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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ – SEED
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL DO PARANÁ – PDE - 2010
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁPROF.ª MARIA MORAIS DA SILVA
ORIENTADORA: PROF.ª VIVIANE CRISTINA POLETTO LUGLI
PRÁTICAS MEDIADORAS DE LEITURA E ESCRITA ATRAVÉS DO GÊNERO NOTÍCIA
MARINGÁ/PARANÁ/2012
Práticas mediadoras de leitura e escrita através do gênero notícia
Autora: Maria Morais da Silva¹
Orientadora: Viviane Cristina Poletto Lugli²
RESUMO
Embora os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa
para o Ensino Médio (2000) estabeleçam o trabalho com gêneros textuais de
um modo que se promova na escola o contato com textos que fazem parte das
práticas sociais, o que se verifica na realidade é que o ensino da leitura e da
escrita continua se limitando aos modelos propagados pelos livros didáticos.
Apesar de que a partir do Programa Nacional de Avaliação do LD (PNLD,
2003), mudanças significativas surgiram nas propostas de atividades dos livros
de Língua Portuguesa, segundo Lugli (2006), consideramos necessário que o
objeto de conhecimento (BARBIM e CRISTÓVÃO, 2003, p. 20), considerado o
livro didático, seja acompanhado de outro dispositivo didático³ (DOLZ &
SCHNEUWLY, 2009) que promova um modo de fazer e de pensar do professor
e que ao mesmo tempo rompa com essa tradição de ensino apenas por meio
de livros didáticos. Desse modo, o trabalho que realizamos teve como objetivo
promover a reflexão sobre o gênero notícias, extraídas da mídia impressa
como forma de desenvolver capacidades de linguagem inerentes a este gênero
e fazer com que o aluno estabelecesse uma relação entre a escola e a vida.
1
1¹ Orientanda do PDE.² Orientadora do Programa de Desenvolvimento Educacional e Professora do Departamento de Letras da Universidade Estadual de Maringá – UEM. E-mail: [email protected]³ O LD para Schneuwly e Dolz (2009) é um dispositivo tanto no sentido genérico (suporte material) quanto específico (discurso sobre objetos de ensino). O emprego desse dispositivo permite a implementação de outros dispositivos e, como exemplo, escolhemos os textos a partir do qual elaboramos a sequência didática.
1. INTRODUÇÃO
A forma escolar (Dolz, GAGNON e MOSQUERA, 2009, p.119) é uma
modalidade de socialização específica que articula o resultado das atividades
humanas do passado, cristalizadas em saberes e técnicas socialmente
constituídas sobre o mundo.
Nesse sentido, ao apresentarmos esse trabalho, estarão implícitas em
nosso fazer docente - por meio das sequências didáticas que preparamos - as
marcas do passado que estão indubitavelmente arraigadas em nossas práticas
de ensino, mas ao mesmo tempo, se tornarão visíveis as marcas de uma
tentativa de atualização de nosso agir profissional em que tentamos transpor os
conhecimentos adquiridos por meio do PDE em nosso fazer em sala de aula.
Assim, este artigo visa a apresentar os resultados do projeto “Práticas
mediadoras de leitura e escrita através do gênero notícia”, aplicado a alunos do
3º ano do Ensino Médio, no ano de 2011, projeto instituído pelo Governo do
Estado do Paraná aos professores da rede pública estadual – QPM – como
uma das ferramentas de formação continuada, visando à melhoria da qualidade
de ensino.
Entre os nossos objetivos destaca-se o de utilizar o gênero textual
notícia para trabalhar a leitura e a escrita, buscando o desenvolvimento das
capacidades de linguagem necessárias na construção de sentidos de textos.
Para tanto, nos guiamos pelos pressupostos teóricos do
Interacionismo Sócio-Discursivo (ISD), que adota o texto como
unidade de ensino e os gêneros como objeto de ensino-
aprendizagem, conforme pesquisas desenvolvidas pelo grupo de
Genebra e por pesquisadoras do Sul do Brasil como Cristóvão (2001,
2003) e Nascimento (2005, 2009). Tivemos presente também os
conceitos bakhtinianos de gêneros discursivos.
Os pesquisadores DOLZ e SCHNEUWLY (1996) e PASQUIER e
DOLZ (1996) apontam novas opções de fazeres do professor em sala, que
reorientam a utilização até então, tradicional em sala de aula da tipologia
clássica (narração, descrição e dissertação) para o desenvolvimento de
habilidades de leitura e escrita.
Nesse novo agir, o professor precisa contemplar o contexto social em
que emergem os textos, deixando de basear-se apenas no conteúdo e na
grafia. Ao contemplar o contexto social, portanto, a tipologia clássica de textos
se torna insuficiente para explicar as inúmeras práticas sócio-discursivas com
as quais acontecem as interações na sociedade e na sala de aula.
Apesar de que há décadas pesquisas realizadas demonstrem isso, e os
documentos oficiais norteadores do ensino - Parâmetros Curriculares Nacionais
(1999) e Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná (2005) – defendam a
necessidade de levar para a escola textos oriundos da vida social, não é este o
encaminhamento adotado pelos professores na prática pedagógica escolar,
uma vez que o livro didático é o material básico usado no processo
ensino/aprendizagem, e alguns deles ainda não estão totalmente adaptados às
exigências curriculares. Afirmamos isso porque quando alguns livros
mencionam o trabalho com gêneros, é visível que a mudança é restrita à
nomenclatura, uma vez que os conteúdos ensinados continuam sendo
pautados nas tipologias textuais para enfocar principalmente aspectos
gramaticais.
Considerando a escola como responsável pelo desenvolvimento de
nossos cidadãos e cientes da necessidade de avanços pessoais e profissionais
dos alunos, sentimos a necessidade de dirigir nosso olhar para as ações
realizadas em nosso contexto de ensino, no intuito de repensar novas
possibilidades de aprendizagem de leitura, que tornem o aprendiz competente
para realizar leituras como práticas sociais e inserir-se nesse mercado
globalizado que requer o uso de capacidades de linguagem específicas para a
compreensão textual.
As novas possibilidades de aprendizagem devem ser consideradas no
contexto de ensino atual porque a escola, nesse momento, conta com a
oportunidade de empregar os recursos tecnológicos oferecidos pela internet,
uma vez que há laboratórios de informática e assim já não podemos dizer que
os textos ali veiculados destinam-se a uma minoria privilegiada como era há
aproximadamente duas décadas em que o recurso tecnológico do professor
consistia na maioria das vezes do Livro Didático (doravante LD) e nos
dicionários.
Com aqueles recursos, era difícil oportunizar aos alunos uma leitura com
textos autênticos, em que houvesse uma conexão entre os textos da escola e
os textos que os alunos encontravam em sua realidade social porque ao
chegarem os livros na escola, os acontecimentos já estavam dissonantes da
realidade dos alunos.
Nesse contexto, em que o ensino e aprendizagem das diferentes
disciplinas podem beneficiar-se dos textos autênticos que circulam na vida
social - uma vez que a internet é um recurso tecnológico que contribui em
grande medida para esse tipo de trabalho, pois podemos mobilizar os discursos
que circulam em diferentes esferas da sociedade, localizando-o em seu espaço
histórico e ideológico, desvelando seus efeitos de sentido - justificamos a
escolha do gênero notícia.
Reconhecemos que devido ao fato de vivermos em uma sociedade
saturada de textos, a seleção do gênero citado é pertinente para o contexto em
que pretendemos explorá-lo, pois os alunos da escola em que tais textos serão
mobilizados para o trabalho com a leitura vivenciam uma realidade em que
emergem estes gêneros, pois a escola está situada na periferia da cidade de
Sarandi, conurbada à cidade de Maringá.
Como no início de sua formação, a expansão ocorrida em resultado da
abertura de loteamentos sucedeu-se de maneira completamente desordenada,
sem qualquer planejamento urbanístico, a cidade enfrenta hoje, diversos
problemas, uma vez que o destino escolhido pelas famílias que migraram em
busca de melhores condições era Maringá, no entanto, o custo de vida
inviabilizava a permanência na metrópole, culminando no deslocamento para a
cidade mais próxima, no caso Sarandi. Esse fenômeno produziu um inchaço
populacional em curto espaço de tempo, e hoje, com apenas vinte oito anos de
emancipação, possuindo aproximadamente noventa mil habitantes.
Esse crescimento populacional desenfreado não foi acompanhado de
políticas públicas que proporcionassem qualidade de vida a seus habitantes,
resultando em sérios problemas sociais, sendo a violência um dos mais visíveis
no município. Desse contexto social emanam diversos gêneros considerados
significativos. Programas televisivos, programas em rádios, notícias impressas
ou veiculadas por meios eletrônicos relacionados à violência despertam a
curiosidade da população local, e a forma como essas notícias são conduzidas,
naturalizam as barbáries.
Nessa conjuntura, outro fator que justifica a escolha do gênero notícia é
que este possibilita reflexões acerca de situações comumente vivenciadas pela
comunidade. Acreditamos que a identificação por parte dos alunos com o
conteúdo veiculado por este gênero possa ser importante no desenvolvimento
do projeto. Além disso, o gênero notícia faz parte do programa de conteúdo
indicado pela Comissão de Vestibular Unificado (CVU) da Universidade
Estadual de Maringá para as provas a serem realizadas no ano de 2011, sendo
assim, imprescindível esse estudo para os alunos do terceiro ano do Ensino
Médio.
2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
A leitura, de acordo com Foucambert (1994), é uma atividade de mão
dupla, pois o leitor além de extrair significados, também atribui significados às
informações lidas. Partindo desse pressuposto, a escola não pode deixar de
considerar as experiências de vida do aluno, uma vez que serão decisivas no
sucesso dessa interação entre o leitor e o texto, verbal ou não verbal.
Ao nos referirmos à atribuição de significados que faz parte desse
processo de mão dupla, citado por Foucambert (1994), consideramos que é o
repertório linguístico, acrescido do conhecimento de mundo do aluno que
possibilitará a proficiência na leitura promovendo a interação entre leitor-texto-
autor. Essa concepção quanto à aprendizagem de leitura, por sua vez, nos
aponta para a necessidade de aperfeiçoar o trabalho com as capacidades de
linguagem dos alunos, visto que é a partir delas que se efetua interação com os
gêneros discursivos tanto no contexto escolar como extra-escolar.
Trabalhando a leitura desse modo, levaremos em consideração não apenas o
repertório linguístico do aluno, mas também o leitor e suas experiências de vida
acumuladas ao longo de sua história, algo que difere da metodologia usada
pelos livros didáticos que utilizava o texto como pretexto para ensinar
gramática e que nem sempre transformava o aluno em leitor proficiente, uma
vez que impunha ao aluno textos completamente desvinculados de sua
vivência.
Esta concepção de leitura e escrita, em que o ensino/aprendizagem
deve considerar o aprendiz e suas capacidades já desenvolvidas para leitura
ou escrita advêm da perspectiva interacionista sócio-discursiva de linguagem,
tendo como pesquisadores DOLZ & SCHNEUWLY (2004) e Bronckart (1999).
No Brasil, encontramos trabalhos relacionados aos procedimentos
metodológicos de análise de leitura de LD/MD (material didático), advindos do
interacionismo sócio-discursivo, feitos por Machado (2001) para língua materna
e por Cristóvão (2001) para LE (língua estrangeira). Essas autoras defendem o
desenvolvimento de capacidades de linguagem na aprendizagem de leitura,
Nascimento (2004) demonstra procedimentos de análise de textos para
a construção de modelos didáticos de gêneros. A partir desses modelos, são
elaboradas as sequências didáticas e trabalhadas as atividades de leituras.
Lugli (2006), seguindo o modelo de Cristóvão (2001), demonstra por
meio da análise de livros didáticos da língua espanhola o modo como as
capacidades de leitura podem ser desenvolvidas por meio das atividades
propostas pelos livros. A autora demonstra se o livro promove o
desenvolvimento do leitor proficiente e considera proficiente o leitor que
consegue atribuir sentido à leitura e não se limita a decodificar as palavras de
um texto.
Ainda com relação à leitura, Menegassi (2010, p.69) ao demonstrar
atividades de leitura propostas por um livro didático de língua portuguesa,
enfatiza a importância das atividades que contribuem com a reconstrução de
sentidos do texto.
Portanto, promover o ensino-aprendizagem de leitura como prática
social requer a reconstrução de sentidos proposta por Menegassi (2010), a
preparação de materiais didáticos defendidos por Nascimento (2004) que se
faz a partir de modelos didáticos de gêneros e implica o desenvolvimento de
capacidades de linguagem dos alunos.
Assim, é possível trabalhar na escola com textos que refletem práticas
sociais, as quais modelam os enunciados e vice-versa, fazendo com que estes
mudem constantemente, pois são mobilizados conforme a situação que o
enunciador representa. Esses diferentes tipos de enunciados são o que Bakhtin
(1992) denomina como gêneros do discurso, “tipos relativamente estáveis de
enunciados (...)”, passíveis de mudança no decorrer da história humana.
Essa relativa estabilidade pode ser comprovada com o advento
tecnológico ocorrido nas últimas décadas, quando inúmeros novos gêneros
surgiram, e tantos outros adquiriram nova roupagem ou desapareceram.
Por isso, no trabalho com gêneros, a análise do contexto de produção é
de suma importância, uma vez que ele influencia na constituição do enunciado.
Desconsiderar o contexto é negar o produtor do discurso, o destinatário, o
local, o momento discursivo, bem como os objetivos. Ou seja, é não
reconhecer o caráter de comunicação efetiva, trabalho desenvolvido pela
escola durante séculos, centrado apenas nas normas gramaticais.
Nesse sentido, Cristóvão afirma que
“(...) não são as capacidades cognitivas do sujeito o objeto primeiro de análise, pois o conhecimento é aprendido sempre em atividades coletivas sociais e mediatizadas por interações verbais. Assim se o pensamento deriva da ação e da linguagem, o objeto de análise deve ser essas ações de linguagem, relacionadas às representações do agente do contexto de ação, em seus aspectos físicos, sociais e subjetivos”. (Cristóvão, 2001, p.19)
A citação acima explica de certa forma os motivos que levaram a autora
a refutar a palavra “habilidade” e defender a expressão “ações de linguagem”,
Bronckart (1999, p. 99), uma vez que Bronckart (1999) adota o último termo por
reunir e integrar “os parâmetros do contexto de produção e do conteúdo
temático, tais como um determinado agente os mobiliza, quando empreende
uma intervenção verbal”.
Ainda sobre as ações de linguagem, os autores Schneuwly e Dolz (1999,
p.6) exemplificam como sendo as ações de produção, compreensão e
interpretação e/ou memorização de um conjunto organizado de enunciados
orais e escritos. Dessa forma, tanto o trabalho com a leitura como com a
produção de texto envolve determinada ação de linguagem.
A concepção de linguagem baseada no interacionismo sócio-discursivo
levou seus adeptos a descartar também a noção de “competência” por
considerarem ser esta palavra portadora de conotações que acentuam
dimensões inatas ao sujeito. O termo “capacidades” foi tido como mais
adequado, pois estaria relacionado com a dimensão da aprendizagem.
As ações ou práticas de linguagem demandam diversas capacidades, no
entanto, estas são pouco consideradas pela escola, uma vez que o texto não é
visto pelo professor como comunicação verbal efetiva, mas como pretexto para
trabalhar aspectos da língua. Desse equívoco, estrutura, recursos lingüísticos,
estilo e todo o trabalho com o discurso não são realizados a partir do contexto
de produção, descaracterizando os reais objetivos da comunicação.
As atividades de linguagem que não levam em consideração as
capacidades de linguagem são resultantes de concepções enraizadas no
ambiente escolar em que o leitor não era considerado sujeito ativo. Numa
pesquisa realizada com professores de 1º grau sobre “O que é leitura?”, Silva
(1999) revelou as seguintes concepções desses profissionais: a) ler é traduzir a
escrita em fala; b) é decodificar mensagens; c) é dar respostas a sinais
gráficos; d) é extrair a ideia central; f) é seguir os passos da lição do livro
didático; g) é apreciar os clássicos, concepções estas que em nenhum
momento considera o leitor e seus conhecimentos de mundo.
Foucambert (1994) também faz considerações sobre o processo de
interação entre leitor e texto. Segundo esse autor, “A leitura é a atribuição de
um significado ao texto escrito: 20% de informações visuais provenientes do
texto; 80% de informações que proveem do leitor”. Isso significa que o trabalho
escolar voltado para a leitura deve primar pelo leitor, sujeito ativo no processo;
e é só através dele que a leitura se realiza.
Baseando-se nessa mesma concepção é que Solé (1998) propõe
estratégias antes da leitura, durante e após a leitura. Considerando a
complexidade desta modalidade, a autora aponta para a necessidade de um
trabalho sistematizado e de acompanhamento por parte do professor que no
papel de mediador, desenvolve estratégias de leitura para que aluno possa ter
uma postura mais ativa e autônoma diante dos textos.
Conceituado as estratégias como “procedimentos de caráter elevado,
que envolvem a presença de objetivos a serem realizados, o planejamento das
ações que se desencadeiam para atingi-los, assim como sua avaliação e
possível mudança”, essa autora enfatiza a importância do trabalho
sistematizado, não se preocupando apenas com o resultado da leitura,
verificado na maioria das vezes através de um questionário presente logo após
o texto, mas com todo o processo, ou seja, antes, durante e após a leitura.
Esses procedimentos suscitam momentos de reflexão sobre o ato de ler, o que
poderá proporcionar aos alunos o desenvolvimento da habilidade de leitura.
Em nosso ponto de vista, a sequência didática que preparamos também
poderá promover o trabalho sistematizado com a leitura proposto por Solé
(1998).
Isso porque não pretendemos seguir o modelo imposto pela escola há
décadas em que, o livro didático, ao fazer escolha por um determinado gênero
para o ensino/aprendizagem da leitura e escrita, muitas vezes retirava-o de sua
situação real de comunicação.
Retirar o gênero de sua situação real de comunicação, constitui para
Dolz e Schneuwly (1999) um fator de complexificação, pois “há um
desdobramento que se opera, em que o gênero não é mais instrumento de
comunicação somente, mas, ao mesmo tempo, objeto de
ensino/aprendizagem”.
Esse desdobramento resulta em três maneiras de abordar os gêneros,
segundo os autores. A primeira, os gêneros são “desprovidos de qualquer
relação com uma situação de comunicação autêntica”, quando o objetivo maior
é o domínio dos recursos lingüísticos operacionalizados na confecção do
mesmo; já a segunda, “a escola é tomada como autêntico lugar de
comunicação e as situações escolares como ocasiões de produção/recepção
de textos”, seja entre alunos, entre classes, entre escolas ou em qualquer
necessidade de comunicação escolar. Contrariando a segunda abordagem, a
última procura inserir todas as práticas de linguagem externas no espaço
escolar, reproduzindo-as exatamente como elas funcionam, de modo que o
aluno possa responder às exigências comunicativas com as quais ele é
confrontado.
Para Dolz e Schneuwly (1999), a abordagem a partir de gêneros permite
a análise da das escolhas mobilizadas pelo agente do discurso, potencializadas
pelo contexto de produção. Por possuírem padrões sócio-comunicativos
característicos, os gêneros são imediatamente reconhecidos, como por
exemplo, a entrevista, o bilhete, o debate, etc. Essas características que o
identificam como pertencente a um gênero estão diretamente vinculadas à
esfera de circulação. É o que podemos constatar na afirmação de que o
enunciado
“(...) reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua –
recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais –, mas também, e sobretudo, por sua construção composicional” (Bakhtin, 1992, p.280).
Significa dizer que as escolhas realizadas na constituição de um gênero
estão também associadas ao contexto de produção.
É preciso, portanto, localizar os gêneros discursivos a partir das esferas
em que circulam e compreendê-los como discurso ativo, carregado de valores,
de intenções, de estratégias como forma de provocar efeitos de sentido.
Desconsiderar a esfera de circulação, portanto, é negar que são produções
verbais efetivas, materializadas através de um gênero. E assim como as
esferas, os gêneros são construções sociais e históricas, em permanente
transformação, que se adaptam constantemente às necessidades humanas,
como afirma Bakhtin:
“A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa.” (Bakhtin, 1992, p.279)
Dolz e Schneuwly (1997, p.11), ao se referirem às práticas de
linguagem, aderem à concepção de abordagem de Bronckart (1996), como
sendo ações de linguagem decorrentes das práticas sociais em uma formação
social, o que significa dizer que “o conhecimento é aprendido sempre em
atividades sociais, num processo histórico de socialização”. Afirmam que o
pensamento deriva da ação e da linguagem, por isso defendem que os objetos
de análise devem ser essas ações de linguagem, relacionadas às
representações do agente do contexto de ação, em seus aspectos físicos,
sociais e subjetivos.
Segundo Dolz e Scneuwly (2004) a participação de um indivíduo numa
prática de linguagem demanda diversas capacidades, sendo elas basicamente
três: capacidades de ação, capacidades discursivas e capacidades lingüístico-
discursivas. A primeira, capacidades de ação possibilitam ao sujeito adaptar
sua produção de linguagem ao contexto de produção, através das
representações do ambiente físico, do papel social dos participantes e do lugar
social onde acontece a interação; a segunda, capacidades discursivas,
referem-se às escolhas do tipo de discurso e de seqüências textuais, escolha e
elaboração de conteúdos; por último, capacidades linguístico-discursivas, são
as operações realizadas na produção textual como as de textualização
(conexão, coesão nominal e verbal), mecanismos enunciativos de vozes e
modalização, a construção de enunciados, oração e período e; finalmente, a
escolha de itens lexicais.
Sendo essas capacidades essenciais nas práticas de linguagem, as
atividades proporcionadas pela escola não podem desmerecê-las no
ensino/aprendizagem, pois em confronto com situações cujas práticas de
linguagem exijam as capacidades, de posse desse conhecimento, os alunos
poderão operacionalizá-las, conforme afirmam Dolz e Schneuwly (2004).
Daí a necessidade de a escola adotar o gênero como suporte das
atividades de linguagem, uma vez que partem das práticas de linguagem, de
situações sócio-discursivas efetivas, não havendo assim distância entre o
ensino e a realidade.
O gênero textual funciona como orientação para o sujeito escolher um
modelo pertinente e eficaz, bem como as capacidades de linguagem que sejam
pertinentes para a ação comunicativa. E para que essas capacidades de
linguagem façam parte do repertório dos aprendizes, a escola precisa levar os
mais diferentes gêneros em circulação nas esferas sociais para seu interior.
3. METODOLOGIA
Como forma de refletir e apontar caminhos para o trabalho com gêneros,
foi construído, primeiramente, um projeto; em seguida, um Modelo Didático a
partir do gênero notícia, etapa em que se realizou o levantamento da história
da notícia e das características dos enunciados pertencentes a estes gêneros.
Para isso, foram consultados textos especializados no assunto para
embasar a elaboração de um breve histórico sobre o suporte, ou seja, sobre o
jornal, como forma de conhecer as transformações históricas, impostas social,
cultural e economicamente na elaboração do jornal, suporte da notícia.
Em seguida, foram selecionadas 10 notícias extraídas do Jornal “O
Diário”, tendo como critério as editadas no período de 01/07/11 a 31/07/11,
contendo informações de Sarandi, município em que foi aplicado o projeto.
Durante a construção do Modelo Didático, tivemos a oportunidade de
refletir sobre a história e contrapô-la a um corpus atual, constituído por várias
notícias selecionadas para então, detectar as capacidades de linguagem a
serem mobilizadas no ato da leitura e da escrita.
Tratou-se, portanto, de capacitar-nos para as possíveis intervenções no
ensino/aprendizagem da notícia. Essas notícias selecionadas foram o ponto de
partida para a elaboração da Seqüência Didática, material didático construído
com a preocupação de mobilizar, através de atividades de linguagem, as
capacidades necessárias para o desenvolvimento da leitura e da escrita do
gênero notícia.
A Seqüência Didática foi aplicada a alunos do terceiro ano do Ensino
Médio do período matutino do Colégio Estadual Antonio Francisco Lisboa-
Ensino Fundamental, Médio e profissionalizante entre os meses de outubro,
novembro e dezembro de 2011.
Antes de iniciar os trabalhos, fizemos um contrato pedagógico com os
alunos, relatando a importância das etapas do trabalho, dos objetivos
esperados, da forma de avaliação e do quanto a participação em todas as
etapas eram relevantes para as possíveis conclusões. Foi explicado também
que a seqüência didática estava dividida em oito atividades de linguagem,
sendo que algumas demandariam até quatro aulas para concluí-las.
1. DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES E ANÁLISE
Nesse tópico descreveremos 8 tipos de atividades que elaboramos para
trabalhar com os alunos, as quais são: Atividade I – “Notus” e a sócio-história
da notícia - visava fazer os alunos conhecerem a história do jornal, suporte da
notícia, desde a Idade Média até os dias atuais, identificando as mudanças
ocorridas.
Como apenas a leitura do material não despertaria muita atenção, salvamos
o conteúdo no compartilhamento público do Laboratório de Informática,
adicionamos imagens e, conforme um dos alunos foi realizando a leitura, iam
identificando as principais ideias de cada parágrafo e registrando-as no
caderno. Fomos tecendo comentários, chamando atenção para alguns
aspectos relevantes, o que estimulou também a participação dos alunos,
enriquecendo assim a leitura do material. Para a identificação das ideias
principais, os alunos precisaram utilizar a estratégia cognitiva de leitura
proposta por Solé (1998) e mobilizaram as capacidades de ação e lingüístico-
discursiva.
Durante o desenvolvimento das atividades “Notus e a sócio-história da
notícia”, percebemos que o gênero foi usado pelo poder político para divulgar
os feitos de seus governos, como também para manipular, persuadir, ora
através de uma linguagem direta, ora indiretamente. Portanto, no jogo político,
a notícia é mais uma ferramenta que pode ser usada conforme os interesses
locais, regionais, nacionais e até mesmo internacionais, leitura esta que foi
reafirmada pela exibição do filme “O quarto poder”, na “Atividade III”. Esse
trabalho de análise das mudanças históricas e intencionalidades presentes no
gênero foi muito pertinente para o desenvolvimento das capacidades de ação
dos alunos (quem escreve, para quem, papel social do emissor e do
destinatário, em que período, com qual objetivo, onde circula, etc).
Para o desenvolvimento das atividades presentes na “Atividade II –
Conhecendo o suporte da notícia” fomos colecionando exemplares do Jornal
“O Diário” durante meses para oferecer um exemplar a cada aluno.
De posse dos exemplares, enfatizamos as divisões, a padronização,
municípios em que jornal circula, tipos de notícias veiculadas, quem decide
pela veiculação, a quantidade e principais anunciantes, qual a relação entre os
“donos” do jornal e seus anunciantes. Os primeiros minutos foram para contato
dos alunos com o jornal. Em seguida, as perguntas foram sendo direcionadas,
como forma de estabelecer um debate envolvendo todos os presentes.
Esse trabalho, assim como o levantamento histórico da notícia
subsidiariam a realização das atividades que viriam em seguida. Todas as
perguntas foram digitadas, impressas e coladas em papel almaço. Propomos a
realização das perguntas para serem respondidas em casa e entregues na
próxima aula. De posse do material, avaliamos todas as questões respondidas
para verificar se havia atingido o objetivo e mostramos que a preocupação
primeira do jornal é vender produtos e, consequentemente, “vender notícias”;
assim como quase tudo no sistema capitalista se dá por meio de vendas. As
perguntas que elaboramos requeriam o desenvolvimento de capacidades
lingüísticas e de ação.
Na seqüência, “Atividade III”, exibimos o filme “O quarto poder”. Antes,
entregamos uma folha contendo nove questões e, com base em
conhecimentos pessoais e adquiridos na aula anterior, propusemos aos alunos
que escolhessem uma das questões e respondessem em voz alta, citando
fatos conhecidos para confirmar a argumentação. Após quarenta minutos
terminamos a análise das questões. E, com base nos comentários a respeito
das questões, solicitamos que assistissem ao filme “O quarto poder” para
confirmar, refutar ou acrescentar outros argumentos às questões a serem
respondidas por escrito e entregues aula seguinte.
Vimos o filme e, na seqüência, fizemos um debate envolvendo as
questões que foram posteriormente respondidas também por escrito.
Após a análise do contexto de produção de uma notícia, era o momento
de propor a produção textual para diagnosticar os conhecimentos prévios
trazidos pelos alunos e fazer as intervenções necessárias através de
atividades. Foi o que fizemos na “Atividade IV - Produção textual para
diagnóstico”. Como tínhamos apenas uma aula, fizemos um levantamento junto
com os alunos de possíveis notícias (falta de água em bairros, asfalto em
péssimas condições, animais maltratados, realização de eventos esportivos,
fatos policiais, fatos ligados à saúde, à educação, etc.) e fomos registrando no
quadro para que copiassem também no caderno. Após, deixamos em aberto
para escolha, inclusive de notícias não citadas, mas que fossem do município
de Sarandi. Informamos que as notícias produzidas por eles seriam expostas
no colégio, assim os leitores seriam alunos e profissionais da educação.
Estabelecemos a entrega para a próxima aula, mas nem todos entregaram.
Esse diagnóstico serviria de base para a aplicação das demais atividades e a
proposta de atividade escrita mobilizaria os três tipos de capacidades de
linguagem.
Para trabalhar a estrutura da notícia, conforme “Atividade V”,
selecionamos “Rapaz tenta matar familiares da ex-mulher”, extraída do jornal
do dia 27/07/11, p. A7. Digitamos o texto sem o título e uma vez impresso, o
recortamos em cinco parágrafos.
Ao chegar à sala de aula, fixamos a página do jornal no quadro de onde
havia extraído a notícia, vendamos o título e a notícia e registramos no quadro
a estrutura da uma notícia, segundo Lage (1987) para que também
registrassem no caderno. Explicamos cada item: título/manchete, Lead ou lide,
sublead, corpo da matéria. Em seguida, entregamos para cada aluno presente
a notícia citada acima, sem o título e recortada. Colocamos sobre a carteira e
pedimos para que não mexessem.
Terminada esta etapa, explicamos o objetivo do trabalho que era de
identificar a estrutura da notícia. Assim teriam que organizar os parágrafos
conforme a explicação sobre a estrutura, presente na lousa, identificando o
lide, o sublead e o corpo da matéria.
Uma vez terminada a atividade, solicitamos que confirmassem no jornal
fixado no quadro (tinham que levantar a folha que cobria a notícia apenas, o
título continuava vendado) e só então colaram no caderno. Para finalizar,
entregamos as atividades digitadas numa folha, dividida em oito questões para
serem respondidas em casa e corrigidas na próxima aula.
Em apenas uma aula, fizemos a correção. Fizemos intervenções nas
questões três¹, quatro², seis³, oito (b)4, onde tivemos que explicar mais
detalhadamente.
Através da análise da estrutura do gênero notícia, ressaltamos a coesão
verbal, como pode ser verificado no seguinte trecho: ‘Inconformado com a
separação, Bruno Fermino dos Santos, 23 anos, invadiu a casa da ex-mulher e
tentou matar os familiares dela a facadas. O fato ocorreu na noite desta
segunda-feira em Sarandi e só não teve consequências mais graves, porque
uma testemunha interveio e conseguiu atingir o agressor com uma barra de
ferro”. (O Diário, 27/07/11, p. A7). O verbo “tentou” retoma o nome do autor do
crime, o verbo “teve” retoma o sujeito da oração “O fato...” e os verbos
“conseguiu atingir” retoma o sujeito da oração “...uma testemunha...”. Dessa
forma, além de contribuir com a sequenciação do fato, a coesão verbal evita a
repetição de termos presentes no texto.
As atividades envolvendo as referências anafóricas também foram
bastante trabalhadas. Como exemplo de uma questão sobre referência
anafórica, citamos: Para não repetir o nome de Bruno Fermino dos Santos, o
jornalista utiliza de outros recursos. Quais são?
Embora estivéssemos trabalhando com alunos do terceiro ano do Ensino
Médio, que já não apresentam tantas dificuldades quanto ao uso dos recursos
anafóricos, tais atividades contribuíram para compreensão de outras leituras,
de outros gêneros em que os recursos anafóricos são recorrentes.2
Na aula seguinte, a atividade se voltou diretamente para a estrutura do
gênero notícia. A notícia “Homem agride mulher e acaba baleado em Sarandi”,
extraída do Jornal “O Diário”, do dia 23/07/11, página A7, foi recortada em
parágrafos e solicitamos a organização da mesma.
Uma vez organizada pelos alunos, aproveitamos as duas aulas e
escrevemos cada parágrafo no quadro, chamando a atenção dos alunos para
os elementos do lide e sublead, bem como para o corpo da matéria. Além
disso, exploramos a presença dos verbos no pretérito perfeito (ação concluída),
a presença do discurso indireto, a referência a autoridades (Polícia Civil e
Polícia Militar) para conferir credibilidade à notícia, os recursos temporais (“...na
noite, desta quinta-feira...”, “...por volta das 18 horas...”, “...cerca de uma hora
depois...” para sequenciar o relato, assim como os recursos usados para não
repetir nomes (“Um homem”, M.A., A., dele, ele).
Como percebemos muita subjetividade nas notícias produzidas pelos
alunos, comentamos também sobre a preocupação com a objetividade, em
relatar apenas o fato para evitar processos judiciais, mas que essa ausência de
subjetividade é muito relativa, pois palavras como “invasão” ou “ocupação”, por
exemplo, se referindo ao MST, revelam a opinião do jornalista sobre o
movimento. A repetição, ênfase à notícia ou determinada notícia, a maneira
como organiza os fatos são também alguns recursos reveladores dessa
subjetividade.
Através dessas atividades, percebemos a ressignificação das
representações dos alunos sobre a notícia. A preocupação primeira foi com as
2¹ Sabemos que o título/manchete deve ser conciso, apresentar ação e chamar a atenção do leitor. Elabore um título para a notícia acima, utilizando o tempo verbal no Presente do Indicativo.² O lead ou lide é uma espécie de resumo da notícia onde são respondidas algumas perguntas. a) Como você já localizou o lead, agora responda:Quem? Onde? Quando? Por quê? Como?3Os verbos grifados no texto estão no passado (pretérito-perfeito). Este é o tempo verbal mais usado na elaboração de uma notícia. Por quê?4“De acordo com a Polícia Civil (PC) de Sarandi, a confusão começou por volta das vinte horas, depois de Santos invadir a casa da ex-mulher para tirar satisfações e descobrir que ela havia viajado”.b) O trecho acima apresenta o discurso direto ou indireto? Justifique sua resposta.
capacidades discursivas, ou seja, com a estrutura (plano textual) desse gênero
sendo propostas atividades de análise e identificação dos elementos do lead,
do sublead e do corpo da notícia a partir de notícias selecionadas, recorte e
montagem de notícias, observando a estrutura estudada e reestruturação
textual. Essas atividades se mostraram pertinentes uma vez que apenas três
das vinte e uma produções não apresentam o lead, sublead, seguido do corpo
da notícia.
Na “Atividade VI – Reforçando o trabalho com o título/manchete”, nosso
objetivo era trabalhar sobre o título da notícia. Para isso, entregamos um
material digitado contendo um quadro em que constava a data, a página e o
título de doze notícias, coletadas no Jornal “O Diário”, no período de 01/07/11 a
31/07/11, sobre a cidade de Sarandi. Solicitamos a leitura e análise do quadro
e, após, a colocação das impressões, verbalmente, o que requereu o emprego
das três capacidades de linguagem do aluno.
Os alunos detectaram a linha sensacionalista adotada pelo jornal, sobre
a preocupação com a venda do produto, que este tipo de notícia é aceita pela
população, mas identificaram os problemas que este tipo de notícia causa aos
moradores do município, citando fatos presenciados ou sofridos de
discriminação por morarem em Sarandi. Era o momento oportuno para
enfatizar que não devemos dar audiência a programas ou notícias que
exploram a violência. Aproveitamos também para expor o tipo de notícia que
segundo Karam (2004) deveria ser veiculadas nos meios de comunicação, o
que gerou outro debate.
Ao preparar a atividade não percebemos o quanto envolveria a
autoestima dos alunos, tanto que não tivemos espaço para falar sobre a
presença do tempo presente ou do futuro do presente nos títulos, o que só
fizemos durante a correção das atividades propostas. Encerramos a aula
entregando as sete questões para serem respondidas em casa e corrigidas na
próxima aula. Durante a correção percebemos a dificuldade dos alunos em
responderem as questões “a”, “b” e “c”, sendo estas mais detalhadas.
Mas o desafio maior foi identificar as unidades linguístico-discursiva
inerentes ao gênero em estudo e trabalhá-las como parte integrante do
discurso, como recurso vivo a auxiliar na construção do significado, como a
coesão verbal (tempos verbais) e nominal (referências anafóricas); o
gerenciamento de diferentes vozes presentes no texto e a expressão de
modalizações; as construções dos períodos e os itens lexicais.
No caso do título ou manchete, relacionamos 12 títulos num quadro,
bem como a data e a página em que foram veiculadas. Através desse
levantamento, perceberam o tempo verbal mais usado nos títulos: presente ou
futuro do presente. Perceberam que ainda que o fato já seja passado, o uso do
tempo presente aproxima, presentifica o fato noticiado ao momento da leitura.
Já o emprego do futuro do presente dá a certeza de um fato futuro no momento
da leitura, funcionando como um alerta, conforme pode ser comprovado
através do título “Inadimplentes vão ficar sem água”.
Esta atividade atingiu os objetivos propostos, pois em nenhum dos
títulos produzidos houve o emprego de outro tempo verbal que não fosse o
presente ou o futuro do presente. Ainda com relação ao tempo verbal,
exploramos também o tempo mais usado na elaboração de uma notícia, no
caso, o pretérito-perfeito, por ser um fato já ocorrido.
Já na Atividade VII – Análise do contexto de produção - digitamos o título
da notícia “Inadimplentes vão ficar sem água”, a data, a página e a fonte.
Recortamos em pequenos pedaços, entregamos aos alunos e pedimos para
que colassem no caderno. Em seguida, solicitamos para que comentassem o
que entenderam do título, lembrando que a falta de água é algo recorrente em
Sarandi, o que provoca muita insatisfação entre os moradores.
Chamamos a atenção para a palavra “inadimplentes. A intenção era
apenas que percebessem o título. Em seguida, entregamos onze questões
digitadas numa folha para ser respondidas com base no título e no contexto de
produção, fazendo uma simulação das informações presentes na notícia para,
ao final da atividade, confrontar com a notícia do jornal.
Ao término da atividade, entregamos cópia da notícia aos alunos para
que confirmassem as respostas. Foram explorados também o lead, sublead e o
corpo da notícia, elementos coesivos temporais, discurso direto e indireto e
recursos usados para não repetir nomes. A questão “h” exigiu maiores
explicações para que respondessem, pois se tratava dos tipos de seqüência.
Foi demonstrado aos alunos que dentre as notícias selecionadas para
elaboração da seqüência didática, observamos notícias em que prevaleciam
seqüências narrativas e em outras, seqüências argumentativas, conforme o
fato noticiado.
Poderíamos ter elaborado uma unidade em que analisasse os motivos
que levaram a prevalecer uma ou outra, através do confronto de duas ou mais
notícias. No entanto, nos limitamos a identificação do tipo de seqüência
presente no gênero estudado, devido ao tempo que tínhamos para realizar
esse trabalho, o que, a nosso ver, não se refletiu positivamente no trabalho dos
alunos, pois apresentaram dificuldades durante a refacção dos textos.
Ainda em relação às capacidades linguístico-discursivas, foi necessário
a análise da presença de diferentes vozes no interior das notícias
selecionadas.
Percebemos a recorrência a entrevista de autoridades para credibilizar o
que estava sendo dito nas notícias, como por exemplo: “O delegado José
Maurício de Lima Filho destaca que muitos dos presos deveriam estar na Casa
de Custódia, antigo Centro de Detenção Provisória, mas não há vagas. “É uma
situação caótica, mas sabemos que não está assim apenas em Sarandi”,
ressalta. “As liberações estão sendo feitas aos poucos, de acordo com as
sentenças do juiz da Vara de Execuções Penais”, acrescenta” (O Diário,
22/07/11, pág. A8).
Na reprodução do discurso, o jornalista comumente usa do discurso
direto ou do discurso indireto, motivo pelo qual os inserimos nas atividades.
Podemos afirmar ser esta também uma estratégia usada pelo jornalista. Como
o registro de informações pode colocar as empresas de jornalismo em
situações adversas com a justiça, podendo ser penalizadas financeiramente, o
jornalista busca no discurso do outro a realização do desejo que seria seu ou
da empresa para mobilizar o sentido que assim desejam, sem gerar problemas
judiciais.
As atividades que envolvem os recursos linguístico-discursivos devem,
portanto, ser pensadas e organizadas a partir de uma situação real de
comunicação, ou seja, identificar os recursos lingüísticos inerentes ao gênero
em estudo, trabalhá-los para que os alunos saibam mobilizá-los na leitura ou
na escrita do gênero notícia. Dessa forma, o trabalho com os recursos
lingüísticos deixa de ser mero exercício descontextualizado para fazer parte do
discurso, como ferramenta estratégica na construção do sentido do texto,
ressignificando o trabalho gramatical.
Após essas atividades, nas quais procuramos explorar as capacidades
de ação, discursivas e linguístico-discursivas, era o momento de fazermos a
reestruturação textual. Entre os textos notícias produzidos pelos alunos,
verificamos diversos problemas.
Verificamos também a presença de textos com características de
dissertação e outros com a presença de muita subjetividade. Para demonstrá-
los aos alunos, escrevemos em papel cartolina branca a estrutura do gênero
notícia e entregamos uma cópia do texto “Menor ao volante causa acidentes”
de W.H.N. para leitura e confronto com a estrutura exposta no quadro. Os
alunos chegaram à conclusão de que o texto precisava ser refeito, uma vez
que o texto não possuía o lead, o sublead e o corpo da notícia, pois todos os
parágrafos apresentavam seqüências argumentativas.
Propusemos que aluno mantivesse o assunto ou escolhesse outro fato.
Como não havia tempo hábil, a segunda reestruturação foi realizada no mesmo
dia, mas enfatizando principalmente a presença de subjetividade. A partir da
notícia “Estrada que dá acesso ao KM 15 precisa de melhorias”, elaborada pelo
aluno P.M., solicitamos para que melhorassem o lead, deixando de expressar a
opinião pessoal e relatando as condições da estrada.
No segundo parágrafo da notícia, o aluno manifesta sua revolta em
relação aos inúmeros buracos existentes na estrada. Foi orientado a buscar
depoimentos de moradores. Finaliza afirmando que “A prefeitura não faz nada”.
Solicitamos a busca de informações junto ao órgão responsável da
prefeitura para verificar a existência de projeto de melhorias para o local, a fim
de credibilizar a informação.
Também nos preocupamos em chamar a atenção quanto ao tipo de
discurso. Embora utilizem a linguagem padrão, os repórteres do jornal “O
Diário” se preocupam com o leitor (destinatário), usando um vocabulário
acessível, evidenciando as representações desse emissor em relação ao
receptor, ou seja, não é um jornal que circula na capital, direcionado a um
público seleto, mas confeccionado para atender a diferentes classes sociais.
Esses registros foram feitos durante o trabalho com a estrutura do gênero
notícia e durante a reestruturação dos textos produzidos pelos alunos,
apontando as adequações necessárias, confrontando com trechos de notícias
já estudadas, Daí a necessidade de leitura de várias notícias para que
percebam o vocabulário usado.
Observamos que os referenciais teóricos, bem como a metodologia
construídos pelos pesquisadores de Genebra para o trabalho com os mais
diferentes gêneros existentes se revelaram muito mais eficientes ainda quando
acrescidos de reflexões sobre os gestos profissionais de ensino que para
Nascimento (2011), podem ser observáveis através dos gestos didáticos
fundadores que são as “atividades profissionais para a presentificação do
objeto de ensino-aprendizagem” e a “elementarização que focaliza uma
dimensão particular do objeto, bem como nos gestos didáticos específicos que
para a autora, são resultantes de “...decisões particulares do professor para
acionar ferramentas que medeiam o movimento de internalização dos
aprendizes...”.
Percebemos, portanto, que não basta, nos preocuparmos com os
referenciais teóricos e metodológicos; é preciso atentar a todos os gestos
didáticos, verbais ou não verbais, mobilizados para a presentificação do objeto
ensinado.
Pensando em nossos gestos didáticos (NASCIMENTO, 2011),
consideramos o laboratório de Informática como um importante auxílio para
desenvolver nosso trabalho, visto que, na medida em que explicávamos e
trabalhávamos a sequência didática, pudemos ir introduzindo imagens e
demonstrando na tela o conteúdo, voltando a chamar a atenção através da
tela, repetindo as cenas do filme em que faltou compreensão do aluno, entre
outros gestos; o que enriqueceu a leitura e a tornou mais prazerosa,
contribuindo para os avanços verificados nas produções finais.
4. Considerações finais
A realização deste projeto permitiu repensar o papel do professor
envolvido no contexto de ensino que deixa de ser executor de atividades
prontas e acabadas para ser sujeito de suas próprias ações, repensando seu
contexto de ensino e promovendo atividades educacionais que conduzem a
uma aprendizagem mais condizente com a necessidade dos alunos.
Nesse contexto, o professor toma a liberdade de transformar e adaptar o
objeto de conhecimento de uma maneira que favorece o desenvolvimento do
conhecimento de seus alunos. Atitude, portanto, possível a partir do processo
de estudo dos problemas de ensino em conjunto com a leitura de textos
advindos do avanço científico na área da didática de línguas que preconizam
um trabalho de reconstrução de objetos de ensino adaptados à situações
didáticas específicas.
Assim, o trabalho a partir dos gêneros foi relevante porque proveu ao
professor conhecimentos historicamente produzidos, possibilitando
intervenções e escolhas no momento de construção da seqüência didática que
foi aplicada em sala de aula.
Essas ações do professor, portanto, extrapolaram o nível de
experiências condicionadas pelo livro didático que até então era utilizado nas
aulas de língua, possibilitando ao docente formação continuada e enriquecendo
seus conhecimentos, assim como o conhecimento dos alunos.
As ações desenvolvidas, portanto, possibilitaram aos alunos se
tornarem leitores mais conscientes, contribuindo sobremaneira para sua
formação como sujeito capaz de avaliar e ler gêneros que emergem em seu
contexto real.
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