parteiras cearenses: história e memória do ofício de fazer o parto

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PARTEIRAS CEARENSES HISTÓRIA E MEMÓRIA DO OFÍCIO DE FAZER O PARTO RELATÓRIO FINAL FORTALEZA- CEARÁ 2007

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Page 1: Parteiras cearenses: história e memória do ofício de fazer o parto

PARTEIRAS CEARENSES

HISTÓRIA E MEMÓRIA DO OFÍCIO DE FAZER O PARTO

RELATÓRIO FINAL

FORTALEZA- CEARÁ

2007

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PARTEIRAS CEARENSES

HISTÓRIA E MEMÓRIA DO OFÍCIO DE FAZER O PARTO

COORDENAÇÃO INSTITUCIONAL Observatório de Recursos Humanos em Saúde

Estação CETREDE / UFC / UECE

EQUIPE DE ELABORAÇÃO João Bosco Feitosa dos Santos (Coordenador)

Flávia Emanuela de Oliveira

Noélia Alves de Sousa

Regianne Leila Rolim Medeiros

Rosana Lima Rodrigues

Telma Bessa Sales

Zeila Costa

Page 3: Parteiras cearenses: história e memória do ofício de fazer o parto

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ......................................................................................................... 4

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 6

2 A PARTEIRA NAS SOCIEDADES OCIDENTAIS .............................................. 11

2.1 A trajetória do ofício de partejar nas sociedades ocidentais .......................... 11

3 PARTEIRAS CEARENSES E SUAS HISTÓRIAS............................................... 15

3.1 A constituição da categoria das parteiras no Ceará ........................................ 15 3.2 O início da atividade de partejar....................................................................... 21 3.3 A relação da parteira com o sistema formal de saúde..................................... 24 3.4 Condições e organização do ofício de partejar................................................. 30

3.4.1 O deslocamento.............................................................................................. 31 3.4.2 Os procedimentos e instrumentos de partejos ................................................ 32 3.4.3 Auxiliares ...................................................................................................... 33 3.4.4 Formas de remuneração ................................................................................. 34 3.4.5 Riscos e dificuldades no exercício da profissão............................................. 35

4 PRÁTICAS CULTURAIS PRESENTES NA ARTE DO PARTEJO .................. 39

5 A ARTE DO PARTEJO: OFÍCIO RELACIONAL .............................................. 50

6 HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE PARTEJOS....................................................... 56

6.1 A Saga de Patrocínia........................................................................................... 56 6.2 “Causos” de Margarida, de Palmácia............................................................... 59 6.3 Histórias de Dona Dalva..................................................................................... 61 6.4 Narrativa de Dona Raimunda ........................................................................... 62 6.5 A Luta de Dona Eunice ...................................................................................... 63

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 68

BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 70

ANEXO.......................................................................................................................... 73

1. Relação das Parteiras Entrevistadas................................................................... 73 2. Mapeamento das localidades no Ceará............................................................... 74

Page 4: Parteiras cearenses: história e memória do ofício de fazer o parto

APRESENTAÇÃO

O observatório de Recursos Humanos em Saúde-Estação

CETREDE/UFC/UECE, integrante da Rede Observatório de Recursos Humanos em

Saúde – ROREHS, desde o ano de 2003, tem como uma de suas prioridades contribuir

para um alargamento e amplitude de acesso às análises sobre a área de Recursos

Humanos de Saúde no Estado do Ceará.

Aprofundar as suas pesquisas, estabelecer diálogo profícuo com os diversos

profissionais de saúde, defender a importância do debate e reflexões sobre questões

específicas da área de RH na saúde são desafios presentes nas ações do Observatório,

considerando que “o desenvolvimento e o aprimoramento dessa rede são de

fundamental importância para o suprimento de informações que norteiem os processos

de regulação, gestão, formação, desenvolvimento e formulação de políticas de recursos

humanos em saúde no Brasil”. 1

A estação CETREDE/UFC/UECE, levando em conta estes desafios, realiza um

esforço coletivo a fim de organizar e disponibilizar as informações/análises e pesquisas,

para todos os interessados, especializando-se na área de Mercado de Trabalho em

Saúde, acreditando num processo de formação/educação permanente aos trabalhadores

de saúde no Ceará.

A pesquisa “Parteiras Cearenses: história e memórias do ofício de fazer parto”

registra a trajetória de mulheres que prestaram importante serviço ao Estado, realizando

um trabalho que, mesmo sem prévia qualificação, foi o único disponível e que é

substituído no sistema formal de saúde por profissionais médicos que exercem esse

oficio em hospitais mediante técnicas e aparelhos que oferecem menor risco a

parturiente e ao recém-nascido. Há de se registrar, contudo, que a prática do parto

tradicional, como era realizado por essas mulheres, é recuperada por alguns estudiosos e

gestores na busca de re-humanizar um evento de vida tão importante para a população.

Nesse sentido, essas mulheres têm muito a ensinar.

Portanto, a Estação CETREDE/UFC/UECE resolveu reaver a memória de um

exemplo de profissional pertencente aos Recursos Humanos em Saúde, importante para 1 Observatório de recursos humanos em saúde no Brasil: estudos e análises. André Falcão do Rego Barros (org.) Brasília: Ministério da Saúde, 2004.

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o Estado. Em certa medida, verifica-se a perda da memória/história, em razão a de

fatores como idade avançada, desativação de atividades pelo sistema formal de saúde,

extinção do ofício de parteira etc. Neste sentido, o presente relatório traz reflexões

dentro de uma perspectiva que alarga o entendimento sobre saúde pública, as

instituições e profissionais de saúde inseridos na sociedade, colaborando com o estudo

de Gilberto Hockman no artigo História, saúde e RH: análises e perspectivas.2

2 História, Saúde e RH: análises e perspectivas. In: Observatório de recursos humanos em saúde no Brasil: estudos e análises. André Falcão do Rego Barros (org.) Brasília: Ministério da Saúde, 2004, p. 37-48.

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1 INTRODUÇÃO

A atividade de parteira é uma das mais antigas funções de que se tem registro na

história da humanidade e também uma das quais se encontram registros em

praticamente todas as culturas. Passando pela Antigüidade, quando nos registros

bíblicos aparecem as parteiras Sifrá e Fuá, que se negam a seguir as ordens do Faraó do

Egito que lhes ordenara matar as crianças do sexo masculino nascidos entre o povo

hebreu (Êxodo, 1: 15:2), e, durante o Período Medieval, quando eram perseguidas até

mesmo pelos tribunais da Inquisição, as parteiras sobreviveram, sendo em muitas ou na

maioria das situações o único recurso disponível às mulheres durante o trabalho de

parto.

O advento da Ciência e da Medicina modernas, a partir do século XVI, levando à

predominância do modelo biomédico, relega às parteiras tradicionais um lugar

desprivilegiado no processo de assistência ao parto. A “medicalização” do parto retira

da assistência tudo o que não é relacionado ao biológico e ao fazer médico, sendo

esquecidos os aspectos espirituais, psicológicos, sociais e cultuais (LARGURA, 2000).

Desde então, a parteira vai ser identificada como serviço de assistência materno-

infantil de áreas pobres, em especial, áreas rurais com poucos recursos em saúde,

principalmente dos países periféricos.

No Brasil, ao longo de seu percurso histórico, as parteiras sempre estiveram

presentes. Como explica Largura (2000). Em muitas regiões do País, viajavam a pé, a

cavalo ou em embarcações, percorrendo longos caminhos para finalmente

possibilitarem a assistência ao parto. Seguindo o modelo de outros países, no entanto, o

Brasil adotou também a linha mais intervencionista e de “medicalização” do parto,

sendo um dos recordistas mundiais em partos com cirurgias cesarianas.

Da década de 70 do século XX, em diante, a “medicalização” do parto passou a ser

questionada e debatida. No contexto internacional, autores como Frederick Leboyer,

com a obra “Por um nascimento sem violência”, contribuiu definitivamente para a

retomada da discussão sobre a importância do ambiente domiciliar como lugar ideal

para o nascimento e a revalorização de modelos tradicionais de assistência ao parto,

como as parteiras, por exemplo. Essa discussão contribuiu para que muitos países

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reestruturassem seus sistemas de assistência ao parto, levando a uma revalorização das

parteiras tradicionais e do parto em casa. Atualmente, países como Holanda e Japão, só

para citar os dois, realizam grande parte dos partos em casa, sendo o índice de cirurgias

cesarianas bem reduzido.

No Brasil, também na década de 1970, foram iniciados alguns movimentos que

buscavam modelos alternativos de assistência ao parto. Aqui, o nome do médico

cearense José Galba de Araújo ganha destaque. Dr. Galba, tendo como ponto de partida

a realidade e a situação brasileiras, afirmava que era necessário oferecer um tratamento

digno e humanizado às nossas gestantes e não somente copiar programas de outros

países que muitas vezes não estavam de acordo com a nossa realidade. Acreditando no

parto natural e domiciliar, Dr. Galba Araújo afirmava que era necessário respeito aos

costumes e tradições, unindo conhecimento médico e saber popular. Assim, passou a

trabalhar em um processo educacional para as parteiras tradicionais, que eram

orientadas a trabalhar com procedimentos básicos, como uso da tesoura e do

“merthiolate” para cortar o cordão umbilical.

De meados dos anos 1970 para cá, intensificando-se principalmente na segunda

metade da década de 1990, o movimento pela humanização do parto e do parto

domiciliar cresceu. Um exemplo pode ser verificado pelo crescimento das redes pelo

parto humanizado. Além disso, também aumenta a busca do diálogo com as formas

tradicionais de assistência ao parto, principalmente com atenção às parteiras tradicionais

(SOUZA, 2005), buscando-se inclusive a regulamentação dessa profissão (SILVEIRA,

2006). Como já afirmado, no entanto, o Brasil continua com alto índice de partos

realizados com cirurgias cesarianas e as parteiras ainda são vistas como assistência para

aqueles que não têm acesso a serviços médicos formais, ou seja, as mães que residem

em áreas pobres e afastadas dos grandes centros, embora com a implementação de

programas como o PACS (Programa de Agentes Comunitários de Saúde) e do PSF

(Programa Saúde da Família) esteja ocorrendo uma diminuição no número de partos

assistidos pelas parteiras. Apesar disso, sabe-se que as parteiras ainda são elementos

importantes, buscando-se até, como já destacado, sua inserção no sistema formal de

saúde.

Portanto, nesse contexto, o objetivo deste estudo foi pesquisar e entender a situação

atual do trabalho desenvolvido pelas parteiras, buscando compreender quem são, essas

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parteiras, como trabalham, como chegaram a ser parteiras, quem e quando

acompanham, ou seja, qual o perfil das mulheres por elas atendidas, bem como suas

perspectivas e visões de mundo ligadas ao trabalho que exercem. Buscou-se, ainda,

perceber como as parteiras entendem as mudanças ligadas principalmente à assistência

ao parto e, atualmente, qual sua posição frente ao sistema formal de saúde

Em suma, o projeto buscou compreender as implicações sociais e culturais da

atividade de partejo e suas interlocuções com o funcionamento do sistema formal de

saúde; qual o impacto deste processo de mudanças em seus cotidianos, em seu ofício de

parteira, no seu modo de vida e trabalho, bem como as relações com médicos na

localidade em que atuaram. Em outras palavras, diante do modelo biomédico adotado

pela Medicina, buscou-se entender como mudam o ofício de ser parteira, seus métodos e

condições de trabalho e, principalmente, como as parteiras vivem e interpretam esse

processo.

A pesquisa foi realizada priorizando o recurso metodológico da História Oral, que

tem como objetivo explicitar e valorizar as experiências de vida de grupos minoritários,

marginalizados e iletrados, mediante depoimentos, pois eles “sempre lançam nova luz

sobre áreas inexploradas da vida diária das classes não hegemônicas” (PORTELLI,

1997), principalmente quando são grupos marginalizados, visto que pouco se conhece

ou se sabe sobre suas experiências, seu cotidiano. Para tanto, foram realizadas

entrevistas semi-estruturadas para coleta de depoimentos e narrativas de 16 parteiras de

dez cidades, abrangendo quase todas as regiões do Estado, excetuando-se a região

noroeste.

Este relatório está organizado da forma descrita na seqüência.

Esta Introdução representa o primeiro segmento do estudo.

A segunda parte consta uma análise sobre a história da profissão de parteiras

desde a Antigüidade, ofício este realizado por mulheres e transmitido por tradição oral.

Inclui ainda um estudo a respeito da trajetória do ofício de partejar nas sociedades

ocidentais, localizando também a parteira no Ceará.

A terceira parte do relatório traz um exame da constituição das parteiras

cearenses no âmbito de informações relacionadas a origem, grau de instrução, relação

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com a família, com o sistema formal de saúde, além de reflexões sobre as condições e

organização do ofício de partejar apresentadas pelas narrativas das parteiras

entrevistadas.

A presença constante das parteiras nas diversas cidades e comunidades

rurais/urbanas do Estado foi fundamental no tocante ao acompanhamento e realização

de partos, considerando as dimensões da subjetividade, cultura, religiosidade dentro da

sua prática cotidiana, é o que se pode constatar na parte quatro, intitulada “Práticas

culturais presentes na arte do partejo.”

O quinto módulo do relatório demonstra a diversificada rede de relações

desenvolvidas pelas parteiras em seu cotidiano no sentido de estabelecer diálogo com a

comunidade e os profissionais do sistema de saúde formal.

Considerando a valorização e divulgação das experiências vividas pelas parteiras

inseridas numa realidade de pobreza, na maioria das vezes sem estrutura para a

realização do ofício do partejo, a sexta parte do relatório apresenta alguns fragmentos

de relatos das parteiras entrevistadas, enfim, suas histórias e memórias.

Neste sentido, reaver as memórias das parteiras faz parte do alargamento de

efetivação da história da saúde pública cearense, contribuindo efetivamente para a

incorporação de um novo sujeito social no estudo histórico, reconhecendo as múltiplas

vozes que compõem o sistema de saúde no Ceará.

Outrossim, a realização do estudo apresentado está dentro de uma área que

precisa ser mais analisada no âmbito do setor informal e provisão de serviços de saúde

na dimensão comunitária, conforme Relatório do Observatório de Recursos Humanos

em Saúde no Brasil: Estudos e Análises, volume 2, que destaca 3 :

... Dispõe-se de informação limitada sobre a magnitude do atendimento proporcionado por parteiras e curadores tradicionais, para mencionar apenas duas categorias de agentes de saúde... É preciso desenvolver maneiras inovadoras de captar a disponibilidade e a contribuição desses recursos humanos na provisão do atendimento, e as informações devem ser incorporadas ao conjunto de dados básicos sobre a força de trabalho nacional.

3 Observatório de recursos humanos em saúde no Brasil: estudos e análises. André Falcão do Rego Barros (org.) Brasília: Ministério da Saúde, 2004, p. 28.

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Portanto, o estudo “Parteiras cearenses: história e memórias do ofício de fazer

parto”, realizado por pesquisadores da Estação CETREDE/UFC/UECE, tem a intenção

de contribuir para o registro de uma categoria profissional que é parte da história dos

Recursos Humanos em Saúde no Ceará, cujas integrantes hoje se encontram com a

idade avançada, muitas já morreram e não se tem nenhum relato de suas histórias de

trabalho, que se confundem com a história da formalização do sistema de saúde no

Ceará.

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2 A PARTEIRA NAS SOCIEDADES OCIDENTAIS

2.1 A trajetória do ofício de partejar nas sociedades ocidentais

O ofício de parteira, o partejar, talvez seja um dos mais antigos na história da

humanidade. A parteira, por muito tempo e em várias culturas, era – e em muitos casos

ainda é - quem compartilhava com a parturiente, a futura mãe, o nascimento do filho,

um dos acontecimentos mais importantes na vida, repleto de simbologias, que, em

muitas culturas, é festivo, alegre, motivo de celebração. Um ritual de passagem, o

primeiro pelo qual se passa.

Por ser um evento histórico-cultural, a arte de partejar, em suas várias formas e

técnicas, encontra-se profundamente amalgamada com a visão de mundo do grupo do

qual faz parte.

Nas sociedades ocidentais, tradicionalmente, o ofício de partejar foi realizado

hegemonicamente por mulheres. Tanto a literatura, como os relatos das parteiras desta

pesquisa, como será tratado mais adiante, mostram que a arte de partejar era transmitida

entre mulheres e por tradição oral. Aprendiam a partejar observando outra parteira, que

em muitos casos era a mãe ou a avó.

A parteira geralmente era parte da comunidade que assiste, compartilhando os

mesmos códigos de comportamento, como uma concepção sobre o corpo feminino,

sobre humores, secreções, maternidade, o comportamento da mãe para que seu leite seja

saudável, entre outros. Era referência em assuntos de saúde e doença. Muitas, além de

partejar, também dominavam outros conhecimentos e eram também “(...)

ginecologistas, farmacêuticas, herboristas, barbeiras além de papéis de advinhas,

praticantes de contramagia, enfim eram mulheres sábias” (COSTA, 2002, p.29). Em

razão da importância, geralmente gozavam de poder e prestígio na comunidade.

A relevância do nascimento para o ser humano pode ser observada em diversas

culturas, nas antigas Grécia e Roma, no panteão de deuses e deusas, há deusas-mães que

representam a fertilidade e o nascimento, como “Ishtar entre os babilônios, Ísis entre os

egípcios, Deméter entre os gregos, Ceres entre os romanos (...)” (SOUSA, 2007, p.

168).

Os nascimentos, nessas sociedades, eram auxiliados por mulheres, as parteiras.

Apesar da importância e da centralidade do evento, os homens não se envolviam com o

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ofício de partejar, principalmente pela concepção que se tinha da mulher nessas

sociedades. Nas antigas Roma e Grécia, as mulheres ocupavam posição inferior à do

homem na estrutura social, logo, os assuntos relacionados a elas não despertavam o

interesse dos homens. Características fisiológicas próprias das mulheres, como o sangue

menstrual e as secreções do parto, também eram motivos para o desinteresse, pois eram

consideradas interdições sociais e representavam impurezas. O parto era um “assunto de

mulher”. Dessa forma, as mulheres que se dedicavam ao ofício tornavam-se

especialistas, num ritual permeado de rezas, utilização de ervas e cuidados com a mãe e

o filho.

Com a queda do Império Romano, no século V, e a ascensão do poder da Igreja

Católica, grandes transformações acontecem com essa cultura. A Idade Média é

dominada pelo cristianismo, que passou a deter o saber oficial. O conhecimento era

estritamente difundido nos mosteiros medievais, fazendo parte da formação do clero.

A parteira e seu ofício não correspondiam às expectativas dessa nova ordem

social. Suas práticas eram relacionadas a antigas práticas religiosas pagãs. Para minar o

prestígio que as parteiras tinham junto a sua comunidade, foram acusadas de feitiçaria.

No período da Inquisição, quando a Igreja perseguiu e exterminou, por toda a Europa,

pessoas que detinham conhecimentos não controlados pela Igreja, as parteiras fizeram

parte do grupo perseguido e consideradas “perigosas” para a nova moral instalada.

Muitas parteiras, porém, conseguiram escapar, indo para o interior das aldeias, onde

continuaram a exercer o conhecimento que detinham (SOUSA, 2007).

A história das parteiras nas sociedades ocidentais também recebe influência do

novo momento histórico que acontece com a revolução copernicana da ciência, quando

os médicos se libertam das influências dos antigos e da Igreja, que mantinham

concepções místicas. Iniciam a elaboração de uma ciência médica racional - fundada na

observação da anatomia e fisiologia – que fosse capaz de explicar a natureza humana,

antes atributo exclusivo da Igreja (HOUBRE, 2003).

O parto acompanha essas transformações e entra no hospital, sendo

“medicalizado”. A utilização de instrumentos como o fórceps, no momento do

nascimento, passa a marcar a diferença entre o médico obstetra e a parteira. E as

intervenções cirúrgicas são vistas como as mais seguras e higienizadas.

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Nesse quadro, em 1560, o Parlamento francês promulga o “Estatuto de Paris”, que

regulamenta o ofício. A expectativa das autoridades francesas era fazer com que todas

as parteiras passassem por cursos de formação, fossem licenciadas e registradas,

seguindo um código de condutas (MELO, 1983: 75). Surge, nesse momento, outra

categoria de parteira, a parteira profissional, que passa por treinamento dado por

médicos, ou profissional outro do sistema de saúde formal, ou seja, parteiras que

utilizam procedimentos próprios da Medicina, contrapondo-se à atividade da parteira

tradicional, que vai cada vez mais para um lugar de ilegalidade e clandestinidade.

A tendência à institucionalização da profissão, que tem início na Europa, começa

no Brasil no século XIX. Em 1832, nas Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e

Bahia, são criados cursos de partos para que mulheres aprendessem, de acordo com os

novos preceitos científicos, “a correta maneira de atender as mulheres no momento do

parto e os primeiros cuidados com a criança” (RODHEN, 2001, p.59). Nesse momento,

propaga-se a idéia de que as parteiras deveriam ter um certificado concedido por

médicos. Até 1949, o ensino de parteiras estava ligado às faculdades de Medicina

(RIESCO e TSUNECHIRO, 2002, p.449), marcando, no Brasil, o surgimento da

parteira profissional.

O objetivo, como na Europa, foi o de “medicalizar” a profissão de parteira,

subordinando o ofício à autoridade e conhecimento médico. Apesar da implementação

dos cursos, poucas parteiras procuraram fazê-lo (SOUSA, 2007: 71). Um dos motivos

foi certamente o nível de exigência que se fez às pretendentes. A idade mínima exigida

era de 16 anos, era preciso saber ler, escrever e apresentar um atestado de bons

costumes (MOTT, 1998, p.93). Quando se pensa nas parteiras tradicionais, mulheres,

geralmente, mais velhas, que obtiveram o seu conhecimento na tradição oral, que fazem

parte das camadas menos favorecidas da sociedade - uma sociedade, vale lembrar, com

resquícios da escravidão negra -, percebe-se que os requisitos estavam fora do perfil da

parteira leiga. Como o campo de sociabilidade entre o conhecimento leigo da arte de

partejar e o saber formal “medicalizado” era tenso, pode-se inferir que os requisitos

tinham caráter de exclusão.

Rohden (2001) relata que as parteiras, destituídas do conhecimento formal,

utilizavam-se de várias estratégias para continuar atuando. Se os poucos médicos que

havia no Brasil enfrentavam a impossibilidade de chegar às mais longínquas

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comunidades, as parteiras continuavam a cumprir suas funções. Assim, “aos remédios

da flora brasileira ou mesmo de maravilhosos elixires importados, se juntava um sem-

número de rezas, simpatias e prescrições” (ROHDEN, 2001, p.59). Naquele tempo,

muitas vezes, o fato de o médico ser um profissional homem, dificultava ainda mais seu

chamado para atender uma parturiente.

Esse processo marcou o início de grandes transformações do ofício no Brasil. No

fim do primeiro quartel do século XX, 1925, o curso de parteira da Faculdade de

Medicina do Rio de Janeiro foi extinto e foram criados cursos de enfermeiras de

maternidade. Em 1931, a Escola de Parteiras de São Paulo muda de nome para Escola

de Obstetrícia e Enfermagem Especializada; ao final do curso, as alunas recebiam o

título de Parteira e de Enfermeira Especializada. Em 1949, as escolas de Enfermagem

passaram a formar oficialmente enfermeiras obstétricas e, em 1972, somente essas

escolas tinham permissão para formar enfermeira obstétrica ou obstetriz, a única

capacitação formal não médica de assistência ao parto. Em 1994, o currículo mínimo de

Enfermagem foi modificado e a habilitação em Obstetrícia foi extinta. Atualmente, a

assistência ao parto é feita, nas instituições formais, por profissionais médicos ou por

enfermeiras pós-graduadas lato sensu (RIESCO e TSUNECHIRO, 2002, p.452).

Esse ofício de partejar, marcado por tantas transformações, na realidade não

aconteceu de forma estanque, pois amalgamado pela dinâmica social. Dessa forma, o

surgimento da parteira profissional, em nenhum momento, significou o desaparecimento

da parteira tradicional. Da mesma forma, com relação ao médico obstetra. Esses agentes

atuam, em diferentes contextos, mas de forma contemporânea, fenômeno que pôde ser

observado no trabalho de campo desta pesquisa. O mesmo pode ser visto com relação à

profissionalização na arte de partejar. Enquanto parteiras tradicionais eram incentivadas

a se especializar, recebendo informações sobre novos procedimentos do partejo, outras

eram convidadas a iniciar-se nessa arte, com base nessa especialização. As realidades

singulares de cada localidade, no Brasil, e do Ceará, que é o foco de interesse deste

trabalho, revelam formas peculiares de experenciar esse fenômeno. Assim, hoje, ainda

se encontra, especialmente pelo interior do Brasil, tanto parteiras profissionais, quanto

parteiras leigas. No caso desta pesquisa, nenhuma delas parteja mais.

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3 PARTEIRAS CEARENSES E SUAS HISTÓRIAS

3.1 A constituição da categoria das parteiras no Ceará

Andando pelo interior e litoral do Estado, não foi difícil encontrar mulheres que

passaram vários anos de suas vidas dedicadas à arte de partejar, o que já não aconteceu

na Capital, Fortaleza. Quando o trabalho de campo foi iniciado, pelo contato com essas

mulheres, observou-se, que, dentre as parteiras entrevistadas, a maioria fazia parte de

uma mesma faixa etária, igual classe social, semelhante grau de instrução e todas

tiveram de alguma forma contato com procedimentos do sistema de saúde formal, antes

ou depois de iniciarem no ofício de partejar. O que as diferenciava, ou seja, lhes dava

singularidade, era a maior ou menor aproximação com o sistema de saúde formal4. Com

efeito, optou-se por alargar o foco de observação desta pesquisa, de “parteiras

tradicionais”, para “parteiras”.

Assim, foi definida, neste trabalho, a idéia de que, para fins da diferenciação dos

saberes e fazeres do partejar, parteiras tradicionais ou leigas são aquelas que não

trabalharam em hospitais, postos de saúde ou qualquer outra instituição formal de saúde

e, se tiveram algum treinamento formal, que fosse inferior a um mês. Os treinamentos,

ou cursos para parteiras, tinham como objetivo orientá-las em procedimentos que

diminuíssem os riscos durante o parto, sobretudo no que se refere à higiene. Já as

parteiras que possuíam algum vínculo com o sistema de saúde formal, como

maternidades, hospitais, postos de saúde etc., foram denominadas parteiras

profissionais.

É importante salientar que parteiras também eram conhecidas como

“cachimbeiras”. Conforme explicou dona Maria Vieira, de Beberibe, que se referia a

sua avó como exemplo e enfatizou que não era cachimbeira porque não fumava

4 Neste trabalho, “sistema de saúde formal” é entendido como o sistema de procedimentos que visa a diagnosticar e tratar doenças, baseado no conhecimento científico moderno. Não foi considerado, contudo, o conhecimento das parteiras, como um conhecimento científico informal – ou em oposição ao formal - , mas um conhecimento tradicional. A especificidade que o contato com a realidade mostrou é que a realidade é constituída de um amálgama de concepções, noções, visão de mundo herdados pela tradição em seu aprendizado prático e aquele que receberam ao serem abarcadas pelo sistema formal de saúde; todas informadas pela cultura da qual fazem parte, contudo, a realidade mostra que, para essas, permanece uma dicotomia com as concepções do sistema de saúde formal, ou hegemônico, que aos poucos as excluiu do ofício.

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cachimbo na hora de partejar. Indagada por que as cachimbeiras fumavam naquele

momento, ela explicou:

As cachimbeiras fumavam e cuspiam na mão aquela baba de cuspe do cachimbo e esfregava na barriga da muié. Era tiro e queda, ela tinha o menino num instante. ..Elas também defumava o imbigo da criança com a fumaça do cachimbo... Maria Vieira

Indagada como se dava esse processo de defumação, ela explicou que toda vez

que as cachimbeiras terminavam de dar banho nas crianças, elas tragavam a fumaça do

cachimbo e sopravam no umbigo antes de cobrir. Esse procedimento apressava a queda

do umbigo que, ficava defumado com a fumaça, secando rapidamente.

A aproximação, no Ceará, entre práticas populares no cuidado à saúde e o sistema

formal de saúde reflete o mesmo movimento que se iniciou ainda no século XIX, com a

“medicalização” das atividades ligadas à saúde e à doença no Brasil e a higienização do

espaço, principalmente nas grandes cidades, e que se estendeu para as regiões do

interior. A institucionalização da profissão de parteiras no Ceará é marcada com a

criação da primeira maternidade do Estado, na capital, Fortaleza, a Maternidade Dr.

João Moreira, em 1915, onde foi instituído um curso de parteira.

Nas décadas de 1960/70, alguns programas internacionais conveniados com

médicos e governos locais realizaram em vários locais do Estado treinamento para

parteiras leigas. Esses treinamentos, que duravam poucos, dias serviam para lhes

mostrar técnicas de parto higienizados e com menores riscos. Após as orientações, eram

distribuídos kits para uso das parteiras. Esses continham material como tesoura, pêra,

estetoscópio, pinças, gazes, trena, balança etc.

Após os cursos, as parteiras costumavam assumir certa liderança em suas

comunidades, embora o ofício já lhes propiciasse essa condição de destaque. Também

possibilitaram o contato entre parteiras no treinamento que, muitas vezes, servia para

firmar a posição de algumas mais perspicazes e que tinham melhor aproveitamento dos

conteúdos.

Os cursos ofertados, segundo as próprias entrevistadas, por diferentes instituições,

tanto nacionais como internacionais, foram realizados pelas parteiras normalmente,

quando já se tinham iniciado na profissão, mas também se observou que, para algumas

mulheres, eles foram os responsáveis pela iniciação na arte de partejar. Além disso, foi

possível identificar o fato de que em alguns casos a iniciação aconteceu no próprio

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hospital onde trabalhavam como auxiliares de enfermagem ou desenvolvendo outras

atividades, estando, assim, já ligadas ao sistema formal de saúde.

Analisado nesse contexto, o que inicialmente pareceu surpresa, ou seja, a

iniciação ou a realização de cursos para a formação de parteiras, passou a ser

compreendido dentro de uma lógica de expansão da “medicalização” das atividades de

saúde e doença no Brasil.

Das quatro parteiras entrevistadas no Município de Crateús, nas regiões dos

Inhamuns, a centro oeste do Ceará, por exemplo, duas iniciaram tradicionalmente nas

atividades de partejar. Dona Francisca Vieira de Azevedo, conhecida como dona

Fransquinha, aprendeu o ofício com outras parteiras e com “Deus”, segundo ela. Já

Dona Maria Dalva Bonfim de Almeida aprendeu a partejar com sua mãe:

Ela ensinava como era que a gente pegava, ela tinha muita prática. Ela ensinava como era que a gente pegava o menino, quando a criança vinha chegando, aí nascia. A gente cuidava do umbigo, amarrava o umbigo e banhava o menino, vestia, botava na rede, que nesse tempo berço era difícil. Maria Dalva

Dona Dalva mora há alguns quilômetros da Sede do Município, na localidade

Curral Velho dos Bonfim, e era a referência, na hora dos partos, em sua redondeza. A

procura por seus trabalhos era tanta que um dos médicos do hospital da cidade lhe

propôs que sua casa se tornasse uma casa de partos. Dona Dalva fez um curso de

parteiras oferecido no hospital e sua casa tornou-se a casa de partos da região por

muitos anos, até quando resolveu parar de partejar.

Ainda na cidade de Crateús, duas outras parteiras, dona Raimunda Vasconcelos de

Pinho e dona Cesária Martins Melo, iniciaram-se na profissão em uma maternidade, que

tinha caráter de casa de partos, pois não tinha a infra-estrutura de uma maternidade,

como uma UTI, por exemplo. A diferença da casa de partos de dona Dalva e a

maternidade onde trabalhavam dona Cesária e dona Raimunda era basicamente a

proximidade com o hospital da Cidade, pois ficava na sede do Município, a ligação que

tinha com o hospital e conseqüentemente a proximidade dos médicos, que auxiliavam

nos partos com distocias. As duas parteiras eram funcionárias do Município, Dona

Raimunda aprendeu a partejar com um enfermeiro, que também trabalhava na

Maternidade, e Dona Cesária fez um curso de parteira.

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Nos municípios de Palmácia, dona Maria Margarida de Souza, e Baturité, dona

Adelita Martins, tiveram o processo de iniciação na arte de partejar em cursos que

realizaram, sendo absorvidas logo em seguida pela maternidade local, no caso de

Palmácia, e pelo hospital, no caso de Baturité.

Então, tem as Bélgica5 aqui em Baturité, vieram fazer uma cooperativa. Então, convidou umas moças pra fazer um curso. Esse curso de pipinol. Dentro desse curso, quando terminamos o curso, então tinha o estágio, a escolha. Ela falou com a irmã e a irmã deu três vagas pra cá, eu fiquei, fomos estagiar, tivemos uma parte hospitalar, de hospital, e uma parte de maternidade. Quando eu terminei meus três meses de estágio, aí a irmã me convidou, que diz que eu dava pro trabalho, viu minhas atividades. Daí, a partir daí eu fiquei trabalhando somente com o curso que as bélgicas deram. Adelita Martins

Na região do Cariri, localizada no sul do Ceará, uma das parteiras iniciou seu

trabalho no hospital: dona Margarida. Duas iniciaram de maneira tradicional, dona

Patrocínia e dona Guiomar, mas realizaram posteriormente um curso de parteira.

Apenas uma iniciou tradicionalmente na arte, dona Patrocínia, a qual disse nunca ter

participado de um curso formal. Em Aracati, região litorânea, dona Leninha iniciou no

ofício de parteira em observações que fez de partos realizados no hospital onde

trabalhava.

As entrevistadas de Fortaleza iniciaram seus ofícios em hospitais do Município.

Embora não tivessem a mesma distinção, as dos outros municípios do Estado

ressaltaram sua importância no sistema de saúde, notadamente na Maternidade-Escola

em que normalmente passavam a trabalhar, a transmitir seus conhecimentos a outras

mulheres. Uma característica comum as parteiras de Fortaleza é a de tornarem-se

“acompanhantes” de mulheres de famílias mais abastadas durante o primeiro mês pós-

parto. Uma delas, até se tornou cuidadora de uma ex primeira Dama do Ceará até a

morte.

O perfil das parteiras entrevistadas evidencia a existência de alguns aspectos

comuns entre elas, independentemente de serem parteiras tradicionais ou profissionais.

Todas estão na faixa etária superior a sessenta e cinco anos. Iniciaram suas atividades

por volta dos vinte anos (algumas até antes!) e hoje não partejam mais, embora tenha

5 As bélgicas: foi usando esta expressão que dona Adelita fez referência às religiosas que iniciaram cursos na década de 1970 na comunidade na qual ela participou na cidade de Baturité. É possível fazer uma relação da expressão com a nacionalidade destas, pois neste período muitas freiras da Europa (alemãs, holandesas etc) desenvolveram um trabalho comunitário em diversas localidades do Estado.

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sido registrado algumas que partejaram há pouco menos de quatro anos e ainda se

disponibilizariam a fazê-lo. Com os recursos disponíveis no setor de saúde formal,

porém, a maioria prefere deixar para os médicos o oficio, conforme relataram ao serem

indagadas sobre a possibilidade de (re) assumirem a profissão, conforme aponta dona

Raimunda, da cidade de Crateús:

Hoje em dia, é que a medicina tá muito boa, muito elevada. Às vezes, a gente vê uma pessoa e diz que não e vem boa, sabe por quê? Por que são mais entendidos e estudaram mais. Eles estão mais por dentro de tudo e antigamente tudo era atrasado. Estudavam, mas não tinham condições. Raimunda

Infelizmente, muitas que fizeram história em seus municípios já haviam falecido,

sendo várias delas citadas como referência ou “mestras”. Embora alguns textos sobre

partejos refiram a necessidade de a mulher ser casada para partejar, isso não foi

registrado nesta pesquisa. Algumas iniciaram atividades antes mesmo de se casar e

continuaram após a formação de suas famílias. Dentre as parteiras entrevistadas, havia

uma solteira, mas a maioria era de casadas, com filhos crescidos, netos e até bisnetos.

Uma delas disse ter trinta filhos, alguns partos de gêmeos e um trigêmeo, mas trinta

filhos!

Geralmente, não possuíam além de três anos de estudo, configurando um perfil

quase analfabeto, o que não significa de maneira nenhuma ignorância, mas marca a

relação que têm com o sistema de saúde formal com base no conhecimento científico.

Várias são oriundas da zona rural, dos municípios em que moram. Tinham como

atividade principal o trabalho doméstico e auxiliavam a família nas atividades agrícolas,

situação semelhante à maioria dos moradores das localidades da zona agrícola do

Estado.

Apesar do perfil, semelhante à maioria das mulheres da zona rural, a condição de

parteira lhes conferia um status diferenciado. Embora esse status não as diferenciasse

em rendimentos relativamente à população como um todo, lhes concedia uma posição

de destaque diante das demais famílias e lhes oferecia alguns privilégios como ter

contatos com políticos e com os profissionais do sistema médico formal do lugar.

As parteiras profissionais tinham vínculo empregatício em instituições de saúde e

recebiam salários. Algumas, porém, não tinham como atividade principal a ocupação de

parteira, pois eram contratadas para serviços gerais.

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As parteiras tradicionais, que não tinham um salário da Prefeitura ou do Estado,

diziam não cobrar pelo trabalho, embora contassem muitas histórias de presentes que

recebiam, um pouco de milho, galinhas, pães, enfim, o que a família da parturiente se

predispunha a oferecer.

Diante da pobreza que deparavam, muitas, em vez de receberem por seus

trabalhos, até levavam roupas para o bebê que estava para nascer e alimentos para a

refeição da parturiente. De fato, todas tinham histórias de completa miséria para contar;

episódios, que muitas vezes, as deixavam sob forte tensão emocional, como pode ser

verificado no item sobre histórias de partejos.

As parteiras tradicionais que moravam em zonas rurais costumavam atender a

várias localidades do entorno. Algumas chegavam a viajar para outros municípios por

convite da Prefeitura ou mesmo para atender famílias que as procuravam em virtude de

sua competência e da fama de “boa parteira”. Dona Maria de Caldas, por exemplo, que

mora em Canindé, também atendia os municípios de Madalena, Itatira e localidades

como Lagoa do Mato, Paquetá e Ipiranga. Dona Margarida, do Crato, tivera uma

experiência de trabalho em Araripe, onde ficou sete anos fazendo partos a convite do

Prefeito.

Por ser um oficio que requeria a ausência, muitas vezes, por dias, do ambiente

familiar, essas mulheres contavam com a compreensão do marido e filhos para exercer

suas atividades. Por unanimidade, os maridos foram enaltecidos como compreensíveis e

até orgulhosos de terem casado com mulheres cujo “dom de fazer o bem” era

reconhecido por toda a comunidade.

Dona Margarida, do Crato, relatou que o marido freqüentemente ouvia chacotas

dos amigos, mas não se incomodava, pois sabia que sua esposa ausentava-se do lar por

motivos nobres: “vão carregando tua mulher! E ele dizia: pode levar”. Já dona Maria

de Caldas, de Canindé, fez questão de relatar que ficava em média oito dias ausente e o

marido assumia os afazeres domésticos, inclusive os considerados mais femininos: “até

a roupa, eu encontrava lavada e engomada por ele”, orgulhava-se. Em verdade, segundo

elas, os maridos já tinham conhecimento de seus ofícios, antes mesmo de se casarem,

conforme indica a narrativa de Patrocínia, de Barbalha:

Quando se casou, ele sabia do meu trabalho. Me casei com vinte anos, ele já sabia do meu trabalho. Eu disse: só me aceita se me aceitar, mas meu

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trabalho eu não abro mão. É um trabalho que ele vem do coração. E foi aí que minha vozinha, ela faleceu, ela passou isso pra mim e isso eu quero passar pra alguém que tenha responsabilidade. Por que nas mão da minha vó, nunca morreu ninguém, nas minhas mão, nunca morreu ninguém.

3.2 O início da atividade de partejar

Buscando encontrar parteiras, muitas vezes foi preciso viajar a lugares muito

afastados da sede dos municípios pesquisados. Lugares que ainda não convivem

diretamente com as facilidades do mundo global. Alguns permanecem com as mesmas

características de há 20 ou 30 anos. Diante disso, não foi difícil entender, nas falas

dessas mulheres, os episódios de dificuldades no início de suas carreiras. Trabalhar nas

sedes dos municípios era sempre um diferencial de acesso a conhecimentos de pessoas e

técnicas que poderiam assegurar maior facilidade no exercício da profissão, enquanto

aquelas que ficavam mais afastadas não tinham o mesmo acesso, ou proximidade com

esses procedimentos diferentes dos procedimentos tradicionais.

Diante do que se viu e ouviu das parteiras, o início do ofício pode ser classificado

como casual ou premeditado. A maneira mais comum era a casual. Era freqüente iniciar

a profissão, ao se depararem com um evento no qual não tiveram alternativa senão

assumir o papel de parteira, “aparando”6 crianças que nasciam inesperadamente diante

delas. Nesses casos, as parteiras entendiam esses episódios como “um sinal”, desde o

qual se sentiam escolhidas por Deus “para fazer o bem”. Assim, consideravam que

possuíam o dom de partejar. A comunidade, onde viviam, reconhecia esse privilégio e

sua fama se alastrava rapidamente pela região. Tornavam-se, portanto, parteiras da

comunidade, e, na maioria dos casos, referência em questões de saúde e doença.

Entrevistador: Quem lhe ensinou a fazer parto? Fransquinha: Minha filha, foi Deus! Foi Deus. Num foi ninguém. Entrevistadora E como foi o primeiro? Fransquinha:O primeiro foi assim: eu tava passando... aí tava, ... aqui na Francisco Mariano, já ouviu falar da Francisco Mariano? Aí, tinha uma mulher sofrendo lá. Aí, a cumade Luiza Jandaíra é quem tava lá. E quando eu cheguei, [ela disse]: cumade, pelo amor de Deus, me ajude aqui que a mulher tá difícil de ter o menino. E fui ajudar e tô desde esse dia pra cá, fiquei pegando menino.

6 Aparar, pegar ou apanhar eram termos êmicos utilizados com o sentido de fazer o parto.

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Dona Guiomar, da cidade do Crato, com sua história do início, representa grande

parte das parteiras, que segundo ela começavam por acaso:

A primeira eu fiz quase que obrigada, num sabe que tem coisa que você faz sem saber e ao mesmo tempo sabendo porque eu já tinha filho. Uma mulherzinha dali ... ela foi tirar tala pra fazer cesta. Ai subiu, se aperreou, num dia de segunda-feira, se aperreou ai subiu, ai chegou lá em casa aperreada, barriguinha muito pequena, eu achei que não era nem pra ganhar menino, ai a cunhada dela pediu pra ela ficar lá em casa enquanto ia arranjar o carro, mas é um pessoal bem pobrezim. Ai ela ficou aperreada, eu fui e disse, “ Muié, que é que tu tem?” ela disse que é pra ganhar menino, aí eu peguei e ajeitei ela lá num canto, ai eu sei que ela disse, “Eu vou ali”, aí ela foi ali no pé de caju, aí quando dei fé ela gritou e foi uma coisa rápida, “Guiomar, corre aqui”, quando eu corri, ela tinha se pegado aqui num pé de caju e o menino já tinha nascido, foi coisa de vinte e cinco minuto por ai assim fora, só deu tempo dela chegar lá em casa, ai eu peguei o menino, ela era mãe de família, levei o menino pra casa, ela também, botei uma rede, cortei o imbigo do menino que ela já tinha experiência, que ela me explicava que tinha que medir três dedos no imbigo pra poder cortar...

Muitas ingressaram no ofício, observando e recebendo ensinamentos de outras

parteiras, que em muitos dos casos era a própria avó ou mãe, como acentua dona

Patrocínia, de Barbalha:

A gente morava num sítio isolado,... eu mocinha, ... eu era bem pequenininha, mas eu sempre naquela de criança, toda vida eu gostei de saber em pouco de doença, né? Qualquer coisa. Então minha avó achou que eu tinha aquele dom, e começou me levando pra ela não ir só, naquele tempo mulher não gostava de andar só, ela me levava. E começou, ela achando que eu era capaz de entrar numa sala e o que eu ouvi e vi, eu vi não e não ouvi, entende?

Já a “maneira premeditada” de ingressar no ofício são os casos em que a parteira

fora convidada, ou procurou qualificar-se, freqüentando hospitais, postos médicos e

cursos de parteira. Nesses casos, algumas já tinham contato com as instituições, seja

como funcionárias, desenvolvendo outra função, ou ligadas a alguém que trabalhava

nesse setor, como médicos e enfermeiras. Dona Cesária, de Crateús, foi convidada pelo

prefeito da cidade para trabalhar na maternidade, onde recebeu instruções de um

médico. Já dona Raimunda de Pinho, que trabalhou junto com dona Cesária na mesma

maternidade, recebeu seus primeiros ensinamentos de um enfermeiro:

Nunca fiz [curso]. Foi só mesmo da minha vontade. Que a primeira vez que eu vi uma criança nascer, escute essa, foi a coisa mais linda, [que] eu achei na minha vida. Aquela criancinha vinha, aquela cabecinha assim, e vinha e voltava. O povo diz que é a coisa mais feia do mundo, eu achei lindo, quando nasceu (...). Aí, eu me apaixonei, eu fui e disse, aqui tinha um enfermeiro o Paiva: Ô Paiva, eu queria essa arte pra mim, mas eu não sei lê!

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Aí, ele disse: Não, não tem problema não, pois eu vou lhe ensinar um toque numa mulher.

Muitas trabalhavam também como serventes do hospital, como dona Leninha, de

Aracati, ou como auxiliares, como dona Margarida, de Palmácia. E faziam mais do que

aparar crianças, sobretudo as que tinham passado por algum curso ou contato com

hospitais e médicos - aplicavam injeções, faziam pequenas suturas, curativos, além de

outros procedimentos, hoje realizados por técnicos de Enfermagem. Dona Leninha e

dona Guiomar consideravam-se trabalhadoras multifuncionais no que se refere às ações

de saúde. Dona Guiomar era uma referência na comunidade de que fazia parte, sendo

chamada para diversos procedimentos relacionados com saúde/doença – mediam a

pressão, aplicavam injeções, prescreviam dietas, chás e ate medicamentos, entre outras

orientações no âmbito da saúde.

Um fator importante para as parteiras profissionais era o diploma que recebiam

dos cursos que fizeram. O diploma e o reconhecimento dos médicos envolvidos no

processo davam legitimidade as suas atividades, como é possível observar na fala de

Dona Maria Pereira, parteira em Fortaleza:

:...Em 63 foi que eu fui ter contato com a maternidade do hospital, no César Cals. Do César Cals pra João Moreira. É o mesmo, é emendado um com o outro, ainda hoje é emendado. Aí, lá fiz o curso, fiz meu diploma de parteira, assinado por todos os médicos que me conheciam lá, feito teste por lá, se eu sabia trabalhar, se não sabia. E eu aprendi mesmo, gostei, gostei muito. E nesse tempo, estava construindo a Maternidade Escola. E nós já recebemos lá o convite que, quando funcionasse a Maternidade Escola, o Dr. Galba ia escolher as que ele queria que fosse pra lá. E eu fui uma das escolhidas. Aí comecei desde o comecinho da Maternidade Escola, em 65.

Dona Maria de Caldas já havia feito oito partos, quando participou do curso de

parteira em Canindé, que, segundo ela, foi importante para o desempenho do oficio,

conforme afirmou: “Tinha vinte oito parteiras por aqui, mas só quem ganhou a bolsa foi

eu. Eu ganhei a frasqueira dessas de alumínio de mão, vinha duas cuba, a tesoura, a

pinça, a trena, a balança, tinha tudo”. Dona Maria Pereira trabalhou na Maternidade-

Escola Assis Chateaubriand durante muitos anos até se aposentar. E conta com orgulho

que, no ano de 2000, foi feita uma festa no hospital, para a qual foi convidada, onde

recebeu a proposta para voltar ao hospital, mas desta vez como “Amiga da Gestante ou

doulas”, atividade que desempenha até o dia que tivemos contato com ela.

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Existe uma experiência realizada desde 2001 na Maternidade-Escola Assis

Chateaubriand (MEAC) da Universidade Federal do Ceará (UFC), com mulheres

capacitadas para acompanhar as gestantes desde o momento da internação. Elas são

conhecidas como Amigas das Gestantes ou doulas. O termo doula vem do grego e

significa mulher que serve a outra. As doulas procuram trazer conforto às mulheres na

hora do parto. Elas agem como faziam as parteiras institivamente: dão carinho,

conversam com as parturientes, procurando tranqüilizá-las, propocionando um bem-

estar naquele momento de medo e dores das mulheres, no intuito de estabelecer uma

relação de amizade, intimidade e confiança. (O POVO, 12/07/2007) 7.

3.3 A relação da parteira com o sistema formal de saúde

O que significa a realizar ou não cursos, ou a prática tradicional do ofício de

partejar para um sistema médico de saúde constituído com equipamentos como os

hospitais e maternidades? Em alguns casos, significou a vinculação dessas mulheres a

essas instituições de saúde. Após contato com os hospitais e maternidades, algumas, não

mais realizavam partos fora do sistema formal de saúde. Essas parteiras estão dentro da

classificação, para efeito de análise apresentada no Capítulo 2, como parteiras

profissionais, ou seja, aquelas que trabalham em estabelecimento de saúde mantendo

constantes contatos com outros profissionais da área, como médicos e enfermeiros,

distanciando-se da denominação de parteiras tradicionais. Portanto, elas são, de acordo

com a definição da Biblioteca Virtual de Saúde - BVS -, profissionais porque são “...

capacitadas para cuidar da saúde de gestantes, parturientes, puerperais, recém-nascidos

e familiares, buscando promover e preservar a normalidade do processo de nascimento,

atendendo as necessidades físicas, emocionais e socioculturais das mulheres”.

As parteiras profissionais costumavam rezar no momento do partejo. Algumas

conheciam uma série de remédios caseiros, tinham um tipo especifico de relação com a

parturiente, como procediam as parteiras tradicionais, contudo, para essas mulheres, a

eficácia de seu trabalho também estava no sistema formal de saúde, ou na Biomedicina.

Na maternidade, tinham toda a infra-estrutura que consideram necessária para um “bom

parto”; sentido diferente do oferecido pelas parteiras tradicionais, que priorizavam

outros procedimentos, como determinada dieta alimentar, orações e rituais para a

7 Capturado do sitio computacional http://www.opovo.com.br/opovo/fortaleza/711495.html , do jornal O Povo em 29 de agosto de 2007.

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realização de um “bom parto”. Dona Raimunda, por exemplo, garante que em apenas

uma ocasião realizou um parto fora da maternidade onde trabalhava, no Município de

Crateús. Para ela, a estrutura da maternidade era essencial para a realização de um parto

seguro e tranqüilo:

Ave Maria, eu fiz foi muitos [partos]. Eu tenho uns aqui, que já me viram, sabe tem homem aqui que já se formou-se, já me visitou por aqui, já formado. Eu fiz [o parto]. Eu não tenho nem a soma. (...) Tudo aqui, tudo só aqui dentro. Só este [que eu estava falando,] que foi fora que eu fui obrigada. Fui mesmo sem gostar. (...) Por que aqui, eu tinha coragem e fora eu não tinha. Agora era uma reza danada pra ir fazer fora. (...) Que eu não confiava, que ali eu tinha tudo, ali na estufa, tinha os remédios, já sabia qual era e tudo. E fora, eu não confiava, eu só confiava se fosse ali dentro na sala de parto. Ali, eu ficava tranqüila, podia tá só, só mais Deus, e dava certo. Não tinha medo. Dona Raimunda de Crateús.

O depoimento de dona Margarida, de Palmácia, que também é parteira

profissional, acompanha a mesma lógica do depoimento de dona Raimunda.

Na minha casa, eu não fiz não. Eu fiz, (...) a mulher estava sentindo dor e disse : dona Margarida! Ela mandou a mais velha me chamar. Aí, eu fui. Eu sempre gosto de carregar umas luvinhas e quando eu cheguei lá, botei um par de luvas e examinei, e eu disse: Tonete, meu deus! Você vai largar é aqui, não vai dar tempo de ir pro hospital não. Então mandei buscar o material e fiz o parto na casa dela. Mas eu não gosto não de fazer parto assim. (...) A diferença... Não é muito bom, por que no hospital tem a mesa de parto, ali a gente se sente a vontade e lá na casa, eu fiz na cama dela mesmo. É baixo. O parto que eu fiz em casa, foi só o dela. Na casa dela, por que não deu tempo de ir para o hospital. Mas eu não gosto de fazer. Só se não der tempo mesmo. Aí, o jeito é fazer.

É evidente a preferência, por parte das parteiras profissionais, por fazer o parto na

maternidade ou no hospital. A relação com o sistema de saúde fica mais clara ainda,

quanto se observa dona Margarida priorizando as luvas descartáveis (um símbolo do

processo de higienização), quando foi assistir um parto fora do hospital.

A inserção da parteira no sistema de saúde formal, a partir dos anos 1960, foi se

intensificando; era evidente. Os partos naturais nos hospitais e maternidades ainda eram

responsabilidade das parteiras. O conhecimento do ofício era reconhecido inclusive

pelos médicos, como pode ser observado no relato de dona Cesária, de Crateús,

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relembrando um dos partos que fez fora da maternidade, a pedido de um médico, pois

também não se sentia à vontade trabalhando fora da maternidade:

Aí, quando o Doutor (...). Por que ele conhecia demais o meu trabalho. Às vezes, a pessoa ia chamar ele assim à noite pra ir pra lá, ele dizia assim: Não, chama ali a Cesária. Que nós moramos pertinho vai. Ele dizia: Vá chamar ela, que ela vem, se precisar, agora vá lá pra dentro vá, se precisar de mim ela chama. Eu ia.

No depoimento de dona Cesária, nota-se que é o próprio médico quem orientava a

população a procurar pela parteira. A responsabilidade pelos partos normais era das

parteiras, as profissionais consideradas capacitadas para essa função, inclusive dentro

das instituições de saúde, hospitais, maternidades etc. Segundo as próprias parteiras,

médicos e enfermeiras somente eram requisitados no caso de complicações durante a

assistência, com risco de óbito tanto para a mãe quanto para a criança. O relato de dona

Leninha sobre seu trabalho ilustra essa situação:

Leninha: Chegou o doutor (...), o doutor (...) e doutor (...), esses foram quem me prendia mais.

Entrevistadora: Prendiam como?

Leninha: Botavam eu pra tudo. Chegava uma emergência: Chame Leninha. Se eu não desse jeito, se não fosse pra mim, aí, era que eu chamava. E o neném no interior, chegava pra me livrar, se chama [diz] pra “me livrar”. Se desse pra mim fazer sim, e se não desse, já tinha que chamar [o médico].

Entrevistadora: Quer dizer que a senhora trabalhava sozinha. E, quando era mais complicado, os médicos eram chamados?

Leninha: É, aí tinham outras que depois foi aprendendo. Por que já tinha pena de mim [de tanto trabalhar]. Aí, eu fui ensinando pra meio dia, eu tirar um cochilo. Foi quando foi começando para os interiores.

Entrevistadora: Antes da senhora ensinar outras mulheres a fazer parto, era só a senhora quem fazia?

Leninha: Por isso que, se passasse a noite trabalhando, de dia, de manhã, só fazia subir tomar banho, trocar de roupa. Aí, chegava a olhar um neném no interior, faltava outro quando, lá ia ser outro sacrifício.

Se desse pra fazer [o parto], fazia. Se não desse, era eu [chamando pelo médico]: cesárea!

Era eu que acompanhava o trabalho de parto, quando não dava, chamava já indicando pra eles que ali ia ser uma cesárea.

Entrevistadora: A senhora sabia quando podia fazer o parto ou não?

Leninha: Ora se não!

É possível observar nos relatos dessas parteiras a evidência do domínio de uma

prática. Talvez por ser milenar. Independentemente de profissionalização ou não, é

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evidente a auto-imagem da parteira, que lhe fornece legitimidade para partejar, estando

ou não no sistema formal de saúde. Para as parteiras profissionais, os partos só não eram

sua responsabilidade, quando havia complicações, como se viu anteriormente. Um fato

que ocorreu com dona Leninha, de Aracati, ilustra a evidência dessa “propriedade” do

ofício. Dona Leninha, em determinado momento da sua vida, resolveu parar de

trabalhar no hospital, onde partejava, e foi trabalhar em uma farmácia, como balconista.

Seu reconhecimento como parteira, porém, lhe seguiu, e várias vezes foi chamada para

fazer partos, às quais, quase sempre, correspondeu.

A proximidade com o sistema formal de saúde era, em muitos casos, utilizada

como forma de legitimação do trabalho que exerciam. Os cursos de parteiras que

algumas mulheres realizaram, para iniciar-se na profissão, ou fizeram quando já

trabalhavam como parteiras é um exemplo. Esses cursos, para algumas parteiras, não

acrescentaram muito no desenvolvimento ou na promoção de hábitos na atividade

tradicional que já desempenhavam. Muitas vezes, no entanto, eram utilizados para se

diferenciar de parteiras que não tinham feito curso; ou mesmo, eram empregados para

garantir um status diferenciado em seu trabalho individual. Pelos depoimentos de dona

Dalva, de Crateús, é possivel perceber como o curso acrescentou em quase nada ao que

já realizavam, inclusive, algumas nem chegaram a utilizar o material que recebiam

durante o curso:

Entrevistador: Antes do curso, a senhora já tinha feito vários partos. Como a senhora aprendeu a partejar?

Dalva: Fiz e aprendi, a minha mãe era parteira. (risos)

Entrevistador: Quando sua mãe fazia partos, a senhora via?

Dalva: Via, eu via os partos.

Entrevistador: Via como ela fazia?

Dalva: Via sim, como ela fazia. Aí, o hospital geral teve um curso, e eu fui fazer esse curso.

Entrevistador: O que tinha de diferente no curso, para o que a senhora já fazia?

Dalva: Nada, por que do que eu aprendi, o que eu já imaginava como era que podia ser, foi o que ele me ensinou.

É interessante notar que dona Dalva, ao ser indagada sobre sua iniciação no ofício,

que foi observando sua mãe partejar, priorizou falar que tinha feito um curso de

parteira no hospital, no qual, logo em seguida, diz não ter aprendido muito mais do

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que já sabia sobre partejar. Dona Valdelice8 lembra-se da história de uma parteira,

dona Geralda, uma parteira tradicional, que fez o curso, recebeu um kit de

instrumentos, mas não utilizou nenhum, continuou a partejar da forma como havia

aprendido:

Entrevistador: Houve um curso para orientar as parteiras?

Valdelice: Sim teve. Esse curso era o seguinte, eu não estou bem lembrada onde era o local ... na fundação Padre Ibiapina. Elas [as parteiras] foram um tempo se preparando, recebendo umas bolsas com materiais, Dona Geralda recebeu, mas ela não usava, ela usava o método que ela tinha, tá entendendo? Sempre ela dizia: eu não sei trabalhar...a única coisa que eu uso é a tesoura. Aí, eu falava: Dona Geralda a senhora esteriliza? E ela [respondia]: com álcool. Ela aprendeu com a mãe dela, de geração pra geração, e a mãe dela incentivava muito que pra cortar o umbigo tinha que usar a tesoura, mas esterilizada com álcool. Era muito lindo o trabalho da Dona Geralda, é uma pessoa que Deus a tenha em bom lugar, uma pessoa que deixou muita lembrança na comunidade.

Diante dessas falas, é possível perceber que a realidade é muito mais complexa do

que sua descrição. Ao mesmo tempo em que se tem no curso de parteira um símbolo do

sistema formal de saúde, sendo ressaltado pelas parteiras, pode ser percebida pela fala

de dona Valdelice (professora da escola local) a demonstração de enaltecimento do

trabalho de uma parteira tradicional, que adquiriu “fama”, ou seja, o reconhecimento

público, pela sua capacidade e experiência. A profissionalização e a “medicalização” do

ofício de parteira, porém, é evidente. O depoimento de dona Raimunda, de Crateús, uma

parteira profissional que sempre trabalhou em uma maternidade, mas não fez curso de

parteira (aprendeu o ofício com um enfermeiro), ressalta o valor atribuído ao diploma de

um curso de parteira. Apesar de trabalhar no hospital de Crateús, diz não se considerar

uma “parteira verdadeira”, porque não realizou nenhum curso de parteira.

Raimunda: É por que, ela era as parteiras de verdade, era ela, não era eu

Entrevistador: Por que? A senhora não era parteira?

Raimunda: Por que eu não fiz curso, não fiz nada. (...) Eu achava que eu não era de verdade. Ela que tinha feito os cursos delas, sabia as coisas. Eu sei que era formada. Ela era filha do Doutor (...) e as outras disse que tinham feito tudo. Anda lá de papel na mão mostrando que tinham feito curso em instituto e eu não tinha o que mostrar. Uma que eu não sabia lê, mal eu botava meu nome.

8 Dona Valdelice fora indicada pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Crato como parteira. Na verdade, ela era professora da escola local e reunia em sua casa as parteiras, quando faziam os cursos. Portanto, embora ela tenha sido entrevistada, para efeito da pesquisa, ela não foi considerada parteira.

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Apesar do que relatou, dona Raimunda era uma das parteiras mais requisitadas na

maternidade. Além disso, o fato de não ter feito formalmente um curso, ela, como visto

anteriormente, é uma das parteiras que não gosta de fazer partos fora da maternidade

pela falta de infra-estrutura, que somente o sistema formal de saúde oferece.

Além dos cursos, a experiência no trabalho em hospitais e maternidades também

são formas utilizadas para se legitimar no ofício, como é possível observar no

depoimento de dona Margarida, do Crato, região do Cariri:

Margarida: Não, [aprendi] tudo na maternidade. Depois que eu vim pra aqui, eles davam, nera? Alguma instrução. É tanto que, quando eu cheguei, logo aí, não tinha nenhuma que tivesse a experiência que eu tinha. Por que eu trabalhei em maternidade, por exemplo, material esterilizado, essas seringa, essas coisa de primeira. A gente foi trabalhando e eu fui gostando, aí eu fiquei. Me chamaram de noite pra fazer parto, chovendo e eu nunca deixei de ir, só se tivesse doente, assim mesmo achava melhor eu ir do que ficar preocupada.

Entrevistador: E havia outras parteiras como a senhora?

Margarida: Não. Que fizesse parto assim, de maternidade, tinha não. Tinha assim como se diz, “cachimbeira”, né? Uma velhinha, já morreu, ela dizia, era rezadeira: quando vem me chamar pra mim fazer um parto, eu já sei, se posso resolver ou se posso mandar chamar a D. Margarida. Que ela disse que rezava e sabia, mas não é não. Agora, às vezes eu ia ficar com ela. Eu fui tão feliz, que eu fiz 2080 partos, e desses 2080 partos eu me recordo que morreram duas pessoas.

Já quem não tinha nem curso, nem experiência em unidades de saúde, fazia

questão de ressaltar o respaldo de médicos, profissionais reconhecidos pelo sistema

biomédico, como indica a narrativa de Patrocínia, do Cariri.

Como a gente morava no sítio, não tinha esse posto. Depois [foi] que começou esse posto perto das casa. Assim, nos bairro das pessoas. E as mulher também fazia o pré-natal, depois que vim morar na rua. Depois foi que alguns médicos vieram saber e me aplaudiram.

Os relatos dessas parteiras podem sugerir que, ao mesmo tempo em que elas

buscam o reconhecimento do seu trabalho, pelo sistema de saúde formal, elas, de

alguma forma se sentem inferiores nesse sistema. Não foi o observado, porém - é

também claro na fala das parteiras - que elas constantemente reafirmam o valor da sua

prática, inclusive quando apontam que se tratando de partos normais, elas muitas vezes

entendem mais dos procedimentos do que os próprios médicos, o que reafirma, segundo

elas, o reconhecimento dos seus trabalhos, por parte dos profissionais do sistema formal

de saúde.

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Outra faceta dessa relação parteira e sistema formal de saúde é também a

existência de conflitos. Dona Fransquinha, de Crateús, em seu relato, deixa transparecer

esse aspecto:

[Antigamente era] muito difícil. Que hoje tá tudo fácil. Ali, leva a criança pro hospital, tem o médico, tem aquelas enfermeiras boa que sabe mais ou menos quantos centímetros falta, tal, tal. [É] melhor do que em casa. Por que ninguém vai arriscar. Eu não “risco”. Deus me livre! Um dia desses, uma teve o menino bem aí. Já tinha tido. Mandou vir [me] chamar: Não, minha filha, lave e leve pro hospital. Ia cortar o umbigo e dá problema? Que eu não sei como foi nascido nem nada. Eu digo: não, leve pro hospital. A gente tem medo, por que antigamente, você sabe disso, era o jeito que tinha apelar aos milagres de Deus. Que nós não tinha médico, não tinha nada. O jeito que tinha era apelar, mas hoje, que tem tanta facilidade. Que não é como antigamente. Você pegava o umbigo da criança, olhava. Hoje em dia, faz mal. Agora tudo lá é com aquelas merthiolate.

Embora estes conflitos não sejam necessariamente abertos, muito provavelmente,

porque o sistema formal de saúde é dado como um conhecimento hegemônico com

relação à saúde e doença em nossa sociedade. A hegemonia desse sistema pode ser

observada também nos relatos de parteiras tradicionais, que ao serem indagadas sobre a

possibilidade de fazerem partos atualmente, a justificativa para a não-realização não está

relacionada à sua capacidade e experiência, mas à vigilância por parte do sistema de

saúde formal.

3.4 Condições e organização do ofício de partejar

Nas entrevistas, tanto as parteiras consideradas tradicionais como as profissionais

assistiam a parcela mais carente da população de suas cidades.

Em uma realidade de grandes privações e dificuldades dessas populações,

predominantemente pobres, que sobreviviam, no caso das cidades pequenas de

atividades agrícolas ou pequenos estabelecimentos comerciais, a vida já era considerada

difícil. O desempenho de qualquer atividade nesse cenário significava situações

igualmente difíceis e as condições de trabalho das parteiras não poderiam ser diferentes.

Para as tradicionais, as dificuldades eram evidentes pela falta de infra-estrutura e

conhecimento de técnicas, que já existiam, para amenizar os riscos inerentes a um parto.

Já para as profissionais, que possuíam essas duas condições, a organização do trabalho,

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para algumas, muitas vezes não era adequada ao exercício da atividade, pois, via de

regra, a função de parteira não era a principal. Geralmente contratadas para outra

atividade, como visto anteriormente, como serventes, essas mulheres se interessarem ou

eram requisitadas para auxiliar nos partos até se tornarem parteiras de fato.

Para este relatório, foram selecionados alguns aspectos relativos às condições e

organização do trabalho que surgiram nos relatos das entrevistadas.

3.4.1 O deslocamento

Na análise de Bessa (1999), as parteiras desenvolveram atividades informais no

setor da saúde, como autônomas e sem preocupação com o valor monetário atribuído ao

seu trabalho. Já para Costa (1986), o trabalho da parteira não produz um bem material,

mas social, o que vem reforçar os depoimentos das entrevistadas, que atribuem ao ofício

o cumprimento de uma missão, um dom, conforme discutido em outro momento deste

texto.

Ser parteira significa estar disponível vinte e quatro horas por dia, pois o momento

do nascimento não tem hora, nem lugar, marcados, considerando, evidentemente, um

parto eutócico normal. Somando a isso as informações coletadas, das peculiaridades da

zona rural do Estado, pode-se aferir as dificuldades por que passaram essas mulheres,

por exemplo, no deslocamento para a casa das parturientes.

A dificuldade de transporte e a inexistência de estradas pelo menos razoáveis

eram consideradas como os primeiros entraves para o exercício da atividade. Nos

períodos de chuva, sobretudo, era muito difícil o acesso às comunidades mais

longínquas. Esse é um aspecto ressaltado também em vários outros trabalhos sobre

parteiras, como os realizados no Estado do Acre, O trabalho da parteira tradicional

rural: produtivo ou reprodutivo?, de Lucineide Frota Bessa, e do Tocantins, Vivências

cotidianas de parteiras e ‘experientes’ do Tocantins, de Benedita Celeste de Moraes

Pinto. Dona Leninha, como todas as parteiras tradicionais, utilizava diversos meios de

locomoção, como o cavalo, charrete, carro, a pé, motocicleta, bicicleta, enfim, o

importante era chegar ao local, como ressaltou dona Guiomar, da cidade do Crato:

Guiomar: Às vez, de pé, levando chuva, outras vez de bicicleta, outras vez ia com o menino nos braço, com o menino novo de resguardo, como essa que eu ganhei no mês de dezembro. Eu fui com 20 dias, eu fui lá pro Cancelão, lá em cima, chovendo e o meu cumpade, que sempre todos chamam cumpade, com a menina no braço e eu atrás. Quando nós chegamo,

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aí, dento desse mei de mundo escuro, quando o sol clareava, você só via a varendinha, quando o relampo abria, e a água dando aqui no mei da canela. Aí, quando uma vez a gente ia, eu de resguardo, o cachorro deu uma abocanhada assim na minha perna, que eu dei um grito maior do mundo, só sofrimento.

Mesmo quando a casa da parturiente era longe, se estivesse chovendo, elas iam.

Como disse dona Margarida, do Crato, só não ia se estivesse muito doente, mas, mesmo

assim, ela ficava preocupada e terminava indo; ou seja, a preocupação e o compromisso

com a profissão sempre eram mais importantes e serviam de estímulo a não faltar com a

responsabilidade que assumiram.

3.4.2 Os procedimentos e instrumentos de partejos

Os instrumentos que as parteiras tradicionais utilizavam durante o parto,

restringiam-se, basicamente, ao uso de tesoura e luvas, que passaram a ser utilizadas a

partir da década de 1960, já fazendo parte do processo de higienização do ofício. As

parteiras profissionais tinham os recursos disponíveis nas clinicas ou hospitais, como

estetoscópio, pinças, balanças, material para sutura e injeções para prevenir infecções

e/ou apressar o parto. Dona Pereira Gadelha, de Fortaleza, faz uma lista dos

instrumentos que utilizava:

É duas pince e uma tesoura e uma pincezinha dente de rato, que se chama dente de rato. Que são três pince, gaze, algodão, essas coisa assim... álcool (...). Tesoura, uma dente de rato e duas que servem pra grampar de um lado e do outro que é pra cortar no meio o cordão.

Os cuidados com os bebês variavam de acordo com as orientações que as parteiras

recebiam. Geralmente, limpavam as crianças e procuravam fazê-la chorar para “limpar

os pulmões”. Uma das parteiras (dona Patrocinia) disse ter sugado com a própria boca

as secreções do nariz do recém-nascido:

Passava álcool nele, puxava com minha própria boca, puxava as coisa do nariz, da boca. Isso, por que naquele momento, eu queria era salvar, não queria saber o que eu tava fazendo, mas eu queria salvar, eu fazia isso pra salvar. Quando eu via que a criança tinha nascido e tinha engolido muito secreção do parto, né? Depois [é] que a gente vai pensar. (...) naquele momento, eu não via nada, só queria ver a felicidade daquela criança.

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Muitos desses cuidados eram a expressão do amalgama entre o conhecimento

popular que haviam recebido por tradição e aquele de sua formação como parteiras

profissionais.

3.4.3 Auxiliares

Embora no início das entrevistas elas costumassem dizer que trabalhavam

sozinhas, após alguns minutos de conversa, relatavam ter sempre por perto alguém para

auxiliá-las, caso fosse necessário. Dona Patrocínia não abria mão da presença do marido

da parturiente. Ela pedia para que ele sentasse perto da grade da cama, abrisse as pernas

e colocasse a mulher entre as suas pernas, segurando-a por trás, após o parto orientava

para a mulher deitar-se de lado e que o marido a abraçasse na posição correspondente

para que os ossos da bacia voltassem ao local.

Os homem não tinha filho não, o filho era dos dois. Então o marido tinha que se preocupar com a mulher e com o filho da mulher. Por que o que a mulher sentisse, o bebê tava sentindo, se o marido brigava com a mulher, o bebê ficava triste lá dentro. Por que ele tava escutando ... o bebê conhecia a fala da mãe na barriga da mãe, e a fala do seu pai, os pais tem que acariciar, ele não tá vendo, mas ele tá ali.

Portanto, a ajuda do marido, para algumas parteiras, era fundamental, sobretudo

porque no trabalho de parto não fica cansada só a parturiente, mas também a parteira,

que, além do esforço físico que se inicia, notadamente, no deslocamento para a casa da

parturiente, passam por forte estresse pela responsabilidade que carrega de salvar pelo

menos duas vidas, segundo narra dona Guiomar, do Crato:

E tinha deles que até que chegavam, até que me ajudavam, quando era mulher fortona, que eu não podia, depois que o bebê que já tava pra cair mesmo, pra criança nascer, a pessoa não tem coragem pra nada, né? A gente ficava ali. Aí, às vezes que ela ia se levantar, qualquer coisa, eu chamava o caba: vem cá! E ele vinha: levanta ela aqui, assim. Às vezes, segurava ela nos ombro, e eu ficava na luta.

Nem sempre, todavia os maridos tinham coragem. Houve relatos de desmaios,

inclusive, piorando a situação para a parteira, que teve de cuidar da esposa e do marido.

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3.4.4 Formas de remuneração

Conforme afirma Pinto (2002), citando Muraro (1998),

(...) ressalta que desde a remota antigüidade as mulheres eram as curadoras populares, as parteiras, enfim, detinham saber próprio, que lhes era transmitido de geração em geração. As mulheres camponesas pobres não tinham como cuidar da saúde, a não ser com outras mulheres tão camponesas e tão pobres quanto elas (p. 444).

Diante dessas condições de precariedade, cobrar por um parto poderia ser

desumano para essas mulheres que se sentiam escolhidas por Deus para fazer o bem,

conforme assinala Patrocínia, de Barbalha:

Nunca cobrei não, nem quero cobrar nunca. Uma coisa, o dom que Deus me deu, eu ajudar aos meus irmãos, eu ficava tão feliz. Mas eu ficava feliz [também], quando eu via aquele bebê com saúde. Nunca fiz nem cobrei nenhum, nenhum parto, meu Jesus!.

Afirmou, porém, que sempre ganhava alguma coisa pelo trabalho realizado, um

“agrado”, procedimento comum em cidades pequenas. Dentre os depoimentos sobre o

que recebiam como pagamento, os presentes destacados são simbólicos e, muitas vezes,

demonstravam a condição de miséria da população, como se pode ver na narrativa de

Margarida, da cidade do Crato:

Eu cobrava um tanto de quem podia, de quem não podia eu não cobrava nada. Mas aí, elas sempre me agradavam. E sabe, quem não tem gosta de agradar. Aí, elas me davam frango, ovos, goma.

Há um caso, contado por dona Adelita, da cidade de Baturité, em que ela ficou

assustada com tanta miséria. Ao voltar para casa, foi procurada pelo marido da

parturiente que lhe trouxe dois pãezinhos enrolados num papel, como forma de

pagamento por seus serviços. Ela agradeceu, mas pediu para ele dar os pães aos filhos,

pois a família era extremamente pobre.

Portanto, diante de uma vocação que parece mais divina do que técnica, cobrar

de seus clientes cuja situação financeira era miserável era como se fosse um sacrilégio,

pois partejar, mais do que uma profissão, era um dom.

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3.4.5 Riscos e dificuldades no exercício da profissão

Qualquer atividade laboral possui riscos, algumas com maior e outras com menor

intensidade. No ofício de parteira, o risco se apresentava de várias formas. Desde o

deslocamento, como visto, pois poderiam surgir problemas, como chuvas, alagamentos,

caminhadas durante a noite sem boa iluminação, podendo se deparar com cobras ou

sofrer algum acidente de trajeto. Em seqüência ao deslocamento, o momento entre a

chegada à residência da parturiente e a concretização do parto era repleto de motivos de

estresses: quando a família era extremamente pobre, a parteira tinha que munir a

parturiente com paninhos para o bebê, ou tinha de ela mesma fazer uma refeição para

ser dada pós-parto e tudo isso no aguardo de que o parto transcorresse normalmente. Se

complicasse, em alguns casos, quando era possível, tinha de providenciar um transporte

para transferir a paciente ao hospital mais próximo, momento a partir do qual ela

passaria a ter menos responsabilidade, mas igual estresse. E caso não tivesse acesso a

essa possibilidade, teria que ela mesma (e “Deus”) ultrapassar as dificuldades. Dona

Guiomar tinha segurança de que seu dom era infalível: Aí parece que era um dom que

eu tinha que quando eu chegava lá e não dava pra mim resolver ai eu já levava pra

cidade.

Muitas historias e problemas que podem acontecer durante um parto foram

relatadas. Relacionavam-se a problemas físicos da parturiente, à condição de pobreza e

ainda a destemperos emocionais de maridos rudes, que chegavam a ameaçá-las de morte

se o parto complicasse, como relatou dona Maria de Caldas, parteira da região de

Canindé:

Essa mulher nunca tinha ido a médico, nunca. O marido dela não deixava ela ir no médico, era a maior coisa. Aí, tinha o asseio, né? Que eu fazia, antes de eu fazer o parto. Eu fazia o asseio do jeito que era pro doutor pegar. Por que se fosse preciso o doutor pegar, já tava livre, né? Aí, nesse dia eu fui fazer esse parto. Passei a noite trabalhando. Aí, quando foi na hora d’eu fazer o asseio, o ‘home’ pegou uma faca grande, botou em ‘riba’ da mesa: - Se a minha mulher morrer, eu lhe mato em ‘riba’dessa cama. - Morrer por quê? Não, não dá pra morrer não”, - Não, por que eu nunca ouvi falar nesse negócio aí. Eu disse: Isso aqui é mandado pelos médico. Aí, botou a faca lá, chega bufava. Mas eu tinha moral no meu trabalho. Quando eu dizia que ia fazer uma coisa, eu fazia. Aí ele, ele foi, botou a faca assim. Aí, começou a falar que eu só não era gente. Levei o nome de tudo, quanto era no mundo, eu levei. Aí, eu fiquei ... mas, eu não saí de perto, não. Fiquei rezando.

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O ofício de parteira é um ofício relacionado a um fator positivo, festivo, um ritual,

o nascimento; mas o processo de um parto é delimitado, ou possui fronteiras tênues

entre a vida e a morte. É o que narra Leninha, do Aracati:

Você acredita que foi daí de Boqueirão até Russas, a mulher não deu mais um gemido! Aí, eu fiquei... eu peguei nela, ela parada. Chamei o nome dela, ela só fez olhar assim. Peguei no pulso dela, o pulso fraco. Aí, eu:Puxa pelo pé. Com o Carlos o dono, o motorista: Puxa logo! E ele: Tá acontecendo alguma coisa? Eu: Num tá nada bom aqui, a mulher não tá bem. Chegamos lá no hospital, não tinha vaga. Aí, nós: Vamos pro outro. Vamos! Aí, também aquela dificuldade. Aí, eu disse: Olha eu quero uma maca pra tirar essa mulher daqui pra vê se salva ela. Aí, eu até entrei, mulher! Na sala de cirurgia, o médico tentando fazer, pra vê se salvava, mas a pressão zero já. Nem fez a cirurgia, por que não podia com a pressão baixíssima, não podia operar com a pressão já baixa. (...) Mas não deu tempo salvar nem a criança. A mulher morreu.

Assim, ser parteira nem sempre significava experenciar situações boas, felizes,

como contou dona Leninha em seu relato.

Há aquelas que iniciaram no ofício em hospitais de cidades pequenas do litoral, do

interior, serras e sertões, distantes da Capital. Em muitos casos, também, não tinham a

infra-estrutura necessária para os problemas mais graves. O procedimento, nesse caso,

era encaminhar a parturiente para um hospital mais bem equipado, geralmente na sede

do município ou outro município de maior porte.

Uma das situações mais difíceis, durante o parto, relatada pelas parteiras, era o

“segundo parto”, ou seja, a saída da placenta, conforme indica a narrativa de Margarida,

de Palmácia:

Depois da criança a placenta sai. Às vezes, muitas nem saem assim espontânea, é preciso a gente meter a mão pra poder tirar. Tem que fazer isso porque às vezes não sai, por que ali está colado lá no fundo. (...) Porque ali, a placenta, quando a criança nasce, a placenta, ela pode esperar 40 minutos depois do parto. Depois, se não saiu, tem que meter a mão mesmo pra puxar, pra tirar. Se não tirar... E ali tem que tirar ela todinha, se ficar alguma coisinha dentro acontece como a bichinha disse, dá hemorragia e pronto.

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A temperatura da mulher, sobretudo se a placenta não saísse logo, era indício de

que a parturiente estava com infecção, consoante informou a parteira Margarida, do

Crato:

(...) ficava umas duas ou três horas olhando a testa. Por que se esfria é hemorragia interna. Só depois eu ia embora.

As que tinham contato mais próximo com o sistema de saúde formal, quando

deparavam com as complicações no parto ou distocias (e a dificuldade do segundo parto

é uma delas), imediatamente encaminhavam a parturiente para um hospital, ou

chamavam por um médico, como relata dona Raimunda, de Crateús:

Pois era, sei que era perigoso mesmo, cansei de correr ali e chamar o doutor Soares pra tirar o segundo. (...) mas isso aí, eu nunca fiz, de tirar o segundo parto, não. Eu não confiava não, meter a mão lá por dentro, sem saber o que era que eu tava pegando. Aí, era pra quem era entendido.

Nem sempre, no entanto, havia médicos por perto. Nesses momentos, quem

resolvia o problema era a própria parteira, com sua sabedoria sobre o assunto. Dona

Francisca, também de Cratéus, relatou que rezava com a parturiente em voz alta a

oração de Santa Margarida para a placenta sair:

O segundo é o pior. Aí, eu ficava ali pelejando ... puxando devagarzim, devagarzim, devagarzim. Aí, eu ia mais a mulher dizer as palavras que é de Santa Margarida. (...) É assim: Valei-me! Minha Santa Margarida! Nem tô prenha nem tô parida! três vezes. Aí, desce!

Dona Francisca de Brito, de Fortaleza, usou o termo “delivramento” da placenta

para exprimir o processo de expulsão da placenta.

O domínio que têm do ofício é constantemente ressaltado. A inserção do sistema

de saúde formal, em sua área de atuação, não tirou, de forma nenhuma, a legitimidade

de suas qualificações, adquiridas pela tradição e, ao mesmo tempo, a importância do

sistema de saúde formal é reconhecido, com seus procedimentos científicos.

Foi possível observar, porém, que a conquista da identidade de parteira está em

sua experiência, portanto na tradição, como aponta a narrativa de dona Dalva, de

Crateús.

(...) pra mim, não tinha nada difícil. Por que, ela chegava e aí, eu examinava ela e eu dizia: Tal hora, até tal hora, você ganha esse menino. E ganhava mesmo!

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A experiência, adquirida com o tempo de profissão, possibilitava previsões sobre

a hora do parto, como observado no relato de dona Dalva. Todas fizeram questão de

ressaltar que, quando faziam uma previsão para a hora do nascimento, sempre

acertavam, mas não é somente sobre o momento do parto que fazem previsões, ou

diagnósticos, também sobre momentos difíceis, como pode ser observado neste outro

relato de dona Dalva:

Pode mandar chamar a Maria Alice [uma outra parteira da comunidade], que ela é uma assistente boa, lá em Crateús. Mas essa Maria Alice, quando arrumava uma coisa, minha filha, faltava outra. Quando arrumava outra, faltava outra. Era assim. Aí, ela disse assim: “Ê compadre, a mulher morre.” Ela também tinha experiência, e morreu!

O domínio da profissional extrapola os conhecimentos adquiridos e até a própria

experiência. O ofício de parteira agrega uma visão de mundo onde a ciência moderna

possui seus valores, mas a relação com o sobrenatural é fundante para sua legitimação, o

dom faz parte do processo9:

Examinei ela e disse: olhe, daqui pra seis horas, você ganha esse menino. Eu tinha esse dom, minha filha, antes do sol se pôr o menino nasceu. Dalva.

Diante da complexidade do ofício de partejar, das subjetividades de cada

parteira, o que se pôde observar foi uma diversidade de sentimentos envolvidos, dentre

os quais está o medo da morte, que, como destacado anteriormente, faz parte desse

momento de liminaridade, o nascimento; algumas vezes, a insegurança de não conseguir

resolver os problemas que poderiam acontecer; o cansaço de um ofício que requer

dedicação total, independentemente de hora e lugar. A despeito, contudo, dos riscos e

das contradições nem sempre favoráveis à execução do oficio, o que ficou mais evidente

em suas narrativas foram os sentimentos de coragem, em enfrentar desafios; de alegria,

por estar ajudando o próximo, da ternura e afeição pela criança que ajudou a vir ao

mundo e de tranqüilidade e sentimento de “dever cumprido”, após chegar em casa e ver

que ajudou mais uma pessoa que necessitava de suas habilidades como parteiras.

9 Sobre a relação do trabalho das parteiras e as crenças e religiosidades será visto mais profundamente no capítulo quatro.

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4 PRÁTICAS CULTURAIS PRESENTES NA ARTE DO PARTEJO10

Ê! Meu anjo, de primeiro tinha muita ciência...hoje...

(dona Francisca Vieira)

Esta frase de dona Fransquinha, de Crateús, indica como essas mulheres tinham

consciência da complexidade dos seus ofícios. Quando contavam suas histórias, as

parteiras destacavam marcas, desejos, memórias e contavam suas experiências,

definindo como central no seu trabalho de parteira a doação, o ato de fazer partos como

missão, como um dom de Deus.

Hoje, não praticam mais o ofício, mas muitas continuam sendo procuradas por

pessoas da comunidade para dar conselhos, orientações a respeito de saúde da mulher,

cuidados com o bebê e, ainda, “rezam” em crianças, em adultos, rezam para tirar dor de

cabeça, dor de dente, “mau olhado”, dentre outros. Seus conhecimentos e experiências

como parteiras, e, em alguns casos, como rezadeiras, são reconhecidos através das

gerações no âmbito da cidade onde residem. Em certa medida, indicam que o “dom”

que possuem, continua - no sentido de fazer o bem, ajudar as pessoas para curar dores -,

como tinham para ajudar a nascer, ou como elas mesmas dizem “aparar” crianças.

No tocante a estas práticas culturais no cotidiano das parteiras entrevistadas, nota-

se que estão presentes ainda hoje, como pode ser percebido nas falas em que apresentam

uma rica e diversificada receita para o tratamento da mulher e da criança no trabalho de

parto. É interessante destacar que este aspecto foi evidenciado pelas parteiras e pode

revelar a cultura popular expressa nas crenças passadas pela tradição da oralidade e que

sobrevivem através de gerações.

Como visto anteriormente, o ofício de partejar não é adquirido de forma natural,

pois são necessárias vivências ou situações em que se possa desenvolver esta

potencialidade. O mister tem segredos que não se aprendem na escola; cada parto é

diferente de outro. As parturientes são diferentes e a combinação de sua história de vida

e situação física e psíquica também influenciam.

10 Entende-se por práticas culturais o conjunto de valores expressos em tradições e costumes. Experiência e modo de vida, considerando dimensões como subjetividades, sentimentos, tensões, diferenças, religiosidades, crenças, etc. Cf. WILLIANS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro, Zahar, 1979. A visão de mundo que as parteiras possuem, impregnada de valor como a tradição, leva a conceber certas experiências como densas de significado. E este significado é compartilhado pela comunidade.

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No Brasil, desde os tempos coloniais, a posição social das mulheres parteiras e

curandeiras é destacada. Os saberes das parteiras envolviam os procedimentos práticos

que se devia ter no trabalho de parto, seu ritual, relação com a parturiente, os cuidados

com a criança, alimentação, e, indo mais além, nos preparativos do local e vestuário da

parturiente e criança que estava para nascer, e ainda a utilização de ervas, realização de

preces etc.

O processo do parto comportava diversos momentos, conhecer e receber a

parturiente, conversar com ela, acalmá-la, construindo-se forte vínculo entre a parteira e

a parturiente O ofício de parteira, subentendia o conhecimento de cada etapa do

processo e, além disso, nem sempre o conhecimento técnico adquirido pela pura

experiência cotidiana era o mais significativo. Isso ajudava a elaborar um tipo de

abordagem humanístico/afetiva, antes, durante e depois da sala de parto.

Muitas delas eram chamadas para rezar nas pessoas da comunidade, como

informa Patrocínia, da cidade de Barbalha: rezava pra saber como ela [a parturiente]

estava se sentindo, como é que estava o parto dela, que já vinha acompanhando, agora

no pré-natal.

É interessante perceber a valorização do momento inicial do trabalho de parto, no

sentido de estabelecer o diálogo com a parturiente, de tratá-la como pessoa e não como

mais um “paciente” ou número estatístico, mais uma mulher que vai dar à luz. Esta

observação é muito comum nas falas das parteiras entrevistadas, pois, segundo estas, o

estado emocional da futura mãe é fruto de toda sua história desde a concepção, a relação

com o marido e a aceitação de si mesma.

Nesse contexto, um dos aspectos a ser considerado é a situação de vida das

camadas populares das cidades e populações rurais que utilizam o trabalho da parteira

da comunidade, notadamente a falta de recursos, o não-acesso aos hospitais e médicos

para o acompanhamento ao parto. A própria necessidade de maior compreensão do

período e transformações em que vive o corpo da mulher é um ponto destacado nas

entrevistas. A hora do parto é um momento afetado por todo o processo, desde a

concepção, sendo vivido de forma tranqüila ou não. A figura da parteira representava a

segurança de que a parturiente precisava naquele momento.

O trabalho da parteira, portanto, constituía ação na qual, além do

acompanhamento técnico, dos exames, passava necessariamente pela habilidade e

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capacidade de comunicação e diálogo com a parturiente, era um saber-fazer adquirido

na prática, com a experiência de realizar partos; particularmente, um saber reconhecido

pela tradição.

Feita esta observação, a vida de mulheres trabalhadoras rurais e/ou pobres das

periferias das cidades era conhecida pelas parteiras que as assistiam, morando ou não

nas redondezas, mas que atuavam considerando as carências, limitações e necessidades

das populações com as quais convivia, principalmente respeitando suas particularidades

culturais, sobretudo por que elas provinham do mesmo local ou de lugar semelhante,

sentindo-se mais do que parteiras, pares, com trajetórias semelhantes. Esse modo de

partejar marca um modelo diferente, por exemplo, do padrão de partejar do sistema

formal de saúde.

Não existe relação hierarquizada entre parteira e parturiente, mas há um status

conferido à parteira, que lhe dava também autoridade. Com esteio nas narrativas das

parteiras, é possível perceber uma tendência a um tratamento sensibilizado, voltado para

a pessoa, em circunstâncias nada fáceis, como é o ato de parir, e nem sempre em

situações favoráveis.

Partejar, para essas mulheres, era mais do que um ato solidário, era um momento

de partilhar experiências de vida, de responder ao dom de que se sentiam investidas.

Todo saber era valorizado e utilizado para ajudar no momento do parto, a ajuda do

marido, como já se viu, ficar sentada, deitada, sozinha, acompanhada, gritar, chorar e

rezar.

Tudo está contido no ritual vivido pela parturiente e pela parteira. No relato de

dona Patrocínia, é possível observar a centralidade que a reza tem no processo do parto:

Eu era chamada pra fazer reza, mas nas pessoas que eu já ia. Que eu rezava pra saber como ela tava, como é que tá o parto dela, que eu já vinha acompanhando (...) Tem a oração do Senhor do Bonfim, que a gente reza na barriga, e a mulher era logo aliviada. Se tiver em perigo de parto, era logo aliviada. E tem aquela, tem também a oração quando a mulher ela ganhava a menina, a gente não deixava ela fazer força.

Não só o ato de rezar é central no partejar de parteiras, mas a religiosidade

como um todo, como se pode observar no relato de dona Maria Pereira, de Fortaleza:

Eu rezo tanto. Quando eu tenho uma aperreada, [eu digo:] minha filha, tenha calma, que Deus está segurando na sua mão e seu neném só nasce na hora que Ele marcou, enquanto isso ele não nasce, só na hora que Deus marcou,

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porque aquela hora é a hora marcada, nós não marcamos por qualquer maneira, não. Todos nós temos a hora de nascer, nem que faça o que fizer, não nasce antes da hora. Aí, Ave Maria, lembro a ela pra se lembrar de Jesus, pegar na mão de Nossa Senhora, rezar, pedir a Deus, elas fazem. As bichinhas são boazinhas. A minha oração, a oração minha é só a fé em Deus, só é fé em Deus, “segure na mão de Jesus que ele está segurando na sua”. Sou católica. Eu só gosto de conversar com as pacientes e dizer quem é o nosso dono, nós só temos um dono, que é Deus. E é ele que faz a hora.

Dona Maria Vieira, de Beberibe, costumava pedir a Deus sua proteção na hora

de partejar, mas a força que ela alegava possuir vinha de uma oração escrita em um

papel que sua avó parteira (que ela insistia em chamar carinhosamente de cachimbeira)

havia lhe entregue:

Minha avó dizia que quem tinha essa oração em casa estava livre de morte com faca, roubo, morte súbita, de parto, de fome... eu colocava a oração nos peitos dela e dava certo... mas eu nunca fui atrás de saber que oração era...

Mesmo as parteiras que disseram não rezar na hora do parto, demonstraram

alguma crença ou fé, como é possível perceber no relato de dona Raimunda, de Crateús:

Eu nunca rezei. Não que eu não sabia. Nunca aprendi oração nenhuma. Mas tinha a Nossa Senhora de Bom Parto, mas eu não fazia oração nenhuma. Só fazia pedir a Deus mesmo, me valei-me, chamava Nossa Senhora pra estar comigo... Às vezes, assim de uma pessoa que, eu me aperreava na hora do parto da mulher que faltava, eu me valia de uma pessoa que eu sabia que ela, a criatura, já estava na outra vida e podia me ajudar. Como a finada Maria Francisca, uma velhinha que morreu em meu poder... Ainda hoje eu chamo por ela quando eu me vejo aperreada, peço ajuda dela e vejo, não sei se tenho fé demais, mas dá certo, dá certo. Me lembro dela aí chamo ela.

Nos depoimentos dessas mulheres, evidenciam-se a formulação e a construção e

exteriorização do valor auferido a sua coragem e fé ao transcorrer o trabalho de parto de

forma natural, sem problemas; atribuindo a essa fé uma importância significativa,

caracterizando-se como fonte de proteção e acompanhamento transcendental e assumem

uma identificação religiosa, de crença, como católicas, evangélicas ou mães-de-santo.

As narrativas retratam, em alguns momentos, um ambiente constituído por

sofrimentos, lágrimas, dores, que é complementado por um clima dialogal permanente

com a parturiente. No relato de dona Patrocínia, do diálogo com uma parturiente, pode-

se observar a centralidade da eficácia do apelo divino, como o organizador de um

momento de caos que está por vir:

Eu dialogava e, principalmente, essas do primeiro filho, eu deixava ela bem alerta do que elas iam passar: Olhe minha filha, a gente vê a morte, mas não é a morte. Quando você tem o seu bebezinho nos braço, Nossa Senhora, ela

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passa a mão na sua cabeça. Parece que você fica com tanta felicidade, que você vai sorrir com o vento. Olha, é uma horinha, que é uma hora que, só quem não sentiu essa dor foi Nossa Senhora, que nós passamos, é uma dor pra poder vir um desses, que é uma coisa tão bonita, tão linda. Não é ruim ter menino não. Vamos pedir a Jesus que seja bem normal, e seja por onde você recebeu ele, por onde você concebeu ele, se Deus quiser, você vai pegar ele nos seus braços.

Nota-se a importância dada ao aspecto da religiosidade durante o ofício do

partejo. Noutro relato de dona Patrocínia, observa-se essa centralidade da fé, quando

demonstra como sente segurança ao realizar sua “reza” para a proteção no momento do

parto:

A gente fazia o toque, se for de cabecinha, a gente vê, reconhece quando o menino é normal. E tem a reza que a gente sabe, por que o dom mesmo é dado por Deus, por Jesus. A nossa força é: a primeira de Deus, a segunda a sua, a terceira a dela, [eu dizia a parturiente]: e a senhora crie coragem, por que sua mãe passou por isso quantas vezes?

A dimensão que transpõe os procedimentos de cuidados com a mãe e a criança,

como a higienização, estava presente não apenas para a parteira, e sim, na relação e no

diálogo entre ambas. Ao entrar no trabalho de parto, as duas mulheres (mãe e parteira)

lembravam-se ou conversavam tendo à frente a força, a coragem e fé necessárias para

dar vida a mais uma pessoa.

Independentemente da opção religiosa, as orações estão sempre presentes no local

do parto. Dona Margarida de Sousa, da cidade de Palmácia, evangélica, fazia sempre

uma oração no momento do parto, às vezes chegava a tocar uma cítara para acalmar a

parturiente: às vezes, eu também pego minha harpa11 e fico louvando, ali ela se sente

bem.

Dona Margarida, ao falar sobre as crenças que envolvem o momento do parto,

ressalta algumas das imagens evidenciadas nesse momento. Além de Nossa Senhora do

Bom Parto, também Deus, e Jesus, são lembrados nesses momentos.

Tem a imagem de Nossa Senhora do Bom Parto. Elas dizem assim: Oh! minha Nossa Senhora do Bom parto, me ajude a ter neném. É assim, Nossa Senhora do Bom Parto. Essas que são católicas, né? As que não são católicas se valem de Deus, Jesus Cristo, as que são evangélicas. Tem das que não sabem se são católicas, se são evangélicas e se valem de Deus dizendo assim: ah, meu Deus, meu Deus me ajuda, oh! Dona Margaridinha me ajuda, me dá sua mão aí pra eu segurar. É desse jeito. Eu tenho essa

11 A entrevistada refere-se a um instrumento musical vendido amplamente denominado citara, de fabrico artesanal e a baixo custo, mas diferente da citara barroca e, sobretudo, da harpa.

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experiência, eu não sei se é besteira, mas eu tenho pra mim que quando faz força na minha mão, a dor fica e não desce.

É um dos elementos constitutivos do ofício de parteira essa relação com o divino.

Partejar não é somente dominar técnicas, um bom parto requer um acompanhamento

divino.

Quando eu chego ao hospital que eu vou fazer um parto eu digo assim: Oh Senhor! o senhor quem vai fazer esse parto, não sou eu não. Eu graças a Deus, nunca morreu uma criança em minhas mãos, porque eu acho que é uma tristeza muito grande. A gente ali, a gente quer saber, a gente quer a criança saudável, que nasça aquela criança muito linda.

Dona Maria Vieira, de Beberibe, ressaltou, ao ser indagada, se fazia o parto

sozinha: Eu? Só eu, Deus e Nossa Senhora, mais ninguém!

As rezas permeavam diversos momentos do parto. Dona Fransquinha, quando

estava iniciando no ofício, pediu a uma parteira mais velha para lhe ensinar a reza feita

antes de sair para fazer um parto, que indica se o parto transcorreria bem ou não:

Eu só fiz perguntar: cumade Luiza e a reza que a gente reza quando a gente sai pra ir fazer o parto? Aí, foi, ela disse: minha filha, a gente reza a Salve Rainha até nos amostre. Se você errar, tem embaraço.

Esse relato de dona Fransquinha evidencia a crença que permeia o ofício da

parteira, pois, conforme ela diz, rezar não é suficiente para haver um bom parto, sem

problemas ou complicações. É preciso que durante a reza se chegue até determinado

momento da oração sem erros, ou seja, sem “enganchar”, pois se houver algum erro no

momento da reza, é sinal de que o parto não transcorrerá bem, haverá um “embaraço”.

“Embaraços” podem ser previstos de outras formas, como no caso de dona Dalva,

de Crateús:

Só uma mulher que eu assisti com ela, e ela depois do parto, teve normalzinho o menino, mas o doutor Abidoral já tinha passado por lá e tinha dito: Olhe você tenha cuidado que você... talvez você.... Disse para o marido dela que [talvez] ela vá morrer desse parto! Aí, quando eu saí, eu saí assim com um receio minha filha. Eu primeiramente, eu fui pegar um menino ali perto. Era até de uma comadre minha. Aí, eu disse assim: Compadre, eu não queria ir. Me deu esse negócio. Aí, ele disse: Não comadre, faça isso não. Quando eu cheguei no caminho, encontrei um negro e uma negra, que moravam perto. Me deu um arrepiamento tão grande, que eu disse: Compadre, eu não vou mais não, vá em Crateús buscar um carro, vá buscar um carro pra ir levar ela em Crateús. [E ele disse:] O que foi que você viu comadre? Eu disse: Me deu uma coisa ruim, não vai dar certo não. Ela teve o menino, mas morreu!

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Além das rezas feitas antes e durante o parto, também havia a reza para ajudar

num dos momentos mais delicados, como já vimos - a saída da placenta, também

conhecida pelas parteiras como “segundo parto” e “mãe do corpo”:

Fransquinha No segundo, que o segundo é pior do que a criança. Que às vezes prega, sabe. Aí, num pode ficar nada dentro, por que se ficar dá doença. A gente fazia o parto, fazia tudo bem direitim.

A reza para a saída do “segundo parto”, segundo dona Fransquinha,

É assim: Valei-me! Minha Santa Margarida! Nem tô prenha nem tô parida, três vezes. Aí, a gente reza pro anjo da guarda da pessoa, pro Santo do nome dela, pra dá força àquela filha, pra poder descer. Aí, desce!

Além da reza, dona Fransquinha utilizava outros ritos para auxiliar nesse

momento. Um deles era a parturiente vestir a camisa do marido: Veste a camisa do

marido que é pra num ficar parte nem custar.

Também dona Adelita, de Baturité, recorda de alguns procedimentos utilizados

pelas próprias parturientes para auxiliar no “segundo parto” ou saída da “mãe do

corpo”:

Eu fiz um parto uma vez, a mulher estava no sexto filho. Depois do parto, deu tudo direitinho, e a mãe começou a soprar as mãos e disse que era para a mãe do corpo sair. Outra vez ouvi que vestir a camisa suada do marido, pelo avesso ajuda a sair a placenta. Ela chamava a placenta de mãe do corpo.

Esta narrativa é instigante e leva a se pensar nos significados da prática de ser

parteira e a experiência de conhecer o perigo que representa a retirada da placenta após

o nascimento do bebê. Dona Adelita conta a história de uma parturiente que

denominava a placenta de “mãe do corpo”; dona Francisca por sua vez, considera a

saída da placenta um “segundo parto”. São conhecimentos que extrapolam os cuidados

com a higiene, e aparecem como um dos argumentos legitimadores da capacidade e

“dom” de partejar nas entrevistas com as parteiras; mais intenso com as parteiras

tradicionais, mas também presente no relato das parteiras profissionais.

Também faz parte do ofício de partejar o conhecimento de as dietas alimentares,

conforme a aprendizagem e a tradição que sempre viveram e que fazem parte de suas

culturas. Dentre as recomendações, estavam as dietas pós-parto, que continham os

alimentos interditos ou não para o período do resguardo, um período de liminaridade,

que, como todo período de liminaridade, guarda em si situações de “perigo”. Eram

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freqüentes os cuidados com infecções, limpeza, alimentação etc. Dentre os alimentos

permitidos e não permitidos, dona Patrocínia oferece uma lista:

Ficava aguardando, quando as dores tava, as dores tava faceira, preguiçosa, a gente mandava mornar um ovo, morno, e ele ficava com aquela clara quando cozinhada mais que a gema, mole, não muito cozinhada. Botava a pimenta-do-reino e podia dava pra mulher tomar... pra mulher tomar, mas também manteiga da terra.

(...)

Era ovo mole com pimenta do reino e poquim de sal, bem poquim, porque às vez muda a pressão né?

(...)

Só pra não ser o ovo do mesmo jeito que saiu da galinha, né? E era ovo de capoeira. Depois a gente dava um chá de pimenta do reino pra aquelas dores, pra mulher não ficar sofrendo, aquelas dor machucadeira, pra elas chegar e vim de melhor à melhor, pra gente que tá sofrendo quer ser aliviado.

(...)

Chá de pimenta do reino com uma colher de manteiga da terra, manteiga da terra é manteiga do leite da vaca, a pura. Conhece, num conhece?

E dona Patrocínia continua com seus conhecimentos sobre os alimentos interditos

ou não:

Patrocínia: Ah! a alimentação, na hora que a mulher saísse da cama, o capão tava pronto pra dar um prato de pirão, não tem esse negócio não, era um prato de pirão com arroz.

(...)

Ela só saia quando comesse o pirão. Todo dia ela tava bem legal.

(...)

Agora uma coisa que eu não deixava pôr na panela, miúdo, é pescoço, cabeça, coração e só. Pescoço, pescoço da galinha, coração, fígado, pés, um pote de água, porque tem mulher que quando bota...[se sente mal]

(...)

A outra mulher pode comer tudo.

(...)

Não, podia ser frango, podia ser frango. Agora frango quando era a primeira postura não era tão bom. E também a raça de galinha, galinha indiana não podia, tinha que ser galinha pé duro. Galinha de raça é como comer caça do mato, a carne é preta. Galo também não pode. Fora isso podia comer tudo, menos curimatã, a pinha que o pessoal chama de ata, a manga rosa, a gente dizia o que não podia comer.

(...)

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Carne de porco, só se fosse o primeiro menino, ela podia comer dos seus vinte dias em diante, tatu ela podia comer, já peba não. Feijão de corda só quando tivesse pelo menos com quatro dias, o feijão mulatinha podia comer até na hora que ganhasse.

(...)

Tapioca, dar a tapioca pura não pode, por que pode dar, o pessoal não fala muito no corrimento de mulher, tando de dieta não pode, assim, pelo menos no começo dos primeiros dias tem que fazer misturado com a farinha, pouca farinha, mas tem que usar.

Também haviam os interditos relacionados ao esforço físico. Assim, há também

uma relação dos esforços físicos que devem ser evitados:

Patrocínia: Consta de relações sexuais, consta de pegar um pano pesado, pra lavar, digamos uma rede, se for manual. Se for pra colocar na máquina, tudo bem. Se ela pegar assim, sacudir assim pra estender, subir degrau muito alto, não é que seja operada. Mas é que [se] ela [evitar esses esforços,] fica uma mulher saudável. Ela nunca [vai] fazer uma períneo. Ela nunca tem o seu útero pra fora, entende? (dona Patrocínia).

Além disso, faz parte do conhecimento das parteiras o domínio de ervas

medicinais, as quais indicavam para as parturientes. Quase sempre, elas mesmas

preparavam e davam às parturientes, como o chá de pimenta para aliviar as dores das

contrações, entre outros cuidados, como relata dona Fransquinha, de Cratéus:

Era assim: quando a mulher tava sofrendo a pessoa pegava e fazia um chá de pimenta do reino e dava. Os médicos agora num querem que dê, por que diz que faz mal ao coração. Aí, faz aquele caldinho insosso e dava à mulher pra tomar. Era desse jeito. Você podia dizer que a mulher tava grávida, tomasse um susto, aí fazia o remédio e era assim: pegava a chaleira, botava no fogo, aí botava aquela água e dava à mulher pra beber. Que é bom. (...) Só a água quente. Que é pra num perder a criança. Ê! Minha filha. Aí, quando a mulher ia ter o menino, a gente fazia o chá pra resistir as dor, né? Da pimenta do reino. E dava. (...) Ardia que só pimenta mesmo. Aí, tomava. Chega ficava pra morrer com a boca ardendo. Mulher, a gente sofria demais. Quando num era, pegava essa manteiguinha da terra, amornava e dava pra mulher tomar.

Dona Maria Vieira, de Beberibe, fazia o caldo de pimenta apenas com farinha

peneirada (cevada, como ela referiu) e a pimenta. Ela não colocava sal para não “subir a

pressão” explicou.

As ervas também eram utilizadas para outros tratamentos da parturiente. Era

estabelecida, entre parteira e parturiente, uma relação de confiança e acompanhamento

para uma melhor recuperação da saúde, como se pode ver no depoimento de dona

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Patrocínia, quando descreve a maneira como acompanhava a parturiente depois do

parto:

Na hora do banho e do asseio dela, era cozinhado aroeira, cajueiro, jurema preta, não muito demais. Ali, eu pusia um pouquinho de pedra húmus, já ouviu falar em pedra húmus?. Naquele banho, e uma pitadinha, conforme seja, um pouco, uma colher de álcool ou duas, dentro do banho. E ali eu mandava ela, ... não muito quente nem gelada, lavava, tinha que ser bem lavadinho, pronto! [E dizia]: e se você quiser lavar que você lave. Pronto, a mulher já tava era trabalhando!

O conhecimento das ervas também era utilizado para cuidar das crianças,

conforme aponta Dona Patrocínia:

Patrocínia: Por exemplo, criança chora às vezes com dor de barriga, num é? Aí pegava a alfazema, queimava, aí tirava o leite de peito e dava pra criança tomar que era um santo remédio. Hoje em dia é só remédio. De farmácia. Só remédio de farmácia. Hortelã também é muito bom pra dor de barriga. As mulher dava o chá... hoje num é mais pra dar chá à criança. Que diz que dá cólica, dá num sei o quê... nada disso faz mal. Tudo era bem. Quando era época da criança tá com diarréia, você pegava aquela goma aí fazia aquele mingau... de cidreira, o chá. Aí dava aquele mingauzinho pra’quela criança pra passar a dor de barriga. E servia. Hoje num serve... que tudo faz mal.

Todos esses elementos deixam entrever o lugar dado à tradição nos relatos das

parteiras. Eram procedimentos nos quais todos da parturiente, a família dessa e a

comunidade acreditavam na eficácia. E por isso eles adquirem um grande espaço em

seus relatos.

Nesta perspectiva de considerar e valorizar a sabedoria popular e práticas

tradicionais de mulheres desde há muito tempo, é interessante perceber aspectos

relatados, não só do momento do parto, como também relativos à saúde da mulher, seu

estado psicológico, sua história de vida, a situação que vive, o apoio familiar, as

condições de uma boa alimentação.

Importante é salientar que todo parto inclui não somente o ato de aparar uma

criança, mas de prestar os primeiros cuidados. Nessa atividade também havia rituais e

práticas especificas para os recém-nascidos: defumar o umbigo (pratica de soprar a

fumaça do cachimbo no umbigo após cada banho); jamais banhar a criança no sétimo

dia de nascido (poderia banhar antes e depois, nunca no sétimo dia); quando o umbigo

caísse, colocar um botão no lugar; usar uma fita vermelha no braço para espantar mau-

olhado, entre outras que as parteiras ensinavam as recém-mamães. Eis alguns

depoimentos de dona Fransquinha:

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A gente botava um botão do tamanho que é o imbigo...e amarrava Pegava um carocinho de milho e passava, faz a cruz e joga pro galo comer. Ai diminui Também maxixe...num tem maxixe que a gente come? Ai passa corta aquele, ai vai coloca aqui...ai pendura pra muchar, que ai vai muchando o imbigo também...

Rabo de lagartixa também tinha quem passasse no imbigo

Com relação à criança, havia também uma serie de remédios caseiros que ela

ensinavam:

- para dor de barriga - alfazema queimada misturada com o leite do peito; ou chá de hortelã;

- diarréia – mingau de goma ou chá de cidreira

- dor de ouvido – pingar banha de galinha no ouvido

- susto – soprar a moleira do bebê

O desafio da compreensão do conhecimento popular, suas crenças e saberes,

está ligado ao avanço da reflexão sobre práticas culturais tradicionais resultantes de um

contexto de relações sociais. Não obstante todo o processo de “medicalização” e

assepsia por qual passou a experiência dessas parteiras, o valor dado à tradição da arte

de partejar aparece sempre em seus relatos. A visão de mundo dessas parteiras não

muda completamente em função das mudanças que vivenciaram ou mesmo

protagonizaram. Percebe-se o denso amálgama entre aquilo no que acreditavam e as

novas “verdades” trazidas pela ciência. É a recriação e ressignificação do que foi vivido

para realimentar a vida, valorizando sempre suas experiências e reconhecendo suas

diferenças e pluralidades.

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5 A ARTE DO PARTEJO: OFÍCIO RELACIONAL Tudim me chamava de mãe

(Dona Maria de Caldas)

O ofício de parteira, diferente do mister de médico-obstetra e da enfermeira

obstétrica, é uma profissão fundamentalmente relacional. Os partos feitos pelas parteiras

vão além das técnicas necessárias para sua realização. Um dos elementos principais, no

ofício, são as relações que se estabelecem entre a parteira, a parturiente e sua família,

bem como a relação com a comunidade da qual faz parte.

Conhecer e compartilhar as histórias de vida, as emoções e os sentimentos

envolvidos em um parto demonstram-se tão importantes para as parteiras entrevistadas

quanto a dilatação e os intervalos de contrações. Nos relatos, observou-se que a relação

travada entre parteira e parturiente é mais complexa do que a relação

profissional/usuário. A parteira, além de fazer o parto, cuida da mãe e da criança. Cuida

orientando a mãe para os momentos muitas vezes das dificuldades que vai vivenciar. A

parteira cuida da criança até que ela “perca o seu umbigo”, ou seja, quando está menos

vulnerável a infecções. A relação que criam com a criança parece ter um caráter

definitivo; é como criar um grau de parentesco. Toda parteira é “mãe” da criança que

ajudou a nascer. Essa “mãe”, às vezes, denominada “segunda-mãe” - uma das

entrevistadas chegou a ser chamada de avó - é uma relação próxima à de madrinha. É

possível inferir daí o status da parteira dentro de sua comunidade.

Muitas parteiras criaram um vínculo familiar com as parturientes, passando a ser

comadres. Essa é uma relação muito recorrente entre as parteiras cearenses. E a relação

que se estabelece entre duas comadres é bem diferente daquela entre médico e paciente,

ou profissional e usuário, pois há, entre duas comadres, afetos, cumplicidades,

comprometimento, uma história de vida em comum. As crianças aprendem, desde

pequenas, a chamar a parteira de “mãe”, como registra a narrativa de dona Patrocínia,

de Barbalha:

Elas chamavam e dizia: Olha meu filho, é sua mãe, sua mãe. Não [me] chamavam de parteira, era tudo cumade. Era mãe de fulano, mãe de cicrano ... era assim.

Essa relação de proximidade entre as parteiras e as parturientes pode ser

observada desde o início do processo do parto. Muitas vezes, as parteiras eram

chamadas somente na hora de a criança nascer. Nessas condições, não conhecendo a

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história de vida da mãe, procuravam conversar e colher informações sobre sua saúde,

acerca de como tinha sido sua gravidez e a respeito do relacionamento com a família. O

relato de dona Adelita, da cidade de Baturité, demonstra essa preocupação que a parteira

tem com a parturiente, inclusive quando esta não fazia parte de seu círculo de amizades:

A gente tem que saber cuidar do menino, do feto, depois a mãe. Saber quando a mãe está bem, saber dos sinais vitais, se aquela mulher vai ter condições. Saber da gravidez, se é casada, se o marido é bom pra ela, se o homem bebe. A gente tem que fazer essas perguntas, por que não fui eu quem fez o pré-natal, ela só veio ter.

O relato de dona Adelita deixa claro que a preocupação dessas parteiras não

estava relacionada somente com os sinais vitais da parturiente, pois era importante para

elas, também, por exemplo, ter informações sobre o tipo de relacionamento que a

mulher tinha com seu marido; questão que vai além de um diagnóstico clássico

(baseado na Medicina formal) e adentra questões subjetivas e culturais.

Fazer parte do mesmo campo cultural e ir além, propondo-se a considerar essa

especificidade, era outra característica do ofício. As parteiras não só faziam parte da

cultura da parturiente, mas também compreendiam que era preciso considerar as

características dessa cultura.

Dessa forma, ao conversar com as parturientes, mesmo conhecendo termos

técnicos sobre os procedimentos do parto – saberes adquiridos em cursos, ou por

tradição -, utilizavam termos que a parturiente conhecesse, a fim de que ela entendesse o

que estava acontecendo, como a necessidade de controlar os espaços das contrações, o

que se mostra de fundamental importância para que, no momento do parto – que mexe

com ansiedades, dores, angústias e felicidade -, a parturiente, a principal protagonista,

pudesse auxiliar e participar do processo, pois compreendia o que estava acontecendo.

Outro relato de dona Adelita ilustra essa questão:

Então, a gente tem que orientar, quando as dores vinham, as contrações. A gente sempre usava o termo delas. Por que nós recebíamos muita gente do campo (...). Elas não sabem o que é contração, tinha que dizer dor. A gente nunca dizia assim: quando foi a sua última menstruação? Elas não sabiam o que era menstruação. Elas entendiam por tempo: quando foi seu tempo, o último dia do seu tempo? E elas diziam: foi na última novena de Santa Luzia, foi na última novena de tal. Elas gravavam uma data, da última data comemorativa que viesse. Então a gente tinha que usar esse termo: minha filha, você está sentindo muita dor? Por que se dissesse contração, elas não sabiam, ficavam caladas, né? Aí, a gente ia dizendo: pois quando chegar a dor, de cinco em cinco minutos, de dez em dez minutos, você me chame.

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É possível observar no relato de dona Adelita a sensibilidade na relação entre

parteira e parturiente. Para a parteira, a visão de mundo da parturiente é levada em

consideração, ou seja, faz parte dos procedimentos do parto. O ofício de parteira implica

uma relação subjetiva e singularizada. Nessa relação, o “cuidar” parece ser o fio

condutor; e este passa por diversos momentos, como orientando a parturiente para a

hora do parto. Mesmo as mulheres mais experientes precisam de orientação e atenção

para agüentar as dores de um parto normal.

Eu pelo menos orientava muito, principalmente mulher do primeiro filho. [Dizia] que ali não precisava grito. Que ali ela, só em pensar que vai ter uma criança, uma vida (...). [Eu dizia], e você, se está esperando neném, se acordou com a dor, você sabe, meu filho vai nascer, eu vou ter esse neném. Quer dizer, que a dor você está sabendo, está sentindo que é um menino que vai nascer e não precisa descontrole, não precisa.

A parteira cria uma relação de proximidade com a parturiente. Ela dá significados

para o “caos” que a mulher vai experienciar na ocasião do parto. A compreensão do

processo ajuda a suportar a dor, a “entender” a dor, segundo narrativa de dona Gadelha.

Eu digo: minha filha tenha paciência, que ele entrou só um grãozinho e pra sair desse tamanho, minha filha, tem que sentir alguma coisa. (...) Mas quando a gente chega perto, elas se acalmam, mas tem delas que são escandalosas mesmo. Mas também a dor deve ser grande, né? Acho que existe dor uma maior do que a outra. Por que umas suportam e outras não.

Além disso, a parteira mais do que orienta, segura, “dá carinho”. E o carinho, o

toque, tem um papel importante, como se observa no relato de dona Margarida:

Quanto mais a gente dá carinho, melhor é. Se a gente for com abuso, for com ignorância, a mulher fica nervosa (...). Seguro, dou carinho. Dou minha filha, carinho, por que eu sei que é uma dor grande. A mãe que está pra ganhar um bebê é uma dor grande, grande mesmo. Se às vezes a mulher morre de parto é a dor, e se a pessoa não der carinho como é que pode ser?

O relato dessas mulheres demonstra que ser parteira é ser a principal referência da

parturiente durante o processo do parto, que vai além do momento do nascimento,

fazendo parte também o pré-parto como vimos, mas também o pós-parto, que muitas

vezes durava meses.

Quando os partos eram feitos em casas de parto ou nas casas das próprias

parturientes, as parteiras faziam inclusive a comida da parturiente, como aponta dona

Dalva na sua fala:

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Aí, eu perguntava se ela não queria tomar alguma coisa, um caldinho de manteiga. Se ela tivesse com fome, ela dizia: eu quero. Eu fazia isto com maior prazer na minha vida. (...). Nas casas delas, se tivesse a manteiga, eu fazia.

A relação de prazer no cuidar é recorrente nas falas dessas parteiras. As

orientações e acompanhamentos que as parteiras davam para as parturientes

continuavam após o parto.

A assistência dada às parturientes no período pós-parto era no local onde a mulher

teve a criança. Se foi em sua casa, será lá que ela será cuidada. Muitas vezes, as

parteiras passavam dias após o parto cuidando da parturiente e da criança na casa delas,

conforme indica a narrativa de Gadelha:

Ficava até cair o umbigo, e cair os pontos dela. Uma semana, oito dias, às vezes 6 dias, muitas queria um mês, o mês todinho. Eu ia, fazia (...). Orientava. (...) Chegava lá, botava ela pra tomar banho, depois do banho (...) a gente ia fazer o curativo, botava tudo enxutinho, tudo com mercúrio, ou merthiolate, do jeito que médico passasse, ou a pomada do jeito que o médico passasse. E ali ela ficava só trocando o modess, até o outro dia que a gente chegava lá. Depois dos pontos caídos, não [vou mais], já tá tudo bem, né?

Além, das crianças receberem a assistência das parteiras, geralmente até “cair o

umbigo”, também o cuidado com a higiene e tratamento do local era de

responsabilidade da parteira, segundo comentário de dona Guiomar :

Pegava, às vezes, (...) dava um banho, ou então, nessas vezes limpava bem limpim, deixava lá. Quando era no outro dia, era que eu ia banhar, por que sempre explicavam que não era bom banhar na hora que a criança nasce, por que diz que é muito quente. Aí, sempre eu carregava assim um óleo, alguma coisa, limpava bem limpim, aí arrumava, botava lá e vinha pra casa. No outro dia, ia lá, durante aqueles dias até o imbigo cair eu sempre acompanhava, num sabe? Pra botar um remédio no imbigo, pra ver como era que tava, se o povo tava cuidando direito. Aí, depois que caía o imbigo, eu diminuía.

Diminuíam as visitas para cuidar do bebê, mas como visto, entre parteiras e

recém-nascido, cria-se um laço de afinidade, que chega às vias do parentesco. Todas

elas contam com orgulho que possuem muitos filhos espalhados pelo mundo e que as

crianças quando viam suas “segundas-mães”, não deixavam de pedir a benção, como

destaca dona Fransquinha:

Eles tomam a bênção. Tem os meninos, da cumade (...), onde eles me vê me toma a bênção: bença, mãe!’. Eu digo: Deus te dê uma boa sorte, meu filho.

Page 54: Parteiras cearenses: história e memória do ofício de fazer o parto

54

A importância que tem essa relação para as parteiras pode ser observada, por

exemplo, no fato de dona Dalva, de Crateús, fazer questão de ressaltar a forma como foi

cumprimentada por uma criança, que chegou durante a entrevista que estava dando:

Você viu esse aqui tomar a benção: mãe Dalva. Tudo chamam mãe Dalva. E eu tenho maior prazer na minha vida!

E o orgulho que essas mulheres têm por seus “filhos” ultrapassa tempo e

fronteiras. Fazem questão de lembrar os que moram em outros estados, que estudaram e

se formaram médicos, advogados, que já estão adultos e “encaminhados” na vida. Uma

situação que tanto demonstra a relação próxima e subjetiva que essas profissionais têm

com as pessoas a quem ajudaram a nascer, quanto, de certa forma, também legitimam o

seu trabalho. É o que aponta dona Fransquinha em seu depoimento:

Tem filho meu morando em Teresina, no Rio de Janeiro. Em São Paulo, tem filho meu.

A parteira tem tanto orgulho, quanto a própria mãe, de ter um “filho” com uma

profissão valorizada na comunidade, como a de médico, de secretária da saúde, segundo

D. Adelita:

Tem o Guilherme, fui eu quem pegou, a Aninha foi eu quem peguei e é médica. Ela veio trabalhar até aqui, no tempo da outra administração. Tem o doutor Marcos, que foi eu quem peguei. Ele veio trabalhar aqui. Tanto eu ensinei a ele a alfabetização, quanto foi eu quem peguei ele. Por que não deu tempo de chamar o médico. Tem a Auxiliadora Bessa, que ela foi a Secretária de Saúde aqui, ela é formada. Também o pai dela foi chamar o Dr. Assis, e de manhazinha, quando chegou, ela já tinha nascido. Não deu tempo.

A relação que se estabelece entre a parteira e a parturiente é uma vinculação de

amizade. Quando indagadas sobre as satisfações que o ofício traz, uma das respostas

recorrentes é a amizade que se estabelece entre elas e as parturientes, conforme indica

dona Patrocínia.

É uma amizade, por que quando nós se encontra, é uma amizade tão bonita, que estremece o coração da gente, a gente sente mesmo a emoção. Por que as pessoas fica de parto fica assim, surge uma amizade tão bonita, mas é isso que me interessa muito.

E essa amizade é permeada pelo objetivo que todas têm de salvar vidas, ajudar

quem está precisando, como indica a narrativa de dona Fransquinha, de Cratéus.

É bom, né. Importante é a gente ajudar quem tá precisando. A primeira [satisfação] é só pra ajudar. Você se sente feliz, né?! A gente arranja mais amigo. É bom! Importante é [ter] amigo. Amigo mesmo, a gente arruma,

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55

uma amizade sincera. Que dali ficam respeitando a gente, né? É bom, muito bom.

O apoio e ajuda que essas mulheres davam às famílias das parturientes iam além.

As famílias mais carentes recebiam os mais variados produtos, como panos necessários

para a criança após o nascimento, lençóis, camisolas, comida, medicamentos da parteira.

Muitas realizavam mutirões na cidade para arrecadar produtos para levar à parturiente.

Esta é uma realidade para dona Guiomar, que assim relata:

Aí, pegava assim um monte de coisa, levava, lençol, cobertor, coisinha que servisse pra aquela criança e pra mulher também, aí levava. E depois disso, ainda ia pedir ajuda a alguém pra aquela criatura. (...) Ás vez, levava dinheiro, lata de leite, roupa, fardo de massa, trazia muita coisa. E às vez vinha naquele dia e depois ainda vinha novamente.

Reste evidente nessa relação é que se constrói e acontece de uma forma muito

próxima. Parteira e parturiente compartilham códigos culturais e esses as aproxima,

configurando um parto diferente daquele realizado por um profissional da área da saúde,

onde esse vínculo não faz parte do processo. Esse aspecto parece ser central para o

papel que a parteira, tanto tradicional como profissional, possuía na arte de partejar. E

sobre essa relação humanizada do parto elas nos oferecem um modelo de relação

diferente de assistência à saúde e ao partejar formal.

É desse jeito...

Com esta frase, as diversas entrevistadas relatam suas experiências como

parteiras. A maneira de falar, de acolher e tratar a parturiente, de relacionar-se com o

marido e família desta, a forma como enfrentam as dificuldades estruturais, de falta de

apoio e falta de recursos. Tudo isso são expressões da cultura viva destas mulheres,

sábias, lutadoras que priorizam uma conduta humanizada. Uma atitude de quem cuida

de seres considerados pares.

Page 56: Parteiras cearenses: história e memória do ofício de fazer o parto

6 HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE PARTEJOS

Os fragmentos de narrativas a seguir expressam, em certa medida, experiências

das parteiras ao praticarem seu ofício. Uma vez que estas falaram do desenvolvimento

de seu oficio, foram captadas histórias de parto que demonstram a dinâmica do

exercício de partejar em uma época quando o sistema biomédico não exercia o domínio

absoluto sobre essa ação de saúde.

Nesse sentido, decidiu-se reproduzir algumas dessas histórias que revelam as

emoções, os medos as aventuras que passaram as parteiras para realizar o seu “dom

profissional”. Acredita-se que nada é mais importante do que a historia contada pelos

seus participantes. Por isso, a reprodução foi transcrita tal como as informantes falaram,

mesmo que seus gestos, emoções, lagrimas e risos não possam ser transmitidos nesse

texto.

6.1 A Saga de Patrocínia

Dona Patrocinia, hoje trabalha na Secretaria de Cultura do Município de Barbalha,

no Cariri cearense. Mulher dinâmica, que relata sua vida de partejos com detalhes,

beirando a dramaticidade teatral, e fazendo questão de contar suas histórias em detalhes

de gestos. Por isso insistia em ficar de pé para poder melhor representar suas respostas.

Referindo-se a um parto explicou:

O início...

“A minha vó me pediu pra mim entrar com umas mão-de-obra assim, num sabe?

Ferver as linha, desinfetar aquelas tesoura, aquela linha era uma linha que pra desinfetar

a gente guardava numa caixinha, ela era desinfetada também, não tem os aparelho de

injeção? Eu aplico injeção também. Passava álcool, e ali fervia, tesoura, a linha, e ali ela

me ensinava tudo, então ela já ficou meia cega, quando ela ficou cega, aí ela disse

“Olha, agora é com vocês”. Quando a mulher tiver a dores só pra trás, a gente pega

assim na mulé, ela deitada mesmo, porque tem mulé que tem desses forte e outra que é

mais fraca né? A dor no pé da barriga, com a dor, então você faz o toque, suas unha tem

que ser cortada, unha bem cortadinha ...

....lavava as mão bem lavadinha, unha limpinha, bem cortadinha, ou se

esterilizava com álcool, essas coisa, nunca faltou álcool, na lavagem de mão, bem

lavadinha, quando não era álcool era cachaça, aquela cachaça branca, então fazia o

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57

toque. ... porque a mulher tem um organismo que se chama dona do corpo, que quer

tomar a frente do bebê, entendeu? (referia-se a placenta). A gente fazia o toque, na hora

que ela (a dona do corpo) sentia o cheiro do alho, ela já ia pro local dela .... A gente

fazia o toque, se for de cabecinha, a gente vê, reconhece quando o menino é normal. E

tem a reza que a gente sabe, porque o dom mesmo é dado por Deus, por Jesus, porque a

gente conhece, quando a dor é no trivial (apontava para o púbis) certo, a mulher tem

menino normal, no toque a gente sabe se ele tá de cabecinha, tá de bumbum, se o causo

é muito perigoso, a gente ajeita, nós vamos tirar as pressas....tem que arrumar um carro

e levar pra cidade, entende?... Ficava aguardando, quando as dores tava, as dores tava

faceira, preguiçosa, a gente mandava mornar um ovo e ele ficava com aquela clara

quando cozinhada mais que a gema, mole, não muito cozinhada. Botava a pimenta do

reino e dava pra mulher tomar... mas também manteiga da terra... E era ovo de

capoeira. Depois a gente dava um chá de pimenta do reino pra aquelas dores, pra mulher

não ficar sofrendo, aquelas dor machucadeira, pra elas chegar e vim de melhor à

melhor, pra gente quem tá sofrendo quer ser aliviado....

Entre a fé e as superstições...

...Tem a oração do Senhor do Bonfim, que a gente reza na barriga, e a mulher era

logo aliviada. Se tiver em perigo de parto, era logo aliviada. E tem aquela tem também a

oração quando a mulher ela ganhava a menina, a gente não deixava ela fazer força,

porque tem delas que não queria ficar deitada, a gente fazia o gosto, eu via o marido

dela lá em cima, na cabeceira, e ela assim, nem muito deitada, e nem também sentada,

porque não queria sentar, porque quando o bebê tava pra troar ninguém pode deixar

sentar. Quando elas ia pro assento, sentada na cama, e eu puzia ela aqui, ela ficava nem

sentada nem de coca, eu aqui, ela aqui nessa posição, botava uma coberta na frente, só

que, quem via só sabia que o trabalho era por ali, mas ele (o marido) mesmo não via, ...

a gente não gostava de muita gente não, a gente tem aquelas tradição de família de achar

que alguém fique conversando lá fora, a não ser que fosse uma pessoa de confiança pra

ajudar a gente.

O nascimento...

“Aí a gente dizia ‘Oh, tem que ficar aí, vai ficar aí’. A nossa força é a primeira de

Deus, a segunda a sua e a dela, e a senhora crie coragem, porque sua mãe passou por

isso quantas vez? Tinha delas de ter 24 filho, outras de doze, naquele tempo mulher

Page 58: Parteiras cearenses: história e memória do ofício de fazer o parto

58

tinha filho... Aí eu pegava nos dois joelho dela e não deixava ela passar... sentava

mesmo, com um pano ali, botava ali, porque ela não ficava sentada na cama, ela ficava

assim, encostada de coca mas não de coca também, e eu ali, quando ela não queria e

quando tinha o bebê, o bebê ficava no pescoço, e ela, a dor ia simbora, acabava as força,

porque tem mulher fraquinha... ‘força minha filha’, ‘eu não tenho mais’, abre a boca sua

aí, aí quando metia a minha mão, a minha mão sebosa né? Metia a mão na boca dela e

dizia ‘Abre a boca bem aberta’, aí a força chegava, porque a força quando a gente tá

assim (de boca escancarada), tá lá embaixo... pegava assim nas perna dele (do bebê),

Oh! Pegava um pouco de álcool, limpava primeiro o narizinho, pra não deixar ele

engolir né? Pegava assim nas perninha dele...

Ali a criança começava a qüen, qüen, qüen, deixava chorar bastante pra deixar

receber aquele ar, porque aquele ar é vitamina, doía aquele ar, mas vem a vitamina pra

ficar forte... o dedo aqui na tripa do imbigo, quatro dedo, daqui eu pegava uns cinco, lá

do cordão umbilical, ficava puxano, e com a mão ali, puxava, bem aqui eu dava o nó

aqui, bem dado, (mostrava nu cordão que estava sobre a mesa), aí danava a puxar pra

cá, aquele sanguim que vem no cordão umbilical, aí eu dava os nó. Quando eu cortava

era aqui, ficava com os dois nó, um aqui e outro aqui. Eu ia confiando, os paninhos

fininho de... que hoje existe ainda, morim alvejado, não sei como chamam de morim,

daqueles bem ralinho. E eu pegava essas coisa né? Cortava três tantim ali, ia pro

candeeiro, juntava ali, dobrava bem dobradim, botava ali. Dobrava o pano assim, aí

nesses bico aqui eu dobrava outra vez, pra ficar assim, quando fica assim (mostrava com

aponta da blusa).

Aí queimava na luz do candeeiro, queimava ali, eu ia lá, passava um azeitinho

doce, metia na tripinha, eu metia na tripinha que tinha amarrada pra forrar, pegava

assim, molhava na tripinha, aquele paninho esterilizado, essas coisa era tudo

esterilizada...Óleo de risco (Óleo de riscino), ... só pra não ficar pregando, não pregar

né? Pronto, ali eu vinha com outra tira do mesmo pano, lava né? Só pra tirar agora, tava

assim e dava um nozinho aqui, todo dia a gente tinha aquele negócio que, como é que

faz com o imbigo, banhou, banhou, tem que lavar bem lavado, ia banhar três dia né?”

A saída da “mãe do corpo”...

‘A gente tinha aquela competição (queria dizer, empolgação) de às vezes dizer ‘já

ganhou, já ganhou’, ninguém ganhou menino aqui, fiquem calado. Enquanto a mulher

Page 59: Parteiras cearenses: história e memória do ofício de fazer o parto

59

não sair a placenta, ela não teve menino ainda. Aqui não nasceu ainda, não nasceu

ainda, ninguém sabe, porque ninguém diz, se é homi ou mulé. Isso é coisa da gente

mesmo, se tava tudo direitinho. Deixava ela bem limpinha, limpava ela com o pano, eu

pegava nas perna e o marido botava na caminha, porque tinha uma paninho que a gente

botava assim... que puxava pra frente, botava ela de bandinha, e tinha, o marido dela e

ela de banda, pra esses osso (mostrava o local da bacia), é procurar o lugar deles.

Pronto, dor no quarto a mulher não sentia mais, entendido?

Desfecho....

“Na hora que a mulher saísse da cama o capão tava pronto pra dar um prato de

pirão, não tem esse negócio não, era um prato de pirão com arroz. Eu só saia quando

comesse o pirão mais ela. Mas tinha que ser a carne branca, o resto do capão dava para

as outra pessoa da casa” (D. Patrocinia)

6.2 “Causos” de Margarida, de Palmácia

Contração e Beliscão

Uma vez nós descemos era 4 horas da manhã com uma senhora que estava tendo

um problema, não podia parir aqui, o médico não estava na Cidade e nós descemos, eu e

a parteira 4 horas da manhã num jipe, o jipe sem freio, pra levar essa mulher pro

hospital, pra Maternidade-Escola. Nesse tempo também eu desci mais a minha colega,

um sufoco tão grande e a mulher estava esperando neném com as contrações muito

fortes e a bolsa rompeu e quando a bolsa rompeu apresentou logo o pezinho da criança.

Nesse dia foi no hospital comunitário e a Dona Zilda “e agora o que vai fazer?”, já era

quase 11 horas da noite e tinha outra mulher pra ganhar neném. Essa que estava com a

bolsa rompida foi no carro, numa carroceria. Em cima do carro, o carro correndo a

estrada e a gente vendo assim e tinha uma tábua e a gente vendo assim a estrada e eu

disse assim “meu deus Lucilene é um sufoco”, “Lucilene pelo amor de Deus!” e a

mulher lá embaixo´, a outra mulher mais o motorista quando vinha a dor beliscava o

pobre do motorista. Beliscava e nós em cima mais a outra com o pezinho da criança

apresentando, apresentando. Minha filha, foi um sufoco tão grande nesse dia, foi um

sufoco que eu disse “Lucilene, pelo amor de Deus, Lucilene”, aí graças a deus quando

nós chegamos à maternidade fomos logo recebidas, mas o carro desse jeito minha filha,

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60

eu não to lhe dizendo, faltando uma tábua assim na carroceria. O carro correndo e a

gente vendo a mulherzinha deitada no colchão, nós encostadas e a outra lá perto do

motorista, e quando vinha a dor dava um beliscão no pobre do João Luz (risos). Era um

sufoco!

Gêmeos no trânsito

Olha, uma vez, esqueci de te dizer, uma vez chegou uma mulher pra ganhar

neném, e essa mulher, ela não sabia que eram gêmeos. O doutor encaminhou pra

Fortaleza. Quando chegou ali no Maranguape não tem outra estrada nova, aí eu fui mais

o Célio, o motorista. Quando a gente vai a gente leva tudo preparado, leva a malotinha

com todo o preparo de parto. Aí eu fui. Tinha de tudo. São as pinças, a tesoura as gazes,

é a pêra de aspirar... Aí eu fui. Quando chegou lá na estrada a mulher “Dona

Margarida?”, “que é minha filha”, “parece que eu vou ganhar neném”. “Para, para, para

Célio”, e o Célio parou. Era uma e meia da tarde, um sol quente, numa estradona assim,

perto de um abrigo. Acho que era a estrada do Maranguape mais não é aquela que vem

porque não passa em frente do Maranguape.

Foi aí quando a criança nasceu. Nasceu a criancinha. Aí eu peguei e fiz o parto. Fiz o

parto da mulher e disse Célio, a criança não está bem não. Ele disse, “vamos já ali, pra

Albanisa”. E chegando a Albanisa eu entrei num hospital bem ligeiro, pra salvar a

criança. Chegando lá dentro, os cabelos eram bem grandes naquele tempo, eu correndo,

correndo... Cheguei e já “doutor, a criança não está passando bem não, está precisando

de oxigênio”. Nós não levamos oxigênio na ambulância. Ai o doutor botou no oxigênio

e o doutor perguntou “Como é o seu nome?”, “Dna Margarida, fique fazendo assim com

esses dedos”, eu fiquei fazendo e quando eu vi o bichinho já estava se animando. E

quando eu dei fé a mulher tinha ficado na porta, lá fora, pra depois a gente ir buscar a

mulher. Lá fora, de frente ao hospital Albanisa. Quando eu cheguei lá o Célio gritou

“Dna Margarida, chega aqui, a mulher está parindo outro menino!”. Lá se vai, e eu corri

e fui fazer o parto. Minha filha, mas nesse dia foi um sufoco. Aí eu fiz o parto da

mulher... Dentro do carro. Aí ela já tava na ambulância... E aí a parteira veio, pegou e

levou ela lá pra dentro e terminou o parto. Mas, oh sufoco! (risos)

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6.3 Histórias de Dona Dalva

Aviso do Além

Aí eu disse: “No dia em que eu for pegar menino que eu ver aquela mulher eu não

vou, eu volto.” Aí o cara da bicicleta veio me buscar, quando eu cheguei ali pra lá

dessas casas, lá se vem o homem e a mulher, o negro e a negra, aí eu disse assim:

“Senhor pare aqui!.” Eu ia na bicicleta. Aí ele disse: “O que foi que houve?” Eu disse:

“Eu não vou mais não.” “Dona Dalva pelo amor de Deus não faça uma coisa dessas.” E

eu disse: “Vou não que a mulher não vai escapar, a mulher vai morrer.” Aí ele disse:

“Não tem não, ela tem lá uma parteira mais ela, é porque ela mandou chamar a senhora

que a senhora sabe mais do que...” Eu disse: “Eu posso ir, mas fica na responsabilidade

de vocês.” Quando chegou lá mulher, não teve jeito logo. Tão boazinha a bichinha,

mandou matar galinha pra nós almoçamos e quando foi a tarde ela começou as dores e

ai eu disse: “Não tem outra parteira por aqui não?” Aí ela disse: “Tem a tia !” Aí a

mulher chegou, aí eu disse: “Porque essa mulher vai morrer!” Começou nas agonia, teve

um parto direitinho, aí começou com agonia, com agonia, com agonia, aí eu disse:

“Bem que eu não queria vir! Eu sabia que essa mulher tinha perigo.” Aí ele disse: “Não,

mas a senhora não é culpada não.” Aí a mulher morreu.

Toma que o parto é teu

Seu Luiz era um motorista, ele chegou ali na minha casa e bateu assim na porta,

eu tinha chegado da maternidade naquele instante, aí eu disse: “Oh! Meu Deus! Eu

queria tanto dormir!” Mas eu fui atender.

Aí ele: “Dona Cesária é o seguinte: parece que era Zé.. de num sei o quê!

[referindo-se não lembrar o sobrenome] Eu vim aqui por que ele mandou eu ir atrás de

uma parteira lá na favela, pra fazer o parto da mulher dele. E eu andei nessa favela

todinha e não encontrei essa mulher. Aí, eu disse pra ele, que tinha você, era uma

pessoa que entedia do serviço há muito tempo! Era melhor levar você. Ele mandou que

eu viesse, pra lhe buscar!”. Eu fui. Ô mulher de Deus! Mas quando, eu cheguei lá, o

homem morria de ciúme da mulher!

Ele me disse, o seu Luis, ele me disse no caminho.

E quando, ele abriu a porta, ele botou só a cabeça e abriu gritando: “Entra! Entra!

Entra!”. Eu olhei pra traz, lá estava o seu Luis fechando a porta, eu disse: “Não seu

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62

Luis, num feche a porta não, espera aí, deixa eu ver a mulher, depois você fecha a

porta. [...] eu não sei como é que tá lá dentro, se precisar de você. Se num der certo aqui

eu vou embora, espera aí.” O seu Luis esperou. Quando eu cheguei lá, a mulher tava

morta! Quase morta mesmo, da cor de uma flor de algodão, bem alvinha! E uma listra

de sangue descendo pra cá, outra pra aqui. Que eu vi aquela listra de sangue, eu digo:

“Ave Maria! Mas que barbaridade é essa minha gente?” O homem disse assim: “Dona

essa hemorragia?” Eu disse: “Isso aqui é um crime!” Ele disse assim: “Essa hemorragia

começou ontem a espalhar no corpo!” [...] Corri, quando eu vi, o menino de fora.

“Seu Luis entra aqui.” “Eu posso entrar?” “Num venha me perguntar se o homem

pode entrar ou não, por que ele vai entrar!” “Seu Luis me ajude aqui por favor.” [...]

“bora seu Luis, bota dentro do carro esta cristã!”. “E peça passagem nessa rua!”

Ainda bem que era pertinho pra chegar aqui. Quando nós chegamos, aí menina,

eu vinha banhada daquela situação [...] só tinha sangue! O doutor tava lá e disse: “Dona

Cesária o que é isso?” “Tá aí,o marido! Taqui a esposa! E taqui a placenta!”.

6.4 Narrativa de Dona Raimunda

Perigo! banheiro frio, marido lerdo

O marido dela veio. “Não eu não gosto de ir pra nenhuma parte não!” “Não, mas o

menino ta chorando!” Ai foi o jeito que tem eu ir. Ai fui cheguei lá peguei minha

coisinha, cheguei lá o menino nuzinho. Lavei, ela toda direitinho. O segundo veio todo

direitinho todo direitinho e não tinha ficado uma pele de nada nela. Digo: “Taí se quiser

levar ela no hospital, leve e se não quiser, não leve. Mas ela ta muito friinha.” Porque o

banheiro tava muito gelado. Ai ele disse: “E ai?” “E ai que vamos esperar. Ou então

leve logo!” “E o bichinho?” “Se levar ela, leve o bichinho também.” Ai parece que ele

era dessas criatura descansado e não levou não, mas também a mulher não teve nada.

Boazinha que é Deus que ajuda que ela tava geladinha lá no banheiro, o chão tava muito

molhado e o banheiro não era muito cheiroso não, ai eu disse: “Leve!” Ai ele disse:

“Não vamos esperar mais, porque você acha que tem que levar?” “Não é porque ela ta

geladinha demais, pode ter alguma queda de pressão.” Ai ele ficou por ali, mexendo

(...), mas graça a Deus! “Pois daqui pra de noite eu quero saber - isso era um dia de

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63

domingo - eu quero saber lá pra sete horas, eu quero saber como ela vai. Se você não

levar, porque se você levar tudo bem.”.

Mas o menino já tinha nascido?

Já o menino já tava chorando, o bichinho com um horror de mulher aparando a

cabeça do bichinho dentro da privada e não tirava pra fora a via tão comprida e as outra

segurando a mulher, as horas que ele veio me buscar aqui, pra ir pra lá o tempo que não

passou. Pois é tudo geladinho, o bichinho tão alvinho não mudou de cor de jeito

nenhum, era homenzinho, o bichinho com a pintinha todo tempo mijando. (risos) Ai eu:

“Minha gente por que vocês não tiraram e botaram aqui em cima dela aqui minha

gente? Pelo o amor de Deus!” Eu peguei e botei ele em cima dela aqui e fui tratar de

ajeitar, mas ela geladinha, gelada, gelada mesmo que eu fiquei com medo, mas não

levaram não. Quando foi de noite: “A mulher ta boazinha, já jantou, ta todo bem.” Ai

eu digo: “Graças a Deus”. E a mulher ficou boazinha quando foi no outro ano já teve foi

filho. Chegou aqui eu olhando pra ela: “Aa senhora se lembra de mim?” “Eu não.” “Sou

aquela do banheiro.” Ai eu disse: “Ai é, o que você veio fazer aqui que não foi pra lá?”

(risos).

6.5 A Luta de Dona Eunice

Concorrência Desleal

Foram registrados nos depoimentos, portanto, as mais variadas relações entre os

médicos e as parteiras na região: médicos que se utilizavam das parteiras como suas

auxiliares, que desprezavam o uso dos instrumentos, que acusavam parteiras de não

terem conhecimento suficiente para partejar, que elogiavam e confiavam nas parteiras.

Em pelo menos um caso, encontrou-se uma situação de perseguição de médicos contra

as parteiras por questão de competição pelo espaço profissional:

Aí mandou me chamar e disse que eu só fazia o parto agora com ordem, por escrito, eu disse: mas como é que pode Padre Alvino se chegar a mulher de noite (...) aí deixa que eu tinha que fazer porque né, (...) ou me pagavam um pouquinho, aí quando chegou ao conhecimento do médico mia fia, tava recebeno aquele dinhero, que eu tinha que receber, se eles viesse ia fazer por mais né? Dona Eunice

Dona Eunice, parteira formada em Belém, retornou a sua cidade natal, Senador

Pompeu, a convite do Padre, que era dono do hospital da cidade, para trabalhar de

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parteira. Logo, no entanto, seu trabalho provocou problemas entre os médicos. Em

primeiro lugar porque os médicos quase nunca ficavam à noite no hospital, deixando a

responsabilidade dos partos noturnos para Dona Eunice.

O que desencadeou, porém, o confronto e as desavenças entre Dona Eunice e os

médicos foi o fato de a parteira ser paga pelos partos que fazia. Tem sido uma constante

ao longo dos trabalhos sobre a temática perceber que, em grande parte dos hospitais

públicos, ainda hoje, muitos partos são realizados ou pelas parteiras ou por auxiliares de

enfermagem, no entanto, embora não tenham realizado esses partos, são os médicos que

recebem por estes, porque são eles que podem assinar os formulários dos pagamentos:

Se isso ainda acontece em grandes capitais, mesmo atualmente, imagine-se em

uma cidade de 20.000 habitantes, no Ceará, nas décadas de 1960 e 1970. Neste caso,

porém, Dona Eunice não só estava fazendo os partos, como também estava recebendo

por eles. Portanto Dona Eunice violava uma regra que aparentemente era sagrada para

os médicos: ser remunerada por um procedimento que somente os médicos poderiam

ser, com o agravante de receber, em geral, menor valor pela prestação do mesmo

serviço.

Como resultado deste confronto, os médicos do hospital de Dona Eunice

decidiram que ela só poderia fazer partos com uma autorização por escrito dos médicos.

Assim eles pretendiam manter sob controle o mercado profissional. Nestes termos, D.ª

Eunice só seria autorizada a fazer partos que não interessassem aos médicos.

Dona Eunice se rebelou contra esta imposição e tomou uma atitude que

aumentou ainda mais a irritação dos médicos contra ela:

(...) aluguei, abri uma porta de uma casa para outra e (...) no outro dia butei na rádio que tinha saído do hospital nun dei satisfação a eles, tinha saído do hospital e ia trabalhar a domicílio e atendia qualquer hora do dia e da noite, aí pronto, acabou-se tempo ruim, fui ganhar o meu dinheiro e ganhei dinheiro mesmo. Dona Eunice

Dona Eunice, portanto, saiu do hospital e praticamente montou uma maternidade

em sua casa, atendendo tanto em sua residência como na casa da parturiente. Ela

relatou à pesquisa que tinha muitas pacientes e que sustentou toda sua família com seu

trabalho de parteira. Segundo seu depoimento, ela não trabalhava apenas como parteira,

fazia os curativos, extraía fragmentos encontrados nos corpos das pessoas, cortava,

suturava e até mesmo fazia partos de animais; ou seja, era parteira, médica, enfermeira e

veterinária. Transformou-se em uma referência na região, entre a população mais

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humilde e que não encontrava este socorro no hospital local.

Obviamente estas suas atividades não melhoraram suas relações com os médicos

e Dona Eunice começou a ser perseguida com uma acusação comum contra as parteiras:

o título de aborteira. É importante lembrar como, desde o Período Medieval, as parteiras

foram sistematicamente acusadas, principalmente pela Igreja Católica, de praticar o

aborto. Esta obsessão da Igreja contra as parteiras ficou bastante clara no mais famoso

manual da Inquisição da época: O Malleus Maleficarum ou o “Martelo das Feiticeiras”,

dos dominicanos e professores de Teologia, Kramer e Sprenger. Além de um libelo

contra as mulheres de um modo geral, o autor é extremamente repetitivo no que diz

respeito às parteiras:

Cumpre aditar que as bruxas parteiras são as que maiores males nos trazem, pelo que nos contam outras bruxas penintentes: ‘Não há quem mais malefícios causem à Fé Católica do que as parteiras’. Pois quando não matam as crianças, para atenderem a outros propósitos tiram-nas do recinto em que se encontram, elevam-nas nos braços e oferecem-nas aos demônios (MURARO,1998).

Por vários capítulos do livro, repetem-se estas acusações de bruxaria, crimes

infantis e outras acusações contra as parteiras. É importante ressaltar que este manual

norteou a Inquisição Moderna na Europa, no que dizia respeito à caça às bruxas em

particular. Vale lembrar que o trabalho das parteiras ocorria em um espaço fora do

controle masculino: o momento do parto.

Portanto, seguindo uma lógica histórica da perseguição contra sua categoria,

Dona Eunice foi acusada de praticar o aborto:

(...) e todo mundo sabia então vinham aquelas dona rica, aquelas moça rica, aquele povo de fora, de longe. [para fazer o aborto] não nun faço, mais de qualquer manera o povo pegaro na boca que eu fazia. Aí me butaro que eu fazia, mais que pra matar eu num matava num, que eu num mato nem coisa nenhuma, avali uma criança. Dona Eunice

Dona Eunice negou veementemente que praticasse o aborto, no entanto,

conforme ela mesma relatou, todos na cidade de Senador Pompeu e arredores

desconfiavam e a acusavam de fazer abortos. Boatos provavelmente provocados por três

fatores. Segundo Dona Eunice, ela acreditava que os boatos tenham surgido porque

fazia curetagem nas mulheres que chegavam sangrando em sua casa, isto é, com o

aborto já em andamento. Pode ser que ela não provocasse o aborto diretamente, mas o

fato de realizar a curetagem ensejava duas questões ligadas ao aborto provocado: para

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as mulheres que queriam abortar, bastava saber como iniciar o aborto que depois do

resto ela cuidava e para a população não havia muita diferença entre fazer um aborto e

realizar a curetagem.

Ao sair do hospital e abrir uma “maternidade” em casa, Dona Eunice comprou

uma briga não só com os médicos, mas também com o Padre, que era dono do hospital.

Então, obviamente, havia o maior interesse tanto dos médicos quanto do padre em não

só destruir sua imagem diante da comunidade, como, principalmente, impedir que ela

exercesse seu ofício. E, para atingir estes objetivos, não se furtaram de acusá-la de

prática do aborto, que, se comprovada, impediria Dona Eunice de continuar atendendo

em domicílio.

A terceira questão ajuda a esclarecer os motivos da suspeita de prática de aborto:

Dona Eunice recebia pensionistas em sua casa, pensionistas que vinham de todo o Ceará

para terem seus filhos longe de suas famílias e de suas localidades:

Que eu criei um horror de criança alheia, pra não fazerem isso [aborto], em setenta era uma seca muito grande e eu fiquei aqui com três moças, que era uma de Tauá, uma de Juazeiro do Norte e outra de Acopiara. Ficaro todas as três pra, pra fazer o aborto, o pai dano dinheiro, gastano, eu não senhor, eu fico com as menina aqui quando elas ganhar se nun quizere dão, mas pra ter, mas pra mim matar não, nossa senhora me defenda.

Como se lê no próprio relato de Dona Eunice, ela recebia moças de todo o

interior do Estado, mulheres que vinham abortar escondidas da família ou de suas

comunidades e, segundo seu depoimento, ela não fazia o aborto, mas recebia as moças

como pensionistas, ficava com elas durante a gravidez, fazia o parto, cuidava no

resguardo e às vezes providenciava quem ficasse com a criança. Ela afirma que criou

vários filhos de outras mulheres, inclusive o de uma prostituta da cidade.

Vale sublinhar aqui o importante papel social desempenhado por Dona Eunice.

Em uma época e em uma região em que ter um filho solteira ainda podia “desgraçar” as

vidas de muitas moças, principalmente as de famílias mais abastadas, ter um local onde

essas mulheres pudessem se refugiar para terem seus bebês com alguns cuidados e

depois providenciar sua adoção seria vital para elas e suas famílias. Isso sem considerar

sua importância para as moças mais humildes- que tentavam o aborto utilizando-se de

“garrafadas”, de remédios ou de instrumentos perfurantes- que podiam contar com a

eficiência de Dona Eunice para a realização de uma curetagem segura e discreta. Esta

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parteira desempenhava então um papel que ia além de seu ofício, o de partejar, pois

também estabelecia relações que se configuravam em ações solidárias com mulheres

que precisavam de apoio e de socorro e não de acusações e recriminações.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Há determinadas temáticas de pesquisa que são deveras gratificantes para a

equipe desenvolver. Buscar parteiras e suas histórias e memórias nos municípios do

Ceará foi sentir o prazer de andar pelas cidades, visitar as casas de mulheres corajosas,

obstinadas, dedicadas ao ofício do partejo... Conhecer suas histórias, narrativas,

alegrias, tristezas... após falas, risos, silêncios, conquistas... Enfim, se deixar

“contagiar” pelas sagas destas histórias repletas de vida, teimosia e fé.

Mulheres como Maria Dalva, Patrocínia, Margarida, Adelita Martins,

Fransquinha, Francisca Vieira, Leninha, Raimunda, Guiomar, Maria Pereira, Gadelha,

e outras tantas, desenvolveram suas vidas com diferentes trajetórias e modos de viver

com suas marcas, memórias, desejos e utopias. Estas mulheres narram suas

dificuldades, os desafios que enfrentavam para desenvolver a missão de fazer partos,

seja na cidade de Fortaleza, Palmácia, Baturité, Canindé, Crateús, no Ceará, na Paraíba

ou no Piauí. Cada uma delas apresenta uma história especifica, mas que tem pontos

comuns do começo da arte de partejar: a aprendizagem se dera com a mãe, a avó, na

prática de trabalho em um hospital, ou até mesmo na comunidade além de acreditarem

possuir o dom de fazer o bem.

Moradoras da zona rural, muitas assumiram o oficio como missão ou vocação.

Em outras ocasiões, o acaso ou situação emergencial as transformaram em parteiras.

Bastava realizar um parto, mesmo a contragosto, sem ter previsto, a fama se espalhava

em toda a comunidade e arredores. Esses episódios geralmente as faziam acreditar em

um dom sobrenatural, por isso, geralmente sentiam-se aptas a agir como rezadeiras em

determinadas ocasiões.

O ato de partejar comportava diversos momentos, conhecer e receber a

parturiente, conversar com esta, acalmá-la, tudo na relação de confiança, na base da

amizade. A profissão, ou melhor, o ofício de parteira, subentendia o conhecimento de

cada etapa do processo e, além disso, um sentido de humanidade/solidariedade que

parece ser a riqueza das relações e um dos maiores desafios do século XXI.

Conhecer a trajetória dessas mulheres não foi apenas registrar histórias de uma

categoria prestes a desaparecer, mas reconhecer que elas estão cada vez mais presentes

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nas tentativas de elaboração de políticas de atendimento à população em geral. A

humanização de que tanto se fala atualmente era uma atitude normal condição, sine qua

non, para elas realizarem seus partejos. Provavelmente por serem pessoas muito

semelhantes em condições de vida, elas possuíam um forte componente altruísta e

faziam do evento parto um momento de troca de informações, carinho e, sobretudo,

humanidade.

Evidentemente não possuíam um conhecimento técnico adequado à segurança

da vida das parturientes e dos bebês, mas sabiam acalmá-las, o que é um dom precioso;

sabiam deixá-las confiantes de que elas estavam ali para lhes auxiliar; sabiam oferecer

compaixão e solidariedade, diferentemente de muitas equipes que atendem em hospitais

movidos a horários rígidos e que sequer sabem olhar o paciente como ser humano,

preferindo agir maquinalmente, desconhecendo a história de cada pessoa atendida e,

muitas vezes, tendo menos êxito do que as parteiras que realizavam seus partejos em

sintonia com as parturientes e, como sempre dizem, sabiam dar carinho como ninguém.

Pode ser que não haja mais parteiras como antes, mas espera-se que essa

pequena coletânea de depoimentos e histórias por elas contadas possa servir como uma

homenagem a todas as mulheres que não tinham horários para fazer o bem, e, embora

não tivessem estudos suficientes comparados aos médicos, elas souberam deixar um

legado de humanidade no tratamento do outro que escola nenhuma jamais poderia

ensinar.

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ANEXO

1. Relação das Parteiras Entrevistadas

Nº Nome Local Idade Tipologia*

1. Adelita Martins Baturité 65 Profissional

2. Maria Avelino Fernandes dos Santos (Leninha)

Aracati 70 Profissional

3. Guiomar da Silva Crato/Missão Velha

62 Tradicional

4. Cesária Martins Melo Crateús Não informou Profissional

5. Margarida Moraes de Brito Barbosa

Crato 80 Profissional

6. Maria Pereira Gadelha Fortaleza 76 Profissional

7. Maria Margarida de Sousa Palmácia 53 Profissional

8. Maria Patrocínia dos Anjos Souza

Barbalha 65 Tradicional

9. Francisca Vieira de Azevedo

Crateús 65 Tradicional

10. Maria Dalva Bonfim de Almeida

Crateús 74 Tradicional

11. Maria Rodrigues da Cruz Canindé 80 Tradicional

12. Raimunda Vasconcelos de Pinho

Crateús Não informou Tradicional

13. Maria Vieira Bezerra Beberibe 65 Tradicional

14. Maria Eunice de Araújo Lopes

Senador Pompeu

79 Profissional

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2. Mapeamento das localidades no Ceará