sentenÇa trata-se de ação civil pública intentada por ... · 205 a 214 da constituição...

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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL SEÇÃO JUDICIÁRIA DOPARÁ - 2a VARA PROCESSO N. : 34041-45.2012.4.01.3900 CLASSE 07100 : Ação Civil Pública REQUERENTE : Ministério Público Federal REQUERIDA : União JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO: Frederico Botelho de Sarros Viana Tipo: &_ . SENTENÇA Trata-se de ação civil pública intentada por um dos representantes do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, com pedido de liminar, contra a UNIÃO, objetivando provimento judicial que autorize, comprovada a capacidade intelectual mediante avaliação psicopedagógica por cada entidade de ensino, a matrícula de crianças menores de 6(seis) anos até 31 de março do ano letivo a ser cursado na primeira série do ensino fundamental, em todas as instituições de ensino do Estado do Pará, públicas e particulares. Aduz que no âmbito do Conselho Nacional de Educação- CNE, órgão vinculado ao Ministério da Educação-MEC, foi editada, pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, a Resolução CNE/CEB n° 01, de 14/01/2010, que limitou o ingresso no primeiro ano do ensino fundamental às crianças que tivessem 6(seis) anos de idade completos até 31 de março do ano da matrícula, ao que se contrapõe, com base nos arts. 205 a 214 da Constituição Federal/1988, visto que o único critério de acesso foi o limite etário. Instruiu a exordial com os documentos de fls. 25/52. :o Federal da 2a Vara Processo 34041-45.2012.4.01.3900

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PODER JUDICIÁRIOJUSTIÇA FEDERAL

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 2a VARA

PROCESSO N. : 34041-45.2012.4.01.3900CLASSE 07100 : Ação Civil PúblicaREQUERENTE : Ministério Público FederalREQUERIDA : UniãoJUIZ FEDERAL SUBSTITUTO: Frederico Botelho de Sarros VianaTipo: &_ .

S E N T E N Ç A

Trata-se de ação civil pública intentada por um dos

representantes do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, com pedido de

liminar, contra a UNIÃO, objetivando provimento judicial que autorize,

comprovada a capacidade intelectual mediante avaliação psicopedagógica por

cada entidade de ensino, a matrícula de crianças menores de 6(seis) anos até

31 de março do ano letivo a ser cursado na primeira série do ensino

fundamental, em todas as instituições de ensino do Estado do Pará, públicas e

particulares.

Aduz que no âmbito do Conselho Nacional de Educação-

CNE, órgão vinculado ao Ministério da Educação-MEC, foi editada, pela

Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, a Resolução

CNE/CEB n° 01, de 14/01/2010, que limitou o ingresso no primeiro ano do

ensino fundamental às crianças que tivessem 6(seis) anos de idade completos

até 31 de março do ano da matrícula, ao que se contrapõe, com base nos arts.

205 a 214 da Constituição Federal/1988, visto que o único critério de acesso

foi o limite etário.

Instruiu a exordial com os documentos de fls. 25/52.

:o Federal da 2a Vara Processo n° 34041-45.2012.4.01.3900

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A apreciação do pedido liminar foi postergada para após a

manifestação da requerida (fl. 55), a qual peticionou às fls. 58/75

demonstrando sua contrariedade ao deferimento, bem como arguindo as

preliminares de litispendência, inadequação da via eleita e o litisconsórcio

passivo necessário. Acostou o documento de fls. 76/80.

A liminar foi deferida por meio da decisão de fls. 95/99, em

relação a qual a União noticiou a interposição de agravo de instrumento (fl.

107), juntando cópia do indigitado recurso às fls.108/120. Ato contínuo

peticionou à fl. 124, requerendo a juntada dos documentos de fls. 125/126

para comprovar as providencias tomadas para cumprimento da ordem.

Às fls. 129/154 a União contestou a ação, ratificando

inicialmente as preliminares arguidas (litispendência, inadequação da via

eleita/inutilidade do provimento jurisdicional e litisconsórcio passivo

necessário). Apontando a nulidade parcial da tutela de urgência concedida,

pugno pela sua revogação. No mérito, propriamente dito, refutou o pleito

autoral e requereu a total improcedência do feito.

Mantida a decisão agravada pelos seus próprios fundamentos,

foi aberta vista dos autos ao MPF (fl. 157), o qual apresentou a réplica de fls.

160/163.

Facultada a produção de provas (fl. 164), as partes declinaram

de produzi-las (fl. 165 e fl. 166-verso, respectivamente).

E

Da fundamentação e decisão.

(S) Juízo Federal da 2a Vara Processo n" 34041-45.2012.4.01.3900

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Considerando que o processo encontra-se suficientemente

documentado, não havendo no caso versado necessidade de produzir prova

em audiência, conheço diretamente do pedido e passo ao julgamento

antecipado da lide, na forma do art. 330,1 do CPC.

Inicialmente, convém asseverar que as preliminares

suscitadas pela União (litispendência, inadequação da via eleita/inutilidade do

provimento jurisdicional e litisconsórcio passivo necessário), em sua

manifestação de fls. 58/75, e ratificadas na peça de defesa de fls. 129/154,

foram enfrentadas e devidamente afastadas por meio da decisão de fls. 95/99,

nos seguintes termos:

"Inicialmente, afasto a preliminar de litispendência, eis

que a ACP n° 2773-18.2011.4.01.3400, que tramitou pela Seção

Judiciária do Distrito Federal foi extinta sem resolução do mérito,

consoante sentença de fls. 76/80. No tocante à ACP n° 13466-

31.2011.4.05.8300, que tramita pela Seção Judiciária de

Pernambuco, embora ostente causa de pedir idêntica à

apresentada neste feito, dele diverge quanto à abrangência do

pedido, que no caso dos autos, restringe-se às instituições de

ensino do Estado do Pará.

No mais, ainda que se vislumbre nas ACPS n° 2773-

18.2011.4.01.3400 e 13466-31.2011.4.05.8300 os mesmos

elementos deste feito, o reconhecimento da litispendência

resultaria em enorme contrassenso, na medida em que a sentença

proferida no processo que tramita pela Seção Judiciária de

ão está apta a produzir efeitos no Estado do Pará

no Distrito Federal. Isso porque, consoante art. 16 da Lei

(S) Juíza.Fedcfalíla2il Vara Processo n° 34041 -45.2012.4.01.3900 3

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SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 2a VARA7.347/85, com a redação dada pela Lei 9.494/97, "a sentença civil

fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência

territorial do órgão prolator".

Também não é o caso de inadequação da via eleita por

suposta substituição de ação direta de inconstitucionalidade, eis

que na hipótese, o requerente busca impedir a aplicação das

Resoluções n° 01/2010 e 04/2010 no âmbito do Estado do Pará,

medida que atinge relações jurídicas concretas e individuais e

perpassa pela análise de constitucionalidade própria do controle

difuso, que não se confunde com o controle direto exercido, in

abstracto, na ADIn.

Por fim, afasto a arguição de litisconsórcio passivo

necessário, pois a avaliação individualizada dos discentes

defendida pelo Parquet está inserida na atividade pedagógica

atribuída ordinariamente às instituições de ensino. Nesse sentido,

não vislumbro interesse jurídico a ensejar a participação de

outros sujeitos (Estados-membros, municípios ou escolas

particulares) na lide. "

Destarte, tenho que se encontra prejudicada a apreciação das

referidas preliminares, cuja rejeição ratifico, pelos próprios fundamentos

utilizados na decisão de fls. 95/99.

Passo a análise do mérito, propriamente dito.

Por certo, a Constituição Federal/1988j^sgtrardou o direito de

todos à educação, dispondo em seu art,,20ír; que:

(S) Juízo Federal da 2a Vara Processo n° 34041-45.2012.4.01.3900

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Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e dafamília, será promovida e incentivada com a colaboração dasociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seupreparo para o exercício da cidadania e sua qualificaçãopara o trabalho.

Mais adiante, tratando da efetivação do dever do Estado com

educação, a carta Magna estabeleceu no art. 208, incisos I e V, in verbis:

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivadomediante a garantia de:

I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17(dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuitapara todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria;(Redacão dada pela Emenda Constitucional n° 59, de 2009) (VideEmenda Constitucional n° 59, de 2009)

Y - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e dacriação artística, segundo a capacidade de cada um;

Por sua vez, a Lei n.° 8.069/90, que dispõe sobre o Estatuto da

Criança e do Adolescente, na esteira do texto constitucional, garantiu o direito

à educação à criança e ao adolescente, bem como atribuiu ao Estado o dever

de assegurar o "acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da

criação artística, segundo a capacidade de cada um", ex vi do art. 54, V.

Bem se vê, que a ordem constitucional e legal não

circunscreveu o ingresso do estudante a determinada série de acordo com a

sua faixa etária. Isto porque, de acordo com os supracitados regramentos, o

acesso à educação deve ser entendido e concretizado em consonância e

respeito à individualidade e particular processo de aprendizagem de cada

membro da sociedade, iniciando-se pelas crianças ej»e_u ingresso no ensino

fundamental.

(S) Juízo Federal da 2a Vara ^ Processo n° 34041-45,2012.4,01.3900

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Na hipótese, não se justifica impedir a criança menor de 6

(seis) anos de cursar o primeiro ano do ensino fundamental, quando já se

apresenta apta para tanto, com capacidade intelectual aferida por avaliação

psicopedagógica. A espera para alcançar a idade de ingresso no ensino

fundamental ao aluno que reúne condições de cursar o primeiro ano, além de

obstar a continuidade do progresso de seu aprendizado, com certeza, refietirá

negativamente no seu processo de conhecimento, na medida em se sentirá

desestimulado por ter de rever a matéria que já domina, até completar a idade

suficiente para o ingresso na primeira série.

Tanto é que a Lei n° 9.394, de 20/12/1996, que estabelece as

diretrizes e bases da educação, revogou, por meio da Lei n° 12.796/2013, a

disposição contida no inciso I, §3°, do art. 87, pela qual o Distrito Federal,

Estado e Município, bem como supletivamente a União, deviam "matricular

todos os educandos a partir de 6 (seis) anos de idade no ensino fundamental"

(Redação dada pela Lei n° 11.274/2006).

Até mesmo porque o revogado inciso I, §3°, do art. 87,

contrapõe-se ao que preconiza o art. 3°, da mesma Lei n° 9.394, de

20/12/1996, em que o ensino deve pautar-se, dentre outros, pelos princípios

da "igualdade de condições para o acesso e permanência na escola";

"liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento,

a arte e o saber"; "respeito à liberdade e apreço à tolerância"; e, "valorização

da experiência extra-escolar".

(S) Juízo Federal da 2a Vara Processo n" 34041-45.2012.4.01.3900

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Assim, não resta dúvida de que a limitação etária imposta

pelo art. 2° da Resolução n° l, de 14/10/2010, do Conselho Nacional de

Educação da Câmara de Educação Básica, perpetrada na Resolução

CNE/CEB n° 6, de 20/10/2010, que restringe o ingresso ao ensino

fundamental à criança que tenha completado 06 (seis) anos de idade até o dia

31 de março do ano em que ocorrer a matrícula (autorizando aos menores

apenas a matrícula na pré-escola), agride os princípios basilares da educação

acima declinados, por desconsiderar os aspectos subjetivos da vivência

pessoal, contexto social c familiar e, especialmente, capacidade intelectual e

de aprendizado de cada criança.

Conclui-se, então, que restrições desta natureza, notadamente

quando decorrentes de normas meramente regulamentares como as

Resoluções CNE/CEB n° 01/2010 e 06/2010, ofendem o princípio da

isonomia, ao oferecer tratamento igual aos desiguais, tolhendo o direito

assegurado constitucionalmente de uma educação condizente com a evolução

e desenvolvimento de cada indivíduo.

Por oportuno, trago a colação o entendimento esposado pelo

STJ ao analisar situação similar a dos presentes autos:

..EMEN: ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. ART. 127 DACF/88. ART. 7. DA LEI N." 8.069/90. DIREITO AO ENSINOFUNDAMENTAL AOS MENORES DE SEIS ANOS"INCOMPLETOS". NORMA CONSTITUCIONAL REPRODUZIDANO ART. 54 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.NORMA DEFINIDORA DE DIREITOS NÃO PROGRAMÁTICA.EXIGIBILIDADE EM JUÍZO. INTERESSE TRANSINDIVIDUALATINENTE ÀS CRIANÇAS SITUADAS NESSA FAIXA ETÁRIA.CABIMENTO E PROCEDÊNCIA. 1. O direito à educação,insculpido na Constituição Federal e no^£statnW^Õ^Criança e doAdolescente, é direito indisp.ojú^iTem fitnção do bem comum, maior

•̂**-* JL*\(S) Juízo Federal da 2a Vara Eitfeso rW34Q41-45,2012.4.01.3900 7

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SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 2a VARAa proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos deordem pública que regulam a matéria. 2. O direito constitucional aoensino fundamental aos menores de seis anos incompletos éconsagrado em norma constitucional reproduzida no art. 54 doEstatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.°8.069/90): "Art. 54. Édever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: (...) K -acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criaçãoartística, segundo a capacidade de cada um; (omissis)" 3. In casu,como anotado no aresto recorrido "a Lei de Diretrizes e Bases daEducação Nacional prever, em seu art. 87, § 3°, inciso I, que amatrícula no ensino fundamental está condicionada a que a criançatenha 7 (sete) anos de idade, ou facultativamente, a partir dos seisanos, a Constituição Federal, em seu art. 208, inciso V, dispõe que oacesso aos diversos níveis de educação depende da capacidade decada um, sem explicitar qualquer critério restritivo, relativo a idade.O dispositivo constitucional acima mencionado, está ínsito no art.54, inciso V, do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo deverdo Estado assegurar à criança e ao adolescente o acesso àeducação, considerada direito fundamental. Destarte, havendo nosautos (fls. 88 a 296), comprovação de capacidade das criançasresidentes em Ivinhema e Novo Horizonte do Sul, através de laudosde avaliação psicopedagógica, considerando-as aptas para seremmatriculadas no ensino infantil e fundamental, tenho que dever ser-lhes assegurado o direito constitucional à educação (...)" 4. Conclui-se, assim, que o decisum impugnado assegurou um dos consectáriosdo direito à educação, fundado nas provas, concluindo que acapacidade de aprendizagem da criança deve ser analisada deformaindividual, não genérica, porque tal condição não se afere única eexclusivamente pela idade cronológica, o que conduz ao nãoconhecimento do recurso nos termos da Súmula 7 do STJ, verbis: "Apretensão de simples reexame de prova não enseja RecursoEspecial". 5. Releva notar que uma Constituição Federal é fruto davontade política nacional, erigida mediante consulta dasexpectativas e das possibilidades do que se vai consagrar, por issoque cogentes e eficazes suas promessas, sob pena de restarem vãs efrias enquanto letras mortas no papel. Ressoa inconcebível quedireitos consagrados em normas menores como Circulares,Portarias, Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficáciaimediata e os direitos consagrados constitucionalmente, inspiradosnos mais altos valores éticos e morais da nação sejam relegados asegundo plano. Prometendo o Estado o direito à creche, cumpreadimpli-lo, porquanto a vontade política e constitucional, parautilizarmos a expressão de Konrad Hesse, foi no sentido daerradicação da miséria intelecmal^qu£.^ass'õtão país. O direito à

L^&r

(S) Juízo Federal da 2a Vara Pj*>edssGÍr^041-45.2012A01.3900 8

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SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 2a VARAcreche é consagrado em regra com normatividade mais do quesuficiente, porquanto se define pelo dever, indicando o sujeitopassivo, in casu, o Estado. 6. Consagrado por um lado o dever doEstado, revela-se, pelo outro ângulo, o direito subjetivo da criança.Consectariamente, em função do princípio da inafastabilidade dajurisdição consagrado constitucionalmente, a todo direitocorresponde uma ação que o assegura, sendo certo que todas ascrianças nas condições estipuladas pela lei encartam-se na esferadesse direito e podem exigi-lo em juízo. A homogeneidade etransindividualidade do direito em foco enseja a propositura da açãocivil pública. 7. A determinação judicial desse dever pelo Estado,não encerra suposta ingerência do judiciário na esfera daadministração. Deveras, não há discricionariedo.de do administradorfrente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nessecampo a atividade é vinculada sem admissão de qualquer exegeseque vise afastar a garantia pétrea. 8. Um país cujo preâmbuloconstitucional promete a disseminação das desigualdades e aproteção à dignidade humana, alçadas ao mesmo patamar da defesada Federação e da República, não pode relegar o direito à educaçãodas crianças a um plano diverso daquele que o coloca, como umadas mais belas e justas garantias constitucionais. 9. Afastada a tesedescabida da discricionarieda.de, a única dúvida que se poderiasuscitar resvalaria na natureza da norma ora sob enfoque, seprogramática ou definidora de direitos. Muito embora a matériaseja, somente nesse particular, constitucional, porém semimportância revela-se essa categorização, tendo em vista aexplicitude do ECA, inequívoca se revela a normatividade suficienteà promessa constitucional, a ensejar a acionabilidade do direitoconsagrado no preceito educacional. 10. As meras diretrizestraçadas pelas políticas públicas não são ainda direitos senãopromessas de legeferenda, encartando-se na esfera insindicável peloPoder Judiciário, qual a da oportunidade de sua implementação. 11.Diversa é a hipótese segundo a qual a Constituição Federalconsagra um direito e a norma infraconstitucional o explicita,impondo-se ao judiciário torná-lo realidade, ainda que para isso,resulte obrigação de fazer, com repercussão na esfera orçamentaria.12. Ressoa evidente que toda imposição jurisdicional à FazendaPública implica em dispêndio e atuar, sem que isso infrinja aharmonia dos poderes, porquanto no regime democrático e no estadode direito o Estado soberano submete-se à própria justiça queinstituiu. Afastada, assim, a ingerência entre os poderes, o judiciário,alegado o malferimento da lei, nada mais fez do que cumpri-la aodeterminar a realização prática da promessa constitucional. 13. Adargumentandum tantum, o direito do__mendr ~a frequência de escola,

(S) Juízo Federal da 2a Vara _.Eroccsso/W4041-45.2012.4.01.3900

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SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 2a VARAinsta o Estado a desincumbir-se do mesmo através da sua redeprópria. Deveras, matricular um menor de seis anos no início do anoe deixar de fazê-lo com relação aquele que completaria a referidaidade em um mês, por exemplo, significa o mesmo que tentarlegalizar a mais violenta afronta ao princípio da isonomia, pilar nãosó da sociedade democrática anunciada pela Carta Magna, mercê deferir de morte a cláusula de defesa da dignidade humana. 14. OEstado não tem o dever de inserir a criança numa escola particular,porquanto as relações privadas subsumem-se a burocracias sequerprevistas na Constituição. O que o Estado soberano promete por siou por seus delegatários é cumprir o dever de educação mediante ooferecimento de creche para crianças de zero a seis anos. Visandoao cumprimento de seus desígnios, o Estado tem domínio iminentesobre bens, podendo valer-se da propriedade privada, etc. O que nãoressoa lícito é repassar o seu encargo para o particular, querincluindo o menor numa 'fila de espera', quer sugerindo uma medidaque tangencia a legalidade, porquanto a inserção numa crecheparticular somente poderia ser realizada sob o pálio da licitação oudelegação legalizada, acaso a entidade fosse uma longa manu doEstado ou anuísse, voluntariamente, fazer-lhe as vezes. Precedentejurisprudencial do STJ: RESP 5 75.280/SP, desta relataria p/acórdão, publicado no DJ de 25.10.2004. 15. O Supremo TribunalFederal, no exame de hipótese análoga, nos autos do RE 436.996-6/SP, Relator Ministro Celso de Mello, publicado no DJ de07.11.2005, decidiu verbis: "CRIANÇA DE ATÉ SEIS ANOS DEIDADE. ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA.EDUCAÇÃO INFANTIL. DIREITO ASSEGURADO PELOPRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV).COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL ÀEDUCAÇÃO. DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕEAO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNÍCÍPIO(CF,ART. 211, § 2°). RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO EPR O VIDO. - A educação infantil representa prerrogativaconstitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estasassegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e comoprimeira etapa do processo de educação básica, o atendimento emcreche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). - Essa prerrogativajiírídica, em consequência, impõe, ao Estado, por efeito da altasignificação social de que se reveste a educação infantil, a obrigaçãoconstitucional de criar condições objetivas que possibilitem, demaneira concreta, em favor das "crianças de zero a seis anos deidade" (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em crechese unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitávelomissão governamental, apta a frustrar-, injustamente, por inércia, o

(S) Juízo Federal da T Vara Processo n° 34041 -45.2012.4.01.3900 10

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SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 2a VARAintegral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal quelhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. - A educaçãoinfantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança,não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliaçõesmeramente discricionárias da Administração Pública, nem sesubordina a razões de puro pragmatismo governamental. - OsMunicípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental ena educação infantil (CF, art. 211, § 2°) - não poderão demitir-se domandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foioutorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e querepresenta fator de limitação da discricionariedade político—administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se doatendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podemser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo desimples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia dessedireito básico de índole social. - Embora inquestionável que resida,primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativade formular e executar políticas públicas, revela-se possível, noentanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais,determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicasdefinidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas,sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprirem osencargos político-jurídicos que sobre eles incidem em carátermandatário, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia ea infegridade de direitos sociais e culturais impregnados de estaturaconstitucional. A questão pertinente à "reserva do possível".Doutrina. 16. Recurso especial não conhecido. ..EMEN:(RESP 200500865852 - (RESP 753565), STJ, Ia Turma, RelatorMinistro Luiz Fux, DJDATA:28/05/2007 PG:00290 ..DTPB:)

Ante o exposto, confirmando a decisão liminar proferida às

fls. 95/99, julgo procedente a demanda, condenando a União proceder a

reavaliação dos critérios dispostos nas Resoluções CNE/CEB n° 01/2010 e

06/2010, e demais atos posteriores que reproduziram a mesma ilegalidade,

para garantir a matrícula na primeira série do ensino fundamental, cm todas as

Instituições de ensino do Estado do Pará, públicas e particulares, das crianças

menores de 6(seis) anos de idade até 31 de março do ano letivo a ser cursado,

(S) Juízo Federal da 2a Vara Processo n° 34041-45.2012.4.01.3900 11

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uma vez comprovada sua capacidade intelectual mediante avaliação

psicopedagógica a ser realizada por cada entidade de ensino.

Condeno a demandada em honorários advocatícios, que fixo

em R$1.000,00 (um mil reais).

Oficie-se ao Desembargador Federal Kássio Nunes Marques,

relator do AI 0013741-88.2013.4.01.0000, dando-lhe ciência do julgamento

desta ação.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Belém, W de janeiro de 2014.

. ve Barras VianaJuiz Federal Substituto da 3" Vara,

respondendo pela 2" Vara.

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