sentenca - apropriacao indebita previdenciaria - absolvicao

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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA SEGUNDA VARA FEDERAL ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal PROCESSO n. 2006.82.00.006307-1 AÇÃO PENAL PÚBLICA AUTOR: MPF RÉU: Guilherme Carvalho do Nascimento S E N T E N Ç A S E N T E N Ç A S E N T E N Ç A S E N T E N Ç A 1 DIREITO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DIREITO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DIREITO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DIREITO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA EM CONTINUIDADE DELITIVA (CP, 168 PREVIDENCIÁRIA EM CONTINUIDADE DELITIVA (CP, 168 PREVIDENCIÁRIA EM CONTINUIDADE DELITIVA (CP, 168 PREVIDENCIÁRIA EM CONTINUIDADE DELITIVA (CP, 168-A A A A c/c 71). c/c 71). c/c 71). c/c 71). Ausência de prova da existência de numerário disponível para retenção das contribuições previdenciárias e repasse aos cofres do INSS. Não comprovada a materialidade do crime. Precedente do TRF da 5ª Região. Julgamento de improcedência da pretensão punitiva. RELATÓRIO RELATÓRIO RELATÓRIO RELATÓRIO Tratam os presentes autos de AÇÃO PENAL PÚBLICA promovida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra GUILHERME CARVALHO DO NASCIMENTO, já devidamente qualificado, dando-o a denúncia como incurso no art. 168-A (apropriação indébita previdenciária) c/c o art. 71 (continuidade delitiva), ambos do Código Penal brasileiro. Consta da denúncia (f. 02-3) que o acusado, na condição de presidente da pessoa jurídica intitulada Esporte Clube Cabo Branco (CNPJ n. 09.113.507/0001-26), teria deixado de repassar aos cofres públicos as contribuições previdenciárias descontadas dos salários de seus empregados no período de abril/2000 a dezembro/2001, conforme NFLD n. 35.443.439-0. O débito, consolidado até 30/04/2002, resultaria em R$ 30.196,76. Requereu o MPF a oitiva de uma testemunha. Denúncia recebida em 17/11/2006 (f. 211-2). 1 Sentença tipo D, cf. Res. CJF n. 535/2006.

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DIREITO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA EM CONTINUIDADE DELITIVA (CP, 168-A c/c 71). Ausência de prova da existência de numerário disponível para retenção das contribuições previdenciárias e repasse aos cofres do INSS. Não comprovada a materialidade do crime. Precedente do TRF da 5ª Região. Julgamento de improcedência da pretensão punitiva.

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PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA

SEGUNDA VARA FEDERAL

ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

PROCESSO n. 2006.82.00.006307-1

AÇÃO PENAL PÚBLICA

AUTOR: MPF

RÉU: Guilherme Carvalho do Nascimento

S E N T E N Ç AS E N T E N Ç AS E N T E N Ç AS E N T E N Ç A1111

DIREITO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DIREITO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DIREITO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DIREITO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA

PREVIDENCIÁRIA EM CONTINUIDADE DELITIVA (CP, 168PREVIDENCIÁRIA EM CONTINUIDADE DELITIVA (CP, 168PREVIDENCIÁRIA EM CONTINUIDADE DELITIVA (CP, 168PREVIDENCIÁRIA EM CONTINUIDADE DELITIVA (CP, 168----A A A A

c/c 71).c/c 71).c/c 71).c/c 71). Ausência de prova da existência de numerário

disponível para retenção das contribuições

previdenciárias e repasse aos cofres do INSS. Não

comprovada a materialidade do crime. Precedente do

TRF da 5ª Região. Julgamento de improcedência da

pretensão punitiva.

RELATÓRIORELATÓRIORELATÓRIORELATÓRIO

Tratam os presentes autos de AÇÃO PENAL PÚBLICA promovida pelo

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra GUILHERME CARVALHO DO NASCIMENTO,

já devidamente qualificado, dando-o a denúncia como incurso no art. 168-A

(apropriação indébita previdenciária) c/c o art. 71 (continuidade delitiva), ambos

do Código Penal brasileiro.

Consta da denúncia (f. 02-3) que o acusado, na condição de

presidente da pessoa jurídica intitulada Esporte Clube Cabo Branco (CNPJ n.

09.113.507/0001-26), teria deixado de repassar aos cofres públicos as

contribuições previdenciárias descontadas dos salários de seus empregados no

período de abril/2000 a dezembro/2001, conforme NFLD n. 35.443.439-0. O

débito, consolidado até 30/04/2002, resultaria em R$ 30.196,76. Requereu o MPF

a oitiva de uma testemunha.

Denúncia recebida em 17/11/2006 (f. 211-2).

1 Sentença tipo D, cf. Res. CJF n. 535/2006.

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Interrogatório do acusado (f. 221-2). Na audiência, a defesa

apresentou documentos (f. 224-7) que, afirmava, comprovariam o pagamento do

débito referido na denúncia, motivo pelo qual determinou-se a solicitação de

informações às autoridades fazendárias competentes (f. 223).

Defesa prévia apresentada pelo réu (f. 231-2), requerendo-se a

oitiva de três testemunhas.

A Delegacia da Receita Previdenciária informou (f. 235) terem sido

computados os pagamentos efetuados, salientando que não constaria registro de

pagamento realizado no valor de R$ 15.854,91. Destacou, contudo, que o débito

em questão se encontraria ativo em seu sistema, com saldo de R$ 26.750,63.

Com vista dos autos, o MPF requereu (f. 239-40) que se solicitassem

novas informações à DRP para que informasse se esses pagamentos teriam sido

recebidos a título de parcelamento do débito tributário, informando outros dados

relevantes em caso afirmativo, o que foi deferido pelo juízo (f. 241).

A Delegacia da Receita Previdenciária remeteu aos autos os

documentos que deveriam ter instruído o ofício n. 130/13-401 (f. 246-8) e aditou

o ofício de encaminhamento (f. 249) para informar que o débito continua ativo,

na fase de impugnação aos embargos, não tendo havido parcelamento em razão

da natureza do débito. Informou que os valores pagos ali discriminados foram

devidamente apropriados ao débito, mas não se trata do pagamento de qualquer

parcelamento, mas de pagamentos parciais.

Em vista disso, o MPF pediu o prosseguimento da ação (f. 253).

Inquirição da testemunha Oziel Batista de Morais (f. 328).

Inquirição das testemunhas José Rui Falcão Coelho, Maria Luciene

Marcolino Gomes e Joaquim Inácio Cavalcanti Brito (f. 349-52).

A Delegacia da Receita Federal do Brasil informou (f. 357-8) que o

débito continuava na fase de impugnação dos embargos na Procuradoria da

Fazenda Nacional, conforme extrato de dívida que apresentava. A Procuradoria

da Fazenda Nacional, da mesma forma, informou (f. 364-6) que o débito

continuava ativo, na fase de impugnação aos embargos.

Na linha do novo procedimento estabelecido pelo CPP para as ações

penais, determinei a intimação da defesa para se manifestar sobre eventual

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interesse de novo interrogatório do réu (f. 368), tendo transcorrido “in albis” o

prazo a isso concedido (f. 370).

Aberto o prazo para requerimento de diligências, as partes nada

requereram (f. 374 e 377).

Em alegações finais:

a) O MPF (f. 380-4) sustentou terem sido provadas autoria e

materialidade do fato, devendo a responsabilidade do acusado limitar-se ao

período em que atuara como diretor executivo, ou seja, a partir de

dezembro/2000. Com relação à alegação de dificuldades financeiras, disse que

não merecia prosperar por não ter sido provada pela defesa (sendo ônus desta),

sendo risco da atividade empresariam, exigindo alguns tribunais repercussão no

patrimônio dos sócios. Ao final, pugnou pela condenação do acusado.

b) A defesa (f. 388-405) sustentou ser do conhecimento de todos

que a associação tem passado por graves problemas financeiros, a tal ponto de

haver sido instituída por assembléia uma contribuição provisória para os sócios

remidos a fim de se angariar recursos para saldar dívidas tributárias. Tal reforma

se deu para tentar salvar o clube, que estava em situação precária, praticamente

terminal. Salienta que a situação financeira do clube é pública e notória,

destacando o fato de que, recentemente, a própria sede localizada no Centro da

Capital foi arrematada para saldar dívidas trabalhistas e previdenciárias.

Contesta que o acusado tenha agido com dolo na prática da conduta. Argumenta

ainda que incidiria no caso a figura da inexigibilidade de conduta diversa.

Destacou, por último, que o denunciado, os diretores e os conselheiros do clube não recebem qualquer remuneração pela função. Pediu, ao final, a absolvição do acusado.

Ainda uma vez, a defesa apresentou petição acompanhada de

documentos (f. 410-40) alegando a obtenção de parcelamento do débito e

pedindo a extinção do processo. A Delegacia da Receita Federal informou (f. 446)

que o parcelamento se encontrava ainda na fase “aguardando consolidação”. Em

razão disso, o MPF se manifestou (f. 451-2).

Autos conclusos.

BREVEMENTE RELATADOS.

DECIDO.DECIDO.DECIDO.DECIDO.

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FUNDAMENTAÇÃOFUNDAMENTAÇÃOFUNDAMENTAÇÃOFUNDAMENTAÇÃO

Examino, em primeiro lugar, o pedido de extinção do processo por

força do pedido de parcelamento. Como bem disse o MPF, o parcelamento

referido pela defesa ainda não foi consolidado, estando a depender do

preenchimento de determinadas condições, bem podendo sequer se ultimar. Em

razão disso, não posso entender que tenha havido o pressuposto necessário para

a aplicação do art. 9º, caput, da Lei n. 10684/2003.

Sendo assim, indefiro o pedido.

Não há quaisquer preliminares ou prejudiciais pendentes de

julgamento. Assim, passo ao exame do mérito da causa.

O MPF atribui ao acusado a prática do delito previsto no art. 168-A

do Código Penal (apropriação indébita previdenciária) em continuidade delitiva

(CP, art. 71), uma vez que, na condição de responsável legal e administrador do

Esporte Clube Cabo Branco, teria deixado de repassar aos cofres do INSS as

contribuições descontadas dos salários dos respectivos empregados entre os

meses de dezembro/2000 e dezembro de 2001.

A materialidade do fato teria sido demonstrada pela documentação

colhida na fase de apuração administrativa do débito tributário. Da mesma

forma, no período acima aventado, não haveria dúvida de que o acusado fosse o

administrador da pessoa jurídica. Por fim, afirmou o MPF em suas alegações

finais que a defesa fundada no argumento de dificuldades financeiras da pessoa

jurídica não lhe socorreria, pois não teria sido provado.

Em seu interrogatório, o acusado GUILHERME CARVALHO DO

NASCIMENTO afirmou ser verdadeira a narração de fato da denúncia, no sentido da ausência de repasse de contribuições dos empregados ao INSS, inclusive no

período anterior à sua administração. Quando assumiu sua direção, o clube já

passava por uma grave crise financeira pela qual passa até hoje, tendo se

dirigido ao INSS para encontrar um jeito de quitar a obrigação, o que passara a

fazer pelo modo como demonstravam os documentos que apresentou na

audiência. Disse que foram feitos três pagamentos em quantias que importaram

valor superior ao débito, motivo por que surpreendeu-se em saber que ainda

existia. Ressalta que a crise era tanta que ainda haveria salários em aberto

desde 2000. Os administradores, diretores e conselheiros do clube não recebem

qualquer remuneração.

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A testemunha Oziel Batista de Morais afirmou que atuou na pessoa

jurídica referida na denúncia e que teria sido realmente constatada a falta de

recolhimento dos valores aos cofres do INSS. Afirmou ainda que os valores foram

realmente descontados dos salários dos empregados do Esporte Clube Cabo

Branco e que, embora não se recordasse do valor, sabia que se tratava de uma

quantia considerável.

A testemunha José Rui Falcão Coelho afirmou ser sócio antigo do

clube, sendo arrendatário do restaurante do clube, vindo ajudando as

administrações passadas e a administração atual. Afirma que a inadimplência

dos sócios alça a sessenta porcento, estando o clube em incrível dificuldade,

sendo que o que se arrecada mal paga os funcionários e a energia elétrica. Já fez

adiantamentos ao clube do valor do arrendamento para saldar débitos com

energia, fornecedores e algumas vezes com a Previdência. Na época do acusado,

ele procurou com sócios amigos uma contribuição a fim de saldar débitos

urgentes e continuar a vida do clube. Na época dos fatos, o acusado era o

administrador do clube.

A testemunha Maria Luciene Marcolino Gomes afirmou trabalhar no

clube há doze anos, sabendo que desde que ali trabalha tem conhecimento de

que o índice de inadimplência é altíssimo, trazendo grande dificuldade para o

clube quitar suas obrigações. Informa que já estão com um atraso salarial de seis

meses. Tem conhecimento de que foram feitos pagamentos ao INSS pelo clube,

pois trabalhava, na época, na tesouraria e emitia os cheques. Tem conhecimento

de que, na época dos fatos, o acusado era o administrador do clube.

A testemunha Joaquim Inácio Cavalcanti Brito afirmou que vem

acompanhando diuturnamente a história do Clube Cabo Branco há quarenta

anos, bem como sua administração, conhecendo bem o que acontece. Conhece a

história do acusado como administrador e atesta sua integridade nesse posto.

Disse que as condições financeiras do clube são terríveis, sendo certo que vá

perecer. Acredita que a receita do clube venha caindo ao longo do tempo. Atribui

à falta de receita ordinária a causa para a inadimplência do clube com relação a

suas obrigações, destacando que os clubes sociais mais tradicionais vem

paulatinamente desaparecendo. Em 2002 o clube já enfrentava uma grande

dificuldade. Na época dos fatos, o acusado era o presidente do clube.

Após o exame da prova oral em conjunto com o acervo documental

já constante dos autos, observo o seguinte.

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Tem plena razão o MPF no sentido de que não há controvérsia

acerca do fato de que o Esporte Clube Cabo Branco não transferiu ao INSS

valores referentes a contribuições previdenciárias cuja retenção era dever legal

da pessoa jurídica empregadora. Igualmente, tem razão quanto ao fato de que o

acusado era o respectivo administrador entre dezembro/2000 e dezembro/2001.

Já com relação à situação financeira do Esporte Clube Cabo Branco,

em desacordo com a posição ministerial, penso que seja o caso de que seja

admitida.

As más condições financeiras do Esporte Clube Cabo Branco são,

efetivamente, um fato público. Considerando que se trata de um dos clubes mais

tradicionais da Paraíba, todas as vezes que sua sede esteve na iminência de ir a

leilão, o fato foi notícia nos jornais e páginas de internet da imprensa paraibana.

Apenas para ilustrar, em rápida pesquisa na internet, é possível

encontrar os seguintes sítios:

http://www.trt13.jus.br/engine/interna.php?tit=Not%EDcias&

pag=exibeNoticia&codNot=1210

http://www.trt13.jus.br/engine/interna.php?tit=Not%EDcias&

pag=exibeNoticia&codNot=705

http://www.paraiba1.com.br/post.php?id=1101

http://www.auniao.pb.gov.br/v2/index.php?option=com_conte

nt&task=view&id=27002&Itemid=46

Não se pode mesmo afirmar que a precária condição financeira do

Esporte Clube Cabo Branco dependeria da formal produção de prova para ser

admitida no processo. Afinal, um dos requisitos para a admissão da prova está

em não versar sobre fato público ou notório, eis que prescindível o dispêndio de

energia processual para comprovar em juízo o que é conhecido de todos.

Mesmo assim, todas as testemunhas indicadas pela defesa

atestaram que a pessoa jurídica, já há vários anos, enfrenta uma grave crise

financeira decorrente do inadimplemento continuado, chegando-se mesmo a

prenunciar a extinção do Clube Cabo Branco.

Em meu sentir, não se aplicam ao presente caso as alegações feitas

pelo MPF em suas razões finais com relação à necessidade de repercussão

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financeira no patrimônio dos sócios (como se precisasse sempre escolher entre a

condenação criminal e a ruína econômica pessoal) e a assunção do risco da

atividade como inerente às empresas privadas.

E a razão é bem simples: o Esporte Clube Cabo Branco é uma associação recreativa sem fins lucrativos.

Trata-se de uma associação recreativa e esportiva, não uma

sociedade empresária baseada na persecução do lucro, de modo que não tem

cabimento falar em se exigir a ruína financeira dos sócios (rectius: associados) como forma de ficar patenteada a precariedade das condições econômicas da

pessoa jurídica.

Note-se que, segundo o acusado em seu interrogatório, os

administradores, diretores e conselheiros não percebem qualquer valor pelo

exercício dessas funções sociais, de modo que prestam seu serviço de forma

gratuita, com o claro objetivo de cuidar do patrimônio associativo.

Em acréscimo a isso, parece conveniente registrar que o tipo penal

do art. 168-A do CP tem como conduta típica um fato em dois tempos: a retenção

das contribuições previdenciárias dos empregados e o seu não repasse aos

cofres do INSS. Sendo a retenção e o não repasse elementos nucleares do tipo, é

indispensável que essas condutas incidam sobre um objeto material: o valor

retido e não repassado ao INSS que, portanto, deve existir realmente, não

simplesmente de forma escritural.

Não me convence o argumento de que basta a escrituração para se

configurar a retenção e o não repasse. Se isso fosse suficiente, teríamos que

admitir que a escrituração funcionaria como uma forma de confissão na

qualidade de prova tarifada, de valor máximo. Em outras palavras,

independentemente de ter havido o FATO de reter valores como contribuição, a

simples escrituração já significaria a condenação pelo fato. Uma confissão

tarifada como prova máxima.

A meu ver, o preenchimento das elementares do tipo penal do art.

168-A do CP depende da realização do FATO de descontar-se o valor da

contribuição do salários dos empregados e do FATO de se deixar de repassar ao

INSS o respectivo valor. Presumir-se a retenção e o não repasse exclusivamente

por conta da escrituração significa fundamentar uma condenação em uma

presunção contra o réu, o que, penso eu, seja inadmissível no caso.

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Essa tese fora abraçada pelo eminente Desembargador Federal

VLADIMIR SOUZA CARVALHO que, na relatoria da apelação criminal n. 5002/PB

(MPF v. Francisco Mendes Silva e Roberto de Albuquerque Cavalcanti), em processo oriundo dessa mesma segunda vara federal da Paraíba, conduziu

votação unânime com a seguinte tese, colhida de seu voto condutor:

O delito perseguido, em seu conjunto, coloca na cadeira

de infrator o dirigente que deixa de repassar à previdência

social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo

e na forma legal ou convencional, segundo a dicção do art.

168-A, do Código Penal. Neste sentido, tenho entendido, e,

defendido, ao longo de várias decisões em períodos diversos,

que é necessária, antes de tudo, a presença do numerário

que deixa de ser repassado à previdência social. A infração

só se consuma, em primeiro plano, com a presença, na

empresa, da quantia suficiente, que não é repassada. O

segundo elemento do crime é, evidentemente, a falta de

repasse à previdência social. Daí, em suma, os dois

requisitos: 1) ter o numerário e, 2) deixar de repassá-lo.

No caso vertente, a prova testemunhal produzida pela

defesa testifica as dificuldades vividas pelo hospital Santa

Lúcia Ltda. A inexistência de prova documental não

descaracteriza o problema financeiro suportado, se a prova

testemunhal o apresenta com abundância.

Conseqüentemente, torna-se desnecessário examinar

nesta seara a presença ou ausência do dolo específico. Certo

é concluir que os recorridos não tinham numerário em mãos

para cometer a infração. Não repassaram ao Fisco o tributo

no período devido porque não tinha recursos para repassar.

O caso, portanto, é de falta de prova da materialidade do crime,

uma vez que não foram preenchidos os elementos objetivos do tipo penal, quais

sejam, as condutas de reter as contribuições previdenciárias devidas pelos

empregados e a omissão em repassá-las ao INSS, uma vez que não se pode reter

e deixar de repassar o que não se provou que existia.

A conclusão, portanto, dada a ausência de prova quanto à

materialidade do crime, é no sentido de se julgar improcedente a pretensão

punitiva estatal, absolvendo-se o acusado com fundamento no art. 386, VII, do

Código de Processo Penal brasileiro.

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DISPOSITIVODISPOSITIVODISPOSITIVODISPOSITIVO

Diante do exposto, com fundamento no art. 386, VII, do Código de

Processo Penal, julgo improcedente a pretensão punitiva para absolver o acusado

GUILHERME CARVALHO DO NASCIMENTO.

Custas “ex lege”.

Transitada em julgado a presente sentença, certifique-se, preencha-

se e remeta-se ao IBGE o boletim individual do acusado, dê-se baixa na

distribuição e arquivem-se os autos.

Sentença publicada em mãos do diretor de secretaria da vara.

Registre-se no sistema informatizado. Intimem-se o acusado e seu defensor.

Cientifique-se o MPF.

João Pessoa, 10 de maio de 2010.

Juiz federal ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU

Substituto da segunda vara (SJPB)