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Rio de Janeiro, março de 2013 “A sociedade é formada por gente embrutecida” Coronel Íbis Pereira Pág. 7 “O Proerd se preocupa com a formação do cidadão” Major Patrícia Serra Pág. 8 Walter Mesquita Publicação da CBDD e do Viva Rio www.eprecisomudar.com.br Segurança Humana A redução de danos como estratégia adotada pela saúde pública e pela polícia. Pág. 6 Drogas: a polícia entra no debate Guerra às drogas Conheça a história do modelo de repressão às drogas adotado em todo o mundo e entenda por que ele falhou. Pág. 3 A Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) começou a discutir a questão das drogas em uma nova abordagem: a descriminalização do usuário. Este foi o tema que dominou o debate no seminário “Saúde e Política de Drogas – Desafios e Perspectivas da Ação Policial”, promovido pela Escola Superior da Polícia Militar (ESPM). Pág. 4 Walter Mesquita Igor Costa (Bola) “A atual lei pede mudanças no tratamento do usuário” Major Patrícia Barbosa Pág. 6 Renascer Militares recebem tratamento ambulatorial, internação para desintoxicação e atividades terapêuticas e motivacionais. Pág. 5

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Page 1: Segurança Humana - Estabelecimento de Ensino da Polícia ... · da Silva, a “miopia” do sistema dificulta o enfrentamento das drogas dentro da própria corporação. “Por conta

Rio de Janeiro, março de 2013

“A sociedade é formada por gente embrutecida” Coronel Íbis PereiraPág. 7

“O Proerd se preocupa com a formação do cidadão” Major Patrícia SerraPág. 8

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Publicação da CBDD e do Viva Riowww.eprecisomudar.com.br

Segurança Humana

A redução de danos como estratégia adotada pela saúde pública e pela polícia.Pág. 6

Drogas: a polícia entra no debate

Guerra às drogasConheça a história do modelo de repressão às drogas adotado em todo o mundo e entenda por que ele falhou. Pág. 3

A Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) começou a discutir a questão das drogas em uma nova abordagem: a descriminalização do usuário. Este foi o tema que dominou o debate no seminário “Saúde e Política de Drogas – Desafios e Perspectivas da Ação Policial”, promovido pela Escola Superior da Polícia Militar (ESPM). Pág. 4

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a)“A atual lei pede mudanças no tratamento do usuário” Major Patrícia BarbosaPág. 6

RenascerMilitares recebem tratamento ambulatorial, internação para desintoxicação e atividades terapêuticas e motivacionais. Pág. 5

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É preciso rever a legislação

A chamada “guerra às drogas”, deflagrada pelos Estados Unidos na década de 1960 com a justificativa de proteger a juventude, tem provocado muitas dores no mundo, justo o contrário do objetivo declarado.

No Brasil, há quase 30 anos a mídia divulga diariamente notícias sobre ações da polícia – e mesmo das Forças Armadas – contra os traficantes. As matérias apresentam o mesmo padrão, como pode ser observado neste breve apa-nhado de títulos retirados de diferentes veículos nos últimos anos: “Morte de traficante motivou ataques a PMs em São Paulo”; “Confronto entre policiais de UPP e traficantes deixa dois mortos no RJ”; “Traficantes da Mangueira incendeiam ônibus em protesto pela morte de Pit Bull”; “Criança morre atin-gida por bala perdida durante operação do Bope”; “PM de UPP do Morro da Coroa perde as duas pernas após ataque de bandidos com granada”; “Policial de UPP é baleado em ataque de bandidos no Complexo do Alemão”.

Perguntemo-nos: e daí? Mais: qual é o objetivo de toda essa matança e da

Por uma cidade mais humana

A importância de começar a discutir a questão do consumo de drogas sob o ponto de vista da saúde pública se reflete na política de pacificação que implementamos. Em locais como o Borel, Rocinha, Vidigal, Manguinhos, Jacarezinho, Dona Marta e

principalmente o Complexo do Alemão, em vez de uma guerra insana contra as drogas que colocava em risco a vida dos moradores, temos uma polícia que atua na mediação de conflitos e no atendimento à comunidade. Nos lugares onde antes as manchetes dos jornais mostravam armas, criminosos, opressão de bandidos, hoje mostram policiais trabalhando, população sendo atendida e mais oportunidades de trabalho geradas pela sensação de segurança. Finalmente entendemos, todos nós, autoridades, que o caminho

OPINIÃO

Coronel Jorge da SilvaEx-chefe do Estado-Maior Geral da PMERJ eex-secretário Estadual de Direitos Humanos

canalização de tantos recursos humanos e materiais? Seria vencer os trafi-cantes ou acabar com o tráfico? Ora, em todos esses anos de escaramuças guerreiras, o tráfico e o consumo só aumentaram, assim como o número de mortes e dramas familiares, seja de parentes de usuários, traficantes e poli-ciais, seja de pessoas que não têm nada a ver com a história. Perguntemo-nos ainda: as drogas são um mero problema criminal, a ser resolvido pela polícia ou uma questão social complexa, a ser enfrentada pela sociedade e o poder público?

Em 2006, a vigente Lei de Drogas (lei nº 11.343) estabeleceu que o usuário não é passível de prisão. Com isso, esperava-se que o número de presos por envolvimento com drogas diminuísse. No entanto, a distinção entre usuário e traficante ficou na dependência de avaliação subjetiva. Resultado: nas prisões brasileiras, o número de infratores considerados traficantes au-mentou significativamente, o que nos leva a concluir que muitos usuários foram “promovidos” a traficantes pelo sistema.

Coronel Erir Ribeiro Costa FilhoComandante Geral da PMERJ

é a retomada do território e a devolução deste para a população de bem.Graças a esta mudança de paradigma, estamos deixando de fazer a

guerra e sendo mais polícia, mais urbanos, mais voltados para a paz. Enfrentamos atualmente o problema do crack, mas desta vez de forma correta, entendendo que a questão não é só de polícia - afinal, todas as operações contra o crack são em parceria com a Secretaria Municipal de Assistência Social. A nossa corporação, portanto, hoje se destaca como uma força que garante os pactos sociais mais urgentes e necessários, como este em que o vitimado pelo crack recebe o devido acolhimento e tratamento.

Foi um longo caminho até chegarmos a este patamar, em que defendemos a civilidade e a proteção à vida acima de tudo. Não podemos esmorecer. A guerra mais intensa agora tem que ser no campo das ideias – e daqui em diante o caminho a ser escolhido, independente de qual seja, tem que ser de paz e prosperidade. A Polícia Militar hoje está mais próxima da sociedade, atendendo melhor seus anseios, dando segurança ao cidadão, garantindo a possibilidade de uma cidade mais próspera, mais humana.

Uma guerra insana contra as drogas, contra os pobres e que vitima inocentes, seria totalmente destoante nos novos tempos que vivemos. E que viveremos ainda mais.

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violência e dos gastos públicos para manter esta política provarem a sua ineficiência.

A fim de conter a corrupção e a produção de precursores quími-cos para a fabricação de drogas, em 1988 a ONU cria a Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Drogas Narcóticas e Substâncias Psicotrópi-cas. No documento, reconhece o enorme volume de dinheiro que, em vez de entrar nos cofres públicos, sob a forma de impostos, chegava ao crime organizado.

Conferência do ÓpioDez anos depois, em 1998, a

política global de drogas da ONU ganha o slogan “um mundo sem drogas é possível”. Aprovada em plenário, assinada e ratificada por todos os países, a meta era erradicar a produção de drogas em dez anos e reduzir drasticamente o consumo. Duplo fracasso. Em 2008 percebe-mos apenas que o consumo mun-dial estava estabilizado, mas que a violência gerada pela guerra às drogas não parava de crescer.

No ano seguinte, 100 anos após a Conferência Interna-cional do Ópio, organizada pelos EUA em Xangai, os questionamentos sobre a eficácia do modelo repres-sor começaram a vir à tona. A re-pressão mostrou-se mais danosa que as drogas. A ONU começa a aceitar rever alguns conceitos e implemen-tar políticas de redução de danos.

Depois de tantos anos de “guer-ra”, duas constatações mostram o fracasso da política repressora: a produção de drogas não apenas continua, mas a oferta de produtos foi diversificada; e os grupos crimi-nosos se fortaleceram, acumulando armas e recursos financeiros.

Fonte: Araujo, Tarso“Almanaque das drogas”, 2012

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As principais medidas de “Guer-ras às Drogas” incluíam o controle da oferta e a repressão, consi- derando ilegais a venda e o cultivo de drogas. Dos 50 artigos do do-cumento, apenas um mencionava tratamento de dependentes e pre-venção.

A década de 60 ficou marcada pela explosão do consumo no mun-do. Os soldados americanos usavam drogas no Vietnã, 40% dos jovens experimentaram maconha e a histe-ria tomou conta do Senado Federal neste período.

Com a promessa de reverter a explosão mundial do consumo de

Guerra às DroGas

drogas, em 1971 Nixon apresentou seu pacote de medidas antidro-gas, cujos principais alvos foram a maconha e a heroína. No primeiro mandato, houve investimentos no tratamento de dependentes, mas como a “guerra” rendia mais votos, no segundo mandato a verba des-tinada à repressão foi ampliada. Nixon criou a lei única das drogas e uma polícia especial de repressão.

Trabalhando com a ideia de que a ameaça das drogas era estrangeira, o presidente americano começou a exportar a “guerra”, interferindo nas políticas de outros países. Fi-nanciou o fim das plantações ilegais

de papoula na Turquia e pulve-rizou veneno em plantações de maconha mexicanas, por exemplo. O modelo da “guerra“ foi reprodu-zido por quase todos os seguintes presidentes dos EUA, apesar do au-mento do número de usuários, da

A expressão “guerra às drogas” surgiu nos Estados Unidos em 1971, durante o mandato do presidente Richard Nixon, embora já tivesse sido usada dez anos antes, em 1961, na Convençao Única de Narcóticos, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU). O proibicionismo, no entanto, não é novo. Os

primeiros registros indicam que começou com os gregos, no século IV, passou pelas guerras do ópio na China e ficou famosa durante a Lei Seca nos EUA.

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O modelo político de repressão foi reproduzido pela maioria dos presidentes americanos e difundido em todos países do mundo

Conheça a campanha.Assine a petição.

www.eprecisomudar.com.br

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Coronel Antonio Carlos Carballo, coman-dante da Escola Superior da PMERJ

Capitão Rogério Mello Netto, coordenador do Centro de Reabilitação Renascer

Coronel Paulo Frederico Caldas, coorde-nador de Comunicação Social da PMERJ

a PolíCia no Debate

Mais de 130 policiais (70 combatentes e 60 oficiais da área da saúde), incluindo praças e comandantes de batalhão participaram do encontro. Ao falar sobre estratégias de redução de danos e outras formas de abordagem, o diretor do Hospital Central da Polícia Militar, Coronel Sérgio Sardinha, admitiu que a dependência de drogas lícitas e ilícitas é um dos cinco maiores problemas enfrentados pela polícia militar, ao lado de doenças como diabe-tes, hipertensão e obesidade e do abandono.

“Quando discutimos esse assunto, estamos assumindo a temática de frente e mostrando que esse é um problema que envolve a polícia em todos os níveis. É uma questão delicada e precisamos encontrar uma nova ma-neira de abordar os usuários dentro e fora da corporação”, disse o coronel Sardinha.

Para o chefe do Estado-Maior Administrativo, coronel Robson Rodrigues da Silva, a “miopia” do sistema dificulta o enfrentamento das drogas dentro da própria corporação. “Por conta dessa ‘miopia’, ficamos presos ao efeito da droga e não ao motivo que fez o policial usá-la”, defendeu.

Para reverter esse cenário foi criado o Centro de Reabilitação Renascer, que funciona dentro do Hospital Geral da PMERJ e oferece tratamento para

Tenente Coronel Wilman René, coman-dante do BOPE

Coronel Sérgio Sardinha, diretor do Hospital Central da PMERJ, Coronel Robson Rodrigues, chefe do Estado-Maior Administrativo e Coronel Ubiratan Angelo, ex-comandante Geral da PMERJ e coordenador de Segurança Humana do Viva Rio participaram das discussões sobre o problema de uso de drogas dentro da Polícia Militar

A Lei de Drogas, o papel da polícia, a ação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) como estratégia de redução de danos, a oferta de tratamento para policiais dependentes

químicos e a descriminalização do usuário, foram os principais temas debatidos no seminário “Saúde e Política de Drogas – Desafios e Perspectivas da Ação Policial”, promovido pela Escola Superior da Polícia Militar (ESPM), considerado um divisor de águas na corporação.

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sia, então o que nos restou foram as drogas. Essa questão é de saúde sim, mas, antes, é uma questão ontológi-ca”, defendeu.

O seminário também contou com a participação da major Patrícia Monteiro Ribeiro Barbosa, que falou sobre a atuação do policial em face do usuário de drogas ilícitas. (Leia o artigo “Uma questão de saúde públi-ca”, assinado por ela, na página 6.)

Também participaram do en-contro o professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas, Pedro Abramovay, que fez um panorama internacional sobre a legislação da política de drogas, e a consultora da Área Política de Drogas do Viva Rio, Lidiane Toledo, que apresentou conceitos e práticas de redução de danos na saúde.

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Coronel Íbis Pereira, comandante da Academia da PMERJ Dom João VI

renasCer: tratamento para policiais dependentes químicos

O Centro de Reabilitação Renascer foi criado em 1992 e oferece atendi-mento ambulatorial, in-

ternação de desintoxicação e ativi-dades terapêuticas e motivacionais para integrantes das forças militares e auxiliares portadores de dependência química. 80% dos pacientes em trata-mento são homens e em sua maioria usuários de drogas ilícitas.

Além de médicos e enfermeiros,

a equipe multidisciplinar conta com policiais que fizeram o tratamento e se recuperaram do vício, que são chamados de conselheiros. Eles mi-nistram palestras motivacionais para os policiais em tratamento e seus fa-miliares. “O resultado é muito mais eficaz quando inclui o estímulo de al-guém que já passou pelo problema. Isso motiva o policial que está em tratamento”, disse o coordenador do Renascer, o capitão Rogério Mello

policiais dependentes químicos. O projeto foi apresentado no semi-nário pelo coordenador, o capitão Rogério Mello Netto. (Leia mais so-bre o assunto no box.)

redução de danos na políciaO ex-Comandante Geral PMERJ e

coordenador de Segurança Humana Viva Rio, Ubiratan Angelo, falou sobre a UPP enquanto estratégia de redução de danos praticada pela polícia: “ao retirar o domínio ter-ritorial de grupos armados, a UPP reduz a violência e os danos associa-dos às drogas”.

Para o ex-Chefe do Estado-Maior Geral da PMERJ e ex-secretário Estadual de Direitos Humanos, co-ronel Jorge da Silva, o modelo de “guerra às drogas” adotado no Brasil

tem como consequência uma dife-renciação entre usuário e traficante com base em características sociais e étnicas.

“Depois de 2006, pelo fato da polí-cia não poder prender o usuário de drogas, ela passou a distingui-lo dos traficantes de acordo com a aparên-cia física e social. Se ele mora perto da favela ou é negro, é traficante; se ele mora na zona sul e é branco, é usuário”, disse o coronel Jorge, durante sua participação no painel “A Guerra do tráfico no Rio de Ja-neiro”. Ele defende que o momento exige reflexão para mudarmos essa situação. “Tenho certeza de que fi-carmos aqui nos matando não vai resolver nada”.

Na palestra “Novas estratégias de guerra”, o Comandante do Batalhão

de Operações Policiais Especiais (Bope), tenente coronel Wilman René Gonçalves Alonso, falou sobre as transformações pelas quais a cor-poração passou. “É impossível falar em direitos humanos quando exis-tem pessoas vivendo sob o domínio de facções. Levamos mais de 20 anos para perceber que precisávamos nos aprimorar, disse o tenente coronel.

um novo olhar sobre as drogasO comandante da Academia da

PMERJ, coronel Íbis Pereira, refor-çou a necessidade de um tratamento mais humano para a questão. “O fato é que as pessoas usam drogas porque elas consolam o homem, e ele precisa ser consolado. Vivemos em uma sociedade que matou Deus, a transcendência, a beleza e a poe-

Lidiane Toledo, consultora da Área Política de Drogas do Viva Rio

Major Patrícia Monteiro Barbosa, espe-cialista em Segurança Pública

Netto. Cada caso é analisado sepa-radamente e o tratamento leva em consideração as motivações de origem pessoal, social, familiar e financeira da doença.

Durante o tratamento, o policial fica afastado da atividade. Após a desintoxicação, recebe acompanha- mento ambulatorial e é avaliado pela equipe, que decidirá quando ele está preparado para voltar ao trabalho.

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O tema da redução de danos está diretamente relacionado ao trabalho do policial e ele deve ser sensibiliza-do a participar e intensificar esse de-bate. A sua contribuição é essencial para as reformas legais e uma verda-deira mudança de comportamento.

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uPP: uma estratÉGia De reDução De Danos

Cada vez mais comum na Saúde Pública, a estratégia de redução de danos é adotada também pela polí-cia. As Unidades de Polícia Pacifica-dora (UPP) são um ótimo exemplo, já que o foco é a redução da violên-cia e da letalidade, a preservação e a

melhoria da vida dos moradores.Com a UPP, a polícia deixa

de entrar na comunidade para trocar tiro com os traficantes e

permanece no local, permitindo a oferta de serviços por parte do Es-tado. Ao retirar um território do domínio de grupos armados de tra-ficantes, a UPP reduz a violência na comunidade e os danos associados às drogas.

A discussão sobre drogas, redução

de danos e descriminalização, que antes era impensável, começa a ser difundida na corporação policial. Começa-se a pensar em uma estraté-gia de redução de danos com novos fatores, tanto na questão do enfren-tamento do tráfico, quanto do com-portamento do policial. Já é possível discutir e propor alternativas, mas a discussão ainda enfrenta algumas resistências.

A primeira barreira a ser vencida é a do desconhecimento. Alguns poli-ciais entendem, equivocadamente, a redução de danos como incentivo ao consumo e não como uma possível ferramenta para contribuir com o fim da chamada “guerra às drogas”. Sem contar que a sociedade criou a

A redução de danos é uma estratégia de saúde pública que busca minimizar as consequências adversas do consumo de drogas do ponto de vista da saúde e dos seus aspectos sociais

e econômicos sem, necessariamente, interromper bruscamente esse consumo. As intervenções podem envolver o uso protegido com vistas à diminuição progressiva do uso da droga ou até mesmo a substituição por substâncias que causem menos agravos.

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A UPP viabiliza ofertas de serviços por parte do Estado e reduz violência na comunidade

uma questão de saúde pública

Atualmente, o uso de drogas ilícitas é encarado como uma questão de saúde pública. A Lei de Drogas (11.343/2006) re-flete mudanças nos anseios sociais, entre elas o tratamento do usuário, que deixa de ser visto como criminoso.

Por ser o primeiro a chegar a uma ocorrência, o policial militar deve sa-ber como agir, de acordo com a lei vigente. Muitas vezes, a falta de clareza da lei provoca dúvidas e insegurança no momento de sua aplicação.

A Lei de Drogas proíbe o encarceramento do usuário e aplica a esses casos penas alternativas. O artigo 69 da lei 9.099/95 diz que o termo circunstanciado será lavrado pela autoridade policial que tomar conhe-cimento do fato, devendo o autor ser encaminhado imediatamente ao Juizado Especial. Se ausente a autoridade judicial, o termo circunstan-

ciado deve ser lavrado no local em que se encontrar, sendo vedada a detenção do agente, evitando assim a condução do usuário à delegacia. Em último caso, a Lei de Drogas prevê a internação do usuário para trata-mento, o que demonstra o compromisso com a política de redução de danos.

A condução do usuário à delegacia configura crime de constrangimen-to ilegal, art.146 do Código Penal. A única maneira de cumprir correta-mente a lei seria a lavratura do termo circunstanciado pela polícia, como é feito em vários estados do Brasil. Além de possibilitar o tratamento do usuário, a medida agilizaria o serviço prestado à sociedade, pois o poli-cial não perderia horas na delegacia para registrar um delito de menor potencial ofensivo.

Major Patrícia Monteiro Barbosa, especialista em Segurança Pública

ideia de que droga é errado e tanto quem a comercializa quanto quem a usa deve ser exterminado. Para a polícia entender e praticar a redução de danos é preciso desconstruir cer-tos paradigmas e olhar o usuário de outra maneira.

Coronel Ubiratan Angelo, ex-comandante Geral da PMERJ e coordenador de Segurança Humana do Viva Rio

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Uma cidade suspensa sobre o abismo. Um sítio onde os ho-mens realizam suas vidas, apesar da ausência de um fundamento. Eis uma alegoria prodigiosa da condição histórica de incerteza e precariedade do homem na con-temporaneidade. A filósofa fran-cesa Simone Weil chamou de en-raizamento a necessidade humana de fixar raízes em coletividades que sirvam de alimento. Uma so-ciedade fundada na cultura do dinheiro, como a nossa, é a mais completa tradução da impossibili-dade do enraizamento. Vem daí o mal-estar da nossa civilização.

Por trás do fenômeno contem-porâneo do consumo de bens e serviços, há uma questão ontológica que estamos longe de desenredar em toda a sua profundidade. A lógi-ca da sociedade de consumo busca preencher o vazio de uma existência sem sentido. O consumo desbra-gado, inclusive de drogas; a urgên-cia por níveis de produção cada vez maiores, a fim de satisfazer a pessoa reduzida à figura do consumidor; a centralidade adquirida pela eco-nomia na vida; o mercado, enfim, constituem o som e a fúria do tempo presente, a manifestação de uma so-

o som e a fúria

No livro As cidades invisíveis, Ítalo Calvino descreve o cotidiano dos habitantes de Otávia, uma cidade erguida sobre o vazio: “Caminha-se sobre trilhos de madeira, atentando para não enfiar o pé nos

intervalos, ou agarrar-se aos fios de cânhamo. Abaixo não há nada por centenas e centenas de metros: passam algumas nuvens; mais abaixo, entrevê-se o fundo do desfiladeiro”.

parece denunciar. Realizar o ideal de uma formação humana, nesses termos, em uma sociedade construí-da sobre quase quinhentos anos de escravidão, formada por uma gente atomizada e embrutecida por uma racionalidade de shopping center é tarefa para algumas gerações.

Uma formação que compreenda a especificidade humana deve en-gendrar uma mentalidade diferente da nossa; uma compreensão do hu-mano que possibilite Estados verda-deiramente republicanos, capazes de garantir a justiça e a paz. Afinal, a educação deve partir de uma as-sertiva que na era do vazio precisa ser repetida à exaustão: o futuro que construímos juntos é abertura para o possível e não destino.

ciedade que marcha à deriva. Nesse cenário, o trabalho nada significa além de uma atividade econômica: simples meio para a aquisição de mercadorias.

A partir dessa imoralidade ori-ginária surgem tecnologias voltadas à satisfação das exigências do mun-do corporativo por maiores níveis de eficiência e eficácia. Nascido do mundo empresarial, o discurso da excelência operacional vem colo-nizando a imaginação ao ponto de afetar uma representação única da sociedade como um gigantesco mer-cado. Fica comprometida a utopia política de uma sociedade estrutu-rada com vistas à solidariedade.

É a marca do tempo de um novo bárbaro. O filósofo espanhol Ortega Y Gasset definiu essa criatura como “homem-massa”: aquele que vive na cultura como se estivesse em estado de natureza. Do alto de toda a nossa tecnologia, não cavalgamos fogosos corcéis a pilhar e a incendiar as ci-dades, como as hostes de Átila, mas nos derramamos pachorrentamente nelas, anestesiados, flanando sobre o abismo que se agiganta debaixo de nossos pés, enquanto esgotamos tudo ao redor em nome de um he-donismo demente.

As escolas de formação da Polí-cia Militar existem para ensinar um ofício: um trabalho humano. Essa aspiração decorre do próprio movimento implícito na praxe da polícia: atualizar a polis como ideal de convivência, como processo con-tínuo de construção do humano. Cada aluno dos nossos cursos de formação deve entender que seu compromisso é com a criatura hu-mana e o seu drama.

Há muito para ser feito, nesse sentido. Em que pese tudo aquilo que fizemos nos últimos anos, ain-da somos aquele imenso moinho de gastar gente, na bela metáfora criada pelo saudoso professor Darcy Ribeiro, que o espetáculo terrível das vidas devastadas pelo crack

Coronel Íbis Silva PereiraComandante da Academia de Polícia Militar Dom João VI

Expediente: Publicação do Viva Rio e CBDD - Comissão Brasileira sobre Drogas e DemocraciaApoio: Grupo LANCE! Impresso no Parque Gráfico do LANCE! (21) 3528-5231

Rep

rodu

ção

Equipe Viva Rio: Cristina Secco, Flávia Ferreira, Graciela Bittencourt, Igor Costa, João Marcelo Oliveira, Lidiane Toledo, Maíra Cabral, Marciano Lima, Mélanie Montinard, Nanda Scarambone, Pedro Abramovay, Pedro Vicente Bittencourt, Ronaldo Lapa, Ronilso Pacheco, Rubem Cesar Fernandes, Sandro Costa, Sofia Unanue, Tamara de Paula, Ubiratan Angelo e Walter Mesquita.

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Como são escolhidos e capacitados os policiais que atuam no programa?Todos os policiais que aplicam o Proerd são voluntários. Eles par-ticipam de um curso de capacitação e aprendem técnicas de geren-ciamento de sala, metodologia de ensino, além de várias ferramen-tas pedagógicas. As avaliações são praticamente diárias, e ao final do curso o policial deverá demonstrar que absorveu todo o conhecimento necessário para sua atuação, tendo como prova final um estágio prático em uma escola.

Quais serão os próximos passos do Proerd?Com a formação de novos instru-

tores, esperamos alcançar em 2013 a marca de

mais de 150 mil cri-anças atendidas

no ano, implan-tar o programa em todas as UPPs e atua- lizar os nossos

i n s t r u t o r e s para que pos-

sam também atuar no cur-

rículo dire-cionado ao sétimo ano do ensino fun-

damental.

Como as escolas podem solicitar a participação no Programa?Através de ofício encaminhado à coordenação ou pelo telefone (21) 2333-5961. Todas as escolas que participam do Proerd recebem a visita de um instrutor que apresenta o programa à direção e ao corpo ped-agógico da escola. É de fundamental importância que todos estejam en-volvidos na proposta de prevenção, para que, após o semestre letivo, quando o policial terminar a apli-cação do programa, a escola possa continuar a desenvolver atividades preventivas.

ENTREVISTA: PATRÍCIA SERRA

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OPrograma Educacional de Resistência às Drogas (Proerd), que foi implementado no Brasil em 1992, tem como desafio para este ano atender mais de 150 mil crianças no município do Rio de Janeiro.

O Programa envolve a Polícia Militar, a escola e a família na prevenção do uso abusivo de drogas e da violência entre os jovens. Trata-se de uma adaptação do similar norte-americano D.A.R.E. (Drug Abuse Resistance Education), criado em 1983, em Los Angeles, implementado nos 50 Estados norte-americanos e replicado em mais de 60 países.

No Estado do Rio de Janeiro, o Proerd possui 200 instrutores habilitados e já beneficiou mais de 700 mil crianças e jovens.

Em entrevista, a major Patrícia Serra, coordenadora Estadual do Proerd/RJ, fala sobre a criação, os desafios e os próximos passos do programa, que no Brasil já atendeu 15 milhões de crianças.

Como a PmerJ percebeu a necessida-de de um programa como o Proerd? O mundo não é estático e as téc-nicas de combate à criminalidade devem evoluir também. A polícia, hoje, pesquisa e estuda as deman-das necessárias para se tornar mais eficiente e atender melhor a popu-lação. Quando atuamos na preven-ção estamos focando no bem estar do cidadão e procurando fazer com que ele se torne um parceiro, multi-plicador das informações recebidas.

Qual foi o maior desafio enfrentado pela polícia na implementação do Programa?Mostrar que a polícia pode e deve atuar não apenas na repressão, mas também na prevenção. Além de ser mais uma ferramenta para o combate às drogas, a pre-venção é uma oportunidade de aproxima-ção com a po- pulação. O pro-grama tem se mostrado muito efi-ciente na mu-dança da imagem que a população tem das corporações policiais militares.

Qual é o diferencial do Proerd em relação a outras iniciativas de preven-ção de uso de drogas entre jovens?O Proerd se preocupa em contribuir para a formação de um cidadão consciente de seus deveres e res-ponsabilidades. Nós queremos que as crianças e os adolescentes apren-dam a pensar nas consequências das suas decisões, para que façam suas escolhas de maneira responsável. Eles devem estar cientes de que as decisões que tomam agora vão in-terferir no futuro de suas vidas, e é claro que nesse contexto está inseri-do o uso e abuso de drogas.

“a polícia pode e deve atuar na prevenção”

Div

ulga

ção

Major Patrícia Serra, coordenadora Estadual do Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd/RJ): o mundo não é estático e as técnicas de combate devem evoluir