saúde e mercado: uma análise da atuação da ans no

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA Nittina Anna Araujo Bianchi Botaro SAÚDE E MERCADO: uma análise da atuação da ANS no fortalecimento do mercado de planos e seguros privados de saúde no Brasil. JUIZ DE FORA 2012

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

    INSTITUTO DE CINCIAS HUMANAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA

    Nittina Anna Araujo Bianchi Botaro

    SADE E MERCADO: uma anlise da atuao da ANS no fortalecimento do mercado

    de planos e seguros privados de sade no Brasil.

    JUIZ DE FORA

    2012

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

    INSTITUTO DE CINCIAS HUMANAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA

    Nittina Anna Araujo Bianchi Botaro

    Sade e Mercado: uma anlise da atuao da ANS no fortalecimento do mercado de

    planos e seguros privados de sade no Brasil.

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Histria, rea de concentrao

    de Poder, Mercado e Trabalho, como requisito

    parcial obteno do ttulo de Mestre em

    Histria.

    Orientador: Prof. Dr. Ignacio Jos Godinho Delgado

    JUIZ DE FORA

    2012

  • Nittina Anna Araujo Bianchi Botaro

    Sade e Mercado: uma anlise da atuao da ANS no fortalecimento do mercado de planos e

    seguros privados de sade no Brasil

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Histria, rea de concentrao

    de Poder, Mercado e Trabalho, como requisito

    parcial obteno do ttulo de Mestre em

    Histria.

    Defendida e aprovada em 05 de setembro de 2012.

    Banca Examinadora

    _________________________________________________________

    Prof. Dr. Ignacio Jos Godinho Delgado Orientador

    Universidade Federal de Juiz de Fora

    _________________________________________________________

    Prof. Dra Valeria Lobo Membro Titular

    Universidade Federal de Juiz de Fora

    _________________________________________________________

    Prof. Dra Ligia Bahia Membro Titular

    Universidade Federal do Rio de Janeiro

  • Botaro,Nittina.

    Sade e Mercado: uma anlise da atuao da ANS no

    fortalecimento do mercado de planos e seguros privados de

    sade no Brasil. / Nittina Botaro.

    2012.

    106 f. : il.

    Dissertao (Mestrado em Histria Poder, Mercado e

    Trabalho)-Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora,

    2012.

    1. Planos e programas de sade - Brasil. 2. Servios de sade. 3. Sade pblica. I. Ttulo.

    CDU 614.2(81)

  • AGRADECIMENTOS

    Aos meus pais, Ftima e Czar, pela dedicao, esforo e sacrifcio em prol da minha

    educao.

    A minhas trs queridas irms, Clarissana, Swelen e Jordana.

    Ao meu sobrinho Pedro, que trouxe um frescor para a famlia toda.

    Ao Thiago pelo carinho e companheirismo em todos os momentos.

    A todos meus professores da Universidade Federal de Juiz de Fora, pelo saber transmitido

    durante a graduao e a ps-graduao

    Ao professor Ignacio Jos Godinho Delgado, pela dedicao, pacincia, amizade e sobretudo

    pela confiana. Agradeo tambm a todos os seus comentrios, crticas e sugestes que foram

    feitos ao longo desses quase cinco anos que trabalhamos juntos. Eles foram essenciais para a

    minha formao pessoal e profissional. Sem a participao ativa do professor Ignacio a

    realizao deste trabalho no seria possvel. Muito obrigada.

    Aos professores Valria Lobo, Eduardo Cond e Ligia Bahia pela participao da banca e

    pelas contribuies valiosas para esse trabalho, em especial a Ligia, to solicita e

    participativa deste projeto.

    A todos os funcionrios da Universidade Federal de Juiz de Fora, principalmente os

    relacionados ao programa de ps-graduao em Histria.

    A CAPES pela bolsa concedida nos anos do curso.

    E aos meus amigos Helenice Dias, Paula Ferraz, Carolina Ferreira, Carla Dias, Heitor

    Loureiro, Luiz Csar Junior, Rafael Bara, Amanda Beloti,Fernando Vianini, Alessandra Belo,

  • Daniela Oliveira, Bruna Lenzi e tantos outros meu muito obrigada pelo incentivo, apoio e

    conforto.

  • ndice

    Introduo 11

    Captulo 1 O Estado de Bem Estar Social: origens dos sistemas de sade 13

    1.1 Mdicos, hospitais, empresas de planos e seguros de sade, governos e

    usurios

    13

    1.2 Welfare State 24

    1.2.1 Modelos do Welfare State 27

    1.2.2 O legado histrico 30

    Captulo 2 A Trajetria do Sistema de Sade no Brasil 38

    2.1 O Sistema de Sade no Brasil 38

    2.1.1 A Trajetria da Previdncia no Brasil 38

    2.1.2 O Caminho em direo ao SUS 41

    2.1.3 PEC 29 e a proposta da criao das OS 46

    2.2 Trajetria dos Planos de Sade no Brasil 50

    2.3 Modalidades 61

    2.3.1 Medicina de Grupo 61

    2.3.2 Cooperativas Mdicas 63

    2.3.3 Auto gesto 64

    2.3.4 Seguradoras 65

    2.4 Casos 66

    2.4.1 Policlnica Central 66

    2.4.2 Samcil 67

    2.4.3 Unimed Santos 68

    2.4.4 Unimed Santa Maria 70

    2.4.5 Cassi 71

    2.4.6. Bradesco Seguro 72

    2.4.7. SulAmrica Seguros 72

    Captulo 3 Agncia Nacional de Sade Suplementar 74

    3.1 Cmara de Sade Suplementar 74

    3.1.1 Origem e Composio 74

    3.1.2 Os debates sobre as empresas de planos e seguros de sade e suas

    relaes com mdicos e usurios

    76

    a) Reajustes de planos e seguros de sade 77

    b) Honorrios Mdicos 78

    c)A regulao dos planos 78

    d) A ao da Cmara de Sade Suplementar e a ANS 80

    3.2 Diretoria Colegiada 81

    3.2.1 Origem e Composio 81

    3.2.2 Resolues Normativas e Resolues da Diretoria Colegiada 82

    3.2.3 Resolues Operacionais - Configurando o mercado de empresas

    de planos e seguros de sade

    85

    3.2.4 Casos de Alienao de carteira de beneficirios 87

    a) Samcil 88

    b)Avimed 89

    3.2.5 Casos de compra de empresas de planos e seguros de sade sem 90

  • restries econmicas

    a) AMIL 90

    b) Bradesco Seguro 92

    3.3 Aes externas 95

    Consideraes finais 100

    Bibliografia 105

  • Resumo

    ____________________________________________________________________

    O objeto deste trabalho o estudo da presena dos planos de sade privados nos

    sistema de sade brasileiro desde o final do sculo passado, com foco na ao regulatria

    desenvolvida pela Agncia Nacional de Sade Suplementar. Sero destacados os debates e

    resolues de sua Diretoria Colegiada e as atas da Cmara de Sade Suplementar. Em

    especial nessa ltima possvel identificar a participao dos diferentes atores que esto

    presentes na operao do sistema de sade. Em nosso caso, vamos considerar apenas aqueles

    que, de certa forma, tm interesse direto na regulao e no funcionamento dos planos de

    sade, isto , as empresas de planos e seguros de sade os mdicos, os hospitais, o governo e

    os usurios.

    Palavras chave: Planos de sade. Welfare State. ANS.

  • Introduo

    O objeto deste trabalho o estudo da presena dos planos de sade privados nos

    sistema de sade brasileiro desde o final do sculo passado, com foco na ao regulatria

    desenvolvida pela Agncia Nacional de Sade Suplementar. Sero destacados os debates e

    resolues de sua Diretoria Colegiada e as atas da Cmara de Sade Suplementar. Em

    especial nessa ltima possvel identificar a participao dos diferentes atores que esto

    presentes na operao do sistema de sade. Em nosso caso, vamos considerar apenas aqueles

    que, de certa forma, tm interesse direto na regulao e no funcionamento dos planos de

    sade, isto , as empresas de planos e seguros de sade os mdicos, os hospitais, o governo e

    os usurios.

    Em geral, a presena expressiva dos seguros de sade privados no mbito de um

    sistema de sade nacional est relacionada natureza desse ltimo. Sistemas de sade

    universais, marcados pela definio da sade como um direito da cidadania, tendem a

    desestimular, quando no interditam, a expanso dos planos de sade privados. Do mesmo

    modo, sistemas de vis corporativo, nos quais o acesso aos servios de sade est relacionado

    contribuio compulsria dos trabalhadores e empregadores no mbito das categorias

    profissionais, tambm esmaecem o desenvolvimento dos planos privados. O terreno frtil

    para a afirmao desses a presena de um sistema de sade liberal, que garante assistncia

    apenas a pblicos mais vulnerveis, com acesso definido por testes de meios. Nesse caso,

    segmentos mdios e endinheirados tm que contar com a medicina liberal e/ou com os planos

    privados.

    No caso brasileiro, contudo, h um elemento especfico que tende a conferir

    importncia aos planos privados, no obstante a trajetria brasileira apresentar-se como um

    processo marcado pela transio de um sistema corporativo a um sistema formalmente

    universal. Trata-se do vis contencionista e segmentado do sistema pblico de sade

    brasileiro. Tal vis expressou-se, num primeiro momento pelo carter fragmentado e

    incipiente dos servios nos principais institutos. Com a LOPS, de 1960 e, principalmente,

    com a criao do INPS, em 1966, verifica-se a uniformizao do atendimento para as

    principais categorias profissionais, num cenrio marcado pelas dificuldades de sustentao

    financeira do sistema e pela excluso dos trabalhadores no vinculados ao mercado formal.

    Nesse processo, acentuou-se a proviso dos servios, em especial hospitalares, efetuada por

    agentes privados. Por fim, desde a criao do SUS, o acesso universal definido

  • constitucionalmente combinou-se s incertezas e problemas no financiamento, que tem

    impedido o rompimento com a dependncia dos provedores privados, bem como uma

    segmentao no atendimento, uma vez que, embora com direito ao acesso nos servios

    fornecidos pelo SUS, setores importantes da classe trabalhadoras, alm dos segmentos mais

    favorecidos da populao, optam por planos de sade e pela medicina liberal.

    A criao da ANS, em 1999, definiu uma estrutura institucional de regulao comum

    aos sistemas liberais e ao predomnio do provimento privado dos servios. O Conselho

    Nacional de Sade aparece ainda, formalmente, como a principal instncia de regulao do

    sistema de sade brasileiro, contudo seu alcance sobre o setor privado, tomado como

    suplementar, substancialmente reduzido com a criao da ANS. Sustenta-se neste trabalho

    que tal agncia, especialmente sua Diretoria Colegiada, tende a configurar-se como uma

    arena permevel aos interesses dos planos de sade privados, uma vez que insulada da

    presso de atores cujas percepes e interesses favoream o fortalecimento do setor pblico,

    mais evidente na composio do Conselho Nacional de Sade. Neste sentido, tem

    evidenciado dificuldades na fiscalizao dos planos de sade, com uma operao mais

    concentrada nas dimenses financeiras e mercadolgicas do sistema suplementar, em geral

    favorecendo a concentrao do setor. certo que a Cmara de Sade Suplementar da ANS

    dispe de uma composio e funcionamento que do voz a diferentes atores que desenvolvem

    relaes com os planos de sade, como usurios, hospitais e mdicos. Contudo, alm de

    dispor de carter meramente consultivo, a CSS lida com os conflitos que ocorrem nos marcos

    da operao rotineira dos planos de sade, consagrando a dissociao entre a regulao do

    setor pblico e do setor privado.

    No primeiro captulo da dissertao apresentamos os atores e as arenas que

    entendemos ser mais relevantes para a anlise da trajetria recente do sistema de sade

    brasileiro. Na primeira seo, introduzimos alguns elementos tericos importantes para essa

    anlise, como a noo de arena, consideraes sobre os processos de formao da agenda

    pblica, alm de indicaes sobre as estratgias de atuao dos diferentes atores no mbito

    das arenas decisrias, valendo-me das formulaes de Lowi, Kingdom e Hirschman. Na

    segunda seo, discorremos sobre casos paradigmticos do Estado de Bem Estar Social,

    considerando as condies em que so gerados e as coalizes envolvidas em seu

    aparecimento, destacando dentro deles a forma como se estrutura o setor de sade e o peso

    que adquire o setor privado. Nesse caso, foram decisivas a formulaes de Swaan, Esping-

    Anderson, Delgado e Giovanella.

  • No segundo captulo, apresentamos, na primeira seo, um panorama da trajetria dos

    planos e seguros de sade no Brasil, ressaltando o perodo inicial desse servio, sua expanso

    e o momento atual. Na segunda parte, traamos um perfil das caractersticas gerais dos

    segmentos de medicina de grupo, cooperativas, auto-gesto e seguros. Na parte final,

    apresentamos estudos de caso de cada segmento do sistema suplementar de sade. Em boa

    medida, nos valhemos das formulaes de Bahia, Meniccuci, Boaventura, Martins, Cunha,

    Ock-Reis entre outros.

    Por fim, no terceiro captulo discorremos sobre a presena das empresas de planos e

    seguros de sade na Agncia Nacional de Sade. Adicionalmente, consideramos as principais

    aes desenvolvidas pela categoria mdica em torno de temas que afetam sua relao com as

    empresas. Os debates travados na Cmara de Sade Suplementar da ANS e a presena em

    movimentos desenvolvidos na sociedade so os focos da investigao realizada. Por fim,

    consideramos a atuao da Diretoria Colegiada e seu papel no processo de concentrao do

    mercado de planos de sade no Brasil.

    As fontes utilizadas foram basicamente as atas da Cmara de Sade Suplementar e as

    Resolues formuladas pela Diretoria Colegiada da ANS. Adicionalmente, acompanhamos os

    andamentos de projetos de leis e leis que contemplaram a temtica da sade no Congresso

    Federal.

  • O Estado de Bem Estar Social: origens dos sistemas de sade.

    No primeiro captulo, apresentamos, na primeira parte, os atores e as arenas que

    entendemos serem mais relevantes para a anlise da trajetria recente do sistema de sade

    brasileiro, introduzimos algumas noes importantes para esta anlise. Na segunda parte,

    analisamos brevemente alguns casos paradigmticos do Estado de Bem Estar Social,

    considerando as condies em que so gerados e as coalizes envolvidas em seu

    aparecimento, destacando dentro deles a forma como se estrutura o setor de sade.

    1.1 Mdicos, hospitais, empresas de planos e seguros de sade, governos e os usurios

    A Agncia Nacional de Sade Suplementar (ANS) constituda por duas arenas

    fundamentais: a Cmara de Sade Suplementar (CSS) e a Diretoria Colegiada (DC) da ANS.

    Tais organismos so responsveis, respectivamente, por reunir representantes de todos os

    segmentos da sociedade que protagonizam as relaes no setor, em carter consultivo, e por

    promover a defesa do interesse pblico na assistncia suplementar sade. Consideramos as

    coalizes formadas entre mdicos, hospitais, empresas de planos e seguros de sade e o

    pessoal do governo, no intuito de identificar como essas foras se articularam, no mbito da

    Agncia Nacional de Sade Suplementar. Optamos por iniciar nossa investigao a partir de

    1998, ano da assinatura da Lei dos Planos de Sade e da criao da CSS.

    No ano de 2000, atravs da promulgao da Lei n 9.961/001, foi criado a ANS com o

    papel de regulamentar a sade suplementar, como tambm a Diretoria Colegiada da ANS,

    responsvel por promover a defesa do interesse pblico na assistncia suplementar sade.

    Ademais, a CSS passar a ser rgo consultivo da ANS.

    A criao da Agncia Nacional de Sade Suplementar foi amplamente estimulada

    pelos anseios de investimento do mercado internacional na sade brasileira. A ANS foi

    responsvel por estabelecer um padro de disputa, procedimento e transao para o exerccio

    empresas de planos e seguros de sade. Ela conduziu, por um lado, criao de um

    regimento prprio para o investimento do capital estrangeiro neste servio e, por outro, ao

    1 BRASIL. Lei 9.961/00, 5 de Janeiro de 2000.

  • nivelamento dos atendimentos, preos e procedimentos oferecidos empresas de planos e

    seguros de sade aos pacientes2.

    A agncia foi instituda como um recurso para regular o investimento externo neste

    servio, e neutralizar organizaes que tendiam a criar monoplios no mercado brasileiro,

    alm de favorecer a fiscalizao da evaso fiscal, proveniente do status filantrpico.

    Objetivava tambm, homogeneizar os contratos de planos e seguros de sade e ampliar a

    cobertura de assistncia3.

    As primeiras Agncias Reguladoras (AR) foram criadas em meio s tentativas de

    reforma do Estado Brasileiro, na segunda metade da dcada de 1990. Conforme os propsitos

    da reforma prevista, a atuao do governo deveria desenvolver-se em trs nveis. Um

    primeiro nvel estratgico, encarregado de formular, supervisionar e analisar a implantao

    das polticas pblicas. Um segundo nvel, designado pela realizao das polticas exclusivas,

    como regulao, fiscalizao, segurana e previdncia bsica. Neste segundo nvel se

    situariam as Agncias Reguladoras. Finalmente, num terceiro nvel estariam presentes as

    funes no exclusivas do governo, no qual bens e servios pblicos podem ser fornecidos

    por organizaes estatais, associaes sem fins lucrativos e mesmo empresas privadas,

    sujeitas ao controle social.4

    A criao de tais agncias foi motivada tanto para a fiscalizao da qualidade dos

    servios quanto para a execuo de metas definidas nos contratos com as respectivas

    empresas de planos e seguros de sade. As agncias reguladoras ditas de primeira gerao,

    criadas em 1996 e 1997, so atuantes em setores da infraestrutura. Trata-se dos casos da

    Agncia Nacional de Energia Eltrica (ANEEL), da Agncia Nacional de Telecomunicaes

    (ANATEL) e da Agncia Nacional do Petrleo (ANP)5. Por sua vez, as agncias de segunda

    gerao seriam aquelas criadas em 1999 e 2000, mais ligadas a setores em que h

    caractersticas competitivas no mercado: Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (Anvisa) e

    a Agncia Nacional de Sade Suplementar. As agncias classificadas como de terceira

    gerao so a Agncia Nacional de guas (ANA), a Agncia Nacional de Transportes

    2 GAMA, Anete Maria; REIS, Carlos Otvio Ocke; SANTOS, Isabela Soares; BAHIA, Ligia. O espao da

    regulamentao dos planos e seguros de sade no Brasil: notas sobre a ao de instituies governamentais e da

    sociedade civil. Sade debate; 26(60):71-81, jan.-abr. 2002. 3 Idem.

    4 MATOS, Joo Boaventura Branco de. As transformaes da regulao em sade suplementar no contexto

    das crises e mudanas do papel do Estado. Tese de doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio

    de Janeiro. 2011. 5 As nicas agncias que tm base constitucional so a ANATEL e ANP, essas instituies so chamadas de

    rgos reguladores e no Agncias; as demais foram criadas por deciso do legislador.

    http://portal.revistas.bvs.br/transf.php?xsl=xsl/titles.xsl&xml=http://catserver.bireme.br/cgi-bin/wxis1660.exe/?IsisScript=../cgi-bin/catrevistas/catrevistas.xis|database_name=TITLES|list_type=title|cat_name=ALL|from=1|count=50&lang=pt&comefrom=home&home=false&task=show_magazines&request_made_adv_search=false&lang=pt&show_adv_search=false&help_file=/help_pt.htm&connector=ET&search_exp=Sade%20debate

  • Aquavirios (Antaq), a Agncia Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e a Agncia

    Nacional do Cinema (Ancine), todas criadas no perodo de 2000 e 2001.6

    Conforme Joo Boaventura Branco de Matos, assim como a reforma do governo

    brasileiro ainda uma obra inacabada em diversos aspectos, as ARs encontravam-se em

    mesma situao, uma vez que elas tambm esto em construo, situando-se entre as esferas

    da influncia privada e pblica, equilibrando interesses dos atores e coordenando aes do

    governo no sentido de garantir o interesse pblico e expandir os mecanismos de transparncia

    e prestao de contas.7

    Iniciativas para o andamento de tal construo foram percebidas em pelo menos dois

    momentos do governo Lula, embora sob diversos aspectos eles se distanciassem da

    perspectiva que orienta a formao de agncias reguladoras, que a atribuio de papel de

    destaque ao setor privado no provimento de diversos servios, cabendo ao governo o papel de

    fiscalizao e regulao. Uma primeira iniciativa de destaque foi o Projeto de Lei (PL) n

    3.337, do ano de 2004, o qual demonstra o interesse do governo de aperfeioar o modelo das

    ARs a fim de corrigir as lacunas decorrentes do ineditismo dessas entidades no ordenamento

    da Administrao Pblica Federal.8 Nas palavras da ento Ministra da Casa Civil

    A questo fundamental que as agncias so criadas, na verdade, num vazio prvio de

    definies legais e institucionais. como se as agncias tivessem de suprir tudo o que

    estava faltando.9

    Cinco anos mais tarde, em 2009, o PL das ARs j somava 165 propostas de emenda.

    At mesmo por parte das prprias agncias reguladoras houve mobilizao no sentido de

    propor ajustes para o PL do Executivo. Contudo, com a ecloso da crise financeira

    internacional e seus impactos sobre o ritmo do crescimento brasileiro, especialmente no ano

    de 2009, que exigiram maior concentrao em iniciativas de curto prazo, a deciso das ARs

    foi deixada de lado.10

    A criao da ANS institui um mecanismo de intermediao entre as empresas de

    planos de sade e os provedores privados que escapa ao ambiente regulatrio definido na

    6 MATOS, Joo Boaventura Branco de. op cit.

    7 Idem.

    8 Idem.

    9 ROUSSEFF, Dilma. Agncias Reguladoras: avaliao de performance e perspectivas CAMARA DOS

    DEPUTADOS Apud MATOS, Joo Boaventura Branco de p. 89. 10

    MATOS, Joo Boaventura Branco de. op cit.

  • Carta de 1988, que erige o Conselho Nacional de Sade (CNS)11

    como arena fundamental

    para definio dos rumos do sistema de sade brasileiro. Importa, portanto, compreender as

    condies em que emerge e sua relao com os atores relevantes.

    Nesta pesquisa vamos buscar integrar as anlises que partem dos recursos de poder

    dos atores quelas que enfatizam o peso do sistema institucional. O foco que permite tal

    integrao so as arenas decisrias, que envolvem a participao dos atores. Para tanto, a

    utilizao do conceito de arena, na pesquisa, refere-se quele construdo por Theodore Lewi,

    a partir das suas reflexes sobre o caso norte-americano. Na ocasio, Lewi props a teoria da

    Arena do Poder, fundamentado na idia de que cada tipo de poltica pblica nos termos de

    Lowi as polticas seriam basicamente distributivas, redistributivas ou regulatrias - determina

    um tipo singular de relao (ou discusso) poltica, ou seja, uma arena. 12

    No caso especfico da sade pblica, as duas arenas formadas, Diretoria Colegiada da

    ANS e Cmara de Sade Suplementar, podem ser definidas como arenas regulatrias, visto

    que, a poltica de sade se constri a partir do conflito entre coalizes polticas de interesses

    opostos, que geram claramente uma distino entre favorecidos e desfavorecidos, atravs de

    coalizes fortes, porm efmeras.

    Importa assinalar, contudo, que tais arenas no esgotam o processo decisrio relativo

    s polticas de sade. Com freqncia, mdicos e hospitais buscam contornar dificuldades

    encontradas em arenas que compartilham com outros atores atravs do contato direto com

    dirigentes de agncias executivas, como o Ministrio da Sade, eventualmente menos

    permevel a presses de usurios e a outros profissionais que se fazem representar nas arenas

    indicadas a cima. Alm disto, como verificamos em estudo realizado sobre o Conselho

    Nacional de Sade, o alheamento de representantes do executivo, dos prestadores de servio

    e dos mdicos pode ser utilizado como ttica para esvaziar uma arena decisria, embora esta,

    formalmente seja responsvel pelo setor de sade13

    .

    11

    A partir da dcada de 1990, o Conselho atingiu o patamar de rgo colegiado com representao de diversos

    setores da sociedade e poder deliberativo na formulao de estratgias e no controle da execuo das polticas de

    sade, conforme definido pela segunda Lei Orgnica da Sade 8.142/90, em seu segundo pargrafo. A partir

    dessa data, as resolues aprovadas pelo CNS deveriam servir para guiar as polticas adotadas pelo Ministrio

    da Sade. Vrios segmentos da sociedade so introduzidos ao colegiado do CNS, iniciando um dialogo entre

    pessoas comuns - representantes da CUT, Fora Sindical, Associaes de bairro -, especialistas em sade

    pblica - profissionais da sade (mdicos, enfermeiros, fisioterapeutas), como tambm especialistas da

    Associao Brasileira de Ps Graduao em Sade Coletiva e Centro Brasileiro de Estudos de Sade -. 12

    LOWI, Theodore J. American Business, Public Policy, Case-Studies and Political Theory. World Politics,

    vol. XVI, 1964. 13

    DELGADO, Ignacio, BOTARO, Nittina. Conselho Nacional de Sade: uma das faces da poltica de sade

    no Brasil Revista eletrnica Principia Caminhos da Iniciao Cientfica. UFJF, jan 2009. Acessado em

    primeiro de marco de 2010. Disponvel em www.ufjf.br/principia.

  • No que concerne a anlise das agendas debatidas, vamos nos valer da abordagem

    sobre os mltiplos fluxos, desenvolvida por Jonh Kingdon, que identifica trs momentos

    diferentes nos processos decisrios. Em primeiro lugar, a identificao de um problema pelos

    atores envolvidos no processo decisrio; em segundo lugar, gerao de idias viveis do

    ponto de vista tcnico e de custo tolervel; e por fim, ocorrncia de um processo poltico de

    barganha entre atores sobre a temtica. Assim, quando esses trs fluxos convergem,

    sobretudo em momentos de crise, mudanas na agenda so efetuadas.14

    Segundo John Kingdon, polticas pblicas so constitudas por quatro dinmicos

    processos: afirmao de uma agenda; consideraes sobre as alternativas para a formulao

    das polticas pblicas; a escolha de uma das alternativas possveis; e por fim, a implantao

    da deciso. O pesquisador, no entanto, preocupou-se mais com os dois primeiros momentos

    da poltica pblica, quando desenvolveu seu modelo de Mltiplos Fluxos, com intuito de

    analisar as polticas pblicas nas reas de sade e transporte do governo estadunidense.

    Conforme, Ana Claudia N. Capella, Kingdon tentou responder no trabalho Agendas,

    Alternativas e Polticas Pblicas15

    , por que alguns problemas se tornam importante para um

    governo.16

    Como dito acima, para John Kingdom, idias/problemas atingem o patamar de agenda

    quando h uma convergncia entre trs fluxos, so eles: problemas, solues ou alternativas e

    poltica.17

    Em poucas linhas, o primeiro fluxo diz respeito converso de uma questo em um

    problema, no momento que os atores acreditam que devam fazer algo a respeito. No segundo

    fluxo, o pesquisador defende que alternativas e problemas no so geradas em pares, na

    verdade existem solues prontas a espera de problemas18

    . Contudo, apenas idias que se

    mostrem viveis do ponto de vista tcnico, com baixo custo, e que revelem valores

    compartilhados podem adquirir conotao de soluo. Por fim, o terceiro fluxo, poltico,

    exerce seu poder sobre a agenda a partir de trs elementos, o humor nacional, foras polticas

    e mudanas de pessoas no prprio governo.19

    14

    CAPELLA, Ana Claudia N. Perspectivas tericas sobre o processo de formulao de Polticas Pblicas. In:

    HOCHMAN, Gilberto (org) Polticas Pblicas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2007. 15

    KINGDOM, J. Agendas, alternatives, and Public Policies. 3 ed., New York: Harper Colins, 2003. 16

    CAPELLA, Ana Claudia N. Perspectivas tericas sobre o processo de formulao de Polticas Pblicas.IN:

    HOCHMAN, Gilberto (org) Polticas Pblicas no Brasil. op cit. 17

    KINGDOM, J. op cit . CAPELLA, Ana Claudia N. op cit. 18

    Uma abordagem mais clara sobre o assunto encontra-se nas formulaes da Teoria da Lata de Lixo, (SOUZA,

    Celina. Estado de Arte da Pesquisa em Polticas Pblicas. IN: HOCHMAN, Gilberto (org) op cit.). 19

    KINGDOM, J. op cit. CAPELLA, Ana Claudia N. op cit.

  • No limite, quando os trs fluxos convergem, uma janela de oportunidade se abre e

    mudanas nas agendas governamentais acontecem. No entanto, a participao dos

    empreendedores de poltica fundamental para a concretizao das mudanas, uma vez que

    so eles os responsveis por investir recursos nessas idias e concretizar a convergncia dos

    trs fluxos. Esses atores podem ser representantes do legislativo, do executivo, de grupos de

    interesse, da comunidade acadmica ou da mdia.20

    Adicionaremos s proposies de Kingdom, as formulaes de Hirschman que

    assinalam que os indivduos reagem a mudanas ou deteriorao do desempenho de firmas,

    organizaes e at mesmo do prprio governo, por meio de trs diferentes comportamentos,

    quais sejam, sada (da economia), voz e lealdade (da poltica).21

    Embora referindo-se aos indivduos, as formulaes de Hirschman podem ser

    utilizadas para a anlise da prtica dos atores sociais e, em nosso caso, para identificar como

    os atores relevantes na rea da sade operam nas arenas decisrias do sistema de sade

    brasileiro.22

    Sada um mecanismo por excelncia da economia; uma opo tpica de mercado.

    Contudo, ela no se restringe a relaes de consumo, sendo utilizada em todos os domnios

    das relaes sociais. So exemplos desse comportamento, a desistncia da compra de um

    produto em favorecimento a outro menos oneroso e de melhor qualidade; como tambm a

    ausncia de atores em arenas que so membros, seja por eles subestimarem a legitimidade

    daquele espao para o debate, ou por eles creditarem aos participantes daquele ambiente

    grande poder de veto para suas agendas/interesses.23

    Por sua vez, voz remete opo do indivduo pela participao ativa nas arenas, e

    lealdade refere-se ao posicionamento favorvel a aliados nas reunies.24

    Cumpre, ainda, assinalar que as decises tomadas no perodo delimitado por este

    trabalho ocorrem num cenrio j marcado pela expanso dos planos privados de sade e

    pelo predomnio da oferta privada de servios de sade.

    No limite, podemos relacionar, pelo menos, oito setores de onde se formam atores

    ligados operao do sistema de sade. Governo, burocracia pblica, rede hospitalar,

    profissionais da sade, complexo industrial da sade, rede de distribuio e venda de

    medicamentos, empresas de planos e seguros de sade e usurios. A estratgia de atuao

    20

    Idem. 21

    HIRSCHMAN, Albert O. Exit, voice and loyalty: responses to decline in firms, organizations and states.

    Cambridge: Harvard 1970. 22

    Idem. 23

    Idem. 24

    Idem.

  • desses personagens pode variar, nos termos das indicaes de Albert Hirschman vistas acima.

    Adicionalmente, as relaes cruzadas entre os atores podem se desenvolver em momentos de

    convergncia de interesse. As arenas em que estes atores se relacionam, por seu turno,

    dependem, naturalmente, da estrutura institucional definida nos marcos fundadores da ordem

    institucional que as circunscreve. Entretanto, a participao dos atores em cada arena esta

    diretamente ligada ao grau de permeabilidade desses mesmos atores nas respectivas arenas25

    .

    Dentre os oito atores endgenos acima mencionados, em primeiro lugar, podemos

    identificar o governo. Sua atuao circunscrita pelas escolhas passadas do processo de

    estruturao dos sistemas nacionais de sade, pelas diferentes coalizes e perspectivas

    ideolgicas que definem suas preferncias e escolhas e, boa parte das vezes, por

    constrangimentos do ambiente macroeconmico e institucional. Em segundo lugar, destaca-

    se a burocracia pblica na rea de sade, cuja organizao est diretamente ligada s formas

    prevalecentes no campo dos sistemas nacionais de sade, embora tendencialmente afinada

    com o fortalecimento de seu carter pblico. Em terceiro lugar, podemos considerar como

    atores relevantes os hospitais, pblicos e privados, cujos principais interesses associam-se aos

    temas ligados ao financiamento do sistema pblico, regulao dos nexos entre o pblico e o

    privado na rea de sade e regulao dos contratos do sistema pblico com os prestadores

    de servios. Em quarto lugar, aparecem os profissionais da rea da sade, sobretudo os

    mdicos, que, por seu conhecimento especifico, detm influncia sobre a estrutura da

    demanda de medicamentos e servios de sade. Em quinto lugar, podemos identificar

    diferentes segmentos do complexo industrial da sade, fornecedor de insumos e

    equipamentos para o sistema, que buscam estabelecer relaes comerciais com os mdicos e

    hospitais, alm de buscar interferir junto a arenas que deliberam sobre as polticas

    regulatrias e de compras governamentais na rea de sade. Em sexto lugar, aparece o setor

    de distribuio e venda de medicamentos, cujos interesses dispem de potencial para

    estabelecer relaes convergentes e/ou conflitivas com usurios, prestadores de servio e a

    indstria, apresentando, tambm, disposio de influir no ambiente regulatrio mais geral do

    sistema. Em stimo, as empresas de planos e seguros de sade, especialmente interessadas na

    25

    Acompanhamos aqui as formulaes de Delgado que discute as conexes entre os diferentes atores endgenos

    que compem o sistema de sade, com foco nas relaes cruzadas que estabelecem entre si, em torno de

    determinadas agendas, que so debatidas nas diferentes arenas em que tais conexes se verificam. (DELGADO,

    Ignacio Social Welfare, Health and Pharmaceutical Industry: preliminary notes for a comparative analysis

    between England, Brazil and Argentina. In: Working Paper Series. N 12-130. London: Department of

    International Development/London School of Economics, 2012. Disponvel em

    http://www2.lse.ac.uk/internationalDevelopment/publications/Home.aspx Acessado em seis de agosto de

    2012.

    http://www2.lse.ac.uk/internationalDevelopment/publications/Home.aspx

  • regulao dos servios que oferecem, afetando a relao com o governo, a burocracia da rea,

    e os mdicos. Por fim, os usurios dos servios, o ator mais interessado por todos os temas

    discutidos na rea da sade, contudo o grupo mais afetado pela assimetria de informao26

    .

    O quadro abaixo delineia as conexes possveis entre tais atores, considerando os

    temas da agenda do sistema de sade que tm mais interesse, as arenas em que tendem a atuar

    e as eventuais relaes cruzadas que estabelecem entre si.

    Quadro nmero 01. Relaes de Poder

    Atores Agenda - Temas de

    Interesse

    Arenas Relaes

    Cruzadas

    Governo / Ministrios

    ou

    Secretarias de Sade

    - Financiamento

    - Constrangimento da

    poltica

    macroeconmica

    e da disputa com outros

    rgos do governo

    Regulao todos os

    temas da rea

    - conselhos de sade

    -ANS e ANVISA

    - Congresso Federal,

    -opinio pblica

    Com todos os

    atores e

    arenas

    Burocracia Pblica da

    rea

    de Sade / associaes

    representativas de

    servidores

    - Financiamento

    - Regulao todos os

    temas da rea, em

    especial

    a relao entre setor

    pblico e prestadores de

    servios

    - conselhos de sade

    - ANS e ANVISA

    - Congresso Federal

    -opinio pblica

    Com mdicos,

    hospitais e governo

    Mdicos / associaes

    representativas

    conselhos

    profissionais

    - Financiamento

    - Regulao em

    especial

    as questes relativas

    regulamentao do

    exerccio profissional,

    remunerao e

    regulao das relaes

    entre setor pblico e

    prestadores de servios

    - conselhos de sade

    -ANS, CFM, AMB, FBM

    - Congresso Federal

    -opinio pblica

    Com hospitais,

    governo,

    planos de sade,

    indstria

    farmacutica

    Hospitais / associaes

    representativas

    Financiamento

    Regulao - em especial

    as questes relativas s

    relaes entre setor

    pblico e prestadores de

    servios

    - conselhos de sade

    ANS, ANAHP, FHP

    - Congresso Federal

    -opinio pblica

    Com hospitais,

    governo,

    planos de sade,

    indstria

    farmacutica

    Complexo Industrial da

    Sade (destaque para

    Financiamento

    Regulao em especial

    -ANVISA

    - Agncia Reguladora de

    Com hospitais,

    governo,

    26

    DELGADO, Ignacio. Social Welfare, Health and Pharmaceutical Industry: preliminary notes for a

    comparative analysis between England, Brazil and Argentina op cit.

  • indstria farmacutica)

    /

    associaes

    representativas

    sistema de patentes e

    disposies normativas

    sobre produo,

    comercializao e

    consumo

    direito de propriedade

    intelectual (INPI)

    - Congresso Federal

    - opinio pblica

    mdicos, planos de

    sade,

    Empresas de Sade /

    associaes

    representativas

    Regulao - conselhos de sade

    - ANS, Abramge,Unidas,

    Unimed

    - Congresso Federal

    - opinio Pblica

    Com hospitais,

    governo,

    planos de sade,

    mdicos

    Usurios dos servios - Em tese todos os temas - conselhos de sade

    - parlamento

    -opinio pblica

    - Associao de Defesa

    dos Usurios de

    Seguros, Planos e Sistemas

    de Sade(ADUSPS)

    - Com todos os

    atores e

    arenas

    Fonte: DELGADO, I. G. Social Welfare, Health and Pharmaceutical Industry: preliminary notes for a comparative analysis between England, Brazil and Argentina op cit.

    Como indicado anteriormente, privilegiaremos as relaes estabelecidas entre aqueles

    atores que tm interesse mais direto em temas da agenda do sistema de sade que se

    relacionam com a operao dos planos privados de sade. Para isto, vamos considerar as

    posies que assumem na arena reguladora dos planos de sade no Brasil, a ANS.

    Adicionalmente, vamos cotejar suas manifestaes fora desta arena, seja porque a tomam

    27como insuficientes para defesa de seus interesses, seja porque a entendem como

    impermevel a estes ltimos, situao em que prevalece a estratgia de sada.

    A ttulo de registro, apontamos abaixo as principais entidades representativas de

    mdicos, empresas de planos e seguros de sade e hospitais. O governo, naturalmente se

    expressa por via de seus representantes nas arenas decisrias da rea. J os usurios tendem a

    se expressar de forma fragmentada, em diversas entidades, frequentemente relacionadas a

    determinados tipos de doenas. Por isto no foram nomeados aqui.

    As principais entidades que, de certa forma, expressam a perspectiva dos mdicos, so

    o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associao Mdica Brasileira (AMB). Criado em

    1951, o Conselho Federal de Medicina possui atribuies constitucionais de regular, orientar

    e fiscalizar a atividade mdica, sendo o rgo hierarquicamente superior aos demais

    conselhos de medicina, responsvel por produzir resolues e julgar em ltimo grau recurso,

    27

    Infelizmente no foi possvel efetuar um balano extenso da atuao das entidades representativas dos

    diferentes atores aqui mencionados, o que tende a limitar o alcance de nosso estudo. De todo modo, cremos que

    ele traz diversos elementos para compreenso das relaes entre os atores e dos temas da agenda que os

    aproximam ou distanciam.

  • procedimentos ticos e administrativos. Atua, tambm, na defesa da sade e dos interesses da

    categoria mdica. Por sua vez, a Associao Mdica Brasileira tem por prioridade auxiliar os

    profissionais e os estudantes em questes cientficas, organizar palestras, congressos e demais

    eventos, mas cumpre tambm papel importante na defesa de interesses dos mdicos. Assim,

    por tudo que foi dito, o CFM tem em sua essncia a responsabilidade de representar a

    categoria mdica em debates que envolvam o sistema de sade como todo.

    Os hospitais no Brasil se representam, principalmente por duas entidades: a

    Associao Nacional de Hospitais Privados (ANHP) e a Federao Brasileira de Hospitais

    (FBH). A primeira foi criada em 11 de maio de 2001 e busca representar fundamentalmente o

    setor privado. A segunda, fundada em 1962 mais tradicional, e dispe de carter misto, pois

    abriga tambm os hospitais pblicos.

    Por fim, as entidades representativas das empresas de planos e seguros de sade se

    organizam, em boa medida, de modo a expressar a diversidade do setor, como veremos

    adiante. Merecem destaque as associaes representativas das cooperativas mdicas28

    , da

    medicina de grupo29

    , dos seguros de sade30

    e das empresas que funcionam no sistema de

    autogesto31

    . So elas, respectivamente: a Unio dos mdicos (Unimed), a Associao

    Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), o Conselho Nacional de Seguros

    Privados (Cnsp) e a Unio Nacional das Instituies de Autogesto em Sade (Unidas).

    Atentos a esses cinco atores, buscamos, como j indicado, estudar as aes dos

    mdicos, governos, hospitais, empresas de planos e seguros de sade e usurios dentro dos

    limites da ANS. Para tanto, vamos analisar as atas e resolues da Cmara de Sade

    Suplementar e da Diretoria da ANS, a fim de identificar as estratgias traadas por esses

    personagens no que tange a expanso ou no das empresas de sade. Tambm vamos

    analisar a atuao desses grupos fora da Agncia Nacional de Sade em dois casos

    especficos, quais sejam a Emenda Constitucional nmero 29 (EC29) e a proposta de criao

    das Organizaes Sociais na Sade (OSs).

    28

    Constituda conforme o disposto na Lei nmero 5764 de 1971, as cooperativas mdicas so instituies nas

    quais os mdicos so simultaneamente scios e prestadores de servio, 29

    Medicina de grupo so formadas por empresas mdicas que administram planos de sade para empresas,

    indivduos e famlias, com estrutura de atendimento baseada principalmente na utilizao de servios e uma rede

    credenciada 30

    Sociedades autorizadas a operar planos de sade, devendo seu estatuto social vedar a atuao em qualquer

    outro ramo ou modalidade. A instituio provedora realiza a intermediao financeira entre determinado grupo

    de indivduos atravs da prtica do reembolso para os servios utilizados. 31

    Entidades que operam o servio de assistncia sade destinados,exclusivamente, a empregados ativos,

    aposentados, pensionistas ou ex-empregados, de uma ou mais empresas ou, ainda, a participantes e dependentes

    de associaes de pessoas fsicas ou jurdicas, fundaes, sindicatos, entidades de classes profissionais ou

    assemelhados e seus dependentes.

    http://www.fazenda.gov.br/portugues/real/orgaos/cnsp/cnsp.htmlhttp://www.fazenda.gov.br/portugues/real/orgaos/cnsp/cnsp.htmlhttp://www.google.com.br/url?sa=t&source=web&cd=1&ved=0CBwQFjAA&url=http%3A%2F%2Funidas.org.br%2F&rct=j&q=o%20que%20significa%20unidas%20auto%20gestao&ei=qeg1TuyTIcygtge32JiQCg&usg=AFQjCNE9GywjhMinVhKJu-YWSelovdMijQ

  • Feita a apresentao desses cinco importantes atores para a expanso dos planos e

    seguros de sade no Brasil, acompanharemos as principais caractersticas dos modelos

    Welfare State e dos sistemas de sade na Inglaterra, Sucia, Alemanha e EUA, o que nos

    permite considerar situaes em que diferentes coalizes ensejam a constituio de sistemas

    de sade diversos. A anlise da trajetria de casos paradigmticos, por seu turno, no

    contraste com a trajetria brasileira, favorece um entendimento melhor da formao de nosso

    sistema de sade e da particularidade que, nele, envolve a relao entre o pblico e o privado.

    1.2 Welfare State

    comum o entendimento de que, em 1946, com a assinatura do Plano Berevidge pela

    Inglaterra, o cenrio mundial foi apresentado ao moderno Estado de Bem Estar Social. O

    novo padro de governo concedeu direitos e garantias a sua populao, diferentemente de

    modelos estatais anteriores. Os quais, na maior parte das vezes, desvinculavam a proteo

    social da concesso de direitos, quando no os colocavam em campos opostos. O Welfare

    State tem como diferencial a forma como as atividades estatais se entrelaam com o papel do

    mercado e da famlia em termos de proviso social.32

    O Estado de Bem Estar Social aparece como uma resposta a todas as transformaes

    que Polanyi designou como a grande transformao 33

    e que instauram a ordem capitalista

    moderna, incluindo no circuito do mercado, de trs elementos que sempre havia ficado fora

    dele: a fora de trabalho humana, a terra e o dinheiro. Neste cenrio, desenvolve-se o

    entendimento de que a situao dos trabalhadores era um problema que deveria ser

    enfrentado coletivamente. Surge, portanto, a necessidade de desenvolver formas

    compensatrias de coeso social, que auxiliem a reproduo da fora de trabalho necessria

    ao progresso capitalista.

    Conforme Abram de Swaan, o Estado de Bem Estar Social foi um processo de

    mudana e rearranjo nos elos da interdependncia humana e de seus impactos. Os elos de

    interdependncia fundariam a necessidade dos cuidados com os destitudos que sofriam

    adversidades temporrias ou permanentes.34

    Neste processo, temos a gnese da chamada

    conscincia social, fundamental na formao de uma identidade coletiva e nacional, definida

    32

    ESPING ANDERSEN. G. As trs Economias Polticas do Welfare State. Revista Lua Nova, n24, setembro

    de 1991. p.11. 33

    POLANIY, Karl. A Grande Transformao - as origens de nossa poca. Rio de Janeiro, Editora Campus

    Ltda, 1980. 34

    SWAAN. A. In Care of the State. Cambridge. Polity Press, 1988.

  • como "conscincia do crescimento intensivo e extensivo dos laos de interdependncia, junto

    com a disposio de contribuir com os remdios para as adversidades e deficincias que

    afetam os outros" 35

    O Estado, por isso, torna-se uma organizao legtima, devido formao dessa

    conscincia social, e capaz, devido s suas caractersticas especficas, de regular os efeitos

    negativos das interdependncias sociais, que, ao longo do tempo, tendem a ser reduzidas a

    solues legais e administrativas sob a responsabilidade de uma burocracia.36

    Segundo Swaan,

    a complexidade crescente das configuraes sociais forou a formao de uma autoridade

    pblica capaz de extrair compulsoriamente recursos da sociedade e produzir polticas de largo

    alcance para solucionar ou remediar os efeitos da interdependncia social, como tambm

    formar uma "conscincia" sobre essa interdependncia e sobre a necessidade de contribuir

    para remediar os seus efeitos negativos.37

    Esping Andersen acrescenta que o Estado de Bem Estar Social muito mais

    complexo que todas as prticas de concesso de garantias e direitos que o antecederam. As

    formas como as atividades estatais se relacionam com o mercado e com a famlia em termos

    de proviso social so determinantes para que se faa a caracterizao do Estado de Bem

    Estar Social.38

    Assim, a grande preocupao de Andersen foi formular uma teoria da social-

    democracia que se reporte a trs componentes: a estrutura, a formao e as alianas de classe,

    procurando perceber as relaes entre a classe, o Estado e o poder39

    R. Mishra assinala que o modelo do Welfare State no s redefine a base com a qual

    se d o reconhecimento de direitos dos cidados, como tambm tem como caracterstica a

    regulamentao da economia de mercado e a afirmao de polticas econmicas de vis

    keynesiano40

    .

    Para alm disso, conforme Ignacio Delgado, o aparecimento das polticas sociais

    remete no s ao processo de interdependncia fruto da vida moderna, mas tambm

    interao, o conflito, o entendimento entre determinados atores da sociedade capitalista.

    Esses atores seriam o pessoal do governo, os trabalhadores assalariados, os empresrios

    capitalistas e os trabalhadores autnomos (pequenos proprietrios e outros).41

    35

    Ibidem.p.10. 36

    Idem. 37

    Idem. 38

    ESPING-ANDERSEN. As trs economias polticas do Welfare State op cit. 39

    .Idem. 40

    MISHRA, R. Globalization and the Welfare State. Northampton : Edward Elgar, 1999. 41

    DELGADO, I. G. Previdncia Social e Mercado no Brasil: a presena empresarial na trajetria da poltica social brasileira. So Paulo: LTr, 2001. p.38 e 39.

  • De modo geral, as dcadas de 1950 a 1970 foram marcadas pelos limites do programa

    do Welfare State e pela implantao de sistemas de sade, ainda que o seguro sade tenha

    prevalecido42

    . O leque de benefcios e servios se abriu, devido, entre outros motivos, s

    reivindicaes dos trabalhadores e prosperidade econmica, como, tambm, uma

    movimentao internacional em prol desses valores.43

    A Declarao Universal dos Direitos do Homem, de 1948, foi um importante

    instrumento para a legitimao da proteo previdenciria, sobretudo no artigo nmero 85, ao

    determinar que

    "todo homem tem direito a um padro de vida capaz de assegurar a si e a sua famlia sade e

    bem estar social, inclusive alimentao, vesturio, habitao, cuidados mdicos e os servios

    sociais indispensveis, o direito segurana no caso de desemprego, doena, invalidez,

    viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistncia em circunstncias fora de

    seu controle.44

    A Organizao Internacional do Trabalho (OIT), criada em 1919, tambm trouxe ao

    cenrio internacional em sua conveno n 102, no ano de 1952, em Genebra, questes

    importantes os anseios e propsitos no campo da proteo social. Desta conveno resultaram

    as seguintes concluses

    "Seguridade Social a proteo que a sociedade proporciona a seus membros, mediante uma

    srie de medidas pblicas contra as privaes econmicas e sociais que de outra forma,

    derivam do desaparecimento ou em forte reduo de sua subsistncia como conseqncia de

    enfermidade, maternidade, acidente de trabalho ou enfermidade profissional, desemprego,

    invalidez, velhice, e tambm a proteo em forma de assistncia mdica e ajuda s famlias

    com filhos".45

    Destaco alguns acordos assinados entre pases a favor da seguridade social: Pacto dos

    Direitos Econmicos, Sociais e Culturais (1966); Protocolo de So Salvador (1988),

    Conveno Americana de Direitos Humanos (Pacto de So Jos da Costa Rica 1969). A

    primeira Constituio a incluir a previdncia social ao seu contedo foi a do Mxico, em

    1917 (art. 123)46

    ; em seguida, a alem, em 1919 (art. 163)47

    42

    Seguro Social tem como caracterstica central a cobertura de grupos ocupacionais por uma relao contratual.

    Por seu turno, o modelo de seguridade social garante a todos os cidados o direito a um mnimo vital. 43

    LOBATO, Lenaura de Vasconcelhos Costa e GIOVANELLA, Lgia. Sistemas de Sade: origens,

    componentes e dinmica. IN GIOVANELLA, Lgia; ESCOREL, Sarah; LOBATO, Lenaura de Vasconcelhos;

    NORONHA, Jos Carvalho de ; CARVALHO, Antonio Ivo de (org) op cit . p. 120. 44

    Declarao Universal dos Direitos Humanos. Assemblia Geral das Naes Unidas. Dez de dezembro de

    1948. 45

    GENEBRA. Normas Minmas da Seguridade Social. Organizao Mundial do Trabalho. 1952. 46

    MEXICO. Constituio Federal do Mxico. Cidade do Mxico. 1917. 47

    ALEMANHA. Constituio Federal da Alemanha. Frankfurt. 1919.

  • O aparecimento dos Welfare State est, pois, relacionado aos movimentos de

    autodefesa da sociedade com a emergncia da ordem capitalista. So favorecidos pelo

    desenvolvimento de uma conscincia social que emerge com a percepo de fenmenos de

    interdependncia associados ao domnio de tal ordem. Mas seus padres diferenciam-se

    conforme determinadas condies, que veremos abaixo, notadamente as coalizes que

    participam em sua implantao. Por fim, cabe destacar o papel cumprido pelas agncias

    internacionais no ps Segunda Guerra, para difuso dos preceitos relativos proteo social.

    1.2.1 Modelos do Welfare State e Sistemas de Sade

    Esping Andersen considera que existiram trs modelos padres de Welfare State,

    influenciados diretamente pelas coalizes formadas entre as classes sociais48

    .

    O primeiro modelo trata-se do corporativista ou conservador. Neste formato, os

    benefcios so garantidos aos trabalhadores formais e alm disso, a proporcionalidade dos

    auxlios est diretamente relacionada ao cargo formal desempenhado pelo empregado. O

    financiamento e a gesto do sistema so predominantemente divididos entre empregados e

    empregadores e tambm entre o governo. Neste caso, o impacto redistributivo das polticas

    pequeno e o modelo de seguros prevaleceu. O exemplo clssico o alemo.49

    Social democrata ou pblico universalista corresponde a um segundo modelo do

    Welfare State. O universalismo e a desmercantilizao atingem amplamente a classe mdia e

    os trabalhadores, assim, todos os segmentos sociais so incorporados a um sistema universal

    de polticas sociais. Diferentemente do modelo corporativista, neste formato, os valores das

    aposentadorias e penses so baseadas em maior grau no mnimo vital, com padres de

    repartio simples. Sua administrao feita pela gesto estatal e basicamente burocrtica,

    ao menos nos momentos iniciais. Os exemplos clssicos so os pases escandinavos.50

    Por fim, no formato liberal-residual predomina a assistncia aos comprovadamente

    pobres, reduzidas transferncias universais ou planos modestos de previdncia. Neste

    modelo, prevalece o consenso de que o mercado garantiria aos cidados todos os recursos e

    servios necessrios, por isso, trata-se de um sistema mais sensvel ao peso da iniciativa

    48

    ESPING ANDERSEN. G. As trs Economias Polticas do Welfare State. op cit. 49

    ESPING ANDERSEN. G. As trs Economias Polticas do Welfare State op cit. Sonia . Estado de Bem-

    Estar, Desenvolvimento Econmico e Cidadania: algumas lies da literatura contempornea IN: HOCHMAN,

    Gilberto (org). Polticas pblicas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007. DELGADO, Ignacio.

    Previdncia Social e Mercado no Brasil. op cit. 50

    Idem.

  • privada. Por fim, a poltica social possui o carter temporal e limitado. O exemplo clssico

    os Estados Unidos da Amrica.51

    Os sistemas de sade so componentes dos diferentes Estados de Bem Estar Social e

    sua caracterizao tem sido efetuada a partir, principalmente dos mecanismos de acesso e da

    propriedade dos fatores mdicos de produo. De um lado, temos situaes em que

    predomina a rede hospitalar pblica, garantida por impostos, associada ao acesso universal de

    todos os cidados aos servios. Noutro extremo, temos a prevalncia da medicina liberal e

    dos seguros privados, associados ao predomnio da rede hospitalar privada. Numa posio

    intermediria, possvel apontar a presena de sistemas com acesso universal, porm

    associados ao predomnio da rede hospitalar privada. Por fim, sistemas corporativos so

    marcados pelo acesso aos servios de sade por via de mecanismos ocupacionais,

    combinados participao, maior ou menor, de provedores privados.

    Conforme Ignacio Delgado, existem pelo menos trs fatores que explicam as

    diferentes trajetrias dos formatos do Estado de Bem-Estar Social. Primeiro, o modelo

    econmico e poltico daqueles pases economia aberta ou fechada, sistema poltico

    autoritrio ou democrtico ; segundo, a participao dos trabalhadores52

    e, finalmente, as

    configuraes de mercado. 53

    Primeiramente, pases com economias abertas tendem a ter grupo de empresrios

    industriais mais resistentes adoo de polticas sociais, sobretudo se essas prticas forem

    financiadas por tributos que afetem o preo dos produtos. Dessa forma, o empresariado

    prefere o financiamento do Welfare State a partir de impostos gerais e diretos. Por outro lado,

    pases com economia fechada revelam um empresariado favorvel ao financiamento por

    tributos que incidem direto no produto.54

    Por seu turno, regimes democrticos so mais sensveis as presses da sociedade, o

    que pode afetar o desenvolvimento do Welfare State. As democracias favorecem o

    surgimento da organizao de trabalhadores, a constituio de partidos que representam os

    trabalhadores com maior capacidade de atuar na arena poltica e liderar coalizes que

    instauram polticas de proteo social atuantes na arena poltica55

    . Todavia, como o caso

    dos EUA, na ausncia de organizaes polticas que canalizem as demandas dos

    trabalhadores para o governo, esta possibilidade pode ser mitigada, favorecendo presses

    51

    Idem. 52

    Interessa a nossa pesquisa, o tipo de mobilizao dos trabalhadores, a maneira como eles respondem aos

    desafios da ao coletiva, as formas de organizao e as relaes entre o partido operrio e os sindicatos. 53

    DELGADO, Ignacio Previdncia Social e Mercado no Brasil. op cit. p. 58. 54

    Ibidem. p 60. 55

    Idem.

  • fragmentrias que dificultam a edificao de formas pblicas mais abrangentes. Regimes

    autoritrios podem dispor de maior capacidade para implantar polticas sociais do que

    democracias, entre outros motivos, por impedir ao mximo a participao da sociedade.

    Conforme Delgado, as coalizes presentes durante os regimes autoritrios na Alemanha e nos

    pases comunistas foram contundentes para a determinao do modelo de poltica social

    implantada.56

    No que diz respeito participao dos trabalhadores, num primeiro momento, seu

    peso especfico est radicado na sua participao na sociedade e na proporo de indstrias

    que um pas detm. Contudo, caso esses empregados sejam desarticulados e no formem uma

    identidade poltica, os resultados de suas demandas no sero to bem atendidos, visto que os

    problemas sociais causados pela operao capitalista tendem atingir o status de agenda com

    menos intensidade para o governo. Um bom indicativo da fora poltica desse ator o grau de

    sindicalizao dos trabalhadores, entretanto, o sucesso de suas demandas est sujeito

    participao dos trabalhadores industriais na arena poltica. Os movimentos trabalhistas

    podem ser autnomos ou tutelados. No primeiro caso h mais possibilidade de independncia

    poltica e insero de demandas nas arenas, diferentemente do segundo caso.

    importa salientar que o poder dos trabalhadores industriais dispe de um carter

    inescapavelmente relacional, com o que as coalizes efetuadas, o peso especifico de outros

    atores e as configuraes de mercado tm papel crucial na determinao de sua influencia. 57

    Por fim, as configuraes de mercado tambm podem afetar a dinmica dos atores em

    torno das polticas sociais modernas. O desenvolvimento acelerado industrial e do trabalho

    assalariado podem acarretar, por um lado, lutas por salrios melhores, diminuio da jornada

    de trabalho; e por outro lado, indenizao por acidentes, doenas e as aposentadorias.58

    A arquitetura dos sistemas de sade apresenta ligaes com os modelos de Welfare

    State dos pases correlatos, contudo em algumas regies essa conexo entre o modelo do

    Estado de Bem Estar Social e o sistema de sade no se realiza. Na Inglaterra, por exemplo, a

    poltica de sade se desenvolveu sob um vis universal, entretanto, o Welfare State ingls

    tomado em algumas anlises como residual. Por outro lado, Sucia, Alemanha e EUA

    apresentam, respectivamente, modelos universal, universal / corporativo e residual, tanto na

    sade quanto no modelo de Estado de Bem Estar Social.

    56

    Ibidem. p. 61. 57

    Ibidem. p. 60. 58

    Ibidem. p. 62.

  • A parcela da populao coberta por planos e seguros de sade na Sucia era

    desprezvel no ano de 2003. Este servio era desfrutado por famlias de maior renda, via

    contrato individual ou empresarial com as empresas.59

    No ano de 2003, aproximadamente

    10% da populao do Reino Unido era coberta por planos ou seguros de sade, sendo essa

    parcela da sociedade formada pela populao de maior renda.60

    Por sua vez, o seguro social

    alemo cobria em meados de 1995, 86.6% da populao da Alemanha, 10,67% eram

    assegurados por seguros privados, 0,14% da populao no tinham nenhum seguro e 2,60%61

    eram cobertos por outros planos.62

    No ano de 2006, aproximadamente 86% da populao

    norte americana era coberta por planos de sade; sendo que parte desses contratos era

    voluntrio63

    e outra poro obrigatrio. Ou seja, aproximadamente 47 milhes de

    estadunidenses no eram cobertos por nenhum tipo de empresa de sade. 64

    . Desta forma,

    pases onde o sistema de sade foi fortemente estimulado pelo governo, inclusive com a

    incorporao da categoria mdica ao servio pblico, a introduo e a expanso de planos e

    seguros de sade foram dificultadas ou impedidas como no caso sueco.

    Na prxima seo vamos acompanhar a participao de atores sociais no

    desenvolvimento dos modelos de Welfare State e do sistema de sade na Alemanha, EUA,

    Sucia e Inglaterra.

    1.2.2 O legado histrico

    No incio do sculo XX, a Alemanha vivia um regime autoritrio e tinha como prtica

    a defesa de sua indstria frente indstria inglesa. Ademais, a grande indstria favorecia o

    aumento da fora dos trabalhadores, os quais associados social-democracia formavam uma

    59

    BAHIA,Ligia e SCHEFFER, Mario.Planos e seguros privados de sade. In: GIOVANELLA, Lgia;

    ESCOREL, Sarah; LOBATO, Lenaura de Vasconcelhos; NORONHA, Jos Carvalho de ; CARVALHO,

    Antonio Ivo de (org).op cit. p. 514. 60

    Idem. 61

    Ibidem. p.157. 62

    No Canad o sistema de sade, chamado de Medicare, baseado no financiamento pblico dos servios, que

    so providos por instituies privadas sem fins lucrativos. Os mdicos, tanto clnicos gerais quanto os

    especialistas, so autnomos e recebem de acordo com o nmero de pacientes que atendem. O seguro pblico

    no cobre alguns tratamentos oftalmolgicos, dentrios e nem com tratamentos considerados no-essenciais,

    como o psicolgico. Alm disso, pouco mais da metade dos medicamentos tambm esto fora da rea de

    cobertura do seguro pblico. Por conta disso, em 2004, de acordo com estimativa da Organizao para a

    Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE), 65% da populao tinha algum tipo de seguro de sade

    privado, usado para custear, parcial ou totalmente, os procedimentos no cobertos pelo Medicare. A maioria

    paga por empresas, associaes comerciais e sindicatos, e faz parte de um pacote de benefcio considerado

    compulsrio, ou seja, que os trabalhadores no podem recusar. 63

    Trata-se de contratos entre empresas empregadoras ou indivduos/familiares e operadoras de sade. 64

    Este contrato feito entre governos federais/estaduais e operadoras de sade.

  • identidade poltica forte. Assim, as polticas sociais modernas alems foram fruto do desejo

    do empresariado preocupado com o movimento operrio65

    ; do governo temendo um

    possvel avano de programas socialistas - e do prprio trabalhador que tambm teve

    algumas demandas atendidas e ocupou espao nos organismo de direo tripartite que

    acompanharam o estabelecimento do Estado de Bem Estar Social.66

    O incio do sculo XX na Sucia foi marcado pela prtica do livre comrcio, adeso

    ao sufrgio universal, garantia de direitos dos sindicatos, da formao de um forte movimento

    de trabalhadores industriais e de um marco definitivo para a trajetria deste pas: a passagem

    para a democracia. As instituies que anteriormente garantiam uma srie de vetos para as

    agendas polticas passaram a ser preenchidas por sociais democratas, devido ao sistema de

    representao proporcional e eleio indireta da primeira Cmara. Assim, com maioria no

    parlamento, o Executivo tinha suas deliberaes automaticamente sancionadas nas

    votaes.67

    No limite, o sucesso do Estado de Bem Estar Social sueco foi resultado de uma

    combinao de foras entre os pequenos proprietrios e um forte movimento de trabalhadores

    industriais, cuja identidade poltica j estava construda; atrelado fora de um executivo

    pronto a aprovar suas demandas.68

    Predominou nos EUA, at meados do sculo XX, um isolamento relativo da economia

    mundial e um olhar voltado para o mercado interno, com a prtica de medidas protecionistas,

    s revisto no incio do sculo XXI com um impulso de um grupo de empresrios que

    desejava comercializar com outros pases. A mesma aliana entre os social-democratas com a

    classe rural presenciada na Sucia, tambm ocorreu nos Estados Unidos, assegurada pelo

    Partido Democrata, mas mitigada pelo veto dos sulistas norte americanos ao mnino vital da

    previdncia.69

    Por sua vez, a classe mdia protagonizou uma forte participao nas coalizes

    polticas, sobretudo porque o governo teve que equilibrar suas demandas com a dos

    trabalhadores. Todavia, prevaleceu no EUA a participao dos trabalhadores White-Collar,

    os quais foram bastante eficientes ao garantir suas demandas previdencirias e decisivos para

    o fortalecimento do Estado de Bem Estar Social, uma vez que garantiram um apoio

    importante social-democracia, devido aos benefcios alcanados. Por fim, os trabalhadores

    65

    Alm do temor da fora trabalhista, os empresrios alemes foram favorecidos quando trocaram tributos por

    polticas sociais modernas. 66

    DELGADO,Ignacio. Previdncia Social e Mercado no Brasil. op cit. p. 64 e 65. 67

    EM. Immergut. As regras do jogo: A lgica da poltica de sade na Frana, na Sua e na Sucia. Revista

    Brasileira de Cincias Sociais, (30):139-1651. 996. p 158 - 161. 68

    DELGADO, Ignacio. Previdncia Social e Mercado no Brasil. op cit. p. 67 e 68. 69

    Ibidem. p.18

  • industriais americanos no eram organizados ou tinham uma identidade poltica j

    consolidada. 70

    Por sua vez, a ausncia de um setor aristocrtico no foi capaz de consolidar uma

    democracia, j que, mesmo hegemnica, uma burguesia pode ser antidemocrtica

    dependendo de determinada situao econmica, ou mesmo, devido postura de um

    segmento dessa classe. Alm disso, Rueschemeyer, Stephens e Stephens alertam que a

    burguesia no adotou naturalmente uma poltica democrtica, na falta da classe

    latifundiria forte.71

    O caso ingls corrobora a assertiva defendida no pargrafo anterior, pois se trata de

    um pas com uma economia aberta, que no possua uma grande classe de proprietrios

    rurais, mas onde a democracia se estabeleceu, no por influncia da burguesia j que a

    classe mdia era fraca e os pequenos proprietrios no eram uma classe expressiva. Contudo,

    entre outros fatores, pela ao da classe trabalhadora urbana juntamente com o movimento

    tradeunista dentro do Labour Party; formou-se, assim, no sculo XIX, uma identidade

    poltica autnoma dos trabalhadores. Embora, certamente fosse um movimento mais lento se

    comparado Alemanha, e, menos articulado com a sociedade, se comparado com a

    organizao trabalhista sueca.72

    Sucia, Inglaterra e EUA implantaram polticas sociais modernas em pleno regime

    democrtico. Contudo, a ausncia de uma identidade dos trabalhadores industriais norte-

    americanos foi decisiva para que as polticas sociais naquele pas se afastassem dos contornos

    universalistas. Alm disso, a presena de industriais voltados para o mercado externo assumiu

    papel importante nesta conjuntura, juntamente com os produtores do sul que impediram o

    avano do Welfare State. Assim, neste pas no se registrou um aliana entre pequenos

    agricultores e trabalhadores, tal como na Sucia, minimizando a capacidade de articulao da

    massa trabalhadora. Conforme Delgado, em momentos de formao das polticas sociais

    modernas, pases com economias abertas e em regimes democrticos s so favorveis a

    modelos de Estado de Bem Estar Social com contornos universalistas, quando existe a fora

    dos trabalhadores capaz de se impor aos empresrios. 73

    Na Inglaterra, os trabalhadores estavam organizados em sindicatos tradicionais e

    descentralizados em critrios diferentes de organizao. Ademais, eram poucas as chances de

    70

    Idem. 71

    Dietrich Rueschemeyer, Evelyne Huber Stephens e John D. Stephens. Capitalist Development and

    Democracy. University of Chicago: 1992. 72

    DELGADO, Ignacio. Previdncia Social e Mercado no Brasil. op cit. p. 65 e 66. 73

    Ibidem p.71.

  • coalizes entre trabalhadores e os setores agrrios, por isso, o poder de negociao desses

    empregados industriais foi menor, por exemplo, do que o verificado na Sucia com a social-

    democracia - lder de um movimento operrio organizado e sindicatos abrangentes e

    enraizados em ramos diversificados.74

    Alm disso, a aliana firmada na Sucia entre

    pequenos proprietrios e a social-democracia garantiu estabilidade e hegemonia75

    .

    Por fim, a Alemanha no incio do sculo XX tratava-se de um pas em pleno regime

    autoritrio e de economia fechada. Nesta conjuntura, os custos das polticas sociais modernas

    foram transferidos para os consumidores, minimizando a resistncia dos empresrios. Por sua

    vez, o contorno universalista definido, mais uma vez, pela participao dos trabalhadores

    industriais. No caso alemo, existia uma organizao trabalhista tutelado; por isso o modelo

    alemo tem contorno meritocrtico.76

    A anlise das polticas sociais como resultado das coalizes firmadas por diferentes

    atores sociais foi efetuada por Abraham de Swaan num trabalho clssico, em que focaliza o

    papel desempenhado por empresrios, trabalhadores, pequenos proprietrios e o governo77

    na

    determinao das diferentes configuraes em que se estruturou o Estado de Bem Estar

    Social. Neste mesmo trabalho, Swaan assinala que a sade contou, ainda, com um

    componente especial: a forma como o governo circunscreveu o trabalho dos mdicos nos

    momentos iniciais de afirmao da categoria e de definio do monoplio desta sobre os

    servios de sade, com a expanso do conhecimento cientfico sobre as doenas e sua cura.

    Assim, quando o governo absorveu o trabalho mdico nas instituies pblicas, deixando

    espao limitado para a medicina liberal, prosperaram os sistemas pblicos, com apoio,

    inclusive, dos mdicos. 78

    O poder da profisso , tambm, utilizado como categoria explicativa do curso dos

    sistemas de sade. Ao exercerem o monoplio da profisso, os mdicos dispem de uma

    condio especial para a avaliao dos programas de sade e para sua operacionalizao, pois

    74

    Idem. 75

    Mais detalhes sobre o sucesso da aliana poltica na Sucia no inicio do sculo XX ver p 20. 76

    DELGADO, Ignacio. Previdncia Social e Mercado no Brasil. op cit. p. 72. 77

    Em sintonia com as relexes de Swaan, esto as concluses de Contandriopoulos, o qual refere-se a

    regulamentao da sade como: conseqncia da tenso que existe entre as quatro lgicas de regulao: a do

    mercado, a tecnocrtica, a profissional e a poltica. Cada uma destas lgicas corresponde racionalidade

    dominante de um dos quatro grupos de atores a populao; os organismos pagadores e o aparelho

    governamental; os profissionais e as organizaes em que trabalham e o Estado cujas interaes e trocas [...]

    delimitam e estruturam o sistema de sade.(CONTANDRIOPOULOS, A.P, Apud. FRANA ,Susete Barbosa,.

    A Presena no Estado no setor da Sade no Brasil. Revista do Servio Pblico/Fundao Escola Nacional

    de Administrao Pblica Ano 49, n.3Jul-Set/1998. Braslia: ENAP. p. 88) 78

    SWANN, Abram. op. cit.

  • programa algum pode subsistir sem sua cooperao. No limite, seriam capazes at de

    bloquear a implementao de qualquer iniciativa contrria aos seus interesses.

    Ellen Immergut chamou a ateno para os limites de tais explicaes, observando que

    em pases onde, sob quaisquer critrios, o poder da profisso dos mdicos equivalente, o

    resultado no processo de implantao de polticas pblicas de sade diverso. Analisando os

    casos da Sucia, da Frana e da Sua, conclui, pois, que o xito na implantao das polticas

    de sade depende das caractersticas do sistema decisrio. Assim, quando h maior

    concentrao de poder no Executivo, maiores so as chances de sucesso na implantao de

    polticas abrangentes, ao passo que processos decisrios descentralizados, marcados pela

    presena de mltiplos pontos de veto, tendem a favorecer a obstruo de atores contrrios

    sua efetivao. 79

    Inglaterra e Sucia foram pases que incorporaram a categoria mdica no momento de

    implantao de polticas sociais mais abrangentes e tinham um executivo favorvel s

    reformas sociais, por isso, possuem atualmente grandes sistemas pblicos de sade.

    Na Sucia, por exemplo, o ano de 1969 ficou marcado pela criao do Sistema

    Nacional de Sade. Nesta ocasio a medicina liberal foi extinta na maioria dos hospitais

    pblicos e todos os mdicos dos hospitais passaram a ser enquadrados no funcionalismo

    pblico em tempo integral. Neste pas, o acesso ao sistema de sade universal, o

    financiamento , na sua maioria, fiscal e a maior parte das unidades de sade estatal.80

    Como vimos, a parcela da populao coberta por planos e seguros de sade na Sucia

    era desprezvel no ano de 2003. Este servio desfrutado por famlias de maior renda, via

    contrato individual ou empresarial com as empresas de planos e seguros de sade. Aos que

    optam por serem cobertos pela assistncia sade particular garantido o dobro habitual dos

    servios oferecidos pelo governo a sociedade.81

    A trajetria, por assim dizer, paradigmtica na montagem de um sistema pblico

    universal de sade ocorreu na Inglaterra, a partir de 1946, com a assinatura do Plano

    Berevidge. Naquela ocasio, a Inglaterra criou um sistema nacional, universal e gratuito de

    assistncia sade, financiado com recursos pblicos provenientes de impostos gerais,

    dissociando-se da relao contratual que havia caracterizado at ento, a essncia das

    polticas sociais governamentais. Neste sistema universal de sade, a porta de entrada do

    79

    IMMERGURT, E. M. op cit. 80

    LOBATO, Lenaura de Vasconcelhos Costa e GIOVANELLA, Lgia op cit. p. 120. 81

    BAHIA,Ligia e SCHEFFER, Mario.Planos e seguros privados de sade. IN: GIOVANELLA, Lgia;

    ESCOREL, Sarah; LOBATO, Lenaura de Vasconcelhos; NORONHA, Jos Carvalho de ; CARVALHO,

    Antonio Ivo de (org).op cit. p 514.

  • usurio se faz at hoje pelo mdico da sade primria General Practitioner (GB) . Os GPs

    so remunerados por um sistema de pagamentos per capita e so eles os responsveis por

    encaminhar o paciente a um mdico especialista; sendo estes ltimos servidores pblicos82

    .

    Como vimos, no ano de 2003, aproximadamente 10% da populao do Reino Unido

    era coberta por planos ou seguros de sade, sendo essa parcela da sociedade formada pela

    populao de maior renda. Tratava-se de convnios voluntrios realizados entre empresas ou

    indivduos com empresas de planos e seguros de sade. 83

    O estudo de Rigen sobre os modelos de Welfare State vlido para explicar como

    dois pases que adotaram o mesmo formato de polticas sociais modernas apresentam

    atualmente algumas disparidades. Conforme este autor, os modelos de Estado de Bem Estar

    Social poderiam ser divididos em pequeno, mdio ou grande, sempre de acordo com

    quantidade de volume gasto com polticas sociais em relao ao PIB.84

    Assim, a Inglaterra,

    que originalmente se encaixaria no padro universalista, passaria a compor o Welfare State

    pequeno, uma vez que nos anos de 1970, o governo ingls investiu 18,2% do Produto Interno

    Bruto (PIB) em gastos sociais, enquanto a Sucia investiu 23,7% do PIB em igual perodo.

    Mais uma vez, os suecos saram frente, quando gastaram 7,3% do PIB em sade, em contra

    partida os ingleses investiram 4,9%85

    . Para alm desses nmeros apresentados, o grande

    diferencial sueco foi ter uma social democracia, frente da organizao de trabalhadores,

    com identidade poltica forte, atuante e em diferentes ramos de atividade. Dessa forma, esses

    dados confirmam as palavras de Ignacio Delgado, quando afirma que o Estado de Bem Estar

    Social (ingls) tenderia a uma eroso muito rpida (...) enquanto o modelo sueco

    demonstraria enorme resistncia e afirmar-se-ia como um dos mais extensos do mundo

    capitalista.86

    O caso alemo difere dos dois exemplos a cima, uma vez que o modelo adotado foi o

    seguro social e o exerccio da medicina liberal no foi limitado nos momentos iniciais das

    polticas sociais modernas. Neste formato, os servios so garantidos mediante um sistema de

    contratao compulsria, gerido por representantes dos trabalhadores e empregadores e, em

    alguns momentos, pelo governo. O modelo de seguro social foi implantado durante um

    perodo ditatorial, o que facilitou a eliminao de pontos de vetos. E sem uma forte

    participao dos trabalhadores em sua implantao, ainda que significativa na determinao

    82

    LOBATO, Lenaura de Vasconcelhos Costa e GIOVANELLA, Lgia op cit. p.111. 83

    Idem. 84

    DELGADO, Ignacio. Previdncia Social e Mercado no Brasil. op cit. p.59. 85

    GOUCHIAN. The Political Economy of the Welfare State. Macmillan Press Ltd: London. 1979. 86

    DELGADO, Ignacio. Previdncia Social e Mercado no Brasil. op cit. p.62.

  • da entrada da poltica social na agenda governamental fez-se sobressair um modelo

    conservador e permevel categoria mdica.

    O seguro social alemo, como assinalado acima, cobria em meados de 1995, 86.6% da

    populao da Alemanha, 10,67% eram assegurados por seguros privados, 0,14% da

    populao no tinham nenhum seguro e 2,60% eram cobertos por outros planos.87

    Por fim, o modelo norte americano foi implantado sob um sistema poltico marcado

    por diversos pontos de vetos e favorvel prtica da medicina liberal. Neste pas, a

    obrigatoriedade governamental restringiu-se assistncia sade para idosos, portadores de

    patologias especiais e famlias de baixa renda88

    . De forma que, os planos e seguros de sade

    tornaram-se a principal forma de cobertura e financiamento de redes e servios de ateno a

    sade, institucionalizada pelo governo.89

    Tal como indicado acima, no ano de 2006, aproximadamente 86% da populao norte

    americana era coberta por planos de sade; sendo que parte desses contratos era voluntrio90

    e outra poro obrigatrio. Ou seja, aproximadamente 47 milhes de estadunidenses no

    eram cobertos por nenhum tipo de empresa de sade. 91

    J o caso brasileiro aproxima-se da trajetria alem pela presena de um regime

    autoritrio em seu momento fundador, tambm orientado para os objetivos de construo de

    um Estado Nacional e incorporao nele dos trabalhadores assalariados. 92

    Contudo, de forma

    diversa da Alemanha, o Welfare State foi adotado margem da participao trabalhista

    efetiva: na dcada de 1930 era reduzida a participao dos trabalhadores na estrutura

    industrial e pouco definida a constituio de uma identidade poltica nacional que lhes

    conferisse grande influncia na cena poltica, o que se soma feroz represso do governo.

    Desta forma, predominou a participao do governo e da classe empresarial na

    montagem das polticas sociais modernas brasileiras. Desta coalizo criou-se um Estado de

    Bem Estar Social contencionista, cujo financiamento foi gerado pela transferncia direta

    87

    GIOVANELLA, Ligia. ESCOREL, Sarah; LOBATO, Lenaura de Vasconcelhos; NORONHA, Jos Carvalho

    de ; CARVALHO, Antonio Ivo de (org). op cit. p.157. 88

    Devido ineficincia do mercado em garantir a todos o acesso aos servios de sade, o Estado precisou

    intervir criando mecanismos para que os excludos usufrussem da assistncia sade. No caso estadunidense,

    criou-se em 1965, o Medicare e o Medicaid, respectivamente, responsveis pela cobertura de idosos e

    comprovadamente pobres. 89

    ALMEIDA, Clia. Reforma de Sistemas de Sade:Tendncias internacionais, modelos, resultado. In:

    GIOVANELLA, Lgia; ESCOREL, Sarah; LOBATO, Lenaura de Vasconcelhos; NORONHA, Jos Carvalho de

    e CARVALHO, Antonio Ivo de (org).op cit. 90

    Trata-se de contratos entre empresas empregadoras ou indivduos/familiares e operadoras de sade. 91

    Este contrato feito entre governos federais/estaduais e operadoras de sade. 92

    O marco de adoo de polticas sociais modernas foi um momento importante para a construo do Estado

    brasileiro. Diante de toda trajetria histrica brasileira, em meados de 1930, ainda era muito frgil o conceito de

    nacionalismo no Brasil, por isso, o Estado ao delinear as primeiras leis trabalhistas e de importao estava

    tambm trazendo esses atores envolvidos para dentro do Estado e fazendoos reconhec-lo como tal.

  • coletividade, a fim de favorecer a indstria domstica. Por ltimo, os critrios de concesso

    de benefcios estavam diretamente relacionados participao formal do individuo na

    economia. 93

    ***

    Neste primeiro captulo apresentamos os atores e as arenas que entendemos ser mais

    relevantes para a anlise da trajetria recente do sistema de sade brasileiro. Para tanto,

    introduzimos algumas noes importantes para esta anlise e discorremos brevemente sobre

    alguns casos paradigmticos do Estado de Bem Estar Social, considerando as condies em

    que so gerados e as coalizes envolvidas em seu aparecimento, destacando dentro deles a

    forma como se estrutura o setor de sade.

    Dito isso, no prximo captulo, no intuito de destacar a trajetria do sistema de sade

    brasileiro, ressaltaremos o desenvolvimento dos planos e seguros de sade, bem como, o

    caminho em direo ao Sistema nico de Sade. Por fim, traaremos um perfil das

    caractersticas gerais dos segmentos de medicina de grupo, cooperativas, auto-gesto e

    seguros presentes no Brasil. Mais frente, o estudo retomar as indicaes efetuadas na

    primeira seo desse captulo na anlise da criao da ANS e na participao dos atores

    destacados em seu interior.

    93

    DELGADO, Ignacio. Previdncia Social e Mercado no Brasil. op cit.

  • A Trajetria do Sistema de Sade no Brasil

    No segundo captulo, apresentamos, na primeira sesso, um panorama da trajetria do

    sistema de sade no Brasil, focalizando seus principais momentos e temas em destaque no

    cenrio contemporneo, como o problema do financiamento e a organizao dos hospitais

    pblicos. Numa segunda seo, focalizamos a trajetria dos planos e seguros de sade,

    ressaltando o perodo inicial desse servio, sua expanso e o momento atual. Na terceira

    seo, traamos um perfil das caractersticas gerais dos segmentos de medicina de grupo,

    cooperativas, auto-gesto e seguros. Na parte final, apresentaremos estudos de caso de cada

    segmento do sistema suplementar de sade.

    2.1 O Sistema de Sade no Brasil

    2.1.1 Trajetria da Previdncia Social

    No Brasil, at a Constituio de 1988, os servios pblicos de atendimento sade

    estiveram vinculados previdncia social, que, pode-se dizer, teve seu marco inicial em

    1923, com a criao da Lei Eloy Chaves. Atravs deste diploma legal foram criadas as

    primeiras caixas de aposentadorias e penses (CAPs)94

    para os empregados das empresas

    ferrovirias, contemplando-os com os benefcios de aposentadoria por invalidez,

    aposentadoria ordinria (que seria atualmente a aposentadoria por tempo de contribuio),

    penso por morte e assistncia mdica. Mais tarde, os trabalhadores porturios, martimos e

    pblicos tambm foram contemplados por essa proteo. 95

    Contudo, as Caixas no cobriam

    os trabalhadores de pequenas empresas, uma vez que essas instituies no arrecadavam

    recursos suficientes para montar e gerir uma caixa de aposentadoria.96

    Na dcada de 1930 acentuou-se a presena do governo na organizao da previdncia

    social. Foram criados os Institutos de Aposentadoria e Penso (IAP). A partir desta reforma,

    os trabalhadores passaram a ser organizados por categoria profissional, e no mais por

    empresa, com uma estrutura de benefcios e servios diferenciada.97

    94

    As CAPs eram organizadas por empresa, sendo custeadas por empregados (3% salrio), empresas (1% faturamento bruto),como tambm pelo adicional de tarifas pagas pelos usurios dos servios. Ao Estado cabia a

    fiscalizao e aos empregados eleitos em assemblia e empregadores o poder decisrio. (MATOS, Joo

    Boaventura Branco de.op cit E DELGADO, Ignacio. Previdncia Social e Mercado no Brasil. op cit.) . 95

    LIMA, Nsia Trindade, FO