresa ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo mas

tambeacutem abrigava outros vendedores de produtos agroindustriais de produccedilatildeo ecoloacutegica

como geleias antepastos mel e artesanato em geral Quanto aos orgacircnicos no dia

visitado estavam disponiacuteveis agrave venda folhas morango rabanete beterraba cenoura

gengibre ervas Quanto aos outros produtos tratavam-se de patildees geleias patecircs

orgacircnicos artesanatos como patchwork e sabonetes queijo e mel orgacircnicos e doces A

feira ocorria em um galpatildeo agraves margens do rio num local cercado pela paisagem natural

na saiacuteda da cidade As mesas e balcotildees satildeo enfeitadas com toalhas de chita e a parede do

barracatildeo com cestaria

FIGURA 57 ndash Feira ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Ao lado funcionava o Cafeacute na Roccedila num antigo estaacutebulo onde os

frequentadores da feira podiam se socializar tomar um cafeacute ou suco e degustar bolos e

tortas feitos com ingredientes orgacircnicos ou naturais Aleacutem de uma cozinha moderna

(que parece ter sido construiacuteda seguindo os padrotildees sanitaacuterios vigentes) o restante da

decoraccedilatildeo eacute ruacutestica composta de uma fornalha mesas e bancos de madeira enfeites

como cabeccedila de boi e cabaccedilas aleacutem de algumas poltronas feitas de pneus reciclados

196

FIGURA 58 ndash ldquoCafeacute na Roccedilardquo na Feira ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 59 ndash Interior do ldquoCafeacute na Roccedilardquo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Em frente ao cafeacute no jardim foi construiacutedo um parquinho infantil com

brinquedos e balanccedilos feitos tambeacutem de pneus reciclados que inclusive estavam agrave

venda para os clientes que podiam contatar o artesatildeo que os fazia O nome do

playground era ldquoParquinho da Roccedilardquo Durante a feira tambeacutem ficava disponiacutevel agrave

demanda dos frequentadores um espaccedilo para a realizaccedilatildeo de massagens

FIGURA 60 ndash ldquoParquinho da Roccedilardquo na Feira ldquoOrgacircnicos da Mantiqueirardquo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

197

Ao longo dessa primeira estadia em Gonccedilalves aleacutem de outras entrevistas

realizadas tambeacutem se acompanhou em alguns momentos a preparaccedilatildeo da

infraestrutura para a realizaccedilatildeo do Festival Este tem sido realizado no Clube Recreativo

no centro da cidade Enquanto na primeira ediccedilatildeo ele foi realizado no espaccedilo aberto do

clube de acordo com as entrevistas nos dois eventos seguintes o Festival foi realizado

na rua em frente ao Clube tendo sido montado uma estrutura de tendas para isso Nesta

quarta ediccedilatildeo que se acompanhou a Prefeitura realizou reformas e ampliou o espaccedilo

de circulaccedilatildeo na aacuterea aberta do clube possibilitando a realizaccedilatildeo do Festival neste

ambiente As outras visitas seguintes foram feitas na ocasiatildeo do Festival para observaacute-lo

e aplicar os questionaacuterios aos frequentadoresconsumidores e os detalhes da observaccedilatildeo

seratildeo descritos a seguir

43 O 4ordm Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila de Gonccedilalves

O Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila em Gonccedilalves eacute realizado desde

2011 anualmente de maneira que foi possiacutevel acompanhar a sua quarta ediccedilatildeo no ano

de 2014 O Festival eacute realizado geralmente entre a segunda quinzena de outubro e a

primeira semana de novembro natildeo havendo uma data fixa contudo De acordo com

alguns dos responsaacuteveis pela criaccedilatildeo do Festival em 2011 que foram entrevistados para

esta pesquisa entre eles a antiga diretora de Turismo um membro do Conselho

Municipal de Turismo (COMTUR) e um voluntaacuterio da organizaccedilatildeo o Festival teria sido

criado para atrair o puacuteblico na eacutepoca de baixa temporada turiacutestica de Gonccedilalves Aleacutem

disso jaacute se vislumbrava na antiga gestatildeo de turismo da cidade a organizaccedilatildeo de um

evento nos moldes dos jaacute consagrados festivais de gastronomia que na visatildeo da ex-

diretora entrevistada estariam se expandindo nos uacuteltimos anos22 Aleacutem disso um dos

objetivos da criaccedilatildeo do Festival era um mecanismo entre outros de valorizaccedilatildeo da

cultura local especialmente dando visibilidade aos restaurantes da roccedila e agrave sua comida

tiacutepica conforme atestam os depoimentos das entrevistadas

22 No site da Secretaacuteria de Turismo e Cultura do Governo do Estado de Minas Gerais o Calendaacuterio de Eventos Turiacutesticos do Estado contabilizou 85 eventos no ano de 2013 (MINAS GERAIS 2013)

198

E aiacute eu comecei a conversar muito com [a proprietaacuteria de uma pousada e o chef de um restaurante] e ele sempre falando que a gente tinha que fazer alguma coisa E dentro das reuniotildees do COMTUR do Conselho Municipal de Turismo a gente comeccedilou a discutir entatildeo resolvemos vamos fazer um evento de gastronomia Mas quando essa ideia foi ser levada pra frente a primeira coisa que a gente falou foi que a gente queria um festival de gastronomia diferente do que jaacute existia Porque a gente queria fazer uma coisa voltada pra nossa cultura pra fortalecer os restaurantes locais [] E tanto eacute que o foco nosso na eacutepoca principalmente no primeiro festival foi fortalecer estes restaurantes foi tentar encontrar formas estruturas para melhorar o que eles jaacute tinham pra otimizar e pra fazer valer a pena que eles viessem pra cidade Entatildeo a gente comeccedilou a perceber que o retorno maior que eles ganham no festival natildeo era financeiro eacute o que vem depois A gente conseguiu principalmente no primeiro festival vaacuterias miacutedias Globo Rural TV Globo Rural Revista EPTV Sul de Minas (Ex-diretora de Turismo Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Entatildeo quando a gente pensou no Festival de Gastronomia eu pensei assim gastronomia dentro do turismo o turismo gastronocircmico eacute o mais legal de todos [O turista voltado para a gastronomia] eacute um cara consciente eacute um cara que viaja entatildeo ele valoriza ele viaja pra conhecer ele natildeo viaja pra encontrar o que ele jaacute espera ele quer conhecer o que vocecirc sabe fazer E ele eacute um elemento cultural que fortalece e valoriza a cultura local [] Entatildeo quando a gente pensou no Festival de Gastronomia a gente fez discussotildees dentro do COMTUR um dos posicionamentos do COMTUR naquela eacutepoca da gestatildeo natildeo era soacute meu era da gestatildeo era ldquoBom o que a gente pode fazer Nosso trabalho pode ser de fortalecimento de valoraccedilatildeo do que eacute roccedilardquo Porque as pessoas precisam saber que isso eacute rico eacute baacuterbaro eacute lindo e ela [pessoa da roccedila] poder ganhar dinheiro com aquilo (Ex-conselheira do COMTUR Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Nesse sentido o modelo de Festival construiacutedo a partir das reuniotildees do

COMTUR com a colaboraccedilatildeo dos proprietaacuterioschefscozinheiros dos restaurantes e

estabelecimentos participantes diferia-se de alguns eventos tiacutepicos na opiniatildeo das

entrevistadas Segundo elas o Festival de Gonccedilalves natildeo seria um concurso que

promoveria a concorrecircncia do melhor prato ao contraacuterio os restaurantes e demais

estabelecimentos apenas exporiam e venderiam seus preparos Outro criteacuterio

estabelecido foi o de que somente os restaurantes de Gonccedilalves participariam evitando-

se a participaccedilatildeo de restaurantes e chefs de outras cidades ou Estados como acontece

em festivais gastronocircmicos tiacutepicos que promovem a eleiccedilatildeo de melhor

pratochefrestaurante Assim a elaboraccedilatildeo do Festival visaria valorizar a cultura e a

199

gastronomia da roccedila bem como priorizar a participaccedilatildeo dos restaurantes em Gonccedilalves

considerados ldquoda roccedilardquo mas cuja adesatildeo estaria aberta a todos os estabelecimentos da

cidade localizados no centro urbano ou pertencentes a proprietaacuterios residentes fora do

municiacutepio No entanto a temaacutetica tendia a ser respeitada pelos restaurantes mais

requintados que satildeo convidados a elaborar pratos simples com seu ldquotoque especialrdquo

Outra caracteriacutestica observada foi a de que os pratos de todos os restaurantes deveriam

ser ofertados a um preccedilo padronizado durante o Festival que na quarta ediccedilatildeo foi de

R$ 1300 devendo cada estabelecimento elaboraacute-lo em termos de ingredientes e

tamanho da porccedilatildeo adequados ao valor cobrado Mas na sede do proacuteprio restaurante o

preccedilo do prato seria livre podendo-se inclusive incrementar o serviccedilo com entrada

sobremesa bebidas e logo agregando valor

O estabelecimento e a obediecircncia a tais regras do Festival teriam tido como

efeito segundo as entrevistadas tanto a garantia da participaccedilatildeo da populaccedilatildeo da cidade

entre o puacuteblico consumidor quanto a promoccedilatildeo da sociabilidade entre os chefs e

cozinheiros dos diferentes restaurantes que no cotidiano natildeo costumavam ter a

oportunidade de frequentar os estabelecimentos dos colegas ainda que fossem parentes

e residissem perto segundo relatou a ex-diretora Assim as entrevistadas comentaram

ter presenciado as trocas de pratos entre os cozinheiros e chefs a troca de informaccedilotildees

bem como parentes vizinhos e familiares que iam ao Festival prestigiar o restaurante

dos entes Foi possiacutevel presenciar algumas dessas situaccedilotildees durante a observaccedilatildeo do

Festival quando os chefs e cozinheiros propunham trocar seus pratos para degustaccedilatildeo

Os chefs e cozinheiros incorporavam assim traccedilos da cultura camponesa relativos ao

dar e retribuir vinculando-os a um circuito de reciprocidades semelhantes agravequele da

vida em comunidade Este caraacuteter familiar e os laccedilos de solidariedade que se

estabeleciam no Festival tanto entre os responsaacuteveis pelos estabelecimentos como

entre os parceiros ou entre o puacuteblico que os frequentava dava ao evento segundo as

entrevistadas o ambiente da vida em vizinhanccedila Nestes relatos as contradiccedilotildees e

conflitos quase natildeo eram comentados

Soacute aconteceu depois que a gente fez o Festival de Gastronomia de a pessoa de um restaurante comer a comida de outro restaurante aqui porque e agraves vezes eacute ateacute parente no momento que estatildeo trabalhando [natildeo podem ir ao restaurante do outro] e no dia seguinte ningueacutem taacute trabalhando e aiacute natildeo daacute pra se conhecer E essa foi a [oportunidade] Ah trocava prato ldquoAh olha meu pratordquo ldquoAh depois eu mando o meurdquo troca troca se experimentou o [prato] de todo mundo sabe

200

Todo mundo vai laacute ldquoAh eu vim comer o seu pratordquo sabe Conheceu trocou aprenderam trocaram informaccedilotildees por isso que o Festival tambeacutem nunca teve caracteriacutestica de concurso e isso era uma coisa que noacutes deixamos claro natildeo pode ser concurso natildeo vamos concorrer um com o outro vamos valorizar Um dia se quiser ter um concurso [] que nem esses modelos que tem por aiacute mas natildeo eacute esse o momento o momento eacute de valoraccedilatildeo Qualquer que seja o que eu faccedilo o que vocecirc faz tem que ser valorizado (Ex-conselheira do COMTUR Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Outro aspecto relacionado agrave sociabilidade ressaltado pelos entrevistados estava

relacionado agrave sua proacutepria organizaccedilatildeo As limitaccedilotildees impostas pelo orccedilamento puacuteblico

disponiacutevel para a organizaccedilatildeo do Festival teriam sido superadas com o uso da

criatividade inovaccedilatildeo e o capital social construiacutedo entre os participantes do Festival As

famiacutelias amigos e voluntaacuterios colaboravam com alguns aspectos relativos agrave

infraestrutura apoio e decoraccedilatildeo da festa improvisando o uso de materiais disponiacuteveis

o que por um lado dava a conotaccedilatildeo desenhada para o mesmo de aparentar

simplicidade como uma forma de remeter agraves caracteriacutesticas das ldquocoisas da roccedilardquo

Tambeacutem se percebeu o acionamento do capital social por meio do suporte de

instituiccedilotildees e empresas que apoiavam o Festival em troca de publicidade ou da

oportunidade de participar da festa As mesas e bancos utilizados na quarta ediccedilatildeo do

Festival por exemplo foram emprestadas pela Paroacutequia e pelo carpinteiro de uma

cidade vizinha No uacuteltimo domingo do Festival o carpinteiro e sua esposa foram ao

evento para participar e degustar os pratos O fato do Festival se constituir em uma

atraccedilatildeo turiacutestica de Gonccedilalves parecia despertar nos colaboradores o desejo de

participar ativamente do Festival pelo prestiacutegio mas tambeacutem pela satisfaccedilatildeo em

frequentar a cidade Assim relata a ex-diretora de Turismo

E realmente olha o primeiro festival foi muito mais coraccedilatildeo do que profissatildeo Eu falo que a gente tava num momento do COMTUR muito abenccediloado o conselho era muito unido todo mundo arregaccedilou as mangas literalmente e deixou os afazeres de lado [] E tudo assim eram voluntaacuterios eram pessoas que deixavam as coisas e iam [ajudar] Ateacute a estrutura do primeiro ano a gente natildeo tinha muitos recursos a gente natildeo tinha nem ideia do puacuteblico entatildeo a gente foi fazendo e as coisas foram acontecendo meio que naturalmente a gente fala que quando a gente estaacute com boa intenccedilatildeo as coisas caminham para o lado do bem para o caminho certo E foi um sucesso neacute [] E envolveu a famiacutelia todo mundo vinha e ajudava decorava as barracas a gente fazia plaquinhas E por mais que a gente tente planejar as coisas ficam pra uacuteltima hora tem que ir atraacutes de ldquonatildeo sei o quecircrdquo mas eu

201

acho que eles receberam muito bem a ideia 95 dos restaurantes que eram da roccedila participaram que era o grande objetivo nosso E eu acho que pra eles foi uma motivaccedilatildeo foi um resgate da autoestima que agraves vezes fica meio escondida por conta do corre corre do dia a dia [] E o festival a gente sempre teve a preocupaccedilatildeo de fazer um ambiente e fazer valores que fossem acessiacuteveis para o pessoal da cidade Entatildeo no domingo era uma deliacutecia porque a gente via que muitas donas de casa natildeo faziam o almoccedilo elas iam almoccedilar no festival em famiacutelia Porque a gente sempre partia do pressuposto de que pra cidade ser boa pro turista antes ela tem que ser muito boa pros moradores [] Entatildeo como os restaurantes eram daqui e na cidade todo mundo eacute parente a gente percebia que as pessoas iam pra prestigiar porque a comadre estava laacute porque a avoacute estava participando (Ex-diretora de Turismo Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

O aspecto participativo na elaboraccedilatildeo do Festival foi destacado pelas

entrevistadas natildeo somente a respeito da montagem da infraestrutura do evento mas

tambeacutem durante a idealizaccedilatildeo da primeira festividade bem como nas discussotildees sobre

as ediccedilotildees seguintes Os debates se davam no acircmbito das reuniotildees do COMTUR com a

participaccedilatildeo dos responsaacuteveis pelos estabelecimentos partiacutecipes de cada ediccedilatildeo e havia

certo orgulho em ressaltar a atuaccedilatildeo dos restaurantes da roccedila nesse processo que de

outra forma devido agraves dificuldades de transporte comunicaccedilatildeo e cultura poliacutetica

poderiam ter ficado alijados da inclusatildeo na organizaccedilatildeo do Festival Nas palavras da ex-

diretora de Turismo

Os donos desses restaurantes da roccedila foram com a gente pra Satildeo Paulo eles participavam das reuniotildees eles davam opiniatildeo Entatildeo o Festival foi construiacutedo por eles por todo mundo natildeo foi um projeto que o COMTUR ldquopegourdquo e fez A gente [COMTUR] direcionou mas a construccedilatildeo mesmo foi coletiva eu acho que foi por isso que a gente conseguiu realmente manter essa identidade e reforccedilar (Ex-diretora de Turismo Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

A quarta ediccedilatildeo do Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila de Gonccedilalves foi

realizada em dois finais de semana A programaccedilatildeo foi desenvolvida em uma praccedila de

alimentaccedilatildeo nomeada de ldquoPraccedila dos Sabores e Saberesrdquo Cada restaurante participante

ocupava um stand composto pelo fogatildeo mesa e um armaacuterio decorado onde ofertavam

a comida Alguns jaacute a traziam pronta ou preacute-preparada do seu proacuteprio restaurante

outros a cozinhavam neste espaccedilo As mesas para acomodaccedilatildeo dos frequentadores

estavam dispostas no centro da praccedila de alimentaccedilatildeo As mesas e os bancos eram

202

extensos coletivos induzindo os consumidores a partilharem as mesas de forma a

promover a sociabilidade a conversa e o conviacutevio

FIGURA 61 ndash Mesas e stands no 4o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Na ediccedilatildeo que se acompanhou a praccedila de alimentaccedilatildeo foi montada numa aacuterea

aberta que foi coberta com tendas de um lado do salatildeo de festas do Clube Recreativo

onde havia uma porta independente para a entrada do outro lado tambeacutem uma aacuterea

semiaberta com porta de entrada independente disponibilizaram-se os stands de

artesanato de produtos alimentares processados como geleias bolos patildees e de

divulgaccedilatildeo do Slow Food ldquoConviacutevio Terras Altas do Sapucaiacuterdquo No centro ficava o salatildeo

de festas onde acontecia a maior parte das apresentaccedilotildees culturais e que podia ser

acessado por ambos os lados graccedilas agraves suas portas laterais As aacutereas abertas tambeacutem se

comunicavam por um corredor atraacutes do salatildeo onde ficava o caixa do Festival

FIGURA 62 ndash Salatildeo de festas do Clube Recreativo de Gonccedilalves-MG

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

203

FIGURA 63 ndash Stand de Slow Food ldquoConviacutevio Terras Altas do Sapucaiacuterdquo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

A programaccedilatildeo cultural foi composta por apresentaccedilotildees musicais que

privilegiavam os artistas regionais ou locais tocando preferencialmente MPB muacutesica

caipira de viola mas tambeacutem muacutesica sertaneja e forroacute especialmente agrave noite quando o

puacuteblico se dispunha a danccedilar Ofertavam-se ainda oficinas workshops palestras e dias

de campo que variavam conforme a ediccedilatildeo da festa Na quarta versatildeo houve oficina de

gastronomia de fusatildeo com queijos de ovelha e cervejas artesanais e na segunda ediccedilatildeo

conforme material de divulgaccedilatildeo consultado aleacutem desta mesma oficina houve outras

de vinho coqueteacuteis melado iogurte caseiro bolos biscoitos broas receitas sem adiccedilatildeo

de accediluacutecar artesanato com fibra de bananeira entre outras As palestras na segunda

ediccedilatildeo (cujo folder com a programaccedilatildeo foi consultado) versavam sobre temas como

turismo rural agroecologia desenvolvimento rural sustentaacutevel composiccedilatildeo nutricional

de gastronomia de raiz e dia de campo nos siacutetios de agricultura orgacircnica certificada

FIGURA 64 ndash Oficina de queijos de ovelha e cervejas artesanais ndash Gastronomia de fusatildeo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

204

Algumas apresentaccedilotildees que fizeram parte da programaccedilatildeo cultural davam

visibilidade a aspectos tradicionais da cultura local como a apresentaccedilatildeo da Congada

Satildeo Benedito o Desfile de Carros de Boi e os proacuteprios grupos musicais jaacute mencionados

com artistas locais ou de cidades vizinhas Algumas apresentaccedilotildees tambeacutem estavam

ligadas aos programas sociais e culturais desenvolvidos pela gestatildeo municipal com

apresentaccedilotildees musicais infantis como a Lira Infantil e o Grupo Infantil de Flauta da

escola municipal do Grupo de Melhor Idade IONG ou a exposiccedilatildeo de artesanato do

projeto de inclusatildeo de pessoas com necessidades especiais o PINGO

Segundo os relatos nas ediccedilotildees anteriores do Festival realizava-se um preacute-

lanccedilamento no ldquoEspaccedilo Minas Geraisrdquo em Satildeo Paulo-SP um centro de referecircncia de

negoacutecios e promoccedilatildeo do turismo e da cultura mineiros (PROGRAMA DE TURISMO

DE NEGOacuteCIOS E EVENTOS DE BELO HORIZONTE 2015) na Avenida Paulista

quando se apresentava agrave imprensa e a formadores de opiniatildeo o evento visando sua

divulgaccedilatildeo na miacutedia Tambeacutem se costumava realizar no primeiro dia do evento de cada

ediccedilatildeo a sexta-feira agrave noite uma celebraccedilatildeo privada de cortesia destinada a

convidados ilustres colaboradores do Festival e tambeacutem a imprensa e formadores de

opiniatildeo Na quarta ediccedilatildeo natildeo houve o preacute-lanccedilamento em Satildeo Paulo nem o evento para

convidados sendo o primeiro dia a sexta-feira aberto ao puacuteblico para a

comercializaccedilatildeo dos pratos

A primeira ediccedilatildeo do Festival natildeo teve uma temaacutetica especiacutefica centrando-se

apenas no nome do evento Na segunda ediccedilatildeo o tema foi ldquoA comida da vovoacuterdquo Nos

dois uacuteltimos anos o Festival privilegiou temaacuteticas relativas aos produtos agriacutecolas

tiacutepicos da regiatildeo ou da cultura rural utilizados como mateacuteria-prima na cozinha da roccedila

Assim em 2013 o tema foi ldquoUai noacutes temos banana tameacutemrdquo num jogo de linguagem

que utilizou uma expressatildeo de interjeiccedilatildeo tiacutepica do falar mineiro ldquouairdquo e uma paraacutefrase

da composiccedilatildeo musical ldquoYes noacutes temos bananardquo de Braguinha famosa na voz da

cantora brasileira Carmem Miranda O logotipo dessa ediccedilatildeo tambeacutem se apropriou da

bandeira de Minas Gerais de forma que ao redor de um triacircngulo amarelo cujas cores

remetem agrave fruta distribuem-se os trechos da frase em cada lado do poliacutegono de maneira

que a palavra ldquotameacutemrdquo (corruptela de ldquotambeacutemrdquo) ficasse em sua base em alusatildeo agrave

mesma posiccedilatildeo da palavra tamen na bandeira do Estado A escolha do tema privilegiou

uma das maiores produccedilotildees agriacutecolas do municiacutepio na atualidade a banana que

tambeacutem se constituiacutea em objeto de celebraccedilatildeo em Gonccedilalves no mecircs de janeiro No ano

205

de 2014 o tema escolhido foi ldquoSabores do Milho da Roccedilardquo Nestas duas uacuteltimas

ediccedilotildees portanto os restaurantes deveriam elaborar os seus pratos utilizando esses

ingredientes na sua composiccedilatildeo respectivamente

FIGURA 65 ndash Cartaz de divulgaccedilatildeo do 1o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila

Fonte Departamento de Turismo e Cultura de Gonccedilalves e COMTUR

FIGURA 66 ndash Cartaz de divulgaccedilatildeo do 2o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila

Fonte Departamento de Turismo e Cultura de Gonccedilalves e COMTUR

206

FIGURA 67 ndash Guia Gastronocircmico do 3o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila

Fonte Departamento de Turismo e Cultura de Gonccedilalves e COMTUR

Diagramaccedilatildeo ilustraccedilatildeo e fotografia Roberto Torrubia

FIGURA 68 ndash Cartaz de divulgaccedilatildeo do 4o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila

Fonte Departamento de Turismo e Cultura de Gonccedilalves e COMTUR

No quadro que se segue eacute possiacutevel ver um resumo do cardaacutepio ofertado na 4ordf

ediccedilatildeo do Festival com os seus respectivos chefs e restaurantes

207

QUADRO 9 ndash Menu do 4o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila PRATO DESCRICcedilAtildeO RESTAURANTE LOCAL CHEFCOZINHEIRO

Paccediloca de pilatildeo agrave mineira

Paccediloca de pilatildeo arroz tutu de feijatildeo lombo

torresmo polenta frita linguiccedila

Ao Peacute da Pedra Bairro Rural Terra Fria

Eni Ribeiro e Sandra Ribeiro

Carne de lata com polenta

Carne de lata tutu de feijatildeo arroz e polenta

Restaurante da Vilma

Bairro Rural dos

Venacircncios

Vilma Rosa

Janelim de Mio Bolinho de milho recheado de queijo

canastra e milho verde acompanhada de batida de milho com cachaccedila

Janelas com Tramela

Centro Seacutergio Mota Flaacutevia Silva e Elaine Tobias

Mil folhas de polenta caipira com ragu de rabada com

ora-pro-noacutebis

Polenta ragu de rabada e ora-pro-noacutebis

Noacute de Pinho Bairro Rural Retiro

Caio Dias

Espaguete caseiro ao molho de milho

Espaguete caseiro com creme de milho verde e cestinha de parmesatildeo

com milho fresco

Rosa Madeira Centro Yoshikazu Awata e Adriana Souza

Nhoque de milho Nhoque de farinha de milho com molho de

queijo meia cura

Cozinha do COMTUR

- Luiz Fernando Boacnin

Milheirinho com queijo

Arroz feijatildeo couve torresmo angu com queijo carne de lata

Restaurante Trecircs Irmatildes

Bairro Rural do Juncal

Viviane Tatiane e Cristiane

Trem Batildeo Bolinho de milho farofa de milho arroz feijatildeo

pernil

Restaurante Zeacute Oviacutedeo

Bairro Rural Terra Fria

Gloacuteria de Paula

Bem Mineiro Arroz tutu de feijatildeo couve refogada costela

de porco e ovo frito

Restaurante e Pizzaria

Varandinha

Bairro Rural Lambari

Greuza

Tico Tico no Fubaacute Bolo cremoso de fubaacute com sorvete de creme ou milho verde e calda de

geleia de erva doce

A Senhora das Especiarias

Centro Fernanda Kurebayashi

Fuzaquinha Caipira

Broinha de fubaacute gratinada com queijo meia cura creme de milho verde e frango desfiado com

ervas aromaacuteticas

Forneria da Roccedila Centro Elenira Arakilian

Tempuraacute Daki Tempuraacute com milho e legumes molho chutney de cebola picante com

shoyo

Bar Libertas Patildeo e Circo

Centro Dani Lima Fernanda Kurebayashi e Luiz

Quirerinha Quirerinha com carne suiacutena ou vegetariana lombo assado no bafo com arroz branco ou agrave grega salada de feijatildeo fradinho e creme de

milho

Lanchonete e Restaurante Carlatildeo

Lanches II

Centro Carlos Silva

Panquecas Panqueca de frango com milho de lombo molho e

queijo de pizza ou panqueca doce

Bar do Zezeacute Bairro Rural Lambari

Isabela Torres

Pastel de curau Pastel de curau de truta Pastelaria do Maneacute Centro Maneacute Salete Gisele e

208

defumada ou de camaratildeo Samuel Geleias Geleias molhos

temperos queijo iogurte doce de leite broa de milho cremosa patildeo de queijo e produtos in

natura

Siacutetio Trecircs Barras Bairro Rural Trecircs Barras

Maria Joseacute Andrade

Linguiccedila Caseira Porccedilotildees de linguiccedila de porco caseira com farinha

de milho

Venda do Ditatildeo Bairro Rural Atraacutes da Pedra

Maria Helena

Fonte Elaborado e adaptado por Lidiane Nunes da Silveira com base no Guia Gastronocircmico do 4ordm Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila (projetado pelo Departamento de Turismo e Cultura de

Gonccedilalves COMTUR com diagramaccedilatildeo ilustraccedilatildeo e fotografias de Roberto Torrubia)

Em linhas gerais os pratos servidos nesta ediccedilatildeo do Festival poderiam ser

classificados em trecircs grupos No primeiro se enquadravam os pratos dos ldquorestaurantes

da roccedilardquo que serviam variaccedilotildees do que se podia considerar como a comida ldquotiacutepicardquo e

ldquotradicionalrdquo mineira nos moldes descritos por Abdala (2007) Primeiramente porque a

autora constatou que a partir dos anos 1980 o que era considerado o prato tiacutepico e

tradicional em Minas passou a ser elaborado nas casas apenas em finais de semana ou

ocasiotildees festivas estando relativamente ausentes nas rotinas alimentares domeacutesticas

Isto em decorrecircncia 1) do aumento do nuacutemero de mulheres no mercado de trabalho 2)

porque teria havido segundo Abdala (2007) um deslocamento desse cardaacutepio tiacutepico e

tradicional mineiro das casas do mundo privado para o mundo puacuteblico dos

restaurantes Alguns pratos tiacutepicos do periacuteodo colonial se encontravam representados no

menu do Festival tutu de feijatildeo couve torresmo angu farofa paccediloca de farinha com

carne lombo ou pernil assados e canjiquinha (quirerinha) de milho com carne de porco

O arroz a carne de vaca e as quitandas como o patildeo de queijo e a broa de fubaacute

provenientes do uso do leite queijo e ovos tambeacutem faziam parte segundo Abdala

(2007) do tiacutepico e tradicional mineiro embora tenham sido incorporados aos padrotildees

alimentares no seacuteculo XIX quando se tornaram mais abundantes

Nesse caso as quitandas e os lanches servidos no Festival fariam parte de um

segundo grupo identificado nos pratos do menu Eles eram servidos por empoacuterios que

fabricavam suas proacuteprias geleias na cidade permitindo combinaccedilotildees tradicionais como

a broa ou bolo de fubaacute ou milho e o patildeo de queijo com uma geleia de sabores variados

Estes empoacuterios tambeacutem expunham seus produtos para a comercializaccedilatildeo nos stands

durante o Festival e costumavam ser um atrativo do turismo gastronocircmico na cidade A

oferta de bolos biscoitos patildees de queijo broas e roscas chamados no Festival de

209

ldquoquitutesrdquo tambeacutem eram disponibilizadas pelas ldquoquituteirasrdquo tradicionais que viviam

nos bairros rurais e vendiam tais produtos rotineiramente Entre estes quitutes a

populaccedilatildeo local destacava a broa de pau-a-pique feita de fubaacute de milho e accediluacutecar e

assada na folha de bananeira em forno de barro como a quitanda tiacutepica da regiatildeo No

cotidiano os quitutes costumavam ser assados em fornos de barro caracteriacutestica

ressaltada pelos moradores como especiais e tradicionais No Festival a organizaccedilatildeo

buscou representar esse cotidiano tendo construiacutedo jaacute na primeira ediccedilatildeo do Festival

em 2011 uma fornalha e um fogatildeo a lenha na aacuterea externa das dependecircncias do Clube

para serem utilizados pelas quituteiras durante o evento As quituteiras vinham de suas

residecircncias nos bairros rurais especialmente Dona Dita (do Sertatildeo do Cantagalo e

apontada pelos moradores da cidade e organizadores do evento como uma das

quitandeiras mais tradicionais de Gonccedilalves) e preparavam biscoitos e patildees de queijo agraves

vistas dos frequentadores que assistiam ao processo como uma atraccedilatildeo cultural do

Festival Os quitutes eram assados na fornalha e consumidosvendidos ainda quentes

assim que retirados do forno Todo o processo de aquecimento da fornalha de assar e

retirar os quitutes era assistido pelos frequentadores do Festival Alguns quitutes eram

preparados em casa e vendidos no Festival pelas quituteiras embora uma delas

preparasse o cafeacute na hora utilizando o fogatildeo a lenha Algumas tambeacutem vendiam

produtos da confeitaria moderna como pudins e bombons degustados como

sobremesas pelos comensais

FIGURA 69 ndash Fornalha e fogatildeo a lenha

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

210

FIGURA 70 ndash Broa de pau-a-pique

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 71 ndash Quituteiras Dona Dita Aline e Cida

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Havia tambeacutem os pratos natildeo tiacutepicos que utilizavam teacutecnicas proacuteprias da

cozinha contemporacircnea ou receitas inspiradas na gastronomia de outros paiacuteses

especialmente as massas Ainda assim a temaacutetica do Festival centrada no milho

direcionava os restaurantes e bares ao uso do ingrediente ldquotiacutepicordquo mineiro assim como

se percebia a reelaboraccedilatildeo de outros ingredientes tradicionais ainda que natildeo fossem

obrigatoacuterios ou re-atualizaccedilotildees de teacutecnicas inspiradas na cozinha mineira da roccedila Por

outro lado foi curioso observar como os pratos considerados como da roccedila e tiacutepicos

mineiros eram tambeacutem uma variaccedilatildeo regional cultural e histoacuterica do prato mais

comumente consumido pelos brasileiros no cotidiano ou seja o arroz o feijatildeo e a

carne Segundo a pesquisa sobre os haacutebitos alimentares feita por Barbosa (2007) o

arroz com feijatildeo que se identifica como uma comida que faz parte da rotina dos

brasileiros entraria menos frequentemente nas refeiccedilotildees de finais de semana ou nas

ocasiotildees festivas No Festival o arroz com feijatildeo eram celebrados e degustados como

pratos identitaacuterios assim como os pratos tipicamente mineiros Nesse caso obviamente

211

a forma de preparo diferia a comida da roccedila da comida de rotina jaacute que o feijatildeo destes

restaurantes geralmente era o ldquotuturdquo e a carne ldquode latardquo apresentados como tendo

processos de cocccedilatildeo especiais Estes pratos tiacutepicos remetiam os consumidores agraves ideias

de frescor carinho no preparo de memoacuteria e nostalgia que a comida caseira mineira e

da roccedila lhes despertava

A exposiccedilatildeo do artesanato agrave venda no Festival tambeacutem fazia uso da

performance tecendo-se num tear manual durante o evento Aleacutem da tecelagem crocheacute

e patchwork vaacuterios expositores tinham agrave venda pinturas esculturas artesanato em

palha de milho e fibra de bananeira habituais na regiatildeo aleacutem de cabaccedilas e

reaproveitamento de materiais como garrafas plaacutesticos e caixas de foacutesforo Algumas

peccedilas artesanais foram utilizadas como elemento decorativo aleacutem de outros

instrumentos tiacutepicos do trabalho no campo o carro de boi a sela o balaio a lata de

leite produtos como o milho crioulo e objetos da cultura rural como raacutedios antigos

FIGURA 72 ndash Tear

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 73 ndash Artesanato em palha de milho

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

212

FIGURA 74 ndash Sela e balaios

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 75 ndash Carro de boi e milho

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 76 ndash Raacutedio antigo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

213

Como jaacute foi comentado anteriormente cada stand de restaurante tambeacutem fazia

sua decoraccedilatildeo normalmente remetendo aos elementos decorativos de seu

estabelecimento Segundo a ex-diretora de Turismo o uacutenico aparato decorativo sugerido

para todos os stands era o armaacuterio que poderia ser ornamentado livremente Por fim a

identidade visual possibilitada respectivamente pelo logotipo do Festival e da ediccedilatildeo

integravam o ambiente por meio de banners brochuras de programaccedilatildeo e os cartazes

que identificavam os estabelecimentos e seu cardaacutepio

FIGURA 77 ndash Armaacuterio decorativo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 78 ndash Detalhe decorativo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

214

FIGURA 79 ndash Detalhe decorativo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

As apresentaccedilotildees culturais conforme jaacute se destacou anteriormente procuravam

privilegiar a muacutesica brasileira especialmente o que os entrevistados organizadores do

Festival consideravam como muacutesica de raiz ou seja muacutesica caipira de viola e artistas

regionais As apresentaccedilotildees ocorriam nas noites das sextas-feiras nas tardes e noites dos

saacutebados e nas tardes dos domingos de Festival Nas noites de sexta-feira da 4a ediccedilatildeo

apresentaram-se o ldquoGrupo de Viola Alma Caipirardquo e a ldquoMusicaterapia de Aloiacutesio

Beckerrdquo que eram tidos pelos organizadores como apresentaccedilotildees dentro de um

formato contemporacircneo e de raiz assim como os shows das tardes dos saacutebados e

domingos que contaram com a ldquoBanda Legacyrdquo ldquoAna Juacutelia Voz e Violatildeordquo a dupla

ldquoCampo Belo e Companheirordquo e ldquoCatireiros da Mantiqueirardquo grupo ldquoFarofa Mineirardquo

coral ldquoLinda Juventuderdquo Nas noites de saacutebado os shows tinham caraacuteter mais popular e

danccedilante com apresentaccedilotildees do ldquoForroacute do Marcatildeordquo ldquoLucas Barros amp Vitalrdquo ldquoTiatildeo amp

Paulinho e Bandardquo Aconteceram ainda apresentaccedilotildees musicais realizadas pelas

crianccedilas ldquoLira Infantilrdquo e pelos idosos ldquoOrquestra de Panelasrdquo executada pelo Grupo

da Terceira Idade IONG No domingo de encerramento do Festival aconteceu o Desfile

de Carros de Boi com cerca de 25 carros de Gonccedilalves e cidades da regiatildeo

215

FIGURA 80 ndash Dupla Campo Belo e Companheiro e Catireiros da Mantiqueira

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

FIGURA 81 ndash Desfile de Carros de Boi

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Na estimativa dos organizadores cerca de cinco mil pessoas visitaram o Festival

nos dois finais de semana na ediccedilatildeo de 2014 (COSTA 2014) Os consumidores que

responderam ao questionaacuterio no primeiro final de semana eram a maioria da capital

de Satildeo Paulo enquanto que no segundo os frequentadores declararam ter vindo de

cidades mais proacuteximas como Satildeo Joseacute dos Campos no Estado de Satildeo Paulo Pouso

Alegre e Paraisoacutepolis no Estado de Minas Gerais A circulaccedilatildeo de frequentadores e

consumidores variava ao longo do dia sendo mais intensa a partir do horaacuterio do

almoccedilo apoacutes o meio-dia diminuindo ao final da tarde e aumentando novamente agrave noite

Aparentemente o puacuteblico diurno caracterizava-se por uma maioria de turistas enquanto

agrave noite havia uma maior concentraccedilatildeo da populaccedilatildeo local Tambeacutem parecia haver

algumas diferenccedilas na apreciaccedilatildeo das atraccedilotildees a maioria do puacuteblico que prestigiava as

apresentaccedilotildees culturais especialmente agrave noite era formada pelos moradores de

216

Gonccedilalves enquanto os atrativos gastronocircmicos aleacutem de serem apreciados pelos

residentes contavam com o consumo por parte dos turistas e moradores de segunda

residecircncia

Nesse sentido enquanto as expressotildees culturais musicais pareceram ter

despertado processos identificadores na populaccedilatildeo local a gastronomia pareceu ter

maior apelo entre os turistas funcionando como um marcador social da diferenccedila De

acordo Bourdieu (2013) a alimentaccedilatildeo se constitui num campo onde se pode operar os

mecanismos de gosto e apreciaccedilatildeo de forma a construir distinccedilotildees de classe Collaccedilo

(2013) tambeacutem destaca como o proacuteprio conceito de gastronomia tende a ser atrelado agraves

noccedilotildees de ldquobom gostordquo distinccedilatildeo e processo civilizatoacuterio tal como o apontou Elias

(1993 2011) Todavia o que interessa observar eacute que estas noccedilotildees de refinamento e

distinccedilatildeo satildeo recodificadas socialmente mediante um processo de valorizaccedilatildeo do

campo e do rural que satildeo invocados para ressignificar a tradiccedilatildeo as praacuteticas culinaacuterias

da cozinha regional a natureza e os alimentos que remetem ao consumo dos tempos de

outrora Collaccedilo (2013) destaca como a partir dos anos 1980 esta valorizaccedilatildeo das

culturas alimentares regionais se acentua Elas passam a ser pensadas em termos de

localidade contrapondo-se agrave perspectiva de ameaccedila agrave dissoluccedilatildeo de suas caracteriacutesticas

particulares mediante os processos de globalizaccedilatildeo A autora destaca como para

Johnston e Baumann (2009) o consumo de comidas populares tambeacutem teria se tornado

um processo de distinccedilatildeo

Consumir o popular tambeacutem eacute parte do que se considera gastronomia pois realccedila o conviacutevio com a diversidade valor em alta no mundo contemporacircneo e revela uma habilidade de lidar com o diferente Mas neste ponto seria interessante retomar a discussatildeo anterior na verdade este consumo da diferenccedila perpetua e manteacutem as fronteiras sob controle uma vez que eacute um consumo delimitado esporaacutedico exoacutetico e de certa maneira descontextualizado da loacutegica que organiza determinada cozinha No fundo seria um controle da diferenccedila mantida em seu lugar e valorizada no discurso da gastronomia (COLLACcedilO 2013 p 212)

Ou seja a valorizaccedilatildeo das cozinhas regionais na gastronomia e pelos seus

adictos seria perpassada por ambiguidades Ao mesmo tempo em que promove a

experiecircncia da alteridade tambeacutem aciona os marcadores sociais da diferenccedila Dias

(2009) embora em texto jornaliacutestico que natildeo aponte as evidecircncias do argumento

tambeacutem ressalta como a valorizaccedilatildeo dos produtos tradicionais ao inveacutes de referendar a

217

histoacuteria a tradiccedilatildeo e o territoacuterio aleacutem dos valores de sustentabilidade proteccedilatildeo da

biodiversidade e justa remuneraccedilatildeo de pequenos produtores pode servir como um

processo de distinccedilatildeo social Por outro lado Collaccedilo (2013) tambeacutem sugere que o

interesse pela gastronomia por parte de amadores e apreciadores pode estar relacionado

a uma acircnsia de afirmaccedilatildeo e reconhecimento da individualidade diante da fragmentaccedilatildeo

da vida contemporacircnea o que poderia ser percebido na identificaccedilatildeo com a culinaacuteria

tradicional de raiz pela busca de uma origem Esse processo de busca de

identificadores por meio da gastronomia tambeacutem pode estar relacionado com certas

tendecircncias na culinaacuteria contemporacircnea que apontam para os processos afetivos

relacionados agrave comida como o Comfort Food e o Soul Food conforme apontam

Lauand e Chasseraux (2012) Estas satildeo perspectivas que refletem sobre o mecanismo

que a comida tem de novamente promover a nostalgia os apelos sentimentais e da

memoacuteria especialmente de uma infacircncia feliz mesmo que idealizada Tais experiecircncias

alimentares estariam invariavelmente ligadas agrave ldquocomida da vovoacuterdquo agrave ldquocomida de matildeerdquo agrave

vida domeacutestica e familiar

Da mesma forma movimentos como o Slow Food tecircm arregimentado seguidores

e proposto reflexotildees a respeito das escolhas alimentares privilegiando os alimentos

locais guiando-se pela triacuteade de princiacutepios do alimento bom com ecircnfase no sabor e no

prazer de comer limpo incentivando o consumo de alimentos cultivados sem

agrotoacutexicos e sem riscos ambientais e justo beneficiando a remuneraccedilatildeo adequada

especialmente aos pequenos produtores bem como o custo razoaacutevel aos

consumidores23 Nesse sentido a gastronomia parece refletir algumas mudanccedilas tiacutepicas

da sociedade poacutes-fordista da mesma forma que elas tecircm sido aqui identificadas em

termos dos usos e significados da categoria roccedila

Essas mudanccedilas que apoacutes 1970 acentuam as configuraccedilotildees sociais em torno do

consumo deslocando o eixo da produccedilatildeo podem se refletir tambeacutem no campo do

consumo de alimentos Por um lado a necessidade de se produzir novas formas de

distinccedilatildeo social por meio dos haacutebitos alimentares pode ter insuflado nas camadas da

elite urbana o interesse pelos produtos caseiros artesanais e tradicionais valorizando

culinaacuterias simples em detrimento ao refinado como forma de se diferenciar da ascensatildeo

da classe meacutedia que passam a fazer parte de forma mais ampla da sociedade de

23 Informaccedilotildees disponiacuteveis no material impresso de divulgaccedilatildeo do Slow Food distribuiacutedo durante o Festival pela representante do Conviacutevio Terras Altas do Sapucaiacute

218

consumo como indicam Neacuteri (2012) e Pochmann (2012) Esses processos de

diferenciaccedilatildeo ao lado das questotildees de classe tambeacutem se fundam no comportamento

tiacutepico de espaccedilos com altos graus de urbanizaccedilatildeo como a regiatildeo metropolitana de Satildeo

Paulo origem da maior parte dos turistas e moradores de segunda residecircncia em

Gonccedilalves

Por outro lado o apelo a uma culinaacuteria simples de raiz como a da comida da

roccedila pode estar ligado a este mesmo processo de urbanizaccedilatildeo que no Brasil se deu de

forma acelerada entre os anos 1950 e 1980 de acordo com Brito e Pinho (2012)

especialmente devido agrave migraccedilatildeo campo-cidade o que faz com que o imaginaacuterio rural

seja ainda muito presente em geraccedilotildees de migrantes e seus descendentes nos grandes

centros urbanos Pode-se destacar ainda que as mudanccedilas no campo do consumo que

se constituem como caracteriacutesticas da sociedade poacutes anos 1970 (MILLER 1987

PORTILHO 2005) e aqui sublinha-se a gastronomia e os haacutebitos alimentares em geral

parecem estar permeadas de ambiguidades se pode haver uma re-atualizaccedilatildeo do

processo de distinccedilatildeo em curso tambeacutem parece haver um processo de politizaccedilatildeo e

ambientalizaccedilatildeo do consumo nos termos propostos por Portilho (2005) e que pode ser

percebido na temaacutetica aqui estudada por meio da associaccedilatildeo entre roccedila e natureza pelo

consumo de produtos naturais e em Gonccedilalves pelo espaccedilo conquistado pela

agricultura orgacircnica e movimentos como o Slow Food Na proacutexima seccedilatildeo seratildeo

examinadas as relaccedilotildees entre os significados da categoria roccedila em Gonccedilalves e a

diversidade de grupos sociais que compotildeem o campo deste municiacutepio

44 As categorias roccedila em Gonccedilalves

Nos guias gastronocircmicos da 3ordf e 4ordf ediccedilotildees do Festival de Gastronomia e Cultura

da Roccedila de Gonccedilalves o texto de apresentaccedilatildeo fazia referecircncia agrave roccedila como ldquoa rainhardquo

numa alusatildeo ao poema de Manuel Bandeira Vou me embora pra Pasaacutergada conforme

pode ser visto no trecho a seguir

Bem vindo a Gonccedilalves aqui vocecirc eacute amigo do Rei Mas que rei eacute esse Eacute mais uma rainha a Roccedila Na roccedila tudo eacute diferente o leite vem da vaca o ovo da galinha a batata daacute no tempo certo e a banana soacute vai granar no tempo dela Tempo esse sim o rei O tempo eacute no final o

219

mais importante da vida Entatildeo quando aqui chegar fique tranquilo que ganharaacute tempo de vida a comida eacute boa as matas satildeo verdes as cachoeiras lindas Afora isso muacutesica e poesia por todo lado e essa gente simples e simpaacutetica que se chama mineiro (PREFEITURA MUNICIPAL DE GONCcedilALVES 2014)24

Conforme jaacute foi ressaltado no iniacutecio deste capiacutetulo e na introduccedilatildeo deste

trabalho em Gonccedilalves havia a percepccedilatildeo de alguns agentes da gestatildeo de turismo e

patrimocircnio bem como de alguns indiviacuteduos da iniciativa privada de que a roccedila eacute um

capital turiacutestico no municiacutepio que se revela como um atrativo para o visitante e eacute

explorada na sua publicidade agraves vezes de forma expliacutecita como bem o representa o

Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila Mas na vivecircncia cotidiana conforme se

pocircde notar por meio da observaccedilatildeo participante a categoria roccedila tambeacutem eacute veiculada a

todo momento fazendo parte portanto natildeo soacute do gecircnero do discurso complexo

relacionado aos mecanismos oficiais e institucionais de divulgaccedilatildeo do turismo local

mas tambeacutem do gecircnero do discurso simples nos enunciados produzidos na interaccedilatildeo

verbal cotidiana dos residentes (BAKHTIN 2003)

Para compreender os usos e significados da categoria roccedila em Gonccedilalves eacute

preciso observar a diversidade social local e identificar a quais grupos sociais os

entrevistados pertencem Os entrevistados podem ser classificados basicamente em trecircs

grupos indiviacuteduos naturais de Gonccedilalves que viveram a maior parte da vida no

municiacutepio seja no campo ou na cidade no qual se inclui a maioria dos proprietaacuterios de

restaurantes da roccedila Um segundo grupo eacute formado por pessoas naturais de Gonccedilalves

mas que passaram parte dos uacuteltimos anos vivendo em outro municiacutepio para estudar ou

trabalhar mas retornaram agrave cidade e nela vivem e trabalham No terceiro grupo como

se pode supor enquadram-se os indiviacuteduos naturais de outros municiacutepios que passaram

parte de suas vidas em outras cidades notadamente em sociedades mais urbanizadas

que Gonccedilalves mas escolheram se mudar e viver nesta cidade Estes grupos seratildeo

denominados aqui de ldquoantigos residentesrdquo ldquoregressosrdquo e ldquonovos residentesrdquo

respectivamente Destaca-se contudo que os termos antigos ou novos residentes natildeo se

referem ao tempo de moradia dos indiviacuteduos em Gonccedilalves que pode ser relativamente

longo nos dois casos mas agrave origem deles onde nasceram foram socializados as

profissotildees que adotavam Tambeacutem se enfatiza que essa categorizaccedilatildeo visa apenas a

24 Natildeo haacute referecircncia do autor do texto

220

facilitar o entendimento as condiccedilotildees reais de vida dos sujeitos entrevistados satildeo mais

complexas Portanto os criteacuterios para caracterizaacute-los aqui satildeo as escolhas de partir ou

ir para Gonccedilalves Apesar dos ldquonovos residentesrdquo se enquadrarem tambeacutem nas

configuraccedilotildees sociais que autores como Giuliani (1990) e Entrena-Duraacuten (2012)

identificam como neorrurais optou-se aqui por natildeo utilizar tal conceito para defini-los

uma vez que suas inserccedilotildees em Gonccedilalves eram muito diversas Alguns atuavam na

agricultura jaacute outros desenvolviam atividades natildeo-agriacutecolas Em comum tinham o fato

de terem escolhido morar no campo

Feitas tais observaccedilotildees destaca-se que em Gonccedilalves foi possiacutevel identificar

todas as categorias relativas aos usos e significados do termo roccedila jaacute descritas no

capiacutetulo 2 Enquanto algumas categorias foram notadas de forma mais contundente e se

apresentavam mais densamente no discurso da populaccedilatildeo de Gonccedilalves outras eram

menos niacutetidas mas efetivas Assim destaca-se que com base na observaccedilatildeo participante

e nas entrevistas aos residentes em geral em Gonccedilalves a categoria roccedila era bastante

associada ao ldquocampordquo e ao ldquoruralrdquo bem como agravequilo que poderia ser considerado seu

extremo oposto ou seja a roccedila ldquoestilizadardquo categoria esta bastante negligenciada na

maioria das entrevistas e questionaacuterios aplicados tanto em Belo Horizonte quanto em

Gonccedilalves Associada agrave roccedila como sinocircnimo de ldquoruralrdquo apareceram ainda que menos

frequentemente a alusatildeo agrave ldquotradiccedilatildeordquo agrave ldquoMinas Geraisrdquo e agrave cultura ldquocaipirardquo bem como

uma forma de se referir a elas a depender do caso ldquoromacircnticardquo e ldquonostaacutelgicardquo E

embora a questatildeo da ldquonaturezardquo fosse evidente em Gonccedilalves a sua associaccedilatildeo com a

categoria roccedila era menos oacutebvia o que natildeo significa que natildeo fosse perceptiacutevel aos olhos

dos entrevistados

O uso do termo roccedila como sinocircnimo de ldquocampordquo foi notado em Gonccedilalves

tanto na sua organizaccedilatildeo socioespacial quanto no discurso dos moradores do municiacutepio

Conforme jaacute se salientou nas paacuteginas anteriores 724 (IBGE 2015) da populaccedilatildeo de

Gonccedilalves vivia no campo distribuiacutedos em mais de vinte bairros rurais Neles as

famiacutelias rurais distribuiacuteam-se nos siacutetios de suas propriedades relativamente proacuteximos

A diretora de Turismo afirmou que alguns bairros carregavam o sobrenome das famiacutelias

que ocupavam tal espaccedilo originariamente como por exemplo o Bairro dos Venacircncios

ou o Bairro dos Neves mas tambeacutem havia relatos de famiacutelias proprietaacuterias de um bairro

inteiro embora este natildeo carregasse o sobrenome da famiacutelia como relata uma

entrevistada ldquoMeu pai nasceu num bairro aqui quando desce a serra no Bairro Trecircs

221

Barras eacute o segundo bairro Eu nasci e criei ali E a minha matildee no Sertatildeo do Cantagalo

o meu avocirc era dono daquilo tudo laacuterdquo (Proprietaacuteria de pousada Gonccedilalves setembro de

2014)

Embora natildeo se tenha tido a oportunidade de aprofundar a investigaccedilatildeo sobre a

vida social nos bairros rurais destaca-se que uma das caracteriacutesticas marcantes a este

respeito que pocircde ser notada foram as festas religiosas catoacutelicas em homenagem aos

santos padroeiros de cada bairro que marcavam um calendaacuterio de eventos da cidade

Estas festas eram especialmente prestigiadas pela populaccedilatildeo local mas tambeacutem

pareciam atrair alguns turistas sobretudo aqueles que possuiacuteam propriedades nestes

bairros aqui denominados de segundos residentes mas que em Gonccedilalves eram

chamados genericamente de turistas pela populaccedilatildeo local No relato abaixo eacute possiacutevel

compreender alguns detalhes das festas nos bairros rurais

Eacute festa na Igreja [] Faz leilatildeo tem o bingo leitoa frango assado e os brindes que o povo daacute pra festa entatildeo tem bingo toda noite [] Tem missa procissatildeo muacutesica de artista regional mais eacute o sertanejo eacute a viola [] Todos os bairros tecircm festa acho que satildeo 23 Tem a igreja o padroeiro e trecircs dias de festa na aacuterea rural De maio a setembro eacute festa toda semana Ali nos Remeacutedios tem a festa do Remeacutedio a festa do Satildeo Joaquim e do Satildeo Sebastiatildeo que eacute no asfalto embaixo Logo mais agrave frente tem a festa do Satildeo Laacutezaro e laacute na Barra tem outra festa de Nossa Senhora quatro festas soacute ali Depois tem no [Bairro] Atraacutes da Pedra Ribeiratildeozinho nos Piquiras Satildeo sete festas soacute nesse pedaccedilo aiacute Depois tem no Mundo Novo tem no Cantagalo tem no Satildeo Sebastiatildeo Venacircncios Terra Fria e Campestre Satildeo quatro festas aqui pra cima Tem um uacutenico lado que soacute tem uma festa que eacute a festa do Satildeo Joatildeo Os turistas que tecircm propriedade nessas aacutereas rurais frequentam gostam de festa Aqui no Bairro dos Venacircncios na primeira segunda-feira de agosto eacute a festa eacute a festa que tem mais gente faz o triacuteduo faz novena e quermesse Eacute muita leitoa assada frango assado e cachaccedila Todo ano tem um casal que eacute o festeiro que organiza essas festividades (Proprietaacuterio de restaurante Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

222

FIGURA 82 ndash Igreja de Nossa Senhora dos Remeacutedios no Bairro Rural dos Remeacutedios

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Os bairros nesse sentido reproduziam os laccedilos de parentesco reciprocidade e

sociabilidade no campo constituindo-se em micro organizaccedilotildees sociais que tendiam a

recompensar as perspectivas de isolamento que costumavam ser apontadas como

caracteriacutesticas do campesinato brasileiro historicamente Pocircde-se notar portanto a

persistecircncia de tais bairros rurais em termos demograacuteficos sobretudo bastante

expressivos Estes pareciam corresponder agraves configuraccedilotildees dos bairros rurais descritos

por Queiroz (1973) Moura (1978) e Candido (2010) a respeito do campesinato

brasileiro especialmente na regiatildeo de cultura caipira nas terras paulistas apontados por

Moura (1978) para o caso de Minas Gerais numa regiatildeo proacutexima a Gonccedilalves no

municiacutepio de Itajubaacute Destaca-se a dinacircmica desses bairros rurais hoje em Gonccedilalves

uma vez que todos os ldquonovos residentesrdquo entrevistados e alguns dos ldquoregressosrdquo

moravam no campo nesses bairros aleacutem da pesquisa de Barbosa R (2014) ter

demonstrado que apoacutes um periacuteodo de queda da populaccedilatildeo rural em Gonccedilalves entre os

anos de 1970 a 1990 ela teria voltado a crescer ateacute os anos 2000 e se mantido

praticamente estaacutevel ateacute 2010 (BARBOSA R 2014 p 77)

A roccedila era tomada ainda como sinocircnimo de ldquolavourardquo especialmente entre os

ldquoantigos residentesrdquo que viviam no campo e se dedicavam agrave agricultura e hoje satildeo

proprietaacuterios de restaurantes eou pousadas na sua propriedade Entretanto estes se

referiam agrave roccedila em diferentes sentidos entre eles como um sinocircnimo de campo e mais

amplamente de rural num processo de metoniacutemia em que roccedila como lavoura se

transformava no espaccedilo e em toda a organizaccedilatildeo social que a abrigava Entre a

populaccedilatildeo de ldquoantigos residentesrdquo que natildeo vivia no campo alguns tendiam a usar o

termo roccedila para se referir agrave lavoura especialmente entre aqueles cujas atividades

223

profissionais natildeo estavam diretamente ligadas ao turismo mas agrave prestaccedilatildeo de serviccedilos

na sede urbana ou mesmo agrave agricultura orgacircnica Entre estes era comum a referecircncia ao

fato de que as roccedilas ldquonatildeo existem maisrdquo ou de que os agricultores tecircm se dedicado mais

agraves atividades turiacutesticas em detrimento agraves roccedilas Tais percepccedilotildees se referiam

obviamente agrave raacutepida conversatildeo de atividades pela qual passou Gonccedilalves e seus

campocircnios diminuindo a participaccedilatildeo da agricultura nas atividades econocircmicas da

cidade e aumentando o setor turiacutestico conforme tambeacutem destacou o estudo de Barbosa

R (2014) Tais transformaccedilotildees trouxeram mudanccedilas visiacuteveis agrave dinacircmica do campo e da

cidade do municiacutepio de Gonccedilalves mas tambeacutem ao modo de vida de muitos residentes

nos bairros rurais conforme seraacute visto adiante

Uma das entrevistadas que se enquadrava no grupo de ldquoantigos residentesrdquo que

vivia na cidade relatou seu passado no campo e o trabalho da famiacutelia dedicado agrave

agricultura Nesse relato estabeleceu uma diferenciaccedilatildeo entre roccedila agricultura e

lavoura Enquanto a primeira era o espaccedilo de cultivo de milho feijatildeo e arroz as duas

uacuteltimas se referiam especialmente agraves plantaccedilotildees de cenoura e batata tiacutepica na regiatildeo

no passado conforme jaacute se destacou em outro momento Enquanto a roccedila era cultivada

para o autoconsumo a lavoura de cenoura e batata era produzida para a comercializaccedilatildeo

sendo no caso da sua famiacutelia feita em terra arrendada Esse relato coaduna com as

discussotildees teoacutericas a respeito da roccedila nas teorias do campesinato discutidas no primeiro

capiacutetulo tanto em termos das espeacutecies cultivadas quanto ao destino a elas dado assim

como pela oposiccedilatildeo entre a roccedila e a lavoura (MOURA 1978 WOORTMANN

WOORTMANN 1997)

Outro aspecto que merece ser ressaltado a respeito da categoria roccedila como

sinocircnimo de campo em Gonccedilalves foi o fato de os residentes ldquonovosrdquo ldquoantigosrdquo ou

ldquoregressosrdquo dos bairros rurais ou da sede urbana se referirem ao seu siacutetio sua

residecircncia seu bairro rural ou ao campo propriamente dito como roccedila Expressotildees

como ldquosou nascido e criado na roccedilardquo ldquomoro na roccedilardquo ldquoaqui na roccedilardquo ldquoviver na roccedilardquo

ldquoo povo da roccedilardquo ouvidas recorrentemente em Gonccedilalves permitiram constatar o uso

do termo roccedila como sinocircnimo de ldquocampordquo De maneira complementar a roccedila era

utilizada como sinocircnimo de ldquoruralrdquo e desta vez ela englobava natildeo soacute a vivecircncia no

campo o trabalho na lavoura mas a cidade como um todo Muitos aspectos materiais

ou simboacutelicos ligados agrave cultura rural foram evidenciados no Festival e jaacute comentados

anteriormente como tiacutepicos do rural Estes elementos iam desde a produccedilatildeo das

224

imagens dos pratos para o Guia passando pela gastronomia pelas apresentaccedilotildees

culturais ateacute a decoraccedilatildeo do evento sejam eles ferramentas de trabalho ou utensiacutelios

domeacutesticos

Mas um aspecto mais sutil do rural e que recebeu destaque principalmente nas

entrevistas concedidas pelos ldquonovos residentesrdquo foi a sociabilidade e a constituiccedilatildeo de

relaccedilotildees sociais mais sedimentadas Os entrevistados ldquonovos residentesrdquo destacaram

como a hospitalidade e as relaccedilotildees de interconhecimento faziam de Gonccedilalves um local

especial para ser escolhido para viver e que davam ao municiacutepio esse aspecto de roccedila

Algumas entrevistadas ldquonovas residentesrdquo mencionaram o fato de viverem sozinhas em

suas casas no campo mas natildeo se sentirem solitaacuterias pela possibilidade de visitar as

pessoas e serem recebidas ldquocom um cafezinho uma broa quentinhardquo mesmo sem se

conhecerem Nestes depoimentos o modo de vida ldquomais simplesrdquo tambeacutem foi apontado

como um valor positivo especialmente pelo fato de natildeo ter que se preocupar com a

aparecircncia para ser identificado e reconhecido nas redes de relaccedilotildees Esse fato foi

comentado por algumas mulheres ldquonovas residentesrdquo que viveram em cidades como a

capital de Satildeo Paulo ou Satildeo Joseacute dos Campos-SP que viam na vida simples da roccedila

uma vantagem em natildeo ter que se preocupar em adequar a imagem pessoal a um padratildeo

esteacutetico rigidamente estabelecido nas sociedades urbanas modernas a manicure a

escova no cabelo a maquiagem o salto alto

O aspecto da humildade tambeacutem foi ressaltado por uma ldquoantiga residenterdquo que

vivia no campo proprietaacuteria de um restaurante como um atributo ldquodo povo da roccedilardquo

que natildeo teria mudado apesar de toda a modernidade que agora fazia parte ldquoda roccedilardquo

Nesse sentido os ldquoantigos residentesrdquo proprietaacuterios de restaurantes no campo foram

unacircnimes em ressaltar as transformaccedilotildees proporcionadas pela oportunidade de ocupaccedilatildeo

e renda gerada pelo turismo no campo de Gonccedilalves A mesma entrevistada que

mencionou a humildade do povo da roccedila tambeacutem ressaltou como o atendimento aos

frequentadores do restaurante de origem urbana teria contribuiacutedo para sua desenvoltura

e o aprendizado em lidar com os serviccedilos de atendimento assim como de seus colegas

Vaacuterios desses proprietaacuterios de restaurantes tambeacutem comentaram como o acesso a uma

renda possibilitava que as pessoas da cidade e da regiatildeo pudessem frequentar os

restaurantes e excursionar pelos pontos turiacutesticos de Gonccedilalves Assim relatou uma

entrevistada ldquoEacute mais o turismo neacute E hoje praticamente 90 do pessoal da regiatildeo vive

do turismo Aqui mesmo a gente tem um pessoal vizinhos deve ter umas dez casas

225

todo mundo trabalha para o turista entatildeo todo mundo estaacute empregado pelo pessoal de

forardquo (Proprietaacuteria de restaurante Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Outros entrevistados tambeacutem destacaram como o aumento da oferta de serviccedilos

na cidade introduziu principalmente nos jovens a oportunidade da escolha e da

projeccedilatildeo de vida sem que para isso fosse preciso abandonar o municiacutepio

definitivamente

Eu costumo falar que dentro de dez anos a cidade de Gonccedilalves se transformou totalmente Mas o que eu acho mais bacana eacute que ela se transformou ela trouxe qualidade de vida para os moradores principalmente ela trouxe uma perspectiva e uma expectativa muito melhor porque hoje as pessoas as crianccedilas que moram na zona rural tecircm condiccedilotildees de sonhar e de concretizar aquilo Elas conseguem estudar elas conseguem ter uma profissatildeo moram fora ou voltam a morar aqui por opccedilatildeo (Ex-diretora de Turismo Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Barbosa R (2014) jaacute havia identificado em seu estudo o aumento da renda e da

ocupaccedilatildeo (embora em muitos casos informal) na populaccedilatildeo de Gonccedilalves e a

diminuiccedilatildeo da pobreza extrema e da desigualdade social apoacutes o ano 2000 Este autor

tambeacutem menciona como a venda de terrenos pelos agricultores aos ldquonovos residentesrdquo

ou moradores de segunda residecircncia teria possibilitado mais um acesso vantajoso agrave

renda nos uacuteltimos anos Este fato tambeacutem foi mencionado por alguns entrevistados

relatado como um negoacutecio que teria proporcionado melhorias na condiccedilatildeo de vida e na

propriedade rural especialmente se se considerasse a elevaccedilatildeo do preccedilo da terra na aacuterea

turiacutestica mais valorizada De acordo com a diretora de Turismo o acesso de muitos

agricultores jaacute idosos agrave aposentadoria rural tambeacutem teria mudado suas condiccedilotildees de

trabalho uma vez que puderam adquirir por meio da compra muitos dos itens que

antes eram plantados para garantir o autoconsumo aleacutem de adquirirem insumos e

implementos que facilitariam o trabalho agropecuaacuterio Exemplifica como muitos

agricultores trocaram a produccedilatildeo de leite pela bananicultura a compra do milho antes

plantado para alimentar os cavalos o uso deste animal de transporte e do proacuteprio carro

de boi como hobby e natildeo mais para o trabalho aacuterduo

Eu me lembro do compadre dizer que depois que ele parou de trabalhar com vaca parou de tirar leite e resolveu fazer plantaccedilatildeo de banana ele tem mais qualidade de vida porque ele natildeo precisa trabalhar saacutebado domingo acordar tatildeo cedo hoje ele consegue

226

programar a vida dele (Diretora de Turismo Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Algumas dessas mudanccedilas sentidas principalmente pelos ldquoantigos residentesrdquo

foram comentadas durante uma confraternizaccedilatildeo apoacutes uma sessatildeo de fotografia num

dos bares dos bairros rurais A equipe do Departamento de Turismo e a famiacutelia rural

teceram comparaccedilotildees entre as utilidades domeacutesticas de ldquoantigamenterdquo e os

eletrodomeacutesticos ldquomodernosrdquo e como a substituiccedilatildeo de um pelo outro acarretou

mudanccedilas no modo de vida cotidiano As conclusotildees apontaram para a conveniecircncia de

se viver na tranquilidade e sossego do campo mas com o conforto ldquoda cidaderdquo

Referiam-se principalmente ao acesso a serviccedilos baacutesicos como a energia eleacutetrica e aos

eletrodomeacutesticos o que rendeu um comentaacuterio anedoacutetico que sintetizava as novas

representaccedilotildees sobre o campo no Brasil uma servidora municipal do Departamento de

Turismo contou que as crianccedilas na escola costumam desenhar a casa no campo

atualmente substituindo a habitual chamineacute e sua fumaccedila por uma antena de TV por

assinatura a Sky

As comparaccedilotildees entre o tradicional e o moderno o antigo e o atual que

permeavam e permeiam a vida rural renderam algumas percepccedilotildees a respeito do que

seria a roccedila ldquotradicionalrdquo mas tambeacutem alguns comentaacuterios carregados de ldquonostalgiardquo

No centro da discussatildeo a respeito da ldquotradiccedilatildeordquo estava o fogatildeo a lenha da mesma

maneira que sua importacircncia como representaccedilatildeo social do rural jaacute havia sido notada

nas fotografias dos pratos preparadas para o Guia Gastronocircmico mencionada

anteriormente Assim comentou-se a respeito de alguns alimentos e teacutecnicas de cocccedilatildeo

que eram desenvolvidas ldquoantigamenterdquo para a conservaccedilatildeo dos alimentos devido agrave

ausecircncia de geladeira forno micro-ondas ou mesmo o fogatildeo a gaacutes que permitissem

procedimentos considerados por eles mais faacuteceis de manejar O fogatildeo a lenha possuiacutea

centralidade pela possibilidade de defumar e ldquocurarrdquo alguns alimentos como a linguiccedila

ou a carne de porco e de assar bolos mesmo com a ausecircncia do forno que segundo os

relatos natildeo eram comuns nos ldquoantigosrdquo fogotildees a lenha Assim desenvolvia-se a teacutecnica

de assar o bolo numa panelinha na boca do fogatildeo cuja tampa era coberta com brasa

Por outro lado a teacutecnica de defumaccedilatildeo da linguiccedila caseira ainda eacute desenvolvida pelos

proprietaacuterios do bar que a comercializam tendo sido um dos pratos servidos nesta

ediccedilatildeo do Festival

227

A analogia entre a categoria roccedila e ldquoMinas Geraisrdquo jaacute foi destacada quanto agraves

caracteriacutesticas da comida tanto neste capiacutetulo quanto no capiacutetulo 3 No entanto natildeo se

pode deixar de reforccedilar a associaccedilatildeo entre a comida mineira a comida caseira e a

comida da roccedila estabelecida sobretudo pelas cozinheiras ou chefs dos restaurantes em

Gonccedilalves Jaacute se detalhou as caracteriacutesticas dessa comida mineira anteriormente e natildeo

seraacute necessaacuterio repeti-lo neste momento Mas a associaccedilatildeo entre roccedila e cultura mineira

ia aleacutem da comida sendo apontada em Gonccedilalves com algumas particularidades A

primeira delas foi que a cultura mineira era pensada ressaltada e valorizada como um

atrativo turiacutestico sobretudo em relaccedilatildeo a Satildeo Paulo Aleacutem de a cidade estar muito

proacutexima ao Estado paulista tendo como um dos seus polos de influecircncia municiacutepios

como Campos do Jordatildeo Satildeo Joseacute dos Campos e a proacutepria capital do Estado de Satildeo

Paulo os entrevistados foram unacircnimes em afirmar que a grande maioria dos turistas

era proveniente desses locais Assim o contraponto ficava por conta da comparaccedilatildeo

entre o modo de vida em uma cidade de pequeno porte ou mesmo rural como

Gonccedilalves e em um grande centro urbano

Mas a comparaccedilatildeo tambeacutem ficava por conta dos realces agraves caracteriacutesticas do que

se convencionou chamar de ldquomineiridaderdquo como a hospitalidade e a simplicidade Em

Gonccedilalves os limites de tais caracteriacutesticas do que seria essa cultura mineira

especialmente vivenciada no campo ou nas pequenas cidades do interior se imiscuiacuteam

no que poderia se chamar de cultura rural ou ainda do que se tem proposto ateacute aqui de

roccedila Em segundo lugar sublinha-se que a caracteriacutestica do ldquoser mineirordquo era mais

notada pelo ponto de vista dos ldquonovos residentesrdquo especialmente vindos de Satildeo Paulo

como revela o seguinte depoimento

[] mas eu acho isso um valor Se algueacutem falar que eu sou da roccedila ndash eu jaacute ldquomineireirdquo o suficiente neacute ndash porque pra mim Minas eacute roccedila Do triacircngulo que eacute Rio Satildeo Paulo e Minas [] os dois Rio e Satildeo Paulo satildeo muito ligados ao urbano Minas eacute o interior eacute pra dentro natildeo tem praia natildeo tem litoral ele eacute roccedila Mas eacute muito legal ser roccedila [] mas por isso que tem que ter o valor em si natildeo vamos nos transformar numa Finlacircndia neacute Finlacircndia brasileira Suiacuteccedila brasileira Gente Noacutes somos roccedila noacutes somos mineiros isso eacute um valor Vamos ser Minas Venha para Minas Minas eacute isso aqui oh (Proprietaacuteria de estabelecimento de produtos alimentiacutecios Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Nesse depoimento a sinoniacutemia era entre Minas Gerais roccedila e rural aleacutem das

referecircncias ao interior e ldquopra dentrordquo A identificaccedilatildeo entre Minas Gerais e a

228

ldquoruralizaccedilatildeordquo jaacute foi discutida num outro momento segundo Abdala (2006) e

Vasconcellos (1981) mas conveacutem ainda destacar uma percepccedilatildeo jaacute notada entre os

respondentes em Belo Horizonte a respeito do interior Aqui como laacute o interior

utilizado no discurso dos entrevistados fazia menccedilatildeo natildeo soacute agrave caracteriacutestica espacial em

contraponto ao litoral por exemplo mas tambeacutem agrave subjetividade e agrave introspecccedilatildeo

complementado pela expressatildeo ldquopra dentrordquo

Por outro lado a associaccedilatildeo entre a categoria roccedila e a cultura mineira tambeacutem

era comentada fazendo-se menccedilotildees agrave categoria ldquocaipirardquo particularmente tambeacutem a

partir do ponto de vista dos ldquonovos residentesrdquo O termo ldquocaipirardquo nesse sentido

tambeacutem era utilizado para se ressaltar a simplicidade e a hospitalidade destacando-se

portanto como um valor sem a conotaccedilatildeo pejorativa com que o vocaacutebulo poderia ser

usado Curiosamente tais ldquonovos residentesrdquo que ressaltavam essa caracteriacutestica para o

termo roccedila eram de Satildeo Paulo Estado na concepccedilatildeo de Ribeiro (2006) e Candido

(2010) onde teria sido gestada a cultura caipira Nesse caso a percepccedilatildeo da cultura da

roccedila enquanto uma cultura caipira natildeo oporia Minas Gerais e Satildeo Paulo embora ainda

permita a contraposiccedilatildeo desta cultura ao modo de vida tiacutepico da capital paulista ou dos

grandes centros urbanos

Assim como jaacute foi ressaltado anteriormente alguns aspectos da roccedila como

sinocircnimo de ldquoruralrdquo eram evidenciados em Gonccedilalves em consonacircncia com a discussatildeo

da ldquotradiccedilatildeordquo do autecircntico cuja imagem aleacutem do carro de boi orgulhosamente

apontado pela populaccedilatildeo local como uma atraccedilatildeo turiacutestica era o fogatildeo a lenha e os

sentidos que evocava sendo inclusive o elemento central dos restaurantes da roccedila

onde se fazia e se servia a comida Nesse sentido uma das ex-conselheiras de Turismo

ressalta como a cultura da roccedila permeava a gastronomia e assim era considerada na

elaboraccedilatildeo do Festival o modo de fazer seus utensiacutelios e ingredientes Os restaurantes

da roccedila eram assim incentivados a reproduzir o modo de fazer tiacutepico cotidiano os

ingredientes do quintal o fogatildeo a lenha a panela de ferro a colher de pau Outro

aspecto ressaltado durante a observaccedilatildeo participante e que de alguma forma se

confunde entre o ldquoruralrdquo e o ldquotradicionalrdquo por ser um hiacutebrido entre representaccedilotildees

trabalho rural e modo de vida seriam as galinhas soltas pelo quintal os bezerros a

ordenha das vacas e a criaccedilatildeo de porcos aleacutem de animais de estimaccedilatildeo como gatos e

cachorros Este uacuteltimo aspecto era revelado de forma difundida mas ressaltado

especialmente pelos ldquonovos residentesrdquo e ldquoregressosrdquo Estes narravam o cuidado com os

229

animais como uma forma de destacar sua opccedilatildeo pela mudanccedila de vida e a vida na roccedila

como sendo a eleita

Eacute mudar mesmo a vida ter uma vida mais simples uma vida mais tranquila sabe Hoje eu tenho galinha tenho pintinho tenho galo a minha vida hoje eacute assim eu acordo tenho que pocircr quirera pra galinha eu converso com os meus galos entendeu [risos] eacute uma deliacutecia (Proprietaacuteria de loja de decoraccedilatildeoartesanato Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Eu moro ali Crio galinha pintinho agora tem porco tenho gato tenho cachorro Meu pai tem vaca tem cavalo tem bezerro Entatildeo a gente vive uma vida bem roccedila mesmo bem gostoso (Proprietaacuteria de loja de artesanato Gonccedilalves setembro de 2014) Aiacute eu fui morar a um quilocircmetro e meio pertiacutessimo daacute pra vir a peacute mas eacute o suficiente do outro lado do morro pra eu ficar tranquila E eu moro numa chacrinha entatildeo tem cachorro no quintal gato plantei as aacutervores todas entatildeo agraves vezes eu preciso ficar em casa quieta um pouco andar no quintal ver plantas e tal sabe uma coisa assim (Proprietaacuteria de estabelecimento de produto alimentiacutecio Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Enquanto a ldquonostalgiardquo foi identificada principalmente relacionada agrave ldquotradiccedilatildeordquo

na visatildeo dos ldquoantigos residentesrdquo o ldquoromantismordquo tendia a permear o discurso dos

ldquonovos residentesrdquo a respeito das condiccedilotildees de vida tiacutepicas da cultura ldquoruralrdquo

especialmente a sociabilidade a simplicidade o interconhecimento e a relaccedilatildeo mais

proacutexima agrave ldquonaturezardquo Esta categoria tambeacutem compunha os aspectos da roccedila em

Gonccedilalves mas foi menos acionada nos discursos dos entrevistados Obviamente a

ldquonaturezardquo era exaltada quanto aos atrativos naturais disponiacuteveis agrave apreciaccedilatildeo turiacutestica

como as cachoeiras e picos e mais genericamente a fauna a flora e o clima frio e se

traduzia nas atividades turiacutesticas ali desenvolvidas como o ecoturismo o turismo de

aventura e o birdwatching Em certa medida tambeacutem era ao ambiente natural que se

referiam os entrevistados quando associavam a roccedila agrave ldquotranquilidaderdquo ldquopazrdquo ldquosossegordquo

embora tais atributos tambeacutem fossem utilizados para contrapor o modo de vida em

Gonccedilalves agraves vicissitudes da vida urbana como a violecircncia o tracircnsito a poluiccedilatildeo o

barulho e o estresse O desenvolvimento da agricultura orgacircnica e a constituiccedilatildeo da

Aacuterea de Proteccedilatildeo Ambiental Fernatildeo Dias englobando todo o territoacuterio de Gonccedilalves e

induzindo as mudanccedilas no modelo agropecuaacuterio ateacute entatildeo desenvolvido certamente tecircm

ampliado o discurso a respeito da ldquonaturezardquo entre os moradores e frequentadores de

Gonccedilalves Nesse sentido muitos percebiam a roccedila como a oportunidade de consumir

230

alimentos frescos saudaacuteveis sendo possiacutevel dominar a informaccedilatildeo natildeo soacute sobre sua

origem mas tambeacutem conhecer como eram cultivados experimentando efetivamente o

encurtamento da cadeia produtiva seja plantando para o autoconsumo seja comprando

diretamente do produtor na feira seja visitando a propriedade de agricultura orgacircnica

para colher pessoalmente os alimentos Estes fatos tambeacutem puderam ser notados no

texto de apresentaccedilatildeo do Guia Gastronocircmico que reafirmava que o ldquoo ovo vem da

galinhardquo e o ldquoleite da vacardquo reestabelecendo formas de conviacutevio na relaccedilatildeo entre o

homem e a natureza notaacuteveis nas declaraccedilotildees de alguns entrevistados sobre ldquoacordar

com os passarinhos cantandordquo e ldquotomar aacutegua da minardquo

Conforme jaacute se elucidou no iniacutecio desta seccedilatildeo as categorias de usos e

significados do termo roccedila mais evidentes em Gonccedilalves foram o ldquocampordquo o ldquoruralrdquo e

a roccedila ldquoestilizadardquo embora todas as outras categorias tambeacutem tenham sido

identificadas com maior ou menor intensidade Por parte de alguns

produtoresdistribuidores ldquonovos residentesrdquo em Gonccedilalves havia o reconhecimento

de terem desenvolvido a oferta de produtos e ou serviccedilos que embora tivessem tido

uma inspiraccedilatildeo na cultura da roccedila possuiacuteam um conceito esteacutetico eou funcional de

inspiraccedilatildeo urbana e moderna Isso se daria por um lado obviamente pela proacutepria

cultura do proprietaacuterio do estabelecimento que vindo de uma vivecircncia urbana trazia

esses aspectos para o serviccedilo ou produto ofertado mas tambeacutem por haver uma

compreensatildeo a respeito de algumas preferecircncias do puacuteblico consumidor formado

majoritariamente pelos turistas de renda alta originaacuterios da capital de Satildeo Paulo

Embora natildeo se tenha evidecircncias objetivas para comprovar o componente de

classe entre os consumidores de produtos e serviccedilos da roccedila tanto entre os turistas de

Gonccedilalves quanto entre os frequentadores do Mercado Central todos os produtores e

distribuidores entrevistados ou que responderam aos questionaacuterios inclusive online

apontaram de forma majoritaacuteria para o puacuteblico de alta renda como sua principal

clientela Nesse sentido se os produtos e serviccedilos da roccedila podem ser identificados aos

produtos artesanais e alimentares tradicionais relatados por Wilkinson e Mior (1999)

estes autores indicam que estes produtos se enquadram em mercados de nicho dentro

dos quais recebem um preccedilo-precircmio Os entrevistados tambeacutem apontaram o acesso da

classe meacutedia a estes produtos sem caracterizaacute-la contudo como seu principal puacuteblico

consumidor Nesse sentido destacavam a participaccedilatildeo da classe meacutedia nesse mercado

231

consumidor pela via da ascensatildeo e das novas oportunidades de consumo conforme as

discussotildees de Neacuteri (2012) e Pochmann (2012) jaacute comentadas anteriormente

Nesse ensejo ressalta-se que para alguns dos produtoresdistribuidores ldquonovos

residentesrdquo em Gonccedilalves seus produtos ou serviccedilos ofertados eram assumidamente

ldquoestilizadosrdquo entendendo-se tal atributo no sentido apontado por Bourdieu (2013) de

que haveria uma prevalecircncia da esteacutetica da forma da apreciaccedilatildeo e da fruiccedilatildeo em

detrimento ao conteuacutedo e funccedilatildeo em que o componente do ldquogostordquo evidenciaria o

processo de distinccedilatildeo A ldquoestilizaccedilatildeordquo dos produtos e serviccedilos era sugerida por meio de

diferentes expressotildees como ldquosofisticaccedilatildeordquo e glamour conforme os seguintes relatos

ldquoEu quero ter um produto elaborado que vocecirc possa usar na roccedila [] com cara de roccedila

mas com um glamour a maisrdquo (ldquoNova residenterdquo proprietaacuteria de loja de decoraccedilatildeo) que

versa sobre os seus produtos e adiante sobre o serviccedilo do restaurante

A minha comida eu chamo de rural eacute uma comida da roccedila mas uma comida um pouco mais sofisticada Entatildeo eu uso vinhos umas coisas assim [] Entatildeo eu procuro eu soacute natildeo uso frango caipira mas tudo que eles usam eacute a abobrinha por exemplo eu procuro fazer do jeito deles mas com um toque meu Eu pego os ingredientes que eles usam e dou uma modificada aprimoro um pouco mais (Proprietaacuteria de restaurantechef Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

A ressignificaccedilatildeo da roccedila daquilo que pode ser identificado como ldquoruralrdquo e

ldquotradicionalrdquo era bastante evidente em Gonccedilalves e pode ser constatada pela descriccedilatildeo

do cenaacuterio urbano e dos serviccedilos especialmente ofertados ao setor de turismo A

reelaboraccedilatildeo dos significados de roccedila se por um lado pode ser interpretada como um

processo de apropriaccedilatildeo cultural industrial que poderia massificar e padronizar tem na

verdade como resultado produtos e serviccedilos com muacuteltiplas referecircncias que vatildeo desde

o tradicional e tiacutepico agraves vezes artesanal e por isso raro e exclusivo ao natural versado

no discurso ambiental passando pela fronteira do globalizado como bem o descreveu

uma entrevistada

Quando eu falo que Gonccedilalves eacute um desafio e Gonccedilalves eacute uma questatildeo bem particular eacute porque em Gonccedilalves a gente vivencia a roccedila e eacute claro com essa expressatildeo do verde do harmonioso sim Em relaccedilatildeo ao povo existe a simplicidade existe isso mas existe uma dinacircmica sabe Em Gonccedilalves a gente natildeo separa muito esse meio eu acho que existe uma integraccedilatildeo Se vocecirc vai buscar na cidade a cidade tem a expressatildeo da roccedila se vocecirc vem buscar no meio rural o

232

meio rural tem a expressatildeo da roccedila Entatildeo Gonccedilalves tem um encontro com tudo isso que eu coloquei mais uma autonomia uma abertura de visatildeo e de um grande encontro com o que vem de fora Entatildeo eu acho que existe em Gonccedilalves uma roccedila ldquoantenadardquo ldquoAntenadardquo no sentido de que estaacute mais ligada mais conectada com o urbano um pouco Eacute uma roccedila diferenciada Com todas as caracteriacutesticas mas com um a mais com uma visatildeo a mais por participar de um movimento diferente a roccedila eacute mesclada todo mundo que veio do meio urbano estaacute no meio rural o meio rural vai para o urbano volta entatildeo existe uma troca muito grande eacute um lugar diferenciado (Artesatilde Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

A articulaccedilatildeo entre o local e o global jaacute referenciada por Entrena-Duraacuten (2012)

a respeito das transformaccedilotildees do imaginaacuterio rural na Espanha pode ser percebida em

Gonccedilalves por meio da categoria roccedila nos seus usos e significados mais expressivos o

ldquocampordquo o ldquoruralrdquo e o ldquoestilizadordquo A valorizaccedilatildeo da vida simples da natureza e do

rural seria nesse caso um contraponto agrave perspectiva do aclamado estilo country no

Brasil que segundo Alem (1996) e De Paula (1998 1999 e 2001) seriam marcados

pela ldquoestilizaccedilatildeordquo do rural por meio da constituiccedilatildeo de uma rede simboacutelica do rural pela

elite dominante e pelos mecanismos de distinccedilatildeo e estetizaccedilatildeo do rural ao contraacuterio do

country americano onde os princiacutepios norteadores estariam no trabalho e na

simplicidade A roccedila nesse sentido parece ter sucedido ao discurso dominante da

esteacutetica country brasileira cujo auge pode-se identificar nos anos 1990 embora seja

consolidado e ainda reine no circuito campo-cidade identificado pelos autores A

categoria roccedila ao que tudo indica conquanto possa se expressar como um simulacro da

realidade rural estetizada e ldquoestilizadardquo tambeacutem articula noccedilotildees vinculadas a uma

tradiccedilatildeo do rural identificada com a agricultura camponesa por um lado ao mesmo

tempo em que serve de ponte para o discurso ambiental e sua preocupaccedilatildeo com a

natureza

Mas tambeacutem haacute que se notar que o jogo entre o local e o global expresso na

roccedila ldquoestilizadardquo tambeacutem ocorre por meio de um processo de diferenciaccedilatildeo social a

partir de uma possiacutevel ldquogentrificaccedilatildeo do ruralrdquo (BATALLER 2012) em curso em

Gonccedilalves como em vaacuterios outros lugares no campo no Brasil e em outros paiacuteses que

introduzem na perspectiva local a noccedilatildeo do ldquogostordquo e portanto da distinccedilatildeo por meio

da oferta de serviccedilos especializados e direcionados para estratos de classe Os proacuteprios

fatores indutores dessa mudanccedila em Gonccedilalves como o turismo o lazer e as

preocupaccedilotildees ambientais se constituiacuteam em discursos construiacutedos a partir de uma

233

perspectiva urbana e burguesa como bem o assinalou Rambaud (1973) para o caso

francecircs

Assim a categoria da roccedila ldquoestilizadardquo como marca de produtos e serviccedilos no

Brasil com uma tendecircncia crescente identificada na pesquisa de solicitaccedilotildees de registro

no INPI apoacutes os anos 1990 ou representada em diferentes estabelecimentos localizados

em Gonccedilalves pode ser um indiacutecio de um simulacro do real (ENTRENA-DURAacuteN

2012) de um simples processo de ldquodesencaixerdquo (GIDDENS 1991) ou mais um caso de

apropriaccedilatildeo da autenticidade das culturas locais pela induacutestria cultural Mas tambeacutem

parece refletir processos mais complexos relacionados com a fragmentaccedilatildeo dos

contextos sociais a produccedilatildeo de identificadores fluidos e descentrados articulando

aspectos de tradiccedilatildeo e localidade produccedilatildeo artesanal e familiar e ldquogentrificaccedilatildeo ruralrdquo

por outro Reflete ao mesmo tempo a busca por raiacutezes origem e autenticidade o

cruzamento de fronteiras sociais demarcatoacuterias e a reelaboraccedilatildeo de novas distinccedilotildees

junto a novas possibilidades de modos de vida mais simples para uns com

oportunidades de ocupaccedilatildeo e renda para outros

Outro aspecto evidenciado pelas entrevistas realizadas em Gonccedilalves relaciona-

se diretamente agraves hipoacuteteses que orientaram esta pesquisa Alguns depoimentos

mencionaram como num passado ainda recente os entrevistados naturais de Gonccedilalves

identificavam no termo roccedila um uso pejorativo que tinha como intuito inferiorizaacute-los

havendo inclusive um processo de identificaccedilatildeo e incorporaccedilatildeo desse processo de

diferenciaccedilatildeo Entretanto esses entrevistados tambeacutem apontam para um processo de

reversatildeo no uso e significado do termo a partir das transformaccedilotildees pelas quais passou a

cidade e o campo de Gonccedilalves e o imaginaacuterio que teria tambeacutem se modificado a partir

de identificaccedilatildeo de novos valores em curso Algumas das entrevistadas que declararam

ter vivido tais experiecircncias satildeo ldquoregressasrdquo ou seja residiram em outras cidades

Estados e paiacuteses para estudar ou trabalhar mas retornaram agrave Gonccedilalves e se

estabeleceram em novas ocupaccedilotildees no municiacutepio Outra entrevistada caracterizou-se

como ldquoantiga residenterdquo mas relata tais mudanccedilas a partir das novas oportunidades que

se abriram a ela e agrave famiacutelia com o turismo rural

Basicamente as declaraccedilotildees dessas entrevistas mencionavam a vergonha em

ldquoser da roccedilardquo ou ldquoser de Gonccedilalvesrdquo que teria dado lugar nos uacuteltimos anos ao

ldquoorgulhordquo das ldquocoisas da roccedilardquo e de pertencer agravequele local tendo-o escolhido como um

234

lugar para viver ao contraacuterio das decisotildees tomadas anos atraacutes de migrar Alguns desses

relatos podem ser conferidos a seguir

Era um preconceito na verdade Se vocecirc morasse na roccedila vocecirc era um caipira era um ningueacutem E hoje natildeo hoje essa histoacuteria estaacute mudando Principalmente as pessoas de Satildeo Paulo que moram em preacutedios luxuosos trabalham em empresas eles vecircm para o nosso lugar que eacute simples humilde eles se sentem no lugar mais lindo do mundo Como o nosso lugar eacute valorizado neacute Pedem pra deixar a natureza mais ruacutestico a comida tambeacutem feijatildeozinho com couve torresminho carne de lata Entatildeo a forma que a gente foi criada aqui a gente trouxe para o restaurante entendeu O que a gente comia quando a vovoacute fazia a mamatildee A gente cresceu nessa vida entatildeo vamos apresentar como a gente foi criada E o pessoal ama a comidinha Eacute simples humilde mas as pessoas se deliciam na comida (Proprietaacuteria de restaurante Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Eu me lembro perfeitamente quando a cidade era totalmente rural vivia da agricultura e da pecuaacuteria A gente natildeo tinha opccedilatildeo de comeacutercio praticamente nenhuma [] quando a gente falava roccedila antigamente a gente via como uma coisa pejorativa [] Quando a gente ia estudar em Paraisoacutepolis num coleacutegio particular os alunos de Gonccedilalves sempre tinham boas notas mas era ldquoo pessoal da roccedilardquo porque na eacutepoca era estrada de terra natildeo tinha celular natildeo tinha internet Entatildeo era assim bem limitado [] Entatildeo eu acho que a cidade mudou do dia pra noite mas manteve essa identidade rural essa identidade da roccedila Hoje eu vejo que pra minha geraccedilatildeo e pras geraccedilotildees mais antigas eacute motivo de orgulho falar que vocecirc mora em Gonccedilalves que a sua cultura eacute da roccedila e que vocecirc gosta de andar a cavalo nos finais de semana que vocecirc comia comida soacute de fogatildeo a lenha [] Entatildeo dentro de dez quinze anos Gonccedilalves se transformou mas natildeo perdeu a identidade eu acho que na verdade fortaleceu essa identidade rural porque ela era vista apenas como uma coisa pejorativa e hoje natildeo hoje ela eacute motivo de orgulho pra todo mundo neacute falar que eacute nascido e criado na roccedila (Ex-diretora de Turismo Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

Ainda que essas declaraccedilotildees expliacutecitas sobre as mudanccedilas no campo valorativo

em torno do termo roccedila e do que ele representava e representa natildeo tenham sido tatildeo

frequentes a opccedilatildeo por morar em Gonccedilalves no campo fazia parte da histoacuteria da

maioria dos entrevistados Os ldquoregressosrdquo mencionavam a opccedilatildeo de recomeccedilar a vida

em Gonccedilalves juntamente com a famiacutelia que ainda residia ali apoacutes experiecircncias mais

ou menos longas de viver em outros lugares para estudar trabalhar ou mesmo constituir

um nuacutecleo familiar Entre os ldquonovos residentesrdquo a mudanccedila para o campo em

Gonccedilalves representava natildeo soacute outro lugar para viver e trabalhar mas a ruptura com um

235

modo de vida urbano e moderno e a reconstruccedilatildeo de novos laccedilos sociais e o

aprendizado de outro modo de vida considerado por eles como simples calcado em

outros princiacutepios Tais casos tornaram-se bastante elucidativos da proposiccedilatildeo de um

processo de revalorizaccedilatildeo do rural sob algumas facetas representado pelas

ressignificaccedilotildees que adquire o termo roccedila nas uacuteltimas duas deacutecadas pelo menos

Entre os ldquonovos residentesrdquo a histoacuteria que permeava a decisatildeo de abandonar a

carreira profissional os laccedilos sociais e a vida material constituiacuteda na capital de Satildeo

Paulo e se mudar para o campo de Gonccedilalves e reconstruir as condiccedilotildees de vida com

um novo projeto de vida calcado em valores diferentes e em outro modelo de sociedade

era muito parecida Os ldquonovos residentesrdquo entrevistados tinham um perfil similar numa

faixa etaacuteria entre os quarenta e os sessenta anos de idade viveram praticamente a vida

toda na capital de Satildeo Paulo onde constituiacuteram famiacutelia e se dedicaram a carreiras em

profissotildees natildeo agriacutecolas Muitos relataram uma histoacuteria parecida de estarem viajando a

passeio por cidades da regiatildeo de Gonccedilalves terem ido a esta cidade apenas para

conhecer almoccedilar num restaurante numa passagem raacutepida mas terem se encantado e se

sentirem tocados pelo modo de vida e pelo lugar de tal forma que jaacute saiacuteram de laacute com

uma casa alugada para passar finais de semana e temporadas Apoacutes um ou dois anos de

temporadas de feacuterias feriados e fins de semana em Gonccedilalves mudaram-se

definitivamente de cidade de profissatildeo e de modo de vida

Outros ldquonovos residentesrdquo jaacute conheciam Gonccedilalves costumavam visitar ou

tinham viacutenculos sociais com amigos e parentes e decidiram se mudar para laacute apoacutes o

encerramento de um ciclo de vida como a aposentadoria a conclusatildeo de um curso a

mudanccedila de emprego ou transformaccedilotildees na vida pessoal como a separaccedilatildeo de um

casamento ou a partida de um filho por exemplo Nesse sentido a mudanccedila de

ocupaccedilatildeo profissional eacute providenciada aproveitando-se o arranjo produtivo local como

a agricultura orgacircnica o turismo a gastronomia o artesanato ou o comeacutercio de apoio ao

turismo A expansatildeo do turismo em Gonccedilalves na uacuteltima deacutecada tambeacutem abriu novos

postos de trabalho em setores bastante especializados como a gastronomia por

exemplo tendo se tornado tambeacutem um atrativo para jovens profissionais que se dirigem

agrave cidade motivados pelas oportunidades de emprego

Essa revalorizaccedilatildeo da roccedila observada em Gonccedilalves passa por uma criacutetica ao

modelo de civilizaccedilatildeo urbana da metroacutepole especialmente entre os ldquonovos residentesrdquo

vindos da capital de Satildeo Paulo conforme constatou Silva G (2009) Estes ldquonovos

236

residentesrdquo em Gonccedilalves destacaram o jogo de valores que envolve o julgamento de

familiares e amigos a respeito de sua mudanccedila de vida Enquanto alguns criticariam a

mudanccedila de vida sob o espectro da coragem em viver sob um novo modo de vida

outros revelariam um desejo de vivenciar esta transformaccedilatildeo na proacutepria vida Segundo

uma entrevistada estas questotildees morais tambeacutem satildeo percebidas entre os turistas e

clientes que deixam entrever as reflexotildees a respeito do modelo de sociedade que se

escolhe viver conforme os seguintes relatos

Esse puacuteblico de niacutevel de renda ldquoArdquo que mora em Satildeo Paulo em Campinas enfim eles natildeo aguentam mais Eles vecircm em busca dessa vida de roccedila por incriacutevel que pareccedila eles necessitam ir para Nova Iorque necessitam ir para Miami necessitam ter o carro top de linha mas eu acho que no fundo sabe Entatildeo eu vejo que esse puacuteblico sente falta dessa vida simples da roccedila porque eacute uma vida muito simples eacute muito simples Eu percebo isso todo mundo fala assim pra mim ldquoNossa como vocecirc eacute corajosa vocecirc largou tudo em Satildeo Paulordquo ldquoLarguei tudo em Satildeo Paulo Natildeo volto pra Satildeo Paulordquo ldquoNossa que vontaderdquo Entatildeo por mais que a pessoa ela sente falta dessa vida mais simples Eu percebo isso tanto em restaurantes quanto na loja (Proprietaacuteria de loja de decoraccedilatildeo Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

As reflexotildees que os ldquonovos residentesrdquo propotildeem a respeito da comparaccedilatildeo entre

os modos de vida rural e urbano tendiam a ser traduzidas pela expressatildeo simplicidade

cuja imagem siacutembolo se ligava agrave hospitalidade na forma de receber as visitas pela casa

aberta sem cerimocircnias pela oferta de um cafeacute e um lanche e pela perspectiva de se

sentar agrave mesa e conversar As seguintes passagens ilustram essas representaccedilotildees

Eu gosto desse fato de ter a casa que pode chegar qualquer pessoa se sentar e tomar um cafeacute sabe [] Eu percebo isso eu vou pra Satildeo Paulo encontrar com algum amigo eu tenho que ligar marcar deixar tudo agendado natildeo daacute pra improvisar nada Na roccedila daacute Na roccedila vocecirc chega vai ter um cafeacute pra vocecirc com broa com queijo (Proprietaacuteria de estabelecimento de produtos alimentares Gonccedilalves-MG setembro de 2014) Roccedila Simplicidade total Eacute aconchego sabe As pessoas da roccedila te acolhem sabe Eacute aconchego Agraves vezes eu pego o meu carro e vou passear para o outro lado dali e eu vejo umas casas muito antigas eu adoro entrar tomar um cafeacute ldquoentra vem tomar um cafeacute a gente fez uma broardquo Eacute bem isso como eu nasci e cresci em Satildeo Paulo natildeo tem isso em Satildeo Paulo Entatildeo eu acho que a roccedila eacute isso eacute simplicidade eacute aconchego eacute acolhedor eacute amor eacute amor Vocecirc natildeo vecirc

237

esse amor em Satildeo Paulo natildeo vecirc na cidade grande (Proprietaacuteria de loja de decoraccedilatildeo Gonccedilalves-MG setembro de 2014)

A simplicidade com uma conotaccedilatildeo positiva foi uma representaccedilatildeo acionada

em relaccedilatildeo ao modo de vida proacuteprio do rural como uma imagem que definiria o que era

roccedila para alguns entrevistadosrespondentes No proacuteximo capiacutetulo os usos e

significados do termo roccedila seratildeo examinados de forma mais detida a partir da

submissatildeo dos dados colhidos em campo no Mercado Central de Belo Horizonte e em

Gonccedilalves e no seu Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila agrave anaacutelise estatiacutestica

textual com o uso do software Alceste e agrave codificaccedilatildeo com o uso do software NVivo

238

5 O QUE SIGNIFICA ROCcedilA AFINAL

Este trabalho se propocircs a investigar os usos e significados do termo roccedila no

Brasil e para isso empreendeu-se uma anaacutelise histoacuterica das formas como o vocaacutebulo

tem sido usado em diferentes contextos sociais O exame de alguns trabalhos

acadecircmicos e de textos claacutessicos do pensamento social brasileiro demonstrou a

aplicaccedilatildeo da categoria roccedila ao longo da formaccedilatildeo histoacuterica brasileira para se referir agrave

produccedilatildeo de alimentos voltada para o abastecimento local especialmente de espeacutecies

como o milho o feijatildeo e a mandioca A roccedila apresentava-se entatildeo associada agrave lavoura

de pequena produccedilatildeo voltada para o autoconsumo e o suprimento de comunidades

locais Neste sentido roccedila aparecia atrelada agraves pequenas propriedades e ao trabalho

familiar de agricultores e camponeses

Com a expansatildeo do mercado de bens e serviccedilos a partir de 1960 e mais

intensamente a partir de 1980 o termo roccedila passou a ser utilizado como marca Este

fenocircmeno foi analisado nesta pesquisa para se buscar identificar indiacutecios a respeito da

reproduccedilatildeo dos seus usos e sentidos pregressos ou a sua provaacutevel ressignificaccedilatildeo do

vocaacutebulo Tal ressignificaccedilatildeo conforme a hipoacutetese de investigaccedilatildeo passaria por uma

inversatildeo de valores a respeito dos usos e significados do termo roccedila que antes

denotavam processos de diferenciaccedilatildeo social especialmente entre as culturas urbana e

rural e que nas uacuteltimas duas a trecircs deacutecadas ganhou sinais de uma valorizaccedilatildeo

Ateacute o momento analisou-se assim os usos e significados da categoria roccedila no

mercado de bens e serviccedilos dando ecircnfase aos processos simboacutelicos atribuiacutedos agraves marcas

pelos seus produtores distribuidores e consumidores Pocircde-se evidenciar tambeacutem um

conjunto de nuances que permeava os espaccedilos de produccedilatildeo circulaccedilatildeo e consumo de

produtos serviccedilos e significados da roccedila a partir dos eventos escolhidos para a anaacutelise

o Mercado Central em Belo Horizonte e o Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila

em Gonccedilalves Nas paacuteginas seguintes a anaacutelise se voltaraacute de forma mais detida para os

significados da categoria roccedila a partir das declaraccedilotildees dos setenta indiviacuteduos abordados

nas entrevistas e na aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios a produtores distribuidores e

consumidores no Mercado Central de Belo Horizonte no 4ordm Festival de Gastronomia e

Cultura da Roccedila de Gonccedilalves e online Para auxiliar na sintetizaccedilatildeo e inferecircncia desses

significados utilizou-se dois softwares de anaacutelise de dados qualitativos o Alceste e o

NVivo por meio das teacutecnicas de anaacutelise estatiacutestica textual e codificaccedilatildeo

239

51 Procedimentos metodoloacutegicos e anaacutelise das respostas das entrevistas e

questionaacuterios com o uso do software Alceste

Utilizou-se o software Alceste (Analyse Lexicale par Contexte drsquoun Ensemble de

Segments de Texte25) para analisar as respostas dos entrevistados e respondentes do

questionaacuterio sobre a pergunta ldquoO que significa roccedila para vocecircrdquo O Alceste auxilia na

ldquobusca da intencionalidade comunicativa e da organizaccedilatildeo cultural e social dos

significados advindos da linguagem e da comunicaccedilatildeo socialrdquo segundo Saraiva et al

(2011) demonstrando-se portanto uma ferramenta uacutetil na tentativa de atender aos

objetivos propostos nesta pesquisa De acordo com Saraiva et al (2011) o Alceste eacute um

software comercial concebido por Reinert (1993) desenvolvido pela IMAGE numa

parceria entre o CNRS (Centro Nacional Francecircs de Pesquisa Cientiacutefica) e a ANVAR

(Agecircncia Nacional Francesa de Valorizaccedilatildeo agrave Pesquisa)

Baseado em metodologias de anaacutelise de conteuacutedo o Alceste efetua uma

classificaccedilatildeo estatiacutestica dos enunciados simples dos textos por meio da distribuiccedilatildeo do

vocabulaacuterio Conforme descreve o proacuteprio manual de utilizaccedilatildeo do software o Alceste

quantifica o texto e extrai suas estruturas mais significativas baseado no fato de que

segundo o seu desenvolvedor a distribuiccedilatildeo das palavras em um texto natildeo ocorreria de

forma aleatoacuteria (IMAGE 1998) A anaacutelise do corpus textual feita pelo Alceste eacute

realizada em quatro etapas De acordo com a descriccedilatildeo de Saraiva et al (2011 p 73-

74) na primeira etapa o programa faz uma leitura do texto e calcula o dicionaacuterio ou

seja faz uma indexaccedilatildeo do vocabulaacuterio agrupando-o de acordo com os seus radicais

transformando-o em formas reduzidas e calculando a sua frequecircncia Apoacutes esse

reconhecimento do que ele denomina de unidades de contexto iniciais (UCI) o

programa fragmenta o texto em segmentos de tamanho similar que satildeo as unidades de

contexto elementares (UCE) A segunda etapa consiste na classificaccedilatildeo hieraacuterquica

descendente em que as UCErsquos satildeo divididas em classes de acordo com a frequecircncia do

vocabulaacuterio das formas reduzidas atraveacutes do teste do ldquoquiquadradordquo Em seguida o

programa apresenta a descriccedilatildeo das classes de UCErsquos escolhidas permitindo identificar

seu vocabulaacuterio e as variaacuteveis separadas pela anaacutelise fatorial de correspondecircncia Por

fim apresenta as UCErsquos mais representativas de cada classe e permite que os dados 25 Anaacutelise Lexical Contextual de um Conjunto de Segmentos de Texto

240

sejam exportados por meio de um relatoacuterio A significacircncia estatiacutestica das palavras

dentro das classes eacute medida pelo qui-quadrado (X2) ao niacutevel de significacircncia de 5 de

acordo com Saraiva et al (2011) A classificaccedilatildeo hieraacuterquica descendente eacute apresentada

num graacutefico em formato de dendograma

O corpus submetido agrave anaacutelise do Alceste neste trabalho foi composto pelas

respostas de todos os interlocutores agrave questatildeo ldquoO que significa roccedila para vocecircrdquo Como

se tratavam de setenta respondentes foi considerada a resposta de cada um para esta

pergunta perfazendo no corpus o total de setenta unidades de contexto inicial (UCI)26

As variaacuteveis utilizadas na linha de comando para cada resposta ou cada unidade de

contexto inicial foram nuacutemero do questionaacuterio a condiccedilatildeo se produtordistribuidor ou

consumidor o local onde ocorreu a entrevista (Belo Horizonte Gonccedilalves ou outra

cidade) o sexo a escolaridade a idade onde o entrevistado vivia (no campo na cidade

em ambos ou natildeo informado) conforme pode ser visualizado no seguinte quadro

QUADRO 10 ndash Variaacuteveis e coacutedigos da linha de comando do corpus

VARIAacuteVEL COacuteDIGOS

Q = nuacutemero do

questionaacuterio

01 a 70

C = condiccedilatildeo Proprietaacuterio = 01 Consumidor = 02

L = local Belo Horizonte = 01 Gonccedilalves = 02 Outra = 03

S = sexo Masculino = 01 Feminino = 02

I = idade 20 a 30 anos = 01 30 a 40 anos = 02 40 a 50 anos = 03

50 a 60 anos = 04 60 a 70 anos = 05 70 a 80 anos = 06

acima de 80 anos = 07

E = escolaridade Analfabeto = 01 Ensino Fundamental Incompleto = 02

Ensino Fundamental Completo = 03 Ensino Meacutedio Incompleto = 04

Ensino Meacutedio Completo = 05 Ensino Superior Incompleto = 06

Ensino Superior Completo = 07 Poacutes-graduaccedilatildeo = 08

V = onde viveu a

maior parte da vida

Campo = 01 Cidade = 02 Ambos = 03 Natildeo informado = 04

Fonte Elaborado por Lidiane Nunes da Silveira

26 A formaccedilatildeo do corpus seguiu as orientaccedilotildees referentes ao seu formato espaccedilamento pontuaccedilotildees e acentuaccedilotildees e uso do vocabulaacuterio (IMAGE 1998)

241

A anaacutelise efetuada por meio do Alceste apresentou como resultado a divisatildeo do

corpus em 97 unidades de contexto elementares (UCE) formadas por 673 palavras

diferentes que reduzidas aos seus radicais resultaram em 60 palavras analisaacuteveis Estas

palavras ocorreram 20 vezes nas 97 UCErsquos o que significa uma meacutedia 537 palavras

analisadas por UCE A anaacutelise reteve 73 do total das UCErsquos do corpus (ou seja

analisou 71 das 97 UCErsquos) que foram classificadas em quatro classes que podem ser

vistas na figura abaixo

Fonte Extraiacutedo do resultado da anaacutelise feita por meio do Alceste por Lidiane Nunes da Silveira

A divisatildeo do corpus em classes ocorreu numa primeira descriminaccedilatildeo entre a

Classe 1 de um lado e as outras classes de outro Esse outro agrupamento de classes

caracterizou-se pela divisatildeo por um lado da Classe 2 e a subdivisatildeo do outro lado

entre as Classes 3 e 4 Isto significa que as atribuiccedilotildees de significado agrave roccedila relacionadas

agrave natureza e romantismo tendem a estar menos associadas agraves outras atribuiccedilotildees de

sentidos que apareceram mais correlacionadas entre si Ou seja na anaacutelise fatorial de

correspondecircncia entre o vocabulaacuterio e as variaacuteveis de cada classe a variacircncia das

Classe 2 17 UCE

24

Classe 3 17 UCE

24

Classe 4 22 UCE

31

Classe 1 15 UCE

21

Interior e Cidades Pequenas

Lavoura Cultura rural Natureza e

Romantismo Palavra Atributo

X2 Palavra Atributo

X2 Palavra Atributo

X2 Palavra Atributo

X2

Pequena 049 Terra 053 Gente 039 NaturalNatureza 059 Cidade 042 Comer 037 Criado 034 Paz 053 Interior 036 Poder 036 Roccedila 034 Produto 046 Rural 036 Plantar 030 Vida 034 Lugar 032 Trabalho 036 Pessoa 032 Galinha 031 Sauacutede 026 Casa 028 Ligada 029 Aconchego 026 Tirar 029 GostoGostar 021 Canto 029 Cafeacute 017 Roccedila 022 Simplicidade 017

FIGURA 83 ndash Dendograma da classificaccedilatildeo hieraacuterquica descendente do corpus

242

variaacuteveis das Classes 2 3 e 4 tendeu a estar mais proacutexima que aquela da Classe 1 o que

pode ser constatado na imagem da Anaacutelise fatorial de correspondecircncia em coordenadas

FIGURA 84 ndash Anaacutelise Fatorial de Correspondecircncia em Coordenadas

Fonte Extraiacutedo do resultado da anaacutelise feita por meio

do Alceste por Lidiane Nunes da Silveira

A Classe 1 ficou composta por 15 UCErsquos que corresponderam a 21 do total de

UCErsquos analisado Esta classe foi intitulada ldquoNatureza e Romantismordquo com base nas

palavras com maior coeficiente de associaccedilatildeo ldquonaturalnaturezardquo ldquoprodutordquo ldquolugarrdquo e

ldquosauacutederdquo e as palavras ldquopazrdquo e ldquoaconchegordquo identificadas com a discussatildeo sobre o

romantismo e a nostalgia que perfazem as representaccedilotildees sobre roccedila discutidas com

base nos aportes teoacutericos Nessa classe de significados percebeu-se que diante da

indagaccedilatildeo do que significava roccedila os entrevistadosrespondentes associaram-na a um

lugar caracterizado pela natureza onde se podia vivenciar sensaccedilotildees como paz

tranquilidade e aconchego e consumir produtos naturais promovendo a sauacutede e o bem-

estar Algumas expressotildees natildeo foram capturadas na anaacutelise mas fazem parte das

representaccedilotildees agrupadas nessa classe relacionadas agrave visatildeo da natureza e da roccedila como

243

um lugar de ar puro e fresco onde era possiacutevel aleacutem da sauacutede encontrar o equiliacutebrio a

serenidade a reflexatildeo a verdade o limpo e a vida Os interlocutores tambeacutem

descreveram a roccedila como o espaccedilo onde se produzia alimentos naturais saudaacuteveis

limpos mas tambeacutem caseiros manuais contrapostos aos produtos industrializados

aleacutem de terem mais sabor e serem mais gostosos Algumas expressotildees desses

significados puderam ser identificadas nas seguintes UCErsquos ldquoaconchego e naturezardquo

ldquoproduto natural caseiro com saborrdquo ldquonatureza ar fresco alimentos saudaacuteveis e vida

saudaacutevelrdquo

Observando-se as variaacuteveis descritivas que caracterizam os

entrevistadosrespondentes percebeu-se que as respostas agrupadas nessa classe foram

produzidas fundamentalmente pelos consumidores especialmente no Mercado Central

em Belo Horizonte embora os produtoresdistribuidores desta cidade bem como os

consumidores no Festival em Gonccedilalves tambeacutem participem dessa classe em menor

proporccedilatildeo Os resultados dessa anaacutelise permitem inferir que em linhas gerais os

consumidores sobretudo em Belo Horizonte associavam a roccedila agrave natureza ao

romantismo e agrave nostalgia para utilizar-se das categorias de significados propostas nesta

pesquisa Nesse sentido pode-se entender que por um lado o processo de significaccedilatildeo

da categoria roccedila pelos consumidores no Mercado Central estava de alguma forma

condicionado pela perspectiva do consumo que orientava a sua accedilatildeo no contexto da

pesquisa centrando o discurso na questatildeo do consumo de produtos alimentares naturais

eou tradicionais considerados artesanais e caseiros e diferenciados dos industriais Mas

natildeo se pode desconsiderar que autores como Anjos e Caldas (2014) Eacuteboli (2007) Elias

(2001) Silva G (2009) Thomas (2010) e Williams (2011) associam os processos de

romantizaccedilatildeo do rural e a perspectiva do ldquorural naturezardquo agraves populaccedilotildees que vivem em

contextos mais urbanizados modernos e industrializados o que corresponde agrave condiccedilatildeo

dos interlocutores de Belo Horizonte

As Classes 2 e 3 apresentaram a mesma quantidade de UCErsquos 17 cada uma o

que corresponde a 24 cada do total de UCErsquos analisadas no corpus A Classe 2 foi

denominada ldquoInterior e cidades pequenasrdquo com base nas palavras de maior coeficiente

de associaccedilatildeo ldquopequenardquo ldquocidaderdquo ldquointeriorrdquo ldquoruralrdquo aleacutem da categoria ldquotrabalhordquo

Essas ideias se inserem no universo de debate sobre o que define os conceitos de rural e

urbano tambeacutem apontados na discussatildeo teoacuterica apresentada nesta pesquisa As

respostas dos interlocutores agrupadas nessa classe tendiam a identificar roccedila com o

244

interior com as cidades de pequeno porte e o trabalho rural Algumas expressotildees de

UCErsquos que ilustravam essa perspectiva na visatildeo dos interlocutores estavam

relacionadas agrave roccedila significar ldquoo interior as cidades pequenas a regiatildeo de Minas

Geraisrdquo ou ainda ldquoroccedila eacute sinocircnimo de interior natildeo necessariamente fazenda ou

trabalho na roccedila mas teve uma criaccedilatildeo uma cultura da roccedila do interiorrdquo

Assim como jaacute foi discutido no capiacutetulo 3 a perspectiva do interior e a

caracterizaccedilatildeo das cidades de pequeno porte ainda tecircm recebido pouca atenccedilatildeo das

pesquisas que se dedicam a estudar o rural e o urbano ao menos no Brasil Os trabalhos

de Veiga (2003) e Wanderley (2009) satildeo uma das poucas exceccedilotildees a esta regra O que

se constata na avaliaccedilatildeo das falas contidas nessa classe eacute uma associaccedilatildeo entre uma

cultura proacutepria ldquoda roccedilardquo relacionada agrave ldquocriaccedilatildeordquo como socializaccedilatildeo dos indiviacuteduos

que vivem no campo na perspectiva dos respondentes Mas na interpretaccedilatildeo dos

entrevistadosrespondentes a ldquocultura da roccedilardquo no entanto se estenderia agraves cidades

ldquopequenasrdquo ldquodo interiorrdquo reproduzindo uma visatildeo que na perspectiva teoacuterica poderia

ser compreendida a partir da diferenciaccedilatildeo entre campo e rural cidade e urbano

conforme Endlich (2010) Rambaud (1973) Lefebvre (2001 2008) e Sobarzo (2010)

Para esses autores o urbano e o rural seriam modos de vida que embora originaacuterios em

um determinado espaccedilo a partir da relaccedilatildeo entre sociedade e ambiente natildeo se

restringiriam a ele podendo se ampliar e se reproduzir em diferentes contextos no

campo ou na cidade Nesse sentido as cidades de pequeno porte poderiam se evidenciar

por uma cultura de recorte rural interpretada aqui pelos entrevistadosrespondentes

como uma cultura da roccedila

Mas natildeo se pode tambeacutem negligenciar um aspecto jaacute destacado no capiacutetulo 3 a

respeito da possibilidade de que a roccedila atribuiacuteda ao interior e agraves pequenas cidades seja

identificada a um processo de inferiorizaccedilatildeo social reproduzindo-se facetas do histoacuterico

imaginaacuterio sobre o rural no Brasil conforme apresentado no capiacutetulo 1 ao fazer uma

associaccedilatildeo entre a roccedila num contexto pejorativo e as pequenas cidades do interior

Embora natildeo se tenha percebido nas entrevistas e respostas do questionaacuterio nenhuma

alusatildeo expliacutecita ao uso do termo roccedila num contexto pejorativo a associaccedilatildeo entre a

cultura rural e o interior se faz presente ainda que tenha perdido abrandado ou

eliminado o estereoacutetipo negativo Essa possibilidade pode ainda ser considerada pelo

fato de que o grupo caracteriacutestico cujas UCErsquos constituiacuteram a Classe 2 era composto

majoritariamente pelos belo-horizontinos especialmente os produtoresdistribuidores

245

do Mercado Central O segundo grupo ainda que menos numeroso que tambeacutem

associou a roccedila ao interior e agraves pequenas cidades constituiacutea-se por

consumidoresfrequentadores do Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila de

Gonccedilalves Importante destacar que conforme pode ser confirmado no Graacutefico 11

Residecircncia dos consumidores respondentes do capiacutetulo 2 a maioria dos consumidores

que respondeu ao questionaacuterio em Gonccedilalves era do interior de Satildeo Paulo mas de

cidades de grande porte como Satildeo Joseacute dos Campos Osasco e Barueri e tambeacutem das

capitais daquele Estado e do Rio de Janeiro Assim a constataccedilatildeo de que entre os

respondentes abordados no Mercado Central de Belo Horizonte haveria uma

estruturaccedilatildeo do significado de roccedila a partir de pares de opostos complementares

notadamente o binocircmio ldquointerior versus capitalrdquo se confirma nesta anaacutelise

A Classe 3 foi nomeada como ldquoLavourardquo com base nas palavras terra comer e

plantar e estavam associadas ao consumo e produccedilatildeo de alimentos cujo aporte teoacuterico

se encontra na relaccedilatildeo entre roccedila e produccedilatildeo de mantimentos ao longo da formaccedilatildeo

soacutecio histoacuterica brasileira As principais expressotildees que conformaram o conjunto de

ideias norteadoras dessa classe dizem respeito agrave possibilidade da ldquopessoardquo ter uma

ldquocasardquo e nela num ldquocantinhordquo uma ldquoroccedilardquo o que propiciaria a oportunidade de se

ldquoplantarrdquo na ldquoterrardquo e ldquopoderrdquo ldquotirarrdquo dela as ldquocoisasrdquo para se ldquocomerrdquo Como eacute possiacutevel

perceber a visatildeo que se estrutura nessa classe reproduz aquele significado histoacuterico

identificado no estudo dos cronistas e no pensamento social brasileiro sobre o Brasil

Colocircnia de que as roccedilas tinham como objetivo a produccedilatildeo de mantimentos que

pudessem prover o suprimento das populaccedilotildees tanto no campo agraves margens dos

sistemas produtivos principais como o accediluacutecar a pecuaacuteria ou mesmo a mineraccedilatildeo bem

como o abastecimento de vilas e cidades (OLIVEIRA M 2012)

Poreacutem se a raiz da percepccedilatildeo do que significava roccedila nessa classe estava na

produccedilatildeo de alimentos haacute um aspecto central nessas falas que parece se referir agrave

autonomia relacionada ao processo de ldquopoder tirar da terra as coisas e comecirc-lasrdquo

sugerindo a produccedilatildeo para o autoconsumo Nesses termos a roccedila se refere tanto agrave

lavoura camponesa quanto inclui os grupos neorrurais A roccedila como lavoura nos

estudos sobre o campesinato funcionava como um espaccedilo que ordenava a organizaccedilatildeo

social da famiacutelia produtora e sua possibilidade de ldquosubsistecircnciardquo Entre os neorrurais a

roccedila fazia parte da opccedilatildeo por uma mudanccedila de vida que consistia na troca de uma vida

urbana e de profissotildees natildeo agriacutecolas por uma vida no campo muitas vezes

246

desenvolvendo ocupaccedilotildees agriacutecolas Essa mudanccedila se estabelecia agraves vezes norteada

por ideais e discursos calcados na ambientalizaccedilatildeo e na politizaccedilatildeo do consumo

Algumas UCErsquos podem ser ilustrativas dessas interpretaccedilotildees como ldquoRoccedila pra mim eacute

vocecirc poder tirar o maacuteximo que vocecirc puder da terra Eu nunca fui de roccedila sempre fui

urbano Vocecirc plantar cuidar colher e comer o que vocecirc plantou isso eacute a roccedilardquo

Analisando-se as variaacuteveis descritivas dos respondentes notou-se que o grupo que

construiu essas imagens sobre a roccedila como lavoura e como possibilidade de produzir e

consumir alimentos era formado por produtores de Gonccedilalves A maioria dos

produtores entrevistada em Gonccedilalves conforme se descreveu no capiacutetulo anterior vive

no campo e desenvolve a produccedilatildeo agriacutecola ainda que pequena e voltada para o

autoconsumo aliada ao trabalho no setor de serviccedilos sobretudo na gastronomia e no

turismo

A Classe 4 foi aquela com maior nuacutemero de UCErsquos analisadas no conjunto do

corpus foram 22 delas correspondendo a 31 do total Esta classe foi designada como

ldquoCultura Ruralrdquo considerando-se as palavras que lhe pertencem ldquogenterdquo ldquocriadordquo

ldquoroccedilardquo ldquovidardquo ldquoligadordquo ldquogostordquo ou ldquogostarrdquo e ldquosimplicidaderdquo Embora a Classe 4 tenha

retido a maior parte das UCErsquos analisadas no corpus pode-se afirmar que as quatro

classes tecircm uma participaccedilatildeo equacircnime no conjunto do texto Os enunciados dos

entrevistados que produziram as UCErsquos dessa classe pode ser incluiacuteda no debate teoacuterico

a respeito dos conceitos de rural e urbano que tambeacutem subsidiaram a identificaccedilatildeo da

Classe 2 Estes enunciados expressavam aspectos relativos agrave histoacuteria de vida e

identificaccedilatildeo reproduzindo ideias como ldquoEu fui criado na roccedila a roccedila eacute a vida da

genterdquo constituindo-se como sujeitos que possuiriam legitimidade para falar ldquode

dentrordquo da sua proacutepria cultura sugerindo um discurso de pertencimento

Por vezes as declaraccedilotildees versavam sobre aspectos emotivos a respeito da roccedila

enquanto espaccedilo e cultura mas apesar do cunho sentimental dizer que ldquogostavardquo da

roccedila continha uma dimensatildeo de escolha por um modo de vida denotando um processo

classificatoacuterio em que a hierarquia de valores apontava para a roccedila como positiva As

representaccedilotildees produzidas sobre a roccedila a partir de alguns entrevistados citadinos

revelaram uma percepccedilatildeo de que a roccedila indicava sobretudo um modo de vida

caracterizado pela ldquosimplicidaderdquo e pela modeacutestia cuja imagem siacutembolo produzida por

esses entrevistadosrespondentes era a possibilidade de se chegar agrave casa de um amigo

vizinho ou ateacute mesmo de um desconhecido sem avisar e ainda ser convidado para

247

entrar tomar um ldquocafeacuterdquo e comer uma ldquobroa quentinha com queijordquo conforme discutido

no final do capiacutetulo anterior Outra expressatildeo indicativa da interpretaccedilatildeo da roccedila como

uma vida simples era a representaccedilatildeo das galinhas no quintal Algumas UCErsquos eram

ilustrativas dessas representaccedilotildees ldquoRoccedila eacute onde tem plantaccedilatildeo eacute onde as pessoas criam

a sua galinha fazem o seu cafeacute com aquele cheirinho gostoso fogatildeo a lenhardquo ldquoRoccedila eacute

um lugar tranquilo sossegado a gente eacute nascida e criada aqui na roccedila entatildeo eacute tudo

Roccedila pra mim eacute a vidardquo O grupo de entrevistados que esteve relacionado com as

representaccedilotildees produzidas nessa classe foi aquele formado pelos

produtoresdistribuidores da cidade de Gonccedilalves logo que vivem no campo No

quadro que se segue sintetiza-se os significados da categoria roccedila para os grupos de

entrevistadosrespondentes da pesquisa

QUADRO 11 ndash Siacutentese das classes de significados e variaacuteveis Belo Horizonte Gonccedilalves

Produtoresdistribuidores

- Interior e cidades pequenas - Natureza e romantismo

- Cultura rural - Lavoura

Consumidores - Natureza e romantismo

- Interior e cidades pequenas - Natureza e romantismo

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Percebe-se portanto que os produtoresdistribuidores de Gonccedilalves

caracterizados por viverem no campo apresentaram uma tendecircncia a definir roccedila como

lavoura local de produccedilatildeo e consumo de alimentos e como uma cultura proacutepria com a

qual se identificavam Os outros respondentes produtores e consumidores de Belo

Horizonte e consumidores de Gonccedilalves estes uacuteltimos majoritariamente vindos da

capital de Satildeo Paulo definiram roccedila a partir de representaccedilotildees romacircnticas associadas agrave

natureza Os produtoresdistribuidores de Belo Horizonte e os consumidores de

Gonccedilalves este composto por um puacuteblico vindo da metroacutepole paulista tambeacutem tiveram

uma convergecircncia ao identificar a roccedila ao interior e agraves cidades pequenas

O que essas declaraccedilotildees permitem inferir ateacute o momento eacute a diferenccedila entre o

processo de significaccedilatildeo do termo roccedila por grupos sociais em contextos distintos Para

as camadas metropolitanas que vivem em cidades como Belo Horizonte e Satildeo Paulo a

roccedila significava o interior as cidades pequenas e a natureza romantizada nostaacutelgica

248

Para os grupos que viviam no campo em um contexto social considerado ainda muito

ruralizado como Gonccedilalves a roccedila significava a lavoura o trabalho na terra ligado ao

plantar colher e consumir o fruto do trabalho Enfim roccedila aparecia para este grupo

associada a um modo de vida rural Esses dados confirmam a premissa que orientou este

trabalho de roccedila como uma categoria relativa e relacional cujos usos e significados

variam conforme o contexto e a diversidade social em que o termo eacute empregado Assim

quanto mais proacuteximo ao campo e agrave cultura rural a categoria roccedila no contexto estudado

era empregada no seu sentido literal historicamente construiacutedo no Brasil em torno da

lavoura de produccedilatildeo de mantimentos para as famiacutelias agricultoras Quanto mais se

afastava do campo rumo agraves cidades metropolitanas a roccedila passava por um processo de

metoniacutemia passando a designar natildeo soacute a lavoura o campo e o rural mas tambeacutem as

cidades pequenas e o interior A representaccedilatildeo do significado de roccedila para os grupos

urbanos tendia a estar relacionada agrave natureza Em seguida seratildeo apresentados os

resultados sobre os significados do termo roccedila a partir da anaacutelise de codificaccedilatildeo por

meio do software NVivo

52 Procedimentos metodoloacutegicos e anaacutelise das respostas das entrevistas e

questionaacuterios com o uso do software NVivo

A significaccedilatildeo do termo roccedila a partir das respostas dos

entrevistadosrespondentes foi analisada ainda por meio da utilizaccedilatildeo do software QSR

NVivo versatildeo 10 Esse sistema informacional eacute produzido pela empresa Qualitative

Solutions and Research Pty Ltd atual QSR International e foi desenvolvido segundo

Lage (2011) pelos pesquisadores Lyn e Tom Richards em 1981 quando teriam criado

o precursor do NVivo o NUDIST na Universidade de La Trobe em Melbourne na

Austraacutelia (GUIZZO KRZIMINSKI OLIVEIRA 2003) O NVivo eacute um software de

anaacutelise de dados qualitativos natildeo numeacutericos e natildeo estruturados conforme sugere o

nome por extenso da sigla NUDIST Non-numerical Unstructured Data Indexing

Searching and Theorizing Em 2006 de acordo com Lage (2011) o NUDIST foi

definitivamente substituiacutedo pelo NVivo versatildeo 7

249

A principal caracteriacutestica desse programa informacional eacute permitir trabalhar com

dados textuais como documentos atas artigos transcriccedilatildeo de entrevistas e de grupos

focais diaacuterios de campos e etc O software atua na estruturaccedilatildeo das informaccedilotildees

possibilitando codificaacute-las recuperaacute-las e armazenaacute-las De acordo com Teixeira (2009

p 28-29) ldquoa codificaccedilatildeo implica a criaccedilatildeo de coacutedigos ou categorias nas quais satildeo

armazenados iacutendices de referecircncia (indexadores) agraves porccedilotildees do material empiacuterico

utilizado na anaacuteliserdquo Segundo o mesmo autor a codificaccedilatildeo eacute um processo de

indexaccedilatildeo enquanto os coacutedigos estatildeo vinculados agraves categorias que satildeo ldquo[] dimensotildees

de anaacutelise ligadas aos problemas e interesses de pesquisardquo (TEIXERIA 2009 p 29)

Com o NVivo eacute possiacutevel selecionar trechos dos textos das transcriccedilotildees de entrevistas

por exemplo e codificaacute-los marcando-os com um determinado ldquonoacuterdquo ou seja um

coacutedigo ligado a uma categoria de anaacutelise A definiccedilatildeo dos ldquonoacutesrdquo ou categorias pode ser

feita a priori com base nas hipoacuteteses e no marco teoacuterico da pesquisa assim como pode

ser atribuiacuteda ao longo da anaacutelise agrave medida que se efetua a leitura do texto e se identifica

ideias e representaccedilotildees recorrentes

Outra peculiaridade do NVivo destacada por Teixeira (2009) eacute a possibilidade

de aplicar ldquoatributosrdquo agraves fontes da informaccedilatildeo Os ldquoatributosrdquo satildeo as variaacuteveis

sociodemograacuteficas que caracterizam os indiviacuteduos ou organizaccedilotildees que compotildeem a

unidade de anaacutelise da pesquisa Nesse contexto os indiviacuteduos ou organizaccedilotildees satildeo

atribuiacutedos como ldquocasosrdquo e satildeo definidos seus ldquoatributosrdquo como idade sexo profissatildeo

entre outros por meio da ldquoclassificaccedilatildeordquo Eacute possiacutevel portanto criar diferentes caminhos

de anaacutelise em que se pode relacionar os ldquonoacutesrdquo enquanto categorias de anaacutelises agraves

determinadas variaacuteveis sociodemograacuteficas dos interlocutores da pesquisa ou seja aos

ldquoatributosrdquo O software trabalha com a estrutura de projetos e as trecircs dimensotildees baacutesicas

deste aplicativo satildeo aleacutem das ldquofontesrdquo os ldquonoacutesrdquo ou codificaccedilatildeo as ldquoclassificaccedilotildeesrdquo e

ldquoatributosrdquo dos ldquocasosrdquo Quando se utiliza essas ferramentas o NVivo permite realizar

cruzamentos entre os ldquonoacutesrdquo e os ldquoatributosrdquo gerando matrizes de codificaccedilatildeo que podem

ser exportadas posteriormente em forma de planilhas de dados graacuteficos assim como

anaacutelises de cluster e aacutervore de codificaccedilatildeo

Outro destaque das funcionalidades do NVivo de acordo com Lage (2011) e

Teixeira (2009) eacute que a partir de 2008 a versatildeo 8 do software permitiu que se

trabalhasse desde entatildeo natildeo soacute com dados textuais mas tambeacutem com sons imagens e

viacutedeos Com a versatildeo 10 que foi utilizada nessa pesquisa eacute possiacutevel ainda capturar

250

dados de miacutedias sociais como Facebook Twitter e Youtube aleacutem de poder explorar

textos em formato PDF trabalhar em grupo hospedar em servidores utilizar

informaccedilotildees armazenadas em outros bancos de dados graccedilas a sua interface com outros

aplicativos (LAGES 2011)

Neste trabalho utilizou-se o NVivo para analisar as respostas dos 70

questionaacuteriosentrevistas a respeito do que significava roccedila para os produtores

distribuidores e consumidores participantes da pesquisa Assim a transcriccedilatildeo das

entrevistas completas e as respostas dos questionaacuterios foram importadas no formato de

texto para o NVivo Foram examinados os trechos completos da resposta de cada um agrave

pergunta ldquoO que significa roccedila para vocecircrdquo e foram entatildeo codificados nos ldquonoacutesrdquo

previamente elaborados Logo cada questionaacuterio ou entrevista correspondeu a uma

fonte totalizando setenta itens

Os ldquonoacutesrdquo foram criados baseados nas categorias jaacute elaboradas nas anaacutelises

anteriores nesta pesquisa Ou seja por meio da anaacutelise de conteuacutedo categoacuterica utilizada

no capiacutetulo 2 para classificar as marcas de produtos e serviccedilos com o termo roccedila havia

se estabelecido oito categorias baseadas nas evidecircncias empiacutericas e nas proposiccedilotildees

teoacutericas Satildeo elas roccedila como sinocircnimo de ldquocampordquo roccedila como sinocircnimo de ldquoruralrdquo

roccedila como ldquotradiccedilatildeordquo roccedila ldquoromacircntico-nostaacutelgicardquo roccedila como analogia agrave ldquonaturezardquo

roccedila ldquoestilizadardquo roccedila em referecircncia a ldquoMinas Geraisrdquo e roccedila ldquocaipirardquo Cada uma

dessas categorias foi indexada como um ldquonoacuterdquo com sua respectiva definiccedilatildeo Poreacutem

apoacutes uma ldquoleitura flutuanterdquo das respostas sobre o significado de roccedila que seriam

classificadas percebeu-se pelas evidecircncias empiacutericas a necessidade de incluir ldquosub-

noacutesrdquo relacionados agraves subcategorias que tambeacutem tinham sido definidas na anaacutelise de

conteuacutedo categoacuterica das marcas com o termo roccedila no capiacutetulo 2

Assim dentro do ldquonoacuterdquo ldquocampordquo acrescentou-se os ldquosub-noacutesrdquo ldquolavourardquo

ldquoprodutordquo ldquotrabalhordquo ldquoagricultura familiarrdquo ldquoisolamentordquo e ldquobaixa densidade

demograacuteficardquo Pode-se verificar que os termos lavoura e produto satildeo os mesmos das

subcategorias utilizadas no capiacutetulo 2 enquanto os outros foram acrescentados a partir

da anaacutelise das respostas sobre o significado de roccedila no NVivo Seguiu-se o

procedimento de constituiccedilatildeo mista da anaacutelise de conteuacutedo ou seja definindo-se as

categorias a priori a partir das proposiccedilotildees teoacutericas mas tambeacutem acrescentando-se

temaacuteticas evidenciadas pelos dados empiacutericos

251

Assim tambeacutem foram elaborados os ldquosub-noacutesrdquo ldquoelementos materiais da culturardquo

ldquoelementos simboacutelicos da culturardquo ldquosimplicidaderdquo e ldquopouca infraestruturardquo dentro do

ldquonoacuterdquo ldquoruralrdquo As duas primeiras subcategorias jaacute pertenciam agravequela categoria as duas

uacuteltimas foram incorporadas neste momento da anaacutelise Por fim adotou-se tambeacutem o

ldquosub-noacuterdquo ldquoprodutos caseiros e artesanaisrdquo dentro do ldquonoacuterdquo ldquotradiccedilatildeordquo com base nas

respostas dos entrevistadosrespondentes a respeito dos produtos e serviccedilos com a marca

roccedila investigados e categorizados tambeacutem no capiacutetulo 2 Com base ainda nessas

categorias de respostas sobre a produccedilatildeo a distribuiccedilatildeo e o consumo de produtos da

roccedila considerou-se as demais categorias que haviam sido reveladas na pesquisa

criando-se os ldquonoacutesrdquo ldquoorigemrdquo ldquovalorrdquo e ldquolocalrdquo Considerando-se ainda os resultados do

Alceste e a observaccedilatildeo participante no Mercado Central de Belo Horizonte acrescentou-

se finalmente o ldquonoacuterdquo ldquointerior e ou cidades pequenasrdquo

O intuito de considerar todas as categorias que emergiram ao longo da pesquisa

foi o de possibilitar um trabalho de classificaccedilatildeo amplo que pudesse ser confrontado

com os resultados obtidos pelo Alceste Enquanto este software processa os dados

organizados pelo pesquisador orientado pelo conjunto de variaacuteveis tambeacutem definido

pelo pesquisador gerando uma classificaccedilatildeo autocircnoma a partir da anaacutelise fatorial de

correspondecircncia o procedimento adotado no NVivo nesta pesquisa baseou-se no

processo de categorizaccedilatildeo implementado pelo proacuteprio pesquisador Assim criteacuterios de

objetividade conduccedilatildeo e controle do processo de anaacutelise da categorizaccedilatildeo dos dados

puderam ser submetidos a exames com diferentes graus de autonomia por parte do

pesquisador

Apoacutes a leitura de cada trecho das respostas sobre o significado de roccedila a

passagem foi codificada no ldquonoacuterdquo que se avaliou como correspondente Importante

destacar que ao contraacuterio dos outros procedimentos efetuados natildeo se trabalhou com o

criteacuterio de exclusatildeo muacutetua de cada categoria Isto eacute alguns trechos por serem mais

objetivos foram classificados em uma uacutenica categoria enquanto outros mais

complexos por conterem vaacuterias oraccedilotildees com ideias alusivas a mais de uma categoria de

significado foram associados a mais de um ldquonoacuterdquo Assim no total de setenta itens que

correspondem a uma resposta de cada entrevistadorespondente poderia haver mais de

uma referecircncia de indexaccedilatildeo de maneira que o nuacutemero total de referecircncias a cada ldquonoacuterdquo

eacute maior que o nuacutemero total de itens ou seja maior que setenta

252

Cada fonte de entrevistadorespondente por sua vez foi classificado como um

ldquonoacute de casordquo tarefa que permite ao pesquisador no NVivo designar valores de atributos

para cada respondente Assim foram acrescentados os atributos cidade cujos valores

eram Belo Horizonte Gonccedilalves e outras cidades condiccedilatildeo se produtor ou consumidor

e forma de residecircncia em Gonccedilalves se ldquoantigo residenterdquo ldquonovo residenterdquo ou

ldquoregressordquo Para cada respondente (ldquofonterdquo) foi definido seu correspondente valor para

cada um desses trecircs atributos

Finalizados os procedimentos de codificaccedilatildeo e classificaccedilatildeo criou-se com os

resultados algumas matrizes de codificaccedilatildeo e seus respectivos graacuteficos aleacutem de se ter

gerado uma anaacutelise de cluster que verificava a similaridade da codificaccedilatildeo dos ldquonoacutesrdquo e

um mapa da aacutervore com os resultados da codificaccedilatildeo As matrizes de codificaccedilatildeo

criadas cruzavam os ldquonoacutesrdquo aos ldquoatributosrdquo em conjunto e separados O processo de

codificaccedilatildeo das respostas a respeito do que significava roccedila para os

entrevistadosrespondentes teve como resultado uma maior alusatildeo ao termo com uma

visatildeo romacircntico-nostaacutelgica seguida por uma percepccedilatildeo da roccedila como natureza como

sinocircnimo de rural e de campo A quantidade de referecircncias encontradas para cada

categoria de significado para a roccedila pode ser visualizada na tabela abaixo

TABELA 7 ndash Quantidade de referecircncias agraves categorias de significados de roccedila

NOacuteS REFEREcircNCIAS

Romacircntico-nostaacutelgica 25 Natureza 21 Rural 15 Campo 13 Interior eou cidades pequenas 6 Origem 5 Minas Gerais 4 Valor 3 Caipira 2 Tradiccedilatildeo 2 Estilizada 0 Local 0

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Observando-se a Tabela 7 pode-se perceber que as categorias ldquointeriorrdquo

ldquoorigemrdquo ldquoMinas Geraisrdquo ldquovalorrdquo ldquocaipirardquo e ldquotradiccedilatildeordquo tambeacutem foram mencionadas

poreacutem com uma menor frequecircncia Natildeo houve alusotildees agrave roccedila ldquoestilizadardquo ou agrave

perspectiva ldquolocalrdquo Essa classificaccedilatildeo permite inferir o uso da categoria roccedila como

253

sinocircnimo de campo enquanto espaccedilo fiacutesico e de rural como modo de vida aleacutem de

evidenciar que as imagens e significados que a palavra desperta entre os produtores

distribuidores e consumidores estavam relacionadas agrave natureza e a sentimentos

memoacuterias e imaginaacuterios de cunho romacircntico e nostaacutelgico

Apesar das matrizes de codificaccedilatildeo terem analisado a relaccedilatildeo entre a codificaccedilatildeo

das categorias (ldquonoacutesrdquo) e dos atributos separadamente pode-se apontar que entre as

quatro principais categorias com exceccedilatildeo da categoria ldquoruralrdquo natildeo houve diferenccedilas

relevantes entre as respostas dos produtores e consumidores de Belo Horizonte e

Gonccedilalves A categoria roccedila como sinocircnimo de ldquoruralrdquo foi mais recorrente entre os

produtoresdistribuidores de Gonccedilalves que no restante dos grupos aleacutem da categoria

romacircntico-nostaacutelgica tambeacutem ter se destacado nesta cidade no geral conforme pode ser

conferido nas duas tabelas seguintes que mostram os resultados das matrizes de

codificaccedilatildeo

TABELA 8 ndash Categorias de significados de roccedila para consumidores e produtores

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Nessa Tabela 8 pode-se constatar que as categorias mais comentadas ldquocampordquo

ldquonaturezardquo e ldquoromacircntico-nostaacutelgicardquo natildeo apresentaram grandes variaccedilotildees na quantidade

de referecircncias entre consumidores e produtores enquanto a categoria ldquoruralrdquo foi mais

presente na fala dos produtores Destaca-se aleacutem disso com base nesta tabela que as

categorias ldquocaipirardquo ldquoMinas Geraisrdquo e ldquovalorrdquo tambeacutem foram mais citadas nas

representaccedilotildees dos produtores a respeito do que eacute a roccedila Na Tabela 9 a seguir eacute

possiacutevel examinar as referecircncias agraves categorias segundo as cidades Belo Horizonte

CATEGORIAS CONSUMIDORES PRODUTORES

Caipira 0 2 Campo 7 6 Estilizada 0 0 Interior eou cidades pequenas 2 4 Local 0 0 Minas Gerais 0 4 Natureza 11 10 Origem 3 2 Romacircntico-nostaacutelgica 12 13 Rural 2 13 Tradiccedilatildeo 1 1 Valor 0 3

254

Gonccedilalves e outras englobando o local de residecircncia dos produtores que responderam

ao questionaacuterio online

TABELA 9 ndash Categorias de significados de roccedila por cidades

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

Nota-se pois na Tabela 9 que das quatro categorias mais citadas ldquocampordquo

como sinocircnimo de espaccedilo fiacutesico e ldquonaturezardquo foram mencionadas em Belo Horizonte e

Gonccedilalves praticamente com a mesma frequecircncia enquanto a visatildeo ldquoromacircntico-

nostaacutelgicardquo da roccedila como um ldquomodo de vida ruralrdquo apareceu mais presente em

Gonccedilalves Assim como se averiguou nos resultados do Alceste o significado de roccedila

como ldquocidade pequena ou interiorrdquo ocorreu em Belo Horizonte A ideia de que roccedila faz

parte da cultura ldquomineirardquo tambeacutem foi mais comum nesta cidade enquanto que a

percepccedilatildeo de que roccedila estaacute ligada agrave cultura ldquocaipirardquo ou de que eacute um ldquovalorrdquo em si foi

destacada em Gonccedilalves

Sintetizando os resultados da matriz de codificaccedilatildeo dos ldquonoacutesrdquo e ldquoatributosrdquo

sugere-se que os produtores da cidade de Gonccedilalves tenderam a definir a roccedila como

uma cultura proacutepria do ldquoruralrdquo e tambeacutem foram o grupo que a percebeu como um

ldquovalorrdquo em si ou como a tiacutepica cultura ldquocaipirardquo Os produtoresdistribuidores em Belo

Horizonte por sua vez descreviam a roccedila como uma cultura tiacutepica de ldquoMinas Geraisrdquo e

das ldquocidades de pequeno porterdquo bem como do ldquointeriorrdquo de modo geral A referecircncia agrave

roccedila como sinocircnimo de ldquocampordquo e de ldquonaturezardquo foi declarada de maneira mais

generalizada por produtores e consumidores de ambas as cidades Jaacute as representaccedilotildees

CATEGORIAS BELO HORIZONTE

GONCcedilALVES OUTRAS CIDADES

Caipira 0 2 0 Campo 6 5 2 Estilizada 0 0 0 Interior eou cidades pequenas 6 0 0 Local 0 0 0 Minas Gerais 3 1 0 Natureza 9 10 2 Origem 2 3 0 Romacircntico-nostaacutelgica 7 16 2 Rural 4 9 2 Tradiccedilatildeo 0 1 1 Valor 0 3 0

255

em torno da roccedila inspiradas por uma perspectiva ldquoromacircntico-nostaacutelgicardquo foram mais

notadas entre produtores e consumidores de Gonccedilalves

Entre os produtores de Gonccedilalves a representaccedilatildeo da roccedila como sinocircnimo de

ldquomodo de vida ruralrdquo foi equacircnime entre os ldquoantigosrdquo e ldquonovos residentesrdquo e os

ldquoregressosrdquo No entanto enquanto os produtores naturais de Gonccedilalves que sempre

viveram no campo tendem a associar a roccedila a uma visatildeo ldquoromacircntico-nostaacutelgicardquo os

ldquonovos residentesrdquo e ldquoregressosrdquo que tiveram a experiecircncia de viver em outras cidades

estavam entre o grupo que mais relacionou a roccedila agrave ldquonaturezardquo Os ldquoregressosrdquo pela

posiccedilatildeo intermediaacuteria entre os dois grupos tambeacutem tinham uma representaccedilatildeo da roccedila

como sinocircnimo de ldquocampordquo juntamente com os ldquoantigos residentesrdquo que nele vivem

Poreacutem uma observaccedilatildeo mais detida das subcategorias que constituiacuteram os ldquosub-

noacutesrdquo da codificaccedilatildeo realizada no NVivo possibilitaram a verificaccedilatildeo de algumas nuances

que merecem ser comentadas A ldquolavourardquo como espaccedilo onde se planta e se colhe e o

cuidado com a terra foi a expressatildeo mais usada para definir a roccedila dentre as categorias

elaboradas como ldquosub-noacutesrdquo Em seguida apareceu a ideia da ldquosimplicidaderdquo como uma

traduccedilatildeo do que significava roccedila para os entrevistadosrespondentes Em seguida o

ldquosub-noacuterdquo mais recorrente estava relacionado agrave ldquoproduccedilatildeo artesanal caseirardquo

subcategoria vinculada agrave ideia de ldquotradiccedilatildeordquo As outras sub-categorias identificadas

tambeacutem se relacionavam agrave ldquolavourardquo como o ldquoproduto agriacutecolardquo e o ldquotrabalho ruralrdquo

com especial destaque para o fato dos entrevistadosrespondentes vincularem a

ldquolavourardquo o ldquotrabalho ruralrdquo e a ldquoproduccedilatildeo de alimentosrdquo ao modo de vida de

ldquoagricultores familiaresrdquo camponeses ou pequenos proprietaacuterios produtores familiares

ressaltando que a roccedila se relacionava agrave famiacutelia que trabalhava e vivia da terra

Algumas subcategorias estavam norteadas por criteacuterios teacutecnicos que costumam

ser adotados em metodologias ou por perspectivas teoacutericas de definiccedilatildeo do rural e do

urbano que no caso dos respondentes consideravam como roccedila os ldquoespaccedilos isoladosrdquo

a ldquobaixa densidade demograacuteficardquo e a ldquopouca infraestruturardquo (ABRAMOVAY 2009

SOROKIN ZIMMERMANN GALPIN 1986 VEIGA 2003) Tambeacutem foram citados

aspectos relacionados aos ldquoelementos materiais e simboacutelicos da cultura ruralrdquo A

quantidade de referecircncias a cada subcategoria (ldquosub-noacuterdquo) estaacute sintetizada na tabela que

se segue

256

TABELA 10 ndash Subcategorias de significados de roccedila SUB-NOacuteS REFEREcircNCIAS

Lavoura 12

Simplicidade 9

Produccedilatildeo caseira e artesanal 8

Produto agriacutecola 7

Trabalho rural 6

Agricultura familiar ou camponesa

5

Isolamento 4

Elementos materiais da cultura 3

Elementos simboacutelicos da cultura 3

Baixa densidade 2

Pouca infraestrutura 1

Fonte Lidiane Nunes da Silveira

A anaacutelise da relaccedilatildeo entre os ldquosub-noacutesrdquo e os ldquoatributosrdquo em uma matriz de

codificaccedilatildeo cujos resultados podem ser observados no graacutefico abaixo revela algumas

caracteriacutesticas jaacute detectadas pela anaacutelise feita no Alceste

GRAacuteFICO 18 ndash Subcategorias e atributos

Fonte Extraiacutedo do resultado da anaacutelise feita por meio do NVivo por Lidiane Nunes da Silveira

Agricultura familiar Baixa densidade

Isolamento Lavoura Produto

Trabalho Elementos materiais da cultura Elementos simboacutelicos da cultura

Pouca infraestrutura Simplicidade

Produccedilatildeo caseira e artesanal

Legenda

257

A principal delas eacute que a percepccedilatildeo da roccedila vinculada agrave lavoura ao trabalho e

aos produtos da agricultura familiar aliada com a simplicidade eacute mais recorrente entre

os participantes da pesquisa em Gonccedilalves o que corrobora com os achados na anaacutelise

do Alceste em que o trabalho na lavoura para a produccedilatildeo e consumo de alimentos

juntamente a uma cultura rural proacutepria fundamentada na simplicidade tambeacutem eram

foram atribuiacutedos aos respondentes desta cidade Destaca-se tambeacutem que a subcategoria

ldquoproduccedilatildeo artesanal e caseirardquo foi evidenciada pelos respondentes em Belo Horizonte

O mapa da aacutervore de codificaccedilatildeo representado na figura a seguir permite uma

visualizaccedilatildeo integral do espectro das ldquocategoriasrdquo e ldquosubcategoriasrdquo de significados do

termo roccedila segundo as respostas dos produtores distribuidores e consumidores no

Mercado Central de Belo Horizonte e no 4ordm Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila

de Gonccedilalves a partir da codificaccedilatildeo com o uso do NVivo Os quadros com as maiores

dimensotildees representam os significados mais citados e as frequecircncias menores satildeo

traduzidas pelos quadros menores A paleta de cores tambeacutem denota a quantidade de

referecircncias a cada significado Os quadros verdes representam os significados que foram

mais mencionados seguidos pelas cores amarela e laranja os tons avermelhados

simbolizam as categorias menos citadas As ldquosubcategoriasrdquo ou ldquosub-noacutesrdquo estatildeo

contidos nas categorias ou ldquonoacutesrdquo agraves quais estatildeo vinculados

FIGURA 85 ndash Mapa da aacutervore de codificaccedilatildeo

Fonte Extraiacutedo do resultado da anaacutelise feita por meio do NVivo por Lidiane Nunes da Silveira

Aleacutem das subcategorias algumas inferecircncias gerais podem ser feitas ao se

comparar os resultados da busca de significados para a palavra roccedila com a utilizaccedilatildeo do

Alceste e do NVivo e seratildeo apresentadas nas paacuteginas adiante

258

53 Siacutentese dos resultados sobre os significados do termo roccedila com o uso do

Alceste e do NVivo

Para se comparar os resultados sobre os significados de roccedila obtidos por meio

das anaacutelises no Alceste e no NVivo deve-se antes ressalvar algumas questotildees Aleacutem de

se tratarem de teacutecnicas de pesquisa e procedimentos diferentes no caso aqui estudado

faz-se necessaacuterio elucidar duas divergecircncias que tiveram efeitos nos resultados A

primeira eacute o fato de que nos resultados no Alceste considerou-se as categorias

ldquonaturalrdquo e ldquoromacircnticardquo no mesmo conjunto de significados ou seja o software

detectou uma correlaccedilatildeo entre elas na fala dos respondentes No procedimento realizado

no NVivo as categorias ldquonaturalrdquo e ldquoromacircnticardquo foram definidas como ldquocategoriasnoacutesrdquo

separados e a codificaccedilatildeo das respostas dos participantes da pesquisa tambeacutem foi feita

separadamente Isto teve certo efeito no resultado quando comparados os dados frutos

da anaacutelise entre o Alceste e o NVivo Entretanto realizada anaacutelise de cluster sobre o

procedimento de codificaccedilatildeo dos significados de roccedila no NVivo pocircde-se perceber

tambeacutem que havia uma proximidade entre as categorias ldquonaturezardquo e ldquoromantismordquo nos

discursos das fontes codificadas devido agraves similaridades das caracteriacutesticas

selecionadas conforme pode-se conferir no dendograma abaixo

FIGURA 86 ndash Dendograma da anaacutelise de cluster dos noacutes

Fonte Extraiacutedo do resultado da anaacutelise feita por meio

do NVivo por Lidiane Nunes da Silveira

As principais categorias de anaacutelise destacadas nos dois procedimentos ldquocampordquo

e ldquoruralrdquo ldquonaturezardquo e ldquoromantismordquo revelaram similaridade durante o processo de

259

codificaccedilatildeo segundo a anaacutelise de cluster Deve-se ressalvar ainda que as variaacuteveis

sociodemograacuteficas levadas em consideraccedilatildeo nos dois procedimentos para a discussatildeo

dos resultados a cidade e a condiccedilatildeo dos respondentes se produtor ou consumidor

foram observadas separadamente nos resultados da anaacutelise do NVivo e em conjunto no

caso do Alceste Apesar dessas discrepacircncias percebeu-se uma convergecircncia nos

resultados que permitem construir algumas inferecircncias

Assim por meio destas anaacutelises constatou-se como os principais significados

de roccedila 1) a ldquolavourardquo associada agrave produccedilatildeo e ao consumo de alimentos fruto do

trabalho da agricultura familiar especialmente entre os produtores de Gonccedilalves 2)

como sinocircnimo de ldquocampordquo em ambas as cidades com certa predominacircncia em

Gonccedilalves 3) agrave cultura ldquoruralrdquo mais presente nas respostas dos produtores de

Gonccedilalves evidenciada como um modo de vida proacuteprio marcado pela ldquosimplicidaderdquo

4) como sinocircnimo de ldquointerior e cidades pequenasrdquo mais enfaticamente entre os

produtoresdistribuidores de Belo Horizonte 5) como expressatildeo de ldquonaturezardquo e

ldquoromantismordquo perspectiva manifestada pelos consumidores em geral de ambas as

cidades com predominacircncia do ldquoromantismordquo em Gonccedilalves

Outros significados tambeacutem aparecem citados na anaacutelise do NVivo poreacutem com

frequecircncia menos relevante como ldquoMinas Geraisrdquo ldquotradiccedilatildeordquo ldquocaipirardquo para as

categorias identificadas desde a anaacutelise de conteuacutedo feita nas marcas de produtos e

serviccedilos com o termo roccedila assim como ldquoprodutos caseiros ou artesanaisrdquo ldquoorigemrdquo

ldquovalorrdquo categorias mencionadas por produtores e consumidores como significados dos

bens e serviccedilos considerados da roccedila Por outro lado as categorias roccedila ldquoestilizadardquo e

ldquolocalrdquo que foram identificadas respectivamente como significado de marcas de

produtos e serviccedilos da roccedila e como significados destes para os consumidores natildeo foram

evidenciadas no exame dos significados de roccedila feito nas anaacutelises com uso do Alceste e

do NVivo

A avaliaccedilatildeo aqui impetrada permitiu responder a alguns objetivos e corroborar

as hipoacuteteses investigativas deste trabalho Primeiramente evidenciou-se o uso do termo

roccedila como sinocircnimo de ldquocampordquo e ldquoruralrdquo conforme os pressupostos da pesquisa ao

menos entre os sujeitos participantes da pesquisa provenientes de Minas Gerais e Satildeo

Paulo Nesse sentido confirmou-se uma permanecircncia no uso da palavra roccedila

historicamente vinculada no Brasil agrave lavoura de produccedilatildeo de mantimentos em

pequenas propriedades de terra trabalhada por grupos de agricultores familiares nas

260

suas mais diferentes configuraccedilotildees e destinada ao autoconsumo ou ao abastecimento de

comunidades locais

Entretanto confirmou-se as mudanccedilas nos seus significados que apresentavam a

tendecircncia de serem valorizados positivamente o que ficou expresso principalmente nos

discursos sobre a natureza evocada pela palavra roccedila assim como numa visatildeo

romacircntico-nostaacutelgica a respeito da vida rural confirmando pois a principal hipoacutetese de

trabalho Verificou-se por fim a pertinecircncia da premissa de que a categoria roccedila eacute um

operador simboacutelico relativo e relacional jaacute que seus usos e significados podem se

cambiar historicamente e principalmente a depender do contexto social em que eacute

empregado Essa caracteriacutestica ficou niacutetida nos diferentes usos e significaccedilotildees atribuiacutedos

agrave roccedila pelos habitantes do campo de Gonccedilalves e pelos citadinos moradores de

metroacutepoles como Belo Horizonte e Satildeo Paulo Como denominador comum as visotildees

romacircnticas sobre a vida rural como um modo de vida alternativo ao esgotamento da

vida urbana na metroacutepole

261

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A pesquisa apresentada nesta tese permitiu constatar o uso do termo roccedila como

sinocircnimo de ldquocampordquo no sentido de espaccedilo fiacutesico e de ldquoruralrdquo como modo de vida

(ENDLICH 2010 SOBARZO 2010) Roccedila apareceu entatildeo na sua acepccedilatildeo histoacuterica

relacionada ao trabalho na lavoura nas pequenas propriedades produtoras de alimentos

voltados para o autoconsumo e o abastecimento local conforme evidenciado por

Oliveira (2012) Entretanto este trabalho identificou novos significados para o vocaacutebulo

roccedila que permitiram confirmar a hipoacutetese de que haveria uma tendecircncia em ressignificaacute-

lo positivamente especialmente por meio de uma associaccedilatildeo entre a roccedila e a ldquonaturezardquo

e uma perspectiva ldquoromacircnticardquo ldquonostaacutelgicardquo e ldquoidiacutelicardquo de revalorizaccedilatildeo destas

(ANJOS CALDAS 2014 EacuteBOLI 2007 ELIAS 2001 ENTRENA-DURAacuteN 2012

THOMAS 2010 WILLIAMS 2011) Destaca-se portanto certa permanecircncia nos usos

da categoria roccedila mas mudanccedilas notaacuteveis nas suas significaccedilotildees ao menos nas regiotildees

e mercados estudados nesta pesquisa Os achados da pesquisa tambeacutem evidenciaram o

caraacuteter relativo e relacional (LIMA 1999) do termo roccedila uma vez que os grupos que

moravam no campo de Gonccedilalves tendiam a definir a roccedila como lavoura campo e rural

enquanto os grupos urbanos metropolitanos de Belo Horizonte e Satildeo Paulo associavam

ldquoroccedilardquo agraves cidades pequenas e ao interior bem como agrave natureza

Estes aspectos puderam ser compreendidos por meio da anaacutelise do mercado de

bens e serviccedilos que utilizavam o termo roccedila como marca no contexto dos processos de

solicitaccedilatildeo de registro de marcas no INPI caracterizado pela predominacircncia de produtos

alimentares desde meados dos anos 1960 e com uma tendecircncia de crescimento apoacutes os

anos 1990 pelos serviccedilos com destaque para a gastronomia A escolha da categoria

roccedila como marca destes produtos e serviccedilos denota seu caraacuteter valorativo positivo A

expansatildeo do seu uso apoacutes os anos 1980 e a sua intensificaccedilatildeo nos uacuteltimos dez anos satildeo

ainda mais reveladores desse processo de revalorizaccedilatildeo de muitas esferas do rural de

modo geral e da categoria roccedila em especiacutefico Os anos apoacutes a ditadura militar no

Brasil marcam um periacuteodo em que as minorias sociais ganham visibilidade na

sociedade brasileira A utilizaccedilatildeo da marca roccedila em produtos e serviccedilos aponta para uma

valoraccedilatildeo positiva dos modos de vida e do espaccedilo outrora visto como hierarquicamente

inferior Em uma sociedade poacutes-ditadura idealmente voltada para o respeito agrave

262

diversidade e a ampliaccedilatildeo dos direitos agrave cidadania inclusive das pessoas que vivem no

campo natildeo poderia o consumo da marca roccedila ser revelador do reconhecimento das

autecircnticas raiacutezes ligadas ao modo de vida caipira brasileiro

Observou-se nesta pesquisa que aleacutem do campo valorativo o uso do termo

roccedila como marca seria um indicativo de origem e procedecircncia dos produtos Na

perspectiva de produtores distribuidores e consumidores os produtos da roccedila eram

classificados positivamente como naturais e artesanais em detrimento aos produtos

industrializados A classificaccedilatildeo desses produtos e serviccedilos pelos entrevistados envolvia

os ideais de ldquonaturezardquo ldquoromacircntico-nostaacutelgicordquo e ldquotradicionalrdquo conforme a proposiccedilatildeo

inicial da pesquisa Tambeacutem foram constatados outros significados do vocaacutebulo roccedila

assim como aqueles atribuiacutedos aos produtos e serviccedilos que o veiculavam Aleacutem das

categorias de significados jaacute mencionadas nos paraacutegrafos anteriores identificou-se uma

tendecircncia a associar roccedila agrave cultura do Estado de Minas Gerais agrave cultura caipira Os

entrevistadosrespondentes atribuiacuteram aos produtos e serviccedilos com o termo roccedila a

caracteriacutestica de estarem associados ao seu local de origem refletindo a produccedilatildeo a

cultura a esteacutetica local o que agraves vezes justificava a aquisiccedilatildeo de certo bem visando

contribuir e valorizar a comunidade local Por fim destaca-se que o valor positivo

tambeacutem foi mencionado como um atributo da roccedila no sentido moral assim como a

valoraccedilatildeo no sentido econocircmico de seus produtos e serviccedilos Em termos morais a

simplicidade apareceu como um atributo do modo de vida rural vinculado agrave roccedila e

utilizado em termos comparativos como criacutetica ao modelo de civilizaccedilatildeo urbana da

metroacutepole assim como jaacute havia destacado Silva G (2009)

As mudanccedilas mais expressivas nos significados do termo roccedila coincidiram com

as transformaccedilotildees no campo ocorridas a partir dos anos 1980 marcadas pelos

questionamentos do produtivismo na agricultura pelas preocupaccedilotildees ambientais e pela

exploraccedilatildeo do campo como espaccedilo de consumo por meio do turismo do lazer e da

segunda moradia (ABRAMOVAY 1994 ANJOS CALDAS 2014) Algumas dessas

mudanccedilas tiveram ressonacircncia no proacuteprio mercado de produtos e serviccedilos considerados

da roccedila tanto por serem considerados como artesanais e naturais quanto pela

emergecircncia da gastronomia do entretenimento e mais timidamente do turismo apoacutes os

anos 1990 associados a esta marca Nesse sentido ressalta-se como as culturas urbana e

rural rompem as fronteiras da cidade e do campo enquanto espaccedilos fiacutesicos

possibilitando novas identificaccedilotildees e praacuteticas sociais em novas configuraccedilotildees de tempo

263

e espaccedilo que tambeacutem satildeo traduzidas nos novos usos do termo roccedila (ALEM 1996 DE

PAULA 1998 1999 2001 ENDLICH 2010)

Nesse sentido a pesquisa tambeacutem evidenciou a expansatildeo de um mercado de

produtos alimentares tradicionais artesanais de recorte local natildeo industrializados que

tecircm sido denominados pelos mais variados termos inclusive regionais que expressam

algumas mudanccedilas e tendecircncias no consumo contemporacircneo (BARBOSA L 2009

PORTILHO 2005) Embora pertenccedila a um nicho de mercado haacute uma tendecircncia em

valorizar as produccedilotildees de pequena escala produzidas com praacuteticas sustentaacuteveis em

preservar teacutecnicas de processamento de alimentos artesanais familiares tradicionais

fortemente vinculados a territoacuterios histoacuterias e culturas determinadas conforme tambeacutem

revelaram os estudos de Cruz e Menasche (2011) Dorigon (2008 2010) Santos J

(2014) e Wilkinson (2008) Parte desse mercado foi observado no Mercado Central de

Belo Horizonte na demanda pelo queijo artesanal mineiro ou pela cachaccedila artesanal

por exemplo Assim como as possibilidades de ocupaccedilatildeo e geraccedilatildeo de renda que as

transformaccedilotildees rumo agrave valorizaccedilatildeo do rural demonstraram ser possiacuteveis a partir do

trabalho de campo realizado em Gonccedilalves como a gastronomia local a agricultura

orgacircnica e o turismo rural por exemplo

Por outro lado se a diversidade do mercado que utiliza o termo roccedila como marca

eacute um indiacutecio da revalorizaccedilatildeo do rural a sua apropriaccedilatildeo em distintas esferas de

mercado e por grandes cadeias agroindustriais pode ter vaacuterios efeitos indesejaacuteveis como

a desestruturaccedilatildeo de um possiacutevel mercado de produtos artesanais de qualidades

especiais excluindo pequenos produtores descaracterizando teacutecnicas tradicionais e

subvertendo as referecircncias dos consumidores Em contrapartida iniciativas de

regulamentaccedilatildeo desse mercado tambeacutem contecircm seus riscos sejam relacionados aos

processos produtivos agrave comercializaccedilatildeo ou ao reconhecimento identitaacuterio podendo

resultar tambeacutem na exclusatildeo de pequenos produtores e distribuidores na perda de

teacutecnicas tradicionais e nas mudanccedilas de haacutebitos dos consumidores prejudicando a

demanda conforme alertaram os trabalhos de Dorigon (2008) Neugebauer (2014) e

Santos J (2014)

A pesquisa tornou evidente portanto o vocaacutebulo roccedila como uma categoria que

permite elucidar vaacuterias facetas dos estudos sobre o rural no Brasil ainda pouco

exploradas Nesse sentido o trabalho que se realizou natildeo pretendeu abarcar todas as

possibilidades de investigaccedilatildeo que o termo roccedila pode apresentar admitindo-se

264

portanto suas limitaccedilotildees diante de uma gama de abordagens possiacuteveis Considera-se

assim como alguns dos entraves desta pesquisa natildeo ter sido possiacutevel verificar o alcance

do uso do termo roccedila como sinocircnimo de campo e rural nas outras regiotildees do territoacuterio

brasileiro tendo ficado o trabalho de campo restrito ao Estado de Minas Gerais ainda

que os dados secundaacuterios obtidos no INPI revelem a recorrecircncia da marca em outras

regiotildees Como desdobramento dessa limitaccedilatildeo sugere-se a pertinecircncia de verificar os

usos e significados do termo roccedila em outros contextos sociais agrave luz da perspectiva da

hierarquizaccedilatildeo socialrevalorizaccedilatildeo permitindo generalizar os achados nesta pesquisa

Portanto recomenda-se a iniciativa de pesquisas futuras que possam investigar os usos e

significados do termo roccedila em outras regiotildees brasileiras seja por meio de abordagens

qualitativas que descrevam os distintos processos culturais seja por meio de surveys

com amostras representativas que permitam generalizaccedilotildees dos resultados encontrados

nesta pesquisa ou ainda um aprofundamento em pesquisa histoacuterica investigando-se a

etimologia e a polissemia do termo roccedila Sugere-se especialmente examinar as relaccedilotildees

entre os usos e significados do termo roccedila e suas relaccedilotildees com as representaccedilotildees a

respeito de Minas Gerais verificando suas vinculaccedilotildees agraves ideias de ldquoruralizaccedilatildeordquo da

cultura mineira e ao proacuteprio conceito de ldquomineiridaderdquo (ARRUDA 1999

VASCONCELLOS 1981) assim como as afinidades entre os sentidos de roccedila e a

cultura caipira (RIBEIRO 2006 CANDIDO 2010) conforme os indiacutecios revelados

nesta pesquisa

Apesar de tais limitaccedilotildees espera-se que esta pesquisa possa contribuir na

Antropologia Rural e na Sociologia Rural com um novo campo investigativo sobre o

rural brasileiro relacionado ao uso de categorias de pensamento como o termo roccedila

Espera-se tambeacutem no campo da Extensatildeo Rural que a pesquisa possa colaborar com a

elaboraccedilatildeo de mecanismos e estrateacutegias de reconhecimento e valorizaccedilatildeo do rural e com

o desenvolvimento e aperfeiccediloamento de saberes e teacutecnicas que resultem em novas

oportunidades de ocupaccedilatildeo e renda para as famiacutelias rurais ou urbanas que vivem no

campo gerando expectativas de desenvolvimento profissional e de cidadania para os

jovens A tiacutetulo de exemplo o campo da agricultura sustentaacutevel de forma mais

especiacutefica e da agricultura familiar de modo geral dos produtos alimentares

tradicionais e artesanais no turismo rural temaacutetico identificados nessa pesquisa

associados ao termo roccedila valorizados e valorados por um nicho de mercado formado

265

por consumidores das camadas urbanas atraiacutedos pelas imagens e sensaccedilotildees de

nostalgia romantismo e apreciaccedilatildeo da simplicidade que essa categoria pode suscitar

266

REFEREcircNCIAS

ABDALA Mocircnica Chaves Sabores da tradiccedilatildeo Revista do Arquivo Puacuteblico Mineiro Belo Horizonte n 2 p 119-129 2006 ______ Re-atualizaccedilotildees do tradicional e do tiacutepico mineiro VII Reuniatildeo de Antropologia do Mercosul ndash UFRGS Porto Alegre Brasil 2007 ndash GT 42 Antropologia da Alimentaccedilatildeo diaacutelogos latinoamericanos CD-ROM ABRAMOVAY Ricardo A dualizaccedilatildeo como caminho para a agricultura sustentaacutevel Estudos Econocircmicos Satildeo Paulo v 24 n especial p 157-182 1994 ______ O futuro das regiotildees rurais Porto Alegre Editora UFRGS 2009 AGUIAR Joseacute Otaacutevio FERREIRA Maria Luacutecia Entrevistas com os lojistas mais antigos do Mercado Central de Belo Horizonte realizadas em 2004 Revista Igualitaacuteria Belo Horizonte v 1 n 1 p 1-108 juldez 2012 AGUILAR CRIADO Encarnacioacuten ANJOS Flaacutevio Sacco dos CALDAS Nadia Velleda Productos locales calidad y diversificacioacuten nuevas estrategias de desarrollo en el mundo rural de Espantildea y Brasil Estudos Socioloacutegicos Meacutexico v XXIX n 85 p 189-214 2011 ALEM Joatildeo Marcos Caipira e country a nova ruralidade brasileira 1996 246 f Tese (Doutorado em Sociologia) ndash Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo ALLONSO Gustavo Cowboys do asfalto muacutesica sertaneja e modernizaccedilatildeo brasileira Niteroacutei FGVFunarteClube do Autor 2012 ALMEIDA Carina Santos ldquoConverterrdquo natureza em cultura O mundo natural e as novas sensibilidades em relaccedilatildeo aos animais agraves plantas e agraves paisagens Revista Esboccedilos Florianoacutepolis v 18 n 25 p 310-315 2011 ALVES Ricardo Joseacute Formaccedilatildeo de estrateacutegias em micro e pequenas empresas um estudo no Mercado Central de Belo Horizonte-MG 2012 68 f Tese (Doutorado em Administraccedilatildeo) ndash Universidade Federal de Lavras Lavras

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______ Conheccedila Minas Regiotildees de Planejamento Disponiacutevel em httpswwwmggovbrgovernomgportalcgovernomgconheca-minasgeografia5671-regioes-de-planejamento69548-as-regioes-de-planejamento51465044 Acesso em 08 set 2015 ______ Conheccedila Minas Mercado Central Disponiacutevel em httpswwwmggovbrgovernomgportalcgovernomgconheca-minas5663-turismo55180-mercado-central51465240 Acesso em 09 maio 2015 ______ Conheccedila Minas Mesorregiotildees e Microrregiotildees Disponiacutevel em httpswwwmggovbrgovernomgportalcgovernomgconheca-minasgeografia5669-localizacao-geografica69547-mesorregioes-e-microrregioes-ibge51465044 Acesso 12 ago 2015 MORAIS Luciana Patriacutecia Culinaacuteria tiacutepica e identidade regional a expressatildeo dos processos de construccedilatildeo reproduccedilatildeo e reinvenccedilatildeo da mineiridade em livros e restaurante de comida mineira 2004 155 f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) ndash Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte MORMONT Marc Vers une redeacutefinition du rural Recherches Sociologiques Louvain v XX n 3 p 331-350 1989 MOURA Margarida Maria Os herdeiros da terra parentesco e heranccedila numa aacuterea rural Satildeo Paulo Editora Hucitec 1978 NEPOMUCENO Rosa Muacutesica caipira da roccedila ao rodeio 1ordf ed Satildeo Paulo Ed 34 1999 NEacuteRI Marcelo A nova classe meacutedia o lado brilhante da nova base da piracircmide Satildeo Paulo Editora Saraiva 2012 NETTO Marcos Mergarejo O Mercado Central de Belo Horizonte entre queijos e sabores Revista Geograficidade Niteroacutei n 1 v 2 p 53-67 2012 NEUGEBAUER Danielle No supermercado ldquoo segredo eacute o carinhordquo um estudo sobre consumo a partir do rural caseiro e natural em embalagens de alimentos 2014 119 f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncias Sociais) ndash Universidade Federal de Pelotas Pelotas

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OLIVEIRA Allan de Paula Miguilim foi pra cidade ser cantor uma antropologia da muacutesica sertaneja 2009 352 f Tese (Doutorado em Antropologia) ndash Universidade Federal de Santa Catarina Florianoacutepolis OLIVEIRA Joatildeo Augusto Vieira de SCHMIDT Vanice Dolores Basso SCHMIDT Wilson Avaliaccedilatildeo do potencial da agroinduacutestria rural de pequeno porte (IRPP) em Santa Catarina Florianoacutepolis CEPAGRO 1999 OLIVEIRA Joatildeo Augusto Vieira de PREZOTTO Leomar Luiz VOIGT Luciano Diagnoacutestico e potencial das agroinduacutestrias familiares do Estado do Rio Grande do Sul Florianoacutepolis 2002 (Trabalho natildeo publicado) OLIVEIRA Luacutecia Lippi Do caipira picando fumo a Chitatildeozinho e Xororoacute ou da roccedila ao rodeio Revista USP Satildeo Paulo n 59 p 232-257 setnov 2003 OLIVEIRA Marcelo Almeida As roccedilas brasileiras do periacuteodo colonial agrave atualidade caracterizaccedilatildeo histoacuterica e formal de uma categoria tipoloacutegica Varia Histoacuteria Belo Horizonte v 28 n 48 p 755-780 juldez 2012 Disponiacutevel em httpwwwscielobrscielophppid=S0104-87752012000200013ampscript=sci_abstractamptlng=es Acesso em 19 jun 2015 PAIXAtildeO Alexandro Henrique A roccedila pitoresca de Fagundes Varella In LUCENA Ceacutelia Toledo GUSMAtildeO Neusa Maria Mendes de (orgs) Discutindo identidades Satildeo Paulo HumanitasCERU 2006 p 193-203 PELEGRINI Gelson GAZZOLA Maacutercio A agroinduacutestria familiar no Rio Grande do Sul limites e potencialidades a sua reproduccedilatildeo social Frederico Westphalen Ed URI 2008 PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICIacuteLIO ndash PNAD Seacuteries Histoacutericas e Estatiacutesticas Valor do rendimento meacutedio mensal da populaccedilatildeo de 10 anos ou mais de idade - Grandes Regiotildees e Regiotildees Metropolitanas ndash Periacuteodo 2001-2011 Disponiacutevel em httpseriesestatisticasibgegovbrseriesaspxno=7ampop=0ampvcodigo=PD346ampt=valor-rendimento-medio-mensal-populacao-10P1 Acesso em 04 ago 2015 PINTO Joatildeo Paulo Identidade de Gonccedilalves construccedilatildeo e deslocamento Dissertaccedilatildeo 2014 87 f (Mestrado em Ciecircncias da Linguagem) ndash Universidade do Vale do Sapucaiacute Pouso Alegre

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PIRES Andreacute Um sentido dentre outros possiacuteveis o rural como representaccedilatildeo In CAMPANHOLA Clayton SILVA Joseacute Graziano O novo rural brasileiro novas ruralidades e urbanizaccedilatildeo v 7 Brasiacutelia Embrapa Informaccedilatildeo Tecnoloacutegica 2004 p 149-174 POCHMANN Maacutercio Nova classe meacutedia O trabalho na base da piracircmide social brasileira Satildeo Paulo Boitempo 2012 PORTILHO Faacutetima Consumo sustentaacutevel limites e possibilidades de ambientalizaccedilatildeo e politizaccedilatildeo das praacuteticas de consumo Cadernos Ebapebr Ediccedilatildeo Temaacutetica 2005 Disponiacutevel em httpwwwscielobrpdfcebapev3n3v3n3a05 Acesso em 26 out 2015 PRADO JUacuteNIOR Caio Formaccedilatildeo do Brasil contemporacircneo colocircnia Satildeo Paulo Companhia das Letras 2011 PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE Gestatildeo Compartilhada Regiatildeo Metropolitana de Belo Horizonte Disponiacutevel em httpgestaocompartilhadapbhgovbrestrutura-territorialregiao-metropolitana-de-belo-horizonte Acesso em 08 set 2015 ______ Gestatildeo Compartilhada BH em nuacutemeros Disponiacutevel em httpgestaocompartilhadapbhgovbrbh-em-numeros Acesso em 08 set 2015 ______ Endereccedilos Programa Direto da Roccedila Disponiacutevel em httpportalpbhpbhgovbrpbhecpcomunidadedoevento=portletamppIdPlc=ecpTaxonomiaMenuPortalampapp=enderecosamptax=17377amplang=pt_BRamppg=6300amptaxp=0amp Acesso em 09 set 2015 PREFEITURA MUNICIPAL DE GONCcedilALVES Secretaria de Turismo de Gonccedilalves Conselho Municipal de Turismo 4ordm Festival de Gastronomia e Cultura da Roccedila Guia Gastronocircmico 2014 ______ Apresentaccedilatildeo do Municiacutepio Disponiacutevel em httpportalgoncalvesmggovbrMateria_especifica16603Apresentacao-do-Municipio Acesso em 02 set 2015 PROGRAMA DE TURISMO DE NEGOacuteCIOS E EVENTOS DE BELO HORIZONTE Espaccedilo Minas Gerais Disponiacutevel em httpwwwturismodenegociosbhcombrindexphpoption=com_contentampview=articleampid=48ampItemid=48 Acesso em 12 dez 2015

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QGISBRASIL Sobre o QGis Disponiacutevel em httpqgisbrasilorg Acesso em 07 maio 2015 QUEIROZ Maria Isaura Pereira de O campesinato brasileiro ensaios sobre civilizaccedilatildeo e grupos ruacutesticos no Brasil Petroacutepolis Vozes 1973 RAMBAUD Placide Socieacuteteacute rurale et urbanisation 1ordf ed e 2ordf ed Paris Eacuteditions du Seuil 19691973 REDFIELD Robert O mundo primitivo e suas transformaccedilotildees Rio de Janeiro USAID 1964 REINERT Max Les ldquomondes lexicauxrdquo et leur ldquologiquerdquo agrave travers lanalyse statistique dun corpus de reacutecits de cauchemars Langage et socieacuteteacute Paris 66 p 5-39 1993 REMY Jean Pour une sociologie du rural ou le statut de lrsquoespace dans la formation des acteurs sociaux Recherches Sociologiques Louvain v XX n 3 p 287-309 1989 RIBEIRO Darcy O povo brasileiro a formaccedilatildeo e o sentido do Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 2006 RIOS Jane Adriana Vasconcelos Pacheco Ser e natildeo ser da roccedila eis a questatildeo identidades e discursos na escola Salvador EDUFBA 2011 ROCHA Ana Paula RAMOS Jacircnia Martins Estudos de dialetologia em Minas Gerais breve histoacuterico Revista de Estudos Linguumliacutesticos e Literaacuterios Salvador v 41 p 71-86 2010 RODRIGUES Rosacircngela Hammes Anaacutelise de gecircneros do discurso na Teoria Bakhtiniana algumas questotildees teoacutericas e metodoloacutegicas Linguagem em (Dis)curso Tubaratildeo v 4 n 2 p 415-440 janjun 2004 SAHLINS Marshall Cultura e razatildeo praacutetica Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 2003 SANTOS Faacutebio Josueacute Souza dos Nem ldquotabareacuteuoardquo nem ldquodoutorardquo oa alunoa da roccedila na escola da cidade um estudo sobre identidade e escola 2006 221 f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo) ndash Universidade do Estado da Bahia Salvador

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SANTOS Jaqueline Sgarbi Dilemas e desafios na valorizaccedilatildeo de produtos alimentares no Brasil um estudo a partir do Queijo do Serro em Minas Gerais e do Queijo Serrano no Rio Grande do Sul 2014 260 f Tese (Doutorado em Sistemas de Produccedilatildeo Agriacutecola Familiar) ndash Universidade Federal de Pelotas Pelotas SANTOS Joseacute Vicente Tavares dos Criacutetica da Sociologia Rural e a construccedilatildeo de uma outra Sociologia dos Processos Sociais Agraacuterios Ciecircncias Sociais Hoje Satildeo Paulo p 3-51 1991 SARAIVA Evelyn Ruacutebia de Albuquerque COUTINHO Maria da Penha Lima e MIRANDA Rosane de Sousa O emprego do software Alceste e o desvendar do mundo lexical em pesquisa documental In COUTINHO Maria da Penha Lima SARAIVA Evelyn Ruacutebia de Albuquerque (orgs) Meacutetodos de pesquisa em psicologia social perspectivas qualitativas e quantitativas Joatildeo Pessoa Ed Universitaacuteria 2011 p 67-92 SARAIVA Luiz Alex Silva CARRIERI Alexandre de Paacutedua SOARES Ari de Souza Territorialidade e identidade nas organizaccedilotildees o caso do Mercado Central de Belo Horizonte Revista de Administraccedilatildeo Mackenzie Satildeo Paulo n 15 v 2 p 97-126 marabr 2014 SENNETT Richard A corrosatildeo do caraacuteter consequecircncias pessoais do trabalho no novo capitalismo Rio de Janeiro Record 1999 SETUacuteBAL Maria Alice Vivecircncias caipiras pluralidade cultura e diferentes temporalidades na terra paulista Satildeo Paulo CenpecImprensa Oficial do Estado de Satildeo Paulo 2005 Disponiacutevel em httpwwwimprensaoficialcombrPortalIOdownloadpdfprojetossociaisvivencias_caipiraspdf Acesso em 14 abr 2012 SILVA Eduardo Hermes Barbosa Registro de marcas no Brasil registro de marcas ainda eacute pouco difundido no Brasil Jusnavegandi jul 2014 Disponiacutevel em httpjuscombrartigos30485registro-de-marcas-no-brasil Acesso em 15 ago 2015 SILVA Gislene O sonho da casa no campo jornalismo e imaginaacuterio de leitores urbanos Florianoacutepolis Insular 2009 SILVA Joseacute Graziano da O novo rural brasileiro Nova Economia Belo Horizonte n 7 v 1 p 43-81 mai 1997

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______ Velhos e novos mitos do rural brasileiro Estudos Avanccedilados Dossiecirc Desenvolvimento Rural Satildeo Paulo v 15 n 43 p 37-50 set-dez 2001 SILVEIRA Carlos Frederico Gurgel Calvet ROCHA Felippe Augusto da Cruz CARDOSO Rafael Esteves A eacutetica da autenticidade na concepccedilatildeo multiculturalista de Charles Taylor Lex Humana Petroacutepolis v 4 n 2 p 17-34 2013 SILVEIRA Lidiane Nunes Os apanhadores de cafeacute no Alto Satildeo Francisco 2005 64 f Monografia (Graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais) ndash Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte ______ O Pacircntano do Cururu trabalho ocupaccedilatildeo e conflitos de terra 2008 113 f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Extensatildeo Rural) ndash Universidade Federal de Viccedilosa Viccedilosa

SINOPSE DO CENSO DEMOGRAacuteFICO 2010 MINAS GERAIS Tabela 21 - Populaccedilatildeo residente total urbana total e urbana na sede municipal em nuacutemeros absolutos e relativos com indicaccedilatildeo da aacuterea total e densidade demograacutefica segundo as Unidades da Federaccedilatildeo e os municiacutepios ndash 2010 Disponiacutevel em httpwwwcenso2010ibgegovbrsinopseindexphpuf=31 Acesso em 13 maio 2015

SOARES Ari de Souza PETITO Fernanda Centamori LIMA Gusttavo Ceacutesar Oliveira CARRIERI Alexandre de Paacutedua Sinestesia poeacutetica e cultura organizacional desvendando as estrateacutegias coletivas do Mercado Central de Belo Horizonte In XXXI Encontro da Anpad Rio de Janeiro 2007 p 1-13 SOBARZO Oscar O urbano e o rural em Henri Lefebvre In SPOSITO Maria Encarnaccedilatildeo Beltratildeo WHITACKER Arthur Magon (orgs) Cidade e campo relaccedilotildees e contradiccedilotildees entre urbano e rural 2ordf ed Satildeo Paulo Editora Expressatildeo Popular 2010 p 53-64 SOLARI Aldo O objeto da sociologia rural In SZMERCSAacuteNYI Tamaacutes QUEDA Oriowaldo (orgs) Vida rural e mudanccedila social leituras baacutesicas de sociologia rural 3ordf ed Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 1979 p 3-14 SOROKIN Pitirim ZIMMERMAN Carlo GALPIN Charles Diferenccedilas fundamentais entre o mundo rural o e o urbano In MARTINS Joseacute de Souza Introduccedilatildeo Criacutetica agrave Sociologia Rural 2ordf ed Satildeo Paulo Editora HUCITEC 1986 p 198-224 (Coleccedilatildeo Estudos Rurais)

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SOUSA Gabriel Soares Tratado Descritivo do Brasil em 1587 Disponiacutevel em httpwwwdominiopublicogovbrpesquisaDetalheObraFormdoselect_action=ampco_obra=38095 Acesso em 12 jun 2015 SOUZA Elizete Maria CHAVES Elaine De Ouro Preto a Belo Horizonte seguindo os passos da histoacuteria para compreender a formaccedilatildeo do falar belo-horizontino Revista Alpha Patos de Minas n 12 p 54-67 nov 2011 SOUZA Jesseacute A cegueira do debate brasileiro sobre as classes sociais Interesse Nacional ano 7 n 27 p 35-57 outdez 2014 Disponiacutevel em httpinteressenacionaluolcombrindexphpedicoes-revistaa-cegueira-do-debate-brasileiro-sobre-as-classes-sociais Acesso em 12 ago 2015 TAVARES Mauro Calixta A forccedila da marca como construir e manter marcas fortes Satildeo Paulo Ed Harbra 1998 TAYLOR Charles A eacutetica da autenticidade Satildeo Paulo Eacute Realizaccedilotildees 2011 TEIXEIRA Alex Niche A produccedilatildeo televisiva do crime violento na modernidade tardia 2009 240 f Tese (Doutorado em Sociologia) ndash Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre TEIXEIRA Diogo Dias O registro de marcas no Brasil informaccedilotildees gerais acerca do procedimento de registro de marca no Brasil Jusnavegandi mai 2007 Disponiacutevel em httpwwwdireitonetcombrartigosexibir3445O-registro-de-marcas-no-Brasil Acesso em 14 ago 2015 THOMAS Keith O homem e o mundo natural mudanccedilas de atitudes em relaccedilatildeo agraves plantas e aos animais (1500-1800) Satildeo Paulo Companhia das Letras 2010 VARELLA Luiz Nicolaacuteo Fagundes Obras completas Rio de Janeiro Livraria Garnier 1892 2 v Disponiacutevel em httpwwwbrasilianauspbrbbdhandle191801815310page1mode1up Acesso em 27 set 2013 VARNHAGEN Francisco Adolfo Ao Instituto Histoacuterico do Brasil 1851 In SOUSA Gabriel Soares Tratado Descritivo do Brasil em 1587 Disponiacutevel em httpwwwdominiopublicogovbrpesquisaDetalheObraFormdoselect_action=ampco_obra=38095 Acesso em 12 jun 2015

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VASCONCELLOS Liliana GUEDES Luiacutes Fernando Ascenccedilatildeo E-surveys vantagens e limitaccedilotildees dos questionaacuterios eletrocircnicos via internet no contexto da pesquisa cientiacutefica Apresentaccedilatildeo realizada na X SEMEAD FEA-USP 2007 Disponiacutevel em httpwwweadfeauspbrSemead10semeadsistemaresultadotrabalhosPDF420pdf Acesso em 01 jun 2014 VASCONCELLOS Sylvio de Mineiridade ensaio de caracterizaccedilatildeo Satildeo Paulo Abril 1981 VEIGA Joseacute Eli Cidades imaginaacuterias o Brasil eacute menos urbano do que se calcula 2ordf ed Campinas Autores Associados 2003 ______ Destinos da ruralidade no processo de globalizaccedilatildeo Estudos Avanccedilados Satildeo Paulo n 18 v 51 p 51-67 2004 ______ Nascimento de outra ruralidade Estudos Avanccedilados Satildeo Paulo n 20 v 57 p 333-353 2006 WANDERLEY Maria de Nazareth Baudel A ruralidade no Brasil moderno por um pacto social pelo desenvolvimento rural In GIARRACA Norma (org) iquestUna nueva ruralidad en Ameacuterica Latina Buenos Aires CLACSO 2001 p 31-44 Disponiacutevel em httpbibliotecavirtualclacsoorgararlibrosruralwanderleypdf Acesso em 06 out 2015 ______ Urbanizaccedilatildeo e ruralidade relaccedilotildees entre a pequena cidade e o mundo rural Estudo preliminar sobre os pequenos municiacutepios em Pernambuco In WANDERLEY Maria de Nazareth Baudel O mundo rural como um espaccedilo de vida reflexotildees sobre a propriedade da terra agricultura familiar e ruralidade Porto Alegre Editora da UFRGS 2009 p 311-328 WEIBLE Rick WALLACE John Cyber research the impact of the internet on data collection Marketing Research Chicago v 10 n 3 p 19-24 fall 1998 WILKINSON John MIOR Luiz Carlos Setor informal produccedilatildeo familiar e pequena agroinduacutestria interfaces Estudos sociedade e agricultura Rio de Janeiro v 13 p 29-45 out 1999 WILKINSON John Mercados redes e valores o novo mundo da agricultura familiar Porto Alegre Editora da UFRGS 2008

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WILLIAMS Raymond O campo e a cidade na histoacuteria e na literatura Satildeo Paulo Companhia das Letras 2011 WOORTMANN Ellen WOORTMANN Klaas O trabalho da terra a loacutegica e a simboacutelica da lavoura camponesa Brasiacutelia Editora Universidade de Brasiacutelia 1997

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APEcircNDICES

Apecircndice A ndash Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ndash Produtores

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ndash TCLE

IDENTIFICACcedilAtildeO DO PROJETO DE PESQUISA TIacuteTULO DO PROJETO Roccedila uma marca registrada o processo de valoraccedilatildeo do rural na sociedade brasileira Coordenadora da pesquisa (pesquisadora responsaacutevel) Nome Ana Louise de Carvalho Fiuacuteza Departamento Economia Rural Equipe de pesquisa Nome Lidiane Nunes da Silveira Departamento Economia Rural IDENTIFICACcedilAtildeO DO SUJEITO DA PESQUISA (VOLUNTAacuteRIO) Nome EmpresaEstabelecimento comercial Vocecirc estaacute sendo convidado(a) a participar da pesquisa chamada Roccedila uma marca registrada o processo de valoraccedilatildeo do rural na sociedade brasileira Todas as informaccedilotildees necessaacuterias sobre a pesquisa encontram-se relacionadas abaixo Em caso de duacutevidas favor esclarececirc-las antes da assinatura do presente Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ndash TCLE Este trabalho eacute de responsabilidade da professora Ana Louise de Carvalho Fiuacuteza do Departamento Economia Rural e da estudante de doutorado Lidiane Nunes da Silveira do mesmo departamento A pesquisa tem por objetivo compreender os diferentes usos e significados do termo ldquoroccedilardquo na sociedade brasileira Mais especificamente esta pesquisa estaacute analisando esses significados de ldquoroccedilardquo como marca de produtos e serviccedilos registrados ou que tiveram processos de solicitaccedilatildeo de registro de marcas no Instituto Nacional de Propriedade Industrial entre os anos de 1982 e 2012 Para chegarmos aos dados precisamos que o(a) senhor(a) responda a algumas perguntas relacionadas agrave sua trajetoacuteria pessoal agrave sua relaccedilatildeo com a roccedila e algumas questotildees sobre a marca de seu produto ou serviccedilo principalmente Os dados que o(a) senhor(a) informar na entrevista poderatildeo ser utilizados em pesquisas futuras Ao aceitar responder a este questionaacuterio o(a) senhor(a) poderaacute expor a sua marca e o seu produto ou serviccedilo ao conhecimento da concorrecircncia bem como poderaacute expor suas estrateacutegias de marketing aos concorrentes e ao puacuteblico consumidor Tambeacutem gostariacuteamos de informaacute-lo que as anaacutelises fruto desta pesquisa poderatildeo chegar a conclusotildees diferentes daquelas a respeito dos significados

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usos e motivaccedilotildees que o(a) senhor(a) acredita que envolvem o termo roccedila ou mesmo a sua marca Ressaltamos ainda que as respostas eou dados gerados a partir de seu preenchimento do questionaacuterio poderatildeo ser expostas ainda que sua identidade pessoal seja mantida em sigilo Ao responder a este questionaacuterio o(a) senhor(a) estaraacute contribuindo para a divulgaccedilatildeo de seu setor de produtos ou serviccedilos ao puacuteblico consumidor A sua participaccedilatildeo nesta pesquisa poderaacute proporcionar a valorizaccedilatildeo da criatividade de sua estrateacutegia de marketing ou o reconhecimento de sua experiecircncia cultural e a oportunidade para o(a) senhor(a) expressar aspectos de sua experiecircncia de vida e de trabalho A participaccedilatildeo nesta pesquisa respondendo a este questionaacuterio natildeo implicaraacute em nenhuma despesa bem como em nenhum benefiacutecio financeiro ou publicitaacuterio para (o)a senhor(a) ou a sua empresaestabelecimento comercial ou seja a sua participaccedilatildeo eacute voluntaacuteria A sua identidade pessoal seraacute preservada na divulgaccedilatildeo da pesquisa mas as suas respostas seratildeo analisadas e tornadas puacuteblicas O(a) senhor(a) poderaacute desistir de responder ao questionaacuterio ou solicitar que suas respostas natildeo sejam analisadas e publicadas a qualquer momento da pesquisa Declaro que fui informado(a) dos objetivos do estudo Roccedila uma marca registrada o processo de valoraccedilatildeo do rural na sociedade brasileira de maneira clara e detalhada e esclareci as minhas duacutevidas Estou informado de que a qualquer momento poderei solicitar novas informaccedilotildees e modificar minha decisatildeo de participar deste estudo Tambeacutem fui informado(a) que em caso de discordacircncia com procedimentos ou irregularidade de natureza eacutetica posso buscar auxiacutelio junto ao Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Viccedilosa ndash CEPUFV no seguinte endereccedilo e contatos

Preacutedio Arthur Bernardes sala 04 campus da Universidade Federal de Viccedilosa (UFV)

Viccedilosa Minas Gerais Telefone (31) 3899-2492

e-mail cepufvbr Site wwwcepufvbr

_____________ ___ ________ de 2014 ________________________________ ____________________________ Pesquisador responsaacutevel pelo projeto Participante da pesquisa

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Apecircndice B ndash Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ndash Consumidores

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ndash TCLE

IDENTIFICACcedilAtildeO DO PROJETO DE PESQUISA TIacuteTULO DO PROJETO Roccedila uma marca registrada o processo de valoraccedilatildeo do rural na sociedade brasileira Coordenadora da pesquisa (pesquisadora responsaacutevel) Nome Ana Louise de Carvalho Fiuacuteza Departamento Economia Rural Equipe de pesquisa Nome Lidiane Nunes da Silveira Departamento Economia Rural

IDENTIFICACcedilAtildeO DO SUJEITO DA PESQUISA (VOLUNTAacuteRIO) Nome Vocecirc estaacute sendo convidado(a) a participar da pesquisa Roccedila uma marca registrada o processo de valoraccedilatildeo do rural na sociedade brasileira Todas as informaccedilotildees necessaacuterias sobre a pesquisa encontram-se relacionadas abaixo Em caso de duacutevidas favor esclarececirc-las antes da assinatura do presente Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ndash TCLE A pesquisa tem por objetivo compreender os diferentes usos e significados do termo ldquoroccedilardquo na sociedade brasileira Mais especificamente esta pesquisa estaacute analisando os significados de ldquoroccedilardquo como marca de produtos e serviccedilos desde os anos 1980 no Brasil Para chegarmos aos dados precisamos que o(a) senhor(a) responda a algumas perguntas relacionadas agrave sua trajetoacuteria pessoal agrave sua relaccedilatildeo com a roccedila e algumas questotildees sobre o consumo de produtos ou serviccedilos com a marca roccedila Ao aceitar responder a este questionaacuterio o(a) senhor(a) poderaacute expor dados pessoais seus e de seus familiares assim como expor opiniotildees criacuteticas e preferecircncias em relaccedilatildeo ao consumo de determinados produtos ou serviccedilos A sua identidade pessoal seraacute preservada na divulgaccedilatildeo da pesquisa mas as suas respostas seratildeo analisadas e tornadas puacuteblicas e tambeacutem poderatildeo ser utilizadas em pesquisas futuras Tambeacutem gostariacuteamos de informaacute-lo(a) que os resultados desta pesquisa poderatildeo chegar a conclusotildees diferentes daqueles usos significados e motivaccedilotildees que o(a) senhor(a) acredita que envolvem o termo roccedila A sua participaccedilatildeo nesta pesquisa poderaacute contribuir para a divulgaccedilatildeo de um setor de produtos ou serviccedilos ao puacuteblico consumidor proporcionar a valorizaccedilatildeo ou reconhecimento de sua experiecircncia cultural e a oportunidade para o(a) senhor(a) expressar aspectos de sua experiecircncia de vida A participaccedilatildeo nesta pesquisa respondendo a este questionaacuterio natildeo implicaraacute em nenhuma despesa bem como em nenhum benefiacutecio financeiro para o(a) senhor(a) ou seja a sua participaccedilatildeo eacute voluntaacuteria assim como natildeo implicaraacute em nenhum benefiacutecio financeiro ou publicitaacuterio para qualquer empresa estabelecimento comercial ou organizaccedilatildeo de eventos com a

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marca roccedila ou qualquer outra marca O(a) senhor(a) poderaacute desistir de responder ao questionaacuterio ou solicitar que suas respostas natildeo sejam analisadas e publicadas a qualquer momento da pesquisa Declaro que fui informado(a) dos objetivos do estudo Roccedila uma marca registrada o processo de valoraccedilatildeo do rural na sociedade brasileira de maneira clara e detalhada e esclareci as minhas duacutevidas Estou informado de que a qualquer momento poderei solicitar novas informaccedilotildees e modificar minha decisatildeo de participar deste estudo Tambeacutem fui informado(a) que em caso de discordacircncia com procedimentos ou irregularidade de natureza eacutetica posso buscar auxiacutelio junto ao Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Viccedilosa ndash CEPUFV no seguinte endereccedilo e contatos

Preacutedio Arthur Bernardes sala 04 campus da Universidade Federal de Viccedilosa (UFV)

Viccedilosa Minas Gerais Telefone (31) 3899-2492

e-mail cepufvbr Site wwwcepufvbr

_____________ ___ ________ de 2014 ________________________________ _________________________________ Pesquisador responsaacutevel pelo projeto Participante da pesquisa

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Apecircndice C ndash Termo de Autorizaccedilatildeo de Uso de Imagem

TERMO DE AUTORIZACcedilAtildeO DE USO DE IMAGEM Eu _______________________________________ depois de conhecer e entender os

objetivos procedimentos metodoloacutegicos riscos e benefiacutecios da pesquisa bem como de

estar ciente da necessidade do uso de imagens AUTORIZO atraveacutes do presente termo

as pesquisadoras (Lidiane Nunes da Silveira [pesquisadora] e profa Ana Louise de

Carvalho Fiuacuteza [orientadora]) do projeto de pesquisa intitulado ldquoRoccedila uma marca

registrada o processo de valoraccedilatildeo do rural na sociedade brasileirardquo a realizar as fotos e

filmagens que se faccedilam necessaacuterias sem quaisquer ocircnus financeiros a nenhuma das

partes

Ao mesmo tempo libero a utilizaccedilatildeo destas fotos (seus respectivos negativos) e

filmagens para fins cientiacuteficos e de estudos (livros artigos teses slides e

transparecircncias) em favor das pesquisadoras da pesquisa acima especificadas

obedecendo ao que estaacute previsto nas leis que resguardam os direitos das crianccedilas e

adolescentes (Estatuto da Crianccedila e do Adolescente ndash ECA Lei nordm 8069 1990) dos

idosos (Estatuto do Idoso Lei nordm 107412003) e das pessoas com deficiecircncia (Decreto

nordm 32981999 alterado pelo Decreto nordm 52962004)

______________ ____ de __________ de 2014

_______________________________ Pesquisadora responsaacutevel pelo projeto

_______________________________ Entrevistado(a) ou responsaacutevel pelo

estabelecimento fotografadofilmado

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Apecircndice D ndash Roteiro de entrevista aos produtoresdistribuidores

ROTEIRO DE PERGUNTAS PARA ENTREVISTA ABERTA COM TITULARES DE MARCAS DE PRODUTOS E SERVICcedilOS COM O TERMO

ROCcedilA PERFIL PESSOAL 1 ndash Qual eacute a sua profissatildeo 2 ndash Qual a funccedilatildeo o(a) senhor(a) exerce na empresacomeacutercio de produto ou serviccedilo com a marca roccedila 3 ndash Qual eacute a sua escolaridade 4 ndash Qual eacute a sua idade QUESTOtildeES SOBRE A MARCA DO PRODUTO OU SERVICcedilO 5 ndash Por que o(a) senhor(a) escolheu a marca (falar o nome da marca) para o seu produtoestabelecimento 6 ndash O que a marca (falar o nome da marca) significa (Caso natildeo tenha mencionado na resposta anterior ou para exploraacute-la melhor) 7 ndash Qual a principal caracteriacutestica do seu produtoserviccedilo que o(a) senhor(a) relaciona com a ideia de roccedila (Caso natildeo tenha mencionado na resposta anterior ou para exploraacute-la melhor) 8 ndash O(A) senhor(a) considera que a marca roccedila torna o seu produto diferencial em relaccedilatildeo aos outros do mesmo segmento de mercado Por quecirc 9 ndash Quem eacute o principal puacuteblico consumidor do seu produto ou serviccedilo 10 ndash O(A) senhor(a) acredita que o uso do termo ldquoroccedilardquo tem alguma relevacircncia para o puacuteblico consumidor Por quecirc QUESTOtildeES SOBRE A ROCcedilA 11 ndash O que significa roccedila para vocecirc (Caso natildeo tenha desenvolvido essa argumentaccedilatildeo na resposta da pergunta anterior ou para exploraacute-la melhor) 12 ndash O(A) senhor(a) jaacute teve algum tipo de experiecircncia na roccedila Se teve fale-me sobre essa experiecircncia Se natildeo teve teria ou natildeo uma experiecircncia e por quecirc 13 ndash Onde sua famiacutelia viveu a maior parte da vida no campo ou cidade

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14 ndash Qual era a profissatildeo dos seus pais (Caso o entrevistado natildeo tenha mencionado na resposta da pergunta anterior) 15 ndash Onde o(a) senhor(a) morou a maior parte da sua vida no campo ou na cidade (Caso o entrevistado natildeo tenha mencionado nas respostas das perguntas 14 e 15) 16 ndash Onde o(a) senhor(a) mora atualmente O lugar onde vocecirc mora eacute campo ou cidade (Caso natildeo tenha indicado claramente se se trata de campo ou cidade) 17 ndash O que o(a) senhor(a) acha da cidade 18 ndash O que o(a) senhor(a) acha do campo 19 ndash Se pudesse resumir roccedila em uma uacutenica palavra qual seria

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Apecircndice E ndash Questionaacuterio semiestruturado ndash Produtores e distribuidores

QUESTIONAacuteRIO SEMIESTRUTURADO APLICADO AOS PRODUTORES E DISTRIBUIDORES DE PRODUTOS E SERVICcedilOS COM O TERMO ROCcedilA

PERFIL PESSOAL 1 ndash Qual eacute a sua profissatildeo ______________________________________________________________________ 2 ndash Qual funccedilatildeo o(a) senhor(a) exerce na empresaestabelecimento comercial de produto ou serviccedilo com a marca roccedila ______________________________________________________________________ 3 ndash Qual eacute a sua escolaridade ( ) Natildeo estudou ( ) Fundamental incompleto ( ) Fundamental completo ( ) Ensino Meacutedio incompleto ( ) Ensino Meacutedio completo ( ) Superior incompleto ( ) Superior completo ( ) Poacutes-graduaccedilatildeo 4 ndash Qual eacute a sua idade ( ) Menos de 20 anos ( ) 20 a 30 anos ( ) 30 a 40 anos ( ) 40 a 50 anos ( ) 50 a 60 anos ( ) 60 a 70 anos ( ) 70 a 80 anos ( ) Acima de 80 anos

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QUESTOtildeES SOBRE A MARCA DO PRODUTO OU SERVICcedilO 5 ndash Por que o(a) senhor(a) escolheu a marca com a palavra roccedila para o seu produtoestabelecimento __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 6 ndash O que essa marca significa __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 7 ndash Qual a principal caracteriacutestica do seu produtoserviccedilo que o(a) senhor(a) relaciona com a ideia de roccedila __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 8 ndash O(a) senhor(a) considera que a marca roccedila torna o seu produto diferencial em relaccedilatildeo aos outros do mesmo segmento de mercado ( ) Sim ( ) Parcialmente ( ) Natildeo Por quecirc __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 9 ndash Quem eacute o principal puacuteblico consumidor do seu produto ou serviccedilo Marque quantas opccedilotildees forem necessaacuterias ( ) Populaccedilatildeo rural ( ) Populaccedilatildeo urbana ( ) Homens ( ) Mulheres ( ) Crianccedilas ( ) Jovens ( ) Adultos ( ) Melhor idade ( ) Populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo ( ) Populaccedilatildeo de meacutedio poder aquisitivo

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( ) Populaccedilatildeo de alto poder aquisitivo 10 ndash O(a) senhor(a) acredita que o uso do termo roccedila tem alguma relevacircncia para o puacuteblico consumidor ( ) Sim ( ) Parcialmente ( ) Natildeo Por quecirc __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ QUESTOtildeES SOBRE A ROCcedilA 11 ndash O que significa roccedila para o(a) senhor(a) __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 12 ndash Se pudesse resumir roccedila em uma uacutenica palavra qual seria ______________________________________________________________________ 13 ndash Onde sua famiacutelia viveu a maior parte da vida ( ) No campo ou zona rural ( ) Na cidade ou zona urbana 14 ndash Qual era a profissatildeo dos seus pais ______________________________________________________________________ 15 ndash Onde o(a) senhor(a) morou a maior parte de sua vida ( ) No campo ou zona rural ( ) Na cidade ou zona urbana 16 ndash Onde o(a) senhor(a) mora atualmente ______________________________________________________________________

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17 ndash O lugar onde vocecirc mora eacute campo ou cidade ( ) Campo ou zona rural ( ) Cidade ou zona urbana

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Apecircndice F ndash Questionaacuterio semiestruturado ndash Consumidores

QUESTIONAacuteRIO SEMIESTRUTURADO APLICADO AOS CONSUMIDORES DE PRODUTOS E SERVICcedilOS COM O TERMO ROCcedilA

PERFIL PESSOAL Nome ________________________________________________________________ 1 ndash Qual eacute a sua idade ( ) Menos de 20 anos ( ) 20 a 30 anos ( ) 30 a 40 anos ( ) 40 a 50 anos ( ) 50 a 60 anos ( ) 60 a 70 anos ( ) 70 a 80 anos ( ) Acima de 80 anos 2 ndash Qual eacute a sua escolaridade ( ) Natildeo estudou ( ) Fundamental incompleto ( ) Fundamental completo ( ) Ensino Meacutedio incompleto ( ) Ensino Meacutedio completo ( ) Superior incompleto ( ) Superior completo ( ) Poacutes-graduaccedilatildeo 3 ndash Qual eacute a sua profissatildeo ______________________________________________________________________ 4 ndash Onde reside ______________________________________________________________________ 5 ndash Onde o(a) senhor(a) morou a maior parte da sua vida no campo ou na cidade ( ) No campo ( ) Na cidade

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( ) Em ambos 6 ndash Onde sua famiacutelia viveu a maior parte da vida no campo ou cidade ( ) No campo ( ) Na cidade ( ) Em ambos 7 ndash Qual era a profissatildeo dos seus pais ______________________________________________________________________ QUESTOtildeES SOBRE A ROCcedilA 8 ndash O que o(a) senhor(a) acha da cidade __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

9 ndash O que o(a) senhor(a) acha do campo __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 10 ndash O que eacute roccedila para o(a) senhor(a) __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 11 ndash O(A) senhor(a) jaacute teve algum tipo de experiecircncia na roccedila Se teve fale-me sobre essa experiecircncia Se natildeo teve teria ou natildeo uma experiecircncia e por quecirc __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 12 ndash Se pudesse resumir roccedila em uma uacutenica palavra qual seria ______________________________________________________________________

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QUESTOtildeES SOBRE O CONSUMO DE PRODUTO OU SERVICcedilO COM A MARCA ROCcedilA 13 ndash O(A) senhor(a) jaacute consumiu um produto ou serviccedilo que tinha a marca ldquoroccedilardquo ou que era da ldquoroccedilardquo ( ) Sim Exemplos __________________________________________________________________ ( ) Natildeo 14 ndash Diante da oferta de dois produtos ou serviccedilos semelhantes um com a marca ldquoroccedilardquo e outro de outra marca qual seria sua escolha Por quecirc __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 15 ndash O que um produto ou serviccedilo com a marca ldquoroccedilardquo significa para o(a) senhor(a) __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________