sebenta espiritualidade parte v

6

Click here to load reader

Upload: sandra-vale

Post on 11-Jul-2015

45 views

Category:

Education


2 download

TRANSCRIPT

Page 1: Sebenta espiritualidade parte v

Instituto Diocesano de Estudos Pastorais (IDEP)

ESPIRITUALIDADE SÉC. XV - XVI

Pe. José Carlos A.A. Martins

Page 2: Sebenta espiritualidade parte v

Instituto Diocesano de Estudos Pastorais (IDEP)

ERASMO (1466-1536) E O PROTESTANTISMO LUTERANO

Formado junto dos “irmãos de vida comum” é ordenado sacerdote. Era

entusiasta dos ideais do humanismo renascentista e sente grande aversão

pelas coisas que aos seus olhos de humanista eram velhas. As peregrinações,

o culto dos santos e as suas relíquias. Em parte tinha razão quando afirmava:”

nós beijamos os sapatos dos santos e esquecemos os seus escritos que são

as suas mais santas relíquias”.

O pensamento de Erasmo é uma mistura de clássico (Platão, Plutarco,

Cícero) e de fé bíblica. Por isso, ainda que tenha sido precedido de todo um

século de humanismo, representa um elemento novo. Todo o Renascimento

tinha o desejo de uma vida piedosa, alegre, idílica, que procura ideais de

unidade, sinceridade, verdade, serenidade, e harmonia. Erasmo amava o “dizer

bem”, a expressão literária e o bem estar no sentido material e moral, com

grande vontade de liberdade de não querer tomar posição a favor ou contra,

mas de ser independente. Mas, liberdade significa também capacidade de

tomar decisões importantes: Erasmo procura a liberdade, “de” e esquece a

liberdade “para”.

Por outro lado, segundo Erasmo, a vida cristã encontra-se

sobrecarregada de Instituições humanas e oprimida pelo poder das Ordens

Religiosas, e por isso a forma do Evangelho vai-se perdendo. Aqui

encontramos uma nova expressão programática de Erasmo: voltar às fontes

bíblicas da fé: “ eu queria que o Evangelho e as cartas de S. Paulo fossem

lidas pela gente simples”. Aquilo que lhe repugna é que se queira estudar a

Escritura a partir do texto latino, da Vulgata. Nele encontramos uma forte

tensão: por um lado, ele aspira a uma fé cristã sentida, simples e íntima; por

outro lado encontramos a sua irresistível necessidade estética, que o levava a

um estilo de vida segundo a concepção greco-romana do humanismo.

Com o seu livro “ O Manual do perfeito militar cristão” quer mostrar que a

fé não se mede somente a partir do hábito ou da Congregação a que se

pertence; trata-se de apresentar um ensinamento adaptado às pessoas que se

propõem conduzir na vida quotidiana uma autêntica vida de fé. O cristianismo,

vê-se sob o aspecto da “luta” no sentido Paulino do “miles Christi”. Mais, o

cristianismo empenha-se em viver o seguimento de Cristo, apesar dos ataques

das tentações e dos vícios, mas com a ajuda da graça não será vencido

Page 3: Sebenta espiritualidade parte v

Instituto Diocesano de Estudos Pastorais (IDEP)

totalmente; poderá perder algumas batalhas mas não a guerra. Pois

apresentam-se as duas “armas” essenciais nesta luta: a oração e a meditação

da Escritura. Nos outros capítulos sublinha-se a importância de formar o

homem interior em sentido Paulino ( o homem segundo o Espírito, Gál. 5, 16-

26), mas também em sentido socrático (conhece-te a ti mesmo); dá alguns

conselhos práticos para se não encontrar diante do pecado como a avareza, a

impureza, o desejo da vaidade.

No que diz respeito à vida monástica, Erasmo permanece sempre critico.

Ele recorda que os monges não têm o exclusivo da santidade. Traz assim um

juízo critico.

Esquece no entanto o valor objectivo da vida consagrada, só porque os

monges ou monjas não vivem segundo as exigências da vida religiosa ou a

vivem somente segundo um modo formalístico, não quer dizer que a vida

religiosa como tal não seja um valor fundamental. A critica à vida religiosa

contrasta com o entusiasmo com o qual Erasmo fala do leigo e da vida

matrimonial. Uma contraposição entre as duas vocações é hoje, ao menos

teologicamente, superada a partir do momento em que se fala da chamada

universal à santidade.

A relação com Lutero(1483-1546) ajuda-nos a conhecer melhor a sua

postura doutrinal e espiritual. Erasmo sentia desde o início uma certa simpatia

por Lutero que em Outubro de 1517 afixa as 95 teses contra as indulgências,

transformadas neste período num grande negócio financeiro. Mas a reacção de

Lutero não é somente contra os abusos relativos às indulgências, mas contra

as indulgências como tal. Como chegou Lutero a isto? Educado também nos

“Irmãos de vida comum” tinha levado muito a sério a vida monástica, mas não

encontrava a perfeição que procurava. Isto levou-o a uma profunda crise

espiritual e existencial. Assim, reflectindo sobre a sua crise, ele mesmo diz:

“Estou a martirizar-me; que coisa procuro senão Deus? Ele sabe como

observei a minha regra e que vida tenho conduzido”. Mas em tudo isto, ele não

encontrava a paz, nem com Deus nem com a sua consciência. Por outro lado a

teologia Ocamista, que tinha estudado, longe de o ajudar agravava o seu

problema, pois essa pedia-lhe uma predisposição perfeita para receber a

graça, e é precisamente aqui que ele se sentia impotente. A crise de Lutero

Page 4: Sebenta espiritualidade parte v

Instituto Diocesano de Estudos Pastorais (IDEP)

resolve-se por volta de 1513 com uma experiência particular, “experiência da

torre”, meditando Rom. 1,17.

Assim a justiça divina não é uma justiça formal, distributiva como a

humana, mas aquela pela qual Deus, na sua misericórdia, justifica mediante a

fé, sem as nossas obras. Para Lutero, esta era a revelação de Deus

misericordioso que ele procurava, manifestado no amor redentor de Cristo.

Lutero tem razão enquanto sublinha o primado da graça na vida cristã para lá

de cada obra(indulgências, penitências, e.t.c.), mas falha quando exclui o valor

das obras humanas como resposta à graça de Deus. Não obstante de Erasmo

ter querido permanecer espectador diante da grande questão luterana, toma

posição. Fixou-se no ponto sobre o qual existia uma clara disparidade, isto é

sobre o conceito de liberdade. Erasmo escreveu o livro “ De librero arbítrio”,

defendendo o valor da liberdade humana, por outras palavras das obras, para

juntar à salvação eterna.

Lutero respondia de modo violento com a obra “De servo arbítrio”,

declarando que, depois do pecado original, a vontade humana é escrava

(serva) do mal e somente pode ser libertada com a graça da redenção de

Cristo. O pecado original, responderia Erasmo, enfraquece mas não anula

totalmente a liberdade humana para fazer o bem.

Page 5: Sebenta espiritualidade parte v

Instituto Diocesano de Estudos Pastorais (IDEP)

TOMÁS MORO (1478-1535)

Em amigável relação com Erasmo, Tomás Moro apresenta uma visão

mais autêntica do Humanismo em sentido cristão. Eleito deputado do

parlamento inglês é nomeado chanceler do reino (1529). Pela sua recusa de

reconhecer a supremacia religiosa do Rei (Henrique VIII) foi condenado à pena

de morte. A Igreja católica declarou-o santo e patrono dos políticos. O seu

conceito de Homem leva-o a reflectir também sobre a ordem social em sentido

cristão, analisando qual poderia ser a óptima constituição social que pode

efectivamente garantir a plena liberdade do Homem. Isto desenvolveu-o no seu

conhecido escrito “Utopia”(1516). Aqui ele faz uma critica à sociedade do seu

tempo, partindo da sociedade inglesa.

Por exemplo, no que diz respeito à delinquência, diz que as punições

não servem muito porque o furto é provocado por uma profunda injustiça que

Page 6: Sebenta espiritualidade parte v

Instituto Diocesano de Estudos Pastorais (IDEP)

consente ao rico explorar, e desfrutar do pobre. Segundo a “Utopia”, todos

devem trabalhar, mas não mais de seis horas por dia: três antes do meio dia e

três depois, o resto deve ser tempo livre. A vida das pessoas desenvolve-se

tanto quanto é possível, num ambiente comunitário, e deve ser dirigida para

encontrar um harmónico equilíbrio entre prazer do corpo e do espírito.

A religião na “Utopia” é fundada sobre a crença de uma divindade

inconcebível, eterna, acima de cada sociedade, e cada indivíduo é livre de

adorar esta divindade com o culto que preferir. Estes termos, que hoje são de

todo actuais, mostram a modernidade do humanismo cristão, que o Vaticano II

revelou: a liberdade de consciência, o diálogo inter religioso, a igualdade

fundamental de todas as pessoas, a justiça social,, e assim, construir a

“sociedade do amor”, como antecipação e participação do Reino escatológico,

de verdade, de justiça, amor e paz. Em resumo, na “Utopia” Tomás Moro

apresenta-nos a vida do céu como um modelo para a vida sobre a terra.