seca e inverno nas ''experiÊncias''dos matutos cearenses

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SECA E INVERNO NAS IIEXPERIÊNCIASI~ DOS MATUTOS CEARENSES ~~ Fortaleza - Ceará 1998 Alberto S. Galeno Da ComiSsãO Cearense de Folclore

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Page 1: SECA E INVERNO NAS ''EXPERIÊNCIAS''DOS MATUTOS CEARENSES

SECA EINVERNONAS

IIEXPERIÊNCIASI~DOSMATUTOSCEARENSES

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Fortaleza - Ceará1998

Alberto S. GalenoDa ComiSsãOCearense de Folclore

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Copyright ©© 1998, by Alberto Santiago GalenoGráfica do Sindicato dos Bancários - Fortaleza

Coordenação:Revisão:Editoração:Impressão:

po Lima FreitasEliane ArrudaIsaías Q. Ferreira LimaGráfica do Sindicato dos Bancários

Direitos AutoraisAlberto Santiago Galeno

(Catalogação na BPGMP, CE)

Galeno, Alberto SantiagoG 153s - Seca e inverno nas "experiências" dosmatutoscearenses/ Alberto Santiago Galeno. -Fortaleza:Coopcultura, 199997 pgs.1. Folclore cearense - I - Título.

CDD.398

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índice

1. Em louvor a ...2. Sobre secas e invernos3. A problemática dos invernos no Ceará - As previsões de

chuvas - Crendices4. Santa Luzia - A experiência das seis pedrinhas de sal5. Um aniversariante muito querido dos cearenses: São José,

o Santo das Chuvas, Padroeiro do Ceará - A experiênciacom o Santo - O roubo da imagem

6. Os festejos no Abolição - Milagre de São José: Inverno,apesar dos prognósticos em contrário do CTA

7. Outras experiências de natureza metereológica: a presençado Aracati; as manchas solares; a posição da papa-ceia; aschuvas e os relâmpagos no Piauí; nevoeiros em redor daLua.

8. As plantas e os animais nas experiências de inverno dossertanejos

9. Roque de Macedo, o Profeta das Ch uvas, e suasexperiências de inverno

10. A vez do insetos11. Os batráquios, anunciadores de chuvas12. As cobras e os lagartos nas experiências de inverno13. Roque de Macedo e os profetas de chuvas14. Onde a macheza do preá?15. A sensibilidade dos roedores ante às mudanças do tempo

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16. Abusões17. Peixes. moluscos e crustáceos nas experiências de

Inverno18. A esperiências com as águas subterrâneas19. Aves pássaros, seus cometimentos. sua participação nas

experiências de inverno20. As experiências de inverno na poesia dos violeiros e

cordelistas do Ceará e do Nordeste - O viver e a arte dospoetas populares

21. O sabiá quando canta22. . A asa-branca. um símbolo para os nordestinos23. As rolinhas24. O jumento e sua trajetória: das experiências de inverno

à' poesia de cordel25. Sertão. inverno e bonança na poesia dos violeiros26. {) telúrico na poesia de Joaquim Anastácio27. As experiências de inverno no cordel de Lobo Manso28. A seca, o inverno, os usos e costumes dos ccarenses na

poesia de .luvenal Galeno29. A seca no imaginário do poeta José Ribeiro de Matos30. Notas

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Em Louvor

A Roque de Macedo, o intérprete dos bichos e dasplantas, perfeita imitação de São Francisco de Assis;

aos confrades da Comissão Cearense de Folclore;às beletristas da Ala Feminina da Casa de Juvenal

Galeno, continuadoras da obra de Henriqueta e Nenzinha;às alunas do Curso de Letras da UECE - na pessoa

de Soraya Pacheco, pelos incentivos a nós dispensados;ao historiador Geraldo Nobre e demais papeadores

do Banco da Praça do Ferreira, continuadores de uma velhatradição da Cidade do Forte.

A todos às homenagens doAutor

Joaquim Roque de Macedo

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Seca e inverno nas "experiências" dos matutos cearenses

Sobre secas e invernos

Com o texto que iremos ler, pretendíamos participarde um concurso sobre temas folclóricos, a realizar-se noRio de Janeiro, isso no ano de 1984, entretanto nãologramos chegar a tempo, o que nos valeu perdermos ocertame. Não desvanecemos. Guardamos os originais eficamos aguardando outra oportunidade para torná-Iosconhecidos. Agora que se fala em uma nova seca noNordeste, achamos de retirá-Ios da gaveta e apresentá-losaos leitores. Sabemos, de antemão, que muitas das abusões,registradas nestes escritos, já não têm cabimento nos diasatuais. Que os matutos, graças principalmente aos meiosde comunicação, tornaram-se menos crédulos e muitosdos espécimes vegetais e animais figurantes em suasexperiências de inverno, hoj e dificilmente serãoencontrados, face à destruição parcial da fauna e da floracearense. Mesmo assim, entendemos que o texto emdiscussão não perdeu a sua oportunidade. Ele merece serexaminado. Nele está contido todo o empiricismo dosnossos matutos.

Fortaleza, janeiro de 1998.A.J. G.

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A problemática dos invernos no Ceará - As previsõesde chuvas - Crendices

Um dos problemas que mais afligem aos cearenses -o maior, talvez, de todos - diz respeito às precipitaçõespluviais. É o problema da água, dos invernos. Saber sechoverá ou não com regularidade no ano seguinte, eis agrande incógnita a ser desvendada o quanto antes. Oshomens de ciência fazem os seus cálculos, suas previsõesmeteorológicas, contestadas, geralmente, pelas camadasincultas da população. - Da cumieira para cima só quemsabe é Deus, - costumavam dizer os antigos sertanejos,mas não será dos homens de ciência que iremos nos ocupar,nesta escritura. Buscaremos fazê-lo, de preferência, comas pessoas simples, os homens e as mulheres do povo,tendo em vista as suas crendices, abusões e experimentosde ordem meteorológica, notadamente, uma práticaempiricista dos nossos sertanejos, conhecida como"experiências" de inverno, fruto de pacientes observaçõesfeitas no correr dos séculos e transmitidas de geração ageração. Ocorre, no Ceará, que os problemas de ordemmeteorológica são confundidos, freqüentemente, com osde ordem religiosa. Para os matutos simplórios, os bonsinvernos constituem presentes com os quais o Onipotentepremia os homens pelas suas boas ações. Da mesma

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maneira que as secas significam o castigo. (1) EntretantoDeus em sua sabedoria e bondade, antes de premiar ou decastigar as criaturas, resolve avisá-Ias a fim de que estasse cuidem. E o faz, utilizando-se de certos sinais denatureza meteoro lógica ou, ainda, através docomportamento dos bichos e dos vegetais, durante asestações do ano. Conhecer estes sinais, saber interpretá-los com acerto é de maior importância para os rurícolasda região das secas, pois, como base das "experiências"de inverno, representam eles uma orientação a ser seguida.Ou porque lhes sobre tempo, ou porque sejam as crisesclimáticas o flagelo que mais os atemoriza, o fato é quepassam os sertanejos cearenses a maior parte do anoentregues a tais especulações. Mesmo quando as"experiências" mostram-se negativas, eles não se dão porvencidos. Insistem. Fazem promessas com os santos desua devoção: São Francisco de Canindé, São José e até oPadre Cícero do Juazeiro. Que intercedam junto aoOnipotente, no sentido de que Este revogue a sentençaterrível que seria a deflagração da seca e permanecem nestaexpectativa, sem querer admitir o que seria um desastreterrível, até a segunda semana de março - dia 19 - dataaniversária de São José, quando surge afinal: inverno tardioou seca em definitivo. (2) Joaquim Roque de Macedo,farmacêutico licenciado e funcionário do Telégrafo

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Nacional, falecido recentemente em Fortaleza, jáoctogenário, era grande apologista e divulgador das"experiências" de inverno de seus conterrâneos. Todos osanos, quando o verão se tornava mais intenso, ele davaentrevistas aos jornais e rádios da capital cearense,anunciando as previsões de chuvas dos matutos para oano seguinte. Havia quem o chamasse de "Profeta dasChuvas", cognome que Roque se negava em aceitar, poisafirmava não ter a pretensão de adivinho. Apenasdivulgava "aquilo que Deus anunciava, servindo-se dosbichos e das plantas".

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Santa LuziaA experiência das seis pedrinhas de sal..

Das experiências de inverno, envolvendo santos daIgreja, uma das mais conhecidas no Ceará é a de SantaLuzia, posta em prática no dia 12 de dezembro, aoanoitecer. Nesta ocasião, os consulentes da Santa colocamao relento seis pedrinhas de sal de cozinha, seguidas daesquerda para a direita e representando os meses de janeiroa junho, quando ocorre a fase invernosa. No dia seguinte,volta-se ao local com o fim de examinar qual a situaçãodas pedrinhas de sal. Caso estas permaneçam intactas,significa mau sinal. Sinal de seca. Caso haja se dissolvido,durante a noite, a primeira das pedrinhas é sinal de quechoverá no mês de janeiro; caso a segunda, sinal de quechoverá em fevereiro. Caso todas ou a maior parte daspedrinhas de sal, sinal de que haverá um bom inverno noano vindouro, (3) todavia é de pouca credibilidade entreos sertanejos o vaticínio das pedrinhas de sal de SantaLuzia. Eles consideram a experiência como se fosse, umabrincadeira, uma adivinhação. O que já não ocorre com aexperiência do dia de São José. Não chovendo na dataaniversária do Padroeiro - 19 de Março - ficamdissipadas as últimas esperanças de inverno doscearense. É a seca. (4)

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Um aniversariante muito querido dos cearenses: SãoJosé, o santo das chuvas, padroeiro do Ceará - Aexperiência com o santo - O roubo da imagem.

No Ceará são festejados entre novenas, missas eprocissões, vários dignitários da Igreja. Em Canindé, é SãoFrancisco das Chagas. Centenas de milhares de romeirosacorrem de todo o Nordeste, uma vez por ano, com o fimde pagar promessas ao Santo. O mesmo ocorre na cidadede Juazeiro, com o Padre Cícero Romão Batista, um santoque, embora não reconhecido pelo Papa, logrou, noentanto, ser canonizado pela gente simples dos sertões,todavia nenhum destes dignitários consegue igualar-se aSão José na devoção dos cearenses. Não é por acaso queum sem número de coestaduanos lhe adotaram o prenomena pia batismal, numa demonstração inequívoca deadmiração e reconhecimento ao Senhor das Chuvas. (5)Como Padroeiro do Ceará, São José tem a sua data natalícia- 19 de Março - oficializada por lei feriado estadual. Éum dia de festas sem igual para o povo cearense, o Dia doPadroeiro. Por sinal, coincide com a passagem doEquinócio. As vilas e cidades cearenses amanhecemembaixo do papoucar dos foguetes, numa manifestaçãoensurdecedora que se prolonga até o entardecer, quandoocorrem as procisões, entretanto estas manifestações de

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devoção e louvor decorrem, muitas vezes, entremeadasde sérios temores. Isso acontece nos anos de invernostardios, quando as chuvas ainda se acham por chegar. Entãoa data natalícia do Padroeiro surge como a últimaesperança. De acordo com a experiência dos sertanejos,não chovendo até o anoitecer do 19 de Março, o ano seráde seca. Para que não ocorra tamanha desgraça, ficam todosem meio da mais enervante das expectativas, a esperarpelo milagre que, nem sempre, chega: o milagre daschuvas. Vozes elevam-se no ar, entoando uma litania cujafinalidade é a de fazer com que o Santo se condoa da sortede seus devotos e consiga do Onipotente que revogue adecisão antes adotada: - Dai-nos chuva São José é é I Paiamante e piedoso! Mas nem sempre acontece o milagredas chuvas. Quando não chove na data aniversária doPadroeiro do Ceará, o fato é tomado como uma declaraçãode seca. Dias depois, são muitos os que se encontram dearribada para as cidades, na busca de salvação. Mesmoporque nunca se viu na região o inverno começar depoisdo mês de Março. Ele começa, o mais tardar, neste mêspara findar em junho ou meados de julho. Quanto a SãoJosé, existe ainda a crendice segundo a qual se alguémfurta a imagem do Santo, este se vê forçado a mandar aschuvas a fim de que o libertem o quanto antes. O furto sedá sempre que não chove em dezembro,janeiro e fevereiro,

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permanecendo no ar a ameaça de seca. É quando alguémretira, às escondidas, a imagem do Santo, sob a condiçãode trazê-Ia de volta no dia do seu natalício, caso haja atéentão começado o inverno. Durante o tempo de retenção,o vulto de São José é conservado às escondidas, emcompleto aprisionamento, até que obtida a graça, a imagemé conduzi da em procissão pelos fiéis ao local de onde foiretirada. São muito comuns estes atos de fé no Ceará, tantonas cidades do interior como na capital. Em Fortaleza, noano de 1985, teve lugar, no bairro do Bom Sucesso, umaprocissão em homenagem ao Padroeiro do Estado, a qualsurpreendeu pelo seu ineditismo. É que São José, MariaSantíssima e o Menino Jesus apareciam representados aovivo, através de pessoas escolhidas entre a massa de fiéis.Estes se mostravam radiantes de felicidade, pois o invernode 1985 havia começado cedo, isso após quatro anosterríveis de seca.

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Os festejos no Abolição - Milagre de São José -Inverno, apesar dos prognósticos em contrário do CTA.

Como fizemos ver anteriormente, a crença quanto àinterferência divina, nos fenômenos de ordem climática,conta, no Ceará com adeptos em todas as camadas sociais.Ricos e pobres, letrados e iletrados acreditam, em sua maiorparte, nos poderes extraordinários de São José, rendendo-lhe culto e suplicando-lhe as benesses para o Ceará.Fazendo coro com os demais, figuravam entre os devotosdo Padroeiro, o Governador Virgílio Távora e sua consorte,Dona Luisa, os quais, malgrado haverem assumido o podere governado longe das graças do Senhor das Chuvas, nempor isso o desacreditavam. Todos os anos, a data natalíciado Padroeiro era comemorada festivamente no Palácio daAbolição. Os escribas palacianos improvisavam benditosao dignitário do Céu, sem que se esquecessem de tecer, demistura, loas também aos dignitários do Poder temporal.(6) Os atos religiosos tinham lugar no pátio do Palácio,contando sempre com as presenças de muitas e muitaspessoas gradas, contudo os apelos dos devotos do Santodeixavam de ter atendimento, pois atravessava o Nordesteuma calamidade sem precedentes. Quatro anos de secatinham se passado e naquele ano - 1984 - de acordo comos especialistas do CTA (Centro Tecnológico

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Aeroespacial), também não haveria inverno. Ora, ostécnicos do CTA vinham até então acertando em suasprevisões sinistras com a mais absoluta precisão. Isso faziacrer que iriam acertar mais uma vez, o que significariauma calamidade de efeitos inimagináveis para a região.Depois de quatro anos seguidos de flagelo, os açudes seachavam secos, pairando igual ameaça, sobre os grandesreservatórios, como o Orós e o Banabuiú. Mais um ano deseca significaria, certamente, o fim da própria espéciehumana em terras do Ceará, contudo os devotos do Santo,longe de se deixarem vencer pela descrença, continuavama rezar e a clamar por chuvas. Até que no 19 de Março de1984, aniversário do Padroeiro, aconteceu fato consideradopor muitos como um verdadeiro milagre: começou achover. A chuva caía aos borbotões, dissolvendo acerimônia religiosa que se realizava no pátio do Palácioda Abolição, em Fortaleza. Milagre! Milagre! Gritavam,a uma só voz, os áulicos palacianos. Estavam, pois,superadas as previsões em contrário do Centro TécnicoAeroespacial para aquele ano. A caatinga de repentereverdeceu. Os açudes sangraram. E 1984 - embora osprognósticos em contrário dos técnicos do CTA - foi umano de excelente inverno no Ceará. Ocorre que não eraesta a primeira vez que os homens de ciência, com seusprognósticos de natureza meteorológica, enganavam-se.

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Outros lapsos deploráveis haviam antes se registrado, fatoque dava argumentos àqueles que desacreditavam nosavanços das ciências.

Outras experiências de natureza meteorológica - Apresença do Aracati - As manchas solares - A posiçãoda Papaceia - As chuvas e os relâmpagos no Piauí -Nevoeiros em redor da lua

Mas deixemos de lado as experiências de inverno (7)creditadas a Santa Luzia e a São José. Passemos a outrastambém de natureza meteorológica. Acreditam ossertanejos cearenses que a presença do vento Aracati (8)em tempo de inverno, é sinal de seca. O vento carrega asnuvens, dizem eles. Tivemos - foi em dezembro de 1931- oportunidade de assistir a uma impressionantedemonstração de credibilidade em tal experiência. Na praçaprincipal da cidade de Lavras da Mangabeira, umamultidão de matutos aguardava a entrada do ano de 1932,entretanto - fato curioso - muitos, ao contrário do queseria se esperar, demonstravam nas fisionomias tristezaou apreensão. É que em derredor, o Aracati soprava forte,cobrindo a todos de poeira. Repetiam-se as indagações: -O que diz o compadre desse tempo? - Com esta ventania?

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Ora, vento em tempo de chuva é sinal de seca. É umaexperiência que em nunca vi falhar. Não se enganaram, osque assim prognosticaram, porque, em 1932, desabousobre o Nordeste, uma das piores secas do século atual.Outra experiência muito creditada era a das manchassolares. Se, ao nascer do Sol, nos primeiros dias de janeiro,a barra do Nascente se apresentasse coberta de manchasvermelhas, excelente sinal. Sinal de inverno! Se, aocontrário, se apresentasse limpa, sinal de seca. Os queacreditavam na experiência costumavam demorar osprimeiros dias de janeiro de olhos na barra do Nascente,somente desistindo da vigília, depois de confirmados ounão, os seus prognósticos. Por sua vez não são poucos, osque tomam por base de suas experiências as chuvas noPiauí, porque, segundo eles, o inverno antes de chegar aoCeará começa no Piauí. Por isso alegram-se confiantes,sempre que ouvem dizer que se encontra chovendo novizinho Estado ou, simplesmente, que se encontrarelampeando para as bandas do Piauí. Também a estrelad 'alva, a papa ceia dos matutos cearenses. Ouvimos emParacuru, no ano de 1967, o vaqueiro Vicente Piauí dizerpara alguns roceiros temerosos com o atraso das chuvas,que o inverno daquele ano não havia começado, porque apapa ceia não havia passado do meio do Céu. Logo queela o fizesse, o inverno começaria. Coincidência ou não, o

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fato é que houve inverno naquele ano. Por último, temosas experiências com a Lua. Nos anos de inverno, formar-se-iam nevoeiros em forma de lagos ao redor do satéliteda Terra, isso nos primeiros meses do ano. Céu limpo nessaépoca, presságio de seca.

As plantas e os animais nas "experiências" de inverno

Todavia não se encontra no Céu, o campo maior dasexperiências de inverno dos nossos sertanejos. Este, vamosencontrar, mas nos próprios locais de vivência dosrurícolas, entre plantas e animais silvestres, "criaturas deDeus" e por Ele escolhidas, de acordo com a crendice,como elo de ligação entre a divindade e os homens. É,pois, da maior importância, saber interpretar ocomportamento dos referidos espécimens, durante osmeses de verão, base da maior parte das experiências deinverno. Isso dito, vejamos o significado de alguns destessinais tomados nas experiências de secas e de invernos: acanafistula gotejando água pelas folhas durante os mesesde outubro e novembro, (l0) ótimo sinal de inverno parao ano seguinte; o pau-de-mocó com boa floração nosúltimos meses do ano, também sinal de inverno. Ajitiranaflorando fora de tempo, sinal de seca; o mata-pasto

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florando em meio ao inverno, sinal de suspensão daschuvas. (Matápasto florou, inverno acabou, dizem osmatutos). Existe a crença, segundo a qual no ano em que oangico deita muita resina, no ano seguinte haverá bominverno. Se o pau-d arco roxo flora, entre os meses dejunho e julho e segura a carga, bom sinal de inverno parao ano seguinte. Por sua vez, o cajueiro se flora no começodo verão, sinal de inverno cedo. Mau agouro se descobrena umarizeira, no ano em que esta árvore deixa de frutificar,ou se apresenta com um reduzido carregamento de frutos.Isso significará seca para dentro em breve. Já o contrário,dá-se com o cumaru, árvore de grande emprego industrial.Segundo a crença, quando o vegetal flora em fins deinverno e segura a carga, o ano seguinte será de seca ou deinverno escasso. Bom sinal de inverno para o ano seguinte,vamos encontrar nos juazeiros, quando estes apresentamas copas refrigeradas durante as ardentes tardes do verãosertanejo. A mesma experiência é válida também para ascatingueiras, árvores que, a exemplo dos juazeiros, sãodotadas de densas folhagens. Bom augúrio sempre que ascopas se apresentarem úmidas e refrigeradas nos mesesde canícula. Outras experiências muito acreditadas dossertanejos dizem respeito à floração e frutificação dascarnaubeiras, aroeiras, juazeiros e umarizeiras. Sempre queas referidas árvores florescem e frutificam com

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abundância, sinal de excelente inverno para o ano seguinte.No tocante às especulações com os animais, o critério nãovaria: o da proliferação. Este ou aquele bicho aparecendoacompanhado de muitas crias em determinada estação doano, sinal de bom inverno para o ano seguinte. Roque deMacedo, grande divulgador das experiências de invernode seus conterrâneos, ia mais longe. Ele dava especialimportância ao comportamento dos pebas em fins de ano.Peba de carrapato na barriga é sinal de inverno, sentenciavao velho sertanejo. Isso, para concluir: "quando o carrapatosubir da barriga para o sovaco dos pebas, a chuva cairá".(11) Outros bichos tais como os tatus, os gatos-maracajáse as cobras, quando acompanhados de muitos filhotes noverão, sinal de bom inverno no ano próximo.

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Roque de Macedo, o profeta das chuvas, e suasexperiências de inverno

Sempre que se fala em experiências de inverno noCeará, surge de imediato a lembrança de Joaquim Roquede Macedo, o maior divulgador que já se conheceu dessetipo de especulação. Era de ver-se o sertanejo imbatível,alto, magro, o nariz adunco, o que fazia lembrar uma dessasaves anunciadoras de chuvas, tão queridas dos sertanejos,a assegurar, confiantes, a proximidade dos invernos. Daío apelido que lhe botaram de Profetas das Chuvas, contrao qual ele reagia prontamente, pois, segundo afirmava,não tinha a pretensão de adivinho. Apenas informava aseus conterrâneos aquilo que os bichos e as plantas -criaturas de Deus - estariam avisando aos homens. Eenumerava uma a uma as suas experiências de inverno.Destas, a mais curiosa, certamente, era aquela do peba decarrapatos na barriga, valendo a incidência, como sinal deinverno. Quando os carrapatos subissem da barriga para osovaco do animal - ainda de acordo com a experiência -as chuvas chegariam. (12) Não eram apenas os pebas comseus carrapatos, os anunciadores de chuvas creditados peloRoque. Ele acreditava ainda noutros sinais que seencontrariam no comportamento fora do comum de bichostais como as marias - catacas, os gatos-do-mato, os cupins,

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as formigas-de-roça e numerosos outros animais silvestres.Ou de vegetais como os juazeiros, as catingueiras, os paus-d 'arco (ipês), as carnaubeiras e tantos e tantos outrosespécimens que, enumerados um a um, formariamverdadeira floresta. Era tão estrambótico empiricismo queele, Roque, com a determinação de um Galileu Galileiatrevia-se a defender ante os ditos e as risotas dosincrédulos em plena Praça do Ferreira, em Fortaleza, nomesmo local onde, certa vez, nem o Sol fora poupado.Sim, vaiaram estrepitosamente o Rei dos astros, quandoeste reapareceu, depois de uma semana de ausência,encoberto pelo nevoeiro. Tudo porque não podiam admitirque na Terra do Sol, este andasse sumido. Coisa de cabeças-chatas. O nosso Roque, longe de se atemorizar ante seusirreverentes contestadores, defendia em alto e bom som asabedoria dos bichos do mato, seus orientadores. Se alguéminsistia negando aos pebas e aos demais habitantes dacaatinga, o dom de prever as mudanças climáticas, elevoltava-se imediatamente contra os doutores das ciências,uns pretensiosos metidos a sabichões e que, no entanto,de nada sabiam. Para confirmar o que dizia, citava oepisódio acontecido por ocasião do açude Poço dos Paus,em 1919. O engenheiro inglês havia armado o seuinstrumental um pouco abaixo da grande barragem,jamaisconcluída. Eis que chega um trabalhador da construção a

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preveni-lo: - Doutro, é bom Vossa Mercê retirar seus terénsdaí, porque hoje de noite vai chover; - Qual nada, caboclo- respondeu o gringo. Isso que você vê ali é umpluviômetro. Ele está acusando,: vento Leste, tempo secosem previsão de chuvas. O caboclo ia andando, quando oinglês o chama. - Diga-me uma coisa! em que se baseiavocê para dizer que hoje à noite vai chover? - Por causado jumento, doutro. (13) Veja como ele está suado. Ora,jumento suando na sombra é sinal de chuva. É umaexperiência que eu nunca vi falhar. O gringo riu a maisnão poder do que acabava de escutar. Acontece que no diaseguinte era o caboclo quem ria da sabedoria do inglês,porque, durante a noite, caiu um toró de matar sapoafogado. E os teréns do doutor, conforme previra o caboclo,tinham desaparecido levados 'pela correnteza. Oconhecimento dos homens é assim - finalizava.sorrindo onosso Roque de Macedo. No que pesasse a sahedoria dosbichos de Roque de Macedo, sucede que estes riem sempreeram exatos, como pretendia o incansável propagador dasexperiências de inverno dos nossos matutos. Haja vista oinverno de 1954, que ele afirmara ser um excelenteinverno, não passara, na verdade, de um inverno falho, ou"vasqueiro", para usarmos da terminologia empregada pelopróprio Roque, no entanto este e outros equívocosporventura cometidos pelos pebas e as marias-catacas do

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Profeta são dispensáveis, frente a equívocos ainda maiorescometidos pelos técnicos das ciências. É o que se podeconstatar, frente às previsões do Serviço de Meteorologiada Paraíba para o ano de 1932, publicadas no Diário Oficialdaquele Estado, em começo do referido ano. Na publicaçãoem apreço, que se fazia dirigida ao Ministro da Agricultura,eram previstas para o ano de 1932, "chuvas copiosas e,possi velmente, enchentes para todas as zonas do"Nordeste". (14) Ora, como se sabe, 1932 foi ano de secaterrível em todo o Nordeste. Por sua vez, o CentroTecnológico Aeroespacial de Campinas - São Paulo -incorreu em erro não menor, ao anunciar recentemente queo ano de 1984 seria de seca no Nordeste. Ao contrário, oque se viu foi um excelente inverno, isso após quatro anosde seca, estes sim, previstos com absoluta precisão peloCÍA. O prestígio de Roque de Macedo, como entende dordas mudanças do tempo, firmara-se definitivamente, frentea seus conterrâneos. Para os citadinos, ele era o Profetadas Chuvas, mas, para os matutos, um conhecedor dossegredos dos bichos e das plantas que, melhor do que oshomens sabiam da proximidade ou da ausência das chuvas.Era como conhecedor de tais segredos que o consultavamtodos os anos, principalmente, quando a chegada daschuvas tornava-se duvidosa. Os jornais de Fortalezacostumavam entrevistá-lo em tais ocasiões. A palavra do

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Profeta das Chuvas ganhava espaço nos meios decomunicação, tanto nacionais como até do estrangeiro.Certa vez, foi a prestigiosa BBC (British BroadcastingCorporation) de Londres, que transmitiu a seus milhõesde radiouvintes espalhados pelo mundo, a palavra dointérprete dos bichos e das plantas do sertão cearense. Apalavra de Roque era, via de regra, uma palavra de fé e deesperança. Ele evitava, sempre que possível, falar em seca,palavra que a todos metia medo. Falava, mas em invernos,uns bons; outros criadores; outros, simplesmentevasqueiros. Como as secas nem sempre fossem totais,Roque e seus bichos raramente erravam em seusprognósticos de inverno. Roque de Macedo faleceu emFortaleza aos 86 anos de idade, no dia 12 de janeiro de1985. Morreu feliz, o velho sertanejo para quem as chuvasconstituíam o melhor tesouro do mundo. Choviacopiosamente em todo o Ceará. O inverno daquele anohavia começado cedo. Isso, logo após quatro anos de secae de sofrimento para os nordestinos.

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A vez dos insetos

Os insetos ocupam lugar destacado nas experiênciasde inverno dos sertanejos cearenses. Vejamos, a começarpelas formigas, os cupins e as abelhas, os quaispertencendo a um tipo de sociedade animal perfeitamenteorganizada, mostram-se por demais sensíveis às mudançasdo tempo. Roque de Macedo que foi antes de tudo umpaciente observador, fala-nos do comportamento dasformigas, na antevéspera da estação invernosa. Elasintensificam o seu ritmo de trabalho, sempre quepressentem a proximidade das chuvas, conduzindo paraos formigueiros a maior quantidade possível de alimentos.Enquanto isso, a entrada deles era reforçada com váriascamadas de areia a fim de impedir a penetração das águas.(15) Certo roceiro do vale do Jaguaribe, citado por JosaMagalhães, afirmava encontrar no comportamento dasformigas uma de suas infalíveis experiências de inverno.Se ao quebrar um pau seco, este se encontrasse cheio deformigas criando asas, sinal de inverno para o ano seguinte.Fato corriqueiro, no interior cearense, é o das formigascriarem asas ao cair das .primeiras chuvas. Isso acontece,principalmente, com as saúvas. No Ceará, conhecidascomo formigas da roça. Elas criam asas e voam aos bandos.Antes lhes crescem as partes inferiores dos corpos, isso as

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toma bojudas. São as tanajuras, por demais apreciadas dosnativos da serra da Ibiapaba. Eles saem a derrubá-Ias,munidos de palhas de coqueiro, enquanto cantam umatoada alusiva à ocorrência: "cai, cai tanajura, que teu paitá na gordura". Ainda quanto às formigas da roça, outrosinal indicativo de inverno para o ano seguinte, vamosencontrar, quando as ditas cujas expelem dos formigueiros,durante o verão, os restos de alimentos ali armazenados.Existe ainda a crença de que nos anos em que as tanajurasgordas predominam sobre as magras, o ano é de bominverno. O inverso, quando as magras predominam sobreas gordas. Também é crença que aparecendo tanajuras emabundância, logo após as primeiras chuvas, estasdesaparecerão temporariamente. Quanto aos cupins ... Évoz corrente entre os nossos matutos que quando criamasas é sinal de chuvas iminente. Deixando de lado asformigas e os cupins, passemos às abelhas, insetos tãoorganizados grupalmente quanto os primeiros. Roque deMacedo enumerava entre os prognósticos de bom invernoque fizera para o ano de 1954, (16), o fato de se acharemas abelhas de ferrão trabalhando ativamente e osmaribondos de chapéu se aproximando das casas dasfazendas. Por sua vez, Josa Magalhães (1) relata-nos váriasdas experiências dos sertanejos de Canindé e da Mombaça,tendo por base o comportamento das abelhas, experiências

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das quais este escrevinhador teve ensejo de constatar váriasdelas muito acreditadas entre os matutos de Lavras daMangabeira, na parte sul do Estado, o que demonstra oalcance das referidas experiências de inverno. Uma delasé a de que acontecendo nos fins de ano de ser fino o meldas abelhas e mole a cera que o acompanha, o invernoseguinte será dos melhores. Outra experiência: a abelhaarapuá só engorda na proximidade das secas, portantoarapuá gorda, sinal de seca. Arapuá magra, sinal de bominverno. No que diz respeito à abelha jandaira, acreditamos matutos que no ano em que ela cobre os filhos de cera,neste ano não haverá inverno. Se durante o verão, asabelhas enxamearem muito as entradas dos cortiços, issosignificará bom inverno para o ano vindouro. Também éconsiderado bom sinal de inverno, a ocorrência das abelhascapuxu bebendo água nas cacimbas, isso entre os mesesde setembro e outubro. Outras ocorrências que sucedemcom as abelhas e que são consideradas, de acordo com asexperiências de inverno, umas boas, outras más, vamosencontrar na presença ou na ausência do inseto em questão.É tido como sinal negativo a ausência das abelhas, pois,de acordo com a observação dos sertanejos durante asgrandes estiagens, elas se escondem ou emigram. Aocontrário, constitui excelente sinal de inverno, a presençadas abelhas em grandes exames. A propósito: a década de

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1970 que foi toda ela de bons invernos para o Ceará, foimarcada pela presença das terríveis abelhas africanas,fugi das ao que se afirmava de um apiário em São Paulo, emultiplicadas de maneira assombrosa. Elas se constituiriamnum verdadeiro flagelo para os nordestinos, invadindo oscampos e as cidades, picando e até matando aos homens eaos animais. Suas maiores vítimas foram as abelhas nativas,exterminadas em grande parte, pelas invasoras. Já nadécada seguinte - década de 1980 - não houve excesso deabelhas, mas se iniciou castigada por um flagelo pior doque o das africanas: a seca. Foram quatro anos terríveis deestiagens, (de 1980 a 1983), fazendo com quedesaparecessem, em grande parte, as plantas e os bichostão queridos de Roque de Macedo.

Ainda sobre as abelhas: nos anos em que a vermelha,conhecida por cubatão, não aparece em fins de inverno, oano seguinte será de seca. Sinal de bom inverno para oano seguinte temos, quando as j andairas se reproduzemem grande quantidade, ou quando os enxus constroem suascolmeias nos lugares mais altos. Eles, como "Mensageirosdo Onipotente", saberiam antecipadamente quais aspróximas quedas pluviais. Se grandes ou pequenas.Sensíveis também às mudanças atmosféricas, seriam outrosinsetos, tais como as aranhas, o besouro serra-grosso e asmutucas. Pelo menos, era o que afirmavam muitos dos

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nossos sertanejos, com a plena aprovação do semprelembrado Roque de Macedo. Desta forma, é que certo tipode aranha que habita no campo e lá constrói seusesconderijos, no ano em que constrói vários deles, emforma de círculo, sinal de muito bom inverno. Já as aranhascaranguejeiras costumam viver entocadas. Quando, porém,está para chover, elas abandonam seus esconderijos epõem-se a andar. É uma experiência de chuva que muitosconsideram infalível. Ainda sobre os cupins: se emdezembro, o cupim já tem asas, o inverno vindouro serácedo e bom, porque cupim só voa com chuva. A mutuca éuma mosca sanguessuga que vive nas pastagens, atacandoos animais, preferentemente as vacas e os cavalos. A suaocorrência maior dá-se durante a fase invernosa. É crençade que aparecendo elas, em grande quantidade, logo depoisde caídas as primeiras chuvas, o ano será de bom inverno.Encontra-se no sertão um besouro de tamanho avantajado,conhecido pelo nome de serrador, ou ainda de serra-grosso,cujo nome se deve ao fato de viver ele a serrar os galhossecos das árvores, produzindo cortes de alguns centímetrosde profundidade. Dizem que no ano em que o referidobesouro mostra-se muito ativo, o inverno seguinte é muitobom. Já o contrário dá-se com o besouro mangangá, famosopela sua atuação como polinizador das nossas espéciesvegetais. Trata-se de um inseto bastante desenvolvido"

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guarnecido de temíveis ferrões e que ao voar emite umsom característico, pois o mangangá, segundo é crença,voando baixo e em forma circular em tempo de inverno,as chuvas desaparecerão como por encanto. São estas asprincipais experiências de inverno conhecidas, nas quaisfiguram os insetos.

Os batráquios, anunciadores de chuvas

Os batráquios são por demais sensíveis às mudançasdo tempo. Os sapos, as jias e as rãs que vivem socados emseus esconderijos durante as estiagens, deles se largamtão logo pressentem a proximidade das chuvas, ao mesmotempo em que se põem a cantar em verdadeirasorquestrações. Ora, os sapos, as jias e as rãs grandesencontradas a cantar em tais ocasiões o fato é considerado,até certo ponto, como natural. O que ~ão parece natural équando encontrados a cantar antes de tempo. Teremos umsinal positivo de inverno para o ano seguinte. Roque deMacedo, em suas previsões de inverno para o ano de 1954,considerava um sinal promissor o fato de "os sapos cururuse as jias acharem-se de boca aberta no mundo", isso empleno mês de dezembro, no seco, pois, ainda não haviachovido. A mesma opinião é sustentada pelo agricultor

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Francisco Pinheiro de Souza, residente na serra doMachado, o qual ouvido pelo folclorista Josa Magalhães(18) foi taxativo: quando os cururus berram no seco, emdezembro, o ano seguinte é de bom inverno. Já um outroagricultor fazia fé nas jias. Estas cantando em tempo deverão, é sinal de bom inverno para o ano que se aproxima,concluiu o entrevistado.

As cobras e os lagartos nas experiências de inverno

Nem mesmo as cobras venenosas - no que pese asua periculosidade - escapam da observação percucientedos nossosmatutos. Está no caso, entre outras, a cobracascavel, um ofidio de picada mortal. Os roceiros cearensesacompanham cuidadosamente o seu comportamento, antese depois de abatê-Ias. Isso lhes permitiu chegar aconstatações como estas: que antes de uma seca não háquem mate uma cascavel, pois a cobra não aparece,preferindo ficar metida nos buracos. Quando elas sedispõem a deixar as tocas e a caminhar, logo aparecem aschuvas. São depoimentos colhidos de vários roceiros pelofolclorista Josa Magalhães. (19) Assim é que no mês dejulho de 1949, conforme um dos depoentes, aparecerammuitas cobras nos roçados. E já no ano seguinte - 1950-

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era um ano de muito bom inverno. Outro sinal consideradoanunciador de inverno é quando as cobras trepam-se nasárvores, enroladas umas nas outras. Roque de Macedo,por sua vez, assegura que as cascavéis estando gordas eacompanhadas de filhotes em fins de ano, é.sinal de bominverno para o ano seguinte. (20) Não menos curioso doque o comportamento dos ofidios, ante as precipitaçõespluviais, é a maneira como se conduzem os lagartos. Destaforma é que os camaleões, dando mostras de bonsmeteorologistas, costumam desovar cedo, antecipando-seà chegada das chuvas. Já em outubro, quando se prenunciabom o inverno do ano seguinte, ele se encontra a depositarseus ovos nas barreiras dos riachos. Fato não menoscuriosos é o de preverem os camaleões até onde chegarãoas enchentes, colocando os ovos a salvo das águas. E aslagartixas? Estas costumam realizar verdadeirasacrobacias, despencando-se do alto das paredes paracaírem incólumes no chão, quando percebem aproximidade das chuvas. (21) Encontra-se no Ceará umlagarto apatacado conhecido por tejo, ou tejuassu. Ele sealimenta de formigas e dos ovos de pintos que rouba dasgalinhas. O tejuassu se' destaca dos demais lagartos pelasua valentia. Ele não torce caminho sempre que se deparacom uma cascavel. Enfrenta o ofidio e só abandona ocampo de luta, depois de havê-lo derrotado. O tejuassu, a

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exemplo das cobras, costuma entocar-se na época dassecas, somente reaparecendo quando chegam as chuvas.

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Roque de Macedo e os profetas de chuvas

Tinha sobradas razões, o nosso Roque de Macedoquando recusava o tratamento de Profeta das Chuvas, queera como o chamavam os profissionais da imprensa e dorádio. Isso, simplesmente, por não se julgar um adivinhoou um iluminado, mas um mero conhecedor docomportamento dos bichos e das plantas, como tambémde determinados sinais de ordem meteorológica. E, quandolhe perguntavam onde e com quem havia aprendido osconhecimentos de que fazia fé, ~le com a humildade dossimples respostava que vivendo, lutando e convivendo comos homens, as plantas e os bichos, seus irmãos naturais.Ademais, que não era um privilégio seu o de conhecer asexperiências de inverno, pois quando viera ao mundo, seusantepassados já as conheciam. Era uma confissão pordemais diferente da usada pelos profetas de chuvas. Estes,pelo contrário, se faziam passar por uns sabichões e unsiluminados. Enquanto isso, usavam na mais das vezes, oseu charlatanismo para extorquir dinheiro dos matutosincautos. Nas feiras do Cariri, eles eram vistos antigamentea vender suas profecias impressas em forma de cordel eacompanhadas, geralmente, de orações nas quais eraminvocados os santos da Igreja. Mas em que se baseavam,em suas afirmações, os profetas de chuvas? Havia os que

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buscavam apoio noutras profecias, estas atribuídas aosfrades missioneiros e conservadas, através do tempo, pelatradição oral. Eram pronunciamentos expressos numalinguagem cabalística, fruto de uma época obscurantista,prestando-se para diversas interpretações. Vejamosalgumas delas: "Na era de 900, muito chapéu e poucacabeça". Esta profecia, atribuída ao famoso pregador demissões frei Vidal da Penha, foi conservada pela tradiçãooral e contava com diversas interpretações. Queriasignificar mortandade, que tanto podia ser causada pelaseca e as epidemias que as acompanhavam, como pelaguerra. Assim é que no ano de 1932, que foi ano de seca ede guerra - seca no Ceará e no Nordeste e guerra civil emSão Paulo - era a dita profecia muito recordada entre ossertanejos. Tivemos de ouvi-Ia, na época, em Lavras daMangabeira, no interior cearense, e muitos anos depois,no bairro do Campo do Pio, em Fortaleza, repetida porMaria Isabel, antiga lavadeira, quase octogenária. Outraprofecia, também atribuída a frei Vidal da Penha, era feitaem forma de advertência: " Na era de 900, amola a facapra tirar o couro". Esta, por sua vez é interpretada comoprevendo a mortandade dos rebanhos, ocasionada pelaseca. E mais: advertindo os criadores que se preparassempara tirar o couro das reses mortas em tais circunstâncias.Ainda no tocante à mortandade dos rebanhos, existe uma

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profecia atribuída ao Padre Cícero do Juazeiro e aindamuito atual um menino encontrando o osso de um boi ficaintrigado com o achado, sem saber do que se trata. Indagade um ancião o que é aquilo. E o ancião lhe responde: -Menino, isso pertenceu a um animal que existiuantigamente chamado boi. (21) (De onde se conclui que aespécie bovina achava-se, desde há muito, condenada aodesaparecimento). Por falar no taumaturgo do Juazeiro: oPadre Cícero, cujo apostolado se fazia maior em terras deAlagoas, da Paraíba, de Pemambuco e do Rio Grande doNorte do que no Ceará, gozava da fama de manda-chuva.É o que reza uma cantoria muito repetida pelos cegos e osaleijados nas feiras do Nordeste, cantoria na qual é relatadoo castigo sofrido por um certo Irineu, um comerciante quevivia no sul de Pemambuco e que cometera a heresia demandar comprar um tostão de chuva ao Padim CiçoRomão. Na história versificada, faz-se um relato completodo episódio. O recebimento da missiva pelo Patriarca do

. Juazeiro e a sua resposta verbal: não mandava um tostãode chuva. Só mandava três vinténs! Mas, que três vinténsde chuva foram estes que o sul de Pemambuco quase seacaba debaixo de tanta água. Castigo dos céus! Sim,castigo, não havia dúvida. As águas foram tantas que umaimaginária lagoa do Tombô - uma lagoa que nunca haviaenchido - encheu desta vez como castigo, para acabar com

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os bens do herege: uma loja de fazenda e três armazéns defumo, pra deixar de ser besta e nunca mais zombar dascoisas divinas. (22) Entretanto não seriam tão só oshomens, os transmissores de profecias. Esse dom, emcertos casos, seria transferido aos animais. Está no caso, ofamoso garrote-falador, que teria aparecido no sertão daBahia, no ano de 1943, o qual falando para um fazendeiroe o seu vaqueiro desembuchou uma longa profeciareferente à Guerra e ao fim do Mundo. Isso, antes de semetamorfosear em um pavão e de alçar vôo para Roma,onde estaria a csperá-Io o Padim Ciço Romão. Afantasmagoria, na época divulgada pela imprensasensacionalista do País, foi contada em versos pelocordelista Lobo Manso. (23) Por ter aparecido numa épocade guerra - 1943 - quando era temida a sorte daHumanidade, a profecia do garrote- falador, ou misterioso,meteu medo em muita gente, incauta e inculta.Conseguindo assustar aos matutos com suas terríveisprevisões, referidos impostores nem sempre eram bemsucedidos com suas invencionices. Está no caso, certoprofeta de chuvas que previra, em Aracati, no ano de 1923,que o ano seguinte seria de seca. Mais ainda: que beberiaem um caneco toda a água da chuva que caísse naqueleano. Acontece que 1924 foi ano de inverno como nuncase vira igual no Ceará. Choveu tanto que as águas do rio

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Jaguaribe invadiram a cidade de Aracati, alteando-se porsobre o casario. Surpreendido o adivinhão quando fugia,os moradores do lugar quase o matam nas águas do rio.Achavam-se, entre os profetas de chuvas, aqueles quepondo de lado as fantasmagorias, buscavam alicerçar seuspronunciamentos em publicações religiosas como o"Lunário Perpétuo", em Nostradamus, ou na crença,segundo a qual as secas repetir-se-iam de cem em cemanos, nos anos de igual terminação. Acontece que~sendouma constante as secas no Nordeste, conseguiam referidosadivinhos acertar, vez por outra, em suas previsões.

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Onde a macheza do preá?

No imenso laboratório das experiências sertanejas,os bichos assumem as mais diversas formas decomportamento para anunciar a proximidade ou oafastamento das chuvas. Uns escondem-se; outros deixamde cantar; outros se multiplicam. Nenhum, entretanto, comforma de comportamento tão intrigante, quanto o preá.Referido animalejo, muito encontradiço nos capinzais,goza da fama de macho por excelência. Sempre no Ceará,quando alguém pretende exaltar a boa disposição de outrapessoa, diz que a dita cuja "é macho que só preá", todaviaa macheza do preá fica apenas na multiplicação da espécie.Ele não é de briga, embora dotado de compridos dentes.A exemplo dos demais roedores, é dotado de grandefecundidade, e a tão exaltada macheza do roedordesapareceria por ocasião das secas. Foi o que nosassegurou o roceiro Pedro Izidoro, da fazenda Bonança,em Paracuru. Segundo o informante, tendo abatido váriospreás machos por ocasião da última seca que flagelou oNordeste (1980 a 1983), encontrou-os sem os escrotulos.As glândulas reprodutoras haviarn-Ihes desaparecido,mostrando-se vazios os sacos escrotais. A seca é assim,concluiu irônico o roceiro. Tira a macheza até dos preás.Antes, Josa Magalhães afirmara ter encontrado, no sertão,

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quem lhe assegurasse a incidência de casos semelhantes,por ocasião das grandes estiagens.

A sensibilidade dos roedores ante as mudanças dotempo

Afora os preás, vamos encontrar nos baixios, nascaatingas e nos serrotes do Ceará, uma variedade deroedores nativos. Todos muito apreciados, tanto pelascobras, como pelos caboclos da região. São os punarés, ascotias, os mocós, e os ratos vermelhos ou ratos da cana,assim chamados por serem muito encontradiços,devastando os canaviais. Estes roedores, que em certasépocas se reproduzem de maneira assombrosa, são muitosensíveis às mudanças do tempo. Notadamente o ratovermelho, ou rato da cana. Referido espécimem, conformenos disseram em Paracuru, no sítio Bonança, mudava oninho sempre que estava para chover. E,consequentemente, as águas que irrigavam o canavialteriam de subir de nível. Já com os mocós, aconteciadesaparecerem, como por encanto, durante as estiagens.Assegurou-nos o caçador Manuel Valentim, em Juazeirodo Norte, nunca haver se deparado com um mocó ou umacotia em tempo de seca. Eles, ao que tudo estava a indicar,

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ou tinham arribado ou achavam-se escondidos por entreas pedras.

Abusões

Entre as muitas "experiências de inverno" dossertanejos cearenses, assomam algumas que se nosafiguram como verdadeiras abusões. Vejamos algumas dasditas cujas, registradas tanto por Roque de Macedo comopelo folclorista Josa Magalhães, em seu magnífico trabalhointitulado "Previsões Folclóricas das Secas e dos Invernosno Nordeste Brasileiro", saído na Revista do Instituto doCeará, edição de 1952. Senão, vejamos algumas. Ora,custa-nos admitir, como sinal de inverno, o fato de seremvistos pela madrugada os bacurins a divertirem-se, dandocambalhotas e a jogar palha no lombo, como pretendeRoque de Macedo. Essa não, Profeta. Ou dos bois, porfalta, certamente, de melhor alimentação, encontrarem-sea comer restos de ossadas. Ou, ainda, das galinhasassanhadas durante a noite, a fazerem visagens. Por último,essa do canindeense Assis Salgado, assegurando como osaviões afastavam as nuvens provocando as secas. E mais:que a fumaça dos aviões era como se fosse veneno para ogado, causando morrinha nos bois, que ficariam tristes e

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arrepiados, terminando por se findar. São, como se vê,sinais por demais carentes de fundamento, verdadeirasabusões, portanto. Ou conversa para boi dormir, comocostuma o povo dizer.

Peixes, moluscos e crustáceos nas experiências deinverno.

Os peixes, os moluscos e os crustáceos, a exemplodos demais seres vivos, acham-se presentes nasexperiências de inverno dos cearenses. Peixe ovado emfim de ano, segundo a crença, é sinal de bom inverno parao ano seguinte. Encontra-se nos rios e nos açudes do Ceará,um peixe muito apreciado do povo. É a curimatã, peixeque, em alguns casos, chega a pesar vários quilos. Quando,nas pescarias de dezembro para janeiro, são apanhadascurimatãs ovadas, os pescadores enchem-se de alegria.Sinal de bom inverno, exclamam eles a uma só voz. Porcoincidência ou não, tem acontecido dar certo a previsão.Já a experiência com o aruá consiste no fato do moluscose despregar ou não com facilidade dos arbustos nos quaisse fixa. Vive o aruá nas ribanceiras dos cursos d'água,onde deposita os ovos bem ao alcance dos peixes. Os ovosdo aruá são vermelhos e de forma gelatinosa, muito

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apreciados pelos peixes d'água doce. Daí o dito muitocorrente no sertão: fulano é besta que só o aruá, que põepara os peixes comerem os ovos. Isso, entretanto, nãoimpede que o molusco figure nas experiências de inverno.É crença que nos anos em que ele se desprega comfacilidade dos arbustos, isso entre os meses de janeiro efevereiro, o ano da ocorrência é de bom inverno. Foi oque ouvimos de vários rurícolas no município de Milagres,na zona sul do Estado. Já com os seres vivos que habitamno mar, dá-se exatamente o contrário do que sucede comos habitantes da água doce. Conforme as experiências dospraianos, (sim, os naturais da região litorânea possuemtambém as suas experiências de secas e de invernos), noano em que os peixes se reproduzem em grande quantidade,notadamente o peixe cavala, o ano seguinte é de seca. Ofenômeno, observado primeiramente por Rodolfo eregistrado no seu livro "Secas do Ceará", vem se repetindosempre que ocorrem as crises climáticas no Estado. Porocasião da grande seca de 1952, havia em excesso, nosmercados de Fortaleza, não só o peixe cavala como umcrustáceo até então de pouca valia: a lagosta;Transportavam-nas em cargas de jumentos e nascarrocerias dos caminhões para os mercados e as feiras-livres de Fortaleza, onde eram vendidas a baixo preço. Afartura era atribuída à seca. Tempo de seca é assim, disse-

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nos certa vez um praiano referindo-se à safra de peixes ede crustáceos. Acontece que depois que a lagosta entroupara o mercado internacional, o povo não mais a viu, nemmesmo nos anos de secas. Desapareceu como por encanto.Segundo nos afirmou, certa vez, o pescador Jorge de Souza,residente no bairro do Mucuripe, em Fortaleza, por ocasiãodas secas, havia crescimento entre certos "viventes domar", pois até búzios e estrelas-da-mar, que eram espéciespouco vistas, ele estava encontrando na costa do Mucuripe.O fato não deixa de possuir a sua razão de ser. Num debatepromovido por uma emissora de televisão de Fortaleza,durante a grande seca que flagelou o Ceará e o Nordesteultimamente - 1980 a 1983 - os técnicos do "Centro dePesquisas Climáticas, entre eles Dr. João Ramos Pereirada Costa", apontaram como causa das secas os seguintesfatores: o aquecimento das águas do mar; o aumento daintensidade do calor solar e a intensidade dos ventosalísios. Os primeiros fatores concorreriam, certamente,para o maior desenvolvimento das espécies marinhas emtais ocasiões. Também teria ficado constatado que assecas se repetem dentro de um ciclo que varia entre13 e 26 anos.

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Seca e inverno nas "experiências" dos matutos cearenses

A experiência com as águas subterrâneas

o pavor das secas fez com que os sertanejos setransformassem em verdadeiros pesquisadores dosfenômenos da Natureza. Eles, embora leigos nas chamadasciências experimentais, passaram, no entanto, a observaros fatos e a tirar suas conclusões. Surgiu de tantaobservação, este empiricismo conhecido como"experiências de inverno". Nada lhes escapou da pesquisa,a partir do comportamento do menor ao maior dos animais.Nem as árvores, nem mesmo os astros no espaço sideral.Tudo foi utilizado como objeto de pesquisa. Tinha, pois,razão o pensador Felix Renault em afirmar que "indivíduosincultos testemunham, às vezes, espírito de observaçãoque muitas vezes os sábios não possuem". (24) Como senão bastasse a tais especuladores o muito que haviampesquisado nas superfícies, entre bichos e plantas,passaram a explorar também certos fenômenos originadosno subsolo. É o caso da elevação dos lençóis d'águasubterrâneos, tomados como sinal de inverno. J osaMagalhães cita nas suas "Previsões Folclóricas das Secase dos Invernos no Nordeste Brasileiro" as observações decerto camponês do município de Canindé, segundoo qualos invernos se prenunciam bons, quando as águas dascacimbas e das fontes aumentam consideravelmente de

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volume nos fins de ano. São constatações admitidas pelospesquisadores das ciências experimentais, plenamenteexplicáveis de acordo com as leis da Hidrostática.

Aves e pássaros, seus cometimentos, sua participaçãonas experiências de inverno

Já examinamos o comportamento de diversas espéciesanimais e vegetais ante às mudanças do tempo. Agoravejamos como se conduzem em tais situações as aves e ospássaros - os "bichos de pena" - tão queridos dos nossosmatutos. Muitos deles figuram nas lendas, nas histórias ena poesia do povo, cercados das maiores afeições. E tudoestá a justificar essa afeição, uma vez que os plumitivos,seja pela beleza das plumagens, seja pela maviosidade docanto, exercem um fascínio irresistível sobre as criaturas.E quando, juntando-se a tão agradáveis atributos, vemsomar-se o de advinho ou mensageiro de boas novas, toma-se maior ainda essa benquerença. Comecemos pelo sabiá,tomado como a ave-símbolo do Brasil. A espécie contacom diversos tipos. Só no Ceará vamos encontrar quatrotipos diferentes: a sabiá da mata, a gongá, a sabiá coco e asabiá branca. São todas aves canoras, de canto muitoadmirado. Fato curioso - quando em liberdade, só cantam,

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quando está chovendo ou quando se aproximam as chuvas.Nos tempos de seca, como se num protesto contra asinclemências da Natureza, eles permanecem de bicocalado. Quase o mesmo sucede com outra ave canoratambém muito admirada dos cearenses, o galo de campinaou cabeça-vermelha. Ele, da mesma maneira que o sabiá,só canta, quando chove ou quando está para chover. Foi oque ouvimos dizer de mais de um passarinheiro emFortaleza, nas feiras de passarinhos, realizadas noutrostempos. Quanto ao sabiá, existe até uma versão segundo aqual, ele canta três meses durante o ano e fica nove semcantar. Os três meses de canto seriam os três meses deinverno. Maneira estranha de antever os bons invernos éo da rolinha roxa, mais conhecida por rolinha caldo-de-feijão. Ela, que comumente faz os ninhos no alto dasárvores, passa a fazê-Io no rés-do-chão, nas touceiras decapim, sempre que se aproximam os bons invernos. Já coma fôgo-pagô, outro tipo de rolinha, a experiência se faz noreferente ao canto. Há quem afirme que ela só canta,quando chove ou quando está para chover. Esta versão,no entanto, parece carecer de fundamento, uma vez que areferida columbófilajá teria sido vista a cantar em temposde estio. Quanto às nambus, a experiência tem por base aprocriação. Essa ave, que vive escondida nas capoeiras, épara os matutos uma espécie de relógio vivo. De espaço

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de tempo, ela fica a anunciar, através de um apitarcompassado e estridente, à maneira de uma sirene, odecorrer das horas. E o faz com uma precisão absoluta.Quando em fins de ano os caçadores, ao abater as nambus,encontram-nas ovadas, dão-se por satisfeitos, pois,segundo acreditam, é sinal de bom inverno para o anovindouro. As avoantes, ou arribaçãs, ou aindapombas debando, chegam ao Ceará entre fins de maio e começos dejunho, exatamente quando finda o inverno e se inicia overão. Chegam não se sabe de onde, em avalanches dedezenas e até de centenas de milhares de aves, famintas esedentas. Onde elas baixam, aí se forma o pombal. É umafesta para os moradores dos lugarejos próximo à chegadadas avoantes. Não que eles lhes admirem a plumagem ouo canto. As avoantes raramente cantam, e quando o fazemé um arrulhar triste de meter pena. Mas, pela carne, sãopossuidoras de carne abundante e saborosa e, dado aoacúmulo de aves nos pombais, tornam-se presa fácil doscaçadores. Há quem as extermine aos montes, salgando-as e levando-as para as feiras, onde são comercializadas.É tamanho o massacre das arribaçãs que, recentemente, aPolícia Florestal em uma "blitz" realizada na cidade deCanindé, apreendeu quase um milhão de aves abatidas,prontas para serem comercializadas. Nos anos de secas,surgem como um lenitivo para as populações flageladas.

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Quem não as aprecia são os fazendeiros, uma vez que aspombas devastam o que resta nos roçados de milho e defeijão e ainda inutilizam os pastos. Não se sabe ao certoqual a procedência dessas aves. Há quem afirme que elassão oriundas da Costa da África. Que atravessam oAtlântico vindo ter ao Rio Grande do Norte, ao Ceará e aParaíba, de onde se espalhem pelos demais Estados doNordeste, entretanto o que não resta dúvida é que são avesde clima quente e que são migratórias, vencendo milharesde quilômetros de vôo em suas arribadas. Não faz muitoem Jaguaribe, no interior cearense, um caçador tendoabatido várias delas, encontrou preso aos pés das mesmas,plaquetas de alumínio contendo inscrições em línguainglesa. Eram recomendações de uma estaçãometeorológica da Califórnia, nos Estados Unidos,solicitando de quem apanhasse aquelas pombas, adevolução das plaquetas que as acompanhavam, o localda apreensão, isso para efeito de estudos científicos. Oque vale dizer que as aves antes de ser abatidas em territóriocearense, haviam percorrido milhares de quilômetros dedistância. As avoantes ocupam, igualmente, lugar dedestaque nas experiências de inverno dos sertanejoscearenses. É crença que nos anos em que elas surgem emmaior quantidade, o ano seguinte é de bom inverno, masnenhuma dessas pombas para gozar de tanto prestígio junto

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às populações do Ceará e do Nordeste do que a asa-branca,apresentada como a mensageira dos bons tempos nascomposições do cantor Luís Gonzaga. No Ceará, é tamanhaa sua benquerença que até uma entidade promocional doGoverno do Estado lhe tomou o nome. Na verdade, essaúltima, que é ave migratória, desaparece dos sertõesdurante as estiagens, somente retornando, quando seaproximam as chuvas. Daí serem tomadas como asmensageiras dos invernos. Chegam como portadoras daschuvas. O canto dessas pombas é enternecedor. Pena éque .as asas-brancas constituam uma espécie quase emextinção, perseguida pelos caçadores e, principalmente,pelos gaviões. O joão-de-barro é um misto de arquiteto ede meteorologista. Diferentemente dos outros pássaros,ele constrói de argila e nunca com os materiais de origemvegetal as suas habitações, o que serviu para dar-lhe aantonomásia. E com que habilidade ele constrói os seusninhos! As casas do joão de barro são dotadas de porta deentrada, corredor e camarinha. O arquiteto, porém, cedelugar ao meteorologista, quando se dá a colocação da portada morada. Onde colocá-Ia? Voltada para o Nascente oupara o Poente?· Quando colocada em direção ao Poente,excelente sinal. Sinal de inverno. Que o pássaro assim ofez com o propósito de defender-se dos excessos daschuvas. Quando, porém, colocada em direção ao Nascente,

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uma lástima! O pássaro está a indicar que não haveráinverno, mas, no caso de chover, as chuvas não serãosuficientes para incomodá-lo. Acontece que os matutosnem sempre acatam com moderação os prognósticos dometeorologista, quando estes lhes são desfavoráveis.Investem furiosos, destruindo as moradas do joão-de-barro.Tivemos ensejo de assistir a uma dessas cenas devandalismo em janeiro de 1952, no sertão da Mombaça.Viajávamos em um caminhão, seguidos de numerososroceiros. Houve uma parada em meio da estrada. Foiquando nos deparamos com um ninho de joão-de-barro,construído com esterco de vaca, a falta de barro molhado.A porta da morada achava-se voltada para o Nascente. Aovê-Io, um dos circunstantes proclamou o acerto dometeorologista, uma vez que o ano anterior havia sido seco.Logo, porém, constatou haver-se enganado, pois, omaterial usado na construção apresentava-se umedecido.- Foi construído agora mesmo, - gritou enraivecido. Achoupouco o ano passado? Pois vá agourar assim no inferno! -E munidos de paus e pedras, o reclamante inconformadoe outros que a ele vieram juntar-se, destruíram o ninho daave. Contudo, o joão de barro acertou, porque 1952 foium ano de seca maior do que o anterior. Umaparticularidade do passarinho: diz-se que, quandoabandonado pela companheira, encerra-se no ninho, tapa

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a entrada e morre de inanição. A cauã é ave de rapina quevive nas matas e se alimenta preferentemente de cobra,das quais é inimiga figadal. É ave anomatopica, o que valedizer que foi o canto que lhe deu origem ao nome. Gozada fama de anunciadora de invernos. Quando se põe acantar nas matas, entre os meses de novembro e dezembro,acreditam os matutos seja sinal de inverno para o anoprestes a iniciar-se. Os periquitos, também conhecidos como nome de papacuns, são pequenas aves de cor verde,pertencentes à família dos papagaios. Eles vivem embandos nos roçados, alimentando-se de milho e de outrasgramíneas, contudo não devastam os milharais como fazemos papagaios. Embora não o fazendo, gozam da fama dedevastadores, passando a responder pelo que fazem demalfeito os papagaios. Daí o ditado muito conhecido,segundo o qual "papagaio come milho, periquito leva afama", citado sempre que se pretende responsabilizar ospequenos pelos desacertos cometidos pelos grandes. Nasexperiências de inverno, são tomados como objeto deespeculação no tocante as posturas. Eles costumamperfurar os cupins e dentro deles depositar seus ovos.Conforme é Crença, só não o fazem, quando os anos seprenunciam secos. Os anuns são aves insetívoras porexcelência, vivendo em bandos, de preferência nas ribeirasdos rios e dos açudes. O canto deles desagrada a quem os

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escuta. É um gralhado rouco e monótono. Há vezes, porém,em que emitem, em coro, um canto diferente, parecidocom o ruído das enchentes nos riachos. Dizem que issosomente ocorre quando está para ter início o inverno. E asandorinhas? São aves gregárias, vivendo agrupadas aosmagotes e alimentando-se dos insetos que conseguemapanhar. Graças a seus bicos longos e ponteagudos, osgaviões as respeitam, não ousando delas se aproximar. Nosanos de seca, as andorinhas deixam o interior cearense embusca de outras paragens. Conforme é crença, sempre quepassam a voar baixo, chilreando, é sinal de chuva próxima.

A coruja-bode é uma ave de rapina que, a exemplodas cauãs e dos bacuraus, vive metida no meio dosarvoredos. O nome se lhe deve ao fato de seus gritos seassemelharem aos berros dos caprinos. Quando denovembro para dezembro põe-se a gritar, os sertanejosvêem na ocorrência um sinal de bom inverno para o ano ater início. Os tetéus são aves notívagas de regular tamanho,plumagem preta e branca e canto onomatopaico, que vivemnos matagais próximos aos cursos d'água. Sobre os tetéuscorrem várias histórias fantasiosas, entre as quais a de quenão podem dormir pelo fato de carregarem dois ferrõesencravados por entre as asas, contudo o fato incontestávelé que se trata de ave notívaga. E tanto é assim que no

. Ceará sempre que alguém se refere a uma pessoa insone,49

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diz ser a mesma como o tetéu. Houve, faz algum tempo,no Estado, um destacamento da Polícia do Trânsito com onome de tetéu, o que pretendia dizer que seus integrantesnão dormiam quando em serviço. Nas experiências deinverno, eles são tomados como indicadores de aguaceiros,quando se assanham e ficam a fazer entre si grandealgazarra. Já para o Roque de Macedo, quando procriavamem fim de ano, era sinal certo de bom inverno. ·Outra ave'de canto onomatopaico e de muito prestígio como adivinho'de chuvas é o três-potes, também conhecido pelo nome desiricóia ou siri cora. Trata-se de uma ave pernalta, deplumagem colorida, cujo "habitat" encontra-se nas terrasbaixas, próximas aos riachos. Os sertanejos costumavambotar os potes nas biqueiras, sempre que escutavam assiri coras a entoarem o seu canto característico: três potes,três potes, porque as chuvas eram tidas como certas. Oespetáculo se renova todos os anos, sempre que seprenuncia a chegada da estação invernosa: é a revoadadas marrecas; As aves largam-se em bandos, a formar umalinha circular pelo céu, ao mesmo tempo em que solta seusgritos cadenciados, prenunciadores de chuvas. Logo quedescobrem um riacho ou um açude, descem e aí sedemoram pelo menos durante a estação invernosa.Grandemente perseguidas pelos caçadores que as abatema tiros, quando não as aprisionam com suas armadilhas, as

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marrecas são aves migratórias, arribando sempre quechegam as estiadas. Mas nenhum desses pássaros e avespara gozar do prestígio e da fama reservados aos carõescomo anunciadores de chuvas. Trata-se de uma ave de corpreta, acobertada de patacas brancas, o que faz com quese confunda com os filhotes de peru. O carão ,propriamente, não canta. Ele se reserva emitir uns piadosfortes, graves e pausados, soantes como se fossem psiusde alguém que ralhasse. Daí o nome que lhe botaram decarão. Sempre que se põe a piar no cabeço dos riachos, ossertanejos suspiram aliviados: "Graças a Deus, como vaichover"! E não se enganam, porque as chuvas não tardama chegar. Contam-se muitas histórias fantasiosas a respeitoda ave em questão. Entre estas, a de certo fazendeiro quetendo construído o seu açude, durante a seca, ansiava porvê-lo cheio. É quando os carões começam a cantar próximoao reservatório. O dono do açude enche-se de alegriaantevendo a chegada das chuvas, mas estas tardavam achegar, então o fazendeiro põe-se a pedir aos carões paraque cantem mais e mais alto a fim de que sejam ouvidosno Céu: - Canta, canta, meu carãozinho de Nossa Senhora!Canta para que a chuva não tarde a chegar. Até que veioum tororó que não tinha fim. Foram três dias e três noitesde chuva e de trovão. E os carões de bicos abertos nomundo, cantando sem parar. Temeroso pela sorte do açude,

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cujas paredes não tinham sido socadas convenientemente,o coronel de joelhos suplica lhes que parem de cantar. -Chega, chega carãozinho de Nossa Senhora, mas os carõesera como se não escutassem. Até que o açude do fazendeiroterminou por arrombar, como temia o dono.

É muito freqüente, nos capinzais, uma patativa dopapo amarelo e do costado verde-escuro. Trata-se do papa-capim, uma avezita de canto muito agradável. Quando nocativeiro, o papa-capim faz as vezes de vigilante noturno,denunciando através de fortes piados a penetração deestranhos no local onde ele se acha. Em liberdade,raramente canta nos meses de estio, fazendo-o só, quandochove ou se encontra para chover. A seriema é ave de vôocurto e muita garganta, assemelhando-se com a ema, suaparenta, guardadas as devidas proporções. Alimenta-se decobras, vivendo nos serrotes e nas chapadas ondedificilmente é alcançada, pois, como acontece com a ema,ela é muito veloz na carreira. O canto da seriema - umcanto agudo e compassado - se faz ouvir a longa distânciade onde é emitido. Segundo é crença, quando amanhece acantar, naquele dia choverá infalivelmente. Pássaro decomportamento estranho é o fura-barreira, assim conhecidopor ter o costume de furar as barreiras dos riachos ondevai construir seus esconderijos. É pássaro de cor escura,alimentando-se com as minhocas que consegue arrancar

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do subsolo. Ao contrário dos outros pássaros, anunciatempo seco e nunca a chegada do inverno. Isso acontecesempre que ele abandona as ribanceiras dos riachos, embusca dos lugares secos. Com isso pretenderia indicar quea sequidão era geral. Agora vejamos a ema, a maior denossas aves, considerada como o avestruz brasileiro. Trata-se de uma espécie em vias de extinção no Ceará. Paraencontrá-Ia, só nas quebradas das serras de Baturité e daIbiapaba, e assim mesmo em número reduzido. Embora oseu porte elevado, chegando geralmente a um metro e meiode altura, a ema é muito veloz, o que a torna difícil de seralcançada pelos caçadores. Costuma gemer e não cantar,como fazem em geral os pássaros e as aves, quandopressentem a chegada das chuvas. Seus gemidos são altose profundos, podendo ser ouvidos na distância de váriosquilômetros. Nas noites de lua, é comum escutar-se, nosdescampados, os gritos alucinantes de uma ave que a todosespanta. É a mãe-da-Iua, assim conhecida no Ceará pelofato de somente se fazer ouvir nas noites de claro. Elapossui dezenas de nomes em todo o Brasil, entre os quaiso de urutau. É uma ave esquisita. Não é gregária, sendovista geralmente só. Pertencente à família das corujas, amãe-da-lua é dotada de plumagem branca, alimentando-se de insetos e de pequenos animais. Sobre ave de condutatão estranha corre um sem número de lendas. Dizem que

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canta com maior desespero sempre que está para chover.Ao contrário dela que espanta aos matutos com seus gritosdesesperados, o bacurau alegra e diverte os caminheiroscom a sua cantoria, logo às primeiras horas do anoitecer.São eles pequenas aves noturnas que se colocam a piarsobre os lajedos, silenciando logo que a noite se adentra.Por isso é que no Ceará são apelidados de ba<:;!1rausaspessoas que costumam aparecer somente às primeiras horasda noite. Figura entre as aves de bom agouro, costumandocantar somente, quando se inicia a estação invernosa.

Os jacus são aves em vias de extinção no Ceará. Háo verdadeiro, de cor preta e porte maior, e o jacumin, estede porte reduzido. Habitam os jacus nos terrenos férteis,onde se encontrem água e frutas que lhes assegure aalimentação. Muito perseguidos pelos caçadores, emigramdurante as secas, somente retornando ao seu habitat,quando se aproxima o inverno. É quando eles sãoencontrados a cantar embaixo das árvores, fazendo grandealarido. A ocorrência é tomada como sinal de inverno. Oxexéu é um pássaro de plumagem colorida que vive embandos, principalmente na serra de Baturité. O seu cantoconsiste num chilreado que se assemelha com o barulhodas águas cascateantes. Quando se põe a cantar, aocorrência é tomada pelos roceiros como um avisode que se acha para chover. São estas as principais

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experiências de inverno que se fazem com pássaros eaves no Ceará.

As experiências de inverno na poesia dos violeiros edos cordelistas do Ceará e do Nordeste - O viver e artedos poetas populares

As experiências de inverno dos sertanejos, como nãopodia deixar de ser, encontram-se presentes na poesia dosvioleiros e dos cordelistas do Ceará e do Nordeste. Issoporque, vivendo em contacto direto com as populaçõesrurais, ninguém melhor do que estes artistas do verso parainterpretar os sentimentos e a cultura dos sertanejos. Ora,a seca e o inverno, conforme vimos, são as grandespreocupações dos habitantes da região mártir. Aqui sepassa o ano inteiro pesquisando para saber se choverá ounão com regularidade no ano seguinte, consultando, nessesentido, os bichos e as plantas, observando-Ihes ocomportamento, ou ainda penetrando a olho nu, o espaçosideral para saber como se apresentam o Sol, a Lua e asestrelas, a formação das nuvens e a posição dos ventos,uma prática empiricista, sem dúvida, na qual todosacreditam em maior ou menor grau. Mas, da mesma formaque possuem os matutos os seus meteorologistas, seus

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farmacêuticos-e seus médicos, todos formados na escolada vida, possuem também seus poetas. Estes fazem poesia,ora participando das cantorias, compondo-as de improvisose acompanhando-as ao som da viola, ora recolhidos emmeditação, contando os versos, escolhendo as palavras.Os primeiros são os violeiros, os poetas do improviso. Osúltimos, os cordelistas. Acontece que uns e outros gozamde grande prestígio no meio do povo. Para escutar osvioleiros no sertão, vem gente de longe, que paga paraescutá-los e que não se cansa de passar noites inteiras como.espectadores das cantorias, ouvindo-os em seus repentes, . .magistrais, acompanhados ao som da viola. Ninguém osensinou a fazer verso nem a tocar. Eles aprenderam por sisós, através da observação e do exercício, da mesma formaque outros aprenderam a precisar as mudanças do temposem o uso de qualquer instrumental científico, ou a fazer'curas aplicando, com acerto, as raízes, as folhas e assementes dos vegetais, sem que fossem nem médicos, nemquímicos, nem farmacêuticos. O modelo literário - é certo- veio de fora, veio da Ibéria. Como fazer poesia comquatro, cinco, seis, sete, oito e dez versos? Quem primeiroexperimentou fazê-lo no Brasil, foi Gregorio de MatosGuerra, há mais de dois séculos, entretanto o Boca doInferno se abriu escola, não ensinou a ninguém fazerpoesia. Os violeiros e os cordelistas acharam de imitá-Io,

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dando surgimento à poesia popular no Nordeste brasileiro.

"O sabiá quando canta ..."

Fizemos alusão, noutro local, às experiências dossertanejos, no tocante ao comportamento das aves e dospássaros durante os meses de verão. Eles se conservariamsilenciosos, como que num protesto contra as inclemênciasda Natureza, somente voltando a cantar com o retorno daschuvas. Sabedores dessas particularidades dos plumitivos,dois violeiros famosos, José Bernardino de Oliveira e JoãoSevero de Lima, tomaram o assunto como tema de umacantoria. João Severo cobrava de José de Oliveira umafalha de sua parte: falara de todos os pássaros e aves, masse esquecera do carão que, como se sabe, é o principalanunciador de chuvas. José Bernardino, por sua vez, entreos aplausos da assistência, lembrou uma outra ave - o sabiá- na inspirada sextilha que publicamos noutro local. (28)E, com que arte, com que demonstração de conhecimentosobre as experiências de inverno, soube fazê-lo.

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A asa-branca, um símbolo para 98 nordestinos

Coube ao sanfoneiro Luiz Gonzaga, popularizara ása-branca como a ave-símbolo da região das secas, amensageira das chuvas no Nordeste. Os artistas são assim:descobrem nas aves qualidades que as pessoas comunsdificilmente perceberiam. Assim foi que vimos PabloPicasso idealizar a pomba como o símbolo da Paz. Já onósso Luis Gonzaga vê na asa-branca, a pomba sertaneja,a mensageira das chuvas, a anunciadora, portanto, dabonança para os nordestinos. (27) Já que estamos nosocupando de aves e de artistas, não podemos esquecer oescritor José de Alencar, o primeiro a introduzir os nossosplumitivos na literatura brasileira, privilégio antesconcedido apenas aos espécimens europeus. Sucedeu-se-lhe Gonçalves Dias, com a exaltação poética do sabiá, hojeconsiderada ave-simbo lo do Brasil. Depois destaexplanação, examinemos mais detidamente a pomba emreferência, o seu habitat e os seus costumes. Maior doque as avoantes e as juritis, a asa-branca é do tamanho deum pombo comum. Costuma viver em bandos de três aseis, construindo seus ninhos no alto das árvores.Alimenta-se dos restos de milho e feijão que encontra nosroçados, emigrando durante as estiadas, nunca, porém, paraas regiões distantes, como fazem as arribaçãs. Tão logo

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surgem os primeiros sinais de inverno, elas retomam àssuas paragens de origem, motivo pelo é tomada como amensageira das chuvas.

As rolinhas

E as rolinhas? Que dizer das rolinhas? São de váriasespécies, diferenciando-se entre si pela cor da plumagem,o tamanho e o canto, geralmente triste e pobre,harmonicamente. Os nomes pelos quais são conhecidasforam-Ihes dados, tendo em conta as referidasdiferenciações. Desta forma é que temos a rolinha cascavel,a menor delas, de plumagem molhada, lembrando a cobraterrível que lhe deu o nome. Temos a rola azul, maior doque a cascavel, matizada dessa cor, vivendo em meio aocapinzal. E a maior de todas, a caldo-de-feijão,rechonchuda e pesada, quase do tamanho de uma juriti, acor vermelho-roxa, lembrando o caldo de feijão, todaviaentre as rolinhas, destaca-se pela graça e elegância do porte,a fôgo-pagô ... de canto onomatopaico, elas costumamarrulhar, de preferência, ao amanhecer, ao meio-dia e aocair da tarde, como se estivessem a anunciar a mudançadas horas. Graças, certamente, a sua mediocridade, o fatoé que as rolinhas não lograram, a exemplo do sabiá,. da

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asa-branca e da juriti, inspirar nossos poetas. Quem asaprecia, até em demasia, são os gaviões. O que é uma pena.

o jumento e sua trajetória: das experiências de invernoà poesia de cordel

Quando nos ocupávamos da personalidade de Roquede Macedo, da sua crença na sabedoria das plantas e dosanimais, de seus apodos contra os homens de Ciência,referíamo-nos ao episódio do jumento que teria botadopara traz o engenheiro inglês com seu instrumental e seusconhecimentos científicos. Ocorre, no entanto, que oepisódio registrado na barragem Poço dos Paus não teriasido o único nessa confrontação entre o homem e o jumentonos domínios da meteorologia, porque antes, muito antes,nos idos de 1878, teria sucedido caso parecido, desta vezcom dois meteorologistas franceses que a mando doimperador Pedro 11,vieram estudar as condições climáticasdo Ceará. O acontecimento tivera lugar, de acordo com oprefaciador de "Meu Seridó" - Jaime Wanderley - nafazenda Alagoinha, de propriedade do coronel JoséBarbalho, no município de Quixadá. Uma diferença,porém, separava o jumento da barragem Poço do Pau dojumento da fazenda da Alagoinha: é que o primeiro suava

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na sombra, sempre que se achava para chover, enquantoque o segundo não costumava suar em tal situação. Aexperiência com o jegue do coronel se fazia sempre queeste buscava refúgio à sombra de um determinado Juazeiroda fazenda. Podia-se, então, esperar que as chuvas nãotardariam a chegar. O acontecimento serviu de tema parauma poesia do cordelista Zepraxedi, inserida em "Meuseridó", de sua autoria. Na poesia em referência, o Poeta-Vaqueiro, usando o linguajar estropiado da gente inculta,romanceia, com riqueza de detalhes, os sucessos de jegueMilindroso - este o nome da alimár.ia do coronel Barbalho- jegue este que desacreditou a ciência dos doismeteorologistas itinerantes. Nota-se na poesia romanceadaque traz o título de "Astuça de Milindroso", a exemplo doque sucede com outros cordelistas e violeiros, o propósitode enaltecer o empiricismo dos sertanejos e menosprezaros méritos da Ciência e de seus discípulos, haja em vistaque ao mesmo tempo em que se enaltecem aspredisposições meteorológicas do jegue Milindroso,menosprezam-se os conhecimentos dos homens deCiência, aparecendo o jegue como mais sabido, melhorconhecedor das mudanças do tempo do que os doiscientistas visitantes, contudo Zépraxedi em "Astuça deMilindroso", poesia que vai transcrita noutro local, (26)revela-se um profundo conhecedor das experiências de

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inverno dos nosso sertanejos.

Sertão, inverno, bonança na poesia dos violeiros

Usando de uma linguagem e de uma estilística queos aproxima dos poetas barrocos, aí estão os violeiros,dispostos a exaltar o Nordeste, suas belezas, seu povo eseus costumes. Diferentemente dos poetas do cordel, acomposição dos violeiros é feita de improviso, entre osaplausos das platéias que assistem a eles. Isso, entretanto,não os impede de criar, conforme veremos, verdadeirosprimores literários. Há muito de medieval, na maneira deser dos violeiros. Eles se nos apresentam como oscontinuadores dos cantores de gestas da Ibéria deantigamente. Suas idéias são as dominantes no Sertão,contudo isso não será de admirar, se considerarmos quemuito do que acontece aqui recorda os tempos medievais,haja vista a crença que vê em tudo uma determinaçãodivina! Na chuva, no vento, no comportamento dos bichose das plantas. E que o Homem não sendo Deus, não poderáinterferir nos fenômenos de ordem meteorológica. Trata-se de toda uma ideologia que vamos encontrar presentena poesia dos violeiros. Daí, certamente, a benquerençade que desfrutam junto aos simples, à gente sofrida dossertões. Nas cantorias improvisadas nos terreiros das

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fazendas ou dentro dos bares e bodegas, não falta quem sedemore, horas a fio, a escutá-los, penetrando muitas emuitas vezes pela madrugada. A assistência participa dacantoria, fornecendo os motes que são devolvidos emforma de versos. Não se paga ingresso para assistir àscantorias, entretanto ninguém se escusa a gratificar ospoetas-cantores, colocando na bandeja a um canto, osrecursos de que irão necessitar para viver. Afinal, elestambém possuem estômago. Na temática dos violeiros,sempre que se referem aos tempos de bonança, surge oinverno, a alegria dos bichos, a ressurreição da terraqueimada de sol, sob o impacto das chuvas salvadoras. Eninguém, melhor para descrever momentos de tão grandesignificação para os nordestinos do que o velho SeverinoLourenço da Silva Pinto, mais conhecido pelo cognomede Pinto do Monteiro, um decano da viola e do improviso.Vejamos como Severino, num desafio com Lourival BatistaPatriota - outro gigante do improviso - descreve a chegadado inverno no sertão, (27) a alegria dos homens e dosbichos, a fartura, para concluir que nunca vira um cinema,tão bonito. E ficamos sem saber o que de fato mais bonito:se o inverno e a transformação por ele provocada ou se adescrição feita em versos pelo artista. Natural da cidadede Monteiro, na Paraíba, Severino Lourenço da Silva Pintoé muito querido e admirado em todo o Nordeste, onde,

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embora quase centenário, ainda diverte as platéias comseus improvisos magistrais. Seus conterrâneos da cidadede Monteiro tratam-no com especial carinho, vendo novelho bardo, o mais ilustre de seus concidadãos.

o telúrico na poesia de Joaquim Anastácio

Outro que nos enternece ao descrever a chegada doinverno no sertão é o violeiro Joaquim Anastácio, tambémfilho da gleba calcinada de Pinto do Monteiro e, comoeste, tocado da mesma sensibilidade criativa. A poesia deJoaquim Anastácio, como não podia deixar de ser, é umapoesia que prima pelo telúrico. Dentro dela se agita toda afauna nordestina em alvoroço com a chegada das chuvas.Prova do que afirmamos, encontra-se na sextilha (28) deuma cantoria travada entre Joaquim Anastácio e José Bragade Mesquita. Nela Joaquim Anastácio não fugindo a crençados sertanejos que vê nas chuvas um presente de Deus,conclui criando uma imagem literária dentro da qual seacha um sapo tomando banho na "caixa d' água do Céu".

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As experiências de inverno no cordel de Lobo Manso

Já nos ocupamos, noutro local, do cordelista LoboManso e de sua participação na literatura fantástica dopovo. Tenha-se em vista o cordel intitulado "O GarroteMisterioso", por sinal uma das raras publicações do Autor.Isso porque, como agricultor, vivendo dos frutos da lavourae do criatório no sitio Calabaço, Lobo Manso nuncaprecisou do cordel como recurso para a sobrevivência.Poetava sim, como entretenimento intelectual, longe depensar em qualquer lucro financeiro. Em "O GarroteMisterioso", o cordelista se detém sobre umafantasmagoria aparecida por ocasião da 2a Grande Guerra,amplamente explorada pela imprensa sensacionalista doPaís. No descrever o aparecimento de zebu, sua fala como fazendeiro baiano e, por último, o anúncio da profeciado fim do mundo, o cordelista revela o seu alto poder denarrador, todavia, das produções de Antônio Lobo deMacedo - o Lobo Manso - a que melhor se nos apresentaé, indiscutivelmente, a que traz o título de "Poesia contraos Profetas e as Experiências de Chuvas". Nela o cordelistarevela o seu cabedal de conhecimentos em tomo-da culturapopular, suas crendices e suas experiências de inverno.Fato raro é que Lobo Manso, sendo conhecedor profundodas experiências sertanejas, nelas não acredita,

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combatendo-as com rigor, bem como aos profetas dechuvas. Nem sequer Roque de Macedo, com toda a suafama, é poupado na catilinária do poeta de Lavras daMangabeira. Ao mesmo tempo em que investe contra asexperiências de inverno sertanejas e contra os profetas dechuvas, a quem chama de tolos, de pretensiososimpostores, Lobo Manso proclama a sua fé nos poderesde Deus. Tudo estaria a depender da vontade doOnipotente, sem a qual não choveria, de nada valendo,portanto, todas as experiências do homem. Confrontando-se os subsídios contidos na "poesia Contra os Profetas eas Experiências de Chuvas" com outras apresentadas empublicações semelhantes, verifica-se existir uma analogiaquanto aos dados e objetos utilizados nas experiências deinverno. De onde se conclui pela sua extensão em âmbitoregional. Homem de posses, Lobo Manso, conforme ocostume existente entre certos cordelistas, fez da poesiaarma de combate contra os adversários de seus princípiospolíticos. Usando o verso como quem usa o rifle e o fuzil,ele passou a combater velha oligarquia coronelescaexistente em sua terra natal, derrubada temporariamentepela revolução de 1930. E logrou na época, não restadúvida, uma popularidade fugaz, a exemplo do quesucedera com o movimento dito revolucionário. Convém,nessa altura, não confundir Antônio Lobo de Macedo - o

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Lobo Manso - com outros dois homônimos seus: JoãoLobo de Macedo - avô do cordelista de Lavras daMangabeira - e João Lobo da Mata Brito, todos conhecidospela antonomásia de Lobo Manso e todos eles poetas, comvivência no século passado. Exceto o lavrense, o qualtendo nascido no ano de 1888 veio a falecer no anode 1960. (29)

A seca, o inverno, os usos e costumes dos cearenses napoesia de Juvenal Galeno

As alegrias do inverno, os roçados, as colheitas, asvaquejadas, os usos e costumes, enfim, dos cearenses,vamos encontrar descritos magistralmente na poesia deJuvenal Galeno, considerado pela crítica literária comoum dos grandes ou, talvez, o maior dos poetas popularesdo Brasil. Filho de família abastada, Juvenal Galeno nãoprecisou, como os violeiros, de fazer cantorias para ganharo próprio sustento. Mais do que isso: dispôs de condiçõespara freqüentar escolas, ir à Corte e participar de rodasliterárias, desfrutando, inclusive, da convivência compoetas dos méritos de um Gonçalves Dias. Foi a conselhodo autor dos "Timbiras" que o poeta que se iniciavaresolveu dedicar-se à poesia popular, tomando como

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modelo, justamente, os violeiros e os cordelistas. A suapoética segue-lhes os rastros, com a técnica do verso, éverdade, devidamente melhorada. No mais, na maneira deexpor as idéias através da quadra, da quintilha, da sextilha,da oitava e da décima, o que vamos encontrar é o violeiroe o cordelista, contudo não se pense que Juvenal Galeno,dada a sua condição econômica e social, tenha sido umpoeta de gabinete. Nunca! Ele fazia questão de estar sempreao lado do povo, das diversas classes que o compõem para,desse convívio, retirar os elementos de que necessitava asua literatura. É o que ele nos afirma com outras palavrasno prefácio das "Lendas e Canções Populares", a suaprincipal obra. (30) Descendendo de proprietários rurais,acompanhando os trabalhos do campo, o Poeta teve ensejode participar das alegrias e das tristezas dos nossosrurícolas. Como prova desse convívio aí estão, resistindoà ação destruidora do tempo, poesias como "O Meu

'Roçado" "O Vaqueiro" "O Boiadão" "Na Eira", , , ,"Saudades do Sertão", "O Bargado", poesias que bemretratam o viver dos roceiros e dos criadores, a colheitanos roçados, a fartura temporária, a derruba dos bois nasvaquejadas, mas a bonança é passageira. Para substitui-Ianão tardarão as grandes estiadas ocasionando a devastaçãodas lavouras, a mortandade dos rebanhos, o surgimentodas epidemias. O próprio homem para não sucumbir ver-

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se forçado a emigrar, a buscar outras paragens a fim desobreviver. Também as lendas, as tradições dos cearensesencontram-se presentes na obra de Juvenal Galeno.Considerando estes aspectos é que muitos dos críticos doPoeta classificam como sendo folclórica a sua produçãoliterária, todavia o autor das "lendas e Canções Populares"não se deteve apenas em descrever as vivências do seupovo, sem maiores considerações. Não! Ele foi mais além.E vamos encontrar o crítico social posto a combater oscostumes odiosos do tempo da Monarquia, a escravidão,o recrutamento forçado, o cerceamento das liberdadespúblicas, o arbítrio dos donos do Poder. Através do verso,ele ridicularizaria a nobreza de sua Província natal, osbarões de comendas adquiridas, graças ao contrabando deescravos. Abolicionista e republicano, o Poeta se conduziucomo um revolucionário na sua época. Mas não foi só.Insurgiu-se contra o processo eleitoral de então, o qualatravés da farsa e da força descaracterizava o governosupostamente democrático. Embora descendente degrandes proprietários rurais, Juvenal Galeno denunciavaa expropriação de que eram vítimas os descendentes dosíndios - os antigos donos da gleba - mostrando anecessidade de uma reforma agrária. É esseposicionamento do autor das "Lendas e CançõesPopulares" que o torna atual ainda nos dias presentes.

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Nascido no ano de 1836, Juvenal Galeno morrianonagenário e cego em Fortaleza, sua cidade natal, no anode 1931. Os cearenses homenageiam o seu bardo, dando-lhe o nome a diversos estabelecimentos de ensino emfuncionamento no Estado.

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A seca no imaginário do poeta José Ribeiro de Matos

José Ribeiro de Matos, poeta, advogado e folcloristanatural de Juazeiro do Norte, tomou a seca como temáriopara a sua poética. É da autoria do bardo caririense osversos que transcrevemos linhas abaixo, compostos porocasião de uma das últimas secas que flagelaram o Cearáe transmitidos, primeiramente, por uma estação de rádio etelevisão do sul do País. Ei-los:

Quem já viveu numa secaAo luxo se pode darDe desfazer do que digoComo também apoiarPois o que aqui tá escritoDigo louvando ao BenditoFoi só de ouvir falar.

A fera tem 7 ventas1000 garras de gaviãoUrra como um demônioNão tem alma ou coraçãoParece um grande jumentoE leva só desalento.Aos cafundósdo sertão.

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De cada venta sai fogoQueimando tudo no chãoCisca e depois se espojaLembrando o jeito do cãoUm chifre feito tridenteQue espera a alma da genteE faz sangrar coração.

Quando há seca no sertãoA vista dói em olharToda planta vira tocoE o chão promete racharMuita gente vai emboraTangida pela pioraQue assola todo lugar.

A terra fica desertaDe bicho que sabe andarO quixó cai de cansadoNa vereda do preáAté que cedo se dizO jeito é comer raizAté a caça voltarAo meio dia se vê

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Ao meio dia se vêA terra tremer de quenteNenhuma folha se mexeParece tudo dormenteSe tem a forte impressãoQue muito cedo o sertãoNão contará um vivente

No galho do marmeleiroA cigarra canta finoAté secar feito folhaCumprindo à risca o destinoSeu canto parece choroE a soluçar o besouroFaz da cantiga seu hino

Nunca se viu coisa igualParece até um castigoA vida só tem pioraE vai perdendo o sentidoEm volta tudo é cinzentoRetratando o sofrimentoDo chão agora esquecido

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A noite é quem de mansinhoMata o dia devagarAmenizando a quenturaFazendo a terra esfriarE o que pode modificarSe faz até bem bonitaDe estrelas pro descansar

Mas quando o dia amanheceSe dá tudo novamenteA morte chega mais pertoComo se fosse serpenteAté botar numa redeDe fome, mazela e sedeO corpo de um inocente

O sol vem sempre mais quenteQueimando o corpo e a almaA leva se desesperaNa falta de trégua e calmaMas segue ainda bem forteNum desafio de morteAtrás do jeito que salva

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Caveira de todo o bichoE cruz na terra fincadaFazem parte do panoramaEm volta de toda estradaÉ quando que dá clamorE faz rogar ao SenhorO fim da seca malvada

O pior mesmo é a sedeNão se pode jeito darA cacimba logo secaNão adianta cavarOlhando de norte a sulO céu está sempre azulE o certo é mesmo arribar

Fugindo da sequidãoQue mata sem precisarO jeito é rumar pro SulLevado pelo penarQue faz pensar que a morteAgora prefere o NorteVai prometendo voltar

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Aquela gente que arribaNão tem aonde chegarContando só com o destinoQue a sorte pode mudarNos olhos leva o lamentoE no peito o sofrimentoQue faz o homem chorar

Passa dia e passa mêsNão tem mais fim o verãoQue abala o senso do crerUm chora, um pede, outro oraSe não chegar a melhoraA crença pode morrer.

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Notas

(1) - Esta teoria era admitida tanto pela gente simplóriacomo pelas elites conservadoras. Senão vejamos o quepublicou o periódico "A Constituição", em suas ediçõesde 20 a 23/11/1879, em um trabalho intitulado "A secaperante a ciência e a religião": - "O fato das secas é umfato natural, sim; mas um fato, acrescente-se providencialI Digam o que quiserem, repetimos ainda, o fato é um só.Deus tem, até hoje, castigado o seu povo, e o Cearácontinua ainda atado à coluna da flagelação. "Consideravao articulista que a seca constituída a "o flagelo porexcelência, o único no mundo que sabe esmagar um povo,matar uma nação e humilhar o homem na sua arrogância eorgulho, nos seus excessos e crimes". (Citado por AbelardoF. Montenegro em "Fanáticos e Cangaceiros" pg. 20,Editora Henriquêta Galeno).

(2) - Em alguns Estados do Nordeste - como acontece noCeará e na Paraíba - os invernos normais têm início entreos meses de dezembro e janeiro, terminando de maio parajunho. Eis aqui o retrato em versos feito pelo violeiroSeverino Lourenço da Silva Pinto, (Pinto do Monteiro),numa cantoria com Lourival Batista Patriota:" - Em dezembro começa a trovoada

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Em janeiro o inverno principia,Dão início a pegar a vacariaHaja leite, haja queijo, haja coalhada.Em setembro começa a vaquejada:É aboio, é carreira, é queda, é gritoBerra o bode, a cabra e o cabritoA galinha ciscando no quintalUm vaqueiro aboiando no curralNunca vi um cinema tão bonito".(Em "Antologia Ilustrada dos Cantadores", de FranciscoLinhares e Otacílio Batista).

(3) - Itamar Espindola - "Três Santos Populares no Ceará"- Editora Henriquêta Galeno, Fortaleza, 1979.

(4) - Esta experiência tem respaldo, no entanto, em simplescrendice. Como diz Euclides da Cunha em "Os Sertões",é aceitável desde que dela se colha a maior ou menordosagem de vapor d'água nos ares, e, dedutivamente, maiorou menor probabilidade de depressões barométricas,capazes de atrair o fluxo das chuvas". (ltamar Espindola,obra citada, página 16)(5) - São muito encontradiças no Ceará as pessoas com oprenome de José. Daí, certamente, o trato popular de "seuZé" para as pessoas a quem não se conhece, no caso de

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pessoas de condição humilde. Trata-se, no entanto, de umaforma indelicada de tratamento.

(6) - Das comemorações em Palácio, por ocasião do 2°Aniversário do Governo Virgílio Távora : Súplica a SãoJosé : " - Ó glorioso São José, Padroeiro do Ceará:humildemente imploramos a vossa proteção. Intercedeijunto ao Altíssimo para que Ele nos cumule de suamisericórdia, fazendo com que um manancial de benfazejaschuvas banhe o Ceará. Para que as nossas lavourasressequidas voltem a devolver a alegria ao nosso povosofrido, e a terra mãe, fecunda e dadivosa, continue aproduzir o alimento necessário. Fazei que volte atranqüilidade aos lares cearenses com um invernopromissor para abastecer os nossos celeiros. Que ailuminação de Deus guie os passos do Governador VirgílioTávora e Dona Luisa, para que com muita saúde continuema lutar pela prosperidade e bem-estar da nossa gente, coma mesma dedicação, solidariedade demonstradas nodecorrer deste 2° Ano de Governo. Colocai-os sob vossaespecial proteção, a sua família, e toda a numerosa famíliado Ceará que, neste instante, suplica a vossa intercessãono Amor de Cristo Jesus.Fortaleza, 15 de março de 1981(Publicado na Imprensa Oficial do Ceará - IOCE)

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Missa Gratulatória2° Aniversário - Governo Virgílio Távora(1981 )

Canto Final

Vinde alegres, cantemos,A Deus demos louvor.São José exaltemos,Sempre com mais fervor,São José a vós nosso amor,Sede nosso bom protetorAumentai o nosso fervorVossa grande valiaVenha nos socorrerFazendo em nosso EstadoMuita chuva correr.

Hino a São José

Ô São José querido,Meu caro protetor,Seja meu canto ouvidoNa glória do Senhor.a Ceará sofridoSem água e provisão

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Meu São José queridoPede tua proteção

Que chova em nossa terra,Na cidade e no sertão,No litoral e na serra,Alegra nosso irmão

São José padroeiroMande água por favor,Mande o Ceará inteiroMeu Santo protetor.(Imprensa Oficial do Ceará - IOCÉ - 1981)

(7) Preferimos dizer experiências de inverno em vez deexperiências de chuvas, porque estas podem ocorrer semque haja inverno. Nunca uma seca é total, caindogeralmente pequenas chuvas ou neblinas. Considera-se anode inverno aquele em que haja uma queda pluviométricade pelo menos 600 milímetros, o indispensável para quefrutifiquem as leguminosas. Durante os bons invernoscaem de 800 a mais milímetros de chuva.

(8) - Aracati: vento alísio vindo da costa d' África e quepenetra no Ceará, através da cidade que lhe dá nome. O

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Aracati varre, na época do verão, duas vezes por dia osertão cearense.

(9) - Existe teoria científica procurando demonstrar aligação das manchas solares com o fenômeno das secas. Éautor da mesma Mr. Hull, cientista inglês que viveu muitosanos em Fortaleza, ocupando-se em estudar a ocorrência.

(10) - Várias destas experiências estão citadas por JosaMagalhães em seu magnífico trabalho "PrevisõesFolclóricas das Secas e dos Invernos do NordesteBrasileiro", publicado na Revista do Instituto do Ceará,Tomo LXVI (1952). Coincidentemente, o autor desteescrito, nascido e criado no interior do Estado, teve ocasiãode ouvi-Ias dos próprios rurícolas, o que evidencia oalcance, a popularidade, das referidas experiências deInverno.

(11) - Ver "Unitário" de 25/12/1953, Fortaleza,Ce.

(12) - Numa entrevista concedida ao jornal "Unitário",de Fortaleza, edição de 25/12/1953, Roque de Macedoenumerou 12 de suas experiências de inverno,baseado nas quais pressagiava excelente inverno parao ano seguinte. Ei-Ias;

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1° - As fêmeas do tatu estão prontas para dar cria nosprimeiros dias de janeiro;

2° - Os pebas já estão com carrapato na barriga. Quando ocarrapato aparecer no sovaco dos pebas, a chuva cairá;

3° - A cobra cascavel está muito gorda e com filhotes;

4° - O besouro serra-grosso começou a trabalhar desde omês de julho e continua nessa faina de derrubar galhossecos de aroeiras e sabiás;

5° - A coruja-bode está espantando os cavaleiros com osseus berros no sertão e a cauã já principiou seus gritos nasmatas;

6° - O teteu não foge mais quando alguém se aproximados seus ninhos, mas, voa em torno, defendendo-os, e sófaz isso quando vai haver inverno, para alimentar osfilhotes. Vai aparecer teteu novo em janeiro;

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7° - As abelhas de ferrão estão trabalhando ativamente eos marimbondos de chapéu, (experiência do deputadoMenezes Pimentel), estão se aproximando das casas-grandes das fazendas;

8° - As marias-de-barro fizeram suas casas com as portinhasviradas para o poente para evitar a chuva;

9° - As maritacacas estão se mudando dos leitos dos riachospara os taboleiros;

10° - Os bacurins atiram palha para o lombo e dãocambalhotas, isso pela madrugada;

11° - Os sapos, os cururus, as gias, estão de boca aberta nomundo;12° - Está chovendo no Piauí;

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(13) - Corre no interior do Ceará mais de uma versão emtorno deste e de outros episódios envolvendo jumentos eexperiências de inverno;

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(14) - Citado por Josa Magalhães em "PrevisõesFolclóricas das Secas e dos Invernos no NordesteBrasileiro", publicado na revista do Instituto do Ceará,Tomo LXVL - 1952;

(15) - Ver entrevista de Roque de Macedo publicada nojornal "O Povo", de Fortaleza, edição de 24/4/1981.

(16) - "Unitário" de 25/12/1953, Fortaleza - Ceará

(17) - Josa Magalhães, obra citada;

(18) - Josa Magalhães, obra citada;

(19) - Josa Magalhães, obra citada;

(20) - Roque de Macedo na entrevista concedida ao jornal"Unitário" de 25/12/1953;

(21) - Houve época, no Ceará, em que a carne bovinatornou-se escassa nos açougues. A crise somentedesapareceu depois que se passou a importar o produto doMaranhão e Goiás;

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(22) - Isto porque no Ceará, considerado a Terra do Sol,não se podia admitir que este andasse desaparecido;

(23) - Lobo Manso no cordel "O Garrote Misterioso",citado por Joarivar Macedo em "O Poeta Lobo Manso",Coleção Juazeiro, do Instituto Cultural do Vale Caririense;

(24) - Joarivar Macedo, obra citada;

(25) - Josa Magalhães, obra citada;

(26) - E, quando juntando-se a tão agradáveis atributosvem somar-se o de adivinho ou mensageiro de boasnotícias, toma-se maior ainda essa benquerença;

(27) - Inspirado nessa temática foi que ele nos deu "Avolta da Asa Branca", um baião que toca tão de perto àsensibilidade da nossa gente;

(28) - "O sabiá no sertãoQuando canta ele comove,Três meses passa cantandoE, sem cantar passa nove,Pois, tem por obrigaçãoDe só cantar quando chove;

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(29) - Deus quando manda o invernoO sapo ganha um troféuCai dentro da correntezaDescendo de imboléuSe banhando no chuveiroDa caixa d'água do Céu;

Joaquim Anastácio numa cantoria em Braga deMesquita - em "Antologia Ilustrada dos Cantadotes", deFrancisco Linhares e Otacílio Batista.

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