saÚde e desenvolvimento econÔmico: atualizaÇÃo de um tema · senvolvimento econômico, foi...

14
ATUALIZAÇÕES/CURRENT COMMENTS SAÚDE E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: ATUALIZAÇÃO DE UM TEMA José Duarte de Araújo * RSPU-B/289 DUARTE DE ARAÚJO, J. D. — Saúde e desenvolvimento econômico: atualização de um tema. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 9:515-28, 1975. RESUMO: Tendo em vista a importância das relações entre saúde e de- senvolvimento econômico, foi feita uma revisão do tema destacando trabalhos publicados nas duas últimas décadas, tanto na literatura médica estrangeira como na nacional. A revisão revela uma tendência à análise objetiva do pro- blema, mediante o uso de análise estatística sofisticada e métodos economé- tricos. Diante da carência deste tipo de estudos no Brasil, recomenda-se maior colaboração entre médicos, planejadores e economistas para realizar pesquisas que preencham esta lacuna. UNITERMOS: Saúde. Desenvolvimento econômico. Planejamento de saúde. Economia da saúde. * Do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal da Bahia Parque Uni- versitário Canela 40.000 Salvador, BA — Brasil. 1 INTRODUÇÃO Quando da realização do Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropi- cal tivemos oportunidade de participar em uma mesa-redonda sobre o tema "Aspectos Econômicos da Saúde". Das discussões que ali tiveram lugar ficou patente que um dos aspectos mais importantes e mais controversos do tema proposto era o das relações entre saúde e desenvolvimento. Naquela ocasião ficou também evidente o relativo deconhecimento em nosso meio das contribuições mais recentes à litera- tura especializada neste campo, particular- mente dos estudos econométricos desenvol- vidos na Europa e nos Estados Unidos. A aplicação desta nova metodologia tem tido como principal objetivo dar uma abordagem objetiva à análise do proble- ma, procurando afastar da sua aprecia- ção as conotações de caráter emocional, subjetivo ou doutrinário. Tendo em vista a importância de que o tema se reveste para o nosso país, acha- mos oportuno divulgar revisão do assunto que realizamos recentemente como parte de um estudo de maior amplitude sobre economia da saúde 1 . 2 — REVISÃO DO TEMA Foi nosso objetivo realizar uma pesqui- sa extensa, porém seletiva, dos trabalhos que têm sido publicados, sobretudo nas duas últimas décadas, sobre o tema das re-

Upload: vannguyet

Post on 10-Nov-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: SAÚDE E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: ATUALIZAÇÃO DE UM TEMA · senvolvimento econômico, foi feita uma revisão do tema destacando trabalhos publicados nas duas últimas décadas,

ATUALIZAÇÕES/CURRENT COMMENTS

SAÚDE E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO:ATUALIZAÇÃO DE UM TEMA

José Duarte de Araújo *

RSPU-B/289

DUARTE DE ARAÚJO, J. D. — Saúde e desenvolvimento econômico: atualizaçãode um tema. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 9:515-28, 1975.

RESUMO: Tendo em vista a importância das relações entre saúde e de-senvolvimento econômico, foi feita uma revisão do tema destacando trabalhospublicados nas duas últimas décadas, tanto na literatura médica estrangeiracomo na nacional. A revisão revela uma tendência à análise objetiva do pro-blema, mediante o uso de análise estatística sofisticada e métodos economé-tricos. Diante da carência deste tipo de estudos no Brasil, recomenda-se maiorcolaboração entre médicos, planejadores e economistas para realizar pesquisasque preencham esta lacuna.

UNITERMOS: Saúde. Desenvolvimento econômico. Planejamento de saúde.Economia da saúde.

* Do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal da Bahia — Parque Uni-versitário — Canela — 40.000 — Salvador, BA — Brasil.

1 — I N T R O D U Ç Ã O

Quando da realização do Congresso daSociedade Brasileira de Medicina Tropi-cal tivemos oportunidade de participar emuma mesa-redonda sobre o tema "AspectosEconômicos da Saúde". Das discussõesque ali tiveram lugar ficou patente queum dos aspectos mais importantes e maiscontroversos do tema proposto era o dasrelações entre saúde e desenvolvimento.Naquela ocasião ficou também evidente orelativo deconhecimento em nosso meiodas contribuições mais recentes à litera-tura especializada neste campo, particular-mente dos estudos econométricos desenvol-vidos na Europa e nos Estados Unidos.A aplicação desta nova metodologia temtido como principal objetivo dar uma

abordagem objetiva à análise do proble-ma, procurando afastar da sua aprecia-ção as conotações de caráter emocional,subjetivo ou doutrinário.

Tendo em vista a importância de que otema se reveste para o nosso país, acha-mos oportuno divulgar revisão do assuntoque realizamos recentemente como partede um estudo de maior amplitude sobreeconomia da saúde1.

2 — REVISÃO DO TEMA

Foi nosso objetivo realizar uma pesqui-sa extensa, porém seletiva, dos trabalhosque têm sido publicados, sobretudo nasduas últimas décadas, sobre o tema das re-

Page 2: SAÚDE E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: ATUALIZAÇÃO DE UM TEMA · senvolvimento econômico, foi feita uma revisão do tema destacando trabalhos publicados nas duas últimas décadas,

lações recíprocas entre a saúde e o de-senvolvimento econômico. Dos trabalhosrevistos procuramos apreciar, dentro deuma perspectiva histórica, inicialmente aspublicações estrangeiras e a seguir as deautores nacionais.

Em 1952, na 5.a Assembléia Mundialde Saúde, Myrdal36 analisou em termosgerais as relações existentes entre nível desaúde e desenvolvimento sócio-econômicoe chamou a atenção para o "círculo vi-cioso da pobreza", fundamentando-se nasua teoria dos "efeitos cumulativos" 35 ouda "causalidade circular cumulativa". Deacordo com Myrdal há, no contexto dodesenvolvimento social e econômico, umasérie de fatores dinamicamente inter-rela-cionados, de tal forma que alterações deum deles, ou em alguns deles simultanea-mente, repercutem imediatamente sobre osdemais, sendo esta repercussão mais doque um simples efeito aditivo, assumindomesmo um caráter de auto-reforço. Taisinter-relações, adverte Myrdal, tanto po-dem operar no sentido positivo como nosentido negativo. Chama ela ainda aatenção, dentro da mesma teoria, para osproblemas que podem ser criados quandose introduzam, ou se tenta introduzir, mu-danças isoladas em um dos setores da es-trutura sócio-econômica. Graves desequi-líbrios podem daí resultar, gerando ouagravando tensões sociais e criando novosproblemas. Myrdal citou como exemploos resultados dos programas de saúde, le-vando a crescimento demográfico e à ex-pansão de força trabalho que, quandonão acompanhadas de incremento paralelodos programas de habitação, de educaçãoe de novas oportunidades de trabalho, po-derão contribuir para um agravamento,pelo menos temporário, da situação eco-nômica, com baixa da renda per capita e,pelas estreitas relações entre nível econô-mico e saúde, à própria perda dos ganhosinicialmente obtidos em melhoria de saú-de. Em conclusão, considerou Myrdalque o problema dos investimentos em saú-de, como parte dos programas de desen-

volvimento, não poderá ser encarado iso-ladamente e sim dentro de uma visão glo-bal do processo de desenvolvimento quecontemple as modificações estruturais in-dispensáveis a que os ganhos em saúdepossam efetivamente exercer o seu poten-cial de influência positiva sobre o desen-volvimento econômico. Em síntese, Myr-dal, embora reconhecendo a importânciados gastos em saúde, assumiu uma posiçãodiversa da de Winslow55, dando maiorênfase ao desenvolvimento econômico co-mo pré-condição para a melhoria do nívelde saúde.

Em 1962, Fein18 apresentou, na pri-meira "Conferência sobre a Economia dosServiços de Saúde", importante trabalhosobre as relações entre os programas desaúde e o desenvolvimento econômico, noqual, após fazer uma revisão dos estudosque desde o século XVII abordam o temado valor econômico da vida humana, atéà emergência do conceito de "capital hu-mano", ele dedicou especial atenção aoproblema das repercussões dos programasde saúde nas nações subdesenvolvidas.Inicialmente reconheceu o autor que a me-dida destas repercussões torna-se parti-cularmente difícil, pelo fato de nessespaíses, de modo geral, estarem ocorrendomudanças de toda sorte, sendo problemá-tico procurar-se isolar o efeito das mu-danças em um setor sem levar em contaos demais. A seguir procurou ele ana-lisar criticamente a teoria segundo a qualo aumento de população que se segue àmelhoria dos níveis de saúde pode tornaros programas de saúde prejudiciais doponto de vista do desenvolvimento econô-mico e, conseqüentemente, que os recur-sos escassos poderiam ser melhor aplicadosem outros programas que contribuíssempara o crescimento da renda per capita.Alguns defensores desta teoria, refereFein 18, vão ao absurdo de considerar quemesmo que os recursos não fossem escas-sos, ou que os programas de saúde fossemgratuitos, em certas situações seria me-lhor não realizá-los. Esta é, sem dúvi-da, uma posição extrema e Fein18 criti-

Page 3: SAÚDE E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: ATUALIZAÇÃO DE UM TEMA · senvolvimento econômico, foi feita uma revisão do tema destacando trabalhos publicados nas duas últimas décadas,

cou-a de modo objetivo e lúcido. Segundoele, o argumento dos riscos do excesso decrescimento demográfico fundamenta-seem uma série de premissas muitas dasquais incoerentes, e outras ainda não com-provadas pela evidência empírica e que,portanto, merecem ser devidamente reexa-minadas. A primeira delas é a de en-carar o desenvolvimento por uma óticarestrita, em termos apenas de renda percapita, sem levar em conta o nível de sa-tisfação das várias necessidades huma-nas e a qualidade do nível de vida, in-clusive o próprio nível de saúde. Outroponto fundamental, freqüentemente omiti-do nas discussões, é o de que os progra-mas de saúde não apenas reduzem a mor-talidade e contribuem para o aumentopopulacional, como também reduzem amorbidade e, conseqüentemente, contri-buem para o aumento do Produto Na-cional, pela diminuição do ausentismo,pelo aumento de homens/hora de trabalhoe pela maior eficiência da força de tra-balho. A premissa de que melhor saúdesignifica apenas mais bocas para alimen-tar, e não mais pessoas para produzir ali-mentos é, portanto, altamente questioná-vel. Em terceiro aspecto, que para Fein 18

merece um maior escrutínio, é o dos efei-tos dos programas de saúde sobre a edu-cação, pois se há uma aceitação geral daimportância da educação para o desen-volvimento econômico, faltam informaçõesobjetivas sobre as repercussões da doençasobre o processo educativo e sobre o efeitodos gastos em saúde no aproveitamentodos investimentos em educação. Fein18

concluiu, todavia, com uma nota de cau-tela: os programas de saúde, por maiorque seja o seu sucesso, não geram por sisó o desenvolvimento econômico; eles pre-cisam ser acompanhados pelo complexode outras medidas necessárias ao cresci-mento da economia e não devem pois serconsiderados in vacuo.

Comentando o trabalho de Fein18,Goode21 considerou como seu principalmérito o esforço em dar uma nova visão

ao problema dos efeitos da saúde sobrea população e a força trabalho, mostran-do, de modo persuasivo, que os progra-mas de saúde podem aumentar a forçaefetiva de trabalho numa taxa mais altaque a do crescimento demográfico.Goode 21 insistiu, todavia, na necessidadede estudos quantitativos para identifica-ção de provas mais relevantes, na apre-sentação mais clara dos problemas, e in-centivou maior comunicação entre os eco-nomistas e os administradores de saúde.

Ainda na mesma conferência, Perl-man 43 apresentou trabalho que ofereceabordagem empírica do mesmo tema queFein 18 tinha apreciado do ponto de vistateórico e, o que é para nós de maior re-levância, baseando-se em experiênciasocorridas no Brasil. Ele focalizou primei-ramente os programas de saúde públicainiciados na Amazônia, com ajuda estran-geira e com o objetivo de permitir a ex-pansão da cultura da borracha, como partedo esforço de guerra, e que tiveram o seusucesso interrompido após o conflito. Aseguir estudou ele a experiência mais li-mitada dos programas de saneamento ede assistência médica ligados à cultura depimenta em Tomé-Açu e à mineração demanganês no Amapá, ambas resultantesde empreendimentos de iniciativa privadae de efeitos circunscritos às áreas de pro-dução e às respectivas populações, semtodavia produzir um maior impacto sobreo nível de saúde ou o desenvolvimento daregião. A outra experiência brasileiraque Perlman43 analisou, desenvolveu-seem um contexto bastante diverso do daAmazônia, em uma área na qual existiagrande potencial de fatores de produção:o Vale do Rio Doce. Os programas desaúde pública, ali iniciados também comoparte do esforço de guerra, especialmenteo controle da malária, permitiram o cres-cimento econômico e o desenvolvimentoda região ao ponto de já na década dos60 a estrutura dos serviços sanitários alimontados mostrar-se insuficiente para asnecessidades de atendimento da crescentepopulação daquele polo de desenvolvimen-

Page 4: SAÚDE E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: ATUALIZAÇÃO DE UM TEMA · senvolvimento econômico, foi feita uma revisão do tema destacando trabalhos publicados nas duas últimas décadas,

to. Todavia, a indispensável expansãodos serviços médico-sanitários veio a sergradualmente realizada com investimentosque foram possíveis graças ao notável de-senvolvimento econômico da região. Naopinião de Perlman43, estes exemplos bra-sileiros ilustram o papel dos programas desaúde pública, na abertura de áreas in-festadas por doenças à exploração econô-mica, e no melhoramento da saúde damão-de-obra. A nosso ver, os exemploscitados neste trabalho ilustram também,de uma parte, a limitação dos programasde saúde restritos a uma pequena áreaisolada de exploração primária sem possi-bilidade de causar um verdadeiro impactoao nível regional, e de outra, a fragilidadedos programas baseados apenas em ajudaexterna, de duração episódica, correspon-dendo a razões que nem sempre se ajus-tam ao planejamento do desenvolvimentodo país, ou às possibilidades e ao poten-cial da região beneficiada. Ruderman46,comentando o trabalho de Perlman 43, cri-ticou a tentativa de fazer generalizaçõesa partir de projetos limitados, sem umabase estatística mais sólida, e mostrou-setambém contrário à realização de progra-mas de saúde apenas em áreas de interes-se econômico, em detrimento dos progra-mas que beneficiariam toda a população.

Em 1962, Mushkin34 abordou a ques-tão da saúde como investimento, defen-dendo o ponto de vista de serem os gas-tos em saúde uma forma de investimentoe não uma despesa de consumo, a exemplodo que já vinha sendo reconhecido paraa educação. Procurou ela porém, ao mes-mo tempo, demonstrar as dificuldades me-todológicas encontradas na tentativa dequantificar a rentabilidade desse investi-mento.

Bravo e col.6, em 1963, representandoo Chile na conferência realizada em Ge-nebra sobre a aplicação da ciência e tecno-logia em benefício das nações subdesen-volvidas, defenderam a tese da necessi-dade de se incluir a saúde nos planos dedesenvolvimento.

Horwitz25, em 1963, apreciando o pro-blema das relações entre saúde e desen-volvimento econômico, acentuou o signifi-cado dos dispendios em saúde, dando-lhesum caráter de investimento e não de gas-tos de consumo. Recomendou ele que seutilizem técnicas de programação e quese apresentem argumentos, por difícil queseja esta tarefa, também em termos eco-nômicos, solicitando a cota adequada paraa saúde na distribuição dos escassos re-cursos governamentais. Chamou ainda aatenção para a necessidade de melhoresestatísticas para facilitar o planejamentoe a avaliação dos programas de saúde.

Drewnowski15, em 1966, estudou os fa-tores sociais do desenvolvimento, seu sig-nificado, sua medida e suas relações deinterdependência. Nesse trabalho o au-tor insistiu na unidade do conceito de de-senvolvimento abrangendo tanto os compo-nentes econômicos quanto os sociais. Nasua opinião, a planificação do desenvolvi-mento não pode ser exclusivamente socialou econômica, embora na prática ocorraquase sempre o predomínio do planeja-mento econômico, apesar de ser larga-mente aceito que "l'amélioration des con-ditions sociales est le but final de toutdévelopement". Para ele, somente os ob-jetivos sociais, que implicam melhoria dosníveis de vida e de bem-estar podem serconsiderados como fins do desenvolvimen-to, enquanto que os objetivos econômicos,tais como formação de capital, aumentode produtividade, etc., são apenas fins in-termediários, cujo único valor é contribuirpara os objetivos finais já aludidos.

Apesar da opinião anteriormente expos-ta, o autor deu o devido destaque às con-seqüências secundárias do desenvolvimen-to social sobre a produtividade e o cres-cimento econômico, criticando o uso dosmodelos do tipo capital/produto, que dãoênfase excessiva à formação de bens decapital, e defendeu a política de investi-mento na melhoria de qualidade de mão--de-obra, pois "sans une amélioration dela qualité du travail les investissements de

Page 5: SAÚDE E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: ATUALIZAÇÃO DE UM TEMA · senvolvimento econômico, foi feita uma revisão do tema destacando trabalhos publicados nas duas últimas décadas,

capital ont un rendement bien moindreque celui qu'ils pourraient avoir du pointde vue technique et ils sont perdus dansune large mesure". Como corolário admi-te ele ser possível atingir uma mesma ta-xa de crescimento econômico com o usode menos bens de capital e mais investi-mentos no aumento de produtividade dotrabalho.

Ao propor os seus indicadores de fluxoe de estoque dos fatores sociais de desen-volvimento, Drewnowski15 incluiu a saúdeem diversos níveis:

a) como parte do capital social (Hos-pitais, Centros de Saúde) ;

b) como bem de consumo (serviços mé-dicos) ;

c) como medida do nível de vida (flu-xo de recebimento de atenção médicae sanitária) ;

d) como medida do nível de bem-estar(estado de saúde e de nutrição).

Ainda em 1966, Drewnowski e Scott16

publicaram monografia sobre a elabora-ção de um índice do nível de vida daspopulações no qual davam particular im-portância à saúde. Os indicadores desaúde escolhidos foram: o acesso aoscuidados médicos, a percentagem de óbi-tos devidos a doenças infecciosas e parasi-tárias, e a taxa de mortalidade proporcio-nal de indivíduos de mais de 50 anos.

Na "Declaração dos Presidentes dosPaíses Americanos" 41, aprovada em Pun-ta del Este, em 1967, está o reconheci-mento explícito de que "a melhoria dascondições de saúde é fundamental para odesenvolvimento econômico e social daAmérica Latina". Ali se encontra tam-bém a recomendação expressa de incorpo-rar os planos nacionais e regionais de saú-de aos planos gerais de desenvolvimento.

O Instituto de Pesquisa para o Desen-volvimento Social das Nações Unidas52

apresentou, em 1968, informe preliminarsobre o estudo referente aos indicadores

de desenvolvimento sócio-econômico, cha-mando a atenção para a correlação entrea esperança de vida ao nascer e os indi-cadores econômicos, freqüentemente maiselevada do que a sua correlação com osdemais indicadores de saúde, tais comoo número de habitantes por médico ou onúmero de leitos hospitalares por habi-tantes.

Cibotti10, em 1969, já chamava a aten-ção para as dificuldades em se quantifi-carem as relações incrementais recíprocasentre saúde e desenvolvimento, ao discutirmétodos para integrar o setor saúde naplanificação do desenvolvimento econô-mico.

Em 1969, Castadot7, após estudar asrelações entre o nível sócio-econômico daspopulações e as taxas de natalidade e demortalidade infantil, opinou que a eleva-ção do nível econômico é uma medida maiseficaz para a elevação do nível de saúdedo que o aumento da assistência médica.

McGranahan e col.31 publicaram, em1970, extenso e laborioso trabalho reali-zado no Instituto de Pesquisas para o De-senvolvimento Social das Nações Unidas,com o objetivo de desenvolver um índicesintético de desenvolvimento mais repre-sentativo do que a renda per capita. Par-tindo de 72 indicadores sociais e econô-micos, estudando os coeficientes de corre-lação entre os indicadores e os níveis decorrespondência entre eles, os autores se-lecionaram 18 indicadores de "alta-corre-lação". Estes indicadores foram ajusta-dos a curvas que definiam padrões dedesenvolvimento, diferentes para os diver-sos países. Após atribuição de pesos atais indicadores, foi construído um índicesintético capaz de refletir melhor, na opi-nião dos autores, o complexo processo dedesenvolvimento sócio-econômico do quea simples medida do Produto Nacional ouda renda per capita. Dentre os 18 indi-cadores, que compõem o índice, figurama esperança de vida ao nascer e o consu-mo diário per capita de proteína animal.Embora o Instituto acima referido 53 con-

Page 6: SAÚDE E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: ATUALIZAÇÃO DE UM TEMA · senvolvimento econômico, foi feita uma revisão do tema destacando trabalhos publicados nas duas últimas décadas,

sidere o índice desenvolvido por McGra-naham e col. 31 como mais representativodo nível de desenvolvimento do que o PIBper capita, a sua aplicação é dificultadapela grande variedade de informações es-tatísticas necessárias a sua elaboração.

Em seu trabalho, publicado em 1971,Kuhner 26 estudou os resultados do progra-ma de erradicação da malária na Tailân-dia como um exemplo do impacto das ati-vidades de Saúde Pública sobre o desen-volvimento econômico. O seu métodoconsistiu em aplicar uma fórmula mate-mática que media o valor da perda anualdo produto bruto da agricultura em fun-ção da população economicamente ativanaquele setor, do seu coeficiente de pro-dutividade, e do número de homens/anode trabalho perdidos em conseqüência deataques de malária. Aplicando esta fór-mula aos dados obtidos entre 1952 e 1966,pôde Kuhner2 6 demonstrar que a perdaeconômica anual neste período, durante oqual desenvolveu-se o programa de erra-dicação da malária, foi reduzida em81,49%. Infelizmente o autor não forne-ceu dados sobre o custo do programa deerradicação da malária, o que teria per-mitido uma interessante análise de custo/benefício.

Estudando o problema da contribuiçãoda saúde para o desenvolvimento, Griffithe col. 23 acharam que a questão envolvetrês aspectos fundamentais: primeiro ademonstração do papel da saúde na pro-moção do crescimento econômico; em se-gundo lugar a demonstração dos efeitosnegativos da doença sobre a produtividadee, finalmente, a quantificação dos benefí-cios econômicos resultantes da melhoriano nível de saúde. No que diz respeitoà metodologia utilizada para dar uma ex-pressão quantitativa a estas questões, osautores destacam a importância que aschamadas variáveis "residuais" às vezesdemonstram ter sobre as funções de pro-dução, limitando sobremodo a interpre-tação dos resultados. Apesar de reconhe-cer estas dificuldades os autores procura-

ram ilustrar o seu ponto de vista apre-sentando três estudos particulares. Oprimeiro demonstrando, mediante umaanálise de regressão, o efeito da queda damortalidade por malária no Ceilão sobreo aumento do Produto Nacional, no qualconcluíram que "health measures were notonly related to the economy but were atthe time more important economically thancapital formation". Em segundo lugar,estudaram o efeito da epidemia de in-fluenza na Tailândia, em 1957, sobre acolheita do arroz, onde o prejuízo na pro-dução foi equivalente a oito vezes o orça-mento anual do Ministério da Saúde da-quele país; este estudo, em particular, re-força o ponto de vista de Schultz 48 e dePaglin42 de que a mão-de-obra na agri-cultura em nações subdesenvolvidas nãotem uma produtividade marginal de zerocomo parecem acreditar alguns economis-tas. Em terceiro lugar, apreciaram o efei-to de um programa limitado de combateà malária em uma área de mineração detungstênio na Tailândia, iniciado em 1969,e que já no ano seguinte resultou de umaumento de produção equivalente a 6,5vezes o custo do programa.

Scott49 fez uma crítica dos estudos decomparação internacional sobre o impactodos níveis de saúde, ou outros indicadoressociais, sobre o crescimento econômico.A seu ver estes estudos têm falhado pelosseguintes motivos:

a) tem-se feito uso da análise de regres-são sem levar em conta que a causa-lidade pode ser em ambas as dire-ções;

b) não se tem levado em conta a possi-bilidade de que os indicadores sociaise econômicos possam estar variandoindependentemente em função de umcomplexo causal mais amplo;

c) outros fatores potencialmente impor-tantes têm ficado fora de análise peladificuldade de mensuração.

Page 7: SAÚDE E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: ATUALIZAÇÃO DE UM TEMA · senvolvimento econômico, foi feita uma revisão do tema destacando trabalhos publicados nas duas últimas décadas,

Após essas críticas, o autor apresentouos seus próprios estudos realizados no Ins-tituto para Pesquisa de DesenvolvimentoSocial das Naçõçes Unidas, analisando da-dos de seis países (Jamaica, México, Cei-lão, Chile, Marrocos e Malásia) em queconcluiu pela necessidade de incluir naanálise ''the realities of the social and po-litical situation". Fica, porém, sem res-posta a questão de como avaliar objeti-vamente essas variáveis, de mensuraçãoaltamente problemática.

Wolf 56, em 1971, ao propor uma estra-tégia para os gastos em programas desaúde, como um complemento indispensá-vel aos investimentos econômicos para odesenvolvimento, chamou a atenção parao fato de que a saúde é necessária nãosó para manter e melhorar a produtivi-dade da força trabalho como também, oque é particularmente importante em nos-sos dias, para tornar possível às criançasusar de modo eficiente o investimento feitoem educação.

Correa e Cummins1 1 , em 1970, focali-zando um aspecto limitado do problemasaúde, qual seja a nutrição, foram de opi-nião que a simples constatação, em termosgerais, de que a melhor nutrição contribuipara o desenvolvimento não é suficiente,e partiram para a tentativa de quantifica-ção. Utilizando dados da América La-tina, da Europa e dos Estados Unidos, eaplicando uma função de produção queconsiderava a taxa de aumento da pro-dução em função do aumento de consumocalórico, de uma parte, e do nível de edu-cação da população de outra parte, che-garam à conclusão de que na AméricaLatina o aumento do consumo calóricocontribuiu para 4,6% do aumento do pro-duto nacional, enquanto nos Estados Uni-dos e na Europa este efeito foi de apenas0,8%, o que levou os autores à conclusãode que quanto menos desenvolvido econo-micamente seja um país, ou uma região,maior será a contribuição da melhoria dopadrão alimentar para o aumento da pro-dutividade.

Videla 54, em 1971, no Chile, tambémabordou o problema da nutrição comocomponente da saúde, em relação à econo-mia, considerando desnutrição e doençacomo fenômenos dependentes do subdesen-volvimento econômico e social, e defendeuo estabelecimento de uma política nacio-nal de nutrição com participação multi-setorial da saúde, da agricultura e daeducação.

Outra dimensão econômica do problemanutricional que vem recebendo destaquenos últimos anos é o reconhecimento deque a desnutrição na primeira infânciapode prejudicar a maturação cerebral e odesenvolvimento intelectual5, 28. Isto re-sultaria em dificuldades no processo deeducação da futura força de trabalho4 ,

14, 57, com óbvias repercussões econômicas.

Frazer 20, em 1972, estudou as relaçõesentre o nível de saúde, o número de mé-dicos e de leitos hospitalares por mil ha-bitantes, o produto interno nacional percapita, e o sistema de financiamento dosserviços de saúde em dezoito países eco-nomicamente desenvolvidos, tendo verifi-cado que as diferenças entre os níveis desaúde nos países estudados apresentavam,pelo teste de Spearman, elevada correla-ção com a proporção dos recursos desti-nados ao provimento de serviços não pes-soais de saúde pública.

Os trabalhos de Mallembaum têm pro-curado defender o papel positivo da saúdecomo fator de desenvolvimento econômi-co, inicialmente, em 1962, com argumen-tos teóricos 30 e, mais recentemente, comuma análise econométrica de considerávelinteresse29. Este trabalho mais recente(1962), baseado em dados estatísticos depaíses em desenvolvimento e utilizandoanálise de regressão múltipla, demonstraque em algumas situações específicas épossível se quantificar a participação dasaúde como um fator de produtividadeeconômica. Procurando explicar este efei-to, Mallembaum 29 deu ênfase às mudan-ças de atitudes e de perspectivas resultan-tes de melhoria da saúde individual e

Page 8: SAÚDE E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: ATUALIZAÇÃO DE UM TEMA · senvolvimento econômico, foi feita uma revisão do tema destacando trabalhos publicados nas duas últimas décadas,

coletiva, as quais favoreceriam maior par-ticipação na força de trabalho, maior ini-ciativa e maior produtividade. Aliás,este é também o ponto de vista defen-dido por Taylor e Hall50 em sua cuida-dosa análise das relações entre saúde, po-pulação e desenvolvimento econômico.

Em 1971, Cibotti9 chamou a atençãopara as dificuldades encontradas nas ten-tativas de se estabelecerem e quantifica-rem as relações entre a elevação dos in-dicadores ditos de desenvolvimento econô-mico e a correspondente elevação dos in-dicadores do setor social, ou seja, porexemplo, o volume de aumento dos níveisde saúde, ou de educação, produzidos poruma certa aceleração na taxa de desen-volvimento, e a recíproca, o grau de ace-leração no processo de desenvolvimentodecorrente de um dado aumento naque-les setores sociais. Na opinião de Cibot-ti 10, a determinação da natureza destas"relações incrementais", bem como dosmétodos adequados para medi-las, seriaum passo decisivo para resolver o proble-ma de como ajustar o setor social noplanejamento para o desenvolvimento.

Zukin 59, em 1971, citou exemplos deplanos de desenvolvimento que falharampor não ter sido levada em conta a variá-vel saúde, advogando a inclusão de pro-gramas de saúde em todos os planos dedesenvolvimento econômico e fazendo re-comendações para como proceder ao pla-nejamento sistemático e racional de saú-de. Deixou ele, porém, de indicar o ca-minho para a integração destes planosdentro do escopo mais amplo dos planosglobais de desenvolvimento. Em trabalhomais recente 58, o mesmo autor abordoua questão por um outro prisma, ou seja,dado um projeto de desenvolvimento eco-nômico, como analisar o mesmo em re-lação ao setor saúde, procurando deter-minar as influências recíprocas entre oprojeto a ser executado e a saúde da po-pulação, de modo a antecipar os proble-mas ou estrangulamentos, e sugerir comantecedência as medidas necessárias aevitá-los.

Navarro37, em editorial, no númeroespecial que o International Journal ofHealth Services dedicou em 1971 ao tema"Saúde e Desenvolvimento Sócio-Econô-mico", destacou o fato de que os modelosclássicos de análise de desenvolvimentoeconômico, do tipo Cobb-Douglas ou Har-rod-Domar, não incluíam variáveis sociais,tais como educação ou saúde, como fato-res explícitos nas funções de produção,sendo relativamente recentes as tentativasde quantificar as relações recíprocas entresaúde e desenvolvimento. Chamou eleainda a atenção não apenas para as com-plexidades metodológicas do problema,como também para a sua reconhecida sen-sibilidade política. Neste particular, Na-varro 37, a exemplo de Latham 27, criticao que chama de "inquietador conformis-mo" dos profissionais da saúde ao evitarmeticulosamente, em suas discussões e de-liberações públicas, a abordagem dos as-pectos políticos do problema.

Em recente editorial17, a revista Lancetabordou o problema da assistência técni-ca para programas de saúde às nações emdesenvolvimento, opinando que enquantoalguns economistas acreditam que o desen-volvimento econômico das nações do ter-ceiro mundo resultará em uma melhoriaautomática do nível de saúde, a realidadeé que "isto somente será verdade se o de-senvolvimento econômico incluir entre osseus componentes investimentos no setorsaúde". Ademais, indaga o editor, porque haveriam as populações dos países emdesenvolvimento de esperar pelos efeitosdo crescimento econômico a longo prazo,quando o uso inteligente dos recursos dis-poníveis para saúde poderia beneficiá-lashoje mesmo, e contribuir para o próprioprocesso de desenvolvimento?

Analisando especificamente as ativida-des dos programas internacionais de saú-de, multi e bilaterais, empreendidos pororganizações particulares, por agências go-vernamentais ou por organizações interna-cionais, Quimby45 , em 1971, considerouque "measures that bring better health to

Page 9: SAÚDE E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: ATUALIZAÇÃO DE UM TEMA · senvolvimento econômico, foi feita uma revisão do tema destacando trabalhos publicados nas duas últimas décadas,

the whole population, or a large segmentof it, lay a basis for a broader distributionof political power, for where only the eliteare healthy and vigorous, and most of thepeople are lethargic from sickness, powertends to remain concentrated, and demo-cratic institutions are not likely to deve-lop". Este estudo, preparado para umadas Comissões do Congresso Norte-Ameri-cano, é um dos raros exemplos de análisepolítica dos problemas de saúde.

No Brasil, o relatório da Subcomissãode Saúde, da Comissão Nacional de Bem--Estar Social, publicado em 1954 8, consi-derou o problema de saúde como uma va-riável dependente do desenvolvimento eco-mico e criticou a tendência de seprocurar dar ao país uma "superestrutu-ra médica que a infra-estrutura econômicanão suporta", e que não corresponde àsreais necessidades da população.

O próprio Ministério da Saúde, em1955, na palavra do seu titular2 , 3, reco-nheceu, em reiterados pronunciamentos,as vinculações entre saúde e desenvolvi-mento econômico, e entre doença e po-breza, aparentes da análise preliminar en-tão feita da realidade sanitária do paíscomo um todo2 , e do Nordeste em par-ticular 3, declarando que as medidas sani-tárias "precisam ser seguidas por provi-dências que acelerem o desenvolvimentoeconômico da região, de outro modo osresultados serão inteiramente ilusórios".

Em trabalho apresentado como disser-tação ao Instituto Superior de EstudosBrasileiros em 1962 e posteriormente pu-blicado em Lisboa, Melo 33 fez uma revisãohistórica dos estudos sobre saúde e desen-volvimento, discutiu o valor de uma sériede indicadores de saúde e de desenvolvi-mento social e econômico, estabelecendoparalelos entre os mesmos, e fez críticasa nossa organização sanitária, particular-mente à multiplicidade de serviços coma mesma finalidade, à dispersão de re-cursos, e à falta de adequação entre aformação dos profissionais de saúde e osproblemas sanitários do país. O autor

mostrou-se favorável a uma maior parti-cipação do poder público no financiamen-to dos serviços de saúde, embora defen-dendo o ponto de vista de que tais des-pesas devam ser consideradas como deconsumo e não como investimento. Eleconcordou com o ponto de vista de Myr-dal de que programas sanitários semoutras medidas de promoção do desenvol-vimento podem comprometer o crescimen-to econômico. Nesse trabalho, à seme-lhança de outros anteriormente comenta-dos, falta o suporte de uma análise quan-titativa de dados empíricos que dêemmaior solidez às idéias nele defendidas.

Em 1963, em um artigo no qual apre-ciou as disparidades regionais em umasérie de indicadores sociais e econômicos,tais como concentração de renda, distri-buição da população por setor da econo-mia, composição etária, distribuição ur-bana/rural da população, e alfabetização,Melo 32 defendeu o ponto de vista de queo que se pode investir em assistência mé-dica "é uma função da renda per capita"e que "recursos excessivos destinados aeste setor" podem resultar em prejuízo deoutros projetos indispensáveis ao desenvol-vimento econômico. Em sua opinião, atese de que os gastos em saúde são uminvestimento compensado pelo aumento deprodução é discutível.

Costa 12, em 1963, em trabalho apresen-tado em Genebra, destacou o duplo papeldo homem no processo de desenvolvimentoeconômico, como fator de desenvolvimentoe como destinatário dos seus benefícios, erecomendou para os países em desenvol-vimento "a implantação de programas desaúde no quadro geral das modificaçõesa serem feitas nas respectivas estruturaseconômicas".

Coutinho e col.13, em 1963, apresenta-ram um diagnóstico da sitlação sanitáriado país e cotejaram indicadores de saúdecom indicadores sócio-econômicos para di-ferentes regiões geográficas, discutindo aspossíveis correlações entre eles, sem con-

Page 10: SAÚDE E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: ATUALIZAÇÃO DE UM TEMA · senvolvimento econômico, foi feita uma revisão do tema destacando trabalhos publicados nas duas últimas décadas,

tudo apresentarem uma análise estatísticados seus dados que desse apoio as suasconclusões.

Ferreira 19, em 1963, defendeu o pontode vista de que a saúde "não é mais umsubproduto do desenvolvimento econômi-co, mas um elemento alicerce do própriodesenvolvimento".

Novaes, entre 1961 e 1964, publicouuma série de trabalhos38, 39, 40, em que,com base em dados estatísticos, tanto na-cionais como estrangeiros, defendeu a tesede que a saúde é uma variável dependentedo desenvolvimento, e que o emprego in-consistente e irracional de recursos emassistência médica, não é o melhor nem omais rápido caminho para elevar o nívelde saúde das populações subdesenvolvidas.O autor preconizou o uso dos indicadoressanitários, associados aos indicadores só-cio-econômicos, como base para a elabo-ração de uma política racional e realistade planejamento dos gastos em saúde, deacordo com o estágio de desenvolvimentoeconômico de cada região, evitando a im-portação de modelos e métodos de plane-jamento oriundos de outro contexto só-cio-econômico.

Gouveia22 , em 1964, na Bahia, confron-tou indicadores de saúde e de desenvolvi-mento, nacionais e estrangeiros, e defes-deu o ponto de vista de que "saúde edesenvolvimento são condições que seacompanham e se completam" e que os"valores de saúde, como reveladores dodesenvolvimento, são tão exatos quanto osvalores do desenvolvimento como revela-dores da saúde". O autor também foi deopinião de que "a saúde é capaz de darrentabilidade aos investimentos em seufavor visando aumentar e melhorar a pro-dução econômica" e que seria justificadoque uma maior parcela dos investimentospúblicos fosse aplicada em medidas depromoção da saúde, embora "não tenhasido esta a política econômica adotada pe-los dirigentes da administração pública".

A Escola de Enfermagem da Universi-dade Federal da Bahia 51 iniciou em 1966um estudo dos recursos e das necessida-

des desta profissão no Estado da Bahia,aparentemente com o objetivo de relacio-nar, de alguma forma, esta categoria es-pecializada de recursos humanos com osníveis de saúde da população e com asua contribuição ao desenvolvimento. Osresultados da pesquisa, publicados em1969, representaram um esboço de diag-nóstico do nível de saúde do Estado, combase nas estatísticas até então disponíveis,e um confronto com indicadores sanitá-rios e sócio-econômicos de outros estados.Foi feito um estudo minucioso dos recur-sos para a saúde, particularmente dos re-cursos humanos, com destaque da enfer-magem. Não houve, também nesse tra-balho, uma tentativa de quantificar a re-lação postulada entre saúde e desenvolvi-mento.

Hilário 24, em 1966, discordou do pontode vista de que a saúde é um subprodutodo desenvolvimento econômico. Ao con-siderar a saúde como mais um fator dedesenvolvimento, criticou ele a insuficiên-cia dos gastos públicos com programas desaúde no Brasil, apesar do fato de que50% da população morre antes de atingira idade de 20 anos e poder participar doprocesso produtivo.

A partir de então os trabalhos sobreeste tema escassearam na literatura mé-dica nacional. Em 1974, a tese que de-fendemos na Universidade da Bahia 1 pro-curou despertar uma renovação do inte-resse pelo assunto. Naquele trabalho, en-tre outros aspectos abordados, utilizamosa análise de regressão múltipla para es-tudar a influência de saúde sobre o de-senvolvimento no Brasil, analisando dadosestatísticos referentes ao ano de 1970.Esse estudo demonstrou influência estatis-ticamente significante de indicadores desaúde sobre o crescimento da produçãoagrícola, da produção industrial e do PIBper capita, e permitiu-nos concluir queos gastos com saúde devem ser conside-rados como uma forma de investimentoe não como mera despesa de consumo.

Talvez em decorrência da falta em nos-so meio de estudos empíricos convincen-

Page 11: SAÚDE E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: ATUALIZAÇÃO DE UM TEMA · senvolvimento econômico, foi feita uma revisão do tema destacando trabalhos publicados nas duas últimas décadas,

tes sobre o valor econômico dos investi-mentos em saúde, a participação deste se-tor social nos planos nacionais de desen-volvimento vinha sendo errática. Deacordo com estudo retrospectivo publicadoem Conjuntura Econômica44, a posiçãoda saúde nos planos de desenvolvimentoeconômico muito tem oscilado. A saúdeteve destaque especial no Plano SALTE(Saúde, Alimentação, Transporte e Ener-gia), em 1950; esteve ausente no Planode Metas de 1956; voltou a ter proemi-nência no Plano Trienal em 1963, e foimantida como um dos setores do desen-volvimento social juntamente com a edu-cação e o saneamento no PAEG, em 1964,no Plano Estratégico de Desenvolvimentode 1968 e no I Plano Nacional de De-senvolvimento em 1972.

Já o II Plano Nacional de Desenvol-vimento lançado em 1974 47, reconhecendomais uma vez a importância da saúde parao desenvolvimento, inclui, em sua estraté-gia de desenvolvimento social, uma polí-tica de valorização dos recursos humanosque abrange programas na área da saúdepública e de assistência médica, para osquais estão previstos no quinqüênio in-vestimentos da ordem de 110 bilhões decruzeiros (12 bilhões de dólares).

3 _ C O M E N T Á R I O S

Da revisão que fizemos de uma parcelado muito que se tem publicado sobre asrelações entre saúde e desenvolvimentoeconômico, ficam patentes a atualidadee a importância do tema e caracterizam-secertas tendências para os estudos nessaárea. Destaca-se, sobretudo, sua estreitavinculação com o processo de planejamen-to econômico e social.

Na literatura revista ficou bem carac-terizada a tendência ao predomínio doobjetivo sobre o subjetivo, ao uso cuida-doso da análise estatística, e ao empregode métodos econométricos e de modelosmatemáticos. Procura-se hoje levar a umequilíbrio entre as formulações teóricas e

os estudos empíricos, dando ênfase às con-clusões retiradas da experiência e obje-tivando sua aplicação prática na elabora-ção de políticas e no processo de tomadade decisões.

Do ponto de vista do planejamento, ficaclaro que, na ausência de estudos que de-monstrem a influência positiva da saúdesobre o desenvolvimento econômico, comotambém de pesquisas que apontem a estra-tégia necessária para a inclusão da saúdenos planos globais de desenvolvimento,corre o setor saúde o risco de ficar margi-nalizado; pois, na competição pelos re-cursos escassos serão contemplados comprioridade aqueles setores capazes de me-lhor demonstrar a rentabilidade dos re-cursos neles investidos.

Partindo dessa constatação devem osplanejadores de saúde conjugar esforçoscom os economistas na realização de es-tudos interdisciplinares que atendam àmanifesta necessidade de avaliação cientí-fica do problema das relações entre saúdee desenvolvimento, e que contribuam paraa definição de políticas que melhor aten-dam aos interesses do homem como indi-víduo e da sociedade como um todo har-mônico.

Outro fato que transparece de nossa re-visão é que, nesta busca de respostas paraas indagações sobre a interdependênciaentre saúde e desenvolvimento, o Brasiltem se distanciado muito. De uma parte,por falta de interesse de nossos pesquisa-dores, mas sobretudo, pela falta de apli-cação do tipo de metodologia que hoje setornou obrigatória em estudos deste gê-nero. Parece-nos, também, ter havido noBrasil, ao contrário de outros países, umadissociação entre os médicos e planejado-res de saúde de um lado e os economistasde outro, com a conseqüência de não seter formado ainda em nosso meio umnúcleo atuante de economistas interessa-dos nos problemas de economia da saúde,os quais pudessem emprestar aos médicoso conhecimento da metodologia especiali-zada indispensável à abordagem objetivado problema.

Page 12: SAÚDE E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: ATUALIZAÇÃO DE UM TEMA · senvolvimento econômico, foi feita uma revisão do tema destacando trabalhos publicados nas duas últimas décadas,

RSPU-B/289

DUARTE DE ARAÚJO, J. — [Health and economic development: a review].Rev. Saúde públ., S. Paulo, 9:515-28, 1975.

SUMMARY: Considering the importance of the interrelationship between healthand economic development, a review was made of selected papers on the subjectpublished in the last 20 years, both in Brazil and abroad. The review showsa tendency towards an objective analysis of the subject by the use of refinedstatistical analysis and econometric methods. Due to the relative lack of thiskind of study in Brazil, more cooperation is recommended among economists,planners and physicians, in an effort to fultil this gap by researching together.

UNITERMS: Health. Economic development. Health and welfare planning.Economics, Health.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. ARAÚJO, J. D. de — Aspectos econô-micos da saúde. Salvador, 1974.[Tese — Universidade Federal daBahia].

2. ATHAYDE, A. — Conferências pronun-ciadas em 1955. Rio de Janeiro, Ser-viço de Documentação do Ministérioda Saúde, 1957.

3. ATHAYDE, A. — Problemas sanitáriosdo Nordeste. Rev. Hig Saúde públ.,Rio de Janeiro, 14:45-56, 1955.

4. BARNES, R. H. et al. — Learning be-havior following nutritional depriva-tion in early life. J. Amer. diet.Ass., 51:33-9, 1967.

5. BOTHA, A. E. et al. — Intelectual de-velopment related to nutritional sta-tus. J. trop. Pediat., 14:112-5, 1968.

6. BRAVO, A. L et al. — Desenvolvimen-to sócio-econômico e planificação emsaúde. Rev. bras. Malar., 15:299-309,1963.

7. CASTADOT, R. G. — Progrés médical oudeveloppement économique. Rev. méd.Liège, 24:264-6, 1969.

8. CASTRO, A. de et al. — Saúde públicae desenvolvimento econômico. Rela-tório da Subcomissão de Saúde daComissão Nacional de Bem-Estar So-cial. Rev. Hig. Saúde públ., Rio deJaneiro, 13:53-64, 1954.

9. CIBOTTI, R. — Introduction to the ana-lysis of development and planning.Int. J. Hlth. Serv., 1:201-24, 1971.

10. CIBOTTI, R. — La integración del sec-tor en la planificación del desarrollo.Bol. O f i c . Sanit. Panamer., 66:93-105,1969.

11. CORREA, H. & CUMMINS, G. — Con-tribution of nutrition to economicgrowth. Amer. J. clin. Nutr., 23:560-5, 1970.

12. COSTA, D. — A importância da saúdenos planos de desenvolvimento eco-nômico. Rev. bras. Malar. , 15:131-6,1963.

13. COUTINHO, J. O. et al. — Problemasmédico-sanitários de áreas subdesen-volvidas. Rev. bras. Malar., 15:157-89, 1963.

14. CRAVIOTO, J. & DELICARDIE, E. R. —Mental performance in school agechildren. Amer. J. Dis. Child., 120:404-10, 1970.

15. DREWNOWSKI, J. — Les facteurs éco-nomiques et sociaux du déve loppe -ment. Geneve, Institut de Recherchedes Nations Unies pour le Développe-ment Social, 1966. (Rapport n.° 3).

16. DREWNOWSKI, J. & SCOTT, W. —L'indice du niveau de vie. Genève,Institut de Recherche des NationsUnies pour le Développement So-cial, 1966. (Rapport n.° 4).

Page 13: SAÚDE E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: ATUALIZAÇÃO DE UM TEMA · senvolvimento econômico, foi feita uma revisão do tema destacando trabalhos publicados nas duas últimas décadas,

17. EDITORIAL — World health and techni-cal assistance. Lancet, 2:312-3, 1972.

18. FEIN, R. — Health programs and eco-nomic development. In: AXELROD,S. J., ed. — The economics of healthand medical care: proceedings of thef i r s t Conference on the Economicsof Health Services. Ann Arbor, TheUniversity of Michigan, 1964. p.271-82.

19. FERREIRA, M. J. — Perspectivas atuaisda saúde pública. Rev. bras. Malar.,15:505-13, 1963.

20. FRASER, R. D. — Health and generalsystems of financing health care.Med. Care, 10:345-56, 1972.

21. GOODE, R. — Comment on the paperby Raski Fein. In: AXELROD, S.J., ed. — The economics of healthand medical care: proceedings of thef i r s t Conference on the Economicsof Health Services. Ann Arbor, TheUniversity of Michigan, 1964. p.182-5.

22. GOUVEIA, A. — Saúde para o desenvol-vimento. Salvador, Imprensa Oficialda Bahia, 1964.

23. GRIFFITH, D. H. S. et al. — Contri-bution of health to development.Int. J. Hlth. Serv., 1:253-79, 1971.

24. HILARIO, J. — O valor econômico dasaúde. Rev. bras. Malar., 18:189-98,1966.

25. HORWITZ, A. — El proceso de progra-mar en salud y sus relaciones conel desarrollo económico. Bol. Ofic.sanit. panamer., 55:472-9, 1963.

26. KUHNER, A. — The impact of publichealth programs on economic de-velopment: report of a study of ma-laria in Thailand. Int. J. Hlth.Serv., 1:285-92, 1971.

27. LATHAM, M. C. — Starvation of po-litics or politics of starvation Lan-cet, 2:999-1000, 1969.

28. LATHAM, M. C. & COBOS, F. — Theeffects of malnutrition on intellec-tual development and learning.Amer. public Hlth., 61:1307-24, 1971.

29. MALLEMBAUM, W. — Health and pro-ductivity in poor areas. In: KLAR-MAN, H. E., ed. — Empirical studiesin health economics. Baltimore, TheJohns Hopkins Press, 1970. p. 31-54.

30. MALLEMBAUM, W. — La aceleracióndel crecimiento económico y el me-joramiento de la salud en los pai-ses insuficientemente desarrollados.Bol. Ofic. sanit. panamer., 54:46-56,1962.

31. McGRANAHAN, D. V. et al. — Contentsand measurement of socio-economicdevelopment: an empirical enquiry.Geneva, United Nations ResearchInstitute for Social Development,1970. (Report n.° 70-10).

32. MELLO, C. G. de — Assistência médica edesenvolvimento econômico. Rev.bras. Malar., 13:291-7, 1963.

33. MELLO, C. G. de — Saúde e desenvol-vimento econômico. Semana Médica,Lisboa. 7 (343): 1-11, 1966.

34. MUSHKIN, S. J. — Health as an in-vestment. J. polit. Econ., 70(5, Pt.I I) : 129-57, 1962.

35. MYRDAL, G. — An american dilemma:the negro problem and modern de-mocracy. New York, Harper & Bro-thers Publ., 1944.

36. MYRDAL, G. — Les aspects économi-ques de la santé. Chron. Org. mond.Santé, 6:224-42, 1952.

37. NAVARRO, V. — Health and socio-eco-nomic development. Int. J. Hlth.Serv., 1:187-8, 1971.

38. NOVAES, M. — Integração do problemade saúde na política de desenvolvi-mento econômico. Rio de Janeiro,1963.

39. NOVAES, M. — Integración de los pro-gramas de salud en la politica dedesarollo. Bol. Ofic. sanit. panamer.,57:117-38, 1964.

40. NOVAES, M. — Saúde e desenvolvimentoeconômico. Salvador, Edição CPE,1961.

41. ORGANIZATION OF AMERICAN STA-TES — Declaration of the Presidentsof America. Uruguay, Punta del Es-te, 1967.

Page 14: SAÚDE E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: ATUALIZAÇÃO DE UM TEMA · senvolvimento econômico, foi feita uma revisão do tema destacando trabalhos publicados nas duas últimas décadas,

42. PAGLIN, M. — Surplus agricultural la-bor and development: fact andtheories. Amer. Econ. Rev., 55:814-34, 1965.

43. PERLMAN, M — Some economic as-pects of public health programs inunderdeveloped areas. In: AXEL-ROD, S. J. — The economics of healthand medical care: proceedings of thef i r s t Conference of the Economicsof Health Services. Ann Arbor, TheUniversity of Michigan, 1964. p 286-99.

44. POLÍTICA econômica: registros de umquarto de século. Conj. econ., 26(11):11-20, 1972.

45. QUIMBY, F. H — The politics of globalhealth. Washington, D C , U. S Go-vernment Printing Office, 1971.

46. RUDERMAN, A. P. — Comment on thepaper by Perlman In: AXELROD,S. J , ed. — The economics of healthand medical care: proceedings of thef i r s t Conference on the Economicsof Health Services. Ann Arbor, TheUniversity of Michigan, 1964. p299-305.

47. REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL— Projeto do II Plano Nacional deDesenvolvimento (1975-1980). Brasí-lia, Serviço Grá f i co do IBGE, 1974.

48. SCHULTZ, T. W — T r a n s f o r m i n g , tra-ditional agriculture. New York, YaleUnivers i ty Press, 1964.

49. SCOTT, W. — Cross national studies ofthe impact of levels of l iv ing oneconomic growth: an example I n t .J. Hlth. Serv . , 1:225-32, 1971.

50. TAYLOR, C. E. & HALL, M. F. —Health population and economic de-velopment. Science, 157:651-7, 1967.

51. UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA.Escola de Enfermagem — Saúde edesenvolvimento na Bahia: contri-buição da enfermagem. Salvador,Departamento Cultural da UFB,1969.

52. UNITED NATIONS — Research Insti tu-te for Social Development. ResearchNotes, Geneva, n ° 1, 1968.

53. UNITED NATIONS — Research Insti tu-te for Social Development. ResearchNotes, Geneva, n.° 3, 1970.

54. VIDELA, V. — Hambre, salud y desa-rrollo. Cuad med. soc., 12:5-17, 1971.

55. WINSLOW, C. E. A. — The cost ofsickness and the price of health.Geneva, World Health Organization,1951. (Monograph Series, 7).

56. WOLF, A. C. — A strategy for inves-timent in health. Int. J. Hlth. Serv.,1:196-200, 1971.

57. YAKTIN, V. S. & McLAREN — Thebehavioural development of in fan tsrecovering from severe malnut r i t ion .J. ment. Defic. Res., 14:25-32, 1970.

58. ZUKIN, P. — Health p lanning for eco-nomic development projects . Arch .environm. Hlth., 25:233-45, 1972.

50. ZUKIN, P. — Planning a health com-ponent for an economic developmentprogram. A m e r . J. p u b l . Hlth., 61 :1751-9, 1971.

Recebido para publicação em 11/07/1975Aprovado para publicação em 2 2 / 0 9 / 1 9 7 5