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REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO VILA VELHA VILA VELHA (ES), v. 3, n. 2, JULHO/DEZEMBRO DE 2002 Sci. Vila Velha (ES) v. 3 n. 2 jul./dez. 2002 p. 1-160

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JULHO/DEZEMBRO 2002

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REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO VILA VELHA

VILA VELHA (ES), v. 3, n. 2, JULHO/DEZEMBRO DE 2002

Sci. Vila Velha (ES) v. 3 n. 2 jul./dez. 2002p. 1-160

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SCIENTIA. V. 3, n.2, (jul./dez.2002) – Vila Velha (ES):Sociedade Educacional do Espírito Santo, 2002.

ISSN 1518-2975

Semestral

1. Cultura – Periódico. 2. Generalidades – Periódico,Centro Universitário Vila Velha - SEDES/UVV-ESCDD 002

E-mail: [email protected]

REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO VILA VELHA

Revista interdisciplinar semestral

Nota: As opiniões e conceitos emitidos nos artigos publicados nesta revista são de inteiraresponsabilidade dos seus autores.

Tiragem: 1000 exemplares CENTRO UNIVERSITÁRIO VILA VELHAChanceler

ISSN 1518-2975 Aly da Silva

Coordenação Executiva: Presidente em ExercícioAngela Maria Monjardim José Luíz Dantas

Revisão: ReitorArtelírio Bolsanello Manoel Ceciliano Salles de AlmeidaIsabel Cristina Louzada Carvalho

Vice-ReitoraCapa: Luciana Dantas da S. PinheiroJuan Carlos Piñeiro Cañellas

Pró-Reitor AcadêmicoImpressão: Paulo Regis VescoviArtgraf - Gráfica e Editora

Pró-Reitor AdministrativoEdson Immaginário

Conselho Editorial: Diretora de Pós-GraduaçãoAngela Maria Monjardim Elizabeth Maria Pinheiro GamaDenise Maria Simões MottaDenise Rocco de SenaElizabeth Maria Pinheiro GamaHélio Sá SantosIsabel Carpi Girão

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SUMÁRIO

EDITORIAL . ........................................................................................................................ 5

CAPITALISMO FLEXÍVEL E TRABALHO

MAURI RODRIGUES ........................................................................................................... 7

GLOBALIZAÇÃO: DIFERENTES VISÕES SOBRE UM MESMO PROCESSO

FLÁVIA NICO VASCONCELOS .......................................................................................... 25

O ENSINO INTERDISCIPLINAR

EDUARDO JOSÉ PINHEIRO .............................................................................................. 39

ANÁLISE DA IMPORTÂNCIA DAS VARIÁVEIS DO SISTEMA

DE MARKETING NAS DECISÕES EM DISTRIBUIÇÃO FÍSICA:

UMA APLICAÇÃO AO PÓLO DE CONFECÇÕES DA GLÓRIA – ES

RENATO MIRANDA ............................................................................................................. 51

O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL E OS DIREITOS HUMANOS

CÉSAR AUGUSTO S. DA SILVA; MAYARA SILVA RODOLFO;

GERVÁSIO ANDREÃO JR. ................................................................................................. 65

RELATÓRIOS GERENCIAIS PARA DECISÃO DE PREÇOS DE VENDA NA MICRO

E PEQUENA EMPRESA COMERCIAL VAREJISTA: UMA CONTRIBUIÇÃO AO

ESTUDO DO CONCEITO DE MARGEM DE CONTRIBUIÇÃO

HUMBERTO ROSA OLIVEIRA ............................................................................................ 93

ANÁLISE CRÍTICA DOS INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM DO

CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA

MARCELO R. D. SANTOS .................................................................................................. 117

ESTRATÉGIAS INOVADORAS EM ESTRUTURAS CONSERVADORAS:

A GESTÃO DAS IMPOSSIBILIDADES

DENISE LIMA RABELO; MÁRCIA VALÉRIA FERREIRA DE CARVALHO ......................... 139

NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS . ...................................................... 153

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EDITORIAL

Em nosso dia-a-dia sentimos todos as conseqüências da globalização. Mas, oque é a globalização? Será um processo que, inevitavelmente, resultará numaeconomia global, sem fronteiras, prenunciando a dissolução do Estado-na-ção; ou será um processo que deve ser visto apenas como uma nova etapado capitalismo, cheia de contradições, cujo futuro é uma incógnita?

Como ficam as relações internacionais e o mundo do trabalho nesse contex-to? Com a globalização, várias estratégias e ajustes na atuação estatal pas-sam a ser empreendidas para adequar o cenário intra-estatal ao cenáriointernacional; já no mundo do trabalho, vêm o neoliberalismo e a mudançatecnológica que provocam transformações radicais, principalmente no quese refere ao trabalho em equipe, polivalência, tomada de decisão e siste-mas de avaliação de desempenho. E o que é mais grave: a exacerbação docapitalismo, a cada dia, aumenta a sofreguidão pela produtividade, pormaiores ganhos, deixando em seu rastro as dívidas sociais muitas vezessuperiores aos seus ganhos econômicos e financeiros.

Com a interligação dos mercados internacionais, com a expansão das frontei-ras e da cultura, até a visão do ensino deve mudar. A época da compartimen-talização já passou; agora é o momento da visão interdisciplinar, comointeração e integração dos conteúdos curriculares. Paralelamente a essamudança, é importante uma preocupação com o aperfeiçoamento dos instru-mentos de avaliação da aprendizagem nos cursos de formação profissional.

Entretanto, apesar de tantas transformações, constata-se, ainda no início doséculo vinte e um, na gestão de organizações empresariais, o desinteressepela inovação, causado pela burocracia e pelo apego ao controle; o que aca-ba trazendo frustração para os programas de capacitação e treinamento, quese tornam perda de tempo e de dinheiro. É de perguntar: Por que uma empre-sa exige que seus profissionais sejam arrojados, conhecedores da missão,competitivos e criativos, se ela mesma impede a atuação deles, com a ado-ção de uma estrutura formal, rígida, centralizadora e burocrática?

Sem competitividade em seus mercados, uma empresa não sobrevive, porisso o gestor tem que entender o sistema de marketing como um conjunto deações estratégicas, para poder definir seu posicionamento.

Outro aspecto fundamental para qualquer organização empresarial é o co-nhecimento de seus custos operacionais para mantê-los sob controle. Então,como estabelecer preços? É comum, mas não adequado, diluir os custos

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fixos sobre o total de vendas da loja. O esperável é que, para isso, se utilize oconceito de margem de contribuição, ou ‘a contribuição direta de cada merca-doria vendida aos resultados finais da empresa’.

E, para concluir, não pode passar despercebida, em nível mundial, a impor-tância da criação do Tribunal Penal Internacional de Haia. Apesar de suaslimitações, impostas pela falta de apoio de nações como EUA, Rússia e Chi-na, este tribunal é, nas palavras do Secretário Geral da ONU, um presente deesperança para as gerações futuras.

Prezado leitor, este é o leque dos temas da área de ciências sociais e huma-nas aplicadas, todo elaborado por professores e alunos desta instituição, queScientia lhe entrega, para leitura, análise e crítica.

Artelírio Bolsanello, M. Sc.

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MAURI RODRIGUES *

CAPITALISMO FLEXÍVEL E TRABALHO

* Mestre em Administração – UFMG/UVV

Professor de Teorias da Administração

Coordenador do Curso de Administração na UVV-Vitória

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RESUMO

Este estudo discute os impactos da adoção de novas tecnologias organiza-cionais por uma empresa mineradora no Estado do Espírito Santo. Procuraobservar, na prática, os impactos das mudanças verificadas como reação àcrise capitalista iniciada nos anos 60-70 e seus reflexos no trabalho das pes-soas que atuam ou que atuavam naquela organização. A base teórica partede autores como Marcus Alban, Ricardo Antunes, Jorge Mattoso, MárcioPochmann e Richard Sennett. Concluiu-se que a reação do capitalismo amais uma crise iniciada nos anos 60-70, com a globalização econômica, oadvento do neoliberalismo, a mudança tecnológica de uma base eletromecâ-nica para uma base eletroeletrônica e, com uma forte reestruturação produti-va nas organizações, seguindo o modelo japonês, têm provocadotransformações radicais no mundo do trabalho principalmente no que se refe-re ao trabalho em equipe, polivalência, carga e ritmo, processo de tomada dedecisão e sistemas de avaliação de desempenho.

Palavras-chave: Novas tecnologias, mudanças, capitalismo flexível, crise,trabalho, globalização, neoliberalismo, reestruturação produtiva, organizações.

ABSTRACT

This study discusses the impacts of the adoption of new organizationaltechnologies by a mining company in the Espírito Santo State. It tries to observe,in practice, the impacts of the changes verified as reaction to the capitalistcrisis initiated in the years 60-70 and their reflexes to the work of people whoworked or still work in that organization. The theoretical fundaments are basedon the authors as Marcus Alban, Ricardo Antunes, Jorge Mattoso, MárcioPochmann and Richard Sennett. The study concluded that the reaction ofcapitalism to one more crisis initiated in the years 60-70, with the economicalglobalization, the coming of the neoliberalism, the technological change froma electromechanical base into a electro-electronic one and, with a strongproductive restructuring in the organizations, following the Japanese model,have provoked radical transformation in the world of the work, mainly in whatrefers to teamwork, polivalence, load and rhythm, process of decision takingand systems of performance evaluation.

Keywords: New technologies, flexible capitalism, changes, crisis, work,globalization, neoliberalism, productive reestructuring, organization.

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1 INTRODUÇÃO

Apesar de bastante estudados, os impactos do capitalismo flexível sobre otrabalho não têm sido amplamente divulgados no Brasil.

O tema, no entanto, vem saindo, aos poucos, do meio acadêmico e ocupandocada vez mais espaço na mídia, na medida em que novas pesquisas sãorealizadas e divulgadas.

Com base em uma revisão bibliográfica sobre o tema e em uma pesquisarealizada junto a uma importante mineradora capixaba procurando-se res-ponder a pergunta sobre a forma como as novas tecnologias organizacionaisimpactaram o trabalho naquela empresa, chegou-se a conclusões revelado-ras sobre o assunto.

Sabe-se hoje que o capitalismo vem sofrendo crises ao longo de sua históriae vem reagindo a elas, principalmente por meio de uma reestruturação eco-nômica e produtiva que resulta, quase sempre, na adoção de novas tecnolo-gias organizacionais que, ao que se conclui, acaba por provocar mudançassignificativas nas relações de trabalho.

2 REVISÃO DA LITERATURA

Alban (1999), em seu livro “Crescimento sem emprego”, mostra, de uma for-ma bastante clara, o desenvolvimento capitalista e suas crises vis-à-vis àsRevoluções Industriais.

A primeira grande crise enfrentada pelo capital ocorreu, de acordo com oautor, por volta do ano de 1870 com o término da implantação dos principaistroncos ferroviários na Europa e nos Estados Unidos, quando se teve a desa-celeração do crescimento econômico em todo o mundo. No lugar da dinâmicadesenvolvimentista, surgiu, principalmente na Inglaterra e, em certa medida,também nos Estados Unidos uma profunda crise que se estendeu até meadosdos anos de 1890.

Essa ampla crise, de acordo ainda com Alban (1999), na qual se combinamdinâmicas schumpeterianas e keynesianas, chegou ao seu fim com a emer-gência de um conjunto de novos paradigmas tecnológicos e organizacionais.

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No contexto em que se formou, surgiu e se desenvolveu, o método da admi-nistração científica de Frederick W. Taylor, que se tornaria mundialmente co-nhecido como taylorismo. De acordo com Alban (1999), a primeira grandeinovação de natureza organizacional e não-técnica, com fortes impactos naprodutividade das indústrias de montagem. Em linhas gerais, ela consistiunum intenso processo de racionalização dos sistemas e métodos de trabalho,empreendido em toda a indústria, a partir das últimas décadas do século XIX.

Ao que se observou, o resultado da aplicação do taylorismo, combinado com alinha de montagem fordista, foi realmente assombroso. As empresas consegui-ram altíssimos ganhos de produtividade à custa da mecanização completa dotrabalho. Ao que tudo indica também, os ganhos obtidos pelas empresas nãoforam repassados de forma eqüitativa aos trabalhadores, de uma maneira geral.

Pode-se dizer que o capitalismo havia reagido à sua primeira grande crise.De acordo com Alban (1999), essa reação ocorreu fundamentalmente emrazão do uso de novas formas de energia, como o vapor e a eletricidade,mas, principalmente, em função de novas tecnologias organizacionais, maisespecificamente em função do modelo organizacional taylorista/fordista.

Contudo, o progresso técnico e a adoção do taylorismo/fordismo não impedi-ram mais uma grande crise do capitalismo, ou seja, a Grande Depressão de1929-1930. Apesar da sua gravidade e extensão, o capitalismo reage, tam-bém, a mais essa crise.

Alban (1999) aponta como ações voltadas para a superação da crise o polê-mico New Deal e a ampliação dos gastos públicos com base na Teoria Geralde Keynes. Porém, o que, de acordo com o autor, permitirá a superação efe-tiva da depressão e o desemprego não será o New Deal nem a teoria keyne-siana, mas sim as exigências concretas da economia de guerra.

Tal ponto de vista é compartilhado por Mattoso (1995), quando afirma que,com a Segunda Guerra Mundial, somaram-se os interesses econômicos, fi-nanceiros e regionais norte-americanos, rompe-se o isolacionismo e firmam-se as bases da hegemonia industrial, tecnológica, financeira, agrícola e militardos Estados Unidos.

O autor aponta como fatores básicos dessa reação, o fortalecimento dos sin-dicatos de trabalhadores, a Segunda Guerra Mundial e o surgimento da Guer-ra Fria como alimentadores das condições para formação e expansão do padrãode desenvolvimento norte-americano.

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Entretanto, uma vez cessado o crescimento, o que ocorre ao final dos anos60, primeiramente o fordismo e posteriormente o próprio Estado de bem-estar social europeu, não por acaso, perdem a sua funcionalidade e come-çam a desmoronar-se vindo a configurar-se mais uma crise estrutural docapitalismo.

Para Mattoso (1995), no início dos anos 70, a fragilização do Sistema Mone-tário Internacional (fim da paridade ouro-dólar e da instabilidade nas taxas dejuros), gerou uma perda na capacidade geral de dinamização da economiamundial. Abriu-se, a partir de então, um período de incertezas e de novosquestionamentos do padrão sistêmico de integração social, inicialmente, pe-las propostas de políticas econômicas e sociais definidas pelos partidos con-servadores e, posteriormente, pela própria aplicação dessas políticas.

Para o autor, essa crise estrutural, cuja manifestação foi a desarticulação dasrelações virtuosas do padrão de desenvolvimento norte-americano, foi resul-tado do esgotamento dos impulsos dinâmicos do padrão de industrialização,com o enfraquecimento da capacidade dinâmica do progresso técnico, a maiorsaturação de mercados internacionalizados, o sobreinvestimento generaliza-do, a crescente financeirização da riqueza produzida e o enfraquecimento dahegemonia norte-americana. A crise foi então amplificada pela brusca eleva-ção dos preços do petróleo decidida pelo cartel da OPEP, no final de 1973.

O fato é que, tanto para Alban (1999) como para Mattoso (1995), o modelotaylorista/fordista dá sinais de esgotamento e entra em crise a partir dos anos60/70, iniciando-se, assim, uma terceira grande crise capitalista.

De acordo com Mattoso (1995), como conseqüências dessa nova crise, osvínculos nacionais estabelecidos entre os empresários industriais e agrícolase os trabalhadores foram crescentemente questionados com o acirramentoda concorrência internacional. Na percepção do autor, a distância da crise de29, da Segunda Guerra Mundial, do trauma do desemprego e do espectro docomunismo, também favoreceram para que a reestruturação econômica ocor-resse sem levar em conta o compromisso com o Estado de bem-estar social,das políticas de pleno-emprego e da administração da demanda agregada.

Os trabalhadores foram, dessa forma, crescentemente responsabilizados pelaredução da produtividade, pelos custos elevados e pelos obstáculos à compe-tição supostamente gerados pelos instrumentos regulatórios e pelas políticassociais do Estado.

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Com base na ruptura dessa aliança, de acordo com Mattoso (1995), a moder-nização dos anos 80 favoreceu a intensa reestruturação econômica e produ-tiva da economia mundial, sob o comando dos países avançados o sob opredomínio do capital reestruturado, subsumido no movimento mais geral degestão e realização da riqueza sob o domínio financeiro.

Para Alban (1999), ao analisar-se a dinâmica interperíodos, percebe-se que aevolução da produtividade, na quase-totalidade dos países, quando compos-ta com a taxa natural de crescimento da força de trabalho, acaba ultrapassan-do as respectivas taxas de crescimento econômico. Por conseguinte, odesemprego será crescente, mesmo com a retomada do crescimento. É ojobless growth, o crescimento sem emprego, que, a partir dos anos 80, seestabelece no mundo desenvolvido, especialmente na Europa.

Como se pode observar, de acordo com os autores citados, o capitalismopassa por mais uma crise. Como nas anteriores, o capital vem reagindo tam-bém a essa crise com políticas econômicas específicas, aparecendo o neoli-beralismo e a globalização da economia. Tais políticas têm, como não poderiadeixar de ser, um forte impacto sobre a economia mundial, provocando umareestruturação produtiva com base em um novo paradigma tecnológico, apon-tado por vários autores como uma Terceira Revolução Industrial. Alban (1999)fala em “revolução informacional”; Mattoso (1995), em “automação integradaflexível”; Antunes (1997) fala em “especialização flexível”. Todos os autores,no entanto, apontam a mudança tecnológica de uma base eletromecânicapara uma base eletroeletrônica como fatores principais de reação do capita-lismo a mais uma crise iniciada nos anos 60-70. Essas mudanças acabam porprovocar transformações radicais no mundo do trabalho.

De acordo com Alban (1999), concomitantemente ao movimento de globaliza-ção da economia e da ofensiva neoliberal, surgem, a partir dos anos 70, osmicrocomputadores, os quais, irão reconfigurar por completo a lógica e asfunções do processamento eletrônico de dados. Os micros, com multiuso infor-mático penetram não apenas nas pequenas e médias empresas, como tambémnos lares, transformando-se num bem de consumo pessoal e familiar.

Os microprocessadores, entretanto, continua Alban (1999), não se destinarãoapenas aos microcomputadores. Como unidades diminutas, poderosas e ba-ratas, eles promoverão um intenso processo de automatização e flexibiliza-ção dos sistemas produtivos eletromecânicos, substituindo a rigidez e o controlehumano pelo controle eletrônico programável. O mesmo, paralelamente, acon-tecerá também, com uma série de sistemas de comunicação, estruturas e

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serviços administrativos. Dessa maneira, por meio dos microprocessadores,a eletrônica acaba se difundindo por quase toda a economia e sociedade,configurando-se, na prática, uma nova revolução industrial com a presenterevolução informacional.

A combinação das políticas neoliberais com a globalização da economia ecom o surgimento do novo paradigma tecnológico provocará uma profundareestruturação produtiva, com impactos também profundos, nas relações detrabalho.

Como se sabe hoje, foi no Japão que a automação flexível acabou encontran-do um terreno mais propício para crescer e se consolidar devido a sua relativaabundância de mão-de-obra, especialmente a mão-de-obra não-especializa-da, e a necessidade de voltar-se para um mercado externo não-padronizadoe extremamente segmentado.

A solução encontrada pelo Japão, capaz de aumentar a produtividade naprodução de pequenas quantidades de numerosos modelos de produtos, con-tou, em sua versão final, com a colaboração de engenheiros e técnicos deinúmeras empresas, mas, principalmente, com os técnicos e engenheiros daToyota.

Criado com base nas idéias seminais do engenheiro Taiichi Ohno, principalmentor do sistema Toyota de produção, o toyotismo conformará um novo erevolucionário conceito de organização da produção, que se difundirá por todoo mundo.

Em sua análise, Alban (1999) aponta o toyotismo como um sistema de produ-ção estruturado em quatro vertentes básicas, ou seja, a mecanização flexí-vel, o processo de multifuncionalização da mão-de-obra, o sistema deQualidade Total e o sistema just in time. Esse novo sistema de produção,constata Alban, acaba sendo exatamente o inverso do fordismo. Nele, a pro-dutividade é buscada com a manutenção e não com a eliminação da flexibili-dade.

Reduzidos os custos de controle com a microeletrônica, a automação flexívelse tornou muito mais vantajosa do que a automação rígida, por viabilizarpraticamente a mesma produtividade da automação rígida, ou muito maior,no caso das estruturas administrativas, sem perder a flexibilidade. Podia-segarantir, ao mesmo tempo, variedade e preço baixo, o que, de acordo comAlban (1999), representava uma fantástica vantagem competitiva nos críticos

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anos 70. Para esse autor, no que se refere à estrutura produtiva, em umafábrica flexível, um mesmo trabalhador deve ter a capacidade de exercerdiversas funções, operar e ou monitorar várias máquinas, para que toda aequipe possa ser reconfigurada sempre que necessário.

Processo semelhante desenvolve-se nas estruturas administrativas. Com ossistemas informacionais integrados, a informação torna-se facilmente acessí-vel em toda a organização, possibilitando estruturas horizontalizadas, tornan-do-se desnecessárias as grandes hierarquias verticalizadas. Em ambos oscasos, o trabalho requerido já não consiste no trabalhador semiqualificado dotaylorismo-fordismo. O perfil de alta qualificação generalista e estratégico,antes restrito às cúpulas administrativas, passa a ser exigido em quase toda aestrutura organizacional.

No contexto econômico que se configurou, de acordo ainda com Alban (1999),com a automação flexível, as empresas toyotistas estavam fadadas a assu-mir a supremacia produtiva e econômica. Em função do choque do petróleo edos seus desdobramentos, a partir de 1973, essa supremacia acabou vindobem mais cedo do que o previsto. Afinal, finda-se o áureo ciclo de crescimen-to dos anos dourados, ambiente natural das empresas fordistas.

O toyotismo foi visto inicialmente como um mero modismo de consultores noambiente da comunidade financeira acostumada a lucros líquidos e certoscom as grandes empresas fordistas. Em face do fraco desempenho das em-presas ocidentais e do sucesso das empresas toyotistas no próprio EstadosUnidos, percebeu-se que se tratava de um sistema verdadeiramente univer-sal que independia dos trabalhadores e da cultura oriental. Percebeu-se, tam-bém, que o problema para implantação do sistema toyota no Ocidente nãoeram os trabalhadores, mas os seus gerentes e engenheiros.

Se os problemas eram os gerentes e os engenheiros, eles teriam que sermudados, e de fato foi isso o que aconteceu. De acordo com Alban (1999, p.202):

A partir do final dos anos 80, em meio a um intenso processo de fusõese takeovers, os conselhos de acionistas das grandes empresas fordis-tas começam um verdadeiro processo de “degola” das suas cúpulasadministrativas. O auge se dará no começo dos anos 90, quando serãodemitidos, quase simultaneamente, os “chefões” da General Motors,IBM, Westinghouse e American Express. Com a “degola” das velhascúpulas, executivos bem mais novos subirão ao poder e, com novas

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idéias, as idéias toyotistas, geram uma completa toyotização de suasestruturas administrativas. Esse processo, que implicará a desvertica-lização das estruturas hierárquicas, será conhecido e implementadoem todo o mundo como a reengenharia das estruturas administrativas.Consistindo, em sua essência, numa engenharia organizacional anti-fordista, logo toyotista, a reengenharia possibilitará um intenso e efi-ciente uso da automação flexível. Com ela, portanto, a automaçãoflexível supera definitivamente a automação rígida, tornando-se, emtodos os setores, o novo paradigma dominante.

Como era de esperar, as mudanças ocorridas, primeiramente no Japão e de-pois nos Estados Unidos e Europa, acabaram por chegar a países dependen-tes como o Brasil. Essas mudanças afetaram, de maneiras diferentes, osdiferentes países, e as diferentes regiões, em função do contexto de cada um.

3 A EMPRESA PESQUISADA

Como se constatou, a empresa tem procurado se manter no mercado adotan-do estratégias coerentes com o contexto do capitalismo flexível.

O quadro funcional efetivo da empresa, em 31-12-1999, era de 1.375 empre-gados (não inclui menores aprendizes). Os investimentos em treinamento, noperíodo, somaram R$ 1,2 milhões. Foram aplicadas 187.518 horas de treina-mento, com uma média per capita de 135 horas e 44.064 participações.

Os empregados da empresa têm um perfil de educação formal, completo ouem progresso, único entre as empresas do setor: Master in Science 1%; Gra-duação 30%; Técnico 43%; segundo grau 25%; e apenas 1% sem nível míni-mo de escolaridade.

De acordo com a documentação pesquisada, confirmada pelas entrevistasrealizadas com a alta administração, a empresa gerencia suas atividades deforma descentralizada, com foco orientado para a Gestão pela Qualidade.Vários subsistemas integrados sustentam a administração da companhia: Sis-tema de Gestão pela Qualidade, Sistema de Gestão Ambiental, Sistema deGestão da Segurança, Gestão Integrada de Recursos Humanos, entre outros.Em 1999, a empresa consolidou o gerenciamento da rotina bem como ossistemas ISO 9002/14001 e se preparava para a conquista do OccupationalHealth and Safety Assessment Series (OHSAS) 18001 no ano 2000.

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3.1 MUDANÇAS GERAIS OCORRIDAS NA EMPRESA

Em maio de 2000 a empresa teve o seu controle acionário transferido paraoutra controladora. Essa mudança impactou muito o trabalho na percepçãodos empregados, apesar da negativa da alta gerência. Em momento algumdas entrevistas, a alta e até a média gerência, com raras exceções, admitiuos impactos, principalmente pelo seu lado negativo.

Nas entrevistas realizadas no ambiente da empresa, não se conseguiram res-postas diretas da preocupação dos trabalhadores em relação à mudança docontrole acionário da empresa. A alta gerência fala, de maneira geral, sobre asinergia positiva que, seguramente, resultará da união da empresa com umadas maiores mineradoras do mundo.

Pôde-se observar, contudo, essa preocupação, quando os entrevistados, aoserem incentivados a falar sobre o assunto, principalmente o pessoal de nívelde supervisão e operação, apesar de não falarem abertamente sobre a preo-cupação reinante, deixavam transparecer, claramente, a preocupação com amanutenção de seus empregos.

Um empregado do nível técnico operacional demonstra a sua preocupaçãocom a questão e com as possibilidades e perigos da terceirização:

O comentário que eu quero fazer é para que o pessoal que faz o plane-jamento estratégico da empresa, nessa fase de mudanças aí agora,arranje uma forma de não haver na empresa, tanta interferência comohouve na atual empresa que controla a nossa. Lá teve uma terceiriza-ção muito forte...

Em entrevista realizada com um empregado do nível operacional, fora doambiente da empresa, porém, essa preocupação fica patente e o empregadofala abertamente sobre o assunto:

Quando a empresa estava para ser vendida, tinham três empresas interessadas.O que nós achávamos pior seria a que comprou. A empresa adquirente já chegoufalando em demissão, além de cortar os benefícios, foi a demissão que ela chegouanunciando, a demissão do pessoal da manutenção. Reuniu a turma e falou logoque o ramo dela é pelotização e mineração e não manutenção. Ela não vendemanutenção para ninguém e que ela ia terceirizar a manutenção da empresa e,nessa terceirização, ia ter muita demissão. Frisaram mesmo, fizeram umquestionário orientando o supervisor quando alguém perguntasse se seria apro-

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veitado, a resposta seria que sim, mas muito pouco, por causa do salário e porcausa da Lei que não permite que você reduza o seu salário mesmo que vocêpasse a trabalhar numa empreiteira. Estariam saindo umas 300 pessoas.

A questão do envolvimento, comprometimento e lealdade, tão discutida pelasempresas, aparece aqui, nas palavras de Sennett (1999).

De acordo com o autor, o princípio do “não há longo prazo”, com base naflexibilidade, corrói a confiança, a lealdade e o compromisso mútuo. A confi-ança pode até ser uma questão puramente formal como em uma transaçãocomercial, mas, em geral, o desenvolvimento de laços mais profundos deconfiança, demanda tempo para surgir, entranhando-se devagar nas brechasdas instituições. O esquema de curto prazo das organizações limita o amadu-recimento da confiança informal.

O autor cita, como uma violação particularmente flagrante do compromisso mú-tuo entre a empresa e seus empregados, as situações em que as empresas sãovendidas ou abrem o seu capital. Os fundadores, donos ou acionistas podemsimplesmente pegar o seu dinheiro e ir embora, deixando para trás os emprega-dos de níveis inferiores. De acordo ainda com o autor, se uma organização, novaou velha, opera como uma estrutura de rede flexível, frouxa e não, com um rígidocomando de cima para baixo, a rede também pode afrouxar os laços sociais.

O sociólogo Mark Granovetter1, citado por Sennett (1999, p. 25), diz que asredes institucionais modernas se caracterizam pela “força de laços fracos”,com o que quer dizer, em parte, que as formas passageiras de associaçãosão mais úteis às pessoas que as ligações de longo prazo e, em parte, quefortes laços sociais, como a lealdade, deixaram de ser atraentes. Esses laçosfracos se concretizam no trabalho de equipe, no qual ela passa de tarefa emtarefa e muda de pessoal no caminho.

Os laços fortes, em contrastes, dependem da associação em longo prazo. E,mais pessoalmente, da disposição de estabelecer compromissos com os ou-tros. Em vista dos laços fracos tipicamente curtos nas instituições de hoje, JohnKotter,2 professor da Escola de Comércio de Harvard, citado por Sennett (1999,p. 25), aconselha os jovens a trabalhar “mais fora que dentro” das organiza-ções. Ele defende a consultoria, em vez de “enredar-se” no emprego em longo

1 GRANOVETTER, M. The strength of weak ties. American Journal of Sociology , n. 78, p. 1360-1380, 1973.

2 KOTTER, J. The new rules . New York: Dutton, 1995. p. 81-159.

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prazo; a lealdade institucional é uma armadilha, numa economia em que “...con-ceitos comerciais, projetos de produtos, informações sobre concorrentes, equi-pamento de capital e todo tipo de conhecimento têm períodos de vida dignos decrédito mais curtos”. Um consultor que administrou um recente enxugamentode funcionários na IBM declara que, tão logo os empregados compreendemque não podem contar com a empresa, são negociáveis. O distanciamento e acooperatividade superficial são uma blindagem melhor para lidar com as atuaisrealidades que o comportamento baseado em valores de lealdade e serviço.

Para Sennett (1999), o que mais afeta diretamente a vida emocional daspessoas, fora do trabalho, é a dimensão do tempo do novo capitalismo e nãoa transmissão de dados high-tech, os mercados globais ou o livre comércio.Essa dimensão do tempo do novo capitalismo, quanto transposta para a áreafamiliar, significa mudar, não se comprometer, não se sacrificar. Afinal, “nãohá longo prazo”. Nas palavras do próprio Sennett (1999, p. 27):

Esse conflito entre família e trabalho impõe algumas questões sobre aprópria experiência adulta. Como se podem buscar objetivos de longoprazo numa sociedade de curto prazo? Como se podem manter rela-ções sociais duráveis? Como pode um ser humano desenvolver umanarrativa de identidade e história de vida numa sociedade composta deepisódios e fragmentos? As condições da nova economia alimentam,ao contrário, a experiência com a deriva no tempo, de lugar em lugar,de emprego em emprego [...]. O capitalismo de curto prazo corrói ocaráter [...], sobretudo aquelas qualidades de caráter que ligam os se-res humanos uns aos outros, e dão a cada um deles um senso deidentidade sustentável.

O que se pode observar em algumas entrevistas é que esse sentimento delongo prazo começa a se perder na empresa começando a aparecer, ao con-trário, o sentimento que o autor chama de “não há longo prazo”.

Dentre as mudanças e ações desenvolvidas pela empresa, destacam-se: oGerenciamento da Rotina, ou seja, as operações da rotina diária na empresadevem ser valorizadas e executadas com método, procurando atender aospadrões, melhorá-los e estabilizar os processos; e o Gerenciamento pelasDiretrizes, ou seja, compete a toda a equipe gerencial da empresa estabele-cer metas de melhorias em todos os níveis e assegurar o seu cumprimento.De acordo com um gerente, foi só a partir de 94, com a certificação e com aimplantação da Gerência da Rotina que a empresa passou a se conhecer e ase controlar efetivamente. Tomou posse de todo o seu processo, do seu dese-

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nho. Hoje, as reuniões para gerenciamento da rotina continuam e todo anofazemos um seminário com a participação de todos os chefes de departa-mentos, com os nossos gerentes e respectivas diretorias e áreas de apoioaonde é negociado, internamente, através de uma diretriz da empresa. Todosos pormenores de características que formam esse nosso produto são esta-belecidos e negociados nesse seminário.

Nesse momento, o saber-fazer foi socializado na empresa. A partir de 94,além do saber-fazer, todos passaram a conhecer as políticas e diretrizes daempresa, os valores e objetivos nossos e, sobretudo, qual o papel de cada umaqui dentro. Aí, para quando a gente errar, nós introduzimos um programa deanálise de falha para coisas mais simples, o MASPET (Método para Análise eSolução de Problemas com o Envolvimento de Todos) na empresa. Começa-mos a ganhar muito aí. As reuniões de gerência da rotina acontecem todomês, como uma prática dentro da empresa, aonde são aferidos os resultadosde cada departamento. As metas são discutidas no seminário anual (reuniãodas diretrizes).

Outro empregado do nível de operação que foi entrevistado relatou:

Eu percebi mudanças sim, porque hoje nós trabalhamos dentro de nor-mas e de primeiro não; antes da gente ser certificado nós não tínha-mos, hoje nós temos, nós trabalhamos dentro das normas. Por exemplo,se eu quero fazer qualquer manobra, eu tenho norma na área que euvou através dela; se eu tenho alguma dúvida, eu tenho aonde buscar,tirar essa dúvida, eu tenho padrão de operação. Hoje todo mundo tra-balha dentro desse padrão, dentro das normas específicas, antes nósnão tínhamos isso, era pelo conhecimento, pela experiência, às vezeso cara usava um macete e hoje não, hoje nós temos critério, trabalhadentro das normas.

Sobre a maneira como as normas são estabelecidas, o mesmo operário infor-mou:

Toda elaboração de uma norma passou primeiro pelos operadores deárea. Por exemplo, eu, como operador, fui descrever como que eu ope-rava a área, depois veio outro operador e colocou como que ele opera-va a área, então, foi fazendo um apanhado e depois foi encaixandocomo realmente deveria ser essa operação. Chegamos a um consen-so, fizemos um apanhado e chegamos a uma conclusão e ficou defini-do e determinado como seria o padrão de operação daquela área.

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Já, da entrevista realizada com um empregado demitido da empresa retirou-se a seguinte opinião sobre a questão das normas e da padronização:

Esse processo sempre houve. Eu acho que isso deve ter acontecidoem toda empresa que trabalha com pesquisa de qualidade. Deve ter naChocolates Garoto, na Vale, na BHP lá na Austrália, eu acho que nomundo todo deve ter. Na empresa, contudo, tinha um período menosfreqüente. Dava até um tempo para o trabalhador que trabalhava maisduro, mais braçal, se recuperar, ele tinha mais tempo. Depois, comessa modernização, esse padrão mudou. A empresa passou a exigirmais teste para se adequar aos padrões internacionais, da globaliza-ção. O produto deve ter a mesma qualidade no Brasil, na Argentina, noUruguai, na América do Norte e também na Europa. Na verdade, o quese procura é ter a mesma qualidade em todo o mundo. Naquela época,as empresas estavam se encaixando nesse processo de globalização eneoliberalismo que para o Brasil, quem trouxe foi Collor, não é? Issotudo, até certo ponto, sacrificou muito o trabalhador.

Sobre essa questão da rotina no trabalho, Sennett (1999) afirma que estamoshoje numa linha divisória na questão. Enquanto a nova linguagem da flexibi-lidade sugere que a rotina está morrendo, a maior parte da mão-de-obra per-manece “inscrita no círculo do fordismo. O uso do computador, por exemplo,envolve, na maior parte das vezes, tarefas rotineiras, como a entrada de da-dos.”

Esse ponto de vista é compartilhado por outros autores como Pochmann (1999),Mattoso (1995) e Antunes (1997), que afirmam estarmos passando por ummomento ambíguo em que o velho e o novo se misturam. Na verdade, muitasvezes dentro da mesma empresa e até no mesmo departamento, coadunam-se métodos tayloristas/fordistas e toyotistas. O novo não matou o velho total-mente, mesmo porque o velho serviu e serve de base ao novo.

3.2 TRABALHO EM EQUIPE E PARTICIPAÇÃO

A questão do trabalho em equipe e a participação do pessoal nos processosque envolvem o trabalho de cada um também sofreram os impactos dasmudanças verificadas na empresa. Um gerente entrevistado afirmou sobre asformas e canais de participação dos empregados:

No caso do chão de fábrica, a participação nas análises de falhas, a participa-ção no MASPET, a participação em grupos de segurança, o campo de idéias.

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No caso das gerências, principalmente no caso das gerências para cima, aparticipação no planejamento estratégico da empresa. Quer dizer, tem ma-neiras de influenciar. Quando eu penso que tenho maneiras de influenciar nosdestinos da empresa nos próximos dez anos, já me sinto ... Liga-me direta-mente à presidência da empresa.

Observou-se, contudo, que a empresa não coloca nenhum canal formal paraa participação dos empregados de modo que possam colocar suas queixasou reivindicações sem a necessidade de identificação. As percepções sobre aforma e sobre a participação de cada um no processo de mudanças, realiza-das na empresa, nem sempre são coincidentes. Um técnico de contribuiçãoindividual percebeu da seguinte maneira essas modificações: “A nossa parti-cipação é mais informal. Eu vejo que a maioria das ações vem da alta admi-nistração, é uma decisão estratégica que depois é difundida para todos osníveis. Acho que o sucesso desses planos depende muito do comprometi-mento da alta administração.”

Um empregado do nível de supervisão observou:

Isso veio de cima para baixo, depois nos fomos capacitados, treinados,foram passadas todas as orientações. ... Na verdade, uma coisa ououtra mais voltada internamente no meu setor, que depende direta-mente da minha chefia, a gente participa, mas coisas que são mais nonível estratégico, a gente só tem mesmo é que seguir.

Outro empregado do nível de operação, entrevistado fora do ambiente daempresa, teve uma visão diferenciada desse processo. De acordo com umgerente entrevistado, a mudança de turnos de trabalho de oito para dozehoras foi proposta e aprovada pelos próprios trabalhadores. Questionado so-bre o assunto, o empregado declarou:

Essa abertura não tem. É conversa fiada!!!. O pessoal confunde muitoo seguinte: na empresa, muitos chefes moram ali, perto. Então, o sujei-to está de folga, encontra com o chefe lá na rua tomando uma cerveji-nha, aí o cara confunde que ele pode falar o que quiser. Se você falaralguma coisa para o cara ali do lado, você está assinando a sua demis-são. Equipe mesmo só no papel, trabalho em equipe nenhuma, cadaum faz o seu, sabe o que tem que fazer faz a sua parte e pronto.

O que a empresa chama de trabalho em equipe, Sennett (1999) chama deficção. Pela superficialidade do seu conteúdo, pelo foco no momento imedia-

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to, por sua fuga à resistência e ao confronto, o que se chama de “trabalho emequipe” serve, na verdade, ao exercício da dominação.

Conforme Sennett (1999), para os senhores do novo regime, como a corte deDavos, a mudança irreversível e múltipla e as atividades fragmentadas po-dem ser úteis, mas podem, também, desorientar os servos do regime. Nessenovo etos cooperativo do trabalho em equipe, instalam-se como senhores os“facilitadores” e “administradores de processos” que fogem ao verdadeiro com-promisso com seus servos. Sennett (1999, p. 176) conclui que o dilema decomo organizar uma narrativa de vida é, em parte, esclarecido, sondando-secomo, no capitalismo de hoje, as pessoas enfrentam o futuro. Em suas própri-as palavras:

Aprendi com o amargo passado radical de minha família; se ocorremudança, ela se dá no chão, entre pessoas que falam por necessidadeinterior, mais do que por levantes da massa. Que programas políticosresultam dessas necessidades interiores, eu simplesmente não sei. Massei que um regime que não oferece aos seres humanos motivos paraligarem uns para os outros não pode preservar sua legitimidade pormuito tempo.

4 CONCLUSÃO

O capitalismo tem enfrentado grandes crises ao longo do tempo. O sistemavem reagindo a essas crises com a reestruturação produtiva e a adoção denovas tecnologias organizacionais.

A reação do capitalismo a mais uma crise iniciada nos anos 60-70, com aglobalização econômica, o advento do neoliberalismo, a mudança tecnológi-ca de uma base eletromecânica para uma base eletroeletrônica e, com umaforte reestruturação produtiva nas organizações, seguindo o modelo japonês,têm provocado transformações radicais no mundo do trabalho.

As novas tecnologias organizacionais adotadas pela empresa provocarammudanças profundas e impactaram o trabalho, principalmente, no que se re-fere ao trabalho em equipe, ao processo de tomada de decisão, ao emprego,ao desemprego, divisão do trabalho e aos sistemas de avaliação de desem-penho. Há uma nítida diferença entre as respostas dadas pelos empregadosentrevistados dentro e fora da empresa.

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Com base na pesquisa realizada e nas idéias defendidas pela maioria dosautores citados, pode-se afirmar que as mudanças promovidas realmente têmpossibilitado um grande ganho para a empresa, principalmente no que serefere ao aumento da produtividade. Contudo, os ganhos conseguidos pelaempresa e pela maioria das organizações que adotam sistemas semelhantes,não estão sendo devidamente distribuídos. Os custos sociais decorrentes detais estratégias superam em muito os ganhos econômicos e financeiros.

Em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, no dia 23 de janeiro de 2000,Ariano Suassuna afirma que, tendo uma visão pessimista do homem, pesso-as como Maquiavel, Churchill e Roberto Campos acham que o melhor é en-carar e aceitar tranqüilamente as desigualdades e conquistar o poder parausufruir suas vantagens, sem remorso ou qualquer consideração que leve emconta o sonho de justiça. Ao contrário das pessoas citadas por Suassuna, oque se buscou neste trabalho foi encarar, sim, as desigualdades, mas nãoaceitá-las tranqüilamente; analisar as questões do poder, refletir sobre elassim, mas para levar em conta o sonho de justiça.

5 REFERÊNCIAS

ALBAN, M. Crescimento sem emprego : o desenvolvimento capitalista e suacrise contemporânea à luz das revoluções tecnológicas. Salvador: Casa daQualidade, 1999.

ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? ensaio sobre as metamorfoses e a cen-tralidade do mundo do trabalho. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1997.

MATTOSO, J. E. L. A desordem do trabalho . São Paulo: Página Aberta,1995.POCHMANN, M. O trabalho sob fogo cruzado : exclusão, desemprego eprecarização no final do século. São Paulo: Contexto, 1999.

SENNETT, R. A corrosão do caráter : conseqüências pessoais do trabalhono novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 1999.

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GLOBALIZAÇÃO: DIFERENTES VISÕESSOBRE UM MESMO PROCESSO

FLAVIA NICO VASCONCELOS *

* Mestre em Relações Internacionais

Coordenadora do Curso de Relações Internacionais da UVV

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RESUMO

Este artigo discute as três principais teses sobre a globalização, apresentan-do as influências e condicionamentos que são colocados às ações dos Esta-dos segundo cada uma delas. O principal objetivo é mostrar que para cadainterpretação encontraremos conseqüências diferentes para o entendimentodas relações internacionais.

Palavras-chave: Globalização, Estado, Estado-nação, Sistema Internacio-nal, Guerra Fria, Relações Internacionais.

ABSTRACT

This article discusses the three main schools of thought about globalization. Italso presents the influences and the conditionalities on the action of Statesaccording to each one. The main goal is to show that it is possible to havedifferent interpretations about the international relations depending on the schoolof thought we rely on.

Keywords: Globalization, Nation-state, Government, International System,Cold War, International Relations.

1 O SISTEMA INTERNACIONAL E A GLOBALIZAÇÃO

A configuração do sistema internacional tem muito a dizer sobre como seorganizam as relações políticas e econômicas que se estabelecem entre edentro dos Estados.1 Para cada momento, distinguem-se conformações es-pecíficas de equilíbrio de poder e de legitimidade internacional, elementosbásicos do sistema internacional. O contexto da Guerra Fria, inaugurada apósa Segunda Guerra Mundial, e a posterior ordem mundial contemporânea sãodois momentos centrais que reproduzem as características e formas de orga-nização do sistema internacional.

1 A concepção clássica de Estado dentro do campo das Relações Internacionais é aquela definida apartir da Paz de Vestfália (1648), isto é, um governo político central que controla o uso da violênciae toma as decisões dentro de fronteiras territoriais delimitadas sem sofrer interferências externas.Quando falamos sobre mudanças e desafios colocados pela globalização ao Estado temos comoreferência esta concepção.

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A Guerra Fria foi o antagonismo entre dois pólos de poder, os EUA e a URSS,ampliado por diferenças ideológicas. As disputas entre as duas potências en-globavam todas as dimensões do poder – estratégico-militar, econômico edos valores. Dada esta configuração bipolar de equilíbrio de poder, a lógicadas relações internacionais condensaram-se no conflito Leste-Oeste.

A dinâmica do sistema internacional girava em torno da dissuasão nuclear edo equilíbrio do terror. Alianças diplomáticas e militares criavam zonas deinfluência para cada um dos pólos. Conflitos e tensões periféricas ganhavamsentido universal. O campo econômico era circunscrito pela solidariedadepolítica. No lado capitalista, ganha forma o arranjo de Bretton Woods e suasinstituições – FMI, BIRD e GATT. No socialista, a centralização e a planifica-ção do Comecom.

A queda do Muro de Berlim em 1989 e a implosão da URSS em 1991 identi-ficam o fim do período de Guerra Fria. Este é um ponto de inflexão do sistemainternacional, pois implica o fim da ordem mundial pós-1945. No período detransição que se segue, ficam aparentes muitas características do que viria aser a nova ordem internacional contemporânea.

Uma característica observável no imediato posterior à Guerra Fria é o otimis-mo eufórico, cuja essência se encontra na unanimidade no plano dos valores.O vácuo ideológico, com o fim da bipolaridade, foi preenchido pelo triunfalis-mo dos valores liberais como parâmetros universais de legitimidade.

Os valores do liberalismo político e econômico, entrelaçando democracia emercado, seriam universalizados. Nesse sentido, a democracia e o livre mercadoengendrariam um mundo de paz e de desenvolvimento. Seria um sistemainternacional homogêneo – os principais atores coincidiriam nos critérios delegitimidade e seguiriam princípios comuns de organização política e econômica.

As políticas nacionais, portanto, seriam tanto melhores quanto mais próximasde tais valores universais da comunidade internacional. As noções clássicasde soberania e de Estado se tornariam obsoletas. Francis Fukuyama (1992),cujo livro O Fim da História se tornou ponto de referência desse período,argumentou que a humanidade chegara à feliz conclusão na busca de umsistema político-econômico.

A democracia e o capitalismo eram o ambiente ideal para o progresso. Logo,seria o fim do processo histórico, cujo objetivo fora encontrar a melhor formade convivência social.

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O renascimento dos nacionalismos em contexto de crise econômica na ex-URSS e a decomposição da Iugoslávia pelas rivalidades étnicas passam aofuscar os cenários otimistas. Nesse contexto, surge a tese do Choque deCivilizações (HUNTINGTON, 1996). Fica clara a presença de duas forças con-traditórias antes abafadas pela Guerra Fria: integração (mercado, novos ato-res) e fragmentação (nacionalismos, fundamentalismo, etnias).

A força motriz dessas mudanças é a globalização. O processo de globaliza-ção está no centro da nova ordem internacional contemporânea; ele revelasuas características principais. Compreendermos o processo da globaliza-ção, portanto, é fundamental para interpretarmos o sistema internacional con-temporâneo.

Mas o que é a globalização? Existem várias respostas para essa pergunta. Aglobalização assume diferentes perfis de acordo com o ponto de partida queestamos adotando. De modo geral, podemos considerar três correntes queapresentam distintas perspectivas sobre o tema: os hiperglobalistas, os céti-cos e os transformistas.2 Elaboramos abaixo um quadro sucinto de cada umadessas teses. Nosso objetivo, ao tratar dessas diferentes visões, é buscaraquela vertente que melhor retrata o impacto da globalização sobre o papeldo Estado.

2 A TESE HIPERGLOBALISTA

A idéia central defendida pelos hiperglobalistas é que a globalização é umfenômeno essencialmente econômico, que promove a integração cada vezmaior entre os mercados e culmina numa economia global sem fronteiras.3

Duas características em especial se destacam.

2 Aproveitamos o quadro teórico elaborado por Held et al. (1999, p. 1-31) para apresentar as correntesque discutem a globalização, incluindo em cada escola referências e material colhido em textos deoutros autores.

3 Podemos identificar duas variantes dentro da tese hiperglobalista: os neoliberais, que celebram aemergência de um mercado global comum e o princípio da competição global, e os neo-marxistas,que vêem na globalização um triunfo do capitalismo global opressor (HELD et al., 1999, p. 3).Ambos coincidem nas linhas gerais de seus argumentos; por exemplo, concordam que a globalizaçãogera um novo grupo de ganhadores e perdedores. No entanto, para os neo-marxistas o capitalismoglobal cria e reforça padrões de desigualdade dentro e entre Estados, enquanto para os neoliberaisa globalização prejudica a alguns no curto prazo mas produz maiores vantagens comparativas paraos Estados no longo prazo. Procuraremos tratar, a seguir, das idéias dos hiperglobalistas enquantouma corrente, sem nos prendermos às divisões entre eles.

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A primeira diz respeito à emancipação do mercado dos controles estatais. Nonovo cenário engendrado pela globalização, os mercados funcionariam me-lhor sem a intervenção estatal e, assim, Estado e mercado deveriam ser tra-tados como áreas distintas e independentes. Na realidade, não se trata desimples retorno às idéias do laissez-faire. A lógica do mercado se sobrepõe àautoridade estatal na condução da economia mundial, de forma que os ban-cos e corporações transnacioniais seriam os principais agentes da globaliza-ção. Trata-se do triunfo do capitalismo na forma do mercado como agenteautônomo e universal. “Now the order of the day involves a metaphysics of themarket, with its microchips, consumerist materialism, and rationalization ofsocial life” (GILL, 1997, p. 208).

A segunda característica diz respeito ao surgimento e reconhecimento devários atores na arena internacional. Esses novos atores – organizações in-ternacionais, organizações não-governamentais e multinacionais – questio-nam o primado do Estado no sistema internacional. As ONGs e asmultinacionais, por exemplo, criam novos canais que perpassam os limitesterritoriais e estão livres dos constrangimentos políticos. Seguindo o raciocí-nio hiperglobalista, o mundo deixa de ser guiado por nações para ser coman-dado por empresas (OHMAE, 1996).

Partindo desses dois pontos, a interpretação hiperglobalista sobre a tendên-cia atual é de que não só o Estado esteja sendo sobreposto pelo mercado,como também suplantado por novas formas de organização. Em suma, trata-se de uma nova era em que várias transformações acabaram por tornar obso-letas as fronteiras e a própria noção de soberania estatal. Com o Estado-naçãotornando-se cada vez mais artificial, estaríamos perto do colapso do sistemavestfaliano.

Held e McGrew (2000, p. 31) resumem a visão dos defensores dessa tese daseguinte forma:

O vínculo exclusivo entre o território e o poder político rompeu-se. Aera contemporânea tem assistido a um espraiamento das camadas degestão governamental dentro e através das fronteiras políticas. Novasinstituições internacionais e transnacionais têm vinculado Estados so-beranos e transformado a soberania num exercício compartilhado dopoder. Desenvolveu-se um conjunto de leis regionais e internacionaisque sustenta um sistema emergente de governança global, tanto for-mal quanto informal.

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Os hiperglobalistas interpretam a globalização como uma ideologia. A forçadas multinacionais e corporações internacionais atua sobre os aparatos es-tatais, buscando a desregulamentação comercial e financeira, daí se propa-gariam as idéias de que a dominação da economia é tanto necessária quantobenéfica e de que os Estados serviriam apenas para garantir o funciona-mento da lógica do mercado. É o tipo de tratamento dado à globalizaçãoque lhe imputa o caráter de ideologia; isto é, a visão de que a globalizaçãoé inevitável e de que ‘não há alternativa’. Nas palavras de Cox, “Globaliza-tion began to be represented as a finality, as the logical and inevitable culmi-nation of the powerful tendencies of the market at work” (apud PANITCH,1997, p. 23).

Dentro desta concepção duas idéias difundem-se universalmente: na esferaeconômica, seria necessário que o Estado fosse mínimo para garantir a livreatuação do mercado; já na esfera política, a globalização seria responsávelpela disseminação internacional da preferência por regimes democráticos. Ocompartilhamento de idéias comuns em diferentes nações reforçaria a sensa-ção de nascimento de uma civilização global.

Gill (1997) destaca que a nova divisão internacional do trabalho dá um ímpe-to ainda maior a essa sensação de existência de uma civilização global. Nes-ta, as elites tendem a desenvolver alianças tácitas transnacionais com baseem uma ideologia neoliberal ortodoxa comum. No outro extremo, junto aosmarginalizados, difunde-se uma ideologia global de consumismo que substi-tui padrões de comportamento tradicionais e impõe um novo senso de identi-dade e de modos de vida.

Para dar ordem a essa civilização global, são necessários mecanismos pró-prios de governança também globais. Assim, a globalização seria precursorade uma civilização e de instituições globais, cuja própria existência seriamindicativos da formação de uma nova ordem econômica internacional carac-terizada pelo declínio da autonomia e da soberania do Estado.

Concluindo, podemos resumir o argumento central dos hiperglobalistas daseguinte forma: a globalização é a precursora do nascimento da economiaglobal, da difusão e hibridização de culturas e da criação de instituições degovernança global que juntos resultam na emergência de uma nova ordemmundial, onde prefigura a queda do Estado-nação.

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3 A TESE CÉTICA

Como a própria denominação já sugere, os teóricos dessa corrente acreditamque existe muito exagero nas idéias relacionadas à globalização. Portanto,seu objetivo é desvendar as idéias ou desmascarar os mitos que sustentam aglobalização.

Para entendermos o argumento dos céticos, é necessário compreender a dis-tinção que fazem entre globalização e internacionalização. Internacionaliza-ção se refere ao crescente fluxo comercial entre diversas economias nacionais;enquanto a globalização ocorre apenas quando existe a integração perfeitados mercados internacionais. Partindo dessas duas definições, os céticosapontam o primeiro mito por trás da globalização: o que popularmente cha-mamos de globalização é, na realidade, apenas um grande fluxo entre econo-mias nacionais, ou melhor, internacionalização. Para eles, a globalização, oua integração perfeita dos mercados internacionais, é quase um tipo ideal e,como tal, nunca existiu.

Na realidade, a economia mundial estaria longe de ser genuinamente global.“(...) Ao contrário, os fluxos de comércio, de investimento e financeiro estãoconcentrados na Tríade da Europa, Japão e América do Norte, e parece queesse domínio vai continuar” (HIRST; THOMPSON, 1998, p. 15).

Segundo Hirst e Thompson (1998), estas grandes potências teriam a capaci-dade de coordenar a política internacional, de exercer pressões sobre osmercados financeiros e de influenciar sobre outras tendências econômicas.Assim, de forma alguma poderíamos falar que os mercados mundiais estari-am sem regulação e controle. Os céticos acreditam que os Estados continu-am sendo os responsáveis pelo gerenciamento da ordem e que ainda sãoentes soberanos. Na realidade, o desenvolvimento da internacionalizaçãodependeria da aquiescência e suporte estatais e, portanto, “governments arenot the passive victims of internationalization but, on the contrary, its primaryarchitects” (HELD et al., 1999, p. 6).

Um outro mito refere-se à suposta novidade resultante dos elevados níveis deintegração. Partindo de uma visão de cunho economicista, os céticos dizemque o alvoroço é infundado pois, há muito pouco de novo na internacionaliza-ção contemporânea. Tomando por base dados quantitativos, os céticos argu-mentam que o período do padrão-ouro apresentou níveis de internacionalizaçãoainda mais expressivos do que os alcançados atualmente. A pax britânica

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patrocinou o desenvolvimento do capitalismo moderno com a modernizaçãona industrialização capitalista e com sua política imperialista de livre-comér-cio e do padrão-ouro. Dessa forma, o processo atual de internacionalizaçãoseria apenas a retomada da tendência econômica mundial do século XIX,interrompida pelas duas grandes guerras do século XX.

A atual economia altamente internacionalizada tem precedentes: é umadas diversas conjunturas ou estados da economia internacional queexistiram desde que uma economia baseada na tecnologia industrialmoderna começou a ser generalizada a partir dos anos 1860. Em cer-tos aspectos, a economia internacional atualmente é menos aberta eintegrada do que o regime que prevaleceu de 1870 a 1914 (HIRST;THOMPSON, 1998, p. 15).

No entanto, os defensores desta tese não negam que houve mudanças. En-tão, o que a integração de nossos dias introduz de novo e por que provocatantas polêmicas? A integração econômica antes de 1914 era ‘superficial’(shallow integration). Havia comércio entre Estados com firmas independen-tes (arms’s lenght) e movimentos internacionais de portfólio. Significava, por-tanto, uma internacionalização ou simples extensão de atividades econômicaatravés de fronteiras nacionais. A integração atual é profunda (deep integrati-on). Envolve não apenas a internacionalização – extensão geográfica de ati-vidades econômicas através de nações -, mas principalmente a integraçãofuncional dessas atividades dispersas internacionalmente (DICKEN, 1998).

Um outro mito tem a ver com as empresas transnacionais. Segundo Hirst eThompson (1998, p. 15), as empresas genuinamente transnacionais são ra-ras. Na realidade, estas empresas possuem forte base nacional, de forma queo que realmente existe são empresas nacionais com atuação no exterior.

Pelo próprio caráter de suas idéias, os céticos são bastante críticos dos hiper-globalistas. Um ponto de inflexão entre as duas teses é a questão da regiona-lização. Ao contrário de interpretar a globalização como um processo quepromove a integração e unificação, os céticos chamam a atenção para osprocessos de regionalização, entendidos como um movimento oposto ao daglobalização. Para os céticos, as tendências de formação de blocos acabampor criar zonas de isolamento, e não de integração. Além disso, eles tambémnão acreditam em cultura e governança globais; uma vez que o ressurgimen-to de nacionalismos e conflitos étnicos contradizem a idéia de homogeneiza-ção cultural.

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O desenvolvimento capitalista teria centralizado ainda mais o poder nas mãosde poucos, de forma que algumas empresas e Bancos Centrais seriam res-ponsáveis pelas principais decisões. A internacionalização econômica e asiniciativas de governança global seriam projetos ocidentais para manutençãodo status quo. O objetivo principal seria o de manter a primazia do Ocidentena condução das questões internacionais. Isto é, o estado das coisas não éapenas resultado do mercado globalizado, mas está acompanhado de umdesígnio de hegemonia internacional.

Em suma, os céticos concordam que houve aumento qualitativo e quantitati-vo do nível de interdependência econômica e crescimento do alcance da eco-nomia na escala mundial, mas não globalização. A maior parte das teses quesustentam a globalização são extremadas, apenas mitos que visam sustentara expansão capitalista aos moldes ocidentais.

4 A TESE TRANSFORMISTA

Para os transformistas, uma nova fase do capitalismo se iniciou ao final doséculo XX. Esta nova etapa caracteriza-se pela dificuldade em distinguir oslimites entre arena doméstica e internacional, pelas transformações na políti-ca internacional e pela mudança no poder estatal. Como força motriz destastransformações está a globalização.

Partindo de uma abordagem de cunho histórico, os transformistas interpre-tam a globalização como uma poderosa força de transformação responsávelpor mudanças nas mais diversas áreas – sociais, políticas, econômicas, cul-turais, entre outras – e, por conseguinte, na própria ordem internacional. Aglobalização seria um processo de longo prazo e cheio de contradições. Con-tradições porque empurra as sociedades para direções opostas, fragmenta eintegra, leva à cooperação mas também ao conflito, universaliza ao mesmotempo em que particulariza. Porque não possui precedentes históricos, nãose sabe como será o futuro. A trajetória das transformações globais seria,portanto, indeterminada e incerta (ROSENAU apud HELD et al., 1999, p. 14).

Ao contrário da tese hiperglobalista, que aponta para a tendência do nasci-mento de uma sociedade e economias globais, os transformistas acreditamno surgimento de uma nova estratificação internacional em que alguns sãoincluídos e outros marginalizados. Esta nova arquitetura internacional deve-se, em parte, à crescente substituição da produção pelas atividades financei-ras como finalidade da atividade econômica.

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Com relação ao impacto da globalização sobre o papel do Estado, o argu-mento central da tese transformista é o de que a globalização está reconstitu-indo ou reformulando o poder, as funções e a autoridade dos governosnacionais. Não quer dizer, como os hiperglobalistas defendem, que os Esta-dos tenham perdido sua soberania. Nem como os céticos, que acreditam queo Estado esteja intacto. A autoridade estatal está, na realidade, justaposta,em diferentes graus, com a jurisdição das instituições de governança interna-cional e com os constrangimentos e obrigações provenientes de regimes eacordos internacionais (HELD et al., 1999, p. 8) (...) globalization is aboutopportunities arising from reorganizing governance, the economy, and culturethroughout the world. (...), the pressures of globalization threaten, but do notdissolve the Westphalian interstate system, opening up possibilities for morevigorous political participation at nonstate levels (MITTLEMAN, 1997, p. 237).

Junto à arena internacional, o Estado tornou-se mais pró-ativo. É comumEstados participarem de alianças de cooperação internacional e atuarem naformação de regimes internacionais com o objetivo de melhorar a governabi-lidade global. No entanto, sua própria estrutura e forma de atuação no ambi-ente doméstico também foi alterada. Uma série de estratégias de ajustes,reformas e de remodelamento da atuação estatal foram empreendidas demaneira a adequar o cenário intra-estatal às mudanças em curso no cenáriointernacional - por exemplo, as iniciativas de liberalização econômica, dedesregulamentação financeira e de privatização.

São dois os pontos centrais a serem considerados. O primeiro diz respeito aosurgimento de novas organizações que não estão associadas aos Estados etampouco obedecem aos limites territoriais. Os desenvolvimentos em tecno-logia e comunicações deram suporte à emergência de novas formas de orga-nizações políticas e econômicas capazes de agir transnacionalmente; taiscomo multinacionais, movimentos sociais, agências de regulação internacio-nal, entre outras. Assim, a ordem mundial não poderia mais ser concebidacomo estadocêntrica ou governada apenas por Estados.

Um segundo ponto relevante é a existência de sistemas globais complexosque ligam as economias nacionais, em diferentes áreas, ao redor do mundo.As fronteiras entre interno e externo, doméstico e internacional, estão confu-sas. A concepção de soberania como absoluta, indivisível e territorialmentedefinida teria se tornado problemática no mundo globalizado. Ou seja, asrelações entre soberania e territorialidade estariam mais complexas.

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No longer is the world organized into a set of discrete sovereign statesexercising a large (though never complete) degree of control over theirdomestic economies. Globalizing patterns add new complexity to whatis quintly called international relations; they transcend, blur, and evenredefine territorial boundaries (Mittleman, 1997, p. 229).

Concluindo, para os transformistas, a globalização é produto de uma combi-nação de forças que provoca níveis de interconexão sem precedentes históri-cos. As transformações provocadas por esse processo são visíveis tanto nacomposição da política internacional, quanto também na reformulação daspolíticas e estruturas internas do Estado. O sistema internacional globalizadonão só deixa evidente que muita coisa mudou, mas provoca e requer quetodo o resto mude também.

5 CONCLUSÃO: A OPÇÃO POR UMA TESE

A exposição destas três teses nos apresenta as diferentes visões sobre aglobalização. Está evidente que, dependendo de qual escola for utilizada comoponto de partida, teremos diferentes interpretações de um mesmo problema.Desta forma, é importante que esteja claro o objetivo de um argumento paraque se opte por aquela corrente que melhor sirva à análise em questão. En-fim, a análise que realizamos sobre a globalização lembra uma máxima sobreo estudo das relações internacionais: que não há apenas uma verdade, masmuitas interpretações sobre um mesmo fato.

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O ENSINO INTERDISCIPLINAR

EDUARDO JOSÉ PINHEIRO *

* Contador, Mestre em Educação, Especialista em Planejamento Educacional e Controladoria.Professor do Curso de Contabilidade da UVVe-mail: [email protected]

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RESUMO

O mundo é interdisciplinar, portanto não se admite, nos dias de hoje um pen-samento alheio a esta tendência. A globalização é um fato marcante em nos-sa época; estamos interligando mercados, alargando fronteiras, expandindohorizontes na cultura e nos negócios, e esta é a nova visão do ensino. Intera-gir com as diversas áreas do conhecimento, preparar um profissional hábil,capaz, com visão de mundo, ou seja, interdisciplinar, em consonância com oque o mercado exige atualmente, é tarefa da educação. A interdisciplinarida-de tem sido uma busca constante dos educadores, e sua relação com o ensi-no, principalmente o de terceiro grau, é uma realidade. Por meio de publicações,artigos e pesquisas acadêmicas, este tema vem se desenvolvendo rapida-mente.

Palavras-chave: Interdisciplinaridade; interação de conteúdos.

ABSTRACT

The world is interdisciplinary, therefore any thought that doesn’t take thistendency for granted cannot be admitted in the present days. The globalizationis an outstanding fact nowadays; we are interlinking markets, enlarging borders,expanding horizons in culture and in business and, this is the new vision ofteaching. Interacting with the several areas of knowledge, as well as preparinga skilled, capable, and visionary professional, with a good backgroundknowledge and interdisciplinary vision, and able to satisfy the conditions thatthe market presently demands, is an important task of Education. Theinterdisciplinarity has been a constant search for educators, and its relationshipwith university teaching is real. Through out publications, articles and academicresearches, this theme has been evolving very quickly.

Keywords: interdisciplinarity; subject interaction.

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1 INTRODUÇÃO

Atualmente, na vida acadêmica universitária, é comum haver debates sobreas questões relacionadas à interdisciplinaridade. Isso porque o homem sedeu conta de que seu conhecimento é adquirido de forma fragmentada, empequenas partes, sobretudo devido ao fato de as disciplinas estudadas seremofertadas separadamente.

Há muito tempo, nas universidades, as disciplinas são ensinadas de formaisolada e se tornaram praticamente incomunicáveis. Essa fragmentação dis-ciplinar fez com que o homem perdesse de vista a unidade do todo. Santomé(1998, p. 45-46) argumenta que

... a delimitação das respectivas fronteiras é uma disputa existente emmuitas áreas do conhecimento. São cada vez mais numerosas as es-pecialidades que disputam entre si por âmbitos de intervenção profissi-onal, porque esta ou aquela parcela de conhecimento ou ação lhespertence exclusivamente.

Dentro de cada área de estudo existem subdivisões, assim, cada conteúdopassou a ser desenvolvido por um especialista naquele determinado tipo deconhecimento. Cada especialista argumenta que sua área de atuação é amais importante e, por este motivo, não destina nenhum tipo de atenção aoutras áreas, mesmo porque não é sua especialidade e demandaria um certoesforço tentar unir tais conhecimentos.

Um curso superior, normalmente, é concluído em quatro ou cinco anos e emcada especialização, temos uma coordenação que divide o conhecimento poráreas, tornando-as estanques, cada uma com seu professor. Em geral existepouca, ou mesmo nenhuma interação, o que torna as disciplinas praticamen-te incomunicáveis.

O aluno ainda é tratado, na maioria das vezes, como sujeito passivo no pro-cesso ensino-aprendizagem; está à mercê de seus professores e recebe oconhecimento de várias disciplinas ao mesmo tempo, como se para isso fos-se usado um conta-gotas. No decorrer desse processo, alguns alunos maisinteligentes e capazes terão competência para associar as idéias recebidas,construindo um elo entre as disciplinas, identificando a importância de cadaparte no todo apresentado. A grande maioria, no entanto, não será capaz deestabelecer tais correlações.

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Estamos diante de um problema que foi identificado por estudiosos há algumtempo; mas como resolvê-lo?

A interdisciplinaridade surge a partir destes pressupostos e propõe uma novaforma de ensino, mais aberto, contextualizado, flexível, solidário e crítico,dando forma a um novo tipo de pessoa que, com certeza, atenderá às expec-tativas da sociedade.

2 INTERDISCIPLINARIDADE

Luck (2000, p. 13) diz que “o processo civilizatório e de humanização está emcontínuo movimento, daí por que, de tempos em tempos, surgem novas idéi-as-força, novos conceitos que, não apenas representam esse movimento, mastambém servem para impulsioná-lo”.

Essa interdisciplinaridade é uma dessas idéias-força, visto que esse ensinofragmentado levou o homem a se tornar um especialista. O estudo fragmenta-do do ensino formou, na universidade, vários departamentos, cada qual isoladocom sua ciência, e essa totalmente decomposta. O conhecimentoprofissionalizante é diluído em disciplinas, não existe a preocupação em relaci-oná-las e muito menos formar um elo entre as várias especialidades. O mundomoderno exige uma pessoa polivalente, com conhecimento global, de fácilintegração no meio social e preparado para o aprendizado dinâmico e continuado.Vejamos como a interdisciplinaridade é vista por diversos autores.

Segundo Rodriguez (1999, p. 2), “é um processo e uma filosofia de trabalho, éuma forma de pensar e de proceder para enfrentar o conhecimento da com-plexidade da realidade e resolver quaisquer dos complexos problemas queestas propõem.” Para esse autor, a integração das ciências nas escolas semanifesta mediante uma condição didática que permite cumprir o princípio dasistematicidade do ensino, ao mesmo tempo que assegura a interação entreos conteúdos das diferentes disciplinas que integram a grade curricular dauniversidade. A interdisciplinaridade neste caso é muito clara e, se utilizadasistematicamente, influirá na formação do aluno conhecedor dos problemas,pronto para atuar na sociedade e até mesmo para modificá-la. Essas relaçõesinterdisciplinares são uma via efetiva e contribuem para a relação mútua dossistemas de conceitos, leis e teorias de diversas áreas que são abordadas nasuniversidades.

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Um dos objetivos da educação é formar um indivíduo de que a sociedadeatual necessita. Requer convicção e espírito de colaboração das pessoas par-ticipantes do processo e, acima de tudo, organiza o ensino, dando ênfase àinvestigação, para criar modelos mais explicativos da complexa realidadeque o enfoque disciplinar nos oculta.

Segundo Nogueira (1998, p. 26), “interdisciplinaridade é o trabalho de integra-ção das diferentes áreas do conhecimento. Um real trabalho de cooperação etroca, aberto ao diálogo e ao planejamento.” Concordamos com esse conceito,uma vez que somente desenvolveremos a interdisciplinaridade com diálogoentre professores, alunos, coordenadores e gestores de todo o processo deensino aprendizagem, formando uma equipe com objetivo claro de integração.Para que isso ocorra é necessário um planejamento consistente e contextuali-zado, iniciando-se no currículo e se estendendo até a aula do dia-a-dia.

Com planejamento interdisciplinar, através do diálogo e da troca de experiên-cia, elementos fundamentais a esse tema, teremos a garantia de um sistemageral de conhecimentos e habilidades, tanto no caráter intelectual como noprático, assim como um sistema de valores e convicções para um mundo reale objetivo. Um ensino assim planejado propiciará ao estudante uma formaçãoque lhe permitirá preparar-se para a vida social e profissional.

Japiassu (1976, p. 76) exemplifica: “...a interdisciplinaridade se caracterizapela intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de integraçãoreal das disciplinas... ”Para que ela ocorra, precisamos de uma coordenaçãoatuante, que busque essa integração entre o corpo docente e discente, a fimde que juntos trabalhem a relação existente entre as disciplinas, integrandoos objetivos propostos no planejamento e propiciando o intercâmbio entretodos os envolvidos no processo.

A metodologia interdisciplinar é um dos pressupostos básicos utilizados peloautor para trabalhar o tema; somente ocorrerá essa interação entre as disci-plinas se houver uma maneira coerente e sistematizada de colocar em práti-ca essa questão. Que recursos utilizar? Em que condições serão estudadasas relações e inter-relações das disciplinas? Como tornar essa proposta viá-vel? São algumas das questões a que a metodologia deve responder. “A inter-disciplinaridade é uma questão de mudança de atitude, encontrada nas pessoasque pensam o projeto educativo, e não de simples unificação ou criação deconteúdos, disciplinas, métodos” (FAZENDA, 1995).

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A busca da substituição do modelo fragmentado de ensino existente forçaessa mudança de atitude nas pessoas envolvidas com a educação, tornando-as mais críticas, observadoras e comprometidas com o processo ensino-apren-dizagem.

Inicia-se uma nova postura profissional preocupada com o que se vai ensinare como ensinar; utilizam-se vários métodos, tornando o ensino mais atraentee motivador, dando vez ao aluno de participar ativamente, aproveitando suasexperiências e interagindo conhecimentos. Se as pessoas que participam deum projeto deste nível não assumirem uma postura interdisciplinar, as chan-ces de êxito são escassas.

No ensino, a interdisciplinaridade é vista de vários modos, como a correlaçãoentre as diversas disciplinas que, vinculadas entre si ou em relação de depen-dência, possibilitam um nível de integração através de temas, tópicos e idéiasque permitam integrar conteúdos ou atividades diferentes. Neste caso, a dis-ciplina passa a um segundo plano e a idéia integradora é a predominante.

Essa interdisciplinaridade, vista como uma questão de vida prática, diária,não aborda a disciplina de forma tradicional, e sim recorre a uma vivência doaluno e sua compreensão da realidade a que pertence, oferecendo uma novainteração como forma de investigação sobre o que interessa ao próprio estu-dante. Nessa forma, a investigação se vê como um recurso para o desenvol-vimento do currículo e não como uma disciplina ou uma atividade a mais. Osproblemas e objetivos a investigar, quem os decide é o próprio aluno.

Assim, o ensino interdisciplinar é associado ao desenvolvimento pessoal, atu-ando na construção da personalidade, fazendo com que as atitudes sejamflexíveis, comprometedoras e sensíveis em relação ao objetivo de interagirconhecimentos.

Fazenda (2000, p. 44-45) nos alerta: “Se estamos, ou queremos viver na edu-cação um momento de alteridade (como construção/produção de conheci-mento) é fundamental que o professor seja mestre, aquele que sabe aprendercom os mais novos [...]. Conduzir sim, eis a tarefa do mestre”. O professor,nesse processo interdisciplinar, é a figura mais importante. Seu comprometi-mento está diretamente ligado ao êxito de qualquer programa, portanto, quandose fala em projeto interdisciplinar, antes de tudo devemos sensibilizar os do-centes e capacitá-los para esse trabalho.

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Santomé (1998, p. 73) define

A interdisciplinaridade propriamente dita é algo diferente, que reúneestudos complementares de diversos especialistas em um contexto deestudo de âmbito mais coletivo. [...] Aqui se estabelece uma interaçãoentre duas ou mais disciplinas, o que resultará em intercomunicação eenriquecimento recíproco e, conseqüentemente, em uma transforma-ção de suas metodologias de pesquisa, em uma modificação de con-ceitos, de terminologias fundamentais, etc. Entre as diferentes matériasocorrem intercâmbios mútuos e recíprocas integrações; existe um equi-líbrio de forças nas relações estabelecidas.

O aluno do ensino interdisciplinar tem capacidade para solucionar problemasque ultrapassam os limites de uma disciplina, sua visão de mundo é globali-zada e, em seu pensamento, as matérias estão interligadas.

A motivação também é outro fator importante nessa forma de ensino. Qual-quer problema tem sua importância em relação ao conhecimento prévio doaluno; isso faz com que ele transforme cada situação em objeto de estudo.

Podemos representar graficamente a interdisciplinaridade desta forma:

Figura 3 – Representação gráfica da interdisciplinaridade

Fonte: Santomé (1998, p. 74)

Para o autor, a interdisciplinaridade será estabelecida à medida que a relaçãoentre as diferentes matérias venha a ocorrer durante o processo ensino-apren-

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dizagem e ele nos mostra, graficamente, como isso ocorre: deve existir umprojeto, um eixo transversal, um tema, tópicos, práticas ou até mesmo pes-quisas, como uma direção a seguir. A partir dessa direção norteadora, asdisciplinas interagem, os professores trabalham com um determinado objeti-vo, planejando conjuntamente, para atender ao pré-estabelecido pelo planointerdisciplinar. Esse plano deve seguir uma metodologia interdisciplinar queestabelecerá o caminho a seguir durante seu implemento. Desta forma, ainterdisciplinaridade, como representada no gráfico, poderá atender ao quetanto buscamos: o desenvolvimento do aluno dotado das novas habilidades ecapacidades exigidas pelo mercado globalizado.

3 A BASE DA INTERDISCIPLINARIDADE

Luck (2000, p. 64) diz que

Interdisciplinaridade é o processo que envolve a integração e engaja-mento de educadores, num trabalho conjunto, de interação das disci-plinas do currículo escolar entre si e com a realidade, de modo a superara fragmentação do ensino, objetivando a formação integral dos alunos,a fim de que possam exercer criticamente a cidadania, mediante umavisão global de mundo e serem capazes de enfrentar os problemascomplexos, amplos e globais da realidade atual.

No ensino, quando assumida uma postura interdisciplinar, deve-se iniciar ostrabalhos pela base, ou seja, pelo currículo, que estabelecerá os objetivos edisciplinas propostas para o curso, desenvolvendo nos profissionais habilida-des e competências de acordo com as expectativas do mercado.

Cada professor deve trabalhar de acordo com os objetivos propostos para ocurso, para os anos, semestres, disciplinas e, por fim, das aulas. Isso implicauma metodologia consistente e um planejamento prévio e interativo.

Esse pensamento explica o plano de curso, plano de disciplina e o mais im-portante, o plano de aula, onde os professores devem atuar conjuntamente,buscando as relações existentes em suas disciplinas.

O currículo é definido por Addine (2000, p. 2) como:

É um processo de ensino que forma estudantes mediante a transfor-mação de valores, conhecimentos e habilidades [...]. Os elementos que

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intervêm no currículo são: pessoas (os alunos e professores funda-mentalmente); as tarefas (as oportunidades de aprendizagem, organi-zação das áreas, materiais, projetos, etc.); a administração (aplanificação, organização, direção e controle de desempenho das pes-soas que realizam as tarefas).

Um currículo moderno depende desses elementos citados pelo autor, bemcomo não se admite elaborar um currículo sem ouvir as partes operacionaisdo processo, ou seja, as pessoas diretamente interessadas na mudança, poiselas garantirão o sucesso do plano e, conseqüentemente, do ensino. O currí-culo é desenvolvido para elas que, por esse motivo, devem ser parte inte-grante do processo.

O coordenador e os professores devem estar atentos à organização das áre-as, estabelecendo elos entre as disciplinas, formando um grande conjuntointerativo, visando sempre ao conhecimento global. Projetos devem ser tra-balhados ao longo do processo, mantendo uma visão interdisciplinar, propici-ando ao aluno uma aprendizagem elaborada, com objetivos bem definidos.

Cabe aos administradores o controle de todo o processo: estipular prazos,verificar a qualidade do produto e, principalmente, oferecer condições de tra-balho para as pessoas que estiverem envolvidas na elaboração desse currí-culo, sem nunca intervir na área pedagógica.

Segundo Weber (2000, p. 13), o currículo também deve ter “fundamentosepistemológicos – trata-se da construção do conhecimento [...] o que pensaser o conhecimento e como ele é adquirido.” Nesse momento deve-se definirqual é a linha pedagógica.

Após pesquisa sobre as teorias de aprendizagem chegamos à conclusão deque teremos grande possibilidade de êxito no trabalho interdisciplinar se ado-tarmos o paradigma Sociocultural ou Dialético Materialista de Lev Semenovi-ch Vygotsky. Para Vygotsky (1998), o conhecimento se desenvolve atravésda interação dialética sujeito e objeto, onde se estabelece uma relação deinfluência recíproca entre eles. A aprendizagem do sujeito transforma o obje-to (a realidade).

Nesse ensino interdisciplinar, o currículo deve, sempre que possível, estabe-lecer trocas entre as matérias, entre os especialistas, na busca de integraçãoreal do aluno, professor, disciplina e a sociedade, com vistas a um ensino

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criativo, inovador, que se desenvolverá através do crescimento de todo ogrupo, construindo uma nova parceria professor-aluno-aprendiz.

É imprescindível o engajamento dos professores no processo. Eles são osespecialistas das diversas áreas que contribuem para a organização dessecurrículo escolar, que aborda o planejamento dos programas, a metodologia,os recursos a serem utilizados e o principal, a relação entre as disciplinas queirá determinar uma forma de trabalhar essa integração.

4 CONCLUSÃO

A interdisciplinaridade no Brasil é estudada desde o final da década de 60,portanto, ainda é uma idéia relativamente nova, mas sua essência é funda-mental para que haja desenvolvimento unificado.

O currículo escolar deve ser preparado de forma a estimular o intercâmbioentre as disciplinas, traçando objetivos e desenvolvendo programas de cursoe de aulas que venham a atender às expectativas interdisciplinares.

Deve ser claro em adotar uma corrente de pensamento e disseminar entretodo o corpo docente essa postura adotada, preparando-o através de cursos eseminários para mudanças de conceitos e quebra de paradigmas, pois osprofessores serão os agentes de mudança deste novo pensar e cabe a eles amaior parte de compromisso nesta nova postura.

Esse currículo, essa integração, esse comprometimento e esse diálogo sãoas bases para que ocorra o ensino interdisciplinar.

Essa aprendizagem interdisciplinar pode ser alcançada por meio de tudo issosobre que tentamos discorrer ao longo deste artigo e, principalmente, do estu-do de novas técnicas de ensino, de novas teorias e das pesquisas é queteremos sucesso nessa empreitada difícil, porém não impossível.

E temos certeza de que a instituição que tem maior condição atualmente paradesenvolver e patrocinar estudos e projetos interdisciplinares é a universida-de, com seu quadro de professores, mestres e doutores, prontos para pesqui-sar esse tema de tamanha importância na atualidade.

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A IMPORTÂNCIA DAS VARIÁVEIS DO SISTEMADE MARKETING EM DISTRIBUIÇÃO FÍSICA NO PÓLO

DE CONFECÇÕES DA GLÓRIA-ES

* Mestre em Administração Estratégica pelo CEPEAD-UFMG, professor e coordenador dos cursosde Graduação e Pós-Graduação em Marketing do Centro Universitário Vila Velha.

RENATO MIRANDA *

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RESUMO

É primordial para as organizações que desejam atuar de forma competitiva emseus mercados entender o sistema de marketing como um conjunto de açõesestratégicas que, para alcançarem resultados satisfatórios, precisam definir seuposicionamento. E não se pode conceber posicionamento sem uma avaliação domarketing mix. Somente a partir de um estudo individualizado de cada elementodo composto de marketing é que as empresas poderão definir suas estratégiasmercadológicas. Tal reflexão encontra maior solidez quando se analisa um setoraltamente dinâmico como o setor de modas, em um pólo industrial que busca suaverdadeira vocação e foco. Dessa forma, tomando-se a distribuição física comoobjeto de estudo, fez-se uma investigação junto aos empresários do pólo deconfecções da Glória, no município de Vila Velha, com o objetivo de se analisar aimportância das variáveis de marketing nas decisões em distribuição física. Comoresultado da pesquisa, destacaram-se como mais importantes as variáveis ambi-entais. Assim, economia, competitividade, cultura, tecnologia e ambiente legalsão considerados como mais importantes, na perspectiva dos empresários pes-quisados, em suas decisões em distribuição física.

Palavras-chave: Canais de Marketing; Estratégia; Posicionamento; Vendapor atacado; Venda varejista

ABSTRACT

The most important thing to the organizations which aim to act in a competitiveway in their markets is to understand the marketing system as a joint of strategicactions that, in order to obtain satisfactory results, should define their attitudetowards objectives based on the marketing mix evaluation. The companiescan only define their marketing strategies after a single study of each elementof the marketing mix. This thought becomes more clear when we examine ahighly dynamic sector as the fashion one, in an industrial pole that searches itsreal focus and vocation. Baring these in mind and having the physical distributionas our study subject, an investigation was carried out with the businessmen ofthe Glória’s Industrial Pole, in Vila Velha city, to analyse the importance of themarketing variables in the decisions concerning physical distribution. As aresult of the research, the environmental variables proved to be the mostimportant. So, economy, competitivity, culture, technology and legalenvironment are considered as the most important, according to the researchedbusinessmen’s vision, in their marketing channel decisions.

Keywords: Marketing chanel; Positioning; Retailing; Strategy; Wholesale

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1 INTRODUÇÃO

O que se pretende com o presente estudo é focar um dos elementos do com-posto de marketing, a distribuição física, numa perspectiva de posicionamen-to estratégico em relação ao ambiente empresarial. Para o desenvolvimento,tomou-se o setor de confecções, de característica bastante heterogênea emseu modo de produção, empregando processos antigos de manufatura e bai-xa qualificação pessoal. Observa-se ainda que se trata de um setor de baixasbarreiras a entradas, o que permite a abertura de novas organizações sem odevido conhecimento do setor, no caso, o de confecções.

Situado no bairro da Glória, município de Vila Velha, Espírito Santo, o pólo deconfecções faz parte de um setor que atende apenas ao pequeno mercadointerno capixaba (apenas 1,7% do mercado nacional) e que precisa, portanto,se reestruturar para atender a novos mercados. E, quando se analisa expan-são de mercado, é impossível deixar de lado o tema distribuição física. As-sim, este estudo preocupou-se em indagar aos empresários, que compõem opólo de confecções citado, como estão fazendo seus produtos chegarem atéaos consumidores e que importância eles dão aos fatores que precisam seranalisados antes de se decidirem por uma estrutura de canal.

Durante os últimos cinqüenta anos, período em que as organizações precisa-ram “acordar” para a prática do marketing integrado, a distribuição física sem-pre foi tratada pelo velho jargão do “produto certo, no lugar certo, na hora certa”.Esse período foi marcado por uma maior atenção da área de marketing aosdemais elementos do mix, deixando para a distribuição física poucas atribuiçõesconsideradas estratégicas. Foi, no entanto, com o surgimento do comércioeletrônico, que a distribuição física marcou definitivamente seu papel altamenteestratégico nas organizações. A mudança nas relações de compra e vendaacabou trazendo grandes desafios e oportunidades. A velocidade com que asofertas chegam até os consumidores e a rapidez com que os pedidos sãoprocessados se chocam com as dificuldades que as empresas encontram ematender às entregas nos quatro cantos do mundo. Conclui-se, então, que osgrandes desafios estratégicos de marketing, nesse fim de século, convergemem grande parte para a distribuição física e para os serviços ao consumidor.

Analisando-se sob a perspectiva empresarial, o que justifica o presente estu-do é que o setor poderá dispor de uma análise do posicionamento estratégicodos empresários quanto aos fatores que levam em consideração, quandopensam em definir a maneira pela qual farão com que seus produtos che-guem até aos consumidores finais. Já sob a perspectiva acadêmica, a contri-

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buição será nas áreas de Marketing, Administração e, principalmente, nasque desejam concentrar estudos em posicionamento mercadológico de mi-cro e pequenas empresas.

Tem-se, portanto, um cenário propício para uma investigação, cujo problemaé descobrir como o sistema de marketing tem influenciado os empresários dopólo da Glória quanto às suas decisões em distribuição física. Parte-se entãode algumas premissas quanto às mudanças ambientais, quanto às formas dedistribuição e, principalmente quanto ao grau de importância dos fatores deci-sivos na escolha de um canal de distribuição.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Para que se possa entender o marketing atuando em uma organização comoum sistema estruturado, é preciso que antes se considere a própria empresacomo um sistema que tem como principal objetivo gerar satisfação. Conside-rando-se apenas as organizações com fins lucrativos, todo um processo édesenvolvido buscando atender a mercados (tanto consumidores quanto or-ganizacionais) em troca de valores que lhes propiciem lucros.

Quanto aos elementos de um sistema de marketing é necessário considerarque funcionam de maneira integrada e interdependentes. Assim, o papel dofornecedor é garantir que os produtos sejam ofertados em variedades e quan-tidades suficientes para atender às demandas do cliente. O fabricante, porsua vez, é o responsável por todo um processo de atendimento ao mercado.Primeiro, coletando as informações disponíveis e traduzindo as carências dospotenciais compradores em projetos de novos produtos. Em seguida, trans-formando esses projetos em produtos acabados e cuidando para que possamser adquiridos pelos consumidores. Há ainda os intermediários que, por meiode seus contatos, experiência, especialização e escala de operação, reduzemo esforço dos fabricantes na disponibilização de produtos e serviços aos mer-cados consumidores. Finalmente, surgem os consumidores, razão de ser deuma organização a partir do momento em que buscam constantemente en-tender as razões que os levam a consumir seus produtos e serviços. Quandose analisa o pólo da Glória, o elemento do composto de marketing que maisse destaca como ponto estratégico de diferenciação é a distribuição. Ao mes-mo tempo em que se configura como um benefício aos consumidores finaisencontrar um grande número de lojas nas quais a variedade e os preços cons-tituem diferenciais, os empresários têm a opção de atuar também como ata-cadistas, devido ao desenvolvimento industrial da região.

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Um outro fator relevante são as características dos intermediários, conside-rando-se o papel que eles devem cumprir. A estrutura da distribuição, umavariável incontrolável do marketing, difere bastante não só de região pararegião, como também do perfil dos empreendedores que estão à frente donegócio. De acordo com Kotler (1993, p. 599) “...geralmente, os intermediári-os diferem em suas atitudes para lidar com promoção, negociação, estoca-gem, contatos e crédito”.

Quando uma empresa decide por um determinado canal de distribuição, umadas primeiras preocupações é saber que funções espera que ele desempe-nhe. É importante, por exemplo, saber se as características do produto exi-gem uma estrutura de armazenamento e transporte específicos ou, quemsabe, se há necessidade de uma equipe de vendas com amplos conhecimen-tos das características e dos benefícios do produto. Se o mercado, pelas suaspeculiaridades, exige uma forma de financiamento das compras, então é im-portante a análise da capacidade financeira do intermediário para evitar sur-presas. Contudo, a principal função de um canal é reduzir as discrepânciasque existem entre a produção e o consumo final de um determinado produtoou serviço. Portanto, com base nas funções exigidas, a empresa decide porum canal curto, pelo qual o fabricante vende e entrega diretamente aos con-sumidores, ou por um canal longo, pelo qual um maior número de agentes(atacadistas, intermediários e varejistas) respondem pela disponibilização deprodutos e serviços aos consumidores.

Além disso, é preciso definir em que nível ou níveis de canais a organização iráatuar. Conforme Kotler (1993), quando uma empresa fabricante vende seusprodutos diretos ao consumidor final, trata-se de um canal nível zero; quandousa um varejista como intermediário, passa a ser um canal de um nível; jáquando seus produtos passam por um atacadista que posteriormente os distribuia um varejista que, por último, faz chegar ao consumidor, trata-se de um canalde dois níveis; e há o canal de três níveis que insere um atacadista especializadoou mesmo um agente/corretor entre o fabricante e o atacadista que se encarregade distribuir a um varejista que distribui ao consumidor final.

Sabendo-se que é imperativo para as organizações escolherem a melhor for-ma de fazer com que seus produtos cheguem até aos consumidores finais, épreciso agora que elas entendam quais são os fatores que podem afetar talescolha. De acordo com Rosenbloom (1999), os fatores que influenciam aescolha de um canal, estão inseridos em seis variáveis:

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a) Variáveis relativas ao mercado: incluem a localização, o tamanho, adensidade e o comportamento de compra.

b) Variáveis relativas ao produto: incluem o preço, o grau de padroniza-ção, o grau de tecnicidade, o grau de perecibilidade, o peso e o volume eo estágio do ciclo de vida.

c) Variáveis relativas à empresa: incluem o tamanho, a capacidade finan-ceira, a habilitação gerencial e os objetivos e estratégias.

d) Variáveis relativas aos intermediários: incluem a disponibilidade, oscustos envolvidos na escolha e a capacidade de prestar serviços.

e) Variáveis relativas ao ambiente: incluem ambiente econômico, ambien-te competitivo, ambiente sociocultural, ambiente tecnológico e ambientelegal.

f) Variáveis relativas ao comportamento dos intermediários: incluem adisposição do intermediário em atuar de acordo com as metas e os objeti-vos da organização, a capacidade do intermediário em entender as basespara uma liderança de canal, assegurando a clareza dos diferentes papéisdos membros do canal e evitando conflito e a disposição em facilitar ofluxo de informações necessárias às ações estratégicas de marketing.

3 METODOLOGIA DA PESQUISA

O tipo de pesquisa adotado para o presente estudo é a pesquisa exploratória.Segundo Mattar (1994, p. 84), “... a pesquisa exploratória visa prover o pes-quisador de um maior conhecimento sobre o tema ou problema de pesquisaem perspectiva”. Portanto, quando o pesquisador ainda não dispõe de conhe-cimentos suficientes a respeito de um determinado fenômeno, a pesquisaexploratória é a mais apropriada.

A unidade de análise são as indústrias que compõem o pólo de confecções daGlória, situado no bairro de mesmo nome, no município de Vila Velha, Espíri-to Santo. O pólo surgiu há 26 anos e desenvolveu-se muito mais pelo mo-mento econômico expansionista industrial por que passava a nação do quepelo fruto de um planejamento específico. A partir de 1986, passou por fasesde crescimentos rápidos e estabilizações. Hoje, 26 anos depois, muita coisamudou no pólo da Glória. Encravado em um quadrilátero entre as avenidas

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Jerônimo Monteiro e Carlos Lindemberg, bem próximo ao centro de Vila Ve-lha, o pólo, atualmente, é formado por um total aproximado de 1.400 estabe-lecimentos, com cerca de 1.200 lojas do setor de confecções e o restante deapoio, como bares, lanchonetes e restaurantes, e de outros setores, comocalçados, eletrodomésticos e móveis, gerando 15.000 empregos diretos. Noque se refere às indústrias, totalizam em torno de 700 empresas, sendo 450formais e 250 informais. É responsável por 35% do faturamento e 32% dototal de empregos gerados no Estado pelo setor de confecções.

Considerando-se o universo de 700 empresas, utilizou-se uma amostragemque, de acordo com Mattar (1994), nos permite, pela coleta de dados de al-guns elementos de uma população, analisar relevantes informações de todaa população. Assim, convencionou-se tomar oitenta empresas em uma amos-tra não probabilística intencional. A escolha ocorreu a partir da análise de trêsrelações complementares fornecidas por órgãos representativos da classe: oSindicato das Indústrias de Confecções do Estado do Espírito Santo (SIN-CONFEC), a União dos Lojistas da Glória (UNIGLÓRIA) e a Cooperativa dasEmpresas do Pólo de Confecções da Glória (COOPGLÓRIA). Do total dalista, foram tomadas , por conveniência, 80 empresas, representando váriaslinhas de produto, que incluiu 41 empresas da linha feminina, 11 da linhamasculina, 10 da linha jeans, 7 da linha surf wear, 7 da linha infantil e infanto-juvenil e 4 de outras tais como moda íntima e linha branca.

Para a coleta de dados, foi preparado um questionário semi-estruturado nãodisfarçado. Na primeira seção do questionário, foi feita uma breve apresenta-ção dos objetivos da pesquisa, inclusive garantindo aos respondentes a pre-servação de suas individualidades na análise dos dados.

Em seguida, foram apresentados seis itens de identificação da empresa. Naterceira parte, vieram as perguntas estruturadas centradas nas seguintes in-dagações: qual é o tipo de canal de distribuição adotado pelas indústrias dopólo? Foram apresentadas quatro opções (curto e direto, curto e indireto,longo e indireto e muito longo e indireto) com as respectivas explicações paracada um deles. A segunda pergunta focou o sistema de distribuição adotadopela empresa, com as alternativas “sistema convencional de marketing” (dis-tribuição por meio de intermediários independentes) e “sistema vertical demarketing” (distribuição com vínculo contratual). A última pergunta focou aimportância de algumas variáveis mercadológicas no processo de distribui-ção da empresa. Para ordenar as respostas, à frente de cada variável, foiapresentada uma escala de avaliação, denominada “escala Likert” (propostapor Rensis Likert em 1932) com seis opções, de um extremo “sem importân-

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cia” (1) até o outro extremo “totalmente importante” (6). Segundo Malhotra(1996), a grande vantagem de se utilizar a escala Likert, é que, uma vezestruturado o questionário, fica fácil para o entrevistado ler e entender cadauma das opções, facilitando, assim, a coleta dos dados que pode ser feita viapostal, via telefone ou pessoalmente. Nesse conjunto de opções, foram apre-sentadas 25 variáveis, divididas em seis blocos bem definidos de fatores in-fluenciadores nas decisões de canal de distribuição.

Para coletar os dados, foram utilizados quatro entrevistadores, alunos do Cursode Graduação em Marketing do Centro Superior de Vila Velha (UVV) devida-mente treinados e que realizaram as entrevistas nas dependências das em-presas.

4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

A análise dos dados foi feita com uso de estatística descritiva, pela média,desvio padrão e coeficiente de variação. A média, de acordo com Mattar(1994), é uma medida de tendência central e é aplicada exclusivamente avariáveis intervalares. Assim, tomou-se o resultado da média de cada umadas variáveis estudadas e aplicou-se o teste não-paramétrico de compara-ções de médias desenvolvido por Kruskal-Walis com o objetivo de comparar,a um determinado nível de confiabilidade, se existem diferenças significati-vas entre variáveis independentes. Isto porque, às vezes, uma média é repre-sentada por valores extremos e heterogêneos, não permitindo ao pesquisadoruma conclusão apenas pela média e pelo desvio-padrão. Com procedimen-tos metodológicos como esse, proporciona-se maior rigor e sofisticação aoprocesso de pesquisa, e não simplesmente a análise tabular de variáveisdiretamente coletadas dos entrevistados. Às vezes, uma média é representa-da por valores extremos e heterogêneos, não permitindo ao pesquisador umaconclusão apenas pela média e pelo desvio padrão.

Como procedimento para o presente estudo, definiu-se como hipótese nula(Ho), não haver diferenças entre os escores das n variáveis relativas ao siste-ma de marketing e a sua influência nas decisões de canal. O teste foi aplicadonos níveis de 1 e de 5% de significância e optou-se pela utilização dessametodologia de análise, uma vez que as variáveis foram mensuradas qualita-tivamente não sendo, portanto, normalmente distribuídas, o que impede aaplicação dos testes paramétricos. Após a aplicação do teste, constatou-seque a variável ambiente, quando comparada com as demais, foi a única queapresentou um escore superior à diferença mínima significativa (DMS), des-

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tacando-se, assim, como a variável de maior importância, rejeitando a hipóte-se nula.

Quanto ao perfil das empresas pesquisadas, em uma amostra por conveniên-cia, foram entrevistados dirigentes de 80 empresas, sendo grande parte fabri-cantes de confecções da linha feminina (58%) e os demais distribuídos entrelinha masculina, jeans, surf wear, infanto-juvenil e linha íntima e branca.

Quanto aos tipos de canais adotados pelos empresários, a pesquisa demons-trou que o tipo longo e indireto, ou canal de três níveis (KOTLER; ARMS-TRONG, 1999) é o predominante. Assim, fica claro que, quando os empresáriosdesejam fazer seus produtos chegarem aos consumidores finais, optam porrepassá-los a um atacadista que se encarrega de distribuí-los a um varejista,para, então, alcançar os consumidores. Em seguida, tem-se o canal de ape-nas um nível, no qual o fabricante opta por distribuir seus produtos diretamen-te aos consumidores finais, sem a participação de intermediários. No caso dopólo estudado, essa realidade prende-se ao fato de existir um grande númerode lojas chamadas de pronta-entrega, onde os consumidores podem adquirirprodutos a preços mais baixos, comprando-os na forma de atacado. Final-mente, poucos entrevistados utilizam-se dos canais de dois níveis (fabricantevendendo a verejistas que se encarregam de revender aos consumidores) e,numa proporção ainda menor, os canais de quatro níveis, que incluem a par-ticipação de agenciadores ou atravessadores entre o atacadista e o varejista.

A terceira informação, quanto ao perfil dos empresários do pólo, no que serefere à utilização de canais de distribuição, é o sistema de canal por elesadotados. Constatou-se que os empresários utilizam-se, quase totalmente,do sistema de distribuição independente. Significa, portanto, que poucas sãoas indústrias que se utilizam de um sistema contratual (como as franquias)para expandir suas vendas a mercados fora do Estado.

5 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

Para a conclusão deste trabalho, optou-se por uma descrição em três etapas.Na primeira etapa, descreveu-se de maneira objetiva o ambiente empresarialdo pólo de confecções da Glória, dando um panorama atual de seus princi-pais desafios. Na etapa seguinte, fez-se uma descrição do sistema e dos tiposde canais adotados pelos empresários pesquisados. Por último, fez-se umaleitura da importância das variáveis do sistema de marketing, na visão deempresários e dirigentes das unidades que compõem o pólo, nas decisões de

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canais. Assim, para a execução do presente estudo, foram estabelecidas trêspremissas, listadas a seguir, sendo apresentada para cada uma delas, o re-sultado da análise da pesquisa realizada.

Premissa 1: Quais foram as mudanças ambientais significativas para o póloda Glória?

Pode-se resumir o atual ambiente vivido pelos empresários do pólo da Glóriaem uma palavra: desafio. E não são desafios em uma só frente de batalha.Conforme relatado na metodologia deste trabalho, o pólo, que nasceu há qua-se trinta anos, conseguiu escrever sua história na economia do Estado doEspírito Santo. Acontece que, para conseguir a sobrevivência em um setortão dinâmico como é o setor de modas, é preciso saber conviver com o ines-perado, com os riscos e, sobretudo, com as mudanças ambientais.Dessa for-ma, quando se analisa o ambiente externo, pode-se constatar que, se, por umlado, os fabricantes do pólo se orgulham de gerar 12.000 empregos diretos,entendem que não podem ficar restritos ao mercado capixaba que, em ter-mos de mercado de moda, é onze vezes menor que o interior do Estado deSão Paulo. Para enfrentar os desafios de uma competição em nível nacional,os empresários sabem que precisam de uma melhor estrutura organizacionalem todos os sentidos. Quando se analisa o quadro sob a perspectiva de con-corrência, conclui-se que os varejistas do pólo deverão enfrentar uma enxur-rada de 1.000 novas lojas nos próximos 18 meses, com a expansão do setorde shopping na Grande Vitória. Tal análise leva à conclusão de que os consu-midores estarão cada vez mais exigentes, principalmente no que se refere àatmosfera das lojas, mix de produtos e preços competitivos, já que a ofertaserá muito maior.

Assim, vivendo em uma economia em crescimento, o setor de confecçõesnão pode mais descuidar-se, uma vez que, com a chegada de novos investi-mentos de setores diversos no Estado, cresce a competição e os desafios deexpansão para além do Espírito Santo.

Premissa 2: De que forma os fabricantes do pólo da Glória estão fazendoseus produtos acabados chegarem até aos mercados consumidores?

Numa segunda etapa, quando se analisam os sistemas e tipos de canais ado-tados pelos empresários do pólo, conclui-se que o retrato é de indefiniçãoquanto aos objetivos do complexo empresarial estudado. Quase metade dosempresários pesquisados declara que opta por distribuir seus produtos pormeio de um canal longo e indireto, usando atacadistas e varejistas, quando

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atua fora da Grande Vitória. Por outro lado, a outra metade declara que vendediretamente aos consumidores finais, o que demonstra uma dificuldade emtermos de posicionamento estratégico do setor. Ora se declara um pólo volta-do a vendas varejistas e ora se opta por aumentar as vendas no atacado,buscando atrair sacoleiras e compradores lojistas.

Quanto ao sistema de canal adotado, a conclusão é que os empresários pos-suem uma grande dificuldade em utilizar o sistema vertical de marketing numsetor em que as ofertas de franquias caíram de 154 para 111, entre 1995 e1999 (ABF/Simonsen Associados). Note-se que o setor de franquias, no ge-ral, cresceu passando de 23.100, em 1995, para 46.500 em 1999, com umcrescimento de mais de 100%. Um dado que chama a atenção é que a procu-ra por franqueadores no setor de confecções tem aumentado desde 1998. Aslojas franqueadas passaram de 2.300 unidades em 1998 para 2.700 em 1999,segundo dados da Associação Brasileira de Franchising (ABF). Então, tem-se, de um lado, a diminuição de ofertas por parte dos franqueadores e, deoutro, o aumento da demanda com o aumento de lojas franqueadas.

Premissa 3: Qual é o grau de importância dos fatores decisivos na escolhade um canal de distribuição?

A terceira e última etapa da conclusão contempla o foco deste estudo e con-clui com a rejeição de Ho que, das variáveis estudadas, existe uma que émais importante na visão dos empresários do pólo, quando de suas decisõesa respeito de canais de distribuição. Aplicado o teste, foi constatado que umadas variáveis, ambiente, destacou-se das demais ao nível de totalmente im-portante, com 99% de confiabilidade. Assim, como conclusão de uma daspremissas, verifica-se um conjunto de empresários altamente preocupadoscom as mudanças ambientais que cercam o pólo de confecções da Glória,destacando-se o ambiente sociocultural e o ambiente legal. Sabe-se que, emse tratando de um setor altamente sensível às mudanças socioculturais, comoé o setor de modas, é amplamente justificável que os empresários estejamdando alta importância a esse fator ambiental.

Quanto às recomendações, o presente trabalho permitiu que se apresentas-sem as seguintes:

a) Nota-se um setor sem posicionamento estratégico quanto ao mercado-alvo. A primeira recomendação do presente trabalho é que se faça valer alei do foco. Quem não se posiciona quanto ao público-alvo a ser atendido

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dificilmente poderá ser excelente naquilo a que se propõe ofertar. O pólo,portanto, precisa ter bem claro seu core business.

b) A segunda recomendação decorre da primeira. Se o pólo deseja continuarsendo um centro que revenda tanto no atacado quanto no varejo, entãoprecisa de uma estrutura que atenda ao mercado escolhido. No caso dovarejo, por exemplo, é preciso que se melhore a infra-estrutura tanto daslojas quanto da urbanização, criando estacionamentos e banheiros públi-cos para melhor atender aos consumidores.

c) A terceira recomendação é quanto ao tipo de canal adotado. Sabe-se queo pólo precisa expandir suas vendas a outros mercados fora do EspíritoSanto. Então, a diversidade de tipos de canais a serem adotados é muitoimportante já que se trata de mercados para os quais um só tipo de canaldificultará a distribuição dos produtos.

d) Uma outra recomendação é quanto à especialização da equipe. Mesmosabendo que a maioria dos empresários diz que é importante possuir umaequipe bem treinada, quase sempre não se verifica tal atitude na prática.Os entrevistados mostram que dão importância a esse fator. Recomenda-se, portanto, que se planeje uma série de especializações voltadas aosetor.

6 REFERÊNCIAS

KOTLER, P. Administração de marketing : análise, planejamento, mplemen-tação e controle. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1993.

KOTLER, P.; ARMSTRONG, G. Princípios de marketing . Rio de Janeiro:LTC, 1999.

MALHOTRA, N. K. Marketing research : an applied orientation. 2nd ed. NewJersey: Prentice Hall, 1996.

MATTAR, F. N. Pesquisa de marketing : metodologia, planejamento, execu-ção e análise. São Paulo: Atlas, 1994.

ROSENBLOOM, B. Marketing channels : a management view. 6th ed. Or-lando: Dryden Press, 1999.

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O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONALE OS DIREITOS HUMANOS

CÉSAR AUGUSTO S. DA SILVA*MAYARA SILVA RODOLFO**

GERVÁSIO ANDREÃO JUNIOR**

* Mestre em Direito e Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina, professore pesquisador do curso de Relações Internacionais da UVV

** Estudantes e bolsistas do curso de Relações Internacionais da UVV

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RESUMO

O Tribunal Penal Internacional de Haia, na Holanda, foi criado por meio doEstatuto de Roma em 1998, pela ONU, para processar e julgar indivíduos quecometerem os crimes mais graves contra os direitos humanos. Este trabalhobusca analisar os processos internacionais que resultaram em sua criaçãobem como seu histórico e suas perspectivas para o futuro.

ABSTRACT

The International Criminal Court, in Haia, was created by the Rome Statute in1998 to punish the individuals who commited the worst crimes against humanrights. This article tries to analyse international procedures that resulted in itsorigin as well as its history and its perspective to the future.

1 INTRODUÇÃO

Estas reflexões visam estabelecer uma análise, ainda que breve, do recém-criado Tribunal Penal Internacional, estabelecido em Haia na Holanda, por meiodo Estatuto de Roma de 1998, que entrou em vigor em 2002, após sessentaratificações de Estados partes. Em busca do desenvolvimento de uma justiçapenal internacional, ele foi criado tendo em vista objetivos de estabelecer ummecanismo internacional de modo a condenar indivíduos que violem grave-mente os direitos humanos fundamentais, consagrados no próprio texto funda-dor do Tribunal bem como em pactos de direito internacional humanitário.

Em um primeiro momento serão analisados os antecedentes históricos e po-líticos da Corte Internacional, bem como as experiências pioneiras que aca-bariam por servir de paradigma para a instauração desse inédito tribunal. Oexemplo dos tribunais temporários de Nuremberg, em 1945, e Tóquio, em1946, assim como dos tribunais especiais da Organização das Nações Uni-das (ONU) para a ex-Iugoslávia e Ruanda, no início da década passada, sãode fundamental importância para compreender as motivações e o contextopolítico da criação do Tribunal Penal Internacional permanente ligado a ONU,no avanço do direito internacional humanitário e dos direitos humanos.

Em razão da maior importância e destaque que alcançaram as experiênciasdo julgamento dos nazistas criminosos de guerra em Nuremberg, ao final daSegunda Guerra Mundial, assim como dos povos que compõem o Estado

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iugoslavo, na crise da ex-Iugoslávia ao final do século passado, optou-se porperquirir mais detalhadamente somente estes casos para chegar-se aos fun-damentos da gênese da Corte Internacional Penal de Haia.

Após o estudo da questão balcânica e da conseqüente instalação do Tribunalda ONU para a Iugoslávia, num complexo conflito milenar envolvendo princi-palmente sérvios, croatas, kosovares e bósnios, em um verdadeiro mosaicode nações que compunham o Estado iugoslavo, finalmente será analisado oTribunal Penal propriamente dito, em suas limitações e avanços, tentando-seenfocar os aspectos positivos do refinamento da lei internacional de uma Corteque será permanente, tendo jurisdição sobre indivíduos, que então poderãoser responsabilizados por atos de horror contra outros indivíduos de maneirauniversal, sem poder se esconder sob o manto da soberania absoluta dosEstados, um dos cânones do direito internacional, ou sob imunidades oficiais,diplomáticas, advindas de tratados internacionais.

O que pode ser observado desde o início da instalação de uma Corte interna-cional destas proporções é que, de forma mais geral, o fundamento do Tribu-nal Penal Internacional situa o indivíduo como sujeito de direito e deveres nocampo internacional, o que constitui idéia corrente desde os tempos imemori-ais em que pensadores como Hugo Grotius (Jure Belli ac Pacis), Francisco deVitória (1480-1546) ou Richard Zouche (1590-1660) lançaram as bases domoderno direito internacional.1

2 A POLÍTICA PRECURSORA DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

A questão dos direitos inerentes e pertencentes ao homem, ou seja, dos cha-mados direitos humanos, surge de forma gradativa, como conquista jurídica,mas com certo grau de presença considerável, já desde as grandes revolu-ções que transformaram a civilização ocidental, ligadas ao direito natural: aRevolução Gloriosa de 1688 que consolidou a Magna Carta inglesa de 1215;a Revolução Americana (1776) e a Francesa (1789), embora ainda não sepensasse na possibilidade de implementar mecanismos jurídicos universaisou instrumentos legais globais para a defesa e a proteção desses direitos,como ocorreria com a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948.2

1 Ver Swinarski, Christophe. Direito internacional humanitário . São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,1990, p. 20. Também Moreira, Adriano. Teoria das relações internacionais . 3. ed. Lisboa: Almedina,1999, p. 88.

2 Ver Cançado-Trindade, Antonio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos direitos humanos .Porto Alegre: S. Fabris, 1997. v. 1, p. 17-20.

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Na América, a idéia do valor liberdade, que indubitavelmente provocou mu-danças tanto no pensamento coletivo dos indivíduos, quanto no modo de con-dução das relações entre os Estados no sistema internacional, impulsionou acorrente universalista e a nova percepção de homem cujo caráter individual epresença constante na sociedade, ignorando-se fronteiras, culturas e etnias,marcou a intensa necessidade da defesa dos chamados direitos humanos3.

Mais de um século depois, ao fim do século XIX, com as relações mundiais,notadamente as industriais e comerciais, tendo seu epicentro no continenteeuropeu, é que a adesão ao tema dos direitos humanos no âmbito internacio-nal adquire intensidade, uma vez que a noção de soberania absoluta é aindaalgo inabalável e a insurgência dos Estados como únicos sujeitos do direitointernacional começa a ser questionada e provocar mudanças na mentalida-de dos indivíduos. O puro poder político, sem regras universais, que os Esta-dos exercem sozinhos no cenário internacional passa a ser criticado e após aPrimeira Guerra Mundial, com o surgimento da Liga das Nações, regulandoas questões entre eles, consolidou-se a necessidade de limitar o poder dodomínio estatal absoluto. Entretanto, a Liga das Nações não repercutiu deforma tão positiva quanto se esperava, acabando por ser confrontada pelomaior interesse da soberania nacional dos Estados, pelas falhas no que serefere à aplicação de suas proposições jurídicas, enquanto reflexo do contur-bado período entre-guerras.4

A vontade de implementar um tribunal penal internacional, um organismocapaz de regular e punir os atos dos indivíduos que prejudicassem e amea-çassem a paz e a segurança internacional, independente de sua nacionalida-de, surge, pela primeira vez, com esta mesma Sociedade das Nações, atravésda Convenção para a Criação de um Tribunal Penal Internacional, em 1937,cuja finalidade consistia em combater e reprimir atos terroristas que preocu-pavam a comunidade internacional à época. No entanto, esta convenção,juntamente com a Conferência Internacional para a Prevenção e Repressãoao Terrorismo, não obteve nenhum sucesso por falta de ratificação e adesãodos países que compunham a organização. A preocupação constante dosEstados-Nações era proteger suas clássicas soberanias, uma vez que umorganismo que pudesse interferir, mesmo que indiretamente, em seus assun-tos internos, acabaria por representar uma ameaça à consolidação do poderionacional, bem como à preservação de sua territorialidade.

3 Para verificar as origens mais remotas dos direitos humanos e da idéia do valor liberdade ver Goyard-Fabre (1999). Assim como Mill, John Stuart. Sobre a liberdade . Petrópolis: Vozes, 1991.

4 Cfe. Garcia, Eugênio Vargas. O Brasil e a Liga das Nações . Porto Alegre: UFRGS, 1999. p. 137.Também Carr, Edward. Vinte anos de crise 1919-1939 . Brasília: UnB, 2002.

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Contudo, o fracasso da Liga das Nações não significou a desistência paracom a implementação de um mecanismo jurídico internacional que atuasseem defesa dos direitos humanos universais. No contexto da criação de umanova organização supranacional, a Organização das Nações Unidas, após otérmino da Segunda Guerra Mundial, as relações entre os Estados regula-mentam-se, com cerca de 50 nações, através da Carta das Nações Unidas,chamada de Carta de São Francisco, e consolida-se em meio a proteção doindivíduo no Estatuto da Corte Internacional de Justiça, o principal órgão ju-risdicional da ONU.

Destarte, devido à barbárie produzida durante grande parte da guerra, a von-tade da criação, de fato, de um organismo capaz de punir os principais res-ponsáveis por tais atos, torna-se concreta, por meio da criação de dois tribunaismilitares internacionais temporários pelos vencedores da Segunda Guerra:os Tribunais de Nuremberg e de Tóquio. Ainda que recebida com diversascríticas, a iniciativa repercutiu de forma construtiva na comunidade jurídicainternacional; afinal, proteger os direitos dos cidadãos é também dever doEstado, embora na maioria das vezes, pareça ser este o maior violador des-tes direitos. Portanto, um organismo jurídico capaz de defendê-los pareceviável enquanto os crimes cometidos são atos de pessoas que dizem estar aserviço do Estado.

3 NUREMBERG

O Tribunal de Nuremberg iniciou seus trabalhos por volta de novembro de1945 e os finalizou em torno de outubro de 1946, quando tinha o propósito dejulgar os chamados crimes de guerra, crimes contra a paz e crimes contra ahumanidade; todos de acordo com os costumes internacionais e os tratadosinternacionais previstos nas Convenções de Genebra de 1864 e 1925 e tam-bém no Tratado de Briand-Kellog de 1928, embora em todos eles, a Alema-nha não fizera parte ou ainda posteriormente denunciara tais tratados5.

O estatuto do Tribunal possuía, ainda, uma base jurídica fortemente influenci-ada por princípios anglo-saxônicos, como por exemplo o chamado crime de“conspiração” (GONÇALVES, 2001, p.103); não previsto nas legislações na-cionais dos países com seu direito de tradição romano-germânica, o que pro-vocaria, algumas vezes, discordância entre os magistrados, de nacionalidadesdiferentes, escolhidos para o julgamento.

5 Verificar os aspectos controversos de Nuremberg em Gonçalves (2001, p. 147-190).

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Estes julgadores foram os representantes dos quatro principais Estados alia-dos na Segunda Guerra: os Estados Unidos, representados por Francis Bidd-le; o Reino Unido por sir Geoffrey Lawrence (o presidente da Corte); a Françapelo professor da Universidade de Sorbonne, Henri Donnedieu de Vabres e aUnião Soviética pelo Major-General Iona Nikitchenko. O mesmo Donnedieude Vabres, que, respondendo à crítica de historiadores e jornalistas de queNuremberg era meramente uma vingança de vencedores contra vencidos,com o propósito de dar um “espetáculo” para a opinião pública mundial, es-creveu que a Corte Militar Internacional era “une jurisdiction internationalle,expression de la conscience universelle, de toute l’humanité.”6

O Estatuto do Tribunal de Nuremberg, resultante dos Acordos de Londres de1945, realizado entre as quatro grandes potências vencedoras estabeleceutipos penais vagos e abertos, inexistentes na época da prática dos atos impu-tados aos réus, dentre os quais destacavam-se Herman Goering – marechaldo III Reich - e Joachim Von Ribbentrop – ministro das relações exteriores doregime nazista, o que constituía um desrespeito frontal ao princípio geral dedireito “nullum crimen, nulla poena sine praevia lege”. Além disso, em seuartigo vinte e sete deixava a espécie e a quantidade das penas ao inteiroalvedrio do Tribunal, permitindo inclusive a imposição da pena capital. O arti-go vinte e oito estabelecia também que o tribunal poderia declarar o confiscodos bens roubados ou apropriados por qualquer dos acusados, aumentandoainda mais a sensação generalizada de mera vingança contra os réus, em umjulgamento em que os juízes e o ministério público eram todos das potênciasvencedoras.

No entanto, tanto Donnedieu de Vabres quanto Bradley Smith defenderam asteses do tribunal, dizendo dentre outras que “O Tribunal estabeleceu que, porcausa da rendição incondicional dos nazistas, os aliados tinham adquirido poderlegislativo soberano na Alemanha e podiam agir segundo bem entendessem”(SMITH, 1979, p. 173), reportando-se essencialmente ao direito consuetudinário,ao direito natural e à ética de convivência pacífica internacional.

Os acusadores, o Ministério Público de Nuremberg, como já referido, tambémrepresentavam as quatro maiores potências aliadas, destacando-se entre elesRobert Jackson (juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos e um dos ideali-zadores do próprio Tribunal) e Murray C. Bernays, igualmente dos EUA, que

6 Artigo publicado no Recueil des Cours da Académie de Droit International, Paris, v. 70, tomo 1,1947.

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havia tido papel fundamental no convencimento dos demais países quanto ànecessidade de um julgamento dos criminosos de guerra em vez da tese daexecução sumária, que, a princípio, havia sido defendida por ingleses e sovi-éticos7.

Apesar de não ter sido pioneira no cenário mundial, pois a idéia de julgarcriminosos de guerra já aparece na Idade Média e no Renascimento, quandoo poder da Igreja Católica era o instrumento controlador das relações entre osindivíduos e cujas sanções aplicadas eram de cunho estritamente moral eespiritual, a atividade repercutiu de maneira a inovar a consciência jurídicauniversal e a aprimorar Direito Internacional Penal, no que tange aos chama-dos “crimes contra a humanidade”.

Ainda que se possa levantar numerosas críticas a este tribunal, e elas sãoinúmeras, que não cabe aqui detalhar, ele pode ser considerado um verdadei-ro “divisor de águas” na evolução do ordenamento jurídico internacional, pois,a partir dele, passou-se a afirmar a responsabilidade penal internacional deindivíduos perpetradores de atos de genocídio, guerra ou de “lesa-humanida-de”.8 Isto é, autoridades de Estado passaram a ser responsabilizadas por suascondutas que afrontassem o próprio gênero humano, colaborando para aedificação do sistema internacional dos direitos humanos e humanitário.

Após Nuremberg, quando os estatutos e as sentenças deste tribunal foram aco-lhidos pela primeira Assembléia Geral da ONU, não foi mais possível para aspotências vencedoras da guerra proceder a julgamentos conjuntos para os cha-mados criminosos de guerra. Contudo, os julgamentos prosseguiram em diver-sos países agredidos e invadidos pelas potências do Eixo durante o conflito,sendo que as potências aliadas decidiram, já sob a égide do sistema da Orga-nização das Nações Unidas, que a responsabilidade pelos delitos praticados ejulgados em Nuremberg não prescreveriam (GONÇALVES, 2001, p. 195).

A Carta de Londres, combinada com a diretriz n.10 do Conselho de Controle daAlemanha ocupada, serviu de base jurídica para os julgamentos posteriores.Entre os acusados estavam médicos alemães, responsáveis por experiênciasgenéticas e biológicas nos campos de concentração, magistrados e advogados

7 Para mais informações a respeito dos detalhes da formação do Tribunal Militar de Nuremberg verificarGonçalves (2001, p. 59-98).

8 Terminologia utilizada por Tarciso Dal Maso em seu texto “O Tribunal Penal Internacional e suaImportância para os Direitos Humanos”, disponível em www.dhnet.com.br, para referir-se aos crimeselencados no artigo 7o do Estatuto de Roma.

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que colaboraram com as leis do regime nazista durante o III Reich, assim comoaltos oficiais militares, responsáveis por verdadeiras “barbáries” contra civisdurante a guerra. Esses julgamentos, conforme Benjamin Ferencz9 contribuírampara o direito internacional, sendo que ficou evidente o fato de que crimescontra a humanidade poderiam ser punidos, ainda que cometidos em temposde paz. A lei, que tutelasse os valores humanos desta forma, terminaria por darmais um passo em direção à proteção da humanidade.

Após o término da Segunda Guerra Mundial, milhares de prisioneiros ale-mães estavam detidos, não só nas quatro zonas de ocupação da Alemanha,como também em outros países que haviam sido libertados pelas potênciasaliadas. Praticamente todos eles haviam servido direta ou indiretamente agrupos ou organizações nazistas, e teriam que ser submetidos a julgamentos.

Antes dos Acordos de Londres, as potências aliadas discutiam acerca do des-tino a ser dado aos prisioneiros de guerra, oscilando as opiniões entre o radi-cal fuzilamento sumário de todos eles até um gigantesco julgamento de todospor uma única Corte ou por tribunais locais militares, tais quais “cortes marci-ais”. Superando as idéias mais radicais, inclusive porque os vitoriosos nãopodiam repetir os métodos selvagens e desumanos dos vencidos, passou-sea ponderar que a Corte de Nuremberg julgaria apenas os grandes criminososlíderes do regime nazista, enquanto os criminosos comuns seriam submeti-dos a julgamentos por tribunais militares de ocupação.

No entanto, verificou-se que uma miríade de julgamentos de todos esses pri-sioneiros arrastar-se-ia indefinidamente se, em cada um deles, fosse neces-sário provar a prática de condutas criminosas individualizadas. Assim,evidenciou-se a necessidade de se estabelecer uma regra geral fixada pri-mordialmente que levasse à condenação de todos esses réus pelo simplesfato de pertencerem a organizações nazistas à época, destinadas à prática decrimes contra a paz, de crimes de guerra ou de crimes contra a humanidade.Esse foi o motivo pelo qual o Acordo de Londres inseriu no Estatuto de Nu-remberg artigos que propunham uma decisão meramente declaratória da Corte,que tivesse autoridade de “coisa julgada” para os tribunais locais, facilitandoenormemente os julgamentos dos criminosos de segundo e terceiro escalão.Não se tratava de responsabilização penal de pessoas jurídicas ou morais,mas tão somente da elaboração de uma declaração prévia que serviria como

9 FERENCZ, Benjamin B. From Nuremberg to Rome, Towards an International Criminal Court, PolicyPaper 8, Development and Peace Foundation, p. 3.

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substrato para as acusações posteriores contra todos os membros dessasentidades que estavam em poder das forças aliadas10.

Deve-se ressaltar ainda o verdadeiro clima de “caça às bruxas” que se seguiuao longo das décadas seguintes, em perseguição aos incontáveis nazistas ecolaboradores de todo o tipo que, escapando ao final da guerra, se espalha-ram por grande parte do mundo, escondidos sob outros nomes e identidades.Perseguições que culminariam na captura e julgamento por parte do Estadode Israel, de Adolf Eichmann, em 1960, pelos crimes contra o povo judeudurante a Segunda Guerra. Eichmann se escondera em um subúrbio de Bue-nos Aires, na Argentina (ARENDT, 1999, p. 32-47).

Por outro lado, os líderes japoneses que contribuíram, direta ou indiretamen-te, com tantas mortes provocadas por seus militares foram julgados pelo Tri-bunal de Tóquio, implementado em janeiro de 1946 e encerrado por volta de1948. Este tribunal não obteve tanto impacto quanto o de Nuremberg, poisnão se tratava do primeiro a ser implantado em um período tão curto de tem-po e seus princípios jurídicos eram basicamente muito semelhantes ao dotribunal militar na Alemanha. O Japão foi acusado de não cumprir para comsuas obrigações diante dos tratados assinados e ratificados e, dessa forma,teve seus responsáveis pelo governo e forças armadas sentados no bancodos réus, acusados de cometerem crimes de guerra contra militares desprovi-dos de defesa bélica.

Dessa forma, no mundo pós-guerra, pela experiências anteriores, uma tenta-tiva de estabelecer um tribunal internacional parece realmente arriscada, su-jeito à desconfianças e a enormes críticas. Foi o que de certa forma aconteceunas duas experiências citadas, que representou uma espécie de vingança edomínio por parte das grandes potências vencedoras da guerra sobre os ven-cidos, com um tribunal que em muito pouco respeitou os limites mínimos deum Estado de Direito clássico, ainda que tenha contribuído para a evoluçãogeral dos direitos humanos, ao estabelecer a categoria dos “crimes contra ahumanidade”.

Três anos depois da primeira tentativa de implementação de um órgão paratais fins, surge o maior documento de defesa dos direitos do homem, a Decla-ração Universal dos Direitos Humanos – 1948 – que inovou, em termos sóli-

10 Artigo publicado no Recueil des Cours da Académie de Droit International, Paris, v. 70, tomo 1,1947. p. 545.

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dos, as relações do direito internacional e do indivíduo, que possui então “di-reito à vida, liberdade e segurança pessoal e não deve ser submetido à torturanem a tratamento desumano ou degradante.”11 Este foi um passo relevanteque estabelecem a necessidade e obrigação de proteção dos direitos humanos,tanto por parte dos Estados, quanto por parte de um organismo supranacio-nal. E isto pode colocar em questão a própria soberania dos Estados, umavez que esta constitui internacionalmente uma barreira para a consolidaçãodeste tema, o que pode forçar um novo modelo de convivência internacional.Os direitos humanos deixam de ter forma somente teórica e intelectual eadquirem aspectos legais baseados em leis internacionais viabilizadas pelaracionalidade de seus argumentos, à medida que os Estados vão aderindoaos sistemas global e regional de proteção dos direitos humanos.

A partir de então, os princípios do direito internacional tornam-se alvo de ques-tionamento por parte dos Estados, que se vêem ameaçados por um instru-mento organizador de suas relações que pode perturbar ou balançar seu poderem frente ao sistema internacional, cujos principais atores, até então, erameles. O fato é que o direito internacional não deve ultrapassar o direito internode cada Estado, pelo contrário, os dois devem trabalhar juntos para a constru-ção de um modelo de convivência internacional pacífica, mesmo que tenhamque abdicar de sua soberania absoluta para dar lugar à soberania relativa.Esta atuará em casos em que todos os recursos jurídicos ou políticos do paístenham se esgotado ou este se vê incapaz de solucionar problemas gravescomo crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, degeneração sobdominação estrangeira ou a violação de acordos internacionais.

As novas correntes de pensamento que vigoram no mundo deixam de anali-sar as guerras como meio de conquista de poder e são consideradas, emfrente ao atual cenário internacional, sinônimo de crueldade e de barbárie,um espetáculo de irracionalidade. As guerras modernas não são mais umprincípio organizador das relações internacionais, banidas como meio de so-lução de controvérsias no direito internacional.

Foi através desta consciência que surgiu a necessidade de impor outro tribu-nal “ad hoc”, em 1993, para os crimes cometidos na ex-Iugoslávia, que con-sistiram em graves violações do direito internacional humanitário. Dentre essasviolações estão crimes mais graves estabelecidos nas Convenções de Genebrade 1949, e no protocolo de 1977, o direito de genebra, como o genocídio,

11Artigos III e V da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.

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denominado de “limpeza étnica” ou os crimes de guerra. Este caso específicoserá analisado mais à frente, pois é o único que ainda se encontra emandamento e contribuiu muito para a base jurídica do atual TPI.

Em 1994, estabeleceu-se mais um tribunal de exceção, agora para julgar oscrimes cometidos em Ruanda, que consistiu em graves violações do DireitoInternacional, mas que não previa pena para os chamados crimes de guerra,pois tratava-se ali de conflitos internos em todo o país.

Para se evitar que tais acontecimentos viessem a ser constantes no cenáriointernacional, foi sendo estudada a possibilidade de implantar um órgão perma-nente com mecanismos capazes de punir os atos e atores que pudessemameaçar a paz internacional, e que fosse além das sanções morais aplicadasde Estado para Estado, um atributo exclusivo da Corte Internacional de Justiça.

O sistema de segurança coletiva que entrou em vigor a partir de 1945 nãomais satisfazia as exigências do mundo pós-Guerra Fria, dado o crescentenúmero de conflitos regionais contra os direitos humanos, mesmo porque osistema bipolar apenas colocou em segundo plano tais conflitos, pois nuncadeixaram de existir (LINDGREN-ALVES, 2001). A limitação dos temas atuaisao enfoque reducionista do Conselho de Segurança das Nações Unidas co-meça a desagradar, assim como a seletividade das denúncias, o que fazaumentar as críticas aos tribunais “ad hoc”.

Neste contexto é que surge o Tribunal Penal Internacional – TPI – que demo-rou meio século para se concretizar, através do Estatuto de Roma de 1998,com a esperança de ser um instrumento capaz de combater os crimes tidoscomo os mais graves contra a espécie humana. Sua licitação representa umordenamento penal universalmente aceito que procurará intervir em conflitosdomésticos ou regionais que representem desrespeito principalmente aos di-reitos humanos e direito humanitário.

Este Tribunal vai além do simples julgamento de indivíduos, pois procuraráobservar também, de forma mais generalizada, as motivações políticas queos levaram a cometê-los, em favor de um grupo ou Estado. Porém, construirum consenso de modo que os Estados o aceitem pode colocar em questãosua própria legitimidade, uma vez que utilizam do conceito do princípio decomplementaridade, em que todos os recursos internos de cada Estado-Na-ção têm que ser respeitados e, somente então, o indivíduo poderá ser levadoao Tribunal Penal Internacional. Outra preocupação está no fato de que estepode ser um alvo de politização de seus magistrados, uma vez que existe a

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possibilidade dos interesses políticos nacionais entrarem em conflito com oDireito Internacional.

A competência do Tribunal está em julgar os quatro crimes tipificados no seuEstatuto, inspirado em Nuremberg, a saber: o crime de genocídio (art. 6o),crimes contra a humanidade (art.7o), crimes de guerra (art.8o) e ainda o crimede agressão. Este último é motivo de muita discussão e controvérsia, umavez que acabou por não ser definido pelo Estatuto, sendo estabelecido en-quanto solução de compromisso temporário, um adiamento por nova Confe-rência de Revisão, a partir de sete anos de sua entrada em vigor.

No entanto, a Resolução 3.314 (XXIX), de 14 de dezembro de 1974 (apudMOREIRA, 1999, p. 513), adotada pela Assembléia Geral das Nações Uni-das, define a agressão como “... o emprego da força armada por um Estadocontra a soberania, a integridade territorial ou a independência política de umoutro Estado, ou de qualquer outra forma incompatível com a Carta das Na-ções Unidas...”, tal qual o envio de grupos armados ou de mercenários paraatacar outro Estado ou o bloqueio naval. Ou seja, seria a busca pelas respon-sabilidades individuais dos atos enumerados nesta resolução. Frise-se aindaque o Conselho de Segurança pode qualificar outros atos como agressão.

Neste caso, o Estatuto do Tribunal Penal oferece mecanismos jurídicos paraaperfeiçoar o funcionamento do sistema de segurança coletivo, para que,conforme as decisões tomadas em Nuremberg, o mais grave crime que firadiretamente a paz internacional e que representa uma afronta de um Estadocontra outro possa estar sob sua jurisdição, claro que referindo-se aos indiví-duos, líderes políticos, que tomaram estas decisões. Vale dizer que o Tribunalnão poderá interferir, de maneira alguma, em conflitos interestatais, compe-tência restrita da Corte Internacional de Justiça, que é o órgão judicial daONU de solução de litígios entre Estados, sendo o mais importante tribunaljudiciário da sociedade internacional, já referido (MELLO, 2002, p, 656-666).

Na realidade mundial atual, o indivíduo é o elemento central, essencial emodificador do sistema internacional e seus atos passam a ser estudados eregulados através da relação que ele possui com o Estado e que, com oaperfeiçoamento do Direito Internacional Penal, estabelece-se uma articula-ção entre a responsabilidade individual e os Estados.

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4 A QUESTÃO BALCÂNICA

Ao final do século XX, com a morte do líder político Josip Broz Tito,12 mare-chal que havia conseguido unir os povos eslavos que formariam a Iugosláviadepois da Segunda Guerra Mundial, e estabeleceria um tipo diferente de so-cialismo, independente do praticado na União Soviética, após alguns anos deequilíbrio, o país mergulhou em uma sangrenta guerra civil de motivaçõesétnicas e religiosas que apenas aguardavam um pretexto para explodir.

Durante este conflito civil, atos de perseguição e assassinatos em massaforam praticados por bósnios muçulmanos, croatas e em maior proporção porsérvios. Estes últimos, liderados pelo nacionalista Slobodan Milosevic, assu-miram o governo da Iugoslávia após quase meio século de liderança do Ma-rechal Tito, que conseguiu estabelecer um Estado formado por naçõesculturalmente heterogêneas através de um socialismo que concedia uma de-terminada autonomia às províncias da federação iugoslava, bem como desa-fiava o modelo soviético ao ponto de colocá-lo na liderança dos “PaísesNão-Alinhados”13 durante a Guerra Fria.

Dessa forma, Milosevic chega ao poder da Iugoslávia querendo manter essaunião, mas ao seu modo, com a intenção de assumir o lugar de Tito, querendouma maior centralização política, que mais tarde se transformaria no desejode formar a “Grande Sérvia”, ou seja, acabar com o modelo federativo clássi-co e aumentar a concentração de poder em Belgrado, rompendo com o equi-líbrio estabelecido pela Constituição iugoslava de 1974. Milosevic começa,então, a eliminar a autonomia das demais províncias e a exacerbar o senti-mento nacionalista da Sérvia, que havia sido uma região independente antesda criação da Iugoslávia.

Só que este processo de rompimento com a herança de Tito, servia tambémaos interesses da Eslovênia e da Croácia que trataram de acelerar seu pro-cesso de independência. Primeiro a Eslovênia, através de um plebiscito po-pular, e depois foi a Croácia que também buscou seus meios, com um certoapoio da Alemanha e, em seguida, a Bósnia Herzegovina. No caso específicoda Croácia, vale ressaltar a tentativa de formar um Estado com a Sérvia, mas

12 Ver AUTY, Phyllis. Tito : líderes da Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Renes, 1975. n. 9.13 O movimento dos Países Não-Alinhados foi criado em 1961 e procurava tornar-se uma espécie de

“Terceira Via” no contexto do conflito da Guerra Fria, sendo liderados por Tito, da Iugoslávia; Nasser,do Egito; e Nehru, da Índia (SOARES, 1999, p. 29-34).

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que não deu certo, bem como o interesse da Alemanha em possuir uma maiorcredibilidade dentro da Europa e no Cenário Internacional.

Ainda nesta época, ocorreram outros conflitos, mas sem a formação de umnovo Estado soberano. É o caso de Kosovo, uma região de maioria albanesaque pretendia deixar a condição de província autônoma para se tornar umarepública. No entanto, a intenção de Milosevic era de exercer total controlesobre Kosovo, e a revolta popular contra este intento foi esmagada definitiva-mente por volta de fevereiro de 1989 e juntamente com a região de Vojvodinaacabou por ser anexada ao planejamento inicial do líder sérvio (SOARES,1999, p. 43).

Todos esses conflitos foram marcados por sangrentas perseguições e com-portamentos que perante o Tribunal Penal Internacional atual seriam qualifi-cados como crimes de genocídio e contra a humanidade, de todos os lados, eé neste contexto que Slobodan Milosevic passa a ser o centro das atenções.

Alguns países europeus como a Grécia, França e Inglaterra estavam, no iní-cio do conflito, a favor do líder sérvio na Iugoslávia, mas conforme nos relataConversi (apud MESTROVIC; CUSHMAN, 1996, p. 245), o fato de as nações,principalmente a Inglaterra, não se mobilizarem para intervir na região devidoaos massacres que ali aconteciam, foi devido a um certo sentimento de rela-tivismo moral:

The main characteristic of British official – and elite – discourse onBosnia will be identified as moral relativism. Moral Relativism – can bebest identified as an underlying current of public opinion that, even atthe peak of Serbian atrocities and ethnic cleansing, was determined toview all parties in the conflict as warring factions engaged in a civil war.

Assim, todos eram culpados e não cabia a nenhuma nação julgar valoresculturais de uma determinada população de outra nação:

Moral relativism reflects a belief in the non-universality of human values,including human rights – Moral Relativism is the claim that there is nosuperior moral judgment and human beings should not adhere to thesame values; cultural relativism is the claim there is no superior cultureand all cultures should be treated equally (CONVERSI, apudMESTROVIC; CUSHMAN, 1996, p. 245-246).

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Esse relativismo moral teve uma grande repercussão na imprensa britânica,devido a uma jornalista sérvia, que simpatizava com as acusações do surgi-mento de um novo “eixo Zagreb-Berlim” devido ao apoio da Alemanha à Cro-ácia e à Eslovênia, onde poderia estar nascendo um neofascismo. Isso afetouaté mesmo o Conselho de Segurança das Nações Unidas que, através daResolução n. 713, de 25 de setembro de 1991, impôs o embargo de armas aoque ainda era a República Federal Socialista da Iugoslávia com o intuito demanter essa federação unida, tentando achar uma solução diplomática para aindependência da Croácia e da Eslovênia. Era importante, também, manteressa unificação, pois, do contrário, poderia ser interpretada em Moscou comoinstigação ao esfacelamento da URSS, que, embora já em curso, só se con-sumaria em dezembro daquele ano.

Assim, o contexto começa a mudar a partir da Resolução n.743, de 21 defevereiro de 1992, que cria uma Força de Proteção das Nações Unidas –UNPROFOR – com um mandato originalmente de “peacekeeping”, ou seja,para manter a paz, mas que não fazia referência ao Capítulo VII da Carta dasNações Unidas e que tinha por objetivo desmilitarizar as quatro áreas de pro-teção na Croácia (enclaves onde havia maioria ou forte presença sérvia); e,da Resolução 757, de 30 de maio de 1992, que impôs sanções econômicascontra a recém-formada República Socialista Iugoslávia (Sérvia e Montene-gro). A partir daí, a UNPROFOR, que fora criada sem uma prévia negociaçãoentre as partes beligerantes, passou a ficar exposta aos ataques de grupos naCroácia e Bósnia Herzegovina, o que levou o Conselho de Segurança daONU a induzir ingredientes coercitivos ao mandato de “peacekeeping” da for-ça de paz. A parte sérvia na Bósnia passou a hostilizar abertamente a UN-PROFOR por não consentir no desdobramento de forças de paz da ONU nasporções de território por ela ocupada.

A partir daí, a oposição à República Federal da Iugoslávia (RFI) passa a setornar mais evidente, a ponto de o Conselho de Segurança não reconhecer areivindicação da RFI de suceder automaticamente a República Socialista daIugoslávia e recomendar à Assembléia Geral das Nações Unidas que impe-disse o novo governo em Belgrado de participar tanto dos trabalhos da As-sembléia como do ECOSOC. Em contrapartida, as independências daEslovênia, Croácia e Bósnia Herzegovina seriam aceitas por consenso emmaio de 1992 e a da ex-República Iugoslava da Macedônia, em abril de 1993.Posteriormente, em 23 de setembro de 1994, foram impostas pela Resolução942 sanções dirigidas exclusivamente à parte sérvia no interior da Repúblicada Bósnia-Herzegovina (com abstenção da China), que passaria a responsa-bilizar uma das partes pela persistência do conflito na Bósnia.

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A verdade é que a partir desses momentos, os sérvios passaram a ser reco-nhecidos como os agressores da guerra, o que para Patriota (1998, p. 84) temoutra razão:

Acresce que tanto os sérvios da RFI, como os da Bósnia e da Croáciaeram os maiores interessados em redesenhar as fronteiras das repúbli-cas iugoslavas, e criar uma grande Servia em desafio à Declaração deHelsinki sobre Segurança e Cooperação na Europa que proibia a alte-ração das fronteiras européias pela força – o que fazia com que apare-cessem como a parte agressora.

Além disso, os relatórios do Relator Especial da Comissão de Direitos Huma-nos, Tadeusz Mazowiecki, colocavam como os principais responsáveis porviolações na região as autoridades sérvias, o Comando do Exército NacionalIugoslavo e a liderança política da Sérvia.

Assim, devido às grandes perdas da UNPROFOR como, por exemplo, a to-mada de reféns pelas forças sérvias na Bósnia em 1994 e 1995, em que atémesmo o ex-Representante Especial do Secretário Geral para a ex-Iugoslá-via, Yasushi Akashi, a caracteriza como “a classic example of mission creep”(Patriota, 1998, p. 103); e, arranjos concluídos entre o Secretariado da ONU eda OTAN, esta última intervém na região em 26 maio de 1995, com ataquesaéreos contra posições bósnio-sérvias, os quais caracterizaram a primeiraintervenção militar da OTAN fora de sua área de atuação.

Conseqüentemente, em novembro de 1995, os sérvios vêem-se forçados aassinar os Acordos de Dayton, liderados pelo EUA, o que permitiu a substi-tuição da UNPROFOR pela IFOR (Forças de Implementação da OTAN),autorizando-os a usar a força para impor o cumprimento dos termos do planode paz.

É devido a este complexo contexto, dentre outros motivos, que é criado oTribunal Internacional para a ex-Iugoslávia pela Resolução 827 do Conselhode Segurança da ONU, de 25 de maio de 1993, para julgar as violações dedireito internacional humanitário. Como se pode perceber, o tribunal foi criadoainda durante a guerra, após o surgimento da República Federal da Iugoslá-via, e serviu para acrescentar uma nova variedade de iniciativas sob o Capí-tulo VII às diversas que estavam sendo aplicadas.

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5 O TRIBUNAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA

Assim, cabe agora analisar este tribunal quanto a sua legalidade, jurisprudên-cia e polarização, pelo fato de ainda encontrar-se em pleno funcionamento eestar julgando o líder sérvio Slobodan Milosevic e, principalmente, por ser umdos paradigmas para o atual Tribunal Penal Internacional (TPI).

Primeiramente, trata-se de mais um tribunal ad hoc, após os de Nuremberg eTóquio, que, como todos os outros desta natureza, pode ser criticado por suagrande caracterização em torno de julgamento seletivo de “vencedores” deguerra sobre “vencidos”, o que, inclusive faz parte das alegações de defesade Slobodan Milosevic. O tribunal é composto majoritariamente de magistra-dos da nacionalidade de países membros da Organização do Tratado do Atlân-tico Norte (OTAN).

A maneira como Milosevic foi entregue ao tribunal também mostra a influên-cia que sobre este órgão possuem as grandes potências, principalmente osEUA. Os norte-americanos ofereceram publicamente 1,2 bilhões de dólares àoposição de Milosevic para que o entregasse ao tribunal. Apesar de este fatoser juridicamente proibido para o atual TPI, devido ao princípio de comple-mentaridade deste tribunal é importante saber, para reflexões a respeito, porque não oferecer o mesmo valor para a entrega de militares de primeiro esca-lão croatas, bósnios e kosovares de etnia albanesa, que não foram julgados,embora também tenham cometido limpeza étnica. A resposta a esta indaga-ção pode estar na afirmação do historiador Vizentini (2001):

A pergunta que muitos se fazem é se personalidades direitistas comoPinochet e Suharto seriam igualmente punidas. — Se Milosevic tivesseaceitado a nova ordem global para os Bálcãs sem resistir, talvez esta-ria aposentado em condições privilegiadas, como ocorreu com outros.

E continua: “O que mais assusta são os bodes-expiatórios que encobremculpas mais amplas e a complexidade das crises políticas contemporâneas”.

Pode-se ainda acrescentar o que Steven Erlanger, do The New York Times,(apud VIZENTINI, 2001, p. 3) diz a respeito: “Nenhum comandante da OTANfoi indiciado pelo uso de bombas de fragmentação, com urânio empobrecido,e nenhum Kosovar de etnia albanesa foi acusado pela morte de sérvios noKosovo.”

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Vale ressaltar que, coincidência ou não, após a criação da República Federalda Iugoslávia, em que os interesses da ONU de manter a união da ex-Repú-blica Federal Socialista da Iugoslávia não se concretizaram, os sérvios pas-saram a ser claramente perseguidos através de embargos e, posteriormente,ataques aéreos.

Porém, é importante esclarecer que nada disso justifica as atrocidades e vio-lações efetuadas pelo regime nacionalista de Slobodan Milosevic e que eledeveria, sim, ser julgado. As ressalvas, contudo, é devido ao fato de somentelíderes sérvios terem sido levados a julgamento - mesmo havendo uma enor-me dificuldade de se juntar provas - ao contrário de bósnios muçulmanos,croatas e albaneses que tiveram apenas alguns membros de segundo esca-lão no banco dos réus.

No concernente a sua defesa, Milosevic mostra-se bastante tranqüilo, a pontode chegar a dispensar advogado. Segundo o ex-ditador, a promotoria utilizameios de comunicação, em lugar do discreto comportamento que cabe a umjurista isento. Este é um ponto bastante questionado e em relação ao qualServa (1999, p. 25), jornalista especialista sobre cobertura de imprensa paraas guerras da Iugoslávia, emite opinião. Segundo ele, o sistema de informa-ção não mostra a história no jornalismo, impedindo que o leitor possa questi-onar qual é a relação existente entre fatos tão semelhantes que ocorreram emuma mesma região, mas separados por um intervalo de meio século, quepara a história é curto, porém, para o jornalismo é muito longo. Tal pensamen-to também está presente no “Historical Determinism” que Conversi (apudMESTROVIC; CUSHMAN, 1996, p. 248) explica: “Historical Determinists di-ffer from cultural determinists in that they rely on historical memories ratherthan culture or religion as causal factors. Thus, people sharing the same religi-on and grand civilization may collide simply because they have already colliedin the past.”

No caso da Iugoslávia, tal afirmação deve ser considerada, pois foi uma re-gião marcada por conflitos. Para Leão Serva, a batalha do Kosovo em 1389suspendeu a expansão da população sérvia e tirou desse povo a liberdade,onde cada geração passou a se sacrificar para reverter a derrota, como se aguerra nunca tivesse terminado. Ainda na II Guerra Mundial, a invasão daIugoslávia pela Alemanha, Itália, Hungria e Romênia, ocasionou na indepen-dência da Croácia, reconhecida por Alemanha, Itália e Hungria; curiosamen-te, os primeiros a reconhecer a independência do mesmo país 50 anos depois.Algo mais intrigante é que durante a maior parte do conflito a imprensa norte-americana e inglesa passaram a defender o ataque à Iugoslávia, ao contrário

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da russa que mantinha acordo bilateral com a Iugoslávia e passaram a defen-der os sérvios ao final do conflito.

Milosevic, também, não poderia deixar de questionar a validade de um tribu-nal ad hoc supranacional que solapa o direito interno de cada país. Idéia essajá descrita anteriormente, com que Fonseca Júnior e Belli (2002, p. 119) con-cordam. Segundo eles, a simples criação de um tribunal com jurisdição limi-tada a uma região especifica, como no caso da Iugoslávia, é um atointrinsecamente seletivo. Isso pode ser claramente visto na região dos Bál-cãs, onde até mesmo os defensores iniciais da criação do tribunal para estaregião demoraram a transformar o discurso em ato. Houve dificuldades finan-ceiras e uma demora de 14 meses entre a criação do tribunal e a designaçãodo primeiro promotor, Richard Goldstone.

Ainda em sua defesa, o ex-líder sérvio explora o fato de ele, tecnicamente, tersido seqüestrado ilegalmente da Iugoslávia, o que infringiria o princípio decomplementaridade do atual Tribunal Penal Internacional. Por último, o queganhou maior força após o 11 de setembro de 2001, é o fato de ele ter enfren-tado uma guerrilha islâmica e extremista. Função na qual se encontram atual-mente os EUA na sua guerra global contra o terrorismo.

É notório que todas as teses de defesa de Milosevic mostram, de certa forma,a ilegalidade de um tribunal de exceção e a difícil imparcialidade que umpromotor deve ter. Assim, torna-se relevante a análise deste tribunal de modoque se veja a superação destes problemas na implementação do Estatuto deRoma que configura a Corte Criminal Internacional.

Dessa forma, é importante ressaltar a influência que as grandes potênciaspossuem em organismos internacionais. Na questão dos Bálcãs, por exem-plo, é fácil essa percepção. A ONU e a OTAN passaram praticamente toda adécada de 90, afirmando os direitos dos povos à autonomia, e a necessidadede preservação das fronteiras estabelecidas. Contudo, ao se imporem, atra-vés da força militar, como guardiões da segurança e da paz na ex-Iugoslávia,as duas organizações terminaram por sacramentar o redesenho das frontei-ras tradicionais devido aos acordos de Dayton, liderados pelos EUA. É nestecontexto que o TPI terá que demonstrar seu poder supranacional para evitaressa polarização, principalmente na ação do Conselho de Segurança.

É então, que o TPI é criado, dentre outros motivos, para tentar garantir e prote-ger os direitos fundamentais do homem, já que a história é evocada a todomomento conforme o ponto de vista de cada um. E, justamente pelo motivo de

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um mesmo território poder ser reivindicado e justificado por três nacionalidadesdiferentes através de fatos distintos do passado, o TPI tem por obrigação mini-mizar e intimidar os conflitos que desta razão possam surgir, pois em umachamada “Nova Ordem Mundial” não existem mais as grandes entidades impe-riais que governavam miríades de povos distintos, bem como impunham re-gras ao seu relacionamento e que alguma estabilidade ainda existia.

Assim, a preocupação que se deve ter em relação ao Tribunal Penal Inter-nacional é evitar que se torne uma arma de manipulação das grandespotências. Destarte, é de extrema importância que o julgamento do primeiroréu deste tribunal seja de acordo com os bons costumes do DireitoInternacional e juridicamente correto, não havendo juízos de valor parcialpara com o acusado, para, desta forma, o tribunal construir jurisprudênciasclaras e esclarecedoras.

Nos conflitos atuais, o TPI tentará buscar a paz de maneira a construí-la, nãode modo imperativo, mas através de soluções em longo prazo de problemasestruturais comuns. Cabe a este órgão punir o indivíduo não apenas por terviolado os princípios dos direitos humanos e direito humanitário de abrangên-cia restrita, mas, sobretudo, por violar estes direitos no âmbito da comunida-de internacional.

6 O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

Feitas estas observações fundamentais, podemos então dizer que o TribunalPenal Internacional, surgido na “Conferência Diplomática de Plenipotenciári-os das Nações Unidas para o estabelecimento de uma Corte Criminal Interna-cional”, realizada na cidade de Roma, entre os dias 15 e 17 de julho de 1998,aprovado com cento e vinte Estados, votando a favor e com sete votos con-trários (dentre os quais os Estados Unidos e Israel) deverá ser permanente,independente e vinculado ao sistema das Nações Unidas, exercendo sua com-petência sobre os crimes mais graves contra os direitos humanos, e acionadosomente nos casos de manifesta incapacidade ou falta de disposição dossistemas judiciários nacionais para exercer sua jurisdição própria, conforme ochamado princípio da complementaridade, através dos dispostos nos pará-grafos 2o e 3o do art. 17 do Estatuto.

Ali estão colocadas as diretrizes que o Tribunal deve levar em conta paradeterminar a falta de disposição ou incapacidade das justiças nacionais. Es-ses dois parágrafos refletem o esforço coletivo das delegações dos Estados-

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partes na composição do Estatuto em limitar as hipóteses de apreciação daCorte, assim como possíveis ingerências nos Estados.

Claro que se deve ressaltar que, para além das questões meramente jurídi-cas, o chamado princípio da complementaridade traz em seu bojo discussõesde caráter estritamente político, visto que os crimes tipificados no Estatuto deRoma guardam relação direta com questões vinculadas à dimensão política,pois os Estados podem alegar ingerência em seus assuntos domésticos emnome do clássico princípio da soberania nas relações internacionais.

Mas, sob a visão do direito internacional, como afirma Perrone-Moisés (2000,p. 7), “o princípio da complementaridade coaduna-se com as mais modernastendências nas diversas áreas correlatas: manutenção da paz e segurançainternacional, direitos humanos e justiça internacional”, o que revela a reali-dade moderna da soberania, em torno de seu relativismo e sua dinamicidade.

Ou seja, quando não houver condições materiais de um determinado paísjulgar seus criminosos que cometam crimes de caráter mais peculiar emseus aspectos de horror, crueldade e barbárie contra toda uma população;ou ainda existir uma total falta de vontade política ou mesmo ostensivaproteção do determinado nacional no julgamento doméstico, o fato de oTribunal poder ser acionado, inspirado no princípio da complementaridade eda justiça universal contra crimes considerados mais graves pela comunidadeinternacional, vai ao encontro das atuais tendências do desenvolvimento dodireito internacional.

Estes crimes mais graves contra o gênero humano não prescrevem e estãoreunidos no artigo quinto (art.5o) do Estatuto de Roma e, como já citados, são ogenocídio , os crimes contra a humanidade, os crimes de guerra e os chamadoscrimes “de agressão” a serem definidos em conformidade com os artigos 121 e123 do Estatuto e pela Conferência de Revisão dos Estados-partes.

Na esteira da influência de Nuremberg e, sobretudo, pelos trabalhos do direitointernacional humanitário que logrou grande desenvolvimento após a Segun-da Guerra Mundial, com as Convenções de Genebra de 1949, o genocídio étipificado como qualquer ato cometido com intenção de destruir sistematica-mente, no todo ou em parte, uma nação, etnia, raça ou ainda grupo religioso.O Brasil, por sua vez, já incorporou o crime de genocídio ao seu ordenamentojurídico positivo desde a Lei 2.889 de 1956, que define e pune o crime citadonos moldes consagrados internacionalmente, além de já ter ratificado a exis-tência da Corte.

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Por sua vez, os crimes “contra a humanidade”, encontrados pela primeira veznos estatutos do já citado tribunal militar de exceção de Nuremberg, onde jáexistiram inúmeros problemas relativos à aceitação desta tese, está listadauma quantidade enorme, mas que serão considerados enquanto tal, desdeque praticados como parte de um ataque generalizado ou sistemático contrapopulações civis. Este será um ponto extremamente controvertido a ser de-monstrado, pois caberá ao Ministério Público a prova para a persecução pe-nal, o que desde já se mostra extremamente complicado e de difícilcomprovação.

O Estatuto de Roma seguiu mais uma vez os documentos estatutários deNuremberg e Tóquio, e das experiências “ad hoc” dos tribunais da ONU paraa enumeração dos crimes contra a humanidade (homicídio, extermínio, es-cravidão, torturas e maus-tratos, dentre outros), acrescentando a deportaçãoou transferência forçada de pessoas, sendo a novidade o crime de “apar-theid”, que recebeu grande nível de reconhecimento internacional enquantotal, constituindo-se num verdadeiro refinamento da lei internacional (SUNGA,2000, p. 209-210).

Os crimes de guerra encontram-se abrangidos pelo artigo 8o e são uma profu-são enorme de tipos, mas que, para serem considerados assim, devem tam-bém ter as características elencadas para os crimes contra a humanidade, ouseja: no sentido de serem sistemáticos, em larga escala e parte de uma estra-tégia ou política pré-determinada. Esta categoria de crimes inclui, dentre ou-tros, violações sérias à lei de conflitos armados de caráter não apenasinternacional, indo além do direito internacional humanitário, mas tambémem âmbito regional.

Além disso, o Estatuto do TPI prevê um Ministério Público muito forte, quepoderá agir com fundamento em informações de qualquer fonte confiável aoseu alvitre, ou seja, não apenas de um Estado membro.14 Os acusadoresterão de submeter suas provas a exame pela chamada Câmara de Pré-Julga-mento do Tribunal. Isto, em tese, deve proteger seu trabalho da possível po-litização dos casos por órgãos como o Conselho de Segurança da ONU e aAssembléia Geral dos Estados-partes. Não é por acaso que os Estados Uni-dos, não-ratificadores do Estatuto de Roma, buscam uma pressão sobre osdemais Estados para que não reconheçam o Tribunal ou ainda assinem acor-dos bilaterais com a Casa Branca, de forma a conceder imunidade aos solda-

14 De acordo com o artigo 15 do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.

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dos norte-americanos, de acordo com o artigo 98 do Estatuto do TPI, paralivrá-los de qualquer julgamento, pois o governo americano teme “os super-poderes” do promotor, bem como acusações políticas contra seus militares,espalhados ao redor do mundo15.

No entanto, como o Tribunal exercerá sua jurisdição sobre qualquer dos cri-mes tipificados, por iniciativa, dentre outros, do Conselho de Segurança daONU, ele poderá suspender uma investigação ou processo, por um períodode doze meses, renovável por igual período, em consonância com o dispostono capítulo VII da Carta das Nações Unidas, ainda assim o elemento políticoda seletividade e dos jogos de “influência” das grandes potências mundiaisdeverá ser um dos grandes desafios a serem enfrentados pela Corte. Mas, ébom ressaltar que tal medida exigirá um decisão unânime dos cinco membrospermanentes do Conselho de Segurança, o que não deverá ser tão fácil, dadaa complexidade dos crimes e dos interesses concretos das principais naçõesda ONU.

De fato, os altruísticos objetivos do Estatuto de Roma, para terminar com asviolações dos direitos da pessoa humana nos mais diversos cantos do plane-ta, proporcionando uma maior segurança e confiança às vítimas, às suasfamílias e as próprias comunidades regionais, no sentido de que haverá in-vestigação e posterior julgamento dos responsáveis pelos crimes internacio-nais mais graves, de sorte a combater a impunidade e a sanar possíveis falhasdas justiças penais locais, principalmente quando os autores são autoridadesmilitares ou governantes que praticam um verdadeiro “terrorismo de Estado”quando no poder, poderão ser desafiados e solapados pelas peculiaridadesda política internacional.

Isto ocorre, essencialmente, quando o Estatuto de Roma confere ao Conse-lho de Segurança da ONU a faculdade de solicitar ao Tribunal que não inicieou que suspenda por um prazo determinado, frise-se que renovável por ra-zões de conveniência, o inquérito ou processo que tiver sido iniciado.

Em realidade, o Tribunal Penal Internacional pretende suprir as lacunas cons-tatadas no Direito Internacional em torno de sua relativa “fraqueza” pela au-sência de uma justiça internacional penal permanente capaz de punir indivíduospela prática de delitos contra o direito internacional, elevando o indivíduo ao

15 Para verificar mais detalhes a respeito da visão norte-americana sobre a Corte Internacional, verificarjornal Folha de São Paulo, em 2 de julho de 2002, p. 12. Assim como Sewall, Sarah; Kayson, Carl.The United States and The International Criminal Court . New York: Paperback, 2002.

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nível de sujeito de direito da ordem internacional e não apenas Estados-na-ções ou organizações internacionais. Se vai conseguir ou não, somente odesenrolar do tempo, ao longo da resolução de casos concretos, poderá dizer.

Mas, o Estatuto de Roma fixou um regime de cooperação entre os Estadospartes e o Tribunal Penal Internacional, fundamental para a viabilidade e oêxito da instituição. Os Estados-partes estão obrigados a cooperar plenamen-te com o Tribunal na investigação e no julgamento dos crimes previstos noEstatuto. Integra este dever de cooperação a obrigação de prender e entregaros acusados ao Tribunal. Para assegurar que o direito interno facilite a capa-cidade do Estado para atender às solicitações do Tribunal, o Estatuto requerque os Estados-partes garantam que no direito interno existam procedimen-tos aplicáveis a todas as formas de cooperação especificadas no Estatuto. OsEstados devem ser capazes de proporcionar ao Tribunal uma cooperaçãoconcisa, sujeita a menos formalidades do que usualmente se aplica à coope-ração judiciária entre Estados nações, no que se refere à extradição.

Importante salientar que a Corte Criminal Internacional não será uma jurisdi-ção estrangeira, mas uma jurisdição internacional, de cuja construção, porexemplo, o Brasil participa, e terá, portanto, um vínculo muito mais estreitocom a justiça nacional de cada país e, por isso, a defesa da necessidade dacriação de uma legislação nacional específica que se coadune com o dispos-to no Estatuto de Roma.

Os Estados-partes cumprirão, em tese, os pedidos de prisão e entrega, se-gundo os procedimentos do Estatuto e do direito nacional. Por conseqüência,os procedimentos nacionais para prisão de indivíduos continuarão sendo apli-cados, porém eventuais regras e normas sobre privilégios referentes a cargosoficiais e de não-extradição de nacionais não serão motivos que impeçam afalta de cooperação dos Estados-membros.

Por isso, o Estatuto de Roma distingue de forma clara e concisa entre “extradi-ção” e “entrega de um indivíduo” para o Tribunal O elemento essencial de dis-tinção consiste em ser a Corte Criminal uma instituição criada para processar ejulgar os crimes mais graves contra a dignidade humana, de maneira indepen-dente e imparcial. Na condição de instituição internacional que busca o bem-estar da sociedade mundial, porque reprime crimes contra o próprio direitointernacional, a entrega ao Tribunal não pode ser vista como extradição, insti-tuição típica do relacionamento jurídico de Estados com Estados.

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7 CONCLUSÃO

Equilibrando os argumentos a favor e contra a jurisdição do Tribunal PenalInternacional, da mesma forma que as restrições impostas aos seus traba-lhos, sobretudo com a recusa de importantes Estados nações do sistema in-ternacional tal qual os EUA, a Rússia, Israel ou China, em aceitar sua jurisdição;pode-se avançar no sentido de que, para o tribunal ser eficiente, necessita dequalquer modo, do maior número possível de Estados-partes ratificadores.Fora isso, a possível aceitação de sua jurisdição de forma “ad hoc”, paradeterminados casos concretos, pode tentar equilibrar e compensar os limitesjurisdicionais.

Concluindo, pode-se esperar também que na primeira Conferência de Revi-são, a ser realizada sete anos depois do Estatuto de Roma ter entrado emvigor, possivelmente em 2009, os Estados-partes concordem em aumentaros poderes do tribunal. No geral, a avaliação do Secretário Geral da ONU,Koffi Annan, em discurso proferido na abertura da Assembléia-Geral, em 2002,após a entrada em vigor do tribunal, é das mais equilibradas e racionas:

... sem dúvida, muitos de nós teríamos gostado de um tribunal investi-do com os poderes até de mais longo alcance, mas não deviam noslevar a minimizar o alcançado. O estabelecimento do tribunal é umpresente de esperança para as gerações futuras, e um avanço gigantena marcha dos direitos humanos universais e o império da lei.

Além disso, o valor supremo do processo legislativo do Estatuto de Roma nãopode ser subestimado ou superestimado. No sentido do equilíbrio, é de signi-ficação histórica o contemplado na Resolução 18/98 do 6o Comitê da ONU emais recentemente o que foi dito no tribunal para a ex-Iugoslávia e Ruanda,no julgamento de 10 de dezembro de 1998, Caso n.IT-95-17/1-T, Prosecutorv. Furundija, em torno do avanço ao combate aos crimes contra o gênerohumano, de que todas as formas de barbárie relativa à ofensa aos direitos dosseres humanos deve ser combatida. O Estatuto de Roma pode ser tomadopara refletir e redefinir regras habituais dos tempos de guerra e dos tempos dapaz, considerando-se que em alguns campos ele cria nova lei ou modifica asjá existentes. Em qualquer caso, o Estatuto de Roma em geral pode ser toma-do como a constituição de uma expressão autorizada das visões legais maisabrangentes de um grande número de Estados da comunidade internacional.

Enfim, o Tribunal Penal Internacional, pode ser considerado uma instituiçãoextraordinariamente inovadora no sistema de relações internacionais, afinal,

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aprovado, com poucos votos negativos em 1998. De caráter permanente eabrangência genérica para os crimes estabelecidos em seu estatuto, em quepese suas inegáveis limitações, principalmente a resistência de grandes Es-tados membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, tem, con-tudo, atribuições fundamentais na área dos direitos humanos e do direitointernacional humanitário, quando as violações se confundem com atos táti-cos de guerra genocida, tal qual a limpeza étnica, o desaparecimento e deslo-camento forçado de pessoas, o ataque sistemático às populações civis emtempos de guerra ou de paz, perpetuando uma verdadeira barbárie humana,que o século XX foi pródigo em produzir.

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RELATÓRIOS GERENCIAIS PARA DECISÃO DE PREÇOSDE VENDA NA MICRO E PEQUENA EMPRESA COMERCIAL

VAREJISTA: UMA CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DOCONCEITO DE MARGEM DE CONTRIBUIÇÃO 1

HUMBERTO ROSA OLIVEIRA *

1 Artigo apresentado no XVI Congresso Brasileiro de Contabilidade realizado em Goiânia no períodode 15 a 20 de Outubro de 2000.

* Coordenador e professor do Curso de Ciências Contábeis do Centro Universitário Vila Velha

Contador e Mestre em Administração de Empresas pela UFMG.

e-mail: [email protected]

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RESUMO

Um dos maiores problemas da precificação incorreta de itens de mercadoriano comércio varejista é a prática de alguns lojistas de diluir seus custos fixossobre o total de vendas da loja (Aloe, 1995; Assef, 1997). No processo decompra e venda de mercadorias no varejo, vários fatores relativos a custosestão presentes e deverão ser levados em conta na hora da fixação do preçode venda. De acordo com Azevedo (1989), um número incontável de micro epequenas empresas abrem suas portas para comercializar os mais diversostipos de mercadorias. Qualquer que seja o porte da empresa, um dos maioresdesafios para o comerciante é conhecer seus custos operacionais e mantê-losob controle. Esses procedimentos permitem a determinação adequada dopreço de venda. Assim, é discutido o conceito de Margem de Contribuição eapresentado um modelo de relatório gerencial construído a partir da utilizaçãodo índice de marcação de preços, que, se adequadamente aplicado, poderáoferecer indicadores para a definição de políticas de compra e a decisão depreços de venda.

Palavras-Chave: Custos, Preço, Markup

ABSTRACT

One of the biggest problems of incorrect pricing in retail trade is that someshopkeepers/shop owners dilute the costs over the store total sales (Aloe,1995; Assef, 1997). During the buying and selling process of goods manyinherent cost-related factors must be taken into account when settling salesprices. According to Azevedo (1989), a great number of small businesses startbusiness to commercialize a variety of goods. However, no matter the enterprisesize, one of its biggest challenges is to know the operational costing and tomaintain it under control. These procedures allow the correct settlement ofselling prices. In this context, it is discussed the concept of Contribution Margin,and it is presented a managerial report model built upon the utilization of themarkup which, if well applied, gives indicators for contributing to define thepurchase policies as well as the retail price decision.

Keywords: Costs, Price, Markup

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1 INTRODUÇÃO

O preço de venda de uma mercadoria é uma das variáveis estratégicas deextrema relevância. A sua determinação e gerenciamento exigem da admi-nistração a observação de um conjunto de variáveis.

O administrador precisa conhecer a estrutura do mercado onde atua, identifi-car as fontes de valor percebidas pelo cliente, as formas de competição, suaposição relativa no mercado em frente à concorrência, suas metas de cresci-mento, bem como, por outro lado, entender suas operações internas, seuscustos e os fatores operacionais e financeiros.

A fixação de preços é uma decisão de suma importância para a administra-ção, por ser o fator primordial de sobrevivência, lucratividade e posiciona-mento da empresa no mercado, já que a sua correta definição permitirá amanutenção e o crescimento auto-sustentado. Neste sentido, as decisões depreço e o seu gerenciamento adequado vêm se tornando fator preponderantede competição, em especial no comércio varejista.

Observa Aloe (1995), que um dos maiores problemas da precificação incorre-ta de itens no comércio varejista é a prática de alguns lojistas de diluir seuscustos fixos sobre o total de vendas da loja. Assim, calculam um percentual(custos fixos/valor total de vendas X 100) que imaginam “ter de aplicar” emcada item para, no mínimo, empatar suas receitas e despesas.

Inserir no preço de venda de uma lata de tinta o valor do aluguel da loja, daconta de água, luz, telefone, ou até mesmo a retirada dos sócios é correto?Esse procedimento, muitas vezes, onera os custos reais de cada mercadoria,pois tenta praticar margens que o mercado consumidor não aceita e o merca-do concorrencial não permite.

Existe, porém, uma forma de se evitar esse tipo de problema na precificaçãoda mercadoria a ser comercializada, o Método do Custeio Direto. O Métododo Custeio Direto é uma técnica de apropriação de custos que considera sim-plesmente os custos diretamente ligados a mercadorias a serem comerciali-zadas, como sendo custos e despesas variáveis. Desse modo pode-seencontrar a Margem de Contribuição, que mostra claramente qual a contribui-ção monetária de cada mercadoria ao conjunto da empresa comercial.

Considerando que a literatura técnica da área de Contabilidade Gerencialestá voltada principalmente para o aspecto industrial, havendo poucas obras

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que tratem especificamente da formação de preço de venda em empresascomerciais, entendemos que, se adequadamente aplicado, o conceito deMargem de Contribuição pode constituir um poderoso instrumento de apoiodecisorial aos administradores de micro e pequenas empresas varejistas.

A proposta apresentada neste trabalho tem por objetivo discutir o conceito demargem de contribuição e apresentar um modelo de relatório gerencial cons-truído a partir da utilização do índice de marcação de preços, que, se adequa-damente aplicado, fornecerá indicadores que contribuirão para a definiçãodas políticas de compra e a decisão de preços de venda.

2 CARACTERIZAÇÃO DO COMÉRCIO VAREJISTA

Toda e qualquer atividade exercida que envolva a troca, permuta, intermedi-ação entre o produtor e o consumidor, com o objetivo de lucro, é consideradacomercial.

As empresas comerciais exercem a atividade econômica e a intermediaçãoentre o produtor e o consumidor final, fechando o ciclo econômico e atuandode duas formas distintas: comercializando no atacado ou no varejo.

O comércio atacadista atua em função de maiores volumes comprados evendidos ou grandes lotes, e tem como finalidade principal suprir o comérciovarejista. Diferencia-se na intermediação e na cadeia de transações, poisencontra-se entre o produtor e o comércio varejista, com a finalidade de faci-litar a distribuição do produto, atendendo, atingindo e suprindo o comérciovarejista.

Segundo Levy e Weitz (2000), varejo “é um conjunto de atividades e negóci-os que adiciona valor a produtos e serviços vendidos a consumidores paraseu uso pessoal e familiar.” O comércio varejista, na concepção comercial,exercita a intermediação entre o produtor e o consumidor final com a finalida-de de obter lucro.

A figura 1 mostra a posição dos varejistas dentro do canal de distribuição. Osfabricantes fazem os produtos e os vendem para atacadistas e varejistas. Osatacadistas compram produtos dos fabricantes e revendem esses produtosaos varejistas, enquanto os varejistas revendem os produtos aos consumido-res.

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Atacadistas satisfazem as necessidades dos varejistas, enquanto os varejis-tas direcionam seus esforços para satisfazer as necessidades dos consumi-dores finais.

Figura 1

2.1 A RELEVÂNCIA DO COMÉRCIO VAREJISTA NO BRASIL

Segundo o relatório da Latin American Financial & Investment Services (1999)(LAFIS), o comércio varejista ocupa 11% da população economicamente ati-va do país, representando cerca de 17% do PIB e 47% do volume total devendas do comércio nacional.

Dos cerca de 1.400.000 estabelecimentos varejistas existentes, apenas 2%podem ser classificados como empresas médias ou grandes e estas repre-sentam 28% do valor das vendas e 20% da mão-de-obra empregada pelosetor. O Estado de São Paulo representa 31% do faturamento do setor.

Conclui-se que 98% das empresas brasileiras que atuam no setor varejistasão microempresas e empresas de pequeno porte, o que corresponde a1.372.000 empresas varejistas.

Segundo a revista Exame Melhores e Maiores/junho 2000 (As 500..., 2000),em 1999, 92 empresas comerciais, entre as que atuam no varejo e em comér-cio exterior, fizeram parte das 500 maiores do país, o que representa 18,4%.

CONSUMIDOR

CONSUMIDOR

ATACADISTA VAREJISTA

VAREJISTA

FABRICANTES

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Das 54 empresas privadas com vendas acima de 1 bilhão de dólares em 1999– o clube das bilionárias -, 13 operam no comércio, o que representa 24,10%.

A maior em faturamento é o Carrefour, com 4,5 bilhões, também a segundano ranking das 500 maiores empresas privadas por venda no país. Pode-se,assim, observar a relevância deste segmento para a economia brasileira.

3 CONCEITO DE MARGEM DE CONTRIBUIÇÃO

Segundo Martins (1998), a “... margem de contribuição é conceituada como adiferença entre Receita e soma de Custos e Despesa Variáveis”.

Para Bernardi (1998), margem de contribuição é “a diferença entre o valordas vendas, os custos variáveis e as despesas variáveis da venda”.

Observada a concordância entre os dois autores, pode-se esquematicamentedemonstrar:

PV = Preço de Venda da Mercadoria

DV = (-) Despesas Variáveis

CV = (-) Custos Variáveis

MC = (=) Margem de contribuição

Para determinação do valor da margem de contribuição, dois elementos sãofundamentais: as despesas variáveis e os custos variáveis.

As despesas variáveis são aquelas que incidem diretamente sobre o preço devenda, portanto, só ocorrem quando a venda é realizada. Comissões devidasa vendedores com base no valor da venda e os impostos incidentes sobre ovalor da venda são exemplos.

O Custo Variável é o valor do preço de custo da mercadoria adquirida pararevenda. No comércio, o custo variável refere-se somente ao custo da merca-doria que será vendida.

Para um melhor esclarecimento, suponha-se uma mercadoria (X), cujo preçode venda unitário seja de $100,00 e cujo preço de custo seja $50,00. Além docusto variável, a empresa, por ocasião da venda, incorre no pagamento deimpostos à base de 20% do preço de venda.

Desta forma, a margem de contribuiçãounitária é dada pela fórmula:

MC = PV – (CV + DV)

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Desta forma tem-se:

Preço de venda = $100,00

Despesas Variáveis = 20% de $100,00 = $20,00

Custo Variável = $50,00(Preço de Custo da Mercadoria)

Aplicando-se a fórmula, apura-se uma margem de contribuição no valor de$30,00, como se segue:

MC = PV – (CV + DV)

MC = $ 100,00 – ( $50,00 + $20,00)

MC = $ 100,00 – $70,00

MC = $ 30,00

3.1 AS VANTAGENS DO CÁLCULO DA MARGEM DE CONTRIBUIÇÃO

Segundo Assef (1997, p. 35), “a margem de contribuição indica de maneiraimediata qual é a contribuição direta de cada mercadoria vendida aos resulta-dos finais da empresa”.

Permite a identificação das mercadorias mais ou menos lucrativas, sem autilização de critérios de rateio totalmente discutíveis.

Santos (2000, p. 47) descreve as vantagens de conhecer os índices e o valorda margem de contribuição, que ora transcrevemos adaptando ao comérciovarejista.

• Os índices de margem de contribuição ajudam a administração a decidirquais mercadorias devem merecer maior esforço de venda ou ser coloca-das em planos secundários, ou simplesmente serem toleradas, pelos be-nefícios de vendas que possam trazer a outras mercadorias;

• As margens de contribuição são essenciais para auxiliar os administrado-res a decidirem se um segmento de comercialização deve ou não ser aban-donado;

• Podem ser usadas para avaliar alternativas que se criam com respeito areduções de preços, descontos especiais, campanhas publicitárias espe-

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ciais e uso de prêmios para aumentar o volume de vendas. As decisõesdesse tipo são realmente determinadas por uma comparação dos custosadicionais, visando ao aumento na receita de venda. Normalmente, quan-to maior for o índice de margem de contribuição, melhor será a oportuni-dade de promover vendas; quanto mais baixo o índice, maior será oaumento do volume de vendas necessário para recuperar os compromis-sos de promover vendas adicionais;

• Quando se chega à conclusão quanto aos lucros desejados, pode-se ava-liar prontamente o seu realismo pelo cálculo do número de unidades avender para conseguir os lucros desejados. O cálculo é facilmente feito,dividindo-se os custos fixos mais o lucro desejado pela margem de contri-buição unitária;

• Muitas vezes é necessário decidir sobre como utilizar determinado grupode recursos (exemplo: equipamentos ou insumos) de maneira mais lucra-tiva. A abordagem da margem de contribuição fornece dados necessáriosa uma decisão apropriada, porque essa decisão é determinada pelo produ-to que der a maior contribuição total aos lucros;

• A margem de contribuição auxilia os gerentes a entenderem a relaçãoentre custos, volume, preços e lucros, levando a decisões mais sábiassobre preços.

4 FORMAÇÃO DO PREÇO DE VENDA

Segundo Assef (1997, p. 63), o cálculo do preço de venda com base no con-ceito de margem de contribuição pode ser realizado de duas formas:

• A partir da margem de contribuição objetivada (M.C.O);

• Através do preço de venda fixado pelo mercado onde a empresa se insere.

A formação do preço de venda, com base na margem de contribuição objeti-vada, é realizada com base na fixação de um percentual preestabelecido pelaadministração sobre o preço das mercadorias objeto de comercialização.

Traduzindo esse conceito em modelo matemático, chega-se a uma fórmulaque pode ser denominada de Índice de Marcação de Preços (IMP), com que,aplicado sobre o preço de custo da mercadoria, se chega ao valor do preço devenda com a margem de contribuição desejada.

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Fórmula do IMP: IMP = 100% (-) % DV (-) % MCO

Fórmula pela qual se chegaao valor do preço de venda: PV = PC/IMP*100

Exemplo:

Suponha-se uma mercadoria (X), cujo preço de custo seja $50,00. Por oca-sião da venda incorre no pagamento de impostos à base de 20% e a adminis-tração objetiva uma margem de contribuição de 30% do valor do preço devenda.

Fórmula do IMP:

IMP = 100% (-) % DV (-) % MCO

IMP = 100% (-) 20% (-) 30%

IMP = 50%

Fórmula pela qual se chega ao valor do preço de venda:

PV = PC / IMP * 100

PV = $50,00 / 50% * 100

PV = $100,00

A formação do preço de venda, com base na margem de contribuição fixadapelo mercado onde a empresa se insere, é realizado a partir do preço pratica-do pelo mercado, deduzindo-se o preço de custo da mercadoria e as despe-sas variáveis devidas pela empresa revendedora. O valor encontrado, divididopelo preço de venda praticado pelo mercado, é o percentual de margem decontribuição.

Conhecido o percentual, os preços de venda são construídos, utilizando-se asfórmulas apresentadas anteriormente; vejamos:

Suponha-se uma mercadoria (A) cujo preço de venda praticado no mercadoseja de $200,00 e cujo preço de custo seja $50,00. Além do preço de custo, aempresa, por ocasião da venda, incorre no pagamento de impostos à base de20% do preço de venda.

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Desta forma tem-se:

Preço de Venda = $ 200,00

Despesas Variáveis (20% de $200,00) = $ 40,00

Custo Variável (Preço de Custo da Mercadoria) = $ 50,00

Margem de Contribuição = $ 110,00

% de Margem de Contribuição ($110,00/200,00 * 100) = 55%

Aplicando-se as fórmulas apresentadas:

Fórmula do IMP:

IMP = 100% (-) % DV (-) % MCO

IMP = 100% (-) 20% (-) 55%

IMP = 25%

Fórmula pela qual se chega ao valor do preço de venda:

PV = PC / IMP * 100

PV = $50,00 / 25% * 100

PV = $200,00

Podemos, assim, concluir que é o cálculo correto do preço de custo da merca-doria e o conhecimento aprofundado dos impostos incidentes sobre o preçode venda e demais despesas variáveis que permitem a elaboração de ensai-os de formação de preços que fornecerão indicadores para a definição daspolíticas de compras e a definição de preços de venda a serem praticados.

5 A FUNÇÃO DA CONTABILIDADE NAS EMPRESAS COMERCIAIS

As dificuldades que as empresas estão atravessando para se adaptarem aonovo perfil competitivo têm levado seus administradores a buscarem novasferramentas gerenciais e, segundo Santos (2000), a contabilidade como lin-guagem de negócios tem sobressaído entre as ferramentas da administração,fornecendo subsídios poderosos por meio do gerenciamento das margens decontribuição das mercadorias vendidas.

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Conforme IBRACON (1994, p. 21), “A contabilidade é, objetivamente, umsistema de informação e avaliação destinado a prover seus usuários comdemonstrações e análises de natureza econômica, financeira, física e de pro-dutividade, com relação a entidade objeto de contabilização”.

É gerando relatórios para atender os usuários que a contabilidade cumpre asua principal função: informar o usuário.

Segundo Marion (1998), relatório contábil “é a exposição resumida e ordena-da de dados colhidos pela contabilidade. Objetiva relatar às pessoas que seutilizam da contabilidade (usuários da contabilidade) os principais fatos regis-trados pela contabilidade em um determinado período”. Os relatórios contá-beis, portanto, são elaborados para atender às necessidades dos usuários dacontabilidade.

Conceitua-se como usuário toda pessoa física ou jurídica que tenha interessena avaliação da situação e do progresso de determinada entidade, seja talentidade empresa, ente de finalidades não-lucrativas, ou mesmo patrimôniofamiliar.

Os principais usuários das informações obtidas pela contabilidade podem serclassificados em externos e internos.

O governo, os acionistas e o mercado de capitais, os sócios, os sindicatos, osbancos, os fornecedores são exemplos de usuários externos; e os responsá-veis pelo processo decisório, os envolvidos no processo operacional, os res-ponsáveis por acompanhar planejamento e outros executivos de diversosdepartamentos da empresa são os usuários internos.

A preparação dos relatórios contábeis para atender os usuários, segundo Horn-gren (1985), resultou na divisão da contabilidade em Financeira e Gerencial.

A Contabilidade Financeira produz relatórios para atender usuários externos.É realizada para que sejam cumpridas as obrigações legais e fiscais às quaisestão sujeitas as pessoas jurídicas. Portanto, é na contabilidade financeiraque se obtêm informações sobre os impostos que envolvem as operações decompra e venda de mercadorias na empresa comercial.

A contabilidade gerencial, voltada para fins internos, procura suprir os geren-tes de um elenco maior de informações, exclusivamente para a tomada dedecisões.

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Pode ser caracterizada superficialmente como um enfoque especial conferi-do às várias técnicas e procedimentos contábeis já conhecidos e tratados nacontabilidade financeira, na contabilidade de custos, nas análises financeira ede balanço etc., colocados numa perspectiva diferente, num grau de detalha-mento mais analítico ou numa forma de apresentação e classificação diferen-ciada, de maneira a auxiliar os gerentes das entidades em seu processodecisório.

Para Padoveze (1997), “é no gerenciamento específico de mercadorias que acontabilidade gerencial trata do tema formação de preços de venda”.

Observa Marion (1998) que, em virtude desse enfoque recente da informaçãocontábil, surge um novo profissional da contabilidade, mais adaptado a essarealidade atual: o controller, também chamado de contador gerencial.

Com base no que foi exposto anteriormente, pode-se concluir que os ensaiosde preços de venda, com base no conceito de margem de contribuição, pode-rão ser produzidos pela contabilidade gerencial que, através de relatórios,fornecerá indicadores que poderão contribuir com os gestores na definição desuas políticas de compra e decisão de preços de venda.

6 CONSIDERAÇÕES TRIBUTÁRIAS

Nossa estrutura tributária é bem complexa. Desta forma, é de suma importân-cia o conhecimento de seu funcionamento, pois vários impostos estão corre-lacionados com o preço em nossa economia.

É bastante comum a dúvida dos comerciantes sobre a incidência tributárianos preços praticados pelas empresas comerciais, pois muitas vezes são as-sociados com encargos sociais.

Os tributos incidem sobre a receita, faturamento e lucros, enquanto os encar-gos sociais incidem sobre a folha de pagamento de salários, comissões eremunerações. Desta forma, apenas os tributos e as comissões sobre vendasdevem ser considerados como despesas variáveis.

Segue-se um breve comentário sobre os tributos mais comuns incidentes sobreo preço de venda na empresa comercial, seus fatos geradores, suas bases decálculo, alíquotas, finalidades e características.

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6.1 SIMPLES – SISTEMA INTEGRADO DE PAGAMENTO DE IMPOSTOSE CONTRIBUIÇÕES DAS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DEPEQUENO PORTE (FEDERAL)

Com base na Lei 9.317/96 (recentemente alterada pela Medida Provisória n.°1.729 de 02/08/98, art. 6°), o Governo federal criou o Sistema Integrado dePagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas dePequeno Porte.

Este tributo, para as empresas comerciais, unificou o Imposto de Renda daPessoa Jurídica (IRPJ), Programa de Integração Social (PIS), ContribuiçãoSocial Sobre o Lucro Líquido (CSLL), Contribuição Para Financiamento daSeguridade Social (COFINS) e Contribuições Previdenciárias do Empregador(INSS).

Esse tributo incidirá sobre a receita bruta da empresa, exceto em descontoscondicionais concedidos e vendas canceladas. O enquadramento para a alí-quota de tributação corresponde ao nível de faturamento da empresa, confor-me mostra a tabela abaixo:

Tabela 2. Demonstra a Faixa de Faturamento para Enquadramento em Microempresa e Empresade Pequeno Porte no SIMPLES, (Lei nº 9.732/98) e o % incidente sobre o preço de venda.

FAIXA DE RECEITA NA MODALIDADEDE TRIBUTAÇÃO SIMPLES

ALÍQUOTA PROGRESSIVA

MICROEMPRESA COFINS PIS IRPJ CSLL INSS SOMAAté R$ 60.000,00 1,8 0,0 0,0 0 1,2 3,0%De R$ 60.000,00 a R$ 90.000,00 2,0 0,0 0,0 0,4 1,6 4,0%

De R$ 90.000,00 a R$ 120.000,00 2,0 0,0 0,0 1,0 2,0 5,0%EMPRESA DE PEQUENO PORTE COFINS PIS IRPJ CSLL INSS SOMAAté R$ 240.000,00 2,0 0,13 0,13 1,0 2,14 5,4%

De R$ 240.000,00 a R$ 360.000,00 2,0 0,26 0,26 1,0 2,28 5,8%De R$ 360.000,00 a R$ 480.000,00 2,0 0,39 0,39 1,0 2,42 6,2%De R$ 480.000,00 a R$ 600.000,00 2,0 0,52 0,52 1,0 2,56 6,6%

De R$ 600.000,00 a R$ 720.000,00 2,0 0,65 0,65 1,0 2,70 7,0%De R$ 720.000,01 a R$ 840.000,00 2,0 0,65 0,65 1,0 3,10 7,4%De R$ 840.000,01 a R$ 960.000,00 2,0 0,65 0,65 1,0 3,50 7,8%

De R$ 960.000,01 a R$ 1.080.000,00 2,0 0,65 0,65 1,0 3,90 8,2%De R$ 1.080.000,01 a R$ 1.200.000,00 2,0 0,65 0,65 1,0 4,30 8,6%

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Em princípio, toda e qualquer empresa comercial que tenha o nível de fatura-mento exposto na tabela acima poderá se utilizar deste tratamento tributáriodiferenciado.

6.2 IRPJ – IMPOSTO DE RENDA DA PESSOA JURÍDICA (FEDERAL)

De acordo com a Lei 9.249/95, o governo Federal instituiu as últimas alteraçõesdo IRPJ. Na regulamentação deste tributo estão previstos três tipos de apuraçãode lucros: real, presumido e arbitrado. Neste trabalho, vamos comentar apenas olucro real e presumido, por serem os mais utilizados nas empresas comerciais.

6.2.1 Conceito de Lucro Real

O enquadramento “por excelência” proposto pelo Regulamento do Impostode Renda, Decreto n.º 3.000 de 26/03/1999 – DOU de 29/03/1999 (RIR/99) éa tributação com base no Lucro Real, a partir de onde decorre o enquadra-mento dos demais impostos e contribuições federais, inclusive a ContribuiçãoSocial Sobre o Lucro (CSSL).

O lucro real é um conceito fiscal e não econômico. No conceito econômico, olucro é o resultado positivo obtido pela diferença entre as receitas e despesasem um dado período. A legislação do imposto de renda denomina esse resul-tado contábil (econômico) de lucro líquido.

A expressão Lucro Real significa o próprio lucro tributável, para fins da legis-lação do imposto de renda, distinto do lucro líquido apurado contabilmente.

De acordo com o artigo 247 do RIR/99, lucro real “é o lucro líquido do período-base ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou autoriza-das por este Regulamento”. A determinação do lucro real será precedida daapuração do lucro líquido de cada período-base, com observância das leis co-merciais e fiscais, e demonstrado no Livro de Apuração do Lucro Real (LALUR).

Verifica-se de imediato que, como o ponto de partida para determinação dolucro real, é o resultado líquido apurado na escrituração comercial; logo, olucro real só pode ser determinado pela escrituração contábil.

Podemos concluir que, em princípio, todas as empresas comerciais deverãoser tributadas com base na legislação do Lucro Real. Somente por opçãoprópria, observados os dispositivos legais vigentes, poderá ser tributada peloSIMPLES ou Lucro Presumido.

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6.2.2 Conceito de Lucro Presumido

É uma modalidade optativa de apurar o lucro e, conseqüentemente, o Impos-to de Renda e a Contribuição Social das Pessoas Jurídicas, observando-sedeterminados limites e condições.

O fisco presume antecipadamente o lucro e o tributa com uma alíquota únicade 15%. Nas empresas comerciais, o governo presume um lucro de 8% dareceita bruta. Aplicando-se os 15% em 8% de lucro teremos 1,2%, sobre areceita bruta.

Utilizando-se da mesma sistemática do IRPJ, a Contribuição Social (CS) écalculada com a aplicação de um percentual de 9% ( a partir de fevereiro de2000) sobre um lucro também presumido de 12%, dando um resultado de1,08% ( 9% de 12%).

Conclui-se que o IRPJ e a Contribuição Social das empresas varejistas queoptaram pelo Lucro Presumido é uma despesa variável, correspondendo a1,2% e 1,08, respectivamente, do preço de venda.

Essa sistemática não se aplica às empresas comerciais tributadas pelo LucroReal, cujo IRPJ e a Contribuição Social só serão devidos, se a empresa apre-sentar lucro, devidamente apurado e demonstrado no Livro de Apuração doLucro Real (LALUR). Quando não houver lucro, não há Imposto de Renda eContribuição Social a pagar.

Importante ressaltar que o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e a Contri-buição Social, das empresas enquadradas no Lucro Real são apurados combase na escrituração comercial, não havendo nenhuma relação com o preçode venda, portanto não se constituem despesas variáveis.

6.3 PIS - PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL (FEDERAL) - FATURAMENTO

O PIS - Faturamento é uma contribuição para o financiamento do Programado Seguro-Desemprego e do abono anual de 1 salário-mínimo, asseguradopela Constituição Federal, aos empregados que percebam remuneração men-sal de até dois salários-mínimos.

As empresas comerciais estão sujeitas a esta contribuição sobre o faturamen-to (vendas) a uma alíquota de 0,65%.

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6.4 COFINS – CONTRIBUIÇÃO PARA O FINANCIAMENTO DASEGURIDADE SOCIAL (FEDERAL)

A COFINS - Contribuição para Financiamento da Seguridade Social foi insti-tuída para custear, exclusivamente, as despesas com atividades-fim das áre-as de saúde, previdência e assistência social, tendo como base de incidênciao faturamento.

As empresas comerciais estão sujeitas a esta contribuição sobre o faturamen-to (vendas) a uma alíquota de 3%.

6.5 ICMS – IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS EPRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE INTERESTADUAL EINTERMUNICIPAL E DE COMUNICAÇÃO (ESTADUAL)

As atividades comerciais têm como fato gerador do ICMS a venda de merca-dorias e a entrada de bens do ativo imobilizado (máquinas/equipamentos)oriundas de outros estados e de Distrito Federal.

Por ter incidência sobre o preço da mercadoria, calculado por dentro, o preçojá embute a parcela do ICMS. A legislação é muito clara: o ICMS é um impos-to que deverá estar incluído no preço da mercadoria.

Na verdade, o ICMS é um tributo não-cumulativo que tem como base decálculo o valor agregado das mercadorias. Isto significa que se pode utilizar ocrédito gerado em cada etapa da comercialização.

As alíquotas variam para cada estado e de acordo com a política tributáriaestadual. Em alguns estados brasileiros, encontram-se legislações de Micro-empresas, que dispõem de um tratamento específico quanto ao ICMS.

Apesar de existirem particularidades e alíquotas diferenciadas a situações e amercadorias específicas, aqui serão utilizadas as bases usuais do Estado doEspírito Santo, uma vez que cada Estado tem sua legislação própria, embora,na concepção deste tributo, não se devam encontrar muitas variações.

Genericamente, a empresa comercial varejista utiliza a alíquota de 17% paravendas no Estado e 12% para vendas destinadas a contribuintes do ICMSsituados em outros Estados. Se a venda é realizada para qualquer pessoafísica ou pessoa jurídica não contribuinte do ICMS, situada em outro Estado,a alíquota é 17%.

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Com o objetivo de facilitar a interpretação dos relatórios propostos, elabora-mos a tabela abaixo, considerando como despesa variável somente os im-postos incidentes sobre o preço de venda, objeto de estudo neste trabalhocom a alíquota de ICMS de 17%.

Tabela 3. Demostra os impostos incidentes sobre o preço de venda considerando-se aalíquota de 17%

7 O CUSTO DA MERCADORIA

Nas empresas comerciais, o custo variável refere-se somente ao Preço deCusto da Mercadoria, que, dependendo do enfoque, é também denominadode Custo da Venda ou Custo da Mercadoria Vendida.

Na empresa comercial, todos os gastos incorridos, desde a compra da merca-doria até o momento em que esteja à disposição da empresa, compõem oCusto da Mercadoria. O IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), frete,embalagem, juros, seguro etc., quando cobrados em separado do preço da

ENQUADRAMENTO FISCAL ALÍQUOTA FIXAIMPOSTOS SOBRE PREÇO DE VENDA ICMS COFINS PIS IRPJ CSLL INSS SOMALUCRO REAL 17,0 3,0 0,65 - - - 20,65

LUCRO PRESUMIDO 17,0 3,0 0,65 1,2 1,08 - 22,93SIMPLES ICMS COFINS PIS IRPJ CSLL INSS SOMAMICROEMPRESAAté R$ 60.000,00 17 1,8 0,0 0,0 0 1,2 20,0De R$ 60.000,00 a R$ 90.000,00 17 2,0 0,0 0,0 0,4 1,6 21,0De R$ 90.000,00 a R$ 120.000,00 17 2,0 0,0 0,0 1,0 2,0 22,0

EMPRESA DE PEQUENO PORTEAté R$ 240.000,00 17 2,0 0,13 0,13 1,0 2,14 22,4De R$ 240.000,00 a R$ 360.000,00 17 2,0 0,26 0,26 1,0 2,28 22,8

De R$ 360.000,00 a R$ 480.000,00 17 2,0 0,39 0,39 1,0 2,42 23.2De R$ 480.000,00 a R$ 600.000,00 17 2,0 0,52 0,52 1,0 2,56 23,6De R$ 600.000,00 a R$ 720.000,00 17 2,0 0,65 0,65 1,0 2,70 24,0

De R$ 720.000,01 a R$ 840.000,00 17 2,0 0,65 0,65 1,0 3,10 24,4De R$ 840.000,01 a R$ 960.000,00 17 2,0 0,65 0,65 1,0 3,50 24,8De R$ 960.000,01 a R$ 1.080.000,00 17 2,0 0,65 0,65 1,0 3,90 25,2

De R$ 1.080.000,01 a R$ 1.200.000,00 17 2,0 0,65 0,65 1,0 4,30 25,6

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mercadoria, são exemplos. Entretanto, para determinação do preço de custo,precisamos considerar aspectos que são particulares à empresa comercial.

Empresas comerciais são contribuintes do ICMS (Imposto sobre a Circulaçãode Mercadorias e Serviços) e não do IPI, portanto esse imposto deve sertratado de forma diferenciada.

Segundo Bernardi (1998), basicamente, o custo da mercadoria será compos-to pelos seguintes elementos:

Valor da Nota Fiscal (com IPI se comprada da indústria)(-) ICMS incluído no preço2

(=) Valor da Mercadoria(+) Frete da Compra(-) ICMS incluído no frete(=) Custo da mercadoria

O ICMS é excluído do custo, uma vez que gera crédito de imposto para com-pensação com o ICMS incidente sobre o preço das vendas. O mesmo trata-mento é dado ao frete.

Esse fato já não ocorre com o IPI, que é considerado agregado ao valor damercadoria, não recuperável, portanto integra o valor da mercadoria paraapuração do preço de custo.

Uma vez definido o custo da mercadoria adquirida, há que se valorizar osestoques para futuro confronto dos custos com a receita. Os métodos de va-lorização contábil resumem-se basicamente a quatro, quais sejam:

• PEPS - O primeiro que entra é o primeiro que sai.

• UEPS - O último que entra é o primeiro que sai.

• MÉDIA PONDERADA:

– MÓVEL - A cada entrada, novos custos médios são calculados, e assaídas, por estes custos.

– FIXA - Todas as entradas do período são consideradas e um custo médioé apurado enquanto as saídas são consideradas no final por este customédio.

2 Neste exemplo estamos considerando a apuração do ICMS normal. Alguns Estados oferecemtratamento diferenciado para o recolhimento do ICMS como às Microempresas, outros estabelecemo ICMS Fixo, há casos ainda do ICMS Estimativa. Para aplicação correta dos conceitos oraapresentados, é necessário um estudo específico da legislação do Estado para apuração correta docusto da mercadoria.

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• ESPECÍFICO - A mercadoria é comprada especificamente para determi-nada venda, e a saída é considerada pelo custo específico da mercadoria.

• REPOSIÇÃO - A mercadoria é avaliada pelo preço que custaria a suareposição ao estoque.

Além dos custos explícitos das mercadorias, existem custos implícitos relaci-onados ao ciclo do estoque, custo de oportunidade, não se constituindo objetode estudo neste trabalho.

Uma vez conhecido o custo da mercadoria e o enquadramento fiscal da em-presa (Lucro Real, Lucro Presumido e SIMPLES), pode-se sugerir a elabora-ção de relatórios gerenciais a partir da utilização do índice de marcação depreços, como forma de contribuição à definição de preços de venda.

8 RELATÓRIO GERENCIAL PROPOSTO PARA UTILIZAÇÃO EMDECISÃO DE PREÇO DE VENDA

Suponha-se uma empresa comercial tributada pelo Lucro Presumido adqui-rindo uma mercadoria (X) ao preço de custo $50,00 tendo o seu preço médiode mercado a $100,00.

8.1 RELATÓRIO PROPOSTO

Empresa (A) Data: __/__/__

• Mercadoria: (X) Preço de Custo $ 50,00 Preço de Mercado $100,00

• Despesas Variáveis:ICMS 17,00% + COFINS 3,00% + PIS 0,65% + IRPF 1,20% + CS 1,08% = 22,93%

• Preço sem Margem de Contribuição $ 64,87• % de Margem de Contribuição Objetivada 10%• Preço com Margem de Contribuição Objetivada em 10% $ 74,54• Preço Praticado pelo Mercado $100,00• Valor da Margem de Contribuição Praticada pelo Mercado $ 27,07• % de Margem de Contribuição Praticada pelo Mercado 27%• IMP com base na M.C. Praticada pelo Mercado 50,07• Preço de Venda Decidido pela Administração3 $ 80,55• Margem de Contribuição da Mercadoria $ 12,08• % de Margem de Contribuição da Mercadoria 15%

3 Preço decidido hipoteticamente para uma melhor interpretação do relatório.

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DEMONSTRATIVO DOS CÁLCULOSDOS VALORES CONSTANTES NO RELATÓRIO

Cálculo do preço sem margem de contribuição:Fórmula do IMPIMP = 100% (-) % DV (-) % MCOIMP = 100% (-) 22,93% (-) % 0IMP = 77,07%

Cálculo do preçoPV = PC / IMP * 100PV = $50,00 / 77,07% * 100PV = $64,87

Demonstração da margemMC = PV – (CV + DV)MC = $64,87 – 50,00 + $14,874

MC = 0

Cálculo do preço de venda com margem de contribuição objetiva em 10%:Fórmula do IMPIMP = 100% (-) % DV (-) % MCOIMP = 100% (-) 22,93% (-) 10%IMP = 67,07%

Cálculo do preçoPV = PC / IMP * 100PV = $50,00 / 67,07% * 100PV = $74,54

Demonstração da margemMC = PV – (CV + DV)MC = $74,54 – 50,00 + $17,095

MC = $7,45 ☛ 10%6

4 DV=22,93%*PV=$64,87=$14,875 DV=22,93%*PV=$74,54=$17,096 $7,45 / $74,54*100 = 10%

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Cálculo do % de margem de contribuição praticada pelo mercado:Preço Praticado pelo Mercado $ 100,00

Despesas Variáveis (22,93%) $ 22,93

Preço de Custo $ 50,00

Margem de Contribuição $ 27,07

% da Margem de Contribuição 27%

IMP a ser utilizado na decisão de formação do preços com base namargem de contribuição praticada pelo mercado

IMP = 100% (-) % DV (-) % MCM7

IMP = 100% (-) 22,93% (-) 27%

IMP = 50,07%

Cálculo do % de margem de contribuição da mercadoria do preço devenda decidido pela administraçãoPreço da Mercadoria $ 80,55

Despesas Variáveis (22,93%) $ 18,47

Preço de Custo $ 50,00

Margem de Contribuição $ 12,08

% da Margem de Contribuição 15%

IMP a ser utilizado pela administração com base na margem decontribuição praticada pelo mercado

IMP = 100% (-) % DV (-) % MCM

IMP = 100% (-) 22,93% (-)15%

IMP = 62,07%

9 CONCLUSÃO

O objetivo deste trabalho foi discutir e demonstrar que a utilização adequadado conceito de margem de contribuição pode contribuir para a decisão depreços de venda em empresas comerciais.

7 MCM= Margem de Contribuição do Mercado

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A utilização do relatório proposto propicia informações que facilitam a tomada dedecisões de fixação de preços de venda e compras de mercadorias, colaboran-do, assim, para o gerenciamento de empresas que atuam no comércio varejista.

Para sua elaboração, é fundamental a identificação correta dos elementosque integram o conceito de Margem de Contribuição. O cálculo do preço decusto da mercadoria, os critérios de avaliação do estoque, o enquadramentofiscal, a legislação do ICMS do Estado onde a empresa esteja situada, a polí-tica de comissionamento sobre vendas, entre outras despesas incidentes so-bre o valor da venda, são fundamentais para a construção do relatório proposto.

No exemplo apresentado, o campo de estudo ficou delimitado ao enquadra-mento fiscal e à construção do índice de marcação de preços, entendendoque a delimitação é suficiente à construção lógica do relatório.

Quanto à utilização do relatório no processo de tomada de decisão, entreoutras, destacamos a informação do preço sem a margem de contribuiçãocomo fundamental para a definição da política de compras de mercadorias,principalmente quando se constata que o preço de mercado é inferior ao pre-ço sem a margem.

Essa mesma informação pode ser ainda utilizada em estratégias de vendacomo as do tipo every day low price8 e também em campanhas promocionaiscomo as queimas de estoque e liquidações.

Os gestores que trabalham decidindo preços com base na margem de contri-buição objetivada, ao lerem o relatório, recebem um alerta quando uma mer-cadoria estiver com o preço majorado.

A informação simultânea do preço sem margem, com o preço de mercado eo preço decidido pela administração, permite uma maior flexibilidade à políti-ca de desconto. Oferecer desconto a partir da redução do percentual da mar-gem de contribuição permite maior liberdade aos vendedores na negociaçãode preços num “mix” de mercadorias.

Esperamos que este ensaio dê início à discussão sobre a importância de ela-boração de relatórios gerenciais para a decisão de preços de venda e queseja ainda uma contribuição aos contabilistas que atuam em escritórios decontabilidade e que desejam oferecer os serviços de contabilidade gerencialaos seus clientes.

8 Preço baixo todo dia (tradução livre do autor)

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ANÁLISE CRÍTICA DOS INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO DAAPRENDIZAGEM DO CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA 1

SANTOS, MARCELO R. D. *

* Médico VeterinárioEspecialista em Genética e Biologia MolecularCoordenador do Curso de Medicina Veterinária do Centro Universitário Vila Velhae-mail: [email protected]

1 Este trabalho foi apresentado como requisito para avaliação do Módulo de Avaliação e Recursos deAprendizagem do Curso de Mestrado em Educação Médica da Escola Nacional de Saúde Públicada Universidade de Havana, Cuba no primeiro semestre de 2001.

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RESUMO

Neste trabalho é feita uma avaliação crítica dos instrumentos de avaliação daaprendizagem utilizados no curso de Medicina Veterinária do Centro Univer-sitário Vila Velha (UVV), aplicados entre julho de 2000 e junho de 2001. Aanálise é feita sob o referencial teórico descrito e são feitas recomendaçõespara a melhoria da qualidade dos instrumentos de avaliação utilizados e doprocesso avaliativo como um todo.

Palavras-chave: Ensino Superior; Medicina Veterinária; Avaliação da Apren-dizagem.

ABSTRACT

A critical analysis of the assesment instruments used at the Veterinary MedicineCourse of the Centro Universitário Vila Velha (UVV), Espírito Santo, Brazil,between July 2000 and May 2001 is done under the theorical referencedescribed, and recomendations are made to improve the quality of theinstruments utilized at the course, as well as the whole evaluation process.

Keywords: Higher education, veterinary medicine, learning evaluation.

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho visa, baseado nos aspectos teóricos expostos a seguir, fazeruma análise crítica dos instrumentos de avaliação escrita da aprendizagem,utilizados no curso de medicina veterinária e propor recomendações para suamelhor aplicação e para o processo de avaliação como um todo. Não se trataefetivamente de um projeto de pesquisa, mas da exposição dos resultadosobtidos através do trabalho sistemático da coordenação pedagógica do cursode Medicina Veterinária do Centro Universitário Vila Velha (UVV), na avalia-ção das provas aplicadas no curso.

As provas escritas são o meio mais empregado para a avaliação da aprendi-zagem atualmente. Na UVV, todas as disciplinas do curso de Medicina Vete-rinária, exceto uma (Metodologia do Trabalho Científico, que utiliza apenastrabalhos na avaliação) as utilizam no processo de avaliação. É uma diretrizcomum das instituições de ensino (inclusive na UVV) que, pelo menos 70%

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da pontuação do alunos seja formalmente registrada individualmente (prova)e os outros 30% sejam divididos em tarefas em classe ou extraclasse comorevisões bibliográficas, relatórios de atividades práticas, resumos, etc. É mui-to relevante que se avaliem as provas escritas, pois, sem dúvida, são deter-minantes da classificação dos alunos, e seus resultados são uma fonte deinformação para as mudanças curriculares.

Outra forma de avaliação muito empregada é a prova prática, utilizada emdisciplinas como Anatomia, Histologia e Patologia geral, nas quais os alunossão solicitados a identificar estruturas ou alterações. Há, também, as provasde habilidades, como as provas práticas de Técnica Cirúrgica e Semiologianas quais é avaliada a capacidade de organização e de aplicação das técni-cas e protocolos utilizados. Nestas provas, geralmente são respeitadas aslimitações físicas individuais e a falta de prática e pouco desenvolvimento dehabilidades motoras que dependam da repetição como fator consolidador dahabilidade. Assim, a habilidade manual e a coordenação motora têm um ca-ráter secundário, sem, entretanto, deixar de fazer parte do processo. Em ge-ral, a aplicação destas avaliações é feita com o uso de uma lista de verificação.

Diversas formas e aplicações têm sido dadas às provas e em alguns casos,toda a avaliação da aprendizagem é feita com apenas um exame escrito aofinal do semestre ou módulo. Esta situação é indesejável pois a avaliaçãoperde o caráter de continuidade e processo, e fica somente somativa (segun-do a terminologia de Scriven). Souza (1991), em uma revisão que reuniu aopinião de autores como Tyler, Taba, Ausubel, Pophn, Bloom e Ebel sobre aavaliação da aprendizagem, concluiu que eles concordam que a avaliação éum processo de julgamento do desempenho do aluno diante dos objetivoseducacionais propostos. Assim, a simples soma dos pontos de uma avaliaçãopontual no final do bimestre não se caracteriza como um processo de avalia-ção.

A avaliação da aprendizagem se caracteriza como processo na medida emque engloba várias etapas, desde a definição dos objetivos educacionais atéa utilização dos resultados obtidos para a retroalimentação do processo deensino-aprendizagem (DEPRESBITERIS, 1989). A avaliação da aprendiza-gem se desenvolve de forma contínua e ampla, utilizando diversos instru-mentos, incluindo a auto-avaliação, a aplicação de provas e a observação.Cumpre a função de diagnosticar, retroinformar e favorecer o desenvolvi-mento individual do estudante, englobando todos os indivíduos participantesdo processo ensino-aprendizagem (MARTINS, 1993).

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A avaliação tem na análise do desempenho do aluno um de seus focos dejulgamento do êxito ou fracasso do processo pedagógico. Como um processode investigação, a preocupação se move dos procedimentos e instrumentos,para os princípios e fins (SOUZA, 1991).

Compreendendo-a deste modo, a avaliação ganha importância tanto para oprofessor com para o aluno, como alavanca para o próprio desenvolvimento ecomo força motivadora da aprendizagem. Infelizmente encontramos situa-ções em que a avaliação não compreendida corretamente tem um papel so-mente punitivo, fiscalizador ou de medida.

Compreendemos que diferentes instrumentos de avaliação devam ser em-pregados no processo pedagógico em uma disciplina, permitindo a análisedas muitas características e mudanças ocorridos no aluno ao alcançar osobjetivos educacionais propostos no plano de curso. As provas escritas sãoimportantes instrumentos dentro do processo avaliativo. De fato, como temosobservado em muitos casos no curso de Medicina Veterinária, temos queavaliar estes exames pois encontramos erros e o mal uso destas provas.

Como a maioria dos professores não têm uma preparação pedagógica efeti-va, muitos repetem as formas e modelos que foram utilizados em seus cursosde graduação em outras instituições de diversos pontos do Brasil, sem levarem conta as particularidades da instituição local e a realidade dos alunos darede privada de ensino superior.2 Os professores constroem os instrumentosde avaliação sem levar em conta os aspectos científicos da elaboração deexames como propósitos e objetivos, identificação de condutas e problemas,especificações de conteúdos ou o melhor método avaliativo a empregar.

Os instrumentos de avaliação devem ser utilizados para conhecer a efetivida-de do ensino e os resultados da aprendizagem dos educandos. Todo instru-mento de avaliação da aprendizagem deve reunir as seguintes característicasgerais (ANEIROS, 2001):

a) Pertinência com os objetivos educacionais. Como avaliar se não se sabe oque se deseja formar? Sem objetivos educacionais bem definidos e escri-tos, não se tem como avaliar o aluno sem perder a objetividade.

2 É comum o comentário entre os coordenadores de curso de que os alunos da rede privada de ensinosuperior no Brasil, em geral, têm uma baixa preparação básica prévia e, por isso, têm dificuldade emacompanhar o ritmo da universidade. A necessidade do preenchimento de vagas para o custeio docurso força as instituições de ensino privadas a diminuírem o nível de dificuldade do processoseletivo para ingresso.

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b) Ser realista e prático, focalizando a aplicabilidade dos conhecimentos navida profissional.

c) Ter validez e confiabilidade;

d) Ser objetivo e factível. Provas longas ou questões com enunciados muitotextuais são cansativas. Em classes com um grande número de alunos po-dem não ser factíveis, ou despender um tempo excessivo para correção.

e) Deve compreender os conteúdos mais importantes e úteis. Um indíciocontundente do desconhecimento de um tema é não conseguir extrair des-te aquilo que realmente importa.

f) Ser completo, porém o mais breve possível. O tipo de instrumento deveser escolhido levando-se em conta também a quantidade de conteúdo aser abordada na avaliação.

g) Ser conciso, e claro em sua redação.

Ainda, segundo Aneiros (2001), podemos classificar os métodos de avaliaçãocomo testes de atitude e testes de rendimento. Os primeiros medem a influên-cia cumulativa de uma multiplicidade de experiências da vida ordinária, ouseja, medem os efeitos da aprendizagem sob condições não controladas e des-conhecidas, tais como o arrazoamento verbal, a inteligência ou a criatividade(ANEIROS, 2001). Os testes de rendimento se limitam a medir os efeitos dasatitudes obtidas em um contexto mais rígido e invariável, relativamente semlevar em conta a influência de aspectos inerentes ao contexto de vida do aluno.Como o conhecimento que os alunos adquirem é baseado na análise mentalque leva em conta toda a vida pregressa, as experiências, sua forma de ver avida e todas estas características peculiares de cada indivíduo, não há comoseparar os aspectos teóricos do conhecimento, dos aspectos práticos aplicá-veis na vida dos estudantes, que, sem dúvida, são a base das atitudes profissi-onais. Ou seja, as atitudes profissionais, as habilidades e o comportamento aserem avaliados em um contexto mais amplo, serão construídos não somentede conhecimentos teóricos e práticos expostos pelo professor, mas, segundo aanálise feita pelo aluno, segundo sua inteligência, criatividade e experiência.Assim, não se pode separar a avaliação do rendimento, da avaliação das atitu-des, pois as duas se concentram no indivíduo que é indissociável.

Com base no que se deseja obter como perfil profissional, pode-se confecci-onar instrumentos que meçam até que ponto os estudantes alcançaram capa-citação. O ser, o saber e o saber-fazer são três importantes condições quedevem ser medidas quantitativa ou qualitativamente de acordo com as pecu-

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liaridades de cada disciplina. Para isso utilizam-se testes variados que, sim-plificadamente, podemos classificar como objetivos e discursivos.

Os testes objetivos são aqueles em que os alunos têm que optar por umaresposta. Por exemplo, os testes de múltipla escolha, verdadeiro ou falso e deassociação. Nos testes discursivos, os alunos têm que criar suas própriasrespostas, expressando-se com as próprias palavras. Existem ainda os testesque mesclam os dois tipos, utilizando perguntas de respostas curtas ou decompletar, a que chamamos mistos. Na tabela 1 pode-se observar as diferen-ças e características de ambos e como se complementam.

Como se observa, os diferentes tipos de exames escritos têm vantagens edesvantagens e devem ser utilizados em conjunto para se obter uma avalia-ção mais ampla e realista. Esta combinação também permite alcançar factibi-lidade de execução e reprodutibilidade em turmas de 40 a 50 alunos, como éfreqüente.

Tabela 1: Análise resumida dos diferentes tipos de instrumentos de avaliação escrita. Observe arelação de complementaridade entre os testes objetivos, mistos e discursivos

Fatores Discursivos Mistos ObjetivosCapacidade de expressão + + - -Capacidade de organização do pensamento,criatividade e síntese + + - -Capacidade de resolução de novos problemas + + + ++Capacidade de medição de objetivos comportamentais + + - -Conhecimento da profundidade e domínio do conteúdo + + +- -Isolar a subjetividade do avaliador - +- +Padronização - + +Possibilidade de acerto ao acaso - - +Possui valor potencial para diagnosticar - + + +Amostra todos os objetivos de ensino - - + +Amostra todo o conteúdo - - +Pontuação consistente de todos que corrigem - - +Distingue com precisão níveis de competênciade todos os examinados - - +Correção eletrônica ou por outro profissional - - +Correção rápida - +- +Requer pouco tempo para elaborar questões + + + -

Fonte: Aneiros (2001, p. 67)

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2 ANÁLISE DOS INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO

2.1 METODOLOGIA UTILIZADA

A análise sistemática dos instrumentos de avaliação da aprendizagem é parteda rotina de trabalho da coordenação pedagógica do curso de Medicina Vete-rinária da UVV. Foram selecionadas aleatoriamente 138 provas escritas dediversas disciplinas, analisadas pela coordenação pedagógica do curso entrejunho de 2000 e julho de 2001 (tabela 2). As provas foram classificadas quan-to ao tipo podendo ser: objetiva, (com questões de múltipla escolha, V ou F erelacionar colunas, por exemplo) mista, com questões objetivas e discursivas(incluindo questões de preencher lacunas). E discursivas, quando o alunoescreve a resposta sem escolher opções, mesmo se a resposta for curta. Aanálise foi feita de acordo com os seguintes critérios: quanto à construção daprova (cabeçalho, formatação, tamanho), construção de questões, ortografia,pertinência do conteúdo e utilização adequada do tipo de prova. Como asprovas abrangem conteúdos dos mais diversos, a pertinência do conteúdonão foi definitivamente julgada como pertinente ou não, mas apenas questio-nada para ensejar uma revisão pelo professor.

Tabela 2: Disciplinas cujas provas foram analisadas no período de junho de 2000 a julho de 2003.

Disciplina n %

Introdução à Medicina Veterinária 1 0,7Zoonozes 1 0,7Deontologia e Legislação Veterinária 1 0,7Doenças Infectocontagiosas 1 0,7Sociologia 1 0,7Citologia, Histologia e Embriologia Veterinária 1 0,7Ecologia 1 0,7Doenças Parasitárias 1 0,7Fisiopatologia da Reprodução Animal 1 0,7Clínica de Animais de Pequeno Porte 1 0,7Bromatologia e Nutrição Animal 2 1,4Forragicultura 2 1,4Farmacologia e Terapêutica 2 1,4Imunologia Veterinária 2 1,4Processamento de Produtos de Origem Animal 2 1,4Higiene e Inspeção de Produtos de Origem Animal 2 1,4Parasitologia Veterinária 2 1,4

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2.2 RESULTADOS OBTIDOS

Das 138 provas analisadas, 6 (4,3%) eram objetivas, 62 (44,9%) eram discur-sivas e 70 (50,7) eram mistas (tabela 3).

Tabela 3: Distribuição absoluta e percentual dos tipos de provas aplicadas entre junho de 2000 ejulho de 2001.

Disciplina n %

Química Geral e Orgânica 2 1,4Produção Animal I (Suinocultura e Avicultura) 3 2,2Bioclimatologia 3 2,2Técnica Cirúrgica e Anestesiologia 4 2,9Bioquímica e Biofísica 4 2,9Epidemiologia Veterinária 4 2,9Produção Animal II (Bovinocultura e Equideocultura) 4 2,9Bioestatística 4 2,9Zoologia Aplicada à Medicina Veterinária 5 3,6Microbiologia Veterinária 5 3,6Semiologia Veterinária 5 3,6Anatomia animal 5 3,6Genética 5 3,6Laboratório Clínico Veterinário 5 3,6Língua Portuguesa 5 3,6Melhoramento Genético Animal 6 4,3Patologia e Clínica Cirúrgica 6 4,3Clínica de Grandes Animais 7 5,1Patologia Geral Veterinária 10 7,2Fisiologia Veterinária 11 8,0Patologia Especial Veterinária 11 8,0Total 138 100,0

Tipo de Prova n %

Objetiva 6 4,3Discursiva 62 44,9Mista 70 50,7

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Tabela 4: Distribuição percentual dos problemas encontrados nas provas aplicadas entre junho de2000 e Julho de 2001.

Os problemas mais encontrados foram relacionados a construção de ques-tões (13,8%), seguido de provas muito curtas que não abrangiam conteúdosuficiente para avaliação (12,3%) e erros ortográficos (10,1%).

Neste texto, apenas a título de ilustração, transcrevemos 11 questões quecontêm erros ou observações interessantes e que exemplificam os tipos maiscomuns de problemas encontrados. A exposição destas onze questões foifeita designando sempre a disciplina, o número de questões, o tipo de prova eas observações referentes a cada uma. As provas foram analisadas quanto àconstrução, ortografia, pertinência do conteúdo e à utilização adequada dotipo de prova.

1o Exemplo

Disciplina: Bromatologia, Alimentos e Alimentação Animal

Número de questões: 7

Tipo: Misto

1. Coloque Falso (F) ou Verdadeiro (V):

( ) Grande parte dos custos de produção nas criações animais são refe-rentes a gastos com alimentação.

Análise: Questionamos ao professor: que dúvida há nisto? A afirmati-va não é óbvia demais? Deve-se abordar o tema de uma maneiramais reflexiva, que exija mais do aluno.

Problema n %

Tipo de prova inapropriado 2 1,4Falta de pertinência nos temas abordados 4 2,9Prova muito longa 5 3,6Formatação 9 6,5Erros no cabeçalho 11 8,0Erros ortográficos 14 10,1Prova muito curta 17 12,3Construção de questões 19 13,8

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( ) No século XVIII houve uma grande impulso nos estudos da digestão.

Análise: É uma parte importante do conteúdo? Datas, valores, nomesna maioria das vezes somente levam à memorização e não a um raci-ocínio importante.

2. Numere a segunda coluna de acordo com a primeira:

1. Estômago ( ) HCL e pepsinogênio

2. Tripsina ( ) Engloba digestão, absorção, transportedos nutrientes...

3. Lavoisier ( ) Lei da conservação das massas

4. Nutricão ( ) N x 6,25...

Análise: Apenas uma questão abrangendo muitos assuntos diferentese sem correlação direta, torna as opções ou por demais óbvias ou semnenhum sentido. O uso de fórmulas é mais bem avaliado se o aluno asaplica e não se as memoriza.

2o Exemplo

Disciplina: Técnica Cirúrgica e Anestesiologia Veterinária

No de questões: 8

Tipo: Discursiva

1. Liste quais são os objetivos que se pretende alcançar com o estudodos procedimentos manuais e instrumentais pelos quais os tecidossão incisados e reconstruídos sob um plano determinado.

Análise: Apesar de solicitar algo objetivo (“liste”),a pergunta é muito gené-rica e a resposta muito ampla, levando a possibilidades muito diferentesde entendimento.

2. Você vai realizar um procedimento cirúrgico e necessita determinarqual é a forma de esterilização e/ou desinfecção dos itens abaixo:

a) instrumental cirúrgico

b) mãos do cirurgião

c) mesa cirúrgica...

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Análise: A situação está proposta, mas o enunciado não é claro em espe-cificar que o aluno tem que dizer qual é o melhor método de desinfecçãodos itens. O enunciado poderia ser: Você vai realizar um procedimentocirúrgico. Determine qual é a melhor forma de esterilização e/ou desinfec-ção dos itens abaixo:

3o Exemplo

Disciplina: Equideocultura

Número de questões: 5

Tipo: Misto

1. Ponha (F ) se falso e (V) se verdadeiro.

( ) A Fazenda Mangalarga ficava no sul de Minas Gerais, origem da raçaMangalarga Marchador.

2. A raça campolina apresenta:

A cabeça de perfil é , o andamento do tipoe seu fundador foi

no estado de .

Análise: Há relevância no fundador e no local da fundação de uma raça?A propósito, uma raça é fundada ou criada? Na prova como um todo nãose abordaram temas técnicos relevantes. Seria preciso verificar o conteú-do da disciplina?

4o Exemplo

Disciplina: Suinocultura

Número de questões: 6

Tipo: Misto

1. A atividade suinícola pode ser implementada no Brasil, pois é:

a) socialmente desejável;

b) Tecnicamente possível;

c) economicamente interessante;

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d) ecologicamente sustentável;

Justifique:

Análise: A construção do enunciado não é clara, pois não explicita o obje-tivo da questão. É para selecionar uma opção ou justificar todas?

5o Exemplo

Disciplina: Forragicultura

Número de questões: 7

Tipo: Misto

1. Tratando-se das pastagens é correto afirmar que o desempenho animalestá em função:

– da ingestão de matéria seca pelo animal

– do valor nutritivo

– do potencial genético do animal

Análise: O enunciado não é claro, pois não explicita o objetivo da ques-tão. É para marcar uma opção ou justificar as respostas?

6o Exemplo

Disciplina: Microbiologia

Número de questões: 15

Tipo: Objetivo

Verdadeiro ou Falso:

1. Biogênese e abiogênese são:

• teorias que explicavam...

• abiogênese indica ...

• determinou o surgimento da pasteurização...

Análise: As frases do enunciado não se completam com as opções, dei-xando de fazer sentido. As opções não estão numeradas nem tem letraspara identificação.

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2. O átomo é,

• é constituído da soma...

• possuem um peso atômico...

• possuem um peso...

• podem ser...

Análise: Erro de concordância gramatical entre o enunciado e as opções.Creio que a pergunta se aplique mais a uma prova de química geral. Aimpressão que dá é que o professor quer revisar conteúdos prévios naprova. As opções não estão numeradas nem tem letras para identificação.

Marque a alternativa correta:

Quanto aos métodos de contagem microbiana

a) o melhor método é microscópico

b) o método da espectrofotometria permite...

c) a excreção metabólica...

d) as unidades formadoras de placa...

e) o consumo de glicose pede ser ...

a) uma correta

b) duas corretas

c) três corretas

d) quatro corretas

e) todas corretas

f) nenhuma correta

Análise: A questão está mal construída, pois não é clara quanto a quaisopções marcar: as 5 primeiras ou as 5 últimas. A questão está muito de-sordenada. As questões de complemento agrupado podem ser substituí-das por verdadeiro ou falso, uma vez que esta última permite a análiseindividual de cada opção. Neste caso há um agravante, o aluno não temnecessariamente que saber qual opção é a correta, mas quantas estão,podendo, portanto, acertar a questão errando a opção.

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7o Exemplo

Disciplina: Patologia geral

Número de questões: 7

Tipo: Objetiva

1. Relacione as colunas

( ) pigmento marrom...

( ) formado devido a ....

( ) sua deposição ...

( 1 ) carvão, (2) ácido úrico, ( 3) lipofucsina, ( 6) oxalato...

Análise: A construção não está em colunas, mas em linhas. Assim, oenunciado deveria ser “Numere as frases com os números abaixo. Parauma prova objetiva, 7 questões é muito pouco, estando subutilizadas emsua capacidade de alcançar um maior conteúdo.

8o Exemplo

Disciplina: Fisiologia

Número de questões: 9

Tipo: Discursiva

O achado de triglicerídeos e amido nas fezes de um cão magro comingestão normal dos alimentos, sugere:

a) má absorção

b) má digestão

Análise: A pergunta tem 50% de chances de acerto ao acaso, pois só temduas opções. Poderia pedir que explicasse a opção marcada.

9o Exemplo

Disciplina: Zoologia

Número de questões: 4

Tipo: Objetivo

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1a questão: Numere a segunda coluna de acordo com a primeira, caracteri-zando as diversas classes de vertebrados:

1. mamífero ( ) Jacaré do papo amarelo

2. ave ( ) Glândula uropigeana

3. anfíbio ( ) placenta

4. ... ( ) ...

Análise: Na primeira coluna há 6 opções com as classes de vertebradose na segunda 42 itens para relacionar. Em uma prova objetiva com 4perguntas, a primeira questão poderia ser fragmentada em pelo menos 10outras. As outras 4 perguntas são de múltipla escolha simples. Numa pro-va que vale toda a pontuação do bimestre, é muito pouco provável que osistema de avaliação funcione.

10o Exemplo

Disciplina: Zoologia

Número de questões: 6

Tipo: Objetiva

Correlacione a 2 a coluna de acordo com a 1 a:

1. arborícola

2. aquático

3. semi-aquático

4. terrestre

5. semi-fosorial

( ) ... membros em forma de nadadeiras... baixas temperaturas na águasão limitantes para a sobrevivência dos filhotes.

( ) ... especializações anatômicas para escavar túnel como refúgio...

( ) Boa capacidade de utilizar árvores ...

( ) Espécies pequenas ... com garras para escavações de esconderijos...

Análise: As opções utilizam palavras que indicam muito diretamente qualá a resposta como exemplo: arborícola – utilizar árvores; aquático – mem-bros em forma de nadadeiras; terrestre – escavação de túnel, tornando asrespostas óbvias demais.

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11o Exemplo

Disciplina: Anatomia Animal

Número de perguntas: 7

Tipo: Misto

Complete os espaços em branco:

a) O rim é encontrado no suíno e , já o rim no

, , e ,que possui una projeção conhecida como .

Análise: A questão de completar é muito vaga e permite mais de umainterpretação quanto ao que se pode usar para preencher os espaços.

Os três tipos de questões (objetivas, discursivas e mistas) têm sido utilizadasnas avaliações do curso, mas, sem dúvida, não se vê racionalidade em seuuso, senão em função da rapidez de construção de provas discursivas e oupela rapidez de correção das provas objetivas. Não se busca uma definiçãode uso dos diferentes instrumentos, senão com base em sua comodidade deaplicação.

Muitas provas são mistas (50%) e abordam os três tipos de questões. Sob umponto de vista realista, cremos que este seja o instrumento que melhor atendaàs nossas necessidades, uma vez que é preciso avaliar os aspectos de rendi-mento e atitude em poucas ocasiões, principalmente nas disciplinas com bai-xa carga horária e grande conteúdo, por exemplo, ecologia, tecnologia dealimentos, produção animal, homeopatia veterinária e toxicologia.

Nas disciplinas profissionalizantes, o que predomina são as provas mistas oudiscursivas, pois em geral também se realizam provas práticas. As provasobjetivas poderiam ser mais bem utilizadas nestes casos, uma vez que hávárias oportunidades para avaliação objetiva dos aspectos individuais dosalunos.

Encontramos freqüentemente (37% das provas) erros ortográficos e de con-cordância gramatical, erros de construção das questões e o mal uso dos dife-rentes tipos de provas nas diversas situações das disciplinas. Por exemplo,provas objetivas muito curtas ou questões objetivas que englobam temasdiversos em uma só questão. Provas discursivas com duas ou três perguntas

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que não englobam partes importantes do conteúdo ou que exigem respostasamplas demais, perdendo a objetividade.

2.3 CARACTERÍSTICAS DA AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM NO CURSO

Em todas as disciplinas do curso, mas principalmente nas disciplinas básicas,as provas escritas são sempre ferramentas úteis para avaliação. Em geralsão utilizadas para avaliações teóricas somente, e os aspectos práticos sãoavaliados em exames práticos em laboratório, onde são avaliadas as habili-dades manuais, de identificação de estruturas (visuais) e o comportamento,desenvolvidos pelos alunos em aulas práticas (identificação de condutas).Todas as salas têm no máximo 50 alunos, e nas aulas práticas as turmas sãodivididas em duas. Em geral os professores têm ao redor de 4 turmas namesma disciplina, somando-se um total de 20 a 24 horas de aula semanais,além de outras atividades gerenciais ou em outras instituições. Há algumasexceções nas quais o professor dá mais de 30 horas de aula, porém a tendên-cia é se reduzir o número de aulas para no máximo 20 horas semanais. Assimpodemos trabalhar com um grupo mais homogêneo de professores em ter-mos de carga de trabalho.

Quanto ao corpo discente, na rede privada de ensino superior, de maneirageral, tem uma baixa preparação prévia de ensino médio e necessita de umtrabalho mais próximo de acompanhamento do aluno quase individual. Asdisciplinas iniciais são as que mais sofrem com este fato, pois são elas querecebem o impacto das maiores discrepâncias entre os alunos ingressantes.Neste caso, cremos ser possível se estabelecerem diretrizes para a confec-ção e execução de exames, que podem ser seguidas por todos os professo-res para minimizar as diferenças entre o tipo de avaliação realizada sem perderde vista as características peculiares de cada disciplina.

3 RECOMENDAÇÕES GERAIS

Em função do que temos descrito propomos:

• que sejam realizadas oficinas pedagógicas em que os professores serãocapacitados, não somente em avaliação da aprendizagem, mas tambémem outras áreas da pedagogia. Isto pode ser a semente de um curso depós-graduação “lato sensu” a ser oferecido aos professores da Instituição.A preparação adequada dos professores é o caminho para um processoensino-aprendizagem eficaz;

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• que, para minimizar os erros encontrados nas provas e homogeneizar o pen-samento dos professores quanto aos métodos avaliativos, seja criada umacomissão de avaliação da aprendizagem, composta por professores de cadaárea do curso, que discutirão o tema com o objetivo de continuar a detectar asnecessidades e deficiências de cada disciplina e propor soluções;

• que se elabore um guia de confecção de exames, que possa servir comofonte de consulta para os professores. Neste guia o professor encontraráas diretrizes para a avaliação de cada tipo de disciplina (básica, de forma-ção geral e profissionalizante);

• que os professores tenham tempo para organizar o processo avaliativo desuas disciplinas. A instituição deve prover tempo para os professores de-senvolverem esta tarefa.

3.1 RECOMENDAÇÕES PARA CONFECÇÃO DE EXAMES ESCRITOS

Como diretrizes a serem seguidas pelo corpo docente para a confecção deexames escritos sugerimos:

• Que os critérios de avaliação sejam de pronto conhecidos pelos alunos.

• Que os exames de final de ano, decisivos para alcançar a progressão doaluno, sejam objetivos, sem margem para subjetividade, englobando ostemas importantes do conteúdo e tendo resultados reprodutíveis. Para issosugerimos que sejam exames objetivos com questões de múltipla esco-lha, complemento simples ou agrupado, análise progressiva, verdadeiroou falso ou de associação de colunas.

• Que em todos os casos o professor conheça os exames que os estudantesfarão depois da graduação, como o Exame Nacional de Cursos (Provão) eo Exame de Qualificação Profissional do Conselho Federal de MedicinaVeterinária, para que utilizem questões no mesmo molde destes exames,para que os alunos se adaptem a estas situações e não se deparem comalgo inédito no futuro.

• Nas disciplinas teóricas como Língua Portuguesa, Filosofia, Sociologia,Administração, Ecologia, e Introdução à Medicina Veterinária, e Metodolo-gia do Trabalho Científico é essencial que se utilizem mais provas discur-sivas ou mistas do que objetivas. Se possível, variar a avaliação comtarefas de investigação extraclasse, que venham a compor a pontoação

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final, reduzindo a importância dos exames em classe e criando oportuni-dades para o aluno desenvolver suas habilidades de expressão oral, opensamento epistemológico, a pesquisa e a revisão de literatura.

• No início de período letivo, nas disciplinas da área de morfologia comoanatomia, citologia, histologia e embriologia é importante que os examessejam discursivos e, a medida que o curso progrida, se utilizem provasmistas ou objetivas, principalmente nas provas de final de semestre ouano, quando o tempo para correção é restrito.

• Nas disciplinas profissionalizantes, que se utilizem provas escritas e práti-cas para avaliação das habilidades desenvolvidas, de acordo com o perfilprofissional do egresso. Nestes casos, exames objetivos ou mistos podematender às necessidades. Nas avaliações práticas pode-se, por exemplo,utilizar listas de verificação para avaliação de procedimentos e condutas,como uma maneira de diminuir a subjetividade da avaliação prática.

• Que os enunciados sejam explícitos, claros e objetivos, indicando os as-pectos a serem explorados na resposta e o comportamento que o alunodeve demonstrar.

• Que os exames iniciais de qualquer disciplina sejam mistos, com questõesdiscursivas e objetivas, para que o professor possa avaliar os aspectosinerentes à capacidade de expressão, organização, criatividade e outrosaspectos subjetivos do aluno, além de verificar a pertinência do uso dotipo de prova com os novos alunos.

• Que todos os professores estejam atentos para os erros ortográficos dosalunos e que os corrijam.

3.2 RECOMENDAÇÕES PARA CONFECÇÃO DE PROVAS DISCURSIVAS

• Explicitar no enunciado o que se deseja obter como resposta ou aborda-gem pelo aluno, de maneira que ele não perca tempo com assuntos forado contexto esperado, que mesmo que sejam corretos, não foram solicita-dos. Isto também permite uma uniformização das respostas, facilitando acomparação na hora da correção.

• Provocar o raciocínio do educando com enunciados que o envolvam emsituações reais ou fictícias, mas que expressem a realidade, que o levema operacionalizar o raciocínio (questões operatórias). Utilizar em sala de

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aula a didática operatória para que os alunos sejam acostumados a pen-sar, racionalizar, criticar, comparar e não somente memorizar o conteúdo.

• Utilizar verbos claros como enumerar, organizar, selecionar, descrever,discutir, definir, exemplificar, explicar, comparar, sintetizar, interpretar, cri-ticar no enunciado, para que o objetivo da pergunta seja claro e o aprofun-damento da resposta também.

• Não fazer provas discursivas muito curtas, que restrinjam muito a amostrade conteúdo a avaliar. Para isso, utilizar exames com perguntas discursi-vas e de resposta curta ou de completar, permitindo abordar um maiorconteúdo, sem limitações de tempo para a correção das provas, para quese obtenha uma avaliação mais ampla em conteúdo, mais reprodutível emenos subjetiva.

3.3 RECOMENDAÇÕES PARA A CONFECÇÃO DE PROVAS OBJETIVAS

• Variar o tipo de pergunta para que a prova não seja monótona ou induza aerros de falta de atenção.

• Que as provas objetivas não sejam longas e cansativas, respeitando-se otempo de prova e os limites de velocidade de raciocínio dos alunos.

• Que as provas de múltipla escolha tenham 5 opções (a, b, c, d, e), dispos-tas de maneira crescente ou alfabética, de tamanho semelhante e igual-mente inteligentes e atraentes.

• Que os enunciados sejam claros e objetivos, e que a dificuldade da ques-tão seja do conteúdo e não da forma da pergunta.

• Evitar aspectos por demasiado de memorização como datas, doses, pra-zos, fórmulas, etc.

• Não utilizar opções como “todas estão corretas” ou “nenhuma das anterio-res”.

• Não utilizar duas ou mais opções corretas ou parcialmente corretas.

• Cuidar que não haja indícios gramaticais que induzam à resposta.

• Evitar a repetição de palavras que tenham sido utilizadas no enunciado.

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4 CONCLUSÃO

A avaliação é balizadora das ações e mudanças do processo ensino-aprendi-zagem, e sua aplicação deve perseguir a eficiência para que se consiga, cadavez mais, um ensino de Medicina Veterinária de qualidade superior. A capaci-tação pedagógica dos professores é necessária para que se alcance esteobjetivo.

5 REFERÊNCIAS

ANEIROS, R. Literatura basica, modulo evaluación y recursos del apren-dizaje . La Havana: CENAPEN, 2001.

DEPRESBITERIS, L. O desafio da avaliação da aprendizagem : dos funda-mentos a uma proposta inovadora. São Paulo: EPU, 1989.

MARTINS, P. L. O. Didática teórica/didática prática : para além do confron-to. São Paulo: Loyola, 1993.

SOUZA, C. P. de. Avaliação do rendimento escolar . Campinas: Papirus,1991.

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ESTRATÉGIAS INOVADORAS EM ESTRUTURASCONSERVADORAS: A GESTÃO DAS IMPOSSIBILIDADES

DENISE LIMA RABELO *MÁRCIA VALÉRIA FERREIRA DE CARVALHO **

* EspecialistaProfessora de Marketing e Organização e Métodos Centro Universitário Vila Velha – UVVe-mail: [email protected]

** MestreProfessora de Administração de Recursos Humanos Centro Universitário Vila Velha – UVVe-mail: [email protected]

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“A história da organização do trabalho”,como a da vida social, é, em essência,

a história da mudança.”

Paulo Roberto Motta

RESUMO

Ainda que estejamos conscientes da necessidade de modelos de gestão ino-vadores, as mudanças neste sentido ainda não ocorreram, na prática, namaioria das organizações. As estruturas organizacionais podem ser modifica-das com o propósito de se facilitar a integração, aproveitar as potencialidadesdo capital intelectual e criar melhores oportunidades de aprendizagem, mas aburocracia e seu conseqüente apego ao controle, ainda se constituem numobstáculo a vencer, para que estratégias inovadoras possam ser, de fato, umarealidade.

Palavras-Chave: Modelos de gestão; Estruturas; Integração; Capital intelec-tual; Aprendizagem; Burocracia; Controle.

ABSTRACT

The organizational world needs new management’s models, but changes inthis subject seem too slow. The structure of the firms can be changed to facilitatethe leadership and the integration between workers, to make a better use ofthe human intelligence and to create good chances to learn. However, thebureaucracy and the great control system in the firms are some of the biggestproblems to be solved, so that the new management’s models can be reallyapplied.

Keywords: Management’s model; Structures; Integration; Intellectual capita;Learning; Bureaucracy; Control.

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1 INTRODUÇÃO

A capa do livro “A Era do Paradoxo: dando um sentido para o futuro”, deHandy (1995), apresenta uma interessante ilustração: uma capa de chuvavazia. E o autor, ao lado da ilustração, afirma:

A capa de chuva vazia é, para mim, o símbolo do nosso paradoxo maispremente. Se o progresso econômico significa que nos tornamos me-ras engrenagens de uma grande máquina, então o progresso é umafalsa promessa. O desafio deve ser mostrar como o paradoxo pode sercontrolado.

O paradoxo levantado por Handy (1995) é o de que “é preciso haver mais vidado que ser apenas engrenagem na máquina de alguém”. Suas dúvidas nosfazem refletir sobre o discurso da atualidade: na sociedade pós-capitalistaretratada por Peter Drucker, o recurso econômico básico é o conhecimento.

De acordo com Martin (1996),

O conhecimento torna-se valioso quando aplicado ao trabalho. Umagrande empresa precisa de uma infra-estrutura para maximizar o usodo conhecimento. As empresas bem sucedidas são as que aprendemde todas as formas possíveis e utilizam, ao máximo, esse aprendizado.O conhecimento, constantemente renovado e aprimorado, é a principalfonte de vantagem competitiva.

As grandes e constantes transformações do mundo organizacional têm exigi-do das organizações uma postura mais ágil e competitiva, em frente a umaconcorrência globalizada e movida por novas tecnologias. Na tentativa deresponder rapidamente às necessidades do mercado, as empresas vêm in-vestindo em aspectos capazes de renovar os processos organizacionais comoflexibilidade, inovação, gestão mais eficaz e estratégias competitivas.

Há consenso entre Pontes (1998), Wood Júnior e Picarelli Filho (1999) e Xa-vier et al. (1999) de que, no centro desse processo figura o bom desempenhodas pessoas como fator imprescindível para o crescimento das organizações.Nesse contexto, o capital intelectual – soma do conhecimento de todos queparticipam da organização, assume o papel de real vantagem competitiva,capaz de agregar valor pela criatividade e inovação (STEWART, 1998). Afir-ma o autor que as diferentes formas de melhorar a eficácia da empresa, acooperação, o aprendizado compartilhado, o conhecimento e a experiência

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de cada um são fatores capazes de gerar riqueza e difíceis de serem copia-dos pela concorrência.

Para Wood Júnior e Picarelli Filho (1999, p. 175), “… capital intelectual é todoconhecimento, informação, experiência, talento e criatividade orientados es-trategicamente para o atendimento dos objetivos da empresa”.

Segundo os modelos propostos nessa nova situação, o trabalhador deve serqualificado, polivalente, saber interferir no processo produtivo e, portanto, sermenos supervisionado. O novo perfil do empregado espelha um profissionalcomprometido, bem remunerado, ciente de suas atribuições, conhecedor donegócio da organização, participativo e com autonomia para tomar decisões.Assim, o sucesso de uma empresa baseada no conhecimento passa a depen-der das novas habilidades das pessoas que nela trabalham e das novas for-mas de gestão dessas pessoas (PONTES, 1998; STEWART, 1998; e WOODJÚNIOR; PICARELLI FILHO, 1999).

Tessari (1991) afirma que as transformações acabam por alterar o compor-tamento das pessoas que, conscientes de seus direitos e de seus valores,desejam contribuir, inovar e criar, na busca da auto-realização não só dentro,mas também fora das organizações. Para tanto, alerta a autora, as empresasdeveriam modificar sua forma de gerenciar pessoas através de mecanismosque contribuíssem para a sua ambientação e compensação, visando à ob-tenção de um grau maior de colaboração para com a atuação global daorganização.

2 GERENCIANDO AS TRANSFORMAÇÕES

Micklethwait e Wooldridge (1998, p. 84), afirmam que as organizações estãoutilizando vários mecanismos para atingir seus objetivos de competitividadee resultados rápidos. Segundo os autores,

Hoje, algumas grandes empresas estão tentando decompor-se em mi-lhares de pequenas empresas – esperando com isso investir de empo-werment os trabalhadores da linha de frente. A teoria é que no frenéticomundo de negócios de hoje muitas vezes é melhor tomar a decisãoerrada com rapidez do que a decisão certa lentamente.

Em um contexto caracterizado por complexidades e turbulências, vem au-mentando a competitividade entre as organizações que, para se adaptarem

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às transformações rápidas, estão adotando novas tecnologias com a finalida-de de sobrevivência, de obtenção de lucros e redução de custos e riscos(BRESCIANI, 1997; CHESNAIS, 1996; GORZ, 1995 e IANNI, 1994).

Pretende-se, então, segundo o novo modelo proposto, dar ao trabalhador maispoder e autonomia para tomar decisões, tornando o processo mais ágil e demenor custo.

Entretanto, o modelo de controle imposto pelo paradigma taylorista-fordistanão deixou de existir, ao contrário, tem se tornado cada vez mais preciso esofisticado.

O acelerado desenvolvimento tecnológico tem exigido novas formas de orga-nização do trabalho, maior investimento na formação dos trabalhadores enovos dispositivos de controle. Tais fatores vêm incitando as empresas a cri-arem novos métodos de gestão, em nome do aumento da produtividade, queé o grande desafio ao qual as organizações devem responder (LIMA, 1995).

Pagés et al. (1993, p. 28) afirmam que “... o desenvolvimento das forças pro-dutivas (...) exige um reforço de controles, a criação de novos meios de con-trole e sua extensão às novas situações”. Existem, segundo esses autores,processos de mediação trabalhando para que os indivíduos aceitem as coer-ções/restrições da empresa em nome dos benefícios que a organização lhesoferece.

Essa mediação se dá no aspecto econômico (relativo a salário), político (par-ticipação na empresa), ideológico1 (a empresa como a grande família) e psi-cológico (ligação afetiva com a empresa). As práticas e políticasorganizacionais fazem com que o indivíduo internalize esse processo, escon-dendo os efeitos negativos e transferindo o conflito com a organização paraum conflito consigo mesmo. Assim, a organização é vista de forma positiva eele, indivíduo, passa a ser responsável pelos efeitos negativos, devendo, por-tanto, assumi-los.

1 Sobre ideologia, ver Demo (1988, p. 14) que enfatiza que a “Ideologia é a vestimenta que o podercoloca para sair a público, pois não se pode dizer abertamente que aprecia comandar. Esta ganânciaprecisa ser camuflada com arte. Boa ideologia é aquela que monta com engenhosidade esta farsa,apelando, quando necessário, também para a mentira. A mentira não somente deturpa e torce arealidade, instiga tendenciosidade, encobre, mas também inventa, abandona fatos por versões e fazdestas os fatos.”

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Enriquez (2000, p. 17) define o estrategista empresarial supostamente mo-derno como um tecnocrata, que discursa sua modernidade através da ênfasena estrutura estratégica:

É necessário deixar claro que o tecnocrata não tem, em inúmeros ca-sos, uma personalidade perversa. Porém, a necessidade de aplicar aracionalidade instrumental para o sucesso da sua ação, a obrigação defazer calar suas emoções e de fazer com que os outros sirvam aosseus próprios planos, que estão em conformidade com os da organiza-ção, colocam-no, queira ele ou não, seja ele consciente ou não, numaposição perversa . Dito de outra forma, a estrutura perversa cria seresde acordo com o modelo que impõe.

Moscovici (1995, p. 2) também afirma:

O modelo burocrático, em maior ou menor extensão, ainda vigora namaioria das organizações sociais. A tônica central da filosofia adminis-trativa burocrática é no controle sobre as pessoas. A orientação buro-crática caracteriza-se por uma visão mecânica, em que as pessoassão simples partes trocáveis para funcionamento contínuo e eficienteda máquina.

A estrutura ou desenho organizacional desse modelo adota uma formarígida, com cargos fixos, preestabelecidos. Os sistemas técnicos sãodesenhados por especialistas; a tecnologia determina a organizaçãodas tarefas e o fluxo de trabalho. Os sistemas de informação e decisãoservem mais para atender a necessidades gerenciais do que para apoi-ar o trabalho principal de todos.

No entender de Hammer (1997), nossas organizações estiveram durante osúltimos 200 anos voltadas para a realização de tarefas e não para a identifica-ção e administração de processos. De acordo com a proposta da Reengenha-ria, a fim de obter melhores indicadores de desempenho em custos, velocidade,qualidade e atendimento, seria necessário destruir os “alicerces da organiza-ção tradicional”, adotando-se modelos mais sinérgicos em relação ao ambi-ente externo, o que provocaria continuadamente a revisão dos procedimentosinternos.

Desta forma, supõe-se que a organização em permanente processo de acom-panhamento das demandas do ambiente externo e consciente da necessida-de de migrar de uma visão limitada de gestão para modelos mais ágeis,

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dinâmicos, criativos e eficazes, seria em tese perfeitamente capaz de lidarcom esse processo de amadurecimento, proporcionando as condições paraque seus processos fossem revistos continuadamente.

Essa é, sem dúvida uma premissa falsa, pois há um fator ignorado: organiza-ções conscientes da necessidade de mudar têm ainda estruturas voltadaspara equalizar o poder constituído, encontrando alternativas que possammelhorar resultados sem necessariamente alterar sua estrutura de controle.O conhecimento, enfim, ainda permanece supostamente no nível mais eleva-do da hierarquia, tal qual receitava Taylor.

Na realidade, as práticas organizacionais modernas apontam para o fato deque as condições dadas pelas organizações para que as pessoas de fatoassumam o perfil inovador e competitivo desejado pelo mercado são insufici-entes. Muitas vezes, a estrutura formal e burocratizada impede os funcionári-os ou gerentes de decidirem ou levarem adiante projetos ousados e criativos.Segundo Boog (2001, p. 5),

Programas de treinamento, capacitação, ou quaisquer outros que seproponham a resolver problemas estruturais ou conjunturais da empre-sa, de nada valerão enquanto não houver uma orientação no sentidode encaminhar as ações para um contexto pleno e permanente de de-senvolvimento.

3 ESTRUTURAS MODERNAS, PODER TRADICIONAL

São várias as considerações a serem feitas por ocasião da definição da estru-tura de uma organização, levando-se em conta a perspectiva da contingên-cia.

Em maior ou menor grau, a incerteza está presente em todos as organiza-ções, mas impactam-nas de formas variadas em momentos diferentes de suahistória. As forças competitivas consideradas por Porter2 são um exemplo deque organizações em ramos de atuação diversos, de diferentes portes e emmomentos particulares, poderão estar sofrendo uma potência coletiva dessasforças que varia de forma mais moderada até a mais intensa. Em cada uma

2 Ameaça de novos entrantes, ameaça de produtos substitutos, pressões dos clientes, pressões dosfornecedores e manobras por posicionamento dos concorrentes.

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dessas situações, inclusive em seus estágios intermediários, haverá uma es-tratégia mais adequada e, conseqüentemente, uma estrutura para dar supor-te a essa estratégia.

A incerteza ambiental afeta, pois, de maneira diferente, organizações distin-tas, e essas mesmas organizações podem ser afetadas de forma diferenteem períodos particulares.

O tamanho de uma organização é uma variável que irá interferir em seu mo-delo de estrutura. Por questões econômicas, de espaço e de proximidade daspessoas, uma estrutura funcional (figura 1), em que a organização definesuas unidades considerando suas funções (Recursos Humanos, Marketing,Vendas, etc.) pode ser adequada à uma organização de pequeno porte, quetenha uma relativa estabilidade no que diz respeito aos impactos provocadospelo avanço tecnológico.

Figura 1

Neste caso, o número reduzido de pessoas e as facilidades daí decorrentespara o processo de comunicação, permitem que a organização promova suaadaptação ao ambiente, de forma gradual, assimilando os impactos ambien-tais, também de forma natural.

Admitindo-se a hipótese de crescimento, uma das primeiras alternativas po-deria estar ligada à passagem gradativa de uma estrutura funcional para umaestrutura em busca de novas oportunidades, como no exemplo a seguir:

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Figura 2

O mesmo não se pode afirmar com relação a uma organização de médio ougrande porte, que esteja num ramo em que os impactos ambientais sejamfreqüentes e superponham-se com rapidez, diminuindo consideravelmente otempo que os participantes da organização dispõem para assimilá-los. Prova-velmente uma estrutura voltada para as unidades de negócios existentes epara a busca de novas oportunidades seja o mais adequado, uma vez quecada uma dessas unidades de negócios (UEN´s) dispõe da autonomia neces-sária para conduzir seus projetos (figura 3).

Figura 3

Além de outras estruturas, como a geográfica, de fácil compreensão pelaprópria terminologia, há que se considerar a estrutura matricial como umaoportunidade para médias empresas de garantir a comunicação entre os res-ponsáveis pelos diversos projetos e as áreas funcionais da organização. Suaprincipal característica é a de subordinar as equipes, simultaneamente, aosgerentes de projetos e aos gerentes funcionais - trata-se, portanto, de uma

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fusão entre as estruturas divisional e funcional vistas anteriormente. Em virtu-de da subordinação múltipla, é realmente a capacidade de comunicação quefará com que a organização consiga atingir os objetivos pretendidos, quaissejam: manter a eficácia em ambientes de alta incerteza, tecnologia não-rotineira e elevado nível de exigência de interdependência.

Mais modernamente, novas propostas em estruturas têm surgido, dentre elasas que sugerem um desenho circular. Do centro de uma estrutura tipo “pizza”partiriam as diretrizes comuns e, abrindo-se mão da hierarquia típica e tradi-cional, as equipes satélites em torno desse centro teriam assegurada suaautonomia de criação, promovendo-se a constante integração para obter-seum resultado comum.

4 CONCLUSÕES

Nenhuma estrutura, por si só, pode garantir a participação. Participação sefaz mediante vontade política. Nenhuma estrutura assegura um ambiente maisou menos autônomo, aberto e participativo. Acreditar que a estrutura tipo“pizza”, por sua configuração circular, vai conduzir à integração e autonomiados participantes da organização, é uma ingenuidade. Se o centro da estrutu-ra entende diretrizes como regulamentos, a estrutura pouco importa. Importaé que estamos falando de centralização, burocracia e, conseqüente, apatia ealienação do trabalhador.

De acordo com Chanlat (1995, p. 120), num modelo de gestão de naturezatecnoburocrática,

... o ser humano está, antes de tudo, submetido ao império da norma eaos limites que a mesma fixa para as suas atividades. Esse respeito àregra é uma das características da personalidade de uma organizaçãoburocrática. Colocado de antemão para controlar a incerteza e reduziro arbitrário [...] o modo de gestão tecnoburocrático fundamenta-se nanoção de um Homo Rationalis destituído de paixão. Tal como o modotayloriano, ele encara a empresa como uma máquina, todavia racionale não unicamente mecânica...

No entender de Bock, Furtado e Teixeira (1993, p. 206), nos grupos sociaisprivados de expressão,

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Este não-dito, algo que o grupo deseja, mas não tem forma de expres-sar, acaba produzindo formas de conformismo (aqueles que achamque a organização sempre está certa em procurar controlar os grupos),ou formas de boicote que questionam a organização, mas ninguémsabe exatamente por quê (não se compreende o seu significado). Issoemperra o funcionamento da organização, numa espécie de vingançados grupos pelo prazer que lhes é roubado ( a ausência de controle).Evidentemente, a melhor situação é aquela em que os grupos desve-lam o não-dito e negociam de forma organizada o limite do desejo dogrupo e o limite do controle da organização, produzindo um salutarprocesso de autogestão.

A própria gestão participativa, aclamada por permitir uma maior integraçãodo trabalhador com a empresa, cria seu controle camuflado, alienante e nãomenos “escravizador” do que o taylorista. Adde (1986, apud CATTANI, 1997,p. 24):

Essas diferentes posições revelam o caráter paradoxal da GP [gestãoparticipativa]. Ao possibilitar a participação criativa dos assalariados, elacorresponde a um modelo de gestão menos hierarquizado, menos desu-mano [...] Por outro lado, o sucesso da GP traz a possibilidade da inten-sificação do trabalho e da assimilação, em termos individuais, de normase disciplinas que redefinem e reforçam a hegemonia do capital.

Concluímos que os programas de capacitação ou treinamento, armas para odesenvolvimento das pessoas na busca de competitividade, tornam-se impo-tentes em frente a uma estrutura organizacional que não permite a utilizaçãodos conhecimentos apreendidos. É perda de tempo e de dinheiro.

Grande desafio tem sido para os gerentes modernos trabalhar na gestão doconhecimento. Melo (1996) afirma que a função gerencial tem sido muitopressionada com as novas exigências organizacionais. Gerenciar novos pro-cessos e habilidades em um capitalismo em construção tem sido uma experi-ência dolorosa e difícil. Para adaptar-se aos novos tempos, os gerentes têmnecessidade de compartilhar sua função com subordinados, pares e pessoasde suporte, na tentativa de encontrar soluções para os novos problemas ge-renciais advindos das novas formas e processos de trabalho.

O grande paradoxo é que, ao mesmo tempo em que a empresa exige umprofissional arrojado, conhecedor do seu negócio, competitivo e criativo, elaimpede, muitas vezes, sua atuação através da estrutura formal, rígida, hierar-

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quizada e burocrática que adota. O fato é que o modelo de gestão, a condu-ção dos processos e a estrutura da empresa precisam acompanhar o perfil dotrabalhador moderno. As novas habilidades de competitividade, flexibilidade,inovação e criatividade necessitam encontrar espaço para serem utilizadas.Caso contrário, teremos apenas discurso e nada de prática. Daremos lugar apalavras vazias, incapazes de se transformar em ação. Em última instância,além de perda de tempo e dinheiro, teremos aumento de desinteresse, es-tresse e acomodação por parte dos trabalhadores, cansados de tentar, emvão, assumir seu novo papel e esbarrar nos antigos paradigmas burocráticose hierarquizados dos quais as organizações vêm tentando, em nome da flexi-bilidade, escapar.

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NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS

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REVISTA SCIENTIA

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

DAS FINALIDADES

A Revista Scientia é uma publicação da Diretoria de Pós-Graduação do Cen-tro Universitário Vila Velha com vistas à divulgação semestral de produçõescientíficas e acadêmicas nos formatos: editorial, artigo de pesquisa, artigo derevisão, relato de experiência, resenha e resumos de tese, dissertação emonografia de pós-graduação, cujo conteúdo é o que se segue:

• Editorial: comentário crítico e aprofundado dos editores.

• Artigos de pesquisa: relatos de pesquisas com introdução, metodologia,resultados e discussão, considerações finais e referências.

• Artigos de revisão: comentários analíticos e reflexivos sobre temas, apartir do levantamento de bibliografia disponível.

• Relatos de experiência: descrições criteriosas de práticas de interven-ções e vivências acadêmicas que possam interessar para a atuação deoutros profissionais.

• Resenhas: revisões críticas de livros, artigos, teses e dissertações.

• Resumos: descrições sucintas do conteúdo de tese, dissertação ou mo-nografia de pós-graduação, de caráter informativo, não deve ultrapassar olimite de 500 palavras.

DAS ORIENTAÇÕES GERAIS

Dois terços da revista estão destinados à publicação de artigos de pesquisa .No caso do relato de experiência , será publicado apenas um por revista.

A critério do Conselho Editorial, poderão ser publicados fascículos ou núme-ros especiais, que atendam à demanda das linhas de pesquisa da Pós-gradu-ação.

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Cada número da revista buscará enfocar uma área de conhecimento, defini-da pelo Conselho Editorial, em consonância com as políticas de pesquisa epós-graduação adotadas pela UVV.

DO CONSELHO EDITORIAL

O Conselho Editorial da revista é constituído pelos seguintes membros:

• Diretor de Pós-graduação, membro nato e seu presidente;

• Coordenador de Pós-graduação Lato Sensu, membro nato;

• Coordenador de Pesquisa, membro nato;

• Coordenador Executivo da Revista, membro nato; e

• Cinco membros da Comunidade Acadêmica, representantes de diferentesáreas do saber com, no mínimo, o título de mestre. Tais representantes, commandato de dois anos devem ser indicados pelo Diretor de Pós-Graduação.

O Conselho observará:

• A adequação do manuscrito ao escopo da revista;

• A temática proposta para cada volume;

• A qualidade científica, que além de ser atestada por esse mesmo Conse-lho, deve ser comprovada por um processo anônimo de avaliação realiza-do por pareceristas ad hoc, indicados para esse fim;

• O cumprimento das presentes normas para publicação.

DA ACEITAÇÃO E PUBLICAÇÃO DOS TRABALHOS

A publicação do trabalho estará condicionada ao parecer favorável do Conse-lho Editorial.

Do resultado da avaliação descrita no item anterior podem derivar três situa-ções, a saber:

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• manuscrito aceito, sem restrições;

• manuscrito aceito, com restrições passíveis de revisão;

• manuscrito recusado;

Uma vez aprovado e aceito o manuscrito, cabe à revista a exclusividade desua publicação.

Uma vez recusado o manuscrito, este poderá ser novamente apresentado àrevista. No caso do manuscrito ser recusado duas vezes, a revista não aceita-rá reapresentação.

O(s) autor(es) de cada manuscrito recebe(m) gratuitamente dois exemplaresda revista.

DO ENCAMINHAMENTO

Os manuscritos devem ser encaminhados à Coordenação Executiva da re-vista, acompanhados de ofício, em que constem:

• Concessão dos direitos autorais para publicação na revista;

• Concordância com as presentes normatizações;

• Procedência do artigo com entidade financiadora;

• Dados sobre o autor: titulação acadêmica, vínculo institucional, endereçopara correspondência, telefone e e-mail.

DA APRESENTAÇÃO E ESTRUTURA DOS TRABALHOS

O manuscrito deve ser redigido em português, entregue em duas vias, digita-das em software compatível com o ambiente Windows (Word) e acompanha-das de um disquete (3 ½ HD) ou CD-ROM contendo o trabalho completo. Naetiqueta do disquete (ou CD-ROM) deverá constar: o título do manuscrito, aautoria e a versão do software.

O manuscrito deve ser organizado da seguinte forma:

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• Página de rosto: Título (em português e inglês, conciso); Autor(es) (Vín-culo Instituicional, titulação, área acadêmica que atua e e-mail), financia-mento e endereço para contato.

• Página de resumo: título e resumo, em português e inglês, ambos com omáximo de 100 palavras cada, e palavras-chave. Não incluir o nome dosautores.

• Manuscrito: Título, Introdução, Desenvolvimento do texto (número de se-ções, figuras, tabelas e similares, se for o caso); Considerações Finais eReferências. Não incluir nome dos autores.

O texto deve ter no máximo 30 páginas para artigos de pesquisa e artigos derevisão; 10 páginas para relatos de experiência; quatro para resenhas e umapara resumo. Todas obedecendo ao seguinte formato:

• Fonte: Arial 12 no corpo do trabalho para o texto; 12 para tabelas, quadrose similares, e 10 para notas de rodapé;

• Espaçamento: 1,5 entre linhas de cada parágrafo; e duplo, para figuras e/ou fórmulas;

• Alinhamento: justificado, para parágrafos comuns, e adentrado (12 to-ques a partir da margem esquerda, em bloco e em espaço simples), paracitações literais com mais de três linhas;

• Paginação: canto superior direito;

• Configuração: 3 cm, nas margens superior, inferior e esquerda; e 2 cm namargem direita; 1,25 cm para cabeçalho e o rodapé;

• Tamanho do papel: A4;

• Título: centralizado, em negrito, e maiúsculas.

• Nome do(s) autor(es): dois espaços abaixo do título, em maiúsculas/mi-núsculas, alinhado à direita, com indicação da titulação e do(s) vínculo(s)institucional(is).

• As citações no interior do texto devem ser digitadas em itálico e separadaspor aspas. No final da citação deve aparecer entre parênteses o sobreno-me do autor, ano e página da publicação. Exemplo: (Lakatos, 1995, p.18).

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• Citações mais longas do que três linhas devem ser destacadas do pará-grafo (iniciando a doze toques a partir da margem esquerda) e digitadasem espaço simples, sem aspas. Todas as citações no corpo do texto de-vem ser listadas na seção de Referências no final do texto. As indicaçõesbibliográficas completas não devem ser citadas no corpo do texto. Entreparênteses devem ser indicados apenas o sobrenome do autor, data epáginas. Ex. (Severino, 2000, p.23).

• As notas de rodapé no final da página deverão se restringir a comentáriosestritamente necessários ao desenvolvimento da exposição e não paracitações bibliográficas.

• As resenhas (de livros, teses, CD sonoro, CD-ROM, produtos de hipermí-dia etc) devem ter um título próprio que seja diferente do título do trabalhoresenhado. O título deve ser seguido das referências completas do traba-lho que está sendo resenhado.

• As referências bibliográficas devem ser colocadas em seguida ao artigo,de acordo com o padrão científico da NBR 6023 (ABNT).

a) Livros: sobrenome do autor em maiúsculas, nome em minúsculas, segui-do de ponto final, título em negrito seguido por ponto final, cidade seguidapor dois pontos, editora e ano de publicação. Exemplo:

b) QUINET, Antonio. Um olhar a mais, ver e ser visto na psicanálise . Riode Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

c) Capítulos de livro ou artigos de coletânea:

WEFFORT, Francisco. Nordestinos em São Paulo: notas para um estudosobre cultura nacional e classes populares. In: VALLE, Edênio; QUEIROZ,José J. (Orgs.). A cultura do povo . 3. ed. São Paulo: Cortez, 1984. p. 12-23. (institutos de estudos especiais).

d) Artigos em periódicos:

CHAUÍ, Marilena. Ética e universidade. Universidade e Sociedade , SãoPaulo, ano v. n.8, p.82-87, fev. 1995.

e) Textos da Internet:

CHANDLER, Daniel. An introduction to genre theory. Disponível em:http://www.aber.ac.uk/~dgc/intgenre.html. Acesso em: 23 ago. 2000.

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Os trabalhos destinados à apreciação do Conselho Editorial da Revista SCI-ENTIA devem estar rigorosamente de acordo com as normas da ABNT e serencaminhados (até o dia 15 de maio para as publicações de julho a dezem-bro, e 15 de outubro para as publicações de janeiro a junho) à: CoordenaçãoExecutiva da Revista SCIENTIA, Centro Universitário Vila Velha – SEDES/UVV - ES, Campus Boa Vista, Rua Comissário José Dantas de Melo, 21, VilaVelha, ES, Brasil, Cep 29.102.770. Telefone: (27) 3314 2525. E-mail:[email protected]