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Gestão A propósito do Social Surf Weekend, campeonato nacional se surf angolano – que ocorre entre hoje e domingo, em Cabo Ledo – e do que implica gerir um evento des- te género, seja aqui em Angola, seja em qualquer parte do mundo, ocor- reu-me tentar explicar o mundo de tarefas que é necessário realizar para que se chegue ao fim com uma taxa, se não de sucesso, pelo menos de satisfação e sentido de dever cumprido. Um evento de surf implica, sobretudo, uma gestão que é feita desde o dia em que ele é criado ou ‘ganha’ a sua orga- nização, no caso dos eventos que fa- zem parte de uma entidade interna- cional ou mesmo associação local. Naturalmente que, para se organi- zar um evento de surf, há uma con- dição incontornável: é preciso que haja um local com ondas! Mas, até chegarmos ao dia das ondas, há um processo de preparação que tem como base algumas rubricas que têm de ser geridas de forma a renta- bilizar o trabalho e que o produto final seja o melhor possível. Embora cada organização possa ter o seu modelo de gestão próprio, há pontos convergentes na gestão, seja de um evento de surf , seja de uma empresa com outra área de ac- tividade. Ou seja, para se conseguir que uma equipa possa ser vencedo- ra, a primeira gestão é a dos recur- sos humanos em todos os departa- A ONDA DA ORGANIZAÇÃO As expressões ‘gestão’ e ‘eventos de surf’ podem parecer antagónicas. Afinal, eventos de surf dependem de ondas, e não há gestão que garanta que a natureza as ofereça para a prova. Por outro lado, quando se pensa em surf, apenas nos ocorre desporto, lazer, e há apenas uns poucos que entendem mesmo do tema. Para a maioria das pessoas, é provavelmente uma modalidade para especialistas. RUI COSTA* DR

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Gestão

A propósito do Social Surf Weekend, campeonato nacional se surf angolano – que ocorre entre hoje e domingo, em Cabo Ledo – e do que implica gerir um evento des-te género, seja aqui em Angola, seja em qualquer parte do mundo, ocor-reu-me tentar explicar o mundo de tarefas que é necessário realizar para que se chegue ao fim com uma taxa, se não de sucesso, pelo menos de satisfação e sentido de dever cumprido. Um evento de surf implica, sobretudo, uma gestão que é feita desde o dia em que ele é criado ou ‘ganha’ a sua orga-nização, no caso dos eventos que fa-zem parte de uma entidade interna-cional ou mesmo associação local.

Naturalmente que, para se organi-zar um evento de surf, há uma con-dição incontornável: é preciso que haja um local com ondas! Mas, até chegarmos ao dia das ondas, há um processo de preparação que tem como base algumas rubricas que têm de ser geridas de forma a renta-bilizar o trabalho e que o produto final seja o melhor possível. Embora cada organização possa ter o seu modelo de gestão próprio, há pontos convergentes na gestão, seja de um evento de surf, seja de uma empresa com outra área de ac-tividade. Ou seja, para se conseguir que uma equipa possa ser vencedo-ra, a primeira gestão é a dos recur-sos humanos em todos os departa-

A ONDA DA ORGANIZAÇÃO As expressões ‘gestão’ e ‘eventos de surf’ podem parecer antagónicas. Afinal, eventos de surf dependem de ondas, e não há gestão que garanta que a natureza as ofereça para a prova. Por outro lado, quando se pensa em surf, apenas nos ocorre desporto, lazer, e há apenas uns poucos que entendem mesmo do tema. Para a maioria das pessoas, é provavelmente uma modalidade para especialistas.

RUI COSTA*

DR

EXPANSÃO | 16 de Outubro 2015 19

GESTÃO

mentos. A mobilização, através do processo em que se consegue que todos os envolvidos acreditem num bem comum, é essencial – e isto é comum em todas as áreas. O ‘número 1’ tem de ter um nível de envolvência muito grande, para transmitir isso a quem o segue. A existên-cia de um líder é uma necessidade numa estrutura. No caso do surf, as cinco grandes áreas que regem o evento têm de ser geridas de modo a que todas transmi-tam uma mensagem definida no início. Essa mensagem é o objectivo do evento; é a forma como se quer comuni-cá-lo, ou seja, depois de definida, existe uma equipa criativa que a põe no papel, para que uma equipa co-mercial a possa transmitir da melhor forma às marcas. Passado o processo de venda de patrocínios, entra a gestão mais abrangente do evento: a comunicação. Esta irá mostrar os pontos altos do evento, que, neste caso, po-dem ir desde a qualidade dos atletas à qualidade das on-das, as experiências pessoais de cada participante, da or-ganização, testemunhos de vida, de sucessos, de fracas-sos, mas sobretudo de perseverança em nunca se desistir. Por outro lado, pode tornar visível o enquadramento da-quilo que é um evento para além das ondas, o enquadra-mento social, onde se pode, através de um ‘veículo’ que move massas na praia e na imprensa – seja televisiva, em directo ou diferido, vídeos para Web, revistas generalis-tas ou da especialidade, ou mesmo os blogues de quem se-gue a par e passo tudo o que se passa na área de interesse –, para chamar a atenção para as minorias, proporcio-nando-lhes contacto com algo novo. Quando se fala em minorias, falamos de todos os que, não praticando o des-porto ou não podendo ter acesso a praticá-lo, o olham com admiração e algum desejo. O surf também é uma pedagogia social, contrapondo os tais momentos sozinhos do homem e a onda e toda a na-tureza. Aprender a modalidade é uma actividade gregária – em grupo torna-se muito mais fácil. E, por isso mesmo, sendo um espectáculo mais visto que praticado, o surf acaba por atrair cada vez mais espectadores. Um ponto fundamental em todos os eventos de surf é o enquadramento do turismo, usando-se o evento para co-municar aquilo que determinada location tem como atractivo para esta área, ou mesmo o enquadramento so-cial no que se refere à natureza, servindo-se de uma acti-vidade ligada ao mar para se sensibilizar à protecção do mesmo. Há países que nasceram para a opinião pública através de eventos – porque foram escolhidos para serem palco de eventos. Depois de definidos todos estes enquadramentos, en-tramos na gestão de produção. A gestão directa de re-cursos humanos, entre os que trabalham para que o evento aconteça e os que são ‘actores principais’, os atletas, é crucial, porque uns dependem dos outros. Deve criar-se um equilíbrio para que quem produz te-nha como missão proporcionar aos atletas as melhores condições de trabalho possíveis quando chegar o dia, e que, juntos, sintam o seu peso no sucesso final. Não só os tempos mudaram, como principalmente a exigência do público mudou. As tendências, a modernidade, os suportes de comunicação, a exposição que hoje pode ser local e, em minutos, viralmente, chegar a todo o mundo, torna qualquer evento uma probabilidade ou de 100% ou de quase nada. E é na onda da exposição, que entram as vontades patrocinadoras, as autorida-des locais, as marcas mundiais, os atletas, a assistência, enfim, as audiências. Ou seja, falamos de vários proces-sos de gestão que podem culminar com o simples pro-cesso de gestão após evento: comunicar através dos meios disponíveis para todos, realçando o bom que nele foi produzido. Mas há um único que não é controlável: as ondas. Tudo pode ser gerido da melhor forma até ao dia, mas, no que toca ao surf, pode não chegar; basta a maior variável do evento, a natureza, não proporcionar as condições ne-cessárias para ter de se activar a gestão de crise, que serve para se minimizar ou amenizar as expectativas criadas em todos os processos atrás descritos. Um evento de surf tem algo diferente de todos os ou-tros. E essa diferença pode puxá-lo para cima, quando se vende algo que depende do inimaginável, como a na-tureza; ou para baixo, quando o mesmo factor faz com que as expectativas criadas ao público não sejam cum-pridas por forças maiores. Para nós, surfistas, haja ou não ondas, há sempre a natureza e um mergulho no mar; já para quem se desloque propositadamente, é como ir visitar uma das Sete Maravilhas do mundo e, de repente, ela estar fechada para obras… Outra experiência que partilho é a motivação dos es-pectadores. Cada vez mais sinto que as pessoas apre-ciam o espectáculo. Não dominam as técnicas nem são especialistas ao ponto de entenderem o profissionalis-mo de cada um dos atletas, mas o surf aproxima-se cada vez mais da arte: sente-se e desfruta-se. Ocorre-me Fernando Pessoa, quando diz que o fim da arte inferior é agradar, o fim da arte média é elevar, o fim da arte su-perior é libertar. O surf é libertador, não só de quem pratica mas, cada vez mais, de quem assiste.

Aos gestores, como eu, resta fazermos o nosso trabalho da melhor forma até ao dia. Quando o evento começa, somos postos à prova e nada mais adianta fazer. A gestão de um evento acaba no momento em que ele começa.

Com profissionalismo, só não se controla a natureza; sem profissionalismo, não se controla a satisfação. *CEO da Twice

DR

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