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1 O Setor Elétrico Brasileiro: Expansão com Inovação * Nivalde J. de Castro ** Fernando Goldman *** O Setor Elétrico Brasileiro - SEB – conseguiu estruturar um sistema, único no mundo, de amplitude continental, predominantemente hidráulico, com inúmeras e inovadoras soluções tecnológicas, financeiras e de organização produtiva, desde do final da década de 1950, em especial a partir da década de 1970, planejando, projetando, construindo, operando e mantendo elevado número de grandes empreendimentos de Geração e Transmissão, até chegar à consolidação do SIN - Sistema Interligado Nacional. As teorias sobre evolução - sejam de organismos, organizações e mesmo de nações - demonstram que a "adaptação inibe a adaptabilidade". (*) Publicado no IFE n.º 2.042 de 24 de maio de 2007. http://www.provedor.nuca.ie.ufrj.br/eletrobras/eletronico/eletronico.htm (**) Professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do GESEL – Grupo de Estudos do Setor Elétrico. [email protected] (***) Engenheiro eletricista e mestrando em engenharia de Produção da UFF. [email protected]

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O Setor Elétrico Brasileiro: Expansão com Inovação *

Nivalde J. de Castro **

Fernando Goldman ***

O Setor Elétrico Brasileiro - SEB – conseguiu estruturar um sistema,

único no mundo, de amplitude continental, predominantemente

hidráulico, com inúmeras e inovadoras soluções tecnológicas,

financeiras e de organização produtiva, desde do final da década de

1950, em especial a partir da década de 1970, planejando, projetando,

construindo, operando e mantendo elevado número de grandes

empreendimentos de Geração e Transmissão, até chegar à consolidação

do SIN - Sistema Interligado Nacional.

As teorias sobre evolução - sejam de organismos, organizações e mesmo de nações - demonstram que a "adaptação inibe a adaptabilidade".

(*) Publicado no IFE n.º 2.042 de 24 de maio de 2007. http://www.provedor.nuca.ie.ufrj.br/eletrobras/eletronico/eletronico.htm

(**) Professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do GESEL – Grupo de Estudos do Setor Elétrico. [email protected]

(***) Engenheiro eletricista e mestrando em engenharia de Produção da UFF. [email protected]

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Este pressuposto indica que sucessos passados podem levar a

situações de adaptação excessiva às antigas premissas, inibindo a

capacidade de se adaptar às novas situações.

Nonaka e Takeuchi elaboraram uma analogia com os dinossauros:

"Em um dado momento, esse animal era fisiológica e

morfologicamente adequado a um determinado ambiente. Mas ele se

adaptou excessivamente a esse ambiente e não conseguiu se ajustar a

mudanças eventuais no clima e no suprimento alimentar" (1997, p.

191)

A partir dos “dinossauros” pode-se analisar o setor elétrico levando-se

em conta que os sucessivos desenvolvimentos tecnológicos, a intensa

atividade de P&D, as crescentes restrições ambientais e a tendência à

elevação dos preços da energia elétrica no mundo, entre outros fatores,

tende a impor novas soluções para a área energética, antes vistas

apenas como sonhos, processo este que se acelera e não pode mais ser

desconsiderado.

Em contrapartida, soluções antes tidas como ideais mostram-se

verdadeiros “dinossauros” em um ambiente de negócios competitivo,

dinâmico, cuja palavra de ordem é “sustentabilidade” e onde a

variável financeira é, cada vez mais, a determinante da efetiva

viabilidade dos projetos.

Na década de 1990, verificou-se o esgotamento do modelo de

desenvolvimento e financiamento dos setores de infra-estrutura em

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países desenvolvidos e, principalmente, nos países sub-desenvolvidos.

Este modelo tinha como base o papel do Estado como investidor único.

Como solução para a crise de financiamento público, especificamente

para o setor elétrico - no mundo e no Brasil - foram propostas e

impostas profundas mudanças na estrutura de propriedade, de

funcionamento e de financiamento. A principal e fundamental

característica no novo modelo foi a privatização dos ativos estatais, e

com isto transferir para os agentes privados a responsabilidade do

planejamento e investimento na ampliação da capacidade instalada do

SEB. Ou seja, o novo modelo, de fundamentação teórica neoliberal

passou a transferir para grupos privados toda a responsabilidade na

obtenção dos recursos necessários para financiar a expansão da oferta

de energia elétrica e também do planejamento do setor elétrico. Micro-

planejamento, já que cada grupo decidiria, de acordo com sua

estratégia de negócios, o que, quanto, quando e onde investir.

A crise de oferta de 2001-2002, que foi rapidamente chamada pela

sociedade de “Crise do Apagão”, demonstrou de forma clara e cara

que os pressupostos básicos do novo modelo mostravam-se incapazes

de garantir a expansão do SIN de forma consistente e equilibrada.

O documento oficial que fez o diagnóstico da crise, Relatório Kelman

(2001), serviu de base para o processo de reestruturação do SEB,

iniciado de forma mais consistente em 2003 e que culminou com um

conjunto de novas regras aprovadas pelo Congresso Nacional em

meados de 2004.

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Em linhas gerais, o Modelo do SEB-2004 teve como objetivo reordenar

econômica e financeiramente o setor e recuperar a capacidade de

planejamento. Buscava-se assim, dar mais consistência às regras,

garantindo a estabilidade necessária e imprescindível à consolidação

do marco regulatório. Uma determinação estratégica foi o fim da

privatização e o retorno dos investimentos públicos, formatando um

novo modelo baseado nas parcerias estratégicas entre os investimentos

públicos e privados. Dessa forma, foi assumido que o SEB, pela sua

dimensão, importância e desafios a serem enfrentados, não pode se

desenvolver somente baseado no investimento privado. Os

investimentos públicos criam e viabilizam uma forte sinergia com

benefícios para o desenvolvimento mais estável do SEB. (ver CASTRO

& FERREIRA, 2004; CASTRO, 2005; CASTRO, BUENO e CAVALIERI,

2006).

Centrando o foco analítico no segmento de transmissão, verifica-se

que, desde 1999, foram sendo formatadas características bem

específicas, propiciando maior atratividade aos investimentos nesse

segmento. Por um lado, os resultados têm sido positivos, pois os custos

individuais dos empreendimentos de transmissão vêm apresentando

sucessivas reduções, percebidas pelos deságios nos leilões da

transmissão. Por outro lado, a expansão da rede no atual modelo, com

ênfase na geração centralizada e hidráulica, é constante e cada vez

mais necessária para uma maior eficiência do SIN, pois em um sistema

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predominantemente hidráulico a transmissão exerce um papel

adicional de interligação e remanejamento de recursos hídricos.

Como seria de se esperar, mesmo com a maior competitividade nos

leilões, o processo de ampliação da rede de transmissão vem se dando

com a elevação das RAP´s (Receitas Anuais Permitidas) , que é o valor

total das receitas pagas por todos os agentes geradores, distribuidores

e consumidores livres que tem acesso à Rede Básica de Transmissão.

Em função desta trajetória de expansão do valor das RAP´s, a tarifa-fio

começa a provocar preocupações nos agentes econômicos que atuam

no setor elétrico.

Em relação à geração e ao que diz respeito à tarifa-energia, as

evidências probabilísticas indicam uma dificuldade crescente de

atender à demanda de energia elétrica no Brasil, em cenário que tende

a se agravar no curto e médio prazos – no entorno do ano de 2011. É

necessário assinalar que será muito pouco provável que ocorra uma

Crise com a dimensão e impacto do “Apagão”. Isto porque o modelo

atual está muito mais estruturado e o governo tem mecanismos e

instrumentos para evitar uma crise de desabastecimento. Pode ocorrer

algum tipo de racionamento localizado, mas há pouca probabilidade

de um Apagão. A título de exemplo, o governo pode impor um

contingenciamento do consumo industrial do gás natural e no

consumo de transporte urbano de GNV. Outra medida alternativa, que

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já vem sendo tomada, é abrir mais espaço nos leilões de energia nova

para empreendimentos termoelétricos de fontes de energia suja (óleo

diesel e carvão mineral) prevalecendo a premissa de que mais vale

energia suja e cara do que nenhuma energia.

Todas as alternativas para a expansão da capacidade geradora

instalada indicam para um aumento da tarifa-energia. Esta tendência

irá impactar, de forma direta, o mercado livre. Um dos principais

problemas deste mercado é a flexibilidade excessiva dos contratos, em

especial em relação à sua duração, a maioria de curto prazo. Mercê

assinalar que o mercado livre se desenvolveu rapidamente em razão

das condições favoráveis de oferta de energia elétrica pós-apagão e

crescimento do PIB baixo. Esta situação de excesso de oferta favoreceu

os segmentos industriais eletro-intensivos e grandes consumidores de

energia elétrica , que firmaram contratos de compra de energia a tarifas

bem favoráveis. Este fato explica o rápido crescimento da participação

deste mercado no consumo nacional, representando cerca de 25 % do

consumo total nacional. No entanto, as perspectivas de estreitamento

do equilíbrio entre oferta e demanda de energia elétrica está mostrando

que o mercado livre tem mão dupla, ou seja, as tarifas também podem

subir, impactando de forma irreversível, no curto prazo, os custos das

empresas.

Outro ponto a destacar, sem deixar de levar em conta ser a

hidroeletricidade a vocação energética natural do Brasil nos próximos

30 anos, é que embora tenha havido uma grande reestruturação do SEB

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no planejamento setorial continuam prevalecendo os grandes

empreendimentos hidroelétricos. Na verdade, não há como se deixar

de perceber e aproveitar as vantagens econômicas e sistêmicas de

grandes empreendimentos, mesmo necessitando grandes

investimentos. No entanto, dada à dimensão da logística econômica,

financeira e ambiental que envolve os grandes empreendimentos

hidroelétricos, incluindo suas implicações na expansão da Rede Básica

de Transmissão e da Rede Básica de Fronteira com a conseqüente e

inevitável elevação da tarifa-fio, o SEB deve buscar novas alternativas

para atender a demanda crescente de energia elétrica.

Implica assinalar que não se deve esperar pela adoção de medidas de

real incentivo à soluções inovadoras como um recurso a ser utilizado

somente quando o sistema tiver dificuldade de geração, transmissão

ou distribuição e seus custos se tornarem muito elevados. Diante da

tendência de tarifas crescentes da energia elétrica, o setor elétrico deve

investir em inovações de processos e produtos, como outros setores

econômicos vêm fazendo. Por exemplo, não há um efetivo

aprofundamento da discussão sobre a oportunidade e a urgência da

adoção de incentivos às práticas energéticas mais eficientes, como

instrumento para enfrentar o cenário de escassez de energia. Neste

aspecto, o setor continua amarrado aos antigos paradigmas.

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O papel e função da energia elétrica na sociedade pós-industrial são

fundamentais. Cada vez mais a humanidade será e ficará dependente

da oferta de energia elétrica. O Brasil precisa da energia elétrica não só

para manter o crescimento econômico, mas para ampliar a cidadania e

atender as demandas derivadas do processo de redistribuição de

renda, importância esta expressa pelo valor e volatilidade da

elasticidade renda brasileira na demanda de energia elétrica. Esse

indicador relaciona quanta energia elétrica é consumida a mais, para

cada ponto percentual de crescimento do PIB. A busca da inovação e a

superação de paradigmas para o SEB são uma imposição técnica,

econômica e social.

Nesta perspectiva de busca da sustentabilidade para o SEB a partir de

investimentos em inovações tecnológicas, não há hoje limites para o

desenvolvimento do setor elétrico como os verificados na década de

1990. O marco regulatório está definido e consolidado deixando de ser

uma variável de incertezas para os investidores privados e públicos.

Não há mais restrição na oferta de recursos financeiros para o elevado

volume de empréstimos que o SEB tradicionalmente requer, por se

tratar de um setor de infra-estrutura de capital intensivo. As linhas de

financiamento do BNDES específicas para o SEB, com prazos longos,

carências adequadas e taxas de juros baixas. A lucratividade das

empresas e grupos que atuam no setor é alta. Para expressar esta

valorização basta verificar que hoje é o setor que mais paga dividendos

no mercado acionário e o Índice das Empresas de Energia Elétrica

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negociadas em Bolsa apresenta valorização superior ao IBOVESPA,

permitindo assim que as empresas captem mais recursos no mercado

de capitais e possam assim alongar o perfil da dívida a custos menores.

O acesso ao mercado de debêntures e ao de fundos de recebíveis

corrobora esta tendência de mais e melhor oferta de recursos para o

setor. Por último, a construção de uma política de planejamento, via a

EPE – Empresa de Pesquisa Energética oferece uma orientação para os

investimentos na expansão da oferta.

Os problemas estão localizados nos entraves ao aumento da oferta,

podendo ser classificados por dois tipos: ambiental e de diversificação

da matriz energética. Em ambos os acasos uma ação mais pró-ativa de

políticas de incentivo à inovação tecnológica, dentro de uma

perspectiva de gestão energética, seria uma forma de mitigar riscos

futuros.

A questão ambiental tem um componente cultural muito forte. A

promulgação da nova legislação ambiental coincidiu com a imposição

do modelo de “privatização pura” do SEB (CASTRO, BUENO &

CAVALIERI, 2006) quando então os investimentos em novas usinas e

novos estudos das bacias hidrológicas ficaram paralisadas, pois o

grosso dos recursos que foram aplicados no setor direcionou-se para a

compra de ativos existentes. A Crise do Apagão e o baixo crescimento

do PIB não forçaram investimentos na ampliação da capacidade

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instalada, logo o marco legal ambiental não foi se consolidando.

Quando a demanda de energia começou a crescer de forma gradativa e

crescente, impondo a necessidade de novos investimentos, a legislação

ambiental passou a ser um fator de “travamento”.

A necessidade de alteração da matriz energética insere-se em uma

política de médio e longo prazo de segurança energética. Quanto mais

diferenciadas forem as fontes energéticas melhor para o país. No caso

brasileiro, conforme assinalado anteriormente, o aproveitamento do

potencial hidroelétrico é uma política de gestão energética correta. Mas

este potencial se esgotará e outras fontes têm que ser pesquisadas e

preparadas para entrar em operação de forma gradativa e paralela.

Tanto na questão ambiental quando na diversificação da matriz

energética, uma política de gestão energética centrada na busca e

construção de inovações tecnológicas é uma imposição para que o

Brasil consiga ter e deter sustentabilidade no desenvolvimento do setor

elétrico. Este parece ser um grande desafio no campo energético, já que

os outros fatores que travaram o desenvolvimento do SEB estão hoje

superados.

Bibliografia

CASTRO, Nivalde J.; FERREIRA, Vicente Antonio de Castro. La Energia viejay el nuevo modelo. Madri. Boletin Brasil. Vol. 1, nº 2, junho 2004

CASTRO, Nivalde J. A Caminho da consolidação do Modelo do Setor Elétrico. Revista Energia & Mercado. Ano 4, nº 49, p.34, setembro de 2005

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CASTRO, Nivalde José de; BUENO, Daniel; CAVALIERI, Rita. Reestruturação e padrão de financiamento do Setor Elétrico Brasileiro: O papel estratégico do investimento público. Reunião de Planejamento e Orçamento - REPLAN. Eletrobrás. Porto Alegre, 27-29 de setembro de 2006.

KELMAN, Jerson. Relatório da Comissão de Análise do Sistema Hidrotérmico de Energia Elétrica. Brasília, Presidência da República, 2001.

NONAKA, Ikujiro; TAKEUCHI, Hirotaka. Criação de Conhecimento na Empresa: Como as Empresas Japonesas Geram a Dinâmica da Inovação. Rio de Janeiro: Campus, 1997