a expansao da fronteira agricola

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIS ESCOLA DE AGRONOMIA E ENGENHARIA DE ALIMENTOS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM AGRONEGCIO-MESTRADO

A EXPANSO DA FRONTEIRA AGRCOLA NO ESTADO DE GOIS: SETOR SUCROALCOOLEIRO

ED LICYS DE OLIVEIRA CARRIJO

DISSERTAO DE MESTRADO EM AGRONEGCIOS

GOINIA-GO AGOSTO/2008

1

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIS

A EXPANSO DA FRONTEIRA AGRCOLA NO ESTADO DE GOIS: SETOR SUCROALCOOLEIRO

ED LICYS DE OLIVEIRA CARRIJO

ORIENTADOR: PROF. DR. FAUSTO MIZIARA

DISSERTAO DE MESTRADO EM AGRONEGCIOS Dissertao de mestrado submetida ao Programa de Psgraduao em Agronegcios da Universidade Federal de Gois, como parte dos requisitos necessrios obteno do grau de Mestre em Agronegcios.

GOINIA-GO AGOSTO/2008

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Dados Internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP) (GPT/BC/UFG)Carrijo, Ed Licys de Oliveira. A expanso da fronteira agrcola no Estado de Gois: setor sucroalcooleiro [manuscrito] / Ed Licys de Oliveira Carrijo. 2008. 99 f.: il., figs., tabs. Orientador: Prof. Dr. Fausto Miziara. Dissertao (Mestrado) Universidade Federal de Gois, Escola de Agronomia e Engenharia de Alimentos, 2008. . Bibliografia: f.86-90. Inclui lista de figuras, tabelas e de abreviaturas. Anexos. 1. Setor Sucroalcooleiro Expanso Territorial Mineiros

C316e

(Gois) 2. Cana-de-acar Mineiros (Gois). I. Miziara, Fausto. II. Universidade Federal de Gois, Escola de Agronomia e Engenharia de Alimentos. IV. Tittulo. CDU:

633.61(817.3)

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DEDICO Aos meus pais, Deuslene de Oliveira Carrijo e Eduardo Gomes Carrijo, e a minha av Alice (in memorian).

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer a Deus. Aos meus pais, que sempre me apoiaram e me incentivaram, alm de me proporcionarem condies para a realizao deste trabalho. Muito obrigada! Aos meus irmos, Drika Kyara e Kiever, que me incentivaram em minha busca pessoal e profissional. Ao meu querido Andr Luiz, pela compreenso e incondicional apoio. Ao meu orientador Fausto Miziara, pela oportunidade, por estar sempre disponvel para orientao das minhas dvidas, e principalmente, pelo apoio durante a realizao deste estudo. Meus sinceros agradecimentos. Ao professor Joel Bevilaqua Marin pela presteza, incentivo, dedicao e tambm pelos valiosos emprstimos bibliogrficos que muito contriburam para o meu aprimoramento cientfico. professora Francis Lee Ribeiro, pela ateno e as valiosas sugestes. Aos professores do Programa de Ps-graduao em Agronegcios. escola de Agronomia, especialmente s funcionrias Tereza e Cleonice. Aos colegas do Mestrado pelo companheirismo nas horas difceis, apoio e amizade, em especial a Cladia e Selma. professora Ysabel del Carmen B. Balmaceda, minha orientadora do Programa de iniciao cientfica durante a graduao. professora Lacy Guaraciaba, pela ateno e sugestes. Comiva e aos produtores que participaram da pesquisa, em especial aos produtores Evaristo Trentin, Ins Parmegeani e Gemiro Carafini. secretaria da Indstria e Comrcio do Estado de Gois que forneceu uma base documental importantssima, em especial ao Maronezzi, Srgio, Maria Giovane e Candinho. Daniela, Gisley, Viviane, Juliana e Denise. Ao Fidelcino, pela colaborao nas viagens. Meus padrinhos Naid e Altamiro, pela hospitalidade durante a pesquisa de campo. A todos que direta ou indiretamente colaboraram com esta dissertao

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SMARIO

LISTA DE FIGURAS...............................................................................................................05 LISTA DE TABELAS..............................................................................................................06 LISTA DE ABREVIAES....................................................................................................07 Resumo......................................................................................................................................08 Abstract.....................................................................................................................................09 INTRODUO........................................................................................................................10 Captulo I - EXPANSO DE FRONTEIRAS 1.1 - Frente de expanso e frente pioneira................................................................................15 1.2 - Fronteira agrcola..............................................................................................................16 1.3 - Ocupao do Solo Goiano e a consolidao da fronteira agrcola em Gois...................21 Captulo II - MODERNIZAO DA AGRICULTURA 2.1 - Planos de governo.............................................................................................................29 2.2 - Desenvolvimento tecnolgico na agricultura...................................................................33 Captulo III - O SETOR SUCROALCOOLEIRO 3.1 - Histrico da atividade da cana-de-acar.........................................................................37 3.2 - A atividade sucroalcooleira atual......................................................................................45 3.2.1 - Produo de lcool .......................................................................................................50 3.2.2 - Produo de acar........................................................................................................51 3.2.3 - Co-gerao de energia...................................................................................................52 3.3 - Produo atual da atividade sucroalcooleira em Gois....................................................53 3.4 - Gois regio de Fronteira agrcola para o setor sucroalcooleiro......................................60 3.5 - Programa de desenvolvimento Industrial de Gois PRODUZIR.................................63 Captulo V - ESTUDO DE CASO 5.1 - Caractersticas Gerais do Municpio de Mineiros............................................................68 5.2 - A criao do municpio e a Ocupao dos Espaos.........................................................68 5.3 - A entrada da cana-de-acar em Mineiros.......................................................................75 5.4 - A Usina.............................................................................................................................80 CONSIDERAES FINAIS...................................................................................................82 BIBLIOGRAFIA......................................................................................................................86 ANEXOS..................................................................................................................................91

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1.1 Figura 1.2 Figura 3.1 Figura 3.2 Figura 3.3 Figura 3.4 Figura 3.5

Uso e ocupao do solo em Gois.....................................................................26 Lavoura em Gois em 1975, 1985 e 1995..........................................................27 Estimativa do crescimento da rea plantada no Brasil com cana para indstria Usinas cadastradas por unidades da federao....................................................48 Produo de cana-de-acar no Brasil................................................................49 Produo mundial de lcool combustvel............................................................51 Exportao brasileira de acar..........................................................................52

para produo de lcool e acar no perodo 2006/07 a 2015/16.............................................47

Figura 3.6 Usinas instaladas no estado de Gois...................................................................55 Figura 3.7 Produo (ton) de cana-de-acar no Estado de Gois em 2005........................57 Figura 3.8 rea (ha) de cana-de-acar no Estado de Gois em 2005................................58 Figura 3.9 Projeto de usinas sucroalcooleiras aprovados pelo Programa Produzir...............59

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LISTA DE TABELAS

Tabela Tabela Tabela Tabela

3.1 3.2 3.3 3.4

Mercado mundial de lcool .............................................................................50 Correlao entre rea plantada de cana-de-acar e rea total de Agricultura.........................................................................................................59 Investimento fixo das usinas............................................................................62 Financiamentos concedidos pelo PRODUZIR.................................................65

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LISTA DE ABREVIAES ABCAR - Associao Brasileira de Crdito e Assistncia Rural ACAR - Associao de Crdito e Assistncia Rural BEN - Balano Energtico Nacional CAIs - complexos agroindustriais CDPA - Comisso de Defesa da Produo de Acar Cenal - Comisso Executiva Nacional do lcool EMATER EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecurias EMBRATER - Sistema Nacional de Assistncia Tcnica e Rural IAA - Instituto do Acar e do lcool Fomentar - Fundo de Participao de Participao e Fomento a Industrializao FUNPRODUZIR - Fundo de Desenvolvimento de Atividades Industriais IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica ICMS - Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Servios MICRO-PRODUZIR Subprograma do Produzir para micro e pequenas empresas IPI - Imposto de Produtos Industrializados PAEG - Plano de Ao Econmica do Governo PGPM - Poltica de Preos Mnimos Planalucar - Programa Nacional de Melhoramento da cana-de-acar I PND - I Plano Nacional de desenvolvimento II PND - II Plano Nacional de desenvolvimento PNDA - Plano Nacional de Defensivos Agrcolas PNFCA - Plano Nacional de Fertilizante e Calcrio Agrcola Prolcool - Programa Nacional do lcool Prodoeste - Programas de incentivos para o centro-oeste PRODUZIR - Programa de Desenvolvimento Industrial de Gois SIC Secretaria da Indstria e Comrcio do Estado de Gois SIEG - Sistema de Informaes Estatsticas e Geogrficas SNCR - Sistema Nacional de Crdito Rural OPEP - organizao Mundial do Petrleo UNICA - Unio da Agroindstria canavieira de So Paulo

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Resumo: O objetivo deste trabalho contribuir para a compreenso do recente processo de avano do setor sucroalcooleiro em Gois. Para tanto, este fenmeno ser analisado dentro de uma perspectiva mais ampla, que o relacione com a expanso da Fronteira Agrcola. Ser apresentado um modelo terico que explica esse processo, articulando as caractersticas naturais do espao topografia, localizao, fertilidade, recursos hdricos aos processos econmicos de tomada de deciso dos atores individuais. Uma das hipteses desse trabalho a de que essa nova etapa de expanso da Fronteira Agrcola tender a reproduzir a etapa anterior. Com isso a expectativa a de que ocorra uma disputa entre a cana e as lavouras temporrias especialmente a soja pelas melhores reas de cultivo. Neste sentido, foi possvel visualizar, por meio de dados trabalhados com um Sistema de Informao Geogrfica (SIG) e tambm pelo estudo de caso realizado em Mineiros (GO), por meio do qual se constatou que as usinas esto sendo consolidadas em reas produtoras de gros e que h um nmero elevado de arrendamento. Levando em considerao esses fatores, verifica-se que haver uma substituio das lavouras de soja e pecuria pela de cana-de-acar, uma vez que a chegada da usina fora os produtores de gros a migrarem para outra regio.

Palavras-chave: 1) setor sucroalcooleiro; 2) fronteira agrcola; 3) Mineiros

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Abstract: This paper aims to contribute to the understanding of the recent process of moving the industry in Gois sucroalcooleiro. This phenomenon will be examined within a broader perspective, placing it within the expansion of the agricultural frontier. It will be presented a theoretical model that explains this process, articulating the characteristics "natural" of space topography, location, fertility, water resources with the processes of economic decisionmaking of individual actors. One of the hypotheses of this work is that this new stage of expansion of the Agricultural Frontier tend to reproduce the previous stage. The expectation is that a dispute occurs between the cane and crops, particularly the soybeans. In this sense, It was possible to see through data worked with a geographic information system (GIS) and also by the case study conducted in Mineiros (GO), through which found that plants are being consolidated into grain-producing areas and there are a large number of land rents. Taking into consideration these factors, it appears that there will be a replacement of the soybean crop and livestock by sugar cane, since the arrival of the plant forces producers of grain to migrate to another region.

Key-Words: 1) industry sucroalcooleiro, 2) the agricultural frontier, 3) Mineiros

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INTRODUO A cultura da cana-de-acar uma das mais importantes atividades econmicas na histria brasileira. A demanda pelos produtos do setor sucroalcooleiro est crescendo no cenrio mundial, e neste segmento, o Brasil considerado o maior produtor de cana-deacar. Atualmente, a atividade canavieira est expandindo dos plos produtores para regies onde o cultivo era de importncia secundria, como por exemplo, no Estado de Gois. Neste sentido, este trabalho busca compreender o atual desenvolvimento do setor sucroalcooleiro em Gois como parte de um processo mais amplo de expanso das fronteiras. Para compreender a fronteira a anlise parte dos princpios tericos que explicam o processo de ocupao do solo. A primeira linha terica est dividida em dois momentos: a frente de expanso que se destaca por relaes no capitalistas, com deslocamento da populao em busca de novas reas para desenvolver a produo agropecuria para subsistncia, visando a troca somente da produo excedente. Em seguida, surge a frente pioneira, que caracterizada pelo momento em que o capitalismo se expande por terras j ocupadas anteriormente, assim as terras passaram a ter valor monetrio, e as produes eram incorporadas a economia de mercado. A segunda linha terica, explorada no decorrer deste estudo, a fronteira agrcola configurada pela modernizao tecnolgica. Partindo do pressuposto que o padro tecnolgico est relacionado ao nvel de investimento, verifica-se que o desenvolvimento da tecnologia rural foi o desencadeador de novos processos de ocupao e da expanso da agropecuria para as reas que anteriormente eram consideradas no frteis, como as da regio Centro-Oeste. A atuao do Estado foi decisiva para que houvesse a ocupao do cerrado. Entre meados da dcada de 1970, um conjunto de fatores contribuiu para fazer da regio CentroOeste a rea mais promissora da fronteira agrcola. Os planos governamentais, a infraestrutura, as modificaes da base tcnica agropecuria, os modelos desenvolvidos pela revoluo verde, que por meio da tecnologia resolveram problemas da fertilidade do solo, contriburam para expanso da fronteira agrcola nesta regio. Entender que a modernizao tecnolgica a base para os princpios bsicos da fronteira agrcola crucial para verificar que esta faz parte de um processo contnuo, uma vez que sempre est em transformao. Assim sendo, este trabalho discute o modelo terico que caracteriza as mudanas nas estruturas produtivas, dando nfase expanso da fronteira

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agrcola no Centro-Oeste, visando ainda perceber a continuidade desse processo nos dias de hoje. A regio Centro-Oeste referncia nacional como rea de grande potencial agrcola, principalmente na produo de gros. Porm, atualmente, h uma forte expanso do setor sucroalcooleiro em Gois, estado que apresenta grande potencial para expanso da atividade canavieira, uma vez que h uma disponibilidade e preo baixo das terras, baixo custo de produo associado a alta rentabilidade, alm do setor atrair considerveis investimentos. Tudo isso vem transformando Gois em um dos maiores plos energticos do pas. As mudanas no tipo de lavouras, e tambm a expectativa crescente de Gois como plo energtico brasileiro so pontos relevantes para ser analisados. Assim sendo, o objetivo principal deste estudo analisar a expanso da cana-de-acar no Estado de Gois dentro da dinmica da fronteira agrcola, ou seja, como uma nova etapa da mesma. Para cumprir o objetivo geral, o presente trabalho assume como objetivos especficos os seguintes pontos: Mapear a expanso do setor sucroalcooleiro; montar base de dados para estudar o processo de expanso da atividade sucroalcooleira; analisar as vantagens competitivas do Estado de Gois para expanso da cadeia da cana-de-acar; verificar se as usinas sero instaladas em reas que cultivam gros e pecuria no municpio de Mineiros. verificar se a expanso do setor sucroalcooleiro afetar as outras atividades agropecurias presentes no municpio de Mineiros, proporcionando as mesmas uma possvel migrao das atividades para outras regies. Aps toda uma pesquisa bibliogrfica e documental, decidiu-se por realizar uma pesquisa de campo no municpio de Mineiros, haja vista, que este foi um forte representante da Fronteira Agrcola no cerrado. Esse movimento aconteceu, principalmente, com a chegada dos gachos no municpio, que vieram para regio Centro-Oeste motivados pelos programas governamentais, linhas de crdito, desenvolvimento da tecnologia rural, preo baixo do solo e grande disponibilidade de reas. O presente estudo baseia-se primeiramente na hiptese de que o desenvolvimento do setor sucroalcooleiro em Gois pode ser compreendido dentro da dinmica de expanso de fronteiras, que moldou a economia local, principalmente aps a chamada Fronteira Agrcola. Mais particularmente parte-se do pressuposto de que fatores como preo das terras goianas, topografia e incentivos fiscais contribuem para o desenvolvimento do setor

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sucroalcooleiro em Gois. A outra hiptese deste trabalho, que foi comprovada com a pesquisa de campo, que a espacializao dessa nova etapa de expanso da Fronteira Agrcola tendeu a reproduzir a etapa anterior. Diante disso, no primeiro captulo discute-se a dimenso terica do modelo de expanso da fronteira agrcola. Foi realizada uma reviso bibliogrfica, incluindo os conceitos de fronteira e uma viso geral do processo de ocupao do solo em Gois. No segundo captulo apresentado um estudo sobre a modernizao da agricultura, uma vez que o investimento tecnolgico aliado ao nvel de capital que determina a fronteira agrcola. Neste sentido, pesquisou-se tambm um breve histrico sobre os Planos de Governo e sua importncia, e ainda, a transformao da base tcnica nas regies do cerrado, mais precisamente em Gois. No captulo 3 desenvolve-se uma breve anlise histrica da cultura da cana-de-acar e se realiza tanto uma anlise do setor na atualidade quanto sobre a expanso da cana-deacar no Estado de Gois. Foi realizada, ainda, uma anlise do programa PRODUZIR, que concede financiamentos para empresas que visam desenvolver plos industriais em Gois. O captulo 4 apresenta um estudo de caso no municpio de Mineiros, em que se pde analisar as caractersticas gerais do municpio e, posteriormente, anlise da usina, da viso dos agricultores e das entidades de classe do municpio. O desenvolvimento do tema em anlise utiliza pesquisa descritiva e explicativa, por meio de pesquisa documental e bibliogrfica. Como metodologia de pesquisa deste estudo buscou-se uma reviso bibliogrfica que identificasse o conceito de Fronteiras e as respectivas definies necessrias para responder a hiptese, bem como especificar as variveis determinantes dessa acelerada expanso da atividade canavieira em Gois. Assim sendo, a reviso bibliogrfica coletou as informaes e o conhecimento prvio acerca da problemtica desta pesquisa. Aps uma base terica do conceito de expanso das fronteiras, para dar maior eficcia s argumentaes, utilizada a pesquisa emprica, que visa compreender o processo de ocupao do solo goiano e os planos de desenvolvimento regionais financiados pelo Estado, que contriburam nesse movimento de fronteira agrcola em Gois. Para atingir os objetivos da presente dissertao, permitindo que se estabelea um modelo terico de referncia aliado as variveis existentes, foi utilizado o Sistema de Informaes geogrficas, o software ArcView, que faz o mapeamento das constataes empricas do setor, promovendo uma maior visualizao do efeito dessa expanso da

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atividade sucroalcooleira no territrio goiano. Este programa foi utilizado com base na coleta de dados primrios e secundrios em pesquisas documentais. A pesquisa em questo consiste em fontes de origem secundria com base de dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), Ministrio da Agricultura (MAPA), Secretaria de Planejamento do Estado de Gois (SEPLAN). Alm disso, no mbito da pesquisa documental utilizou-se a pesquisa com material de fontes primrias fornecidas pelos rgos: Sindicato de Acar e lcool do Estado de Gois (SIFAEG), Sindicato da Indstria e do Comrcio (SIC), Departamento do programa Produzir/Fomentar. Este material tem um elevado grau de relevncia, pois permite o acesso s informaes de expanso do setor em Gois, como por exemplo, os projetos de instalao das usinas; e permite tambm, encontrar as variveis determinantes que influenciaram para que Gois tornasse um plo sucroalcooleiro. Para responder a questo central do estudo utilizado o modelo terico da fronteira agrcola, que est estruturada na relao entre tecnologia e nvel de investimento, deste modo, o trabalho analisa o padro tecnolgico, os investimentos de capitais que as usinas sucroalcooleiras implantadas em Gois esto fazendo na regio. Em um segundo momento decidiu-se por um estudo de caso exploratrio em um municpio onde a instalao de uma Usina de lcool est introduzindo fortes mudanas: o municpio de Mineiros. Esse municpio foi escolhido pelo fato de ser considerado emblemtico para o primeiro momento de expanso da Fronteira Agrcola, representado pela chegada de agricultores sulistas, plantadores de soja. Durante este trabalho de campo foram realizadas entrevistas estruturadas e semiestruturadas com registro em udio, com anotaes em caderno e questionrios enviados por e-mail. O estudo de caso limitado, detalhista e profundo. O objetivo foi contemplar uma gama variada de informaes acerca do incio da fronteira agrcola no sudoeste goiano e ainda perceber a cana-de-acar dentro dessa dinmica de expanso de fronteiras. Nesse sentido, foram realizadas entrevistas com o presidente da Associao de Produtores de Gros do Municpio e tambm com alguns produtores rurais, representantes das principais famlias que promoveram a primeira etapa do processo para perceber os impactos desse novo processo representado pela instalao de uma Usina no municpio. Alm disso, foram entrevistados representantes da prpria usina para se perceber um outro olhar sobre esse processo.

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Captulo I EXPANSO DAS FRONTEIRAS

Este captulo tem por objetivo caracterizar o processo de expanso de fronteiras. Para tanto, recorreremos aos modelos propostos por Martins (1975), Miziara (2006) e Rezende (2002), que explicam mudanas no processo de ocupao do solo. Primeiramente, o processo de expanso de fronteiras foi marcado por uma ocupao do espao vazio, que de modo geral baseou-se em relaes no capitalistas. Ocorria neste momento uma apropriao das terras devolutas e uma economia de subsistncia. Posteriormente, surgiu a frente pioneira que resultou na expanso do capitalismo por reas anteriormente ocupadas, as relaes sociais passaram a ser controladas por uma economia de mercado e as terras passaram a ter valor monetrio. Entre as dcadas de 60 e 70, ocorreu um reordenamento do espao produtivo, sendo que conquistas nas reas da cincia e da tecnologia permitiram o aproveitamento de terras que eram consideradas imprprias ao cultivo. A fronteira agrcola foi marcada pela modernizao tecnolgica identificada como responsvel pela converso de solos de qualidade inferior em terras frteis. Deste modo, houve uma nova expanso da fronteira por reas que j tinham sido ocupadas para atendimento a interesses capitalistas. Cabe ressaltar que, para explicar esse fenmeno de expanso de fronteiras, h uma dualidade no debate. Uma a linha tradicional, apontada por Martins (1975) como aquela que divide a ocupao do solo em dois momentos: a) o primeiro aquele em que a frente de expanso abordada; b) o segundo momento caracterizado pela frente pioneira. Esses momentos so classificados como fases distintas entre si e que se estruturaram em longo prazo. J a segunda linha de debate, que se constitui na base terica deste trabalho, foi definida por Miziara (2006). Este autor considera pertinente toda a anlise tradicional, mas difere no momento em que aborda o processo de expanso de fronteira de forma unificada, fazendo tambm referncia s aes dos indivduos. O autor supracitado, parte do princpio terico marxista para explicar a expanso da fronteira agrcola e as transformaes sofridas pelo solo durante o processo de tecnificao implantado por seus exploradores. As mudanas significativas no padro tecnolgico relacionado ao investimento de capital proporcionaram um reordenamento do espao

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produtivo. Algumas reas que praticavam determinada cultura foram convertidas para novas produes que, at ento, eram consideradas imprprias. As mudanas nos nveis de investimento resultam na transformao da base agrcola e, conseqentemente, desencadeia a expanso da fronteira. Este trabalho, parte do debate de fronteira proposto por Miziara (2006) para explicar o fenmeno do reordenamento do espao produtivo no Estado de Gois. Deste modo, no item 1.3 foi feita uma anlise emprica do processo de ocupao do solo goiano, visando perceber esse fato dentro do modelo terico da expanso das fronteiras. 1.1 - Frente de Expanso e Frente Pioneira Para compreender como se d a expanso das fronteiras necessrio entender a primeira corrente terica que explica o processo de ocupao do solo. Esta, divide o processo de expanso de fronteiras em dois momentos: frente de expanso e frente pioneira. O primeiro momento, a frente de expanso, caracteriza-se por uma ocupao que, de modo geral, baseia-se em relaes no capitalistas. Martins (1975) salienta que a caracterstica principal desse processo o fato de as terras serem somente ocupadas e no terem peso de mercadoria. Nesta ocasio, surgia a figura do posseiro. Os posseiros, ou seja, as pessoas que ocupavam as terras devolutas inserem-se no que Martins denomina uma economia de excedente, voltada para a subsistncia, sendo que, o excedente era destinado s trocas mercantis. Assim, verifica-se que, no processo de ocupao do solo caracterizado como frente de expanso, houve deslocamento da populao para novas reas reproduzindo a agropecuria de subsistncia. De acordo com Martins (1975), apesar de o capitalismo estar integrado na frente de expanso, por meio da economia de mercado (economia de excedentes), no se pode considerar, nesse processo, as relaes sociais como capitalistas, pois nessa fase (...) as condies de vida so reguladas pelo grau de fartura e no pelo grau de riqueza. (MARTINS, p.46, 1975). Na medida em que as ocupaes do espao agrrio vo se modificando, surge a frente pioneira, definida por Martins (1975, p.45) como aquela que (...) exprime um movimento social cujo resultado imediato a incorporao de novas regies pela economia de mercado. Pode-se concluir que a frente pioneira manifesta o avano do capitalismo por reas anteriormente ocupadas, pois com a implantao dessa frente as terras passaram a ter valor

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monetrio. Assim sendo, houve uma apropriao capitalista da terra, uma vez que a mesma no seria mais ocupada e sim adquirida. Martins (p.47, 1975) afirma que o funcionamento de mercado que passa a ser o regulador da riqueza e da pobreza. Verifica-se que a partir do momento em que surgiu a propriedade privada da terra as relaes sociais foram transformadas, de forma que a vida econmica encontrou-se estruturada pelas relaes de mercado. Os proprietrios das terras passaram a destinar a produo para o mercado e no mais para a subsistncia, como acontecia na frente de expanso. Neste sentindo, afirma-se que propriedade privada das terras e o empreendimento econmico foram as caractersticas centrais da frente pioneira. De acordo com a linha tradicional, ao analisar os distintos momentos da ocupao do territrio, percebe-se que, primeiramente, houve a ocupao do territrio livre e, posteriormente, a incorporao do capitalismo no sistema agrrio. 1.2 - Fronteira agrcola O modelo que abordamos neste trabalho compreende por fronteira agrcola a mudana significativa do padro tecnolgico associado modernizao da agricultura, relacionada ao nvel de investimento. Esta situao ocorreu com a expanso do processo de ocupao de novas reas, relacionada difuso da Revoluo Verde1 que promoveu o desenvolvimento de tecnologias modernas, que permitiram a transformao do solo. A fronteira agrcola , pois, compreendida como a expanso do processo de ocupao do solo em reas que no tinham determinada aptido agrcola, uma vez que, o solo era considerado inapropriado para o cultivo de algumas culturas. Porm, as terras consideradas de baixa qualidade foram melhoradas, por meio do uso de uma srie de tecnologias como: melhoramento gentico, insumos qumicos, fertilizantes, defensivos e a mecanizao, para que se tornassem frteis e muito produtivas. Por meio dessa leitura, percebe-se, que a bibliografia tradicionalmente empregada para estudar a expanso das fronteiras aborda o fenmeno de duas perspectivas: a) o primeiro enfoque trabalha com a idia de ocupao de reas livres, e tambm, com a implantao do valor monetrio na terra (propriedade privada das terras) e com o empreendimentoRevoluo Verde foi um programa que teve como meta contribuir para o aumento da produo e da produtividade agrcola no mundo, por meio da renovao tecnolgica (pacote tecnolgico): desenvolvimento de experincias no campo da gentica vegetal, utilizao de insumos, fertilizantes, sementes selecionadas, equipamentos modernos e, ainda, tcnicas para correo do solo. (BRUM, 1988).1

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econmico. Esse modelo foi caracterizado por duas fases, que so respectivamente, a frentes de expanso e a pioneira; b) posteriormente, a essa linha tradicional surge o segundo debate que caracterizou a fronteira agrcola. Ainda que a corrente terica de Martins (1975) seja fundamental para a compreenso do processo de expanso de fronteiras, segundo Miziara (2006, p.173) (...) tais variveis demogrfica e social no esgotam o problema, j que no explicam, por exemplo, o fenmeno de reordenamento do espao produtivo quando no ocorrem alteraes significativas nas relaes sociais de produo. Desta forma, o fato de transformar o solo rural em mercadoria no esgotou a problemtica da fronteira, visto que, surgem novas caractersticas que marcam e reordenam o processo de ocupao da terra, sendo, portanto, um movimento transitrio. Neste sentido, era necessria uma abordagem que explicasse as novas variveis que surgiam com o processo de ocupao das reas, por meio do desenvolvimento do padro tecnolgico e que transformaram solos improdutivos em produtivos. Diante desse impasse de diviso do processo de expanso de fronteiras em dois momentos distintos entre si, surge uma segunda corrente terica que considera pertinente a anlise feita por Martins (1975). Segundo essa corrente, a frente de expanso e a frente pioneira incorporaram tambm a fronteira agrcola. Miziara (2006) props um modelo que unifica todas as etapas do processo de expanso de fronteiras dentro de um nico modelo. Como j se afirmou, este trabalho parte do modelo terico de fronteira definido por Miziara (2006), entretanto, para fazermos um estudo sobre fronteira agrcola, primordial compreendermos os fundamentos sobre a renda fundiria definidos por Marx (1986). Em sua obra o Capital, o autor v a agricultura dentro das bases capitalistas. Para tanto, parte do pressuposto de que os produtos agrcolas incorporam os custos da produo, de tal modo que aquilo que ele denomina como sobrelucro constitui-se em uma parcela identificada como renda fundiria. Nesta perspectiva, Marx define a renda fundiria incorporando o lucro suplementar/adicional adquirido pela utilizao da terra na obteno da mercadoria.O sobrelucro que se origina dessa utilizao da queda-dgua no se origina, portanto, do capital, mas do emprego de uma fora natural monopolizvel e monopolizada pelo capital. Nessas circunstncias, o sobrelucro se transforma em renda fundiria, isto , recai para o proprietrio da queda-dgua. (MARX, p. 145, 1986)

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Segundo Marx (1986), o sobrelucro obtido na propriedade rural provm da explorao das caractersticas naturais do solo ou pelo desenvolvimento tecnolgico, por meio do uso intensivo de aplicao de capitais no solo. Neste sentido, alguns proprietrios teriam lucro simplesmente pela prpria fertilidade da sua terra ou ainda, pela transformao da base tcnica que proporcionar retornos lucrativos ao valorizar o capital. Assim, verifica-se que a propriedade privada da terra tem direito ao lucro em funo do monoplio da terra. Desta forma, Marx (1986) definiu a renda absoluta como um recebimento pelo direito da propriedade da terra, mesmo que o proprietrio no utilize o solo, mas faa arrendamento do mesmo. Percebendo que o preo do produto agrcola ter que incorporar o preo da renda fundiria, este autor, define a renda diferencial, como aquela que decorre da heterogeneidade e da produtividade diferenciada do solo. Marx (1986) reconhece que a mesma aplicao de capital e trabalho em superfcies iguais obtm conseqentemente, resultados diferenciados.Renda diferencial decorre da produtividade diversa de aplicaes iguais de capital em terras de rea igual e fertilidade desigual, de modo que a renda diferencial era determinada pela diferena entre o rendimento de capital empregado na pior terra, desprovida de renda, e o do capital empregado em terra melhor (MARX, 1984, p.761).

Diante desses aspectos, Marx primeiramente, fez um estudo sobre a renda diferencial I e posteriormente, sobre a renda diferencial II. Marx (1986) pressups que a renda diferencial I decorre de resultados distintos em funo da heterogeneidade do solo, mais precisamente, das condies naturais do mesmo (topografia, localizao, fertilidade e outros). Neste sentido, afirma que essa renda decorre da aplicao de investimentos iguais, em solos de igual tamanho, porm de fertilidade diferente, que consequentemente, proporcionar resultados diferentes de produtividade. A abordagem marxista ao analisar os dois pontos da Renda diferencial I (localizao e fertilidade), expe com clareza que um totalmente independente do outro e que de certa forma isso contribui para explicar o processo de ocupao do solo, pois a expanso do solo pode avanar na direo de terras frteis e mal localizadas ou de reas bem localizadas e no frteis. Entretanto, para melhor esclarecer esse processo de ocupao do solo, este autor definiu a renda diferencial II, apresentando-a como aplicaes consecutivas de capital de grandeza idntica, que, no mesmo solo, tm retornos distintos. Uma vez que a aplicao sucessiva de capital visa alterar pelo menos uma das condies naturais do solo, percebe-se que a aplicao consecutiva de capital / investimento responsvel por promover

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modificaes na base tcnica. Para Marx, o dinamismo tecnolgico que resulta na transformao da base tcnica produtiva pode proporcionar o aumento da produtividade. O modelo marxista considera que a intensificao do uso do solo, no implica, necessariamente, a incorporao de novas reas, porm pode aumentar a produo, por meio do progresso da tecnologia no campo, verificando assim, que a quantidade de capital investido no solo determinar o volume da produo. A abordagem feita por Miziara (2006) apresenta entendimento de que este processo de ocupao contnuo, visto que no se esgota numa primeira etapa. O autor prope um modelo que unifica as trs fases (frente de expanso, frente pioneira e fronteira agrcola) e afirma que as fases so distintas entre si. Para tanto, este autor, ao explicar o processo de ocupao do solo parte da idia de Marx (1986), em que o aumento de produtividade est ligado ao nvel de investimento de capital, que proporcionar a intensificao do uso do solo. De acordo com a premissa bsica da fronteira agrcola, importante salientar tambm, que os fatores determinantes da ocupao do solo so: localidade (que subdivide em distncias de mercados e infra-estrutura), fertilidade, topografia e recursos hdricos. Antes da modernizao tecnolgica no campo, a fertilidade e a localizao eram fatores primordiais para a cultura agrcola. Todavia, no momento em que se deu incio ao desenvolvimento de tcnicas que amenizavam da problemtica da fertilidade do solo, outras variveis se tornaram mais importantes, como por exemplo, a topografia. Neste sentido, verifica-se que a intensificao do uso do solo presente na fronteira agrcola foi caracterizada pela renda diferencial II, uma vez que antes algumas reas, como, por exemplo, o cerrado, que se situava em uma m localizao relativa, pois estava distante dos grandes centros, e ainda tinha um solo com baixa fertilidade e muita acidez. Assim sendo, na medida em que foi aumentando o nvel de investimento, consequentemente, foi possvel corrigir os solos e houve um aumento dos lucros gerados pela renda diferencial I. Desde que a tecnologia (pacote verde) foi implantada na agricultura, percebe-se que, em algumas reas, a topografia passou a ter maior relevncia que a fertilidade, pois os solos passaram a ser fabricados, uma vez que foram desenvolvidas tcnicas de correo e adubao. Deste modo, a fertilidade do solo j estava contornada, porm, a topografia ainda considerada um fator importante, principalmente quando h uma necessidade de mecanizao da colheita. Em sntese, verifica-se que a partir do momento em que se incorporou um novo padro tecnolgico com significativa alterao no nvel de investimento, surgiu uma nova fase da fronteira agrcola. Logo, conclui-se que a fronteira agrcola est fortemente relacionada s

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mudanas nos nveis de investimentos e, conseqentemente, com a modernizao da agricultura que foi responsvel por modificar o modo de produo e incorporar novas reas ao processo produtivo. Segundo Rezende (2002), as inovaes tecnolgicas permitiram uma melhoria na aptido agrcola na regio dos cerrados, criando, como conseqncia, um aumento de terras de boa qualidade, ou seja, proporcionando a construo de solos nessa regio, pois transformaram terras virgens de campo, bem como, terras de lavoura e pastagem de baixa produtividade em terras frteis e de qualidade superior. Assim, no que concerne ao modelo de fronteira agrcola, proposto por Miziara (2006), verifica-se que a expanso da fronteira agrcola foi totalmente condicionada pela difuso da tecnologia agrcola. Desenvolveram-se inovaes tecnolgicas capazes de elevar a produtividade e tambm transformar terras consideradas infrteis em solos de boa qualidade. Segundo Miziara (2006), a zona de fronteira agrcola todo espao onde h possibilidade de alterar qualquer uma das variveis geogrfica, social e econmica. Desta forma, explica que reas que j foram ocupadas e estruturadas por relaes capitalistas ainda podem sofrer modificaes na base produtiva, sem que sejam modificadas as relaes sociais. Neste sentido, nota-se que o capitalismo j estava se implantando nas reas produtivas. Apesar das relaes no campo serem capitalistas, este fato no limitava a expanso da fronteira agrcola, haja vista que outras variveis tornavam-se preponderantes e difundiam mudanas na base produtiva. As caractersticas naturais do solo sofreram alteraes com a difuso da tecnologia e, consequentemente, marcaram uma nova etapa da expanso da fronteira, a fronteira agrcola. Como exemplo dessa afirmativa, pode-se citar o Sudoeste goiano que tinha uma cultura capitalista, uma vez que as terras j eram propriedades privadas, alm de terem uma produo de gado e arroz. Porm, na medida em que surgiu o pacote tecnolgico, que promoveu a correo da acidez do solo e resultou em uma maior fertilidade da terra, foi possvel desenvolver, nessa regio, outras atividades que at ento no eram cultivadas, como a soja. O modelo proposto por Miziara (2006), parte do pressuposto de que a fronteira agrcola est associada, de forma geral, ampliao do processo de mudanas tecnolgicas. Este autor afirma, ainda, que o reordenamento do espao produtivo pode ser considerado como uma nova etapa da fronteira agrcola, uma vez que um dos sinais dessa evidncia revela-se pela presena do desenvolvimento de um novo padro tecnolgico. Deste modo, partindo-se ainda de uma perspectiva mais ampla, verifica-se que fronteira agrcola uma expresso que pode ser entendida como processo consecutivo e de

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modificaes constantes, pois sempre se desenvolvem novas tcnicas e essas quase sempre alteram a base produtiva de um determinado local. 1.2 - Ocupao do solo goiano e a consolidao da fronteira agrcola em Gois. Para uma maior compreenso do processo de consolidao da fronteira agrcola em Gois, necessrio analisar empiricamente o movimento de fronteiras. No modelo apresentado, anteriormente, pode ser visualizado em vrias etapas da expanso de fronteiras em terras goianas. Em Gois, o processo de ocupao do territrio iniciou-se a partir dos anos 20 do sculo XVIII, pela ocupao do ouro. Para Chaul (2000); Pires (2000), os bandeirantes, expedicionrios paulistas, na incessante busca por metais preciosos, desbravaram a regio do Centro-Oeste e construram os primeiros vilarejos no estado de Gois, s margens dos rios favorveis minerao. Para Diniz (2006, p.36), (...) A descoberta de ouro, em Gois e Mato Grosso, fez com que a migrao para a regio aumentasse de forma substancial acelerando o processo de ocupao e criao de vilas e povoados. Com o fim do perodo aurfero, a agropecuria passou a responder pelo desbravamento da fronteira goiana, empreendendo a posse das terras. De acordo com Chaul (2000), o gado abriu as fronteiras de Gois e foi o responsvel pela economia regional. Foi a partir de 1910 que a economia goiana passou a integrar a economia nacional, porm de forma lenta. O estado de Gois deparava-se com gargalos que dificultavam o seu desenvolvimento: havia carncia de infra-estrutura bsica (pontes, estradas, entre outros), o que contribuiu para elevar os custos da produo. Entretanto, medida que o capitalismo se ampliava, tornava-se exigncia a infra-estrutura necessria, podendo citar, como exemplo, a malha ferroviria, fator que provocou o desenvolvimento de regies que, at ento, no faziam parte do plo econmico (Chaul, 2000). Em meados da dcada de 30, adotava-se no Brasil um modelo econmico capitalista que exigia mudanas no padro de acumulao de capitais, que contribuiu para a expanso da fronteira agrcola. Nesse perodo, a terra passou a ter valor monetrio. Segundo Borges (1996, p.38), O avano da fronteira agrcola foi condicionado por fatores extra-setoriais e extraregionais tais como a implantao e ampliao da infra-estrutura e o crescimento da urbanizao e industrializao do pas. A frente pioneira em Gois iniciou-se com a expanso dessas relaes capitalistas, a partir da 2 dcada do sculo XX. Primeiramente, pela criao da estrada de ferro,

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posteriormente pela Marcha para o Oeste, iniciada no Estado Novo, que tinha como meta a integrao da regio Centro-Oeste ao plo econmico do pas. O avano da fronteira e a concentrao de capital no setor industrial do Sudeste ocasionaram a expanso de fronteiras em regies de inexpressiva importncia capitalista, como no Centro-Oeste, proporcionando ajuste da economia ao novo padro de acumulao. Este processo de expanso da frente pioneira em Gois foi fortemente subsidiado pelo Estado estadual e federal. A abundncia e os baixos preos das terras aliados aos fatores estruturais como a ligao por ferrovia de Anpolis ao Sudeste foram fatores marcantes no processo de ocupao das terras e da implantao da comercializao de produtos no territrio goiano. Desse modo, a infra-estrutura tem sido reconhecida como fator primordial para o desenvolvimento da frente pioneira no Mato Grosso de Gois (Ferreira, 1998). A instalao de uma infra-estrutura bsica, principalmente a criao da estrada de ferro, exerceu um papel dinamizador, tanto no que diz respeito ao povoamento, quanto no aumento do valor fundirio das terras no estado de Gois. Segundo Diniz (2006, p.53)Em Gois a intensificao do povoamento teve como um dos seus fatores mais importantes a aproximao e depois a entrada em seu territrio da estrada de ferro que facilitava o acesso de mercadorias aos mercados litorais (rio de janeiro e SP) e possibilitava a ocupao de muitas terras em sua parte meridional (...) Em 1913, ocorreu a ligao de Gois a Minas Gerais pela estrada de ferro Gois e a rede Mineira de Viao. Assim, a ferrovia atingiria Goiandira e Ipameri em 1913, Roncador em 1914, Vianoplis em 1924 e Silvnia em 1930, rumando no sentindo de Anpolis, que atingiria em 1935.

O Estado teve participao essencial no processo de expanso de fronteiras agrcolas em Gois. Segundo Borges (1996); Silva (2000), a ao do Governo Federal, aliada do Governo do Estado de Gois, foi fundamental para a integrao capitalista da economia agrria e para o expansionismo da fronteira agrcola. Um exemplo desse fato foi a implantao da Colnia Agrcola Nacional de Gois, que tinha por meta a ocupao do Oeste. A construo de Goinia foi importantssima para a transformao econmica, social e poltica do Estado de Gois, pois promoveu a abertura de novas estradas, favoreceu a imigrao, desenvolveu vrios servios (bancos, comrcio, escolas...), que foram primordiais para o aceleramento do processo de urbanizao em Gois. (PALACN e MORAES, 2001). Para Peixinho (2002), a construo das ferrovias e a criao da cidade de Goinia tornaram o Centro-Oeste mais participativo dentro da economia nacional. Entretanto, a ocupao do cerrado assumiu um carter mais dinmico com a construo de Braslia, pois

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com a capital do pas em territrio goiano surgiu a necessidade de criar sistemas rodovirios ligando a capital aos plos dinmicos do pas. Para Silva (2000), com a construo de Braslia em territrio goiano, surgiu a necessidade de criar malhas virias ligando a capital ao restante do Brasil. Este fator, e tambm o desenvolvimento agroindustrial do pas foram responsveis por estimular a ocupao em reas do planalto central, que desencadeou o processo de regionalizao e a expanso agrcola no Estado de Gois. Na dcada de 50, o governo de Juscelino Kubitschek, por meio do Plano de Metas crescer 50 anos em 5, visou transformar o Brasil em um pas industrializado. Nesse perodo ocorreu um desenvolvimento significativo da indstria de base, de construes de estradas, que reunidos estes fatores introduziram modificaes no cenrio agrcola brasileiro em meados da dcada de 60. No entanto, foi na dcada de 50, que se iniciou a integrao do mercado nacional. A poltica existente visava povoar os espaos vazios promovendo a integrao ao restante do pas. Neste sentido, foi a partir do Plano de Metas que se desenvolveram organismos institucionais que iriam controlar, desenvolver e coordenar planos polticos regionais. Para Diniz (2006), o governo de Juscelino Kubitschek, por meio do Plano de Metas e tambm com a construo de Braslia, foi responsvel por modificar a regio do CentroOeste. Nesse perodo de governo, houve a criao de malhas rodovirias, adaptao tecnolgica para agropecuria, e tambm uma srie de programas que marcaram o planejamento, crescimento e integrao nacional dessa regio. No Estado de Gois, os aumentos de investimentos aliados aos fatores competitivos locais foram responsveis por transformaes polticas, econmicas e sociais que, consequentemente, acompanharam mudanas de natureza geogrfica. Assim, para tratarmos da fronteira agrcola, propriamente dita, tem-se a necessidade de abordar iniciativas referentes s dcadas de 60 e 70, que foram perodos de investimentos pesados na economia agrcola e no desenvolvimento de regies, visto que, antes da dcada de 60, a ocupao do territrio nacional, encontrava-se praticamente na regio Sul e Sudeste do pas. Entretanto, em razo dos esgotamentos das terras disponveis para agropecuria, e tambm da necessidade para elevar a produtividade agrcola do pas, foi necessrio direcionar a produo para novas reas, que resultou na expanso agrcola (SILVA, 2000). Em 1967, criou-se a Superintendncia do Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco), com a finalidade de colocar a regio Centro-Oeste como regio da nova fronteira. Haja vista,

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que tinha como objetivo inserir o Centro-Oeste no mbito do projeto nacional de desenvolvimento. Verifica-se que o Estado foi indutor da transformao da regio Centro-Oeste, por meio de polticas pblicas direcionadas. A criao de linhas de crditos aos produtores rurais, como por exemplo, o Sistema Nacional de Crdito Rural foi essencial para a aplicao de tecnologia no campo. Dentre outras implicaes, pode-se perceber que essa poltica foi responsvel pela difuso de tecnologias que permitiram a transformao do solo, promovendo a ocupao do cerrado goiano. Na regio Centro-Oeste h uma rea vasta de cerrados. Essas reas so consideradas por Guindolin (2003) comos reas infrteis, devido a baixa fertilidade, e tinham uma localizao distante dos mercados. Entretanto, a partir do momento que o Estado passou a investir em pesquisas, desenvolveram-se tecnologias agropecurias para esse tipo de solo, o que o tornou produtivo. Neste sentido, pode-se utilizar do conceito definido por Marx de renda fundiria II, com a modificao da base tcnica da agropecuria transformaram as terras consideradas de segunda (qualidade inferior) em terras de primeira qualidade, por meio de investimento em bases tecnolgicas. Rezende (2002) ao analisar a ocupao moderna do cerrado verificou que houve uma converso das terras de qualidade inferior em terras de boa qualidade por meio de uma nova tecnologia que permitia a construo de solos, e ainda, foi responsvel por tornar abundante a quantidade de terras frteis nas regies do cerrado. Diante desse mecanismo de converso de solos por meio do desenvolvimento tecnolgico e, tambm, devido ao aumento do preo das terras das regies Sul e de So Paulo, por volta da dcada de 1970, um grande nmero de produtores rurais sulistas vendeu as suas terras e migrou para regies do cerrado. Na regio Centro-Oeste, em razo do preo da terra ainda se encontrar em baixa, agricultores sulistas compraram grande quantidades de reas e transformaram os solos em produtivos, por meio tecnolgico Cunha (1994) apud Rezende (2002). Para Guindolin (2003); Silva (2000), a regio do cerrado atraa investimentos de expanso em funo dos preos baixos da terra. Associado a esse fator, Silva (2000) cita, ainda, que as linhas de crditos governamentais, a localizao estratgica aliada aos fatores fsico-ambientais, e tambm a modernizao na agricultura, que eram introduzidas por meio da Revoluo Verde, foram fatores primordiais para a ocupao e o desenvolvimento da agropecuria no Centro-Oeste.

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Ainda na dcada de 1970, uma das iniciativas do Governo Federal consistiu na criao dos Planos de Desenvolvimento (PNDs). O Plano de Desenvolvimento (PND) mais importante para Gois foi o II PND do Governo Geisel (1974-1979), que promoveu o desenvolvimento de diversas regies do pas, proporcionando a ocupao de reas e a criao de linhas de crdito para compra de terra. O Programa de Desenvolvimento dos Cerrados (Polocentro), criado em 1975, teve o objetivo de desenvolver e modernizar as atividades agropecurias no Centro-Oeste. Esse programa, visando ocupao do cerrado destinou crditos altamente subsidiados aos produtores que desenvolvessem a explorao agropecuria empresarial na regio dos cerrados. Para Diniz (2006), o obstculo da agricultura em regies do cerrado era conseqncia da baixa fertilidade do solo, limitada devido alta acidez e o baixo teor de clcio. Desta forma, havia falta de nutrientes importantes para o cultivo tradicional. Porm, a modificao da base tcnica, com as tecnologias desenvolvidas pelo Pacote verde (mecanizao, insumos, sementes selecionadas, uso de fertilizantes, entre outros) promoveu a correo do solo. Conforme foi mencionado anteriormente, a melhoria da aptido agrcola do cerrado foi amplamente efetuada por meio da produo do solo. Aliado a isso, Rezende (2002) afirma que as ocupaes de gachos no Sudoeste goiano, foi estimulada pelo preo baixo das terras, justificado por trs variveis: fertilidade, localizao e a topografia; pela utilizao de bases tecnolgicas e pelos grandes subsdios agrcolas fornecidos pelo Estado. Alm desses fatores mencionados, de acordo com Ruhoff et al. (2005), a dispora gacha em reas de fronteira agrcola ocorreu em conseqncia, tambm, do esgotamento e da concentrao de terra na regio Sul do pas. Todos esses fatos associados foram os causadores da fronteira agrcola em Gois, Fica evidente, nesse processo de definio da fronteira agrcola, que os fatores naturais determinavam, e ainda determinam, o uso e a ocupao do solo em Gois. Mas percebe-se, a priori, nesse processo de ocupao, que a varivel fertilidade se sobreps aos outros fatores em um primeiro momento. Todavia, medida em que se desenvolvia a base tecnolgica, os graus de importncia das variveis iam sofrendo alteraes e a varivel tecnologia assumia papel preponderante.

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Figura 1.1: Uso e ocupao do solo em Gois

Fonte: Elaborao do orientador com base nos dados do IBGE

Cabe ressaltar, que o conceito de fertilidade , historicamente, articulado com a base tcnica de produo. A atividade agrcola em Gois desenvolveu-se primeiramente, em reas com maior fertilidade natural, entretanto, medida que houve o desenvolvimento tecnolgico, os solos que eram considerados inadequados agricultura, como por exemplo: os latossolos, passaram a cultivar atividades agrcolas em grande escala. Evidentemente, isso confirma que quando h desenvolvimento da base tecnolgica, ocorre uma diminuio da ocupao de reas do eixo Sul e Mato-Grosso goiano e passa a ocorrer ocupao do Sudoeste goiano.

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Figura 1.2: Lavouras em Gois em 1975, 1985 e 1995

Fonte: Elaborao da Autora com base nos dados do IBGE

Ferreira (1998), para explicar o processo de expanso da fronteira agrcola realizou um Estudo de caso na cidade de Rio Verde, localizada no Sudoeste goiano. Este autor, ao analisar o processo de ocupao desta cidade, confirmou o modelo de fronteira agrcola definido por Miziara (2006), uma vez que expressou as vantagens competitivas que desencadeou o processo de fronteira nesse municpio, dentre as quais citam-se: qualidade de solos passveis de correo e prximos a jazidas de calcrio que desencadeia num baixo custo de produo, topografia plana que facilita a mecanizao e acesso infra-estrutura. A modernizao do Estado de Gois foi marcada pelos financiamentos rurais obtidos na dcada de 70. Esses financiamentos possibilitaram modificaes nas bases tcnicas da agropecuria. Esse fato comprovado por Estevam (2004, p.163) quando afirma que o nmero de tratores aumentou consideravelmente em Gois a partir de 1970 passando de 5.092 unidades para 33.548 em 1985. A expanso da fronteira agrcola aliada ao desenvolvimento acelerado dos setores de transportes, s comunicaes, e ainda presena, nestas regies, de recursos naturais abundantes, favoreceu o desenvolvimento econmico das regies perifricas e contribuiu para consolidar a integrao do mercado, isto , da estrutura industrial brasileira.

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De acordo com Diniz (2006, p.75), Alm do novo sistema rodovirio nacional a adaptao tecnolgica dos cerrados para agricultura e os diversos programas governamentais implantados nas regies permitiu e incentivou o crescimento acelerados delas. Diante disso, confirma-se que a modificao do padro tecnolgico foi um dos fatores responsveis pela caracterizao da fronteira agrcola no Estado de Gois. Para melhor compreender a expanso da fronteira agrcola em Gois, h uma necessidade de entendermos a modernizao da agricultura, fator primordial para explicar a ocupao do solo em reas que eram consideradas infrteis, ou seja, no favorveis atividade agropecuria.

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Captulo II MODERNIZAO DA AGRICULTURA

Modernizao da agricultura uma expresso que, neste trabalho, refere-se ao processo de tecnificao, ou seja, transformao da base tcnica da agricultura. Para compreender essa transformao, necessrio perceber-se a interveno governamental efetivada durante as dcadas de 1960 e 80. Nesse perodo de grandes avanos tecnolgicos no Brasil, a anlise do papel dinamizador das polticas estatais tem relevncia, pois o Estado foi propulsor direto do desenvolvimento econmico. Partindo dessa perspectiva de anlise, so desenvolvidos dois tpicos neste captulo: primeiro, ser feita uma breve anlise de algumas polticas governamentais, que foram importantes para a modernizao da agricultura e o desenvolvimento do Centro-Oeste. E posteriormente, sero apresentados comentrios sobre a modernizao da agricultura, propriamente dita, relatando os mecanismos tecnolgicos, sistema de crdito, as instituies de pesquisa que desenvolveram transformaes tcnicas no meio rural e que promoveram a ocupao do Centro-Oeste. 2.1 Planos de Governo Antes de iniciar o estudo, propriamente dito, sobre modernizao da agricultura, torna-se necessrio retomar a Revoluo de 1930, pois esta foi um marco fundamental para a transio de uma economia agrrio-exportadora para uma economia industrializada. Durante o governo de Getlio Vargas, a interveno governamental passou a controlar os principais fatores do processo de industrializao, como tambm interviu em setores da agricultura. Deste modo, norteava a poltica econmica do pas. Assim, as polticas pblicas desenvolvidas nesse perodo propiciaram o desenvolvimento industrial e a modernizao da agricultura brasileira. Em 1950, o Governo de Juscelino Kubitschek criou o Plano de Metas. Este plano visava investimentos estatais em infra-estrutura, desenvolvimento da indstria de base, incentivou a introduo de bens de consumo durveis e bens de capital, ou seja, priorizava quatro setores da economia (transporte, indstria de base, energia e alimentao) com o objetivo de transformar o Brasil em um pas industrializado.

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Esse Plano de Metas foi traduzido como a chamada poltica desenvolvimentista, oferecendo recursos financeiros destinados concretizao dos objetivos deste plano. Tais recursos, em sua maior parte veio do exterior, na forma de emprstimos ou promovendo a instalaes de indstrias internacionais no Brasil, deste modo, ocasionando a crise do sistema financeiro, face ao endividamento externo. O aumento das taxas inflacionrias e a retrao das taxas de crescimento so traos desse processo de endividamento. Embora, os planos governamentais citados sejam dinamizadores do desenvolvimento do pas, promovendo a ocupao do territrio nacional, foi em meados da dcada de 60 que ocorreu o avano da industrializao da agricultura. Quando se analisa este perodo, percebe-se que (...) os autores convergem em reconhecer o esgotamento do chamado modelo de substituio de importaes, ponto central de todo o processo industrializante brasileiro desde a dcada de 30 (NETO, 1997, p.24). Em meio ao impasse econmico vivido pelo Brasil, em meados da dcada de 60, os governos militares foram indutores do desenvolvimento industrial e rural, por meio de polticas pblicas. Segundo Neto (1997), O Plano Trienal de Desenvolvimento Econmico e Social (1963-1965) tinha como meta a recuperao do processo desenvolvimentista da economia brasileira, buscando reativar as taxas positivas de crescimento econmico, resolvendo o problema da dvida externa, reduzindo as disparidades econmicas do pas e tambm controlando a inflao. Para este mesmo autor, os mecanismos preconizados para a instalao do programa de desenvolvimento da agricultura, so a pesquisa e o fomento. O governo militar, ao tomar o poder, buscou reformular a estrutura econmica nacional. O governo do Marechal Castelo Branco criou o Plano de Ao Econmica do Governo (PAEG) (1964 -1966), que propunha conter o processo inflacionrio, melhorar a distribuio de renda e da riqueza do mercado, visando, dessa forma, acelerar o ritmo de desenvolvimento econmico. O PAEG previu o aprimoramento das polticas de preos mnimos, expanso do crdito rural, e o investimento em tecnologias que aumentassem a produtividade como: insumos, sementes melhoradas, pesquisas, entre outros. (NETO, 1997). Este plano teve um papel relevante no processo de reduo das taxas inflacionrias, e de certa forma contribuiu para aumentar as taxas de crescimento na dcada de 70.No perodo de 70/74 as experincias de desenvolvimento regional foram tentadas com relao, principalmente, ao desenvolvimento do Nordeste, ocupao econmica da Amaznia e do Centro-Oeste. Realizou-se uma srie de programas PIN, o Proterra, o Provale e o Prodoeste, atravs dos quais se

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melhorou a infra-estrutura econmica e, em particular, agrcola daquelas regies (SADDI, 1999, p.60).

O programa Estratgico de Desenvolvimento (1968-1970) tinha diretrizes econmicas e setoriais, que orientavam a acelerao do desenvolvimento e a conteno da inflao. Deste modo, Neto (1997) diz que o programa tinha nove estratgias, dentre as quais citam-se a modernizao do sistema de abastecimento e a estratgia de modificao tecnolgica no meio rural. Ele foi complementado por uma serie de polticas setoriais como, por exemplo: Programas de Incentivos para o Centro-Oeste (Prodoeste). Para Neto (1997), o Governo de Mdici tinha como meta colocar o Brasil na categoria de paises desenvolvidos, expandindo a economia, garantindo a taxa de crescimento da ordem de 1 a 10% anuais. Neste perodo, foi criado o 1 Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND). O I PND (1972-1974) caracterizou-se pelo crescimento econmico acelerado, com substituies de importaes e grande afluxo de capitais externos. O I Plano Nacional de Desenvolvimento foi voltado para grandes projetos de integrao nacional. Este plano buscou desenvolver reas de transportes, de telecomunicaes, projetos em infra-estrutura. Para Almeida (2004), nesse perodo, o planejamento governamental foi muito forte, podendo ser considerado um dos mais extensos, uma vez que no ficava restrito somente elaborao dos planos, mas atuava tambm, no plano financeiro, em diversas polticas setoriais, diante do compromisso de promover o desenvolvimento regional, entre outros. A economia brasileira estava vivendo um processo expansionista que necessitaria de um mercado externo favorvel, todavia, o que se verificou foi crise do petrleo em 1973. Este problema internacional, associado aos problemas do cenrio nacional - o esgotamento do milagre econmico responsvel pela elevao da dvida externa e tambm o aumento das taxas de inflao - colocou o Brasil em crise. Assim sendo, na medida em que as conjunturas polticas e socioeconmicas brasileira juntaram-se a crise do petrleo, afloraram incertezas que foram enfrentadas pelo setor pblico com medidas institucionais. Neste momento, surgia no governo do presidente Ernesto Geisel, o II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975-1979), que tinha como meta investir na indstria nacional para substituir as importaes, buscando autonomia dos insumos bsicos, a fim de diminuir a dependncia externa e aprofundar o processo de industrializao.

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Para Neto (1997), esse plano tinha como objetivo manter o crescimento de forma que melhorasse a distribuio de renda e mantivesse o equilbrio da balana de pagamento. Assim sendo, esse plano visava dar uma nova estratgia agricultura e pecuria, estimulando tambm a agroindstria.Esta estratgia implica, segundo plano, taxas de crescimento da ordem de 7% ao ano, para o que deve ser incrementada no apenas a ocupao de novas terras nas regies de fronteiras, j que o pas conta com ampla disponibilidade de espao, mas tambm a modernizao de reas j incorporadas ao mercado. (NETO, 1997, p.134)

De acordo com o documento do Pronunciamento do Presidente Ernesto Geisel (p.18,1974) as tarefas do II PND podem ser sumarizadas da seguinte forma: I - O Brasil deve ajustar a situao econmica situao de escassez do petrleo e ao estgio de evoluo industrial. Desta forma, pretendiam dar nfase s indstrias bsicas (bens de capital, eletrnica pesada e insumos bsicos); II - Consolidao de uma sociedade industrial moderna e competitiva, a fim de acelerar a substituio de importaes; III - Poltica de energia; IV - Poltica cientfica e tecnolgica; V - Na rea de integrao nacional ser realizado programa que contar com recursos no montante de Cr$ 165 bilhes, dentre eles cita-se a implantao do Plo de fertilizantes; VI - A ocupao produtiva da Amaznia e do Centro-Oeste receber impulso como, por exemplo: o programa de plos agropecurios; VII - Estratgia de desenvolvimentos sociais; VIII - Na integrao com a economia mundial, procurar manter sob o controle o dficit da balana de pagamentos. Na dcada de 70, aprimorado o processo de modernizao da agricultura, por meio do II PND, que efetivou a internalizao da produo de fertilizantes, e promoveu o aumento da oferta de insumos bsicos. (KAGEYAMA, 1990). De acordo com o item III, pode-se ressaltar que o II Plano Nacional de Desenvolvimento se preocupava tambm com os problemas energticos, mas a crise internacional do petrleo (1973) afetou diretamente o desenvolvimento industrial. Deste modo, o governo criou neste perodo o Programa nacional do lcool visando substituir a fonte energtica do petrleo, ampliando assim as fontes de energia. O II Plano Nacional de Desenvolvimento tinha como estratgia promover a integrao nacional. Neste sentido, buscou fazer uma diviso territorial, que buscasse um equilbrio

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econmico e geogrfico. Desta forma, buscando diminuir as disparidades regionais promoveu a ocupao das reas da Amaznia e do Centro-Oeste. No discurso do II PND, a concepo do projeto revelava a conscincia de que a ocupao e o desenvolvimento de reas da Amaznia - Centro-Oeste tinha que ser acompanhada de um plano que contasse com aplicao de cincia e tecnologia, como por ex: Programa de Cerrados, Programa de plos pecurios. O II PND visou ocupao e a eliminao do atraso do meio produtivo de determinadas regies, desenvolvendo setores de infra-estrutura, energia e insumos bsicos, modernizando a agricultura, e conseqentemente, ampliando a produo de alimentos. Podese concluir, que este plano foi importantssimo para o desenvolvimento do Centro-Oeste. 2.2 - Desenvolvimento tecnolgico na agricultura As mudanas no perfil agrcola do pas foram dirigidas pelo governo, por meio das concesses de subsdios e pelos planos de desenvolvimento regional. As dcadas de 60 e 70, como j se destacou, foram marcadas pelo uso intensivo da modernizao da agricultura, na medida em que houve mudana nas bases tecnolgicas como: a introduo de mquinas na agricultura, o pacote verde (insumos, defensivos, fertilizantes); o Sistema Nacional de Crdito Rural, ocorrendo uma modificao na relao entre indstria - agricultura - indstria.A produo agrcola passou ento a constituir um elo de uma cadeia, negando as antigas condies do complexo rural fechado em si mesmo e em grande parte as do complexo rural agrocomercial prevalecente at os anos 60. Kageyama (1990, p. 122)

A agricultura brasileira passou nesse perodo por uma nova fase de organizao, fundamentada no desenvolvimento dos complexos agroindustriais (CAIs). A interveno do Estado consistiu em promover mudanas na tecnologia rural, modificando, aos poucos, o carter da agricultura existente. Contudo, isto aconteceu na medida em que a expanso das fronteiras agrcolas passou a aliar com a expanso dos complexos agroindustriais (integrao vertical). A mecanizao e a produo em larga escala estimulada pelo Estado, em ritmo acelerado, modificaram a utilizao dos fatores de produo. De acordo com Silva (2000), os incentivos do Estado em tecnologia, pesquisa e infra-estrutura foram fundamentais para aumentar a produtividade da regio Centro-Oeste.

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A revoluo verde foi imprescindvel no processo da fronteira agrcola. Representa uma das grandes transformaes no cenrio agrcola brasileiro. Alm de caracterizar-se pelo uso intensivo de prticas e insumos agrcolas, produzidos e utilizados por meio das inovaes tecnolgicas, que aumentavam os nveis de produtividade. O objetivo central da revoluo verde era aumentar a produo e a produtividade com base no desenvolvimento tecnolgico. A produtividade seria acelerada, por meio do desenvolvimento de experincias genticas, criao de sementes resistentes s doenas, aplicando assim tcnicas agrcolas modernas, que se traduzem em mquinas, implementos, defensivos, fertilizantes. Deste modo, a revoluo verde poderia ser considerada o carro chefe da modernizao agrcola (BRUM, 1988). Para o autor retromencionado, a Fundao Rockefeller patrocinou os primeiros projetos, e por influncia dessa fundao, na dcada de 50 surgiu a Associao de Crdito e Assistncia Rural ACAR, que tinha como meta instituir a assistncia tcnica e financeira. Desta forma, promovia a implantao de tcnicas agrcolas entre os produtores que intensificavam a produo agropecuria. Logo aps, em 1956, surgiu a Associao Brasileira de Crdito e Assistncia Rural (ABCAR), em que a participao governamental estava dinamizada para acelerar a implantao desse processo de assistncia tcnica no pas. Neste sentido, a ABCAR tinha por objetivo coordenar o sistema nacional, em desenvolvimento. Entretanto, o grande impulso da revoluo verde ocorreu em 1965, pois induziu o pacote tecnolgico, ou seja, um processo de uso de tcnicas de correo de solo, fertilizao, combate s doenas e pragas. Entretanto, transcorria, neste momento, internacionalizao da pesquisa agrcola, conseqentemente a esse fato, os paises subdesenvolvidos eram subordinados s transnacionais, empresas que tinham comando no processo de desenvolvimento tecnolgico. Diante desse impasse, o governo brasileiro, em 1971, criou a Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecurias (EMBRAPA) buscando atender o avano tecnolgico da agricultura, mas diminuindo a dependncia das corporaes internacionais (BRUM, 1988). Criou-se, tambm na dcada de 70, o Sistema Nacional de Assistncia Tcnica e Rural, a EMBRATER. O Sistema se completa com a implantao em diversos Estados, com as respectivas EMATER. Essas empresas tinham por meta a difuso da pesquisa e da tecnologia, por meio de unidades especializadas em assistncia tcnica.

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A internalizao do D1

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para a agricultura foi muito importante para os avanos

tecnolgicos na agricultura. Aps o Plano de Metas, houve um aumento significativo de implantao da indstria de fertilizantes. Em 1974, surgiu o Plano Nacional de Fertilizante e Calcrio Agrcola (PNFCA) que tinha o objetivo de triplicar a capacidade de produo nacional e substituir as importaes de insumos (KAGEYAMA, 1990). Paralelamente, ao PNFCA, surgiu em 1975, o Plano Nacional de Defensivos Agrcolas (PNDA), que tambm tinha o objetivo de substituir as importaes, estimulando a rpida instalao de plantas produtivas. A interveno poltica constituiu-se em instrumento fundamental na poltica de financiamento. De acordo com Kageyama (1990, p.159) A criao do SNCR, juntamente com a Reforma do Sistema Financeiro, estabeleceu as bases para assegurar que parte dos recursos captados pelos bancos fosse canalizada para o setor agrcola. O Sistema Nacional de Crdito Rural visava incentivar a produo agrcola promovendo a modernizao da agricultura. Neste sentido, oferecia uma parcela maior de recursos financeiros agricultura, destinando subsdios compra de mquinas, implementos e insumos. O objetivo central era o de fornecer aos agricultores linhas de crditos acessveis, a fim de implantar tecnologia no campo. Deste modo, o Banco Central estipulou que 10% do que fosse depositado vista em conta corrente nos bancos seria emprestada agricultura (KAGEYAMA, 1990). Isto resultou em um aumento significativo do volume de crditos at meados da dcada de 70. No perodo que compreende a modernizao compulsria 3, 1967 a 1979, os crditos foram altamente subsidiados. At 1975, os emprstimos eram a juro zero, com 3 anos de carncia e 5 anos para pagar. Em 1976, passaram a ser cobrados juros de 15% a.a., quando a taxa anual de inflao era superior a 40%. (KAGEYAMA, 1990, p.164). Entretanto, com as restries fiscais e monetrias do Estado, a poltica de financiamento passou por uma crise, que resultou em mudanas na disponibilidade de recursos. Entre 1979 e 1984, o volume de crdito foi reduzido em de 50%. (KAGEYAMA, 1990, p.166).

Termo utilizado para caracterizar a internalizao da produo de insumos e mquinas para a agricultura, ou seja, do setor industrial a montante. Os componentes do D1 da agricultura so: a indstria de tratores, implementos, fertilizantes, defensivos, entre outros. (SILVA, 1998). 3 O termo modernizao compulsria se justifica pelo consumo de determinados produtos aliados aos crditos subsidiados pelo governo, visando promover a modernizao da agricultura. O Sistema Nacional de Crdito Rural (SNCR) foi a principal fonte de recursos para modernizao compulsria da agricultura brasileira. (KAGEYAMA, 1990).

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Em meados de 1980, criou-se a Poltica de Preos Mnimos (PGPM) com o propsito de diminuir os riscos da atividade agrcola. Desta forma, essa poltica visava garantir os preos mnimos aos produtores, especialmente em perodos em que os preos dos produtos agrcolas tendiam a cair, garantindo, assim, renda agrcola. Todavia, essa poltica no funcionou, pois os preos indicados pelo governo eram muito baixos. (DINIZ, 2006)

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Captulo III O SETOR SUCROALCOOLEIRO

Dentro da perspectiva de fronteira agrcola buscamos analisar a expanso do setor sucroalcooleiro, setor este que tem significativa relevncia na histria econmica brasileira. Essa opo decorre da expressiva expanso da atividade sucroalcooleira em regies nas quais o cultivo da cana-de-acar tinha menor importncia, como no caso de Gois. Para isto, far-se- inicialmente um breve histrico da cultura da cana-de-acar, do surgimento desta atividade no Brasil at o processo de desregulamentao do setor sucroalcooleiro. No entanto, daremos uma nfase maior ao sculo XX. Posteriormente, no item 3.2, faremos uma anlise do setor na atualidade, e ainda para concluir este captulo, ser realizado um estudo sobre a expanso da cana-de-acar no estado de Gois. 3.1 - Histrico da atividade de explorao da cana-de-acar A cana-de-acar, designada Saccharum spp, uma planta que pertence ao gnero Saccharum, uma gramnea semiperene, proveniente do sudeste asitico. A atividade da cana-de-acar foi a primeira atividade agrcola implantada no Brasil e uma das mais importantes economicamente. Retomando-se o passado, verifica-se que a colonizao no Brasil tinha que instituir mecanismos que permitissem valorizar economicamente as terras descobertas. Devido ao fato de o acar ser um produto de grande aceitao na Europa e de ter avanado o seu grande valor no mercado europeu, iniciou-se neste perodo o desenvolvimento da agromanufatura do acar no Brasil. Os portugueses, desde o final do sculo XV, j tinham conhecimentos sobre a produo do acar, porm, quando se instalaram no Nordeste brasileiro tiveram que realizar experincias utilizando o cultivo da cana-de-acar, para ver se a planta se adaptava bem ao clima e solo da regio. Os resultados da experincia foram muito positivos o que, posteriormente, desencadeou uma produo canavieira em larga escala. importante salientar que foi por meio das concesses das sesmarias que iniciou a montagem dos engenhos. A primeira capitania a iniciar o cultivo e a construir o primeiro engenho de cana-de-acar no Brasil foi a Capitania de So Vicente. O Brasil se tornou o maior produtor aucareiro. Essa mercadoria era considerada a mais importante do cenrio colonial, entretanto, ao longo dos anos, o acar brasileiro foi

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perdendo a competitividade no mercado internacional, uma vez que a Holanda comeou a produzir acar nas Antilhas com maior nvel de produtividade, pois detinha maior tecnologia, alm de controlar a venda da mercadoria na Europa. Nesse sentido, a partir do incio do sculo XVIII, o Brasil comeou a perder posies na produo mundial de acar. Aps esse perodo, em meados do sculo XIX, a concorrncia do acar de beterraba produzido pela Europa tambm contribuiu para que atividade canavieira brasileira ficasse em situao vulnervel. Aliado a esse fator, verifica-se que, no cultivo da cana-de-acar brasileiro, eram utilizados mtodos que implicavam altos custos industriais e agrcolas que, consequentemente, dificultavam a competitividade. Diante disso, Vian (2003) afirma que a atividade canavieira teve a necessidade de modernizar-se para enfrentar a concorrncia externa. No sculo XX, mesmo com a modernizao dos antigos engenhos, o Brasil se manteve perifrico no mercado internacional do acar. (Piacente, 2006). Assim, em meados de 1911, as associaes estaduais de usineiros do Nordeste sugeriram a interveno estatal no setor. Entretanto, essa medida no foi necessria, visto que a reduo da produo europia do acar da beterraba e a ecloso da primeira guerra mundial (1914-1918) provocaram alta considervel nas cotaes do acar no mercado internacional, fez com que o produto brasileiro voltasse a ser competitivo. E, ainda, permitiu as exportaes dos excedentes, que at ento estavam acumulados. (SZMRECSNYI, 1979; VIAN, 2003). O cenrio nacional e internacional, em 1929, foi bastante conturbado para a cultura canavieira. Primeiramente, houve uma recesso de mercados externos oriundos da crise econmica internacional de 1929. Neste mesmo perodo ocorreu tambm a derrocada do subsetor cafeeiro que colaborou para que a agroindstria canavieira ficasse em situao vulnervel, uma vez que houve um aumento da produo agrcola da cana-de-acar e, conseqentemente, elevao da oferta de acar. Deste modo, a crise de 1929 coincidiu com uma superproduo de acar que, aliada queda dos preos e tambm falta de escoamento para o exterior contribuiu para que a agroindstria canavieira brasileira apresentasse uma situao de crise na dcada de 30.A crise da economia do caf no afetou o desenvolvimento da agroindstria canavieira apenas no lado da demanda. Afetou-o tambm, e muito, no lado da oferta, com o intenso crescimento da produo nos Estados de So Paulo, cujos cafeicultores encontraram na cana-de-acar uma alternativa capaz de minorar-lhes da rubicea. Szmrecznyi (1979, p.169).

Com a conjuntura externa desfavorvel para a cultura do caf, produtores paulistas que eram grandes proprietrios de cafezais optaram por produzir cana-de-acar como forma de

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amenizar os seus prejuzos. Para Vian (2003), esse perodo de expanso canavieira em So Paulo resultou nos primeiros conflitos de interesses com os produtores nordestinos, uma vez que estes no desejavam perder o mercado interno do acar. A concorrncia era particularmente desfavorvel produo nordestina, pois os produtores paulistas tinham vantagens competitivas como a localizao (proximidade do mercado consumidor) e tambm podiam praticar preos mais baixos. Com a crise e disputas constantes entre as regies do Centro-Sul e Nordeste, com conseqentes quedas de preos, houve necessidade de interveno governamental. Nesse sentido, uma resoluo do Ministrio da Agricultura criou uma comisso sobre o lcool motor, que almejou estudar e incentivar a produo de lcool anidro para ser adicionada gasolina, visando diminuir o excedente de acar e, consequentemente, reduzir a importao de derivados do petrleo (VIAN, 2003).(...) o decreto permitia o pagamento de uma taxa em lugar da reteno de parcela fsica da produo, beneficiando tanto o Nordeste quanto o Centro Sul. Os primeiros recebiam subsdios para exportarem e os segundos podiam expandir a produo para o mercado interno vontade. Neste caso, todos estavam satisfeitos e a produo de cana-de-acar se expandiu em vez de se manter controlada. (VIAN, 2003, p.73).

O governo federal visou substituir a gasolina importada, promovendo o que Szmrecsnyi (1979, p.170) chamou de industrializao do lcool motor. O governo daria tambm um destino ao excedente de acar e cana. Deste modo, conclui-se que A indstria de lcool, no Brasil, nascera como contingncia natural da produo aucareira, por ser o lcool um subproduto normal da fabricao de acar (caso chamado lcool residual ou lcool melao) (SZMRECSNYI, 1979, p.170). Conforme salienta o autor supracitado, o intervencionismo estatal na economia aucareira foi predominante em todo o perodo colonial e voltou a acentuar-se, aps a Revoluo de 1930. A atividade canavieira no tinha custos competitivos no cenrio internacional, deste modo, a interveno estatal era necessria. Esta interveno, por meio dos subsdios, proporcionou aumento da produo, ocorrendo novamente uma superproduo que agravou a situao do setor. Em conseqncia das dificuldades que os produtores de cana-de-acar enfrentavam, estes passaram a exigir interveno governamental nessa cadeia produtiva. Uma vez que a crise coincidiu com uma safra recorde de cana, contribuindo para que o setor entrasse em declnio, o Estado passou a exercer maior interveno, adotando, nesse perodo, uma srie de medidas, dentre as quais a criao da Comisso de Defesa da Produo de Acar (CDPA).

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A CPDA, criada em 1931, tinha a finalidade de elaborar estatsticas de produo e criar mecanismos para a manuteno do equilbrio de mercado. Deste modo, a interveno governamental ocorria desde o planejamento da produo da cana-de-acar at a comercializao dos produtos derivados (GARCIA, 2005; VIAN, 2003). O Estado tinha que intervir diretamente na atividade da cana-de-acar diante de todas as dificuldades enfrentadas pelo setor, e tambm, em conseqncia da ausncia de alternativas criadas at o momento, o Governo Federal percebeu a necessidade de intervir na economia canavieira de forma contnua. Em 1/06/1933, o Governo Federal, por meio do Decreto n 22.789, criou o Instituto do Acar e do lcool (IAA), rgo responsvel pela regulao do setor e pela busca da expanso da produo de acar no pas. A criao deste instituto foi primordial para a atividade canavieira. Houve, na dcada de 30, um planejamento do subsetor, com a criao do IAA, a fim de assegurar o equilbrio interno entre as safras normais da cana, controlando a produo para manter os preos em nveis adequados. O IAA promoveu o reerguimento da indstria aucareira e o fomento da fabricao de lcool anidro. O governo financiou e fez concesses para a implantao de usinas, tendo como meta principal, assegurar a sobrevivncia do setor. Segundo Szmrecznyi (1979), foi a partir deste momento, que se iniciou o planejamento na agroindstria canavieira. O Instituto de Acar e lcool controlava a produo de acar por meio de cotas. Primeiramente, as cotas baseavam-se na capacidade produtiva e nas previses de crescimento de mercado de cada unidade. Neste sentido, o IAA era rgo responsvel por autorizar a criao de novas unidades produtivas ou ampliao das existentes. Porm, essa autorizao no era respeitada, visto que grupos que tinham grande capacidade de investimento infringiam as regras, por meio de aprovao de maior nmero de projetos de instalao de unidades e ainda garantiam a compra do acar que excedesse a cota. (VIAN, 2003) Aps o perodo da criao do IAA, ainda na dcada de 30, o Estado Novo do Governo Vargas desenvolveu uma poltica de expanso pioneira no Estado de Gois, chamada marcha para oeste. Conforme afirma Andrade (1994), nesse perodo, implantaram uma usina de acar em Ceres-GO. Apesar de fatos isolados como esse, as produes de cana-de-acar e lcool se concentravam nas regies de So Paulo e no Nordeste. Em 1941, foi criado o Estatuto da Lavoura Canavieira (Decreto Lei 3.855 de 21/11/1941), que tinha a responsabilidade de cadastrar os fornecedores de cana junto ao Instituto de Acar e lcool e, ainda, regular as condies de fornecimento e de absoro da cana pelas usinas. Em 1946, o decreto-lei 9.827 modificou o sistema de concesso de cotas

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para cada Estado, pois as cotas seriam dadas de acordo com o consumo e a produo de cada Estado (VIAN, 2003). Desde meados de 1950, a agroindstria sucroalcooleira adotava uma poltica estratgica de fomento das exportaes. Para Szmrecznyi (1979), embora esse fomento exportao j viesse ocorrendo, foi a partir de 1968 que passou a ser elemento fundamental de estratgia do pas, mas para competir nesse cenrio internacional, a agroindstria canavieira brasileira tinha a necessidade de tornar os custos e os rendimentos competitivos. O Programa Nacional de Melhoramento da cana-de-acar (Planalucar) possibilitou o planejamento de desenvolvimento cientfico e tecnolgico de apoio pesquisa, com o propsito de melhorar a matria-prima da atividade canavieira. Conforme Szmrecznyi (1979), esse programa passou a fazer parte do plano bsico de desenvolvimento cientfico e tecnolgico governamental, pois o aumento da variedade gentica das plantas resultaria em um aumento da produtividade, consequentemente, elevaria a renda dos produtores e das exportaes. O mercado de acar permaneceu aquecido at o incio da dcada de 70, porm aps esse perodo houve declnio do preo do acar no mercado internacional, que se associou tambm crise da economia mundial. (PIACENTE, 2006) A Organizao Mundial do Petrleo (OPEP), em 19734

, aumentou o preo do

petrleo a valores altssimos, o que colocou todos os pases dependentes desse produto em situao vulnervel. A crise do Petrleo fez com que o Brasil se atentasse para a necessidade de uma substituio energtica da gasolina pelo lcool, visto que a gasolina era o derivado do petrleo mais consumido no pas. De acordo com Brando (1985), o Brasil ocupava o 13 lugar entre os importadores de petrleo, fato responsvel pelo aceleramento da dvida externa. Sendo assim, o Governo Federal passou fornecer subsdios para o setor sucroalcooleiro. Diante desses aspectos, Brando (1985, p.229) afirma: Foi sob a presso dessas circunstncias que o Brasil tomou as duas grandes iniciativas da dcada de 70 - talvez as duas mais importantes, depois da criao do IAA - o Programa Nacional do lcool (Prolcool) e o Protocolo das Indstrias do Carro a lcool. Este, a cargo a da iniciativa privada; aquele, do Estado. Em funo dos fatores acima apresentados, na dcada de 70, o Governo Brasileiro estimulou uma poltica energtica que priorizava a substituio da gasolina pelo lcool. Para tanto, o Programa Nacional do lcool (Prolcool) surgiu em 1975 pelo decreto n 76.593.

Em 1973 houve a primeira crise do petrleo, pois durante a guerra do Yom Kipur (um dos episdios das guerras rabe-israelenses) a Opep resolveu aumentar o preo do leo em mais de 500% at a data da Conferncia de Teer, como medida de retaliao aos pases pr-Israel.

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A queda do mercado do acar, no cenrio internacional aliada necessidade de estabilizar a economia brasileira, foram fatores que contriburam para substituir a produo de acar brasileiro pela produo do lcool, o que comprova que a substituio energtica tinha interesses tanto econmicos quanto polticos. O governo passou a atuar fortemente na implantao do Prolcool. Visando acelerar esse programa, criaram-se nesse perodo, organismos como a Comisso Executiva Nacional do lcool (Cenal) que administraria esse Programa. A partir de 1975, o Governo Brasileiro, visando estimular a produo de cana-deacar e tambm expandir a capacidade para produo de lcool, fornecia crdito subsidiado aos projetos que eram aprovados pelos rgos executivos do Prolcool (MELO E FONSECA,1981).

Em um primeiro momento, o Prolcool tinha como objetivo a produo de lcool anidro para adicionar gasolina, pois o que determinou a poltica estatal, nesse perodo, foi o choque do petrleo em 1973. Para Filho e Ramos (2006), a produo de lcool acontecia em destilarias anexas s usinas de acar. A segunda fase desse Programa decorreu da crise do petrleo em 1979. De acordo com Figueira (2005), em conseqncia dos conflitos entre Iraque e Ir, o preo do barril de petrleo teve um aumento significativo. Neste sentido, houve uma fabricao de carros que seriam movidos unicamente a lcool hidratado, o que teve por conseqncia uma elevao na produo desse tipo de combustvel. Em funo disso, entre 1980 e 1985, houve um surto na produo canavieira. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica), o Brasil produziu 246,54 milhes de toneladas em 1985 de cana-de-acar, tendo um aumento de 77,02 % comparados com a safra de 1979, registrando-se uma produo de 139,27 milhes de toneladas. A produo de lcool etlico carburante no seria apenas complemento a ser adicionado gasolina, como tambm passou a ser utilizado pelos veculos. Esse fato culminou na fabricao de automveis a lcool: os carros ciclos Otto passaram a operar 100% de lcool etlico hidratado (PIACENTE, 2006). Com o aumento do preo do petrleo, os governos federais e estaduais, nesse perodo, incentivaram a compra de carros a lcool, por meio da reduo de impostos (VIAN, 2003). Essa segunda fase do Prolcool foi marcada por uma nova estruturao: se anteriormente a produo de lcool ocorria somente em destilarias anexas, com a pujana do setor e os crescentes incentivos fiscais, iniciou-se um processo de implantao de usinas autnomas. A implantao dessas destilarias autnomas proporcionou expanso da atividade

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canavieira em reas consideradas regies de fronteira como Noroeste e Oeste de So Paulo, Centro-Oeste do Brasil, Tringulo Mineiro e Paran (PIACENTE, 2006). Nesse perodo de evoluo da atividade sucroalcooleira, a partir de 1982, o estado de Gois tentou acompanhar o crescimento vertiginoso do setor no pas (ESTEVAM, 2004). De acordo com Piacente (2006), para que ocorressem incentivos na comercializao do carro movido a lcool hidratado carburante, foi necessria uma srie de aes interligadas por meio da ao do governo, do setor automotivo e at mesmo dos consumidores. Dentre elas, a reduo do Imposto de Produtos Industrializados (IPI), a iseno do Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Servios (ICMS) e a reduo em 30% do valor (preo do litro) do lcool em relao gasolina. Nesse quadro, a produo de veculos movido a