miopia em marketing

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Miopia em Marketing Por Theodore Levitt Nota: Este artigo foi publicado pela primeira vez na conceituada revista Harvard Business Review, em julho-agosto de 1960. É considerado um clássico de Marketing, por isso a sua leitura é recomendada ainda hoje como sendo a melhor introdução para se entender o que é Marketing. O autor, à época da publicação deste artigo, era palestrante da disciplina de Administração de Negócios da Harvard Business School, onde mais tarde se tornou professor pleno. O artigo foi revisado em 2001 pelo Prof. Luciano Mazza. Toda grande indústria foi, um dia, uma indústria em crescimento. Porém, algumas que estão hoje numa onda de entusiasmo de crescimento estão muito próximas da sombra do declínio. Outras, consideradas como indústrias de crescimento moderado, na verdade pararam de crescer. Em todos os casos, a razão pela qual o crescimento é ameaçado, desacelerado ou detido não é a saturação do mercado. A razão é uma falha da administração. Objetivos fatais A falha está no topo. Os executivos responsáveis por ela são, em última análise, aqueles que lidam com alvos e políticas amplos; assim: As ferrovias não pararam de crescer porque a necessidade de transporte de passageiros e cargas declinou. Essa necessidade cresceu. As ferrovias enfrentam problemas hoje, não porque essa necessidade foi preenchida por outros meios (carros, caminhões, aviões e mesmo telefones), mas porque ela não foi preenchida pelas próprias ferrovias. Elas deixaram que outros lhes tirassem os clientes, porque assumiram que estavam no FCAV - Fundação Carlos Alberto Vanzolini - São Paulo - Brasil Página 1

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Miopia em Marketing

Por Theodore LevittNota: Este artigo foi publicado pela primeira vez na conceituada revista Harvard Business Review, em julho-agosto de 1960. considerado um clssico de Marketing, por isso a sua leitura recomendada ainda hoje como sendo a melhor introduo para se entender o que Marketing. O autor, poca da publicao deste artigo, era palestrante da disciplina de Administrao de Negcios da Harvard Business School, onde mais tarde se tornou professor pleno. O artigo foi revisado em 2001 pelo Prof. Luciano Mazza.

Toda grande indstria foi, um dia, uma indstria em crescimento. Porm, algumas que esto hoje numa onda de entusiasmo de crescimento esto muito prximas da sombra do declnio. Outras, consideradas como indstrias de crescimento moderado, na verdade pararam de crescer. Em todos os casos, a razo pela qual o crescimento ameaado, desacelerado ou detido no a saturao do mercado. A razo uma falha da administrao.

Objetivos fataisA falha est no topo. Os executivos responsveis por ela so, em ltima anlise, aqueles que lidam com alvos e polticas amplos; assim: As ferrovias no pararam de crescer porque a necessidade de transporte de passageiros e cargas declinou. Essa necessidade cresceu. As ferrovias enfrentam problemas hoje, no porque essa necessidade foi preenchida por outros meios (carros, caminhes, avies e mesmo telefones), mas porque ela no foi preenchida pelas prprias ferrovias. Elas deixaram que outros lhes tirassem os clientes, porque assumiram que estavam no negcio ferrovirio, ao invs de no de transportes. A razo pela qual elas definiram erradamente sua indstria foi o fato de elas serem orientadas para ferrovias em vez de para transportes; elas eram orientadas para produtos, e no para clientes.

Hollywood escapou por pouco de ser totalmente arrebatada pela televiso. Na verdade, todas as empresas cinematogrficas existentes passaram por drsticas reorganizaes. Algumas simplesmente desapareceram. Todas elas enfrentaram problemas, no devido s incurses da TV, mas por sua prpria miopia. Assim como as ferrovias, Hollywood definiu de forma incorreta o seu negcio. Pensou que estava no negcio de filmes quando estava, de fato, no de entretenimento. "Filmes" implicava um produto especfico e limitado. Isso produziu uma satisfao FCAV - Fundao Carlos Alberto Vanzolini - So Paulo - Brasil Pgina 1

ilusria, que, desde o incio, levou os produtores a encarar a TV como uma ameaa, Hollywood desprezou e rejeitou a TV, quando deveria t-la recebido como uma oportunidade - uma oportunidade para expandir o negcio de entretenimento. Hoje, a TV um negcio maior do que o antigo e estritamente definido negcio do cinema jamais foi. Se Hollywood houvesse sido orientada para o cliente (provendo entretenimento), ao invs de orientada para o produto (fazendo filmes), ser que teria atravessado o purgatrio financeiro pelo qual passou? Duvido. O que, em ltima anlise, salvou Hollywood e foi responsvel pelo seu ressurgimento foi a onda de novos jovens escritores, produtores e diretores, cujos sucessos anteriores na televiso haviam dizimado as antigas empresas cinematogrficas e desequilibrado os grandes magnatas do cinema.

Existem outros exemplos, menos bvios, de indstrias que puseram e pem em perigo seus futuros, definindo de forma imprpria seus objetivos. Discutirei mais tarde algumas em detalhe, analisando as espcies de polticas que conduziram a problemas. Neste momento, pode ser til mostrar o que uma administrao inteiramente orientada para o cliente pode fazer, para manter uma indstria em crescimento mesmo depois que as oportunidades bvias tiverem sido exauridas; e aqui existem dois exemplos significativos e longevos. Eles so o nilon e o vidro - especificamente, a E. I. DuPont de Nemours & Company e a Corning Glass Works. Ambas as empresas possuem grande competncia tcnica. Sua orientao para o produto inquestionvel. Mas isso no explica, por si s, o seu sucesso. Afinal, quem era mais orgulhosamente orientada para o produto e dele consciente do que as antigas empresas txteis da Nova Inglaterra, que foram totalmente massacradas? As DuPonts e as Cornings tiveram sucesso, no devido sua orientao para o produto ou para a pesquisa, mas porque elas tambm tm sido inteiramente orientadas para os clientes. E a constante vigilncia por oportunidades para aplicar seus conhecimentos tcnicos criao de usos que satisfaam ao cliente que responsvel pela prodigiosa produo de seus novos e bem sucedidos produtos. Sem um olho muito sofisticado sobre o cliente, a maior parte de seus novos produtos poderia dar errado, e seus mtodos de vendas se mostrariam inteis. A indstria do alumnio tambm tem um continuado crescimento, graas aos esforos de duas empresas iniciadas no tempo da guerra que decidiram criar novos usos para a satisfao dos clientes. Sem a Kaiser Aluminum & Chemical Corporation e a Reynolds Metals Company, a demanda total por alumnio hoje seria muito menor.

Erro de anliseAlguns podem argumentar que uma tolice colocar as ferrovias contra o alumnio, ou os filmes contra o vidro. O alumnio e o vidro, por serem toFCAV - Fundao Carlos Alberto Vanzolini - So Paulo - Brasil Pgina 2

versteis, naturalmente tm de ter mais oportunidades de crescimento que as ferrovias e os filmes! Esta viso comete precisamente o mesmo erro de que eu estava falando. Ela define uma indstria, ou produto, ou um agrupamento de conhecimentos, de forma to restrita, que garante sua senilidade precoce. Quando mencionamos "ferrovias", deveramos assegurar-nos de querer dizer "transportes". Como transportadoras, as ferrovias ainda tm boa chance de crescimento bastante considervel. Elas no esto limitadas ao negcio ferrovirio como tal (embora, pelo meu ponto de vista, o transporte ferrovirio seja, potencialmente, um meio de transporte muito mais forte do que se acredita em geral). Aquilo de que as ferrovias carecem no oportunidade, mas de uma parte da mesma imaginao e audcia gerenciais que as tornaram grandes. At mesmo um amador como Jacques Barzun (1) pode ver o que est faltando, quando ele diz:

Eu me aflijo por ver a organizao fsica e socialmente mais avanada do ltimo sculo cair em desgraa por falta da mesma imaginao abrangente que a construiu. O que est faltando a vontade de as empresas sobreviverem e satisfazerem ao pblico, por meio de inventividade e talento.

SOMBRA DE OBSOLESCNCIA impossvel mencionar uma s indstria importante que no tenha se qualificado, alguma vez, denominao mgica de "indstria em crescimento". Em cada caso, sua fora assumida est na superioridade, aparentemente sem concorrncia, do seu produto. Parecia no haver um substituto efetivo para ela. Ela era, por si, um substituto para o produto que substitua de forma to triunfante. Entretanto, essas indstrias to celebradas caram, uma aps outra, na sombra. Vamos examinar rapidamente mais algumas delas, desta vez tomando exemplos que tm recebido, at agora, um pouco menos de ateno: Lavagem a seco - Esta foi, no passado, uma indstria em crescimento com timas perspectivas. Na era das vestimentas de l, imagine ser finalmente possvel t-las limpas de forma segura e fcil. O crescimento estava garantido. Porm aqui estamos, trinta anos depois que o crescimento comeou e a indstria enfrenta problemas. De onde veio a concorrncia? De uma forma melhor de limpar? No. Veio das fibras sintticas e dos aditivos qumicos que eliminaram a necessidade de lavagem a seco. Mas isto apenas o comeo. espreita e pronto para tornar a limpeza qumica a seco totalmente obsoleta est aquele poderoso mgico, o ultra-som. Servios de eletricidade - Este outro daqueles produtos supostamente "insubstituveis", que foi entronizado num pedestal deFCAV - Fundao Carlos Alberto Vanzolini - So Paulo - Brasil Pgina 3

crescimento invencvel. Quando surgiu a lmpada incandescente, os lampies a querosene estavam acabados. Depois, a roda d'gua e o motor a vapor foram reduzidos a tiras pela flexibilidade, confiabilidade, simplicidade e fcil disponibilidade dos motores eltricos. A prosperidade dos utenslios eltricos continua a brilhar intensamente, enquanto o lar convertido num museu de engenhocas eltricas. Como poderia algum esperar, investindo em utenslios, sem concorrncia, algo seno crescimento? Um segundo exame, entretanto, no to confortador. Um nmero de empresas de outros setores est bem avanado no desenvolvimento de uma poderosa clula de combustvel qumico, que fica em algum canto de cada casa, produzindo silenciosamente energia eltrica. As linhas eltricas, que vulgarizam tantos bairros, sero eliminadas. O mesmo se dar com as infindveis obras em ruas e as interrupes de fornecimento durante tempestades. Tambm est no horizonte a energia solar, mais uma vez desenvolvida por empresas no ligadas a servios de eletricidade. Quem disse que os servios de eletricidade no tm concorrncia? Eles podem ser monoplios naturais agora, mas amanh tero mortes naturais. Para evitar essa perspectiva, tambm eles tero de desenvolver clulas de energia, energia solar e outras fontes de energia. Para sobreviver, elas prprias tero de prever a obsolescncia daquilo que hoje prov o seu sustento. Mercearias - Muitas pessoas acham difcil imaginar que j houve um estabelecimento prspero conhecido como a "mercearia da esquina". O supermercado assumiu com uma poderosa eficcia. Entretanto, as grandes redes de produtos alimentcios dos anos 30 mal escaparam de ser completamente eliminadas pela agressiva expanso dos supermercados independentes. O primeiro supermercado genuno foi aberto em 1930, em Jamaica, Long lsland. L por 1933, os supermercados estavam prosperando na Califrnia, Ohio, Pennsylvania e em outros lugares. As redes j estabelecidas, porm, pomposamente os ignoraram. Quando elas decidiram tomar conhecimento deles, era atravs de descries irnicas como "vagabundo", "antiquado", "sem sofisticao" e "oportunistas a-ticos". O executivo de uma grande rede anunciou, na ocasio, que achava "difcil acreditar que pessoas dirigiro quilmetros para comprar alimentos e sacrificar o atendimento pessoal que as redes aperfeioaram, ao qual a Sra. cliente est acostumada" (2). Em 1936, a conveno da Associao Nacional dos Merceeiros Atacadistas e a Associao dos Merceeiros Varejistas de New Jersey disseram que no havia nada a temer. Elas disseram que o apelo restrito dos supermercados ao preo limitava o tamanho do seu mercado. Eles precisavam atrair clientes de quilmetros sua volta. Quando viessem os imitadores, haveria grandes liquidaes, pois o volume de vendas cairia. Aquelas grandes vendas dos supermercados foram interpretadas como sendo, em parte, devidas ao seu carter de novidade. Basicamente, as pessoas queriam os convenientes merceeiros das vizinhanas. Se as lojas dasFCAV - Fundao Carlos Alberto Vanzolini - So Paulo - Brasil Pgina 4

vizinhanas "cooperarem com seus fornecedores, prestarem ateno aos seus custos e melhorarem seus servios", elas sero capazes de vencer a concorrncia, at que ela estoure (3). Ela nunca estourou. As redes descobriram que a sobrevivncia exigia a entrada no negcio de supermercados. Isto significava a destruio total dos seus enormes investimentos em pontos para lojas e em mtodos de distribuio e comercializao. As empresas, com "a coragem de suas convices", se aferraram resolutamente filosofia da loja da esquina, mantiveram seu orgulho, mas perderam suas camisas.

Ciclo auto-ilusrioAs memrias, porm, so curtas. Por exemplo, difcil, para as pessoas que hoje sadam confiantemente os messias gmeos da eletrnica e da qumica ver como as coisas poderiam sair errado para essas galopantes indstrias. provvel que elas tambm no possam ver como um homem de negcios razoavelmente sensato poderia ser to mope como o famoso milionrio de Boston que, h cinqenta anos, sem querer, sentenciou seus herdeiros pobreza estipulando que todas as suas posses fossem para sempre investidas em aes de companhias de bondes eltricos. Sua declarao pstuma, "sempre haver uma grande demanda por transporte urbano eficiente", no consolo para seus herdeiros, que ganham a vida como frentistas em postos de gasolina. Entretanto, num levantamento casual que fiz recentemente junto a grupo de executivos inteligentes de empresas, quase metade concordou que seria difcil prejudicar seus herdeiros ligando suas posses para sempre indstria eletrnica. Quando ento os confrontei com o exemplo dos bondes de Boston, eles disseram em coro: "Isto diferente"! Mas ser que ? A situao bsica no idntica? Na verdade, creio que no existe uma indstria em crescimento. Existem somente empresas organizadas e operadas para criar e capitalizar em cima de oportunidades de crescimento. Indstrias que se autoassumem como estando sobre alguma escada rolante automtica de crescimento invariavelmente descem estagnao. A histria de toda empresa "em crescimento", morta ou agonizante mostra um ciclo auto-ilusrio de generosa expanso e de queda no detectada. Existem quatro condies que, usualmente, garantem este ciclo:1. A crena de que o crescimento assegurado por uma populao em expanso e mais afluente. 2. A crena de que no existe um substituto competitivo para o principal produto da empresa. 3. Excesso de f na produo em massa e nas vantagens do rpido declnio do custo unitrio com o aumento da produo. 4. Preocupao com um produto que se preste experimentao cientfica cuidadosamente controlada, ao aperfeioamento e reduo dos custos de produo.FCAV - Fundao Carlos Alberto Vanzolini - So Paulo - Brasil Pgina 5

Gostaria agora de comear examinando cada uma dessas condies com algum detalhe. Para montar meu caso da forma mais evidente possvel, irei ilustrar os pontos com referncia a trs indstrias - petrleo, automveis e eletrnica - em particular o petrleo, porque ele se estende por mais anos e mais vicissitudes. No s estas trs indstrias tm excelentes reputaes com o pblico em geral, gozando da confiana de investidores sofisticados, mas tambm suas gerncias se tornaram conhecidas pelo pensamento progressista em reas como controle financeiro, pesquisa de produtos e treinamento gerencial. Se a obsolescncia pode paralisar at mesmo essas indstrias, pode faz-lo com qualquer uma.

O MITO DA POPULAOA crena de que os lucros esto assegurados por uma populao afluente em expanso cara a toda indstria. Ela elimina as apreenses que todos compreensivelmente sentem a respeito do futuro. Se os consumidores esto se multiplicando e tambm comprando mais do seu produto ou servio, voc pode enfrentar o futuro com muito mais conforto do que se o mercado est se encolhendo. Um mercado em expanso evita que o fabricante precise pensar muito ou de forma criativa. Se pensar uma resposta intelectual a um problema, ento a ausncia de um problema conduz ausncia de pensamento. Se o seu produto conta com um mercado em expanso automtica, ento voc no pensar muito em como expandi-lo. Um dos exemplos mais interessantes disto dado pela indstria petrolfera. Provavelmente por ser nossa mais antiga indstria em crescimento, ela apresenta um recorde invejvel. Embora haja algumas apreenses correntes a respeito de sua taxa de crescimento, a indstria em si tende a ser otimista. Acredito, porm, que possa ser demonstrado que ela est passando por uma mudana fundamental, apesar de tpica. Ela no s est cessando de ser uma indstria em crescimento, mas tambm pode de fato estar declinando em relao a outros negcios. Embora haja ampla falta de conscincia a esse respeito, creio que dentro de vinte e cinco anos a indstria petrolfera poder encontrar-se, em grande parte, na mesma posio de glria retrospectiva em que esto hoje as ferrovias. A despeito de seu trabalho pioneiro no desenvolvimento e aplicao do mtodo do valor presente na avaliao de investimentos, em relaes com empregados e no trabalho em pases atrasados, o negcio de petrleo um exemplo penoso de como a complacncia e a obstinao podem, teimosamente, converter oportunidades em quase desastres. Uma das caractersticas desta e de outras indstrias que tm acreditado muito nas conseqncias benficas de uma populao em expanso, sendo, ao mesmo tempo, indstrias com um produto genrico, para o qual tem parecido no haver substituto competitivo, que as empresas individualmenteFCAV - Fundao Carlos Alberto Vanzolini - So Paulo - Brasil Pgina 6

tm tentado ultrapassar seus concorrentes melhorando aquilo que j esto fazendo. Isto, claro, faz sentido se assumirem que as vendas esto ligadas aos cordes da populao do pas, porque o cliente somente pode comparar produtos na base de caracterstica por caracterstica. Creio que seja significante, por exemplo, que desde que John D. Rockefeller enviou lampies a querosene de graa para a China, a indstria petrolfera no tenha feito nada de realmente notvel para criar uma demanda para seus produtos. Nem mesmo no aperfeioamento de produtos ela se tem mostrado com eminncia. O maior aperfeioamento isolado - o desenvolvimento do chumbo tetraetila - veio de fora da indstria, especificamente da General Motors e da DuPont. As grandes contribuies feitas pela indstria em si esto confinadas tecnologia de explorao, produo e refino do petrleo.

Procurando encrencasEm outras palavras, os esforos da indstria tm focalizado a melhora da eficincia na obteno e preparao de seu produto, no realmente na melhora do produto genrico ou de seu marketing. Alm disso, seu produto mais importante tem sido, continuamente, definido nos termos os mais restritos possveis, isto , gasolina e no energia, combustvel ou transporte. Esta atitude tem ajudado a assegurar que: Os aperfeioamentos importantes na qualidade da gasolina tendem a originar-se fora da indstria petrolfera. Tambm o desenvolvimento de combustveis alternativos superiores vem de fora da indstria petrolfera, corno mostrado mais adiante. As maiores inovaes no marketing de combustvel automotivo so originadas por pequenas empresas petrolferas que no esto preocupadas primordialmente com produo ou refino. Essas so as empresas que tm sido responsveis pela rpida expanso dos postos multibombas, com sua bem sucedida nfase em disposies amplas e limpas, servio rpido e eficiente e gasolina de qualidade a preos baixos.

Assim, a indstria petrolfera est procurando encrenca com gente de fora. Cedo ou tarde, nesta terra de inventores e entrepreneurs famintos, certeza que uma ameaa vir. As possibilidades disso se tornaro mais evidentes quando passarmos seguinte crena perigosa de muitas administraes. Em favor da continuidade, pois esta segunda crena est intimamente ligada primeira, continuarei com o mesmo exemplo.

Idia de indispensabilidadeA indstria do petrleo est bastante convencida de que no existe um substituto competitivo para seu produto principal, a gasolina - ou, se existir, queFCAV - Fundao Carlos Alberto Vanzolini - So Paulo - Brasil Pgina 7

ele continuar a ser um derivado do petrleo cru, assim como o leo diesel ou o querosene de aviao. H uma grande dose de f automtica nesta suposio. O problema que a maioria das empresas refinadoras possuem enormes quantidades de reservas de petrleo bruto. Estas somente tm valor se houver um mercado para produtos nos quais o petrleo possa ser convertido - da a tenaz crena na continuao da superioridade competitiva dos combustveis automotivos feitos a partir do petrleo bruto. Esta idia persiste, a despeito de todas as evidncias histricas contra ela. Elas no s mostram que o petrleo nunca foi um produto superior para qualquer finalidade por muito tempo, mas tambm que a indstria petrolfera nunca foi de fato uma indstria em crescimento. Ela tem sido uma sucesso de diferentes negcios, que passaram pelos ciclos histricos usuais de crescimento, maturidade e declnio. Sua sobrevivncia global se deve a uma srie de escapadas miraculosas da obsolescncia total, de prorrogaes, inesperadas e de ltimo minuto, salvando-a do desastre total, que nos fazem lembrar os Perigos de Paulina.

Perigos do petrleoVou esboar apenas os episdios principais. Inicialmente, o petrleo cru era basicamente um medicamento acessvel. Porm, antes mesmo que essa moda passasse, a demanda foi grandemente expandida pelo uso do petrleo em lampies de querosene. A perspectiva de iluminar os lampies do mundo fez surgir uma extravagante promessa de crescimento. As perspectivas eram semelhantes quelas que a indstria tem agora em relao gasolina em outras partes do mundo. Ela mal pode esperar que as naes subdesenvolvidas tenham um carro em cada garagem. Nos dias do lampio a querosene, as empresas petrolferas competiam entre si e contra a iluminao a gs, tentando melhorar as caractersticas de iluminao do querosene. Ento, de repente, o impossvel aconteceu. Edison inventou uma luz que era totalmente independente do petrleo cru. Se no fosse pelo uso crescente do querosene em aquecedores de ambientes, a lmpada incandescente teria, naquela poca, acabado completamente com o petrleo como uma indstria em crescimento. O petrleo teria sido til para pouco mais que a lubrificao de eixos, sob a forma de graxa. Ento o desastre e a prorrogao aconteceram novamente. Ocorreram duas grandes inovaes, nenhuma delas originada na indstria petrolfera. O desenvolvimento bem sucedido de sistemas de aquecimento central domstico a carvo tornaram obsoleto o aquecedor de ambientes. Enquanto a indstria cambaleava com esses golpe, ela recebeu seu mais magnfico impulso - o motor de combusto interna, tambm inventado por elementos externos FCAV - Fundao Carlos Alberto Vanzolini - So Paulo - Brasil Pgina 8

indstria. Ento, quando a prodigiosa expanso para a gasolina finalmente comeou a nivelar-se nos anos 20, surgiu a miraculosa sada de um aquecedor central a leo. Mais uma vez, a sada foi dada pela inveno e desenvolvimento por parte de algum de fora da indstria. E, quando esse mercado enfraqueceu, a demanda em tempo de guerra por combustvel de aviao veio em seu socorro. Depois da guerra, a expanso da aviao civil, a adoo do diesel pelas ferrovias e a explosiva demanda por automveis e caminhes manteve o crescimento da indstria acelerado. Enquanto isso, o aquecimento central a leo - cujo potencial de crescimento s recentemente havia sido proclamado - passou a sofrer severa concorrncia do gs natural. Embora as prprias empresas de petrleo possussem o gs que ento concorria com o seu petrleo, a indstria no originou a revoluo do gs natural nem lucrou, at agora, com o fato de possuir o gs. A revoluo do gs foi feita por empresas de distribuio formadas recentemente, que comercializavam o produto com ardor agressivo. Elas comearam uma nova e magnfica indstria, inicialmente contra os conselhos e depois contra a resistncia das empresas de petrleo. Pela lgica da situao, as empresas de petrleo deveriam ter feito elas mesmas a revoluo do gs. Elas no s possuam o gs, mas tambm eram as nicas com experincia em manuseio, depurao e utilizao, as nicas experimentadas na tecnologia de gasodutos e que entendiam de problemas de aquecimento. Mas, em parte porque elas sabiam que o gs natural iria competir com suas prprias vendas de leo para aquecimento, as empresas petrolferas desprezaram o potencial do gs. A revoluo foi finalmente iniciada por executivos de oleodutos de petrleo que, incapazes de persuadir as empresas em que trabalhavam a entrar no gs, se demitiram e organizaram as espetacularmente bem sucedidas empresas de transmisso de gs. Mesmo depois que o seu sucesso se tornou dolorosamente evidente para as empresas petrolferas, estas no entraram no transporte de gs. O negcio multibilionrio, que deveria ser delas, foi para outros. Como no passado, a indstria foi cegada por sua estreita preocupao com um produto especfico e pelo valor das suas reservas. Ela dedicou pouca ou nenhuma ateno s necessidades bsicas e preferncias dos seus clientes. Os anos ps-guerra no testemunharam nenhuma mudana. lmediatamente aps a Segunda Guerra Mundial, a indstria petrolfera estava grandemente encorajada a respeito de seu futuro pela rpida expanso da demanda pela sua linha tradicional de produtos. Em 1950, a maior parte das empresas projetava taxas anuais de expanso domstica de cerca de 6% at no mnimo 1975. Embora a proporo das reservas de petrleo cru em relao demanda no Mundo livre fosse de cerca de 20 para 1, com 10 para 1 sendo normalmente considerado um ndice razovel nos Estados Unidos, a exploso da demanda fez com que os homens do petrleo partissem em busca de mais, sem pensarem o suficiente a respeito do que o futuro prometia realmente. Em 1952 eles "acertaram" no Oriente Mdio; a proporo saltou a 42 para 1. Se as adies brutas s reservas continuarem taxa mdia dos ltimos cinco anosFCAV - Fundao Carlos Alberto Vanzolini - So Paulo - Brasil Pgina 9

(37 milhes de barris anuais), ento por volta de 1970 a proporo das reservas seria de 45 para 1. Esta abundncia de petrleo enfraqueceu os preos do petrleo e derivados em todo o mundo.

Futuro incertoA administrao dessas empresas no pode encontrar muito consolo na rpida expanso da indstria petroqumica, outra idia para emprego do petrleo que no se originou nas maiores empresas. A produo total de petroqumicos nos Estados Unidos eqivale a cerca de 2% (em volume) da demanda por todos os derivados de petrleo. Embora se espere que a indstria petroqumica cresa agora a uma taxa prxima a 10% ao ano, isto no ir compensar outros drenos no crescimento do consumo de petrleo cru. Alm disso, embora os produtos petroqumicos sejam muitos e estejam aumentando, bom lembrar que existem fontes no petrolferas de matria-prima bsica, tais como o carvo. E muito plstico pode ser produzido com relativamente pouco petrleo. Uma fbrica que consome 50.000 barris por dia uma operao gigantesca. A indstria petrolfera nunca foi de crescimento forte e contnuo. Ela tem crescido aos trancos, sempre salva milagrosamente por inovaes e desenvolvimentos no por ela efetuados. A razo pela qual ela no cresceu numa progresso suave que, cada vez que ela pensava que contava com um produto superior, livre da possibilidade de substitutos competitivos, este acabava mostrando-se inferior e notoriamente sujeito obsolescncia. At agora a gasolina (pelo menos como combustvel para motores) tem escapado a este destino. Mas, como veremos mais adiante, tambm ela pode estar nas ltimas. O que quero dizer com tudo isso que no existe garantia contra a obsolescncia de produtos. Se as prprias pesquisas de uma empresa no tornam seu produto obsoleto, as de outra o faro. A menos que uma indstria seja especialmente afortunada, como a petrolfera tem sido at agora, ela pode facilmente cair no mar de prejuzos - como aconteceu com as ferrovias, os fabricantes de chicotes para carroas, as redes de mercearias de esquina, a maior parte das grandes empresas cinematogrficas e muitas outras indstrias. A melhor maneira para uma empresa ter sorte fazendo sua prpria sorte. Isso exige o conhecimento do que torna um negcio bem sucedido. Um dos maiores inimigos deste conhecimento a produo em massa.

PRESSES DA PRODUOAs indstrias de produo em massa so impelidas por um grande impulso de produzir tudo aquilo que podem. A perspectiva de custosFCAV - Fundao Carlos Alberto Vanzolini - So Paulo - Brasil Pgina 10

agudamente declinantes enquanto a produo cresce mais do que a maioria das empresas pode normalmente resistir. As possibilidades de lucros parecem espetaculares. Todo o esforo se concentra na produo. O resultado que o marketing negligenciado. John Kenneth Galbraith afirma que ocorre exatamente o oposto. " A produo to prodigiosa que todo o esforo se concentra em se livrar dela. Ele diz que isto responsvel pelos comerciais musicados, pela profanao das reas rurais com cartazes de propaganda e outras prticas destrutivas e vulgares. Ele toca em algo real, mas perde um ponto estratgico. A produo em massa gera, de fato, uma grande presso para "mover o produto. Mas o que costuma ser enfatizado so as vendas e no o marketing. Este sendo um processo mais sofisticado e completo, permanece ignorado. A diferena entre marketing e vendas mais que semntica. Vendas se concentra nas necessidades do vendedor, marketing naquelas do comprador. Vendas se preocupa com a necessidade do vendedor, de converter seu produto em dinheiro, marketing com a idia de satisfazer as necessidades do cliente por meio do produto e de todo o conjunto de coisas associadas sua criao, entrega e consumo final. Em algumas indstrias, as tentaes da produo inteiramente em massa tm sido to poderosas que, por muitos anos, a alta direo tem dito, com efeito, aos departamentos de vendas o seguinte: "Vocs se livrem dos produtos; ns nos preocuparemos com os lucros". Em contraste, uma empresa com mentalidade verdadeira de marketing tenta criar bens e servios que satisfaam valores e que os consumidores iro querer comprar. Aquilo que ela oferece venda inclui no s o produto ou servio genrico, mas tambm como ele colocado disposio do cliente, de que forma, quando, sob quais condies e sob quais termos de comercializao. Mais importante, aquilo que ela oferece venda determinado no apenas pelo vendedor, mas tambm pelo comprador. O vendedor recebe sugestes do comprador, de tal forma que o produto se torna uma conseqncia do esforo mercadolgico, e no viceversa.

Atraso em DetroitIsto pode soar como uma regra elementar de negcios, mas nada impede que seja violada em toda parte. Ela certamente mais violada do que respeitada. Veja a indstria automobilstica. Aqui, a produo em massa mais famosa, mais respeitada e tem maior impacto sobre toda a sociedade. A indstria amarrou sua fortuna s suas exigncias implacveis da mudana anual de modelos, uma poltica que faz da orientao para o cliente uma necessidade especialmente urgente. Em conseqncia, as empresas automobilsticas despendem anualmente milhes de dlares em pesquisa do consumidor. Entretanto, o fato de os novos carros compactos estarem vendendo to bem em seu primeiro ano indica que asFCAV - Fundao Carlos Alberto Vanzolini - So Paulo - Brasil Pgina 11

vastas pesquisas de Detroit tm, por muito tempo, deixado de revelar aquilo que o cliente realmente desejava. Detroit no estava convencida de que ele quisesse algo diferente daquilo que j tinha, at que perdeu milhes de clientes para outros fabricantes de carros pequenos. Como foi possvel este incrvel atraso em relao aos desejos de os consumidores se perpetuar por tanto tempo? Por que as pesquisas no revelaram as preferncias dos consumidores, antes que as prprias decises de compra revelassem os fatos? No para isso que servem as pesquisas descobrir o que ir acontecer, antes do fato? A resposta que Detroit nunca realmente pesquisou os desejos do cliente. Ela somente pesquisou suas preferncias entre as espcies de coisas que ela j havia decidido oferecer a ele. Pois Detroit basicamente orientada para o produto, no para o cliente. At onde o cliente reconhecido como tendo necessidades que o fabricante deveria tentar satisfazer, Detroit costuma agir como se a tarefa pudesse ser efetuada inteiramente por mudanas no produto. Ocasionalmente dada ateno tambm ao financiamento, mas isto feito mais para vender do que para possibilitar a compra para o cliente. Quanto a cuidar de outras necessidades do cliente no h nada sobre o que se escrever. As reas de maiores necessidades insatisfeitas so ignoradas ou, na melhor das hipteses, recebem ateno como filhos rejeitados. Estas esto no ponto de venda e nas questes de reparos e manuteno dos carros. Detroit encara essas reas-problema como sendo de importncia secundria. Isto salientado pelo fato de as pontas de varejo e atendimento tcnico desta indstria no serem possudas, operadas nem controladas pelos fabricantes. Uma vez produzido o carro, as coisas esto nas mos inadequadas do concessionrio. llustrativo da atitude de curto prazo de Detroit o fato de, apesar de a assistncia tcnica garantir enormes oportunidades de estmulo s vendas e de aumento dos lucros, somente 57, dos 7.000 concessionrios Chevrolet, provem servios noturnos de manuteno. Os motoristas expressam repetidamente sua insatisfao com a assistncia tcnica e suas apreenses a respeito de comprar carros sob o presente esquema de vendas. As ansiedades e os problemas que eles enfrentam durante os processos de compra e manuteno de carros so, provavelmente, mais intensos e generalizados hoje do que h trinta anos. Porm, as empresas automobilsticas no parecem ouvir ou aceitar sugestes do angustiado consumidor. Se o fazem, deve ser atravs do filtro de suas prprias preocupaes com a produo. O esforo de marketng ainda visto como uma conseqncia necessria do produto, e no vice-versa, como deveria ser. Esse o legado da produo em massa, com sua viso limitada de que o lucro reside essencialmente em produo em massa a baixo custo.

O que Ford colocou primeiroO engodo do lucro da produo em massa tem, obviamente, um lugar nos planos e na estratgia da administrao de negcios, mas ele deve ser sempre acompanhado de muito pensamento a respeito do cliente. Esta uma das lies mais importantes que podemos aprender do comportamentoFCAV - Fundao Carlos Alberto Vanzolini - So Paulo - Brasil Pgina 12

contraditrio de Henry Ford. Em certo sentido, Ford foi tanto o mais brilhante quanto o menos sensato homem de marketing da histria americana. Ele era insensato porque se recusava a dar ao cliente qualquer coisa que no fosse um carro preto. Era brilhante porque criou um sistema de produo concebido para atender as necessidades do mercado. Ns habitualmente o celebramos pelo motivo errado, seu gnio na produo. Seu gnio real estava em marketing. Pensamos que ele foi capaz de cortar seu preo de venda e, portanto, vender milhes de carros a US$ 500, devido a sua inveno da linha de montagem ter reduzido os custos. Na verdade, ele inventou a linha de montagem porque havia concludo que, por US$ 500, poderia vender milhes de carros. A produo em massa foi o resultado, no a causa, dos seus baixos preos. Ford enfatizava esse ponto repetidamente, mas uma nao de gerentes de empresas orientados para produo se recusa a ouvir a grande lio que ele ensinou. Aqui est a sua filosofia de operao, como ele se expressou de forma sucinta: Nossa poltica reduzir o preo, estender as operaes e melhorar o produto. Voc ir perceber que a reduo do preo vem em primeiro lugar. Ns nunca consideramos nenhum custo como sendo fixo. Portanto, primeiro reduzimos o preo at o ponto em que acreditamos que resultaro mais vendas. Depois, prosseguimos e tentamos fazer os preos. No nos incomodamos com os custos. O novo preo fora os custos para baixo. A forma mais usual tomar os custos e ento determinar o preo; e, embora esse mtodo possa parecer cientifico num sentido restrito, ele no o no sentido amplo, porque para que serve saber o custo, se ele lhe diz que voc no pode produzir a um preo pelo qual o produto possa ser vendido? Porm, mais importante o fato de que, embora se possa calcular quanto um custo, e claro que todos os nossos custos so cuidadosamente calculados, ningum sabe qual deveria ser um custo. Uma das formas de descobri-lo ... fixar um preo to baixo que force todos a alcanar o ponto mais alto de eficincia. O preo baixo faz com que todos lutem pelos lucros. Descobrimos mais coisas ligadas produo e vendas sob este mtodo forado do que por qualquer mtodo de investigao vagarosa. (5)

Provincianismo do produtoAs excitantes possibilidades de lucros atravs de custos unitrios baixos podem ser a atitude mais seriamente auto-enganosa que pode afligir uma empresa, particularmente uma empresa "em crescimento", onde uma expanso aparentemente assegurada da demanda j tende a minar uma preocupao adequada com a importncia do marketing e do cliente. O resultado usual desta preocupao estreita com as assim chamadas questes concretas que, ao invs de crescer, a indstria declina. IstoFCAV - Fundao Carlos Alberto Vanzolini - So Paulo - Brasil Pgina 13

normalmente significa que o produto no consegue adaptar-se aos padres, em constante mutao, das necessidades e gostos dos consumidores, a novas e modificadas instituies e prticas de marketing ou ao desenvolvimento de produtos em indstrias concorrentes ou complementares. A indstria tem seus olhos to fixos em seu prprio produto especfico que no v como ele est se tornando obsoleto. O exemplo clssico disto a indstria de chicotes para carroas. Nenhuma espcie de aperfeioamento do produto poderia salv-lo da sentena de morte. Mas, se a indstria houvesse se definido como estando no negcio de transportes, ao invs do de chicotes, ela poderia ter sobrevivido. Ela teria feito aquilo que a sobrevivncia sempre impe, isto , mudar. Mesmo que definisse seu negcio como sendo somente o de prover um estimulante ou catalisador para uma fonte de energia, ela poderia ter sobrevivido transformando-se em fabricante de correias de ventiladores, por exemplo. Aquela que pode, algum dia, ser um exemplo ainda mais clssico , de novo, a indstria petrolfera. Tendo deixado que outros roubassem dela oportunidades maravilhosas (p.ex., gs natural, j mencionado, combustveis para foguetes e lubrificantes para motores a jato), seria de se esperar que ela houvesse tomado providncias para que isso no acontecesse de novo. Mas no o que acontece. Estamos tendo agora novos e extraordinrios desenvolvimentos em sistemas de combustvel concebidos especificamente para equipar automveis. Esses desenvolvimentos no s esto concentrados em empresas fora da indstria petrolfera, mas tambm esta os ignora quase sistematicamente, contente com sua feliz unio ao petrleo. , mais uma vez, a histria do lampio de querosene versus a lmpada incandescente. A indstria est tentando aperfeioar combustveis base de hidrocarbonetos, ao invs de desenvolver quaisquer combustveis que melhor se adaptem s necessidades dos seus usurios, produzidos ou no de maneiras diferentes e a partir de matrias-primas que sejam ou no derivadas do petrleo. Aqui esto algumas coisas nas quais as empresas no-petrolferas esto trabalhando:

Mais de uma dzia de tais empresas possuem agora modelos avanados em funcionamento de sistemas de energia que, quando aperfeioados, iro substituir o motor de combusto interna e eliminar a demanda por gasolina. O maior mrito de cada um desses sistemas a eliminao das freqentes, demoradas e irritantes paradas para reabastecimento. A maior parte desses sistemas de clulas de combustvel projetadas para criar energia eltrica diretamente de produtos qumicos, sem combusto. Em sua maioria, elas utilizam produtos no derivados do petrleo, como hidrognio e oxignio. Vrias outras empresas tm modelos avanados de baterias projetadas para a propulso de automveis. Uma delas um fabricante de avies, que est trabalhando em conjunto comPgina 14

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diversas empresas de servios de eletricidade. Estas esperam utilizar a capacidade de gerao fora dos horrios de pico para suprir o carregamento de baterias durante a noite. Outra empresa, tambm usando a abordagem da bateria, uma empresa eletrnica de porte mdio com extensa experincia em pequenas baterias, que ela desenvolveu devido ao seu trabalho com aparelhos auditivos. Ela est colaborando com um fabricante de automveis. Aperfeioamentos recentes, sugeridos pela necessidade de fontes miniaturizadas de energia em foguetes nos colocaram ao alcance uma bateria relativamente pequena, capaz de suportar grandes sobrecargas de fora. Aplicaes de diodos de germnio e baterias usando placas sinterizadas e tcnicas de nquel-cdmio prometem uma revoluo em nossas fontes de energia.

Os sistemas de converso de energia solar tambm esto recebendo ateno crescente. Um executivo de Detroit, normalmente cauteloso, aventurou-se recentemente a dizer que os carros movidos a energia solar poderiam ser comuns l por 1980.

Quanto s empresas petrolferas, elas esto mais ou menos "observando os acontecimentos", como me disse um diretor de pesquisa. Algumas esto efetuando um pouco de pesquisa com clulas de combustvel, mas quase sempre confinadas a clulas que utilizem hidrocarbonetos. Nenhuma delas est pesquisando com entusiasmo clulas, baterias ou instalaes de energia solar. Nenhuma delas est despendendo uma frao sequer, na pesquisa dessas reas profundamente importantes, do que gastam em coisas comuns como a reduo dos depsitos em cmaras de combusto. Uma grande empresa petrolfera integrada fez, recentemente, uma avaliao preliminar na clula de combustvel e concluiu que, embora "as empresas que esto trabalhando ativamente nela indiquem uma crena no sucesso final... a ocasio e a magnitude do seu impacto so demasiado remotas para merecer reconhecimento em nossas previses". Algum poderia, claro, perguntar. Por que deveriam as empresas petrolferas fazer qualquer coisa diferente? As clulas de combustvel qumico, baterias ou a energia solar no matariam as atuais linhas de produtos? A resposta que matariam e que essa exatamente a razo pela qual as empresas petrolferas tm de desenvolver essas unidades de energia antes dos concorrentes, para que no se tornem empresas sem uma indstria. mais provvel que a administrao dessas empresas faa o que necessrio para sua prpria preservao se pensar em si mesma como estando no negcio de energia. Mesmo isso, porm, no ser suficiente, se ela persistir em se aprisionar no aperto restrito de sua rgida orientao para o produto. Ela deve pensar em si mesma como cuidando de interesses do consumidor e no encontrando, refinando e at vendendo petrleo. Desde que ela pense genuinamente em seu negcio como sendo o de cuidar dasFCAV - Fundao Carlos Alberto Vanzolini - So Paulo - Brasil Pgina 15

necessidades de transporte das pessoas, nada poder imped-Ia de criar o seu prprio crescimento altamente lucrativo.

Destruio criativaComo as palavras so baratas e as aes so caras, pode ser adequado indicar o que esta espcie de pensamento envolve e para onde conduz. Vamos comear pelo comeo - o cliente. Pode ser demonstrado que os motoristas decididamente no gostam da amolao, da demora e da experincia de comprar gasolina. Na verdade, as pessoas no compram gasolina. Elas no podem v-la, prov-la, sent-Ia, avali-la ou realmente testIa. O que elas compram o direito de continuar dirigindo os seus carros. O posto de gasolina como um coletor de impostos, a quem as pessoas so obrigadas a pagar um tributo peridico, como preo de usar seus carros. Isto torna o posto uma instituio basicamente impopular. Ele nunca pode ser tornado popular ou agradvel, somente menos impopular e menos desagradvel. Reduzir completamente essa impopularidade significa elimin-la. Ningum gosta de coletores de impostos, nem mesmo de um agradavelmente alegre. Ningum gosta de interromper uma viagem para comprar um produto fantasma, nem mesmo de um elegante Adonis ou de uma sedutora Vnus. Portanto, as empresas que esto trabalhando com substitutos exticos da gasolina, os quais iro eliminar a necessidade de reabastecimentos freqentes, esto indo diretamente para os braos abertos do irritado motorista. Elas esto navegando numa onda de inevitabilidade, no porque estejam criando algo que tecnologicamente superior ou mais sofisticado, mas porque esto satisfazendo uma poderosa necessidade dos clientes. Elas esto tambm eliminando odores nocivos e a poluio do ar. Uma vez que as empresas petrolferas reconheam a lgica de satisfao do consumidor que outro sistema de energia pode dar, elas vero que no tm escolha seno trabalhar num combustvel eficiente e de longa durao (ou em alguma forma de fornecer os atuais combustveis sem aborrecer o motorista), assim como as grandes redes de mercearias no tinham outra alternativa que no a de entrar no negcio de supermercados, ou as empresas fabricantes de vlvulas em relao aos semicondutores. Para seu prprio bem, as empresas petrolferas tero de destruir seus ativos altamente lucrativos. Nenhum pensamento positivo pode salv-las da necessidade de se empenharem nesta forma de "destruio criativa". Estou enfatizando tanto esta necessidade porque penso que a direo dessas empresas devem fazer um grande esforo para se livrar dos caminhos convencionais. Nos dias que correm, muito fcil uma empresa ou indstria permitir que o seu senso de finalidade seja dominado pelas economias da produo plena e desenvolver uma perigosamente inclinada orientao para o produto. Em resumo, se a direo se deixar ficar deriva, ela ir, invariavelmente, tender a pensar em si mesma como produtora de bens eFCAV - Fundao Carlos Alberto Vanzolini - So Paulo - Brasil Pgina 16

servios, no de satisfaes de clientes. Embora ela no v descer s profundezas de dizer aos seus vendedores "Vocs se livrem da coisa; ns pensaremos nos lucros", ela poder, sem sab-lo, estar praticando precisamente essa frmula que leva decadncia desmoralizante. O destino histrico de uma sucesso de indstrias em crescimento tem sido seu provincianismo suicida em relao ao produto.

PERIGOS DA PESQUISA & DESENVOLVIMENTOOutro grande perigo, para o crescimento continuado de uma empresa, surge quando a alta direo est inteiramente fascinada pelas possibilidades de lucros da pesquisa e desenvolvimento tcnico. Para ilustrar, abordarei primeiro uma indstria nova - a eletrnica - e depois voltarei uma vez mais s empresas petrolferas. Comparando um exemplo novo com outro j familiar, espero enfatizar a prevalncia e o carter insidioso de uma forma arriscada de pensar.

Marketing fraudadoNo caso da eletrnica, o maior perigo com que se defrontam as excitantes novas empresas neste campo no est no fato de elas no dedicarem suficiente ateno pesquisa e ao desenvolvimento, mas de elas dedicarem demasiada ateno a essas atividades. E o fato de as empresas eletrnicas de crescimento mais rpido deverem sua eminncia sua forte nfase em pesquisa tcnica decididamente no vem ao caso. Elas saltaram para a afluncia na crista de uma invulgarmente forte receptividade geral a novas idias tcnicas. E tambm o seu sucesso foi moldado no mercado virtualmente garantido de subsdios militares e por encomendas militares que, em muitos casos, eram de fato anteriores existncia das instalaes para fazer os produtos. Em outras palavras, a sua expanso foi quase totalmente destituda de esforos mercadolgicos. Assim, elas esto crescendo sob condies que chegam perigosamente perto de criar a iluso de que um produto superior se vender por si mesmo. Tendo criado uma empresa de sucesso por fazer um produto superior, no de se surpreender que a direo continue a ser orientada para o produto e no para as pessoas que o consomem. Ela desenvolve a filosofia pela qual o crescimento continuado uma questo de inovaes e aperfeioamentos continuados no produto. Uma srie de outros fatores tende a fortalecer e sustentar esta crena:1. Como

os produtos eletrnicos so altamente complexos e sofisticados, as administraes tm seu topo sobrecarregado de engenheiros e cientistas. Isto cria um desvio seletivo em favor de pesquisa e produo s expensas do marketing. A organizaoPgina 17

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tende a se ver como fabricando coisas, ao invs de satisfazendo necessidades dos clientes. O marketing tratado como uma atividade residual, "alguma coisa a mais" que ser feita depois que o trabalho vital, de criao e fabricao do produto esteja completado.2. A este desvio em favor de pesquisa, desenvolvimento e fabricao

do produto, acrescente-se outro, em favor de se lidar com variveis controlveis. Os engenheiros e cientistas sentem-se em casa no mundo de coisas concretas como mquinas, tubos de ensaio, linhas de produo e mesmo demonstrativos financeiros. As abstraes com as quais eles se sentem bem so aquelas testveis ou manipulveis em laboratrio ou, se no forem testveis, funcionais, como os axiomas de Euclides. Em resumo, as direes das novas e excitantes empresas em crescimento tendem a favorecer aquelas atividades de negcios que se prestam a cuidadosos estudos, experincias e controles - as realidades slidas e prticas do laboratrio, da fbrica, dos livros.

O que fica fraudado so as realidades do mercado. Consumidores imprevisveis, variados, volveis, estpidos, mopes, teimosos e, em geral, incmodos. No isso que os engenheiros-gerentes dizem, mas no fundo de suas conscincias nisso que eles acreditam. E a isso se deve ao fato de eles se concentrarem naquilo que conhecem e podem controlar, isto , pesquisa de produtos, engenharia e produo. A nfase na produo torna-se particularmente atraente quando o produto pode ser feito a custo unitrio declinante. No h forma mais convidativa de ganhar dinheiro do que fazendo a fbrica produzir a toda capacidade.

Tratamento de filho rejeitadoA indstria petrolfera um excelente exemplo de como cincia, tecnologia e produo em massa podem desviar todo um grupo de empresas de sua tarefa principal. At a extenso em que o consumidor estudado (o que no muito), o foco sempre est na obteno de informaes concebidas para ajudar as empresas petrolferas e aperfeioar aquilo que esto fazendo agora. Elas tentam descobrir temas publicitrios mais convincentes, atividades promocionais mais eficazes para as vendas, quais so as participaes de mercado das vrias empresas, do que as pessoas gostam ou no a respeito de donos de postos e empresas de petrleo, e assim por diante. Ningum parece to interessado em sondar profundamente as necessidades humanas bsicas, que a indstria poderia estar tentando satisfazer, como em investigar as propriedades bsicas da matria-prima com a qual a empresa trabalha, para tentar provocar a satisfao dos clientes. Hoje, a orientao da cpula de muitas empresas eletrnicas, voltada para cincia-engenharia-produo, funciona razoavelmente bem porque elas esto investindo sobre novas fronteiras, nas quais as foras armadas abriramFCAV - Fundao Carlos Alberto Vanzolini - So Paulo - Brasil Pgina 18

mercados virtualmente garantidos. As empresas esto na feliz posio de terem de satisfazer mercados, no de descobri-los; de no ter de descobrir o que o cliente necessita e quer, mas de t-lo vindo a elas voluntariamente, com pedidos de novos produtos especficos. Se uma equipe de consultores houvesse sido designada especificamente para conceber uma situao de negcios calculada para evitar a emergncia e o desenvolvimento de um ponto de vista de marketing orientado para o cliente, ela no poderia ter produzido nada melhor que as condies que acabamos de descrever. Questes bsicas, a respeito de clientes e mercados, raramente so formuladas. Estes tm um status de filhos rejeitados. Sua existncia reconhecida, admite-se que devam ser cuidados, mas que no merecem muita reflexo nem ateno dedicada. Ningum se entusiasma tanto a respeito dos clientes em seu prprio quintal, como a respeito do petrleo no deserto do Saara. Nada ilustra melhor a negligncia quanto ao marketing do que a forma pela qual ele tratado na imprensa especializada da indstria. A edio centenria do American Petroleum lnstitute Quarterly, publicada em 1959 para comemorar a descoberta de petrleo em Titusville, Pennsylvania, continha vinte e um artigos proclamando a grandeza da indstria. Somente um falava a respeito das suas realizaes em marketing e era apenas um registro pictrico de como a arquitetura dos postos de servios tem mudado. A edio tambm continha uma seo especial sobre "Novos Horizontes", que era dedicada a mostrar o magnfico papel que o petrleo iria desempenhar no futuro da Amrica. Todas as referncias eram exuberantemente otimistas, no concluindo uma s vez que o petrleo poderia sofrer alguma concorrncia forte. Mesmo a referncia energia atmica era um animador informativo de como o petrleo iria ajudar a tornar a energia atmica um sucesso. No havia uma s apreenso a respeito da afluncia da indstria petrolfera poder ser ameaada, ou uma sugesto de que um "novo horizonte" poderia incluir novas e melhores maneiras de servir aos atuais clientes do petrleo. Entretanto, o exemplo mais revelador do tratamento de filho rejeitado recebido pelo marketing era outra srie especial de pequenos artigos, a respeito do "Revolucionrio Potencial da Eletrnica. Sob esta chamada, aparecia a seguinte lista de artigos no sumrio: " Em busca do Petrleo " " Em Operaes de Produo " Em Processos de Refinao " " Em Operaes de Oleodutos "

Significativamente, cada uma das principais reas funcionais da indstria relacionada, exceto o marketing. Por qu? Ou acreditam que a eletrnica no tenha nenhum potencial revolucionrio para o marketing de petrleo (o que FCAV - Fundao Carlos Alberto Vanzolini - So Paulo - Brasil Pgina 19

evidentemente errado), ou os editores se esqueceram de discutir marketing (o que provvel e ilustra o seu status de filho rejeitado). A ordem na qual as quatro reas funcionais so citadas tambm trai a alienao da indstria petrolfera em relao ao cliente. A indstria implicitamente definida, como comeando com a busca de leo e terminando com a sua distribuio a partir da refinaria. Mas a verdade , parece-me, que a indstria comea com as necessidades do consumidor de seus produtos. Partindo dessa posio principal, sua definio move-se corrente acima, para reas de importncia progressivamente menor, at chegar finalmente "busca do petrleo".

Comeo e fimA viso de que uma indstria um processo para satisfazer aos clientes, no um processo de produo de bens, de compreenso vital para os homens de negcios. Uma indstria comea com o cliente e suas necessidades e no com uma patente, uma matria-prima ou um talento para vendas. Dadas as necessidades do cliente, a indstria desenvolve-se do fim para o comeo, preocupando-se primeiramente com a entrega das satisfaes do cliente. Depois ela vai ainda mais para o incio, para criar as coisas com as quais essas satisfaes so em parte atingidas. Como esses materiais so criados uma questo indiferente para o cliente, da a forma de fabricao, processamento, ou seja l o que for, no poder ser considerada um aspecto vital da indstria. Finalmente, a indstria retrocede ainda mais, para descobrir as matrias-primas necessrias fabricao dos seus produtos. A ironia de algumas indstrias, orientadas para a pesquisa e o desenvolvimento tcnicos, que os cientistas que ocupam as altas posies executivas so totalmente no cientficos quando se trata de definir as necessidades e finalidades globais de suas empresas. Eles violam as duas primeiras regras do mtodo cientfico - estar consciente e definir os problemas das suas empresas e depois desenvolver hipteses testveis a respeito da sua soluo. Eles so cientficos somente quanto s coisas convenientes, tais como experincias de laboratrio e com produtos. A razo do cliente (e a satisfao das suas necessidades mais profundas) no ser considerado como sendo "o problema no porque exista uma crena certa de que tal problema no exista, mas porque toda uma vida organizacional condicionou a direo a olhar na direo oposta. Marketing um filho rejeitado. No quero dizer que a atividade de vendas seja ignorada. Longe disso. Porm, mais uma vez, vender no marketing. Como j foi mostrado, vendas se preocupa com os truques e tcnicas para fazer com que as pessoas troquem seu dinheiro pelo produto. Vendas no se preocupa com os valores que compem a troca. E vendas no v, como marketing invariavelmente v, todo o processo do negcio como consistindo em um esforo integrado paraFCAV - Fundao Carlos Alberto Vanzolini - So Paulo - Brasil Pgina 20

descobrir, criar, estimular e satisfazer necessidades dos clientes. O cliente algum "l fora" que, com a devida habilidade, pode ser separado de seu dinheiro. Na verdade, nem mesmo vendas recebe muita ateno em algumas empresas de mentalidade tecnolgica. Como existe um mercado virtualmente garantido para um fluxo abundante dos seus novos produtos, elas de fato no sabem o que um mercado real. como se elas vivessem numa economia planejada, levando seus produtos rotineiramente da fbrica para os pontos de varejo. Sua bem sucedida concentrao em produtos tende a convenc-las da segurana daquilo que estiveram fazendo e elas deixam de ver as nuvens agrupando-se sobre o mercado.

CONCLUSOH menos de setenta e cinco anos, as ferrovias americanas gozavam de uma forte lealdade entre os astutos homens de Wall Street. Os monarcas europeus investiam nelas pesadamente. Pensava-se que a eterna riqueza seria a bno para qualquer um que conseguisse economizar alguns milhares de dlares para aplicar em aes de ferrovias. Nenhuma outra forma de transporte podia competir com as ferrovias em velocidade, flexibilidade, durabilidade, economia e potencial de crescimento. Nas palavras de Jacques Barzun, " pelo final do sculo elas eram uma instituio, uma imagem do homem, uma tradio, um cdigo de honra, uma fonte de poesia, um relicrio de desejos da infncia, o mais sublime dos brinquedos, a mquina mais solene - depois do carro funerrio - que marca as pocas na vida do homem".(6) Mesmo depois do advento de automveis, caminhes e avies, os magnatas das ferrovias permaneceram imperturbavelmente autoconfiantes. Se voc lhes tivesse dito, h sessenta anos, que em trinta anos eles estariam arrasados, quebrados e suplicando por subsdios governamentais, eles o teriam considerado totalmente louco. Um futuro assim simplesmente no era considerado possvel. No era sequer um assunto debatvel, nem uma pergunta que se fizesse, nem uma questo que uma pessoa sensata considerasse merecedora de especulao. A prpria idia era insana. Porm, uma poro de noes insanas tm, hoje, aceitao normal - por exemplo, a idia de tubos de metal de 100 toneladas movendo-se suavemente pelo ar a 7.000 metros acima da terra, levando 100 cidados slidos e sensatos bebericando Martini - e eles causaram danos cruis s ferrovias. O que devem as outras empresas fazer, especificamente, para evitar este destino? O que envolve a orientao para o cliente? Estas perguntas foram, em parte, respondidas pelos exemplos e anlises anteriores. Seria necessrio outro artigo para mostrar em detalhe aquilo que exigido para indstrias especficas. De qualquer modo, deveria ser bvio que a construo de uma empresa eficaz, orientada para o cliente, envolve muito mais queFCAV - Fundao Carlos Alberto Vanzolini - So Paulo - Brasil Pgina 21

boas intenes ou truques promocionais; ela envolve questes profundas de organizao e liderana humanas. Para o presente, deixe-me sugerir simplesmente aqueles que parecem ser alguns requisitos gerais.

Sentimento visceral de grandezaA empresa tem que fazer, obviamente, aquilo que a sobrevivncia exige. Ela deve adaptar-se aos requisitos do mercado e quanto mais cedo melhor. Porm, a mera sobrevivncia uma aspirao apenas tolervel. Qualquer um pode sobreviver, de uma forma ou outra, at mesmo um vagabundo de rua. O truque sobreviver com bravura, para sentir o impulso ascendente da superioridade comercial; no apenas experimentar o doce aroma do sucesso, mas para ter o sentimento visceral da grandeza empreendedora. Nenhuma organizao pode atingir a grandeza sem um lder vigoroso, que conduzido adiante por sua prpria e pulsante determinao para ter sucesso. Ele precisa ter uma viso de grandeza, uma viso que possa produzir seguidores impetuosos em grandes nmeros. Nos negcios, os seguidores so os clientes. Para produzir esses clientes, a corporao inteira deve ser vista como um organismo criador e satisfatrio de clientes. A direo deve pensar de si mesma no como fabricando produtos, mas como provendo satisfaes de valores que criem clientes. Ela deve forar essa idia (e tudo aquilo que ela significa e exige) em todos os cantos da organizao. E tem de faz-lo continuamente, e com aquela espcie de talento que excita e estimula as pessoas que nela trabalham. De outra forma, a empresa ser meramente uma srie de partes compartimentadas, sem um senso comum que consolide a sua finalidade ou direo. Em resumo, a organizao precisa aprender a pensar de si mesma no como produzindo bens ou servios, mas como comprando clientes, como fazendo as coisas que iro fazer as pessoas desejarem fazer negcios com ela. E o prprio executivo chefe tem a inescapvel responsabilidade pela criao desse ambiente, desse ponto de vista, dessa atitude, dessa aspirao. Ele deve, pessoalmente, determinar o estilo da empresa, sua direo e suas metas. Isto quer dizer que ele precisa saber precisamente para onde ele prprio que ir e assegurar-se de que toda a organizao esteja entusiasticamente ciente de onde isso. Este o primeiro requisito de liderana, pois, a menos que ele saiba para onde est indo, qualquer estrada o levar at l. Se qualquer estrada serve, o executivo chefe tambm pode fechar sua pasta e ir pescar. Se uma organizao no sabe ou no se importa em saber para onde est indo, ela no precisa anunciar esse fato por meio de um representante cerimonial. Bem cedo todos iro perceb-lo.

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COMENTRIO RETROSPECTIVOSurpreso, finalmente, por seu sucesso literrio, lsaac Bashevis Singer apaziguou um problema dele resultante: "Penso que, no momento em que voc tem um livro publicado, ele no mais sua propriedade privada... Se ele tem valor, todos podero descobrir aquilo que ele acha, e eu no posso dizer a ningum que no tinha a inteno de que ele fosse assim". Ao longo dos anos, "Miopia em marketing" se tornou um desses casos. notvel que o artigo tenha produzido uma legio de leais partidrios - para no mencionar uma hoste de adversrios. Sua conseqncia mais comum e, creio, mais influente, a maneira pela qual certas empresas deram, pela primeira vez, uma ateno sria questo de em que negcio elas realmente esto. As conseqncias estratgicas deste fato foram, em muitos casos, dramticas. O mais conhecido, claro, a mudana no modo de pensar: deixar de pensar em si mesmo como estando no "negcio de petrleo" e pensar no "negcio de energia". Em alguns casos, os lucros foram espetaculares (entrando no carvo, por exemplo) e, em outros, terrveis (em termos do tempo e dinheiro gastos, at agora, na pesquisa de clulas de combustvel). Outro exemplo bem sucedido o de uma empresa com uma grande rede de lojas de calados, que se redefiniu como um varejista de especialidades de consumo amplamente variadas, de preos moderados e compra freqente. O resultado foi um dramtico crescimento em volume, ganhos e retorno sobre o ativo. Algumas empresas, de novo pela primeira vez, perguntaram a si mesmas se queriam ser os dominadoras de certas tecnologias, para as quais elas iriam buscar mercados, ou ser dominadoras de mercados, para os quais elas buscariam produtos e servios que satisfizessem os clientes. Optando pela segunda alternativa, uma empresa declarou, de fato: "Somos peritos em tecnologia de vidro. Pretendemos aperfeioar e expandir essa percia, com o objetivo de criar produtos que iro atrair clientes". Essa deciso forou a empresa a um exame muito mais sistemtico e sensvel ao cliente de possveis mercados e usurios, mesmo que o seu objetivo estratgico declarado tivesse sido capitalizar sobre a tecnologia do vidro. Outra empresa, tendo decidido concentrar-se em mercados, determinou que "queremos ajudar as pessoas (principalmente mulheres) a realar sua beleza e senso de juventude". Esta empresa expandiu sua linha de cosmticos, mas tambm entrou nos campos de medicamentos e suplementos vitamnicos. Todos esses exemplos ilustram os resultados nas "diretrizes da empresa deste artigo. No nvel operacional tem havido, penso eu, extraordinrio aumento da sensibilidade a clientes e consumidores. Os departamentos de P&D tm cultivado maior orientao "externa" em relao a usos, usurios e mercados - equilibrando assim o foco anterior "interno", em materiais e mtodos; a alta gerncia percebeu que os departamentos deFCAV - Fundao Carlos Alberto Vanzolini - So Paulo - Brasil Pgina 23

marketing e de vendas deveriam ser ajustados um pouco mais de acordo com o mercado do que no passado; os departamentos financeiros tm-se tornado mais receptivos legitimidade de oramentos para pesquisa de mercado e experimentao em marketing; e os vendedores tm sido mais bem treinados, para ouvir e entender as necessidades e os problemas dos clientes, ao invs de simplesmente "empurrar o produto.

UM ESPELHO, NO UMA JANELAMinha impresso que o artigo teve mais impacto sobre empresas de produtos industriais do que naquelas de produtos de consumo - talvez porque estas se tenham atrasado mais na orientao para os clientes. Existem, pelo menos duas razes para este atraso: (1) as empresas de produtos industriais tendem a ser mais de capital intensivo, e (2) no passado, pelo menos, elas tiveram de se basear pesadamente na comunicao face a face do carter tcnico daquilo que elas faziam e vendiam. Esses pontos merecem uma explicao. As empresas de capital intensivo preocupam-se compreensivelmente, com magnitudes, em especial onde o capital, uma vez investido, no pode ser movimentado ou manipulado com facilidade, nem modificado para a produo de uma variedade de produtos - por exemplo, instalaes de indstrias qumicas, siderrgicas, linhas areas e ferrovias. Elas buscam, compreensivelmente, grandes volumes e eficincias operacionais, para pagar os equipamentos e os custos dos financiamentos. Disso resulta pelo menos um problema: o poder corporativo fica desproporcionalmente fixado com os executivos operacionais ou financeiros. Se voc olhar o organograma de uma das maiores empresas do pas, ver que o presidente do comit de finanas, e no o executivo chefe, que o "chefe". Executivos com tais passados possuem uma incapacidade quase treinada para ver que a obteno de "volume" pode exigir a compreenso e o atendimento de muitos segmentos de mercado distintos e, s vezes, pequenos, ao invs de se ir atrs de um talvez mtico lote de clientes grandes ou homogneos. Esses executivos tambm costumam, com freqncia, deixar de avaliar as mudanas competitivas que acontecem ao seu redor. Eles observam as mudanas, est bem, mas desvalorizam seu significado e subestimam a capacidade que elas tm para roubar os mercados da empresa. Porm, uma vez alertados, de forma dramtica, para o conceito de segmentos, setores e clientes, os gerentes de empresas de capital intensivo tm-se tornado mais sensveis necessidade de equilibrar sua inescapvel preocupao com "pagar as contas", ou chegar a empatar com os custos, com o fato de que a melhor maneira de se realizar isso pode ser dedicar mais ateno a segmentos, setores e clientes.

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A segunda razo para as empresas de produtos industriais terem, provavelmente, sido mais influenciadas pelo artigo que, no caso dos produtos ou servios industriais mais tcnicos, a necessidade de se comunicar claramente as caractersticas de produtos e servios aos interessados se resume em uma poro de esforos "de vendas face a face. Mas, exatamente pelo fato de o produto ser to complexo, a situao produz vendedores que conhecem mais o produto do que o cliente, que preferem explicar aquilo que eles tm e o que podem fazer, do que conhecer quais so as necessidades e problemas do cliente. O resultado tem sido uma orientao estreita para o produto, em vez de uma orientao libertadora para o cliente, com prejuzos freqentes para os "servios". Para ficar claro, os vendedores diziam: "Temos que prestar servios", mas tendiam a definir servios olhando para o espelho, ao invs de pela janela. Eles pensavam que estavam olhando para o cliente pela janela, mas na verdade era um espelho - um reflexo das suas prprias inclinaes orientadas para o produto, e no um reflexo das situaes dos seus clientes.

UM MANIFESTO, NO UMA PRESCRIONem tudo tem sido flores. Uma poro de coisas bizarras tem acontecido, como resultado do artigo: Algumas empresas desenvolveram aquilo que chamo de "mania de marketing" - elas se tornaram excessivamente sensveis a todo capricho passageiro do cliente. Operaes de produo em massa tm sido convertidas em operaes sob encomenda, com conseqncias, em custos e preos, que excedem em muito a disposio dos clientes para comprar o produto.

A direo expandiu linhas de produtos e acrescentou novas linhas de negcios, sem antes estabelecer sistemas de controle adequados a operaes mais complexas.

As assessorias de marketing expandiram-se sbita e rapidamente, bem como os seus oramentos de pesquisa, sem obter um suporte organizacional prvio suficiente nem, conseqentemente, produzir resultados adequados.

Empresas organizadas funcionalmente converteram-se em organizaes baseadas em produtos, marcas ou mercados, com a expectativa de resultados instantneos e miraculosos. O resultado foi ambigidade, frustrao, confuso, lutas internas, prejuzos e, finalmente, uma reverso aos antigos arranjos funcionais, o que somente piorou a situao.

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Empresas tentaram "servir" os clientes criando produtos ou servios complexos e bastante eficientes, que os compradores ou relutam em adotar por serem avessos a riscos, ou so incapazes de aprender como empregar - de fato, existem hoje escavadeiras motorizadas para pessoas que ainda nem aprenderam a usar ps. Este problema tem ocorrido repetidamente nas assim chamadas indstrias de servios (servios financeiros, seguros, servios baseados em computadores) e com empresas americanas que vendem para economias menos desenvolvidas.

"Miopia em marketing" no pretendia ser uma anlise, nem mesmo uma prescrio; ele foi escrito como um manifesto. Ele no alegava assumir uma posio equilibrada. Nem foi uma idia nova - Peter F. Drucker, J. B. McKitterick, Wroe Alderson, John Howard e Neil Borden tinham feito trabalhos mais originais e equilibrados sobre "o conceito de marketing". Meu esquema, porm, prendeu o marketing melhor rbita interna da poltica da empresa. Drucker - especialmente em The concept of the corporation e The practice of Management - motivou-me originalmente com grande nmero de dicas e sugestes. Portanto, minha contribuio parece ter sido meramente uma forma simples, breve e til de comunicar um modo existente de pensar. Tentei faz-lo de maneira direta, mas responsvel, sabendo que poucos leitores (clientes), em especial os gerentes e lderes, poderiam agentar muitos equvocos ou hesitaes. Sabia tambm que uma afirmao viva e levemente documentada funciona melhor que uma explicao tortuosamente provada. Mas qual o motivo da enorme popularidade daquilo que era, na verdade, uma idia to simples e j existente? Qual o motivo de seu apelo em todo o mundo, atingindo at estudiosos firmemente contidos, gerentes implacavelmente controlados e altos representantes do governo, todos acostumados a clculos equilibrados e cuidadosos? Ser que exemplos concretos, reunidos para ilustrar uma idia simples e apresentados com alguma ateno ao estilo literrio, comunicam melhor que macios raciocnios analticos que parecem ter sido traduzidos do alemo? Ser que afirmaes provocativas so mais memorveis e persuasivas que explicaes equilibradas e contidas, no importando qual seja o seu pblico? Ser que o carter da mensagem to importante quanto o seu contedo? Ou ser que minha mensagem no era simplesmente um tom diferente, mas uma nova sinfonia? No sei. claro que eu faria tudo de novo e da mesma forma, dadas as minhas finalidades, mesmo sabendo mais hoje - o bom e o mau, a fora dos fatos e os limites da retrica. Se sua misso a lua, no use um carro. Archy, a barata de Don Marquis, prov algum consolo final: "Uma idia no responsvel pelos que nela acreditam".

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BIBLIOGRAFIA: 1. BARZUN, Jacques. Trains and the mind of man. Holiday, Febr. 1960, p. 21. 2. Para maiores detalhes ver ZIMMERMAN, M. M. The supermarket; a revolution in distribution. New York, McGraw-Hill, 1955. p. 48. 3. lbid., p. 45-7. 4. GALBRAITH, John Kenneth. The affluent society. Boston, Houghton Mifflin, 1958 p. 152-60. 5. FORD, Henry. My life and work. New York, Doubleday, Page & Co., 1923, p. 146-7. 6. BARZUN, Jacques. Trains and the mind of man. Holiday, Febr. 1960. p. 20.

QUESTES:

1) No Brasil, que exemplos voc poderia citar de Miopia em Marketing? Explique. 2) No caso do uso da INTERNET para o e-commerce, como voc poderia classificar o negcio das empresas que oferecem seus bens ou servios para o internauta? Justifique. 3) Na sua opinio, qual o negcio da Petrobrs?

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