segunda guerra mundial uma análise do livro reportagem o inverno da guerra

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Roberto Jorge Cavallari Lopes

SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Uma análise do livro reportagem O Inverno da Guerra

Belo Horizonte

Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH)

2010

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Roberto Jorge Cavallari Lopes

SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Uma análise do livro reportagem O Inverno da Guerra

Monografia apresentada ao curso de Jornalismo doCentro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH) comorequisito parcial à obtenção do grau de Bacharel emJornalimo.

Orientador(a): Prof. Juarez Guimarães Dias

Belo Horizonte

Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH)

2010

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Dedico este trabalho à minha esposa Juliana, por todo o apoio epaciência comigo.

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Agradeço ao meu orientador Juarez Dias pela paciência, sabedoria eajuda na construção deste trabalho.

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“A presença do correspondente no front era sempre bem-vinda. E tinhade ser: levávamos jornais do Brasil, já velhos, de vinte dias, um mês,mas que eles devoravam como se fosse pão saído do forno.Levávamos cartas que não haviam sido entregues no serviço postal(...). Além disso, estávamos sempre dispostos a prestar pequenosfavores, como bater uma carta à máquina, tarefa que devido àexigüidade do espaço, exigia de nós uma verdadeira demonstração decontorcionismo.” (Joel Silveira)

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RESUMO

O objetivo desse trabalho é investigar como o livro “Inverno da Guerra”, do jornalista Joel

Silveira, aborda a chegada e a guerra dos pracinhas na Segunda Guerra Mundial, e quais osgêneros jornalísticos utilizados durante a sua narrativa. O material empírico utilizado é

composto pelos relatos publicados no decorrer do livro analisado.

Palavras-chave: Segunda Guerra; Livro-reportagem; Correspondente de Guerra

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...............................................................................................................07

2 JORNALISMO NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL: A COBERTURA DE UM

CONFLITO MULTIFACETADO....................................................................................09

2.1 A participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial.....................................................11

2.2 Cobertura jornalística no Brasil ......................................................................................15

2.3 O correspondente de guerra e o jornalismo internacional................................................19

3 GÊNEROS TEXTUAIS NO JORNALISMO ................................................................22

3.1 Gêneros jornalísticos: a notícia, a reportagem, a entrevista e o editorial..... ........... ..........223.2 O que é livro-reportagem................................................................................................27

3.3 Linguagem e Persuasão..................................................................................................30

4 RELATOS DO COTIDIANO DA GUERRA, NA VISÃO DE JOEL SILVEIRA,

RETIRADOS DE SUA OBRA “INVERNO NA GUERRA” ..........................................32

4.1 Metodologia e objetivos .................................................................................................32

4.2 Escritores de guerra – Quem é Joel Silveira?..................................................................32

4.3 Análise do livro Inverno da Guerra ...............................................................................34

5 CONCLUSÃO.................................................................................................................42

REFERÊNCIAS.................................................................................................................44

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1 INTRODUÇÃO

Iniciada em setembro de 1939, a Segunda Guerra Mundial foi considerada o maior conflito

militar total e global. Envolveu setenta e duas nações e foi travada em todos os continentes(direta ou indiretamente). Este conflito terminou somente no ano de 1945 com a rendição da

Alemanha e Itália.

Na visão de Alves (2002), a guerra foi dividida em três etapas: a primeira se refere ao período

compreendido entre meados dos anos trinta até setembro de 1939, quando Japão, Itália e

Alemanha iniciaram políticas exteriores agressivas contra a China, Etiópia e Checoslováquia,

utilizando-se da ameaça da força militar para atingir seus objetivos, ao mesmo tempo em que

se aproximavam uma das outras, diplomática e politicamente; na segunda etapa, em setembrode 1939, ocorreu a primeira reação do Reino Unido e França contra a Alemanha, marcando,

assim, o início do conflito; e a terceira etapa começa a partir de setembro de 1939 até

dezembro de 1941, quando as grandes potências mundiais serão, uma a uma, tragadas para o

interior da guerra. Este processo foi completado com o ataque do Japão aos Estados Unidos,

fator que consolidou as duas alianças opostas mundiais: Reino Unido, União Soviética e

Estados Unidos (os aliados) e Alemanha, Itália e Japão (o Eixo). De dezembro de 1941 até

agosto de 1945, data da rendição japonesa, a guerra foi totalmente mundial, terminado com a

completa derrota e ocupação do Eixo, afetando em seu curso todos os países independentes esemi-independentes mundiais (ALVES, 2002, p.16).

Ainda que algumas regiões do planeta não tenham sofrido ação militar durante a guerra, e aqui

se destaca todo o hemisfério ocidental, onde não aconteceu qualquer combate terrestre, todos

foram, mesmo que indiretamente, profundamente atingidas pela guerra.

Na percepção de Tota (2000), no começo da Segunda Guerra, o Brasil manteve-se neutro,

apesar da identificação do Estado Novo com os regimes totalitários europeus. Porém, como

eram crescentes os acordos diplomáticos entre o governo brasileiro e o governo estadunidense,

isso deixava o Brasil cada vez mais alinhado com os Estados Unidos.

Em fins de abril de 1942, o governo brasileiro abriu todos os portos e bases aéreas e navais

para as forças norte-americanas do Atlântico Sul. A partir deste fato, em maio de 1942, foi

firmada uma aliança militar formal entre o Brasil e Estados Unidos. A decorrência imediata

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dessa aliança seria o aporte, pelos norte-americanos, de todo auxílio financeiro, tecnológico e

militar, para garantir a hegemonia do Brasil na América do Sul. Com isso, o Brasil passaria a

agir como uma espécie de procurador dos Estados Unidos na região, com a finalidade de

manter e defender o status quo (McCANN, 1995).

Com o exposto, pode-se afirmar que, de acordo com Ferraz (2005), “é mais correto dizer que

não foram os brasileiros que foram à guerra, mas sim a guerra que chegou aos brasileiros”.

(Ferraz, 2005, p.38). A pressão popular no Brasil forçou ao estadista Getúlio Vargas a declarar

oficialmente guerra a Alemanha e Itália em agosto de 1942. A FEB (Força Expedicionária

Brasileira) teve sua formação iniciada após um ano da declaração e esperava-se um

contingente de 100.000 homens, sendo enviados apenas 25.000.

Assim, no sul da Itália, no dia 5 de agosto de 1944, os brasileiros (FEB) conhecidos como

“pracinhas” desembarcam para ajudar os aliados no combate ao Eixo. Despreparados e mal

uniformizados, os brasileiros chegaram a ser confundidos com prisioneiros de guerra e

aguardavam ajuda dos americanos para se prepararem para o conflito mundial.

Ao observar países que ingressaram posteriormente na guerra, como o Brasil, é interessante

entender como percebiam o conflito, seja através da mídia ou de relatos pessoais.

Como um dos enviados para a construção da visão midiática sobre a Segunda Guerra Mundial,

o jornalista Joel Silveira chegou à Europa no inverno de 1944 e acompanhou a luta dos

pracinhas até a tomada do Monte Castelo.

Este trabalho tem como proposta analisar a abordagem do jornalista de guerra Joel Silveira

sobre a campanha brasileira na Segunda Guerra, através de sua obra  Inverno da Guerra, além

de identificar os gêneros jornalísticos empregados em sua narrativa.

Para tanto, o primeiro capítulo da pesquisa é baseado em autores que discutem o tema

Segunda Guerra, jornalismo de guerra e o correspondente de guerra. O segundo capítulo tem a

intenção de aprofundar a discussão sobre os gêneros textuais jornalísticos e o que é livro-

reportagem. Já no último capítulo, foi realizada uma análise do livro, especificamente sobre a

atuação dos pracinhas durante a guerra e o emprego dos gêneros jornalísticos na narrativa.

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2. JORNALISMO NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL: A COBERTURA DE UM

CONFLITO MULTIFACETADO

A Segunda Guerra Mundial iniciou-se em 1º de setembro de 1939, quando as Forças ArmadasAlemãs invadiram a Polônia. As fronteiras dessas duas nações foram derrubadas com a

travessia em massa de milhares de soldados, caminhões, tanques e armas, todos sob a proteção

da Força Aérea Militar alemã. Por sua vez, as tropas polonesas, na tentativa de deter essa

invasão, travaram uma primeira troca de tiros de guerra na Europa. Mas as forças alemãs

fizeram rápidos avanços, tendo esmagado muito rapidamente diversas unidades polonesas e

obrigado outras a se retirar perante os ataques com fogo de barragem terrestre e aéreo (VEJA,

1939).

A partir daí, o governo polonês procurou imediatamente ajuda junto aos seus dois principais

aliados, a Grã-Bretanha e a França, que assumiram o compromisso de ajudar a Polônia em

caso de agressão pela Alemanha. As duas potências ocidentais emitiram ultimatos ao governo

alemão para que eles cessassem fogo e se retirassem para o interior de suas fronteiras; caso

contrário, eles interviriam. Hitler se recusou a suspender a agressão. Assim, cumprindo o

pacto de auxílio, a Grã-Bretanha e a França declararam oficialmente guerra à Alemanha, no

dia 3 de setembro, dois dias depois do ataque aos poloneses. E não foram só elas: Austrália,

Índia, Nova Zelândia, África do Sul e Canadá também já haviam ingressado oficialmente naluta contra o Reich. Estava esgotada a via de conciliação.

Boa parte dos países ingressou no conflito devido ao fato de a Alemanha estar expandindo seu

território, primeiramente com a anexação da Áustria e posteriormente dos Sudetos, apesar de o

Tratado de Versalhes proibir toda e qualquer tentativa de rearmamento por parte da Alemanha

(HOBSBAWN, 1994).

A Segunda Guerra Mundial aconteceu por dois fatores. O primeiro deles refere-se ao

rearmamento reativo dos principais rivais capitalistas da Alemanha, destacando-se a Inglaterra

e os Estados Unidos, que procuraram bloquear a soberania alemã sobre a Europa e sua

conversão numa potência mundial. Por isso, toda a liderança nazista queria desencadear a

guerra antes que as enormes forças produtivas do capitalismo americano tivessem sido

mobilizadas e enquanto a Alemanha ainda desfrutava de certas vantagens em blindados e

aeronaves modernas.

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Em segundo, o ônus do rearmamento massivo conduziu a uma crise financeira mais profunda

no capitalismo alemão. As reservas em moeda tinham quase desaparecido e o pagamento de

 juros sobre a dívida nacional tinha se tornado um peso insuportável. Era impossível continuar

com a taxa de militarização sem a integração de recursos materiais adicionais aos estoquesquase exauridos, que vinham de fora da Alemanha. Daí a necessidade de pilhar as economias

adjacentes e procurar escalas continentais de organização industrial, comparáveis àquelas dos

Estados Unidos ou da União Soviética.

Devido ao choque entre a democracia liberal e o fascismo, iniciaram-se divergências entre os

países que mais tarde deram início à Segunda Grande Guerra. O conflito uniu países e dividiu

o mundo em dois, os que eram a favor do “Eixo” formado pela Alemanha Nazista, Itália e

Japão e outros que formavam os “Aliados” que eram contra a doutrina expansiva impregnadana Europa.

De acordo com Hobsbawn (1994) o Eixo não conseguia ocultar suas reais intenções de

ampliar seu território e de 1931 em diante rumar diretamente para a guerra. Em 1931, o Japão

invadiu a Manchúria, em 1932 a China por meio do Norte da Grande Muralha chegou em

Xangai. Em 1934, Hitler acabou com a democracia liberal na Áustria invadindo-a sem

resistência e, em 1935, rompeu com os tratados de paz, surgindo como uma das maiores

potências militares do mundo. No mesmo ano, Mussolini invadiu a Etiópia e a transformouem colônia; mais tarde invadiu a Albânia e Líbia.

Enquanto o ditador alemão ampliava as fronteiras, o mundo se perguntava aonde o Eixo iria

parar. Em 1938, a Alemanha invadiu e despedaçou a Tchecoslováquia implantando um regime

nazista em sua grande parte. O conflito ainda era pequeno, mas se deu como âmbito europeu

logo após a Alemanha iniciar a campanha da Polônia no dia 1º de Setembro de 1939.

O mundo observava assustado como que tão rapidamente os alemães venceram os polacos

que, na época, constituíam uma nação numerosa, conhecida por seu exército bem treinado que

conseguira outrora expulsar os russos das proximidades de Varsóvia. Supunha-se que eram

militares de primeira classe, o que não interferiu no fato de serem derrotados em 16 dias.

Em 10 de maio de 1940, Hitler decidiu invadir os Países Baixos no intuito de contornar as

limitações da Linha Maginot, uma fortificação construída na Primeira Guerra Mundial e até

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então considerada intransponível na fronteira da França com Alemanha. Durante o primeiro

conflito mundial, também conhecido como “Guerra de Trincheiras”, a linha francesa

funcionou perfeitamente, mas a “blietzkrieg” (guerra relâmpago) criada pelos alemães, que

envolvia um ataque aéreo e terrestre ao mesmo tempo, surpreendeu os franceses e ingleses.Com uma ação rápida, o exército alemão derrotou facilmente a resistência, o que forçou a

retirada das forças aliadas para a Inglaterra por Dunquerque.

Em 22 de Junho de 1941, o ditador alemão resolveu lançar sua campanha de invasão da gelada

União Soviética. Sua incursão sobre o território russo assustou todo o mundo, por ser um

desafio até então não bem sucedido. As tropas alemãs chegaram a cercar a cidade de

Stalingrado, mas foram derrotadas pelo General Inverno. À medida que o exercito do eixo

avançava, os russos queimavam as casas e alimento para que os inimigos não pudessem serproteger e abastecer durante o rigoroso frio.

O desembarque na praia de Omaha na Normandia no dia 6 de Junho de 1944, realizado pelo

Bloco Aliado foi uma das operações mais ousadas de toda a Segunda Grande Guerra. A

invasão formada por paraquedistas, tanques e infantaria resultou na morte de mais de 5 mil

homens. A praia foi umas das maiores resistências alemãs e marcou o início da derrota do

Eixo para os aliados.

A Segunda Guerra Mundial levou o mundo a uma estagnação política e econômica, já que

anterior ao conflito o mesmo progredia democrática e socialmente. Segundo Hobsbawn

(1994), a Europa se via mergulhada em um conflito que duraria anos e que seus resultados

seriam desastrosos para o continente. Seis anos depois de Hitler invadir a Polônia, o conflito

mundial finalmente foi apagado junto com todos os atos de agressão impostos pelo Eixo.

Todos os países sentiram o impacto da luta, mesmo aqueles que conseguiram se manter

distantes foram abalados no seu cotidiano. A observar países que ingressaram posteriormente

no conflito como o Brasil, é interessante entender como viam o conflito, seja por trás da mídia

ou de relatos pessoais.

2.1 A participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial

A Segunda Guerra Mundial foi o único conflito total e global em que todas as regiões

habitadas do planeta Terra estiveram direta ou indiretamente envolvidas e onde todos os

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países tiveram interesses em jogo, muitos dos quais lutando por sua própria sobrevivência

enquanto entidades soberanas.

Em 1942, o Brasil se comprometeu com o esforço de guerra norte-americano, por meio detratados, fornecendo diversos produtos estrategicamente imprescindíveis para a indústria e

para a mobilização militar norte-americana. O Brasil foi um elo importante na cadeia existente

para o fornecimento de material bélico norte-americano para seus aliados que confrontavam as

forças do Eixo na Europa, África do Norte e até no Extremo Oriente. A presença de militares

dos Estados Unidos em bases e aeroportos no norte e nordeste brasileiro aumentava a cada

dia. Na visão de Moura (1991), o Brasil fornecia aos norte-americanos “apoio político,

materiais estratégicos, bases e rotas aéreas, patrulhas aéreas e navais e eliminação da quinta

coluna1

nazista” (MOURA, 1991, p. 99).

Em abril de 1942, o presidente brasileiro Getúlio Vargas entregou ao comandante norte-

americano, em caráter informal, o comando das forças aéreas e navais brasileiras, fazendo

dele, na prática, o responsável pela defesa marítima brasileira (McCANN, 1995, p.222). Por

essa razão, o alto comando do Kriegsmarine2 autorizou o ataque a qualquer navio mercante

latino-americano que estivesse armado, com exceção dos argentinos e chilenos. Mais tarde foi

dada outra ordem para que os submarinos atacassem os navios e a costa brasileira, apesar de já

terem sido atacados antes. Em 1942 e 1943, os navios brasileiros afundados somavam mais de130.000 toneladas de deslocamento bruto (VIDIGAL, 1985, p.87). Apesar de representar

menos de 1,5% da tonelagem total afundada pelos submarinos alemães, no período de 1942

até o final da guerra, não se deve menosprezar a importância regional desses valores

(GABAGLIA, 1953, p.363).

Devido ao afundamento de navios brasileiros no litoral norte-americano, Getúlio Vargas

determinou que todas as embarcações brasileiras se refugiassem nos portos mais próximos e

solicitou do governo dos Estados Unidos urgente proteção para todos os navios mercantes

brasileiros que realizavam viagens entre os dois países (HUMPHREYS, 1981, p.65). O

1 O termo quinta-coluna surgiu na Espanha à época da Revolução Espanhola para referir-se a existência de umquinto exército formado por nacionais que estariam na retaguarda lutando a favor de Franco através de atos desabotagem, boatos, ou espionagem. Essa denominação também passou a ser usada no Brasil contra os brasileirosque foram acusados de ter simpatias pelos eixistas. Nesse sentido, o quinta-coluna passa a ser mais um inimigoincorporado à lista de traidores da pátria.2 Marinha de Guerra da Alemanha.

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despreparo material e técnico das Forças Armadas brasileiras para a guerra anti-submarina

tornava o país dependente da Marinha de Guerra norte-americana para a proteção de sua frota

mercante, mesmo quando esta navegava somente em litoral brasileiro.

Na percepção de McCann (1995, p.222), em junho de 1942, Hitler teria alertado o governo

brasileiro que o país seria alvo de uma ofensiva submarina. Devido à cooperação existente

entre o Brasil e os Estados Unidos, o governo alemão já encarava o país como parte da

coalizão inimiga, suspeitando que uma declaração de guerra formal por parte do governo

brasileiro estava em gestação, esperando apenas pelo momento mais propício para que viesse

à tona. Era preciso antecipar-se aos brasileiros. Com isso, Getúlio Vargas enviou notas onde

comunicava aos governos da Alemanha e da Itália que os atos de guerra praticados contra o

Brasil haviam criado um estado de beligerância. Em 31 de agosto de 1942, através do Decretonº 10.358, formalizou-se o estado de guerra em todo o território nacional (SILVA &

CARNEIRO, 1972, p.383).

No início de 1943, o governo americano convidou uma missão militar brasileira para atuar na

África do Norte, para ver como a guerra era de fato. Entretanto, o Departamento de Estado

percebeu que o desejo brasileiro por uma participação mais ativa não poderia ser posto de lado

sem que conseqüências negativas se fizessem sentir na posição do Brasil para com a guerra e

seus aliados. E em abril, setores civis e militares do governo norte-americano começavam adar respostas positivas à solicitação brasileira de participação na guerra (MOURA, 1991,

p.31).

O Brasil, então, apresentou ao chefe do Estado Maior norte-americano um plano de envio aos

campos de batalha de força expedicionária composta por quatro divisões, tendo um efetivo de

cerca de 5 a 7 mil homens. De acordo com a Recomendação n° 16, aprovada em 11 de agosto

de 1943, a Força Expedicionária Brasileira (FEB) se constituiria por três divisões e uma

pequena unidade aérea, seguindo os padrões da organização militar norte-americana e ficando

sob o comando funcional e estratégico do Exército dos Estados Unidos. Dessa forma, todas as

ações e decisões importantes no que concerne a equipamento, transporte, tempo e local de

deslocamento da FEB estariam sob o controle norte-americano.

Assim, entre julho de 1944 e fevereiro de 1945, cinco contingentes da FEB foram deslocados

do Rio de Janeiro para Nápoles em navios norte-americanos e, depois de algum treinamento e

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missões de patrulha, entraram em ação. A FEB teve um efetivo de 25 mil homens e atuou

como uma divisão do 5º Exército dos Estados Unidos. Mas, na visão de Farias, Camargo e

Góes (1981, p.319), na verdade a FEB não participou de nenhuma grande batalha crucial à

campanha daquele teatro de operações, mas de ações diversionistas que tinham como objetivotático permitir às tropas norte-americanas uma concentração de esforços nos alvos principais.

Em setembro de 1944, a FEB viveu três momentos distintos a partir de sua estréia em

combate: o corpo expedicionário, ainda incompleto, conheceu duas primeiras vitórias ao longo

do vale do rio Serchio; os soldados brasileiros foram derrotados em Castelnuovo di

Garfagnana pelo seu despreparo e pelo excesso de confiança; no Vale do rio Pó, na Itália, os

pracinhas fizeram quatro ataques frustrados a uma posição defensiva alemã que ficou

conhecida pelos brasileiros como Monte Castello. Assim, as forças aliadas puderam retomar oseu avanço, conseguindo desalojar os nazistas das suas altas e cômodas posições nos

Apeninos.

Na fase final a força brasileira foi atrás dos alemães que estavam fugindo para o norte. Nessa

situação, os pracinhas se dirigiram em três direções, utilizando equipamento motorizado e

realizando o primeiro movimento em conjunto de uma divisão na história das armas nacionais.

Naquele momento, a FEB estava usando mais veículos militares do que todos os exércitos

latino-americanos juntos. Nessa arremetida, a FEB aprisionou mais de 20 mil soldadosalemães, incluindo dois generais, fato não desprezível em função do número de soldados

brasileiros.

Preocupado com as possíveis conseqüências da presença da FEB, vitoriosa e prestigiada, o

governo brasileiro providenciou sua imediata dissolução, mesmo de seu retorno. Por meio do

Aviso Ministerial 217-184, de 6 de julho de 1945, o Ministro da Guerra determinou que as

unidades da FEB ficassem subordinadas ao general comandante da 1ª Região Militar. Assim, à

medida que desembarcaram, os integrantes das unidades expedicionárias foram tomando

novos destinos, retornando às atividades do tempo de paz, adaptadas algumas unidades e

desincorporados os reservistas.

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Na visão do general Octávio Costa3:

Da FEB ficaram sua legenda e seu espírito; seus mortos e o Monumento Nacionalaos Mortos da II Guerra Mundial; seus ex-combatentes, para sempre marcados pela

guerra; e seu comandante, General Mascarenhas de Moraes, enquanto viveu, dedicouo resto de sua existência a escrever sua história, a cuidar de seus mortos e a ajudar areintegração dos "pracinhas" à vida normal, num exemplo, de desambição, dedesprendimento e de fidelidade a seus homens, sem paralelo entre chefes militaresvitoriosos na guerra, em qualquer outro tempo ou país.

A presença do Brasil na Segunda Guerra Mundial foi muito importante, devido à sua posição

geográfica e à extensão do litoral da região Nordeste que oferecia, além do trânsito livre às

forças aliadas, os seus recursos materiais, sobretudo o cristal de rocha, indispensável para os

instrumentos de comunicação.

2.2 Cobertura jornalística no Brasil

Os correspondentes de guerra ou como carinhosamente eram chamados de escritores de

guerra, sempre eram jornalistas de prestígio das empresas e jornais do país. São profissionais

enviados para relatar os acontecimentos da forma mais imparcial e objetiva possível.

Quando chegam ao local do conflito se vêem em uma situação militar e jornalística de risco,

pois seus ideais de escrever de maneira livre e ética entram em conflito direto com os poderesestatais e militares, que por sua vez influenciam diretamente sobre o trabalho de informar.

Um exemplo claro dessa possível manipulação militar sobre a informação ocorreu no Iraque

no ano de 2003. O Pentágono enviou alguns correspondentes para a cobertura de guerra,

porém impôs aos mesmos uma série de regras que manipulavam a maneira de escrever e

informar. Entre as regras, a de não informar sobre operações em curso e de o jornalista ter de

viajar junto com os soldados “amputou” algumas notícias e informações. Não foi apenas o

governo americano que impôs limites aos jornalistas, o iraquiano também o fez quando inseriu

altas taxas para que a empresa de comunicação comprasse o direito de cobertura, o que

 justifica o número baixo de jornalistas latino-americanos (SILVA, 2006).

 3 Texto "Jornal da Guerra" do General Octavio Costa, extraído da Revista O Globo Expedicionário - AgênciaGlobo. Disponível em: http://www.exercito.gov.br/01inst/feb/octavio.htm. Acesso em 02 abr. 2010.

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Dentre os correspondentes de guerra enviados à Europa que mais se destacaram perante o

público brasileiro citamos Rubem Braga, do Diário Carioca, e Joel Silveira, dos Diários

Associados, considerados os maiores divulgadores da FEB. O primeiro, apesar do pavor da

linha de frente, não deixava de cumprir seu trabalho; entretanto, os outros quase nuncaapareciam. Para corroborar esse fato, basta lembrar que nenhum de nossos correspondentes foi

sequer ferido, algo raro nesse tipo de atividade. É importante ressaltar que não houve nenhum

preparo prévio para que os jornalistas brasileiros pudessem melhor desincumbir suas funções

(MORAIS, 1994).

Em contrapartida, os correspondentes norte-americanos, antes de irem para a guerra, passaram

por um estágio em bases das forças armadas, estabelecendo contato com a tropa, recebendo

treinamento militar básico, aprendendo a ler mapas de campanha e diversos outrosconhecimentos úteis.

Mais do que o despreparo dos correspondentes brasileiros, porém, foi a censura o que mais

prejudicou a cobertura da FEB. Rubem Braga (1986, p.7) ressalta que a censura era feita de

forma descabida, tolhendo em demasia o trabalho dos repórteres. Anos mais tarde, Joel

Silveira e Thassilo Mitke (1983) afirmaram que a nenhum jornal foi permitido mandar algum

  jornalista junto com o primeiro escalão da FEB, em julho de 1944. Somente em dezembro

daquele ano, após o fracasso dos correspondentes oficiais do Departamento de Imprensa ePropaganda (DIP), é que o governo cedeu (BRAGA, 1986, p.8). O resultado da intransigência

ditatorial fez com que parte da campanha da FEB não contasse com cobertura jornalística.

Em 22 de setembro de 1944, os primeiros correspondentes representantes dos jornais

brasileiros foram para a Itália juntamente com o segundo e terceiro escalões das tropas

brasileiras: Rubem Braga, do Diário Carioca, Egydio Squeff, do O Globo, e Raul Brandão, do

Correio da Manhã. E no quarto escalão, que partiu em 23 de novembro de 1944, estava a

bordo o correspondente dos Diários Associados , Joel Silveira. Em seguida, no quinto escalão,

em 8 de fevereiro de 1945, seguiu o correspondente da Agência Nacional, Thassilo Mitke.

Os correspondentes brasileiros estavam submetidos à censura das Forças Armadas Aliadas e

do alto-comando da FEB e do DIP. Após produzirem seus materiais, os correspondentes

tinham que remetê-los para a censura do Public Relations Officer  (PRO) do 5° Exército

Aliado, ao qual se vinculava a FEB. A principal preocupação era evitar a divulgação de

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informações militares estratégicas que pudessem ser úteis ao inimigo, como detalhes sobre o

efetivo e a localização das tropas.

Silveira e Mitke (1993, p. 118) afirmam que esta censura em nenhuma ocasião chegou a cortaros textos dos correspondentes, pois eles próprios, sabedores do que não deviam mencionar, se

autocensuravam. Em contrapartida, Rubem Braga (1986, p. 316) afirma que um de seus

despachos da Itália havia sido liberado com pequenos cortes pela censura militar, devido ao

veto do DIP. Ainda segundo o autor, a expressão pequenos cortes compreende que a censura

militar fazia alterações em seus textos, ou nos despachos de outros correspondentes, pois os

cortes só poderiam ser considerados pequenos ou grandes se comparados com o que realmente

ocorria.

Entretanto, durante a guerra, não foram feitas críticas pelos correspondentes em relação à

atuação das forças brasileiras. Além de a censura não o permitir, os próprios repórteres não

demonstraram disposição neste sentido. Por sua vez, Rubem Braga (1986), embora tenha

produzido textos essencialmente de exaltação ao soldado brasileiro, em depoimentos após a

guerra explicitou alguns questionamentos. Apesar de o autor não ter publicado qualquer obra

sobre a atuação da FEB, ele fez algumas críticas nos prefácios das edições e reedições de sua

coletânea de crônicas de guerra e na apresentação de livro de outros correspondentes. Suas

críticas se referiam às falhas na organização das tropas do Brasil, principalmente nos aspectosde treinamento e de estado de saúde.

Os correspondentes brasileiros não tinham muito espaço para fazer oposição ao governo

brasileiro, por possuírem uma relação de conflito antes de irem para a guerra. Em Recife,

Rubem Braga trabalhou em um jornal que divulgava as idéias da Aliança Nacional

Libertadora4. Joel Silveira foi jornalista do semanário Diretrizes, órgão de imprensa que,

durante o Estado Novo, conseguiu mais eficazmente burlar a censura do DIP. Além deles,

Egydio Squeff, no jornal O Globo , diariamente fazia a propaganda da democracia norte-

americana, principal forma utilizada para se criticar indiretamente as características fascistas

do governo brasileiro na época.

4 A Aliança Nacional Libertadora (ANL) foi uma organização liderada pelo Partido Comunista do Brasil, com oobjetivo de lutar contra a influência fascista no Brasil.

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Nessa perspectiva, havia interesse por parte dos correspondentes em retratar com louvor a

FEB, presumindo-se o enfraquecimento do poder político dos setores fascistas dentro do

governo. Sendo assim, a principal característica contida nos textos dos correspondentes refere-

se à concentração de esforços no sentido de retratar o soldado nacional como sendo aquelehumilde e desprestigiado cidadão comum brasileiro que, nos combates, não deixava nada a

dever às demais tropas participantes da guerra.

Alguns fatores contribuíram para tornar os textos dos correspondentes brasileiros num

apanhado de pequenas histórias cotidianas ocorridas geralmente na retaguarda. Primeiramente,

o fato de a censura dificultar a divulgação de confrontos bélicos, pois se objetivava a

ocultação de dados militares pelo temor de abalos na opinião pública nacional, principalmente

por parte dos familiares dos pracinhas. Em segundo lugar, a própria característica da guerratravada na frente italiana a partir do momento em que passou a ser desconsiderada a

alternativa de invadir a Alemanha através da Itália, pois o objetivo principal era obrigar a

manutenção de tropas alemãs na região, evitando que fossem deslocadas para outras

localidades. Por último, o fato de os correspondentes junto à FEB não acompanharem

diariamente as movimentações na linha de frente. Isso ocorreu pelo fato de o comando das

tropas brasileiras não gostar da presença dos correspondentes junto às ações de combate.

Neste caso, os textos eram elaborados tendo como base principal os comunicados oficiais do

comando.

Pode-se afirmar que a censura foi a que mais dificultou o trabalho dos correspondentes

brasileiros, devido às acentuadas dificuldades de movimentação que lhes foram impostas,

resultado da aversão do comando das tropas brasileiras à presença deles na linha de frente. E a

censura praticada pelo DIP era atuante e parecia afetar mais fortemente o noticiário enviado

pelos correspondentes nacionais junto às tropas brasileiras do que o daqueles que pertenciam

às agências noticiosas estrangeiras. Confirmando isso, Rubem Braga (1986) sublinha que um

de seus despachos, referente aos grandes reveses que as tropas brasileiras sofreram ao atacar

Monte Castelo, em 29 de novembro de 1944, foi enviado ao Brasil já contendo os cortes da

censura militar, e mais ainda, não foi publicado em seu jornal em conseqüência do veto do

DIP.

Os despachos dos correspondentes brasileiros continham em sua maioria o retrato da rotina do

pracinha, devido ao pouco contato deles com a linha de frente e à censura de informações de

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combates. Esses correspondentes tinham a preocupação em não mencionarem nada que fosse

negativo ou desabonador para as tropas brasileiras. Contrapondo a essa idéia, Francis

Hallawell (1946), em sua crônica feita através da BBC, afirma que:

A falta de notícias de uma frente qualquer dá logo a impressão de que essa frenteestá morta. Mas posso garantir que nesta guerra não há frente de combate que sepossa dar ao luxo de estar morta. Como já disse, há constantemente patrulhas aserem realizadas e muitas vezes há patrulhas inimigas a combater e uma coisa e outrarepresentam luta intensa para o soldado [...]. Quando o interesse de um país inteiroestá centralizado num setor e este se torna estacionário, a opinião pública parece tirarimediatamente uma das seguintes conclusões extremas: ou se convence de que nãohá luta nenhuma e todo mundo está se divertindo muito, atirando bolas de neve epromovendo festas, e os soldados começam a receber cartas do Brasil invejando asorte que têm de visitar a Itália, como um grupo de turistas; ou então os extremistasopostos escolhem um combate isolado que aparece em algum despacho e passam aatribuir-lhe as proporções de uma batalha decisiva, e escrevem aos soldadosmanifestando sua desilusão, porque as linhas inimigas não se esfacelaram em poucos

dias. (HALLAWELL, 1946, p.16).

Finalizando, é sabido que dentre as maiores dificuldades de trabalho dos jornalistas brasileiros

durante a Segunda Guerra Mundial se destaca a censura, com a qual eles eram obrigados a

conviver. As condições em que as notícias eram produzidas no Brasil geraram um vácuo de

trabalhos críticos, o que Braga (1986) chama de “simples literatura de exaltação cívica”

(SILVA, 2007). Portanto, somente com o passar das décadas e com chegada de estudos mais

apurados sobre o assunto, incluindo a abertura de arquivos e acervos, é que foi possível uma

visão mais abrangente do processo de produção de representações da mídia na SegundaGuerra Mundial.

2.3 O correspondente de guerra e o jornalismo internacional

No século XIX surgiu o primeiro correspondente internacional de guerra. Precisamente no ano

de 1854 durante a guerra da Criméia (coalizão formada por Reino Unido, França, Sardenha

(Itália) e Império Turco-Otomano que lutou contra as pretensões expansionistas da Rússia).

(COUTO, 2009).A influência desses personagens no trabalho jornalístico de cobertura de guerra éantiga, e vem apenas acompanhando os avanços tecnológicos que alteraramradicalmente a forma como as guerras são veiculadas. O irlandês William HowardRussel, pioneiro no trabalho de correspondente de guerra em nível mundial, já sentiu apressão dos poderes militar e civil na então Guerra da Criméia, em 1845, quandoatuava como repórter do The Times, de Londres. Mais tarde, já na Primeira GuerraMundial, o governo britânico baixou decretos para impor censura à imprensa, e oexército delegou o tenente coronel Ernest Swinton como repórter oficial com o títulode testemunha ocular’. (KUHN apud FONTENELLE, 2005, s/p.).

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O pioneiro era o irlandês William Howard Russel, repórter do The Times, de Londres. Ficou

conhecido por sua narrativa sobre o avanço da carga da Brigada Ligeira britânica sobre os

oponentes durante a batalha. As notícias sobre as batalhas também informavam sobre o lugar ecultura local.

Jornalistas brasileiros possuem o costume de produzir grandes reportagens ou obras sobre o

trabalho e o local do front . A importância de ser um excelente jornalista para ir ao local é a de

que irá reproduzir os acontecimentos do conflito da maneira mais objetiva possível, apesar das

limitações impostas.

Aliado e entrelaçado à profissão de correspondente de guerra está o jornalismo internacional,que trata as notícias com certa peculiaridade, pois podem repercutir de maneira negativa no

país recebedor. No Brasil, o jornalismo internacional esteve ausente nas primeiras décadas de

seu jornalismo. Dois motivos justificam essa ausência: o primeiro devido ao atraso com as

notícias chegavam ao país, já que vinham de navio, e segundo pelo fato de as publicações

nacionais terem de competir com jornais importados.

Os primeiros aparecimentos do jornalismo internacional no Brasil foi ainda no século XIX,

quando começou a ser veiculado o jornal Gazeta Universal, no estado de Pernambuco. O  jornal tinha como objetivo veicular as informações oriundas dos navios que vinham do

exterior principalmente da Europa.

A partir deste momento, o noticiário internacional brasileiro foi caminhando para a

modernidade, começando pelos jornais criados para as comunidades de imigrantes. Na mesma

época, os jornais brasileiros passaram a receber artigos de diplomatas que residiam no

exterior.

Apesar de todos os males da ditadura militar de 1964, ela trouxe inovações ao noticiário

internacional. Isso porque as pautas censuradas eram abordadas via editoria no exterior.

Através disso, os correspondentes internacionais ganharam força e os jornais brasileiros

começaram a manter as relações com o exterior mais concretas.

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Após a ditadura de 64 e com a chegada da Internet, ficou rara a manutenção de grandes

escritórios no exterior. Em meados da década de 1990, iniciou-se uma emigração de

 jornalistas brasileiros ao exterior devido à erupção contínua de conflitos.

Distante de um trabalho perfeito e perto dos tradicionais obstáculos como confiabilidade defontes e recolhimento de informações, o jornalista ainda enfrenta mais um desafio: a

influência dos poderes militares e estatal.

 

Por fim, é possível concluir que apesar dos mecanismos para o controle da mídia por parte de

poderes estatais e militares, a prática do jornalismo não chega a admitir isso como

impedimento na atividade de informar e reportar uma guerra. Interessante ressaltar que mesmo

acompanhados do exército, os enviados não deixam de reportar e não se sujeitamcompletamente aos moldes exigidos.

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3 GÊNEROS TEXTUAIS NO JORNALISMO

Em termos gerais, os manuais de ensino de jornalismo (BAHIA, 1990) tratam os gêneros

como parte da técnica jornalística (coleta de informações, o trato com as fontes, organizaçãodas informações, relato e composição do jornal). Nesses manuais, geralmente, os gêneros mais

citados são a notícia, a reportagem, a entrevista e o editorial, que serão abordados neste

capítulo.

O gênero [...] pode ser visto como um conteúdo representacional dinâmico quecorresponde a uma forma característica de um texto, entendido como enunciadopleno (texto simples que tem um enunciador/locutor único ou texto completo comum enunciador/locutor principal) e como enunciado recorte (conjunto de textosenunciadores/locutores individuais, integrados na forma de texto ritual), secaracterizando pelas marcas estruturais texto-lingüísticas, de suporte, decircunstâncias enunciativas, funcionais em relação ao meio social (conteúdo,propósitos etc.), funcionais em relação ao hipergênero (de abertura, de  feedback , deencerramento etc.) (BONINI, 2003, p.210).

Ainda segundo Bonini (2003), o gênero é entendido como representação característica do

texto que ocorre como enunciado pleno ou recorte. No jornal, por exemplo, não há gênero

como enunciado recorte. Neste caso é a intercalação de anunciados plenos no hipergênero5 (o

suporte jornal), cabendo se considerar: “as funções do gênero no hipergênero, determinando-

se o processo de intercalação e o processo evolutivo do gênero, pois o hipergênero jornal se

constitui em um bloco de enunciados que ocorrem, em muitos casos, de formas mistas einovadoras”. (BONINI, 2003, p.210).

3.1 Gêneros jornalísticos: a notícia, a reportagem, a entrevista e o editorial

Na percepção de Bonini (2003), os gêneros da imprensa são fundamentais para atividade de

ensino, entretanto os mecanismos lingüísticos/sociais que caracterizam esses gêneros textuais

ainda são pouco conhecidos, em termos acadêmicos.

Os gêneros de jornal são classificados por Beltrão (1980) como Jornalismo Informativo

(notícia, reportagem, história de interesse humano, informação pela imagem), Jornalismo

Interpretativo (reportagem em profundidade) e Jornalismo Opinativo (editorial, artigo,

5 O autor entende por hipergênero os suportes de gênero que são, ao mesmo tempo, gêneros que se compõem apartir de outros gêneros, como é o caso dos jornais, das revistas, de vários tipos de home-pages.

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crônica, opinião ilustrada, opinião do leitor); e por Melo (1985) como Jornalismo Informativo

(nota, notícia, reportagem e entrevista) e Jornalismo Opinativo (editorial, comentário, artigo,

resenha, coluna, crônica , caricatura).

Beltrão (1980) classifica os gêneros baseando-se nas funções de vigilância, correlação e

transmissão, formuladas por Lasswell (1948), e na noção de que a língua é central na

condução da informação. Em sua classificação, Beltrão (1980) não considera aspectos da

configuração dos gêneros no meio nem os textos de imagem.

Melo (1985) classifica os gêneros a partir das trocas sociais jornal/ sociedade, adotando dois

critérios para sua classificação: o primeiro refere-se à intencionalidade presente nos relatos

que se mostra no jornalismo de duas maneiras: como tentativa de reproduzir o real e comotentativa de ler o real; em segundo, tem-se a natureza estrutural do relato que mostra duas

categorias de textos: o jornalismo opinativo, regido pelas variáveis autoria (opinião) e

angulagem (perspectiva temporal e espacial); e o jornalismo informativo, regido pelas

variáveis imediatismo (eclosão e evolução do/s acontecimento/s) e mediação (relação entre

 jornalista e protagonista/s).

Já Chaparro (1998) classifica os gêneros do jornal como: Comentário (espécie argumentativa,

artigo, crônica, cartas, coluna, espécie gráfico-artística, caricatura, charge) e Relato (espéciesnarrativas, reportagem, notícia, entrevista, espécies práticas, roteiros, indicadores,

agendamentos, previsão do tempo, cartas-consulta, orientações úteis).

Na visão de Chaparro (1998), as espécies argumentativas e narrativas estão na base de todos

os textos de jornal e que os gêneros comentário e relato os qualificam. Portanto, segundo o

autor, os gêneros do jornal são o comentário e o relato, pois estes correspondem socialmente

às duas principais ações jornalísticas: relatar a atualidade e comentar a atualidade.

A partir do critério de centralidade da função do gênero do jornal, Bonini (2001) classificou os

gêneros pelo modo como eles funcionam no jornal. Desta maneira, os gêneros da atividade

  jornalística estão presentes no ambiente de produção do jornal; os gêneros do jornal são

aqueles que ocorrem no jornal e os gêneros centrais no jornal estão diretamente relacionados à

organização e aos principais objetivos sociais/comunicacionais do jornal.

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Ainda de acordo com Bonini (2001), gêneros centrais presos são aqueles que estruturam o

  jornal; gêneros centrais livres aqueles que fazem o jornal funcionar; gêneros centrais livres

autônomos são os que mais usualmente acontecem como unidades textuais independentes ou

predominantes em um bloco de textos; gêneros centrais livres conjugados, em geral, ocorremcomo apêndice dos gêneros autônomos, principalmente da reportagem; e os gêneros

periféricos aqueles que estão relacionados a propósitos sociais/ comunicacionais que incidem

sobre o jornal, como os de divertir, educar etc.

Bonini (2003) afirma que essas divisões não devem ser concebidas como “categorias que

explicam o gênero diretamente”, mas sim como “processo social e de linguagem em que ele [o

gênero] está envolvido” (BONINI, 2003, p. 229).

A notícia revela como determinados fatos se passaram, identifica personagens, localiza

geograficamente onde ocorreram ou ainda estão acontecendo, descreve as suas circunstâncias,

e os situa, num contexto histórico para dar-lhes perspectiva e noção da sua amplitude e dos

seus significados (CURADO, 2002).

As notícias têm como incumbência a construção da coesão social. Elas permitem àspessoas ficarem sabendo o que acontece em volta delas para tomarem atitudes e,através de suas ações, construir uma identidade comum. A função da notícia éorientar o homem e a sociedade num mundo real. Na medida em que o consegue,tende a preservar a sanidade do indivíduo e a permanência da sociedade (PARK,1972, p.183).

Em conformidade com Lustosa (1996), a notícia narra o acontecimento sob determinada

perspectiva, constituindo-se em uma versão dos fatos e não sua tradução imparcial e

descomprometida. Pode-se perceber uma influência ideológica na escolha das notícias a serem

veiculadas, no enfoque dado às mesmas, na importância que o jornal atribui a dados

acontecimentos e também na escolha das palavras.

Sob o enfoque cognitivo, a notícia possui uma estrutura de relevância que indica ao leitor qual

informação é mais importante no texto. O autor considera que

as formas estruturais e os sentidos globais de uma notícia não são arbitrários, mas“resultados de hábitos sociais e profissionais de jornalistas em ambientesinstitucionais, de um lado, e uma condição importante para o processamentocognitivo eficaz de um texto noticioso, tanto por jornalistas como por leitores, deoutro. (DIJK, 1992, p.123)

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Na percepção de Bahia (1990), a reportagem é a grande notícia. Toda reportagem é notícia,

porém o inverso não. Dessa forma, a notícia não muda de natureza, mas muda de caráter ao

evoluir para a categoria de reportagem. A reportagem é um tipo de notícia com regras próprias

e, por isso, adquire um valor especial. A reportagem é uma notícia, porém não é qualquernotícia, e deve expor as circunstâncias sem tomar partido.

A reportagem pode ser considerada a própria essência de um jornal e difere danotícia pelo conteúdo, extensão e profundidade. A notícia, de modo geral, descreve ofato e, no máximo, seus efeitos e conseqüências. A reportagem busca mais: partindoda própria notícia, desenvolve uma seqüência investigativa que não cabe na notícia.Assim, apura não somente as origens do fato, mas suas razões e efeitos. Abre odebate sobre o acontecimento, desdobra-o em seus aspectos mais importantes edivide-o quando se justifica, em retrancas diferentes que poderão ser agrupadas emuma ou mais páginas. A notícia não esgota o fato; a reportagem pretende fazê-lo(MARTINS FILHO, 1992, p.67).

Com a finalidade de diferenciar a reportagem da notícia, Lage (2006) caracteriza a reportagem

sob três aspectos: de acordo com a linguagem, a reportagem possui estilo menos rígido que a

notícia, possibilitando ao repórter o uso da primeira pessoa, bem como fazer, além do

levantamento de dados, interpretação dos fatos; sob o ponto de vista da produção, a

reportagem leva em consideração a "oportunidade jornalística" (o fato gerador de interesse); a

necessidade de pautas que incluam o fato gerador de interesse, a natureza da matéria e o

contexto. O fato gerador que torna a reportagem um gênero independente.

No contexto jornalístico, a entrevista funciona como interação social e quebra de isolamentos

grupais, individuais e sociais. Serve como pluralizadora de vozes e como uma distribuição

democrática da informação, tendo como finalidade o inter-relacionamento humano. Os

participantes da entrevista se interagem, modificam, revelam, crescem no conhecimento do

mundo e deles próprios (MEDINA, 2004).

Em certos casos felizes, a entrevista torna-se diálogo. Este diálogo é mais uma

conversação mundana. É uma busca em comum. O entrevistador e o entrevistadocolaboram no sentido de trazer à tona uma verdade que pode dizer respeito à pessoado entrevistado ou a um problema (MEDINA, 2004, p.15).

Na entrevista há um diálogo democrático, do plurálogo e, para que isso aconteça, é

fundamental que o entrevistador apresente uma personalidade dialógica, e não monológica.

Desenvolver o encadeamento das perguntas, interferências, interrupções, re-orientações no

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discurso do entrevistado é, sem dúvida, a demonstração de um desempenho eficiente e maduro

do entrevistador (MEDINA, 2004).

Segundo Pena (2005), “A linha editorial é a lógica pela qual a empresa jornalística enxerga omundo; ela indica seus valores, aponta seus paradigmas e influencia decisivamente na

construção de sua mensagem” (PENA, 2005, p. 81).

Toda e qualquer notícia passa, necessariamente, pela linha editorial determinada pela empresa,

que estabelece limites quanto ao teor das críticas e quanto às notícias que devem ser evitadas.

Apesar de haver este controle, é comum encontrarem-se meios de comunicação que se

autodenominam imparciais ou isentos, como se não respondessem a determinados interesses.

Independentemente da posição assumida por qualquer meio informativo (“imparcial”,“objetivo”, “isento”, “independente”, “de centro”, “de direita”, “de esquerda”), nenhum deles

é neutro, pois não existe o observador neutro. Toda matéria sofre influência dos valores de

quem a escreve, de quem filma ou fotografa as imagens, de quem faz a edição e, finalmente,

de que lê, vê ou ouve a notícia. Portanto a imparcialidade não existe, por mais que certos

meios informativos se autodenominem dessa forma (MELO MARQUES, 2006).

Na percepção de Wolf (1999):

A linha editorial e política dos jornais é apreendida “por osmose” e é imposta,sobretudo, através do processo de seleção dos jornalistas no interior das redações. Aprincipal fonte de expectativas, orientações e valores profissionais não é o público,mas o grupo de referência constituído pelos colegas ou pelos superiores. (WOLF,1999, p. 182)

A linha editorial é a própria ideologia reinante que impregna os jornalistas de forma

consciente ou inconscientemente. Os jornalistas sabem quem são os acionistas majoritários,

conhecem a linha editorial da empresa onde trabalham e sabem quem são os anunciantes mais

importantes. Portanto, conhecem os limites até onde podem chegar com suas críticas. Os jornalistas trabalham não apenas sob as tensões diárias, sob a pressão da concorrência e dos

interesses políticos, mas também enfrentam uma “censura econômica” que induz à escolha de

temas em função não só das expectativas de venda, mas também dos interesses econômicos do

grupo proprietário, cujas atividades podem estar nos mais diversos setores da economia. As

obrigações dos jornalistas para com os acionistas tornaram-se, portanto, mais importantes do

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que o rigor da informação ou suas obrigações com a deontologia da profissão (MELO

MARQUES, 2006).

3.2 O livro-reportagem

O livro-reportagem é o veículo de comunicação impressa não-periódico que apresenta

reportagens em grau de amplitude superior ao tratamento costumeiro nos meios de

comunicação jornalística periódicos. Por grau de amplitude superior, se entende maior ênfase

ao tratamento do tema em foco nos aspectos extensivo e intensivo (LIMA, 2004). O livro-

reportagem é o resultado da simples compilação de reportagens já publicadas (coletânea) ou

do trabalho feito para livro, mas concebido e realizado em termos jornalísticos.

O livro-reportagem se diferencia dos demais tipos de livro devido ao seu conteúdo, tratamentoe função. Quanto ao conteúdo, seu objeto de abordagem necessariamente corresponde ao real,

provido de veracidade e verossimilhança, seja uma ocorrência social já definida ou uma

situação mais ou menos perene, como um estado de coisas sem um acontecimento central.

Com relação ao tratamento, sua linguagem é eminentemente jornalística, formada pelo

equilíbrio entre a comunicação eficiente (registro formal) e a aceitação social (registro

coloquial), mas com maior maleabilidade do que se vê em veículos periódicos, pela

possibilidade mais clara da exposição de marcas autorais. O livro-reportagem serve a diversas

finalidades que se desdobram dos objetivos básicos de informar, orientar e explicar,enveredando pelos diversos gêneros jornalísticos existentes.

Na percepção de Lima (2004), a função particular do livro-reportagem é informar e orientar

em profundidade sobre ocorrências sociais, episódios factuais, acontecimentos duradouros,

situações, ideias e figuras humanas, de modo que ofereça ao leitor um quadro da

contemporaneidade capaz de situá-lo diante de suas múltiplas realidades, de lhe mostrar o

sentido, o significado do mundo contemporâneo.

O livro-reportagem é basicamente um produto cultural contemporâneo, cujo trabalho pode dar

à matéria um poder de extensão, ou seja, uma sobrevida à sua validade como notícia. De um

lado amplia a abordagem do cotidiano da imprensa, pois consegue inserir informações após o

término da notícia. Por outro lado, chega a penetrar em campos desprezados ou tratados como

simplórios pela imprensa.

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Ao entrar no universo jornalístico é possível perceber as diferenças entre o clássico noticioso e

o livro-reportagem. O clássico trata de reproduzir a realidade concreta e factual. Por meio

dessa filosofia, o jornalismo constrói um mosaico de notícias que abordam os mais variados

assuntos para todo o tipo de público. Porém, ao envolver matérias que possam repercutir emmeio coletivo, implicam várias medidas a serem tomadas como, por exemplo, a identificação

das pessoas que participaram dos acontecimentos, a localização das ações, circunstâncias –

mas mesmo depois de tomadas às medidas, a preocupação com a atualidade do fato e seu

desenrolar se adéqua a uma seqüência longa de notícias até seu desfecho.

O instrumento básico para o relato jornalístico é a notícia, forma de comunicaçãoque condensa a reprodução dos fatos sociais. Mas como há temas que requeremabordagem mais ampla, o jornalismo desenvolveu, ao longo do tempo, uma forma demensagem mais rica, cujo teor procura redimensionar a realidade sob um horizonte

de perspectivas onde não raro existem várias dimensões dessa mesma realidade.(LIMA, 1993, p.10).

A partir deste ponto, cria-se um paradoxo entre o jornalismo noticioso convencional e o livro-

reportagem. Ao contrário do primeiro, que possui uma maneira padrão e industrializada de

produzir notícias e com o objetivo de atingir o maior número possível de leitores, o livro tem

como base uma linguagem mais livre e um aprofundamento maior sobre os acontecimentos.

O trabalho de profundidade dos fatos é realizado minuciosamente, pois serão informações

ligadas provavelmente a fatos históricos e de cunho polêmico. Devido a isso, o livro-

reportagem escapa dos princípios básicos de que o jornalismo deve tratar apenas aquilo que é

atual.

Por exemplo, uma reportagem que queira explicar com profundidade a questãoamazônica e seus problemas ambientais, sociais, humanos, de exploraçãoeconômica, terá obrigatoriamente que mergulhar na história do passado recente,quando o modelo desenvolvimentista do regime militar incentivou o desmatamentoda floresta. (LIMA, 1993, p.13)

O gancho histórico é de extrema importância para o trabalho de reportagem, pois liga os fatos

passados ao presente. Por existirem preceitos do jornalismo tradicional dentro do jornalismo

de reportagem, alguns trabalhos ficam mutilados, sem a ligação do passado e presente. Diante

dessas diretrizes opostas de trabalho, forma-se uma elaboração sem os clássicos limites do

 jornalismo, como a obsoleta noção de causa e efeito e o domínio do determinismo.

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O livro-reportagem foge à regra, pois não possui limitações que o insira em um padrão

 jornalístico. É possível tomar como exemplo o período pós-Segunda Guerra, que ofereceu um

espaço linear de estudo histórico e logo em seguida foram produzidas reportagens sobre seu

curso.

Não restrito a utilizar apenas os elementos do lead , o quê?, quem?, quando?, como?, onde? – o

livro não possui o limite de informação, por isso detém do poder da matéria ampliada e não

cai na cesta de notícias superficiais e sensacionalistas.

Como forma de abordar seus objetivos, o livro reportagem trabalha de maneira extensa as

dimensões de tempo e espaço que impõe limites à narrativa jornalística. Como primeiro ponto,

o livro consiste em observar o espaço geográfico da ocorrência, em seguida estuda um fatosecundário e talvez um segundo espaço geográfico relacionado ao fato central. Seguindo o

raciocínio do livro-reportagem, o mesmo aborda o terceiro ponto, que são os efeitos e

repercussões mais importantes.

Por exemplo, um acidente nuclear numa cidadezinha do interior da Rússia. Oprimeiro ponto corresponde ao acidente em si e ao cenário imediatamente em tornoda usina atômica, que perdeu um reator numa explosão. O segundo ponto dizrespeito a como os habitantes das fazendas mais ou menos próximas testemunharamo acidente. Por último, o terceiro trata as conseqüências da explosão, seus efeitos

políticos, econômicos, sociais e humanos em todo o mundo. (LIMA, 1993, p.31)

Para construir uma grande reportagem, é preciso passar pelas etapas de pauta, captação,

redação e edição. A primeira é o ponto de partida e o roteiro do trabalho, o que dentro do

conceito de livro reportagem não se limita a informações de curto prazo. A pauta pode entrar

em detalhes do passado e sair em direção ao futuro sem restrições.

A segunda etapa de construção do livro-reportagem é a que o incrementa de informações

puxadas de outras áreas de conhecimento, como história, geografia, biologia etc. Chamada

captação, pode ser mais interativa e esclarecedora do que normalmente se vê na imprensa

padrão, pois uma entrevista se possibilita a realização de perguntas com maior

aprofundamento e de maior elasticidade. A captação cruza informações com a documentação

e ambas completam os arquivos de interação da reportagem. As etapas de redação e edição

ainda são utilizadas com base no padrão jornalístico existente.

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Em resumo, o livro-reportagem serve para estender o poder jornalístico para além da barreira

hipotética imposta por padrões empresariais e públicos. Dá ao homem o poder de estudar

profundamente um fato e mostrá-lo na mídia, de forma a ajudar a entendermos situações

vividas no passado, resolvê-las no presente e evitá-las no futuro.

3.2 Linguagem e Persuasão

Adilson Citelli (1995) mostra historicamente que a persuasão, cuja etimologia do verbo que a

origina significa aconselhar, possui raízes clássicas e o estudo e a melhoria do discurso surgiu

na Grécia Antiga que prezava a democracia, regime que foi muito ameaçado durante a

Segunda Grande Guerra por justamente a habilidade de persuadir. Como as decisões na época

não eram impostas, era necessário convencer as pessoas do valor delas utilizando o discursopersuasivo, surgindo assim a retórica.

Na obra citada por Adilson Citelli (1995)  , Arte Retórica de Aristóteles, é proposto pelo

mesmo, algumas etapas para a produção de discursos persuasivos, são elas: o exórdio

(introdução do discurso, indicação do assunto), narração e provas. Os parnasianos no final do

século 19 utilizaram a retórica como maneira de embelezar os textos; na retórica moderna são

mais enfatizadas as técnicas de argumentação e o estudo das figuras de linguagem.

Citelli (1995) adverte sobre a existência de raciocínios discursivos, como o apodítico (verdade

inquestionável), o dialético (permite mais de uma conclusão proporcionando uma aparente

abertura do discurso, sendo esta opção de escolha ilusória), enquanto o retórico difere-se do

dialético somente porque, na escolha, apela para o lado emotivo, porquanto o outro apela para

o lado racional.

Mostrado pelo autor, as figuras de retórica mais utilizadas são a metáfora (transferência ou

transposição) e a metonímia (utilização de um termo em lugar de outro). Percebe-se uma

pesquisa aprofundada sobre o estudo lingüístico, que por sua vez contribui para uma análise

do poder de persuasão, analisando sobre o significante e significado, podendo sobre a análise

deduzir que o signo é eventual e simbólico.

De maneira seccionada, o discurso pode ser de três modos, sendo eles: o discurso lúdico

(possui um menor grau de persuasão); o discurso polêmico (cria um novo centramento na

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relação entre os interlocutores, aumentando o grau de persuasão) e o discurso autoritário

(personativo, engloba a verdade sem questionamentos).

As classificações dos tipos de discursos são dominantes, e não autônomas, pois um discursogeralmente apresenta características de diferentes modalidades, sendo umas mais evidentes

que outras. Ao final, conclui-se que a persuasão está presente em todos os lugares e em todo

tempo, como por exemplo em outdoors, revistas, em casa, etc.

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4 RELATOS DO COTIDIANO DA GUERRA, NA VISÃO DE JOEL SILVEIRA,

RETIRADOS DE SUA OBRA “INVERNO NA GUERRA”

4.1 Metodologia e objetivos

Este trabalho tem como proposta analisar a abordagem do jornalista de guerra Joel Silveira

sobre a campanha brasileira na Segunda Guerra, através de sua obra  Inverno da Guerra, além

de identificar os gêneros jornalísticos empregados em sua narrativa.

Em sua primeira parte, a pesquisa bibliográfica é baseada em autores que discutem o tema

Segunda Guerra Mundial, o jornalismo de guerra no Brasil e o correspondente de guerra,

mostrando como este conflito afetou todo o mundo. Já a segunda parte da pesquisabibliográfica apresenta a intenção de aprofundar a discussão sobre os gêneros textuais

 jornalísticos e o que é o livro-reportagem.

O material de análise é composto pelos relatos publicado no livro Inverno da Guerra de Joel

Silveira. Dessa forma, o objetivo da análise é interpretar como é feita a cobertura de guerra

apresentada no livro, e observar o emprego dos gêneros jornalísticos em sua obra.

4.2 Escritores de guerra – Quem é Joel Silveira?

Os correspondentes de guerra, ou como também eram chamados de escritores de guerra, eram

  jornalistas de prestígio das empresas e jornais do país. Eram profissionais enviados para

relatar os acontecimentos da forma mais imparcial e objetiva possível.

Quando estes escritores chegavam ao local do conflito, viam-se em uma situação militar e

  jornalística de risco. Seus ideais de escrever tudo de maneira livre e ética entravam em

conflito direto com os poderes estatais e militares, que por sua vez influenciam diretamente

sobre o trabalho de informar.

Como um dos enviados para a construção da visão midiática sobre a Segunda Guerra Mundial,

o jornalista Joel Silveira chegou à Europa no inverno de 1944, e acompanhou a luta dos

pracinhas até a tomada do Monte Castelo.

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Joel Magno Ribeiro da Silveira nasceu em Aracaju no dia 23 de setembro de 1918. No Ateneu

moveu estudantes, fundou e redigiu jornais da faculdade, criou o Grêmio Clodomir Silva

como forma de homenagear o professor e historiador, falecido em 1932. Em 1936 Silveira foi

liderando uma formação estudantil conversar com Jorge Amado, romancista baiano. Emmeados de 1936, foi para o Rio de Janeiro estudar Direito, o que à frente renderia a

contratação ao Diário dos Associados comandado por Assis Chateaubriand.

Joel Silveira, jornalista e escritor, é considerado o repórter que mudou o jornalismo brasileiro,

pois passou pelas mais importantes redações do Brasil, colecionando prêmios como o Esso,

Jabuti, Golfinho de Ouro, Machado de Assis e Libero Badaró. Publicou vários livros como:

Viagem com o Presidente Eleito,   A Camisa do Senador e   A Feijoada que Derrubou o

Governo.

Escolhido por Assis Chateaubriand, dos   Diários Associados, Joel Silveira se tornou

correspondente de guerra na Itália para cobrir as ações da Força Expedicionária Brasileira

(FEB) entre setembro de 1944 e maio de 1945. O governo da época (a ditadura do Estado

Novo de Getúlio Vargas), por meio do Dr. Lourival Fontes, chefe do Departamento de

Imprensa e Propaganda (DIP), órgão de controle criado durante a ditadura militar no Brasil,

não queria que nenhum jornal enviasse correspondente para fazer a cobertura da guerra.

Entretanto, os donos dos jornais brasileiros, dentre eles, Assis Chateaubriand, dos  Diários

 Associados e Roberto Marinho, de O Globo, deram um ultimato ao governo. Com isso, o

chefe da DIP não teve outra opção a não ser deixar que os correspondentes fossem para a

guerra.

Ao chegar à Europa, o jornalista tinha 26 anos e era o mais jovem de todos os correspondentes

de guerra. Escreveu, a partir desse trabalho e experiência O Inverno da Guerra, obra da qual

reúne as melhores histórias e fatos vividos durante a guerra junto com a Força Expedicionária

Brasileira6.

6 Informações disponíveis em<http://www.infonet.com.br/luisantoniobarreto/ler.asp?id=63913&titulo=Luis_Antonio_Barreto>, acesso em02/06/2010

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Ouviu do próprio dono dos Diários Associados, Assis Chateaubriand a frase: “Você vá, mas

não me morra!”. Após escrever sobre momentos cruciais do combate até a rendição alemã (em

abril de 1945) Joel ficou durante nove meses na Europa em guerra e voltou ao Brasil dizendo:

“Confesso que não foi exatamente por delicadeza que naqueles nove meses perdi uma parte daminha mocidade, ou o que restava dela. A guerra é nojenta, e o que ela nos tira, nunca mais

devolve" (SILVEIRA, 2005, p.12).

4.3 Análise do livro Inverno da Guerra

Trata-se de um diário de bordo, em que Joel Silveira revela o cotidiano de uma guerra com

seus absurdos e contradições, relatando que sofreram muito nos Apeninos. “Medo, frio –

muito frio -, desconforto e aquele constante odor de sangue velho e óleo diesel, que é o cheiroda guerra. E mais o tédio dos longos dias e noites em locais inviáveis, sitiados pela neve.”

(SILVEIRA, 2005, p.9)7.

No inverno implacável de 1944-1945, Silveira (2005) disserta sobre o cotidiano dos

correspondentes de guerra no  front  italiano. Os correspondentes brasileiros citados na obra

são: Rubem Braga, do  Diário Carioca; Squeff; Raul Leoni; Raul Brandão, do Correio da

 Manhã; Thassilo Mitke, da   Agência Nacional. Por sua vez, Joel também citou os

correspondentes de guerra internacionais: os norte-americanos Henry Bagley, da  Associated 

Press; Frank Norall, da Coordenação de Assuntos Interamericanos; Francis Hallawel, da

 BBC ; e Allan Fisher, fotógrafo e companheiro de Norall.

Na cidade de Pistóia, o lar efetivo dos correspondentes, o dia começava com o primeiro toque

da alvorada, dando início à exasperante rotina de todo dia, sempre marcada por pesadelos.

Depois, devidamente travestidos de guerreiros, os correspondente saíam carregando o saco de

dormir (sleeping-bag), a máquina de escrever, as rações alimentares, lanterna a pilha, velas de

cera, considerados artigos de maior prioridade. Vale salientar que os correspondentes de

guerra não podiam portar armas, conforme determinação da Convenção de Genebra, pois se

um correspondente de guerra fosse feito prisioneiro com qualquer espécie de arma, era

considerado um franco-atirador.

 7 As demais citações referentes ao livro terão apenas a indicação do número da página para facilitar oentendimento e leitura

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Chegando no QG avançado em Porreta-Terme, os correspondentes escolhiam um ponto na

frente para onde se pretendia ir. “Em média, o  front  da FEB se estendia por uns 20

quilômetros de montanhas, vales e penhascos, mas algumas vezes se esticava mais algunsquilômetros em ambas as extremidades” (p.14). Joel e Squeff, por gozarem de franquia

telegráfica, podendo usá-la quando quisessem, visitavam vários lugares no  front,

particularmente os mais afastados ou de difícil acesso, e lá pegavam em torno de 30

mensagens curtas dos combatentes, que no dia seguinte estavam estampadas nos  Associados

ou no O Globo.

Nos dias 28 e 29 de abril de 1945, a FEB havia cercado e obrigado a render-se toda a 148ª

Divisão Panzer Alemã e, com isso, dando por finda a sua missão na guerra. Por sua vez, oscorrespondentes brasileiros tinham que voltar para o Brasil. Joel Silveira (2005) relata que:

A guerra é cheia de truques, todos nojentos; e um dos mais nojentos é fazer com quealguém que com ela conviveu durante meses acabe sendo condicionado por ela. Porisso é que naqueles dias, véspera de voltar para casa, eu sentia que não fora apenas aguerra que havia acabado, mas também uma parte do que eu era antes de chegar àItália. Por isso é que costumo dizer que cheguei à Itália com 26 anos e voltei com 40,embora lá só ficasse pouco mais de oito meses. [...] A Guerra, repito, é nojenta. E oque ela nos tira (quando não nos tira a vida) nunca mais nos devolve (p. 20).

Ele discorre sobre a participação dos pracinhas no conflito e seus relatos. O primeiro foiquando um pracinha brasileiro conseguiu fugir de um campo nazista:

Ele nos contou que, apesar de ferido no braço, foi jogado no chão, e lá ficou, setorcendo de dores e de fome, mais de dois dias. No terceiro dia, um guarda apareceue lhe estendeu um prato com um caldo escuro e malcheiroso, que ele teve que engolirporque não agüentava mais (p.40-41).

De acordo com os trechos citados anteriormente é possível identificar elementos de um livro-

reportagem, que segundo (LIMA, 2004) é o veículo de comunicação impressa não-periódico

que apresenta reportagens em grau de amplitude superior ao tratamento costumeiro nos meios

de comunicação jornalística periódicos.

O livro-reportagem escapa dos princípios básicos de que o jornalismo deve tratar apenas

aquilo que é factual, e seu trabalho de profundidade dos fatos é realizado detalhadamente, o

que é de fato verificado durante toda análise de narrativa do livro objeto desta pesquisa.

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Na percepção de Lima (2004), a função particular do livro-reportagem é informar e orientar

em profundidade sobre ocorrências sociais, episódios factuais, acontecimentos duradouros,

situações, ideias e figuras humanas, de modo que ofereça ao leitor um quadro dacontemporaneidade capaz de situá-lo diante de suas múltiplas realidades, de lhe mostrar o

sentido, o significado do mundo contemporâneo.

Em sua narrativa Joel Silveira (2005) trata com profundidade os fatos presenciados por ele,

como é possível perceber, por exemplo, na sua descrição sobre um buraco cavado no chão

( foxholes) onde ficavam os pracinhas brasileiros, com uma metralhadora ou fuzil nas mãos,

por um período de duas horas para cada pracinha, num revezamento que atravessava toda a

noite. Ele relata que era um buraco muito frio, onde, de um modo geral, o pracinha resistiabem, pois tinha que ficar imóvel o tempo todo. Devido a esta posição, o “pé de trincheira”

incha e paralisa o pé do pracinha, deixando-o durante quinze ou vinte dias no hospital.

È possível verificar ainda em análise do livro de Joel (2005) que um livro-reportagem trabalha

de maneira extensa as dimensões de tempo e espaço que impõe limites à narrativa jornalística.

Assim, como primeiro ponto, o livro consiste em observar o espaço geográfico da ocorrência,

em seguida estuda um fato secundário e talvez um segundo espaço geográfico relacionado ao

fato central. Seguindo o raciocínio do livro-reportagem, o mesmo aborda o terceiro ponto, quesão os efeitos e repercussões mais importantes.

Na sua história sobre o jornalismo de guerra, Silveira (2005) retrata que diariamente, oficiais,

sargentos e pracinhas saíam com a missão de fazer prisioneiros ou para reconhecer o terreno; e

voltavam sempre com histórias para contar. Em uma dessas missões, no Natal, o sargento

Írcio Camargo saiu com seus 23 homens, caminhando (ou, muitas vezes, rastejando) pela

neve, no período de quatro horas da tarde até as seis da manhã seguinte, espalhados em grupos

de quatro ou cinco, e de minuto em minuto as balas alemãs assoviavam sobre suas cabeças e

os morteiros explodiam ao seu redor. O sargento falou o seguinte:

A guerra muda tudo. Muda até o Natal. Metade da noite os alemães lançaram um oudois foguetes iluminativos. O belo fogo de artifício brilhou no céu em centenas depequenas estrelas; depois o pequeno pára-quedas iluminado foi descendo devagar,até ficar dependurado num galho sem folhas (p.52).

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Quando os foguetes iluminados explodiam no ar, e tudo ficava claro como um dia de verão, os

pracinhas tinham que se estirar sobre o chão gelado. Nessa mesma ocasião, o pracinha

Benedito Moreira Filho, de Pontal (São Paulo) não conseguiu resistir e ficou estirado na neves

e, com isso, ficou 15 dias internado no hospital. Ele contou para Joel Silveira (2005) que:

Uma bomba estourou perto e então mergulhei no chão. Outros morteiros começarama explodir e eu não podia me levantar. Passei alguns instantes (ou foram séculos?)assim, e quando quis me levantar, não pude. Estava mais duro do que um pedaço depau. O sargento Írcio é que me trouxe nas costas de lá até aqui ao Posto deComando. Pensei que ia morrer (p.51).

Segundo o autor, “Esta é a história de um Natal brasileiro na frente de batalha. Um Natal

diferente, gelado, traiçoeiro, de homem se arriscando numa terra varejada pelos morteiros,

pelas metralhadoras” (p.51). E completa sublinhando que “E como nenhum pracinha desejater um Natal como este de 1949, sabem que é preciso derrotar os tedescos o mais depressa

possível” (p.51-52).

O livro-reportagem serve a diversas finalidades que se desdobram dos objetivos básicos de

informar, orientar e explicar. Assim, é possível perceber que o livro-reportagem se diferencia

dos demais tipos de livro devido ao seu conteúdo, tratamento e função. Seu objeto de

abordagem necessariamente corresponde ao real e sua linguagem é notável jornalística,

formada por uma comunicação eficiente.

Desta maneira, para Curado (2002), a notícia revela como determinados fatos se passaram,

identifica personagens, localiza geograficamente onde ocorreram e descreve as suas

circunstâncias, e os situa, num contexto histórico para dar-lhes perspectiva e noção da sua

amplitude e dos seus significados.

Como ilustração de uma notícia mostrada no livro, citamos que o correspondente relata o dia

mais trágico para os brasileiros, quando uma granada rebentou no interior de um dos edifíciosdo quartel-general avançado, ferindo e matando muitos. O teto desabou e não ficou uma única

vidraça intacta. Um buraco que desceu do último andar ao andar térreo.

“Uma tarde, durante perto de duas horas, os projéteis ficaram explodindo bem atrás da casa

onde tínhamos nossos quartos, e um deles rebentou o muro defronte. Um estilhaço chegou a

partir, lá em cima, a vidraça do banheiro” (p.63-64). Mais tarde é que se soube que era um dos

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mais poderosos canhões nazistas, com um alcance de 32 quilômetros. Durante toda a noite, os

técnicos brasileiros se debruçaram sobre as fotografias tiradas pelo teco-teco, e acharam o

canhão, camuflado, numa rampa da montanha; e combinaram que um avião deixaria cair uma

de suas bombas naquele local.

Estávamos no quartel-general quando a explosão da bomba rebentou com umestouro sonoro que ficou se multiplicando pelos vales gelados. Parece, de resto, quefoi uma bomba bem-sucedida. Há mais de 24 horas que o canhão não nos dá o ar desua graça [...]. Apenas, distante, a cotidiana troca de tiros entre brasileiros e nazistas.[...] O canhão nos deixou um rol trágico: seis mortos e trinta e tantos feridos, entrecivis e militares. E não sei quantas dezenas de sustos pregados a este correspondente(p.64).

É possível, portanto identificar que a notícia narra o acontecimento. Joel Silveira (2005)

constrói uma versão dos fatos.

Já com relação ao discurso, que segundo Citelli (1995) pode ser de três modos – lúdico

(possui um menor grau de persuasão), polêmico (cria um novo centramento na relação entre

os interlocutores, aumentando o grau de persuasão) e o autoritário (personativo, engloba a

verdade sem questionamentos) – é possível perceber que Silveira (2005) emprega em sua obra

um tipo de discurso polêmico, como é possível verificar em:

Às 3h15 da madrugada a pressão dos atacantes continuava a fazer-se sentir commaior intensidade, particularmente à frente da 7ª Companhia, mas nossa defesa,muito bem controlada, persistia firme, coberta por fogos bem ajustados. Às 4h10,depois de uma luta intensa, os nazistas começaram a retirar-se desordenadamente,em verdadeiro pânico, castigados pelos fogos de defesa. Às 04h25 os alemãeshaviam desistido completamente do seu intento, tendo deixado no campo de luta ummorto e um cabo ferido, que foi aprisionado (p.81-82).

O trecho acima narra o momento em que os nazistas atacaram as posições defendidas pela 7ª

Companhia brasileira, utilizando tropas de choque especializadas em ações dessa natureza,

poderosamente armadas e dispondo também de carga de destruição, apoiados inicialmente por

intenso fogo de artilharia e morteiros e, depois, por armas automáticas. Este ataque obrigou os

brasileiros a se deslocarem dos seus postos avançados para a linha de resistência. Um dos

pelotões da 7ª Companhia contra atacou, reforçados por fogos de morteiros do Batalhão, da

Artilharia e da Companhia de Obuses. Mas os nazistas continuaram a avançar, exercendo forte

pressão sobre a 8ª e 9ª Companhias, com bombardeios de artilharia e morteiros.

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Em alguns momentos do livro fica plausível identificar, no contexto jornalístico, algumas

formas de entrevista. No relato dado pelo tenente-aviador Taborda com relação a guerra e aos

nazistas, por exemplo:

Agora, quando subo no teco-teco, levo comigo a determinação de fazer meu trabalhoo melhor possível. É preciso que esta guerra acabe, e para que ela acabe os nazistastêm que ser exterminados. Quando desço aqui no PC e entrego ao meu comandanteinformações seguras e criteriosas, ou quando, lá em cima, vejo a Artilharia acertarem pontos e posições por mim revelados, sinto que estou vingando um pouco amorte dos meus companheiros. [...] A gente aqui se arrisca todos os dias e não hátempo para quixotadas. Estou levando meu trabalho muito a sério. Eu e meuscompanheiros (p.91).

Para Medina (2004), a entrevista funciona como interação social e quebra de isolamentos

grupais, individuais e sociais. Durante uma entrevista é necessário que haja um diálogo

democrático, como é possível perceber na obra de Joel Silveira (2005).

Sobre a abordagem da campanha brasileira na Segunda Guerra, o jornalista e correspondente

de guerra destaca durante seu livro que os alemães tentavam impedir a progressão dos

brasileiros com fogo concentrado de morteiros.

Para ele, o instante mais sensacional de toda a luta foi quando toda a Artilharia Divisionária

concentrou seu poder de fogo sobre Castelo. Os brasileiros continuaram a ofensiva, porém

sem o apoio dos americanos que ainda não conseguiram tomar Torraccia, enfrentando a

posição estratégica ainda dos alemães. Às 17h50 do dia 21 de fevereiro de 1945, o Coronel

Franklin avisa que está no cume de Monte Castelo e pede fogo da Artilharia sobre posições

inimigas além do monte. Assim, os pracinhas brasileiros conquistaram definitivamente Monte

Castelo.

De acordo com Joel Silveira (2005) , não adiantava os correspondentes enviarem informações

sobre feridos, acidentados e doentes, pois o DIP censurava essas matérias, pois consideravamque “o soldado brasileiro deveria ser sempre excepcional, à prova dos desastres da guerra”

(p.135).

Já sobre a morte do sargento Max Wolf, Silvera (2005) diz que: “Vi perfeitamente quando a

rajada da metralhadora alemã rasgou o peito do sargento Max Wolf Júnior. Instintivamente,

ele juntou as mãos sobre o ventre e caiu de bruços. Não se mexeu mais” (p.143). Muitos dos

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homens que estavam com o sargento Max voltaram com os olhos cheios de lágrimas. O

segundo-sargento Nilton José Facion, de São João Del Rei contou para Joel Silveira como foi

o ocorrido:

Eu estava a uns 30 metros de Wolf quando ele foi atingido. O soltado AlfredoEsteves da Silva, que ia na frente, virou-se para mim e disse: “Parece que Wolf estámorto. Vou puxar o corpo dele para cá”. Respondi que iria atrás dele, para ajudar.Mas uma rajada matou também o pracinha Esteves antes que ele pudesse fazerqualquer coisa. Chegou a minha vez e consegui arrastar o corpo do sargento por uns30 metros. Depois recomeçou a chuva de morteiros e não pude fazer mais nada(p.145).

O correspondente descreve sua passagem do Ano Novo em 1944/1945:

Volto aqui a Roma depois de 11 dias intensos na frente brasileira. A descriçãodetalhada destes últimos dias serviria para desiludir algum espírito ingênuo eotimista capaz de julgar ser a vida do correspondente de guerra na Itália ou emqualquer outro “front” do mundo, um paraíso movimentado e colorido. Não querome prolongar muito a respeito, mas quando o leitor souber que entre o dia 25 dedezembro último e este 2 de janeiro só me foi possível tomar um banho, apressado eeconômico, poderá por si mesmo tirar outras conclusões a propósito da vida quelevamos aqui. Mas é lógico que isto não acontece somente com os correspondentes,obrigados a andar de um lado para o outro, sem pouso certo para dormir ou paracomer. A guerra é, na sua totalidade, uma coisa incômoda, incômoda para o general,para o coronel, para o pracinha ou para o correspondente (p.151)

Joel Silveira (2005) nos conta que “o ano de 1945 me encontra cochilando numa poltrona,

defronte de uma ladeira apagada e diante de um conhaque vermelho e sem gosto. [...] e aquieu faço votos para que nunca mais aconteça, em toda a minha vida, uma outra passagem de

ano semelhante” (p.153).

O ano de 1945 entrou em Roma através de 3 mil pessoas miseráveis, sem abrigo eseminuas, tangidas da Toscana pela guerra. Tive oportunidade de ver de perto, noprimeiro dia do ano, a multidão aniquilada reunida numa praça de um dos subúrbiosromanos. Hoje, em toda a Itália, há um círculo de famintos e desabrigados abraçandoas grandes cidades abandonadas pelos nazistas (p.156).

O Comitê Nacional de Socorro às Zonas Devastadas pela Guerra foi criado logo após alibertação de Roma, com o objetivo de angariar donativos junto ao povo italiano e distribuí-los

entre as populações afetadas pela guerra. Os dados que constam em um dos folhetos

divulgados pelo referido Comitê são uma amostra das desgraças que a guerra trouxe para a

Itália.

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Dos 1.800 habitantes de Fara S. Martino, por exemplo, 1.200 ficaram sem teto. EmFileto, uma pequena cidade de 1.940 habitantes, 1.200 pessoas estão morando emcavernas abertas nas montanhas próximas ou refugiadas nos pequenos bosques dasadjacências. Dos 3 mil habitantes de Gessopalena, 2 mil estão sem casa. Ortono aMare, de 19.040 habitantes, luta hoje em vão no sentido de abrigar os seus 11.240residentes que ficaram sem lar, metade dos quais foi destruída pelos tedescos em

retirada. Tollo possui 2.950 habitantes e 1.735 tiveram seus lares despedaçados pelasbombas. Dos 930 habitantes de Taranta Peligna, somente 130 tiveram suasresidências relativamente intactas. Em Torricella, uma pequena cidade de 3.800habitantes, a guerra destruiu o lar de 3 mil pessoas, e em Montone Redonio, de 1.700habitantes, apenas 200 pessoas conseguiram escapar à total destruição (p.159).

De acordo com Joel Silveira, povoados, lugarejos e cidades desapareceram em poucas horas.

No dia 3 de maio de 1945 a guerra acabou.

Mussolini e seus gerarchi haviam sido executados pelos  partigiani; Berlimpraticamente fora varrida do mapa; Hitler se matara; e os vitoriosos, particularmenteos russos, estavam sendo implacáveis para com os vencidos. [...] Vencidos evencedores, a fábrica de matar, onde vínhamos trabalhando havia meses, anos, forafechada e agora estávamos todos sem emprego. Dentro de mais algumas horas,quando o armistício fosse assinado, não seríamos mais que intrusos sem funçãonuma terra que não era a nossa e que por justas razões só tinha motivo para nosdetestar e estava ansiosa para nos ver pelas costas (p.169).

Assim, podemos perceber que o livro O Inverno da Guerra é uma ótima oportunidade para

conhecer alguns aspectos da participação dos brasileiros na Segunda Guerra Mundial.

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5 CONCLUSÃO

O objetivo do presente trabalho foi analisar a abordagem do jornalista de guerra Joel Silveirasobre a campanha brasileira na Segunda Guerra, através de sua obra  Inverno da Guerra, além

de identificar os gêneros jornalísticos empregados em sua narrativa. Assim, após a apreciação

mostrada no capítulo 4, é possível apontar algumas considerações.

Historicamente, a Segunda Guerra Mundial foi a maior da história da humanidade, pela

amplitude geográfica e pelo volume de pessoas e materiais envolvidos. O governo brasileiro,

que desde o início da guerra manifestava sua neutralidade, aos poucos se tornava aliado dos

Estados Unidos, incluindo a defesa de suas costas marítimas e os recursos para o seudesenvolvimento econômico.

Através das memórias de Joel Silveira (2005) pode-se afirmar que os brasileiros saíram do

país para lutar uma guerra que desconheciam, em um ambiente com um clima totalmente

diferente do Brasil, com poucos equipamentos necessários para a luta e treinamento. Vale

ressaltar que, de acordo com ele, os correspondentes de guerra brasileiros não tiveram nenhum

treinamento, o oposto dos americanos, que foram bem preparados para a guerra. Mas, todos

desempenharam um papel importante no teatro da Segunda Guerra Mundial.

Fica claro no decorrer do livro que o jornalista considera a campanha brasileira na Segunda

Guerra de extrema importância, com destaque para eventos importantes como a tomada de

Monte Castelo pelos pracinhas brasileiros. Fica a percepção que, para Silveira (2005), o papel

da FEB no conflito foi cumprido.

Já sobre o emprego dos gêneros jornalísticos, é possível concluir que o livro emprega de

forma clara e objetiva alguns gêneros descritos durante referencial teórico, entre eles a notícia

e a entrevista.

O autor descreve de forma concisa fatos importantes durante o período que permaneceu como

correspondente de guerra. Joel Silveira (2005) transforma situações de seu cotidiano em

notícias fragmentadas, que puderam ser observadas durante sua narrativa.

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Outro aspecto importante diz respeito à definição de entrevista. Em diversos momentos do

livro o autor retrata conversas com pracinhas e comandantes, em uma estrutura de perguntas e

respostas, além de em variados momentos em que transcrever seus diálogos com outros

brasileiros presentes na guerra, o que também se caracteriza como uma entrevista.

Além disso, como livro-reportagem a obra exerce papel incontestável, já que sua abordagem

durante a narrativa corresponde a uma descrição real, ministrado pela realidade dos

acontecimentos. A linguagem utilizada também é jornalística, formada por uma comunicação

eficiente e objetiva.

O que se sugere como continuação desta pesquisa, é que com base nas informações

apresentadas nesse trabalho, um novo estudo seja executado, em que sejam comparados oconteúdo de outros livros-reportagem que abordem o mesmo tema da participação do Brasil

na segunda Guerra Mundial.

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